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Full text of "Historia do descobrimento e conqvista da India pelos Portvgveses"

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I 

I 


os  LIVROS  QVARTO  E  QVINTO 

D  A 

HISTORIA  DO  DESCOBRIMENTO 

B 

CONQVISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS  PORTVGVESES. 

Com  priuilegio  ReaL   M.D.LIII. 


HISTORIA 

DO 

DESCOBRIMENTO 

CONQ VISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS 

PORT VG VESES 

POR 

FERNÃO  LOPEZ  DE  CASTANHEDA. 


NOVA    EDI^Xo. 


LIVRO  IIII.  E  V. 


LISBOA.  M.DCCC.XXXm. 

KA  TTPOORAPHIA  ROLLANDIANA. 

POR  ORDEM  SUPERIOR, 


!•      % 


PROLOGO 

NO  QVARTO  E  QVINTO  LIVROS  DA  HISTORIA 
do  descobri meo lo  &  conquista  da  índia  peloa  Portu*» 
gueaes.  Dirigido  á  serenissima  &  exceleu tiaai ma  Prín- 
ceaa  dona  loana  nossa  senbora* 

Por  Fernão  lopez  de  Caelanbeda. 

jfVniiguo  custume  he  em  Pérsia ,  &  {)  se  guarda  è  to^ 
da  Ásia  serenissima  &  ezcelentissima  Princesa  nossa 
senhora,  nenhtia  pessoa  visitar  sem  presente  aelrey, 
nem  a  outras  pessoas  reaes :  porque  se  lem  por  erandé 
sinal  damor  &  obediência :  custume  roujio  notaneT  &  di- 
gno de  ser  vsado  era  toda  parte :  por^  são  nossos  seflo* 
res  na  terra,  &  na  que  he  sua  viueroos :  &  temos  nossas 
fazendas  &  nos  dam  leys  per  Q  somos  gouernados  &  re-» 
gidôa:  &  finalm&te  nos  mantém  em  paz  &  em  justii^a 
qae  be  parte  da  bem  auenturança  deste  mundo  Polo 
que  nSo  somfite  os  deuemos  de  visitar  cora  presentes  do 
{^  lemos,  mas  ter  as  vontades  muy  prõptas  pêra  «eu  ser- 
nico.  E  seguindo  eu  este  custume  anêdo  de  visitar  V. 
A.  como  seu  vassalo  lhe  quis  fazer  hfi  presente:  mas  de 
^  se  pode  ele  fazer  a  V«  A.  princesa  ião  singular  dos 
oBs  dalma  &  da  fortuna  sobre  todas  tã  excelentemente 
dotada ,  Q  c5  bo  muyto  ^  lhe  deles  sobeja  podião  outras 
ser  bê  auSturadas.  Deyxo  agora  a  nobreza  &  antiguid»^ 
de  de  vosso  esclarecido  sani^ue  de  todas  as  partes ,  dos 
mais  excdfites  ftperadores  Dalemanha ,  de  tãtos  &  tão 
famosos  &  b6  anfiturados  Reys  do  antigo  &  muyto  no- 
bre sangue  dos  godos,  abasta  ser  V.  A.  filha  daQllea 
dous  lumes  do  m&do  ^  Carlos  quinto  rey  dos  Romãos  & 
Em perador  Dalemanha  &  rey  de^Caalela  &  doutros  Qes^ 

Kba  &  íora  delia ,  &  seftor  de  grftdes  senhorios :  coj» 
fortuna  foy  em  tftto  crecimfilOv  2|  per  seus  capitften 

LIVRO    IlII.  * 


rompeo  cõ  eslrago  espâloso  ho  c3po  de  FrâciscoRey  de 
Fran(*a,  que  nele  eslaua  em  pessoa  com  poder  que  pa- 
recia inuenciuel,  &  ho  desbaratou  &  prêdeo  com  muylos 
senhores  de  Frãça :  a  quem  ho  Turco  terror  do  mundo 
entrando  com  seu  temeroso  exercito  por  Vngria  volueo 
as  costas  &  náo  ousou  dir  auante  cÕ  medo  de  pelejar 
eom  sua  magestade  que  linha  diâte:  &  cÕ  ardentissímo 
zelo  da  gloria  do  eterno  Deos  todo  poderoso  &  da  reli- 
gião christaâ,  esquecido  dos  immensos  trabalhos  da  guer- 
ra ,  penetrou  polas  frialdades  grandíssimas  da  alta  Ale- 
manha, &  desbaratou*  aquelas  duas  cruéis  &  danosas 
bes(aS)  cabeças  &  colunas  da  péssima  &  abominauel  he- 
resia luterana  ho  duque  de  Saxooía  &  ho  Lantgrauio : 
&  someteo   todas  aquelas  terras  que  estauâo  corruptas 
desta  maiuada  heresia  a  santa  Se  Apostólica:  &  fez  ou- 
tras muytas  &  muy  notaueb  cousas,  que  deixo  por  não 
parecer. que  screuo  historia.  Ho  outro  lume  do  inundo 
íby  sua  molher  a  empecalriz  dona  Isabel   vossa  may, 
exemplo  de  todas  as  virtudes,  Q  com  tanto  assessego  go* 
uernou  Castela,  &  os  outros  Reynos  despanha:  em  tan- 
tos annps  que  S.tM.  foy  ausente,  que  nunca  seus  vas- 
salos ho  acharão  menos,  &l  pêra  que  lhe  não  ialtasse  ne- 
nhúa  cousa  pêra  ser  a   mais  bem  auenturada  princesa 
do  seu  tempo,  casou  oom  ho  muyto  alio  Frincipe  dom 
lohão  nosso  senhor  herdeiro  da  real  casa  de  Fortugal, 
&  de  seus  grandes  senhorios,  oaoido  do  vesso  real  tron- 
co que  não  tem  enueja  a.  neobu  dos  principes  Cristãos 
assi  em  ser  zeloso  do  culto  diutno,  piadoso  pêra  os  po^ 
bres  &  necessitados,  manifico  liberal  &  benigno  pêra 
lodos:  amigo  dos  caualeiros  ^  &- muy  prõto  6  ouuir  suas 
íaçaobas:  &  muyto  dado  a  iodo  estudo  das  boas  letras, 
em  qu8  se  achão  todas  as  boas  &  virtuosas  inclinações 
que  conuem  a  fau  bom  principe ,  &  ^ohre  tudo  lhe  deu 
nosso  senhor  hâ  singular  dom ,  que  he  tão  sogeito  a  re- 
zão  que  posto  que  lhe  pareça  i\  lhe  tè  feitos  grandes  er- 
ros,  cora   Jhe  darem   rezão  fica  logo  satisfeito.  E  pêra 
qoe  ru©  deten-ho  e^  em  cousas  tam  notórias,  nem  pêra 
que  he  ter  iaio  pof  muyto,  pois  não  se  espera  menos  de 


S.  A.  senão  filho  do  rtiuyío  aUo  &  niuytô  poderoeo  Rey 
àò  lobão  nosso  senhor,  &  da  niuyío  esclareoida  Ra^rnha 
DowBL  senhora  voesos  padres,  que  assi  ho  «ouberAo  cfiar 
&  insliluir,  que  juntamente  cobd  a  boa  inclinação  naiuf 
tal  de  que  ho  eterno*  Deos  ho  dotou  sayo  tal  coroo  he. 
Pois  considerando  eu  sereníssima  Princesa  a  singulari- 
dade &  excelência  de  vossa  real  pessoa  Sc  vossa  inaniíi* 
cencia ,  não  achey  de  que  lhe  fizesse  melhor  presente 
que  de  cousas  que  sam  de  muylo  mor  preço  que  ouro^ 
nem  prata,  nem  outras  riquezas»  Estes  são  os  mílagro- 
80S  feitos  S  armas  que  os  Portugueses  cujos  descendentes 
hão  de  ser  vossos  vassalos  fizerâo  no  descobrimento  & 
conquista  da  Jndia:  porque  de  que  (em  os  Príncipes  & 
senhores  mais  necessidade  que  de  bõs  vassalos,  que  os 
fazem  ser  amados  de  seus.  naturais  &  temidos  de  seus 
imigos^  que  lhes  segurão  seus  Reynos ,  &  acrecentão 
outros  a  seus  senhorios,  com  que  os  faze»  ricos,  &  es* 
tendem  por  toda  a  terra  seu  nome  com  muyto  fítande 
louuor  &  fama.  K  bem  sentia  isto  aquele  grande  Rey 
Dariu  quando  disse  que  queria  tantos  Zopiros  como  e* 
rão  os  gT&os  da  romaà ,  por  ser  Zopiro  tam  esforçado  & 
prudente  na  guerra  que  lhe  conquistou  Babilónia,  &  as-« 
SI  fizerão  outros  nniytos  &  bõs  vassalos  muy  grandes  & 
assinados  seruiços  a  seus  senhores,  como  bs  historias 
antigas  &  modernas  dão  testemunho:  que  cotejados  cÕ 
os  que  íizerfto  os  Portugueses  ficâo  muyto  abaixo  deles, 
pois  os  das  outras  nações  acabarão ,  &  os  seus  sempre 
permanecem:  os  Assírios,  os  Aledos,  os  Persas,  cujas 
monarchias  forão  de  tantos  Reynos,  de  cidades  tam  no* 
taueis,  de  gente  sem  conto,  emnobrecidas  com  tam  gros«» 
aas  riquezas,  fortificadas  com  tão  medonhos  &  espãto- 
80S  exércitos  que  cobrião  a  terra  &  secauão  os  rios,  to- 
dos acabarão  &  se  desíízerão  em  pouco  tempo:  &  estes 
Reynos  no  mundo  tam  celebrados  ficarão  sugeitos  a  ou- 
tros. A  monarchia  dos  Gregos  &  dos  Romãos  que  forão 
muyto  mayores  que  estoutras,  &  í\  pareceo  que  auião 
de  someler  todo  mundo  a  seu  império  quasi  que  não  du- 
rarão nada  pêra  ho  começo  que  leuauâo :  &  assi  outras 

*  2 


inuylas  de  bárbaros,  gregos,  &  latinos,  que  se  apaga- 
rão ;  de  roaoejra  ^  não  ha  nenh&a  memoria  delas.  O  que 
tudo  foy  por  culpa  dos  vassalos  destes  monarcas,  que  ou 
pof  treii^oSs  ou  por  outras  maldades  forão  causa  de  se  a<- 
pagarem  &  desfazerem.  O  que  não  se  pode  dizer  dos 
Portugueses,  que  eriSdo  este  Reyno  de  Portugal  de  tam 
pouca  cousa  como  começou,,  seruindo  a  seusReys  c5  es- 
forço &  lealdade  sobre  as  outras  naçoês,  não  somente  ho 
engrossara  em  Espanha ,  nem  se  contentarão  de  ho  esp- 
lender por  Africa:  mas  abrindo  nouos  mares  &  desco- 
brindo nouos  mundos,  dobrando  aquele  espantoso  cabo 
de  boa  esperança,  estenderão  ho  senhorio  de  Portugal 
&  ho  fizeram  conhecer  em  Ethiopia,  Arábia,  Pérsia,  & 
nas  índias.  E  não  descansando  ainda  aqui  seus  brauos 
corações ,  ho  leuarão  ate  a  riquissima  China  pela  banda 
do  norte :  &  ate  as  odoríferas  ilhas  de  Maluco  pela  bã« 
da  do  sul:  cousa  nunca  cuidada  em  nenhu  tempo,  nem 
Ç  entrasse  em  pensamSto  humano  pêra  se  fazer,  &  fo- 
rão de  geração  em  geração  tam  leais  todos,  que  sem  te- 
mor de  immêsos  trabalhos ,  sem  receo  de  medonhos  pe- 
rigos sosteuerão  ho  senhorio  de  Portugal  nestas  partes  , 
arrefgandoho  de  cada  vez  mais.  Em  tãto  Q  parece  qu« 
a  terra,  ho  mar,  &  a  gen(e  secôuidão  pêra  ho  receber. 
Rezão  teivho  logo  sereoisima  &  excel&lisimn  prfncesa  de 
fazer  a  V.  A.  presente  das  cousas  de  mayor  preço  que 
se  aehão  nestes  reynos,  ^  sam  os  milagrosos  feitos  em 
armas  ^  fizerão  os  Portugueses  no  descobrimento  &  con* 
quista  da  índia,  para  que  saiba  V.  A.  que  sam  os  me- 
lhores vassalos  Q  pode  ser :  &  como  a  tais  os  trate ,  fa* 
uoreça,  empare  &  ajude. 


AD   INVICTISSIMVM    LVSITANI^, 

&  Algarbiorum  Rege.  loannem  III.  &c.  Ferdinandw 
Coronellos  de  hÍBloria  Indica  nunc  recens  edita. 

JL  oannes ,  quem  Turca  timei ,  quem  Maurus  adorai  ^ 

Quemque  pharetraias  Perstdis  ora  tremit. 
Cui  Partkuê ,  cui  cedit  Arabs ,  cui  púnica  tellus 

Scruúj  ^  occiduo  terra  fretumque  solo. 
Inclyia  perpeiuis  cur  non  tua  gloria  fastis 

Crescei  y  ^  ceiherei  surjget  ad  astrapoli? 
Cum  tua  lysiades  acri  gens  áspera  hello 

Jkisa  sii  ignoiam  Jlueiibus  ire  viam. 
Perque  procellosum  numerosis  classihus  cequor 

Cagai  %n  assueto  barbara  regna  iugo : 
Qua  vagus  Euphrates^  qnà  deuius  exii  Oroniesy 

Quaquefluit  getídi»  barbaras  Isier  aquis^ 
lamque  pererrato  superest  nil  denique  mundo , 

Per  freta  lanqa  iuus  nanita  victi  iier. 
Q/uaque  patei  demitis  tua  magna  potentia  terris  j 

Intemerata  dei  crescit  vbiquefides^ 
Rex  igiiur  mérito  tibi  quis  celeberrime  rega 

Non  grates  ima  pectore  semper  agat  f 
Cum  tiM  stent  adeo  sacris  onerata  irophasis 

Limina  y  sint  armis-  tot  freta  vicêa  tuis, 
Maxime  rex  regum  Hiuhs ,  insignibus  ambti 

Quem  decor ,  ^  taníis  ornai  imaginibus. 
Fiue  diu  pátrias ,  nec  te  plaga  lúcida  cesli 

Auferat  e  nostro  ciuibus  orbe  luis. 


Cândidas  astra  ptm' stm ^  caimr  mdhi  svpersint ' 

In  terris  hominum  quce  dare  iura  queas. 
Tviic  iam  lysiadasque  tuos^  gentemque  beaíám 

jíspicieÈ  superas  promeruisse  Deos. 
Qui  bene  pro  pátria  quondâ  cecidere  sub  armis , 

Qui  bene  pro  Christi  relligione  iacenU 
Felices  animas ,  iam  nunc  super  wthera  raptas , 

Non  vos  indecores  desinet  ulla  dies. 
Non  vos  liuor  edax  ^  non  vos  longasua  ueíustas 

Arguet  in  pátrio  non  cecidisse  solo. 
Dum  Phcebus  superas  pulcherrimus  ambiet  orbes , 

Dum  Tagus  auríferas  in  maré  veríet  aquas. 
Vix  vnquam  virtus  sine  nomine  vestra  iacebit , 

Non  erit  in  cineres  fama  sepulta  suas. 
Nam  casus  rerum  varias  durosque  labores 

Castanheda  sacro  proferet  ore  potens. 
Vincet  §*  etemis  inimica  silentia  libris  y 

Tollet  ^  obscuro  nomina  vestra  situ. 
nie  quidem  pátrias  facta  immortalia  nunquam 

Defraudata  suis  laudihus  esse  sinei. 
Quce  tibi  tot  victis  rex  inuictissime  terris 

Gratatur  forti  parta  trophasa  manu. 

Eiusdem  in  aulborem  epigraroma* 

JLjiuius  historias  quondam  celeberrimus  author 

Duxit  áb  astema  posteritate  decus. 
Dum  scribií  Latíum ,  commissaque  praslia ,  nec  non 

Missa  sub  hesperium  Púnica  regna  iugú. 
Tu  quoque  lusiadum  scriptor  facunde  tuorum , 


Immortale  tuú  nonien  ad  astra  feres. 
Nam  liceí  exiguce  landis  res  ipse  re/erres 

Te  íamen  ai  fandi  copia  prouehet^et. 
Ai  cunífacia  tuis  scriptis  ingentia  narres 

Eueniei  meriio  gloria  summa  iibi. 

Amicí  cuiufidã  Castanhedae  ad  ipsum. 

X  ani  uartjs  exculta  modis  facúndia  ,  taníú 
■  Dicendi  est  lúmen ,  copia ,  visque  iibi. 
F^t  licei  eúciguam  rem  scribas ,  arie  magistra 

jiElemce  fadas  posteritatis  opus. 
At  modo  quam  scribis  ianta  est ,  vi  vel  sine  docto 

Artífice  y  haud  vnquam  ihura  timere  queat. 
Ergo  scripiori  cum  res  amplíssima  par  síi 

Quod  scribetur  opus  die  fore  quale  putas. 


C€C€)€ee€C)e€ee€C€)e€e)«9(Ki3Q3()3(KicK)^^ 

HO  QVARTO  LIVRO 

DA 

HISTORIA  DO  DESCOBRIMENTO 

E 

CONQVISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS  PORTVGVESES: 

No  tempo  que  ft  gouernou  Lopo  Soarez,  do  conselho 
dei  rey  dom  Manoel  de  gloriosa  memoria :  &  capitão 
do0  gíoeteB  do  Principe. 

Fiylú  por  Fernão  Lapez  de  Caaonhedcu 

C  A  P  I  T  V  L  O     L 

J?e  comofoy  r formada  a  paz  com  a  Raynha  de  Coulâo. 


D 


eapois  Q  ho  gonernador  foj  S  Cochim  como  disse  no 
liuro  terceiro:  entendeo  logo  na  carrega  da  pimenta  Q 
aoia  de  mãdar  pêra  Portugal.  E  como  parle  dela  ae  auia 
de  fazer  em  Goulão  que  algil  tanto  estaua  aleuantado , 
oomo  disse  no  liuro  segundo :  mandou  ho  gouernador  lá 
certas  naoa  pêra  que  carregassem.  £  foy  por  escriuâo 
deata  carrega  ha  loSo  aluarez  de  caminha.  È  juntamen- 
te mandou  ho  gouernador  quem  reformasse  a  paz  com 
el  rey  de  Couião :  mas  a  quS  se  deu  este  cargo  não  lhe 
soube  ho  nome :  E  quê  quer  que  foy  assentou  a  paz  com 
h&a  irmaâ  dei  rey  de  Couião  que  se  chamaua  raynha : 
por  ter  algíta  parte  na  cidade  &  assi  em  sua  comarca : 
&  gouernaua  aquella  terra  por  el  rey  Q  ho  mais  do  tS- 
po  eataa  no  sertão  como  disse*  E  os  capítulos  das  pazes 
for&  estes ,  que  a  raynha  mandasse  fazer  aa  sua  custa  a 

LIVRO   IIII.  A 


2  PA   HISTORIA    PA   IN0IA 

igreja  do  orago  do  apostolo  sam  Tkome  qoe  os  «Kmros 
ifueímario  &  derribarSo  quando  matarSo  fao  feylor  Ati^ 
tonio  de  Sá:  como  disse  no  liuro  segundo!  &  que  lho 
fossem  tornadas  as  rendas  qne  tinha  assi  de  terras  co« 
mo  de  dereilos  que  lhe  pagauão.  E  assi  pagasse  a  ray* 
nha  poJa  fazenda  dei  rej  de  Portugal  q«e  fom  tooiada  a 
António  de  Sá  quinhentos  bares  de  pimenta:  que  polo 
nosso  peso  sam  dous  mil  quíotaes :  &  que  auia  de  dar 
carrega  de  pimenta  ás  nãos  que  bt  fossem  carregar»  po- 
lo preço  de  Gochim.  E  <}  el  rey  de  Portugal  mandaria 
ter  cm  CoulSo  mercadorias  que  a  gente  cb  terra  com« 
prasse*  E  a  tudo  isto  se  obrigou  per  bda  escríptura  a 
raynba,  &  assi  os  regedores  &  polást  Q  sam  os  fidalgos^ 
de  bo  comprírem  &  goardarê.  E  isto  fizerSo  por  lhes  ser 
muyto  necessária  esta  paz  pêra  conseruaçio  da  temu  E 
logo  começarão  de  pagar  os  dous  mil  quitaes :  &  foy  da- 
da carrega  aas  nãos  que  despois  de  carregadas  se  torna- 
rão a  Cochim :  donde  partirão  c5  as  outras  pêra  Portugal^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    IL 

De  como  a$  mauros  de  Baticcãá  se  leuantarão  :  ^*  m/atm- 

rãa  xxuii.  Portugueses* 

V  endo  os  mouros  da  índia  qne  era  falecido  A  fiSso  dal- 
l>u{|rque  a  ^  auião  medo  como  a  mesma  moKe :  &  que 
auia  outro  gouernador  de  que  não  tinhão  experiência : 
determinarão  dcsprementar  que  tal  era :  Sc  assi  como 
vissem  que  fazia ,  assi  bo  temerião ,  ou  não  terião  era 
conta.  E  os  que  logo  começarão  de  fazer  esta  experieiH 
cia  forão  08  de  Baticalá :  em  cujo  porto  estaua  Simão 
dãdrade  cõ  hQa  nao  de  que  era  capitão  carregando  pêra 
Ormuz:  &  andando  algQa  gente  desta  nao  em  terra  trar 
uarão  os  mouros  com  eles  brigas,  em  que  forão  mortos 
zxiiií.  Portugueses,  &  os  outros  escaparão  no  batel.  E 
não  |)odendo  Simão  Dandrade  castigar  a^le  insulto  fao 
mandou  dizer'  ao  gouernador  &  partiose  pêra  Ormuz. 


LIVAO   nil.   CAI^ITVLÓ  ítí.  3 

C  A  P  1  T  V  L  O    IIL 

De  como  ho  jfouemador  vintou  asfartalessas  da  cosia  da 

índia :  ^  do  mais  que/es;. 

Jl  artida^  pêra  Portugal  as  nãos  da  ear^a,  despachou  ho 
goueroailor  pêra  Malaca  a  hQ  fidalgo  chamado  lorge  de 
inrito  que  era  eopeíro  mor  dèl  rey  de  Portugal ,  Q  bia 
proaido  da  oapitanki  da  fortaleza,  &  partio  em  hua  nao, 
&  foy  em  soa  cSsenia  em  outra  António  pacheco  que 
leoaoa  a  capitama  mór  do  mar :  &  ambos  chegarão  a 
Malaca  a  saluemSto,  &  forão  en(reguf>8  de  seus  carre- 
go0«  £  partidos  estes  capitSes  partiose  ho  gouqrnador  a 
▼isíCar  as  fortalezas  da  costa ,  qne  ateli  não  fizeta  pof 
amor  da  carregação  das  nãos.  E  a  primeira  ^  visitou  foy 
m  áe  Cali€iai«  Cujo  rey  estava  mayto  agastado  pola  mor« 
te  de  Afonso  dalbnquerquet  &  por  ser  antes  de  auer  re« 
peita  da  embaiicada  ()  mandara  a  el  rey  do  Manuel :  & 
flisja  pot  lio  gouernador  não  querei!  que  mandasse  eer-» 
taê  nâos  com  jmsenta  a  Adem,  que  lhe  Afonso  dalbu* 
qfierque  tinha  concedtdo  2|  mandasse ,  por^  era  de  fora 
d»  centrato  que  ambos  fezerSo  sobre  as  pazes ,  não  ho' 
Roeria  ho  gooe^nador  coneentir.  E  sobre  isto  se  quis  ver 
aS  e)  rey  s  &  sobre  a  maneira  de  que  auia  de  ser  a  vis* 
ta  oune  grades  altercações  porque  ho  gouernador  queria 
Q  lhe  fosse  el  rey  falar  á  fortaleza ,  &  el  rey  queria  que 
0e  vissem  no  çarame :  &  cada  hd  se  injuriaua  de  tr  ou- 
^e  he-  outro  éstaua :  &  sobristo  se  gastarão  doze  dias : 
&  ho  gouernador  quisera  quebrar  a  paz  &  recolher  a 
gente  da  fortaleza  se  lho  não  cõtrariarão  os  capitães  & 
fidalgos.  E  por  iim  de  tudo  virãose  antre  a  fortaleza  & 
a  cidade,  não  leuãdo  cada  bQ  mais  de  três  homSs.  E 
coro  tudo  não  tomarão  cScrusam  se  mâdaria  el  rey  as 
nãos  ou  não:  &  com  tudo  mandou  as  despois.  E  se  ele 
nSo  desejara  muy to  de  cõseruar  a  paz  que  (inha ,  ela  fi- 
caua  quebrada.  E  daqui  se  foy  ho  gouernador  a  Cana* 

A  2 


4  DA    HISTORIA   OA   ÍNDIA     ! 

nor,  Sc  dahi  a  Goa :  &  foy  surgir  no  porto  de  Balicalát 
&  sabendoho  ho  seu  rej  cuydou  ^  ho  bia  destruyr  por 
amor  dos  Portugueses  que  hi  matarão  os  mouros:  &  por 
isso  quis  temporizar  coele,  &  mandoulhe  muyto  refres- 
co, &  três  mouros  velbos:  dizendo  que  lhos  mãdaua  pe* 
ra  fazer  deles  o  ^  quisese  por  quanto  aqueles  forão  cau- 
sa do  arroido  em  que  matarão  os  xxiiii.  Portugueses.  El 
coeste  comprimSto  se  ouue  bo  gouernador  por  satisfey-- 
to,  &  se  partio  pêra  Goa:  o  Q  deu  grande  ousadia  aos 
mouros  pêra  Ibe  perderem  bo  medo»  £  dali  por  diante 
ouue  ladrões  pela  costa  que  roubauão  os  amigos  dos  Por- 
tugueses, &  a  elles  mesmos  se  os  achauão  desapercibi* 
dos.  E  ido  ho  gouernador  por  sua  viagem,  lhe  deu  hum 
temporal  com  que  se  acolheo  a  Anjadiua:  donde  man^ 
dou  d5  Aleixo  ae  meneses  a  Ormuz  por  capitão  mór  de 
sele  nãos  carregadas  de  mercadoria  pêra  a  fey toria  ^  & 
mandoulhe  i|  soubesse  se  auia  noua  darmac^a  de  ruiaea 
no  estreito  pêra  os  ir  buscar :  &  elle  foyse  a  Goa,  cujos 
moradores,  principalmente  os  casados  sabendo  que  leua« 
tia  por  regimento  ^  a  derribasse  se  achasse  4  ^^o  era 
necessária,  Ih^  derão  por  apÕtamStoa  quanto  rendia  a  al- 
fandega ,  &  quãto  rendião  as  tanadarias  dos  passos ,  & 
os  dereytos  dos  caualos  Dormuz,  &  assi  as  ilhas  comar** 
cãs.  E  coísto  muy  viuas  rezões,  de  quão  importante  era 
pêra  se  soster  na  índia  ho  estado  dei  rey  áe  Portugal , 
&  oflTerecendose  por  cima  de  tudo  a  defSdela  &  sosten- 
tala  á  sua  custa  com  lhe  el  rey  somente  dar  arlelharía : 
&  por  amor  disto  não  quiao  gouernador  poer  em  conse* 
lho  se  era  bS  derribarse  Goa,  &  deixou  ha  estar,  &  tor* 
nouse  a  Cochim  ^  onde  auia  dinuernar. 


LITRO  iim  CAPiTVLo  nn.  & 

C  A  P  I  T  V  L  o    IIII. 

De  como  Fernão  perez  dandrade  partio  de  Malaca  pêra 
a  China  y  ^  de  coma  arribou  com  tempo* 

Há  de  G)chiiii  espedio  logo  hfia  carauela  pêra  Moçam-^ 
bique  cõ  recado  aos  capilães  das  nao»  de  Portugal  que 
iii  fossem  ler  ho  âne  seguinte,  ^  se  fossem  ajuntar  coe^ 
le  em  ludá  ate  õde  esperaua  de  ir  buscar  os  rumes,  pê- 
ra que  ho  ajudassem  se  ouuesse  de  pelejar ,  porQ  a  gen- 
te que  tinha  era  pouca.  £  partida  esta  carauela,  despa^ 
ehou  ho  gouernador  a  FernSo  perez  dandrade  pêra  ir  a 
Bdgala  &  á  China:  &  ouue  antreles  desgosto  muylo 
grande^  por§  n2o  leuSdo  Fernão  perez  de  Portugal  em- 
baixador dirigido  pêra-  eirey  da  China  senão  quê  elle 
quiseese:  deu  o  gouernador  este  officro  a  hil  Thome  pi« 
rez  que  fora  boticairo  do  príncipe  dom  Afonso ,  &  deu* 
lhe  bo  gouernador  este  cargo  por  ser  homem  discreto  6c^ 
cunofio  y  &  pêra  conhecer  moy  tas  drogas  !^  lhe  diziSo  tj^ 
Muiã  na  China,  &  com  Fernãa  perez  foy  hfl  António  io« 
bo  údcSo  por  capitão  dii  nauio.  E  nauegãdo  por  sua  via-* 
gS  foy  (er  a  Pacè  na  ilha  de  çamatra,  onde  auiarde  ear^ 
regar  de  pimenta  pêra  a  China ,  por  ser  lét  de  muy to 
pre<20«  E  pêra  fazer  esta  carrega  estauftja  emPacê  loã-^ 
DOS  impolim  que  fora  cõ  António  Pacheco  na  consenia 
de  lorge  de  brite :  &  hia  fiizer  esta  carrega  a  Pacê  pot 
valer  lá  a  pimenta  mais  barata  que  emCochim.  E  ehe* 
gado  Fernão  perez  a  Pac8 ,  achou  Q  todo  loãnes  a  oao 
carregada  lhe  ardera.  E  vendo  Fernão  perez  ^  não  ti<- 
Ilha  carrega  pêra  ir  á  China,  &  ^  não  podi»  carregar  ou* 
tra  Tez  por  se  lhe  gastor  a  moução  determinou  de  Ir  a 
Bengala ,  &  primeyro  mãdou  por  loãnes  a  el  rey  de  Fa* 
eè  hfia  carta  dei  rey  dõ  Manuel  em  reposta  doutra  sua 
damizidade ,  rogado  lhe  ^  quisesse  consentir  sua  feyto- 
ria  ê  PacS  ^  ^The  era  necessária  pêra  ho  trato  da  Chi^ 
na:  &  tambS  lhe  mâdou  ha  presente.  E  sabêdo  el  rey 


6  mi   HI8TOUA  IM   INUA 

como  lhe  leuaua  loânes  a  carta  &  ho  preaSte,  mãdon  ho 
receber  poios  principaes  de  aua  corte  (odos  em  cima  da- 
lifantea  cõ  grande  magestade,  &  per  sua  pessoa  ho  re- 
cebea  mujrto  M  ^  &  ae  moatfcm  mvyto  ccntente  e5  a  a« 
mizade  dei  rey  de  Pwtvgai  y.  êc  de  qtierer  ter  feytoria  S 
sua  cidade,  pêra  o  ^  deu  conseatimfilo  per  hfia  escrí*- 
ptura  asaittada  por  ete  Sc  por  al^Ss  aoihores  prineipaes 
do  reyno*  kto  íeylo,  determioádo  Fes não  penez  de  ir  a- 
Bègakt  fày  priíoeyra  a  Malaca  pcra.  hi  tomar  a  nao  es^ 
pêra,  ^  era  da  ordenança  da: aaa  eapitania:  &;  eh^ardi» 
lá  nio  aehou  a  nao  ^  ^^  darmada:  £  lorge  de  brito  ca^ 
pilãa  de  Malaca  quãdo  sowbe  {|  ele  bia  pêra  a  China  &# 
queria  ior  a  Benf  a£a  ,  Ifae  r^^reo  mny  €aitreitaiDeie  4  ^^ 
todo  caso  foste  áCliiaa  por  se  presa  os^ir  Q  estaua  lá  pr&« 
so  Rafael  pereatrelo  cò  oa  outroa  Q  fosão  no  jungo ,  eo^ 
aso  diasa  no  Ikira  terceyro:  &  posto  ^  lha  falecesse  a  nao 
espera,  lhe  éaria  a  nao  aSets  Barbara.  E  c6  (fuanto  Fer* 
são  pttez  aa  4)nisera  eaeuear  de  ir  por  aar  gastada  par^ 
te  da  saouçSa  não  poda  ^  &  pastiose  leuaodo  a  camef » 
de  Malaca,,  &  lorlo  8  saa  cãsevaa  ManucA  fotcão  Si  An^ 
toaio  lobo  faleão  ^  lioua  nauira  ^  &  b&  Duarte  céelha  9 
hfi  jungot  &  partio  de  Malaca  a  xv.  Dagosto  de  mil  &r 
qttiahantea  &  deaasejoa^.  &r  meado  Setembro  ehegoii  }ua-» 
to  da  enseada  da  Gauícôchina :  &  foy  de  noy te  com  oa 
outroa  capitãea  das  c5  terra,  onde  milagrosarnSle  oa  sal-* 
aoii  nosso  aenhoc  4  ^^  ouuerão  de  perder  ê  hSs  baixos.- 
£  por. lhe  ser  ja  ho  veato  por  daoante  pairarão  aqai  do* 
ze  dias..  j£  ¥6dò  que  era  por  demaia  piar  ser  a  moaçãa 
gaatada^  ambarão  a  Malaca^  &  Duarte  coelho  pedío  li* 
cen<^  a  Fernão  perez  pêra  ir  inuaritar  a  Sião,  que  co« 
nhecia  ho  reji  de  qaaado  lá  fora  o&  António  4e  mtrasda 
&  saiaa:  qs»  aaia.  da  fazer  preneito.  E  tornado  Fernão 
penez  a  IMalaca  aabou  Rafael  penestreh>  qae  era  chega* 
do  da  China  eft  tanumho  ganho  no  enopre^  ^  leuou  ^ 
fsiz  de  bit  Tinta  &  eartifieou  qua  os  Chis  querião  pua  ft 
amiaada  comi  ea  Poctagaeaea,  &  ^  eia  jnuylo  bea  genter 


unto  mi.  CArrrrz.o  v.  T 

CAPITVLO     V. 

Hm  ^  moêteceo  ^  jinrriqm  Ume  em  P^yiL 

JL/espoM  da  partida  de  FeniSo  peres  pêra  Malaea  qft 
qaieem  ir  a  Bengala^  Teado  loftnes  4  i>âo  tornaaa  foyee 
m  Makaea  na  aao  que  bi  fieaua  carregaada^  oil  ten^  de 
íazet  lá  a  nesma  fejloría  ^ae  oynera  de  jfSáaer  ea»  PacS. 
£  bo  eapitSo  de  Málaea  j  ebegado  elle  lá  ^  dea  por  rogo 
de  U»g9  dattwqaerqfie  que  «ioda  ettaua  em  BlaliaGa  a 
«afntaaia  da  sao  a  hfi  Aarríciíe  leme  pêra  qae  fosse  a 
Aflartabio  porto  de  Pegd  eom  iMeoda  dei  tej^  St  deiilhe 
aeneota  Pertugueeee  pêra  iwn  eoele  ^  A;  Ido  tomou  ae 
camioiío  iiH  joago  de  mones  atroadores  de  Fegiá  y  & 
Jeuoobo  aoasige  pêra  ím>  aiandar  a  Maiaea  eairegado 
«daiTM  y  &  aia  podeado  lomat  Mavlabfio  arribou  4  boca 
do  rio  eode  está  Fegú  y  noaeata  lagoas  per  efe  aehaa  á 
èorda  dagm :  fc  a  «foaoito  está  btta  cidade  ebaoM^da  Co»- 
lai  ^ae  ba  bo  porto  de  Pega  i  oade  por  a6seiitÍRi6to  do 
^ouecnader  da  tetra  foy  leaada  a  laiftda  que  bia  na  aao 
aoan  hfi  ieíto»,  &  aljgds  dos  bossos  pêra  estarS  eoele  ate 
aa  acabar  de  if«sdar  &  Auriqae  leme  ficou  aa  aao  a  bo- 
ca do  rio  ^  fc  eom  bo  junga  em  sua  eôpaithia ,  &  comet- 
faadose  a  aao  de  carregar  aeuberS^  ea  sesbores  do  jQ^ 
go  que  os  nossos  (omarfio  que  estaua  na  barra  carregAi- 
dose  darrosr ,  &  escSdaliaad^  disto  ee  íbrSo  queixar  a  él 
«ey  de  pegú  eS  grandes  brados  diceado  que  os  nossos 
aem  oeobâ  temor  trasiSk»  bo  seu  jango  que  Ibe  tomarfio 
aem  aenbfla  rezfto  pois  tínbão  paz  coeles ,  pediodolhe  <| 
ihes  fizesse  justi<^ ,  &  os  matasse  a  todos  pois  erSo  la« 
drdes  que  se  bo  oâo  farão,  aâo  tomarão  b^joogo,  nê 
Uio  trouuerSo  diante  dos  olhos,  &  oauido  isto  por  ei  rey-, 
porque  queria  ter  coutStes  os  mercadores  de  que  lhe  vi» 
nba  muyto  proueito  atiandou  togo  recado  ao  regedor  de 
Cosmi  que  mandasse  tomar  todos  os  nossos  que  estauãe 
na  feytoria  ,  &  quãdo  não  que  os  matassem^  E  ho  vege^ 


9  BA  HI^TOAIA  DA  ÍNDIA 

dor  08  quisera  auer  por  ma&a,  mas  não  pode  porque  ho 
fey tor  se  goardaua ,  que  foy  logo  auisado  per  mercado- 
res gentios  do  que  el  rey  mãdaua.  E  ?endo  os  mouros 
seohored  do  jungo  que  estauâo  em  Cosmim ,  que  se  não 
podia  ho  feytx)r  nê  os  nossos  auer  {K)r  manha,  ajuntaras- 
se  com  outros  muytos,  &  assi  algQs  geolios,  &  derão  na 
feytoria  com  grande  Ímpeto,  em  que  aueria  quatro  dos 
nossos  com  bo  feylor  &  oyto  laos  escrauos  dei  rey  da 
Portugal  que  logo  acodirão  á  porta  da  feytoria  com  es- 
pingardas ,  bestas  &  lanças  defendendose  tão  valente- 
mente, que  não  somente  tolherão  aos  immigos  que  en« 
Irassem  mas  ainda  matarão  alg&s:  o  que  visto  poios  mou* 
ros  poserão  fogo  á  feytoria  que  logo  começou  darder  por 
serem  as  casas  cubertas  de  palha.  £  vendo  ho  feytor  ho 
fogo,  &  que  não  tinha  remédio  sayose  por  detrás  das 
casas  em  que  batia  ho  rio,  onde  sa  meterão  ate  a  cinta, 
que  logo  os  immigos  acodirão  sobreles  com  grandes  gri* 
tas  &  frechadas  sem  conto,  &  pedradas*  £  era  cousa 
despanto^  &  milagre  euidSte  coroo  se  defendião  todos 
doze  sem  os  immigos  lhes  poderfi  empecer  em  espaço  de 
quatro  oras  que  durou  .esta  briga.  E  no  cabo  chegou  ho 
batel  da  nossa  nao  onde  se  recolherão  &  se  forâo  á  nao 
que  estaua  no  rio*  £  logo  ao  outro  dia  aparecerão  por 
ele  a  bai^o  obra  de  quatrocentos  paraós  cheos  de  gente 
armada  &  com  muytas  jangadas  de  rama  seca,  pêra  que 
se  não  podessem  tomar  a  nao  a  queymassem  coelas.  E 
vedo  os  Anrrique  leme,  &  conhecendo  ao  que  vinhão 
deixou  ho  jugo  despejando  a  gente  dele  na  nao,  &  em 
hâa  charopana  com  que  secarregaua,  em  que  mandoa 
logo  apõtar  toda  sua  artelharia :  &  em  os  paraós  chegan- 
do perto  a  mãdou  desparar  neles.  E  os  immigos  como 
erão  {Quytos  não  deixarão  de  a  cõbater,  tirando  multi- 
dão de  frechadas  ,  cercando  a  nao  de  todalas  partes.  E 
passando  hii  pedaço  que  a  artelharia  começou  de  jugar 
atroouse  toda  a  <nao  cõ  a  fúria  dos  tiros ,  &  por  ser  po- 
dre &  passada  do  bicho  começa  de  cuspir  ho  breu  por 
onde  era  furada,  &  íicauão  os  buraquinhos  descubertos: 


MVRO   IIII.   CAPITVLO  ▼•  ^ 

&  5^ndo  iDUytos ,  enlroulhe  tanta  soma  dagoa  que  nem 
com  bombas,  nem  cõ  baldes  se  nSo  podia  esgotar,  o  que 
dea  assaz  de  trabalho  aos  nossos ,  por{}  se  trabalhauâo 
em  esgotar  a  nao,  faleciSo  pêra  se  defender  dos  immi* 
go8  que  os  combatião  continuamente  sem  descatíçar,  que 
ho  podião   fazer  por  serem  tantos  como  disse :  &  se  se 
qneriSo  defender  deles  entrauaos  a  agoa  de  modo^que  os 
metia  no  fundo:  assi  qne  não  sabiSo  a  qual  acodissem, 
&  três  dtaB  continos  leuerSo  este  trabalho,  que  tãto  du« 
rou  a  pelejasem  nunca  terem  nenha  repouso,  porque  co« 
iniSo  pelejando:  &  toda  a  noyte  vigiauão  com  medo  que 
lhe  náo  queimassem  os  immigos  a  nao;  E  cd  trabalho 
tão  immenso  aprouue  a  nosso  seflor  de  os  tirar  do  rio, 
leuando  os  bo  batel  á  toa,  &  assi  hõ  calaluc  de  Malaca, 
&  a  champana.  E  vendo  os  immigos  que  os  seguião  que 
sajáo  pela  barra  tornaranse,  sendo  hua  hora  ante  do  sol 
posto.  £  os  nossos  ficarSo  (8o  cansados  Sc  ião  roucos  do 
Boyto  bradar  que  não  podião  falar  nem  deitauâo  roais 
^ue  vSto :  &  tudo  isto  se  fes  sem  nenhS  ser  morto  nem 
luriào,  &c  dos  immigos  muytos,  &  muytos  paraos  arrd« 
badosy  &  outros  metidos  no  fundo.  E  tudo  isto  erâo  mi- 
lagres de  nosso  Deos  todo  poderoso.  E  vendo  ho  capitSo 
que  a  nao  se  não  podia  soster  pola  muyta  agoa  que  fa- 
zia, repartio  a  gente  dela  &  aríelharia,  &  mantimentos 
Ba  champana ,  calaluz  &  batel  que  leuou  a  e&íe  fim :  & 
ainda  a  gente  não  era  toda  acolhida  quSdo  a  nao  se  foy 
ao  fundo  &  ficou  a  gauea  por  cobrir ,  &  dali  seguio  sua 
xota  pêra  çamatra,  &  no  caminho  se  perderão  ho  batel 
Sl  ho  calaluz  com  bQ  temporal,  &  morrerão  neles  vintoy- 
to  dos  nossos  &  vinte  laos.  E  ho  capitão  com  os  outros 
&  aigils  mercadores  de  Cosmi  que  se  forão  coele  pêra 
yiuerem  em  Malaca  foy  ter  ao  porto  de  Pedir  em  çama- 
Ira ,  &  hi  os  recoiheo  ho  rey  &  os  teue  cõ  muyto  gasa- 
Ihado  três  meses ,  ate  Fernão  perez  tornar  a  PacS,  onde 
tornou  despois  darribar  da  viagS  da  China ,  como  direy 
a  diante. 

.  ... 

LlVao   IIII.  B 


10  PA   H»STORIi    0A    IMOIA 

C  A  P  I  T  O  L  O    VI. 


y 


De  como  dom  Aleixo  de  meneses  cheúou  a  Ommz  ^ 

prendeo  Simão  dandrade^ 

Xarlido  dom  Aleixo  de  meneses  pêra  Orinux  oom  a» 
nãos  de  sua  epnserttã  chegou  eoelas  a  saluamêlo,  9c 
maudou  entregar  a  fasenda  delas  na  feytoria.  O  que  fa^ 
uoreceo  mujto  os  nossos  que  Já  estauão  por  estarem 
nnuyto  tristes  pola  noua  da  morte  Dafooso  dalbuquerque 
que  ja  sabião,  &  teroião  que  os  n»ouros  se  aleuantassem». 
E  estando  dom  Aleixo  em  Ormuz  daua  mesa  aos  que 
querião  ir  comer  coele ,  que  erão  muy tos.:  &  bfi  dia  0ê^ 
tado  comSdo  êtrou  bd  fidalgo  chamado  Alattim  àfons» 
de  melo  ainda  moço  j  &  deu  hfla  grande  cutilada  poh» 
rosto  a  outro  chamado  Francisco  degá  que  comia  á  me^ 
sa  de  dom  Aleixo.  £  segundo  se  despois  soube,  íoj  & 
causa  de  lha  dar  terlhe  d^do  Francisco  de  Gá  hfiA  bofis** 
tada  quando  hi^  pêra  Ormuz ,  onde  Marlim  afonso  aa 
aqueixou  disso  a  Simão  dandrade  que  ja  lá  estana,  &  m 
outros  seus  parentes  Q  lhe  aconselharão  que  se  vingasse 
onde  podesse ,  &  ele  não  achou  outr-o  melhor  lugac  qu0 
aquele :  &  assí  como  lhe  deu  a  cutilada  se  acolbeo ,  & 
dom  Aleixo  com  quantos  estauão  á  mesa  foy  após  ele  ate 
a  pousada  de  Simão  dandrade  onde  se  meteo,  &  dali  foy 
Jogo  passado  por  detrás  aos  paços  dei  rey^  donde  foy  pos« 
to  em  saluo,  &  por  isso  ho  não  pode  dõ  Aleixo  prèder. 
£  sabSdo  como  quâdo  fora  a  dar  a  ouliiada  sayra  da 
pousada  de  Simão  dâdrade,  aqueixouse  muyto  coele  po-* 
lo  consentir.  £  ele  disse  que  Martim  afooso  fizera  muy- 
to bS  de  se  vingar,  &  ele  em  lhe  dar  ajuda  pêra  isso, 
&  assi  outras  palauras:  pelo  que  dom  Aleixo  ho  pren- 
deo sem  lhe  querer  goardar  hft  aluara  do  gouernador  em 
que  ho  isentaua  de  dõ  Aleixo :  &  por  mais  requerimen- 
tos que  lhe  fez  Simão  dandrade  lho  não  quis  goardar,  & 
tomoulhe  a  capitania  da  nao  &  deu  ha  a  Frãcisco 


.'4*^' 


Lwwo  mt«  ckTvrwho  rir.  i  \ 

rtjn  de  beifedo.  £  em  qaanto  esteu^  em  Ormuz  ho  te* 
lie  preso  na  sua  nao :  &  assi  ho  ieuou  ate  a  índia ,  Õde 
Jio  goueraador  ouue  por  b3  feito  o  l\  tizera  dd  Aleixo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    Vlf. 

Da  segunda  armada  que  fez  ho  Soldâo  pêra  niâdar  á  Inr 
àia  cótru  os  nossos :  ^  a  causa  porque  lá  nâofoy. 

jLN  o  limo  segando  foy  dito  ho  4le8barato  da  armada  do 
Soldie  j  de  que  Mirocem  foy  por  capiíáo  mór  á  índia , 
&0  como  ele  se  foy  despois  da  ludia.  E  coroo  bo  Soldão 
iínha  grande  deaejo  de  lançar  os  nossos  fora  da  índia  ^ 
&  assi  ho  tinha  determinado,  não  disjstio  de  sua  deter- 
nioaçio,  &  come^jou  logo  de  mãdar  armar  outra  frota 
aayor  que  a  primeyra,  que  foy  armada  em  quatro  an« 
ftoa:  8c  posta  no  roar  &  aparelhada  pêra  nauegar  se  af* 
firma  que  custou  oytocenlos  mil  cruzados.  E  erflo  estns 
^elas  seys  g^lés  Kaes  cada  bfla  do  vinle  sete  l^cos  de 
tces  temoa  em  banco  ^  &  noue  sotis.cada  h&a  de  vint« 
ânco  de  três  remos  em  banco ,  &  doze  fostas ,  hdas  do 
▼ínte  sete  bancos  outras  de  vinte  cada  hua  de  dous  re* 
«MS  cfl»  banco :  &  fez  pêra  esta  frota  seys  mii  homCs  de 
peleja  em  ^  entrauâo  setecentos  Mamelocos  &  trezen* 
tos  Turcos,  &  mil  mouros  mogaueres  de  Tunez  &  dé 
Grada  que  falauáo  espanhol,  de  que  os  quinhentos  eráo 
espiagardeiros,  &  os  cento  bombardeiros,  de  que  os  vin^ 
ta  erão  mestres  dartelharia  &  darteíicios  de  fogo,  &  os 
outros  se  chamauSo  seniidores,  &  dous  mil  frecheiros  & 
oatros  tantos  de  lanças  &  espadas.  E  destes  os  qoinhen^ 
tos  armados  de  sayas  de  m^úha ,  &  dez  darmas  brancas 
&  einco  de  coyraças:  &  nntre  toda  esta  gente  auia  cin^ 
cpeata  Christftos.  A  arlelharia  desta  frota  forão  cõio  & 
des  tiros  grossos  de  metal ,  basaKscos ,  cães ,  pedreiros 
&  outros*  E  trezentos  8&  vintíe  citico  ben^  dé,  metal,  & 
mnytft  poluora,  &  grande  quantidade  de  pelouros  de  to» 
da  sorte*  Arasadá  esta  frota  deu  ho  Sotdio  a  eapitani» 

£  2 


DA   HISTORIA   DA   IVDIA 

bfl  Turco  chamado  çalmâo  rex  que  fugira  áoTar- 
ete  galés  de  que  andaua  por  capitão,  &  lhas  (o- 
ier  Si  assentara  coele  viuèJa.  I£  ja  aolea  disto 
ipo  Q  Afunso  dalbuquerque  gouernaua  a  índia, 
I  çalnião  rex  que  hu  SoJdão  queria  mandar  esta 
índia  foy  lá  primeiro  por  seu  mandado  pêra  ver 

armada,  &  hh  nosso  calafate  ho  conheceo  que 
ifn  Chaul,  &  ho  disse  a  Afonso  dalbuquerque.  E 
ele  (Ia  lodía,  disse  ao  SoldSo  que  facilmSle  es- 
tie desbaratar  a  aossa  frota,  porque  era  de  na- 
to bordo,  que  aHo  podião  nauegar  sem  vento, 

era  de  galés ,  que  posto  que  não  ouuesse  ven- 
âo  a  remos :  &  como  tomasse  os  nossos  em  cal- 
I  auja  de  meter  no  fundo.  E  esta  foy  a  causa 
he    ho  Soldiio  deu  a  capitania  mór  da  armada 

,  8c  mandoulhe  que  fosse  pola  cidade  de  ludá 
asse  com  Miroccm  que  hl  estaua  &  faria  o  que 
asse  per  hn  regimento  que  llie  tinha  mandado. 

de  çuez  no  começo  Doutubro  de  mil  &  qui- 

quinze,  &  no  camiobo  se  lhe  perdeo  hfla  das 

cento  &  cincoeola  homSs :  Sc  chegou  a  ludá 
de  Nouembro,-  &  a  dezanoue  parlio  dali  com 
que  tinha  duas  nsos  que  leuara  de  Diu  que 
18  nossas ,  &  hQ  galeão  &■  dali  forão  ter  a  Ca- 
e  lhe  Mirocem  mostrou  como  ho  SoklSo  man- 
Szessem  ali  ambos  bQa  fortaleza,  em  que  Mí- 
ria  com  quinhentos  Mamelucos.  E  passados 
j  que  a  fazíâo,  escreueo  Mirocem  hQa  carta 
o  rey  DadS  por  estar  escandalizado  dele  de 
que  lhe  fizera  quando  passara  desbaratado 
'  por  amor  desta  carta  mandou  el  reyDadem 
Ddessem  mantimentos  aos  de  Mirocem,  que 
lusa   concertou   com    «jalniSo  res  3  fizessem 

rey  Dadem  ,  &  Mirocem  lha  foy  fazer  com 
mens,  &  prometeo  cem  cruzados  a  cada  ha 
D  hua  cidade  chamada  Zebit  sobre  que  for 
o  Jegoas  pelo  sertSo.  E  com  a  esperâça  da 


Lm»  int.  cáprtviA  tnt.  i » 

pTomrasa  a  tomarSò^  &  na  peleja  matarSo  hfl  filho  dei 
rej  Dadetn.  £  tomada  a  cidade  apertarão  os  soldados 
fORi  Mirocem  <)  Ihea  comprisBe  aua  promessa  dbs  cem 
cruzados.  Do  que  se  ele  escusaua,  dizendo  que  lhos  não 
podia  dar  pois  roubarão  quanto  auia  na  cidade.  O  ^  Hie 
eles  B&  quiserâo  leuar  em  conta  &  quiserSno  matar  se 
ele  nâo  pedira  espa^  pêra  mandar  pedir  dinheiro  a  çal- 
idSo  rex ,  que  sabendo  e  qtie  passana ,  porQ  não  tinha 
dfnheÍFo  mandou  dizer  aos  soldados  que  ete  íicaua  por 
liador  do  dinheiro  que  esperassem ,  &  a  Mirocem  que 
fugisse:  pêra  o  que  ele  buscou  maneyra  &  fugio  &  foy- 
se  pêra  çalmão  res ,  que  despois  (|  ho  teue  mandou  re- 
cado aos  .soldados  Q  se  fossem  embarcar,  &  §  lhes  pa«- 
garia :  &  que  não  esperassem  por  Mirocfi  que  era  mor- 
to» E  eles  não  quiserâo  sem  lhes  pagar  primerit».  E  de- 
terminando çalmãe  rex  com  Mirocem  de  ir  sobre  Adem^ 
peste  que  tinha  pouca  gente  mandou  rogar  aòs  solda^ 
dos ,  que  pois  ho  não  querião  ajndar  que  deitassem  fa- 
ma que  ficauão  em  Zebit  pêra  irS  por  terra  a  Adem 
Õde  e\e  hia,  &  eles  ho  fizerão  assi^  &  Salmão  8c  Miro- 
cem íòríU)  sobre  Ad&,  a  que  derão  combate,  &  tomarão 
bé  ba/aarte  j  Sc  derribarão  bd  lã^o  de  muro :  mas  não  a 
poderão  tomar,  &  por  não>  terem  gente  não-quiserão  pae- 
ear  á  índia  &  tornarãse  a.  Camarão;  £  isto  tudo  soube 
dem  Aleixo  em  Ormuz ,  j)  yindo  ho  tempo  de  aua  pai^ 
tida  se  partio  pêra  a  índia. 

G  A  P  I  T  V  L  O     VIIL 

ff 

•  '       •  .  . 

Do  que  passou  Fernão  caldeira  com  dom  Goterre^  ^  de 

comofoy  morto  na  Urra  firme. 


Q 


uãdo  bo  gouernador  hia  de  Portugal  pêra  a  fndia, 
que  chegou  a  Moçambiqife  :^  hia  na  nao  de  dom  Gcrfer- 
re  hu  Fernão  caldeira  que  fora  page  Dafonso  dalbuquer- 
<\ue ,  Q  por  mexericos  fora  preso  a  Portugal ,  onde  dea^ 
pois  de  se  liurar  lhe  fez  el  rey  mercê ,  &  lhe  deu  Jicêça 


14  '^      nk   Uf9T€mU   VA'  INTOA 

pêra  6e  tornar  i  índia ,  &  foy  oa  nao  4e  dom  Goterr^ 
que  hia  por  capitão  de  Goa,  onde  ele  tinha  sua  molber 
&  casa,  &  por  auer  hQa  deferença  em  IVIoçambique  cõ 
^õGoterre  n&o  quia  ir  maia^^oele,  &  tomou  secretamen- 
te ha  Qauio^  j&  foyae  com  oulroa  caminho  da  índia,  on- 
de cuydou  dachar  Afonao  dalbuquerque  que  )he  valeria* 
E  como  soube  que  eataua  em  Ormus ,  &  por  amor  da 
fortaleza  que  /azia  não  âuia  de  tornar  ae  nâo  tarde ,  ile« 
aegperou  de  se  poder  aaluar  de  dom  Goterre  que  auía 
de  aer  capitão  de  Goa  oniie  ania  de  morar  ^  &  por  iate 
determinou  de  ae  acolher  á  terra  firme  pêra  Ancoacão 
capitão  de  Pondá,  &  leuotf  muy ta  fazenda  com  que  tra«- 
tasse:  &  deapeia  de  aer  lá  tomou  Ancoacão  coele.  lama^ 
nha  amizade  que  aSo  ae  apartaua  nunca  dele  &  dauaihe 
todos  oa  proueitoa  que  podia  ^  de  modo  que  ae  k%  muj^ 
to  rico*  E  deterninaiido  dom  Goterre  de  bo  matar  polo 
de  Moçambique^  dcapota  que  foy  em  Goa  trabalhou  por 
M80)  mãdando  algCla  que  ho  mataasem^  principalmente 
ibum' loão  gomec «aerínão  daieytoria  de  Goa,  hon>ê  em- 
iorqad9  qoe  fes  que  hia  àgrauado  de  dÕ  Goterre ,  &  2| 
fagia  per^  oa  mouros :  &  por  aer  Cfarialão  bo  agaaalbD« 
Fernão  ealdeyra,  k  daualbe  doa  seus  caualoa  em  que  aa- 
daase :  &  faaia  eom  Âncosojào  que  lhe  fizesse  honrra^  ^ 
Dão  diaialindo  c(S  tudo  isto  loão  gomes  de  ho  matar  as^ 
perou  tempo  pêra  isao^  ale  atie  hd  dia  aayo  Ancosoão  a 
folgar  pola  terra  a  caualo ,  oc  aendo  bfta  legoa  do  paasD 
de  Beneatarim^  adiantouse  loSo  gomez  com  Fernão  cal- 
deyra  &  matçu  h^  á  trei^ão  eom  hda  Ian<ja  a  viata  Dan- 
coação,  que  auêdo  disso  muyto  grande  menencoria  man* 
dptf  apoa  k^ío  gomet  quê  aé  .aodfaia  a  Benaatarim  ^  fc 
foy  tomado  í^  tratido  diãte  Dancoacfo^  que  por  aua  mão 
lhe  cortou  a  cabeça.  O  que  aabido  por  dom  Goterre^  fi- 
coa  âiuyte  mat  eom  Adcoseão  com  que  dantes  êataua 
liS^  &  delerdúnQa  do  H  vingar  dele. 


CniRO  IRC  CAPITVLO  4X«  15 

G  A  P  I  T  V  L  O    IX. 

De  como  farão  mortos  quoÊTô  dos  nossos  no  sort&>  do 

éockim. 

Xfiaernando  iio  gouernador  em  CocbT,  M  6da4g6  cba^ 
nado  Gaspu  da<  stlaa  foy  folgar  á^  Urra  firme  &  leuott 
•m  toa  companhia  seu  íriafto  C]irigtouSe4e  soum  ,  lor^ 
ge  de  brito ^  Lopo  de  bnio^  Airda  datílúé,  Pefo  fer- 
reira &  Aulenio  forreyra»  E  aodftdo  á  caça  de  patiSes 
como  a  genle  da  terra  lhes  queria  mal  sakou  eoeles  hd: 
eaimal  t^m  acompanliadò  dè  Naires^  dizendo  l\  mata" 
nào  06  pauSea  que  erfto  dos  seus  pagodea«  K  posto  qae 
as  Portugueses  ae  deaculpauão  ^  ho  ttão  sábiáo^  oSo  lhes 
▼aleo  y  &  iio  Caynal  os  quisera  matar  todos ,  &  izerSo 
aa  reooUier  aos  totmi  cft  muyta  al^hotit-a^  ficando  mortos 
q«atro  cfiadoa  destes  fidalgos^  qtve  ferSo  presos-em  ehe* 
gaado  a  Goebim  per  mandado  éo  gcuemador,  porque 
fi>f&o  aem  aua  Hcenqa^  E  neafe  inuerne  6kleoeo  Diogo^ 
meadez  de  TascSeeiòs  eapltto  deCoeMm  antes  de  ter 
aaabtt<lo  ho  tempo  Aa  a«a  eepitaiiiav  E  por  ho  governa- 
dor  ter  por  elrey  de  Portuga)  estas  Tagaute^^  déu  esta 
ao  íojUx  Lourenço  moreno  de  que  era  grande  amigo; 
do  1|  ae  A  três  da  silua  aqueiaoo  ao  goaernador  por  eíi- 
trar  na  vagante  de  Diogo  mendee,  &  por  lhe  nSo  desfa- 
sar seu  queixuiàe  com  lhe  dar  a  capitania  ficarfio  de 
quebra^  E  passado  ho  inuerno  cbegeu  dem  Aleíso  de 
neneses  a  Coehim ,  &  contou  ao  goueraaâor  o  que  sou-' 
bera  da  armada^  do  Soldflo.. 


»A  HISTORIA  »A  INOIA 


C  A  P  I  T  V  L  O    X, 

gouemador  fortio  pêra  ho  < 
a  armçtda  do  somo. 


Coo.  »  «otta  que  dom  Aleixo  deu  »«  «?»«"»*^^* 
^i'1»  do  Sold4,  determinou  |le/«  ^^^i^^^?*"  ^^^ 
treito  como  tioba  em  seu  ^^g^^tnSlo-  E  como  ja  coiwe^_ 

Goa    ôde  M  auia  dajatar  a  frola  4  »«»»  d«  ^^T^trlt 
S^íiríio  a^  elas  lir  derradeiro,  &  de  caminho  f^^- 
ÍU^O  asforlalezaíac  prouSdo  •«  do  «ej^a»;-^  PJJ 
qX  ele  determinaua '  de  fazer  bua  i<ff^^^  ^"^^J 
?era  ter ,  segura  »  feitoria  g  j^i '^^"J^  ^fs^^-es^C 
bTsLTaTauTl^^rX  í^imbTchímrEÍtor  rc. 
Síu^e-  qíe  SSa  inuyta  confi.«5a,  x,ue  estaua  pco- 
S  do  da  feytJria  de  Capanor ,  .&  por  ^ber  que  *íe  n^ 
íl^r  que  oiro  saberia  assenUr  a  t«rra  d^^^^^^f^^X 
tar  aVnte  dela ,  ouue  PO^  "^J^Í^rE  íssTL Tsst, 

l  I1/ba  ISí íSr^-i-i^Tq-  -a  seu  criado  í 
L1?eí?o  dtsua  Ssa. E  dandolhe  ho  gouernador  ho re- 
íimento  do  que  auia  de  fazer  ho  despachou  de  Cananor 
f  "èvs  de  laiíeyro  peraGocbÍ4n  dõde  se  partio  peraCou- 
lilo.  E  ele  partido ,  se  partio  também  ho  gouernador :  & 
chegado  a. Goa  achou  muytos  inantimenU»,  rouyla  poi- 
uora  &  muytas  munições  que  lhe  dom  Goterre  tinha 
prestes.  E  fazendo  aqui  alardo  da  gente  &  dog  nauios  da 
frota  achou  menos  leronimo  de  sousa  hfl  fidalgo  capUáo 
da  nauio.  E  assentando  que  era  fugido,  Sc  que  nao  po- 
dia ser  era  outra  parte  se  não  nas  ilhas  de  Maldma,  ue- 
terininou  de  ho  mandar  lá  buscar ,  porque  por  as  unas 
estarem  de  paz  poderia  hi  fazer  muylo  dano  com  as  la- 
zer leuantar :  &  mandou   ho  buscar  por  dom  Fernando 


LIVRO  IIII.  CAPrrvLO  X.  17 

vaõnoi^  a  {j[  mandlou  que  por  ir  por  capitão  dfi  nauio  dai- 
lo  bordo  fosse  pohi  banda  do  mar  das  ilhas,  &  assi  por 
João  goDçaluez  de  castelo  bf ãco  capitão  de  hfla  galé ,  a 
que  por  esse  respeito  mãdoti  que  fosse  por  antre  as  ilbas 
&&  a  terra  firme,  &  a  ambos  deu  regimento  que  se  achas- 
sem leronimo  de  sousa,  &  não  quisesse  tornar  coeles 
que  ho  metessem  no  fundo.  £  despois  disto  ho  gouerna- 
dor  se  embarcou  pêra  se  partir ,  &  estando  embarcado 
soube  dom  Goterre  per  gStios  da  terra  firme  que  esta- 
não  prestes  quatro  capitães  do  Hidaicão  pêra  entrar  na 
iftia  como  ho  gouernador  partisse ,  pelo  que  dõ  Goterre 
apertou  com  bo  gottémador  que  íhe  deixasse*  roais  de 
quatrocentos  homês  que  lhe  deixaua,  &  mais  artelharia 
que  a  que  lhe  ficaua.  E  ho  gouernador  lhe  respondeo 
que  abaslauão  os  homens  &  a  artelharia  que  lhe  íicaua : 
&  quando  os  mouros  ho  apertassem  tanto  que  deixasse 
06  passos  da  ilha  &  se  recolhesse  á  cidade ,  &  despois 
tornaria  ele  &  os  tomaria:  o'  que  ele  não  poderá  fazer 
aotes  se  os  mouros  tomarão  qual  quer  deles  ^  tomarão 
lambem  a  cidade.  £  deixando  ho  gouernador  Goa  desta 
nanejra ,  se  partio  pêra  ho  estreito  na  entrada  de  Fe- 
uereyro  de  mil  &  quinhentos  &  desassete,  tò  hfia  arma-- 
da  de  trinta  &  seys  velas.  s.  quinze  nãos  com  a  sua  em 
^  hia  por  capitão  dom  Aleixo  de  meneses ,  dom  loão  da 
Aiueiray  dom  Aluaro  da  silueira,  dom'Dipgo  da  silueira, 
Aluaro  barrete,  Antão  nogueira,  António  raposo,  lorge 
de  brito,  Aires  da  silua,  dom  Garcia  coutinho,  Afonso 
lopez  da  costa,  Francisco  de  tauorat,  Gaspar  da  silua, 
Duarte  de  melo,  6on<jak>  da  silueira.  R  dez  naoiosiSc 
carauelas,  de  que  forão  capitães.  Pêro  ferreyra,  Anto*^ 
nio  ferreyra  fogaça,  loão  gomez  cheira  dinheiro,  Tristão 
de  gá^  Lopo  de  vilhalobos ,  Garcia  da  costa,  Perolopes 
de  sam  Payo,  Franoisco  de  gá,  Femã  de  reseode,  ho 
pintor:  &  oyto  galos,  capitães  Lopo  de  brito,  Ghristo^ 
ttâo.de  sousa,  loão.  de  meb.  Dom  Aluaro  de  castro,  Di-* 
nis  fernãdes  de, melo,  Dom  Afonso  de  meneses,  Aato^ 
AIO  dazeuedo,  António  de  miranda  dazeuedo,  &  híL.ca^ 
UYAo  iin.  o 


r8  PA    HISTORIA    VA   inUik 

rauêlâo,  &  kQ  baíganliio.  E  hil  junga  em  que  bi3o  qui^ 
nhentos  nàirea  dei  rey  de  Cochini^  &  por  e«pilâo  Diogo 
pereyra  de  Coohiin.  E  nesta  froia  ieuoti  tm  mti  Portu- 
gueses, &  Duaríe  gaiuâo  que  bia  por  embaixador  ao 
Preste,  &  Mateus  embaixador  do  mesmo  Preste.  E  par^*» 
tido  de  Goa  foj  fazer  ago^da  a  ^eotorá,  &  seguindo 
sua  viajfi  pêra  Adem  ouue  vista  deia  hu  dia  pota-  me^ 
nhaã  seys  legoas  alamar,  &  aii  surgio  &  teve  conaelho 
com  os  capitSes  &  fidalgos  dà  frota,  a  que  declarou  que 
auia  de  pelejar  com  os  rumes. sé  estèuessem  no  mar  & 
não  na  t^rra,  porque  assi  ho  ieuaua  por  regimêto  del-« 
rey  seu  senhor :  &  deu  a  dianteira  a  dd  Garcia  cduíh 
nho.  E  se  os  rumes  nã  eitiutesem  no  porto  que  surgi»* 
ria  diante  da  cidade  pêra  tomar  pilotos  que  ho  tsuasseo» 
ale  as  portas  do  estreitp,  &  ali  mandou  aos  eapitSes  dae 
oarauelais  &  das  galés  que  fossem  ao  bngo  da  costa ,  Jb 
que  as  velas  qu6  achassem  DadS  Iheis  não  fíxessem  míd. 
É  checado  ao  porto  Dadem  com  toda  a  frota ,  nfio  a^ 
obaúdo  os  rumes  surgio  dentro  na  baja ,  &  saluou  a  éí^ 
dade  com  a  árteiharia  &  com  as  trombetas ,  &  os  C|j^i« 
tãés  fízerâo  despoís  outro  tanto ,  o  que  durou  bem  duaa. 
horas ,  &  da  cidade  nSo  respoiídeo  ninguém»  E  estado 
pêra  fazer  conselbo  do  Q  Aría ,  chegarão  3  ^apitaina 
ires  mouros  hõrrados  em  hCla  barquinha  com  hlla  bftdei- 
ra  de  paz ,  &  postos  diante  do  gouertiador  lh%  derlo  M 
ehoues  da  cidade  da  parle  do  regedor  dela,  dizendo  ^  ^ 
cidade  &  ele  erUk)  dei  rej  de  Portugal.  E  bo  gouern^  ^ 
dor  as  nSo  quis ,  dizêdo  Q  por  entáo  não  se  que|^  de*  V 
terem  assef^t ar  amieade  por  quanto  hia  muyto  de  prés* 
sa  em  busca  dos  rumes,  que  cuydando  dachar  nSf^Ie  por- 
to fora  ali  ter:  &  pois  os  não  achaua  auia  dir  toscaloe 
a  Ctfmarâo  &  a  ludá,  pêra  Q  queria  i^  bo  gouer»ador 
Dàdem  lhe  desse  pilotos,  &  da  volta  assêlaria  code  ptfe 
&  amizade.  Do  que  se  logo  muytos  espantarão  ntU>  to^ 
mar  ho  gouernador  a  cidade  que  lhe  dauâo  em  paz,  nem 
tomaif  conselho  se  farta  afi  fortaleza  ou  não.  £  tornado 
es  mouros  com  esta  reposta  ao  regedor  Dad^S^  ficou  elo 


UVBO  IIII.  C4MTVI4O  Xi.  19 

júvj  desalioado  do  naedo  que  tiuera,  &  «andou  de  noy- 
to  fazer  muy  tos  fogos  poios  muros  &  torrw  em  sinal  de 
/bsU^  &  tanger  muytos  inslormèlos.  E  ao  outro  dia  mã- 
dou  ao  gouernador  tantos  paraós  carregados  de  refresco 
4|ue  eobriâo  ho  mar,  &  assi  quatro  pilotos  ^  bo  Jeuassem 
Ate  as  porias*  £  sem  mais  bo  gouernador  faaser  conselho 
do  que  faria  se  partio  pêra  as  portas  do  estreito:  ao  dq^. 
antngo  seguinte  que  era  ho  de  Lasaro  y  mandando  dian" 
tm  a  Diogo  perejrra  no  jungo  pêra  tomar  Rubaâs,  &  hi 
tomou  h&a  nao  de  mouros ,  com  qtie  esperou  pelo  gOp. 
aemador,  ho  qual  efaegou  quasi  noyte  is  portas,  &  lo- 
^o  se  partio  Q  foy  bé  mao  coASelho  poios  baixos  &  ilhas 
que  ania  dali  pêra  dentro,  &  quando  vay  bfla  frota  ta» 
manha  eomo  aquela  era,  pêra  ir  segura  ha  <ie  surgir  das 
porias  pêra  dentro  com  sol  Sc  leuarse  ooele ,  &  assi  lhe 
sobreaeo  logo  hii  tèporal  tio  furioso,  que  esteue  toda  fi 
frota  em  risco  de  se  perder.  £  a  galé  de  dom  Ainaro 
de  castro  desaparooeo ,  &  creose  que  a  comeo  bo  már : 
4c«itffe  os  6dalgos  que  se  nela  perderio  foy  lorge  gal- 
fittio  de  Duarte  galuâo.  £  correiído  a  frota  «sta  toiu 
otã  foy  amanhecer  sobre  bOas  ilhas  em  Q  se  ouuera 
de  (iaspedaçar  se  não  amaabecera* 


f 


CAPITVLOXI. 

i  De  como  ho  gouernador  rou&s  que  foleitnáo  rex  em  se- 

\'*.  nhor  de  hioá :  ^  tinha  hi  varadas  as  gaWs :  ^  deier* 

nmwu  4e  pdejar  eoele^ 

JL/estas  ilhas  tornou  a  proseguír  sna  viagem ,  &  era  c6 
pon^tes ,  ora  com  leofites  chegou  a  rlte  legoas  de  lu- 
dá :  &  aqui  apareceo  hila  gekia  que  iãto  que  vjo  a  nos- 
sa frota  ie  íoy  deveyta  a  ela:  dizendo  es  fi  hiâo  nela 
r\  erfio  dezoyto^  4  erfio  Chiislãos  tfoo  vinblo  fugidos 
Ittdá.  E  feuados  ao  gouernador,  disserãihe  4  ^t&  ca- 
lafates &  carpinteiros :  &  que  traaiBoeeto  turcos,  &  q«e 
toabaitooilíe  nas  ^^lés  \  ^oleim^e  tex  tinha  viaradas  esn 

c  2 


20  DA   HÍSTORTA   DA   ÍNDIA 

ludá.  E  contarão  ao  gouernador  toda  a  historia  de  Mi- 
rocem,  &  de  çoleimão  rex:  &  que  partidos  Dadein  an- 
tes daboearem  ás  portas  do  estreito  lhes  dera  hil  tempo- 
ral com  que  a  galé  de  çoleimão  se  perdera  da  frota  & 
fora  ter  aZeita:  &  Miroce/n. a  Camarão:  donde  sem  es^ 
perar  por  çoleimão  se  fora  a  ludá,  &  mandara  varar  as 
galés :  &  as  duas  nãos  &  ho  galeão  fícarSo  por  não  se^ 
rem  agoas  viaas.  E  hi  soubera  como  ho  Turco  desbara- 
tara ho  Soldão,  &  ho  matara,  &  lhe  tomara  toda  sua 
terra:  pelo  que  q^iando  Soleimâo  rex  chegou  a  luda, 
Bflirocem  ho  não  quisera  recolher  na  cvdade,  com  medo 
de  lha  tomar  por  treição.  E  sabendo  xarife  parcate  se^ 
nbor  de  Meca  (que  he  como  papa  antre  os  mouros)  a 
imizade  Q  auía  antrestes  dous;,  fez  paz  antreles:  mas  lo- 
go MirocS  a  quebrou:  querendo  -  matar  çoieí  mão  com 
peçonha.  Quò  sabpndoho.  saltou,  em   casa  de  Mirocem 

J)era  ho  matar :  &  elefugío  pêra  Meca :  &  por  isso  co- 
ei mão  ficou  seflor  de  luda^  &.leuâtou  logo  bãdeira  polo 
turco :  &  escreueo .  a  xarafe  parcate  que  logo  lhe  man- 
dasse Mirocem ,  senão  que  não  seria  amigo  do  Turco-^ 
porque  aquele  homS  ho  tinha  muyto  deseraido»  £  ele 
lho  mandou  preso ,  auisando  aos  que  ho  ieuauâ  que  ho 
matassem  no  caminho,  como  matara.  E  despois  disto  se 
dezia  Q  çoleimão.rez  queria  ir  ao  cairo  dar  obediêcia  ao 
Turco.  E  Q  estaua  tã  desapercebido  de  gSle  Q  não  teria 
mais  de.cccc.  ate  ccccc.  turcos:  &  ludá  estaua  fraca 
cõ  hu  muro  baxo,  &  hfía  fortaleza  peQna,  {|  tomaria  fa- 
cilmtS:  por  não  auer  lá  verdadeira  noua  de  ir  o  gouer- 
nador ^  sabendo  como  as  galees  dos  rumes  estauão  va- 
.radas  em  ludá  pubrícoú  pola  frota  que  as  auia  dír  quey- 
mar.  E  na  paragS  onde  soube  estas  nonas  lhe  deu  hH 
pon3te  muyto  brauo  com  que  a  nao  Dantonio  raposo  por 
ser  velha  se  fby  ao  fQdo ,  &  apartaranse  da  frota  a  nao 
de  dÕ  loão  da  aUueira  &  ho  jungo  de  Diogo  pereyra,  que 
despois  forão  ter  a  Gamarão.  E  este  ponête  durou. obra 
de  quinze  dias,  &  durando  lalo  fez  crer  a  lodos  que  era 
de  todo  a  mourão  doi  poaentes :  &  por  isso  &  por  auer 


LITRO    IIII.   CAPIITLO  XI»  21 

àiãs  ^  na  frota  auia  muyta  falia  dagoa  cd  que  adoecia 
jDujla  gente  dizião  todoa  que  arribassem  a  Camarão  a 
tomar  agoa.  Do  ^  ho  gouernador  se  indinou  grâdemen- 
te  ,  &  dizia  Q  os  judeus  &  couardos  dirião  aquilo  &  não 
os  caualeyros :  jurado  que  não  auia  darribar  a  Camarão, 
mas  ^  os  auia  de  meter  onde  lhes  não  fossem  boõs  os 
pés  n6  as  mãos ,  &  ali  auia  desperar  ate  passar  ho  po- 
nente,  &  quando  durasse  tanto  que  arribaria  a  Cama- 
rão, &  tornando  os  leuantes  auia  de  tornar  a  ludá  &  to- 
mala,  por^  não  partira  da  índia  se  não  pêra  isso.  £  võ- 
ào  a  gente  que  adoecia  9  &  ^  começauão  aigfis  de  mor- 
rer: aqueixauãse  pubricamenle  do  gouernador  &  tinha- 
Jhe  ódio,  &  brasfemauâo  deile :  mas  a  elle  não  lhe  daua 
disso  nS  queria  tomar  ho  conselho  de  ninguém,  &  daua 
a  eotender  que  de  seu  poder  absoluto  queria  fazer  tudo. 
£  com  quanto  a  gête  via  que  isto  era  mal,  era  tão  obe- 
diente que  morrião  por  não  desobedecer  r  &  muytos  fi- 
.daigos  teuerão  desgosto  cõ  ho  gouernador  sobresta  cõtu- 
. macia,  &  hu  deles  foy  Duarte  galuão,  que  sempre  dis- 
se que  ele  não  auia  de  pelejar  cõ  os  rumes,  n&  queimar 
ãS  galés*  E  andando  coesle  temporal ,  forão  os  mouros 
da  terra  dar  auisò  a  qoleimão  rex  que  estaua  em  ludá 
de  caminho  pêra  Constantinopla  a  chamado  do  Turco. 
,£  como  se  soube  na  cidade  a  ida  do  gouernador,  foy  ho 
medo   tamanho  nos  mouros  ^  a  começaoão  de  despe- 
jar. £  como  çoleimão  isto  soube  desembarcouse  de  hOa 
gaJee  em  ^  estaua  embarcado,  &  foyse  a  terra,  &  dete- 
ue  a  gente  cô  boas.  palauras:  &  ajiitando  a  mais  que 
pode  dos  alarues  da  comarca  fortaleceo  a  cidade,  asses- 
tando muyta  parte  de  sua  artelharia  ao  longo  da  praya: 
de  modo  que  se  os  Portugueses  passassem  lhes  ficassem 
de  rosto  &  os  metesse  no;  fundo» 


•  I  •    • 


k 


22  2>A  HISTCmiA  OA  IlfDfA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XIL 

De  úomo  ho  fouimador  chegou  á  cidade  de  ludá ,  ^  a 

cauía  porque  a  náo  tomou. 

Jr  assados  estòs  quinze  dias  de  ponSte^  aoodio  hua  ba- 
fuffe  de  leuante  com  Q  a  frota  cbeg^ou  a  ludá,  ^  he  hiia 
cidade  na  costa  Darabia  cêlo  &  oyiSla  legoas  das  por- 
tas do  estreito  &  clxv.  de  çuez  4  ^^  '^^  ^^^  ^^'^  ^^ 
viote  hfl  grãos  &  roeyo  largos  da  banda  do  norte.  A 
duas  legoas  do  porto  lê  muylos  baixos ,  8  ^  ba  niuytos 
penedos ,  &  daqui  ten  dous  canays  per  t^  eatrão  pêra 
ho  porto  &  vão  è  Toltas,  hú  de  Jeste  oeste,  outro  de  nor- 
deste sudueste ,  &  qu8  vay  por  eles  leua  bo  prumo  na 
mfto  &  sam  tâ  estreitos  que  escassamente  oabe  bfia  nao 

Ênt  cada  bil:  &  por  isto  esta  barra  be  muyto  perigosa, 
o  sitio  deata  cidade  be  em  terra  tâo  seca,  que  nâo  ba 
nenbtk  aruoredo  nem  verdura  deruaa,  &  muyto  pouoa 
agoa  doòe ,  por^  cboue  poucaa  vezes :  seria  a  este  tem- 
po de  mil  vezínhos*  As  suas  casas  de  pedra  &  cal  sohra<> 
dadas,  &  de  muytas  geaeias  &  cbeminés.  He  n\uyto 
abastada  de  mantimentos  que  lhe  v£o  de  fora,  &  de 
muytas  mereaderiaa  porque  ali  se  ajuntauio  todas  as  <| 
hiâo  da  índia  pêra  o  cayro  &  Alexandria:  &  as  destas 
duas  cidades  pêra  á  índia.  A  sete  legoas  desta  cidade 
pêra  bo  sertão  está  a  maldita  casa  de  Meca,  a  que  os 
mouros  fazem  suas  romarias  (oomo  os  Cristãos  íazem  ao 
eancto  sepulcro  de  Hierusaiõ)  por  estar  nela  bo  4^ancar<- 
rfio,  Q  ehamão  do  abominauel  Mafamede.  Gbegado  bo 
goueraador  a  estes  baixos  quedi^o  foy  surgir  com  toda 
a  frota  bua  legoa  da  cidade,  aa  vista  dela  na  praya :  doa- 
do tambg  a  frota  foy  vista :  &  come<;arãlbe  a  tirar  cò 
a  artelbaria  ^  estaua  na  praya.  E  os  pelouros  erão  tam 
furiosos  que  fazião  cbapeíetas  no  mar ,  &  todos  de  ferro 
coado:  &  muitos  cayrâ  na  frota.  E  na  capitaioa  se  pe- 
sou bil  que  pesaua  setenta  arratfis*  £  daqui  mandou  bo 


X.IVB*  in.  GA-piTiTLo  nr.  23 

gouernftdor  wndâr  o8  canaeÍB  por  ^  AfSio  de  meneses, 
&  por  Diois  feniSdes  de  ineb :  que  j^espots  de  soadadot 
Ibe  forSo  dizer  a  maneira  doa  eanaeis  ^^&  Q  bS  poder  ião 
as  galés  entrar  por  eles,  porS  que  sempre 'auião  de  ficar 
com  08  costados  de  rosto  com  a  artelheria  dos  fmigoe, 
pelo  Q  nAo  auifl  de  poder  jugar  coin  a  soa  Q  leuaaflo  nas 
proas ,  &  por  isso  oio  poderiSo  faser  aetihfi  dano  coeia^ 
ites  receberift  tito  da  de  terra,  (}  ou  os  meteria  no  fun^» 
do,  ou  os  mataria  a  todos  antes  que  cbeg assem  a  ter»« 
O  S  ouuido  polo  gouernador  praticou  o  Q  faria  nisto  c5 
à5  Ôontjalo  coutinho:  &  c6  Afonso  íopez  da  costa,  que 
erão  os  deus  mais  ãtigos  capitães  da  ã^ota :  &  assentou 
ooeies  que  se  podesse  mãdar  encrauar  a  ar  telharia  que 
os  fmigOB  tinhão  na  pra^a  que  desse  i^a  cidade :  porQ  cíl 
a  artelharía  encrauada  bo  faria  sem  perigo.  E  quando 
dSo  mi  podeme  enerauar  que  nio  desse  na  cidade ,  por«> 
que  estaua  certo  mataHbe  a  «rtelharia  quantos  ieuase , 
quando  lhe  não  metesse  as  galés  no  fundo :  &  por^  a  ar* 
iel4mria  ee  podesse  mitfaor  encrauar ,  que  mSdasse  queí^ 
mar  aa  duas  nsos ,  &  fao  gateSo  que  ^etaufto  surtos  no 
porto  :  por^  c8  a  reuolta  do  fogo  perderíSo  os  f  migos  ho 
têtò  da  arteíbana.  fi  kto  as(BJ6iado  falou  bo  gouernador 
aecreiatnente  c6  dsiis  dirístSos  ^  fQgit&o  de  ludá  na  gel- 
aa,  eneotnendidcdfaes  ^  quando  fossem  queimar  as  nãos 
ike  fossem  encrauar  a  arteHiaria  dos  fmigos.  O  qtie  eles 
togo  duuidarSo  de  faver  auefido  por  inconueniente  amuy« 
to  grsttde  vigia  Q  os  rumeá  tinhfio,  &  cõ  ludo  hogouer'- 
nador  os  mandou  em  bfla  almadia,  de  v«I(a  eS  certca 
capitães  Q  forfto  em  batais  eò  atgtla  gente  a  <|imar  as 
nãos  &  iio  galeSo.  E  oomia  t«dois  os  da  frbta  estuuflo  al<- 
ciorotçados  &  desejosos  de  dar  na  cidade ,  nSo  sabendo  a 
tençjk)  tno/m  que  bo  gouernador  ma«daua  qaeinwarasiiaos 
euydarâo  que  se  ^ria  con^&tar  coieso :  <&  logo  disserfta 
qoe  náo  auia  de  dar  na  cidade  (A:  assi  se  soube  que  he 
dtsae  SoleimSo  rex)  &  foy  sobre  tsso  grsndc  niormura* 
<^  per  toda  a  frota.  £  posto  ^  as  vines  fora  queimadas 
Di  doua  christSos  vak>  põdetSo  eucmuar  a  artelbartu  por 


24  DA    HISTOnrA   DA    ÍNDIA 

a  grande  vigia  que  os  mouros  tinhão.  £  com  quanlo  is* 
to  foy  inuyto  secreto  soubese  logo^  porQ  eles  ho  disseráo 
a  Gaspar  da  siiua ,  em  cuja  galé  se  agasalhâuâo :  &  ele 
ho  disse  a  outros  de  Q  se  rompeo.  E  sabSdo  o  gouerna- 
dor  como  se  a  artelharia  nSo  poderá  encrauar  íicou  muy* 
to  triste  &  agastado^  por  perder  tamanho  gosto  como 
trazia  pêra  dar  na  cidade:  &  tamanha  bonrra  como  fora 
queimar  a  frota  do  soldâo,  &  destruir  a^la  cidade,  on- 
de ele  fora  ho  primeiro  capitão  Português  que  chegara : 
éc  tão  imenso  trabalho  como  leuou  co  todos  os  da  frota 
em  chegar  ali.  E  com  muyto  grade  magoa  de  tantas 
perdas,  que  não  podia  encobrir  no  rosto,  assentou  de 
não  dar  na  cidade ,  com  receo  de  perder  4)uanto8  leua» 
tia.  E  pêra  ho  dizer  aos  capitães,  £dalgos,  &  pessoas  prl- 
cipaes  da  frota,  ao  outro  dia  ás  noue  horas  chamou  a 
cõselho:  &  jatos  lhes  disse,  tt  Bê  sabeis  todos  como  por 
mandado  dei  rey  meu  senhor  viemos  buscar  a  frota  do 
soldão  pêra  pelejar  coela,  esperando  S  nosso  senhor  de 
a  desbaratar,  &  desapresçar  a  índia  dos  rebates  Q  tinha 
cadãno  cõ  a  esperancja  de  sua  ida :  &  não  a  achado  em 
Adê,  nS  em  Gamarão,  nos  foy  forçado  chegar  a  esta  ci- 
dade  cÕ  tãtos  trabalhos,  fadiga  &  perigos  como  passas- 
tes. E  cuydãdo  de  a  achar  no  mar  a  achamos  varada, 
&  os  rumes  em  terra  tão  fortalecidos  como  vedes :  &  eu 
sey  que  estão  per  dom  Afonso  de  meneses  &  Dinis  fer- 
nades  de  melo ,  por  quê  mandey  sondar  os  canaeis  per 
4  auiamos  dentrar  no  porto :  que  me  disserão  que  sam 
em  voltas:  &  tam  estreitos,  que  as  nossas  galés  em  ^ 
fazia  conta  dentrarmos  não  podS  entrar  se  não  hijasdian* 
te  das  outras:  &  sempre  com  os  bordos  no  rosto  da  ar<- 
telharia  dos  Imigos,  Q  primeiro  que  tomemos  terra  nos 
pode  matar  a  todos  &  metemos  no  íudo :  &  nos  a  eles 
não  podemos  fazer  nenhil  dano,  por  não  íicarS  nunca  a 
tiro  da  nossa  arteliiaria  que  vay  toda  de  proa.  E  ainda 
que  eu  tenho  regimSto  dei  rey  meu  senhor  que  não 420* 
lejasse  em  terra  se  não  no  mar:  cõfiãdo^m  nosso  senhor 
que  nos  ajudaria  quisera  pelejar  coe^tc^  rumes  6  terra, 


LiVRO   Iltf.    CAPITVLO   XtU  2» 

MB  Dio  (ora  ho  perigo  grandíssimo  da  entrada  em  Q  nos 
jXMÍeiíios  perder.  £  respeitando  a  de ,  &  nSo  ao  desgoa- 
to  que  nos  ha  de  ficar  de  nSo  pelejarmos ,  não  diga  ne- 
Bb&  de  vos  o  que  disserflo  os  cayados,  que  pelejassem 
pois  aK  estaoão:  por^  posto  que  nossa  vinda  aqui  fosse 
^soessa  determioaçã ,  não  se  ha  dauer  respeito  senão  ao 
^  podemos  fazer  a  nosso  saluo :  porque  cometermos  esta 
cidade  com  ficarmos  vencidos  nâo  me  parece  Q  he  es- 
forço pois  lhe  não  podemos  fazer  nenhQ  nojo :  &  eles  a 
-iios  tanto,  que  nos  matarSo  antes  que  tomemos  terra: 
•quanto  mais  ^  a  gente  que  temos  ^  pode  pelejar  he muy- 
to  pouca ,  assi  pola  que  morreo  &  he  doente  como  poia 
que  nos  falece  da  nao  de  dõ  loã  da  silueira  meu  sobri- 
fiho,  &  os  malabares  Q  nos  auiã  de  fazer  grande  ajuda 
oÔ  soas  firechas.  £  ainda  ^ta  pouca  (}  ha  pêra  pelejar 
be  necessário  que  se  reparta ,  &  fique  dela  goardando  a 
irota:  pofqne  es  imigos  a  não  queirafi  em  quanto  for- 
mos. Assi  ^  nos  fica  tSo  pouca  gente  pêra  cometermos 
■Wk  cidade  que  não  faremos  nada.  £  acõtecêdo  o  4}  eu  re- 
ceo  peidersea  a  índia  porQ  nfio  terão  os  seus  reys  q  te- 
mer pêra  se  leuaotar  cõtra  as  nossas  fortalezas ,  (}  sam 
-as  qae  importáo  ao  estado  dei  rey  meu  senhor,  &  Qymar 
as  galees  do  soldão  nenhQa  cousa,  èc  tomar  esta  cidade 
snenosf  porque  elas  aebandoas  no  mar  sam  nossas:  E 
ela  posto  '^  não  se  tome  não  se  perde  nisso  nada ,  pois 
por  ser  tão  lôge  da  índia  não  se  pode  soster :  &  parece- 
se  mujto  mal  aoenturarse  gente  em  cousa  que  se  ha 
de  deixar.  E  acabando  de  dizer  isto  os  primeiros  ^fala- 
rão forão  dom  Gonçalo  coutinho,  &  Afonso  lopez  d  a  cos- 
ta :  &  sem  darê  seus  pareceres ,  disserão :  Q  qu6  tinha 
«visto  mais  cousas  ^  ho  gouernador ;  nem  qu8  era  mais 
esforçado  &  por  el  rey  saber  que  era  assi  confiara  dele 
a  índia,  &  pois  a  cdfiaua,  &  a  ele  lhe  parecia  l\  não  era 
bê  cometerse  a  cidade,  que  pêra  l|  era  mais  cfiselho  de 
nlguS,  se  não  tomarse  ho  sen  que  era  ho  principal.  Do 
que  todos  os  outros  ficarão  muyto  escãdalizados ,  por^ 
crerão  que  ho  gouernador  tinha  praticado  ho  caso  com 

UVBO  IIII.  D 


28  PA   HISTORIA   ]U   ÍNDIA 

gqueles  douP)  &  por  seus  pareceres  sonofi  te,  &  pob  sen^ 
não  queria  pelejar,  sem  tomar  mais  ho.de  ningufi,  &  ^ 
deles  fazia  cqnla ,  &  não  dos  outros*  £  os  mais  veda  a 
cousa  como  bia ,  se  forâo  cõ  bp  parecer  da^les  deus.  G 
outros  mais  as&edos  forSo  cdtra  iâso  frendo  dar  reafiee 
por  onde  era  qecassario  pelejar  dÍ2;õdo.  Que  cousa  ver- 
gonhosa seria ,  &  qom  Q  os  Portugueses  perderiSo  todo 
o  credito ,  nSo  pelejar  hCLa  frota  tam  poderisea  como  ^ 
quela  parecia^  com  todo  ho  poder  do  soldão,  quanto  mais 
eÕ  tam  pouco  como  tinbâo  sabido  ^  eslaua  naquela  cè- 
dade.  Porque  os  mouros  auiâo  de  sal^r  muyto  bê  a  muy- 
ta  gente  Q  ae  embarcara  naquela  armada,  que  (isssauao 
de  ires  mil  pessoas,  &  nSo  auião  de  adaiiabar  a  Q  U^e 
morrera  na  viagS :  nem  a  Q  lhe  fallauA^  nem  a  Q  estaua 
doente :  &  vendo  que  nâo  pele^uXo  creriâa  que  ej?a  4e 
medo :  pelo  ^  todo  o  que  at^li  tinhão  dos  PortugueMB 
auião  de  perder ,  &  nâo  os  teriSo  em  conta ,  o  que  <er» 
tSo  necessário  que  não  fosse  como  soster  as  ferlaJiesMs 
da  índia,  a  que  os  mouros  logo  poeriâo  cerco  como  pen- 
dessem ho  medo  a  quê  as  auia  de  defender :  &  por  m^ 
somente  era  necessário  pelejar,  que  posto  que  se  cosresh 
se  perigo  no  desembarcar^  não  era  tamanho,  nõ  tama^ 
nha  perda  morrerem  nisso  algus  homês ,  pois  nSo  auifts 
de  morrer  todos ,  camanbo  era  perderse  no  credito  das 
Portugueses  &  camanha  seria  crerS  os  mouros  oomo  ea^ 
taua  certo  crerS  que  por  medo  &  não  por  outra  causf 
deixauão  de  pelejar.  E  mais  que  pêra  Q  era  farense  tãr 
roanho  caso  da  artelbaría  dos  imigos,  que  parepia  deses<- 
perar  da  misericórdia  4^  nosso  seâor,  que  tantas  veaes 
liurara  na  ladia  os  Portugueses  de  muytos  mayores  per 
rigos  que  aqueles:  &  que  assi  os  liuraria  enlã:  porll 
não  mostraua  ele  seu  poder  se  não  Õde  ho  humano  das* 
falecia :  &  por  isso  auião  de  pelejar.  E  cõ  todas  estaa 
rezSes ,  como  erão  ntiais  os  que  forão  de  voto  ^  não  pe» 
lejassem ,  não  se  tomou  ho  |>arecer  destes. 


LI7S0  UII.  CáPITVLO  XIII*  '  27 

C  A  P  I  T  V  L  O     XIIL 

IH  como  ha  gouémador  se  partw  pêra  Camarão  ^  4"  da 

muyta  gente  q  lhe  morreo. 

Jtiilmcado  poU  frota  Q  ho  gouentador  aSo  atisa  de  dar 
na  cidade  ^  fby  ho  escândalo  tamanbo  cm  toda  a  gente 
^  «a  oouea  espantosa:  &  dezião  sem  nenhtl  medo  que 
JsSe  podia  ser  maiyor  jodaria  f\  a^la ,  não  cometer  hHa 
e\daâe  tSo  pequena  oom  tanta  gente  &  t&o  esfori^ada: 
&  c&  iâlas  munições:  \  tinha  poder  pêra  pelejar  cõ  ho 
turco ^  quãto  mais  €om  aquela  cidade:  &  outras  cousas 
H  a  gSte  da  guerra  diz  quando  os  seus  capitães  não  fa- 
a6  aa  cousas  que  lhes  parece  bê.  E  os  Q  erão  do  tempo 
4Afoflao  dalbuquer(|  trazia  á  memoria  seus  cometimen- 
tos sem  medo :  seu  esforço  &  suas  grandes  vitorias.  E 
^eaíio  todos  rauyias  injurias  contra  ho  gouernador  por 
não  cometer  a  cidade:  &  cõtra  os  capilitesporQ Ihocon* 
aanlUbi.  E  bfi  ho  sabia  eUe ,  mas  não  ousaua  de  falar , 
k  «staoa  muyto  triste.  E  pêra  ^ver  se  podia  amansar  a 
geaie  deitou  fama  que  auia  dir  com  os  nauios  peflnos 
4  eoata  dAbâaia  a  ieuar  Duarte  galuão  ao  porto  de  Ma- 
çua :  &  assentar  amisade  com  ho  preste»  Mas  nS  c6  is- 
to ae  contentou  a  gente :  &  mais  por  amor  que  se  dete- 
me  ho  gouernador  algCIs  dias  por  causa  do  tempo  que  era 
coatrairo  pêra  a  partida :  &  forft  neste  espaço  os  da  fro- 
ta muyto  apressados  dos  tiros  dos  fmigos.  £  passados 
.quatro  dias  se  lançou  na  frota  h&  Chrístão  chamado  Lou- 
rè(jo  catioo  de  Soleimão  rex,  que  disse  na  galé  de  Gas- 
par da  silua  (Míde  foy  ter  primeiro,  que  por^  não  desem- 
iMWcaoa  ho  gouernador,  &  que  esperaua  mais,  por^  So* 
Jeímáo  rex  estaua  cA  muyto  grande  medo  dele :  &  assi 
quãtoa  estauão  aa  cidade :  &  a  tinbão  despejada  de  suas 
fiiaidas,  pêra  que  se  ho  goueraador  a  fitrasse  as  terS  em 
aaino,  &  que  se  ele  desembarcara  em  chegando,  Q  ain- 
da achara  todo.  B  de  tudo  isto  4  Lourenço  dezía ,  aão 

Dá 


a$  DA  mSTOflíA    BA    KfUTA. 

disse  mais  nenhua  cousa  despois  Q  ho  gouernadòr  falou 
coele.  E  neste  t§po  virSo  dá  £rota  poér  em  terra  a  bor-* 
da  dagoa  htla  vara  aruorada  cõ  bQa  caria  pendurada.  JS 
cuydarKio  os  Portugueses  que  era  algti  autso  forão  atgfts 
por  ela,  &  derãna  ao  gouernadòr,  que  vío  que  era  de- 
Soleimão  rex  escrita  em  castelhano.  E  dizia  que  estan- 
do ele  de  partida  pêra  o  cayco  soubera  sua  vinda  ^  pelo 
Q  deixara  de  partir,  por^  pêra  tal  ospede  como  he  go- 
uernadòr ,  era  necessário  tai  hoB)8  como  ele  pêra  o  aga- 
salhar: &  tSdolhe  a&  pousadas  prestes  ho.  via.  partir  sem 
querer  pousar  ^  ^  folgaria  de  saber  a.  causa.  E  entendi- 
do ho  goueenador  a  rebolaria  de  çoieymâo,  &comozoai* 
baua  dele.  Respondeolhe  por  escriplo,.  dizendo  (}.  ele  ln> 
fora  buscar  a  A.d3  &  a  Camarão  pêra  pelejar  coele ,  no 
que  perdera,  duas  nãos  &  hila  galo ,  &.  polo  nã  aehar  fo- 
ra ali  ter  ouy dando  de  ho  achar  no  mar  ode  lhe  mostras- 
se a  võtade  que  trazia  r  &  4  ^o^  acfaaua  em  terra  onde 
nSo  podia  sayr,  &  por  issonâò  pelejaua  eoele,  mas  4 
•se  bia  inuernar  a  Camarão,  õde  se  ele  quisesse  ir  par 
todo  Agosto  veria  quâto  melhor  gasalbado  lhe  fazia  do^ 
ele  fazia  a  ele.  E.  deixada  a  carta  em  terrat  foy  tomada 
&  leuada  a  qoleymSa,  que  não  repricou  nem  foy  buscar 
ho  gouernadòr  a  CamarSo,  porque  sabia*  Q  no  mar  os 
Portugueses  auião  de  leu^  a  vitoria.  E  despois  4isto 
dous  ou  três  dias  se  parlio  ho  gouernadòr  pêra  Camarão^ 
dizendo  Q  não  queria  ir  a  Maçua  por  nâ  partir  a  arm»- 
da  &  ficar  pouca  cousa  em  cada  parte :.  porque  çoley*- 
mão  rex  tinha  armada ,  &  sabSdo  que  hiao  aparlados 
4iayria  a  eles,  &  daribeshia  fadiga.  E  prosseguido  sua 
viagem  pêra  Camarão,  esteue  a  gente  em  risco  de  <nop- 
•rer  toda  de  sede,  por  auer  tão  pouca  agoa  na  frota,  qiie 
pêra  abastar  não  se  daiia  a  cada  pessoa  mais« de  meo 
quartilho  dagoa  pêra  todo  ho  dia,  sendo  a^la  paragê  tão 
quente  de  seu  natural,  2|  não  podem  os  homêsviuersem 
se  lauarem  todos  muytas  vezes  &  os  abanarfi :  &  mais 
era  grande  calmaria,  com  que  se  deteue  na  viagena 
ho  três  dobro  do  que  se  ouuera  de  deter  cd  que  a  g6ie 


iiYBO .  iiii.  CAPrryjko  xiiu  .s» 

mais  desmayaua,  &  muyta  morria  de  pura  sede  que  se 
Ibe  secauflo .  òa;  bQfea  &^  oiifrá>doépia\  E  era  medonha 
&  piadosa  couaa  de  ver  os  gemidos  &  clamores  ^  todo» 
íaiiâo  contra  ho  gi)uef  ikador  poios  leUar  a  morrer  sem  fa- 
aer  oeniiA  seruiço  a  Deos  nS  a  el  rey :  &  assi  chegou  a 
Camarão  em  Mayo,  que  se  mais  tardara  hii  dia  quasi 
toda  a  gente  lhe  morrera,  por^  algiis  nauios  cfaegario 
aem  bocado  dagoa.  £  se  passarão  na  viagS  trabaJho  de 
sede,  em  terra  passarão  iminÇso  de  fome:  porque  como 
a  ilha  eslaua  despouoada  não  se  acharão  mãtimeotos^  & 
na  frota  hião  tão  poucos  que  ninguém  não  comia  maia 
que  arroz  cosido  &  h&a  v^z  no  dia,  &.quB  podia  pescar 
algQ  pescada  maslurado  coele :  &  coesta  fome  lhe  mop- 
teo  aqui  grande  soma  d«  gente  principaimente  da  do 
remo ,  &  cayão  mof  toa  como  que  fora  pésle  ^  &  de  fra- 
cos náu  podiáo  08  viuos  soterrar  os  mortos ,  &  nunca  se 
tamanho  desbarato  -vio  de  gftte  .aomo  este  foy.  £  cuy^ 
dando  hagouernador  {[  podessoiauer  algfls.maatimentoe 
da  teria  firme  mandou  iá^  Jk  os  mouros  4  arão  immigoa 
fc.  sab\io  como  ho  gouernadoç  .não  pelejara  em  ludá  não 
aomête  não-qoisecão  d^tr^oa  mantimentos,  mas  ainda  ma- 
tãtio  ãlgãã  Portugueses,  &  ho  «esmo  aconteceo  na  ilha 
^e  Dalaca^  mandado  ho  gjouernador  ho  caraneião  a  Ma- 
^ua  a  saber  se,  poderia  hi.  mandar  Diiarte  galuão  pêra  ir 
da  bi  ao  Prestei^  &  antre  oa  mortos  foy  ho  oapítáu  do 
earauelão,  por  euja  morte  d&u  ho  goueroador  a  capita- 
Aia  ao  pitoto  4  *®  chamaua  Pêro  v^z  deuera,.&  não  foy 
necessário  mãdar  o  gouernador  Duarte  galuão,  porque 
lòy  nosso  s^ãor  de^ho  leuat  deste  mundo,  nesta  ilha  tão 
apartada  dé  sua  natureza,,  que  foy  grande  perda  por  ser 
liôm&  de  taato  preço  como  disse  no  liuro  terceiro. 


SO  Ak  MBTOmA  VA  IJTDJTA 

■ 

C  A  P  I  T  V  L  O    xim. 

De  como  Evtor  tadriguex  de  Caibra  tó  UcSpa  da  rainha 
de  Couíâàfez  kok  casa  de  feytaria  em  Coulão. 

X? 

XlájloT  rodrigu62  ^  bía  por  feytor  a  Gouião,  despois  4 
partio  deCocfaím  chegou  aCSoulS  bo  primeyro  dia  de  (e^ 
uereyro  de  mil  &  quiahftlos  êc  deeassete ,  &  logo  foy  fa* 
lar  á  rayàha  de  CoutâO)  a  quS  deu  hu  presente  <}  lhe 
leuaua  da  parte  do  gouernador^  &  oolrod  aos  seun  rege- 
dores. £  estando  jQtos  ela  &  eles  ihes  requereo  como 
leuaua  por  regimento  Q  per  virtude  da  capitula<;ão  das 
paaes  Q  estaua  feyta  maudassem  IbgolF^er  a  igreja  do 
apostolo  sam  Thome  ^  &  pagassem  cento  &  sessenta  & 
seys  báre^  de  pimêta  Q  (içarão  deu6do  do  anno  paissado 
dos  quifthêtos  que  aruiáo  de  pagar  como  disse  atras. •  E 
res|)on(}erão  f\  estauXo  muyto  prestes  pêra  cõprír  toda  a 
capituiâ^So  das  paaes^  poreoi  <}Àé  h^o  não  poma  ser  porQ 
a  rainha  estaua  pêra  partír  ao  outro  dia  a  fazer  guerra 
a  el  rey  de  Tranuancor  seu  vezinho  qtie  a  tinha  desa- 
fiada f  &  por  isso  bSo  podia  deixar  aguefci  empresa ,  & 
também  por  ter  sua  géte  jonta  8c  os  pulas  que  auião  dir 
coela :  &  que  em  quanto  á>sse  deixaria,  dada  ordem  pê- 
ra que  se  ajuntassem  os  máteriaes  pêra  edificado  da 
igreja  ^  se  auia  de  faser.  E  a  mesma  rainha  disse  apar- 
tadamente a  Eytor  rodriguez  que  lhe  rogaua  4^'^  quan- 
to ela  fosse  á  guerra  não  apertasse  so1>re  os  dereytos  & 
rSdas  da  igreja  que  se  auia  de  fazer,  que  eia  era  obri- 
gada a  restítujr  por  iudo  ser  dado  a  Pulas  &  Nairés 
muy  prinòipaes  que  ho  não  auião  dalargar  sem  ela  ser 
presente.  E  apertando  sobrisso  em  sua  ausência  pode- 
ria suceder  híl  roao  recado  de  que  lhe  pesaria  muy  to, 
por  isso  lhe  aconselhaua  1}  esperasse  ate  sua  tornada, 
porque  ela  compriria  tudo  como  era  obrigada:  &  que 
nisto  descansasse ,  porque  ela  desejaua  muyto  de  coser* 
uar  a  paz  que  estaua  assentada ,  &  que  era  grande  ser^ 


wdar  dei  rey  de  Poftugal.  O  que  Ibe  Eytor  nàúgnw 
agardeeeo  jouyto  de  iua  parle,  &  «e  lhe  oSéreceo  muy- 
to  pêra  a  aeruir :  &  vQndo  a  boa  wolade  que  aehaua 
Ae\a  pêra  ho  aeraÍQi^  dei  rey  de  Portufai  pediolhe  apoa- 
sentaoifilo  pêra  poetar  copi'  aeu  efitrioâo  &  bomês  da 
fejrtona,  eiD  que  podease  bem  agasalhar  as  mercadorias 
^  /euaua ,  &  quando  oâo  ouuesse  este  apousentamSto 
lhe  desse  lugar  pêra  fazer  biia  casa  pêra  isso ,  que  assi 
bo  Jeuaua  por  instrução  do  gouèrnadbr  ^  de  quem  sabia 
em  segredo  que  determinaua  de  fazer  ali  hQa  fortaleza 
trazendo  bo  vDeos  do  eatreito ,  per  isso  que  se*  lhe  des- 
sem licen<^  pêra  fazer  a  easa  a  fizesse  em  lugar  que 
ibsse  bo5  pêra  fortaleza.  £  a  rainha  lhe  respõdeo  ,  que 
posto  que  aquilo  era  fora  da  capitMla^çáo',  das  casas,  que 
eia  deaejaoa  tanto  de  aeruir  a  d  rey  de  Portugal,  &  de 
ter  paz  eaele  i|ue  era  Qonteiiie.de  dar.Jsigar  peraae  £1^ 
aer  a  eaaa  fide  Ibe  a  eie  panoesse  b&,  &  ao  oútso  dia 
Ibo  asainacia  cS^os  reged^á  ^.a  isae  auiâo  de  ser  pre^- 
aentesu  £  com  quanto  a  laíiiba  isto  prometeo  tão  len^ 
BseníLe,  \flue  graades  coatradtfèea  pêra  se  còmprir :  porl[ 
eome  oa  mourca  da  teri!a  bo  setiborSo  &  lhes  pesaua  em 
eaframo  dè  ar  Portuguoies  ali  assentarem  ,  pori|.  tinbão 
•erio  deilalos  fora  ^  oonaelharâai.aaa  regedores  i|  per  n» 
Bhii  nodo  eõsentsaaem  íaieDie  aquela  casa ,  porque  eom 
aome  de  feytosíaae  aufa  logo.de  tornar  for taieza^  coro  ^ 
oa  Portttgueaea  lhe  auiâo  de  toonar  a  terra  y  que  assi  ho 
costumauAo  os  Portugueaea ,  &jad.  nome  de  fey tortas  ti- 
Bhãe  feytaa  todas  auais-  foptaleziaa,  &  fizerâo  com  duU^a 
rainha  4  ae,  ehamaua.de  Gomorim.  poc  aer.irmaã  dal  ney 
de  Comonnt,  &  com  doua  filhoá  seus  tSf  consplhaaaem  ho 
mesmo  á  rainha  de  C!oalão  &..aos  regedores.. £  com  tu>^ 
do  nonca  poderão  raou«r  a  eht  nfi  á  eles,  porque  ela;  por 
desabar  nmyto  a  paz  os<  abrandou  de  maneyra  que  forâa 
muyto  Qontentea  de  «far  licdija  pêra  se  hzer  a  caea:  & 
também  a  jgaaede  diligencia  que  poaBilor  rodrigueaem 
os  peitar  &  iHSCBuadir  ^.  Ihe.daaaem  lugar  pêra  fazer  a 
casa.  £  jantoa  eitm  a  rainha  Ibe  dsnSo  â  licença ,  moa<>- 


8t  DA  RISTORfA  DA  ÍNDIA 

trandose  todos  muyto  desejosos  do  seruiço  dei  rey  dé 
Portugal :  &  por^  bo  lugar  onde  se  auia  de  fazer  esta 
casa  foy  deixado  ê  escolha  Deilor  rodrigoes,  escolhe  ho 
detrás  do  circuito  da  igreja  que  fora  de  saro  Tbome,  & 
tão  perto  do  mar  que  se  podia  chegar  a  ele  com  htia 
pedra,  começou  logo  de  fazer  bQ  grande  cerco  de  taipa 
com  hil  poço  ^lentro  da  muyto  boa  agoa. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XV. 

Do  risco  ^  correrão  os  Portugueses  que  estauâo  é  Coulãê 
em  quanto  ho  gouemadorfoy  ao  estreito. 

xlLSsinado  ho  lugar  em  Q  Eitor  roárigoez  auia  de  fazer 
B  casa  a  rainha  se  partio  pêra  sua  guerra  deixando  ho 
muy to  encomendado  aos  regedores ,  Q  bo  fauorecessem 
&  ajudassem  em  tudo  o  de  que  teuesse  necessidade.  E 
prosseguindo  ele  sua  obra  despois  de  ter  feyto  ho  cerco 
-que  digo ,  começou  de  fazer  hfla  casa  sobradada  cO  as 
paredes  de  taipa  &  cuberta  doía ,  &  nã  iioou  pessoa  em 
CoulSo  que  a  nâo  fosse  Ter  quando  a  fazíão :  &  os  tnou* 
ros  diziSo  aos  g^tios  ^  aquilo  era  fortaleza ,  &  que  dali 
auião  os  Portugueses  de  tomar  a  cidade*  £  como  os 
gentios  crê  ligeiramente  4]ualquer  cousa  criâo  isto ,  & 
indinauSose  muyto  contra  os  Portugueses  prindpalmen- 
le  despois  que  a  casa  foy  acabada,  &  faziâlhe  mil  sobra- 
-carias  &  dauâlhe  encontros  .onde  os  topauSo,  &  vindo  be 
inuerno  se  desauergonharâo  maie  a  isso,  porque  sabiSo 
que  ho  gouernador  era  ao  estreito.  £  os  mouros  lhes  fa* 
zíão  crer  4  ^^  fumes  fao  auiâo  de  matar  com  quantos 
biáo  coele:  &  tanto  affirmauâo  isto  Q  passando  por  jun» 
to  dos  Portugueses  lhes  brâdião  as  espadas  nosoiboe, 
pêra  os  prouocarem  a  ira  com  que  desembainhassem 
coeles  pêra  Xerê  causa  de  se  leuantarem ,  que  doutra 
inaneyra  não  ousauSo  com  medo  dos  regedores  que  es- 
tes fazião  que  ae  teuessem  em  si.  E  como  Eitor  rodri- 
jguez  isto  entedia  mandou  aos  Portugueses  j|  não  fossem 


UVftO   IIII.  CAPITVtO  XTI.  83 

&  cidade  "nem  sayssein  do  cerco  da  feytoria,  &  dissimu* 
laua  com  tudo  por  d2o  vir  a  rõpimento  &  Jbe  acontecer 
como  a  António  de  si.  E  asai  esteue  nesta  opreasam 
ate  que  veyo  noua  de  como  lio  gouernador  era  viuo  & 
ficaua  em  Ormuz:  &  íj^  náo  ousarão  os  rumes  de  sayr 
de  ludá  a  pelejar  coele :  &  isto  quebrou  muyto  os  spirí* 
los  aos  mouros,  &  temendo  que  ho  gouernador  os  casti-» 
gasse  polo  passado  ^  não  vsarão  de  mais  sobraoçarias  cõ 
o8  nossos,  &  tambS  os  gentios.  £  neste  têpo  veyo  a  rainha 
de  CouISo  de  sua  guerra  que  tambê  fauoreceo  Eitor  ro«- 
àríguez,  &  os  que  estauão  na  feytoria  &  ficarão  em  paz* 

!  C  A  P  I  T  V  L  o    XVI. 

jDe  como  dom  Ftmâào  de  monrroi  ^  loão  gonçcduez  de 
coado  brãco  tomarão  duas  nãos  de  mouros  nas  ilhas 
de  McdditÂa. 

Jl  artidos  dom  Fernãdo  de  morrei  &  loão  gonçaluez.-de 
caalèlo  branco  em  busca  de  Jerónimo  ^e  s^usa  forão  ter 
às  ilhas  de  Maldiua ,  &l  tomando  a  cada.  bA  por  seu  ca- 
bo  como  /euaoão  per  regimento  do  gouernador ,  nâo  a- 
eharão  lerònime  dia  sousa ,  mas  derâbe^noua  Q  fora  ali 
ler ,  &  ^  se  fizera  logo  na  volta  de  MeHnde ,  êde  se  ou- 
iie  tão  mal  com  lio  piloto  &  com  ho  mestre  do  seu  na* 
vio  Q  lhes  fez  lembrar  como  ele  hia  leuaatado ,  &  a  pe- 
sa §  tinbão  por  irfi  coete ,  pelo  (}  determinarão  de  ho 
prender  &  leualo  ao  gouernador.  E  assi  bo  fizerão,  & 
preso  leronimo  de  sousa,  se  partirão  com  ho  nauio  pêra 
ho  cabo  de  Goardafum  òde  esperauâo  daobar  bo  gouer- 
nador: &  neste -caminho  por  bo  nauio  fazer  muyta  agoa 
se  mudarão  a  btla  nao ,  &  nesta  mudada  se  tsoltou  Jeró- 
nimo de  sousa,  &  foy  despois  ter  a  Goa,  &  por  isso  dom 
Fernando  nem  loão  gõçaluez  bo  não  acharão*  E  andado 
em  sua  busca  toparão  duas  nãos  dei  ^ey  de  Cambaya 
que  auia  annos  que  andauão  fora  de  Cambaya  tratado 
por  muytas  parles,  &  por  isso  traziâo  muyla  rtquega.^ 

LIVRO    IlII.  B 


B4  IVA  HISTORIA   DA  llflXA' 

&»  ándaua  pet  e&pilão  delas  hCl  moura  ckamado  Cogea» 
quiM  qae  foy  catíao  cÒ  qufilofi  vinhao  oas  nãos  2)  forfld 
tomadas  (posto  q  êl  rey  de  Cambaya  eaUua  de  pas) 
porQ  tfâc  leaauflo  cartazes.  E  despois  de  G>g^eaqiiini  oik 
tiuo,  comeo  &  durmio  cõ  taato  repouso  ^  &  lanto  dês»* 
raatainento  <:otno  se  estioera  em  soa  casa«  E  espantan^ 
dose  daquilo  dd  Fernando  &  loio  gt^ftijaltieB :  disselbei 
ele  que  nSo  se  agasftaua  port)  aquilo  era  ventura  (a  que 
M  mouros  eh  am£)  iiAoibo)&Qqciando  partir  a  de  soa  casa 
partirá  pêra  ser  seu  feytor  &  seu  catiuo,  por  isso  ^oão se 
aula  degastar.  E  não  ai^hando  dom  FernaUlo  &  loâo  gon« 
çaluez  mais  presas^  &  por  se  chegar  ho  inuerno,  partira- 
se  pêra  G)chim)  &  dali  pêra  Goa^  onde  leiiarSo  as  nãos» 

C  A  P  I  T  V  L  O    XVU. 

Do  que  fez  dó  loâo  de  Monrroi  indo  darmaia  de  Goa 

ate  Chaul. 

MJJm  quanto  dom  PernSdo  &  loão  goa^aluez  forlo  áa 
ilhas  de  Maldiua  mandou  dÒ  Goterre  capitão  de  Gea  a 
dom  loâo  de  mõrroi  seu  sobrinho  com  sete  fustas  dar-^ 
mada  ao  iongo  da  costa  ate  aien  de  Gfaaul  pêra  fraer 
presas  &  segurar  a  nossos  amigoa  j|  per  ali  nauegassem 
&  forâo  por  seus  capittoi  domingos  de  seixas,  A nrrique 
de  touro,  paios  oerueira,  Pêro  jorge  &  outros  dons  a  que 
não  soube  os  nomes.  E  indo  assi  darinada  foy  ter  ao  rio 
do  pagode  ondo  ate  Ba<^im  tomou  hSa  nao  de  mouros 
do  mar  roko  carregada  de  mercadoria ,  &  os  mouros  es* 
caparSo  por  fazerem  varar  a  nao,  &  acolherâse  a  terra 
sem  pelejarem :  &  estando  na  barra  de  Baçaim  foy  ter 
coele  ii{i  Aiuaro  da  madureyra  que  auia  dias  que  anda« 
oa  ieuantado  &  forasse  pêra  os  mouros ,  &  disse  a  dom 
loão  que  se  queria  tornar  pêra  os  nossos ,  j}  lhe  fizesse 
esmola  dalgfl  dinheiro  pêra  se  vestir.  O  que  dom  loão 
fez  ae  boa  võtade ,  &  prometeolhe  que  se  quisesse  tor- 
nar pêra  os  nossos  de  lhe  auer  perdão  de  dom  Goterre 


tlTBÚ  Ulf  •  GAPirVLD  XVíU  3b 

do  teuálaineoto  qae  fizera ,  &  com  o  que  lhe  deu  &  a- 
jôotou  poios. da  araaada  forão  duzentos  pardaos,  com  que 
AIuBTO  da  madureyra  disse  que  se  hii^  a  Chaul  atauiar 
do  que  tioba  necemidade^  &  que  iá  ho  esperaria.  Porê 
Bio  bo  fez  awi  ^  antes  se  foy  a  Dabul,  &  disse  a  Aliral* 
neJique  onde  dom  loâo  ficaua  com  a  armada  &  que  auia 
de  passar  a  vista  de  Dabul ,  que  se  lhe  quisesse  dar  a 
capitania  mór  das  suas  fustas  4  ^^ão  qnatorze  que  ele 
iiiria  tomar  dd  loAo  &  quantos  iiiâo  na  soa  armada.  £ 
BAiraloieiiqtte  sabendo  que  Akiaro  da  madure jra  era  ja 
mouro  &  ii2  Cbrislflo^  foy  oon tente  de  ho  faaer  capitão 
nór  das  suas  fustas.  E  nã  sabendo  dom  loão  disto  nada 
partiose  de  Baçaim  caminho  de  €roa  &  foy  ter  a  Chaul 
donde  era  saindo  achou  a  armada  de  Meliquias  qoe  era 
de  qnatorze  fustas^  A  andaua  por  capitão  delas  b&  va- 
lente mouro  chamado  Xequegi  que  fora  aii  esperar  dcun 
loão  pêra  pek4at  ooele,  &  em  os  nossos  saindo  do  rio 
começMão  de  lhe  ttrar  is  bõbardadas,  &  os  nossos  a  eles^ 
4l  apertarSaos  tão  rijo  que  lhes  foy  fopçado  porSse  da 
iMlrranento  dos  nossos ,  &  fugirem  pêra  ho  mar ,  &  os 
MomoB  os  seguirão  hfl  pedaço  &  tomarão  hfla  ftMta  de  Q 
a  gente  se  Jançon  ao  mar^  &  aasi  fiigio^  &  por  os  immi- 
gos  fugirem  não  os  quis  d5  loão  seguir  maás  &  seguio 
auante  caminho  de  Ooa.  £  neste  mesno  dia  indo  ala- 
aiar  de  Dabul  foy  topar  com  Aluaro  da  madureyra  que 
ho  esperaoa  com  sua  armada  toda  encadeada  como  que 
^ería  pelejar:  &  dõ  loão  disse  aos  seus  que  os  come* 
tesaera,  &  iogo  arribarão  todos  pêra  os  immigos  oom  de- 
4emioação  de  os  ahairroar,  &  hiãe  desparãdo  toda  sua 
artdharia,  &  os  «mmigos  parece  que  cuoerão  medo  de 
os  esperar  &  desenoadearanse,  Ic  poendose  htt  pouco  ás 
bembardadas  oô  os  nossos  ficando  de  balrtauento ,  fugi-* 
fio  ao  remo,  saloo  falia  fusta  ^  foy  vacar  em  terra  &  fu- 
gio  a  gfite^  &  os  nossos  tf  tomarão  eom  a  artelhaf  ia  que. 
tiBha«  E  ?endo  dom  loão  qne  não  auia  por  ali  mais  qíue 
luer  tornouse  a  Goa  oom  as  duas  fustas  que  tomou* 

É 

E   2 


36  BA   HISTORIA   0A   INDSA 

C  A  P  I  T  O  L  O     XVIIL 

Da  entrada  que  fêz  Dom  Fernando  numrroi  na  terra 
firme  de  Goa^  ^  de  como  foy  desbaratado  ^  fora  mor^ 
tos  muytos  dos  que  leuaua. 

JLVecolhidòs  dÕ  loSo  &  dom  Fernando  a  Goa,  &  come- 
çando de  entrar  ho  inuernò ,  determinou  dõ  Goterre  de 
86  vingar  DancoscSo  tanadar  dePondá  por  amor  deloSo 
gonuez'  que  lhe  matara.  E  coesta  determinação  fez  gran- 
de festa  de  touros  &  canas  em  dia  do  Spiríto  sancto.  E 
as  festa»  acabadas  ajuntou  a  gente  de  caualo  que  seriflo 
sessSta  bomês ,  &  seyscentos  piâes  da  terra  em  que  en- 
traufto  trinta  dos  nossos  besteiros  &  espingardeiros ,  & 
-saindo  de  Goa  tomou  ho  caminho  pêra  Benastarim  ja  de 
Dojte.  E  chegando  ás  duas  aruores  faz  deter  a  todos,  & 
ali  lhes  declarou  como.  hião  a  Põdá  a  destruyr  Ancoecão 
por  comprir  muyto  a  seruiço  dei  reyfazerseassi, deman- 
dou que  fosse  por  capitão  da  gente  de  caualo  dom  Fer- 
nando seu  irmão,  &  irião  coéle  dom  loão  seu  sobrinho, 
&  outros  fidalgos.  E  da  gente  de  pé  fosse  por  capitão 
loã  machado  que  era  tanadar  mor  da  ilha  de  Goa.  E 
disselbes  que  os  mandaua  a  taes-  horas ,  porque  como 
Ponda  era  perto,  podião  lá  chegar  antemanhaã  &  dar 
DO  lugar^  cujos  moradores  eslauão  sem  nenhua  sospeyta 
de  sua  ida,  &  por  isso  os  poderião  tomar  ás  mâos^  prin- 
cipalmente ao  Tanadar,  que  folgaria  muyto  (}  lhe  leuas- 
b6  viuo:  porem  que  se  Jhes  amanhecesse  antes  de  che» 
garem  a  Pondá  que  nâo  cometessem  nada,  &  se  tornas^ 
sem,  porque  ele  nao  queria  que  pelejassem  nem  que  se 
posessem  a  perigo ,  &  coisto  forão  passar  a  Benastarim 
da  banda  da  terra  firme  a  gente  em  almadias ,  &  os  ca«- 
ualos  a  nado,  &  passados  abalarão  dom  Fernando  &  loâo 
machado  com  sua  gSte  pêra  Pondá  ficando  dom  Goter- 
re com  algCla  gente  em  goarda  das  almadias  ,>  pêra  que 
quando  seu  irmão  tornasse  achasse  em  Q  passar.  £  par- 


LIVAO    IIII.    GAPITVLO  XVIIí,  37 

tídos  dom  Fernando  &  Íoão  machado ,  loáo  machado  q 
Jbia  diãte  chegou  primeyro  perto  de  Pondá  &.por  isso  es- 
perou por  dom  Fernando:  &  nesle  (Spotomoodouspiães 
tle  Pondá  que  vigiauão  a  terra,  &  destes  soube  que  no 
lugar  não  auia  nenhúa  sospeíta  dos.  nossos  nem  se  te* 
mJáo  deles.  E  chegado  dom  Fernando^  disselhe  loSo  ma- 
chado o  que  soubera  dos  piâes,  &  pois  a  causa  princi- 
pal de  sua  vinda  era  per<a  tomarem  Ancoscâo  que  lhe 
parecia  que  os  seus  piâes  por  irem  desarmados  &  sabe- 
rem a  terra  &  a  Hngoa  dela  ho  fariâa  melhor  que  os 
nossos  de  caualo  ^  hiâo  armados  &  embaraçados  oom  os 
eaualos,  &  se  auião  dembaraçar  mais  por  ser  ainda  de 
Jioyte,  &  por  isso  estar  ião  melhor  em  goarda  dos  piâes : 
Sc  Q  assi  lhe  parecia  melhor  que  irem  lá  os  nossos ,  & 
como  dom  Fernando  pretêdia-  esta  faonrra-  não  quis  que 
a  ganhasse  loão  machado ,  &  disselhe  que  pois  a  terra 
estaua  sem  sospeita  de  aua  ida  que  bem  poderiâo  espe- 
var  que  amanhecesse  &  veriâo  e  que  faziflo,  &  dariâo 
todos  no  lugar  &  farsehía  ho  feylo  melhor  que  de  noy- 
te :  8l  a  isto  ajudarão  leronimo  de  sousa  &  lorge  de  ma^ 
galbãesy  &  loão  rodriguez  pessoa,  &  loão  machado  lhe 
disse  que  pois  assi  queria  ,~que  assi  se  fizesse,  mas  que 
prouuesse  a  Deos  que  se  nâo  arrepêdèsse  de  não  tomar 
seu  cdselho ,  ()  era  muyto  -bÔ.  JMas  nâo  ho  (ornou  dom 
Fernando,  porque  auia  de  ser  o  que  foy :  &  como  ainda 
auia  hll  pedaço  por  passar  da  noite  não  poderão  os  nos- 
sos estar  tam  calados  que  nâ  fossem  sentidos:  &  foy  da- 
do auiso  a  Anooscão,  que  se  leuantou  muylo  de  pressa, 
&  com  a  mayor  parte  da  sua  gente  se  passou  logo  aiS 
de  hu  rio  que  passaua  por  junto  do  lugar :  &  fez  bu  cor« 
po  de  sua  gente,  esperando  ale  ver  o  que  os  nossos  que- 
riáo  /azer,  que  em  amanhecendo  entrarão  no  lugar,  cuy- 
dando*  dom  Fernando  que  tinha  .muyto  certo  Anooscão  : 
&  quãdo  achou  ho  lugar  despejado  vio  quam  mal  fizera 
em  não  tomar  ho  conselho  de  loão  machado.  E  nisto  al- 
gfts  dos  nossos  asfti  de  pe,  como  de  caualo  vendo  estar 
^  immigoa  em  corpo ,  creceolhe»  a  cobiç£w  de  pelejar : 


38      '      .  BA  uiarotiA  BA  índia    ' 

8c  pansaailo  a  ponte  cofiuidauânos  pêra  iaao ,  eaearaittu- 
çando  coeie9,  porque  também  lhe  aayrâo  algufi  que  iinmi- 
trauão  ter  boa  vontade  de  pelejar.  E  vendo  dom  Fer- 
nando que  aquilo  não  seruia  de  nada,  mandou  dizer  a 
loSo  machado  «que  estaua  diante  com  a  gente  de  pe , 
que  fizesae  volta  por{|  se  hia.  E  dandolhe  lugar  passou 
loSo  machado  auante :  &  dom  Fernando  lhe  ficon  nas 
costas.  Ancoscão  que  vio  que  os  nossos  se  kiSo  sem  fa- 
zer mais  nada ,  pareceolhe  que  era  com  medo ,  &  com 
isso  cobrou  mais  esforço ,  &  foy  dar  nos  nossos,  ttrando- 
ihe  muy ta  soma  de  frechadas ,  &  feriranlhe  tam  do  rijo 
08  caualos ,  &  os  que  estauSo  encima  deles ,  que  des- 
mayarão,  &  começarão  de  fugir,  &  derio  nos  de  diante, 
que  tambê  se  desmandarão.  Os  immigos  os  seguirão:  & 
como  sabiâo  que  auião  de  passar  por  hum  passo  eslrèito 
polo  pé  de  háas  ribas ,  parte  delles  os  forão  esperar  so- 
areias,  &  outra  parte  os  hia  seguindo,  E  em  chegando 
a  aquele  passo,  como  os  immigos  que  estauão  sobre  ai 
ribas  ficassem  muyto  senhores  dos  nossos,  apertaramnos 
tam  brauamSte ,  ajudandolhe  os  debaixo  ,  que  matarão 
muy  tos  dos  de  pe,  &  dos  de  canalo  ficarão  quarenta  an- 
tro mortos  &  feridos ,  &  estes  que  forão  feridos  ficarão 
ali  catiuos.  £  antre  os  mortos  forão  lorge  de  magalhães^ 
loão  Machado,  &  loSo  rodriguez  pessoa.  E  foy  tama- 
nho ho  medo  dos  nossos  que  os  mais  deles  deixarão  as 
armas  pêra  fugirê  melhor,  &  a  dom  Fernando  matarai»- 
Ihe  bo  caualo,  &  se  lhe  logo  não  acodirão  com  ouiro  oiíh 
uerãno  de  matar,  &  assi  foy  ferido  bo  cauíilo  de  dom 
loão,  &  se  os  immigos  seguirão  ho  alcanço  aos  nossos 
nenhfl  não  puuera  descapar :  &  não  os  seguirão ,  porque 
ho  primeyro  morto  dos  nossos  que  acharão  foy  hfl  loão 
rodriguez  pessoa  que  cuydarão  que  era  ho  capitão  por 
leuar  boas  armas,  &  por  isso  não  quiserão  seguir  os  nos- 
sos, que  despois  que  virão  Q  os  imigos  os  não  seguião 
se  ordenarão  &  forão  ate  chegar  onde  dom  Groterre  es^ 
taua  esperado  que  lhe  ieuassem  Aniloscâo,  &  sem  ele 
se  tornou  a  Goa  com  tamanha  perda  como  foy  perd&- 


LfVRO   mi.   CAPtTVLO  XHt.  39 

vense  eorenla  dos  nossoe.  £  vencida  a  batalha  |ior  An* 
eoacáo  recolbeo  fao  deafiojo  qae  íbrão  eanaloa ,  armas  & 
catiaos ,  que  seriáo  ate  dezoy to ,  &  niato  foy  dado  hQ 
recado  do  HidaicSo  a  AncoBCfio  que  ho  fosae  aeruir  em 
hfta  guerrs  que  tinka  cmn  Nizattâlaoe  senhor  deChaul, 
&  aendo  fon^do  a  A  neoseâo  de  ir ,  temeo  que  ficando 
de  puarra  com  d6  Goterre  que  lite  tomaria  aquelas  tanfr** 
éarias  que  aoía  pouco  qoe  íbe  dera  he  Hidalcáo ,  &  por 
ieso  maiidott  dizer  a  dom  Goterre  Q.  ele  nâLo  tiniia  culpa 
fio  dáoo  que  ^ra  feyío  a  dÕ  Fernando  9  &  ^  queria  ser 
eeu  amigo,  &  se  bo-  quisesse  também  ser  seu  &  ter  coe«- 
le  paz  eomo  dantes  que  lhe  daria  os  Portugueses  que  lhe 
ficarão  eatíuoB.  £.  peru  se  isto  assõtar  se  ho  quieesse 
auia  lá  de  mâdar  hA  homem  konrrado  pêra  que  ho  as* 
sentaasei».  Do  que  dom  Goterre  foy  contente  por  ver  t[ 
tinha  a  culpa  do  passado ,  &  por  foSo  gSçaluez  do  cas* 
teio  branco  ser  homem  de  eoníiança,  &  ler  conhecimen- 
to cõ  Aneoscâo  àú  tempo  que  fora  ao  HidalcSo  por  em« 
baiKador^  cchuo  disse  no  liuro  tereeyro,  ho  mãdou  a  An*- 
eoeeio  com  i\  assentou  de  nooo  paa  &  amizade ,  &  en<^ 
(regue  dos  eatiuos  Q  orfio  dezoito  se  tornou  a  Goa.^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    XIX. 

De  tfomo  o  gmítmadúr  queimou  a  cidade  de  Zeiia^  ^  dó 

que  Ihejizerâo  é  Adem* 

XnuernSdo  o  gouernador  em  Camarão  c5  tStos  traba* 
(hoe  de  fome,  doenças  &  mortes  como  ja  disse :  pola  n&- 
eessidade  dos  mantlmenios  que  ho  apertaua  se  partio  na 
entrada  de  luibo  posto  f^  era  cedo  pêra  os  ir  tomar  a 
Zeihtj  ou  a  Barbora  ou  a  AdS.  E  leuando  a  rota  pêra 
Zeiia ,  tardou  algOs  dias  mais  dos  costumados  por  lhe 
serem  es  ventos  contrairos.  Esta  cidade  está  na  costa 
de  Etbiepia  a  cico  iegoas  das  portas  do  estreito  de  fora 
delas:  está  em  onze  grãos  da  banda  do  norte.  Na  terra 
em  que  «stá  adsentada  ha  muyto  grande  criado  de  ga« 


40  DA    HISTORIA    DA. ÍNDIA 

do  assi  groBsa  como  miúdo,  de  /)  he  bem  abastada  da 
manleiga  &  de  leyte.  G>lhe88e  tambS  grade  mullidão  de 
trigo,  ceuada  &  de  milho,  de  maneira  2|  he  muy  grossa 
de  roâtimetos.  Dá  também  a  terra  muyta  soma  dencen- 
00  macho  &  de  mel ,  de  que  se  faz  muyta  cera  branca 
que  seruS  de  mercadoria.  A  cidade  he  de  bS  tamanho 
&  rasa  á  bwda  do  mar :  he  de  casas  de  pedra  &  cal  & 
de  sobrados  cubertas  de  terrados  como  as  Dadfi.  Seua 
moradores  sam  mouros  &  mercadores  de  grande  trato  & 
pela  mayor  parte  sam  pretos ,  assi  homSs  como  molhe- 
res  &  algils  brancos ,  &  tratanse  bem.  Estes  forão  aui* 
sados  por  recado  dos  pilotos  Dadê  que  hião  cõ  ho  gouer- 
nador  como  hião  Já ,  &  por  isso  a  despejarão  eles  de  to- 
da sua  fazenda  ,  molheres  &  meninos  ,  &  ficarão  algfls 
homSs,  &  assi  os  senhores  de  certas  nãos  que  hi  esta- 
uão  de  fora  que  Unhão  consigo  algQa  gête  de  peleja.  E 
sabendo  eles  da  maneyra  que  ho  gouernador  hia,  deter* 
minarão  de  lhe  não  dar  cousa  algua  &  defenderse  se 
podessem :  &  por  isso  lhe  não  mãdarão  recado  despois 
de  chegar,  antes  se  mostrarão  pola  praya  com  suas  ar- 
mas, &  por  isso  determinou  ele  de  dar  na  cidade  &  des* 
truyla.  E  acordado  nisso  com  seus  capitães^  ao  outro 
dia  em  amanhecêdo  se  embarcarão  todos  com  sua  g&te  , 
&  os  priroeyros  que  desembarcarão  forão  dom  Garcia 
Coutinho  Sc  dom  loão  da  silúeira:  a  que  ho  gouernador 
deu  a  dianteira,  &  ele  desembarcou  por  derradeiro:  & 
porque  linha  mandado  que  ninguém  não  bulisse  consi* 
go  ate  ele  não  desembarcar ,  esteue  a  gente  queda  na 
praya,  o  que  vendo  os  mouros  começarão  de  tirar  das 
nãos  que  estauão  varadas  algilas  bombardadas,  &  outros 
se  mostrarão  nas  bocas  das  ruas.  O  que  vedo  ho  gouer- 
nador esteue  suspenso  po  que  faria,  porque  parecia  auer 
gente  na  cidade  pois  lhe  não  fugião:  &  por  derradeiro 
mandou  a  dom  Garcia  &  a  dõ  loão  que  dessem  cada  ha 
por  seu  calx)  onde  parecião  os  mouros :  mas  não  teuerão 
que  fazer,  porque  detendose  ho  gouernador  tanto  em  se 
determinar,  nâp  poderão  Gaspar  da  silua  &  Aires  da 


LfVRÔ  IIII.  CAPITVLO  XíX.  41 

BÍhia,  &  António  fenreyra  fogaça  sofrer  as  algazaras  (} 
os  moorofi  faziSo  ,  &  remeterão  a  eles  coin  sua  gente,  & 
elles  lhe  sayrão  ao  enedtro  como  homCs  determinados: 
&  irendo  que  os  nossos  lhe  tinfaão  bo  rosto  coroo  erâo 
|K>acos  retirarSse  logo  pêra  dStro  da  cidade ,  &  os  nos- 
608  carregarão  sobreles  &  leuarannos  ás  laçadas  fora  da 
cidade  antes  de  chegarem  dom  Garcia  &  do  loSo.  £  Si- 
mão dandrade  mãdou  dizer  ao  gouernador  que  podia  en- 
trar ,  porl|  a  cidade  era  despejada.  Do  ^  bo  goaernador 
ouue  muyto  grande  menencoria ,  pareoendolbe  Q  Simão 
daadrade  Ibe-mandaua  dizer  aquilo  poio  injuriar :  8c  que 
daua  a  entender  {}  outr6  lhe  leuara  a  bonrra  de  despe- 
jar a  cidade,  &  disse  controle  muyto  más  palauras,  & 
mandou  despois  que  se  passasse  da  nao  de  Francisco  de 
tauora  seu  cunhado  (com  quS  ^ndaua  preso )  pêra  a  ga- 
lé de  loão  de  melo  &  isto  polo  avexar.  Entrada  a  cida- 
de acharão  os  nossos  preso  ho  comitre  do  bragãtim  de 
Grigorio  da  quadra  capitão  da  armada  de  Duarte  de  le- 
mos {|^  se  perdoo  como  disse  no  liuro  segado,  &  disse  ao 
gouernador  que  auia  noue  annos  que  estaua  ali  catiuo. 
J5  recolhidos  algtls  manlimStos  da  cidade ,  bo  gouerna- 
dor lhe  mádou  logo  dar  fogo ,  por(|  se  a  gente  não  em- 
baraçasse com  be  roubo  &  tornas^  os  mouros  sobreles 
&  08  desbaratassem.  E  posto  fogo  á  cidade  ardeo  toda 
em  quatro  dias  2^  não  ficou  casa  n8  cousa  nenhua  que 
não  fosse  queimada ,  &  como  ho  gouernador  estaua  no 
porto  nunca  os  mouros  ousara  dacodir  ao  fogo,  .&  quei- 
maranse  grande  soma  de  mãtimSlos  que  fizerão  a9saz  de 
mingoa  aos  nossos.  Queimada  a  cidade ,  que  foy  b&a 
<H>usa  b6  espantosa  de  ver:  partiose  bo  gouernador  pê- 
ra Adem,  &  chegado  mãdou  dizer  a  Mira  mergenaque 
lhe  mandasse  Tender  agoa  &  mantiroenlos  por  seu  di- 
nheiro. £  sabendo  ele  como  bo  gouernador  vinha,  &  ho 
pouco  que  fizera  em  ludá  perdeolfae  bo  medo,  &  por  fa-^ 
zer  escárnio  dele  deteueo  dez  ou  doze  dias  cÕ  promessa 
de  lhe  dar  maniimetos,  &  polo  deter  daualhe  cada  dia 
Ião  pouca  cousa ,  que  quãdo  se  desenganou  achou  que 
xivao  iiii.  p 


42  PA    HiaTORIA    DA    INIHA 

liaha  gastado  do  que  traaia  ho  Irea  dobro  do  Ç  lhe  dò- 
rSo  da  cidade ;  &  eotâo  cooheceo  ho  erro  Q  fez  ê  se  nÍ0 
prouer  em  Zeila  &  queimar  os  manlínento»  que  quei* 
laou.  E  porque  muytas  Daoa  de  aua  armada  oa  nio  ti- 
ahão  9  ouue  de  tornar  atras  pêra  os  tomar  ô  Barbora.  E 
DacJS  atrauessou  á  coata  de  Etbiopid,  onde  ela  está  via* 
te  legoas  de  Zeila:  o  que  (oj  má  piloti^em  porque  ou* 
«era  dir  pola  baada  Darabia  ate  se  poer  leste  oeste  com 
barbora :  porque  daQla  bSda  fazifio  as  ag oas  reuessa  & 
kiSo  brandas :  &  da  bãda  de  Ethiopta  erfto  as  corrfites 
tamanhas  que  hiSo  pêra  bo  estreito  com  os  ponentes  que 
afracauSo  na^le  têpo  ( por  ser  íím  Dagosto )  §  podia  mais 
a  agoa  Q.  ho  vento,  Sc  nlo  se  podia  aauegar  por  ai|la  bAda. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XX. 

De  coma  despois  do  gouemador  partir  Dãdem  lhe  mor^ 
reo  mujfta  gente ,  ^  a  frota  foy  ter  a  dmersas  partes : 
^  de  como  ele  foy  a  Ormuz. 

.Hi  por  isso  a  nossa  frota  lA  podia  surdir  auãte ,  &  foy 
necessário  pairar  o  ^  íoj  com  assaz  de  trabalho  da  gen- 
te que  morria  de  sede~  &  de  fome.  E  andado  assi  sobre- 
ueo  hu  dia  híla  toruoada  de  ponente :  &  como  ho  gouer^ 
nador  andaua  enfadado  dauer  quinze  dias  que  pairaua 
em  dando  esta  toruoada  que  lhe  seruia  pêra  a  Tíagem 
Dormuz ,  determinou  de  se  ir  pêra  lá  &  nâo  fldar  ali 
mais ,  &  mâdou  dar  á  vela  sem  fazer  sinal  que  se  par- 
tia: o  que  vSdo  os  capitães  das  nãos  grossas  se  fizerâo 
também  aa  yela  os  que  poderão ,  &  assi  outros  nauios 
que  se  atreuerão  a  sofrer  ho  vento  &  seguirão  após  ho 
gouernador  ^  se  foy  caminho  Dormuz  sem  mais  curar 
de  Barbora,  nem  desperar  polas  outras  velas  da  frota , 
{^  ficarão  em  grande  risco  de  lhes  morrer  quanta  gSte 
leuauão  á  sede ,  porque  as  g;alés  &  outros  nauios  dalto 
bordo  pequenos,  &  assi  alguas  nãos  grossas  que  não  po- 
dejpão  wfirer  a  vela  com  a  toruoada  ficarão  com  a  neces» 


LIVRO    Iin.    CAMTVLO  XX.  43 

8idade  dagoa  qae  digo  &  cada  dia  adoecia  &  tnorria 
gente ,  ove  era  piedade  ter  como  pereciâo  cÒ  sede :  & 
aíoda  1^  filão  ao  \6go  da  terra,  ningoê  pola  primeira  hia 
buscar  agoa,  porQ  ouuirão  dizer  Q  se  nSo  achaua  na- 
quela lerra  por  ger  muyto  seca.  E  porfi  ho  grande  aper- 
to em  que  estauSo  Ibes  fez  irê  ver  se  auia  agoa ,  &  os 
primeyroa  Q  bo  ^erSo  forSo  Gaspar  da  silua,  Chrislo- 
iião  de  soQsa,  Aires  da  silua  &  acharão  mujta  agoa, 
asai  de  chuuas  ^  auia  pouco  que  passarão,  como  abrin- 
do fontes.  E  a  gête  da  terra  os  recebeo  mafisamente,  & 
ihea  Tenderão  algflas  cabras  &  carneiros ,  &  após  estes 
forSo  os  outros  capilSes  de  ^  algus  quãdo  isto  foy  não 
íeuanão  ja  niais  Q  mea  pipa  dagoa :  &  hft  destes  foy  dò 
Alaaro  da  sílueira  Q  acertou  de  ir  soo  seo)  outra  copa- 
nhía  a  buscar  agoa,  &  pola  nS  acbar  se  meteo  tanto  no 
eatrdtò  que  quãdo  quis  sayr  não  achou  vento  ^  bo  aju- 
dasse ^  era  passada  a  tnou^o,  &  por  isso  ouue  dinuer^ 
«Hff  no  eslreko  ,  &  andou  dfl  cabo  pêra  fao  outro  a  bus- 
car onde  ínuemasse  9  no  Q  passou  assaz  de  trabalho  & 
fadiga:  &  \he  fizerão  da  terra  mil  treiçSes  em  ^  lhe  ma- 
tarão algfta  g8te.  E  foy  ter  a  bfl  porto,  5de  acbou  bfi 
moitro  que  se  ehamana  Adão,  por  isso  lhe  pos  assi  no- 
ase,  &  ali  inuernon  não  t^do  mais  de  tinte  quatro  pe^ 
0oaa  de  cSto  &  trinta  &  quatro  bomSs  ^  leuaua  quando 
partío  de  ludá  4  todos  os  mais  dos  outros  Jhe  morrerão 
de  sede.  £  inuernando  aqui  saindo  fau  dia  dõ  Aluaro 
em  terra  a  fazer  agoada,  ficando  ele  soo  com  bd  leroni- 
«10  doliuetra  filho  Dantão  doKueira  goarda  niór  da  rai- 
Âba  dona  Lianor,  &  com  hfl  M^afonso  criado  do  barão, 
foy  morto  por  eles  ambos  por  dizerS  que  tinha  injuriado 
de  palaora  a  leronimo  doliuejra  em  vido  na  nao  como 
iojnriatia  a  outros  com  fauor  de  ser  capitão  &  sobrinho 
do  gouemador.  E  despois  da  morte  de  dom  Aluaro,  le- 
ronimo dolineira  &  Bfendafonso  se  tornarão  á  nao,  odde 
Bio  bolio  ningud  coeles  por  os  <]  eslanfio  nela  serS  os 
«aia  doentes :  íc  despois  da  M  á  diáísr  como  os  da  nao 
ooMiMBi  poi  afronla  andar  asai  antf^lea  qifS  lhes  mata^ 

F  8 


44  ^A    HISTORIA    Bá    INDFA 

ra  ho  seu  capitão,  leuantouse  hQ  loão  roddgnez  pao, 
valente  caualejro,  &  tendo  costas  ê  hu  Mart!  correa  & 
outros  matou  por  sua  roão  ás  punhaladas  a  Mêdafonso 
sem.  ho  ninguém  ajudar ,  &  foy  preso  leronimo  doliueí- 
ra,  &  assi  foy  leaado  á  índia  onde  esta  nao  foy  ter  des- 
pois  de  ho  gouernador  lá  ser ,  &  leronimo  doUueira  foy 
degolado  por  sealSça  de  Diogo  lopes  de  sequeira  (|  che- 
gara de  Portugal  por  gouernador :  &  assi  passarSo  muy- 
to  trabalho  todos  os.  ^  ficarão  no  estreyto ,  &  Uies  moc- 
feo  muyta  gente  &  forâo  deles  ter  á  Índia  em  diuersos 
lèpos  despois  de  ho  gouernador  lâ  ser ,  &  outros  forão 
ter  a  Ormuz,  onde  acharão  ho  gouernador  4  indo  pêra 
lá  foy  ter  a  Calayate ,  dõde  mâdou  pêra  a  Índia  dÕ  A^ 
leixo  de  meneses  cõ  poderes  de  gouernador,  pêra  Q  sou- 
besse na  índia  Q.  era  viuo:  &  cÕ  dõ  Aleixo  mâdou  a  Pê- 
ro vaz  d£Uora  capitão  do  carauelâo  y  cõ  recado  a  el  rey 
de  Portugal  do  ^  lhe  acõtecera  no  estreito,  &  as  causas 
porQ  nã  fora  a  judá,  nS  a  Alaçua,  n6  fizera  fortaleza  nas 
]K>rtà8  do  estreito  que  el  rey  de  Portueal  nSo  ouue  por 
boas.  E  de  Calayate  se  foy  a  Ormuz,  deixado  hi  toda  a 
frota ,  &  em  Ormuz  achou  tudo  também  assentado  por 
Afonso  dalbuquerque,.  que  não  teue  que  fazer  mais  que 
verse  cd  el  fej  Dormuz,  &  deranse  presentes  hil  ao  our 
tro,  &  ficarão  grandes  amigos. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXL 

De  cQtno  ho  Hidalcôo  mandou  çufalarim  seu  capitão  com 
ir  mia  mil  homés  sobre  a  ilha  de  Goa. 

JL/esacupado  ho  Hidalcão  da  guerra  de  Nízamaluco  por 
cõcerto  que  ouue  atreles ,  determinou  de  tomar  a  ilha 
&  cidade  de  Goa ,  parecendolhe  que  ho  poderia  fazer 
por  ho  gouernador  ser  fora  da  índia ,  &  que  não  pode«- 
ria  ser  socorrida  por  não  auer  gente  pêra  isso*.  E  doesta 
determinação  fez  trita  mil  homCs  de  peleja^  em  4  ^ntra<- 
ttão  cinco  mil  de  caualo,  &  fez  capitão.ttelw  a  çufola^ 


LIVRO    Iin^.CAPlTVLO.XSrK  4h 

wm  j  de  Q  faley  no  liuro  terceiro :  parecenclorhé  que'  en- 
traria na  ilha  assi  como  da  outra  vez,  &  mandoulhe  que 
a  fosse  tomar  ,  dandolhe  a  capitania  das  tanadariSs  de 
Põdá  &  Salsete.  £  sabendo  dõ  Goterre  ^  chegaua ,  on^ 
de  claramente  se  via  Q,  bia  pêra  Goa  escreueolhe  hua 
€arta  (porQ  dStes  erão  amigos  &  se  escreuião  &  visita- 
uáo  cõ  presentes)  &  dixia  nela  que  fosse  boa  sua  vinda, 
&  {|  lhe  fizesse  boa  prol  cõ  as  terras  de  Goa,  que  dizião 
que  lhe  dera  ho  Hidãleão  ^  &  que  folgaua  muylo  polo 
ter  poF  veainho*  E  mandou  ao  portador  desta  carta  que 
soubesse  o  que  çufolarim  determinaua,  &  a  certeza  do 
Bumero  da  gente  que  trazia,  Çufolarim  recebeo  bè  este 
portador,  &  por  sospeitar  1|  hia  esptalo  mais  ^  a  leuar- 
lhe  carta  deteueo  obra  deyto  dias ,-  porÇ  dom  Goterre 
Bio  fosae  auisado  de  sua  determinaçfto  que  era  Strar  na 
ilha  de  Goa  da  maneyra  que  entrou  quando  a  cidade  se 
entregou  a  Afonso  dalbuquer()  como  disse  no  liuro  ter- 
ceiro. £  despois  de  dd  Goterre  mSdar  outro  messegeiro 
a  <2u(blarim  por  ver  que  tardaua  ho  primeyro ,  lhe  re&- 
pondeo'  eUe  por  escripto,  dizendo  que  hia  tomar  Goa 
que  bo  HidalcSo  dera  a  Afonso  dalbuquerque  ate  quan- 
do lhe  aprouuesse.  E. sabendo  dõ  Goterre  Q  a  determi- 
nação de  çufolarl,  era  entrar  pelo*  passo  de  Benesíari, 
&  poJo  caminho  t\:  ieuaua  auia  dír  ao  longo  do  passo  de 
^ncalim ,.  mãdou  lá  dõ  Fernando  por  mar  cÕ  dez  fustas 
éarmada,.  de  i)  »  fora  ele  forflo.por  capitães  Anrrique 
de  touro-.  Paios  cerueira,  Domingos  de  seixas,  Pêro  jor^ 
^,^.Pero'gomez  casado  S  Goa  &  outros  quatro,  &  leua- 
Tia  perto  de  cõ  bomSs ,  &  logo  ê  chegado  não  virão-  ne^- 
Bbfla  gSte.  E  parecSdo  a  dõ  Fernãdo  Q  ainda  os  !migos 
nSo  erão  chegados  quiserasse  tornar,  se  não  quãdo  sae 
Biu/lidão  deles  dâtre  ho  mato  dado  grades  alaridos ,  & 
sayrão  tão  de  supito  que  deitara  hCla  grade  nuu8  de  fre« 
«hu  primeyro'  Q  os  nossos  desparassem  a  artelharia ,  & 
matarão  hu  marinheiro ,  &  os  nossos  lhe  matarão  rouy- 
ios  despois  9  começou  de  jugar  &  esteuerâo  coeles  h(l 
^  I^daço  áa  bombardadaa ,  ate  que  se  retirarão  pêra  o 


46  0A   SfSrORlA    OA    índia 

iDato,  &  lirauSo  dãtrele  rauytas  frechadas.  E  porQ  po* 
diâ  fazer  dãoo  aos  nossos  d3o  quis  dõ  Fernâdo  ali  estar 
msAi:  &  conlfitouse  c5  ho  dano  ^  tinha  feito  aos  Imi- 
gos ,  &  por^  lho  o3o  fizessem  mandou  afastar  as  fustas 
hua  &  hua :  &  tornouse  pêra  goa,  õde  partio  na  madru- 
gada seguinte  pêra  o  rio  Dagaoi:  &  indo  ao  logo  das 
prayas  do  de  Benaslari ,  da  bâda  da  terra  firme  achou 
muylo  mais  gente  Q  ao  dia  dates ,  por  ir  ali  çufolar!.  E 
os  imigos  vendo  os  nossos  lhes  derâo  hda  çarríada  cõ  es* 
pigardões  &  frechadas :  &  os  nossos  outra  de  bòbarda- 
das,  CO  (}  matarão  muylos:  &  antreles  foj  o  que  leuaua 
ho  sombreyro  a  4;ufolarim  ^  que  se  soube  despois  1\  se 
baldou  cõ  medo  das  bõbardadas ,  por  nã  ter  por  onde  fur 
gir  ,  se  não  por  hOia  ladeira  em  que  ficauSo  a  melhor  ti- 
ro. Ê  em  quanto  os  imigos  passarão  esteue  ali  dom  Fer'- 
nâdo:  &  maiou  muytos:  &  despois  se  foy  poer  na  boca 
do  rio  Dagacim,  pêra  goardar  a^les  rios.  E  por  assi  par- 
recer  bè  a  d5  Goterre  &  seruiço  delrey  de  Portugal  ti* 
rou  da  alcaydaria  mór  do  passo  seco  a  loão  gonçaluez 
de  castelo  branco  que  estaua  nela :  pêra  ajudar  a  seu  ir- 
mSo  a  goardar  aqueles  rios  por  saber  b8  da  guerra  pela 
muyta  experiência  f[  tinha  dela ,  &  ser  moyto  esforça- 
do. E  mandou  {|  htta  noyte  fosse  ele  com  a  metade  das 
fustas  correr  bo  rio  de  Põdá ,  Si  seu  irmSo  ficasse  na 
boca  do  rio  de  Benastar!  com  a  outra  metade :  &  outra 
noyte  fosse  seu  irmSo,  &  ficasse  loSo  gonçaluez.  E  isto 
porque  se  temia  de  os  mouros  entrarS  em  jangadas  por 
ai|le  rb ,  como  no  tSpo  d  Afonso  dalbuqnerque ,  como 
disse  no  liuro  iii. 


Lrmo  ii]f«  CAPirvid  xzn.  4/í 

CAPITVLO    X3EIL 

i)o  9U«  yêtf  àMi  Qatêrre  capitão  dt  Gca  despoi»  §  $e  vio 

cercado- 

V  endo  dÕ  Goterre  eomo  Ho  eerco  não  se  escusaua  do^ 
broa  logo  a  gente  em  todos  os  passos  da  itba.  £  porque 
sabia  ^  quando  Afooso  de  Albuquerque  deixara  Goa 
se  Ibe  Jeuantara  a  gente  da  terra^  por(|  lhe  não  fizessem 
eutro  t£to  a  todos  os  easados ,  gentios  &l  mouros  tomou 
as  molberes  &  os  filhos,  &  meteolhas  na  cidade,  onde 
Jbes  deu  gasalhado:  &  a  eles  mandou  Ç  ajudassem  a 
guardar  os  passos  da  ilha  aos  nossos ,  o -que  fizerSo  de 
boa  vontade  por  amor  das  molheres  &  filhos  Q.  tinhão  em 
penhor.  £  pêra  Q  tiuesse  mantimentos  em  abastança  & 
lhe  Dão  falecessem ,  mandou  tomar  quãtos  auia  na  cida^ 
de,  assr  aos  da  terra  como  aos  nossos  r  &  mandou  os  me« 
ler  nas  casas  que  forSo  do  çabayo  r  perá  dali  os  dar  de 
sua  m8o  a  seus  donos :  porflj)S  não  gastassem  s&  regra 
&  despois  lhes  lalecessem.  £  por^  tambS  os  cocos  sam 
maotímêto  mandou  apanhar  quantos  auia  nos  palmares 
te  recolheles  nas  casas  que  digo.  £  cÕ  isto  mandou  cer- 
tas  espias  ae  arrayal  dos  tmigos  pêra  ter  auiso  do  que 
{ufoiarim  determinasse :  &  eie  por  t^rra  visitaua  cada 
dia  todos  os  passos  porque  lhes  não  faltasse  nada  pêra 
sua  defensam :  &  daua  esforço  á  gente,  que  não  ouues-* 
sem  meda  aos  immigos  por  mais  que  fossem ,  porQ  com 
ajuda  de  nosso  senhor  os  auião  de  desbaratar.  £  seu  ir* 
mão  dS  Fernando  por  mar,  &  loão  gonçaluez  de  castelo 
èrãco  eomo  disse  corriâo  todoa  os  rios  sem  estarê  nunca 
quedos^ 


48  «^  OA  BISTORIA  1>A  IKMA 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXIII. 

De  como  çufolarim  assentou  seu  arrayal  na  Urra  firme  ^ 
^  do  ardil  q  dô  Goierre  teue  pêra  se  mataré  muytos 
mouros. 

JJiDtre  taxiio  que  dõ  Goterre  isto  fazia  asaeniou  çufola- 
rim  aeu  arrayal  detrás  daqueles  outeyros,  que  vão  ao 
longo  do  rio  de  Benaslar!,  &  chegaua  ate  a  baya  Daua«- 
eioi ,  por^  ali  determioaua  de  mandar  fazer  jangadas 
pêra  passar  á  ilha  de  goa,  como  fizera  da  outra  vez,  qud 
passou  em  tem{)0  de  Afonso  dalbuquerQ :  o  que  ele  não 
pode  nunca  fazer,  por^  era  tão  espiado  poios  nossos, 
que  como  as  jâgadas  erão  no  mar  logo  dê  Fernâdo :  & 
loSo  gonçalues  se  lhe  punha  diãte  com  a  sua  armada, 
O  Q  vendo  çufolarim  não  cusaua  de  cometer  a  enlrada 
da  ilha:  &  com  tudo  não  deixaua  d^  mostrar  que  hoque^ 
ria  fazer,  &  daua  muytos  rebates  de  noite,  a  ^  dom  Fer- 
nSdo  &  loão  gonçaluez  acodião  logo ,  que  oõtinuamêle 
estauão  no  mar  sofrendo  imenso  trabalho  de  grades  tor^ 
mStas  de  chuuas  &  de  v8to8,  que  as  armas  &  os  vesti'* 
dos  lhes  apodrecião  noa  corpos  a  eles  &  aos  outros.  £ 
todo  ho  mes  de  Julho  sofrerão  este  trabalho,  cÕ  os  que 
andauão  coeles,  sem  nunca  dormirS  se  não  de  dia.  £ 
muytos  se  acostumarão  a  dormir  em  pé,  como  ^  dormiSf;- 
sem  em  cama.  E  vendo  a  gente  da  terra  que  estaua  cõ 
os  nossos  que  çufolarim  não  ousaua  denlrar  perdera  to* 
do  ho  medo  A  tinha  que  entrasse  na  ilha:  &  os  piães 
pedião  a  dõ  Grolerre  4  ^  deixasse  ir  furtar  ao  arrayal 
do9  imigos ,  &  Q  assi  lhe  fariâo  a  guerra .,  pois  não  po^ 
dião  doutra  maneira.  E  ele  lha  deu,  mandando  apregoar 
que  por  cada  cabeça  de  mouro  ou  de  turco  daria  h& 

Eardao  douro  a  qu8  lha  leuasse :  &  os  piães  pela  ganhar 
ifise  ao  arrayal  &  como  andauão  do  mesmo  modo  que 
os  do  arrayal,  não  os  desenferêçauão  deles,  &  podião 
andar  por  onde  querião :  &  como  ?ião  tempo  não  fazião 


LiyilO   IIII.   CSAFITVLO  UTIIII*  49 

ae  d2o  matar  nòs  imigres :  &  tomada»  as  cabeis  as  le- 
uaoâo  a  dd  Goterre^  &  dauãlhaa  cò  grades  festas  de  tan- 
geres :  &  dom  Goterre  lhes  pagaua  logo :  no  (}  gastou 
muylo^  7X)rQ  as  cabei^as  erflo  moytas,  que  ho  premio 
que  daua  por  elas  fazia  não  se  estimar  he  perigo  ^  cua- 
tauSo.  £  Têdo  dom  Goterre  ir  tão  de .  wagar  a  «ntcada 
de  çufolarim,  escveueolbe  que  pêra ^  tardaua  taoto  em, 
entrar  a  ilha:  &  que  se  detemiiuaua  de  bofas^  j|  lhe 
mandasse  dizer  ho  dia,  &  Q  Ike  tirana  as-fiistás  do  rio^ 
&  a  gSle  da  terra  pêra  poder  desembarcar :  joõ  cõdiçáo 
que  auia  ée  ir  em  pessoa  com  sua  gente.  £  ele  refipoiíp* 
deo  por  escripto  em  letra  Q  nunca  se  soube  Jec« 

€  A  P  I  T  V  L  O    XXIIII. 

J)e  com0  çtfolarim  começou  de  dar  bateria  á  noua  fw^ 
taleza:  ^  como  lhe  osswsios  ^brarâo  hú  iíámeh  com 
§  a  dauãm 

fmdo  '^folaiim  que  poír  neiíbt  modo  bSo  podia  en<^ 
trar  a  ilha  pola  defbnsa  (|  acbaua  nos  nossos  a:  que  nto 
.podia  resistir  por  «to  lar  nauioe  «em  que  s^á  gente  em^ 
bucasseLy  detenâinou  de  4lac  ba  ter  ia.  i  nossa  iiôrtaleaa 
de  JBenastarím  &  atiasala  por  aquela  maoeyra.  £  come» 
4iiiha  muyta  genie  mSdou  .fazer  bila  noyte  hfi  pedaçe 
de  muro  defronte  da.  nossa  fortaleza:  que  quando  ama^ 
aheceo  apareceo  /eyto  &  asses^das  nele  algftas  peçM 
daitelharia:  &  assi  outras  estancibs  de  bdmbardad  aoldr 
-go  do  rio.  peza  vacejatè  delas  az  aossas^  itudtas»  £  conM 
£oj  meabaã  despararão  es  immigos-a  sim  artélhai^ia  dè 
jDuro  na  nossa  fortaleza '«m  que  nãoíeiz  rneitbQ  nojfoipor 
a  arlelbaria  ser  pequena  8c  de  fereo^Ifo  por  iteo  mai^diom 
iogo  42ufoIarim  a  Bilgão  por  hii-oaniela  de  metal  ^  lá  tiv 
ama  pêra  derribar  cóeLs  a  nossa  fiortaleza  &  derribada  èh 
tear  na  ilha.  £  sdbando  dom  Golerte  que '  estar  bembaa* 
da  hia  por  caminho  que  aJeuMW^bQÍatemilAaieavreti^ 
mandou  a  hd  Naique  caawrim  chamado  Ralu  que  mos 
uvao  iiii.  Q 


-£d8te  deiMptr ,  &  iato  por  Aer  borne  esAxrçado :  &  ele  fao 
-Iby  é«eM  Leuíào  consigo,  dez  piãe&,  &  decepou  os  bois 
tdcMpoiât') que  .entrarão  pota  aerra.  £  posto  que  isto  cau- 
<fon  díílai^flQ'  €101.  k*  tt  bombarda ,  todauia  foy  ieuada  com 
4ani4>  goaisda  ^  Haia  jião  pode  mais  decepar  outros  bois. 
£  assentado  este  camelo  no  muro^  começarSo  os  Imigos 
sle  tírar  ooel^^  &  do  priaieyro  tiro  deu  em  hft  canto  da 
lorne  da  menagem ,  &  meteo  por  dentro  bOa  grade  pe- 
jara &  feia  tremer  de  modo  quo  cayo  <|uaiito  estaua  den- 
4ro.  Eâ*je6te.teroipo.fistaua.dom.Gotefre  dentro  na  mes- 
ma torre ,  mand&do  assestar  dous  camelos  pêra  tirar  a 
bombardeira  deste  dos  immJgos  &  qnebralo,  porque  dou^ 
tra  maneyra  arrasaria  a  fortaleza.  E  eles  assestados  ti- 
rou ho  condestabre  com  xuida  liil  &  dambos  os  tiros  er- 
rou a  bombardeira,  mas  desapontou  ho  camelo  de  modo 
^iie  ao  ^seguindo  iiro  errou  jbl  torre  ^  &  dea  pa  mnraib 
iiuie  oleficíbott  .algBa .  parte  quevlogo^oy  repairado  tfom 
madeira :  &  dõ  Goterre  prometeo  vinte  pardaos  ^ouro 
ao  condestabre  se  lhe  quebrasse  ho  camelo  dos  immigios^ 
A  tirando  ele  bo:  teVotôro  tisq ^Jàm  tírQn^hsr  eõdertabre 
c5  hO'  nossa  camelo,  i|  4>ftrette  que  des^aronà  hfia  eff 
ho  dús  Imígios^  &  ne  ár  Mi  toparSa  os  pelouros,  &  bo 
AOBso  Jfae  ieuou  Jitíittisaca  com  qlie^Jio  fez  cair  na  praya, 
&  pasisando  auanÉe*  entra  poia  bombardeira,  âc  poia  boca 
^o  camelo  &  espedaçou  ho,  &  oÕ  os  ^pedaços  matou  qu»- 
iro  bòbardeiros  dos  Imtgos,  a  que  os  nossos  derâo  bOa 
grande  grita  cõ  prazer^  louuando  nosso  senhor.  Quebra- 
•do  este  camelo  mandou  .d&  Goterre  assêtar  hfla  espera 
e»  hil' outeiro- que  está  júto  da.  nossa  fortaleza  pêra  dar 
4»ateria  ao  mn9o  dos  iosmágos  com  os  dous  camelos  da 
fortaleza  j  de  assi  ho  fazia ,  &  de  noyte  mandava  armar 
trabucos  cô  que  dieiiaua  pedras  detrás  do  muro  ondes* 
4iatrSo  os  ini^migos,  de  ique  mataua  muytos,  .&  dom  Fer«- 
«ando  &  loc^ò  gfi^aliiez  varejauão  de  dia  as  suas  estai»* 
<Ms,  &^  dauSibe  la«to  trabaihò  que  mais  se  podíSe^os^  im^ 
^gOB  ehaniaro^cadee  ^exercaxfoies; 


t  *    .  ^ ' 


LIVRO  Hn.  oamho  ZXV.  61 

t 

CAPITVLO    XXV. 

Do  qnefimréBrmtt^à»  naí$9$  n»  arrm^  cfat  immigoêy  ^ 
deamw  ho Midakúm  mSéou  huumtar  ha  cervo. 

JLâ  duranéo  asrii  otm  g^aerrm  ja  em  Jígòêt4  ebtsgarSo  a 
Ga«  dnafl»  oaoi.  de  Poriirgtil ,  ác  «m  Ma  hia  por  capitão 
à&.  fidalgo  dnuDaéa  Joio  áãsúuma^  qvé  partira  de  Por- 
tttgaL  hu;  amo  pHnada  por  capitão  mit  da  troa  naos^  ele 
A  hta^  S  oatxa  Francisco  d»  souaa  mlíatas,  &  em  oatra 
Antoaio  de  liaia«  fi  chegando  a  Moçambique)  ácboQ  ho 
mandado  do  foiíemador  peva  «e  ir  ajuntar  ooele  no  ea- 
(reito«  £  queredo  laflo  da  aikmra  cSprír  este  mSdado, 
9B  pariio  com  o»  dona  capitâiea  pena  Quíloa ,  &  estando 
hiJhe  dea  kA  temporal  muy  ftirioso  com  qae  a.naoDaa^ 
taoio  de  lima  éeu  á  coeta  &  saluoeM  a  gente ,  &  a  c»- 
jNtaina  eacapov  cA  €s  amstos  cortados  ^  ^  i^e  lhos  nSo 
coftaxfto  perderasse ,  &;  pêra  se  foSo  da  silneira  proner 
de  maatoa  foy  necessário  imiernaf  em  QuUoa ,  &  ianer** 
gKm  eoeio  PraaciwBO  de  sousav  B  prouíde^  de  mastos;  nin^ 
da  a  aMuçSo  se  parti»  pêra  a  ftidia  fo-chegou  a  Goa 
aeale  tempo  da  guerra,  &  cd  sna  ti nda  se  reformou  dom 
Goterre  de  gftte  &  foaia  a  guerra  mais  áspera  aos  ittimi** 
goa  ^  principalmente  por  mar  com  a  frota  de  dom  Fer- 
nando que  nunea  saya  do  longo  de  terra  fazendolhes 
mnyfo  mal.  E  bCL  dia  estando  as  fostas  ao  longo  de  ter^ 
va  como  costumauflo ,  disse  faH  Duarte  taaares  que  an» 
dana  aa  fasta  Danrrique  de  fouro  a  catres  compabfaei«* 
roi^  9  ele  sabia  que  b«a  das  estancras  dos  fmieos  tinha 
nuyto  poueee  (|  a  defbndessem  que  dessem  nela,  ft  que 
M  matariSb,  fc  tomariSo  a  arteibaría.  E  estes  a  ^9e  ho 
disse  erSo  6e;fs.  s.  Domfgos  de  seixas ,  Gomez  rauadio, 
António  ramos ,  EsteuSo  dias ,  Diogo  dauelesa  &  Anta^ 
BIO  Nunez  ha  eaíVe  daieunha :  A,  sendo  eles  sdtentes 
-sem  he  dizer  ao  idiiípilSo  saltar  Se  em  terra  Mpitatoiénté 
A  remetem  á  esfaficia  que  eÉtana  doftonfo  da  ifosta  9^ 

Q  2 


:õâ  X>A   HI8TOAIA  OA  INOIA 

destauSo  ale  doze  rumes  com  perto  de  c6  piSes  canar!0| 
que  vendo  a\oi]8adiaí  do8  íiòsaos.séirétirârSo  algft  tanto 
tirandolbes  muytas  frechadas,. &  cinco  dos  rumes  que 
virão  que  nSo  acedia  mais  gètediègaranse  pêra  os  nos- 
sos 9.  qde.  pòlegarâo  coeles  com  tanto  esforqo  que  6  pou- 
co espa<20  os  derribarão  mortos.  E  nisto  Anrrique  de 
touro  nSo  £azia  te  não  deaparar  sua  ar  telharia,  porque 
vendo  ataUar  os  nossos  em  terra  tao  supitamSle ,  iícãdo 
aiuy  saUeaiElo  fez  afastar  a  fusta  pêra  fora  &  desparar 
«sua  arteihacia  peca.  os  fauoreoer  Siho  mesmo  fizerão  os 
capitães*  das  outras  Ajstas :.  &  isto  estoruou  que  os  oi^- 
tcos  Imigps  acodissem  á  estancia  em  que  os  nossos  pe- 
kjauão,  que  despois  de  matarem  es  cinco  rumes  forflo 
cometer  os  sete  que  :e8tauão  retirados  cõ  os  piães  que 
íbrão  tão  cortados  de  medo  vSdo  a  determinação  dm 
nossos,  Q  fugirão  &  deixarão  a  estãcia,.  &  os  iieásos  cop* 
4arão  as.  calaças  aos  rutaaes  pêra  as  lettar  a  dÕ  Goterre, 
&  recolberansç  á  fusta  sem  neahfia  afronta:  do  que  çu- 
•felarim  ficou  muyto  injuriado  quando  ho  soube^  E  con«- 
tinuando  os  nossos  a  bateria  ao  seu  muro,,  lho  desfizera) 
em  poucos  dias,  &  sabendo  cada  dia  bo  Hidalcão  nouas 
do  que  socedía  no  arrayal,.  &  quão  poueo  nojo  çufolarim 
fazia  aos  nosisos,  &  por  ser  ja  verão  mandoulhe  que^le^ 
uantasse  ho  cerco  &  se  fosse»  E  ele  ho  fez ,  &  ficando 
a  ilha  decercada,  os  Canarins  que  estauão  nos  passos  se 
recolherão  pêra  suas  casas  com  suas  molheres  &  filhos 
que  Unhão  na  cidade,  &  ficarão  com  grade  credito  nos 
nossos  por  quão  bê  se  defSderão,  &  perdido  todo  quanto 
tinhão  dates  nos  mQuroe  por  quão  peuco  fizerão.  E  le- 
uantado  ho  cerco  veose  logo^  pêra  a  cidade  ho  embaixa^ 
dor  do  Xeque  ismael  que  estaua  na  terra  firme,  onde  se 
foy  quando  come<jou  ho  cereo  fingindo  que  hia  visilar  hfl 
seu  amigo,  &  isto  com  medo  de  lhe  parecer  que  por  os  nos- 
sos serô  poucos  &  os  mouros  muytos  auião  de  vencer:  & 
também  chegou  dõ  Aleixo  de  meneses  quehiadeMazcar 
te,  &deu  noua  do  gouernador  que  ficaua  em  Ormuz,  &  foy. 
ae  logo  a  Cochim  a  fazer  a  carga  pêra  as  naoa  de  Port|>g%U 


ttvBiO  mu  CATvnmo  xxyi.  m 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXVI. 

De  como  chegou  á  índia  jáfUonio  de  mldanha  par  capi- 
tão mér  de  cinco  nãos  ^  ^  de  como  o  gouemador  ene- 
gou  Dormuz  f  ^  do  guejtz  a  Fernão  dalcafoua. 

JL/onde  este  ãno  de  mH  &  quinlifitos  &  desassete  par- 
•iio  António  de  saldanba  por  capitão  mór  de  cinco  nao9, 
-eujoa  capitães  forSo  a  fora  ele  dom  Tristão  de  meneses^ 
Manuel  de  lacerda  y  Pêro  eosesma  ,  &  Rafael  catanho , 
íl  despois  Dantonio  de  Saldanha  poucos  dias-  partio  Fei^ 
Bão  dalcatjoua  bii  fidalgo  ^  el  rey  mâdaua  á  índia  pêra 
Tédor  de  sua  fazenda  isento  do  gouernador ,  porque  ele 
^  ho  euydado.&  ocuparão  da  guerra  não  podra  enten^ 
der  na  fazSda  eomo  compría  a  seruiijo  dei  rej :  &  Feiw 
não  daloaçoua  foj  per  oapitãa  mór  de  tnes  naoa  com  a 
•ua  (|  era  dei  rey,  &  as  duas  lifla  de  dom  Nuno  manuel^ 
Ic  outra  de  Duarte  tcistão  hQ  mercador,  &  esta  arribon 
.ao  Brasil  onde  innernou :  &  Fernão  daloa<{oua  dobrou  cS 
ji  outra  ho'  eabo  &  dobrado  acheuse  cò  António  de  sa^ 
dan^ ,  &  aáo  querSdo  k  coele  se  apartou  de  sua  oo»- 
seraa  com  tempo,  &  despois  se  ajuntarão  em  Moçambi- 
•^ue  j  donde  forãá  ter  a  índia  &  surgirão  na  barra  de 
Goa:  nã  sendo  ainda  o  gortiernador  vindo  Dormuz.  & 
Fernão  daleaqoua  não  quis  esperar  pelo  gouernador  (| 
lhe  desse  a  posse  de  seu  oflício  &  tomou  a  logo,  tirando 
em  Goa  ho  cuydado  da  fazenda  dei  rey  a  dom  Goterre 
.que  he  tínba  &  enteniUa  em  tudo  o- que  ho  feytor  fasia* 
£  nisto  ouu^  anlreles.  aigfl  escândalo ,  por  interuirem 
mexericos  que  dom  Groterre  não  fazia  o  Q  deuia ,  &  da-* 
quj  mãdou  Fernão  dalcaçoua  htt  Fernão  martiz  euãgelbo 
a  Diu  ed  fazêda  dei  rey  pêra  a  v6der  lá  como  feytor.  E 
partido  Fernã  dalcaçpua  de  Goa  foy  êtfidendo  por  essas 
fortalezas  no  que  tocaua  á  fazenda  dei  rey  ate  CechisK 
£  nisto  chegou-  ho  gouernador  a  Goa  q.ue  rinha  Dei^ 
jnu,  &  quando  soube  da  vind^.de  Fernão  dalcaçoua  & 


54  'S>A   HISTOUA   DÁ  HfDTA   ' 

ho  officio  que  (razia,  com  que  lhe  tiraua  a  metade  do 
mãdo  que  linha,  moBtrouse  disso  muyto  agrauado,  & 
dizia  pubricamente  que  se  ele  teuera  parentes  em  Por* 
tug^al  que?  Fern8k>  daJcaçoua  nio  fora  á  Kn4ia  aquele  of- 
ficio, ma&  que  00  nâo  tioba,  &  logo  lhe  quis  roa4.  £  es-» 
ses  a  quB^  Fernão  dalcaçoua  ttn^  tirado  <lei»Um}«fera 
na  fazSda  indinauSo  ho  gouernador  mais  cõtrele,  dizen- 
do que  nâo  era  pêra  ae  sofrer  ter  ele  védoo  da  fazêda 
que  mãdasse  mais  que  de :  &  aaat  ha  fez  ho-  geueros- 
dor  I  Q  chegado  a  Cochio!*  moatrSdoUie  Fernão  dalcaço- 
ua a  prouisam  de  aeu  officio ,  ele  a^  beijou  &  mãdou  que 
ae  comprísse,  mas  por  debaixo  disso  tinha  raaaieyra  com 
1}  lhe  tiraifa  bo  poder  d  usar  de  seu  officio,  &  lodos  ho 
ajudauâo  a  isso  porque  por  amor  dele  queriXo  mal  a  Fer- 
080  dalcaçoua,  £c  não  ho  via  ninguém^.  Do  qua  ele  ait* 
daoa  mujto  acanhado  &  corrido,  &  nâo  ousaua  da  bolír 
conaigo*  £  taato.  foy  iato  auante  qae  ainda  qua  sabia 
4)ue  pêra.  bo  a»m  aaguiate  auía  dir  por  gouerna&r  da 
índia  I^iego  lopea  de  sequeira,  disse-  ao  gouevnador  Q 
se  Qria  tornar  pêra  Portugal ,  cò  ^  ela  foigaa  noyto  & 
4eulhe  a  nao  &  qoe^  Cora  António  die  saldanha^  com  quem 
Ibe  também  pesaua  muyto  na  índia',  porque  leuacia  a 
capitania  mór  do  mar,  &  tiraua  este  cargo  a  dom  Alei^- 
xo  de  meneses  seu  sobrinho,  a  qúè  ho  goueraavior  bo  ti-* 
Ilha  dado ,  &  isto  ae  dizia  pubricamonte. 

CAPITVIuO    XXVII. 

De  como  Fernão  perez  dandrade  tomou  apartíirpera  a  Ck^ 
na^  ^  da  discrição  da  Chma ;  ^  de  seus  costumes. 

Jhistando  FeraAo  perez  dSdrade  em  Malaca  diespois  dai^ 
ribar  da  viagft  da  China,  ouoe  algtl  escândalo  antrele  & 
ho  capitão,  porque  loãnes  impolim  feytor  de  Pacem  que 
se  fora  a  Malaca  pêra  estar  bi  se  arrependia  &  queria 
tornarse  a  Pacem  com  Fernão  perez  que  auia  dir  lá  car^ 
teghs  para  a  Cbina  ^  &  porque  bo  capitão  não  quería> 


LIVRO  ini«  OAPITVLO  XXVIU  M 

^le  fe  aeoibeo  por  manha  á  nao  lie  Fernão  perez ,  onde 
.bo  capilSo  ho  quisera  mandar  tcoftar  por  força.  E  tendo 
.prestes  pêra  iaao  a  frota  de  Jtf  alaca ,  coniieoeo  a  pouca 
4Pezâ€>  que  tinha  &  bo  grande  deaesniqo  dei  rey  que  se- 
sia,  &  arrependeose.  E  deepoís  de  pactiide  Fernão  pe- 
rez peta  Pacem  faieceo  de  doença^  &  antes  de  seu  fa- 
lecimento entregou  a  capitania  a  Nuno  vaz  pereira  seu 
cunhado  a  quem  tomou  a  menagem  por  ela  8l  Iba  fez 
•dar  aos  officiaes  da  fortaleza :  do  ^  António  paoheco  oa- 
pitSo  mor  do  mar  se  agrauou  muyto,  dizendo  que  a  su- 
-eessam  da  capitania  era  sua,  porque  quando  Afonso  daU 
buquerque  tomou  Malaca  que  se  foy  pêra  a  índia ,  dei- 
xou hd  regimSto  que  falecendo  j^uy  de  brito  patalim  que 
ficaua  por  capitão  Ibe  socedesse  FeroXo  perez  dandrade 
que  ficava  por  eapilfio  mór  do  mar  9.  &  que  na  fey leria 
.estaua  bii  aluara  dei  rey.  de  Portugal ,  em  que  mandaua 
qae  ate  nio  verem  regimeoto  seu  se  vsasse  dos  que  A- 
ionso  dalbut|uerqQe  deixara.  B  som  tudo  isto  Nuno  vaz 
^o  desistio  da  capitânia ,  antes  prAdeo  António  pache- 
eo  &  Peto  de  Caria  sobve  suas  menagCs  por  fazerem  ban- 
lio  conlrele.£  perero*  António  paoheco  nSo  se  ouue  por 
•preso,  &  estana  na  ilha  daa  nãos  onde  linha  sua  arma- 
da, 8c  faziase  doSte  por  nfto  ir  á  fortaleza,  que  não  que- 
ria ver  Nuno  vaz:  com  quanto  ho  eh  mandaua  visitar 
ft  moetraua  não  ser  seu  immigo,  se  nSo  que  ho  que  fa- 
zia era  por  fazer  juBli^«  £  estando  a  couaa  iiest-e  esta- 
do 9  chegou  FernSo  perez  de  Paoem  pêra  ir  á  China ,  & 
nesse  lempo  que  esteue  em  Malaea  os  quisera  concer- 
tar &  tfftca  pode :  &  deiacando  os  assi  se  tornou  a  partk 
pêra  a  China  no  mes  de  hinho  de  mil  &  quinhentos  & 
desassste ,  fc  foy  na  nao  espera  que  seria  de  duzentas 
toneladas ,  &  em  sancta  Cruz  Sknão  dalcaqoua ,  &  Pêro 
-soarea  em  sa neto  Andfe,  &  lorg^  masearenhas  em  Sa^- 
etiago,  &  fej  também  coele  lopge  botelho  em  hfl  jungo 
-éft  mercador  de  Malacar ebawodo  Curiâfraija,  &  Manuel 
4araujo  em  «Mrer  de  BufUta^  A  em  eiHro  seu  Anlonfo 
-loba  faieSe,  ^  -era  Mki  ^armeda'  ée  «eo^  ^elae-coM- ^u^ 


56  1>A    HISTORIA    HA   INBIA 

partío  pêra  a  China,  cuja -costa  eslá  pouoo  maia  de  quí-» 
p bentas  legoas  de  Malaca  nauegando  pêra  leste.  He  nda 
prouincia  muy  grade  segando  se  diz,  abastada  de  todos 
os  géneros  de  mantimentos  qoe  se  podem  pedir,  &  as- 
si  de  todas  as  fruy tas  que  ha  em  espanba :  ha  nela  muy- 
tas  minas  douro,  prata  &  de  todos  os  outros  metaes^ 
criasse  nela  muyla  seda  &  muy  fina  de  que  /azem  muy^- 
los  damascos,  cetins,  veludos,  tafetás,  borcado8.&  bor- 
cadilhos,  reubarbo,  cânfora  &  canela  muy  lo  fina,  azour 
gue,  pedrahume,  porcelanas:  &  em  tudo  isto  tratâooe 
mercadores  chins  que  sam  muy  tos  8c  muy  rieos  &  nar 
■uegão  em  grandes  jungos  pêra  fora  da  China,  .&  assi  ha 
muy  to  almiz2|re,  abar  &  he  pouoada  de  muy  tas  &  gran- 
des cidades  cercadas  de  muros,  torres .&  ca u as  em  que 
Jia  muy  nobres  edifícios,  assi^^e /templos  como  de  casaa 
rem  que  morSo  aeus  moradores,  que  todos  sam  gentios^ 
posto  que  em  muy  tas  cousas  parece  que  ouue  CbrJslâoe 
jaaquela  terra.  Adorão  hjtl  too  deos  &  têno  por  criador 
de  todo  míldo :  Jk  adora  três  imagBs  dornSi»  &&  tal  he  hfla 
4^mo  a  outra,  &  todas  sam  hCí  homem  isoo«  AdorSo  doas 
imagês  de  molheres  que  .cr&  que  sam  sanctas ,  hiki  se 
.chama NSma  &  têaa  os  mareantes  por  auogada,  &  eles: 
|)rincipalmenle  lhe  tem  rauyta  dcuaçâo,  &  lhe  fazem 
jgrande  festa,  a  outra  se  chama  Conh&pui^  que  dizem 
que  foy  6lha  da  rey  da  China,  &  que  se  foy  de  casa  de 
seu  pay  a  fazer  vida  solitária  em  que  acabou  seus  dias.: 
esta  dieem  que  goarda  a  terra ,  tem  a  sua  imagem  hua 
pomba  de  bico  vermelho.  Tem  também  outras  diuersaa 
imagês  que  adovão  &  todas  em  sumptuosos  tempUs,  a 
que  eles  chamfto  varelas  &  sam  da  feyijSo  que  contSo  os 
liistoriadores  que  forão  as  pirâmides  do  Egipto ,  &  sam 
.obrados  muy  ricamente,  &  assi  as  suas  imagSs  que  tem 
em  altares  da  maneyra  dos  nossos.  Nestas  varelas  mo- 
fSo  frades  que  seruém  a  Deos  &  celebrão  ao  pouo  os  oC- 
ficios  diuinos  a  sua  maneyra,  &  reuestense  com  ornar 
mentos  como  quâdo  antre  noa  os  sacerdotes  dizem  a 
missa ,  ,&  sam  txe»  &  resito  em  htL  altar  por  hCL  liuro  «n* 


LIVRO  mr.  cAf  rrpio  xxnu  bj 

erlpto  em  Uagoagom  que  antrel^s  be  como  oatrenoa  bo 
latíiD,  porque  nfto  a  eniêdem  todos,  &  destM  iíaroe  tem 
estes  frades  muytos.  Nestas  varelas  ha  dohnitoríos,  eras* 
tae  &  outras  o^oinas  como  nos  nossos  mosteiros^  &  tem 
selogios  de  sd,  &  sinos  de  metal  muyto  bem  feytos  eom 
letras  douradas ,  &  tangSnos  com  martelos,  &  os  fra<ies 
vestem  Ji&as  lobas  compridas  amarelas  &  andSo  rapados, 
&  bSo  tem  mais  rfida  qne  quanta  lhes  he  necsssaría  pê- 
ra comer ,  &  deles  não  comem  carne  nem  pescado.  £ 
assi  como  ha  varelas  de  fsades ,  as  ha  tambcfm  de  frey-' 
zai ; .  tem  ob  Chim  lingoa  própria ,  &  no  tÒ  da  íala  pare^ 
cem  alemSes*  Sam  assi  homês  como  molherós  alues  & 
bem  despostos,  ha  antreles  homens  letrados  em  diuer- 
aaa  sciencias  que  se  lem  em  escolas  pubrícas,  &  de  que 
se  impriioã  .muytos  &  bds  liuros ,  &  sam  os  Chios  ho* 
mfis  de  singulares  engenhos,,  assi  nas ^ artes  lâbuaes  co- 
mo nas  macfaanicaa ,  porque  isa  òfficiaes  de  todos  es  of-- 
fieira  que  fazem  ebras. mo jprtmaa  oomei  vemos  nas  per-* 
eelaaas^  cofres^  ncestos  &  outras. cousas'  muyte  polida» 
que  vem  de  lá.  Vsasse  antsdesugeralmftte  toda  a  poli- 
câa  do  inundo ,  &  cmydão  eles  que  a  não  ha  em  c^trá 
parte  se  jsák)  na  China,  nem  tem*  por  homsm  4io  quenflò 
lie  chim»  Tratanse  todos,  muyto  bem^assi  to  vestir  co- 
mo no  comer:  &  comem  em  mesas  aJtas  o5  toalhas ,^ 
goardanapos  i&  iaoas,  &  as  ígorias  apartadas  em  pra« 
teis,  &  tudo  o  que  comem  tomlo  com  garfo,  &  isto  por 
limpeza.:  sam  geralmente  homfis  fracos  pêra  guerra,  po- 
rem tem  boas  armas.  a.  corçoletes  com  suas  peças,  ter- 
qadoa  de  ferro. morto,  alabardas,  roncas^  \sn<^8  &  fre* 
chás  &  alguas  bombardas  de  ferro.  Ha  antreles  ^raos  de 
honrra,  &  segundo  aam  honrrados  assi  sia  serúem :  os  fi* 
da^os  que  se  cHapiâo  mandarins  amdfio  a  caoato^  & 
quando  «ão  polas  ruas  despejanlhás  os  Jiom&s  baixos  que 
estão  nelas.  He  gente  muj  obediente  a  aeus  mayares  & 

Kardâo  em  estremo  os  regimentes^  de  seu  rey,  que  não 
mais  que  hfi  em  todo  wy  senhoria  da'Cfaina^  &  he  M* 
dos  mores  príncipes  que  ae-  sabe  Jio  n^^do  asai  de  te« 

UVRO  iiii.  H 


sotftK^s  ewíQ  4e  gente ^  &.b9.geifti(»^  ohamnistt. filho  dei 
deo4  Ã  fl^bor  do  ttiyiido.:  trás.  bOa  letra,  que  diz|  que  a 
pas  bo^  fi^nhorde  cima;  á  deu  y  j&.qúejiui^a  a  uinguem 
quifii  ^  a.  não  aoJiaisa :  Jio  seruiçoida  auaipessoa  be.  com 
cftpi^s;  (001  flkujrtas  molberes  &  múyU&kiABeebaiBi,  &. 
tpd^t»  :CaórSd  .  de  ddtro  de  bfla  ôiuy  grAnde.  oerca  Sde  el 
rey  .tem  os  seus  paços,  &  ali  tem  cadaihãa  seu  apou-" 
aeo^am&to,  &  tfi.molberes  j^.as  seruft  &  capados. Oa  reya 
d4  Cbina  soyão:  de  ser  antigamente  poreleyção,  &  de 
pouco  tempo  pêra  ca  beida  ho  íilbo  prim^xo  de  qual-» 
quer  de  suas  molberes  &  nâo  das  mancebas,  oe  outro», 
que  não  berdão  estão  em  cidades,  deputadas  pêra  isso 
metidos  em  fortalezas  c&  griUles  gosordas  &  ali  estão  e5 
suas  molberes  &  tè  muytas  mafieyras dedesenfadamen* 
tos ,  &  nãx)  saem  dali. se  não  cobi  licença  dei  rey  &  vão 
em.  andas  que  não  vem  por  onde  vão^  El  rej  temjpostfr 
ley;  em  seu  reyno.  que  todo  bomft  que  for  fora  da  China 
a  outra,  terra  não  tome  á  ela  sopena  de  morte,  porquo^ 
t$  qiie  não  ba  na  miuido  milbor  terra  que  a  Cbina  nS» 
maisr  aMStáda  de  todas  aá  cousas  necessárias  pêra  a  vir 
da  líumana,  &  quS  vay  a  outra  terra,  he  pêra  lhe  fazier- 
treição^  E  os  Cbinis  que  tratão.fora  da  Gmna  morão  na*' 
ilha  da  Veniaga  que  está  dezoyto  iegoas  da  cidade  de 
Cantão  principal  da  costa  da  cbina  &  grande  porto  de 
mar»  El  rey  da  Cbina  não  despacha  nenhtla  cousa  da 
gouernãça  de  seu  reyno ,  &  pêra  todas  as  cousas  t6  oífi» 
ciaes  que  goueroão  por  ele ,  na  justiça  que  be  roór  offi* 
cio  do  reyno,  tS.  três  bpmês  grades  letrados  que  se  cha- 
mão  colous:  &  htL  se  chama  colou  grande,  outro  colou 
pequeno,  outro  mais.  pe!}no:  estes  sam  bomès  velhos 
&  conhecidos  por  muyto  bõs  homSs,  &  võ  a  merecer  es« 
t0S  cargos  por  letras  &  por  bõdade,  &  seruS  primeyro 
em  outros  officios  mais  baixos  ate  chegarem  a  ser  tu- 
lítes  que  sam  gouernadores  de  comarcas :  &  despois  A^ 
cbaiicis  qoe  sam  secretários,  &  dali  sobem  a  colous  qua 
he  offlcio  supremo;  B' estes  oíficios  de  colous  vSnos  a  ter 
bomSs  baixos ,  que  não  se  olha  se  não  que  sejâo  velboa 


bSs  bomfis  &  letrados.  Ha  outros  officios  que  cbainSo  tu- 
tSes,  &  conqabfes  &  coMpirà  :•'&  esleft*  toídog^tres  secba- 
mSo  conselho  &  gouernão  cidades,  &  ho  principal  deles 
áe  ii&  lutãoi  bft  dé  ser  hottem  letrado  ^  Vettlo  It  bò  ho-^ 
nem^  ho^oompim  he  ho  MgniKlo  &;  ^he  capitão  dii  {p4ier- 
ra  &  nâo  he  letrado ,  ho  conquSo  he  ho  teirccâro,  &  tS 
cargo  das  cousas  da  fazenda ,  &  ho  somenos  deste  con« 
flelmiu  Coestes  anda  outro  que  se  chama  ceiut,  qúé  ha 
de  ser  letraído  &  conhecido  per  bd  homem\  este  despa* 
eha  coon  bo  tutâovas  ebuaás  da  jastlça>&  tS  càrgode  ti^ 
fis  aa  inc^^figSes  &  4^^^^  g^raes  «qué  manda  a  e)* 
wey.  E  t&  graLíBea  pòddi^  ^  &  ha  setí  oficio  nâo  dura 
mais  ]|  fa&'  anso^  oâ  dos  ccuiro&ridoiSo/por  afinps.  Ha  ou- 
tros officios  «enorÍM  qne.evtw^iQiae  chamA)  {)uc1iaiícís,' 
amechacniy  toeis,  ítaos,  pÍDBtque^8am  almirantes  Se,  li-» 
cos  que  nio  «eiibe  da  qne  aecuiSo,  &  de  cá(bk  hQ  ha  três,' 
giide^  pequenof  maia  {lequeftOé.EèteB  officiaeB  todos  Mi- 
dié  ^ín  snfkirea:«&  prataém  MÍn^irtfs  .de  pé^^t^  cadli  hCT 
sefnndo-tral  ho  offi^  nasi^te»  qktas^ihMítifias  niai#  ri* 
«ás  ou  menos  &  por.  6)as  sàán^oophecubtf^  tensèi  por  hftaa 
tenoan  quer  Ihetf  liaiíSo^diánAe  emqQe^i/iãé^escdptas  as 
Mrraa  'dotr  oálcks^'  &  assi  lhe  .|euão<d(ãte'  maças  Mas 
de  prata  oátriíb^dMtanho  aegfldo  he  ho  ioffioie».  Ho  luais 
hSrrado  sdbreird  bé^o  de^  seda  amarela!  dé  treí  todas ,  t& 
o  mrais  baiio  de  tafetá  prelo  jdedufaa  três;  Todofi  andSd^' 
Buyto  ott  pkmeo  acovpeinfaados  de  gÀicdarmaá  segtldó' 
a  dínidade  do  oficio^  fe<as8i  lhe  faw  grades  ou  peQtios; 
TeeebbnBtos  quando  entrSo  nas  cidades  em^^  gbuttniftó,' 
fc  aasi  lbe'despfl)Soi  as  ruas  pdr  onde-paèsam^  pori}  ^uft-; 
do  tSo  por  efaila  leoSb  difttebofnSi  ^  btadSo^  lhas  dM>^ 
jpejfi,  &  ao  Oei«fl  as^  despe^act^- de  todo^  aèra  ptretter  ni«^ 

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B  1 


*  • 

C  A  P  I  T  y  L  Q    XXVIII. 

Dte  coma Fernâa persz  eJtigçu ao  w^taâa  ilha  da  venia^ 
ga^  ^  de  comOiSe  thc  ouuera  ae  perder  a  frota.  esUm^ 
do,  no  portoi 

ontiiuiando  FernSo  perea  por  tua  viajem  chegon  átt 
ilfaLas  4a.ChÍQa  em^  Agosto^  &  bQ  dia  a  tarde  ouue  vis- 
ta, delaa ,  &  aasl  de  bOa  armada  de  dcMse  jdgw  t^  ali  an« 
daua  |.  &  anda  sempre  na!|le  iêfx>  pesa  góarda  dos  jun* 
gqsque  vão  tratar  aChinat  deSião^  Malaca.,  Patane 
&  oiiJiras  partes  9  i\lhe  «S  façSo  mai.  os*  cossairos  &  la- 
droes de-Â  na  ChiiiHi  ha.BmyioSi^assi. no  Biar  como  na' 
t^rra;  E .  JPeroão.  perez  não  Be ;  solnre  aalteoa  coes  ta  firota^* 
poçqpe  poloa  Chi.D8.de  sua  oõpanhiâ  sabia  4  ^  auiada-*^ 
cbar,  &  por  ser  tarde  &!auer  de  i^auegat  por  anire  iliias 
nâp.quís  pastor  au2t0'&paireUialisiQla.no7ié9  em;()»dis«í 
se  a  seu8  capifiSes^imâdassemilááeo  prestes: soatarte* 
Iharia,  &  fosse  a  gSle  apercebida  pera^  pelejar  se. por  vftv 
tura  os  Chins  ho- quisessem  fáfeeir:  .pOrftjq«e^  fossem  d0 
maney^-a  i}^  eles  bo  <  não- entBdêssenl,  ^^  |H>r  aenhSimb* 
do  físessem  sinal  de  gueárasem^^eu  recado,' &»  ^  fDB9em> 
como  bomSspatí&òos  c6  suas  nãos  ;èbSdeíradás.(£  assi 
bo  íiíserâo,  &  ao  outro  dia.coeieqf^rSo  de  nauegar  leuann 
do  os  jQgos  de  Malaca  no  meyo,  &  Fernão  perez  faia 
diante  &  Simão  daíeaçQua  de  trás ,  &  nas  ilhargas  biâa 
MartiiQ  guedesib  Jorge  Mascarenhas:  &  podião  ir  assir 
]X>v  se^  ho  mar  brando  &  ho  veto  a  popa,  &  nesíla  ordA 
tirafcSo  d^reyli&s  per^ailba  da  Veniaga.  Os  Cbins. estar 
«ãOíjC^auas  ganias  postas»  &.  castelos  armádosy  &.  paplin*^ 
dose  em  duas  partes  tomarão  os  nossos  no  meyo,  À.co« 
meçarão  de  tirar  ajgftas  bftbardinhas  (^  trazíão ,  &  dado 
grades  gritas  chegauâse  aos  nossos:  &  vfido  Q  eles  não- 
boNSo  cõsigo  n5  faziSo  mbstra  de  quererem  pelejar  afãs* 
tauanse ,  &  cd  quanto  os  Chins  isto  fazíâo  como  os  nos- 
sos disso  não  recebião  dano  deixauãse  ir  como  quê  bia 


Lit»  mi*  c^piTvio  xxvm.  et 

âe  paz  &  hAo  de  guerra,  &  atsi  forflo  ate  cbegarS  á  ilha 
da  vefiiaga  onde  surgirão,  &  esta  ilha  está  três  legoas 
da^  ceala,  &  os  Chis  lhe  cbamão  Tamfio,  &  nos  outro» 
da  veniaga  :  porQ  naquelas  partes  eha mão  ao  trato  da; 
mercadoria  veniaga :  &  nesia  ilba  se  faz  ho  trato  dai 
«D^vadoria  dos  mercadores  es trâgevros  ^  vão  tratar  á 
China  que  se  apousentão  em  hCla  grade  pouoação^  br 
ba,  &  dali  nã  pode  ir  nenhft  a  algfl  dos* lugares  da^cos^ 
ta  sem  licêça  do  conselho  de  Cantão  hãa  cidade  <|  est^ 
dali  dezeyto  legoas,  &  ainda  qiiãdo  vão  não  entrão  den*^ 
tro  &  pousam  nos  arrabaldes  &  ali  faz&  seus  tratos;  E 
pêra  se  isto  assr  fezer  &  armar  as  frotas  (|  andão  por  a"^ 
Qla  parajfi,  reside  ho  Pio,  4  ^^  como  almirante  de  toda 
ii^ia  eosta  i  htta  vila  chasoada  Nantó  (|  está  três  legoas 
da  veniaga,  &  dali  faa saber  ao  cdselho  de  Catão  os  jil«^ 

rQ  vê*  &  ddde  sam  fc  04  quorê,  &  Q'faz6da  traaê : 
conseiiia  determina  o  ^ se  ha  de  fazer,  &  se  he  cou^ 
aa  noua  eaoread  ho  logp  a  el  rej  pêra  Qseja  auisado  do 
^  pana.  Chegado  Fernão>  perez  ao  perto  de^ta  ilba  a« 
ehou  hV  Doaria  coelho  {|  partira  ooele  a  priraeyra  vez  ^ 
partfo  da  Malaca*,  &  inuernoa  em  Sião  como  ja  disse, 
&auíaíifl  mes  Q  chegara,  &  pelejou  no  caminho  c5  trin* 
ta  &  três  velaa^de  coseairoa  Q'  ho  teiier9a  quasi  rendid?> 
c&  lhe  HuitarA  muyta'  gente ,  &  milagtosan>ente  ho  sal* 
«ou  nosso  seubor  &  lhe  deu  maneyra  pêra  poder  fugir, 
Sl  nesta  peleja  fez  Duarte  coelho  fe^ahas^  se  não  po^ 
dê  escfeuer.  £  enformãdose  Fernão  perez  desta  ilha  pot 
Duarte  coelho 7  mandou  dizer  ao  capitão  moop  da  arma^ 
da  doa  Chioa  Q^  ele  era  capitão  mór  da(|ia  armada  dei 
¥03^  da  Portugal,  ^  desejando  de  ter  paz  &  amizade  com 
el  rey  da  Cbína  lhe  aiãdaua  aeo  êbairador  Q  ali  trazia , 
&  por  isso  nã  quisera  trauar  eoele  peleja ,  pedidolbe  4 
lhe  desse  piloto  ^-  ho  leuasse  á  cidade  de  Cantão.  Hò 
capitão  mór  lhe  respõdeo  í\'  fosse  moy  bft  vindo,  &  ^  po^- 
ks  Chios  q  forão  a  Malaca  se  sabia  acua  dosPortogue*- 
ses:  &  pois  vinha  por  amizade  Q  goardasse  os  costumes 
ém  teria  ^  evão  fáaar  saber  sua  vinda  ao  Fio  de  Nanió^ 


f^  VA  HISTOEfA   9A   ifCDU 

Sn  ^  este  lhe  diria  o  ^  auia  de  íazer,  parQ  a  elè  nS  od« 
nmha  mais  <)  goardar  ho  mar.  B  tendo  FeroSo  perei  ea- 
ta  reposta,  lae  chegoa  logo  recado  do  Pio,  em  4  '^  P^*^* 
fffltaua  que  gSte  eráo,  &  ddde  viobfto^  &:^  huaoauão. 
Feroão  perez  bo  disse  ao  messegeiro,  &  Q  poJaa  obras  4 
ko  goueraador  Afonso  dalbuquer2|  fizera  aos  Chins  ^  a* 
ehara  no  porto  de  Malaca  quando  a  tomou  poderia  sa- 
ber ho  desejo  damizade  Q  el  rey  de  Portugal  tinha  c& 
elrey  da  China  &  isso  ho  obrigara  a  mandarlhe  seu  êbai'- 
xador  eõ  ha  presente  Q  lhe  leuaua,  pedindo  mujl^lo  ao 
Pio  que  lhe  desse  hil  piloto  Q  o  leuasse  a  Cãtâo  pêra 
mãdar  dali  ho  fibaizador  4  trazia :  ao  ^  ele  respõdeo  4 
mãdaria  recado  ao  cÔselho  de  CâtSo  como  era  chegado, 
&  segfldo  a  determinaçXo  do  cÒselho  assí  faria ,  per{|  se 
nâo  podia  fazer  doutra  maneyra.  E  cujdando  Fernáo 
perez  que  aquilo  fosse  logo ,  sayose  pêra  fora  do  porto 
com  08  nauios  Portugueses  com  que  determinaua  de  ir 
a  Cantão ,  &  deixou  dentro  os  jungos :  &  estando  astt 
de  fora  esperando  por  despacho^  sobreueo  tamanho  tem» 
porai  de  vSto  (|  se  ouuerfto  de  perder  todolos  nauios  cê 
darem  á  costa  se  lhe  não  cortarão  os  mastosí  &  assi  es^ 
caparão  pola  misericórdia  de  nosso  senhor ,  &  este  tem* 
poral  não  fez  aenhil  nojo  aos  jungos  por  estarê  dentro 
no  porto.  £  ficando  a  nossa  frota  desenmasteada ,  qui* 
aera  Fernão  peres  auer  remédio  de  terra  pêra  a  êmas«- 
tear ,  mas  não  pode  porj|  nunca  es  Chins  lho  quiserão 
dar :  &  isto  porque  não  sabião  o  que  ho  conselho  de  Can* 
tão  determinaria.  E  vendose  Fernão  perez  sem  remédio, 
remedeouse  c5  bo  seu,,  &  do  masto  do  nauio  de  Mar«- 
tim  guedez  enmasteou  ho  de  lorge  mazcarenhaa,  &con 
bo  da  nao  de  Simão  dalcaçoua  enmasteou  ho  nauio  de 
Martim  guédez^  &  a  nao  de  Simão  dalcaçoua  êmasteou 
com  ho  masto  da  sua  que  mandou  meter  no  porto ,  on* 
de  roalidoti  a  Simão  dalcaçoua  que  ficasse  por  capitão 
mor  em  quanto  ele  bia  a  Cantão,  pêra  onde  logo  partio 
iodo  no  nauio  de  Mattim  guedez :  &  ieuando  em  sua 
companhia  lorge  mazoarenbas  no  seu^  &.assi  oi  batejis 


UT10  mr.  cAFivn.0  xxnr«  99 

âMBiM^damboB  m  nauios^  artilhados  &  apadeseado», 
fc  partindo  da  ilha  da  T-eniaga  foy^  surgir  no  porto  de  Nfl« 
tó  que  está  na  entrada  de  búrio  de  hfla  legoa  de  largo, 
k  por  ele  acima  está  a  cidade  de  CantSo  obra  de  vin* 
te  cinco  legoas  de  Nantó^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXIX. 

De,  como  venio  Ftmâú  peresf  qtie  ha  Pio  lhe  nâo  qne^ 
ria  dar  despacho  se  fartío  pêra  Cantão  y  ^  do  sUio 
de  Cantão. 

l^urto  Fernão  perev  ho  Pio  ho  niandòn  yisitar  &  lho 
mandou  muyto  refresco,  mandandolhe  dizer  que  nâo  po^* 
dia  dali  passar  sem  recada  do  conselho  de  Cantão,  &  fa« 
tendo  bo  doutra  raaneyra  lhe  pareceria  que  vinha  mai» 
de  guerra  que  de  paz.  £  Fernão  perez  lhe  mãdou  dizer 
pele  fsytor  da  armada  que  ja  lhe  mandara  dizer  pelo  seit 
nttsegeíro  que  a  principal  CMsa  que  mouera  a  el  rey^ 
de  Portugal  seu  sefior  a  mandalo  á  Ghina  fora  de  dese^ 
jar^  amizade  de' seu  rey  ^  &  pêra  se  assentar  ieuaua  air 
M  embaixador^  o  que  lhe  parecia  que  nunca  aueria  ef- 
feyto  com  tamanha  detenha  camanha  TsauSo  coele ,  & 
porque  ceela  se  perdia  muyto  do  seniiço  dei  rey  seu  se^ 
nbor,  lhe  requeria  da  parte  dei  rey  da  China,  &  da  sua 
lhe  pedia  muyto  por  mercê  que  lhe  desse  htl  piloto  oue 
ho  leuasse  a  CantSo  &  licença  pêra  ir  lá:  &  disto  lhe 
mandasse  logo  a  reposta ,  porque  se  lha  não  desse  con- 
forme a  seu  requerimSto ,  ele  passaria  auãte  &  iria  a 
CantSo  como  lhe  el  rey  seu  senhor  mãdaua,  &  protes- 
tana  de  nãa  encorrer  por  issoem  nenhQa  desobediência 
contra  elrey  da  China  nem  em  quebra  dos  costumes  de 
sen  reyno :  &;  que  ele  Pio  ficasse  obrigado  a  toda  a  per- 
da &  a  todo  ho  dãao  que  sobrisso  recrecesse ,  pois  não 
iaaia  o  que  cumpria  ao.seruiço  dei  rey  da  China,  não 
estando  ali  pêra  outra  cousa.  E  mandou  ao  feytor  que 
c5  a  reposta  do  Pio  ou  sem  ela  tirasse  hâ  estormento  cu- 


64  DA  Hf  STOSIÁ  BA-  W DIA      * 

ja  suBtancia  fotfse  este  recado  que  lhe  inaBdáua,  .&  man* 
deu  ho  feytor  bè  acompanbado  de  criados  dei  rey  todoa 
veatidofl  de  festa  ^  &  diãte  as  suas  trombetas.  E  ooeste 
aparate  chegou  ho  feytor  ao  Pio,  que  ouuindo  ho  reca« 
do  de  FernSo  perez  &  suas  protestares  S9  espantou  de 
auer  nos  nossos  tãta  rezão ,  ^  ^^^íSo  suas  causas  por  tão 
boa  ordê,  por^  os  tinha  por  barbares  como  os  Chis  tS  a 
todas  as  outras  nações  &  respondeo  ao  feytor  que  dis- 
sesse a  Fernão  perez  que  ele -lhe  mandaria  a  seposta  pet 
seu  measegeijro^  $c  foy  que  esperasse  FeraSo  -pérez  ate 
ho  outro  dia  que  teria  recado  do  TulSo  de  Gatão  que 
era  seu  superior ,  que  o  que  ele  mandasse  isso  faria.  £ 
mreoendo  isto  dila^S^  ^  f  ernão  perez  mandou  dizer  ao 
Pio  que  esperaria  pola  reposta 'do  Tu  tão  ate  que  a  vica- 
ção  vetasse ,  porque  coela  iria  .por  diante,  &  assi  ho  fes 
Sc  nos  bateys  aue  hião  diãte  4los  nauios  J^ia  ho  seu  pilo- 
to sondando.  O  que  sabido  pelo  Pio  lhe  mandou  hci  pi*- 
loto  que  ho  leuasse  á  cidade  de  Cantão^  que  como  dis» 
se  he  por  aSle  cio  acima:  4)ue  he  ifermosa  cousa  de  vec 
por  auer  nele  .muytas  ilhetas  &  delas  se  «cobrem  dagoa 
çom  preamar ,  &  todas  sam  verdes  &  viçosas  derua :  & 
9eruê  de  p^^ccirem  nelas  grade  multidão  ^iadens  &  de 
patos  que  leuão  ali  em  jangadas  grandes  £[  sam  cerradas 
como  casas ,  &  tS  hOa  porta  por  onde  saem  as  adens  & 
Qs  patos  voando^  .&  ao  recolher  se  recolhem  ao  som  de 
hd  sino  que  tem  cada  jãgada ,  que  conhecem  tambê , 

Sue  ainda  que  tanjão  quatro  sinos  cada  bttas  acodem  ao 
e  sua  jangada.  iNa  terra  <le  hda  banda  &  doutra  deste 
tío  ha  muytos  lugares  murados^  que  tem  muytas  quie- 
tas,  hortas,  &  muytos  parques ^  &  toda  a  terra  muyto 
aproueilada:  &  por  isso  he  muyto  abastada  de  todolos 
maalitpentos.  E  junto  da  cidade  he  ho  rio  de  largura  de 
tiro  de  berço  daltura  de  sete  braças ,  ate  três :  <&  anco- 
rão  9IÍ  grandes  jungos  &  a  cidade  está  perto  dele,À 
será  de  cerca  algda  .cousa  mayor  que  Euora :  &  .tem  os 
muros  de  largura  de  cinco  braças,  ambas  as  faceQ  sam 
de  cataria  de  pedra  veripelha  &  mole^i  he  entulhado  d? 


LlVftO   IIII.   CAUTVLÒ  XklX.  ,  ,       ** 

lerra  ate  bo  mejo,  &  ameadò  c8  ameas  de  setèírae  & 
está  sempre  muyto  Kmpo  deruas  por  ordenança  da  cida- 
de. Tena  este  muro  em  roda  setenta  &  oyto  torres  de 
sua  altura  todas  entulhadas :  &  em  cada  hua  está  bQa 
irigia  que  tem  hft  masto  aruorado  pêra  se  poer  hQa  ban- 
deira no  tempo,  de  suas  festas.  Tem  mais  esta  cerca  se* 
te  portas  :  &  pola  largura  tio  muro:  eada porta  tem  qua^ 
tro  portas,  hQa  defronte  da  outra  antes  que  chegu6  á 
derradeira.  E  cada  portal  18  no  muro  hil  postigo  de  ca- 
da ilharga :  &  as  portas  sam  forradas  de  ferro:  porS  sam 
mais  femoosas  c|  fortes.  Sobrestas  {)ortas  ha  grandes  ca- 
sas de  vigia:  em  {)  cabfi  quinhentos  homSs,  que  tem  ali 
euas  armas  defensiuas  &  oflensiuas :  com  que  guardãô 
aqnelas  portas  tte  dia  &  de  noite,  Ho  muro  da  parte  da 
cidade  nSo  he  tambfi  repairado  eomo  da  banda  de  fera : 
*E'por  ele  ser  tâo  largo  como  digo  fao  entulharXo  de  ter- 
ra, &  donde  se  ela  tirou  ficou  hOa  fermosacaua  de  grã*^ 
de  altura  que  se  enche  dagoa  da  bida  dâ  rio:  &  não  do 
sertão  por4  vay  por  hCI  alto:  &  nSo  pode  «obir  ali  agoa» 
Ssta  caua  Vè  sele  potes  correspÔdStes  A  potta  da  cida^ 
de?  &  ledas  sam  grades  &  b8  obradas,  &  tomarão  todai 
os  dous  terços  da  cidade  Q  nSo  tfi  outra  fortaleza  senSe 
as  casas  do  Puchanci ,  !)  he  o  Q  a  fi^ouerna  em  ausência 
do  Tutâo,  esias  t8  aigâa  apurScia  de  fortes:  &  por8 
d3o  ho  sam  &  sam  térreas ,  porQ  não  ha  na  cidade  ne- 
nMa  casa  'que  boneò  seja  (a  ressãò  não  pude  saber)  ft 
sam  toda»  de  taipa  aeefeladas  por  fora  -cÒ  caí  de  irascas 
destras,  &  forradas  por  dentro  de  madeira  grossa,  9t 
Jl^totadiís  fármosament-é^  &  todas  tem  oratórios  com  r€^ 
(auolos  &  ima^8d  dos  idobs  dos  Chins.  Tem*  todas  pa- 
teoslageadés -de '^fermôsas  pedras,  &  poços  dagoa*  que 
hAo  be  bdk ,  &  asi  mais  delas  tem  aruores  ás^portaá  tj^T^ 
fazem  sombras,*  tem  a  cidade  de  seu  muytas  casas  pèrd 
ee  ofSciaes -que  a  gduernão ,  &  sam  pêra  ver  de  feTmo4 
«as:  tedas  as  tmisftéin  poriaes  -ítos  cabos  cfu  *comèços  ^ 
«lodo  de  arcos*  4río^pbaes^  -it  sam  de  madeira  mny*d 
bem  lnuraidoâ^  ié  ptfftodos  &  ha  destes  mais  de  q^mihen'^ 

LIVRO    IlII.  I 


66  -    »A  HISTORIA  BA  ÍNDIA  • 

to8.  Ha  (aoibem  nesta  cidade  muytaa  varelas  que  aaqi 
as  oasas  dora^o  dos  Chins^  assi  mosteiros  como  igrejas 
em  que  ba  muylo  singulares  agoas.  Tem  esta  cidade 
hd  arrabalde  de  major  pouoação  que  a  cerca,  &  esleo^ 
desse  ao  longo  do  rio,  &  he  muyto  comprido  &  estrei- 
to: &  assi  nele  como  na  cerca  ba  gente  sem  conto,  fr- 
dalgos  a  que  cbamão  mandarins  na  Jingoa  Chim ,  mei^ 
eadores  &  oíBciaes  macanicos :  &  vendêse  aqui  cousas 
tão  lindas  que  he  cousa  despanto.  Por  ordenança  da  ci*- 
dade  as  suas  portas  se  fechâo  em  se  poendo  bo  sol ,  j^ 
abrense  em  saindo,  &  isto  por  amor  dos  muytos  ladrões 

3ue  ali  ha.  E  assi  nisto  como  no  mais  he  também  regi* 
a  que  nâo  tem  enueja  as  milbores  regidas  Deuropa,  & 
he  ley  do  reyno  não  entrar  da  cerca  pêra  dõtro  nenbiia 
pessoa  estrangeira  se  não  se  for  Chim ,  &  por  isso  ba 
no  arrabalde  gente  sem  conto  como  ja  disse,  &  no  rio 
&  na  caua  estão  continuamente  de  úez  mil  paraós  gran- 
des pêra  cima  &  todos  cbeos  de  gente  &  em  muytos 
morão  como  em  casas ,  &  he  de  maneyra  que  parece 
que  quasi  ha  tanta  gente  no  rio  como  na  cidade,  |xirque 
tudo  he  cuberto  dela :  &  não  he  marauilba  por^  ali  oto 

ha  peste,  nem  guerra ,  nem  fome.      .  . 

■ 

C  A  P  I  T  O  L  O    XXX.. 

jDe  como  ho  capitão  mór  checou  a  Cantão,  ^  de  como  de^ 
pois  chegarão  ho  GÔquam^  Compita  ^  ho  Tutão. 

JuLo  piloto  ^  ho  Pio  mandou  a  Fernão  pereis  não  ousos 
dêtrar  em  nenhft  dos  nossos  nauios  nem  nos  bateys  k 
foy  em  hú  parao  seu ,  &  seguia  ho  a  nossa  frota  &  po*- 
serão  três  dias  em  chegar  a  Cantão,  porque  Fernão  per- 
fez surgia,  de  noyte.  £  chegado  ao  porto  da  cidade  sur^ 
gio  pegado  com  a  ponte  principal,  ondestaua  hfi  cais  de 
cantaria  ao  nosso  modo,  &  dali  saiuou  alidade  com  to» 
da  sua  artelbaf  ia  i  têdo  os  nauios  emban^ieirados ,  &  a# 
estrondo  da  artelharia  acodio  ao  cais  toda  a  gentn  dé 


unto  iHf^  cávrrPLo  xk«  •? 

eMâda  a  fon  a  qoe  estaua  «lò  rio  em  |)ara68  Gomô  fa 
dSssa.  E  estando  FernSo  peraz  aarto  roandoulhe  bo  Pu« 
cMci  gride  de  Cantão  diaer ,  que  m  espantaua  muy to 
fiado  ele  de  pas  segundo  lhe  tinbão  dito,  mostrar  que 
Tinha  de  guerra  no  ^  fayía  contra  as  leys  que  tinhSo  que 
defendiio  AenhAa  pessoa  natural  nem  estrangeira ,  nlo 
tirar  diante  daquela  cidade  aenbQ  tiro  dartelharia,  nem 
aroorar  bandeira  nem  lança ;  &  pois  ele  vinha  de  paa 
que  aaai  ho  deuia  de  fazer.  Ao  que  bo  capitão  lõór  res« 
poadeo,  deseulpandese  de  nio  saber  suas  leys,  &  por  is- 
ao  Tsara  do  nosso  costume  que  era  tirar  sua  artelharía 
em  sinal  de  festa  &  damizade  ,  &  por  essa  causa  em bft« 
doirara  sosa  nãos,  &  não  por  quebrar  suas  leys  nem^  cos-^ 
tomes,  que  ele  aiodaria  a  goardar  com  todas  suas  forças 
como  rassalo  dei  rey  de  Portugal  muyto  grande  amigo 
dei  rey  da  China ,  &  por  isso  mandaua  assentar  coele 
paz  &  amizadOé  B  coísto  ficou  bo  messejeiro  do  Pucban* 
oi  satisfeyto^  &  disse  ao  capitão  mór  que  se  nflo  agas* 
taase  de  ho  nSo  despacharem  logo,  porque  não  podia  ser 
mte  não  v\t  bo  Tutão  que  era  sobre  ho  Puchanci  &  so* 
bre  os  outros,  &  este  ho  despacharia  logo  que  ja  erão  a 
cbanraío  a  biia  cidade  vinte  legoas  daquela  polo  rio  aci* 
ma  como  ja  disse.  £  também  como  os  nossos  chegarãe 
forio  pregontados  os  ídolos  dos  Chins  se  b ião  os  nossos 
fior  seu  bem  oo  não,  &  bfls  dizião  que  por  bMs  outroi 
por  mal ,  porem  que  dali  por  diante  goardassem  melhor 
sua  cidade,  se  melhor  se  podia  goardar.  E  assi  bo  fize«' 
tfto  eles,  fc  bo  capitão  mór  não  consentia  <)  nenhfl  Chim 
entrasse  nos  nauios ,  nem  que  nenfaft  dos  nossos  fosse  a 
terra,  &  ho  refresco  que  querião  mãdauãno  comprar  aòa 
|>araos  que  estauâo  no  rio,  nem  menos  conse^itio  que 
nenbll  jungo  dos  que  entrarão  despois  dele  surgissem 
)unto  dos  nossos  nauios ,  &  assi  bo  mãdou  dizer  ao  Pu« 
cbanct ,  que  foy  disso  contente.  E  assi  ele  como  os  mS,* 
éarine  da  cidade  bo  mandaeie  visitar  amiúde  com  muy* 
tos  preeentee.  E  passados  dous  oo  ires  dias  de  sua  cher 
grada  ehegoo  «Calão  boConquflo  grande^  que  cesso dís- 

1  2 


e»  JM  Hf  MOEU  Ml  INMA  ^ 

86  he  bfi  do6  tres  do  conselho  &  da  goueraafeijft  htf  itté- 
nor :  &  era  capado  como  bo  saiu  o&  destes  cargos  ^  & 
vejo  polo  no  rouylo  acompanhado,  &  Éayt»  com  grantfe 
aparalu  &  da  hí  a  cinco  d  rãs  Chegou  bo  Com{>im  graá^ 
de,  lambem  pelo  rio  &  com  muyto  mor  aparato  que* bo 
Conquão,  porque  também  seu  officio  he  mayor  que  bo 
do  Conquam  por  ser  capílSo  da  guerra  como  disse:  & 
ho  Gonquâo  ho  sayò  a  receber  com  toda  a  cidade»  Esa». 
bendo  bo  capitão  xaòr  sua  chegada  ho  mandou  visitar^ 
com  cuja  visila^jâo  ele  mostrou  que  folgaua  muyto,  & 
afisi  com  ver  os  nossos.  E  respondeo  ao- capitão  moop 
que  sua  chegada  íosse  embora ,  que  coroo  chegasse  ho 
TutSo  em  que  estaua  todo  ho  poder  de  seu  despacho 
que  logo  seria  despachado ,  &  ele  veyo  seys  dias  des^ 
pois  do  Compim ,  a  que  se  fez  muyto  mais  solene  rece« 
l^imento  que  a  nenbft  dos  outiros.  U  vinha  faoTutâo  pe- 
lo rio  abaixo  em  hO  parao  maraúilhosamente  laurádo  de 
jpa^janaria  &  cozido  iodo  em  ouro ,  &  toldado  &  emban* 
deirado  de  bandeiras  de  sedas  de  coores ,  que  alem  de 
ser  muyto  formoso  era  muyto  rico.  &  .acompanhauãe 
muyta  gele  que  vinha  6  outros  paraós  laurados  da  me^* 
ma  maneyra  &  pitados  douro  &  dazul^  &  toldados  £fi^m* 
l^ãdeirados  pelo  mesmo  modo«  JC  era  a  gente  tala  que 
ho  acomi|>anhaua ,  &  a  diuersidade  de  inslormentOB  4 
irazia,  que  parecia  êtrar  hQ  grade  príncipe.  £  este  dia 
foy  embandeirada  toda  a  cerca  da  cidade,  assi  poios  mu^ 
ros  como  polas  torres  &  S  cada  hQa  estaua  hu  masto  gros- 
so com  hda  verga  atrauessada  cd  hila  bandeira  tamanha 
como  híi  papa  figo  de  bua  nao:  &  estas  de  diuersas  & 
alegres  cores,  &  todas  de  seda,  &  assi  as  dos  muros  que 
erâo  muylas.  Ho  Côquãa,  &  ho  Cõpi  cõ  todos  essoutros 
oíEciaea  sayrã  a  receber  ho  Tulâo  acompanhados  de  to- 
da a  genie  da  cidade,  &  todos  vestidos  de  festa.  £  em 
ele  desembarcando  no  cães,  despararão  cinco  camarás 
de  falcão  que  estauâo  ceuadas  ))era  isso^  porque  ho  tem 
por  .grande  festa.- £  sobi<io  ho  Tu  tão  em  seu  andor  iòy 
rodeada  de  muyla  gSle  darmas  ^  aalre  os  Chia  ae  ch^r 


UYKO   IIU*  CAPIVTLO  XXXf.  6» 

iftSo  Kiboós,  &  abalando  pêra  a  cidade .  biãò  algfis  destes 
bradado  diante  ^  despejassem  as  ruas  Q  hia  jioTutâo.  fi 
astfi  se.faaia^À  eom  toda^esla  solteidede  chegou  ás  bua* 
casas  onde  ho. deixou  a  gSle  que  bp  aeempapbaua.    . 


C  A  P  I  T  V  L  O     XXXI. 

JDe  coma  ho  cBpttâa  mór  m&bu  recadp  oõ  7W&>|  ^ 
^y  escrépto  a  ti  rey  de  sua  chegada ..E. de  eQuw  deir 
%  arado  Ao  emba/ixadòr  em  Canfão  u  tomou  á  Uha  Da-- 
'    ucniaga^ 

i^abendo  ho  capitSo  mór  §  bo  Tutâo  era  findo  9  nian^ 
douibe  recado  pelo  feytor  da  causa  de  sua  vida  na(|la 
lerra,  &  do  embaixador  ^  trazia  perá  el  rey  da  Cbina, 
iíL.do  presente  qbe  lhe  auia 4e  leuar^. pedindoibe quehò 
despachaste  logo*  F07  bo  feytqr  bem  alaoiado  com  os  ^ 
Iró.acompanbauâo  que  erio  itíuytos  criados  dei  rey  &  le<» 
aiatia  diante  as  trombetas  do  capitão  mór.  E  chegado  a 
easa  do  Tutão  que  sabia'  que  ele  hie,  achou  ho  abompa** 
abado  do  Comquão  &  do  Compim ,  &  ho  Tutâo  estaua 
da  mão  ezquerda  poF  ser  auido  i)or  lugar  mais.  borrado 
anlre  os  Chis  &  defronte  deles  estaua  ho  Ceiui  que  tir* 
ra  as  deuassas  como  ja  disse.^  £  de  todos  bo  feytor  foj 
mUy  bS  recebido:  &  ouuido  bo  ceifado  do  capitão. mór , 
respoodeo  logo  boTulflo  que  sua  vinda  fosse  mu.y lo  boa, 
&  qua  tiuba  ceela  grande  eÔlentamSto^  por  estar  enfoi^ 
mado  de  sua  bondade  &  dos  outros  Portugueses.:  &  que 
el  »ey  seu  senhor  recebia  muyla  honrra  em *se^. visitado 
de  reys^  que  estando  no  cabo  dq  mundo  qõirião  sua  ã^ 
mizade :  qua  praaeria  a  Deosique  seria'  p«ra  bê;  &  cõtê^ 
tamfilo  de  todos :  &  eoifitoiotitras  alegres  &  corteses  par 
lauraa,  &  cada  hfi  ,do8^4Ntítroe  officiaes  fee  sobristo  sua 
fala  ao  feytor ^^  piustrftdQ  o.  cÕtStam&Lo  Q  tinhao  pola  \ir 
da  do  .  capKào ,  qiór  y  ^  pola  amizade  ^  et  rey  de  Porlu^ 
^al  {^ria  cò  el  rey  da  China  ^  ^  sabiSo  ^  auia  de  folgar 
«4>eU.,  &  ^  logo  lhe  e^i^eueiiã:  &  ale  nft.  veErfi-Suare^ 


ItO  1>Á    Bír«TO»A    BA.  índia 

poeta  nft  poderia  ho  embaixador  partir  de  Gaotáo:  At 
que  entre  tanto  lhe  maiidariáo  dar  todo  ho  neceasarfo^ 
&  ele  &  otf  que  ouueaaem  dtr  coele  eooieriâo  á  custa  dei 
rey  da  China  ^  porque  assi  ho  coatomaoa,  &  q  ho  n^ao'* 
dasse  logo  pêra  terra  cÕ  ho  presente  que  auia  de  leuar 
a  el  rey  daChioa^  j>edindo  também  ao  capitão  mór  que 
fosse  a  terra  pêra  ho  verem  &  se  alegrarfi  coele.  Do  que 
se  ^le  escudou ,  dtaendo  que  nâo  podia  por  nenbft  modo 
por  quanto  el  rey  seu  senhor  lho  defendia,  que  se  isso 
nâafor»  ele  folgara  mnyto  de  ho  laz«r,  &  por  lhe  eirey 
seu  senhor  defender  nâo  podia  consentir  que  se  desse  de 
comer  ao  embaixador  á  custa  dei  rey  da  China  &  aos 
que  auião  dir  coele^  ^  despois  de  se  ele  partir  pêra  on* 
de  el  rey  estaua  êx&o  fariSo  o  que  quisessem ,  i  mãdou 
logo  ho  embaixador  a  ien'a  com  ho  presente  {}  auia  de 
leuar.  B  este  foy  metido  em  hfla  cata  deputada  perjiee^ 
tarem  os  taes  presentes,  &  a  ohaue  dela  se  deu  ao  em^ 
baixad.or  que  auia  nomç  Thome  pirez  &>  fbra  boticairo 
do  príncipe  dd  Afonso,  &  por  eér  discreto  &  curioso  pa*> 
receo  bem  ao  gouernador  mandido  coesta  eitibaixàda',  (| 
el  rey  de  Portugal  nSo,  ho  mandaua  coela,  antes  cuy* 
dando  í\  el  rey  da  China  estaua  perto  mandou  a  FernAo 
perez  que  man/iasse  lá  hi&  dos  seus  capitães  ^  ou  quem 
lhe  bem  parecese.  E  ho  gouernador  nflo  quis  se  n8# 
mandar  este  Tome  pirez,  que  mandou  com  conselho  doa 
fidalgos  &  capitães  da  índia,  pelas  causas  i)  digo,  ft 
porque  conheceria  melhor  que  outro  as  drogas  que  auia 
fia  China.  £  dada  a  chaue  da  casa  do  presente  ao  em- 
baixador, forflo  esoriptos  os  nomes  daqueles  que  auiSo 
dir  coele.  B  ho  tutSd,  ConquSo,  &  Compim  escreuerSo 
logo  a  el  rey  da  China  «  chegada  do  capitão  mor,  &  tu*- 
do  quanto  fez  &  lhe  socedeo  despoie  oue  surgio  na  ilha 
da  veniaga  ate  chegar  a  Cantão ,  &  no  mesmo  lhe  es- 
creuerão  o  Puchãci,  Ceiui,  Amechacis,  Toeis,  Itao  Pio 
&  Ticos :  &  htls  dizião  hê  dos  nossos ,  outros  mal ,  ou- 
tros nê  naal  nem  b§.  E  partidas  estas  cartas  ho  Puchieí 
por  mandado  do  Tutão  mandou  apregoar  na  cidade  qve 


todM  podeMem  oõprar  cò  os  domm  &  venderlhe  as  mer- 
cadorias Q  quiseasem^  &  <)uft  nenhil  fof^e  ousado  de  lhe 
fazer  nenhum  agrauo  sob  grauea  penas ;  &  mandou  á}- 
zw  MO  eapitao  mór  ^ue  mAdaeae  retado  aoi  iMifiíoS' qcre 
ficarão  na  ilha  da  veniaga  que  se  viessem  pêra  Cantão  y 

Krque  ali  descarregariâo,'  &  carregarião  melhor  que  J4. 
}  que  ho  capitão  mór  se  escusou  por  os  nauics  estarS 
lá  mais  seguios  que  em  Cantão.  £  tambS  porque  se 
queria  tornar  pêra  lá  cofuo  assentasse  Õde  auia  destar 
jB  terra  a  fas^a  dei  r^y ,  pêra  que  lhe  Jogo  foy  dada 
ii&a  GMa ,  &  £oy  estar  nela  hâ.  eacriuãp  da  fey teria ,  & 
assi  outros  nossos  pêra  terê  carrego  da  faa&enda»  De 
4ue  bo  capitão  mór  mandoo  leuar  aJgOa,  dizwdo  qu^ 
como  aquela  fosse  gastada  ieuarilto  outra :  &  soisto  se 
começou,  ho  trato  antre  os  Chis,  &  os  nossos,  &  assi 
grande  amisade  j  &  ^leê^  hião  a  t^rl!a  ^  aadauãp  lá  muy 
seguros ,  &  tantas  cousas  contauão  ao  capitão  mór  da 
giàdeza  &  riqueza  da  cidade ,  &  de  sua  abastan^  de 
mantimentos  &  nobressa  de  gente ,  Q  ele  a  foy  ver  des^ 
conhecido ,  fc  vio  Q  lhe  diaifio  verdade.  £  c5  tudo  C&- 
íáo  era  aldeã  pêra  outras  cidades  que  ha  pelo  «ertão^ 
U  vfido  Fernão  peres  qnaato  4>ê  da  cidade  ac:  coatfttar 
não  com  a  conuersaqfto  dos  Portugitesea ,  sf^aodpu  '■  p^ 
dir  liceo^  ao  Tutão  pefa  &aef  ihQa  casa  de  pedre  & 
cal  na  ilha  DMieniaga,  pêra  estar  nela  ho  ieytor  dei  rey 
de  Portugal  com-  sua  fasenda  &  a  teiuesse  segfira  dos 
Biuyt«^  ladrdes  qttb  auÂa  na  marvfe  na  terra;  &  e  Tu- 
líolbadeo»' 


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C  A  P  I  T  V  L  O    XXXÍI. 

Das  armadas  que  ho  gouemador  mandou  pera-f<^adã 

Indicu 

X  arlidas  pêra  Portugal  ad  naós  da  carga  ho  gouernal^ 
-àot  mandou  dom  loãò  da  ellueira  a  fazer  affiizade  coní 
OB  reja  dad  ilhas  de  Maldhta  <,  &  com  elré^  de  BeugalA 
&;  deultie  hfl  nauio  redóndo-em^quefoefie  &  bda  galeo* 
ia  de  que  foy  por  capitfíó  loã<^  fidalgo  capkão  daorde^ 
tianqa  em  tempo  Dalbnso  dalbiiquerque,  &  Ml'bargan« 
tim  de^  era  capitão  hâ  Tristão  barlnldo  &  hflQ  'caraue'- 
fa,  a  eujo  capitão  tíao  soube  hòn^meé  B  despois  dá 
partida  de  dom  loão^mãdou  ho  gouernador'4^  loâo  gon^ 
çaluez  de  casteto  branco  por  oapfiãe  de^hfiaearauela, 
4  fosse  correndo  a  costa  de  Cocbim  ate  Diu  f  &  man^ 
doulhe  que  (ornasse  Batícaiá,  onde  ^eiitaria  bíí  homem 
oõ  bo  feyjo^  pêra  compilar  todohò  salitre' mie  ouuesse^ 
assi  oomo  em  Honor-  &  jMerg^u  ^Sp  2) -quafquer  sambai* 
CO  q  ftcbaste  no  c$minho-as6Í  ooin  «aittrè  como  ed  caírô 
^  ho  mandasse  a  Cocbiin  peta  lá  lhe  ser  page,  &dabi 
-se. iria  a  Chaul  ,  ficsabería  <io  feyjor  como  es  tau  a  &  as^ 
aí  a=  tei!ra^  &'^se  Ibe  còa^prisse^  f  star  algfls  di$s  no' por^ 
fi^^era  asisento  da  V^f^aque^  benesse.  £  da  bi  se'  iria 
e  Diu -pêra  saber  lidUa><]a  mér^id^i«^  dei  reyse  se  des-* 
pacbaua  &  co«M^^es4aimY  &q«M^1oda;a4MK)  de  caualoa 
que  achasse  fizesse  arribar  a  Goa ,  metenda  ^ilgfie  Pof« 
tugueses  em  cada  fada ,  &  que  achando  algAa  em  algll 
porto,  ou  descarregando  cauaios  (|  a  tomasse  pêra  el  rey 
«eu  senhor,  ate  os  mercadores  serem  ouuidos:  &  ho 
mesmo  faria  a  qualquer  nao  ou  zambuco  Q  achasse  com 
especiaria,  ou  droga.  E  despoís  da  partida  de  loâo  gÕ» 
çaluez  foyse  ho  gouernador  á  cidade  de  Goa ,  dõde  des* 
pachou  a  António  de  Saldanha  pêra  ho  cabo  de  Goar-* 
dafum  a  fazer  presas  &  dar  vista  a  Adem  pêra  ver  sua 
ilesposiijão  9  &  deulbe  hfta  armada  de  ate  dez  velas  i 


LFVRO   IIII.    CAPITVLO  XXXII.  73 

quatro  nãos  grossas  &tyutroB  nauios,  &  forâo  seus  capfi*^ 
HeB  SimSo  Guedn  de  sousa,  António  ferreyra  foga» 
ca,  FernSo  gonez  de  lemos,  ^uno  fernâdei  de  mace*» 
do,  António  de  lemos  &  outros  a  que  não  soube  os  oo* 
mes.  £  lambS  despachou  ho  goueroador  Manuel  tle  la** 
cerda  pêra  ir  recolher  algOas  nãos  que  ficarão  da  sua 
armada  ^  leuon  ao  estreito,  &  assi  outros  nauios  de  Por- 
tugueses que  tratassem  per  esses  lugares  de -mouros  flc 
fosse  a  Diu  por  Femão  martiz  euãgelbo ,  &  mâdou  coe- 
le  a  Garcia  da  costa  irmão  Dafonso  lopez  da  t^osta ,  & 
ambos  forão  em  nãos.  £  chegado  a  Diu  mandou  recado 
a  Metiquiaz  por  loAo  fernandez  de  Santarém  escriuão  da 
«ua  nao:  -&  por  Mefiquiac  ser  muyto  amigo  de  Manuel 
de  lacerda,  folgou  muyto  cS  soa  irinda:  &  assi  lho  man- 
dou díser,  roandandome  muyto  refresco,  &  pedindolhe 
que  não  desembarcasse  ate  <que  -ho  seu  pat-rão  do  mar  Ka 
não  fosse  receber.  E  ao  outro  dia  ho  mãdou  c5  muytas 
fustas  todas  toldadas  &  'embandeiradas  &  artilhadas ,  & 
com  muytos  tangeres:  &  quando  Manuel  de  lacerda  de-* 
aembarcou ,  ho  recebeo  Méiiquiaz  com  muyto  prazer,  & 
Ibe  fez  niuyta  festa  todo  aquele  dia,  porque  de  noybe 
Manuel  de  lacerda  se  recolheo  á  sua  nao,  &  assi  ho  fez 
em  bQ  mes  que  ali  est^ue ,  &  ajuntaranse  aqui  muytos 
Portugueses,  porQ  a  fora  a  que  trazia  Manuel  de  lacer- 
da eslaua  ali  loão  gon<^luez  de  castelo  branco  na  sua 
carauela  &  outros  nauios.  £  estado  assi  entrarão  no  por- 
to de  Diu  algilas  das  fustas  de  Méiiquiaz  qu«  vigiauão 
lio  mar:  &  auendo  vista  da  armada  Datitonio  de  saldfr* 
Bha  que  hia  pêra  ho  cabo  de  Ooardafum  forão  dar  reca- 
do a  Méiiquiaz, '&  quSdo  virão  em  Diu  tãtos  Portugue- 
ses ,  &  aquela  armada  no  mar  cuydarão  que  era  algua 
treyção  pêra  tomar  a  cidade,  &  ho  mesmo  pareceo  a 
Méiiquiaz  quãdo  ho  soube,  &  -por  isso  meteo  na  cidade 
mais  gfite  da  que  tinha :  &  esta  que  veyo  de  refresco 
dauSo  muytos  enoôtros  aos  nossos  -que  andauão  i>a  cida- 
de, &  faziãibe  outras  sobraçarias.-  E  não  as  podendo  eles 
eofrer  bo  disserãp  a  Manuel  de  lacerda,  ^ue  Jogo  bo  dís^ 
uvao  iiiK  K 


74  Bái   JH$T«aiA   DM  ItiJHA      r 

Be  a  Melíq4jiaz,  pregulandolbe  que  era  aquilo*  £)  ele  lhe 
disse  ^  dizendo  que  se  não  esleuera  na  cidade  que  os 
roais  dos  Portugueses  forâo  mor  los.  E  Manuel  de  lacera- 
da lhe  estranhou  muylo  cuydar  ele  Q  per  Ueií^So  lhe  a« 
uiâo  de  querer  tomar  a  cidade ,  tendo  amizade  Sa  paz; 
&  disseJhe  que  el  rey  de  Portugal  não  cosiumaua  de  tor 
mar  as  fortalezas  por  treição ,  se  não  por  guerra  quando 
se  lhe  não  queriâo  dar.  E  coisto  se  segurou  Meiiquiaz 
&  mandou  despejar  a  cidade:  &  passado  hii  mes  em  Q 
se  vendeo  a  fazenda  que  FernâQ  mar4Í4nz  feytorizaua^ 
quiserasse  JManuel  de  lacerda  parlic  &  leualo :  mas  de 
se  escondeo  por  não  ir  coele ,  &  diziâo  que  com  medo 
do  gouernador  por  estar  ali  da  mãoi^e  Fernão  dalcai^ 
ua.  E  vendo  Manuel  de  lacerda  Q  ho  oào  podia  leuar^ 
partiose  com  todas  as  velaa  que  estauâo  eui  Diu  &  foy* 
ae  a  Cocbim  ^  onde  achou,  ho  gouernador. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIII. 

JDe  como  ho  gouetnador  foy  luemar  a  Cochu 

XJe  Goa  se  .partio  ho  gotiernacjíor  pêra  Cochím ,  ondtt 
auía  dinuernar^  &  hi  achou  grades  brigas  antre  Afousa 
lopez  da  costa  &  Louren^^o  moreno.  E  a  causa  fora  por(| 
bii  SOM  criado  sabendo  que  ho  comprador  Dafonso  lopez 
tomara  hu  pouco  de  pescado  a  hii  seu  moço  saltou  na 
cozjnba  do  mesmo  Afonso  lopez  &  tomou  quâto  pescado 
bi  achoU)  pelo  ^  Afonso  Icipez  ho  foy  espancar  á  sua  ca^ 
sa:  do  que  Lourêço  moreno  se  ouue  por  muyto  injurian- 
do por  ser  bomS  honrrado ,  &  dali  por  diSte  andaua  a- 
eompanhado  de  muytos  homSs  armados  de  laças  &  dou^ 
trás  armas  como  que  esperaua  de  vingar  a  injuria  que 
dizia  ter  recel>ido^  &  bua  noyte  saltou  com  bCl  irmão 
Dafonso  lopez  da  costa  pêra  ho  matar:  o  que  nào  pode 
fazer.  £  vendo  isto  algus  fidalgos  que  estauâo  em  Cor 
ebim^  porque  a  oousa.nâo  viesse  a  mais  &  se  seguisse 
mài  mal)  pedirão  a  Aires  da  silua  capitão  da  fortaleza 


UTMÚ  IIIl*.  QUPlTriiO  SCtlII.  Vb 

qae  mandasse  a  Lourenço  moreno  que  não  trouuesse 
hoQ)8s  arnuídot^  &  quando  nSo  ^ufeesse  se  nSo  trazelos 
que  ho  prSdesse.  O  que  ele  fez :  do  que  LourSço  more- 
AO  se  ouaa  por  muyto  mcds  inju<riado  que^dantcs,  &  clie- 
gSdo  ho  goueroador  aCoehim  lhe  fez  queixume  assiDa- 
fonso  lopez  como  Daires  da  silua,  &  ajudou  ho  a  isso 
Diogo  pereyra  àe  Goehâm  sen  amigo  muyto  grande  & 
(iriuado  do  gonernador,  &  ambos  lhe  afearSo  bo  caso 
^aodemente:  &  por  isso  &  por  ele  estar  algA  tanto  dea* 
conten te  Dafonso  lopez,  sem^se  mais  enformar  da  cousa 
^eomo. passara,  ho  prendeo  logo  na  pousada,  defendendo 
á)ue  não  pousassem  seus  irmãos  coele,  &  sem  nenhOa  or- 
àem  de  joyzo  tirou  a  capitania  a  Aires  da  ailua  &  de* 
^mdouho  pêra  Malaca,  pêra  cada  determinaua  de  man- 
dar  dom  Aleixo  de  meneses  com  poder  de  gouemador 
-pêra  concertar  a  deferença  que  lá  auia  antre  Nuno  vae 
-pereyra  &  António'  pacheco  sobre  a  capitania  da  forta- 
4eEa :  o  que  soube  por  Verissimo  pacheco  irmão  Danto- 
fiio  pacheco  que  obeg^ra  então  de  Malaca,  &  lhe  disae 
^ne  despois  da  partida  de  Feraflo  peres  pêra  a  China., 
JVuoo  vaz  se  concertara  com  António  pacheco ,  pêra  \ 
{fonernassem  ambos  Malaca :  no  4  ^  ^'^  fiando  se  fofa 
pêra  a  fortaleza  da  ilha  das  nãos  donde  estaua.  E  dea- 
fioís  dalgfis  dias  vindo  hd  dia  ambos  da  igreja^  ho  toraar- 
-rio  vinte  homès  Q  Nuno  vaz  pêra  isso  tinha  &  leuarfino 
  fortaleza,  onde  Nuno  vaz  be  mandou  metef  na  eouaw 
£  sabendo  ele  veríssimo  paeheoo  a  prisam  de  seu  irmão 
ae  acolhnra  no  aauio  cefieeÍQtoda  que  era  capitão,  asH 
]K>1o  não  prfiderem  eomo  pêra  vir  dizer  ao  gouernador 
«ate  caso  como  passa ua ,  &  pêra  concertar  esta  defere»» 
:ça  &  meter  de  posse  da  capitania  de  Malaca  a  Afonso 
jopez  da  costa  que  a  trouoera  de  Portugal,  queria  bo 
fouernadcxr  maadM  dom  Aleixo. 


K  8 


76  Há:  Hf 8T0AIA  lU  INDTA  ^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIIIL 

De  como  dam  Aleixo  de  menese$  chegou  a  Malaca  ^  a- 
chou  q  lhe  fazia  guerra  el  rey  de  BintÔo^ 

JLi  presle»  a  armada  em  que  auia  dír  partio  deCoehim 
8  Abríl^  indo  ele  6  Sanlíago  menor  ^  &  Afonso  lopez  da 
costa  na  espera  pe^na ,  &  Duarte  de  melo  \  leuaua  a 
capitania  mór  do  mar  de  Malaca  em  h&  jungo :  &  iriâo 
nestes  nauioe  bê  trezentos  Portugueses ,  &  muyla  arte- 
}faaria  &  mumcjões  8&  mantimêtos  de  que  Malaca  tinha 
necessidade*  E  vendo  Aires  da  silua  que  kc  mandaua 
ho  gouernador  nesta  frota  degradado  s8  nenhõa  caus»^ 
determinaua  de  ko  matar  ás  punhaladas  &  irse  pêra  os 
mouros :  &  tirarãno  disso  Christouão  de  sousa,  Francis- 
co de  sousa  tauares  &  Manuel  de  lacerda.  E  todauia  ãr 
tes  de  sua  partida  quis  perguntar  ao  gouernador  a  cau* 
•a  porque  ho  degiadaua,  &  foy  lho  pregular  indo  coela 
estes  três.  £  o  gouernador  ho  não  quis  euuir  antes  h^ 
Spurrou  muyto  rijo  dizendo  que  se  fosse.  £  partido  dom 
Aleixo  em  Abril  de  mil  &  quinhStos  &  dezoyto  chegou 
a  Malaca ,  onde  achou  que  eí  rey  de  BintSo  era  vindo 
ao  Pago  hu  lugar  desoyto  legoas  de  Malaca,  pelo  rio  at- 
eima ,  &  tinha  feyta  hfla  forte  trSqueyra  em  Muar  cin- 
co legoas  de  Malaca  no  mesmo  rio ,  &  tinha  bi  muy ta 
gente ,  assi  na  terra  como  no  mar  em  lancbatas ,  &  por 
capitão-  h{|  valete  mouro  malayo  chamado  c^ancotea  de- 
raja:  &  este  corria  a  Malaca  por  mar  &  raataualhe  ot 
pescadores  que  andauão  pescando,  &  assi  outros  nossos 
amigos  q  híão  tratar  c5  suas  mercadorias :  de  modo  que 
BJnguem  ousaua  de  sayr  fora,  &  não  somente  fazia  isto 
no  mar,  mas  também  salteaua  a  terra  muyto  amiúde 
que  ninguém  estaua  seguro.  £  chegado  dom  Aleixo  sol- 
tou António  pachaco  &  meteo  de  posse  da  capitania  da 
fortaleza  Afonso  Jopez  da  costa,  &  da  do  mar  Duarte* 
é/à  melo  y  que  logo  sayo  ao  mar  com  sua  armada ,  cujoa 


LIVRO   liir.    CiíPlTVLO  XXXV.  77 

capilAes  íbrfio  ele ,  Diogo  pacbeco ,  Pêro  de  faria  &  aa- 
0]  outros ,  mas  nem  por  isso  a  armada  dos  Imigos  dei^ 
xaua  de  correr  como  dates,  &  ouue  muytos  recontros 
com  a  oossa  armada  &  sempre  lhe  fugia  teuando  a 
peor.  £  assi  andarão  ate  Q  Fernão  perez  veyo  da  Chi- 
na, como  direy  a  diflte  quando  os  nossos  destruyrão  es- 
to tnnqaeyra  de  Moar. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXXV. 


Em  que  se  escreuem  as  Uhas  de  Maldiua^  ^  o  que  ha 
nelas.  E  de  como  dom  loão  da  siluetra  assentou  paz 
^  trato  com  el  rey  de  JUbtldàuju 

JL  artido  dom  loSo  da  sííueíra  de  Cocbim,  seguio  sua 
rota  pêra  as  ilhas  de  Maldiua,  Q  se  affirma  serem  ses- 
senta legoas  da  costa  do  Malabar  ou  pouco  mais ,  &  be 
fau  grandíssimo  arcepelago  delas.:  &  dizem  os  mouros 
nauegantes  ^  sam  doze  mil  &  eorfita  &  oyto ,  &  come- 

rai»  mac  de  monte  Deli  Ode  estão  os  baiiu»8  de  Pádua, 
vão  por  a^la  sorda  contra  Malaca»  E  como  disse  na 
diseritíU)  do  Malabar ,  tê  os  mouros  (|.  estas  ilhas  forão 
terra  firme,  &  que  se  fez  em  ilhas  com  bo  mar  Q  cobria 
a  terra  do  Malabar,  &  correo  pêra  esta  &  feia  em  ilhas, 
&  ko  Malabar  ficou  terra  firme..  £  isto  parece  ser  assi 
por  quam  juntas  estas  ilhas  sam  btlaseomoutras&quam 
pequenas,  que  andado  eu  antrelas  ho  vi:  as  primeyrae 
eam  quatro  pequenas  &  rasas  como  ho  sam  quasi  todas, 
&  hfia  delas  se  chama  Maldíua  ,  &  desta  se  chaniâo  to- 
das em  geral  as  ilhas  de  Maldiua^  &  nesta  ha  hâ  rey  8l 
em  outra  ilha  que  se  chama  Cãdaluz  ha  outro  ,  &  a  es- 
tes obedece  a  gête  das  outras,  de  que  muytas  sam  des^ 
Coaoadas  por  amor  da  grade  multidão  de  mosquitos  que 
a  nelas.  £  nas  {|  estão  da  banda  do  sul  dizem  que  ha 
muy ta  prata  &  muyto  boa ,  &  em-  todas  ha  muytos  pal- 
mares que  dão  coquos  de  cujas  cascas  se  faz  ho  cayro*, 
^ue  he  boa  mercadoria  pêra  leda  a  lndia>  em  Q  fazeuL 


76  2M    «6VORIA    DA    TIfMA 

doie  todd  a  <;ordoaJlyi  que  «e  neJu  ira^U^y  assi  pêra  haog 
&  nauios  eoino  pêra  outras  eoiuas.  Ha  nestas  ilhas  muyr 
to  pescado  Q  seco  lhe  cbamSo  moxama  Q  ieuão  por  <ner- 
cadoria  a  rouytas  partes ,  &  assi  hQs  búzios  brancos  pe- 
quenos a  que  chamâo  cauris  que  serufi  de  moeda  miúda 
em  Bengala ,  porque  sam  mais  limpos  que  bo  cobre  de 
que  a  auião  de  fazer,  que  dizem  que  lhe  cuja  as  mâosu 
FazSse  nelas  muytos  &  muy  ricos  panos  douro  &  de  se- 
da ,  &  dalgôdZo  que  anlre  os  mouros  valem  muyto  pêra 
seu  vestir:  pÕe  também  aqui  ás  toucas  os  melhores  vi- 
gues douro  &  de  seda  1}  em  outra  parte  do  inildo,  &  asti 
ha  muytas  tartarugas  cujas  cÕchas  sam  muyto  boa  mer- 
cadoria pêra  Cambaya.  Achasse  tamJbem  nelas  ho  mais 
âmbar  &  ho  mais  íino  que  se  acha  em  outra  parte  af- 
gQa,  &  diz3  os  seus  moradores  que  se  faz  desta  maney« 
Ta.  Bem  dentro  do  arcepelago  destas  ilhas,  nas  mayores 
delas  ha  muytas  eruas  cheirosas  de  que  se  mantém  hiiafl 
grandes  aues  que  se  oríSo  nestas  ilhas.,  &  a  que  os  mo- 
radores chamão  anacangripasqui.  EatM»  aues  se  amei- 
joSo  8  hiias  rochas  questfto  nas  mesmas  ilhas  ao  loogo 
do  mar,  &  ali  deitâo  seu  esterco  que  he  ho  âmbar:  & 
he  de  três  qualidades,  ho  primeyro  he  brSoo  &  este  he 
muyto  fino,  &  achasse  nas  mesmas  rochas  que  fica  p^ 
gado  assi  como  as  aues  ho  deitâo,  &  chamãlhe  os  da  teiw 
ra  ponáhambar,  que  quer  dizer  âmbar  douro,  Sl  vai  mais 
que  todos  porque  se  acha  pouco,  &  com  muyto  mór  tra- 
balho que  os  outros  (lous  que  sam  pardo  &  preto,  qtie 
se  fazem  do  branco :  que  estando  nestas  rochas  que  di- 
go per  tempo  vê  a  cair  no  mar  cõ  grandes  tempestades 
de  ventos ,  &  caido  este  âmbar  em  grandes  pedaços  an- 
da no  mar  ate  2^  sae  em  aigiias  prayas,  &  chamanlhe 
cuambar,  Q  quer  dizer  âmbar  dagoa,  porque  por  ser 
muyto  lauado  tem  perdida  grande  parte  da  fineza ,  &  a 
-outro  chamSo  manimbar,  que  quer  dizer  âmbar  de  pes- 
cado ,  &  he  preto :  porque  tem  que  sendo  pardo  foy  co- 
.luido  de  Baleas  oo  doutros  peixes  muyto  grades  que  ha 
antrestas  ilhas ^  &  nâo  ho  peé^ndo  disistir  ho  tonurão  a 


LIVRO  IIII.  CAVITVLO  XXSíVU  79 

laçar  asBt  p#eto,  &  este  vai  pouco  por  ter  perdida  qua- 
8Í  toda  aua  virtude.  Os  moradores  destas  ilhas  polaniayor 
parte  sam  gentios  &  tem  a  lingoa  malabar,  luas  em  Mal- 
diuã  &  CaiKlaluz  ha  muytos  mouros  malabares :  sam  os 
moradores  boniês  pequenos  &  não  preslâo  pêra  guerra , 
&  assi  tem  poucas  arinas.  Sam  geralmente  grandes  fei- 
ticeiros, em  tanto  que  visiueimSte  lhes  vem  falar  os  dia- 
bos: tem  como  disse  duus  reys  que- tem  grandes  tesou- 
ros de  prata  &  dambar.£  indo  dom  lofio  da  silueira  por 
sua  viagê  despois  de  faser  algQas  presas  em  nãos  de 
mouros  nossos  immigos  foy  ter  á  ilha  de  Maldiua  per^i 
assentar  trato  com  el  rey,  com  quS  se  vio  em  terra  com 
ar  reféns  que  Jbe  derão.  E  el  tey  ho  recebeo  com  gran^ 
de  festa  estado  acompanhado  de  muytos  senhores  seus 
!va8sa/os,  &  ele  atauiado  ao  modo  dos  reys  do  malabar, 
que  assi  se  seme  em  toda  maneyra  de  seu  seruiça,  & 
assi  tem  os  pa<;o8  como  eles.  E  vendose  dom  loâo  com 
el  rey  assentarão  paz  perpetua:  &  que  ho  gouernador 
podesse  mandar  assentar  feytoria  em  sua  terra,,  onde 
lhe  mandaria  vender  todo  bo  cairo  de  que  teuesse  ne«» 
cessidade,  &  assi  as  outras  mercadorias  que  auia  nas 
iJ/ias,  onde  dd  João  esteue  eapesando  a  mourão  pêra  Bfi- 
gala ,  &  assi  ficou  ate  Q  veo.  ' 

C  A  P  1  T  V  L  O    XXXVl. 

De  como  ho  capitão  mór  do  mar  jánUmio  de  saldanhá 
foy  fazer  presas  ao  cabo  de  Goardafum  ^  ^  do  qu4 
lá  fez. 

JtjLo  capitjki  mór  do  mar  António  de  saldanba  que  par-* 
tio  de  Goa  pêra  ho  cabo  de  Goardaíum  chegou  a  ele 
com  toda  sua  armada  em  que  leuaria  passante  de  tre* 
zenlos  dos  nossos ,  &  hi  fez  algQas  presas  nessas  nãos 
de  mouros  que  sayão  do  estreito  pêra  a  índia  a  comprar 
auas  mercadorias:  &  como  ho  mais  do  que  leuão  quan- 
do vão  he  dinheiro  ^  fez  ho  capitão  moor  com  os  outros 


80  DA  nifllTORIA    DA    TNDTA 

capilSefl  muy  ricas  presas.  G  daqui  aodâdo  a  vista  da 
cidade  Dadem  foy  ter  ás  portas  do  estreito  com  deter* 
minaçSo  dêtrar  nele  &  saber  afgda  noua  da  armada  dos 
rumes,  de  qae  todauia  se  tinha  sospeita  que  auia  dir  á 
índia.  E  poendo  sua  det-erminaçSo  em  conselho  com 
seus  capitães ,  foy  acordado  que  náo  entrasse  no  estrei* 
to,  porque  se  entrasse  seria  forçado  inuernar  nele  por 
ser  larde,  &  inuernando  lhe  morreria  toda  a  gente:  & 
por  isso  cessou  de  sua  determinação  &  foyse  inuernar.a 
Ormuz:  &  fazendo  volta  pêra  isso  se  determinou  que 
desse  na  cidade  de  Barbora  que  está  dali  a  vinte  cinco 
legoas  tornando  pêra  ho  cabo  deGoardafum  na  costa  ^e 
Ethiopia  em  onze  grãos  da  banda  do  norte  abastada  de 
muytos  mantimentos  que  ha  na  mesma  terra ,  em  que 
também  -ha  mujto  ouro^  marfim  &  cera  que  lhe  trazem 
do  sertSo-:  &  por  isso  he  de  grande  trato  <,  &  vSo  a  ela 
rouytas  nãos  <Dadem,  &  do  reyno  de  Camhaya  com  suas 
mercadorias,  &  leuão  destas  da  terra.  Seus  moradores 
sam  mouros  &  todos  faláo  arauia :  tem  rey  sobre  si  tam- 
bém mouro,  &  paga  parias  ao  preste  &  leuantaselbe  aas 
vezes.  E  chegando  ho  capítflo  mór  com  sua  armada  ao 
porto  desta  cidade  acboua  despejada  de  todo  que  os  seus 
moradores  fugirão  com  medo  dos  nossos  sabendo  que 
tornauão  das  portas  do  estreito:  receado  que  dessem  ne* 
les.  E  primeyro  que  se  fossem  da  cidade  a  despejarão 
de  suas  fazendas :  &  por  isso  os  nossos  quando  desem- 
barcarão ,  nem  achar&>  quem  lhes  resistisse ,  nem  me^ 
nos  acharão  que  roubar,  &  não  teuerão  mais  que  dar  lo- 
go á  cidade  que  ardeo  toda.  E  isto  feyto  tornouse  ho 
capitão  mór  a  embarcar  com  sua  g6te,  &  partiose  pêra 
Ormuz  onde  foy  ter  em  Mayo  &  hí  inueruou^  &  em  A« 
Ifosto  ne  tornou  pêra  a  índia. 


LITRO  11 II.  €Af»irrLO  X3KVII.  6 1 

»  • 

C  A  P  I  T  V  L  o     XXXVII. 

Em  que  se  escreue  ho  grande  ^  nhoêtado  reyno  de 

Bengala. 


n 


'cm  loSo  da  silueira  (\  eataud  em  Maldtua  esperando 
ppra  ir  a  Bengala ,  parlíoae  vinda  a  roooçãQ,  &  aem  \he 
acdlecer  coasa  que  8eja  de  eoDtar  a  noue  dias  de  Mayo 
de  mil  &  quinhetoa  &  dezoyto  foy  surgir  na  eidade  de 
Chelígã  eidade  de  BSgala,  que  he  bu  reyno  dos  mayo- 
res  &.  maia  ricos  &  abastados  reynos  de  toda  a  índia. 
Tem  cento  &  vinte  legoas  de  costa  pouco  mais  ou  me* 
fios  ao  longo  daquela  enseada  a  q  os  Cosmógrafos  eha- 
«nã  aígno  gSgelico  por  amor  do  tío  ganges  que  se  vajr 
ali  meter  no  mar  Indico  per  duas  bocas,  &  outras  tantas 
legoas  tem  pelo  sertão  ao  Idgo  do  'Gãges ,  d&a  parte  & 
tloutra:  de  modo  que  ocupa  grande  parte  de  terra,  de 
que  algua  he  montuosa  &  a  outra  cbaã :  he  geralmente 
iDuyto  abastado  de  mantimfitos,  &  muyto  imiis  que  to- 
dos os  outros  reynos  da  Fndia ,  assi  de  trigo  como  dar- 
roz,  de  gado  grosso  &  niíudo  de  que  ha  críaçfio  sem  con- 
to: &  assi  ha  miiyta  caça  de  montaria  &*dakenaria,  & 
de  muyto  pescado  &  fruytas,  &  tudo  iâo  barato «qoe  pa- 
rece cousa  imposstuel,  porque  hfl  boy  por  grade  que  se- 
ja nSo  vai  mais  que  duas  tangias  que  pola  nossa  moeda 
sam  seys  vínieis,  bOá  dúzia  de  bt>as  galinhas  faâa  tan- 
ga, hil  fardo  dat roz  que  sam  tre»  alqueires  dee  rs,  &  as- 
ei ho  mais.  Fazse  em  ^todo  este  reyno  muyto  &  bo  cai^u- 
car,  &  leuSno  è  fardos  pêra  outras  partas »  &  fazense 
mujlas  conseruas  de  gengibre,  de  que  ha  muyto  &  de 
froytas  despínho  êc  doutras.  Grianse  também  neste  rey* 
no  muytos  caualos  do  tamanho  de  facas  Dfngraterra : 
nace  gerahnête  por  toda  «esta  lerra  muyta  pimenta  lon- 
ga, &  grande  soma  dalgodão  de  que  se  fazem  muytas 
eortes  de  panos  itouyto  delgados ,  hfis  bra^ncos  Sc  ouiros 
pintados ,  ic  todo  ho  fiado  de  que  ae  tecem  he  fiado  em 
uvao  iiii.  L 


roda.  Metesse  por  este  reyno  como  disse  no  mar  ho  rio 
gãges  por  dòus  forais  &  dá  f òí  dA  i  do  ou  tio  ha  oyiêia 
léguas :  os  gSíios  deste  reyno  tem  a  sua  agoa  por  san- 
U ,  a  rezão  dÍMo  nâcf  a  pude  saber  ^  vão  todos  a  lauarse 
nele,  &  assi  doutras  parles:  &  he  hua  das  grandes  ro- 
marias que  ha  anlreles ,  &  crera  que  lauandose  com  a 
sua  agoA  ficão  limpos  de  todo*  seu«  pecados,  em  tanto 
que  a  el  rey  de  NarMdga  por^  não  se  pode  lá  ir  lauar 
lhe  traxfi  cada  sonana  pola  posta  iift  barril  dagoa  &  la- 
uasae  coela»  Ho  aaeiaiento  dele  não  se  âabe  onde  be : 
ettâo  situadas  ao  longo  dele  dfia  parte  &  doutra  muytai 
U  muy  formosas  i^idades^  principalmente  hda  que  se 
chama  goiiro  que  eatá  por  ele  acin>a  €&  legoas  do  mar, 
&  será  de  bS  feytas  quatro  legoas  de  comprido,  &c  a  lar* 

5 ura  he  pouca :  he  rasa  porem  muylo  iorte  ^  porque  da 
iftle  a  cerca  fao  ganges^  Íl  por  detrás  h&a  aiagoa  graa* 
de  &  Ainda  que  nadarão  nela  nãos  de  quatrocentos  to^ 
neis ;  &  detraa  desta  aiagoa  vão  grandes  matae  em  qiM 
ae  crião  mujtbs  ali/antes^  tigres,  on^s  &  outras  alima^ 
rias  brauas :  &  pof  qae  estes  mataa  fortalecem  a  cidade 
xiâo  querem  os  reys  de  BSgala  que  se  eorlem,  &  fior  íb* 
so  isam  muyto  bastas*  Ha  nelas  muyios  &  Bobree  edífi* 
cios,  assi  de  mesquita»  eocao.de  caaaa  de  aeahores  que 
andâo  na  eorle  dei  rey  de  Bengala,  que  aqui  iem  aea 
assento  em  hua  sumptuoéos  pa^  ^  sam  taaaaabos  o^mm 
a  cidade  Deuora,  as  casas  aam  térreas  lauradas  douro  & 
dasul,  &  tea»  muytos  palies  &  jardins,  &  muylo  abae- 
tada de  mãlimetiloâ.  He  pouoada  de  mouroe  &  de  gen^^ 
tios ,  &  morão  nela  muytM  estrangeiros ,  assi  Persianoe 
como  Coraçoaes,  Rumes  &  Abexina»  {[  vinda  ali  ter  cò 
auas  mercadorias  se  deixarão  ficar  vendo  a  grossura  d^i 
terra.  Os  Bêgalas  sam  homês  bê  a))efisuado6,  diecreloa 
&  muyto  falsos :  as  molberes  sam  fermosaai,  &  aasi  hua 
como  os  ouiros  se  4ratâ  muyio  limpamête  eai  seu  vesti- 
do, &  sam  muyto  dados  a  comer  bem  &  a  beber,  &  a 
outros  vicios,  &  seruense  nobremente,  &  os  mais  doa 
aeruidores  sam  capados  pot  amur  das  moltxeres  de  que 


Lint»  inr.  capittui  -xskvii.  B1^ 

gam  muy  ciosos,  &  pêra  lhe  oulharem  por  suas  faien- 
das.  Ha  em  Beagala  outras  muylas  cidades,  assi  polo 
sertão  ,  G0D10  ao  longo  do  g;ançes  {|  aqui  estreita  roais 
H^iie  ain  oiUcas  partes :  &  do  gouno  a  v!te  iegoaa  polp 
ganges  acima  acaba  ím>  raypa  de  Bengaia  em  biia  forta* 
leza  chamada  Gori  que  está  da  banda  dalém :  &  di^em 
<m  mosros  4  aÍBdm  4aii  a  cem  Legoas  se  jaauega  e^«  jriflu 
Na  «oala  do  mar  nio  IA  mUe  «eyjio  mai#  que  dons  pe^ 
tas  em  doas  cddjides  faia  clia«ada  Càe^tígão  vinte  Icgeaa 
dfta  das  fozM  do  ganges :  &  neste  porte  se  eerregio  & 
descarreg flo  priiietpaJin£le  as*  meMadarias  4|ue  wA  dou- 
4ras  partes  a  BSgala  &  de  BSgula  pêra  obídos  eefnos-: 
A  B  ^fiuMlega  desta  cidade  «ISde  viey  to  «  m\  .rcy  de  Ben- 
gala t  bo  outro  porto  ee  chaDia  Sartegie  na  noutra  fo9  do 
g<ges  ojrtenta  legoas  por  mar  «de  Chetíglo^  mas  nSe  l)p 
de  Aama«lio  traito  >neai  a  sna  adrande^^  nâe  seode  «tanto 
«asno  estontna.  EA  mjr  de  Bengala  lie  mouro  «&  «emesse 
com  giJUle  estado  &  muyta  pdieia^  &  ppr  lestado  t^  tf  es 
feoefos  de  mesicas,  a  do  43eu  reyno,  Ae  iDlamnf a  &  4e 
iCamlMqqk,  &  de  todos  tem  lauf  tos  moácos,  Jc  teS  Wl  can- 
tor nnór  4  1^  doee  «sil  crinades  4e  rendia*  Das  portara 
a  .détro  se  seroe  ceai  «arpados  <)tte  por  tempo  (9%  gr a|>- 
-éee  aenbores  &,  geuemaderee  de  cidades  ^  Jia  fingoa  ida 
-teira  se  ebanfio  laseam^  no  betaie4|  ooma  UielançSo 
cânfora  de  ber4ieo  ^  de  ^  vat  na  iadia  a  ctacoftta  orusa- 
àoê  Ao  «rratel,  Jc  desta  «eâfora  que  vaajr  necasfio  queele 
«eespo  mm  kHk  eospsdor  dòurô  itft  ík>  «ea  camareyro  doili 
aiil  eracados  de  «Ua«  He  mnjto  naie  rieo  *de  tesouro  í( 
senba  rey  da  índia,  &  «my to  poderoeo  >de  ^ftte^  assi  de 
eanito  oome  de  pé^  &  for  mso  Um  crisede^e  &  f  ^g^'  p9- 
peas  algis  *reys  fie  «seaihoses  seus  aeaiahos,  ^  *por  ele  êdt 
moúio  muyUm  gitios  do  reyiia  se  iteeoarfio  paoaeos. 


<  I 


L  % 


84  . :     BA  HItTOSIA  DA  IN0tA 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXXVIIL 

Dt  coTUko  d6  loôo  da  silueira  aportou  na  cidade  de  CAe- 

tigâo  y  ^  do  ^  lhe  aconteceo. 

JL/e&pois  de  dom  loão  da  silueira  partir  de  Maldiua  pê- 
ra Bengala  foy  aferrar  sua  costa  a  noue  dias  de  Mayo 
de  mil  &  quinhêtos  &  dezojlo,  em  !\  surgio  na  barra  da 
cidade  de  Cbetigão:  muyto  abastada  dagoa,  tanto  Q 
por  cada  rua  corre  hQ  ribeiro  &  seruesse  por  pontes,  ae 
casas  térreas  &  de  taipa  cubertas  doía»  Cidade  de  gran- 
de trato  por  auer  oeia  muytos  mercadores  &  todos  ricos, 
&  por  isso  se  tratâo  muyto  b6:  &  he  gouernada  por  hil 
gouernador  a  Q  os  da  terra  chama  iascar ,  &  he  vassalo 
«dei  rey  de  Bengala.  E  sabendo  eJe  Q  o  capitão  mór  es- 
taua  na  barra  cõ  medo  de  lhe  fazer  mal  por  se  achar 
desapercebido  pêra  se  defender,  lhe  mandou  pedir  pas 
cõ  hil  presente  de  refresco.  Ao  ^  ho  capitão  respõdeo  ^ 
-era  contente  de  lhe  dar  paz,  &  por  estar  doente  se.aâo 
via  logo  coele  pêra  a  assentarê  do  modo  Q  auia  de  ser, 
-Ç  como  se  achasse  melhor  se  verião  &  a  assentartSo.  £ 
sabõdo  ho  Lascar  Q  tinha  eapaqo  pêra  se  fortaleoer,  for- 
taleceose  logo  cÕ  husa  tranqueira  de  duas  faces  Q  n^an- 
dou  fazer  diante  do  poTto  ètulhada  darea,  &  artilhada  cõ 
algilas  bombardas  roqueiras  cÕ  determinação  de  se  de- 
fender dos  oossos.  E  mandandolhe  ho  capitão  mót  dizer 
Q  lhe  mandasse  vSder  algiis  mãtimêtos.  Respondeo  <|  os 
não  auia  na  terra.  O  ^  ele  tendo  amao  sinal  por  saber 
^   toda  Bengala  era  muyi abastada  deles,  nâo  quia  gas- 
tar mais  tSpo,  &  mandou  tomar  per  Tristão  barbudo  hfta 
champana  ^  estaua  surta  no  porto  carregada  darroz,^ 
era  dfl  Chatim  da  mesma  cidade,  &  aos  brados  ^  derâo 
os  que  estauSo  na  champana  acodio  grossa  gSte  darmas 
da  cidade  á  praya ,  &  começarão  de  tirar  frechadas  aos 
nossos  4  leuauão  a  Ghâpana ,  que  vSdo  tanta  gète  jun- 
ta deteueranse  tirandoíhe  bombardadas.  £  como  se  a 


LIVHO  IIU.  OAFIVTIX)  XXXVIII.  86 

couM  ani  trauou  mandou  dom  loâo  em  aoconro  de  Tri»- 
tio  barbudo  ho  seu  batel  cô  geote  &  artelbaria,  &  asai 
João  fidalgo  Da  soa  galeota ,  &  cõ.  sua  vinda  se  ateou  a 
peleja  de  maoeyra  \  durou  ate  noyle  sem  dos  nossos 
morrer  nenbO  &  dos  immigos  muytos.  Do  Q  bo  Lascar 
ficou  tâo  meneocorio  Q  determinou  de  se  vingar,  &  lo- 
go a<}ia  noyte  mãdou  fazer  prestes  c6  calaluzes  que  ti- 
aba,  &  aotemanbaâ  se  èbarcou  neies  cÕ  sua  gSte  ^  se- 
ria obra  de  cinco  mil  bomès  os  mais  deles  frecbeiros.  E 
sabêdo  dõ  loâo  bo  apercebimSto  dos  Imigos  por  suas  es- 
pias j  apercebeose  tambS  pêra  bo  dia  seguinte ,  &  fez 
embarcar  a  roór  parte  de  sua  gSte  nos  .baleys  do  seu 
nauio  &  da  carauela ,  &  no  bargantim ,  &  na  galeota : 
&  mãdou  a  loão  fidalgo  ^  vindo  os  !migos  fosse  pelejar 
coeies  ieuando  esta  gête  Q  serião  cêlo  &  cincoSta  bomês 
.portugueses,  &  ele  auia  de  ficar  no  naoio  &  oa  galeota 
pêra  lhe  dar  costas  &  fazer  tirar  cò  a  artelbaria  auSdo 
-disso  necessidade:  por(|  dali  Ibe  auia  de  dar  muyto  mór 
ajuda  (^  indo  coeies  á  peleja*  £  como  os  nossos  estaufto 
prestes  pêra  receber  os  !migos ,  em  os  vedo  abalar  ja 
nienhaã  clara  lhe  sayrão  tirandolbe  a  galeota,  &  ho  bar- 
gátím  ^  bião  diãte  muytas  bõbardadas,  &  assi  a  capitai- 
Ba  &  a  carauela,  &  como  os  imigos  vinbâo  muyto  jutos 
começSo  os  tiros  de  dar  por  eles  &  fazerlhe  algfl  dano 
de  que  eles  começarão  dauer  medo ,  &  mais  por  não  Je- 
uarfi  artelbaria  que  não  tinhão  outra  se  não  a  ^  ficaua 
oa  tranqueira ,  que  posto  i)  jugaua  não  fazia  nenhâ  no- 
jo aos  nossos,  Q  de  cada  vez  lho  fazião  mayor,  arrõban- 
dolbe  algfls  calaluzea  dos  diãteiros.  £  parecCdo  ao  Las- 
car que  por  esta  causa  os  j|  bião  diante  auerião  medo 
Xdandou  ca  mudar  pêra  trás,  &  ele  pos  se  na  dí aleira  cõ 
oa  traseiros,  &  estes  como  viubão  de  nouo,  &  cõ  ho  Las- 
car 9  08  csfor^iua  porfiarão  hQ  pedaço  por  aferrar  os 
flossos,  sofrendo  bo  Ímpeto  da  nossa  artelbaria  ^  fez  ne- 
les assaz  de  dSno :  &  os.  nossos  ^  bS  bo  viâo  não  os  dei- 
xauão  aferrar ,  porQ,  pêra  quantos  os  Smigos  erâo  irlbea 
hià  muyto  mal. ae  os  abairroasaem ,  &  por  isso  ba  não 


B6  BA  HUTOMA  DA  INMA 

«ootentirlD  desparSdo  «empre  sua  arleliiaria  eai  roda  vi- 
ua :  &  rSpfido  por  antreiet  nuttyUa  vezes  da  (|  lhe  ar- 
rombarão muylcs  calaluaea,  &  Ibe  matarlo  &  ferirfio 
muyUt  {pente,  efi  o  2}  desinayarSo^  de  isaneyra  ^  por 
«ais  <]ue  ho  Lascar  oa  eaforçaaa  nOca  os  pode  ter  & 
fugirão  pêra  terra ,  &  oa  noaaoa  oa  não  quiaeri  seguir 
por  aerft  lAtoa  &  eles  tio  poucoa,  &  cStètaraoae  eò  o  que 
tiiibâo  fey  lo  &  c5  lhe  tomarft  cinco  calahiaea.  E  vSdo  1k> 
Laacar  4  os  noaaoa  ho  não  aeguirSo  4eÍTDuae  eatar  no 
xnar  pêra  ver  o  (|  maia  fasiio  &  eiea  oSo  (iaerlo  maia  t( 
tornarae  pêra  ho  capitão  mór,  ^  lhe  fes  muyia  feata  por 
aua  vitoria ,  &  acrecentou  ana  armada  cõ  oa  cinco  caia- 
•Intea  dos  f  mí^oa :  &  vSdo  ele  4  <e  iraiiaoa  a  giíerra  aA 
quia  eatar  tão  perto  da  cidade  ,  reeeãdo  qae  ihe  poaea- 
aem  de  noyte  fogo  a  frota ,  &  dístermialdo  de  ir  pousar 
jQto  dQ  ilheo  (}  ae  falia  ao  mar  mea  legoa  da  cida«te, 
maadou  Id  loSo  fidalgo  tia  aua  galeota  a  aondalo  pêra 
ver  ae  tinhão  bO  aurgidotiro.  E  ho  Laacar  <|  aioda  eata- 
ua  ^ae  mar  v8do  apartar  a  galeota  tia  oatra  Arota  ,  «dea* 
poia  ^![  ^f\o  pêra  Me  Ma  pareceoHie  4  ^  poderia  toaiar 
fWl\  fosia  caima ,  &  aR  lhe  podertSo  aocorrer  a  capitai- 
iia  aC  a  caraiiela ,  &  eaforçãdoae  niala  '&  noa  aeua  re- 
meirea  ^  remariio  rijo ,  vMo  'Q  a  galeota  era  qaaaí  pe- 
gada c5  ha  ii^kee ,  ariAca  do  port^a  o5  toda  aua  fniia  at 
hoga  arrãea;da^  dtdo  oa  aeua  hàa  -gfita  «eS  praser  de  ihe 
^recer  4^  tinhio  a  galeeta  tomada*  O  4  vdde  lio  capi- 
tão mór  mldou  logo  ho  bargtt!  &  ea  doua  bataya  a  ao- 
-correla,  a  (|  oa  imigoa  por  aerS  muytoa  ê  demaeia  aper- 
tarão tãto  1}  por  maia  bôbardadaa  aê  «apmgandadaa  1^  oa 
«oaaoa  tirarão  «fio  deixarão  de  «chegar  á  galeoita,  etãoee 
aeruirã  oa  aK>aaoa  dai^gAsa  patielae  de  imAucto  q  tioM 
«aa  forâo  tão  poucas  q«e  le^go  ae  gaataiAo*:  &  <oê  tmh- 
gol  «08  ^trarão,  poalo  que  aobriato  íey  Ma  «apeva  peleja 
-em  que  oa  noaaoa  hoi»er8o  mny  eaCerçadamente,  dev- 
-ribando  muytoa  doa  Imig^oa:  (|  oomo -erfio  demaaiada- 
«lente  -maia  que  oa  4ieaao8  «ca  ««traria  feriado  Joa  4odo8 
^  aMytaa  fnphadafa*  &  lavando  4»8i  ai  ^peleja,  Ol  Mtan- 


.f 


?. 


LI  VÃO   mu  CAPITVJLO  XJiXVilU  67 

do  OB  ironigoB  hils  pelejando  com  os  ooMoe  &  outros 
pegackis  cõ  bo  leme  da  galeota,  &  atoandoa  pêra  a  le« 
sarem  á  cidade^  poBlo  Q  os  Doasos  pelejauão  cbega  Tri»> 
iSo  barbudo  &  os  baleis  &  rompem  pelos  imigos  como 
corisco,  princípaIffiSle  Tristão  barbudo  que  cbegou  pri* 
meyro,  desparaodo  sua  artelharia  &laoçftdoos8eusmuy- 
tas  f>anelas  de  poluora  ^  leuaufto  nos  calaluzes  dos  !mi« 
gos  c|ue  logo  come<^So  de  arder,  &  os  imigos  com  me- 
do se  IsDijauão  ao  mar:  &  coesle  ardil  em  muy  pouco 
espaço  íoj  a  galeota  desapressada  dos  Imigos  que  a  \i^ 
TÚAo  cercada,  &  como  loão  fidalgo  &  os  seus  ficarão  so** 
mente  cõ  os  immigos  que  estauâo  dentro  na  galeota  k>« 
go  os  fizerão  despejar^  que  todos  se  lançarão  ao  mar  com 
inedo,  &  ela  fioou  cfaea  doutros  muytos  ^  os  nossos  ma* 
iarão :  &  aprouue  a  nosso  ssnbor  ^  nenhâ  doe  nossos 
nâo  fliorreo,  neai  então  aS  despois  de  mujtas  feridas  de 
todos  ficarão  feridos.  £  desapressada  a  galeota  que  se 
ea  em  corpo  cd  bo  bargãtim  &  bateis  desbaratarãse  os 
lanigos  &  fugirão  pêra  a  cidade ,  &  passando  por  diãle 
óm  capítaina  &  da  catauela  ibrão  seruidos  de  muitas  bõ* 
bardadas:  &  assi  se  recolberão  com  muytos  calaluzes 
queymados  &  metidos  no  fundo  &  muyla  gente  morta 
&  ferida.  £  vwido  bo  Lascar  quão  pouco  ganhaua  na 

K erra  9  toraoo  a  a^ndar  pedir  paz  ao  capitão  mór  por 
CfaatMB  de  Choramaadel,  promeleodolhe  de  Ibe  eon*- 
aentir  trato  &a  cidade,  &  darlbe  todos  os  manlimfttos  de 
que  tettesse  necessidi^e,  &  disto  deu  arrefens  com  que 
A  pax  ficou  segura :  &  despois  Q  se  comecpo  a  coauetaa*^ 
ção  dos  oossos  com  os  da  cidade^  íby  a  amizade  tanta 
que  fao  capitão  mór  tornou  os  arreíiBs,  &  assi  ficou  ali  ale 
passar  bo  iauerno  Q  ki  auia  de  ter :  roas  oorao.  bo  Las^^ 
car  era  faomem  de  pouca  fee  &  ebeo  de  trei<jãO|  não  du- 
rou oNíyto  4  goardar  a  fee  Q  proasetera,  &  kgo  ^bsou  a 
pas :  cuidando  ^  por  ser  tnaerno  poderia  tomar  os  nos^ 
aos,  ÂL  ajiltlando  muyto  grande  fusta  deu  sobre  os  noa- 
nos  ^  se  defelKteràe  também  Q  os  fiserfla  afiístar :  &,  as« 
mi  se  iorAoa  a  gossm  a  rcBonar,  &  eoue  snuytas  petojas 


88  BA  HfSTORTÂ  DA  ÍNDIA 

Stre  OS  b06808  &  os  imigos,  assi  no  mar  coroo  na  terra^ 
fe  quis  nosso  senhor  ^  os  nossos  vencerão  sempre.  E 
vehdo  dõ  loão  (|  a  guerra  hia  em  crecimenlo,  foyse  do 
porto  pêra  a  barra  por  tirar  os  nossos  dopressam,  &  não 
se  foy  de  todo  por  ser  ja  inuerno.  E  estando  aqui  soube 
híi  dia  que  polo  rio  acima  dali  a  hOa  legoa  estauão  na 
borda  dagoa  ceKas  jangadas  de  fogo  que  os  immígos 
queriâto  lançar  pêra  lhe  queimarem  os  nauios.  B  porque 
isto  era  cousa  de  muyto  perigo,  determinou  dom  loâo 
de  lhe  atalhar  com  mandar  queimar  as  jangadas  onde 
estauão ,  &  assi  por  conselho  de  todos  mandou  lá  Tris* 
tão  barbudo  ^sapitão  do  barganlím ,  íj  foy ,  &  não  acha- 
do nada  «e  tornou :  &  tornandose  ja  a  vista  da  frota  ho 
alcançarão  cinco  lancharas  em  fj  hiâo  trezentos  frechei- 
ros. E  Teceãdo  dom  loão  que  tomassem  Tristão  barbu- 
do ho  mandou  socorrer  per  hfl  Gaspar  fernãdez  cauatey- 
TO  fidalgo  morador  em  Pombal ,  qne  «nandou  no  seu  ba- 
tel com  quinze  Portugueses,  &o  batel  leuaua  híl  falcão. 
E  como  Gaspar  fernandez  era  muyto  esforçaik)  fez  re- 
mar ho  batel  tão  rijo  que  chegou  primeyro  ás  lancharas 
que  ho  bargantim ,  &  cô  a  foria  dos  remeyros  foy  eti* 
uistir  com  hQa  que  hia  na  dianteira ,  &  em  chegando  a 
ela  se  deitou  dentro  cõ  «eus  companheiros ,  posto  que 
os  immigos  perfíarão  bem  cd  laçadas  &  frechadas  por 
lhes  defender  a  entrada,  mas  não  poderão:  &  em  os  Por* 
tugueses  entrando  matarão  algus  derles  &  os  outros  com 
medo  se  lançarão  ao  mar  &  saluarãse  na  terra  que  era 
perto*  E  sendo  esta  despejada  tornouse  Gaspar  fernan- 
dez ao  batel  com  os  outros  &  remete  a  outra  ianchara  IS[ 
vinha  parele :  &  porS  os  mouros  não  ousarão  desperar  & 
forão  varar  em  terra  dôde  forão  as  frechadas  tantas  so* 
bre  Gaspar  Fernãdez  &  seus  cÕpanheiros  que  os  trata* 
rão  muyto  mal  de  feridas,  &  porque  lhe  não  podião  che- 
gar virarão  sobre  as  três  a  que  Tristão  barbudo  tiraua 
ás  bõbardadas.  E  os  mouros  como  virão  que  ho  batel  hia 
controles  tendo  ja  desbaratadas  as  outras  duas  lancharas 
á'ugirflo  ho  mais  qae  poderão^  &  Gaspar  fernandez  as 


,  LIVRO  IIII.  CAPITVLO  XXXIX.  89 

não  seguia  por  estar  inuylo  mal  ferido  de  hGa  frechada 
em  bfla  perna  Q  não  se  podia  ter,  &  assi  os  oulros  lam-^ 
bS,  de  que  morreo  hCl  filho  do  mesmo  Gaspar  fernandez^ 
que  com  a  ajuda  de  nosso  senhor  foy  o  que  desbaratou 
as  lancharas  com  seus  cõpanheiros ,  sem  Tristão  barbu- 
do ter  que  fazer ,  posto  que  sua  vontade  foy  boa  pêra 
lio  ajudar.  E  desbaratadas  as  lancharas  se  forão  pêra 
dom  loSo  a  cuja  vista  se  fez  este  feyto,  &  a  quem  Gas* 
par  fernandez  leuou  a  lãchara  que  tomou.  E  prosseguin- 
do bo  inuerno  por  diante  foy  a  agoa  tanta  que  choueo  ( 
que  apodreceo  toda  a  enxárcia  dos  nauios  da  armada  ij 
&  dom  loSo  com  toda  sua  gente  passou  muyto  má  vidsq; 
assi  cÕ  a  grade  inuernada  como  com  fome :  &  vendo  a 
/rota  sem  enxárcia  &  que  nâo  podia  nauegar  mandou 
em  hfla  bidea  de^-pescadores  que  estaua  hi  perto  tomar 
quátas  redes  tinhâo,  &  delas  mandou  fazer  em  terra 
cordas  pêra  as  enxárcias.  E  estando  nisto  veyo  ho  Las- 
car com  muyta  gSte  pêra  ho^estoruar,  &  ouue  hua  muy- 
to grande  peleja  antreles  &  os  nossos.  E  despois  dis- 
to tornou  a  auer  paz  antre  ho  Lascar  &  dom  loSo ,  de 
^  se  ele  não  fiou  sem  lhe  o  Lascar  dar  arrefSs ,  &  S« 
tregue  deles  se  tornou  ao  porto. õde  ainda  esteue  quin«« 
se  dias  fazendo  fazSda. 

CAPITVLO    Xf XIX. 

•  « 

Cbmo  vido  ho  Lascar  de  Cketigáo  â  nâo  podia  tomar  ho 
capitão  mór  lhe  armou  kâa  treiçaoy  ^  de  como  ho  nos- 
so senhor  liurou  dela^ 

JCj  neste  tempo  que  era  ja  no  cabo  do  inuerno  lhe  che« 
gou  bu  êbaixador  c)  dizia  ser  do  sel&or  da  cidade  Darra- 
cão,  &  daí  sua  parte  lhe  deu  hd  rubi  que  despois  foy  a- 
ualiado  eln  seyscêtos  cruzados,  &  quatro  paraós  carre- 
gados de  mantimentos ,  dizSdolhe  da  parte  do  senhor 
liarracão,  que  pola  fama  que  tinha  delrey^de  Portugal 
desejaaa  de  ter  amizade  coele  &  que  teuesse  trato  em: 

UVRO   IIII.  M 


90  X>A    HISTORIA   JDA   ÍNDIA 

sua  terra.  £  sabendo  ele  que  eslaua  naquele  porto,  lhe 
roandaua  pedir  que  quisesse  ir  ao  seu,  onde  acharia  mais 
verdadeyra  amizade  que  naquele,  [lorque  a  gête  daque* 
la  terra  ondestaua  era  muy  falsa  &  enganosa :  &  bem 
lhe  pesaua  das  mentiras  &  enganos  que  ho  Lascar  de 
ChetigSo  vsara  coele  &  sabia  que  auia  dusar  se  hi  mais 
esteuesse,  por  isso  que  se  fosse  pêra  a  sua  cidade  &  lá 
assentaria  feytoria.  £  isto  tudo  era  mentira,  que  Têdo 
ho  Lascar  que  não  podia  desbaratar  dom  loão :  quis  ver 
M  ho  podia  desbaratar  com  este  ardil  que  concertou  coes* 
te  senhor  Darracão  também  vassalo  dei  rey  de  Bengala, 
a  que  se  mandou  queixar  da  de6truy<;ão  que  dom  loâo 
fizera  em  Cbeiigão.  £  cuydando  dom  loão  que  a  embai- 
Kada  era  de  verdade ,  partiose  com  bo  embaixador  que 
lhe  disse  Q  dali  a  ArracSo  não  auia  mais  doyto  legoas, 
que  era  por  hu  rio  acima  em  cuja  foz  achou  muytos  ca* 
laluzes  &  'lancharas  que  agoardauâo  por  ele  com  muy* 
(o  refresco:  &  dos  que  estauão  nelas  foy  recebido  c5 
grande  festa,  &  por  dito  do  embaixador  entrou  por  este 
rio  acima,  onde  Ibe  dizia  que  eslaua  a  cidade,  &  qoe 
poderiâo  ir  por  ele  oe  seus  nauios,  &  dez  legoas  por  elo 
acharão  hfta  estacada,  &  ali  estreitaua  ho  rio  tanto  qu# 
escassamente  a  capilaina  podia  caber:  &  a  fora  isso  era 
ho  aruoredo  tão  basto  dua  parle  &  doutra  que  cobria  ho 
rio.  Dom  loão  não  quisi  passar  dali,  parecendolbe  que 
lhe  querião  f^zer  treii^ão,  &  dissimulou  com  ho  embai- 
xador, dizêdo  que  ho  seu  nauio  não  podia  passar,  &  ^ 
ho  não  auia  de  deixar  soo:  j|  se  ho  senhor  Darracão  ali 
quisesse  vir  se  não  ()  se  tornaria.  £  coeste  recado  seiby 
ho  Sbaixador  &  não  tornou  mais :  &  vedo  dõ  loão  Q  pav- 
sauão  seys  dias  sem  tornar  não  esperou  mais  &  tornou^ 
se  crendo  de  todo  í\  aquilo  era  treiçào ,  &  tornandose 
achou  no  meyo  do  rio  comei^adas  grades  estacadas  q  09 
iriouros  fizerão  despois  ^  ele  passou ,  pêra  !\  lhe  tulhe^^ 
sem  a  passajS  &  lhe  tomassem  os  nauios  &  ho  matassem 
com  quantos  hião  na  frota:  o  que  se  fizera  se  não  sa 
tomara  tão  asinha ,  &  ele  não  achou  niaguem  nas  euia^ 


1.ITBD  IIII.   CAPITVLO  XL«  91 

eáãas  por(|  os  ^  as  íazi&o  fugirSo  tabddo  Q  se  tornaua. 
£  võdo  ele  'Q  ná  rinba  bo  seilor  Darracão  nem  seu  re- 
cado náo  quis  mais  esperar  &  partiose  pêra  afilha  de 
CeilSo  onde  sabia  Q  hoGouernador  auia  de  ir  fazer  bua 
fortaleza.  E  partido  leuanloaselhe  lobflo  fidalgo,  &  tor- 
Douse  aa  boca  deste  rio  Darracão  a  fazer  presas  3  nãos 
que  sabia  l\  auião  de  sair  delle^  &  pêra  dissimular  roft- 
dott  bfl  presente  ao  senhor  Darracfio  por  dous  dos  nos- 
sos, odandandolbe  dizer  que  ho  capitão  mór  fao  deitara 
ali  pêra  assentar  paz  coele  por  quanto  não  poderá  espe- 
rar sua  vinda  por  ser  tarde  &  ter  muyto  (\  fazer  8  ovh 
tra  parte.  E  vendo  bo  senhor  Darracão  os  nossos  que 
lhe  leaarão  este  recado  com  bo  presente  mandou  os  lo- 
go matar:  &  ja  que  se  não  pode  vingar  no  capitão  mót 
quilo  fazer  8  loão  fidalgo,  mãdando  muytas  lancharas  fc 
calaluzes  com  gente  de  guerra  pêra  que  bo  tomassem  , 
(\  assi  bo  ouuerão  de  fazer  se  nosso  senhor  ho  não  liura* 
ra  milagrosamente,  pelejando  com  os  immigos  quasi  to- 
do ha  dia  em  que  quasi  bo  teuerão  entrado  &  lhe  feri» 
tBo  corêta  dos  seos ,  -&  não  teue  outro  remédio  se  não 
úortar  as  amarras  com  que  estaua  surto,  &  com  ho  ven- 
to que  ventaua  acolheose  sem  os  immigos  ho  poderem 
alcan^r,  &  dali  se  foj  &  andou  por  outras  muytas  par- 
tes em  que  Hie  matarão  algus  homSs  &  catíuarào  outros 
sem  fazer  nenh&a  presa ,  &  por  derradeyro  tornouse  á 
índia  onde  ^ouernaua  Diogo  lopez  de  eequeyra  que  Ih^ 
perdooa« 

O  A  P  I  T  V  L  O    XL. 

De  como  Jorge  tnaxcarenkas  foy  a  terra  dos  Lequios  ^ 

do  que  lá  passou. 

JLIeâpois  de  Fernão  pérez  estar  etú  Cantão  soube  qtie 
passada  a  cidade  de  Catão  bia  bfla  terra  niuy  grande 
ao  sueste  !)  se  chamaua  Lequia:  terra  muyto  ^ica  dou- 
fo  U  4e  prata,  sedas  soltas  &  tecidas,  porcelanas  &  con- 
tras asercadortas  cemo  4ia  China :  &  por  isso  fltiia  li 

H  2 


92  1>A    HISTORIA    DA'    ÍNDIA 

\  grandes  noercadores.  £  pêra  saber  ^e  era  assí  mandou 
laa  lorge  roazcarenhas  que  foy  ter  a  hila  cidade  chama- 
da Chjncheo,  em  que  lhe  pareceo  que  auia  mais  rica 
gente  que  em  Cantão,  &  que  vsauâo  de  mais  policia, 
&  soube  que  dali  hiâo  cadãno  quatro  jungos  a  Malaca 
anles  <)  fosse  dei  rey  de  Portugal  carregados  douro  & 
de  prata  em  barras ,  &  c5  outras  mercadorias  mais  ri- 
^às  Q  a  da  China,  &  trazião  em  retorno  mercadorias  da 
índia ,  &  com  medo  dos  nossos  não  forão  laa  mais :  & 
dos  Chins  se  prouião  das  taes  mercadorias ,  &  por  isso 
cõprarão  bem  as  que  lorge  mazcarenhas  leuaua ,  &  ele 
os  prouocou  a  dizerem  que  hirião  dali  por  diante  a  Ma- 
laca. Mas  não  ho  fizerão  despois  assi ,  porem  em  quâto 
ali  esteue  achou  muyta  amizade  &  boa  cõu^rsação  na 
gente  daquela  terra ,  que  he  gStia  &  alua  &  toda  fer- 
mosa^  &  tratasse  muyto  bem. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLI. 

JDe  como  sabendo  ho  cíwitão  mor  Fernão  perez  ho  aper^ 
to  em  que  estaua  Malaca  se  partio  da  ilha  da  ventaga^ 
^  de  como  chegou  a  Malaca. 

X^espois  de  partido  lorge  mazcarenhas  pêra  Lequia^ 
chegou  de  Malaca  á  ilha  da  veniaga  ho  jugo  de  lorge 
aluarez  que  deu  recado  ao  capitão  mór  de  como  a  sua 
partida  chegara  a  Malaca  dÕ  Aleixo  de  nieneses  c5  A- 
fonso  lopes  da  costa  &  ao  Q  bia:  &  Q  Malaca  ficaua  a- 
ppessada  dei  rey  de  Bintão  por  estar  no  pago  &  trazer 
no  mar  grade  armada.  £  por  ho  capitão  mór  saber  co- 
mo ficaua  Malaca,  &  a  necessidade  que  tinha  de  socor- 
ro, determinou  de  se  partir  na  entrada  do  mes  de  SetS- 
bro  por  ser  Stão  a  própria  moução,  porque  no  meyo  auia 
grandes  temporaes  &  çarrações :  8&  também  porque  a  es- 
te tempo  era  ja  chegado  recado  dei  rey  da  China  que 
fosse  ho  embaixador.  Assi  que  por  tudo  isto  determinou 
ho  capitão  de  se  partir  pêra  Malaca ,  pêra  o  que  man- 


LIVRO   Ilfl.  CAPITVLO  ZLI.  93 

dou  por  terra  recado  a  lorge  mazcarenhas  que  eslaua 
na  cidade  de  Cbincbeo  que  se  fosse  á  iiha  da  veniaga 
como  foy:  &  ele  vindo  mandou  ho  capitão  roór  recado 
*ao  Tutão  de  Cantão  como  se  partia,  encomêdãdoJhe 
muyto  ho  embaixador  Q  hi  ficaua  de  caminho  pêra  elrey 
da  China.  E  ficando  assi  assentada  a  paz  na  China,  & 
sabidas  polo  capitão  mór  muy  miudamente  as  cousas  de- 
la pêra  as  contar  a  el  rey  de  Portugal  que  por  isso  se 
deteue  quatorze  meses  naquela  terra,  partiose  pêra  Ala-, 
laca  na  entrada  de  Setembro  de  dezoyto,  leuando  muy- 
ta  Ti<|za  assi  douro  como  doutras  cousas,  que  todos  os 
da  armada  hião  grandemente  ricos.  £  chegado  ao  estrei- 
to de  Cincapura  achou  hi  htia  nao  nossa  de  Q  era  capi- 
tão Diogo  pacheco  que  dom  Aleixo  mandara  ali  darma* 
da,  pêra  que  esperasse  Fernão  perez  8l  se  ajuntasse  coe- 
le  pêra  ho  ajudar  se  lhe  saisse  a  armada  dei  rey  de  Bin- 
tão,  porque  se  temia  que  viese  desapercebido  de  gente 
&  dartelharia.  £  ajuntandose  Fernão  perez  cõ  Diogo  pa- 
checo foyse  a  Malaca,  onde  chegou  estando  a  fortaleza 
ê  muyta  necessidade ,  assi  de  mãtimentos  como  de  di- 
nheiro &  mercadorias  que  não  auia  nela  cousa  algua : 
&  Fernão  perez  deu  dessas  mercadorias  (}  trazia,  s.  seda 
solta,  damascos,  cetins,  pedrahume,  cobre,  pregadura, 
&  outras  cousas  que  em  JVIalaca  tinhâo  muyta  valia,  & 
Jogo  se  venderão  muytas  delas  a  Guzarates,  que  estauão 
em  suas  nãos  no  porto  de  Malaca ,  &  do  dinheiro  que 
derão  por  elas  se  pagou  soldo  á  gente  que  coisso  se  re» 
mio  em  algua  maneyra  da  fome  ^  padecia ,  &  dali  qui- 
sera Fernão  perez  ir  a  Bègala  pêra  assentar  lá  paz  & 
trato  como  trazia  por  prouisam  dei  rey  de  Portugal,  vis* 
to  como  èm  Malaca  não  auia  necessidade  dele  por  auer 
hi  gfite  que  abastasse.  £  não  foy  por  dom  Aleixo  lho  de*** 
fender  por  h&a  prouisam  do  gouernador,  dizêdo  que  era 
ícais  seruiço  de  sua  alteza  irse  dereyto  á  índia,  &  isto 
por  ler  dada  aquela  ida  a  dom  loão  da  silueira  seu  sobri- 
nho que  lá  Iby  como  disse.  £  sabendo  Fernão  perez  como 
não  auia  dir  a  Bengala,  entregou  a  mercadoria  que  leua« 


»4i  PA   HliTOKU    PA    índia 

ua  pêra  ]á  na  fevloría  de  Malaca  que  se  vendeo  aos  Ben*- 
galas  {)  ali  vinhão  naquele  lêpo^  &  coislo  ouue  dinheiro 
na  feyloría  por  hÚ8  dias,  &  Fernão  perez  esperou  em 
Malaca  pola  mouçfio  pêra  se  ir  á  índia  com  dom  Aleixo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLII. 

De  como  ho  gouernador  se  partio  pêra  a  ilha  de  Ceilão 
a  fazer  háa  Jortaleza :  ^  de  como  mouros  de  Calir- 
cut  acôselharâo  a  elrey  de  CeUÓo  que  lhe  não  desse 
fortaleza. 

JjLo  gouernador  como  disse  inuernou  em  Cochim  este 
anno  de  dezoyto,  &  nele  fez  prestes  sua  armada  pêra 
no  verão  seguinte  ir  fazer  hila  forialeza  á  ilha  de  Cei* 
lâo  como  lhe  el  rey  roadaua  em  seu  regimSto :  &  neste 
inuerno  mandou  por  terra  ao  capitão  de  Goa  que  na  6ra 
Dagosto  mandasse  a  Cochim  a  seu  irmio  dom  Fernan- 
do monrroí  com  as  oyto  fustas  de  Goa  pêra  ir  coele  a 
Ceilão.  E  tèdo  tudo  prestes  &  prouida  a  fortaleza  de 
Cochim  se  partio  pêra  Ceilão  quasi  meado  SetSbro»  B 
apressouse  (ãto  a  partir  porque  não  chegasse  antes  de 
sua  partida  Diogo  lopez  de  sequeyra  que  espera  ua  que 
fosse  aquele  anno  por  gouernador  da  Índia,  &  se  fosse 
antes  de  sua  partida  ficaua  ele  cÒ  «eu  trabalho  perdido* 
Assi  ^  partindo  como  digo  foy  ele  em  hiia  galé  de  que 
era  capitão  Denis  fernãdea  de  melo:  &  a  fora  esta  gate 
híâo  outras  quatro,  de  que  kião  por  capitães  Chrístou^ 
de  sousa,  Gaspar  da  silua,  António  de  mirada  dazeue^ 
do ,  Manuel  de  lacerda ,  Lopo  de  brito  &  dom  Fernan- 
do mõrroi  com  suas  oyto  fustas  ^  bião  debaixo  de  soa 
capitania,  &  assi  leuaua  mais  outros  capiíãee  cujos  no- 
mes não  pude  saber  nS  ho  numero  dos  nauios  da  arma- 
da,  {^  leuaua  doytocenCoa  ate  nouecentos  bomês  todoi 
Portugueses  ^  não  queria  outros  pêra  a  guerra.  E  pas- 
eados  quatro  ou  cinco  dias  ^  partio  de  Cochim  ,  chegOQ 
«  Ceilão  com  toda  a  frota :  &  indo  pêra  tomar  lio  potto 


LIVHO   llfl.   CAPITTLO  JCLII.  9& 

de  G>lainbo  flobreueolhe  venla  ponteiro,  &  por  nfió  que- 
rer pairar  errou  ho  porto  de  CoIQbo  &  foj  aferrar  bo  de 
Gale,  Sde  em  outro  tempo  fora  ter  dd  Lourenço  dalmei- 
da  como  ja  disse ,  &  neste  porto  se  deteue  btl  mes  & 
meyo  por  amor  do  tempo  que  não  terçaua  pêra  poder  ir 
a  Columbo,  &  em  todos  estes  dias  esteue  sempre  no  mar, 
Sc  doa  nossos  capitães  sayrão  muylos  em  terra  a  fazer  a 
carnajem.  R  andado  hfl  dia  António  de  miranda  &  Ma«- 
nuel  de  lacerda  em  terra ,  sobreueo  muyta  gente  arma- 
da &  comeleo  os  nossos  que  se  fioserâo  em  soro  de  pe- 
lejar coeies ,  mas  eles  se  retirarão  logo ,  &  os  nossos  se 
ajuntarão  que  andauão  espalhados  &  se  côcertarâo,  & 
Manuel  de  lacerda  se  pos  diâte,  &  António  de  miranda 
de  trás ,  &  coesta  ordem  se  forfto  êbarcar  seguindo  os 
immigos  após  eles  &  os  nossos  fazião  muytas  voltas  pe^ 
ra  os  fazer  deter,  &  assi  se  embarcarão  sem  nenhti  pe« 
rigo.  Desta  maneyra  esteue  neste  porto  ate  que  concer^ 
tou  ho  tempo  com  que  se  foy  a  Columbo ,  &  surgindo 
aqui  mandon  recado  a  el  rey  dizendolhe  da  parte  delrey 
de  Portugal  seu  senhor  que  pola  amizade  que  tinbão  a** 
uia  dias,  lhe  rogaua  muyto  que  lhe  deixasse  fazer  bOa 
fortaleza  em  bOa  pdta  ^  tinha  aquele  porto,  &  não  pêra 
niais  que  pêra  ter  segura  bua  feytoria  que  ali  tinha  de^ 
terminado  de  assentar  pêra  proueito  dambos  de  dous, 
&  pêra  ter  gente  com  que  bo  ajudasse  quando  teuesse 
dela  necessidade ,  &  a  segurança  da  feytoria  não  a  que^ 
ria  dele  nem  de  seus  rassatos  os  Q  erão  gStios,  que  bem 
sabia  qoe  todos  erão  muyto  leaes  &  verdadejros,  se  não 
por'  amor  dos  mouros  que  erão  immigos  dos  nossos,  & 
como  tratauão  em  sua  terra  receaua  que  fizessem  o  que 
fizerão  em  Caltcut:  &  por  esta  causa  queria  a  fortaleza. 
Ao  que  el  rey  respondeo  que  era  contente.  E  neste  tem^ 
po  estauSo  em  Columbo  algas  mouros  de  Calicut,  &  sa* 
bfido  como  el  rey  concedia  a  fortaleza  íicarão  muy  agas-^ 
tados  vendo  que  de  todo  lhe  còrtauão  as  raizes  nos  me- 
lhores portos  4  auia  na  índia  pêra  seus  tratos,  por-* 
çtte  \A  sabiAo  da  fortaleza  ^  se  fazia  em  Goulfio :  &  po^ 


96  DA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

isto  se  ajunlarSo  aigQs  desses  prinoipaes,  &  disselhe 
iifi  deles» 

A  amizade  {|  ha  tâto  tempo  que  temos  couligo,  & 
a  grande  obrigação  que  sabes  em  que  te  somos  por  boas 
obras  que  nos  fizeste ,  nos  da  ousadia  pêra  te  reprender 
do  íi  nos  dizem  que  (Ss  feyto,  &  pêra  te  aconselhar  se 
ainda  podes  tomar  conselho:  porque  este  bem  podes  crer 
que  to  daremos  bõ  polas  causas  ^  digo.  E  espantamonos 
inuyto  de  nolo  não  pedires  antes  de  conceder  a  fortale* 
za  aos  frangues  que  nos  dizem  que  concedeste ,  o  que 
fiâo  podemos  crer  pola  pouca  necessidade  ^  tês  disso  ou 
nenhQay!  porque  se  tu  foras  hU  reyzinbo  tão  pobre  que 
ouueras  denrriquecer  com  a  amizade  dos  frangues ,  nos 
mesmos  fôramos  de  parecer  que  os  conui darás  com  a 
fortaleza ,  &  não  ^  esperaras  que  ta  pedirão :  mas  tu  es 
tão  grade  Benhor  de  terra,  tão  poderoso  de  gente,  tão 
rico  de  tesouros  que  te  não  falta  nada  pêra  seres  biimuy* 
to  grade  senhor^  muyto  rico  &  muyto  noderoso.  E  tudo 
isto  queres  escurecer  &  apagar  com  dar  licen<^  Q  gen«* 
le  estrangeira  tenha  fortaleza  ê  tua  terra ,  que  não  be 
outra  cousa  se  não  htl  freo  pêra  te  enfrearem  de  cada 
vez  que  teuerem  de  ti  desgosto,  &  mais  os  frangues  de 
que  temos  tãta  experiScia  que  ho  fazem  assi :  que  ja 
que  se  eles  querS  assentar  em  tua  terra  hão  destar  á 
tua  vÕtade  &  não  tu  á  sua,  porque?  quã  ganha  maia 
nisso  tu  ou  eles:  tu  sem  eles  muyto  bem  [xxles  vender 
tua  mercadoria  a  tantos  &  tão  diuersos  mercadores  co- 
mo ta  cada  dia  vem  buscar ,  &  eles  não  te  trazfi  outra 
&  tS  necessidade  da  tua,  nem  podem  viuer  sem  ela,  & 
tu  sem  a  sua:  &  ainda  se  de  tua  terra  ouuera  nauega* 
ção  pêra  outras  &  temeras  que  te  tomassem  tuas  nãos 
cõ  que  eles  ameação  a  4nuylo5,  tambS  por  esta  causa  pa* 
recera  bem  dare^  lhe  fortaleza  por  te  liurares  de  suas 
mãos,  mas  não  tendo  nenhQa  necessidade  por  bua  via 
nè  por  outra  de  te  meteres  nelas  &  fazerelo  es  muyto 
de  culpar,  &  ^  di^as  que  tomas  exemplo  em  el  rey  de 
Çalicut  que  lhe  quis  resistir  &  nã  pode,  faze  tu  coqm 


tiVRO  IIIX«    CAPITVLO  Zlllf.  97 

^)e  fez ,  porque  ja  pode  ser  que  te.  terce  melhor  a  vêtu^- 
•ra  que  a  e]e ,  &  iendo  assi  ficas  ho  mais  honrrado  rej 
•de  toda  a  índia  acabando  aquilo  em  Q  niuytos  princi- 
^es  dela  faltarão,  &  não  sendo  não  serás  de  culpar  pois 
fizeste  o  i)  podeste :  nem  perdes  nada,  por^  tua  própria 
terra  te  da  a  renda  que  tês,  &  não  ho  mar  como  a  el 
rey  de  Calicut,  &  os  frangues  não  podS  viuer  sem  ti, 
&  tanto  ás  de  ganhar  coeles  por  paz  como  por  guerra  ^ 
«ntes  em  a  tentares  coeles  pêra  te  liurar  de  sujeição  te 
^erão  em  melhor  conta,  por  isso  não  lhe  des  fortaleza 
tão  leuemente ,  &  defendelhe  a  desembarcação,  que  (Ss 
gente  &  poder  pêra  isso,  &  nos  te  ajudaremos.  £  se  os 
frãgues  querem  o  que  ha  em  tua  terra  venhâo  carregar 
a  ela  como  fazê  os  outros  mercadores,  &  não  ta  tomfi 
com  nome  de  tratar  nela,  por!}  nenhfl  dos  que  nela  tra- 
lão  te  pedirão  nunca  fortaleza.  Coisto  ^  os  mouros  dis- 
serão  a  el  rey  o  persuadirão  tanto  que  se  arrep&deo  de 
dar  a  fortaleza ,  &  fizeranlhe  quebrar  a  paz :  &  tSdo  as- 
sentado de  ho  fazer  assi  andando  ainda  recados  antrel« 
&  ho  gouernador  pêra  se  assentar  onde  se  auia  de  fazer 
a  fortaleza ,  mandou  lançar  mão  dalgiSs  nossos  que  forâo 
a  (erra  dessa  gente  baixa,  &  mãdou  os  prender. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XLIIÍ. 

De  como  ho  gouernador  sayo  em  terra  ^  desbaratou  os 
imtffos  ^  se  forialeceo  nela  ^  ^  de  como  lhe  el  rey  per 
áio  paz  ^  ele  começou  aforUdexa. 

Mjj  tãto  que  forão  presos  como  el  rey  tinha  sua  genie 
junta,  &  tudo  prestes  pêra  a  guerra  mãdou  na  noy  te  se- 
guinte fazer  na  ponta  que  ho  gouernador  pedia  hOs  va- 
lados que  seruião  de  tranqueira,  &  sobreles  raandoti  as- 
sentar algQas  bombardas  de  ferro  que  lhe  derão  os  mou- 
Tos,  &  assi  algas  espingardões  &  pos  sua  gente  que  era 
muyta  em  goarda  daqueles  valos,  &  os  mouros  coeles^ 
&  amanhecendo  começarão  de  tir^r  coessas  bombarda/i 

LIVRO    IlII.  N 


98  9A   SltTOftlA    lU  fNBIA    * 

4  tinh2o  aoR  noMos  iQ  esUuáo  no  mar.  E  sabhio  isto  pe^ 
lo  gouernador  oõ  oõielbo  doã  capUáoi  &  fidalgos  da  fro^ 
ta^  determiaou  de  aayr  em  lerra  a  pelejar  com  oa  iaimí^ 

ri  Si  íoinarlhe  a  ponta  por  furc^,  &  faeer  a  foftahesa, 
hfi  dia  âtemanbafl  se  embarcou  com  ioda  aua  gSte  noa 
baleys,  &  em  amanhecendo  abalou  para  terra,  onde  d&- 
fiembarcott  primeyro  que  todos  cÕ  a  bâdeira  real,  &  des*- 
póÍ8  o9  outros  capitães.  Os  imaígos  neste  tempo  nâo  fa* 
siSo  se  oâo  jugar  com  sua  aridharia,  defendendose  muy«- 
io  rija,  &  ferirão  &  matarão  dgfis  dos  nossos^  &Jiumde- 
ies  foy  Veríssimo  pacheeo»  E  oõ  tudo  os  nossos  passa^- 
ráo  auante  tirando  muytas  espingardadas  &  sétadas,  & 
chegarão  aos  valos ,  &  pelejarão  com  os  immigos  que  se 
defenderão  hu  pouco  oõ  moyta  viuessa,  &  apertados  dos 
nossos  desempararâo  os  valos  &  fugirio  sê  nenhfl  con*- 
eerto :  &  Christouio  de  sousa  os  seguio  com  a  gente  de 
0ua  capitania  ate  hít  ribeiro  dagoa  que  era  hQ  pedaço 
dos  vatos  fazendo  neles  muyta  destruyi^âo,  &  passando 
08  imnigos  ho  ribeiro  fizerão  rosto  aos  nossos,  &  por  ser 
hú  pouco  longe  dõde  ficaua  ho  gouernador,  náo  quis 
CJiristouâo  de  sousa  passar  dali  &  lornouse  pêra  Õde  ele 
íicaua.  E  diegaado  a  ele  lhe  disse.  A  senhor  que  trat* 
zeis  aqui  caualeyros  que  cõquistarão  ho  mudo.  E  ele 
em  vez  de  os  louuar  mais,  respoodeo  que  pelejauâo  co« 
mo  bestas.  E  por  ser  ja  tarde  &  ho  lugar  não  ser  forte, 
fião  pareceo  ao  gouernador  que  os  nossos  iicariâo  ali  se^ 
guros  aquela  noyte,  &  por  isso  se  tornou  á  frota  cd  pro- 
pósito de  tornar  ao  outro  dia  a  terra  como  tornou  com 
toda  sua  gente,  &  achando  despejada  a  ponta  dos  im- 
fiiigos  mandou  &zer  nela  hQa  trãqueira  Q  chegaua  de 
luar  a  mar  por  eia  ser  estreita.  E  feyta  a  trãqueira  bre* 
uemeole  foy  logo  assentada  algQa  artelharia  pêra  a  de- 
fender dos  immigos  se  viessem  ^  &  os  nossos  se  alc^arâo^ 
detrás  desta  tranqueira  q  (icauâo  goardados  de  todo  pe«- 
rígo.  E  sabido  fjor  elrey  a  determina<;âo  do  gouernador 
qiie  pois  fazia  tranqueira  determinaua  de  fazer  por  for- 
ça a  fortaleza ,  arrepeodeose  de  ter  tomado  ito  oomelho 


híUnO   IIU.  CAPITVLO  XUIU  99 

dos  mouros :  &  vendo  que  em  que  lhe  pes  se  auia  de  fa- 
zer a  fortaleza,  quis  mostrar  Q  era  por  soa  vontade,  & 
polo  seu  regedor  mandou  dizer  ao  gouernador  í\  ele  co- 
nhecia ho  erro  que  físera  em  quebrar  a  pataura  que  lhe 
dera  de  faser  paz  eoele  &  darlbe  fortaleza.  E  arrepSden- 
dose  de  seu  erro  lhe  pedia  perdão,  &  pedia  Q  lhe  esque^ 
cesse  ho  passado  &  fossem  amigos:  &  Q  ele  era  muy 
contente  de  consentir  que  fizesse  a  fortaleza,  &  pêra  is^ 
so  lhe  daria  toda  ajuda  de  que  teuesse  necessidade.  Ao 
que  ho  gouernador  reapftdeo  que  pois  el  rey  lhe  nlogoar* 
dará  a  palaura  i\  lhe  tinha  dada  que  não  auia  de  fazer 
paz  coele  sem  pagar  alg9  tributo  a  elrey  seu  eenhor, 
porque  a  fortaleza  ele  ganhara  por  força  a  terra  em  que 
a  auia  de  fazer  ainda  que*  ele  não  quisesse.  E  vendo  el 
rey  que  ho  gouernador  estaoa  apoderado  na  tei^a ,  b 
qoe  lhe  poderia  fazer  muy  to  mal  por  a  sua  g«iite  náò 
ser  boa  de  guerra ,  mandoulhe  di^er  que  pagaria  ho  íri* 
bato  se  fosse  cousa  arrazoada  &;  com  que  podesse*  B 
ele  lhe  pedio  dez  alifantes  oadãno  ^  &;  qualvoeêtee  baha« 
rea  do  canela,  &  vinte  anéis  c&  senhaa  pedras  fioaa  das 
^  se  achauá  na  ilha^  do  que  el  rey  foy  contente*  E  fey* 
ta  disto  hfiaeseriptura  que  el  rey  assinóii  ^  come(^e«  hn 
gouernador  de  fazer  a  fortaleza  de  pedra  &  barro  pela 
acabar  mais  asinha,  porque  era  detSça  fazerse  cal  pa^ 
rela ,  se  lhe  bia  obegãdo  ho  tempo  em  (}  ee  a»ia  4ir  pe* 
ra  Portugal  sq  viesse  gouernador  como  esperaua?  &  pof 
ler  el  rey  contente ,  k  que  ee  lhe  não  leoanlasse  outra 
vez  mãdoulhe  algfls  presentes  cem  Q  bo  cSfirmou  f  sua 
amizade. 


•  * 


N  2 


100  BA   HISTORIA    DA    ÍNDIA 

■  • 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLIIIL 

De  como  Diogo  lopez  de  sequeira  partia  pêra  a  índia 
por  gouernaaor  dela  ^  ^  de  como  chegou  lá* 


N, 


este  ãno  de  mil  &  quinhêtos  &  dezojto  em  que  se 
acabauão  tres  annos  Q  auia  Q  Lopo  soarez  gouernaua  a 
índia ,  mãdou  elrey  de  Portugal  por  gouernador  dela  a 
Diogo  lopez  de  sequeira  seu  almotacé  mór ,  que  como 
disse  no  liuro  seg&do  fora  descobrir  Malaca.  £  despa- 
chado de  todo  ho  necessário  pêra  sua  partida,  partio  de 
Belero  a  vintesete  de  Março  do  sobre  dito  anno  leuãdo 
hAa  armada  de  dez  nãos  grossas,  cujos  capitães  forãoeie, 
Garcia  de  sá ,  Ruy  de  meio  que  ieuaua  a  capitania  de 
Groa,  dom  loâo  de  lima  que  hia  prouido  da  de  Caiicut, 
dom  Aires  da  gama  irmão  do  conde  almirAte:  por  capi- 
tão de  Gananor  Gonçalo  rodriguez  Dalmada ,  loão  go* 
nnez  cheira  dinheiro^  Pedro  paulo  íilho  de  Bertolameu^ 
Pêro  cabreira  &  outro,  E  toda  esta  frota  bem  fornida 
diirtelharia  &  de  boa  gente  de  peleja,  porque  Ieuaua  ho 
gouernador  por  regimento  ^  fizesse  hua  fortaleza  em 
Diu,  &  que  fosse  descobrir  ho  porto  de  Maçuá  &  leuas- 
se  lá  Mateus  que  dizia  ser  embaixador  do  Preste;  &  a- 
chando  que  era  verdade  mandasse  coele  outro  êbaixador 
ao  Preste  pois  Duarte  galuão  falecera.  E  partido  ho  go- 
uernador de  Belém,  chegou  a  Moçambi(},  &  aos  sete  de 
Setèbro  á  barra  de  Goa  &  sem  vsar  do  officio  de  gcuer^* 
nador,  se  partio  indo  correndo  essas  fortalmaaem  que 
tSo  pouco  não  vsou  dele,  porque  sabia  que  Lopo  soarez 
tinha  hua  prouisam  que  gouernasse  a  Índia  ate  partir 
pêra  Portugal,  &  por  isso  não  se  quis  Stremeter  nas  cou- 
sas da  gouernança  nem  pousar  na  fortaleza :  o  que  lhe 
todos  louuarâo  muyto  &  ho  teuerão  por  muyto  humano. 


LtVRÓ  irif.  OAPITVLO  XLV.  101 

C  A  P  I  T  o  L  o     XLV. 

De  cútno  Afonso  lopez  da  eosta  foy  c6  o$  outros  capitãeê 
pêra  tomar  a  irctnqueira  de  Muar  ^  Be  tomou  sem  ho 
jazer^  ^  dú  ardil  com  que  el  rey  de  Bintáo  quisera  to- 
mar  Malaca. 

t^hegado  Fernão  peree  a  Malaca  com  sua  armada ,  & 
não  cessando  a  guerra  que  el  rey  de  BintSo  fazia  aos 
nossos  requereo  Afonso  lopez  da  costa  a  dom  Aleixo  que 
íinba  os  poderes  de  gcuernador,  que  pois  ali  eslauSo 
juntos  tantos  dos  nossos  que  fosse  sobre  a  tranqueira  de 
JMuar  &  a  tomasse,  pêra  que  lançasse  ei  rey  de  Brntão 
doi>de  estaua  &  a  nossa  fortaleza  ficasse  líure  da  guerra 
que  ifae  fazia.  E  dom  Aleixo  mostrou  hfl  regimento  do 
gouernador  em   que  H>e  mandaua  Q  ele  em  pessoa  não 
•aisse  em   terra  a  fazer  guerra :   porem  que  mandaria 
coele  todos  aqueles  capitães  que  a  fosse  ele  fazer.  Pêra 
o  qoe  se  logo  aperceberão  per  mãdado  de  dom  Aleixo 
que  ficou  em  goarda  da  fortaleza:  &  Afofiso  lopez  da 
costa  se  partio  pêra  Muar  hft  dia  de  madrugada  &  hia 
em  hOa  galeota,  &  bião  coele  Duarte  de  melo  capitão 
mór  do  mar,  Diogo  pacheco,  Pêro  de  faria,  Fernão  pe- 
rez  dandrade,  Simão  dalca<joua,  lorge  mazcarenhas  & 
outros  capitães  em  galeotas ,  lancharas,  &  em  bateis  to- 
dos artilhados  &  apadessados ,  &  leuauão  trezentos  Por- 
tugueses, &  antreies  cento  &  vinte  fidalgos  &  caaaler- 
ros  todos  escolbMos,  &  três  mil  homSs  da  terra :  de  que 
erão  caf^tães  ho  BSdara  &  ho  Lascar ,  &  hia  btia  soma 
de  gente  pêra  fazer  hil  honrrado  feyto.  E  indo  assi  che- 
jgarfio  a  tiro  de  bombarda  da  fortaleza ,  &  não  poderão 
passar  dali  por  ser  baixa  mar  de  todo.  Do  que  todos  fi- 
carão rooyto  tristes  por  irem   muylo  aluoroçados  pêra 
pelejareiD  cÔ  os  tmmígfos  com  esperança  em  nosso  se- 
nhor que  oi  desbaratarião.  Afonso  lopez  da  costa  se  pos 
^  «9ielhe  eõ*  ai^tes  fidalgos  &  capitães  &  cS  ho  BSdara 


102  J>A    HiaTOBIA   9A  mMA 

&  Lascar  sobre  o  í\  faria ,  &  disserâo  algRs  í\  seria  bo 
desembarcar  ali  &  ir  por.  terra  ate  a  transira,  &  Q  os  ba- 
(evs  fossem  no  mais  ^  cÕ  os  remeíros  &  híí  bombardeiro 
em  oada  bil  pêra  poderem  ir ,  &  assi  pelejarião  com  os 
jmmigos:  o  que  bo  Bondara  &  Lascar  conlradisserão , 
dizendo  que  aquela  terra  era  toda  alagadiça  danibas  as 
bandas  do  rio,  &  os  Malayos  coslumau^o  muylp  meter 
estrepes  vntados  derua,  &  que  assi  lhe  parecia  que  d%- 
uia  destar  aquela ,  por  isso  que  não  era  siso  ir  por  ler^ 
ra ,  que  ou  auiâo  dir  abalrroar  com  a  tranqueira  ou  98 
auião  de  tornar.  E  coislo  acordarão  Afonso  lopez  &  09 
putros  do  conselho  que  esperassem  a  maré,  &  coela  iríSo 
aferrar  a  tranqueira ,  &  entre  tanto  estariao  ás  bombar- 
dadas  com  os  immigos  que  lhe  nâo  auiâo  de  fazc^r  nojo^ 
polas  arrombadas  que  leuauSo.  E  assi  bo  fiíerio,  &  áa 
bombardadas  começarão  dOa  parle  &  da  outra,  &  algfta 
dos  nossos  forâo  feridos  que  morrerão  despoia,  &  anlre* 
les  foy  ha  fidalgo  chamado  Aluaro  de  sousa,  E  eslanda 
Disto  recreceose  hQa  paixão  antre  Afonao  lopaa  da  coar 
ta  &  lorge  mazcarenhas  por  onde  se  desmanchou  a  dcb 
terminação  em  que  estauão ,  &  sem  fazer  maia  nada  $9 
tornarão  pêra  a  fortaleza ,  o  que  foy  causa  doa  ionmigoa 
cobrarem  mór  coração  contra  00  nossos,  &  os  peraegui^ 
rem  mais  que  dantes,  &  como  a  sua  aroiada  aodaua 
sempre  no  mar  não  ousaua  ninguém  de  Lraner  manti*» 
mentos  a  Malaca,  pelo  que  veyo  a  s^r  a  fome  tam^anba 
que  coela  &  cÕ  ho  niuyto  grade  trabalho  da  guerra  co^ 
meçarâo  todos  dadoecer ,  &  nao  ficarão  sãos  mais  Qu^ 
cento  &  vinte ,  &  estaua  a  fortaleza  em  grande  perigQ 
de  se  perder  se  el  rey  de  Bintão  fora  sobrela^  ii>a9  el« 
que  ho  oâo  sabia,  &  parecendolh^.  que  a  não  podaria  to^ 
mar  por  guerra,  aproueítouse  de  seus  ardis  pêra  a  (oiBar 
por  manha.  E  pêra  saber  que  tae«  estauão  .09  nossos  ^ 
por(}  não  podia  tomar  lingoa  que  lho  dissesse  mãiiou  b^^ 
embaixador  ao  capitão  aobre  lhe  çono^ter  p^s^ea;  &  p^r^ 
mór  dissimulação  lhe  mandou  hu  alifãte  dfi  presente  ^  a 
que  mandou  dar  peçonha  d«t#r<nÍQafl«^  qp^  p8»  dniMPSi 


LivM  rni.  <!Ai^rrrtiOitLv.  103 

mais  de  trinta  dias ,  porque  neste  termo  esperaua  daca- 
bar  sua  treiçAo.  Ê  assi  mandou  pedir  ao  capitão  que  lhe 
mandasse  seu  embaixador  pêra  se  acabarS  dassentar  es- 
tas pazes.  £  cuydAdo  dõ  Aleixo  4  isto  tvdo  era  verdade 
polas  mostras  Q  vta  de  ser  assi ,  06  conselho  de  todos  a- 
l)les  fidalgos  &  capitães  ^  ali  estauão  mfldou  hQ  embai- 
xador a  ei'  rey  de  Bintâo  cÕ  sota  Cbaixador,  &  deulhes 
ínscrução  dos  capítulos  das  pazes.  £  chegado  este  êbai- 
xador  a  ei  rey  de  Bintio,  esteue  ele  determinado  de  o 
matar  &  a  quantos  biâo  coele ,  &  teae  sobrisso  cfiselho 
CÕ  os  seus  Q  lhe  cõselharão  ^  o  ná  fizesse ,  por^  fazSdo 
o  impederia  dauer  efleito  o  í\  tinha  ordenado  pêra  tomar 
a  nossa  fortaleza,  &  por  isso  o  nâ  fez  &  fazSdolbe  muj^ 
la  borra,  &  dâdoibe  dadiuas  muy  ricas  os  tornou  a  mâ- 
<dar  a  Malaca,  cÒcedêdoihe  as  pazes  cd  quantas  cõdiçdea 
o  êbaixador  leuaua.  E  cttydando  el  rey  que  os  nossíus  es» 
(arião  descujdados,  cdfiados  na  paz  que  estaua  assenta- 
da pos  &  obra  sua  treição,  &  togo  despois  de  poocos  diaa 
que  bo  nosso  embaixador  foy  em  Malaca  mandou  htia 
frota  de  setenta  lancharas  bem  fornidas  de  gente  &  dar- 
teibaria ,  em  que  bia  por  capitão  mór  bil  que  sendo  re- 
gador de  Paeem  matou  bo  rey  {)  era  nosso  amigo  &  se 
fez  rey ,  &  pêra  se  segurar  no  reyno  se  confederou  com 
el  rey  deBItSo,  &  ho  foy  ajudar  na  guerra  cõtra  os  nos* 
0OS.  £  por  terra  mandou  tambfi  el  rey  de  Bintão  muy  ta 
gente  deitarse  em  cilada  sobre  a  fortaleza :  o  que  pode 
fazer  fmr  a  terra  ser  mnylo  cuberta  daruoredo  muy  bas* 
to ,  &  de  grades  &  altos  beruaçais  &  sê  nenbus  cami- 
nbos<,  &  por  isso  se  a  gente  podia  esconder  sem  seY  vis- 
ia ,  &  ainda  i\  bo  fosse  os  da  terra  não  ho  auião  de  di- 
zer, porque  pareeendolbe  que  os  immigos  estaufto  da- 
uantajem  qaerião  antes  seguir  a  sua  parte  que  a  dos 


104  i>A  HISTOBIA  i>A  INJ^A 

C  A  P  I  T  V  L  O    XhVL 

Í>e  como  el  rey  de  Bitão  pos  em  execução  hú  ardil  pêra 
tomar  a  nossa  fortaleza ,  ^  de  como  os  seus  forão  des^ 
.    haraiados  pelos  Portugueses. 

Jl  oBta  esta  cilada  acodirâo  os  iromigos  por  tnár^  &  hua 
nianbaã  muylo  cedo  sendo  baixa  mar  chegarão  á  ilha 
das  nãos  ondeslauão  algus  dos  nossos,  &  assi  nas  nãos 
que  ali  eslauã  surtas;  &  assi  como  os  imigos  ?inb3  af- 
iliados, de  caminho  desembarcarão  muyíos  áe\e.B  na  ilha: 
&  supilamente  derãò  sobre  os  nossos  ^  ainda  dormiSo 
bS  descuydados  de  lai  vinda,  por  eslarS  cõ6ados  nas 
pazes.  E  como  os  imigos  os  tomarão  de  supito  poderão 
JDatar  algQs  primeiro,  que  entrassem  ê  acordo  de  se  de* 
/ender:  o  {j[  os  Imigos  não  esperarão,  &  recolheranse  Io<- 
:go.  E  em  quanto  isto  fizerão  bus:  outros  se  chegarão  ás 
nossas  nãos  &  deitarão  nelas  fogo,  que  por  estarS  mor 
Jhadas  do  orualho  da  noite  passada ,  &  a  menhaã  ser 
muyto  fria  não  pode  pegar  nelas  mais  ^  em  algQas  obras 
•mortas,  A  grita  da  gente  foy  logo  ouuida  na  cidade ^ 
donde  não  poderão  acodir  por  ser  baixa  mar.  E  como 
ouue  maré  sayrão  algiis  capitães  nossos,  sem  ho  capitão 
do  niár,  com  obra  de  quarenta  homSs  em  algiias  lan^ 
charas:  &  foranse  dereitos  aos  imigos,  que  em  os  vedo 
abalar  começaranse  de  retirar  pêra  ho  mar,  como  ^  fu* 
gião:  &  isto  porj|  os  nossos  lhes  parecia  ^  erão  a  mór 
parte  dos  que  estauão  na  fortaleza :  &  os  mais  sãos,  &  2| 
alargandoso  eJes  ao  mar  sayrião  os  da  cilada,  &  t.oma«* 
rião  a  fortaleza ,  &  eles  entre  t«ito  tomarião  a  frota ,  & 
assi  fícarião.  senhores  de  tudo.  E  porem  os  nossos  por^ 
vião  que  a  frota  dos  imigos  era  muy  grande:  &  que  no 
mar  largo  os  cercarião  &  trataria  mal ,.  por  serem  pou- 
cos, não  quiserão  passar  auante :  &  tambS  por  ser  tar- 
de, &  nao  terem  ainda  comido,  &  estarem  fracos.  E 
vendo  os  immigos  que  os  não  seguião  íizeranse  ao  mar: 


LIVRO    IIII.  CAPltVLO  ÍÍ.VI.  105 

&  OS  nossos  se  tornarão  a  Malaca ,  onde  desembarcarão 
a  lempo  1\  os  da  cilada  começa uão  de  sayr  pêra  tomar 
a  fortaleza,  &  pêra  isso  vinhao  todos  ajuramentados,  per 
juramento  que  fizerSo  a  el  rey  de  BintSo,  que  ou  eles 
ftuião  de  tomar  a  fortaleza  ou  morrerem  sobrisso  todos, 
&  pêra  segurança  de  ho  comprireno  como  lhe  eles  tinhSo 
prometido,  lhe  deixarão  suas  molheres  &  filhos  em  pe* 
nhor.  E  ja  a  este  tempo  os  nossos  erâo  saydos  da  forta- 
leza á  pouoação  dos  da  terra  ^  eslaua  alem  da  ponte,  & 
repartiranse  polas  bocas  das  ruas ,  em  l\  mnyto  de  prés- 
sa  assestarão  algils  tiros  dartelharia  com  ^  impedirão 
aos  immigos  que  não  chegassem  á  fortaleza :  &  nisto 
chegarão  os  nossos  que  hião  do  mar,  &  ajuntaranse  cof- 
ies 8c  teuerão  os  immigos  que  não  passassem ,  &  ajuda* 
uãnos  os  da  terra  que  se  ajuntarão  logo  coeles ,  &  dei- 
xaranse  ali  estar  porque  vião  Q  se  não  afaslarião  os  imi- 

Íos  como  bomSs  que  todauia  determinauão  de  romper. 
l  assi  era ,  porque  esperauão  pbr  mais  gente,  que  che- 
gou aquela  noyte  cÕ  muytos  alifantes,  &  cometerão  a 
nossa  tranqueira  que  estaua  daquela  banda  ao  longo  do 
mar:  o  que  os  nossos  virão  por  fazer  iQar  muy  claro,  as- 
si os  que  estauão  em  terra  como  outros  que  andauSo«m 
bateys  armados  ao  longo  da  terra.  E  assi  hQs  como  ou- 
tros começarão  de  tirar  com  sua  artelharia,  que  despa- 
rou  nos  alifantes  que  estauão  diante:  que  espantados 
do  estrôdo  das  bombardadns  &  cõ  in«do  delas  fízerão  vol- 
ta muy  rijo  sem  os  seus  ayos  os  poderem  ter :  &  em  vol- 
tando tomarão  tão  de  supito  os  que  lhe  ficauão  detrás  ^ 
derribarão  muytos  deles  &  os  trilharão,  &  arrebentarão! 
passando  por  cima  deles,  &  ficauão  tantos  mortos  &  a- 
iejjados  que  era  pasmo,  &  se  os  nossos  forão  mais  que 
poderão  sair  a  eles  matarão  muytos  sè  conto,  mas  por 
serem  poucos  não  quiserão  que  saissem  ,  que  eles  bem 
se  conutdauão  pêra  isso.  E  coesta  perda  doirarão  os  im- 
migos de  cometer  aquela  vez  os  nossos ,  não  porem  que 
se  afastassem  de  sua  vista,  &  sete  dias  com  suas  noytes 
tornarão  a  cometer  os  nossos ,  que  a  tanto  se  estendia 

LIVRO  IIII.  o 


106  I>A  HI8TOBIA  DA  ÍNDIA 

ho  termo  em  que  eles  Unhão  jurado  a  el  Rey  de  BiotâQ 
que  tomarião  a  nossa  fortaleza,  que  todos  quantos  ali  pe- 
Itjauâo  tinhSu  isto  jurado.  E  os  nossos  ho  (izerão  tão  es- 
forçadaoienle  ajudando  os  nosso  senhor  Q  aqui  supria 
com  sua  misericórdia,  que  sempre  os  fízerSo  afastar,  & 
por  derradeyro  fugir  desbaratados  ficando  deles  muytos 
mortos,  &  indo  muylos  feridos,  &  dos  nossos  uão  mor- 
jreo  nenhQ»  E  não  aproueitando  nada  este  ardil,  tornou- 
se  el  rey  dePacem  muyto  triste  pêra  el  rey  de  Bintào: 
E  por  vingança  ja  que  não  podia  empecer  aos  nossos 
em  oolra  cousa  mandou  malar  alguus  que  estauão  tra- 
tando em  Pacem ,  por  onde  se  soube  que  ele  era  ieuan- 
tado.  E  porem  ei  rey  de  Bintão  não  deixou  por  isto  de 
fazer  guerra  aos  nossos  &  correrlhe  cora  sua  frota  que 
continuamente  trazia  por  mar  &  daualhe  assaz  de  fadi- 
ga, &  a  mór  era  doa  mantimentos  que  lhes  tolhia. 

C  A  P  I  T  O  L  O     XLVII. 

JDe  como  Duarte  de  melo  capitão  mór  do  mar  de  Mala^ 
ca  foy  com^  outros  capitães  sobre  a  trâqueyra  de  Muar 
^  a  tomou.  E  de  como  dom.  Aleixo  mandou  dom  Tris* 
tão  de  meneses  a  Maluco  assentar  amizade  com  o$ 
seus  reys. 

Jtlistando  a  cousa  neste  estado ,  deu  nosso  senhor  ma- 
neyra  aos  Portugueses  pêra  tomarem  esta  tranqueira  de 
Muar,  de  que  lhe  faziâo  tanto  dano.  E  assi  foy  que  nes- 
te têpo  vinha  da  ilha  Dajaoa  hQ  grade  senhor  iao  que 
coro  sua  molber  &  casa  hia  morar  a  Malaca,  parecen- 
dolhe  que  da  hi  trataria  melhor  ^  Dajaoa,  &  leuaua  três 
jugos  carregados  de  fazenda  &  de  seus  escrauos,  que 
erão  muytos  &  todos  casados :  que  assi  ho  costumáo  na- 
quela terra  como  ja  disse.  E  em  indo  pêra  Malaca  foy 
tomado  da  frota  dei  rey  de  Binlão  &  leuaràlho  com  sua 
molher,  que  por  parecer  bê  a  el  rey  de  Bintào  trabalhou 
por  auer  parle  coela  sS  ho  Iao  ser  disso  sabedor,  &  pe* 


LÍVIO  Mil.   GIFITVLO  XLVH.  107 

ra  ficar  ooela  mais  á  sua  vontade  lhe  deu  a  capUaoia 
da  frola  que  trazia  contra  Malaca ,  dandolhe  esperançi 
que  ainda  ho  auia  de  deixar  ir  pêra  Malaca  com  sua  ca* 
sa.  E  cuydando  ho  lao  que  seria  assi,  aceitou  a  capita* 
ma  &  seruia  a  ho  melhor  ò  podia  pêra  lhe  ganhara  von- 
tade que  ho  deixasse  ir.  Do  j}  el  rey  de  BíntSo  eslaua 
bê  fora  por  amor  de  sua  molher^  &  dilataualhe  a  licSça 
de  dia  em  dia:  o  que  entendendo  holao  determinou  de 
fugir  pêra  Malaca ,  &  fugio  hiia  noyte  do  Pago  Õdesla* 
ua  com  el  rey  de  Binlão ,  &  acolheose  em  hQas  lancha- 
ras polo  rio  abaixo,  &  chegando  á  tranqueira  que  se  fe- 
chaua  de  noyte  com  portas  chamou  as  goardas ,  &  no<- 
meãdose  lhe  abrirão,  &  ho  deixarão  ir  cuydSdo  que  hia 
correr  a  Malaca  como  fazia  outras  vezes.  E  saido  da 
tranqueira  não  tardou  mea  hora  que  chegarão  certas 
lancharas  que  hião  após  ele  por  mãdado  dei  rey  de  Bin* 
tão  que  logo  soube  ^  era  fugido,  &  por  acharem  que  era 
ja  fora  da  tranqueira  ho  não  quiserão  seguir ,  &  ele  não 
parou  ate  Malaca  &  foyse  pêra  a  nossa  fortaleza,  &deu^ 
ee  a  conhecer  ao  capitão:  dizSdolfae  a  causa  porque  hia^ 
8i  contoulhe  que  a  trãqueira  não  era  tão  forte  com  muy- 
ta  parte  da  banda  da  terra  como  da  banda  dagoa ,  & 
que  se  a  cometesse  por  terra  a  tomaria,  &  que  ele  mes- 
mo iria  com  a  gente  que  fosse  por  terra ,  &  que  obriga- 
ua  a  cabeça  a  tomarse  logo.  O  que  foy  posto  em  conse- 
lho,  em  que  alg0s  disserâo  que  aquilo  parecia  treiçlo 
das  que  el  rey  de  Bintão  costumaua,  fe  que  se  fundaria 
em  mandar  gente  ou  tela  em  cilada  como  aula  pouco 
que  fizera  pêra  tomarem  a  nossa  fortaleza  em  quanto  os 
^Portugueses  fossem  sobre  a  tranqueira,  porque  sabia  que 
auião  de  ficar  poucos ,  &  pois  eles  erão  tão  doStes  &  os 
sãos  tão  poucos ,  que  seria  muy to  grande  perigo  repar^ 
tiles  §  duas  partes,  ^  se  não  deuia  dir  sobre  a  trãquei* 
ra  se  nã  goardarse  a  fortaleza  delrey  j)  era  o  que  mais 
importaua  ate  que  a  tranqueira  se  podesse  tomar  sem 

E erige:  &  outros  disserâo  que  se  aquilo  fora  treição  4 
o  lao  oão  ousara  de  vir  com  aquele  ardil^  porque  tinha 

o  2 


los  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

certo  Dialarõno  lanlo  Q  a  treiçao  se  eotendesse,  &  ihait 
estado  ele  em  poder  dos  Portugueses  com  quõ  queria  ir 
ijor  terra  a  dar  na  trãqueira,  que  de  necessidade  se  a*» 
uia  de  tomar  com  ajuda  de  nosso  senhor ,  porQ  doutra 
inanejra  não  podiSo  ser  liures  do  trabalho  ^  padeciâO) 
porque  toroandoa,  logo  os  imigos  se  auiâo  de  mudar  pe** 
ra  outra  parte  como  costumauâo,  &  nâo  iinhâo  outra  se 
Dão  ho  pago  que  ja  era  mais  longe,  &  lhe  darião  me- 
nos opressam  ^  &  mais  que  )a  teriSo  algu  fôlego  primey- 
ro  que  os  immigos  lá  assentassem.  £  quanto  ao  perigo 
em  que  diziâo  ^  ticaua  a  fortalesui  por  se  a  gente  repar- 
tir que  Hão  iriào  sobre  a  tranqueira  mais  de  cento  &  vi- 
te  dos  nossos,  &  os  outros  ficaria:  que  ainda  Q  nâo  fos- 
sem iodos  sãos  abastauão  pêra  defõder  as  eslâcias  aos 
immigos,  posto  que  viessem  &  ficaria  húa  lanchara  es- 
quipada pêra  que  em  vindo  fossem  chamar  os  que  fos- 
sem sobre  a  tranqueira  que  |)or  ser  perto  tornariâo  lo- 
go. E  praticados  estes  dous  pareceres  &  bê  examinados 
foj  determinado  que  fossem  sobre  a  tranqueira,  porque 
sem  a  tomarem  não  se  podião  desapressar  daquela  guer- 
ra,  &  que  nio  fosse  lá  mais  que  Duarte  de  melo  com 
aeus  capitães  que  iria  por  mar  com  sessenta  Portogue* 
ses,  &  quinhentos  frecheiros  Malayos,  &  por  terra  iria 
hfl  fidalgo  chamado  Manuel  falcão  cõ  outra  tanta  gète 
&  iria  coele  bo  lao,  &  Afonso  lopez ,  dõ  Aleixo  &  os 
outros  que  lá  íorão  da  outra  vez  ficariâo  è  goarda  da 
fortaleza  com  ho  resto  da  gente.  Isto  assentado  partiose 
Duarte  de  melo  indo  ele  em  hOa  galé  &  leuaua  hu  ba- 
tel grande  cÕ  quatro  falcões  por  bàda  &  hú  tiro  grosso 
por  proa  pêra  aferrar  a  tranqueira :  &  assi  todos  os  ou- 
tros capitães  leuauão  seus  bateis  &  lancharas  bem  arti* 
Ihados  &  com  arrombadas,  &  por  terra  foy  Manuel  fal- 
cão cõ  a  gSte  que  digo,  &  partirão  véspera  de  todos  os 
sanctos  de  noyte,  a  horas  que  ao  outro  dia  pela  menhaâ 
chegarão  todos  juntamente  sobre  a  tranqueira,  de  que 
Diiarte  de  melo  desembarcou  com  sua  gê  te  obra  de 
dous  tiros  de  besta ,  &  mandou  aos  bombardeiros  que  a 


LIVIIO  llll.    CAFITVLO  XUVII.  109 

varejassetD  dali  com  a  artelbaria,  que  tâbem  comei^^ou 
de  tirar  cõ  a  sua  aos  Poriug^ueses ,  que  nêpor  isso  úei^ 
2arão  de  de9embarcar  &  ajuolarse  com  os  ovlros  Q  biSo 
por  terra,  em  que  se  acbacão  cora  miiylo  Irabalbo  &  pe- 
rigo por  eia  ser  Ioda  alagadiça  &  chea  destrepes,  &  a** 
ner  muyta  lama  de  grande  cboua  que  fora  na  ooyle  pas- 
sada,  &  ainda  enião  auia  algua :  &  os  nossos  não  linhâo 
por  Õde  ir  se  nSo  por  alguas  veredas  tão  estreitas  quB 
não  podião  ir  se  não  a  tio,  &  por  isso  se  ferirão  aiguii 
B08  estrepes  de  2|  morrerão  por  serem  eruadoa,  &  atí* 
itestes  roorreo  bo  lao  que  b>a.  cõ  Manuel  falcão,  que 
com  quàto  hií  seu  escrauo  bo  leuaua  ás  costas  não  dei- 
xou de  se  estrepar.  Coeste  tamanbo  trabaifao  fc  perigue 
cbegarão  á  trãqueira  roropSdo  per  antre  mujtos  pelou* 
ros  Q  lhe  dela  tiraiião ,  &  doi^  primeyros  ^  ebegarão  íb^ 
rão  Manuel  falcão,  &  António  lobo  falcão  seu  ^obrinbo^ 
&  Manuel  falcão  foy  logo  ferido  de  bQa  bõbardàda  Qlbe 
«spedaqou  hila  perna,  &  cayo  ao  pede  btía  palmeira  qua^ 
«i  morto,  &  06  nossos  ficarão  sem  capitão,  porque  Doar» 
te  de  melo-^fic^a  com  a  sua  g&ie  detrás  da  de  Manuel 
falcão  ^  quando  desembarcou  ja  bo  aobou  diante,  &  por 
ser  a  terra  tão  apertada  ficou  detrás,  &  caindo  Manuel 
falcão  da  maneyra  ^  digo,  bCi  loâo  fernandes  de  Santa* 
•Tê  escrioão  da  nao  de  dõ  Aleixo  que  se  ali  acertou  dÍ8« 
Be  a  Diogo  pacheco  j)  bi  estaua.  Seftor  pois  bo  capitão 
he  ferido,  &  vedes  bo  perigo  em  que  estamoa  façamos 
eorpo  cõuosco  &  day  Santiago  na  tranqueira,  porque  se 
tardarmos  matamos  bão  estes  tiroa,  &  ele  disse  <Q  não 
queria  tomar  a^le  cargo  pois  Ibo'  nã  derão :  porê  Q  des*^ 
se  Sátiago  &  Q  pelejaria  como  lascarim.  E  disSdo  isto 
ajStaranee  coele  Manuel  pacheco  seu  irmão,  António 
lobo  falcão,  Diogo  brandão  do  Porto,  loão  guedez  de 
Sátarê,  João  fernandez,  &  todos  jti tos  na  dianteira  dá 
outra  gente  remeterão  á  tranqueira  com  ^  ja  os  nossis 
iiauioa  estauão  á  bateria,  &  ooméçouse  bua  muyto  bra* 
na  &  mui  ferida  peleja,  porqife  dambas  as  panes  erãb 
OB  pelouros  tão  bastos  4  ^^  ô^o  enxergaua  nada  cõ  bé 


110  DA   HISTORIA   XU  ÍNDIA 

fumo  da  artelbaría,  &  as  espingardadas  nSo  tiohSo  c5» 
tO)  &  as  frechas,  assi  darco  como  de  saraualanas  cobria 
ho^r,  &  ho  chão  cuberlo  de  sangue  dos  feridos.  E  asai 
durou  a  peieja  b6  duas  horas,  por^  òs  imigos  defeodian*- 
-se  corao  homSs  {|  querião  antes  morrer  ^  perder  ho  lar- 
gar em  {|  estaufto,  &  soubese  ^  durando  assi  ho  cÕíliLo 
da  peleja,  hfi  yalõte  mouro  chamado  çançarná  deraja 
disse  ao  seu  capilão  ^  da  outra  vez  ^  os  nossos  vierao 
sobre  a  tranqueira  (}  ele  pelejara  muyto  valentemente , 
&  !|  a  ele  capitão  se  dera  toda  a  hõrra  &  a  eie  não ,  4 
ae  auia  de  saluar  8  quãlo  tinha  tempo  &  Q  ele  morreria» 
£  acabado  de  dizer  isto  fugio,  &  parece  Q  adiuinbou  a 
morte  do  capitão ,  |)orque  em  pouco  espa<;o  despois  de 
sua  fugida  foy  morto  de  hOa  espingardada  ^  lhe  tirou 
hii  dos  nossos  chamado  Gonçalo  fernandez  gancho,  & 
ele  morto  os  seus  se  desbaratarão  &  fugirão,  &  a  tran- 
queira ficou  em  poder  dos  nossos  cõ  grade  mortindade 
dos  imigos  &  antreJes  forão  mortos  quasi  trezentos  rajas 
que  sam  homès  <^omo  antrenos  cõdes  ou  outros  senhores 
de  título  j}  hião  dar  socorro  a  elrey  de  Binlão  &  forão 
caiiuos  muytos  com  hu  61ào  dei  rey  de  Sião  que  hi  es* 
taua  também  ajudando  a  el  rey  de  Bintão.  E  despois 
deste  ser  conhecido  ho  mandou  ho  capitão  a  seu  pay 
que  mandou  por  isso  ha  jQgo  carregado  de  mantimentos 
com  que  se  os  Portugueses  restaurarão.  E  vendose  Duar<i- 
ie  de  melo  com  aquela  vitoria  seguio  auante  com  pro^ 
posito  de  ir  ate  ho  Pago  onde  esfaua  el  rey  de  Bintãe 
qqe  era  dali  treze  legoas,  &  deitalo  fora,  &  a  quatro 
ou  cinco  legoas  pelo  rio  acima  achou  ho  tão  entulhado 
&  atrauessadas  nele  tantas  aruores  que  os  immigos  ti- 
nhâo  lançado  a  este  frm  que  nunca  pode  passar,  &  por 
isso  se  tornou ,  &  mandou  destruyr  de  todo  aquela  for« 
taleza  em  que  achou  sessenta  tiros  êcepados  &  outras 
muyias  armas.  E  coeste  despojo  &  muyto  grande  vito^ 
ria  se  tornou  pêra  M ialaoa^  onde  foy  recebido  com  grau*- 
de  solenidade.  E  com  tudo  el  rey  de  Bintão  não  desis»- 
iio  da  guerra  que  fazia  a  Malaca,  &  sempre  lhe  corria 


Llf  JK>  mu  CàPITTIX)  XI.VIII.  1  J 1 

wa  armada  <|ua  de  cada  vw  era  maia  poderosa ,  &  ele 
fez  outra  fortaleça  no  Pago  Ôdeetaua:  &  dali  faaião  tam- 
bém por  terra  os  aaltos  que  dantea  fasíão.Edetpoisde»- 
ta  vitoria  de  AAuar  ja  em  Dezembro  despachou  dom  A** 
leixo  dom  Tristão  de  meneses  y  &  mâdouho  a  JMJaluoó 
DO  nauio  Santiago  em  que  lorge  maxcarenhas  viera  da 
China ,  &  deulhe  cartas  dei  rey  de  Portugal ,  &  presen* 
tes  pêra  os  reys  das  ilhas  de  Maluco  que  fossem  seus 
amigos  &  lhe  deixassem  ter  trato  em  suais  terras  f)era 
auer  ho  crauo  que  ia  auia*  E  despachado  dom  Tristão 
partiose  dõ  Aleixo  pêra  a  Índia  em  Dezembro  do  anno 
4e  mil  &  quinhentos  &  dezoyto- 

C  A  P  I  T  O  L  O     XLVIII. 

Do  que  aamUceo  ifm  Malaca  despois  da  partida  de  dom^^ 

'Meixo  de  nuneseê; 

Mjj  coele  se  foy  a^mayor  parte  da  gente  que  estaua  em 
Malaca  por  saberem  que  estaua  muy  escandalizado  Da* 
fonso  lopez  da  costa,  que  por  ser  de  forte  condi<|ão  se 
aoJtara  em  faJar  cõtreíe  aljgflas  cousas  em  sua  ausência : 
o  que  ele  sabia ,  &  por  isso  lhe  não  deu  muyto  da  gSte 
que  se  foy  coele.  Do  (|  pesou  gráderoente  a  Afonso  lo* 
pes  por  qu2o  pouca  lhe  ficaua  ficfldo  de  guerra ,  &  era 
tão  pouca  ique  por  conto  nSo  chegauâo  a  mais  de  seten- 
ta  Portugueses.  O  que  logo  soube  el  rey  de  fiintâo,  & 
deternainqlndo  de  tomar  a  fortaleza  &  a  nossa  pouoação 
mandolTcometer  pazes  a  Afonso  lopez,  &  tão  desapega- 
damente  que  se  gaslarâo  algfls  dias  sem  auer  eõcrasam, 
&  08  embaixadores  delrey  hião  mnytas  vezes  com  em* 
baixada  a  Afonso  lopez  Q  de  cada  vez  que  hífio  os 
luandaua  saluar  com  a  arielharia  da  fortaleza  em  que 
se  gastaua  muyta  poluora  que  despois  fez  grande  min- 
goa.  E  nestes  dias  destas  embaixadas  fezr  el  rey  nil  & 
setecentos  homès,  &  por  mar  bua  armada  doy  tenta  & 
fiiBOo  lancbacaa :  &  como  quer  que  as  embaixadas  an- 


llt  DA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

dauâo  gobre  pazes  parecia  a  Afonso  lopez  que  a  cousa 
estaua  segura.  E  esperatido  bu  dia  polo  embaixador  dél 
Tey  de  BinUo  pêra  se  tomar  concrusain  nas  pazes,  ex 
{[aparece  na  própria  manhaS  a  armada  que  digo  cõ  qui- 
nhentos homSs  que  derão  logo  no  porto  &  poserão  fogo 
a  duas  nãos  de  mercadores  que  hi  estauâo  &  a  hiia  galé 
flossa  desemmasteada  sem  lhe  os  nossos  poderem  acodir 
por  ser  a  maré  vazia  &  sem  ela  não  poderem  nadar  os 
nossos  nauios  pêra  irem  ao  porto.  E  estando  os  nossos 
da  banda  do  mar  ouuirSo  hQa  grSde  grita  no  sertão  da 
parte  da  nossa  pouoação  Q  está  junto  da  fortaleza.  E  es^ 
ta  grita  dáuSio  mil  &  .duzentos  -dos  immigos  que  hião 
por  terra  cometer  a  cidade  com  muytos  alifantes  arma- 
dos: &  repartidos  em  duas  partes  ^auia  de  cometer  hQa 
a  pouoação  grande  &  outra  a  pequena  que  era  a  nossa, 
com  que  Afonso  lopez  ficou  muy  abastado  por  os  nossos 
serõ  tão  poucos  como  disse:  &  por  isso  &  por  não  saber 
se  os  da  terra  lhe  terião  ordenada  algua  treição  não  ou* 
saua  de  sayr  da  fortaleza  em  pessoa  pêra  pelejar  coro  os 
immigos  que  não  lhe  faJecia  esfor^  pêra  isso :  posto  (| 
os  seus  erão  poucos.  E  com  tildo  por  mostrar  aos  immi- 
gos que  os  não  temia,  &  que  ho  soubesse  também  a 
gente  da  terra,  mandou  a  hCl  Fernão  de  lemos  que  com 
dez  dos  nossos  se  fosse  á  entrada  da  ponte  &  acodisse  á 
pouoação  grade,  &  a  hfl  Prãcisco  foga<;a  mandou  que 
acodisse  com  doze  pela  parte  da  nossa  pouoação ,  &  assi 
bQs  como  os  outros  cÕ  quanto  virão  a  demasiada  auan- 
tajem  que  lhe  os  immigos  tinhão  determinarão  de  pele- 
jar coeles  esperado  que  Afonso  lopez  os  socorresse ,  & 
esperãnos  com  muyta  ousadia,  ajudando  os  tambfi  a 
gente  da  terra  que  logo  acodirão  ho  BSdará  &  ho  Las- 
car oÔ  seus  piães ,  &  os  imigos  se  forão  emburilhar  coe- 
les ás  frechadas  &  azagayadas ,  &  começouse  hQa  pele- 
ja muy  trauada.  E  vendo  Afonso  lopez  como  a  gSte  da 
terra  era  em  ajuda  dos  nossos  acodiolhe  com  a  gente 
que  lhe  íicaua  leuando  diante  dous  berços  encarretados 
Gom  que  fizerão  muy to  grande  dano  nos  immigos ,  ma* 


LIVRO  IIIK  CAPITVLO  XLVIII.  113 

lAiiâo  moylos  por  andarem  juntos ,  &  coíiso  ós  fizerâo 
afafflar:  &  os  nossos  também  se  retirarão  obra  dil  tiro 
cie  pedra  pêra  a  fortaleza»  E  como  neste  tempo  come- 
çou dencher  a  maré,  mandou  Afonso  lopez  a  Duarte 
de  melo  capitão  mor  do  mar  que  acodisse  ao  porto,  & 
apagasse  ho  fogo  2}  andaua  ateado  nas  nãos,  &  deulbe 
I  rio  ta  homSs  que  se  repartirão  por  cinco  lancharas  & 
bu  bragantim ,  hd  batel  grande  de  que  erão  capitães  a 
íbra  Duarte  de  melo,  Francisco  fogaça,  dom  Rodrigo 
da  situa ,  Diogo  mendez ,  Fernão  figueira,  Carlos  caruar 
lho,  &  Grauiel  gago,  &  cÕ  tão  pequena  armada  pêra  ca- 
manha  era  a  dos  imraigos  com  a  esperãça  em  nosso  se- 
xihor  se  forão  chegando  a  eles  dado  ^andes  gritas  de 
prazer  por  parecer  que  os  não  temião.  E  chegando  a  ti- 
ro de  berço  começa  de  desparar  a  artelbaria  dii  cabo  & 
do  outro,  &  acertou  quedem  a  lanchara  de  Grauiel  ga- 
go tirado  a  primeyra  boro  bardada  se  lhe  acèdeo  fogo  na 
poluora  com  que  abrío  a  lanchara  &  se  foy  supitamenté 
ao  fundo,  &  quantos  ãdauão  nela  dos  nossos  se  afoga- 
rão por  estarem  armados.  E  durado  a  peleja  foy  morto 
Diogo  mendez  capitão  doutra  lanchara  de  hua  bòmbar- 
dada  que  lhe  leuou  a  cabeça,  &  por  derradeyro  os  no»* 
SOS  ho  fizerão  tão  esforçadamente  que  deitarão  os  immi^ 
gos  fora  do  porto,  matando  algQs.  E  desacupado  ho  por- 
to apagarão  ho  fogo  que  ándàua  nas  nãos  &  na  galee. 
£  assi  acabou  a  peleja  daquele  dia  no  mar  &  na  terra; 
&  com  quanto  os  imroigos  se  retirarão  não  se  íbrão  de 
lodo ,  por(}  era  sua  determinação  de  tomar  a  fortaleza , 
&  posto  que  pola  primeyra  não  ieuassem  ho  melhor  dos 
nossos  n8  por  isso  cessara  de  sua  empresa,  por^  como 
erão  muytos  &  os  nossos  poucos  parecialhes  Q  os  vence- 
rião  por  derradeyro,  &  que  por  poucos  que  matassem 
os  eosecarião.  E  por  isso  os  da  terra  assêtarão  suas  es- 
tãcias  hQ  pedaço  da  cidade  onde  se  recolherão  ,  &  os 
do  mar  surgirão  jQto  de  hiia  ilha  perto  do  porto  a  cuja 
sombra  esteuerão :  &  como  foy  menhaã  tornarão  a  co- 
meter os  nossos  por  mar  &  por  terra,  &  pelejarão  coeles 
LiVEO  iin.  p 


114  9M    HI6TOKIA    9A    ÍNDIA 

Mie  9é  dez  horaa  do  dia  que  se  recelherSo  a  miae  ertan-f 
cias  i  &  tornará  a  pdejar  da  véspera  aie  a  noyte.  £  ia^ 
(o  íizerão  dezaeete  dias  continos  eili  que  derão  mujlo 
graode  opreasam  &  (rabanho  aoa  nossos,  q  n]ilagrosaiii6« 
te  saiuou  nosso  seftor  de  serem  todoe  tomados  segundo 
arídauâo  cansados ,  &  feridoe  &  desueiados  de  oáo  dor-» 
mir,  porc}  vigiauão  oÕ  medo  qae  os  imigos  os  náo  lo* 
Biassem,  &  de  que  sempfe  leuarâo  a  vitoria  pola  pieda^ 
de  de  nosso  senhor^  E  cuydando  os  innnigos  do  mar  j) 
acabo  de  tanto  tempo  nflo  estariSo  os  da  nos6a  armada 
pêra  lhe  resistir ,  os  quiser&o  afórrar  ^  &  acharão  ne4eg 
tâo  poderoea  resistficia  como  se  aquele  fora  ho  primejro 
dia  da  peleja:  &  por  isso  nã  qiiiiieráo  mais  brigas  coe* 
les,.  &  Aigirâo  que  não  tornarão  mais,  &  bo  mesmo  6* 
serão  os  da  lerra  ^  de  que  morrerão  nestes  dias  muytos  , 
%  dos  do  diar  acharão  por  conia  que  íbrão  ikizentos,  & 
quinze  (}  acharão  soterrados  na  ilha  em  que  se  acoihiào, 
&  doe  nossos  não  morrerão  mais  de  quinze  fi  todas  ea^ 
tat  pelejas.  E  com  quanto  el  rey  de  Bintão  soube  quão 
pcruco  nojo  08  seus  hzerão  aos  nossos  nà  desistio  da  gner* 
ra  y  fc  foyse  assentar  em-  hii  lagar  ^  se  chamaua  Pago 
donde  a  fazia  de  cada  vez  mayor  assi  |ior  mar  como  pof 
terra. 

jíqui  faíg  fm  ho  quarto  liuro  da  historia  da  índia.  E 
$egMse  ho  quinto  no  tempo  q  a  gauemou  Diogo  Icpez  dê 
iêfueirà. 


'c«í)ee)()€e)e)c>ee€ee)€€e)e<<i(i(99933^ac)^^ 

JLIVRO   ÔVJNTO 
a  A 

fflSTORIA  DO  DESCOBRTMEJNTO 

B 

CONQVISTA  DA  índia 

PJSL06  PORTVGVESES 

JVo  tempo  que  a  goneraoii  Diogo  lopèe  de  sequeira  por  *im»- 
dgkdo  do  iúuicimímo  rey  dom  Munuel  dm  gloríoea  mitma^ 
ria* 

Fíf^o  per  Ftmím  kp€M  de  caãtanheéLat. 

CAPITOLO     I. 

Jhi.camo  Jj^p^tmoÊm^afUÊ^egou  et  tffmemamçm 'dm  Jnâimm 
.Diogp  kpet  dcHqwura  ^  ee.pBnth  pêra  Parimged. 

jLV)eiorin^4a  a  M^nade  Sbre  ho  gpeuer nadar  Lofioisoa» 
4reE  &  eJ  Fey-  de  GeiJSo  deaeOMbaroou  jba  gooernador  Jg 
^rpouseirtome  ttoi  Lbfia  If  dft ide  d«nliie  da  nonaie  tranqueis 
^ra^  &  tôdo  quairi.acabaída  a/ertek^a  qttB:aeria  oa.fifli 
4e  NoeeDbra^  ehegiou  dono  loSe.daisikietiEatde  BomgBl^ 
dôde  parlio  como.diaae^.fc  e  gonMtuidac.lhçideUia^Gapir 
tanía  da  fortaleza,  &  por  aer  ainda  mancebo  deu  a  ca- 
pitania mór  do  mar  a  António  de  mirada  dazeuedo  ho- 
mem anti|9^o  na  índia  &  que  sabia  bê  da  guerra,  &  deu« 
lhe  hfla  armada  cÕ  que  andasae  naquela  parajem  pêra 
goarda  da  fortaleza,  como  pêra  fazer  presas  nas  nãos  de 
nossos  immigos,  E  isto  assi  ordenado  parliose  o  gouer- 
nador  pêra  Uochim  com  determinação  de  fazer  em  Cou- 
Ião  outra  fortaleza  por  ter  licença  do  rey  de  Coulão  pê- 
ra fazer  hOa  casa  forte ,  &  ter  prazme  da  raynha  pêra 

p  2 


116  BA    HISTORIA    BA    ÍNDIA 

coeste  nome  de  casa  forle  lhe  deixar  fazer  hQa  fortaleza 
por  peita  que  por  isso  lhe  auião  de  dar.  E  ho  gouerna- 
dor  cessou  desta  determinação  por  saber  que  era  che- 
gado Diogo  lopez  de  sequeira  por  gouernador ,  &  prós- 
seguio  pêra  Cocbim ,  onde  foy  recebido  cõ  rouyta  honr- 
ra  de  Diogo  lopez  de  sequeira  que  foy  coele  ale  a  for- 
taleza j  &  dali  por  diante  ho  vísitaua  muytas  vezes :  & 
não  quis  entêder  em  nada  da  gouernança  da  índia  em 
quanto  Lopo  soarez  esteue  nela  saluo  em  repartir  09  na- 
uios,  &  despachou  loa  gomez  cheira  dinheiro  pêra  as 
ilhas  de  Maldioa,  onde  elrey  de  Portugal  mandaua  que 
fizesse  hQa  fortaleza  &  fosse  capitão  dela.  E  porque  sa- 
bia que  Baticalá  estaua  leuãlado  mandou  a  dom  Afonso 
•de  meneses  em  híla  galé  darmada  que  fosse  surgir  so- 
bre a  barra  de  Baticalá,  &  lhe  tomassem  as  nãos  ^  saís- 
sem de  ddtro:  &  ho  mesmo  mandou  a  Ghristouão  de 
sousa  ^  fosse  fazer  a  Dabul ,  ^  foy  em  hCia  galé  por  ca- 
pitão mór  de  Ruy  gomez  dazeuedo  &  de  Lourenço  go- 
dinho  que  bião  em  duas  carauelas,  &  mandoulhe  que 
ÍOSS&  por  60a  &  tomasse  duas  fustas  das  Q  lá  estauão^ 
&  por  rogo  de  Lopo  soarez  sentenceou  Diogo  lopez  ho 
feyto  da  justiça  contra  Geronimo  doiiueira  que  matou 
dum  Aluaro  da  siiueira  como  ja  disse,  &  Iby  degolado. 
£!  fey la  a  carrega  das  nãos  entregou  Lopo  soarez  a  In- 
-dia  a  Diogo  lopez  de  sequeira  per  hfi  estormfito  pubri- 
€o ,  declarando  a  gei>te  que  ficaua  nas  fortalezas ,  &  as 
peças  dartelharia.  R  isto  feyto  partiose  Lopo  soarez  pe* 
ra  Portugal ,  onde  chegou  a  saluamento. 


Lívio  r.  OAFinrLO  flY.  117 

C  A  P  I  T  V  L  o    11. 

De  como  ho  Qouernador  tomou  ei  rey  de  Baticalá  aa  o- 

bedkncia  dei  rey  de  Portugal. 

Xartido  Lopo  soarez  ho  gouernador  ee  partio  pêra  Goa 
em  laneyro  de  tnil  &  quinhêtos  &  dezanoue  deixado  por 
capitão  de  Cocbim  hfl  ifidalgo  seu  sobrinho  chamado  An- 
tónio corcea  em  quâto  Aires  da  silua  não  vinha  de  Ma- 
laca ,  &  lirouha  a  Lourenço  moreno ,  &  leuou  toda  a  ar- 
mada da  índia ,  &  de  caminho  visitou  as  fortalezas  de 
Calicut  &  de  Cananor,  &  foy  ter  com  dom  Afonso  de 
meneses  que  estaua  sobre  a  barra  de  Baticalá,  cujo  rey 
sabendo  que  ho  gouernador  ali  estaua  foy  o  seu  medo 
tamanho  de  ho  destruyr  Q  logo  lhe  mandou  pedir  per- 
dão do  leuãlamenlo  passado ,  &  pedrrlhe  que  ho  tornas- 
te a  receber  por  vassalo  dei  rey  de  Portugal,  porQ  esta- 
aa  prestes  pêra  pagar  ho  tributo  que  dantes  pagaua ,  & 
mais  pagaria  tantos  mil  pardaos  pêra  os  gastos  da  arma- 
da. E  ho  gouernador  foy  contente ,  &  assi  se  fez :  &  is- 
to feyto  partiose  pêra  Goa*. 

C  A  P  I  T  V  L  O    III. 

De  conto  Chrislouão  de  souea  foy  darmada  tobre  Dabul: 

^  do  que  lhe  lá  aconíeceo. 

JL  arlido  ChristouX  de  sousa  pêra  Dabul  foy  ter  a  Goa 
oade  pedio  a  Ruy  de  melo  que  estaua  por  capitão  na 
vagáte  de  dom  Geterre  que  lhe  desse  as  duas  fustas  que 
ho  gouernador  mandaua,  &  dãdolhas  tornou  a  sua  viagõ 
pêra  Dabul ,  &  por  ser  ja  tarde  aehou  oa  noroestes  muy 
rijos  q  lhe  erão  por  dauante ,  &  ho  não  deixauão  surdir 
indo  alamar :  &  por  isso  &  por  a  carauela  de  Ruy  gomez 
ser  zorreyra  deu  a  longa,  porque  cõ  ho  em  paro  da  terra 
Uie  |iareceo  que  náo  fossem  os  vqplo^  ião  fijo^r  £  com. 


318  JM  HlfTMU  m  fVWA 

tudo  a  carauela  de  Ruy  gomez  não  pode  (er  coele  n8 
cÕ  as  oulras  velas  &  ficoQ  a  trás.  E  indo  Cbrislouao  de 
sousa  assi  soube  que  dSlro  no  rio  de  Citapor  eslaua  car- 
Kgando  bQa  nao  de  tnonros  nossos  Imigos  posse  na  bo- 
ca do  rio,  &  mãdou  a  hu  eapiíio  dij  Calur  que  leuaua 
em  sua  conserua  que  fosse  tomar  a  nao.  E  vendo  ho  os 
mouros  que  a  carregauâo  entrar  délro  no  rio  fugirão  pê- 
ra terra  &  deixarão  a  nao  sói,  &  bo  capilfto  do  Catur  a 
atoou  &  a  leuou  a  Ghrialouâo  de  aousa,  {|  metendo  nela 
qu6  a  goardasse  a  leuou  em  sua  conserua ,  &  daqui  I^ 
uádo  sua  rota  abatida  foy  surgir  na  barra  de  Dabul,  o»- 
de  «oube  por  algas  da  terra  que  lhe  forâo  vender  refres- 
co, que  em  quanto  se  deteisera  em  Cilápor  a  tomar  A 
nao  passara  Ruy  gomee  &  fora  ter  a  Dabul ,  onde  lhe 
logo  sayrão  as  fustas.  E  ealádo  coele  ás  bombardadaa 
ae  lhe  acendera  bo  fogo  na  sua  poluora  cÕ  que  a  cara- 
-eela  foy  toda  queimada  &  quantos  estauão  nela  saluo 
4i8a  molher  Portugueaa  que  osnKHiros  caliuar^:  &  que 
.Queria  sete  ou  oyto  dias  q.ue  aquilo  acoaiecera.  O  4[ 
Cbrietouão  de  acusa  creo  por  achar  ainda  algfla  roadey*- 
ra  da  carauela ,  &  iioou  m«yto  triste  por  aquele  desae- 
tre,  &  quiserase  vingar  dos  tnouies  se  lhe  fiayrãò,  maa 
nQca  ousarão,,  nem  ele  não  foy  buscalos  por  estarem 
muyto  dentro  do  ria*  E  atiedo  obra  de  doze  dias  que  a- 
quí  estaua  forâo  os  ventos  tantos  &  tão  brauos  que  não 
podendo  ^'ie  oem  ca  oe troe  sofrera  amarra  lhe vfoj  for* 
ii^do  arribaren)  a  hSa  enseada  chajoada  doa  Malabarea 
que  era  abrigada  pêra  estar  hi  ate  amainar  aquele  vea^ 
lo,  &  hl  queimou  hOe  pouoai^o  por  aer  de  nossos  !mi* 

g)s.  £  amainado  ho  \èío  da  hi  a  algOis  dias  se  toraou  a 
abul,  onde  soube  <)ue  em  quaalo  eslenere  na  ensea- 
da dos  Malabares  eacalando  bo  ^t o  chegara  bQa  nao 
de  Cananor  em  que  hia  por  capitão  fail  eacriuân  dn  noa- 
aa  feytoria  que  íeuaua.fazèda  dei  rey  de  Poríuc^al  pêra 
ae  vender  em  Cambaya  (&  esta  paaaou  de  noyte  pola 
enseada  onde  eataoa  Cbrialouão  de  souaa  &  por  iaso  a 
«não  ^io)  &  eivegando  defioole  de  DabuMba  aayrâo  mb 


MVRa  v#  CAFirriicr  iis.  119 

SàêlàB  &  meleriína  do  fundo  com  bombardadas.  E  ytn* 
do  Ghristoiífto  de  soma  que  ho  dâDO  que  aa  fustas  faziào 
bia  em  creciaièto,  deteriainou  dentrar  no  rio  &  viogar- 
•e^  &  porque  não  lioha  maotimeAtoB  os  foy  tomar  a 
Cbaul  aa  nossa  feyloria  ondesiaua  por  fe^or  hfl  Diogo 
paez^  &  em  iocnàdo  de  lá  pêra  Darbttl  quis  dar  em  Cà* 
lãci  bfl  lugar  de  mouros  cinco  iegoas  dele  por  ser  de  sua 
}iirdii;áo,  í  esiaua  metido  por  hii  rio  acima  obra  de  roea 
iegoa.  E  chegando  á  fos  do  rio  deixou  ali  a  galé  &  a  ca* 
raiteia  sorlas  por  nJko  poderê  nadar  nele,  &  êlrou  no  Ga» 
tnr  fustas  &  bateys  em  j)  teuaria  ate  cento  dos  nossos  ^ 
&  chegou  ao  higar  três  boras  ante  manbaã,  mas  fazia  bá 
Jilar  tào  etaro  que  parecia  dia.  Os  immigos  tanto  que 
sentirão  os  nossos  fugirão  logo,  íc  a  rezão  de  os  sentirS 
tão  asinha  fuy  porque  esta  gête  a  mór  parle  da  noyte 
anda  acordada :  os  nossos  seguirão  hQ  penca  a  pos  os 
immigos  &  deizarãaos  por  ser  noyte ,  &  tornaranse  a 
queimar  bo  lugar  Q  era  grade  &  aoia  nele  muytas  mes-» 
quitas,  &  queimaràno  todo  despois  de  bo  roubarfi,  &  as« 
ai  duas  nãos  que  bi  estauào  varadas.  Isto  feyto  recolheo- 
ae  Chrislouâo  de  sousa  á  praya  pêra  se  embarcar,  fe  bi 
esperou  por  alg&s  marinheiros  Q  ainda  fícauâo  roubando. 
£  estando  assi  esperando  sobreueo  bd  Tanadar  d&a  ta«* 
nadaria  dali  a  duas  Iegoas ,  &  sabêdo  do  dia  dates  que 
os  nossos  estauão  na  foz  dÍo  rio  de  Galaci  bialhe  socor- 
rer &  leuaoa  trezentos  piães  Canarins  todos  frecheiros , 
&  em  os  nossos  os  vendo  alooraçaranse  muyto,  &  disse* 
rio  a  Gbristouão  de  sousa  que  fosse  pelejar  coeles,  do 
que  ele  foy  cõtenie ,  &  assi  pêra  isso  como  pêra  reco* 
Iher  os  marinheiros  que  Ibe  licaudo  no  lugar  abalou  logo 
pêra  eles,  &  eles  mostrando  moyio  esforço  bo  sayrão  a 
receber,  &  bo  cercarão  por  diante  &  polas  ilhargas  tira- 
do frecbadas  sem  coto:  Gbristouão  de  sogsa  por{)  lhe 
Bfto  frecbassft  os  seus  estando  jfltos  mãdou  os  espalhar 
da  mesma  maneyra  ^  se  os  imigos  espalbauão ,  posto  Q 
Mie  algiVs  disserao  Q  melhor  seria  apinbuarfise  pêra  hfla 
pwte  h  ficacS  os  Imigos  descobertos  á  nossa  artelbaria 


120  DA   HISTORIA   DA    ÍNDIA 

^  lhes  Urasse  do  rio  í\  os  despachasse  logo:  &  Chrislo^ 
u3o  de  sousa  náo  quis^  parece  (}  por  de  desejar  de  pe« 
lejar.  E  espalhados  os  nossos,  trinta  espingardeiros  & 
Algus  besteiros  {|  auia  aotreles  desfecharão  nos  imigos 
&  fízerSnos  afastar,  &  os  nossos  se  começarão  de  rec(^ 
íher  espalhados  como  digo,  &  (âto  ^  quasi  se  nã  vião  hQs 
aos  outros.  E  os  Imigos  l\  virão  este  descõcerlo  açoda- 
rão logo  sobreles  apertado  os  muylo  cÕ  frechadas  &  fe- 
rindo dessa  gête  baixa  {|  hia  mal  armada,  Q  começou 
de  fugir  cÕ  menos  cõcerto  do  que  leuauão :  sem  Chris* 
touão  de  sousa  nS  os  outros  capitães  os  poderS  ter,  & 
v<6do  ele  isto  deíxouse  fícar  c5  os  Imigos ,  fícâdo  coele 
Frãcisco  de  sousa  tauares  &  outros  principaes  &  fazião 
volta  aos  Imigos  pêra  os  deter,  &  eles  se  reCirauão  pêra 
os  cansar,  &  despois  voltauâo  sobreles.  E  assi  forão  ate 
a  praya  voltado  hQs  aos  outros  b6  quatro  vezes  em  i\  a 
peleja  foy  b6  ferida  assi  diia  parte  como  doutra:  &  tã 
perãada  ^  em  chegarfi  os  nossos  á  praya  gastarão  bi 
três  horas ,  &  cõ  os  feridos  Q  se  hiâo  embarcar  &  c5  os 
outros  Q  fugião  se  desfizera  os  nossos  tãto  {)  nã  chega- 
rão CÕ  Cbris touão  de  sousa  á  praya  mais  ^  ate  trinta  no* 
inSs,  &  ainda  aqui  dapertado  dos  imigos  se  nã  achou 
mais  l\  CÕ  dez  pêra  sembarcar  de  ^  hú  era  Frãcisco  de 
sousa  tauares,  &  aqui  passou  Christouão  de  sousa  grade 
perigo,  &  esteue  quasi  perdido  por^  erão  ja  êbarcados 
todos  os  nossos  se  nã  ele  cõ  os  dez  !\  digo ,  &  a  maré  8- 
chia  &  daualbes  a  agoa  pola  cinta,  &  os  imigos  choujão 
frechas  sobreles,  &  coesta  fadiga  quasi  Q  nã  podião  a- 
judar  a  Sbarcar  Christouão  de  sousa  !\  ho  não  podia  fa«- 
zer  sem  ajuda  por  ir  armado  em  hii  arnês  inteiro,  &  era 
necessário  tomarSno  S  peso  pêra  ho  melerS  no  batel  ^  & 
os  imigos  nã  dauão  vagar  pêra  isso.  E  vSdo  eles  o  i^  os 
nossos  tinbão  em  ho  fazer  &  cuydãdo  ^  nã  auia  quê  lhe 
resistisse  meleranse  pola  agoa ,  &  chegauanse  aos  ba* 
leys  &  ás  fustas  lâçãdo  mão  dos  remos  pêra  os  tomar: 
&  quis  deos  !\  a  este  tempo  estaua  ja  Christouão  de  sou- 
aa  embarcado  &  os  outros  4  ho  ajudarão,  &  vedo  a  ou- 


LIVRO  V.  CAPITVLO  Hlf.  121 

sadia  dos  tmígos  mãdoulbes  (irar  cõ  a  arteiharia,  de  ^ 
logo  fugirão  (icâdo  muylos  mortos,  &  dos  nossos  morreo 
JiQ  bõbardeiro  &  fosfio  feridos  IrioU.  Feylo  is  lo  porQ 
Christouão  de  sousa  trazia  por  regimSto  do  goueroador 
{^  ale  a  Strada  de  laneyro  fossS  em  Goa  as  duas  caraue- 
las  §  Jeuaua  pêra  irS  cÕ  António  de  saldânha  a  Ormuz  y 
mandou  a  LourSço  godinho  Q  se  fosse ,  &  ele  ficou  com 
a  galé,  fustas  &  catur,  &  cÕ  tSo  pouca  gète  fi  não  era 
nada  pêra  a  das  fustas  de  Dabul  l\  era  muyla  Sc  elas  bê 
artilhadas  foyse  a  Dabul  &  surgio  na  barra ,  Õde  achou 
loão  gõçaluez  de  castelo  branco  Q  por  mãdado  de  Lo«- 

fo  soarez  estaua  &  goarda  dela  com  três  fustas,  &  per 
fla  carta  que  lhe  Christouão  de  sousa  deu  do  gouerna- 
dor  se  parlio  pêra  Goa. 

CAPITVLO    nií. 

De  como  ho  gouernador  despachou  certos  capitães  pêra 

diuersas  partes. 

íJe  Baticalá  se  foy  bo  gouernador  a  Goa ,  donde  má- 
dou  António  de  saldanba  capitão  mór  do  mar  cÕ  hOa  ar<* 
mada  ao  cabo  de  goardafum  a  fazer  presas ,  &  a  saber 
se  estauão  os  rumes  6  ludá  pêra  os  ir  buscar  como  trá- 
cia por  regimento.  E  sabêdo  aqui  como  fora  queimada 
a  carauela  de  Ruy^  gomes  dazeuedo  &  metida  no  fudo  a 
nao  de  Cananor,  pareoêdolbe  i\  fora  por  ciilpa  de  Chris- 
touão de  sousa  ho  mandou  logo  chamar  por  António  ra- 
poso capitão  dfl  nauio  cÕ  qu8  mandou  loão  gõçaluez  de 
castelo  brãco  Q  auião  de  ficar  ê  Dabul ,  &  por  ser  ja  8- 
trada  dinuerno  quando  chegarão  não  foy  necessário  fica- 
tè  íáj  &  tornaranse  cô  Christouão  de  sousa  a  Goa  dõde 
se  forão  a  Cochi  por  ja  lá  estar  ho  gouernador.  A  Q 
Christouão  de  sousa  mostrou  como  não  tinha  culpa  na 
carauela  nfi  na  nao :  &  por  isso  ho  gouernador  lhe  pedio 
perdão  de  bo  mãdar  assi  vir  de  Dabul.  £  porQ  ho  gouer- 
nador foy  auisado  ()  em  Coulão  auia  algii  aluoroço  de 

1.1  VBO  Y«  a 


1^2  PA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

guerra  por  bOa  fortaleza  fi  hi  queria  fazer  ho  íeyíor  Ey-* 
tor  rodrigoez,  niâdou  lá  loão  gdçaluez  de  castelo  brâco 
oÕ  Ires  fustas  darmada ,  &  ^  não  auSdo  ()  fazer  £  Cou- 
lio  fosse  fazer  presas  ao  cabo  de  Goardaffl  &  tornasse  a 
iiiuernar  a  Cochi :  &  asei  por  fao  goueraador  saber  de  dS 
Aleixo  de  meneses^  &  de  Fernão  perez  dSdrade,  &  dou- 
tros fidalgos  Q  chegarão  de  Malaca  ho  aperto  ein  ^  fica- 
ua  cõ  a  guerra  dei  rey  de  Bintão  Q  era  necessário  nS- 
darlhe  socorro:  determinou  de  lho  mSdar  por  António 
corroa  filho  Daires  corroa  que  foy  morto  ê  Calicut  ê 
tempo  de  Pedraluarez  cabral,  a  que  tinha  dada  hda  via* 
gero  pêra  a  China ,  &  (}  de  caminho  iria  por  Malaca.  £ 
por  neste  têpo  lhe  mostrar  Simão  dandrade  hfi  aluara 
dei  rey  per  ^  mandaua  Q  querêdo  ele  ir  á  China  despois 
de  vir  de  lá  Fernão  perez  seu  irmão  {)  fosse.  Não  deu 
ho  gouernador  esta  ida  da  China  a  António  correa,  se 
não  a  de  Malaca  soroête ,  &  a  ida  da  China  deu  a  Si- 
mão dãdrade  a  que  despachou  logo,  &  se  parlio  em  hAa 
nao:  &  após  ele  partio  em  outra  hii  fidalgo  chamado 
Garcia  de  sá  com  gfite  em  socorro  Dafonso  lopez  da  cos» 
ta:  ít  despois  mãdou  è  hfla  armada  de  três  velas  por 
eapitão  inór  a  António  correa,  a'^  den  em  regime  to  ^ 
decercada  Malaca  fosse  assentar  pazes  cÕ  el  rey  de  Pe* 
gú,  &  das  três  velas  íbrão  capitães,  ele  de  hiia  nao,  An- 
tónio pacheeo  de  hCia  earauela  que  Jeuaua  a  capitania 
mór  do  mar  de  Malaca,  &  hft  Frãeisco  de  se^ira  ê  hi 
bargãli'.  B  nesta  armada  fi  parlio  de  Coch!  a  seys  de 
Mayo  forão  cSto  &  cicoêta  roriuguesei^ 


LlVaO   V.   OAPtTVLO  V«  113 

CAPITVLO    V. 

De  como  a  raynha  de  Caulâo  deu  consentimento  pêra  se 

fazer  fortaleza. 

JLJesejido  Lopo  soarez  no  (Spo  Q  gouernaua  a  índia  de 
fazer  bua  forlalesa  em  Coulão ,  ouue  licença  dei  rej  de 
Goulão  pêra  fazer  hQa  casa  forte  em  que  a  fazenda  dei 
rey  de  Portugal  esteuesse  segura,  porque  ho  nS  estatia 
na  casa  i\  estaua  feyla.  £  esta  licèça  ouue  cõ  determi- 
oaçá  de  cõ  nome  de  casa  forte  fazer  bua  fortaleza,  por(| 
tinba  peia  isso  consfitimSto  de  Alepãdari :  Q  ássi  eecba-* 
maua  a  raynha  de  CoulSo,  &  coeste  fundam5to  tornaoa 
de  Ceilão  ( quSdo  lá  foy  fazer  a  fortaleza )  se  nfio  acha^ 
ra  certeza  de  ser  cbegado  por  governador  da  índia  Dío^ 
go  lopez  de  sequeira^  I|  auisado  por  Eytor  rodriguez  fey^ 
tor  de  Coulão  do  !)  pessaua  a  cerca  da  fortaleza,  lhe  dea 
comissam  pêra  Q  por  bO  aluara  prometesse  á  raynha  tre6 
nil  rajas  2)  sam  moedas  da  terra  fi  vai  cada  b&a  trila  & 
treê  rs  &  htl  terço  em  i[  pola  valia  da  nossa  moeda  se 
mfftauflo  cêto  &  trinta  &  dous  mil  rs,  &  a  Chaneipuiá 
âeu  gouernador  &  muyto  grade  priuado  mil  fanões  de 
Cccb!  !\  vai  cada  hA  desasseys  rs,  em  Q  pola  moeda  por* 
tuguesa  mSlSo  dosásseis  mil  rs:  &  isto  poríf  dessem  corM> 
«enlimSto  pêra  se  fazer  a  fortaleza,  &  algãa  desta  copiA 
Ibes  auia  logo  de  ser  paga ,  &  a  outra  despois  da  ferta*^ 
leza  acabada :  &  isto  por6  s6  ser  fey ta  guerra  aos  Portu* 

Sueses,  nS  por  el  rey  de  Comori,  nS  pola  raynha  &  seue 
lhos,  nê  menos  por  ela  raynha  de  Coulão*  Do  {|  ela  foy 
muyto  cÕtSte,  oflrecendose  cõ  seus  pulas  a  morrerS  c5 
toda  sua  gSte  sobre  se  a  fortaleza  fazer  &  darê  pêra  a 
edificação  dela  toda  a  ajuda  Q  podesse  ser,  posto  Q  sa- 
bião  {|  auião  danojar  nisso  muyto  ao  rey  grSde  de  Cou- 
iSo,  &  cobrar  por  Imigos  ho  rey  de  ComorT  &  a  raynha 
&  seus  filhos :  &  porem  1}  lhes  nâ  daua  nada  disso  por 
seruirfi  a  el  rey  de  Portugal  por  cujos  vassalos  &  serui- 

a  2 


124  DA    HISTORIA    J)A    ÍNDIA 

dores  se  (inhSo  como  se  propriamSte  forão  Portugaeses. 
E  pêra  mayor  segurança  a  mesma  raynba  por  sua  pes« 
soa  entregou  E;tor  rodriguez  a  hOs  três  irmãos  Naires 
Q  morauão  ao  derredor  dõde  auia  de  ser  a  fortaleza  que 
viuiáo  cõ  a  raynba  de  Comori,  &  erSo  grades  senhores 
&  punhão  em  cãfK)  seyscêlos  Nayres  de  peleja ,  &  bo 
mais  velho  auia  nome  Vnireypulá,  ho  meão  Baíapuiá- 
goripo ,  &  o  mais  moço  se  cbaroaua  coulégoripo*  É  es* 
tes  lodos  Ires  tomarão  sobre  si  bo  feyior  &  prometerão 
de  ho  ajudar  em  quanto  podessem  :  &  Eytor  rodriguez 
se  cÕceriou  muyto  secrelamêle  cõ  Vnireypulá  Q  bo  aju- 
dasse, &  ^  em  quanto  durasse  a  obra  da  fortaleza  lhe 
daria  cada  dia  bQa  raja.  E  sendo  bo  gouernador  auisado 
de  tudo  per  Eytor  rodriguez,  Ibe  deu  comissam  pêra  () 
começasse  a  obra.  E  como  6  Coulão  foy  sabido  4  se  a- 
uia  de  começar,  foy  cousa  despâto  ho  rumor  &  aluoro- 
ço  ^  se  leuãtou,  assi  antre  os  mouros  como  ãtre  os  gè* 
lios :  aí^ixãdose  todos  disso.  E  ei  rey  de  Comori  &  sua 
irmaã  ajQtarâo  muyla  gSte,  dizêdo  ^  ^r^  P^f^  ir6  sobre 
Eytor  rodriguez ,  &  o  matarS  cõ  quantos  estauão  coele. 
£  sendo  ho  gouernador  auisado  deste  aluoroço  mãdou  iá 
como  disse  a  loão  gõçaluèz  de  castelo  brãco  por  capitão 
mór  de  três  fustas  6  socorro :  mas  na  foy  necessário  por^ 
a  raynba  de  Coulã  &  Ghaneipulá  erâo  tão  verdadeyros 
seruidores  dei  rey  de  Portugal  &  desejauão  tãto  seu  ser- 
uiço  ^  apazigoarão  tudo,  &  a  raynba  de  Comorim  cessou 
de  sua  fúria,  cõ  quãto  ficou  S  grande  ódio  cÕtra  os  nos- 
sos. E  vedo  Iu£Ío  gõçaluèz  como  ali  nã  auia  Q  fazer  foy- 
se  ao  cabo  de  Comorim ,  dõde  s3  fazer  nenhuas  presas 
se  tornou  a  Cochim. 


LVno  T.   MPITYLO   VI*  V2Í> 

# 

C  A  P  I  T  V  L  o     VI. 

De  como  Eytor  rodriguez  de  Coimbra  começou  de  edijir 

car  a  Jòrtaleza  de  Coutáo. 

-.^paciíicandofie  mais  a  cousa  determinou  Eytor  rodri* 
guez  de  começar  sua  obra :  &  encomCdâdose  a  nosso  se- 
'Dbor,  bo  mais  dissimuladamenle  '^  pode  eomec^ou  bú  dia 
-dabrir  os  alicecea  dado  ele  as  primejras  enxadadas ,  & 
ajudado  ho  CbristouSo  de  bairros  &  Duarte  varela  seus 
'gSrros,  &  assi  hQ  Luys  Aluarez  i|  eslaua  por  capitão 
de  bua  galé,  &  Gaspar  ferraz  &  Afonso  ferraz  seu  ir- 
mão, &  bo  padre  Prácisco  aluarez  vigairo  da  igreja  de 
§ã  Tbome,  &  outros  i\  per  todos  fazião  numero  de  vinte 
>sete  Portugueses  &  dous  pedreiros  da  terra ,  &  quàdo 
dous  mil  Naires  <)  ali  lê  bo  rey  grade  de  Coulâo  ( pêra 
cõseroação  do  estado  da  terra)  virão  os  grades  aliceces 
^  abria  Eitor  rodrigoez  tornaranse  a  aluoroçar,  dizêdo  Q 
erão  pêra  fortaleza  &  não  pêra  casa ,  pelo  ^  ele  os  mâ- 
•dou  atuprr  &  ficarão  mais  estreitos,  porS  de  largura  de 
-dez  palmos,  &  assi  como  bia  abrindo  assi  hia  fazendo  a 
parede  da  cerca  da  fortaleza  Q  fez  de  cõprimeto  doytSta 
&  cinco  palmos  &  de  largura  de  setenta  &  cinco,  &  tS- 
do  a  parede  daltura  du  bomS:  assêtarão  os  nayres  dei 
rey  de  Coulão  <)  tamanha  cerca  n&o  era  se  nã  pêra  for- 
taleza, &  aqueixaranse  disso  á  raynha  de  Comori  porQ 
tinhSo  a  de  Coulão  por  sospeita  nas  cousas  dos  Portu- 
gueses, a  qu&  se  queixou  logo  a  raynha  de  Comorim, 
dizêdo  ^  bo  não  auia  de  sofrer,  &  mãdou  a  sua  g6te  Q 
se  posesse  S  armas.  O  Q  sabido  por  Eytor  rodriguez  nã 
quis  ir  cÕ  tamanha  obra  auãte,  por  apaciticar  a  gente 
&  não  ter  dÕde  se  defendesse  se  lhe  fízessem  guerra,  & 
atalhou  bo  vão  da  cerca  cõ  bua  parede  ficado  a  bQa  par- 
te a  casa  da  feytoria,  &  a  outra  a  fortaleza,  com  q  prós- 
seguio  auãte,  dizSdo  f\  era  a  casa  da  feytoria.  Porem 
os  Naires  dei  rey  de  Coulão,  n6  a  raynaa  de  Comori  & 


I2iS  9A  aiSTOlIil    DA    IHDIA 

seus  dou8  filhos  nSo  assessegauSo  n8  perdião  os  ciúmes 
f|  linhS  daquiJo  ser  fortaleza^  &  hora  lhe  tolhião  os  pe- 
dreiros ,  hora  08  cauoufiiros :  outras  vezes  se  aj&tauão 
pêra  irê  «sobre  Etlor  rodriguez^,  &  de  tudo  bt>  auisaua  a 
raynha  de  Coulão  &  seus  pulas,  apressando  ho,  Q  se  po- 
sasse na  major  altura  ^  podesse :  por^  lhe  parecia  j|  a- 
uião  os  ifnigos  de  pelejar  coele.  £  ele  ho  fazia  assi,  en- 
comSdandose  sempre  a  dosso  senhor  de  què  era  muylo 
amigo  ^  ho  ajudou  ate  poer  hua  torre  no  primeyro  so- 
brado. È  por  sçr  auisado  Q  dia  de  Páscoa  auião  os  imí*- 
gos  de  pelejar  coele  deata(>ou  6tâo.as  bõbardeiras  í\  ateli 
teuera  carradas  por  não  étSderè  que  era  fortaleza,  &  as* 
sestou  nelas  sua  artelharia.  E  recolhido  dentro  na  torre 
cõ  a  gente  Q  digo ,  amanhjeceo  assi  dia  de  Páscoa :  o  ^ 
deu  tamanho  espãlo  aos  imigos  i[  náo  ousarão  de  bó  co^ 
meter  cÕ  medo  da  artelharia :.  do  ^  a  raynha  de  Coulão 
&  seus  pulas  ficarão  muyto  ledos,  &  mandarão  dizer  a 
£ítor  rodriguez  {|  não  temesse. dali  por  diante  aoe  !mi»- 
gos,  porque  ja  não  auião  douaar  de  bo  cometer,  &quan>» 
do  ho  quisessem  fazer  ^  ela  com  todos  seus  vassalos  9h 
uião  de  morrer  sobre  ho  defender.  O  qite  the  ele  agan- 
deceo  muyto,  pedindolbe  que  os  deixasse  chegar  aa  for^ 
taleza  pêra  ver  como  pelejauão  oe  Portugueses:  por6  os 
imigos  não  ousarão  de  ho  fazer,  &  dali  por  diante  abran- 
darão da  fúria  ^  trazião,  nê  fizerSo  mais  sobranqarias 
aos  Portugueses.  £  neste  tempo  foy  ali  ter  hum  fidalgo 
chamado  Garcia  da  costa  deSantarS  cõ  hfla  galé  de  que 
era  capitão,  Q  ho  mandou  bogouernador  persa  fauorecer 
&  ajudar  £itor  rodriguez:  o  que  ele  fez  oÕ  muyto  ouy- 
dado  &  diiigScia. 


LIVROMV.   CAPITTLO   Vll«  127 

.    C  A  P  I  T  V  L  O    VII. 

Ikí  grande  seruifo  ^  a  raynha  de  Couiãofez  a  d  rty  de 

Portugal. 

vyooi  inu^r to*  grande  trabalho^  atsi  do  imiMUò  {)  era  muy 
lbrU3  ^  ehuuas  &  t&  veios,  òono  eò  temor«6  de  g^uerra 
àia  Eilor  rodri^èc  proaseguindo  S  sua  obra,  nfio  sonifi- 
te  na  íbrtaieui^iBaa  na  da  igreja  do  afK>8tolo  mui  Tho* 
me,  ^  tâbS  começoQ ,  por{|  a  raynha  de  Coulão,  &  ho 
regedw  &  oulros  puláa  ihe  fasiio  dar  Ioda  a  pedra  & 
ouiroe  mâteríaea  j|  erão  neceasarioi  pêra  estaa  obras.  E 
8B8Í  linbio  todos  eu jdado  deJae  como  se  forão  Portugue* 
aee,  nâo  lhes  }eiDbrfld0  Q.faztãa  nisso  pesarão  tej  de 
GoulSo,  n6  que . isscâdaKzauão  a  raynha  de  Conoorf  & 
seus  filhos,  Beai  que  cajSo  em  ódio  do  pouo/O  que  pa*^ 
veeitt  milagre  de  nesso -senhor  terS  os  gentios  tanta 
fee  &  amisade  cd  os  Portugueses  Q  assi  os  fauorecião. 
£  de  todo  isto  £ítor  ? odriguez  auisaua  ho  gouernadoT  ^ 
4  lhe  mandoa  ^  fosse  assi  c&  a  obra  cdnio  bia ,  por^  se-« 
ria  coele  na  eniráda  Dagostò.  E'  cÕ  qu&io  Eiior  rodri-t 
guez  tinha  esie  trabalho  de  fazer  a  fortaleza,  nSo  dei<« 
xaua  de  êlfider  na  pimSta  ^  areia  de  oftprar  pêra  a  car- 
rega^fto  das  nãos  ^  se  es])erauAo  aquele  aano:  &  soube 
^  erão  abertas  na  serra  doas  grandes  estradas  per  que 
andaoflo  a  Ibroiiga  três  mil  boy*  de  Cbar^tnandel ,  dfide 
leoauão^  arroa  a  Coulfle  &  Caicoulâo,  &  8  ^retorno'  pitiie^ 
ta  de  seus  termos*  £  Têdo  ele  camanfao  perjuyzo  isto 
era  pêra  a  carregação  das  nãos  de  Portugal,  queixouse 
disso  aos  regedores  de  GaicoulSo,  rei)rSdolhe  Q  vedas- 
sem ^  nS  se  leuasse  ai|la  pimSta.  Ao  {)  respõderão  (| 
nã  podiSo  fazer  nisso  nada  por  sayr  a  piroeta  de  luga- 
res de  Bramenes  a  ()  nSo  podiSo  ir  á  mão :  &  por  isso 
ho  rey  de  Caicoulão  perdia  seus  dereylos,  mas  não  po* 
dia  aí  fazer  se  não  perdelos.  E  vSdo  Eylor  rodriguez  ho 
mao  remédio  Q  ali  tinha ,  escreueo  ho  ao  gouernador : 


128  JDA  HISTOMÁ  DA  INDfA 

Q  nSo  achando  pêra  isso  remédio  lhe  nâo  respSdeo,  & 
enlão  se  socorreo  ele  á  raynha  de  Coulão  por  saber 
quao(o  desejaua  ho  seruiço  dei  rey  de  Portugal ,  &  pe* 
diolhe  que  inãdasse  por  quinhSlos  dos  seus  Naires  fazer, 
hd  sallo  na  cáfila  dos  boys  de  Choramandel,  &  que  os 
escarmentassem  de  maneyra  que  não  fizessem  mais  a- 
quele  caminho,  &  que  prometia  de  dar  cem  cruzados 
por  cada  cabeça  de  homS  ^  lhe  dessem  da  cáfila.  E  ^ 
raynha  por  seruir  el  rey  de  Portugal  se  cÕcertou  con^ 
fau  rey  irmSo  doutro,  per  cuja  terra  as  cáfilas  caminha- 
uSo  que  lhe  daria  quinhentos  Naires  pagos  á  sua  cust^ 
com  que  fizesse  guerra  a  seu  irmSo  porque  deiíaua  pas*- 
sar  a  cáfila  por  sua  terra ,  porque  nâo  passando  por^eJa  , 
nã  tinha  caminho  por  outra  parte.  E  este  mesmo  rey 
que  auia  de  fazer  a  guerra  a  seu  irmão.,  antes  de  a  co* 
meçar  fez  com  os  quinhentos  Naires  da  raynha  de^Cou- 
lão  ha  salto  na  cáfila  de  Choramandel  em  que  matou 
cinco  homSs  dos  que  blão  nela,  &  tomou  muytos  boy^ 
&  grande  soma  de  pimenta^. com  que  os  outros  ficarão 
tão  escarmentados  que  desistirão  de  todo  daquele  offi* 
cio,  &  logo  as  estradas  forão  carradas :  dó  que  a  raynh^i 
de  Coulão  mâdou  pedir  aluisaras  a  Eyior  rodriguez  no- 
tificaodolhe  o  Q  era  feyto,  &  que  em  satisfação  daquele 
seruiço  que  fizera,  a  el  rey  de  Portugal,  &  do  gasto  que 
fizera  cora  os  quinhentos  Naires  a  que  .pagara  h&  mes 
de  soldo,  queria  que  lhe  esperasse  aquele  anno  por  du-* 
zentos  &  oyt&ta  bares  de  pimSta  que  dioia:  &  isto  por 
estar  pobre  &  gastada  das  guerras  passadas.  O  Q  lhe 
Eytor  rodriguez  fez :  cõ  que  ela  ficou  muy to  contente. 


^       ■  ^ 


LlVftO  V.  CAPITTLO  VIII.  J29 

C  A  P  I  T  O  L  O    VIIL 

De  como  ho  jmuemador  foy  ver  hú  porá  que  se  fazia 
antre  hús  Cainuies  na  terra  firme  ^  ^  do  que  lhe  or 
^teceo^ 

JAI  o  começo  deste  inuerno  que  bo  gouernaáor  teue  em 
Cocbiin  sucedeo  auer  hfi  para  antre  certos  Caimaes  vas- 
salos dej  rey  de  Cochim  &  dei  rey  de  Caiicut  sobr-e  cer* 
ta.^eferença  que  tinbão.  E  este  para  quer  dizer  Ba  sua 
Jiagoa  batalha  de  desafio ,  em  que  se  ha  dauerigoar  a 
verdade,  &  assi  coiiio  ham  rey  ou  senhor  faz  a  outro 
qualquer  oflensa:  bo  oflfendido  desalía  o  que  bo  oSeft- 
deo  pêra  se  darem  batalha  campal ,  &  ajuntão  pêra  isso 
toda  sua  valia  damígos  &  ^^ssalos :  &  se  ho  ofTendido 
tem  mais  gente  que  o  que  ho  oflendeo  dalhe  a  batalha 
em  pubrico ,  &  se  não  ho  mais  secretamente  que  pode« 
E  sabendo  ho  gouernador  que  se  daua  esta  batalha  a 
mea  legoa  de  Cocbim  polo  sertão  foy  a  ver  acompanha- 
do de  quinhStos  homens  em  que  auia  algiis  fidalgos^  & 
todos  com  capas  &  espadas  somente :  &  foy  bo  gouerna<- 
dor  ê  tones  polo  rio  ate  õde  se  auia  de  dar  batalha ,  & 
ali  desembarcou^  &  ãtre  os  ^  auiâo  de  dar  batalha ,  & 
08  Q  a  auião  de  ver  sertão  quatro  mil  honoSs  a  fora  os 
nossos.  £  come<^da  a  batalha,  quis  hil  nosso  bõbardei- 
ro  fauorecer  ho  Gaimal  dei  rey  de  Coch!  cõlra  ho  dei  rey 
de  Calicut ,  ajudãdobo  cõ  hQa  espada  dambas  as  mãos, 
O  í\  vedo  ho  Caimal  como  {|ria  mal  aos  nossos,  remete 
cõ  parte  de  sua  gSte  a  algils  deles  i\  ãdauão  espalhados 
tirãdolbe  muytas  frechadas:  ao  ^  ho  gouernador  acodio 
logo )  &  recotheo  os  nossos :  &  feylios  todos  S  hQ  cor|io 
se  quisera  tornar  se  ho  deixarão,  por!)  os  naires  como 
homCs  escãdalisados  dos  nossos  os  seguião,  apertando 
06  «om  frechadas  muyto  bastas :  &  por  se  o  gouernador 
desembara^jar  não  quis  •{|  os  nossos  trauassê  coeles,  se 
nlo  q  «e  defendessem:  porque  erão  muytos  &  se  a  bar 

I«IVRO   V.  R 


130  ]>A   HISTORIA  DÀ  IN0IA 

talha  se  trauasse  passarião  os  nossos  nial  por  serS  pou- 
cos: &  por  isso  ho  gouernador  se  recolhia  ho  melhor  Q 
podia,  &  os  iinigos  aperlauâo  todauia  íã  rijo  Q  ho  pu- 
fihâo  è  muyto  perigo,  o  i\  vSdo  algQs  fidalgos  se  pose- 
râo  diâle  dele  pêra  ho  emparar  das  frechas,  &  ho  pri- 
meyro  foy  Chrislouã  de  sousa  Q  logo  foy  ferido  de  hOa  fi 
hQ  braijo ,  de  ^  despois  foy  aleijado  &  assi  forão  feridos 
outros  &  mortos  cinco,  &  antreles  forâo  Diogo  de  pina 
filho  de  Ruy  de  pina.  £  despois  Q  os  imigos  virão  t\  os 
nossos  nâo  querião  pelejar  coeles ,  &  tambS  por  acodirS 
aos  companheiros  ^  ficauâo  na  batalha  deixarão  os  ir.  E 
vendose  ho  gouernador  desapressado  dos  imigos  fez  reco- 
lher os  mortos,  &  foy  se  a  Oochi  onde  leue  ho  inuernO) 
«m  ^  mandou  cõcertar  a  armada  pêra  ho  verão  seguinte* 

C  A  P  I  T  V  L  O    IX. 

De  coma  mouros  de  Cambaya  tnatarâo  a  loâo  gomez 
nas  ilhas  de  Maldiua  com  outros  nossos. 

ostras  fica  dito  como  loão  gomes  cheira  dinheiro  foj 
ós  ilhas  de  Maldiua  pêra  fazer  lá  hua  fortaleza :  &  dea- 
pois  t\  foy  ê  iVlaldiua  achou  ^  era  aJi  escusada  fortale- 
za,  &  %  abastaua  hfla  feytoria  pêra  ho  trato  I|  ali  auia 
dauer.  £  assi  ho  fez  &  ele  ticou  por  feytor,  &  tèdo  mãr 
dada  hila  nao  fora  em  ^  forão  aígus  criados  seus  Q  nã 
ficarão  coele  mais  ^  ate  oyto  doe  noasos  &  al^iis  da  ter^ 
jra  Q  serufão  na  feitoria  forão  ali  ter  certas  nãos  de  moto- 
ros de  Câbaya,  Q  como  erão  nossos  Imigos  &  virão  loâo 
11'omez  cÕ  tão  pouca  companhia,  determinarão  de  ho 
inalar  &  tomar  quanto  eslaua  na  feytoria.  E  assi  ho  íi- 
zerâo ,  &  ioão  gomez  morreo  defendêdose  tão  esforçar 
damCte  como  ele  pelejou  sempre  nas  pelqas  S  Q  se  ar 
ehou  H  era  muyto  valSte  caualeyro:  &  assi  acabou  seus 
dias  com  quantos  eatauão  coele,  &  despois  de  morloii 
roubarão  os  mouros  a  feitoria  &  leuarâo  tudo  sem  ho 
Yey  da  terra  ousar  de  resísiir  por  nã  ter  gSle  de  peleja» 


LIVRO  V.  CAPITVI>0  X^  131 

E  ho  gouernador  quâdo  ho  soube  nâ  [iode  fazar.oada 
Daquilo  por  os  mouros  Dão  serem  de  lugar  certo. 

CAPITVLOX. 

JDe  como  despois  Dantonio  carrea  socorrer  Malaca  s€ 
pariio  peta  Pegú  a  assentar  amizade. 

X  arlido  António  correa  S  socorro  de  Malaca  seguio 
por  sua  viagê)  &  indo  atraues  de  Ceilão  por  ser  inuer- 
no  lhe  deu  hõa  tormSta  cõ  ^  se  apartara  dele  os  outros 
nauios  &  ele  ficou  só,  &  assi  foy  ter  a  PacS :  &  dali  fojr 
ler  a  Malaca  õde  estaua  Afonso  lopez  da  costa  3  (ama- 
nho aperto  de  gqerra  como  disse,  assi  por  mar  como  por 
terra  que  lhe  mia  el  rey  de  BintSo  ^  estaua  ê  hiia  po« 
uoação  por  dentro  dil  esteiro  ^  se  chama  Pago  ^  sae  do 
rio  de  Muar,  &  tinha  ali  hOa  forte  fortaleza  de  madei* 
ra,  &  maodaua  sua  armada  pola  costa  de  Malaca,  &  fa<- 
gía  arribar  ao  pago  todos  os  jogos  Q  hião  s^  Malaca ,  & 
outras  quaesíjr  velas  ^  leuauão  mercadorias  ou  manti^ 
mStos.  £  por  esta  causa  nâo  hia  nenhila  vela  a  Malaca, 
peio  H  estaua  õ  grande  aperto  de  fome,  &  valia  bQ^ 
gania  darroz  ^  não  leua  mais  {}  b&a  canada  hQ  cruzado 
&  bfla  canada  de  vinho  ho  roesmp,  &  por  falta  dele  aui^ 
dias  quando  António  correa  chegou  (}  não  se  dizia  misr 
sa,  &  os  imigos  vinbão  muyto  amiúde  correr  por  terra 
a  fortale^ ,  &  por  os  nossos  serê  poucos  &  muyto  doen- 
tes não  ousauão  de  sayr  a  eles,  nõ  som^e  fazer  trãquei* 
ras  fora  da  fortaleza  pêra  dali  defenderê  ho  impeto  do^ 
Imigos,  porQ  teroião  Q  ali  os  tOQiass^  segundo  erão  muy« 
tos  &  sobejos  &  eles  poucos  por  ja  a  este  tempo  Sim^ 
dâdrad#  ser  partido  pêra.  a  CKioa  &.leuar  cõsigo  toda  4 
gSte  Q  fora  eoele  da  índia*  E  por  ho  capitão  de  Malaca 
estar  neste  tamanho  aperto  folgou  em  estremo  cÕ  a  che*^ 
gada  Dantonio  correa  Tj  com  os  mãtimetps  ^  leuaua  da 
Índia  desaliuou  algu  tanto  os  da  fortaleza  da  fome  ^  pa- 
decião :  &  dali  por  diãle  se  dissera  missas  por  amor  do 

R  2 


r 


131  BA    HISTORIA    DA  INDfA 

vinho  Q  Í6U0U  j  &  começouse  de  sCtir  menos  ho  cerco : 
&  por^  os  nossos  ficassem  mais  desapressados  tomou 
António  correa  cargo  de  defender  bua  trâqueira  í^  esta- 
ua  da  bãda  da  fortaleza  hO  pedaço  afastada  dela ,  &  cõ 
8ua  defòsam  ficauSo  os  da  fortaleza  liures  dos  rebates 
passados.  E  assi  foy,  pori)  vindo  os  imigos  como  dates 
acbarâo  na  trftqueira  António  correa  bS  acÕpanbado  des- 
pigardeiros  &  de  besteiros  &  dalguas  peças  dartelharia, 
de  Q  os  imigos  receberão  algtl  dano,  &  por  serem  muy- 
tos  bo  não  estimarão  nê  deixarão  de  correr  como  dates, 
&  quasi  ^  dauão  cada  dia  rebates,  pricipalmSte  despois 
^  entSderão  ho  socorro  Q  era  vindo  porí)  então  insistião 
mais  ^  da  primeyra  3  vêcer  os  nossos ,  por^  não  cuy* 
dassem  õ  cõ  medo  do  socorro  afroxauão  de  lhe  fazer 
guerra,  &  cÕ  isto  dauão  assaz  Q  fazer  a  António  correa 
cõ  contino  trabalho  dòs  rebates  i}  lhe  dauão,  a  ^  aco* 
dia  com  muyto  perigo  de  sua  vida  &  QbrãtamSto  do  cor* 
po,  &  fadiga  do  spirito  porQ  não  comia  nS  dormia  se  nã 
armado :  cõ  tão  imSso  trabalho  viueo  dous  meses  sem 
nunca  lhe  neste  tempo  matarem  nenhQ  dos  da  sua  com* 
panhta,  antes  matando  ele  &  eles  muytos  dos  immigos: 
com  que  se  escarmentarão  de  maneyra  que  afastarão  seu 
arrayal  pêra  mais  lõge,  &  afroxarão  muyto  de  suas  cor- 
ridas. E  fjcãdo  os  nossos  mais  desaliuados  da  guerra  & 
mats  seguros  pareceo  bê  a  António  correa  de  ir  a  Pe* 
gú ,  assi  pêra  assStar  paz  cõ  el  rey  pêra  os  nossos  írê  lá 
tratar  &  virS  de  lá  mãtimêtos  a  Malaca,  como  pêra  os 
trazer  logo  pola  necessidade  ^  auia  deles.  E  despacha- 
dos os  jQgos  da  China  &  doutras  partes  !\  com  sua  es- 
tada ê  Malaca  se  atreuerão  a  partir,  partiose  pêra  Pegú 
na  nao  em  que  fora  da  Índia,  &  íby  primeyro  a  Pacê 
carregar  de  pimfita  Q  era  bÕ  emprego  pêra  la.  E  carre- 
gada a  nao  partio  do  porto  de  Pedir  quarta  feyra  qua* 
torze  de  Setembro  do  anuo  de  dezanoue ,  &  dabi  seguia 
sua  rota  pêra  Pegú. 


LIVRO  V.   CAPITVLO  XU  133 

C  A  P  I  T  V  L  O    XL 

Em  ^  se  escreue  ho  reyno  de  Pegú  ^  seus  eostumes. 

líiBte  reyoo  de  Pegú  he  na  enseada  de  Bêgala  da  bâda 
do  fiul  por  Õde  comarca  cÕ  outro  chamado  Tenaçari ,  & 
do  norte  cÕ  ho  de  Bêgala,  de  Q  está  cfito  &  vinte  legoas 
poia  costa  do  mar  per  hua  põta  Q  se  chama  de  negrais , 
&  em  a  dobrado  fitrão  logo  em  bQ  rio  grftde  Q  se  chama 
Cosml  onde  começa  ho  reyno  de  Pegú :  ^  terá  de  cos- 
ta ate  cincofita  tegoas.  Da  bâda  do  ponSte  tem  ho  mar 
indico  &  do  leuãte  ho  reyno  de  Brema  &  Dauá,  Q  se 
estende  per  hQa  corda  de  serras  muy  altas  Q  tê  desta 
parte  de  ^  ha  ao  mar  em  htias  partes  trinta  &  ê  outras 
corSta  legoas,  (|  he  a  largura  deste  reyno,  em  Q  ha  muy- 
tas  mõtanhas  cÕ  grades  matas  de  alto  &  espesso  aruore- 
do  em  {|  se  crião  multidão  dalifantes ,  de  vacas  &  bufa- 
ras brauas  &  porcos  mõteses  &  veados,  com  ^  os  da  ter- 
ra fazê  muylas  mõtarias  principalm&te  os  grades  senho» 
res.  Ha  neste  reyno  muytas  minas  douro,  mas  nã  se  ti- 
ra polo  rej  defêder  por^  nã  (Jreria  tirar  a  gête  outros 
metais  de  ^  ha  muytos  na  (erra :  ê  que  se  da  tambS 
moyto  lacre  &  muyto  fino,  &  ha  nouidade  dele  muyta 
&  pouca :  procede  de  hO  género  de  formigas  Q  ho  crião, 
ho  bÕ  he  de  canudo ,  bo  somenos  he  de  pão.  Ha  robis 
sem  coto,  &  os  melhores  Q  ha  6  outras  partes,  çafiras, 
espineias  &  outra  pedraria:  de  Sião  lhe  vem  muyto  bei- 
joim  &  almizquere.  Ha  grade  criação  de  canalos  do  ta- 
manho de  facas  dirlanda,  &  assi  tè  ho  andar,  &  todo  ho 
2do  não  come  mais  i)  erua :  destes  se  seru6  assi  na  paz 
como  na  guerra :  dasse  nesta  terra  geralmète  muyta  so- 
ma darroz ,  &  criãse  infinitos  porcos  &  gaHnhas  grades 
&  boas,  4e  vacas  &  ouirogado  miúdo  ha  arrezoadamCle, 
&  assi  ha  muyta  diuersidade  de  fruytasr  de  modo  Q  he 
muyto  abastada  de  mãtimStos,  &  por  isso  os  leuão  por 
mercadoria  pêra  Õde  os  aã  lia.  He  esta  terra  toda  muj- 


134  0A    HISTORIA   DA    fNIMA 

to  sadia,  nssi  pêra  os  naturais  como  pêra  os  estrSgeiros, 
&  nSo  se  cria  neta  nenhO  bicho  pe<;onhSto :  he  Ioda  cor- 
tada de  grades  rios  !\  nacS  nas  serras  ^  disse  &  deles 
sam  muyto  altos,  &  êtra  a  maré  Qetet:  a  mayor  parte 
das  pouoai^ões  sam  ao  logo  deles ,  &  se  he  em  parte  es- 
treita sam  as  casas  de  hua  parte  &  da  outra ^  &  cada 
casa  tem  hQ  paraó  pe^no  pêra  seu  seruiço.  A  pricipal 
cidade  de  todo  este  reyno  se  chama  Pegú ,  de  ^  ele  lo^ 
ma  ho  nome  situada  ao  logo  do  rio  de  Ck)aml  em  Q  es* 
tão  outras  cidades  notaues  assi  como  Dixára ,  que  está 
na  pota  da  barra,  &  Dalá  mais  acima  &  Degil  quatro 
legoas  da  barra,  Sirião  &  Gosmi  que  está  dezoyto  le* 
goas  da  costa  &  ateli  chegão  os  jOgos  ou  nãos  estrãgei* 
ras ,  &  dali  vão  em  champanas  da  terra  ate  Pegú  ^  ha 
auante  oytSta  legoas  ou  pouco  menos.  E  assi  estão  ou* 
trás  cidades  de  Gosmi  ate  Pegú  a  í)  não  soube  os  no* 
mes,  &  muylas  delas  sam  cercadas  de  muros  &  cobelof 
a  nossa  maneyra,  &  tudo  de  cal  &  ladrilho.  Ha  outro  rio 
principal  ate  cincoSta  legoas  deste,  l\  se  chama  JVflarta* 
bâo  de  cujo  nome  está  em  sua  praya  situada  hQa  fermo** 
sa  cidade  sete  legoas  da  barra  tâbS  porto  pricipal  em  í[ 
se  fazS  as  jarras  martabanas  Q  leuão  á  índia,  &  assi  ou* 
tra  muyta  louça  de  massa  de  porcelana ,  porem  não  tão 
fina  como  a  da  China,  nê  daquelas  cores  &  pinturas. 
Nestes  rios  &  em  outros  muytos  ha  muytos  &  bõs  pes* 
cados  diuersos  dos  nossos  salua  saués:  vendese  ho  pes^ 
cado  viuo  em  paraós  cbeos~  dagoa.  A  geote  deste  reyno 
comilmSle  he  formosa,  principalmente  as  molberes:  os 
homês  sam  de  meaã  estatura  de  membros  grossos,  ba* 
ços  como  mulatos  fracos  pêra  guerra :  suas  armas  sam 
espadas  de  ferro  níK)rto  do  tamanho  das  nossas  &  muyto 
mais  largas  cd  bainhas  de  pao:  tê  padesea  tão  altos  co«- 
mo  ha  homS  de  coyros  dalifantes  cÕ  veraiz  por  cima  & 
capacetes  do  mesmo.  E  tamb5  costumão  armar  a  cabe* 
ça  &  costas  cõ  hQas  peles  dus  bichos  Q  tem  conchas 
muyto  fortes,  &  laudeis  acolchoados:  tS  lanças  de  ferros 
compridos  &  pelejâo  a  pé  &  a  caualo  .&  em  aUfantos  ^  Si 


LIVRO    V«    eAPITVLO    XU  136 

nos  rios  em  paraós.  Tem  algfias  espingardas  &  botnbar- 
dinbas  de  ferro  &  algQas  poucas  de  melai  coni  ielras 
chins,  no  Q  parece  que  aquela  terra  foy  senhoreada  de* 
les  em  outro  teropo,  porque  tambê  ha  ainda  sinos  dos 
chis  cÕ  as  suas  leiras ,  &  assi  ídolos.  Ho  capilâo  que  be 
vencido  na  guerra  quando  torna  pêra  sua  casa  não  se 
serue  polas  porias  porQ  se  dantes  seruia,  se  nâo  por  oth- 
trás  ate  restaurar  sua  honrra.  Ha  neste  reyno  grades  o(^ 
ficiaes  doBcios  macanicos ,  assi  douro  como  praia  ,  ferro 
&  pao,  &  pintores  muy  singulares»  A  g3te  natural  des- 
te reyno  be  gStia  (ainda  Q  algus  sam  mouros )  adorâo 
ídolos  de  diuersas  feyções  hús  de  figura  domS  du  palmo 
daltura,  &  dahi  ate  do  tamanho  díi  gigante,  &  oulros 
tá  altos  como  a  mais  alta  torre  &  muylo  bem  obrados, 
&  estes  de  cal  &  tijolo  us  oulros  de  metal  &  de  pao,  & 
todos  dourados  &  pinlados  de  muylas  cores,  &  deles  tfi 
três  rostos :  &  dizõ  os  Pegús  (|  signiticâo  ao  deos  gran*- 
de  criador  do  mundo,  &  os  oulros  a  oulros  sanctos  Q  fo* 
râo  de  boa  vida  &  caualeyros.  Adorâo  lâbõ  a  hiis  edifi*- 
cios  t^  chamão  varelas  feytos  ao  modo  das  dos  Chins  co- 
mo disse  atras,  saluo  que  sam  todas  raocii^as  de  cal  & 
tegelo  reuocadas  por  cima  dQ  betume  de  lacre,  &  por 
cima  dourado  douro  de  pão,  &  nas  põlas  tS  hils  barões 
de  ferro  cÕ  hua  poma  &  sombreiro  de  metal  eercado  da 
eãpainhas,  &  nestas  pomas  mete  peças  douro  &  pedra* 
ria  ^  offrecê:  a  menor  varela  destas  he  dallura  de  qua*- 
tro  braças,  &  daqui  pêra  cima  em  grande  qualidade, 
assi  como  se  escreue  que  erão  as  pirâmides  do  Egiplo. 
£m  todas  as  pouoaçÔes  deste  reyao  ha  muytas  &  hua 
mayor  que  todas,  na  cidade  de-DegCi  está  hQa  tão  alta 
que  se  vé  a  mór  parte  do  reyno,  &  a  esta  vay  muyia 

Êente  em  romaria  por  hfi  certo  dia  do  auno.  Estas  vare<^ 
16  adorâo  por  deos  ,  &  diaem  (|  assi  como  ele  be  gran* 
de  aesi  as  faaS  grandes  ,  &  ao  derrador  delas  ha  casas 
de  Ídolos  &  outras  em  Q  pregão.  Tem  esta  gele  lambem 
outros  templos  como  mosteiros  em  que  moráo  os  seu» 
eaoeidotes  a.^  chamão  Kolis  komèi  caridosos,  principal 


186  DA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

mente  aos  estrangeiros,  &  em  hfls  morXo  trezentos  & 
em  outros  quatrocentos:  estes  traz&  as  cabeças  rapadas, 
&  arrancão  os  cabelos  da  barba :  vestem  húas  roupas  de 
mSgas  que  lhes  chegfio  ao  peito  do  pé  &  encima  outros^ 
panos  compridos  &  estreitos  a  maneyra  destoias.  Estes 
não  conhecem  molheres  despois  que  se  met&  nestas  ca- 
sas &  he  lhes  defeso :  viuS  apartados  da  conuersação  dos 
outros  homSs.  Estes  mosteiros  sam  de  madeira  muyta 
fortes  &  dourados  em  muytas  partes,  t6  sinos  grandes 
&  pernos  como  os  nossos,  &  deles  mayores  que  os  que 
estão  em  Santiago  de  Galiza,  com  letreiros  &  muytos 
lauorea  ao  derredor ,  &  vsam  destes  sinos  nas  cerimo- 
nias de  sua  seita.  Antrestes  Rolis  ha  hiis  principaes  a 
que  os  outros  obedece ,  &  em  todo  ho  reyno  ha  hii  so- 
bre lodos  que  tem  por  home  sancto.  Destas  casas  hClas 
tem  rSda  que  lhes  dotou  quê  as  edificou,  ou  dos  lugares 
onde  estão,  outras  sam  pobres,  &  os  que  viuem  nelas 
se  mantém  desmolas.  Também  ha  destas  casas  de  mo- 
lheres que  rogão  a  deos  poios  defuntos  que  as  fundarão^ 
TS  também  outras  casas  que  não  seruê  se  nã  de  ter 
Ídolos  como  em  tesouro,  principalmente  hOa  em  espe- 
cial em  Q  ha  tantos  grandes  &  pequenos  que  assomão  a 
cSto  &  vinte  mil,  &  cada  dia  metem  muytos  que  oflTe*- 
recém  pessoas :  a  casa  em  que  estão  he  muyto  grande 
&  de  grande  comprimento,  cÕ  hfls  poyaes  altos  de  tige* 
Jo ,  &  polas  paredes  hQs  vãos  como  almarios  cheos  de 
Ídolos  pernos  &  por  cima  os  grandes:  em  cada  lugar  ha 
hila  casa  pubrica  que  serue  destarS  nelas  ataúdes  dou- 
tra feyção  dos  nossos  com  muytos  lauores  dourados  & 
lamanbos  !\  sam  necessários  doze  &  quize  homês  pêra 
os  leuar,  &  nestes  leuão  os  finados  a  4inisr  a  certo  lu- 
gar fora  das  pouoações,  &  segundo  a  calidade  da  pes- 
soa assi  leua  bo  ataúde,  &  assi  lhe  fazem  ho  fogo  com 
que  a  queimão^  que  a  hfls  ho  fazem  com  sandolos  &  a 
outros  com  outra  lenha.  Crem  i\  ha  outra  vida  despois 
desta,  mas  não  como  nos  cremos,  jejuão  |x>r  sua  deua- 
^  trinta  dias  no  anno  &  não  come  se  não  á  noyte :  ne^ 


LIVRO  V.  OAPITVLO  XU  137 

le  tSpo  ha  muytas  pregações  &  outras  cirioionias  de  suas 
idoiairiiís.  TS  que  quê  leua  ho  alheo  que  na  outra  vida 
fica  caiiuo  da  pessoa  a  quê  ho  leuou ,  tem  2}  matar  cou* 
sa  viua  pêra  comer  Q  he  mao ,  &  muytas  veses  mSda  el 
rey  apregoar  por  sua  deuação  ^  não  roa  lê  nê  pesque,  & 
a  pena  não  se  executa' muy lo  por^  quê  Cê  cargo  disso 
Jlies  dá  lugar  por{|  lhe  peita ,  &  por  isso  afogão  os  por- 
cos ê  rios  quando  os  ^fê  matar  nã  morre  nbua  pessoa 
por  justiça^  &  quando  comete  crime  porQ  mereça  morte 
degradãno  pêra  os  lugares  da  costa  ou  peraralg&as  ilhas. 
Ha  taixa  pêra  h&  homem  que  mata  outro  pagar  certa 
cousa  segundo  a  calidade  do  morto  a  seus  erdeiros  ca 
a  seu  senhor,  todo  ho  natural  deste  reyno  que  tem  se- 
nhor quando  morre  lhe  fica  a  fazêda,  &  os  herdeiros  fa- 
zem  hu  presente  ao  senhor  segfldo  he  a  cantidade  da 
fazenda,  &  ele  lhe  faz  mercê  dela :  &  desta  maneyra  do 
pião  ao  caualeyro,  &  da  hi  pêra  cima  ate  el  rey.  Casafli 
€8  homês  cõ  hila  só  molher,  &  deles  com  duas  Sc  três 
o  que  os  outros  tem  por  má  cousa :  ao  tempo  que  as  mo- 
Iheres  andão  pêra  parir  lhes  faaê  no  quintal  das  casas 
em  que  morão  fada  casa.  de  terra  &  canas  como  sain  as 
outras  9  &  nestas  estão  trinta  ou  corenta  dias  despois  de 
paridas,  &  tem  por  mal  entrarem  em  suas  casas  sem 
passarem  estes  dias.  A  gente  deste  reyno  comflmente 
he  bê  ensinada  &  de  melhor  condição  q^e  outros  ne« 
nhãs  gentios,  &  falão  verdade,  &  mais  chegada  aos  nos^ 
SOS  costumes  que  outros  algfls,  &  come  o  que  nos  co« 
memos  o  que  outros  não  fazem  :  &  parece  (|  seriâoOhris- 
tãos  sem  trabalho  se  os  connersassem  &  doutrinassem, 
tralanse  todos  bem.  Ha  antreles  homês  letrados  em  ou"» 
tra  lingoa  que  tem  a  fora  a  própria. como  anlre  nos  ho 
latim ,  escreuê  em  papel  com  tinta  &  tem  escripiuras 
antigas :  a  cortesia  que  vsam  he  leuantar  as  mãos  dian* 
te  do  rosto,  &  se  a  pessoa  he  de  mór  i^alidade  que  a  que 
lha  faz  não  responde  assi,  mas  faz  hO  geito  disso:  vsam 
de  rouy ta  policia  os  nobres  em  sjbu  seruiço ,  &  seruense 
das  portas  a  dêtro  com  anãos  dQ  que  ha  muytos  oo  rey^ 

LIVRO   V.  s 


J38  VA'  HISTORIA    DA    ÍNDIA 

DO ,  &  ami  «ooi  naolherea  pequenas  corcouadas  detraa  & 
dianle  &  quebrânas  énn  crianças  pêra  este  fim  pori)  não 
eroprenhem,  &  nestas  tem  suas  senberas  grande  con- 
fiança. Tem  estes  nobres  muytas  maoeyres  de  folgar  a 
ibra  montear  {}  costumSa  muyto,  &  húa  he -meterense 
em  paraós  que  tè,  assí  grandes  como  pequenos  deles  de 
hú  soo  pao,  &  de  tal  maneyra  que  leuflo  por  bainda  cem 
remeyros  de  pãgayo,  &  dourados  &  pintados,  &  no  meyo 
huík  casa  de  madeira  do  mesmo  modo,  &  nas  proas  bOa 
deuisa:  &  ha  outra  feição  de  paraós  que  tem  porciroa 
outra  ordem  de  remos  compridos,  &  os  remeyros  testi* 
dos  de  libré.  E  metidos  os  senbores  nestes  paraós,  a* 
postão  com  outros  a  quem  'mais  remara,  &  leuão  ins^ 
trumentos  que  tãgem  &  remão  ao  seu  som  :  cousa  muy<> 
to  pêra  ver,  &  el  rey  vay  ver  esta  festa  a  húa  casa  que 
tem  pêra  isso  no  meyo  do  rio,  &  ali  está  ho  preço  da  h* 
posta,  &  08  juyses  que  ho  defterminâo.  E  os  da  aposta 
aam  muytos,  &  infinita  gente  polo  rio  &  pola  terra  a  ver 
esta  festa  em  qUe  se  fazS  grades  gaatos.  Andâo  estes 
senhores  em  andores  muylo  ricos  pintados  &  dourados , 
deles  cubertos  &  outros  dioscubertos  &  leuãnos  dez  & 
doze  homês.  Ho  andor  dei  rey  &  de  seos  filhos  sam  de* 
ferentes  dos  outros  5  terê  os  tirãles  forrados  de-marfim, 
&  (S  por  honrra  ir&  acòpanhados  de  nuyta  gSte  de  pé: 
os  estrãgeiros  não  |>odfi  andar  nestes  andores  se  não  per 
mercê  dei  rey.  Neste  réyno  não  se  iaura  moeda,  &  cor^ 
rem  por  ela  h&as  bacias  velhas  de  ^  se  seruirão  &  sam 
de  fuzileira,  por  peso  se  compra  tudo  coeias:  ho  peso  cu* 
mO  se  chama  bica  ^  he  dous  arratês  &  meyo  &  tem  cem 
miticaes  &  comprado  è  ouro  &  leuado  a  Choramandel 
ou  á  índia  vai  de  mil  &  quinhentos  ate  mil  &  seysc&tos 
rs  como  outra*  mercadoria.  Ha  neste  rey  no  grandes  & 
rjcos  mercadores  que  tratâo  todos  em  lacre,  &  na  pe- 
draria que  disse,  &  em  almisquere,  ouro,  prata  &  bei** 
joim,  &.  mantimêlos,  &  jarras  martabanas  &  ontra  lou* 
ça  branca  que  se  faz  na  terra :  &  todas  estas  mercado* 
rias  vem  doutras  partes,  de  que  trazè^ emprego  de  cou* 


LIVRO  .▼.  «APrrrui  xt.  U9 

sas  l\  nSo  ha  na  terra»  El  rey  he  gelio  &  seruesse  cÕ 
grade  estado  /  poucaa  \ezô6  tétú  gkieÉsráJcom  seus  vezi- 
niioa :  ho  roais  do  tempo  reside  na  cidade  de  Pegu-  em 
que  tS  hfls  muyto  graades  paços  de  tnàdeiraaleuan la- 
dos do  chão  roujto  polidos  com  ouro  &  pinturas:  sani 
cubertos  de  telha  mourisca^  tê.  grade  ierp^jro  diáte,  & 
ao  derredor  deles  sam  tudo  aipêderes  ou  estrebarias  da^ 
iífantes  &  de  caualos*  He  miijto  dado;á  cai^  5  princi^ 
palm6t«  daiifantes,  de  que  toiDa^muyloé  &  feytos.man* 
SOB  manda  vender  os  que  lhe  sobejSo:  traz  na  sua,  corte 
muytos  fidalgos  &  senhores:  tSpor  agouro  ver  abutre^ 
&  por  isso  nos^  seus  palcos  eslâo  sempre  vigias  pêra  í)  0$ 
«nxotem*  Tem  por  costume  ho  principal  senhor  do  reyv 
no  ser  ano  do  prineipe  &  sua  molher  lhe  dá-ho  ley». 
te,  porQ  sendo  ien  ame  alo .a>»lreiçÍopor.M4i> cansai 
fieruese  el  rey  de  capados  deBengala  que  vem  portem^ 
po  a  ser  grades  senhores  na  reylio  &  »  mandato :  &  11* 
cha  el  rey  Q  lhe  sam  leaes ,  &  que  não  pretSdfi  se  nâe 
«eu  serui<jo  porqoe  nâo  tem  dntrS.  Em  b&a  .cidade*deslé 
rey  no  a  i\'  nâo  soube*  ho  nome  está  joato  deJa  na  borda 
de  b&  grande  rio  hu  templo  &  diante  dele  no  rio  ha  hãa 
grande  soma  de  peixes  4)uasi  do  tamanho  de  tubarões 
<fDe  tem  três  ordSs  de  dentes  &.  as  bocas  rouyto  grfldes^ 
Ã.  sam  tãa  domésticos  que  batendo  cofn  a  mfio  nagoa  & 
chamando^  es  por  caertò  nome,  acod^em  muyloa  abrindp 
a  boca^  &  m  genie  lha*  mete  arsm*  nela.  Cousa  muyta  pei- 
ta espaetar  pereba  rk^lser  grande»  ft^^demaré  per(p  db 
mar  nfto  se  mudaneni  s^gtiÁ  eereMí  i^onliaes:  &  dlzérti 
que  sam  daquele  templo,  lt>  tèkiM^ue:<i|ii84iiata  algO  qa;e 

oSo  viue  deSfloiabft  41UÍ04 ,:.:;>.;•;..  «^ 


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140  HA  HirroaiA  0a  índia 

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C  A  P  I  T  V  L  O    XII. 


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Dc  como  António  correa  assentou  pazes  ePegú. 


artido  António  correa  pêra  este  reyno  de  Pegú  foy 
«urgir  na  barra  de  Martabâo  a  viole  sete  de  Setembro  ^ 
onde  as  agoas  corre  tanto  que  em  deitando  ancora  ac6* 
deo  bo  auste  fogo  no  escouuem ,  &  ele  surto  acodiráo 
logo  pilotos  da  barra  pêra  ho  melerê  no  rio  como  mele- 
jão,  &  foy  surgir  diãte  de  JMartabão,  &  dali  mandou 
por  embaixador  a  el  rey  de  Pegú  que  estaua  bê  corêta 
íegoas  polo  sertão  a  hQ  António  paçanba  natural  Dalan- 
4)uer  &  por  seu  escriuào  hQ  Belchior  carualho,  &  pêra 
Jio  acõpanharê  algQs.  dos  nossos  ate  sete  ou  oyto,  &  assi 
Sofio  coele  piães  da  terra.  E  chegado  António  paçanba 
á  cidade  de  Pegú  íalou  a  el  rey  ^  &  despois  de  lhe  dar 
liu  presente  que  lhe  leuaua,  lhe  deu  a  êbaixada  da  par- 
te dei  rey  de  Portugal,  cuja  concrusam  foy  assentarè  a*- 
jnizade  Íl  trato ,  &  que  pêra  isso  bia  aquele  seu  capitão 
António  correa  ^  fícaua  no  porto  de  Martabâo,  onde  po- 
ileria  mandar  hú  hom6  principal  de  seu  reyno,  pêra  \ 
ambos  em  nome  dei  rey  de  Portugal  &  dele  aasentasseoi 
as  pazes.  Do  que  el  rey  foy  cõtente,  &  despachou  logo 
pêra  isso  a  bíl  çamibelegâo  principal  de  sua  casa,  & 
assi  bo  rolaz  mór  do  reyno,  que  como  -disse  tem  por  san- 
to pola  grande  âu^tinõcia  \  fas.  E  chegados  todos  a 
Afartabão  viose  Aniooio  correa  em  bua  mesquita  con 
^mibelegâo  &;com  ho  Rolis  mór.  E  leuou  consigo  ho 
seu  capelão  com  sua  sobrepeliz,  porque  ele  &  ho  Rolís 
auião  tambS  de  jurar  as  pazes  em  suas  leys ,  &  na  mes- 
quita se  assentarão  todos  quatro  no  chão  sobre  húa  al- 
catifa. £  çamibelegão  tirou  de  hQa  buceta  de  marfim 
bua  folha  douro  batida  do  tamanho  de  hila  nossa  de  pa- 
pel escripta  de  suas  letras,  em  que  se  cdtinhão  os  capi- 
tolos  das  pazes  da  parte  dei  rey  de  Pegú  ^  ele  auia  de 
jurar :  &  disse  a  António  correa  que  lha  mandaua  el  rey 


LIVKO  V.    CAPITVLO  ZIII,  141 

de  Pegú  pêra  a  leuar  ao  gouernador  da  índia  Q  a  man- 
dasse a  ei  rey  de  Portugal,  &  b&4loliz  disse  Q  prouues- 
se  a  deos  que  fosse  aquilo  por  bem*  £  tudo  isto  decla* 
raua  bfl  lingoa  ,  &  logo  tirou  kil  grande  maço  dolas  em 
que  estaua  escripla  sua  seita:  &  as  letras  erão  tudo  ós 
com  pontos  bus  com  mais  outros  com  menos :  &  ele  & 
-çamibelegão  &  António  correa  poêdo  todos  três  as  mãos 
sobre  aquelas  olas  jurarão  cada  bu  por  si  em  nome  de 
iieu  rey  de  manterS  &  goardarem  a  paz  &  amizade  se* 
gundo  se  continba  nas  capitulações,  £  despois  fizerâò 
bo  mesmo  juramento  António  correa,  çamibelegâo  &  bo 
nosso  capelão  sobre  bo  cancioneiro  geral  Q  bo  capelão 
acertou  dabrir  nas  obras  de  Luys  dasilueira:  na  que 
fez  sobre  bo  ecclesiastés  de  Salamão  ^  começa  vaidade 
das  vaidades,  &  não  quis  que  fosse  bo  liuro  dos  euan- 
gelbos ,  porque  lhe  não  pareceo  rezão  jurar  por  eles  a 
qufi  não  cria  neles ,  &  mais  porque  sabia  que  aqueles 
Aão  auião  de  goardar  bo  juramêto  se  não  em  quãto  lhes 
fosse  necessário  goardalo.  £  juradas  as  pazes ,  &  6can* 
•do  os  nossos  em  grande  amizade  com  os  da  terra  come- 
çouse  antreles  bo  trato:  &  ficou  aqui  António  correa 
ate  bo  mes  de  lunbo  do  anno  de  vinte  que  era  a  mon- 
ção pêra  SSalaca» 

CAPITVLO    XIII. 

JDe  eomo  jánlonio  pacheco  ^  outros  forâo  catiuos  pelos 

Aenês  ^  a  causa  por§* 

J^espois  de  partido  António  correa  pêra  Pegú  Afonso 
lopez  da  costa  capitão  de  Malaca  que  estaua  muyto  car- 
regado c6  António  pacbeco  ser  capitão  mór  do  mar  ^ 
Ibe  auia  medo  por  ter  dous  irmãos  &  sentia  de  st  que 
por  sua  forte  condição  Ibe  podia  dizer  algfla  cousa  de 
que  se  escandalizasse ,  &  ieuantarsebia  contrele.  £  dei- 
tando sobristo  suas  contas  acbou  que  bo  melbor  seria 
não  bo  ter  ali  ^  &  por  isto  buscou  achaque  pêra  fazer 


I4t  DÁ   HYSTOMA   DA   ÍNDIA 

autos  dele^  dizeodo  que  ho  desacataun,  &  ^  ja  se  leoan* 
tara  cÔtra  Nuno  vaz  pereyra  sendo  capitfto,  &  prSdeo 
ho  &  preso  ho  tnandoo  pêra  a  índia  na  nao  espera  de 
que  era  capitão  Gaspar  da  costa  irmão  dele  Afonso  lo* 
pez ,  &  indo  de  viagfi  forão  dar  hQa  noyte  na  ilha  de 
Gamispola  onde  se  perdeo  a  nao,  &  a  gente  se  salaou. 
E  estado  ali  sem  remédio  pêra  se  tornarS  a  Malaca  fo* 
rão  hi  ter  certas  lãcharas  dei  rey  Dachê,  que  andauã 
darmada^  &  como  erão  Imigos  dos  nossos  pelejarão  coe^ 
les,  &  por  serê  muytos  os  matarão  despois  de  se  defen» 
derS  muyto  bS,  &  matarS  muytos  Imigos.  E  âtonio  pa- 
checo,  Gaspar  da  costa,  Diogo  fernãdes,  Grigorío  gon* 
^alues  do  Algarue,  &  outros  três  de  muyto  feridos  cayv 
rão,  &  assi  os  tomarão  &  forão  catíuos*  E  despois  os 
mandou  Garcia  de  sa  resgatar  sendo  capitão  de  Malaca 
na  vagante  d  Afonso  lopez  da  costa,  que  adoeceo  des^ 
pois  diaso :  &  porQ  sabia  quão  difícultosamente  ali  auia 
dauer  saúde  poios  ares  de  Malaca  serem  muyto  roins, 
determinou  de  se  ir  pêra  a  índia  pêra  ver  se  podia  iá 
eárar.  E  por(|  não  tinha  em  {}  se  ir  reconciliou  cõ  Gar- 
cia de  sá,  com  qu6  eataua  mal:  &  cõcertou  coele  qu% 
lhe  daria  ho  têpo  j}  tinha  por  seruir  da  capitania r  &  t\ 
lhe  desse  ele  a  sua  nao.  E  sabendo  isto  ho  alcaide  mór 
quisera  ir  á  mão  a  isso:  &  poerse  era  dereito  cÕ  Afon- 
so lopez:  &  ãboa  ouaerã  sobrisso  palaú/as  roís.  E  por 
derradeiro  a  capitania  ficou  a  Garcia  de  sá:  &  Afôso 
lopez  partio  pêra  Cockim  em  Dezebro  do  ãno  da  xil. 
&  la  morreo  despoia^  aoies  ^ho  gcMiernador  chegasse 
do  estreito. 


UTRO   V.    GAPlTyi.D   XXflI.  143 

C  A  P  I  T  V  L  O    XIIII. 

Do  ^  bo  gouemadorfez  em  Cochim  na  entrada  do  verão :  ^ 
de  como  António  de  Saldanha  chegou  Dormuz. 

JL/elerminftdo  o  gouernador  de  ir  no  fioo  seguinte  a* 
queimar  as  gaiés  dos  rumes  ^  eslauão  S  luda  &  fazer 
bua  fortaleza,  fez  se  prestes  naQle  inuerno  do  ânodexix. 
&  passado  bo  inuerno ,  porQ  n2o  podia  partir  senão  dali 
a  cinco  meses,  mâdou  entre  tftto  fazer  guerra  á  costa 
de  cãbaya  fior  hii.  fidalgo  chamado  Christouão  de  sa,  que 
agora  he  frade  da  ordè  de  sani  Frácisco,  a  ^  deu  a  ca* 
pitania  mor  de  três  galés:  cujos  capitães  a  fora  ele  fo<^ 
fão  dõ  lorge  de  meneses^  &  lorge  barrete  de  beja :  & 
mãdoulbe  ^  na  entrada  de  Janeiro  fosse  coele  em  Goa. 
E  a  causa  do  gouernador  mádar  fiuer  esta  guerra  a  cã-> 
baya  era,  porQ  Meiiquiaz  capitão  de  Diu  cõtra  as  pazes 
2|  assStara  cõ  Afonso  datbuquerj)  trazia  dissimuladamen* 
te  fustas  pola  costa  ^  matauâo  os  nossos  se  os  achauão 
de  b6  Iflço ,  &  tomauão  as  nãos  de  nossos  amigos ,  finais 
mSle  4  ^^  ^^^  guerra  encuberta:  &  porisso  bo  gouer-^ 
nador  mandou  a  Cristouã  de  sa  Q  nfto  perdoasse  a  ne» 
nbiaa  cousa  de  Cãbaya :  o  Q  ele  fez  assi  despois  Q  foy  na 
costa,  &  desejaua  muyto  de  topar  cÕ  Xequegi  capitão 
das  fustas  de  Meiiquiaz  Q  nOca  ousou  de  sair  sabêdo  Q 
Cbristouão  de  sá  âdaua  pola  costa,  onde  fez  mujtas  pre- 
sas &  matou  mu3rtos  mouros ,  &  despois  se  foy  a  Goa 
como  lhe  bo  gouernador  mandara :  &  tambfi  na  entrada 
do  verão  checou  António  de  Saldanha  á  põta  deDiu  vin*** 
doDormuz  Õde  fora  inuernar,  &  ali  fez  algQa»  presas  c6 
os  seus  capitães,  pricipalmente  Diogo  de  saidanha  seu 
sobrinho  capitão  de  hQa  nao,  &  LourSço  godinho  capi* 
tfio  de  hOa  earauela,  i}  abairroarão  ambos  htta  nao  de 
mouros  Q  foy  ter  á  barra  de  Diu  &  aferrandoa  pelejarão 
c8  os  mouros  [)  se  deí(Bderâo  hft  pouco,  &  despois  se  r&^ 
derão  &  08  nossos  capitães  6trarão  a  nao  &  a  roubarão^ 


144  DA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

de  muylo  dinheiro,  &  nã  foy  tSo  secrelamSte  i\  ho  não 
soube  António  de  saidaoba,  &  fez  sobrisso  tSntas  dili- 
gScías  Q  ouue  a  mayor  parle  do  dinheiro,  &  dahi  se  foy 
9k  Goa  &  de  Goa  a  Cochinoi  ao  gouernador  (|  lá  estaua. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XV. 

De  como  par  tio  de  Portugal  por  capkâo  mór  da  armada 
da  índia  lorge  dalbu^aue ,  ^  de  como  dÓ  Luys  de 
ffuzmâo  arribou  ao  brasa  por  lhe  qbrar  ho  lem>e. 

iAI  este  anno  de  mil  &  q-uinhSlos  &  dezanoue  parliope* 
ra  a  índia  hua  armada  de  dezasete  velas  grossas  de  ^ 
foy  por  capitão  mór  lorge  dalbuquerQ  que  S  têpo  Dafon- 
80  dalbuquerQ  fora  capilãe  de  Malaca,  &  hia  prouido 
da  mesma  capitania  na  vagãte  Dafonso  lopez  da  costa* 
Forão  os  capitães  da  frota  ho  iloutor  Pêro  nunez  pêra 
vedor  da  fazenda  da  índia  cÕ  ha  regiraSlo  em  que  el 
rey  tiraua  ao  gouernador  todo  ho  poder ,  &  mãdo  que 
dantes  tinha  na  fazenda  &  ho  daua  a  ele  Pêro  nunez,, 
&  assi  ho  auia  por  isento  da  jurdiçâo  do  gouernador  nos 
casos  ciaeis  &  crimes.  E  coeste  officio  íeuaua  mil  cru« 
zados  dordenado  cadãno ,  &  t^  podesse  mandar  cadSno 
polo  índia  cê  quintaes  de  pimenta  cÒprados  polo  seu  di* 
nheiro,  &  assi  cS  quÍDtaes  de  cobre  que  compraria  a  el 
rey  pelo  preço  Q  lhe  custaiião  na  casa  da  índia,  &  ^ 
mãdasse  cadãno  a  Portugal  Ires  caixas  forras  &  dous  es-* 
crauos,  &  Jeuaua  vinte  hom6s  pagos  aa  custa  dei  rey 
pêra  iio  acompanhará.  Ho  outro  capitão  foy  Diogo  fer^» 
nãdez  de  beja  pêra  capitão  da  fortaleza  que  el  rey  de 
Portugal  cuydaua  que  estaua  feyta  6  Diu ,  Rafael  cata* 
pho,  &  Rafael  pereslrelo  pêra  ir6  aa  China  nas  nãos  em 
q  hiâo :  &  ho  outro  capitão  ^  hia  em  hQa  nao  de  dd  Nu^ 
no  Manuel,  Pedreanes  francês,  Christouão  de  mSdon<;a, 
Manuel  de  acusa ,  Pêro  da  sílua ,  laconie  IristSo ,  dom 
Diogo  de  lima,  Lopo  de  brito  pêra  capitão  de  Ceilão, 
lo^o  rodrigu^z  «DaUnada,  Garcia  chainho  pêra  feylor  do 


/ 


LIVRO  V.  OAPITVLO  XV;  145 

jMalaca,  &  outro  capitão  a  ()  dSo  soube  ho  nome,  &  dÕ 
Luys  de  Guzmão  bíi  fidalgo  oagtelhano  ^  hia  6  hu  ga« 
Jeâo.  Partidas  estas  nãos  de  Lisboa  arribou  do  Diogo  da 
-lima  a  Portugal,  &  nâ  foy  a^ie  âno:  &  os  outros  segui* 
râo  auãte  todos  em  conserua  bo  mais  do  têpo ,  saluo  dd 
X.uys  de  guzmâo  õ  logo  se  apartou:  &  auSdo  quinze 
dias  2)  passara  as  Canárias  ouue  vista*  de  búa  carauela. 
E  sabêdo  do  Luys  do  seu  piloto,  {}  era  da  Mina  &  ho 
dinheiro  í)  poderia  trazer ,  disse  ^  pêra  ^  queriSo  mais 
•índia  ^  tomala,  &  irense  polo  estreito  de  Gibraltar,  & 
em  leuãte  se  fariâo  mais  ricos.  E  isto  disse  secretamSte 
-ao  piloto  como  í|  ho  atentaua  pêra  ver  se  ho  faria :  & 
lio  piloto  fez  J)  cuydaua  {}  ho  dizia  zombando ,  &  assi 
Jhe  disse  tarobõ  que  não  tomassem  a  carauela.  £  este 
piloto  era  Português  natural  de  Lisboa,  &  parecendo- 
lhe  muyto  mal  o  f^  lhe  dissera  d5  Luys  em  se  apartan- 
do dele  ho  comunicou  cò  quatro  irmãos  Q  hiâo  no  galeáo 
naturaes  Deuora,  cujos  apelidos  erão  galuões  caualey* 
108  muyto  esforçados  &  de  grandes  espíritos,  por^  isto 
sempre  foy  natural  nos  deste  apelido:  que  lhe  promete- 
rão, ^  se  dom  Luys  quisesse  fazer  o  t\  não  fosse  rezão 
^  lhe  resistirião.  E  estes  se  apartarão  logo  da  cduersa- 
^o  de  dÕ  Luys  &  nâo  comerão  mais  coele  nê  jtigarão , 
em  tanto  ^  bê  eotendeo  ele  !\  ho  entêdião,  &  f}  Jhecom- 
pria  dandar  dereyto,  por^  lhe  nã  auião  de  sofrer  outra 
coiísa,  pelo  ^  determinou  de  fazer  corpo  de  gente  i\  te- 
uesse  de  sua  mão ,  &  fez  hQ  rol  de  todos  os  castelhanos 
j)  hião  no  galeão  &  achou  serC  cincofita :  &  a  estes  roã- 
dou  dar  do  vinho  &  da  agoa  (}  ele  bibia  ^  era  ho  melhor 
dizêdo  j)  bo  fazia  por^  erã  fidalgos :  &  assi  começou  de 
fazer  outras  soberbas  aos  Portugueses.  E  a  primeyra 
despoís  desta  foy  querer  tomar  hila  pipa  dagoa  Sc  outra 
de  viobo  a  hQ  Francisco  fernandez  ouriuez  (|  fora  seu 
ospede  è  Lisboa  &  lhe  fizera  lá  muytos  serui^os,  &  pê- 
ra lhos  pagar  ho  fizera  ir  á  índia.  E  tomandolhe  ele  as-* 
si  ho  seu  vinho  &  agoa,  por  se  queixar  disso,  dizendo 
Q  outras  mercês  esperaua  dele  ^  quisera  ho  mandar  me* 

LI  VÃO  ¥•  T 


146  IVL  HISTORIA    DA    ÍNDIA 

ter  na  bdba.  Ao  Ç  logo  acodio  bo  piloto  com  os  galuSes, 
dizõdo  <}  não  fazia  jusii^a  cÕ  soÕ  que  lho  não  auíão  de 
efisentir.  E  receando  dom  Luis  que  ho  ãzefisem ,  &  que 
«e  leuaniadse  a  gente  coeles,  porque  os  que  linha  por 
61  erão  poucos  disdimulou  cò  Frâcisco  Pernaodez  &  não 
lhe  tomou  aa  suas  pipas  nfi  ho  mandou  meler  na  bÕba, 
&  disse  ao  piloto  que  pêra  ^  trazia  punhal:  *&  isto  por 
hu  que  trouue  daquele  dia  em  i|  lhe  disse  que  tomassem 
a  carauelaida  Mina,  &  respondeolbe  muyto  crespo:  4 
queria  ele  ao  seu  punhal  que  lhe  não  fazia  nenhu  pei^ 
juyzo :  mas  ^  fizesse  ele  como  faziâo  os  frades  (|  todos 
bebia  ho  vinho  roim  &  ho  bõ,  &  Q  nã  auia  antreles  ex- 
cep<2ão,  &  assi  fazião  os  Q  hiâo  pêra  a  índia  t  &  Q  se 
são  daua  vinho  escolhido  nê  agoa  se  não  aos  capitães  & 
ao  piloto  &  mestre,  &  se  lho  não  quisesse  dar  ^  Itm  não 
daua  nada ,  porem  que  folgaria  de  ho  ver  dar  a  outra 
gente*  E  dõ  Lujrs  se  calou ,  nè  nenhii  dos  seus  não  fa» 
lott  nada :  &  dali  por  diante  sempre  ouue  desgostes  atra 
ho  piloto  &  ele  &  ele  não  ousaua  de  bolir  polo  ver  liomt 
desprito.  E  indo  assi  tanto  auãte  como  ho  cabo  de  boa 
Esperada,  lhes  sobreueo  hCl  temporal  com  ^  lhe  quebrou 
bo  leme  por  baixo  da  cana  obra  de  hu  couado :  &  por 
dali  por  diante  não  gouernar  bê  (ainda  Q  ho  remedia* 
rão)  disse  bo  piloto  ^  se  não  atreuía  a  dobrar  ho  cabo 
c5  a^le  leme,  por  aquela  tormêta  não  ser  nada  pêra  ou- 
tras que  autão  de  vir,  &  por  isso  fez  bo  capitão  consc'- 
)fao  sobre  arribarS ,  &  acordarão  (\  arribassem  ao  Brasit 
porQ  dali  não  perderião  viaj3  &  iriâo  inueroar  a  Moc^am*^ 
bi^:  por^  tornado  a  Guiné,  onde  algQs  dizião  que  tor* 
nassè  auiâ  de  tornar  a  Portugal.  £  coeste  acordo  se  fí* 
zerão  na  volta  do  Brasil ,  de  que  ouuerão  vista  despoís 
de  trinta  diaa,  &  correndo  algíis  portos  dele  sem  acharfi 
madeira  de  que  podessè  fazer  leme ,  forão  ter  a  hOa 
baya  grade  õde  ho  piloto,  capitão  &  carpinteiro  sayrâo 
a  ver  a  terra  cõ  obra  de  trinta  homõs:  &  despois  de  a* 
eharS  muyto  aruoreéo  de  que  se  poderia  fazer  ho  leme, 
em  se  querêdo.  tornar  ao  gaieão ,  parecôdo  ao  capitão  $ 


Limo  V.  CAPITVLO  XVI*  147 

se  poderia  ali  vingar  do  piloto  das  defereiKjas  que  teue- 
ra  coele  veolhe  a  falar  nelas,  &  a  dizerlhe  más  palauras. 
£  lio  piloto  posto  Q  não  Unha  da  sua  parte  mais  Q  hú 
primo  seu  &  ho  carpinteiro,  &  ho  ca|ntão  tinha  os  ou- 
tros que  erâo  vinte  seys,  não  lhe  sofreo  o  {}  lhe  dizia^ 
&  leuido  de  hua  laça  que  trazia  enrreslou  no  capitSo 
que  arrancou  da  espada,  &  assi  os  da  sua  parte :  &  bo 
primo  do  piloto  &  ho  carpTteiro  (izerSo  ho  mesmo,  &  co* 
me<^i»e  antreles  hti  brauo  jogo  de  cutiladas,  que  ho  pi* 
loto  era  talète  horofi  &  fazia  terreyro  cõ  a  lança  &  ho 
primo  &  carpinteiro  lhe  goardauão  as  costas.  O  que  v8* 
do  ho  eapítão,  &  ^  nâ  se  acabaua  a  cousa  tSo  asinha 
como  ele  cuydaua,  disse  ao  piloto.  Aa  irmão  comigo.  E 
eie  respondeo  oõuosco  pesatal.  E  coisto  lhe  cometeo  ho 
capitão  amizade  &  a  fizerão  logo,  &  jurarão  todos  de  tet 
segredo  no  que  passara ,  porque  se  não  escandalizasse 
do  capitão  a  gente  do  galeão,  que  ficou  bo  carpinteiro 
ferido ,  &  por  isso  se  não  pode  ter  segredo  &  quasi  que 
ae  ifipeo,  mas  como  nã  foy  de  todo  ninguS  fez  c&ta<lis60. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XVL 

Das  brigas  tpjoR  dÓ  Jjuys  de  guzmâô  õuue  côhoseujyir 
loto ,  ^  de  como  os  brasis  matarão  perto  de  sessSta  doê 
nossos.   . 


p 


assado  isto  mandou  bo  capitão  bo  mestre  a  terra  pe^ 
ra  mâdar  fazer  ho  leme  &  leucu  ho  carpinteiro  assi  feri-* 
do  como  estaoa^  &  foEão  coele  dous  bombardeiros  que 
lenarao  dous  berços  tom  que  fizerão  hiUi  estancia  pêra 
•e  deftfiderS  se  a  gente  da  terra  lhe  quisesse  fazer  mali 
&  isto  porque  sabião  que  de  sua  natureza  cowè  os  es-* 
trangeiroB.  E  oomcçXdose  de  fazer  ho  leme  começou  de 
creeer  muyta  gfite  da  terra,  que  be  da  maneyra  que  ja 
àisÊB  ix>  liuro  primeyro ,  &  auia  aqui  formigas  muylo 
grades  &  peçonhfilas,  &  crianão  em  aruores  em  ninhos 
que  iii  íaaiAo  da  StyK^  Ç  antre  nos  os  faafi  as  anduri^ 

T  2 


r^8  DA    HISTORIA    DA    INDfA 

nbas.  Tfdzia  esla  geie  os  inaniimetos  Q  auia  na  terra  ^ 
como  lambS  coley  a  trás,  &  dauSnos  aos  nossos  por.an- 
zoios,  alfinetes  &  outras  cousas  baixas,  &  não  auia  quê 
o»  entSdesse  se  não  por  acenos ,  &  de  cada  vez  creeiâo 
mais  a  ver  os  nossos  &  ho  galeão :  de  ^  se  muyto  espan- 
tauâo  mostrando  <}  nunca  tal  virão ,  &  conuersauâo  com 
06  nossos  pacificamente  &  eles  coeles ,  &  forâo  algús  a 
hQa  pouoaçâo  ^  estaua  dali  a  bua  legoa.  E  auendo  oyto 
dias  que  se  isio  cõtinuaua  leuou  ho  piloto  ho  leme  ve- 
lho a  terra  pêra  lhe  tirarem  os  ferros  ^  tinha  pêra  he 
nouo  que  se  acabaua :  &  não  podSdo  os  nossos  aíalo  pa- 
la área  em  Q  atolaua  rouyto  ajudarãlhc  duzentos  Brasis 
mandando  os  a  isso  hu  que  os  chamou  cõ  hila  cabaça 
cbea  de  pedras  com  que  fez  muyto  grande  rogido,  & 
destes  auia  muytos  âlre  aquela  gente.  £  alado  ho  leme 
Õdestaua  a  estancia  dos  nossos  foyse  ho  piloto  ondesta-* 
na  ho  arrayai  dos  Brasis  que  era  de  redes  armadas  so* 
bre  estacas  ou  presas  a  aruores ,  &  nelas  dormiâo.  E 
yend4>  os  Brasis  bua  molher  que  ho  piloto  leuaaa  lodua 
se  chegauâo  a  vela  como  a  cousa  noua  &  diziâo  turoar- 
gatu  !\  parece  que  antreles  he  palaura  despanto.  E  es- 
tado assi  chegou  hfi  homS  que  parecia  de  corenta  annos 
alto  de  eorpo  &  bem  desposto  &  nu ,  &  trazia  ho  cabeia 
enrrodiUiado  ao  derredor  da  cabeça ,  &  trazia  hfl  cinto 
de  lobo  marinho  forrado  dossos  dalimarias,  &  jua  cinta 
bflft  espada  despi  nha  de  peixe  de  cinco  palmos  de  com* 
prido  fc  na  mão  hú  manchil  de  ferro  muyto  velho:  & 
em  chegado  Q  falou  y  logo  todos  os  outros  se  calarão  & 
esteuerão  prõlos  a  ouuir  o  que  diria  ^  no  que  paraceo 
que  era  se!k>r  deles ,  &  logo  foy  dali  hti  bradando  como 
pregoeiro ,  &  quantos  ho  ouuião  se  assentaufio  caiados  a 
ouuir  o  Q  pregoaua.  Isto  íeyto  mãdou  este  que  parecia 
rey  ou  senhor  dar  ao  piloto  muyta  soma  de  mâtinientos, 
&  isto  segQdo  parecia  cuydando  que  fosse  ho  capitão  do 
galeão,  por^  ele  ieuaua  hú  pelote  vermelho  &  h&a  espa* 
da  na  cinta,  &  hua  adarga  notia  embraçada,  &  os  ou-* 
tros  nossos  ho  acompanhaufto^  &  dandolhe  tambê  ho  pi* 


LIVRO  V.   CAPITVLO  XVi;  149 

loto  dessas  cousas  Q  ieuaua  iornouse  pêra  òde  se  fazia 
bo  ienie.  E  estalido  comSdo  chegou  ho  carpfnteiro  (que 
âdaua  )a  em  pé)  do  arrayal  c&  outro  nosso  &  dísserão^ 
Day  ao  demo  esla  geote,  ^  nos  leuarSo  a  hiia  nruore 
em  cujo  pé  auia  hila  abelheira ,  &  acenarãnos  que  fizés- 
semos ho  buraco  mór  do  que  era :  &  feyto  cõ  hfla  ma- 
chadioba  Q  (irauão  os  fauos  disserãnos  que  nos  fosse- 
mos, &  nSo  querendo  nos  fazelo  logo  encararão  bê  cen- 
to 08  arcos  em  nos  cõ  as  frechas  embibidas ,  &  por  isso 
nos  Yiemos.  E  dizendo  mais  que  se  despachassem  dali 
&  {|  se  acolhessem  ao  galeão ,  &  Q  não  fosse  mais  nin- 
gu8  ao  arrayal :  côlrarioulhes  ho  piloto ,  dizSdo  Q  era 
moyto  boa  gSle  &  pacifica.  E  acabado  de  comer  tornou- 
se  ao  arrayal  cõ  certos  dos  nossos ,  dõde  dahi  a  obra  de 
lifld  Jiora  vê  grande  numero  de  Brasis  a  correr  &  grita- 
do, trazêdo  algQs  as  armas  do  piloto  &  de  seus  compa- 
nheiros como  que  os  deixauâo  mortos ,  &  dão  sobre  os 
BosBOs  que  erão  sessenta  &  três  <}  esiauão  na  estancia , 
donde  comec^arão  de  jogar  os  berços  que  não  fizerão  ne- 
nhQ  nojo  nos  Imigos  por  se  baquearem  todos ,  &  como 
erão  muytos  inueslirão  com  a  estancia,  de  que  os  nos-* 
M8  se  começarão  a  defender  áa  cutiladas  o  ^  fizerão  por 
espaço  de  hãa  hora  recolhendose  á  praya :  &  neste  tem- 
po poucos  &  poucos  forâo  dos  nossos  mortos  cicoSta  & 
três,  &  os  dez  Q  ficauão  se  laçarão  ao  mar  &  anlreles 
forão  ho  mestre  &  ho  carpinteiro,  J\  com  os  oyto  se  sal- 
narão  no  batel,  Q  chegou  nesta  conjunção:  &  ho  mes- 
tre se  foy  logo  ao  galeão,  &  disseo  ao  capvtãa,  a  Q  não 
pesou  nada  da  morte  do  piloto  &  dos  galuães  &  dos  ou- 
tros ^  hião  coele  por  se  ver  desapressado  pêra  u  que  pa- 
rece q  ja  determinaua  de  fazer,  &  ele  foy  a  terra  cõ 
corenla  homõs  pêra  trazer  os  lemes,  &  os  itnigos  se  a- 
fastarâo  com  medo  porque  hião  todos  armados  &  reco- 
lherão os  nossos  os  lemes  &  do  velho  acharão  menos  bda 
fêmea,  &c  assi  a  ferram8(a  do  carpinteiro  &  do  calafate. 
£  tornado  1k>  capkão  ao  galeão  deteuesse  ainda  ali  três 
dias  pêra  se  acabar  ho  leme ,  &  neste»  dias  repartio  ho 


150  DA    HISTORIA    J>A    INBIA 

fato  do  piloto  poios  castelhanos  de  sua  valia ,  &  pêra  si 
tomou  hu  pelote  de  graS^  que  mãdou  desmanchar  &  fa« 
zer  pola  feyçSo  du  Q  tinha  a  figura  do  Damadis  de  gau« 
Ia  Q  estaua  pintado  em  híi  seu  liuro,  dizSdo  !\  no  mun- 
do auia  dauer  dous  Âmadises,  &  Q  hd  era  ja  morto,  & 
ele  era  ho  outro,  &  coisto  outras  muytas  rebolarias:  & 
sabendo  du  marinheiro  chamado  loào  velho  que  ho  leua** 
ria  a  Moçambi^  deulhe  a  pilotajS  do  galeão  &  partiose 
despois  do  leme  acabado.  E  auSdo  cinco  dias  {}  partira 
sem  fazer  caminho  se  não  ao  mar,  fez  meirinho  do  gar* 
leão  a  hu  castelhano  chamado  sâto  torrezno,  P^^^^  mor- 
rera no  Brasil  o  ^  ho  era:  &  logo  aQle  dia  a  tarde  ho 
meirinho  pedio  a  todos  da  parte  do  capitSo  as  chauea 
das  caixas  dizendo  Q  as  queria  ver  pêra  ver  se  acbaua 
nelas  fazSda  Q  era  furtada  dos  ^  morrerão  em  terra ,  & 
cuydãdo  todos  que  era  aquilo  assi  lhe  derâo  as  cbaues 
leuemente:  &  auidas  pelo  capitão  mãdou  tomar  quãtaa 
espadas,  punhaes  &  coyrac^aa  os  nossos  leuauã  nas  cai-* 
xas :  &  isto  aos  Portugueses  somête ,  pelo  Q  algQs  d&» 
los  se  forão  ao  capitão  ,  &  disserftihe  que  pera{|  lho 
tomaua  as  armas  &  ele  respõdeo  ^  pêra  nâo  peieja<^ 
rem  hOs  cõ  os  outros:  &  se  não  fizessem  mais  laaoa 
recados  do  ^  erã  feitos. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XVIL 

De  como  dô  Luys  de  guzmâ  se  aleuâlúu  c6  hú  galeão  de 
que  hia  por  capitão^  ^  do  qjejs  aos  portugueses  ^  ho 
não  q%Userâo  seguir. 

Xsto  feylo  logo  ao  outro  dia  pola  menhaS  amanheceo 
ho  capitão  na  tolda  armado  em  hu  arnês  transado,  &  hd 
estoque  nuu  nas  mãos ,  &  coele  c!quoenta  armados  os 
mais  castelhanos  &  os  outros  estrangeiros  de  que  se  con-^ 
fiou :  &  fez  vir  diante  de  si  a  Frãcisco  fernãdez  ouriuez, 
<^ujo  ospede  fora  em  lisboa:  &  despois.de  lhe  mandar 
deitar  h&s  grilhões  lhe  disse  q  se  cõfe&sasse  por^  ho  a# 


/ 


uia  de  matar,  porl][  tinha  determinado  de  lhe  dar  a  mor- 
te  CO  o  piloto  &  cÕ  08  galufies  polas  repões  que  passa- 
rão. £  sem  bo  roais  querer  ouuir  ho  mandou  confessar 
por  h&  clérigo,  que  estaua  cercado  daqueles  armados.  E 
ho  capitão  passeaua  pola  tolda  rezado  muy to  alio ,  &  de 
quãdo  em  quãdo  apressaua  ho  clérigo  que  acabasse  a  cou<- 
fissam.  £  neste  tempo  os  Portugueses  eslauão  no  cõués 
muyto  tristes  vendo  &  ouuindo  tudo  o  Q  passaua,  &  por 
não  terem  nenhuas  armas  não  podião  resistir  ao  Q  ho 
capitão  fazia:  &  Sião  virão  que  por  lhe  nâo  resistirem 
lhe  tomarão  as  armas  &  acharãse  muy  alcãçados,  &  co- 
mo eles  estauão  desarmados  &  os  castelhanos  armados 
deizarãse  estar  no  conués,  &  também  porque  algQs  ^ 
quiserão  subir  á  tolda  os  nã  deixarão  os  castelhanos  per 
mâdado  do  capitão,  Q  não  fazia  se  não  apressar  ho  clé- 
rigo que  acabasse  de  confessar  ho  seu  ospede,  &  ele  se 
detinha  pêra  ver  se  se  lhe  faia  a^la  fúria ,  &  não  se  lhe 
indo  acabouse  a  coníissam :  &  acabada  foyse  ho  capitão 
ao  seu  ospede  Q  ho  esperou  assentado  ê  giolhos  com  as 
mãos  aleufttadas  pedindolhe  pola  paixão  de  nosso  senhor 
que  ho  não  matasse,  &  ele  não  dando  por  isso  com  muy- 
ta  crueza  lhe  tirou  hii  reues  com  ho  estoque  que  (inha: 
&  cortoolhe  hiia  mão  cõ  ^  se  ele  quisera  emparar,  & 
ehegoulbe  ás  queixadas ,  &  logo  ho  vazou  com  hQa  es* 
tocada  com  que  morreo ,  &  após  isso  ho  mandou  deitar 
ao  mar.   Feyto  isto  despejou  a  tolda  dos  armados  pêra 
ho  conués  ficado  soo  na  tolda  com  ho  mestre  a  Q  man- 
dou dar  ao  apito:   ao  que  se  todos  ajuntarão  ao  pé  do 
masto  ^per  mandada  do  capitão ,  ^  lhes  disse.  As  leys 
imperaes  &  as  Q  agora  fazem  os  reys  defendem  com  gra« 
iies  penas  os  leuantamentos  cõtra  os  reys  &  príncipes, 
ou  contra  os  que  tem  suas  vezes,  principalmente  cõtra 
seus  capitães  ^  andão  na  guerra,  ou  que  vão  parela: 
porque  pêra  ela  ter  boÕ  'effe3/to  ha  dauer  tanta  paz  an- 
tro os  que  a  hão  de  fazer  €omo  em  htl  conuenlo  de  fra- 
áes^  porque  doutra  maneyra  em  vez  de  a  terem  com  os 
eontraicos  a  lerão  consigo^  &  por  isso  em  Leuanteonde 


152  OA    HISTOSffA    DA  INIM^ 

86  a  guerra  mais  exercita  que  3  outras  paKes.  Os  capi-^ 
tâes  tê  tamanhos  poderes  que  por  muy  pouca  cousa  en* 
forcâo  soldados,  &  lhes  mandão  cortar  as  cabeças^  quã« 
to  mais  {K>r  tamanhas  como  he  leuantarse  contra  hQ  ca- 
pitão: &  porque  eu  soube  certo  por  proua  abastante  pe* 
ra  mi  que  aquele  bomê  me  queria  matar  bo  ma-t^y  & 
nã  por  crueza  como  cuydarão  algQs,  porque  eu  tinha  re- 
cebido dele  boas  obras  s8do  seu  ospede ,  &  isto  me  lê* 
braua  pêra  ho  saluar  se  poderá ,  mas  não  pude  por^  h(l 
tredoro  não  se  pode  poupar  por  mais  boas  obras  que  te- 
nha feylas :  &  se  não  castiguey  este  delito  logo  como  ho 
soube  foy  porque  erão  roais  na  conjura<^âo,  &  ho  princi* 
pai  era  ho  piloto  de  quem  não  podia  fazer  justiça  por 
ser  a  seguda  pessoa  despois  de  miro  &  mais  poderoso 
que  eu  :  &  se  eu  quisera  castigalo  como  merecia  ouue* 
ra  bandos  &  perdêramos  nos  todos:  &  Deos  que  sabia 
a  determinação  que  ele  trazia  contra  m!  sem  lho  eu  me* 
recer  permilio  ^  roorresse  no  Brasil  tão  neiciaroSte  co- 
mo morreo,  que  ho  mao  pensamento  que  trazia  ho  ce- 
gou pêra  Q  não  conhecesse  que  ho  auião  de  matar  mos- 
trãdolho  nosso  senhor  tão  claramente :  &  porque  aquela 
peçonha  que  ainda  íicaua  na^le  homem  vos  não  empe*'* 
çonhentasse  a  todos  ho  matey^  no  que  fez  o  que  deuia^ 
porque  com  sua  soo  morte  atalhey  as  de  muytos,  &  não 
pus  a  cousa  em  processo  de  justiça,  porque  a  proua  não 
era  bastante  pêra  ho  condenar  por  esta  via ,  &  ajudey- 
me  das  leys  da  guerra  &  do  poder  que  dão  aos  capitães, 
de  que  sey  que  el  rey  de  Portugal  não  deixa  vsar  aos 
seus,  &  não  quer  que  va  tudo  se  não  per  via  ordinária 
de  processos,  &  não  perdoa  a  homem  que  mata  outro, 
&  por  isso  eu  não  ousarey  de  tornar  diante  dele,  nem 
menos  dir  aa  índia  diante  de  seu  gouernador,  &  quero 
me  ir  a  outra  índia  que  he  mais  segura  &  onde  todos 
faremos  mais  proueito,  &  esta  he  no  mar  de  leuante  fi- 
de  andaremos  a  toda  roupa ,  &  eu  vos  seguro  que  em 
ho  anno  ganhemos  mais  do  que  valera  a  carrega  da  es- 
peciaria que  esle  galeã  poderá  trazer  da  índia,  &  ali  1^ 


LIVRO  V»  CAPITVLO  XVII.  153 

naremos  muyto  boa  vida  refrescado  cada  dia  em  terra  o 
que  nâo  ouueramos  de  fazer  na  índia,  por  isso  qu5  qui^ 
ser  ir  comigo  diga  mo,  &  quem  não  também,  porque 
eu  lhe  dou  a  fee  de  fídajgo  de  lhe  não  ter  por  isso  má 
vontade,  &  de  ho  deitar  na  primeyra  terra  que  tomar- 
mos. Isto  dito  chamou  logo  cada  hh  por  seti  nome  pêra 
Azer  rol  dos  que  quisessem  ir  coele  &  dos  que  não,  & 
aos  ^  lhe  dizião  que  si  daua  juramSto  de  lhe  serem  leaes 
&  morrerem  coele,  &  soos  dezaseys  Portugueses  ouue 
que  não  quiserão  ir  coele  nem  ele  os  pode  conuerler  a 
isso  por  roais  que  lho  persuadio,  &  outros  ouue  que  se 
assentarão  no  rol  dos  que  auião  dir ,  &  a  estes  que  não 
quiserão  lhe  mandou  lançar  griltôes,  dizendo  que  ho  fa"» 
2ia  por  não  fazerem  algOa  reuolta ,  prometendo  de  os 
lançar  na  primeyra  terra  q\xe  tomasse :  &  pêra  os  ter 
mais  seguros  do  Q  ele  receaua  mandou  os  meter  de  noy* 
te  em  hlia  corrente  &  dormião  no  conués ,  &  mandou 
poer  ao  pee  do  masto  h&  mandado  seu  &  assinado  por 
ele,  em  que  dizia  que  dali  por  diante  qual  quer  Portu- 
guês que  fosse  ao  fogão  em  quanto  lhe  fizessem  de  co^ 
ner  que  fosse  açoutado  &  pregada  a  mão  dereyta  no 
masto,  &  a  mesma  pena  teria  todo  o  ()  de  noyte  não  dis- 
sesse :  ou  da  vigia,  sou  foão  vou  fazer  tal  cousa, Sequem 
como  fosse  Aue  Maria  por  nao  não  fosse  requerer  sua 
regra,  &  quem  mijasse  na  amurada  do  nauio»  E  dali  pr 
diante  como  quem  se  temia  tinha  de  contino  doze  ho- 
mSs  armados  que  ho  goardauão  aos  quattos.  Diuulgado 
este  mandado  acertarão  dous  Portugueses  de  pelejar  no 
fogão  &  ele  os  mãdou  açoutar,  &  pregar  as  mãos  no  mas- 
to* Do  ^  08  Portugueses  íicarã  muyto  indignados  conlre- 
]e,  &  se  arrepederão  muyto  de  se  assentarS  no  rol,  nem 
lhe  darem  aafés  de  lhe  serem  leaes,  porQ  vião  que  lhe 
Bão  goardaoa  a  que  lhes  dera  ,  &  conceberão  i^mh* 
sho  ódio  eontrele  que  ho  matarão  ee  teuerão  armas , 
mas  não  as  tinbão,  que  cõ  quanto  se  assentara  pêra 
irfi  coele,  ele  não  se  íiaua  deles.  £  cada  dia  enuenta- 
na  achaques  pêra  lhes  fazer  mal ,  porque  ho  não  queria 
Livao  V.  u 


104  SA  HISTOftlA  PA  IN0IA 

seguir ,  coro  quanto  lhes  deu  sua  fq ,  que  lhes  não  ti- 
uesse  por  isso  má  vontaile» 

c  A  p  I  T  V  L  O  xwni. 

X)e  como  dô  Luys  mafidou  enforcar  cinco  Portvgue^ 
ses:  ^  do  mais  (pie  fez:  ^  de  como  deixou  ho  gcdeâo 

JL^eteriDiuado  do  Luys  de  se  leuantar  disse  ao  mestre 
do  galeã  que  se  lornassem ,  &  4  ^o  metesse  polo  estrei- 
to  de  Gibraltar ,  por^  la  ele  sabia  por  onde  auia  de  ir ,, 
prometendolhe  de  lhe  cortar  a  cabeça  se  ho  assi  não  fi- 
zesse. E  ho  mestre  uâo  podendo  ai  fazer ,  lhe  pedio  htL 
estorinento  pêra  sua  guarda,  &  saber  el  rey  de  Portu- 
gal que  ele  não  tinha  culpa:  &  ele  lhe  deu  logo  ho  es- 
tormento  ho  mais  autentico  que  pode  ser:  &  dali  feze* 
fèo  volta  pêra  ponête.E  indo  assi  disse  hQ  dia  dom^ Luys 
que  ele  sabia  que  os  presos  determinauâo  de  ho  matar: 
&  por  isso  os  queria  mandar  enforcar  que  se  cõfessas- 
sem  :  &  logo  mâdou  dar  tratos  de  polé  a  bu  deles  cõ  do- 
ze camarás  de  falcão ,  pêra  {|  confessasse  a  verdade  se 
ho  querião  matar :  &c  dissesse  se  sabia  se  entrauâo  todos 
Qesta  conjuração  ou  deles*  E  com  dór  dos  tratos  o  que 
os  recebia  disse  sem  ser  assi ,  que  os  da  cÕjuração  erão 
trinta.  £  nisto  se  pareceo  que  com  medo  ho  dezia,  por* 
que  os  nossos  não  erão  mais  de  desaseis  &  os  outros  não 
falauão  coeles»  E  )>orÍ8so  disse  do  Luys  quando  lho  ou« 
uío  Q  la  hião  algOs  dos  seus :  &  mandou  logo  chamar  hu 
loão  esteuês  português ,  que  cuydando  Q  era  pêra  lhe 
dar  tratos  se  deitou  ao  mar.  E  então  aiBrmou  mais  dom 
Luys  que  era  verdade  o  Q  dezia :  &  mâdou  enforcar  cin- 
co dos  presos,  &  quer&do  enforcar  ho  carpinteiro  do  ga« 
leão,  pediraniho  os  castelhanos,  dizendo  que  lhe  desse 
a  vida ,  pois  fizera  ho  leme  aem  que  não  poderão  naue- 
gar:  &  dom  Luys  lha  deu,  &  aos  outros  que  estauão 
pêra  enforcar :  &  dali  por  diante  deixou  os  outros :  & 


LIVRO   V.    CAPITVLO   XVIII.  1Ô5 

indo  ja  na  volta  das  ilhas,  desejando  bo  meslre  de  lhe 
fugir,  disselhe  que  ali  auia  húa  poiioaçâo  de  Portugue- 
ses de  sesaenta  vezinhos,  que  iria  ali  fazer  agoada  & 
carnagS  de  Q  tinha  necessidade*  E  islo  com  determina- 
ção de  Yer  se  podia  ali  fugir.  £  dom  Luys  lhe  disse  que 
fossem,  Sc  assi  forSo  ate  auer  vista  das  ilhas  &  surgirão 
antre  ho  iibeo  do  coroo  &  a  ilha  das  froles :  &  estado  bi 
pêra  mãdar  a  terra  chegou  hi  hQ  mercador  da  ilha  ter^ 
ceira  em  hfla  carauela  pêra  a  leuar  carregada  de  trigo: 
&  vêdoa  dom  Lujs  meteose  no  seu  esquife  com  algda 
bofoSs  armado*  secretamente :  deixado  por  capilSo  bu 
castelhano  chamado  Bezerril:  &  chegando  á  carauela 
disse  ao  senhorio  dela ,  que  dom  Luys  de  gusmâo  capi^ 
tâo  daquele  galeão  por  el  rey  de  Portugal ,  que  hia  pê- 
ra a  Jodia  lhe  mandaua  bSa  carta  que  lhe  logo  deu,  em 
que  desía,  que  indo  ele  pêra  a  índia  arribara  por  lhe  ^- 
brar  bo  leme  {}  fora  fazer  ao  Brasil,  onde  os  Brasis  lhe 
fisatario  bo  piloto  &  outra  muyta  gente,  &  por  isso  lhe 
fora  for<;ado  toroarse  pêra  Portugal ,  &  hia  muyto  de»^ 
troçado  (\  lhe  pedia  por  amor  de  Deos  8c  da  parte  dei 
Toy  de  Portugal  que  fosse  coele  ale  lá  pêra  lhe  acodir 
-se  teuesse  necessidade.  E  cuydando  ho  mercador  ^  era 
assi  por  seruir  a  seu  rey  foyse  logo  ao  galefto  cõ  o  pilo*- 
4o  &  outros,  &  de  todos  dd  Luys  deitou  mSo  &  prSdeos 
&  tomou  bo  dinheiro  que  ho  mercador  leuaua  pêra  cd^ 
prar  ho  trigo  ^  erSo  sessenta  mil  rs.  E  passados  todos 
06  da  carauela  ao  galeã  deu  a  capitania  dela  a  Bezerril, 
arlilbãdolba ,  &  apadessâdolha  muyto  bd:  &  deulhe  por 
mestre  &  piloto  a  hil  Português  i}  era  casado  Ires  vezes 
em  Portugal  &  por  isso  fugira  de  lá ,  &  por  isto  se  fía- 
«a  talo  dele  dõ  Luys  como  dii  castelhano.  E  pregut an- 
do dd  Luys  ao  meslre  do  galeão  pola  pouoação  da  ilha 
leoott  bo  á  ponta  delgada ,  &  nâo  ho  quis  leuar  ao  pro* 
prio  porto,  pori}  dali  delerminaua  de  fugir,  &  dom  Luys 
mandou  a  terra  hft  castelhano  a  dizer  da  sua  parte  ^ 
qufi  quisesse  trocar  carnes  por  azeites  &  vinbos  que  foS" 
ae  ao  galeão.  Istò4Nibido  logo  (òtílú  a  ele  três  bornes  prin* 

u  2 


166  PA  HISTORIA  BA  ÍNDIA 

cipais  Q  lhe  leuarâo  bu  grade  seruiço  de  refresco,  &  ete 
os  prendeo,  &  porque  lhes  disse  que  os  não  auia  de  sol- 
tar ale  lhe  não  darem  cada  bu  dez  ou  doze  vacas  que 
as  mandassem  pedir  a  suas  molheres.  £  tSdo  ele  mao- 
dado  este  recado  apareceo  outra  carauela,  ^  determina- 
do dd  Luys  de  tomar  mandou  sele  marinheiros  ao  es- 
quife dando  lhe  os  remos  Q  tinha  em  seu  poder ,  porque 
se  lhe  não  fossS  c5  ho  esquife.  E  estado  os  marinheiros 
esperando  por  eie  no  esquife,  disse  bfi  deles  aos  outro». 
Que  oulhais.  E  outro  respõdeo.  Corta  cabo  pesataK  E 
estes  erão  Portugueses :  &  cortado  ho  cabo  foranse  pêra 
terra  remando  a  todo  tira ,  &  derSo  auiso  á  carauela  ^ 
-dom  Luys  quisera  tomar  Q  tambê  fugio.  E  os  marinhei- 
ros chegados  a  terra,  requererão  na  pouoação  que  pren- 
dessem ho  castelhano  Q  lá  andaua ,  porQ  dom  JLuys  era 
jfeuantado,  &  assi  foy  feyto:  &  os  vezinhos  da  pouoação 
Q  seriâo  vinte  vigiauãse  dali  por  diãte  de  dia  &  de  noy- 
te  biã  dormir  por  esses  matos.  Passado  assi  isto  apare- 
ceo bua  nauela  que  vinha  de  guiné:  &  visla  por  dom 
Luys  mamlou  a  ela  Bezerril  na  carauela,  &  quelbemao» 
dasse  amainar  de  sua  parte,  &  se  não  que  a  metesse  no 
fundo,  &  ela  amainou  logo,  &  ho  capitão,  mestre  &  pi- 
loto forão  leuados  a  dõ  Luys,  Q  os  ameaçou  cõ  tratos  se 
não  dissessem  o  que  traziâo:  &  eles  ho  disserão  logo  que 
erão  trezentos  escrauos,  algalea,  marfim  &  pao  verme* 
Jho ,  &  Q  a  armação  era  de  Duarte  belo  hQ  armador  de 
Lisboa,  &  abaldeado  no  galeão  quanto  vinha  na  naueta^ 
«ssi  mercadoria  como  mantimentos  passou  a  ela  os  pre? 
SOS  que  leuaua.  E  em  quãto  se  isto  fazia,  determinan* 
do  ja  ho  mestre  do  galeão  de  fugir  pedio  líceça  a  dom 
Luys  pêra  ir  ver  hQa  sua  irmaã  que  auia  dias  que  lhe 
dissera  (|  linha  ali  Q  auia  rauyto  tempo  Q  a  não  vira :  & 
por  se  dd  Luys  não  fiar  dele  ho  não  deixou  ir  a  terra , 
mas  mandouho  na  bateira  da  carauela  cÕ  dous  castelha- 
nos Q  ho  nã  deixassem  sair  se  não  §  lhe  falasse  do  mar. 
£  chegados  perto  da  terra  ho  mestre  teue  tal  manha  Q 
juntamêle  os  empurrou  &  deu  coeles  no  mar,  &  ele  se 


MAVÍCO  V.  CAFITVLO  XM.  1 67 

lançou  apM  eles ,  &  em  quãio  os  tomaoSo  se  acolheo  a 
terra  leuãdo  consigo  ho  eslormento  Q  lhe  dô  Luys  dera, 
^  sabendo  Q  ho  mestre  era  fugido  mSdou  hã  canhado 
•seu  irmão  de  aua  molhef  ^era  Portuguesa  oô  hQ  seguro 
«sen  ao  mestre  pêra  '4  ^^  tornasse;  £  o  cunhado  como 
foy  em  terra  mandonlbe  dizer  qoe  se  fosse  pêra  ladrão* 
'£  despois  disto  esteue  ali  dÒ  Lnys  quatro  dias  com  cal- 
•maria,  &  vindolbe  vSto  se  partio  pêra  as  Canárias,  & 
jio  caminho  tomou  hOa  carauela  carregada  de  f)asleJ  j| 
•hia  pêra  Fraudes  &  hfl  nauio  carregado  de  pescado ,  & 
tendo  quatro  velas  chegou  ás  Canárias  &  tomou  porto 
jia  Gomeira  onde  vèdeo  toda  a  fazèda  Q  leuaua,  &  togo 
Be  rompeo  Q  hia  leuantado  cÕtra  ei  rey  de  Portugal ,  & 
eobristo  ouue  taes  rezdes  cõ  bo  capitão  Q  lhe  mãdou  ti- 
.rar  ás  bombardadas  á  fortaleza,  dõde  lhe  tambè  tirarão 
.&  quebrarão  a  verga  do  galeão ,  Q  vendo  ele  ^  não  po- 
.dia  nauegar  sem  ela  por  não  ter  outra  mudou  ho  fato  & 
«arielharia  dele  á  carauela  de  bezerril :  &  deixado  ali  ho 
iraleSo  &  as  outras  velas  se  loy  na  carauela  caminho  de 
Senilha. 

CAPITVLQ    XIX, 

J}e  como  os  mauros  matarão  a  Manuel  de  sousa  ^  core- 
la  dos  nossos  em  hba  agoada ,  ^  como  despois  se  per^ 
deo  ho  galeão* 

jy^  este  têpo  8  isto  sueedeo  a  dõ  Luys  de  GuzmSo ,  se 
apartou  tftbS  da  cõserua.de  lorge  daibuquer^.  por  mais 
não  poder  fazer  outro  capitão  da  frota  Q  auia  nome  Ma*- 
Buel  de  sousa  &  hia  fi  hfi  galeão,  que  despois  de  passar 
jnuyto  trabalho  de  tormfitas  foy  ter  na  parajS  de  Mo- 
çambi^  na  fira  deSetCbro,  &  parecSdolhe  Q  poderia  ain- 
da  passar  á  Índia  nã  qnis  tomar  Moçambi^  (posto  ^  ti- 
nha necessidade  dagoa)  &  passou  auante,  &  como  ja  os 
leuãtes  cursauão  fez  muy  pouco  caminho  por  serê  por 
dauante,  pelo  ^  lhe  foy  forçado  ir  buscar  a  costa  do  ca- 
bo  de  Goardafíl  pela  tornar  agoa,  por^  pôr  falta  dela  le« 


]68  9A   BfSTOftlA   DA   INDfA 

uaua  a  mais  da  gSte  do6te,  &  c^ida  dia  lãçaua  mortos  ao 
mar.  E  indo  coesta  fadiga  tseguio  tanto  por  a(}la  volta Q 
cuue  vista  de  çacotorá,  {|  nâo  poda  ionaar  por  ho  vento 
ser  porcima  dela  ^  lhe  fioaoa  ponteiro,  &  por  isao  arri« 
bou  á  costa :  &  auendo  vista  de  terra  se  deixou  ir  ao 
logo  dela  caioinho  de  Melínde  pêra  ver  se  achana  5de 
tomasse  agoa ,  &  foj  ter  a  hâ  lugar  de  mouros  chamado 
Mâtua  em  cujo  porto  surgío,  &  surto  se  foy  a  terra  cõ 
ho  piloto  leuaudo  oorêta  homCs  armados  pêra  tomar  agoa 
por  força  quãdo  nâo  podesse  doutra  maneyra.  E  chegan- 
do a  terra  achou  hOa  muy  boa  fonte  afastada  do  lugar  9 
&  começando  de  lòraar  agoa  chegarão  algus  da  terra  a 
vender  galinhas  &  outros  mãtimêtos  mostrido  ([ter  pa2« 
No  Q  cofiados  os  nossos ,  descuídarãse  tSto  ^  lhes  ficou 
ho  batel  em  seco  b8  mea  legoa  do  mar  cõ  a  vazante  da 
maré  o  que  vSdo  Manuel  de  sousa  chamou  os  nossos  & 
meteo-se  coelee  a  leuar  ho  batel  pêra  ho  mar  a  força  de 
braços  &  de  peitos.  E  vendo  os  da  terra  (^  andauSo  Mp 
^la  fadiga  ajfltanse  perlo  de  dous  mil  homés  cõ  soas  aiw 
mas  j  &  dando  nos  nossos  os  matarão  todos  Q  nJlD  ficim 
nenhu  &  tonoarão  ho  batel:  os  do  galeão  leuarão  logo 
ancora  por^  lhes  não  fizessem  outro  tanto ,  &  sem  ter 
qu5  mãdasse  a  via  toiiiarS  por  remédio  mâd ala  hocootra 
mestre  {)  sabia  disso  algil  pouco,  &  foranse  ao  iôgo  da 
costa  quasi  sem  esperãça  de  saluaçâo  ^  porQ  por  serem 
os  mais  muyto  doStes  auia  tão  poucos  Q  mareasse  as  ve^ 
las  Q  não  podião  marear  mais  Q  ho  traquete,  &  coele  nar 
uegauão  pêra  Melinde,  porQ  por  não  auer  qu8  soubesse 
mandar  a  via  nâo  podião  seguir  outra  rota,  &  indo  asst 
chegarão  a  outro  hjgar  de  nipuros  chamado  Hó}a,  e«i 
cujos  moradores  acharão  paz  &  amizade  &  lhe  venderâe 
manlimenlos ,  &  por  isso  se  deteuerão  seys  dias  no  seu 
porto ,  &  por  hil  desastre  lhes  ficou  ho  mestre  em  terra 
cõ  seys  homSs  sãos:  o  que  lhe  fez  muyta  mingoa,  por(| 
não  ficarão  mais  Q  seys  sãos  ^  podessem  marear  ho  ga«- 
leão ,  &  assi  forâo  caminho  de  Melinde  a  Deos  &  a  v8« 
tura  sem  saberê  onde  era  pori|  não  tlnhão  quS  maudaoi- 


86  a  via ,  &  por  isso  errarão  Melinde  passando  ao  mar 
dele ,  &  forão  dar  eoi  hfta  ilha  jfito  de  Quiloa  onde  ho 
galeão  deu  em  hfl  baixo  &  ali  se  perdeo ,  &  os  mouros 
da  tetra  se  ajuntarão  todos  &  matarão  quantos  hiSo  no 
galeão,  saluo  hil  moço  que  era  sobrinho  do  mestre,  ^  el*" 
réy  de  Zambízar  tomou  pêra  aí.  £  mortos  os  nossos  a* 
jútaranse  oa  reys  de  Quiloa,  de  Zanzibar,  de  Pêfaa  &  de 
JMonfia  &  partirão  antre  aí  quanto  se  tomou  no  galeão  ^ 
que  acabou  desta  matteyra  com  oa  que  hião  neie» 

C  A  P  1  T  V  L  O    XX. 

De  como  lorge  dalbuquerque  com  algús  capitães  de  sua 
armada  inuemarâo  em  Moçambique  ^  outros  passa^ 
râo  á  índia. 


p 


f. 


aatando  cates  capitães  estas  desauenturas ,  ho  capi- 
tão moor  lorge  dalbuquwQ  foy  ter  a  MoçãbiJ),  onde  por 
ser  tarde  inuernou  com  sete  capitães  da  frota  ^  tambd 
bi  forSo  ter.  E  estes  forão  ho  doutor  Fero  uunez ,  Dío- 
o  feroandez  de  beja ,  Rafael  catanho ,  Rafael  perestre- 
b,  Pedreanes  francês,  Ghristouão  de  mendoça  &  laco- 
me  trístSo.  £  Pêro  da  silua,  Lopo  de  brito, Garcia  chai- 
nho,  loflo  rodriguez  dalmada  &  outros  passarão  á  índia, 
&  forflo  ter  a  Gochim  estado  hi  ainda  o  gouernador  a  {} 
disserão  a  frota  ^  partira  de  Portugal ,  &  Q  lhes  parecia 
S  lorge  dalbuquerí)  cÕ  os  outros  capitães  inuernauâo  em 
Moqambiq.  E  por  ho  gouernador  saber  se  era  assi  8c  por 
ter  necessidade  deles  peia  a  viagê  do  estreito  (|  auia  de 
fazer  êtrando  Agosto  os  mãdou  buscar  a  MoçâbiQ  per 
h&  Gdi^lo  de  Loulé  capitão  de  bua  carauela ,  a  Q  mã- 
dou ^  lhes  dissesse  ^  bo  fossS  buscar  pelo  estreito  ate 
hidá  pêra  onde  ficaua  de  caminho. 


I€0  DA  HISTORIA    DA   imiA 

C  A  P  I  T  V  L  o    XXI. 

De  como  o  gouemadorfoy  ver  a  fortaleza  de  Coulâ, 

JL/espachado  Gonçalo  de  Loulé  ^  &  dando  Ho  mar  jazi*- 
go  partiose  o  gouernador  pêra  GouISo  a  dar  remate  á 
jortaleza  &  fauorecer  os  Portugueses  i)  lá  eslauão:  &  6 
quã(o  hía  deixou  por  gouernador  a  dõ  Aleixo  de  mene- 
ses  pêra  ^  acabase  de  fazer  a  carrega  da  especiaria  4 
auia  dir  pêra  *portugal.  E  «le.  foy  em  hua  gale  acõpa- 
nbado  doutras  duas,  a  cujos  capitães  não  soube  os  no- 
mes nS  do  ^  passou  S  CouhSo ,  saluo  ()  esteue  hi  passãte. 
de  Ires  meses  dSdo  remate  á  fortaleza  a  ^  foy  posto  no- 
me são  Thorae  por  hõrra  deste  bS  auêtucado  apostolo: 
cujo  sitio  he  forte  por  natureza  &  em  lugar  Q  pode  bS 
defender  a  ^trada  do  porto  aos  Imigos  oft  hfi  poço  def 
agoa  muy  sabrosa  quasi  pegada  ^ela.  A  cerca  da  for«< 
taleza  tinha  de  canto  a  cato  oyiSla  &  cinco  palmos  &> 
de  vão  setenta  &  cinco:  iizerSse  (res  torres,  a  da.  me*, 
nagê  &  outras  duas  Q  íicâo  êTriâgulo,  Q  quâdo Jugasse 
a  artelharia  hâa  nã  podesse  fazer,  nojo  a  outra.  E  cd  Ixi'-. 
do  não  se  pode  acabar  esta  obra  cõ  quanto  bo  gouerna*. 
dor  hi  foy  &  esteue  ate  Nouerobro ,  i)  como  digo  forão 
três  meses :  &  na  fira  de  Nouembro  se  tornou  pêra  Co- 
chim  dõde  despachadas  as  nãos  da  carrega  se  foy  a  goa 
dde  tinha  toda  a  armada  Q  auia  de  leuar  a  ludá ,  onde 
determinaua  de  ir  a^le  anno  de  vinte  &  pelejar  cÕ  os  ru- 
mes &  queyraarlhe  as  galés  &  fazer  hâa  fortaleza  8  ludá 
ou  em  Adè  onde  visse  que  era  melhor,  pêra  !\  tinbajun- 
tos  todos  os  petrechos  necessários,  &  de  Goa  despachou 
por  capitão  de  Ceilão  a  Lopo  de  brito,  &  por  capitão  mór 
do  mar  António  de  brito  seu  irmão,. &  por^  tinha  carta 
do  hidalcão  ^  queria  coele  amizade  &  ^  mãdasse  hii  ho- 
mo de  confiãça  com  Q  a  assentasse,  determinou  de  man- 
dar a  loão  gõçaluez  de  castelo  branco  Q  lá  fora  8  tempo 
Dafonso  dalbuquert^  y  &  sabia  a  terra  &  lingoa. 


LITRO  V.  CAPITVLO  XXII.  161 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXII. 

Dt  como  loâo  gonçaluez  de  castelo  branco  foy  por  em" 

batxador  ao  Hidalcâo, 

.Há  deul^e  hfla  carta  de  crSça  pêra  o  Hidalclo  &  hua 
instrução  do  i)  lhe  auia  de  dizer,  l\  era  folgar  muyto 
cõ  sua  amizade  >  &  {}  folgaria  de  fazer  o  1}  lhe  requeria. 

E  {|  auendo  amizade  Streles  ele  daria  maneyra  co- 
mo mandasse  hH  embaixador  a  Portugal  &  escreueria  a 
el  rey  tudo  o  ^  lhe  comprisse,  &  pêra  ser  melhor  des^ 
pachado  ^  iria  code  a  Portugal  ho  mesmo  loão  gõçalueas 
^  lhe  roandaua,  ^  não  bia  lá  por  outro  respeito  se  nã 
pêra  Ibe  dizer  o  Q  queria  delrey  de  Portugal. 

£  pêra  (|  visse  Q  queria  cõcrusam  na  amizade  lhe 
Bão  queria  pedir  as  tanadarias  de  Banda  ate  Cintacora 
como  Afonso  dalbuquer^,  somSte  pedia  a  Dãlruz  pela 
necessidade  j|  linha  de  madeira  pêra  as  armadas  da 
índia. 

E  {}  lhe  pediria  as  fustas  de  Dabul  &  apertaria  muy-> 
to  H  lhas  desse  (odas  y  &  não  (JrSdo  lhe  desse  a  mayor 
parte,  &  sobrisso  lhe  apontaria  os  muytos  Portugueses 
que  matarão  em  nauios  que  tomarão. 

E  lhe  diria  <}  era  cõtête  de  dar  seguro  ás  nãos  de 
Dabul  fjera  nauea^arS  como  as  de  Cãbaya ,  &  tãbS  das-^ 
sStar  feitoria  em  uabul :  &  lhe  daria  Kcen<;a  pêra  mãdar 
duas  nãos  a  ceilão  a  carregar  dalífantes:  &  pêra  mãdar 
por  caualos  a  Ormuz :  cõ  tanto  que  fossem  pagar  os  dei 
reitos  a  Goa:  &  (he  daua  seguro  pêra  seus  mercadores 
leuarS  a  Goa  suas  mercadorias  &  tirarem  outras. 

£  ^  se  algQs  portugueses  andassem  na  terra  6rme 
lan^^dos  cò  os  mouros  eie  lhes  desse  seguros  em  nomo 
dele  gouernador:  &  por  este  capitulo  os  auia  por  bõs  & 
firmes, 

E  mais  Ibe  deu  hfi  presente  pêra  ho  hidaleão,  cQ 
que  se  par(io  de  Qoa,  na  entrada  de  Feuereiro  bê  acO# 

liVRO    V.  X 


]|^9  Slà  HHTiymiA  DA   INMA. 

panhado:  &  Toj  ter  ondeslaua  bo  hidalcâo  que  não  quis 
dar  a  (a nadaria  ^  ho  gouernador  pedia,  E  a  cabo  de  htl 
âno  ee  tornou  pêra  Goa. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXHL 

jye  como  indo  ho  goiternador  pêra  a  cidade  dé  Juda  se 
lhe  perdeo  a  nao  em  §  hia.  E  de  como  não  podSdo  ir 
a  ludafoy^  surgir  á  ilha  dA  Mofua. 

X  endo  ho  gouernador  prestea  sua  paitida  pêra  luda, 
entregou  a  goueraâjqa  da  Índia  a  d&  Aleixo  4e  meneaea 
a  Q  mandou  ^  foase  inuernar  a  CochI:  &  parlioae  ho 
fouernadoF  pêra-  luda  a  íreae  de  Feuereiro  deM.  D.xx. 
cõ  hOa  frota  de  xxiíii.  velaa.  a.  dez  naoa  grossas,  de  que 
erâa  capitães  ele^  Diogo  de  saldanha,  António  ferreira 
ibga^y  SimSo  guedez  4e  sousa.  Feraã  gomez  de  iemoa« 
Pêro  da  ailua.  Pêro  gomez  teixeira  ouuiitor  geral.  Anto* 
yio  de  brito  caçador  mof  dei  rej  de  Portugal.  António 
raposo.  E  dous  galeões,  capitães  António  de  saldaniia  & 
dd  loão^  de  lima.  E  cinco  galés  cujos  capitães  forSoCris- 
ftouão^  de  sousa.  Geroaimo  de  sousa.  Cristouâo  de  sa^ 
Dinis  fernâdes  de  melo.  lorge  barroto  de  beja.  E  qua* 
tro  nauios  redondos^  capitães  Mignel  da  inouta.  Gaspac 
douiel^  Nunofernãdéz  €ke  macedo.  Anri^  de  n>acedo.  E 
doas  earau€las  lalrnas  capitães Louren^  godinho:  &Pe* 
99  i^aa  de  vera^  U  hâs  bargãtins  pêra  serui^  da  frola< 
Partido  h^  gouernador  de  Goa  aos  noue  de  inar<{0 ,  che- 
gou a  Mete  onde  desp^is  de  hz^v  agoada  nandoii  quei<* 
B»ar  ho  lugar,  ^  estaua  despejado:  £  seguindo  daqui  sua 
rota  pêra  ho  estreito,  aparecera  por  dauãle  da  frota  h&4 
narruazes  fie  aiei»ros,  a  ^  o^  outros  capitães  se  forâo 
•m  os  vendo:  £  querSdo  ho  gouernador  ser  dos  prin»ei« 
ms  ^  chegasse  a  eieSy  por^  os  não  roubassen»^  mandou 
deixar  ho  caminho  do  pego  Q  leuaua  &  rodear  por  derre« 
dor  de  hOa  rastiuga,  por  onde  eujdou  §  atalhaua:  pos- 
to que  contra  vontade  do  i^ole  y  Q  disse  Q  auia  medo 


Licito  t.  ckpxrfviy  xxiiu  I63 

de  ir  dar  ca  lUgft  bsíÍTLo :  c^nio  foy  dar  por  fao  gooernn- 
dor  oSo  qverer  se  nfio  que  fosso  por  Õdo  «ieíia :  &  ali 
se  perdeo  a  nao:  &  âcodindo  fogo  algus  nauios  que  biSo 
perto  aaioarAo  a  gente  com  algd  fato,  porem  a  fazenda 
gTMsa,  «rtelharía  &  munições  pêra  a  fortaleza  qúe  se 
auia  de  faeer,  tudo  se  «li  perdeò^  &  o  gouernador  se  pas- 
00a  ao  f aleâo  Danteniò  de  «akJànha,  &  dali  tornou  a  aua 
viagem  pêra  ludá ,  Sc  ch^od  ás  portas  A  deitaseys  de 
Março  9  &  ali  esteuerSo  moytos  dos  nauios  dá  armada 
quaii  em  Mco :  &  nisto  atrauessôu  h(ia  gelua  que  foy  to- 
nada pola  galé  ée  leronimo  de  sousa ,  &  de  treze  mou- 
ros que  hiSo  n^la  soube  ho  gouernador  que  erSo  vindos 
a  ludá  mU  ft  dtixentos  homSs  em  ajuda  dos  runf^ed,  què 
armário  seys  galés  quo  mandauSo  a  2ebit  6desiaute  híià 
^paobia  de  rumes,  &  isto  pêra  que  os  concertassem  c& 
^1  rey  Dadém  com  qtiB  estauâo  em  discórdia :  &  cScer^ 
iados  esteuessem  em  Ad€  a  sua  obidieneia,  tò  condit^ò 
^  dali  Ibea  deijcasse  fazer  guerra  aos  nossos  que  hí  fob^- 
«em  faaer  presas.  E  estas  galés  sabendo  ^  ho  gonernador 
bia,  fugtrSo  logo  pêra  ludá  ondift  forSo  dar  nouas  dé  Búh 
ida*  £  sabedo  o  gouernador  í|  orâo  passadas,  prosseguiò 
aua  viagfl  pêra  ludá  indo  polo  mar  ma)^or,  fc  cd  muylb 
tnibaibo  áé  sargir  muyias  vetes  &  dar  vela  outras  tan- 
tas, k,  andar  muyto  pòuco,  se  pos  oénto  &  vinte  íegoás 
de  ludá  ^  &  estado  áll  surto  com  vento  éoniraifo  faQs  á 
▼ista  doa  outtos ,  desesperado  de  pod^r  Ir  áuaftt^  thá^ 
moa  a  conselho  todos  os  capttSes  dá  frota,  &  preguntod^* 
Ibes  q  foria  c5  tempos  tfto  desuairados  como  ali  $ehau9o. 
Ao  que  todos  responderão  2)  erfio  geraes ,  &  ^  096  po^ 
dião  ir  por  diante  se  não  cõ  muyto  trabalho  &  risco  de 
andarem  ali  hfl  mes,  &  por  derradeiro  nã  poderS  che« 
gar  a  ludá.  E  pois  Lopo  soarez  quando  lá  fora  chegara 
na^le  tempo  a  quinze  legoas  dela  &  nelas  posera  quin- 
ze dias ,  Q  fariSo  eles  que  estauflo  c8to  &  vinte :  por  is- 
so era  per6a  escusada  querer  ir  roais  auSte,  &  era  per- 
der tempo.  E  parecendo  isto  a  todos  os  capitSes  &  pi- 
lotos ,  aoordarSo  que  deixassem  a  viajem  de  ludá ,  & 

X  2 


164  lU    HISTORIA   DA    INOfA 

pois  a  deixauSo  fossem  á  cosia  da  Abexia  ao  porto  áã 
ilha  de  M<içua  ^  lhe  Maleus  dizia,  dõde  se  podia  ir  á 
corte  do  Presle»  E  não  se  atreuendo  os  pilotos  mouros 
que  biâo  na  frota  ir  a  Maçuá  sem  tornarem  a  auer  vis^ 
ia  da  ilha  de  Ceibão  onde  tornarão,  &  com  muyto  tra- 
balho &  fadiga  foy  a  ver  vista  da  ilha  de  Dolaca  na  prí- 
inejra  oytaua  de  Páscoa:  &  seguindo  dali  pêra  Maçuá 
no  próprio  dia  em  se  poendo  ho  sol  virão  os  nossos  nele 
Jiua  bandeira  preta  de  feyi^o  de  rabo  de  galo ,  &  muy- 
tos  affirroauão  per  juramento  que  a  vião  bolir.  E  aos  dez 
dias  Dabril  chegou  ao  porto  da  ilha  de  Maçuá,  que  es* 
tara  dous  tiros  de  besta  da  terra  fírme  em  quinze  grãos 
da  bãda  do  norte ,  em  (j  auia  bua  muyto  grande  f)ouoar 
ção  de  mouros,  ^  posto  que  a  terra  era  do  Preste  não 
lhe  obedecião  por  estarem  no  mar.  Sam  todos  pretos  as^ 
si  bomSs  como  molheres,  &  ãdão  nus  da  cinta  pêra  ci- 
ma :  sam  grandes  mercadores  &  muyto  ricos ,  principal- 
mente douro  que  lhes  trazião  do  sertão  onde  tratauão, 
&  assi  marfim,  mel,  cera  &  escrauos  Christãos  que  eles 
fazião  tornar  mouros,  &  despois  de  tornados  erão  muy- 
to mais  Imigos  dos  Christãos  (J  os  mesmos  mouros ;  de 
Q  erão  muy  estimados  por  serem  valentes  homês.  Os 
moradores  desta  ilha  sabendo  que  ho  gouernador  bia 
fugirão  com  medo  despejãdoa  de  todo :  &  foranse  pêra 
hil  lugar  da  costa  chamado  Arquico  que  eslaua  duas 
Jegoas  da  ilha,  &  ali  tinha  ho  Preste  hu  capitão  a  quem 
se  08  mouros  entregarão  cõtandolhe  a  causa  porque :  & 
sabendo  ele  como  ho  gouernador  bia  despedio  hh  reca- 
do parele. 


LIVRO  V.  €APITVLO  XStai.  1^6 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXIIIL 

De  como  ho  gouemador  chegou  ao  porto  âe  Maçuá  ^  ^ 
de  como  soube  que  Mateus  era  verdadeyro  embaixa- 
dor do  Preste. 


N. 


O  porto  desta  ilha  de  Maçuá  estfiiião  duas  grandes 
nãos  de  mouros  de  Gãbaya,  &  assi  muylas  geluas  de 
mouros  doutras  parles,  que  coroo  virão  a  nossa  frota  se 
leuarão  logo,  &  dando  á  vela  se  acolherão  por  esse  es^ 
treito  a  diante,  &  leronimo  de  sousa  deu  caça  ás  nãos 
&  aferrou  coro  hOa  que  queyroou  &  ho  bargãtim  foy  a- 
pos  as  geluas  ate  defronte  Darquico  hfla  boa  vila  de  ca- 
«as  de  pedra  &  cal ,  de  que  se  espantado  os  nossos,  co- 
roo nâo  podião  alcãçar  as  geluas  se  poserâo  a  olhala :  & 
nisto  virão  vir  de  terra  hQa  almadia  com  três  horoSs  que 
abordado  com  ho  bargantim  se  lançarão  dentro,  pregun*> 
tando  aos  nossos  por  arauia  Q  homSs  erão ,  &  por  ela 
lhes  foy  respõdido  que  erão  Chrislãos  vassalos  dei  rey  de 
Portugal ,  &  dous  deles  fi  ho  ouuindo  betjauão  os  pAs  ao 
capitão  com  pracer  ,  dizêdo.  Christão  ,  Ghrtstão  lesu 
Cbristo  filho  de  sancta  Maria,  pedindolhe  ()  os  leuasse 
AO  capitão  mór  da  nossa  frota,  por^  lhe  leuauão  hfla  car- 
ta do  capitão  Darquico  &  cõtarãlhe  eoroo  ele  soubera 
dos  mouros  de  Maçuá  {|  a^la  frota  era  de  ChrTstãos ,  & 
bfl  deles  pedio  licSça  pêra  lhe  ir  affirmar  Q  si  era  &  lo- 
go se  foy ,  &  os  dous  ficarão ,  de  Q  bQ  era  Christão  A- 
bexim  &  outro  mouro,  &  ãbos  forão  leoados  ao  gouema- 
dor que  ia  estaua  surto-,  que  sabSdo  cujos  erão  lhes  fez 
jnuyto  gasalhado  com  grande  aluoroço  por  se  ver  6  ter- 
ra de  Christãos ,  &  despois  ho  Chr tstão  lhe  deu  a  carta 
que  lhe  leuaua ,  &  assr  hfl  anel  de  prata  que  lhe  ho  ca- 
pitão mãdaua  è  sinal  de  paz ,  c}  ele  tomou  com  muyta 
festa  por  ser  sen ,  &  mandou  ler  a  carta  que  dizia  2}  ho 
capitão  Darquico  daua  muytas  graças  a  nosso  senhor 
deoa  porque  erão  compridas  as  profecias  4  ®1^*  tinhão 


1 66  DA   HUTOltlA  DA    mm  A 

naquela  (erra  ^  dizimo  que  auião  de  vir  GhristSos  á  ilha 
de  Maçua ,  Sc  por  isto  Q  eles  sabiSo  desejauSo  muylo 
sua  vinda :  &  pois  ho  gouernador  era  ho  sefior  do  mar 
que  ordenasse  da  terra  o  que  ibe  hé  parecesse,  porque 
«le  com  A  fé  4]ue  tinha  de  wer  a^ia  frota  de  Christâos 
não  despejaua  a  vila  &  os  estaua  esperando,  pedindolhe 
que  lhe  mâdasse  hfi  sinal  de  paz  &  damizade.  E  oauT- 
das  estas  pàiauras  poios  da  capitaiaa ,  cboranâo  os  mais 
i^om  prazer  de  se  ver  oa{}]a  terra  de  Christãos  que  auia 
tato  temix)  ^  estaua  escõdida.  Ho  gouernador  despois  de 
dar  de  vestir  aos  do  capitão,  mãdoulhe  hiia  bandeira  de 
damasco  branco  com  bOa  cruz  vermelha  em  sinal  de  paz, 
&  respondeolfae  cô  outra  carta ,  &  (ornou  os  a  mandar 
AO  barganlim,  &  quando  par  tio  desparon  toda  aartelha- 
ria  da  frota  em  sinal  de  festa,  &  antes  do  bargantim 
chegar  a  terra  htt  pedaço  laoçouse  fao  mouro  a  nado,  pe- 
ta Q  fosse  dar  noua  primeyro  que  fao  bargantim  chegas» 
se  da  bandeira  i^  leuauSo  ao  capitão.  O  que  sabido  em 
Arquico  foy  ho  aluoroiqo  tamanho  assi  nos  Christãqs  cok 
mo  nos  mouros,  que  bS  duas  mil  almas  forão  corrCdo  Í 
praja:  &  vendo  ho  bargantim  que  cbegauaaoportodei- 
tauSse  no  mar  com  grande  alegria  &  pegauão  dele  pêra 
o  leuar  a  terra*  E  nisto  veo  ho  capitão  da  vila  &  rece^ 
beo  a  bãdeira  com  grande  reuerencía,  adorando  a  cruz 
&  fawnáo  mujlo  gasaihado  aos  nossos,  mandou  ordenar 
sua  gente  em  procissam  &  ooela  foy  a  bàdeira  leuada  á 
vila,  &  foy  truorada  sobre  as  suas  casas:  &  por^  Ibe  ho 
gpuernador  escreuia  ^  se  queria  ver  coele,  &  assi  ver 
algQs  fradas  dQ  mosleyro  chamado  Bissam  !\  estaua  daK 
a  vinte  iegoas  mandou  os  logo  chamar,  &  ho  barnegais 
^  quC  ele  era  stigeito.  E  barnegais  hm  nome  doficio  que 
naquela  terra  he  como  condestabre ,  marichal  ou  fron*- 
teiro  mót:  &  estendiase  sua  jurdição  da  vila  Darquico 
ikle  a  cidade  de  çuaquS  que  sam  sessenta  legoas  polo 
siertão^  &  eira  vassalo  do  Preste  k  tinba  cõtinuamete 
guerra  com  h&  rej  mouro  comascãm  da^ia  terra.  E  iste 
^yto  oiSdoa  kx  áusr  aogatt^rnador^  que^e^ir^  tanta 


foy  ver  *  Hfaa  de  Maçiia  per»  lepartir  púlfis  eaotf  Auy* 
tas  cialeroas  dagi^a  dooe  4  ^i^  diziâo  ^  auia  nala :  &  aa- 
8Í  achoa  Q  erfio  aHx.  &  lodaa  choaa  &  fechadas  cõ  eha- 
ue  peta  ho  terbpo  da  necessidade.  £  repartidas  as  cis^ 
terna»  pêra  ae  toiaM  faMr&  agoada,  vio  toda  a  ilba  pêra 
leuar  deia  enformaçAo  se  ainda  em  algft  tèpo  quisesse 
laãdar  fazei  ali  hiút  ÍMrLatexa^  &  Tk>  ^  tinba  muyto  b& 
per  ta  garrado  &  de  bõ  fuado :  &  a  parte  da  ilba  ondesr 
lauâk>  aa  cisternas  era  de  pedra  &  a  cmtra  pareeia  f^r* 
tada  ao  mar^  &  nMHidaadea  medir  aehou  ^  tiaba  fl»il  & 
doaeolaa  braças  de  roda,  &  ^  era  oomprida,  &  do  meja 
onde  era  mais  estreita  tinha  de  largura  ccx).  &  em  htk 
dos  cabos  duzentas  &•  seseêla  &  em  outro  ccL  E  auia 
»a  lerra  grade  criaqfto  de  vaeae,  &  oiujlas  gazelas,  & 
(antas  lebres  que  as  mataufto  os  aossoa  a  pé,  &  do  maia 
era  mu^  deapoata  pêra  se  fazer  neta  quàlo  quisesseia. 
£  toraandose  bo  gouernadoc  pêra  o  gaJeão  vio  ¥ir  por 
terra  bfi  hoiaé  de  caualo  eõ  quatro  bo^s  diante,  &  pare<^ 
cSdotlie.  ^  seria  algii  recado  parele  lAandou  chegai  ho 
esquife  a  letra,  &  bo  de  caualo  se  chegou  á  agoa  bra^ 
dftdo.  GhrislJtoa  CbrisISoa.  lesu  Gbristo  filho  de  saneia 
2Aaria,  Hi  trazia  hfia  caita  grande  de  porgaroinho  estfi^ 
dida,  &  pitada  nela  a  iinagê  de  nossa  senhora  cÕ  ho  me- 
nino lesu  no.eoK)^  &  de  cada  parte  hú  anjo  &  abaixo 
os  apóstolos.  £  apresentando  os  bo^s  ao  gouernador  8- 
tnm  ed  outros  dous  no  esquife  tão  sem  medo  eeflM>  que 
eonoersaia  sempre  ci  os  nossos.  £  bo  gouernador  ot  re* 
cebeo  muyto  bS  &  beijou  a  imagS  muyto  cõtenie  de  ver 
ho  acatamento  &  veneração  que  os  Abexins  fazião  á  i« 
»agê :  &  preguntando  ao  ^  a  trazia  a  causa  de  a  trazer^ 
respõdeo  ^  pêra  testiasunho  de  sua  cbrístindade ,  &  ^ 
ko  eapitâo  lhe  mandara  t^  a  levasse,  de  ^  tambS  lhe  ileu 
iifta  carta  em  ^  lhe  escreuia  a  que  tinha  feyto.  £  estais 
do  este  bomfi  com  bo  gouernador,  preguutou  a  Alexan- 
dre dataide  ^  era  ho  lingoa  se  ouuera  na  índia  noua  de 
h&  homeaa  ^  ae  ehamanafiSateus  Q  fora  a  hu8e<or  os  noa* 
aoa  à  Incba.  £  aabSdo  is4e  bo  gouernador  jpera  saber  9k 


168  líÁ   HISTonrA   Dá  INBIà 

verdade  de  Mateus  disse  ao  lingoa  ^  fizesse  1}  nSo  sa* 
bia  dete  nada,  &  que  lhe  pregQtasse  que  bomê  era.  E 
ho  Abexim  ibe  contou  quem  era,  como  eu  ja  disse  no 
}iuro  terceiro  quando  a  raynha  Helena  ho  mâdou  á  In-* 
dia :  &  chegados  ao  galeão  ho  gouernador  mandou  por 
Mateus  que  hia  cÕ  Pêro  gomez  leixeira,  &  como  ele 
chegou  foy  cousa  estranha  ho  grande  praser  ^  os  Abe-r 
xins  mostrarão  coele  &  beijauâlhe  a  mão:  &  elec5muy« 
tas  lagrimas  daua  graças  a  nosso  senhor  !|  ho  deixara 
etiegar  a  tepo  em  í\  se  mostrasse  ser  sua  embaixada  ver-» 
dadeyra  &  outras  boas  palauras :  &  mandou  dizer  ao  ca^ 

Êitão  Q  mandasse  dizer  ao  Barnegais  &  aos  frades  de* 
íisam  ^  viessem  logo  em  todo  caso.  E  sabido  em  Ar* 
quico  que  Mateus  estaua  no  porto  de  Maçua  ao  outra 
dia  ho  foy  ver  muyta  gSte  &  preguntauâo  por  abima 
Mateus.  E  abima  em  sua  lingoa  quer  dizer  padre  como 
ja  disse ,  &  assi  ho  bonrrauSo  eles  beijandolhe  as  mftoa 
&  os  vestidos,  que  os  nossos  folgauâo  muyto  de  ver  por 
se  certificarem  {^  fora  verdadeyro  embaixador ,  &  não> 
echacoruo  como  algQs  immigos  Dafonso  dalbuqueri}  dei« 
tarão  fama  Q  era  quando  foy  á  índia  &  despoís  em  Potm 
lugal ,  por  ode  esteue  em  descrédito  ate  aquele  tempo. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXV. 

De  catno  ho  capitão  Darquico  foy  falar  ao  gauema-' 
dor ,  ^  despois  ho  forâo  ver  noue  frades  do  mosteiro 
de  Bisam. 

jfxo  outro  dia  sabendo  Ko  gotiernador  que  erSo  fugidos 
pêra  terra  três  dos  nossos  da  galé  de  lorge  barroto,  ma- 
dou  ho  ouuidor  geral  a  terra  que  os  fosse  buscar,  &  ^ 
pedisse  ajuda  ao  capitão  Darquico  se  lhe  fosse  necessa-* 
ria :  &  também  lhe  pedisse  da  sua  parte  que  nãotardas* 
se  mais  em  se  ir  ver  coele ,  por^  ele  por  não  deixar  a 
frota  soo  ho  na  fazia.  £  sabendo  ho  capitão  como  os  no6«* 
ws  erâo  fugidos  os  mandou  logo  prender  da  ht  a  cinca 


UVRO  T.   CAPITVLO  XXV.  169 

legoas  onde  os  tomarão:  &  ao  outro  dia  se  foi  com  ho 
ouuidor  a  ver  ho  gouernador  acompanhado  de  muyla 
gente  &  foj  por  terra,  &  chegado  a  (iro  de  bés4a  do 
iDar  desparou  a  nossa  frota  toda  suaartelharia,  de  que 
€4e  6coii  tâo  espantado  que  não  foy  mais  por  iiiánle  & 
tremia  todo.  O  que  entendendo  ho  ouuidor  lhe  disse  a 
causa  do  desparar  da  arlelharia :  mas  ele  não  se  segurou 
coisso  &  deizouse  estar  quedo,  posto  que  chegarão  ai- 
gfls  fidalgos  H  ho  gouernador  mãdou  pêra  ho  acompa«> 
nharS  ale  a  capitaina.  E  ho  ouuidor  que  entSdia  seu  me^ 
do  não  quis  apertar  coele  que  fosse  á  capilaina,  porQ  re- 
ceou que  entrasse  nele  alg&a  desconfiam^a ,  &  por  ieso 
iio  íoy  dizer  ao  gouernador,  aconselhandolhe  que  fosse 
a  terra  a  verse  cd  ho  capitão.  O  i}  ele  fee  leuando  Ma- 
-teus  consigo,  &  despois  de  se  receberem  com  grade  a- 
mor  abraçãdose,  assentaranse  em  três  cadeiras  :&  ím> 
capitão  fora  do  medo  que'  tinha  começou  de  dizer  que 
daua  muytas  graças  a  nosso  senhor  Deos  por  se  ccmiprir 
hua  profecia  que  (inhão  quç  dizia  1\  auião  de  vir  Chris- 
tãos  ao  porto  de  Maçuá:  &  pois  era  comprida  que  lhe 
pedia  da  parte  de  Deos  todo  poderpw)  f{^e  se  cfoardasse 
anlreles  aquela  paz  &  amizade  que  ele  meanro  Deos  mS- 
dará  ter  aos  seus  discípulos  emnomedetodopoooChrís- 
tão.  E  2)  presopondo  ele  que  isto  auia  assi  de  scv,  ho  vi- 
nha ver  &  a  quantos  vinhão  coele  como  <a  Christâos,  & 
que  auia  tão  longo  tempo  que  se  desejauão  naquela  ter^ 
ra,  &  <]ue  fosse  certo  que  faia  pêra  fazer  quanto  lhe  mã^ 
dasse,  somente  porque  era  Chrislão  &  por  trazer  oonai- 
go  Cfarislâos,  &  que  ao  mesmo  viria  hoBarnegais  que 
chegaria  ate  três  dias.  E  ho  gouernador  lhe  respSdeo 
que  a  paz  &  amizade  estaua  muy  segurada  aua  parte ^ 
&  assi  de  todos  os  nossos:  porque  ele  não  viera  ali  se 
não  pêra  esse  fim ,  &  segurouho  quanto  pode ,  &  por  a 
calma  ser  grande  se  deteuerão  pouco.  E  ho  gouernador 
lhe  deu  em  sinal  damizade  fafia  espada  &  outras  cousas 
com  que  ele  folgou  muyto:  &  coisto  se  desptdirSo,  &  o 
capitão  caualgou  em  hfi  caualo  4  trazia  a  destro,  &  to- 

LIVRO  V.  Y 


170  BA   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

naodo  bQa  lança  correo  ho  capo  com  muyta  desenoclta* 
ra  &  ár.  E  chegado  a  Arquico,  chegarão  hi  noue  /ra« 
des  do  mosteiro  de  Bisam  que  hião  falar  ao  gcueroador^ 
que  sabendo  sua  vinda  mandou  logo  lá  ho  ouuidor  pêra 
que  viesse  coeles ,  &  ooele  Alexandre  dataide  pêra  lio» 
goa^  &  forSo  por  lerra  em  caualos,  &  assi  tornarão  com 
os  frades  que  hião  a  pé  por  lho  mandar  assi  a  sua  re» 
gra.  E  sabfido  ho  gouernador  como  hião  os  sayo  a  rece- 
ber á  borda  dagoa  nos  bateys  que  hião  lodos  embãdei^ 
rados  &  cõ  as  trõbetas,  &  dali  os  leuou  com  grade  festa 
de  folias  ao  galeão,  onde  todos  os  clérigos  da  frota  &  os 
calores  do  gouernador  os  estauão  esperando  no  bordo  do 
galeão  com  suas  sobrepelizes  vestidas  &  h&a  cruz  leuãr 
tada,  &  ate  os  frades  entrarem  cantarão  ho  cato  de  BA*- 
dictus  d&s  Deus  Israel.  E  em  os  frades  entrando  toma*- 
rão  a  cruz  &  adorarãna  com  lanta  deuação  &  reueren- 
€Ía  que  não  auia  qu6  não  desse  muylas  graças  a  Deos 
de  ho  ver :  &  despois  de  adorarS  a  cruz  íizerão  muyto 
acatamento  a  Mateus.  Despois  disto  o  gouernador  lhes 
mandou  dar  de  comer  na  sua  camará  tâmaras ,  nozes  & 
outras  fruytas,  porque  não  comião  carne  nem  pescado^ 
&  en£)rmandose  deles  particularmente  do  seu  mosteiro 
&  da  sua  regra  deulhes  licença  pêra  i\  fossem  com  Ma- 
teus á.nao  em  que  ele  vinha.  E  despois  destarem  lá  hfl 
pedaço  se  tornarão  pêra  Arquico  &  foy  coeles  ho  ouui- 
dor ^  ho  gouernador  mandou  pêra  ir  ver  ho  mosteiro  de 
Bisam  9  &  ver  o  que  lhe  os  frades  disserâo  dele,  &  deu- 
Ihe  hQa  carta  pêra  ho  próprio  capitão  Darquico  que  che- 
gara de  casa  do  Barnegais  onde  era,  que  estoutro  Q  dis- 
se não  era  ho  próprio  &  ficara  em  lugar  do  outro,  & 
nandoulhe  hil  presente* 


LjyjRQ  V.  CAPITVLa  XXVI.  171 

C  A  P  I  T  o  L  o    XXVI. 

J)q  súíq  (fe  mosteiro  de  Bisam ,  4-  da  regra  que  goardâo 

os  seus  frades. 


.l^hegado 


o  ouoidor  a  Arquioo,  &  sabendo  ho  capitSo 
que  queria  ir  ao  rooaleiro  de  Bisam  mãdoii  a  hu  seu  ir^ 
mão  que  fosse  ooele  coro  quinze  piães,  &  deulhe  duan 
mulas  pêra  dous  dos  nossos  que  hiSo  coele ;  &  ho  majo- 
rai dos  frades  porQ  não  auia  dir  logo  mandou  coele  hS 
frade  chamado  EsleuSo  ^  &  pariido  Darquico  começou 
de  camiahar  por  iida  terra  despouoada  em  que  auia  muy^r 
ta  caça  de  veaçâo  &  rouylas  gabelas»  E  ao  outro  dia  cor 
neçoo  de  topar  em  magotes  muyta  gente  de  pé  &  d? 
eiiualo«  que  vinhSo  em  mulas:  &  estes  erSo  da  compai- 
ahia  do  Barnegais  ^  vinha.  E  despois  desta  gente  achou 
quatro  mulas  a  destro  &  quatro  caualos  tamanhos  com^ 
08  Dandalozia,  &  hQ  pedaço  atras  vinha,  ho  Barnegais  % 
H  ha  tiro  de  besta  dele  se  deceo  ho  irmão  do  capilâ# 
Darquico  &  lhe  foy  falar ,  &  ho  Baroegais  não  deixou 
dâdar  em  quanto  lhe  ele  falou.  Ho  ouuidor  em  cheganí- 
ádo  ao  Barnegais  deceose  pêra  lhe  falar ,  &  ele  deteue 
iiQa  mula  em  que  hia:  &  era  homem  de  boa  estatura 
magro  &  laçado  hCl  pouco  por  diSte.  Seria  de  sessêta  aUr 
nos :  vinha  vestido  de  pano  branco  dalgodão  &  cuberfo 
com  hjl  bedem  muyto  fino.  Chegado  ho  ouuidor  a  ele 
beijoulhe  a  roupa  sobre  bu  giolho,  &  disselhe  que  era 
ChristSo  que  vinha  na  frota  que  el  rej  de  Portugal  maoi- 
4ara  ao  porto  de  Maçuá,  pêra  seruiço  de  Deos  &do  Presr 
te  Sc  exaligamento  da  fee  catholica.  Ho  Barnegais  lhe  di»- 
ee  que  sua  vinda  fosse  muyto  boa,  &  que  auia  de  ser 
com  niuy  grSde  trabalho  pois  era  de  tão  longe ,  &  por 
falar  com  ho  gouernador  se  abalara  de  sua  terra,  &  pois 
hía  ao  mosteiro  de  Bisam  que  tornasse  logo,  porque  der 
aejaua  de  falar  coele  antea  de  se  ver  com  ho  gouernar 
éof^  &  niãdaua  coele  atais  gfile ,  &  ele  nSo  quis.  £  ar 

Y  2 


1 7  S  BA  RI8T0 atÁ  DA  índia 

Eartado  do  Barnegais  começou  de  caminhar  por  antre 
Qas  serras  ao  longo  de  húa  ribeira  terra  mujio  grossa 
&  viçosa ,  em  que  auia  tãta  criação  de  gado  vacufl  que 
vio  por  onde  hia  bem  oyto  mil  vacas^  &  na  coroa  de  bua 
darias  serras  6  htl  escapado  estaua  hOa  borla  dorlaliça 
&  larâgeiras,  &  junlo  coela  bua  cerca  j)  cercaua  hii  mos* 
teiro ,  em  {)  o  ouuidor  entrou ,  &  á  porta  da  igreja  bo 
recebeo  hõ  frade  velho  &  deulhe  a  beijar  h&a  cruz,  & 
despois  entrarão  na  igreja  que  era  quadrada  sem  capela 
móf  &  na  cabeceira  tinha  hfi  altar  quadrado  que  não 
chegaua  á  parede  cuberto  de  panos  pretos  &  não  auia 
outro ,  &  estaua  nele  a  ]mag3  do  anjo  saro  Miguel ,  & 
afastada  deste  altar  atrauessaua  hâa  corrediça  de  se^a 
"que  chegaua  de  parede  a  parede,  &  por  todas  elas  es* 
tauilo  pintadas  mujtas  ímagSs  de  sanctos^  &  antrelas  a 
figura  de  sam  lorge  como  a  nos  temos,  &  a  de  Moyses 
€Õ  as  tauoas  da  lej,  &  todas  cuberlas  cÕ  panos.  E  nes- 
te mosteiro  não  estauão  mais  i|  ojto  frades,  &  as  celas 
erSo  redodas  cuberlas  de  palha  c&  curucheos  &  cruzes 
nas  pôtas  deles,  &  linha  bQa  boa  horta  em  que  auia  par* 
rejras ,  limoeiros ,  figueiras  &  pessegueiros  cõ  pêssegos 
limpos  da  frol  &  era  em  Abril,  &  daqui  se  parlío  ho  ou- 
uidor pêra  ho  mosteiro  de  Bisam  que  está  sobre  ho  pico 
de  bfia  serra  cercado  ao  derredor  onde  chegou  despois 
de  véspera,  &  aa  porta  da  cerca  ho  receberão  algiis  fra- 
des cujos  habites  erão  túnicas  &  mantos  de  teadas  gros- 
sas amarelas  &  os  capelos  fejtos  como  murças,  &  cada 
b9  tinha  encima  da  cabeça  híia  cruz,  &  coeles  estauão 
q^ulze  moços  de  qualorze  anos  cada  hfi ,  que  erão  orfòos 
&  criauânos  os  frades  por  amor  de  Deos :  daqui  foy  le- 
uado'  a  outra  cerea  c}  cercaua  a  igreja  a  cuja  ))orla  ho 
fizerão  descalçar  por^  auia  denlrar  deniro:  hy  aqui  re- 
cebido- de  sete  frades  cõ  capas  de  borcado  de  IMeca  da 
manejra  que  16  os  nossos  frades  nas  festas ,  &  os  cinco 
tinha  cada  hú  sua  cruz  teuaniada,  &  os  dous  senhes  re- 
iauolos  de  nossa  senhora.  Goesles  estaua  ho  majorai  do 
mosteiro  também  com  hâa  capa  cÕr  bú  pedaço  de  /^eda 


LIVRO   V.    CAPITVLO  XXTI.  Í7S 

lanc^aclo  em  cruz  ao  pescoço,  &  atei  outros  frades  seos 
capas,  &  bft  deles  toniou  ho  ouuídor  pola  mSo  &  ho  me* 
teo  na  igreja  ^  era  feyta  pela  viloia  da  do  oulro  moslei- 
ro:  &  DO  altar  tinha  hd  retauolo  grade  de  pao  em  {|  es*^ 
tauSo  as  figuras  da  sanctissima  Trindade  todas  três  de 
bOa  igoaldade  &  idade,  &  nos  câtos  do  retauolo  as  ima* 
•gfis  dos  quatro  euãgelistas  como  as  ba  ãtre  nos.  Auia 
mais  outro  altar  em  que  eslaua  hfl  crucifixo  com  oossa 
senhora  de  bâa  parte  &  sam  loâo  da  outra ,  &  hOa  ima- 
-gfi  de  nossa  senhora  do  pranto  muyto  deuoia,  &  outras 
^uas  imagês.  E  assi  auia  outros  dous  altares  de  nosso 
«enbor  &  de  nossa  senhora,  &  polas  paredes  muytas  pin- 
turas de  santos.  Tambè  lhe  foy  mostrada  a  sanchristia , 
em  A  auia  muytos  ornamentos  de  seda  &  muylos  cáli- 
ces douro  &  de  prata,  &  outras  peças  do  culto  diuino: 
&  assi  lhe  forão  mostradas  todas  as  officinas  do  mostei» 
IO,  de  que  nSo  faltaua  nenhila  pêra  ser  como  os  nossos, 
mas  não  tinha  mais  que  hQ  sino  &  este  de  cobre  sem 
badalo,  &  tãgiâno  cÕ  bfi  maço:  &  por  derradeyro  lhe 
mostrarão  hfla  sepultura  alta  cercada  de  candieiros  que 
acendião  ás  vezes.  £  visto  bo  mosteiro  assentouse  bò 
ouuidor  cora  bo  mayoral  dele  que  auia  nome  Samara 
cbrislus ,  &  coeles  cinco  frades  velhos  &  muyto  magros 
^ue  parecião  de  boa  vida,  &  ho  mayoral  lhe  contou  que 
auia  trezentos  &  cincoenta  annos  que  a()le  mosteiro  fo- 
ra edificado  por  bia  horoê  sancto  chamado  Pheirpo  cuja 
sepultura  era  aquela  grande  que  vira,  &  Q  os  frades  da* 
quele  mosteiro  &  todos  os  outros  da  terra  do  Preste  e-^ 
fão  da  ordè  de  sancto  Antão,  &  (}  se  mãtinbão  todos  dè 
seus  trabalhos ,  que  cauauão  &  roçaufio  &  faziIo>  por  a- 
^)as  serras  muytas  laueiras,  &  tinhfio  grande  criação  de 
gado  &  de  mulas  que  vendião  pêra  suas  necessidades , 

ÍorI}  as  esmolas  erão  poucas  &  os  dÍ2Ímos  leuauaos  ho 
laruegais :  &  disselbe  que  a  \ey  euaogelica  fora  prega- 
da na^la  terra  polo  euãgelista  saro  Mateus,  cuja  ossada 
estaiia  em  Alexandria ,  &  l\  tinhâo  a  briuia  em  j)  não 
linbio  mais  que  três  liuros  desdca,  &  que  tinbão  as  e^ 


174  BA   HinOttlA    DA    índia 

pistolas  de  sam  Paulo:  &  ^  coslumauão  de  se  cftressar 
como  cometião  ho  peccado.  E  q  crião  c}  nosso  senhor 
dera  poder  n  sara  Pedro  de  absoluer  &  condenar^  &  que 
ele  deixara  bo  mesmo  poder  a  seus  subcessores.  É  a 
causa  por^  não  reconheciâo  por  superior  bo  nosso. Papa 
era .  por  ser  muy to  longe  dali  a  Roma ,  &  auer  muytos 
mouros  &  turcos  no  caminho.  E  a  isto  lhe  disse  bo  ou<> 
uidor  se  lhe  queria  dar  hCla  caria  dobediScía  pêra  ho 
nosso  Papa  &  outra  pêra  el  rey  de  Portugal  &  eie  disse 
Q  si,  roas  tornou  logo  a  dizer  que  era  ja  noyle.  E  ao  ou- 
tro dia  era  sábado,  &  que  não  auia  de  falar  coele  nfi  fa- 
zer nada,  por^  ho  goardauão  á  honrra  de  nossa  senhora 
assi  como  ho  domingo ,  &  por  isso  não  auia  descreueri» 
Ii8  ele  auia  de  poder  aeoardar  pois  vinha  Ião  depressa^ 
mas  que  lhe  daria  hfi  liuro  que  mostrasse  a  el  rey  de 
Portugal  &  ao  Papa ,  pêra  que  vissem  em  que  criio  08 
Chrislãos  do  Preste ,  &  logo  Ibo  deu  ,  &  era  de  oy  tauo 
em  letra  da  sua  lingoa.  E  coisto  se  despedio  dele ,  & 
ele  foy  leuado  a  húa  cela  em  2|  estau2o  duas  lauoas  por 
cama  &  hCla  piedra  á  cabeceira ,  &  bua  m.aota  pêra  esh 
bertura.  E  estas  camas  LinhSo  os  frades,  porque  em  ti^ 
do  trataiiSo  muy  to  mal  seus  corpos  &  fazíão  áspera  peop 
dença^  de  que  parece  qae  se  nosso  senhor  seruia  &  oi»- 
uia  suas  oraçfies ,  &  que  estauão  por  fortaleza  da  Cbriap 
lindade  que  jada  daquelas  serras  pêra  dentro:  nem  he 
pêra  crer  outra  coMa  estaedo  iSo  cercada  da  seita  de 
Mafamede  &  nSo  sé  lhe  pegar  nada :  porque  da  banda 
do  estreito  tinha  ho  rey  de  Zeiia  &  de  Barbora  &  tx>da 
a{|Ia  corda,  &  da  outra  parte  Magadaxó,  &  coiros  rey» 
com  Q  tioha  guerra :  &  da  bâda  do  Cayro  a  traués  de 
çuaquS  sessenta  legoas  acima  de  Maçuá  tinha  hu  re|r 
mouro  senhor  daquela  terra  dantre  ho  Preate  &  ho  Cay- 
ro cõ  que  bo  Barnegais  tinha  sempre  guerra  como  ja 
disse.  Assi  ^  estar  esta  terra  tâo  inteira  oom  suaChrit- 
iandade  tendo  tâo  má  vezinhã<^  não  era  sem  grade  <nia- 
terío  de  nosso  senhor.  E  assi  Kcolhido  ho  ouuídor  a  aua 
cela  9  lauoulhe  hd  frade  es  pós  com  agea  quête,  &  dee- 


LIVUO  V.  CAPlTTIiO  ZXTfl.  175 

£018  lhe  deu  de  cear  pão  de  trigo ,  &  de  ceuada,  &  mel 
;  cebolas  ^  &  vinho  de  mel  ^  porque  bo  não  auia  duuas  ^ 
aA  ibe  deu  outras  igoariaa  porque  os  frades  não  comião 
carne  nem  pesoado^  &  pêra  fao  caminho  lhe  deu  da  par^ 
le  do  mayoral  duas  gamelas  de  farinha  &  mujlas  cebo^ 
las^  &  limões:  porque  não  auia  dachar  que  comer.  £ 
ao  outro  dia  que  era  vespora  da  pascoela  em  amanhe** 
eendo  se  partio  ho  ouuidor  pêra  Arquico^  &  chegou  laa 
ho  domifigo  seguinte. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXVIL 

De  como  ho  gouemadot  se  via  com  ho  Bamegais  ^jfp- 
rarâo  ambos  de  dous  amissade  em  nome  de  seus  s^ 
nhores. 

\Jmde  aciíoii  a!da  ho  Baraegais  Q  ho  gouernador  sabfi^* 
do  {|  hia  pêra  AirquiGo  bo  mádou  receber  por  António 
de  Saldanha )  &  por  António  de  brito  caçador  mor  dei 
rey  de  Porlugal:  ^  ferio  muyto  bem  alauiados,  assi  de 
suas  pessoas  como  dos  Q  os  acompanhauJIo,  em  ^  em 
Irauão  trinta  espingardeiros  &  outros  tantos  besteiros^ 
&  forâo  t<^r  cd  bo  Barnegais  duas  legoas  al§  Darquico  i 
&  sabêdo  ele  quê  erão  fezlbes  muyta  hõrra  &  mostrou 
muyto  prazer  cõ  qjia  vista ,  &  quando  se  tornarão  pêra 
a  frota  Jbes  disse  que  dissessem  ao  gouernador  ^  logo 
ao  outro  dia  ho  iria  ver.  Mas  ele  não  foy,  por([  bfis  mou«- 
ros  questauão  S  Arquico  moradores  de  IMa^uá  pesando** 
Ibe  desta  amizade  (}  nosso  senhor  ordenaua  antre  bo  go* 
uernador  &  bo  Barnegais ,  por^  sabião  Q  auião  de  ser 
laçados  da  terra :  &  por  isso  persuadirão  ao  Barnegais  (} 
não  fosse  falar  ao  gouernador,  pori|  coroo  estaua  tâo  po* 
deroso  no  mar  prfidelo  hia  &  nã  bo  soltaria  ate  lhe  não 
dar  grades  tesouros ,  porQ  os  nossos  erão  muyto  cobiço- 
sos :  &  tãb&  por  ele  ser  mais  honrrado  ^  bo  gouernador^ 
deuia  ho  geuerimdor  dir  onde  éle  estaua.  £  vSdo  ho  go* 
iiemador  cono  eks  nfto  bia  mãdoulbe  recado  per  hix  Fer« 


176  .'DA  niSTOltlÁ  DA  ÍNDIA 

nâo  dia2  qtte  sabia  a  lingoa :  pedindolbe  que  fosse  por(| 
/coijDprJa  tmiyto  a  seruiço  de  Deos  &  de  Preste.  E  ele 
respõdeo  ^  fosse  ho  gouernador  a  Arquico  &  bi  se  ve* 
riáo.  E  tendo  dada  esta  reposta  chegou  ho  ouuidor,  & 
sabendoa  lhe  foy  logo  falar ,  &  mostrando  que  a  não  sa» 
bia,  lhe  disse  i\  queria  esperar  pêra  ho  acompanhar 
quando  fosse  ver  ho  gouernador.  E  dizendolhe  ele  o  que 
tinha  dito  a  Fernão  dias,  respondeo  ho  ouuidor  ^  P^^^ 
nenhfl  modo  podia  ho  gouernador  deixar  a  frota:  &  ain^ 
da  que  poderá  pois  ele  era  Christão  &  dezia  que  deseja- 
ua  de  seruir  a  Deos ,  que  não  deuia  4]auer  por  mal  ir 
ver  quem  'ho  hia  buscar  de  tão  longe,  &  não  pêra  seu 
iateresse  se  não  pêra  exalçamSto  da  (è  de  lesu  Cibrísto 
nosso  senhor.  E  aobrísto  ouuevantreies  muytas  palauras, 
persuadi ndolhe  ho  ouuidor  que  fosse ,  &  ele  escusándo- 
se:  ate  que  ho  ouuidor  lhe  disse  que  ho  gouernador  não 
deixaua  dir  senão  pori)  as  nãos  não  podiãochegara  Ar* 
quico  nem  os/oulros  nauios  ofrandes,  &  que  podendo  ele 
fofa:  &  Q  os  verdadeyros  Chrtatãoa  nã  deuião  de  ter 
pontos  donrra  sobre  o  (|  compria  a  seruiço  de  Deos : .  & 
ho  mesmo  lhe  disserão  ho  capitão  Darquico  &  outros  fí* 
dalgos  (Q  se  souberão  4  os  mouros  erão  isausa  daquelas 
duuidas  maíarãnos  a  todos).  E  vendo  ho  Barnegais  a 
perfia  ^  todos  tinhão  ceele ,  disse  l\  se  visse  ate  onde 
as  nossas  galés  podiâo  chegar,  &  que  hi  viesse  ho  go* 
uernador  &  ali  se  viriao.  E  disto  não  aprouue  ao  gouer* 
nador  quando  ho  soube,  pareceodolhe  Q  aquilo  era  al- 
gQa  roindade,  &  mandou  lá  António  de  saldanfaa  sobrís* 
so^  que  não  pode  mais  acabar  se  não  que  se  visse  õda 
as  gales  podessem  chegar.  E  ho  gouernador  ho  não  quis 
por  não  parecer  outra  cousa  ao  Barnegais :  &  ao  outro 
dia  se  partio  nas  gales  &  nauios  pequenos,  &  nos  ba- 
teys  em  qae  auia  de  desembarcar,  em  Q  leuaua  muytas 
armas  alastradas  pêra  irem  secretas  que  não  sabia  o  que 
aconteceria^  Ho  Barnegais  estaua  ja  esperado  bem  a- 
fastado  do  mar  com  duzStos  de  caualo  &  dous  mil  de  pé. 
Ho  gouernador  desembarcou  com  toda  a  gente  ^  &      ' 


LrVRO  V.'  CÀPITVLO  TXVÍU  177 

x»nidoa  posta  ém  ordem  ao  loogo  do  mar  apartouse  cd 
es  fidalgos  (cujos  pajés  biSo  armados  pêra  ho  Barnegaís 
rer  as  Bossas  armas)  &  meteose  em  hQa  tenda  que  man« 
dou  armar  pêra  esta  vista :  &  ainda  sobrisso  ouue  deba« 
tes ,  porque  ho  Barnegais  não  se  queria  abalar  donde 
estaua,  dizSdo  que  fosse  lá  ho  gouernador.  B  por  impor* 
lunações  de  Mateus  ScDantonio  de  saldanha  oõsentio  j| 
mouessem  a  pé  eie  &  bo  gouernador  ábos  a  bua  dõdes-» 
tauão,  &  {}  no  lugar  em  Q  se  ajtltassfi  se  falariSo:  &  a* 
jfttaranee  bQ  b6  tiro  de  besta  do  mar  em  hd  grflde  capo 
verde,  &  por  este  espa<;o  6cou  deles  a  gfite  d&  &  do 
outro.  Cõ  o  gouernador  biSo  os  capitães  da  frota ,  &  cõ 
ho  Barnegais  cico  seflores  dos  <)  vierão  coele :  &  abra* 
cftdose  cõ  moyta  cortesia  se  assêtarão  em  hiias  alcatifas^ 
èc  cò  todos  os  rigores  passados  estauão  tão  c5tSles  de 
se  verem  (|  todos  lho  Sxergauão,  &  ãbos  derão  muitas 
graças  a  deos  poios  aj Citar.  E  bo  gouernador  começou  Jo- 
go, dizSdo.  Ho  muyto  poderoso  rey  de  Portugal  «eu  se- 
ftor  desejado  de  prosseguir  a  guerra  (|  seus  antecessores 
fizerão  sempre  aos  mouros :  c5  que  não  somCle  Ibe  ga- 
nharão a  terra  de  Portugal,  roas  outra  muyta  -6  Africa, 
desejado  de  os  destruyr  a  continuou  sempre  do  lêpo  1| 
reynou  ategora :  &  não  se  conlêtãdo  c5  a  S  faz  em  Â- 
frica  a  mãda  fazer  na  índia,  &  no  estreito  oe  Meca  por 
ser  certo  i)  nele  tS  os  mouros  suas  rayzes,  l|  ele  queria 
destruyr  de  todo:  não  estimando  os  grades  gastos  & 
despesas  que  nisso  faz  com  bo  trabalho  de  seus  vassalos, 
})orque  b®  pêra  seruiço  de  nosso  senhor  Deos.  E  t;6do 
ele  por  noua  I)  ho  Sperador  da  alfa  Ethíopia  era  Chris- 
tianissimo ,  desejado  sua  amizade  por  este  respeito  ma** 
dou  aos  seus  capitães  mores  &  gouernadores  da  índia  ^ 
mãdassê  descobrir  polo  efetreito  se  ha  algtl  por  lio  de  seu 
seflorio :  &  como  ho  misericordioso  deos  ajuda  bSs  dese* 
jos,  assi  ajudou  a  executar  este,  inspirado  na  raynha 
Helena  mãy  do  Preste  t)  mãdassesHa  êbaixada  a  eirey 
meu  se&or  por  Mateus  2)  aqui  está:  o  (}  parece  nã  ser 
sê  mistério  muy  grade :  &  ()  quer  nosso  seikor  4  ^^  ^j^** 

LIVAO  V.  z 


178  DJ    HI6TOmiA    DA   I19DIA 

t6  estes  dom  prlcipes  pêra  total  destruyçio  dos  mouros: 
fc  q  assi  como  lhe  a  eie  aprouoe  (|  ho  apostolo  sã  Ma- 
teus denQciasse  nal}la  terra  a  ley  euãgelica :  (|  assi  teue 
por  bS  que  por  outro  Mateus  que  era  ho  embaixador 
soubesse  el  rey  meu  senhor  ho  desejo  Q  ho  Preste  tinha 
de  sua  amizade :  pêra  que  ajuntando  ambos  seus  pode^ 
les  desarrejgassem  daquelas  partes  a  seita  de  Mafame^ 
de ,  &  por  esta  causa  mandou  el  rey  tneu  senhor  sen 
embaixador  com  Mateus  pêra  assentar  cõ  ho  Pceate  paz 
&  liãça  pêra  sempre,  í\  morrera  como  Mateus  sabia:  & 
dali  se  nào  [K)dera  roais  tornar  ao  estreito.  £  eu  me  ey 
por  muyto  ditoso  dos  impedimentos  que  sucederfio  pêra 
isso,  pêra  eu  ser  ho  corretor  desta  amizade  &  lian^a^  & 
ser  ho  primeyra  por  quem  el  rey  meu  senhor  ha  de  ter 
▼erdadeyra  nulicia  do  Preste,  &  quâdo  vim  ao  estreito 
fi>y  meu  intento  ir  primeyro  a  ludá  a  pelejar  com  a  ar- 
mada dos  rumes,  &  da  volta  despejar  dos  mouros  as 
ilhas  de  Dolaca  &  de  Maçuá  &  entregalas  aos  capitães 
do  Preste  8c  fazer  eom  sua  licença  bua  fortaleza ,  qu6 
1^0  poderá  ser  por  se  me  perder  htta  nao  em  que  trazia 
os  pertrecbos  pêra  isso.  E  coistu  acabou.  E  ho  Barne* 
gais  respondeo.  Louuado  seja  *  ho  poderoso  Deos  pêra 
sempre,  que  permitio  que  se  compi^issem  as  proficias 
que  tínhamos  do  ajâtainSto  doS  Christãos  cõoosco.  B 
bem  creo  eu  que  pêra  isso  auer  eíTeyto  inspirou  ho  Spi* 
ritu  sancto  na  raynha  Helena  que  mandasse  Mateus 
por  embaixador  a  el  rey  de  Portugal,  pêra  que  com  ho 
Fresle  fossem  irmãos  por  liaúr*a,  pois  ho  sam  em  lesu 
Chrtsto  nosso  senhor^  &  no  cuydado  que  tem  de  fazer 
aos  mouros.  E  pêra  isto  auer  effeyto  abaley  eu  de  fão 
ICge  como  venho ,  &  pêra  á  guerra  dos  mouros  ho  Pres- 
te dará  toda  a  ajuda  de  gSte  &  dinheiro  que  for  neces* 
saria :  &  se  ele  visse  despejadas  Dolaca  &  Maçuá  auer 
se  hia  por  mór  senhor  do  que  he :  &  mais  se  visse  em 
qualquer  delas  hQa  fortaleza  dos  Portugueses  que  ele 
&ra  á  sua  custa  somente  qtie  eles  a  goardem.  E  despoís 
desta  prática  &  concerte  q^ue  fizerào  >  ^  ho  gouernadof 


/ 


LiytO  ▼.  OAFITTtO  KXVIfl.  179 

iHindatSie  hQ  M^haixador  ao  Preste  em  nome  do)  rey  de 
Portugal,  lurarão  árabes  cada  hii  em  nome  de  seu  se^- 
^hot  ainísade  &  líâça  pêra  todo  sempre:  &  ho  Barne- 
^ais  )urou  priméyro,  dizendo  em  voz  alta.  Eu  juro  oesr 
le  sinal  da  crua  em  que  padeceo  nosso,  senhor  em  nom0 
Áo  Preste  meu  senhor  &  no  meu  de  sermos  amigos  dos 
Amigos  do  Cbristianiesímo  rey  de  Portugal  9  &  immigos 
àe  todos  os  seus  immigos ,  &  amigos  de  todos  os  seus 
vassalas  &  seruidores,  &  immigoe  dos  immigos  da  fé  da 
nosso  senhor  Iqsu  CbrJstQ :  a  que  peço  !\  se  goarde  an« 
Irenos  aquela  paz.&  amizade  que  ele  mandou  i)  se  goarr 
dasae  autre  os  seus  apostobs.  £  bo  goueroador  fez  ou* 
Iro  jufameato  pelas  oaesoiaa  palauras. 

G  A  P  I  T  V  L  O    XXVIII. 

De  como  bo  gauernador  mádcu  dom  Rodrigo  d€  Uma 

por  ^baixador  ao  Preste. 

Xurada  esta  amizade  com  muyto  grande  alegria  de  to- 
dos que  se  chegarão  logo  de  boa  parte  &  doutra  esteue-* 
râo  ainda  ho  gouernadiM* ,  &  ho  Barnegais  faiado  em  al- 
guas  cou^ias :  &  ho  gouernador  lhe  deu  dous.  corpos  de 
ooiraças  ricas  &  h&  arnês  iteiro  &  espadas ,  adargas  & 
punhais  &  dous  bedês  de  seda  &  outras  peças  ricas.  E 
despedidos  hQ  do  outro  Tecolheose  ho  gouernador  aos  ba- 
teis, &  ate  se  embarcar  não  quis  ho  Barnegais  partir: 
&  isto  por  cortesia,  &  despois  se  partio  pêra  Arquico, 
dõde  aquele  dia  mandou  ao  gouernador  hii  caualo&hQa 
mula  &  cincoõta  vacas  que  ele  repartiu  peia  fro(a,  em 
4  aula  grande  aluoroço,  principal mSte  antre  os  fidalgos, 
por  se  abrir  caminho  pêra  exi^fçamSlo  da  fé  catbolica 
em  lugar  Õde  todos  trazíâo  tâ^  pouca  esperança  de  se 
achar:  pori^  todos  (como  dwie)  tiiínâo  a  Mateus  por 
miotiroso  nem  faziâo  conta  de  mais  que  de  ho  poer  em 
lerraf  &  vendo  ho  conlr^iro  aluoraçauanse  todos  com 
prazer  de  auceder  taflibe^)^  &  a  muitos  tomaua  desejo 

Z  2 


180  3A  HlfifòttlA  3A'ílfDfA 

de  irem  por  embaixadores ,  asei  pêra  seruirem  a  Deoi 
&  a  el  rey  de  Porlu§^al,  como  pêra  ver6  a  corle  do  Pres- 
te :  &  algOs  pedirão  esta  Sbaixada  ao  gouernador,  &  ele 
a  deu  a  hu  (ídalgo  chamado  dÕ  Rodrigo  de  lima,  &  por 
8oía  embaixador  &  escriufio  da  embaixada  htl  lorge  da- 
breu  deluaa ,  &  Hngoa  dela  loâo  escolar ,  &  forão  coelea 
hil  Lopo  da  gama  &  Francisco  aluares  clérigo  &  outros 
ate  treze.  E  despachado  dÕ  Rodrigo  &  Mateus  se  par* 
tirão  pêra  Ârquico  leuando  dÕ  Rodrigo  eslas  peças  pêra 
fao  Preste,  quatro  panos  darmar  de  figuras  muyto  finos, 
hllas  coyracas  de  ?eludo  carmesim  cõ  as  outras  peças 
liouradas ,  oc  hOa  espada  &  hú  punhal  douro ,  &  dons 
berços  de  metal  c5  suas  camarás  dobradas ,  &  dous  bar* 
ris  de  poluora.  &  hfi  mapa  com  todas  as  terras  que  el 
rey  tinha  na  índia  cÕ  cruzes  postas  nelas,  &  ê  algQas 
imagSs  de  nossa  senhora,  &  hiis  órgãos.  &  hQ  crauicor- 
dfo  y  &  hQ  tangedor  pareles ,  &  pêra  a  raynba  Helena 
mandou  hda  meada  daljofar  grosso  com  hOa  cruz  de  ru- 
bi#,  &  pêra  ho  mosteiro  de  Bisam  incenso  &  pimenta 
&  panos  de  seda  pêra  ornamentos  &  hua  campa ,  Sa  pa- 
nos pêra  vestiarra  dos  frades,  &  a  IMateus  mãdou  dar 
algilas  peças  de  que  se  ele  contentou,  &  ho  gouernador 
&  António  de  saldanha  forão  cçeles  hfl  pedaço.  £  Dar* 
quico  forão  ao  mosteiro  de  Btsam  ôde  se  finou  Mateus. 
£  éalí  partio  dõ  Rodrigo  pêra  a  corle  do  Preste:  de  eu- 
ja  partida  os  mouros  daquelas  partes  ficarão  muyio  tris- 
tes Q  temião  muyto  ajQtarse  ho  poder  delrey  de  Portu- 
gal cõ  ho  do  Preste  &  destruyrênos ,  &  dízião  que  pois 
irota  de  tamanhas  nãos  como  o  gouernador  leuaua  che- 
gara á  ilha  de  Maçuá ,  ê  cujo  caminho  auia  tantoa  bai- 
xos &  ilhas  que  dali  por  diante  cada  dia  irião  lá  as  nes- 
sas armadas,  &  chegarião  ate  çuea,  &  parecialhes  aqui- 
lo Cciminho  pêra  se  destruyr  sua  sei  la  como  tinhão  por 
profecia  de  muyto  tempo:  &  cõ  medo  do  gouernador  díes- 
jtejarâo  os  mouros  a  ilha  de  dolaca  &  se  forão  pêra  a  terra 
firme.  E  despoís  da  partida  de  dõ  Rodrigo  ho  gonernadof 
a  mãdott  queimar,  &  dahí  se  parlio  pêra  Ormua. 


LltmO^  ▼«   CAPITTLD  XXIX.  181 

«   •    '  •  •  •    . 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXIX. 

Do  §  aòõteceo  a  Oóçakf  de  lauh  indo  pêra  Mofãbique^c(h 
mo  ouue  a  arulharia  do  galeão  de  Manuel  de  sousa. 

vTonçalo  de  loule  qoe  hia  od  recado  do  gouernador  aoa 
capitães  Q  ÍDuernauflo  è  Mo^^mbiqoe  deapois  Q  aira- 
«leasou  ho  goifâo  Q  ouue  via  ta  de  terra  foy  ao  longo  defa 
ate  Magadaxo :  em  cujo  porto  queimou  duas  nãos  j|  ea- 
taaSo  á  gelua  aem  achar  nenfaila  resistência  dos  moií- 
voa,  &  daii  foy  ter  a  Patê,  &  l^rendo  entrar  eo  porto 
pêra  tomar  agoa ,  coroo  ho  seu  pitoto  nfto  sabia  bo  ca- 
nai  por  fide  se  entraua  deo  em  seco  sobre  aree  em  que 
a  caranela  ficou  assentada*  £  eniedendo  os  nossos  que 
eom  a  maree  lornarião  a  nadar  esteuertto  esperando  ate 
-bo  ontro  dia  que  tornasse:  &  amaMbeeêdo  virSo  Vir  da 
cidade  obra  de  tresentos  paraés  peqaenos  earregadee  de 
gente  que  chegando  a  tira  de  bõbarda  da  carauela  pth 
rarflo  poSdoae  todos  a  fio  onlbando  a  carauela,  &  astí 
#s(euerão  ate  qae  ?eo  a  marte :  êi  eiitfio  se  apartou  bê 
dk>s  paraós  remando  &  ehegouse  perto  da  carauela,  ft; 
Jbll  doa  que  vmhfteneie  sabiou  os  n08so#  em  lingea  Pei^ 
tngaee,  &  pregttando  Q  bnecauio  naqcrela  Hfrra.  Ao 
qne  os  nossos  responderSo  ^  buscaaão  m<tim6ios,  &  por» 
que  achauSo  poQco  fundo  nâ  onsaaio  dentrar  no  porto^^ 
vogandoihe  que  os  leuassem  a  «le  &^  lho  pagarião.  £ 
parece  ^  os  mouros  por  se  nSo  fiarem  dos  nossos  nS  se 
quiserfio  atoar  cd  a  carauefo,  fc  dtsserSo  qUe  se  fizessem 
á  vela ,  &  que  os  seguissem ,  &  que  assi  es  teuarião.  JÊ 
ea  nossos  tornarão  a  repriear  que  os  leuassem  á  toa ,  & 

Kr  eles  nunca  quererá  lhes  alirarfio  cõ  Mê  falcão  pêra 
íB  fa2er  medo :  que  eles  ouueráo  tamanho  que  fugirão 
pêra  os  outroa,  que  logo  cumeçarSo  de  remar  &  chegar** 
se  pêra  a  earauela  tangfido  muytos  rnstormetos  de  guer» 
ra:  oa  nosaoe  q«e  se  temerão  que  es  aferrassem  os  !mi* 
gos  desparafâo  hA  cameAs  §  dsu^  oe  principal  paraó  II 


W2  Itt:  HUTOMA  SUk  Itiwn 

meteo  ho  no  fundo  &  a  gele  ficou  sobre  a  agoa  nadando, 
&  por  lhe  acodir  çoçobrarão  oíilros  Ires  paraós  com  ho 
pego  da  gSte.  £  vendo  os  outros  que  ficauão  nos  paraós 
liO'dã«iO'  ^  tfaes  podm  facer  a  nossa  arlelbortir  fugirão /pa- 
ra a  cidade  deixando  os  !\  andauâo  nadando  ^  <](^  visto 
por  Gõçaio  de  loule  como  ficauSo  desempatados  mandou 
ia  hu  MaPti  correa  j}  cõ  outros  sete  fosse  no  batel  a  ma- 
laios. E  ele  ho  fes  assi  &  matou  muytos,  &  recolbeo  dêr 
fadado  de  malar  hHs  tresi,  de  que  hu  era  homem  velho,, 
ic  recolhendo  os  chegoii  ha  mancebo  a  bordo  pedindo  4 
hO'  recolhesaem  porl[  se  afogana  de  cansado ,  &  .por  náo 
't3aber  ao  balei  &  Martim  correa  auer  medo  de  çoçobrar 
4io  não  quis  tooiar,  >&  ele  aioereo  logo  de  hiia  laçada  que 
trazia:  a^  que  ho  mouro  velho  deu  h&  grande  sospiro., 
&  os  outros  dous  comedirão  de  chorar ,  &  os  nossos  se 
YorSo  para  a  carauela ,  &  como  ho  capitão  estaua  deae^ 
fperado  de  /poder  enirar  rm  porto  por  nSo  íer  quS  lhe  iik- 
^ainaMei  disse  )Q  desse»  loirmêto  aos  tras  catiuM  &  ^ 
^les  ho  insinitriSo.:  &  4>*®^^'^^'^^^^'^  ^^  v^elho  «le-ace- 
mwí  âQs  dous  ^  ho  dissessem^  &  hd  deles  ho  n^ostrouc 
ÍC(  aob&do.  ho  piloto  da  carauda  dose  braças  se  faz  á  v^bp 
iu  Sc  eatroij  oo  -por to  ^de  aurgio  anire  buas  aaos  ^  kí 
^stauA»,.«&  «â.  auSdo*qsii6*.resia(iaS6.tfi8-rowbard  as^nosssa 
de  mu}r.ta  ri^za  i}  aobarâ  nelas ,  &  nâ  «abôdo  lado  ho 
4Íespojo  oa  oaraueJa  o .{}  súbejou  carreg-arão  ê  hu  sâboco 
pêra  o  leuarô  atoado  ate  Melinde ,  onde  esperauâo  de 
vSder  o  Q  teuaujb,  &  ali  lhe  resgatarão  ho  mouro  velho 
'<)  era  senhor  de  Patê  posto  que  então  ho  não  sabia  Gd^ 
çalo  de  loule :  &. partido  daqui  foy  ter  a  Melinde  &  nea 
légoa  da  cidade  achou  hp  mestre  que  fora  do  galeão  de 
jManuel  de  sousa  &  outros  seys  ^  em  hQ  paraó  biâo  fut- 
.gidos  de  Hoja  ondesíeuerão  catiuos  ale  enião,  &^m 
.Melinde  soube  como  se  perdera  ho  galeão  &  quS  ou  Hera 
iio  despojo.  £  delerOEiinando  Gdçalo  de.loulé  de  cobrar 
.ioda  a  artelharia;do  galeão  leuou  de  Melinde  híi  mouro 
de  Moça4nbiq4iei{[  'aabía  ondeakavay  qiue  era!fMi  iJha  de 
ZansBiibar,  qa  4^  P$ba'&  na  d»  Monâia.  £  paas^do  Gã- 


Lima  v.cMãwvjMxxx.  18S 

^1o  de  loidé  por  estas  iUiMíiha  dwâo  09  reys  com  me^ 
do  &  cobrou 'toda  a  arlelbarhi.qiie  nenbAa  tieoo  se  não 
a^Q  lisJia  eli rey •  ée «Mèinçs*  fi  ccrbpMla^^€la  arteibarisi 
foy  ter  a  Odoçaoihique  liâ  6m  de  Feuereyro  despèia  de 
paasat  JiGa  nuylo  grande  tortnema*  ^ 

C  A  P  I  T  V  L  o    XXX; 

•  4 

De  como  lorge  dalbtiquerque  polo  recado  do  gouernador 
se  pariio  an  huàca  deli  c6  dílyús  capitães  dos  que  m- 
uemarão  coele. 

Jbi  chegado  a.  Mo^bi^  deo  ho  recado  4  trazia  do^go* 
uernador  a  lorge  daibuquorqèe^  &  eUis  1k>  praticou  com 
os  outros  capitães :  &  acordouse  que  lorge  dalbuquar- 
^e  con  Dsogo»  tufimaà^de  be)a\  i^hriBteuão  de  aíèr 
doca.,  Ra&et  catanbo  &iKafael.:fierbslreio  fosseto  fausK 
car  o  gouernador  9  &  koidqulor.Pero  niuiez  icasaefM 
ser  vé^s  da  faiesda9i&  conifosotttfofi  capitães  .se  tòs»* 
se  *dMe;lo  á  iodi^^  parque  sOibo  getternador  larcUssie 
■o  estreito  como.  podia  ser  isuesse*  saoe  que  ssâdassó 
carregadas  peca  Poriugi^  £  islo  assê^ado  piirtiose  lor-» 
ge  dalbsqueri^  sA  os  i^apitâes  ^  digo  tu  oõ  Gõçalo  de 
loiíle  quaddo:  íoy  lèp9  &.  sc^goirão  sua- derroca  pêra  bo 
eabode  Goardafuni  ^«e,  be  de  quinhentas  iegoas  de  Mo* 
Çambique,  &  aii  'seheu.iiouas  ^si^mobo  gouernador  eca 
entrado  So  satteitor&fqoereMiío  lorge  dai buquerqtue  en* 
trar  nele  es  feytcsès  das-  mais  das  nãos  da  cgnserua  ^ 
eráo'de  spernadases  &eire<|íuerieffto  mlu^to  eslrestaniente 
és  parti»<>(^sil  ncif  d»< iRoettigal •  ^  n|l  iewse  as  nãos  dos 
Bsercsiddres  fto.eslseiito^-qifte  se  podilb  perder,  &  perde» 
riio  i^CBidct  Sua  -nHiMadonà  se  iiMieriiasseni  no  estnrifo 
fc  mttyU)  ;n»its  ^eoi  oip  if -a' Portugal  bo  aoao  seguiste, 
títaMÉo  disso  esietmfltos  &*'iÍMSends  suas  -protestações 
sobre  Jorge*  dalboquerque.  <|»e«>fos4e  «obsigado  a*  pagar 
tudhs  as  i{)erdas  quieifectèeesseaQf  aos^tèercadores  dé  as 
suas  oaos  entrarem'  no  estreite ,  fiel^  que  lorge  dalbu- 


IS4  BA   mST/OHU  1>A/  tNDfA* 

quQrque  nSo  quis  entrar  tocaãdo  certidáo  do  t|  íhe  os 
íey tores  requeriSo :  &  motieo  ho  também  a  nSo  enílrar 
parecerJhe  ^  «^waua  mai«  eokso  bo  s^uiço  dei  rey^ 
&  tomou  seu  caminho  pêra  Orrous,  õde  determinaua 
desperar  ho  gouernador.  E  seguido  por  sua  TÍagS  cô 
grades  tormfitas  ate  ho  cabo  de  Roçalcate ,  &  como  ho 
dobrou  o  deixarão  &  foy  surgir  no  porto  de  Calayate,  & 
aii  esperou  ho  gouernador  por  lhe  parecer  assi  melhor. 

C  A  P  I  TV  L  O    XXXI. 

De  como  lorge  dalbuquerque  mandou  prender  Raix  xa* 
-  badim  regtdor  de  Valayate ,  ^  do  grande  dano  ^  rece^ 
btrêo  06  nos^^  qtierendoho  prender • 

joLo  tSpo  7|  lorge  da|ibuquer(|  chegou  a  esta  vrla  esta» 
ua  nela  por  regedor  hQ  mouro  chamado  Raix  xabadim 
cunhado  de  Raix  xarafo  goazil  Dormus;  E  este  Raix 
xabadim  estaua  mexerícadoí  com  el  rey  ^Dormua ,  ^  ho 
tinèa  mandado  chamar  rouytas  veze»:  '&  ele  receando  o 
§  era  nunca  quis  ir,  o  ()  mais  iodinou  el  rey  &  deseja-» 
ua  de  ho  pr6der ,  &  não  ousaua  faseio  de  pra^  por  sa* 
ber  que  era  b5  eaualeyro ,  &  j)  se  auia  de  defender  o5 
a  gente  que  tinha.  E  deaconíente  disto  soube  que  lill 
Duarte  meodez  de  vascõcetos  j)  andaua  darmadana^l^ 
costa  tinha  muylo  estreita  amisade  &  oonuersaçflo  c5 
Raix  xabadim  em  (aoto  que  muylas  vezes  se  hia  coele 
darmada ,  &  por  isto  lhe  escreueo  hfia  carta  muylo  se-^ 
cretamente  em  ^  ^^^  pedia  j)  mankcsamlente  prendesse 
Raix  xabadim ,  porl|  sabia  que  ninguém  ho  f^odia  (àzer 
melhor :  prometSdoUie  por  isso  muy tas  mercês.  E  se  por 
vê  (ura  naquela  conjun<^  cbegassem  ali  algfllM  nãos  de 
Portugal,  que  lhe  pedisse  da  sua  parte  aos  capitães  que 
lhe  prfidessem  Raix  xabad! :  &  ho  mesmo  escreueo  dÕ 
Garcia  coutinbo  'capitSo  da  fortalesa  de  OrmuK.  E  ten- 
do Duarte  mondes  este  recado  como  chegou  lorge  dal-í> 
buquerque  lhe  foj  dar  eonla  dele  nostrandolhe  as  ear-: 


LIVRO  r.  CAPITVLO  XXXT.  1 84 

tM  1)  t]nha\  que  tambê  iorge  cialbuquerQ  mosíroQ  aos 
capitães  da  frota  com  qufi  p09  ho  caso  em  conselho,  & 
assenlouse  que  se  prendesse  Raix  ícabadim  na  noyle  se- 
guinte, &  no  começo  dela  iriâo  os  capitães  da  frota  c5 
a  melhor  gente  de  suas  nãos  ajuntarse  por  popa  da  ga- 
lé de  Duarte  mSdez  &  no  seu  batel  iria  em  seu  lugar 
dom  Sancho  anrriquez  seu  cunhado  &  genrro  que  faia 
por  capitão  mór  do  mar  de  Malaca,  &  no  de  Diogo  fer- 
nandez  porQ  estaua  doente  &  sangrado  iria  Diogo  rabe- 
lo seu  cunhado,  &  Duarte  mSdez  iria  a  casa  de  Raix  xa- 
badim  ás  horas  ^  costums^ua,  &  dom  Sancho  lhe  iria  nas 
costas  cÕ  a  gente:  &  em  Duarte  mendez  entrado  entra- 
ria coele  &  prSderião  Raix  xabadim.  E  assi  ho  quiserão 
fazer,  roas  não  poderão,  por^  parece  que  ele  entendeo 
a  cousa  &  estaua  a  recado,  éc  nã  quis  mãdar  abrir  a 
Duarte  mSdez:  &  chegado  dom  SaAcbo  com  a  gente 
quando  vio  !\  não  queria  abrir  quis  ^brar  as  portas  & 
entrar  por  força ,  ao  ()  acodio  a  gente  darmas  de  Raie 
xabadim  Q  estaua  defrõte  das  suas  casas  alojada  ê  tSdas, 
&  começouse  hfl  jogo  de  laçadas  muy  áspero,  &  Stre 
tanto  dom  Sacho  entrou  por  força  em  casa  de  Raix  za- 
badim  od  Duarte  mfidez,  &  hfl  Eytor  de  Valadares,  & 
Rafael  catanho,  &  como  não  erão  mais  acharão  dfitro 
qu6  lhes  resistisse,  pelejando  muy  fortemSte,  &  lodos 
quatro  ho  faziâo  muy  esforçadamSte.  E  estando  nes'te 
perigo,  a  gente  de  Raix  xabandim  pelejou  com  os  nos* 
608  de  maneyra  Q  os  fez  retirar  pêra  a  praya  ferido  & 
matado  neles ,  &  como  os  fizerão  retirar  acodirâo  a  Raix 
xabadim  Q  entfidendo  ^  ho  Qrião  prSder  se  deitou  de 
hu  terrado  abaixo  por  hflas  cordas  Èl  fugio,  &  ficarão  os 
seus  q  tinha  das  portas  a  dfttro,  1}  dom  Sacho  &  os  ou- 
tros três  fizerão  recolher  aos  terrados  das  casas ,  &  eles 
ficarão  senhores  dos  baixos.  E  síntíndo  ()  os  imigos  tor- 
nauão  sobre  as  casas  &  não  vendo  nenhO  dos  nossos  fe- 
charão as  portas  &  poseranse  de  dentro  pêra  se  defen- 
der se  lhas  quebrassem,  &  quando  os  mouros  virão  que 
os  não  podião  entrar  poserão  fogo  ás  portas  pêra  os  quei- 

UVEO   y.  AA 


18C  BA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

mar :  &  nislo  quis  nosso  senhor  ^  acodio  Diogo  ferDã* 
dez  de  beja  cÕ  gente,  que  cÕ  quanto  estaua  doente  & 
sangrado  nao  se  pode  sofrer  sem  se  achar  na^le  feyto, 
&  acodio  despois  que  a  peleja  foy  trauada.  E  indo  polo 
noar  ouuio  a  grade  grita  que  hia  em  terra,  &  chegado 
B  ela  com  muyta  pressa  achou  os  nossos  encâtoados  na 
praya  &  muj^íos  feridos ,  &  aigús  mortos :  &  sabêdo  a 
cousa  como  passaua  esfor^jou  os  nossos  &  remeteo  coeles 
aos  mouros,  &  apertou  os  tão  rijo  que  os  fez  fugir  por- 
que cuydarào  que  quantos  auia  na  frota  hiáo  sobreles : 
&  leuando  os  de  ven<cida  foy  ter  Áa  casas  de  Kaix  xa- 
bandim  onde  dom  Sancha  estaua  com  os  outros  em  gran- 
de perigo.  £  Rafael  catanbo  lhe  bradou  de  hUa  genela 
<)ue  mandasse  matar  ho  fogo  que  estaua  pegado  nas  por* 
4as,  parque  «nataua  a  ele  &  aos  ouiros,  &  querendo  os 
D06SCN9  apagal<#  começarão  de  chouer  sobreles  zaguncha- 
tias  &  frechadas  Q  os  mouros  íirauão  de  sobre  os  terra- 
dos doutras  casas,  que  ja  os  Q  estauâo  nas  casas  de  Raiz 
xabandim  erão  fugidos  por  cordas  per  ^  se  deitarão.  E 
apagado  ho  fogo  sayo  de  denlro  dom  Sancho  ^  estaua 
muyto  ferido  &  após  ele  os  outTos.  E  sabêdo  Diogo  fer<- 
nàdez  que  Raix  xabadim  era  fugido,  não  teue  mais  ^ 
fazer  &  mandou  embarcar  os  feridos  que  furão  cincoen- 
ta  &  mortos  vinte,  &  dos  mouros  nâ  morrerão  mais  de 
três :  &  todo  esta  dano  receberão  os  nossos  por  Duarte 
mendez  saber  mal  ordenar  ho  feyto  &  dom  Sancho  ho 
seguir  nele.  E  por  este  feyto  ficarão  os  nossos  em  muy- 
to descrédito  com  os  mouros,  &  Kaix  xabadim  com  gra- 
de fama  de  caualeyro  esforçado  por  lhe  saber  também 
resistir* 


LIVKO  y.   CAPITULO  XXZII.  187 

C  A  P  I  T  V  L  O    xxxir. 

m 

Da  grade  tormêta  que  o  gouemador  passou  saindo  do  es^ 
treito  9  ^  como  se  perdeo  a  galé  de  leronimo  de  sousa  ^ 
^  dos  que  morrerão  nela. 

X  artido  ho  §^ouernador,  Diogo  iapez  de  siqueira  da  ilha 
de  Doiaca  pêra  ir  inuernar  a  Ormuz  seguio  sua  viagem^ 
&  aos  sele  dias  de  Mayo  passou  por  Camarão ,  &  aos 
quiDze  passou  a9  portas  do  estreito  &  foy  surgir  Õde  se 
perdeo  a  sua  nao  de  t\  ainda  cobrou  três  ancoras ,  &  a 
vinte  híi  dias  dele  chegou  a  Ad5,  onde  passados  tree 
dias  ae  partio  pêra  Ormuz  &  na  parajem  da  ilba  da  Ma* 
deira  achou  muyto  grandes  çarraçôes  &  tormentas  coni 
que  os  roais  dos  bateys  dos  nauios  çoçobrarSo :  &  assi 
ftbrio  a  galé  de  leronimo  de  sousa  &  se  foy  ao  fOdo  nha 
&  meleose  dentro  com  treze  ou  quatorze  fidalgos  que 
hiâo  coele,  dizendo  que  pois  todos  auiâo  de  morrer  que 
melhor  seria  saluarense  os  fi^dalgos  que  os  outros,  E  hH 
destes  era  hQPero  da  silua  dalcunba  ho  cafre  irmão  Da- 
fonso  telez  senhor  de  Capo  mayor  8c  ouguela ,  8&  quise* 
ra  meter  na  barquinha  hCla  arca  encoirada ,  que  leroni- 
mo de  sousa  não  consenlio  que  se  metesse  dizendo  que 
09  faria  çoçobrar ,  &  I)  se  ele  não  deíxaua  meter  mais 
gSte  por  irem  boyâtes  &  nSo  ço<;obrarS  como  queria  le* 
uar  hiia  arca  que  pesaua  por  três  homfis,  &  nã  lha  quis 
deixar  meter:  do  que  Pêro  da  silua  auendo  menencoria, 
disse  que  pois  a  sua  arca  não  hia  na  barquinha  que  não 
auia  dir  neta  &  tornouse  á.galé  dizêdo  que  esperaua  em 
Deos  que  se  auia  de  saluar  melhor  que  os  que  hião  na 
barquinha.  E  vSdo  híí  seu  primo  chamado  Manuel  gal- 
uão  íiiho  de  Duarte  galuão  que  se  tornaua  á  galé,  tor- 
nouse coele  por  ser  muyto  seu  amigo:  &  leronimo  de 
sousa  se  foy  vendo  Q  de  todo  em  todo  Fero  da  silua  não 
queria  se  não  ficar  na  galé,  onde  não  tardou  muyto  que 
não  morreo  cõ  quantos  ficarão  coele  por  se  a  galé  ir  ao 

AA    2 


I8S  BA  HISTORIA  BA  INU A 

fundo  &  nSo  auer  quem  lhe  acodisse.  E  leroDimo  do 
Bousa  se  foy  oa  barquinha  com  Anrríque  home  filho  de 
loâo  homem  &  Pêro  borges,  &  outros  fidalgos  ate  onze^ 
&  tirarão  caminho  da  costa  Darabia  onde  por  mHagre 
de  nosso  senhor  chegarão  a  cabo  de  dous  dias,  escapan- 
do de  mares  muy  grossos  &  altos.  E  desembarcados  a* 
codio  logo  a  gSte  da  terra  que  erão  mouros,  que  conhe- 
c6do  serem  Cbristâos  como  lhes  querião  grande  mal  co* 
roeçarão  logo  de  os  atormentar  com  pancadas,  boreta- 
das,  &  arre  peides :  &  como  eles  não  vião  tempo  nem  ti- 
nhâo  cÕ  que  resistir  sufriâo  tudo  com  paciScia  pêra  ver 
se  podião  escapar  da  morte»  E  despois  de  roubados  de 
quanto  leuauâo  vestido ,  Q  ficarão  nus  se  forão  ao  longo 
do  mar  pregutando  por  CaJayate,  Õde  se  querião  ir  assi 
por  ser  de  nossos  amigos  como  por  terem  por  certo  £[  ali 
auião  dachar  a  nossa  armada  ou  algus  Portugueses ,  & 
íbrão  assi  ao  lõgo  do  mar  caminho  de  cem  legoas  des- 
calços &  despidos^  ^  era  cousa  piadosa  de  ver  como  hiSo 
torrados  do  sol  &  magros  de  muyla  fome  ^  Sc  de  grande 
sede  que  passauão,  &  cortados  de  muytas  pãcadas  Q  re- 
cebião  dos  mouros  &  fracos  do  immenso  cançasso  &  fo- 
diga  sem  comparação  que  lhes  causaua  bo  caminho:  & 
assi  furão  ter  a  hika  cidade  vinte  legoas  deCaJayate,  cu- 
jo senlior  era  vassalo  dei  rey  Dormuz,  &  quando  soube 
que  os  nossos  hião  assi  os  mandou  leuar  perante  si,  &  os 
deteue  algfls  dias  pêra  tornarem  ensi  &  se  esforçarem , 
&  fezlhe  aestes  dias  tanto  gasalhado  &  bõ  tratamento  ^ 
mais  não  podia  ser.  £  despois  de  vestidos  dâdolhe  di- 
nheiro pêra  ho  gasto  do  caminho  os  mandou  a  Calayale 
&  coeles  certos  criados  seus  per^  ^  fossem  seguros. 


LIVRO  y«  -CAPITVLO  XXXIIK  189 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIIf. 

De  como  o  governador  foy  ter  a  Calayate  ^  dahi  a  Or- 

muz  onde  muefuou» 

x!i8cap3do  ho  gouernador  daquela  grfide  tormenta  Q 
digo  não  deixou  de  ir  com  mares  muyto  grossos  &  çar- 
rações  ale  ho  cabo  de  Roçalgate ,  que  se  faz  na  entra- 
da do  estreito  da  Pérsia,  õde  entrado  com  a  armada  a- 
chou  grande  calmaria  Q  não  se  afastauão  as  veias  dos 
mastos :  &  a  causa  era  começar  ali  ho  verão ,  &  da  lor- 
meta  passada  ser  ja  inuerno  na  costa  que  dura  do  cabo 
deGoardafum  ate  ho  de  roçalgate  Q  começa  no  mes  Da- 
hril  &  acaba  em  Setembro:  &  por  isso  os  nossos  acha- 
rão tamanhas  tor melas  por  ai}la  costa*  £  pareceo  cousa 
de  admiração  que  em  espaço  de  duae  legoas  auia  em  hA 
cabo  calmaria  &  ho  sol  estaua  muyto  claro,  &  em  euiro 
ho  ceo  muylo  escuro  &  nuuSs  muyto  grossas  &  grande 
tormenta.  E  chegado  ho  gouernador  a  Calayate  ondes- 
laua  lorge  daibuquerque  soube  do  desmãcho  que  se  fi- 
Bera  na  prisam  de  Raix  zabadhn :  &  muyto  agastado 
disso  tirou  a  capitania  da  galé  a  Duarte  mSdez  de  vas* 
conceios  polo  achar  culpado,  Sc  ho  prendeo  &  assi  ou- 
tros: &  porque  auia  dir  inuernar  a  Ormuz  nã  quis  leuar 
mais  que  as  galés  &  oauios  pequenos ,  &  as  nãos  gros- 
sas &  galeões  deixou  os  í)  fossem  inuernar  a  Mazcate 
debaixo  da  capitania  de  lorge  dalbuquerQ,  onde  se  des- 
pois  forão.  E  pêra  estes  capitães  darem  mesa  á  gête 
que  ficaua  coeles  fezlbe  mercê  do  dinheiro  det  rey  pêra 
sua  despesa,  &  todos  ho  tomarão,  saluo  Francisco  de 
sousa  tauares  capitão  da  nao  sancta  Cruz :  a  Q  ho  go- 
vernador a  deu  naQle  porto,  &  por  seruir  elrey  deu  me<^ 
sa  á  sua  custa  em  que  gastou  muyto- por  ser  nobre  fidal«- 
go,  &  prezarse  muyto  de  fazer  tudo  bem  feyto.  £  ho 
gouernador  se  foy  a  Ormuz  onde  teue  ho  inuerno  com 
grandes,  festas  que  lhe  fizerfio  el  rey ,  &  Raix  xarafo«. 


190  DA  HI8T0XIA    DA   INBIA 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXXIHI. 

De  como  foy  por  capitão  mór  da  armada  pêra  a  índia 
lorge  de  brito ,  ^  do  que  €U)onteceo  ao  galeão  de  Ruy 
vaz  pereyra  com  hã  peixe. 

xXnles  disto  se  foy  de  Portugal  as^rauado  dei  rey  dom 
IWanuel  hu  Perna  de  niagalhâes  (de  que  iíz  menção  no 
liuro  terceyro)  &  coeste  agrauo  se  foy  pêra  ho  empera<* 
dor  Carlos  rey  de  Castela ,  a  l[  fazSdo  crer  que  as  ilhas 
de  Maluco  erSo  suas  (como  direy  a  diante)  foy  por  seu 
mãdadò  por  capitão  mór  de  bua  armada  a  descobrilas. 
E  sabido  isto  por  eirey  dom  Manuel ,  quis  atalharibo 
com  mandar  hOa  armada  a  estas  ilhas  pela  via  da  India^ 
pêra  que  prendesse  a  Fernão  de  magalbães  se  lá  fossa 
ler.  E  pêra  este  feyto  escolheo  hH  fidalgo  chamado  lor* 
ge  de  brito  (de  que  faley  tambS  no  liuro  terceyro)  por 
confiar  dele  que  ho  faria  bem,  &  em  muyto  segredo  lhe 
disse  sua  determinação  com  juramento  que  a  não  des* 
cobrisse  a  nenhOa  pessoa  se  não  na  índia,  &  mais  lhe 
disse  que  faria  hfia  fortaleza  S  hOa  das  ilhas  de  Maluco 
onde  lhe  melhor  parecesse,  &  deulbe  quinhfitos  homfis 
pêra  leuar  a  Maluco,  &  artelharia  &  munições  pêra  es- 
ta fortaleza,  &  assi  oíficiaes  {}  nela  seruissem.  lã  todoi 
estes  officios  deu  el  rey  a  quê  lorge  de  Brito  lhe  pedío 
que  os  desse,  &  por  não  ser  descuberto  pêra  onde  lor- 
ge de  brito  hía  dizia  em  todas  as  prouisões  dos  oflScioa 
que  erão  pêra  onde  lorge  de  brito  fosse.  E  por  el  rey 
êcobrir  mais  sua  ida  lançou  fama  que  hia  fazer  hija  for- 
taleza na  ilha  de  çamatra,  &  a  fora  isto  deulhe  el  rey 
prouisões  pêra  ho  gouernador  da  índia  que  lhe  desse  a 
armada  &  a  gente  que  lhe  pedisse :  &  sobre  tudo  lhe 
deu  a  capitania  mór  da  armada  que  aquele  anno  de  vite 
auia  dir  pêra  a  índia*  E  os  capitães  de  sua  conserua  fo- 
rão  Gaspar  da  silua  Q  leuaua  a  capitania  da  fortaleza 
de  Gbaul  que  el  rey  mandaua  fazer,  Pêro  lopez  de  sam 


I 


LIVRO  V.,  CAPITVLO  UXIIII.  19) 

Pajro  capitão  doutra  que  se  auia  de  fazer  nas  ilhas  de 
Maldiua,  Pêro  lourSço  de  melo  que  leuaua  bQa  viagem 
pêra  a  China,  André  diaz  alcayde  pequeno  de  Lisboa 
que  hia  pêra  fazer  a  carga,  Lopo  dazeuedo,  Pedro  Pau- 
lo, Manuel  de  sousa  capitão  do  galeão  reys  magos  que 
auia  de  ficar  na  índia,  Ruy  vaz  pereyra  doutro  galeão 
]  auia  nome  sam  Kafaei ,  que  também  auia  lá  de  ficar. 
i  o  que  acõteceo  a  esta  armada  na  viagem  eu  ho  não 
0oube,  somSle  a  Ruy  vaz  pereyra  que  a  vinte  sete  de 
piayo  sendo  cincoêta  legoas  das  ilhas  de  Tristão  da  cu^ 
nha,  lhe  deu  biía  grande  tormenta  de  vento:  &  logo  a 
hQ  sábado  véspera  da  Trindade  na  paragê  do  cabo  bo 
Beguio  hu  peixe  muyto  grande  dos  ^  chamão  peixes 
Bombreiros,  &  rodeando  bo  galeão  três  ou  quatro  vezes 
da  derradeira  ho  aferrou  poia  bâda  de  bòbordo  leuãdo 
ele  metidas  todas  as  velas  com  vento  galerno ,  &  tanto 
j}  ho  peixe  ho  aferrou  teueo  quedo  como  se  esteuera 
surto,  &  tinhao  cingido  com  a  cabeia  na  amura,  &  ho 
rabo  no  leme:  com  que  deu  nele  duas  pancadas  que  der- 
ribou dous  gormetes  que  hião  a  ele,  &  era  tão  grosso  que 
cbegaua  com  hfia  espadana  á  mesa  da  goarnii^ão  &  muy* 
lo«  lhe  poserão  a  mão  nela.  E  receando  ho  piloto  &  bo 
mestre  ^  ^cobrasse  bo  galeão:  mamiarão  amaynar^ho 
traquele  da  gauea,  &  lio  cõdestabre  bo  quisera  ferir  cÕ 
bQ  pique  &  não  Ibo  cdseniirão ,  &  socorreose  ho  capitão 
a  nosso  senhor ,  &  hu  clérigo  se  reuestio ,  &  com  buas 
relíquias  na  ir^  comec^ou  de  rezar,  &  quis  nosso  senhor 
que  auendo  bu  oytauo  dera  ^  ho  peixe  linha  aterrado 
ho  galeão  ho  desaferrou ,  &  deitou  puJa  boca  duas  ou 
Ires  vezes  grades  golpes  dagoa  no  cbapiCeo,  &  tornou 
após  bo  galeão  que  seguio  ate  ho  quarto  da  modorra  ren- 
dido. E  cõtinuàdo  daqui  Ruy  vaz  pereyra  sua  viagem 
foy  ter  a  Mo^^ambique,  õde  soube  que  Jio  gouernador 
inuernaua  «m  Ormuz  ^  &  por  ser  inuyio  JoeAo  bo  foy  es** 
perar.a  Alazcate. 


19t  DA   HISTORIA   DA  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXV. 

De  como  António  correa  despois  de  chegar  a  Malaca 
foy  sobre  a  iranqueyra  do  Pago  ^  a  desbarakm  ^  fez 
fugir  os  immigos. 

V  inda  a  tnouçSo  de  Pegú  pêra  Malaca ,  parliose  An- 
tonia^  correa  leuando  a  sua  nao  carregada  de  lacre  & 
doutras  mercadorias ,  &  seys  jQgos  carregados  d  arroz , 
vinhos,  azeites  &  carnes.  É  de  caminho  foy  ter  a  Pa* 
cero ,  onde  achou  três  nãos  de  mercadores  de  Bengala 
carregadas  de  mercadoria ;  de  que  era  capitão  mór  hii 
capado  chamado  Gormale,  &  querendo  António  correa 
que  fossem  a  Malaca  pêra  pagarem  lá  os  dereytos  de 
sua  mercadoria  na  nossa  feitoria  lhe  daua  Gormale  hfl 
conto  de  rs,  &  ^  ho  deixasse  ficar  em  Pacem,  &  que 
ali  pagaria  os  derejtos  a  hu  feylor  nosso  que  hi  ficasse, 
&  não  querSdo  António  correa  ho  leuou  cÃsitço  caminho 
de  Malaca  ,  dandolhe  seguro  de  lhe  n.1  s^^r  la  feyto  ne* 
nhã  mal.  E  passando  poios  baixos  de  Capaciá  em  dia 
de  corpo  de  Deos  Q  foy  véspera  de  sani  loão  deu  a  sua 
nao  em  seco  &  ficou  na  vasa  sem  perigar  ate  que  tor* 
fiou  a  nadar  com  a  maré  &  dahi  foy  ter  a  Malaca  Õde 
achou  por  capitfto  Garcia  de  sá,  &  foy  muito  bS  recebi- 
do deie  &  de  toda  a  gSte:  porque  poios  muytos  mãti- 
mSlos  que  trouue  licou  a  terra  (ao  abastada  ^  oy  tenta 
gantas  darroz  vaiião  hu  cruzado  valendo  dantes  ho  mes- 
mo quatro.  E  ho  Lascar  dizia  que  António  correa  era 
sancto  que  tirara  a  fome  da  terra:  &  também  coesta 
fartura,  a  gente  dei  rey  de  Bintão  que  tinha  cercada 
Malaca  leuâtou  ho  cerco,  &  se  recolheo  ao  Pago  onde 
el  rey  estaua.  E  por£[  estando  ele  ali  sempre  auia  de 
mandar  correr  a  Malaca  &  darlhe  muyta  oppressam,  as- 
sentarão Garcia  de  sá  &  António  correa  que  era  neces^ 
sario  laçado  dali  fora,  &  que  António  correa  ho  fosse  fa- 
zer, &  fosse  por  capitão  mór,  &  pêra  isso  par  lio  de  Ma- 


LIVUO  V.  CAPITVLO  XXX^.  193 

laca  a  qufze  de  lulbo,  &  forão  coele  estes  capitSes, 
Duarte  de  melo,  Duarte  furtado,  Duarte  coelho,  Ânr* 
rí4  leme,  Manuel  pacheco,  Bertolameu  dafonseca  capi- 
tão das  lancharas  de  Malaca ,  Prãcisco  de  sequeyra , 
Carlos  carualho,  Diogo  díaz,  Christouâo  diaz,  Ruy  men- 
dez,  loão  salgado,  &  outros  a  que  não  soube  os  nomes 
que  por  todos  erão  trinta  em  nauios  redõdos,  carauelas, 
galés,  lancharas  &  hfl  Bargantim,  &  em  todos  quatro- 
centos &  cíncoSta  bomSs  ate  quiobètos.  s.  cèto  &  cin- 
co&ta  dos  nossos  &  trezStos  dos  da  terra ,  &  ele  hia  em 
htla  galé  &  foyse  dereyto  ao  rio  de  Muar  que  be  largo 
&  alto  como  ja  disse  &  bS  pouoado  de  gSte  dQ  cabo  & 
do  outro  &  dambas  as  bSdas  he  aruoredo  tão  alto  &  tá 
basto  que  nfio  se  ve  ali  sol  se  nSo  ao  meyo  dia :  por  es^ 
te  rio  dStro  ate  seys  legoas  se  faz  hfla  boca  dQ  estreito 
^  se  chama  Pago ,  &  por  ele  acima  estaua  hda  pouoa- 
ção  muyto  grade  do  mesmo  nome  em  que  el  rey  deBin- 
tão  moraua  em  hdas  grades  &  sumptuosas  casas  cerca« 
das  todas  destancias  dartelbarias ,  &  ho  esteiro  atraues^ 
sado  de  rouytas  &  fortes  estacadas :  &  na  entrada  dele 
pelo  rio  grande  estaua  hQa  fortíssima  tranqueyra  de  duas 
faces  muyto  larga  &  ambas  de  paos  ferros  (}  sam  quasi 
tão  grossos  como  mastos  &  da  mesma  dureza  do  ferro 
que  não  apodrecem  nagoa ,  &  entulhado  de  troços  dos 
mesmos  paos  &  doutros  com  hQa  porta  no  meyo  que  se 
fecbaua  por  onde  enirauão  &  sayão  as  suas  lancharas^ 
&  nesta  trãqueyra  estauão  assStados  arrezoadamête  de 
tiros  dartelharia ,  &  em  goarda  dela  bii  capitão  dei  rey 
de  Bintãò  com  muyta  gête  de  peleja ,  &  por  isso  como 
pola  fortaleza  da  trãqueyra  parecia  a  el  rey  de  Bintão 
Q  estaua  ali  muyto  seguro,  &  não  somSte  a  nossa  arma- 
da que  ele  sabia  Q  auia  de  ser  pequena,  mas  a  mais 
grossa  do  mfldo  a  não  auia  de  desbaratar.  E  entrado 
António  correa  por  este  rio  que  he  lodo  em  voltas  foy 
por  "ele  ate  a  trãqueyra  dos  immigos  &  surgio  na  derra-* 
deyra  Tolta  detrás  de  hua  ponta  ondestaua  seguro  da 
fitta  artelharia,  &  ficaua  tio  perto  da  tranqueyra  que  ott** 

LIVRO  y.  BB 


194  J)â    KISTOIIA   PA   IlfMA 

uia  bo  15  da  fala  doa  iBimigoa,  &  de  noyle  naiidoa 
piar  a  Iranqueyra  por  b{l  lorge  loeaurado  feylor  da  aua 
Dao  que  sabia  bem  a  lingoa  malaya,  &  foy  em  h&  ba« 
lanço  Q  86  rema  de  pangayo,  &  por  isso  não  ieuaya  JData 
Q  iiQ  soo  remeirOi,  pelo  que  nfio  foy  sepíido  nem  visto 
com  a  grande  aombra  do  aruoredo*  R  chegando  á  Iran*^ 
queyra  ouuios  faiar  bua  «õ  os  outros,  &  díziSo  que  ea* 
teuessem  preslM  porque  os  frangues  eslauão  á  poria :  & 
passado  bo  quarto  da  iix)dorra  tornou  com  recado  a  An«* 
tonio  correa  a  que  oontoU  o  que  ouuira ,  &  que  no  ru-- 
mor  da  gele  parecia  que  era  muyta*  António  correa 
cbamou  Ivgo  a  conselbo,  &  os  capitães  da  armada  &  pes-» 
soas  principaes  dela :  &  despois  .de  ihea  contar  o  que 
Ibe  lorge  mesurado  dissera ,  disselbes.  Se  nesta  guerra 
aenbores  foreys  tâo  nouos  como  eu  aou ,  &  eu  táo  anti-» 
go  como  vos :  parecerame  que  era  necessário  es£:)njai^ 
uos  pêra  esta  batalha :  mas  pois  eu  ^  sou  nouo  nela  ea* 
tou  esforçado  com  a  confiada  que  lenho  em  noaao  ae-» 
nhor,  &  por  vos  ter  em  minha  companhia,  que  &reis 
Vos  <)ue  quasi  tendes  de  juro  vencer  a  estes  mouros,  & 
vos  mostrou  nosso  senhor  taolaa  vezes  seu  poder  em  oa 
vencerdes  sendo  tão  poucos  &  eles  talos  que  cobriâo  a 
terra  &  bo  mar :  por  isso  ey  por  escusado  querer  dar 
esfuri^  a  quem  lio  tem  pêra  si  &  pêra  mi,  se  não  dieer* 
nos  que  prazendo  a  nosso  sefior  como  for  manfaaã  dare*^ 
mos  na  Iranqueyra ,  leuâdo  diante  Duarte  de  melo  na 
aua  caraueiar  pêra  ^  nos  faça  caminho  &  possamos  sobif 
poios  mastos  &  ftxarcia  dela :  &  nenbu  de  voa  tirara 
com  sua  ar  telharia  ate  que  eu  nâo  faça  ainal  com  hfla 
espera  q^ue  l^euo«  £  isto  aasentado  tornarâse  os  capitlea 
aos  nauioa,  &  postos  em  ordem  como  foy  manhaã  abala* 
rão  a  remo  pêra  a  trãqueyra ,  &  a  carauela  bia  á  toa , 
ft.  em  descobrindo  a.  ponta  desparou  a  artelharia  dos  im-- 
Biigos  com  bo  seu  espantoso  Ímpeto,  &  por  estar  dalto 
Bâo  fez  n4>jo  aoa  nossos,  que  tambê  em  deseobrifKio  a 
põta  começarão  de  jugar  com  suas  bombardas,  começa* 
cio  primeyro  Antouio  correa  com  a  aua  espera  &  ajua* 


LIVRO  V«  CA^ItTLO  XXXVU  195 

toose  ho  fQHio  delas  conn  o  que  m  dos  Imigos  ISqauSo, 
&  fe28e  dambos  bOa  neuoa  tão  grossa  &  negra  que  tudo 
ficou  escuro:  porfi  os  nossos  pelouros  varejauão  tfto  rijo 
poia  tranqueyra  I|  os  imniigos  se  espantarão  &  fugirão 
vendo  que  neste  tempo  chegou  Duarte  de  melo  á  tran<- 
queyra  &  abairroou  coda,  o  que  eles  não  cuydauão  que 
podia  ser,  &  por  isso  fugirão,  pelo  que  os  da  carauela 
que  em  abairroando  começarfto  de  subir  poia  enxárcia 
tião  acharão  na  tranqueyra  quem  lhes  resistisse ,  o  ^ 
disserão  aos  outros  &  abrirãlhes  as  portas  por  Ode  õtra- 
rão  muyto  ledos  com  grandes  gritas  de  louuores  a  nosso 
senhor,  principalmente  António  corrCa  pòr  alcãçar  tão 
facilmente  bOa  tão  famosa  vitoria  como  aquela  foy,  por^ 
x\ue  tanto  mõtaua  vficer  cÕ  ho  medo  !\  lhe  ouuerâo ,  co^ 
mo  pelejando.  Entrados  os  nossos  acharão  muytas  pa- 
nelas darroz  co2Ído  &  outras  igoarias  (}  os  immígos  ti- 
nbão  pêra  almoçar  que  estau^  ainda  quentes,  de  ^ 
almoçara  :  &  despois  apanharão  afgtlas  alcatifas  que 
•acharSo  &  recolherão  aos  nauios  vinte  peças  dartelba*- 
Tia  de  metal ,  em  que  auia  algíis  berços  com  as  espe^ 
iras  dei  rey  de  Portugal. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXVI. 

De  c&mo  el  rey  êe  Bintâo  com  toda  sua  gétefuyto  dó 
Pago  por  medo  Dantonio  correa ,  ^  como  foy  quey^ 
moda  ^  destruyda  aquela  Jorça. 


E 


como  a  principal  cousa  da{}le  feyto  era  lançar  fora 
do  pago  a  el  rey  de  Brtão:  determinou  António  correa 
de  ho  fazer,  &  assi  ho  disse  aos  seus  capitães:  com  que 
assentou  que  Duarte  de  melo  ficasse  na  boca  do  estrei- 
to com  ho  seu  naaio  de  fora  no  rio,  &  ele  cõ  es  pequ^ 
nos  &  bateys  entrasse  polo  estreito:  &  assi  se  fez  indo 
ele  diante  de  todos  em  hfl  batel  apadessado  por  lhe  nie 
faterè  nojo  as  frechas  ()  os  Imigos  lhe  poderião  tirar  de 
4erra.  E  porque  foy  anisado  que  tinhão  serrado  qoaaí 

BB  2 


196  ná  msTOEU  DA  inhia 

lodo  a^le  aruoredo  dauibas  as  bandas  do  rio  pêra  bo  der* 
ribareoi  nele  com  cordas  Q  lhes  íinhâo  atadas  nas  pon* 
las  Unto  ^  os  nossos  entrassem  por  ele  pera  coisso  ibe 
impedirem  a  pass<ijem  :  leuaua  diante  de  si  húa  machua 
&  vinte  carpinteiros  nela  cõ  macbaiJps  pera  desíazerem 
as  aruores  em  troços  &  desembaraçarem  ho  caminho, 
que  tâbem  eslaua  alrauancado  com  as  estacadas,  &  por 
isso  leuaua  ele  aparelhos  no  seu  batel  pera  {|  os  Q  hião 
nele  fossem  arrâcãdo  as  estacadas :  como  arrancarão  com 
juuyio  trabalho,  &  coele  cortarão  também  os  carpinlei* 
ros  o  que  os  imigos  derribarão  em  os  nossos  entrando. 
£  coestes  embaratjos  fízerâo  os  nossos  algQa  detença  em 
chegar  ao  pago,  porem  chegarão  c5  m u; to  grade  es- 
panto  dos  imigos  que  sempre  cujdarão  {}  os  estoruas- 
aem  tãtos  impedimentos.  E  vendo  el  rey  como  hiâo  a- 
juntou  sua  gente  que  era  muyta  &  muytos  alifhntes  de 
castelos  junto  das  suas  casas  que  estauão  em  hil  teso 
clua  bãda  do  esteiro  que  partia  a  cidade  polo  meyo  a  i| 
daua  seruentia  hCla  ponte  de  madeira  4  ho  atrauessaua, 
&  os  imigos  estauão  a  vista  dos  nossos  fazendolhes  gra- 
des rebolarias  de  gritas,  &  desparando  sua  arlelharia: 
de  que  os  nossos  não  (izerão  conta ,  &  com  grande  ím- 
peto poyarão  em  terra,  &  primeyro  Afunso  vaISte  Q  era 
bo  alferez,  &  António  correa  que  quisera  leuar  a  gente 
em  ordem ,  mas  não  pode :  {xirque  nem  ela  tinha  sufri- 
moto  pera  isso,  nem  a  multidão  de  frechas  que  os  im- 
migos  desparauão  os  deixaua:  &  do  meyo  do  teso  arre- 
metem a  eles  chamando  [)ulo  apostolo  Santiago,  corren- 
do a  quem  primeyro  chegaua  aos  immigos,  que  vendo 
a  fúria  dos  nossos ,  &  represeptandoselhe  diante  o  ^  ti- 
niião  passado  pera  chegar  ali ,  ou  poendolhes  nosso  se- 
nhor hQ  terror  muy  grande  como  he  de  crer ,  sem  mais 
pelejar  começao  de  fugir  a  quê  mais  podia ,  &  os  nossos 
após  eles  derribando  muytos  mortos  por  esse  chão  & 
deixarannos  logo  por  não  saberem  a  terra  que  não  quis 
António  correa  que  lhes  sobreuiesse  algil  perigo.  £  á 
porta  das  caaaa  dei  rey  fez  muytos  caualeyros  por  me- 


LIVRO  V.  CAPITVLO   XXXVII.  197 

morta  de  tflo  famosa  vitoria  como  aquela  foy  sem  dos 
nossos  ser  nenhQ  ferido  nem  morlo,  &  dos  imroigos  muy- 
tos  &  catiuos :  &  saqueadas  as  casas  dei  rey  &  a  cida- 
de, em  que  se  ouue  muylo  &  muy  rico  despojo  a  fora 
a  arlelbaria  foy  tudo  queymado,  &  assi  a  frota  dei  rey 
que  estaua  recolhida  no  estreito  em  que  auia  bem  cem 
caialuzes ,  lancharas  &  mâchuas  &  algus  dourados  nas 
proas  &  popas  em  que  el  rey  costumaua  dandar:  &  es- 
tes eslauão  cheos  de  poluora  &  de  lenha  y  &  )x>rque  os 
nossos  os  nSo  leuassem  lhes  poserSo  os  immigos  fogo  em 
fugindo,  &  a  dous  destes  dourados  mãdou  António  cor- 
rea  apagar  o  fogo  &  meos  queymados  os  leuou  a  Mala- 
ca ,  &  desta  vez  ficou  el  rey  de  Bintáo  tâo  destreinado  Q 
se  acolbeo  a  Bintâo  que  era  perto  de  Malaca ,  pêra  on- 
de se  partio  António  correa  despois  de  queymar  a  kran^^ 
queyra,  &  laa  fuy  recebido  com  rou^ta  festa  pola  liurar 
de  tamanho  cerco  &  de  fume  tão  apertada. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXVII. 

Do  façanhoso  feito  que  cinco  dos  fwssos  fizerâo  defendet^ 
dose  de  Raja  çudameci  ^  de  sua  gente  que  matará» 
quasi  toda  ^  lhe  tomarão  húa  lâchara. 

S^endo  António  correa  è  Pegfl,  el  rey  de  Pacem  que 
era  tirano  &  tinha  tomado  ho  reyno  ao  próprio  rey  que 
matara  leuantouse  contra  os  nossos  q.ue  estauSo  em  Pa- 
cem &  erão  vinte  quatro  criados  de  dom  Aleixo  de  me- 
neses  &  de  dom  loão  de  iima ,  &  todos  forão  mortos  & 
tomarãlbe  muyta  fazenda  que  tinbão  dei  rey  de  Portu- 
gal j  &  destes  fidalgos ,  &  doutras  partes  que  valia  se- 
tenta mil  cruzados,  &  pola  guerra  que  el  rey  de  Bintãe 
fazia  a  JMalaca  não  se  tomou  disto  vingança ,  &  despois 
que  António  correa  a  liurou  do  cerco,  mandou  Garcia 
de  sÀ  a  Manuel  pacheco  em  hfia  nao  em  que  andasse 
darmada  de  Pacem  ate  Achem,  &  não  deixasse  entrar 
em  aeiib&  destes  dotis  portos  nauio  algfl  nem  seyr,  nem 


I9S  BA   IfrOTOMA    DA   INBrA 

€of)sen4Í8M  qoe  saydseni  deles  a  pwcar,  porque  esta  era 
a  mayor  guerra  que  se  lhe  podia  fazer,  &  deulbe  vinte 
doe  nossos  antre  soldados  &  marinheiros  r  &  parlio  IVla^ 
fiuel  pacheco  pêra  laa  quasi  na  íim  Dagosto ,  &  como 
chegoH  foy  logo  senlido,  porque  nem  lhe  ficou  pescador 
qae  não  toafiasse ,  nem  deixaoa  entrar  nenhQ  nauio  es*- 
trangeiro  &  se  aperfiauão  metia  os  no  fundo.  E  andado 
assi  por  lhes  faltar  agoa  mandou  Manuel  pacheco  fazer 
agoada  em  hu  rio  chamado  lacaparl  hQa  legoa  do  de  Pa^ 
cem  Sc  forflo  no  batel  a  fazela  no  mais  de  cinco  horoSe^ 
Antonfo  paçinha  Oalanquer,  loSo  dalmeida  de  quinlela 
criado  Dantonto  correa,  António  de  vera  do  Porto,  Fran* 
cisco  gramaxo  mo<^  da  camará  da  condestrabesa  ft 
ho  barbeiro  da  nao,  &  os  romeiros,  &  a  nao  (içaria  hSa 
Jegoa  a  lamar.  E  feyta  agoada,  &  tomados  palmitos  co** 
me^arSo  de  se  sayr  do  rio :  &  iristo  acode  sobreles  tan«* 
ta  soma  de  gSte  dambas  as  partes  do  rio  que  foj  ceusA 
despanto  velos  &  as  gritas  que  dauão,  &  as  frechas  que 
lhes  tirauão ,  porque  lodos  estai?ão  magoados  deles  pola 
guerra  que  lhes  fazião,  &  como  os  nossos  não  leuauão 
arrombadas  que  os  emparassS,  íizerànas  das  adargas 
poendo  as  dianteiras  nos  bordos  do  batel,  &  as  cosias 
hús  nos  outros,  &  em  pouco  tempa  todas  as  adargas  (o^ 
Tão  empenadas:  &  quis  nosso  senhor  que  nenhO  não  foy 
ferido,  &  eom  muyto  trabalho  sayrão  do  rio  tirando  ca» 
snnho  da  nao:  &  indo  quasi  a  meyá  legoa  dela,  não  po^ 
<Ierão  surdir  por  mais  que  os  remeiros  remauão  por  cres- 
cer a  maré  &  ventar  a  viração  ^  tudo  era  controles.  B 
estando  nesta  fadiga  ex  que  saem  do  rio  de  Pacem  trefe 
grandes  lancharas  cÕ  mil  homês  de  peleja  segQdo  se  des«- 
l>oÍ8  soube:  &  hia  por  capitão  delas  hfi  mouro  lao  muy« 
to  valente  caualeyro,  que  auia  nome  Raja  çudameeí  ca- 
pitão mor  do  mar  dei  rey  de  Pacem,  &  as  Lancharas 
hião  huas  das  outras  a  tiro  despingarda,  &  a  capitainA 
hia  diante ,  &  enxergauase  logo  pola  bandeira  que  teua^ 
na ,  &  todas  hião  a  boga  arrancada  por  chegar  ao  nosso 
l>atel ,  .&  os  q  hião  nele  vendo  que  da  nao  lhe  não  po^ 


LIVRO  T.   CAPlTVliO  aCXXTII.  19» 

diSo  aaeodir  por  nfio  auer  em  que:  &  que  a  eapitaína 
dos  iiDiDigos  lhes  hia  eiiegando,  &  que  i»2o  tinbSo  re« 
médio  se  nosso  senhor  não  aeodia,  encomendaranse  a 
ele  mf%jU}  deuotamenle,  &  asei  a  nossa  senhora:  &  es« 
forçados  coisso  acordarão  qua  tanlo  que  os  imniigos  a* 
balrroassem  coelea  trabalhassem  pelos  entrar  pola  proa 
da  lanchara,  porque  eomo  era  estreita  podersehião  ali 
ajudar  deles  melhor  que  em  outra  parte,  &  mais  que  em 
a  lanchara  abalrroido  pegasse  ho  barbeiro  com  as  mfios 
nela  &  a  tenesse  ho  mais  que  podesae.  £  assí  bo  fez,  que 
em  os  immigos  chegando  lançon  as  mâoa  na  Lanchara  8c 
a  teue  como  a  poderá  ter  hfia  abairroa,  &  com  quanto 
as  gritas  que  os  immigos  dauão,  &  os  instormentos  que 
tangiio,  &  as  frechas  que  tirauâo  era  pêra  espantar  a 
mojtos,  quanto  mais  a  tão  poucos  como  erSo  oe  nossos  z 
tleã  confiados  em  nosso  senhor  &  em  sua  gloriosa  madre, 
bradando  por  eles  de  todo  coração  se  arremessarão  na 
proa  da  lancfaara,  &  dali  oom  esforço  milagroso  começão 
ÉB  laçadas  com  00  inimigos  &  matar,  assi  os  lascarins 
como  os  remeyros  que  a  nenbâ  perdoauâo.  E  os  immi* 
gos  que  biâo  muyto  fora  de  lhes  parecer  que  seria  por 
os  noasea  não  serê  maia  de  quatro  ic  eles  poio  menos 
trezentos  assi  remeyros  como  lascarins:  vCdo  qiie  oe 
nossos  pedejauão  daquela  Hkaoeyra  começarão  de  se  lan-^ 
far  ao  mar ,  &  outros  ee  retirarão  pêra  a  popa  da  lan*-' 
chara  ondeataua  Raja  çudainecí  que  se  pop  diãte  dos 
aeus  pêra  resistir  aos  nossos  &  durou  aqui  a  peleja  qua* 
si  bíia  hora  em  que  os  nossos  k)T&o  todos  feridos :  mas 
eles  pelejarão  tambè  com  ajuda  de  nosso  senhor,  Q  he 
de  crer  que  os  ajudaua:  que  não  somente  matarão  a 
major  parte  dos  inimigos,  &  outros  (izerão  laçar  ao  mav 
mnjto  feridos,  &  hõ  derradeyro  foj  Rajaçudameci  fe- 
rido de  cinco  lançadas,  que  parece  que  se  lançou  mais 
pêra  se  vigar  da  fraqueza  dos  seus  que  pcra  safuar  a 
^ida,  porque  despois  que  foy  no  mar  nadando  com  os- 
pés  &  com  hfia  mão,  com  a  outra  mataua  quantos  podia 
alcãçar  com  bH  rico  terçado  4  trazia :  &  assi  andou  ate 


too  BA  Hirranu  ba  tndia 

que  se  sumío  debaixo  dagoa ,  &  as  duas  lancharas  que 
ficauJío  a  iras  vendo  aquela  desbaratada,  ou  despois  que 
começarão  de  ver  que  ho  auift  de  ser  não  ousarão  de 
passar  &  lornaranse :  no  que  parece  bem  que  quis  nos*' 
80  senhor  dar  vida  aos  nossos ,  porque  segQdo  estauão 
feridos  &  cansados  se  os  immigos  chegarão  a  eles  ali  a- 
eabarão  suas  vidas:  &  com  vitoria  tão  milagrosa  como 
esla  foy  Bcarão  'senhores  da  lanchara  &  se  forão  pêra  a 
nao  despois  que  vazou  a  maré:  onde  todos  derão  wuj^ 
tas  graças  a  nosso  senhor  por  tamanha  mercê  como  a«> 
qtiela  foy :  com  que  os  !migo8  ficarão  tão  espãlados  Q 
assi  auião  medo  dos  nossos  assi  como  do  fogo  &  não  ou* 
sauão  de  boiir  consigo.  E  recebendo  el  rey  de  Pacera 
perda  grandíssima  desta  guerra,  mandou  dizer  a  Ma*^ 
nuel  pacheco  que  pagaria  a  fazenda  dos  nossos  qup  fora 
tomada  .em  sua  terra ,  &  que  fizesse  paz  coeie:  &  assi 
ho  assentarão  ate  saber  de  Garcia  de  sá  se  era  conten- 
te,  &  ele  ho  foy  despois  ^  el  rey  de  Pacem  comprio  o 
que  dizia  9  &  Manuel  pacheco  leuou  a  lanchara  que  os 
nossos  4juatro  tomarão  a  Malaca:  &  por  memoria  do 
milagre  que  nosso  senhor  fez  lhe  mandou  fazer  hQ  aN 
pfidere  cuberto  &  a  pos  nele  sobre  hQs  vasos  pêra  que 
durasse  pêra  sempre.  E  vinda  a  moução  pêra  a  índia 
como  quer  que  Malaca  ficaua  liure  da  guerra :  partíose 
António  correa  pêra  Cochim  &  leuou  cõsigo  aqueles 
cinco  por  quem  iiosso  senhor  fez  ho  milagre. 


LIVRO  V.  CAPITVLO  ZXZYIII.  801 

c  A  p  I  T  v  L  o^  xxxvni. 

De  como  st  leuantarâo  contra  Eytor  roãriguez  capitão 
da  fortaleza  de  Coulâo  a  raynha  de  Coulâo  ^  ade 
Comorim. 

Jtjjytor  rodriguez  capitão  &  feytor  da  fortaleza  de  Con^ 
lio  tendo  a  quasí  acabada  despois  de  ho  gooernador  ser 
partido  pêra  ho  estreito,  mandou  dizer  á  raynba  deCou*^ 
Ião  per  Gaspar  ferras  &  Luys  aluarez  escriuSes  da  fey- 
toria,  que  lhe  mandasse  pagar  setenta  &  cinco  bares  de 
pimenta  que  lhe  quebrarão  no  peso  da  que  comprara  pê- 
ra a  carrega  das  nãos,  como  lhe  os  seus  feytores«&  cor* 
retores  ficarão  de  pagar:  &  assi  duzentos  &  oy tenta  ba* 
res  de  pimenta  que  deuia  da  soma  que  ficara  de  pagar 
pola  fazenda  que.se  tomou  a  António  de  sá  quando  ho 
matarão,  &  que  lhe  mãdaua  pedir  esta  diuida  por  quan* 
to  acabaua  no  anno  seguinte  seu  tempo  &  se  auia  de  ir 
pêra  Portugal ,  &  auia  de  dar  conta  pelo  que  tinha  ne* 
cessidade  de  arrecadar  o  que  lhe  diuião,  porque  o  que 
lhe  sucedesse  não  auia  de  querer  arrecadar  as  diuidas 
que  ele  6zera.  Ao  que  ela  respondeo  que  pagaria  os  du- 
zentos &  oytenta  bares  que  deuia  do  cõcerto  das  pazes : 
porem  que  se  ouuera  dauer  respeito  pêra  lha  quitarfi  ao 
grade  fauor  &  ajuda  que  dera  pêra  se  fazer  a  fortaleza 
que  sem  isso  não  poderá  ir  por  diante:  &. quanto  aas 
quebras  da  pimenta  que  as  não  auia  de  pagar ,  porque 
não  se  pagauão  em  Cochim  nem  em  Caicoulão.  Ao  qne 
ho  capitão  reprícou  9  dizendo  que  se  fizera  seruiço  a  el 
rey  de  Portugal,  que  ele  era  tão  manifico  que  lho  paga*^ 
ria  muyto  bem ,  porque  assi  ho  vsaua  com  aqueles  que 
ho  seruião*  £  quanto  aa  quebra  da  f>imenta  também  a 
deuia  de  pagar  ou  mandar  aos  corretores  que:  a  vende- 
rão que  a  pagassem :  porque  aqueixandose  ele  da  pi» 
menta  que  era  molhada  lhe  disserão  ho  regedor,  ^esi* 
eriuães,  &  corretoxea  que  se  pesasse  a  pimenta, &ae 

LIVRO  V.  cc 


209  M.   HISTOMA    JSk   TNBIA.  ^ 

deitasse  ao  aol  três  ou  quatro  bares,  &  despois  de  seca 
se  repesasse  &  o  que  se  achasse  que  quebraua  que  ele 
a  faria  pagar  aos  corretores ,  ou  a  pagaria ,  &  4  ^^^^  ^® 
lisseDlara.  Ao  que  a  rayoha  respondéo  como  dãles  &  ho 
mesfDo  fez  bo  regedor,  raoMraadose  ambos  muylo  des- 
contStes  Deytor  rodriguez :  &  a  mesma  reposta  d«râo 
outra  vez  que  lhe  ele  tornou  a  mandar  outro  recado  co- 
mo ho  primeyro.  £  de  tudo  £ytor  rodriguez  mandou  fa- 
ser  h&  auto  pelos  mesmos  escriuâes  que  leuauSo  os  te* 
eados,  porque  bo  goueraador  quando  tornasse  do  estrei« 
to  soubesse  como  passaua  a  cousa ,  &  Ibe  oão  posesse 
Culpa  se  a  raynha  se  aleuantasse  contra  a  fortaleza :  O 
que  ele  receaua  porque  sabia  quão  aluoroçada  era  ar- 
queia gente,  &  quâto  se  escandalizaua  de  qualquer  co««* 
M,  principalmente  ae  tocaua  em  seu  interesse.  O  qua 
ele  bem  receou,  porque  tanto  que  a  raynba  vío  que  lha 
pedia  a  pímeota  de  verdade,  &  que  não  podia  deixar  da 
a  dar ,  agastouse  coisso  muyto ;  porque  sempre  seu  fun* 
damenlo  foy  que  a  nâo  auia  de  pagar  &  lha  quitariãô 
polo  muyto  fauor  que  deu  a  se  fazer  a  fortaleaa,  &  coes» 
ta  tenção  ho  daua»  £  vSdo  que  lhe  saya  em  branco  to«- 
fnou  pêra  remédio  de  oâ  pagar  nenhila  pimenta  leuan* 
larse  &  fazer  guerra  aa  fortaleza,  &  mais  que  via  bo 
tempo  desposto  pêra  isso  por  a  pouca  gente  que  auia  na 
&>rtaleza  que  a  defendesse,  &c  ho  pouco  socorro  que  po^ 
dia  ter  por  bo  gouernador  ser  fora  da  índia  &  ieuar  con^ 
sigo  toda  a  gente  darroas  dela.  £  pêra  poer  em  obra  sua 
determinação^  persuadio  á  raynba  de  Comorim  que  a  a^ 

Í*  idasae  a  esta  guerra  eom  duus  filhos  que  tinha,  &  que 
>go  tomariSo  a  fortaleza  &  mataríão  quãtos  Portugueses 
eslauão  dentro.  B  coneertadas  ambas ,  chamarão  (am^ 
hem  em.  sua  a^uda  aigOs  mouros.  £  tendo  entre  si  fey» 
4o  este  concerto^  esperamk)  tempo  pêra  ho  executarem, 
acertarão  bfi.  dia  seesi^nta  Bigairis  de  irem  da  parte  de 
Comorim  pêra  a  fortateza  carregados  de  conchas  dos- 
ins  &  d^  lenha  pêra  fezerem  eal ,  &  hia  coeles  hQ  ho» 
Deitor  soárignea:  o  quesabido  por  Alai anatriuirí 


hil  dos  Rlhou  da  raynba  de  Gainorim^  nuodox  eerloy 
Nairas  seus,  &.  assi  aJgtU  vouroa  que  Ibe  espalhasaiein  a 
lenha  &  concha'  .&  os  espancassem.  O  Q  eles  logo  69e* 
rao,  &  ho  Português  que  hia  com  os  Bigarins  fugio  pê- 
ra a  fortaleza,  &  contou  o  que  passaua  a  Ejtor  rodrí- 
guez,  que  não  lhe  parecendo  ainda  o  que  era  porque  a- 
quiio  fora  feylo  perNaires  da  parte  de  Comorim  se  manr 
dou  aqueixar  ao  regedor  delrey  de  Comorinv  per  Luys 
aiuarez  &  Gaspar  ferraz  escriuães  da  feytoría.  E  sendoi- 
Ihe  feyto  este  queixume,  ele  dissimulou  :  dizendolhe  quQ 
lhe  pesaua  muyto  do  mal  que  os  Naires  fízerSo:  &  quã- 
do  Eytor  rodriguez  quisesse  mandar  leuar  algQa  cousa 
pêra  a  fortaleza  da  parle  de  Comorim  que  lho  mandasse 
dizer,  &  que  ele  daria  hfi  mSdado  pêra  que  não  fizesr 
sem  mal  a  quero  a  trouuesse :  &  ho  mesmo  queixume 
mandaoa  Eytor  rodriguez  á  raynha  deCoulâo,  mas.  ela 
oS  ho  quis  receber ,  &  fezse  partida  de  Coulão.  E  por* 
que  ele  foy  anisado  que  se  dizia  na  parte  de  G^morim 
que  se  lá  fosse  ter  algú  Português  que  lhe  auião  de  cor* 
tar  as  pernas  &  matalo,  mandou  ho  preguntar  á  raynha 
de  Comorim  se  era  assi ,  &  isto  per  há  Malabar  escr.U 
uão  da  feytoria  que  nSo  ousou  de  mandar  laa  Português. 
£  a  raynha  &  seus  filhos  responderão  que  ateli  fora  sua 
vontade  de  os  Portugueses  irem  a  Coulâo:  mas  que  da- 
li por  diante  se  algfl  laa  fosse  que  ho  auião  de  mâdar 
matar.  O  que  sabido  por  Eyior  rodriguez  mandou  que 
nenbQ  Português  não  fosse  mais  a  Coulao.  E  auendo 
dous  dias  que  isto  assi  andaua  soube  que  hCLa  nao  dQ 
Malabares  ^  eslaua  no  porto  tomaua  hua  noyte  pimen- 
ta ,  &  auia  dacabar  de  carregar  no  mar ,  &  lhe  auião  de 
Jeuar  a  pimenta  em  tones:  &  tendo  vigia  quando  hiãp 
os  mãdou  tomar  por  hO  loão  de  Chaues  meirinho  d^ 
fortaleza  que  foy  em  hu  catur,  &  tomou  sete  tones  car- 
regados de  pimenta  com  quantos  remeiros  hião  neles.  O 
que  sabendo  a  raynha  de  Coulâo  os  mandou  logo  pedir 
a  Eytor  rodriguez,  &  ele  não  lhos  quis  mandar,  dizen- 
do que  lhe  pedia  que  lhos  deixasse  castigar  porque  lhe 

cc  2 


204  DA  HISTORIA  DA  INDlA 

tinbSo  leuado  mais  de  seys  mil  bares  de  pimSta ,  &  por 
isso  erão  caliuos  dei  rey  de  Portugal:  porê  Q  ele  falaria 
cÕ  os  officiaes  da  fortaleza,  &  (}  tudo  se  faria  muyto  a 
seu  seruiço  como  sSpre  se  fizera :  do  Q  a  rainha  ficoa 
muyto  descõlête.  E  cÕ  quãto  Eytor  rodriguez  lhe  mã- 
dou  08  romeiros  ao  outro  dia  ela  os  nã  quis  ver,  &  ho 
regedor  de  Goulão  que  estaua  coela  disse  a  Luys  aluarez 
que  os  leuaua,  que  pêra  que  os  leuauSo  então  se  lhos  não 
quiserão  mandar  quando  lhos  pediâo.  E  como  ja  tudo 
esleuesse  muyto  danado  contra  os  Portugueses,  começa- 
rão os  Naires  que  hi  estauão  de  dizer  que  matassem 
Luys  aluarez  &  os  que  hião  coele :  o  que  lhe  bo  lingoa 
disse:  pelo  que  ele  nã  esperou  reposta  da  raynha  &  foy- 
se  bo  mais  asinha  que  pode  pêra  a  fortaleza  onde  achou 
acolhidos  muytos  Cbristãos  de  Coulâo,  que  fugirão  fiera 
lá  com  medo  de  Matanatriuiri  que  os  roandaua  matar 
por  amor  dos  remeyros  que  estauão  presos :  &  logo  a 
raynha  de  Coulão  &  a  de  Comorim  defenderão  gerai* 
mente  que  nenhum  oíficial  da  terra  não  fosse  mais  tra- 
balhar nas  obras  da  fortaleza ,  nem  leuassem  lá  manti- 
mCtos:  E  assi  se  fez.  O  que  v6do  Eytor  rodriguez  bo 
escreueo  logo  a  dom  Aleixo  de  meneses  que  eslaua  em 
Gochim ,  pedindulhe  que  lhe  mãdasse  vinte  besteiros  & 
espio gardeiros  pêra  defender  coeles  a  fortaleza :  pedin* 
dolhe  também  que  lhe  mãdasse  alga  dinheiro  de  que  ti- 
nha necessidade  pêra  acabar  duas  torres  que  estauão 
por  acabar.  A  que  dom  Aleixo  respondeo  que  não  auia 
espingardei ros  nem  besteiros  f|  todos  bo  gouernador  le- 
nara  ao  estreito,  nem  tão  pouco  tinha  dinheiro  que  vi- 
rifto  as  nãos  de  Portugal  &  então  lho  mandaria.  E  ven- 
do Eitor  rodriguez  tão  mao  remédio,  buscou  dinheiro 
que  tamott  a  õzena  cõ  que  acabou  sua  obra» 


LIVRO  V.  CAPITVLO  XXXIX.  206 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIX. 

De  como  a  raynka  de  Coulãp  ^  a  de  Comorim  quisferâo 
tomar  a  fortáleisa  por  treiçâo  ^  não  poderão. 

JL/elenninSdo  as  raynhas  de  Goulão  &  de  G)iDoritii  dê 
tomar  a  nossa  fortaleza :  parecendotbes  que  por  guerra 
lhes  seria  dificultoso ,  determinarão  de  a  tomar  por  trei* 
içflo:  o  que  concertarão  com  aqueles  três  irmãos  mala- 
bares Q  atras  disse.  s.  Vnirey  pula,  Balapulá  goripo, 
Coulegoripo  que  morauão  com  a  raynba  de  Comorim.  E 
s  maoeyra  da  treiçâo  auia  de  ser  fingindo  terem  agra«> 
vos  dos  íilbos  da  raynha  de  Gotnoil,  &  auião  de  come- 
ter Ejtor  rodriguéz  que  queriSo  viuer  com  el  rey  da 
Portugal  &  seruilo:  &  fingindo  medo  de  serem  sintídos 
não  auião  de  querer  falarfhe  na  fortaleza  se  não  na  igre- 
ja de  sámTbome  &  isto  de  noyte,  onde  se  fosse  ho  ma- 
tnriào  com  quantos  fossem  coele ,  &  com  gente  que  es- 
taria prestes  tomarião  a  fortaleza.  E  isto  assentado  fa- 
2ianse  os  três  irmãos  muyto  amigos  Deitor  rodríguez^ 
mandandolbe  muytos  auisos  fingidos  do  que  as  rainhas 
determinauão :  no  que  ele  não  atStaua  pola  amizade  que 
dantes  tinbão  coele.  E  com  tudo  não  brão  á  fortaleza , 
mas  mandaoanlbe  muytos  auisos  fingidos,  &  mostrauan- 
se  grandes  seus  amigos  &  seruidores  dei  rey  de  Portu- 
gal ate  fingirê  de  quererS  tornar  a  assêtar  a  paz  <}  es- 
taua  {|brada :  &  nisto  andarão  algfls  dias  ate  que  man- 
darão dizer  a  Eytor  rodriguéz  ^  bo  não  podiâo  acabar. 
E  cbegado  ho  inuerno  em  que  determinarão  de  executar 
a  treição  ()  trazião  forjada,  mandarão  dizer  a  Eytor  ro- 
driguéz per  hu  Ctiristão  de  Caycoulão  chamado  JMatias^ 
^ue  a  fora  bo  rey  grade  de  Goulão  estar  muyto  mal  coe- 
)es  por  ajodarS  a  fazer  a  fortaleza,  &  assí  os  principaes 
&  pouo  da  f^rra :  indo  brfi  dia  a  casa  de  Ramatreuiri  fi- 
lho da  raynba  ée  Comorim ,  &  efe  os  não  quisera  ver 
&  fizera  4  dormia  ^  no  Q  ífaes  fizera  muyto  grade  desfa- 


^OÇ  9A  BI8T0BIA   DA  ÍNDIA  « 

uor  y  &  mais  que  aquilo  lhes  parecia  véspera  de  os  des- 
truyr ,  o  que  temíábò  iQity to  |i)pp  yefem  a  ti^f ra  tão  aluo- 
roçada  contra  a  fortaleza,  &  que  sè  quererião  vingar  do 
ódio  ^  lhe  tínbêo  pola  ajudarem  a  fazer:  &  por  outra 
parte  posto  que  assi  nSo  fosse  ^  &  qaisesseo)  as.  raynhas 
que  eles  lhes  ajudassem  contrele  naquela  guerra  i)  sabia 
que  lhe  auião  de  fazer,  que  ficauâp  deslruydoa,  porque 
fabião  que  elas  não  auião  de  leuar  bo  melhor  da  guer- 
ra,  &  elea  não  ganfaarião  mais  que  fícarenlhes  os  Portu- 
gueses por  ímmigos,  o  que  eles  não  querião  por  nenhil 
preço:  por  isso  se  os  ele  quisesse  receber  pêra  viuereoi 
cõ  eirey  de  Portugal ,  &  lhes  dar  ho  soldo  que  lhes  da* 
ua  ho  r^y  grande,  que  assentarião  viuenda  cõ  el  rey  de 
Fortugai  &  serião  seus  pêra  sempre ,  &  morrerião  na 

fuerra  )  esperauão«  E  vendo  Eytor  rodriguez  como  am* 
as  as  raynhas  eslauão  de  guerra:  &  que  aqueles  Ires 
irmãos  ho  ajudarião  muyio  nela,  assi  por  serem  princi'- 
paes  da  terra,  como  por  ajuntarem  a  hu  repique  seya 
eentos  Naires,  &  serem  tão  vezinhos  da  fortaleza:  par 
receolhe  bê  aceitar  ho  partido  que  lhe  cometião ,  sobr^ 
o  que  se  conselhou  com  Matias ,  &  despois  cô  Christo- 
uão  de  bairros  seu  genrro,  &  alcayde  mor  da  fortaleza, 
&  assi  cõ  outros  officiaes  &  homês  hõrrados  dela.  E  per 
todos  foy  acordado  Q  os  três  irmãos  se  deuião  de  tomar 
por  criados  dei  rey  de  Portugal ,  com  lhe  darê  a  morar 
dia  &  soldo  que  tínhão  do  rey  grande  de  Coulão,  quo 
erão  corenta  cruzados  a  cada  hu  por  anno:  &  bo  soldo 
&  ordf^nado  da  terra  quando  de  suas  pessoas  &  de  seus 
Naires  se  quisesse  seruir  na  guerra.  E  isto  assinado  por 
todos  os  que  furão  no  conselho,  mandou  Eytor  rodrigueíc 
dizer  aos  três  irmãos  por  Matias  que  fossem  sós  á  fortar 
leza  pêra  assentar  coeles  a  viuenda  com  el  rey  de  Por^ 
tugai:  do  que  se  eles  mostrarão  muyto  alegres,  porem 
escusaranse  dir  á  fortaleza^  porque  não  fosse  sentido  da 
^ête  da  terra  o  que  querião  fazer:  nuis  que  á  boca  da 
noyte  se  ajuntarião  coele  na  igreja  de  sam  Thome  ond« 
leuaria  os  principaes  da  fortaleza  &  peranteles  lhes  ju^ 


UWt»  T.  OAPITVLO  KXnX.  f  Of 

rmriá  <de  comprir  o  que  assentasse  oodes :  &  Isto  com 
tea^  de  terew  quinze  mil  àomeos  em  cilada ,  &  ena 
quariíte  hOs  matasseiii  Eytor  rodrif  uex  &  os  que  ho  a-» 
oomf  afibatsio,  os  loutros  eatrariáo  de  supilo  na  IbrUle' 
ca  qee  auia  destar  aberla,  &.  a  lomariâo.  E  nâo  caindo 
«tnda  Cylor  rodríguez  nesta  treiçâ ,  lhes  respddeo  que 
basaaeaem  outra  nsíBeyra  pêra  assentar  seu  partido 
por^  b5  sabião  que  auia  bQ  anno  que  não  saja  da  for- 
taleza nS  auia  de  sayr  por  nbua  maneyra,  &  quando  os 
irmftos  virão  que  nào  podiio  acolher  Eyior  rodríguez 
disserão  que  pois  ele  nâo  podia  ir  á  igreja  que  dizião 
que  «Msem  BB  «oyte  seguinte  seus  gCrros  bo  alcayde 
mor ,  &  Duarte  varela  &  Luys  aluarez  escriuâo  da  fer- 
toria ,  &  eles  abastaríio  pêra  fazerem  o  q  ele  fizera :  & 
Isto  pêra  os  matarem ,  porque  sabiâo  que  eomo  matas- 
sem estes  que  erão  os  principais  com  <|  se  Eytor  rodri* 
guez  auia  de  delBder  faciJmente  lenariâo  a  fortaleza  nas 
ttàos.  E  quis  nosso  senhor  que  quâdo  foy  a  boca  da  noy- 
te  em  que  auia  de  ser  a  treição  ^  Ey  lor  vodriguez  se  a* 
choo  mal  sentido ,  &  mandou  dizer  aos  três  irmãos  que 
por  essa  realo  nâo  pbdia  praticar  com  ho  alcayde  mór 
BÔ  com  es  outros  que  auiáo  dir ,  o  que  auião  de  fazer 
que  ficasse  pêra  outro  dia,  &  que  ele  lhes  mandaria  di« 
ser  ouádo.  £  passados  dons  dias  lhes  mandou  dizer  que 
aqBela  noyte  fossem  á  igreja  &  se  faria  ho  concerto.  E 
Como  eles  eitaaâo  desapercebidos  pêra  a  tfeiçâo,  res- 
ponderão que  aquele  não  era  b&  dia  pêra  fezer  mudan- 
ça que  ficasse  pêra  outro  l[  fosse  bè:  &  logo  após  aque- 
la reposta  lhe  mãdeu  dizer  Balapulá  goripo  ho  principal 
da  Irei^fto  que  na  mesma  noyte  queria  ir  á  fortaleza  pe- 
»  assentar  coele  por  si  &  por  seus  irmãos.  E  como  to- 
do erão  mStiras  nà  foy,  &  fez  esperar  Eytor  rodriguea 
■te  nea  noyte  5  &  em  amanbecêdo  lhe  mandarão  todos 
^e  outro  reeado ,  que  eles  não  bião  aa  fortaleza  por 
«o  dwerem  eeus  parfttes  q«e  nio  se  fiassem  dele,  &  po» 
"•o  nto  ousanj*  dir ,  que  lhes  mandasse  por  arrefens 
RMB  K«wroB  &  outM»  àioiii6s  hounwkw  que  «cassem  ew 


SOS  nA  HI8T0AIA  DA  fN0IA 

sua  cata  em  quâio  fossem  aa  fortaleza  j  k  H  irião  logo* 
£  isto  com  determinação  de  entSo  acabarem  soa  Irei- 
ç2o  pêra  o  que  tinbão  quize  mil  homès  como  dates :  maa 
quis  nosso  senhor  iembrarse  dos  Portugueses,  &  abrío 
os  olhos  do  entendimento  a  Eytor  rodriguez,  pêra  quo 
visse  claramente  a  treição  que  lhe  q^ueríio  fazer,  & 
respondeo  que  não  queria  coeles  partido  nenhCi  que  es** 
teuessem  como  dantes. 

CAPITVLO    XL. 

De  como  a$  raynhas  mandarão  cercar  afortakxa. 

V.  endose  os  três  irmãos  desesperados  de  poderê  fazer 
a  treição  ^  determinauão ,  disserãno  aas  raynhas:  que 
consultarão  coeles  que  pois  não  podíão  tomar  a  fortale- 
za por  treição  §  a  tomassem  por  guerra,  porque  não  po- 
dia ser  ^  tão  poucos  Portugueses  como  eslauão  nela  a 
defendessem  a  tanta  gSte  como  elas  tinhão,  &  mais  em 
inuerno  que  era  ja  ho  mar  çarrado  por  serem  dezanoue 
de  lunho :  &  parecia  que  não  podíão  ser  socorridos ,  & 
logo  ajiltarão  bis  xv.  mil  naires  &  por  capitães  os  três  ir- 
mãos 9  a  ^  derão  cuydado  da^la  êpressa.  E  têdo  esta 
gole  juta  pêra  darS  na  fortaleza  hu  Arei  grade  seruidor 
deirey  de  Portugal  &  amigo  de  Eytor  r^rigoez  êtrou 
de  supito  na  fortaleza  cuberto  cõ  h&  pano  por  não  ser 
conhecido ,  &  lhe  disse  que  se  goardasse  porque  estaua 
muyta  gente  junta  dos  immigos  pêra  ir  logo  pelejar  coe- 
le.  E  isto  dito  sem  mais  detença  se  tornou  a  sayr:  o 
que  ouuido  por  Eytor  rodriguez  mãdou  cortar  hfias  pai* 
meyras  que  fazião  hO  êcuberto  dÕde  lhe  podíão  dar  com- 
bate.  E  andado  hQs  sete  ou  oyto  homá  cortado  as,  a- 
codio  Bala  pula  goripo  agrauandose  de  as  cortarem,  & 
após  ele  se  descobrirão  tão  de  supito  quinze  mil  homSs 
Q  os  Cbristãos  da  terra  que  morauão  ao  derredor  da  for- 
taleza não  teuerão  tempo  de  meter  nela  suas  fazSdas ; 
&  ho  melhor  que  poderão  se  acolherão  a  ela  cÕ  suas  mor 


1.IVIK)  ▼.  CAPITVLOXU  209 

Hieres  8c  filhos:  &  isto  poderão  fazer  porque*  n  arlelha- 
ria  da  fortaleza  jugaua  tnuyto  rijo  que  assi  ho  mâdou 
Eylor  rodriguez  como  vio  os  ímmigos,  com  que  matou 
deles  obra  de  vinte  cinco  em  quanto  durou  ho  combate 
que  foy  ate  noyte,  &  eles  roubarão  &  queymarâo  as  ca- 
sas dos  Christâos  da  terra  (|  se  acolJberâo  á  fortaleza^ 
&  matarão  hu  Português  chamado  leronimo  vaz  que  ã» 
daua  fora  da  fortaleza  por  hu  homizio ,  &  dous  escrauos 
&  b&s  quatro  carpiteiros  &  pedreiros  da  terra^  por^  tra- 
balhauão  na  fortaleza.  E  nesta  rf>uolta  deitarão  muyta 
peqonha  no  poço  da  fortaleza  &  em  outro  seu  vezinho^ 
que  matou  logo  quantos  peixes  andauão  neles,  &  des- 
pois  ho  mandou  Eytor  rodriguez  alimpar  &  fazer  nele 
hQ  forte  repairo  pêra  ho  defender  aos  immigos ,  que  Io- 
go  assentarão  algOas  estãcias  com  bombardas  roqueyras 
^  mouros  i}  ali  inuemauão  lhe  emprestarão  das  suas 
nãos,  &  coesta  artelharia  tirauão  á  fortaleza  &  «om  muy- 
tas  frechas:  mas  [)or  ser  a  artelharia  fraca  não  lhe  fa- 
tião  dano,  &  porque  a  nossa  lho  híto  fizesse  muyto  fize- 
rão  rouytas  cauas  pêra  se  acolherem:  &  isto  de  noyte 
que  de  dia  não  ousauâo  de  trabalhar  por  não  «e  desço* 
brirem  a  artelharia,  com  2)  os  Portugueses  tirauão  posto 
que  era  de  noyte  atinando  ao  tõ  das  enxadadas.  E  coes- 
tes  tiros  perdidos  matarão  algQs  dos  immigos,  que  tam- 
bém tinhão  tento  quando  os  Portugueses  falauão,  &  ti- 
rauão muytas  frechadas  pelo  que  era  necessário  nos  da 
fortaleza  de  vigiarfi  armados:  &  noue  dias  continos  te- 
uerão  este  trabalho,  &  assi  de  corridas  i}  os  !migos  fi^ 
sião  á  fortaleza  de  <)  sempre  fícauão  no  campo  pas- 
sante de  vinte  mortos  cõ  a  artelharia,  &  dos  Portugue- 
ses forão  feridos  algQs  de  frechadas  &  antreles  foy  Duar- 
te varela  genrro  Deytor  rodriguez  ^  tinha  consigo  ate 
trinta  homês  de  que  cinco  estauão  muyto  doCtes:  & 
ooéstes  esperaua  era  nosso  senhor  de  se  defender  a  ta* 
nianha  multidão  dimigos  como  defendeo  não  tendo  na 
fortaleza  roais  que  arroz,  porem  pêra  oyto  meses,  & 
este  se  comeo  na  fortaleza  èo^ido  em  agoa  tal  em  quão- 

LIVAO   V.  DD 


210  HA    HISTORIA   DA    ÍNDIA 

to  durou  ho  cerco,  &  ás  vezes  ralos  pêra  que  lhes  pàh 
recesse  que  comião  carne. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLI. 

De  como  dô  Aleixo  de  menesei  mandou  socorrer  a  forta- 
leza de  Couláo  per  dom  Afonso  de  metieses. 

N.  h„»  ,  «.  taigo.  p<«rto  oerco  «>b,e  .  fo,...«. . 
hu  Ghalim  de  Cochim  seruidor  dei  rey  de  Portugal  que 
estaua  em  Coulâo ,  par  tio  logo  pêra  Cochítn  &  foy  dizer 
a  dom  Aleixo  de  meneses  o  que  passaua*  E  vendo  ele 
ho  perigo  em  que  fícaua  a  fortaleza  por  a  poiíca  gente 
ò  tinha  pêra  a  defender,  mandou  em  seu  socorro  dÕ  A- 
fonso  de  meneses  filho  do  conde  dom  Pedro  niuyto  es- 
forçado caualeyro ,  que  foy  em  faúa  fusta  com  dezanoue 
humSs  mal  armados  &  sete  deles  espingardeiros,  &  hil 
priuco  de  biscoito,  &  duas  pipas  de  carne,  &  duas  cai^ 
teirolas  de  poiuora :  &  com  quãto  era  inuerno  quis  nos- 
so senhor  dar  jazigo  ao  mar  que  a  fusta  foy  a  saluamen- 
to  &  6  poucos  dias  chegou  ao  por  lo  de  Cuulão,  onde  os 
immigos  a  seruirão  com  assaz  de  frechadas  &  bombar- 
dadas  &  com  hQ  espingardão  ferirlo  ho  comitre  da  fus- 
ta de  hua  perigosa  ferida :  &  dom  Afonso  se  vio  em  gra- 
de fadiga  porque  não  tinha  paraó  em  que  podesse  de- 
sembarcar, nè  Eytor  rodriguez  nSo  tinha  nenhú  que  tu- 
do lhe  queymarão  os  immigos.  E  vendo  que  nâo  auia 
•utro  remédio,  mandou  hQ  homem  a  nado,  que  fosse  di- 
ser  a  dom  Afonso  que  se  chegasse  tanto  a  terra  que  po- 
scsse  nela  ho  esporão,  &  que  desembarcaria  com  gête 
que  lhe  mãdaria  da  fortaleza,  &  mandou  ho  aicayde  oiór 
eom  vínle  bomCs:  &  em  saindo  da  fortaleza  começou 
de  jugar  a  artelharia  que  estarua  daquela  banda,  porque 
embaraçasse  os  immigos  que  por  serè  tantos  não  tinháo 
em  oonta  os  pelouros.  E  vendo  que  dom  Afonso  desA- 
bareaua  poserâo  fogo  ás  suas  bombardas ,  &  desparauáo 
freebaa  sem  coalo,  &  foy  k&a  bem  perigosa  desemba»* 


XJVSO  y.  CAVITVU)  XLlé  Sll 

caçSo.  E  com  tudo  aprouiie  a  nosso  senhor  ^  nenbli  dos 
Portogueaes  dSo  íoy  ferido  ^  &  todos  se  recolherão  8 
saiuo  á  fortalesa  com  as  arinaa  &  adargas  bem  cubertaa 
de  frechas :  &  coes  te  socorro  cbegau^  os  que  estauâo 
nela  a  cincoSta^  com  que  os  immigos  teuerão  grande 
éespraser  parecendoihes  que  de  cadauez  que  a  forlale* 
sa  teuesse  necessidade  de  socorro  lho  mãdarião  de  Co- 
chim.  B  08  mouros  ^  bi  inuernaufio  &  desejauão  muylo 
de  ver  tooiada  a  fortaleza  lhes  diziâo  que  nSo  se  enga- 
nassem y  porque  em  Cochini  não  auia  mais  gente  com 
que  podessem  socorrer  a  fortaleza  posto  que  disso  te* 
nesse  necessidade,  porQ  a  leuara  bo  gouernador  toda  ao 
estreito:  &  mais  que  aquela  fusta  não  hia  pêra  mais 
que  pêra  leuar  a  Cochim  os  que  estauão  na  fortaleza, 
por  isso  que  trabalhassem  pola  arrobar  porque  os  não  le- 
uasse :  &  deapois  tomarião  a  fortaleza.  E  cuydando  os 
Naires  que  isto  era  assi  assestarão  hQa  bombardeta  gros- 
sa na  fusta  &  afadigauãna  muyto  rijo,  &  mataranlhe  hG 
remeyro.  O  que  vendo  Eytor  rodriguez  assentou  com  d5 
Afonso  que  fossem  tomar  aquela  bombarda,  pêra  o  que 
snjrfio  hQa  ante  manhaã  com  trinta  homens  &  remete^ 
rio  aa  estancia,  &  derão  nos  Nayres  que  a  goardauão: 
tt  que  acodio  logo  Balapulá  goripo  que  era  ho  capitão 
daquela  estâcia,  &  começarão  de  pelejar  &  logo  Duarte 
varela  a  qoe  era  encomêdado  que  com  certos  homSs  to* 
masse  a  bombarda  remeteo  a  ela  pêra  a  tomar ,  mas  a^ 
charãna  liada  no  repairo  cÕ  hQs  cabres  tão  fortes  que 
niica  08  poderão  cortar  com  as  espadas :  &  vendo  que  a 
não  podião  leuar  a  deixarão,  &  também  porque  a  gen- 
te recrecia  muyto  à  foy  forçado  a  Eytor  rodriguez  ^e* 
colherse  o  2}  fez  cõ  algua  afrõta,  &  ficarão  sete  dos  ira* 
noiges  mortos ,  &  mais  leuaranJbe  a  camará  da  bombar- 
da com  Q  por  hãs  dias  lhe  impidirão  {}  não  podesse  ju* 
gar  ate  que  £aerão  outra,  &  dos  Portugueses  não  foj 
nenhfl  ferido.  E  não  deixado  ainda  os  immigos  de  per- 
seguir a  fusta  com  outras  boiubardas  miúdas,  acordarão 
dona  AiSso  Sc  Eytor  rodriguez  de  a  mandar  a  Cocbim# 

/  DD  2        • 


212  DA    HISTORIA    BA    ÍNDIA 

£  asâi  ho  fizerão,  &  por  ho  mar  âdar  ja  inuyto  grosso 
não  pode  mais  chegar  que  á  cale  &  hi  inuernou ,  &  co- 
mo a  fusta  se  parlio  de  noyle  que  os  immigos  a  nâo  vi- 
rão partir ,  quando  foy  menhâ  que  a  não  virão  cuyda- 
rão  (|  a  gSte  da  fortaleza  se  fera  nela  coroo  lhe  os  mou- 
ros dizião,  &  mais  porque  não  parecia  ninguê  pola  for- 
taleza :  &  08  mouros  lho  affirmarão  mais.  E  cuydando  aa 
raynhas  que  era  assí  mandarão  a  seus  capitães  que  des- 
sem na  fortaleza  &  a  tomassem :  pêra  o  que  se  aj&tarâo 
todos  cõ  grades  alegrias  de  gritas  &  de  tàger  de  trõbe- 
tas,  &  melhocando  suas  eslãcias  remeterão  á  furlaieza 
&  começarão  de  lhe  dar  bateria  cõ  suas  bombardas ,  & 
porque  a  principl  era  a  porta  da  fortaleza,  Hl  Eytor  ru- 
driguez  se  temeo  que  a  quebrassem  mandou  poer  algQs 
liomSs  em  hQa  goarita  que  estaua  sobre  a  |xirla  pêra  ^ 
a  defendessem  com  grades  pedras  &  panelas  de  poluo- 
ra ,  &  fez  seu  capitão  a  híi  Pêro  lourent^o  criado  dei  vey 
de  Portugal ,  &  ele  pes  se  em  baixo  no  pátio  da  for- 
taleza com  vinte  homês  armados  &  mandou  abrir  a 
porta  pêra  que  os  immigos  entrassem  se  quisessem. 
£  venda  eles  a  determinação  dos  Portugueses  nâ  ou- 
sarão de  cometer  a  porta ,  mas  tirauâo  multidão  de  fre- 
ehadas  ,  &  os  Portugueses  espingardadas  &  bõbarda- 
das,  &  as8Í  est^euerão  bS  duas  horas  &  se  tornarão  os 
Smígos  a  recolher  a  suas  estancias  ticãdo  mortos  obra 
de  triia  &  dos  nossos  nhú» 

G  A  P  I  T  V  L  O     XLÍI. 

Do  q  socedeo  na  guerra  aos  Portugueses  ^  aos  imigos. 

V  endõ  as  raynhas  &  es'  príncipes  quão  pouco  dane  fa- 
ziào  aus  da  fortaleza  estauâo  niuyto  abastados,  em  tan- 
to que  qutserão  disistfr  da  guerra  se  os  mouros  lhes-  uS 
foráo  a  mão  eslranhandolho  muyto:  &  prometendtilbe 
que  os  P(»rlugueaes  se  auião  dentregar,  assi  de  casados 
de  se  defenderem  como  d^  fome  ^  os  auia  dapertav.  £ 


LATRO    V.    CAPITVLO   XLII.  213 

de8e8|)erado8  de  socorro  por  ho  gouernadar  ser  ao  estrei* 
to  õde  o8  rumes,  ha  attiâo  de  desbaratar^  &  Dáo  auia  da* 
uer  qu6  socorresse  a  fortaleza ,  por  isso  que  esperassem 
de  a  tomar,  &  fizeranlbe  outra  camará  á  bombarda  gros^ 
aa  tal  como  a  que  lhe  tomarão  os  Portugueses  &  deita* 
na  pelouro  de  ferro  de  peso  de  dez  arratSs  cÔ  que  tor^ 
oaráo  a  tirar  á  fortaleza,  &  lhe  desmancharão  os  curu- 
cbeoa  das  torres,  com  quàlo  erão  muyto  fortes:  porem 
nas  parede»  dos  iuuros  uâo  amegauâo  os  pelouros  nada  , 
&  Dào  auia  dia  £[  não  metessem  na  fortaleza  eêto ,  assi 
desta  bombarda  como  doutras  mais  pequenas :  &  Deos 
aeja  luuuado  nunca  ferirão  nem  matarão  ninguém ,  sal^ 
lio  hii  escrauo  de  dom  Afonso  de  meneses.  E  com  toda 
esta  opressani  Q  oa  da  fortaleza  tinhào,  princípalmSte  de 
comerem  táo  mal  como  digo  sintiáse  tão  esforçados  pêra 
fazer  mal  aos  Imigos  Q  quas»  todoloa^  dias  sayâo  da  for- 
taleza a  cortarlbe  os  palmares ,  que  era  a  mayor  ofiensa 
&  dano  (}  lhes  podiâo  fazer,  &  assi  ho  sintià  eles  muj- 
lo,  especialmente  Matanatriuiri  qu«  estaua  por  capitão 
ée  h&a  eatãcia  onde  era  a  principal  dealruyção  dos  palr 
mares  ^  os  Portugueses  fazião.  por  terem  ali  os  immigos 
grande  colheita:  de  que  os  Portugueses  sSpre  nestas 
saydas  matauão  algu»  dos  que  lho  sayfio  a  defender.  E 
ho  capitão  desta  gête  que  saya  era  as  mais  das  vezes 
46  Afonso  que  nesèe  cerco  seruio  muylo  bem.  E  vendo 
Cytor  rodriguez  como  os  Imigos  sayâo  a  defender  ho 
cortar  das  palmeyras,  mandoulhe  deitar  hua  cilada  de- 
Iraa  dOs  valos  dobra  de  quinze  espingardeiros  &  bestei- 
ros, &  mandou  a  Duarte  varela  que  cõ  dea  bomês  fosse 
cortar  aa  palmeiras  da  parte  da  estàcia  de  Balapulá  go** 
ripo,  que  logo  sayo  .a  lho  defender  com  algQs  Naires-, 
êe  que  ca  da  cilada  materâo  sete  ou  oyto,  &  Duarte  var 
vela  se  recolheo  ^  seguindo  ho  os  imigos :  a  que  fez  ro»> 
to  junto  do  potjo  como  muytu  bÕ  caualeyro-  que  era ,  & 
mandou  aos  besteiros  &  espingardei ros  que  diessem  bQa 
^urriada  noa  imigos,  &  assi  ho  fizerão :  &  hfl  Simão  ai* 
uarez  criado  de  Eytor  sodriguez  acertou  a  Balapulá^  go- 


tl4  Mk    0T0VOHM    DA  IHMA 

ripo  h1}a  espiogardada  por  ambas  as  cozas  ^  Ikas  vmoq 
fc  {{broolbe  bo  osso  dOa  que  logo  cayo  no  cbSo :  ao  que 
Duarle  rareia  acodio  pêra  bo  tomar  &  eoele  Luys  atoa* 
rez  escrioSo  da  fejtoria,  Afonso  ferras,  António  da  con* 
ta ,  Diogo  de  gouuea ,  Pêro  lonren^  &  outros  oaoalej- 
ros,  &  trauoose  hfia  braaa  peleja  por  sobreuir  tanta  geo* 
te  dos  Imigos  que  quasí  afogana  os  nossos ,  &  por  íssô 
nSo  poderão  catiuar  Balapdá  gorípo  j  &  Duarte  varela 
foy  ferido  c5  bOa  espada  na  sola  de  bft  pé,  &  Afonso 
ferraz  foy  ferido  doutra  de  (|  dcspois  morreo,  &  Antó- 
nio da  costa  de  duas  frechadas,  &  assí  outros:  &  reco* 
Iheranse  com  muyta  afrõta,  &  nem  por  isso  deixauSo 
de  sayr  a  cortar  os  palmares,  o  que  fasião  eada  dia,  & 
de  cada  vez  matauáo  gente  aos  imígos  &  lha  feriâío^  & 
dos  nossos  náo  morrerão  mais  que  estes  ^  digo.  E  assi 
durou  ho  cerco  ate  oyto  dias  Dagosto  em  4  acontecerão 
outras  muytas  cousas  que  não  escreuo  por  ordS  por  as 
não  saber  particularmfite ,  mas  os  Portugueses  bo  fize;- 
rão  sempre  tãbS  cÒ  ajuda  de  nosso  senhor  ^  os  imigos 
se  espãtauão :  9l  assi  foy  este  bii  dos  borrados  2^  os  pof^ 
tugueses  fizerão  na  Índia. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLIII. 

De  cama  a  raynha  de  Camorim  pedia  paz  a  Eytor  ra- 
driguex  ^  se  kuâtau  ho-  cerco  dafartalezeu 

JLIesenganadâs  as  raynhas  de  Coulão  &  de  Comori»  ^ 
não  podião  tomar  a  fortaleza  pois  bo  não  poderão  fazer 
8  perto  de  dous  meses  que  estauâo  sobrela,  arrepende^ 
ranse  muyto  de  terS  come<;ada  a  guerra,  porque  rtâo 
que  fizerão  nisso  sua  perda.  E  a  raynba  de  Comori  m 
quisera  ijne  pedirão  paz  ao  capitão,  &  a  de  Goulão lhe 
disse  que  ele  auia  destar  esoãdaiizado  delas  &  nã  auia 
de  querer  paz,  que  melhor  seria -maudala  pedir  a  dom 
Aleixo  de  meneses  Q  ficaua  por  gouernador.  No  4  ^  ^^X** 
nha  de  Comori  não  quis  consentir,  dizendo  que  a  qiism 


tia  fiâêr»  B  guerra  a  eete  auia  de  pedir  a  pas.  E  a  ray^ 
aha  da  Ccuiâo  nft  quÍ8  se  oáo  mandala  pedir  a  do  Alei-- 
ze^  a  quem  mandou  bil  seu  pula  pedindo  perdão  4o  qu# 
fisera,  ic  proaietddo  de  aer  dali  por  diante  niu^^lo  lidi 
a  el  rey  de  Poriugal^  pedindolhe  que  maadaase  lá  coni 
qii6  asMUtasâe  a  paz  i^  iiorqae  nãò  ae  ainsuia  a  asaeota- 
ia  com  Bytor  rodriguez*  E  doui  Aleixo  despachou  logc 
fiera  ir6  fazer  eate  negocio  Diogo  pereyra  de  Cochinn^ 
íl  Cberinaaiarcar' &  Patemarcar  «icufM  que  íossem  coa.- 
le.  E  6lre  tanto  que  hiSo  a  rayniui  d«  Gooaorioi  ^  da- 
aejaua  dasaentar  paz  eom  EyLor  rodriguez  iȉdouibe  re- 
cado por  bOa  nioiber  Cbriatáa  da  terra  chamada  CochU 
4iale  muyio  conhecida  doa  Portugueses  ^  que  chegou  a 
f)oKa  da  fortaleza  hOa  aoy  te  do(s  oyto  dias  Dagosto  re^ 
dido  bo  quarto  da  pntiiac  &  conhecida  quem  era  dei^ 
pois  de  chamar,  &  dizendo  que  queria  fklar  a  Eytor  rc*- 
driguez  da  parte  da  ra^oba  de  Comorim^  foy  leuada 
diante  deie:  &  ficando  coai>  doo  Albnso  &  com  hc  at- 
cayde  niór,  &  Luj^s  aluarez  ascriuâo  da  feytoria.  £la  lhe 
disse  j|  a  raynha  cie  Coinorini  Sganada  pela  de  Coulãa 
^  lhe  auião  de  loroar  a  fortaleaa  per  hfl  ardil  ^  Balapu»- 
]à  goripo  &  seus  irmâcs  tinbio  ordenado  pêra  isso  ^  se 
leuantara  cdtrde  &  lhe  fizera  guerra,  do  que  se  arre- 
pendia iDuy  to  &  confessaua  que  errara :  &  lhe  pedia  ^ 
quisesse  eoeJa  paz,  porque  queria  ser  nouyto  grande  sen- 
uidor  dei  rey  de  Portugal,  .&  daria  pêra  a  fortaleza  lo^ 
da  a  prouisam  de  mantimentos  de  que  teuesse  necessi- 
dade: &  dali  por  diante  mandaria  a  seus  filhos  &c  a  sua 
gête  que  mais  nSo  fizessem  guerra  á  fortaleza.  £  pre* 
guntada  por  Eytor  rodriguez  se  trazia  algQa  carta  de 
crSça  da  raynba :  &  dizendo  que  não,  lhe  respondeo  que 
a  trouuesse  ou  viesse  algú  puiá  principal  coela,  &  que 
entfio  responderia  a  bem  de  feyto.  E  ela  disse  que  si  tra- 
ria ,  porQ  a  raynha  desejaua  muy to  a  paz :  &  assi  foy 
que  logo  ao  outro  dia  á  noyte  ao  quarto  da  modorra  tor* 
DOU  &  coela  Chanei  pula  muyto  pricipal  na  casa  da  ray- 
nha que  entrou  com  seguro  Deitor  rodriguez ,  a  quem 


me  DA  mnotiíA  ba  nmtK 

despois  da  dar  ha  grande  presente  de  niantimfitos  cia 
parle  da  raynba ,  lhe  confírmou  também  com  hil  seu  re- 
cado ho  mesmo  que  Gochicaie  lhe  dissera  a  noy te.  pas- 
sada, pedindolhe  que  al6  de  cõfirmar  a  pa^,  lhe  quises- 
se dar  seguros  pêra  as  suas  nãos  nauegarS ,  &  que  de- 
uia  de  folgar  de  lha  cõfirmar  por  a  nossa  fortaleza  eslar 
em  sua  terra,  &  ser  feita  contra  sua  vontade  &  de  seus 
pulas :  &  mais  por  nâo  I}rer  mandar  assentar  paz  cd  dft 
Aleixo  como  fizera  a  raynba  de  Coulio,  se  nSo  coele. 
£  contou  a  Ejtor  rodriguez  como  sabendo  a  raynha  j| 
Diogo  pereira  estaua  em  Caicoulâo,  (|  vinha  por  man- 
dado de  dom  Aleixo  pêra  assentar  as  pazes  c5  a  raynha 
de  couião ,  lhe  mãdara  dizer  Q  nâo  entrassem  em  Cou- 
láo,  se  não  que  se  acharia  mal.  B  de  tudo  isto  Eytor 
rodriguez  mãdou  muytos  agardecimentos  á  raynha,  & 
da  sua  parte  lhe  outorgou  a  paz  ,  promet^dolhe  que 
quando  se  ouuesse  dassentar  de  todo,  ele  apresentaria 
ho  muito  grade  seruiço  l(  ela  fazia  a  el  rey  de  Portugal 
em  desistir  da  guerra  &  socorrer  á  fortaleza  a  tam  b5 
tempo.  O  ^  ela  estimou  muyto,  &  fez  logo  afastar  a  sua 
gente  de  guerra :  &  mãdou  aos  seus  areys  que  mandas- 
sem aos  pescadores  de  sua  terra  que  leuassem  cada  dia 
pescado  á  fortaleza.  E  tambS  a  raynha  de  Couião  desis- 
tio  da  guerra:  &  Eytor  rodriguez  ficou  desapressado  de- 
la ,  sem  em  todo  ho  tSpo  que  durou  lhe  ferirS  nem  ma- 
tarS  mais  que  os  que  disse« 


uvn>  y.  CAPiTvxx»  xuiii.  217 

CAPITVLO    XLIIII. 

De  eofno  Cherinamarcar ,  ^  Patêmarcar  mauros  eslor^ 
uarão  que  a  ratfnha  de  Coulâo  não  assentasie  a  pax 
*    que  cometia^  ^  de  como  se  fez  despoie. 

Dabendo  Eytor  rodriguez  como  Diogo  pereira  &  Pa(e* 
marcar  &  Cherioa  marcar  eatauSo  em  Cailecoulão ,  & 
•fiâo  ousauã  de  passar  dali  cõ  medo  da  raynha  de  Como- 
rim ,  escreueo  a  Diogo  pereira  que  se  fosse  em  hQ  tone 
por  mar  á  fortaleza  ^  &  que  os  mouros  se  fossS  polo  rio: 
&  assi  ho  fizerão,  E  chegado  Diogo  pereira  a  fortaleza 
disse  a  Eytor  rodriguez  como  dd  Aleixo  ho  roSdaua  ali 
pêra  reformar  a  paz  cÕ  a  raynha  de  Goulão:  a  cujo  re« 
^rimento  aqueles  dous  mouros  vinhão.  Do  que  se  Eytor 
rodriguez  aqueyxou  muyto,  dizSdo  que  a{|les  mouros 
erã  imigos  dos  portugueses,  como  ho  erâo  quantos  auia 
na  índia,  &  que  lhe  parecia  que  por  sua  causa  se  não 
auia  de  fazer  a  paz ,  que  ele  não  cõcedesse  sem  a  ray- 
nha comprir  logo  híis  apontamentos,  i)  forão  os  seguintes. 

Que  dStro  naquele  anno  auia  de  pagar  duzentos  & 
oytêta  bares  de  pimenta  que  deuião  a  el  rey  poia  fazS- 
da  que  fora  tomada  a  António  de  sa:  &  assi  set^ta  & 
dous  bares  i)  deuia  da  quebra  do  peso  da  pimenta  da 
carga  do  anno  passado:  &  mais  treze  bares  que  se  mon- 
tauão  em  certo  dinheiro  que  lhe  deuia ,  como  estaua 
per  conta  certa. 

E  auia  de  pagar  todo  quanto  se  roubara  assi  aos 
Portugueses^  como  aos  Ghristãos  da  terra,  quãdo  se  pos 
ho  cerco  á  fortaleza :  &  assi  todo  ho  dano  que  receberão 
em  quanto  durou  a  guerra  descrauos  ^  fugirão  pêra  os 
imigos :  &  mais  auia  logo  de  correg^r  todo  ho  danefica- 
mSto  que  na  fortaleza  fosse  feyto. 

E  que  os  der«yio8  da  igreja  de  sam  Thome  que  ho 
modelcar  dos  mouros  tinha  tomados  despois  da. guerra 
lhe  íbssê  logo  (ornados :  &  por  castigo  disso  se  dessem 

LIVRO   V«  E£ 


pêra  sempre  á  igreja  de  sam  Tbome  lodos  os  dereytos 
que  pertenciSo  á  lúezquiliai  dos  mouros.  E  que  os  mou- 
ros de  Cocbim^  Cananor  &  doulras  partes  que  ajudarão 
fiaqueia  guerra  nSo  podessém  mais  tomar  a  Coulão ,  so- 
mente terifto  fai  seus  feytores* 

Que  BaiapuJá  goripo  &  seus  irmãos  pola  ireiqão  que 
quíserSo  fazer  em  tomar  a  fortaleza  mudS  sua  viueitda 
pêra  hQa  legoa  da  fortaiexa,  &  achando  >o6  de  Ofaaiigu»- 
cheri  pêra  a  fortaleza  os  podessê  malar* 

Que  a  raynfaa  de  Coulão  &  a  de  Comorim  &  os  re- 
l^edores  poia  treição  &  guerra  qtie  fizerâo  fiag assem  cen 
bares  de  pimenta,  &  assi  ae  obrigassem  :a  dar  dotie  mil 
bares  pêra  a  carrega  que  se  esperaua  de  fazer ,  &  isto 
|X)los  preitos  de  Cochim» 

£  que  dissesse  á  raynba  &  ao  regedor  Q  se  iião  qui* 
aessem  outorgar  &  comprir  estes  apontamentos  qoe  sou*- 
bessem  certo  que  em  todos  os  portos  dei  rey  de  Coulão 
não  ficaria  nao  asai  suas  como  deslrangeiros  ^  não  fos- 
sem (ovnadas  ou  metidas  no  fundo  como  de  iaxnigos. 

E  coest«»s  ap6tamèi08  foy  Diogo  ppreyra  falar  á  raj- 
nha  de  Coulão  indo  coele  Luys  aluares  escriuão  da  fey« 
teria ,  ficando  por  eles  arrefens  nà  fortaleza :  &  forão 
coeles  Patemarcar  &  Cbeírinamarcar,  que  tanto  que  Ibes 
foy  lido  perâte  a  raynha  ho  aponlamêto  que  dizia  que 
auia  de  pagar  a  quebra  da  pimenta,  não  ho  poderão  so- 
frer, &  apartandose  logo  com  a  raynha  lhe  disserão  4 
ae  auisaase  que  por  nenfail  modo  assentasse  a  paz  com 
a  condirão  daquele  aponlamento,  porque  não  somente 
ela  era  perdida  em  pagar  a  qtrebra  da  pimenta  &  poer 
lai  cosluni<e,  mas  os  mercadoi-es  de  Cuchim  &  de  todas 
as  oMraa  partes  em  que  ?endíâo  pim^ta  a  el  rey  dePoi^ 
tugal.  £  como  u  raynha  cria  muyio  De«tes  mouros,  to- 
moo  teu  ^naelho  &  não  quis  «issentar  a  paz  r  &  assi  se 
tornou  Diogo  pereyra  6o«le«  pêra  a  fortaleza  sê  tomate 
Aenhik  assento  com  a  r^nynha^  E  este  auiamento  derâo 
em  08  dom  Aleixo  manckr  a  Coulão :  do  que  se  Eytor 
ffodriguez  queixou  muyto  od  Diogo  pereyra,  por^  logo 


umo  T*'CAnvTLOtn*Y. 

fòj  certificado  do  conieibo  f}ii«  derio  an  tajrnba  j  &  dis^ 
isdbo  desenganando  os  que  se  a  rajnha  nâo  pagasse  a 
4bra  da  pimeDta.  <)  ela  .perderia  asais. do  que  ganhaiiia^ 
&  ho  mesmo  auia  de  ser  dali  por. diante  em  Cocbi  tt  nas 
outras  partes  onde  se  tompraua  pimSta  para  carregaçie 
das  nãos.  B  vendo  Diogo  pereyra  que  sua  estada  em  G>ii^ 
Ião  era  debalde  toraouse  a  Cocbim  oÒ  os  mouros,  &  eom 
quanto  nâo  ee  lomoa  assento,  na  pas,  nSo  tomarão  aa 
ra jnhas  a  fazisr  guerra  á  fortate2a  &  despoia  se  fea  a  pas, 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLV. 

De  como  ho  gauernador  paríio  Darmuz  pêra  a  índia  ^ 
09  nosiOÈ  tomarão  duas  nãos  dt  mouros ,  ^  do  num 
qtsepasmn^ 


H 


.O  gooernador  que  ínoeraaiM  em  Oripuc  deixando 
assentado  tudo  o  que  era  necessário  se  parlio  pêra  a  In*- 
dia  na  fim  Dagosto,  8c  foy  ter  a  Ma2cate  onde  estaua 
a  armada  dos  nautos  grassos,  fc  ali  foráo  (er  ooele  os 
mouros  que  hiBoem  goarda-de  leronimo  de  sousa  &  dce 
outros  nossos.  £  sat»endo^ho  gou^rqador  o  que  passaua^ 
-fez  mercê  aos  mouros.,  &  mandou  por  eles  hil  rico  prc^ 
sente  a  sen  sefior  polo  gasalhado  qoe  fizera  aos  nossos  c 
&  despoia  se  partvo  pêra  a  índia  &  leoou  a  rota  da  pon- 
ta de  Diu,  &  naquela  trauessa  topou -per  diuersas  ver- 
tes duas  naoa  de  mouros^  que  forão  tomadas  &  hAa  se 
rendeo  sem  peleja,  &  outra  tomou  por  força  darmas  Ruy- 
naz  i)ereyra  ( que  se  ajuntou  em  Mazcate  com  bo  go* 
uernador)  &  ajodoubo  Nuno  fernandez  de  maeedo,  & 
foj  tomada  cõ  morte  de  moytos  mouros  que  se  defende- 
rão valentemente*  E  tomadas  eatas  nãos  foyse  ho  gooer*- 
nador  dereyto  á  pSta  de  Diu  com  determinação  de  bo 
tomar  se  bo  acbasse  pêra  isso ,  que  assi  dizia  que  Ibo 
mandaua  el  rey  seu  senbor  se  Ibe  não  dessem  nele  for- 
taleza :  &  porem  que  fosse  sem  morte  de  gente.  E  isto 
não  dizia  ele  de  praça ,  somente  que  bia  pêra  recolher 

SB  2 


220  BA    HISTVnA  «DA    nfOTA 

Fernão  martínz  euangeiho  que  estaua  hí  por  feyto^  auia 
finoB :  &  chegado  á  barra  surgio  &c  mandou  chamar  Fer* 
nâo  marliz^  de- quem  soube  que  Meliquiaz  não  eaiaua 
em  Diu  que  bo  mandara  el  rej  de  Gambaya. fazer  guer- 
ra aos  reabuios ,  &  que  em  aeu  iugar  deixara  Melique* 
aaca  seu  filho  ^  &  por  seu  goueroador  h&  seu  parente 
mouro  &  lariaro  de  nação  chamado  hagamahmui,  &  ^ 
Diu  estaua  forte  com  baluartes  que  tinhão  muyta  arte- 
Iharia:  &  de  contino  estauão  no  porto  cincoêta  sessenta 
fustas  bem  artilhadas.  E  sabido  isto  polo  gouernador 
chegou  ali  Gaspar  da  silua,  que  como  disse  leuaua  a 
capitania  de  hQa  nao  da  armada  de  lorge  de  brito:  Q 
passado  bo  ínuerno  partio  coele  de  Moçâbiqúe  onde  iúr 
iiernou ,  &  foj  tanto  abaixo  que  (oj  ter  a  Diu  j  &  co- 
jihecédo  a  nossa  frota  se  chegou  a  ela,  &  deu  ao  gouer- 
nador bila  via  de  cartas  que  lhe  trazia  dei  rey  de  Por^- 
tugal  y  em  que  lhe  mandaua  S  nâo  lhe  querèdo  el  rey 
de  Gambaya  dar  fortaleza  em  Diu  que  fizesse  guerra  a 
Gambaya  &  procurasse  por  tomar  Diu  com  ho  mayor 
resgoardo  que  podesse  que  lhe  não  matassem  gête.  E 
•abêdo  ho  gouernador  Q  Diu  estaua  tSo  forte,  dissimu* 
lou  pêra  outro  tempo,  &  màdou  dizer  a  Melique,  que 
pois  seu  pay  ali  não  estaua.  que  não  se  queria  mais  de- 
ter ,  &  foyse  a  Goa  com  determinação  de  tornar  sobre 
Diu  com  grade  armada.  E  sabendo  em  Goa  como  aque- 
]e  inuerno  fora  morto  de  noyte  loão  viegas  alcayde  mór 
da  fortaleza,  não  fez  sobrisso  nada:  posto  que  se  dizia 
pubricamente  que  bo  mandara  matar  ho  capitão,  &  de 
Goa  se  foy  a  Gochim ,  onde  achou  lorge  de  brito  cõ  os 
capitães  4  inuernarão  coele  saluo  Gaspar  da  silua:  & 
lurge  de  brito  lhe  deu  cartas  dei  rey  de  Portugal ,  em 
Q  lhe  mãdaua  fazer  muytas  cousas  como  direy  a  diante. 


\ 


IiIVftO  V.  CAMTVIiO  XLVt.  821 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLVI. 

Dt  como  Meliqutaz  tnandou  hú  embaixador  ao  gauerna- 
dar  pêra  saber  se  se  apercebia  pêra  ir  a  Diu. 

jyieliQflaca  íilbo  de  Meli^az  capitão  de  Diu  vSdo  a 
pouca  detença  que  o  gouernador  tízera  no  seu  porto.  E 
aabèdo  detf|x>Í8  a  frota  que  fazia  era  Cocb! ,  porque  logo 
«e  aoube  |:)elu8  isouros,  soapeitpu  se  seria  pêra  ir  sobre 
Diu:  porque  ainda  Q  a  paz  eslaua  assentada  àtre  seu 
pajr  &  eltkiy  de  Portugal  bê  sabia  que  a  linha  quebra- 
da, cÕ  trazer  as  fustas  que  trouuera  daraiada  todo  ho 
ie.aipo  de  Lopo  soarez  assi  cõtra  os  nossos ,  con»o  cdtra 
aeus  amigos,  &  (}  ho  gouernador  podia  cÕ  rezão  fazerlhe 
guerra :  &  4  ^^na  aquela  armada  pêra  ir  sobre  Diu ,  & 
por  cdselbo  de  Hagamafamut,  pêra  saber  se  era  assi  & 
abrfldar  bo  gouernador  dalguã  cólera  se  a  teuesse :  mã- 
doulhe  bQ  êbaixador,  que  foy  hEl  mouro  borrado  chama- 
do Camalo,  a  ^  principalmête  encomendou  rouylo  que 
trabalhase  por  saber  ou  Ctender  cõ  Q  determinação  ho 
gouernador  fazia  aquela  armada :  &  deulhe  bQa  carta  de 
crença  pêra  ho  gouernador  a  quem  mandou  dizer  que 
lhe  pesara  muyto  de  se  ir  tão  asinha  do  seu  porto,  por 
lhe  não  poder  fazer  parte  dos  seruiços  que  desejaua  co- 
mo seruidor  dei  rey  de  portugal  &  muyto  grande  ami* 
go  dos  seus  gouernadores ,  &  pois  ho  não  poderá  ver  bo 
mandaua  visitar  por  aquele  embaixador,  &  saber  se  man- 
daua  dele  ou  de  sua  cidade  algiia  cousa :  porque  ho  fa*- 
ria  como  vassalo  dei  Key  de  portugal  Q  era.  E  mandou- 
Jhe  bQ  carro  triunfal  muyto  fermuso  &  marchetado  cd 
muytos  laços  de  marfim ,  &  pêra  bo  tiran  m  quatro  bois 
dandadura,  ^  são  de  muyto  preço:  &  tinbão  os  cornos 
muyto  bè  dourados,  &  este  mouro  íoy  em  btia  naueta: 
&  chegado  a  Cochim  deu  sua  embaixada  ao  gouernador 
&  ho  carro  (}  lhe  leuaua :  cõ  que  elle  folgou  muyto  pê- 
ra hò  mandar  a  elrey  seu  senhor,  como  mandou  nas  nãos 


2St  9à  STSTOWA  nx  nmiA 

I)  aquele  2no  forSo  cô  a  carrega  pêra  ho  reyno.  E  sen- 
do ho  gouernador  auisado  por  algos  Q  bo  sospeiíarã  que 
Caraalo  vinha  a  descobrir  terra  se  era  pêra  Diu  a  arma- 
da que  se  fazia :  não  ho  quis  despachar  k,  deteu^o  cmtt 
dissimulações  ale  que  ho  leuou  consigo  quando  partio  pê- 
ra Diu  ,  porque  não  Fosse  dar  noua  a  Meliqueaz  que  hia* 

C  A  P  I  T  V  L  O     XLVIL 

De  como  Meliâsaca  ^  Hagamahmuí  souberão  que  hú  go^ 
uernador  nia  a  Diu  ^  de  como  se  fortalecerão^ 


D, 


'espachadas  as  nãos  da  carga  que  auiSo  de  ir  pêra 
porlugah  pariiose  pêra  goa  para  da  bi  $e  ir  a  Diu  &  le^ 
uou  em  sua  conserua  ho  embaixador  de  MeKqoeass,  qué 
enlêdendo  bem  ho  porque  ho  gouernador  ho  dettnbâ  cd«- 
nio  se  vio  no  mar  apartouse  hua  noite  deie ,  &  tiron  teu 
caminho  pêra  Din  onde  chegado  contou  a  Meliquesaca 
&  a  Hagamahmuí  o  que  entendera  no  gouernador ,  & 
como  lhe  fugira :  &  caindo  ele  na  mesma  sospeita  que 
ho  seu  embaixador  tinha,  forlaleeeo  logo  Diu  bo  mais  ^ 
pode.  Do  baluarte  do  mar  ao  da  terra  atrauesson  hdá 
cadea  de  ferro  muyio  grossa:  íji  se  leuãtaua  &  abaixa'» 
ua ,  pêra  ha  nossa  armada  não  poder  entrar.  E  se  fosse 
caso  que  se  aquela  cadea  quebrasse  ou  cortasse  mandou 
a  de  dentro  dela  poer  certas  nãos  cheas  de  pedra  &  de 
terra  cd  ròbos  por  baixo  tapados  pêra  ^ue  em  a  cadeá 
quebrando  os  destapasse  &  se  fossem  ao  fundo,  &  im-- 
pedissem  que  á  nossa  armada  não  podesse  entrar  no  por^ 
to.  E  forlaleeeo  os  muros  &  baluartes  de  mais  artelha- 
ria  do  (}  tlnhão,  &  detrás  desta  cadea  estauSo  as  suas 
fustas  muyto  bem  artilhadas,  &  a  fora  a  muyta  soma 
dartelharia :  &  moniçoSs  que  tinha,  ajfttou  a  mais  gSie 
de  guerra  ^  pode  a  f(»ra  a  que  tinha  de  contino  que  era 
toda  escolhida.  E  àssi  ficou  Diu  hfla  força  grandissima* 


Li9W>  v*  CAPiTin.0  zunii.  223 

G  A  P  I  T  V  L  o    XLVIII. 

Xte  Dom»  ào  gauemador  st  partio  peru  Diu ,  ^  chegou 

ao  seu  porto. 

JL/evporô  que  Jm  ftbaixador  dei  rey  de  Cabaia  desapa- 
irec«Q  ^  conterua  do  gauernador:  seguk>  ele  por  sua 
«viagem :  &  TÍsitâdo  dpe  cacninfao  as  fortalezas  da  cosia 
tcj  ter  a  Ooá :  onde  despois  de  sua  chegada ,  chegou 
Anlonio  correa  de  Malaca:  Q  achado  noua-e  Cochi  da 
mia  i\  ho  gouernador  ieuaua,  se  foy  iogo  após  ele  pêra 
-ser  no  feyio  de  Diu.  £  acabado  ho  gouernador  de  se  fa- 
cer  presies  de  todo  em  Goa:  se  par  lio  pêra  Cfaaul  onde 
jio  estaua  espetando  parte  da  armada :  que  com  a  que 
àía  ooele  se  auia  dajuotar  ali  toda.  E  chegado  a  barra 
de  Chaul  fez  oo  mar  conselho  com  lodos  os  capitães  da 
Irola,  &  fidalgos,  &  pessoas  pricipais  ^  hião  nela.  Em 
9^  declarou  como  lhe  ei  rey  mãdaua  tomar  Diu  se  lhe 
3ião  desse  nele  fortaleza :  &  ali  foy  assinado  per  lodos  Q 
Diu  se  deuia  de  tomar  se  lhe  não  dessem  fortaleza,  por- 
<)ue  ftão  se  tomando  se  criaria  a  li  hCia  força  que  despois 
daria  muyto  que  fazer,  &  Q  pêra  ho  trato  de  Malaca  cò- 
pria  muyto  a  serui^  dei  rey  de  Portugal :  de  ter  forla^ 
leza  'è  Diu.  Isto  determinado  mao4ou  ho  gouernador  a 
hfi  fidalgo  chamado  Pêro  lourenço  de  melo  capitão  de 
ha  galeão,  que  por  saber  bd  das  cousa»  da  guerra  fosse 
4iãte,  com  ha  caualeiro  chamado  lorge  diaz  cabral  Q 
4inha  ho  mesmo  saber:  que  aprendera  ê  Itália  cõ  muj- 
tas  mostras  de  grande  Talõtia ,  &  que  vissS  âbos  a  des*^ 
posii^  de  Diu  :  •&  por  onde  se  poderia  cõbater  aufido 
«dÍMO  oecessidade :  &  atsi  mãdou  coeles  algos  capitães 
^  fustas  &  bargantis.  £  abalou  após  eles  com  todo  ho 
mio  da  armeda  que  seria  bem  doilenta  vetas,  antre 
nãos  grossas ,  gaiedes  ,  nauios  redondos ,  gales ,  carauev 
las,  fustas,  &  bargantis,  de  que  os  oapitàes  principais, 
fcrâo  dom  AMao  de  meneses  ,  dom  lobão  4e  lima  , 


824  1>A  HI8T0EIA  DA  índia 

ChristouSo  desá,  Ghristouão  correa,  Ruy  vaz  pereira , 
Pêro  lourêço  de  melo ,  Dinis  fernãdes  de  melo ,  Fran- 
cisco de  mendoça,  André  de  sousa  cbichorro,  Lopo  da* 
zeuedo,  dom  lorge  de  meneses^  Diogo  fernandez  de  be- 
ja,  Frâcisco  de  taoora,  António  de  brito  de  sousa,  Ge- 
ronímo  de  sousa,  Frâcisco  de  sousa  tauares,  António 
raposo,  Rafael  perestrelo,  Rafael  catanho,  lorge  dal- 
bu(}rQ ,  lorge  de  brito,  André  diaz,  Pêro  da  silua,  An- 
tónio correa,  Aires  correa,  Fernão  gomez  de  lemos ^ 
Nuno  fernãdez  de  macedo,  Gdçalo  deloole,  António 
de  brito,  Gõçalo  pereira,  Gaspar  doutel,  &  Manuel  ve- 
lho. E  nesta  armada  hião  perto  de  três  mil  Portugueses: 
&  ela  muylo  bS  apercebida  dartelharia ,  &  de  grade  sor 
roa  de  munições  de  guerra:  ([  a  parecer  de  todos  era 
pêra  lomar  Diu.  A  cuja  barra  ho  gouernador  chegou  na 
entrada  deFeuereiro,  &  ao  surgir  da  armada :  por  Ghris- 
touão correa  &  Gõçalo  de  loule  hirS  surgir  diante  de 
dom.  lohão  de  lima  que  ja  estaua  surto:  ouue  ele  menSr 
corea,  &  por  nao  ter  lugar  onde  surgise  diante  deles: 
se  não  á  lagia  leuouse  &  foy  surgir  sobrela.  E  por  dom 
lohão  surgir  naquele  lugar :  parece  que  cuidarão  algfia 
capitães  4  6^^  P^r^  baterS  a  cidade  per  mar.  E  come- 
çouse  toda  a  gSte  daluoraçar,  &  poerse  em  armas :  &  de 
certos  nauios  tirarão  algOas  bõbardadas ,  &  foy  a  cousa 
de  maneira,  {}  os  mouros  cuidarão  verdadeiramSte  Q  os 
^rião  cometer :  &  se  os  portugueses  ho  6zerâo  tomara  a 
cidade  por  auer  nela  pouca  gête ,  &  essa  cÕ  grade  me- 
do: porê  acodirâ  todos  aos  muros  &  baluartes.  E  Ha- 
gamahmut  &  MeliQ  se  mãdarão  logo  fiixar  ao  gouerna- 
dor dizêdo:  <}  se  auia  pazes  atrele  &  ÍVleli{)az,  ^  como 
]he  ()ria  tomar  a  cidade.  K  ele  respÕdeo  í\  não  ^ria,  que 
aquilo  era  desmãdo  de  gête  de  guerra:  que  esteuessem 
seguros.  E  mandou  logo  a  todos  os  capitães  que  este- 
uessem quedos :  &  a  do  lohão  de  lima :  que  se  leuasse 
donde  estaua  &  saisse  pêra  fora :  &  querõdo  ho  ele  fa- 
zer não  pode  por  vazar  a  maré,  &  ouuera  de  ficar  S  se- 
co :  &  perderse  ho  galeão  se  lhe  não  acodirão  fi  baleia 


LIVIK)  V*  CAPITVLO  XhíX.  22õi 

05  4  hò  refaocarilo  pêra  fora»  E  se  os  mouros  ^  cstauâo 
nos  mnros  posarão  fogo  a  sua  arteiharia  melerâo  niuy* 
toe  dos  nossos  nauios  no  fundo.  E-sabSdo  ho  gouerna* 
dor  ho  risco  Q  correo  bo  galeão  de  dõ  lobão  de  lima ,  & 
pola  reuoUa  de  ^  foy  causa:  ouue  tamanha  menêcoria 
1\  bo  mâdou  chamar  &  prSdeo  tirandolhe  a  capitania  do 
galeão.  E  passada  esta  fúria  ]}  lhe  algus  6dalgos  falarão 
bo  soltou ,  &  lha  tornaua  a  dar :  &  ele  a  não  quis  agra» 
uãdose  muyto  do  gouernador,  &  tornouse  pêra  Cocbi. 
E  ho  gouernador  deu  a  capitania  do  galeão  a  Nuno 
fernãdez  de  macedo :  &  a  sua  carauela  deu  a  Manuel 
de  macedo  seu  irmão. 

CAPITVLO    XLIX. 

,  De  como  ho  gouernador  se  f>io  c6  MeliqueMca  ^  com 

Hagamakmut. 

irleliquesaca  &  Hagamahmut  que  virão  no  seu  porto 
hfia  frota  tão  poderosa  como  ho  gouernador  leuaua ,  ou- 
verão  grade  medo  de  ho  gouernador  Qrer  tomar  a  cida- 
de:  &  se  algQa  esperança'  tinhão  de  não  ser  assi ,  era  a 
nossa  feitoria  que  estaua  3  Diu.  E  por  isso  prederão 
Fernão  martiz  euangelbo  ho  feytor :  &  outros  ^  estauão 
eoele,  pêra  que  não  fu gíissS"  pêra  a  frota.  E  despois  da* 
uer  algas  recados  antreles  &  ho  gouernador  sobre  Ibps 
mãdar  pedir  Fernão  martiz  &  eles  lho  não  quererem  dar 
Foy  concertado  antreles  que  se  vissem:  ho  que  tam- 
bém Hagamahmut  não  queria  consentir  porque  se  re- 
ceaua  que  nesta  vista  fosse  tomado  pelos  nossos  com 
Sleliquesaca,  &  por  derradeiro  se  virão  ãbos  cÕ  bo  go- 
uernador õde  se  chama  a  calheta  ?  &  este  lugar  escolbeo 
ho  gouernador  por  ser  enformado  por  Pêro  lourSço  de 
melo  &  por  loro^e  diaz  cabral ,  l\  tinha  a  cidade  daquela 
parte  ho  muro  baixo:  &  se  fazia  ali  bOa  grande  praya, 

6  que  se  podia  dar  cÕbate  ou  escalar  a  cidade.  E  pêra 
ho  gouernador  ho  ver  cõ  os  outros  capitães :  quis  que  a 

Livao  V.  FF 


226  1»A  HMTORIA  DA  ÍNDIA 

vista  fo88e  ali ,  &  que  ele  estaria  no  mar  com  algfit  oa-^ 
pitSes.  £  Meli^saoa  &  Hagamabmut  em  terra  com  al*>^ 
gfla  gente ,  &  asai  -se  fez.  E  a  concrusão  de  sua  pratica 
fi>y  dissimular  ho  goueroador  que  nâq  hia  pêra  tomar 
Diu ,  nem  faeerlhe  guerra :  somente  hia  cÕ  a^la  arma- 
da por  mandado  dei  Rey  de  Portugal  seu  senhor:  pêra 
da  sua  parte  pedir  a  Meliqueaz  que  lhe  deixasse  ali  fa« 
zer  falta  fortaleza  em  Q  podesse  ter  s^ura  sua  feitoria , 
porque  lhe  não  acontecesse  ho  que  em  Caiicut,  Couiào^ 
&  Malaca 9  acontecera,  &  oão  querendo  que  a  fizesse: 
()  nâo  deixasse  estar  fai  roais  sua  feitoria,  &  ^  subrisio 
lhe  dissessem  ho  que  determinauâo.  £  eles  respdderào 
que  IVleliqueaz  não  estaua  na  cidade,  &  que  eles  nâo 
podião  dar  fortaleza :  nem  entregarlhe  Fernão  martiz 
com  a  feitoria  sem  licença  de  Meliqueaz:  porque  em 
quanto  a  tiuessem  na  cidade  eslariSo  seguros  de  lhes 
não  fazer  guerra:  &  isto  disse  Hagamabmut  por  queen- 
tendeo  no  gouernador  que  lhe  auia  de  fazer  guerra.  B 
posto  que  ho  gouernador  repricou  a  esta  reposta ,  não 
toroarfio  outra  cõcrusão :  &  assi  se  afiarlarão.  £  Haga* 
mahmut  A>rtaleceo  logo  a^  lugar:  porque  como  era 
muyto  prudt^nte  eolendeo  bem  ho  gouernador  que  de* 
terroinaua  de  dar  na  cidade  por  aquele  lugar.  £  aqui  se 
fez  despois  bii  baluarte,  a  que  os  nossos  chamarão  de 
Diogo  lopez  por  se  chamar  assi  ho  gouernador  que  foj 
eausa  de  se  fazer ,  em  se  entender  nele  que  auia  de  co* 
meter  por  ali  a  cidade  que  com  hú  baluarte  naquele  !»• 
gar  âcaua  íbrte  de  todo« 


C  A  P  I  T  V  L  O    L. 

De  como  ho  gauemaãor  sb  muámA ,  éo  €onselhú  que  tí* 
nha  de  tomar  Diu :  ^  de  €omo  mandmi  ver  bo  rio  de 
Madre  faha  pêra  fazer  hi  fortaleza. 

JL/espois  disto  nio  se  soube  a  causa  porque  afroxou  ho 
gouernador  do  impeto  eô  que  hia  pêra  tomar  Diu  9  & 
esfriou  iSto  disso:  que  sem  querer  ofiselho pubrico  S  que 
proposesse  as  causas  que  auia  pêra  ho  nSo  tomar,  &  caí- 
da hA  disese  ho  ^  lhe  parecia.  Chamou  hu  dia  a  sua  ca- 
mará (onde  estaua  so  c5  ho  seu  secretario)  a  cada  hil 
dos  seus  capitães:  &  fidalgos  da  frota,  E  dizialhes  bS 
eabeís  que  foy  aqui  nossa  vinda  por  mSdado  dei  rey  meu 
senhor  pêra  tomar  esta  cidade,  que  eu  ouidey  l\  podes<- 
semos  tomar:  pola  calheta  que  os  mouros  fortalecerão 
logo,  depois  que  virSo  que  eu  vi  quam  fraco  eitaua  bo 
muro  daquela  bãda ,  &  pêra  sairmos  em  terra  &  esca^ 
lala ,  os  muros  sam  moyto  attos ,  &  nela  ha  muyta  gen* 
te :  vede  o  i}  poderemos  fazer ,  &  pêra  lhe  darmos  bate- 
ria do  mar,  dizemme  os  bombardeiros  que  lhe  nSo  ]xv- 
deremos  faser  nojo,  porque  não  tirarão  certo  com  ho  ai^ 
far  dos  nauios,  agora  vede  ho  que  vos  parece.  E  quan^* 
do  os  eapitaSs,  &  fidalgos:  se  virão  perguntar  daquele 
modo  tendo  assentado  quanto  importaua  tomarse  Diu, 
se  Meliqneaz  não  desse  fortaleza:  ficarão  muy  espania«> 
dos  daquele  modo  de  fazer  conselho.  E  entendendo  no 
gouernador  que  não  queria  pelejar  todos  por  lhe  fazer  a 
'Vontade,  disião  que  não  pelejasse,  &  do  que  cada  hll 
dizia  fazia  ho  secretario  hum  termo  &  assinauamno.  Mas 
Francisco  de  sousa  tauares  que  tinha  do  gouernador 
que  se  Diu  se  combatesse  esteuesse  antre  fao  baluarte 
do  mar  &  bo  da  terra  na  sua  naç ;  por  lho  nssi  pedir^ 
não  iiie  parecendo  bem  ho  que  ho  gouemndor  dizia,  não 
quis  dizer  se  não  a  verdade,  &  disselhe  que  por  mais 
gente  que**  aquela  cidade  tiuesse,  nen  |xir  mais  altos 

FF  2 


2S8  BA    HISTORIA    DA   ÍNDIA 

que  os  muros  fossem  :  que  deuía  de  desembarcar  &  tra- 
balhar |)or  escalar  a  cidade,  porque  oâo  bo  fazendo  assi 
pareceria  grande  couardia,  &  os  mouros  perderião  de  lo- 
do ho  credito  que  tinbão  em  nos :  &  terião  ousadia  de 
andar  com  suas  fustas.  E  outro  tanto  fez  Diogo  fernan- 
dez  de  beja  que  lhe  disse  com  grande  menencorea,  que 
ja  era  tempo  que  se  não  fossem  saÕs  de  Diu  &  que  nâk> 
se  auiâo  de  ir  ate  lhes  não  ^brarS  os  braços  &  as  per- 
nas ^  &  ^  níica  auiSo  de  ter  outro  tempo  como  a^le  per 
ra  lomar  Diu.  E  cõ  tudo  ho  gouernador  não  quis  pele- 
jar :  do  ^  86  todos  espâtauão  muyto  &  auia  atreles  gra- 
de murmuração.  E  quando  a  gente  darmas  vio  que  se 
tardaua  em  dar  combate  a  cidade:  6caráo  lodos  muyto 
descontentes,  polo  grande  aluoroço  que  ieuauâo  pêra  a 
combater ,  &  muytos  dagastados  diziSo  mal  do  gouerna* 
dor:  &  que  nâo  podia  ser  se  não  que  fora  peitado  de 
Meliquesaca  que  não  pelejase  por  não  tomar  a  cidade: 
&  assi  outras  cousas  Q  diz  a  gête  miúda  quando  os  pri« 
cipes  ou  capitães  nâo  fazê  as  cousas  segQdo  seu  pare- 
cer:  &  depois  disto  foy  Fernão  marliz  ho  feylor  de  Diu 
<:d  recados  de  Meli^saca  &  de  Hagamabmut  ao  gouemar 
dor  &  tornou  a  eles  co  reposta  sobre  lhe  darè  lugar  pêra 
fortaleza ,  &  que  ficaria  a  hi  Diogo  fernãdez  de  beja  cõ 
gente  &  nauios  pêra  a  fazer.  E  Diogo  fernandez  foy  a 
terra  alguas  vezes  ver  bo  siiio  onde  se  faria ,  &  tomar 
medidas  do  chão  que  seria  necessário,  &  tudo  erâo  dis- 
simulações. E  neste  iSpo  mãdou  ho  gouernador  Anto* 
nio  carrea  ao  rio  de  Madre  faba  cinco  legoas  de  Diu, 
a  ver  se  se  poderia  bi  fazer  fortaleza  porque  bõ  sabia 
que  a  não  auia  de  fazer  è  Diu,  &  mãdou  coele  lohâe 
de  Coimbra  píbto  m<Sr  da  índia  pêra  sõdar  ho  rio  &  bã 
Diogo  de  la  pu&te  mestre  das  obras  de  pedraria  pêra 
ver  bo  »itio  da  terra,  &  se  auia  pedra  pêra  fazer  cal: 
&;  forão  S  hfta  cotia  por  irè  mais  dissimuladamête,  &  6- 
tradoa  dStro  na  barra  do  rio  forão  lohâo  de  coimbrã  & 
Diogo  dela  puCte  por  ele  acima  na  barquinha  da  cotia 
ate  a  pouoação  de  IMIadre  faba  pêra  tomar  Sformaçâo 


MVRO  V.    CAPITVLO    lil.  229 

daquilo  a  ()  biSo :  &  vSdoos  os  mouros  hir  daquela  ma- 
neira como  são  sospeitosos,  sospeitãdo  i)  hiâo  fazer  ai- 
gQ  mal  prêderSnos  &  mâdarãnos  a  Meliquesaca,  &  au6- 
do  visla  da  cotia  õ  que  Âníonio  correa  Ãcaua^  esbõbar- 
dearãna  de  maneira  ^  correo  muyto  perigo  de  a  mete- 
rem no  fundo :  sem  António  correa  se  poder  sair  por 
ser  enchente  de  maré:  &  sayose  com  vazante  sem  mais 
esperar  porque  bem  soube  que  erâo  presos  lohâo  de 
coimbrã  &  Diogo  dela  puSte,  {|  achou  em  poder  do  go- 
uernador  quando  chegou  a  ele,  que  lhos  tinha  Melique 
mandado  logo  como  lhos  derâo.  E  eles  disserâo  ao  go- 
uernador  que  se  podia  fazer  húa  boa  fortaleza  em  Ala- 
drefaba. 

C  A  P  I  T  O  L  O    LI. 

De  como  auendo  ho  gouemadcr  dir  inuemar  a  Ormuz  dei- 
xou na  índia  em  seu  lugar  a  dom  Aleixo  de  meneses. 

JOj  por  isso  determinou  ho  gouernador  de  a  fazer  na- 
•quele  rio  pois  oão  podia  em  Diu :  porque  dali  aueria 
trato  pêra  Malaca:  &  pêra  çofala  &  faria  tanta  guerra  a 
-Diu  Q  Meliqueaz  aueria  por  bem  de  ter  verdadeira  paz 
com  os  nossos,  &  se  forc^adamente  não  ouuera  dir  inuer- 
nar  a  Ormuz  cometera  de  fazer  logo  a  fortaleza ,  mas 
oão  podia  por  esta  ida  que  auia  de  fazer:  &  determi- 
nou de  fazer  a  fortaleza  quando  tornase ,  &  que  teria 
«ais  tempo  pêra  isso.  £  em  sua  ausência  deixou  ho  jx)-* 
der  de  gouernador  a  dom  Aleixo  de  meneses :  a  quem 
mandou  pêra  Cochim  cÕ  as  gales  pêra  hi  inuernar,  & 
que  na  entrada  do  verão  segulte  tornaria  coelas  a  IMa- 
drefaba  cnde  ho  acharia  fazendo  a  fortaleza.  E  despa- 
chou alorge  dalbuquer^  pêra  Malaca:  &  que  fosse  com 
dom  Aleixo  ate  Cochim  onde  lhe  daria  embarcação,  & 
assi  a  lorge  de  brito  pêra  Maluco  &  Rafael  catanho  & 
Bafael  perestrelo  pêra  a  China ,  nas  suas  nãos :  &  todos 
Ibrão  debaixo  da  bãdeira  de  dõ  Aleixo  ate  Cochim. 


230  Dl   HISTORIA    DA    ÍNDIA 

C   A    P    I   T   V    L  O       LIÍ. 

De  como  ho  gouemador  mandou  pedir  a  Nizamaluco 
senhor  de  Chaul  lugar  pêra  fazer  húa  fortaleza :  ^  se 
partio  pêra  Ormuz» 

JTarlido  dõ  Aleixo  de  meneses,  por  ho  gouemador  ter 
necessidade  de  mantimStos  pêra  a  viagS  Dormuz  foy  to-> 
maios  a  Chaul :  &  deixou  no  porto  de  Diu  a  Diogo  fer- 
nãdez  de  Beja  por  capitão  mor  de  Manuel  de  Macedo 
&  de  Anríque  de  macedo  capitães  de  duas  carauelas, 
pêra  que  recolhesse  Fernão  marlinz  &  a  feitoria,  que 
bê  sabia  Q  lhe  não  auiâo  MeliQ  nem  Hagaroahmul  de 
dar  fortaleza.  E  mandoulhe  Q  tãto  que  ouuesse  a  feito- 
ria ,  ^  lhes  pubricasse  a  guerra,  &  se  fosse  a  Ormuz.  E 
despois  disto  como  digo  se  partio  pêra  Chaul :  &  por  os 
noroestes  serS  rijos  se  foy  a  ilha  de  Danda,  que  tinha 
porto  abrigado ,  &  hi  lhe  ieuarSo  os  mãti mentos.  E  de 
Danda  mâdou  Fernã  camelo  por  embaixador  a  Nizama- 
luco  senhor  de  Chaul  pêra  que  lhe  deixasse  fazer  hQa 
fortaleza  em  Chaul:  &  ele  espedido,  se  partio  pêra  Or- 
muz na  fim  de  Feuereiro:  &  forSo  coele  estes  capitães 
Nuno  fernãdez  de  macedo,  Chrislquão  de  sá,  Ruy  vaz 
pereyra.  Pêro  lourêço  de  melo,  Lopo  dazeuedo,  Frãcis- 
CO  de  sousa  tauares.  Francisco  de  tauora.  António  de 
brito  de  sousa,  Pêro  da  siiua.  Ayres  correa.  António 
correa ,  Gaspar  doutel ,  Gonçalo  pereira ,  &  Manuel  ve- 
lho. E  despois  de  ir  ter  a  Mazcate  foy  fazer  agoada  a 
Teubi  ou  Teiue  como  lhe  todos  chamão.  E  partido  da- 
hi  na  entrada  de  Mayo  dia  de  snncta  Cruz,  apareceo 
hQa  nao  de  mouros  Q  vinha  de  Ormuz:  &  ho  primeiro 
capitão  que  chegou  a  ela  foy  Frãcisco  de  sousa  tauares: 
&  entregandoselhe  os  mouros  a  leuou  ao  gouernador, 
que  posto  que  soube  ^  era  de  Cãbaya,  &  que  leuaiia 
seguro,  lho  não  quis  goardar,  por  amor  da  guerra  que 
lhe  auia  de  ser  feyla,  &  mandou  tomar  a  nao  pêra  el 


LIVRO  V.  CAPITVLO  mi.  Í81 

rej  &  quâtos  hiâo  nela :  &  forão  achados  nela  vinte  mil 
pardaos  eoi  tangas  &  fazenda  que  valia  roais ,  &  ho  go^ 
uernador  pedto  a  Francisco  de  sousa  tauares  que  fosse 
Aeia  te  Ormuz  pêra  ir  b6  goardada :  &  eie  o  fez  assi. 

CAPITVLO    LIIL 

De  como  Diogo  fernâdez  de  heja  ouue  Fernão  martinz , 
^  o$  outros  que  estauâo  ê  diu^  ^  se  foy  pêra  Ormuz. 

JL/iogo  fernâdez  de  beja  ij  íicaua  no  porto  de  Diu  pêra 
fazer  a  fortaleza:  bõ  enlendeo,  ^  lhe  não  auia  IVielique 
saca  de  dar  lugar  pêra  a  fazer:  &  que  tudo  aquilo  forâo 
manhas  pêra  antreier  ho  gouernador  que  não  tomasse  a 
cidade:  &  Q  ho  fizerâo  ali  6car  por  dissimulação,  cuy* 
dando  ^  tendoo  em  Diu  teria  a  nossa  paz  segura.  É  ten- 
do ele  isto  por  certo,  trabalhou  por  auer  Fernão  mar- 
tinz &  os  outros  na  nao,  em  que  não  ouue  tamanha  goar- 
da  despois  Q  se  ho  gouernador  foy  como  dantes.  É  por 
isso  ouue  facilmente  a  fazenda  dei  rey  com  cor  de  ser 
bo  fato  dos  nossos  que  estauão  em  terra.  E  despois  de 
ser  a  fazenda  na  nao  recolheose  Fernão  martiz  hua  noy- 
te  com  os  outros:  &  logo  ao  outro  dia  Diogo  fernâdez 
mandou  pubricar  a  guerra  a  Meliquesaca,  mandandolhe 
dizer  que  despois  de  Meiiquiaz  assentar  paz  com  AfÕso 
dalbuquerque :  os  guuernadores  da  Índia  lha  goardarão 
sempre,  &  ele  nâo:  pori)  logo  em  tempo  de  Lopo  soa- 
rez  armara  fustas  &  fazia  guerra  a  nossos  amigos,  & 
mandara  fazer  represaria  no  nosso  feytor  que  nunca 
quisera  dar  ao  gouernador  com  quanto  lho  mandara  pe- 
dir tantas  vezes:  &  cuydando  que  ho  enganaua  lhe  pro- 
metera ibrtaleca  que  ho  gouernador  sabia  que  lhe  nã  a- 
uia  do  dar,  nS  bo  deixara  ali  pêra  mais  que  pêra  ver 
se  podia  aaer  bo  feytor  &  os  outros  nossos,  &  que  ago- 
ra que  os  tinha  soubesse  que  el  rey  de  Portugal  man- 
daua  quebrar  a  paz,  &;  que  lhe  fizessem  guerra  dali  por 
diaoie :  &  %us  Ibo  Úsàa  saber  porque  os  Portugueses  não 


231  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

íazião  guerra  aa  ireição  como  os  mouros  se  na  de  pra* 
ça.  E  despois  que  Diogo  fernandez  mandou  este  reca- 
do a  Melíquesaca,  disselhe  F^ernão  martlz  que  se  fos- 
sem logo  porque  as  fustas  de  Diu  auião  de  sayr  logo  a 
pelejar  coele,  &  que  corria  risco  porque  andauãocõmuy- 
ta  gSte  &  artelharia,  £  Diogo  fernandez  se  rio,  dizendo 
que  se  viessem  Q  as  meteria  no  fundo,  &  vinda  a  maré 
sayrão  logo  as  fustas  &  Agamahmut  por  capitão  mór,  & 
mãdou  jugar  toda  a  arteiharia  mui  forlemSte ,  &  que  se 
chegassem  aos  nossos  nauios  &  que  os  cercassem,  prin- 
cipaJmSte  a  nao  de  Diogo  fernandez,  em  que  ferirão 
muytos  &  matarão  algQs,  &  apertarão  tão  rijo  pêra  a 
cercarem  com  quãto  os  nossos  lhe  tirauão  com  arlelba** 
ria  que  a  Diogo  fernaniftz  lhe  pareceo  mal  esperalos  que 
erão  muytos  em  demasia,  &  estaua  ja  em  tãto  aperto 
que  lhe  foy  necessário  cortar  as  amarras  cõ  que  estaua 
surto,  porque  não  ouue  vagar  pêra  leuarem  as  ancoras, 
&  ho  mesmo  fízerão  os  outros  nauios,  &  dado  aas  ve- 
las acoiherãse  todos  três  a  Ormuz:  õde  chegarão  auSdo 
dez  dias  ^  o  gouernador  chegara. 

c  A  p  I  T  V  L  O   um. 

De  como  partirão  de  Cochim.  lorge  dalbuquer^  pêra  Ma* 
laca  ^  lorge  de  brito  pêra  Maluco. 

J^om  Aleixo  de  meneses  que  foy  pêra  Cochim  des- 
pois que  laa  chegou  despachou  lorge  dalbuquerque  que 
auia  dir  por  capitão  pêra  Malaca,  &  seu  genrro  dom 
Sancho  anrri^z  por  capitão  mór  do  mar*  E  sendo  pres- 
tes a  armada  que  auia  de  leuar,  se  partio  de  Cochim  a 
vinte  cinco  Dabril  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  hO,  & 
ele  foy  @  bua  nao  <}  auia  nome  sancta  Barbara,  &  Ra- 
fael catanho  que  hia  pêra  a  China  em  outra,  &  Dinis 
fernandez  de  melo  em  hQ  nauio:  &  íriã  nestas  três  ve-^ 
las  perto  de  duzentos  homês  darmas  todos  Portugueses 
&  atreles  muytos  fidalgos  &  gête  escolhida;  &  desjK)is 


LIVRO   V.    CAPITVLO   LV.  233 

ãe  partido  Jorge  dalbuquer^partiose  lorge  de  brito  pe- 
va ir  a  Maluco  a  aeys  dias  do  mes  de  Mayo ,  &  leuou 
-faãa  armada  de  oyto  velas,  de  que  a  fora  eie  que  hia  nQa 
nao  fora  por  capitães  Chrislouão  correa  dum  galeão, 
Francisco  godis,  &  Gbrístouão  pinto  de  dous  nauios  de 
gauia:  &  Lourenço  godiobo  de  biia  carauela,  &  Antó- 
nio de  brito  seu  irmão  de  lorge  de  brito  doutra  Q  ficou 
em  Cocbim  acabando  de  se  aparelhar,  &  Gaspar  galo 
de  biia  fusta.  E  em  toda  esta  armada  não  leuou  mais 
de  trezStos  homSs,  porque  os  que  hião  dirigidos  pêra  ir 
Goele  lhe  fugirão  quasi  todos  como  souberão  que  auião 
de  ir  a  Maluco,  ^  ho  descobrio  bo  gouernador  tanto  que 
TÍo  as  prooisões  de  lorge  de  brito,  &  isto  por  lhe  O^ver 
mah  « 

C  A  P  I  T  V  L  O    LV. 

De  como  dom  lorge  de  mtnytteMfag  em  ajuda  dei  rty  de 

Cochim,  contra  el  rey  de  Calictu 

jLri  este  tSpo  auia  guerra  antre  os  jreys  de  Cochi  &  de 
Galicu ,  como  sempre  ate  li  fora :  &  a  causa  era  por  a- 
mor  da  morte  dos  príncipes  de  Cochim  que  ho  rey  de 
Calícu  passado  matara  na  batalha  que  ouue  coeles  no 
passo  do  vao:  &  porque  queymou  Cocbim  &  ho  destruyo 
como  disse  no  liuro  primeiro  desta  historia :  &  manda- 
ua  ho  costume  dos  reys  de  Cochim  que  qualquer  deles 
auia  de  vingar  esta  injuria,  cõ  matar  qualquer  rey  de 
Galicu,  00  outros  tã tos  dos  seus  pr!cipes,  como  forão 
mortos  pela  gête  de  Galicu  no  passo  do  vao:  &  que  a-* 
uia  de  fazer  outra  tal  destruyção  em  Galicu  como  fora 
feito  em  Cochim ,  &  despois  lauarse  ei  rey  de  cochim 
nos  tanques  dei  rey  de  Galicu :  &  coisto  fícaua  satisfei- 
to &  vingado  de  sua  injuria.  E  porque  ainda  nenhQ  rey 
de  Cochim  tomara  esta  vingança  duraua  a  guerra  an* 
trele  &  ho  de  Galicu ,  que  como  era  mais  poderoso  de 
gente,  hiaihe  sSpre  melhor  na  guerra:  &  pórisso  el 
rey  de  Cochim  pedio  •  socorro  a  dõ  Aleixo  de  meneses 

LIVRO   V.  GO 


t^it  BA   HfSTOftU   SMl  ÍMDIA 

que  fícaaa  por  gouernador,  que  posto  que  e1  rey  de  cà> 
licu  era  aroígo  <iel  rey  de  Portugal^  não  negoii  bo  bo^ 
corro  a  el  rey  de  Cochíoi  poJo  eoater  que  não  foete  des- 
baratado ,  fícaua  el  rey  4e  calicu  mais  poderoso,  do  que 
era  cousa  muyto  perjudícial  pêra  bo  eslado  dei  rey  de 
Porlugai :  &  mandou  eni  sua  ajuda  a  dom  lorge  de  ma- 
neses  fíibo  de  dom  Rodrigo  de  meneses  oaualeiro  de 
muyto  esforço^  com  que  mandou  tríaia  Portugueses  bés^ 
teiros  &  espingardeiros  com  que  pdejon  tá  valentemêie 
em  ajuda  dei  rey  de  Cccbim  cõlra  el  rey  de  Calicu,  que 
bo  desbaratou  muytaa  vezes:  &  em  que  dÕ  lorge  fei 
cousas  muyto  assinadas  que  não  conto  particularmête ^ 
porque  as  nSo  soube  se  não  em  soma.  E  vendose  d  rey 
de  Calicu  desbaratado  tãtas  vezes  recolbeose  pêra  suaa 
terras  que  dantes  andaua  pelas  dei  rey  de  Cochim ,  que 
não  sabia  seruiqos  nem  honrras  que  não  fizesse  a  dom 
]x>rge  Q  teoe  consigo  lodo  bo  inuerno  com  licença  de 
dom  Aleixo  pêra  estar  seguro  dei  rey  de  Calicu t. 

C  A  P  I  T  Y  L  O    LVI. 

JDé  eomo  sabendo  el  Rep  de  Portugal  quã  mal  se  ga$^ 
tauão  a$  rendai  do  reytw  Dortnuz ,  'ínandou  recolher 
Q  que  sobejaua  do  gasto  do  regno :  ^  pêra  ho  saber 
tnandàu  que  otmesse  officiaes  Portugueses  nalfandc'^ 
ga  Dormuz. 

v/uande  Afonso  dalbuquerque  temeu  a  primeyra  vet 
Ormuz  despois  de  desbaratar  Cojeatar  &  sua  armada 
fezse  eirey  Dormua  que  êtãe  era  vassab  dei  rey  de  Pot^ 
Uigal  por  se  dar  por  vencido.  E  pedindo  m!a  a  Afonso 
dalbuquerque,  fezae  vassab  dei  Rey  de  Portugal,  & 
eoefessou  per  bQa  escriptura  pubrica  assinada  por  ele  & 
per  Cojeatar,  &  poios  principais  Dormuz,  &  assinada 
de  seus  selos  ^^  da  mão  dei  rey  de  Portugal  recebia  bo 
reyno,  &  se  obrigaua  dali  por  déãte  a  pagaribe  vinte  miJ 
aaiafina  cie  parias  cadãoo :  &  esie  contrato  mostrou  el 


VSVW[>  m»  CAFITVEOi  LHU  23 & 

9^  de  Port|^0l|  ileupoia  a  deuterca  Ikeolo^os  qua  Ihâ 
tlisMsaeni  89  ko  reyno.  Dorniuz  era  aeu,  &  dizeodolhe 
que  ai  ^  ho  Iene  dali  pM  diante  por  seu.  E  sabêdo  que 
era  tiranizado  polés  gõaais  Dofat>ua  ^  gastauão  mal  tre« 
sealoa  mil  cruaades  que  Ibe  dizião  que  rendia  a  masaa 
4Ío  fejno^  determinou  de  saber  ge  era  assi ,  &  achando 
•er  vefdade  auelos  &  fazev  deles  todo  bo  gasto  do  reyiio 
&  ho  resto  ajutala  em  tkesouro.  E\  ineca  isto  quis  poer 
oflSeiaee  na  alfandega  Dormus  &  nas  outras  dos  Qutros 
ittgar^s  de  reyno  &  mandou  ao  gouernador  por  h&a  pro^r 
alisam  {)  foj  na  armada  de  lerge  de  brito  que  fosse  mc*r 
4er  de  posse  estes  officiaes  que  mandaua,  &  6zes$e  duas 
fertaleaaa  Qm  Ormua  a  fora  a  que  estaua  feyta ,  hua  no 
JBáààl  que  era  eade  descarregauio  as  naos^  &  outra  em 
outra  parte,  pori}  pêra  seguvãça  da  terra  erão  ambas  ali 
necessárias ,  &  ^  as  prouesse  ambas  dartelharia  &  de 
gente,  em  que  eniraríflo  oytèta  homfis  de  caualo :  &  ^ 
nenb&  dos  nossos  pousasse  na  cidade  sé  não  qi^e  se  re*- 
colhessem  todos  n  estss  fortalezas  porque  esteuessem  ali 
•eguros  se  se  el  rey  Dormuz  quisesse  aleuantar  pov  a« 
BKNT  dos  officiaes  que  se  punhão ,  fe  que  posesse  no  mar 
hoa  armada  pêra  mór  segurança  da  terra.  E  pêra  capi- 
tão Dormuz  qnandaua  el  rey  de  Portugal  a  Diogo  de  me- 
io c6  grades  poderes  que  arribou  da  ilha  da  madeira  co- 
mo ja  disse ,  ^  6cou  dom  Garcia  Coutinho  na  capitania 
em  que  dantes  estaua.  E  assi  mâdaua  el  réy  de  Portu- 
gal que  ouuesse  em  Ormuz  almotacé  mor  Português,  & 
^ue  dali  por  diante  ouuesse  ballças  &  pesos  como  os  de 
Portugal,  &  que  dissesse  ho  gouernador  a  el  rey  Dor<- 
muz  Q  aquilo  nao  auiade  ser  mais  que  aquele  anno,  pê- 
ra o  que  ele  despois  saberia,  &  assi  lho  escreueo  pedl- 
dolhe  H  se  não  escãdaliaasae ,  por4)  tudo  era  pêra  seu 
proueito.  E  despois  4le  ho  gouernador  estar  em  Ormuz 
deu  a  carta  dei  rey  de- Portugal  a  el  tey  Dormnz  que 
lhe  escreuia  sobre  aquilo  &  pediolbe  lieCça  pêra  ho  exe«- 
eutar*  E  el  rey  Dormu«  ficou  bem  ealteado  com  tal  no- 
n»  y  porque  vio  4  &4^MÍo  era  tomarlhe  ho  reyno,  &  mosi- 

GG  2 


336  BA   HISTORIA    BA    ÍNDIA 

trou  que  daua  liceDi^  de  boamenle,  porj}  Ibe  parecei 
que  te  a  não  desse  que  ho  priuarião  do  reyno:  &  disse 
ao  gouernador  que  era  necessário  falar  aos  officiaes  mou* 
ros  pêra  lhes  tirar  ho  escândalo  i)  disso  auião  de  ter.  B 
eoi  vez  de  lho  tirar  aqueixouselbe  do  Q  lhe  fazião,  do 
que  se  todos  indinarão  muylo,  &  diziâo  que  não  era  pê- 
ra se  sofrer.  £  Raiz  xarafo  que  era  goazil  por  morte  de 
Raix  noradim  seu  pay  foy  o  que  mais  senlio  isto  ^  ne- 
nhfl  por  amor  do  seu  mando  que  era  mór  que  ho  de  to» 
dos:  &  como  ele  era  muyto  prudente,  &  via  que  ho 
tempo  não  era  por  eles ,  conselhou  a  el  rey  &  aos  offi* 
ciaes  que  dissimulassem,  &  não  mostrassem  oenhQ  des- 
contentamento polo  ^  ho  goueroador  fazia ,  porque  se 
bo  mostrassem  lembrarlhehião  temerse  de  seleuantarem^ 
&  temfidose  disso  deiíaria  tala  força  em  Ormuz ,  assi 
no  mar  como  na  terra  que  não  podessem  coela  posto  que 
se  quisessem  leuantar,  por  isso  que  fizessem  muyto  b6 
rosto:  porque  quanto  ho  gouernador  lho  visse  melhor 
tanto  mais  seguraria :  &  disse  a  el  rey  i|  lhe  dissesse  ^ 
bo  reyno  Dormuz  era  dei  rey  de  Portugal ,  que  podia 
fazer  dele  o  Q  quisesse,  porque  de  tudo  ele  &  seus  vas- 
salos erão  contêtes ,  &  assi  ho  disse  el  rey ,  &  que  po- 
sesse  ho  gouernador  os  officiaes  quando  quisesse.  E  a- 
uido  este  cõsen  ti  mento,  forâo  postos  os  officiaes  ^  el  rey 
de  Portugal  madaua  prouidos  pêra  isso ,  que  erão  Ma- 
nuel velho  por  juyz  dalfandega  &  prouedor  das  rSdas  -do 
reyno,  Ruy  varela  por  tbesoureyro,  &  por  escriuães  Mi- 
guel do  vale,  Ruy  gõçaluez  da  costa,  Vicente  diaz,  Nu- 
no de  erasíOy  Diogo  vaz,  &  quatro  mouros:  de  que  h& 
auia  nome  Cojehamet,  homem  amigo  na  alfandega  Dor^ 
muz,  &  que  sabia  muy  bem  os  segredos  dela,  &  este  os 
disse  a  Manuel  velho  que  por  seruir  el  rey  peítaua  este 
&  outros  pêra  ^  lhe  descobrissem  a  verdade  do  que  ren- 
dia ho  reyno :  &  assi  estaua  c5  Manuel  velho  por  goa* 
ail  dalfandega  Raix  delamixa  irmão  de  Raix  xarafo  ho- 
mem fiel  &  grande  amigo  dos  nossos.  E  postos  estes  of- 
ficiaes nalfandega,  pos  se  também  por  almotacé  mfx  bft 


LIVRO  T.  CAPITTU)  LVII.  237 

loflo  lopet,  ^  mandou  por  seu  regimeoto  que  ouuesse 
«m  Ormuz  pesos  &  balanijas  como  6  Porlugal :  do.  que 
06  iodo  ho  pouo  escandaliaou  muyto,  &  diziào  que  ja  iio 
reyno  Dormuz  era  de  todo  dos  nossos^  &  i|  os  mouros 
erflo  seus  caliuos.  £  porem  el  rey  era  muyto  bem  Irala* 
do ,  &  dauaseihe  largamêie  bo  necessário  pêra  seu  gas* 
ió :  &  Raix  xarafo  era  somente  ao  que  vinha  mal  deste 
partidO)  porque  se  lhe  tiraua  gastarense  per  sua  mâo  as 
ffidaa  do  reyno  &  tiranizalo^  o  que  enl&o  não  podia  fazer. 

C  A  P  I  T  V  L  o     LVII. 

De  como  tendo  el  rey  de  Narsinga  desbaratada  ho  Hi- 

dakâo  mandou  dizer  a  Ruy  de .  melo' €apUáo  de.  Goa 

guejosse  tomar  as.  ta»adarias  da  terra  Jirme^  .^  de  €09^ 

.  mo  as  tomou  ^ficarão  dek  rey  de  PortuyuL  < 

JL  assando  se  isto  6  Ormuz  suoedeo  na  Indiá,  que  es^ 
tando  ho  Hidalcâo  pêra  ir  cercar  Goa  com  seys  cêtos 
mil  bom&s  de  pé  &  de  caualo  &  cem  bombardas  grossas 
com  deter uúnaçflo  de  a  tomar :  querendo  nosso  senhor 
acodir  a  tamanho  perigo  como  este  fora  pêra  os  nossos, 
se  leuantou  supitamente  guerra  aoire  ho  Hidalcâo  &  el 
rey  de  Narsinga ,  &  em  hfla  batalha  fby  ho  Hidalcâo 
desbaratado  &  lugio  com  perder  muyta  gente.  E  prosse- 
guido el  rey  de  JNarsinga  a  vitoria ,  lhe  tomou  a  cidade 
de  Rachol  &  a  de  Bilgão ,  &  outras  moytàs :  pelo  que 
aquelas  tanadarias  da  fralda  do  Balagate  vezinhas  de 
Goa  ficarão  desemparadas.  £  como  el  rey  de  Narsinga 
por  ser  tão  rico  como  ja  disse  nã  tinha  necessidade  de- 
las, &  desejaua  de  auer  todos  os  caualos  que  hilo  a  Goa, 
&  que  ho  Hidalcâo  náo  ouuesse  nenhO ,  mandou  dizer  a 
Ruy  de  mele  capitão  de  Goa  ^  ele  tiaba  ganhado  por 
ibrça  darmae  ao  Hidalcâo  a  cidade  de  Bilgão  com^  toda 
sua  comarca  ate  ho  mac,  em  que  aiiia  tanadarias  que 
rendido  mais^  de  cincoenta  mil.  pardaos  douro,  de  que 
fazia  doa^  a  el  rey  de  Poriugai  pêra  todo  sempre  por 


S3t  ML   HISTOBIA   UA   HORA 

aner  da  aipixade  ^  aenpre  cieaejara  de  ter  coele,  &  por 
amor  dauor  todos  os  caoalos  Q  faiâo  a  Goa  que  fosse  do 
ealre  taolo  UMnar  fwsse  das  tanadarias.  fi  despoía  do 
rSdo  ko  goQOfnador  )bo  nadaria  seu  embaixador  pêra 
assentarem  suas  oooeas.  £  Ruy  de  melo  lhe  respondeo 
<som  muytos  agardecimentos  assi  de  sua  parte  como  do 
gouernador,  prometCdolbe  que  acerea  dos  caoalos  se  fa- 
ria tudo  o  que  fosse  resâo ,  &  que  ele  ficasse  contente» 
E  determinando  de  ir  tomar  a  tanadaria  de  Salsete  que 
estaua  mais  perto,  ajuntou  duzStos  de  caualo  dos  nossos 
todos  moradores  em  Ooa,  de  que  ele  hia  por  capitão,  & 
perto  de  setecentos  de  pé  os  mais  deles  dos  nossos ,  & 
espingardeyros  Sc  béitairo&,  cuja  capitania  deu  a  Ruy 
jusarte  de  melo  eeu  sobrinho :  &  passandoee  a  Salsete 
em  ainiadias  Sa  jl^das ,  como  nao  acbou  ninguém  que 
lhe  resistisse  tomou  logo  posse  dai^a  tanadaria  por  el 
rey  de  Portugal.  E  assentada  a  terra  que  assentou  em 
obra  de  dez  dias  se  tomou  pêra  Goa  deixado  por  tana- 
dar  mor  a  Ruy  jusarte,  a  que  deixou  vinte  cinco  de  ca<- 
ualo  doa  nossos  &  cincodta  es  pingar  dei  ros  de  pé^  &  seys 
efitos  piães  da  terra  os  mais  deles  frecheiros ,.  &  orde* 
nados  [x>r  suas  capitanias :  derxandolhe  por  regimento 
que  tomasse  posse  das  tanadarias  de  Poodá  &  Bardes , 
&  posesse  nelas  taoadares  Portugueses  logo  nomeados, 
que  Ibe  obedeceriâo.  E  Ruy  de  melo  nâo  se  deteue  mais, 
porque  nSo  era  necessário  que  como  não  auia  quê  de- 
fendesse a  lerra  abastaua  Ruy  jusarte  com  aquela  gSte 
pera  a  tomar  &  assentar.  E  tornado  ele  pêra  Goa,  Ruy 
jusarte  se  /oy  a  Pondá,  &  tomado  posse  dela  pos  hi  por 
tanadar  a  António  raposo  alcayde  mór  de  Goa  &  casa- 
do nela  &  despois  tomou  as  outras  &  Ruy  jusarte  tinha 
seu  assento  em  terra  de  Salsete  no  pagode  de  Bardes: 
&  tinha  por  seu  fejtor  a  hO  dos  nossos  casado  em  Goa 
que  auia  nome  loio  lobato,  &  por  seu  esoriuão  Aluaro 
barradas,  &  eles  arrecadauão as  rendas  de  todas  as  ta* 
nailarías  que  Ruy  jusarte  visilaua  dali  dondestaua.  B 
auendq  dous  meses  que  estaua  em  posse  dela/i  leue  por 


certeza  que  bifio  sobrele  dous  capitães  do  HidalcSo,  que 
96  bia  restauranik)  dá  roiia  de  Haòhoh  E  como  perdia 
tanto  naquelas  tanadarias  quis  ver  se  as  podia  cobrar, 
^  pêra  isso  tnaiidftUa  «quistos  dons  capiiftes  f^ue  digo 
ambos  Canários^  bâ  chamado  MaAafqan  ic  outro  Rapa- 
naique  com  três  mil  piftes,  &  não  mandaua  outra  geo* 
(e  ^  assí  por  auelr  os  nossos  por  poucos  como  por  Vtt  ne- 
cessidade didla  pêra  a  guerra  que  ainda  tinha  com  el  rej 
de  Narsitiga.  £  sabido  isto  por  eert^o  de  Ruy  jwarte^ 
mandou  togo  recado  a  Ruj  de  meio  qve  amanbeceo  hH 
dia  em  Salsete  com  toda  a  gente  de  «auâio  de  Qoa  qoè 
era  a  que  disse*  fi  junto  oõ  Ruy  jutorte  esperarão  ^ 
viessem  os  immigos:  que  não  vierão  cd  medo  do  sooor^ 
fo  que  era  vindo  a  Ruy  j«sarie :  &  sabCdo  Ruy  de  me^ 
h  que  eslauáo  recolhidos  em  três  aldeãs  determinou  éé 
tf  sobreles  ^  &  logo  naquete  dia  H^  chegou  á  nieá  noyt» 
partio  pêra  lá  por  não  ser  sentido  &  chegou  lá  anlema*^ 
nhaã)  &  pesta  sua  gente  em  ordem  deu  na  primeyra  ai» 
dea.  E  sentindo  ho  capitão  dos  immigos  os  nossos  não 
se  atreuendo  a  lhe  resistir  fugio  logo ,  o  que  võdo  soa 
gente  fez  cetro  tanto  r  de  modo  Q  os  nossos  não  teuerão 
trabalho  coeles ,  &  Ruy  de  melo  mâdoo  que  dessem  nos 
da  terra  cuydando  Q  se  defendessenl ,  o  que  eles  não  ft* 
terão  polo  que  Ruy  de  mele  mãdou  que  ès  não  matas*^ 
sem ,  porem  que  os  catUiassem :  &  fbrâo  oàtiuos  cento 
fc  trinta  almas ^  fe  logo  os  outros  capitães  fugirão,  & 
Suy  de  melo  tornou  a  assentar  a  terra :  8i  sabido  pot 
ela  ho  desbarate  deetee  capitães  nà  ousarão  outros  de 
tornai  a  tascas  es  sessee  que  ficarflo  em  paz. 


t40  DA   HlSTOftlA  OÁ  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    LVIII. 

De  como  Raix  xarqfo  prouocou  ho  sogro  dd  rey  Dor- 
muz  que  ho  fizesse  leuantar  contra  os  nossos. 

V  endo  Raix  zarafo  como  os  officiaea  Portugueses  per* 
inaneciâo  na  alfandega  Dormuz  tinha  disso  tamanho  des- 
conleotamento,  como  a  quem  se  tiraua  ho  vso  do  di- 
nheiro que  ela  rendia  que  ele  gaslaua  dantes  á  sua  von*^ 
tade:  &  auendo  isto  por  injuria  lhe  daua  muyto  tormen- 
to :  &  com  grande  trabalho  ho  encobria :  porque  não  en* 
tendõdo  ho  gouernador  o  que  ele  sentia  não  se  aperce- 
besse pêra.  o  que  determinaua  de  fazer  que  era  leuan- 
tarse,  &  nisto  era  lodo  seu  cuydado :  porque  leuãtando- 
se  &  deitando  os  nossos  fora  Dormuz ,  não  somente  lhe 
parecia  que  6caua  liure  da  sugeição  em  queeslaua, 
mas  ainda  ficaria  senhor  dei  rey  &  do  reyno  assi  como 
ho  erão  os  goazis  antes  que  esteuesse  a  obediScia  dei 
rey  de  Portugal.  E  trazendo  este  propósito  não  lhe  a« 
ehou  outro  melhor  remédio  pêra  que  ouuessie  eíTeyto  que 
prouocar  ao  sogro  dei  rey  Dormuz  que  lhe  parecesse  bem 
este  leuarvlamSto.  E  nisto  ouue  pouco  que  fazer,  por-^ 
que  ele  era  hu  Xeque  que  antre  os  mouros  sam  auidos 
por  sanctos,  &  este  era  ião  immigo  dos  nossos  ^. dizia 
aos  mouros  que  muyto  mór  merecimento  tinha  ha  mou« 
ro  de  matar  hu  frangue  que  de  dar  quãlo  tinha  desmo- 
las  &  fazer  quantas  romarias  ou uesse  no  mundo.  E  co^ 
mo  ao  Xeque  lhe  pareceo  bem  leuantarse  elrey  cõtra  os 
nossos,  comeqou  de  lho  conselhar:  &  como  todos  os  mou- 
ros pola  mayor  parte  sam  desagardecidos  logo  el  rey  to- 
mou seu  conselho  sem  lhe  lembrar  em  quanta  obrigação 
era  aos  nossos  que  ho  liurarão  do  caliueiro  em  que  ho 
tinha  Raix  hamet:  &  tendo  ho  Afonso  dalbuquerque  em 
seu  poder ,  &  assi  a  cidade  lha  tornou ,  &  a  ele  deu  li- 
berdade, &  fez  rey  liure  com  tanta  honrra  como  disse 
no  terceyro  liuro.  E  determinado  el  rey  de  se  leuantar. 


LIVRO   V«''CAPITTLO    LIZ.  241 

&  malar  ióàoi  os  nossos:  mandou  fazer  gente  á  terra 
firme  per  hU  monro  chamado  Aliramahmet  morado,  em 
que  Raix  xarafo  tinha  grandexonfianija:  &  assi. tornou 
eirey  em  sua  graça  a  Raix  xabadim ,  aquele  que  lorga 
dalbuquerque  quisera  prender  em  Mazcaie  como  disse  ad- 
iras, &  mandoulhe  per  sua  carta  questeuesse  na  fortaleza 
D.orfacão,  &  ali  estaria  com  gête  de  guerra  ale  ver  seu 
secado. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LIX. 

De  como  ho  capitão  mór  AnUmio  correa  pelejou  etn  Ba- 
barem com,  ti  rey  Mocrim  ^  ho  desbaratou. 


N, 


este  tempo  estaua  leuantado  contra  ei  rey  Dormus 
hum  rey  seu  vassalo  &  tributário,  {}  se  cbamaua  Mo- 
crim rey  da  ilha  de  Baharê,  de  Q  ja  faley  no  liuro  ter- 
ceyro  &  senhor  de  hOa  cidade  chamada  Laça  no  sertão 
Darabia ,  duas  jornadas  do  mar  dõde  se  crião  os  melho- 
res caualos  Darabia ,  &  tem  grande  comarca ,  &  dela 
parte  a  Cáfila,  que  daquelas  partes  vay  a  Meca,  cujo 
•caminho  he  jornada  de  dous  meses  porque  vay  de  va* 
gar:  &  assi  era  senhor  de  hQa  fortaleza  que  ha  nom^ 
Gatifa  na  terra  firme  Darabia  dez  iegoas  de  Babarem. 
£8te  era  casado  com  hQa  filha  do  senhor  de  Meca  &  ti^- 
nhãno  os  mouros  por  sancto,  &  era  muyto  esforçado  & 
valente  caualéyro:  &  despois  que  se  leuantou  cõtra  el 
rey  Dormuz  &  lhe  nSo  quis  pgar  as  páreas  que  pagaua 
dates  trazia  muyto  grande  armada  de  terradas  que  pas'- 
sauão  de  cento  &  corSta  ,  &  esta  fazia  arribar  a.  Baba*- 
rem  quãtas  nãos  hiâo  dos  lugares  daquele  sino  pérsico 
pêra  Ormuz :  com  o  Q  ei  rey  perdia  muyto  do  <\  rSdía  a 
sua  alfandega:  a  fora  as  páreas  !\  perdia  de  Mocrim.  E 
vendo  ele  como  lhe  ho  gouernador  punha  ofiiciaes  Por- 
tugueses na  alfandega  pêra  recolherem  as  rendas  que 
rendesse,  disselhe  que  pois  era  vassalo  dei  rey  de  Por- 
tugal que  lhe  tornasse  Mocrim  a  sua  obediência ,  dan- 
dolhe  conta  do  que  passaua  auia  anQos«  O. que  lhe  ho 

LIVRO   V*  HH 


242  I^A  HISTORIA  DA  mDtA 

gouernador  cõcedeo:  &  deieraiinando  de  bo  fazer  asti 
disse  a  Aotooio  correa  seu  sobrinho  que  ele  lhe  tioha 
dada  a  capitania  mõr  de  hiia  armada  que  aaia  de  inan«^ 
dar  á  poala  de  Diu  a  esperar  as  nãos  de  presa  ate  que 
ele  fosse:  &  que  aula  de  noandar  outra  a  Baharem  dí-^ 
sendoihe  a  que ,  que  visse  se  a  queria  antes.  £  eie  a 
quis  por  ser  de  mais  hoorra  que  de  proueito,  &  deixou 
a  da  ponta  de  Diu.  E  sabendo  Diogo  fernandez  de  beja 
que  bi  estaua  como  António  correa  engeitara  a  capita- 
nia mór  da  armada  de  Diu  por  ir  a  Baharem ,  foyse  lo- 
go ao  gouernador  &  mostroulhe  bil  aluara  dei  rej  pêra 
lhe  dar  a  capitania  mór  da  armada  de  Diu  que  ateli  nS 
mostrara  pola  não  tirar  a  António  correa  por  ser  muyio 
seu  amigo  ^  &  bo  gouernador  lha  deu.  £  aceitada  por 
António  correa  a  êpresa  de  Baharem,  partiose  pêra  lá 
a  quinze  de  lunho  de  mil  &  quinhStos  &  vinte  hO  &  hia 
em  bu.  galeão :  &  forão  seus  capitães  Gonçalo  pereira 
que  hia  em  outro,  &  Fernandeanes  de  souto  mayor  que 
bia  em  bQa  galé ,  &  loão  fiereira  em  bua  carauela ,  8c 
Lourenço  de  moura ,  &  Cbristouão  çarnache  em  duas 
fustas,  &  em  outra  outro,  cujo  nome  não  soube:  &  nes- 
tas Telas  hião  quatrocSlos  Portugueses,  &  hia  coeie  Raiz 
xarafo  capitão  mór  da  armada  delrey  Dormuz  que  era 
de  duzentas  terradas  em  que  hião  três  mil  mouros  mil 
&  quinhenios  frecheiros  &  outros  tantos  lanceiros,  &  no 
caminho  ibe  deu  bti  temporal  que  fez  arribar  a  frota  dei 
rey  Dormuz ,  &  os  nauios  da  nossa ,  saluo  a  capitaina 
&  a  carauela  de  lohão  porejara,  &  eoele  som&te  chegou 
a  Baharem  &  surgio  diante  de  btka  cidade  do  mesmo 
Bome  muyto  grande  de  easas  grades  de  pedra  &  cal  con 
chaminés ,  &  varadas  |)era  sol  &  gelosias  nas  geneias  fc 
ali  tinha  el  rej  Mocrim  seu  assento,  &  por  esperar  por 
António  correa,  de  que  tinha  certeza  (}  sabia  bem  da 
guerra^  estaua  bem  apercebido,  &  tinha  a  cidade  cerca- 
da da  banda  do  mar  de  bua  tranqueira  de  duas  faces  do 
largura  de  dez  palmos  entalhada  de  terra  &  darea  com 
algas  porlaes  pêra  seiuõlda  da  firaya ,  &  assentada  nela 


XtlTRO   T.v  (UFITVLO  LIX.  243 

nuyla  artdbaria  ,  &  goardaoina  dose  mil  Arábios  pos- 
tos em  estancias ,  &  tinba  trezentos  de  eaualo  a  mayor 
parte  acubertados,  &  quatrooentos  Persianos  frecheiros, 
&  vinie  rumes  espingardeiros  cd  aigfis  outros  que  tinba 
insinados  a  esse  officio.  E  chegado  A ntonio  oorrea  afia* 
harém  sorgio  ao  mar  ondesteoe  seys  dias  esperando  por 
sua  armada  qne  se  ajuntou  coele  no  cabo  deste  tSpo, 
saioo  duas  fustas,  de  í\  bfia  arribou  a  Ormuz  &  a  outra 
veyo  despois  de  ele  ter  desbaratados  os  immigos.  E  che-» 
gados  os  nauios ,  &  assi  a  armada  dei  rey  Dormui  quis 
António  correa  saber  a  gente  que  tinha  pêra  rer  se  po- 
dia poyar  em  terra ,  &  não  achoo  mais  de  duzentos  & 
Tinte  homens  que  fossem  pêra  poyar  em  terra ,  de  que 
os  cento  erSo  fidalgos  &  criados  dei  rey,  &  os  cincoenta 
espingardeiros  &  besteiros.  E  os  outros  bonsens  darmas 
dos  da  índia ,  &  a  outra  gente  era  do  mar  que  auia  de 
ficar  em  goarda  da  armada :  &  com  quanto  se  achou 
com  tão  pouca  gente,  &  sabia  que  a  dos  immígos  era 
tanta  como  disse  assentou  de  poyar  em  terra  com  con- 
aelbo  dos  outros  capitães  &  éos  principais  da  frota :  es* 
pesando  todos  em  nosso  senhor  que  os  ajudaria,  &  qui- 
sera cometer  os  immigos  véspera  de  SStiago,  se  nSo  fo* 
ra  por  Raix  xarafo ,  qne  por  certas  cirimonias  de  sua 
aeyta  não  quis  então:  &  por  isso  alargou  a  cousa  pêra 
es  vite  sete  de  luiho,  que  foy  hfi  sábado  &  quisera  co 
aseter  com  sua  gele  por  hQa  parte ,  &  que  Raix  xarafo 
4MHnetera  coro  a  sua  por  outra  pêra  se  ver  o  que  cada 
hSí  fazia.  E  ele  nã  quis,  dizendo  que  el  rey  de  Portu- 
gal &  el  rey  Dormuz  erão  irmãos,  por  isso  auia  sua  gen- 
te de  ir  junta:  &  islo  era  com  medo  segundo  despois 
pareeeo.  E  acabado  ho  conselho ,  os  capitães  se  tornar 
rào  a  seus  nauios ,  &  eles  com  sua.  gente  se  confessarão 
&  encomêdarão  a  nopso  senhor:  porque  ho  feyto  era 
muy  perigoso  por  a  gente  des  immigos  ser  tãta^  que  ar 
ma  bS  trezentos  pêra  cada  bil  dos  nossos:  porS  Antó- 
nio correa  tinha  tamanha  confiança  em  Deos  &  em  no»- 
aa  senhora  que  esperaua  de  Jeuar  a  vitoria ,  &  toda  ar 

HH  2 


244  J>A   HISTORIA    DA    IN 

quela  Doyló  se  lhe  encomendou  muy  deuatamente.  E 
quando  veyo  ao  sábado  pola  manhaã  se  embarcou  cõ  sua 
gente  nos  baieys  &  barquinhas  da  frola,  &  Xarafo  com 
sua  gente  por  ser  muyla  se  pos  em  grandes  jangadas  de 
madeira  que  os  paraós  das  suas  lerradas  auião  de  rebo« 
car:  &  saindo  ho  sol  abalou  António  correa  com  todos 
os  seus  pêra  terra  leuando  a  dianteira  Ayres  correa  seu 
irmão  que  hia  cÕ  ho  seu  guião ,  &  hião  coele  cincoenta 
homens  espingardeyros  &  besteiros  &  assi  algus  íidal* 
gos.  E  como  ja  era  baixa  mar  &  diâte  da  cidade  fosse 
ho  mar  muyto  aparcelado  tocarão  os  baleys  a  liro  des- 

Í)ingarda  dela:  &  não  podendo  dali  passar  arremessouse 
ogo  a  gSle  nagoa  que  lhe  daua  pola  braga  sem  auer 
quem  a  fiodesse  ter«  António  correa  sayo  também  pola 
agoa  &  mandou  ficar  nos  bateys  a  hum  Tristão  de  eras* 
to  homem  de  confiãça,  a  que  mandou  que  não  recolhes- 
se nos  bateys  ninguém  sem  seu  recado.  EIrey  IMocrim 
estaua  neste  têpo  na  tranqueyra  com  sua  gente  ^esfor* 
çandoa  como  valente  caualeyro  &  fazendo  jugar  sua  ar- 
telharia  que  desparaua  muy  amiúde ,  de  Q  Ueòs  mila- 
grosamente Hurou  os  nossos ,  que  sayrão  na  praya  bem 
cansados :  &  logo  Ayr^es  correa  que  leuaua  a  dianteira 
como  d^sse  arremeteo  aa  tranqueyra  com  os  que  ho  a- 
companbauão  per  antre  muytas  frechas  sem  conto  &  pe- 
louros despingarda  que  os  inimigos  tirarão:  despois  que 
os  nossos  forão  na.  praya  que  por  mais  qne  elas  forâo 
não  deixarão  de  remeter  á  tranqueyra  y  onde  logo  os  es- 
pingardeyros &  besteiros  matarão  muytos  mouros^Sc  dos 
nossos  furão  feridos  Ayres  correa  de  duas  frechadas  & 
outros  muytos.  E  estado  em  grande  períia,  os  nossos  por 
entrar  &  os  mouros  por  lho  defender:  chegou  .António 
correa  com  a  bandeira  &  com  ho  resto  da  gente  em  eor^ 
po ,  &  deu  Santiago  nos  mouros  per  hua  aberta  que  es- 
taua antre  a  tranqueyra  &  as  casas ,  &  foy  ho  ímpeto 
dos  nossos  tão  furioso  que  íizerão  retirar  os  mouros  pêra 
dentro  da  cidade  matandoos  ás  laoçadasv  E  nisto  acodio 
el  rey  com  hit  tropel  de  gente  de  caualo ,  &  hii  grande 


LIYSO  y.   CAFITVLO  Ln.  245 

magote  doutra  de  pé  diante ,  &  dão  nos  nossos  tão  de 
supito,  &  apertando  os  tão  rijo  ferindo  rouylos  deles  que 
os  (izerão  retirar  pêra  a  praya:  andando  ei  rey  sempre 
diante  dos  seus  &  poèdose  nos  lugares  mais  perigrosos  & 
pelejando  com  tanto  esforço  que  era  cousa  despanto :  & 
€òmo  os  imigos  fizerão  retirar  os  nossos  carregauào  de 
cada  vez  outros  de  nouo,  &  como  as  suas  lanqas  erão 
fiiuyto  mais  cõpridas  que  as  dos  nossos  chegauâlhe  sem 
lhes  eles  poderem  chegar:  &  por  isso  recebiâo  mu^^to 
dano  tanto  que  não  ho  podendo  os  nossos  sofrer  se  re«- 
tirarão  bem  pêra  junto  dagoa.  E  foy  a  reuolta  tamanha 
que  Ayres  correa  foy  derribado  com  grandes  feridas  de 
lanças  &  frechas  &  carregarão  sobrele  muytos  mouros 
pêra  ho  matar  &  ferirâno  de  treze  laçadas  despois  de- 
derribado  9  &  se  não  fora  por  Aleixo  de  sousa  &  Ruy 
eorrea  f\  lhe  acodirão  matarãno:  mas  eles  pelejarão  am« 
bos  tão  valentemente,  &  matarão  &  ferirão  tantos  mou«- 
ros  que  os  (izerão  afastar  &  liurarão  Ayres  correa  fican- 
do ambos  muylo  feridos.  El  certo  ^  íizérão  hú  feyto  di- 
no  de  grande  memoria,  &  em  que  ganharão  muyta  honr- 
ra :  &  por  outra  parte  também  António  correa  teue  as- 
saz que  fazer,  porque  mandaua  como  capitão,  &  pele^ 
jaua  como  soldado  com  que  tinha  dobrado  trabalho  de 
lodos  &  andaua  muyto  cansado  &  ferido  no  braço  de*- 
rey  to ,  &  assí  a  mayor  parte  de  sua  gente,  porque  toda 
pelejou  aqui  com  marauilhoso  esforço  ajudando  os  nosso 
aenhor:  porque  doutra  roaneyra  não  he  de  crer  que  tão 
poucos  como  os  nossos  erão  resistissem  a  tão  grande 
multidão  de  inimigos,  matado  &  ferindo  muytos  deles-: 
&  a  ei  rey  matara  nesta  reuolta  dous  caualos  em  que 
andaua,  hfl  primeyro  &  despois  outro:  &  também  os 
mouros  ficarão  tão  cansados  &  feridos  que  lhes  conueo 
apartareose  pêra  descansar,  o  que  foy  grande  fôlego  pe- 
ia os  nossos  que  também  fizerão  ho  mesmo.  E  Anionio 
correa  mandou  leuar  seu  irmão  &  outros  muytos  feridos 
aos  bateys.  £  isto  feyto  que  sen  lio  que  os  nossos  esta* 
não  algu  tãto  descansados  tornou  a  arremeter  aos  mou- 


•48  BA  HIS1Y>XTA  DA  INIXIA 

ro6 ,  bradando  todos  por  nossa  senhora :  &  parece  que 
poios  seus  rogos  desfechou  nesta  arremetida  hfl  dos  nos* 
SOS  espingardeiros  a  sua  espingarda  em  el  rey  &  ferio 
ho  em  htia  coza  tão  mortalmête  que  lhe  foy  forçado sayr* 
se  da  batalha,  &  coele  algOs  de  caualo  dos  mais  hõrra** 
dos.  £  ele  ido  como  os  mouros  se  virão  sem  capitão  fu* 
girâo  a  quem  mais  podia,  &  por  António  correa  ter  a 
sua  gente  rouylo  ferida  &  cansada,  &  ele  estar  do  mes* 
mo  modo  deixou  os  ir  &  nã  os  quis  seguir,  posto  í\  muy* 
tos  bradauão  que  os  seguissem :  &  oontentouse  cõ  a  mer* 
ce  que  lhe  nosso  senhor  fet  em  lhe  dar  hQa  tão  famosa 
vitoria  como  esta  foy  em  obra  de  duaa  horas  sem  dos 
nossos  morrerem  mais  de  cinco ,  &  hCl  deles  foy  hil  fi* 
dalgo  chamado  lorge  pereyra,  &  hii  noourisco  Christio, 
Daotonio  correa,  que  em  toda  a  batalha  ho  defendeo  da 
morte ,  adargando  ho  sempre  com  hiia  adarga ,  &  de 
muy to  frechado  cayo  morto :  &  farão  feridos  sessenta  & 
tantos  os  mais  deles  de  lançadaa  a  mão  tente ,  &  doa 
mouros  a  fora  el  rey  liAocrim  que  morreo  dabi  a  dous  ou 
três  dias  morreo  ho  gouernador  de  Bahavè :  pessoa  muy« 
to  principal  &  seys  homès  principais  aeue  parentes,  & 
trinta  de  caualo  &  trezStos  de  pé,  &  muytos  feridos :  & 
forão  mortos  muytoa  eaualos  desp!gardadas.  E  por  hfir* 
ra  desta  tão  famosa  vitoria,  deu  despoís  o  muyto  alto  & 
muy  to  poderoso  rey  dom  loão  de  Portugal  ho  terceyro, 
a  Aatonio  correa  que  podease  meter  em  hO  quarto  do 
escudo  das  suas  armas  a  cabeça  dfi  rey  mouro  ,  que  a* 
gora  trás  ,  &  outra  por  timbre  no  elmo  em  memoria  dt 
dei  rey  Mocrim  que  lhe  despois  foy  cortada. 


IifTRO   V.    CAPITVLO    LX.  247 

C  A  P  I  T  V  L  O    LX. 

De  como  morreo  ti  rey  Mocrim.  E  de  como  Anioniú  cor*- 
rea  mandou  a  sua  cabeça  ao  gouemador  com  a  noua 
da  vitoria ,  ^  da  sepultura  que  lhe  foy  feyta. 

V  encida  a  batalha  chegou  Raix  xarafo  a  António  cor- 
rea  com  sua  gente :  com  qoe  ateii  esteuera  nagoa  sem 
desembarcar,  esperando  o  que  sucedia  aos  nossos»  £  sê 
eles  forão  vêcidos  presumiose  que  se  ouuera  de  leuantar 
cõtreles,  &  isto  estaua  ciaro  polo  ódio  Q  lhes  tinha,  & 
puio  q  deixaua  ordido  em  Ormuz.  E  António  correa  dis* 
simulou  coele  ho  desauergonhamêlo  de  desembarcar 'a 
tal  tempo,  &  mãdou  aos  seus  mouros  que  seguissem  ho 
alcanço  aos  immigos.  E  eles  remeterão  pola  cidade  mos- 
trado que  ho  faziáo,  mas  despois  que  forâo  dentro  não 
ho  quiserâo  fazer  &  meterãse  a  roubala :  onde  logo  An* 
tonio  correa  entrou  com  a  bandeira  tangendo  as  trom- 
betas diante,  &  foy  ter  ás  casas  dei  rey  que  erâo  rouy 
grandes  &  sumptuosas,  &  junto  delas  achou  hQa  galeo* 
ta  Q  os  rumes  tinhão  feyta,  que  algus  Ibecõselharãoque 
mãdasse  queymar:  mas  ele  não  quis»  E  feytos  ali  muy- 
tos  caualeyros,  fidalgos  &  outras  pessoas  honrradas  que 
lho  requererão ,  não  quis  mais  passar  auãte  por  ser  tar* 
de  Q  era  meyo  dia ,  &  tornouse  aa  frota  pêra  fazer  cu- 
rar os  feridos,  &  deixou  a  cidade  em  poder  de  Raix  xa* 
rafo:  que  tomou  dela  posse  por  el  rey  Dormuz,  &  dd 
eamínfao  mãdou  António  correa  poer  fogo  a  cêto  &  co* 
reota  &  sete  terradas  Q  el  rey  Mocrim  tinha.  E  na  noy- 
te  seguinte  estando  todos  dormindo  se  aceiídeo  ho  fogo 
na  bitacora  da  capitaina,  &  foy  a  reuolta  tamanha  que 
todos  os  feridos  se  leoantarâo  a  aeodir,  &  era  ho  fumo 
tamanho  ^  não  auia  qoè  podesse  decer  abaixo  a  apagar 
bo  fogo,  &  despois  de  muyto  trabalho  foy  apagado.  B 
nesta  enuolta  quebrarãa  os  pontos  das  feridas  quasi  a 
todoc  06  feridos >  &  foy  oeccssaffio  tornarSnos  a  cuidar: 


248  IML    HISTORIA    DA    TNBIA 

ruas  niguS  ho  sen  tio  com  ho  grade  prazer  que  tinfaSo 
da  vitoria  passada.  Ao  outro  dia  foj  António  correa  a 
terra  com  os  que  poderão  ir  coele  pêra  laçar  a  galeota 
qij«  disse  ao  mar:  &  aqueJe  dia  lhe  fez  ho  terreyro  com 
mujio  grande  trabalho  por  a  tranqueyra  dos  immigos 
estar  diante  j|  nâ  era  ainda  derribada:  &.ao  outro  dia 
a  lançou  ao  mar  com  muyta  fadiga^  por^  os  nossos  erâo 
poucos  &  não  podião',.&  os.de  Xarafo  não  ajudáuSo:  & 
António  correa  ajudauaooino. qualquer  com  quanto  es- 
taua  ferido  no  braço  dereylo,  em  que  padeceo  grande 
dor,  &  por  auer  a  galeota  pêra  el  rey  sufria  íudo«  B 
lançada  ao  mar  lhe  pos  nome  Mocrina  por  amor  iiel  rey 
Mocrim :  &  deu  a  capitania  dela  a  hu  Gaspar  corria, 
E  auendo  cinco  dias  que  fora  a  batalha ,  foylhe  dílo  por 
hu  mouro  da  terra,  &  por  outro  de  Raix  xarafo  q  «I  rey 
Mocrim  era  morto,  &  na  ooyle  seguinte  ho  auiâk>  dir 
enterrar  a  Catifa.  É  Raix  xarafo  lhe  re^reo  ^  ho  mã- 
dasse  tomar  ao  caminho  f>or  quanto  fora  tredoro  a  el 
rey  Dormuz ,  &  era  necessário  que  lhe  cortassem  a  ca* 
beça,  &  que  ele  mandaria  a  isso  sua  gele.  £  António 
correa  ho  consentio,  &  foy  hu  parSte  de  Raix  xarafo 
chamado  Raix  çadradim  ^  foy  por  capitão  de  doze  ter* 
radas  cÕ  que  tomou  ho  corpo  dei  rey  IVIocrim  &  ho  le* 
iiou  a  António  correa  !\  lhe  mandou  cortar  a  cabeça: 
que  os  mouros  de  Raix  xarafo  cauacarão  por  dentro  tão 
sutilmêle  que  ficou  a  pele  do  rosto  com  os  olhos  &  na* 
rizes :  &  despois  a  rechearão  dalgodão  cÕ  hua  aselha  na 
moleyra  por  õde  se  podia  tomar,  &  parecia  viua:  &  An* 
tonio  correa  a  mandou  a  Ormuz  ao  gouernador  com  a 
noua  do  que  tinha  feyto,  &  leuou  a  Baltesar  pessoa  & 
Ruy  correa  q  forâo  ê  hila  fusta.  E  coesta  noua  recebeo 
ho  gouernador  muyto  grande  prazer  cô  os  nossos,  &  el 
rey  Dormuz  com  os  mouros,  &  fizerão  todos  muyto  gran* 
des  festas.  E  ho  gouernador  foy  dar  graças  a  nosso  se* 
flor  á  igreja  com  todos  os  fidalgos.  E  ele  &  el  rey  Dor* 
muz  mãdarâo  fazer  hfla  sepultura  a  esta  cabeça  na  pra- 
ça Dormuz :  por  honrra  de  cuja  foy  &  por  memoria  Dâ^ 


LIVRO   V.    CAPlTVtO    LXr.  «4.9 

(onio  correa  &  dos  que  íizeráo  aquele  feytb,  &  forâo  a- 
bertos  neia  dous  letreiros  bCL  na  nossa  lingoa,  &  outro 
na  Persiana  que  diziSo. 

A  quinze  dias  do  mes  de  Mayo  de  mil  &  quinhen* 
tos  &  vinte  hS ,  chegou  ho  gouernador  Diogo  lopez  de 
sequeyra  a  Ormuz,  &  achou  ho  reyno  de  Babarem  & 
CaCiTa  leuSíado  contra  el  rey  Dormuz,  &  mandou  lá  An- 
tónio oorrea  seu  sobrinho  eò  sete  nauios  &  quatrocentos 
fcomfis  &  pelejou  com  Mocrim  rey  da  dita  terra ,  &  a 
sua  cabeça  jaz  aqui :  morrerão  muytos  mouros  &  algfls 
Chrtstãos  &  forâo  muytos  feridos.  E  os  mouros  vSdo  seu 
desbarato  lhe  8tregarâo  logo  Catifa :  &  também  trouue 
Jiãa  galeota  que  os  rumes  4inhSo  feyta  que  agora  anda 
-em  poder  dos  Portugueses.  E  ho  gouernador  mandou  fa- 
^er  esta  sepultura  por  honrra  do  rey  que  morreo  como 
hÒ  caualeyro^  &  por  memoria  dos  Chrjstâos. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXL 

De  como  lorge  dalbuqufr§  chegou  a  Pacêj  ^  determinou  de 
restítuyr  no  reyno  ho  príncipe  q  leuaua  da  índia. 

X^espots  de  lorge  dalbuquerj)  partido  pêra  Malaca  eom 
a  frota  l\  disse,  seguio  sua  víagC  ate  chegar  á  ilha  de 
^matra  &  surgir  xío  porto  de  Pacem  ,  pêra  {)  se  f>odes- 
«e  restttuyse  na^ie  reyno  ho  príncipe  herdeiro  dele  co- 
mo lhe  ho  gouernador  dera  por  regimento.  E  surto  nes- 
te  porto  cK)m  toda  sua  armada ,  teue  maneyra  cotno  fez 
saber  aos  principais  de  Pacem  a  causa  de  sua  vinda.  E 
isto  em  segredo,  porque  ho  tiratio  ho  tião  soubesse  &  se 
posesse  em  recado.  E  eles  com  ho  aluoro<;o  da  vinda  éh 
sea  verdadeyro  rey  f|  muyto  desjRJauSo,  «e  forâo  os  que 

fioderâo  secretamente  a  capilaina:  &  hi  lhes  mosiroti 
Off^e  dalbuquerq«e  ho  principe  &  ho  Moulãna :  (}  eles 
folgarão  muyto  de  ver,  &  lhe  disserâo  qúe'  sua  vontarle 
era  muy  boa  pêra  ho  receberem  por  senhor ,  mas  que 
Dfio  cmsattâo.  «ooa  medo  de  Tirano.  E  .nesta^  pratica  sou^ 

LIVRO  V.  II        .  .  - 


fiÕD  BA    HI6TOR(A    I>A   ÍNDIA 

be  lorge  dalbuquerqu<3  que  bo  Tirano  es4aua  mâyto 
furialeciJo  em  hua  forlaiesca  julo  da  pouoa<^o  que  erU 
húa  iegoa  pelo  rio  acima  :  &  era  hQa  írãqifre^ra  larga 
feyta  em  quadra  que  cercaua  lida  pouuai^âo  pequena  on* 
de  ho  Tirano  moraua  perio  da  outra  grande  que  Ibe  fr- 
caua  como  arrabalde.  E  nesla  Iranqueyra  aikia  muyia 
artelharia :  &  da  banda  do  norte  era  cercada  de  aapal  & 
ierra  apaulada,  &  linha  a  entrada  dali  per  h&a  ponte. 
£  em  hú  canto  da  bâda  do  8ul  tinha  hua  porta,  &  ila- 
•quela  parte  era  cercada  de  caua  chea  dagoa.  Defitro 
4le«la  tranqueyra  no  meyo  da  pouoaqâo  estauâo  as  CMM 
4o  Tirano  ceroadas  doutra  trâqueyra  da  mesma  maney- 
fa  da  de  fora  cÕ  duas  [lOrtas  pe^naa,  hQa  da4)anda  do 
■sul  &  oulra  de  leste.  £  a  fora- esta  fortalesuisef  tâo  Sof^ 
te  esjtauâ  nela  seys  mil  homens  de  peleja,  os  mais  deles 
frecheiros,  6c  muytod  de  zarauatanas.  £  com  -quâto  loc- 
ge  dalbuquerque  isto  soube:  como  era  muyto  esforcjado, 
&  sabia  ^  ho  printipe  tiaha  jtistii^a  pêra  oquirir  ho  rey- 
no,  determinou  de  pelejar  cõ  ho  Tirano  se  não  quisesse 
j>or  bfi  soltar  bo  rejrno:  &  a«8i  lho  mBnd(^u  disser.  Do^ 
se  ele  eiicusou ,  duêdo  ^  ho  reyno  era  seu ,  &  mais  que 
queria  ser  vassalo  dei  rey  de  Vortugal ,  &  pagarihe  j)»- 
reas :  ^  l^rge  dalbu^r^  engeítou ,  dizêdo  que  el  rey  de 
Portugal  nã  queria  por  vassalos  senão  4^  dereytos  her- 
deyros  dos  reynos,  &  nâ  os  ^  os  tinhâo  por  íorça.  E  v^ 
do  a  contumácia  do  Tirano,  determinou  de  pelejar  coelec 
&  pêra  bo  notiticaT  a  seus  capitães,  os  chamou  a  conse- 
ibo ,  &  aj^atouse  ooeles  faQ  hdalg.o  chamado  Alanuei  da 
2[ama  -^  hi  era  chegado  de  Malaca  è  híl  nauio  darmada 
|>era  fazer  arribar  a  Malaca  os  jdgos  de  Pegú,  ^  poir 
nâ  irê  a  Malaca  hião  iik^scarregar  a  Pacê.  £  jutos  os  ca- 
j>itães ,  lorge  dalbu^r^  lhe  propôs  ho  regimêto  ^  trazia 
ílo  gouernador  acerca  de  restituyr  ho  ppicipede  PacS  é 
aeu  rey  no :  &  bo  ,poder  de  gSte  ^  tinha  ho  Tirano,  &  co* 
IDO  estaua  fortateoido.  E  a  gête  que  ele  tinha  que  não 
aeria  mais  ^  du^Stos  ÚQ^  nossos.  £  todos  forâo  dacordo 
Q  pelejasse,  &  •§  nosse  sefior  os  ajudaria  poiA  tinhftoa 
justiça  de  sua  parte. 


C  A  r  I  T  V  L  o     LXII. 

D€  coma  «/  rey  Dauru  foy  9obre  Poict  pêra  pelejar  c6<  a 

tirano  ^  tinha  q  reyn»  vswrpaép*, 

JL  endo  isto  assentado  acertou  de  chegar  a  Pacem^  ei 
wj  Ddttffu  com.  grande  exercito  ^  que  tinha  gi^crrc^  com 
ào  Tíraiu^)  &  hia  pêra  ho  destrujr  por  amiur  do  prioci-. 
pa  que  era  8e>u  parêle.  E  sabida  por  lorge.  dalbuquer-. 
que  sua  cjhegada,  porque  era  amigo  dei  r^y  de  Por(u-t 
gal.,  lhe  nadou  dizer  por  hu  mouro  natural  dç  Paqem : 
que  ele  era  ali  vindo  pêra  restituyr  ho  priocipe  d^  Pas- 
cem no  re>Bo,  &  dealruyr  aquelet  Tirano  Q  ho  linha 
Tflurpado.  E  porque  sabia  que  era  amigo  dei  rey  de  Por- 
tugal^ Ibe  pe<lia  que  se.afaalaBse  donde  fosse. 9  peleja ^ 
&  lhe  deixasse  a  ele  sò  aquela  empresa :  &  porque  a  sua 
gente,  &  a  do  Tirano  toda  andaua  du  trajo  mandasse 
aos  seus  ^  no  dia  da  batalha  posesaem  na  cabeça  bfta 
ipamos  verdes  pêra  o^  desenf<^ençarem  dos  immigos  , 
porque  os  nossos  auiSo  dauer  por  esses  a  todos  os  que 
00  não  teuessem.  E  el  rey  Dauru  foy  disso  contente,  & 
mandou  pedir  a  lorge  dalbuqueique  que  lhe  fizesse  mer-» 
oe  do  despojo  ^  ficasse  dos  immigos  despois  que  os  nos-i 
Bos  não  quisessem  roais :  porQ  esperaua  em  Deos  que 
lhe  auía  de  dar  vitoria.  Feyto  este  concerto,  fex  lorge 
daibuqiierque  saber  aos  naturaes  da  terra  como  adia  de 
dar  na  trâqueyra  &  em  que  dia ,  &  maadouihes  que  ae 
afastassem  do  caminho. por  onde  auia  dir,  &  que  teues^ 
sem  outro  tal  sinal  como  ca  Aurus* 


II  2 


259  nà  HisVDftiÁ  Dá  índia 

C  A  P  I  T  O  L  O    LXIII. 

De  como  lorge  datimquerq  desbaratou  ^  matou  em 
hum  combale  ao  Tirano  que  tinha  wurpado  /io  reyuo 
de  Pacem. 

V  iodo  ho  dia  em  ^  8e  auia  de  dar  ho  combate,  eslS^ 
do  oa  noaaoa  cõfessadoa  daquela  ooyte  oa  ansului^o  hú 
cferigo  aote  manhaS^  &  despois  de  almoçaretn  furase 
pelo  rio  acima  ooa  baleya  ale  onde  detteoibarcarào ,  & 
em  lerra  f«*z  lorge  daibuquerque  Ires  eacoadrões  de  «ua 
genle  que  erãu  duzêlos  homèa:  do  primeyro  f^  íoy  de 
geaneola  homens  era  capitão  dom  Sacho  aorríquez ,  & 
hiau  coele  Rafael  catanbo,  &  Dinis  fernaiidez  de  meio, 
Du  segOdo  que  era  doutros  tantos  íoy  dom  Afonso  de 
meneses  filho  do  conde  de  Cantanhede  cauale^yro  muy^ 
to  esforçado.  Ho  terceyro  leuaua  lorge  daibuquerque 
eom  ho  restante  dos  duzentos  homês,  &  acompanbauà* 
DO  Manuel  da  gama,  António  de  IMiranda  dazeuedo, 
Garcia  chainho,  Ejtor  de  Valadares,  Fracisco  boearro: 
&  outros  fidalgos  &  cauaieyros.  C  nesta  ordem  ao  som 
de  suas  trombetas  abalou  pêra  a  fortaleza  ao  logo  de  hQ 
esteiro  que  passou  per  hOa  ponte ,  &  senão  dous  tiros 
de  espingarda  donde  desembarcou  á  fortaleza,  &  dtk  ca» 
bo  &  do  ouiro  estaua  todo  ho  caminho  cbeo  de  gente, 
assi  da  terra  como  dos  A  urus  Q  todos  estauào  è  fauor 
do  pricipe  &  fazia  grades  alegrias.  E  chegado  dom  San* 
cho  perto  da  fortaleza  começa  a  artelbaria  a  desparar, 
&  a  nossa  espingardaria  lhe  respondeo,  queporser  muj« 
to  pouca  soaua  muy  pouco :  porê  começou  de  fazer  muy- 
la  obra,  porque  os  nossos  sem  nenbil  medo  cõ  quâto  e» 
rão  poucos  remeterão  á  tranqueyra  pela  banda  do  sul,  & 
cbegaranse  a  ela  derribando  muytos  dos  immigos  com 
as  espingardas.  JVIas  como  eles  erão  tãtos  como  disse 
sostinbâse  muj  esforçadamente :  &  nisto  chegarão  dÕ  A- 
fonso  de  meneses  &  lorge  daibuquerque  com  seus  es- 


LIVRO  V.  CAPITVLO  LXIII.  253 

quadrSes,  &  tomarão  ioda  aquela  banda  da  tranqueira 
encheu,  combaièdoa  muy  fortemenle.  E  vendo  Dinis 
fernandez  de  noelo  quào  ocupados  oa  iniigoa  eslaufio  na 
defensa  da  tranqueira,  renieteo  á  poria  Q  eslaua  da* 
quela  banda  cò  JManuel  da  gama,  &l  E^Iujt  de  valada-- 
res,  &  Francisco  bocarro:  &  arrombarão  a  porta  com  hft 
yay  &  vê :  &  ainda  nâ  íoy  arrobada  quado  mu^^los  dos 
inimigos  acodem  a  defendeia  com  frechadas  láo  bastas , 
assi  darco  como  de  zaraualana  que  quasi  {^  ocupauào  to* 
do  bo  vão  da  porta.  E  cõ  tudo  os  quatro  entrarão  ás  lan* 
^das,  &  após  eles  outros  muytos:  &  aqui  se  renouou  a 
batalha  cõ  grande  fúria.  E  era  milagre  de  nosso  senhor 
yer  tSo  poucos  como  os  nossos  erao  antre  tanta  multi- 
dão dimmigos.  E  sabêdo  iorge  dalbu{[ri[  como  a  forta* 
jeza  era  êtrada  acodio  á  porta  &  entrou  dCtro,  &  cÕ  sua 
tnirada  se  recolherão  dos  imigos  pêra  as  casas  do  Ti- 
rano ,  &  outros  pêra  a  banda  do  norte :  &  os  nossos  fi* 
earãu  de  rosto  com  as  casas  do  Tirano  que  como  disse 
estauào  cercadas  em  redondo  doutra  tranqueira  tão  for* 
te  como  a  primeyra.  E  aqui  estaua  a  principal  fori^a 
desta  fortaleza  por  ho  Tirano  ter  ali  suas  molberes  &  tí- 
Uios,  &  as  dos  seus  principais  &  suas  fazendas.  E  lor* 
ge  daibuquerque  a  cometeo  cõ  sua  gente  feyta  em  h& 
esquoadrào,  &.  h&s  tirauão  cÕ  as  espingardas  aos  que 
estauão  encima,  outros  sobiào  por  escadas  que  pêra  isso 
leuauào ,  &  sem  temor  das  pedradas ,  frechadas  &  laB« 
^das  dos  imigos  se  guindauào  a  cima,  &  dali  saltarão 
embaixo  após  os  immigciS  que  ja  de  quebrados  se  retira- 
não,  &  abrindo  bua  das  |H>rtas  que  a  trãqueyra  linha 
entrarão  os  outros  que  estauão  de  fora :  &  apertarão  táo 
rijo  com  os  immigos,  que  não  tSdo  corai^ão  de  se  de* 
fender  por  verem  \  de  cadauez  os  matauão  mais  come- 
çarão de  despejar  pêra  a  banda  do  norte,  &  saySose  per 
niia  pote  que  estaua  daquela  parte  com  suas  molberes 
&  filhos.  E  começando  os  imigos  de  vazar  por  aquela 
ponte ,  foj  ÚÒ  A  fonso  de  meneses  por  acerto  ler  a  ela 
com  corenta  dos  nossos.  E  desejoso  de  matar  ainda  mais 


254  Mi  Binom/k   DA.  flTDIA 

do8  immigos  doi  Q  aquele  dia  tinha  morios  deu  neles» 
oom  o8  que  hião  coele^  &  apertou  os  tão  rijo  que  oa  fes. 
tornar  pêra  dentro.  E  vendo  eles  H^  lhes  não  fioaua  onde 
se  podessem  saluar ,  determinarão  de  morrer  defenden- 
dose,  &  assi  bo  íizerão  que  nenhum  não  íicou  do  Tira-^ 
ao  ale  ho  menor ,  tirando  algus  que  catiuarão  &  assi 
muytas  molheres^  &  a  peleja  duraria  trea  horas  de  reio«< 
gio,  em  que  morrerião  dos  immigos  três  mil  aegudo  sa 
despois  soube,  &  os  quatrocentos  forSo  dos  principais, 
&  dos  nossos  morrerão  quatro  &  (brSo  muytos  feridos:  a 
<|ue  foj  mais  milagre  de  nosso  senhor  que  furija  humana* 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXIIII. 

De  coma  ho  principefoy  recebido  por  rey  de  Pocê:  ^  de  eon 
mo  lorge  delbuquerquefez  kãaforlaleza  em  Pacem, 

JL  ornada  a  fortaleza  foy  saqueada  pelos  nossos  &  ho  ron 
sulho  que  lhes  6cou  Coy  logo  apanhado  [^elos  Aurus,  cu-i 
jo  rey  se  foy  pêra  lorge  dalbuquerQ,  &  lhe  deu  ho  proh 
íaça  de  sua  vitoria  com  palauras  de  muyta  alegria  polo 
tirar  de  trabalho  &  mais  de  duuida  se  vencera  ou  não: 
&  ficou  muyto  mór  amigo  &  seruidor  dei  rey  de  Portu^ 
gal  que  dantes  por  ter  tais  vassalos.  E  sabendo  lorge 
dalbuquerque  que  ho  Tirano  fora  morto  na  batalha  com 
oa  que  hu  seguião,  &  que  não  auia  dauer  oontradição 
em  resliluyr  ho  principe  no  reyno,  mandou  logo  dar  pre- 
gões que  todos  os  da  terra  se  ajuntassem  pêra  lho  en-« 
tregar.  O  que  eles  íizerão  logo  aquele  dia:  &  com  muy-r 
to  prazer  lhe  forão  fazer  reuereneia  ás  casas  do  Tirano, 
onde  ho  lorge  dalbuquerque  apousentou.  E  obedecido 
ho  principe  por  rey,  &  entregue  da  cidade:  tornouse 
lorge  dalbuquerque  com  todos  os  nossos  a  armada  que 
estaua  na  barra:  a  cuja  entrada  da  banda  de  leste  de- 
terminou de  fazer  hua  fortaleza  pêra  assessego  da  terra, 
&  pêra  estar  a  feytoria  dei  rey  de  Portugal  que  assi  ho 
trazia  por  regimento.  E  aquele  era  ho  melhor  lugar  poc 


I/IV«0  y«  CAMTVXíO  LXV.  2^5 

estar  pegada  com  ho  mar  por  i>nde  podia  »er  socorrida  c 
&  mandou  dar  oonla  de^ta  delerminav^ão  a  el  rej^ :  pe- 
dindolbe  que  pois  el  rey  de  Portugal  queria  tambè  ter 
ali  aquela  íorlalesa  pêra  seguran<;a  de  seu  estado,  &  não 
ibe  ser  le^la  outra  treição  como  a  passada  que  ho  aju- 
dasse a  fazeia:  &  pois  nao  tioba  necessidade  da  que  ho 
(irano  deixara  por  estar  pacifico  na  cidade,  que  a  man- 
dasse desfaeer :  &  Ibe  mandasse  a  madeira  pêra  fazer  a 
que  dizia,  &  geie  f>era  que  a  fizesse.  Ao  que  logo  el 
rey  satisíee  ê  tudo ,  &  a  fortaleza  foy  feyta  em  breue 
lempo  com  muros ,  baluartes  &  torres  de  madejra ,  âc 
4^roada  de  caue.  É  ela  acabada  &  muyto  bem  artilba-- 
da  deu  lorge  daU>uquerque  a  capitania  a  dom  Sancho 
anrriquez  seu  gfirro,  &  deixou  feylor,  escriuães  &  ou«- 
4ros  officiaes  &  -cê  boniSs  por  todos.  £  posto  que  Anto^ 
Jiio  de  miranda  daseuedo  lhe  requereo  que  lhe  desse  a 
capitania  da  fortaleza,  porque  ho  gouernador  lha  daua 
{x>r  ha  aluara  ^  lhe  mostrou.  E  ele  não  quis,  dizendo 
que  ho  gouernador  não  podia  passar  tal  prouisam ,  por 
el  rey  lhe  conceder  que  pudesse  dar  por  4re8  annos  a 
cteipilania  de  qualquer  fortaleza  que  fizesse:  8&  assi  ficoQ 
àò  ^cho  por  capitão  da  fortaleza. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXV. 

Jie  como  lorge  de  brito  foy  morto  em  Achem  com  outros 

muyíos  xle  sua  armada^ 

Jl  rossegoido  lorge  de  brito  por  sua  naoegaçSo  perA 
liAalaoa  foy  ler  á  l^irra  da  cidade  Dacbem  na  ilha  de  ç2H 
matra,  j|  he  reyno  como  atras  disse,  &  he  bua  cidade 
^râde  ao  pé  de  bOa  lòbada  i\  se  faz  àtre  a  cidade  &  h& 
rio,  de  modo  i)  a  louisbada  lhe  fica  por  padrasto.  He  de 
easas  térreas  de  paredes  de  terra  cobertas  doía,  somen^ 
4)0  as  casas  dei  rey  tem  algua  polioia :  he  muyto  abas<- 
teda  de  mantimeoios ,  pouoada  de  mouros,  &  seu  rey 
«M  iaodbeas  mouro  &  tkalia  pouoò  estado  &  pouca  ren^ 


Bõ6  Aá  ifieTORIA  DA  índia 

da.  E  com  ludo  grande  guerreiro  &  capital  immigo  doa 
Portugueses,  &  trabalbaua  por  lhe  fazer  quanto  mal  po^ 
dia:  &  porque  lorge  de  brito  sabia  isto,  &  principal- 
mente  por  cobrar  a  fazenda  que  ali  fora  tomada  de  dom 
loâo  de  lima  &  doutros  fidalgos  como  disse  atras  surgio 
na  sua  barra.  E  surto  dentro  no  rio,  mandou  dizer  a  el 
rey  que  se  espantaua  muyto  dele  querer  ser  immigo  dos 
Portugueses  sendo  todos  os  outros  reys  da  ilha  de  cama- 
Ira  seus  amigos ,  mandandolbe  apontar  o  que  lhes  tinha 
feyto,  principalmente  a  tomada  da  fazenda  que  digo: 
irogandolhe  que  logo  lha  mandasse  antes  que  anoyteces* 
se ,  &  não  lha  mâdando  que  iria  por  ela.  El  rey  despe* 
dío  ho  messegeiro  com  dizer  que  responderia :  mas  não 
respondeo,  porque  não  determinaua  de  fazer  cousa  ai* 
gua  do  que  lhe  lorge  de  brito  pedia,  antes  lhe  resistir 
quãto  |K>desse  pêra  o  que  se  percebeo  ho  melhor  que  po» 
de  esforçando  sua  gente.  E  vendo  lorge  de  brito  que 
tardaua  a  reposta  dei  rey,  deuse  por  respondido  que 
queria  guerra,  &  chamando  a  conselho  seus  capitães  & 
outros  homens  honrrados  da  frota :  propôs  aigfls  males 
que  el  rey  Dacbem  tinha  feytos  aos  Portugueses,  polo 
que  deuia  de  ser  casUgado ,  antes  que  tomasse  mais  a- 
treui mento  do  que  tinha.  No  que  todos  acordarão  que 
se  fizesse,  &  q4ie  ao  outro  dia  pola  manhaã  desembar- 
cassem :  o  que  receado  el  rey  Dachem  trabalhou  polo 
impidir,  mandando  fazer  aquela  noyte  hua  estancia  so- 
bre a  lombada  em  que  mandou  assestar  algus  berços  pê- 
ra que  tirassem  aos  nossos,  não  somSle  ao  desembarcar, 
mas  se  quisessem  sohir  acima:  &  mandou  a  hii  seu  ca- 
pitão que  a  goardasse  com  obra  doytocentos  mouros  os 
mais  deles  frecheiros.  lorge  de  hrilo  como  foy  manhaã 
abalou  pêra  terra  nos  bateys  da  frota  com  a  gente  de 
lanças,  espadas,  &  adargas.  E  os  besteiros  &  espingar- 
deiros  hiâo  todos  na  fusta  de  Gaspar  galo  apartados,  por- 
que auião  de  ir  na  dianteira,  &  hião  assi  pêra  desem- 
barcard  logo  juntamente  &  se  porem  de  golpe  em  or- 
dem: o  que  não  poderia  ser  iadò  espalhados  pel6s  ba* 


ÍAVUO   V.   CAPITVLO  LXT.  «57 

teys.  B  logo  a  desauentura  que  aqui  auia  dáconlecec 
começou  logo  aqui  de  dar  sinal  ^  porque  como  vaiasse 
ainda  ho  terrenho  &  a  fttsta  era  grande  &  hia  bem  car* 
regada  nSo  a  deisaua  de  remar  tâto  como  os  bateys  ^ 
hiâo  mais  boyantes  &  se  remauSo  melhor:  o  que  foy 
causa  de  chegarem  a  terra  muyto  primeyro  que  a  fus-> 
ta  j  &  em  desembarcando  começão  os  mouros  de  despa^r 
rar  os  bercjos  que  estauSo  na  estancia ,  com  que  lhe  nSo 
fitsiSo  nenhO  nojo  por  estarem  muyto  ao  sopé  da  lomba-» 
da.  O  que  vendo  ho  capitão  dos  mouros  como  era  ho^ 
mem  esforçado,  quis  ver  se  por  sua  pessoa  cõ  os  seus 
podia  deÍ(Sder  aos  Portugueses  que  nã  sobissem  pola 
lombada,  &  iançase  corrêdo  por  hQa  ilharga  dela  com  a 
mayor  parte  dos  seus:  dando  grandes  gritas,  &  tirando 
muyta  soma  de  frechadas.  O  qpe  vendo  lorge  de  brito 
]fae  pesou  <]e  nSo  esperar  pela  fusta  em  que  hiâo  os  bes- 
teiros &  PspíngardeiiK)s ,  &  entSo  conheceo  bo  erro  que 
nisso  fez ,  porque  se  os  teuera  muy  facilmCle  castigara 
aqueles  mouros  contra  quem  mandou  que  fosse  Louren- 
<;o  godinho  com  os  de  sua  capitania  pêra  os  fazer  ter. 
£  parecendolhe  que  ganhada  aquela  estancia  da  lõbada 
não  tinhão  os  mouros  mais  força,  com  desejo  de  se  des^ 
pachar  asinha  não  quis  esperar  pelos  espingardeiros  & 
besteiros,  &  remete  cõ  os  outros  capitães  pel^a  outra 
ilharga  da  lombada  que  estaua  despejada ,  &  não  parou 
ate  chegar  á  estancia:  de  que  logo  fugirão  «sses  mou- 
ros que  hi  estauão  sem  ousarem  de  Cazer  nenhtia  mos- 
tra de  resistência ,  &  a  fugida  destes  &  ver  bo  seu  ca- 
pitão que  pelejaua  com  Lourenço  godinho  a  estâcia  ga^ 
n-hada ,  forão  causas  pêra  ^  ele  não  tardasse  muyto  em 
deixar  a  peleja  &  se  acolher  sem  bfla  parte  nê  outra  re-» 
ceber  nenbfi  dano.  Neste  tempo  estaua  «I  rey  Dachem 
prestes  com  mil  homCs  muyto  bem  armados  á  sua  vsan- 
ÇA  &  quatro  alifant«s  armados,  &  ouuindo  estes  a  gri- 
ta &  reuolta  que  hia  onde  estaua  a  estancia  sayrâo  aU 
gps  fora  da  cidade  a  ver  o  que  era :  &  em  aparecendo 
vio  os  loSo  serrão  que  era  ho  alferez  de  lorge  de  brito  : 

LIVRO    V.  KK 


268  XU   HISTORIA   DA  INMA 

&  como  bpinem  fóua  do  siso  sem  lho  ele  mandar  reiíie^ 
te  pola  ladeira  abaixo  pêra  oDde  aparecerão  os  imigos  & 
após  ele  todos  os  outros  quaado  ho  virão  partir,  sem  va» 
ler  a  lorg^e  de  brito  bradarlhes  que  se  teuessem :  porQ 
sua  tenção  era  esperar  poios  besteiros  &  espingardeiros, 
&  dar  na  cidade  com  toda  a  gète  posta  em  ordõ.  £ 
quando  vio  que  não  podia  meter  nela  aqueles  foyse  coe* 
lês :  os  immigos  que  sayrão  da  cidade  em  vedo  ir  os  Por* 
tugueses  se  recolherão  pêra  a  cidade ,  õde  el  rey  estaua 
eom  toda  sua  gente  &  alifantes«  E  entrado  os  nossos  a^ 
Bos  os  imigos  que  cuydaufto  leuar  de  vencida,  derão  com 
bo  corpo  da  gente  que  os  cercarão  antre  as  casas :  & 
começarão  de  os  ferir  muyto  rijo  de  todas  as  parles,  as- 
si  com  frechas  como  com  lanças  darremesso  cõ  que  lhes 
dauão  muy  mortaes  feridas,  de  que  os  primeyros  que 
morrerão  forão  loão  serrão  ho  alferez,  &  hQ  Ayres  coe* 
}ho,  &  ha  Gaspar  fernandez  que  bia  por  feytor  de  Ma- 
luco borne  muyto  valente  caualeyro,  &  tão  conhecido 
por  tal  que  disse  el  rey  dom  Manuel  a  lorge  de  brito 
quando  lhe  pedio  a  feytoria  parele  que  era  melhor  pêra 
matar  hil  mouro  que  pêra  ser  feytor.  E  este  Gaspar  fer<- 
nandez  foy  tomado  por  hQ  alifante  que  ho  refinou  pêra 
ho  ar  &  da  pancada  que  deu  quando  cayo  morreo,  ou 
ho  acabarão  díe  matar  os  immigos  que  de  cada  vez  aper^- 
tauão  mais  os  nossos,  {}  pelejauão  com  muyto  esforço | 
principalmête  esses  capitães  &  homens  dobrigação:  po* 
rem  os  Imigos  erão  tãtos  &  os  tinhão  tão  apertados  que 
Uies  não  aproueitaua  pelejar :  &  todos  estes  ^  digo  forâo 
feridos  &  mortos,  &  antreles  lorge  de  brito:  com  cuja 
ittorte  os  Q  ficauão  forão  logo  desbaratados  &  fugirão 
seguindo  os  immigos  após  eles^  matando  &  ferindo  ne* 
)es«  E  indo  assi  encdtrarão  com  Lourenço  godinbo  que 
hia  caminho  da  cidade,  &  quando  os  vio  vir  daquela  ma» 
neyra,  voltou  também  a  recolherse  aos  bateys,  deixa* 
do  desemparadoB  os  Q  fugião  sem  os  querer  recolher 
nem  fazerse  em  corpo  coeles :  pelo  que  os  immigos  lhes 
poderão  ainda  fazer  mais  mal  &  os  seguirão  quasi  ate  a 


LIITRO   y.   GAFITVLO   LXVI.  259 

pmya,  onde  o9  nossos  mais  desaliuados  dos  inimigos  sa 
recolherão  aos  baleys  sem  a  fusta  de  Gaspar  galo  poder 
aíoda  cbegar  por  dar  em  seco.  E  recoibendose  os  nossos 
hu  L#uys  raposo  &  Pêro  veioso  ãbos  criados  dei  rey ,  & 
da  criai^  de  lorge  de  brito  perguntarão  por  ele,  &  a* 
cbando  que  não  era  embarcado,  dísserSo  ^  nunca  deos 
quisesse  que  sembarcassem  sem  ele,  &  lornaranse  a  me* 
ter  antre  os  immigos  a  buscaló,  &  matando  muytos  de* 
len  forão  mortos:  &  coestes  matarão  os  mouros  bem  se* 
tenta  homês  todos  escolhidos  &  de  nome,  &  forão  feridoi 
muytos  mais  despan tosas  feridas  que  lhes  derão  com  lan* 
ças  darremesso  que  lhes  passauão  as  coiraças,  mas  estes 
viuerão  despois.  todos,  &  dos  mouros  morrerão  muyto  poa« 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXVI. 

De  como  por  morU  de  lorge  de  brito  sucedeo  na  capt* 
tanta  de  Maluco  António  de  brito  seu  irmão  ^  do  muie 
^pastou. 


R 


eeolbtdos  os  nossos  c5  tamanha  perda  coníK>  digo, 
Lourenço  godinho  se  apossou  da  armada ,  &  encomen* 
dou  as  capitanias  dos  nauios  aos  escríuães  deles ,  &  por 
conselho  de  todos  se  partirão  logo  dalt  pêra  bo  {lorto  do 
Pedir  que  he  a  diante,  pc^rque  não  sayssem  os  imigos 
&  os  tomassem :  &  como  os  nauios  não  tishâo  capitães 
ouue  algíis  que  se  quiserão  leuãtar  coeles  &  irse  a  di* 
uersas  partes  a  fazer  presas.  E  estando  assi  dous  dias 
despois  de  ali  estarê  chegou  António  de  brilo,  &  saben- 
do a  morte  de  seu  irmão  foyse  pêra  a  capitaina,  onde 
antre  outros  papeis  achou  hQ  aluara  dei  rey:  em  que 
lhe  daua  a  capitania  de  Maluco  por  morte  de  seu  irmão, 
&  por  ele  tomou  posse  da  frota ,  &  foy  de  todos  obede- 
cido por  capitão  mór,  &  proueo  logo  as  capitanias  dos 
nauios  dado  a  do  galeão  de  Christouão  correa  a  hO  fídal* 
go  chamado  António  de  melo,  &  a  do  nauio  de  Chris* 
touft  pinto  a  Lourenço  godinho ,  &  a  de  Francisco  go- 

u  2 


260  DA  HISTORIA  BA  ÍNDIA 

diz  a  hB  Francisco  de  brito  chamauâo  dos  oiraais ,  &  a 
da  carauela  de  LourSço  godinho  a  hu  seu  irmão  Q  auia 
home  Pêro  botelho,  &  a  da  sua  carauela  a  hum  Pêro 
lernandez  piloto.  E  repartidas  estas  capitanias  se  foy  ao 
porto  de  PacS  onde  ainda  achou  lorge  dalbuquerque ,  a 
que  aigfis  amigos  daluoroços  &  nouidades  aconselharão 
^  podia  tirar  a  capitania  de  Maluco  a  António  de  brito 
&  dala  a  outrem  ^  era  a  dada  sua  fK)r  lorge  de  brito 
morrer  debaixo  da  sua  jurdiçâo,  &  não  ser  ainda  feyta 
a  fortaleza  de  2|  auia  de  ser  capitão ,  &  que  ho  aluara 
da  sucessam  Dantonio  de  brito  não  se  entendia  se  não 
sendo  seu  irmão  ja  capitão  da  fortaleza  :  &  por  isto  qui- 
sera lorge  dalbuquerque  lançar  mão  da  armada*  £  da- 
fendendose  António  de  brito  por  muytas  rezões,  vierão 
a  concerto  que  se  os  capitães  da  armada  Dantonio  de 
brito  fossem  contentes  de  lhe  obedecer  por  capitão  mór 
A  ho  fosse,  &  se  a  lorge  dalbuquerque  2|  ele  podesse 
dar  a  capitania  a  quem  quisesse.  E  forão  tom^ados  os 
votos  dos  capitães,  mestres,  pilotos  &  homès  honrrados 
da  armada,  &  por  todos  votarem  i|  querião  António  de 
brito  por  seu  capitão  mór  Ibe  ficou  a  capitania,  &  foy- 
se  cÕ  lorge  dalbuquerQ  a  Malaca  ondestaua  Garcia  de 
sá  por  capitão  da  fortaleza,  que  a  entregou  logo  a  lorge 
dalbuquerque  por  virtude  da  sua  prouisam :  &  por  nS 
ser  ainda  a  nioução  pêra  Maluco  ficou  António  de  brito 
em  Malaca  ate  ser  vinda.  £  com  tanta  &  tão  boa  gente 
como  se  ajuntou  em  Malaca ,  cessou  a  armada  dei  rey 
de  Bintão  de  lhe  ir  correr  como  dantes». 


N 


UVEO   V.  CAPITVLO  LXVII.  261 

r     •  ■      ■  •     ' 

CAPITVLO    LXVIÍ. 

Dt  como  ho  gouemador  Diogo  lopez  de  sequeyra  tnâdou 
.    por  capitão  mór  Diogo  fernandez  de  beja  a  Cambaya^ 
^  do  que  lhe  aconieceo. 


D, 


^espois  da  partida  Dantonio  correa  pêra  Baharem  em 
Agosto,  mãdou  bo  gouernador  que  estaua  em  Ormuz  a 
Diogo  feroandex  de  beja  capitão  mór  da  armada  que  a- 
uia  dir  fazer  guerra  a  Cambaya  <|  se  partisse,  &  que  fau 
esperasse  da  põta  de  Diu  ate  ho  rio  de  Madre  fabá  oa- 
<le  esperaua  de  fazer  a  fortaleza  que  ouuera  de  fazer 
em  Diu.  No  que  ho  gouernador  não  teue  neohu  segre- 
do antes  ho  disse  pubricamête.  E  coeste  regimêto  se 
partio  Diogo  fernãdez,  cujos  capitães  ibrão,  Nuno  fer« 
oandez  de  macedo  no  çamorim  grande ,  &  Gaspar  dou^ 
tel  è  hu  nauio  redondo,  &  Manuel  de  macedo  em  hfla 
carauela.  £  partido  Dormuz  aos  vinte  Dagosto,  &  che- 
gando á  costa  deCambaya  na  parajem  da  cidade  dePa- 
tane  tomou  ele  deus  zãbucos  de  mouros  ()  hião  da  ojUra 
costa:  &  Nuno  fernãdez  ouue  vista  de  hQa  nao  de  mou* 
ro6  que  lhe  fugio,  [)orque  em  lhe  tirando  h&  bombardei- 
ro nosso  hua  bombardada  deu  na  relinga  da  vela  &  rom^ 
pea,  &  em  quanto  a  remSdarão  acolheose  a  nao.  £  dali 
íby  logo  ter  coele  outra  muyto  grande  1|  hia  do  estreito 
&  leuaua  por  cada  banda  dez  bombardas  roqueyras ,  fie 
hião  nela  cento  fie  vinte  mouros  brancos  de  peleja  muy- 
tos  deles  espingardei ros  a  fora  outros,  fie  molheres  fie  me* 
ninos,  fie  carregada  de  muyta  mercadaria  :  fie  ele  lhe  deu 
caça  ate  a  encaualgar.  VSdo  os  mouros  que  os  tomauão 
parece  que  confiados  na  grandeza  de  sua  nao :  que  es- 
pedaçaria  ho  galeão  se  ho  encontrasse  em  cheo ,  poserão 
a  proa  nele  indolhe  de  balrrauento:  fie  se  ele  não  arri- 
bara ouuerãno  de  partir  polo  meyo ,  tâo  poderosa  era  a 
>Aao.  E  como  ela  ficou  tão  perto  do  galeão  mandou  Nuno 
fernandez  aos  mais  dos  nossos  que  se  metessem  na  ai* 


t6S  HA   HISTORfA    DA    INDIiL 

caçoua  do  galeão,  &  cobrir  a  entrada  com  hQ  pano:  por^ 
08  mouros  vendo  pouca  gente  lhe  náo  ouueasem  medo 
&  não  fugisse ,  &  assi  foy :  por  onde  a  nao  foy  logo  a- 
ferrada  pi)r  proa ,  a  que  cinco  cm  seis  di>8  nossos  acodi- 
râo  com  Nuno  fernandez^  &  entrarão  dentro  coele:  & 
os  outros  6carão  de  popa  |K)r  onde  cuydarão  que  se  a 
nao  abalrroasse.  E  como  os  mouros  se  virão  entrados 
arremeteram  a  António  daraujo^  qve  foy  ho  primeiro  que 
entrou ,  &  derãibe  hOa  cutilada  por  hua  pern*.  R  bo  se- 
gundo foy  Aluaro  de  brito  filln»  de  Nuno  borges^  a  que 
fertrSo  na  cabeça  sobre  hum  olho:  de  maneira  que  logo 
bo  derribarão,  &  a  Nuno  feraandez  com  bQ  zagnncbe 
per  hfla  ilharga,  com  que  lhe  desenlresaolharam  as  cou^ 
raças.  Os  outros  mouros  também  se  poserão  polo  borde 
cia  nao,  &  tirauflo  muytas  frechadas,  pedradas,  &  bê^ 
píngardadas,  &  era  a  barafunda  rauyto  grande.  É  estl^ 
do  os  nossos  que  eatauSo  na  nao  neste  perigo,  &  sen» 
tindoho  os  que  ficauâo  no  galeão  socorrerãolbe.  E  dan- 
do Santiago  noa  mouros  entrarão  por  |)opa,  &  destes  que 
entrarão  obra  de  quatorze  começarão  de  pelejar  com  oe 
mouros:  1\  os  outros  meteranse  logo  a  roubar  a  nao.  E 
com  a  peleja  dos  nossos  afroxarSo  os  motiroa  de  proa  & 
desatinarão  Nuno  femandez,  &  os  outros  por  aeodirem 
aos  de  popa:  onde  os  nossos  matarão  a  mor  parte  doa 
oiouros,  princi  fiai  mete  os  bombardeiro»  que  logo  os  oo- 
nbecião  poloa  murrofifs:  &  os  outros  forão  catiuos  com 
toda  a  mais  gente  da  nao,  que  foy  Ioga  passada  ao  ga- 
leão. E  porque  não  au^ia  agoa  pêra  tantos  mandou  Nuno 
fernandez  a  doos  bombardeiros  nossos  que  esteuessem  a 
bordo  com  senhos  marroSs  &  matassem  coeles  todos  oa 
mouros  bomSs :  &  assi  ho  fízerão,  &  deitauànos  ao  mar, 
&  somente  ás  molheres  &  meninos  derão  a  vida.  E  dea- 
pois  de  baldeada  a  mor  parte  da  fazenda  da  nao  no  ga- 
leão:  mandou  Nuno  fernandez  a  doos  carpinteiros  qiie 
Ibe  fossem  fazer  dous  rombos  pêra  se  meter  no  f&do.  E 
eles  com  medo  fizerãolhos :  tam  pequenos  que  pode  en- 
trar pouca  agoa.  £  iambeoi  porque  deapoia  de  aaidos^ 


LIVRO  V.   CAPITTLO  LXVIII.  269 

algfis  mouros  que  ue  esconderão  na  nao ,  vesdo  os  rom- 
bos  que  Uie  ãzerão :  &  sentindo  como  a  deixauâo  lapa* 
ranlbe  os  buracos ,  de  modo  que  a  nao  se  nam  foy  ao 
fundo.  £  isto  seria  ate  as  noue  horas  do  dia.  £  cuidan- 
do Nuno  fernandez  que  a  nao  ficaua  bem  arrombada  dei- 
xou hã. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXVIII. 

De  como  Hngamaknmt  saio  com  ala  úas  fustas  de  Diu  a 
pekjar  com  os  nossos^  ^  os  desbaratarão :  metSdo  no 
fúdo  Ao  tèauio  de  Gaspar  douteL 

Jji  como  isto  fosse  obra  de  seis  legoas  de  Diu,  ouuerão 
os  mouros  vista  dos  nossos.  E  sabendo  ho  Meli^az  que 
ja  bi  estaua^  &  sabia  Q  os  nossos  estauSo  coele  de  guer« 
n,  mádou  logo  a  Hagamabmut  ^  saísse  cõ  ate  xviii  fus- 
tas aos  nossos ,  &  ele  ho  fez  assi :  Com  que  eles  quan-^ 
do  virão  as  fustas  ficarão  todos  bem  agastados  ^  porque 
como  auiâo  de  passar  Golfão  trazião  a  artelfaaria  abati* 
da:  &  as  portinholas  do  lume  dagoa  calafetadas,  porque 
lhe  não  êtrasse  ho  mar  dentro,  &  vinbão  os  nauios  assaz 
dempachadoa  com  fato :  o  que  algQ  tanto  foy  descuido 
dos  nossos  capitaSs,  porque  como  ouuerão  vista  da  cos* 
ta  de  cambaya :  &  mais  tam  perto  de  Diu  logo  se  ou- 
uerão daperceber :  &  mais  sabfido  que  as  fustas  lhe  a^ 
uião  de  sair  em  auendo  vista  deles :  assi  que  veado  aa 

08  nossos  quiserãose  aperceber,  mas  elas  não  lhe  derão 
lugar  pêra  isso.  £  Hagamabmut  mandou  a  duas  que  to* 
massS  a  nao  dos  mouros  &  a  leuassem  a  Diu :  fe  assi  ho 
fieerâo,  &  as  outrae  repartio  pêra  que  pelejassem  com 

09  nossos  segundo  lhe  pareeeo  Q  abastarião  pêra  isso.  £ 
como  ho  vCto  era  calma  terça  uaihe  bfi  pêra  a  peleja.  £ 
os  nossos  quando  virão  repartir  as  fustas  cuidarão  ^  não 
fosse  a  cousa  como  foy :  porem  os  mouros  que  ieuauão 
è  determinação  de  os  destroirem  de  todo,  remeterão  hOs 
&  outros  ao  nauio  ^  lhes  coube:  &  eercarannos  polae 
popas )  êí  começaeâo  de  ee  saotidir  com  a  artelharia  que 


264  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

trazião  tn^iy  boa ,  &  os  nossos  ali  nhfia  pola  causa  ^  di* 
go^  principalmêto  ao  lume  dagoa:  que  a  dos  altos  co- 
mo as  fustas  erSo  rasteiras  não  Ibe  podia  fazer  nojo: 
nem  os  nossos  nSo  lho  fK)dtão  fazer  cd  outras  armas  ^ 
porQ  os  mouros  tirauâo  em  roda  viua  tanta  espingarda- 
ra»  &  frechada,  que  era  pasmo.  E  ho  primeiro  nauio 
com  que  apertarão  foy  ho  de  Gaspar  doutel  questaua 
mais  a  lanço:  &  metianno  no  fundo  quanto  podião,  bo 
que  ele  vedo :  &  que  nSo  podia  escapar  determinou  de 
aferrar  com  os  !migos  posto  que  erSo  muytos  em  dema- 
sia ,  porque  por  ser  rouy  esforçado  lhe  pareceo  2|  se  po- 
deria assi  ajudar  deles:  &  coesta  determinação  mandou 
atracar  ho  batel  pêra  se  meter  dStro  com  os  do  nauio: 
ho  que  eles  não  quiserãe  dizendo  <\ue  os  mouros  erão 
tantos  que  parecia  doudice  cometelos :  &  «le  resfiondeo 
qiie  melhor  era  doudice  que  couardia  porque  não  podia 
ser  mayor  que  deixarse  assi  morrer  como  deixarão,  por-» 
que  não  tardou  muyto  ()  sé  acabou  ho  nauio  dencher 
dagoa  de  popa:  &  adernado  dela  leuantou  a  proa  pêra 
cima  &  foyse  ao  fundo,  com  morrerem  os  mais  dos  nos** 
808  :  &  algCks  !\  escaparão  nadado  forão  tomados  dos  mou- 
ros com  grandes  gritas  que  dauão  com  prazer  de  tama« 
nha  vitoria,  &  muyto  mais  esforçados  2J  dantes  forão  a- 
judar  seus  companheiros,  que  pelejauão  com  ho  capitão 
mor  &  com  Nuno  fernandez,  (que  de  Manuel  de  ma- 
cedo  parece  que  não  fazião  conta  por  a  sua  carauela  ser 

Cequena)  &  os  que  cercarão  ho  capitão  mor  Ibe  derâo 
ua  bombardada  ao  lume  dagoa  abaixo  do  conues  que 
ho  meterão  no  fundo  se  não  acodirâo  logo  cS  h&  bacio 
de  prata  dagoa  as  mãos  Q  não  se  achou  outra  pasta  de 
chiibo,  &  pregado  hii  coiro  por  cima  vedouse  a  agoa 
que  não  entrasse:  &  cd  tudo  ainda  ho  ouuerão  de  me- 
ter no  fundo  segundo  apertauão  coele,  se  bo  não  defè* 
dera  ho  seu  batei  que  era  hií  batelão  grande  com  hCia 
tilha  em  que  trazia  hú  camelo  &  dous  falcoSs :  que  va- 
rejarão tã  bem  as  fustas  ,  q  as  fizerão  afastar  de  lonje, 
&  assi  ficou  liure  ho  capitão  mor  &  não  ihe  matarão  nin- 


LIVRO  V.  CAPITVLO  LXVHI.  266" 

ffilB.  E  como  Nuno  fernSdez  nSo  leuesse  outra  tal  de- 
fensão, o8  mouros  I)  ho  cõbatiâo  ho  apertauã  tã  rijo  que' 
quanto  parecia  sobela  agoa  do  bordo  ale  a  gauiá  era' 
cuberlo  de  frechas  que  os  Imigos  pregauão  nele :  &  coís-' 
to  tanta  bombardada  que  não  se  Ibe  podia  ningu6  em- 
parar.  Porque  estando  hQ  bÕbardeiro  no  conues  com  ha 
falcão  as  costas  pêra  tirar  aos  imigos ,  dalhe  hu  pelouro 
poios  peitos  &  matooho:  &  outro  entrou  por  hQa  porti* 
nhola  da  despSsa  do  galeão  2}staua  calafetada  por  ser  ao 
lume  dagoa,  &  leuou  as  pernas  ao  despenseiro,  &  hO. 
pedaço  dum  hombro  a  Aluaro  de  brito  questaua  ali  feri- 
do: &  passando  auante  matou  hCia  molher,  &  leuou  hua 
mão  a  hú  menino,  &  hiia  nádega  a  h(i  bomS :  &  assi  fe- 
rio outras  quatro  pessoas ,  &  forSo  |K)r  todas  fiotse :  & 
eutro  pelouro  ()  leuaua*  de  mestura  hua  roca  deu  na  ca- 
beça do  escriuão  do  galeão  &  leuoulba:  &  assi  matou 
outro  home  criado  do  bispo  (}  então  era  de  lamego,  & 
agora  he  arcebispo  de  Lisboa ,  &  ferio  despois  bê  sele 
pessoas.  E  quis  nosso  senhor  (}  estando  os  nossos  neste 
tamanho  aperto  começou  de  ventar  algu  vento  que  era 
antre  terrenho  &  viração  que  assi  como  começou  come- 
çarão os  nossos  de  fazer  caminho,  mas  nem  por  isso  as 
fustas  deixarão  de  os  seguir  ás  bombardadas :  porQ  co- 
mo ho  vSto  era  galerno  podião  com  os  nossos  nauios ,  & 
apertarãnos  tanto  que  os  fizerão  meter  na  enseada  de 
Cambaia ,  indo  com  tãta  necessidade  dagoa  ^  a  cada 
pessoa  se  não  daua  mais  que  mea  fiá  dagoa  por  dia :  & 
isto  os  apertaua  mais  que  as  fustas,  se  não  quando  lhes 
da  hò^  trouoada  seca :  &  foy  tam  rija  que  as  fustas  se 
acolherão  ho  mais  (\  poderão,  Sc  tornaranse  a  Diu.  E  v8- 
do  os  nossos  as  fustas  acolhidas  surgirão,  &  surtos  Ibe 
•obreueo  outra  trouoada  molhada  com  que  se  fartarão 
dagoa  :  &  após  ela  forão  dar  coeles  dous  zãbucos  de  mou- 
ros de  Braua,  carregados  descrauos  pretos,  &  Sãdalo 
brauo :  &  tomados  fcMe  ho  capitão  mor  a  Ghau)  a  tomar 
agoa  &  mantimentos,  <|ue  estaua  hi  hfi  feytor  nosso  cha- 
mado Diogo  paez  &  tomado  ho  de  que  tinha  necessida* 

LIVAO  y.  LL 


266  DA    HISTOaiA    DA    1N0IA 

de  toraousse  a  buscar  ho  gouarDador,  pêra  Ibe  dizitr  que 
nSo  curasse  de  comeler  faser  fortaleza  em  Madre  faba: 
porque  soube  <)  JMeliqqeaz  soubera  dos  qoasos  que  es<* 
caparão  do  nauio  de  Gaspar  doutel ,  a  delernioai^ão  do 

fouernador  de  querer  bi  fazer  forlaie^a  em  tornando 
>ormu%  &  logo  se  apercebera  pêra  lho  defôder ,  &  poc 
lalo  foy  grande  mal  descobrir  bo  gouernador  sua  deler-» 
minação  como  atras  disse :  que  se  a  não  descobrira  po< 
derasse  ali  fa%er  fortaleza.  £  Diu  não  dera  despois  i%nr 
to  trabalho  como  deu. 

C  A  P  I  T  V  L  O     UÍIX. 

4 

J}e  camQ  partio  de  Portugal  dom  Duarte  de  menese» 
por  ffouemador  da  índia  ^  4"  ^  como  chegou  lá  com 
toda  wa  armada. 

Cabendo  el  Rey  da  Portugal  que  na  índia  começauãa 
dauer  alúoroçoa  de  guerra ,  &  4  ^Ik^us  Reys  &  seubo^ 
res  comeijauâo  de  declioar  da  obediência  &  acatauieo^ 
to  que  dantes  linbão  ao  seu  nome:  quis  mandar  hu  go- 
uernador que  tornasse  a  restaurar  isto  no  primeiro  esta* 
do.  E  pêra  isao  escolhea  a  dom  Duarte  de  meneses  ca^ 
pitão  da  cidade  de  Tangere  em  Africa,  onde  em  uiuy« 
tos  annoa  li  aba  dado  aasaz  de  testemunho  de  seu  eafor* 
ço  &  valentia  contra  oa  noouros  em  muytas  batalhas  quo 
vencera :  &  8  lhe  entrar  (auto  pola  terra  que  chegou 
aos  Motes  claros  (cousa  que  os  mouros  nQoa  cuidarão^ 
&  que  os  muylo  mais  espantou  que  todo  ho  passado)  & 
por  esta  experiência  que  auia  de  dom  Duarte,  &  por 
ser  filho  do  cõde  de  Tarouca :  prior  do  Crato  &  alfereu 
«aor  de)  Rey  lhe  deu  ele  a  gouernanqa  da  índia  €$  muy* 
ta  auantajem  do  que  ate  li  íisera  aos  outros  goueraado-* 
M9.  E  despachada  sua  armada  se  partio  de  Lisboa  a  cin* 
eo  Dabrii  anoo  de  mil  &  quinbe«toa  íl  vintebu.  E  oa 
capitafis  que  leuou  forão  estes,  dom  Luis  de  menesea 
aeu  irmão  que  leuaua  a  capitania  mor  do  mar  da  ladiad 


LIVRO  V.  CAPITVLO  LXX.  267 

Mârtim  ntoííBO  de  melo  de  Santarém  que  leaaua  hfla 
viajem  pêra  a  China,  fK>r  capitão  mor  de  Ires  nãos  a  fo- 
ra a  sua:  cujos  capitaSs  erão  Vasco  fernandez  Coutinho 
&,  Diogo  de  melo,  seus  irmãos  &  PedromS  irmão  do  es- 
tribeiro  mor  que  hião  por  capitafis  desta  armada ,  &  Fo* 
iião  de  melo  da  silua,  que  hia  pêra  capitão  de  Coulão  & 
Vicente  gil  filho  de  Duarte  tristão  hum  armador,  E  par- 
iida  esta  armada  sem  lhe  acontecer  cousa  que  seja  pê- 
ra contar^  chegou  a  costa  da  índia  em  Agosto:  &  es* 
lando  surta  sobre  Baticala,  chegou  hi  dom  Aleixo  de 
ineneses  ^  que  como  abrio  a  barra  de  Cochim  se  par  tio 
com  tre9  gales,  de  que  erão  capitães,  dom  lorge  de  me^ 
neses,  Francisco  de  mendoça,  André  de  sousa  chichor- 
vo,  que  hia  caminho  de  Madre  faba  a  buscar  ho  gouer- 
nador  Diogo  lopez*  E  dando  rezão  a  dom  Duarte  do  es- 
tado em  (|  a  índia  estaua  seguio  sua  via.  E  dom  Duar- 
te ae  foy  a  Cochim  onde  se  apousentou  na  fortaleza ,  & 
eome<20u  logo  dusar  do  oflScio  de  gouernador. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXX. 

De  tomo  jínUmio  correm  ouue  a  ilha  de  Bahari^  ^  a  for'- 
taleza  de  Califa :  ^  se  tomou  a  Ormuz. 

V^oroo  el  Rey  Moor!  foy  morto,  bfl  seu  sobrinho  cha- 
mado Xequehamet  a  que  a  gSte  da  terra  obedecia  man- 
dou pedir  seguro  a  António  correa  pêra  Ibe  hir  falar  pê- 
ra lhe  entregar  a  ilha  de  Babarem  &  a  fortaleza  de  Ca<- 
lifa:  porque  todos  os  da  terra  t\riHo  estar  a  seruiço  dei 
Rey  de  Portugal ,  &  em  sinal  de  aquilo  ser  verdade  lhe 
mandou  dous  raualos  Arabíosr  E  eate  recado  lhe  leuoii 
bã  mouro  homS  muylo  aluo  &  rosado,  vestido  ao  modo 
Veneziano  de  pancr  de  cor  de  bredo.  E  dado  por  Anio»* 
nio  correa  bo  seguro  viose  com  Xeque  bamet,  f\  Ihen^ 
tregou  a  ilha  &  fortaleza,  com  condi<;ão  que  lhe  des^e 
pafisagpem  pêra  a  terra  firme  a  ele  &  a  gente  estrãgeira  ? 
&  AntoAio  «orrea  lha  deu  lambem  cA  coodi^,  que  não 

LL  2 


S68  .1>A   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

leuasse  nenbQas  armas  dS  cauaios  de  que  tinha  muytos, 
£  feila  a  entrega  coestas  condições ,  foj  dada  a  passa* 
gem  a  Xeque  hamet  &  a  sua  g6te :  &  passou  os  Raix 
xarafo  nas  suas  terradas :  &  despois  que  passarão  ho 
mesmo  Xarafo  foy  tomar  posse  de  Catita  por  el  Rey  de 
Portugal,  &  por  el  rey  Dormuz.  E  António  correa  (ez 
l^ouernador  de  Babarem  Raix  bubacabum  mouro  Ara* 
DÍo  capilâo  principal,  &  muyto  bom  bomê  de  que  a  gen- 
te da  terra  foy  muyto  contente.  £  restituído  todo  bo 
reyno  de  Babarem  a  el  Rey  Dormuz,  &  ficando  tudo  em 
|)az  partiose  António  correa  caminho  Dormuz  aos  doze 
dAgosto  &  não  esperou  por  Raix  xarafo ,  por  ler  grade 
^eceyo  que  achasse  ja  ho  gouernador  partido  |)era  Cam- 
l)aia  porque  nâo  leuaua  em  regimento  que  esteuesse  em 
.Babarem  mais  que  ate  vinte  cinco  de  lulbo:  porque  cd- 
pria  ao  gouernador  partir  cedo  pêra  Cabaia,  porque  de- 
.sejaua  de  fazer  a  fortaleza  em  Madre  faba  antes  ^  de 
Portugal  fosse  outro  gouernador.  £  poia  pressa  ^  Anto^ 
nio  correa  teue  de  sua  partida  deixou  dauer  muytos  ca- 
uaios &  outras  cousas  ricas ,  que  ficarão  em  poder  de 
Raix  xarafo  &  ele  as  deixou  por  fazer  bo  que  deuia :  & 
hir  a  tempo  ao  gouernador  que  fazia  dele  muyta  conta: 
de  quem  foy  muyto  bem  recebido  chegado  a  Ormuz.  £ 
el  rey  Dormuz  bo  mandou  logo  visitar  dizêdo  que  ho 
não*  f^zia  {>er  si  por  estar  doente  de  bda  perna.  £  An- 
tónio correa  bo  foy  ver,  &  ele  lhe  fez  muyta  bÕrra:  & 
lhe  mâdou  dar  hQ  terçado  douro ,  &  hQa  adaga ,  ambos 
muyto  ricos  &  hQ  caualo  selado  com  bua  sela  &  goarni- 
^ão  de  prata,  &  peças  de  brocado  &  outras  peças  de  se- 
da: &  a  seu  irmão  {|  hia  coele  outras,  &  huã  adaga  & 
terçado  ambos  ricos :  &  assi  mâdou  dar  peças  ricas  a 
todos  os  capitães  &  fidalgos  que  forão  coele  na  armada 

3ue  ho  acompanharão^  pedindo  a  todos  muytos  perdoSs 
e  lhes  dar  tam  pouco :  porque  se  fora  senhor  de  todas 
suas  rendas  como  dantes  que  lhes  pagara  os  gastos  &  oe 
trabalhos  como  merecião.  £  despois  de  chegado  Antó- 
nio correa ,  chegou  da  hi  a  algQs  dias  Raix  xarafo  QÒ 


Uym^V.    CAPiTYLO    tXXI.  2M 

0ua  armada,  &  pairou  muyto  soberbo  por  hir  com  ob 
nossos  &  suceder  a  couta  lã  bem  como  sucedeo. 

CAPITVLO    LXXL 

JDq  conselho  que  ko  pay  dei  rey  Dormuz  lhe  deu  ^  não 
.   fizesse  íreifâo  (tos  nossos.  E  de  como  a  treição/oy  des^ 
cuberta  ao  gouernd^Qr*. 

V  indo  Raix  zaraCo  de^BaharS  trouue  mais  propósito 
de  fazer  cõ  el  rey  Dormuz  que  se  leuantasse ,  porque 
vinha  muylo  poderesode  geie:  que  Ioda  a  da  armada 
que  leuou  a  Babarem  era  sua,  &  por  ser  goazii  Dormuz 
&  fijho  de  Raix  floradim  y  cuja  feitura  erâo  os  mais  de 
seus  moradores  tomou  mor  atreuimento  pêra  se  leuan- 
tar :  &  por  isso  ialou  logo  com  el  rey  como  chegou :  & 
sabendo  que  estaua  em- propósito  de  se  ieuantar  persua- 
dio  ho  que  permanecesse.  E  sabendo  ho  pay  dei  Rey 
que  ele  tinha  esta  determina<^âo  como  velho,  sabedor  & 
prudente  lhe  fez  h&^  /aia:  em  que  lhe  trouue  á  memo- 
ria os  benefícios  que  recebera  Dafonso  dalbuquerque  è 
ho  iiurar  do  catiueiro  de  Raix  hamet,  &  em  ho  resti» 
tuir  fio  reyno  iSdo  tudo  em  seu  poder :  &  que  sempre 
ho  tratara  comoa  filho,  &  assi  recebera  muytas  amiza- 
des dos  nossos :  &  posto  Q  el  Rey  de  Portugal  lhe  to» 
maase  sua  fazenda  não  era  de  modo  que  lhe  não  ficasse 
largamente  bo  necessi^rio  pêra  seu  gasto ,  &  que  poia 
ele  não  tinida  dãles  mais  (porque  ho  resto  se  gastaua  a 
vÕtade  do  goazii)  não  lhe  desse  gastala  el  rey  de  Portu- 
.gal  porque  eoiaso  ficaua  seguro  das  trei^Ss  %ue  auia  em 
Or^muz:  porque  ele  não  lhe  auia  de  tomar  mais  que  a 
fazCda  com  partir  coele,  &  ho  goazii  não  somente  se  ar 
uia  de  contentar  de  lha  tomar  mas  ainda  a  vida  como 
costumauão :  por  isso  que  lhe  rogaua  que  se  não  leuan<- 
tasse»  E  com  quanto  este  conselho  era  como  de  pay, 
persuadia  ho  maic^  ha  de  seu  sogro  Hozeque  que  sem* 
pre  ho  matioAua  que  se  leuantasse*  E  come^ãdosae  ista 


trO  1>A    HrSTORfA    BA    INmA 

dordenar,  Raix  de  lamixá  Q  sabia  parle  desta  couaa  co* 
mo  era  grSde  amigo  de  Manuel  velho  cd  qu6  era  cftpa* 
nheiro  nalfãdega  disselhe  hum  dia:  que  Raix  noradim 
seu  pay  lhe  deixara  fieomCdádo- quando  morrera  que  fos- 
se sempre  muyto  leal  aos  nossos ,  porque  eles  ho  resli- 
fuirão  em  sua  honrra  Q  lhe  Raix  hamel  linha  vsurpada 
fc  ho  vingarSo  dele:  &  porque  lhe  ele  prometera  de  ho 
fazer  assi,  lhe  queria  de8cobi'ir  hfia  cousa  em  qoe  hia 
muyto  ao  gouernador:  &  isto  fazia  porque  ho  tinha  pof 
irmão  &  queria  que  ganhasse  as  aFuisaras  disso:  St  des- 
cobriolhe  como  el  Rey  tra(aua*de  sejeuanlar,  &  deter^ 
tninaua  de  mãdar  queimar  a^frotardo  gouernador  por- 
quQ  nSo  teuesie  em  que  se  acolher:  ou  deixalo  pêra 
despots  1)  se  fosse  &  (ornar  a  noas»  fortaleza.  B  cuidan^ 
do  Manuel  velho  que  daria  nisto  gravide  noua  ao  gouer» 
•fiador^  despois  qqe  soube  que  Miramahmet  morado,  & 
ho  Xeque  eráo  os  que  mais  conselhaoSo  el  Rey  que  se 
leuantasse:  rogou  a  Raix  dela  miltiá  que  quisesse  dizer 
aquilo  ao  gouernador,  &  ele  disse  (\  diria  sendo  ele  liii« 
goa  (pcfrque  sabia  bem  e  Persiana)  &  dizendo  ele  que 
si  forâose  a  casa  do  gouernador  hfl  dia  pola  sesta,  Me 
lhe  descobrirão  em  segredo  ho  que  disse:  do  que  ho  gCH 
iiernador  não  fez  nhO  caso  nC  recebeo  coisso  nhOa  alté- 
ra<;So!  &,  Manuel  velho  dissimulou  c5  Raix  dela  mixá 
dandolhe  muylos  agardioimSlos  da  par(e  do  gouernador. 
E  ainda  sobristo  porque  pareceo  a  Manuel  velho  ^  ho 
assessego  Dormuz  estaua  na  morte  do  Xeque,  &  de  Mí^ 
ramahmet  morado,  ofereceose  ao  gouernador  pêra  os 
matar  secretamête  quãdo  hiSo  de  noyte  pêra  casa  dei 
Rey,  per  hA  lugar  secreto  que  lhe  dissera  Raix  dela  mi^ 
xá,  &  ho  gouernador  não  quis.  B  não  abastou  este  aut- 
so  que  lhe  estes  dous  derão  mas  ainda  sobristo  Raix  ha- 
toet  outro  irmão  de  Raix  xarafo  disse  ao  gouernador 
que  se  queria  ter  Ormuz  em  paz  que  quando  se  fosse 
pêra  a  índia  não  deixasse  ni^ie  ho  xeque  sogro  dei  Rey, 
&  ho  gouernador  atStou  tão  pouco  por  isso  que  não  lhe 
pbfgQnlou^  a  eaosa  porque  ho  dizia/  oèm  como  ho 


L IVW)  V.  CAPtTVLO  tXXI.  87 1 

nem  nieDO»  tomou  > seu '  contièlbo:  £  ecòresle  Ihè  deu 
Frâcísco  de  sousa  lauáres  oulfo.  Que  Barbando  eie  Q  Baix 
xabadim  eslaua  ê  Orfacão  da  mão  dei  Rey  Dormuz, 
que  dantes  se  eoastrauá  eaicáiidkliziAdò  dde  inandandoho 
prender :  disse  o  ao  gouernador  &  que  lhe  parecia  a- 
quilo  tnuyto  mat,  &'  quèeea  f>èfft: sei  entender  que  ei 
Rey  de  Ormuz  quelria  ordeáar  idgu»  treiçâo,  &  por  isso 
ho  tinha  ali :  que  deuia  dir  sobreie  &  tomaib.  £  ho  go- 
uernador  fez  sobrisso  algQs  cõselhos.  £  acordousse  que 
fosse  sobre  Orfucft  &  ^  ticícnesbe:  &'por  dbrrádeirò  nào 
quis  faseio  pcic  aer  uiuyto-eonliado.  Porem  a  verdade  nào 
ee  aeitbe  saitto  quie  a^difisia  qUe  esCauà  muyto  des^son^ 
tente  por  elRey  4e  Portugal  nik>  deixar  em  seu  arbítrio^* 
&  no  pafèoer  do  conselho  da  índia  a  maneira  de  canao 
•a  aiiiâo  de  poer  oa  noaeoe  officiaea  nalfandega  Dor* 
nus  se  nâo  taíxar  lego  -la  ludo :  fe  éisia  quel  Rey  e»« 
eriuia  na  área:  &  poir  eete  d&sg;bsU>  parece  que  náot^om-- 
prio  ele  bo  regimento  dei  Rey^  que*  era  mandarlbe  que 
ozesae  em  Qrmus  dkias  fortaiesas ,  &.  recolhesse  a  eiáe 
todoB  os  nossos  que  múraeão  iora  4a  fortalesa,  onde  áei^ 
xaria  oyienla  honiSa  de  cauak) ,  &  do  oiar  hQa  ÍK)a  ar- 
mada :  porque  deeta  maneira  ficariXo  os  mouros  enfrea- 
dos pêra  se  080  leuantare^n :  &.de  ludo  iato  ho  gouer** 
eador  não  íez  cousa  nenhâa^  mas  ainda  ho  dinheiro  que 
readia  a  alfandega,  que  el  Rey  roandaua  que  se  reeo^ 
Uiese  em  hil  celre  ^  &  que  ho  leuease  Manuel  velho  en» 
poder,  èM>  entsegoo  a  el  Rey  Dormuz  &  lá  estaua :  &  a 
frota  ^  deixou  a  Manuel  de  sousa  tauares  capitão  mor 
Dormuz,  [ay  hQ  nauio  em  qiietele  andasse,  &  hfla  ca- 
Fauela  de  que  ek^a  dapitâo  lobão  de  meira,  &  em  bfla 
galeota  FcBecisCo  de  sueaa  fao  brauo ,  &  em  hfla  fusta 
Fernão  daluarez  dega^  &  em  tedias  taro  pouea  gente  que 
não  era  nada:  ho  que  vendo  ho. capitão  da  fortaleza  dft 
Garoia  continho  lhe  pedio  &  requereo  que  lhe  deixasse 
mais  gente ^  &  que  olhasse  oom o. 6eaua  a  terra  bol>4ar 
&  ele  Ibe  deu  então  trezentos  bomSs.  £  disendo  dòm> 
Garoia  que  era  poufia  gente  y  .'dôxeUrin.  ho  goneMador 


272  VÁ  HISTORIA  DA  INBIA 

que  deixasse  a  fortaleza  &  que  a  daria  a  quero  a  de^ 
fendesse  com  aquela  gente. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXII. 

De  como  ho  gouemaãor  tnuáou  ho  conselho  que  tinha 
de  fazer  fortaleza  em  Madre  faba  j  ^  a  começou 
em  Chata. 


D, 


^eíxando  ho  gouernador  Ormuz  também  apercebido 
pêra  ho  grande  perigo  em  que  fioaua,  apercebeo  su» 
partida  pêra  a  índia.  E  dissimulando  el  rey  Dormuz  a 
treiçSo  que  queria  fazer  ^  rogoulhe  que  deixasse  algom 
nauio  pêra  lhe  leuar  hii  embaixador  que  queria  mandar 
a.  et  Rey  de  Portugal,  &  assi  hua  lenda  rica  &  outras 
peças  que  lhe  queria  mandar  de*  presente :  que  iingio 
que  seslauão  fazendo.  E  ho  gouernador  deixou  a  Pêro 
da  silua  de  meneses  capitão  de  hOa  naoqoeleuasseeste 
embaixador:  &  isto  feito  partiose  na  (im  de  Setembro, 
com  fundamento  de  fazer  hua  fortaleza  no  rio  de  Madre 
faba,  &  pêra  isso  leuaua  a  nao  Serra  de  que  hia  por  ca« 
pitão  Aires  correa,  carregada  de  petrechos  &  muniçofia 
necessárias  &  algÓs  rumes  caliuos,  pêra  ajudarem  ao 
trabalho.  E  chegando  a  ponta  de  Diu  que  não  achoa 
Diogo  fernandez  de  beja  com  sua  armada ,  íicou  espan- 
tado de  ho  não  achar  polo  que  lhe  tinha  mandado:  & 
parecendolhe  que  seria  a  correr  a  costa  foy  surgir  na 
barra  de  Diu.  Ho  que  lofifo  IMeliquiaz  soube,  &  como 
também  sabia  que  dom  Duarte  de  meneses  era  chega- 
do pêra  gouernar  a  índia ,  mandouho  dizer  ao  gouerna- 
dor com  tenção :  que  se  hia  pêra  lhe  fazer  guerra  que 
lha  não  fizesse :  Porem  ho  gouernador  não  lhe  respondeo 
fiada,  &  deixouse  estar.  Ho  que  vendo  Meliqueaz  man» 
dou  logo  muyta  gente  a  Madre  faba,  receando  que  ho 
gooernador  quisesse  ir  lá  fazer  fortaleza  como  tinha  sa-* 
bido  poios  nossos,  que  tomarão  do  nauio  de  Gaspar  dou- 
tel::  &  asai  mandou  meter  mai/s  gente  &  arlelharia  na0 


LIVRO   Vr    CAPfTVLO    VXXíU  %7l 

fustas  que  eslauam  a  vista  do  gouernador.  Que  eslan* 
do  assi  surto  os  Rumes  cattuos  que  estauSo  na  nao  Ser« 
ra  quisserSo  antes  morrer  que  viuer  catiuos,  &  por  isso 
buscarSo  maneira  pêra  poerem  fogo  em  hum  payol  on- 
destaua  poluora  em  que  se  acendeo  de  maneira  que  nun- 
ca lhe  poderão  valer  que  nSo  ardesse  anão  &quasi  quan- 
tos estauão  nela,  &  foyse  ao  fundo.  E  ficando  bo  gouer- 
Bador  muy to  agastado  por  este  desastre :  &  por  se  per* 
derS  08  perlrechos  &  muniçSes  pêra  fazer  ali  a  forlate* 
Ea,  &  lhe  serem  necessários  outros,  &  os  não  ter,  &  lhe 
parecer  que  os  teria  em  Chaui :  determinou  de  ir  lá  fa- 
^er  a  fortaleza ,  &  por  isso  se  foy  pêra  IA ,  &  na  foz  do 
rio  achou  Diogo  fernSdez  de  beja ,  que  lhe  contou  co* 
roo  lhe  os  mouros  meterão  no  fundo  ho  nauio  de  Gaspar 
doutel  &  desbaratarão  a  elle  &  aos  outros  capitães:  & 
como  IMeliquiaz  tinha  fortalecido  Madre  faba ,  porque 
não  podesse  fazer  lá  fortalezas  polo  que  se  ele  tfroa  da- 
qtiela  determinação:  &  assentou  de  a  fazer  em  Chaul, 
sobre  o  que  tinha  mandado  Fernão  camdo  ao  Nisa  ma* 
luco.  E  esta  fortaleza  fez  por  fazer  algQa  cousa ,  que  se 
achaua  corrido  de  não  ter  feito  nada ,  &  da  pouca  se*- 
gurança  que  deixaua  em  Ormuz,  do  que  ele  andaua  as^ 
saz  descontente,  &  assi  ho  dezia.  E  porque  as  nãos  em 
que  ãdauâo  Lopo  de  azeuedo  Sc  Ghristouão  de  saa  erão 
da  carreira  mandou  os  daqui  pêra  Cochim,  &  ele  en- 
trou pêra  dSCro  do  rio,  &  foy  surgir  com  toda  a  arma^- 
da  diante  de  Chaul,  onde  achou  Fernão  camelo  com  re- 
posta de  Nizaroaluco,  que  daua  licença  pêra  se  fazer  a 
fortaleza,  com  condição  que  lhe  mandasse  ali  vender  ca« 
da  anno  quatrocentos  caualos  Arábios.  E  com  tudo  pe-» 
saualhe  muyto  de  se  fazer  segundo  ho  gonernador  foy  a* 
uisado :  &  por  isso  se  confederou  logo  ho  gouernadof 
com  Mamonacodá  bum  mouro  honrrado  natural  da  ter4 
ra,  &  muyto  principal  nela:  &  ho  peitou  tanto  que  lhe 
deu  maneira  como  ouuesse  pedra  &  fizesse  cal ,  pêra  fa^ 
zer^  a  fortaleza:  &  assi  lhe  desse  madeira  &  outros  ma-» 
teriais  necessários  parela.  £  pêra  se  faser  este  concen 

LIVRO   V.  MM 


S74  BA    HISTORfA   DA  ÍNDIA 

to  bia  bo  gouernador  cada  dia  a  terra ,  &  de  noyte  tor* 
jnaua  a  dormir  a  frota:  &  neste  tempo  mandou  fazer  hua 
tranqueira  bem  fortalecida  darlelbaria  pêra  se  defender 
se  viessem  imigos  j  em  quanto  fazia  a  fortaleza :  &  isto 
porque  teue  por  noua  certa  que  Meliqueaz  se  vinha  a 
fiaçaira  pêra  ver  se  lhe  podia  impedir  que  não  fizesse 
fortaleza^  porque  ibe  pesaua  muyto  de  a  ter  tam  vizi- 
nha de  Diu :  &  porem  despois  se  soube  que  MeJiqueas 
nXo  era  bo  que  bia  a  Bacjaim,  se  não  Hagamabmut  por 
seu  mandado,  &  que  íeuaua  todas  aa  fustas :  &  por  isso 
ho  gouernador  se  fortalecia  ,  &  de  dia  estaua  em  terra 
dando  ordem  aos  que  tirauão  a  pedra  &  faziào  a  cai ,  & 
de  noite  bia  dormir  á  frota ,  &  a  gente  comi!  ficaua  em 
terra» 

C  A  P  1  T  V  L  O    LXXIIL 

De  como  dom  AUyxo  de  Meneses  chegou  a  Chauly  ^  de 
como  Hagamahmut  capitão  de  Meliqaiaz  carreo  per 
mar  aos  nossos. 

JlN  este  tempo  chegou  dom  Âfeyxo  de  meneses  aChau)^ 
&  cotou  ao  gouernador  como  era  chegado  dom  Duarte 
de  meneses  por  gouernador.  E  com  tudo  se  deixou  es* 
lar  ate  ser  feila  algfika  parte  da  fortaleza:  &  auendo  ai- 
gOs  dias  que  dom  Aleixo  era  chegado ,  se  Jeuantou  sih 
pitamente  bu  grande  rumor  antro  a  gente  da  terra,  dí« 
tendo  que  vinha  Meliqueaz.  E  como  os  nossos  bo  ouui»* 
sem  foy  tamanho  ho  medo  em  algOs,  que  se  embarcarão 
)ogo  sem  mais  esperar:  &  outros  dezião  ao  gooernador 
que  se  embarcasse,  porque  Meliquiaz  trazia  muyto  grâ* 
de  armada  &  muyta  gente,  &  se  bo  esperassem  em  ter- 
ra qoe  os  moradores  ãeia  se  ajuniarião  coeie  &  os  trata« 
fíàú  muilo  mal.  E  bo  gouernador  não  quis  tomar  tal  con- 
•elbo:  antes  aeodio  aos  que  se  embarcauão,  pelejando 
eoeles  de  palaura  j>or^  se  embarcauã  sem  aeu  mádado 
deteueos.  £  nisto  veo  ter  ooele  António  correa,  ^  com 
quanto  oQuio  bo  rumor  que  bia ,  não  deixou  douuir  bAa 


UVRO    V.    CAPITVLO    LXZIII.  276 

missa  que  eslaua  ouuidcIo  :  &  acabada  foy  ajudar  ao  g<H 
ueroador  a  deter  os  que  se  embarcaiiflo^  que  era  sem 
eausa^  porque  Hagamabmul  era  o  que  vinha,  &.Dão  Me- 
Jiqueaz :  &  este  ainda  longe ,  &  trazia  sua  armada.  E 
sabendo  bo  gouernador  a  verdade,  mandou  a  dõ  Aleixo 
que  saisse  ao  mar  a  pelejar  com  os  imigos ,  &  que  fos- 
se em  sam  Dinis,  &  que  ho  acompanhassem  outros  dous 
galeAes  &  a  caraoela  de  Manuel  de  macedo ,  &  as  três 
{fales :  em  que  por  trazerem  pouca  gSte  mandou  ho  gor 
nernador  meter  aigâa  de  sua  armada,  o  que  todos  faziáo 
iie  maa  vontade,  assi  fidalgos  como  dos  outros:  &  a  re«- 
tfio  disso  era  por  andarem  descontentes  do  gouernador, 
&  por  verem  que  aquilo  não  era  peleja  em  que  se  e^ 
fihasse  honrra,  por  ser  de  perigo  sem  se  nineuem  poder 
aproaeítar  de  soas  forças.  E  com  tudo  Francisco  de  sour 
sa  tauares  se  embarcou  na  galé  de  Francisco  de  mendo* 
«^ :  &  indo  dô  Aleixo  polo  rio  abaixo  acalmoulhe  ho  ven* 
to  &  nfio  pode  sayr  dele ,  &  virão  os  nossos  que  anda* 
uSo  os  immigos  ás  bombardadas  com  hOa  nao  nossa:  & 
esta  era  de  Pêro  da  silua  de  meoeses,  que  vinha  Dor* 
muz  onde  ficara  esperando  polo  embaixador  &  presente 
que  el  rey  de  Ormuz  dizia  que  auia  de  mandar  a-el  Rey 
de  Portugal :  &  vendo  Pêro  da  silua  que  tudo  erSo  di^ 
laçdes  náo  quis  mais  esperar  ^  partiose:  &  indo  pêra 
entrar  no  rio  de  Chaul  (opou  os  immigos  que  andauão 
nas  fustas  que  ho  cercarSo  logo,  tirandolhe  muytas  bom* 
bardadas :  &  como  os  nossos  vi n hão  desapercebidos  não 
poderão  aproueítarse  de  sua  artelharía.  E  por  e  nao  Ééc 
podre,  &  as  bombardadas  dos  immigos  muytas,  mete- 
rãna  no  fundo :  &  ho  capitão  com  os  mais  A  viiihão  t^Ia 
forão  afogados:  &  algQs  que  ficarão  sobela  agoa  forâo 
tomados.  E  antes  da  nao  ser  metida  no  fQdo  quiseralbe 
d6  Aleixo  socorrer  por  estar  a  vista:  &  mandou  áb  ga^ 
ies  (|  socorresse  a  remo,  o  l\  elas  fizera,  &.  ao  sair  da 
barra  como  ja  a  nao  era  metida  no  fondío  chegarão  as 
fustas ,  &  melerãose  coele  ás  bõbardadas  Iam  rijo  que 
os  fizerâo  deter:  &  na  gaUé  de  d6  lorge  matarão  três 

MM  2 


N 


276  DA   HISTORIA    DA    ÍNDIA 

faomSs  CO  h&  tiro  &  assombrarão  muylos.  E  assí  esteoe» 
tão  ale  a  tarde  que  dom  Aleyxo  sajo  fora :  Dias  como  o 
vento  era  conlrairo  foylhe  forçado  surgir  na  costa,  & 
por  isso  não  pode  chegar  ás  fustas  queslauâo  a  sua  vis- 
ta:  de  Q  aquela  noite  fugio  hu  dos  nossos  Q  fora  caliuo 
na  nao  de  Pêro  da  silua,  que  contou  a  dõ  Aleixo  o  que 
lhe  acõtecera.  E  como  foy  manhaã  os  nossos  se  fízerSo 
á  vela  pêra  pelejar  com  os  imigos ,  que  como  os  virão  ir 
juntos  em  corpo,  &  ^  as  galés  &  baleis  íicauã  coeles  ela 
por  ela:  &  cuydando  que  saisse  toda  a  oulra  que  sabião 
queslaua  dentro :  relirarâse  contra  Baçaim,  dõde  torna- 
rão dali  a  dous  dias ,  estando  de  fora  da  foz  André  de 
eousa  dando  goarda  a  hú  nauio  nosso  que  estaua  e$pe« 
rando  pêra  entrar  com  a  maré:  &  André  de  sousa  he 
goardaua,  porque  em  quanto  ali  esteuesse  não  viessem 
os  imigos  &  ho  metessem  no  fOdo,  como  íizerào  a  Pêro 
da  silua.  E  sintindo  dom  Aleixo  ^  estaua  ainda  no  rio 
a  vinda  dos  imigos:  temêdo  que  tratassem  mal  Andr» 
de  sousa  sayo  fora  cõ  sua  armada :  &  vendo  quã  pouca 
era  pelejarão  coela  ás  bõbardadas :  no  ^  se  deterião  bS 
Ires  horas :  &  morrerá  algus  dos  nossos  na  galé  Dandra 
de  sousa :  &  Hagamabmut  ticou  muy  soberbo  de  se  ter 
tflto  cõ  os  nossos:  &  por  ver  que  não  saya  a  outra  ar* 
mada  a  pelejar  coele,  que  cuidaua  Q  lhe  auia  medo. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXIIIL 

De  como  os  nossoi  pelejarão  aigúas  vezes  com  Hagama^ 
hmui :  ^  de  cfjmo  ho  gouemador  determinou  de  se  par^ 
tir  pêra  Cochim. 

Jtii  por  se  bo  gouemador  recear  ^  os  imigos  saíssem  oa 
ponta  da  barra,  onde  andauâo  os  cauouqueyros  tirando 
pedra  t>era  a  fortaleza,  mandou  a  Francisco  de  mendo- 
ça  que  na  sua  galé  se  pegasse  com  terra,  &  impedisse 
que  não  sayssem  os  imigos  em  terra:  &  dom  Aleyxo  com 
a  oulra  armada  lhe  ficasse  á  vista  dStro  no  rio.  £  logo 


LIVRO   V.  CAPITVLO  LXXIIIÍ.  277 

ao  outro  dia  que  iblo  (oy  íeilo  em  coi»e<^âdo  a  viração 
Q  seria  a8  dez  boras  do  dia,  íoy  HagaioahmuI  coUieier 
Francisco  de  roendo^ja,  estando  dom  Aleixo  com  os  ou- 
tros capitães  a  tiro  de  íalcão  &  a  vista:  mas  por  amor 
da  viraijão  que  era  por  dauãle  lhe  não  pode  socorrer : 
&  com  tudo  maodoulbe  ajudar  cõ  a  artelbaria,  que  os 
Imigos  tinhão  em.  muyto  pouca  conta  que  lhe  não  fazião 
jienbu  danno  por  as  fustas  serem  rasteiras  &  ela  tirar 
de  longe.  £  como  Hagamabmul  sabia  que  dom  AJeyxo 
não  podia  acodir  a  Francisco  de  mendoça ,  por  amor  da 
ifiração  que  lhe  era  contrairá,  apertauao  muyto  pêra  bo 
abalroar:  o  que  vendo  seu  comitre  disselhe  ^  arribas- 
sem porque  duulra  maneira  não  se  podjão  saluar:  &  por- 
que lhe  tinhão  ja  quebrada  a  estanteirola,  &  desgoar- 
liecida  rouyta  parte  das  obras  mortas.  E  com  tudo  Frá- 
45ÍSCU  de  menduça  porque  não  parecesse  Q  fugia  náo  quis 
arribar  dando  vela ,  mas  mandado  arriar  a  amarra  mã«* 
douBse  alar  por  ela :  &  cbegousse  pêra  a  nossa  fruta  & 
i^la  parele,  que  a  nossa  artelbaria  bo  pode  ajudar  &  nem 
por  isso  os  imigos  se  deixarão  de  chegar  auante^  &  tor* 
oarão  a  jugar  as  bõbardadas  muy  fortemente,  &  durarão 
nisto  bem  quatro  oras  de  relógio :  &  ficado  muy tos  mor- 
tos na  gale  de  Francisco  de  mendoqa ,  &  três  na  de  dõ 
Jorge  de  meneses.  Foysse  Hagamabmut  muyto  conten* 
te,  posto  que  com  muy  tas  fustas  desaparelhadas.  £  dom 
Aleixo  se  deixou  ficar  porque  não  parecesse  ^  se  reco- 
lhia com  medo  dele :  (}  assi  bo  cuidaria  os  da  terra,  por 
terem  para  si  que  os  imigos  podião  mais  que  os  nossos 
&  por  isso  se  deixou  ficar:  &  assi  bo  mandou  àhet  ao 
gouernador.  £  posse  na  boca  da  barra  ondesteue  dous 
dias  esperando  por  Hagamabmut  quesiaua  nos  llheos  de 
Cbaul  dali  a  hQa  legoa  concertando  suas  fustas.  E  ven* 
ào  dõ  Aleixo  que  não  bia  foyo  buscar  leu  ando  as  três 
gales,  &  a  carauela  de  Manuel  de  macedo,  &  bQa  fus- 
ta &  bo  batel  de  são  Dinis  com  hfi  tiro  grosso,  &  bia 
i^le  Francisco  de  sousa  tauares,  &  dom  Aleixo  hia  na 
gale  de  dom  lorge  de  meneses.  £  sabSdo  Hagai^abmul 


278  BA    HISTOBtA    DA    INIVA 

como  dS  Aleiío  bo  bía  buscar,  auendo  aquilo  por  qne^ 
bra  de  soa  honrra :  &  que  perderia  a  genle  da  lerra  bo 
credito  que  tinha  nele  de  poder  mais  ^  os  nossos ,  Ten- 
do que  bo  hiSo  buscar:  sayo  a  receber  dom  Aleixo,  ft 
cometeo  os  nossos  porem  nâo  com  a  fúria  Q  acostuma^ 
ua.  E  comeQouse  antreles  bu  jogo  de  bombardadas ,  de 
que  muyíos  dos  romeiros  dos  Imigos  forão  feridos ,  & 
dos  nossos  algfls.  E  vendo  Hagamabmut  bir  a  cousa  da- 
quela maneira  como  ventou  a  viração,  mandou  surgir 
sua  frota  a  balrrauClo  da  nossa :  que  também  surgio  po5» 
que  por  bo  vento  ser  por  dauanle  nSo  se  podião  cbegaf 
aos  fmigos:  &  assi  esteuerSo  toda  a  noyte  s^uite.  E  ao 
outro  dia  tornou  dom  Aleixo  a  pelejar  com  os  imigos^ 
&  jugarão  as  bombardadas  ate  que  veyo  a  víraçjlo  que 
os  estornou:  &  então  se  tornou  dom  Aleixo  a  boca  dâ 
barra,  esperando  que  tornasse  Hagamabmut  como  tor^ 
dou:  &  d5  Aleixo  lhe  saio:  &  despois  de  jugarem  at 
bõbardadas  se  tornou  a  boca  da  barra :  &  por  espaço  de 
vinte  dias  teuerão  este  trabalho,  sem  se  fazer  de  bflá 
parte  nem  da  outra  nbQa  cousa  notauel,  se  nSo  desapa* 
relharense  bQs  aos  outros  com  a  artelharía :  &  mataren- 
se  remeiros  bQs  aos  outros.  E  neste  tSpo  mádou  bo  go« 
uernador  fazer  em  bfia  das  pontas  da  barra  da  banda  do 
sul  hQ  repairo  a  maneira  de  baluarte  com  cestos  cheos 
de  terra  em  que  mSdou  assentar  algua  artelharia ,  pêra 
que  tirasse  aos  imigos  quando  fossem  cometer  dom  A- 
leixo :  pêra  (}  ho  escusassS  de  pelejar  cô  ele,  &  tirar  os 
nossos  de  perigo  &  trabalho.  E  bo  cõselho  de  fazer  este 
baluarte  lhe  deu  hil  caualeiro  chamado  Pêro  vaz  por 
niao  homS  de  bS  esforço  sabedor  da  guerra  por  a  costa* 
mar  muito  tempo  em  Itália  ôde  andara.  E  ho  gouerna- 
dor  lhe  deu  a  capitania  desta  estãcia  de  que  fazia  tirar 
aos  immigos  quãdo  vinhSo,  que  por  isso  nao  tornarão  da- 
li por  diante  tão  amiúde,  porque  a  artelharia  lhes  fazia 
dano.  E  com  tudo  Pêro  vaz  hia  dormir  de  noyte  á  fro- 
ta porque  os  immigos  ho  não  tomassS,  &  deixaua  a  ar^ 
telharia  só.  O  que  foy  dito  ao  gouernador ,  &  ^  prouest 


LIVRO    V.    CAJPITVLO  LXXIIII.  879 

ee  naquilo  por{)  os  mouros  não  foMem  de  uoyie  tomar  a- 
queia  artelbaria,  E  ele  respoodeo,  que  como  a  auião  oa 
mouros  de  tomar.  E  sendo  ja  na  iim  Doutubro  mandou 
Gõçalo  de  Joule  na  sua  carauela  cõ  recado  a  el  rey  de 
Portugal  do  que  fizera  em  Ormuz ,  &  como  fazia  aQla 
fortaleza :  posto  que  mal  dízêles  disserão  que  mandaua 
nela  muyto  dinheiro ,  porque  lho  não  tomassem  quando 
chegasse  a  Portugal ,  &  por  dissimular  a  mandaua  com 
aquele  recado.  E  íazêdo  ele  a^la  fortaleza^  punha  grau* 
de  diligencia  por  se  acabar,  cÕ  quanto  Hagamahmut  não 
deixaua  de  lhe  correr  muytas  vezes:  &  como  ho  gouer-» 
nador  não  tinha  mais  que  vinte  pipas  de  poluora  quâdo 
se  comei^ara  esta  guerra^  hiaselhe  acabando  quâio  po- 
dia ,  &  nãu  lhe  vrnha  outra  que  mandara  buscar  a  Goa, 
porque  ja  ho  ofto  tinhâo  por  gouernador,  &  esperauão 
cada  dia  por  dom  Luys  de  m^oeses  capitão  moor  do  mar 
pêra  quem  a  goardauão.  E  vendo  ho  gouernadur  Q  lha 
não  mandauão!  &  que  se  a  que  tinha  se  gastasse  como 
se  gastaua ,  que  se  gastaria  de  todo,  &  gastandese  se* 
ria  forçado  arribar  com  toda  a  frota  &  deixar  a  fortaie^ 
za  por^  08  nosssos  não  terião  com  que  se  defender  dos 
immígos,  o  que  seria  grande  perda  do  seruiço  dei  rej 
seu  senhor  &  abatimento  de  sua  honrra :  pelo  Q  deter«- 
minou  de  os  nossos  não  sayrS  mais  a  pelejar  com  os  im* 
mígos,  somente  que  os  enxotassem  da  estancia  que  di^^ 
go.  O  que  se  acordou  em  conseího ,  &  assi  se  fez  dali 
por  diãie ,  &  se  ouue  algda  peleja  foy  pouca  cousa :  & 
a  estancia  se  fortificou  mais  &  posarão  nela  quinze  dos 
nossos  que  a  defendessem  com  Pêro  vaz.  £  como  não 
ouuesse  poluora  mais  que  pêra  defensão,  &  a  torre  da 
menajem  da  fortaleza  esteuesse  no  primeiro  sobrado, 
posto  que  ainda  não  auia  muro  se  não  a  tranqueira:  de* 
terminou  de  se  hir  pêra  Cochim,  porque  se  lhe  chegaua 
lio  tempo  da  partida  pêra  Portugal:  &  auia  de  leuar 
oonsigo  António  eorrea,  &  dom  AJeixo#  £  determinan- 
do islo  deu  a.  capitania  da  fortaleza  a  Anrique  de  in^ 
oeses ,  &  a  capitania  mor  do  mar  a  Diogo  feraandez  tie 


ry 


1 80  BA    Hf STORf  A,  DA   INBIA 

beja ,  fx)r  eonseBtímenío  dos  fidalgos  capítaSs  das  gales, 
que  auião  de  ficar  debaixo  da  sua  capiUnia:  &  Aoto* 
nio  correa  ho  soube  deles  desimuladameDle,  por  mau* 
dado  do  gouernador  que  receaua  i|  não  quisessem :  & 
por  isso  não  ousaua  de  lhe  dar  a  capitania  mor:  &  dei* 
zouJhe  a  nao  Prol  da  rosa  pêra  em  que  andasse,  &  San* 
ta  crus  que  era  velba ,  &  as  ires  gales  em  que  ficarlo 
por  capita&s  aqueles  j|  âdauão  dates :  &  hfia  fusta  &  a 
carauela  de  Manuel  de  macedo :  &  leuou  a  outra  frota 
de  velas  grossas  &  ele  em  sara  Diais :  cuja  capitania 
deu  a  Prãcisco  de  sousa  tauares. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXV. 

De  como  dtspois  de  og  imigog  desbaratarem  André  de 
80UM  chichorro ,  peUforâo  com  Diogo  femandez  de 
69a  ^  ho  matarão.  E  de  como  ho  gouernador  deu  a 
4)apiiania  do  mar  a  António  correa  ^  sefoy  pêra  Co* 
chim. 

Jji  estando  Diogo  fernSdez  de  fora  da  barra  surto  com 
sua  armada,  saio  ho  gouernador  com  a  de  sua  conserua, 
&  sorgio  a  oras  do  sol  posto  pêra  esperar  ho  terrenho 
com  que  auia  de  faxer  sua  viajem.  E  nisto  andaua  Ha- 
gamahmut  ha  vista  com  sua  armada ,  l\  nunca  dali  saya 
goardãdo  a  barra  que  náo  entrasse  nhu  nauío  nosso :  & 
em  quanto  ali  andarão  tomarão  algils  por  força  em  tem- 
po que  lhe  os  nossos  não  poderão  aeodir.  E  vendo  os  í- 
migos  ho  gouernador  surto  porque  fazia  calma ,  &  os 
seus  nauios  que  erão  grossos  não  se  podião  ajudar:  co* 
maçarão  He  ho  rodear  a  remo  fazendolhe  sobrançaria  co« 
mo  quem  tinha  ho  tempo  por  si,  com  ho  que  se  Diogo 
fernãdez  agastou  muyto:  porQ  a  sua  nao  em  que  tinha 
toda  sua  fazenda  estaua  dentro  no  rio  onde  receaua  que 
entrasse  os  imigos,  &  lha  metesse  no  fOdo  como  acostu^ 
mauão:  &  por  isso  mandou  pêra  a  boca  da  barra  André 
de  sousa  chichorro  na  sua  gale  que  a  goardasse  se  os  1* 


LIVRO   V.  CAPITVLO  LXXV.  28  l 

fDtg09  quísetsem  entrar.  E  ele  ho  fez  assi:  &  sufgío  na 
boca  da  barra  6  se  çarrfldo  a  noUe.  Hagama^btnut  como 
fao  vio  sarla-foy  logo  sobrele  cft  trinia  fustas^  &  derão« 
lhe  tanta  bõbardada  ioda  a  noyte  que  )he  desaparelha- 
rão a  gale :  &  despois  tjtie  fby  de  dia  lhe  matarão  sete 
bonuSs  &  aleyjarão  ê  hit  bra<^  Aleixo  de  sousa  chicbor- 
ro  seu  irmão,  &  tinhãno  abairroado  pêra  ho  entrar.  E 
estado  neste  aperto  socorreo  dom  lorge  de  meneses  que 
eslaua  mais  perto  &  tinha  a  gale  mais  remeira  que  at 
outras,  &  no  meio  do  caminho  tirou  hQ  tiro  por  sinal 
que  hia:  cÔ  que  se  os  de  Ândre  de  sousa  esfor^^arão 
tanto  4  cobrarão  nòuas  fori^as  pêra  resistir  aos  Imigos^ 
que  08  não  entrassem:  que  sentindo  ho  socorro  que  vi- 
nha se  ajuntarão  todos  de  popa  da  gale.  Ho  que  vede 
dom  forge  mandoulhes  tirar  cÕ  hfl  tiro  grosso  de  proa  ^ 
que  dando  por  antre  as  fustas  dos  imigos  arrombou  al- 
guas:  do  que  auêdo  as  outras  medo  se  afastarão  por 
roais  -11  lhe  Hagamahmut  bradou  Q  ho  não  fizessem :  & 
achando  dõ  lorge  lugar  por  onde  Strasse  abairroou  com 
André  de  sousa  tirando  os  nossos  muytas  espingardadas 
&  setadas!  &  como  as  duas  gales  se  ajuntarão  começou- 
se  hfia  grade  peleja  c5  os  fmigos,  que  se  afastarão  de 
todo  por  sobre  vir  Diogo  fernandez  na  gale  de  Francis- 
co de  mendoça :  &  leuaua  Ires  bateis  armados  &  hQ  es- 
quife &  cÔ  sua  vinda  fugirão  os  imigos  que  nunca  os 
Hagamahmut  pode  ter :  &  tãbft  lhes  matarão  gSte  &  ar- 
lôbaráo  fustas :  &  Diogo  fernãdez  Strou  na  gale  Dãdre 
de  sousa  &  v6do  quã  desbaratada  estaua  roandoulbe  ]| 
ee  fosse  mostrar  ao  gouernador  que  estaua  surto  ao  mar^ 
&  e)e  com  dom  lorge  ficarão  goardando  a  barra :  &  Dio* 
go  fernãdez  se  passou  á  galé  de  dom  forge,  E  ao  outro 
dia  em  amanhecendo  estado  as  galés  afastadas  por  es- 
pa4;o  de  mea  legoa  hila  da  outra  veyo  Hagamahmut  coiíi 
sua  armada,  Q  era  de  trinta  fustas,  &  achando  menos  a 
galé  Dandre  de  sousa,  creo  ((  de  ficar  ao  oulro  dia  de 
todo  destreinada  não  estaua  ali,  E  como  as  outras  galés 
tiAo  erão  mab  de  duas  não  as  teue  en^  conta  ainda  que 

LIVRO    V.  NN 


28S  BA  HISTORIA  I>A  ÍNDIA 

ho  goueroador  eslaua  a  vista  por  estar  amarrado  &  ?en* 
lar  terrenho  que  snbia  que  lhe  auia  dímpedír  que  oâo 
pudesse  socorrer  as  galés :  &  por  hío  determioou  de  to* 
loar  a  de  do  lurge  c|Ue  es(aua  na  diàteira,  &  Çuy  bo  co* 
meter  a  remos  dizendo  aos  seus  sua  determinação,  inan» 
dandulhes  que  Irabalhassem  por  lhe  quebrar  bu  masto 
&  os  reuio:^  por^  lhe  nSo  íugisse.  E  eles  trabalharão  por 
isso  desp<»is  (|ue  chegarão  a  ela  que  foy  em  saindo  bo 
sol,  &  cercandoa  por  proa  começasse  híi  uiuy  brauo  jogo 
de  bouilxudadas  dua  parte  &  doutra,  &  a  fumaça  era  ta* 
manha  que  nem  hQs  nem  oulros  pareciào.  E  os  nossos 
que  estauáo  nos  bateys  em  ves  dajudarem  do  lorge  & 
Diogo  fernandez  acolberause  com  medo  detrás  da  popa 
da  galé  porque  os  não  pescasse  a  arlelbaria  dos  inimi- 
gos :  no  que  Diogo  fernandez  nâ  atStou  por  a  grando 
ocupação  !\  ele  &  dom  lorge  traziào  em  fazerd  jugar  a 
sua  arlelbaria  porque  os  não  aferrasse  os  imigos,  ^  tra» 
halhauã  quanto  podião  por  lhes  chegar  despois  de  lho 
lurarem  bo  masto  por  duas  partes ,  &  quebrada  a  mor 
parle  dos  remos :  &  arrombada  &  galé  polo  costado  esd 
«ete  ou  oyto  partes.  O  que  vendo  bo  comitre  dando  ^ 
galé  por  despachada  se  ati  mais  esteuesse  quis  cear  coe- 
Ja:  &  assi  bo  disse  a  Diogo  fernâdez  &  a  dom  lorge  s 
dizendo  que  ali  estauâo  na  dianteira,  &  toda  a  fúria  da 
artelbaria  dos  immigos  quebraua  neles,  &  que  ceando 
Me  meteriâo  anlre  os  bateys ,  &  a  outra  gale  &  ficariâo 
cm  renque,  &  asst  se  repartenáo  os  pelouros  dos  immi* 
goê  por  hQs  &  poios  outros,  &  não  receberiâo  tanto  dâr 
BO»  O  que  parecendo  bem  a  Diogo  fernandez  niandaua 
coroo  capitão  mòr  que  se  tivesse :  porem  dom  lorge  foy 
á  mão  ao  comitre  ,  dizendo  que  como  se  auiáo  de  cear 
se  tinhão  a  mór  parte  dos  remos  quebrados,  &  bo  não 
auião  de  poder  fazer :  antes  sem  necessidade  mostrariâo 
aos  immigos  ho  dano  que  ti^nbão  recebido,  &  que  por 
isso  lhe  fugíão.  E  os  immigos  crendo  ser  assi  os  segui- 
rião  sem  nenbu  medo  &  os  aferrarião,  &  tanto  ganha^ 
rião  de  se  cear  9  &  sirancaado  bua  espada  disse  ao  cor 


LlVmO  V.  OAPITVLO  LXXT.  28S 

mitre  que  ho  nlk)  caaase.ninguem ,  ou  qUQ  Ihe.oorUria 
a  oâbcçft  eom  aquela -espada,  ae  oâo  que  remaaaem  a* 
uante,  &  mostrassem  aos  imoiigos  que  deaejauSo  de  lhe 
chegar,  pêra  l|  lhe  quebrassem  a  soberba  Q  tiubão,  &  1} 
leuassê  diSle  os  baleys  ()  os  auião  muyto  dajudar.  O  {^ 
pareoeo  b8  a  Diogo  fernSdes  &  lhe  iouuou  s^u  conselho^ 
E  porque  soube  que  os  bateis  eslauSo  acolhidos  detrás 
da  popa  da  gale  passouse  lá  pêra  os  faser  passar  auaii«. 
te,  &  estando  sobre  a  postiça  obainSdolhes  judeus  rapa«« 
zes  porque  fazião  de  vagar  ho  ()  lhes  mandaua,  S^bre* 
uem  nesta  cõjunção,  hu  pelouro  da  parte  dos  imígos:  & 
deu  em  hu  pião  du. falcão,  donde  resualando  foy  dar  a 
Diogo  fernandes  em  hila  ilharga,  &  meleolbe  as  armas 
por  dentro  da  carne:  &  deu  eoele  no  chão  morto.  E 
porque  a  gente  nlo  desmayasse  com  sua  morte,  Stes 
que  ha  vissem  ho  mandou-  emburilhar  em  bua  mSta  dum 
remeíro:  &  assi  ficou  sua  morte  atabafada,  que  a  não 
souberfio  mais  que  algas  l\  ali  estauâo,  que  dom  lorge 
esforçou.  E  trabalhauão  por  se  defender  com  a  artelha* 
fia,  que  todos  erão  ja  bombardeiros,  por  ser  morto  ho 
condestabre  &  outros  muytos.  E  nâo  auia  iquem  man-» 
dasse  a  gale  por  ho  comitre  estar  ferido,  &  quasi  que 
nâo  auia  nhQ  que  ho  não  fosse :  ou  de  bomba rdadas  ou 
de  frechadas.  Ho  que  vendo  os  romeiros  da  gale  dando 
a  por  desbaratada,  como  erão  gentios  &  mouros,  &  que<* 
rião  mal  aos  nossos  por  os  trazerem  calinos  quiseranse 
leuantars  &  dizendo  aos  imigos  que  estauão  perto  ho 
estado  dos  nossos ,  chamauãnos  que  fossem  tomar  a  ga- 
le. E  dom  lorge  que  os  enteodeo,  leua  da  espada  &  fe-^ 
rio  sete  ou  oyto  deles :  de  modo  que  os  outros  com  me^ 
do  esteuerão  quedos.  E  porque  não  auia  quem  mandas^ 
se  a  gale,  mandou  dom  lorge  a  bA  romeiro  mouro  que 
sabia  disso  que  a  mandasse ,  &  que  lhe  daua  liberdade: 
&  Ibe  faria  mercê,  &  ho  mesmo  fez  a  dez  ou  doze  Chrisi« 
tios  {}  trazia  degradados  porque  ho  ajudassem  a  pelejar : 
&  assi  ho  fizerio.  E  animandose  os  nossos  coeste  refres- 
co torttario  a  petejar  de  nouo.  E  prouue  a  oos^o  senhor 

NN    2 


2841  XU    HISTORIA   Djl   índia 

4  vendoos  OS  imiços  assi  tornar  como  quer  Q  os  (inhâe 
por  tomados,  enfraquecerão,  de  maneira  que  ae  afaata- 
rão ,  &  roais  polo  dano  que  recebiáo  dos  nossos.  E  ven*- 
do  oa  dom  lorge  afastar  por  lhes  amostrar  que  estaua  a 
filia  gSte  esfori^ada :  &  assi  pur  amor  da  gente  da  terra 
Qétaua  na  praya  vendo  a  peleja ,  ineteose  na  sua  bar- 
queta  coesses  que  couberào  &  íuy  após  elt^s  hQ  pouco: 
sendo  ja  meo  dia,  que  tanto  durou  a  f>eleja.  K  os  da 
terra  e&lauâo  muj  espantados  de  os  nossos  se  liurarem 
dos  imigos,  &  muyto  mais  de  se  eles  afastarem  semio 
tantos.  E  tornado  dom  lorge  a  gale  maAd&m  a  surgir,  & 
embandeirar  com  muyta  festa  porque  cressem  os  uiou- 
Foa  q4ie  ticara  a  vitoria  coele  &  IJies  ^brar  os  corai^oês: 
&c  esteue  surto  ate  horas  de  véspera  que  veo  a  vira<^àu; 
que  se  f(»y  pêra  bo  gouernador,  &  coatoulbe  bo  que  pas^ 
saua.  E  auendo  de  leuar  ba  corpo  de  Diogo  fernaiides 
a  soterrar  a  terra ,  foy  desarmado  passadas  quatro  oras 
que  era  morto :  &  acharão  que  lhe  não  sairá  nenhil  san-> 
gue.  E  tirãdolhe  hOa  Cruz  que  tinha  ao  pescoço  ihe  co- 
meçou de  gotejar  pelos  narizes  ,  pelo  que  pareeeo  l\  na 
Cruz  estaua  a  virtude  de  lhe  nao  sair  sangue,  &  porque 
pola  morte  de  Diogo  fernandez  era  necessário  deterse 
no  gouernador  algus  dias  mandou  dom  Aleixo  pêra  Co- 
ebim  na  carauela  de  Manuel  de  macedo:  &  sentio  tan- 
to a  morte  de  Diogo  fernandez  pola  afronta  que  qg  nos- 
sos receberão  ^  desejou  de  a  vingar,  &  esteue  com  de- 
terminação de  ticar  na  índia  aquele  anno  por  amor  de  a 
vrngar,  &  não  lhe  dera  ficar  na  índia  com  oufro  gouer- 
nador: porque  tinha  hQa  carta  dei  Rey  de  Portugal,  em 
que  lhe  daua  poder  que  sendo  caso  que  ficasse  na  índia 
cõ  outro  gouernador,  que  inuernasse  em  Cananor  com 
trezent>os  homens :  em  que  ho  gouernador  nâo  entetule- 
ría :  porem  não  quis  por  algOa  respeitos.  E  cõcerladaa 
as  galés,  &  feyta  aigOa  poluora  que  se  fez  em  pildes 
deu  a  capitania  mór  da  armada  que  ficaua  de  Chaul  a 
António  correa  ale*  que  chegasse  dom  Luys  de  mene* 
ses ,  &  deulhe  ho  galeão  sam  lorge  pêra  andar  nele :  & 


LIVRO  V.  OAPITVLO  ULXVl,  2Qi 

tnandeulhe  que  tisease  ki^  baluarte  na  outra  pon(a>  da 
barra  da  baricia  do  norte,  pêra  que  defendesse  a  entra* 
da  aos  imvgos :  &  porque  eJe  tiniia  pouca  poiuora  reco- 
lhesse a  armada  pêra  anire  âbos  os  baluartes,  &  dali 
pelejasse  coeles.  E  dado  este  regimenlo  parliose  pêra 
(3ochini  biia  quinta  feyra  vinte  sete  de  De^êbro,  &  em 
Dabui  topou  dom  Lu  vs  de  meneses  que  bia  pêra  Chaui : 
&  prosseguindo  daqui  sua  viagem  íoy  ter  a  Cochim,  on« 
de  dom  Duarle  eslaua  a|)ouseoiado  na  íorlaieza :  &  por* 
que  ele  sabia  que  bo  goueraador  Ik^  auia  de  ser  ale  se 
êbarcar  pêra  Porlugai  por  prouisam  dei  rey ,  &  sendo 
gouernador  auia  de  pousar  na  fortaleza,  ilie  mandou  di- 
Eer  como  chegou  que  lha  despejaria  se  quisesse  pousar 
nela.  £  ele  náo  quis,  &  pousou  em  casa  de  Diogo  pe« 
reyra  ate  se  embarcar. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXVL 

De  coma  lorge  daUmquerque  capitão  de  Malaca  ^  Ati" 
tonto  de  brito  Jarâo  sobre  d  rey  de  Bintâo ,  ^  do  que 
lhes  acofUeceo. 

iVIetido  lorge  dalbuQrque  de  posse  dá  fortaleza  de 
Malaca  vendo  ho  t&po  desposto  [>era  se  vingar  do  rey 
de  Bitào  &  bo  destruyr  dt^terminou  de  ho  fazer  antes 
que  António  de  brito  se  partisse  pêra  Maluco,  porque 
eom  a  gète  de  sua  armada ,  &  a  ifuo  titiba  da  ordenan- 
çi  de  Malaca  era  assaz  pêra  por  em  eflfeylo  sua  determi- 
nação por  mais  íorte  que  BiotSu  estevesse,  £  com  tudo 
cnfurmouse  de  sua  disposi^o  &  sitio:  que  era  per  esta 
Bianeyra.  He  bOa  ilha  perto  da  t>erra  firme ,  terra  baixa 
&  despesso  apuoredo  alto  &  grosso  regado  de  muytas  ri^ 
beyras  pequenas.  A  |K)uoaç8o  que  be  grade  se  chama 
BinlAo  que  quer  dizer  estrela.  Está  sil4iada  ao  lõgo  do 
rio  ou  braço  do  mar  que  cerca  a  ilha:  he  de  casas  ter« 
reas  euberras  doía,  saiuo  aa  dei  rey  que  estào  em  híi  al- 
to. Da  cidade  airauessa  hQa  ponte  de  madeira  pêra  a 


886  DA    HISTORIA    DA   TNDÍA 

terra  firtne^  &  diãte  dela  ee  faz  ho  porto  a  que  entrio 
por  ha  caoaL  Nesta  ilha  fez  seu  assento  el  rey  J)  foj  de 
Malaca  despoís  que  foy  deitado  do  Pago  iomãdoa  a  bfi 
mouro  malayo  seu  vassalo  que  era  senhor  dela ,  &  fortim 
ficou  a  grandemente :  fasendo  no  canal  algas  arrecife9 
com  muytas  pedras  que  ht  mandou  deitar,  &  assi  meler 
muytas  estacas  de  paos  muyto  cÕpridos  &  grossos  que 
faziSo  a  passagem  por  ali  muy  difficultosa  &  perigosa  ê 
estremo ,  &  os  nauios  auiio  dir  muyto  de  vagar  por  sev 
em  voltas,  &  ficauão  descubertos  a  muyta  arlelbaria  que 
estaua  em  terra  ao  Idgo  em  hOa  tranqueyra  fortissima  1} 
eercaua  a  cidade  toda  em  redondo  feyta  dfis  paos  do 
bQas  vigas  que  naquela  terra  chamSo  paos  ferro:  por« 
que  t6  sua  natureza  em  eerfi  tXo  duros  que  não  apodre^ 
cem  nagoa ,  &  era  de  duas  faces  &  entulhada  cÕ  aetie 
baluartes  da  mesma  madeira:  de  modo  que  era  tão  for- 
te ou  mais  que  bOa  de  pedra.  E  aletn  disto  a  terra  da 
banda  do  senão  era  tudo  vasa  de  boa  altura:  &  de  tudo 
isto  fo¥  auisado  lorge  dalbuquerque ,  &  porfi  que  se  por 
dia  sobir  pola  tranqueira  eem  escadas*  E  como  este  era 
ho  principal  ponto  de  que  se  ele  esperaua  dajudar  pêra 
tomar  aquela  força,  assentou  de  todo  de  ir  sobrela,  por* 
que  desfazendose  fioaua  el  rey  também  desfeyto  perA 
^ão  poder  faser  guerra  a  Malaca  ao  menos  tão  cedo.  B 
praticado  isto  cÕ  Garcia  de  sá ,  António  de  brito  &  ou** 
tros  capitães  Sç  fidalgos;  foy  acordado  per  todos  que 
compría  muyto  ao  eeruiço  dei  rey  de  Portugal  Êieerse  a-* 
quela  viagem ,  que  começarão  no  mes  Doutubro  de  mil 
&  quinhStos  &  vinte  bfl,  &  forão  bem  seys  cè(os  Portu^ 
gueses  embarcado!S  em  nauios  nossos  &  lancharas ,  de 
que  a  fora  lorge  dalbuquerque  forSo  capitães  António 
de  brito  &  os  da  sua  armada,  Garcia  de  sá,  AnrríQ  le^ 
9)6  cunhado  de  lorge  dalbuquerque,  Manuel  de  berre^ 
do,  dõ  Garcia  anrriquez,  Duarte  coelho  &  outros  fidaU 
gos  &  eagaleyros  a  ()  não  pude  saber  os  nomes.  E  eh»* 
gado  lorge  dalbuquerQ  á  barra  de  Bintão  surgio  com 
Wda  a  fcota :  &  auido  conselho  sobre  a  maoeyra  qu«  te^ 


LIVRO  V.  CAPITVLO  LXXTI.  287 

riu  p^rA  d&r  na  cidade,  aeordouse  Q  a  nflo  comeUste  pe- 
lo canal  do  porto  poia  difficuidade  &  perigo  que  auia  em 
ir  por  ele :  &  lanvbein  por  esíar  no  porto  a  ar ii>ada  dei 
rey  de  Biniáu :  tuat  que  coioelesse  por  bu  baluarle  da 
traoqueyra  que  eslaua  da  mão  derejla  afastado  do  por* 
lo  por  bum  pequeno  espacjo,  porque  por  terra  ihe  iaria 
menoa  nojo  a  arlelbaria  Q  por  man  Isto  determinado  que 
§uy  bfl  dia  alarde,  encoiaendaranse  iodos  a  nosso  senhor 
aí|la  noyte  por  ser  ho  feyto  muy  perigoso,  &  manbaá 
clara  desembarcarão  leuãdoCrarcia  de  sá  a  dianteira  com 
António  de  brito,  &  em  poyaodo  em  ierra  fc»y  medonha 
cousa  de  ver  a  multidão  das  bomhardadas  &  espingar* 
4ada8  sem  conto  que  deapararão  os  imigos :  esforçados 
|X)r  Laquexiweoa  b&  valentissimo  mouro  parente  dei  rey 
ide  Bintáo  &  seu  almirante  do  mar,  &  muyto  espremft* 
tado  &  sabedor  na  guerra^   &  por  isso  ibe  el  rey  enco* 
mêdou  a  defensam  daquele  baluarte,  em  que  os  immi* 
gos  virão  que  os  Portugueses  encarauáo,  a  que  ele  logo 
acodio  com  bem  quatro  mil  bomês  muytos  deles  esphi^ 
gardeiros  &  os  outros  frecheiros  de  arcu  &  zarauatana: 
&  doutras  armas  diuersas  com  ^  tirauã  aos  nossos  em 
roda  viua:  por2|  em  quanto  os  Portugueses  desembarca*» 
rão,  nunca  ho  ár  esteue  desocupado  de  liros  de  todos  es* 
tes  artifícios  que  digo:  em  lato  ^  em  bu  momêto  cairão 
mortos  dos  Portugueses  algvis   vinte  :  &  íbrào  feridos 
jpais  de  setenta.  £  bft  destes  foy  Garcia  de  sá,  que  pas«> 
aaado  áuáte  por  antre  tatus  peíouvos  de  bftbardas  &  es^ 
pÍ49gardadds  chegou  cõ  algíis  de  sua  eõpauhia  ao  b«luar«> 
te ;  poriji  os  mais  como  digo  (orão  derribados  ^  feridos  Ic 
inorti>9*  E  Garcia  de  sa  achou  ho  baluarte  de  tal  modo 
^  nuca  {Kide  sobir  per  ele :  come  fizerão  cre0  a  iorge 
dalbuquerque  Q  se  podia  sobii*  sem  escadas.  £  pêra  lhe 
não  ficar  nada  por  íazer  du  i^  bo  obrigaua  ko  muyto  es«» 
forço  qoe  tinha  9  madou  a  dous  criados  seus  que  ho  a* 
Judassem  a  sobir,  o  q^ue  eles  fizerão  c6  grade  valStia,^ 
sem  temor  de  infinitas  lançadas  que  o»  meures  lhe  arre^ 
Oieiisattào :  &  dn  bua  foy  Garpiái.  de  sa.  ferido  em  bfta 


288  BA   HMTORIA    DA   TFÍDIA 

perna  tS  brauameale  <[  oayo :  &  os  mesmos  oriados  Ji« 
Cornarão  &  leuarâo  a  embarcar.  E  assí  (oy  ferido  fafi  A& 
esieuão  de  castro  de  bQa  bõbardatla  em  bua  perna:  & 
leuSdoo  bft  seu  criado  ihe  deu  outra  bõbardada  na  cab»- 
^a  2}  ho  acabou  de  matar.  E  foy  tambê  aqui  morto  hQ. 
fidalgo  chamado  lorge  de  melo:  &  outros  a  que  nSo  pu- 
de saber  os  nomes.  E  vendo  lorge  dalbuquerque  tama- 
fibo  destroço  em  lâ  breue  tempo,  conheceo  ho  erro  \ 
fez  em  se  crer  no  ^  lhe  disserAo,  t\  se  podia  aobir  a  írã^' 
queira  sem  escadas  &  t[  nSo  acertara  em  as  não  trazer. 
É  assi  em  pé  pos  em  conselho  c5  alg&s  capitães  &  &- 
dalfi^oa  que  seria  bÒ  recolberse ,  por^  não  auia  de  fazer 
mais  que  matarêlhe  &  ferirClhe  quantos  leuaua;  &  re- 
colheose  cõ  a  perda  que  digo :  de  que  os  mouros  ficar2 
muyto  soberbos,  &  tomarão  ousadia  pêra  fazerõ  tala 
guerra  a  lorge  dalbul}rJ}  como  lhe  despois  (izerâo. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXVII. 

De  como  António  de  brito  se  pariio  pêra  a  ilha  da  laoa. 

X^espois  deste  desbarato  recolhidos  todos  á  frota  forã« 
se  á  ilha  de  Cincapura :  &  ali  se  espedio  António  de  bri- 
to de  lorge  dalbu^rl}  &  com  sua  armada  de  seys  nauios 
seguio  sua  rota  pêra  a  ilha  da  laoa ,  cujo  sitio  &  fertili* 
dade  disse  no  liuro  terceiro,  Õde  foy  tomar  porto  na  ci- 
dade Dagacim:  com  determina<;ão  de  tomar  mantimfi- 
tos ,  por^l  estaua  de  paz  cõ  os  Portugueses ,  do  tSpo  de 
Afonso  dalbuquerj}:  &  despois  de  os  ter  tomados  man« 
dou  ho  seu  batel  a  buscar  agoa  a  ilha  da  madura,  quasi 
pegada  com  a  da  laoa:  &  cnydando  os  que  hiâo  no  ba- 
tel ^  sayão  ê  terra  de  seus  amigos  sayrão  muyto  segu- 
ros :  &  como  os  da  terra  os  virão  descuy dados  creceolhes 
a  cobiça  de  lhes  fazerS  mal  por  a  pouca  firmeza  de  sua 
amizade :  &  derâo  sobreles  tão  de  supito  t\  os  catiuarão: 
&  tomarãlhes  ha  batel  cõ  hOs  berços  f\  leuaua :  &  Antó- 
nio de  brito  oÕ  quâlo  re^peo.i)  lhos  dessem  poia  tinha 


LIVRO   T.    CAPITVLO  LZXVIII.  S89. 

pkx  eft  OS  portugueses  nunca  os  pode  auer  se  nSo  por 
resgate*  B  aqui  ficou  nesta  ilha  ale  ho  mes  de  lanei- 
ro  eeguinle  esperando  mouçSo  pêra  a  ilha  de  Banda , 
donde  auia  de  parlir  pêra  Maluco  como  direy  a  diaa« 
ie  no  liuro  sexto. 

CAPITVLO     LXXVIII* 

De  como  Jorge  dálhuquerq  se  tomou  pêra  Malaca :  ^  de 
como  Laqueximena  lhe  começou  de  fazer  guerra. 

V  endo  el  rey  de  BinlKo  qoSo  mal  se  ouuerSo  os  por« 
tugueses  naquele  feito,  &  camanho  desarrãjo  aquele  fo- 
ra, teueos  em  muyto  pouco,  &  tanto  ^  lorge  dalbuquer^ 
se  desamarrou  do  porto  pêra  IVIalaca  mandou  a  pos  ele 
Laqueximena  c5  obra  de  vinte  IScharas  darmada  hê  for- 
necidas de  gSte  &  artelbaria ,  (|  o  Ha  esbõbardeando , 
&  lorge  dalbuquerQ  voltou  algiias  vezes  sobrele  pêra  o 
abalroar:  porê  ele  se  goardaua  disso,  que  nSo  era  seu 
fundamento  senSo  persigaiio  &  tomarlhe  algii  nauio  se 
ho  achasse  desmandado.  E  asai  foy  ate  Malaca ,  onde 
se  lorge  dalbuquerque  rocolheo:  &  Laqueximena  ficou 
no  mar  por  onde  andou  dissimulando  sem  querer  pelejar 
cS  a  nossa  armada ,  posto  {)  lhe  sayo  por  vezes ,  ate  que 
vendo  tSpo  entrou  no  porto,  &  queimou  dous  jungos  de 
mercadores  carregados.  E  tornandose  recolher  acodio 
hu  Gil  simfies  capitão  de  hQ  bargantim  cÒ  certas  velas 
^  estaufto  prestes,  &  foy  a  pos  eles.  E  vendo  ele  {)  não 
erão  mais  de  cinco  ou  seys,  esperou  as,  por()  vio  ^  po« 
dia  ali  fazer  presa.  E  gil  siniAes  ou  de  muito  esforçado, 
ou  por  apagar  a  fama  j)  tinha  de  couardo,  segundo  se 
despois  disse,  vendoo  esperar  adiantouse  dos  outros:  & 
foy  abalroar  coele :  &  como  os  mouros  erão  muyto  mais 
2)  os  í}  hião  coele  na  lanchara  foy  deles  entrado,  &  mor- 
to com  todos  os  c&panheiros  despois  de  pelejarS  muy  es* 
forçadamente  &  venderem  bfi  suas  vidas.  R  os  outros 
capitães  vendo  esta  lanchara  tomada  pão  ousarão  de  ir 

LIVRO  V#  00 


st  o  '9A  mSTOilf  A  DA  ÍNDIA 

mais  por  dianle  cd  a  peloja  por  serè  muyto  poucos ,  & 
recolheraase  a  Malaca.  E  despois  disto  lhe  sayo  imijtas 
veses  a  nossa  armada ,  &  oQca  quis  pelejar  ooela ,  por^ 
bSo  queria  mais  ^  andar  fazendo  aQles  saltos:  &  desta 
maneira  fazia  a  guerra  de  que  os  portugueses  náo  rece^ 
biá  mais  dano  que  a  opressam  da^les  rebates,  que  co- 
mo a  nossa  armada  andaua  tambfi  no  mar  podia  ir  mã- 
timentos  a  Malaca  &  estaua  farta  &  abastada. 

CAPITVLO     LXXIX. 


De  <:omo  Bastião  de  sousa  partio  de  Portngal  pêra  fazer 
kúa  fortaleza  na  ilha  de  sam  Lourenço.  E  o  porq  a 
náo  fez. 

lyi  este  Sno  da  mil  &  quiohdtot  &  vinte  M^  deiermí* 
DOO  el  rey  dom  Manoel  de  Portugal  de  mandar  fazer 
hiia  fortaleza  na  ilka  de  sam  Lourenço  por  ter  por  en** 
IbrmaçSo  que  auia  nela  muyta  prata  &  gingibre  ^  espe^ 
raua  dauer :  &  tambfi  pêra  que  as  nãos  da  carga  da  es- 
peciaria indo  pêra  a  índia  fazerê  ali  agoada  &  ir3  por: 
ibra  da  ilha  de  sam  Lourfiço  Q  era  mais  segura  nauega- 
ção  pêra  se  passar  a  índia  que  por  Moçambique,  &  de- 
terminado de  fazer  esta  fortaleza  deu  a  fundação  dela& 
Bimeira  capitania  a  Bastião  de  sousa  hu  fidalgo  naluraí 
eluas,  de  que  fiz  menção  no  liuro  segundo,  &  deuJhe 
duas  nãos  de  capitania,  ele  por  capitSo  de  b&a,  &  ao 
da  outra  não  soube  bo  nome.  E  nela  biâo  os  ofliciaea 
Aetessarios  pêra  edi^carem  a  fortaleza :  &  assi  fiedra , 
çai ,  &  outros  materiaes  pêra  sua  edificação:  &  partido 
4e  Portugal  foy  ter  á  ilha  de  sam  Lourenço  sem  a  outra 
oao  que  se  apartou  áe  sua  conserua  por  hua  muyto  gran- 
de &  braua  tormenta  ^  lhes  sobreueo :  &  nie  achando 
aqui  a  nao  esperou  por  eta  algO  tempo,&;  vendo  que  não 
bia  pareceolhe  ^  era  perdida:  &  por  lhe  falecerem  os 
materiaes  &  o/ficiaes  com  Q  auia  de  edificar  a  fortaleza 
a.  deixou  de  (azer ,  &  daii  se  Soj  a  MoçâbÍ4|Uíe,  onde  não 


aelioift  »  nao  nMR-  noua«  dela :  &  por  ser  pftMada  a  ««nir 
içio  de  paasAP  a  IndJa  cwm  as  detenças  2|  fízefaouuedio* 
iieniar  ent  Moçãbique,  dimde  par  lio  pêra  a  índia  no  aih» 
oo  de  mil  &.  quinhentos  &  vinle  doita:  &  atraoessaiKla 
aquele  golfão  topou  a  otitra  nao  cujo  capitão  lhe  díaae  ^ 
cbegaFa  primeiro  !\  ele  á  ilha  de  aam  Lourenço  &  cujr* 
dando  que  era  perdido  se  partira.  E  dali  fora  ambos  tev 
a  índia  a  saluamento :  &  lendo  pafaura  do  gouernad^af 
que  Ibe  daria  ajuda  pêra  tornar  á  iUia  de  sam  Lourenço 
a  fazer  a  for(al'eza ,  ckegou  dom  Pedro  de  castelo  hraiH 
eo^  que  com  outros  dous  capitães  partira  de  porlugal 
oo  mesmo  anuo,  como  direy  a  diante,  &  leuou  hua  pro« 
iiisam  ao  gouernador  dei  rey  dom  íoão  bo  terceiro  da 
Portugal  (que  sucedera  no  rejmo  por  falecimento  delrejf 
4lom  Maniiel  seu  pAj  )  em  que  Ibe  mandaua  que  neuhfla 
ibrtalesa  daa  que  el  rey  seu  pay  mandara  faser  na  índia 
de  nono,  se  fízese:  porè  qae  as  que  esteuessem  come* 
^das  ae  acabassem.  E  por  esta  causa  nâo  foy  Bastião 
de  sonsa  fazer  a  fortaleza  a  ilha  de  sam  Lourenço* 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXX. 

De  como  #e  ItuarOarão  oe^  Chins  conlra  os  Poríufutse$ 
que  tsUtuAo  em  Cantão :  ^  prenderão  ho  embaizador 
dei  Rey  de  PortugeU^  é*  ^^  §  estctuâ  coele. 


D, 


'espois  de  partido  Simáo  dandrade  pêra  Malaca,  Si 
ficando  os  Chins  muy to  descontentes  dele ,  faieceo  ei 
rey  da  China ,  que  estaua  muyto  b6  com  os  Por(ii)g:ue« 
ses :  &  o  que  lhe  sucedeo  assi  coroo  era  muy  desuiado  do 
sua  condiçjlo,  assi  ho  foy  tambS  em  ser  pouco  amigo 
dos  nossos :  &  logo  ouuio  ho  embaiiador  dei  rey  de  Bín« 
tâo,  que  seu  antecessor  nâo  quis  ouuir  em  muy  tos  an- 
DOS  ^  auia  {|  andaua  na  corte:  &  isto  porque  a  primei- 
ra  vez  ^  Ibe  falou  Ibe  disse  muyto  mal  dos  nossos,  de 
que  tambS  ho  disse  a  este  rey  que  digo,  cbamSdolbe  la-< 
dfiões  &  que  hiâa  com  pequena  armada  espiar  as  terras 

oo  2 


292  BI    HISTORIA    DA    INNA 

alheâs,  &  despoia  cõ  ho  muyto  poder  que  tiohSo  na  ín- 
dia tornauâo  a  tomalas:  &  que  assi  fizerão  a  Malaca 
que  era  dei  rey  de  bintão  que  estaua  laçado  fora  deia 
aam  causa.  E  por()  8e  ele  tinha  por  seu  vassalo  se  so- 
corria a  ele  pedindolhe  ajuda  pêra  se  restituir  em  Ma- 
laca ,  &  que  lhe  pedia  muyto  Q  os  nã  consentisse  em 
Sua  terra ,  por^  sua  ida  lá  não  era  se  não  a  espiala  pêra 
despois  a  tomarC:  &  ao  menos  que  ho  não  fizessem  por 
ela  ser  tão  grande  como  era ,  lhe  dariâo  fadiga  no  mar 
úndé  erâo  muyto  poderosos.  E  nisto  foylhe  noua  do  al- 
lioroço  Q  os  que  furão  com  Simão  dãdrade  deixarão  em 
Cantão.  E  isto  &  o  que  lhe  o  embaixador  dei  rey  de 
bintão  disse,  &  outras  causas  que  particularmête  não 
pude  saber,  imprimiu  lanto  em  el  rey,  &  naqueles  que 
ho  aconselbauão ,  que  mandou  prender  ao  nosso  embai- 
xador, &  os  outros  questauSo  coele,  &  mandou  (|  este- 
ucssem  apartados  hQs  dos  outros,  &  que  lhe  fosse  toma- 
da toda  sua  fazenda,  escripta  &  aualiada:  &  dizem  hQa 
que  cò  tristeza  adoeceo ,  &  morreo  ho  embaixador :  ou* 
tros  q  morreo  com  peçonha.  E  por^  eu  nã  pude  saber 
as  particularidades  disto  ho  digo  assí  em  soma:  &  tam- 
bê  o  mais  que  passou  no  aleuanlamSto  da  China  contra 
os  nossos:  que  ou  polo  el  rey  mandar,  ou  como  quer 
que  foy,  os  Chins  tomarão  em  Catão  os  nossos  quatro 
junges  carregados  de  pimenta  &  sândalo,  &  outras  mer^ 
cadorias  í\  erâo  dei  rey  de  Portugal  &  de  partes ,  estã^ 
do  eles  surtos  no  |K>rto,  de  que  os  nossos  que  biã  neles 
se  saluarão  com  assaz  de  fadiga ,  &  se  recolherão  a  hua 
nao  de  dÔ  Nuno  manuel  que  estaua  surta:  a  cujo  capi- 
tão não  pude  saber  ho  nome ,  se  não  que  na  defensa  da 
nao  ho  fez  fracamSte  quando  os  Chins  derâo  sobrele,  & 
se  não  forão  os  nossos  dos  junges  que  se  acolherão  a  ela 
&  a  defenderão  valentemente  ela  fora  tomadas  &  não 
somente  a  defenderão,  mas  se  tiuerão  algil  tiro  grosso 
darlelbaria  toda  a  frota  dos  imigos  fora  metida  no  fun- 
do, posto  t\  era  grande.  E  escapando  os  nossos  deste  pe- 
rigo acolheranse  caminho  de  Malaca,  onde  chegarão  na 


LIVRO    y.   CAFITVLO  LZXXI.  Z93 

fm  de  Outubro  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  &  hfl,  & 
4)erâo  noua  do  leuantamento  da  china:  &  disso  se  tirou 
inquirição  em  JMalaca,  que  se  leuou  çarrada  a  el  Rey 
de  Portugal :  em  que  foráo  tiradas  a  limpo  algOas  cau- 
sas deste  ieuanlamento  ^  que  como  digo  nâo  pude  sa- 
ber, &  porisso  as  não  disse. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXL 

JDe  como  Hagamahmut  deu  hú  combate  a  :ántonio  coT'- 
rea ,  ^  quisera  tomar  ho  baluarte  do  outeiro  ^  Jhy 
"    desbaroUaao.  £  de  como  dom.  Luys  de  meneses  chegou 
'    a  Chaul:  ^  António  correa  sejoy  pêra  Cochim. 

Jl  artido  ho  gouernador  pêra  Gocbim  logo  ao  sábado  se* 
gurnte,  que  forào  vinte  noue  de  Dezembro,  foy  Haga« 
mabmut  surgir  com  a  viração  sobre  a  barra  de  Chaul, 
com  suas  irinta  &  seys  fustas  muyto  melhor  fornecidas 
de  gente,  armas,  &  artelharia  que  dantes:  &  trazia 
•iDuytos  de  sobressalente  de  casa  de  Melique  fartaquis: 
&  Abexins  etn   qtie  tinha  muyta  confiança,  por  serem 

Eessoas  de  feyto.  E  Hagamahmut  surgiu  em  lugar  onde 
le  a  artelharia  da  nossa  frota  não  podia  fazer  nojo :  & 
ela  estaua  surta  na  barra  antre  ambos  os  baluartes.  £ 
não  querm  António  correa  sair  dali  por  lho  mandar  assi 
èo  gouernador,  por  os  imigos  nãò  pelejarem  coele,  & 
lhe  fazerem  gastar  a  poluora,  que  receaua  muyto  faltar- 
Ihe  primeiro  que  lhe  fosse  de  Cochim.  E  ao  domingo 
vendo  Hagamahmut  que  António  correa  não  saya  a  pe* 
lejar  coele,  lhe  esteue  fazendo  muytas  algazaras,  pêra 
ver  se  ho  podia  prouocar  a  isso.  E  ele  que  ho  entendeo 
•deixouse  estar  ondestaua.  E  a  segunda  feira  acabando 
de  vetar  ho  terrenho ,  que  seria  as  dez  horas  do  dia ,  a* 
balou  Hagamahmut  com  toda  sua  armada  indo  a  remos, 
&  chegando  a  tiro  de  bombarda  dos  nossos  po»  as  fus- 
tas em  ala  diante  deles,  &  começou  de  lhes  tirar  com  a 
artelharia.  E  antonio  correa  lhes  mandou,  tirar  com  a 


t94  9ÍL  BÊBmOmtM  DA    IMMâ 

8ua  &  niujr  temperadarodeiiíe  porqiifie  se  Hte  ídki  gasfatm 
a  poluora.  E  a  teiM^ão  ide  Haig^aroahinuti  era  vgat  de  hll 
ardil  que  Ibe  dera  bum  Xeqae  nafaiircde  que  era  Xe-- 
qua  de  Chaul  que  encubettantervie  qoería  g:rantle  mal 
aoa  noMOff,  &  peaaualhe  da  (òftale^a  qum  se  faxia  era 
Chaui,  &  desejaua  de  os  ver  destroidos:  &  por  isso  orrart- 
dou  cofiselhar  a  Hagamahmut  que  tomasse  ho  nosso  ba- 
luarte da  barra  cfue  esLaua  ao  |:ié  do*  ouleyro  ondestaua 
bo  facho  dos  nossos :  &  que  se  posesse  ás  bombardadaa 
eein  os  nossos  r  &  entre  ta  abo  niamfasse  algOas  íaatae  a 
tomar  bo  baluarte  que  di>g#^  &  desennbarcariilo  em  hiia 
calheta  na  costa^  &  dali  iria  a  gente  ter  ao  biiluarie  por 
cima  do  oiiteiro>  porque  o»  nosses  Ibe'  não  podessenr  ti- 
rar com  a  aríeiharia :  &  ele  daria  guia  que  a  leuasse, 
como  deu  por  Hagama>hmut  ser  conlente  do  ardil.  E  pe* 
ra  bo  poer  em  obra  mvindou  a>partar  ohrai  de  doze  foslaa^ 
que  se  forão  dereytaa  á  calheta  detrás  de  outeiro,  de 
que  pojarão  em  terra  obra  de  éutenit^-  homês  gente  muj 
Jkjzida  y  &  gurandoos  bfit  criado  do  Xeque  encaualgarão 
bo  outeiro  onde  estaua  ho  facho  por  hQ  caminhe  tã  es^ 
fcreito  que  não  cabia  por  ele  anais  que  hâ*  bomS  diante 
do  outro,  &  todo  isto  se  via  da  nossa  frota :  &  muy  ou« 
eadamfile  os  Imigos  decerfto  de  outeiro,  &  remeterflo  ae 
baluarte  {}  estaua  ao  pé  dele,  pareeendolhes  l\  ho  nie 
poderia  António  correa  socorrer  por  se  defender  de  Ha* 
giamahmut:  &  que  ho  baluarte  terra  tam  ponca  gente 
que  li)go  ho  tomaria:  &  ele  pouca  tinha,  que  nfto  erie 
mais  de  trinta  homSs,  &  estes  escolhidos ,  que  Antonie 
correa  mandara  ao  sábado  que  fossem  lá  estar ,  recean» 
do  que  os  imigos  ho  fossem  tomar,  &  foy  por  capilâe 
destes  hQ  valente  caualeiro  &  b6  pralioo  na  guerra  que 
auia  nome  Pêro  vaz  por  mão,  que  com  os  que  ho  acom* 
(ranhauão  se  pos  logo  em  defensa,  a  que  nenhOa  apro- 
ueitaua  por  as  bõbardadas  sem  conio  que  tírauão  as  fus** 
tas  que  deitarão  os  imigos  em  terra,  &  híia  delas  leuoa 
a  Pêro  vaz  polas  pernas ,  que  âdaua  sobre  húa  parede 
do  baluarte ,  armado  è  bá  arnês  esforçando  os  seus ,  & 


ele  cayo  embaixo ,  &  doutras  n^orrerâ  outro  caualeiro 
chamado  Simfio  ferreira ,  &  ho  condestabre  do  baluarte 
&  faú  bombardeiro.  E  em  quãto  os  peiouros  assi  chouião 
que  era  x^ousa  espantosa ,  decerfto  os  fmigos  tam  deno- 
dados do  cuíeiro  que  poserão  as  mãos  na  estacada  que 
ceroaua  bo  baluarte,  dando  grandes  gritas :  &  come^an*^ 
do  de  despender  tanta  frechada  &  espitigardada  ^ue  co* 
bríSo  ho  énr,  E  era  cousa  medonha  de  ver  os  nossos  tam 
poucos  metidos  antre  tantos,  géneros  de  cousas  pêra  os 
matarem ,  &  muylo  de  louuar  a  nosso  senhor  como  ocí 
goardaua,  &  eles  como  pelejauSo  &  se  defendião  dos  im- 
migos  que  os  não  entrassem ,  estando  detrás  de  hQa  se- 
be, qne  disso  era  ho  baluarte.  £  todos  ho  fazião  tam  va- 
lentemfite,  que  nunca  Româos,  nem  Gregos  assi  pele- 
jarão. £  António  correa  que  tudo  isto  via,  receando  que 
06  mouros  tomassem  ho  baluarte ,  mandou  em  seu  so» 
corro  a  Ruy  vaz  pereyra  »o  seu  batel,  &  a  outro  capi- 
tão em  outro  com  obra  de  cincoenta  ou  sessenta  honiês, 
em  que  hiã  muy  bons  caualeiros.  E  vendo  os  fmigos  es^ 
te  socorro,  tendo  ho  baluarte  no  aperto  que  digo,  come- 
çarão com  n>edo  de  se  recolher  de  pressa :  &  os  nossoa 
que  os  entenderão  derão  a  pos  eles  &  matarão  muy  (o» 
antes  qiie  se  embarcassem  &  embarcados  fugirão.  E  ha^ 
gamabmut  ^  pelejaua  com  António  correa  como  vio  ho 
desbarato  dos  seus  alargouse  da  peleja  ao  remo  &  foy 
surgir  onde  estaua  dantes ,  leuando  muytas  das  fustas 
desaparelhadas  &  arrombadas^  &  com  os  mastos  quebra- 
dos das  bombardadas  dos  nossos,  &  muyta  gente  morta.. 
E  dado  António  correa  muylas  graças  a  Deos  de  se  ver 
aMÍ  desapressado  foy  correr  os  nauios  de  sua  armada 
pêra  ver  se  auia  algus  mortos:  &  não  achou  nenhQs, 
mIuo  dos  remeiros ,  &  estes  poucos.  E  despois  (by  ver 
ho  baluarte,  em  que  achou  mortos  os  que  disse,  &  os 
outnos  todos  muyto  feridos,  &  as  adargas  St  rodelas  co- 
bertas de  frechas :  &  a  de  hik  Pêro  de  queyros  tinha  vin- 
te &  sete:  &  a  de  Manuel  da  cunha  vinte  cinco:  &  to- 
do ho  baluwte  Ht  muyta  parte  ao  derredor  dele  j ficado 


S96  DA   HISTORIA    DA  ÍNDIA 

delas:  &  ao  derredor  estauão  trinta  mouros  mortos,  que 
os  do  baluarte  matarão:  &  pola  praya  quasi  outros  tan- 
tos que  matarão  os  que  forão  socorrelos:  &  estes  pare- 
ciSo  (odos  honrrados,  em  terS  cab.iyas  de  chamalutes  & 
fotas  finas  &  ter<;ados  de  prata,  &  muytos  tiuhão  espin- 
gardas. E  mandando  António  correa  cortar  as  cabeças 
a  todos  as  mandou  ao  nosso  feitor  de  Cbaul  chamado 
Diogo  paez,  que  as  leuasse  a  Xeque  IVlafamede,  por- 
que soube  que  os  mouros  de  Chaul  affirmauão  que  ho 
baluarte  era  tomado  poios  tmigos,  &  folgauâo  muyto: 
priacipalmente  Xeque  Mafamede  que  dissera  ao  dia 
dantes  que  ao  outro  auia  de  ser  o  que  auia  de  ser,  co- 
mo que  auiâo  de  matar  todos  os  nossos.  E  quando  os 
oiouros  souberão  o  que  foy,  &  virão  tantas  cabeças  dos 
mortos,  que  eles  cuydauão  que  auiSo  de  matkr  os  nos- 
sos ficarão  muyto  espantados.  E  ho  Xeque  conheceo  an- 
tre  as  cabeças  a  de  seu  criado  t\  foj  mostrar  ho  cami- 
nho do  baluarte  aos  Tmigos:  &  fez  por  ele  grande  pran* 
to.  E  ao  outro  dia  mandou  António  correa  enforcar  po- 
las  pernas  em  forcas  que  mandou  faz<*r  na  praya,  os 
mouros  que  morrera  na  peleja  pêra  que  os  vissem  os  das 
fustas.  E  ficou  Hagamahmut  coisto  tam  quebrado,  que 
ounca  mais  cometeo  os  nossos  posto  que  estaua  diante 
da  praya.  E  despois  disto  mandou  António  correa  fazer 
ho  baluarte,  que  foy  feito  em  deus  dias  &  meo  muyto 
forte:  &  pos  nele  por  capitão  hQ  Aluaro  de  brito,  & 
deulbe  vinte  espingardeiros  pêra  ho  goardar.  E  estan- 
do assi  chegou  d'm  Luys  de  meneses  a  hua  segunda 
feyra  ao  meo  dia.  E  entregandolhe  António  correa  a  ar» 
mada,  se  foy  pêra  (?ochim  em  hQ  galeão  chamado  sam 
Marcos.  E  foy  coele  dõ  lorge  de  meneses :  porque  so* 
bre  ter  também  seruido  naquela  guerra :  &  ser  dom 
Luys  seu  parente  lhe  tiraua  a  capitania  da  galé  em  que 
andaua ,  &  a  deu  a  outro  fidalgo  chamado  dom  Vasco 
de  lima.  E  despois  de  ser  chegado  dom  Luys  a  Chaul, 
porque  Meliqueaz  tinha  desejo  de  fazer  paz  com  ho  go- 
uernador ,  por  ter  fama  de  quam  esforçado  caualeiro  fo« 


LITRO  V.   CAPiTVLO  tXXXIf,  297 

ra  em  A  frica  mãdou  recado  a  Hagamabront  que  nâo  6- 
«efie  mais  guerra  aos  nossos  &  assi  ho  fez* 

CAPITVLO     LXXXil. 

De  como  Raix  xnrafo  ^  el  rey  de  Ormuz  se  leuâtarâo 
cótra  08  nossos  (pie  tstauão  na  cidade  ^  na  fortaleza. 

JL  artido  ho  gouernador  Diogo  lopez  de  sequeira  pêra  a 
Índia,  começou  de  entrar  era  Ormuz  a  géte  que  Raix 
xarafo  mandara  fazer  na  terra  firme :  do  que  logo  Goje 
Abexir  estribeiro  mór  dei  rey  Dormuz  deu  auiso  a  Ma- 
nuel velho:  com  que  tinha  muyto  grande  amizade.  E 
ele  ho  foy  dizer  ao  capiiSo  dom  Garda  coutinho  que 
nâío  deu  por  isso,  sem  lhe  lembrar  ho  grande  perigo  era 
que  estaua,  E  mandou  dizer  a  el  rey  de  Ormuz  que  pois 
dera  presente  ao  gouernador,  que  rezão  seria  dalo  Iam- 
b6  a  ele.  E  el  rey  por  dissimular  coele  lhe  mandou  dous 
caualos  &  hí^í  terçado,  &  cinto  &  adaga  ricos:  &  tambS 
porque  esperaua  de  cobrar  tudo  muyto  cedo.  E  nesta 
conjunção  indo  Manuel  velho,  Ruy  varela,  Miguel  do 
vaie,  Sc  algQs  outros  folgar  ate  ho  cabo  da  cidade  forão 
auisados  iK>r  Coje  abixir^  que  nSo  tornassem  por  onde 
híão  porque  os  auiSo  de  matar ,  o  que  eles  assi  fezerão 
não  tornando  por  ali.  E  tampouco  não  aproueitou  saber 
tudo  isto  Dom  Garcia  pêra  ter  mays  algQa  goarda  na 
fortaleza,  &  a  mandar  vigiar  niilhor  que  dantes  :  nem  pê- 
ra mandar  recolher  a  ela  muytos  dos  nossos  que  pousa- 
«So  fora ,  porque  os  não  matassem ,  se  fosse  verdade  ho 
leuanlamento  que  tara  claramente  se  dizia,  &  pêra  ho 
qoe  Raix  xarafo  com  muyta  pressa  se  fazia  prestes,  ar- 
mando muytas  terradas  pêra  queimar  com  elas  a  nossa 
frota:  &  armando  estancias  de  artelharia  pêra  combater 
os  nossos  na  fortaleza.  E  de  tudo  isto  ho  capitão  náo 
queria  ver  nada  nem  sabelo,  posto  que  a  obra  se  mos- 
iraua  [K>r  si  &  alem  disso  lho  dizião:  &  tamanho  foy  seu 
descaydo ,  que  mandandolhe  hu  mercador  Baneane  di- 

LIVRO    V.  PP 


t9ft  X>A    HISTORIA    BA  JNJMA 

ser  |X>r  h&  scripto  que  fo8«e  cerlo  que  na  noyte  segtiio- 
te  se  auiâ  os  mouros  de  teiumiar  &  enalar  todos  o8  ao^ 
SOS  que  pousauâo  na  cidade:  Como  que  lhe  dissera  que 
bo  leuantaaiento  dos  mouros  era  nientira  que  descao- 
sasse^  assi  se  deitou  mu^^to  descuydado  ciu  sua  cama, 
eedi  proaer  a  cousa  nenhila :  nem  soisenie  mandar  a  io* 
hão  de  meira  capitão  da  caraueJa ,  nem  a  Fraocísco  de 
sousa  bo  brauo  capitão  da  galeota  que  fossem  la  dormir, 
&  (içarão  aquda  noyt^e  na  fortaieta :  £  aào  abastou  es- 
te escripto  que  lhe  mandou  ho  Baneane,  «ae  a  inda 
aendo  Manoel  velho  anisado  por  fau«i  mouro  que  olbaasa 
por  si,  parque  ele  ouuira  aquele  dia  no  bahasar  (^ue  hç 
a  praça)  hã  pregão  da  parte  <le  Raix  xarafoi  que  mar 
lassem  todos  os  nossos  que  pousauâo  na  cidade,  &  qu^ 
auja  gvãBde  aluoroço  nos  mouros:  &  com  i)uanU>  Hàa^ 
ftuel  velho  disse  isto  a  áom  Garcia  nâo  fez  mais  que  po» 
lo  scripto  do  Baneane,  «em  Manuel  velho  com  quanto 
isto  soube  se  quis  recoÚier  a  fortaleza  nem  deu  aniso  aoa 
outros  nossos  que  pousauâo  pola  cidade  que  erâo  a^uy* 
los ,  s»  os  officiais  da  alfandega  &  bo  ouuidor  que  auia 
nom^  Aluaro  pinheiro,  &  bo  almotace  mor,  &  os  doen- 
tes que  estauâo  no  spirilal.  E. recolhidos  os  nos&os  a  suas 
pousadas  com  tamanho  deseuyda.  Aquela  noyle  q*ue  era 
de  bila  terça  feira  na  entrada  de  Noure^nbfo,  estando  to^ 
dos  no  primeiro  sono :  derâo  os  mouros  aeles,  •&  primei*- 
fsmente  ho  Xabandar  Dormus  deu  por  mar  tua  nossa 
fusia  «m  qtie  mão  estauâo  atais  ^de  dous  .grometes ,  que 
<]ua'ndo  sinl^irSo  os  mouros  se  esconderão  com  mtedo :  i& 
bo  Xabãdar  Ibe  raaiiidou  poer  ho  fogo.,  &  cuydAJQdo  qjUie 
^cau^a  de  maneira  q^:^  se  aoemlesse  logo,  foisse.a  cara*- 
-uela  que  deixou  porque  os  nossos  que  estauâo  nela  ,co- 
meçarao  de  se  fie  fender  com  muylo  esforço,  .&  por  isso 
bo  Xabandar  os  deixou.  E  se  na  .carauela  À.:iia  iii^ia  ou- 
uera  capitães  &  gente  comeiauia  tle  ser:  a  frota  dos  i*- 
migos  fora  desbaratada,  .&  eles  não  poserâo  4^m  efeito 
seu  propósito.  )E  ido  ho  Xabamdar  sairão  os  dous  gor- 
metes  que  estauâo  oa  fusta ,  &  apagarão  ho  fogo  que 


LIVRO  V.  CAPITVLO  UCXXH.  29 

andaua  nela.  E  por  esle  feito  que  bo  Xabamdar  fez  (am 
mal  lhe  mandou  el  Rey  Dormuz  poer  h&a  bealilha  co- 
mo a  molhar  por  deaonrra ,  &  em  quanto  os  mouros  fa- 
si8o  i§to  no  mar,  cometerão  outros  a  alfandega  que  es- 
taua  dous  tiros  de  besta  da  fortaleza,  &  outros  as  casas  do 
ouuidor  &  dos  outros  nossos,  que  pousauao  pela  cidade^ 
dando  grandes  gritas  com  prazer  de  lhes  parecer  que  04 
auiXo  de  matar  a  todos.  E  crendo  entSo  Manuel  velho , 
que  era  verdade  ho  leuantamento  dos  mouros  trabalhou 
com  os  que  pousauao  coele ,  &  quasi  em  camisa  c5  lan« 
ças  &  adargas  se  acolherão  fugindo  pêra  a  fortaleza :  o 
que  poderão  fazer  por  lhe  ainda  os  mouros  não  teref^ 
tomadas  as  portas  por  onde  sayrao.  E  quis  nosso  senhor 
^  era  a  maré  vazia,  que  ao  não  ser  não  fx>dcra  recolher*- 
se  na  fortaleza  sem  perigo  de  se  afogarS,  por  ser  ao  lon* 
go  dela  cuberto  dagoa  cò  maré.  E  vendo  ja  fao  capitão 
dÕ  Garcia  Coutinho  ()  bo  leuantamento  dos  mouros  era 
de  verdade,  achouse  muy  salteado  por  estar  muyto  de- 
sapercebido pêra  sofrer  cerco  como  se  esperaua :  &  hq 
f^rincipal  desapercebímento  era  não  ler  agqa  que  estaua 
m  cisterna  da  fortaleza  chea  de  lenha,  &  ela  não  tinha 
tmtra  agoa  nem  lugar  perto  donde  se  ouuesse:  &  tamb9 
àu  cobelo  que  estaua  sobre  a  porta  da  treição  !\  saya  ao 
«nar  estaua  cheo  de  lenha,  &  nenhum  tiro  dartelfaaria  es- 
taua concertado,  nem  posto  onde  auia  destar,  &  a  reuol- 
4a  era  muy  grande  pola  cidade  aasi  da  grita  dos  mouros 
€omo  dos  nossos,  que  ouue  algfis  que  se  defenderão,  asr 
ei  como  foy  ho  ouuidor  &  algOs  Ghristãos  da  terra  qu^ 
se  acolherão  ao  spirilal,  &  dali  se  defendião  porqpe  erão 
casas  fortes,  que  outras  forão  logo  arrombadas  Sc  mor- 
tos quantos  estauão  dentro,  &  elas  queimadas.  E  por 
ser  de  noyte  não  quis  o  capitão  que  lhe  socorressem  da 
fortalesa  polo  perigo  que  se  nisso  corria. 


PP  S 


300  DA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  Y  L  O    LXXXIIL 

J)e  como  08  mouro9  começarão  de  bater  a  fortaleza^  ^  de 
como  dom  Garcia  mandou  pedir  socorro  á  índia. 

Hâ  vinda  a  manhaã  começou  de  se  leuanlar  grande  la« 
bareda  de  fogo  no  niadraçal  ou  casas  onde  pousaua  ho 
ouuidor,  &  assi  oo  esprilal^  que  os  mouros  poserão  po- 
ios não  poderem  entrar :  poio  que  se  couheceo  na  forta- 
leza que  ainda  ali  estauâo  algus  dos  nossos  viuos,  O 
que  conhecendo  dom  Garcia  mâdou  os  socorrer  por  vin- 
te cinco  dos  nossos,  em  que  entrauão  Manuel  velho , 
Ruy  varela,  Diogo  fbrjão,  Vicente  dias,  &  Goni;alo  viei- 
ra, ^  lodos  biâo  bem  armados.  £  quãdo  chegara  aoMa- 
draçal  onde  pousaua  ho  ouuidor  acharão  alguOs  mouros 
com  que  pelejarão,  &  saluarâo  algOs  dos  nossos,  &  assi 
Christãos  da  terra ,  porem  ho  ouuidor  era  ja  morto ,  & 
morreo  aflbgado  do  fumo.  E  com  ele  &  com  outros  que 
morrerão  a  ferro  forão  mortos  bê  sessenta^  E  quando  so 
os  nossos  recolherão  teuerâo  hQa  grande  peleja  cõ  muj- 
tos  mouros  que  lhe  quiserão  tomar  a  dianteira,  &  muy- 
tos  dos  ímigos  forão  feridos  &  mortos :  &  os  nossos  fura 
todos  feridos  &  se  recolherão  á  fortaleza ,  &  recolhidos 
dÕ  Garcia  se  aparelhou  logo  pêra  se  defender,  mãdando 
assestar  a  artelharia  nos  lugares  necessários,  &  repartio 
as  estãeias  por  esses  principaeis  que  estauão  na  fortale- 
za. E  assi  se  despedio  lohão  de  roeira  com  recado  ao 
gouernador  de  como  a  fortaleza  ficaua  cercada  pêra  que 
mandasse  socorro :  &  Francisco  de  sousa  ho  brauo  se 
foy  logo  pêra  a  sua  galeota,  que  foy  alada  pêra  junto  da 
fortaleza  porqoe  os  mouros  a  não  queimassem.  E  nesie 
tempo  estaua  bua  nao  de  Manuel  velho  carregada  de  tâ- 
maras (que  em  Ormuz  chamão  congo)  pêra  hir  a  índia, 
&  por  as  tâmaras  serem  necessárias  na  fortaleza  pêra 
suprirem  por  pão  de  que  estaua  muyto  mingoada:  a- 
eordouse  q^ue  a  nao  íbsse  descarregada :  &  despoia  de»- 


LIVRO  V.    CAPITVLO   LXXXIII*  60i 

fèila  para  que  da  aua  madeira  se  fizessem  repairos  a  ar- 
teJbaria ,  &  assi  algQas  eslaocias  de  que  auia  grade  ne- 
eesidade,  porque  na  fortaleza  não  auia  nbua:  &  porque 
06  mouros  auiâo  de  querer  impedir  cbegarse  esía  oao  a 
fortaleza  determinouse  que  Fraucisco  de  sousa  com  a 
enchente  dagoa  a  leuasse  a  loa  na  sua  fusta  ate  ho  mais 
perto  da  fortaleza  que  podesse  ser :  &  por  terra  acode^ 
lia  Manuel  velho  cõ  vinte  cinco  espingardeiros  dos  nos« 

005  pêra  defender  que  não  chegassem  os  mouros  á  praia, 

6  sairia  pola  porta  da  treiçâo  defronte  dode  a  nao  esta- 
ua :  isto  determinado  íoy  logo  posto  è  efeito.  £  os  mou* 
ros  que  ho  virão  acudirão  logo  muytos  a  pelejar  eom  os 
nossos  assi  com  os  qoestauáo  em  terra  como  com  os  que 
atoaufto  a  nao  por  mar  apertando  os  íbrteroeate  ,  &  com 
tudo  os  nossos  derão  com  a  nao  em  seco  junto  da  forta- 
leza :  &  por  a  peleja  ser  muy- grande^  &  os  mouros  muy- 
tos ,  forão  mortos  algCls  dos  nossos  assi  na  fusta  come 
em  terra,  &  hQ  deles  foy  hum  Gonçalo  vieira  homS  muy 
esforçado,  &  os  outros  quasi  todos  feridos:  &  dos  mou- 
ros também  ho  forão  muytos,  &  algQs  mortos:  porem 
como  digo  a  nao  foy  recolhida,  &  desfeita  pêra  repairos 
da  artelharia,  &  pêra  algílas  tranqueiras  de  que  despois 
ouue  necessidade.  £  neste  tempo  adoeceo  Frãcisco  de 
sousa  que  estaua  na  sua  galeota  com  algQs  dos  nossos 
goardandoa  que  a  não  tomassem  oa  mouros :  &  por  sua 
doença  lhe  foy  forçado  recolberse  a  fortaleza :  polo  que 
bo  capilão  mandou  a  esses  principais  da  forlaleza  que 
goardassem  a  galeota  aos  quartos,  ho  que  eles  refusarão 
por  amor  da  estãcia  da  praya  que  varejaua  a  galeota. 
£  còselbarão  ao  capitão  Q  a  não  mandasse  goardar^  por^ 
Ibe  auião  de  matar  ali  a  gête  sem  seruir  de  nada,  &  ^ 
seria  melhor  poupala  pêra  defSder  a  fortaleza :  &  ho  ca- 
pitão tomou  seu  cõselho.  £  iicãdo  a  galeota  sem  go^rda 
logo  os  mouros  a  queimarão»  £  nestes  dias  chegou  ao 
porto  Dormuz  bua  nao  do  capitão  (|  vinha  da  índia  car- 
regada  darroz  &  de  açúcar,  &  doutros  mâlim&tos,  &  foy 

;ir  diãte  da  põla  em  ^  estaua  a  nossa  fortaleza :  & 


èOl  HA    tfldtOftXA    DA   iNDtA 

Mbendo  m  fioMos  a  carega  ^  a  nao  trasia  13  necessária 
peta  èe  teai|M  pela  necessidade  (|  auia  de  niJlíiiuSlos  na 
Ibrlaltíza ,  quiserfio  descarregar  logo  a  nao,  ho  capitão 
nSo  quis,  nSo  se  soube  e5  que  determinação*  E  como  {[r 
i^ue  os  fmigoÉ  ádaoSo  oiujto  alerta  pêra  faserem  dftno 
aos  nossos  teuerão  a  nao  em  espia  sabSdo  que  trazia 
«lantíuientos^  êi  bfia  noyte  lhe  poserão  ho  fogt^,  que  an- 
dando bem  ateado  nela  ,  foy  visto  da  fortaleza  de  que 
Jogo  ho  capitão  mSdoa  tirar  com  a  arteiharia  cuidando 
i)ue  fízesge  coimo  afastar  os  Imígos:  que  fazendo  escár- 
nio dos  nossos  tiros  porque  lhe  não  empecião  dauão 
frandes  grilas.  E  tendo  ho  <;api(ão  que  não  aproueíta- 
«lo  os  tiros,  mandou  a  Ruy  varela  &  a  Manaei  velho, 
i)»e  fossem  com  algSs  espingardeínos  fazer  afastar  os 
mouros^  &  eles  ho  fizerão  assi  saindo  pola  porta  da  treí« 
-çâò,  &  começarão  de  sacudir  os  mouros  que  não  vião  os 
«nossôs  com  a  grade  claridade  do  fogo  que  os  cegaua.  B 
>rendo  os  mouros  que  de  cada  .^^  mais  caiâo  muytns 
taortos  afaetarãose  antes  que  ho  fogo  se  ateasse  de  todo: 
então  chegarão  os  nossos,  &  npasfando  parte  do  foge 
eatuarão  ainda  algfl  arroz :  que  os  ajudou  a  manter  algfts 
dias. 

C  A  P  f  T  V  L  O    LXXXIIIf. 

Db  como  sabendo  Mtinud  de  sonsa  immres  ^  el  Rey  Dor^ 
muz  estana  leuantado ,  foy  socorrer  a  nossa  fortaleza : 
^  do  que  fez  em  chegando. 

liim  quanto  isto  assi  passaua  em  Ormuz  Manuel  de 
Sousa  tauares  capitão  mor  do  mar ,  andaua  como  disse 
guardado  a  costa  dos  noulaques:  &  por  hfl  grade  tem- 
))oral  que  lhe  deu  se  acdbeo  ao  porto  de  JVIazcale:  on- 
de nesta  conjunção  foy  ter  Tristão  vaz  da  veiga  que  es- 
taua  por  feytor  em  Calayate:  &  leuana  cSsigo  obra  de 
trinta  dos  nossos:  &  eslanJo  aqui  chegou  recado  dei 
Rey  Dormuz  ao  XeQ  de  Mazcato  como  ^ra  leuanlade 
contra  a  nossa  fortaleza,  que  6zesse  ele  ho  mesmo ^  & 


Livjio  V.  cAFvnhP  m^muu  ^09 

^e  «er  Jeai  aM  nowu»  oq  ppr  oAO  rc^MW^r  ^be^kq^r  a  .^ 
Rey  Dvim^z  pareçMdibe  qiue  ^fio  aiii«/49'|)6fief  hjjr  ftr 
MaQie  coifi  aquele  fi^yio:  i^wpddec)  4b  «i  Rf^D^rai»?»  qu9 
ciiào  auia  4e  »er  coniri^  qs  ^o^m»  »  aiíjle^  i>mÍ9^  do  fwr^V 
.a  vida  ppr  jeií^ís:  &  >hp.  nit^atoo  <liali^  a  ki^nu^l  d#  0f>fiw 
ji  que»  tDQSUroo  as  caf  taf  d^l  R^y  I^^MiWZf  q^die  lhe  d#ii 
j[K>r  i^o  «>uyíM  agftrd^cwi^toa,  e^  preiDessad^  ib^ 
^mwm  fettaa  i^ujlM  wd^cee^  em  .o^id^s  iM  Rt^  loLe  Pofr 
4MgaJ  fior  aquf^i»  «t^r-ui^^  qi^^^be  ía^iia*^  jd^siAfilyiiiiN» 
ele4be4du  A%ua«  p^a9  ric^sr  &.eato  WUii4d0.0à^  ^'Ai^tf 
bo  9ie<|ui9  d^  Galaifit^,  qmq  aab^odo  lip.  fiwado  dei  r^y 
vDannuz  niaiaii  logo  eisi^a  Poriugu6s««  qii#  ç^iaujio  Oft 
Jfeitpn^t :  &  bo  «[i^9«pi(^  fi^or^^a  Tft8t4o  Mas  &  ana  oiitM» 
<qu9  /ofÂu  cot^Je^-M  la  pHeu^fão^  &  toipou.Aiedlpria?  híb 

iambein  Ic^âp  dl)  t^ipr^Nq^e  búa  p^dir  .acHppirrp^A  iodia:> 
&  oottipu  a  Mian^pl  d^^outsa  bo  iií^uâtamõlio^deli-.ey  JL>^r 
^uz:  ho  {|  aabido  por  ^l«^prd^ooAi  sua  pariida  ppnà  Pbt 
«pz  i  &  di?u  ha  paraó  ^  4riKsia  a  Xr4aiao  A(fiz  da  v^Âgia 
p^ra  ir  n«^ie  cpm  o^  ^  l/P^era  d#  Calaj^alo»  £  fey.t^  iar 
Ap  lenteadea  Manu/el  U#  80M^a  em  Trisião  vaz  que  iaduir 
'Zia  a  F^Fj^iSo  daluarez  <^i:f>aicbe  qp^  ^àí^  rosnem  coeie  n 
OrfDU^ ,  <&  m  fps^eiu  ía^er  pre^aa  bm  naoa  úa»  4iioji*rQ8 
^ue  eUo  viobào  ida  India*  Q  qiae  ^oleadeodo  IV)d0u^| 
4e  ^ouM  dia^ifaulv^M  &  ipii^ou  c^s^a  berços  qup  únfaa  bo 
4>«r:aó  de  TnH^^o  v^a^?.,  ^  líi^wlbfií  ^d?  ^  pasaasae  ap  s^u 
^aleào,  (&  /qM^  )bi  uvjà  ifii&ais  .aeguco.  O  qve  Triâiâo  vaz 
4)UMe  por  giraod?  ^/[rõla^  Sa  «av  se.qAiis  passar  aogiSiÊHOv 
fintes  deiAaAdo  t^AaOíVej  de  :spius&  Sie  foy  canuMbo  Dor? 
muz,  &  eQi  jbtfta  agoada  qu^  lamaii  libe  noalarão  mouras^ 
dous  bofiM^s^  &  wilagrpsaaieiHe  pode  eai/ar  «em  Ormuz 
pola  igraáid^  »f0»^  de  ^pQurios  qs^  andaua  t^o  jnar  goar*^ 
4Íando  qua  odo  leMcaaae  Aepbu  ^hmo  boss#  na  tfortaleiza, 
E  od  ^i^io  JMaoMelde  aouaa  kio  sabia^  &  assi  ho  gran« 
tde  miiDfifo  (d^  ijgextíe  que  fesilaiMi  sobre  a  noas*  forlaleza 
não  i^viía  4evK)aF  de  Ib^  socofirej: :  jífèo  Jbe  kiuJ^raBdo  bo^ 


^04  DA   HISTORIA   BA    l^DIA 

perigo  que  corria  nisM,  &  a  perda  que  perdia  que  erãe 
bem  vi^te  init  cruzados  que  ganhara  nas  presas  que  ti« 
zera  se  se  deixara  andar  poia  costa ,  que  de  todas  qu3- 
tas  presas  fizesse  tiaha  a  sexta  parte,  por  esta  maneyra. 
Faxiase  de  todo  ho  roonte  ires  partes  tirando  prjmeyro 
«a  vintena  pêra  ho  gouernador.  E  destas  três  partes  erão 
as  duas  ^pera  ti  Rey  de  Poriugai ,  &  hua  se  partia  peio 
weyo,  ametade  pêra  ho  capitão  oiór  do  mar  Dormux, 
"&  a  outra  pêra  a  gente  da  armada.  B  partido  Manuel 
de  «K>usa  cft  Pendão  ãaluarez  çarnache  pêra  Ormicz  ama- 
nheceo  ha  dia  sobela  ilha  de  Queixome,  onde  lhe  açai- 
mou ho  vento  com  qoe  auia  dStrar  no  porto  Dorcnax ,  & 
por  Queixome  ser  dela  obra  de  legoa  &  mea  foy  Manuel 
de  sousa  visto  da  fortaleza,  &  conhecendose  ser  ele,  iia>- 
bertdo  dd  Garcia  quão  pouca  gente  tra^íía,  ooue  medo 
qiie  recebesse  dano  da  armada  dos  mouros,  que  era  <l6 
duzentas  torradas  beiyi  artilhadaã  &  fornidas  de  muytos 
frecheiros  &  outra  gente  de  guerra :  &  por  isso  mandou 
a  Tristão  vaz  da  veiga  que  artilhando  bem  hp  paraó  ena 
que  viera  ho  fosse  socorrei*,  pojsto  que  estaua  muylo  fe^ 
rido  de  quando  sayra  na  agoada^E  ele  foy  leuando  con* 
eigo  algos  dos  nossos  J\  forão  poucos ,  &  èm  ho  paraó 
saindo  pêra  ondestaiia  Manuel  de  sousa,  apartafanse 
niuytas  torradas  pêra  atalharem  ho  paraó  que  se  não  fos» 
Be  ajQtar  cd  Manuel  de  sousa ,  &  chouião  sobrele  bõbar- 
dadas  Sc  frechadas  sem  cõto,  &  os  !|  hião  no  parao  tãbS 
desparauâo  espingardas  &  bõbardadas  !)  farte*  E  passa- 
do cõ  muyto  perigo  ouuera  dir  ter  em  outro,  poríj  vgdo 
Manuel  de  «ousa  virho  paraó,  &  quão  pouca  gente  tra- 
zia, cuydou  que  era  cilada,  &^  dettauão  os  immigos 
assi  aquele  paraó:  pêra  que  cuydãdo  ele  que  era  dos. 
D0S80S  ho  deixasse  chegar  a  si  &  ho  metesse  no  fundo  ^ 
&  cuydou  q«ue  viria  ah  hum  loão  gonçaluez  goarda  mór 
Dormuz  que  era  arrenegado,  &  querendolhe  mandar  ti- 
rar com  hu  tiro,  chegou  mais  ho  paraó  &  foy  conhecido 
Tristão  vaz:  &  por  isso  Manuel  de  sousa  mandou  que 
não  lixassem.  £  chegado  ho  paraó  a  ele  determiotou  de 


LIVRO  V.  CAPITVLO  LXXXIIIT*  305 

86  recolher  á  ponta  da  fortaleza  porQ  começaua  de  de- 
cer  a  maré,  &  com  grande  presteza  mandou  a  Fernão 
daluarez  &  a  Tristão  vaz  que  se  atoassem  polas  popas 
á  proa  &  popa  do  seu  galeão ,  &  deixando  no  paraó  & 
na  fusta  algus  homens  darmas  com  os  bombardeiros  se 
recolhessem  com  a  outra  gSte  ao  galeão :  o  que  eles  lo- 
go iizerão.  E  em  quãto  se  fez  foy  cuberto  de  frechas  ho 
maslo  do  galeão,  tãtas  erão  as  frechadas  que  os  mouros 
tirauão,  &  assi  muytas  bõbardadas  de  que  nosso  senhor 
quis  goardar  os  nossos*  E  todauia  Manuel  de  sousa  se 
foy  com  a  decente  caminho  da  pÕta :  o  {}  vendo  os  mou- 
ros por  mais  que  os  nossos  lhes  tirauão  com  a  artelbaria 
se  chegarão  tanto  a  eles  que  entrauão  na  fusta  &  no  pa- 
rao,  &  isto  antes  que  Tristão  vaz  &  Fernão  daluarez  se 
recolhessem  com  os  outros  ao  galeão,  &  eles  matarão  ás 
laçadas  quasi  todos  os  que  quiserão  entrar.  E  hfl  con- 
destabre da  fusta  chamado  laques  matou  bem  seys  mou- 
ros com  hd  marrão,  &  os  outros  ho  fízerâoali  todos  muy- 
to  bem :  porque  a  fora  matarem  todos  os  que  quiserão 
entrar  ferirão  outros  muytos.  E  recolhidos  ao  galeão  fo« 
rão  sempre  pelejado  com  os  mouros  ate  chegarem  a  pon- 
ta da  fortaleza  em  cuja  praya  dom  Garcia  tinha  manda- 
do assestar  hOa  espera  com  f\  tirarão  aos  immigos  que 
seguião  os  nossos,  &  coeste  tiro  arrombarão  muytas  ter- 
radas  &  meterão  outras  no  fundo,  em  que  forão  mortos 
muytos  dos  immigos ,  &  dos  nossos  forão  frechados  oy- 
tenta,  &  hum  morreo  na  batalha  que  durou  de  iK>la  ma- 
fihaã  ate  hfla  hora  despois  de  véspera.  E  quando  des- 
pois  quiserão  amainar  a  vela  do  galeão  não  podíão  cõ  as 
muytas  frechas  que  estauão  pregadas  no  masto,  &  des- 
pois que  veyo  a  maré  se  fizerão  na  praya  muyto  gran- 
des bardas  delas.  E  desta  batalha  ficarão  os  mouros  da 
armada  tão  escarmentados  que  nunca  mais  ousarão  de 
cometer  Manuel  de  sousa  ^  ficou  no  mar  por  amor  de* 
goardar  ho  galeão  &  a  fusta.        •     . 


LIVRO  V.  oa 


soe  DA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXV, 

De  como  os  mouros  derâo  bateria  á  nossa  fortalessa ,  ^ 

do  que  os  nossos  Jizerâo^ 

f  endo  Raix  xarafo  quflo  desuíada  lhe  sayra  a  obra  do 
peosamenlo  que  leuera  de  ieuar  os  nossos  do  primeyro 
lanço  &  malaios  c6  lhes  toiçar  a  fortalessa ,  delerininou 
de  lhe  dar  bateria  pêra  coeia  lhe  desfazer  os  muros  da 
forlalexa  &  enlralos :  porque  lhe  parecia  que  vindo  coe- 
les  ás  mãos  Q  se  lhe  não  auião  de  poder  defêder  por  quão 
poucos  erão ,  &  os  seus  serè  doze  mil  homês  &  os  mais 
deles  de  feyto:  &  destes  erão  seys  mil  frecheiros,  &  es- 
ptngardeiros.  E  determinando  ele  de  bater  a  forlai<»za 
por  conselho  de  hfi  turco  (|  auia  nome  IMira  aidel  grade 
sabedor  na  guerra  ^  mâdou  faser  bua  eslãcia  nas  casas 
delrey  &  outra  na  casa  onde  fora  bo  nosso  espiritai,  que 
ficaua  âtre  a  fortaleza  &  os  paços  dei  rey,  &  afora  os  ti^ 
ros  que  tirauâo  destas  duas  estâcias  auia  outros  muytos 
espalhados  poios  paços  que  também  tirauâo  a  fortaleza, 
&  taro  amiúde  que  não  ousaua  ninguô  daparecer  nela 
por  aquela  parte,  por  onde  lhe  os  nossos  não  podião  fa» 
zer  nhft  dano:  &  fazSdo  os  mouros  muyto  aos  nossoe 
principalmente  da  estancia  do  spirital,  ouue  ho  capitão 
eonselho  de  dar  naquela  estancia,  por  ser  iúto  da  forta-« 
kza  :  &  a  casa  ser  fraca  Q  era  de  paredes  de  barro,  & 
cuberta  doía:  &  podiase  arrombar  com  bQ  vay  &  vem: 
bo  que  se  encomendou  a  Ruy  varela  &  a  Manuel  velho 
que  ho  fossem  fazer,  c&  quarêta  homês :  de  que  os  mais 
leuariâo  panelas  de  poluora  pêra  logo  pegarem  coeias  fo« 
go^  na  casa  em  que  estaua  a  estancia.  E  ao  outro  dia  fi 
amanhecendo  estando  os  mouros  bem  sem  cuidado  de 
os  nossos  saireni ,  sairão  eles  &  derâo  na  casa  tâgendo 
as  nossas  trombetas;  &  cõ  hlla  viga  de  que  âzerâo  vay 
&  vem  derâo  c5  h&  pedaço  da  parede  no  chão ,  que  fez 
portal  por  onde  os  nossos  podessem  fitrar.  Ao  que  os 


LIVRO    V.    CAPITVLO    LXXXV.  307 

tnourot  que  goardaufio  a  estancia  acodirSo  logo  cuidan* 
do  que  fo8s6  os  nossos  mais  do  que  erão:  &  defendiSo* 
se  fortemente  se  não  forSo  as  panelas  de  poluora  ^  os 
nossos  leuauSo,  cõ  que  algOs  tirarSo  aos  mouros  &  quei- 
marãnos  &  e^les  como  lançarSo  as  panelas,  seruifise  des* 
pingardas  que  leuauão:  &  começarão  a  derribamos  mou-^- 
ros  H  ho  nSo  podCdo  sofrer  fugirfio,  matando  c6  (udo 
dous  dos  nossos:  que  entrarão  na  casa  &  tomarão  a  ar* 
telharia,  que  leuarSo  a  nossa  fortaleza,  com  ajuda  dou* 
tros  q  lhe  socorrerão  pêra  os  aiudar  a  leuar  a  artelbaria : 
que  coroo  digo  leuarão  deixando  posto  fogo  na  estancia 
ou  casa,  cujos  telhados  arderão  logo  por  serem  doia ,  & 
ficou  de  maneira  que  os  mouros  não  se  poderão  mais  a* 
proueitar  dela.  E  ficando  Raix  xarafo  magoado  de  assi 
desfazer  aquela  estancia :  &  lhe  leuarê  os  nossos  a  arte* 
Ibaria  ^staua  nela  mãdou  assestar  hâ  tiro  grosso  ao  sopd 
doe  paços  dei  rey ,  que  iicaua  defronte  da  porta  prínci* 
pai  da  fortaleza  :  &  estaua  este  tiro  embuçado  porque  os 
nossos  ho  não  vissem  &  se  goardassem  dele.  6omo  não 
virão  se  não  quando  ele  tirou  hii  pelouro  de  ferro  coado 
com  (}  vazou  a  porta  da  fortaleza.  E  vendo  ho  capitão 
que  (}bradas  as  portas  ho  fiirariao  os  mouros,  acodio  lo* 
go  a  mãdar  entulhar  por  dStro  a  porta  com  área,  &  ho 
entulho  foy  tam  largo  que  ho  tiro  não  podia  fazer  nojo: 
&  pêra  quebrar  ho  tiro  dos  Tmígos  mãdou  assestar  outro 
tãbem  grosso  na  igreja,  que  estaua  em  hft  cobelo  de  fo^ 
ra  da  porta  da  fortaleza.  E  por^  tinha  por  certeiro  a  hft 
António  fernandez  condestabre  do  galeão  de  Manuel  de 
sousa,  mandoulhe  que  lhe  tirasse  ho  que  ele  fez:  & 
quebrou  ho  tiro.  Com  cujo  prazer  os  nossos  df>rão  hfla 
grãde^grita ,  &  assi  ficarão  liures  daquela  estãcia :  poré 
ainda  ficarão  aos  mouros  duas  daquela  parle,  &  outras 
duas  da  parle  do  mar,  &  hfla  delas  estaua  na  xabãdaria, 
que  tirana  ao  longo  da  praya :  que  cora  baixa  mar  era 
seruentia  antre  ho  mar  &  a  fortaleza,  por  dde  os  nossos 
andauão:  &  os  mouros  tirauão  ali  como  j)  lho  queriao 
tolher.  Ho  que  vedo  Manuel  de  sousa  mãdou  poer  de 

QOL   2 


SOS  DA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

fronte  no  mar  a  fusla  de  Fernão  daluarez  degácom  gran* 
des  arrombadas  de  cairo,  por!)  a  artelharia  dos  Imigos 
lhe  não  fizesse  nojo :  &  mandoulhe  que  tirasse  aa  esian* 
cia  dos  imigos,  &  assi  bo  fez  ele:  &  eonio  eles  nSo  ti- 
nbão  com  í\  se  emparar  dos  nossos  tiros  morriào  coeles 
muitos:  polo  que  ouuerâo  por  seu  barato  daleuantar  a 
estãcia,  &  com  outras  duas  qiie  ibes  ainda  ticauão  da 
bâda  do  mar  não  cessauão  iodas  as  noytes  de  bater  a 
fortaleza  por  a!\\ã  parte,  &  de  dia  com  outras  duas  da 
banda  do  sertão:  assi  que  continuamente  Ibe  dauâo  ba* 
teria,  com  que  não  faziâo  tãto  nojo  nos  muros,  nem  nos 
cobelos  da  fortaleza  por  a  artelbaria  ser  miúda,  quanta 
era  a  oppressam  que  dauão  aos  nossos  tolhSdolhes  que 
não  aparecessem*  E  coisto  &  com  a  fome  que  ja  auia 
antre  os  nossos  fugirão  pêra  os  mouros  algQs  dessa  gen- 
te baixa,  &  disserâo  a  Raix  xarafo  que  na  fortaleza  auia 
grande  fome :  &  que  auia  muitos  doentes  dela  &  do  tra* 
balho  que  leuauão.  E  auendo  obra  de  quinze  dias  que 
duraua  a  bateria,  vendo  Raix  xarafo  bo  pouco  dano  que 
a  fortaleza  recebia:  &  quam  seguros  os  nossos  estauâo^ 
tomou  conselho  com  Mira  aydeL,  ho  turco  que  disse :  que 
lhe  acÕseJhou  que  escalasse  a  fortaleza,  &  ^  lhe  parecia 
que  a  tomaria ,  porque  a  sua  gente  era  muyto  mais  j)  a 
nossa  em  demasia,  &  mais  folgada,  &.  a  nossa  doenie 
&  casada  do  trabalho  8&  da  fome :  &  que  cometesse  tam« 
b8  a  porta  do  alcajde  mór,  quebrandoa  com  ha  tiro. 
E  parecendo  isto  hè  a  Raix  xarafo  mãdou  logo  fazer 
muytas  eacadas  pêra  este  feito. 


LITRO   T.   CAPITVLO    LXXXVf.  ^09 

CAPITVLO    LXXXVI. 

De  como  os  mauros  qimerâo  tscaiar  a  fortaUza :  ^  m 
nossos  lhes  quebrarão  as  escmlas  com  a  artelharia ,  ^ 
de  como  vetiiio  os  mouros  ho  dano  que  recebiâo  dos  no»' 
SOS  com  medo  do  socorro  da  Ináia  despejarão  a  cidade. 

Hl  ordenâdose  aasi  islo ,  com  que  09  dobsos  correrão 
grande  risco  de  serem  loniados  se  ouuera  eflfeiío,  quii 
nosso  senhor  que  fugio  ha  mouro  da  cidade  pêra  a  nos- 
sa  fortalesa,  &  descobrio  o  que  os  mouros  fabricauào: 
o  que  afrigio  0^)^10  aos  nossos,  porque  vião  ho  grande 
perigo  que  era.  O  ^  sabido  pelo  capitão  ouue  conselho 
sobre  o  que  faria,  &  acordouse  que  pêra  quebrarem  as 
escadas  posessê  sobre  as  ameas  dos  muros  &  dos  cobe* 
los  vigas  roujto  grossas  com  grades  pedras  nelas  &  aia* 
^as  por  cabos :  &  nas  goarilas  &  cobelos  da  fortaleza  es- 
teuessem  jarras  de  poluora  &  panelas  pêra  deitarem  8o« 
bre  os  Imigos.  E  porque  se  fosse  cousa  que  cometessem 
a  poria  do  alcayde  mor,  que  serrassem  logo  os  esteos  de 
bua  ponte  que  tinha  diante  por  onde  entrauâo,  &  que  R* 
casse  iSo  pouco  por  serrar  que  quebrassem  logo  com 
qualquer  peso,  &  que  deilassS  debaixo  muyta  ola  &  le- 
nha seca :  pêra  que  caindo  a  ponte  com  os  mouros  lhe 
acodissem  com  poiuora  com  ^  se  acfidesse  a  lenha  &  os 
queimasse.  £  estando  os  nossos  apercebidos  como  digo, 
sairam  bfi  dia  os  mouros  com  as  escadas  pêra  escala- 
rem a  fortaleza  por  bua  parte,  &  vinha  grande  corpo  de 
gente  darmas  coelas,  dando  grandes  gritas  de  prazer 
cuidando  que  }a  os  nossos  erfto  tomados ;  que  logo  aco* 
dirão  ao  muro  &  cobelos  que  estauão  daquela  parte ,  & 
despararão  a  artelharia  nos  imigos,  que  cumo  vinhSo  em 
corpo  não  somente  matou  miiytos  deles,  mas  Qbrou  a 
mor  parte  das  escadas,  que  era  o  que  os  nossos  preten- 
diâo,  &  com  tamanho  dano  se  recolherão  os  imigos.  E 
raix  xarafo  vendo  as  si|as  escadas  quebradas  não  quis 


SIO  HA   HiSTOfIfA    OA    INMA 

tornar  a  intentar  de  fazer  outras,  porque  lhe  pareceo  {) 
era  escusado  poder  escalar  a  fortaleza,  &  tornou  a  dar 
bateria.  E  mSdou  armar  h&  trabuco  em  hfi  pátio  dos  pa- 
ços dei  rey  com  que  lançase  pedras  na  fortaleza  &  ma- 
tasse o8  nossoe.  E  assi  fora  se  os  mouros  souberflo  tirar 
4M>m  bo  trabuco,  mas  nSo  sabiSo,  &  erraufto  a  fortaleza. 
£  juQtamete  coisto  oome<^u  de  criar  húa  parede  de  oy- 
to  pés  de  largo,  por  detrás  doutra  que  estaua  da  banda 
de  loeste  em  ()  tinbio  hfla  estancia,  cÒ  tençáo  de  orecer 
tanto  a  parede  em  alto  (}  sobejasse  por  cima  da  fortal^ 
za  pêra  asseniarfi  ali  a  artelbaria  &  tirara  dentro  toque 
se  assi  fora ,  fora  os  nossos  dest roídos  &  ningu6  nSo  ou* 
sara  daparecer.  E  fazendose  assi  esta  parede  Manuel  ve«- 
lho  que  vigiaua  daquela  parle  tSo  perto  daquela  parede 
que  ouuio  bater  hQa  noite,  conheceo  que  era  obra  que 
ee  fazia,  &  chamou  Ruy  varela  que  vigiaua  bi  perto,  & 
assentando  que  se  fazia  parede  disserSno  ao  capitão , 
que  despois  que  assentou  que  se  fazia  parede  da  outra 
banda  daquela  velha,  mâdoulhe  dar  bateria  com  duas 
esperas ,  que  atroarSo  a  parede  de  maneira  que  se  fez 
bua  abertura  de  dous  dedos  dalto  abaixo,  &  assi  fizerSo 
algOs  buracos ,  por  onde  ho  capitão  assentou  l\  se  me- 
tesse jarras  de  poluora  pêra  se  lhe  dar  fogo.  E  antes 
disto  mâdoo  poer  muytos  capacetes  em  paos  ao  derre* 
dor  das  ameas  do  muro  quanto  sobejassem  hum  pouco 
por  cima  das  ameas ,  que  cuydassem  os  mouros  (}  erjio 
homSs :  &  mãdou  embandeirar  a  fortaleza  &  tanjer  as 
trombetas  &  repicar  ho  sino  àn  vigia,  pêra  que  os  mou« 
ros  cuidassem  que  era  vindo  socorro  ú  fortaleza,  &  lhes 
Qbrar  os  corações:  o  que  eles  cuydarSo  ouuindo  estas 
alegrias ,  &  vendo  tãtos  capacetes  &  murrSes  acesos.  E 
na  noite  seguinte  que  fazia  grande  tormenta  de  vento 
nordeste  forSo  Manuel  velho  &  Ruy  varela  leuando  jar- 
ras &  panelas  de  poluora  que  fizerão  meter  poios  bura- 
cos questauSo  feitos  na  parede  velha,  &  coisso  algua  ola. 
B  do  pé  da  abertura  fizerão  hO  formigão  grosso  de  poU 
ttora  ate  a  fortaleza :  donde  despois  de  recolhidos  lhe 


LIMRO    y.  «APlfflOO  IXXXNU  B  1 1 

poserSo  fogo,  que  correndo  por  ele  enlrou  pela  abertura 
&  deu  na  ola  de  que  se  aoendeo  nas  jarras  &  dali  em 
húa  eslãcia  que  ali  estaua  em  que  Jogo  ho  fogo  pegou  & 
dela  saltou  nos  paços,  &  deles  se  CM>meçou  dalear  pola 
cidade  começando  de  se  atear  em  casas  doía  que  esla- 
uSo  nos  lerradus,  que  como  ja  disse  estão  tam  perto  bihi 
dos  outros  |)ola  estreiteza  das  ruas  que  logo  saliaua  ho 
íbgo  dús  nos  outros ,  &  nunca  por  mais  que  os  mouros 
trabalharão  polo  apagar  quando  se  começou  datear  na 
estancia  nunca  poderão:  &  ho  grande  vento  que  fazia 
ho  acendeo  táto  que  fez  muyto  grade  perda  nas  muitas 
casas  Q  queimou  pola  cidade,  &  mais  acabou  de  <lerri« 
bar  a  parede  velha  ode  foy  posto :  &  ela  derribada  ficou 
discuberta  a  noua  que  seria  daltura  de  três  braças ,  & 
de  comprimento  duia  grade  tiro  de  pedra :  &  do  cobelo 
de  Ruy  varela,  &  do  de  Manuel  velho,  a  deribarao  com 
as  duas  esperas  que  digo,  &  também  quebrarão  ho  tra* 
buço  por  ficar  descuberto  que  se  via  da  nossa  fortaleza, 
&  tudo  isto,fa2Íão  os  nossos  com  grandes  gritas  &  tájer 
de  trombetas  &  repiear  da  sinos ,  (\  quebraua  mu jto  ho 
coração  aos  Imigos,  vendo,  quam  mal  lhos  bia  &  que  os 
nossos  lhe  não  auião  medo  &  não  somente  lhes  foy  feito 
este  dano:  mas  outros  muytos  pola  cidade  com  bfl  cão 
pedreiro  que  tiraua  tiroe  perdidos  &  otttros  muytos  que 
deu  no  seu  alcorão.  E  por  isto  &  porque  se  Raix  xará* 
fo  temeo  que  viesse  socorro  da  índia  ^  tam  supitamente 
como  viera  iVlanuel  de  sousa,  &  a  nao  de  dojii  Garcia, 
&  ho  parao  de  Tristão  va£ :  determinou  cõ  el  Rey  de 
despejar  a  cidade ,  &  irse  pêra  a  ilha  de  Queixome ,  íc 
assi  ho  fizerào  despejand»  primeiro  a  gente  toda  sua  fa- 
zenda :  &  quando  se  el  Key  sayo  com  toda  a  gente  da 
cidade ,  que  foy  bua  noy te  màdou  Raix  xarafo  poerlha 
fogo  porque  se  oe  noseos  não  lograssem  dela» 


112  -  DA   HISTORIA    DA    TNDIU 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXVII. 

■ 

Do  que  passou  antre  os  nossos  despois  que  os  mouros  des^ 

pejarão  a  cidade. 

Mlá  conhecendo  eles  a  causa  do  fogo,  como  foy  manhaA 
lhe  fora  acodir  &  bo  apagarflo  despois  de  ler  feita  muy 
grande  perda,  &  apagado  acharão  ainda  algOas  taoaaras^ 
&  cisternas  com  agoa,  que  se  não  acharão  se  perderão 
todos  com  sede  por  nSo  auer  na  fortaleza  agoa  nenhfia 
&  quasi  nenhfls  manlimen(os,  porque  auia  perlo  de  dous 
meses  que  duraua  ho  cerco:  &  tamanha  foy  a  estreite- 
za da  regra  por^  se  daua  a  agoa,  &  os  roãtimentos  l\  a 
cada  pessoa  se  não  daua  |K)r  dia  mais  que  dous  peque* 
nos  púcaros  dagoa ,  &  dous  paSs  mais  pequenos  que  híl 
punho  cada  hum,  &  não  comiâo  coeles  mais  que  hQas 
poucas  de  (amaras:  86  coesU  regra  não  6cou  na  fortale^ 
2a  gato  nem  rato  que  não  fosse  comido,  &  assi  se  co* 
merão  oyto  caualos  J\  nS  auia  mais  na  fortaleza :  &  es- 
tando os  nossos  cÕtenfes  pola  agoa  que  acharão  nas  cis« 
ternas  despois  da  ida  dos  mouros,  sobreueolbes  hO  gran» 
de  desastre,  pêra  que  lhe  prestasse  ^mal ,  &  foy  t\  como 
na  cidade  ficassem  muytos  gatos  dos  mouros  como  se  vi- 
rão sem  gente,  hiãose  com  fome  pêra  a  fortaleza,  &  en- 
trauão  polas  bõbardeiras,  que  os  nossos  taparão  por  se 
desapressarem  deles :  &  como  os  gatos  não  acharão  por 
onde  ir  á  fortaleza :  &  a  sede  os  apertaua  deitarãse  nas 
cisternas  pêra  beber  nelas,  &  afogauãose  dentro:  &  quãr 
do  os  nossos  soubera  isto^  ja  estaua  a  agoa  danada,  po- 
r^  pola  necessidade  t\  tinbão  coziãna,  &  assi  a  bebião: 
&  com  tudo  perdeose  muyta*  E  tornado  a  necessidade 
a  crecer  como  dantes,  ouuese  conselho,  que  fosse  Ma- 
nuel de  sousa  tauares  com  sua  armada  a  buscar  agoa: 
&  primeiramente  á  ilha  Dangão,  que  he  hQa  parte  da 
de  queixome.  E  por  Manuel  velho  saber  bS  a  lingoa  foy 
no  paraó  com  Manuel  de  sousa ,  &  no  caminho  Qymou 


LIVRO   V.  CAPITVLO  I.XXXVII.  313 

duas  nãos  de  mouros  que  estauSo  surtas:  &  não  podSdo 
tumar  agoa  em  Angão  passou  auante  a  hfl  lugar  chama* 
do  Gidi  quatorze  legoas  de  Ormuz ,  &  hi  tomou  agoa  & 
se  tornou  com  grande  prazer  dos  da  fortaleza,  com  quã* 
to  a  agoa  nâo  foy  tanta  que  lhe  matasse  a  sede:  &  a 
fome  dos  mantimentos  era  de  cada  vez  mais.  E  ho  mes- 
no  auia  antre  os  mouros  porque  indo  eles  buscar  mãti* 
mentos  á  terra  firme  hião  demandar  a  ponta  da  nossa 
fortaleza  pela  banda  do  norte ,  bo  que  entendendo  os 
nossos  os  esperauSo  ali  no  paraó  &  na  fusta ,  &  tomando 
os  lhes  daaSo  fudo  &  muy  poucos  escapauão  desta  mor- 
te: peio  ()  eles  mudarão  a  seruentia  peia  banda  dosut, 
onde  parece  que  quis  nosso  senhor  que  se  leuantou  na- 
quele canal  por  onde  as  terradas  dos  mouros  hião  hQ  ba- 
leato  segundo  seu  tamanho  &  feição,  &  este  as  çoçobra- 
na  com  tanta  diligencia  que  parecia  !)  não  viera  ali  pê- 
ra outro  fim :  ho  que  vendo  os  nossos  louuarão  muyto  a 
nosso  senhor  por  Iam  bom  socorro  conro  aquele  fora:  & 
leuauão  grande  passatempo  em  ver  como  ho  baleato  ço- 
çobraua  as  terradas  dos  mouros,  que  vendose  tão  perse- 
guidos assi  dos  nossos  como  do  baleato ,  não  ousarão  de 
sair  de  Queixome  a  buscar  mãtimentos:  pelo  que  foy  a 
fome  tamanha  atreles  que  morrerão  muytos.  E  cuydan- 
do  eles  que  fosse  assi  antre  os  nossos ,  pêra  ho  saberem 
fizerão  fugido  a  faõ  mouro  principal  que  auia  nome  Coje 
jeialtalebo,  grade  priuado  dei  rey  Dormuz  &  conhecido 
dos  nossos :  com  qu6  se  deitou  dando  a  entender  que 
hia  desauindo  delrey  dormuz.  E  sospeitando  ho  capitão 
ao  que  hia  lhe  mãdou  dar  pão  &  agoa  muyto  boa  que 
tinha  em  jarras,  dizendolhe  !}  comesse  afouto  í\  tinha 
muyto  mantimento.  E  ho  mouro  bebia  a  medo  como 
que  receaua  que  fosse  a  agoa  salobre  dos  poços  da  ilha : 
&  quando  a  achou  doce  espantouse:  &  muyto  mais  por- 
que os  nossos  meterão  hQ  tanque  de  pao  na  boca  da  cis- 
terna que  estaua  chea  de  lenha,  &  ho  tanque  dagoa  do- 
ce, de  que  tirarão  perante  bo  mouro  cS  hu  coco  per  hfla 
corda  curta:  &  ele  cuydoa  que  a  cisterna  estaua  chea 

LIVRO   Ym  RR 


314  DA    HISTORIA    JU  IWDIA 

Uagoa,  &  bo  mesmo  ibe  (izerâo  crer  em  bua  (ulha  a  qu6 
6zerâo  outro  sobrado  hu  dedo  abaixo  das  bordas,  &  co« 
brirãorio  de  trigo  como  que  eslaua  chea:  do  {|  se  ho 
luouru  espantou  muyto  polo  grande  discurso  do  cerco  ^ 
Hi  como. ele  não  vinha  a  saber  mais  que  aquilo  lornous- 
se  a  Queixome  dali  a  algOs  dias.  £  nisto  bo  capiíSo  da 
fortaleza  se  começou  de  cartear  com  ei  Rey  Dormuz,  & 
uiandaua  fazenda  a  Queixome  per  hQ  António  ferDâdea 
cristão  nouo  &  seu  criado  que  era  tingoa:  &  el  í\ey  lhe 
inandaua  tao  bem  carias  &  presentes ,  bo  que  pareeea 
mal  a  esses  tidalgos  &  caualeíros  &  officiais  dei  Uvy ,  & 
estranharão  ao  capitão  ho  que  fazia :  dizendo  que  bo 
oão  auia  de  fazer  assi  porque  eles  estauào  naquela  for* 
taleza  que  era  dei  Rej  aquém  auiáo  de  dar  conta  dela* 
£  dizendo  dom  Garcia  que  ele  era  capitão  que  faria  ha 
que  quisesse  9  disserâolhe  que  não  faria  nem  ho  podia 
^er  sem  seu  cõselbo,  &  quisseráono  prêder  &  fazer 
oulro  capitão:  se  não  chegara  oeste  tem|)o  dom  Gon-- 
calo  Coutinho  seu  irmão ,  que  vinba  da  ludia  em  ao<* 
corro  da  fortaleza. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXVIil. 

De  como  dom  Gonçah  coutínhofoy  em  socorro  da  fariam 
leza  Dormuz.  E  de  como  el  Rey  Dormuzfoy  morta 
por  mandado  de  Raix  sara/o. 

Jl  orque  lohão  de  mei^ra  qrue  ho  (oj  pedir  á  índia  cbe« 
gado  a  Cochim,  õde  aehou  dom  Duarte,  &  Diogo  lopex^ 
deulbe  as  cartas  de  dom  Garcia  em  que  contaua  bo  es* 
tado  em  que  ficaua  a  fortal^eza:  sobre  ho  que  ouuprão 
ambos  conselho  eoesses  BUalgos  capitaSs,&  pessoas  prin-* 
cipais  da  Ii>dia:  em  q  Dk)go  lopez  dizia  que  por  quan- 
to doQ)  Luia  de  weneses  capitão  mor  do  mar  estaua  o* 
cupado  na  fortaleza  deChaul  que  fosse  logo  em  socorro 
dos  Bossoa  Francisco  de  sousa  tauares  no  galeão  sam 
Diais ,  &  d&  Duarte  não  qjuía  diaeado  que  aq^uilo  per- 


LIVRO  V.  OAPirVLO  LXXXVIII.  31è 

(«ncia  a  dom  Luis  seu  irmão  ^  mandaria  ho  socorro  que 
fosse  necessário  ate  ele  poder  hír,  &  qu«  hiria  inuernar 
a  Ormuz.  E  acordado  isto  screueolhe  togo  que  madasse 
lio  socorro,  &  ele  mSdou  a  dono  Gonçalo  coutinho  por 
ser  irmSo  de  dom  Garcia :  &  foy  no  s«u  galeio  qoo  le« 
uou  carregado  de  mantimentos,  &  com  a  gente  neoes- 
«ária.  E  dissesse  t\  dom  Gonçalo  em  chegando  foj  pri* 
tneíro  a  Quejxome  que  entrasse  na  nossa  fortaleza,  & 
fisitou  ai  rey  Dormuz  aqisem  vêdeo  muyta  parlo  dos 
laaatimeotos  que  ieuaua,  &  por  isso  lhe  deo  muytas  pe^ 
^as  ríoas,  afora  bo  dinheiro  que  se  mòtaua  nos  mSti* 
noBtos.  E  desembaroado  ele  na  fortaleza  oessarSo  ai 
dissensoSs  que  auia  antre  os  officíais  da  fortalecia  jc  pBB^ 
eoae  principais  dela  &  bo  capitão !  porque  dom  Gonçalo 
bo.  fauoreceo  com  sua  chegada :  &  coest^  socorro  acaba* 
râe  OB  nossos  de  ficar  de  todo  seguros  dos  mouros,  antre 
quem  neste  tfpo  agia  grandes  Imizadea  principalmente 
âlre  Raix  zarafo,  &  Miramahmet  morado,  que  era  muy* 
to  priuado  dei  Rey  Dormuz  porque  el  Rey  lhe  dormia 
com  sua  molher,  &  por  esta  priuan<^  lhe  queria  Raix 
sarafo  grande  mnl ,  &  também  a  el  Rey  a  que  determi- 
nou de  tirar  a  vida,  &  que  faria  Rey  qu8  quisesse  pêra 
ter  toda  a  gouernança  do  reyno  como  no  tempo  passado 
teuera  seu  pay:  &  assentado  isto  com  seus  parentes, 
emcomendou  a  morte  dei  Rey  a  Raix  xarnixii":  que  ho 
afogou  secretamente  com  a  corda  de  hG  arco.  E  assi 
foy  comprido  ho  que  seu  pay  dei  rey  lhe  pronosticou 

Juando  lhe  conselhaua  que  não  se  leuantasse  cõtra  os 
'ortugueses  porque  lhe  não  auião  de  tomar  mais  que  a 
fazenda ,  &  os  mouros  a  fazenda  &  a  vida.  E  morto  el 
Rey  fez  Raix  xarafo  Rey  Dormuz  a  Patxá  roabmetxá 
que  fora  filho  de  Raix  çafardim:  a  que  Afonso  dalbu- 
quer^  tomou  Ormuz  a  primeira  vez  como  disse  no  Iiuro 
BegQdo,  &  este  fez  Raix  xarafo  Rey  porque  lhe  dormia 
c5  sua  may :  &  morto  el  Rey  fugio  logo  Miramahmet 
morado,  &  Raix  xarafo  ficou  com  toda  a  gouernança 
do  Reyno. 

RR  2 


S16  lU  U18T0RIA  VA  UIDljl. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXIX. 

Dê  como  Diogo  hpez  entregou  a  geuemança  da  índia  u 
dom  Duarte  de  menesesy  ^*  se  purlio  pêra  Portugal. 

Jl  assãdose  estas  cousas  S  Ormuz  fezse  prestes  a  arma- 
da Q  auia  de  bir  pêra  Portugal.  E)  carregadas  as  naoA 
entregou  Diogo  lopez  de  sequeira  a  guuemança  da  ili- 
dia a  dom  Duarle  de  inenet»es,  dandolbe  ele  conhecw 
mento  de  como  a  recebia  com  laata  gente,  tanta  ar^ 
telharia,  &  tantos  oauius.  E  isto  feito  einbarcousse  Dio^ 
go  loppz,  &  coele  dom  Aleixo  de  meneses,  &  outros 
iiiu^^tus  fidalgos  que  tiuhão  acabado  de  seruir  seus  cal^ 
regos  aa  Índia,  &  outros  que  hião  pedir  satisfação  cfo 
«eus  seruiços,.  &  em  Dei&hro  de  mil  &  quinhentos  & 
vintehura  se  partirão  de  Cuchim  pêra  Portugal,  onde 
com  ajuda  de  nosso  senhor  chegou  esta  armada  a  qu« 
Bam  soube  ho  que  aconteceu  oa  viagem. 

L  A  U  S    D  E  Ol 


AcAhoude  de  6t»pFemip  a  presente  obra  per  loSo  da  barreira  de 
loft  aluares  em  a  aiuyto  nobre  &  sempre  leal  cidade  de.  Coimbra^ 
Aos- XV.  dias  do  mes  de  Outubro  de  M.  D.liiú 


TAVOADA 

DO  QVARTO   LIVRO. 


C, 


APiTVLo  I.  De  camofay  reformada  a  pez  amt  a  Raj^ 

nlia  de  CotUâo.  Pag.       1 

Cap.  II.  De  como  os  mouros  de  Batícalá  se  kiumtarão: 

^  matarão  xxiiiu  Portugueses^  8 

Cap.  111.  De  como  ho  gouemador  visitou  as  fortalezas  da 

costa  da  Índia ;  ^  do  mais  que  fez.  % 

Cap.  1111.  De  como  remâoperezdandrade  partia  de  Mala* 

ca  pêra  a  China ,  ^  de  como  arribou  com  tempo.  6 
Cap.  V.  Do  q  acôteceo  a  Anrrique  leme  em  Peyú.  7 

Cap.  vr.  De  como  dom  Aleixo  de  meneses  chegou  a  Or^ 

muz  ^  vrendeo  Simão  dandrade.  10 

Cap.  vii.  Da  segunda  armada  que  fez  ho  Scldâoperamâ" 

dar  á  Índia  cõtra  os  tuássos :  ^  a  causa  porque  lá  não 

foy.  II 

Cap.  viu.  Do  que  passou  Fernão  ealden^a  eom  dom  Go- 

terre^  ^  de  como  foy  morto  na  terra  firme.  13 

Cap.  iJK.  De  co^nojorâo  niortos  quatro  dos  nossos<  no  ser-- 

tão  de  Cochim.  15 

Cap.  x^  De  como  ha  gjouemador  partia  pêra  ha  estreito 
<    a  buscar  a  armada  do  soldâo.  l  & 

Cap.  XI.  De  como  ho  gouernador  soube  que  çoUimào  rex 

era  senhor  de  ludá :  ^  linha  hi  varadas  aã  gales :  ^ 

determinou  de  peidar  coele.  1  ^ 

Cap.  XII.  De  como  ho  gouernador  chegou  á  cidade  delu^ 

dáy  ^  a  causa  porque  a  não  tomou.  22 

Cap.  xiiK  De  €omo  ho  gouernador  se  partio  pêra  Catnch 

râo  9  ^  da  muyta  gente  q  lhe  merreo.  27 

Cai^.  XI III.  De  como  Eytor  rodriguez  de  Caibra  eô  Itcí" 

fa  da  raisèhm  de  Goulâo  fez  hàa  casa  de  feytoria  em 

Coulâo.  ao 

XV.  Do  risco  ^  correrão  os  Portugueses  que  estauão  € 

Omioo  em  çaimto  ko  gouernador  foy  no  estreito. 


S18  TA  VOADA. 

Cap.  XVI.  De  como  dom  Femâdo  de  monrroi  ^  loâo 
gonçaluez  de  coítelo  brâco  iomarôo  duas  nãos  de  mou- 
ros  nas  ilhas  de  Maldiua.  33 

Cap.  XVII.  Do  que  fez  dÓ  loâo  de  Monrroi  indo  darma" 
da  de  Goa  ate  ChauL  34 

Cap.  x^iii.  Da  entrada  que  fez  Dom  Fernando  numr* 
roi  na  terra  Jirme  de  Goa^  ^  de  comofoy  desbaratado 
^  for&  mortos  muytos  dos  que  leuaua.  36 

Cap.  XIX.  De  cowjo  o  gouernador  queimou  a  cidade  de 
ZeUa ,  4*  ^  V^  Ihejisserâo  ê  Adem.  39 

Cap.  XX.  De  como  de^pois  do  gouernador  partir  Dadem 
Uie  morreo  muyta  gente ,  ^  a  frota  foy  ter  a  diuersas 
partes:  ^  de  como  ele  foy  a  Ormuz.  42 

Cap.  xxr.  De  como  ho  Htdalcão  mandou  çttfolarim  seu 
capitão  com  trinta  mil  homfs  sobre  a  ilha  de  Goa,    44 

Cap.  XXII.  Do  que  fez  dom  Goterre  capitão  de  Goa  des^ 
pois  ^  se  nio  cercado.  47 

Cap.  XXIII.  De  como  pifolãrim  assentou  seu  arrayal  na 
terra  Jirme  ^  ^  do  ardil  ^  dô  Goterre  teuepera  se  ma- 
tara muytos  mouro9.  48 

Cap.  XXI III.  De  como  çufolarim  começou  de  dar  bateria 
á  nossa  fortaleza :  ^  como  lhe  09  nossos  ^brarâo  hú 
camelo  com  q  a  dauã.  49 

Cap.  XXV.  Do  quererão  sete  difs  nossos  no  arrayal  dos 
immigos ,  ^  de  como  ho  Hidalcâo  môdou  leuantar  ho 
cerco.  5 1 

Cap.  XXVI.  De  como  chegou  á  índia  António  de  salda- 
nha  por  capitão  mór  de  cinco  nãos  ^  ^  de  como  o  go- 
uemadar  chegou  Dormuz^  ^  do  qatfez  a  Fernão  dal- 
caçoua.  53 

Cap.  xxvif .  De  como  Fernão  perez  dandrade  tornou  a 
partir  pêra  a  China ,  ^  da  discrição  da  China :  ^  de 
seus  costumes.  *   64 

Cap.  xxyiii.  De  como  Fernão  perez  chegou  ao  porto  da 
ilha  da  veniaga ,  ^  de  como  se  lhe  ouuera  de  perder 
a  frota  estando  no  porto.  80 

«Cap.  XXIX.  De  como  vendo  Fernão  perez  que  ho  Pio 


Ike  nâo  ^eria  der  despacho  se  pariw  pêra  Caníôo  ^ 
^  do  $Uw  de  Cantão.  6S 

Cap.  XXX.  De  como  ho  capitão  mór  chegou  a  Cantão^  ^ 
de  cotno  despois  chegarão  ho  CÔquam ,  Compim  ^  ho 
Tutâo.  1^6 

Cap.  XXXI*  De  como  ho  capitão  mór  mâdou  recado  aó 
Tutão ,  ^  foy  escripk^  a  el  rey  de  sua  chegada.  E  de 
como  detxâdo  ho  embaixador  em  Cantão  se  tornsnu  á 
ilha  Dauenicíga,  69 

Cap.  xxxii.  Das  armadas  que  ho  gouernador  mandou 
pêra  fora  da  índia.  7  2 

Cap.  xxxiu.  De  como  ho  gouernador  foy  iuemar  a  Co- 
chi.  74 

Cap.  xxxiiir»  De  como  dom  Aleixo  de  meneses  chegou  a 
Malaca  ^  cunhou  q  lhe  fazia  guerra  el  rey  de  Bintâo.  76 

Cap.  XXX V.  Em  que  se  escreuem  as  ilhas  de  Maldiua^ 
^  o  que  ha  nelas.  E  de  como  dom  loâo  da  siluesra  as-^ 
sentou  paz  d*  trato  com  el  rey  de  Maldiua.  77 

Cap.  XXXVI.  De  como  ho  capitão  már  do  mar  António 
de  Saldanha  foy  fazer  presas  ao  cabo  de  Goardafum , 
^  do  que  lá  fez.  79 

Cap.  XXXVII.  Em  que  se  escreue  ho  grande  ^  abastado 
reyno  de  Bengala.  8t 

Cap.  XXXVIII.  De  como  dô  loão  da  sUúeira  aportou  na 
cidade  de  Chetigâo ,  ^  do  ^  lhe  aconteceo.  84 

Cap.  XXXIX.  Como  vedo  ho  Lascar  de  Chetigâo  §  nSopo^ 
dia  tomar  ho  capitão  már  lhe  armou  húa  t^ei^êo^  ^  de 
coma  ho  nosso  senhor  Kurou  dela.  8$ 

Cap.  xl«  De  como  lorge  mazcarenhas  foy  u  itírru  do$ 
Lequios  ^  do  que  lá  wiesou.  9  í 

Cap.  xli.  De  como  sabendo  ho  capitão  mór  Fernão  t>e- 
rez  ho  aperto  em  q%ie  estaua  Mulaea  se  paríSo  da  uhã 
da  veniaga ,  ^*  de  como  chegou  a  Malaca^  92 

Cap.  xlii.  De  come  ho  gouerimdor  se  partio  pêra  a  ilha 
de  Ceilão  a  fazer  húa  fortaleza :  ^  de  como  inouros 
de  CalicuV  acéseiharãa  a  èlrey,  de  Ceilão  que  lhe  »&> 
desse  fortaleza.  94 


S20  TAVOADA. 

Cap«  xi:.irr«  Dt^  como  ho  goutmador  sayo  em  terra  ^ 
éesbaraiou  os  imigos  ^  se  fortaleceu  nela ,  ^  de  Círnio 
lhe  el  rey  pedio  paz  ^  ele  começou  a  fortaleza.         97 

Cap.  XÍ.IIII.  De  como  Diogo  lopez  de  sequeira  pariio  pêra 
a  índia  por  gouernador  dela^  ^  de  como  chegou  lá.     1 00 

Cap.  xlv.  De  como  Afonso  lopez  da  costa  foy  c6  os  ou^ 
tros  capitães  pêra  tomar  a  tranqueira  de  Muar  ^  se 
tomou  sem  ho  fazer ^  4*  dã  ardil  com,  que  el  rey  de  Bin-' 
tão  quisera  tomar  Malaca.  101 

Gap.  xlvi.  De  como  el  rey  deBitÔo  pos  em  execução  hú 
ardil  pêra  tomar  a  nossa  fortaleza ,  ^  de  como  os  seus 
forão  desharaiaàos  pelos  Portugueses.  lOé 

Cap.  xlvii.  De  como  Duarte  de  melo  capitão  mór  do 
mar  de  Malaca  foy  com  outros  capitães  sobre  a  trã-^ 
queyra  de  Muar  ^  a  tomou.  E  de  como  dom  Aleixo 
mandou  dom  Tristão  de  meneses  a  Maluco  assentar  a-* 
mizade  com  os  seus  reys.  106 

Cap  xlviii.  Do  que  aconteceo  em  Malaca  despois  dapar^ 
tida  de  dom  Aleixo  de  meneses.  1  i  l 


TAVOADA  DO  GVINTO  LlVilO, 


c 


^APiTOLo  I.  De  como  Lopo  soarez  entregou  a  gouer^- 
nança  da  índia  a  Diogo  lopez  de  sequeira  ^  se  partia 
pêra  Portugal.  Pag^.     116 

Cap.  II.  De  como  ho  gouernador  tornou  el  rey  de  Bati^ 
cala  aa  obediência  dei  rey  de  Portugal.  l  i7 

Cap.  III.  De  como  Christouão  de  sousafoy  darmada  so- 
'   bre  Dabul:  óp  do  que  lhe  lá  aconteceo.  ibid. 

Gap.  iiii.  De  como  ho  gouernador  despachou  certos  ca- 
pitães  pêra  diuersas  partes.  121 

Cap.  V.  De  como  a  raynha  de  Coulão  deu  consentimen- 
to pêra  se  fazer  fortaleza.  123 
Cap.  VI.  De  como  Eytor  rodriguez  de  Coimbra  começou 
'  de  edificar  a  fortaleza  de  Coulão.  125 
Cap.  vf  I.  Dã  grande  seruiço  q  a  raynha  de  Coulão  fez 
•  a  el  rey  de  Portugal.                                               127 


TA VOADA.  321 

Cap.  VIII.  De  como  ho  gouernador  foy  ver  hú  para  que 
se  fazia  arUre  hú$  Caimaes  na  terra  Jirme ,  ^  do  que 
lhe  acóieceo.  129 

Cap.  IX.  De  como  mouros  de  Cambaya  matarão  a  loão 
gomez  nas  ilhas  de  Maldiua  com  outros  nossos.         1 30 

Cap.  X.  De  como  despois  Dantonio  correa  socorrer  Mar 
laca  se  partio  pêra  regú  a  assentar  amizade.  131 

Cap.  XI.  Em  q  se  escreue  ho  reyno  de  Pegú  ^  seus  cos^' 
lumes.  133 

Cap.  XII.  De  como  António  correa  assentou  pazes  €  Pe-^ 
gú.  140 

Cap.  XIII.  De  como  António  pacheco  ^  outros  forão  car 
tiuos  pelos  Aches  ^  a  causa  por§.  141 

Cap.  xiiii.  Do  q  ho  gouernador  fez  em  Cochim  na  en- 
trada do  verão :  ^  de  como  António  de  Saldanha  che^ 
gou  Dormuz.  143 

Cap.  XV.  De  como  partio  de  Portugal  por  capitão  mór 
da  armada  da  Índia  lorge  dalbu^rque  ^  ^  de  como  dô 
Luys  de  guzmão  arribou  ao  brasil  por  lhe  ^brar  ho 
leme.  1 44 

Cap.  XVI.  Das  brigas  que  dÔ  Luys  de  guzmão  ouue  cô 
ho  seu  piloto ,  ^  de  como  os  brasis  matarão  perto  de 
sesséta  dos  nossos.  147 

Cap.  XVI !•  De  como  dÔ  Luys  de  guzmã  se  aleuãtou  c6 
ho  galeão  de  que  kia  por  capitão  ^  ^  do  q  fez  aos  por^ 
tugueses  q  ho  não  quiserão  seguir.  160 

Cap.  XVIII.  De  como  d6  Luys  mmidou  enforcar  cinco 
Portugueses :  ^  do  mais  que  fez :  ^  de  como  deixou  ho 
galeão  ^  fugio.  154 

Cap.  XIX.  De  como  os  mouros  matarão  a  Manuel  de  sou- 
sa  ^  coreia  dos  nossos  em  húa  agoada ,  ^  como  des- 
pois se  per  deo  ho  galeão.  167 

Cap.  XX.  De  como  lorge  dalbuquerque  com  algús  capi- 
tães de  sua  armada  inuernarão  em  Moçambique  ^  ou- 
tros passarão  á  índia.  159 

Cap.  XXI.  De  como  o  gouernador  foy  ver  a  fortaleza  de 
Coulã.  160 

LIVRO    V.  SS 


Ztt  TjàVOADJi. 

Cap.  xxir.  De  como  loSo  gwiçaluex  de  castelo  branco  foy  I 

for  embaixador  ao  Etídalcão.  J61 

Cap.  XXIII.  De -como  indo  ho  gouernador  pêra  a  ci" 
Jade  de  Juda  se  lhe  perdeo  a  uao  em  q  hia.  E  de 
como  não  podédo  ir  a  Judajoy  suryir  á  illia  de  Ma^ 
çua.  16S 

Cap.  XXI III.  De  como  ho  gouernador  chegou  ao  porto  de 
Alaçuá  ^  ^  de  como  soube  que  Mateus  era  verdadeyro 
eitd)aixador  do  Preste.  166 

Cap.  xxy.  De  como  ho  capitão  Darquico  foy  falar  ao 
gouernador^  ^  dtspois  ho  forâo  ver  noue frades  do  mos^ 
teiro  de  Bisam.  168 

Cap.  XXVI.  Do  sitio  do  mosteiro  de  Bisam  ^  ^  da  regra 
que  goardâo  os  seus  frades,  171 

Cap.  XXVII.  De  como  ho  gouernador  se  vio  com,  ho  Bar* 
negais  ^  jurarão  atnbos  de  dous  amizade  em  notne  de 
seus  senhores.  17^ 

Cap.  xxviii.  De  como  ho  gouernador  mádou  dom  Ro^ 
drigo  de  Uma  por  ébaixador  ao  Preste.  17^ 

Cap.  XXIX.  Do  q  acôíeceo  a  Gôçalo  de  loule  indo  pêra 
Moçãbique  ^  como  ouue  a  artilharia  do  galeão  de  Ma^- 
nuel  de  sousa.  1 8 1 

Cap.  XXX.  De  como  lorge  dalbuquerque  polo  recado  do 
gouernador  se  partia  em  busca  dele  cô  algas  capitães 
"dos  que  inuernarão  coele.  183 

Cap.  XXXI.  De  como  lorge  dalbuquerque  mandou  pren- 
der Raix  sabadim  regedor  de  Calayate  ^  ^  do  grande 
dano  q  receberão  os  nossos  querendoho  prender.       1 84 

Cap.  XXX».  Da  yrãde  tormeta  que  o  gouernador  passou 
saiitih  do  esíretio ,  ^  eotno  se  perdeo  a  gale  de  Jeroni^ 
mo  de  sousa^  4'  ^^  V^  morrerão  nela.  I87 

Cap.  xxxrii.  De  corno  o  gouernador  foy  ter  a  Calayate 
^*  dahi  a  Otm%àz  onde  inuernou*  i  89 

Cap.  xxxirii.  De  como  foy  por  capitão  mor  da  armada 
pêra  a  índia  lorge  de  brito^  ^  do  que  aconteceo  ao  ga- 
leão de  Rta/' voz  pereyra  com  hú  peixe.  .  i90 

Cap.  xxxv.  De  como  AnUmio  correa  despois  de  chegar  a 


TAVOAOA.  523 

Maiaca  foy  sobre  a  tranqueyra  do  Pago  ^  a  desbara- 
tou ^  fez  juqir  os  immigos.  1 9  2 

Cap.  XXXVI.  Óe  como  el  rey  de  Biníâo  com  toda  sua  gi^ 
te  fugio  do  Pago  por  medo  Daníonio  correa ,  ^  como 
foy  queymada  ^  destruyda  aquela  força.  J96 

Cap.  XXXVII.  Do  façanhoso  feito  que  cinco  dos  nossos  Ji-^ 
zerâo  defendendose  de  Raja  çudameci  ^  de  sua  gente 
que  matarão  quasi  toda  ^  lhe  tomarão  húa  lâchara.     1 9  7 

Cap.  xxxviii.  De  como  se  leuantarão  contra  Eytor  ro- 
driguez  capitão  da  fortaleza  de  Coulão  a  raynha  de 
Coulâo  ^  a  de  Comorim.  201 

Cap.  XXX IX.  De  como  a  raynha  de  Coulão  éf  a  de  Co^ 
morim  quiserão  tomar  a  fortaleza  por  treição  ^  não 
poderão.  205 

Cap.  xl.  De  como  as  raynhas  mandarão  cercar  afor^ 
taleza.  208 

Gap.  XLf.  De  como  dô  jíleixo  de  meneses  mandou  socor^ 
rer  a  fortaleza  de  Coulão  per  dom  Afonso  de  meneses.  210 

Cap.  XLii.  Do  §  socedeo  im  guerra  aos  Portugueses  <f* 
aos  ímigos.  2 1 2 

Cap.  xliii.  De  como  a  raynha  de  Comorim  pedio  paz  a 
Eytor  rodriguez  ^  se  leuâtou  ho  cerco  da  fortaleza»  214 

Cap.  xlhii.  Ue  como  Cherinamarcar  ^  ^  Patemarcar 
mouros  estornarão  que  a  raynha  de  Coulão  não  as- 
sentasse  a  paz  que  cometia ,  ^  de  como  se  fez  deS" 
pois.  217 

Cap.  xlv.  De  como  ho  gouemador  partio  Dormuz  pêra 
a  índia  ^  os  nossos  tomarão  duas  nãos  de  mouros ,  ^ 
do  mais  que  passou.  210 

Cap.  xlvi.  De  como  Meliqueaz  mandou  hú  embaixador 
ao  gouemador  pêra  saber  se  se  apercebia  pêra  ir  a 
Diu.  221 

Cap.  xlvií.  De  como  Meliqsaca  ^  Hagamahmnt  sou- 
berão  que  ho  gouemador  hta  a  Diu  ^  de  como  se  for* 
falecerão.  222 

Cap.  xLviir.  De  como  ho  gouemador  se  partio  pêra  Diu^ 

' '  &  chegou  ao  seu  porto.  223 

ss  2 


8S4  TAVOADA. 

Cap.  XLix.  De  como  ho  gouernador  se  via  c6  Meliquesa- 
ca  ^  com  HagamahmuL  225 

Cap.  l.  De  como  ho  youemador  se  mudou ,  do  conselho 
gue  tinha  de  tomar  Diu :  ^  de  como  mandou  ver  ho 
rio  de  Madre  Jabá  pêra  fazer  hi  fortaleza.  227 

Cap.  li.  De  cotno  auendo  ho  gouernador  dir  itmernar  a 
Ormuz  deixou  ua  Índia  em  seu  lugar  a  dom  Aleixo 
de  meneses.  229 

Cap.  lii.  De  como  ho  gouernador  mandou  pedir  a  Niza-- 
maluco  senhor  de  Chaul  lugar  pena  fazer  húa  fortale- 
za :  ^  se  partiu  pêra  Ormuz.  230 

Cap.  Liit.  De  como  Diogo  fernãdez  de  bga  ouue  Fer- 
não martinz^  ^-  os  outros  que  estauão  êdiuy  ^  sefoy 
pêra  Ormuz.  231 

Gap.  £.1111.  De  como  partirão  de  Cochim  lorge  dalbu- 
querq  pêra  Malaca  ^  lorge  de  brito  pêra  Maluco.   232 

Gap.  lv.  De  como  dom  lorge  de  menesesfoy  em  ajuda 
dei  rey  de  Cochim  contra  el  rey  de  Calicu.  233 

Cap.  lvl  De  como  sabendo  el  Rey  de  Portugal  quâ  mal 
se  qastauão  as  rendas  do  reyno  Dormuz ,  mandou  re- 
colher o  que  sobejaua  do  gasto  do  reyno :  ^  pêra  A# 
saber  mandou  que  ouuesse  officiaes  Portugueses  nalfan- 
dega  Dormuz.  23  é 

Cap.  LYii.  De  como  tendo  el  rey  de  Narsinga  desbara^- 
lado  ha  Hidalcão  mandou  dizer  a  Ruy  de  melo  capi- 
tão de  Goa  que  fosse  tomar  as  tanadarias  da  terra  Jir" 
7ne ,  ^^  de  como  as  tomou  ^  ficarão  dei  rey  de  Por^ 
tugaL  237 

Cap.  LViii.  De  como  Raix  xarafo  prouocou  ho  sogro  dei 
rey  Dormuz  que  ho  fizesse  leuantar  contra  os  nossos.    240 

Cap.  Lix.  De  como  ho  capitão  már  António  correa  pele- 
jou em  Baharem  com  el  rey  Mocrim  ^  ho  desbara- 
tou.. 241 

Cap..  lx.   De  como  morreo  el  rey  Mocnm.  E  de  como 

António  correa  mandou  a  sua  cabeça  ao  gouernador 

com  a  noua  da  vitoria  y  ^  da  sepultura  que  Ihefoy 

feyta..         ^  247 


TAVaADA.  82S 

Cap.  LXir  De  como  lorge  dalbuqu€r§  chegou  a  Pacé^  ^ 

determinou  de  restiiuyr  no  reyno  ho  pnncijjé  q  leuaua 

da  índia.  249 

Cap.    lxii.  De  como  el  rey  Daurufoy  sobre  Paccptra 

.    pekjnr  cõ  o  tirano  q  tinita  o  reyno  vsurpado.  2ó  1 

Cap.  LXiiu  De  como  lorge  dulbuquerq  desbaratou  ^  ma- 
íou  em  hum  combate  ao  Tirano  que  tinha  vsurpado  ho 
reyno  de  Pacem.  2ò2 

Cap.  lxiiii.  De  como  ho  príncipe  foy  recebido  por  rey 
de  Pacê:  ^  de  como  lorge  dalbuquerque  fez  huajor^ 
taleza  em  Pacem.  2ò4» 

Cap.  lxv^  De  como  lorge  de  brito  foy  morto  em  Achem 
com  outros  muytos  de  sua  armada.  2ô5 

Cap.  lxvk  De  como  por  morte  de  lorge  de  brito  suce^ 
deo  na  capitania  de  Maluco  ArOonio  de  brito  seu  ir^ 
mão  §-  do  mais  q  passou.  2ò9 

Cap.  i^xvii.  De  como  ho  gouemador  Diogo  lopez  de  se* 
^ueyra  mãdou  por  capitão  mór  Diogo  femandez  de  be* 
ja  a  Cambaya ,  ^  do  que  lhe  aconteceo.  2(>l 

Cap.  Lxviii.  De  como  Hagomahmut  saio  com  algúas 
fustas  de  Diu  a  pelejar  com  os  nossos  ^  ^  os  desbara- 
tarão: metédo  no  Judo  ho  nauio  de  Gaspar  doutel.  263 

Cap.  lxix.  De  como  partio  de  Portugal  dom  Duarte  de 
meneses  por  gouemador  da  índia  y  ^  de  cotno  chegou 
lá  com  toda  sua  armada^  266 

Cap.  jlxx.  De  como  António  correa  úuue  a  ilha  de  Ba- 
haréy  ^  a  fortaleza  de  Califa:  ^  se  tornou  a  Or- 
muz. 207 

Cap.  lxxi.  Do' conselho  que  ho  pay  dei  rey  Dormuz  lhe 
deu  q  não  fizesse  Irei^ão  aos  nossos.  E  de.  como  a  trei- 
çâo  foy  descuberta  ao  gouemador.  269 

Cap.  lxxu:  De  amio  Ao  gouemador  mudou  ho  conselho 
que  Unha  de  fazer  fortaleza  em  Madre  f aba  ^  ^  a  co- 
meçou em  ChauL  272 

Cap.  lkxiii.  De  como  dom  Aleyxo  de  Meneses  chegou  a 
Chauly  ^  de  como  Hagamakmul  capitão  de  Meliquiaz 
correo  per  mur  aos  nossos.'  27 é 


tf<  TA  VOA  BA. 

Cap-  LxrrfiT*  De  como  os  nossos  pelejarão  aJffúas  vezes 
com  Hagamahmut :  ^  de  como  lio  (jouemador  deter^ 
minou  de  se  partir  pêra  Cochim.  276 

Cap.  lxxv.  De  como  despois  de  os  imigos  desbaratarem 

André  de  sousa  chichorro ,  pelejarão  com  Diogo  fer^ 

nandez  de  heja  ^  ho  matarão.  E  de  como  ho  gouer- 

fiador  deu  a  capitania  do  mar  a  António  correa  ^  se 

foy  pêra  Cochim.  280 

Cap.  Lxxvr.  De  como  lorge  dalbuquerque  capitão  de  Ma- 
laca 6f*  António  de  brito  forão  sobre  el  rey  de  Bintâo  ^ 
^*  do  que  lhes  aconteceo.  286 

Cap.  Lxxvrf .  De  como  António  de  brito  se  par  tio  pêra  a 
Hha  da  laoa.  288 

Cap*   r-xxvfii.  De  como  lorge  dalhuquerg  se  tornou  pê- 
ra Mcdaca :  ^  de  como  Laqueximena  lhe  começou  de 
fazer  guerra.  289 

Cap.  Lxxix.  De  como  Bastião  de  sousa  partia  de  Portu^ 
gal  pêra  fazer  hãa  fortaleza  na  ilha  de  sam  Louren- 
ço. È  o  porâ^a  não  fez.  2yo 

Cap.  lxxx.  De  como  se  leuantarão  os  Chins  contra  os 
Portugueses  que  estauão  em  Cantão :  ^  prenderão  ho 
embaixador  dei  Rey  de  Portugal^  é*  os  ^  estauã  coe- 
le.  291 

Cap.  Lxxxf.  De  como  Hagamahmut  deu  hú  combate  a 
António  correa ,  ^  quisera  tomar  ho  baluarte  do  ou- 
teiro ^  foy  desbaratado.  E  de  como  dom  Luys  de  me- 
neses  chegou  a  Chaul :  ^  António  correa  se  foy  pêra 
Cochim.  293 

Cap.  lxxxii.  De  como  Raix  xarafo  ^  el  rey  de  Or- 
muz se  leuãtarão  côtra  os  nossos  que  estauão  na  cidade 
^  na  fortaleza.  297 

Cap.  lxxx  1  ir.  De  como  os  mouros  começarão  de  bater  a 
fortaleza^  ^  de  como  dom  Garcia  maridou  pedir  socor- 
ro á  índia.  300 

Cap.  lxxxiiu.  De  como  sabendo  Manuel  de  sousa  taua- 
res  ^  el  Rev  Dormuz  estatia  leuantado,  foy  socorrer  a 
nossa  fortaleza :  ^  do  que  fez  em  chegando^  302 


TAVOADA.  327 

Cap.  txxxv.  De  como  os  mouros  derão  bateria  á  nossa 
fortaleza ,  ^  do  que  os  nossos  Jizerâo.  306 

Cap.  Lxxxvi.  De  como  os  mouros  quiserâo  escalar  afor^ 

taleza :  ^  os  nossos  lhes  quebrarão  as  escadas  com,  a 

arielharia^  ^  de  como  vendo  os  mouros  ho  dano  que  re- 

cebião  dos  nossos^  com  medo  do  socorro  da  índia  despe^ 

jarâo  a  cidade.  309 

Cap.  lxxxvii.  Do  que  passou  antre  os  nossos  despois  que 
os  mouros  despejarão  a  cidade.  3 1 2 

Cap.  lxxxvii I.  De  como  dom  Gonçalo  Coutinho  foy  em 
socorro  da  fortaleza  Dormuz.  E  de  como  el  Rey  Dor^ 
muz  foy  morto  por  mandado  de  Raix  xarafo.         314 

Cap.  Lxxxix.  De  cQnw  Diogo  lopez  entregou  a  gouer^ 
nança  da  índia  a  dom  Duarte  de  meneses  ^  ^  se  par- 
tio  pêra  Portugal.  316 


FIM   DA   TAVOAPA* 


HO  SEXTO  LIVRO 

D  A 

HISTORIA  DO  DESCOBRIMENTO 

CONQVISTA  DA  ÍNDIA 

PÓLOS  PORTVGVESES. 

Feyto   por    Fernão   Lopez   de   Castanheda. 

Impresso  em  Coymbra. 
Com  priuilegio  ReaL    M*  D*  LIIIL 


) 


HISTORIA 

DO 

DESCOBRIMENTO 

CONQ VISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS 

PORTVGVESES 

P  o  tt 

FERNÃO  LOPEZ  DE  CASTANHEDA- 


KOVA    BDIÇXO. 


LIVRO  VI. 


LISBOA.  M.DCCC.XXXIIL 

KA  TTPOORAPHIA   ROLLANDIANA« 

POR  ORDEM  SUPERIOR, 


eec)ee)eeeeececce€ee€M)()3CK)(KKi(K}(icK}Q^ 

HO  LIVRO  SEXTO 

DA 

HISTORIA  DO  DESCOBRIMENTO 

E 

GONQVISTA  DA  ÍNDIA 

P£LOS  PORTVGVESES: 

Em  que  se  gob16  o  que  «les  fizeráo  do  tempo  que  « 
gouernarão  dõ  Duarte  de  meneses^  Dom  Vasco  da 
g^ma  conde  da  Vidigueira  &  almirante  do  mar  Indico. 
£  dom  Anrrique  de  meneses  per  mandado  do  inui- 
•clisfiimoRey  dom  Manuel  de  gloriosa  memoria:  &do 
muyto  alto  &  muyto  poderoso  rey  dom  loão  seu  filho 
ho  terceyro  deste  nome  nosso  senhor* 

Feyto  por  Fernão  Lopez  de  Castanheda. 

CAPITOLOI. 

De  como  dom  Luys  de  meneses  capitão  mór  do  mar  da 
índia  foy  socorrer  a  fortaleza  Dormuz ,  ^  de  como 
partia  pêra  Malaca  Martim  Afonso  de  melo  Coutinho. 

X  artido  Diogo  lopez  de  siqueyra  pêra  Portugal,  par* 
tiose  o  gouernador  pêra  a  cidade  de  Goa  pêra  da  hi 
mandar  em  socorro  da  fortaleza  Dormuz  a  dom  Luys  de 
meneses  seu  irmão  Q  eslaua  fazendo  a  fortaleza  êChaul. 
£  chegado  a  Goa  mãdoulhe  ho  galeão  sam  Dinis  em  ^ 
auia  dir  a  Ormuz ,  &  mandoulhe  ho  regimõlo  do  que  a< 
ília  de  fazer.  E  porque  a  capitania  deste  galeão  era  de 
Francisco  de  sousa  tauares,  de  que  atras  ííz  menção: 
deulhe  ho  gouernador  em  satisfação  a  capitania  de  b&i^ 

LIVRO   VI.  A 


2  BA   HISTORIA   I>A   IMniA 

galé  real  em  que  ho  mandou  aCbaul  pêra  Sdar  darmada 
ate  Dabui  |x)r  capitão  mór  de  dez  ou  doze  fuataa :  &  in* 
do  de  caminho  queimou  no  rio  de  Zinguizara  &  no  do 
Betele  algilas  tiaos  &  cotias,  hClai  varadas  &  outras  car- 
regadas de  mantimentos.  E  chegado  Frãcisco  de  sousa 
a  Cbaul ,  pariiose  dõ  Luys  pêra  Ormuz  ^  8c  for2o  coele 
Rui  vaz  pereyra^  Manuel  de  macedo,  Ânrrique  dema- 
cedo  9  capitães  de  galeões  &  Duarte  dataide,  Lopo  da- 
zeueâo .  &  Peio  vaa  trauaqos  capitães  dai  nacs.  B  ele 
partido,  partiose  pêra  Goa  JMartim  Afonso  de  melo  Cou- 
tinho que  ajudaua  a  fazer  a  fortaleza ,  &  partiose  por 
ter  a  viagê  da  China  pêra  onde  auia  dir.  £  chegado  a 
Goa  despachou  ho  gouernador  &  par  tio  se  pêra  Cochim 
leuãdo  debaixo  de  sua  capitania  Vasco  fernides  Couti- 
nho &  Diogo  de  melo  seus  irmãos,  &  Pedromê  irmão  de 
Francisco  honoê  estribeiro  mór,  &  coestes  se  auia  dajil- 
tar  em  Cochim  Ambrósio  do  rego  que  auia  dir  em  ha 
jungo:  &  de  Coobím  se  partioMartim  Afonso  pêra  Ma- 
laca em  Abril  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  doas» 

C  A  P  I  T  V  L  O     IL 

De  como  ho  gouernador  deu  a  capitânia  de  Chaul  a  Sfi^ 
mão  dandraae^  ^  mâdou  goardar  a  costa  de  Cambaya. 

jlLo  gouernador  ^  estaua  em  Goa  onde  auia  dinuernar 
despois  que  mãdou  ho  galeão  sam  Dinis  a  seu  irmão 
dom  Luys  pêra  ir  nele  a  Ormuz  como  disse ,  deu  a  ca- 
pitania de  Chaul  a  Simão  dandrade  que  era  vindo  da 
China,  &  casara  per  palauras  de  futuro  com  hiia  sua  fi« 
lha  bastarda,  &  deulhe  aquela  capitania  em  casamento: 
o  que  não  podia  fazer  pola  ter  Ânrrique  de  meneses  hú 
bõ  fidalgo  que  lha  dera  Diogo  lopez  de  sequeira  sendo 
gouernador ,  &  polo  regimento  lha  podia  dar  os  primey- 
ros  três  anos  por  ele  ser  o  que  a  fizera  &  não  se  lhe  po* 
dia  tirar  se  não  por  erros.  £  dada  a  capitania  a  Simão 
dandrade ,  partiose  pêra  Chaul  cA  hâa  armada  de  obra 


LIVRO  VI.    CAPITVLO   H.  8 

de  doze  fustas  que  auia  de  goardar  aquela  costa  das  fus- 
tas de  Diu ,  &  auia  dandar  repartida  ê  capitanias ,  de 
hfla  auia  de  ser  capitão  inór  Frãcisco  de  sousa  tauares, 
doutra  dom  Vasco  de  lima  de  Santarém,  &  doutra  IMíar^ 
tim  eorrea  do  Algarue :  &  ate  Cbaul  auia  dir  Simão 
dandrade  por  capitão  mór ,  &  hião  nesta  frota  duzfitos 
homens.  £  de  caminho  quisera  Simão  dandrade  desem- 
barcar  em  Dabul  &  pelejar  com  sete  mil  homês  Q  esta- 
uão  nela  por  lhe  ho  tanadar  não  querer  dar  duas  galés 
que  hi  fizerão  turcos :  &  estando  ja  nos  bateys  cÕ  sua 
gente  pêra  saltar  em  terra  ouue  ho  tanadar  tamanho 
medo  que  lhe  mãdou  dar  as  ^alés  com  ^  seguio  seu  ca- 
minho pêra  Chaul.  £  chegado  lá  Anrrique  de  meneses 
lhe  entregou  a  capitania  da  fortaleza  pola  prouisam  do 
gouernador^  porque  vio  Q  riã  auia  de  poder  fazer  outra 
cousa,  &  deuia  a  este  tSpo  três  mil  pardaos  que  gasta-* 
ra  na  fortaleza  oom  dar  de  comer  &  outras  cousas  de 
8erui<20  dei  rey  de  Portugal.  £  metido  Simão  dandrade 
aa  capitania  da  fortalessa,  repartio  as  capitanias  das 
fostas  como  trazia  por  regimento :  &  os  capitães  mórea 
se  forão  a  goardar  a  costa,  em  que  fizerão  muyto  dano 
por  todos  aqueles  rios.  £  acertando  Martim  eorrea  den« 
trar  nò  rio  do  Betele  que  he  muyto  fresco  sayo  em  ter* 
ra  com  obra  de  vinte  cinco  dos  nossos :  &  metêdose  por 
ho  espesso  palmar  foy  assi  ate  chegar  diante  de  btia 
grandes  paços  de  muytos  pátios ,  jardis  &  varadas :  & 
diante  da  porta  do  primeyro  palio  estauão  assStados  no 
chão  muytos  homês  &  molheres  pobres.  £  saindo  de 
dentro  hii  hom6  leuantáranse  todos  muyto  de  pressa ,  a 
.qu8  primeyro  chegaria  a  ele:  mas  ele  deixou  todos  & 
foysé  a  Marti  eorrea ,  &  fazendolbe  sua  cortesia  como 
mouro  Q  era  assentouse  coele  6  ha  poyal:  &ali  em  pra- 
ticando lhe  deu  conta  como  a^les  paços  erâo  de  hd  grã*^ 
de  senhor  mouro,  que  auorrecido  das- cousas  do  mudo 
vittia  ali  apartado  &  gastaua  ho  seu  com  aqueles  pobres 
que  auia  &  com  outros,  a  {}  conlinuamente  daua  esmo^ 
1^  de  dinheiro,  trigo  &  arrpz :  de  que  ele  era  o  esmden 

A  2 


4  2>A    HISTORIA    DA    INDTA 

E  oistò  Bájo  ho  próprio  seobor  mouro^  &  tnoslrou  folgar 
muyto  de  ?er  os.  noasog,  &  fazSdolhes  muyto  gasalhado : 
66  assentou  cò  Marlim  correa ,  com  quê  esteue  prati- 
cando ale  que  foy  hovas  de  se  tornar  á  sua  fusta ,  onde 
lhe  mãdou  duas  vacas ,  galinhas  &  fruyta.  E  nesta  pra- 
tica perguntando  Marli  correa  ao  mouro  a  causa  porque 
fazia  aquelas  esmolas,  ou  que  satisfação  esperaua  delas, 
KespÒdeo  que  era  tanto  de  sua  condiçSo  fazer  bfi  que 
ho  fazia  poio  gosto  que  nisso  ieuaua. 

C  A  P  I  T  V  L  O    III. 

Do  que  aconteceo  a  Marlim  correa  andando  darmada. 

3jj  outra  vez  lhe  aconteceo  ^  foy  ler  a  h&a  fortaleza 
despouoada  onde  achou  hum  Brameae  velho  que  os  nos* 
608  catiuarão^  &  polo  não  quererem  soltar  despois  que 
foy  nas  fustas  rogou  a  Martim  eorreu  que  ho  r^esgalasse 
por  dez  pardaos ,  &  que  lhe  desse  licença,  pêra  ir  por 
eles.  E  ele  lha  deu  jurãdolhe  ho  Bramene  polas  linhas 
que  trazia  ao  pescoço  qAie  tornaria,  &  a  ele  nSo  lhe  da* 
na  de  não  tornar  por  ser  velho  &  nSo  lhe  pedio  ho  res« 
gate  se  não  zombando-:  roas  ele  que  jurara  de  verdade 
não  ho  teue  assi.  £  auendo  hii  pedaço  que  era  partido 
tornou  cõ  oyto  galinhas  ás  costas:  &  quando  os  nossos 
ho  virão  ficarão  espãtados  de  ho  ver  tornar  y  &  ele  pe- 
dio a  Marlim  correa  muyto  perdão  de^ão  poder  tornar 
mais  cedo:  &  lambem  que  lhe  perdoas^  de  Jhe  não  po- 
der dar  todos  os  dez  pardaos  que  lhe  prometera,  porque 
por  sua  pobreza  não  podia  dar  mais  que  seys  que  logo 
tirou,  &  polo  resto  trazia  aquelas  oyto  galinhas.  E  es^ 
pantádo  Marlim  correa  da  grande  verdade  do  Bramene, 
&  deGoardar  tam  bem  seu  juramento:  lhe  não  quis  to- 
mar ho  dinheiro,  &  polas  galiahas  lhe  deu  dous  panos 
pêra  se  vestir ,  &  mais  hu  seguro  assinado  por  ele  pêra 
que  nenhQ  Português  ^  ho  tomasse  lhe  fizesse  mal\  B 
coislo  se  foy  ho  Bramene  muyto  contrate ,  &  ele  se  foy 


L»VRO  VK    CAPITYLO   IML  fr 

neolhemio  peraChaul,  &  na  enseada  doaBramenes  B<h 
hre  huas  vacaa  qoe  os  nossos  quiaerâo  matar  por  nâoie- 
uarem  carne  euue  hfia  peleja  eojn  bem  oylocentos  mou* 
ros^  de  que  os  nossas  ou ue^âo  a  vitoria  &  os  fizerfto  fu** 
gir  :  &  despois  foy  sobre  bú.  lugar  que  se  despejou  com. 
medo  dos  nossos ,  &  assi  se  recolheo  a  Chaui  a  inuei- 
nar ,  onde  lambem  se  oa  outros  capitães  recolber&04 

Ç  A  P  I  T  V  L  O     IIIL 

De  como  dom  làvys  de  meneses  â  kia  em  socorro  Dar-- 

muz  chegou-  lá^  ^  do  que  fez.  • 

JL/om  Luys  de  meneses  que  hía*  caminho  Dormuz  che» 
gpu  laa  na  õtrada  de  Mayo :  &  fiorque  domGareia  eou»> 
linho  que  estaua  por  capitão  da  furlaleza  Dormuz  tep 
acabado  ho  tempo  de  sua  capitania,  ho  tirou  dom  Luya 
dela^  &  a  entregou  a  htl  íidalgo  chamado  loão  rodrigues 
de  noronba  que  a  tinba  por  el  rey  de  Portugal,  &  df«- 
pois  entendeo  em  fazer  que  se  tornasse  a  pouoar  Or^ 
4nuz ,  porque  sem  isso  não  ae  podia  suster  a  forlaleza 
-por  lhe  faltarSos  mantimentos  que  n&o  yinbão  por  não 
auer  mouros  na  cidade.  £  sabendo  ele  que  não  se  podia 
isto  fazer  sem  v^tade  de  Raix  xarafo;,  trabalhou  pola 
aquirir  oíTrecendoIbe  pi^rdSo  de  tudo  o  ^.  tinha,  feyto  no 
leuantamenlo  dòl  rey  Turuxá:  &  em  sua  morte:  &  aasi 
.todos  aqueles  que  nisso  fossem  culpados:  &  que  se  tom 
nassa  a  pouoar  a  cidade  Dprmuz.  Mas  como  Raiz  xa- 
jrafb  linha  determinado  de  não  tornar  a  poder  dos  Porlu^ 
gueses ,  posta  que  nisso  se  perdesae  ametade  da  renda 
do  reyno  nuca  quis :  nâo  respondendo  ,ppi:em  claramente 
a  dom  Luys  Q  não  queria  se  não  desapegadaroente,  & 
mais  porque  Ibe  parecia  que  dom  Luys  não  trazia  tanta 
gente  que  ousasse  de  pelejar  em  terra.  £  sabendo  os 
capitães  da  frota  &  outros  fidalgos  como  Raix  xarafo 
temporizaua  com  dom  Luys^  conselhauãlhe  que  não  cu* 
rasse  de  mais  dilações  y  &  que  pelejasse  com  Raix  xa- 


S  MA   HfSTOXTA    BA    ÍNDIA 

rafo :  porque  eerio  eetaua  que  pois  linha  em  sen  poder 
el  rej  I>oriDuz,  &  gouernaya  ho  reyno  que  nflo  auia  de 
querer  tornar  a  poder  doe  Portugueses  que  lhe  auiSo  de 
tirar  todo  ho  maodo  que  tinha.  O  que  dom  Luys  não 
quis  fazer,  nem  menos  poer  isto  em  cõselho  pêra  sede* 
terminar  o  que  parecesse  melhor*  E  vfido  que  era  escu- 
sado porfiar  maia  com  Raix  xarafo  que  fizesse  o  que  lhe 
requeria ,  determinou  de  lhe  procurar  a  morte :  porQ  ele 
morto  el  rey  Dormuz  pouoaria  a  cidade ,  &  muy to  se- 
cretamente mandou  cometer  ^  ^^  matasse  a  Raiz  xa- 
mixir  o  que  matara  el  rey  Turnxit  maadftdòthe  offre« 
cer  ho  goazilado  Dormuz^  se  ho  fizesse ,  porque  sabia 
que  posto  que  Xamixir  era  parente  &  capitão  de  Raix 
xarafo ,  que  era  a  sua  lealdade  tão  quebradiça  que  por 
qualquer  peita  a  quebraria  quanto  mais  por  tamanha 
como  era  ho  goazilado  Dormuz.  Eassi  foy  que  Raix  xa- 
mixir aceitou  de  boa  vontade  a  empressa,  mas  ^  aãe 
poderia  matar  loj^o  a  Raix  xarafo  por  andar  muyto  a  re- 
cado que  se  temia  de  dom  Luys.  £  despois  de  ele  ido 
se  obrigou  a  fazelo  per  hil  assinado  que  lhe  disso  mã- 
dott :  &  ficando  dom  Luys  descansado  coele  mandou  di- 
xer  a  Raix  xarafo,  que  pois  queria  mudar  a  cidade  Dor- 
muz aa  ilha  de  Queixome  Q  lhe  não  daua  disso  porque 
lambem  de  lá  auia  el  rey  Dormuz  de  pagar  as  páreas 
que  era  obrigado  a  pagar  a  el  rey  de  Portugal  como  se 
esteuesse  na  iiha  dormuz :  por  isso  í(  as  pagasse  &  a  va- 
lia 4a  fazenda  que  Ibra  tomada  a  el  rey  de  Portugal  &  a 
seus  vassalos.  Do  que  ele  foy  contente ,  &  assi  ho  fez. 
JÍm  com  quãto  Raix  xarafo  não  queria  tornar  pêra  Ormuz 
não  deixaua  clauer  paz  antre  os  Pwtugueees  &  os  mou- 
i6s ,  &  tinhão  t(ato  hAs  com  os  outros^ 


C  A  P  I  T  V  L  a    V. 

De  eomo  dó  Oarcu^  anrriquez  ^  brg4  dalbuqutrque  che^ 
.  gearão  ás  ilhas  de  Banda^  ^  da  èií^ripçâo  destas  ilhas. 

Xorge  dalbuquer^  oapitSo  de  Malaca  vendo  ^  el  rey  de 
Bintâo  afroxaoa  da  guerra  qite  lhe  comoqoa  de  fazer, 
k  4  podia  escusar  a^gua  gente  da  que  tíeba :  deternib- 
nou  de  mandar  pop  capitão  á  ilha  de  Banda  a  dom  Gar^* 
eia  awrriquea.sea  ccnihado  per  ser  aquela  capitania  eou-* 
sa  d^  muy ta  proueito  j  &  deulhe  hú  nauio*  redondo  em 
^  fosse  com. a  gente  que  podia  escusar.  £  despachado 
dom  Garòia^  partíote  pêra  Banda  na  ftirada  de  laneyro 
de  mil  Sl  quinhentos  &  lâote  dous:.  &  Sdo  de  caminho 
pola  ilha.  £>ajaoa  aeboti  ainda  An4onío  de  brito  no  porto 
Dagacim,  &  como  hia  dè  viagem  seguio  sua  lota  ScAn^ 
tonio  de  brito  par  lio  apõe  ele  pêra  as  ilhas  de  Banda,  ^ 
estSo  em  quatro  grãos  &  hu  ten^  da  banda  do  sul ,  Sc 
sam  três  que  fazem  toda»  antre  si  bum  muyto  bõ  porto 
ât  redondo  eomo  alagoa :  a  mayor  delas  se  ehama  BS« 
dá ,  á  meã  ftiira^  b  a  mais  pequena  Gunuaper  que  na 
lingoa  da  terra  quer  dizer  serra  de  fogo :  &  assi  ho  be 
ela  que  arde  continuamente ,  &  por  isso  he  desabitada. 
£  Banda  como  digo  be.  a  .principal  j.  &  ha  nela  muytas 
amores  que  dão  a  noz  &  a  maça  &  nacem  poios  matos 
eomo  outras  aruores :  sam  do  tamanho  de  grandes  pe^ 
reyras ,  &  assi-  tem  as  folhas  ralas  &  os  esgalhos  ^  &  os 
pés  sam  Usos  como  os  das  larãgeiras  &  nas  folhas  se  pa- 
rece com  pessegueiros,  &  assi  dão  a  frol  como  a  sua. 
Ho  fruito  qiie  dão  estas  amores  he  a  noz  í\  chamamos 
nozcada  que  naoe  oomo  hA  pêssego ,  &  no  tamanho  & 
na  cor  se  parece  ooele :  &  despois  de  ser  de  vez  a  oo« 
ihê  &  a  deitSo  a  secar  ao  sol  ^  &  assi  eomo  vay  secado 
se  vay  abrindo.  &  lança  hflas  folhinhas  que  sam  a  maça» 
E  tiradas  todas  estas  folhinhas  fica  ho  oarouço  deste  po<* 
mo  que  he  a  noz^  que  despois  de  lhe  sfer  tirada  a  maça 


A  UA   BISTORIA   BA    ÍNDIA' 

fica  ainda  cuberCo  de  h&a  caspa  preta  de  cor  de  casta- 
nha, que  despois  de  ser  muyto  seca  se  espede  por  si 
da  noz.  Bste  pomo  ho  fazem  em  verde  em  conserua  da* 
çQcar:  k  he  muyto  estimado  en  toda  •parte  por  sei 
muyto  medicinal  &  saber  muyto  bem,  &  também  fazem 
dele  olio  que  aproueita  muyto  pêra  frialdade.  Apanhada 
esta  noz  &  maça  a  dSo  os  da  terra  aos  mercadores  es» 
trangeiros  a  troco  de  panos  baixos :  &  por  faQa  corja  de- 
les Q  na  itfaa  valera  a  dinheiro  ires  cruzados  lhe  dâo  hft 
bahar  de  maça  1^  sâ  quatro  quintaes  ^  &  da  noz  lhe  dao 
sete  bahares.  Eísta  ilha  he  pouoada  de  gentios  homfis 
pobres  &  pouco  polidos,  &  de  presença  despriziuel,  não 
tem  rey  a  que  obedeç8o<,  tem  cada  {MHioaçáo  bii  rege-* 
dor  a  que  chamSo  Xabandar ,  &  nSo  lhes  obedece  se 
não  por  amizade.  As  pouoaçSes  sam  de  casas  térreas 
cuberlas  doía:  a  principal  se  chama  lutatâo^  Ao  porto 
deâta  ilha  chegou  Anlenio  de  brito -em  «Feuereyro  &  hi 
achou  ja  dom  Garcia  anrriquez,  que  lhe  disse  como  hi 
soubera  de  certa  certeza  que  forâo  ter  ás  ilhas  de  Ma- 
luco duas  nãos  de  Castelhanos  que  carregarão  de  cnauo 
&  se  tornarão ,  deixado  dez  ou  doze  homfis  na  ilha  de 
Tidore  a  modo  de  feytoria:  &ho  como  .estas  nãos  Já  íò^ 
rã  ter  foy  assi. 

C  A  P  I  T  V  L  O    VL 

De  como  Fernão  de  magalhóes  fez  crer  ao  Emperador 
(Jarlos  rey  de  CaêUla  que  as  tlhas  de  Maluco  erâo  de 
sua  amquisia  ^  de  como  as  foy  descobrir. 

Jtl/eynanJo  elrey  dom  Manuel  de  Portugal  se  foy  pêra 
Castela  hd  Fernão  de  magalhães,  de  que  fiz  menção  no 
liuro  terceyro  quando  Francisco  de  sá  &  Bastião  de  sou« 
sa  se  perderão  aos  baixos  de  Pádua  que  ficou  no  ilheo. 
Este  por  se  vingar  dei  rey  dom  Manuel ,  mostrâdose  a** 
grauado  dele  lhe  fez  ktla  grade  treyção :  que  foy  dizer 
ao  Emperador  Carlos  quinto  deste  nome  que  era  tey  de 


LIVRO   VI.    CAPITVLO  VI.  ff 

Câstela,  que  pota  repartição  da  conquista  que  se  come* 
çou  de  faaer^^tre  el  rey  dÕ  loão  bo  segundo  de  Portu- 
gal ,  &  el  rey  dom  Fernando  úe  Castela  qiie  nâo  ouue 
effeyto:  erão  de^eu  descobrimento  &  conquista  as  íibas 
de  Bãda  &  as  ^e  Maluco,  dandolbe  pêra  isso  algúas  re*- 
zÔes :  que  como  nã  ouue  quem  as  contrariasse  por  par- 
te dei  rey  de  Portugal,  &  erão  em  fa'uor  do  emperador, 
&  pêra  seu  proueito  lhe  parecerâlo  bem  &  bo  creo  sem 
mais  examinar  a  verdade  do  que  Ibè  diz^ia  Feroâo  de 
magàlhãeis,  &  asai  a  hum  Ruy  faleyro  qúe, também  hia* 
eoele  mais  por  fazer  treyçâo  a  el  rey  de  Portugal  qud 
fK>r  outra  cauaa  &  faziasse  grande  astrólogo,  mas  não 
sábia  iiadA.:..&  tudo  o  que  fingia  que  sabia  era  ]x>t  bâ 
spirito  familiar  que  tinha  segundo  se  deapois  soube.  B 
estes  dous  fizerãcr  «crer  ao  Emperador  que  estas  íihae 
que. digo  ecãodaaeu  descobrimento  &  conquista,  &.se 
ihe  oflãreceiâo  a  lhas  descobrir  por  fora  dà  naiuegaçdo  da 
índia::  &  pêra.  eale  descobrimento  se  concertou  bo  £m- 
l^radoTicain  certos  niercadores  que  lhe  armassem  cinco 
Baos-^m  Seuiika^  de  que  deu  a  «capitania  mór  a  Fernão 
de  mai^alfaães , '  &.  mãdou  coele  aba  astrólogo  chamado 
Attdrea  de  sam  Mártim,  pêra  que  por  astrologia  .visse 
se  podia  alcSçar ia  saber  a  altúila  de  leste  a  oeste  de  que 
se.esperaua  mnylo  'dajiidar  pêra  ho  dereito  deste  desço-: 
brimento.  E  &>j  este  astrolego  com  FemSo  de  maga- 
Ihães ,  porque  ao  *lèpo  de  sua  partida  se  escusou  Ruy 
faleyro  dir  coele:  porque  parece  que  soube  polo  seu  fa« 
miliar  quSo  mal  auia  de  suceder  aquela  viagem  aos  que 
a  «fizessem^.  &  deu.  a  Fern^lo  de. magalhâes  bil  gninde 
regimento  de  ..trinta,  capítulos,  pêra  ^  por  três  nianey* 
ràs  podesse  conhecer,  a  distancia  &l  deferen^ça.  que  an^ 
dasse  de  lealeti  oeste  :'^  ele  fazia  ser  caasaimny  fácil 
de  saber  porque  sabendose  se  poderia  saber  certo  se  es- 
tas ilhas  de  Maducò  &  JBâda  erão  do  descobrimento  & 
eonquista  de  Castela  ou  não.  E  coeste  regimftlo  se  par- 
tio.  FeYnâo  de)  raagaJbães  iem  laneyro  de  mil  &  quinhè- 
los  &.  vinte  por-icapitão  raóç  da  frota  do  Emperador ,  de 

LIVRO   VI.       .  B 


10  JPA   ntBTOMA    JM   UffMA 

que  forSo  por  capitães  eie  na  sao  Triodade  &  por  leà 
pik>lo  hú  EsteuSo  goniez  Português ,  Lnjs  de  mêdoça 
degradado  4a  oao  YÍU>ria,  &  IiÂo  .de  ear^ajeiia  natural 
de  BargoÊ  da  nao  eaocto  António  ^  &  Joio  serrto  natu-» 
ral  de  Freixinal  da  nao  Sãliago,  &  Gaipar  da  queixada 
da  nao  conceição  &  piloto  loáo  Carualbo  Português* 
Hiâo  nesta  frota  ate  duzètos  &  cidooenta  homès ,  em  Q 
entrauâo  trinta  &  tantos  Portugueses  de  Q  soube  estee 
nomes,  Aluaro  de  mezquita  destremoc,  Sc  hfl  da  sihia 
de  Coimbra,  Martim  de  magalhfles  natural  de  Lisboa 
fc  moço  da  camará  dei  rey  de  Portugal ,  Estauflo  dtaa 
filho  dii  abade  da  beira ,  Gonçalo  rodriguea  ferrejro  n»f 
tural  de  Leyria,  Afonso  gonçaluez  natural  da  serra  da 
estrela,  Nuno  criado  do  conde  de  vila  nona,  &  hum 
Rabelo.  Partido  Fernflo  de  magaKiies  eoesta  frota  do 
porto  de  SeuiLba  foy  ter  ás  Canárias ,  &  dali  leaou  a  ro* 
ta  do  Brasil ,  &  Còrão  ter  ao  porto  de  sancta  Luaia  en* 
de  fizerão  agoada*  E  dali  indo  ao  «bngfo  da  costa  contra 
ho  sul  tomarão  bo  porto  de  sancta  Mariar  &  passarib  fao 
cabo  frio  &  ho  rio  doce  que  he.bfta  grande  enseada  a 
que  não  virão  cabo^  &  peserão  seys  dias  em  passar  dfia 
ponta  a  outra  &  sempre  por  agoa  doce ,  de  que  fiaer ão 
agoada.  £  veado  os  capitães  da  frota  one  Fernão  de  pa^ 
galhães  queria  passar  deste  rio  doce  nzeranlhe  grandet 
requerimentos  que  não  passasse^  &  que  ho  descobrisse: 
porque  assi  ho  leuaoa  por  regimento  do  Emperador ,  a 
que  se  desobedecesse  y  soubesse  que  lhe  não  auião  do* 
bedecer.  E  eie  lhes  respondeo  por  boas  palauras,  que  a 
seruiço  do  Emperador  eompria  passar  ele  auante:  pos^ 
que.  doutra  maneyra  não  podia  dar  fim  a  sua  empresa» 
£  passou  ficando  os  capiiães  Castelhanos ,  &  msí  os  pi- 
lotos &  mestres  muyto  descontentes  dele ,  tanto  4  de» 
terminarão  de  ho  matar  ou  leuãtarselhe,  diaendo  qua 
não  sabião  onde  os  leuaua.  Porem  Fernão  de  magaJhães 
não  soube  disto  nada:  &  naoegando  por  sua  viagem 
sempre  a  vista  de  terra  c&tra  ho  sul  foy  ter  na  entrada 
Dabril  a  btl  rio  grande  a  ^  pos  nome  de  sam  lulião  oa 


&IVM  TA   OliriTVLO  Wt.  ti 

éoÊ  jiates  ^  4  ^^  *on  corenta  :&  nooe^  graos ,  &  a  terra 
era  Ioda  escaluada  sem  aruoredo  aem  eruaa  &  mujto 
fria  9  &  a  gente  dela  vestida  de  peles  &  muyto  pobre : 
&  pori}  entraua  ja  ho  inuerno  que  ali  começa  em  Abril 
&  dora  ate  Oytubro,  determioou  de  inueroar  ali,* pêra 
o  que  raeteo  a  frota  no  rio  que  mftdou  descobrir  por 
loãó  serrão ,  &  em  quanto  foj  descobrilo  fiíerao  os  tree 
capitães  conjuração  eõ  algfls  outros  de  matar  Fernão  de 
magaUiães  &  tornarse  pêra  Seuilha ,  determinando  de 
dizer  áo' Enifierador  que  bo  fizerão  por  èle  oAò  querev 
goardar  «m  regimento  Sc  fazia  caminho  muyto  4bra  do 
qoB  lhe  ale  mãdara.  E  sendo  isto  sabido  pqr  ele ,  teue 
maasTra  como  se  sayo  logo  pêra  fora  do  rio  com  sua 
nao ,  não  mostrando  ser  sabedor  do  Q  se  lhe  ordenaua  ^ 
antes  dissinniJando  grãdemente.  £  ^aydo  lòra  comuni* 
con  «a  eoueà  cõ  ho  oouidor  darmadai  dãdolbe  mindamen'- 
ta  aa  rcoAes  porQ  não  quisera  deaoobtif  Jio  ri^*  doce.  £ 
como  (H^'  aquela  tu>  esgana  de  ir  ter^M»  vèrdadeyi^ 
«anâiiho  de: Maluco:  .Icvpera  isto  a««r  «fieyto  cfipria 
aauyto  âusemejuiitii^  dantes  «apitftes,  porque  doutra 
«nani^eá  não  auiãoidhuMess^arnoeetiiiçodoSnyperadoPí 
•B  por^  9e  não  p^íafaoer  detesjuati^a^eto -grade  ;alu<i»^ 
foço  &  perigitx  da^gfe&te  da  iV«ta ,  tsna  «eoessáÂo^  Vsftf ae 
iftalgUa  manba  fera  se  matar  Luys  ée  oKendoça  qu^  ^a 
u  o^bttija  ida  K^oujttieeçSo  ^  Sc  a  €fntm  tedos  se^uilh^',  por^ 
morto  este  logo  todos  fícarião  assessegados  &  nãe-aiiek 
ria  mais  amotinações:  &  bo  Emperador  seria  seruido 
como  ele  desejaua*  £  concertouse  que  ho  mesmo  ouui* 
dor  ho  matasse  ás  punhaladas  j  fingindo  que  lhe  leuaua 
hum  requerimento  de  Fernão  de  magalhães  que  sayse 
pêra  fora  do  rio  onde  ele  estaua,  &  fosse  de  noyte  por- 
que ouuesse  menos  reboliço  &  os  outros  capitães  lhe  não 
acodissem.  £  indo  ho  ouuidor  aa  sua  nao  coesta  dissi- 
mulação cft  companhia  apercebida  pêra  ho  caso ,  estan- 
dolhelhsendo  ho  requerimento  ho  matoii  ás  punhaladas 
ajudando  ho  a  isso  os  que  hião  com  ele.  £  logo  ho  ou- 
uidor &  os  seus  conteçarão  de  bradar  que  viuesse  ho 

a  a 


12  Dji  uraoRiA  OM  mmiA 

£mperador.&  morrwflê  os.qoe  IhetmBtéífeifireê.  J^  io-< 
ipãiio  posse  da  aaoi  polo  Efnperador  mandou  aos  oiari-* 
nheiros  que  saysem  peta  fora  com  a  nao  &  fossetn.sur* 
gir  jijato  de  Fernão  de.roagalhaes,  &  assi  ho  fizerão.  E 
como  foy  manhaã  mandou  ele  dizer  aos  outros  doas  ca- 
pilães  que  se  desseffi  se  não  que  lhes  meierta  as  naoa 
no  fudo.  E  sabido  isto  poios  marinheiros  da.  nao  de  loâo 
de  Cartagena  alargarão  as  amarras  &  forâo  ter  sobre  a 
nao  de  Fernão  de  magalhães,  em  que  .ele  logo  enlroa 
&  prendeo  a  Fernão  de  carlag^na  em  ferroe^  &  despoís 
aGa$pap  de  queixada,  a  que  no  mesmo  dia  mandou  de* 
goiar  .&  esquartejar  com  pregão  que  pubricaua  a  causa 
povqite :  &  outro,  tanto  mandou  fazer  a-  Luys  de  mendo* 
ça  ainda  que  estaua  ja  morto  ^  &  a  loão  de  cartagmia 
porque- se  achou  que*  não  tinha  tanta  culpa  degradou  fao 
pêra  sempre  pêra  aquelas  partes,  &  assi  a  Ihjib  clérigo 
culpado  neste  xnaleficío.  E  esta  supita  &  áspera  jostiqa 
pos  grande  espanto  na  gente  da  frota  ^  &  dali  por  diãte 
foy  Fernão  de  nagalhães  muy  temido*  £.  nibto  chegou 
loão  serrãa  que  fora  descobrir  .ho  rio  onde  ae  lhe  perdeo 
a  nao,  &  ^e  escapou  com  quaniosthião  coele  &  se  toiv 
nou  .pêra  onde  eslaua  FerDã<>  de  magalhães.,  que  man- 
cou logotinr^is  quatro  saosa  monte  pêra  se  corrcgf^ 
xem^  porque  andauão.  muy  to  abertas  &  .daneficadas  & 
Aão  poderifto  solirer  a  oomprida  viagem  que  estaua  por 
fazer. 


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LlVaO  VI.   OAPITVLO  Ytl.  13 

C  A  P  I  T  Q  L  O    VIL 

De  como  Fernão  de  magalhâes  mostrou  hum  regimento 
que  leuaua  do  faleyro  pêra  se  conhecer  a  altura  de  les^ 
te  a  oestCi  E  do  que  hum  astrólogo  que  hiu  na  frota  ^ 
os  pilotos  dela  acordarão. 

Vyoncertandose  ae  nãos  Fernão  de  magaihâes  mostroo 
aos  pilotos  &  ao  astrólogo  Andres  de  sam  Marti  tu  bo  re- 
gimento que  leuaua  de  Ruy  faleyro  acerca  de  se  poder 
saber  a  altura  de  leste  a  oeste  como  ja  disse.  E  visto  bo 
regimento  por  lodos,  mandoulbes  Fernão  de  magaibães 
que  dissesse  cada  hum  o  que  alcançaua  a  saber,  &  sts 
so  podião  aproueitar  dele  em  sua  nauegaqão,  E  os  pilo- 
to» responderão .  por  escrípto4|iie  não  se  podia  vsar  da-> 
quele  regimento,  nem  aproueitaua  pêra  se  nauegar  por 
ele.  E  assi  bo  assinarão:  &  bo  astrólogo  respondeo  bo 
mesmo  st  todosr  os  capi  tolos  do  regi  moto  que  erão  trinta 
SaluO'  áe  quarto  que  dizia  que  pola  conjunção  que  a  ida 
.tem  com.  as  estrelas  fiias,  &  com  ho  sol' se  pode  saber 
âquebúa  terra  dista,  da  ontra  na  altura  de  leste  a  oes«> 
te.  Ediasé  a  este  capitulo  que*  não  auia*  outro  caminho 
.pêra.  alcabçar  a  deférBça  da  altura  de  norte  a  sul  a  dé 
hnte  a  oeste  se  não  aquete  nem  ele  ba  sabia;  E  acres- 
centou aiiida  outras  muytasconjunçdes  &  oposições,  ft 
pêra  mor  clareBa  disso  fes  sobrisso  bfl  tratado  em  que 
alegou  nbuyta  astrologia,  &  disse  ^  aquela  regra  em 
muy  sabida,  por  todos  !os  {astrólogos  >&  cosmógrafos.  £ 
•per  éla  estando  e}e'4iaquele  porto  no  meèmo  aiíno  a  de* 
.lasele  Dábril'  que  fora  ko  ecíipse  do  sol  vira  &  notara 
'pdo  eclipse  que  aK'  tomou  ,  qtie  bo  meridiano  daquele 
iperto  .distava  .do  de  Seuiiba  donde  partirão  sessenta  & 
liuili  grãos  de  norte  a  sul.  O  que  sabido  por  Fernão  de 
aMgaábãés  &  p^los  pilotos:  foy  por  todos  aprouado  p^r 
b5,  &  quando  virão  que  a.  distancia  dos  grãos  era  lata 
^uisefãna  dimínoir  &  encurtar  a  derrota  que  aieli  íize- 


14  SA   HISTOBIA   DA   tSVlA 

tSo  ,  porque  se  temião  de  sair  do  lemite  de  Castela  & 
poserâo  ho  mesmo  porlo  em  algfias  oartas  que  ieuaufto 
arrumadas  em  branco ,  &  hfls  ho  poserflo  em  corenta  & 
três  grãos,  outros  em  corenta  &  sejs:  mas  a  verdade 
foy  posta  nos  papeis  &  liuros  em  ^  as  eseriuifio,  cnj- 
dando  que  não  auifto  nunca  daparecer  como  despois  pa- 
recerão &  vierSo  ter  ás  mãos  dos  nossos,  pelos  quaes  se 
mostrou  Q  as  ilhas  de  Banda  &  de  Maluco  sam  do  de», 
cobrimento  de  Portugal ,  &  aiada  atem  de  Banda  três* 
grãos  &  meyo «  &  de  Maluco  dezasseys. 

C  A  P  I  T  O  L  O    VIU. 

De  wmoFemão  de  magaUtâes pastou  ho  egtrtito  de  todot 
os  sonetos  f  foy  Ur  á  ilha  de  Cubo:  ^  de  como  foy 
morto  em  htàa  batalha  com  dnu  capitães  seus  ^  outra 
gente, 

Jiintrado  ho  mes  Doutubro  q«e  ao  «oabaua  iio  innerao 
daquelas  partes,  determinando  Fernão  de  magaihães  da 
prosseguir  aquele  deseobrimenio  que  fazia  com  tamanb* 
falsidade  &  deslealdade,  deu  a  capitania  da  oao  de  loto 
de  Cartagena  a  seu  primo  Aluaro  ds  mesquita,  &  a  de 
Lujs  de  meadoça  a  sea  cunhado  Duarte  barbosa  &  a 
de  Gaspar  de  queixada  a  Joio  serrão.  E  feyto  isto  par- 
tiose  nó  mes  Doutubro?  &  indo  ao  longo  da  costa  do 
Brasil  dahi  a  cento  &  tantas  legoas  «e  aohou  metido 
com  toda  sua  frota  em  kQa  grande  enseada ,  <fc  não  po- 
dôdo  tornar  pêra  trás  foy  por  eja  ate  chegar  dde  faomar 
se  metia  pola  terra ,  &  Fernão  de  magaihães  mSdou  le- 
go sondar  a  boca  dele ,  &  poio  grande  fundo  O  se  aefaau 
conheceo  que  era  estreito  Q  se  fazia  do  mesmo  mar  o- 
ceano ,  assi  como  se  faz  ho  de  gibraltar :  pelo  que  fíoou 
muyto  ledo,  porque  lhe  pareceo  que  aquele  ostneito  *- 
lua  de  cortar  toda  a  terra  do  Brasil  ate  dkegar  ao  mar 
por  dde  ele  cria  qjue  poderia  nauegar  pêra  lMalmà>  sem 
ter  necessidade  de  ir  pola  nossa  aaueguçâo ;  o  que  eie 


UTaO  VI.'  CAPITTLO  vin.  IS 

receaua  muyto  por  não  topar  nauios  Portugueses,  &  de- 
terminou de  descobrir  a^le  estreito  pêra  ver  se  chegaua 
a  outro  mar,  porque  se  chegasse  dana  a  sua  nauegaçSo 
por  muyto  boa.  £  assentado  nisto  pos  ibe  nome  a  baya 
de  todos  os  sonetos  por  chegar  ali  em  tal  dia.  E  dando 
conta  de  sua  determinaçio  aos  Portugueses  oome<^u  de 
nauegaf  por  este  estreyto,  &  entrado  por  ele  era  a  boca 
de  largura  ho  espaço  Q  tomauão  duas  nãos  bCla  iBto  da 
outra  9  &  despois  se  alargaua  ate  hfla  legoa ,  &  de  cada 
vez  de  mór  fundo  que  lho  nSo  achauSo,  &  de  hfta  parte 
&  doutra  auia  muy  aHas  serranias  oubevtas  de  neue.  E 
era  terra  desaU^tada  &  sem  verdura  nem  aruoredo,  nem 
parecia  nenhu  gado  nem  alimárias  brauas.  E  indo  assi 
acharSo  que  ho  estreito  se  íazia  em  duas  bocas.  O  que 
vendo  Ferafle  de  magalhães  mfidou  a  Aluaro  de  mexqui-. 
ta  que  fosse  por  htta  delas  ate  ho  cabo,  8c  despois  se 
tornasse  ali ,  te  que  ele  Êiria  outro  tSto :  &  quem  che- 

Sasse  primeyro  esperasse  pêra  saberem  o  que  aèhauflo  ^ 
:;  verB  o  que  auifto  de  faser.  E  «oeste  cõcerto  partirão^ 
&  Fernfto  de  mâgalhXes  seguia  por  aua  rola  a  diante 
por  antre  aquelas  grandes  &  altas  serranias  eubertas  de 
neue^  ate  que  começou  dachar  outra  terra  em  que  auia 
hiias  aruores  altas  (j[  pareciâo  éedros  &  assi  outro  aruo- 
redo :  &  assi  Iby  ate  ho  cabo  daquele  estreito  que  vio 
que  se  acabaua  no  mar  oceano,  &  que  a  terra  por  onde 
se  fazia  aquele  estreito  ficaua  cercada  de  mar  de  duas 
partes,  O  ^  visto  por  ele  tornouse  a  paragem  donde  se 
apartara  Daluaro  de  mesquita  peva  saber  dele  o  que  a« 
ekara  por  sua  derrota.  E  chegado  nSo  ho  achou ,  te  es« 
perando  por  ele  algts  dias  nilca  veo ,  |)orque  segfldo  se 
despois  sottbe  ho  seu  piloto  com  à  gente  da  nao  se  ie- 
uantou  controle ,  &  ho  prendeo  porque  náo  fossem  mais 
auante  &  se  tornassem :  como  tornarão  pêra  ho  rio  de 
sam  luliSo,  onde  recolherão  a  I080  de  cartajena  que  hi 
ficara  degradado  &  se  tornarão  pêra  Seuilba ,  dizendo 
que  Fernão  de  magalhães  era  doudo,  &  que  min  lira  ao 
Êmperador,  porque  não  sabia  ddeslauão  Banda  nem  Ma* 


16  DA   HISTORIA    X>A    ÍNDIA 

luco.  E  vedo  Fernão  de  magalhâes  que  Aluaro  de  mes- 
quita oáo  vinha  não  ho  quis  mais  esfierar  por  se  lhe  não 
gastarem  os  mantimentos,  &  tornouse  por.a{}le  estreito 
por  ddo  saio  ao  mar  oceiano :  &  a  boca  por  õdo  sayo  a- 
cbou  j}  estaua  em  cincoêta  &. cinco  grãos  de  norte  a  sul 
pêra  a  parte  do  «ul ,  &  dali  roãdoU  Fernão  de  magalhâes 
Q  fossem  buscar  a  linha,  equinocial,  porQ  sabia  pelaa 
cartas  mesiuas  de  Francisco  serrão,  &  pelas  cartas  aa- 
tigas  de  marear  que  Maluco  jazia  «aquele  paralelo  da 
equinocial:  &  diminuindo  na  altura  ate  se  poerxlebaixa 
dela  nauegou  .por  ele  cinco  meses  sem  achar  JMaluco , 
do  que  assi  ele  como  os  seus  pilotos  &  ho  astrdc^o  se 
agastarão  muyto,  porque  segiido  se  despois  achou  pe» 
los  nossos  quando  tomarão  hfia  destas  nãos  na  ilha  de 
Ternate*  A  ffirmouse  Fernão  de  magalhâes  com  hò  as*- 
trologo  &  pilotos  da  frota  que  tinhão  tanto  andado  de 
leste  a  oeste  rdespois  que  sayrão  do  estreita  que  enSo 
çaydos  do  limite  de  Castela,  &  que  entrauâo.  ja  muyto 

golo  de  Portugal.  £com  temor  de  toparem  jgente  nossa, 
;  lambem  com  muyta  necessidade  dagoa,  acordarão  de 
deixar  a  derrota  ^  leuauão ,  &  nauegarão  pêra  a  parte 
do  norte  ate  que  se  poserão  em  des  graos^  &  ali  acha* 
rão  hft  arcepetago  de  maytas  jlhas:  &  tomado  ali  terra 
virão  que  ^  gente  tinha  paraós  em  que  nauegaua,  & 
trazia  muyto  ouro  nos  braços  Sp  nas  orelhas,  &  queho 
resgalauão  por  ferro:  $c. daqui  ^  cincoSta  Legoaji  forão 
ter  a  hua  ilha  chamada  Maçana  que  tinha  rey,  que  fa* 
zendulhes  muyta  honrra  &  gasaliiado  os  leuou  a  outro 
rey  doiilra  ilha  chamada  Cubo  Cjujo  yassalo.eca,  que  re* 
cebeo  com  muyta  jionrra  a  Fernão  de  magalhâes,  &lhe 
fez  muy  b5  tralameato:  principal  mete  despois  que  sou- 
be copf^o  era  capitão  mór  dd  senhor  tamanho  como  he 
EmperadoT,.  ^e  quem  Fernão  de  magalhâes  fez  que  se 
fizesse  vassalo,  &  roais  bo  fez  tornar  Christão  &.a  sua 
molher,  .&  a  seus  filhos  com  muytos  do  seu  rey  no,  & 
pQS  lhe  nume  dom  Fernando :  &  por  seu  consen  tini  ente 
íoy  edificada  hua  igreja  da  auocação  de  nossa.  Senhora 


da  vièoria  em  que  ee  celebraisa  ho  offido  dioino.  £  es- 
tando nesla  amizade ,  el  rej  rogou  a  FernSo  de  maga- 
Ihães  que  ho  ajudasse  contra  outro  rey  seu  vezinho  se- 
nhor de  hua  ilha  chamada  Matão  que  lhe  não  queria  o* 
l^edecer,  &  sobrisso  tinhão  ambos  guerra.  £  por  el  rey 
ser  vassalo  do  Eroperador,  Fernão  de  magalhãeg  lhe 
deu  a  ajuda  que  lhe  ped4a,  &  pelejou  duas  vezes  com 
ho  rey  de  Matão,  &  dambas  lhe  tnatou  muyta  genl«« 
£  não  querendo  <;om  tudo  obedecer  a  el  rey  de  Cubo 
pelejou  coele  outra  v^z ,  &  desta  foy  morto  &  desbara- 
tado: porque  el  rey  de  Matão  tinha  Biandado  fazer 
muitas  couas  cheas  destrepes  no  lugar  onde  auía  de  ser 
a  batalha ,  que  em  se  começando  de  dar  fez  que  fugia 
com  «ua  gente.  E  Fernão  de  magalhães  contêtandose 
coisso  os  não  seguio ,  &  reooíhenda  sua  gente  dão  os 
immígos  nele,  &  dão  coele  nos  estrepes  onde  matarão  a 
ele  &  a  Duarte  barbosa,  &  a  loão  serrão  com  vinte 
tantos  homSs ,  fie  os  outros  se  recolherão  aos  bateys ,  & 
metendose  nas  naes  se  tornarão  pêra  a  ilha  «de  Cubo« 


<3  A  P  í  T  V  L  O    IX^ 

eyçâo  que  el  rey  de  Cubo  fez  aos  Castelhanos  em 
e  matou  mnytos  deles ,  ^  de  como  escaparão  fugin* 
.  E  do  que  passarão  ate  chegarem  aa  ilha  de  Tiaóre 
hHa  das  4thas  de  Maluco. 


do. 


T, 


-ornados  os  CasteHianos  aa  ilha  de  Cubo ,  &  vendose 
desemparados  do  seu  capitão  moor,  &  de  quem  os  guí-as-» 
se  pêra  onde  auião  de  ir  quiseranse  tornar  dali.  Ao  que 
loão  caruaHio  piloto  da  nao  de  loão  serrão  acodio,  di- 
zendo que  não  fizessem  hQa  couardia  tamanha  como  ar- 
queia, &  que  oulhassem  em  quanta  obri^a<^ão  lltes  fica-* 
ria  ho  Emperador  se  lhe  descobrissem  Bãda  &  Maluco: 
por  isso  que  ho  descobrissem  que  ele  os  leuaria  lá.  E  a*^ 
nímados  todos  coisto,  determinarão  de  prosseguir  auar.** 
te ,  &  deranlhe  a  capitania  da  nao.  E  standose  aperce^ 

UVRO  VI.  c 


]•  BA  airroAiA  pi  inhia 

bencto  pefâ  tornar  a  aua  viagem^  mandou  elrey  deMâ^ 
iSo  amea^  eJ  rej  de  Cubo  que  iria  sobrele,  &  ho  de^ 
trttyría  se  não  malasae  oa  Caslelbaaue  &  lhe  nSo  tomaa- 
06  aa  nãos.  £  como  ele  estaua  amedrontado  pola  morte 
da  Fernão  de  magalhâea  &  doa  oelroa  ouue  medo  ao  a«^ 
meaço^  &  preme leo  a  el  rey  de  Matáo  de  lhe  fazer  o 
que  queria ;  o  que  logo  poa  em  obra,  &  pêra  isso  fingio 
fazer  hila  grande  festa  em  que  conuidou  oa  capilSes  da 
(rola  &  os  principais  dela,  pêra  lhes  dar  hum  banquete» 
porque  doutra  maneyra  oa  nâo  podia  tomar  juntos,  por* 
que  despois  da  morte  de  Fernão  de  Ukagalhães  hiâo  pou«> 
eas  vezes  a  terra  por  eonaelho  de  lofto  caruaibo :  que 
quikb  soube  que  erão  conuidadoa  pêra  ho  banquete,  Sik 
que  ho  querião  receber  lhes  rogou  mtiyto  que  ho  nãofi-* 
aessem,  porque  tinha  por  sem  duiMda  que  aquilo  era 
Ireição.  È  poi  muytas  resâes  que  lhes  deu  pêra  ho  aer, 
»ão  quisecâo  se  nâo  ir  a  terra :  maa  e)e  nâo  quia  ir,  nem 
que  fosse  ninguém  da  sua  nao,  &  mandou  íettar  aa  An* 
coras ,  saluo  hila  sobre  que  ficou ,  &  esta  apiqae  pêra 
se  leuar  logo  se  fosse  necessário.  E  estando  os  Caste- 
lhanos comendo  debaixo  da  hiias  aruores  com  grande 
festa  &  el  rey  coeles ,  da  neles  a  gente  dei  rey  armada 
&  matarão  trinta  &  iantaa ,  &  o;i  outros  se  acolherão  ál 
nãos  que  estauAo  |ierto»  £  poderanue  fazer  porque  leão 
earualho  mandou  desparar  alguas  peqas  darteltiaria ,  de 
que  os  immigos  auendo  medo  não  seguirão  os  Caslelha* 
nos,  que  despois  dembarcados  por  ae  verS  que  erão  tão 
poucos  que  não  abasíauâo  pêra  três  naoe  queimarão  hila 
delas,  baldeando  nae  outraa  o  que  ieuauão,  &  partiran«it 
se  por  esse  mar  desesperados  de  saluaqão ,  porque  loâo 
earualho  com  quanto  lhes  prometera  que  os  ieuaria  a 
Maluco ,  nem  sabia  ondestaua ,  nem  pêra  onde  auia  de 
nauegar :  &  sem  leuar  certa  rola  nem  via  se  foy  por 
esse  mar  onde  a  ventura  ho  leuasse ,  &  foy  ter  a  h&ar 
iUa^  chamada  Puloaodo  senhorio  dei  rey  de  Borneo,  on- 
de tomarão  dous  homens  que  os  Jeuarão  aa  ilha  de  Bor* 
neq :  &  mandarão  dizer  a  el  rey  cujas  erão  aquebs  naoe 


Jt  qM  Irasilo  iDuylas  mereaioriM  pêra  iralar  se  Ibm 
dfiwe  itceaça  pêra  aairaiD  em  terra ,  &  coela  aairâo , 
mãdâdo  el  rey  receber  os  doua  capities  iiorradamSte  &/ 
€Ò  gride  festa.  E  leiíadas  mercadorias  a  Lerra  assenta- 
rio  feyioria,  &  da  hi  a  doua  dias  amaoliecerAo  derredor 
àêM  fiaoa  Ireeentos  &  tantos  paraós ,  &  parecia  {)  pêra 
Uie  tomarS  as  nãos.  O  Q  eles  entead^odo  se  fizerâo  logo 
Á  vela,  &  derâo  em  ciaoo  juogos  q^e  e^taiJiSo  no  porto 
de  que  tomarão  três  em  que  acharão  mujta  riqueza  qu^ 
ieuauflo  de  IMalaca  dõde  erSo,  &  catiuarilhe  toda  agô- 
le«  £  feyto  isto  fòrAnse  a  hfta  ilha  despouoada  ^  est^ 
iifaatada  do  porto ,  onde  Ibe  el  rey  de  Boroeo  mandou 
Jogo  pedir  os  catiuos^  mandaiidollfte  doua  CasteJbaiaos  d^ 
fejtoria:  dizeado  que  Uie  não  mandaua  os  outros  poR- 

rí  ficaulo  oolbando  pola  fasenda  da  feytoria.  Ed^ran- 
os  catíuoS)  mandandolbe  diser  que  ike  mandasse  ca 
Castelhanoa  que  lá  estauSo :  k  por  ho  recado  tardar  hfl 
4lia  cirjrdacio  os  CasILelhaiios  que  ibe  querido  fawr  trei- 
-fAo ,  &  por  iaeo  requererão  a  loáo.  cariíaMio  <|  se  ftartía- 
aeoi ,  &  asai  bo  fieerSo  deixando  es  ceropaoheiros  eoi 
4erra  com  a  faaenda,  &  (caSo  ter  a  bua  iifaa  despouoada 
0nde  derão  pêdor  ás  nãos  por  andarem  muyto  abertas. 
£  dali  forão  ter  a  outra  ilba  cbamadaAfindanao,  &dea- 
pois  a  outra  que  auia  nome  Sanguim.  E  andando  perdi- 
dos  &  sem  saber  õdestauão  Jiem  esperança  de  bo  saber 
nunca :  &  crendo  que  se  cbegaua  sua  fim  toparão  com 
bo  jfigo  daCbiaa  qw»  bia  de  MaUicao :  &  au^o  fala  deta 
por  acenos  isouberfto  que  aiM^o  de  lomar  atras  4^  dmro- 
ta  que  leaaiiáo,  &  tomarão  pilotes  que  os  leuarão  áilba 
de  Tidore ,  hfla  das  ilbaa  de  MaJuoe  j  oad^  cbegarão  na 
fim  Doutubro  de  mil  &  quinhêlos  &  vinte  btt :  cujo  rey 
os  receibeo  muyto  jbem ,  &  diM  ibe  derlio  erandes  pre- 
aeotea^  diaSdo  que  erão  vaasaios  dei  rey  de  CaateU  fc 
Jio  jaór  aeidior  daGbrístiadade,  &  por  seu  .mãdado  biáe 
-descobrir  aqudas  iibas  pêra  ler  itcato  noks  i&  ae  ele  dia- 
ao  fosse  .cQat^aia  que  faria  njssp  tmuy.gr&de  •proueito*  B 
^caoido  lal.rey  dos  {irascaites.que. lhe  derão.,  idisse  qoa 

c  2 


20  BA  HI8T0MA   Vá.   INOVA 

elle  &  soa  terra  erâo  dei  rej  de  Castela ,  &  que  tha  ei^ 
tregaua :  &  que  soubera  por  seus  feyliceiros  que  erão 
partidas  cinco  nãos  pêra  a{|U  riba  por  mandado  de  hft 
grande  rey ,  &  por  isso  ele  era  vassalo  dd  rey  de  Ca»^ 
tela  9  &  lhe  obedecia  conao  a  senhor :  &  que  lhe  rogaua 
que  esperassem  dous  meses  &  que  lhe  daria  crauo  nouo» 
Ao  que  eles  responderão  que  nâ  podiâo  esperar  por  se- 
rem as  nãos  velhas,  &  por  isso  se  queriâo  logo  tornar: 
mas  que  dali  a  dous  annos  lhe  prometião  de  tornar  cõ 
cincoêta  nãos  carregadas  de  mercadoria :  .&  pregunta- 
ranlbe  se  hião  os  Portugueses  a  estas  ilhas.  É  sabendo 
Q  si ,  disserâo  muy to  mal  deles  chamado  os  ladrões ,  & 
prometendo  que  lhe  auião  de  tomar  Malaca,  porc)  dela 
ate  Maluco  tudo  era  dei  rej  de  Castela,  &  rogarão  a 
el  rey  que  lhe  fizesse  vender  esse  crauo  que  se  achasse 
na  ilha  posto  que  fosse  velho  porque  coesse  iriâo  conten- 
tes. O  ^  faziâo  por  se  acolher  Q  temião  Q  fosso  os  Por- 
tugueses ,  &  c][  os  tratasse  mal :  í}  bfi  sabião  Q  não  era 
Maluco  de  seu  descobrimento  pelo  que  tinbâo  espceme»- 
tado  naquela  nauegação:  &  bem  tomarão  por  partido 
tornarem  a  suas  terras  com  a  uída :  &  em  quanto  se  a- 
juntaua  ho  crauo  que  auião  de  leuar  ficarão  cõ  el  rey 
fazeiKlo  veniaga  de  suas  mercadorias. 

C  A  P  I  T  V  L  O     X. 

De  camiy  el  rey  Daternate  foy  cometido  dos  castelhanos 
com  amizade  ^  a  não  quis  9  ^  de  como  carregarão 
duas  nãos  de  crauo  ^  huafoy  ter  a  espanha ,  ^  outra 
êeqMis  de  partir  arribou  a  Maluca^ 

Jtif  estando  aqui  mãdarão  oOrecer  amizade  a  el  rey  de 
Ternate  cõuidando  bo  com  presentes  pêra  isso.  £  como 
ele  era  seruidor  déf  rey  de  Portugal  auia  muytos  annos 
não  a  quis  aceitar,  antes  lhe  mandou  dizer  que  era  va»- 
aalo  dei  rey  de  Portogal,  &  que  a  ele  queria  ter  por 
ae&or  &  não  outro  ^  &  mandou  logo  recado  a  lorge  dal- 


LnVO  TI.   djlPlTVLO  X.  21 

baquérqoe  eapitãa  de  Malaca ,  em  que  lhe  escriuia  o 
que  passaua :  &  as8i  bo  escreueo  ao  goueroador  da  Ín- 
dia &  a  el  rey  de  Porlugal.  £  estas  cartas,  mandpq  eqi 
ha  juDgo  que  roâdaua  a  Malaca,  pedindo  a  eirey  que 
mandasse  prouer  aquela  terra  pois  era  sua,  &  que  man- 
dasse fazer  nela  hila  fortaleza.  £  vendo  os  Gaslelhanos 
como  el  rey  na  queria  sua  amizade  disserâo  a  el  rey  de 
Tidore  Q  quando  tornassem  com  a  armada  Q  diziào  ho 
fariâo  vassalo  do  Emperador  posto  que  não  quisesse.  £ 
el  rey  de  Tidore  vendo  como  -se  eles  querião  ir ;  oúao- 
dou  apanhar  todo  ho  crauo  que  se  pode  auer  com  que 
carregarão  as  duas  nãos  Q  tinha,  £  a  moor  parte  deste 
crauo  era  dei  rey  de  Portugal,  &  dos  nossos  que  lá  fi- 
cara do  anno  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  de  três  jun- 
ges de  Malaca  que  descarregarão  na  ilha  de  fiachão 
por  não  terem  tempo  pêra  irem  a  Malaca,  &  hú  deles 
era  de  Guria  deua  h&  nnercador  em  que  hia  a  carga  dei 
rey  de  Postugal,  do  retorno  da  fazenda  que  Gaspar  ro- 
driguez  feytor  mandou  quando  lá  foy  dom  Tristão  de 
meneses.  £  muytos  fardos  deste  crauo  leuauâo  os  no- 
mes dos  nos808.de  cujos  erão,  &  com  a  pressa  que  ti- 
nhão  de  carregar  este  crauo  cõ  medo  que  não  fosse  ter 
coeles  algfta  >  armada  nossa  &  es  tomasse ,  cõprauão  ho 
bahar  a  dez  &  a  doze  dobrões ,  &  mais  corSta  barretes 
vermelhos :  comprado  os  nossos  ho  bahar  .a  cruzado  &  a 
menos.  £  carregadas  as  nãos  deixarão  os  Castelhanos 
feytoria  nesta  ilha  de  Tidore  com  todos  seus  offieiaes , 
a  ^  ficarão  muyto  cobre  &  outras  mercadorias ,  &  dei* 
xarãthe  corentabombarclas  &  muytas  bestas  &  espigar- 
das  &  outras  armas  prometendo  a  el  rey  de  Tidore  que 
l^uando  tornassem  auião  de  fazer  hila  fortaleza.  E  com 
isto -se  par  tio  htla  das  nãos,  de  que  era  capitão  &  pilo- 
to loão  carnalho  em  Dezfibro  de  mil  &  quinhentos  & 
vinte  hd:  &  partida  foy  auer  vista  da  ilha  Damboino 
que  está  atraues  da  de  Banda,  de  que  também  ouue 
viata ,  &  assi  da  costa  da  jaoa  &  dahí  foy  á  ilha  de  Ti- 
mor Õde  lhe  fugirão  dous  caatelhanos  ^  despois  forão  ter 


12£  JIA  ítmORiA    DA   flNDIA 

a  Malaca  com  deseuperaçSo  de  se  a  oao  náo  poder  mi- 
nar, porque  hia  (So  aberta  que  a  cada  relofio  dauêo  á 
bomba  qualro  veees  ^  &  por  iaso  a  tirarão  ali  a  mSte  & 
a  côcertarfto ,  no  ^^ue  0e  deteuerio  ate  Feuereyro  de 
mil  &  quinbeHfttos  &  vinte  dooa^  k  dali  oorloii  pola  al- 
tura do  cabo  de  boa  Esperança.  £  fazeodose  auãte  deiâ 
cuydaodo  que  bo  tinba  dobrado,  cortado  dali  ao  noroeo- 
te  foy  dar  no  rio  «do  Ifante  que  está  /quinze  legosB  de 
Moçambique.  £  nisto  ee  mostrou  quSo  pouco  aabilo  por 
onde  hiSo,  por  quantoa  'grãos  aqui  erracAo  daltuca  de 
leste  a  oeste,  &  daqui  forffo  pob  nosso  caminho  ale  toe- 
narem  a  Seuilba :  &  a  outra  nao  dos  caatelhanos  que 
partio  da  ilha  4eTidore  desppis  desloutra  >leeuou  suadet- 
rota  pêra  a  terra  do  Oarift  Q  he  detrás  4a  terra  Aas  an- 
tilbas.  £  auendo  deus  meses  que  nauegaaa,  foraoJhe>os 
ventos  tSo  contrairos  a  eua  riageuD  que  Ibe  foy  forçado 
arribar  ás  ilhas  de  Maluco ,  &  quando  lohegou  bichou  os 
nossos  fazendo  bfla  fortaleza  na  iiba  de  Teroatás ,  icomo 
direy  a  diante. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XI- 

De  como  António  de  irtfia  ^  dam  Garcia  mÊwriqu^z  m 
partirêò  pêra  as  ãhaa  áe  Maluco ,  ^  da  àiscripçêo 
deitas  iluas. 

.w^abido  por  António  de  brito  oomo  estauão  CasteUianoB 
Jk  Maluco,  &  como  Unbio  assento  na  terra:  temendo ^ 
ieueaseni  mais  força  da  que  tinbão^  requereo  a  dõGaf!- 
cia  anrriques  da  parte  dei  Rej  de  Portugal  9  que  por 
^quanto  ieuaua  pouca  gSte  peva  pelqar  com  esrCaatelha- 
-nos  &  com  os  da  terra  &  os  sugigar ,  que  fo9»  c<»file 
com  a  gente  4  tinba  pêra  ho  ^udar.  £  viste  per  «dom 
Garcia  conso  aquilo  era  seruiço  delrey  aceyjtou  de  muy- 
to  boa  võtade  fazeie  sem  lhe  lembrar  bo  muyto  que  pe»- 
<dia  de  sua  fazõda  por  não  ficar  em  Bãda ,  em  que  lAin» 
iooto  de  brito  assentou  amicade  &  trato  com  os  jla  its»- 


&i¥BO   ¥K   CAPlWii»  Xi.  23 

ra :  &  por  memoria  diMo  pw  bfl  padrfto  de  pedra  com 
aa  armaa  raaes^  &  sobriaao  leaerfla  oe  da  terra  coele  hU 
gila  deferença,  &  pelejarfio  «oele&  lhe  ferirão  algua 
faomfti^  &  por  darradejro  ficarão  amigos.  £  viiulo  bo 
mes  de  Mayo  ^  era  a  aoiM^So  pêra  Maluco ,  pariir&se 
António  de  brito  &  dd  Garcia  com  soa  armada  que  era 
de  ojto  velas ,  &  leuaiifta  nela  trezentos  homèa.  £  se« 
ipuindo  por  sua  \\age-  ebegarfto  a  estas  ilbas  qqe  esl&o 
cem  legoaa  de  Bâda :  &.  ettác»  codas  noroestesueste  ^  â( 
sam  cinca  a  fora  outrat  muytae  de  que  se  faa  hfl  gran^ 
de  areepelago  que  ocupão  grandiasífna  distancia  demar> 
£  estas  cinco  que  digo  que  propriamente  se  chao^o  a$ 
de  Maluco  sam  as  Q  dão  bo  crauo^.  que  be  tão  estimado 
per  todas  as  partes  do  mOdo.  £  sam  os  seus  nomes  es* 
tee,  Bachâ,  Maquiem,  Moutel,  Tidore  &  Ternatet 
çstáo  todas  debaixo  da  equinocial^  &  antre  a  de  Ter* 
nate  &  a  de  BaebSo  estão  as  outras  trea«  E  a  de  Ter* 
nate  que  be  mayor  que  todas  está  em  bum  grão  da  ban* 
da  do  sul.  Todas  eslas  ilbas  sam  chãs  poJas  fraldas  do 
mar,  &  dali  se  vay  a  terra  aleuantando  algu  tanto  ate 
duas  legoas  peio  sertão :  mas  dali  por  diáte  sam  as  ser* 
xanias  tão  grades  &  as  rocbas  tão  altae  &  os  aruoredos 
tão  bastos  ê^  qarrados  que  nã  se  podem  habitar.  K  &to* 
das  estas  serras  ha  vieiros  denxofre :  &  em  híia  da  ilha 
de  Ternate  está  bâa  boca  que  continuamente  lancha  es- 
pantesas  labareda»  de  fogo.  Todas  per  estas  duas  legoas 
que  digo  sam  cubertaa  de  muyto  aruoredo  brauo,  &  an* 
irek  nacem  as  amores  que  dào  ho  crauo:  de  que  prin* 
cipelmente  ha  mais  emMoutel  &  Maquiem  que  em  ne* 
•bfta  ^as  outras.  As  aruores  que  dão  ho  crauo  sám  do 
tamanho  das  que  dão  a  noz ,  &  em  terem  os  troncos  ii« 
SOS  &  a  rama  copada  se  parecem  eom  laranjeiras:  porem 
as  folhas  parecése  com  as  do  loureyro*  IMace  bo  crauo 
per  todas  elas  em  pin botas  como  madre  stlua ,  &  quido 
hé  de  yn  está  verde.  Os  {|  ho  apanbão  se  sobem  nestae 
aruores  fc  com  bQas  canas  de  forquilha  ho  colhem  & 
4fiitfto  em  hVíB  cestinhos  que  trae&  na  cinta^  &  nista 


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J24  DA   mSTORTA     Úk    INDfA' 

quebrSo  todos  os  raminlios  &  gomos  que  estas  ar^iores 
metem  tie  douo,  pelo  que  fíc&o  tão  daneficadas  que  ná 
éHo  crflHo  ho  anno  seguinte  &  se  reformao  nele  perada- 
rS  ho  crano  ao  outro  anno :  de  modo  que  pda  mayor 
parle  não  dã  nouídade  inteira  todos  os  anos.  Apanhado 
ho  crauo  bo  deitão  ao  sol  a  curar,  onde  anda  muytos 
dias  &  se  lorna  roxo ,  &  despois  negro  coroo  ho  vemos , 
de  ho  borrifarem  com  agoa  salgada.  Ha  tambS  outras 
nruores  que  se  charoSo  <^gu8  de  cujo  miolo  se  fnz  pflo  : 
despois  de  tirado  bo  deitão  S  jarras  com  agoa  salgada, 
&  passados  aíg&s  dias  ho  seção  ao  sol ,  &  seco  ho  mo8 
&  da  farinha  ou  pó  faz8  pão,  que  segundo  eu  vi  he  dá 
cor  do  nosso  pão  de  rala ,  &  «abe  como  pão.  Outras  ar^ 
tiores  diuersas  ha  nes4as  iibas,  que  hdas  dão  vinho  ou-^ 
trás  azeite,  outras  fruytas:  &  isto  continuamSte  qu^ 
não  tem  tempo  limitado,  &  por  isso  não  falecfi  niica. 
Ha  também  grandes  canaueaes  de  canas  de  boa  grossur* 
ra  ^  nacS  cheas  dagoa  muylo  boa ,  &  quem  vay  polo 
mato  &  ha  sede  faz  bQ  furo  em  hii  canudo  destas  &  be^ 
be :  ha  tambS  outras  de  que  se  ser ue  ft  gCte  pêra  acar^ 
re tarem  agoa  &  vinho  &  azeite  &  fazerem  de  comer  & 
sam  da  grossura  dfl  braço  &  de  hâa  coxa ,  &  os  canu- 
doe  sam  «omumente  de  <;oitiprimânlo  dii  couadò  &  co* 
uado  &  meo :  &  ieuão  sete ,  oylo  canadas.  Nestas  ilhas 
ha  poucos  mãtimenlos,  •*&  qnasi  que  vão  todos  de  fora: 
Sc  isto  por  ser  a  gente  muylo  guerreira  &  não  se  ocupar 
se  não  em  guerras:  porS  a  terra  he  fértil,  &  tão  viçosa 
que  em  caindo  a  folha  ao  aruoredo  logo  lhe  nace  outra 
&  nunca  está  sem  ela :  &  as  cabras  que  vem  defora  pa- 
rem doas  vezes  no  anno ,  &  as  mais  dous  filhos  de  cada 
vez,  &  muytas  três  &  algQas  quatro,  8c  as  porcas  tam^ 
bê  parS  duas  vezes  no  anno,  &  as  cabritas  &  leytoas 
ainda  mamão  quando  logo  emprenhão:  &  he  tamanha  a 
fertilidade  desta  terra  que  se  vão  molheres  doutra  que 
sejâo  auidas  por  maninhas  logo  emprenhão  nela.  Ha 
tambfi  nestas  ilhas  bfis  bichos  como  coelhos  que  tê  nai 
bar4'igaa  Ms  bolsos  4^mo  aljabeiras ,  &  quãde  pareal' 


LIVRO    VI.    GAJ^ITVLO  Xf.  26 

metem  neles  os  filhos  ^  &  coeles  dentro  sem  lhe  cairei» 
Gorrè  &  saltão  polas  aruores  dumas  em  outras:  estes  se 
chamão  cucos  oa  lingoa  da  terra  &  sam  rouyto  bos  pêra 
comer.  Ha  no  mar  muyto  pescado  &  muyto  bÕ,  &  hfls 
cangrejos  do  tamanho  de  centeias,  &  assi  parecem:  & 
tem  bCis  bolsos  como  pescoços  de  lagostas.  E  est^s  saem 
do  mar  pêra  ho  mato  a  comer  hua  frui  la  qu€  ha  na  t^r- 
Ta  que  se  chama  Canária  &  he  como  amêndoas ,  &  assi 
tem  a  casca ,  &  eles  a  quebrão  com  os  deles :  estes  sam 
•muyto  gordos  &  muyto  gostosos'  pêra  comer ,  tomãnos 
com  candea  despois  que  de  noyte  saem  em  terra,  &  co- 
mo v6  ho  fogo  estão  quedos,  &  pêra  os  terem  muytos 
dias  08  metem  em  bda  jarra  &  os  mantém  com  cocos 
•que  comS*  E  com  quanto  ha  nestas  ilhas  poucos  manti- 
mentos, esses  que  ha  nunca  falecem  nem  ha  nelas  for 
me,  porque  vay  a  gente  buscar  cada  dia  ao  mato  ho 
comer  de  que  tem  necessidade,  &  viuem  como  na  pri- 
Tnitiua  idade«  Todas  estas  ilhas  sam  muyXo  fortes  por 
natureza  &  arterfício,  &  tem  portos  em  que  os  nauios 
-estrãgeiros  podem  entrar  muy  difficúltosamente ,  porta- 
rem todos  arrecifes  feytos  á  mSo.  Suas  pouoações  saia 
<:omo  digo  pola  fralda  do  mar  ate  duas  legoas  pelo  ser* 
4ão ,  &  as  mais  delas  ou  todas  sam  muyto  fortes  cõ  cer* 
•cas  de  trãqueyras,  &  cauas  &  fortalezas  de  madeira. 
As  casas  sam  de  paredes  de  terra  eubertas  doía,  som&- 
•te  as  mesquitas  sam  de  pedra:  os  moradores  sam  moa- 
TOS,  &  auia  pouco  que  tomarão  a  seyta  deMafamede  i| 
dantes  erâo  gentios.  He  gente  bS  despostaà  mais  preta 
que  baça  assi  homSs  como  molheres:  tem  todos  hua  lin^ 
goa  &  tratanse  muyto  bem  dos  atauios  do  se»  corpo, 
comtlmente  não  sam  pêra  trabalhar  macanicamente :  po- 
-rfi  sam  homSs  engenhosos  em  carpentaria  de  macenaTÍa 
&  em  laurar  de  bastidor.  Sã  auiy to  guerreiros  &  valStes 
-na  guerra  &  muyto  cruéis  nela  fi  ho  pay  mata  ho  filho, 
&  ho  filho  ho  pay,  &  aos  immigos  <}  matão  oortâo  as 
4»beqa8  que  podem  &  pendufãnas  ao  pescoço  poios  ca- 
bélo8 ,  &  isto  è  sioalde  bõs  caualejrrQB ,  &  aem  iaso  nSú 

LIVRO   VI.  D 


f 


OA    HISTOaiA    DA    ÍNDIA 

se  tem  por  taes  nè  ganhão  bonrra.  Quando  querê^  fazer 
aigúa  cousa  de  sustancia  ajuntanse  mujrlos  a  codier  era 
(|  se  embebedâo  &  despois  de  bêbados  assenlao  o  ^  hâo 
de  íaaser,  &  ho  mais  bêbado  tS  por  mais  iionrrado:  não 
te  nauios  se  não  pêra  guerra^  &  sam  de  remo :  os  mayo^ 
res  se  cbamão  coras  coras  &  joãgas,  &  sam  tão  compri- 
dos que  tem  cento  &  oy tenta  remos  por  bãda,  &  sam 
rouylo  bem  feytos.  Não  tê  jungos  nê  outros  nauios  dalto 
bordo,  porque  não  ha  anlreles  nenhus  mercadores,  nem 
ha  antreles  outra  mer^cadoria  que  ieuar  pei'a  íbra  se  nX 
crauo ,  &  este  nâo  bo  ieuauio  por  não  terê  nauios  pêra 
isso:  &  os  da  ilha  de  Bâda  ho  hiâo  lá  buscar  ê  seus  jâ.^ 
os  &  ho  comprauão  muyto  barato  a  troco  de  panos  da 
ndia  pêra  se  vestirS,  4  i^uauão  á  Banda  os  mercado» 
res  de  Malaca :  &  tambê  a  troco  deles  comprauão  em 
Bâda  a  noz ,  ma<2a  &  crauo  &  não  queríáo  ir  por  ele  a 
Maluco  por^  gastauão  na  TÍagS  quasi  ho  dobro  do  tem«> 
po  que  punhão  de  Malaca  a  Bâda  ida  por  vinda,  que 
erâo  seys  meses  que  partíSo  de  Malaca  em  laneyro  &  è 
Feuereyro  chegauão  a  Bfida,  &  carregauâo  em  lulho 
em  que  parlião  pêra  Malaca  &  chegauão  em  Agosto,  & 
pêra  Maluco  auião  de  partir  de  Banda  emMayo,  &  che- 
gauão nele  por  nfto  ser  ho  caminho  de  mais  de  cem  le» 
^oas,  &  por  amor  da  mou^o  dos  leuantes  não  podiãe 
tornar  de  Maluco  se  não  em  laneiro  se  achauão  carga  ^ 
&  se  nã  auião  desperar  híl  anno,  &  em  Banda  auião 
desperar  ate  lulho  pêra  partirem  pêra  Malaca.  E  por 
esta  rezão  não  querião  os  mercadores  de  Malaca  passar 
a  Maluco  &  achauão  em  Bãda  ho  crauo :  que  despois  ^ 
os  Portugueses  esleuerão  em  Maluco  nâo  trouuerào  os 
Bandaneses  mais  a  Banda.  Os  reys  destas  ilhas  tem  a 
seyta  deMafamede,  &  conforme  a  ela  casam  com  muy» 
tas  moiheres  &  sempre  tem  húa  por  principal :  eles  & 
os  fidalgos  de  sua  corte  a  que  chamão  mandarins  se  ves^ 
iè  ao  modo  maiayo  &  os  bajus  sam  de  seda  rica  com 
botões  douro,  &  pedraria  poias  dianteiras  &  mangas^ 
Trazem  arrecadas  nas  orelhas,  &  no  pescoço  colarei 


douro  &  cadeas,  &  nos  braços  manilhas,  &  assi  se  ves* 
(S  as  molhereS)  &  nas  falieças  ^ottkbfeirçs  goarnecidos 
douro  &  pedraria  &  nas  festas  coroas  douro ,  &  por  dó 
irazS  panos  brancos  qiia  cbamão  6sas  feytos  daatre  cal- 
cas daruores  ^  &  nos  brai^os  manilhas  de  rota  de  Benga*- 
la  Q  sam  caninhas  delgadinbas,  &  rapão  quâlos  cabelos 
tem  em  seu  corpo,  &  vntanse  dolios  cheirosos,  &  tra- 
b6  nas  eabeças  ISçoa  atados*  Seruense  com  muyto  graih- 
de  estado  posto  que  nâo  tô  nenhua  rSda ,  que  cada  lu^ 
gar  be  obrigado  a  darlbe  btt  tanto  pêra  comerem  certos 
dias  cõ  toda  sua  casa ,  &  isto  em  abastança.  £  a  mes* 
na  manejra  16  os  senhores  seus  vassalos ,  que  se  cha* 
mSo  Sangag^es^  &  a9ai  os  reigedores :  porque  cada  rej 
tem  sieu  regedor  qtie  tem  cuydado  das  cousas  doréyno^ 
assi  na  paz  como  na  guerra»  E  cõ  quanto  estes  reys  nãe 
tem  renda  aam  tão  venerados  assi  dds  seus  naturais  có>- 
mo  dos  estrangeiros  doutros  reynos  &  tidos  por  hiiacouf- 
fa  ti(o  sagrada,  qute  posto  ()  estem  antre  seus  iinigos  s^ 
dizè  eu  sou  tal  rey  afastanse  logo  &  danlhes  lugar:  &t^ 
por  eostume  se  sam  vencidos  em  algua  batalha  de  nSe 
verem  bo  rosto  ao  vScedor  se  nft  dali  a  seys  om  sete  n^e** 
ses.  A  gète  baixa  os  tem  por  tão  diuinos  que  passande 

Eor  diante  deles  tapfto  os  olhos  &  deitSse  no  chão  d^ 
ruços  por  não  ousarem* de  lhes  ver  ho  rosto,  nS  os  no- 
meão  se  não  por  sol ,  liaa  ou  por  npmes  de  cousas  (}  t9 
por  muyto  gr&des»  Ede  todos  os  reys  desta»  ilhas  elrey 
de  Ternate  somente  era  amigo  dei  rey  de  Portugal ,  & 
lhe  mandou  pedir  que  fiaesse  fortaleza  S  ma  terra,  & 
não  quis  amizade  com  os  Castelhanos. 


D  2 


28  ÚA   HISTORIA   DA   INDlA 

C  A  P  I  T  V  L  O     Xlh 

De  como  António  de  brito  assentou  amizade  c6  a  mág 
dei  rey  de  Temaíe  4*  com  outros  reys :  ^  de  como  co- 
meçou  a  fortaleza  de  sam  loão  de  remate. 

V^hegado  António  de  brito  a  estas  ribas  (}  foy  na  fim 
de  Mayo,  porQ  sabia  Q  na  ilba  de  Tidore  estauâo  oa 
Castelhanos  j)  tiearão  bi  cÕ  feytoria  das  duas  nãos  da  ar- 
mada deFernã  de  magalbâes  quis  ir  iá  primeyro  ^  a  de 
Ternate  pêra  tirar  dali  a^la  feytoria  polo  grade  perjuy* 
2o  ^  fiiria  á  dei  Rey  de  Portugal.  £  indo  lá  cÕ  toda  a 
armada  ouue  ê  seu  poder  os  Castelhanos  ^  ja  não  tinhâd 
Q  feytorizar,  &  fezihe  tSo  bd  gasaihado  como  ^  forfl  Por* 
iDgueses :  &  leuãdo  os  dali  se  foy  aa  ilha  de  Ternate^ 
"CUjo  rey  era  falecido,  &  sospeitauase  Q  el  rey  deTido^ 
Te  seu  sogro  ho  matara  c5  pe(^nha  ê  b&  baqueie  por 
Tiflo  (|rer  ser  amigo  dos  Castelhanos  como  ele  era :  &  a 
raynha  gouernaua  bo  reyno  por  hu  seu  íiiho  erdeiro  não 
ser  mais  de  sete  anos.  E quando  a  raynha  soube  i|  An- 
tofi-io  de  brito  estaiia  na  barra  da  sua  cidade,  mãdoulhe 
^  boa  hora  de  sua  vinda  polo  regedor  do  reyno ,  &  dí- 
zerlhe  ^  el  rey  seu  marido  era  falecido,  &  quando  fale- 
cera lhe  deixara  encomCdado  i|  se  os  Portugueses  ali 
ViessS  pêra  fazer  fortaleza  Q  os  agasalhasse  muyto  bê| 
&  lha  deixasse  fazer  ode  quisesse,  &  lhes  desse  toda  a 
fljada  de  j}  teuessS  necessidade :  &  (}  assi  ho  auia  de  fa- 
zer. O  Q  lhe  António  de  brito  mãdou  agradecer,  &  por 
a  boa  võtade  Q  achou  na  raynha  determinou  cÕ  conse- 
lho de  dõ  Garcia  ãrriquez  &  dos  outros  capitães  de  fa- 
zer a  fortaleza  naqla  ilha,  &  pêra  ver  ho  lugar  em  {[se- 
ria b5  fazela  mãdou  pedir  licêça  á  raynha  pêra  desem- 
barcar: ^  lhe  ela  deu  de  muyto  boa  võtade,  &  mãdou- 
lhe fazer  grade  recebimèto  per  seus  mandaris.  E  visto 
por  António  de  brito  ho  lugar  pêra  fazer  a  fortaleza, 
começou  de  fazer  hlla  trãqueira  pêra  se  recoll\er  cõ  a 


LIVRO  Víé   CAFITVLO  XII.  29 

fazSda  &  artelbaria  em  quanto  fazia  a  fortaleza^  roas 
primeyro  asaenlou  cô  a  raynha  &  cõ  outros  ê  nome  do 
rej  da  terra  I|  ele  era  cõlente  de  dar  bu  lugar  a  el  rey 
de  Portugal  jà(o  da  sua  cidade  em  ^  auia  de  ter  bua 
feytoria  cõ  roupa  &  outras  cousas  Q  os  Bandaneses  tra- 
zião  de  modo  ^  a  terra  esteuesse  abastada  das  tais  mer- 
cadorias cõ  cõdição  Q  bo  crauo  não  se  vêdesse  a  outros 
estrãgeiros  &  a  troco  de  roupas  ^  valessem  mil  rs  secÕ- 
praria  na  feytoria  o  Babar  do  crauo  l^  8am  quatro  quin- 
taes  Q  saya  bo  quintal  a  cc.  rs.  E  de  tudo  isto  se  pas- 
sarão escripturas  assinadas  por  abas  as  partes  :  &  porque 
António  de  brito  nâ  se  fiaua  da  raynba  por  ser  6iba  del- 
rey  de  Tidore  ^  tínba  por  muyto  sospeita  na  amizade 
dei  rey  de  Portugal  pola  muyta  Q  tinba  cõ  os  Castelha- 
nos ,  quis  ter  da  sua  parte  algu  da  terra  pêra  (|  bo  aju- 
dasse &  fauorecesse  se  a  raynha  quisesse  fazer  algtla 
ireyção:  &  este  foy  bfi  Gacbil  Daroés  filho  bastardo  do 
rey  ^  fora  de  Ternate  pay  do  menino  Q  reynaua.  £cÕ^ 
certãdo  coele  ^  bo  ajudasse  se  bo  fizesse  regedor  do 
reyno :  trabalhou  tãto  ^  fez  ^  bo  fosse ,  posto  ^  cõtra 
võtade  da  raynba  &  dos  de  sua  valia  t[  lhe  queriãomal : 
'&  por  amor  Dantonio  de  brito  &  de  Cacb»!  Daroés  ^  ti- 
nha muytos  de  sua  bãda  bo  dissimulará  &  mostrarão  fol- 
gar de  Cachil  daroés  ser  regedor:  porem  a  raynha  quis 
dali  por  diãte  mal  a  António  de  brito,  &  esperaua  tem- 
po pêra  lhe  poder  fazer  mal,  &  assi  bo  cõcertaua  secre- 
tamête  cÕ  seu  pay  el  rey  de  Tidore,  porQ  Imha  grande 
magoa  de  ver  regedor  Caehil  Daroés  Q^lhe  tirana  bo 
mãdo  l|  tinba  dantes.  E  ele  eõ  bo  fauor  Dãtonio  de  hfh- 
to  se  ^ria  absolutamête  fazer  senhor  do  reyno  &  &tudo 
o  ^  podia  bo  seruia ,  dâdolbe  autsos  do  ^  auia  de  fazer, 
&  do  ^  se  auia  de  goardar.  E  se  este  homo  nft  fora  se- 
gtldo  as  guerras  I|  despois  socederão  a  Antoi^io  de  bri- 
1o ,  &  as  necessidades  em  Q-  se  vio  nUea  fizera  a  forta- 
leza nê  sofrera  estar  na  terra  como  esteue.  E  feyto  re** 
gedor  &  acabada  a  trâqueyra ,  &  metida  dètro  toda  a 
lazSda  &  artelbaria  Q  (razia :  &  recolhida  a  armada  deu- 


80  OA   HI8TOBIA   lU    }HmA 

iro  no  porto  9  oomeçou  de  edificar  a  fortaleza  è  luobo 
dia  de  satn  loão  bautista  do  Sno  de  mil  &  quinbfiloa  & 
vinte  dou8.  £  estado  hi  el  rey  deTernale  &  lodos  seus 
Sâ^açes  &  mãdaris  cõ  rouyla  gente  do  pouo  y  despois 
de  dita  bua  missa  cõ  a  mayor  soi&oidade  {|  pode  ser  fo- 
rSo  abertos  os  aliceces  &  assentadas  as  priíueiras  pedras 
cõ  grade  arroido  da  artelbaria  Q  desparou  toda  &  muyto 
tâger  de  Irõbeías*  Ao  i\  el  rey  de  Ternate  deu  grSde 
ajuda  cõ  lodos  os  seus  Sangages,  &  assi  el  rey  ^e  Gei- 
loio:  porfi  nâ  aproueitaua  por  a  gête  não  ser  pêra  traba- 
lho, &  os  Portugueses  bo  iinhão  rouy  grade  na  obra  ^ 
fazião ,  &  na  deferSça  ^  acbauâo  nos  inàlimétos  da  ter- 
ra aos  ^  erâo  ooelumados. 

C  A  P  I  T  V  L  O     Xill. 

De  como  Marti  j^omo  de  meh  coutmho  chegou  ca  €%»• 

na  ^  a  achou  de  guerra. 

Seguindo  Marlim  Afoso  de  melo  eoutinho  peraMalaea 
foy  ter  a  Pac8 ,  &  bi  deúou  dõ  André  anrriquea  por  ca- 
pitão de  fortaleza  Q  bo  era  por  eirey  de  Portugal,  &  le- 
uou  dõ  Sancho  anrriquez  peraMalaea  õde  chegou  fi  Ii»- 
lho :  &  achado  nouas  do  leuâlamôto  da  China  partio  lo> 
^o  pêra  lá  &  foy  ê  sua  €onser^a  Duarte  coelho  em  bâ 
jugo,  &  de  caminho  fizerão  os  nossos  muytas  &  muy 
ricas  presas.  E  chegado  a  vista  das  ilhas  da  China  no 
mes  Dagosto  do  ãno  de  vinte  dous  lhes  deu  hQa  toruo»- 
da  com  ^  payrarã«  E  passada  esta  borriscada  apareceo 
a  armada  dos  Chins  de  muytos  j.ugo6  &  caialuzes  cheos 
de  gSte  de  peleja,  <)  por  a  terra  estar  leuãtada  cõtra  os 
nossos  os  ãdaua  eaperSdo.  E  auêdo  os  Chins  vista  da 
nossa  frota  logo  se  poserSo  3  som  de  pelejar  chegãdose 
muyto  pareia,  &  desparâdo  suas  bõbardinbas,  &  tirado 
muytas  frechadas,  E  Marti  Afonso  i>orq  ja  estaua  aui- 
sadú  de  suas  rebolarias  &  queria  paz  nSo  bolia  cÕsigo& 
deiíauase  ir.  O  4  os  ^^s  capitães  não  quíserflo  laier^ 


LIVRO  VI.    CAPITTLO   Xini.  3  I 

&  vfido  j)  os  Ghifls  os  assoberuauSo  muylo  tDãdarão  aK 
g;us  desparar  sua  artelbaria,  principaJmête  Ambrósio  do 
rego  com  Q  lhe  desaparelharão  alg&s  oauios  &  matarão 
g6ie,  pelo  4  ^'^s  se  ouuerão  de  retirar  vendo  ho  dfino  ^ 
recebiáo.  E  ãbrosío  do  rego  os  começou  de  seguir,  do  i| 
JMartim  Afotiso  ouue  grade  menScoria,  &  muyto  mais 
do  dano  ^  fora  feyto  aos  Chis,  &  fez  recolher  Ambró- 
sio do  rego.  £  mâdâdo  ho  ir  á  sua  nao  se  aqueixou 
muyto  coele ,  &  lhe  disse  palauras  ásperas :  &  por  ser 
de  boa  cõdição  ho  iiA  castigou  doutra  maneyra.  E  se- 
guindo seu  caminho  foy  surgir  na  ilha  Dabeniaga  ê  híia 
baya  de  fora  do  porto ,  Õde  tãb6  surgio  a  armada  dos 
Chis  ao  mar ,  &  afastada  da  nossa :  porS  tinha  a  cerca- 
da ,  Q  não  podia  sayr  ^  nao  passasse  por  atrela.  £  cõ 
4}uâto  08  Chis  receberão  dates  algu  dano  dos  nossos  nã 
deixauâo  de  ihes  tirar» 

CAPITVLO     XIIIL 

De  como  Martim  Afonso  de  melo  quisera  tomar  a  re^ 
formar  a  paz  com  os  Chins  ^  não  pode. 

V  endo  Marti  Afonso  ^  os  Chis  insistião  8  mostrar  Q 
estauSo  de  guerra ,  abordou  cÔ  seus  capitães  i)  tomas- 
sem a^la  noy te  liiigoa  pêra  saberS  a  determinação  dos 
Chins,  &  mãdarê  recado  ao  seu  capitã  mór  da  causa 
por^  queriâo  guerra  cÕ  os  nossos  estado  dates  S  tanta 
pa2 ,  &  a^ia  noyte  tomarão  oa  nossos  cinco  Chis  Q  faião 
ao  logo  de  terra  6  hiia  mãchua  carregada  de  caruão.  Po- 
rft  estes  como  erão  rústicos  &  não  sabiâo  mais  <|  fazer 
caruão,  não  souberSo  dizer  nada  do  {}  lhes  Marti  Afon- 
so preguntou  r  &  cõ  tudo  ele  os  veslio  muyto  bS ,  &  mã- 
dou  os  ao  capitão  Inór  dos  Chis  cÕ  recado :  diz6do  Q  ele 
vinba  de  paz,  &  c5  liiuyta  mercadoria  pêra  tratar,  &4 
«efaalia  guerra  s8  saber  a  causa,  j}  lhe  pedia  muyto  \ 
lha  mãdasse  dizer  ^  &  2|  ele  faria  toda  a  enmêda  ^  fosse 
possiuel  se  a  guerra  era  por  culpa  dos  nossos  &  se  náo  \ 


311  DA    HISTORfA    DA    ÍNDIA 

lhe  pedia  Q  a  nSo  quisesse  coeles,  &  (]  goardasse  a  paz 
q  estaua  assSlada.  Coeste  recado  forão  estes  cinco  ho- 
infis  &  não  tornarão  cS  reposta,  ales  os  Chis  tirarão 
muylo  mais  Q  dates ,  f  orQ  tinhSo  recado  do  seu  rey  ^ 
não  consentisse  os  nossos  é  nenhd  porto  sea.  EMartim 
Afonso  ainda  se  sosteue  sem  rdper  a  guerra  a^le  dia, 
por!|  \he  pareceo  ^  os  cinco  por  seVS  rústicos  não  sabe*- 
TÍâo  dar  seu  recado :  &  na  noyte  seguite  roãdou  tomar 
outra  vez  Kngoa,  &  leuarãlhe  dous  faomfis  Q  forão  toma- 
-los em  terra.  E  destes  soube  como  el  rey  da  China  es* 
4.aoa  rouyto  mal  cÕ  os  nossos,  &  e  ^  tinha  mãdado:  por 
isso  Q  nã  cu-rasse  de  recados  nfi  de  falar  S  paz  por^  tu- 
do era  debatdc.  E  sabido  isto  por  Marti  Afonso^  os 
jBandou  vestir  &  tornar  a  terra:  &  na  mesma  noyte  em 

2ue  isto  foy  soube  por  cinco  dos  nossos  do  jilgo  de 
>uarte  coelho  que  ficara  a  trás  como  surgira  detrás  de 
hiia  põta  por  auer  vista  da  armada  dos  imigos  ^  auia 
medo  Q  ho  tomasse,  í\  ou  mãdasse  por  ele  ou  lhe  desse 
licSça  pêra  se  tornar.  E  Martim  AfSso  mãdou  dous  ba- 
tíeys  armados  que  niica  poderão  passar  poios  muytos  pe- 
louros com  Q  tirauão  os  imigos :  &  cõ  muytos  feridos  & 
quatro  morlos  se  tornarão  a  recolher  pêra  a  nossa  frota. 
E  vSdo  Martim  Afonso  os  nossos  feridos  &  mortos  <)hiã 
noa  bateys  ficoti  m^iyto  sentido:  &  determinado  de  pe«* 
lejar  cõ  os  Chins  pois  eles  querião  guorra  chamou  a  con-» 
selbo,  em  ^  -dos  capitães  &  pessoas  Q  estauão  no  conse- 
lho foy  muyto  cÕtrariado  Q  não  pelejasse  por§  era  dou- 
<lice :  mas  ^  ãzessera  agoada  porS  auia  dtsso  necessida- 
de, &  Q  entretãto  ho  tfipo  lhes  diria  ^  farião.  Isto  de- 
terminado foyse  Martim  Afonso  a  terra  cÔ  os  bat^eys  da 
frota  muyto  bfi  armados ,  &  sayo  è  terra  a  mãdar  fazer. 
agoada,  &  era  hfl  pouco  apartado  donde  estaua  a  arma-* 
*da:  o  ^  vedo  os  imigos  apartarãse  logo  bS  trinta  cala- 
luzes  &  iãcharas  &  derão  sobelos  batoys  ás  bõbardadas, 
&  foy  a  cousa  tão  de  pressa  ^  escassamSte  Marti  Afo»- 
ao  teue  ISpo  pêra  se  recolher  aos  bateys  cÕ  os  seus,  dei* 
xãáo  S  terra  pipas  &  jarras  por  Scher^  E  recolhido  com 


LIVRO  ▼!.   CAPITVLO  XV.  33 

nioyta  afrSta  aos  bateys  se  foy  c5  outra  iriuyto  mayor 
ás  nãos  jugãdo  sempre  as  bfibardadas  c5  os  imigos  Q  ho 
seguirão  ale  perto  delas ,  &  não  chegarão  por{|  a  nossa 
artelharia  começou  de  jugar  a  Q  eles  auiSo  grade  medo 
•por  ser  muy to  roais  furiosa  Q  a  sua ,  &  por  este  medo 
Dã  ousauão  eles  de  rõper  de  todo  a  batalha  cõ  os  nossos, 
se  não  ladrauãihe  de  íõge  pêra  ver  se  os  farião  ir. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XV. 

'  * 

De  como  ardeo  a  nao  de  Diogo  de  melo  ^  ^  os  Chis  ío^ 
maráo  a  nao  de  Pedromê  ^  matarão  a  ele  ^  a  ífuãtos 
tstau&o  dentro.  E  de  como  Martim  Afonso  parlto  pe^ 
rtt  Malaca. 

V  endo  os  nossos  que  os  Ghis  estanão  de  todo  de  guer- 
ra, &  mais  por  mãdado  do  seu  rej,  &  Q  tinhão  muytò 
pouco  poder  pêra  os  sugigar,  aconselharão  a  MarliiB 
Afonso  ^  se  fosse  8  quStò  se  podia  ir  sem  mór  afronta^ 
por^  despois  não  poderia.  E  feyto  de  tudo  auto  t\  todos 
assinarão,  assêtou  de  se  partir:  &  ao  outro  dia  se  leuoa 
cô  os  outros  capitães,  &  em  desferindo  as  velas  oome« 
içarão  os  Chins  de  se  chegar  paroles  dado  grades  gritas^ 
&  eoelas  çurriadas  da  sua  artelharia ,  &  muytas  nuuSs 
de  frechas.  PedromC  &  Diogo  de  melo  {|  lhes  ficauãò 
mais  perto  se  def^dião  cõ  muytas  bõbardadas.  E  nisto 
acendeose  fogo  8  hfl  barril  de  poluora  na  nao  de  Diogo 
de  melo,  com  ^  se  ho  fogo  ateou  de  modo  {)  nSca  se  po« 
de  apagar  &  a  nao  arrebStou  &  se  foy  ao  fundo.  E  v&t 
doPedrom8  coroo  rouyta  da  g8te  ficou  sobre  a  agoana^ 
dado,  mãdoulhe  acodir  polo  seu  batei  !\  leuaua  fora,  os 
Imigos  acodirão  logo  8  muylos  jugos  sobre  Pedromem  í) 
como  ficaua  cõ  pouca  gSte  por  amor  da  I|  hia  no  batel 
teuerão  os  imigos  lugar  de  lhe  aferrar  a  nao  por  todas 
as  partes:  &  entrarão  d8tro  tantos  {|  por  mais  esforça- 
dam8te  que  se  os  nossos  defSderão  todos  forão  mortos , 
saluo  hií  2|  se  acolheo  á  gauea :  &  assi  forão  mortos  os 

LIVRO   VI.  E 


84  IM    BI0rOftU     2M   INOlâ 

do  batel  poios  Smígot  !\  aâdauão  nos  calalueea  ^  &  oa  !• 
migos  nSo  curarfto  de  Marti  Afonso  njl  deVaaeo  feroS- 
dez,  nem  DAbrosio  do  rego  poios  iliuylos  tiros  Q  tirauáo. 
£  os ^  maíarS  os  nossOs  na  nao  de  Pedromê ,  despoia 
de  mortos  Ibes  cortarão  as  cabeças  &  as  recolherão  & 
rottbarfio  a  nao  de  quanto  tinha  ate  da  enxárcia  &  an- 
coras, &  cabos  Q  não  ficou  nada.  £  dido  grades  gritas 
&  tocado  seus  instrouStos  de  guerra  se  afastarão,  &  e- 
les  afastados  ho  da  dào  de  Pedromem  que  se  acolheo  á 
gauea  começou  de  capear,  &  Marti  Afõso  mãdou  por 
elè  &  irouuerãibo  noyte,  por(|  foy  grade  trabalho  aue* 
ffino  por  não  auer  Sxarcia  por  õde  solassem  á  nao.  £es^ 
te  cotou  a  Martim  Afonso  como  passara  bo  feyto,  &  lo- 
go em  conselho  Martim  Afonso  fez  bua  fala  aos  outros 
capitães  sobre  a  vingâça  dos  mortos,  dado  pêra  isso  as 
rezões  Q  á  paixão  mais  que  a  rezâo  lhe  insinaua  i  que 
lhe  todos  contradisserio ,  dando  Outras  mais  viuas,  por- 
que erh  bS  que  nâo  pelejassem ,  se  não  que  logo  fosse 
metida  no  fundo  a  nao  que  fora  de  Pedromfi :  &  na  meêr 
ma  noy te  se  parliâsem  pêra  Malaca ,  porque  os  Chia 
não  òuuessem  vista  deles  pelo  perigo  que  lhes  resultar 
va«  £  pêra  sua  desculpa  de  Martim  Afonso  se  fez  hii 
auto  destes  pareceres  ^  todos  assinarão,  &  dele  pedio 
ele  h&  estormento  ao  escriuão  da  liao  pêra  sua  goarda  ^ 
ic  muyto  contra  sua  VÕtade  por  ser  de  grandes  spiritos 
mãdou  executar  o  que  foy  acordado  no  conselho.  £  me- 
tida a  nao  no  fundo  se  parlio  cÕ  os  outros  capitães ,  & 
sendo  ainda  6  Agosto  que  duraua  a  monção  de  Malaca 
pêra  a  China  &  pêra  sua  viagem  lhe  era  ho  vento  cd- 
trairo,  quis  nosso  senhor  ^  lhe  seruisse.  £  indo  por  sua 
viagê  tomou  a  via  de  çamatra  pêra  ir  ver  se  tinha  a  for- 
taleza de  PacB  necessidade  dalgOa  cousa. 


unto  Yf«   GAFITVX.0  X¥l.  86 

C  A  P  I  T  V  L  O    XVL 

D^  cmio  e^  rey  Dackem  numãou  cercíxr  a  fortaleza  de 
Paeem  ^  é^  át  wmo  lhe  ukcorrea  Marúm  J^onaQ  de 
melo. 

Jlil  rey  Dachem  daspoWi  qie  fbj  a  morte  de  lotge  <ie 
brito  &  do8  outiíDB  que  norrerâo  eoele ,  ficou  tão  Mbetv- 
bo  J)  determiiioii  de  «lestrajr  00  nossos  oode  pod^sne^  & 
Rio  dar  vida  a  neabâ.  E  sadbeDdo  que  estaua  doata  fov- 
taieaa  efii  Pacem  ^  ic  qiteBi  4va  bo  capitão  ^  &  qu£  pour 
ea  gente  tiaha :  detemiixioii  de  a  tomar.  £  ftzendo  o- 
bra  de  dons  mil  bomCs  de  peleja  aoandoQ  htim  seu  ca- 
pitão sofarefa,  &  inaiKlotttbe  qae  a  queymasse  porque  e- 
ta  de  aiadeira.  Ecoido  bo  eaaimho  era  curto  &  pM  iei^ 
ra  9  em  breue  tempo  derSo  sobre  a  fortaleza :  em  que  a 
este  teaupii  estauão  ate  seteala.  bomês  porque  os  outms 
«a  íbrio  oom  dom  Sancbo  qvatido  ae  foy  pêra  Malacii^ 
A  eom  muyto  poucos  inaotimeiftos ,  mas  oom  boa  arle^ 
Jharia  &  outras  muníi^ões  com  que  se  oe  nossos  -deiendfv- 
rio  dos  immigos,  &  os  nio  deiíaráo  cbegar  aa  fortale» 
sa :  poio  <|  etes  trabalbarSo  muyto  pêra  a  queyoiarem 
qae  esse  era  ho  seo  int^lo.  £  lambem  os  oossos  tíiihão 
de  Doyte  grande  vigia,  &  íaaiâo  fegoa  porque  vissem  M 
^os  immigos  chegauâo  aia  fortaleaa,  &  iinbâo  miiyto 
grande  trabalho,  &  estauXo  em  grande  f)erigo  por  09 
mantimentos  aerem.miayio  poucos  se  bo  cerco  durassfu 
E  estsndo  nesta  faéiga  cb^ou  MarUm  A1^3so  de  ineh> 
que  vinba  da€biaa^  &  auendo  es  immigios  viata  4a  fre- 
4a  que  trácia,  que  eca  de  cinco  velas  grosaaa,,  conhe- 
cendo qne  era  dos  nossos  leuan tacão  ho  ceiroo  cooi  m^ 
do.&  fugirão  linm  dia  antes  que  Martim  Afonso  che- 
gasse: &  se  ele  não  chegara  tfio  cedo  dom  Aadre  ae  vi- 
ra em  i^raode  aperto« 


B  t 


86  lU   HfSTOHIA*   TfX   INSTA 

C  A  P  I  T  O  L  O    XVII. 


De  como  se  perdm  4z  nao  de  Duarte  dataide ,  onde  ele 
morreo  com  outros.  E  de  como  ho  gouernador  de  Maz- 
cate  acodio  aos  nossos. 

XVeformada  a  paz  como  disse  despois  ^  veyo  Setembro 
despachou  dom  Lojs  as  três  nãos  pêra  a  ladia  com  ho 
dinheiro  das  páreas  &  outro  que  se  fizera  da  fazenda  dei 
rey  de  Portugal :  &  porque  Pêro  vaz  Irauaços  hum  dos 
^apitSes  destas  nãos  estaua  doète  deu  dom  Lujs  a  ca- 

Eiíania  da  nao  a  Manuel  velho  ate  a  índia*  C  partidoa 
(ormuz  chegarão  a  agoada  que  se  chama  de  Cojeatar 
junto  de  Mazcate  pêra  fazerem  agoada.  £  estando  ali 
surtos  dia  de  sam  Mateus  aa  noyte  acodio  hua  tormen- 
ta de  vento  trauessam  tão  furioso  &  esforçado  que  le^ 
uou  hOas  nãos  de  mouros  que  estauâo  em  picadeiros  hft 
grande  espaço  dtl  cabo  pêra  ho  outro,  &  arrancou  ca^ 
sas,  &  dali  a  doze  legoas  fez  perda  que  foy  aualiadaem 
cincoenta  mil  xerafins.  E  este  vento  deu  aa  costa  com 
a  nao  de  Duarte  dataide  em  hfls  penedos ,  em  que  se 
fez  em  pedaços  por  não  ter  mais  que  hOa  ancora ,  & 
morrerão  algfts  dos  nossos;  antre  os  quaes  forâo Duarte 
dataide ,  &  hu  seu  filho ,  dom  Garcia  Coutinho  que  hia 
coele  pêra  a  índia,  Vasco  roartiz  de  melo  &  loâo  rabe- 
lo. E  quando  a  nao  foy  aa  costa  deu  pola  nao  de  Lopo 
dazeuedo  &  <}brouihe  ho  garoupez :  que  a  fora  este  dan* 
no  recebeo  outro  rauylo  mayor  de  dous  camelos ,  que 
assi  como  a  nao  jugaua  de  hum  cabo  pêra  ho  outro  ju- 
gauão  eles  também  &  desfaziãna  toda.  E  sabendo  Ma* 
nuel  velho  a  fadiga  em  que  estaua  Lopo  dazeuedo  com 

Í|uanto  era  noyte  se  meteo  no  seu  batel  com  algds  & 
oylhe  acodir :  &  despois  que  ho  deixou  seguro  se  tor- 
nou aa  sua  nao  andando  ho  mar  tão  alto  que  quasi  se 
não  pode  embarcar.  E  tornado  aa  nao  achou  toda  agen- 
te aluoroçada  pêra  fugir  com  medo  de  darem  aa  costa : 


LIVAO    VI.    CAFITTLO  XYII*  «7 

&  eie  lòmou  dissirouladameale  as  armas  a  todos ,  por* 
que  86  não  defendessem  se  os  quisesse  por  força  fazer 
estar  na  nao :  dizendo  que  auíâo  lodos  de  morrer  ou  sal- 
uala.  O  que  fez  ajudandolheseus  criados  que  lodos  ti- 
nhão  armas.  E  fazendo  assessegar  a  gente ,  &  mandan- 
;do  fazer  as  ancoras  porlantes  com  a  popa  da  nao  por 
diante  foy  alargando  as  amarras,  &  gouernando  a  bom* 
'bordo  &  a  estribordo  se  sayo  da  enseada  da  agoada  & 
fojse  meter  no  porto  de  Mazcate  que  eslaua  hi  logo, 
.onde  se  salaou.  £  ao  outro  dia  Xeque  Reyxii  Xeque  de 
JMazcate  a  requerimento  de  Manuel  velho  mandou  lan- 
har pregfto  que  nenbil  mouro  sopena  de  morte  não  to- 
onasse  nenhiia  cousa  daquela  nao  que  se  perdera.  £  ia- 
»ta  fez  ele  por  ser  grfide  seruidor  delrey  de  Portugal  & 
amigo  dos  nossos :  &  por  isso  mãdou  tirar  toda  a  fazen- 
da que  hia  na  nao ,  assi  dei  rey  como  das  partes  &  ar- 
telbaria  por  treze  mergulbadoresí  que  naquela  terra  se 
chamão  caroás.  £  a  fazenda  dei  rey  erâo  dous  cofres 
em  que  bia  bo  dinheiro  das  páreas  dei  rey  Dormuz,  hum 
com  tangas ,  outro  com  serafins :  &  neste  hia  bua  ada- 
ga &  terçado  douro  pêra  el  rey  de  Portugal,  que  el^  rey 
'£>ormuz  ihe  mandauáde  presente  comi  bfta  cinta. douro 
.de  largura  de  mais  de  dous  dedos  &  bum  fio  de  pérolas 
«pêra  a  raynha*,  &  muytos  fardos  de  seda  solta ,  &  da  £»- 
vZenda  das  partes  se  deu  ao  Xeque  a  cinco  por  cento, 
.que  coessa  condiçSo  a  mandou  tirar,  &  pola  dei  rey  não 
quis  nada.  £  todos  os  corpos  dos  mortos  forâo  achados 
v&enterradoe.  Feyta  está  deligencia  com  que  se  cobrou 
toda  a  fazenda  dei  rey  por  industria  de  Matíuel  vélbo  ès- 
.tando  ele  naquele  porto  lhe  foy  dito  pelo  Xeque  deMazh 
cate  que  a  agoada  de  Gojeatar  era  chegado  hum  criado 
.de  Raix  xaraío  &  seu  capitão  com  gente  darmas  em  bfia 
-terrada:  que  se  temia  que  fosse  pêra  bo  matar,  por 
( quanto  como  sabia  antes  de  d&  Luys  chegar  a  Ormuz 
ttãdara  Raiic  xarafo  a  Raix  delamixá  seu  irmão  por  goa- 
zil  de  Galáyate.  Eindo  por  terra  cõ  medo  da  nossa^ar- 
•mada  passara  a  vista  de  Atazcate,  Òde  lhe  eleXeQ  sayra 


tS  DA    tflSTORIA    DA    IIlDrA 

oõ  gQnte  AO  eedlro,  por  ser  amigo  doa  nossos  &  imnigD 
dei  rey  Dormui  por  ler  guerra  eoeies :  &  neste  Scdtro 
hu  dos  nossos  ^  hia  coele  matara  Raix  delamixá  cd  hu 
espíogardada,  &  por  isso  temia  ^  ho  capitão  de  Raix 
rafo  fosse  pêra  ho  matar,  Q  ihe  yaiesse  pois  fiora  sempre 
leal  aos  nossos,  &  por  essa  causa  Ike  i^tiáo  fazer  mal.  £ 
isabido  isto  por  Man<»ei  velho  foy  do  seu  batel  com  mui- 
tos dos  D0S60S  ondestaua  a  terrada:  &  dado  de  sapito 
nela  prendao  ho  capitSo  de  Raiz  sarafo  (|  bi  estaua  com 
os  remeyros,  somIMe  porque  a  outra  gSte  era  S  terriL  E 
preso  ho  capitão  cò  todos  'Os  remeyroe  os  leuon  á  sua 
inao ,  &  hi  fez  amigo  ho  capitão  oooi  ho  Xe^ne«  B  íaCo 
feyVo  (íifyêe  cantina  da  índia  cam  Ijopa  dBM«edo^  ác 
ibrão  sorgir  no  poHo  de  Goa  onde  se  entregou  a  faaenda 
^le^  rej  que  lenauáo^ 

C  A  P  i  T  O  L  O    XVIJI. 

De  odmo  dom  Luys  se  tomou  p»a  a  imém ,  ^  éa  mtm 

^fue  ptmoíu 

V  endo  oe  capitães  &  ãdalgoa  da  armada  de  dft  L»3« 
que  não  se  podia  acabar  eom  Rafx  xarafo  i|ue  tornasse  a 
pouoar  Ormuz ,  indfnaransa  muj^to  cAtrele ,  &  diziãD  (} 
não  se  lhe  deuia  de  passar  hfla  coma  tão  mal  fieyta ,  Ic 
em  q  tanto  mostf^ua  ho  mal  1^  qoería  aos  Portugneses, 
&  ^  ho  deuia  de  pagar  nmybo  bè ,  eõ  dom  Luys  desem- 
barcar em  Queixome  ic  destruir  toda  a  terra  &  quando 
nã  podesse  logo  fazerlbe  guerra ,  guerreaia  ate  {|  a  dea- 
truyse ,  &  <}  dõ  Liiys  deuia  de  poer  isto  em  conseiiw* 
E  por8  ele  cÒ  quãto  sabia  o  ^  dízião  nã  ho  quis  poer  6 
conselho  &  cfttentouse  cõ  ho  assinado  !)  tinha  de  Raix 
:xamixir  {|  mataria  Raix  xarafo  como  fosse  tempo.  E  die 
«le  nã  dar  B Queixome  nS  querer  tomar  a  cerca  disso  o 
pareoer  dos  fidalgos  Sc  capitães  da  frota  y  oe  descãtenta- 
fão  eles  muyto  ^  &  assi  a  outra  gSte :  8c  sobfetudo  por 
4k>.  acbarfi  mtijlo  soko  ao  falar ,  kmào  ter  ena  a^nta^ 


ser  a  Ii&  bomè  o  4  lhe  vinha  á  võlade :  &  êè  faaer  Diais 
è  Ormuz  4  o  Q  digo  ae  tornou  pêra  a  Índia ,  &  de  ca- 
minho foy  ter  á  põia  de  Diu  pêra  faaer  hi  inresas,  E  es* 
perando  {lolaa  nãos  em  Q  aa  auia  de  faaer  lhe  deu  bii  tS- 
poral  €Õ  Q  por  força  arribou  a  Cbaul  cõ  sua  armada ,  & 
da  hi  se  foy  a  Goa :  onde  t&bê  a  gente  estaua  muj  des- 
eontfite  do  goueroador,  por^  dissioiuJaua  muytas  cousas 
mal  fey tas  ^  fazia  Frãoisco  pereyra  pestana ,  &  diziâo 
Q  por  lhe  dar  muytos  paquetes  &  peças  ricas»  E  tSo  a- 
pressados  se  vifto  os  casados  de  Goa  cÒ  a  forte  cõdiçâo 
de  Frãcisco  pereyra  4  elgfls  se  forão  fora  de  Goa  ^  & 
outros  se  lAçarSo  na  terra  firme  ^  &  andarão  cõ  os  mou* 
roa  quasi  todo  ho  tempo  de  sua  capitania ^  &  nSo  auia 
nenhika  justiça.  E  sabido  polo  gouernador  bo  pouco  <| 
dÕ  Luys  fizera  S  Ormuz ,  determinou  de  ir  lá  ^  por(|  as*^ 
si  lho  escreuera  loA  rodriguez  de  noronba  &  mâdou  dd 
Lujs  aCochi  pêra  fazer  a  carrega  das  nãos  Q  fossem  die 
Portugal  9  de  4][  a^le  ftno  partirão  no  mais  de  três  sem 
capitão  mófy  de  ^  forfto  capitães  dÕ  Pedro  de  eras  to  ^ 
Diogo  de  melo  Q  hia  por  capitão  Dormuz,  &  dÕ  Pedro 
de  castelo  brãoo  8  oaQle  áno  passou  á  índia  &  outros 
dous  iaueriiarão  õ  Moçâbii}* 

C  A  P  1  t  V  L  O   XIX. 


i>e  MWio  par  morte  de  Raia  xabadim  ^  Raix  xarafo  se 
úcoUieQ  á  noèêa  fortoleza  c6  medo  de  ho  mataré  o# 
m9uros:  ^  de  como  $e.  tornou  a  povoar  a  cidade 
Dormuz» 

X  artido  dom  Luys  Dormuz  teuesse  Raiz  xarafo  por 
seguro  na  gouernança  do  reyoo,  por^  como  ele  era  nru- 
dète  bfi  Gooheceo  Q  nX  era  a^le  ho  tipo  em  {)  por  força 
lhe  auiâ  de  fazer  fazer  o  Q  não  quisesse,  E  como  hom& 
^oe  £azia  eõta  ^  a  cidade  Dormuz  se  auia  de  mudar  a 
Queixome ,  onde  não  auia  <ie  ter  qu8  lhe  contrariasse 
•ett  mando  por  ficar  a  nossa  fortaleza  apartada  começos 


40      «  OA   HMTORIÂ    BA    ÍNDIA 

de  áe- deecujJar  da  griáe  goárda^l  trazia  em  saa  pea**^ 
Boa,  Q  dos  mouros  não  ae  temía^  porJjMiramahmet  mo-^ 
rado  seu  Imigo  ja  era  deilado  do  roAdo,  &  os  Q  estauão 
Da  corte  erão  seus  parentes  &  criados  a  que  fazia  muy«^ 
to  bS.  E  por  isso  lhe  pareceo  {|  estaua  seguro  &  esfriou 
de  todo  da  goarda  de  eua  pessoa :  &  o  mesmo  fes  Raix 
xabadtm  seu  cunhado.  O  que  v6do  Raix  xamíxir  que 
por  seu  assinado  tinha  prometido  a  do  Luys  de  os  ma- 
tar não  quis  mais  esperar ,  &  achado  de  melhor  i!L(p 
Kaix  xabadkn  mSdou  ho  logo  matar  por  hfls  frecheiros 
^  lhe  tirarão  á  treyção,  &o  matara,. &  nã  quis  tomaio 
jatamStc  cõ  Raix  xarafo  pori|  the  pareceo  4  aparados 
os  mataria  melhor:  no.{|  errou,  pòr^  quãdoRaix  xa?afo 
vio  morto  seu  cunhado  logo  se  goardou,  &  foy  tamanho 
faò  seu  medo  (}  cÕ  quanto  tinha  dous  mil  homês  de  pe^ 
leja,  &  Raix  xamixir  no  mais  de  quinhentos  não  se  fiou 
deles  nê  de  seus  parentra  parecendolhe  que  todos  erão 
cÕtfele,  &  não  se  atreuSdo  a  saluar  em  Queíxome  €ugio 
secretamSte  8  iida  terrada  &  acolheose  á  nossa  fortale^ 
za,  porque  bem  sabia  quã  leays  os  nossos  erão,  &:  que 
mais  seguro  auia  deslar  antre  eles  que  antre  os  mourões 
Raix  xamixir  que  soube  como  ele  laa  estaua,  mandou 
logo  requerer  a  loão  rodrigfuez  de  noronha  que  ho  pren- 
'desse ,  porque  ele  era  ti*edoro  &  tirano  5  fizera  leuãlar 
Ormuz,  &  mandara  matar  el  rey  Tuxura ,  &  fazia  que 
se  não  pouoasse  Ormuz ,  &  por^  ele  isto  saMa  eomo 
seruídor  Q  era  dei  rey  de  Port'Ugal  prometera  a  dom 
Luys  por  hH  assinado  de  bo  matar,  fe  a  seu  cunhado 
Raix  xabadim ,  o  (}  posera  S  obra  quanto  lhe  fora  possi- 
uel.  E  pois  Raix  xarafo  estaua  S  seu  poder  Q  ho  pren^ 
desse  polás  cousas  sobre  ditas.  O  qae  viste  por  loão^  ro- 
driguez  ho  prSdeo,  &  ele  preso  passouse  logo  el  rey  a& 
Ormuz  €Õ  todos  os  seus  moradores.  £  loão  rodriguez  ^ 
sabia  o  i\  dom  Luys  tinha  prometido  a  Raix  xamixir  c0- 
prio  lho  dando  lhe  o  goazilado  Dormuz.  O  Q  v^do  Raix 
xarafo  prometeo  muito  dinheiro  a  loão  rodriguez  1\  ho 
soltasse  &  lhe  tornasse  a  dar  ho  goazilado.  ^  como  ísta 


LtVRO   Vi.   CAÍITVLO  Xt.  41 

era  bfia  cousa  tamanha  não  se  atreueo  loâo  rodriguez  n  fa- 
zelo,  &  prometeoihe  (}  faria  cd  o  ^ouernador  Q  ho  fizes- 
se :  &  pêra  ho  fazer  vir  a  Ormuz  The  escreueo  a  prisam 
de  Raix  xarafo,  &  como  a  cidade  Dorniuz  era  pouoada: 
&  ^  era  mujto  necessário  ir  assentar  a^las  cousas ,  &  Q 
não  fosse  coele  Manuel  velho  nê  Ruy  varela :  por^  assi 
compria  a  serui<^  delrey.  Eisto  foy  instruçâ  de  Raix  xa- 
rafo  Q  como  sabia  quã  hè  estes  doussabião  as  cousas  Dor« 
muz ,  &  os  males  ^  ele  tinha  feytos  não  os  (}ría  lá  por^ 
ho  não  danasse.  E  vista  polo  gouernador  esta  carta  assfi-» 
tou  de  todo  S  ir  a  Ormuz  pêra  o  J}  se  conieçou  4e  fazer 
prestes. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XX. 

De  como  dom  Luys  de  meneses  despachou  é  Cochi  cerioê 
velas  pêra  diuersas  partes  ^  despois  se  parho  pêra  ho 
estreito. 

MJrotn  Luys  de  meneses  detpois  l!|  foy  ê  Coch!  despa^ 
cbpu  as  nãos  da  carrega  ^  auiSo  dir  pêra  Portugal ,  & 
assi  Pêro  LourSço  de  melo  pêra  ir  á  China  ^  ja  do  tem* 
po  de  Diogo  lopez  tinha  hOa  viagè  pêra  lá ,  &  ele  o  nS 
quis  deixar  ir:  &  deu  iicSi^a  a  Mart!  AfSso  de  melo  ju«> 
sarte  Q  fosse  8  hfl  jfigo  ê  eua  cGpanhia.  E  tãb8  despa- 
chou pêra  Malaca  a  hil  André  óe  brito  que  fosse  tratar 
por  a^las  partes  6  hfia  nao  sua  Q  fizera  á  sua  custa :  & 
estes  todos  partirão  S  diuersos  tSpos.  E  isto  despachado, 
tornouse  dom  Luys  pêra  Goa,  dõde  o  gouernador  ho  des« 
pacfaou  c5  hfla  armada  de  galeões,  assi  pêra  as  presas  d<^ 
estreito  como  pêra  ir  ao  porto  de  Maçuá  &  trazer  dofif 
Rodrigo  de  lima  J)  fora  por  tíbaixador  ao  Preste  joão :  & 
mãdoulbe  Q  acabado  isto  se  fosse  inuernar  coele  a  Or- 
muz. E  i;oeste  regimêto  se  partio  dõ  Luys  pêra  ho  es* 
treito:  &  a  fora  ele  qúe  hia  no  galeão  sam  Dinis  forão  os 
capitães  da  sua  armada,  Nunofemãdez  demacedo,  Ruy 
Taz  pereira,  Fernão  gomez  detemos,  AnrriQ  de  mace* 
"do,  &  'Lopo  de  mesquita  lodos  capitães  de  galeSes. 

LIVRO   VI,  F 


4%  Bà  HlM^aiA    9i^   IN0IA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXI. 

J)é  como  indo  o  gaiiemadnr  pêra  Ortnu»  tomarão  húa 
mauros  de  Diu  húa  gaU  a  BuUiâo  de  tioronha. 

JL  arlido  dÕ  Luys  despois  ^  ho  gouarnador  deu  despa- 
cho  a  aigilas  cousas  ^  ficaua  fazendo ,  partiose  pêra  Or- 
Dua  leuando  bila  armada  de  seys  galés,  de  que  forão  oa* 
pílaes  Baalião  de  noronba,  loSo  togada,  Dinis  fernan* 
4^z.de  melo 9 . Frâcisco  de  mêdoça,  dõ  Vasco  de  lima^ 
Frãcisco  dè  sousa  tauares :  &  assi  algíis  nauios  de  ga^ 
uea,  a  cujos  capitães  nã  soube  os  noines.  Eatrauessãdò 
o  golfão  foy  vista  bOa  nao  de  mouros  Q  bia  pêra  Diu : 
Íl  oe  prifAeyroa  cafHtâes  que  a  virão  forâo  bastião  de 
poroaba  &  ioão  foga<2a  Q  Ibe  derão  caça,  &  Bastião  de 
noronba  por  à  sua  gale  ser  mais  veleira  que  a  de  Ioão 
fogaça  a  alcançou  quasi  no)^te,  &  por  essa  causa  não 
quis  pelejar  oõ  oa  mouros ,  mas  mãdou  amarrar  .muylo 
b6  a  galé  cò  a  nao  por^  se  Ibe  não  fosse  de  noyte,  pe» 
ra  4  eoi  amanbec6do  pelejasse  cô  os  mouros,  ^  v8do  bo 
vagar  do  capitão  leuerâno  è  pouco,  &  sintldo  Q  nã  bia 
mais  §  ele  só  coeles,  &  fj  a  outra  galé  não  parecia,  de« 
terminarão  de  tomar  a^la ,  &  amarrãna  poios  maslos  cd 
cabos  muy  grossos  sem  bo  sintirS  os  Portugueses  j|  a? 
dormecerãp :  &  tãto  Q  amanheceo  não  esperarão  os  mou« 
roB  ^  os  Portugueses  os  comelessâ,  &  acodirão  logo 
eõ  muytas  pedradas  com  ^  os  desatinarão  i|  temera  dê» 
trar  a  nao:  &  tãb6  por^  o  capitão  os  nã  animaua  a  is* 
8o«  E  vSdo  os  mouros  sua  franza,  começara  algQs  de 
Qrer  decer  á  galé  pola  proa  da  nao,  Sc  não  ouue  ãtre  oa 
Portugueses  quS  Ibo  ousasse  de  defêder  polas  muytas 
pedradas  &  yagiicbadas  4  vinha  decima  se  não  bíi  mãr 
cebo  filho  do\Coudel  mor,  cujo  nome  me  nã  souberão 
dizer  certo,  &  este  foy  ali  morto  pulos  mouros  sem  lhe 
ninguê  acodir:  o  {[  vedo  eles  decerão  liuremête  á  galé 
aem  aaer  quõ  lho  defôdesse:  ates  os  Porluguesea  &  ba 


eapítflo  c6  medo  se  recolherto  ao  18áa|  dá  fale,  &  dali 
por  fiSo  terfi  roais  colheita  derSo cStf go  no  mar,  &  fao 
eapitão  despio  as  coirai^s  pêra  poder  meihor  nadar ,  &> 
t>uuerãse  os  mais  dafogar  se  não  sobreuiera  lofto  fogaça 
na  sua  gale  de  Q  os  fidarlo  apanhado.  E  posto  I)  loSo 
-fogAça  tínba  gSle  S  abastSça  pêra  pelejar  cO  os  mouros 
i\  tinbio  tomada  a  gale  4eBastiSo  de  noronha  nloquis, 
-&  fasSde  ^6  ê  ouira  viaUa  deisou  a  gale  6  poder  dosinot^ 
ros  q  ^  leuarão  a  Diu ,  fc  a  4erSo  a  Afeli^jaz  o&  quflta 
artelharia  leuaua  Q  era  mujta  &  muyto  boa.  Eislo  pas^ 
sou  l8e  lõge  das  outras  velas  <la  armada  (}  lhe  uSe  pode- 
tã  aoodir,  de  Q  todos  os  capitães  da  armada  ficarão  iinuy 
^escMalÍ2ado8,  &  se  ouuerfio  por  muylo  injuriados !  pod| 
oOoa  eutra  tal  se  acdtecera  na  índia ,  «S  aoõteoeo  des* 
-pois.  £  ho  gouerna<k>r  mSdou  prender  fogo  fbge<;a  Sc 
"Bastiáo  de  noronha  8t*da  bi  a  algfito  dias-esmMoú*  sol- 
tar. E  sabSdo  Meliquiaz  como  agalefbra  tentada  y  te- 
ue  bo  governador  8  tSo  pouca  cj|ta  ^  nfio  qofs  pa^ci^ete 
n&  tornou  a  madar  sua  armada  de  fustas  ao  idgo-  dacqf^- 
Uí  de  Cfibaya  ^  &  mãdou  varar  a  gale :  £c  ^quãdo  4ilg0s 
f^slrSgefros  hiáo  a  Diu  amoetraualfaa ,  &  c{HaMii4ie  eemp 
os  mouros  a  tomarão.  E  a  tomada  «desta  gate  deu  muy- 
*ta  ousadia  aos  mouros  da  (ndiap^ra  tere  os  Portilgue- 

•ee  em  pouca  conta. 

•  «  > 

C  A  P  I  T  V  L  o    XXII. 

De  úOfno  o  yMemador  chegado  n  Ormusí^ohmi  Raík 

xarãfii. 

JL  rosseguífido  daqui  bo  gõuernador  sua  viagem  peta 

Ormuz ,  cbegeu  lá  &  ^Ò  sua  chegada  folgarSo  'mujrto^ 

~:assi  ObristSos  como  mouros  crSdo  (|  pagai*ia  Raix  «ará- 

-fò  f|  estaúa  preso  os  muytosSb  muyto  grid^s  males  ^ 

Ctnba  feytos,  assi  a  bils  como  aos -outros.  AosChi^istflos 

no  trabalho  ia  fadiga  em  ^Q  os  pos  c((  ho  leuítamSloDor- 

fMM  tt  «cerco  ^a  fortaleza ,  '&  a  perda  ^  deu  «a  meytos 

F  2 


44  PA   HISTORIA    VA   INPiA 

de  soas  faeSdas  ^  &  em  ser  cauea  da  morte  dàlgffff  aeus 
amigos  &  parftles.  E  aos  mouros  8  lhes  matar  seu  rey 
&  os  desassegar  cd  a  guerra  &  darlhes  muytos  trabalhos 
eoeia,  &  6  os  tiranizar  sem  nenhOa  piedade,  tomado* 
lhes  quâto  tiohâo  de  cada  vez  Q  queria.  E  pois  estaua 
preso  por  culpas  tão  pubricas  como  auia  tão  pouco  j|co- 
netera ,  esperauã  todos  que  pagasse  com  a  vida  aque- 
las &  outras  secretas*  E  chegado  ho  gouernador  a  Or- 
muz foy  por  ires  vezes  a  h&a  torre  ondestaua  preso  & 
falou  coele  perante  loão  rodriguez  do  ooronba  capitão 
da  fortaleza  que  terçaua  grâdemente  por  Raix  xaraíb 
xom  bo  gouernador  pêra  que  ho  soltasse  &  fizesse  goa- 
zil ,  &  tirasse  os  officiaes  Portugueses  da  alfandega  de 
Ormuz  &  das  outras  alfandegas,  &  que  pagaria  a  el  rey 
de  Portugal  mais  corenta  mil  serafins  que  íaziâo  sea- 
aeota  mil  cd  os  ^  pagaua  dates,  de  que  pagaria  Ioga  a- 
aaelade :  &  pagaria  a  valia  da  fazêda  Q  se  tomara  a  el 
rey  de  Portugal  na  feytoria :  &  assi  pagaria  as  partes  o 
Q  lhe  tomara  oo  aleuãtamSto  da  cidade  cõtra  a  fortale- 
za. E  alê  disso  daria  duzStos  mil  xerafins^  pêra  o  ^  bo 
gouernador  quisesse,  O  ^  pareceo  bê  ao  gouernador, 
mae  receaoa  dò  Luys  seu  irmão  q  lhe  não  auia  aquilo 
de  parecer  b6,  por^  queria  mal  a  Raix  xarafo  &  dese- 
jaua  de  se  vingar  por^  por  seu  rogo  não  quisera  pouoar 
Ormuz :  &  mais  ^  auia  de  ^rer  soster  no  goazilado  a 
Raix  xamixir  pola  promessa  ^  lhe  tinha  feyto ,  &  por  is- 
so determinou  de  soltar  Raix  xarafo  &  fazelo  goazil  ates 
da  vinda  de  d5  Luys  pêra  o  Q  fez  conselho. cô  ho  capi* 
tão  da  fortaleza  &  algus  capitães  da  frota,  a  q  disse  o^ 
Raix  xarafo  lhe  cometia:  &  ^  a  ele  lhe  parecia  bfi, 
porQ  era  fiformado'^  Raix  xamixir  4  seruia  de  goazil 
era  muyto  doudo  &  não  sabia  gouernar,  &  os  morado- 
res estauão  muy  descôtêtes  dele,  &as8Í  bo  hião  os  mer- 
cadores ^  vinbã  de  fora ,  &  jj  nã  daua  a  el  rey  seu  se* 
Aor  de  páreas  mais  de  vi  te  mil  xerafins,  &  Raix  xarafo 
daua  Ix.  mil  &  bõ  pagos,  &  era  bomS  antigo  na  torra : 
&  cõ  sua  prudêcia  &  siso  a  sabia  bS  gauernar,  &  tinba 


LIVRO  VI^   CAPlTVIiO  XJtlU  46 

neb  credito:  que  lhe  parecia  ^  este  deuia  de  ser  goazil 
&  oá  o  4  o  era.  Eêlêdédo  todos  no  gouernador  ^  queria 
fazer  aquilo,  a  lodoa  pareeeo  bõ:  aaluo  a  AAaouel  de 
Bouaa  lauarea  §  era  capitão  mór  do  roarDoriDuz  (^  diise 
.Q  lhe  nâ  parecia  bS,  porj)  auia  muytos  ânoa  Q  conuer- 
aaua  Raix  xarafo,  &  sempre  lhe  conhecera  ser  Imigo 
mortal  dos  Portugueses  &  ter  desejo  de  os  lan^r  fora 
Dormuz  :  do  j|  era  muyto  boa  lesleniunha  a  treyçâo  que 
Jhes  fizera  no  leuantamento  Donnuz  tendo  seu  pay ,  ^ 
ele,  &  seus  irmãos  recebido  lanlo  bem  dos  Portugue- 
ses, &  assi  ê  não  querer  Q  se  pouoasse  Ormuz,  per- 
doandolhe  dÕ  Luys  hu  passado ,  &  por  isso  dizia  ^  não 
aomSle  ho  ná  deuião  de  soltar  nê  dartbe  ho  goazílado, 
:iDas  Q  bo  matassem  se  queriâo  ter  seguro  Ormuz,  &  se 
.nâo  que  sempre  aueria  neie  reuoltas.  E  deste  parecer 
-foy  Omís  lernandez  de  melo :  por^m  como  não  erão  mais 
•de  dous  preualecerâo  os  outros  com  quem  foy  ho  gouer- 
nador. £  determinado  isto  de  ^  foy  feylo  assinado  por 
todos  foy  solto  Raix  xarafo  &  reslituydo  no  goazilado, 
&  Raix  xamixir  &  Raix  noradim  deitados  fora  Dormus, 
Q  derSo  tão  boa  mostra  de  seruidores  dei  rey  de  Portu- 
gal &  damigos  dos  nossos  na  morte  de  Kaix  xabadiqi  & 
na  de  Raix  xarafo  pêra  que  nSo  ouue  tSpo  ppr  sua  fugi- 
da. £  estes  dous  se  forão  Dormuz  em  híía  terrada ,  & 
secretamente  lhe  foy  dado  fDdo  por  mandado  de  Raix 
xarafo:  &  esta  paga  ouuerâo  por  quererê  seruir  aelrey 
de  Portugal :  &  este  foy  ho  goazilado  que  lhe  d&  Luys 
prometeu.  Do  5  os  nossos  ficarão  muy  escandalizados,  & 
assi  os  mouros  ot  de  todo  perderão  ho  credito  dos  nossos, 
&  dizião  que  quero  teuesse  muy  to  dinheiro  em  Ormuz 
sempre  viuiria,  posto  que  fizesse  todos  os  males  do  mun- 
do* E  metido  Raix  xarafo  8  posse  do  goazilado  pagou 
logo  ametade  dos  duzentos  mil  xarafls  &  das  páreas  ao 
gouernador,  &  pola  outra  ametade  ficou  em  arrefSs  b& 
'filho  de  Raix  xarafo.  £  na  paga  das  partes  se  teue  esta 
maneyra  que  dauão  juramento  a  cada  pessoa  do  que  per- 
dera &  pagauãlhe  logo  hu  terço,  &  eles  jurauão  mais  da 


46  10^   HfSTOHU   DA    INDÍA 

GM  pttrderito,  &  tudo  Ibe0  pagarão  dwpoig  de  maneyra 
<iue  nmytoa  ficarão  ricoa,  E  a  fora  iato  que  Raix  xa^a£> 
deu  ao  goaernador  Uie  faaia  cada  dia  «uytos  aeraiças 
de  moylaa  cõaeruaa ,  fruytaa ,  carnes  &  peacadoa ,  &  d»- 
goaa  cfaeifOías:  oo^q  leuou  a^le  luerno  moyto  boa  vida. 

c  A  p  í\T  V  L  O  xxni. 

De  como  ãô  Luys  indo  pêra  dar  na  cidade  de  Xad  lha 
despejarão  os  mouros ,  ^  do  mais  4  f^  ^*  tomar  do 
estreito* 

Jl  arlido  dô  Lays  de  Goa  com  sua  armada  aegaio  a»* 
rota  pêra  ho  cabo  de  Goardafum ,  o43de  è  poi»co6  dias 
•que  eateue  esperado  polas  aaoa  de  mouros  tomarão  co 
noBSOB  capitães  cinco.  £  dali  seguindo  sua  rota  foy  "ter 
ao  porto  DadS  onde  achou  quatro  oaoa  que  mãdou  quey« 
ínar ,  &  dali  determinou  de  ir  sobre  hfl  lugar  de  mouras 
•chamado  Xael  que  está  na  mesma  costa  Darabia  cin- 
«coenta  &  cinco  legoas  DadS  indo  pêra  ho  estreito :  está 
«m  quatorze  grãos  &  h&  coarto  situado  em  costa  braua 
«m  que  ho  mar  de  contino  anda  rolado.  He  lugar  grãr 
de ,  abastado  &  viçoso  de  todas  as  fruy tas  que  ha  em 
Espanha:  be  de  grande  trato  por  auer  nele  muytos  ca* 
ualos  9c  encenso  que  leofio  ^os  mouros  do  Malabar  9c  de 
Gambnya ,  Q  leuão  ali  soas  mercadorias  a  vender.  Nei^ 
te  lugar  inuernão  as  naoa  que  vão  pêra  ho  mar  roxo  se 
oã  pod*  passar  por  irem  ja  tarde,  âc  venkirem  os  ptí^ 
nentes  que  lhe  sam  por  dauante,  &  dft  Luys  determi- 
4IOO  de  ir  sobre  este  lugar  por  ser  da  obediScia  dei  rey 
DadS.  E  'cô  quãto  eoube  Q  aura  nele  tnuyta  g8te.  Seno 
porto  andaua  sempre  ho  mar  de  leuadia  quis  ir  dar  nele 

forque  andaua  agastado  de  não  ter  ainda  feyto  tiadana 
ndia,  fe  aqui  cuydou  de  ho  fazer,  mas  os  mouros  ho 
tirarão  desse  ouydado,  porq  ou  sabedo  ou  adioinhãdoao 
"Q  ele  hía  despejarão  ho  lugar,  assi  da  g6te  como  da  mór 
Darte  da  faafida:  demaneym  que  dõ  Luva  nfioleuen»' 


LITBO  VI»  CA»TVIiO  XXHII.  47 

da  que  fazer.  E  coid  tudo  desembarcou  com  sua  gentes 
que  Baqueou  ho  lugar  disso  que  auia  oele  (\  ainda  fes 
algiis  ricos.  £  esUnda  aqui  leuanlouse  hila  torm&la  iSo 
braua  Q  ouuerâo  de  dar  os  galeões  á  cosia  y  &  aiijar&e 
ao  mar  a  arlelbaria  que  eslaua  sobre  cuberla  y  &  çoço* 
brouse  b&  esquife :  &  pola  misericórdia  de  nosso  senbor 
sayo  dali  ddLuys  cÕ  a  armada  &  se  partio  peraJMaçuá, 
&  despois  queimou  grandes  nãos  de  mouros  (}  estauâo 
varadas  ê  terra.  £  prosseguindo  sua  viagè  pêra  Maçuá 
despois  de  passar  algâas  lormêtas  com  Q  se  vio  fi  perigo 
foj  surgir  no  seu  porlo:  &  dali  por  iniercessam  do  ca- 

Eitão  Darquico  mandou  recado  a  dõ  Rodrigo  de  lima  4 
o  esperaua  ate  dia  de  Páscoa  que  auia  de  ser  ate  quize 
Dabril)  &  se  então  não  fosse  coele  que  se  auia  logo  de 
partir )  porque  não  podia  mais  esperar ,  &  ficou  espe* 
rando» 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXIIII. 

De  como  dum  Rodrigo  de  lima  partio  caminho  da  wrU 

do  Preste. 

àS  ú  quinto  iiuro  fica  dito  como  quâdo  Diogo  lopez  de 
9iqueyra  sendo  gouernador  da  índia  foy  ao  estreito, 
mádou  do  lugar  de  JMa^uá  por  embaixador  ao  Preste 
joão  bâ  fidalgo  chamado  dõ  Rodrigo  de  lima ,  em  cuja 
cÕpanbia  íbrâo  treze  Portugueses,  s.  lorge  dabreu ,  Lo» 
po  da  gama  9  I080  escolar  escriuão  da  embaixada ,  loão 
gÕ^luez  feytor  &  lingoa  dela,  Francisco  aiuarez  clérigo 
oe  missa  &  outros  ^  fazião  bo  numero  que  digo.  Des* 
pacbado  dÕ  Rodrigo  partiose  do  lugar  Darquico  aos  trin* 
ta  dias  Dabril  leuãdo  em  sua  companhia  ho  embaixador 
JlSateus  que  faleceu  no  começo  do  caminho,  per  que  ca<- 
aninhando  chegou  a  h&  lugar  chamado  Barua  aos  tíd* 
toito  de  lunho.  £  este  era  cabe<^  do  senhorio  do  Bar« 
Migais  aquele  que  foy  falar  a  Diogo  lopez  de  siqueyraa 
lAaçuá  como  disse  nu  Iiuro  quinto.  £esle  nome  deBar<* 
Jiagaia  quet  dher  f  ey  do  mar  que  nagaia  quer  dizer  rey 


48  DA  HTflTORf A    DA   INNA 

na  lingoa  abexim  &  bar  mar,  &  assi  he  ele  como  rey  & 
(em  coroa  douro  que  lhe  da  ho  Preste:  &  tè  debaixo 
de  seu  senhorio  sele  senhores  de  grandes  terras  de  (| 
tnuytos  põe  em  campo  quinze  mil  faomSs  de  lanças  & 
escudos ,  &  todos  ieuão  diante  de  si  atabales ,  (|  nSo  po- 
dS  trazer  se  nSo  grades  senhores:  &assi  tê  outros  muy** 
tos  mas  n3o  tamanhos  seHores  como  estoutros,  &  lodos 
seruS  eõ  ho  Barnagais  na  gtierra ,  &  ele  &  eles  sam  so- 
geitos  ao  Preste  {|  os  despõe  das  senhorias  quando  quer, 
&  lhes  pagão  muy  grSdes  dereytos :  com  {|  acodC  ao 
Barnagais  &  ele  os  paga  ao  Preste.  E  nestes  dereytos 
entrão  cl.  cauaios.  A  este  lugar  de  Barua  chegoa  d5 
Rodrigo  dõde  achou  que  do  mesmo  dia  partira  ho  Bar* 
nagais  doente  dos  olhos  pêra  outro  lugar  chamado  Bar* 
ra:  a  q  dom  Rodrigo  foy  pêra  lhe  falar  leuâdo  consigo 
cinco  Portugueses  <|  hiSo  em  mulas  por!)  nelas  caminha-* 
uão  todos.  £  nest-e  dia  foy  dom  Rodrigo  pêra  falar  ao 
Barnagais,  mas  não  pode:  ou  não  quis  ele  que  lhe  fa- 
iasse, &  foy  aquela  noyte  tnuyto  mal  agasalhado,  &  ao 
outro  dia  lhe  falou.  Estaua  ele  em  hfia  casa  térrea  dei« 
tado  em  hd  catle,  &  sua  molher  assentada  á  cabeceira: 
&  aprouettou  pouco  falarlhe  dom  Rodrigo,  &  pedirlhe 
auJamento  pêra  ho  caminho  porque  lho  deu  bem  mao , 
posto  ^  tinha  prometido  ao  gouernador  de  lho  dar  bÕ. 
£dÕ  Rodrigo  &  os  de  sua  companhia  compradas  alg^las 
mulas  ^  lhes  faiecião  por  ho  Barnagais  lhas  não  querer 
dar ,  se  parlio :  &  despois  de  passar  muytos  trabalhos  & 
perigos  que  não  cdto  por  breu  idade,  chefi;ou  hila  legoa 
da  corte  do  Preste,  que  como  disse  noTiuro  teroeyro 
anda  sempre  no  campo,  &  agasalhasse  em  tendas,  de 
que  antre  boas  &  outras  somenos  auera  seys  mH.  Ho 
Preste  he  tamanho  senhor  como  disse  no  mesmo  liuro , 
assi  de  terra  como  de  gSte  &  de  tesouros:  andâonasua 
corte  muytos  reys  &  grandes  senhores.  He  Christâo  & 
seruese  com  pouco  estado,  porque  ho  não  v6  se  não  seus 
priuados ,  nS  se  mostra  a  todos  mais  de  três  vezes  na 
flúo.  6.  dia  de  Natal,  di4  dos  Reys  |  dia  da  exa^ta^  da 


€ru2  de  Setembro.  E  quSdo  caminha  também  vay  cu« 
berto  que-  ningiifi  bo  não  Te:  &  quando  lhe  falão  algtla 
^baixadores  posto  Q  este  Ade  ele  está  falãibe  por  ter- 
ceira pessoa. 

G  A  P  I  T  V  L  o    XXV. 

•    De  como  dô  RodfHgo  chegou  á  -cúrie  âo  PreHe  joã. 

JL^om  Rodrigo  chegou  como  digo  a  hda  legoa  do  ai%> 
rayal  do  Preste  hua  segunda  feyra  dezasete  Doutubro-, 
&  ali  foy  ter  coele  per  mãdado  do  Preste  ha  seu  mordo* 
mo  mór  que  na  lingoa  Abexim  se  chama  Adu^raz,  & 
faia  pêra  goardar  dom  Rodrigo  &  darlhe  o  <|  lhe  fosse 
necessário.  Elogo  partirão  dali  ()  assi  lho  disse  ho  mor- 
domo mór ,  &  S  vez  de  irem  por  diante  tortiarSo  pêra 
(ras  bem  bâa  legoa:  dizendo  ho  Adugraz  a  dom  Rodri« 
go  (}  não  se  agastasse  porQ  ho  Preste' auia  dir  pêra  a« 
quela  parte  a  que  eles  hião.-  E  checados  detrás  dhQs  ca* 
becos  deeeranse  &  apousentaranse  em  tendas  que  lhes 
hi  armarSo!  &  logo  bo  Preste  se  fby  apousentar  ali  per* 
lo  h  suas  tendas :  &  por  seu  mfldado  foy  dada  a  dom 
Rodrigo  hfia  boa  tSda  pêra  pousar  com  sua  cÕpanhia^ 
&  quem  lha  leuou  lhe  disse  {}  era  da  pessoa  do  Preste, 
&  ^  tal  como  aí}la  não  a  tinha  ninguém  noarrayal:  & 
que  esta  honrra  lhe  fazia  ho  Preste  pc^r  ser  êbaixadof 
de  rey  Gbristão.  E  na  sesta  feyra  seguinte  vinte  draa 
Doutubro  foy  dom  Rodrigo  chamado  da  parte  do  presto 
por  h&  frade  que  lhe  disse  ()  lhe  leuasse  ho  presente  & 
iodo  ho  seu  fato  &  ho  dos -de  sua  compan^hia  porQ  o  que- 
ria ver.  E  por  mãdado  do  Preste  foy  muyta  g^nte  pei^a 
acompanhar  dÔ  Rodrigo ,  Q  nã  quis  teuar  mais  ^  o  pre- 
sente l\  leuana.  E  indo  assi  bS  acõpanhado  chegou  a 
fails  arcos  2|  se  faziãodtãte  das  tSdas  do  apouseíitamSto 
^  Preste,  &  os  arcos  estauão  6  duas  ordfis,  &  S  cada 
b&a  aueria  bft  xx.  cobertos  todos  dé  paoo  brãèo  &  roxo 
antresachadoB  hd  de  bfla  «or  &  outro  doulra:  fe  de  bua 

LiVAO  VI.  o 


60  BA  SI0TMIU   DA   INDffl. 

otàè  a  oiitra  aueria  bu  e6pa<;o  de  cS  pasaoa :  &  ettea  ar* 
eo8  forio  fey io9  por  £azer  feata  ao  fibaixador,  por(|  aasi 
diante  das  iCdas  do  Preste.  Q  um  braças  estaua  hQa  ro* 
xa  que  diziâo  não  seruir  se  não  era  grandes  festas  ou 
recebimentos.  Aqui  onde  estauâo  estes  arcos  aueria 
bem  vinte  núl  homens  poslos  em  renque  de  hua  parte 
&  da  outra,  &  peio  meyo  ficaua  hCLa  larga  rua.  E  todoa 
estes  ssyâo  a  ver  dom  Rodrigo  &  os  de  sua  companhia 
que  hião  lodos  b6  vestidos  &  arrayados  de  ouro ,  &  os 
Abexins  se  espantauâo  por  bo  trajo  dos  Portugueses  ser 
muy  diflerenie  doseu.  Abaixo  destes  arcos  estauâo  qua* 
tro  caualos  ^  dous  de  cada  parte  selados  de  seiaa  ricas  ^ 
Sc  assi  os  outros  jaezes,  &  com  cubertas  de  borcado  a 
Biudo  de  cubertas  dara»as ,  &  nas  cabeças  grandes  pe^ 
nachos  &  abaixo  destas  estauão  outros  muy  tos  tambft 
selados ,  mas  aão  com  jaezes  ricos  como  09  outros*  fi 
ipdo^  dd  Rodrigo  pelo  meyo  desta  gSte  cb^arão  a  el9 
Sé^ssenta  hom&  todoa  b&  vestidos,  &  hião  quasi  corren* 
do :  pof que  assi  ho  eostumão  quaodo  leuSo  recados  do 
Preste*  E  deapois  3^da  sua  parte  di»rSo  bft  a  dom  Ro* 
drigo  fopanse  eoele  :&  chegado  hit  pouco  Stes.  dos  arcoa 
achou  quatro  leões  presos  por  eadeas  que  ho  Preste  14 
por  estado:  &  debaixo  dos  arcos  primeyros  estaufio  as- 
isentados  os  quatro  niayores  senhores  que  andauâo  aa 
corte  do  Preste ,  a  que  os  (|  biâo  com  dom  Rodrigo  fi-* 
aerão  sua  reuerenda ,,  f\  he  abaixar  a  mão  derey ta  ate 
ho  chfto»  £  asai  ho  fea  dom  Rodrigo  &  os  Portugueses 
que  parou  ali  com  os  c)  hifio  coele :  &  aueodo  hít  grada 
pedaqo  Q  ali  eslaua  cb^goo  hii  clérigo  velho  parête  àú 
Preste  &  seu  cõfessoc,  de  tãta  valia  &  credito  coele  ^ 
era  a  seguda  pessoa  3  seu  se&orio  despois  dele  &  cba* 
mauase  Gabeata.  E  este  sayo  da  têda  roxa  S  {[  ho  Prea*- 
te  estaua.  Este  pergiltou  a  dõ  Rodrigo  j|  Qria  &  ddd^ 
vinha:  &  ele  lhe  respõdeo  Q  da  índia,  &  leuaua  €bai* 
xada  ao  Preste  joão  do  capitão  moor  &  gouernador  daa 
lodias  por  el  rey  de  Portugal.  Coes  ta  reposta  se  foy  ho 
Caboata,  k.  despois  <»oraou.  duas  vezes  a  pregatM  a 


Lmta  Tf.  oAPrmrLO  xsiv.  51 

iheemii  praftttft:  &  d^  dernudieirii  vioee  d6  Rodrrf^o  tSb 
agfattado  por  nSò  saber  ho  costume  d«  terra  ^  ihediaaec 
Não  aey  4  diga.  £  elê  lha  disM  Q  diasoise  o  ^.quiscdse 
^  tudo  diria  ao  Prasle*  E  dom  Rodrigo  não  quis  dizer 
iiiais  4  o  q  tinha  dito^  diz6do  ^  nâ  diria  maia  por^  a 
embaixada  í\  leuaua  nSo  a  auia  de  dar  a  outrem  se  nãò 
ao  Preste,  ^  mãdou  dizer  a  dõ  Rodrigo  pelo  mesmo  Ca- 
beata  ((  lhe  mâdaase  o  ^  lhe  mádaua  hò  gouefnadòr.  O 
^  dõ  Rodrigo  fez  cH  parecer  de  todos  oè  Portugueses  9[ 
estauão  eoele^  &  dtregou  ao  Gábeatà  bo  presente  Q  Dio^ 
go  lopez  mandáua  ao  Preste  em  que  entrauão  estas  pe- 
<;as,  htia  espada  &  bum  punhal  ricòs,  qUatro  pânos 
darmar  deras ,  hfias  oòuraças  ricas  com  todo  seu  eom^ 
primenlo ,  dous  ber<^s  de  metal ,  quatro  camarás  pare^ 
ies,  &  algfis  pelouros  &  dous  barris  de  poluora ,  híis  or- 
gSos  &  hum  maparoundi.  Eeste  era  ho  presente  de  Dio- 
go lopez ,  &  dom  Rodrigo  acrecentou  quatro  fardos  de 
pimfita  da  que  leuaua  pem  sua  despesa*  £  despois  de 
ho  Cabeata  ho  ir  mostrar  ao  Preste  tornou  coele  onde 
estauão  os  arcos ,  &  mandou  estender  tudo  sobreles.  E 
fazendo  calaf  todos ,  disse  ho  juiti<;a  mór  em  roa  alta , 
despois  de  nomear  cada  hQa  das  pe^s  do  presente^  qué 
todos  dessem  muytas  graijas  a  nosso  senhor  por  se  ajun- 
tarem os  Christtos,  &  se  hí  auia  áigâs  a  que  pesasse 
que  chorassem  9  &  os  que  íblgauão  que  cantassem^  B 
em  acabando  de  dizer  isto  tieu  a  gente  hila  grande  grii- 
ta  dando  graças  a  Deós.  E  coisto  foy  despedido  dom  Ko^ 
drigc  bfi  descontSte  por  não  falar  ao  Preste ,  &  assi  hé 
foy  por  ibe  não  fszerem  ho  gasalhado  que  esperaua ,  Sç 
soube  per  algus  Ghristãos  da  Europa  que  andáuão  ná 
iM>rte  que  auia  quem  dissesse  aos  grandes  senhores  dela 
que  conselhassem  atí  Preste  que  ho  nSo  deixasse  ir  nem 
aos  de  siia  com|>anbia ,  -porque  assi  era  ho  costume  da 
terra.  E  neste  tempo  se  mudou  hòPtiestâ  donde  estaua^ 
^  a  dom  Rodrigo  lhe  oonueo  comprar  mulad  em  que 
fosse  ^  &  boscsr  quem  lhe  leuasse  befato,  por  Ihò  nãa 
^foeter  mfldisr  Jeuar  4io  mofdeiao  mór  nem  darUif»  mufauiu 

6  2 


ht  Bit    HISTOSIA    BA'  IlfníA ' 

£  Teyo  a  eoasa  a  Uoto  que  donde  dantes'  lhe  datiâo  de 
comer  aa  custa  do  Preate  passarão  algus  dias  que  IJio 
siSo  deiSo,  assi  que  em  orne  dias  que  auia  que  era 
chegado  passou  muytos  desgostos ^  &  não  lhe  aproueila» 
ua  aqueixarse  deles,  nem  mandar  pedir  ao  Preste  que 
ho  ouuisse ,  &  parecia  que  todos  ho  desprezauão :  nem 
ho  Preste  estimou  ho  presente  que  lhe  foy  dado,  & 
mandou  logo  dar  tudo  a  igrejas  &  a  pobres ,  porque  os 
criados  de  Mateus  lhe  disserao  que  aquele  não  era  ho 
presente  que  lhe  el  Rey  de  Portugal  maodaua,  &  que 
ho  tomara  ho  gouernador,  &  que  lhe  mandaua  aquele» 
£  despois  teue  dom  Rodrigo  bem  Q  fazer  em  tirar  isto 
da  cabeça  ao  Preste  porQ  ho  cria ,  &  porê  deu  sobristo 
auytoa  achaques. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXVI. 

De  como  ho  Preste  mandou  chamar  ho  embaixador  ^ 

não  lhe  falou, 

jLJLuendo  onze  dias  que  dom  Kodrigo  estaua  na  corte 
bua  quarta  feyra  que  foy  ho  primeyro  dia  deNouembro 
passadas  duas  horas  da  noyte  ho  mandou  chamar  ho 
Preste:  &  cuy dando  ele  que  era  pêra  ho  ouuir  foy  logo 
eaminho  das  tendas  do  Preste  que  estauâo  dentro  de 
hCLa  cerca  de  sebe ,  em  que  também  diante  das  tendas 
estaua  hila  casa  grande  térrea  cuberta  de  bQ  colmo  que 
ha  na  terra  que  dura  muyto,  &  estaua  armada  sobre 
grossos  esteos  dacifireste  forrada  de  tauoaa  mal  pintadas. 
fiã  entrada  desta  casa  estauâo  armadas  quatro  corredia 
ças  de  cortinas,  a  do  meyo  de  borcado  as  outras  de  se* 
da.  E  diante  desta  casa  se  faziSo  dous  pátios,  os  quaes 
erão  cercados  também  de  sebe ,  &  na  porta  do  primey* 
ro  estauâo  certos  porteiros ,  &  estes  deteueráo  dom  Ro^ 
drigo  &  ho  não  deixarSo  entrar,  per  espa<^  de  kúa  ho- 
ra, posto  que  fazia  grande  vento  &  muyto  frio,  &  do 
enfadados  de  esperar  os  da  companhia  de  dem  Kodrig^ 


LITRO   vi;   CAPITTLO-  XXVI.  bS 

tírarSo  duas  espingardadas :  &  logo  lhe  pergunlarSo  da 
)>arte  do  Preste  porque  não  traziâo  D)aÍ8  espingardas : 
respondeo  que  porque  não  faiâo  pêra  guerra.  E  nisto  veo 
ho  mordomo  com  outros  quatro  principais  da  corte :  & 
dizendo  a  dom  Rodrigo  que  fossem  pêra  dentro ,  abala* 
râo  indo  ele  diãte  com  os  outros  quatro  em  fieira ,  & 
nos  cabos  dous  homens  com  duas  velas  acesas  nas  mãos« 
E  entrando  pelo  primeyro  pátio  ate  que  forâo  no  segun- 
do,  detinhãse  de  quando  em  quando;  &  dizia  cada  hum 
por  si  em  alta  voz.  Senhor  o  que  me  mandastes  aqui 
ho  trago,  &  de  dentro  respondiào  também  em  voz  muy* 
to  alta.  Anday  pêra  deniro.  £  a  esta  palaura  por  ser  do 
Preste  &  licença  sua  abaisauão  todos  as  cabe<^as,  &  pur 
nhão  as  mãos  dereytas  no  chão  por  reuerencia.  Feyta 
esta  cirimonia  muitas  vezes  pelo  modo  sobredito ,  disse 
ho  mordomo  mór  &  os  outros  quatro.  Os  frâgues  ^  se- 
nhor me  mandastes  aqui  os  trago.  £  da  casa  respondiãe 
que  entrassem  pêra  dentro,  &  assi  ho  fizerão  despois  de 
ditas  estas  palauras  muytas  vezes,  &  ali  acharão  feyto 
hum  estrado  rico,  &  diâte  dele  eslauâo  cento  Sc  sessen- 
•ta  homens  com  velas  acesas  nas  mãos  oy  tenta  de  cada 
banda :  &  todos  ti  nhão  as  velas  em  igoai  compasso.  To- 
do ho  chão  da  casa  estaua  cuberto  de  esteiras  pintadas*, 
&  aqui  se  deteuerão.  E  estando  assi  de  dentro  das  cor- 
ridiças,-  foy  hH  page  com  hum  recado  do  Preste  a  dom 
Rodrigo:  em  que  dizia  que  ele  não  mandara  Mateus  a 
Portugal ,  &  posto  que  fora  sem  sua  licença ,  que  ei 
Rey  de  Portugal  lhe  mandaua  por  ele  muytas  cousas,  & 
pois  lhas  mandaua  porque  lhas  não  dauào*  £  dom  Ro^ 
drigo  respondeo  que  por  Lopo  soarez  não  poder  ir  a  JVIa- 
çuá ,  &  por  falecer  Duarte  galuão  que  el  Rey  de  Portu- 
gal lhe  mandaua  por  embaixador:  mas  que  as  peças  que 
lhe  el  rey  mandaua  estauão  goardadas  na  índia,  &  não 
as  leuara  Diogo  Lopez  pêra  lhas  mandar  por  aâo  sercer* 
%o  de  poder  tomar  ho  porto  de  Maçuá,  nem  leuauaMa* 
teus  se  não  pêra  ho  deitar  em  qualquer  porto  que  to* 
aaaae  da  Abexia^  pêra  que  despois  que  ho  soubesse  lhe 


IV4  DA  mnonxA  ba  índia 

mandasse  bo  presente  que  Ibe  el  Rey  de  Portugal  man» 
daua ,  &  quando  ho  DeoB  ieiiara  a  Maquá  por  desejar 
de  bo  visitar^  mandara  a  ele  dom  Rodrigo  com  aquelas 
peças  que  lhe  dera,  &  pêra  saber  bo  caminbo  quãdo 
fosse  embaixador  dei  Rey  de  Portugal.  E  coesta  repôs* 
la  lhe  mandou  pedir  que  bo  ouuisse  &  saberia  a  verda» 
de:  &  tambC  lhe  diria  por  escriplo  o  que  bo  gouerna« 
dor  Ibe  mandaua  dizer  alem  da  carta.  E  sem  bo  Preste 
responder  a  isto  bo  mandou  despedir,  &  dali  a  dous 
dias  as  mesmas  horas  da  noyte  mandou  bo  Preste  cha«- 
mar  dom  Rodrigo,  que  foy  &  achou  a  casa  que  disse 
mparamfilada  de  borcados ,  &  atauiada  de  cousas  mais 
ricas  que  dantes  &  mais  gente  &  toda  muyto  luzida ,  & 
mais  velas  &  entrou  com  as  cerimonias  passadas :  &  os 
homens  que  ali  estauio  a  fora  os  que  linbâo  as  velas 
«stauão  em  ordem,  bfts  de  híia  parle  outros  de  outra 
com  espadas  nuas  na  mão.  E  despois  de  bo  Preste  man- 
Hclãr  pregtitar  a  dom  Rodrigo  polo  Cabeata  &  pelo  seu 
pajé  moor  muytas  cousas  sem  propósito,  lhe  mandou 
dizer  que  jugassem  dous  Portugueses  despada  &  adarga» 
E  despois  de  sayrem  dous  mandou  dizer  que  saysem  ou>* 
tros  dous:  &  por  os  dous  primeyros  bo  não  fazerem  á 
vontade  de  dom  Rodrigo,  sayo  ele  com  lorge  dabreu* 
E  acabando  de  jugar  mandou  dizer  ao  Preste  que  fizera 
aquilo  polo  seruir,  nem  bo  fizera  por  outro  nenhfi  prin«> 
cipe  ainda  que  lhe  dera  cincoCta  mil  cruzados,  pedin* 
dolhe  muyto  que  bo  ouuisse  &  saberia  o  que  lhe  man*- 
daua  dizer  bo  gouemador,  &  que  ho  despachasse  pêra 
poder  ir  tomar  a  tempo  a  armada  dos  Portugueses  que 
auia  de  ir  ao  estreito.  A  isto  ibe  respondeo  bo  Preste 
que  ainda  então  chegara,  &  que  nâo  linha  visto  bum 
terço  das  suas  terras  que  folgasse,  &  que  iria  bo  gouer*- 
pador  a  Maçuá,  &  que  lhe  mâdaria  recado  &  então  se 
iria :  &  mais  que  faria  ho  gouemador  fortalezas  em  Ma^ 
^uá ,  çuaquem  &  em  Zeila ,  a  que  ele  ajudaria  com  to^ 
dos  os  mantimentos  necessários.  E  per  fim  de  tudo  nie 
i|ais.  daquela  vez  oauir  dom  HodrigO|  &  mandoulhe  qm 


LIW0  VI.    CAPITTLO  XXTIX*  hb 

lhe  mandasse  por  escrípto  na  lingoa  Abexim  e  que  ho 
gouernador  lhe  mandaua  dizer.  O  que  dom  Rodrigo  fez 
pêra  Ter  sé  se  podia  despachar ,  &  (teaesperado  de  lhe 
não  poder  fidar. 

C  A  P  I  T  O  L  O    XXVII. 

De  como  dom  Modríga  fcdau  oú  Prt$te  joao. 

JLIespois  disto  foy  ainda  dom  Rodrigo  chamado  do  Pres- 
te algiias  vezes  &  de  nenhãa  ho  ouuto,  &  mãdou  pergú^ 
iar  a  FrScisco  aluarez  niuytas  cousas  das  cerimonias  da 
igreja  acerca  do  callo  diuino :  de  que  lhe  soube  dar  táe 
boa  rezão  que  ho  Preste  ficou  contente,  &  mandou  ir 
perante  si  Francisco  alusrez ,  &  mandou  ho  reuestir  co* 
mo  pêra  dizer  missa,  &  perguntoulhe  bos  sinificados  de 
todas  as  pechas  das  vestimentas9.&  ele  lhos  disse.  Edali 
por  diante  íòy  dom  Rodrigo  &  os  de  sua  companhia 
melhor  prouidos  de  mantimentos  que  dantes ,  &  foylhe 
dada  hfia  tenda  em  que  se  lhe  dissesse  missa  ao  modo 
da  igreja  de  Roma,  porque  os  Ahes^ns  nÍo  a  dtzem  assi. 
£  ho  Preste  mandou  a  todos  esses  senhores  da  corte  que 
a  ouuissem.  O  que  eles  fiaerão  de  boa  vontade :  &  ho 
Preste  &  todes  linhSo  Francisco  aiuarez  por  homem  san* 
to,  &  pediaiilhe  que  rogasse  a  Deos  per  eies.  £  hfla 
terça  feyra  deaanoue  de  Nouembro  bem  noyte  foy  dbm 
Rodrigo  chamado  do  Preste  pêra  lhe  falar.  E  ele  foy 
coes  tedos  oa  de  sua  companhia ,  &  no  primeyro  pátio 
esteue  grandes  três  horas  primeyro  que  entraese,  &des* 
pois  entrou  na  casa  que  disse  com  as  mesmas  eerimo* 
nias  que  dantes  entrou,  &  dMta  vez  achou  muyto  mais 
gente  que  das  outras,  &  muyla  dela  eom  armas,  &asst 
eslauSa  muyto  mais  velas,  &  a  casa  alcatifada  de  ricas 
alcatifas,  &  as  cortinas  de  borcado,  &  os  estrados  de 
panos  de  seda:  de  modo  5  tudo  estaua  muyto  dauSta^ 
gem  da  primeyra.  E  dom  Rodrigo  náo  entrou  nesla  ca-i 
aa  com  mais  de  noue  peasoaa  cb  soa.  cempaiiiliia ,  &  oa 


' 


66  DA    HISTORIA  DA  INDTA: 

oulros  ficarão  de  fora.  E  entrado  dom  Rodrigo  forão  a« 
bertas  duas  corrediças ,  de  que  dom  Rodrigo  &  os  que 
liiSo  coele  estarião  comprimento  de  duas  lanças  que  ali 
os  mandarão  estar.  E  abertas  estas  corrediças  apareceo 
ho  Preste  que  estaua  detrás  delas  homem  de  roeaS  es- 
tatura, que  parecia  de  idade  de  vinte  três  annos,  &de 
tantos  era:  de  cor  de  maçaS  bayones  não  muyto  parda, 
ho  rosto  redondo  &  magro  ^  os  olhos  grandes ,  ho  nariz 
alto  no  meyo:  começaualhe  de  nacer  a  barba.  E  com 
tudo  tinha  no  rosto  hiia  grauidade  de  tamanho  senhor 
como  era :  tinha  vestida  hua  opa  de  borcado  sobre  hiia 
roupa  de  seda,  na  cabeça  tinha  hQa  coroa  alta,  hQa  pe« 
ça  de  ouro  outra  de  prata,  &  polo  rosto  tinha  hum  tafetá 
azul  como  rebuço  que  lhe  cobria  a  boca  &  a  barba  que 
hum  pajé  abaixaua  de  quando  em  quando  que  lhe  pare« 
cia  todo  ho  rosto ,  &  despois  ho  tornaua  a  aleuantar  & 
ficaualhe  meyo  cuberto.  Tinha  na  mão  hQa  Cruz  de  pra- 
ta iaurada  ao  boril:  estaua  assentado  em  hua  cadeira 
real  sobre  hum  estrado  alto  de  seys  degraos  cuberto  de 
panos  ricos,  aa  sua  mão  dereyla  estaua  bii  pajé  que  tí« 
nha  hila  Cruz  de  prata,  &  de  cada  parte  da  cadeira dous 
com  espadas  nilas  nas  mãos,  &  nos  cantos  do  estrado 
estauão  quatro  que  tinhão  senhas  velas  acesas.  Em  ho 
Preste  aparecendo  dom  Rodrigo  lhe  fez  sua  renerencia 
abaixando  a  cabeça  &  poendo  a  mão  dereyta  no  chão: 
&  ho  Preste  oulhou  parele,  &  logo  lhe  mandou  pregun* 
tar  pelo  Cabeata  como  se  achaua  naquela  terra,  &  se 
folgaua  nela.  Ao  que  respondeo  que  bem ,  &  que  folga* 
ua  muyto  nela  por  ser  deChristãos,  &  se  auia  por  muy* 
to  ditoso  de  ser  ho  primeyro  que  a  ela  fora  com  embai*' 
xada.  E  despois  desta  reposta  lhe  mandou  pelo  mesmo 
Cabeata  as  cartas  que  leuaua  parele  do  gouernador,  & 
ho  regimento  que  lhe  dera,  tudo  na  lingoa  Abexim,  que 
ho  Preste  leo  per  si.  E  despois  disse  que  daua  muytas 
graças  a  Deos  pela  mercê  que  lhe  fizera  em  ver  o  quQ 
seus  antecessores  nunca  virão,  nem  ele  cuydara  dever. 
£  que  folgaria  muyto  que  el^:ey  de  Portugal  maodasse 


LIVRO  VI.    CAPITVLO  XXVII.  67 

fazer  fortalezas  em  Zeila ,  Maçuá ,  &  çuaquem  ?  porque 
temia  que  os  rumes  se  fizessem  fortes  naqueles  lugares^ 
&  fazendose  dariâo  grande  opressam  a  ele  &  aos  Porlu*- 
gueses.  E  querendo  el  rey  de  Portugal  fazer  aquelas 
fortalezas,  ele  daria  todos  os  mantimentos  que  se  ou- 
uessem  de  gastar  nelas.  E  dom  Rodrigo  disse  que  si  fa« 
jia ,  porque  também  desejaua  de  as  fazer :  &  sobre  isto 
praticarão  bum  pedaço.  E  dom  Rodrigo  se  foy  pêra  sua 
tenda  muyto  contente  de  ter  falado  ao  Preste :  &  ho 
Preste  lambem  ho  ficou  de  sua  embaixada ,  &  de  ter 
conhecimento  dos  Portugueses  de  que  ouuia  contar  tan- 
tas façanhas.  E  logo  ao  outro  dia  mandou  chamar  Fran* 
-cisco  aluarez ,  &  lhe  perguntou  por  muytas  cousas  da 
igreja  Romana ,  &  polas  vidas  de  saro  Hieronimo  &  de 
outros  santos,  &  folgou  muyto  de  as  saber,  &  de  as  ver 
em  hum  Fios  sanctorum  que  lhe  Francisco  Aluarez  man* 
-dou.  E  no  domingo  seguinte  mandou  hum  fermoso  ca« 
valo  a  dom  Rodrigo:  &  aquela  noyte  despois  de  estar 
dorno^ndo  com  todos  os  de  sua  companhia  ho  mandou 
-chamar :  &  ele  foy ,  &  entrou  na  casa  onde  ho  Preste 
estaua  com  outra  tal  magestade  como  da  outra  vez :  & 
diante  das  primeyras  corrediças  forão  dados  vestidos  a 
todos  os  da  companhia  do  embaixador  da  parte  do  Pres- 
te, de  que  se  logo  ali  vestirão:  &  a  dom  Rodrigo  de- 
rão  outro  vestido  das  corrediças  pêra  dentro»  E  vestidos 
todos  entrarão  onde  ho  Preste  estaua :  &  ele  lhes  man- 
dou dizer  pelo  Cabeata  que  se  podia  ir  embora  comi  to- 
dos os  de  sua  companhia,  &  que  ficasse  hum  frangue 
dos  que  dantes  estauão  na  corte,  &  por^ele  lhe  manda* 
ria  ao  caminho  as  cartas  que  ainda  estauão  por  escre- 
ver. E  dom  Rodrigo  disse  que  não  auia  de  partir  sem 
reposta,  &  que  esperaria  quanto  ele  mandasse,  mas  que 
lhe  pedia  que  ho  despachasse  a  tempo  que  podesse  ir 
tomar  a  nossa  armada  a  Bflaçuá.  E  ho  Preste  respondeo 
per  sua  boca  que  lhe  prazia ,  &  se  auia  ele  de  ficar  por 
capitão  em  Maçuá.  E  ele  respondeo  que  posto  que  de- 
sejaua muyto  de  se  ir  pêra  Portugal,  que  faria  o  que 

LIVRO   VI.  H 


58  DA   HISTOftfA    BA    INPIA 

Jbe  mandasse  ^  porque  sabia  que  nisso  seruiria  a  el  Rey 
de  Portugal  seu  senhor.  £  coislo  ho  despedío  bQ  Preste 
&  toroouse  pêra  sua  tenda. 

C  A  P  I  T  O  L  O     XXVIIÍ. 
Das  brigas  que  auue  antre  lorge  dabrtu  4r  ^1^^^  Rodrigo. 

xXo  outro  dia  que  forSo  vinte  seys  deNouêbro  se  paiv 
tio  tio  Preste  supitamen  te 'daquela  parte  pêra  outra,  8t 
donde  dantes  hia  encuberto  que  ninguém  bo  náo  via 
fartio  então  descuberto  encima  du  caualo  acdpanhado 
de  dous  pajés  &  passou  escaramuçãdo  por  diante  daten«> 
da  de  dom  Rodrigo:  &  logo  se  leuantou  a  gente  toda  ík 
se  foy  após  ele ,  &  dom  Rodrigo  também.  £  antes  de 
partir  se  íoj  parele  hii  sefior  cbamado  lase  rafael ,  que 
era  clérigo,  &  assi  htt  capitão  do  Preste  pêra  ho  goar- 
dar,  &  mandaranlhe  dar  cincoenta  mulas  &  escrauos 
pêra  leuarem  farinha  &  vinho ,  &  outros  escrauos  pêra 
lhe  leuarem  ho  fato ,  &  das  cincoenta  nâo  lhe  forâo  da<* 
das  mais  de  trinta  &  cinco,  &  das  outras  no  mais  de 
quinze  &  al^ils  escrauos.  £  de  tudo  tomou  do  Rodrigo 
bo  melhor  &  ho  mais ,  dizendo  que  tudo  era  seu :  do 
que  se  todos  escãdalizarflo  muyto,  principalmSte  lorge 
dabreu  &  Lopo  da  gama  porque  nâo  deu  aos  outros  se 
não  as  peores  mulas  &  peores  escrauos  &  que  não  abas*» 
tauão  pêra  lhes  leuarem  bo  fato.  £  f)orem  dissimularão^ 
$L  despois  que  chegarão  aa  corte ,  mandando  ho  Preste 
perguntar  per  hum  frade  a  dom  Rodrigo  como  hia  a  ele 
&  aos  de  sua  companhia,  &  se  lhes  derâo  tudo  o  que 
lhes  mandara  dar.  £  respondendo  dom  Rodrigo  que  tu« 
do,  disse  lorge  dabreu  que  não  dissesse  aquilo  que  lhe 
não  derão  todas  as  mulas:  &  as  que  derâo  erâo  tortas  Jt 
cegas,  &  os  escrauos  velhos  &  náo  valião  nada.  Porem 
1}  assi  como  tudo  era  ho  tomara  dom  Rodrigo  sem  dar 
Bada  a  ninguém.  £  dizendo  dom  Rodrigo  que  nâo  ú\a* 
aesse  aquilo ,  por^  tudo  era  muy to  perfey to :  respondeo 


LITRO  VI.  cAPrrytjo  xxviir.  69 

lofge  dabren  ^  que  se  tudo  era  perfeyto  que  ele  ho  li<* 
Bha,  &  a  ele  Ibo  danão^  mas  que  dali  por  diante  oão 
teria  asai*  £  bo  frade  se  espantou  inuylo  douuir  islo,  & 
por  não  ouuir  maia  se  foj  côtalo  ao  Preste.  £  despoit 
de  e\e  ido  ouueráo  lorge  dabreu  &  Lopo  da  gama  tais 
palavras  que  vierão  ás  lançadas  &  ás  cutiladas,  &  Fran« 
cisco  aluarez  oa  apartou,  &  lorge  dabreu  ouue  hâa  pe* 
quena  cutilada  S  hâa  perna :  &  ele  &  Lopo  da  gama  (o^ 
tSío  dettadoe  fora  da  tenda»  £  iabõdo  bo  Preste  decrtat 
brigas  &  bo  sobre  que  fora,  mandou  dizer  a  dA  Rodrigo 
que  entregasse  as  mulas  &  os  e«erauos  a  bll  homem  que 
mãdou  ft  teuesse  cuydado  de  leuar  ho  fato  dos  Portu» 
gueses,  &  que  eles  não  fizessem  mais  que  caminhar.  E 
dom  Rodrigo  ho  fez  assi ,  &  aquela  noyte  foy  chamado 
do  Preste  pêra  bo  faaer  amigo  com  lorge  dab^^eo.  E  por 
mais  que  Ibo  bo  Preste  rogou  uotica  qute ,  antes  lhe  pe- 
dio  que  ho  mandasse  apartar  de  sua  tenda  &  a  Lopo  da 
gama.  E  ho  Preste  ho  fez  assi ,  &  mandou  os  apcusen* 
tar  na  tenda  de  bum  senhor  da  corte.  E  estando  aqui 
cbegooae  a  festa  do  Natal,  em  que  ho  Preste  mandou  a 
Francisco  Aluarez  que  lhe  dissesse  missa,  que  lhe  ele 
disse  Kgundo  ho  nosso  costume ,  que  bo  Preste  louuou 
mujto ,  &  disse  que  lhe  parecia  qu«  estaua  no  paraíso^ 
&  vio  confessar,  &  comugar  os  Portugueses,  o  que  lhe 
pareceo  em  estremo  bem :  &  assi  ele  como  os  gi^es& 
outroa  de  sua  corle  estauSo  muyto  contentes  do  culto 
drotno  dos  Portugueses  &  diziilo  que  erSo  homSs  san« 
ctoe.  E  também  ouuirão  todos  as  matinas  do  Natal  que 
oa  Portugueses  disserâo  muyto  bem :  &na  noyte  seguin* 
te  á  mea  noyte  tornou  bo  Preste  a  caminhar,  &  partio 
asai  por  passar  s6  gente  biis  passos  muyto  ro!s  &  estrei* 
tos  que  tinha  pêra  passar,  &  onde  morriSo  muytas  mu- 
las &  gSte»  E  passados  estes  passos  mãdou  dizer  ho 
Preste  a  dom  Rodrigo,  ^  ele  tornaua  a  seu  caminho, 
que  njk)  caminhasse  mais  do  que  lhe  mãdasse.  E  com 
quanto  os  dias  atras  ninguém  sabia  onde  ele  hia ,  8c  a 
gente  pousava  oȇe  acbaua  bOa  tSda  brSca  armada,  a 

H  2 


60  ]>A   HI&TORiA   DA    ÍNDIA 

que  86  fazia  Gerimonia  como  se  bi  esteuesse  bo  Preste : 
começou  enlfio  de  camÍDbar  desla  maneira;  metido  em 
hilas  corlinas  de  seda  roxa  sem  corridiças  de  diaoie  & 
tão  akas  que  ho  cobriâo-  a  caualo»  E  estas  er2o  leuadas 
per  bomSs  cõ  varas  que  bião  da  parte  de  fora,  ele  ves* 
tido  destado^  &  na  cabeça  bua  coroa  douro  &  de  prata, 
caualgando  ê  bua  mula  ageazada  de  ricos  goarDecim&- 
tos  com  ha  rico  cabresto  de  dous  cabos  sobre  ho  freo, 
por  onde  dous  pajés  leuauão  a  mula:  ieuaua  mais  outros 
quatro,  dous  de  cada  parle,  bils  com  as  mãos  sobre  ho 
pescoço  da  mula,  outros  sobre  as  ancas.  Diante  das  cor- 
tinas logo  pegados  coelas  Ieuaua  v!te  pajés  dos  princi- 
pais, &  estes  a  pé  &  diante  deles  hião  seys  caualos  a- 
desiro ,  &  diante  dos  caualos  seys  mulas  cÕ  ricos  jaezes 
&  goarnimentos ,  &  cõ  cada  caualo  &  mula  quatro  mo* 
ços  desporas  cÕ  bõs  vestidos ,  &  dous  os  leuauao  pelo 
cabresto ,  &  dous  hiâo  com  as  mãos  sobre  as  selas  cada 
hil  de  seu  cabo.  Diâte  destas  mulas  hiâo  logo  vinte  se* 
lihores  dos  principais  da  corte,  &  estes  em  mulas  vesti- 
dos de  mariolas  de  seda  &  bedês ,  &  diante  destes  fi- 
dalgos hia  dom  Rodrigo  &  os  de  sua  companhia  por 
mandado  do  Preste  por  lhe  fazer  honrra:  &  dali  a  gran- 
de espaço  não  hia  outra  gente  de  pé  nem  de  caualo,  & 
hiâo  corredores  diante  que  fazião  apartar  todos.  Leuaua 
mais  ho  Preste  dous  capitães  da  goarda  q  na  sua  lingoa 
se  chamão  Betudeles  &  sam  grades  senhores,  &  cada 
hu  leuaua  seys  mil  homens  darmas,  hu  da  mão  ezquer* 
da  outro  da  dereyta,  &  ambos  fora  do  caminho  &  bem 
afastados  do  Preste,  &  se  caminhão  por  terra  que  he 
forçado  irem  todos  por  hfi  caminho,  vay  htl  muyto  atras 
do  Preste  &  outro  muyto  a  diante,  &  cõ  ho  diâteiro  vão 
sempre  quatro  leões  presos  por  fortes  cadeas.  Hiâo  mais 
cõ  bo  Preste  detrás  dele  duzentos  homSs,  de  que  os 
cento  leuão  cem  jarras  de  vinho  de  mel  cada  bua  de 
seys  canadas,  &  outros  cento  com  cestos  cheos  de  pão : 
&  coçstes  vão  seys  homSs  detrás  deles  {|  os  goardâo.  £ 
^sle  mantimento  se  recolhe  nas  tendas  do  Preste  em  ele 


LTVfiO   VI.    CAriTVLO  XJCIX»  61 

deBcauateando :  hiáo  tambeo)  diante  desta  gente  astea* 
daa  das  igrejas  da  corte  do  Preste  que  sam  treze^  &  as 
pedras  dará  de  todas :  &  cada  pedra  ieuâo  qu^^íro  cléri- 
gos de  missa  era  hua  cousa  como  padiola  que  leuão  aos 
hõbros  caberias  de  panos  de  seda ,  &  vão  outros  cléri- 
gos de  sobresalente  pêra  quando  estes  cansarem.  Diaik- 
te  de  cada  hia  hião  três  homfis  dordês,  hii  com  hfla 
cruz  aleuaotada,  outro  coro  hii  turibolo  encensando,  & 
outro  diante  tanjèdo  hua  campainha,  &  toda  pessoa  que 
vay  pelo  caminho  em  ouuindo  acãpainha  se  afasta  pêra 
fora,  &  se  vaj  a  caualo  deeesse,  em  tanta  veneração 
4em  aquela  pedra  onde  se  põe  ho  sacramento  do  altar* 
A  gente  que  hia  com  ho  Preste  não  tinha  colo ,  por{| 
em  espaço  de  quatro  legoas  não  auia  quem  rompesse 
pelo  caminho,  nè  por  fora  dele:  seria  a  decima  parte 
desta  gente' teda  limpa  &  bS  tratada,  &  a  outra  gente 
€om&  em  j|ha  muitos  pobres»  £  nesta  gente  não  en«- 
Irâo  os  grandes  senhores  &  fidalgos ,  porque  com  cada 
hfl  na  quantidade  da  gente  com  que  abalão  pouoarSo 
hQa  boa  crdade  ou  vila  Despanha^  &  hirião  bem  cem 
mil  em  caualgaduras  de  mulas  a  fora  as  que  hião  ades- 
tro que  seriâo  três  tâtas,  &  a  fora  as  de  carrega  que 
Bão  tem  conto :  te  a  fora  os  caoalos  que  erào  muytos» 
£  era  cousa  fermoda  de  ver  tãto  numero  de  gfile  &  da- 
limarias :  &  cousa  muyto  pêra  espantar  como  auia  terra 
que  os  manteuesse,  porque  a  corte  do  Preste  he  muyto 
abastada  de  mantimentos. 


C  A  P  I  T  O  L  O    XXIX. 


. «     « .     -  • 


De  c^mo  ho  Preste  despachou  dom  Rodrigo  de  limeL 

jlVssí  caminhou  ho  Preste  ate  chegar  jflto  de  hua  graor 
de  igreja  da  auocaçào  da  sanctissima  Trindade  pera.a 
ía2eff  consagrar,  &  pêra  mudar  a  ela  a  ossada  de  seu 
pay  que  estaua  em  outra  pequena  junto  daquela:  &aqui 
chegou  ho  primeyro  dia  de  laneyro  do  ãno  de  vinte  bià^ 


€it  JDA  tfiarottA  m  iitoia 

onde  fo^  r«eebkb  de  derigoa  &  frsulea  que  pamaríSoâe 
vinte  mil.  E  têdo  aqui  ho  Preste  seu  avrayat  em  kQa 
pratica  §  teue  cotn  do  Rodrigo  per  tercejra  pes&oa  Uie 
deu  alg^us  açhaquea  sobre  Ibe  nSo  darem,  o  que  lhe  elrej 
de  Parlugal  mádara  q«iSdo  Ibe  mãdaua  Duarte  i^aluSo 
por  embaixador,  &  na  mesma  pratica  lhe  mâdou  ftízer(| 
se  fora  no  tempo  cfios;  reya  passados  &  mio  lauara  nkvyta 
roupa  que  lhe  não  fiserâo  nenbua  huirra:  ãtifiie  ele  ike 
fazia  mciyta.  A  que  dom  Rodrigo  respondeo  (|  tinha  re* 
cebido8  S  suas  terras  niuyCos  agrauos,  asst  de  desprezos 
&  de  roubarem^  a  ele,  &  aoa  de  soa  companhia  vestidos 
&  quaal^  leuauão  pêra  eomer,  &l  três  ou  quatro  vezes 
os*  quiserâo  matar:  &  que. se  morressem  naquebi  terfa 
auvão  dir  ao  paraíso,  porquie  morriloi  wartyres ,  porqiM 
tudo  sofriSo  por  seruirem  a  Deos.&;,  a  el  Rey  de  Portu* 
gal.  E  que  doutra  maneira  fora  Mateus  honrrado:  em 
Portugal,  por  dixer  que  era; seu  embaixador,  &  que 
doutra  era  ele,  pediodalhe  que  fao  despachasse  pêra  se 
bir»  E  o  Preste  resfiondeo  Á  bem  sabia  a  honrra  ^oe 
Aflateua  recebera  aasi  na  Ineia  oomo  em.  Portugal  ^  & 
que  nio  ouuesse  menencoren  ^  logo  ho.  deapac havia  St 
muyto  á  sua  vontade,  &;  co|sto  ho  despedioé  E  no  dia 
dos  EUys  seguinte,  se  bavlixou  ho  Preste  com  sua  mo» 
Iber^  &  sua  may  8c  bo  Patriarca^:  &  outra  muyta  gen»- 
te,  ^  assi  sr  iornâo  a  bai]ti|:ar  eadane  naqiKpte  dia  se* 
gOdo  seu  costame^  E  ho  hautisma  foy  em  htl  ta«icfn# 
grande  forrado  de  tauoado  cuberto  de.  pano  dn)god2a  eu* 
cerado:  &  despois  que  está  cheo  dagoa  ()  hfi  clérigo 
benze  &  lhe  deita  okto ,  enlr&  hè  Preate  no  tãque  per 
bus  degraos  que  tem :  &  hfl  clérigo  que  foy  seu  mestre 
homjt*  de  grande  idade  ^  lhe  R>e(e  trea  vezes  a  cabeça 
debaixo  d^goa:  dizSdo.  Eu  te  bautizo,  em  nome  do  pa- 
dre, do  ftibo,  &  do  spirito  santo^  E.  despois  de  bauli- 
sai}o,  se  íby  a  kfl  cadaíalso  ()  estaoa  junto  do  tanque 
cefcado  de  eocredi<jas  de  tafetá ,  peta  que  dali  sem  ho 
xerem  visse  quâtoe  se  bauUzaukoi.  B  bautÍ2afdo  ele  & 
iMlheãr  &  sua  maj  &.he  Patríarca^se  baiitizonsgraa^ 


de  numero  de  gente:  &  também  mãdou  conuidar  os 
Portugueses,  peta  se  bautiz^rS  niaâ  náoquisserâo.  Des- 
pois  disto  sem  mais  passar  cousa  ^  de  contar  seja,  ten- 
do lio  Preste  despadiado  a  dom  Rodrigo  ^  mádouo  cha- 
mar pêra  fao  faser  amigo  úô  lorge  dabreu,  &.  por  maisi| 
lho  rogou  nunca  quis,  antes  lhe  pedio  dÕ  Rodrigo,  que 
ho  deieuesse  dous  meses  despois  de  sua  partida  porque 
não  fosse  coele,  qne  erli  certo  que  ho  queria  malar,  fi 
ho  Preste  iicou  muyto  descAtente  de  dom  Rodrigo  nâo 
querer  fazer  ho  que  lhe  n^gauà:  &  despediohc/ sS  ho 
querer  ver,  &  eõ  menenooria  lhe  nao  quis  dar  Vestidos 
de  borcado  que  tinha  parele ,  &  pêra  os  outros.  E  per 
ha  dos  Betudetes,  mandou  a  Franciseo  aluares  hua 
Cruz  de  prata ,  &  hfi  cajado  da  medma  laurado  de  tau^ 
pia,  por  posse  da  senhoria  que  lhe  tinha  dada:  Q  erti 
.  faseio  bispo  'daqueles  lugares  dd  mar  Roxo.  E  despois 
de  dõ  Rodrigo  se  ir  pêra  sua  tenda^  lhe  mãdou  ho  Pres- 
te trinta  Õças  douro,  &  cincoenta  pêra  os  de  sua  com*- 
panhia ,  mâdando  que  destas  ouuesse  lorge  dabreu ,  & 
os  que  estauão  c6  ele  sua  parte ,  &  assi  dessem  carre^ 
gas  de  farinha  que  mandou,  &oyto  mulas,  de  trinta  que 
lambem  mâdaua :  &  pêra  el  Rey  de  Portugal  mãdou  per 
Abdenagó  seu  pajé,  hila  coroa  de  sua  pessoa  douro  Sl  de 
prata :  &  que  dissessem  a  el  Rej  de  Portugal  que  lha 
mandaua  como  de  filho  a  paj ,  &  que  lha  mandaua  co<^ 
mo  cousa,  prezada,  &  por  ela  lhe  apresentaua  todo  fauor 
ajuda  &  socorro  de  dinheiro,  gentes,  &maniimento8que 
lhe  fossem  necessários ,  pêra  fortalezas  &  armadas  Q  6- 
sesse  no  estreito  do  mar  Roxo.  £  assi  forão  dados  a  à& 
Rodrigo  cinco  saquinhos  de  borcadò,  &  nos  três  hiâo 
três  cartas ,  pêra  el  Rey  de  Portugal :  scriptas  em  per* 
gaminho,  em  lingoa  Abexim,  Arábica,  &  Portuguesa,  & 
duas  pêra  ho  gouernador  da  índia :  &  estes  metidos  em 
h{|  cesto  forrado  de  pano  &  cuberto  de  douro,  &  asseia*- 
do  ho  fecho :  &  disse  ao  embaixador  que  se  pdia  ir  quan- 
do quisesse  que  de  todo  era  despachado.  £  ele  quisera 
falar  ao  Preste  &  nfto  pode  por  se  partir  a  madrugada 
passada  pêra  outro  lugar. 


64  OA  HISTOMA    DA   INDU 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXX. 

De  como  dó  Rodrigo  se  partio  da  corte  do  Preste ,  ^  da 

catisa  porque  iomou  a  ela. 

JL/espachado  àò  Rodrigo  da  maneyra  que  digo,  partior 
se  dia  de  Cinza  treze  dias  de  Feuereiro.  E  forâo  coele 
dous  filhos  deCabeata,  por  cujas  terras  auia  de  passar, 
pêra  ho  goardarem  &  lhe  darem  polo  caminho  bonecea^ 
«arío,  &  hia  lambem  hum  frade.  E  coestes  «bia  lorge 
dabreu )  &  (icauSo  afras  de  dom  Rodrigo.  E  logo  nas 
primeiras  jornadas ,  lohão  gõçaluez  feyior  da  embaixá*- 
da ,  sobre  paiauras  que  ouue  cõ  hu  lohão  fernâdez  que 
ho  seruia  lhe  deu  com  híí  pao  na  cabe<;a:  do  que  agra* 
nado  lohão  fernandez  não  quis  ir  mais  com  ho  feytor) 
^meleose  com  dõ  Rodrigo.  Edahi  a  poucos  dias,  cami* 
fihando  ho  feytor  só,  saltou  coele  leuâdo  hua  lança  com 
que. lhe  deu  duas  lançadas  em  hiia  mão,  &  nos  peitos, 
onde  ho  ouuera  de  passar  ao  vão,  se  a  lança  não  se  de» 
teuera  è  htla  costa:  &  sobristo  foy  lohão  fernãJez  pre« 
-80  por  dom  Rodrigo,  &  hda  noyte  fugio  pêra  lorge  da- 
breu  &  assí  escapou.  E  proseguindo  [x>r  seu  caminho, 
forão  ter  cora  dom  Rodrigo  ho  mordomo  mor  do  Preste, 
&.  outro  senhor,  que  lhe  disserão  <]ue  os  mandaua  pêra 
fazerem  amizades  antrele  &  Jorge  dabreu ,  por^  tícaua 
muylo  descontente  de  partirem  immigos,  &  irem  assí 
apartados  polo  caminho:  rogandolhe  da  sua  parte  que 
fosse  seu  amigo,  &  fossem  juntos:  &  tãto  lhe  disserão 
J\  se  ouue  de  fazer.  E  feyta  a  amizade ,  dera  a  cada 
Português  sua  mula  da  parte  do  Preste.  E  continuarão 
aqueles  dous  senhores  co  eles  seu  caminho,  dizendo  que 
assi  lho  mandara  ho  Preste ,  pêra  os  apresentarfi  ao  ch* 
pilão  mór  da  armada  dos  Portugueses,  porque  ho  Bar* 
nagaeis  que  ho  ouuera  de  fazer  fícaua  na  corte :  &  assi 
caminharão  ate  chegarem  ao  lugar  de  Barua,  onde  se 
deteuerão  tanto  que  passou  ho  tempo ,  em  que  a  .arma4 


LIVRO   VI.    CAPITVLO  XXX.  64 

'âa  dos  Portugueses  auia  dir  a  Maçua  pêra  os  leuar  a 
lodia.  E  passado  bo  tempo,  dom  Rodrigo  contra  a  ami- 
zade que  tinha  feyta  com  lorge  dabreu,  mandou  ao  fey- 
tor  que  lhe  não  desse  manlimSto  nem  aos  de  sua  com- 
panhia. Sobre  ho  que  lorgé  dabreu  se  queixou  ao  mor* 
domo  mór  do  Preste,  &  ao  outro  senhor :  polo  que  man- 
dara o  chamar,  &  lhe  afearão  muyto  ho  que  fazia,  ro* 
gandolhe  que  desse  ho  mantimento  a  lorge  dabreu,  mas 
não  ho  poderão  acabar  coele :  &  cada  hu  se  foy  pêra 
sua  pousada:  ficando  os  Abexis  muyto  agrauados  de 
dom  Rodrigo,  &  espantados  de  sua  crueza.  E  como 
iorge  dabreu  era  esforçado,  não  quis  vsar  de  mais  ro- 
^os  com  dõ  Rodrigo,  &  determinou  de  tomar  hò  manti- 
mento por  força,  pêra  ã  a  tempo  que  todos  dormião, 
«aliou  em  casa  de  dom  Rodrigo  ondestaua  ho  feytor  ^ 
tinha  ho  mantimento,  &  com  os  de  sua  companhia  ar- 
mados, despi ngardas ,  laças,  &  espadas:  começou  de 
^brar  as  fiortas  cò  hH  vay  &  vem :  &  foy  a  cousa  a  tan- 
to, que  hú  criado  de  dom  Luys  foy  ferido  de  hua  es- 
pingardada,  &  ele  se  acolheo  por  hiia  porta  falsa  á  |K>u- 
eada  do  mordomo  mór  &  do  outro,  que  ãbos  forâo  pren- 
der lorge  dabreu :  &  os  seus  por  não  terem  poluora  não 
se  defenderão  com  as  espingardas :  &  presos  os  manda- 
rão a  outro  lugar  c6  goardas  que  os  goardassem.  £  nes- 
te tempo  quisera  ho  mordomo  mór  &  ho  outro,  fazer  a- 
tnigos  dõ  Rodrigo  &  lorge  dabreu  mas  não  poderão :  & 
por  isso  &  por  ser  passada  a  monção  de  se  irem  na  ar- 
mada da  índia,  determinarão  de  os  tornar  á  corte:  Sc 
caminhando  pêra  lá  acharão  ho  Barnagaeis ,  que  saben* 
do  ho  caso  que  era  acontecido,  reprendeo  muyto  bc 
mordomo  mór  &;  ho  outro  de  leuarem  os  Portugueses  á 
corte ,  &  disselhes  que  lhos  deixassem ,  &  bradou  muy- 
to com  dom  Rodrigo ,  &  com  lorge  dabreu ,  pelo  que 
fiaserão,  ^  ainda  perantele  ouuerão  muyto  mas  palauras, 
do  qiue  ho  Barnagaeis  se  espantou,  &  de  ver  quam  pou- 
co amor  se  estes  tinhão  em  terra  estrangeira  onde  ha- 
uião  d€v  ser  muyto  amigos:  &  tomou  a  dom  Rodrigo  a 
LIVRO  Vi.  I 


66  nA   HI6TOBIA    DA   IMOIA 

coroa  &  as  cartas  do  Preste  (|  leuaua  pêra  el  rejr  do 
Portugal  9  &  leuouos  cÕsigo  a  suas  terras ,  &  deixou  dff 
Rodrigo  no  lugar  de  Barua,  &  fo^^sse  ao  lugar  de  Barra 
cõ  lurge  dabreu;  doade  &  ele  &  dom  Rodrigo  forSo 
despois  leuados  á  corte  do  Preste.  Mas  coaM>  nSo  bo  pude 
saber. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXL 

Dt  como  dom  Luys  se  tornou  a  partir  da  corte  do  FrtsU^ 

JCj  estando  na  corte  aos  quinze  dias  Dabril ,  forâo  dar 
das  a  dom  Rodrigo  as  cartas  q  lhe  dom  Luys  de  mene- 
ses  scriuia,  que  naquele  dia  fosse  com  ele  em  Ma<jua^ 
porque  não  podia  esperar  mais  por  amor  da  moução:  & 
assi  lhe  daua  conta  do  falecimento  dW  Rey  dom  Manuel^ 
&  escreuia  também  ao  Preste ,  pedindolhe  que  ho  des^ 
pacbase  logo.  £  vendo  dom  Rodrigo  &  os  outros  comQ 
Daquele  dia  se  acabaua  bo  praxo  que  lhe  dom  Luys  pu<- 
nha  \  fossem  em  Macjua:  ficarão  muyto  tristes,  por 
verem  que  auiâo  ainda  de  ficar  bú  anno  naquela  terra: 
&  muyto  mais  tristes,  polo  falecimento  dei  Rey  dom 
Manuel.  E  acordarão  em  conselho  de  bo  dizerem  ao 
Preste :  &  logo  começarão  de  rapar  as  cabeças  hOs  aof 
outros  que  naquela  terra  se  faz  por  dó,  &  vestirem  pa- 
nos pretos :  &  estando  os  Portugueses  neste  officio  leua«- 
ranlhes  ho  jantar ,  &  os  ^  ho  leuauáo  vendo  ho  que  fa- 
ziâo  deixarão  ho  comer  sem  falarem ,  &  forão  dizelo  ao 
Preste :  que  logo  mandou  preguntar  per  does  frades  a 
dom  Rodrigo  que  Ibea  ac&tecera.  £ele  não  pode  respon^ 
der  com  choro :  &  Francisco  aluarez  lho  disse  pelo  cos* 
tume  da  terra  dizendo.  Cairam  os  estrelas  &  a  Ifla ,  & 
bo  sol  escureceo  &  perdeo  sua  claridade ,  &  não  temos 
quem  nos  cubra  nem  quem  nos  empare,  nem  pay  nem 
may  que  por  nos  seja,  se  não  Deos  que  he  pay  de  to« 
dos.  El  rey  dom  Manuel  nosso  senhor  he  falecido  davi« 
da  desle  mundo ,  &  nos  ficamos  órfãos  &  desempara* 
dos ,  &  a  esta  derradeira  paiaura  Q  quasi  não  pode  di» 


Li¥tto  VI.  ci»itirf.o  xxxr.  67 

zer  com  choro,  aleuantarSo  todos  hii  dorido  prato:  &  os 
frades  se  forSo  lambem  chorando  a  dizelo  ao  Preste , 
que  ficou  muyto  triste  com  aquela  noua.  Eem  sinal  de 
tristeza  mandou  apregoar ,  que  por  três  dias  nam  se  »- 
brissem  aa  tendas  onde  se  vendia  p8o ,  vinho ,  &  carne, 
&  outras  mercadorias ,  &  assi  se  fez,  E  passados  os  três 
dias  mfldoQ  chamar  dom  Rodrigo  &  os  outros  Porlugue- 
seê ,  &  todos  entrarão  onde  ho  Preste  estaua.  E  ele  pre^o 
guntou  adem  Rodrigo  quem  herdara  hos  Reynos  dei  nej 
de  Portugal  seu  padre,  &  ele  disse  que  ho  Principa 
dom  lohão  seu  filho,  &  resp5deo  ho  Preste  ^  não  ouuefr» 
86  medo  ^  ê  terra  de  cristãos  estauã,  Q  bÕ  fora  ho  paj, 
&  bd  seria  ho  filho,  &  ^  ele  Ihescreueria :  fc  dÕ  Ro^* 
drigo  lhe  pedio  Q  ho  despachasse ,  porque  ho  esperaua 
no  .mar  ho  capitão  mór  da  armada  dos  Portugueses,  & 
que  assi  bo  escreuia  a  aua  alteza*!  &  ele  disse  que  logo 
entenderia  em^seu  despacho,  que  lhe  tornassem  as  car* 
taa  de  dõ  Luys  na  sua  iingoa :  &  dom  Rodrigo  ho  fez 
assi.  E  como  sabia  ho  vagar  í)  ho  Preste  tinha  noa  des^ 
pachos,' despedio  logo  hfl  Português  de  aua  còpanbia^ 
ehamado  Ayres  dínz,  cd  hii  Abexim  cA  carias  a  dom 
Rodrigo:  dandolbe  a  rezão  por2|  nã  fora  em  Maçua  ao 
prazo  H  lhe  possera :  pedindolhe  ^  pêra  ho  ãno  tornasse 
por  ele.  E  nisto  parliose  ho  Preste  pêra  outra  parte,  & 
tãto  quefoy  apousentado  dom  Rodrigo  lhe  pedio  licen^ 
ça  pêra  se  ir,  &  ho  Preste  lhe  disse  que  não  ouuesae 
medo,  que  ja  tinha  mãdado  recado  a  dfi  Luys  xjne  en* 

Kraase :  &  por  importunação  de  dom  Rodrigo,  mandou 
hão  gonçaluez  ho  feytor  com  eartM  eu^s  &  de  dft  Ro^ 
drigo  pêra  dom  Luys ,  &  deulbe  htla  boa  mula  fc  vestia 
dos  ricos  &  dez  onças  douro ,  &  mandou  o3  eie  dons 
criados  seus  t  &  dali  a  hfl  mes  &  meo  deapaobon  dft  Ro« 
drigo,  &  deu  ricamSte  de  vestir  aele  &  aosf  outros,  &a 
quatro  deu  cadeas  douro  c6  cruzes  &  a  cada  hfl  euamu* 
)a ,  .&  pêra  todoa  oy  tSta  ftçaa  doura  &  cem  panos  de  ae« 
da :  &  dãdolhet  a  sua  benç^m  os  despedio. 

I  2 


68  nk  HISTORIA   DA   INOTA 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXXIL 

De  como  foram  mortos  quairo  Portugueses  i  Arqaico.  E 
de  como  dó  Luys  de  meneses  se  pattio  de  Maçua. 

3j  içando  dom  Luys  de  Meoeses  no  porto  de  Biaçua  8 
quanto  forào  chamar  dom  Rodrigo  á  corte  do  Preste, 
hiâo  o6  Portugueses  muytas  vezes  a  terra  &  tralauâo  cd 
os  AbexiS)  àtre  os  quaeis  morauão  obra  de  quanenta 
Rumes:  ^  como  Qriáo  mal  aos  Portugueses  náo  podia 
sofrer  veios  antresi ,  &  não  ousauSo  de  lhes  fazer  mal 
porque  erão  muytos,  porem  dauâlbe  dissimuladamenta 
grandes  encontros,  &  fazianlhe  muytos  desprezos:  ho  \ 
eles  entendendo  ajuotaranse  bfis  doze ,  &  sem  ho  dom 
Luys  saber  se  foráo  a  terra  armados  de  chui^s,  &  ro* 
delas 9  &  desafiarão  oa  Rumes  todos  juntos:  que  não 
ousando  de  sair  ao  desafio,  lhe  disserio  mansamôte  que 
nao  queriâo  nada  coeles :  do  que  ficarão  moy  injuriados, 
&  desacreditados  com  a  gente  da  terra  que  vio  ho  de- 
safio. E  logo  ao  outro  dia  que  isto  foy ,  forlo  sete  sol- 
dados a  Arquico  em  hil  paraó:  que  não  sabendo  hoque 
era  passado  antre  os  outros  &  os  Rumes,  não  leuaram 
mais  (|  suas  espadas.  E  vendoos  os  Rumes  daquela  ma-> 
Deyra,  virão  que  tinhão  tempo  pêra  se  vingar:  &  ajun- 
tando algfis  mouros  derão  sobre  os  sete ,  de  Q  matarão 
quatro,  &  isto  òom  grade  estrõdo  &  arroido:  &  j}  c5 
quãto  os  Portugueses  erão  Cristãos,  nuca  Xumagali  sol- 
tão,  ^  era  a  justi^  da  terra  quis  Já  acodir:  sabendo  \ 
os  Rumes  &  mouros  matauão  os  Portugueses :  nem  me- 
nos Arraiz  jacob  regedor  das  terras  de  Barnagaeis.  £ 
somente  hu  fidalgo  Abexim  que  auia  nome  Gabrizesus 
acodio  ao  arroido  mas  nã  fez  nada ,  nem  trabalhou  por 
valer  aos  Portugueses :  &  despois  de  mortos  estes  qua* 
tro  fugirão  os  três,  &  acolbidoB  ao  paraó  forão  dar  a  no- 
ua  a  dd  Luys.  E  os  rumes  &  mouros  temendo  que  fosse 
dom  Luys  tomar  vingãça  da  morte  dos  Portugueses  acoh 


LIVKO  TI.   CAPITVLO  XXXllU  69 

IherSse  ao  senhorio  de  hfl  Abesifiu  chamado  Dar  feia,  que 
com  quftto  soube  ho  mal  que  deixauâo  feyio  os  não 
prendeo.  E  sabedo  dom  Luys  a  morle  dos  Portugueses, 
mandouse  aqueixar  ao  Xuma^ali,  dizendo  que  se  ho  lu- 
ear  nã  fora  do  Preste  que  el  Key  de  Portugal  tinha  por 
jrmâo  Q  ele  ho  deslruyra  pela  morle  dos  Portugueses, 
&  por  isso  ho  deixaua  de  íazer  &  lhe  fazia»  EXumagati 
lho  mandou  agardecer ,  desculpado  se  lhe  de  não  casti- 
gar os  rumes  &  turcos  porque  os  não  poderá  prender. 
Isto  passado  vendo  dÕ  Luys  que  não  hia^  dõ  Rodrigo  ao 
prazo  que  lhe  posefa,  &  ^  se  lhe  gastaua  a  mou^^ào  pe* 
ra  sayr  do  estreito:  partiose  deixando  escritas  cartas  a 
dom  Rodrigo ,  em  que  dizia  a  rezão  porque  não  espera- 
ra por  ele,  &  auisando  ho  que  não  se  fosse  de  junto  do 
mar,  que  pêra  ho  âno  tornaria  por  ele:  &  ^  se  quei- 
xasse ao  Preste  da  morte  dos  portugueses. 

CAPITVLO     XXXIIL 

De  como  dom  Rodrigo  se  tomou  á  corte  do  Preste^  h 

tomou  a  partir. 

X  artido  dÔ  Rodrigo  da  corte  do  Preste  pêra  ho  fxnrto 
de  JVIa^uá  não  andou  muyto  ^  não  achou  Ayres  diaz  & 
ho  feytor  loâo  gon^^aluez  com  as  cartas  de  d&  Luys  de 
meneses.  E  quando  dom  Rodrigo  soube  Q  era  partido 
não  deixou  de  prosseguir  seu  caminho,  &  mais  polo  que 
lhe  dÔ  Luys  dizia  ^  não  se  apartasse  de  junto  du  marQ 
pêra  ho  ãno  tornaria  por  ele.  £  chegado  a  Arquico  a- 
chou  hi  muytos  iardos  de  pimenta  &  de  roupa  que  lhe 
dom  Luys  deixara  pêra  seu  gasto  &  dos  de  sua  compa- 
fihia ,  &  porque  tinhão  que  gastar  por  lhes  ho  Presle 
mãdar  dar  todo  ho  necessário  ate  Q  se  íbssem :  acordou 
c6  parecer  de  todo8  que  mandasse  ao  Preste  a  metade 
da  pimenta  &  da  roupa,.  &  que  lha  leuasse  ho  feytor,  & 
fosse  coele  Francisco  aluarez  pêra  ler  a  carta  de  dom 
Luys  ao  Presle,  em  que  se  lhe  mãdaua  queixar  damos-r 


% 


90  0A   fifSTflItfÁ   ]>A   TNDfA 

te  dos  Portugueses,  &  pêra  ambos  requererem  aoPree^ 
te  que  íísesse  justiça.  E  islo  assi  assentado  parecendo 
a  dom  Rodrigo  que  bo  Preste  faria  muytas  mercês  a 
quero  leuasse  a  pimenta ,  determinou  de  iha  leuar  ele 
mesmo  9l  leuarlha  toda  pêra  ho  obrigar  a  fazerlhe  mores 
mercês*  E  quando  Francisco  aluarez  soube  como  queria 
ir  &  leuar  toda  a  pimenta ,  estranhoulhe  não  deixar  aU 
gua  aos  que  ficauSo,  mas  efe  nno  quis  deizarlha :  &par* 
tiose  ho  primeyro  dia  de  Setembro,  &  na  fim  de  No* 
uembro  chegou  á  corte  do  Preste  que  estaua  em  hA  sen 
reyno  chamado  Fatigar.   E  apousentado  dom  Rodrigo 
foy  falar  ao  Preste,  &  lhe  deu  ho  presente  que  lhe  le* 
uaua  diz6do  que  não  hia  a  mais  ^  a  lenariho ,  &  deuihe 
a  carta  de  dõ  Luys  de  meneses  que  ifae  escriuia  acerca 
doa  Portugueses  que  lhe  matarão  em  Arqníco  escrtpta 
em  língoa  Abexim  que  ho  Preste  leo.  Edespois  disse -^ 
lhe  pesaua  muyto  de  dom  Luys  não  vingar  logo  aíjles 
Portugueses,  &  matar  a  qaãtos  mouros  «uia  em  Arqui« 
CO :  &  que  ele  mandaria  fazer  justii^a ,  &  assi  o  fez.  E 
da  hi  a  algos  dias  despachou  dom  Rodrigo,  &  a  ele  &  a 
Francisco  aluarez  déu  triota  oquias  douro  &  cê  panos , 
&  mãdoulhes  dar  de  vestir:  &  disselhes  j|  fossem  de  v»- 
gar  porque  auia  de  despachar  h&  embaixador  que  qu^ 
ria  mãdar  a  el  Rey  de  Portugal,  pêra  d  soubesse  qoãto 
desejaua:  &  que  auia  dir  ooele  ale  Maçuá  ho  justi^ 
mór  de  sua  corle  pêra  fazer  justiça  sobre  a  morte  dos 
Portugueses,  &  perãte  dõ  Rodrigo  disse  ao  justiça  mór 
que  prendesse  todos  os  rumes,  turcos  &  mouros,  As 
Christãos  {}  achasse  que  estauão  em  Arqnico  no  tdpO 
que  hi  matarão  os  Portugueses,  &  os  {|  achasse  culpa** 
dos  em  sua  morte  ou  em  não  prenderè  aqueles  que  os 
matarão,  que  os  entregasse  a  qualquer  capitão  mór  da 
armada  dos  Portugueses,  pêra  i}  fizesse  deles  justiça  co» 
mo  lhe  hè  parecesse.  É  coeste  despacho  sê  partio  dft 
Rodrigo ,  &  no  caminho  ho  4iloançarão  ho  justiça  mór , 
U  despois  ho  embaixador  que  mandana  a  Portugal  que 
«uia  nome  Zi^asabo  q«ie  jera  ja  lá  ^  fc  sabia  bem  a  lin» 


Livao  TI.   CAPiTVU>  KXXflII.  7% 

Soa  Portuguesa.  Eindo  todos  por  seu  caminho  chegará  a 
iarua  Q  era  perlo  do  mar,  &.  por  ofto  atfharê  nenhfia  no* 
ua  da  armada  dos  Portugueses  se  deixarão  estar  ale  ser 
ftaasada  a  moii^ão' de  poder  vir,  R  neste  tempo  foy  bo  jus- 
tiça mór  a  Arquico^  &  premieo  Xumag^ali  aoKiia,  &Ga- 
bri  Jesus  &  Árraiz  jacob  &  Dafeia  polas  cousas  Q  disse 
atras,  &  leuou  oa  presoe  á  eorte,  Õde  disse  ao  Preste  co- 
mo aquele  anno  nã  fora  a  armada  dos  Portugueses  ap 
estreito,  &  que  os  embaixadores  ficauão  no Jugar  de  Bar- 
ua:  £(eje  Jhes  mandou  logo  recado  que  se  fossem  ao  lugar 
de  Aquaxumo  que  era  melhor  lugar  que  ho  de  JBarua,  jc 
iii  mandou  dar  aos  Portugueses  quinbeotaa  carregas  de 
trigo ,  cem  vacas ,  cem  carneiros ,  cem  panelas  de  mel 
outras  tantas  de  manteiga :  &  ao  seu  embaixador  man- 
dou dar  vinte  carregas  de  trigo  &  outras  tfltas  vacas  & 
carneyros  ,  &  outras  tfttas  panelas  de  mel  &  de  mantei* 

f;a.  £  assi  esleuerão  ali  esperando  ale  Q  foy  a  armada  da 
ndia. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIIIL 

» 

De  como  ãó  Luys  de  meneses  saqueou  Do/ar ,  ^  chegou 

a  Ormuz. 

JL  arlido  dõ  Lujs  de  Maçuá  iby  sobre  Dofar  hú  lagar 
no  estreito  grande  &  de  grande  trato  pouoado  de  ipuy* 
ta  gente  todoa  mouros ,  que  vendo  a  armada  de  dom 
Luys  fizerao  mostra  de  se  quererfi  defender,  mas  c^omo 
viráo  desembarcar  os  Portugueses  fugirão ,  &  ho  lugar 
foy  sa<|ado  &  queymado.  E  deste  lugar  seguio  dom  Luys 
sua  rota  pêra  Ormuz ,  õde  chegou :  &  qoádo  soube  que 
Raix  xarafo  era  perdoado  &  feyto  goazil ,  &  Raix  xa* 
mixir  fugido,  estranhou  ho  muylo  ao  gouernador  mos* 
trido  grande  menêcoria ,  &  não  podia  ver  Raix  xarafo, 
&  polo  não  ver  se  par  tio  logo  em  Agosto  sem  querer  ir 
06  bo  gouernador.  £  chegado  á  ponta  de  Diu  achou  bo 
tempo  ainda  tão  verde  que  lhe  foy  forçado  arribar  aOr^ 
mux  &  há  esperou,  &  partiose  pêra  a  Índia  com  ho  go» 
uernador. 


72  DA   HISTORTA   DA    ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXV. 

De  como  António  fakyro  se  leuâtou  com  diê$imulafão  de 
ir  fazer  presas  ao  cabo  de  Goardajum. 

vvomo  quer  ^  neste  tSpo  as  liceix^s  pêra  tratar  &  fa* 
zer  presas  se  dauã  na  índia  liberalmSte ,  auia  muyto 
poucos^  as  não  pedissem,  &  por  isso  antes  Q  dom  Liiyg 
de  meneses  7>artisse  pêra  ho  estreito  desta  vez  (Jdigo 
liQ  António  faleyro  que  andaua  na  índia:  com  ser  as 
vezes  Ciiatím  &  outrdfit  lascarim ,  pedio  licença  a  Fran- 
cisco pereyra  pestana  capitão  de  Goa  pêra  ir  fazer  pre- 
sas ao  cabo  de  GoardafuíH^  dizSdo  £[  Sdauão  \íOV  aii 
muytos  mouros  ao  longo  da  tèira  em  terradas  pe{)nasem 
Q  passauSo  muyto  dinheiro  díisiogares  pêra  os  outros: 
&  isto  parecSdolheque  andauão  serros  dos  Português 
ses  de  Q  ná  seriãp  vistos  por  andarS  assí  ao  Idgo  dacos* 
ta.  E  pêra  Francisco  pereyra  lhe  dar  a  licença  de  me- 
lhor võtade,  lhe  prometeo  parte  da  presa,  oú  lhe  deu 
logo  cousa  certa:  &  por  isso  lha  deu ,  &.mais  lhe>man* 
dou  dar  do  almazem  de  Goa  quatro  berços  &  hu  falòâo 
de  metal  que  assi  foy  no  partido.  E  a  tSção  Dantonío 
faleyro,  segiido  despois  pareceo  queria  coesta  cor  deli- 
cèça  pêra  fazer  estas  presas  Scobrir  a  maldade  ^  auia 
dusar  ê  se  fazer  cossayro  de  toda  roupa.  E  a  fora  ter 
pêra  isso  grande  abelidade  &  ousadia,  sabia  muyto  bS  a 
iingoa  Arábica  &  Persiana  &  outras.  E  auida  a  licêça 
de  Frãcisco  pereyra  &  os  berços  &  falcão ,  artilhou  hua 
fusta  de  cayro  que  tinha  &  hâ  paraó  pequeno:  &  con-- 
uocou  pêra  irem  coele  ale  vinte  Portugueses,  hus  orne- 
ziados  &  outros  pobres,  a  que  prometeo  de  lhes  fazer 
as  barbas  douro,  contãdolhe  ho  modo  de  que  auia  de  fa- 
zer as  presas.  E  tSdo  certos  estes  soldados ,  cõcertouse 
cd  certos  Chat!s  Portugueses  casados  ê  Goa  ^  tinhão 
hfla  terrada  Dormuz  &  htí  huquer  de  Cananor  \  auião 
de^Jeuar. carregados  de  fazêda  pêra  tratarõ  èCalayate  & 


LlVftO  Vn   CAPITVLO  XXXV.  73 

Mazcate  dÕde  auiâo  de  trazer  caualos  è  retorno :  &  õ 
quãlo  86  ho  huquer  &  a  terrada  acabauS  de  carregar 
niãdou  diftte  a  huFrãcisco  faleyro  deSetuuel  (}  8e  fosse 
na  fufita  &  na  terrada  cÕ  os  outros  Lascarins  esperalo  a 
Chaul ,  &  assi  o  fez :  &  Strãdo  no  rio  de  Chaul  cõ  a 
fusta  pêra  fazer  agoada,  inãdoulhe  Simão  dâdrade  capi- 
tão da  fortaleza  tomar  ho  leme  &  a  rela ,  Q  FrScisco 
faleyro  teue  maneyra  pêra  a  auer  &  sayose  logo.  Edes« 
pois  de  vido  Antooio  faleyro  c5  a  terrada  &  huquer  £>- 
rã  fazer  agoada  á  ilha  das  vaeas :  &  estado  hí  fora  ter 
coeles  hfls  dous  mercadores  Persianos  S  bua  cotia  (}  ião 
de  Diu  pêra  Pérsia,  &  leuauão  roupa  fina  de  Gãbaya  <( 
valeria  seys  mil  pardaos,  {J  António  faleyro  lhes  roubou 
cõ  quãto  leuauão  seguro.  E  despois  de  os  meter  a  tor- 
mCto  j)era  cõfessarê  se  tinhão  mais,  os  catiuou  &  aos 
serutdores  -^  erã  muy tos  mãdou  meter  a  bãco  na  fusta  & 
Bo  paraó  pêra  remarS.  E despejada  a  cotia  &  metida  no 
Ado,  partiose  pêra  a  outra  costa  cÕ  as  velas  de  suacfi- 
serua  indo  ele  na  terrada ,  &  como  ainda  lá  era  inuerno 
era  lhes  ho  vS(o  quasi  por  dauãte ,  &  aohauão  ho  mar 
muy  grosso  em  tâto  ^  com  os  grandes  mares  lhe  saltou 
fora^ho  leme  da  terrada,  &  andarão  três  dias  sem  ho 
poderfi  meter,  &  nisto  passarão  muyto  grande  perigo 
de  se  perderfi  cõ  se  verê  mil  vezes  alagados.  E  tornado 
ho  leme  a  meter  passara  auante  &  forão  aferrar  terra  na 
costa  Darabia  obra  de  ireze  legoas  de  Calayate,  &  jun* 
lamente  cÕ  a  terra<la,  a  fusta  &  ho  paraó,  &  ho  huquer 
descayo  &  foy  ter  perto  de  Dofar  &  hi  se  perdeo  cõ  quã- 
to ieuaua ,  saluo  noue  homSs  todos  Chatis  sobre  ()  logo 
acodirão  muy  tos  mouros  pêra  os  matarS  -sabendo  ^  erão 
Christâos,  mas  eles  se  deíBderão  tarobõ  com  as  espin«* 
gardas  que  leuauão  {}  se  saluarão  &  forão  ter  a  Dofar 
cujo  Xeque  por  ser  amigo  dos  Portugueses  lhes  fez  ^nuy- 
lo  gasalhado  &  lhes  deu  com  Q  se  cobrassem  &  pousa- 
das, &  lhes  disse  1)  ficasse  coele  ate  Q  ali  fosse  ter  algfl 
nauio  de  Portugueses  em  ^  se  fossem ,  &  assi  ho  fizer&>. 

LIVRO   VI.  K 


74  9A   BiaTQXlA    JDA   INMA 

C  A  P  I  T  V  L  O   XXXVL 

De  camQ  Antónia  faleyfrú  foy  itr  a  Càlagcát  ^  detpoi^a 

í)f^ar :  ^  do  que  fez* 

V^oaheckdo  por  Aatonio  faleyro  ondeataua  tirou  pêra 
Calayate  y  onde  foy  surgir  &  hi  vendeo  a  fazfida  ^  rou* 
bára  aos  mouros  na  ilha  dav  vacas ,  &  eles  se  lhe  resga« 
larâo  por  dinheiro  ^.  lhes  foj  emprestado  por  oviUos  i[ 
oonheeiâo.  Eooroo  ele  deternoinasse  de  executar  homai 
Ç  hta  fazer,  disse  aos  Lascaris  §  ião  coele,  ^  bo  XeQ 
lie  Cakiyate  lhe  deuía  certa  soma  de  dinheiro  (|  lhe  ná 
quisera  pagar,  ates  sobrisso  lhe  fizera  algfia  offeosa,  por 
isso  4  se  auia  de  vingar  dele :  &  isto  senda  hoXe^  grâ* 
de  amigo  dos  Portugueses  &.  vassalo  dei  rey  Dormus, 
vassalo  dei  rejr  de  Portugal ,  &  se  se  queixara  a  el  rej 
Dormuz  ou  ao  capitão  da  fortaleza  eles  lhe  fizerão  joaií» 
ça:  por&  segftdo  outras  maldades  !^  eate  Aotonio  £atey«» 
IO  despoia  ooroeteo,  mais  he  de  crer  {|  ele  queria  roo* 
bar  a^le  Xeque  por  saber  que  tinha  dioheijro  qoe  por  Um» 
deuer«  £  dada  cfila  aos  seus  Lascaris  do  Q  determinaua, 
roiiou  a  fusta  8c  ho  paraó  diante  da  porta  das  casaa  do 
Xeque  que  estauão  na  praya  perto  do  mar ,  &  daii  lha 
tirou  ISta  bombardada^  ^  ^^  Xeqoe  por  nâo  se  ver  des* 
truido  Ibe  mâdou  quinbStos  xeratins  com  ^  se  conlètoa 
&  ho  deixou  ;  &  tendo  perto  de  seys  mi)  xerafíos  eõ  os 
da  roupa  ^  roubara  aos  mouros  ficcoestes  recottieos  sem 
partir  cd  oa  Lascaria:  do  ^  eles  ooine<|aràa  de  murmu-» 
rar  ãtre  si^  &  algCta  Q  estauão  desembaraçaéoa  domizíos 
Bá  quiserào  ir  mais  coele^  &  se  forâo  na  torrada  (}  foy 
a  outro  porto  carregar  de  caualos ,  &  antrestes  ^  se  fo* 
iSo  foy  bit  Manuel  sardinba  Deuora^  &  os  outros  fica* 
rão^  assi  por  serè  omiziados  como  por  esperarè  i|  aidA 
aueriã  algua  cousa.  E  ficado  coestes  ^  digo^  se  foy  car* 
ttinbo  de  Dofar  ^  porQ  ali  esperaua  dencber  as  mâoa  se* 
gundo  bo  dizia  aos  Lascarins ,  &  ia  por  capitSo  da  fus« 


LIVRO  vk  càríTTho  xxxvr.  76 

ta  &  Franci>co  faleyro  no  pAraó.  E  «slâdo  surto  perto 
de  Dofar  pêra  tomar  a  Goa,  foy  ter  coeie  de  madrugar 
da  bua  nao  de  mouros  do  estreito  Q  ia  carregada  da  ín- 
dia: &  sintiodo  08  mouros  ^  ali  estauã  Portugueses  fi- 
zera volta  ao  mar.  E  António  faleyro  os  seguio  na  fus* 
ta  &;  no  paraó,  &  os  alcftçou  logo  por  lhes  faltar  ho  ve- 
to: &  os  mouros  não  quiserA  pelejar  n8  iâ^jarse  ao  mar 
parecSdolhe  ^  se  resgatariâo  S  Dofar,  &  por  isso  Anlo- 
BÍo  faleyro  os  tomou  todos  ^  &  erâo  muytos  &  deles  ca- 
sados Q  leuauão  suas  molheres  &  filhos :  &  daqui  sa  foy 
ao  porto  de  Dofar,  &  surto  mâdou  dizer  ao  Xeque  Q  so 
ihe  í^ria  ofiprar  aQla  nao  assi  como  ia ,  &  mais  {)  quâto 
lhe  qría  dar  por  oâ  queymar  quatro  grSdes  nãos  de  aietr 
cadores  nouros  ^  estauâo  no  porto  meãs  descarregadas» 
£  sabido  este  recado  poios  úoue  Portugueses  (|  disse  j| 
estauâo  cd  o  Xeque  foriae  logo  a  António  faleyro,  &  cd* 
jtarâibe  a  piedade  de  f\  hoXejl)  vsara  coeles  3  seu  inlbr^ 
tunio  rogádoifae  Q  não  fizesse  nenbii  mal  6  seu  porto  ae 
oiefios  ate  os  nSo  recolher,  do  Q  ele  foj  cõlSte.  Eciiy** 
-dado  ho  Xe<|  que  António  Êileyro  lhe  agradecia  ho  bC 
<)ue  fizera  aos  ooue ,  &  auedo  ^  estaua  seguro  deulbes 
licêça  (\  se  fossS.  O  Q  lhe  eles  agradecerão  hè  mal ,  ^ 
recolhidos  com  António  faleyro  lhe  acrecêiarSo  ho  dese*^ 
jo  !\  tinha  de  roubar  as  quatro  nãos  {)  estauâo  no  porto, 
&  tornou  a  mâdar  cometer  ao  Xe^  se  lhas  {|ria  cõprar» 
Do  Q  se  ele  espâfou  muyto,  &  respõdeo  i|  não  esperauâ 
a{}le  galardão  do  bê  Q  fizera  aos  Portugueses ,  pedindor- 
Ibíb  que  nâ  fizesse  mai  aos  <)  estauâo  no  seu  porto«  E 
isto  respõdeo  ho  Xe^  pêra  4  êtretâto  Q  andauâo  estes 
recados  se  fizesse  forte  cd  hfla  tranqueyra  ^  mâdou  £»- 
-Bcr:  21  bd  vio  a  roTdade  Dfltonio  faleyro,  &  !^  lhe  aâ 
auia  de  goardar  amizade.  E  feyta  a  tranqueyra  duraa*- 
do  ainda  os  recados  mio  esperou  que  António  falei  reco- 
meçasse primeiro  a  peleja,  &  ele  a  começou  mandandor 
lhe  tirar  cõ  algílas  b&bardadas,  &  por  isso  António  f»^ 
leiro  nâo  pode  roubar  as  nãos  ooaio  quisera ,  &  posibe 
iio  fogo:  &  como  as  bõbardadas  erã  muyto  bastas,  & 

K   2 


.  J 


76  9A   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

ele  n3o  podia  fazer  nada  cõ  as  suas ,  afastouse  perâ  lio 
mar  porque  ho  não  matassem. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXVII. 

Do  6  acôteceo  aos  sete  pariugueses  6  ião  na  nao  â  Anto^ 

nio  faldro  môdaua  pêra  CalaiaU. 

V  endo  António  faleiro  que  nSo  Unha  ali  mais  Q  fazer^ 
determinou  de  se  hir  pêra  outra  parte ,  &  por^  a  aao 
dos  mouros  ho  não  pejasse ,  mandou  a  pêra  Calai  ate  a 
vSderse  hi  a  fazenda ,  &  mãdou  por  capitão  dela  ha 
AfÕso  de  soure,  &  deuihe  seis  Portugueses  pêra  sua  cÕ- 
panhia,  &  algOs  dos  remeirosCanarls,  por^  não  se  fia^ 
tta  dos  mouros :  &  praticado  õde  faria  agoada  por  anão 
não  ter  agoa,  disse  ho  seu  mesmo  piloto,  ^  de  caminhe 
a  tomariáo  &  híia  agoada  Q  ele  sabia  Q  estaua  perto ,  & 
coisto  se  par  tio  a  nao  indo  perto  de  terra :  &  como  na- 

2uela  costa  Darabia  as  serras  sã  muyto  altas,  &  ho  mar 
ca  coelas  abrigado  do  vento ,  &  fazia  calmaria ,  singra- 
va a  nao  muyto  menos  do  !)  sofria  a  pouca  agoa  ^  leuar 
na ,  &  pêra  ^  abastasse  ate  chegarS  a  agoada ,  não  be- 
bia a  gente  mais  ^  a  fiá  por  dia  cada  pessoa,  &  coroo 
as  calmas  erão  grades  morria  muylos  mouros  de  sede, 
&  cada  dia  os  deitauão  morlos  ao  mar :  &  coeste  traba- 
lho fora  ate  Q  htt  dia  disse  ho  piloto  da  nao  (}  ja  esta- 
vão  de  frftte  da  agoada  (}  mãdassS  tomar  agoa :  &  estaria 
quatro  legoas  de  terra  segftdo  seu  parecer,  <)  cÕ  a  cal- 
maria nã  podia  a  nao  mais  chegar.  £  como  a  ida  a  terra 
era  perigosa,  por  ela  ser  de  mouros  &  imigos  dos  por- 
tugueses ,  nã  ouue  nhfl  dos  Q  ião  na  nao  Q  quisesse  ir 
fora  se  não  se  lhe  caisse  por  sorte :  &  deitadas  sairão  ^ 
fossS  fazer  a  agoada:  hu  Afõso  da  veiga,  &  hCl  lohão 
sirgueiro  chati,  &. outro,  &  saidos  esles  deulhes  Lott<- 
renço  de  soure  alguas  teadas  &  outros  panos  baixos,  cÔ 
^  afagasse  a  gSte  da  terra  se  fosse  necessário :  &  oft 
suaa  espingardas  se  êbarcarão  no  paraó  da  nao  ^  de  4 


LIVRO  VI.    CAPITVLO  XXXVII.  77 

partirão  as  oyto  oras  do  dia.  K  como  cõ  a  calmaria  (| 
fazia  as  agoas  corresse  moy to :  não  poderã  os  Q  rema- 
não  ho  paraó  remar  cõ  t&ta  força  Q  não  descaisaê  muy* 
to,  &  tãto  Q  chegarão  a  terra  duas  oras  ates  de  8oi  pos* 
to,  &  oulhãdo  pêra  a  nao  acharão  Q  ficara  muyto  acima 
dõde  forão  ter :  &  chegados  a  terra  mãdarão  os  mari- 
nheiros auer  se  achauão  agoa,  Q  saidos  ê  terra  fora  sal- 
teados daigiis  mouros  Q  os  esperauâo  6  cilada ,  por^  os 
vira  das  serras  quãdo  ião :  &  dando  sobreies  |)era  os 
matar  ferirão  algús,  &  Jogo  se  acolhera  todos  ao  paraó : 
&  recolhidos  os  remeiros  forão  mais  pêra  baixo  õde  não 
achara  nhfia  cõtradição,  &  fizera  agoada  ê  hiias  fõtes 
solobras  Q  estauão  ãtre  certas  palmeiras  ao  lôgo  do  mar, 
&  so)  posto  se  partira  caminho  da  nao,  indo  todos  bem 
cansados  do  trabalho,  de  remar  &  de  fazerem  agoada, 
&  de  quasi  não  comerem  aquele  dia ,  &  assi  da  grande 
calma  que  fazia.  E  tudo  isto  foy  causa  de  os  remeiros 
enfral^cerè  tãto  Q  de  todo  não  poderão  remar  por  mais 
pãcadas  1\  lhes  os  Portugueses  dauão  Sc  por  mais  amea- 
^8  da  morte  {|  lhe  fazião,  pelo  i}  cõueo  aos  Portugueses 
remarC:  &  parecêdolhes  ^  serião  perlo  da  nao  por^  a 
não  vião  cõ  ho  grade  escoro  Q  fazia  começarão  de  bra- 
dar pêra  ^  ouuindoos  na  nao  lhes  fizessem  algfl  fogo  a^ 
atinassem ,  mas  como  a  nao  estaua  muyto  mais  longe 
do  Q  cuydauflo  pelo  muyto  que  tinbão  descaydo  nficaos 
oauirão :  o  Q  lhes  quebrou  muyto  os  spiritos  que  erão 
os  {|  ajudauâo  a  remar  t^  as  forças  ho  muyto  remar  lhas 
tinha  quasi  gastadas ,  &  as  mãos  esfoladas  de  Q  lhes 
corria  sangue,  &  como  desesperação  de  não  chegarem 
tão  cedo  á  nao  os  debilitasse  muito  começarão  de  dor- 
mir descansados  &  tristes :  porê  ho  cuydado  os  acorda- 
ua,  &  ás  vezes  remado,  &  as  vezes  dormido  amanhe- 
ceo  sê  chegarfi  á  nao  nè  a  verS :  nem  quasi  Q  podião 
ver  a  terra ,  dõde  partirão  ao  dia  dates ,  pelo  (}  conhe- 
cerão que  tinhão  muyto  descaydo:  c5  o  Q  desacoroçoa- 
rão  tãto  {}  nê  os  Portugueses  nem  os  Canaris  podião  ve- 
mar.  E  vedo  4  ^  ^^o  não  paxecia,  acordarão  Q  se  ter-^ 


76  DA  HieTOBffA    DA   INOIA 

fiaseS  a  terra  pêra  verS  Be  a  podiSo  ver  daa  serras  & 
narcandose  coela  se  lornariâo:  &  como  ftdauão  caosa^ 
úoê  &  fracos  de  não  comerè  não  poderão  chegar  a  terra 
se  nâ  quasi  soi  posto,  &  deitarão  fateixa  afastados  de- 
la, porQ  se  algQs  mouros  esteuessê  em  cilada  não  dess^ 
aobreles  &  os  posessS  8  perigo,  &  dali  foy  Afõso  da 
ueiga  a  terra  a  oado  leuâdo  IiQa  Jâça  diante  de  si ,  jp 
não  achado  nenhfi  impedimêlo  se  sobio  na  serra ,  &  ou>* 
Ihaodo  pêra  hftas  parles  &  outras  quanto  podia  alcançar 
€õ  a  vista  nAca  pode  ver  a  nao.  E  coes  ta  triste  noua  s^ 
tomoa  ao  paraó,  cÕ  que  loib  sirgueiro  quasi  ficou  mor*- 
lo:  ho  outro  Português  foy  tambS  a  terra  em  se  poêdo 
ho  sol ,  &  sobido  na  serra  ho  mais  {[  pode  tâo  pouco  vi<^ 
a  nao.  E  estftdo  assi  oolhâdo  vio  passar  a  frota  em  (Jd9 
Luys  de  meneies  ia  pêra  Xaei  como  disse  atras,  pelo  ^ 
eonbeceo  ^  se  a  nao  esteuera  dde  a  deixarâk)  {[  a  Sxer^ 
gara  como  Sxergou  os  galeSes ,  &  ela  estaua  a!da  lá , 
mas  tinhão  tanto  descaído  o5  bo  paraó  I|  era  tamanha 
distancia  dÕdestau2o  á  nao  {|  a  não  podiSo  enxergar*  B 
vendo  Lourenço  de  soiire  (^  ho  paraó  nSo  tomana  pare<- 
ceoibe  Q  fora  tomado  de  moiM*oa :  &  desesperado  de  tor- 
nar pattiose  ao  outro  dia  pola  osanhaâ  auêdo  dous  1}  es** 
peraua  por  ele.  E  indo  caminho  de  Calayale  saltaras 
coele  Nouta^s  í\  saot  hus  oossairos  mouros  !\  aad&o  por 
ali ,  &  malâdo  os  Portugueses  toaiarSo  a  nao. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXVIII. 

De  como  foy  ter  hú  mmtro  câ  o$  três  Portugnesu  q  eêta^ 
uão  no  parao^  §r  do  remédio  que  lhes  deu  nosso  senhor 
pêra  escaparem  du  morte. 

V  endo  aquele  que  fora  a  terra  ^  era  por  de  mais  ou* 
Ihar  pola  oao  tornciuse  ao  parao,  &  disse  aos  cõpanhei- 
ros  ho  pouco  recado  Q  trazia:  do  Q  todos  ficarão  tSe 
tristes  como  requeria  tasoanho  desastre,  porque  estauao 
^eai  perigo  de  iMurie  por  nâ»  tstè  quo  comer  nem  em  qii0 


LIVRO  TI.   CAf imo  XU^IIf.  79 

Bauegar  &  pêra  tayrem  em  terra  era  pouoada  áé  mooroâ 
immigoB  doa  Portugueara ,  priu6i|NiiiitSie  polo  dâf>o  ^ 
António  faieyro  fizera  &  faria  por  a^la  eo0la.  Esintindo 
oe  renteyroa  bo  mao  remédio^  auia  fugirão  todOB  acfue* 
la  noyle^  Sc  quando  amaubeeeo  ealauão  00  trea  compa** 
nbeiros  lâo  fracos  dauer  dottS  dias  que  nft  comíão  quasi 
nada  que  eatauâ  pêra  espirar^  &coeaia  necessidade  lan^ 
çariky  enzotoa  ao  mar  ooai  que  pesearflo  algil  peixe  {}  eo«- 
pierão  cosido  etu  bú  caldeirão  em  ^  bo  coaerãe  6  t^^rrâ. 
£  veodoae  como  digo  aem  nenbfl  remédio ,  acordarão 
que  eaperasaem  ate  bo  dia  seguinte  pêra  ver  se  viâo  A 
nao  que  por  ventura  se  mudaria  dòde  a  deixarão  ^  & 
quãdo  não ,  que  então  se  auenturassem  a  irS  no  pamé 
ao  togo  de  terra  ate  Mascate ,  fc  comerião  trigo  cozido 
diiís  quatro  aiqaeyres  <}  acertarão  de  ter  em  bfil  fardo 
que  deitarão  no  paraé  pêra  lastro:  &  assi  comeriio  algil 
pescado  (}  tomasse*  Eassenudos  nisto  vigiarft  bo  paraó, 
&  de  quando  ft  quando  biãe  a  ierra  a-  tet  se  parecia  a 
nao :  &  este  meseoo  dia  despois  de  lioras  de  véspera  es^ 
taiido  oulbando  pêra  terra  virão  supilamète  sayr  detrás 
áii  penedo  bik  mouro  mfleebo  da  te  desoyto  annos  cõbõa 
feta  na  cabeça  ,  &  bit-  pano  encacbado  &  nas  mãos  bf)» 
mea  là^a.  £  euydando  A  £Miao  daueiga^  era  cilada  des^ 
parou  b&a  espingarda  ^  tínba  eeuada  ^  &  se  bo  monro 
não  se  baijara  matara  bo-,  &  em  bo  pelouro  passando 
leaantase  &  dado  cfisigo  no  loar  nadou  cõ  muyto  grade 
pressa  ate  chegar  ao  para6  bradando  como  que  dizia 
que  tbe  não  fizessem  mal :  fc  em  cbegâdo  ao  paraó  foy 
sieiido  dentro,  fc  deepoie  que  tornou  a  cobrar  bo  ibie-* 
go  Q  tinba  qoasi  perdido  eõ  medo  da  esptngardada,  co* 
me^^a  de  íatar  &  v6do  ^  bo  nào  eotèdião  ajudauase lam- 
bi dacenos.  E  quis  nosso  seAor  dar  gra^  aos  côpanhei* 
ros  Q  eniSdessè  o  Q  dizia  ^  ^  era  l|  ele  andado  encima 
da  serra  onde  goardaua  gada  os  vira  sayr  da  nao  &  che- 
gar a  tenra  &  tornar  pêra  a;  nao  &  despela  pêra  terra, 
&  4  a  nao  se  partira  aljla'  manbáã,  ft  por  auer  dó  deie» 
Ibo  irjiiba  diser  per»  ^  não  esperasíft  por  eta,  &  4  eede- 


y' 


«9  »A   HISTORIA    HA.ItfDIA 

uiSo  dir  a  bfla  pouoação  de  mouros  chamada  Mele  ^efrv 
taua  dali  perto^  cujo  Xeque  era  amigo  dos  Portugueses 
Sc  os  agasalharia  ^  &  {|  se  quisessfi  Q  lhes  fizesse  algfia 
cousa  !\  ho  faria  de  boa  võtade.  E  ealSdêdo  os  cõpa* 
nheiros  o  que  ho  mouro  dizia  alegrarfise  credo  ^  nosso 
sefior  era  o  Q  lho  mfldaua  pêra  se  saluarê  &  derâlhe  por 
isso  muylas  graças,  &  rogarâlbe  í\  lhes  fosse  buscar  ai- 
gií  manlimSto  pêra  o  Q  lhe  derio  quatro  lagas,  prome* 
tSddhe  se  lho  leuasse  de  lhe  darS  leadas  &  espadas  4 
lhe  mostrarão ,  &  ele  promeleo  de  tornar  ao  outro  dia 
as  mesmas  horas ,  &  assi  tornou  cd  h&  fardo  dapas  4 
sam  hÒQ  bolos  de  farinha  de  trigo  ^  os  mouros  coiuS,  & 
hu  cabaço  cheo  de  mel  brãco  &  cinco  galinhas,  .&  disse 
lhes  da  parte  do  XeQ  de  Mete  i\  se  fosse  {larele,  por^ 
folgaria  muyto  de  os  agasalhar  &  C|  os  teria  ate  auer& 
algu  remédio  pêra  se  tornarS  á  índia  ou  irS  pêra  Or-; 
mue.  E  dado  eles  ao  mouro  quanto  lhe  prometerão,  lhe 
Fog^ão  -^  fosse  dizer  ao  XeQ  que  lhe  rogauão  muylo  {|. 
mãdasse  por  eles  por^  por  não  saberS  a  terra  não  .|K>de- 
rião  aceitar  a  pouoação ,  &  iãbS  eslauão  tão  fracos  4 
pão  se  atreuíâo  a  xemar:  &  que  se  mandasse  por  eles 
lhe  dariâo  a^le  paraó  8&  quauto  tinhãonele.  E  ho  mou- 
ro lhes  promeleo  4  aquela  noyle  mâdaria  ho  Xe(}  poc 
eles :  ft,  assi  mãdou  que  duas  au  Ires  horas  ãte  manhaã 
chegarão  a  eles  quatro  Cafres  6  hua  almadia  câtiuos  da 
Xe(|  que  hiâo  por  eles,  &  cãtãdo  ao  seu  modo  em  si- 
nal dalegria  os  tomarão  de  toa  &  se  fora,  &  de  madru* 
gada  chegarão  defrÕte  da  agoada  Q  ho  piloto  mouro  di- 
zia ,  2)  era  hua  leuada  dagoa  ^  saya  da  serra  8c  caya  n& 
praya.  E  tomado  ali  os  Cafrc^s  agoa  tornarão  a  seu  ca- 
micnho,  &  è  amanheoSdo  chegarão  a  Mete,  &  quâdo 
íoy  ao  desSbarcar  loão  sirgueiro  não  queria  sair  è  terra, 
dizèdo  (|  lhe  parecia  ^  ho  Xel|  lhes  auia  de  fazer  trei-. 
çâo.  E  por  nisto  auer  al^ua  detSça,  &  ho  XeQ  ser  bõ, 
home  &  discreto  pareceolhe  o  Q  era ,  &  por  isso  se  foy 
6  hQa  almadia  ao  paraó  leuãdo  hftas  cotas  na  mão  per^ 
cezaua  ao  seu  costume.  E  chegado  ao  paraó^  disaelbe  á 


LIVfK)   Vr.   CAPITVLO   XXXW.  81 

Vttígoh  Portugoesa  ^  víesBem  ^bora ,  &  {][  folgaua  tniiylo 
eÕ  sua  vinda:  ^  fisessê  cõía  ^  estauao  âtre  Porlugue* 
868 ,  &  fazSdo  o8  desembarcar  os  leuou  pêra  as  suas  ca-* 
sas  que  erAo  muyto  boas  &  sobradadas  &  os  apousentou 
em  bOa  em  que  esleuessem  apartados,  &  ali  forão  muy-» 
to  bem  agasalhados ,  &  assi  ficarão  naquela  pouoa-ção. 

€  A  P  I  T  V  L  O  XXXIX. 

De  como  António  faleyro  se  tomou  pêra  a  índia  ^  ^  do 
mie  sucedeo  aos  ires  companheiros  que  estauão  com  ha 
Xeque  de  Mete. 

xVntonio  faleyro  despois  que  mandou  a  nao  pêra  Ca- 
layafe  foy  se  por  a^la  costa  em  que  fez  algflas  presas  de 
dinheiro  (}  jfito  cÔ  o  <}  ja  tinha  determinou  de  se  tornar 
á  índia,  por^  por  os  males  4)  tinha  feyto  por  al|la  cosfa 
não  ousou  dinuernar  8  nenhii  lugar  dela,  n6  menos  8 
Ormuz  fxnr  amor  do  gouemador  Q  fora  sem  sua  licS^a, 
&  por()  ele  nã  queria  tornar  a  Goa  por  não  dar  parte 
das  presas  a  Frâcisco  pereyra  Q  sabia  Q  lhas  auia  de  to- 
mar se  lhas  nã  desse,  foyse  dereyto  á  ilha  de  Dada  <| 
está  antre  Chaul  &  Dabul,  ^  aK  inuernou,  &  despois 
ouue  perdão  do  gouernador:  &  assi  ficou  sfi  castigo  de 
tamanha  maldade  &  treição  como  a(}la  foy,  poH)  sendo 
miiytos  lugares  da  costa  Darabia  amigos  dos  Portugue* 
ses  os  escãdalizou  de  ta!  modo  cS  ob  danos  &  males  ^  hi 
lez  Q  ficarão  mortais  fmigos  dos  Portugueses ,  &  dese^ 
jauão  de  se  vingar  deles:  pelo  ()  bds  Xeques  vezinhos 
do  Xe^  de  Mete  sabSdo  Z{  tinha  em  aua  casa  os  três 
Portugueses  {}  forão  da  companhia  Dantonio  faleyro,  lhe 
mandarão  estranhar  muyto  agasalhalos ,  requerendolhe 
que  lhos  desse  senão  que  irião  sobrele  &  ho  destruyrião. 
£  temendo  ele  que  ho  fizessem  assi  por  «erem  muyto 
poderosos  &  ele  pouco,  contou  o  que  passaua  aos  trea 
companheiros,  mostrandose  muyto  triste  de  os  não  po* 
der  ter  rogandoibes  que  nã  ouoessÇ  por^jnàí  de  09  niã«> 

LIVAO   VI,  I. 


82  DA    HI8T0HIA   PA    ÍNDIA 

dar  pêra  caáa  doutro  Xe^  seu  parSie,  Q  moraua  dali  cer- 
tas legoas,  &  i)  este  os  mâdariá  a  Caixê,  cujo  rej  era 
grade  amigo  dos  Portugueses ,  &  dali  aueriâ  seu  reme-> 
dio.  £  mâdou  cocles  hu  seu  prioro  ê  outro  paraó  b6  es- 
quipaJo,  &  assi  hiá  hu  seu.  E  ido  por  seu  caminho  ao 
]dgo  de  terra  )he  sayrão  trita  almadias  carregadas  de 
D)ouro8  armados  pêra  os  lomarê,  de  ^  se  liurarao  coda- 
rê  ás  veias  dos  paraós:  &  como  ho  vêtò  era  fresco  dei- 
xará as  almadias  aladas.  E  despois  disto  foj  ter  coeles 
hii  tiauio  de  Portugueses' que  era  da  conserua  de  dd 
Luys  de  Aieneses,  &  faia  por  capitão  dele  híiCusme  pin- 
to criado  do  mesmo  dõLuys:  a  quê  os  três  cõpanbeiros 
colarão  o  Q  lhes  acõtecera,  &  a  obrigação  em  ^  erão  ao 
Xeque,  pedindoih^  ^  os  leuasse  nò  nauiò:  do  que  ele 
foy  cÕtéte,  &  por  isso  deixarão  ho  caminho  que  Jeuauã 
&  se  espedirão  do  primo  do  Xeque  a  quS  mandarão  por 
ele  ho  seu  paraó,  &  hfia  arroba  despeciaria  Q  pedirão 
pêra  isso :  &  assi  algílas  peças  que  poderão  auer ,  man* 
dandolhe  muytos  agradecimStos  pelo  b3  que  lhes  fizera, 
&  pedindolhe  perd&3  de  ho  nS  poderê  melhor  seruir,  & 
ho  nauio  se  foy  a  CaixS ,  è  cujo  porto  estado  surto  so* 
breueo  tamanha  tormSta  de  vSto  &  chuua  ^quãtasnaoi 
estauâo  no  porto  se  perderão  feytas  6  pedaços  em  terra; 
&  assi  outras  que  auia  pouco  que  partirão  que  arribarão^ 
&  assi  quãtas  se  acolherão  ali  que  se  acolhiâo  de  fora, 
&  os  mares  erão  tS  grossos  &  altos  Q  quâdo  as  õdas  {|- 
brauâo  S  terra  ètrauão  por  ela  dõtro  gràdespaço:  & 
cayrão  no  lugar  mil  &  quinhStas  casas  jiltamen te  Q  se 
amassarão  todas.  E  foy  a  destruyção  tão  espantosa  & 
medonha  que  não  auia  quê  não  pasmasse  de  a  ver:  Sc 
€Ò  tudo  hò  nauio  de  Cosme  pinto  ficou  ê  saluo  &  sêpre 
se  teue  sobre  as  aceras.  £  cessando  a  tormSta  foyse  a 
Ormuz,  &  assi  se  saluarão  os  três  cõpanheiros,  saluo 
loão  sirgueiro  que  cÕ  a  tormSta  que  digo  arribou  a  Cai» 
xem  em  híl  nauio  de  Chatis  a  Q  se  mudou  pêra  se  tor** 
nar  á  Índia,  &  quando  arribou  ho  nauio  deu  aa  cosia 
em  que  se  espedaçou  com  morte  de  quantos  hião  nelew 


LIVRO   Tf.   CAFITVLO  XL.  63 

C  A  P  I  T  V  L  O   XL. 

De  como  os  mouros  ganharão  as  tanadarias  de  Pondá 

^  de  Salsete. 

JlXo  HidalcSo  I)  tinha  grSde  magoa  de  ver  possuir  as 
tanadarias  de  PÕdá  &  de  Salsete  a  el  rey  de  Portugal 
«ndaua  sempre  esperado  (6po  pêra  as  cobrar ,  &  vSdo  o 
gouernadcr  &  dÒ  Luys  seu  irmão  fora  da  índia  que  em 
Goa  não  ficaua  mais  gête  Q  os  ordenados  á  fortaleza , 
determinou  de  as  tomar,  &  pêra  isso  mâdou  híif  seu  ca- 
pitão &  seu  parSte  cõ  cinco  mil  homSs  de  pé  &  de  ca- 
<nalo^  jI)  entrado  pola  comarca  das  tanadarias  come^^ou 
darrecadar  as  rSdas  pêra  bo  Hidalcão,  &  foy  ter  a  bAa 
aldeã  Ôdestaua  btt  André  pinto  tanadar  pe^no  cÕ  sete 
ou  ojto  Portugueses  ^  todos  forfio  mortos  saldo  ele,  que 
-escapou  muyto  ferido  &  se  acolheo  ao  Pagode  de  Ban- 
dorá,  ondestaua  hum  fidalgo  chamado  PernSo^anes  de 
Souto  mayor,  que  era  Tanadar  mór  Q  tinha  ali  sua  es- 
tScia ,  por  bo  Pagode  ser  forte  &  cercado  de  muro  de 
pedra  &  cal:  &  tinha  cêto  &  cinquoSta  Portugueses , 
de  que  os  trinta  erão  de  caualo,  &  trezStcs  piSes  da 
terra.  E  como  Fernão  eanes  era  muyto  esforçado,  «m 
os  immigos  chegado  sobre  bo  Pagode  saydlbes  ao  encon*- 
tro ,  &  foy  desbaratado  por  desarranjo  dos  seus :  &  eS 
muytos  feridos  se  recolheo  ao  Pagode.  E  ficando  os  im- 
migos por  isso  muyto  soberbos,  ho  teuerSo  cercado  dous 
dias.  E  neste  tempo  foy  noua  a  Goa  a  Francisco  pereyw 
ra,  que  erflo  mortos  quantos  estauflo  no  Pagode:  pelo 
Q  mandou  logo  António  correa  de  Goa  cõ  certas  fustas 
pêra  trazçr  os  que  escaparão.  Com  cuja  chegada  Fernão 
eanes  folgou  muyto:  &vendose  fauorecido  cS  âlgfta  g8^ 
te  que  António  correa  trazia,  que  podião  meter  no  lu- 
gar da  Q  tinha  ferida :  determinou  cotn  conselho  de  ir 
Buscar  08  fmigos  &  lançalos  fora  da  terra  ,  pêra  bo  que 
mandou  S  sua^  bmica:.  &  oáo  lhe  lenirão  áè\^  outra  nfo* 

L  t 


fi4  J>A    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

ua ,  8e  nã  que  passarão  por  biia  aldeã  chamada  Verná 
da  hi  a  ie^oa  &  niea ,  mas  que  nao  se  sabia  onde  esta- 
uào.  E  como  Peruâo  eanes  era  muylo  esforçado,  &  lhe 
parecia  que  sabia  bem  da  guerra:  assentou  que  os  ini- 
migos biâo  fugindo  com  medo,  &  Q  com  qualquer  gSle 
os  poderia  desbaratar :  &  partio  logo  após  eles,  leuando 
vinlecínco  Portugueses  de  cauato,  &  cêto  &  vintecinco 
de  pé,  &  trezS(u8  piâes  da  terra:  &  ao  outro  dia  a  oras 
de  véspera  passou  hfl  rio  que  se  chama  bo  do  Sal  (três 
legoas  donde  partira)  &  no  cabo  de  b&a  grande  &  fer- 
mosa  veiga  que  se  faz  da  banda  dalém :  a  (iro  de  bom- 
barda ouue  vista  dos  immigos,  í\  estauão  descansando 
.ao  pé  de  hum  oyteiro.  Que  em  vendo  os  Portugueses  se 
leuãlarão  logo:  &  como  estauão  espalhados  &  erfio  cíco 
mil,  pareciào  múyio  mais  do  que  erâo:  bo  que  crendo 
os  Portugueses  se  espantaram ,  &  dizião  que  aqueles 
erão  muyto  mais  dos  que  forão  sobre  bo  Pagode.  E  v&- 
do  Fernão  eanes  este  espanto,  deteueos  pêra  os  esfor- 
çar &  disselhes.  Senhores  de  que  vos  espantaeis?  por- 
que não  erão  mais  os  imigos  que  nos  cercarão  do  ^  es- 
tes sãa,  que  se  bo  fora  não  leuanlarâo  tão  asinha  bo 
cerco,  &  de  se  auerfi  por  poucos,  pêra  contra  nossas 
forças  nos  alargarão :  &  assi  espero  em  nosso  Senhor 
que  lhes  ha  agora  de  parecer  pêra  nos  fugirem,  &coes* 
ta  esperança  c|  iodos  auemos  de  ter  como  Christãos , 
auemos  dje  dar  neles ,  por()  posto  que  fossem  mais  do 
que  vos  paressem  y  não  temos  melhor  remédio  Q  pelejar 
4  se  nos  Cremos  recolher  não  temos  se  não  ho  Pagode 
que  he  muy  longe ,  &  se  voltamos  estes  perros  hào  de 
crer  qae  h|9  cÔ  medo,  &  por  isso  nos  hão  dapertar ,  de 
maneyra  que  mais  dano  nos  hâ  de  fazer  sem  pelejarmos 
^  pelejado,  &  ^  n«s  não  siga,  corcenMS  muyto  perigo 
è  passar  este  rio  Q  temos  passada,  t>orque  a  maré  en- 
che &  ele  he  estreito^  &  os  de  pé  esta  certo  não  acha<> 
rê  vao,  &  os  de  eaualo  duuido,  &  pois  em  voltar  &  em 
pelejar  ha  perigo,  auenturemonos  antes  ao  da  peleja 
ijue  he  com  honrra,  que  ao  do  fogir  que  pêra  Por  tugue» 


LlYttO  VI.  CAPIfVlO  XC.  '85 

8M'he  tflo'  vergonhoso  &  áe  tàta  desonra:  &  pârecfido 
isto  bem  a  todos  acordarão  que  se  fizesse  assí,  E  estado 
nesta    pratica  cuydando  osimoiigos  qué  se  delinhào 
«com  medo  deles  forânos  eonieler,  feyto»  ein  duas  bata- 
4ha8  em  Q  auia  muylos  de  eaualo  acubertados,  &  bua 
delas  cometeo  os  Portugueses  de  rosto,  &  a  outra  lhes 
tomou  a  traseira  pêra  ficarem  cercados  de  todo  &  nflo 
lerè  por  onde  fugir,  porQ  das  ilhargas  ttnhSo  ho  rio  &fao 
-mar.   E  vedo  Fernão  eanes  que  ho  queriâo  cercar ,  ana- 
tes de  ho  cercarem  disse  aos  seus  Q  não  auia  mais  que 
lesperar  £|  desse  Santiago  nos  immigos  &  assi  ho  iizerào, 
&  abalado  fugirSo  os  piàes  da  terra:  &  os  Portugueses 
ficarão  cento  &  cinquoSta,  que  bSo  era  nada  pêra  ta- 
manha niuitidào  de  mouros  r  &  parece  que  foy  milagre 
de  uossu Senhor  não  se  sumirê  todos  antreles  de  mujtas 
feridas  que  todr»8  receberão  dos  primeiros  encontros,  & 
furão  mortos  cinco  de  cauaiu,  &  quasí  todos  os  outros 
feridus,  &antreíes  Fernão  eanes  com  hu  zaguncho  dar- 
remeso  Q  lhe  passarão  ho  cor<jolete  pela  ilharga  ezquer- 
da  &  ho  ferirão ,  &  a  hfl  Diogo  de  moraeis  criado  do 
•Duque'  de  fiargant^a  cortara  de  hu  pé  quanto  lhe  saya 
fora  do  estribo,  &  prouue  a  nosso  Senhor  por  sua  pie- 
dade que  atnda  Q  Fernão  eanes  foy  tão  mal  ferido  nem 
|)or  isso  desacorçiiou. ,  âlea  oom  mujto  esforço  feria  nos 
jmniigos,  ajudando  os  seus  como  bom  companheiro,  éom 
que  os  esfor<;cu  taotoque  não  pelejauãio  como  cento  St 
quarenta  &  cinquo,  se  não  como  que  furão  cinquo  mil, 
ferindo  &  matado   muytos  dos  mouros :  &  antreles  foy 
ho  seu  capitão,  pelo  que  os  desta  primeira  batalha  per- 
dido ho  esforço  se  desbaratará  logo  &  fogirâo:  &  com 
bo  Ímpeto  Q  leuauão  derlo  na  segada  batalha  que  vinha 
pêra  tomar  as  costas  aos  Portugueses,  &  desbaratarão 
08  que  estauão  nela^  que  também  fugirão  cuydando  (^ 
erão  08  Portugueses  que  dauão  neles,  &  assi  fugirão 
hiis  &  outros:  &  era  rouyto  pêra  louuar  a  nosso  Senhor 
ver  como  fogiâo  sendo  tantos :  Fernão  eanes  não  os 
quis  seguir  por  estar  tam  mal  ferido  como  estaua^  &. 


86  J^M  HISTOUIA   PA   INMA 

ter  toda  siiaj^ente  cuuyto  fedida  ^  &.  c>6  caunlot  mottofl? 
&  quia  no88o  Senhor  que  lhe  nâo  matarão  mais  j)  ca  oiiK 
quo  que  di88e^  &  do8  mouros  seg&do  se  despoja  soube 
forão  mortos  mil,  &  os  mais  deles  humõs  escolhidos,  co*' 
mo  se  viu  na  riqueza  das  CaJbaias  das  toucas  &  dos  ter* 
^ados  que  lhe  forfto  tomados  pelos  Portugueses  despoia 
<\\ie  ficarão  seguros  no  campo:  Ôde  por  ser  ja  perto  da 
iioyte  Fernão  eanes  se  deixou  estar  ate  que  amanheceo 
I)  hus  aos  outros  como  melhor  poderão  se  leuarão  õde 
António  correa  estaua  com  as  fustas:  em  que  se  ann 
barcarão  muyto  fracos,  &  se  os  mouros  acertarão  de 
tornar  nam  escapara  nenbfi.  E  António  corree  os  leuoa 
pêra  Goa  onde  muytos  morrerão  despoia  das. feridas*  B 
•como  Francisco  pereyra  não  leue  gente  que  raâdasse  á 
terra  firme,  pêra  apabar  de  deitar  dela  os  mouros:  te^ 
uerâo  eles  tempo  vendo  que  não  hia  ninguém  tomarão 
aquelas  tanadarias  que  rendião  cincoenta  mil  pardaoa 
douro  pêra  el  Key  de  Portugal:,  o  que  não  acontecera 
ae  o  gouernador  inuernara  na  índia,  porque  ouuera  din* 
uernar  em  Goa  donde  logo  socorrera  com* gente,  .&  ae 
acodira  em  quente  teuera  pouco.que  fazerem  deitar  ob 
mouros  fora  segundo  eslauão  espãlados  do  brauo  pelejar 
dos  Portugueses.  E  ganhadas  estas  tanadarias,  mandoa 
ho  Hidalcão  outro  capitão  que  fez  seu  assento  em  Pon* 
dá :  &  porI|  este  tolhia  que  nâo  fossem  a  Goa  mãlimeii* 
.tos  da  terra  firme  ^  fea  Francisco  pereyra  paz  eoele« 


1 1 


•  1  • 


;      ■         .  .  .  »       í     . 


LIVRO  VI.  cá»im^  xm.  87 

C  A  P  I  T  V  L  O    XU. 


*  I 


De  ixmio  húa  dm  nãos  da  armada.de  Fernão  de  tnaga^ 
Ihâes  que  hia  pêra  Espanha  arribow  a  Maluco  ^  i^  Joy 
tomada  pelos  Foríttgueaes, 

Mj  azendo  AdIodío  de  brito  (como  disse  atras)  a  forta- 
leza de  Maluco  oolDo  os  ares  erào  difiereotes  dos  da  In^ 
dia;,  &  assi  os  maDlíil:iêios,.  adoecialhe  a  geote,  do  que 
èlè  lomaua  nouyta  paixão ,  &  assi  por  não  achar  aquela 
faifcilidade  que  espera  tia  pêra  faser  a  forialeza,  nem  a* 
lliizadò  na  rajuba  de  Térriate»  £  coisto  adoeceo  lambe, 
não  que  caísse  em  cama:  más  blla  roim  disposição  dò 
çkescQUteo  la  mento  que  tinha  ^  &  arrepèdiase  bê  de  ter 
aceitada  a^la  empresau  £  andando  assi  soirbe  que  aolÕ^ 
go  da  Costa  «de  hOa  ilha  chamada  Bataobina  cincoenta 
legoas  da  de  Ternate  «indâua  húa  das  duas  nãos  doa 
Castelhanos  Q  partirâo.4e  Tidore,  que  arribara  do  ca^ 
minho  por  fazer  muyia  agoa  &  nâ  poder  sofrer  ho  mar^ 
&  de  iraser  doêle  toda  a  gente  andaua  como  perdida 
sem  poder  tomar  terra*  O  que  sabèdo  António  de  britO| 
pedio  a  dom  Garcia  anrriquá^  que  fosse  por  ela ,  &  ele 
foy  noseo  nauie  indo  em  soa  cõséruaCachilDaroes  em 
hfla  cfva«a ,  &  em  outra  hia  hft-  Duarte  de  resende  es* 
criuão  da  fey  toria:  de  Maluce;,  que  despois  foy  feyior  & 
leuaua  desasseys '  Porlugueses.  E  chegado  dom  Garcia 
onde  a  nau  andaua  achouha  surta,  &  mãdou  a  ela  Duar* 
te  de  resende  que  chegado  á  ela  bradou,  &  a  gSte  es« 
laua  tão  doCte  &  tào' fraca  que  ninguê  lhe  respõdeo, 
pelo  que  Duarle  de  resende  entrou  d6lro  com  a  gSte 
armada.  £  caydãdo  os  Castelhanos  que  os  querido  ma^ 
tar  |)edirào  misericórdia,  &  ho  seu  capitão  que  se  cba- 
maua  GÕ(^*alo  gomez  da  espinhoba  foy  falar  a  Duarle  de 
resende,  &  lhe  contou  sua  desauentura:  &  ele  ho  segu- 
rou &  leuou  a  dõ  Garcia ,  em  cujo  poder  se  meleo  com 
quantos  estauão  na  nao,  &  dali  se  tornou  a  Ternate,  & 


88  Và  HISrORTA    DA    INDtA 

a  entregou  a  António  de  brito  com  lodnfl  os  Castelhanos 
que  forâo  curados  &  «i^asalbados  como  Portugueses,  & 
na  nao  fnrâo  achados  liuros  do  astrolo^^o  sam  Marliiu  ^ 
hia  oÕ  Fernão  de  magalhães  &  falt*ceo  na  viairem,  & 
assi  dous  planispberios  de  Fernã  de  magalhães  feytoa 
por  Pêro  reynel ,  &  outras  .cartas  grandes  do  caminho 
dos  Portugueses  ate  a  índia ,  &  quarteiroSs  dela  ate 
Maluco ,  &  todos  errados :  &  asst  forfio  achados  os  li- 
uros de  todos  os  pilotos  4as  nãos  da^la  armada ,  &  dos 
verdadeiros  pareceres  dafJJa  viagS :  em  Q  se  achou  por 
eles  mesmos  ser  Maluco  &  Bâda  do  descobrim£to  de) 
rey  de  Portugal :  &  todos  estes  liuros  &;  instromêtos  £>« 
rio  entregues  por  António  de  brito  ao  feyior:  &  tãbê 
foy  achado  Df>ata  nao  hii  Gaspar  rodríguee  Português,  ^ 
estando  em  Ternate  por  fejrtor  de  muyios  Portugueses^ 
ao  tempo  que  os  Castelhanos  «cbegarâe  a  Tídóre  fugia 
pareles,  com  a  fazenda  que  tinha  das  partes,  &  se  hía 
coro  eles  pêra  Castela::  polo  que  António  de  bri-to  lio 
mandou  degolar ,  c5  pregão  que  pubricaua  sua  cuVpa« 
£  estando  esta  nao  .aqui  enrta  deu  á  costa  assi  eoioo 
estaua  carregada  com.  hiia  irouoada  que  sobreueo^  & 
perdeose  cotn  quanto  tinha:  &  esta  (iin  ouue  a  armada 
de  Fernão  de  magalbaSs  &  ele,  ^  foy  jmízo  de  nosso 
Senhor  pola  treiçSo  (}  (ez  a  seu-  rey  em  lhe  <)ner  falsa* 
mSte  tirar  ho  que  era  seu  ,  &  possuya  cè  tãio  }»ato  U-* 
lulo ,  &  cõ  ter  gastada  nisso  tSta  parte  de  sua  fasEfida. 
£  despois  i|  esíes  castelhanos  for«%o  sãos,  os  mXdou  A  ih 
tonio  de  brito  pêra  Malaca:  &  leuouos  dAGarcia  arriba 
Q  partió  pêra  lá  na  entrada  de  faneíro,  de  mil  &  qui** 
nb&tos  &  vinte  três:  onde  foy  ter  em  SetAbro  do  raeSf 
mo  anno.  E  dahi  os  mandou  lorge  dalbaquerf}  pêra  a 
índia ,  donde  lhes  foy  dada  embarcação  pêra  Portugai« 


LlVmO   VI.    CJkPITVLO   XLII.  89 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLII. 

De  como  os  mouros  da  ilha  de  Tidore ,  matarão  vmie 
tantos  Portuaueses.  Pelo  que  se  começou  a  guerra  âtre 
António  de  brito ,  ^  el  Rey  de  Tidore. 

xjlo  tSpo  que  António  de  brílo  começou  de  fazer  a  for- 
taleza,  andaua  hum  tio  dei  Rey  de  Ternate  degradado 
da  mesma  ilha,  ja  do  tempo  de  quando  seu  jrmão  era 
viuo ,  que  ho  degradara  por  causas  que  pêra  isso  iene. 
£  como  este  IfSte  soube  que  el  Rey  seu  jrmâo era  mor- 
to, quisera  que  lhe  fora  levantado  ho  degredo,  &  tor- 
narse  a  sua  terra:  ho  que  Cachil  daroes  estrouou^  te- 
mendo que  se  ho  outro  tornasse,  que  lhe  tiraria  todoito 
mando  que  tinha  na  terra  que  era  muyto  grSde,  E  vS^ 
dose  este  Ifante  sem  remédio,  despois  que  soube  i\  An- 
tónio de  brito  fazia  a  fortaleza,  quis  ver  se  por  ele «e 
podia  tornar  a  sua  terra :  pêra  ho  ^  se  fby  a  cidade  de 
Ternate  &  se  meteo  na  mezquita,  donde  mSdou  dizer 
a  António  de  brito  Q  se  queria  tornar  Christão,  eõ  al- 
gils  outros,  que  lhe  desse  seguro  pêra  entrar  na  cidade, 
porque  se  temia  de  Cachil  daroes  que  logo  foy  disto  a- 
uisado.  E  se  foy  a  António  de  brito  &  íhe  disse:  ^  por 
nenhu  modo  aquele  homS  auia  dStrar  na  cidade,  por 
ser  nela  muy  odioso,  &  se  querer  leuantar  contra  ho 
Rey  passado ,  que  por  essa  causa  ho  degradara ,  &  assi 
outras  muytas  rezôes :  por  onde  não  era  bem  que  tor- 
nasse ,  dando  cor  Q  se  ele  consentisse  que  tornasse ,  & 
que  se  leuantaria  a  terra  contrele:  ho  que  António  de 
brito  temeo.  E  como  ainda  tinha  a  cerca  da  fortaleza 
por  fazer ,  &  tinha  mnytos  doentes ,  nSo  ousou  de  bolir 
consigo:  &  posto  que  lhe  pesou  muyto  de  não  fazer  a- 
Qle  home  Christão,  mãdoulhe  que  se  fosse,  porque  lhe 
não  podia  valer,  &  ele  se  foy.  E  se  este  homft  se  fizera 
Christão,  em  pouco  tCpo  ho  forão  todos  os  daquela  ilha, 
segfldo  auia  pouco  que  erão  mouros :  &  desta  ytt  ficoir 

LIVRO   VI.  M 


to  0A   MiarOEiA    DA   INMA 

a  terra  tão  aluoroçada,  (}  António  de  brito  teue  asas 
que  fazer  em  a  tornar  a  pacificar)  8g  assi  tinha  miijto 
trabalho  em  não  auer  na  feytoria  nenh&a  roupa  ^  gastar 
pêra  auer  por  ela  mantimentos  &couMa  necessárias  pê- 
ra se  fazer  a  fortaleza,  &  muyto  maior  ho  teuera,  se 
não  chegara  de  Malaca  hii  fidalgo  chamado  dd  Rodrigo 
da  silua  ê  hu  nauio ,  em  que  leuaua  fazSda  pêra  a  fey- 
toria,  com  ^  se  remedeou  dalguas  necessidades  que  ti* 
nha,  &  coesie  nauio  vierfto  tambS  algus  jungos  de  Ma<- 
iaca  y  &  de  Banda ,  ^  doutras  partes  y  a  buscar  Oauo 
como  acostumauào:  bo  que  sabido  António  de  brito ^ 
determinou  de  bo  nao  consentir,  porque  queria  .Q  fosse 
iodo  ho  Crauo  pêra  el  rey  de  Portugal ,  por  esse  aer.ho 
fim  pêra  i^  mandaua  ali  fazer  aquela  fortaleza:  &  ma« 
dou  pedir  aos  reyg  comarcãos  em  cujos  senhorios  auia 
Grauo,  que  ho  não  cõsintisaem  vender  a  outrem  se  tiâo 
ao  feytor  dei  Rey  de  Portugal,  Sc,  isto  mandou  especiaK 
mente  dizer  a  el  Rey  de  Tidore ,  porque  soube  que  es* 
tauâo  è  seu  porto  certos  jungos  de  Bàda,  que  com  seu 
íauor  deterininauâio  seus  donos  de  carregar,  &  isto  lhe 
mandou  pedir  S^  requerer  por  hu  António  lanares,  que 
foy  em  hiki  fusta,  com  vinte  tantos  Portugueses,  & 
mandoulive  que  quando  el  rey  não  quisesse  mandar  ir  os 
jungos  de  seu  porto,  que  os  fizesw  ir  ás  bonbardadass 
ho  ^António  tauares  fez  com  tanta  e^iorbítancia  que  el 
Rey  &  a  sua  g^e  fiqou  em  ejitremo  escandalizada  dele, 
inas  poK  Ai^tonio  taiuares  estar  no  mar  &  ter  artelbaria, 
não  ousou  el  Rey  de  bolir  cocle :  &  estando  ele  no  por-^ 
lo  ))era  acabar  de  esgotar  outros  jungos  se  hi  fossem 
carregar,  deulhe  ht%a  toruoada  com  que  a  fusta  deu  a 
costa,  &  Aottonio  tauares  &  os  outros  se  saluarão  em 
1içrra  com  muyto  perigo:  mas  aproueitouthes  pouco, 
p/c)rqu:e  corioo  a  gent<^estauai  escandalizada,  como  os  vio 
a^si  desbaraUdoa^  remeteo  aeles  cõ  suas  armas,  Scma^* 
^a^âonoa  a  todos :  &  tomarão  a  fusta  íic  act^lbaria.  Ho 
^ue  sabendo  António  de  brito,  mandour  logo  prendes 
^Igfi»  carpiaieiroa  dei  Rey  d»  Tidore ,  que  ihe  êpresia«* 


LIVRO  VU   CAFITVLO  XLIf.  91 

Th  pêra  fazet  hu  nauio  que  lhe  faíift ,  &  despe»  de  os 
prõder,  mandou  dizer  a  el  Rey  deTidore  ho  porque  os 
prendera ,  requerèdolbe  que  lhe  mandasse  logo  as  ar- 
mas dos  Portugueses,  a  fusla,  &  artelharia  que  lhes 
fora  tomada ,  &  os  mouros  !\  os  matarSo  pêra  fazer  jus- 
tiça deíes,  ao  que  não  satisfazendo  el  Rey,  determinou 
António  de  brito  de  lhe  fazer  guerra:  ho  que  IheCacbrl 
daroes  cõseihaua  que  fizesse,  pêra  ter  dele  mais  oeces^ 
sidade  do  ^  tinha,  &  dizialhe  ^  se  deixasse  assi  passar 
aquele  atreuiménto  dei  rey  de  Tidore  que  cada  dia  ho 
teria  pêra  ho  oífôder:  &  que  a  raynha  &  seu  filho  ho 
ajudariâo  posto  que  ela  fosse  filha  dei  rey  de  Tidore  & 
ele  seu  neto:  o  q  era  contra  rezão,  nem  a  rainha  ho 
quis  fazer,  &  posto  que  não  fosse  de  praça  secretamen<- 
4e  mâdaua  aos  seus  que  flão  ajudasse  a  António  de  bri- 
to cõtra  e)  rey  seu  pay,  &  que  se  leuantassem  contra 
os  Portugueses.  Do  ^  Cachil  Daroes  auisou  logo  Antó- 
nio de  brito,  &  lhe  conselhou  que  metesse  a  raynha  & 
seu  filho  na  fortaleza,  &  que  coisso  seguraria  a  terra  de 
iodo.  £  sobristo  ouue  António  de  brito  conselho  coes- 
ses  fidalgos  &  caualeyros  i\  estauão  coele ,  &  os  mais 
deles  lhe  aconselharão  Q  por  nenhu  modo  bolisse  com  a 
raynha  nem  c5  el  rey,  porque  metendo  os  na  fortaleza 
86  leuantaria  a  gente  contreles  &  Cacfail  Daroes  nâo 
«eria  poderoso  pêra  os  apactficar ,  que  melhor  seria  le- 
uar  a  raynha  por  bê*  E  António  de  brito  não  quis  to» 
inar  este  cõselho  pola  instrução  que  linha  de.Cachtl  Da» 
roes :  &  querèdo  ho  poer  em  obra  soubeho  a  raynha  & 
fugio  pêra  hiia  serra  &  dali  se  passou  pêra  seu  pny  &  ho 
rey  ficou:  &  porque  não  fugisse  lambe  recolbeoo  Ali* 
tonio  de  brito  na  fortaleza  tratãdobo  como  rey,  que  era 
cõ  todo  seu  estado  sem  lhe  faltar  cousa  neobiia.  £  com 
tudo  vendo  a  gSte  da  ilha  como  ho  seu  rey  esiaua  me*^ 
tido  na  fortaleza  &  ho  não  detxauão  sayr  dela  ficarão 
muy  descontentes  parecSdoihe  que  era  preso^  &  ouue 
algOs  aluoroços  em  algús  que  Cachil  Daroes  apajSfou, 
mas  não  que  a  gente  ficasse  de  todo  b6  com  António  de 

M  2 


92  VA   HISTORIA    DÁ    íffDtA 

brito  nem  bo  querião  ajudar  na  guerra  cSlra  el  rey  da 
Tidore  por  ser  pay  da  sua  rayoha:  do  que  Anlonio  de 
brito  esiaua  muj  agastado,  porque  por  ter  poucos  Por- 
tugueses &  doentes,  &  linha  a  fortaleza  por  acabar  não 
ousaua  de  os  apartar  de  si,  nem  de  os  auenturar  á  guer- 
ra: &  a  que  queria  fazer  a  el  rey  de  Tidore  Qrialha  fa- 
zer com  os  Terna tes  cõ  propósito  de  Ibe  derrabar  coeJes 
«eu  poder :  pêra  que  quando  os  Portugueses  fossem  te- 
uessem  menos  que  fazer,  pêra  o  que  pedio  conselho  a 
Cachil  Daroes  que  lho  deu  muyto  bS,  &  foy  Q  mâdasse 
pregoar  polas  pouoações  da  ilha  que  qualquer  pessoa 
que  leuasse  cabeça  de  Tidore  a  António  de  brito,  ou 
lho  leuasse  caliuo  que  Ibe  daria  por  cadahu  hu  pano  fi- 
no. E  como  erSo  cobiçosos  por  ganharem  aquele  preço 
começaríão  logo  de  fazer  saltos  na  ilha  de  Tidore ,  co^ 
ino  começarão,  &  erão  tantos  os  ^  matauflo  que  não 
auia  panos  que  abastassem  pêra  lhos  psgar,  &  tambft 
dos  Ternates  morriSo  muytos ,  &  desejarem  seus  pareis 
tes  &  amigos  de  vingarem  suas  mortes  foy  causa  de  a 
guerra  se  atear,  &  começouse  de  fazer  muy  crua  dam*- 
baa  as  partes,  &  os  da  ilha  de  Bachã  &  deGeilolo  aju* 
dauâo  tambfi  aos  Ternates  por  amor  de  ganbarfi  os  pa- 
nos. E  com  toda  esta  gente  que  era  contra  el  rey  de 
Tidore  desejaua  ele  tão  pouco  paz  nem  amizade  com  es 
Portugueses  pelo  escândalo  que  tinha  deles  que  Donca 
a  pedio  a  António  de  brito,  n6  se  lhe  desculpou  do 
passado.  E  neste  tSpo  mandou  Anto|iio  de  brito  desco- 
brir outra  nauegaçã  pêra  Malaca  pota  via  da  ilha  deBor* 
neo,  que  Ibe  di8serâk>  qneera  mais  breue  que  a  da  ilha 
de  Banda,  &  mãdou  a  isso  ê  bfi  nauio  hfl  Simão  dabrea 
seu  parente  que  partio  de  Ternate  em  lunbo:  &  por^ 
que  não  soube  o  que  lhe  sucedeo  na  viagS  não  direy 
mas  se  não  que  ehegou  a  JMalaca  em  Nouõbro  hii  mes 
despois  de  dom  Garcia  anrriquez  que  fora  pola  via  de 
Banda  y  &  auia  onze  meses  que  partira  de  Ternate. 


LIVRO   VI.    CAPITVLO   XLUf.  93 

C  A  P  I  T  V  L  O     XLIII. 

De  como  dÓ  Pedro  de  castro  pos  a  obediência  dos  reys  dt 
Zanzibar  ^  Pemba  as  ilhas  de  Querimba  que  Uie  de- 
sobedôciâo. 

Xauernando  dom  Pedro  de  castro  &  Diogo  de  melo  em 
Moçambique  como  atras  fica  dito  chegarão  ao  alcaydo 
-mór  da  fortaleza  hQs  êbaixadores  das  ilhas  de  Zanzibar 
&  Peba :  pedindolhe  que  pois  erão  vassalos  dei  rey  de 
Portugal  lhes  desse  ajuda  pêra  sugigarem  a  seu  senho* 
rio  as  ilhas  de  Querimba  que  sendo  suas  selbes  reuela^ 
rSo  cÕ  fauor  dei  rey  de  JMombaça ,  &  nelas  lhes  tinhão 
tomados  hiis  zambucos  &  morta  alg&a  gSte.  Ouuida  es* 
ta  embaixada  pelo  alcayde  mór  por  quanto  não  era  po- 
deroso pêra  dar  ho  socorro  Q  lhe  pedião  requereo  a  Dio- 
go de  melo  &  a  dom  Pedro  de  castro  que  socorressem 
aqueles  reys,  porque  seria  grade  seruiço  dei  Rey  de 
Portugal.  £  por  Diogo  de  melo  não  poder  ir  foy  dõ  Pe» 
dro  sem  ele,  &  foy  no  batel  da  sua  nao  cõ  arrombadas, 
&  escolheo  pêra  ir  no  esquife  Christouão  de  sousa ,  de 
que  faley  nos  liuros  atras  ^  hia  por  passageiro  &  leuaua 
a  capitania  de  Chaul ,  &  coele  &  com  dÕ  Pedro  forSo 
outros  fidalgos  &  gente  darmas  em  paraós  da  terra ,  & 
serião  por  todos  passa  te  de  cê  homês  dos  nossos.  £  in- 
do ao  longo  da  costa  chegarão  a  hila  das  principais  ilhas 
das  de  Querimba  hfl  bÕ  peda^  antes  de  sol  posto,  em 
^  auia  htla  pouoação  de  mouros  &  eslaua  em  goarda 
dela  hH  sobrinho  dei  rey  de  Mombaija  com  gête  degoar- 
niçâo  &  coela  ajuntou  toda  a  da  terra  que  era  muyta: 
&  vendo  vir  os  nossos  cuydando  Q  os  enganassem  say- 
rflo  á  praya  cÕ  mostra  de  paz ,  mas  quãdo  virão  os  qo»> 
006  armados  recolheranse  peia  a  ponoai^So,  &  poSdo  em 
saluo  as  molheres  &  filhos  com  outra  gente  que  não  po- 
dia pelejar ,  &  assi  ho  mais  que  poderão  deixara  se  es- 
tar eom  soas  armas  pêra  defeiider&  a  terra»  £  nisto  eh»» 


94  DA  HISTORIA   DA   ÍNDIA 

gar^  o8  nossos  a  terra ,  &  dom  Pedro  fez  deles  deus 
esquadrões ,  &  ele  com  hQ  &  ChristouSo  de  sousa  c5 
outro  entrara  na  pouoaqão  cada  hu  por  seu  cabo  era  que 
acharão  grande  resislêcia :  porque  ho  sobrinho  dei  rey 
de  Mombaça  era  esforçado  &  cõ  a  gSte  que  tinha  de- 
fendiase  bem ,  &  assi  se  começou  a  peleja  muy  braua 
espalhandose  dÕ  Pedro  &ChrÍ8touão  de  sousa  cõ  os  seus 
pola  pouoaçâo :  &  durando  assi  a  reuolta »  bu  fidalgo 
chamado  António  galuão  filho  que  fora  de  Duarte  gal- 
uâo,  que  ia  com  dom  Pedro  se  perdeo  de  sua  compar 
nbia,  &  buscandoo  com  outros  que  ho  acompanhauão^ 
foy  ter  cõ  sete  ou  oy to  dos  nossos ,  que  pelejauSo  com 
muylos  mouros ,  que  por  serS  muy  tos  os  tratauão  muy 
mal  com  muytas  feridas  que  lhes  tinhão  dado.  E  cher 
gado  António  galuão,  ajudouos  também  que  fez  fugir 
os  mouros ,  &  foy  ajudar  a  Chrislouão  de  sousa ,  que 
estaua  em  grade  aperto  cõ  hils  mouros ,  dentro  em  hua 
casa ,  onde  ho  Christouão  de  sousa  fez  muy  esforçada- 
mente matado  muytos ,  mas  ficou  ferido.  E  neste  tem- 
]x>  na  parle  onde  pelejaua  dom  Pedro ,  foy  morto  ho  so- 
brinho dei  rey  de  Mõbaça,  pelo  que  os  mouros  se  de»> 
baratarâo  &  fugirão,  ficado  muytos  mortos:  &  dos  nos- 
sos ,  forão  feridos  a  fora  Ghríslouã  de  sousa ,  Gaspar 
prelo  seu  criado,  Nuno  freire,  Luys  machado,  &  ou- 
tros algQs,  &  ja  de  noyte  que  se  a  peleja  acabou  se  re- 
colbeo  dom  Pedro  cõ  os  nossos  a  húa  mezquila  junto  do 
mar  onde  estêue  aquela  noyte.  E  por  saber  ante  manhã, 
que  entraua  gente  da  terra  firme  na  ilha  a  se  ajiilar 
com  os  mouros  9  &  tornarS  sobrele,  ho  que  se  podia  fa- 
zer cõ  a  maré  vazia,  mãdou  a  António  galuão  que  fos- 
se cõ  algils  dos  nossos  a  lho  estrouar,  &  ele  não  pode 
ir  logo ,  por  estar  com  febre ,  &  despois  que  foy  bem  de 
4lia  se  foy  ajuntar  com  António  galuão,  &  dera  nos 
mouros  &  matarão  muytos ,  &  fizerão  fugir  os  outros.  £ 
Toubada  a  pouoaçSo  em  que  se  achou  despojo ,  que  va- 
leria duzStos  mil  cruzados^  foy  lhe  posto  fogo  &  ardeo 
4pda :  sem  dõ  Pedro  querer  muylo  dinheyro  ^  lhe  os 


LIVRO    VI.    CAPITVLO   ZLIII.  95 

mouros  dauão  porque  ho  não  fizesse  ^  8&  ele  não  quis 
porque  ficassem  escaraniSlados  ^  &  não  se  leuanlassem 
mais  contra  os  reys  de  Zanzibar ,  &  PSba ,  a  cuja  obe* 
diencia  os  tornou,  &  assi  os  oulros  das  outras  ilhas , 
que  vendo  estes  desbaratados  &  castigados ,  se  torna- 
lão  a  obediêcia  dos  reys :  &  estado  ainda  aqui  dÕ  Pedro 
alagarão  se  os  paraós ,  em  que  os  nossos  tinhâo  carre- 
gado ho  despojo  que  ouuerã  dos  imigos  &  perdeose  to-» 
do:  feylo  isto  partiose  dÕ  Pedro  pêra Moçãbi que,  t&do 
mâdado  diante  Cbristouão  de  sousa  &  os  outros  feridos. 
£  partido  dali  por  ho  batel  ser  muyto  pesado  &  roao  de 
remar  &  dar  muyto  trabalho,  determinou  de  ho  mandar 
a  Merlinde,  pêra  õde  ho  veto  era  a  popa,  &  por  hoba-^ 
tel  ser  grande  sofria  ho  mar,  &  ele  iria  no  esquife  ao 
longo  da  terra  pêra  JMoçãbique,  &  deu  a  capitania  do 
batei  a  António  galuâo,  &  começando  de  caminhar,  es* 
tãdo  dom  Pedro  surto  è  htla  |>equena  enseada,  estando 
ele  dormindo  despois  de  comer,  saiose  dÕ  ChristouSo  de 
castro  seu  primo,  &  assi  os  outros  em  terra,  onde  ou* 
uerâo  bum  recõtro  com  muytos  Cafres,  que  os  tratarão 
tão  mal  y  que  os  fizera  recolher  ao  esquife  muyto  feri*« 
Ú08 ,  &  isto  por  lhes  acodir  dom  Pedro  que  acordou  ao 
arroido,  &  se  não  acodira  todos  lurSo  mortos:  &  ven«^ 
dose  assi  dom  Pedro  tornouse  pêra  ho  lugar  de  ^  parti- 
ra, Õde  achou  ainda  António  galuão  que  nâo  era  parti- 
do, &  aquela  noyte  morreo  dò  Cbristouã  de  castro,  fi- 
lho de  Felipe  de  castro ,  que  foy  hd  dos  feridos.  £  por 
dom  Pedro  ser  parente  Dãtonio  galuão  &  muyto  seu  a* 
migo ,  rogoulhe  que  deixasse  ho  batel ,  A:  fosse  coele  no 
esquife,  &  assi  ho  fez:  &  no  batel  mftdou  por  capitão 
a  dom  Roque  de  castro  sea  jrmão:  &  ele  tornou  a  seu» 
caminho  pêra  MoçãbiQ^. 


96  DA   HISTOltrA    DA  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O   XLIIII. 

Do  qve  Antcnio  galuãofez  em  Catangane  tamãdose  pêra 

Moçambique. 

Jji  indo  ao  longo  da  costa  foy  ler  coele  hQ  zâbuco  car» 
regado  de  manlimStos,  em  que  ião  Portugueses,  &  por 
algíís  respeitos  que  pêra  isso  ouue,  mudou  dom  Pedro 
ho  conselho  de  ir  no  esquife :  &  deixado  nele  por  capi- 
tS  a  António  galuSo,  foyse  diãte  no  zSbuco.  E  António 
galuão  ficou  no  esquife ,  S  ^  passou  asaz  de  trabalho , 
de  fome  &  de  sede ,  com  todos  os  de  sua  companhia :  & 
estando .  três  legoas  de  Moçâbij]  pareceo  hiia  legoa  ao 
mar  9  que  era  hil  zSbuco,  a  que  derâo  caça  cò  ho  es- 
quife a  vela ,  &  fizerãna  varar  em  terra ,  na  praya  de 
hfia  pouoaçâ  chamada  Cotâgone,  pouoada  de  mouros 
que  estauâo  de  guerra  cd  os  nossos.  E  quando  António 
galuSo  chegou  a  terra,  ja  os  moradores  dela  descarrega- 
uSo  ho  zâbuco  que  logo  deixarão,  &  remeterão  aos  nos^ 
808  ê  desembarcado:  &  trauouse  antreles  hua  peleja,  6 
que  06  nossos  ho  fizerâo  tambfi ,  que  leuarão  os  !mígo8 
ate  ho  lugar  a  que  logo  poserão  ho  fogo  t  &  por  lhe  os 
immigos  acodírem  deixarão  os  nossos,  com  que  teuerão 
tempo  de  tornar  ao  zambuco  &  deitalo  ao  mar,  &  acha- 
rão nele  algus  mantimStos,  &  assi  tomarão  algus  paraós 
Q  estauão  no  porto.  Isto  acabado  que  os  nossos  estauâo 
no  mar ,  ex  vê  de  terra  hú  paraó  cÕ  sete  ou  oyto  homSs 
que  chegarão  a  bordo  do  zambuco  Õde  eslaua  António 
galuão,  a  que  h&  velho  que  vinha  no  paraó  apresfitoa 
bu  presente  de  galinhas  &  fruylas  da  terra,  &  disselhe 
por  htl  lingoa  que  trazia  que  era  de  Moçambique,  que 
ho  ia  ver  &  aos  de  sua  cõpanhia :  pêra  ver  homês  que 
sendo  tão  poucos  teuerão  tamanha  ousadia  que  sayrâoS 
terra  a  pelejar  com  tamanho  numero  dlmigos,  &  {|  assi 
lhe  tomarão  o  zambuco  sem  nenhii  perigo:  &  assi  lhe  ia 
pedir  que  lhe  fizesse  mercê  daquele  zambuco  &  dos  pa- 


LIVRO  VU  CAPfTVLO  XLIIII.  07 

raós  ^  tomara  naquele  porto,  &  que  íicarião  por  seus 
pêra  sempre.  E  dizia  isto  de  maneyra  que  António  gal- 
uão  enlêdeo  que  dissimulaua  pêra  lhe  fazer  algõa  trei* 
çSo.  E  entêdendo  isto  fez  que  os  queria  preinder,  & 
disse  ao  velho  Q  ele  tinha  sabido  como  os  daquela  po- 
voação erão  imigos  dos  nossos,  &  lhes  tinhâo  feytos  al- 
giis  males.  E  pois  ele  sendo  dela  lhe  fora  falar  sem  se- 
guro '&  pêra  ho  «nganar  que  ho  engano  auia  de  ficar 
coele,  &  ho  auia  de  catiuar  cÔ  os  mais  de  6ua  compa-^ 
shia:  do  que  ho  velho  &  os  outros  que  erão  mancebos 
ficarão  trespassados  de  medo,  &  deitaranselbe  aos  pés 
))edindo  misericórdia,  &  confessando  que  vendo  qu«  por 
força  ho  nSo  poderão  vScer  quiserão  prouar  de  ho  fazer 
por  manha  com  ho  deter  ate  que  vazasse  a  maré,  <)ue 
vazaua  tanto  que  lhe  auia  de  ficar  ho  nauio  em  seco,  & 
êtão  determinauão  de  ho  tomar:  pedindolhe  que  poisos 
Portugueses  erão  piedosos,  &  quanto  mayores  erros  lhes 
fazião,  tanto  mais  perdo»uão,  &essa  fama  tinhão,  que 
lhes  perdoasse,  &  que  eles  fícariâo  obrigados  a  seruirem 
quaesquer  Portugueses  que  ali  fossem  ter  em  quanto  vi- 
vessem ,  &  lhes  acodirião  em  suas  necessidades :  &  assi 
fao  deixarão  encomêdado  a  seus  decSdStes  l\  ho  fizessS. 
£  António  galuâo  lhes  perdoou  com  condição  que  lhe 
vendessem  algOs  mantimentos  &  que  ho  soltaria  &  aos 
outros.  E  prometendo  ho  velho  que  si  <]eixou  os  man- 
cebos em  arrefens,  &  ele  foy  poios  mantimentos,  com 
que  tornou  trazendo  muyta  gent-e  carregada  de  cabras, 
capados,  galinhas,  ouos  &  outras  mujtas  cousas  pêra 
comer.  E  entregue  tudo  a  António  galuão  soltou  os  ar«- 
reféns,  &  ficou  ali  dous  dias  refrescando  &  neles  fez 
paz  com  os  da  povoação,  pêra  qve  agasalhassem  os  nos^ 
808  quando  ali  fossem  ter  &  lhes  dessem  ho  necessário, 
&  pêra  isso  lhes  alargou  ho  zãbuco  &  os  paraós  que  lhes 
tomara.  E  deixando  a  terra  pacifica  se  foy  pêra  Moça m-- 
bique,  Õde  achou  dom  Pedro  &  os  outros  que  ali  inuer^ 
nauão  fazendo  hCla  casa  de  nossa  senhora  que  se  cha* 
ma  do. baluarte. 

LIVRO   VI.  N 


98  1>Á  SMTOMA   DA  INIHA 

C  A  P  I  T  O  L  O  XLV. 

i>€  eomo  dom  Pedro  de  easiro  che§tm  a  Goa  ^  se  ferde& 

«  nia  nao  na  barra. 

V  inda  a  idoih^So  pêra  a  lodia  «e  partirão  estea  capi« 
ISea  que  ali  inuernauSo ,  Diogo  de  melo  pêra  Ormuz , 
Õde  soube  que  estaua  ho  gouernador ,  &  dom  Pedro  de 
castro  pêra  a  índia  &  chegou  aa  barra  de  Goa  em  Âgos* 
lo.  E  estando  a  geote  ioda  em  terra,  véspera  da  As^ 
8ua)p<2à  de  nossa  senhora  se  leuantou  hiia  Ião  braua  & 
medonha  tormenta  no  mar  que  parecia  que  tudo  se  fun* 
dia,  &  a  nao  de  dom  Pedro  que  se  cfaamaua  a  Nazaré 
por  ser  velha  começou  dabrir  &  fazer  agoa  per  muytat 
partes :  o  que  sabido  por  dom  Pedro  acodio  logo  €K>m  aU 
rua  gente  com  quanto  auia  muyto  perigo  ao  sayr  da 
barra  por  os  mares  andarem  muy  grossos,  &  por  a  nao 
ter  necessidade  de  gente  que  lhe  acodisse  fazia  a  Fran* 
cisco  pereyra  pestana  capitão  da  cidade  ir  por  força.  B 
António  galuão  se  embarcou  em  hum  batel  com  seus 
criados  &  amigos,  &  seys  ou  sete  que  forSo  de  seu  pay, 
&  foy  dos  primeyros  que  acodio,  &  era  tamanho  ho  ma- 
rulho que  andaua  no  rio  por  onde  hia  que  não  hião  a* 
goardando  se  não  quando  ho  batel  auia  de  çoçobrar,  pe* 
k>  que  hum  Simão  vaz  pedío  a  António  galuão  que  ho 
mandasse  poer  em  terra,  &  ele  ho  fez  com  dó  dele^  & 
em  ele  saltando  saltarão  outros  dous,  &  se  acolheram^ 
£  não  he  despantar,  porque  segundo  muytos  me  conta- 
rão ho  mar  &  ho  rio  andauão  tão  espantosos  com  ho  fu- 
rioso vento  que  os  reuoluia,  que  [>arecia  que  querião 
destruyr  tudo :  &  que  era  hum  dos  sinais  dantes  do  dia 
do  juyzo,  &  assi  ho  achou  António  galuão  auendo  tís* 
ta  da  barra  em  que  asdauão  os  mares  tão  altos  que  pa^ 
recía  que  chegauão  ás  nuuSs.  O  que  vendo  algils  mo* 
radores  de  Goa  que  ião  no  batel,  requererão  a  Anloniu 
galuão  que  não  sayse  do  rio  porque  se  perderia.  Ao  que 


LIVRO  VL«  CAiPITTLO  XIX.  99 

ele  respondeo,  que  nâo  cuidassem  que  ia  a  nao  por  ter 
laa  fazenda  &  a  aaluar  q«e  a  nSo  linha,  &  não  ia  se 
não  ajudar  a  dom  Pedro  a  saluar  aquela  nao  que  era 
dei  Rey  de  Portugal  com  quem  viuia ,  por  isso  Q  não 
auia  de  deixar  dir  por  ma>^or  tormenta  que  fizesse  que 
nosso  senhor  os  ajudaria,  &  eles  insislião  que  não  podia 
ir  nem  auia  dir  porque  se  perderia.  E  insistindo  nisto 
o  que  gouernaua  ho  batel  encaminhou  pêra  (erra,  & 
António  galuáo  ho  fez  gouerpar  pêra  a  nao  ameaqando^ 
ho  i}  ho  mataria ,  &  a  qu6  dissesse  que  não  fossem  por 
diante,  &  valeolhe  os  que  leuaua  da  sua  parte,  porque 
00  isso  não  fora  fizerãno  tornar  pêra  terra ,  &  poendo  a 
proa  naqueles  mares  &  rompendo,  por  eles  com  mujto 
perigo  de  sua  vida  por  as  ondas  comerem  ho  batel,  che^ 
gou  (ão  perto  da  nao  que  lhe  lançarão  dela  hQa  beta 
por  onde  ho  batel  foj  alado  a  bordo ,  onde  não  podia 
•chegar  com  a  grande  resaca  dos  mares  que  empuxauão 
•ho  batel  muy  15ge.  £  entrado  António  galuão  na  nao 
com  os  seus  achou  dom  Pedro  com  os  que  estauão  na 
nao  em  muyto  grande  afronta,  por  não  poderem  vencer 
a  muyta  agoa  que  ela  fasia,  nem  prestou  a  ajuda  que 
ele  &  08  seus  lhe  derão.  E  vendo  dom  Pedro  que  a  nao 
não  tinha  remédio  se  não  perderse  mandou  acodir  aa  fa* 
senda  dei  rey  que  lhe  lembraua  mais  de  saluar  que  a 
flua ,  porque  vendo  hum  seu  criado  quã  )3ouco  lhe  ela 
lembraua  a  respeito  da  dei  rey ,  lhe  disse  que  a  man«> 
dasse  oulhar  porque  ae  perdia  toda.  Ao  que  ele  respon- 
'deo  muyto  roeneBcorto :  A  dei  rey  queria  eu  salua,  que 
da  minha  não  me  dá  nada  que  ae  perca.  E  assi  ho  fei 
que  deixou  perder  muyta  parte  dela  por  saluar  a  dei  rey 
«m  que  leoou  assaz  de  trabalho.  E  vendo  por  derradei*- 
ro  que  a  nao  nSo  podia  escapar ,  mandou  dar  aa  vela  & 
varou  em  terra*  que  era  a  maré  chea:  &  coeste  ardil  ae 
aprouey tou  mnyto  do  que  ia  na  nao ,  &  ela  acabou  ali , 
aem  da  cidade  ouaar  ninguém  dacodir  cò  medo  do  ma? 
ae  não  AnU>nio  gahião. 

N   2 


100  lu   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  O  L  O   XLVL 

De  eamo  ho  gauemaáor  mandcu  BaJUsar  pessoa  por  enw 

baixador  oú  Xeque  ismaeU 

Jbistando  ho  goaernador  em  Ormuz  foy  Raix  xarafo  cer- 
tificado que  algus  capitães  do  Xeque  ismael  nâo  deixa- 
uão  passar  as  cáfilas  que  ião  com  mercadorias  pêra  Or- 
muz, dizendo  que  ho  fazião  porque  el  rey  Dormuz  de- 
uia  ao  Xeque  ismael  cinco  mil  xarafins  de  páreas  que 
lhe  nSo  querião  pagar.  E  porque  desta  represaria  perdia 
el  rey  Dormuz  muyto  em  suas  rendas ,  pedio  Raix  xa* 
rafo  ao  goueroador  que  mandasse  rogar  ao  Xeque  ismael 
que  fizesse  alargar  as  cáfilas  pois  el  rey  Dormuz  era  vas- 
salo dei  Rey  de  Portugal  com  quem  ho  Xeque  ismaei  li- 
nha paz  &  amizade:  &  quanto  ao  que  lhe  el  rey  Dor- 
muz deuia  fariSo  conta  &  lho  pagaria :  &  sobristo  man- 
dou ho  gouernador  hfla  embaixada  ao  Xeque  ismael  com 
que  foy  hum  Baltesar  pessoa  caualeyro  da  Ordem  de 
Santiago  que  foy  bem  acompanhado  dalgfls  Portugueses 
de  cauaío  &  piSes  pêra  os  seruirem,  &  foy  em  sua  com- 
panhia Abedala  califa  embaixador  do  Xeque  ismael  que 
niica  se  mais  fora  da  índia.  E  partido  Baltesar  pessoa 
Dormuz  foy  ter  a  hua  cidade  chamada  Lara  em  terra 
de  Pérsia  que  era  de  hum  senhor  mouro  que  se  chama- 
ua  rey  como  disse  oo  liuro  terceyro:  &  era  vassalo  dei 
rey  Dormuz.  E  por  ele  não  ser  rey  verdadeyro ,  Balte* 
sar  pessoa  não  fez  dele  tanta  conta  como  ouuera  de  fa« 
zer ,  &  mandoulbe  hum  presente  que  por  ser  de  pouca 
cousa  el  rey  não  quis  tomar.  E  com  quSto  Baltesar  pes- 
soa determinou  em  conselho  de  se  lhe  ir  mostrar,  pêra 
que  el  rey  visse  ho  aparato  que  leuaua :  &  a  mostra  a- 
uia  de  ser,  não  que  ho  fosse  ver  a  sua  casa  se  não  pas- 
sarlhe  pola  porta.  O  que  Abedela  califa  contra  disse : 
dizendo  que  não  deuia  de  ir  por^  sentia  Q  el  rey  estaua 
escãdalizado  dele,  &  que  lhe  podia  acontecer  algum  pe* 


LIVRO   VI.   CÀPITVLO  XLVI.  101 

rigo.  £  Baltesar  pessoa  por  conselho  dos  nossos  nSo  quis 
se  nSo  ir,  &  ele  &  os  de  sua  companhia  forão  muy  bem 
atauiados  &  acompanhados  despingardeyros.  £  sendo 
perlo  das  casas  dei  rey  em  bOa  rua  estreita  sayolbe  hum 
tiorpo  de  mouros  ao  encõtro,  &  hum  mouro  lhe  deu  com 
hfta  porra  de  ferro  na  cabeça  cõ  que  o  deitou  muyto  fe- 
rido do  caualo  abaixo.  £  nisto  forão  as  pedradas  tantas 
das  geneias  &  as  frechadas  &  zaguchadas,  que  por  pou- 
co que  os  nossos  não  forão  mortos  &  todos  fugirão  por 
dde  melhor  poderão,  &  despois  que  se  ajuntarão  foy  cu- 
rado Baltesar  pessoa  &  outros,  &  partiranse  &  foráo  por 
suas  jornadas  ao  campo  do  Xeque  ismael,  em  que  virão 
muytas  &  muy  notaneis  cidades ,  assi  como  a  de  Xiraz 
que  he  de  Ix.  mil  vezinhos  &  foy  tamanha  em  outro 
tempo  (}  era  muyto  roayor  do  Q  agora  be  bo  Cayro,  & 
daqui  vem  dizerem  os  mouros  da  Pérsia  que  quando  Xi- 
raz era  Xiraz ,  era  ho  Cayro  sua  aldeã ,  &  tornoa  assi 
por  amor  das  guerras  com  que  foy  destruyda ,  &  a  ci- 
dade deTabriz  da  mesma  grandeza,  &  assi  outras  muy- 
tas de  muy  nobres  &  sumptuosos  edifícios ,  &  pouoadas 
de  gente  muy  luzida ,  como  António  tenrreyro  conta  em 
ho  seu  itenerario,  em  que  largamête  escreue  toda  esta 
terra.  £  daqui  foy  por  seu  caminho  ate  cheg<ir  a  h&a 
jornada  do  arrayal  do  Xeque  ismael ,  onde  chegou  hum 
recado  a  Baltesar  pessoa  do  mordomo  da  casa  do  Xeque 
ismael  que  em  lingoa  Persiana  chamão  Vaquit ,  que  se 
deixasse  ali  estar  ate  lhe  mandar  recado  qué  fosse.  £ 
isto  era  segundo  se  despois  soube,  porque  naquele  tem- 
po fazia  ho  Xeque  ismael  hãa  festa  que  na  sua  lingoa  se 
chama  Nouoruz,  que  quer  dizer  festa  da  primauera, 
em  que  se  auiâo  de  ajiltar  quantos  capitães  &  senhores 
auia  em  seu  senhorio:  &  por  querer  que  Baltesar  pes- 
soa &  os  outros  nossos  os  vissem ,  os  mandaua  ali  espe- 
rar por  ser  passo  por  onde  todos  auião  de  passar.  £  por 
este  recado  do  Vaquil  se  deteue  ali  Baltesar  pessoa  dez 
ou  doze  dias,  que  tanto  se  deteuerâo  os  que  digo  em 
passar  assi  de  noy  te  eomo  de  dia :  &  foy  cousa  despan* 


lOC  HA  HISTORIA  DA  INMA 

•to  a  gente  que  passou  de  causio ,  &  os  cattetoe  carre- 
gados de  fato.  E  passada  esla  genle  y  &  alojada  no  ar- 
rajal ,  bo  Vaquíl  mandou  dizer  a  Baltesar  pessoa  ^  fo»- 
se,  &  assi  o  fez.  E  ates  de  chegar  ao  arrajal  obra  de 
hAa  legoa  bo  forão  receber  certos  capitães  com  ate  cio- 
coenla  de  caualo  todos  vestidos  de  festa,  &  por  fazerem 
bonrra  aos  nossos  conuidauSnos  de  quando  em  quãdo 
com  muytas  caixas  de  confeytos  &  outras  fruytas  verdes 
&  com  vinho  que  lhes  trazião  em  garrafas  de  prata ,  & 
assi  forão  ate  bo  arrayal ,  onde  alojados  os  nossos  em 
suas  tendas ,  foy  visitado  Baltesar  pessoa  da  parte  do 
Xeque  ismael :  a  que  mandou  dizer  que  sua  vinda  fos- 
se boa  j  &  que  descansasse  porque  lhe  auia  de  fazer 
quanto  lhe  requeresse,  &  alem  disso  muyla  meroe,  por- 
que queria  grande  bem  aos  frangues  por  aparecerem  na 
índia ,  &  a  conquistarem  quando  se  ele  ieuantara  por 
rey  em  Pérsia. 

C  A  P  I  T  O  L  O    XLVIl. 

De  como  faltcto  ho  Xeque  ismad  sem  dar  despocho  a 
Baltesar  pessoa :  §*  de  como  hum  Jilho  4  Ike  sucedm 
ho  despachou. 

JL  assados  algus  dias  despois  da  chegada  de  Baltesar 
pessoa  ao  arrayal ,  veyo  ho  dia  da  festa  da  primauera  \ 
bo  Xeque  ismael  auia  de  fazer,  em  amanhecendo  foy 
alcatifado  hum  grande  espaço  de  chão  diante  das  ten- 
das do  Xeque  ismael  que  tomaria  dous  tiros  de  besta  ^ 
&  sobre  as  alcatifas  muytas  fotas  de  seda  em  lugar  de 
toalhas,  em  que  forão  postas  muytas  &  muy  diuersas 
igoarias  &  grande  soma  de  garrafas  douro  &  de  prata 
cheas  de  vinho.  E  isto  porque  ho  Xeque  ismael  daua 
aquele  dia  banquete  geral  a  todos  os  mouros  Q  estauão 
no  arrayal.  E  primeyro  que  se  assentassem  a  comer  (or 
râo  dados  da  sua  parte  aos  reys  &  capitães  vestidos  de 
ly^foadosi  cetins  g  veludos  &  outras  sedas  forradas  de 


LIVRO   VI.   CAPITVLO  XLVII.  Í03 

forros  de  pelo  muyto  finoã ,  &  espades  goarnecidas  dou- 
ro &  |)edrar]a ,  no  que  bo  Xeque  ismael  gastou  trezen^ 
los  mil  cruzados,  &  nâ  os  tinha  em  estima  por  ser  muy- 
to  liberal.  £  destas  peças  /orflo  também  dadas  a  Baile- 
sar  pessoa  &  aos  de  sua  companhia.  £  vestidos  todos 
destes  atabios,  assentaraose  a  comer:  &  Bailesar  pes- 
soa com  os  nossos  comerão  em  htia  mesa  hum  jogo  de 
malhSo  da  do  Xeque  Ismael,  que  também  comeo  no  ban- 
quete, &  estaua  vestido  em  biia  cabaya  de  cetim  bran- 
co bordada  de  tela  douro,  &  hum  roupão  encima  de  ce- 
tim laranjado  bordado  do  mesmo.  £  ho  estrado  que  era 
muy  rico  estaua  cuberto  de  froles ,  &  de  todas  as  igoa- 
rias  que  lhe  forSo  postas  mandou  aos  nossos  por  lhes  fa- 
zer bonrra*  Acabado  ho  bãquete  que  durou  muyto  gran- 
de espaço ,  passouse  ho  Xeque  ismael  a  hum  pauelbão 
de  borcado,  junto  do  qual  estaua  aruorado  hum  masto 
que  tinha  na  ponta  húa  guindaresa  pêra  sobirem  &  de- 
cerem  h&a  lança  que  estaua  aruorada  sobre  este  masto, 
&  tinha  na  ponta  afia  maçaã  douro  vazada  tamanha  co- 
mo hfia  laranja  que  tinha  trinta  cruzados.  £a  este  mas- 
to arremeterão  certos  capitães  &  fidalgos  que  estauâo  a 
caualo  em  seus  postos  dila  parte  &  doutra ,  &  isto  ao 
som  de  muytas  trombetas.  £  chegando  quasi  ao  pé  do 
masto  pararão  &  tirarão  a  maçaã  que  digo  com  seus  ar- 
cos, &  o  que  a  derribou  se  deceo  do  caualo  &  a  tomou, 
&  por  honrra  lhe  mandou  ho  Xeque  ismael  dar  de  be- 
ber ,  &  despois  tornou  a  caualgar  &  a  tirar  com  os  ou- 
tros a  outra  maçaã  que  logo  foy  posta ,  de  que  se  gas- 
tarão muytas ,  &  assi  acabou  a  festa  da  primauera.  £ 
despois  disto  por  ho  Xeque  ismael  ser  muyto  doente  de 
epelensía  ou  por  outra  causa  que  se  não  soube  ele  nun- 
ca ouuio  Baltesar  pessoa  antes  ho  andou  detendo  ate 
que  morreo  da  mesma  doença ,  &  por  sua  morte  se  foy 
Baltesar  pessoa  aa  cidade  de  Tabriz,  porque  no  arrayal 
não  estaua  seguro  de  morto  &  roubado,  nem  em  Tabriz 
ho  não  esteue  se  aáo  era  h&as  casas  muyto  fortes.  £  se- 
pultado ho  Xeque  ismael,  socedeo  esi  seu  senhorio  hum 


104  30A   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

SOO  filbo  que  tinha  chamado  Tharoaz  çollSo  de  idade  de 
•quinze  annos :  &  este  despachou  despoís  Baltesar  pessoa 
sem  ibe  conceder  nada  do  que  pedia  nem  fazer  deieoe-^ 
nhã  caso,  &  assi  se  tornou  descontente. 

C  A  P  I  T  o  L  o  XLVIIL 

De  como  se  partia  ho  gouernador  pêra  a  índia ,  ^  de 
como  chegarão  as  nãos  de  Portugal. 

JL/espachado  o  Sbaixador  Baltesar  pessoa ,  partíose  ho 
gouernador  pêra  a  índia,  &  ho  primeyro  lugar  dela  a 
que  chegou  foj  Goa,  onde  achou  Eytor  da  silueira  íilho 
do  Coudel  oiór  que  {)artira  aquele  ãno  de  Portugal  por 
capitão  mór  da  armada  pêra  a  lodia,  &  forSo  seus  ca* 
pitâes  Manuel  de  macedo,  Siinâo  sodré,  dom  Antónia 
dalmeida,  Francisco  da  cunha,  Pêro  dafonsequa,  Vi-^ 
cente  gíl :  &  quatro  destes  capitães  iouernarão  &Eytor 
da  silueira  passou  cÕ  os  outros:  &  de  Goa  se  foy  ho  go*^' 
uernador  cora  bua  grande  armada  aCochim,  &de  cami* 
nho  foy  visitando  as  fortalezas  da  costa,  que  toda  an- 
daua  chea  de  paraós  de  Malabares  darmada  &  roubauão 
os  Portugueses  que  acbauão  desapercebidos.  E  a  causa 
disto  eca  que  como  os  reys  &  senhores  da  índia  estauão 
de  paz,  &  os  Portugueses  nâ  tinhâo  guerra  em  !\  se  o- 
cupar  tratauão  todos ,  &  ho  gouernador  lhes  daua  pêra 
ISSO  licença ,  dízendolbes  quãdo  lha  daua  que  fossem  a 
recado,  porque  os  não  matassem  os  mouros,  de  ^  não 
se  deuião  de  fiar  posto  que  ouuesse  pazes:  porque  quan- 
do as  auía  se  vingauão  eles  do  mal  que  recebião  na 
guerra.  £  isto  sabia  ele  por  experiência:  &  destas  ij* 
cenças  se  seguio  inuylo  mal ,  porque  os  Portugueses  se 
desauergonharâo  tanto  que  não  se  contentauão  coro  tra- 
tar, mas  quando  achauão  nãos  de  mouros  nossos  amigos 
pediãlfaes  dinheiro  porque  os  nã  roubassem ,  &  eles  lho 
dauão  por  escapar.  E  tanto  foy  isto  em  crecimento  que 
06  de  Galicut  se  queixarão  a  seu  rey.que  não  era  Nam* 


>- 


UVItO.Vf.    CAPITVI^O  XWX.  10<> 

J>e«idaHio'  <)ue  auia  pouco  que  falecera,  &  o  t)ue  lhe  8u- 
cedeo  queria  grande  mal  aos  Portugueses ,  &  por  isso 
&  por  ver  quío  mal  se  lhe  goardaua  a  paz:  determinou 
<le  se  vingar  dos  Portugueses ^  &  mandou  armar  em  lo* 
£lo8  seus  portos  9  &  fazer  muytos  paraós  que  seruissem 
de  ieuar  pimenta  a  Meca  quando  não  pelejassem ,  & 
andauSo  os  Portugueses  tão  dissolutos  que  os  mouros  os 
lomauão  desapercebidos  &  matauãnos:  o  que  não  sesa^ 
bia  aleli  por  os  Portugueses  cuydarem  que  os  mouroa 
auiâo  de  goardar  a  paz  &  eles  não* 

C  A  P  I  T  O  L  O    XLIX. 

J)o  §  acanteceo  a  dom  Pedro  de  castro  ^  a  António  yal^ 

uâo  em  CalícuU 

■Hé  iodo  ho  gouernador  visitando  as  fortalezas  da  costa 
foj  ter  aCalicut  ondestaua  dÕ  loão  de  lima  por  capitão 
da.  nossa  fortaleza*  E  estando  no  porto  forão  alg&s  fidal^ 
<gos  jantar  coele,.&  antre  estes  foy  dom  P«dro  de  cas* 
tro,  que.  despois  de  comer  se  foy  aa  cidade  dos  mouro$ 
com  seys  ou  $ete  Portugueses.  E  andando  laa  como  os 
mouros  andauão  daleuanto,  &  tinhfto  dissímuladanQcntQ 
worlos  algus,  quiserão..  fazer  bo  mesmo  a  dom  Pedro: 
querendo  armar  brigas  com  os  que  hiãocoele.  Eele  fa* 
•zendo  que  os  não  entendia  começou  dabalar  pêra  a  forr 
(aleza :  o  que  vendo,  oa  mouros  apertarão  coele  &  feri* 
^anifae  três  ou  quatro ^  que  logo  deitarão  a  fugir.  E  in^ 
ido  asai  acertouse  que  António  gal.uão  ia  em  busca  d^ 
.dom;  Pedro,  acompanhado  de  quatro  liomSs  seus  criaT 
idos :  &  quando  vio  oa  feridos  conbecendo  que  erão  de 
^om  Pedro,  pareceolhe  questaiia  em  perigo  |k>ís  os  seu^ 
^ssí .  vinbão,  &  por  isso  abalou  correndo  pêra  ho  socOP^ 
rer  ou  morrer  coele,  &  a  poucas  passadas  ho  achou,  rot 
deado  de  muytos  mouros  armados :  &  dom  Pedro  os  de- 
tinha que  não  pelejassem ,  dizendolhes  que  porque  não 
goardaufio  a  paz*  £  com  a  chegada  Dantonío  galuão  se 

LlVfiO  vu  o 


]0S  2>A   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

pode  dom  Pedro  retirar  pêra  a  fortaleaa  por  h&a  rua  es* 
treita,  leuaodo  os  seus  diante  &  tícaoJo  detrás  cõ  bo 
rosto  pêra  oe  mouros  ^  que  os  seguião  batendo  os  escu* 
dos  &  brandindo  as  agomias,  &  dando  grandes  euquia- 
das  com  o  que  os  afrontauáo  muyto:  &  nisto  passou  a 
diante  bu  mouro  grande  de  corpo  acompanhado  doutros 
muytos ,  &  com  muyta  soberba  se  chegou  a  dom  Pedro 
pêra  bo  ferir,  &  deteue  a  agomia  por  dom  Pedro,  & 
António  galuâo  &  os  outros  leuareni  de  suas  espadas: 
&  porem  assoberbauaos  tanto  que  António  galufio  com 
licença  de  dom  Pedro  ho  desafiou  que  ele  &  outro  sa 
matassem  coele  soo.  Mas  ho  mouro  que  vio  tanta  con*- 
erusam,  respondeo  fora  de  propósito,  dizfido  que  no 
mar  se  os  fossem  buscar  saberiâo  pêra  quanto  erSo.  {I 
dom  Pedro  lhe  disse  Q  ho  saberia  iogo  se  ele  passasse 
dondestaua :  &  ho  mouro  se  calou  &  deixouse  ficar  com 
os  outros ,  &  dom  Pedro  se  foy  em  paz<  E  eom  quanto 
ko  gouerBador  isto  soube  nflo  fez  iobrisso  cousa  nenbfia^ 
êí  foyse  a  Cochim ,  &  leuou  toda  a  armada  sem  deixar 
BenhÃa  na  costa.  0()  vedo  os  mouros  deCalient  se  em^ 
Imrcarão  logo  darmada  &  passarão  a  vista  de  Coch! :  flt 
}x>sto  4  ho  gouernador  ho  soube  dissimubu ,  e6  o  Q  os 
Mouros  teuerã  tamanha  ousadia  que  entrarXo  no  rio  de 
Cochim  dando  caija  a  algllas  nãos  de  Portugueses  mei^ 
cadores ,  sem  ho  gouernador  ter  de  ver  coiss^o ,  fc  diria 
4  qiíeria  entregar  a  índia  de  pas  ao  gouernador  q  viee^ 
se  no  âno  seguinte :  pelo  (\  os  mouros  se  atreuerAo  a 
Matar  tantoa  Portugueses  Q  nttca  e  tBpo  doutro  goueiv 
ftador  matará  tãtos.  £  eome  ho  gouernador  foy  fi  CochI 
despaeliott  Baatiâe^  de  Sousa  &  Mari!  corroa  a  ^  tinha 
dada  hfia  viag<^  pêra  BSda  ,  pêra  Ade  se  partirão  &  f€fj 
por  capitão  mór  de  três  nauios  Bastião  de  sonsa  que  foy 
ê  h&,  &  Marti  coirea  em  outro  &  Aires  coelho  em  oi»» 
tro. 


UVBO  yU   OAPITVXiO  X«.  107 

CAPITOLO    L- 

De  como  el  rey  Dachem  combateo  a  fortaleza  de  Pacem^ 

JCil  rey  DacbS  como  atras  fica  dito  jjria  tamanko  mal 
aos  Porlugueaes  Q  todo  seu  pQsaiofilo  era  em  fazerlhee 
ho  mal  que  podasse  ^  Sc  em  tomar  a  fortaleza  de  Pacem 
pêra  se  fazer  rey  daquele  reyno^  &  de  toda  a  ilha  d0 
Çamatra  pêra  dali  conquistar  Malaca :  &  despois  que 
por  amor  da  chegada  de  JMartim  Afonso  de  melo  Couti- 
nho aPacem  leuantoa  bo  cerco  da  lortalezai  como  tam-- 
bS  dime  tornou  a  ajuntar  gente,  &  foy  cercar  a  fort^ 
Jeza  de  Paeem  onde  dÒ  André  anrriquez  estaua  ainda 
por  capitão  cõ  a  mais  da  gente  que  tinha  dofite,  &  a 
aaS^  &  que  podia  pelejar  era  muyto  pouca ,  &  por  nfto 
-saber  bo  numero  dela  nS  ho  dos  immígos  ho  nSo  digo; 
joem  BMUos  ho  modo  que  el  rey  Dachem  leue  nesta 
guerra ,  porque  bo  não  pude  saber  per  ordB :  saluo  iQ 
«estando  el  rey  sobre  a  fortaleza  chegou  Bastifio  de  squ- 
4Ht  com  os  capilSes  de  sua  oonserua ,  &  surgío  na  boca 
éo  rio  de  Paeé  que  he  hua  legoa  da  fortaleza ,  nfio  sa- 
bendo como  4Ò  André  estaua  cercado ,  &  por  ser  tarde 
-Bâo  desembarcou.  E  sendo  el  rey  auisàdo  de  sua  che- 
gada, cuydoii  í(|  era  socorro  que  vinha  á  fortaleza;  && 
attles  que  enUraase  nela  deterreinon  de  a  tomar  aquela 
.noyte  confiado  na  mnyta  gente  que  tinha,  &  a^i  bo 
disse  aos  seae  capitSes,  encomendSdolhes  que  esfor^jae- 
aem  sna  gSie  |>era  isso,  representddolhes  (}  como  ca  mur 
roa  &  baluartes  da  fortaleza  erfto  de  madeyra  &  auia 
dias  que  se  fizerão  aoiSo  destar  podres  &  coro  pouco 
trabalho  os  derribarião,  &  derribado  qualquer  lanqo  lo- 
go era  61  rada  &  os  Portugueses  mortos  por  serem  muy« 
to  poucos.  Ecoeste  esforço  forSo  os  immigos  cometer  a 
fortaleza  despois  que  foy  nojte ,  &  deles  com  escopros 
&  macetes  trabalhauâo  por  cortar  ho  muro  pelo  pé ,  ou- 
tros punhão  escadas  &  sobiã  ao  muro  &  baluartes ,  ti* 

o  2 


lOè  lU  BI8T0RIA    DA   INDIÀ 

rando  muytas  frechadas,  outros  irazião  alifanles:  pêra 
despois  de  corlado  ho  mara  com  os  escopros  lhe  poerG 
as  testas  &  ho  derribarem.  E  a  esta  grade  reuolta  aco- 
tIfo  dom  A  odre,  assi  com  os  sãos  como  com  os  doentes : 
&  pêra  ver  o  que  os  imigos  faziáo,  mandou  acSder  muy- 
tas  bombas  de  fogo  poios  muros  &  baluartes ,  cô  que  os 
Portugueses  enxergarão  muy  bem  o  que  os  Imigos  fa- 
ziáo,  &  todos  muyto  esfort^ados  lhes  começarão  de  resisn 
tir ,  hQs  laçando  sobreles  panelas  de  poluora  &  outros 
muytos  arteficios  de  fogo,  &  outros  tirando  myylas  es- 
ptngardadas:  mas  como  os  immígos  erSo  sem  conto  pe* 
Ta  os  poucos  Portugueses  Q  se  defendiSo ,  quasi  j)  nS 
auia  defensam  pareles ,  por^  os  niò  podiâo  caber  polas 
escadas  JJríSo  entrar  polas  bocas  das  bõbardeiraa  a  que 
os  nossos  logo  acodiráo  &  os  fazíão  tornar  as  estocadaa 
&  lançadas,  &  assi  durou  a  peleja  hú  grade  pedaço^  em 
que  foy  morto  hum  dos  Alifantes,  &  tãtos  dos  immt> 
gos  que  os  outros  ouuerâo  por  bê  de  deixar  bocombale^ 
assi  por  verS  ho  grande  numero  dos  mortos  como  por  es- 
tarem muytos  feridos :  &  dos  Portugueses  não  morreo 
mars  que  hâa  molher  que  foy  morta  por  desastre  com 
bfla  frecha  heruada,  &  forão  feridos  algfia,  &  bS  deles 
Toy  Manuel  mêdez  de  vascdcetos,  &  ca  ootros  hoosfis 
baixos.  E  esta  vitoria  foy  milagre  de  nosso  Senhor,  por- 
que segundo  os  Portugueses  erão  poucos,  &  os  Imigos 
muy  loa,  se  ele  não  acodira  com  sua  misericórdia  lifto 
poderão  eles  escapar,  porque  afora  os  !migos  serem 
muytos  erão  muyto  esforçados,  &  aoezados  a  pelejar: 
&  esforçados  por  seu  rey^  que  ficou  muyto  espantads  de 
os  Portugueses  se  lhe  poderem  defender. 


ttvRO  vt.  chnmo  iã.  1D9 

C  A  P  I  T  V  L  o    U. 

De  tonvo  dom  André  anrriquez  despgcu  a  fortaleza  de 

Pacemé 

JSlC  outro  dia  cajdando  do»  André  Q  os  inigos  toi^ 
•tiassèm  a  dar  outro  cõbate,  eiD  amanhecendo  foy  vis^ 
•lar  a  gente  que  esíaua  nos  baluartes  &.  muro  da  foriah 
<leaa,  a  Q  vio  encostadas  muytas  esquadas  que  os  imigus 
deixarão  oõ  presisa  na  noyle  passada,  &  dõ  André  man- 
fdou  a  Simão  toscano  feytor  que  cÕ  aigfls  Portugueses  as 
-fosse  quebrar,  &  assi  ho  fez.  £  nisto  chegou  Bastião  de 
'Bousa  com  os  capitaSs  de  £ua  cõserua,  que  ião  nos  bsh 
teis  com  a  mais  de  sua  gSte:.&  desèbarcados  êlraruo 
na  fortaleza,  &  apartando  dom  André  Bastião  de  sousa 
&  os  outros  capitães^  lhes  coalchi  a  grande  mingoa  que 
tinha  de  gente,  &  de  mantimentos,  que  erà  tã  poucos, 
-que  lhe  não  abastarião  dons  líieses,  &  que  não  lhe  pó- 
dião  ir  outros  dahi  a  seis  mesee  y  &  que  a  fortaleza  era 
de  madeira  cousa  muyto  fraca ,  &  que  os  imigos  a  po- 
dião  queimar  hua  noyte.  £  porque  não  pude  saber  par- 
ticularaiente  a  conerusão  qiie^  se. nisto  iomoU  ,  'uem  ho 
-conselho  que  sobristo  fizerão,  nfi  as  .rezbfts  que  derão 
lio  nfto  digo:  se  não  querendo  tantos  Portugueses  que 
podiSo  bem  defender  a  fortaleza,  a  maior  poder  que  ao 
^delrey  DachS^  &  tendo  mantimentos  narmada  de  Bas- 
tião de  sousa  pêra  ho  te^ipo  que  ho  nerco  pod.era  durar^ 
-despejarão  a  furlaleza  &  a  deixarão  aos  mouros :  &  ta» 
Bianha  foy  a  pressa  de  se  irem,  que  deixarão  toda  a  ai- 
telharia,  cuydãdo  que  corria  muyto  perigo  em  a  embar- 
cara ,  pola  detença  que  nisso  podião  fazer :  &  assi  dei- 
xara a  casa  da  poiuora  chea  dela^  sem  lhe  poerS  ho  fo- 
go primeiro  por  os  imigus  não  sintirfi  sua  ida :  posto  ^ 
*fi  se  quer&do  êbaroar  poserâ  ho  fogo  a  h&s  formigueiroe 
ide  poiuora  l\  iao  dar  na  casa  do  almaaê  deia^  !\  começou 
;cle  arder:  mas  os  moucos  .ho  «pagarão  logo.  Equâdo  vt 


110  JDX   HTSTOniA    »A    ÍNDIA 

rão  a  pressa  que  os  Portugueses  leuauão  polo  rio  abai- 
xo, como  honiêa  que  fugíão,  derão  fogo  a  arlelbaría 
que  lhes  ficaua  &  tirarãoine  coela,  dado  coisso  grandes 
apupadas :  Sc  assi  ficou  elrey  Daebfi  pacificaoieote  ãér 
Dhor  daquela  fortaleza,  tfido  è  muy  to  pouca  côta  os  Por-* 
tugueses :  &  ficou  tão  soberbo ,  que  dali  a  poucos  dias 
tomou  ho  reyno  de  Paceas  j  porque  bo  goueniador  dele 
▼eodo  ir  os  Portugueses  não  ousou  de  ficar  sem  eles  na 
torra  &  leocu  dSsígo  el  rey  que  era  ainda  iiio<^«  E  de»* 
pois  ganhoa  elrey  Dachem  bo  reino  Dauru  comarcão 
deste :  &  elrey  Dauru  fugio  pêra  Malaca ,  onde  ele  & 
lio  de  Pac8  viuião  muy  pobremente.  E  checado  dom. 
André  &  Bastião  de  sousa  ondestauâo  oanaotos^  dete- 
uerâose  três  dias :  &  deepois  Ibrâose  pêra  Malaca  Mxóm 
ohegarão  a  saluamento. 

CAPITVLO    Lll. 

De  côMú  4l  mg  de  sfimâAs  numdêu  fuster  guerra  m  Ma^ 
laca :  ^  de  como  fay  morto  AmriípM  kme  ^  oolror 
capitães. 

I  rey  de  Btntáo  que  era  tmigo  mortal  dosPertugae» 
ses,  não  cii5Kla«a  «fica  se  nflo  como  lhe  faria  guerra  pê- 
ra os  destruir  &  desarreigar  de  Malaca ,  pêra  o  que  de 
GÕtídp  se  apercebia,  E  tSdo  jftlas  oytenta  &  oineo  lan* 
charas  fornecidas  de  muy  ta  &  boa  gdle ,  &  dartelharia 
as  entregou  ao  seu  almirante  La^ximena,  pêra  que  fos* 
se  sobre  Malaca  &  Ibe  fieesse  a  mais  guerra  que  pode 
se :  &  ele  se  partia  ao  faaeré  B  indo  htía  tarde  com  si 
armada  ao  logo  da  costa  oyto  le;{;oas  de  Malaca,  foy  vis- 
to de  Duarte  coelbo  qoe  ia  ê  bfta  naueta  soa  a  laser 
presas  á  costa  do  reyao  de  Pataiie.  E  ponque  sabia  qne 
em  Malaca  não  auia  sospsita  daquela  armada  porque 
não  tomasse  es  Portugoeses  desaperrcebidce,  como  foy 
4ioyte  se  fes  «a  ^olta  de  Malaca:  Ade  cheirado  cfitoo  a 
ierge  4aUiuqtteiQ:  om  qtie  4a.  O  qvè  ealmlo  por  ele  ies 


ÍÁVIL^   VI.    Q4PITVS.0    LIf«  III 

conselho  ^  ê  que  todos  forão  dacordo  que  se  fosse  logo 
pelejar  com  aquela  armada :  porqiae  não  a  desbaralando 
daria  muyta  opressão  á  fortaleza  andado  no  mar^  &  lhe 
tolheria  os  manlimètos  &  mercadoriaa  que  iâo  de  fora : 
pêra  bo  que  logo  partio  dom  SaMho  anrriquez  capílSo^ 
ooór  do  luar  de  Aflaiaca,  que  hy  em  hH  galeão  de  que 
era  capitão  seu  jrmâo  dõ  António  anrriquez,  &  fòrSe 
coele  Duarte  coelho  na  sua  naueta ,  &  Jflaauel  de  bev* 
redo  ê  hHa  galeota ,  &  seia  capitães  outros  em  seis  lan- 
charas,  que  se  chamauflo  Anrrique  leme,  Francisco 
fogaça,  Diogo  leurCço,  Fernão  daluares  cassados,  lohão 
de  seria,  &  Afonso iuys,  Sc  partio  caminho  do  rio  de 
Aluar  onde  estava  Laqueximena  o5  toda  sua  armada,  & 
dõ  Sacho,  Duarte  coelho,  &  Manuel  de  berredo,  por* 
que  06  seus  nauios  efáo  grandes  ião  ao  mar ,  &  as  lan*» 
charas  muyto  perto  da*  tersa ,  i&  indo  assi  armouse  hiia 
torneada  do  noroeste  que  lhes  seruia  a  popa :  o  Q  vendo 
dom  Sancho  anuiinoii  &.fez  sinal  de  conselho*  È  jutos 
os  capitXes ,  lhes  propôs  dom  Sancho  como  aquelas  tor^ 
uoadas  vinhão  com  muyto  grande  vento,  &  pêra  entra*- 
rem  no  rio  de  Muar  que  era  largo  &  fundo,  se  a  agoa 
deceese  faria  tamanho  escarceo  que  os  meteria  no  fun»- 
do,  &  mais  Q  era  tarde:  por  isso  lhe  parecia  bê  mete*^ 
v6se  no  rio  de  Cação  que  era  pequeno  y  &  eslaua  pri«- 
meyro  t\  ho  de  Muar.  Os  Q  erão  ãtigos  na^ia  terra  & 
sabião  b8  da  guerra  fora  todos  daquele  parecer ,  &  di'- 
ttião  Q  se  fieesse  assi :  &os  outros  que  auia  pouco  Q  vie«> 
rSo  de  Portugal  &  são  sabião  da  guerra  disserão,  Q  aquie- 
to era  medo  &  que  não  se  auia  de  fazer.  £  por  ser# 
mais  que  os  outros  Ic  terem  mais  vozes,  se  assentou  em 
tomarem  seu  parecer :  diafidolhe  os  outros  que  quando 
se  vissem  cõ  os  immígos,  então  se  saberia  qufi  auia  me-- 
do.  £  em  partindo,  &  sendo  mea  legoa  do  rio  de  Muar 
desfecha  a  t-orooada  &  dá  na  nossa  frota:  dom  Sancho, 
Manuel  de  berredo  &  Duarte  coelho  que  híãe  de  lar^o 
amainarão,  &  os  capitães  das  seis  lãcbaras  derão  cftsigo 
dentro  ao  rio  de  Muas^  &  três  iâo  diante  çon  «  foD^jik 


1 1 C  1>A   RI«TOHIA    DA  WmL 

do  vento  rompendo  pela  grande  manjUiada*' que  ho  rio 
fazia,  furão  dar  antre  a  armada  dos  iinmigos,  de  quo 
iago  aJgús  06  aferrarão,  &  como  era  mujtod  &  os  Por* 
tugueses  poucos  matarãnos  a  todos  »  &  eõ  iio  praser  quo 
os  mouros  receberão  4e  ver  os  Portugueses  daquela  ma* 
i^eyra  &  terS  'por  certa  siia'morte,  ileuStarSo  tamanha 
grita  {|  reíenia  por  tudo  ao  detredor:  &  após  ela  desfc»* 
charão  seus  sinoa ,. bacias ,  &. outros  instromôtos,  que 
isso  abastara  pêra  alagar  os  Portugueses ,  quanto  mais 
èo  grande  escarceo  da  ag;oa  que  alagou  a  Jancbara  da 
Francisco  fogaça,  &  Dãrrique  leme^  que  com  quãtot 
ião  c6  ele  forão  afogados ,  &  assi  os  xíe  FrãciajBo  fogaça 
aaliio  ele ,  &  outros  Ires  :.&  a  oiiira  foy  varar  è  hiía  va- 
sa onde  se  méteo  toda,  &  valeoihe  í[  era  ja  noyte  8cfa- 
sia  escuro,  &  por  isso  os  mouros  os  não  forão  acabar  de 
«atar:  &quis  nosso  Senhor- -dar.  tamanho  eaforço  aFran* 
cisco  fogaça  &  aos  outros  Ires.^  quenie  pegarão  na  Aan^ 
chara  éncomendandosé  a  aossia  Senhora,  &  assi  como  a 
ebaraarão  com  muyta  deunçAo^a^sirela  lhes  valeo,  que 
BS  mesmas  ondas  que  alagarão  a  lanchara^  a  leuarão  a 
^rda  da  vasa  ê  ^ue  a  outra  /oca  varar,  &  ajuntandose 
Francisco  fogaça  &  seus  cdpanhelros  que  eaiauão  nela^ 
vazarão  a  sua  da  agoa  t\  tinha^  &.cõ  trabalho  im^nsoa 
poserão  em  nado  estando  ja  ho  rio  marnso ,  &  fiseranM 
]M-e8tes  pêra  que  em  amanhecSdo  se  fossem  pêra  boga* 
íeão  de  dom  Sancho.,  porque,  tioutro  modo  nâo  tinbâe 
«aloação  segudo  a  muúidâo  dos  Iroigos:  que  siniiudo 
«orno  estes  Portugueses  estauão  no  rio  fioseranse  a  lerta 
]>era  em  amanhecSdo  darê  aobreies  ,  &  Àssi  ho  fízerão.t 
que  3  saindo  do  rio  com  a  lus^do  dia,  espedense  cinc# 
láeharas  dos  mouroa  d^pus  eles  remando  a  boga  arrau* 
cada^  &  alcançados  nounaros  a.bâJrroarão,.acometen«^ 
doo8.com  brauo  impeto  de  grílaa^  sõ  deânstcomCtos^ 
&  muytas.freohadas^  lamçadas.^  &  arremeaos^  a  que  oa 
Portugueses.,  resistirão  iJom.  maraftiíhoao  «feforço ,  &  le^ 
liando  fadiga  grandidsíma  em  sai  defender^  &  matado  & 
Jecindá)  jBiuytoBidos  iopufiof^.&çnocx^o ideies  algus  &  fir 


cando  feridos  muytoe^  se  desetnbara^aTAbedM  iiio)ircs&;> 
se  acolherão  ao  galeão  de  dd  SaDcho^  ^ue  sabendo  ho) 
que  passaua  mandou  recolher  ao  gsUeão.ot^fjeridod^,  úe^ 
que  hu  Sdj  Francisco  fogaça.  ^R  querendo  àam.  Sancho 
vingar  aquele  dano ,  sem  mais  cè^elho  mandoo  a  Ma*^ 
i)uel  de  berredo  ^  &  ao  capitão  da  lancl^ara  de  Francis** 
CO  fogaça,  que  fossem  surgir  na  boca  do  rio  de  Muar, 
parecendolhe  que  abastariâo  perá  detérê  os  !migos  que 
não  saíssem  do  rio,  &  que  enlretanlo  veria  veto  (por- 
que, era  calma)  &  ele,  &  Duarte  eoelfao  sé  irjft  ajuntar 
coeles,  &  defenderião  os  immigos  que  nSo^saissem  do 
rio,  &  mãdaria  recado  a  lorge  dalbuíjrque,  que  }he\ 
naridasse  socorro  p^ra  pelejar  coeles :  &  Mlinuel  de  ber* 
redo  &  bo  outro  capitão,  com  quãlo  virão  que»  dom  Sai)-' 
cho  lhes  mandaua  cousa  muyto  desarrezoada ,  porque 
pêra  a  grãd«  multidão  dos  immigos,  claro  estaua  que; 
bo  perigo  era  ma^to  certo,  &  porque  não  parecesse  que» 
bo  temião  forão,  por^m. ainda  bem  não  chegarão  a  bo- 
ca do  rio,  sem  lhe  os  mouros  dar6  lugar  ptera»  surgifrem 
es  aferrarão,  &  em  muylo  pouco  espaço  os^sumirão  ma*i 
tandoos  a  todos ,  &  tomara  a  galeota  &  a  lanchara :  âc» 
coesles,  &  com  os  que  morrerão  dentro  no  rio  afogados^ 
&  a  ferro,  forão  por  todos  sesenta  &  oinqao  Portiigue*' 
ses,  &  atreles  morreo  afogado  Ânrrique  leme  -imtíyto  es- 
forçado caualeyro  como  atras  disse,  &  dos  das 'fustaai 
que  se  alagarão  se  saluou  anado.hum  Thome  lobo^  qu^ 
se  foy  por  terra  a  Malaca,  &  pps  noue  dias  no  eaminba 
por  andar  de  noyte  somente,  Sc  ainda  poueocimi-  medo 
dos  Reymões,  &  doutras  muytas  &  feras  airmarias  que 
ha  pola  terra:  &  pela  ocupação  que  os  moiros  teuerãa 
em  matar  Manuel  de  berredo  &«o8  outros^  não  entende^ 
ião  em  dom  Sancho,  &  em  Duarte  coelho,  que  se  .os 
cometerão  ouuerão  de  passar  mal,  ou  perder  as  vidas 
segundo  os  mauros  estauão  vitoriosos.  B  vendo  dom 
Sancho  a  cousa  como  passaua ,  &  que  oão  podia  faser- 
nada  que .  prestasse  contra  os  immigos  ^  acolbèose  <i)«fra^ 
Malaca  cosa  ho  ySlo  que  Ibe  sobretieo.  -E-L^ueitiiiifffkb 
Livao  VI.        '  p 


114  im:  SI«K>«IA  D$k  wmà. 

como  er*  MÒedOr  na  g^uorra,  &  conhecia  que  ho  dano 
qua  fiíera  aos  iiossoi  fora  mais  por  desastre  de  mao  re- 

SimeotOi  qua  por  couardia  dos  Poclugueses,  &  esforço 
«  sua  gaaU  ooolODlouse  ooin  ho  foyío,  &  nio  quer«n-> 
do  osperar  a  viogan^  que  os  Portugueses  quereriâo  to« 
mar  do  passado^  pariiose  pêra  Binlaiki^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    LIII. 

Da  cume  /oy  tomada  kú  twuio  na  cidade  J0  Pâo^  onde 

/of-ia  mort»  aig^  Farisugueses. 

X  oTModo  doai  SaacKo  a  MaJaca  quisera  tornar  a  bua* 
car  os  monrus  ^  &  por  saber  que  erio  idos  se  deixou  ea- 
lar«  E  lorge  dal¥uquerque  deu  Jiceuça  a  hfi  Aoiooío  de 
]Maa  >  mo^u  da  iNiuiara  dei  Rey  de  Portugal ,  que  fosse 
em  hik  junge  seu  á  ilba  de  iaoa  y  a  fazer  faxenda  aua  Sc 
de  par  loa,  ik  forJM>  em  aua  coropanbia  ires  Poriuguesea, 
de  ^ue  bi\  se  cbamaua  Bernaldo  drago  hoBEiA  aotigo  ena 
Bllalaea«  £  toroaodose  da  laoa  pêra  Malaca  y  arribei» 
com  tempo  á  cidade  de  Pão  situada  na  oosta  perto  de 
11  alaca »  eujo  tey  sendo  amigo  doa  Poriugueses ,  el  rey 
da  Bial&o  lossata  por  geocro  dandolbe  bfta  aua  fiàba  poc 
melhor:  fc  a  eausa  que  lio  moueo  a  esle  parentesco  íoj 
porque  eale  rev  fizesse  guerra  aos  Portugueses  ^  cdt»- 
•oauSo  muylo  ue  seu  porto  &  a  costa  do  aeu  reyno.  £ 
eale  eaaamento  fojp  muylo  secreto ,  porque  em  quâta 
nSo  ae  soubesse  el  rej  de  Páo  fizesse  mujío  dSno  soe 
Portugueses  secrelamOie.  £  sem  eks  sabwem  a  canaa 
eoaiQ  passaua  foji  Anlaoio  de  pina  tcsr  ao  porto  deata  e>* 
dade  de  PSo.  £  cuidado  ele  ^  el  rej  era  amigo  dos  Por- 
tugueses como  dàlea  y  mSdou  a  terra  basear  mSlimStoa. 
£  sabSdo  ei  rejf  como  ho  jwgo  estaua  no  perto,  mâdou 
pregutaj:  a  Anloaíe  de  pina^  sa  lhe  era  necessária  de 
8i*a  cidade  maia  algâa  oram,  &  ^l.  lha  midaria  dar  de 
boa  vâlade ,  9l  mftduulhe  mujrto  refreaee :  &  a^la  ney te 
de^pechott  sele.  lâohara»  oS  dozfitos  &  ey tania  faomSa  da 


lAvuo  VI»  oâPiwXiO  um.  115 

peleja^  afeita  os  remeiroa,  que  erão  ho  dobra:  qtie  em 
amanhecendo  abairxoarão  ko  juago  per  todaé  as  parlea. 
£  Antoaio  de  pina  ^  Bei^naldo  drago ,  Sl  oa  ouirot  dous 
Portugueaea  pelejarão  ate  que  maia  não  poderão,  k 
deapoia  de  inatarS  algíia  doa  foiigoa ,  foy  morto  ho  acri- 
uão  do  ÍQogo:  &  António  de  pina^  Bernaldo  drago,  k 
outros  dous  Portugueses  folfio  ealiuoa ,  &  ho  juogo  to- 
mado com  qoaolo  linha  ^  &  todo  iby  entregue  a  el  rejr 
de  PãOy  que  muyto  ledo  mandou  logo  oa  catiuoa  a  el 
•rey  de  Binião;  qoe  deipoia  Ihea  cometeo  j)  ae  tornaasê 
monroa,  fazeodolhea  grandea  ameaçia  ae  bo  não  quiaea- 
sem  ser»  E  elea  com  muyta  eonatanoia  lhe  respcwiderâo 
que  fizesse  bo  que  quisease  j  pet que  nflo  a  «ião  de  dei* 
xar  a  soa  tey  ^  era  a  verdadeira ,  por  tomarem  a  aua 
aeita  que  era  toda  falsidade.  E  Temlo  et  rey  (|  estaoSo 
firmea  ê  seu  propósito^  mãdoo  meter  cada  ha  por  sl  6 
hua  b&barda  &  desparar  eoelea^  &  aaaí  forão  eapeda^a- 
^oa  por  coorfessarem  a  noasa  aanta  fé,  &  morrerão  innr- 
tirea.  £  diato  nlo  M  soube  erm  Malaea  da  hi  a  bã  b^m 
iempo. 

C  A  r  I  T  V  L  O    LIIIL 

I>€  oomo  Jby  mmrto  Andn  de  btytú  mo  porto  Jk  Fão  ^ 

«tMrof  PormguaeSé 

Há  antea  de  ser  sabido  mSdou  lorge  datbu<|uer])  a  dom 
Sacho  que  foase  fazer  presas  á  toáta-  de  Palane ,  &  foj 
no  galeS  de  que  era  capitão  dom  António  seu  jrmão, 
em  que  lenar ia  bem  trinta  PorUrgtteaiv  i  &  ft  oMro  na* 
^uia,  foy  AinbffOtfio  do  Mgo  ^  ^ué  levaria  evtrae  tantos: 
&  ele  partido,  chegou  da  Inclia  a  Malaca  André  áé  bri- 
to ,  que  ia  na  sua  nao  que  ja  disse  atras.  E  como  leua* 
ua  iifta  Ifeearça  do  fouérnaifor  que  trstaasc  pet  oiide^ui- 
•aesae,  ed  aprati mento  de  lotge  dalbuqverque  ae  partio 
•pêra  Siio^  leeando  cmiaigo  em  sim  eompaahm  ate  dova 
PoTtogueBee )  fe  de  eaminbo  taraanáo  de  fiíflo  eurigfa 
PAo  para  tomaor  aaantimtloe»  £  aabfsidoo  H  êef-^ 

p  a 


ir6  OÁ  HISTORIA   PA   INDIIL* 

mandou  sobrele  suas  lancharas,  de  i}  amanheceo  hâdm 
cercado :  &  por  os  Portugueses  serem  poucos,  fora  Jogo 
ahalrroados,  mas  sobre  a  entrada  dos  mouros  na  sao, 
foy  couaa  espantosa  ver  como  os  Portugueses  a  defen- 
diSo ,  ferindo  bQs ,  &  matado  outros ,  &  não  auèdo  pav- 
te  na  nao  a  (|  nãk>  acudissem  com  ptósteza  marauiíhosa : 
-]M>r6  como  erâo  poucos,  &  os  mouros  sem  conto,  que 
'podíâo  pelejar  em  roda  viua,  porcj  cansando  btis  Strauák> 
outros ,  ho  que  os  Portugueses  não  podiâo  fazer ,  com^ 
carão  de  cair  hfls  mortos,  outros  ^uasi ,  das  muyto  grâ- 
.des  feridas  que  tinbSo ,  &  assi  íbrâ  pouoos  &  pouco8(, 
ale  que  nSo  ficou  mais  que  bd  jrmão  Dandre  de  brito 
(a  que  não  soube  bo  nome)  j]  pelejaua  com  bua  espada 
dambas  as  mãos ,  com  que  fea  t^ousas  tão  marauilbosas:, 
^.  os  imigos  cuydauâo  que  era  diabo,  porque  duas  vezes 
axorou  a  nao  deles  com  e8|>atosa  matança ,  &  da  8egui>- 
da  vêdose  tão  desfalecido  das»  for^s  &  tão  cansado,  que 
não  se  atreueo  a  d^fôderse  mais  ^  &  por  não  ser  catiuo, 
ou  morrer  a  mãos  dos  nK>uro8,  atou  muyto  depressa  nos 
pés  duas  camarás  de  falcão  &  deitouse  ao  mar:  .&  dei- 
tado, tomarão  os  mouros  a  nao.  £  isto  soube  despois 
por  hum  Francisco  de  brito  Christão  da  terra,  que  ia 
'ba  mesÂa  nao  por  (eytoV  &  Hngoa  Dandre  de  brito,  que 
por  ser  da  terra  ho  não  matarão  os. mouros,  £&  foy  des- 
pois ter  a  Malaca. 

*  í 

C  A  P  I  T  V  L  o     LV. 

Me  camú  i6  Sacho  ârriquez^  ^  dó  AnUmio  ârriquez  /o- 
râo  tnortos  no  p^io  de  Pão y.^  lhes  faj^  tomado  hú 
.    galeão* 

JL/om  Sicbo  qne  partio  de  Malaca,  pêra  Patane  cò 
'Ambrósio  do  rego  chegou  lá  em  paz,  &  despois  de  far- 
seer  ao  que  ia,  que  nào  conto  porextsnso  polo  não  sa* 
ber ,  lornouse  com  Ambrósio  do  rego ,  &  leuando  a  rota 
00  Malaca :  apartaranse  com  hú  temporal  que  lhes  deu^ 


híVkO  VT.    CAPITVLO   LT.  1  fíf 

&  Ambrósio  do  rego  que  ia  mais  ao  mar  que  dÒ  Sacho 
fiegu-io  auante,  &  dom  Sancho  que  ia  mais  á  lerra  arrN 
bou ,  &  foy  tomar  a  barra  de  Páo  Õde  surgio  ^  cuydãde 
que  el  rey  era  ainda  amigo  dos  Porlugueses ,  &  se  dei^ 
-xott  estar  ate  ho  outro  dia  que  abonançasse  ho  iSpo*  £ 
estado  ali  ho  mandou  ei  rey  visilar  com  hu  presente  pê- 
ra saber  quem  era,  &  sabendoho  ho  tornou  a  mâdar  vi- 
sitar cÒ  mais  magestade,  mandandolhe  a  boa  ora  de  sua 
TÍada  com  muytos  ofiTrecimentos  damizade,  &  alguns  va» 
cas  &.  bufaras  &  outros  mantimSlos,  &  tudo  isto  foy  ce- 
uo  pêra  ho  tomar»  £  foy  acerto  que  ao  dia  dantes  fora 
ali  ter  Laqueximena ,  &  determinando  de  tomar  algiis 
Dauios  nossos  que  sabia  que  tomauão  aquele  porto,  me- 
teose  dentro  no  rio  &  tinha  escondida  sua  armada,  que 
era  de  trinta  lancharas:  &  sendo  anisado  por  el  rey,  de 
-como  d5  Sancho  estaua  na  barra ,  sayolhe  em  amanhe- 
cendo leuando  em  sua  companhia  dez.  lancharas  dei  rey 
que  erão  corenta  em  que  ião  mil  &  duzentos  homês  de 
peleja,  &  os  Poirtugueses  erãò  trinta.  £  quãdo  dom  San- 
cho vio  tanta  gSte  sobresi  &  que  não  tinha  nenhil  remé- 
dio se  Dão  pelejar,  disse  aos  Portugueses:  Cõpanheiros 
com  a  esperança  em  orossoSenhar  que  nos  dará  esforço , 
não  temos  outra  saiuação  se  não  pelejar  bem,  &  da  sua 
parte  vos  peço  que  queirais  ates  morte  cõ  honrra  que 
catiueiro  cÔ  vitupério*  E  coisto  repartio  ai|les  trinta  õ 
ambos  os  bordos  do  nauio,  &  a  proa  deu  a  seu  jrmão,  & 
ele  ficou  na  popa,  &  em  cada  parte  destas  auia  sete  lio- 
mSs,  saluo  na  proa  &  popa  que  auia  oyto  6  cada  h£la, 
&  os  Smigos  qne  os  virão  tão  poucos  começarão  de  gri- 
tar com  prazer  de  os  terem  por  mortos :  &  apartandose 
qualro  lancharas  cercarão  ho  miuio  polas  quatro  partee 
que  digo,  aferrado  por  todas  elas,  &  começase  húa  me- 
donba  peleja ,  os  mouros  por  entrar ,  &  os  Portugueses 
por  tho  defender :  &  estas  quatro  lancharas  esieuerâo 
hum  pedaço  aferradaa  sem  a  gele  delas  poder  entrar  no 
nauio,  &  foy,  morta  algiia  parte  dela,  &  doa  nossos 
muyto  feridos  &  algiis  mortos:  &  não  podendo  os  moor 


118  DA   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

ro8  mais  sofrer  a  batalha  apartarão  se  pêra  chegareis  o  o* 
íros  de  refresco.  E  do  Sancho  vendo  que  se  os  seos  es- 
leuessem  assi  repartidos  l\  os  auião  os  mouros  de  desbaib- 
ratar  mais  asinha,  recolheos  lodos  á  tolda,  parque  att 
tinhão  roais  com  que  se  fortalecer,  &  se  vingariâo  bm^ 
Ihor  dos  immigos  antes  que  morressfi,  &  assi  foy,  que 
matarão  tantos  que  estauáo  hOs  sobre  os  outros :  mas 
como  os  mouros  erão  sem  c5to,  &6trauão  hiis  de  refres^ 
CO  cada  vez  Q  outros  cSsauâo  ,  &  eles  não  podiâo  fazer 
outro  tãto:  carregarão  sobre  eles  tãtas  feridas  Q  muitos 
mortos  delas ,  &  outros  de  fracos  do  muy to  sãgue  í\  ti- 
nhão perdido,  &  cassados  do  tmfiso  trabalho  da  peleja 
cairão  todos,  &  assi  leuerlo  os  mouros  lugar  de  osfitrar, 
&  acabarão  de  matar  os  j)  estauão  meos  viuos ,  que  a 
neohii  perdoarão  polo  grÂde  dano  que  tinhão  fejlo  noa 
Imigos:  è  cujo  poder  ficoo  ho  nauio  oõ  mujta  &  boa  ar- 
ielharia  Q  ienaua. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LVI. 

De  como  lórge  dalbuquerqtu  mandou  ptdir  Bo€arro  ân 
youerfwáar  éa  índia  ^  lho  mandím.  E  de  eomo  bo 
gouemadw  fag  hmirnar  a  OrmMZ. 

./jLmbrosio  do  rego  com  bo  lemporal  que  disser  \  dera 
a  ele  &  a  dom  Sancho  iodo  de  Patane  arribou  comodisK 
se^  &  foy  por  outro  cabo  ter  ao  estre3rto  de  Cincapn- 
ra,  onde  esperou  sele  ou  oyto  dias  por  dom  Sancho^  & 
vendo  que  não  ia  pareceolhe  que  seria  passado,  &  \ 
passaria  de  noyte,  &  por  isso  se  foy  pêra  Malaca,  onde 
tão  pouco  não  achcMi  noua  dele:  pelo  que  lorge  dalbo- 
querque,  &  dom  Garcia  aarriquez,  que  era  chegado  de 
Maluco  presumitão  que  seria  morto.  £  nisto  chegou  Baa- 
iião  de  SGMsa,.  &  dom  André  ãrriquez,.  com  todos  os  ou- 
tros que  ião  de  Pacem  :  &  cd  a  nona  da  perda  daquela 
fortaleza  íby  grande  tristeza  em  Malaca ,  por  as  cousas 
4m  Pecluguesea  irea  era  tflia  dediíiaçflo  naquelas  paa^ 


LIVRO   VI»   CAFITVX.a   LVI«  119 

tet)  &  u  dos  mouros  em  tanto  crecimentO)  &  por  et 
rey  Dachê  te  ir  faaendo  táo  poderoso  que  era  quasi  ou-^ 
tfo  rej  de  Bintfto,  &  ãboa  estaua  certo  darem  muyta 
opressão  a  IMaiaea.  E  porque  lorge  dalbuqiicrque  se  te- 
meo  que  el  rey  de  Binlão  maodasse  sua  armada  correr 
a  AAaiaoa ,  com  que  ihe  tolheria  os  mantimentos ,  mS^ 
dou  a  dd  Garcia  aorriquez  que  se  fosse  poer  sobre  a  bar^ 
ra  de  Bíntão,  &  que  lhe  fizesse  todo  bo  mal  que  podes-* 
se )  &  trabalhasse  porque  a  sua  armada  não  saísse ,  te 
deulhe  quatro  velas ,  de  que  fosse  por  capitão  mór.  s« 
dous  nauios  ele  capitão  dum  y  &  Aires  coelho  do  outro, 
&  dous  carauelões ,  a  cujos  capitaSs  não  soube  os  no- 
mes. E  neste  tempo  por  ser  bo  mes  de  Dezembro  que 
era  moução  pêra  Índia,  se  partirão  algfts  nauios  pêra 
Gochím,  em  que  iorge  dalboouerque  screueo  ao  gouer^ 
Dador  a  guerra  que  auia  em  Malaca ,  &  a  necessidade 
em  que  iicaua ,  assi  de  gente ,  como  de  nauios ,  &  i9- 
do  ho  mais  que  acontecera  aquele  anno  em  Malaca:  Sc 
assi  Ibe  escreueo  como  António  de  brito  nSo  queria  es^ 
tar  mais  na  capitania  de  Maluco ,  pedindolhe  que  Iba 
desse  peta  dom  Baocbo  seu  genrro ,  ou  pêra  dom  Gar-^ 
cia  seu  cunhado ,  ue  ele  fosse  morto :  &  tflo  bem  íh^ 
mandou  bil  mai^o  de  cartas  Dantonio  de  brito,  em  que 
Uie  pedia  Q  prouesse  Maluco  de  capitão ,  por  ele  se  á^ 
ehar  doeDte ,  &  enfadado  naquela  terra.  É  partidos  00 
Baoíoa  que  leoavão  eete  recado,  chegarão  a  Cochim  on-* 
de  aeharãa  bo  geuernador  apereebendòse  pêra  tornar  a 
Ormvz.  £  sabendo  a  ivesa  de  Malaca,  &  bo  qae  lhe  lor^ 
ge  dalbuqMvque  screuia,  deu  a  capitania  mór  do  mâr 
de  Malaca  a  bum  fidalgo-  chamado  Martim  afonso  de 
soasa,  jrmão^  de  lehfio  de  sonsa ,  senhor  da  Ericeira,  èH 
erdenoulhe  b&a  armada  qae  leuaiise  de  sete  velas.  s.  trea 
Muiios*  redoAdoe^  de  que  forão  capitães  ele,  André  de 
vergas,  Aloavo  de  brito,  &  quatro  fustas,  capKals  An^ 
tonio  de  melo,  André  dias,  Vasco  lourenço,  &  outra 
aque  nãb  soabe  ho  nome ,  &  ^ulbe  duzêtos  Port^gue^ 
ses»  JK.despadMda  esta  armada  paftiose  ho  goa^nodel^ 


1*2(1  ^A   HISTOSIA    DA    ÍNDIA  ' 

pêra  Ofmuz  onde  auia  dir  inuernar,  pêra  arecadar  ha 
dinhejro  que  Raix  xarafo  ficara  deuendo  a  el  rey.  de. 
Portugal  &  ás  partes  ,  &  leuou  os  galeões  que  n^  ser^: 
uião  na  índia  ho  tempo  que  auia  destar  em  Ormuz  por^ 
ser  nela  inueino:  &  deixou  a  armada  de  remo  que  era^ 
necessária  pêra  goardar  a  costa ,  que  não  se  vazasse,  a. 
pimSta  da  costa  do  Malauar:  Scesta  deixou  a  dom  Lu^. 
de  meneses  seu  jrmão,  com  os  poderes  de  gouernador. 
em  sua  ausõcia,  &  regimento  que  inuernasse  èCocfaim^ 
por  estar  mais  perto  de  Galicut :  de  cujo  rey  auia  algua» 
sospeyla  ^  se  leuanlasse  cõtra  a  fortaleza*  ^ 

CAPITVLO   LVII. 

De  come  partirão  oyto  nãos ,  ^  cortnta  paraós ,  de  Ca^ 
.  licui  carregados  despeciaria  pêra  Meca. 

.V  endo  08  mouros  de  Calicut  ho  grande  doscuydo  do 
gouernador,  que  os  não  castigaua  por  nenhiia  cousa  da 
quantas  fazião ,  cobrarão  muylo  mais  esforço  do  Q  ti- 
nhão  pêra  fazer  guerra  aoa  Portugueses,  &  conselhauão. 
a  el  K.ey  que  sq  leuãlasse  cõtreles  &  quebrasse  a  paz^ 
pêra  ho  que  fizerão  acabar  .muy tos  paraós,  &.oylo  nãos 
muyto  grandes  9  que  auiao  de  carregar  per^  Meca  na-i 
quela  moução:  &  auiSo  dir  em  sua  goacda  corentapa^ 
raófi  também  carregados ,  &  isto  sem  pedirem  licença  a 
dom  Luys ,  o  Q  era  cÕlra  o  «cõlrato  das  |)azes :  &  a  fora 
isso  determinaua  el  i*ey  de  Calicu»!  de  mâdar  híia  grflde 
armada  a  pelejar  cõ  os  Ghristãos  de  Crãganor :  &  da  hi 
sendo  tempo  ir  sobre  Gochi,  &  ele  auia  dir  por  terra 
pêra  lomar  a  cidade  a  el  rey  -de  Cochi  como  g outro  td-. 
po  íizera  hii  seu  ãlecessor  como  disse  no  liuro  primey*: 
ro.  E  quis  nosso  senhor  ^  tudo  isto  foy  sabido  por  dãt 
loâo  da  sílueira  capitão  de  Cananof  .^  ho  escreueo  a  áÒ 
loão  de  lima  capitão  da  fortaleza  de  Galicut  Q  logo  mã« 
dou  chamar  Gogebequi  &  dele  soube  í\  era  certo,  &  ^ 
^  naps  &  paraós  Q  auião  dir  a  Meca  auião  de  sayc  pew 


LirRO  VI.  CAPITVLO  LVMI.  líl 

PIO  de  Cbale  (Q  faz  a  terra  S  ilha)  por  nfio  serS  visUs 
da  nossa  fortaleza.  E  pêra  mais  credito  foy  mostrar  es* 
tes  nauios  ao  feytor  de  Calicut:  &  coesta  cerleza  ho 
mãdou  dÕ  loão  de  lima  dizer  a  el  rey  de  Calicut  eslra^ 
nhandolho  grandemSte  pois  era  cÕlra  as  pazes»  E  el  rey 
lho  negou  justiíicandose  mujto.  E  c5  tudo  dõ  loão  roã- 
dou  sõdar  ho'  rio  de  Chalé,  &  achando  ^  tinha  fundo  & 
krgura  pêra  entrarS  nele  galés  &  outros  nauios,  escre- 
ueo  todo  o  ^  passaua  a  dõ  Luys,  conselhãdolhc  ^  antes 
de  sayr  ho  inuerno  se  metesse  no  rio  de  Cbale  &  tomas- 
se as  nãos  &  paraós  quando  saysem:  porí}  fazSdoho  as* 
si  atalharia  aos  p&samStos  i}  el  rey  de  Calicut  tinha  -de 
fazer  guerra  á  fortaleza.  IVIas  dõ  Luys  nâo  quis  iomat 
este  cõselho,  posto  Q  «ra  muyto  bõ,  &  as  nãos  &  paraós 
partirão  pêra  Meca,  onde  forão  ter  carregadas  de  muy* 
ta  especiaria  &  droga,  &  assi  forSo  outras  muytas  nãos 
de  todos  esses  portos  -de  Calicut  sem  auer  quem  Ibes 
contrariasse. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LVIII. 

De  como  os  mouros  de  Bintão  aueymarâo  no  porto  de 
Malaca  ho  nauio  de  Simão  dabreu  ^  matarão  quantos 
estauâo  coele. 

v^omo  quer  {}  todos  os  mouros  comarcãos  de  Malaca 
íbssem  muyto  amigos  dei  rey  de  Bintão  na  hora  J\  ele 
fazia  guerra  a  Malaca,  se  leuantauão  logo  &  não  leua* 
tião  mais  mantimentos  á  fortaleza,  nem  os  de  fora  {| 
>hos  leuauSo  ousauão  de  lhos  ieuar  c6  medo  da  armada 
dei  rey  de  Bintão  Jj  os  nã  tomasse:  &  por  isso  como  el 
rey  de  Bitão  come<jou  a  guerra,  começarão  logo  de  fal- 
tar os  mãtimStos.  E  porque  quanto  a  guerra  fosse  em 
mayor  crecimêto  estaua  certo  faltarem  mais ,  &  não  os 
poderem  ir  buscar  por  amor  dos  immrgos  que  andauão 
Bo  mar :  quis  lorge  dalbuquerque  roandalosr  buscar  c5 
t&po,  &  como  dõ  Garcia  Q  ho  ouuera  de  fazer  era  aBin«. 

LIVRO   VI.  a 


Ita  lU  HISTORIA    VA   |N2MA 

tão,  pedio  lorge  dalbuquer{|  a  Garcia  chaíaho  feytor  Q 
bo  fizesse,  assi  por  ser  oauaieyro  muj^to  esforçado,  co«* 
mo  por  ser  despois  dele  a  seg&da  pessoa  na  fortaleza.  O 
{|  ele  aceitou  de  luuylo  boa  võtade  posto  ^  a  ida  era  pe** 
rigrosa,  &  por  nào  auer  oauios  em  Malaca  mais  que  ho 
em  ^  Simão  dabreu  fora  de  Maluco,  &  iiu  jugo  dei  rey 
que  não  seruião  pêra  a  ida,  leuou  quantas  manciiuas& 
balões  auia  em  Malaca  que  sam  como  boas.almadias,  & 
nestas  acompanhado  de  algús  Portugueses  se  foy  aoloa« 
go  da  costa  ate  ho  rio  de  Muar  cinco  legoas  de  Malaca 
onde  auia  de  buscar  os  mantimentos.  £  andado  os  bus- 
cado acertarão  de  chegar  a  Malaca  quatorze  lancharas 
dei  rey  de  Bintão,  cujo  capitão  mór  sabendo  quão  de- 
sapercebida estaua  a  fortaleza ,  assi  de  gSle  como  de 
todo  género  de  nauios  de  remo:  &  Q  no  porto  estauão 
algus  nauios  grades ,  determinou  de  os  queymar ,  pêra 
o  Q  entrou  em  rÕpSdo  a  alua  sesta  feyra  dSdoSças  na 
baya  da  ilha  das  nãos,  a  cuja  sombra  ho  nauio  de  Si* 
mão  dabreu  estaua  surto,  &  ele  estaua  dStro  cõ  treze 
Portugueses  1)  cada  noyte  ya  dormir  ao  nauio.  E  como 
era  ja  no  quarto  dalua  em  ^  ele  &  os  seus  estauão  des- 
uelados  dos  outros  quartos  adormecerão^  parecSdolhes  ^ 
estauão  seguros  de  rebates  dimigos,  &  por  isso  não  sin- 
tirão  08  mouros,  Q  se  os  sintirão  defenderão  cd  a  arte- 
Iharia  que  lhes  não  chegassem  como  chegarão,  &  os  ib- 
rão  aferrar  quatro  grandes  lãcharas.  £  nisto  fora  sinli* 
dos  por  Simão  dabreu  Q  bradou  aos  seus  {[  acodissem  ^ 
&  todos  cõ  suas  espingardas  acodirão  muy  prestes,  Sc 
os  {|[  as  não  tinhão  remeterão  aos  berços  do  nauio  &  des« 
parãnos  nos  mouros  que  assomauão  ja  aos  bordos,  &  dão 
coeles  nas  suas  lancharas  feytos  em  pedaços,  &  estes  es^ 
carmentarão  os  outros  de  tal  maneyra  que  não  prouarão 
mais  dentrar  no  nauio ,  &  das  suas  lancharas  pelejaufto 
com  os  Portugueses  muy  brauamSle.  E  foy  milagre  ^ 
uidente  de  nosso  senhor  não  os  entrarem  logo  segado 
erão  muytos  &  eles  poucos :  &  assi  durou  a  peleja  hi* 
pedaço  em  que  morrerão  algijs  Portugueses  &  dos  moiv* 


LIVRO  VI*  CAPITVLO  LVin.  J23 

ro0  tnoytos.  O  Q  vendo  ho  seu  capitão  inoor ,  &  ()  se  a 
peleja  fosse  auante  daquela  maneyra  que  lhos  tnatarião 
todos  buscou  oQlro  ardil  pêra  acabar  mais  asinha  de  ma- 
tar 00  Portugueses  &  queymar  ho  nauio ,  &  foy  mãdar 
poer  ho  fogo  a  bd  jDgo  que  estaua  sem  gfite  &sem  car- 
rega :  &  ho  fogo  bem  aceso  como  a  maré  vazaua  ma»> 
doulhe  cortar  as  amarras  &  sostelo  cO  cabos  ^  lhe  tl- 
jQbSo  dados  ate  ho  ajuntarem  ao  nauio  deSiroSo  dabreu, 
sem  ele  nS  os  de  sua  companhia  poderem  resistir  Q  nã 
chegasse  a  eles.  E  despois  de  chegado  os  immigos  ho 
atoarão  á  mesa  da  goarnição  do  nauio  ^  fc  a  outras  pai^ 
(es  pêra  que  se  sosteuesse :  &  nilica  lhe  os  Portugueses 
poderão  contrariar  por  amor  das  muytas  frechadas  &eth 
pingardadas  a  lhes  os  immigos  tirauão:  &tamb8  por  a- 
mor  delas  os  Portugueses  não  poderão  cortar  as  abalrroas 
com  q  ho  nauio  estaua  abalrroado,  poeto  i\  sobrisso  mor- 
TerX  quasi  todos :  ^  foy  muy  piedosa  oo«sa  de  ver  mor- 
rerem assi  hfls  homês  sem  se  poderft  defender :  &  muy- 
to  mais  despois  ^  ho  nauio  começou  darder  juntamente 
e6  ho  jungo  que  fazião  hila  espantosa  &  medonha  labaf- 
reda  com  soarem  dêtro  os  grandes  gritos  que  dauão  aí- 
gds  Portugueses  que  ainda  estauão  viuos :  a  qiie  lorge 
dalbuquerque  não  podia  mandar  socorrer  por  não  terem 
que  fosse  ho  socorro  j  que  tudo  o  que  em  que  podia  ir 
era  fora  como  disse:  pelo  que  de  estaua  rooyto  triste flb 
tinhase  por  mofino  de  lhe  matarem  assi  a<fueies  boitiSs 
diante  dos  olhos  sem  Ibes  poderem  valer.  Ecomo  a  ma-- 
goa  (|  tinha  era  grande,  pareceolbe  ^  lhes  poderia  mafl^ 
dar  socorro  em  hfl  giropaneo  nauio  da  laeé  ( que  serue 
de  leuar  mantimètes)  que  nê  fínbtf  masto  nem  velas, 
&  coro  a  pressa  do  socorro  sem  lhe  mandar  m^t^r  ar(^ 
Iharia,  nem  lhe  lembrar  qne  estaua  desaf>areltmd«^  man- 
dou embarcar  nele  obra  de  trinta  Portugueses  de  setenN 
ta  que  teria ,  &;  mãdouUies  qne  fossem  socorrer  ao  na- 
uio que  começaua  darder :  &  eles  éomo  erão  obedientes 
&  por  não  «parecer  que  por  medo  ho  deixauão  de  faser 
ae  embarcarão  com  quanto  vião  ho  perigo  em  que  yão 

a  4 


I2é  BA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

|>or  não  leuarem  arleiharia  &  ho  GiropSco  ir  tfio  desa- 
parelhado como  ya ,  &  que  estaua  certo  malarênos  os 
ttiouros  seiD  poderem  socorrer  ao  nauío :  o  <)  entenden- 
do lambem  hâs  dous  capelães  da  fortaleaia ,  reí^rerâo  a 
lorge  dalbuqoer^  da  parle  dei  rey  ^  nâo  mâdasse  os  ho- 
jbSs  Q  mãdaua  no  giropâco,  dàdoíhe  as  rezões  ^  digo 
.pêra  os  nâo  mandar,  &  mais  que  ticaua  tão  pouca  gête 
Da  fortaleza  Q  mortos  aqueles  a  gente  da  terra  a  toma- 
ria &  a  daria  a  ei  rey  de  Bíntào.  Eele  estaua  tão  agas- 
.lado  que  não  queria  ouuir  nem  entender  ninguê,  &  fez 
embarcar  os  trinta  cõ  grades  brados.  O  que  eles  fize- 
rão,  &  como  ho  giropanco,  nem  tinha  vela  nem  remos 
acodia  mal  ao  leme  &  fazia  muytos  lós,  &  com  hd  que 
fez  foy  dar  em  seco  que  parece  que  foy  cousa  de  nosso 
senhor  [lorque  se  chegara  ondestauao  os  immigos  todos 
ouuerão  de  ser  mortos.  E  vSdo  lorge  dalbuquerque  ho 
giropanco  em  seco  mandou  desembarcar  os  Q  yào  nele: 
Ic  entre  tanto  os  que  estauâo  no  nauio  que  ardia  vendo 
que  nâo  podião  escapar  lançaranse  ao  mar  cuydando  que 
se  saluariâo,  &  nele  forão  mortos  poios  immigos ,  &  ho 
escriuflo  do  nauio  que  auia  nome  Francisco  fernaudee 
cuydiíndo  de  lhe  ir  socorro,  &  que  escaparia  nâo  se 
quis  deitar  ao  mar  &  sobiose  na  gauea  &  da  hi  ao  mas- 
tareo ,  donde  |)or  derradeyro  se  deitou  ao  mar  &  foy 
morto  poios  immigos  que  com  ho  prazer  da  morte  dos 
Portugueses  fazião  grandes  alegrias,  &  assi  com  verem 
aider  na  nauio  &  ho  jugo  que  arderão  ate  horas  de  ve^ 
p^ra  sem  ficar  nada  deles  do  que  parecia  sobre  a  agoa: 
do  que  os  mouros  ficarão  muyto  soberbos  &  teuerâo  os 
Portugueses  em  muyto  pouca  conta  por  lhe  não  pode- 
rem acodir.  E  isto  ganhou  lorge  dalbuquerQ  de  mandar 
fora  toda  a  gente  que  tinha  em  tempo  que  lhe  corrião 
os  immigos,  &  por  derradeyro  Garcia  chainho  não  trou- 
ue  maniimetos  que  matassem  a  fome  dez  dias  &  a  sua 
ida  fez  tamanha  perda« 


LITRO   TI«   CAPITVLO   UX.  125 

C  A  P  I  T  O  L  O    LIX. 

De  como  Laqueximena  tomou  na  barra  de  Bintão  dous 
carauelóes  da  construa  de  dom  Garcia  anrriquez. 

JLndo  as  cousas  dos  Eorlugueses  de  cada  vez  peor  nes- 
tas parles  dom  Garcia  anrriquez  que  eslaua  sobre  a  bar- 
ra de  Binlão  fazialhe  quàto  mal  podia,  &  nã  saya  n6 
entraua  vela  nenfaila  q  ele  nã  tomasse ,  &  fazia  algils 
saltos  6  terra  ,  o  que  el  rey  de  Bintâo  sinlia  muylo  & 
se  auia  por  muy  injuriado,  &  tinha  por  mayor  feyto  es- 
te de  dõ  Garcia  que  quãtos  os  seus  tinhão  feytos  con- 
tra os  Portugueses ,  &  aqueixauase  cÕ  Laqueximena  de 
não  tomar  aqueles  quatro  nauios ,  &  ele  lhe  dizia  que 
não  auia  ainda  tempo:  porque  era  necessária  muy  la  in- 
dustria pêra  os  tomar ,  porque  por  força  não  podia  ser 
por  os  Portugueses  terem  muy  ta  auantagem  aos  IVla- 
layos ,  &  que  as  suas  vitorias  forSo  por  desastre  &  nã 
por  eles  serem  tão  bõs  bòmSs  de  peleja  como  os  Portu- 
gueses. B  Laqueximena  trazia  grandes  espias  sobre  dom 
Garcia  pêra  ver  se  ho  podia  tomar  em  dtscuberto ,  ate 
que  hfl  dia  soube  que  fazia  agoada  em  húa  ilha  junto  da 
boca  do  rio  de  fiintão ,  &  que  os  nauios  grades  erão  oa 
que  tomaufto  agoa ,  &  os  caraueldes  estauâo  em  vigia : 
&  como  ho  soube  aayo  do  rio  com  aiguas  lãcharas  de 
sua  armada,  mandando  aos  seus  capiíães  que  se  por 
ventura  os  dous  caraueldes  os  cometessem  que  fizesse 
que  fugião  ate  os  leuarem  perto  da  boca  do  rio  onde  íi^ 
caua  a  outra  armada  com  que  os  tomaria.  £  assi  ho  fr- 
zerSo,  &  como  os  capitães  dos  caraueldes  virão  que  as 
lancharas  erão  })ouca8 ,  &  estauá  costumados  a  leuarem 
ho  melhor  delias ,  cuydarão  de  ser  assi  daquela  vez.  E 
dado  ás  velas  remeterão  a  elea,  tirandolbes  com  sua  ar* 
telharia,  &  os  mouros  comu  estauâo  anisados  de  Laque- 
ximena fizerflo  volta  como  que  fugião.  E  os  Portugue- 
ses cuydãdo  que  era  asai  seguiânos ,  &  com  ho  vento 


que  era  fresco  chegarSo  roais  aaioba  do  que  quiserlo  á 
boca  do  rio  ondeataua  Laqueximena,  que  logo  sayo  com 
aa  outras  lãcharas  a  remo  com  que  cercou  os  caraueldes 
Sc  os  aferrou  St  entrou  com  sua  gente  ^  de  que  se  os 
Portogueses  começarSo  de  defender  cora  rauyto  esfor- 
ço^ mas  aproueitoulhes  pouco:  porque  temendo  Laque- 
ximena  que  acodísse  dò  Garcia  &  que  lhos  tirasse  das 
Tnhas  se  os  achasse  fora  do  rio :  em  se  começando  a  pe- 
leja mandou  a  certas  lancharas  que  rebocassem  oscarSí» 
uelSes  &  os  metessem  no  rio,  porque  poios  baixos  Q  ti* 
nha  bem  sabia  que  dom  Garcia  não  auia  de  poder  en- 
trar nete  com  os  nauios  por  serem  dalto  bordo,  &  os 
Portugueses  com  ho  tento  da  peleja  n2o  sintirão  que  os 
leuauão  se  não  quãdo  se  acharão  dentro  no  rio*.  È  isto 
se  fez  tão  depressa  (|  dom  Garcia  lhes  não  pode  valer , 
posto  que  logo  aoodío ,  mas  deteuesse  aigCl  tanto  em  le- 
uar  a  ancora  sobre  Q  estaua  surto :  &  isto  foy  causa  de 
ele  nem  Aires  coelho  chegarem  a  tempo,  &  ele  se  agas- 
tou tanto  de  ver  leuar  os  caraueldes  ^  que  assi  como  ia 
Á  vela  mandou  meter  ho  nauio  pola  boca  do  rio  bS  ooo- 
tra  vontade  do  piloto,  Q  disia  que  se  perderia,  &  assi 
cMiuera  de  ser  por  ho  rio  ser  8  canais  muyto  estreitos  3c 
em  voltas  &  ter  raslingas  &  arrecifes  era  Q  bgo  ho  na- 
uio foy  varar,  Íl  por  grade  raiiagre  sayo»  E  ae  Laque- 
xiroena  não  temera  a  sua  artelharia,  também  ho  toma- 
ra ,  mas  vingoose  6  tomar  os  dous  carauelões  com  mor- 
te de  quantos  estauão  dentro  que  vSderão  nuvyto  b8 
suas  vidas  com  morte  de  muytos  mouros :  mas  no  pra- 
zer dos  viuos  foy  tamanho  de  tooMrem  assi  estes  cara- 
ueldes &  ma  tare  quãtos  yão  dentro,  que  não  estimarão 
08  mortos.  E  el  rey  de  Bintão  raantiou  fazer  por  isso 
grandes  festas.  E  vendose  dom  Garcia  com  aqueles  dous 
caraueldea  perdidos,  não  quis  ali  mais  andar  &  tornouse 
a  Malaca  onde  aohou  feyto  ho  grade  dano  que  disse. 


UTRO   VI.   GAPETTUO  LX«  127 

C  A  P  I  T  V  L  O   LX. 

De  como  ti  rty  de  Bitâo  mandou  cercar  Malaca  por  mar 

^  por  Urra. 

y  endo  el  rey  de  Bintão  quâ  bõ  lhe  sooedia  a  guerra 
Q  tinha  cò  os  Portugueset  ^  determinou  de  lha  fazer 
mais  aperlada  por  mar  &  por  terra :  parecêdolhe  j^  po- 
deria tomar  a  fortaleza,  pêra  o  Q  mftdou  vlte  mil  ho- 
mêa,  quatro  mil  4  auiío  dandar  por  mar  cõ  La{|ximena, 
&  desaseys  mil  Q  aui2o  de  cercar  Alalaca  por  terra ,  de 
que  deu  a  capitania  mor  a  hfl  Português  arrenegado  ^ 
andaua  coele  4  ^^  cbamaua  Anelar  dalcunha.  £  chega<* 
dos  estes  a  Alalaca  desembarcou  bo  Anelar  SHupe^  Õde 
assentou  suas  estâcias:  &  Laqueximena  ficou  no  mar 
goardando  ho  porto  que  não  entrassem  nenbfis  manti- 
mentos nem  nenhús  nauios  outros.  £  lorge  dalbuquer- 
que  nfio  Ibe  podia  resistir  por  não  ter  mais  de  dous  na* 
uios^  nem  menos  tinha  gfite,  porQ  nSo  aueria  mais  4 
ate  oitSta  Portuguesea:  posto  que  auia  mu j tos  piães  da 
terra  a  soldo  dei  rey  de  Portugal :  mas  dos  Portugueses 
se  faiia  conta  pêra  cousa  de  feito.  £  per  eles  repartio 
lorge  dalbuquerque  as  estancias  pêra  as  defénderfi ,  & 
estas  erâo  da  pouoaijão  dos  Portugueses  Q  estaua  fora 
da  fortaleza  antrela  &  a  põte  por  onde  se  seruiSo  pêra 
a  pottoaçã  dos  quelins.  £  porQ  não  soube  coroo  estas  es< 
tãcias  ibrão  repartidas  bo  nSo  digo.  £  erão  os  Portugue- 
ses tão  poucos  pêra  goardarfi  a  fortaleza  &  as  estâcias  9 
que  em  algfias  não  auia  mais  que  três  Portugueses ,  se 
nao  que  tinbâo  consigo  muytos  piães  da  terra.  £  com 
quanto  erão  tam  poucos  estanão  muyto  esfor^^dos  pêra 
resistir  aos  !migos.  £  na  cidade  dos  Quelins  nSo  pos 
lorge  dalbuquerque  estâcias,  asai^por  não  ter  gSte  pê- 
ra isso ,  como  por  ser  cercada  de  muros  de  pao  pola 
parte  por  onde  os  imigoe  a  podião  comet» :  &  estas  a 
gente  da  terra  as  vigiaua  de  noite.  £  déspota  de  Jio 


123  VA   HTSTOSIA    DA    INDIÀ 

Auelar  assentar  suas  estScias,  mandaua  cada  dia  correr 
á  cidade  dos  Quelins:  &  cada  di-a  tinhâo  peleja  com  os 
Portugueses,  em  que  morria  muylos  dos  imigos:  &  os 
Portugueses  tinhão  Imenso  trabalho  com  pelejarem  cada 
dia,  &i  vigiar6  cada  noyte,  &  morrerS  de  fome,  que 
não  comiâo  mais  l\  arroz  cozido  ê  agoa:  &  quasi  todos 
estauâo  doStes  assi  do  trabalho  &  da  fome,  como  de  fe- 
ridas. E  era  cousa  de  milagre  poderem  pelejar ,  &  de-: 
feiíderse  aos  !migos ,  Q  erão  tantos  8c  tão  folgados.  £ 
por^  o  Auelar  isto  sabia  se  queixaua  muyto  cõ  os  seue 
como  nS  fazião  nada  cõtra  homSs  tão  desbaratados :  & 
hila  noyie  determinou  dêtrar  á  cidade  dos  Quelins,  cu- 
jos muros  sabia 4  estauã  podres,  &  mãdãdo  leuar  muy- 
los escopros  &  maqos  foy  cometer  ho  muro  no  quarto  da 
modorra,  de  Q  cÕ  os  escopros  (oy  derribado  bu  laço  do- 
bra de  sessêla  passos :  &  como  fazia  escuro  nâ  forão  vis» 
tos  das  vigias,  se  não  quãdo  virão  cair  ho  pedaço  do 
m^uro  Q  cayo  cõ  grande  arroido:  &  è  caindo  entrarão 
logo  08  Imigos,  &  achara  muytos  dos  da  terra  Q  acodi;* 
r2o  ao  estrõdo  do  cair  do  muro,  &  estes  for«1o  todos 
mortos,  &  dali  se  meterão  aigíls  a  roubar.  E  nisto  foy 
dado  repi^  na  pouoação  dos  Portugueses,  &  dos  primey- 
ros  ^  acodirã  foy  Nicolao  de  sá  ^  agora  he  contador  dos 
cotos  dei  rey  nosso  senhor,  que  pousaua  junto  da  ponte 
&  leuaua  cõsigo  três  esp!gardeyros  Portugueses,  &  assi- 
acodio  Aires  coelho,  &  quãdo  chegarão  acharão  os  piães 
da  terra  pelejando  cõ  os  iramigos ,  &  defêdiâo  <)  não  ê- 
Irassem  por  a(|le  portal  mais  dos  ^  tinhão  entrado,  & 
os  Portugueses  Q  digo  os  ajudarão  cõ  suas  espingardas, 
de  modo  ^  os  deteuerâo  ^  não  entrassem  ,  &  acodio  a 
gente  que  estaua  nas  estãcias.  E  como  os  immigos  sín^ 
tirão  a  gele  que  acodia,  foranse  leuando  algils  catiuos^ 
&  os  que  íicauão  nas  casas  a  roubar  forão  despois  todog 
mortos.  E  assi  liurou  nosso  senhor  a  fortaleza  de  ser  to. 
mada,  que  ho  fora  se  os  immigos  entrarão  todos  na  po. 
uoaçSo  dosQuelis.  Ecomo  foy  manhaã  lorge  dalbuquer» 
que  -mandou  refazer  ho  boí^ueyrâo  do  muro.  E  despois. 


1 

.     LIVRO  VI.   CAPITVLO   hXU  ^  Í2^ 

disto  tornarão  os  immigos  a  perfilar  se  poderiSo  Slrar , 
inas  nSo  poderSo,  porque  os  Portugueses  lho  defendião, 
&  durou  este  cerco  ainda  hum  mes :  &  porque  dali  por 
diante  podia  chegar  socorro  da  índia  leuantarâo  os  im- 
migos bo  cerco  da  terra  &  foranse  a  BintSo ,  &  os  do 
mar  ficarão  ainda  algus  dias  ate  que  também  se  forão» 

C  A  P  i  T  V  L  O    LXT. 

De  como  Martim  Afonso  de  sonsa  fay  fazer  yuerra  a  el 
rey  de  Bintâo  ^  ^  aos  reys  de  Pão  §r  de  Palane. 

iyXarlim  Afonso  de  sousa  que  ia  pêra  Malaca  chegou 
lá  na  fim  de  lunho,  onde  achou  que  valia  hQa  galinha 
cinco  cruzados  &  hú  ouo  dous  vintSs  &  htla  gata  darroz 
hQ  cruzado ,  &  os  honres  ^^  parecião  desêterrados  de  nS 
terS  cor ,  &  sua  ida  deu  grade  alegria ,  assi  aos  Portu- 
gueses como  á  gSte  da  terra :  &  logo  lorge  dalbuqueri} 
lhe  êtregou  a  capitania  mór  do  mar  de  Malaca ,  &  a  ti- 
rou a  dom  Garcia  anrriquez  seu  cunhado ,  a  que  a  dera 
por  morte  de  dom  Sancho.  E  Marti  Afonso  lhe  deu  hfla 

Srouisam  do  gouernador  em  Q  lhe  daua  a  capitania  de 
laluco  pêra  htt  de  seus  cunhados.  E  por  se  lorge  dal-' 
buquerí}  desapressar  da  guerra  dei  rey  deBllâo,  mãdou 
a  Marti  AfSso  ^  se  fosse  cÕ  cinco  velas'  })oer  sobre  a 
barra  de  Bintão  dõde  não  deixaria  sayr  a  Laqueximena^ 
&  tolheria  ^  não  entrassem  por  mar  mãtimètòs  na  ci- 
dade :  &  partio  de  Malaca  cõ  h&a  armada  de  cinco  ve- 
las, de  cujos  capitães  nã  pude  saber  os  nomes  mais  que 
a  Vasco  LourSi^o.  E  chegado  á  barra  de  Binlão  esteue 
sobrela  três  meses  em  l\  lhe  deu  muyto  grande  opres- 
sam ,  tolhendo  1}  não  entrassS  nenhâs  niantimêtos  nem 
mercadorias,  &  que  não  sajse  de  dentro  cousa  nenhtla, 
que  nem  os  pescadores  ousauão  de  sayr  a  pescar.  E  em 
todo  este  tempo  nunca  Laqueximena  ousou  de  sayr  a 
pelejar  coele :  &  neste  tempo  que  Martim  Afonso  ali  an* 
dou  lhe  morreo  algtla  gente  por  ser  aquela  paragénr 

LIVRO   VI.  K 


OQ  m   UWTQUk  DÁ   IMOU; 

doentia,  &  por  egsa  causa  oâo  qaia  ali  andar  mais  &  sa 
foy  a  faaer  guerra  a  el  rey  de  Pâo  pêra  viogar  lu>  mal 
que  tinha  feylo  aos  Portugueses,  &  ali  queyniou  muy« 
tos  juDgos  assí  de  Pao  cooio  da  laoa,  em  que  forãa 
jliorlos  bem  seys  mil  mouros :  &  catiuou  latos  i|  nã  ou^ 
ue  Português  que  a  seu  quinhão  não  ouuesse  dez  cati- 
uos.  £  despois  de  fazer  destruyçâo  espantosa  foyse  aa 
cidade  de  Patane ,  cujo  rey  era  tâbem  immigo  dos  Por- 
tugueses ,  &  no  porto  achou  algus  jungos  que  também 
queymou  &  antreles  luim  rouyto  graode  que  naquela 
hora  chegaua  da  laoa,  &  vinha  nele  ho  mesmo  rey  de 
Patane,  que  com  bõ  duzentos  mouros  saltou  ao  mar 
com  medo  do  fogo  &  todos  forâo  mortos  as  laçadas  pe<^ 
Ips  Portugueses.  £  v6do  os  da  cidade  este  destroço  no 
mar  temerâse  de  ser  outro  em  terra ,  &  por  isso  despe« 
iai;ão  a  cidade  assi  da  mór  parte  dà  fazêda  como  de  ioda; 
a  gSte:  pelo  ^  Martim  Afonso  quando  sayo  em  terra 
^Sq  achou  com  quem  pelejar,  Sc  queymou  a  cidade  U>^ 
da  ale  não  ficar  mais  que  ho  campo  em  que  esleueray 
Sf,  quantas  orlas  &  palmares  auia  ao  derredor.  E  dei-* 
xando  ho  nome  dos  Portugueses  com  muyto  credito  & 
muylo  temido  por  a^las  parles  se  tornou  pêra  Malaca, 
que  esleue  por  hCi  tôpo  muylo  prospera. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXII. 

De  comofoy  começada  a  guerra  âtre  AnUmia  de  brita 
^  el  rey  de  Tidare :  ^  de  comofoy  morto  lorge  pint^ 
da  silua  ^  outro9. 

jnLlras  fica  dito  como  Bastião  de  sousa  &  Martim  coiv 
rea  partirão  de  Malaca  pêra  a  ilha  de  Banda ,  õde  che- 
garão ao  lugar  de  Borinlé  &  hi  acharão  Marli  afonso  de 
melo  jusarte  ^  auia  quatro  meses  Q  eslaua  de  guerra  cô 
a  gête  da  terra,  em  4  milagrosamêle  se  defendeo  pon 
não  ter  mais  de  sete  Portugueses  &  setenta  laca  &Cliia 
&;  os  Imigos  serem  muy  tos»  £  por  não  poder  saber  par« 


Li?Ko  VI*  cAvnruo  lxit.  181 

iicnlamCte  o  ^  tueedeo  nesta  fuerra  â  nlo  Mcreuo ,  & 
08  IflDigos  como  BaBtiâo  d«  sousa  chegou  alargarão  log<^ 
-bo  cerco.  £  ficado  Marli  afonso  magoado  da  afrõta  \ 
recebera  dos  fnsigos,  pedio  a  Bastifio  de  acusa  (\  ho  aju-^ 
dasse  a  ?Igar  deles ;  do  Q  se  ele  escusou ,  di^fido  l\  ia 
fazer  sua  fazfida ,  &  sobristo  se  desauiarâo  Sbos  Q  Bas- 
íiá  de  sousa  se  apartou  pêra  a  cidade  DalutatS  &  hi  se 
apousfitou  c5  Mari!  correa  em  hfla  tranqueyra  que  fize« 
rão.  £  estando  assi  chegou  a  Bauda  bum  Gaspar  galo  ê 
bCla  carauela  de  Maluco,  que  por  mandado  Da utonío  de 
brito  ia  pedir  a  Martim  Âfouso  algQa  fazenda  &  manti«- 
mentos  de  que  tinha  muyta  necessidade  por  amor  da 
guerra  Q  começaua  com  el  rey  de  Tidore,  pêra  o  qu0 
lhe  pedia  (}  ho  fosse  ajudar  cft  os  mais  Portugueses  que 
esteuessem  em  Bãda,  &  Q  fariSo  em  Maluco  muylo  pro^ 
ueito  por  auer  aquele  anno  muyto  crauo^  &  quando  não 
teuesse  mantimentos  que  os  tomasse  a  quantos  merca* 
dores  esteuessem  em  Banda ,  pêra  o  que  lhe  mandou  a 
carta  dos  seus  poderes,  em  que  lhe  daua  eirey  a  jurdi- 
qfto  da  ilha  de  Banda :  &  da  hi  a  poucos  dias  Q  Gaspar 

Íalo  chegou  faleceo.  £  vagando  a  capitania  da  carauela, 
tastiSo  de  sousa  a  quisera  tomar  &  dala  a  b&  Francisca) 
de  sousa  seu  sobrinho ,  dizendo  Q  ele  tinha  ali  jurdic^ 
por  estar  por  mSdado  do  gouernador  da  índia,  &  Mar-^ 
tim  Afonso  ho  nfio  consentio  &  tomou  ho  leme  &  as  ve^ 
las  da  carauela  pêra  se  ir  nela  a  Maluco:  como  foy  & 
leuou  cdsigo  outros  dous  ou  três  jflgos  de  Portugueses^ 
&  foy  coele  Martim  correa.  £  chegados  á  ilha  de  Ter« 
nate  forSo  muyto  b6  recebidos  Dantonio  de  brito,  que 
tinha  despachado  htl  íklalgo  mâcebo  chamado  lorge  pKo 
da  silua  natural  Deluas  pêra  ir  faser  a  guerra  a  e\  rey 
de  Tidore  em  quãto  se  ajuntauSo  os  reys  &  sangajes  i| 
António  de  brito  tinha  mSdado  chamar  a  socorro,  &  es-*- 
taua  embarcado  pêra  partir,  &  por  Marti  correa  ser  seu 
parSte  se  foy  coele  a  terra ,  &  deixado  ho  apouseniadò 
se  partio  em  hti  nauio ,  &  ia  coele  em  outro  hQ  Lionel 
de  Kma  parile  Dantonio  de  brito ,  &  leuou  hfi  batel  êé 

R  2 


13S  1>A  HISTORIA   DA   INBrA  * 

ba  calaluz  bfi  esquipados  pêra  fazerfi  sallos  é  terra ! 
Iiestas  velas  irião  bem  corenla  Portugueses.  E  partido 
iorge  pito  foy  surgir  sobre  ho  porto  da  cidade  de  Tido* 
re ,  &  em  pouco  tSpo  Ifae  fez  muyta  guerra ,  tolhèdoihe 
os  mantim^tos  ^  &  saindo  muytas.  vezes  S  terra  a  fazer 
saltos  de  lhe  caliuar  gente  &  tomar  gado.  O  Q  el  rey 
Aentia  muyto,  principaimête  a  tomada  dos  mantimentos 
de  t\  tinha  grftde  necessidade  por  a  muyta  gSle  Q  esta^ 
na  junta  pêra  a  guerra  !\  esperaua :  por^  a  fora  os  seus 
vassalos ,  muytos  vinhSo  por  ho  terê  por  home  santo.  £ 
vSdose  el  rey  assi  perseguido  de  Iorge  piÃto,  inuêtou 
b&  ardil  pêra  ver  se  ho  podia  tomar,  &  foy  meter  em 
hua  calheta  ^  estaua  hfi  pouco  afastada  da  cidade  bfla 
boa  armada  de  paraós  que  ficaua  encuberta  cõ  grande 
&  basto  aruoredo  Q  a  cobria ,  &  de  noyte  despedio  hua 
coracora  pcra  ho  mar,  Q  em  amanhecSdo  aparecesse  da 
parte  doutra  ilha  chamada  Geilolo  dõde  lhe  trazião  man* 
timStos:  pêra  ^  cuydâdo  Iorge  pinto  ^  a  coracora  eys 
leuaua  se  fosse  a  ela ,  &  ela  fugiria  pêra  a  calheta,  em 
cuja  entrada  atrauessaua  hua  rastinga  em  ^  ho  batel  de 
Iorge  pinto  por  ser  pesado  encalharia  ,  &  seyriâo  os<  ^ 
estauão  dêtro  &  ho  niatariâo.  E  posto  isto  è  obra  ama- 
nheceo  a  coracora  ao  mar ,  &  vSdoa  Iorge  pito  cuydoa 
Q  era  de  mãlimêlos  determinou  de  a  tomar  como  tinha 
lomado  outras,  pêra  ho  ^  se  foy  em  bu  calaluz  em  que 
iazia  a^le»  saltos,  &  leuaua  consigo  seis  Portugueses, 
&  não  quis  dar  rebate  aLionel  de  lyma  parecèdolhe  que 
ele  só  abastaua,  &  vendoho  os  da  coracora  ir  pareles, 
6ngirSo  ^  virauão  as  velas  pêra  fugirem  &  que  semba- 
raçauão ,  &  nisto  se  deteuerâo  ate  que  Iorge  pinto  foy 
perto:  &  então  remando  a  boga  arrancada  se  acoHierâo 
á  calheta  onde  estaua  a  cilada ,  &  entrou  sem  tocar  na 
restinga  por  demandar  pouco  fundo:  &  ho  calaluz  que 
demãdaua  mais  por  amor  da  artelharia  que  leuaua  en* 
calhou  em  entrando.  Eem  os  mouros  da  cidade  ho  ven- 
ào  assi  dão  sobrele  cÕ  grandes  gritas,  &  cercaudobo  por 
todas  as  partes  tirauanlbe  muytas  frechadas^  &  arremô» 


LIVRO  VU   CAPITTLO  LXIII.  138 

flD8  aem  conto.  E  com  quanto  se  ele  vio  em  (amanho 
perigo,  não  Ibe  faleceo  ho  grande  esforço  t^ue  linha,  & 
esforçando  os  seus  os  ajudou  a  defender  tirando  todos 
«nujtas  lançadas  &  espingardadas ,  mas  não  lhes  apro- 
neitou  nada :  porque  os  mouros  erão  latos  que  os  feri- 
rão tão  brauamente  Q  do  muyto  sangue  que  lhe  saia  das 
feridas  enfraquecerão,  de  maneyra  que  ora  htis,  ora 
outros  5  cairão  todos  sem  se  poderem  ter»  £  nisto  che- 
gou Lionei  de  lyma  em  hft  batel  bem  armado  dartelba- 
ria,  &  fornecido  de  gCle :  &  vendo  ho  calaluz  uaQle  es- 
tado não  se  alreueo  a  socorrelo,  &  tornouse  pêra  oodes- 
tauão  08  nauios.  £  se  apertara  os  immigos  com  a  arle- 
Iharia  que  leuaua ,  ainda  saluava  algus  dos  Portugueses 
que  estauão  viuos.  £  vendo  os  mouros  a  pouca  defensão 
do.  calaluz  entrarão  deniro,  &  cortarão  as  cabeças  aos 
Portugueses,  &  a  cincoenta  ou  sesenta  mouros  de  Ter- 
sate  que  andauão  com  eles,  &  com  as  cabeças  de  todos 
«arramarão  os  seus  paraós:  &  cÕ  grande  prazer  se  íbrão 
ao  porto  da  cidade,  onde  forão  recebidos  dei  rey  com 
outro  tanto  y  por  se  ver  liiire  de  tamanha  opressão. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXIII. 

Do'  que  aconteceu  a  Martim  etfonso  de  melo  jusarte ,  co^ 

meUndo  hú  lugar  de  mouros 

Cabido  este  desastre  por  António  de  brito ^  iicou  tão 
agastado  que  mandou  logo  chamar  Lionei  de  lyma  & 
que  leuasse  os  nauios ,  &  assi  ho  fez.  £  se  neste  tSpo 
não  esteuera  junta  na  fortaleza  a  gSte  que  era  chamada 
pêra  a  guerra,  António  de  brito  desistira  deha,  mas  por 
ser  junta  proseguio  auante*  £  fi  quãto  se  Gachil  daroes 
embarcaua  coela,  foy  assentado  que  Martim  afonso.de 
noelo  jusarte  j  fosse  com  os  nauios  Portugueses  surgir 
aobre  a  barra  de  Tidore ,  &  forão  seus  capitaSs ,  Lionei 
de  lyma ,  &  Adartim  correa :  &  partindo  bua  noyte  de 
porto  de  Talangai^  ckegeu  em  amanhecendo  a  1  idore^ 


13é  lU  HISTOUIA   XU   llfMA 

&  surgio  na  câ^beta  onde  matarão  lorge  pTiilo  Sc  oa  ou* 
iroê :  &  como  aui£o  ali  deatar  sem  fazer  nada  ale  irCa- 
chii  daroes,  determinou  Martim  afonao  com  conselho  dos 
capilaSs  &  fidalgos,  de  ir  dar  em  h(ia  pouoaçâo  demoQ«- 
ros ,  que  disse  ha  Gaspar  dalmeida  que  estaua  dali  a 
hCla  legoa  ao  Idgo  do  mar  1|  se  poderia  queimar  facil- 
mente ,  &  pariio  pêra  lá  no  quarto  da  modorra  por  n2o 
passar  de  dia  a  vista  deTídore,  &  se  soubesse  ondeia^ 
&  com  quanto  partio  assi  cedo  por  ir  contra  Tento  & 
maré,  era  ja  de  dia  quando  paissou  a  vista  da  cidade. 
Donde  sospeitando  os  immigos  ao  que  ia  lhe  sairio  em 
muy tos  paraós ,  que  os  nossos  fizerão  tornar  voltando  a 
eles  ás  bombardadas,  &  desapressados  dos  immigos  fo« 
rão  surgir  na  poucac^So,  que  njlo  era  mais  de  dez  oudo* 
ze  casas  com  hua  mezquila,  &  os  mais  moradores  des* 
pois  que  Gaspar  dalmeida  vira  aquela  pouoaçâo,  se  mu* 
darão  pêra  ho  pico  de  hi&a  rocha  muy  to  alta ,  cÔ  medo 
da  guerra  dos  Portugueses ,  &  ali  se  fortalecerão :  &  pê- 
ra estrouarem  a  solnda  aquém  lá  quisesse  sobir  contra 
sua  vontade ,  atrauessarão  dous  paraós  em  dous  passos 
de  hua  vereda,  que  se  fazia  muyto  íngreme  do  pé  da 
rocha  ate  o  lugar,  pêra  darem  coeiea  pela  rocha  abaixo, 
&  leuarem  dencontro  quantos  sobissem.  Ecõquãto  Mar- 
ta afonso  vio  que  ho  lugar  era  de  muyto  perigo  oa  sobi- 
da,  determinou  de  aobir  pois  ali  estaua,  porque  não 
parecesse  aos  mouros  que  ho  deixauão  de  fazer  com  me- 
do: &  porque  ho  tirar  oe  paraés  donde  estaaão  era  ho 
mais ,  &  quanto  meoos  fossem  a  isso  tanto  era  mais  se- 
guro ,  acordarão  que  hA  só  homem  os  fosse  tirar,  &  es- 
te foy  Martim  correa  que  se  ofereceo  pêra  ho  fazer,  & 
foy :  &  por  ho  lugar  estar  muyto  alto,  &  os  mouros  tei- 
rem  lento  no  crepo  da  gente  não  ho  virão  sobir,  &  an« 
iea  de  chegar  ao  prymeiro  paraó,  foy  ter  eoele  hii  cléri- 
go que  cbamauâo  Gomez  botelho,  que  desforçado  buscou 
m^neyca  pêra  ir  ter  coele^  &  ajudalo  a  derribar  ho  pry- 
meiro paraó ^  &  ho  mesmo  fez  htk  Francisco  lopez  bu- 
IhiQy  que  oa.ajiiéQU  a  dernkar  ho  segundo,  Sc  oomo  Mt 


LIVRO  VI.   €Af ITVIO   tXmi.  1S6 

(0  MiMift  BMis  perto  do  logaf ,  &  ho  estrondo  Q  fes  iiin 
do  pola  vocba  abaixo  f<^  muy  grande,  BfBlirãonooamoiJH 
to&  &  acodicfto  a  ver  ho  que  era ,  veado  os  Ires  pola  ro* 
cha  acima ,  &  Marlim  aíbnso  cõ  os  outros  ao  pé  dei» 
pêra  sobír,.  começâo  de  sacodir  muytas  pedradas ,  &de 
deitar  grandes  galgas,  de  que  Martini  correa,  &  os 
dous  se  saluarâo  em  hiia  lapa  que  se  fazia  na  mesma  ro- 
cha: &  isto  das  galgas  acabou  logo,  porque  em  se  oa 
mouros  mostrando,  começfto  os  espingardeiros  de  Mar- 
lim afonso  de  tirar  suas  espingardas  com  que  os  fiaerâo 
recolher  detrás  de  hA  muro  Q  tinhão  daquela  banda:  Sc 
desembaraçado  ho  caminho^  começou  Alartim  afonso  de 
sobir  indo  diante  com  seis  ou  sete  homês  &  es  outros 
após  ele.  £  vendo  os  mouros  sua  determinação ,  torna* 
ranse  a  descobrir  pêra  defenderem  a  sobida ,  &  os  es« 
pingardeiros  tornarão  a  tirar,  &  h&  que  ia  detrás  de 
IMartim  afonso  tirou  tão  certo ,  que  lhe  deu  pola  espa- 
doa  dereila ,  &  passando  ho  pelouro  as  armas  &trou  dS* 
tro  no  corpo,  &  foy  a  ferida  tão  má  que  caio  logo  desa- 
cordado. É  por  este  desastre  tamanho  não  íbrão  os  Por- 
tugueses mais  por  diante,  &  se  tornarão  pêra  os  nauios 
em  que  se  embarcarão  com  IMartim  afonso ,  queimando 
primeiro  a  mezquita,  &  as  casas  que  estauão  na  praya. 
£  dahi  se  forão  pêra  Ternate,  por  mandado  Dantonio  de 
brilo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXIIII. 

Í)e  como  foy  ferido  Francisco  de  sousa^  ^  ohtroa  Por^ 

tagueses^ 

Issiue  dagastado  de  quain  mal  lhe  socedfa  a  guerra  a 
quisera  de  todo  deixar,  se  não  ibra  por  amor  deCachil 
daroes,  que  vendoho  assi  lhe  disse  que  ele  queria  fazer 
a.  guerra  com  a> gente  da  terra,  somente  mandasse hu 
capitão  Português,  cem  ate  vinte  Portugueses  de  que 
se  fizesse  cabeça :  &  que  iria  logo  tomar  hu  lugar  que 
Ml  chamaualKlariaco,^  principal  lugar  da  ilha  deXidore: 


DA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

pêra  ho  que  lhe  deu  hll  fidalgo  chamado  Francisco  de 
sousa,  &  vinte  Portugueses^  &  parlirSo  lodos  com  gran« 
de  frota,  em  que  yão  mil  &  quinhStos  homês  da  terra , 
em  que  enlrauâo  muytos  MandarTs,  &  os  vinte  Portu« 

fueses.  E  chegados  onde  auião  de  desembarcar  desem* 
arcarão,  &  forãose  caminho  de  Mariaco,  que  he  hil 
lugar  muyto  grande  situado  em  hâa  serra  quasi  nomeo 
da  ilha,  onde  antigamente  residião  os  reys  de  Tidóre:* 
&  despois  por  se  pouoar  a  fralda  do  mar ,  fizerão  assen* 
to  na  cidade  que  agora  tem.  Este  lugar  era  cercado  de 
tranqueiras  de  hiia  face,  &  a  lugares  tinha  alg&a  caua, 
&  com  isto  estaua  algii  taoto  fortificado.  E  chegados  a 
este  lugar,  tomoulhe  Cachil  daroes  as  seruentias  S  que 
pos  algua  da  sua  gente  ,  por  lhe  não  poder  yr  socorro : 
&  disse  a  Francisco  de  sousa  que  ficasse  de  hQa  bSda 
ao  pé  do  lugar,  &  ele  iria  pola  outra  que  era  mais  alta : 
&  tanto  que  fosse  em  todo  cima,  daria  a  sua  gente  hda 
grita  a  que  ele  acodiria  com  os  Portugueses ,  &  darião 
no  lugar  &  bo  tomariâo.  E  proseguindo  Cachil  daroes 
pêra  ho  lugar,  sem  ser  visto  nem  sentido  dos  morado* 
res ,  por  a  terra  ser  cuberta  de  muyto  basto  aruoredo ,. 
sairão  algCis  do  lugar  cuydando  que  bo  podião  fazer  sem 
perigo,  &  estes  forS  logo  sentidos  dos  que  goardauão  as 
seruentias,  que  deitarão  após  ele*s  dando  algilas  gritas: 
com  que  se  Francisco  de  sousa  enganou ,  cuydando  ser 
Cachil  daroes  que  daua  no  lugar  pela  banda  por  onde 
fora,  ao  que  acodio  logo  pola  sua  com  grande  pressa. 
£  como  Cachil  dardes  não  era  ainda  chegado  ao  seu 
combate,  nem  os  mouros  recebessem  opressão,  acodi- 
rão  todos  onde  Francisco  de  sousa  cometia ,  &  ás  pe^ 
dradas  &  frechadas  se  defenderão  de  tal  maneyra  que 
os  Portugueses  forão  todos  muyto  feridos.  E  ho  mesmo 
espingardeiro  Q  ferira  a  Martim  afonso,  ferio  ali  a  Fran- 
cisco de  sousa  por  hfta  coxa  &  isto  de  desacordado,  po- 
lo que  lhe  foy  necessário  afastar  se  pêra  ho  lugar  em  Q 
ho  deixou  Cachil  daroes :  que  sabSdo  o  Q  passaua  lhe 
foy  acodirt,  &  muyto  agastado  daquele  desastre,  jurou* 


LIVRO   VI.    CAPITVLO  \.XV.  '  137 

em  sua  ley  de  nl(o  se  partir  dali  ale  não  tomar  ho  lugar, 
Sl  asai  bo  screueo  a  António  de  brito,  pediadoihe  que 
não  se  agastase  polo  que  sucedera,  porque  erâ desastres 
de  guerra ,  &  que  lhe  mâdasse  Martim  correa  com  vio-* 
te  Portugueses,  por(}  ho  tinha  por  tão  esforçado  &  sa-* 
bedor  na  guerra,  que  com  ele  acabaria  muyto  a  sua 
bonrra :  &  com  este  recado  mandou  Francisco  de  sou« 
sa  •&  os  feridos. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXV. 

De  como  por  indtistria  de  Martim  correa ,  foy  tomado 

ho  lugar  de  Mariaco. 

y  endo  António  de  brito  quantos  desastres  lhe  acdte- 
ciâo  naquela  guerra,  determinou  de  a  deixar  de  todo, 
&  não  mandar  a  ela  nenhfli  Português ,  &  fiijarrarse  na 
fortaleza  com  cento  &  trinta  Portugueses  que  tinha,  & 
esperar  ate  irfi  os  jungos  de  Malaca :  &  nào  quis  man- 
dar Martim  correa  que  fosse  ajudar  a  Cachii  daroes, 
nem  bo  mandara  se  ho  mesmo  Cacfail  daroes  lhe  não  fo-* 
ra  pedir  que  ho  mandasse,  &  por  isso  lhe  deu  licença 
que  fosse  cÕ  vinte  Portugueses.  Eescreueo  aLionel  de 
lima  que  estaua  no  porto  de  Tidore,  que  ho  fosse  acô-» 
panhar  com  a  mais  gente  que  podesse,  tirando  a  do  seu 
nauio  que  deixaria  a  recado:  &  dizia  em  hua  carta  {| 
se  Marti  correa  se  quisesse  meter  em  algOa  cousa  de 
P^<*Íç^9  4  ^le  Ibe  requeresse  da  parte  dei  Rey  que  ho 
não  fizesse,  &  não  querendo  se  não  fazelo  que  lhe  les- 
se aquela  carta ,  &  requeresse  da  sua  parte  aos  que  ho 
acdpanhauão  que  ho  não  ajudassem.  £  recebidos  por  Lio* 
nel  de  lima  estes  recados  logo  se  foy  ajuntar  c8  Marti 
correa,  leuSdo  cÕsigo  quinze  Portugueses,  que  cÕ  os 
que  Martim  correa  tinha  erão  trinta  &  cinco,  Q  vendo- 
se  coeles,  &  cÕ  a  gente  de  Cachii  daroes  apressouho 
que  cometessem  ho  lugar,  polo  ver  estar  muyto  frio  nis^ 
ao :  &  ele  4he  disse  que  bo  faria  quando  lhe  viesse  von^ 

LIVRO   VI.  8 


188  ]>A   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

tade^  porque  ainda  lhe  nfto  vinha.  E  por  isso  determi^ 
DOO  Marti m  correa  de  bo  cometer  com  os  Portugueses, 
-cS  tençSo  que  vendo  Gachil  daroes  a  cousa  trauada  aco? 
deria  com  sua  gSle.  £  dando  disso  conta  a  Lionel  do 
lima^  ele  lhe  requereo  da  parle  Dâtonio  de  brilo  que 
ho  não  fizesse :  &  aos  outros  que  bo  não  ajudassem  most 
trandolbe  a  carta  de  António  de  brito  ^  em  que  manda? 
ua  que  lhe  não  obedecessem :  &  eles  bo  fíterâo  assi  sal-» 
uo  hfl  lane  mendez  caualeiro  muyto  esforçado,  que  se 
lhe  oflfreceo  ao  ajudar  com  sua  pessoa,  o  {[  lhe  JMarlim 
correa  agardeceo.  £  dando  a  entender  a  gente  que  não 
queria  cometer  ho  lugar  pois  ho  dão  queriâo  ajudar,  fa- 
lou aquela  noyte  com  loane  mendez ,  &  concertou  coele 
que  ao  outro  dia  pola  menhaã  cometessem  a  tranqueira 
per  bua  parte ,  que  ele  sabia  que  estaua  fraòa :  &  que 
iriâo  ambos  com  dous  seus  criados :  &  oyto  mftdarins 
dos  de  cacbil  daroes ,  que  conhecia  por  esforçados ,  & 
como  fossem  dentro  que  a  sua  gSte  lhes  acodiria,  & 
desta  maneira  se  despacbarião  dali.  £  porque  Martim 
correa  sabia  (}  por  aquela  parte  auia  buas  caniçadas  de 
ifora  da  tranqueira :  mãdou  aos  mandarins  Q  as  desfezes* 
sem,  &  vissem  se  auia  estrepes,  porí|  os  costumSo  muy» 
to  naquela  terra :  &  sabendo  que  as  caniçadas  erão  des* 
feitas  &  que  não  auia  estrepes ,  ao  outro  dia  em  ama- 
nhecendo se  foy  da  sua  estancia  com  a  cõpanhia  que 
digo:  que  erão  por  todos  doze  pessoas:  &  chegados  á 
tranqueira  virão  que  auia  por  aquela  parle  pouca  gente 
por  auer  de  fora  grande  mato  &  má  seruentia  j>era  se 
chegarS  a  ela :  &  estaua  da  banda  de  dêlro  háa  casa 
térrea  cõprida,  &  dereito  do  meo  dela  erão  os  esleos  da 
tranqueira  ralos  &  curtos.  £  estando  assi  vendo  por  on«- 
de  auiSo  de  cometer,  apareceo  bd  mandarim  vestido 
em  hfta  roupeta  de  graã,  cÕ  bua  gorra  do  mesmo:  & 
nela  bua  pruma :  que  logo  foj  morto  cõ  hãa  espigarda* 
da  que  lhe  tirou  loane  mendez.  £  nisto  acodirâo  algfis 
bomõs  a  bua  goarita  {|  estaua  sobre  a^la  parte ,  dõde 
lhes  tirauão  pedradas  &  outros  arremessos :  &  lhes  dei* 


LIVRO   VI.   CAPITVLO    LXV.  139 

IaqIo  tXtft  soma  de  terra  que  fazia  tamanha  poeira  que 
nXo  se  enxergauflo  htta  aos  outros*  Ecomo  os  de  dentro 
vião  Q  os  de  fera  erão  taro  poucos ,  parecialhes  que  era 
impossiuel  poderê  entrar:  &  ja  que  entrassem  ^  erão  tá 
poucos  y  que  eles  abastauSo  pêra  os  matar :  &  por  isso 
faziSo  a  cousa  caladamfite ,  que  não  se  sintia  senão  nas 
estancias  vezinhas:  &  tirauão  suas  pedras  &  arreroes'- 
608,  &  deitauão  a  terra  cuydando  de  cegar  os  Portugue» 
ses :  &  no  que  cuydauão  que  lhes  fazião  mayor  dano  os 
aproueytarão  mais :  porque  como  da  terra  que  caya  se 
fizessem  grandes  &  grossas  nuuSs  de  pó^  que  cobrião 
Martim  corroa  &  os  outros ,  teue  ele  tempo ,  de  com 
sua  ajuda  arrancar  bfi  pao  da  tranqueira  que  era  (ao 
grosso ,  que  polo  lugar  que  ocupaua  pode  Martim  cor^ 
rea  caber  dilbarga  &  a  pos  ele  loaoe  m&dez ,  &  despois 
os  outros:  &  tomarão  hQ  terreiro  que  se  fazia  diante 
da  casa  ^  que  estaua  ao  Mgo  da  tranqueira.  £  como  os 
mouros  os  virão  dentro  comei^use  antreles  muy  grande 
aluoroQO,  acodindo  logo  os  das  estancias  vezinhas  dao«> 
do  grandes  grilas  porque  os  ouuissem  polo  lugar.  E  co«> 
mo  Lionel  de  lima  estaua  perto^  em  ouuindo  a  grita  a* 
codio  logo  com  todos  os  Portugueses  sospeitando  ko  J| 
era ,  &  entrou  polo  portal  A  achou  feyto :  &  ajuntousa 
com  Martim  correa  pelejando  todos  marauilhosamente , 

Eorque  os  mouros  creoíão  muy  to :  &  ouue  atreles  hfta 
raua  peleia ,  que  durou  hfi  pedaço  primeyro  que  che« 
gasse  Cachil  daroes  por  estar  muyto  descansado,  & 
cuydar  que  não  se  auia  dentrar  tão  asinha.  E  como  ele 
chegou  espalhouse  sua  gente  por  todas  as  partes,  &  de« 
rão  DOS  mouros  de  que  matarão  todos ,  saluo  obra  de 
cento  que  se  acolherão  sobre  fatias  aruores ,  6de  os  Ca* 
cil  daroes  mãdaua  matar  as  espingardadas ,  se  não  fora 
Martim  correa  que  lhe  pedio  as  vidas,  &  ele  lhas  dep 
muvto  pesadamente ,  dizendo  que  era  seu  custume  in- 
uiolauel ,  que  em  toda  a  batalha  onde  ya  el  rey  ou  quê 
representasse  sua  pessoa,  de  morrerS  todos  os  immigos 
que  não  se  querião  dar  a  mercê  antes  da  batalha ,  ou 

8  2 


140  JOA  HI8T0BIA    BA  ÍNDIA 

do  combale.  E  em  sinal  que  Cachil  daroes  perdoana  aoa 
que  eatauSo  sobre  as  aruores ,  bebeo  agoa  pola  põta  do 
seu  cris,  que  he  sinal  de  perdão:  &  com  isto  se  dece« 
rão  os  mouros,  que  como  disse  erão  cSto,  &  os  morlos 
forão  trezentos.  E  dos  Portugueses  não  morreo  nenhO.^ 
nem  dos  ^  os  ajudauão:  &Martim  correa  foy  ferido  em 
hfia  perna  de  hil  arremesso :  &  os  mortos  todos  forão 
mâdarSs  &  os  mais  parentes  dei  rey  de  Tidore :  &  outra 
gente  não  auia  no  lugar,  porque  tanto  que  lhe  foj  pos^ 
lo  cerco  ho  despejarão  dela  &  das  fazêdas  &  por  isso 
não  se  achou  cousa  que  fosse  de  roubar.  E  despoía  €Ío 
feito  acabado  estando  Marti m  correa  descasando  yio  ir 
contra  si  dous  homès  bu  deles  Mandarim  &  velho,  &  ho 
outro  de  menos  idade  comitre  de  hfi  paraó,  &  este  le* 
uaua  dependuradas  duas  cabeças  de  mouros,  &  fugia  do 
outro  4  'bas  queria  tomar,  &  chegado  a  Maríim  correa 
lhe  íez  queixume  daquilo:  &  por^  ho  velho  cd  muyta 
instãcia  pedia  a  Martim  correa^  lhe  desse  hua  da^lag 
cabeças  pêra  a  depfidurar  em  hu  paraó  de  Q  era  capitã ; 
&  quiseralha  tomar  &  ho  outro  as  aferrou  gritado  ^  lhe 
Dão  tomasse  sua  honrra  Q  ganhara  com  muyto  trabalho 

Eera  a  dar  ao  mandarim,  que  em  quanto  durara  a  pe- 
ja do  lugar  esleuera  dormido  &  coisto  se  foy*  E  ali 
soube  Martim  correa  que  todo  aquele  que  apresentarão 
rey  sete  cabeças  dmigos  despois  de  dar  algtla  batalha 
que  ho  faz  caualeiro ,  &  ho  faz  fidalgo ,  a  Q  chamão 
mandarim,  se  ho  não  be,  &  hão  por  muyto  grande 
honrra  apanhar  muyias  cabeças»  E  acabada  a  matãça 
dos  moradores  do  lugar  foylhe  posto  fogo,  &  ardeo  todo 
sem  ficar  cousa  aigiia.  &  da  fortaleza  vio  António  de 
brito,  &  os  que  estauão  coele  as  chamas  do  fogo:  & 
porisso  &  por  recado  de  Martim  correa  foy  certificado 
Q  o  lugar  era  idestruido*. 


LIVRO  VI.  CAPiTVLOLXVI.  141 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXVL 

JDe  como  prosseguindo  Martim  correa  ^  Cachii  Daroes 
.    a  guerra  tomarão  muytos  lugares  que  el  rey  de  Ttdore 
tinha  na  ilha  de  Maquiem. 

JL/estruído  esle  lugar  ouue  Cacbil  daroes  conselho  cõ 
jMartiin  correa  que  fossem  aa  ilha  de  Maquie,  de  Q  era 
«metade  delrey  de  Tidore  &  a  oulra  dei  rey  de  Terna- 
te  &  a  tomassem :  &  assi  ho  fizerão.  E  ao  primeyro  lu- 
gar dei  rey  de  Tidore  que  chegarão,  estando  no  mar 
&  tão  perto  de  terra  que  se  poderia  ouuir :  deuse  htl 
pregão  na  coracora  do  camarão  que  em  sua  lingoa  quer 
dizer  almirante ,  que  soubessem  os  moradores  do  lugar 
Q  naquela  frota  ya  certo  numero  de  Portugueses  que 
yâo  vestidos  de  ferro  (&  isto  polas  armas)  &  que  leua- 
iião  os  paraós  cheos  de  cabeças  dos  Mãdarins  de  Tido^ 
re ,  que  bé  podiâo  vingalos :  porê  que  deuião  de  dar  o« 
bediencia  ao  regedor  Õachil  daroes  que  ali  ya ,  porque 
lhes  não  fizessem  outro  tanto  como  aos  de  Tklore.  E  a 
este  pregão  sairão  todos  os  do  lugar  á  praya,  &  quando 
virão  a  multidão  das  cabeças  dos  mortos  moslrarãose 
muy  espantados,  &  determinarão  de  se  entregar,  &  as- 
si ho  fizerão  logo  ao  outro  dia  pola  manhaã ,  &  cada  hfl 
leuaua  algOa  peça  que  apresentaua  ao  regedor,  &  isto 
de  sua  vontade ,  &  não  dobrigação :  &  dada  obediência 
ao  regedor  ^  se  tornauão  pêra  suas  casas ,  íkãdo  vassa- 
lo» dei  rev  de  Ternate :  &  desta  maneira  se  entregarão 
todoa  os  lugares  que  el  rey  de  Tidore  tinha  nesta  ilha. 
£  a  causa  de  lhe  darem  primeyro  ho  pregão  Q  disse , 
era  por  ser  costume  da  terra  ,  que  quando  auiãô  de  fa- 
aer  guerra  a  algtta  gente  pêra  que  não  dissesse  despois 
que  os  tornauão  a  treição,  lhe  aoião  de  noteficar  como 
lhes  querião  fazer  guerra  ,  &  a  gente  que  tinfaão ,  &  as 
armas  que  leuauão ,  assi  defensiuas  como  ofSsiuas  >  &  s^ 
He  entregauãoy  eatão  dauào  aquelas  peças  de  sua  võla^ 


142  DA   Hf0TOltTA    DA   ÍNDIA 

de ,  &  nSo  lhes  fazião  mal.  E  se  respõdiSo  que  não  a- 
uiâo  medo  &  eeUuâo  prestes  pêra  se  defenderem ,  dali 
por  diante  os  podião  combater,  &  tomar  por  treiçâo,  & 
por  todos  os  ardijs  Q  podessê  sem  terem  nisso  culpa»  E 
não  tendo  mais  que  fazer  naquela  ilha ,  se  tornarão  a 
nossa  fortaleza. 

C  A  P  I  T  V  L  O^  LXVIL 

De  como  Martim  correa ,  ^  Cachil  daroes  destruirão  hê 
lugar  Dogane ,  ^  se  tomarão  a  Temate. 

V  endo  António  de  brito  quSo  bem  lhe  sucedia  a  guer- 
ra, nã  quis  deixar  de  a  proseguir.  B  porque  ainda  fica*- 
ua  hú  lugar  a  el  rey  deTidore,  que  tinha  na  grade  ilha 
de  Batochina  sessenta  legoas  de  Ternate,  tornou  a 
mandar  Martim  correa  com  corenta Portugueses,  &6oer 
Je  foy  Cachil  daroes ,  &  bo  camarão  ^  que  forão  pola  ilha 
de  (5ajoa  pêra  se  ajuntar  com  eles  bo  rey  dela ,  como 
ajuntou;  &  dali  se  forão  todos  a  ilha  de  Batochina  sobre 
fail  lugar  chamado  Gane,  Q  seria  de  bê  duzfitos  vezinhos, 
&  as  casas  todas  sobre  esteos  de  madeira  cujas  paredes 
erão  de  barrotes ,  &  em  lugar  de  tauoado  tinbão  por  cv- 
ma  hOas  esteiras  de  canas  rachadas,  &  por  de  baixo  dai 
casas  auia  algíks  assentos  pêra  se  a  gente  assentar  de 
dia ,  &  estas  casas  erão  assi  feytas ,  pêra  que  no  tempo 
da  guerra  se  defendessem  melhor  dos  immigos,  porque 
sobem  ás  caças  per  huas  escadas  leuadi<^8  de  canas, 
que  como  são  em  cima  as  poS  ao  longo  das  paredes  & 
iicão  mu3ito  segupos:  &  pêra  oSenderem  aos  immigos 
se  lhes  entrão  ho  lugar,  enrolão  as  esteiras  pêra  as  i- 
Ihargas  das  paredes ,  fc  tirão  per  antre  os  barrotes  aos 
que  andão  por  baixo,  com  paos  tostados,  &  pedras,  & 
frechas ,  &  com  fate  arpftes  de  ferro ,  aque  chamão  tãr^- 
ranas,  que  trasem  atados  em  moytas  braças  de  cordel 
que  enrolão  no  braço  dereito  pêra  que  lhes  fique  sempro 
ho  cordel  na  »9o ,  &  se  acerlão ,  puxão  pelo  cordel  ato 


LIVAO    VI*   CAPITTLO   LXYII.  14t 

chêgârS  ho  homS  a  0Í ,  &  cortanlbe  a  cabec^ :  &  estas 
armas  sain  muy  temerosas  &  perigosas :  &  de  que  se 
seruS  muyto  quãdo  lhe  os  Imigos  entrSo  os  kgares^ 
porQ  tem  lâ  pouco  engenho  4  lhes  não  sabe  cortar  os 
esteos  das  casas  &  derribarlhas ,  nem  ousam  de  se  che<>* 
gar  junto  delas  c5  medo  destes  arpoes  &  doutros  arre* 
messos :  este  lugar  era  cercado  de  bua  banda  de  bila 
vala  muyto  alta  per  onde  entrata  bo  mar ,  &  bo  alaga* 
ua  quãdo  era  necessário:  &  por  outras  partes  era  cer^* 
oado  desteiros  &  de  vasa,  de  modo  que  estaua  muyto 
forte )  &  tinha  a  entrada  muyto  perigosa»  £  cõ  tudo 
Martim  correa  disse  a  Cachil  daroes  que  bo  cometes- 
sem: &  forão  pêra  entrar  pola  bãda  da  vala,  que  náo 
podiSo  as  corasooras  nadar  por  outra  parle ,  mas  logo 
encalharão  sem  poderè  passar  auãle  cõ  estacadas  Q  os 
mouros  ali  tinbão  feitas ,  por  onde  as  corascoras  que  e- 
rio  grandes  não  podião  caber :  o  j|  vendo  os  mouros  se 
meterão  muy  de  pressa  em  paraos  pequenos,  &  se  che- 
gara per  antre  as  estacas  bo  mais  perto. que  poderã  dos 
nossos ,  &  tirauãibes  muy  tas  frechadas ,  &  arremessos , 
&  eles  dissimulauão  por  rogo  de  Cachil  daroes  pêra  que 
se  chegassem  mais  &  lhes  tirassem  com  as  espingardas : 
de  qoe  os  Inigos  nâo  sabião  nada  por  não  terem  nunca 
visto  Portugueses.  £  vedo  os  Martim  correa  bõ  chega- 
dos desparon  a  sua  espingarda  ^  &  bo  mesmo  fez  Cachil 
daroes,  &  outros  que  as  tinhãe:  com  que  derribarão 
mortos  muytos  dos  Imigos :  &  os  outros  como  entende^^ 
râo  ho  jogo  fugirão,  indo  8  seu  alcani^o  mtiytos  pelou- 
ros de  ber^ ,  que  lhes  despararão  nas  costas ,  que  ma- 
tarão &  ferirão  esses  Q  alcançarão :  &  despejada  a  esta- 
cada foy  logo  cortada  &  arrancada.  £  têdo  as  corasco- 
ras lugar  pêra  Strar  se  chegarão  tam  perto  das  casas  que 
lhes  cbegauSo  com  os  berços ,  mas  como  não  lhe  podia 
dali  áaeer  muyto  nojo,  saltou  Martim  cx)rrea  em  terra 
Goai  de£  Portugueses  que  yão  coele  na  coracora  do  ça* 
marao ,  que  tambè  desembarcou  com  os  mouros  de  sua 
capitania ,  &  porem  acharão  lanta  tasa ,  &  alê  dela  b{^ 


144  •*  0A   HfSVOlltA    DA    ÍNDIA     ' 

esteiro  tâo  alto  que  nâo  poderSo  chegar  ao  lugar :  &  fbjr 
forçado  erobarearense  outra  vez,  pori)  Cachil  daroea  não 
estaua  ali  9  &  ya  por  outra  i>aoda ,  &  de  lá  mandou  cba* 
mar  Martim  Corrêa ,  que  se  foy  parele.  E  poio  achar 
frio  em  cometer  ho  lugar  ate  os  imigos  gastarem  os  ar* 
remessos  que  tiohão,  remeteo  a  eles  c5  esses  Portugoe* 
ses  &  mouros  que  leuaua,  ás  espingardadas ,  metMose 
pola  vasa ,  em  que  auta  muytos  strepes ,  de  que  hu  ho 
ferio  em  hft  pé,  mas  ele  nSo  deixou  de  ir  por  diante  ate 
chegar  a  hQa  tranqueira  que  estaoa  daquela  parte  que 
despejou  dos  imigos  ás  espingardadas  cora  os  outros:  Sc 
despejada  entrarão  no  lugar ,  &  após  ele  Cachil  daroee 
cÔ  os  de  sua  capitania.   E  vedo  os  Imigos  Q  nft  tinhft 
outro  remédio,  derSo  cSsigo  encima  nas  casas  leuSdo 
após  si  as  escadas ,  cuidSdo  <)  se  auiSo  de  defender  co- 
mo outras  vezes ,  mas  nSo  lhes  derSo  os  Portugueses 
esse  vagar,  que  logo  atando  bisalhos  de  poluora  nas 
pontas  das  lanças  lhos  punhSo  encima  dos  telhados  com 
murrSes  acesos ,  &  deles  se  pegaua  ho  fogo  nos  telha* 
dos  que  erâo  dda  seca ,  em  que  logo  se  aceodeo  muj 
brauamente  &  ateandose  de  hfias  casas  em  outras :  a- 
cendeose  hum  espantoso  fogo  per  toda   |t  cidade,    & 
coela  per  toda  ela  se  aleuantou  hãa  grande  &  dorida 
grita  que  dauSo  as  roolheres  &  meninos  de  que  as  casas 
estauão  cheas.  Equerendose  liurar  do  fogo  remetiSoaas 
portas  pêra  se  lançarem  abaixo  onde  viâo  estar  os  Por* 
tugueses  cd  as  I3ças  leuStadas  pêra  os  receberC  nelas, 
&  cõtudo  se  deytauão:  &  assi  morrerá  muylos  quey- 
mados  do  fogo ,  &  outros  a  ferro :  &  forão  calinas  bem 
dozentas  almas ,  &  antrelas  ho  foy  tambS  ho  mesmo  se* 
nhor  do  lugar,  com  toda  sua  casa.  Ecomo  teuerâodes* 
truydo  este  lugar  de  todo,  embarcarãose  MarUm  Cor- 
rêa, &  Cachil  daroes  &  tornarSose  a  Ternate,  onde 
António  de  brito  deu  a  Martim  correa  a  alcaidaria  mor 
da  fortaleza,  &  a  capitania  m6r  do  mar,  porque  ficasse 
coeie  mays  tempo,  por  ver  quanto  era  pêra  seruir  eirejr 
por  seu  esforço  &  valentia.  .   > 


LlVfK)  VI.  CAPITVLO   LXVni.  14Ô 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXVIII. 

De  como  ti  rey  de  Tidore  mandou  pedir  pazes  a  António 

de  òrito :  ^  ele  Ihas^^nâo  quis  dar. 

V-^om  a  destruycjâo  deste  lugar  Dogane  ficou  el  rey  de 
Tidore  inuylo  ^brado  da  soberba  que  tiuera  contra  os 
Portugueses,  &  bS  arrependido  de  ter  guerra  coeles,  & 
cobroulhes  tamanho  medo,  ^  não  se  tinha  por  seguro 
em  nenhfia  parte:  polo  que  mandou  hfi  embaixador  a 
António  de  brito,  fjedindolhe  pazes,  oífrecendose  a  pa- 
gar a  el  rey  de  Portugal  toda  a  perda  &  dano  que  te** 
uesse  recebido  por  sua  causa:  &  lhe  daria  a  artelharia 
que  tomara  na  fusta :  o  que  António  de  brito  nSo  quts : 
&  respõdeo  que  ainda  não  estaua  bê  vingado  dele«  E 
dali  a  algQs  dias  forâo  tomados  no  mar  pelos  Portugue- 
ses duzentos  homens  vassalos  dei  rey  de  Tidore,  ^  An<* 
tonio  de  brito  mandou  matar  de  muy  cruas  mortea.  O 
que  não  somente  punha  grande  temor  em  el  rey  de  Ti- 
dore ,  mas  em  outros  reys  comarcãos  daquele  arcepela- 
go:  &  todos  se  liauão  por  amizade  com  António  de  bri- 
to, &  antrestes  foy  ho  da  ilha  chamada  Grambocanora, 
que  mandou  a  António  de  brito  hfis  doze  homês  6  híl 
paraó,  a  ![  naQla  terra  chamâoOurâo  soãgue  (}  quer  di- 
zer home  diabo.  £  isto  por^  por  arte  diabólica  se  fazS 
inuisiueis,  &  êtrão  por  Ôde  quer&  &  fazS  muy  to  mal: 
&  por  isso  hão  aQlas  gSles  grandissimo  medo  deles ,  & 
se  os  acolhem  logo  os  matão.  E  porque  estes  ourfies 
soangues  se  fazem  inoisiueis  os  mâdou  el  rey  da  GrS^ 
bocanora  a  António  de  brjto  pêra  ^  lhe  fossem  fazer 
saltos  á  ilha  de  Tidore,  &  matassem  nela  muyta  gSte, 
do  que  António  de  brito^fez  escárnio,  &  eles  forão  por 
seys  ou  sete  vezes  fazer  salíos  em  Tidore ,  donde  trou- 
iierão  de  cada  vez  aouy tas.  cabeças  de  homens  que  ma- 
tauSo:  do  que  a  gente  de  Tidore  andaua  muy  to  espan- 
tada &  atormentada,  &  espiarãnos  hila  noyle  onde  dei« 

lilVRO  vu  T 


146  ]>A   HISTORIA    BA   INJDIA      ' 

xauão  ho  seu  paraó  &  tomaranlho  &  eles  ficarSo  embre- 
nhados pola  ilha,  &  cada  ooyte  fazião  fogos  aos  de  Ter- 
nate  que  estauão  defrõle  que  fossem  por  eles,  &  por  is- 
Bo  farão  &  acharão  onze ,  &  ho  outro  nunca  mais  pare« 
ceo,  pelo  que  Âatonio  de  brito  fez  disso  muylo  mais  es- 
cárnio que  dantes,  ainda  que  lhe  CachilDaroes  aíirma- 
iia  que  era  assi ,  &  que  se  faziâo  inuisiueis.  £  por  An-* 
tonio  de  brito  dizer  que  se  ele  metesse  no  tronco  hum 
da^les  que  ele  nã  se  sayria  Ihenlregou  Cachil  Daroea 
hum  que  lhe  leuarão  p^a  justiçar.  E  António  de  brita 
ko  mandou  meter  em  hum  tronco  pola  cabeça,  dizendo 
que  se  se  dali  saysse  que  creria  fazerse  inuisiueJ  9  âc 
mandou  ho  goardar  muyto  bem  hua  noyte.  E  quando 
Iby  ao  outro  dià  não  ho  acharão  no  tronco^  do  que  An-* 
tonio  de^  brito  ficou  muyto  espantado.  £  porque  d  rey 
de  Tidore  não  dissesse  que  lhe  fazia  a  guerra  com  arte 
diabólica,  não  quis  que  fossem  lá  mais  osOurões  soa»- 
guês  5  &  maadaoalha  fazer  continuamente  poios  Porlu* 
gueseg  com  o  que  el  rey  viuia  muy  atormãladoé 

C  A  P  I  T  O  L  O   LXIX. 

De  como  d  rey  de  CkUtcut  começou  de  fazer  guerra  €Ui 

fortaleza  êissimidadamâe. 


p 


assãdose  estas  cousas  em  Maluco ,  el  rey  de  Calicut 
que  estaua  determinado  de  fazer  guerra  á  fortaleza  dos 
portugueses ,  apereebiasse  pêra  isso  quãto  podia ,  &  as* 
si  os  mouros  de  todo  seu  reyno,  que  ajuntarão  quasi  du- 
zentos paraós  darmada ,  de  que  corenta  auiao  dir  carre* 
gados  de  especiaria  a  Meca  em  goarda  das  oyto  nãos 
que  disse  atras,  &  assi  outros  muytos  ate  os  poeremde 
mar  em  fora  da  costa  do  Malabar.  E  ho  capitão  moor 
desta  armada  era  bum  valente  mouro  chamado  Cuiiaie 
de  Tanor.  E  da  partida  desta  armada  que  foy  logo  na 
entrada  do  verão  foy  anisado  dom  loâo  de  lima  capitão 
da  fortaleza  de  Calicut ,  per  hum  Português  arrenegado 


LITftO  VI.   CAPITTLO   UKÍX,  147 

-que  andaaa  c5  os  aKHjros  chamado  Basti io^  filho  de  hum 
ouriuez  de  Lisboa  que  fora  moço  da  eafiela  deJ  rey  dom 
IMaottel^  &  por  ser  mujlo  amigo  de  dom  loao  (ainda 
que  era  mouro)  Ihescreueo  bíia  carta  da  partida  desta 
armada ,  &  que  auia  de  passar  ao  longo  da  fortaleza 

Í^era  a  tomar  se  esteuesse  pêra  isso :  o  que  logo  dom 
oSo  como  isto  soube  escreueo  a  dÔ  Luys  que  estaua  em 
Cochim^  pedindolhe  !\  maadasse  hiia  armada  a  goardar 
a  costa:  o  que  ele  nSo  quis,  nem  sayo  de  Cochim  se 
não  em  Outubro  indose  derejto  a  Goa  onde  esperaua 
que  ha  gouemador  fosse  ter  Dormuz*  E  vendo  dom 
ioAo  de  Uma  como  lhe  nã  acodião  de  Coefaim,  segurou 
a  fortaleza  do  combate  que  se  lhe  podia  dar  por  mar , 
com  fazer  bum  baluarte  de  madeyra  com  que  a  porta 
da  fortaleza  fioana  também  emparada  da  banda  domar: 
pêra  o  que.  mandou  pedir  carpinieyros  ao  regedor  da  ci'- 
idade,  que  como  sabia  a  guerra  f\  el  rey  determinaua  de 
;fazer  aa  fortaleza  nSo  queria  dar  os  carpinteyTos.  Gdom 
Joáo  f  ola  pressa  que  tinha  começou  ho  bahiarte  com  ho 
jcsondestabre  da  fortaleza  (}  era  muyto  Sgenboso  &  insi- 
naoa  algfls  Portugueses  a  laurar  a  madeyra.  O  ^. visto 
•poio  regedor,  por  dom  loSo  nSo  sospeilar algfla  coasa 
da  guerra  que  estaua  determinada  lhe  deu  08carpintey>> 
ros  cõ  que  ho  baluarte  foy  muy  asinha  acabado.  E  nSo 
tardou  nada  que  apareceo  a  frota  dos. mouros,  &  hum 
paraó  dela  se  chegou  a  terra  pêra  ver  se  poderião  tomar 
-a  fortaleza:  o  que  vendo  dom  loSo  lhe  mandou  tirar  com 
três  .tiros  grossos^  &  hum  espedaqou  ho  paraó :  &  os  ou- 
tros arrombarão  algds  dos  que  yão  ao  mar.  E  vendo  Cui- 
ti^e  quanto  dano  recebia  sem  desembarcar,  conheceoo 
que  receberia  desembarcando  ^  ic  por  isso  passou  auan« 
te.  E  dom  loSo  se  mandou  queixar  ao  regedor  de  Gali<» 
.out  da  vista  que  esta  armada  deu  aa  fortaleza:  dizendo 
que  se  el  rey  de  Calicut  queria  guerra  que  lho  decra- 
rasse ,  porque  assi  ho  fazilo  os  caualeyros.  Do  que  ho 
regedor  se  lhe  foy  disculpar:  &  el  rey  de  Calicut  quâ* 
do  aoabé  que  dom  loâo  ho  entendia^  mandou  a  buni 

T  % 


148  .    BA   HISTORIA   DA    ÍNDIA 

Nayre  que  lho  fosse  matar.  E  como  eles  sam  muyto  o- 
bedieDtes  a  seu  rey ,  determinou  de  ho  fazer:  fingindo 
que  leuana  hum  recado  dei  rey  a  dom  loão,  £  indo  ho 
Nayre  coeste  propósito  achou  ho  assentado  na  ramada 
da  fortaleza  com  algus  fidalgos  seus  parentes,  &  infiou* 
se  tanto  querendo  chegar  a  ele  que  ho  entendeo  dom 
Vasco  de  lima  que  hi  estaua,  &  disse  a  dom  loâo  que 
jbo  matassem.  E  ele  não  quis,  mas  mandou  aos  alabar- 
deyros  da  goarda  que  lho  tomassem.  E  assi  ho  fizerão, 
&  queixandose  ho  Nayre  que  leuaua  hum  recado  dei  rey 
a  dom  loâo ,  que  lho  deixassem  dar ,  disselbe  ele  que 
bem  sabia  que  não  leuaua  recado ,  se  não  que  ya  pêra 
ho  matar,  &  que  ho  não  mataua  como  lhe  merecia  por 
nSo  quebrar  a  paz ,  &  mandou  ho  pêra  Calicut.  E  aii>^ 
da  outra  vez  int6tou  el  rey  de  ho  mandar  matar  por  três 
Nayres  que  fingirão  leuarlhe  outro  recado :  por6  como 
ele  ja  andaua  de  sobre  auiso  entendeo  os ,  &  lambem 
os  mandou  prSder  por  os  seus  alabardeyros,  &  dísselhes 
que  dissessem  a  el  rey  que  soubesse  certo  que"ho  não 
auia  de  poder  matar  por  mais  que  fizesse :  &  se  queria 
guerra  coele  que  lha  declarasse  &  que  ele  se  defende- 
ria ,  &  se  não  fora  por  quebrar  a  paz  que.  ele  lhe  comi^ 
cara  ja  de  fazer  guerra  pelo  que  entendia  nele. 

C  A  P  I  T  O  L  O    LXX. 

De  como  os  mouros  ^  Nayres  de  Calicut  começarão  a 
guerra  cÔ  dô  loâo  de  lima  capitão  da  fortaleza. 

V^om  quanto  a  guerra  assi  andaua  bazcofójada,  não 
deixaua  dauer  coimersai^ão  ãtre  os  Portugueses  &  os  da 
cidade:  nem  os  Nayres  da  feytoria  não  deixauão  de  ser- 
uir  nela,  &  comiamSíe  a  gfite  de  Calicut  desejaua  a  paz, 
&  sós  os  mouros  a  não  querião  poio  grade  ódio  que  li- 
Jihão  aos  Portugueses ,  &  conselhauâo  a  el  rey  de  Cali* 
cHit  que  fizesse  a  guerra.  £  eles  matarão  neste  tempo 
bum  Gonçalo  tauares  que  dom  loão  mandaua  com  hum 


LIVRO  VI.  CAPITVLO  UtX.  149 

recado  ao  regedor  de  Calicut ,  &  assi  outros  dous  Por- 
tugueses que  yão  coele :  sobre  que  ho  regedor  não  fez 
nada ,  posto  que  se  dom  loão  mandou  queixar  dos  mou^ 
ros«  E  vendo  esses  fidalgos  que  estauão  com  dom  loãe, 
&  as8Í  ho  feytor  &  alcayde  roór  &  os  mais  de  essoutra 
gente  este  desauergonhamenlo :  &  que  auia  dous  meses 
que  em  Parangale  iugar  dei  rey  de  Calicut  matarão  ou* 
tros  mouros  doze  Portugueses,  conselhauão  a  dom  loão 
que  fizesse  guerra  a  elrey  de  Calicut  pois  lha  ele  fazia: 
porque  que  mais  guerra  podia  ser  que  malaribe  os  Por- 
tugueses poucos  &  poucos,  &  que  em  guerra  discuber* 
ta  não  lhe  matara  tantos,  que  não  esperasse  mais  cau- 
sas pêra  quebrar  a  paz,  que  nã  podião  ser  roais.  E  pos* 
to  que  a  dom  loão  lhe  não  falecia  esforço  pêra  a  guer- 
ra, não  ousaua  de  quebrar  a  paz  ate  os  immtgos  não 
cometerem  a  fortaleza ,  porque  assi  ho  tinha  por  regi- 
m6to:  &  por  isso  sufria  todas  estas  cousas.  £  sabendo 
ho  regedor  &  ho  Catual  da  cidade  poios  Nayres  da  fey- 
toria  o  que  os  fidalgos  conselhauão  a  dom  loão ,  temen- 
do que  quebrasse  a  paz  polo  terem  por  esforçado ,  forã- 
no  ver  por  dissimular :  &  a  vista  foy  na  ramada  da  for- 
taleza. £  queixandoselhes  dom  loão  das  cousas  passa- 
das ,  &  eles  dando  suas  disculpas ,  tirarão  dantre  a  sua 
gente  certas  espingardadas :  do  que  eles  auendo  grande 
vergonha  bradarão  com  a  gente,  dizendo  que  eles  sabe- 
rião  os  que  fizerão  aquilo,  &  os  castigarião  muylobem: 
&  porque  não  fizessem  outra  tal  mandarão  toda  a  gente 
pêra  a  cidade,  &  eles  ficarão  sós  com  dom  loão,  a  que 
fizerão  muytas  mostras  de  ibes  pesar  do  passado  com 
promessa  de  ho  enmêdarem  com  castigo,  que  ele  creo 
que  seria  assi:  mas  como  tudo  era  fingido,  logo  dali  a 
dous  ou  Ires  dias  tomarão  hus  mouros  certas  molheres 
da  terra  Christãas  que  niorauào  na  cidade ,  &  leuauan- 
nas  a  Coulete.  E  não  querendo  elas  ir  com  os  meures 
por  serem  Cbristaãs  bradauâo  poios  Portugueses  Q  lhes 
valessem.  £  foy  sobrislo  a  oniàu  tamanha  que  ho  soube 
dom  loão  y  &  mandou  rogar  aos  mouros  que  as  não  k- 


f 


150  BA   HISTOBIA    BA    ÍNDIA 

uassem ,  pois  erào  Chritsiâas.  E  itfto  querendo  eles  00 
não  leualas:  mandouse  queyxar  dÍ8«o  ao  regedor,  &  ao 
Caiuai  qual  deles  se  achasse,  mas  nenhum  se  achou, 
nem  nayres  da  feitoria,  pêra  que  defendessem  aosMoit- 
ros  que  não  leuassem   as  molheres :  o  que  vendo  dom 
loão  mandou  certos  Portugueses  a  defender  estas  mo- 
lheres, &  ouuerâo  peleja  cd  os  mouros  &  as  tomarão. 
Sobre  o  que  se  aluoroqou  a  genle  da  cidade,  assi  mou- 
ros como  Nayres:  &  como  tinhâo  determinado  de  faze- 
rem guerra  aa  fortaleza ,  na  mesma  hora  se  deixou  ir 
correndo  pêra  a  fortaleza  hum  corpo  de  gente  ,  que  se* 
riâo  trezentos  homens  os  mais  deles  espingardeyros,  & 
or  serem  tão  poucos  mando«ilhe8  dom  loio  ao  encontro 
um  caualeyro  chamado  Manuel  de  faria  escriuâo  da 
feytoria  cd  vinte  cinco  espingardeyros:  mas  ainda  estes 
trezentos  não  chegauão  aa  fortaleza,  quando  todo  bo 
resto  da  gente  da  cidade  ya  junta  fiosta  em  armas ,  & 
com  grandee  alaridos  se  forão  corrSdo  aa  praya  pêra  da- 
rem de  supito  na  porta  da  fortaleza  &  tomardna.  O  que 
receado  dom  leão  sajo  logo  &)ra  com  algQa  gente  petaa 
recolher  Manuel  de  faria ,  &  mandou  desparar  algiis  li« 
ros  por  alto  porque  anão  fizessem  mal^,  porque  aioâanSD 
queria  quebrar  a  [>az.  E  hq  medo  destes  tiros  fizerio 
deter  os  immigos,  pelo  que  Manuel  de  faria  se  recolheu 
sem  afronta:  &  dom  loflo  fazia  grandes  protestações 
perante  hum  tabalião  pubrico  que  ele  não  mandaua  ti* 
rar  aqueles  tiros  senão  por  se  defender  &  não  por  que- 
brar a  paz.  E  coisto  se  recolheo  aa  fortaleza :  &  reco* 
Ihido  tornarão  os  immigos  a  prosseguir  pêra  a  fortaleza, 
&  chegarão  ate  hils  pardieiros  que  estauão  perto  dela. 
E  vendo  os  dom  loão  ali  estar  sayo  a  dar  neles  com  o- 
bra  de  cem  homSs,  dando  a  dianteira  a  hum  Aiuaro  da 
cunha  seu  sobrinho,  que  leuaua  cincoenta,  ãt  domloSo 
com  os  outros  lhe  hia  nas  costas :  &  dando  bfia  arreme- 
tida aos  immigos  de  que  matarão  algiis,  se  tornou  a  re- 
colher na  fortaleza :  a  que  os  immigos  tirara  todo  aque- 
le Aia  muytas  eepingardadas  &  freokadas.  £  ao  dia  se- 


LlVma  Vf  •   CJk9lTTU>  LXX.  1 5  I 

guinte  esteuerâo  quedos  sem  fazer  nenlifi  reboliço  de 
guerra.  £  por  isto  Fuoacha  hfi  nayre  cunhado  dei  rej 
de  Galicut,  que  tinha  certa  tenqa  cada  anno  dei  Rej 
de  Portugal ,  porque  fauorecesse  aos  Portugueses  do 
que  era  grande  amigo ,  teue  tempo  pêra  ir  falar  a  dom 
loào,  que  ho  deixou  chegar  á  porta  da  fortaleia  onde 
]fae  falou.  £  Punacha  lhe  disse  com  o  rosto  muyto  tris"* 
te  j  que  não  se  fiasse  dei  rey  de  Calicut  9  porque  sem 
duuida  lhe  auia  de  fazer  guerra ,  &  isto  lhe  dezia  pola 
obriga<jâo  que  tinha  de  seruir  a  el  Rey.  de  Portugal.  E 
despediose  de  dom  loão  chorando,  &  assi  os  nayres  que 
seruião  na  feyloria  que  biáo  coele :  &  deítandoselhe  aoa 
pés  lhe  pedirão  perdão  de  ho  não  poderem  seruir  naquel* 
la  guerra ,  que  se  come^^ou  dali  por  diante :  &  a  dom 
loão  não  lhe  daua  nada  dela  por  ser  na  entrada  do  ve«* 
rão,  em  que  esperaua  que  fosse  gouérnador  de  Porlu* 
gal  que  lhe  socorreria:  &  por  isso  não  mandou  recado  a 
M  Luys  de  meneses  que  estaua  em  Cochim ,  &  coma 
06  immigos  se  lhe  metião  antre  htts  pardieyros  que  es* 
tauão  perto  da  fortaleza  sayo  aigâas  vezes  a  dar  nelea 
em  i|  matou  &  ferio  algus ,  &  hiia  vez  pos  fogo  aa  cida<< 
de,  de  que  queymou  hfl  grande  lanço  de  casas:  &  so- 
bristo  teue  bua  braua  peleja  com  os  imigos  de  que  fica-* 
rão  muytos  mortos  fc  feridos ,  &  dos  Portugueses  ha  soo 
foy  ferido.  O  que  parecia  milagre  por  serê  os  Portugue- 
ses muy  poucos  &  os  immigos  muytos  em  demasia  com 
quanto  el  rey  não  estaua  na  cidade ,  que  se  esteuera 
forão  sem  coto:  &  dali  por  diãte  auia  muytos  rebates 
dbfta  parte  &  da  outra,  &  sempre  nosso  senhor  seja  lou* 
uado  os  Portugueses  leuauào  o  melhor. 


lõS  DA   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXÍ. 

De  como  dô  Vasco  da  gama  conde  da  f^idigueira  ^  al^ 
mirante  do  mar  indico  partia  de  PorUigcU  por  viso  reijf 
da  Indta  ^  4^  de  cofno  chegou  lá, 

^endo  ho  tempo  chegado  de  dom  Duarte  de  meneses 
que  gouernaua  a  índia  se  ir  pêra  Portugal,  m^ou  ha 
iDuyto  alto  &  muyto  poderoso  rey  dom  loão  ho  terceyro 
deste  nome  de  Portugal  que  então  reynaua  quem  gouer- 
nasse  a  índia.  E  este  foy  dom  Vasco  da  gama  cõde  da 
Vidigueira  &  almirante  do  mar  indico,  a  que  deu  a  go- 
uernlcja  da  índia  com  titulo  de  viso  rey,  &  deulhe  hda 
armada  de  quatorze  velas.  s.  sete  nãos  grossas,  três 
galeões  &  quatro  carauelas.  Das  nãos  a  fora  ele  forão 
capitães  dom  Ânrri{|  de  meneses  filho  de  dom  Fernando 
de  meneses  a  que  chamarão  ho  roxo  que  ya  por  capitão 
Dormuz ,  &  na  primeyra  subcessam  da  gouernãça  da 
índia  per  morte  do  viso  rey^  Pêro  mazcarenhas  que  ya 
na  segiida  &  leuaua  a  capitania  de  Malaca ,  Lopo  vas 
de  sam  Payo  que  ya  na  terceyra,  &  leuaua  a  capitania 
deCochim,  Francisco  de  sá  que  leuaua  a  capitania  que 
auia  dir  fazer  na  ilha  de  çunda,  Francisco  de  brito  que 
auia  de  ser  capitão  das  três  nãos  do  trato  de  Baticalá 
pêra  Ormuz,  &  António  da  silueira.  Dos  galeões  forão 
capitães  dÕ  lorge.  de  meneses  filho  de  dom  Rodrigo  de 
meneses  de  que  faley  no  iiuro  quinto,  dõ  Fernando  de 
mõrroi ,  &  Afonso  mexia  que  ya  por  vedor  da  fazenda 
da  índia.  Os  capitães  das  carauelas  forão  Lopo  lobo, 
Gaspar  malhorquim,  Christouão  rosado,  &  Ruy  gon* 
çaluez.  £  fornecida  esta  armada  de  muyla  &  boa  gen- 
te, armas  &  mantimentos,  partiose  ho  viso  rey  coela  a 
noue  DabriJ  do  anno  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  qua- 
tro, &  leuou  muylo  roim  viagem  de  tormStas,  com  que 
se  perderão  da  sua  cõserua  Francisco  de  brito,  Christo- 
uão rosado ,  &  Gaspar  malhorquim  que  nunca  mais  par 


LIVRO  Vr.  CAPITVLO  LXXT.  lÒS 

recerSo.  E  ho  Galeão  em  que  ya  dom  Fernando  de  monr- 
roí  se  perdeo  em  Melinde,  &  nas  outras  velas  morreu 
muyta  gente  &  forão  sempre  espalhadas,  &  quem  cfae- 
gaua  primeyro  a  Moçambique  par  liasse  logo  pêra  a  ín- 
dia :  &  perto  da  costa  dela  fafia  noite  dos  seys  dias  de 
Setembro  ao  quarto  da  alua  tremeo  ho  mar  muyto  ri- 
jo, &  por  bÕ  espaço:  &  pola  primeyra  se  cuydou  na 
frota  Q  daua  em  algds  baixos  de  penedia  ate  quecayrSo 
no  que  era.  E  dali  a  poucos  dias  apareceo  hCla  nao  de 
mouros  que  yão  Dadem  pêra  a  índia :  &  dÕ  lorge  da 
roeneses  a  tomou  sem  outra  ajuda  quasi  a  vista  da  fro- 
ta,  &  os  mouros  se  lhe  renderão  cõ  medo ,  &  ele  a  le- 
uou  ao  visorey  l\  logo  mãdou  meter  nela  hã  quad*rilhei- 
ro  &  ha  escriuão  pêra  verem  o  que  tinha  &  oulharem 
por  ela :  &  acharanlhe  sessenta  mil  cruzados  em  dinhei- 
ro &  duzfitos  mil  em  mercadoria.  E  daqui  a  algQs  dias 
foy  surgir  na  barra  de  Chaul ,  &  hi  se  declarou  por  vi- 
sorey que  assi  ho  leuaua  por  regimento:  &  aqui  este- 
ue  três  dias  sem  sayr  6  terra,  nem  consentir  que  pes- 
soa algQa  saysse,  saluo  ho  licenciado  loSo  de  soiro  do 
desembargo  na  casa  da  sopricaçSo  que  ya  <;oeie  [)or  ou- 
uidor  geral  da  índia,  &  Bastião Luys  (}  leaaua  a  escra- 
tianinha  da  matricula  de  Gochim  que  ho  viso  rey  mãdoa 
que  fossem  visitar  por  ele  a  fortaleza  de  Chaul ,  &  {| 
mâdassem  apregoar  em  seu  nome ,  que  tirando  os  frS- 
teiros  &  casados  lodos  os  outros  se  embarcassem  logo& 
fossem  eoele  sopen<a  de  serem  riscados  do  soldo  •&  man- 
timento: &  mais  lhes  mandou  que  dissessem  aChristo- 
uão  de  sousa  Q  era  capitão  da  fortaleza,  Q  cheirando  ali 
dom  Duarte  de  meneses  que  era  em  Ormuz  quãdo  de  lá 
tornasse  que  ho  não  consentisse  desembarcar,  nem  lhe 
desse  mantimento  mais  que  pêra  quatro  dias:  o  que 
foj  todo  feyto.  E  assi  como  ho  viso  rey  não  quis  que 
ninguém  fosse  a  terra,  não  quis  tampouco  que  pessoa 
algfla  tirasse  nenhõa  fazenda  da  que  trazia,  no  que  deu 
muyta  perda  a  muytos,  porQ  ganharão  rouylo  em  a  vèn- 
der€  aJi ,  nê  menos  quis  deixar  ficar  nenhtl  doente  de 

LIVAO   Ví.  u 


164  JM   HISTORIA    PA   IIUMA    ^ 

muitos  que  jS/o  oa  armada,  a  que  dera  muyta  parte  d* 
aaude  vereose  em  terra :  &  eles  bem  ho  requererão  ^ 
mas  dSo  lhes  aproueiiou.  £  daqui  partio  pêra  Goa ,  & 
porque  auia  de  desembarcar  pêra  ver  a  cidade,  &  fazer 
alguas  cousas  que  comprião  a  serui<;o  dei  Rey ,  &  fejr-r 
tas  ir  se  a  Cochim-,  eocomeudou  a  goarda  da  frota  a 
dom  lorge  de  meneses,  que  ficou  nela»  E  desembarca- 
do no  cays  de  Goa  foy  rexebido  coro  a  solemnidade  cos* 
tumada :  &  aqui  em  Goa  lhe  fizerão  queyxume  de  Pran- 
cisco  pereira  pestana ,  que  estaua  por  capitão  da  forta* 
leza,  de  muytas  injurias  que  linha  feitas  á  major  part^ 
dos  cidadãos 9  &  de  muytas  diuidas  que  deuia,  que  não 
queria  pagar.  Pelo  que  ho  Viso  rey  lhe  tirou  logo  aca^ 
pitania,  &  a  deu  a  dom  Anrique  de  meneses,  dizendo- 
Jbe  que  compria  a  seruiço  dei  rey  seruila,  posto  que 
fosse  prouido  da  Dormuz.  E  a  Francisco  pereira  máidpii 
bo  prender  pêra  fazer  justiça  dele :  &  lhe  fazia  pagar  o 
que  deuia ,  com  no  mais  outra  proua ,  se  n|[o  com  jura* 
mento  do  creedor,  O  que  vendo  Francisco  pereira:  ^ 
que  muytos  lhe  pediSo  mais  do  que  deuia:  mandou  ler 
uar  a  casa  do  Viso  rey  onde  ele  estaua ,  esse  dinheiro 
que  linha:  &  pediolbe  que  não  desse  juramêto a ningu^ 
se  Ilie  deuia  ou  não,  se  não  que  mandasse  pregoar  que 
qutt  quisesse  dinheiro  de  Francisco  pereyra  que  lho  fos*' 
se  pedir ,  &  que  lho  mâdaria  dar.  E  com  tudo  ho  viso 
rey  lhe  fez  pagar  muyta  parte  do  ^  deuia,  porque  do 
sua  condição  era  muylo  JMstiçpso:  em  tanto  que  sabõdp 
que  forâo  na  frota  duas  molheres  solteiras  as  mandou 
açoutar  metidas  ambas  em  hiia  caga»  £  isto  porque  fo* 
jão  contra  sua  defesa^  ^  mandou  apregoar  em  Belém 
antes  que  partisse  pêra  a  índia :  que  nenhQa  molher 
solteira  fosse  na  arnvada  sopena  daçoutes,  por  euitar 
muylos  peccados  que  se  seguem  de  as  leuarem  como  eu 
vi.  E  não  aproueitoU'  rogarem  ao  viso  rey  que  não  fize^^ 
se  esta  justiça,  porQ  estauão  dous  bomSs  pêra  casaf 
com  aquelas  molheres ,  &  que  não  casarião  se  as  açou- 
tassem |  &  não  quis*  £  também  por  lhe  assi  parecer 


LIVRO  VU  CAriTTLO  UCTII.  166 

áienri  defédec^  não  Be  recolheBse  no  spkitEl  úe  Goa  tier 
Dhil  dos  doentes  qi»e  yão  na  frota,  dizendo  que  el  rey 
H9eu  senhor  nã  tinha  necessidade  de  ter  na  índia  spiri* 
'tais :  porqne  auendoos  se  farião  os  homSs  sempre  doen- 
4e8,  &  pôr  esta  causa  morrerão  rouytos  á  mingoa,  & 
*€n)tro6  que  não  tinbâo  de  que  se  mXter  pedifio  por  amor 
•de  Deos:  o  que  aleli  nSo  se  Tira  na  índia ,  &  por  isso 
fho  estranhauão  todos  muyto. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXII. 

De  eamo  ho  viso  rey  chegou  a  Cochim^  ^  áo  que  fez. 

.  J3I  esta  delê<{a  que  ho  viso  rey  fez  em  Goa  se  lhe  co» 
:roeçou  htia  doem^a  de  que  despois  morreo,  &  antes  que 
«fosse  em  creci mento  se  partio  pêra  Gochim ,  deixando 
*por  regimento  a  dom  Anrrique  de  meneses  que  todofao- 
imem  que  ficasse  em  Goa  &  não  fosse  coele  tirando  os 
-casados  &  ordenados  á  fortaleza  fosse  riscado  do«o]do 
:&  do  mantimento.  E  que  de  sua  partida  a  dous  meses 
todos  os  Portugueses  que  morauão  no  arrabalde  fossem 
morar  á  cidade  sopena  de  morte ,  &  mandou  aos  de»- 
.'penseiros  dos  nauios  de  sua  armada  Q  a  cada  dous  ho- 
mês  não  dessem  mais  por  dia  Q  hH  arrátel  de  bizcoito, 
&  mandou  aos  capitães  dos  naiiios  dallo  bordo  que  não 
deixassem  meter  ax^ada  dous  homCs  mais  (|  bQa  arcado 
comprimSto  de  hOa  espada.  E  logo  ao  mar  de  Goa  a- 
•chou  dom  Loys  de  meneses  que  ya  pêra  Goa  esperar 
seu  irmão,  &  leuou  ho  consigo  pêra  Cochim,  Õde  che- 
gou na  fim  Doutubro,  &  foy  recebido  cõ  grande  soljBni- 
•dade ,  &  fat  lhe  entregeti  lio  doutor  Pêro  nunez  ho  offi- 
€10  de  vedor  da  fazenda ,  em  que  auia  seys  anos  que 
seruia,  &  polo  el  rey  dom  Manuel  achar  muyto  bÒ,  fiel 
&  diligSte  seruidor  não  quis  mandar  outro  vedor  da  fa- 
senda  despois  que  acabou  os  três  anos,  que  he  ho  tem- 
*po  costumado,  antes  ho  deixou  estar  mais  outros  três 
tannos.  £  porque  ele  lhe  requnia  liòBça  pêra  se  ir  por 

u  2 


lòB  *JU   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

ser  seu  tempo  acabado  ^  ho  deteue  cõ  rnnytas  cartas  de 
rogo,  fauor:  &  fazendolbe  rauylas  meroes,  &  assi  ho 
muvto  afio  &  mujto  poderoso  rey  dom  loão  nosso  a^^ 
ttlKir,  que  a  aiobos  seruie.nioylo  bem  &,  l^hes  aproueitou 
s^a  fazenda  com  muyla  pnideneta  sem  lhes  encarregai 
as  GÕscienoías,  nè  escandalizar  as  partes,  &donda  daiw 
tea  a  pinafila  <}uebraua  em  Portugal  de  trinta  ale  coren* 
ta  quintais  por  cento,  por  a  os  mouros  darem  molhada, 
&  cd  muyta  terra  &  área  de  meslura.  Ele  vÇdo  isto  Iba 
náo  quis  tomar,^  tu  mãdou  cbamar  osChriatâos  deCran- 
ganur  que  vendiâo  esta  pimenta  aos  mouros,  &  oom  ^> 
lagos  &  dadiuaa  &  mayio  boas  obras  i}  lhes  faaia  feii 
coeles  que  não  vendessem  a  pimêta  aos  mouros,  ficllm 
tn>uuéasem  pok>^  preço  de  mil  &  quinze  ravcoflioestaua 
assentado  t  &  eles  iba  leuauSo  limpa  &  seear  pda^^ue 
dali  por  di&te  em  todo  aeu  tempo  não  quebveu  a^pimeih- 
ta  em*  Portugal  maia  <(^e  a  aete  por  eeeto,  que^aõreefi»* 
tou^  muyto  ao  ganho  da  pimenta.  Eassi  secuia  elrey  enu 
lhe  emprestar  dinheíra  por  mintas  veace  j  assi  pêra  a 
earrega  ^  como  pêra  outras  desfiesas ,  Sc  assi  em  eoíraa 
ra^iytas  eousas  que  nâo  pude  saber  particuAarjuftte.  O  1| 
sabendo  ho  vise  rey,  lhe  fez  muyta  honrrá  &  fauor,  & 
entregou  ho  officio  de  vedor  da  fazenda  a;  Afonso  mexia 
que  ho  ieuaua  de  PortugaL 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXIII. 

De  como  Oeranimo'  de  smtsa  foy  goardar  a  coêta  da  íMqk 

X-^esembarcado  ho  viso  rey  em  Cochim ,  porqne  comeis 
çou  dauer  bandos  antre  os  inuytos  Portugueses  queauia 
na  cidade ,  mandou  por  escusar  os  males  {|  se  deles  se- 
guem q?ue  ninguém  desse  mesa:  do  q«ie  se  seguio  auer 
fome  antre  os  soldados,  assi  por  lhes  ser  mal  pago  seu 
soldo  &  mantimSto,  como  por  auer  na  terra  poucos  mao* 
lirnStos.  £  por  esta  causa  he  muyto  neceisario  darem 


LIVRO  VI.    CAPITVLO   LXXIII,  IW 

08  capitães  &  fidalgo»  mesMi  fiS  se  podem  os  soldados 
da  índia  sosler  sem  elas.  E  como  a  gente  andaua  indi- 
cada cdlra  bo  viso  rey  acabou  toda  de  Ibe  querer  mal 
por  tolher  as  mesas;  &  muytos  por  se  liurareni  dele  se 
yâo  pêra  Cboramandel ,  &  outras  parles  em  ^  andauão 
JDra  do  seruic^  dei  rey,  &  ate  os  mouros  auião  tamanho 
medo  dele  que  tremião  quando  ho  noroeauSo.  £  tambfi 
^e  yão  deCocbim  onde  auia  muyto  tempo  que  morauão* 
£  esperando  ho  viso  rey  de  ir  sobre  Calicut  &  destruy- 
-la  pola  guerra  que  el  rey  tinha  cõ  os  Portugueses:  & 
«m  quanto  acabaua  algikis  cotisaa  mandou  diante  a  goar» 
dar  a  costa  a  leronimo  de  sousa  bu  fidalgo  de  ^  faley 
nos  liuros  atras  por  capitão  mór  de  b&a  armada  de  na« 
uios  de  remo  em  que  leuou  trezCtos  Portugueses*  Eche* 
^ado  leronimo  de  sousa  sobre  Calieut  achou  de  dfitro  do  • 
firrecife  corSta  paraós  de  Malabares,  de  que  era  capi* 
tão  moor  bíl  mouro  que  auia  nome  Cutiale  de  Capoca* 
tBy  que  (olhiáo  os  mantimentos  que  yâo  por  mar  aa  for- 
taleza. E  auendo  leronimo  de  sousa  vista  desta  armada 
jfoy  pelejar  eoela,  &  começou  ás  bomhardadas:  oô  que 
também  es  mouros  acodirfio  loge  come  bemfis  de  feyto: 
&  erão  as  bdbardadas  tãtas  de  sua  parte,  que  nunca  ne«* 
jibA  dos  nauios  da  armada  de  leronimo  de  sousa  pode 
aferrar  nhfi  dos  cõlrairos  por  mais  que  nisso  trabalhaí^^ 
vão.  E  assi  esteuerâo  duas  ou  Ires  beras  ate  1}  sobreueo 
^  noyte  q<ue  os  afiartou :  &  leronimo  de  sousa  se  deixou 
estar  no  mar  com  determinaijão  de  ao  outro  dia  aferrar 
com  os  imigos*  ou  os  fazer  fugir,  &  assi  bo  disse  aos  ou* 
tros  capitftes.  E  acordados  nisto,,  ao  outro  dra  coolo  a- 
manbeceo  assi  os  Portugueses  como  os  mauros  tornarSo 
a  come<;ar  a  peleja  como  ae  dia  dates.  Porem  os  Porti»- 
gueses  asst  como  lirauâo,  assi  remauifo  pêra  se  chega- 
rem aos  mouros:  rompendo  por  antre  aqueles  pelouros. 
£  vendo  os  mowos  sua.  dle terminação,  não  ousarão  des- 
perar  com  medo  dòs  Portugueses  &  foranse  retirando 
pêra  Coulete  cÕ  as  proas  neles,  mas  os  Portugueses  os 
.apertarão  de  maaeyra  que  virarão  as  popas  «  fogirãc^ 


1 68  WL  HffTOXf A  DA  INDTA 

quanto  podiSo,  &  com  a  pressa  de  fagÍKiO  nlo  poàerMa 
tomar  Coutete  &  passarão  a  Cananor :  &  os  Portug'! 
ses  que  os  seguião  os  acabarSo  ali  de  desbaratar 
muylo  grande  dftoo  de  mortos  &  feridos  &  paraós  ar* 
rombados ,  &  os  outros  forSo  varar  na  praya  de  que  a 
gente  fugio  pêra  a  cidade,  cujos  mouros  fiMrlo  mwfto 
tristes ,  por  terem  persuadido  a  el  rey  de  Cananor  €f9» 
cercasse  a  fortaleza :  que  vendo  esta  vitoria  detistio 
dessa  determinac^âo.  E  leronimo  de  sousa  desbaratados 
os!migo8,  âdou  goardftdo  a  costa :  Vfsitftdo  ás  vesea  a 
fortaleza  de  Calicut ,  &  prouendoa  da  mfltímClos* 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXIIÍL 

De  duas  grandes  vitorias  que  dam  lorge  ítío  ouue  do9 

mouros  de  Cedicul. 

vyomo  os  mouros  do  reyno  de  Galicut  andassem  tfto 
dissolutos  como  disse  atras  polo  pouco  medo  que  auido 
aos  Portugueses,  nS  lhes  abastaua  ieuarem^a  M«ca  qvXr 
la  pimenta  ieuaufio,  mas  ainda  essa  que  lá  nâo  podiãt> 
leuar  leuauSo  aCambaya,  &  cada  dia  passauão  c5  mujr* 
to  grande  soberba  a  vista  da  ilha  de  Goa,  6de  nfto  auia 
qu6  lhes  contrariasse,  porque  hfi  Luys  machado  6\ko 
do  doutor  Lopo  darca  que  tinha  agoarda  daquela^cot- 
ta,  leuarao  ho  viso  rey  a  Cocbl,  &  por  isso  nflo  auia 
quem  cÕtrariasse  aos  mouros:  do  ^  dô  Anrrique  de  me- 
neses  estaua  miiyto  agastado  &  ò  auia  por  grande  inja- 
■ria.  E  estando  assi  foy  hi  ter  bSí  mercador  ê  htta*  fusta, 
que  lhe  dd  Anrrique  comprou,  &  armada  darlelbaria, 
&  fornecida  de  gente  mSdou  neiapor  capit<o  a  dôlorfe 
telo  seu  sobrinho  fílho  de  dd  loâo  telo,  que  fosse  espe» 
rar  os  paraós  de  Malabares  que  y*ão  com  pimftta  peca 
Cambaya.  Ecomo  dõ  lorge  eva  faii  dos  esforçados  &  va- 
Ifites  caualeyros  que  naquele  tempo  andauSo  na  índia, 
assi  cõ  tão  pouca  eouaa  como  era  aquela  fusta  em'j)<idar 
«ta,  começou  da  fazer ^ntir  aos  mçuros  que  andauafb 


LIVRO   VI.   GAP.ITVl.a  IfXXUIK  169 

por  aquela  paragem :  &  como  ya  quantidade  deles  com 
que  se  atreuia  perseguiaos  áa  bombardaijlag,  &  a  hfls  ar- 
rombaua  ao  lume  dagoa,  a  outros  desapareibaua  de  mas- 
tos  &  dôxarcias  matando  em.  ^odos  &  ferindo  &Hi|}'la  gen« 
te:  &como  virauâo  a  ele  facilmSto  ^e  li^^  €S<;oaua  dan- 
ire  as  mãos  pola  ligeireza  da  fusta*  £  sabêdo  os  mou- 
ros de  Calicut  como  dom  Igicge  ali  andaua,  determina- 
rão, de  ho  tomar:  pêra  q  que  armarão  trinta  &  oylo  pa- 
raós  que  carregarão  de  pimenta  &  de.  gête,  &  por  ca- 
pilap  mór  htt  mouro  chamado  China  cuiiale  pêra  tcm^r 
dom  lorge  ^  que  a  este  tempo  trazia  ja  duas  fustas  & 
ires  bargantios,  a  cujos  capitães  não  soube  os  nomes, 
&  traria  nestas  cinco  velas  ate  sessCta  bomSs  os  mais 
deles  espingardeyros.  E  andando  aos  ilbeos  queymados 
jfoy  China  cutiale  ler  coele  com  toda  sua  armada:  & 
porque  não  pude  salpief  a  maneyra  que  dom  lorge  teue 
«m  dar  a  batalha  aos  mouros  ho  nã  digo  se  não  em  sc^ 
IDa>  que  com  esfor^D  sobre  natural  os  cometeo,  &  cõa 
ajuda  de  nosso  senhor  os  desbaratou  matando  os  Portu* 
gueses  muytos  mouros  em  sete  paraõs  (|  tomarão  carre- 
gado^  de  pimfila  &  dar^elharia  ^  &  dous  que  fizerão  dar 
á  costa  &  os  outros  tugirão,  &  dos  Portugueses  não 
«norroo  nenbú  &  for^o  algus  feridos,  i^  reçolbepdo  dun^ 
Jorge  oa  sete  paraós  que  (ompu  se  foy  coeles  a  Goa :  & 
deixada  ali  i^  presa  se  tornou  ao  mar,  onde  dali. a  aU 
gua  dias  topou  com  hOa  nao  de  mouros  de  Calicut ,  em 
cuja  goarda  yão  noue  paracis  muyíç  i>em  armados  darte-í 
Ihafia  íl  fornidos  de  gente,  &  dom  lorge  pelejou  coeles 
&  matou  com  os  seus  lantps  do^  nioHros  qiie  vararão  c5 
08  paraós  em  terra  ^  de  que  dom  lorge  tomou  ires.  £ 
também  tomou  a  fiao  Q  «àa  se  podo  ssluar,  &  coeta  & 
com  os  paraós  se  foy  a  Goa ,  onde  foy  mu}  to  festejado 
oor  duas  vitorias  tamanhas:  de  que  os  mouros  do  Ala- 
lubar  ouuer^p  tamanho  medo  l|  n^o  ousarão  de  tornar 
tãp  asinhii  ao  mar;  íicr  assi  ço^aeçarão  4p  i^V^w  os  t^t>f- 
iLVguesep, 


Í6Ó  DA   HISTORIA    DA    INDf A 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXV. 

De  como  crecendo  a  doença  do  viso  rey  encomendou  a  go^ 
uernança  a  Lopo  vaz  de  sam  Payo  capitão  de  Cochim. 

xV-percebedose  ho  viso  rey  pêra  ir  a  Galicut ,  creceo- 
Ihe  tanto  sua  doença  que  lhe  tolheo  enlSder  nos  negó- 
cios da  gouernança:  &  por  isso  a  encomSdoii  a  Lopo 
vaz  de  sam  Payo  capitão  de  Cochim ,  porque  tinha  ne- 
le confiança  que  ho  faria  bem.  E  também  por^  com  a 
autoridade  de  sua  pessoa  &  de  seu  cargo ,  apaciíicasse 
as  dieCsÕes  que  se  começauão  antre  dom  Luys  &  dÕEs- 
teuão  da  gama  filho  do  viso  rey  que  era  capitão  mordo 
mar  sobre  a  gouernança  da  índia,  porque  dizia  dom 
Luys  que  vindo  seu  irmão  dom  Duarte  ele  auía  de  go« 
uernar  a  índia  &  não  outrem  poi«  era  gouemador:  & 
que  nã  se  auia  dir  pêra  Portugal  em  quanto  ho  viso  rey 
esteuesse  doente,  porque  se  morresse  ficaria  gouerna- 
dor  como  dates.  E  coroo  a  gente  da  índia  era  afeiçoa- 
da a  dom  Luys  tomaua  por  ele  bando  coníra  a  que  foca 
aquele  anno  de  Portugal  qiie  era  com  dÕ  EsteuSo,  que 
dizia  que  não  auia  de  gouernar  se  não  quem  ho  Viso  rey 
quisesse,  &  que  dom  Duarte  se  auia  dir  pêra  Portugal 
como  chegasse  Dormuz:  &  sobristo  auia  ajuntamStos  & 
perfías ,  a  que  Lopo  vaz  de  sam  payo  acodia  corrSdo  a 
cidade  de  dia,  &  de  noyte :  &  impedia  não  auer  brigas. 

C  A  P  I  T  V  LO   LXXVL 

I}e  coino  dom  Duarte  de  meneses^  chegou  a  Cochim. 

JCintre  tanto  que  isto  passaua  na  índia,  ho  gouernador 
dom  Duarte  de  meneses  que  estaua  6  Ormuz  se  partio 
pêra  a  índia ,  &  sem  lhe  acontecer  cousa  que  seja  de 
contar  foy  ter  a  Chaul ,  onde  Cristouão  de  sousa  poIe 
regímêlo  que  tinha  do  Viso  rey  nao  consentio  quesayssa 


LIVRO  VK   CAPITVLO   LXXVI.  161 

'em  terra :  &  assi  lho  mandou  dizer :  &  em  Goa  lhe  acoQ- 
teceo  ho  mesmo  com  dÕ  Anrique,  pelo  que  se  foy.  aCo«- 
chím.  E  sabendo  ho  viso  rey  como  estaua  na  barra  lhe 
mandou  logo  mostrar  a  prouisam  de  Viso  rey  da  índia 
per  Lopo  vaz  de  sampayo,  &  lhe  mãdou  por  ele  hua 
carta  messiua  Q  lhe  leuaua  dei  rey  de  Portugal :  &  assi 
lhe  mandou  que  em  seu  nome  lhe  pedisse  entrega  da 
índia  9  porque  por  sua  doença  lha  não  ya  tomar ,  nem 
ele  dõ  Duarte  podia  ir  a  terra  darlha,  por  el  rey  de  Por- 
tugal Jhe  defender  que  nSo  desembarcasse  por  ho  auer 
assi  por  seu  seruíK^^  &  que  do  mar  dondestaua  se  po- 
deria prouer  do  necessário :  &  roSdou  com  Lo|x>  vaz  de 
aâo  paio 9  Afonso  mexia,  vedor  da  fazenda ,  &  ho  licS- 
ciado  lohão  de  soiro  ouuidor  geral  da  índia.  £  chega* 
dos  a  dom  Duarte ,  Lopo  vaz  de  sam  payo  lhe  deu  a 
caria  mesgiua  dei  Rey  de  Portugal  que  dizia. 

X^om  lohAo  per  gracja  de  Deos  Rey  de  Portugal ,  & 
dos  Algarues,  daquem,  &  dalém  mar,  em  Africa,  se- 
nhor de  Guiné,  &  da  Conquista,  Nauegacáo,  Comer- 
cio, de  Ethiopia,  Arábia,  Pérsia,  &  da  índia.  Faze- 
mos saber  a  vos  dom  Duarte  de  meneses  capitão,  &  go*- 
uernador  da  nossa  cidade  de  Tangere,  &  nosso  capitão 
mór,  &  gouernador  nas  partes  da  índia:  que  nos  vos 
screuemos  por  outra  carta,  que  auemos  por  b8  que  vos 
venhais  ft  bóra  pêra  estes  rey  nos  nesta  armada.  Porem 
vos  mãdamos  que  tanto  que  vos  esta  for  apresentada  i 
entregueis  a  dita  capitania  mór,  &  gouernança,  a  dom 
Vasco  da  gama  conde  da  Vidigueira,  &  Almirante  do 
mar  Indico,  ()  enuiamos  por  nosso  Viso  rey  a  essas  par- 
tes da  índia:  &  não  vsareis  mais  da  dita  capitajiiamór 
&  gouernamja ,  nem  das  cousas  da  justi^^a ,  &  de  nossa 
fazenda,  nem  doutra  algOa  de  qualquer  qualidade  & 
condição  que  seja  que  ao  dito  carrego  toque  &  |ierten^ 
ça,  &  que  dates  vsaueis  por  virtude  do  poder,  jurdic^ão, 
&  alçada  que  lioheis ,  porque  auemos  por  bem  &  nosso 
Livao  VI.  X 


162  BA   HISTORIA   DA    ÍNDIA 

seruiço,  como  por  oulra  carta  vos  escreuemos,  que  lio 
dito  viso  rey  seja  logo  melido  de  posse  de  tudo  j  &  vse 
logo  do  poder,  jurdiçSo  &  alçada  que  leua  per  nosam, 
caria  pntSte,  sem  mais  vos  entenderdes  ein  cousa  algQ». 
Porem  declaramos  que  ho  tempo  Q  esteuerdes  na  Índia 
ate  vos  abarcardes  possais  estar  eni  Cochi  ou  S  Caoanor 
qual   vos   mais  aprouuer,  &  que  acerca  de  vossos  cria- 
dos &  pessoas  de  vossa  casa ,  &  dos  criados  do  conde 
▼osso  pay  que  conuosco   forão ,  &  dos  criados  de  dom 
Luys  vosso  irroáo,  &  de  vossos  cunhad4)S  &  pessoas 
suas:  que  ho  dilo  conde  não  entenda  coeies  em  maney- 
ra  aigQa,  nem  tenha  sobreles  nem  sobre  cada  bii  deles 
inãdo  nem  jurdiçâo  &  alçada  que  tínheis  pela  carta  de 
vosso  poder  &  alçada  :  resaluando  porem  que  se  vos  ou 
os  tais  por  algíias  pessoas  assi  nossos  naturaes  cómodos 
mercadores  da  terra,  &  quaesquer  outros  de  qualquer 
estado  &  condição  que  sejào,  que  lá  ouuerem  de  ficar 
&  nS  ouuerem   de   vir  nesta  armada  em  que  vos  aueis 
de  vir  fordes  requeridos^  citados  &  demandados,  assi 
em  casos  ciueis  como  crimes  vos  possam  a  vos  &  a  eles 
demandar  perante  ho  dito  cõde  &  ouuidor  que  coele  ha 
de  (içar,  &  não  perante  vos  pêra  se  fazer  comprimento 
de  justiça.  E  sendo  caso  q  quando  ho  dito  conde  che- 
gar á  índia  vos  não  ache  nela  por  serdes  fora  dela  apro<* 
uer  algiias  cousas  de  nosso  seruiço:  neste  caso  auemos 
por  bem  que  ele  dito  conde  vse  logo  inteiramente  de  to* 
do  poder,  jurdiçâo  &  a]ç<'ida  que  de  nos  leua  como  faria 
se  vos  achasse,  &  vos  apresentasse  esta  carta  peraihen^ 
iregardes  a  capitania  moer  &  gouernança,  por^  assi  ho 
auemos  por  nosso  seruiço,  &  sendo  caso  que  por  impe- 
dimento de  doença  vos  dito  dom  Duarte  vos  não  possais 
embarcar  &  vir  nesta  armada  &  ficásseis  na  índia:  nes*- 
te  caso  auemos  por  bê  que  vos  fiqueis ,  &  vos  recolhais 
com   todos   vossos  criados  &  pessoas  de  vossa  casa  & 
criados  dos  sobreditos  vosso  irmão  &  cunhados  que  fica- 
rem conuosco  em  a  nossa  fortaleza  da  cidade  de  Gana-» 
Dor:  &  que  esteia  nela  ate  a  vossa  partida  da  índia  & 


LIVAO    VI.   CAFITVtO   LXXVI.  IGZ 

úcis  de^todoho  poder,  jurdiqãò  &  alçada  ^  tendes  de 
caj>Ttão  moor  &  gouerDador  da  índia  aobrelea,  &  sobre 
ho  capitáo ,  alcayde  moor ,  feytor  &  escriufies  da  feyio* 
ria  da  dita  fortaleza.  Ede  todos  seus  casos  ciueis  &cri« 
tnes  conhecereis  &  os  julgareis  como  vos  parecer  jusli* 
ça ,  sem  sobre  os  ditos  nem  sobre  cousa  sua  que  lhe  to* 
que  que  seja  dantre  partes  bo  dito  conde  poder  vsar  do 
dito  officio  de  viso  rey,  nem  poder,  jurdi<;ã  &  alçada 
que  lhe  temos  dada,  por^  queremos  que  tudo  fíque  a 
vos  dô  Duarte  ate  a  vossa  partída  da  índia ,  &  manda- 
mos ao  capitão,  &  ao  alcayde  moor,  feytor  &escriuSea 
da  feytoria  &  a  todas  as  pessoas  que  temos  ordenadas 
f)a  dita  fortaleza  deCananor  que  vos  obede<;âo,  &  cum- 
prSo  vossos  requerimentos  &  mandados  como  a  nosso  ca- 
pitão moor  &  gouernador  sobre  as  penas  que  lhe  poser* 
des,  assi  nos  corpos  como  nas  fazendas:  as  quaes  aue- 
mos  por  bem  que  deis  a  execu<;ão  naqueles  que  nelas 
emeorrerem  segundo  forma  do  poder,  jurdição  iSc  alçada 
l\  vos  temos  dada,  &  he  cSteuda  na  carta  do  pí>der  de« 
ta.  E  assi  auemos  por  b6  ^  se  entenda  &  ho  façais  no 
<:aso  {}  vos  fosseis  fora  da  índia  por  nosso  seruiço,  & 
viésseis  a  ela  despois  da  partida  das  nãos  pêra  estes  rey- 
nos,  desta  armada  l|  leua  ht>  dito  viso  rey  pêra  Irazerfi 
as  especiarias,  na  qual  vos  aueis  de  vir.  Resaluando 
por8  que  bo  dito  poder  &  alçada  que  vos  damos  sobre 
todos  os  ajcima  declarados  se  não  entenderá  em  cou^a 
que  to^  a  nossa  fazenda  &  tratos  da  índia:  porque  no 
que  a  estas  causas  tocarnão  aueis  de  enlSder,  nem  vsar 
da  dita  alçada,  &  poder  que  vos  deixamos  nos  casos so* 
breditos,  por^  isto  ha  de  ficar  ao  dito  viso  rey  pêra  ne- 
les fazer  como  vir  que  he  justiça  &  nosso  seruiço,  & 
vsar  de  todo  seu  (>oder  &  alçada.  R  da  entrega  qae  aò 
dito  visorey  fizerdes  da  dita  capitania  mor  &  gouernan- 
ça ,  como  por  esta  vos  mandamos  cobrareis  estormento 
pubrico,  em  que  se  declare  as  nãos  &  nauios  que  lhe 
entregastes,  &  a  artelbaria  &  armas  que  anda  neles,  & 
assi  as  fortalezas  &  armas  &  artelbaria  &  mantimentos 

X  2 


164  BA   HIBTOftlA    DA   ÍNDIA 

que  nelas  auia  ^  &  gente  que  andaua  neaaas  partes ,  & 
declarando  a  sorte  &  qualidade  dela,  &  todas  as  outras 
cousas  que  ao  carrego  de  capitão  mór  &  gouernador  to- 
carè  pêra  todo  podermos  ver*  E  como  assi  lhe  entregar- 
des a  dita  capitania  mór  &  gouernançai  &  cobrardes  ho 
dito  estorinento  da  dita  entrega  no  modo  que  dito  he^ 
vos  auemoB  por  desobrigado  de  toda  a  obriga^^ao  era  que 
DOS  sejajs  pola  dita  capitania  mór  &  gouernança:  &vo8 
damos  por  quite  &  liure  dagora  .pêra  em  todolos  tem- 
pos. E  esta  carta  per  nos  assinada  &  asselada  do  selo 
redondo  de  nossas  armas  c6  ho  dito  eatormento  tereis 
pêra  vossa  goarda.  Dada  em  a  nossa  cidade  de  Euora 
a  XXV.  dias  de  Feuereiro.  Berlolameu  feroandez  a  fe%^ 
anno  do  nacimento  de  nosso  sentH)r  lesu  Gliristo  de  mil 
&  quinbetos  &  xxiiij. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXVIL 

Ih  como  dó  Duarte  dé  meneses  entregou  a  índia  a  Lopo 
voz  de  Mm  payo  em  nome  do  viso  rey :  ^  de  como  ho 
viso  rey  faleceo. 

V  ieta  por  dom  Duarte  esta  carta ,  &  assi  a  outra  § 
lhe  e)  rey  escreuia,  Lopo  vaz  de  sam  payo  lhe  deu  ho 
recado  do  Viso  rey  que  não  desembarcasse,  do  que  se 
dom  Duarte  agastou  rouyto:  &  disse  a  Lopo  vaz  que 
não  deuera  de  ser  ho  messageiro  daquele  recado,  poys 
ho  conde  prior  seu  pay  fora  o  que  ho  armara  caualeiro : 

{lelo  que  nâo  podia  ser  controle,  nem  conlra  cousas  suas. 
i  lofK)  vaz  se  desculpou  cõ  aquilo  não  ser  cõtrele  pois 
era  seruiço  dei  rey  de  Portugal,  cujo  vassalo  ele  era.  E 
sobre  a  entrega  da  índia  teue  dõ  Duarte  muitas  duui« 
das,  parecendolhe  Q  por  ho  viso  rey  estar  tão  doSle  po- 
deria morrer,  &  ele  ficaria  ainda  gouernador  da  índia: 
£  acodindo  hoouuidor  geraJ  a  estaa  duuidas  per  via  de 
seu  officio  dõ  Duarte  lhe  chamou  bacharel.  £  ho  ouui- 
dor  respondeo  que  Bacharel  &  doutor  &  cauaieyro  o  auia 


LlVfiO  VI.  CABITVXX>  uoLmu  I6S 

ele  dacbar  p0ra  o  que  cemp^iste  ao  seruíço  de>  rey.  A  a 
que  Lopo  vaz  de  saai  Pajo  acodio  coid  ho  vedor  da  fa« 
senda,  estraobàdo  a  dò  Duarte  oiqiie  fazia. t£  despoie 
de  Unias  aa  duuidaa  que  poe,  entregou  a  índia  a  Lopo 
Vaz  de  'aam  Pay.o  &  ao  vedor  da  fazenda  y  em  nome  da 
TÍ80  rey,  &  ho  vedor  da  fazenda  lhe  deu  h&  pubrico  es* 
tormento  de  conhecimenlo  assinado  polo  viaorey  &  por 
testemunhas  i^ue  dizia. 

^aybfto  quantos  esle  eslormento  de  conhecimento,  vi« 
resa :  que  no  anno  do  .nacimSto  de  nosso  senhor  leso 
Christò  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  quatro  anos,  aoa 
quatro  dias  do  mes^de  Dezembro  do  dito  anno,  em  a 
cidade  de  santa  Cruz  de  Cochim  S  ia  fortaleza  dei  íley 
Dosso  sebbor :  estando  hi«  dom  Viaaco  da  eama  conde,  d» 
Vidigueira  ,  plmirante  do  mar  indico,  &  viso  rey  das 
índias :  disse  qfte  eie.xeoebia  de  dom  DuaHe  de  mene-« 
ees  gQuernador  que  foy  nelas  antes  dele  viso  rey  a  .go- 
uernfi^  das  ditas  Índias  do  tempo  que  a  elas  chegou  & 
as  começou  de  gduernar ,  segado  por  suas  prouisões  & 
patentes  Ibe  era  .manitado  por  el  .Rey  nosso  senhor  qua: 
as  recebesse  &  gouernasse»  As  quaes. índias  ele  réce< 
beo,  &  disse  ter  recebidas,  assi  &  da  maaeyra  que  esr 
achoii  &  elas.  agora  estSo :  &  se  ouue  por  obrigado  de 
dar  conta  delas  a  sua  alteza 9  &jouue  por  desoDrigad<» 
ao  dito  dom  Duarte  da  obrigação  que  tinha  de  dar  con- 
ta delas.  £.ém  testenbunho. de  verdade  lhe  toandou  delo 
ser  feyto  este  estormento  do  recebimento  delas.  Teste- 
munhas^ estauXo  pres^ites  Lopo  vaz  de  sam  Payo,  ea^ 
pitão  desta  fortaleza,  Fernão  martinz  desousa,  dom 
redro  de  Castelo  branco,  Afonso  mezia  vedor  da  fazen»- 
da  da  índia ,  Pêro  mazcarenhas :  &  ho  licenciado  loãe 
de  soiro  ouuidor  geral  da  índia»  £  eu  loSo  nunez  escri* 
uAo  pobrico  na  dita  cidade*  por  especial  mandado  do  di'- 
to  senhor  viso  rey  qiie  eMoescr^ul,  &  aqiUH  meu  sioat 
pubrico  fiz. 


16 A  .   1»A   HiaTORTA:    OA    ÍNDIA 

J^ntiíeg4je  d9  Duarte  deste  conheoiíiiMp,  toraouse 
Lopo  vaz  de  «ã  Payo  com  os  outros  peraCockim  ^  oDdo 
se  também  tornou* dom  Luys  de  meneeea  írrofto  de  doin 
Duarte ,  Sc  disserão  que  pêra  estar  lá  com  eor  de  <e  far* 
zer  prestes  pêra  a  Tiagfi  de  Portugal,  mas  que  a  verda^ 
de  era  pêra  que  se  ho  viso  rey  morresse  a possarse  da 
goaetfis^nça  da  índia  peca  dõ  Duarte  pois  ele  nâo  podia 
lá  estar.  E  sendo  Lopo  vaz  de  saiu  Payo  certificado  di»» 
to,  polo  deseruiço  de  Deos  &  dei  Rey  que  disso  se  po- 
dia seguir  se  foy  a  casa  de  dom  Luys  cõ  ho  vedor  da 
fazenda  &  ho  ouaidor  geral ,  &  lhe  pedio  muyto  cortes-» 
siête  que  se  embareasse  iogo,  porque  asst  eompria  a 
aeruiço  dei  Eley.  B  porque  dom  Luys  JiSa* queria y  ^ke 
mâdou.  da  parte  dei  Rey  de  Portugal  que.ae  embaroaa^ 
so,  se  não  que  ho  faria  embarcar:  entâoae  embarcou 9* 
Sc  ctíisso^  eessarâb  mtiylos  aluoròços/que  se  ordeaauSo« 
£.porque'fao  viso  rey  sabia  isto:  &  vôdo  que^crecUrsea 
mal,  &  que  desesperauâo  de  aua  saúde  &i  vídaj  nSoquia 
4per  "sua  morte  ouui^sse  a^íia  reuoHa  ate  o  abrir  da» 
raoeg^ões:  &  por  isso  pedio  á^  todos^os  fícialged  &^  capí-^* 
tães  que  ob^ocessem  por  gouernador  a  Lopor  va^  de^ 
aaiQ  payo.aLe  Qiòssem .abertas c  ii^eles  Iht»  promieiavto. 
E  despois  disto  faleceo  ho  Viso  rey  em  véspera  de  na«^ 
tai  do  anno  de  mil •&  quinhentos  í&  vintef  quatro-:  fazS-» 
do  todos  oa  autosde  verdadeiro  &  fielGhrtàtâo^^  &  foy^ 
enterrado  na  See  de  Cocbim. 

C  A  P  I  T  V  L  o    LXXVIII. 

De  coma  foy  aberta  a  primeira  subce9sam :  em  ^  ^  »* 
>       chou  dom  Anrique  de  meneses  por  gcmemadfn'. 

Xjí  logo  ao  dia  seguinte  despois  de  missa  ajuntarSse  n« 
see  de  Coehim  6om  Lopo  vaz  de  sam  payo,  ho  vedor 
dafazenda ,  ho  ouuidor^geralt  &  assi  todos  os  fidalgoÉ, 
eapitaes,  &  o«tra  geate  honrrada,  pêra  se  abrir  a  pri« 
^eira  subcessam :  &  logo  a  mostrou  ho  vedor  da  fazea** 


LIVRO  VI.   CAFITV1.0   JLXXVIII.  1G7 

da  garrada  cd  cinco  sinetes:  &  dezia.  Esta  prouísam 
mfldaiDos  que  se  abra  falecendo  ho  c&de  almirante  do 
Vasco  da  gama  viso  rey  da  Índia,  que  nosso  senhor  nâo 
mande.  E  isto  era  assinado  por  el  rey.  £  aberta  esta 
prouisam  leose  em  vo2  alta  polo  secretario:  &  dezia. 

Noa  el  Rey  fazemos  saber  a  todos  os  nossos  capit〻s 
das  nãos  &  fortalezas  da  índia,  capitães  das  nãos  &  na- 
uios  ^  vão  pêra  vir  com  a  carrega  pêra  estes  reynos,  fi- 
dalgos, caualeiros,  gele  darmas,  que  trazemos  n.is  di- 
tas partes  da  índia:  &  a  todas  &  a  quaesquer  outras 
pessoas  &  officiaes  a  !\  este  nosso  aluara  for  mostrado: 
que  nos  pela  muyta  oõtíança  Q  temos  de  dõAnrique  de 
meneses  fidalgo  de  nossa  casa ,  que  nas  cousas  que  bo 
encarregarmos  nos  sabem  muy  bem  seruir,  &  dos  d<')ra 
de  si  toda  boa  cõta  &  recado»  Queremos  &  nos  praz 
que  falecendo  dom  Vasco  da  gama  conde  da  Vidigueira 
&  almirãte  domar  indico  nosso  viso  rey  da  índia,  que 
nosso  senhor  não  mflde:  bo  dito  dõ  Anrique  suceda  Sc 
entre  na  capitania  mor  &  gouernãça  da  índia  pêra  nos 
nela  seruir  cÕ  aquele  poder,  jurdijção  Sc  alçada  ^  tinha*- 
mos  dado  ao  dito  viso  rey.  PorB  volo  notiticamos  assr, 
&  vos  mãdamos  a  todos  em  geral ,  &  a  cada  bii  em  e^ 
picial,  que  vindo  ho  dito  caso  ho  vecebais  por  vosso-  ca^ 
pitão  mér  &  gouernador  nessas  parlei,  &  llie  obedè^ 
^aeis,  &  eumpraeis  seus  referimentos  &  mandados,  assi 
como  ho  fazieis  ao  dito  Viso  rey,  &  como  sois  obrigados 
de  o  fazer  ao  nosso  capitão  mor  &  gouernador ,  &  em 
todo  ho  deixeis  vsar  do  poder ,  jurdiçâo,  &al<;ada,  que 
ao  dito  Viso  rey  tinhamos  dada  por  nossa  caria :  sem 
duuida  ném  embargo  á  elo  |>oerdes,  porque  assi  be  nos- 
sa mercê :  &  de  ho  fazerdes  assi  bem  como  de  vos  es- 
peramos, fareis  ho  que  deueis  &  sois  obrigados,  &  vòlo 
teremos  muyto  em  seruiço.  Feyto  em  Euora  a  dez  de 
Feuereyro ,  ho  secretario  ho  fez  ,  de  mil  &  quinhStos  & 
vinte  quatro.  Eeste  aluara  era  assinado  por  elRey  dom 
loão  de  Portugal.  B  com  qoanio  dd  Anrrique  foy  auido 
por  gouernador  de  quantos  ali  estauã^,  pola  promessa 


1H8  DA   HÍSTORfA   DA    INDÍA 

4  íizerSo  ao  .viso  rey  ^  não  deixarito  dobedecer  por  go^ 
uernador  a  Lopo  vaz  de  sam  Payo  ate  que  dom  Anriquo 
viesse  de  Goa,  que  logo  mandarão  chamar,  &  mandou- 
Jhe  Lopo  vaz  de  aam  Payo  hCla  gale  solil  com  duas  fus- 
tas &  dous  barganlis  em  que  viesse.  E  assi  foj  dom 
lorge  de  meneses  capitão  do  galeão  sam  leronimo.  JB 
Lopo  vaz  de  sam  Payo  ficou  fazendo  prestes  as  nãos  ^ 
auiâo  dir  pêra  Portugal  que  erão  cinco,  &  teue  bS  que 
fazer  em  soster  Cochim  em  paz ,  porque  auia  nela  pa8« 
sante  de  quatro  mil  homfis  Portugueses  em  (|  auia  par- 
cialidades pola  imizade  que  auia  antre  dom  Duarte  & 
seu  irmão  com  os  6lho8  do  viso  rey  que  hi  estauão.  E 
por  esta  imizade  auia  também  outras  antre  algfls  fidaU 
gos  &  caualeyros  (|  erão  de  cada  hQ  destes  bãdos :  & 
porque  de  noyte  não  fizessem  algil  mao  recado  de  pele- 
jas, Lopo  vaz  de  sã  Payo  nã  dormia  nenhita:  corrBdo 
a  cidade  com  ho  ouuidor  geral ,  &  acôpanhado  de  muy-* 
tos  homês  armados.  Ede  dia  também  atalhaua  a  brigas 
com  palauras  corteses  y  de  maneyra  que  nunca  em  ta* 
manho  :aj^fltamenlo  as  ouue:  &  em  quanto  forão  cba*^ 
inair  dom  Anrrique  de  meneses,  mandou  por  capitão 
mór  de  iiQa  armada  ás  ilhas  de  Maidiua  a  bO  fidalgo 
•chamado  Simão  sodré,  assi  a  fazer  presas,  como  pêra 
dar  goarda  ao  Cayro  q-ue  dela  vinha:  &  assi  mandou  a 
Ormuz  quatro  nãos  carregadas  de  fazenda  dei  Rey  do 
Portugal  pêra  a  feytoria,  &  fez  capitão  mór  António  de 
.miranda  dazeuedo  de  hiia  armada  que  mandou  ao  cabo 
deGoardafum  pêra  fazer  presas,  que  assi  ho  tinha  ho  ví- 
ao  rey  ordenado,  &  leuou  (res  galeões  &  hQa  carauelas 
&L  dos  galeões  forão  capitães  ele,  Ruy  pereyra,  Fernão go* 
•mez  de  lemos.  E  mandou  em  h&  nauio  doy tenta  toneis  a 
Fernão  martinz  de  8ousa(|  fosse  buscar  breu  a  Meliode.  B 
despachado  tudo  isto  ale  vinte  delaneyro,  parliose  lam- 
bem dom  Duarte  pêra  Portugal  com  cinco  nãos:  &  anão 
em  que  ya  dom  Luys  de  meneses  desapareceo  no  cami* 
nho,  que  nunca  se  mais  soube  dela,  &dom  Duarte  chegou 
a  Portugal  com  as  quatro  &foyse  perder  em  Cezimbraom 
onde  a  sua  deu  á  costa. 


LIVRO  VI.  CAPITVLO  LXXtX.  |«9 

CAPITVLO    LXXIX. 

De  como  dó  Anrriq  sabendo  aue  era  qimemador^  se  par^ 
tio  pêra  Cochim :  ^  ao  que  fez  primeyro. 

\Js  capitães  ^  leaauãa  ho  recado  a  dÕ  Anrriqne  deco^ 
mo  era  gouernador  chegados  a  Goa  lho  derâo,  com  que 
ele  deu  mujlas  graças  a  nosso  senhor  pedindolhe  ^  fos- 
se pêra  seu  seruiço:  porem  aqueixouse  de  Lopo  taz  de 
sam  Payo,  &  do  vedor  da  fazenda  quãdo  soube  das  ve« 
las  que  linhSo  despachadas  pêra  fora  auSdo  na  índia  tâ* 
ta  necessidade  delas ,  &  da  gSte  que  leuauâo  por  amor 
da  guerra  deCalicut  &  doutros  reynos.  &  tâbS  se  quei- 
xou de  lhe  nSo  mãdarS  toda  a  armada  que  estaua  em 
Cochim  pêra  se  defender  de  quStos  paraós  de  mouros 
andauSo  peia  costa:  quã(o  mais  2[  de  caminho  quisera 
darlhe  busca,  &  (}  lhe  pagarão  ho  mal  t\  tinháo  feylo 
aos  Portugueses :  &  a{)08  estes  capitães  ()  yão  por  dom 
Anrrií}  chegou  a  Goa  hij  Sbaixador  de  Meli{)az  pêra  ho 
viso  rey.  E  este  era  hii  mouro  (}  auia  nome  Cidíale,  & 
cõ  a  gente  Q  ho  acompanhaua  ya  em  seys  atalayas  das 
de  Meli^nz :  &  este  embaixador  mâdaua  Meli()az  pêra 
descobrir  se  era  ho  vfso  rey  assi  como  soaua  a  fama , 
porque  assi  como  visse  assi  faria:  mandandose  lodauia 
oOerecer  por  seruidor  dei  Rey  de  Portugal ,  &  desejoso 
de  sua  amizade,  &  em  sinal  disso  lhe  mSdaua  htl  pre- 
sente de  peças  darmas  ,  cubertas  de  caualos  &  outras 
cousas  ricas.  E  sabendo  Cidiale  ij  ho  viso  rev  era  faleci- 
do &  dÕ  Anrrique  lhe  sucedia,  deulhe  a  embaixada  que 
jeuaua,  &  quiseralhe  dar  ho  presente,  i)  dom  Anrrique 
não  quis  tomar,  escusandose  Q  nflo  ya  parele.  E  quãto 
á  embaixada  disse  Q  despois  responderia :  &  isto  jiorQ 
bem  entendeo  a  tenção  de  Meliqueaz  l\  era  descobrir 
terra,  &  tambS  port)  não  queria  ter  paz  coele  por  ele 
mesmo  a  ^brar  em  t&po  de  Diogo  lopez  de  siqueyra  & 
desejaua  de  ho  castigar  por  isso:  &  mais  porque  soube 

LIVRO   VI,  Y 


170  ]>A  HI6TOSIA  DA  INM-A     * 

de  doQ8  Portogueses  i^  yão  com  Gidiale  9  á  saa  partíd» 
de  Diu  ficauSo  hi  duas  naoi  carregadas  de  madeira  qu^ 
IMeliqueaz  mSdaua  a  ludá  pêra  reforma<^o  das  gaiés 
dos  ruoies  9  bi  eslauão.  E  nS  qilerêdo  dd  Anrrique  cie* 
clararse  cÒMeliqueaZt  se  não  vsar  de  manhas  como  ele 
Ysaua :  delerroinou  de  nã  respõder  ao  seu  êbaixador  & 
delelo  tãto  sAe"!^  se  enfadasse  &  se  fosse  sem  reposta  y 
&  leualo  a  Cocbim.  E  isto  assentou  com  conselho  de 
Frãcisco  de  sá,  Eylor  da  silueira^  António  da  siiueira 
&  outros  fidalgos.  E  porque  as  nãos  da  madeira  ^  esta- 
uSo  em  Diu  pêra  ludá  lá  não  fossem,  mãdou  logo  a  dous 
capitães  de  dous  nauios  Q  estauão  no  porto  de  Goa  Qse 
fossem  a  Ghaul  &  dissessem  a  Manuel  de  macedo  {|  hi 
estaua  1)  se  fosse  coeles  em  ho  galeão  em  Q  andaua,  & 
também  a  bQ  capitão  de  biia  carauela ,  &  4  ^^os  qua- 
tro fossem  esperar  as  duas  nãos  de  madeira  que  yâo  de 
Piu  pêra  ludá  &  as  tomassem,  porque  não  se  desse  aos 
fumes  tamanha  ajuda  como  aquela  era.  Elogo  estes  ca- 
pitães partirão,  Sc  dom  Anrrique  deu  logo  a  capitania 
de  Goa  a  Francisco  de  sá  por  ser  ha  fidalgo  ãtígo  na 
Índia,  &  de  muyto  seruiço  &  bomõ  de  grade  confiãça. 
£  têdo  prestes  sua  partida  pêra  Cochim ,  se  partio  8 
duas  galés  &  bfla  galeota,  &  se  não  ibra  leronimo  de 
Sousa  que  se  foy  a  Goa  pêra  o  acõpanhar  cõ  algils  pa* 
raós  ()  trazia  darmada  na  costa  do  Malabar  ele  fora  b& 
singelo:  purS  nessas  velas  ^  leuaua  ya  bê  acõpanhado 
de  fidalgos  &  de  caualeyros,  &  assi  ya  coele  Cidíale 
nas  seys  atalayas,  mas  este  o  acdpanhou  pouco:  porq 
logo  ates  de  ctiegarfi  a  Battsalá  se  fi)y  pêra  Diu  sê  Jicê- 
ça  de  dd  Anrri^,  &  foy  dizer  a  Meli4az  tais  cousas  ^ 
ele  não  quis  mais  falar  em  paz« 


LIUSO   VI.   CAFITVU)   LXXX.  17  i 

« 
•  t 

C  A  P  I  T  V  L  o   LXXX. 

« 

De  como  âó  Anrriq  de  meneses  pelejou  com  hda  armada^ 
.    de  Calicut  ^  tomou  dezoito  paraós^  ^  de  como  m&Jem 
enforcar  Mamele  em  Canmior. 

J?  azSdo  òò  Anrríi}  sua  viagê  hila  manhaã  Q  seCideale 
achou  meoos  fora  ouuidoB  na  frota  muytoa  tiros  de  bd* 
bardadas ,  &  estes  tirauão  trita  paraós  de  mouros  MaJa*^ 
bares  l^  tinbão  cercado  dõ  lòrge  de  menesea  em  hil  ga* 
leão  em  ^  eslaua  na  barra  de  Baticalá ,  &  trabaibauSo 
polo  meter  do  fundo  &  ele  se  defSdia  muyto  bS:  &  co* 
roo  dõÂnrriQ  ya  perto  chegou  logo:  os  mouros  ^  ouue- 
rão  vista  dele  como  tinhâo  perdido  ho  medo  aos  Portu- 
gueses deixarSo  ho  galeão  &  fizerãlhe  rosto  desparãdo 
sua  aftelharia  &  os  Portugueses  fizerão  ho  mesmo.  £ 
porl)  particularmête  não  pude  saber  como  foy  esta  pe* 
ieja,  não  direy  mais  se  não  í\  os  mouros  forfio  desbara- 
tados &  perderão  dezoyto  |>araos  ^  os  Portugueses  to* 
majrão  cõ  muyta  artelbaria  &  catinos,  a  fora  outros  Q 
fprão  metidos  no  fQdo ,  &  forão  mortos  muy toS  mouros 
&  dos  nossos  algtts  feridos.  £  prosseguindo  daqui  dom 
Anrri{|  pêra  Cananor  achou  António  de  mirada  {}  ya 
pêra  ho  cabo  deGoardafum,  &  por  lhe  parecer  assi  ser- 
ui<jo  dei  Rey  de  Portugal  lhe  tirou  os  capitães  Q  l^uaua 
&  mãdou  ^  (içassem  na  índia  saluo  ho  dacarauela^  com 
2)  mãdou  {|  prosseguisse  pêra  ho  cabo  de  Goardafum  & 
lá  ae  recolhesse  á  sua  bandeira  os  quatro  nauios  {|  tinha 
mãdadoa  a  esperar  as  duas  nãos  de  madeira  Q  auião  dir 
de  Diu  pêra  luda^  &  c5  as  outras  velas  se  foy  a  Cana-« 
nor:  onde  desembarcado  soube  do  capitão  da  fortaleza 
como  tinha  preso  JMamale  ho  mouro  !\  disse  no  liuro 
quinto  4  el  rey  de  Cananor  por  dissimular  entregara 
preso  na  fortaleza :  &  li}  sabia  certo  ^  el  rey  ho  auia  lo- 
go dir  ver  pa/a  lho  pedir  por  muyto  dinheiro  Q  lhe  ca 
outros  mouros .  de  Cananor  dauão  por  isso.  £  sabendo 

y  8 


172  ,I>A    HISTORIA    DA    INOU 

'dom  Aorrique  a  teD<;ão  com  Q  bo  el  rey  prendera  &  en- 
tregara preso  na  fortaleza ,  não  quis  ^  viesse  a  efeyla 
cousa  tâo  fea :  &  que  soubessenoi  os  mouros  Q  ja  aquele 
tfipo  passara ,  &  qu8  fisesse  o  que  não  deuiá  {|  auia  de 
ser  raujlo  bõ  castigado.  E  pêra  saber  seMamale  mere- 
cia de  ho  8er^  pos  as  culpas  Q  tinha  em  conseibo  logo 
naquele  dia  ^  chegou ,  &  achando  j|  erão  muyto  gran- 
des na  própria  hora  ho  mandou  enforcar  ha  mesma  for- 
talesa ,  porque  lho  el  rey  de  Cananor  não  pedisse  &  se 
pusese  em  duuida  se  erraua  não  lho  dado  ou  dâdolbo.  B 
por  não  ser  atentado  coro  peitas  como  sabia  que  auia 
de  ser ,  &  fez  conta  que  despois  apazigoaria  el  rey  com 
boas  palauras. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXI. 

De  €omú  a  requerimeto  dei  rey  de  Cananor  mâdou  o  ^ 
uemadar  queymar  húa  pouoação  de  mouros  de  CaltajU 
por  Eylor  da  silutira. 

Jji  quasi  ^  não  era  bo  mouro  acabado  dfiforcar  <]uãdo 
chegou  bo  messegeiro  dei  rey  de  Cananor  per^  man*- 
daua  visitar  ho  gouernador  &  fazerlhe  saber  que  ao  ou- 
tro dia  bo  visitaria  por  sua  pessoa.  O  que  ele  não  fez 
sabendo  que  Mamale  era  enforcado:  &  ho  gouernador 
por  dissimular  coele,  lhe  mandou  bCl  recado  em  modo 
de  querer  saber  como  tardaua.  Ao  que  respõdeo  que  ho 
não  auia  de  ir  ver  pois  lhe  matara  aquele  mouro ^  por^ 
que  não  parecesse  aos  outros  que  ho  consentira.  Ao  que 
BO  gouernador  respondeo ,  esiranhandolhe  muyto  pesar- 
Ibe  da  morte  de  hu  mouro  tâo  culpado  em  deseruiçosdei 
Rey  de  Portugal  seu  senhor,  cujo  amigo  &  seruidor  ele 
dizia  Q  era :  ates  deuia  de  folgar  de  o  ele  mandar  ma- 
tar por  lhe  08  outros  mouros  não  rogarem  que  lho  pedis- 
se, &  que  outras  cousas  aueria  S  que  ho  seruisee  se  lhe 
fizera  pesar  naquela  :  &  assi  lhe  mãdou  fazer  outros 
inuytos  comprimentos^  com  que  el  rey  ficou  satisfeyto; 


|K>re  téive  daii  por  difite  ho  gc^mernador  em  mujto  grão- 
de  coo  ta,  porque  tendo  preso  bum  mouro  tâo  principal 
«omo  Mamale,  &  que  lhe  poderá  render  muyto  ee  he 
poeera  em  preço,  quia  mais  atefíUr  ao  quedeuia  ao 
0eruiço  dei  Rej  de  Portugal  deu  Mnbor  que  a  seu  pro^ 
prio  proueito.  £  bem  conheceo  que  nfto  Ma  fao  tempo 
que  soya ,  &  assi  ho  conhecerão  os  mouros  que  ficario 
muy  cortados  &  abatidos  com  a  morte  de  IMaroale :  & 
virão  q  lhes  era  necessário  mudarem  cís  costumes  que 
tinbão  dantes,  porque  ho  gouernador  não  aula  de  sofrer 
^enbíia  cousa  mal  feyta,  &  qUeauia  de  castigar  quem 
ho  merecesse,  &  mandarão  logo  esta  noua  aòs  mouros 
deCalicut,  que  c5  os  deCocb!  íícarão  assombrados  com 
a  morte  de  Mamale,  &  teuerãopor  muy  grande  feyto 
ser  sua  morte  daquela  maneyra ,  &  não  querer  ho  go- 
tieraador  quftto  poderá  auer  porele.  E  entendendo  por 
resta  mostra  que  não  era  cobiçoso,  logo  ho  teuerSo  por 
•b5  homem ,  &  qoe  auia  de  hzet  muy ta  guerra :  &  ho 
mesmo  teue  0I  rey  de  Gaticut  a  quem  foy  esta  noua.  E 
elrey  deCananor  quando  vio  qoe  não  podia  restaurar  a 
morte  de  Mamale^  ^fuis  aprouekarse  dos  offreeimStos 
que  lhe  ho  gouernador  fizera,  &  mandouihe  rogar  que 
ihe  mandasse  queymar^hâa  pouoação  de  mouros  chama- 
da JMarauia,  oue  estaca -alem  de  hu  rio  queapM-taua 
ho  seu  reyno  do  dè  Caiicut.  E  isto  fiorque  estes  mou*- 
TOS  não  queriâo  morar  no  reyno  deCananor  mol-ãdo  nele 
dantes.  £  ho  gouernador  por  comprazer  a^  el  riey  8t  f^ 
2er  mal  aos  mouros  que  erSo  amigos,  dei  rey  deCaliciit, 
mâdoQ  aEytor  da  siíoeira  a  esta  empresa  eoán  (lítltuho^ 
niens  que  foy  em  dous  bargantins  com  regimento  qué 
queymasse  a  puupaçâo  sem  »ayr  em  terra.  E  Èytor  da 
silueira  foy  lá ,  &  lançou  em  terra  certos  mairnhf  iroê 
pêra  queymarem  ho  lugar  ,'  a  que  tendo  posto  ho  fugo 
sayrão  tantos  mouros  H  os  embaraçarão,  &  punbão  os 
em  aperto :  em  tan4o  que  foy  necessário  a  Eytor  da  sil- 
t^íTã  desembarcar  com  quantos  leuaua,  posto  que  con* 
tra  ho  regimfiio  do  gouernadoTk  £  os  mouros  como  erâo 


a  74  BA  BISTOAU  DA  INOIA 

muytCNi  quiseranae  defender  &  pelejarlo  com  os  Portti!- 
guesM  Ii&  pedaço^  .&  pof  derradeiro  fugirSo.  gcfldo  al^ 
g&s  oiorioa^  &  a  poiioai{fto  fc^..  toda  quey«ià4a,  &  asai 
viole  doiM  paraóa  &  zambucoa  (|  os  inourea  linhão  varar- 
des. E  isto  feyto  recolfaeose  Eylor  da  siiueira ,  &  tor* 
nouse  a  Caaanor,  e^jo  rey  ficou  muylo  ledo  por  lhe  h^ 
goaernador  mandar  fazer  o  que  pedira« 

C  A  f  I  T  V  L  O    LXXXII. 

De  como  vendo  el  rey  de  Ccdicut  quáo  mal  lhe  9ucedia  a 
ffuerra  eomeUo  pcus  a  dom  loâo  de  Uma. 

X^ura&do  a  guerra  que  el  rey  de  Galicut  fazia  a,  dd 
João  de  lima  capilSo  da  fortaleza  tinha  vele  &  os  ^  .eaitar 
uão  eoele  iDuyto  grande  trabalho^  porque  a  fora  ps  ifoic 
gos  sereoi  muytos  em  demasia  oorrião  cada  dia  duaa  ver, 
ses  a  fortaleza  pêra  queymarem  a  feytoria  &  almazeoi 
que  eslaufto  fora  dela  &  asai  a  casa  da  :poluora ,  Sc  de 
cada  vez  que  vinbâo  saya  dom  loâo  a  pelejar  codes,  Sc 
sempre  os  nossos  malauâo  muytos ,  no ^  leuauão  muyio 
grande  trabalho,  porque  sempre  estauSo  armadoa,  que 
ja$  de  noy  te  os  deixauâo  os  immigos  &  lhe  daii2o  reba- 
tes porque  nã  dormiasem.  E  quando  dom  loSo  saya  a 
pelejar  sempre  ya  na  diâteira  &  ao  recolher  na  traseira, 
porque  estes  dous  lugares  não  os  fiaua  doutrem  se  nie 
de  ai,  posto  que  linha  consigo  muytos  parentes,  de 
que  por  seu  esforço  os  podia  fiar  assi  como  dom  Vasco 
de  lima  ^  António  de  sá  &  Ruy  de  melo  seu  irmão  &  to* 
dos  de  Santarê:  lorge  de  lima,  Lionel  de  melo,  Fer- 
não de  lima ,  Diogo  de  sá  &  dÕ  Miguel  de  lima  que  toa- 
dos erão  muy  esforçados,  &  nesta  guerra  fizerão  feyios 
de  mi^y  assinada  valSUa  &  matarão  muytos  mouros.  E 
continuandose  a  guerra  sem  el  rey  de  Caliçut  estar  na 
cidade ,  mandou  a  ela  ho  senhor  da  serra  &  hu  seu  so^ 
brinho,  &  ho  capitão  do  campo  dei  rey  de  Calicut  que 
^uia  nome  T^ninichiriledo  todos  três  valentes  capil4eat 


LlVitO  VI.   GAPITVLO  E,XXZII.  175 

Ic' em  ^' el  rèy  tinha  grande  conâan^^  &  léuarSo  muy-^ 
ta  &  iDUj  luzida  gente  de  peleja  lodos  Najres  de  que 
BiuytoB  erXo  espingardeyros:  &  coeales  creo  el  rey  de 
Caiicut  que  oe  nossos  auiâo  de  ser  muyto  aperiadoa^  St 
eles  assi  Ibo  prometerão ^  &  como  forSo  em  Caiicut  de^ 
rão  na  noyte  seguinte  vista  aa  fortaleza  dando  mostra 
de  sua  espingardaria  que  fizera  tirar ,  &  dom  loão  em 
eles  acabando  mandou  tanjer  as  trombetas ,  &  despoia 
deu  mostra  da  sua,  &  a  pos  isso  mandou  tirar  a  arte- 
Ibaria  ^,  &  ouue  muytas  gritas  dãa  parte  &  da  outra.  B 
logo  estes  três  capitães  com  a  soberba  que  trazifio  por 
amor  do  numero  da  gente  que  os  acompanhaua,  deter- 
minarão de  queymar  a  feytoria,  casa  da  poluora  Sc  ai*» 
mazem.  Ecoesta  determinação  remeterão  h(i  dia  aa  for- 
taleza com  tuda  sua  gente  que  fazia  mostra  de  quinze 
mil  hom8s ,  &  dom  ioâo  lhe  sayo  eom  obra  de  eincoen* 
ta  9  ele  cÕ  vinte  cinco  por  hOa  parte  &  dom  Vasco  de 
lima  por  outra  com  outros  tantos,  &  derão  aa  diantei- 
ta  dos  Imigos,  &  começouse  a  peleja  muy  grade  assi 
despingardadas  como  de  laçadas  &  cutiladas.  £  andado 
a  cousa  bem  trauada  &  ferida,  bii  dos  capitães  dos  imi- 
gos  que  era  bo  sobirinbo  do  senhor  da  serra ,  remeteo  a 
António  de  sá,  &  ele  lhe  arremessou  hua  lança  com  que 
Jho  passou  fc  ideu  coete  morto.  £  lorge  de  lima  estado 
cercado  de  muy  tos  immigos,  &  muy  mal  tratado  dehila 
pedrada  (|  lhe  derão ,  acodiolhe  dom  Vasco  de  lima  & 
liurou  ho  com  morte  de  muytos.  £  tudo  isto  foy  em  htla 
conjikção :  &  com  a  morte  deste  capitão  sobrinho  do  se^ 
ftor  da  serra  <|  era  muy  esforçado,  desmayarão  os  !nii- 
gos  de  modo  que  fugirão.  E  àÒ  loão  se  recolheo  cÕ  os 
nossos  deyxãdo  muytos  mortos  dos  imigos  j  &  dos  nos* 
SOS  forão  alglU  feridos»  principalmente  lorge  de  lima  (^ 
bo  foy  muyto:  porque  Iam4:>e  ele  ferio  &  matou  muy* 
tos.  £  vendo  el  rey  de  Caiicut  quão  mal  lhe  esta  guer- 
ra sucedia,  &  tendo  por  certo  ^  dõ  Anrrique  era  go« 
uernador  &  os  paraós  que  desbaratara  indo  de  Goa  pêra» 
Goohim,  pçaoulbe  de  a  ter  começada:  &  desejado  apazt 


176  .     »A^  RISTOItlA  .  DA    ÍNDIA 

que  tinha  da nfea  losadou  pedir.. Iregoas  a  dom  lòSo  at^ 
4  ele  mâdasae  recado  ao  goú«rnador  como  queria  pazJ^ 
K  estas  tregoas  mãdou  pedir  por  Punacba  seu  cunhado^ 
&  por  Garná  ho  regedor  de  Calícul,  &  polo  seu  Catual  :* 
^  falarão   todos   três  com  dÕ  loSo ,  l\  lhe  respõdeo  qo^ 
era  conlSle  das  Iregoas:  &acei(aria  a  paz  em  nome  do 
gouernador  ate  a  ele  cõíirmar,  &  ^  auia  de  ser  cõ  con- 
dição ^  lhe  fosse  entregue  Patemarcar  hil  mouro  prin-< 
cipal  de  Cocbi :  Q  despois  desta  guerra  se  leuãtara  c5- 
tta  08   nossos  sendo  vassalo  dei  rey  de  Cocbim ,  &  lhe 
fazia  guerra  por  amor  dei  rey  de  Calicut  cÕ  certas  fus- 
tas -2}.  trazia  por  mar:  &  assí  lhe  fitregaria  toda  a  arte^ 
Iharia  i]  fora  nossa ,  &  assi  a  ana ,  &  todos  os  paraos  (][ 
auia  no  reyno  de  Calicut ,  &  assi  pagaria  todos  os  di^ 
nos  &  perdas  que  el  rey  de  Portugal  &  seus  vassalos  ti- 
nbão  recebidos  por  causa  da{|la  gjierra.  £  os  três  disse^ 
rflo  Q  el  rey  faria  tudo  aquilo  Q  o  gouernador  mSdasse : 
&  em  seu  nome  passarão  hil  assinado  &  ficou  a  Iregoa 
assStada  ale  ir  recado  ao  gouernador  &  ele  mldar  o  ^ 
queria ,  &  assi  cessou  a  guerra» 

C  A  P  I  T  O  L  O    LXXXIir. 

« 
I 

De  corno  o  goueniaàor  foy  ter  a  Calicut ,  ^  soube  a  pM  ' 
que  el  rey  queria :  ^  do  que  respondeo. 

Jjistando  ho  gouernador  em  Cananor  soube  como  no  rio  ' 
de  Mãgalor^  auâte  de  Cananor  indo  pêra  Go 41  estauSo 
cenlo  &  tíutos  paraos  de  Malabares  de  guerra  Q  tornauS  ' 
de  Câbaya  onde  forâo  carregados  de  pim6(a,  &  traziS 
arroz  &  outros  mãtimêlos,  &  q  esperauão  Q  ho  gouer^ 
aador  partisse  {)era  irS  após  ele.  E  por  ho  gouernador 
não  poder  então  ir  pelejar  coeles,  porQ  se  lhe  não  .fos- 
sem mandou  i\  lhes  fosse  çirrar  a  boca  do  rio  a  Fern|h> 
gomez  de  lemos  ^  foy  em  bH  galeão  &  leuou  debaixo  de 
sua  capitania  duas  galeotas,  &  fo}^ capitão  de  hila  An* 
toaio  da  silua  &  leuaria  cÍBcoSla^PortugueaeSi  Isto  fey» 


LIVRO   VI.    CAPITVW>   Í.X%XJÍU  177 

to  partiose  ho  gouernador,  deixamlo  per-  capitão  da  for- 
taleza Eylor  da  siiueira  &  leuou  consigo  dõ  Simão  de 
meoeses  cuja  a  capitania  era.  E  isto.  por  lho  o  mesmo 
dõ  Simão  requerer,  parecSdolbe  que  andando  cõ  ho  go- 
uernador  seria  capitão  mór  do  mar^  ou  ao  menos  leua* 
ria  ho  seu  ordenado.  Do  ^  ho  gouernador  ho  desenga- 
nou logo ,  dizSdo  que  lho  não  auia  de  dar :  &  cõ  tudo 
Dão  quis  se  não  ir.  E  partido  o  gpuernador  de  Cananor 
foy  ter  hua  noyte  a  Galicut,  onde  dom  loão  de  lima  ho 
foy  ver  ao  mar  &  lhe  disse  ás  pazes  !\  el  rey  queria  fa« 
zer  &  com  !\  condições.  E  ^  se  esteuesse  ali  ao  outro 
dia  ho  regedor  lhe  leuaria  ho  mesmo  recado  dei  rey.  E 
como  ho  gouernador  sabia  as  mStiras  dei  rey  &  dos  mou- 
ros: &  q  tudo  o  ^  cometião  era  pêra  estoruarem  {|  na- 
quele pedaqo  de  verão  lhes  não  fizesse  guerra,  &  que  no 
inuerno  seguinte  se  fortalecerião  mais,  disse  a  dom  Ipão 
{}  dissesse  ao  regedor  que  ele  ya  depressa  f>era  tornar 
logo  pela  costa  a  fazer  guerra  a  fogo  &  a  sangue ,  que 
se  el  rey  deCalkut  queria  paz  auia  de  ser  com  enmõda 
do  mal  Q  tinha  feyto  &  obra  do  í\  prometia,  que  teues- 
66  prestes  todo  o  que  auia  de  dar  &  tendo  ho  falarião  na 
paz ,  por^  se  não  ouuesse  de  comprir  como  fizera  muy- 
tas  vezes  Q  elle  não  auia  de  perder  ho  tempo  de  fazer  a 
guerra*  E  por^  ho  regedor  ho  não  achasse  ali  ao  outro 
dia  &  ho  deteuesse  com  palauras,  partiose  logo  acaban- 
do de  falar  com  dom  loão,  que  ao  outro  dia  deu  esta 
reposta  ao  regedor,  que  a  mandou  a  el  rey  que  se  agas- 
tou coela  por  ver  quanto  ho  gouernador  era  de  concru- 
sam ,  &  ele  não  esperaua  de  tomar  nenhiia  por  amor 
dos  mouros  que  ho  estoruauão,  nem  queria  mais  que 
antretelo  que  lhe  não  fizesse  guerra  a^le  pedaço  de  ve- 
rão: porque  no  inuerno  seguinte  esperaua  de  tomar  a 
fortaleza  com  quanlos  estauão  dentro.  E  pêra  mais  dis« 
simular  cõ  ho  gouernador  lhe  escreueo  como  foy  em  Co- 
chi,  dizendo  que  tudo  linha  prestes  pêra  comprir  coeJe, 
pedindolhe  que  se  fosse  logo  a  Calicut  2}  hi  acharia  tu-« 
do  o  que  lhe  auia  de  dar  entregue  a  dom  loão  de  lima^ 

LIVRO   VI.  z 


178  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

&  assi  ho  fizera  el  rey,  mas  oa  mouros  como  digo  ho  eu^ 
toruauão  por  lhes  pesar  muy to  da  paz :  porque  sabiâa 
que  se  a  fizesse  que  não  auiâo  mais  de  morar  em  Calicut» 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXIIII. 

De  como  ho  gouemador  deu  em  Pawme ,  ^  da  destruy^ 

çâo  que  fez. 

Jr  arlido  ho  gouemador  de  Calicut  foy  ter  a  Cochim  ^ 
onde  foy  recebido  com  ioda  a  solenidade  &  cerimonias^ 
&  Stregue  da  gouernâça  da  índia.  E  como  leuaua  muy* 
lo  cuydado  de  tornar  logo  pola  costa  de  Calicut  a  fazer* 
lhe  a  mais  braua  guerra  que  podesse,  nâo  se  quis  deter 
em  Cocbl  mais  de  dezaseys  dias.  £  deixando  outras 
muytas  cousas  que  auia  que  fazer  acodio  a  esta  da  guer- 
ra <|  ele  auia  por  mais  principal  &  importante  que  to- 
das pêra  restaurar  ho  credito  Q  os  Portugueses  tinbâa 
perdido  na  índia.  E  fazendose  prestes  lhe  foy  dada  a 
carta  dei  rey  de  Calicut  sobre  as  pazes,  oflferecêdose 
muy  largamSle  a  comprir  logo  as  cõdições  cora  2)  as  pe* 
dia.  Em  tãto  ^  logo  dali  a  três  ou  quatro  dias  ho  rege* 
dor  da  vila  de  Panane  lhe  mãdou  dizer  ao  gouemador 
que  podia  mâdar  receber  certos  paraós  ^  estauáo  na^ie 
rio  q  el  rey  de  Calicut  lhe  màdaua  entregar.  E  por^ 
ainda  ho  goueruador  tinha  nisto  duuida  por  saber  quão 
incõstâtes  eles  erâo  nã  quis  mãdar  receber  os  paraós  se 
Bã  |K)r  sua  pessoa,  pêra  Q  se  fosse  mêtira  começar  logo 
a  guerra.  E  partio  de  Cochim  apercebido  cÕ  hOa  frota 
de  Ivj.  velas.  s.  duas  galés,  quatro  nauios  degauea, 
einco  barcac^as,  dezanoue  catures  do  Arei  de  Porquá, 
fc  vinte  seys  paraós,  fustas  &  barganlis  da  armada  da 
ordenada  da  índia.  E  oa  capitães  desta  armada  furáo 
loão  de  melo  da  silua  ^  fora  capitão  de  Coulâo,  &  por 
ter  acabado  seu  tSpo  se  quisera  ir  pêra  Portugal ,  &.por 
o  gouemador  sentir  &  conhecer  dele  ^  por  seu  esforço, 
l)fidad6  &  descrição  era  pessoa  de  mu; ta  cõfiâça,  &  pe«> 


LIVBO  J1.  OAPITTLO  LXXX1TII.  179 

ra  se  lhe  encomSdar  ho  seraiço  dei  rey  senhor  &  ler 
necessidade  dos  honnSs  da^la  qualidade  pêra  isso:  lhe 
r<^ou  Q  ficasse  na  índia  ^  &  deulhe  hõa  das  galés  {)  ói^ 
go  em  que  andasse  &  ya  na  sua  galé.  Os  oulros  capi- 
tães fora  Pêro  mazcarenhas,  dÕ  Simão  de  meneses,  Ruy 
▼az  pereyra,  dÕ  lorge  de  noronha,  Geronimo  de  sousa, 
António  pessoa,  dom  Afonso  de  meneses,  Rodrigo  ara«- 
nha,  Ayres  da  cunha,  dÕ lorge  telo,  lorge cabral,  An^ 
tonio  da  silueira,  Gomez  de  souto  m«iyor,  Frãcisco  de 
vascõcelos.  Pêro  velho,  dom  lorge  de  meneses,  Antó- 
nio dazeuedo,  Ayres  cabral ,  Diogo  da  silueira,  Nuno 
fernãdez  freyre  &  outros  a  ()  nS  soube  os  nomes.  E  ao 
outro  dia  Q  forSo  vinte  cico  de  Feuereyro  de  mil  &qui«* 
nhStos  &  XXV.  surgio  na  boca  de  Panane  ()  he  da  lar- 
pira  &  ah  ara  !\  disse  atras  no  liuro  segundo.  E  surto 
bo  gouernador  mãdou  recado  ao  regedor  de  Panane  pê- 
ra lhe  entregar  os  paraós  ^  lhe  escreuera.  Eho  regedor 
lhe  respOdeo  com  delõgas:  o  (\  v8do  ho  gouernador, 
porQ  lhe  começaua  de  falecer  a  agoa,  mSriou  fazer  a- 
goada  dSlro  no  rio,  porí}  não  auia  outra  parte  Õde  se  fi- 
zesse. Ecomo  a  gfite  do  lugar  principalmSte  os  mouros^ 
sabião  {|  el  rey  não  queria  paz  cõ  ho  gouernador,  quãdo 
virão  os  Portugueses  entrar  no  rio  a  fazer  agoada,  co- 
meçarão de  lhe  tirar  ás  bõbardadas  de  hiia  estãcia  f\  i\* 
nhão  feyta  ja  cò  propósito  de  terS  guerra  cÕ  o  gouerna- 
dor ,  &  defSderlhe  a  desembarcarão  se  quisesse  desem-- 
barcar.  Quãdo  ho  gouernador  vio  ho  grade  desauergo* 
fihamSto  dos  mouros,  determinou  de  lhe  tomar  as  bõ** 
bardas  l\  tinhao  na  estãcia  &  destruylos.  E  chamados  os 
capitães  &  pessoas  priripaes  da  frota  lho  disse,  &  todos 
disserão  2)  era  muyto  hS,  Sc  porí}  a  gSte  não  recebesse 
dano  desembarcado  diãte  da  estãcia,  assStouse  !\  fosse 
a  desembarcação  em  bila  pôta  ^  se  fazia  antre  ho  mar 
&  bo  rio,  2)  ficaua  n  esta  põta  da  bãda  do  norle,  &  be 
mar  da  bãda  do  sul:  &  isto  porq  estaua  abaixo  da  es* 
tancia,  &  {}  bo  gouernador  fc  Pêro  mazcarenhas  cA  ca- 
da hft  seu  escoadrão  de  duzStos  bomSs  sayssS  de  dStra 

z  2 


180  DA    HISTOftIA   ink    INDtA 

desta  p5la  no  rio  ^  &  dom  Simfto  cd  outro  escoadrfio  da 
trezStofl  em  Q  entraufto  iQuytoB  esptgardeyros  desem- 
barcasse na  coBla  &  costas  da  éstlcU  despoís  Q  o  go- 
ueroador  desembarcasse.  £  islo  como  digo  por  lhe  a  ar- 
telbaria  dos  Imigos  nâ  fazer  dâoo.  Isto  assèlado  no  mes* 
mo  dia  {|  forflo  vinte  seys  dias  de  Feuereyro  se  êbarcoa 
o  gouernador  &  os  outros  capitães  nos  bateys  &  aauíos 
sotis  em  ^  auião  de  éesSbarcar.  E  o  gouemader  &  Pê- 
ro mazcarenbas  desõbarcarâo  prímeyro  cÕ  sua  gfile  õde 
lhes  era  assinado  acõpanhados  de  mujtos  fidalgos.  E  da- 
do sinal  a  dÕ  Simão  como  bo  gouernador  era  desêbarca«- 
do)  desembarcou  logo  na  costa  cd  sua  gele  du  gol;)e,  a 
^  logo  aeodirã  aJgCis  mouros  &  Nayres,  Sc  nã  digo  quan*- 
tos  por  nã  poder  saber  ho  numero  dos  Q  auia  no  Jugar : 
mas  b8  certo  be  ^  seriSo  mais  quatro  vezes  {|  os  Portu- 
gueses. E  estes  {|  sayrão  a  receber  dõ  Simão  fizerão 
mostra  de  defender  sua  stãeia^  pelejado  valCtemSte  cò 
suns  lâqas  &  frechas  &  espingardas ,  mas  afroxarão  lo- 
go como  lhe  os  nossos  espigardeyros  matarão  algus ,  & 
acolberanse  á  sua  estancia  õde  fizerão  rosto  a  dõ  Simão 
^  cÔ  os  seus  comeleo  a  eslàcia  cõ  tamanho  Ímpeto  ^  os 
unigios  ho  nã  poderão  sofrer,  &  mais  por  lhe  matarê  & 
ierirè*  muylos,  &  desbaratãdose  fugirão  pêra  ho  sertão^ 
&  a  estàcia  foy  entrada  por  dõ  Simão.  £  nisto  chegou  o 
gouernadoii  cõ.  Pêro  mazcarenbas ,  &  reformado  bo  es- 
coadrã  de  dõ  Simão  cõ  gele  de  refresco,  bo  mãdou  pas- 
sar da  banda  do  rio ,  &  a  Pêro  mazcanenbas  da  bãda  da 
«osta  ède  dõ  Simão  desCbarcara  ,.    por^  a  abas  estas 

Írayas  cbegaua  o  l^jgar  &  se  estadia  dali  pêra  ho  sertão 
*  bo  gouernadoF  ficou  no  meyo  pêra  assi  Strar  ho  lugar 
êi  ho  queymar,  &  nâ  quis  Q  os  Portugueses  bo  roubas- 
se por  se  não  deter,  &  màdoubo  roubar  por  esses  Nay- 
res  ^.  yão  diãte  ,  &  ele  cõ  sua  gSle  queymãdo  casas  & 
cortado  palmeiras.  E  forão  feridos  algus  Poi^tugueses  ^ 
se  dtfsmãdarâ ,  &  bfi  destes  foy  lorge  de  lima  ^  pelejou 
a^Je  dia  cõ  muy to  esforço»  E  destruydo  bo*  lugar  &  re- 
eoibidaaart^ariaá  eslãeia,  vecolheose  ho  gouernador 
á  frota«» 


LITRO  TI*  CAPITTLO   UISXV.  Í81 

CAPITVLO    LXXXV. 

De  como  o  gouemador  mandou  quepmar  Calicut  pmt 
dom  loâo  de  lima ,  ^  do  que  lhe  aconteceo^ 

X^aquí  se  foy  ho  gouernadoF  a  Calicut ,  õde  soube  de 
iiÒ  loão  de  lifua  Q  os  regedores  o&o  eõprtrSo  o  ^  lhes  el 
re;  mãdara  promeler  a  Cocbi,  de  Ibe  ter  os  paraós  & 
artelharia  prestes.  £  vSdo  Q  tudo  erão  paiauras,  deter-* 
minou  de  lhe  mostrar  as  obras  cõ  lhe  Qymar  algua  parta 
da  cidade ,  por^  soubesse  ^  nã  estimaua  a  sua  guerra. 
£  dado  cÕia  disso  aos  capitães ,  assentouse  j|  ele  eÕ  a 
bãdeira  real  &  corpo  da  gète  ficasse  na  praya,  8&  dd 
loSo  de  lima  cÕ  a  gête  ^  tinha  posesse  ho  fogo  á  oidadè 
da^la  bSda  &  nâ  entrasse  dêtro ,  &  ho*  fogo  bft  ateado 
se  recolhesse.  £  assi  se  fez  ao  outra  dia:  fcalgils  fidal* 
goa  de  dõ  João  (|  y&e  cÕ  ho  gouernador  forfto  eoele,  &S 
coBiei^do  de  poer  ho  foge  lhe  sayo  ho  regedor  cd  muy* 
tos  Nayres,  de  ^  algtls  era  espingardeyros.  Edom  toâo 
como  era  esforçado  remeteo  a  eles  &  não  podendo  eies 
sofrer  ho  grande  Ímpeto  dos  nossos  se  retirarão  pêra  dS- 
tro  da  cidade  fazSdo  voKas  a  des.  £  como  nelas  os  Por- 
tugueses matassem  algfis,  gostou  dÕ  loão  disso  tanto 
que  não  lhe  lembrando  ho  regimêto  do  gouernador  que 
não  entrasse  na  cidade^  se  meteo  por  ela  táto  que  quao- 
do  se  quis  recolher  foy  eÕ  grada  afconta  &  perigo :  por^ 
es  imigos  como  forão  dentro  na  cidade  se  espalharão  me* 
têdose  por  trauessas  &  paredes  quebradas^  por  onde  os 
Portugueses  auiSo  de  tornar,  &  tornãdose  o»  frechaufio 
dali  &  lhes  tirauâo  muytas  espingardadas.  E  nisto  che* 
garã  a  hila  mesquita,  onde  os  esperauão  bè  milNayres 
os  mais  deles  espingardeyros :  &  dõ  Vasco  de  lima  t\  ya 
na  diãteira  chegou  primeyro  a  ela,  &  em  sua  cõpanbia 
António  de  sá  de  Santarém,  Anlenio  dazeuedo  oc  Mjh 
Buel  de  macedo.  £  em  chegado  começarão  o»  Imigos  de 
tirar  de  denlra  cÕ  as  eapingaidaa ,.  &  b&  acertou  a  da 


181  BA  HIBTOBIA  PA   IlfDIA 

Vasco  de  lima  6  hua  coxa,  &. ferirão  se  nSo  fora  hiia 
fralda  de  malha  dobrada  que  leuaua:  maa  alormêtou  ho, 
&  assí  atormCtado  era  tão  esforçado  {|  remeteo  ao  Naj- 
re  &  matou  ho  atrauessando  ho  cft  a  laça ,  &  logo  es- 
toutros A  digo  remeterão  tambS  aos  imigos.  B  nisto  che- 
gou dA  loâo ,  &  disse  ()  não  se  deteuessS  mais ,  &  foy 
por  diãle:  &  os  imigos  yão  após  eles  tirâd(»lbes  ho  mais 
que  podião,  &  os  de  dõ  loão  também  lhes  tírauão  d« 
quando  em  quãdo ,  &  assi  forão  ale  a  praya  Sdestana 
bo  gouernador ,  que  ouue  grade  roenScoria  de  dA  loão 
passar  seu  regimêlo  &  entrar  na  cidade:  cõ  quanto  lh# 
ele  &  outros  moytos  jurarão  <}  náo  poderá  fazer  menos ^ 
&  que  lhe  não  matarão  nenbíi  dos  Q  leuaua,  ates  matara 
muytos  imniigos  &  fizera  grande  dano  em  queimar  muy* 
tas  casas:  &  assi  foy.  E  este  foy  hu  feyto  honrrado,  & 
de  Q  el  rey  de  Calicut  ficou  muyto  corrido  por  oâo  se 
poder  vingar.  Ecõ  tudo  ho  gouernador  nã  perdeo  ame^ 
nScoria  j)  tinha ,  dizfido  que  assi  como  d5  loão  escapa«- 
ra  assi  se  poderá  perder  c^  quantos  leuaua ,  &  que  11Í0 
quisera  fazer  o  1}  lhe  mãdara:  &  sem  mais  esperar  sa 
foy  logo  embarcar. 

CAPITVLO    LXXXVI. 

De  como  o  gcuemador  chegou  a  Couiête. 

jHimbarcado  bo  gouernador  c5  determínaçã  de  pro6se«» 
guir  a  guerra  contra  el  rey  de  Calieut,  determinou  da 
ir  a  hum  lugar  muyto  grade  de  seu  reyno  chamado  Cou^ 
lele,  &  bo  principal  porto  dele,  &  ôde  auia  mais  gen- 
te, mais  paraós  &  mais  nãos  l\  em  outro  nenhft.  E  pe* 
ra  ser  melhor  enformado  do  sitio  do  lugar  &  dos  nauios 
1}  hi  estauão  mandou  a  loâo  de  melo  da  silua  que  bo 
fosse  saber  &  forão  coele  doze  Catures  do  arei  de  Por^ 
^uá ,  &  cinco  00  seys  outros  dos  Portugueses.  E  coes  ta 
companhia  se  foy  loão  de  melo  a  Coolete,  S  cujo  fiorto 
ie  faz  h&a  baya  de  prayas  darea ,  &  das  pfitas  da  baya 


LIVA0   VI.   CAPITTLO  JLXXXVU  18S 

ao  lugar  ^  está  metido  por  htl  rio  ha  bd  pedaço :  &  6 
hiia  parle  da  baya  da  banda  do  sul  estauáo  ires  írSquey- 
ras  9  bua  na  pòta  da  baya  outra  mais  acima ,  õde  de- 
Bembarcauâo  &  outra  no  meyo  fornecidas  de  tnuyla  ar- 
telbaria,  &  no  porto  estauâo  corSla  grandes  paraos  muy- 
lo  bfi  armados  &  esquipados,  &  neles  &  em  lerra  aue- 
ria  bem  vinte  mil  mouros  &  Nayres  de  peleja,  &  antre- 
les  muylos  espingardeyros ,  &  eslauão  assi  foiies  pêra 
resistirem  ao  gouernador  se  quisesse  pelejar  coeles.  B 
sabêdo  ho  gouernador  desta  for<;a  ^  aqui  estaua ,  deter* 
minou  de  a  deslruyr,  &  mádou  diàle  loâo  de  melo  pê- 
ra ver  o  sitio  do  lugar  &  partio  após  ele  ja  noyle,,& 
loâo  de  melo  chegou  á  baya  de  Coulete  pola  manbaft, 
dõde  logo  sayrão  os  corenla  paraós  Q  digo,  &  como  ele 
os  vio  latos,  &  tamb6  armados  &  cÕ  tanta  gente,  & 
leuaua  muy to  poucos  Portugueses :  não  os  quis  cometer 
por  lhe  parecer  doudice,  &  podo  neles  as  proas  dos  seus 
Catures,  &  iiràdolhe  muylas  bõbardadas  se  foy  faz6do 
pêra  bo  mar  cd  ceavoga ,  cõ  tenção  de  os  afastar  da 
terra.  £  como  visse  aigús  nauios  da  armada  do  gouer* 
nador  cometelos  de  verdade ,  &  a  armada  do  gouerna* 
dor  não  parecia  ainda  p<ir()  se  fizera  de  noyte  na  volta 
do  mar  c6  bo  terrenho.  £  os  Imigos  (\  a  não  viâo,  n6 
cuydauão  ^  erão  mais  j}  os  Catures  os  seguião,  tirado- 
lhes  (ftbê  cd  sua  artelharia,  senfio  quando  aparece  a  galé 
em  Q  bo  gouernador  ya,  &  coela  outros  nauios  que  ySo 
demàdar  a  terra.  O  Q  vedo  os  Imigos  nS  quisera  maiê 
segutr  08  catures  fc  voltarão  pêra  terra.  B  chegados  á 
baya  poseràse  em  ala  antreas  estancias,  cÕ  as  popas  8 
terra  &  as  proas  no  mar  &  apelklarào  logo  a  t^rra ,  & 
toda  a  gSte  de  {leleja  Q  era  a  ^  disse  acodio  ás  estãcias, 
&  assi  os  de  terra  como  os'  do  mar  se  poserão  em  som 
de  pelejar,  faifido  grande  estrõdo  cO  seus  atabales  & 
outros  inslorm8los  de  guerra  &  cd  suas  gritas ,  ^  tuda 
ho  gouernador  ouuia. 


184  •    OA   XIMWUA    OA   IMIMA 

C  AP  I  T  V  LO   LXXXVIL 

Dc  como  o  4jouemador  assSUm  c6  oê  capilãe$  da  frota  de 

pelgar  tm  CouleU. 

JlJJ  vg(k>  ele  sua  determinação  aurgío  defrõle -deles  pêra 
esperar  a  outra  frota»  Q  quando  chegou  era  tão  tarde  fi 
mandou  ^  surgisse  por  d3o  ser  tfipo  pêra  fazer  nada.  È 
surtos  os  capitães  ^  os  mãdou  cbaaiar  cÕ  todos  os  fidal** 
gos  &  pessoas  principais  da  froía :  &  jQlos  lhes  pregii* 
tou  a  cada  hCL  a  maneyra  de  1}  deuia  de  cometer  os  ími- 
gos ,  &  hiis  disserão  l|  deuia  de  cometer  somête  os  ^ 
estauão  no  mar  com  4  podia  pelejar  sem  desembarcar:: 
por{|  pêra  sair  em  terra  tinha  pouca  gête»  &  a  dos  imi- 
gos  era  rauyta  enderaasia ,  &  posto  {|  matassS  algQa  ho 
recolhimêto  auia  de  ser  cõ  muyto  perigo,  &  no  mar  pe- 
lejarião  mais  a  seu  saluo,  porQ  não  auia  de  pelejar  maia 
que  com  os  do  mar ,  porQ  os  da  terra  não  tinhão  lugar 
pêra  que  lhes  ajudassem  por  não  caberem  coeles  nos  par 
raós :  outros .  disserão  que  deuia  de  pelejar  em  terra  ^ 
porque  pelejando  no  mar  somente  todoa  os  da  terra  auião 
dajudar  aos  dos  paraós ,  &  os  dos  paraós  na  auião  daju- 
dar  os  da  terra  posto  que  desembarcasse ,  porque  auião 
de  cuydar  que  deixava  gète  na  frota ,  de  (|  se  auião  de 
temer  {|  lhes  queymasse  os  paraós,  &  por  isso  os  não 
auião  de  desemparar,  n£.  auião  «dajudar.  aos  da  terra: 
peio  4  deuia  de  pelejar  nela.  E  vècidos  os  da  terra  au»- 
ria  pouco  Q  fazer  nos  do  mar,  outros  disserão  que  se 
deuia  de  deixar  aquela  empresa  pêra  quãdo  ho  gouer* 
fiador  tornasse  dos  rios  de  Bracelor  &deMangalor  a  que 
ya  tomar  os  paraós  que  lá  estauão ,  &  despois  de  tom^ 
dos  ajuntaria  a  sua  armada  dous,  galeões  &  hd  nauio  & 
Ires  g^aleotas  &  hii  bargãlim :  com  que  estauão  em  sua 
goarda  Fernão  gomez  de  lemos  &C!omez  martioz.de  le- 
mos seu  irmão,  em  {|  andauão  mais  de  cento  Sccincoen- 
ta  homSs ,  que  fazião  muyta  miogoa  pêra  os  ajudarem 


LIVIIO   VI.   CAPITVLO   tXXXVÍÍ.  1  8ft 

Bftquela  peleja,  &  Pêro  mazcarenhãs  foy  bu  destes:  dis- 
tendo mais  que  não  se  auião  de  cometer  cousas  em  que 
parecia  que  se  atSíaua  nosso  senhor.  E  coroo  bo  gouer- 
viador  não  fosse  de  nenbu  destes  pareceres,  disseihes. 
Bem  vejo  senhores  (\  vossos  pareceres  neste  feyto  sam 
de  tão  esforçados  caualeyros  &  tão  esperemêiados  na 
guerra  como  todos  sois,  &  se  neles  fôreis  conformes  que 
fião  linha  eu  mais  {)  dizer  se  não  se^uiruos,  mas  como 
soys  diuersos  &  cada  hQ  diz  o  Q  entSde,  fica  me  lugar 
pêra  tambS  dizer  o  que  entendo,  Q  he  não  fazermos  de 
todo  em  todo  fundaroSto  de  pelejar  no  mar  com  os  im- 
'migos,  porTj  tenho  sabido  por  algflas  pessoas  que  holu* 
gar  ôde  estão  seus  paraos  he  aparcelado,  &  os  podem 
ter  encalhados  na  vasa ,  &  nã  poderemos  bê  chegar  a 
eles  com  os  nossos  bateys  &  catures  por  amor  do  par» 
cel:  pelo  que  os  nã  poderemos  aferrar ,  &  farnos  hão 
muyto  nojo  cÕ  a  artelharía  &  nosso  cometimSto  por  mar 
será  de  balde ,  &  por  isso  os  não  deuemos  de  cometer 
no  mar  somente,  n6  menos  de  todo  em  lodo  em  terra 
desembarcando  naquela  praya  darea  que  vedes,  ^  pare- 
ce ser  lugar  de  boa  desembarcação,  porQ  se  os  paraós 
dos  Tmigos  esteuerem  era  nado  &  nã  for  parcel  como  me 
diz6 ,  irse  hão  como  nos  vír8  desembarcados :  o  que  ea 
muyto  receo  pelo  medo  que  adiuinho  que  nos  tS:  ousey 
certo  que  he  assi ,  que  se-  ho  não  ouuerão ,  eles  acab^ 
rão  de  seguir  a  loão  de  melo  quãdo  lhe  sayrão  vindo  ver 
sl  disposição  desta  baya ,  &  em  me  vendo  se  tornarão  a 
recolher,  o  que  não  fizerão  se  não  ouuerão  medo,  por- 
que a  tantos  mouros  &  tão  cheos  de  soberba  como  estes 
andão  &  que  nos  tinhão  dates  em  tão  pouea  conta,  po«^ 
ca  gente  erk  a  com  ^  lhes  podia  resistir,  quãdo  me  vi- 
rão, &  se  recolherão  se  não  fora  ho  me^o,  &  por  Í8|i> 
receo  eu  <}  vSdonos  em  terra  se  vão  se  esteuerS  em  na- 
do ,  &  f ndo  se  farão  algu  dano  na  frota ,  em  que  pola 
pouca  gente  que  tenho  não  posso  deixar  se  não  muy 
pouco.  E  por  esta  causa  me  parece  que  os  não  deue- 
mos de  cometer  somête  por  terra ,  se  não  por  terra  & 

LIVRO   VI.  AA 


186  DA    HISTORIA    DA   INMA 

por  mar  juntamête.  £  islo  logo  &  não  quando  tornar- 
mos dos  rios  &  esperar  que  se  ajule  cõnosco  a  gente 
que  iá  está  9  que  he  tão  pouca  que  muyto  mais  nos  po- 
de danar  esperar  por  sua  ajuda  que  pelejar  agora  sem 
ela:  porque  agora  temos  aqui  os  Imigos,  que  como  di- 
go he  certo  que  nos  hão  medo^  &  sem  ousarem  de  pe* 
lejar  nos  hão  de  fugir ,  &  vendo  nos  ir  sem  os  cometer 
crerão  que  he  por  lhe  auermos  medo,  &  sem  nos  vence- 
rem ficarão  com  a  vitoria  que  dirão  de  palaura  ^  ouue- 
rão  de  nos.  E  como  a^les  a  que  ho  hão  de  dizer  sam 
nossos  imigos  hãoihe  de  dar  credito,  porque  he  em  nos- 
so perjuyzo:  &  sem  ser  vêcidos  por  obra  ho  seremos  por 
fama.  E  vede  que  tais  ficaremos  dizendo  estes  mouros  ^ 
ho  gouernador  da  índia  não  ousou  de  pelejar  coeles, 
que  dará  ousadia  a  todos  os  de  Caiicut  pêra  nos  irá 
buscar  a  Goclii ,  &  se  leuantarero  contra  nos  todos  os 
que  tem  paz  cònosco :  &  por  isso  ey  [X)r  escusado  dei- 
xar a  peleja  pêra  quãdo  tornar ,  se  não  como  digo  logo 
ê  amanhecendo  com  ajuda  de  nosso  senhor,  em  que  to- 
dos deuemos  de  ter  confiani^a  que  por  sua  sacratissima 
paixão  nos  ajudara  como  sempre  ajudou ,  &  dom  Simã^ 
€^m  trezentos  homès  cometera  a  praya  4  d>g^9  ^^  4^^ 
desembarcara:  &  Pêro  mazcarenhas  &  eu  cÕ  ho  resto  da 
gente  cometeremos  os  paraós  dos  !migos*  E  deste  pare- 
cer foy  loâo  de  meto  da  silua  ,  &  disse  ao  gouernador 
que  por  nenhOa  cousa  ho  deuia  de  deixar  de  seguir :  & 
que  assi  lho  requeria  da  parte  dei  Rey  seu  senhor,  por^ 
a  mór  parte  dos  oulros  erão  contra  ele.  £  como  ho  go- 
uernador tinha  muyta  confiança  na  prudècia  &  esforço 
de  loão  de  melo,  insistio  em  seu  parecer  t&do  ho  de  sua 
parte.  £  todos  assentarão  que  assi  se  fiMSse,  posto 
que  lhes  não  pareceo  bem* 


LIVRO  Tf.   OAPITVLO  UnOCVIII.  187 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXVIII. 

De  cbmo  ho  gouemador  desbaratou  os  mouros  que  esta^ 

uâo  em  Coúlete. 

Xsto  a88Í  delerminado  roãdou  ho  gouernador  chegar  at 
galés  a  terra  ho  mais  2)  pode  ser,  pêra  lambS  ajudarem 
com  sua  artelharia.  E  ate  a  madrugada  gastarão  osPor» 
tugueses  em  se  confessar  &  encomSdar  a  oosso  senhor , 
Si  aparelhar  suas  armas :  &  dpspois  começarão  de  foliar 
&  cantar  &  fazer  grandes  alegrias^  por^  quebrassem  os 
corai}ões  aos  immigos ,  que  toda  a  noyte  derão  muytas 
gritas  &  (anger2o  seus  insiormentos ,  parecendolhes  ^ 
coisso  faziâo  medo  aos  Portugueses,  &  desparãdo  tam^ 
bê  suas  bõbardas.  E  em  amanhecendo  aparecerão  os 
Attus  paraós  toldados  &  embandeirados,  &  da  outra  par^ 
te  os  Portugueses  embarcados  fi  seus  bateys,  paraós, 
catures  &  bargantls  armados  de  suas  armas.  Dom  Si- 
mão &  Pêro  mazcarenhas  defronte  dõde  auião  de  come- 
ter, &  ho  gouernador  no  meyo  cõ  a  baadeira  real:  & 
ècomCdando  os  a  Deos  arrancarão  hfis  &  outros  pêra  os 
lugares  que  lhes  erão  assinados  que  cometessem :  ho  go- 
uernador &  Pêro  mazcarenhas  contra  os  paraós  dos  im- 
migos que  estâuão  da  ponta  da  baya  pêra  dentro,  & 
dom  Simão  pêra  a  praya,  onde  auia  de  desembarcar, 
remado  todas  cõ  a  mayor  pressa  que  podiâo,  por  escal- 
parem das  bombardadas  dos  Tmigos,  que  erão  tantas  que 
parecia  que  chouião ,  assi  dos  paraós  como  das  estan- 
cias, porem  a  mayor  fúria  dos  pelouros  era  sobre  os  que 
acompanhauão  ho  gouernador,  porque  lhes  lirauão  duas 
das  estãcias  &  os  paraós  jiitamBte.  E  s8do  os  pelouros 
tãtos  como  digo,  muytoe  dos  capitães  do  escoadrão  do 
gouernador  &  do  de  Pêro  Mazcarenhas  lhes  aaiâo  medo 
&  se  passauão  ao  de  dò  Simão  por  lá  não  ser  ho  perigo 
tamanho.  Ao  que  ho  gouernador  atalhou  ho  melhor  Q 
pode :  remetêdo  aos  paraós  dos  mouros ,  bradando  aos 

ÁA  2 


188  BA    HISTORIA  DA   IKDIA 

Portugueses  {|  não  se  desmandassem.  £  nislo  algus  doB 
c}  yão  auiados  pêra  chegar  aos  paraós  chegarão  a  eles^ 
&  o  primeyro  que  aferrou  logo  hQ  dos  paraos  foy  hfi  Ro* 
drígo  aranha  capitão  de  hu  bem  pequeno  calur  em  que 
iriâo  ate  oyto  Portugueses ,  &  os  mouros  que  serião  b3 
sessenta  acodirâo  logo  a  bordo  pêra  lhes  defenderem  a 
entrada:  &  com  quãto  erão  tâtos,  &  peiejauâo  valente- 
mente não  poderão  defender  a  Rodrigo  aranha,  Q  os  não 
entrasse  primeyro  que  uenhíi  de  seus  companheiros  que 
entrarão  após  ele ,  &  meteranse  com  os  mouros  ás  culi* 
ladas  &  espingardadas:  &  nisto  aferrarão  com  outros 
paraós ,  dom  lorge  de  noronha ,  Geronimo  de  sousa  ^ 
António  pessoa,  dom  Afonso  de  meneses,  íilho  do  con- 
de dom  Pedro ,  dom  Tristão  de  noronha ,  &  todos  em 
aferrando  entrarão  dentro  cõ  sua  gente  pelejando  todos 
com  muyto  esforço  como  muylo  especiais  caualeyros  que 
erão.  Neste  tSpo  com  a  grande  reuoita  Q  ya,  &  cÕ  os 
capitães  !\  se  passarão  do  escoadrâo  do  gouernador  pêra 
fao  de  dÕ  Simão  ficarão  tão  longe  híi  do  outro  que  lhe 
Dão  podia  ho  gouernador  dizer  que  desembarcasse,  por^ 
lhe  tinha  mandado  que  ho  não  fizesse  ale  lho  nãodizer^ 
&  de8|K)is  ^  desembarcasse  fosse  ao  logo  da  praya  ate 
08  parâos  pêra  ho  ajudar  por  terra  aos  desbaratar,  &dd 
Simão  não  desembarcaua  por  esta  causa  &estauae8pe* 
râdo.  O  q  vendo  ho  gouernador,  determinou  de  lho 
mandar  dizer  por  terra,  porc}  por  mar  não  podia  ser  po*- 
ia  grade  reuolla  Q  ya,  pêra  o  que  mádou  saltar  em  ter^ 
ra  dous  ou  três  homSs,  que  derão  recado  a  dÕ  Simão 
-que  desembarcasse.  E  ele  desembarcou  logo,  &  em  de- 
sembarcado forão  tãtos  oa  mouros  dos  da  terra  ^  acodi- 
râo sobrele  que  por  mais  esforçadamente  i\  pelejou  com 
os  Q  bo  acompanhauâo  nunca  pode  passar  aos  paraos  co* 
roo  lhe  ho  gouernador  tinha  mâdado.  E  pelejando  assi 
algQs  dos  capitães  do  escoadrâo  do  gouernador  ^  esta<- 
não  junto  coete  quando  virão  sair  em  terra  os  três  ho^ 
mês  porque  mádou  ho  recado  a  áò  Simão  não  se  pode- 
rão sofrer  Q  bo  não  fizessem  posto  que  ho  gouernador 


LIVBO''VI«  éOAlflTWhO   ISLXXVIU.  169 

lhes  linba  defeso  que  não  deaembarcassè,  porque  auiâo 
de  pelejar  no  tnár  oô  os  paraoa,  &  estes  4  sallarãto  em 
terra  forão  Dioga  pereyra  deram  payo,  Manuel  da  ga^ 
m« ,  Ruy  da  cosia  de  Góes ,  Fernão  de  moura ^^  filbQ 
bastardo  de  dom  Pedro  de  moura,  Gomezdé  souto  major, 
lohâo  de  beiâcor,  da  ilba  da  madeira  &  outros  ate  vinr 
te  ou  trinta  aque  nâo  soube  os  nomes.  £  como  os  mou«* 
€oê  erâk>  sem  conto,  &  em  cada  cabo  auia  ddes  assaz, 
acodirSo  ali  logo:  ómy tos :  &  como  os  Portugueses  erâo 
poucos  posto  que  pelejarão  seta)  medo,  &  lhes  fizerão 
muytò  dano  cõ  ferifem  &  malarè  muytos,  iãbè  ho  re«* 
ceberSo,  porí)  Diogo  pereyra  foy  morto  ^  &  fora  feridos 
mortalmente  Q  morrerão  despois ,  Ruy  da  cosia ,  Ferr 
não  de  moura ,  lohâo  de  betancor ,  &  outros  cinco  bo- 
rnes baixos,  &  também  foy  ferido  Maauel  da  gama,  Sc 
outros  não  podendo  sofrer  ho  grade  impetõ  dos  mouros^ 
se  desbaratarão  se  não  lhes  aoodira  loâo  de  meio ,  & 
lorge  Cabral ,  &  outros  dous  fidalgos  a  qae  não  soube 
os  nomes  que  eslauão  cõ  ho  mesmo  loão  de  meio  no  seu 
jbarganti:  &  vSdo  loão  de  melo  ho  desbaralodos  que 
-pelejanão  em  terra,  saltou  nela  coestes  que  digo  &com 
outros,  &  sosteuerã  os  que  yâo  desbaratados,  &  tornar 
àoèe  a  peleja  a  refrescar,  erão  tantos  os  mouros  que 
recreciâo ,  que  foy  necessário  ao  gouernador  acodir  lhe-, 
saltando  em  terra  cÕ  algfis  fidalgos  &  caualeiros  quês* 
tauâo  cõ  ele,  &  ja  a  este  tempo  tudo  era  baralhado,  & 
todos  pelejauão^  assi  na  terra  como  no  mar,  &  auia 
muytos  feridos  de  hiia  parte  &  doutra.  £  sabendo  ho 
gouernador  como  dõ  Simão  ho  não  podia  ajudar ,  por 
grande  resistência  que'achaua  nos  mouros,  vio  que  era 
necessário  mudar  ho  conselho  que  teuera  no  modo  de 
como  auia  de  pelejar  com  os  mouros :  &  pois  ja  era  em 
terra,  que  lhe  compria  de  tomar  a  outra  estãcia  que  os 
mouros  tinhâo  nu  cabo  dos  paraós  pêra  ho  lugar,  pêra 
ho  que  Unha  necessidade  de  mais  gente:  &  foy  neces» 
.sario  mandar  a  Pêro  mascarenhas  cÕ  algOs  dos  seus  car- 
pi lães  ho  que  logo  íez:  &  foy  com  ho  gouernador  gok 


190  JU  HfSTORfÁ    nA   INDfA 

meter  a  estancia  que  digo  j  de  que  se  os  mouroa  defen^ 
derão  hu  pouco  &  despois  fugirão ,  &  com  tudo  oa  do 
toar  se  defendião  valentenreiíte^-como  hooiSs  que  espe«> 
rauS  a  vitoria,  porque  podendose  saluar  em  terra. b<o 
bo  queriSo  fazer:  &  parece  que  era  por  aehar  algil  va- 
gar nos  Portugueses,  porque  como  dos  que  estauâo  lt«- 
mitados  pêra  pelejar  no  mar  desembarcarão  muylos,  nfto 
auia  quem  auiuasse  a  peleja  de  nouo:  &  pelejauão  ao^ 
mente  os  que  primeiro  disse  que  aferrarão.  E  asai  hft 
loão  segurado  criado  de  dom  Fernãdo  jrmão  do  conde 
de  Faraão,  que  ya  por  capitão  dum  dos  caturea  de  Por* 
quá,  que  aferrou  com  bum  dos  paraós  que  estaua  bem 
ebeo  de  mouros,  &  em  aferrando  saltou  dentro  só^  & 
parece  que  os  Naíres  que  yão  também  no  catur,  de  roís 
iizerão  afastar  ho  catur  antes  que  os  outros  Portugueses 
entrassem ,  &  loio  segurado  como  digo  fícou  só  anlra 
tantos  mouros  de  que  não  se  podia  valer  se  nãolançan* 
dosse  ao  mar ,  ho  que  ele  não  quis  faaer  como  verda- 
deiro Português ,  antes  se  arremesou  ãtre  os  mouros  ^ 
estauã  na  popa  do  parao  por  onde  ètrou  ferindo  por  5de 
sua  espada  podia  alcançar,  &  como  erio  tantos  am  de« 
masia  quasi  i\  ho  afogarão  &  lhe  leuarão  a  espada  das 
mãos,  mas  não  ho  seu  brauo  coração  com  que  andou 
tanto  coeles  abraços  que  se  lhe  sajo  dãtre  as  mãosben 
ferido  &  recolheose  á  proa  do  parao  seguindo  bo  os  mou« 
ros  &  ferindo  ho:  &tâo  apertado  ee  vío  que  virou  a  eles 
&  remeteo  a  hu  que  ho  mais  perseguia,  &  cbegouse  tãp 
to  a  ele  que  ho  íeuou  nos  braços.  E  neste  tamanho  a^ 
perto  foy  socorrido  por  outro  muyto  valente  caualeyro 
chamado  Pêro  lorge  capitão  doutro  Catur:  &  ho  gouer* 
nacior  ^  vio  de  terra  o  que  Ibe  acontecera  ho  mãdou 
também  socorrer  por  outros,  a  que  Pêro  lorge  tirou 
desse  trabalho  com  despejar  os  mouros  do  paraó,  hiis 
mortos  &  outros  feridos.  E  vendo  ho  gouernador  come 
os  que  pelejauão  no  mar  tinhão  necessidade  de  socorro, 
mandou  a  algfls  dos  capitães  que  estauão  coele  em  ter*. 
Ta  que  ho  fizessem :  &  forãu^  &  com  sua  ajuda  tardarão 


LIVKO  Yf.    CAPITVJUO  WCXXVIII.  191 

OB  mouros  pouco  em  se  desbaratar  de  que  saluarSo  muy 
poucos ,  porQ  quasi  todos  quiseriio  morrer :  &  dos  Por- 
tugueses {)  pelejarão  no  mar  não  morrerão  quasi  oenhtls 
&  os  maia  forSo  tèridos.  £  ho  mesmo  aconteceu  a  dom 
Simão  9  que  despois  de  se  lhe  os  mouros  defenderem  va- 
lentissimamenie  quanto  lhes  fuy  possiuel  não  podendo 
resistir  á  fúria  dos  Portugueses  ficando  mu)^tos  feridos 
&  algfis  mortos  se  recolherão  pêra  ho  sertão ,  &  eie  se 
U>j  pêra  ho  gouernador»  que  deu  muytas  graças  anos*- 
80  senhor  por  aquela  vitoria,  &  abraçou  a  loSo  de  melo 
por  quão  bê  ho  fizera  aquele  dia ,  &  por  quão  bõ  cõse«- 
lho  lhe  dera.  E  assi  ficou  de  posse  das  estancias  &  dos 
paraós,  em  Q  forão  tomadas  duzentas  &  cincoSla  bom*- 
bardas  grossas  &  miúdas ,  &  delas  que  forão  tomadas 
aos  Portugueses,  &  muytas  camarás  &  infindos  pelou^ 
ro6  de  ferro  coado  &  muyta  poluora,  &  grande  soma 
darleficios  de  fogo.  E  tudo  isto  foy  recolhido  na  nossa 
frota  &  assi  os  corfita  paraós ,  &  entre  tanto  ho  gouer- 
fiador  fez  aigús  caualeyros  estando  muyto  devagar  sem 
08  mouros  ousarem  de  tornar  sobrele  como  cos  tu  mão* 
£  despois  de  queymadas  hílas  dez  nãos  de  carga  que 
estauão  varadas  se  recolheo  o  gouernador  muylo  a  seu 
prazer.  E  coeste  feyto  Q  os  mouros  ouuerão  |)or  muyto 
grande  cobrarão  os  Portugueses  ho  credito  que  tinbão 
perdido  oa  Índia :  &  el  rey  de  Calicut  começou  de  per- 
der o  que  tinha  aquirido,  &  começou  de  se  estender 
pola  Ifidia  a  fama  do  gouernador  ^  &  os  mouros  lhe  co- 
meçarão dauer  medo. 


191  i>A  ftisTosrA  i>A  imnA 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXIX. 

De  cêmo  farão  dadas  caria»  ao  gouemadar  dei  rey  Dor^^ 
muz  ^  de  Raix  xarqfo:  de  queixumes  de  Dtogo  de 
melo. 

limbarcado  no  gouernador  foyse  a  Cananor,  onde  che-* 
gou  a  òze  de  Março ,  cujos  mouros  achou  muyto  que» 
brados  polo  desbarato  dos  paraós  de  Coulete  &  dos  cas- 
tros ^  eles  tinhão  por  inuenciueis,  &  cuydauSo  ^  auiSo 
de  desbaratar  de  lodo  a  nossa  armada ,  &  derãse  por 
gastados  quando  os  virão  tomados.  E  el  rey  se  deu  por 
destruydo ,  por^  em  Cananor  auia  algfis  paraós ,  &  co- 
mo soube  que  ho  gouernador  chegou  lhe  mandou  a  bòa 
hora  de  sua  chegada ,  &  hQ  colar  douro  &  pedraria  de 
preço  ^  ho  gouernador  nSo  quisera  tomar ,  &  tomou  ho 
por  lhe  dizerem  todos  que  ho  tomasse ,  porque  era  el 
rey  tão  descõííado  que  se  lho  não  tomasse,  cuydariaque 
estaua  coele  de  guerra ,  &  por  isso  ho  tomou  &  ho  dea 
despois  ao  spirital  dê  Cananor  pêra  se  gastar  coro  os 
doStes  &  em  outras  cousas  necessárias ,  &  mandou  di- 
zer a  el  rçy  {|  lhe  tomaua  ho  colar  porque  não  cuydassa 
^  não  era  seu  seruidor,  &  que  não  faria  por  ele  quãto 
cõprísse  pêra  se  goardar  a  amizade^  tinha  com  el  Rey 
de  Portugal  seu  penhor,  o  que  ele  faria  sSpre  sS  dadi- 
uas  nS  presentes ,  &  nunca  ho  contrairo  ainda  que  Ilie 
desse  quanto  auia  no  mundo,  por  isso  ^  sem  preseptes 
Jhe  podia  requerer  o  que  fosse  seruiço  dei  rey  seu  se- 
nhor,. &  que  ele  ho  faria  logo.  Do  !|  el  rey  ficou  espan- 
tado, porque  dates  tudo  na  índia  se  acabaua  com  pei* 
tas:  &logo  foy  visitar  ho  gouernador  á  fortaleza,  o  que 
nunca  ateli  fizera  nenhii  rey  de  Cananor  a  nenhQ  viso 
rey  nem  gouernador  da  índia,  &  vianse  em  hua  tenda 
que  se  armaua  fora  da  fortaleza.  E  ho  gouernador  não 
fez  nenha  caso  daquilo:  &  el  rey  lhe  festejou  muyto  de 
palaura  a  vitoria  dos  paraós,  &  disselhe  que  lhe  entre- 


LIVRO  VT.  CÁPltVhO  LnXIX.  198 

garia  algfts  que  auia  em  Caoanor  coro  toda  a  artelharia 
que  tinbSo,  &  lhe  proiueteo  de  nSo  se  fazerem  mais  ou- 
tros ,  &  moatroulhe  hfla  carta  Q  tioba  dei  rey  de  Portu** 
gal^  em  (|  lhe  fazia  mercê  das  ilhas  deMaldiua  com  cft* 
dição  que  íbsse  obrigado  a  darlhe  tanto  cairo  quãlo  lhe 
fosse  necessário  na  índia  ao  preqo  que  cuslaua  nas  ilhas, 
de  que  el  rey  de  Cananor  requereo  ao  gouernador  Q  lhe 
desse  a  posse  por  virtude  daquela  carta.  £  ho  gouerna^ 
dor  lha  daua  com  cõdiçáo  que  desse  bo  cairo,  de  que 
lhe  pedia  cadSno  mil  babares ,  (}  fazê  dous  mil  &  oy to 
cfitos  &  vintoyto  quintais ,  ^  de  tStos  era  enformado 
que  auia  necessidade  na  índia.  E  el  rey  as  nao  quis 
com  aquele  encarrego ,  coro  o  !\  ho  gouernador  folgou 
por  ser  proueito  dei  rey  de  Portugal ,  porque  sabia  ^ 
dos  quintos  do  arroz  Q  as  nãos  que  yão  ás  ilhas  paga- 
ttâo,  se  coraprauSo  os  mil  babares  de  cairo  &  roais ,  & 
se  pagaua  màtimõto  a  trinta  ou  corenta  homSs  que  lá 
estauâo  cÕ  bii  feytor,  &  todos  enrrequecião  do  mais  que 
furtauSo.  E  por  isto  ^  sabia  folgou  dei  rey  não  querer 
as  ilhas ,  porí)  ficassem  pêra  el  rey  seu  senhor ,  a  que 
esperaua  de  dar  nelas  muy to  proueito  c5  fazer  nelas  hfia 
torre  cercada  de  muro  em  que  se  recolhesse  ho  cairo  &. 
se  podessfi  defender  os  que  hi  esteuessem.  E  com  quã* 
to  el  rey  de  Cananor  nã  quis  as  ilhas  de  Maldiua  com 
as  condições  que  digo,  n8  por  isso  deixou  de  mostrar 
que  ficaua  muyto  seruidor  dei  Rey  de  Portugal  &  ami« 
go  do  gouernador,  &  entregoulhe  logo  algfis  paraós  que 
tinha:  &  os  outros  lhe  pedio  pêra  seruirem  de  carrega t 
que  ho  gouernador  lhe  cõcedeo  cÕ  tanto  Q  lhe  auia  da 
dar  a  artelharia  j}  tínhX  &  lhe  auiâo  de  cortar  os  espo- 
rões :  &  leuâtalos  mais  &  tirarlhes  os  remos,  &  assi  foj 
feyto.  E  desta  maneyra  ficou  Cananor  seguro ,  Õde  lio 
gouernador  achou  hA  mouro  com  cartas  del^rey  Dormu2 
&  de  Kaix  zarafo  pêra  ho  viso  rey  dõ  Vasco  -da  gama , 
I)  tanto  {}  souberão  §  era  na  Índia,  crSdo  ^  era  borofi 
justo,  &  ^  os  matéria  8  justii^a  lhe  escreuerão logo ,  dS- 
do  graças  a  Deos  Q  ho  leuara  á  índia ,  Õde  auia  dele 

UVRO   VI.  BB 


194  J)A    HISTORIA   DA    IHDIA 

Uta  necessidade  pêra  fazer  juslíça:  pediadolbé  miiyCo 
^  lha  fosse  lá  fazer  de  mujtos  agrauos  j|  liobã  recebi-^* 
dos  no  lêpo  passado  de  dõ  Duarle  de  nieneses,  &  rece^ 
biâo  no  presente  de  Diogo  de  melo.  E  com  quanto  ho 
mouro  que  leuaua  estas  cartas  soube  êCbaul  que  bo  vi- 
so rey  era  morto,  determinou  de  as  dar  ao  gouetnador 
3ue  hia  buscar  a  Coobim^  &  achoube  em  Cananor:  & 
âdolbe  as  cartas  que  leuaUa  |)era  ko  viso  rej  ^  pediu* 
lhe  que  as  ouuesse  por  suas,  &  que  fizesse  a  ju8ti<;a 
que  se  esperaua  do  viso  rey,  pois  tinba  seu  carl^ego.  6 
deulhe  bd  presente  de  buas  poucas  de  pérolas  &  de  pa«*> 
nos  ricos  de  Pérsia,  ^  bo  ^ouernador  nào  quisera  to^ 
mar :  &  tomoubo  pelas  rezões  que  tomou  ho  colar  a  el 
tey  de  Cananor :  &  disse  ao  mouro  as  mesmas  palauras 
que  ihe  mandara  dizer.  E  logo  bo  gouernador  bo  despa* 
cbou  escreuendo  a  Diogo  de  melo  sobre  o  que  ei  rejp 
Dormuz  &  Raix  xarafo  se  agrauauáo  dele ,  pedindolba 
muyto  por  mercê  da  sua  parte  &  requerendolbe  da  dei 
rey  seu  senbor  que  bo  nào  fizesse ,  &  que  bo  nâo  me* 
tesse  em  pressa  ée  os  seus  trila  anoos  castigarS  osseae 
sessenta»  E  pêra  que  se  tirasse  a  Diogo  de  melo  bo  azo 
àe  agrauar  estes  dous  bomSs  escreueo  bo  gouernador  ao 
ouuidor  da  fortaleza  Dormuz  que  Ibe  mandasse  preso  htt 
komê,  por  cujo  censelbo  deziào  que  Diogo  de  melooaya 
nas  culpas  em  que  ho  culpauão»  E  tudo  isto  escreueo  a 
el  rey  de  Ormuz  &  a  Rayx  xarafo,  aíBrmandolbe  que 
quando  E)íogu  de  melo  nào  se  emmendasse,  que  bo  ti* 
faria  da  fortafeza:  &  por  nenbd  modo  os  deixaria  agra<* 
«ar,  porisso  que  estiuessem  muyto  firmes  na  amizade 
fc  no  serojço  delrey  do  Purtogail'  Sc  lhe  es<$reuessem 
ffmaio  passasse,  porque  logo  aícodiria:  &  que  nfioaco» 
éia  logo  pob  muyto  qu0  tinba  que  fazer  na  índia.  E  ho 
mesmo  disse  ao  mouro-  qiue  leuaua  as-  cartas :  que  se 
partio  m.uyto  còniSle  do  gouernador,  &. muyto  espa&t 
iftdo  de  quão  pouca  ou*  nenáíta  cobiçi  tinba« 


C  A  P  I  T  V  L  o    XC. 

Ih  que  fez  Fernão  gcmez  de  lemas  no  rio  de  Mâgalor. 
E  de  como  ho  gouernador  se  recclheo  a  CoclA  ^  ^  des-^ 
paehou  a  Pêro  mazcarenhas  pêra  Múlaca. 


p 


artido  Fernão  gomes  de  lemos  de  Cananor  como  dí^ 
se  atras ,  chegou  ao  Ho  de  MSgalor  cò  as  qualro  velas 
Q  dwe  pêra  bo  goardar.  E  posto  na  sua  boca  tapou  n 
4  n&  podessS  sayr  dele  os  isento  &  tantos  paraós  de  mou*^ 
roa  Q  estauão  dõtro ,  ^  prouarão  de  bo  fazer  aiguas  ve- 
zes, &  nQca  poderão  co  os  muylos  tiros  dartelbaria  Ij, 
lhe  liraua  Fernão  gomez  &  os  outros  capitães*  E  vedo 
i)  sua  porfia  era  por  de  mais  deixara  se  estar :  &  estado 
Fernão  gomez  nesta  goarda,.Bobreoíerão  hfl  dia  hãaboa 
soma  de  paraós  de  CaUcut  que  yão  ali  carregar.  E  co« 
ma  os  mouros  virSo  os  Portugueses  na  boca  do  rio,  & 
sabião  Q  dClro  estauão  os  paraós ,  poserâse  a  tiro  dos 
nossos  nauios  &  começarão  de  lhes  tirar  cõ  suas  bõbar« 
das,  &  os  mouros  ^  estauão  dêtro  acodirâ  aos  ajvdar^ 
&  hfis  da  cabo  &  oulroa  do  outro  começarão  dapertat 
muyto  os  Portugueses.,  &  arrõbarlbes  os  nauios  princi- 
palmSte  a  António  da  siiua  a  !\  rouytas  vezes  arrobarão 
a  galeota.  E  ele  como  muyto  esforçado  caualeyro  (}  era 
esteue  sempre  !}do,  ale  Q  Fernão  gomez  parece  !\  polo 
aão  meterê  no  fudo  letiou  ancora  &  deu  á  vela  pêra  ir 
pelejar  com  os  paraós  do  mar,  &  bo  mesmo  íizerão  os 
outros  capitães.  E  ainda  bS  eles  não  erão  leuados,  quarn 
do  a  mayor  parte  doa  paraós  Q  estauão  no  rio  sayrâo  pê- 
ra fora,  &  dado  á  vela  eõ  os  outros  se  fizerão  na  volta 
do  mar  &  acolheranse :  &  Fernão  gomez  não  os  quis  se- 
guir pêra  tornar  a  tomap  a  barra  &  não  se  acabassem  de 
sayr  os  <)  ficauão  dêtro:  porS  na  lhe  aproueitou ,.  porÇ 
os  mouros  desesperadcts  doutro  acerlo  como  a^le,  seme^ 
terã  polo  rio  acima  ale  ode  encalharão.  Eesta  noua  foy 
ter  ao  gouernador  estando  ê Cananor :  &|)or4*?m  tomas 

BB  2 


' 


196  0A   H»rOÍIIA   DA   TKDtA 

08  paraós  (\  íicauã  se  arrifaua  muyla  gSle  por  pe(}na?í* 
íoria  ouue  por  escusado  ir  lá,  &  fX)r  ser  ja  oieado  Mar* 
ço,  &  saber  ^  erão  vidas  nãos  de  Malaca  onde  era  ne- 
cessário inãdar  gSte  c5  Pêro  mazcarenbas ,  delermiaov 
de  se  recolher  a  Cochim ,  &  perQ  auia  necessidade  dar- 
roz  pêra  as  fortalezas  de  Cananor ,  de  Caficut  &  de  Co- 
chim ,  roSdou  a  dõ  Simão  de  meneses  {|  fosse  carregar 
dele  a  Bracelor  &  a  Baiícalá,  &  mãdou  coele  algils  n»- 
uios  de  carrega  &  hõa  galé  &  duas  galeotas  &  aígfis  ca- 
tures  &  paraós  ligeiros,  &  mãdoulhe  Q  recolhesse  cõsigo 
a  Fernão  gomez  de  lemos  &  aOomez  marlinz  de  lemos 
c5  os  capitães  com  ^  estauão  6  goarda  dos  rios :  &  assí 
lhe  mãdou  Q  quando  se  recolhesse  a  Cochim  deixasse  a; 
d6  loão  de  iima  a  gSte  de  Q  teuesse  necessidade.  £  is- 
to feyto  partiose  pêra  Cochim ,  õde  chegou  a  dezasete 
de  AÍarço,  &  entêdeo  logo  fi  despachar  a  Pêro  mazca- 
renhas  pêra  Malaca,  pêra  Õde  partio  a  oylo  de  Mayo^ 
&  foy  em  hfl  galeão  de  Q  ya  por  capitão  Ayres  da  cu- 
nha 4  auia  de  ser  capitão  mór  de  Malaca :  &  assi  forâo 
mais  em  sua  cõserua  hil  nauio  velho  j}  viera  de  Malaca, 
&  hú  bargãtím  &  dous  paraós.  £  nesta  armada  mãdou 
ho  gouernador  trezêtos  &  cincoenta  homês  por  saber  a 
necessidade  em  j|  fícaua  lorge  dalbuquerque. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCL 

Da  §foif  d6  Sònio  de  meneses  a  móte  DéHj  ^  de  como 

se  recalheo'  a  Cochim^ 

J^om  Simão  âe  meneses  despois  Q  partio  de  Cananor 
foy  a  Bareelor  &  a  Baticalá  carregar  darroz  como  lhe  ho 
gouernaidor  mãdara,  &  fez  ho  mais  que  lhe  mandou.  B 
indo  de  Biaticralá  pêra  Cananor  com  noue  velas  darroa- 
da.  8.  a  galé*  em  que  ya ,  &  ho  galeão  de  Gomez  mar- 
tinz  de  lemos  y  &  a  gafeota  Dantonio  da  siiua ,  &  outra 
galeota  &  hila  carauela,  &  dous  bargantins  de  que  erão 
capitães  Aotonio  pessoa  &  bu  Domingos  feraãdez  &  doui 


LWIMjr  VI.   CAÍIfVttf  XCI.  197 

paraái ,  topou  a  monte  Deli  com  setSta  paraós  de  moti^ 
ros  Malabares  que  ySo  também  buscar  arroz. aos  rios  de 
Bracelor  &  de  Adágalor.  E  como  os  Portugueses  boué^ 
t8o  vista  dos  mouros  foranse  a  etes^  &  eles  vendo  os  de 
i^upito,  &  polo  medo  que  lhe  tinhão  das  vitorias  passa* 
das  cuydarão  que  erSo  tomados  &  mostrarãihes  as  po^ 
pas  fugindo  quanto  mais  podíão.  £  dom  Simão,  Anto- 
tiio  da  sílua,  Domingos  fernandes  &  António  pessoa  & 
os  outros  capitães  das  velas  de  remo  derão  a  pos  os  pa-» 
raós  seguindo  os  ás  bombardadas,  &  cinco  vendosemuy^ 
to  apressados  de  dom  Simão ,  Danlonio  da  sílua  &  dou- 
tros três  que  os  querião  aferrar  vararão  na  costa  &  fai 
se  perdera  &  a  gente  se  saluou,  &  Domingos  fernandes 
&  António  pessoa  que  leuauão  os  nauios  mais  remeyros 
aferrarão  dous  paraós  y  &  saltarão  dentro  &  matarão  ne» 
les  muytos  dos  mouros,  &  os  outros  saltarão  ao  mar, 
onde  também  forão  mortos  &  os  paraos  lhes  ficarão ,  & 
^os  outros  que  yão  fugindo  deles  se  forão  na  volta  do 
mar,  &  deles  se  acolherão  ao  rio  de  Marauia  que  era 
defronte:  donde  se  toparão  com  dd  Simão,  que  vendo 
08  meter  no  rio  determinou  dentrar  eoeles,  &  logo  fez. 
abarcar  a  gSte  nos  bateys'  &  esquifes  &  nauios  ífgeiros 
da  armada.  E  remando  a  boga  arrancada  cometeo  a 
barra  do  rio  com  grandes  gritas  &  estrondo  de  trombe- 
tas ,  &  fuy  recebido  com  outro  mayor  de  muytas  bAbar^ 
dadas  &  frechadas  que  lhe  tirauão  algOs  paraos  que  ain^ 
-da  não  erão  de  lodo  recolhidos  no  rio:  &  os  Portugue*- 
ses  que  estauão  fauorecidus  com  as  vitorias  passadas 
não  derão  pek>8  pelouros  nS  frechas  dos  mouros ,  &  r9^ 
pedo  perâtrel^s  trabalhauSo  c&  oa  remos  por  chegar  aos 
mourcs,  &  è  eh^^gàdo  deitarão  dêtro  sete  ou  oyto  pa<- 
Belas  de  poluora  cò  que  lhes  peserão  ho  fogo.  í>e  que 
os  mouros  auende  grande  medo  se  laçarão  logo  ao  mar, 
&  os  paraos  ficarão  ardendo  ate  que  forão  de  todo  quei« 
nados.  E  nesta  reuolta  Domingos  fernandez  que  era 
muy  to  valente  caualeyro  seguro  no  seu  bargaMím  acom*» 
panbado  de  Jbll  parao  de  lilia  nao  ^  outeoa^  parae»  que  e# 


t9S  OA  HTSmtlA    lU   INOIA 

acoihiãò  pelo  rio  acima,  de  que  queymou  dona  com  pt- 
nelas  de  poluora,  &  tirou  apgs  qb  oulro«:  &  teroende 
dom  Simão  que  se  perdesse  por  ir  tflo  soo,  maodou  a 
Gomez  marlins  de  lemos  que  ja  em  hu  esquife  quefos^- 
se  após  Domingos  fernandez  &  ho  fizesse  recolher:  & 
foj  tão  mofino  que  indo  a  isso  errou  ho  canal  por  onde 
auia  dir ,  &  deu  em  seco  dõde  nâo  pode  sayr ,  &  acodí*^ 
rão  ali  sobrele  tantos  mouros  da  terra  que  ho  matar&o 
ás  frechadas^  &  a  dom  Aliguel  de  lima  filho  de  dõ  Afon-- 
so  de  lima  com  outros  quatro.  £  Domingos  fernandes 
despois  que  ho  barganlim  aâo  pode  nadar  se  recolheo 
pêra  a  barra»  £  porque  este  rio  era  do  reyno  de  Cana«* 
nor  mostrou  el  rey  quando  ho  soube  que  lhe  pesaua  muy* 
(o  destes  seys  Portugueses  que  aqui'  utatarâO ,  princK 
paimente  polo  fazerem  seus  vassalos  &  recolbarem  noa** 
SOS  immigoa  &  os  ajudarem  &  se  aluoroçarem  oStra  os 
portugueses.  £  por  castigo  mandou,  despois  matai!  aU 
gQs  mouros  &  Nayres  que  nisao  forâo  culpados,  &  man* 
áou  leuar  os  corpos  mçrtos  dos  Portugueses  a  £ytor  da 
ailueira,  pêra  que  os  miandasse  enterrar:  fazeadolhe  sa» 
ber  ho  castro  que  filhava  pqr  aiias.  mortes ,  &,  diaendo  ^ 
laria  mais  se  fosse  necessário.  £.  tudo  isto  fazia  porqu# 
tio  gouernador  não  teuesse  dele  algtla  sospella  &  por  is^ 
so  lhe  fizesse  mal.  £  recolhida  per  dom  Simão  sua  gei^- 
tej  se  tornou  a  embarcar  aa  frota,  &  ãdou  por  a^a  pa^ 
ragem  algus  dias  pêra  ver  sei  pa^sauâo  algos  paraós  de 
mouros  a  carregar  darroz,  porque  ateli.  por  amor  que  oa 
rios  estauão  çarrados  cõ  os  nauios  que  disse  não  ousa- 
U/So  lá  de  ir  aenhils ,  nê  se  poderão,  muylos  fornecer  de 
mantimêtos  como  dantes  faaião,  que  foy  causa  de  ao 
inuerno  seguinte  auer  no  Malabar  a  mayor  fome  que 
liuDca  ouue,  principalmente  no  reyno  deCaiicuL  E  e»- 
t^  foy  a  mais  perjudicial  guerra  qtie  se  lhe  podia  fa^er^ 
porque  coroo  disse  no  Malabar  não  ha  arroz  qv«  escuse 
|bme  se  ho  não  leuão  de  fora,  &  sa  ho  gouemador  se 
Ifibrara  n^ais  cedo  daquela  guarda  doe  ri<is  mayor  fome 
piadecera  ho  reyjio  de  Calieutt  £vei¥fe  díom  Simão  que 


LiTftO.  VJ.   CAFITTIlO  XCI.  19* 

não  passauão  mais  paraós,  &  que  bo  inuerno  come<jaua 
dentrar,  recolheb  se  k  CócMni^  (toíquè  dèspois  não  pu- 
deriâo  com  as  toruoadas  &  foyse  a  Cananor :  &  prouida 
a  fortaleza  dè^eu  quifrhâò  dàrro^  se  foy  á  de  Caitcar, 
a  que  tãbS  deu  ho  arroz  necessário  ^  &  qvuádo  foy  pêra 
deyxar  aigQa  genle  a  dom  loão  de  iima  de  que  tiirb^i 
aecessidade  por  se  esperar  eerco  naquele  ioniiic^no,  tièò 
queria  ficai*  nenbfl  home  de  qualidade  ^  por j|  ho  gouei^ 
Dador  não  ^issinara  òs  què  fiòassem^  &  porque  se  enfii^ 
dauão  do  trabalho  da  guerra  que  estaua  eerta.  E  yettàò 
dom  Simão  que  nenhil  homem  faonrrado  queria  Acat .^ 
tomou  ale  cento  &  vinte  homens  desses  baixos  ^  Sc  pot 
força  os  deixou  lia  fortaleza,  &  assi  tieòu  a  fortaleea  senk 
gfile  de  vergonha  se  não  a  que  dom  loSo  ja  tinba  qué 
erâo  algils  seus  parentes,  amigos  &  criados,  &  a  outra 
se  foy  inuernar  a  Gochim^  dnde  esteue  sem  bzer  n^ 
nhuDi  pruueito,  &  poderá  fazer  muyto  00  cerco  que  el 
rey  de  Calícut  pos  sobre  á  fortaleza,  com  que  esteue 
muyto  perto  de  se  perder:  &  milá^rosamõte  a  saluou 
nosso  senhor  como  direy  a  dianle.  Jb  prouida  esta  forta^ 
kza  comio  digo  por  dom  Simâò,  fòyse  á  Gochim:  onda 
chegou  ho  primeyro  de  Mayo  encontrado  de  muy  tas  ter* 
aoadas  que  lhe  sobreuierão  no  caminho.  £  com  tudo 
despojs  de  ele  recolhido  a  Coobim  oa  mouros  deCalicut 
polâ  necessidade  grandíssima  ^«  tinhãò  darroz  se atten^ 
lurarão  ao  mar ,  &  íbcão  por  eie  a  Bracelor  &.  a  Man^^ 
galor  de  4  trouuerâo  aigts  paraós:  que  se  islN)  não  fora 
morrerão  todos  de  fome.  E  porque*  os  gentios  a  pade*^ 
eiio  por  sua  causa  lhes  querido  inuyto  grairde  mal ,  es^ 
pecíalmente  os  Nayres:  qtie  ihes  diitíâD  cada  dia  que 
eies  não  sabião  maw  !\  fiizer  eátar  mal  a  el  rey  de  Gali«* 
eiit  coUi  os  Portugueses:  &  porem  que  àio  erSo  péraho 
Ikirar  djt  guerra  que  lhe  fiizifto ,  &  que  èle»  os  íbziâo 

Cadecef  a  fome  que  padeciflô  &  auiáo  de  fazer  perder 
o  rey  no  a  el  rey :  ií  assi  outras  cousas  00  m  qjoie  oé 
asowros  andeuão-  muy  aiauercadoa. 


eOO  DA  HI8T0BIA    DA   INDEA 

r 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCII. 


De  comofoy  morto  Christouão  de  brito  ^  &o$  cuiroi  ca^ 
puães  desbaratarão  m  fustas  de  Uabul. 

\^ liando  ho  gouernador  se  partio  de  Goa  pêra  ir  a  Co» 
chino  tomar  posse  da  gouernança ,  deixou  a  Frãcisco  de 
sá  que  ficaua  por  capitão  de  Goa  kQa  armada  de  quatro 
fustas  &  seys  bargantis  que  ho  gouernador  mãdara  fazer 
de  paraós  pêra  goarda  da^Ia  costa  ate  Dabul.  £  a  capi- 
tania mor  desta  armada  se  deu  a  hu  fidalgo  chamado 
Christouão  de  brito  que  era  alcayde  mór  da  fortaleza  de 
Goa  muy  esforçado  caualeyro ,  &  por  isso  desejaua  de 
seruir  naquela  armada  ales  Q  estar  ocioso  em  Goa.  E 
andando  ele  em  goarda  daquela  costa ,  ouue  por  vezeg 
muytos  recontros  com  frotas  de  mouros  de  Calicut  a 
que  fez  muyto  dano.  E  andando  assi  foy  bH  dia  ter  aa 
barra  de  Dabul ,  õde  sendo  sabida  sua  chegada  ho  Ta- 
nadar  mandou  logo  encher  de  quatro  c8tos  rumes  sete 
grandes  fustas  &  hiia  galeota  ^  estauão  muyto  bem  ar* 
roadas  dartelharia  &  esquipadas  de  remeyros  &  por  seu 
capitão  moer  foy  hii  valete  turco  cujo  nome  nã  soube 
que  ya  na  galeota ,  &  sayrão  com  determinação  dafer- 
rarem  com  os  Portugueses  que  seri^o  ate  cento  &  cin- 
coSta  &  matarênos  a  todos ,  &  assi  como  sayrão  do  rio 
se  forão  dereylos  a  eles,  &  ho  mesmo  fez  Christouão 
de  brito:  &  com  grande  estrondo  de  grilas  &  do  tiros 
dartelharia  &  espingardadas  se  abairroarão  ascapitainas 
&  quatro  fustas  dos  rumes  com  outras  tantas  nossas,  & 
começouse  h&a  .braua  peleja  antre  os  Portugueses  &  ru- 
mes {)  todos  pelejauão  valentemente*  E  neste  cfiflito  fo- 
rão dadas  a  Christouão  de  brito  juntamête  duas  frecha- 
das no  pescoço  {|  ambas  lhe  passarão  hum  gorjal  de  ma« 
lha  que  tinha  com  quãto  era  fina,  &  deranlhe  por  tal 
parte  que  logo  cayo  morto ,  mas  nem  por  isso  os  Portu^ 
gueses  desacoroçoarão ,  ates  com  ho  pesar  da  mwte  do 


LÍ?RO  VU   CATlTVl-0  'XCIII.  201 

MU  capitSo  moor  parece  que  se  esforçarâo^^mais  pêra. a 
vingar,  &  com  bõ  brauo  ímpeto  derS  tão  rijo  nos  ruroe& 
que  08  êtrarâo  por  força  matando  hQs  &  fazendo  sallar 
outros  ao  mAr,  de  que  despoie  os  mais  forãp  mortos:  & 
outro  tanto  acotiteceo  aos  outros  quatro  capitães  doa 
quatro  barganlins  que  aferrarão  com  as  quatro  fustas: 
do»  rumes :  Q  também  os  entrarão  &  axorarão ,  &  os 
das  outras  vSdo-  isto  não  quiserão  aferrar  &  voltarão,  & 
por  se  saluarfi  dos  Portugueses  Q  yão  após  eies  derão  á 
costa  Õde  se  as  fustas  espedaçarão,  &  a  gaieota  cÕ  as 
quatro  fustas  ficarão  è  poder  dos  Portugueses ,  de  que 
nesta  batalha  forão  mortos. cõ  Christouão  de  brito  seys 
&  todos  os  !\  aferrarão  forão  muyto  feridos,  &  dos  ru- 
mes forão  mortos  a  mayor  par(e«  E  coesta  vitoria  Q  foy 
muyto  grade  pêra  quão  abatidos  estauão  os  Portugueses 
por  a(}la  costa,  &  quã  soberbos  estauão  os  mouros  cò 
as  vitorias  passadas  se  tomarão  al)les  capitães  Portu* 
gueses  pêra  Goa,  de  I)  Frãcisco  de  si  roãdou  a  noua 
ao  gouerjoador. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCIIÍ. 

De  hú  milagroso  feyto  §  Jizerâo  vinte  Portugueses  ita 

ilha  de  Ceilão. 

XJLtras  fica  dito  como  desfeyta  a  fortaleza  de  Geilã  Fer- 
não gomez  de  lemos  Q  a  Iby  derribar  deixou  Stregues  a 
el  rey  de  CeiJâo  ho  fey tor  (}  lá  ficou ,  &  ho  escriuão  & 
quinze  Portugueses  ^  ficauão  coeles ,  por()  assi  ficauão 
mais  seguros.  E  tornado  Fernão  gomez  á  índia ,  soube 
Baleacft  hO  mouro  de  Calicut  &  prlcipal  armador  dos 
paraós  l\  se  fazia  naquele  reyno  como  a  fortaleza  era 
derribada,  &  quão  poucos  Portugueses  lá  ficauão,  & 
pareceolhe  que  pois  ficauão  entregues  a  el  rey  de  Cei- 
lão Q  lhos  Stregaria  se  lhos  pedisse.  E  coesta  determi- 
nação partio  pêra  lá  em  quatro  paraós ,  em  {}  leuou  bS 
qiiínhétos  homfis  de  |>eleja.  E  chegado  a.GoIiibo  foy  fa« 

LIVRO   VI,  cc 


20S  BA    HMVomA    JDA   ÍNDIA    r 

lar  a  el  rey  &  dísselhe  2)  os  paraóa  delrey  de  Caltcui  p9* 
lejarflo  cõ  a  armada  do  goueriiador  da  índia:  em  {}  fora 
desbaratado  &  morlo  cÕ  quâlot  Portugueaea  yão  oeJa  ^ 
pelo  ()  ei  rey  de  Coch!  &  de  Cananor  &  (cdoe  oa  outros 
da  lodía  tinhâo  cercados  os  Porluf  meees  (^  morauão  fi 
suas  terras.  Epor  islo  ser  assí  el  rey  deCaliout  lhe  ma^ 
daua  rogar  ^  iiie  mandasae  ai^lea  Portugueses  Q  tinha 
pelo  mesmo  Baleacfi.  Do  Q  el  tey  ficou  biu}^Io  espitadu^ 
Sl  não  bo  creo  por  lhe  parecer  4  os  Portugueses  náo  pe* 
diSo  ser  Tecidos  tão  asinha :  &  disse  ()  aueria  seu  con-» 
selbo*  £  ido  fialeacfi  mfidou  chamar  bo  feytor  &  escri^ 
uáo  &  algus  dos  outros,  &  contovlhes  o  4  '^^  Baieacé 
dissera,  pergCllandolhes  se  seria  verdade  Q  ho  gouerna- 
dor  da  Índia  era  desbaratado.  B  eles  lhe  diaserâo  q  em 
BenhQa  maneyra  podia  ser ,  por{|  auia  anos  ^  nfio  se  a* 
jãtara  tala  gele  na  Índia  eouio  êlào :  &  mais  Q  ogcuer* 
nador  era  muylo  esforçado- eauale^ro^,  i|  ho  nào  auiâa 
es  mouros  de  poder  desbaratar :  &  ^  os  mouros  por  serS 
Imigos  dos  Portugueses  aleuàlauâo  aquilo.  E  por  asssM 
gurarê  mais  el  rey ,  disseràlhe  ^  màdasse  saber  aa  ín- 
dia se  era  verdade  o  Q  dizia  BaieacÇ:.  &  se  ho  fosse  £[ 
então  fizesse  o  ^  quisesse.  E  como  el  rey  era  bô  homS 
pareceolhe  isto  bô,  &  disse  aBaleacC  ^  não  auia  dêlré^ 
gar  os  Portugueses  ate  nâ  saber  certo  se  era  verdade  o 
^  ele  dizia.  E  cuydãdo  ele  Q  el  rey  na  Qreria  lalo  aue- 
liguar  a^la  verdade,  &  (^  diria  aquilo  por  se  escusar 
dfitregar  os  Portugueses :  disse  ^  màdasse  saber  á  Índia 
e  Q  lhe  diaia.  E  el  rey  ho  fez^  assi ,  eacreuèdo  ao  gouer^ 
nador  o  4  passsua.  E  quando  ho  messegeiro  chegou  a 
Cocbl,  chegaua  ho  gouernador  de  de$lru)'r  Coulele,  & 
vk>  os  paraós  &  artelharia  ^  tomara.  E  vij^do  Baleacem 
Q  el  rey  na  lhe  queria  dar  os  Portugueses  >  determinou 
de  os  tou^r  por  ft>rça :  ècafiado  ^  i)or  a  gele  da  terra 
ser  fraca  nâo  Ibe  |>oderia  resistir.  E  por^  não  pude  sa-^ 
ber  miudamente  como  isto  £oy ,  não  coto  as  particular!-^ 
dades  4  nisU)  ouue :  se  nâo  ^  eí  rey  se  pQS  a  todo  risco 
cA  os  mouros  por  defender  os  Portuguesea  ^  a  ^  dea  t<^ 


Ja  ta  Ajuil^  ^e  g^ie  Q  pode :  i&  ele$  metido,  vinte  ao  maip 
indo  muyio  mt»  da  gfSlfi  4:9$  qi>^  ca  e}  r^y  ajudoí^,  forâp 
jcojaseter  os  moviroa  ^  ^9o  4]ii.ip|i(U>a9  <$('  pelejajrão  cpelop 
^õ  bu  eaTorijo  iio  aobne  nal^iRdl,  2)  era  cousa  despâip 
^rftdÍ88Íiiio  d^feodeoS^e  l^  {)0ueo8  de  lâios^  quãtó  maíp 
oSeaderSnos  c&  matanS  b$  cincfiSla  dele^^  &  ,ferir6  tâtop 
Q  08  desbaralarSo  '&  /SzerSo  fugir  como  cabras ,  &  os  d 
edeapar^o.  se  acpl^erft  a  dofjs  paraós  ^  tinb^o  no  mar.:  q 
jQ»  outros  daus  estauâo  ivaradm  i&  figarS.  JS  BaleacS  aa 
iby  tiiuylo  corrido  de  ser  depbaratado  ^e  iSo  poucos  Por*- 
4ugueses  &  disculpauaaae  Q  aQla  vitoria  fora  milagrosa, 
.^  ^  Sãtiago  os  ajudara  ^a  batalha.  O  que  se  deue  de 
xrer  aeoi  duuida,  porí). .nio  eja  possiuel  Q  tão. poucos 
;desbaratafi8S  tamanho  poder  d^  tgête  ficado  todos  viuosu 
-G  eirey  de  Ceilão  iScoii  fqra  de  si  vSdo  hiia  cousa  tSo 
.ibra  de  natureza  y  &  qUo  ania  hõrra  Q  nâo  fizesse  ^oa 
.Portugueses ,' &  as^i  bo  fasi^o  os  s^us,  priocipalmenta 
■4ia  A  forâo  na  batalha  <^.  mais  ae  ocuparão  em  recolhe^ 
JI9  despojo  ífue  em  pelejar*, 

C  à  P  I  T  V  L  O    XCIIJL 


I  • 


.  JQo  ^  António  de  mirada  dazmedo  fez  no  wbo  de  Gaur^ 

dqfum  ^  em  Xaeh 

^/jLntonio  de  miranda  dazeiuedo  ,qae  ya  por  capitão  mór 
da  armada  {)  ya  ao  cabo  de  Goardaí  u ,  assi  pêra  fazer 
rpr^sM  Qomo.pejca  loffia^  aa  duas  nãos  dé  madeyra  {}  yão 
de  Diu  pêra  ho  estreito.^  SUloo  tãto  por  sua  viagem  ^ 
chegou  á  paragõ  onde  as  auia  desperar ,  &  assi  as  nãos 
que  iayseni  do  estreito.  £. postas  os  capitães  cada  h\i  a 
«eu  cabo  vigiauase  bu  mar  tSdo  (filo  no  ^  podia  vir.  E 
.A^daadp  assi  9  ehegov  bAa  fiifita  de  mouros  Malabares 
earr:egada  de  pimêta  ^  ya  ptf>ra  dêtro  do  estreito,^  foy 
tondada:  Si  despois  bfl  zãbuco  {}  saia  do  estreito  pêra 
.Diu  carrej^ado  de  mcuMNulortas,  &  hija  ferrada  cõ  çaua- 
;hfi.j  fe  tjido  iato  se  toniQti  sê  peleja*  JB  ne^t^s  djas  ^00 

cc  2* 


«04  ÚÃ   Bf^PõMk  DÁ  \UÍ>IA 

Porluglieses  aqui  âdarão  oQca  as  nãos  de  madeira  pas- 
sarão ao  menoa  ^  foaaS  vistas.  £  vfido  Anioojo  de  mi- 
-rada  Q  se  lhe  começaoa  de  gastar  a  fnoo<2ão  &  j}  as  nãos 
nâo  yâo,  nS  qais  roais  esperar^  &  desferio  ?ela  cami- 
nho de  Xael  seguido  ho  os  oulroa  nauíos,  porQ  bo  mS- 
daua  lá  ho  gouernador  a  pedir  a  el  rey  oytêla  bõbardas 
^  tiuha  de  bOa  nao  portuguesa  ^  ali  dera  á  costa  &  ae 
Iperdera :  &  assi  algQa  arlelharia  Q  ali  ficara  a  áÒ  Lmjb 
de  meneses.  E  chegado  ao  porto  de  Xael ,  m2doa  reca- 
do sobrísso  a  el  rey  9  <)  nS  lhe  mftdou  fazer  neuhfi  rece- 
bimClo,  nê  lhe  quis  dar  a  artelbaria  por  estar  ainda  ma- 
goado do  dãuo  í\  ali  fizera  d5  Luys  de  meneses.  O  4 
irSdo  António  de  mirada,  determinou  de  se  vingar  ê do- 
ze nãos  de  mouros  ^  estauáo  no  porto:  &  eometendoaa 
c5  os  outros  capitães  de  sua  armada  desbaratou  os  mou- 
ros Q  as  quiserâo  defender,  matando  &  ferindo  muy tos, 
'&  queimou  sete  nãos ,  &  as  cinco  ibrãu  tomadas  a  fora 
húã  ^  deu  á  costa ,  &  nestas  se  achou  muy  rica  merca- 
doria: &  por(}  bo  galeão  de  Manuel  de  maceéo  fazia 
muyta  agoa  &  tinha  necessidade  de  se  tirar  a  mote, 
mâ(k>uho  coesta  presa  a  Chaul  recolhida  toda  è  duas  das 
nãos :  &  assi  leuou  a  torrada  dos  caualos.  E  chegou  a 
Chaul  a  saluamento:  &  António  de  mhranda  <sora  es  ca* 
pitães  que  lhe  íicauão  se  íby  inuernar  a  Mascate* 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCV. 

De  eomo  Martim  afonso  de  meh  jusarte  thegcu  aa  ilha 

de  Banda. 

X^urãdo  a  guerra  ãlre  António  de  brito  &  el  rey  db 
Tidore  como  atras  disse  entrou  ho  mes  de  laneiro  de 
M.  D.  XXV.  em  ^  António  de  brito  despachou  qaatro 
jungos  pêra  Malaca  t  &  (oj  por  capitão  mórMart!  afon- 
so de  mefo  jusarte  &  hfi  galeão  Q  ourregeo  a  sua  custa 
pêra  sé  ir:  &  foy  ter  a  Bãda  ao  porto  de  LulalSo:  & 
por  amor  da  guerra  passada  não  folgou  a  g6te  da  terra 


LIVRO   VI*   CAPITVLO  XCVI.  ^205 

CO  8ua  vida,  anles  lhe  pesou  muyto'^:  &  nSo  se  fiáuâo 
-dos  portugueses)  nê  queria  sua  GÒuersaçâo:  o  Q  tâbê 
:e)éB  fazia.  £  estado  assi  soube  Marti  afòso  <|  na  ilha  de 
IMíra  hiia  das  de  Bãda  esíaua  hii  jungo  da  cidade  de 
Patane  i\  estaua  de  guerra  cõ  maiaca:  párlio  logo  pêra 
lá  no  seu  galeão  cõ  determinaçâ  de  ho  ^ym^r*  £  ^o  jtk- 
go  estauão  muytos  mouros  Q  quâdo  ho  virão  se  poserflo 
em  armas  :<&  cõ  quanto  ele  não  leuaua  mais  de  atexxx 
•ou  xK  portugueses  mfidou  ^  aferrassem  o  jiSgo :  &êefae« 
gado  lhe  deitara  muytas  panelas  de  poluora,  com  ^  ho 
fogo  se  acSdeo  nele :  &  começado  de  arder  os  mouros 
se  laçarão  ao  már:  &  ardeo  ho  jungo  cõ  a  fazêda  ^  era 
muyta:  &  em  tãto  os  nossos  matarão  algús  mouros  lis» 
gàdoos  no  mar :  &  como  JMarti  afonso  estaua  escãdaliza- 
do  destes  de  Bãda  lhes  começou  de  fazer  guerra  cÕ  que 
os  trataua  muyto  maL 

CAPITVLO    XCVI. 

Da  ^  acSteeeo  a  dó  Garcia  anri^z :  ^  a  Mar  A  a/6so  de 

melo  juearU  na  ilha  de  Bâda^ 

.xjLtras  fica  dito  como  dÕ  Duarte  de  meneses  sSdo  go- 
uernador  da  Indiá  a  requerimento  de  lorge  dalbuqoer^ 
capitão  de  Malaca,  lhe  deu  a  capitania  da  fortaleza  de 
JMaluco  pêra  cada  b&  de  seus  cunhados.  E  vSdo  lorge 
dalbuquerque  j|  dÕ  Garcia  ãrriquez  Q  era  hfl  deles  nfl 
podia  seruir  de  capitão  mór  de  Malaca  por  ser  prouido 
desse  carrego  Mart!  afbnso  de  sousa.  E  por^  pola  guer- 
ra ^  ele  fazia  a  BItão ,  Malaca  estaua  pacifica ,  &  dõ 
Garcia  podia*  ir  fazer  seu  proueito :  determinou  de  ho 
mâdar  a  Maluco  cÕ  a  prouisam  I|  tinha  de  dõ  Duarte 
pêra  ser  capitão  da  fortaleza  por  lhe  António  de  brito 
ter  dates  escrito  que  a  queria  deixar.  E  porque  poderia 
'ser  {|  António  de  brito  se  mudasse  daquela  võtade,  & 
não  quereria  alargar  hft  anno  que  ainda  tinha  por  ser- 
uir j  &  mais  por  a  prouisam  que  leuaua  ser  confusa  & 


tM  HA   HISTORIA    nk   IVBIA  ' 

poaco  firme ,  mandoulbe  que  se  ho  tal  acSlecesse :  qiie 
ele  se  tornaria  a  Banda  &  fai  faria  hfla  eaca  forte  peam 
que  podesae  estar  hi  aig&  tempo  fazendo  seu  pioueéCot 
&  apercebeo  ho  pêra  hua  cousa  &  outra ,  dãdolhe  dous 
oaoíos  redondos  &  hQ  jungo  de  cuberta  ^  &  bua  fusta 
em  J)  leuaria  ate  sessenta  Portugueses  de  peleja  a  fora 
os  marinheiros  &  bombardeiros,  &  partio  peraBãda  em 
laneyro  de  mil  &  quinhêtas  &  irinte  cinco*  dcbegado  a 
Banda  achou  Martim  afonso  de  melo  jusarte  que  est»* 
ua  de  guerra  com  os  da  ilha ,  de  quem  fes  queixume  41 
òò  Garcia  pedindolbe  que  ho  ajudasse  nela:  o  2|  seele 
offreceo  a  fazer  de  boa  võlade  por  ser  muyto  esfo|>çado^ 
&  lhe  parecer  (}  Marti  afiSso  tinha  rezão  €  fazer  a^la 
guerra.  E  acordarão  âbos  de  dons  ^  tomasse  a  cidade 
de  Lotir  cabeça  de  todas  as  pouoaçdes  da  ilha ,  porQ  ali 
era  a  força  da  gSte ,  &  a(|la  v5cida  ficaua  toda  a  ilha 
em  paz.  E  isto  acordado,  aperceberâse  pêra  isso,  & 
htt  dia  saltarão  S  terra,  perlo  de  cS  Portugueses  &  pose- 
rSo  logo  ho  fogo  a  certos  jungos  que  estauSo  varados ^ 
que  forão  qupjvnàdos ,  &  entsSdo.  mais  a  diáte  pêra  a 
cidade  acharão  na  cèDeada>de. fortes  tciqueyras,  &  aW 
gua  gente  que  as  defendia ,  &  dom  Garcia  &  Martim 
afonso  poaerão  diante  algCis  espingardeyros  queieuauãn^ 
&  cometerão  dStrar  a  ttSqueyra,  donde  ibe  tíranáo  mup- 
tas  frechadas ,  pedradas  fc  arremessos :  porem  chegftda 
os  nossos  espingarde jros  fiz«*2o  desaiiuar  algilagBte  da 
tranqueyra  com  que  os  Portngues^s  começarão  dentrar^ 
mas  forâo  muyto  poucos  pêra  a  gente  sem  conto  dos 
mouros  que  logo  recreceo,  &  ibrão  tãtas  as  frechadas 
sobre  .os  Portugueses  que  era  espãto,  &assi  muytos  ar- 
. remessos^  &  d&  foy  dom  Garcia  ferido  no  pescoço  por 
•não  leuar  gorjal :  &  assi  forão  feridos  outros  da  sua  com- 
panhia ,  &  por  isto  não  passarão  dali  &  se  tornarão  a 
.fibarcar  deixado  feyto  pouco  dano  aos  Imiços,  &  não 
jqiiiserSo  mais  sayr  è  terra ,  &  <lo  mar  fazião  ho  mal  ^ 
•podiio  aos  imigos:  &  assi  esteuerão  ais  a  moução  pêra 
iUaíuco  como  direy  a  diante^ 


LIVKO   YI.    CAPITVLO  XCVII.  80T 

'  C  A  P  i  T  V  L  o  XCVU. 

He  .como  Marlim  c^omto  de  wum  copàêo  mor  do.  mar 
i  de  Malaca  pelejou  com  Laqaeximena :  ^  de  comojayi 
'  múrtocom  quIsos. 

2oiAtiiMlo  d  tey  d«  BUik>  mayto  a  destruy^o  que.Mar-« 
il  afoD9o  de  80UM  fiosef a  aa  c€>sia  de  l^So  &  Palaoe^  de« 
lerminou  da  se  vingar  ^  &  nmia  sabendo  por  ^was  aspÍM 
como  dõ  Garcia  aorri^a  era  partido  pêra  fiâA  cõ  paria 
da  armada  de  Malaca  ^  em  Q  tàbê  leuaua  gSle  eõ  o  Q 
ficou  pouca  6  Malaca ,  &  ao  menos  nâ  lãla  como  era 
Becessaria  pêra  a  defensam  de  Malaca.  £  por  isto  Ibi» 
pareceo  a  el  rejr  de  fijnláo  Q  linha  tempo  pêra  se  vin*« 
gar :  &  determinando  de  bo  fazer ,  armou  vinte  lanchar* 
MS  grandes  em  que  yão  mil  &  duzentos  bomena  de  pe« 
leja  apercebidos  de  muytas  armas  &  petrechos  deguer-i 
sa,  &  mandou  por  capitão  mor  delas  Laqueximena^  que 
jjurou  de  ibe  leuar  a  cabeia  do  feytor  Garcia  cbainlio  (^ 
ião  auorrecído  era  antre  os  mouros  de  Bintâo)  &  assi 
hâ  par  dos  nauios  da  armada  nle  Martim  afonso»  £  par«« 
tio  Laqueximena  tão  secretamente  que  chegou  a  Mala*^ 
ca  sem  ser  sentido:  se  não  quando  bua  maubaâ  dia  de 
nossa  senhora  de  Mar^o  chegou  de  supito  &  desembar*» 
CQu  na  pouoa^ão  doa  Quells ,  onde  a  sua  geie  começou 
ée  matar  &  roubar  na  gente  da  lerra,  Q  salteados  da^i 
quebi  maneyra  começarão  de  surgir  aleuantando  muj> 
grandes  gritas ,  que  logo  forão  ouuidas  de  lorge  dalbu* 
querque  &  de  Mactim  afonso  de  sousa  &  doutros  que* 
eslauào  na  igreja  ouuindo  missa.  £  conhecendo  1)  aqui-* 
lo  eia  rebate  dimmigos,  leuantouse  bu  valente  eauaiey* 
ro  obanMdo  Ayrea  coelho  &  disse  a  lorge  dalbuqnerque* 
que  acodissem  a  aQla  g6ie  que  os  immigos  mátauâo:  & 
lorge  dalhuquerque  disse  que  si ,  &  mãdou  por  terra 
Garcia  cbainbo  com  oytSia  Portugueses  fc  antreies  forio 
Nicolaa  de  aá,  Aalft  daguiar^  Fr^ciaco  t^sArfo,  Ruy  k>-. 


20B  DA   HISTORIA    DA    INDKA 

bo^  Gaspar  velho ,  Simão  mendez,  &  obra  de  vinte  bo- 
inès  da  Cerra ,  &  por  mar  mãdou  que  fossem  Marlim 
afonso  de  sousa  &  Manuel  falcão  em  duas  fustas  quet 
não  auia  mais  nauios  de  remo  &  neias  forão  setenta  Por-t 
tugueses  em  cada  bfla  trinta  &  cinco,  era  J^  entrarão 
Ayres  coelho,  Francisco  fernandez  leme,  Aluaro  bote- 
lho,  Garcia  queymado,  Francisco  rabelo,  Gaspar  bar* 
budo,  António  carualho,  loão serrão,  &  partirão  todos' 
a  hiia,  bíis  per  mar  outros  per  terra.  E  sintindo  Laque- 
ximena  que  os  Portugueses  yão,  recolheo  sua  gente  ás 
lancharas :  &  porque  a  nossa  artelharia  que  estaua  & 
terra  lhe  não  fizesse  nojo  por  estar  perto  ,^  &  tãbem  por- 
que tirasse  IMarlim  afonso  pêra  ho  mar  que  lhe  nãopo- 
desse  escapar  fez  que  fugia ,  não  se  alargando^muytOL 
dele ,  nem  tirado  nenhAa  artelharia  porque  não  deses- 
perasse de  lhe  poder  chegar  &  se  tornasse.  E  Martím 
afonso  cuydando  que  lhe  fugia  ho  ya  seguindo  muy to  le*. 
do,  tirandolhe  muytas  bombardadas  &  dando  com  sua 
gente  grandes  apupadas.  E  sSdo  afastados  de  Malaca 
hQa  boa  Icgoa  que  era  o  que  Laqueximena  queria:  fez 
ele  volta  com  seus  capitães  a  Martim  afonso  &  a  Ma- 
nuel falcão,  desparando  neles  toda  sua  artelharia :  & 
assi  como  yão  tirando  assi  os  yão  cercando  de  modo 
que  os  tomarão  no  meyo:  &  dado  grandes  gritas  come- 
çarão as  bombardadas  de  se  amiudar  mais  du  cabo  & 
do  outro:  [lorera  como  a  artelharia  dos  immigos  era- 
mais ,  assi  tirana  mais  bombardadas ,  &  erão  tão  bastas 
que  estando  António  carualho,  que  agora  he  feytor  da 
casa  de  Ceita  antre  loão  serrão  &  outro  forão  eles  leua- 
dos  em  pedaços  de  dous  pelouros ,  &  ele  ficou  saluo.  E 
nisto  os  immigos  se  chegarão  tanto  aos  Portugueses  que 
abairroarâo  com  as  fustas ,  metSdo  as  proas  das  lancha- 
ras por  antre  as  suas  apelações ,  ficando  com  os  Portu-. 
gueses  a  bote  de  lança,  &  a  golpe  de  espada:  &  cada 
fusta  estaua  aferrada  de  quatro  lancharas  &  Martim 
Afonso,  &  Manuel  falcão  começarão  desforçar  os  seus,' 
dizendo  que  naqueles  perigos  tamanhos  se  via  ho  poder 


LIVRO  VI.   CAÍITVLO  XCVII.  209 

de  nosso  seflor  que  se  encontSdassem  a  ele,  8&  que  os 
esforçaria.  E  assi  foy  que  nunca  os  mouros  os  poderão 
entrar,  &  cansados  hfls  afastauanse  &  chegauão  outros, 
&  todos  tirauSo  niuytas  esplgardadas.,  frechadas  de  ire* 
chás  eruadas ,  laças  darremesso  de  trinta  palmos  daste 
&  dous  de  ferro:  azagayadas  de  paos  dareca  tostados, 
&  de  canas  tostadas  que  fazem  grande  passada.  E  tudo 
isto  era  tanto  em  demasia ,  que  as  fustas  dos  Portugue- 
ses estauSo  todas  pregadas,  assi  nos  mastos  como  nas 
vergas,  tendais,  coxias  &  amuradas,  &  muytos  deles 
estauão  pregados  nas  mesmas  fustas  por  muytas  partes 
ào  corpo,  &  ficauão  em  pé  mortos  que  nâo  podiâo  cayr 
de  pregados:  &  foy  a  mais  braua  &  espantosa  peleja 
que  nunca  naquelas  partes  nem  na  índia  se  vio,  nem 
em  i)  morressem  tantos  Portugueses ,  nem  que  durasse 
tanto:  porque  durou  das  duas  horas  despois  de  meyo 
dia  ale  horas  daue  Marias ,  &  forSo  mortos  corenta  & 
dous  Portugueses,  &  atreles  forSo  Martim  Afonso  de 
sousa,  Ayres  coelho,  Aluaro  botelho,  &  Francisco  ra^ 
belo,  &  feridos  oyto,  &  destes  o  que  menos  feridas  ti« 
nba  erSo  três,  &  este  foy  António  carualho,  &  os  ou* 
tros  ate  dez,  &  dos  mouros  forão  mortos  duzentos  & 
vinte,  que  de  hum  soo  tiro  da  nossa  artelharia  morrerão 
coreota  &  dous ,  &  foy  arrombada  húa  das  IScharas.  E 
se  a  frota  dos  Portugueses  fora  de  mais  velas  não  enca- 
para nenhum*  E  vendo  Laqueximena  morta  tanta  gen- 
te da  sua  &  ferida ,  &  a  outra  rouyto  cansada ,  &  es- 
pantada da  valentia  dos  Portugueses ,  mandou  que  ces- 
sasse a  peleja  ,  &  afastarãse  pêra  ho  mar :  &  assi  liorou 
nosso  senhor  os  Portugueses  que  ficauâo  viuos« 


LIVRO  VI.  SB 


Sie  J>A   HISTOftiA   DA   INJUA 

C  A  P  I  T  O  L  O    XCVIII. 

De  como  om  Portuguestê  que  escaparâg  da  batalha  tor^ 

narâo  a  Malasiu 

xLfaalados  os  imniigos  derâo  os  Porlugueses  que  6ca* 
uão  viuos  iDuytos  k)uuorea  a  nosso  sénior  poc  escaparS 
de  tão  braua  peleja  como  aquela  fey :  &esiaiiio^  lâo  càfc* 
sados  os  sãos  &  os  feridos,  lâo  fracos  que  Dft»auiaq;tiefls 
se  podesse  boi  ir :  &  poJa  necessidade  que  linhâo  se  es» 
for<^arâo  ho  mais  que  poderão  pêra  se  parlirein  como  fes^ 
se  bem  noyte,  &  trabalhareoi  peri|  chegassea»  a  Maia«- 
ca  j  dõde  se  acharão  cinco  legoas  que  la«io-  os  leuou  a 
corrente»  E  António  carualho  que  estaua  menos  ferido^ 
disse  que  gouernaria  a  fusta  em  que  estaua  &  a:  ontra  ) 

iria  a  pos  ela  :  &  assi .  ho  fizera,  E  quis  nosso  senhor  /' 
que  as  fustas  linhão  as.  vergas  daUo^  qtie  sem  isso  uSo 
poderão  dar  áè  velas ,  &  forão  cõ  ho  terrenho  ale  hua 
legoa  de  Malaca  onde  surgirão  ^  não  poderfia  maia  sur« 
dir  por  amor  da«  maré  que  vazaua ,  &  ali  eslenerio  9» 
jurando  ate  ho  meyo  dia  pola  virai^.  £  neate  tôpo  èor* 
nou  Laqsue&imena.  de  mandar  enterrar  os  seus  mortos, 
que  £orão  enterrados  nailbaDupe,  &.  aparesea  ao  mar  ^ 
&  como  não  sabi».  a  maneyra  de  ^  ca  das  fualas  ficacão^ 
n&  ousou  de  torna«  a  pelejar  coeles.,  temendo  ífae-  ho 
acabassem  de  deatruyr :.  &  ádaua  bairrauêteãclo  a  vistH 
deles.,  com  que  lorge.  da)buq.iitr%*  se  agastou  muyto  pM 
vep  quão  perto  oa  meares'  a«idanft  daa  fustas  &  viaaa  sur* 
tas ,  &  não-  sabia*  coane  não.  se  yâo  pêra  ter  nu  a  remos» 
£  parecendolhe  aquilo  mal,  mandara  de  boa  võtadever 
o  ^  era  se  teuera  algu  parao  ou  fusta,  mas  não  tinha 
mais  que  dous  nauios  redondos  de  gauea,  que  linhão 
necessidade  de  muyla  gente,  &  receaua  a  armada  dos 
mouros  l\  andaua  a  vista ,  &  por  isto  não  ousaua  de  os 
mandar:  &  as  duas  fustas  esteuerâo  em  muylo  risco  de^ 
serem  tomadas  pelos  mouros  se  as  cometera ,  mas  com<r 


UtQtD  Yt.   CáMVTIJO  XCa.  211 

éigo  nâo  emanSo.  E  viAda  a  viraçflo,  Alanuel  íxílcâo 
fiftandoQ  dar  it  velae  &  foyw  pêra  ho  porto  de  iMalaca , 
&  por  comellio  Dantonio  carualbo  ya  a  ar4elkaria  daa 
fvatav  carregada,  pêra  que  a  desparaMero  "em  cbef  ando 
ao  porto:  pori)  os  da  terra  vMo  e&le  sinal  dalegria  ouy^ 
dãsaem  que  yão  os  Porlogueaea  vilorio908  &  nào  ouuea*- 
ee  antpeles  aluoroço  de  ae  quererem  leuantar.  £  ehe^ 
gando  89  fustas  ao  porto  que  deepararSo  a  ar  telharia, 
aoodio  Iorg«  dalbuquerque  &  bo  aloayde  noor  co>iii  ou* 
tros  cuydando  que  ya  Martins  Afonso  muyto  viioriosO| 
9e  nfto  quando  vio  tantos  mortos,  &  lhe  contarão  como 
passara  o  feyto,  &  vio  as  fustas  como  yâo  pregadas  ^ 
chorou  com  tristesa  &  magoa  de  tamanho  descisire  co* 
mo  aquele  fora.  E  porque  a  gente  da  terra  cuydasse  co* 
mo  cuydou  ()  os  Portugueses  ficarSo  com  a  vitoria ,  nfia 
quis  que  tirassem  os  mortos  das  fustas  se  não  á  mea 
no^^te,  &  forSo  soterrados  dentro  na  igreja.  E  ooeste 
ardil  se  enoobrio  bo  desbarato  dos  Portugueses  aos  da 
terra,  a  -1}  diziSo  que  Martim  Afonso  de  sousa  &  outros 
hom^s  cmíbecides  que  falecerão  estauão  doentes ,  por* 
que  os  nfto  achassem  menos. 

C  A  P  I  T  V  L  O    X€IX. 

Do  q  Laqueximena  fez  no  CoJoscar :  ^  de  ootno  se  foy 

pêra  Bintâo. 

V  endo  Laqueximena  que  os  Portugueses  nã  queriSo 
Myr  mais  a  pelejar  ooele ,  determinou  de  se  vincar  de 
mal  que  recebera  na  gSteda  terra,  &  foyse  a  hõa  po- 
uoaçSo  de  Malaca  afastada  hu  pouco  do  corpo  da  cida- 
de qiie  se  chama  Colascar  &  oesembarcou  ali  c5  toda 
sua  gSte.  E  quando  os  moradores  do  Colascar  que  erSo 
gStios  virão  os  mouros  sobre  si,  receando  que  os  matas-> 
sem  ^  se  lhe  entregarão  com  cÕdi<^ão  que  lhes  dessem 
as  vidas  &  as  fazSdas ,  &  Q  se  trião  coeles  pêra  Ôde  os 
^iseseem  leuar^  £  LaQximena  ois  mandou  ^embarcar  na 

DD  2 


212  DA    HISTORIA    SA    INDfA* 

sua  armada  com  molheres ,  filhos  &  fazencla.  £  despe- 
jãdose  ho  Colascar  foy  lorge  dalbuquerque  auisado  dis» 
so  por  hfl  Cbrislão  da  terra  chamado  lacome,  &  lorg» 
dalbuquerque  mâdou  a  Garcia  chaioho  que  fosse  com 
6elêía  Portugueses  &  desse  no  rabo  dos  !migos  se  visse 
tempo  pêra  isso :  o  Q  veria  em  chegando  a  hCl  regalo 
que  corria  por  antre  a  cidade  &  ho  Colascar ,  &  pariio 
em  anoy  tecendo.  £  chegando  ao  regalo  donde  auia  de 
descobrir  lerra  y  leuauâo  os  Portugueses  tamanho  dese- 
jo de  pelejar  que  nflca  Garcia  chainho  os  pode  deter 
pêra  saber  o  que  fazião  oe  imigos:  &  passando  horega* 
to  forâse  dereytos  ao  lugar  dõde  os  mouros  se  acabauâo 
de  sayr  Ifido  ja  os  gSlios  embarcados.  £  quado  sentirão 
os  Portugueses  cuydando  q  fossem  mais,  embârcaranse 
c5  muyla  pressa  &  afastara nse  pêra  ho  largo.  £  tudo  íb^ 
to  virão  os  Portugueses  com  ho  grande  luar  que  fazia  ^ 
&  não  poderão  fazer  nenhíl  dano  aos  mouros.  O  que  vê* 
do  Garcia  chainho,  mandou  meter  ho  lugar  a  saco,  em 
^  foy  achado  algil  arroz  com  que  se  alegrarão  muy to 
por  auer  grande  falta  dele  è.  Malaca  &  ser  muy  caro : 
&  assi  forâo  achados  algus  espigardões  &  berços ,  &  hu 
pouco  de  gado  &  assi  algíía  mercadoria.  £  coesta  presa 
se  tornou  Garcia  chainho  a  Malaca,  õde  chegou  á  mea 
noyte,  &  Laqueximena  se  foy  a  fiintâo  deixando  feyta 
em  Al alaca.  tamanha  perda. 

CAPITVLO    C. 

De  como  Baliesar  rodriguee  raposo  ^  Aluaro  de  brita 
desbaratarão  Laqueximena  ^  el  rey  de  Dragmm. 

JL/aqui  a  algCte  dias  nfio  sabendo  el  rey  de  Bintão  ho 
grade  dano  (|  a  saa  gête  fizera  aos  Portugueses,  &  cuy« 
dado  {|  ela  somSte  ho  recebera  deles ,  determinou  de  se 
vingar  em  el  rey  de  Linga  vezinfao  de  Malaca  por  ser 
amigo  dos  Portugueses ,  &  lhe  socurrer  cÕ  mãtimentos, 
&  mâdou  sobnek  ei  rey  de  Draguim  seu  genrro  &  La^r- 


ximeiía  eom  cenlo  &  sessenta  lancharas  em  que  iriâò 
oyto  mil  iDourps  bem  armados  &  apercebidos  de  muyta 
arteifaaria  &  de  muytas  monit^es.  £  estesdoiis  capi-* 
tâes  oercarâo  el  rey  de  Ligpa  por  mar  &  o  aperiauão 
iDuyto.  £  nã  se  atreufido  ele  a  liurarse  da  opressam  que 
lhe  dauão,  mâdou  pedir  socorro  a  lorg^  dalbuquerque^ 
alegandolhe  as  boas  obras  1}  lhe  linha  feytsas  em  Buane^ 
ceasidade.  £  como  por  essa  causa  el  tey  de  Bitâo  lhe 
fazia  aquela  guerra :  &  poslo  que  lorge  dalbuquerque 
eslaua  em  tania  necessidade  de  gSte  por  quão  pouca  li^ 
Ilha  &  essa  ainda  ferida.  £  cansada  a  mayor  parie  de^ 
la,  determinou  de  lhe  socorrer  pota  obrigac^ão  em  que 
lhe  era :  &  porque  fosse  exemplo  aos  outros  amigos  dos 
Portugueses  que  folgassem  de  os  ajudar  quanfloJhes  fo8« 
se  necessário  9  porS  como  en»  Makiea  se  sabia  a  grande 
frota  que  estaua  sobre  el  rey  de  Linga^  &  os  Portugue- 
ses estauâo  cansados  &  enfadados  de  táta  guerra :  cond 
muyta  difficuldade  achou  qoè  lá  quisesse  ir.  £  com  tu-» 
do  foraociíicoen  ta  Portugueses  nos  deus  nauios  que  dis- 
se, em  que  forão  por  capitães  hum  Aluaro  de  brito  & 
bfl.  Balt*esar  rodriguez  raposo  natural  de  Beja.  £  naue- 
gando '  por  sua  uiagê ,  chegarão  a  h^as  ilhas  que  estSo 
a  tiro  de  faleáo  da  de  Linga ,  &  ali  surgirão  por  vazar 
a  maré  &  as  amarras  da»  ancoras-  com  Q  surgirão  esta- 
uâo forradas  de  cadeas  de  ferro,  porq  lhas  oáo  podes- 
sem  os  Imigos  cortar.  LaQximena  &  el  rey  de  Draguim 
Q  yirâo  os  nauios  dos  Portugueses  ficará  muyto  ledos  , 
parecendolbes  ^  lhes  não  podião  escapar ,  &  mandarão 
fazer  grades  alegrias  por  toda  a  frota.  £  ás  duas  horaa 
despois  de  meyo  dia  mãdarão  saber  se  era  baixa  mar  de 
todo  pêra  irem  pelejar  eò  os  Portugueses :  o  que  eles 
entenderão  logo  vendo  btt  balão  que  no  ja  saber ,  &  fi- 
seranse  prestes  pêra  a  peleja  com  muytas  panelas  de 
poluora,.  &  rocas  de  fogo  &  ceuarão  suas  esplgardas  ^ 
todos  (iobâ,  &  porQ  os  mouros  os  não  podessè  aferrar 
cubrirã  os  nauios  cõ  hflas  esteiras  de  rola  de  bSgala  i)> 
chegauào  das  èjuàrcias  ate  a  agoa,.  &  somente  as  popas. 


«14  DA   «fTOft^IA   Ml   WDfA 

&  proAs  ficaoSo  deicuberlat .  E  «eodo  a  maré  v.azía 
larâo  o8  inamigl>9.f>era  M  Porlugtte«efi  rej^artído»  è  doMm 
batalhat  cada  liua  doy tenta  JancharaB  c  cora  grade  arroi* 
do  de  inatcKrmentos  de  guerra,  ^ue  ioeauSo  de  quaiMáca 
em  quando.  E  cessando  os  inslormentod  aleuâtauSo  o« 
mouros  rouylo  grades  grkas  ^  &  a  pos  ela  caDíauâo  em 
lingoa  malaia  >ao  som  dos  remos.  Ia  vos  jazedes  feixes 
nas  redes :  por^  oriã  Mem  duuída  que  assi  estaôlo  es 
Portugueses,  que  cõ  quSto  <viSo  ir  ofrtreles  taiBanhas 
nuuds  de  nauios  ^  cofariao  o  mar,  cõ  tamanho  estrado  ^ 
ho  fazião  tremeter.  Elstauão  todos  muyto  esforçados  cS 
a  esperâça  em  nosso  senhor :  &  bo  primeyro  hooiâ  que 
pos  fogo  a  híi  faioão  loi  António  carualho  <fue  atras  no* 
meey.  E  quis  Deos  q^ue  âoerUiu  era  bíía  laaohani  &  «ar- 
rombott  a,  a  Q  os  Portugueses  derão  hfia  gvãde.^rita^ 
dizendo.  Vitoria ,  vitoria.:  'Q .  Oeoa  he  cSaoseo.  £  Jog«^ 
tirarão  outros  quatro  tiros,  &  arrombarão  &  deaapare* 
Iharão  outras  õze,  em  Q  forSo  norlos  muylios  mouros.  O 
^  quebrou  grandemèle  os  spiritos  aos  outros.  Laqueri- 
mena  &  el  rey  da  Draguim  tambS  «lãdarâo  poer  fogo  À 
aua  artelharia  ^  erâ  muytos  faloões  de  metal,  '&ifaKÍfio 
remar  mnylo  rijo  pêra  chegarg  aos  Portugueses  •&  osa« 
ferrarê :  (|  coisso  esperauão  de  os  matar  a  tcdos  &  não 
cõ  a  artelharia,  &  quftdo  forão  pêra  ho  fazer  nunca  po» 
derão  apegar  os  arpeos  por  amor  das  esteiras :  4  ^'® 
dia  despois  de  nosso  senhor  lorâo  saluaqÂo  idos  PopIu^ 
gueses.  E  bõ  parece  !^  ele  par  sua  misericórdia  Ibes  rn»* 
pirou  a^le  ardil ,  norj}  ae  os  mouaos  os  aferrarão  segado 
erão  muytos  &  eles  poucos  não  escapara  nbfi.  E  vedo 
La^ximena  &  ol  rey  deDraguim  Q  nâo  podia  aferrar  os 
Portugueses  deshonrrauSo  os  seus  de  couàrdos  &  fracotf 
com  l\  eles  se  desfazião  em  tirar  frechadas  sem  còio  de 
frechas  eruada»,  &  muytas  esplgavdadaa,  &  tãtos  arre* 
mossos  de  laças  &  azagayas  j)  cobrião  ho  Ar,  pelo  {|ne- 
nhâa  parte  ficou  dos  corpos  dos  nossos  nauios  n6  dos 
mastos ,  nê  das  vergas  ^  não  fosse  pregada  delea  que 
parecião  .porcos  espis,  nem  ouue  amarra,  Dê  corda,  nem 


uvEo  vt.  cAPmnLO  c.  2U 

enxárcia  ^  nSo  fomem  trrncadas.  B  os  Portugueses  com 
quanto  erSo  combatidas  tflo  brauan)ête,  não  perdrão  ho 
esforço  pêra  se  defBderem ,  It  parecia  ^  nosso  senhor 
]ho  acrecentaua  de  cada  tez  niaís,  tirado  hiis  muytas 
esping  ar  dadas,  outros  com  t>anela9  de  pofdtora  &  outros 
com  rocas  de  fogo.  £  como  os  nauios  dos  lAvrgos  erão 
tãtos  não  perdiâo  nenhil  tiro,  que  com  todos  fazrâo  nniy*- 
to  mal  aos  imigos :  em  tanto  que  desparfido  cõ  hil  ca*^ 
melo  meterão  no  fundo  d^zasete  lanebaraa  em  que  mor> 
recão  bem  duaStos  mounds :  a  que  os  Poí^tugueses  dèrSo 
hfla  grande  apupada.  Da  que  corridos  Laqueximena  & 
el  rejF  de  Draguim ,  apertarão  com  os  seus  que  se  che- 
gassem muyto  mais  aos  nossos  nauios:  &  assi  hofizerSo 
ale  se  pegarfi  coeles  de  todo«  £  a  batalha  se  renouou  se 
se  podra  renouar,  &  a  pressa  famb&  se  acrecentou  nos 
Portugueses  em  se  defenderem.  E  tfmtHtndo  Antcnto 
carueiho  que  estatia  na  popa  dQ  éos  nauios  biJa  panela 
de  poluora  pêra  a  deitar  nas  tacharas  ^  a  tinbãb  cerca- 
da, rogouihe  faft  Afonso  git  que  lha  deixasse  dteitar  por 
estar  mais  a  tiro,  &  ele  lha  deu:  &  em  Afonso  gil  a 
tomancTo  dalhe  ne^a  da  parte  dos  immigos  hila  azagaya, 
&  quebrandotha  cayolbe  aos  pés ,  &  acendeose  ho  fogo 
com  Q  foy  queymado  em  quaatae  parles  estaua  desar» 
madb ,  &  o  fogo  se  ateou  na  mezena  do  nacrío;  £  cuy- 
dãdo  os  immigos  que  ardia  ho  nauio  derão  hilu  grande 
grita,  remetendo  pêra  entrar  pelas  dtias  portinholas  que 
goardão  ho  leme,  a  que  algfls  dos  Portugueses  acodirSío 
togo ,  &  coeles  ha  condestabre'  do  nauio  que  se  passou 
diante  de  todos  pêra  dar  fogo  a  dous  berc^os  que  esta* 
uãu  nas  portinholas.  £  como  ja  os  Imigos  estauSo  sobre 
os  berilos  &  erSo  muytos  nSo  podia  ho  condestabre  poer 
ho  fogo,  &  cõ  menencoria  apanhou  potos  cabelos  há  de- 
les que  achou  mais  á  mão,  &  com  ho  punho  da  espada 
lhe  quebrou  os  dStes  &  os  beic^os,  &  deu  coele  entre  os 
outros  (}  estauão  nas  lancharas  pêra  entrar  polas  porti- 
nholas, que  vendo  ai}le  tão  mal  tratado  nã  quisera  êtrar, 
&  08  que  entrauâo  despejarão :  cõ  o  ^  ho  condestabre 


214;  IMl   flI9T0KfA    BA   INBIA 

ieue  lugar  de.pder.ho  fogo  aoa  berços^  que  de^pârMofi*- 
zerào  hua  espãtosa  «sborralhada  nos  immigos.,  leuâdo 
cabeças.^  braços  Sp  pedaços  dos  corpos  de  muytos  j|  ali 
acabarão  suas  vidas :  &  oulros  iicarSo  feridos  &  aleija- 
dos, com  que  todos  os  outros  da  armada  ouuerâo  tama- 
nho medo  ^  se  afastarão  &  fugirão  sS  aproueitarem  os 
brados  de  Laqueximena,  ng  dei  rey  de  Draguim  pêra  que 
tornassem  a  pelejar:  que  desesperados  de  os  prouocar^ 
a  isso  se  afastarão ,  &;  se  forão  coeles ,  recebendo  tama- 
nha perda  como  digo  de  lancharas  metidas  no  fundo,  & 
arrombadas  ,  &.  desaparelhadas,  &  mortos  &  feridos  sem 
conto,  sem  dos  Portugueses  morrer  mais  Q  hu  que  auía 
nome  Luys  pirez  mercador  muyto  rico:  &  forão  feridofi 
dezasete.  E  fugidos  os  imigos  que  ho  porto  ficou  despe- 
jado, entrarão  os  Portugueses  nele  ao  sol  posto  com  muy- 
to  grade  alegria  de  gritas  &  bõbardadas:  &  surtos  foy 
el  rey  de  Linga  com  hu  seu  filho  &  gSrro  aos  nauios. 
£  era  tãta  sua  alegria  de  se  ver  liure,  &  de  ver  a  sobre 
natural  vitoria  dos  Portugueses  sendo  tão  poucos,  ^cho- 
raua  de  prazer:  &  os  capitães  lhe  dizião  que  não  se  es- 
pantasse, porque  ho  seu  Deos  tinha  poder  pêra  fazer 
mayores  marauilhas  que  aquelas :  &  que  a  ele  desse  as 
graças  de  tamanho  beneficio  como  aquele  fora.  Eele  ho 
fez  assi :  &  deixado  ho  os  capitães  seguro  forãse  pêra 
Malaca  cd  muytas  dadiuas  que  lhes  ele  deu  &  cõ  lhes 
carregar  os  nauios  de  sagu  que  he  hil  pao  de  ^  se  faz 
pão,  como  disse,  que  pêra  a^le  tempo  era  a  melhor 
cousa  que  podia  ser  pola  frade  fome. que  auia  em  Ma- 
laca^. 


LfVRO   VI*    CáPITVU)   CIí.  2J  7  ' 

C  A  P  í  T  V  L  p    Cl. 

De  como  «2  rey  c2e  Bmtâo  Unamoú  a  faxer  guerra  a  Ma-* 
laca :  4*  ^^  qué^zerâo  sofs^  Partuguueã. 

08 to  i)  el  rey  de  BiotSo  recebesse  tamanha  Qbra  õ; 
aua  armada  como  diwé,  nem)  por  iaeodeaiatio  da  guer** 
rá  4  fàzia  a  Malaca,  popque  fatia  conta  qtie  aiii«la  quei 
Bâo  6ze8se  mais  mal  aoe  Portugueses  que  tolherlbes  os 
Biantimentos  Q  este  era  muyto  grande.  E  nao  contente: 
eõ  mandar  LaqMeximena  por  mar  c6  h&a  armada,  por 
terra  foy  ho  arrenegado  que  auia  nome  Aueiar  com  o« 
bra  de  quatro  roii  bom^  ^  assentou  seu  arrayal  obra  de 
aea  legoa  de  Malaca :  o  que  deu  oauyto  tormêto  a  lòr* 
ge  dalbuquerqua,  p^rQ  nSo  tinba  mais  que  ate  cê  Por-- 
tugueses  &  miiytos  deles  doentes,  &a88Í  doentes  os  pu«. 
aba  nas  estancias  Q  ordenou  pêra  se^  defender  dos  imi- 
gos,  porj)  dali  auião  de  pelejar  a  pé  quedo.  E  estando^ 
aasi.  a  cousa,  derâo  os  Imigos  bua  noyte  de  supito  na! 
cidade  dos  Quelins  pola  banda  (}  se  cbamaGampuohinar 
Ç.era  cercada  de  OMiro  de  madeyra,.  que  por  auer.diasi 
que  era  fey to  apodrecera  a  madeyra  de  comida  do  bi*: 
eho ,  &  os  imigos  ^  isto.  sabiâo  arrombarão  ba  lanço  de-i> 
le  dobra  de  sessenta  passos ,  &  quando  cayo  fez  tama* 
ttbo  estrondo  que  acordarão  a  gente  que  dormia,  a 4' 
aiuytos  acodírSo  pêra  vero  o  que  era,  &  derfio  cõosim*^. 
migos  que  entrarão  por  a{|le  boqueyrão  que  matarão  esn 
tes  que  acbarão  diante  &  assi  outros:  &  por^  a  gritai 
era  grande  pareceolbes  Q  acodirião  os  Portugueses ,  &> 
pior  isso  se  recolberXo  pêra  fora  leuãdo  catiuos  os  que* 
poderão.  E  nisto  acodirão  os  Portugueses,  &  dos.pri->i 
meyroe  forão  Nicolao  de  sá ,  &  dous  çutros  Q  vigiauão* 
coele  a  ponte:  &  assi  acodio  Garcia  cliainfao,  &  outros- 
muytos.  E  fazSdose  em  corpo  no  boqueyrão  defenderão 

3  não  tornassem  os  imigos  a  entrar ,  Q  vendo  §  não  p(>* 
ião  fazer  nada  se  forão  pêra  seu  arrayal  &  Garcia  cbai- 

LIVRO  VI.  E£ 


2  ia  DA    HISTORIA    DA    Il«l>IA.l 

nbo  ficou  goardando  a^le  boqueyrão  ale  Q  foy  maobaS  ^ 
que  lorge  dalbuqberi)  ho  Biandâu  restaurar.  £  desmíor 
disto  corrião  os  loiigos  muytas  vezes  á  cidade ,  assi  de 
dia  cono  de  ooyte,  pelo  q«e  era  necessária  estarem  oa 
Portugueses  sempre  vigiada  nas  tiálquey^as'  od  as  armas 
vestidas  9  quasi  nã  dormindo  nunca  ^  &  comendo  tnièy^ 
to  mal  poJa  etande  faila  de  inantiíbêtos  Q  auia.  E  se 
Gareia  chaiBOO  não  fora  Q  daua  ile  cMMuer  a  muytos  dm 
todo  uSo  cooierfta ,  porque  como  era  mujr to  rico  na  e»- 
ttmaua  dinheiro  por  auer  ibantiofrentos,  &  ho  ttesmofa- 
m  lorge  dalbuquerque,  que  auia  mu; to  grande  dó  doa 
Portugueses :  a  que  chamaaa  mártires  fioio  grande  tra*- 
bsilho  que  leuauão,  &dÍKÍaliiea  que  nàe  sabia  com.4^h«0 
el  rej  pagaria  talo  aeruiiio  ^  &  4}iMkU>  os  via  íesid«is  €&■• 
sdauaos  muyto,  &  éisúalbes  q  prouuera  a  Deoe  que  IIom 
re;  ele  o  que  reeefacra  aquetas  feridas  por  serujço  é^ 
Deos  &  dei  rey.  E  eoisle  se  esforçiuào  tuAos  &  aafriâo 

3oaBta  fadiga  padeciâo,  &  pekijauão  de  modo  que  veu^. 
o  Aoelar  q^iâe.  pouco  Aoia  se  recolbeo  pêra  Penagiai 
hu  lugar  sele  Jegoas  de  Alalaca^  &  daU  fazia  ás  veMs 
snas  corridas.  £  durado  assi  esta  guerra  deu  kò  Auehir 
lujb.bâquete  geral  em  que  ospriíicipMi  do  airayal  seem* 
bebedarâo,  &  despois  de  bebades  se  tomarão  as  mãos, 
&  se  dcrâo  a  fé  de  irem  correr- a  Aflalaca  &  cortar  a  ca- 
be^ a  Garcia  cbainho,  &  a  Irazeremc.&isto  pulo  gran^ 
de  ódio  ^  lhe  tinbão  pola  causa  que  disse.  Feyta  esta 
promessa  j  embarcarãse  este»  que  dig^  com  outros  qiM 
ibrSo  por  todti^s  duzentos  &  sessenta  homâs  è  doze  velas, 
su  kincbánui ,  paraá»  &  calaluzes.  £  cbegâdn  a  hft  rio 
fkias  hegoaa  de  Malaca ,  meteranse  aele  por  ser  muyta 
euberlo  daroorodo :  &  deixando  ali  soa  Irola  esoeadida 
feiranse  a  Malaca  ^  &  postes  em.  cilada  mandarão  correr 
certos  moac^des  (qoe  assi  chamào  aos  aimogauerea)  & 
OBtes  forâo  matar  certas -vacas  que  andaiuào  pacendo  ^ 
pêra  <»  Portugueses  Ibn  sayrem  &  efes  os  lesarê  á  ci- 
ladar  £  ciado  reb^e  aa  fortaleza ,  sayo  Garcia  cbainlif» 
eft.  essei^  aue  poderto  sa3Er  y  &  o»  Mou^s  cô  Aedo  fu» 


filYBD  TI.  «JíFCmiO  ei.  S19 

f^rSo  táAlo  qu%  osPortufuesèaos  nflo  virSo:  fic.tamWm 
€0  a  grande  basiidão  do  mato.  £  vendo  Garcia  efaaiok> 
que  nllo  parecia  ningaft,  lomouaè  &  todoa  os  outros 
eaiao  aeyt  qae>  antes  qae  ele  fizesse  voUa  se  aparlarào 
óo  corpo  da  gente  per  hiia  vereda  y  &  por  isso  naosin- 
tirio  tornar  Garcia  chainbo  &  passarão  auSte,  &  estes 
forio  Francisco  correa^  Ruy  lobo  &  outros  quatro  a  que 
•náo  soube  os  nomes.  £  indo  assi  por  aqueía  vereda  fo- 
rSo  dar  na  cilada,  &  vendo  tanta  gSte  como  disse  ^  era, 
^oiserft  fogir  se  nio  fora  por  ^Francisco  correa ,  {)  alem 
de  ser  muy  esfori^ado  caualeyro  y a  doente  &  fraco  &  vio 
qoe  se  os  outroe  fugissem  que  ele  n£o  auia  de  poder  fu- 
gir &  A  bo  autâo  de  matar,  &  por  isso  fez  coeles  que 
não  fugwsS  &  pelejassem :  dizendo  lhes  ^  se  eles  este- 
nerSo  descansados  que  fora  bê  fugirem  porque  bo  fiode- 
rio  faeer ,  mas  tão  cansados  como  yâo  {)  era  escusado , 
por^  os  fmigos  os  aoiSo  logo  de  seguir  &  os  auiâo  dal- 
cfiçar  &  malaios :  por  isso  Q  melbot  seria  pelejar  faaen- 
<lose  fortes  debaixo  daqias  amores ,  &  que  poderia  ser 
•<|oe  lhes  aeodiria  a  outra  gente.  E  parecendo  isto  fa6 
aos  outros,  meterXse  todos  debaixo  de  bilas  aruores  A 
ebamãe  rambosteiras  que  se  parecS  cd  latigeíras  &  assi 
sam  carradas,  &  dali*  oome^rão  de  tirar  aos  imigoscom 
duas  espingardas  qae  tinUío,  antre  os  quaes  &eles  fica- 
va hjl  pe(|no  escampado.  E  os  amigos  Q  virão  aqueles 
poneos  tiraribes,  ererão  que  bo  eorfk)  da  outra  gente 
desía  destar  ali  fc  que  se  encobria  cõ  .bo  aruoredo.  E 
ceisto  que  crerão  não  ousarão  de  sayr  todos  a  eles ,  Sc 
tjrauãibes  donde  estauão  muy  tas  frechadas,  &  de  Úies 
crecer  a  cobiqa  de  os  matarem  sayão  de  quando  em 
quando  beta  sete  hora  oylo  desses  que  se  tinhio  por 
welhoces  oaoaleyres.  E  os  Portugueses  que  os  vião  tão 
|)oooee  remetifto  a  pelejar  ceeies  &  sempre  matauão  al- 
gfis  cft  as  ianqas  &  eom  as  espingaírdas.  E  em  espaço 
de  hila  bovaque  durarãe  estes  cometi  mdtos ,  ferio  moi>- 
tos  ouse  dos  principaif  dos  ipnflttigos  a  ibra  ottlres  muy- 
toa  que  fioriã  fiBriilsa,'&  dos  ^ortuguoMa  mosreo  hom 

SB  2 


"ZÍO  19A  His*roRni  dâ  índia 

^què-  ei-a  \)ombárdeyro  &  foy  morto  por  eobiqA  dâm  crÂs 
•que  quisera  ioaiar  a  hum  do8  mortos  &  pregarãno  com 
hua  azagaya  etn  cima  do  morto  ^  &  foy  ferido  Frãcwco 
eorrea  de  hQa  frecha  que  lhe  atrauessou  ho  pescoço ,  So' 
asai   pelejou  sempre  muylo  esforcjadamente.  £  vendo  os 
âmmigos  quão  mal  os  tratauão,  ouuerSo  por  seu  barato 
de  se  ir ,  &  idos  foranse  lambem  os  Portugueses  pêra  sí 
fortaleza  leuãdo  sobraçado  Francisco  eorrea :  &  oõtarâo 
a  lorge  dalbuquerque  o  que  lhes  acontecera ,  &  a  elo 
•lhe  pareceo  bem  que  fossem  após  os  immigos^  &  nian^ 
•dou  a  Garcia  chainho,  Q  foy  leuando  a Igils  Portugueses 
-&  gente  da  terra,  &  polo  rasto  do  sangue  que  eramay»- 
to  foy  após  os  immigos  ate  sayr  do  mato  á  praya  onde 
esiauflo,  &  tanto  que  virão  Garcia  chainho  poserâse  em 
som  de  pelejar,  parecSdolhes  que  Garcia  t^hainbo  oii- 
uesse  medo  &  que  os  não  cometeria :  mas  ele  que  nâo 
desejaua  outra  cousa  se  não  pelejar  coeles,  ordenou  sua 
gente  pêra  ir  dar  neles,  o  que  eles  vSdo  fugirão  ao  lÕ- 
go  da  praya  &  não  forão  pêra  ho  rio  porque  os  não  en* 
tendessem  que  tinhão  ali  armada  i  porem  os  Portugue- 
ses os  entenderão  &  a  buscarão  ^  &  achandoa  mandou 
Garcia  chainho  arrobar  os  mais  dos  nauios,  &  os  peque» 
nos  mandou  os  pêra  a  cidade  com  a- gente  da  terra.  E 
isto  feyto  tornouse  pêra  a  fortaleza  por  terra  em  anoy- 
tecendo,  onde  chegarão  ao  outro  dia  pola  manhaã,  & 
dali  por  diante  fazião  os  immigos  suas  corridas  aa  cida- 
de, assi  por  terra  como  por  mar:  porem  não  sefexmais* 
feyto  notauel  que  os  que  digo,  &  durou  a  guerra  ate  a 
chegada  de  Pêro  mazearenhas ,  em  que  os  Portugueses 
passarão  tanto  trabilho  &  fadiga  quanto  não  se  pode 
contar,  vigiando  sempre  de  noyte,  &  não  dormindo  de 
•dia,  &  estando  de  contino  armados  ás  cbuuas  &  vetos 
&  outras  vezes  ao  sol :  &  sem  comerem  mais  que  arroz: 
<&  carne  ou  pescado  de  marauiiha,  porque  pola  estereH^ 
dade  dos  mantimentos  não  se  podiâo  auer,  &  valia  hfiUi 
-galinha  três  cruzados  &  quatro,  &  Aizia  cinco  quem  a 
«vendia  aos  quartx»  porque  daua  a  descaída  pòr  hii  &  se 


EIVRO  TI.   CIPITVLO  Cn.  221 

AÍto  forão  lorge  dalbuquerque  &  Garcia  cbainho  que  da- 
ufio  mesa  quasi  que  nSo  escapara  nenhum  Porlugues, 
porque  ainda  aasi  oiorrerSo  duzenloa  &  corenla  Portu- 
guesea  a  ferro  &  de  fonie ,  doença  &  trabalho  deapois 
que  JMartim  afõao  de  aouaa  foy  em  Malaca. 

CAPITO  LO    CII. 

-De  como  Pêro  moMcarenkas  fokj  entregue  da  capUania 

de  Malaca. 

X  ero  mazcarenhaa  Q  partio  pêra  Malaca  eom  a  arman 
lia  que  disse  nauegando  por  sua  viagem  topou  cõ  hua 
-nao  de  mouros  de  Cambaya  que' foy  tomada  pelos  Por- 
tugueses 9  em  que  foy  achada  muy ta  riqueza.  £  Pêro 
niazcarenhas  fez  eapilão  dela  ate  Malaca  a  Diogo  cbai^ 
nbo  que  ya  por  fey tor  de  Malaca ,  a  que  chegou  pri- 
-meyro  que  Pêro  mazcarenhaa.  £  sabido  per  Garcia  chai- 
nho  seu  irmfio  como  estaua  no  porto  foy  por  ele  á  nao 
em  bum  calaluz  acompanhado  de  treze  homens  bonrra* 
dos ,  &  ya  vestido  tão  ricamfite  que  a  espada  que  leua- 
-ua  com  as  cintas  tinha  dous  mil  cruzados  douro.  £  em 
saindo  do  rio  qoçobrou  ho  calaluz  &  morrerão  quantos 
yão  nele  saluo  híl  negro :  &  assi  acabou  Garcia  cbainho 
tendo  fey  to  tanto  seruiço  a  Deos  &  a  el  rey,  fc  ficou  por 
sua  morte  grossíssima  fazenda :  &  de  tudo  Diogo  chai- 
«nho  tomou  posse.  £  nisto  chegou  Pêro  mazcarenbas  & 
per  virtude  da  prouisam  que  leuaua  ihe  entregou  lorge 
dalbuquerque  a  capitania  de  Malaca ,  &  como  íby  capi- 
tão mandou  prender  Diogo  chainho  por  se  meter  de|)OS- 
se  da  fazenda  de  seu  irmão  sem  mais  autoridade  de  jus- 
tiça 9  &  sendo  sua  fazenda  obrigada  a  el  Rey  pelo  offi- 
cio  4  tinha  ate  dar  cõta.  £  despois  ho  mandou  preso  aa 
índia,  onde  gastou  quanto  tinha  ero  se  liurar.  £  passar 
dos  algfts  dias  despois  de  Pêro  mazcarenbas  estar  de 
posse  da  capitania,  como  el  rey  de  Binlão  bo  soube,  & 
^ue  era  chegada  gCte  de  refresco  a  Malaca ,  porque  nS 


229  9A   ■ISTOaiA    Dil    IlfinA 

eojdaMem  m  Portugueses  que  ele  por  seu  medo  dísíi 
tia  da  guerra  tornou  logo  a  ela,  mandando  g&te  por  mar 
&  pof  terra  que  fossem  correr  a  fortaleza :  &  assi  bo  ía- 
aiito.  E  os  portugueses  tornarão  aos  trabalhos  da  guer- 
ra ,  &  continuamSte  estauão  armsdos  por  quão  cootinos 
erSo  os  rebates  que  os  immigos  lhes  dauâo,  com  que 
saySo  a  pelejar  quasí  cada  dia.  BPero  mazcarenhassaja 
muvlas  vezes  a  estas  |>elejas:  &  sempre  Deos  seja  lou- 
nado  leuaua  ho  milhor  dos  Imigos,  posto  que  erio  miiyr* 
to  mais  que  os  Portugueses.  E  bu  dia  saindo  Pêro  mas- 
carenhas  a  pelejar  prendeo  hO  dos  capitães  dos  imigoa^ 
&  assi  outro  hom8,  que  ambos  se  defenderão  valente- 
mente: &  despois  de  presos  ouuera  ho  capitão  de  matar 
a  Pêro  mazcarenfaas  cÕ  fau  crís^  w  lhe  nâo  bradarão  que 
se  guardasse :  pelo  que  logo  Pêro  mazcareohiis  ho  mai>- 
<iou  deitar  do  terrado  da  torre  da  menagem  a  baixo.  E 
ho  outro  {j[r&doo  meter  em  hfla  bombarda  pêra  a  deapa»» 
rarem  coele  soltouse,  &  matou  ho  condestabre:  &  ei»- 
tão  ho  matarão.  E  durando  assi  esta  guerra  por  se  Pêro 
mazcarenhos  liurar  dela,  &  dar  que  jhzet  a  el  rey. d« 
Bintão  mâdou  a  Ayres  da  cunha  capitSo  mór  do  mar 
que  se  fosse  poer  na  sua  barra  com  hum  galeão  &  cer- 
tas fustas  com  que  lhe  tolhia  os  mantimentos  &  as  mer- 
cadorias 9  &  deu  assaz  que  fazer  a  el  rey.  E  também 
neste  tempo  chegou  a  Malaca  Marlim  afonso  de  melo 
jusarte:  da  ilha  de  Banda  donde  inuernara:    íc  Pêro 
mazcarenhas  lhe  pedio  que  pois  ho  Deos  ali  leuara  na- 
quele tempo  {|  fosse  fazer  guerra  a  el  rey   de  Patane 
que  estaua  leuanlado  como  disse  atras»  E  com  quanto 
JMartim  afonso  náo  estaua  são  do  braço  em  que  fora  fe- 
rido em  Maluco,  por  seruir  a  el  rey  aceitou  a  ida,  & 
Iby  no  mesmo  galeão  em  que  fora  por  capitão  moor  de 
Baltesar  rodriguez  raposo  que  ya  em  hfl  nauio  de  gáuisi^ 
&  dd  Luys  brandão  que  ya  em  hãa  carauela  &  doutros 
quatro  capitães  que  yão  em  lancharas.  E  leuaodo  nesta 
frota  duzentos  Portugueses  se  iby  dereyto  ao  porto  de 
Patane,  onde  achou  dezaseys  jun gpos  çamregadoa  á%  goi» 


LlVftO   Vl^   CAPITTLO   CHI.  229 

te  Sc  de  mercadoria  y  assi  da  terra  ooido  doutraa  parteS| 
&  todog  ca  tomou  por  força  darmaa  matando  &  ferindo 
mujloa  dov  imttiígoa  aem-  doa  Portugueses  morrer  rb^ 
nhuw»  £  vendo  se  el  t&j  de  Patane  assi  apertado  i  mt^ 
dou  pedir  pases  a  Biariim  afboso :  offrecendose  a  pagar 
todas  as  perdas  que  os  Portugueses  Unhão  recebidas  em 
seu  porto )  &  obrigandose  a  mandar  alVIalaca  os  manti- 
mentos qne  ho  capitão  de  Malaca  quisesse  de  sua  ter-- 
ra :  &  que  Martim  afonso  tornasse  os  cascos  dos  jungoa 
que  línba  tomados.  £  isto  jurado  &  aflSrmado,  se  com- 
prio  tudo :  &  Martim  afonso  se  tornou  a  Malaca  ^  don- 
de se  foy  despois  aa  ' 


C  A  P  I  T  O  L  O     CIIL 

■ 

JDe  como  d6  Oarcia  anrriauess  chegou  á  fortaleza  ée  Mai!^ 

lUCO. 

JCintrado  ho  mes  de  Mayo  Q  era  a  mouçfio  pêra  Maln- 
eo,  partiose  dom  Garcia  anrrii|z  da  ilha  de  Banda  on- 
deslaua  com  Martim  afonso  de  melo  jusarte.  £  indo  por 
soa  viagC  chegou  aa  ilha  de  Ternate  a  tempo  que  An- 
tónio de  brito  queria  mandar  sobre  ho  lugar  de  Damafo 
^  era  dei  rey  de  Tidore»  £  surlo  dom  Garcia  no  porto 
deTalangame  que  he  ho  porto  dos  jungos  &  nãos,  duas 
legoas  da  fortaleza ,  mandou  notificar  a  A  ntonio  de  bri- 
to soa  chegada  Sc  como  ya  por  capitSo  de  Maluco,  por 
isso  que  lhe  despejasse  a  fortaleza  porque  não  auia  de 
desembarcar  ate  não  ser  despejada.  £  António  de  brilo 
vendo  este  reessio  iik>  seeo  esteie  em  lhe  nSo  dar  a  for- 
taleza. £  cd  tudo  mandouihe  dizer  que  fosse  a  ela  & 
qne  laa  se  laria  o  que  fosse  struiço  dei  rey.  £  dom 
Garcia  »>o  otisaua  dir  sem  ptimeTro  Antcnio  de  brit^ 
lhe  «tespejQV  a  íbrtalet»,  porque  reeeaua  que  áesembar- 
cando  antes  de  ser  despejad»  lha  não  entregasse,  & 
mais  Hie  tomasse  a  armada  qne  leoaMr ,  &  por  tslo  ato 
degcimbareaaay  n*  desomibaffeasa  ao  ha  nA  seguraia  Ab^ 


SS4  HA   HISTORIA    OA   IMOIA 

lonio  de  brito,  que  ho  recebeo  oo|p  muyto  grande  fe9* 
ta  &  ho  leuou  a  coraer  coele,  &  assi  ao  feytor  &  alcajr- 
de.  .inoor.>  £  acabando  de  comer  quisera  doni  Garcia  oue: 
?ira  logo  António  de  brito  as  raas  fKouisSes,  &  que  Ibe: 
entregara  a  fortaleza  y  &  António  de  brito  nlo  quis»  E- 
despois  de  dormirem  as  virflo  sendo  prçsentes  ho  fejlor 
&  alcayde  moor  &  outros  oíBciaes  da  £>rLaÍeza.  E  lidad- 
as prouisões,  disse  Antouio  de  brito ,  que  co«  quâtoi 
ele  poderá  não  entregar  a  fortaleza  a  dft  Garcia  por  ra^. 
quelas  prouisÕes  leuarem  algiias  duuidas  que  logoapon* 
tou,  que  era  contente  de  lhe  entregar  a  fortaleza,  mas 
que  não  auia  de  ser  se  não  noiaaeyro  seguinte  que  era. 
a  monção  pêra  se  ir  pêra  Malaca.  E  porque  dali  a  Ia- 
neyro  auia  oyto  meses,  disse  dom  Garcia  que  não  que* 
ria  tal  entrega ,  &  requereo  ao  alcayde  mór  &  feytor 
que  lhe  fizessem  logo  entregar  a  fortaleza*  E  polo  aão 
quererem  fazer,  &  ver  dom  Garcia  que  era  tempo  per- 
dido estar  ali  mais ,  fez  suas  protestações  &  foyse  pêra 
sua  armada.  E  despois  de  ser  laa  António  de  brito  se. 
concertou  coele,  que  por  quanto  tinha  hum  }ungo  co»« 
meçado  que  se  acabaria  no  Agosto  seguinte,  lhe  entre- 
garia então  a  fortaleza,  &  que  entre  tanto  se  fosse  pê- 
ra ela ,  &  estarião  ambos  como  era  rezão*  Do  que  dõ 
Garcia  foy  contente :  &  logo  se  foy  pêra  a  fortaleza ,  & 
esliuerão  muyto  amigos  em  todo  este  tempo. 

C  A  P  I  T  O  L  O    CIIII. 

De  como  entrado  ho  inuemo .  el.  rey  de  Calicut  mandou 

fazer  guerra  a  dó  loôo  de  lima* 

Jld  rey  de  Calicut  Q  tinha  determinado  de  fazer  guer- 
ra aa  nossa  fortaleza  &  tomala  como  disse  atras,  por  a- 
segurar  dom  loão  que  perdesse  a  suspeita  dele  mandou 
hii  mouro  chamado  Lambeamorim  com  hfta  carta  de 
crença  ao  gouernador  sobre  pazes ,  &  que  {Msesse  ele. 
as  condições  com  que  as  queria  fazer.  È  isto  tambent 


LITRO  VI.  CAPITVLO  CTlIf.  22* 

pêra  que  lio  £ouerDador  perdesse  alg&  receo  se  ho  tinha 
da  goerra,  ec  se  descuydasse  de  prouer  a  fortaleza  co- 
mo era  necessário.  Eeste  mouro  chegou  aCoch!  uá  fiiB 
de  Mayo ,  &  deu  ao  goueruador  a  carta  de  creui^  que 
lhe  leuaua  dei  rey  de  Calicut,  &  disselhe  o  que  leuaoa 
por  instrução  sobre  as  pazes.  De  que  ho  gouernador  foy 
contente  por  amor  da  guerra  que  esperaua  de  fazer  á 
el  rey  deCãbaya,  &  disse  ao  Lambeamorím:  Q  ele  não 
faria  pazes  com  ei  rey  de  Calicut  se  nflo  coestas  condi- 
ções, que  auia  de  tornar  toda  a  artelharia  que  tinha 
dos  Portugueses,  &  lhe  auia  dentregar  quantos  paraós 
auia  em  seu  rey  no,  &  nunca  mais  se  aui&o  de  fazer  ou- 
tros. E  assi  lhe  auia  dêtregar  certos  mouros  que  logo 
nomeaua,  que  forão  causa  de  certas  treições  &  mortes 
que  íizerão  a  Portugueses,  &  queymarão  a  igreja  de 
sam  Tbome  de  Cranganor ,  &  que  auião  de  pagar  ho 
dinheiro  que  custasse  a  redeficar.  E  que  bã  grão  senhor 
getio  chamado  Calurte  canaire  que  ajudaua  el  rey  de 
Cochlm  na  guerra  l\  tinha  cS  el  rey  de  Calicut,  auia  óe 
ficar  amigo  dei  rey-  de  Cochi  como  era ,  &  ho  auia  da- 
judar  como  ajudaua.  Coesta  reposta  se  partioLãbeamo* 
rim  pêra  el  rey  de  Calicut  auer  de  confirmar  estas  pa^ 
zes ,  &  mãdar  disso  bft  contrato  assinado  por  ele  ao  go^ 
uernador:  &como  tudo  era  fingido  não  ho  mãdou  elrey 
mais  n6  nenhtl  recado  outro,  antes  parecêdolhe  que  ti^ 
nha  tempo  pêra  começar  a  guerra  por  ser  entrado  fao  in- 
uerno,  em  que  fazia  cÕta  de  nSo  poder  ir  socorro  a  doai 
loão ,  mãdou  sobrele  ho  seu  capitSo  do  campo  &  ho  se* 
nhor  da  serra  coro  doze  mil  faomSs  de  peleja ,  pêra  que 
entre  tanto  que  ele  ya  cingirem  a  fortaleza  de  caua  que 
chegasse  de  mar  a  mar ,  &  assi  hfla  trincha ,  porque  a 
gente  de  suas  estácias  se  eroparasee  nelas  da  artelharia 
dos  Portugueses ,  &  codes  mandou  hQ  Ceziliano  arre- 
negado mestre  de  campo  que  era  grade  official  dartefí- 
cios  de  guerra,  &  andara  no  campo  do  turco  quando 
esteue  sobre  Rbodes.  E  chegada  esta  gente  a  Calicut 
foy  bíi  dia  dar  vista  aa  fortaleza ,  tirandolhe  muytas  est 

LIVRO   VI,  FP 


SSS  OA   HISTORIA    DA  ÍNDIA 

pingardadâs  &  frechadas.  £  por  amor  da  artelharia  dm 
fortaleia  que  começou  de  varejar  aSo  se  ousou  de  des* 
cobrir  muyto ,  &  tirauão  daulre  casas  derribadas  &  pa- 
redes ?eloas  que  estauão  perto  da  fortaleza.  E  dom  loSo 
como  era  muyto  esforçado  y  disse  aos  principais  que  es- 
tauão coele  que  sayssem  aos  mouros,  porque  cuydassem 
que  os  náo  temíâo :  &  assi  bo  fee  leuando  diãte  os  es- 
pingardeyros  que  tinha,  &  deu  tão  rijo  neles  que  osfes 
recolher  pêra  dStro  da  cidade  ^  &  ele  tornouse  aa  forta* 
leza ,  que  tinha  bem  prouida  com  receo  da  guerra  de 
muyto  caruão  pêra  poluora,  &  lenha  pêra  fazer  outro  ^ 
de  rouyta  pedra  &  madeira  pêra  repayrar  os  muros  s* 
disso  ouuesse  necessidade. 

C  A  P  I  T  y  LO    cv. 

De  cwno  n$  immigos  começarão  de  cercar  a  fortaleza  dm 
caíuíi  pêra  assentarem  suas  estancias. 

XÍ#  logo  ao  outro  dia  ante  manbaS  eomeçarão  os  Imigoa 
com  muyia  gente  de  seruiço  que  tinhão  dahrir  hfila  ca- 
sa que  na  guerra  passada  começarão  dabrir ,  Q  da  baiH 
da  da  cidade  começaua  da  rua  dos  torneyros  &  ya  de* 
leyla  ás  casas  de  Duarte  barbosa :  &  assi  começarSo  da* 
brir  hQa  trincha  que  he  caua  em  voltas,  que  começaua 
do  capo  dos  mainatos  &  ya  dereita  á  rua  da  China  cota, 
fc  na  largura  delas  cabia  hua  fieira  doyto  hom£s  que  ca- 
uauão:  &  era  com  determinação,  como  disse  de  cingi* 
ri  a  fortaleza  de  mar  a  mar.  Édom  loão  que  ho  enten- 
deo,  Irabalbaua  quanto  podia  por  lho  estoruar:  daado- 
lhes  cada  dia  muytos  rebates ,  ft  que  sempre  os  Porlu* 
gueses  matauão  aígiis :  &  porem  como  eles  erão  muytos 
nã  deixauão  de  leuar  sua  obra  auante.  E  entendõdo  dom 
loão  ^  era  pêra  lhe  tolherem  bo  socorro  que  lhe  fosse, 
fez  hCia  Doyte  con  conselho  dos. fidalgos  &  caualeyros  ^ 
estauão  coele  hOa  coiraça  de  pipas  cheas  de  terra  que 
começaua  da  fortaleza  &  chegaua  ate  ho  mar,  &  por  ch 


LITRO  irt.  CAPTÊVtO  CV.  927 

«a  dein  hfta  tráqueyra  muyto  forte.  E  dait  por  diftte 
iDandana  dA  loSo  vij^tar  de  noiie  esta  couraça  porQ  lha 
nâo  queimasse:  &  despois  dela  feita  porA  a  feitoria  ea- 
taua  fora  da  forlaJexa ,  &  assi  ho  aIroazS  Sc  casa  da  pol- 
uora :  &  tudo  o  Q  eslaua  dfitro  corria  risco  de  ser  quei» 
ma  do,  recolbeo  d5  loáo  tudo  na  fortaleaa,  sobre  o  ^to- 
ne grade  peleja  cÕ  os  imi^os  (|  lhe  querião  resistir :  mas 
aeropre  leuauão  ho  piar.  E  despejadas  estas  casas  faaiâo 
dali  os  portugueses  muyto  dano  aos  Imigos»  tirandolhes 
por  espingardeiras  muytas  esptngardadas  quando  corria 
a  fortaleza ,  ^  era  quasi  cada  dia :  &  acabado  de  se  a- 
fastarS  saltaua  dom  loâo  nas  cauas  ()  os  Imígos  faziâo, 
leuãdo  os  seus  muytas  panelas  de  poluora  com  I)  quei- 
mauã  muytos.  E  coastes  rebates  fazia  dilatar  Q  nSo  le- 
uassem  as  cauas  de  mar  a  mar.  E  a  fora  este  mal  rece- 
bia os  imigos  outros  da  nossa  artelbaria,  que  lhes  fazia 
muyto  dftno.  O  ()  .vendo  ho  Ceziliano  4  disse ,.  mSdou 
cobrir  de  vigas  muyto  grossas,  o  l\  era  aberto'  das  ca* 
nas :  &  assi  como  vão  abrindo  ássi  ho  cobrião :  &  isto 
porQ  a  ar  telharia  da  fortaleza  não  podesse  fazer  mal  aos 
imigos:  nem  tambê  os  Portugueses  lhe  nâo  podiâo  fa- 
zer tãto  dano  como  dantes  com  as  panelas  de  poluora. 
Porem  dÕ  Io2o  não  deixaua  de  os  saltear  cada  dia ,  & 
se  teuera  mais  gente  da  <}  tinha  segQdo  era  esforçado 
dera  batalha  aos  Imigos ,  &  os  fizera  de  todo  deixar  as 
cauas ,  mas  nA  tinha  mais  de  trez6tos  homês.  E  como 
eÒ  tâo  pouca  gente  nâo  podia  fazer  mais  {|  dar  pica- 
das ,  leuauâ  os  Imigos  a  trincha  ate  a  rua  da  China  co- 
ta Õde  acabou,  &  ficaua  da  bãda  do  sul.  E  por  indus- 
tria do  Ceziliano  começarão  logo  de  fazer  ali  hfi  repaieo 
pêra  assentarê  nele  bil  trabuco  com  {|  deitassem  pedras 
muyto  grades  na  fortaleza  em  quanto  lhe  não  dessem 
bateria.  E  posto  que  dõ  loâo  nâo  presumisse  ho  fim  pe- 
ta {)  era  ho  repairo,  pareceolhe  b6  com  cõselbo  ^  sobrís- 
so  ouue  de  estoruar  ò  ho  repairo  nâo  fosse  por  diâte : 
pêra  o  1}  sayo  fora  da  fortaleza  cõ  duzfilos  Portugueses. 
E  ficado  em  corpo  com  os  cento,  mandou  a  dò  VasQO 

FF  2 


a  UB  BA   mSVO&IA   XKA   INMA 

de  lii]iik&  a  lorge  de  lima  Q  cada  hil  eom  cineoStà  d 
sem  por  aua  parte  nos  Imigos  Q  eslauSo  em  goarda  doe 
a   fazião  ho  repairo  ^  serifto  b8  oylo  centoa.  £  assi  lio 
fizerâo  com   tamanho  ímpeto  Q  derâo  logo  no  chão  cd 
Biujtos  mortos  despingardadas,  &  outros  queimados  o4S 
panelas  de  poluora,  &  os  viuos  se  acolherão  fugindo :  Sc 
dos  Portugueses  aprouue  a  nosso  senhor  que  nâo  luorreo 
nenbii,  &  sós  dous  forSo  feridos.  JL  tornado  os  imigos  m 
prosseguir  no  repairo  cò  quasi  dobrada  gSte  em  goardu. 
do  t^  dantes  estaua :  tornou  dõ  loâo  a  dar  neles  pela  ordõ 
que  dera  da  outra  vez,  &  foráo  escarmêtados  de  tal  mar- 
Beyra  §  nâo  ousarão  de  tornar  mais  ao  repairo  &  ho  dei- 
xarão. 

C  A  P  I  T  O  L  O    CVL 

De  como  despoi»  de  el  rey  de  Caticul  ser  na  cidade  dot» 
loâo  de  lima  queimou  as  casas  dafeytoria  ^  almazem. 

xJTrande  conlenlainSto  era  ho  dos  niouros  de  Calicut 
de  verS  como  bo  cerco  da  fortaleza  ya  por  diále ,  por^ 
eles  erão  oa  que  conselhauão  a  el  rey  que  fizesse  esta 
guerra,  &  ho  ajudauâo  muyto  nela  com  determinação 
de  tomarem  a  fortaleza,  pêra  coisso  tornarem  a  cobrar 
ho  credHo  ^  tinhão  perdido  na  índia,  porque  não  ousa- 
uáo  de  falar  perante  os  Nayres  Q  lhes  dizião  mil  injurias, 
&  que  não  sabiâo  mais  t^  uieler  a  el  rey  na  guerra,  & 
que  ho  nSu  sabiSo  liurar  dela,  &  por  terem  guerra c&oa 
Portugueses  não  tinhão  Q  comer  &  morriio  de  fome.  B 
eõ  (udo  el  rey  de  Calicut  fauorecia  os  mouros  polo  pro- 
u^ito  que  recebia  deles  &  por  isso  fazia  a  guerra,  &  por 
se  não  irè  de  Calicut  nem  de  seu  reyno  que  sem  eles  fi- 
caua  de  lodo  pobre :  assi  que  por  os  mouros  cobrarè  ho 
eredilo  que  tinhão  fazião  eom  el  rey  §  fizesse  esta  guer- 
ra ,  em  ^  quasi  todo  ho  gasto  era  á  sua  custa  deles.  E 
porque  sabião  q  com  a  vinda  dei  rey  de  Calicut  ho  cer- 
co da  fortaleza  auia  de  ser  mais  apertado,  foranlbe  ai* 
gus  pedir  que  se  íbsse  pêra  Calicut :  &  como  ele  eataua 


LlVftO  VI.   CAPITVLO   CYI.  22i9 

apercebido  do  mais  dè  que  tinha  neeeflrsidade  pêra  a  guer- 
ra,  &  acompaobadô  de  muy tos  reys  &  seofaore»  que  ho 
ajudauão  foyse  logo  a  Calicut,  onde  chegou  na  eolrada 
de  luoho^  &  achou  que  tinha  nouenla  mH  homens  de 
peleja  anlre  mouros  &  Nayres,  &  anlrestes  auia  doue 
mil  espingardeyros  &  arlelharia  grossa  &  miúda  £[  abas^ 
taua  pêra  dar  bateria  i  fortaleza.  £  quâdo  el  rey  che- 
gou foj  dissimuladameate  aa  fortaleza  sem  nenhfl  esta- 
do |x>r  nâo  ser  conhecido ,  &  lhe  nâo  tirar  a  arlelharia : 
&  vendo  á  fortaleza  quão  pequena  era ,  disse  que  pêra 
que  era  mais  delen<^  se  não  tomala  logo.  E  ho  seu  car 
pilão  do  campo  lhe  disse  que  não  se  podia  aquela  forta* 
feza  tomar  tão  leuemète  como  lhe  parecia,  por^  os  Pof* 
tugueses  a  defendiâo  também,  que  se  a  ele  tomasse  por 
espaço  de  tempo  cresse  que  acabaua  hum  grandíssimo 
fey to.  A  que  el  rey  respondeo ,  que  ele  a  tomaria  :  por- 
que não  ajfitara  tamanho  poder  de  gente  se  não  pêra  a 
tomar.  £  coisto  se  fuy  a  seus  paços:  &  este  dia  dea 
vista  aa  fortaleza  hQa  boa  soma  cie  gente ,  dando  graiv 
des  gritas,  £  dom  loão  lhe  sayo  ate  a  feytoria,  donde 
lhe  os  Portugueses  tirarão  muytas  espingardadas,  &  coe- 
las  &  com  a  artelharia  ficarão  no  campo  bem  cmcoenta 
dos  immigos.  £  ho  Ceziliano  por  quebrar  ho  copação  a 
dom  loão,  ihe  disse  aquele  dia  quje  el  rey  de  Calicut 
era  na  cidade^  fazendolhe  a  sua  gente  mais  do  que  era^ 
&  engrandecendo  muyto  seu  poder.  £dom  loão  lhe  dis- 
se 4  folgaua  muyto  com  sua  vinda,  porque  dali  por  dian- 
te pelejaria  com  gosto ,  &  assi  os  que  eslauão  coele ,  & 
mostrarião  pêra  quanto  erão :  porque  ateli  como  lhes  pa- 
recia que  pelejando  com  os  capitães  dei  rey  de  Calicui 
auianse  por  deshonrrados  &  não  pelejauão  pêra  mais-  que 
pêra  se  defender.  Do  qjue  ho  Ceziliano  ficou  muyto  es- 
pantado por  crer  que  era  assi.  £  dÒ  ioão  posto  que  lhe 
os  immigos  não  corressem  saya  com  os  seus  a  dar  noa 
que  andauão  nas  eauas,  assi  de  dia  como  de  noyte ,  te 
isto  tão  amiúde  que  os  fazia  espantar  de  como  com  tão 
pouca  geule  como  tinha  fazia  tanto  ^  &  porem,  feriàlha 


S80  DA  HIfTOMA  9A   IHDIA 

muyU  gSte,  pelo  Q  nSo  quía  mais  ir  dar  nag  canas  :  maa 
punhase  nas  casas  da  feytoria  &  almazein ,  &  dali  Ib 
mandaua  lirar  qu2do  corri&o  a  fortaleza.  E  vendo  hoc 
pitSo  do  campo  isto,  correo  hfia  tarde  08  algua  gente  ^ 
&  como  vto  que  os  Portugfueses  estanSo  nas  casas  que 
digo  manda  chegar  todos  os  seus  espingardeyros ,  pera 
que  combatessem  as  casas  com  espingardadas :  &  durou 
fao  combate  todo  o  ^  estaua  por  passar  do  dia  &  toda  a 
noyte  seguinte ,  reuezãdose  os  espingardemos  de  mar- 
tieyra  que  continuamSte  tirauSo  as  espingardadas ,  que 
de  serem  muytas  quebrarão  as  nossas  espingardeíras  ^ 
$c  se  não  fora  hQ  traués  de  madeira  de  que  hfis  tiroa 
varejauSo  os  immigos,  os  Portugueses  se  virão  em  gran- 
de aperto :  &  forçadamente  esteuerão  tanto  tempo  nes- 
tas casas ,  porQ   corrião  muyto  grande  risco  se  sayrão. 
E  por  derradeyro  quis  nosso  senhor,  que  assi  com  as 
espingardas  como  com  a  artelharia  matarão  tantos  dos 
Imigos  que  os  fízerâo  afastar :  do  que  dom  loão  deu  muy- 
tas graças  a  nosso  senhor  de  ho  liurar  da^le  trabalho 
que  teue  muyto  grade  de  ver  ho  aperto  em  que  ósseos 
esteuerão.  E  logo  pos  em  conselho  se  se  poderião  soster 
aquelas  casas  da  feytoria  &  almazem.  E  por  todos  foy 
acordado  que  não  por  amor  do  grade  poder  de  gente 
que  os  immigos  tinbão,  que  ho  mais  seguro  seria  quey- 
marSnas  &  recolherense  aa  fortaleza.  E  aquela  tarde 
foy  logo  feyto,  sem  lhe  os  immigos  cõtradizerem ,  por- 
que  folgarão  muyto  de  verem  queymar  aquelas  casas  de 
que  recebião  tanto  dano:  &  porque  era  caminho  de  os 
Portugueses  não  quererem  sayr  mais  da  fortaleza,  com 
que  não  receberião  estoruo  em  fazer  as  cauas  &  as  aca- 
barião.  E  recolhido  dom  loão  na  fortaleza,  fez  alardo& 
achou  que  tinha  perto  de  trezentos  homSs,  por^  algi&s 
erão  mortos  &  outros  estauão  feridos ,  &  antresta  gête 
auia  aiglis  fidalgos  seus  parentes  todos  muyto  esforçados 
&  de  grande  confiança.  E  por^  dom  loão  conhecia  ho 
esforço  destes  &  dos  outros ,  tinha  esperança  em  nosso 
senhor  que  ho  liuiaría  daquele  cerco  com  sua  honrra,  jt 


LIVRO  VI«   OAPITVLO  CVII,  SS| 

mandou  fechar  hú  poço  dagoa  nadiuel  Q  tinha  a  fortale* 
ca,  em  Q  auia  agoa  pêra  bã  anno  sem  beberê  por  regra. 
£  fechou  ho  porque  os  escrauos  nft  dei  lassem  nele  pe* 
çonha ,  &  tinha  a  chaue  porque  soubesse  quando  se  a- 
bria:  &  achou  que  auia  na  fortaleza  (anio  arroz  que  a«p 
bastaria  híi  anno,  posto  que  comessem  largamente ,  po- 
rem doutros  mantimentos  nâo  auia  se  não  pêra  poucos 
dias»  Ordenou  tambfi  dom  loâo  as  estancias  que  auia 
dauer  na  fortaleza  pêra  defensa  dela  que  foráo  seys,  cu<^ 
jos  capitães  foráo  dom  Vasco  de  lima,  lorge  de  lima, 
António  de  sá,  Kuy  de  melo  seu  irmão,  loâo  rabelo 
feytor,  António  de  serpa,  &  Manuel  de  faria  escriuães 
da  feytoria.  £  dÕ  ioão  com  algfls  parentes  seus ,  &  ho 
resto  da  gente  que  sobejou  das  estancias  ficou  por  sobre 
roída  pêra  acodir  ás  partes  mais  fracas,  &  por  ser  a  for* 
taleza  conchegada  podiâse  todos  ajudar  híls  aos  outros 
que  foy  grade  bê  pêra  quã  poucos  erã» 

C  A  P  I  T  V  L  O    CVII. 

De  como  despois  de  se  dom  loâo  recolher  na  fortaleza , 
assentarão  os  immigos  suas  eOancias  ^  começará  de 
bater  a  fortaleza^ 

JtVecolhido  d&  loáo  de  Kma  na  fortaleza  &  queymadas 
as  estancias  que  tiuha  fora  dela:  foy  grande  prazer  nos 
mouros  cuydando  que  aquilo  era  com  medo,  &  assi  ho 
disserão  a  el  rey,  certificandolhe  f^  auiáo  de  tomar  a  for* 
taleza  ,  &  fazião  muy tos  feros  contra  os  Portugueses  fa*> 
sendo  deles  muy  lo  pouca  cousa.  E  logo  ua  noyte  se- 
guinte derão  taúianba  pressa  na  caua  &  na  trincha  Q 
^atrarão  coelas  no  mar ,  assi  da  bãda  do  sul  como  do 
norte ,  &  erSo  daltura  de  hfta  lança  ,  &  ficauão  da  for- 
taleza a  tiro  de  pedra  y  &  podiSo  andar  por  elas  sem  a 
artelharia  da  fortaleza  lhes  &zer  nojo.  £  a  reza  por  que 
cercarfto  a  fortaleza  destas  eauas  &  as  çarrauão  no  mar^, 
era  pêra  ^  onde  ^irrauflo  assentassem  duas  estancias 


tSá  DA   HISTORIA   BA  INBIA 

dartelharia  pêra  tolberê  ho  eocorro  Q  fosse  aa  fortalesa 
por  mar.  £  estas  assentarão  logo  em  amanhecendo,  em 
aue  auía  tiros  ençarrados ,  que  quando  não  fosse  iêpo 
de  jugarem  pêra  ho  mar  tirassS  á  fortaleza ,  &  assenta- 
rão hQa  estãcia  da  banda  do  norle  em  que  assestarão 
dous  tiros  grossos  com  que  come<;arão  de  tirar  á  fortale* 
za,  &  dali  por  diante  começarão  de  assentar  outras  es- 
tãcias  pêra  baterem  a  fortaleza :  &  forão  estas.  No  lu- 
gar ondesteuerão  as  casas  da  feytoria  assentarão  bu  ca- 
melo que  fora  dos  Portugueses  coberto  com  hQa  manta. 
&  auia  de  bater  a  torre  da  poluora».  Sc  mais  afastada 
desta  no  mesmo  lugar  estaua  outra  estãcia  com  outra 
manta  em  que  auia  quatro  tiros  de  metal  de  camarás 
que  tirana  cada  hft  pelouro  de  ferro  coado  tamanho  co- 
roo de  hfla  espera,  &  deste  tamanho  os  tirauão  todos  os 
tiros  que  tirauão  pelouro  de  ferro  coado,  E  esta  estan- 
cia auia  de  bater  ho  pano  do  muro  que  corria  do  baluar- 
te da  fortaleza  ate  a  torre  da  poluora:  fizerão  outra  da 
banda  do  sul,  de  que  auíáo  de  jugar  sete  tiros  quatro  Q 
deitauão  pelouro  de  pedra  de  três  palmos  de  roda,  &  os 
outros  de  ferro  coado :  &  esta  Auia  de  bater  ho  pano  do 
muro  dantre  ho  baluarte  do  feytor  &  ho  do  almazem,  & 
aos  mesmos  baluartes.  Da  banda  de  leste  fizerão  outra 
dentro  na  cidade,  em  que  auia  outras  sete  peças  gros- 
sas &  cinco  deitauão  pelouro  de  pedra,  htla  de  sete  pal- 
mos de  roda  &  quatro  de  três ,  &  as  duas  de  ferro  coa- 
do :  &  esta  auia  de  bater  ho  pano  do  muro  dantre  ho 
baluarte  do  feytor  &  a  torre  da  poluora^  &  á  mesma  tor- 
re,  &  ho  baluarte  ^  &  a  torre  da  menagem»  E  a  fora  es- 
tas estancias  auia  outras  duas  da  banda  do  norte  &  da 
do  sul  cada  hila  de  seys  tiros  encarretados  que  podíão 
jugar  pêra  ho  mar  se  fosse  socorro  á  fortaleza,  &  hoou« 
tro  tempo  auião  de  bater  os  baluartes  do  alcaide  mór  & 
do  almoxarife  que  eslauão  daQlas  bandas.  E  todas  estas 
estancias  eslauão  a  tiro  de  pedra  da  fortaleza ,  a  que 
começarão  de  dar  bateria  a  treze  de  lunho  pola  mantiaã : 
que  foy  hua  cousa  bem  espantosa  quando  se  começou 


LlVBiO   Vf.    CAPITTLO   CVIIf.  833 

com  a  tnuyto  grossa  fumaça  que  ee  leuaotou  de  hiia  par- 
te &  da  outra  ^  &  ho  medotibo  estrondo  darlelharia  que 
fazia  tremer  a  terra  &  ho  mar,  &  parecia  que  tudo  auia 
de  ficar  destruydo:  &  quasi  todo  ho  dia  que  a  bateria 
durou  não  se  enxergou  nada  com  fumo,  &  despois  que 
descobrio  apareceo  a  nossa  fortaleza  saa  &  a  sua  arie- 
Iharia  inteira  &  sem  aleijão,  que  aprouue  a  nosso  senhor 
que  nunca  lhe  os  immigos  poderão  acertar  com  a  sua 
pêra  a  cegarem :  &  errarão  todos  os  tiros  dando  por  es* 
«es  muros  &  baluartes,  &  outro  mal  nSo  fizerâo:  &  a 
nossa  artelharia  que  tirou  em  todo  este  tempo  lhes  fez 
muyto  dano,  porque  como  eles  cuydauão  que  logo  afies- 
sa  artelharia  auia  de  sereega,  descobriranse  muyto  & 
por  isso  os  tiros  pescarão  muytos.  Do  que  el  rey  ficou 
muyto  triste  quando  ho  soube :  &  assi  os  mouros  vendo 
que  os  seus  bombardeyros  erão  tão  pouco  certeiros.  £ 
dom  loâo  &  os  seus  ficarão  muyto  ledos,  &  derâo  muy- 
tos  louuores  a  nosso  senhor  &  se  esforçarão  muylo  mais 
que  dantes  pêra  se  defenderem  vendo  a  mercê  que  lhes 
nosso  «enhor  fazia  ^  &  na  noyle  seguite  fizerão  grandes 
aleefrias  de  folias  &  tangeres  pêra  que  os  immigos  sou* 
faessem  que  os  não  tinhão  em  conta ,  que  estauão  disso 
muyto  espantados^ 


C  A  P  I  T  O  L  O    CVIII. 


y 


De  como  os  immigos  começarão  de  fazer  Aâa  albor radcu 

V^-om  quanto  os  mouros  virão  quão  pouco  dano  os  seus 
bonibardeyros  fizera  na  artelharia  da  fortaleza,  na  dei- 
xarão de  prosseguir  a  bateria  pêra  ver  se  a  podiào  ce- 
gar:  mas  quis  nosso  senhor  <|ue  sempre  a  errarão,  & 
dauâo  por  esses  muros  &  baluartes,  a  que  começarão  de 
fazer  dano,  &  de  dia  deixauão  apontada  a  artelharia  pe«- 
ra  a.lirarem  de  noyte:  &  hQa  n(»yte  ao  quarto  da  prima 
tifou  da  banda  da  cidade  hum. tiro  que  tirana  pelouro 
de  pedra  de  sete  palmos  de  roda  &  íeuou  duas  ameas 

LiVRO    VI.  GO 


S34  J»A    HISTORIA   DA    ÍNDIA 

do  muro ,  &  leooa  ho  sido  da  figia  em  pedaqoB.  E  dont 
loáo  aoodio  logo  ém  ameas  com  seus  sobre  salenles  que 
as  refiserik) :  &  estes  trabalhos  erão  oontinos  despois  qae 
se  Gomeçoa  a  bateria.  E  vendo  bo  Cexiliaao  quão  agas- 
tado el  rey  deCalicui  estaua  por  não  se  poder  cegar  a 
nossa  artelharia:  dísselhe  que  nio  se  agastasse,  que  ele 
faria  hum  arteficio  cõ  que  os  seus  tomassem  a  fortaleza 
&  oâ  tardariâo  mais  em  a  tomar  que  em  quanto  se  aca- 
basse» E  este  artifício  foj  húa  albarrada  a  que  por  ou- 
tro nome  chamáo  montanha  ,  de  Q  o  turco  vsou  no  cer- 
cu>  de  Rhodes  onde  este  Ceziliano  se  achou  como  disse» 
R  estas  albarradas  sâo  serras  dares ,  de  pedras ,  &  de 
rama,  tudo  mesturado  Q  os  gastadores  ^  anda  nos  cam^ 
pos  leuSo  diante  de  si  com  pás  &  enxadas  ate  as  igoa- 
JarC  com  os  muros  das  fortalezas  ou  cidades  que  íè  cer- 
cadas: &  isto  pêra  lhes  embaraçarem  os  pelouros  da  ar- 
telharia &  eles  sobirem  a  seu  saluo,  ou  ao  menos  sem 
tamanho  perigo  como  correm  sobindo  por  escadas  por 
amor  das  panelas  de  poluora  &  outros  artefícios  de  fogo 
que  os  ímmigos  ianção  decima  aos  que  sobem.  E  nesta 
albarrada  que  digo  começarS  logo  de  trabalhar  três  mil 
homês  de  serui^o  que  chamao  gastadores,  fazendo  hum 
dos  pés  onde  furão  as  casas  da  feytoria,  &  ho  outro  juo- 
lo  da  casa  que  foy  da  poluora,  &  ambos  a  tiro  de  pe- 
dra da  fortaleza.  È  quando  dom  loão  vio  começar  esta 
obra,  cuydou  que  era  entulho  com  que  os  immigosque- 
rião  entulhar  a  raua  da  fortaleza  com  determinação  de 
a  escalarem ,  &  por  isso  se  percebeo  logo  de  muytas 
panehis  de  poluora  &  doutros  arteficios  de  fogo.  E  esta 
Bospejía  pos  dom  loão  em  grande  cuydado  &  assi  aos 
que  estauão  coele ,  por  saberem  de  certo  a  grossa  gen- 
te dos  immigos  que  estaua  sobreles ,  &  que  se  prouas- 
sem  de  sobír  ao  muro  corrião  muyto  risco  de  os  entra- 
rem, &  por  isso  acordarão  todos  que  dom  loão  mandas* 
se  pedir  socorro  de  cem  homens  ao  gouemador ,  &  assi 
de  poluora :  dandolhe  conta  do  que  passaua.  E  este  re- 
cado foy  em  hfia  almadia  que  não  auia  outra  cousa  em 
que  fosse» 


LIVRO  VI.    GAPITVU)   CIX.  236 

C  A  P  I  T  O  L  O    CIX- 

De  como  dó  lo&o  de  lima  mandou  pedir  socorro  ao  go^ 

uemadar  ^  lho  mamou. 


A, 


.8  nouas  do  cerco  desta  fortaleza  de  Calicut  forSo  ler 
ao  gouernador,  estado  ele  esperando  poda  confirmação 
das  pases  qu.e  ibe  auia  de  mandar  el  rey  de  Calicut.  B 
oomo  era  ja  ínuerno  &  a  barra  de  Cocbim  estaua  çarra* 
da  9  &  as  toruoadas  erão  muj  glandes  &  perigosas  na 
costa  não  se  atreueo  a  mandar  nenhum  socorro;  porem 
48do  após  esta  noua  outra  que  dom  loâo  estatia  mais  a« 
pertado,  &  que  os  immigos  ho  combatião  mais  rijo  que 
jMalabareS)  come<;ou  de  mãdar  fazer  prestes  duas  cara- 
«elas  latinas  que  foy  enformado  serem  nauios,  que  me- 
Hior  que  outros  sayrião  pela  barra.  E  nisto  aos  dez  dias 
de  lulho  chegou  a  Cochim  a  almadia  em  que  ya  ho  re«* 
cado  de  dom  loSo,  que  por  milagre  de  nosso  senhor  f^s* 
capou  dos  muy to  grossos  mares,  &  muy  furiosos  &  ri* 
jos  ventos  que  achou  com  que  mil  vezes  esleue  soçobra- 
da &  mergulhou  por  debaixo  dagoa :  &  porque  não  sou- 
be ho  nome  do  que  foy  nela  ho  nflo  digo,  mas  ele  pas- 
sou ho  mayor  perigo  que  se  podia  passar  por  mar.  E 
sabendo  ho  gouernador  a  verdade  do  cercH)  por  este  re- 
cado de  dom  loão,  &  a  necessidade  que  tinha  de  fbe 
socorrer  com  gente,  começou  de  a  mandar  fazer,  Esa- 
bendose  entre  os  que  ali  então  estauâo,  ho  pêra  que 
era ,  se  lhe  oflrecerão  algfls  fidalgos  pêra  irem  socorrer 
a  fortaleza ,  &  antre  estes  forão  IManuel  cernije ,  Chris- 
touão  jusarte,  &  Duarte  dafonseca,  porque  como  erão 
muyto  esforçados  &  desejosos  de  seruirem  el  rey  não  re- 
cearão ho  perigo  que  estaua  muyto  certo,  assi  no  mar 
como  na  terra:  o  que  lhe  ho  gouernador  agardeceo  muy- 
to, porque  estes  animarão  outros  a  irem  de  boa  vonta- 
de, &  ajuntarãse  cento  &  corenta  homens  que  se  em- 
barcarão nas  duas  carauelas  que  estauSo  prestes,  de  que 

GG   2 


236  BA   HISTORIA   DA    INDfA 

foy  por  capitão  nioor  Cbrislouâo  jusarte,  &  na  outra 
rauela  foy  Duarte  dafonseca  íilhu  do  doulur  Fernão  da- 
fonseca,  &  ambos  sayrao   pela   barra  de  Cochim  com 
grande  perigo  a  treze  de  lulho:  com  regiiuenlo  do  go- 
uerriador,  que  .chegados  sobre  Caiícut,  chegassem  ho 
mais  que  podessem  as  carauelas  a  terra,  assi  de  hua 
parte  como  da  outra  da  fortaleza  defronte  das  estanciafir 
dos  ímmigos  que  neias  estauão,  a  que  tiraríâo  com  a  ar- 
telharia  das  carauelas,  &  entre  tanto  que  tirasse  anda* 
riâo  eles  em   dous  paraós  de  nãos  Malabares  que  leua- 
uão  pêra  desembarcará  antre  as  carauelas,  &  andariâo 
assi  ate  verem  recado  de  dom  loâo,  &  sem  ele  oâo  say- 
riao  em   terra.  £  despois  de   partidas  estas  carauelas  j 
receando  ho  gouernador  que  esgarrassem  com  alg&a  tor- 
uoada  &  não  podessem  tomar  CaLicut,  &  a  fortaleza  fi- 
casse sem  socorro,  mâdou  após  elas  húa  galeota  com  a 
roais  gente  que  pode,  de  que  foy  por  capitão  Francisco 
de  Vasconcelos  caualeyro  de  muyto  esforqo,  a  que  deu 
em  regimento  que  sendo  caso  que  achasse  que  a  forta- 
leza não  era  socorrida  se  fosse  com  Duarte  dafõseca  a 
Cananor,  &  diria  da  sua  parte  a  Eytor  da  silueira  que 
socorresse  a  íbrlaleza,  porque  de  laa  ho  poderin  melhor - 
fazer  que  ho  gouernador:  &  a  Eytor  da  silueira  escre- 
ueo  por  .  terra  ho  cerco  da  fortaleza ,  &  ho  socorro  de 
gente  que  lhe   mandaua ,  pedindolhe   que  a  socorresse 
por  sua  pessoa  com  mantimentos ,.  &  poluora ,  &  gente 
se  a  que  mãdaua  lá  não  podesse  ir. 


n"    — 


UVBO   VI.   CAPITYLO  CX.  2S7 

C  A  P  I  T  V  L  o     CX.    ' 

De  como  os  immigos  começarão  de  tirar  com  hú  trabuco 
á  fortaleza ,  ^  de  como  foy,  espedaçado. 


D, 


^espois  de  dom  loão  mandar  pedir  socorro  ao  gouer* 
nador  vedo  os  mouros  que  auia  detença  em  se  acabar  a 
albarrada,  fizerão  por  industria  do  Ceziliano  armar  btl 
Irabuco  que  ele  fabricou ,  &  foy  armado  nas  casas  de 
Duarle  barbosa  pêra  deitarem  coele  na  fortaleza  pedras 
inuyto  grandes  com  que  lhe  derribassem  os  baluartes  & 
as  casas.  Ecoeste  trabuco  começarão  os  immigos  de  ti* 
rar  ho  primeyro  dia  Dagosto  y  tirando  á  torre  da  poluo- 
ra  pêra  a  derribarem ,  parecêdolhes  que  ali  farião  mais 
dano  Q  em  outra  parte ,  &  acertarâlhe  com  seys  pedras 
arreo  &  erão  as  pedras  tamanhas  que  logo  lhe  abrirão 
as  paredes,  &  os  immigos  com  prazer  leuantarâo  muy- 
tas  gritas.  £  dom  loâo  como  vio  ho  dano  Q  as  pedras 
do  trabuco  faziSo  na  torre ,  ouue  medo  Q  se  lhe  acSdes- 
se  fogo  na  poluora ,  &  por  isso  no  mesmo  dra  a  mãdou 
mudar  pêra  outro  Baluarte,  &  foy  mudada  com  traba- 
lho immenso  &  grande  perigo  das  pedras  que  dauão  na 
torre,  com  que  em  quatro  dias  continos  que  ho  trabuco 
tirou  lhe  derribou  hOa  esquina,  do  que  dom  loão  esta* 
na  grãdemente  agastado :  mas  este  agastamSto  lhe  tirou 
Diogo  pirez  ho  cõdestabre  da  fortaleza  hfi  bÕ  homS  & 
bS  destro  em  seu  oiScio,  que  lhe  disse  Q  não  se  agas* 
tasse ,  porque  com  ajuda  de  nosso  senhor  ele  esperaua 
de  quebrar  ho  trabuco  pêra  ho  Q  ja  tinha  apÕtado  nele 
ha  camelo.  E  dâ  loão  Iheprometeo  mercê  se  ho  fizes* 
se»  E  encomendandose  ambos  muyto  deuotamente  a  nos* 
sa  senhora  cujo  ho  dia  era^  foranse  ondestaua  ho  came- 
lo afxHitado  no  trabuco:  &  dãdolhe  Diogo  pirez  fogo 
despara  ho  pelouro,  &  com  seu  medonho  ímpeto  foy  dar 
Bo  trabuco  que  leuou  em  pedaços :  &  coeles  &  cõsigo 
matou  tambê  muytos  dos  imígos  ^  estauão  ao  derrador 


SS8  DA  HnrrouA  da  índia 

do  trabuco ,  oulhando  muy to  ledos  a  destroy^^  ()  efe 
fasia  oa  torre  da  poliiora.  O  j|  vendo  dom  loSo  ae  aaaeií- 
tou  em  giolhoa  &  chorado  de  prazer  deu  muytos  iouuo-* 
ree  a  nosso  senhor ,  &  a  soa  g^loríosa  madre :  por  cuja 
iníercessl  tinha  ^  lhe  fisera  nerce  tamanha  &  á  sua 
honrra  disse  logo  a  Salue  com  os  outros  que  tambè  nâo 
cabtSo  c5  praser:  &  dauio  grandes  apupadas  aos  inimi- 
gos zombando  deles.  E  dom  lofto  lhes  mandou  dar  re- 
bate aquela  nojte  porque  lhes  parecesse  que  os  linha 
em  pouco ,  &  forSo  a  darlho  dom  Vasco  de  lima  &  lor* 
re  de  lima  com  corenta  Portugueses  4|  sayrSo  per  hQas 
bombardeiras,  como  sajSo  outras  vezes,  que  poucas 
noytes  passauio  Q  nS  sajssem,  de  que  os  immigos sem- 
pre recebiâo  dano  j  &  sempre  e8taujk>  sobre  salteados  , 
receando  quando  os  Portugueses  daríâo  neles.  £  com 
quanto  os  linhSo  cercados  auiálhes  medo  vendo  sua  ou* 
sadia  &  esfor^. 

c  A  p  I  T  V  L  O   cxr. 

De  como  ChrisUmSo  jusarU  chegou  a  CaUeut  ^r  ^toa  na 

fortalfísa  c6  os  çue  ySo  coele. 

jt  arlidos  Christoufto  jusarte  &  Duarte  dafonseca  pêra 
Calicut )  como  então  era  a  força  do  inuerno  achara  ho 
Ifipo  tão  forte ,  que  por  milagre  de  nosso  senhor  esca* 
paráo  de  nSo  ser6  comidos  do  mar :  &  a  fora  a  fadiga 
descaparem  de  tamanhos  perigos,  a  teuerSo  também 
muyto  grande  com  todos  os  ^  ySo  coeles  por  lhes  faltar 
^S^^^  9*^  '^^  tomarão  em  Cochim  com  a  pressa  de 
partirem ,  cuydando  que  no  mar  a  tomarião  da  agoa  de 
monte,  que  nã  acharão  &  por  isso  forão  semeia:  &não 
teuerão  outra  se  não  a  que  chouia,  que  como  era  de 
toruoadas  não  a  tomauão  se  não  quando  vínhão;  &  ai- 
giia  que  lhes  ficaua  ate  tomarem  oíitra  fedia  (anto  &  a* 
margatia  em  tanto  estremo  que  quasi  a  não  podiâo  be* 
ber  £ooesta  afri^  &  angustia  forãq  vinto  cinco 


LITRO   VI.   CAPITTLO   CZl.  239 

<)ue  tanto  poserão  na  viagem  por  amor  dos  contrafilés 
que  teueráo  nio  sendo  mais  que  de  vinte  ou  dezanoue 
iegoas.  E  com  nauega<;£o  Ião  trabalhosa  derão  fím  a  seu 
caminho )  chegado  sobre  Caiicut,  onde  Christouâo  ju« 
sarte  chegou  primeyro  a  oras  de  vespora  &  cÕ  avira<;ão 
^  vStaua  entrou  logo  no  arrecife ,  &  Duarte  dafonseca 
chegou  da  hi  a  pouco ,  &  por  a  viração  acalmar  não  |)o- 
de  entrar  &  ficou  de  fora.  E  cõ  a  vinda  destas  caraue» 
las  foy  grande  aluoroço  no  arrayai  dos  Imigos  cuydando 
{[  fosse  ho  socorro  niayor :  &  logo  os  que  estauão  nas 
estScias  da  parte  do  mar  se  aperceberão  pêra  receber 
os'  que  quiserem   desembarcar,  &  na  fortaleza  foy  ho 

Íirazer  muyto  grade  por  ver6  ho  socorro.  E  vendo  dd 
oáo  Christouâo  jusarte  dStro  no  arrecife,  receado  ^ 
quisesse  desembarcar  acodio  á  porta  da  fortaleza  pêra 
lhe  acenar  ^  não  debcmbarcasse  logo ,  porque  seria  du- 
uida  escapar  nenhfl  dos  que  sayssem  coele  segudo  a 
multidão  dos  inimigos  era  grande,  &  era  sua  tenção  fi- 
car pêra  de  noyte:  &  porè  Christouâo  jusarte  como  era 
muyto  esforçado,  &  ho  desejo  que  tinha  dentrar  na  for- 
taleza lhe  fez  entender  quando  vio  que  dõ  lofto  lhe  ca^- 
peaua  que  lhe  dizia  que  desembarcasse :  &  também  ou*^ 
ue  medo  que  como  era  inuerno  sobreuiesse  algiia  tornea- 
da de  vento  trauessam  ^  desse  á  costa  com  a  carauela 
&  se  perdesse ,  &  por  isto  não  quis  esperar  por  Duarte 
dafonseca  n6  dilatar  mais  a  desembarcaçSo.  E  isto  de- 
terminado disse  ho  aos  que  yão  coele  ^  erão  oytenta 
Portugueses,  que  vendo  as  muytas  bombardadas  que 
neste  tem|io  os  Imigos  tirauão  de  terra  duuidarâo.  muy^ 
los  de  sayr,  &  requererão  a  Christouâo  jusarte  Q  goar- 
éasse  ho  regimèto  do  gouernador,  pori|  doutra  maneyra 
perderseyão  todos :  &;  ele  os  desenganou ,  Q  ainda  que 
desembarcasse  só  que  auia  de  desembarcar:  por  isso  Q 
quê  quisesse  desembarcar  que  se  embarcasse  no  paraó^ 
&  que  não  que  ficasse.  E  trinta  &  cinco  se  ofi^recerSoà 
ir  coele,  de  Q  foy  ho  primeyro Manuel  cernije  &  os  ou- 
tros fioarã)  a  4  mãdoo  4  ^^  quanto  des6barcasBe  jugas- 


240  DA   HISTORIA    DA    ÍNDIA ' 

66  c5  a  artoiliaria  &  sallâdo  no  paraó  cÒ  08  xxl:.  &  cin- 
eo  tira  pêra  a  praya  que  esiaua  cuberia  de  imig^os,  fre- 
cheiros &  espingardeyros :  &  f*le  leuaua  sua.bandejra. 
no  esporão  do   paraó  &  suas  trombetas  que  tocauáo  de 
quando  em  quando:  &  elas  acabando  daua  ele  com  os 
seus  hda  grande  grita,  &  a  este  som  remauão  os  remej- 
ros  quanto   podiâo,  gouernando  dereytos  á  coiraça  da 
fortaleza  pêra  ali  desembarcarfi.   E  era  cousa  de  nuiyto 
grande  espâto  ver  ir  tão  poucos  meterse  antre  immigos 
que  nSo  tinhào  conto,  que  todos  desparauão  muytasnu- 
uSs  de  frechas,  &tâtas  esplgardadas  í\  os  pelouros  cayão 
tão  bastos  como  saraiua  quando  caye  do  ceo.   B  nisto 
começa  a  artelharia  dos  immigos  de  tirar  á  fortaleza  & 
a  da  fortaleza   a  eles :  &  a  reuolta  era  muy  grande  & 
espantosa  em  todas  as  partes  do  estrõdo  da  artelharia  & 
da  grita  dos  imigos  &  dos  Portugueses*    E  indo  assi 
ChristouSo  jusarte,  chegou  a  terra  hum  pouco  desuíado 
da  coiraça  ^  ho  desuiou  a  grande  corrente  &  braueza 
daquela  costa :  pelo  que  os  Imigos  teuerão  tempo  de  ho 
apertar  como  desejauâo,  &  não  esperando  que  tomasse 
terra  de  todo,  «em  receando  as  espingardadas  J\  tirauão 
os  que  yfto  coele,  nem  lançadas  nê  cutiladas:  remetem 
ao  paraó  com  hft  impeto  bestial,  dandolhes  ainda  a  a- 
goa  pelos  peitos  chouendo  sobreles  espingardadas  &  fre- 
chadas, &  arrebatão  a  baldeira  que  leuaua,  &  assi  dous 
trombetas  que  yão  tangSdo  que  leuarâo  fora  do  paraó, 
<iue  os  leuarã  há  pedaço  arasto,  &  outros  dauão  punha- 
das nos  Portugueses  tão  perto  estauão  deles  :  porem  nes- 
te têpo  pelejauão  Chrístouão  jusarte  &  os  outros  de  ma» 
neyra  que  fizerão  afastar  os  immigos  do  paraó:  &  sal- 
tando todos  nagoa  começarão  de  fazer  cousas  tão  mila*- 
grosas,  Q  bem  parecia  ^  pelejaua  nosso  senhor  por  eles. 
E  cò  tudo   forào  mortos  quatro  deles,  dous  boniSs  do 
mar  &  loão  de  macedo,  &  Perna  de.  siqueyra  filho  de 
Gonçalo  de  siqueyra   de  Saluaterra,  &  quasí  todos  os 
outros  forão  muyto  feridos  &  antreles  foy  Manuel  cerni- 
je  que  pelejando  como  muyto  valente  caualeyro  que  era 


IJfVRO  vi:   CAPlfVLO  ÒM-  3*1 

-se  recoíbeo  dos  derradeiros,  &  por  acodir  a  híl  seu  atni« 
f;o  i\  08  mouros  niatauSo,  &  ele  o  saluou  foy  ferido  em 
Ma  perna ,  de  que  faleceo  da  hi  a  poucos  dias.  E  pele* 
jãdo  assi  Christouão  jusarte  tão  esforçadamente  como  dí* 
go,  foy  rompSdo  por  anlre  os  fmígos  ale  chegar  á  coi*». 
raça  onde  ho  dom  loSo  estaua  esperando  com  oytenta 
homens  &  coeie  dom  Vasco  de  lima.  E  aqui  foy  a  pele* 
ja  muyto  braua  «m  demasia,  porque  os  immígos  entra*, 
não  de  voita  com  os  Portugueses  peia  entrada  da  coira* 
^a  nSo  temendo  nenhOas  j^ridas  ^  receliessem  sobrisso. 
"dS  mortes,  &  carregau^  tantos  que  era  medo  velos  €o« 
mo  arremetiSo  denodados:  &  isto  com  t«nç3o  denlrarS 
com'  os  Portugueses  dSuolta  na  fortaleza,  porQ  não  sa* 
biSo  se  terião  outro  tam  bd  tempo  como  este.  E  dom. 
loão  &  os  outros  que  ho  entendiSo  fazião  mais  do  que 
8e  esperaua  domfis  por  lho  defender,  &  pelejando  com 
esforço  milagroso  recoUiianse  pêra  a  porta  da  fortaleza. 
£  era  muyto  pêra  louuar  a  nosso  senhor,  de  como  os 
Portugueses  sendo  tão  potioos  não  ibrão  todos  espedaça» 
do8  dos  immigos  (}  erão  tantos  que  parecia  que  os  se- 
mião  antre  si :  &  com  tudo  chegarão  á  port«  da  forta- 
leza onde  se  recotherão  quasi  sem  esperança  de  não  en- 
trarem sem  os  immigos :  &  dÒ  loão  foy  ho  derradeyro 
que  entrou  pelejando  tão  brauamSte  qne  parece  Q  des- 
pois  de  Deos  ele  foy  o  (}  resistio  aos  immigos  que  não 
entrassem :  &  foy  todo  cubeKo  de  frechas  de  que  ho 
ferirão  quatro.  E  prouue  a  nosso  senhor  que  neste  tão 
brauo  conflito  não  morrerão  mais  que  os  ^  disse ,  mas 
•forão  quasi  todos  feridos:  &  dos  immigos  morrerão  tan- 
tos {)  ho  chão  6coa  todo  cutierto ,  &  se  dÕ  loão  passou 
fora  grade  perigo  em  pouco  menos  achou  os  que  ficatrão 
na  fortaleza ,  porque  mvytos  dos  immigos  vendo  a  bra- 
va peleja  que  yn  fora ,  parecèdolbe  que  todos  os  Portu- 
gueses estauão  nela ^  &  ^  nãoauia  quem  defendesse  a 
fortaleza  poserão  as  escadas  em  hit  cobelo  da  bãda  da 
cidade,  &  começarão  de  sobir  por  elas,  mas  os  !)  esta- 
não  nele  acodirão  logo  a  dçfettdelo  lançado  panelas  de 

LIVRO  VI.  HH 


t4t  JDA   HISTORIA    ]>À   INiXA 

poiuora  8obre  os  inimigos :  poreoi  coido  erSo  rouytos  aín^ 
da  que  bus  cayão  queimados,  oulros  Bobiào  logo.  £  esp- 
iando nesta  pressa  chegou  dom  loâo  &  foy  ajudar  a  d&* 
fender  a  subida  aos  imigos  que  foráo  lào  mai  iratac/o» 
que  deixarfto  a  pertia  de  quererem  eobir.  £  porque  09 
morlus  eião  uiuj^íus  &  se  ficassem  ali  poderifto  corrõper 
bo  ar  ctiU)  ho  íedor^  mandou  do  loão  dizer  do  muro  por 
hu  iingoci  aos  imungus  que  seguramente  podião  tirar  dali 
os   mortus,  <|ue   ele  Ibes  daua  sua  fé  de  nâo  recebera 
{x>r  issu  dano:  &  assi  lio  tizerto,  &  foy  fejU)  grande 
pranto  (lulos  mortos»  C  el  rey  de  CaUcut  sen  tio  muyío 
iio  dánó  (|  os  seus  receberão  de  tSo  |)oucos  Portuguese^^^ 
âc  muyio  mais  lio  seu  atreuimento  de  terem  ho  seu  po^ 
der  eu)   táo  |k>uco  ^  que  assi  ousarão  de  desembarcar 
diante  deie. 

C  A  P  I  T  V  L  O     CXIL 

De  como  ho  gauemador  mandou  mais  socorro  a  dimí  loâo. 

V  endo  Duarte  dafonseea  o  Q  fez  ChrislouSo  jusarle^ 
as{^erou  ale  que  tornou  a  vira<jão,  com  que  ao  outro 
dia  entrou  no  arrecife  fc  chegouse  a  terra  bo  mais  qu0 
pode.  lí^  porQ  ho  dia  passado  vira  bo  perigo  que  auia 
em  dtíseuib^ircar  nil  ho  quis  fazer  sem  saber  de  dõ  ioão 
o  que  faria,  &  per  bvi  escrito  que  mâdou  lançar  com  bíia 
frecha  em  terra  )kiO  preguniou,  £  auido  Ho  escrito  per 
dom  loâo,  pos  em  conselbo  o  q^ue  Uie  mandaria:  &  pra- 
ticado bo  risco  qu^  correrão  de  os  matarem  a  todos ,  & 
de  lhes  entra,rem  os  immigos  a  fortaleza.  E  como  esta- 
uâo  muyto  feridos,^  assenWuse  \  Duarte  dafonseea  não 
desemb^ircasse,  porque  como  não  fosse  bâ  corpo  de  qui- 
nhentos hoinSs  nâo  podião  desembarcar  sem  passareoi 
ho  perigo  que  pasmarão  ,&  assi  os  da  fortaleza.  £  \  pêra 
}ko  gouernador  lhe  mandar  socorro  não  podia  ser  de  m^ 
nos  ^  de  quinhfitos  bomSs  que  tambS  erão  muyto  na- 
icessarios  por  aup^  dos  waytG»  feridos  que  auia^  &  peia 


LIVRO   VI.   GAPITVLO   CXII.  243 

resifitireiíi  aos  fortes  combates  que  esperaoao  cegando- 

lhes  a  caua  como  parecia  que  os  iinigos  queriâo  fazer 

com  ho  entulho  2)  ajfltauSo :  &  assi  ho  escreueo  dõ  loão 

ao  gouemador,  &  tâbS  Ghrislouão  jusarle.  R  deitadas 

as  cartas  com  buas  frechas,  parliose  Duarte  dafonseca 

leuando  a  outra  caraueia  em  sua.  companhia :  &  ainda 

perto  de  Calicut  achou  Francisco  de  Vasconcelos ,  que 

«abendo  o  que  passaua  lhe  deu  bo  recado  que  ieuaua  do  v 

gouernador,  peio  que  Duarte  dafonseca  lhe  deu  a  outra 

«arauela  com  que  se  partio  pêra  Cananor,  &  Duarte  da* 

fonseca  seguio  sua  viagem  pêra  Cochim ,  onde  chegou 

cd  menos  trabalho  por  ser  quasi  na  fim  Dagosto,  &  c5* 

tou  o  que  passara  em  Calicut  ao  guaernador,  a  que  deu 

as  cartas  Q  Ieuaua.  £  visto  por  âe  quâ  malCbristouSo 

jusarte  goardara  seu  regimento,  ouue  mu; to  grande 

menencoria ,  mas  perdooulhe  por  quSo  bS  ho  íizéra.   E 

vendo  quanto  importaua  ho  socorro  da  fortaleza:  &por^ 

se  temeo  doutro  desarrãjo  no  desembarcar,  determinou 

deseoiher  algQ  homem  de  confíflça  pêra  isso,  &  este  fqjr 

Frãcisco  pereyra  pestana  home  sobre  os  diatt ,  bõ  caua- 

leyro  &  rico  que  poderia  leuar  gente  por{|  tinha  (]  gasr 

tar:  &  mandando  ho  chamar  lhe  deu  conta  do  aperto 

em  {)  estaua  a  fortaleza,  pediadolhe  que  fosse  ho  capi*^ 

tio  mór  do  socorro  pois  importaua  tanto  ao  seruii^o  dei 

tey ,  ^  Frãcisco  perejra  aceitou  por  essa  causa ,  posto 

que  estaua  pêra  se  ir  aquele  anno:  &  não  sontfite  quis 

seruir  el  rey  nesta  jornada,  mas  ainda  lhe  emprestou 

Ãez  mil  pardaos  douro  que  lhe  ho  gouernador  &  vedor 

da  fazenda  pedirão  emprestados*  E  tenrdo  ho  gouerna* 

dor  a  vontade  de  FrScisco  pereyra  pêra  ir,  fez  logo  a 

mayor  parte  dos  quinhentos  homSs  Q  se  embarcarão  na 

mesma  caraueia  de  Daiarte  dafonseca,  &  em  hu  nauio 

de  Q  era  capitão  bu  Pêro  velho,  &  é  hila  barca<;a,  & 

em  duas  galeotas:  &  roãdoulhe  que  Francisco  pereyrn 

fosse  è  hfla  das  galeolas,  de  Q  era  cnpitão  António  da 

siiueira*  E  safdo  a  galeota  pola  barra,  quehroulbe  ha 

háwey  pelo  9  Fianeisco  pereyra  não  quis  ii  aela>  Suám^ 

HH  2 


244  nA    HISTORU    DA   ÍNDIA. 

fie  ao  gouernador  que  iria  em  bfl  galeão  (^  se  deitaua  ao 
mar  pêra  ir  com  socorro  a  Calkul.  E  ho  gouernador 
quisera  que  fora  na  galeota  Q  logo  se  concertou,  mas 
ele  nã  quis:  &  porQ  o  gouernador  ho  conhecia  por  de 
sua  cõdição  não  quis  perfíar  coele ,  &  deixou  ho  ir  n^ 
galeão :  ^  porque  eslaua  de  vagar  &  ho  socorro  era  ne- 
cessário de  pressa  &  esiaua  prestes,  deu  a  capitania  mòr 
dele  a  António  da  silueira  ate  Calicut^  dandoihe  por  re- 
gimento que  auendo  necessidade  de  lançar  gente  fi  ter- 
ra a  lançasse ,  &  quando  não  i)  esperasse  por  FrScisco 
pereyra  (}  ya  após  ele  no  galeão.  E  por^  ho  gouernador 
era  certificado  polas  cartas  de  do  leão  &  de  Christouft» 
jusarte  da  maneyra  ^.  os  imigos  combatião  a  fortaleza  ^ 
&  dos  petrechos  ^  tinhão :  começou  de  se  fazer  prestes 
pêra  partir  após  este  socorro.. 

CAPITVLO    CXIII. 

De  como  os  imigos  assentarão  dons  trubucos  ^  ^  de  cofna 

foy  queytnado  ká  deles^ 

\Js  mouros  ^  estauão  cõ  elrey  deCalicut  âdáuão  muy- 
to  corridos  do  pouco  Q  faziâo  cõtra  os  Portugueses ,  & 
fizerão  armar  dous  trabucos :  hCL  nas  casas  ^  forão  da 
feytoria ,  &  outro  nas  da  ferraria  com  senhos  bastiães 
diante  de  cada  hii,  pori}.  a  artelharia  da  fortaleza  os  nã 
podesse  desmãchar  como  ao  outro ,  &  armados  começa- 
rão de  tirar  coeles  á  torre  da  menagem  &  a  outras  par- 
tes em  que  fazião  muyto  dano:  &  cÕ  medo  das  pedras 
^  cayã  a  miude  nã  ousauão  os  Portugueses  dãdar  pola 
fortaleza.  E  Diogo  pirez  ho  condestabre  como  era  homS 
és  cuydado,  trabalhou  logo  de  ter  inaneyra  pêra  osdes- 
manchar,  porque  cõ-  os  bastiães  ^  os  encobrião  não  lhes 
podia  tirar  cõ  nenhu  tiro,  &  fez  hQs  pelouros  arteíiciais 
que  queymassem  õde  dessem  cÕ  determinaçã  de  tirarás 
easas  da  ferraria ,  por^  dali  via  sayr  algfias  pedras  ,  & 
mais  via  de  noyte  ali  candea ,  por  Õde  lhe  pareçep  que 


UVRO  VI.   CAPITVLO   CXllU  246 

estaua  hi  algii  dos  trabucos.  E  apontando  hu  (iro,  ti- 
rou lhe  hQa  noyte  dos  quinze  Dagosto  dia  da  Assunção 
de  nossa  senhora ,  &  ho  pelouro  Q  era  de  fogo  arteficiai 
cayo  ondestaua  ho  trabuco.  &  pegou  se  no  bastião  &  dali 
se  ateou  ao  trabuco:  &  os  immigos  nuca  ho  poderão  a- 
pagar  com  as  bombardadas  &  espingardas  que  Ioga  co- 
meçarão de  }ugar  da  fortaleza  ^  &  pescaufto  os  que  se 
descobrião:  &  isto  por  os  Portugíieses  os  verem  com 
bombas  de  fogo  que  tinhâo  acesas,  &  grande»  fogueiras 
que  auia  no  arrajal.  R  vendo  os  immigos  que  não  por 
diãa  apagar  ho  fogo  do  trabuco ,  tj^uiseranse  vingar  dos 
Portugueses,  &  cuydando  de  lhes  fazer  dano  tirarão 
com  sua  artelharia  &  espingardaria  a  toda  a  fortaleza : 
a  j)  os  Portugueses  responderão  com  a  sua ,  &  foy  hii 
brauo  jogo  que  durou  todo  ho  quarto  ida  prima,  &  forão 
mortos  &  feridos  dambas  as  partes ,  principalmente  da 
dos  imtgos  que  fiei^ão  muyto  tristes  por  lhes  arder  ho 
trabuco  sem  lhe  poderè  valer,  &  assi  ho  ficou  el  rey.  E 
parecendolhe  que  quebraria  os  corações  aos  Portugue* 
ses  lhes  mandou  dar  mostra  de  toda  sua  gête ,  aparta«> 
dos  hOs  dos  outros,  espingardeiros ,  frecheiros,  &  os 
descudos  de  laça ,  &  despadas.  £  todos  passarão  sem 
se  deter&:  &  como  erâo  tãtos  como  disse  era  medo  ve- 
los. E  com  quâto  passauão  de  pressa,  a  nossa  artelha^ 
ria  que  não  fazia  se  não  tirar  pescou  muytos.  E  dom 
loão  entendêdo  a  mostra  que  lhe  dauão  &  a  causa  por« 
que ,  porque  desse  a  entêder  aos  imigos  que  os  não  es- 
iiroaua  mãdou  logo  embãdeirar  a  fortaleza  &  tanger  as 
irõbetas ,  &  fazer  grandes  festas :  do  que  el  rey  se  es- 
pantou muylo  quando  ho  soube  ,  &  jurou  ^  se  tomaua 
es  Portuguesea  que  os  auia  de  matar  a  todos :  &  conso- 
louse  cõ  o  outro  trabuco  que  ficaua  y  que  este  não  pode 
Diogo  pirez  nunca  queimar  nem  desmanchar,  por  não 
ver  donde  estaua ,  &  porque  ho  não  visse  nã  tinhão  de 
Boite  candea:  mas  este  não  podia  fazer  tanto  dano  co«^ 
mo  os  outros  por  não  estar  em  lugar  pêra  isso. 


84S  OA  HMToku  DA  INOTA. 

C  A  P  I  T  V  L  O   cxini. 


T 


De  como  foy  qtmmada  kãa  numia  dos  imigas. 


èmSdo  o8  mouros  que  cS  tam  pouco  co«io  faziâo  con- 
tra o8  Portugueses ,  se  enfadasse  eirey  do  cerco  &  he 
deixasse,  andauã  muylo  de  pressa  a  inuenlar  ardijs 
com  Q  lhe  dessem  esperança  de  lhes  fazer  mal ,  &  ho 
antreleuessft  na  guerra :  &  por  isso  nunca  deixauão  iio 
Ceziliano,  (}  eomo  sabia  muylos  lhos  daua  a  miude.  £S 
o  2)  lhes  enlfto  deu  foy  minarft  ho  baluarte  do  feytor  ^ 
estaua  da  banda  do  sul,  pêra  lhe  darem  fogo  com  {|  ho 
derribassem,  &  despois  de  derribado  entrariâo  facilmen- 
te. E  pêra  ho  minarè  milbor  por{)  ao  derredor  da  foría* 
leza  era  tudo  area^  &  não  se  podia  fazer  mina  sem  ar^ 
runhar:  &mais  por  os  Portugueses  a  não  verem  &  lhes 
não  tirarem ,  ordenou  hQa  manta  sobre  seys  rodas  com 
^  se  encobrissem  os  {}  minassem ,  &  pêra  ter  a  área  ^ 
não  arrunhasse  hOs  payneis  de  vigas  ^  sempre  auião  de 
garrar  cõ  a  manta«  E  pêra  esta  obra  auer  efieyto,  leua« 
rão  mão  da  albarrada ,  &  acodirão  todos  a  eia :  &  coma 
erão  muytos  furão  logo  acabados  os  payneis  &  a  mala  ^ 
&  começouse  a  mina  hua  noyte*  E  quis  nosse  senhor 
que  a  outra  dantes  foy  Bastião  ho  arrenegado  cãtãdo 
pola  caua  em  Português.  Goarda  debaixo ,  dando  a  eu* 
ifider  aos  Portugueses  Q  se  gpardassem  da  mina.  E  es*- 
tas  palauras  entfideo  dõ  loão  o  que  querião  dizer ,  quan- 
do ao  outro  dia  vio  a  manta  cò  os  painéis  l\  logo  estra^ 
nhou  por{|  os  não  via  dantes.  E  isto  entendido ,  pos  em 
conselho  ho  modo  Q  se  teria  peva  a  mina  não  ir  aoante 
pelo  muyto  grande  perigo  ^  disso  se  seguia.  E  foy  a^ 
cordado  que  se  queymasse,  &  porque  os  imigos  não 
podessem  apagar  ho  fogo,  Q  deitassem  por  hfla  genela 
do  mesmo  baluarte  do  feitor  hQ  calabrete  Q  atarião  em 
duas  rodas  da  maota ,  &  dali  seria  alada  per  hil  cabres» 
tante  ^  ficaria  armado  no  mesmo  baluarte,  a  que  ho 


LiTfto  Yu  eAPmnx)  cxnif.  S47 

eatabrete  estaria  dado.  E  pêra  fazer  este  feyto  &>y  ea« 
colhido  dòm  Vasco  de  iima^  ^  de  noyie  se  poeria  em 
Cilada  cÕ  corenta  boaiSs  pêra  lolber  aoa  iminigoa  qu« 
nâo  apagassem  bo  fogo  da  luaBia.  E  asai  (oj  t\yio  & 
alre  os  corenU  que  leuaua  dõ  Vasco  lòrâo  António  de 
sá^  &  Fernáo  de  lima,  &  lorge  de  ii«ia,  &  sayr&o  to* 
dos  per  hCía  bombardeyra  do  muro,  &  recolberanse  ao 
canto  dfl  traués  (^  jugaua  pbra  bo  mar:  &  dÕ  Vasco,  & 
António  de  sá,  Fernão  de  lima,  lorge  de  lima,  bi» 
condestabre  Diogo  pirea  &  dous  bombardeyros  (urào  a*» 
tar  bo  caUibrete  per  duas  aselbas  nas  duas  rodas  da 
manta.  E  feyto  sinal  acs  Q  encima  estauão  ao  cabres^ 
tanle  Q  a  manta  estaua  amarrada ,  começaràna  daiaf 
pelo  calabrete«  £  tudo  isto  se  fez  sfi  os  mouros  bo  sinti^ 
rem ,  assi  polo  grande  escuro  ^  fazia  como  por  eles  es- 
tare  ocupados  com  os  sentidos  em  suas  ceas  que  fazião 
tom  grande  festa ,  por  nâo  comerem  maia  que  a  noyte 
Q  era  neste  tempo  a  sua  coresma  a  que  cbamão  reme* 
dáo :  &  nunca  sintirào  nada  se  nâo  quando  a  manta  eo» 
meçou  darder  eum  bo  fogo  arteíicial  que  lhe  foy  posto, 
a  que  acudirão  k^o  pêra  bo  apagar,  &  acodindo  virão  ^ 
lha  leuauflo  sem  verfi  quS,  do  Q  se  espantarão  muylo« 
£  começando  doulbar  pêra  6de  a  leuauào,  remeie  d6 
Vasco  od  os  Q  eslauAo  cuete  ttràduibes  muytas  es  pingar^ 
dadas  com  Q  oe  lizerio  deter  que  não  passassem  auante.. 
J£  neste  tempo  fiy  a  niaata  impinada,  &  os  Portugue-» 
ses  ficarão  quasi  emparados  eoeia  das  muytas  espingar* 
dadas  &  friishadas  ^  ^*  Imigoa  começarão  de  tirar  qui* 
áo  os  virão:  no  que  durarão  pouco  por^  os  fez  fugir  fi^ 
artelbaria  ^  C4>meçou  de  jugai  do  traués  Q  digo.  £  ven^ 
do  dd  Vasco  {|  a  mata  estaua  em  saiuo,  ricuibeose  peia 
bombardeira ,  por  õde  sayo  )a  qa^iai  no  cabo  <io  quarto 
dalua  ^  tanto  durou  este  feyto:  de  i^  os  mouras  ficarão 
muyto  corridos  por  verft  era  qu&  pouca  conta  os  tinbãa 
çs  Portugueses  ,  &  quã  tàcUméíí^  Uies  desfaaião  aeus  ai> 
dis.  £  el  rey  de  Calícut  eataua*eapan4ado  de  tamanho 
esfec^  dumAs  ^  Sc  à»  %uã  pouao  eslimauão  seu  poder  ^ 


S48  lU   HISrORrA   DA    ÍNOTA 

que  dauSo  mil  vetes  rebates  a  sua  gSte:  &  parecia  ^ 
nenhQ  trabalho  os  cansaua^  &  dizia  aos  mouro^  que  fi* 
será  mal  de  tomar  guerra  cõ  taes  faomês.^^£..'ele8  ho  cô- 
gelhauílo,  dizendo  que  nio  se  agastasse,  por{)  poucos 
contra  muytos  nilca  poderão  durar  niuyto:  &  que  oe 
Portugueses  se  auilo  de  deminuir  tanto  por  quão  poa-* 
cos  erão ,  (|  ou  se  lhe  auião  denCregar  ou  os  auia  de  to^  - 
mar  por  não  se  poderem  defender,  &  fízerfto  faxer  outra 
oianta  pêra  minar  pela  mesma  maneyra  ho  baluarte  da 
fioluora,  &  Diogo  pirez  Ihespedaqou  a  manta  com  hil 
camelo  a  cujo  tiro  estaua.  Do  ^  el  rey  ficou  ião  aborre«> 
eido  por  tomar  nisso  agoiro  que  não  quis  que  fizessem 
mais  minas,  &  mandou  que  tornassem  a  traballiar  na  ai* 
barrada« 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXV. 

De  como  dom  loâo  fez  húa  tran^ueyra  sohre  ho  mtiro' 
conira  húa  aWarrada  que  os  únmigoe  fabricauâo. 

JCi  trabalhãdose  nela  c3  muyta  diligencia ,  começou  lo^ 
go  de  crecer:  o  que  daua  rouyto  cuydado  a  dom  loão^ 
pori|  cuydaua  Q  lhe  querião  os  immigos  entulhar  a  caua 
da  fortaleza  pêra  lhe  sobirem  a  eia,,  o  que  receaua  por 
amor  da  pouca  gente  que  tinha.  E  porem  muyio  mayor 
perigo  se  lhe  aparelhaua  na  albarrada  seouueraefleytor 
por^  sem  duuida  fora  entrado  dos  immigos ,  &  morlo 
com  quantos  estauão  coele,  Q  fora  cousa  com  ^  todos  os 
mouros  da  índia  se  leuãtarâo  logo  contra  quãtos  Portu*^ 
gueses  auia  nela.  E  porque  os  de  Calicut  não  vissem  es^ 
te  prazer,  &  os  Portugueses  não  recebessem  tamanha 
desonra,  parece  que  quis  nosso  senhor  Q  se  descobrisse 
o  segredo  da  albarrada.  &  foy  que  falado  bo  Cezíliano 
com  dft  loão  lhe  disse  como  Q  lhe  pesaua  que  el  rey  de 
Calieut  ho  auia  de  tomar  c5  quantos  estauão  coele,  sem 
Hies  valer  sua  defensam,  o  que  disse  em  Castelhano, 
do  que  dom  loão  deitou  mão,  &  folgou  de  praticar  coe^ 
le  pêra  ver  se  podia  saber  por  ole  4^gika  çoasa  da  <^ter« 


LIVRO  VI.   CAMTVLO  CXV.  «49 

minaçSo  àos  Imigos:  &  inuyto  mais  quando  lhe  disse 
^ue  homS  era,  &  dali  por  diãte  falaua  muylas  vezes 
coele.  E  falando  bu  dia  ho  Cesiliano  de  ter  por  certo 
<|ue  dom  loSo  auia  de  ser  tomado  €om  a  albarrada  lhe 
disse  o  pêra  que  era,  mostrandose  muyto  triste  por  ia-- 
«o.  E  dom  loâo  como  era  prudente  disimulou,  &  rindose 
Jhe  disse  que  bê  sabia  ho  pêra  Q  a  albarrada  era  porque 
ja  vira  outras,  &  porisso  a  conhecera  &  buscara  logoho 
remédio  pêra  se  defSder  dela  como  veria  quando  fosse 
tempo:  do  que  ho  Ceziliano  ficou  muyto  espantado:  & 
dõ  loão  deu  muytas  graças  a  nosso  senhor  por  lhe  des* 
cobrir  aquele  segredo :  &  contouho  a  dom  Vasco  &  aos 
outros  fidalgos  com  grade  prazer.  E  logo  na  noite  se-- 
guinte  com  a  mayor  parte  da  gente  da  fortaleza  come- 
çou de  fazer  htla  tranqueira  sobre  ho  muro  da  banda 
dõde  «e  fazia  a  albarrada:  &esta  trãqueira  era  de  duas 
ordSs  de  vigas  muyto  grossas  metidas  no  entulho  do 
muro  com  outras  atrauessadas  das  partes  de  fora  prega- 
das com  pernos  muyto  grossos.  E  esta  obra  se  fez  esta 
noyte  cõ  muyta  pressa  &  era  pêra  sobrepojar  por  cima 
da  albarrada ,  pêra  que  os  Portugueses  defendessem  ne- 
la que  não  podessem  os  imigos  entrar  poio  muro,  o  que 
se  auia  de  fazer  cÕ  hua  andaina  dartelharia  que  se  auia 
dassentar  nesta  tranqueyra  de8|)0Ís  dentulhada.  E  quS- 
do  ao  outro  dia  os  immigos  virão  este  dasafio  derâohOa 
grande  grita,  &  ho  Ceziliano  "pelo  que  ao  outro  dia  pas- 
sara cõ  dom  loSo  logo  entendeo  o  que  era ,  mas  não  ho 
quis  dizer  por  não  dar  desgosto  aos  mouros ,  &  mãdou 
aquele  dia  apontar  nas  vigas  hti  tiro  grosso^  com  que 
lhes  tirarão  na  noyte  seguifite  andando  dom  loão  com 
outros  em  pressa  de  a  entulhar  &  ho  pelouro  acertou 
pela  quadra  de  hda  das  vigas ,  de  que  leuou  hâ  pedaço 
em  rachas,  com  que  forão  escalauradoe  nos  rostos  dd 
loão,  dom  Vasco,  lorge  de  lima  &  António  de  sá,  & 
íby  morto  hii  criado  do  sogro  de  dom  loão  com  hfia  pe- 
dra do  trabuco  que  tambfi  começou  de  tirar  cõ  toda  a 
mais  artelharia  dos  immigos,  Q  como  liuhão  muyta  poK 

LIVRO   VI.  II 


SftO  BA   HISTORIA   J>A   ÍNDIA 

uora  n£  estimauft  de  a  gastar  aeslea  tiros  perdidos  pêra 
ver  se  podião  espantar  coeles  os  Portugueses  pois  lhe  o£ 
podião  fazer  outri»  mal.  E  com  tudo  deraulhe  grande 
fadiga  toda  a  noyte  ,  mas  nem  por  isso  deixarão  daca- 
bar  dentulhar  a  tranqueyra  y  em  que  logo  forâo  assêta* 
das  certas  pe^  dartelbaria  ao  oliuel  daltura  que  a  al- 
barrada  podia  ter  com  que  dom  loão  6cou  seguro  dela. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXVI. 

De  como  querêdo  os  mauros  combaíer  a  fortaleza  c6  hãas 

mantas  de  campo  forâo  atalhados. 

iVluyto  agastados  ficarão  os  mouros  de  verê  esta  Irai^ 
queyra  por^  virão  que  era  muj  perjudiciai  pêra  ho  ef* 
feylo  que  esperauão  da  sua  albarrada.  E  preguntando 
ao  Ciziliano  se  aueria  outro  ardil  pêra  se  a  fortaleza  to- 
mar :  ele  deu  logo  ordem  com  que  forào  fabricadas  duas 
mantas  quasi  ao  modo  das  de  campo  daltura  do  muro 
da  nossa  fortaleza^  &  de  largura  de  quíze  palmos  feitas 
de  vigas  de  grossura  díi  &  dous  dedos  forradas  de  fora 
de  coiros  crus  por<}  não  se  lhe  podesse  pegar  fogo,  & 
estauâo  empinadas  cada  bQa  sobre  sua  grade  de  vigas  ^ 
andaua  sobre  doze  rodas  &  das  polas  das  matas  da  bá- 
da  de  dStro  tinbâo  hus  lirâtes  de  vigas  que  se  pregauão 
nas  pÕlas  das  grades ,  &  de  tirante  a  tiràle  se  fazia  b& 
andaimo  em  que  auiâo  dir  oylo  espingardeiros  pêra  tirar 
por  h&as  espiogardeiras  feylas  nas  mesmas  matas  aos 
que  esteuêssem  sobre  ho  muro  da  fortaleza  õde  auiâo  de 
chegar  9  &  detrás  delas  auião  dir  os  immigos  em  fieras 
pêra  se  empar  arS  da  ar  telharia  da  fortaleza ,  a  ^  chega- 
das as  matas  auiâo  de  sobir  por  escadas.  £  coestas  man- 
tas certihcou  ho  Ceziliano  q  enirartâo  a  íbrlaleza ,  por^ 
os  espingardeyros  despejariao  ho  muro,  que  ho  não  po- 
desaem  defender  delles  quando  sobisseni  poJas  escadas. 
£  segundo  ho  ardil  era  b5  &  b6  ordenado,  &  os  imini*- 
gos  tauy  tos  em  demasia  Hl  os  Portugueses  um  poucos 


LIVRO  VT.    CAPITVLO  CXTU  25 1 

como  erSo,  parecia  claramente  que  deaia  ser  assi,  K 
os  mouros  tendo  isto  por  muyto  certo  bo  disserSo  a  et 
rey  que  bo  creo,  &  derSo  porísso  ao  Cezilíano  muy  rw 
cas  joyas.  E  logo  íizerSo  fabricar  as  mantas  doiras  de 
buas  casas,  porque  as  nfio  vissem  os  da  fortaleza  senão 
quando  fossem  de  todo  acabadas.  E crendo  assi  osinou<- 
ros  que  daquela  vez  auiSo  de  ser  tomados  dõ  loâo  &  os 
outros  andauão  muyto  ledos:  &  segundo  a  cousa  estaua 
ordenada  assi  ouuera  de  ser  se  as  manias  ouuerâo  efley- 
lo^  mas  nosso  senbor  por  sua  misericórdia  ordenou  bo 
cdtrairo :  &  Bastião  descobrio  a  dom  loão  bo  segredo 
das  mantas,  &  boCeziliano  não  ousou  porque  lhas  dom 
ioão  não  atalbasse  como  a  albarrada.  E  sabido  isto  por 
ele  vio  as  pontas  das  mantas  que  sobrepojauSo  a  altura 
das  casas  detrás  dõde  se  faziâo ,  a  que  logo  mandou  ti- 
rar com  hfi  camelo  que  todo  hd  dia  tirou  ás  casas  ateí^ 
deu  coelas  no  chão  &  as  mantas  ficarão  descubertas ,  & 
hila  delas  estaua  acabada.  E  os  Portugueses  derão  gra- 
des gritas  com  prazer  de  as  verem ,  por{}  esperauão  de 
«s  desmanchar,  &  toda  a  noyte  jugou  bo  camelo  &  assi 
a  artelharia  daquela  bãda  que  tolhesse  aos  imigos  que 
aquela  noyte  não  andassem  coro  a  manta  por  diante,  & 
ho  mesmo  fizerão  os  Tmigos ,  &  nfi  bCls  nem  outros  não 
dormirão,  &  teuerão  toda  a  noyte  muyto  trabalho  ju« 
gando  ás  bombardadas.  E  como  aroanheceo ,  parecêdo 
aos  immigos  que  se  vingarião  dos  Portugueses  os  forã^ 
cometer  cÒ  a  mala  ^  tinhão  acabaria  postos  nela  os  es« 
pingardeyros ,  &  eles  defras  dela  em  fíeiras  leuando 
suas  escadas,  &  fazendo  grandes  ma  ti  nadas  de  gritas 
&  de  seus  instormentos  de  guerra:  &  coisto  despararfio 
toda  sua  artelharia ,  &  ho  trabuco  juntamente  lançaua 
suas  grandes  pedras  que  quando  caySo  parecia  queauião 
de  fundir  a  fortaleza,  &  começasse  bili  bem  brauo  &me« 
donbo  combate  de  tanta  diuersidade  de  cousas  pêra  fa- 
zerem mal  aos  da  fortaleza,  que  bg  se  parecia  goarda- 
ios  nosso  senhor  milagrosamente  de  todas,  porque  qual« 
quer  delas  abastaua  pêra  os  destruyr  de  todo  s^tldo 

II  2 


252  DA    HISTORfA    DA    ÍNDIA 

erSo  poucos )  &  a  forlakza  eslaua  danefícada  dos  conít- 
nos  combales  da  arlelharia,  em  que  sempre  dos  Porlu» 
^ueses  morriào  aigús,  ou  de  bõbardadas  ou  despingar* 
dadas:  de  que  nào  digo  per  ord3  os  que  morriáo  por- 
que ho  nati}  pude  saber,  se  não  que  a  este  tfi|>o  erâo 
4nor(os  dos  Portugueses  cincoenla  iic  eslauào  feridos  cè- 
(o  ou  mais ,  de  que  algus  pelejauâo  com  cSto  &  sessen- 
ta que  eslauâ  sãos.  E  comeqandose  esle  temeroso  com- 
ete anles  {|  a  outra  arlelbaria  da  fortaleza  começasse 
de  jugar ,  des|)arou  ho  condestabre  hu  camelo  com  Q  a^ 
cerlou  na  manta,  &  feyta  em  pedaços  a  fez  voar  per 
esse  ar,  espedaçando  tambS  os  espingardejros  Q  yão 
nela,  &  os  das  fieiras  que  yâo  detrás  de  que  matou 
muytos.  E  festejado  este  tiro  com  muytas  gritas  dos 
Portugueses,  &  muyto  tanger  das  trõbetas,  desparão 
todos  os  outros  com  seu  bràuo  Ímpeto,  &  fazem  acolher 
M  iromigos  que  estauão  descuberlos,  polo  que  nSo  re* 
eeberão  mays  dfino  nos  corpos ,  mas  na  outra  manta  8>, 
que  tambfi  foy  feyta  em  pedaços ,  &  assi  ho  forâo  tam- 
bfi  outras  duas  que  es  tau  ao  começadas ,  que  foy  ho 
mayor  mal  que  lhe  então  })odiâo  fazer,  ))orque  nestas 
mantas  tinhâo  toda  sua  esperança  de  entrarem  na  for- 
taleza :  &  coisto  ficarão  de  todo  desesperados  de  ho  fa- 
zer, ))rinci  pai  mente  el  rey  que  com  vergonha  quisera 
leuãtar  ho  cerco.  E  tflo  auorrecido  estaua  de  si  que 
nunca  quis  que  vsassem  de  mais  ardijs  coatra  osPortu- 

fueses  por  mais  que  os  mouros  ho  persuadirão  pêra  que 
o  cõsentisse ,  &  dizialhes  que  era  escusado ,  por2j[  erSo 
grades  íeyticetros,  polo  que  não  llies  podia  empecer 
causa  nenJiiia.  B  coeate  desgosto  mandou  logo  que  ces* 
fiasse  a  obra  da  albarrada  &  sobre  aquele  eníulbo  man- 
dou fazer  bua  tranqueyra  singela  de  palmeiras  euberta 
desteiras*  O  que  dÕ  loSo  teue  por  sinal  ée  sua  desespe- 
ração, &  assi  ho  disse  aos  que  estauão  na  fortaleza,  di- 
zendo que  se  alegrassem,  porque  dali  |X)r  diante  auiãe 
de  ser  desaliuados  do  trabalho  que  padecião.  E  derãe 
todo»  muytas  graças  a  nosso  senhor,  &  efiibandeirarâe 


LIVRO  VI.   OAPITVLO  CXTI.  268 

toda  a  fortaleza  9  &  tangerão  as  trombetas:  do  que  os 
mouros  se  «spãCarão  muylo^  &  se  virão  algús  natiios  no 
porto  pareceraihefi  que  era  vindo  socorro:  por  terem 
cartas  dos  mouros  deCocbiai  que  o  gouernador  se  faeia 
prestes  pêra  ir  socorrer  a  fortaleza,  por  tanlo  que  se 
apressassem  em  a  tomar:  &  por  isso  amiudauâo  unto 
os.ardijs  pêra  a  tomarem  como  disse.  £  vendo  que  el 
rey  não  queria  que  vsassem  mais  deles ,  combatião  a 
fortaleza  cada  dia ,  &  sempre  nqiatauão  &  feriâo  algús 
Portugueses ,  &  Ibes  dãneficauão  os  baluarles  &  muros, 
&  os  ti n hão  em  sobresallos  contíoos  com  lâo  amiudados 
combates  assi  de  nbyte  como  de  dia  com  que  os  nunca 
deixaqSo  repousar :  eom  que  padecerão  neste  tempo  tra- 
balho incõporlauel  de  continuamente  estarem  armados, 
&  pelejando  de  noyte  &  de  dia  com  tantos  pelouros  dar- 
telharia  tão  medonhos  que  lhe  tinhão  a  fortaleza  furada 
por  todas  as  partes,  &  com  tão  espantosas  pedras  de 
trabucos,  com  tão  bastos  pelouros  despingarda,  com  tão 
brauos  combates  de  não  cuydados  ardíjs,  com  que  de 
cada  vez  se  viâo  abra^^ados  da  morte,  &  com  terriueis 
dores  das  mortais  feridas  que  recebiáo,  &  por  derradei- 
ro com  estranha  fraqueza  que  lhes  causaua  ho  não  a^ 
mer,  porque  em  cinco  meses  em  que  ya  ho  cerco  não 
comerão  a  mayor  parte  deste  tempo  se  não  arroz  cozido 
em  agoa  sem  sal  porque  ho  não  tinhão :  &  enfastiauâae 
tanto  dele,  que  pêra  ho  poderem  comer  ho  mandauão 
cozer  aa  noyte  pêra  ao  outro  dia  estar  azedo  &  lhe  acha- 
rem algum  gosto*  E  estando  dÕ  loão  &  os  outros  neste 
trabalho,  chegou  hCL  dia  António  da  silueira  sem  nenhú 
dos  outros  capitãea  que  partirão  coeJe  de  Cocfai,  que 
todos  se  tornarão  do  caminho  não  podendo'«ofrer  homar 
que  os  comia :  &  entrando  no  arrecife  com  a  vira<^o 
surgio:  &  cuydãdo  os  immigos  Q  queria  desembarcar, 
acodirâo  bê  quinhentos  espingardeiros  a  hfta  estancia 
janto- do  mar,  donde  tirauão  muyto  rijo.  Surto  António 
da  silueira  escreueo  hila  carta  a  dom  loão ,  em  que  lhe 
mandaua  p^reguntar  ^  queria  ^  fizesse,  &  esta  leuou  h& 


\ 


t54  DA   HiarORTA    DA   ÍNDIA 

lK)m8  a  nado ,  Q  nâcâ  pode  daQla  vez  tomar  terra  com 
as  muytas  espingardadas  dos  inimigos^  que  matarão oq- 
tro  i}  tornou  com  outra  caria :  &  outro  foy  de  Doyia 
com  outra,  &  pode  sayr  &  deuha  a  dom  loSo  que  em^ 
creueo  a  António  da  silueira  que  não  desembarcase :  & 
se  lhe  podesse  mandar  algda  poiuora  que  Iba  mâdas8e« 
E  ele  lhe  mandou  três  barris  dela,  ^  forão  dados  denoi«* 
te  com  rouyto  perigo  de  peleja,  &  lhe  mandou  dizer  que 
esforçase  que  ho  gouernador  ficaua  de  caminho  pêra  lhe 
socorrer  com  o  que  dom  lofto  ficou  muyío  ledo,  &  dis«» 
seo  a  todos ,  que  íizeráo  por  isso  muyto  grAde  fesla.  Et 
dada  a  poiuora  como  António  da  silueira  estaua  só  & 
não  podia  fazer  nada  tornouse  logo  pêra  Gochim ,  onde 
chegou  muy  asinha,  por  ir  ed  vSto  a  popa,  &  contou 
ao  gouernador  o  que  fizera ,  &  como  ficaua  a  fortaleza 
&  em  Gochim  achou  os  outnos  capitães  Q  arribarâOir 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXVII. 

De  como  dom  loâo  foy  socorrido  por  Eytor  da  situeyra  : 
^  despois  por  Francisco  pereira  pestana. 

V^om  muyto  perigo  &  trabalho  (  pela  fortaleza  do  tenh- 
po)  chegou  Francisco  de  Vasconcelos  a  Gananor  pêra 
onde  partio  de  Galtcut  como  disse ,  &  chegado  deu  ho 
recado  do  gouernador  a  Eytor  da  silueira,  que  ja  esta-» 
na  prestes  pêra  isso,  &  por  falta  dembarcaçSo  de  nauios 
grandes  nâo  partia.  E  tanto  Q  Frãcisco  de  Vasconcelos 
chegou,  desembarcouse  co*aigíia  gêíe  na  carauela  &na 
galeota:  &  leuou  cinco  paraós  ligeiros  carregados  de 
mantimêtos  *&  de  poiuora:  &  deixando  a  fortaleza  en« 
comendada  ao  alcaide  mór  se  partio  peraGalícut,  onde 
chegou  na  fim  Dagosto»  E  ètrado  no  arrecife  surgio: 
&  cuydando  dom  loâo  que  queria  desembarcar  lhe  man-* 
dou  fazer  s^nal  que  não  desembarcasse,  E  k>go  os  Imi- 
gos  cuydando  que  queria  desembarcar  lhe  (irarS  muytas 
bombardadas ,  &  acodirâ.  muytos  i  praya»  &  Eiler  da 


LIVRO   VI.   CAFITVLO  CXVII.  856 

silueirâ  polo  siâai  Q  Ibe  foy  feito  se  deixou  estar,  ate  que 
foy  iK)}'le:  &  eotík>  inãduu  dÍ8[>arar  sua  arlelbaría  assi 
da  galeota  em  que  hia  como  da  carauela :  &  poe  se  ás 
bombardadas  cõ  os  imigos ,  pêra  Q  com  isso  perdessem 
ho  tenlo  dos  paraós^  que  ealre  ÚUo  partirão  pêra  (er- 
ra,  &  for&se  dereytos  á  coirama,  oode  os  dÕ  loâo  esta* 
ua  esperando,  acompauiiado  de  quarenta  honiSs:  &  os 
paraós  íorã  descarregados  9  de  bizcoy to ,  carne  pescado 
em  jarras,  cocos,  &•  outros  mantimentos  necessários, 
&  poluora  de  bõbarda  &  despingarda.  Esabgdodom  loão 
ho  socorro  Q  lhe  ya ,  &  como  ho  guuernador  se  fazia 
prestes  pêra  ir  logo,  mãdou  dizer  a  Eytor  da  silueira 
que  oâo  tinha  necessidade  de  mais  gente  que  a  que  es* 
taua  na  fortaleza  pêra  se  defender  ate  a  vinda  do  gouer* 
nador.  E  toda  aquela  noite  se  gastou  em  se  recolherem 
os  mantimentos ,  &  em  bòbardadas  &  espingardadas.  £ 
porque  não  era  necessário  estar  ali  mais  Eytor  da  sil* 
ueira  tornouse  ao  outro  dia  pêra  Cananor.  E  dom  loão 
por  quebrar  ho  coração  aos  imigos  conuidou  Bastião  cd 
três  postas  de  carne  de  salmoeira,  &  três  molhos  de  be« 
tele  fresco  que  lhe  mandou  deitar  do  muro.  E  bastião 
muyto  espantado  de  .as  ver,  as  anostrou  aos  imigos  que 
ficara  muy  tristes:  &  então  conhecerão  Q  dom  loão  fo^ 
ra  socorrido  com  mãtimentos :  &  ate  li  não  cuydauão  se 
não  que  Eytor  da  silueira  não  desembarcara  por  não  se 
atreuer:  &  estauâo  por  isso  muyto  ledos:  &  conhecen- 
do que  os  da  fortaleza  estailão  abastados  de  roantimfitos 
desesperarão  de  os  poderem  tomar,  porque  cuydauão 
que  a  fome  os  auia  de  lazer  fitregar,  que  bS  sabião  pe- 
Jos  naires  que  seruião  na  feitoria  que  não  tinbfio  mais  4 
arroz.  E  se  não  A>ra  por  eles  ntea  ho  souberSo,  por{| 
dom  loão  teue  sempre  tara  boa  vigia  na  fortaleza ,  que 
nilea  nenhft  escrauo  lhe  pode  fugir  pêra  os  Imigos.  E 
partido  Ejiot  éa  silueira  ja  na  fi«i  de  Setembro  chegou 
Francisco  pereira  pestana  no  galeão ,  que  com  achar  ho 
vfito  por  dananAe  &  oe  maives  muyto  grossos  se  ouuera 
de; findar,  &  eftMie  muytos  iim  surto  nu  fi>e  dotioám 


na  Vk   nifiTORIA    DA   tNDtA 

Ghatun,  que  se  isso  não  fora,  perderase:  Sc  chegfado 
ele  a  Calicut  surgio  defora  do  arrecife  pêra  esperar  pe^ 
los  outros  capitães ,  que  euydou  que  iossem  ter  coeJe  ^ 
te  entre  tanto  como  foy  noyte  mandou  ho  paraó  do  ga- 
leão a  terra  com  mantimentos,  &  moniçoSs,  cuydando 
^  dom  loSo  estaua  em   necessidade  deles.  £  sabendo 
dom  loSo  como  bo  paraó  ja ,  por  fazer  luar  muyto  claro 
ho  foy  receber  a  coirama ,  a  que  logo  acodirão  os  ímnií* 
gos :  &  sobre   ho  desembarcar  do  paraó  foy  hSa  braua 
peleja,  em  que  forão  mortos  cinco  Portugueses:  &  dom 
loSo  foy  ferido  de  htia  espingardada  S  bDa  perna:  & 
com  tudo  ho  paraó  foy  descarregado ,  &  se  tornou  pêra 
ho  galeão ,  com  recado  a  Francisco  pereyra  que  não 
desembarcasse  ,    porque  como  não  fossem  quinhentos 
horoõs  juntos ,  era  escusado  desembarcar  oulra  gente. 
E  dos  immigos  morrerão   nesta  peleja  algas:  &  forão 
feridos  tantos  das  nossas  espingardas,  &  queimados  de 
panelas  de  poluora,  que  lhes  cõueo  afastarense.  E  dom 
loão  se  recolheo  á  fortaleza  desapressado  deles :  &  en- 
tão se  achou   tão  manco  da   ferida  2)  tinha  (que  ateli 
não  sentira  com  a  fúria  do  pelejar)  que  foy  necessário 
leualo  lorge  de  lima  ás  costas,  &  foyjhe  necessário  dei- 
tarse  na  cama  porque  a  ferida  não  podia  sarar  em  pé, 
ho  que  ele  sentio  muyto  por  ser  em  tal  tempo,  &  pola 
necessidade  que  tinha  se  deitou. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXVIII. 

De  como  os  immigos  tomarão  o  paraó  do  galeão  com  a 
carrega  que  leuaua.  E  dt  como  cuydãdo  ti  rey  de  Ca* 
licut  q  dom  loãe  era  morto  ho  mandou  saber. 

JL^aK  a  três  ou  quatro  dias  tornou  Frãcisco  pereyra  a 
mandar  ho  paraó  a  terra  com  outra  barcada,  &  mãdou 
ho  pola  sesta ,  parecendolbe  !\  era  tempo  de  menos  pe* 
rigo  porque  estarião  então 'os  immigos  asseisegados ,  & 
Dão  acodiríão  por  lhes  parecer  que  não  iria  a  tal  tempo^ 


LIVJIO    VU    CAPITVLO   CXVIII.  2Ô7 

&  forSo  nèle  cinco  marinheiros  Portugueses  pêra  ho  re- 
marem. E   não  esperado  os  da  fortaleza  por  ele  a  (ais 
horas  não  ho  virão,  &  os  immigos  si :  &  vedo  bo  perto 
de  terra,  &  não  sintindo  reboii^  na  coiraça  como  das 
outras  vezes ,  foyse  hil  dos  seus  capitães  eom  algíis  de- 
les meter  na  coiraça,  pêra  ^  em  ho  paraó  chegando  ho 
apanhassem^  £  a  vigia  da  coiraça  começou  de  bradar 
que  entraiíâo  os  imigos  nela,  ao  que  acodirão  dom  Vas- 
co de  lima  &  lorge  de  lima  com  sessenta  homSs,  mas 
antes  que  chegasse  chegou  ho  paraó,  &  os  Imigos  ho 
apanharão  logo ,  &  ho  leuarã  carregado  pêra  diante  das 
suas  estãcias  cõ  os  cinco  marinheiros  Q  bião  nele ,  hus 
mortos  &  outros  feridos :  &  ho  capitão  quo  digo  cÕ  muy- 
tos  dos  Imigos  se  pos  coeles  á  porta  da  coyraça  quando 
a  vio  abrir  pêra  defender  a  dom  Vasco  &  aos  outros  que 
não  sajssem ,  &  foy  sobrisso  hfia  muy  ferida  peleja,  fi 
dom   loão  ^  ouuio  a' grita  chamou  pêra  saber  o  Q  era, 
&  f»ão  lhe  respondeo  mays  que  hiia  escraua ,  que  íhe> 
disse  -o  que  era ,  &  •()  os  Imigos  erão  muyíos.  O  'que  ele 
ouuiiido  não  se  pode  ter  que  fião  se  leuanlasse  fe^assen- 
touse  a  bua  genela  «de  grades  de  ferro,  donde  via  a  pe- 
leja- que  era  debaixo.  E  quando  vio  (}  não. podia. acodír 
começou  de  tirar  aos  Imjgos  com  duas  espingardas  que 
lhe  a  escraua  atacaua ,  •&  em  quãto  lhe  ceuaua  híía  U« 
raua  com  a  outra.  E  ^dali  matou  bê  trinta  dos  immigos 
em   quanto  durou  a  peleja,  por{|  os  tinha  a  tiro,  &  tí- 
Mua  a  saluo.  E  dom  Vasco  matou  nesta  peleja  ho  capi* 
tão  dos  Imigos ,  passandolhe  ho  escudo  com  hQa  lança , 
&  a  ele  por  derradeiro,  &  cayo  niorto.  £  com  sua  mor-p 
te  se  desbaratarão  os  immigos.  E  dom  Vasco,  se  reco- 
Iheo  indo  lorge  de  lima  ferido  de  hfta  espingardadaque 
lhe  leuou  a  coroa  do  capacete:  &  ho  mesmo  capacete  o 
ferio  hu  pouco  sobre  hfi  olho.  E  eles  recolhidos  dom 
loão  se  tornou  a  deitar :  &  a  peroa  se  lhe  agrauou  de 
maneira  que  lhe  ouuerão  de  saltar  herpra  nela;  E  por 
Francisco  pereyra.não  ter  paraó  não  mandou  mais  nada* 
a  fortaleza,  &  deixouse  estar:  £  os  immigos  fizerão 

LIVRO   VI.  KK 


S58  DA   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

grandes  alegrias  pola  íomada  do  paraó:  &  dali  torna rSo 
a  ler  esperança  Q  lomarião  a  fortaleza  j  &  combalíâtua 
brauaraenle:  &  mais  por  crerem  que  dd  loâo  era  ok^f* 
to,  porque  como  Basliâo  falaua  muylas  vezes  coele  a-* 
ehauao  menos*  E  preguntando  por  ele,  foy  tfae  diio  que 
•staua  ferido:  o  ^  ^'^  cÕtou  a  el  rey  de  Caiicut  &  aosi 
mouros  i}  fora  coisso  muj  alegres:  |iorque  crerão  que 
dft  loão  era  morto :  &  os  seus  poio  encobrird  dezifio  que 
esiaua  ferido.  E  pêra  saberem  a  verdade  disto  disserãe 
a  Bastião  ()  Ibe  mandasse  pedir  licença  pêra  ho  ir  ver» 
£  dom  loâo  quando  lha  ele  mandou  pedir  lhe  pareceo 
logo  o  ^  era  j  &  por  tirar  aquela  sospeita  lha  deu :  & 
quando  vio  Basiiâo  lhe  disse  o  que  enlSdia  de  sua  visi- 
tação, escõjurandoo  mujto  que  Ibe  dissesse  a  verdade  r 
Sc  ele  lha  disse ,  &  que  el  rey  de  Caiicut  lhe  queria  ta^ 
manho  mal  que  nenbfta  cousa  desejaua  mais  Q  maialo  , 
por  se  auer  por  muyto  injuriado  dele  por  se  Ibe  defen- 
der lanlo  tempo  eom  tam  pouca  gente,  tendo  ele  tama*-^ 
nho  poder.  E  dom  loâo  rogou  muyto  a  Bastião  que  Ibe 
dissesse,  que  posto  j|  ele  morresse,  que  cada  hik  doe 
que  estauão  na  fortaleza  erâo  pêra  serem  capitães  &sa>- 
biáo  da  guerra  mais  que  ele,  &  lhe  auiâo  de  fazer  mai0 
mal   do  Q  Ibe  ele  tinha  fey to :  porisso  que  não  ganbaua 
aada  em  sua  morte.  B  porêque  se  a  tâto  desejaua  que 
oÕbaiesse  em  pessoa  a  fortaleza  :  &  poderia  ser  Q  cÒsea 
fftuor  a  entrarião  os  seus  mouros  de  que  fazia  agrade  ca- 
bedal ,  &  Q  ho  matariâo :  por()  lhe  certiíicaua  4  ho  a^ 
ttião  dachar  na  dianteira  pêra  o  tomar  viuo  &  ho  man« 
dar  preso  a.  ei  rey  de  Portugal  pêra  lá  pagar  suas  trsy» 
ções-  &  maldades*  E  porS  qee  pois  não  auia  dousar  de 
oèbater  em  pessoa,  a  fortaleza  que  Ibe  n>gaaa  ^:  não  fu^ 
gisse  pêra  o  sertão,  por^  ele  ko  mádaria  basear  á  cida* 
de  com  a  arlelhavía.  E  dom  loão^  trabalhou  muyto  c4 
Bastião  que  se  temasse  pêra  nosso  senhor,  &  que  ele 
lio  leuaria  pepa Portugal  &  lhe  aueria  perda»  dei  rey,  8c 
ele  não  qisís.  £  dandcihe  dfl  loâo  de  vestir  ho  deapedio.. 


LIVRO  VI.    CIMTVLO   CXIX.  259 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXIX. 

como  os  imigas  quiserão  queymar  hum  baluarte  de 
madeira  da  fortaleza  ^  náo  poderão. 

JL>ai(iâo  €6  foy  logo  a  el  rey  de  Caliout ,  &  lhe  contou 
como  acbâra  dom  loSo  &  deulhe  ho  seu  recado  c5  oqu€ 
el  rey  se  indinon  rouyto  mais  conlrele ,  &  fazia  coinba«- 
ter  a  fortaleza  de  dia  &  de  noyte  que  nunca  dom  Ioâ« 
nem  outros  tinhSo  nenhfi  repouso  &  leuaufio  muyto  tra- 
balho. £  hfla  noyte  poserão  os  immigos  fogo  ao  baluar- 
te de  madeyra  por^  lhes  impidía  chegarem  á  porta  da 
fortaleza.  Dô  Vasco  de  lima  l\  seruia  de  capilSo  acodie 
iogo  c5  gSte  ao  baluarte  pêra  matar  ho  fogo,  &  os  ím^ 
migos  lho  defendião,  sobre  o  que  se  come<jou  anlrelet 
hfla  braua  peleja.  E  dom  loBo  que  soube  o  Q  passaua 
posto  que  estaua  ferido,  «ifldouse  leuar  ao  baluarte  aia* 
da  que  contra  vontade  de  todos,  porque  receou  que  ar« 
desse  ho  baluarte,  a  que  mandou  logo  leuar  muyta  ter« 
ra  pêra  apagar  ho  logo  porque  tsÕ  agoa  nXo  podia  ser., 
nem  os  Portugueses  (inbSo  muyto  lugar  fiera  t>  afaga- 
rem pola  dura  resistScia  {|  lhe  os  immigos  íaziio,  &  ho 
fogo  se  ya  embrauecendo  de  cada  vez  mais.  £  estando 
os  Portugueses  nesta  fadiga  quis  lhe  nosso  senhor  lesu 
Cbrislo  aoodir  com  chegar  naquela  hora  Eytor  da  sij- 
ueira,  (|  estSdo  emCananor  por  capitão  como  ^isse  em 
ausência  de  dooi  Simão  de  meneses,  desaueose  dom  Si-> 
mXo  em  Goòhim  do  gouernador ,  &  na  quis  mais  andat 
coele  &  tornouse  pêra  sua  capitania.  E  vendo  Eytor  da 
silueira  que  nSo  fazia  nada  emCananor,  pareceolhe  bem 
ir  goardar  ho  porto  de  Calicut  pêra  fauorecer  a  fortale- 
m ,  &  esperaria  hi  ho  gouernador  ()  sabia  que  estaua 
de  caminho,  &  embarcouse  na  galeota  deFraTictscd  de 
Vasconcelos,  &  leuou  consigo  a  carauela  &  algils  paraós, 
&  do  mar  vio  iio  fogo  {|  estaua  aceso  no  baluarte:  &co- 
abecendo  que  ^ra  na  fortaleza,  chegouse  a  terra  o  mais 

KK   2 


260  2>A    HISTOSCA    DA   INDtA 

{|  pode,  &  começou  de  desparar  sua  artelfaaria  com  H 
fazia  grande  eslrõdo.  £  ouuindo  bo  oB  immigos  lâo  de 
supilo  cuydarSo  que  era  ho  gouernador  por  terem  auiso 
dos  mouros  de  Cochim  que  era  ja  parlído  pêra  GaJicu^ 
em  socorro  da  fortaleza.  E  com  bo  aluoroço  desta  sos* 
peita  acodirão  logo  á  praya ,  não  somSle  os  jmmíg^oA  Q 
jdefendíão  que  não  apagassfi  os  Portugueaea  bo  fogo  c/o 
imiuarte,  mas  outros   muytos  de  todas  as  estancias.   E 
como  os  Portugueses  ^-  pelejauão  furão  desapressados  da 
peleja,  apagarão  logo  ho  fogo:  &  os  imigos  esteuerâto-- 
da  a  noyte  em  vigia,  cuydando  q  os  Portugueses  ^  ea^ 
tauSo  no  mar  desembarcassem,  mas  nè  eatâo  nem  des^ 
pois   não  desembarcarão ,  por  recado  de  dom  loâo  que 
íhe   mandou  iáçac  bua  carta  õ  que  lho  escreuia*  £  ao 
outro  dia  a  ftoyte  JEytor  da  silueira  se  pos  com  todos  oa 
nauioa  a  tirar  ás  bombardadas  aos  immigos ,.  &  entre 
lanto  mãdou  muytos  mantimentos,  &  [loluora  á  fortale- 
za pela.coiraça.  £  escreueo  a  dom  loâo  que  bo  gouer* 
nador  se  ficaaa  aparelhando  pêra  ho  socorrer ,  &  por  is- 
so se  ikâo  auia  dir  dali ,  &  auia  desperar  por  ele ,  Q.  se 
se  visse  em  necessidade^  de  gente  que  lho  mandasse  di- 
zer &  que  logo  desembarcaria.  £daii  a  poucos  dias  che- 
gou Pêro  de  faria  que  ya  por  capitão  mór  de  bCia  frota 
de  fustas  Q   partio  de  Goa  em  socorro  da  fortaleza  em 
que  yão  muytos  casados  de  Goa  á  sua  custa  a  seruir  e\ 
rey  ,  que  como  souberâo   do  cerco  posto  Q  era  inuerno 
fedífá  embareaçâo  a  Francisco  de  sá  &  partirão  quasi 
na  fim  de  lulho ,  &  por  ho  tempo  ser  muy to  forte  não 
ehegarã  mais  cedo.  E  eom   a  armada  de  Pêro  de  faria 
se  ajuntou  no  arreciie  de  Calicut  bua  arrezoada  arma- 
da ,^  cÕ  que  os  mouros  se  agastauão  muyto  porque  vião 
q4ie  daquela  vez  na  poderiâo  tomar  a  fortaleza ,  a  ^  a- 
miuda^ião  muyto  os  combatea:  mas  ja  os  que  eatau  ão 
nela  os  não   tinbão  em  conta :  &  também  lhes  tirauão 
muytas  bombardadas^  Sl  assi  os  £[  estauão  no  porto  com 
que  os  immrgos  estauão  muy  afrontados ,  &  os  mouros 
muyto  agastadi^a  &  eauergonhados  de  quão  pouco  tinhão 


UVIM  yU    OAPITVLO  CUC.  261 

feylo  oaqaiBle  cerco.  £  ^  rey  ^  Calicut  muyto  corrido 
.por  tomar  sen  conseibo:  &  c&  tudo  apercebeose  pêra 
receber  ho  goAernador» . 

C  A  P  I  T  V  L  o     CXX. 

De  como  ho  gouemador  socorreu  a  fortaleza  de  Calicut^ 
.    ^  do  conselho  q^  Uue  sokre  pelejar  com  os  mouros. 

Í^ .  ... 

Cabendo  bo  goueriiadpr  qiiâo  bê  socorrido  fora  dõ  loSo 
iàe  Jiiua^  descasou  algQ  tâte  do  cuydado  Q  tinha  de  sar 
ber  ()  efitaua  cercado  9  &  doe  cõbales  ^.  lhe  dauâo  oa 
jmigofi»  £  delerminou  de  bo  aã  yr  socorrer  se  nSo  co» 
«tenipo  feylo,  porque  fosse  com  toda  a  armada  Q  linha, 
íl  táo  poderoso  como  conuiaha  ao  gouernador  da  índia, 
Jko  que  não  podia  ser  sem  dar  ho  mar  jazigo ,  porque 
não  ho  dando  chegaria  a  Calicut  com  a  armada  espeda^ 
x^ada  &  sem  nenbíí  poder ,  ho  que  pêra  ho  tempo  era 
muy  perjudicial:  por  el  rey  de  Calicut  estar  muyto  po* 
derosQ,  &  os  mouros  cõ  grade. soberba,  &  se  vissem  bo 
gouernador  com  pequena  arinada  nfio  ho  terião  em  coa- 
ta :  &  com  grande  &  bè  fornecida  de  gente  &  dar  telha- 
ria licrecfitarselheya  ho  medo  que  dates  tinhão  dele.  £ 
•porque  ele  isto  sabia  partio  na  entrada  Doutubro,.  em 
4)ue  ja  ho  mar  estaua  seguro  dos  cÕtrastes  do  inuerno: 
.ti  leuou  hfta  armada  em  que  furão  mil  &  nouecètos  Por- 
tugueses» £  os  prlcipais  cápítaSs  forão  dom  lorge  de 
ineQeses,.di)m.  Jorge  leio.  de . meneses  ,  dom  Tristão  de 
noronha,  dõ  Âfõso  de  Oheaeses,.  dõ  Pedro  de  castelo 
branco,  loão  de  melo  dasiiua,  dom  diogo  delyma,  An- 
tónio da  siiueira,  IVlanuel  de  macedo,  Anrrique  de  ma- 
cedo,  dõ  lorge  de  erasto,.  lerge  eabral,  António  daze- 
uedo  irmão  deJMartim  lopez  da^ieoedo  senhor  de  Caures, 
Puarte  da£5seca,  Fernão  gomez  de  lemos,  António  da 
ailua,  António  de  lemos,  lorge  de  TascÕcelos,  António 
pessoa,  Rodrigo  aranha ^  &  outros  capitais  de  catures 
a  Q  não  soube  ofr  nom^s.  £  eoèsta  armada  chegou  ho 


HA   HmTORfA    HA   INOtA 

gouernador  ao  porto  deOaliciit  meado  Outubro  porcbe- 

far  cò  a  frota  jilta.  E  quando  tio  a  l\  estaua  no  porto  ^ 
cou  muyto  ledo  de  ver  ho  bÕ  cuydado  40s  PortttgueseB 
no  i}  cõpria  a  seruiço  dei  rey.  E  foj  ho  arroido  grâdís— 
aimo  da  artelharia  da  frota  {|  eataua  no  porto  que  sai* 
uou  ho  gouernador ,  coroo  da  sua  f[  saluou  ela ,  &  asai 
grtde  festa  de  gritas ,  &  de  mu jtas  trAbetas :  l\  foy  UE- 
to  (|  cQydarã  os  Imigoa  )|  ho  gouernador  deafibarcaiia  r 
&  acodirão  á  praya:  fazSdo  jugar  a  artelharia  f[  estaua 
pêra  ho  mar*  È  os  Portugueses  tSbS  lhes  tirarSo^  &ni»- 
to  se  passou  hft  pedaço  (|  eataua  por  passar  da^le  diac 
&  ao  outro  dia  6  amanhecSdo  por  ho  grSde  poder  !\  es- 
taua sobre  a  fortaleza ,  a  côbaterflo  os  imigos  cd  toda  a 
artelharia  ^  tinbio ,  ^  toda  tirou  jfltafadte  &  o  trabuco 
ooela,  &  passada  esta  primeyra  çurriada,  mostrarSse  to* 
dos  na  praya ,  os  adargados  diâte ,  &  detrás  os  espf»> 
gardeiros  &  frecheiros,  apartados  biís  dos  outros,  8c  aasí 
tirarão  pêra  ho  mar  cS  onuyto  o(Scerto  ,  &  dido  raedo^ 
ilhas  grilas  ^  foy  b6  pêra  espataré  £  ^si  se  éSfiatarSa 
os  Portugueses  j|  estaua  no  mar ,  de  i!«er  tãtos  imigoa 
j&tos  ()  ntlca  virão  tStos :  &  erã  nou8ta  mil  horoSs^  porj} 
posto  i)  dos  primeyros  nouSta  mil  muitosí  foesS  raortoa 
logo  se  refazia,  &  nfiea  faliãufto  deste  numero.  E  ha 
gouernador  folgou  muyto  de  os  ver  ))orque  soubesse  que 
aoma  fazião ,  &  deísandoos  b8  mostrar ,  lhes  mandou  ti«> 
rar  quando  se  recolherão :  &  eles  recolhidos  toriMU^  a 
cõbater  a  fortaleza ,  &  durou  ho  combate  todo  ho  dia% 
E  visto  pelo  gouernador  a  grade  fonja  4e  gente  que  oi 
imigos  tinbão,  &  quão  apercebidos  es tauão,  nem  por 
isso  perdeo  ho  esforço  com  que  partira  de  Goohim  pêra 
-pelejar  cd  eles,  antes  parece  que  se  lhe  acrecentou^ 
porque  isto  era  muyto  natural  nele ,  quanto  as  sousaa 
erão  de  mayor  perigo  tanto  menos  as  temia  &  desejaua 
mais  de  as  cometer ,  &  logo  ao  outro  dia  pelejara  com 
os  imigos,  ho  que  não  fez,  por  ho  regimento  que  tinha 
dei  rey  lhe  defender  que  não  cometesse  as  cousas  se* 
juelhaatea  sem  fazer  cdselho  geral,  &  seguir  a  parie  qu* 


LIVRO  VJ«  CAPlTfLO  CXX.  269 

teaetse  noait  voto8«  £  por  isso  juntos  ao  outro  dia  em 
câwlbo  lodos  OB  capílaSs  &  fidalgos  &  pessoas  princi^ 
paia^  lhes  propôs  ho  aperto  ê  que  estaua  a  fortaleza,  & 
a  gele  que  a  linha  cercada,  &  quão  soberbos  eslauão 
os  mouros,  &  a  genle  4  ele  leuaua,  pedindolhes  seug 
pareceres.  £  £3râo  que  não  ae  deaia  de  pelejar  com  os 
Imigos ,  jiorque  a  fora  lerá  muylo  demasiado  poder  de 
genle  &  grande  força  darlelharia,.em  cujas  bocas  auião 
de  desembarcar,  &  a  deseoibarcaçSo  era  moylo  roí,  poií 
ser  costa  braua,  &  andar  sempre  bo  mar  de  leuada,  pe^ 
lo  que  auiáo  de  desembarcar  a  nado,  &  os  immigosque 
logo  auiáo  daeodír  os  malarião  a  lodos  sem  peíeja,  & 
que  se  perderia  ha  estado  {|  el  rey  'de  Portugal  linha  na 
Índia,  que  importiaua  maia  que  aquela  fortaleza:  por 
isso  que  ho  bom  seria  lazer  pouco  caso  dela ,  &  despe^ 
jala  &  deixald')  &  lodoa 'quantos  eelauão  no  cõselho  fo^ 
rão  deste  parecer,  so^nà  Antonio  dazeuedo»  Francisco 
pereyra  pestana,  £jr(of  .da  silueira,  Manuel  de  rnace^ 
do,  &  dotn  loSo  de  liaia,  que  mãdou  por  escrito  ho  sea^ 
mo  gouernador :  &.  dtziào  esiea  qualra  que  estaufio  no- 
eonseiho,  que  nuca  ho  estado  dei  rey  de  Portugal  esle^ 
Hera  em  tanto  risco  de  se  perder  por  nSo  pelejarem  co-^ 
mo  naquele  negocio,. nem  nunca  comprira  lanto  pelèja<<* 
rem  pêra  ho  soslerera  como  então ,  &  maie  se  perderii^ 
nfio  pelejando  que  cem.  pelèjari,  por  quflo  perdido  esta« 
Mi  ho  credilo  doa  Porluguesies  na  Índia,  &  quio  aieuan^ 
tado  ho  dei  rey  de  Caliout  j^  que  wnnqita  mais  fora  ca«-< 
ligado,  despoia  da  morte  do  Marickal  &  do  deabaratil 
dafonso  dalboquerQ :  hua  ofensa  tamanha  pêra  Fbrtu* 
gueses.  £  pcnto  que  bo  não  fosse  pof  quão  daneficado^ 
ficara  Calicul,  abastava  que  os  mooroa  tinhão  <}  erá  o^ 
fensa,  II  se  eaião  lhe  deixassem  passar  sem  castigo  a-' 
queia  de  fazerfi  guerra  á  fortaleza,  &  poerSna  em  lama** 
nho  aperto,  que  desererião  de  todo  dos  Portugueses,  & 
os  nfio  leríão  em  n«*nhtla  conta,  &  logo  se  leuantarião 
contra  as  outras  fortalezas,  porque  veríSo  que  não  per- 
doauSo  se  nfio  ho  que  nfio  podiam  castigar :  &  por  isso 


164  OA    HUraSfA    Dl.  mDM 

de  necessidade  auiâo  de  pelejar^  pêra  qae  ao  menoff 
mosirassem  que  fizeráo  ho  que  poderão,  *&  que  esperas* 
sem  era  nosso  Senhor  que  os  ajudaria ,  cprao  ajudara  a 
Doarte  pacbeco  que  tantas  vezes  desbaratara  a  el  rejr. 
de  Calicut  sem  ter  gente.  E  {losto  que  a  rezâo  destes 
era  raujto  boa,  &  tai  parecia  ao  gouernador,  não  ío- 
maua  seu  parecer  porque  ho  contrairo  tinha  mais  vozes* 
E  por  não  se  determinar  de  todo.  que  não  peJejassem  ^ 
leuãlou  bo  odselho  deixando  a  -cousa  suspensa ,  psrecft- 
dolhe  que  em  outro  conselho  se-  deteroiinarta  que  peie* 
jassem  :  o  que  ele  desejaua  mujto  pêra  castigar  osmou* 
ros ,  porque  auia  por  grande  injuria  sendo  geuernador 
cercarem   aquela  fortaleza  ,  mas  como  via  tantos  contra 
si  &  não  podia  ai  fazer  se  nâ  eomprir  ho  regimento  qtie 
tinha ,  que  era  írse  cd  os  mais  pareceres  não  onsaua  de 
se  declarar:  esperando  como  digo  qua«em  outro  coose^ 
lho  ouuesse  outros  pareceres  nos  quexlizifto  que  não  pe- 
lejassem :  mas  nSo  os  ouue  em  «otoco  ou  seys  oonselhoe 
4   fez  despois  deste.  £  lodauia  sempre  os  aleuantaua 
sem  se  assentar  a  determinação  de  não  pelejarem,  oqu» 
não  podia  acabar  consigo.  E  neste  tempo  daufio  os  im*' 
migos  muy  brauos  combales  á  fortaleaa ,  por  darem  a 
entSder  ao  gouernador  ^  ho  nã  temião  y  &  ele  roandaua 
eada  noyte  mãtimStos  á  fortaleza.  £  indo  hfia  noyle 
dom  lorge  de  meneses  em  hâ  batel  carregado  deles  So 
de  duzentos  padeses  de  campo,  em  ho  descarregaoda 
carregarão  sobrele  mriiytoe  dos  immigos,  tirandoihe  com 
suas  espingardas  &  com  muylas  ffocaS'&  frechas  de  fo- 
go, &  era  medo  velas  de  noyte  poio  escuro,  &  mu^os 
se  metião  no  mar  com  croques  com  .^  puxauão  pek»  ba«< 
tel :  mas  conoo  dom  lorge  era  muy  to  esforçado  liurouse 
deles  com  matar  muytos  &  leuar  feridos  quantos  yão 
coele.  t 


■ » 


LIVRO   VI.   CAPITVLO   CXXT*  Í66 

CAPITVLO     CXXI. 

De  como  dom  loão  de  lima  deu  kú  rebate  no  arrayal  dos 
immigos :  ^  de  como  ho  gouernador  assentou  de  pele^ 
jar  ooeles. 

C>,  ^        •     -  -ri 

vantínuandose  estes  conselhos  acerca  de  pelejarem  com 
os  ímniigos  em  l\  os  mais  como  disse  erâo  l\  não  pele* 
jassem ,  António  dazeuedo  a  que  parecia  bem  que  bo 
fizessem,  pesaualhe  muyío  de  ver  camir>ho  pêra  não  pe- 
lejarem: porque  tinha  por  sem  duuida  que  auiâo  os  im- 
migos de  ser  vencidos,  &  que  perdiâo  os  Por4ugueses 
bua  m-uyto  grande  honrra  se  não  peiejauão.  E  porque  a 
não  perdessem ,  escreueo  a  dom  loão  o  que  passa ua : 
pedíndolhe  muyto  que  se  fosse  possiuel  desse  de  dia  hd 
rebate  nos  immigos,  que  esperaua  em  nosso  senhor  que 
auião  de  fugir:  &  que  então  veria  ho  gouernador  quão 
errado  era  ho  parecer  dos  que  dizião  que  não  pelejasse^ 
&  quão  bem  lhe  dizião  os  que  tinhào  ho  eonlrairo*  E 
esta  carta  mandou  per  hfl  seu  criado  que  foy  de  noyte 
a  nado,  &  leuaúa  a  carta  metida  em  cera  por  não  se 
lhe  molhar.  E  vista  esta  caria  por  dõ  loão,  folgou  muy* 
to  com  ho  conselho  Dantonio  dazeuedo,  &  tomando  ho 
de  al^fis  desses  fidalgos  que  estauão  coele,  assentou  da 
dar  hQ  rebate  em  hda  eslãcia  dos  Imigos  Q  estaua  onde 
se  chama  a  China  cola  da  banda  do  sul  em  Q  auia  me« 
nos  gente  que  nas  outras:  &  ordenou  que  hu  fidalgo 
chamado  lorge  de  Vasconcelos  que  fora  cõ  ho  gouerna- 
dor  &  estaoa  coele,  desse  ao  outro  dia  pola  sesta  na  es- 
tancia ()  digo  cõ  cincoenta  espingardeyros,  &  se  tor- 
nasse logo  a  recolher:  &  l\  ele  lhe  iria  nas  costas  pêra 
Jhe  acodir.  O  que  foy  feyto  ao  outro  dia  ás  horas  que 
digo:  &  entre  tãto  que  lorge  de  Vasconcelos  ya  dar  na- 
quf^la  estancia ,  mandou  dÕ  loão  aos  ^  (ícauao  na  forta* 
leza  {{  tirassem  espingardadas  ás  outras:  por^  ocupados 
08  immigos  nisso  não  sinlissem  lorge  de  Vasconcelos 

LIVRO   VI.  LL 


taC  t>A   HISTOBIA   DA   INDfA 

quando  desse  nos  que  auia  de  dar,  &  nSo  lhe  acodissS: 
&  assí  foy.  E  como  ele  era  mujto  esforçado,  &  oa  que 
yâo  coele  escolhidos  ferirão  muy  brauaniête  nos  immi-' 
gos  com  suas  espingardas ,  &  como  se  vtrfio  comeCer  táo 
rijo  &  assi  lio  de  supilo  furào  Lào  cortados  do  medo  que 
logo  SC  acolherão  &  deixarão  a  estancia  ficando  algus 
morlos,  &  nela  iomarâo  os  Portugueses  três  berços  & 
bua  bombarda :  &  ho  prinieyro  que  chegou  a  da  foy  h& 
fidalgo  mancebo  chamado  tielchiur  de  brito  da  cidade 
de  Beja,  que  saltado  sobrela  começou  de  bradar»  Amo- 
res, amores,  E  tomando  os  Portugueses  estas  quatro 
peças  pêra  as  leuarem  iizerâo  os  imuiigos  volta  «obreies 
eoin  outros  que  logo  acodirâo  lirldo  muy  las  espingar» 
dadas  &  roc<is  de  fogo  &  dando  grandes  alaridos.  E  sa 
a  este  tempo  dom  loâo  náo  efiteuera  cõ  lorg«  de  vascuo* 
eeloa  que  se  ya  recolhSdo,  ele  se  vira  eiu  grande  aírõ» 
ta,  porque  os  imigos  carregauào  muy  to,  &  h&a  espin- 
gardada  deu  (lor  bu  ombro  a  do  loão :  &  quis  Deos  que 
Dão  lhe  fez  mais  mal  ([  leuarlhe  quàto  lhe  alcançou  do 
eorçoleCe,  &  outras  matarão  ho  almoxarife  doa  mantH 
wentos  da  fortaleza  que  auia  nome  lorge  diaz  &biiaflio 
de  dum  Diogo  de  lima.  E  ja  neste  tempo  a  arlelharia 
da  fortaleza  desparaua  polas  outras  partes,  &  era  a  grp* 
la  muy  grande :  &  nisto  se  recolheo  dõ  lofto  com  algua 
feridos.  E  l>o  gouernador  que  vio  o  que  dom  loâo  fes 
folgou  muy  to,  porque  vio  com  cjuâo  pouca  coesa  os  im-* 
migos  se  começarão  de  desbaratar,  &  ij  se  fora  mais 
ibrça  de  gente  q  se  desbaratarão  de  todo  :  &  gabou  muy** 
lo  aquele  rebate,  dixendo  q  bem  viâo  todos  que  se  po- 
dia pelejar  com  os  imigos  &  ()or  isso  q  eJe  auia  de  pe^ 
lejar.  Do  C|  todos  os  que  erâo  contra  isso  âcarâo  muylo 
eorridos:  &  na  noyte  seguinte  escreueo  muy  tos  agar*-^ 
decimentos  a  dÕ  loâo  pelo  que  fizera  ,  &  assi  aos  ijsay*- 
pâo:  dizSdo  que  lhes  parecerão  todos  muyto  gentis  hlo^ 
mêsy  &  que  lhe  mãdasse  dizer  se  lhe  parecia  ainda  bei» 
\  pelejassem  eõ  os  imigos,  porq  ele  detereiioaua  de  pe*- 
lêjar  coeies :  por  isM  que  ihe  màiiasse  aige  home  que 


Lvirao  vi«  cAnrru>  cxxi.  267 

lhe.  disOTSMi  onie  desenbarcaMe*  G  dom  loSo  lhe  res* 
pondeo,  que  ainda  lhe  parecia  bè  q«e  pelejassem ,  &  ^ 
nuca  ootra  coma  diria.  £  ho  boBtem  i}  liie  mãdou  foy 
lorge  de  lima  que  lho  pedio^  &  foy  em  bua  almadia  re» 
mâdo  bo  hu  marinheiro  que  cfaaoiauão  ho  Guiado,  &<i 
almadia  foy  arrobada  cõ  hil  tiro  dos  Imigres  (jf  todaanoy^ 
le  tirauão,  por^  pescassem  os  ^  fossS  a  fortaleza,  Sc 
arrobada  a  aimadia  lorge  de  lima  &  bo  marinbeíro»  fbrSo 
a  nado :  &  chegados  á  frota  foy  lorge  de  lima  leuado  ao 
galeão  do  gouernador,  que  toda  a  noite  esteue  falando 
coeie,  enformandose  do  poder  dos  imigos^  &  assi  do 
que  passara  do  cerco.  E  ele  lhe  deu  t^  boa  en forma- 
ção, que  ho  gouernador  assentou  de  todo  de  pelejar.  E 
ao  outro  dia  logo  peia  menhaâ  chamou  a  cdselbo,  não 
pêra  tomar  mais  pareceres,  mas  pêra  declarar  a  todos 
como  auia  de  pelejar  cõ  os  Imigos.  E  porque  os  (\  eráo 
de  parecer  conirairo  nSo  ficassem  desconlStes  disselbes 
estando  todos  juntos. 

Como  quer  Q  muylas  vezes  ho  nosso  juyzo  se  en« 
gana ,  &  julga  por  falso  o  verdadeiro  &  a  verdade  por 
mentira :  acontece  ouXras  tâias  fazermos  obras  muy  des« 
uiadas  de  nossa  tenção,  pelo  Q  esta  deue  sempre  de  ser 
posta  na  vontade  de  nosso  senhor ,  pêra  ()  por  sua  mi- 
sericórdia guie  ho  efeito  dela  a  seu  seruiço  &  por  isso 
pus  sempre  neste  negocio  de  pelejarmos  c5  os  imigos 
minha  ten^ ,  na  vontade  daquele  deos  eterno  todo  po« 
deroso ,  pedindolbe  que  ordenasse  tudo  como  fosse  roais 
seu  seruiço:  &  tendo  nele  esta  esperãça  esliue  tantos 
dias  sem  me  declarar  se  tomaria  vossos  pareceres  de 
Bio  pelejar  com  os  imigos :  que  como  sey  pelo  que  vi  & 
ouui  i]  soys  todos  de  muy  assinada  valêtia,  &  vos  acbas* 
les  em  fey tos  muy  façanhosos  ,  a  que  c5  sobre  natural 
esforço  destes  marauilboso  fim ,  receaua  muyto  de  não 
tomar  vossoa  pareceres,  crend^o  qne  pois  erão  l\  não  pe* 
lejassemos,  que  vos  mouia  a  isso  licita  causa»  Epor  ou-* 
tra  parte  pesando  bfi  as  causas  que  vos  podia  mouer, 
que  me  não  satisfaziâo  pêra  deixarmos  de  pelejar ,  pa-^ 

LL  2 


S68  X>A    HISTORIA    DA    INDfA 

reciame  que  como  ho  vosso  parecer  era  humaiio,  que  se 
enganaua ,  porj)  se  vos  fundaueis  em  ser&  os  Imigo^ 
muylos  &  nos  poueos:  por  muyto  meRos  que  nos  quis 
nosso  senhor  que  se  ouuessem  na  índia  &  fora  dela  de 
quasi  latos  mouros  &  tambê  apercebidos  como  estes, 
tantas  &  tâ  famosas  vitorias  como  sabeis:  &  porisso  vo- 
las  não  lêbro.  E  de  crer  lie  que  pois  nos  pelejamos  por 
exalçamento  de  sua  sancta  fé,  que  assi  nos  ajudará  co- 
mo aos  passados,  &  tendo  esta  fé  de  vencermos  fica  ti--' 
rado  ho  reeeo  de  sermos  vencidos  &  de  se  perder  bo  es- 
tado da  índia.  Assi  que  parecendome  que  vos  engana- 
ueis  em  vossos  pareceres ,  esperey  tantos  dias  a  ver  se 
me  mostraua  nosso  setlur  ser  isto  assi ,  &  ele  seja  lou* 
uado  que  lhe  aprouue  de  mo  mostrar  eih  os  imigos  íu* 

Sprê  oníe  tão  asinha  com  ho  rebate  que  lhes  deu  dom 
oâo.  E  quãdo  tam  poucos  &  sem  ordê  os  tízerã  fugir? 
que  faremos  nos  todos  postos  em  ordõ ,  &  cõ  a  esperan* 
ça  em  nosso  sefior  que  os  auemos  de  vencer :  certifico- 
uos  da  sua  parte ,  Q  ainda  ey  estes  por  poucos  pêra  os 
Tencermos,  &  que  em  nos  vendo  lhes  auemos  de  pare- 
cer muylos  mais  do  que  eles  sam»  Porisso  senhores  pe- 
çouos  Q  vos  pareça  bê  pelejarmos ,  por^  eu  nisso  estou; 
£  vendo  os  Q  erâo  de  parecer  ^  nào  pelejassem , 
sua  vota  de ,  disserâo  lodos  que  pelejassem  pois  lhe  pa- 
recia bS.  E  dandoihe  bo  gouernador  por  isso  muylos  a- 
gardecinientos ,  assentou  com  ho  parecer  de  dom  João 
de  lima  queEytor  da  silueira  se  metesse  na  fortaleza  c5 
trezentos  homês  escolhidos :  &  despois  de  metidos  logo 
na  noyle  seguinte  dariâo  nos  !migos  ao  quarto  dalua,  & 
no  começo  dele  se  fariâo  na  gauia  da  capitania  quatro 
fogos  è  cruz  &  tiraria  hfla  b&barda  grossa ,  &  despois 
se  fariao  Ires  fogos  pêra  que  soubessem  na  fortaleza 
que  mouia  o  gouernador  pêra  terra.  E  em  acabando  os 
fogos  lòeariâa  hQa  trombeta  no  baluarte  de  madeyra , 
cuja  porta  estaria  desalupida  pêra  sayr  k)go  Fernão  de 
morais  cõ  vinte  cõpanbeiros  escolhidos  &  todos  com  pa« 
nelas  de  poluora  que  deilariâo  na  estancia  do  trabuco 


LlVâO  VI.   CAPITVLO  CXXII.  269 

pêra  qtieymarem  os  inimigos,  &  acodirê  os  outros  ali: 
&  no  mesmo  instante  say^iaEytor  da  silueira,  que  com 
t)8  trezentos  que  leuara  de  refresco  estaria  na  coiraca& 
daria  nas  estãcias  da  banda  do  sal;  E  também  dõ  leão 
de  lima  com  a  gente  da  fortaleza  que  daria  pola  banda 
do  norte:  &  ho  gouernador  íicaua  da  banda  doeste, 
&  pêra  a  de  leste  auia  de  jug^ar  a  artelharia  da  fortaleza. 

CAPITVLO    CXXII. 

De  como  ho  gouernador  pelejou  com  os  immigos  ^  tinhão 
cercada  a  fortaleza  de  Calicut  ^  os  venceo. 

JLsto  assentado  como  iby  noyte  mâdou  ho  gouernador  a 
algOs  capitães  ^  chegassem  os  seus  nauius  a  terra  ho 
mais  que  podessem ,  &  que  tirassem  com  sua  artelha- 
ria,  porque  impedissem  aos  immigos  Q  não  acodissem 
sobre  £ytor  da  silueira  quando  desembarcasse*  £  entre 
-tanto  q  a  artelharia  desparaua  desembarcou  ele  com 
cento  &  cincoõta  homês*:  {)  não  quis  ho  gouernador 
que  fossem  aquela  noyte  mais,  porque  se  deteuessem 
menos  em  se  meter  na  fortaleza,  &  entrassem  mais  sem 
perigo.  £  sintindo  os  ímigos  a  gente  que  desembarca- 
va ,  '&  que  lhe  não  podiao  resistir  por  amor  da  artelha* 
ria  despararào  também  a  sua,  &.  tirarão  muylas  espin- 
gardadas  cõ  que  não  fizerão  nada.  E  Eytor  da  silueira 
se  meteo  na  fortaleza  cA  os  que  yão  eoele  sem  perigo , 
fc  na  noyte  seguinte  desembarcarão  outros  cSto  &  cin- 
coSta  bomCs,  cujo  capitão  foy  dÕ  Diogo  de  lima,  &  é- 
trarão  na  fortaleza  pela  mesma  maneyra  que  os  outros. 
£  vedo  os  mouros  quantos  dias  auia  que  ho  gouernador 
estaua  no  porto  sem  desembarcar  pêra  pelejar  eoeles ; 
&  que  DO  cabo  deles  mandáua  recolher  aJJla  gente  na 
ibrtaleza,  pareceolhes  que  era  pêra  se  ir,  &  que  não 
ousaua  de  pelejar  eoeles ,  &  assi  ho  disserão  a  el  rey  de 
Calicut ,  &  lho  fizerao  crer  ^  dandolhe  pêra  isso  as  me-> 
Ihores  rezões  que  podião :  &  gabauanse  que  auiâo  de  to^ 


t7«  IM   HIfTOWA    DA.  INBtiL 

mar  a  fortalesa  oo«o  se  ho  g^Maroador  íoasa  por  naM 
gfiti»  que  deizM«e;neia,  ft*  easoberbecâanse  UdU  como 
que  ho  teuessem  fey to^  &  melidoB  csies  trezesioa  íkk 
mfifl  <(ue  digo ,  logo  aa  npy  te^  seguinte  Q  iòy  a  de  vés- 
pera de  todos  oa  sâlos :  oa  Portugueses  aasi  Aa  ft>ria]eca 
coaio  aa  frota  se  aperceberão  pêra  ho  feyto  que  esf^era- 
uão.  de  fozer  SooniMandose  lodos  a  nosao  senhor.  £  cor 
meçaudo  ho  quarto  dalua ,  foy  feyto  ho  primeyro  sinal 
na  gauia  da  capilayna,  com  qaet  Pèrafto  de  morais  & 
Eylor  da  silueira  se  poserSo  c5  sua  gente  nos  lugares 
que  Uie8>  erâk»  assinados:  &  ao  segundo- sinal  começou 
ho  gouernador  dabalar  pêra  terra  a  boga  surda  com  mil 
&  seys  centos  homfis  que  ieuaua  de  Q  deu  a  dianteira  a 
d5.  lorge  de  meneses  alho  de  dd  Rodri^  de  meneses^  & 
a  dom  lorge  le}o;  filho  de  d5  lo3o  teio  amboa  muyto  es- 
forçados caualeyros ,  &  Ieuaua  cada  tíí  a  seu  cargo  ses^ 
senta  horoSs  com  panelas  de  peliiera  pêra  queyoiareos 
os  imtgos  &  os  embaraçarê!  coisso.  E  com  ho  gouernaf* 
dor  ySo:  todos  esses  capit&es  &  fidaigos  da  ftola  acompa- 
nhado á  bandeira  real.  E  talo  (|  ho  segfldo  sinal  (que 
declaraua  abalar  ho  gouernador  pêra  tenra )  foy  visto  na 
fortaleza ,  mandou:  dom  loão  tocar  hfta  trõbela  no  ba- 
luarte de  madeira  em  que  oa  imigos  não  atSt^arâo  por- 
que quasi   toda  a  ooyté  na  fortaleza  tangião  trombetas 
por  festa ,  &  estauSo  todos   bé  desouydados  de  ho  go* 
uernador  os  cometer  tão  de  verdade^  nem  esperaoâo 
por  mais  que  poios  rebates  que  lhes. dom  loão  daua  al« 
giias  noyles.  G  estado  coeste  desciaydo,  em  começando 
de  se  tãger  a  trombeta  que  digo  sae  Fernão  de  morais 
CÕ  08   vinte  das  panelas  de  poluora  do  baluarte:  &  re» 
metendo  á  estancia  do  trabuco  arremessam  as  panelas 
sobre  os  imigos  que  cansados  da  vigia  da  noyte  passai 
da  coroeçauâo  de  dormir.  E  ho  fogo  que  supitomentesa 
aceodeo  &  os  começou  de  queymar,  os  fez  acordar  tSo 
fora  de  si  que  começario  logo  de  fugir ,  &  mais  come* 
çando  Ey tor  da  silueira  de  oa  ferir  com  a  sua  gfite ,  ) 
assi  camp  FernSo  de.  moraia  sayo  sayo  ele  tambS  dando 


Lívio  TI.   CAPITTLO  CXm.  E7I 

oe  «eus  grandes  grilas.  £  dõ  loão  cd  a  gête  ^  t'mha  na 
fortaleza  dtfu  por  outra  parie  cõ  muyto  grande  impe  to 
deapingardadas  &  gcaode  nialioada  de  gcilae  ^Jdeeatí* 
nauâo  ofi  iiTitiiigos^  ^  logo  iugÍTÍk>  das  eatanciaa  em  ^ 
eatauão:  porS  os  oulros  ^  eslaufto  alojados  nas  cauas 
sintido  fao  arroido  que  ya  aoodião  cnydando  ^  não  fosse 
inais  (|  algú  rebate  Q  dÕ  lolk>  daua  como  das  outras  vet 
ses  &  j)  bo  fariâo  reodiíer :  mas  os  PortuguMes  ^  nSo 
esperauao  de  "ho  fazer  at43  ۥ  lonigos  nSo  s<*rS  de  todo 
desbaratados,  resistirão  oomo  boniCs  que  esperauao  dt 
leuar  auate  sua  determinação.  £  nisto  desembarcou  ho 
gouernador  con  grande  arroido  de  trombetas  &  de  gri^ 
tas  ^  faziáo  mostra  de  serS  mais  gente  do  Q  era  a  dos 
Imigos:  &  eles  assi  ho  cuydarâo  principalmftte  déspota 
Ç  ambos  os  4ò  lorges  desembarca rfto ,  Q  com  os  das  pa<» 
Belas  de  poinora  remeterfto  ás  cauas  &  dera  coelas  dê* 
tro  CO  que  se  acendeo  hu  supito  &  espãtoso  CDgo  antre 
os  Imigos  de  Q  muytos  forâo  queymados.  E  em  se  este 
fogo  acendendo  cbegA  fao  gouernador  com  ho  corpo  da 
gête  &  começào  as  espiogardadas  de  desparar,  &  lodo 
outro  género  daroias  dos  Portugueses  de  fazerB  suas  o- 
bras,  com  Q  os  Imigos  ficarão  cíesatioados  porque  virão 
que  aquilo  era  mais  que  rebate ,  fc  que  os  cometião  de 
verdade  o  que  eles  não  esperauao :  &  como  se  vião  quéy« 
mar  do  fogo,  &  atrauessar  das  espingardadas  &  ferir  de 
lançadas,  Sc  de  cutiladas:  bus  desatinauâo  &  fugião^ 
outros  queria  resistir  aos  Portugueses,  &  tudo  era  cheo 
de  gritas^  de  feridas  &  de  mortes.  E  era  espantosa 
cousa  de  ver  como  tudo  andaua  baralhado :  &  sobre  tu*- 
do  ver  ho  grade  milagre  qoe  nosso  senhor  queria  fazer 
em  tâo  poucos  Portugueses  vencerem  tantos  milhares  de 
BiiuriS  ^  estauào  tàe  ai^rcebidos  de  muniçOes  pêra  os 
destruirfi:  &  ^  esquecidos  disse  fugião ,  &  querífio  an* 
tes  morrer  fugindo  {)  vencer  petejSdo*  Eos  Portugueses- 
(|  viã  a  grade  mercê  i\  lhes  nossp  senhor  fazia ,  sabiãse 
muyto  bS  aproueitar  dela,  irilo  perdCdo  momSto  sem  fe- 
rirê  &  ^malar•  tantos  dou  Imigos  4  era  eapaiHo  fazendo 


\ 


S72  DA    HfSTORIA   BA    ÍNDIA 

nelefli  medonha  destruyçâo,  principal  mente  htts  poucos 
Q  Irasiâo  espadaa  dambas  as  mâos^  em  Q  enlrauáto  lor* 
ge  de  lima,  dõ  Vasco  de  lima,  dõ  loão  de  lima  ha  moço 
seu  irmão,  António  de  sa,  &  Ruy  de  melo  seu  irmão ^ 
dõ  lorg^e  de  meneses ,  Fernão  de  morais ,  Belchior  de 
brito  &  outros  a  que  nâ  soube  os  nomes  que  estes  dea* 
pejauâo  brauamente  os  immigos  por  onde  quer  que  che- 
gauão  fendfido  hCIs  pelo  meyo  ao  comprido,  &  fazendo 
os  em  duas  parles  ao  traués,  &  a  outros  cortando  bra* 
ços,  decepando  pernas,  &  aparlSdolbes  as  cabeqas  dos 
corpos:  o  que  era  causa  de  ífaes  parecer  que  os  Portu- 
gueses não  erão  homês  se  não  diabos  l|  erS  afi  vindos 
pêra  sua  total  destruycjão,  ()  assi  fugiâo  deles  &  despem 
jauâo  as  cauas  onde  era  toda  esta  peleja.  E seguindo  os 
Portugueses  sua  vitoria,  vio  dom  lorge  de  meneses  po- 
la  caua  a  diante  hft  magote  dos  Imigos  que  tinhão  cer* 
cado—hfl  Português  que  se  adiantara  dos  outros:  &  ie« 
mendo  qhe  ho  matassem  acodio  lhe  corr8do ,  |)elo  Q  ho 
não  seguirão  mais  de  duus  Portugueses.  E  ele  com  a 
espada  dambas  as  mãos  que  leuaua  ferio  nos  Tmigosque 
se^fastarâo  &  ho  Português  fícou  liure.  E  recothSdose 
dõ  lorge  ooele  pêra  os  outros  que  ficauSo  atras  virarão 
os  immigos  sobrele  tão  de  supito,  ferindo  ho  muyto  ri* 
jo,  &  cercado  ho  de   modo  que  não  se  pode  seruir  da 
espada  dambas  as  mãos,  &  com  hua  adaga  se  defendia 
dos  !migo8,  que  apertado  muyto  coele  ho  ferirão  no  ros- 
to &  em  hJia  mão  de  Q  despois  fícou  aleijado.  £  nisto  ho 
deixarão  dous   dos  três  Portugueses  que  estauSo  coele 
fugindo  com  medo  de  ho  verem  assi  apertado,  &  o  que 
fícou  auia  nome  Baltesar  fernãdez  criado  de  dÕ  Antão 
capitão  de  Lisboa,  que  nunca  se  apartou  de  jQto  de  àõ 
lorge  ajudando  ho  quâto  podia.  Porê  dom  lorge  não  se 
cõlStando  de  sua  ajuda  lhe   pedio  a  sua  espada  &  to« 
mand<»a  começou  de  ferir  os  !migos  cõ  ta  brauo  impeto 
Q  os  fez  afastar,  &  não  tardou  muyto  i\  não  fugirão  por 
acodirem  outros  Portugueses  a  dõ  lorge  Q  nunca  deixou 
de  pelejar  cõ  quãlo  estaua  ferido,  &  por  seu  grande  es- 


LlVftô   VI.   CA^l^TVLO.CXXlI.  279 

forço,  &  dé  todos  os  outros  Portugueses:  de  ^  nSo  ou* 
ue  nenhQ  Q  aquele  dia  nãd  fizesse  cousas  tuuyto  assina- 
das«  E sobre  tudo  pola  iinmensa  bondade  de  nosso  seflor 
forSo  os  Imigos  deitado^  das  cauas  fugindo  muy  iorpe- 
n)ete.  E  não  parando  fora  das  cauas  acõpanbados  ainda 
do  medo  ^  tinhâo,  se  espalharão  acolhendose  híis  por 
esses  palmares  &  outros  aa  cidade  ficando  bê  dous  mil 
mortos  a  fora  os  Q  despois  morrerão  das  feridas :  &  doa 
Portugueses  forâo  mortos  corenta  &  feridos  duzfitos  & 
cinooenla :  &  eles  eslauâo  táo  encarniçados  ,nos  Imigo» 
Q  os  quiserâo  seguir  &  fitrar  na  cidade.  O  Q  bo  gouer^ 
Dador  nfio  quis  por  conhecer  os  Portugueses  por  desmâ* 
dados,  &  recearse  dé  quererem  roubar  a  cidade  despoia 
de  serè  nela,  &  os  Iroigos  tornarfi  aobreles ,  &.aoãte* 
eerlhe  outra  tai  como  aoJMaricbal,  &  por  isso  oâo  quis: 
2)  se  isso  não  fora  da{|la  vez,  poderá  ser  a  cidade  lodu 
queimada.  E  bo  gou«roador  se.  contentau  cÕ  decercar  a 
fortaleza^  &  desbaratar  tamanha  força  de  gSte  como  ali 
estaua.  £  «asai  foy  este  hii  dos  mayores  feylos  darmas{| 
se.  fizerão  na  índia,  por!)  nQca  em  outro  nenhâ  se  ajQ* 
tarão  tantos  Imigoa,  &Jftbe  apercebidos  como  afiles  es* 
tauào.  E  coesta  vitoria  ficou  elrej  de  Calicut  de  todo 
desacreditado.  &  os  reys-da  índia  se  melerao. todos  por 
dentro  cÕ  medo  do  gouemador,  a  qu6  dali  por  diâte  te- 
uerão  em  muy  to  grade  xonta.  Esoou  tanto  a  fama  des- 
ta vitoria  i|  foy  ter  ao  turco,  ^  ficou  muy  espStado: 
por;i«  tinha  por  mvy lo. poderoso  a  e)  rey  de  Calicut,  & 
niais  sabendo  a  muyta  geate  jque  tioha. 


LIVRO  vr.  MIC 


tlê  OA  HHTOMA   OA.INMA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXIII. 

De  como  ho  gouirnador  mandím  despegar  ^  derribar  a 

forUiUza  d$  Caticui. 

JL/adM  mujrtas  graçM  n  noaso  senhor  |ielo  gcuernadov 
por  esla  lào  oiilagrusa  vitoria:  &  asai  muylos  agardeoí^ 
meios  a  esses  principais  por  quão  bê  ho  tixerào  contra 
08  imigoB ,  alojou  sua  gebte  ao  derrador  da  farlalfeza : 
por^  era  sua  delersainaçáo  derribala  pêra  o  ^  se  auia  de 
deier  algfls  dias.  E  a  causa  de  a  querer  derribar  era 
par{|  lhe  não  {larecia  seruicjo  dei  Rej  auer  forlaJea&a  â 
Caiiout  eslàdo  el  rey  de  guerra,  &.  {|  a  gente  que  este* 
nesse  neta  eslaoa  fi  muyia  auêtura  de  a  ieaarè  os  Siii»« 
gos  hQ  dia  nas,  màos.  E  sobre  tudo  ler  assenlado  coosh» 
go ,  de  no  cabo  da<|le  verào.ij:^  à  boca  do  mar  roxo  a»» 
perar  os  rumes ,  Q  tinha  por  nouà  oerta  Q  esiauáo  de 
Caminho  pêra  a  Índia,  &  pudiáo  vir  a  quinse  de  iMajo 
ou  na  fim  Dabril :  &  queria  ir  iá  pêra  inuemar  è  Mas^ 
cate,  pori)  não  vindo  os  rumes  na  mouqào  Dabril  &  de 
Mayo ,  pCKleriâo  ir  na  Dagosto  &  de  Setembro ,  em  ([ 
ele  esperaua  de  ser  na  põla  deDiu^^que  eles  auiâo  da 
ir  demandar  &  pelejar  coeles  antes  ^  enirassero  em  Dio, 
&  por  isto  era  necessário  ir  inuernar  a  Mascate,  por^ 
inuerfiando  na  índia  nSo  podia  sayr  em  Agosto  &  cbe* 
gar  a  Diu  emBetèbro  por  amor  do  tempo  i)  era  contrai* 
ro,  &  quãdo  nâ^aonesse  rumce  faaia  c6U  de  tomar  Dio 
anles  í\  os  mercadores  &  gente  estrangeira  que  ho  po* 
diâo  deíBder  chegassem :  por^  era  certificado  que  antes 
de  chegarS  ho  podia  tomar  por  estar  em  desposição  pê- 
ra isso.  E  porque  pêra  esta  empresa  lhe  fa2ia  muyto 
pejo  ficar  fortaleza  em  Caiicut  ficando  de  guerra,  & 
muyto  mais  ficando  de  paz ,  porque  sabia  a  pouca  ver- 
dade dei  rey  queria  ele  derribar  aquela  fortaleza ,  ho 
que  nâo  disse  a  pessoa  nenhua,  ti  fingindo  que  espera- 
ua que  el  rey  de  Caiicut  lhe  cometesse  pazes  se  deti* 


MVaO  TI»  CAFITVLO  CXXIII.  27» 

nha,  &  por{|  se  en(re  IihiIo  m  mouros  cçrresseB)  á  for* 
talesa  como  era  certo  correrem^  se  alojou  com  sua  gem 
te  ao  derredor  da  fortaleza ,  Mra  que  estando  ali ,  es* 
teuesse  mays  prestes  pêra  íbM  resistir  se  viessem ,  & 
fortateceo  suas  estancias,  com  a  artelharia  que  lomoa 
aos  imrai^os :  que  toda  lhes  íicou  em  seu  poder  quanta 
tinhAo.  B  vendo  eles  como  ho  gouernador  se  alojara  ao 
derredor  da  fortaleza,  se  ajuntarfto  todos  os  espingar* 
deiros,  &  forSo  dar  sobrete  cuydãdo.de  lhe  faser  dano; 
&  por  detrás  de  hftas  balsas  onde  se  punhio,  tirauão 
muytas  espingardadas  aos  Portugueses,  &  assi  por  d^ 
trás  de  valos  donde  os  perseguiáo,  &  nSo  lhes  aprouei^ 
taua  tirarem  aos  immigos  porque  estauào  êparados.  fi 
vendo  ho  gouernador  a  opressjl  que  os  Portugueses  re« 
cebíAo,  determinou  de  derribar  os  valos  &  balsas  com 
que  se  os  immigos  emparauão,  &  assi  ho  fez:  &  ele 
mesmo  foy  a  isso  em  pessoa ,  &  foy  ho  primeyro  que 
eome^u  de  cortar  as  balsas  com  sua  espada  sem  temoif 
das  espingardadas  que  os  immigos  lirauáo,  &  logo  se 
todos  ehegarJIo,  &  aeebarSo  de  as  decepar  &  derribarão 
es  valos :  &  os  immigos  fugirto ,  &  nuca  mais  ousarão 
de  tornar.  E  como  el  rey  de  Calicut  via  isto,  &  estaua 
muylo  quebrado,  &  via  que  por  mal  não  se  podia  vin- 
gar dos  Portugueses,  mfidou  pedir  paz  ao  gouernador, 
offrecendose  a  paiear  todas  as  despessas  ^  forio  feytas* 
naquela  guerra ,  &  que  daria  todos  os  paraós  que  auii^ 
no  reyno  de  Caíicnt ,  &  toda  a  artelhariaé  E  ho  gouer«* 
nador  {|  linha  a  determinação  que  disse,  &  queria  der^ 
Fibar  a  fortaleza  buscou  maneira  pêra  el  rey  de  Calicut 
não  Aizer  a  paz:  &  pediolhe  mais  que  ihe  auia  denire* 
gar  ho  Arei  de  Porquá,  quf»  sendo  amigo  dos  Portugue-* 
ses  sem  causa  se  ieuan(ara ,  &  lançara  cõ  el  rey  de  Ca^ 
Ncut  &  ho  ajudara  naquela  guerra.  G  p<»r  el  rey  de  Cb^ 
licut  ho  não  querer  &tregar,  dizendo  que  ya  conlra  seu 
costume ,  nSo  quis  ho  gouernador  conceder  a  paz ,  & 
despois  disso  estando  em  conselho  com  lodos  esses  ca<- 
pities  &  fidalgos,  &  pessoas  principaes,  lhes  propôs  que 

MM   2 


276  .DA   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

el  rey  de  Caliçut  nâo  queria  ooele  pazes,  &  para  terein 
Goele  guerra  lhe  parecia  que  nSo  era  seruiço  delrejseu 
senhor  estar  fortaleza  em  Caltcut,  porque  a  fera  d&o 
ser  de  nenbu  proueilo,  &  gastarse  nela  hu  conto  &  du- 
zentos &  vinte  sete  mil  rs,  em  ordenados  do  capilâo^ 
feytor,  &  outros  officiais ,  &  mãtímentos  dos  soldado»  ^ 
ocupaua  gente  &  artelharia ,  que  poderião  fazer  prouei- 
to  em  outra  parte,  pelo  ^  se  deuia  de  derribar,  &  assi 
pareceo  bem  a  muytos:  contra  o  que  foy  Eytor  da  sil- 
ueira,  dom  loâo  de  lima,  &  outros  algQs.  Dizendo  qua 
ei  Rey  de  Portugal  recebia  muyio  proueito  em  ter  a^la 
fortaleza  em  CaiicUt,.  porque  nSo  podia  ser  mayor  honr- 
ra  pêra  sua  alteza,  que  estando  el  rey  de  Calicut  coeie 
de  guerra  ter  aquela  fortaleza  em  Calicut  principal  ci- 
dade de  todo  seu  rey  ao,  &  tão  principal  em  toda  a  In* 
dia  ,p  &  onde  el  rey  de  Calicut  residia  ho  mais  do  tSpo^ 
&  S  f)  tinha  todo  seu  poder:  &  soster  esta  fortaleza  cõl 
tra  sua  vontade  era  conseruarse  de  todo,  ho  credito  da 
poder  dei  Rey  de. Portugal  que  ele  restaurara  com  \è^ 
€cr  os  inimigos.  E^  podjsrse  soster  aquela  fortaleza  esta-> 
ua  claro  pois  se  defendera  hum  inuerno  por  tão  poucos 
Portugueses  contra  tamanho  poder  de  gente  que  nã  po- 
dia ser  mayor  nem  melhor  apercebido  de  petrechos  & 
municies  pêra  baterias  &  combates:  &  quãdo  se  defen- 
derão também  no  inuerno  em  que  não  podiâo  ser  socor- 
xidos,  que  muyto  melhor  se  defenderiâo  no  v^âo  em. 
qtie  auiâo  cada  dia  de  ser  visitados  &  socorridos  pela« 
armada   que  goardasse  a  costa :  &  que  nela  nâo  se  en- 
tedia fazer  gasto  pois  tinha  seus  fronteiros  limitados,  £u 
artelhacia  que  oâo.entrauSo  na  armada  da  índia,  &coe- 
les  somente  se   faria  tanta  guerra  a  el  rey  de  Calicut^ 
que  ou   lio  deslruyrião  de  todo^  ou  se  entregaria  seiu 
nenhua  eondiçSo,  ou.  lhe  seria  forçado  despouoar  a  ci-^ 
dade  &  fazer  sua  morada  em  outra  parte,  que  seria  ha 
mayor  feyto  que  se  podia  fazer  na  índia ,  pelo  muyta 
credito  que  tinha  nela  de  poderoso,  &  fama  em  muytas 
partes  fora  dela  de  seu  poder  ser  inuSciuel,  &  que  este 


LIVRO   VI,    CAPITVLO   CXXIII.  277 

era  ho  mór  proueito  que  se  podia  fazer  cõ  a  gSte  que 
era  ordenada  á  fortaleza,  &'niaÍ8  Q  nfto  loruaua  quaes* 
quer  outras  j|  se  podião*  fazer:  antes  seria  muyto  grai^- 
de  ajuda  pêra  se  fazerem ,  porque  ho  medo  de  verS  a- 
batido  tauiauho  poder  como  ho  dei  rey  de  Calicut  com 
tão  poucos  Portugueses ,  quebraria  ho  esfori^o  a  outros 
reys  peira  se  defenderem  Sc  terem  guerra  C()eíes\,  antes 
lhes  deixar iâo. fazer  fortalezas  onde  quesessem  :  &  mais 
que  pêra  durar  sempre  a  memoria  da  muyto  grande  vi- 
toria que  lhe  nosso  senhor  dera  contra  el  rey  de  Caikut 
estando  tão  poderoso,  era  bekn  sosterse  aquela  fortale^ 
Ea,  porque  derribandoa  se  apagaua  de  todo,  &aurâode 
dizer  os  mouros  que  por  seu  medo  fora  derribada.  E 
dom  lofio  de  lima  se  offreoeo  ao  gouernador  pêra  ser  ca- 
pitão dela,  &  a  defender  com  seus  parentes  &  amigos 
em  quanto  a  guerra  durasse.  £  ho  goueTna'dor  pola  de- 
terminação que  linha  não  quis  se  nào  que  se  derribasse 
a  fortaleza :  do  que  se  a  gente  comufl  espantou  muyto 
quando  bo  soube,  &  dizião  que  não  se  fizera  roaisse  os 
inimigos  vCcerão :  &  cúlpauâo  muyto  bo  gouernador  & 
os  do  conselho  que  tal  cousa  aconselharão.  £  assentado* 
pelo  gouernador  que  a  fortaleza  fosse  derribada ,  man^ 
dou  a  logo  despejar  &  embarcouse,  deixando  em  terr» 
Manuel  de  macedo  com  aigda  gête  pêra  que  a  derri-' 
basse  com  minas  que  lhe  mandou  íàzer  &  aportilhala  § 
alguas  parles.  £  quando  se  dea  ho  fogo  ás  minas  da 
pohiora  nas,  mais  delas  nfto  pode  pegar,  pelo  que  cayo 
muy  poUco  da  fortaleza :  &  a  mayor  parte  dela  ficou  em 
pé  com  a  torre  da  menag&.  Do  4  pesou  muyto  a  todoe 
os  da  armada ,  &  dizião  que  não  podia  ser  mayor  inju- 
ria, nê  abatimento  dos  Portugueses  !\  deixarem  assí 
bfia  fortaleza  sobre  tamanha  vitoria.  £  embarcado  Ma^ 
nuel  de  macedo  com  os  ^  ficarão  coele  ^  ho  gouernador 
se  (tarlio  pêra  Cocbim^  dado  licemja  a  dõ  loão  de  hma 
que  fosse  a  Gananor  acõpanhado  de  certos  catares  pêra 
recolher  algiaa  pouda  de  fazèda  {|  lá  tinha,  |)orQ  ho  mais- 
gastara  bo  todo  no  cerco,  &  ainda  isso  leuou  bo  de  Por*- 


Srt  nâ  HIfTORrA   BA   mMA 

luiçal:  pori|  como  quaai  todo  ho  tempo  de  voa  eapitmiím 
íoy  de  guerra,  ai  pode  multiplicar  aua  faxcada  ae  mie 
gaaiala ,  pelo  que  6cou  meyto  pobre. 

C  A  P  I  T  V  L  O  CXXIIIL 

Da  qu£  ftz  d  rey  de  CaUcui  tUtpoiã  de  dapgadm  a  Jmn^ 

UdauL. 

Jl  artido  o  gouernador  do  porto  de  Calícut,  oa  atooroa 
que  virão  cair  algila  lançoa  do  muro  da  fortaleaa  enleit* 
deráo  o  que  era,  &  a  ft»ráo  ver.  E  quSdo  a  acharão  dea* 
pejada  Usj  bo  aeu  prazer  rouyto  grande ,  &  ooele  forio 
dar  a  noua  a  el  rey  de  Calicul ,  louuádo  rauyto  bo  oo»* 
aelho  qtie  ibe  deráo  de  faser  i^uerra  á  fortalesai  poia 
eoela  lançarão  fura  da  terra  €ia  Portugueeen,  &  Ibet  fise» 
râo  desem parar  a  fortaleza,  em  que  ganhara  tanla  boar* 
ra  que  mais  ni  podia  aer.  B  aasi  lhe  dauiio  ouiroa  mu^ 
toa  louuores,  com  ^  el  rey  íicou  muyto  soberbo:  &  aa» 
ai  bo  ficará  oa  mouros,  &  nâo  aómSte  oa  de  Calicat  mas 
oa  de  Ioda  a  índia,  aabftdo  como  o  governador  despe* 
jara  a  fortaleza  de  Calicut«  E  esses  reys  &  senhores  em 
cujas  cidades  el  Rey  de  Portugal  linha  fortalezas,  co« 
meçaráo  de  ler  esperança  que  as  fariâo  despejar,  &  ho 
prímeyro  foy  ho  Hídalcão  que  lhe  pareceo  que  poderia 
tomar  Goa ,  ou  que  a  faria  despejar  cd  muyla  eucrra  z 
o  que  logo  escreueo  a  el  rey  de  Calícut ,  dízfido  que 
queria  tomar  exSplo  dele:  &  dikJolhe  rouyios  louuorea 
pelo  que  fizera,  pedmdolhe  <)  ho  ajudasse  com  a  aua  ar* 
mada  pêra  coela  fazer  a  guerra  per  mar,  porl|  tambè 
Meiiquiaz  capitáo  de  Diu  ho  ajudaua  com  a  sua  arma** 
da :  &  que  com  tamanho  poder  de  gente  acabariâo  da 
deitar  os  Portugueses  fora  da  Indía.  Do  ()  el  rey  deC»« 
lícut  (by  cõtenle,  pêra  o  ^  ajuntou  loeo  toda  sua  arma* 
da,  de  {)  fez  capitão  mór  htt  mouro  chamado  Patemar^ 
ear:  &  entre  tanto  que  bo  socorro  não  ya  mandoolbe 
que  soltasse  os  paraás  pela  cosia  ^  &  que  fiaesse  quanta 


LITRO  VI.   CA^fTVLO  CXXV.  279 

guerra  podesse  aos  Portugueses.  Eassi  hofizerão,  porem 
quis  nosso  senhor  (}  ho  Hidalcão  embaraçado  com  outras 
g[uerra8  que  lhe  mouerào  seus  vezinhos  nào  pode  entender 
naquela  9  pelo  que  não  ouue  eflejrto :  mas  el  rey  de  Cali- 
cu  te  ficou  muyto  soberbo,  &  màdou  reformar  a  fortaleza 
que  tinha  em  muyto  grande  estima ,  pêra  poder  dizer  a 
todos  como  dizia  que  os  Portugueses  lha  deixarão  com 
medo* 

C  A  P  I  T  V  L  O     CXXV. 

De  como  ho  gmiemador  mandou  Eytor  ia  sUueira  aa 

cabo  <k  Qoardfrfunx. 

/bègado  ho  gouernador  a  Cochim  achou  hQa  nao  que 
auia  f)uucD  que  chegara  de  Portugal ,  a  cujo  capitão  nft 
aoube  ho  nome.  £  este  disse  ao  gouernador,  que  aque^ 
le  anuo  partirJo  de  Portugal  três  nãos  pêra  a  Índia ,  de 
que  'fora  capitão  niór  Felipe  de  crastro,  de  que  não  sa» 
bia  parle,  nem  do  cãpitào  da  outra  nao.  E  vendo  ho 
gouerna<k)r  que  não  yáo  mais  nãos  de  Portugal,  deu  oi^* 
dS  p<*ra  irem  cõ  a  carrega  essas  que  hi  auia,  &  déspota 
se  par  tio  pêra  Goa.  £  como  ele  deter  mi  naua  de  ir  in« 
nemar  a  Mazcate,  pêra  da  bi  tornar  cedo  sobre  Diu  & 
tomalo:  despachou  de  Goa  Eytor  da  silueira  cd  fama  de 
ir  a  Mat^ua  por  dom  Rodrigo  de  lima :  &  a  ele  didse  em 
segredo ,  ^  ho  esperdse  no  cabo  de  Goardafu  ate  Alar- 
go: &  não  indo  que  fosse  a  Ma<;ua  ver  se  achaua  áotá 
Rodrigo,  &  deulbe  quatro  nauios  de  ^  a  fora  éie  forfto 
capitães',  Francisco  de  niSdo^a,  Fernão  de  morais  & 
Fràcisco  de  vascõcelos*  £  partido  Eytor  da  silueira, 
tornouse  ho  gouernador  á  costa  do  Malabar,  pêra  andar 
hi  darmada  ate  a  entrada  de  Feuereiro,  em  J\  esperaua 
de  se  partir  pêra  a  outra  costa:  &  6 Goa  deixou  recado 
Q  lhe  iizessC  muytcs  cestos  de  capo,  muytos  picods,  en- 
xadas, escadas,  cadeas,  &  grftde  soma  de  poluora  de 
bôbarda,  &  despingarda ,  te  outras  muniçofis,  perqutf 
de  ítt4o  linha  necesaidade  pêra  Imi  que  determiAaua» 


tSO  DA   HISTORIA  DA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  o    CXXVI. 

Do  ^  aconteceo  a  large  dalbuquerque  com  ho  ^rcl  de 

Porquá. 

V  inda  a  niouçSo  de  Malaca  pêra  a  índia  ^  lorge  daí- 
biiquerque  que  esperaua  por  ela  se  partio  6  hO  jQgo  aeu^ 
por(|  como  era  tnuyto  amigo  do  seruiço  dei  rej  fi|[  quis 
ir  &   nhQ   nauio  Português ,  (posto  que  lho  daua  Pêro 
niascarenhaa)  poríj  sabia  quão  necessários  erâo  em  Ma- 
laca:   &  naquele  jungo  forâo  coele  corenla  &  qualro 
Portugueses  seus  amigos  &  criados:  &  indo  (anfo  auáte 
como  Porquá  saiolhe  ho  Arei  grande  fmigo  dos  Portu- 
gueses j  &  andaua  darniada  cõtreles  ^  com  vinte  cinco 
calures  muylo  bem  armados  &  esquipados,  &  leu^u  a- 
pos  si  lodos  os  do  lugar  ê  almadias^  a^  cftuidou  pêra  ho 
despojo  do  jQgo.  lorge  dalbu{)rque  {}  oe  vio  fezse  pres- 
tes pêra  pelejar,  mandando  cêuar  sua  arlelharia  l\  erão 
doze  berços  &  h&  falcão,  &  reparlio  a  gente  na  tolda, 
popa,  &  na  proa,  &  estando  prestes  seria  as  noue  bu* 
ras  do  dia  quado  chegou  ho  Arei  cd  sua  armada  dando 
grades  gritas:  &  pos  se  dabalrauSto:  por{}  ho  jungo  não 
podesse  arribar  sobreles,  &  cercarãno  daquela  banda 
pola  proa  &  popa ,  &  começão  de  desparar  nele  suas 
bombardas,  &  da  primeyra  bõbardada  lhe  leuarão  a  ce- 
uadeira  c5  a  verga  &  com  ho  masto :  &  daqui  forão  as 
bftbardadas  tão  bastas  que  parecia  Q  chouiâo.  Fi  como 
ho  jungo  era  forte,  &  tinha  por  dêtro  suas  arrobadas, 
&  as  bdbardadas  erão  de  tiros  miúdos  não  lhe  fazião  ne- 
nhQ  nojo ,  &  os  Portugueses  a  eles  muyto ,  arrobando- 
lhe  muylos  calures,  &  matãdoihe  perto  de  trezentos  ho» 
mCs  segundo  se  despois  soube  com  bombardadas&espi-* 
gardadas:  &  íizerãno  aqui  muy  esforçadamente,  a  fora 
lorge  dalbuquerque,  António  de  melo  que  mora  em  Bu- 
celas, Gomez  do  campo  &  Ruy  lobo,  4  das  portinholas 
da  popa   matarão  iquy to^  imigos  ás  espíngairdadas ,  &, 


LIVRO  VI.   OAPITVLO   CXXVII.  281 

Francisco  bocarro,  &  Niculao  de  aá  cdlador  dos  cSlos 
dei  Rey^  &  António  carualbo  íeytor  da  oasa  de  Ceila^ 
&  ho  cfldestabre  do  jungo,  que  tirauâo  dfí  tolda  com 
dous  berços ,  &  hu  fakâo  ^  com  que  fízerâo  grande  des- 
truição nos  catures,  arrombando  os  com  morte  demuy- 
tos  imigos.  E  frãcisco  fernâdes  leme,  &  Bastião  rodri* 
1^  gaez  marafim ,  &  outros  a  que  não  soube  os  nomes , 

;^  que  da  proa  nuca  estiuerão  ociosos:  &  fazèdo  dabi  ju- 

gar  os  tiros  espedaçarâo  muyta  soma  dimigòs,  que  com 
quanto  mal  recebião  nunca  deuarão  de  |)ele)ar  ale  ho 
meo  dia  9  então  se  apartarão  coesta  perda  que  digo.  K 
lorge  dalbuquerque  não  recebeo  outra,  se  não  matareii«> 
lhe  hfl  escrauo  seu. porque  se  descobrío  niuylo.  E  niato 
gastou  quanta  poluora  &  pelouros  leuaua :  &aasi  se  Soj 
a  Cochim,  onde  ho  ^ouernador  que  hi  estaua  antes  que 
•fosse  pêra  Goa,  soube  a  fadiga  en\  qjie.  ep.ta^ua  ho  jun^ 
go,  &  lhe  mandou  socorxer,  Sc  ja  ho  soopcro  não  Xoy 
necessário. 

C  A  P  I  T  V  L  O     GXXVII. 

Do  ^  aconteceo  ao  cAmoxarife  da  fortaleza  de  Moinei 

indo  pêra  as  Hha$  dos  CeUbeSé 

X^urãdo  a  amizade  antredcmi Garcia  anriq^ea  capitão 
de  Maluco,  &  António  de  brito  que  ainda  lá-esiaua^ 
pareceolbes  bè  de  roàdarem  as  ilhas  dos  «elelles,  .que 
sam  sessenta  legeas  da  ilha  de  Teraate,  perqne  tifiha 
por  fama  ^  aoia  nelas  muyto  oim*o,  &  pêra  saberem  ae 
era  assi  mandarão  ho  almoxarife  da  fortaleza  em  hfla 
fusta  cÕ  panos  &  ostras  mercadorias  ,  com  <|ue  tratas- 
sem cÕ  os  Celebes  r  &  |>artio  oa  entrada  do  mes  de  Ii»- 
lho:  &  chegado  a  hOa  destas  ilhas  foy  be  recebidodos 
moradores  dela,  que  sabendo- a  causa  de  sua  ida ,.  que 
era  ho  ouro^  recearão  qite  por.  amor.  dele  lhes  tomanseili 
a  terra:  &  por  isso  determinarao.de  matar  ho. almoi&ar ir 
fe  &  quantos  hiâo  coele,  &  tomar  a  fusta,  pan^ceodolh^ 

LIVRO   VI.  NN 


88S  DÀ   HISTORIA    DA   INIHA 

que  nSo  irião  lá  n^iiis  outros:  &  assi  bo  quiseráo  faxer 
hfla  noite  eêtando  o6  Portugueses  dormindo  na  fusta  ^ 
que  tendo  os  Imigôs  mea  fora  da  agoa  acordario,  &  de- 
í^nderâse  lambfi  ^  fiMtã  afastar  os  ímigos»  E  tornada  a. 
fuslH  ao  mar  te  fyfSo  a  outra  ilha,  õdte  os  nÂo  quiseráo 
agasalhar ,  nê  «lenoa  em  outra.  E  v6do  !\  nfto  auia  ef> 
fey to  ho  pêra  que  forâo ,  deterAiínarão  de  se  tornar  & 
Ternate ,  |tera  onde  oe  ventos  lhes  erão  contrairos  por 
ser  gaitada  a  ttioli^Sò ,  &»  por  isso  se  desuierâo  tanto  de 
«eu  cámitfyhò^  fotfid  ter  a  bflas  ilhas  Q  se  ciiaaiãoas  do 
Meyo ,  de  que  nfio  poderão  aferrar  nenhua  com  a  toiv 
menta  ^ue  ieuauSo,  &  co  as  mnytas  agoagds  que  auia 
antrelas  què  correm  muyto  cÕ  que  as  escorrerão  todas  ^ 
&  sayrâo  à  bii  largo  golfão  de  mar  Q  he  o  que  se  faz  ao- 
<re  bo  esti^eitd  de  Magalhães  &  as  ilhas  de  Maluco  Sc 
t)utras  muytas.  E  como  era  desabrigado  &  os  ventos  e- 
tflo  l!irauo8  correrão  ali  muy  medonha  tormêta  cora  í^ao- 
darâo   trezentas  legoas  em   que  muy  las  vezes  se  virão 
quasi  perdidos :  &  hfla  noyte  cô  a  braueza  dos  mares 
lhes  saltou  ho  leme  fora  d^  fêmeas,  & 'nunca  bo  pode- 
rão tornar  a  meter ,  &  esteuerão  em  muyto  grande  pe- 
rigo ate  pota  mknhaã  que  se  acharão  junto  d^^  bua  ilha 
Q  seria  de  trinta  legoas,  em  ^  aayrâo  dando  rouytos 
louuores  a  nosso  senhor  por  lha  deparar:  &  ali  forâo  bS 
recebidos  da  g«nte  da  ilha  que  era  ba<{á  &  betfn  clespos- 
4a  1,  ^mi  homès  como  molheres  &  de  £»moso8  rosíos,  & 
K>B  hoifvêb  ivnbito  os  barbas,  pretas  &  oomtpridas,  &  gí&- 
«^in^ente  «va   hò  seu  trajo  hts  panos  ciligidos  ^  cheg»- 
iião-ate  :<$is  «Ptelhito  &  «erSo  de  bíías  palbaa  -como  juncasr, 
sálUo  'Q  netão  imais  *altio8  *&  tã  madsios  -como  olanda ,  Sc 
*e€^brfanfse  «om  outro  ipano  tal  ootno  este  ^  Ibes  cliegaua 
-álk  bo  'eiiii)ígo :  &  doutro  tal  pano  saluo  Q >era  mais  det- 
^itdo  ti^af^ffto  ^a^M  esrtíisas.  A  terra  era  muyio  virosa 
âãi^uofedo  '«m  que  »uia  mbyicís  «ocos ,  &  figos  icomo  os 
dá  lndfa<&  lifibames.  E  asai  auia  <iiiu{ytas:ga}inhas&  al- 
"g^as  eabras,  ^&  'era  muyto  fresca  de  agoas,  &  muyto 
&  daua  algas  ligumaa.  >£  soubeiâo  os  Poctiigueses 


LIVRO   VI*   CAPITVLO  CXXVIIT.  288 

por  aoenos  qye  auia  muyto  ouro  ao  pcMfienle  desta  ilba 
que  era  tão  sadia  que  não  auia  hi  nenhu  doente  nS  alei- 
jado^ &  auia  muytos  velhos,  &  a  gevte  tinha  paraós 
«m  que  pescauSo,  &  naue^^auSo  ao  Vigo  da  ilha,  &  cor- 
tau8o  a  madeira  cÕ  os  ossos  de  |>eix?9 ,  &  algQs  Portu- 
gueses ^  yão  doentes  forâo  aqui  logo  s3os#  G  vendo  eles 
ho  bõ  gasaihado  que  recebiâo  daquela  gente ,  ^  pax 
Jhes  serem  os  ventos  contrairos  pêra  tornar  a  Maluco  se 
deteuerlo  ali  quatro  meses ,  «que  tor«ia;rSo  os  ponentefs 
com  que  se  partirão,  fazendo  crer  aos  da  terra  quea^ii^ 
tíâo  muyto  sua  partida  que  logo  auiSo  de  tornar,  Q  an- 
•dauão  descobrindo  terra,  &  chegarão  a  Maluco  a  vinte 
de  laneyro  do  ãno  de  mil  &  quinbStos  &  vinte  seys., 
onde  cuydauão  ^  erão  todos  mortos,  &  ihes  Unhão  ven* 
didas  suas  fazendas,  porqu«  a  viagem  das  ilhas  dos  Ce- 
lebes  era  ao  mais  de  mes  &  meyo  ida  &  vinda  &  eles 
ya  em  sete  que  erão  partidos^ 

C  A  P  I  T  O  L  O    CXXVIIL 

De  cama  Antónia  de  brito  entregou  a  fortaleza  da  ilha 
de  Temate  a  dom  Garcia  anrriquess. 

jLjLtras  fica  dito  como  António  de  brito  &  dõ  Garcia 
anrriquez  se  cõcetrtarâo,  que  por  quãto  An(onio  de  bri- 
to tinha  começado  hu  jungo  que  se  poderia  acabar  ate 
Agosto,  esteuesse  por  capitão  na  fortaleza  ate  então: 
&  da  hi  por  diãte  estaria  em  hil  lugar  chamado  Toloco 
duas  legoas  da  fortaleza ,  &  dÔ  Garcia  (içaria  por  capi- 
tão líure  &  desembargado.  E  como  os  Portugueses  que 
estauâo  com  António  de  brito,  esteuessem  os  mais  ei>- 
áadados  da  guerra,  &  teuessera  junto  muyto  craoo  que 
era  ho  que  lhes  m^iis  lemi>raua  que  ho  seruiço  dei  Key 
desejauão  de  se  ir  daquela  terra,  &  por  isso  pedirão  a 
António  de  brito  que  os  leuasse  era  sua  compnnhia :  & 
eJe  lho  prometeo.  E  como  sabia  que  dõ  Garcia  se  ho 
soubesse  ihes  aiiia  dimpedir  a  ida ,  &  lhes  auia  dembar- 

NN   2 


284  Y)A   HtSrORrA    DA    fNDiA 

gar  as  certidÕi^s  do  Boldo  Q  lirihao  vincrdo,  (irou  as 
cretainente  anles  que  se  fosse;  &  |k>uco  a  [)ouco  ihes 
mddou  lá  leuar  ho  seu  fato,  dando  a  entender  que  ers 
seu.  E secretamente  mandoa  leuar  os  petrechos  da  fer- 
Tarí.i  da  fortaleza,  &  ferro,  &  chumbo  quanio  pode,  & 
mrtndou  diante  quantas  carpinteiros  &  caiafales  pude 
auer:  &  assi  poiuora  &  pelouros,  &  tudo  bo  de  ^  lhe 
pareceo  que  linha  necessidade,  posto  que  via  em  quan- 
ta fíeaua  a  fortaleza  do  que  teuaua.  Ê  sem  do  Garcia 
disto  ser  sabedor,  porj)  como  os  olbciaes  que  liiibào  ea» 
tas  cousas  erào  mais  amigos  Dantonio  de  brito  que  do 
seruiço  dei  Rey ,  dauàlhas  muyto  secretamente.  E  vinr« 
do  ho  mes  Dagosto  em  (|  António  de  brito  se  auia  dir 

Eera  ho  Toloco,  entregou  a  fortaleza  a  dõ  6arcia  sen 
o  muro  da  banda  do  mar  estar  de  todo  çarrado,  &  ho 
da  banda  da  terra  por  amear  a  mayor  parte  dele ,  &  oè 
hQ  baluarte  da  mesma  bãda  em  altura  de  duas  bra^^a^^ 
&  outro  náo  tinha  feyto  mais  ^  os  aliceces,  &  a  torre 
da  menagè  è  altura  de  ti.  palmos  tò  dous  sobrados,  & 
do  derradeyro  ate  ho  telhado  sem  paredes  se  nào  cõ  ca- 
niçadas  de  canas  íBdidas  forradas  desteiras,  &  disto  e» 
râo  feytus  os  repartímètos  das  camarás.  E  estas  erào  as 
paredes  que  tinhão  as  casas  da  feytoria,  pelo  ^  os  por- 
cos &  cabras  entrauão  nelas  quâdo  queriào:  &  assi  se 
goardaua  a  fazèJa  dei  Key,  &  este  cuydado  se  tinha 
dela.  E  esta  tâo  grade  &  suntuosa  obra  foy  feyta  éíres 
anos,  &  assi  se  entregou  dÕ  Garcia  dela.  £  qufldo  An- 
tónio de  brito  se  f(>y ,  foranse  coele  todos  a^les  que  ea- 
perauâo  qui*  os  leuasse  de  Maluco  fazerido  que  bo  acooi- 
panhauâo  por{|  fura  capitão,  &  que  logo  tornariáo.  O  ^ 
d&  Garcia  consentio  euydando  §  fosse  assi ,  mas  eles 
despors  que  forâo  no  Toleeo  não  tornarão  mais^  nena 
António  de  brito  os  mandou^  porque  Iblgaua  de  leuar 
companhia  peru  ho  coar» 


LITRO  VU  CAPITVLO  CXXIX.  286 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXIX. 

De  como  vendo  d6  Garcia  que  António  de  brito  lhe  não 
queria  dar  os  homens  que  se  Jorâo  coele ,  ihe  mandou 
tomar  ho  Ume  ^  ^  a$  bombas  ^  veias  de  húa  uao. 

V  endo  dÕ  Garcia  passar  algu»  dias ,  &  que  nâo  torna^ 
não  o8  que  fora  cò  Âatonio  de  briio^  pareceoihe  lual: 
&  poriaso  lhe  escreueo  pedindoihe  que  lhos  mandasse 
pois  sabia  que  ficaua  de  guerra  &  lhe  erã  njuyio  neces- 
sários,  com  o  que  António  de  brito  desimulou,  respon* 
dendolbe  que  b6  sabia  a  necessidade  que  tinha  deles  & 
que  lhos  mandaria :  &  que  lhos  nào  niaodaua  logo  por 
lhe  serõ  necessários  ale  acabar  ho  seu  jungo^  &  pêra 
Jeuarem  a  nao  sancta  Oíeniea  que  lhe  ficara  diante  da 
fortaleza  por  serè  agoas  murtas,  &  esperaua  de  leuar 
pêra  onde  estaua  como  fossem  viuas.  E  nào  sendo  dom 
Garcia  contente  cõ  af^la  reposta ,  repricou  pediJolhe 
mais  asperamente  4is  bomSs  4  ^inha:  do  que  António  de 
brito  se  escusaua  com  palauras  muy  frias :  no  que  d5 
Garcia  entendeu  que  lhos  nào  queria  dar:  &  tambè  por 
lhe  certificarem  aigús  que  ficarão  na  fortaleza  que  An- 
tónio de  brito  nao  auia  de  querer  dar  os  bomês  que  ti- 
nha &  {)  auia  de  desinmlar  cõ  palauras  ale  se  ir  &  le* 
jualos,  por  isso  que  visse  o  que  lhe  cõpria.  E  ainda  so- 
bre esta  certe2a  dÕ  Garcia  teue  algfis  comprimentos  cd 
António  de  brito  pedindoihe  muj^lo  por  inerce  que  lhe 
jnandasse  os  bomSs  que  tinha,  representandolhe  a  ne* 
cessidade  que  tinha  deles  fjera  seruir  el  re}f ,  &  qufllo 
se  perderia  de  seu  seruiijo  ieuàdo  os,  lembrád4»}he  que 
lio  nfto  deuki  de  fazer,  asst  por  sua  fidalguia  ,  coroo  por 
ser  táo  obrigado  ae  seruiço  de^  rey.  E  vendo  §  sempre 
António  de  brito  respondia  sem  eflfeito,  deu  conta  de 
tudo  ao  feitor  ^  &  ao  alcayde  mor  U  aos  outros  officiaes 
da  fortaleza  &  pessoas  principais  dela  |)or  cujo  conselho 
lhe  fe2^  hii  lequerimClo  em  €|ue  Ibe  nomeaua  todos  os 


«86  DA   HfSTOftlA   DA    tIfDtA 

Portugueses  que  tinha  cõsígo  que  erão  obrigados  á  for- 
taleza rel|reodolbe  da  parte  dei  rey  de  Portugal  que  Ihoe 
desse  fazendo  sobrisso  grandes  protesta<^Ões.  E  milclou- 
iho  per  hii  escriuSo  da  feitoria,  a  ([  respondeo  ^  logo 
mandaria  os  homês:  &  dilatado  de  dia  em  dia  de  os 
nnâdar:  acordou  dom  Garcia  com  conselho  dos  que  dis- 
se de  lhe  mandar  tomar  ho  leme,  bobas  &  velas  da  nao 
#ancla  Ofiemea  antes  que  a  leuasse ,  pori}  sem  ela  não 
se  podia  ir  &c  por  ela  lhe  daria  os  homSs  2}  lhe  tinha.  K 
mandadas  tomar  soubeo  António  de  brito,  que  quando 
se  tío  assi  atalhado  fez  conselho  com  os  que  esiauáo 
«oele,  &  vendo  que  não  tinhão  em  que  se  ir,  que  nào 
auião  de  caber  no  jungo,  por  serem  rouytos:  determi- 
oarlo  que  fossem   tomar  a  nso  por  força  de  armas  ^  & 
^ue  lhe  fariâo  leme,  bombas  &  velas.   E  estauSo  (odo0 
iam  danados  da  cobiqa  das  fazendas  qae  ja  tinhão,  que 
esquecidos  da  lealdade  Portuguesa,  com  aquela  vonta- 
de se  armarSo,  &  tomando  suas  lanças  &  espingardas, 
&  oulras  armas  offensiuas  partirão  contra  a  fortaleza  de 
teu  rey  &  cõtra  seus  vassalos,  cõ  tâo  brauo  ímpeto  co- 
mo se  fora  contra  mouros,  fazèdo  grades  ameaças  de 
-)»rÍ8am  a  dd  Garcia ,  &  de  mortes  a  quem  ho  quisesse 
defender ,  &  coeste  rumor  passarão  por  diante  da  forta- 
leza :  &  com  muylo  grande  desacatamento  &  diabólica 
ousadia  se  foráo  todos  meter  na  nao  santa  Ofemia^  cõ 
grandes  brados  de  pesar  de  tal :  quero  ver  quem  no/a 
defende,  que  lhe  não  tiremos  a  vida.  Dom  Garcia  que 
os  vio  passar  ^  &  vio  o  que  yão  fazer  agastouse  muyto , 
porque  se  lhe  representou  quãto  mal  se  aparelhaua:  & 
por  lhe  atalhar  mandou  bQ  requeri  meto  a  António  de 
brito  &  aos  que  estauão  coele,  que  não  bolissem  com  a 
nao,  nem  lhe  desobedecessem  pois  estaua  por  capitão 
daquela  fortaleza  em  lugar  dei  Rey  de  Portugal  cujos 
vassalos  erão,  &  mandoulho  pelo  ouuidor  da  fortaleza, 
com   que   foy  hii  tabalião  pubrico  que  lho  pubricou.  E 
em  acabando  de  ho  ler,  os  que  estauão  com  António  de 
brito  se  rirão  do  requerimento,  dizendo  que  nãoooiífae- 


LIVRO   VU   CAPITVLO  CXKX.  287 

cifio  a  dò  Garcia  por  capiifto  ce  não  a  António  de  briíP| 
cujo  tempo  da  capitania  duraua  ate  se  ir,  &  j^  a  ele  o* 
betieciáo  &  nfto  a  culrein :  &  «e  dõ  Garcia  lá  fosse  <)»<e 
lhe  iírariio  com  as  espingardas.  £  tornado  bo  ouuidor 
coesla  reposta,  hy  dõ  Garcia  aconselhado  que  mfidass^ 
meter  a  nao  no  fúdo  coui  bom  bardadas,  pêra  o  ^  se  co^ 
meçou  de  fazer  prestes. 

G  A  P  I  T  V  L  O    CXXX. 

Da  grade  de$auêça  que  auue  antre  António  de  brito  4* 
dom  Garcia :  ^  de  como  António  de  brito  se  parUí» 
pêra  Báda. 

Jlistando  a  cousa  nestes  ternos  soube  bo  Gacbil  daroes : 
'&  como  ele  era  grande  amigo  Dãtonio  de  brito  acodio 
logo,  &  foy  falar  a  dom  Garcia:  estranhandolhe  muyto 
a  rotura  que  auia  anlrele  &  António  de  brito:  porque 
deiaando  ser  antre  Portugueses  que  tinhSo  fama  de  se- 
rem muyto  cõformes  no  seruiqo  de  seu  rey  sobre  todas 
as  outras  nações,  deuialbe  lembrar  quã  apartados  esta- 
ufio  de  sua  natureza  &  ãtre  homCs  diSerêtes  da  sualey, 
&  que  começauão  de  conuersar :  que  Ibe  lembrasse  em 
qufto  má  conta  os  terião  vendo  os  desauindos  &  postos 
em  tamanba  rotura.  Do  que  dÕ  Garcia  se  lhe  disculpou 
com  Ibe  cÕtar  a  causa  que  tinba  pêra  fazer  o  Q  fazia.  ^ 
todauia  como  Cachil  daroes  era  mayor  amigo  Dantonio 
•de  brilo  i^iue  de  dÕ  Garcia,  &  lhe  vinba  bê  ficar  dom 
Garcia  cõ  pouca  gCte  pêra  ter  necessidade  dele,  quis 
ser  ierceyro  de  os  concertar.  E  despois  de  falar  com  htl 
<&  com  outro,  fez  de  maneyra  que  António  de  brito  le- 
uou  a  iMio  com  prometer  de  mâdar  logo  os  bomês  Q  es<- 
tauSo  coele,  que  nunca  mandou,  porque  sabia  a  necea* 
.sidade  «^  tinha  deles  pêra  sua  viagê,  do  que  naceo  an- 
treles  mortal  ódio,  principalmente  por  mexericos  que 
nunca  -falecem  onde  ha  deaauênças.  E  vSdo.os  Portu- 
gueses esta  tamanha  antre  dom  Garcia  &  António  4e 


188  BA  HrflnroRiA  da  índia 

brito,  trabalhauSo  pola  sustentar  assi   os  queeslauSo 
com  hft  como  os  que  estauSo  cõ  ho  outro,  parecfidolhes 
que  teriSo  deles  mais  necessidade ,  &  fariSo  coisso  me* 
Ihor  seu  proueito,  E  começouse  a  cousa  demburiiharde 
manejra  que  dos  que  estauSo  com  António  de  brito  fu- 
gião   pêra  dõ  Garcia,  &  dos  que  estauâo  coele  fúgiSo 
para  António  de  brito:  &  todos  leuaudo  nouas  de  htia 
parte  a  outra  pêra  crecer  ho  ódio  ãtrestes  dous  homSs. 
E  destes  passadiços  teuerão  alçCIs  tanto  poder  que  pro- 
uocarâo  a  António  de  brito  que  matasse  dô Garcia:  pe* 
ra  o  ^  ho  fízerSo  hQ  dia  ir  dissimuladamente  aa  fortale- 
za,  &  não  podendo  fazer  ao  que  ya  se  tornou.  E  sendo 
disso  dom  Garcia  anisado  mandou  logo  tirar  hQa  deuas- 
sa  cõtra  António  de  brito,  &  assi  do  mais  que  tinha co- 
inetido  contra  ho  seruiço  dei  Rey.  E  sabendo  ho  ele,  & 
temendose  de  lhe  perjudícar,  buscou  maneyra  pêra  que 
dom  Garcia  lhe  ficasse  pubricamente  por  Tmigo,  porque 
a  deuassa  que  tirana  nSo  fosse  valiosa:  &  foy  fazer  coro 
hum  fidalgo  chamado  Lionel  de  lima  que  era  seu  paren- 
te que  se  fosse  pêra  dõ  Garcia ,  fazendo  se  agrauado 
Daníonio  de  brito,  &  dizSdo  muylo  mal  dele,  &  que  se 
eonuidasse  a  dom  Garcia  pêra  lho  matar:  &  Lionel  de 
lima  o    fez  assi.  E  entendendo  dom  Garcia  ho  ardil» 
mostrouse   grande  amigo  de  António  de  brito,  &  ^  se 
algQa  cousa  fizera  contrele  fora  pelo  {}  compria  ao  ser^ 
uiço  dei  Rey,  &  nao  por  mal  (\  lhe  quisesse:  de  modo 
^  Lionel  de  lima  não  ieue  êtrada  coele  &  ficou  ho  ardil 
perdido.  E  porque  nS  passasse  assi,  &  António  de  bri- 
io  soubesse  t\  era  entendido,  escreueolhe  dÕ Garcia  biia 
carta  sobrisso,  &  porque  lhe  não  mudasse  a  sustancia, 
mostrou  a   primeyro  a  Martim  eorrea  alcayde  mór  &  a 
outras   pessoas,  contandolhe  ho  sobre  a  l\  escreuia,  & 
pedindolhe  Q  teuessS  memoria  do  ^  dizia  nela  pêra  sua 
justificação  se  António  de  brito  dissesse  outra  cousa, 
porque  assi   ho  fez  ele  despois  Q  lhe  foy  dada  a  carta, 
dizendo  que  dom  Garcia  ho  mandaua  matar  por  Lionel 
de  iima  como  seu  immigo  que  era ,  &  por  tal  ho  pubri* 


LIVRO  VI.   CAPJTVLO  CXXKÍ.  289 

caua.  E  nesta  desordeo)  Sc  descoocerio  esti^uerão  ale  ho 
laQeyro  seguinte  que  se  António  de  brito  paríio  pêra 
Banda  deixando  eficorchada  a  fortaleza  da  gSte  &  do 
roais  que  disse.  E  vendo  dojp  Garcia  quâ  necessitado  fi« 
caua  de  tudo,  mâdou  a  JMarliin  correa  que  fosse  aBãda 
&  tomasse  gente  &  fazêda  pêra  a  feyluria  aos  jungos  ou 
a  quaesquer  nauios  de  JMaiaca  que  hi  achasse,  porque 
neai  em  Malaca,  nem  na  Índia  não  auia  lembrança  de 
mandar  a  Maluco  nenbiía  destas  cousas* 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXL 

De  como  ho  gouernador  andando  na  costa  do  Malabar  se 
achou  mal  de  húa  perna^  pelo  que  se  fuy  a  Cajianor. 

Jl  artido  o  gouernador  de  Goa  foy  correndo  a  costa  ate 
Panane  sem  achar  nenhQs  paraós:  porque  posto  que  an« 
dasseni  no  mar  tinhào  em  terra  suasatahiyas  que  lhe  fa- 
aiâo  fumaças  que  dauâo  sinal  ck)s  Portui^ueses  andarem 
na  cosia,  &  .metiàse  por  esses  rios  onde  se  escondiâo. 
K  tornando  ho  gouernadop  defrÕle  de  Calicut,  mandoU 
queymar  ho  lu^ar  (le  Chalé  per  dom  lorge  de  meneses 
&  certas  nãos  que  bi  estauao  varadas:  &  ele  ho  fez  as** 
81.  E  tornando  daqui  pêra  Cananor  chegado  ja  perto 
dele  vio  passar  quatro  paraós  de  Malabares  que  se  npar^ 
titráo  da  conserua  doutros  que  yâo  buscar  arruz.  E  quan-- 
do  os  vio,  sintio  mnylo  ousarem  eles  daparecer  saben« 
do  que  andaua  na  cubta.  •  E  au6do  aquilo  por  grade  de» 
sauergonhamento,  determinou  de  os  castigar:  pêra  o 
que  iiiãdou  deiíar  balei  &  armouse,  posto  que  andaua 
mal  tratado  dua  perna  em  que  trazia  hda  chaga,  &  |X)r 
Í8so  algus  lhe  diziao  que  não  fosse  que  lhe  faria  mal: 
quanto  mais  que  ho  gouernador  da  índia  nao  auia  dir 
pelejar  cõ  quatro  Malabares,  que  abaslauâo  quaesquer 
capiíàes  de  caturea  ou  bargantis.  Mas  ele  não  quistiei- 
xar  de  ho  fazer  tão  amigo  era  de  pelejar,  &  mais  auia 
de  ser  o  que  foy.  E  metido  no  batel  com  outros  ^  se 

LIVRO   VI.  oo 


S90  1>A    BíftTORfÀ    DA    tNDIA 

ineterSo  coele,  &  indo  Yirâo  alg&8  bargaDlins  que  forft> 
aferrar  os  paraós  ^  &  os  tomarão  matando  quantos  yão 
neles.  E  cõ  tudo  ho  gouernador  quis  chegar  a  elea  dal- 
uoroi^ado  de  ver  a  peleja  ^  &  despois  lornouse  ao  galeão 
onde  chegou  com  a  perna  muyio  inchada  &  agrauada 
de  ir  em  pé  ate  os  paraós,  &  tornar  S  pé  ate  ho  gaJeâo 
que  foy  caminho  de  hua  legoa :  &  làbem  eom  ho  e»« 
quentamento  daa  armas  &  do  aluorço ,  &  logo  aqaeia 
noy  te  lhe  acodio  febre ,  &  achouse  tão  mal  que  tbe  foy 
forc^ado  recolherse  a  Cananor  pêra  se  curar  &  recolbeo- 
se  no  mes  de  laneyro  deixfido  por  capit&o  moer  da  cos- 
ta dom  lorge  de  meneses  telo,  que  andado  por  ela  foy 
ier  com  Pêro  de  faria  á  boca  do  rio  de  Bacanor  ha  lu-* 
gar  dei  rej  de  Narsioga ,  onde  estauSo  carregando  de 
pimenta  cento  &  ciocoSta   paraós  Malabares  pêra  Cã- 
baya:  &  os  senhores  dos  paraós  ajútarâo  ali  a  pimenta 
pêra  a  carregarem  sem  serem  sentidos  dos  Portugueses^ 
que  por  ser  a  terra  delrey  de  Marsinga  que  era  seu  a- 
migo  não  atètarião  aisso  nem  os  estoruarião.  E  os  que 
estauâo  nos  paraós  erâo  quatro  mil  homSs,  de  que  muy- 
tos  erâo  espingardeiros :  &  tinhfto  os  paraós  muy  bem 
artilhados.  E  posto  que  dom  lorge  isto  soube  não  quis 
entrar  dentro  por  ter  pouca  gente :  &  escreueo  ao  go- 
uernador Q  lhe  mandasse  mais^  que  como  não  sabia 
quantos  os  imnaigos  erão  mandoulhe  mais  algSa  gente 
de  i)  foy  capitão  moor  dom  lorge  de  meneses,  porquen» 
escreueo  a  dom  lorge  telo^  que  se  com  a  gente  que  lhe 
mandaua  podesse  pelejar  com  os  immigos  que  pelejas- 
se ^  &  se  nâo  que  especasse  ate  lhe  mandar  mais. 


LIVRO  VU  CAPJTVU^  CXXKIU  tH 

C  A  P  I  T  O  L  O    CXXXII. 

De  como  dom  lorge  teh  pelejou  com  o$  immigos  m  riç 
és  Bacanor ,  4r  ^^  w^''^  <^  desbor^tou. 


c, 


begAdo  fXom  lorge  de  neneses  á  hoca  do  rio  de  Bar 
caoof  oodestaua  dom  lorge  leio  deplh9  ho  regiifiepte 
que  llie  mandaua  ho  gouemador  acerca  de  pelejar  eom 
OB  iinmigofi*  E  quftdo  dom  Iorg«  ho  vio  |  dÍ8«e  que  náa 
ae  podia  goardar  aqude  regimento  por  nâo  auer  tempo 
^era  ae  leuar  recado  ao  ggueraador,  que  «lanSoca  im^ 
migoa  pêra  partir  «o  dia  seguinte,  &  era  forçado  peler 
jar  coelea  &  defeoderJtie  a  sayda,  &  por  iaao  bo  poa  em 
cdaelho  em  que  ae  aeordou  que  ae  denia  de  pelejar,  coei 
quâto  não  erão  por  todos  mais  de  seya  centos  homSs.  G 
aquela  noyte  se  íizerão  prestes  encom^dandose  lodos  a 
Jioeso  aeobor,  &  toldando  ^  embandeirando  seus  bar^- 
gantls,  caturea  &  bateis  em  que  auiâo  dS(rar  no  rio: 
^m  4i  entranão  ao  outro  dia  em  começando  de  repfttar  f 
«naré  faafido  grandes  alegrias  de  tangeres  &  gritas  ^  & 
tem  pouco  espaço  toparão  com  os  immigos^  deciâocom 
a  vaisaate  dagoa  que  acabaua  então.  £  em  os  Português 
ses  os  vendo  começarão  de  deaparar  muytas  bombarda^ 
das  em^hfido  tudo  de  fumo  &  de  loruões.  £  como  os  im* 
migos  não  esperauao  que  eles  os  fossem  cometer  dentre 
fio  rio  quando  os  virão  de  supilo :  &  de  su  pi  lo  ouuirãe 
aquela  espãlosa  toruoada  de  bombardadas  &  escurecer 
ho  dia  com  bo  fumo  delas,  cuydajrão  que  os.  Porlugue» 
ses  não  -tinhão  conto^  &  com  medo  6zerão  logo  volta  po<- 
lo  rio  aoirna :  &. ajudados  da  epcbente  dagoa  &  dos  t^ 
mos  fugião  quanto  podião,  indo  os  Portugueses  após 
eles  com  a  mesma  pressa,  liraodolhes  coela  jcom  sua  ar- 
itelharia ,  com  que  os  forão  dãneficando  ate  onde  bo  rio 
começaua  de  ser  baiso,  &  ali  começarão  dencalhar  asai 
dos  aeus  paraós  como  dos  bergantins  dos  Porlugi«eses  ^ 
£oiuido  h&s  por  luim-  cabo  oulros  pelo  oulro :  porem  00 

00  2 


292  toA    filSTCRTA    BA    tKDfà 

iminigos  por^  os  Portugueses  os  não  aferrassem  assi 
mo  encathauSo  fugiào  logo  pêra  lerra  que  não  ousauão 
mais  desperar.   E  era  pêra  louuar  a  nosso  senhor  de  co- 
mo fui>[iâo  sem  verC  de  que,  porque  os  Portugueses  erâo 
táo  poucos  como  digo.  Os  nauios  mais  leues  que  podião 
nadar,  assi   dos  Imigos  como  dos  Portugueses  forâo  re- 
mando ate  onde  bo  rio  estreítaua  tanto  que  se  passaua 
F3r  hfla  ponte ,  &  ali  encalharão  todos :  &  dos  nauios 
oKugueses  na  chegarão  mais  que  dous  bateys  em  que 
3rão  ambos  oe  dds  lorges  &  quatro  catures,  em  que  auia 
t]uasi  nenhQa  gente  pêra  a  muyta  dos  inimigos.  O  que 
eles  vendo  cobrarão  coração ,  &  fazendo  rosto  aos  Por- 
tugueses começarão  de  lhes  tirar  cd  sua  artelbaria  & 
grade  suma  de  frechadas  com  t^  os  começarão  de  ferir 
principalmente  no  batel  de  dÕ  lorge  de  meneses,  que 
como  vio  ^  os  immigos  tornauão  sobre  si  porque  lhe  não 
matassem  a  gente  os  quisera  aferrar,  &  chegouse  a  bo- 
te de  lança.  E  dom  lorge  leio  que  tío  a  grande  multi- 
dão dos  immigos  &  que  de  cada  vez  autâo  de  ser  mais, 
porque  recrecião  os  outros  dos  paraós  que  ticauão  atras 
encalhados ,  pareceolbe  que  era  doudice  aferralos  sSde 
tã  poucos  conK)  erã :  &  mais  não  lhe  pedSdo  socorrer  os 
outroe  Portugueses  que  iicauão  encalhados ,  &  pareceo- 
lhe  melhor  tornarse  pareles  pêra  despois  todos  juntos 
pelejarem  com  os  immigos.  £  fa^iSdo  sinal  de  recolher, 
recoibeese:  &  ao  dobrar  de  húa  ponta  por  vazar  a  ma- 
ré fíeou  em  seca  jíito  de  vinte  paraós  doa  immigos  que 
lambem  al^»  estauão  era  seco,  que  vendo  os  Portugue- 
ses daquela  manejra  acodirão  logo  eom  sais  artelharia 
por  lerra  desparitndoa  neles  que  não  se  podião  valer  tão 
bastos  erão  os  peiouros^  &  hum  deu  no  payul  da  ix>luo* 
ra  do  eator  em  que  se  acendeo  fogo  que  ho  queji^mov 
todo,  &  a  gête  se  saluou  saltado  no  rio.  E  esforçando- 
se  os  immigos  coeste  desastre  y  pareoeolhes  como  erâo 
milhares   pêra  a  pouquidade  dos  Portugueses ,  que  não 
somente  os  podessem  malar  mas  Q  os  tomassem  ás  mãos: 
&  dando  mu; to  grandes  coquiadas^  &  desparando  lanta 


LIVRO  VI.    CAPITVLO   CXXXII.  2^3 

8oma  de  frechas  que  quasi  lirauão  a  claridade  ao  sol 
lançaranse  no  rio ,  &  rompendo  pela  agoa  se  chegauão 
a  eles.  O  que  vendo  dom  lorge  leio  come<;ou  de  esfor- 
çar os  Portugueses,  que  de  muyto  esfor<;ados  muylos 
nrlo  quiserào  esperar  os  immigos  nos  nauios  &  forãnos 
receber  com  mujlas  espingardadas ,  &  comec^ouse  an- 
treles  hQa  bem  áspera  Àc  perigosa  peleja  pêra  os  Portu- 
gueses por  quão  poucos  erão.  B  se  nosso  senhor  mila- 
grosamente os  não  iiurara,  dandolhes  marauilhoso  esfor- 
ço pêra  se  defenderem  não  poderão  escapar:  &  todos 
pelejarão  tão  esforçadamête  com  a  ajuda  diuina  que  6- 
zerào  retirar  os  imigos  pêra  terra  íicando  no  rio  algtls 
mortos  y  de  cujo  sangue  &  doutros  feridos  a  agoa  (içou 
<de  cor  de  sangue ,  &  dos  Portugueses  também  forãe 
muytos  feridos,  &  forão  postos  ê  mujto  mayor  trabalho 
despois  de  cessar  a  peleja  ^  porque  de  terra  lhes  torna* 
rão  a  tirar  os  immigos  como  dantes,  &  fazião  ibes  muy- 
to dano  tiradolhes  como  a  aluo,  &  eles  não  se  podião 
dali  bolir  por  estarem  em  seco:  &  se  aqu^o  durara  ate 
tornar  a  maré  nào  ficara  nenhum  viuo:  mas  quis  nosse 
penhor  que  naquela  conjúção  acertou  de  chegar  ali  hum 
capitão  dei  rey  de  Narsinga  com  trinia  mil  honiès  que 
ya  recolher  a  renda  daquela  comarca ,  &  ouuindo  ho 
«stròdo  da  artelbaria  &  as  gritas  dos  immigos,  ohegou- 
se  a  ver  o  que  era:  &  com  sua  chegada  esteuérào  os 
immigos  quedos  &  se  furão,,  porque  sabendo  dom  lorge 
telo  como  aquele  capitão  era  dei  rey  de  Narsinga ,  mft^ 
dfulhe  dizer  que  não  deuia  de  consentir  que  aqueles 
IMalabares  pelejassem  com  os  Portugueses  na  terra  dei 
»ey  de  Narsinga ,  pois  era  amigo  dei  Rey  de  PortugaL 
A  q-  ho  capitão  respondeo  que  assí  ho  faria :  &  por  che- 
gar naquele  instante  &  oâo  saber  nada  deles  estauâo 
ali.  B  castigando  de  pataura  os  seus  capitães  pelo  que 
íiaziSo,  os  fea  meter  pelo  sertão  cõ  sua  gente.  B  oa 
Portugueses  ficarão  desa  pressa  dos,  &  acharão  que  erfio 
mortos  corenta  deles.  £  determinando  dem  lorge  telo 
de  08  vingar ,  oobio  iby  tempo  toroouse  à  boca  do  fio  a 


t94  mk.  HIITORIA   DA  INMA 

«sperar  os  iminigos  quando  «ayssem,  &  fez  em  terra  ai- 
gAat  eaUcias  dartelharia,  porque  coelas  &  com  a  arma- 
da que  Cinka  na  boca  fiaeaae  dáao  aoe  iroinigos,  &  man- 
dou dizer  ao  gouernador  o  que  pasaaua,  maQdaadoliie 
preguatar  o  que  faria. 

C  A  P  I  T  O  L  O   CXXXilL 

D€  cawúfaleceo  dam  Amrrique  dt  menem. 

^^uando  este  recado  foy  ao  gottemador ,  Unha  ja  her- 
pes na  sua  perna  ^  que  lhe  lirauâo  a  vida  de  lodo  eu 
todo.  O  que  ele  conhecendo ,  como  fiel  Christio  que 
era  tirou  ho  sentido  das  cousas  m&danas,  &  entendea 
aas  spíríCnaes  confessandose  de  seus  peccados^  o  que 
em  sio  cositimaua  fazer  a  miude«  B  fertos  todos  os  ao- 
les  de  verdadeiro Christao  come^u  a  alma  de  se  despe- 
dir do  <x>rpo :  &  chamando  ho  nome  de  lesu  ^  &  de  soa 
gloriosa  madre  de  quem  era  moyto  deuoto  tspirou  esta 
esfon^do  caualeyro  em  dia  da  Purifica<^o  de  nossa  se- 
nhora do  anno  de  mil  &  quinhêlos  te  vinte  seys,  &  fojr 
•eu  cor|K>  sepultado  na  igreja  de  Canaoor  com  muyta 
g^rande  senlimSto  de  todos,  princtpalmête  dos  que  erâo 
amigos  do  seruiço  de  Deos  &  dei  Rey,  porque  sabiSa 
que  pérdíâo  nele  estas  duas  cousas  hfl  grande  executor^ 
f)or  Cabem  ser  delas  mujto  gride  amigo :  &  que  toda 
aeu   pensamento  &  cuydado  era  em  seruir  a  Deos  &  a 
el  Rey,  em   lanto  que  isto  lhe  tiraua  ho  euydado  da 
sua  fazenda ,  í\  auêdo  dous  annos  que  estaua  na  índia 
&  cõ  tâo  bõs  dous  cargos  como  teue  não  tinha  de  sea 
cousa  aigfia  como  se  vio  claramente,  em  nSo  lhe  acha- 
rem na  sua  buela  mais  que  ate  noue  tftgas  J}  fasiSo  na 
•moeda  portuguesa  seys  centos  &  corentars^  nem  menos 
se  lhe  deuia  dinheiro,  nem  ho  tinha  mandado  a  outras 
partes  empregada:  que   posto  que  em  Portugal  quSdo 
parlio  pêra  a  índia  vendesse  de  sua  fazenda  &  arrea- 
dasae  auas  rendas  date  mâo  peri^  lenar  l)õ£mpiiegO| 


LIVRO   VI.    CAPITVLO   CXXXIfl*  295 

mo  foy  na  índia  &  vio  que  não  se  podia  seruir  el  Rey 
com  ter  cargo  de  tratos  os  deixou  logo,  &  gastou  isso 
Q  leuaua  sem  mais  querer  aquirir  outro,  dizendo  que  se 
viuesse  que  el  Rej  seu  senhor  lhe  faria  mercê,  &  se 
morresse  a  faria  a  seus  filhos.  Foy  muyto  esfor<^do  & 
•em  nenhQ  medo  como  se  ve  nas  batalhas  &  pelejas,  enl 
que  se  achou  na  Índia  desf)o]s  de  ser  gouernador,  &.em 
África  antes  de  ir  á  Índia:  &  assi  como  era  esfor^do, 
era  muy  amigo  dos  bom&s  em  que  auia  esforço  ^  &  lou- 
uaua  os  pubríeamente,  &  fazialhes  mercê  de  dinheiro 
ou  de  officios  segudo  era  a  qualidade  do  feyto  que  fa- 
xião.  E  deste  esforcjo  Q  tinha  naturalmente  lhe  vinha  ser 
tão  amigo  de  sua  bonrra  que  não  sofria  faserlhe  ninguém 
eousa  que  fosse  con trela,  o  que  se  via  claramente,  que 
dixendolke  ho  viso  rey  dõ  Vasco  da  gama  estando  em 
Goa  algfias  palauras  de  que  se  ele  agastou :  lhe  disse 
logo  que  lhe  nã  dissesse  aquilo,  porque  em  Portugal  nã 
auia  dous  homSs  como  ele  pêra  injuriarem  hum  grande 
senhor  que  lhe  nâo  falasse  muyto  bem.  £  ho  viso  rey 
como  era  prudente  &  vio  que  dõ  Anrrique  tinha  rezão 
destar  agastado  polo  que  lhe  dissera,  deitou  ho  feyto  a 
zombaria,  dizendo  a  algús  fidalgos  que  hi  estauão  que 
lhe  acodissem  ,  que  ho  queria  malar  dom  Anrriqae,  & 
isto  rindo.  Foy  tão  isento  em  fazer  justi^  ,  que  nem 
edio ,  nem  temor  ,  nem  afeyijilu  Uie  toruaráo  que  a  nâo 
fizesse  de  quaes  quer  pessoas  de  que  era  b8  que  se  ú»^ 
«esse ,  &  por  imo  foy  malquisto  dalgfis  fidalgos  da  In* 
dia  de  que  a  fez ,  &  diziSo  ma^  dele.  Foy  homem  de 
Voa  estatura  %l  membrudo,  de  rosto  bem  preporcíonado  r 
foy  de  boa  condi^  &  diserele.  Era  sua  determinação 
tomar  Diu,  &  Adem^  &  foaef  sempre  guerra  aos  mou* 
ros :  &  assí  ficarflo  eles  muy  desatinados  por  sua  morte. 

Aqui  hz  fim  bo  seysto  Kbro  db  hhtork  do  descobrimSto  &  c5«> 
q^uista  da  Índia  pelo»  portugueses.  Feyio  por  PeriiSo  lopez  de  Cas- 
tanheda. E  inipreise  em  a  moyto  nobre  &  sempre  leal  cidade  de 
Coymbra  per  £oio  de  barreira  empmnidordà  vníuersidade.  Aca^ 
beute  aos  iij.  dias  de  SMsds  Feueroira  ds  M.  D;  LIIU. 


TAVOADA 

DO   PRESENTE  LIVRO. 


C 


/APiToLo  I.  De  como  dem  Lnys  de  meneses  captiãi9 
tnór  do  mar  da  índia  foy  socorrer  a  fortaleza  Dar-^ 
tnuz  9  ^  ^  como  partio  ptra  Malaca  Mariim  Afonso 
de  ftielo  Coutinho.  Pacr.       i 

Cap.  II.  De  como  ho  gouemador  deu  n  capitania  de  Chaul 
a  Simão  darulradcy  ^  tnâdou  goardar  a  costa  de  Cavnr- 
baya.  % 

Cap.  III.  Do  que  ctconteceo  a  Martim  correa  andando 
darmada.  % 

Cap.  II II.  De  como  dom  Luys  de  meneses  ^  hia  em  socor^ 
ro  Dormuz  chegou  lá^  ^  do  que  fez.  ^ 

Cap.  V. De  como  dó  Gaveta  anrriquez  §*  lorge  dalbuquerque 
chegarão  ás  tlhas  de  Banda^  ^  da  discripçâo  destas  ilhas.  7 

Cap.  VI.  De  como  Fernãi)  de  magalhâes  fez  crer  ao 
Emperador  Carlos  rey  de  Castela  que  os  tlhas  de  Ma* 
luco  erão  de  sua  conquista  ^  de  como  as  foy  descobrir.  8 

Cap.  VII.  De  como  Fernão  de  magaltiâes  mostrou  hum 
regimento  que  leuaua  do  fnleyro  pêra  se  conhecer  a  ai* 
iura  de  leste  a  oeste,  h]  do  que  hum  astrólogo  que  hia 
na  frota  ^  os  pilotos  dela  acordarão.  1% 

Cap.  viu.  De  como  Fernão  de  mngalhães  passou  ho  es-- 
treito  de  todos  os  sanctos  ^  foy  ter  á  ilha  de  Cubo :  ^ 
de  como  foy  morto  em  húa  batalha  com  dous  capitães 
seus  ^  outra  gente.  14 

Cap.  IX.  Da  treyção  que  el  rey  de  Cubo  fez  aosCaste* 
lhanos  em  que  maUm  muytos  deles ,  ^'  de  cmno  esca* 
parão  fugindo^  R  do  que  passarão  ate  chegarem  aa  i- 
lha  de  Tidóre  hãa  das  ilhas  de  Maluco.  17 

Cap.  X.  De  como  el  rey  Daternate  foy  cometido  dos  cos^ 
teUuinos  com  amizade  ^  a  não  quis ,  ^  de  como  car* 
regarão  duas  nãos  de  crauo  ^  hua  foy  ter  a  espanha  ^ 
c^  outra  despois  de  partir  arribou  a  Maluco.  au 


TAVOADA.  2^7 

Cav.  xf.  De  como  António  de  brito  ^  dom  Garcia  anrri- 
quez  se  partirão  pêra  m  ilhas  de  Maluco ,  ^  da  dis* 
cripção  destas  ilhas.  22 

Gap.  XII.  De  como  António  de  brito  assentou  amizade  c6 
a  mãy  dei  rey  de  Ternate  ^  com  outros  rtys :  êp  de  co- 
mo começou  a  fortaleza  de  sam  íoão  de  Ternate.     2B 

Gap.  XIII.  De  como  MarA  Afonso  de  melo  coútinko  che- 
you  aa  China  ^  a  achou  de  guerra.  30 

Gap.  kiiii.  De  como  Martim  Afonso  de  melo  quisera  íor- 
nar  a  reformar  a  paz  com  os  Chins  ^  não  pode.     3 1 

Gap  XV.  De  como  ardeo  a  nao  de  Diogo  de  melo  y  ^  os 
Chis  tomarão  a  nao  de  Pedromé  ^  matarão  a  ele  ^  a 
quãtos  estauão  dentro.  E  de  como  Martim  Afonso  par* 
tio  pêra  Malaca.  33 

Gap.  XVI.  De  como  drey  Dachem  mandou  cercar  afor^ 
ialeza  de  Pacem^  ^  de  como  lhe  socorreo  Martim 
Afonso  de  meio.  35 

Gap.  XVII.  De  como  se  perdeo  a  nao  úe  Duarte  dataide^ 
onde  ele  morreo  com  outros.  E  de  como  ho  gouernador 
de  Mojzcate  acodio  aos  nossos^  36 

Gap.  XVIII.  De  como  dom  Luys  se  tomou  pêra  a  India^ 
^  do  mais  que  passou.  38 

Cap.  XIX.  De  como  por  morte  de  Raix  xabadim ,  Raix 
xarafo  se  acolheo  á  nossa  fortaleza  c6  medo  de  ho  ma-- 
tare  os  mouros :  -^  de  como  se  tomou  a  pouoar  a  ci^ 
dade  Dormuz.  39 

Cap.  XX.  De  como  dom  Luys  de  nteneses  despachou  SCo- 
chi  certas  velas  pêra  diuersas  partes  ^  de^is  se  par- 
tio  pêra  ho  estreito.  41 

Gap.  XXX.  De  como  indo  o  qouemador  pêra  Ormuz  to^ 
marão  hãs  mouros  de  Dtu  húa  ^alé  a  Bastião  de  no- 
ronha.  42 

Gap.  xxii.  De  como  o  gouernador  chegado  a  Ormuz  sol^ 
tou  Raix  xarafo.  43 

Cap.  XXI iu  De  como  dS  Luys  indo  pêra  dar  na  cidade 
de  Xael  lha  desjjejarão  os  mouros y  ^  do  mais  §fez  ate 
tomar  dó  estrato.  46 

LIVRO    VU  PP 


298  ^  TAVOADA« 

CaP.  %%uíu  Decanto  dom  Rodrigo  de  limapartw  camí^ 

nha  da  corU  do  Preate.  ^7 

Cap.  XXV.  De  como  dô  Rodiigo  chegou  á  coríe  do  Prmã- 

te  joi.  49 

Caf.  XXVI.  De  cnmn  ho  PreHe  mandou  chamar  ho  «9t- 

òaijfodor  ^  nâo  IhÉfèbm.  ^8 

Cav.   xxvm.   De  cama  doxn  Rodrigo  falou  ao  Prestei 

joâo.  ^fr 

Cap.  xxvHf.  Dm  brigas  que  ouue  arUre  lorge  àãkhreu  ^ 

dom  Rodrigo.  o  8 

Cap.  XXIX.  De  coma  ko  Preste  despachou  dom  Rodrigo^ 

de  lima.  h  1 

Cap.  XXX.  De  como  do  Rodrigo  se  partio  da  corte  da 

Preste^  ^  da  causa  porque  íortum  a  tia.  64 

Cap.  XXX p.    De  como  dom  Lugs^  se  tonwu  a  partir  dct 

corte  do  Fr  este.  <>(» 

Cap.  XXXII.  De  como  foram  mortos  quatro  Portugueses  € 

ArquvGo.   E  de  como  dé  JLuys  de  meneses  se  partio  ds 

Ma^ua.  68 

Cap.  XXXIII.  De  como  dom  Rodrigo  se  tomou  á  corte  do 

Preste  ^  se  tornou  a  partir ^  4»9 

Cap.  xxxiiii.  De  como  dô  Luys  de  meneses  soi^pseou  Do- 

far  ^  ^*  eiíeffou  a  Ormusí.  7L 

Cap.  XXXV.  Decomo  AnUmio faleyro  se leuãtou  4^omdis-- 

simulkiçâo  dê  irfaxer  presas  ao  cabo  de  Gourdofum.  72 
Cap.  xxxvi.  De  como  AnUmio  f alegro  fof  ter  a  Calafa- 
te ^  despm&  a  Dt^ar :  ^'  do  que  fez.  14f 
Caf*.  ^xxfHi.  Dtf  (f  aeôteceo^  aos  sete  portwpéeseí^  ^iôona 

nao  q  António  Jaleiro  mâdaua  pêra  Gaíafate,  76 

Cap.  TQJt^%v^\\\  De  cmnofoig  ter  hú  mouro  cá  os  ires  Piít-' 

tHgtJtesfes  &  esiítmâo^  no  paraOy^^  ^  do*  remédio  que  /hes^  deu 

nosso  senhor  pêra  escaparem  da  morte.  78 

CaP.  Ti^xi^.  D>  como  Ahionio  Jakgro  h  íém(mperéat 

hxdia^  ^*  df}  que  sucedeo  aos  três  companheiros  qioe  ss* 

tauôoeom  ho  Xetjue  de  Msêe.  g^ 

Cap.  xu  D^'  cmno  os  mouros  ganhamâoaê  tomíáet^ias^ds 

Pondtí  ^  de  Sakete.  83 


TAVO^P*.  2^ 

CàF.  xu.  De  cmno  kúa  das  naoê  da  armada  ie  Fer^iôo 
ok  maffalhâes  que  hia  pêra  Espanha  arribou  a  Malu- 
to^  ^  foy  tomada  pelos  Portugueses.  87 

Cap.  xr.if  •  De  como  os  mouros  da  ilha  de  Tidore ,  nuh 
tarão  vinte  tantos  Portugueses.  Pelo  que  se  começou 
a  guerra  âtre  António  de  brito ,  ^  et  Rey  de  Tido- 
re.   •  89 

Cap.  xliii»  De  como  dõ  Pedro  de  cetstro  pos  a  obedien^ 
cia  dos  reys  de  Zanzibar  ^  Pemba  as  ilhas  de  Quê^ 
rimba  que  lhe  desobedecião.  93 

Cap.  xliiii.  Do  que  António  galuAo  fez  em  Cotangone 
.  tomãdose  pêra  Moçambique.  9fi 

Cap.  xlv.  De  como  dom  Pedro  de  castro  chegou  a  Goa 
^  se  perdeo  a  sua  nao^  na  barra.  98 

Cap.  xLvi.  De  como  ho  gouemador  mandou  BaUesar 
pessoa  por  embaixador  ao  Xeque  ismaeL  JOO 

Cap.  xlvii.  De  como  fakceo  ho  Xeque  ismael  sem  dar 
despacho  a  Baltesar  pessoa :  ^  de  como  hum  Jilho  ^ 
lhe  sucedeo  ho  despachou.  102 

Cap.  xi^viii.  De  conw  se  partio  ho  gouemador  pêra  a 
índia  ^  ^  de  como  chegarão  as  naoã  de  Portugal.  104 

Cap.  xlix.  Do  ^  aconteceo  a  dom  Pedro  de  castro  ^  a 
António  qaluâo  em  Calicut.  105 

Cap.  l.  De  coma  el  rey  Dachem  condniteo  a  fortaleza 
de  Pacem.  107 

Cap.  u.  De  como  dom  André  anrriquez  despejou  afon- 
ialeza  de  Pacem.  109 

Cap.  Lf  1.  De  como  el  rey  de  Bintão  mandou  fazer  guer- 
ra a  Malaca :  ^  de  como  foy  morto  Anrrkpte  leme  ^ 
outyps  capitães.  110 

Cap.  liii.  De  como  foy  tomado  hú  nauio  na  cidade  de 
Pão^  ondeforSf)  mortos  edgús  Portugueses.  114 

Gap»  Lfin.  De  como  foy  morio  André  de  bryto  no  porto 
de  Pão  d^  outros  Portugueses.  1  í  h 

Cap.  lv.  Ue  conio  dó  Sacho  ârriquezj  ^  dô  António  ãr- 
riquez  forão  mortos  no  porto  ae  PãOy  ^  lhes  foy  to-^ 

<   modo  bói, galeão.  Aia 

PP  2 


CaP.  lti.  De  como  Jorge  dalbuquerque  mandou  pedir 
hocorro  ao  gouernador  da  índia  ^  lho  mandou.  £  de 
como  ho  gouernador  /oy  hmemar  a  Ormuz.  l  IB 

Cap.  lvii.  De  como  partirão  ftyio  tiaia.  ^  corenta  p€»^ 
raés^  de  Calicut  carregados  despeciaria  pêra  AStca^  1 20 

Caf.  LViíi.  De  como  o$  mouros  de  Binião  queymarâo 
no  porto  de  Malaca  ho  nauio  de  Simão  dabt  eu  ^  ^na^ 
taráo  quaníoê  esta/uâo  coehe.  1*2  t 

Caf.  Lix.  De  como  Laqueximena  tomou  na  inrra  €Íc 
Bintâo  duu8  cárauelões  da  conserua  de  dom  Garcia 
anrriquez.  1 2^ 

Cap.  lx.  De  como  el  rey  de  BUâo  mandou  cercar  Ma^ 
laca  por  mar  ^  por  terra.  1  It 

Caíp.  lxi.  De  como  Martim  Afonso  de  sausa  foy  faster 
àuerta  a  el  rey  de  Bintâo  ^  ^  aos  reys  de  Pão  ^  de 
iPatane.  129 

Cap.  lxh.  De  como  foy  começada  et  guerra  âtre  AtUo^ 
nio  de  brito  ^  el  rey  de  Tidore :  ^  de  como  fuy  mor- 
to lorge  pinto  da  stlua  ^  outros.  i  '^o 

Cap.  lxi II.  JD^  que  aconteceo  a  Martim  afonso  de  mele 
jusartCy  cometendo  hú  lugar  de  mouros  133 

Cap.  lxiiii  De  como  foy  Jerido  Francisco  dt  sonsa ^  ^ 
outros  Portugueses.  Uô 

Cap.  uxv.  De  como  por  indusêria  de  Martim  corrca^ 
foy  tomado  ho  lugar  de  Mariaco.  íM 

Cap.  I.XTI.  De  conw  prosseguindo  Martim  correa  ^ 
CMhil  Darnes  a  guerra  tomarão  muytos  lugares  que 
el  rey  de  Tidore  Imha  na  ilha  de  Maquiem.  14 1 

Cap.  lxvii.  De  cama  Marúm  correa^  ^  Cachil  daroes 
destf^irãa  ho  lugar  Dogane^  ^  se  tomaráo  ^  Ter^ 
natc  1  i2 

Cap.  Lxviir.  De  como  el  rey  de  Tidore  mandou  pedir 
pazes^  a  António  de  brito :  ^  ele  lhas  nâfà  qtm  itar.  145 

Cap.  lxix.  De  como  el  reu  de  CcUicut  começou  dt  faztr 
guerra  aa  fortaleza  disstmHladuméte^  148 

Cap.  lxx.  De  coma  os  mauros  ^  Noyres  de  Qdieuteome* 
farão  a  guerra  cô  dó  loão  de  li$na  capitão  da  fortaleza.  léS 


TAVOABÁ.  301 

C AP.  LXYi.  Dê  como  dõ  Fmco  áã  fmhà  coHie  ièt  Vidu 
yueira  ^  aímiranu  do  mar  indico  partia  de  Portugal 
por  viso  rey  da  Indta  9  ^  efe  como  chegou  lá.  Iò2 

Caf.  lxxii.  De  como  ho  vÍ90  rey  chegou  a  Cochim ,  ^ 
tio  i{ue  jez.  *  lt>5 

Cap.  lxxiii.  pe  como  Geronimo  de  souiafoy  goardar  a 
cosia  do  Aíalapar.  166 

Cap.  lxxiii I.  4>€  duai  grandes  pitorioê  que  domiorge  tê- 
lo  ófÁ^ie  dos  mouros  de  CãléCut»  l&^ 
Cap.  /lxxv.    De  como  creceudo  a  doença  do  viso  rey  en- 
leíiUcu  a  goueruança  a  Lopo  voz  de  sam  Payo  cc^ 
\o  de  Cochim»  I  t^O 
Lxxvi.  De  como  dom  Duarte  de  meneseSj  chegou 
hchim^                           •                                       ibid» 
Lxxvii.  De  comp  dô  Quarte  de  meneses  entregou  a 
iui  a  Lopo  vaz  de  sattr  payo  em.  nome  do  viso  rey: 
^^  de  como  ho  viso  rey  faleceoJ  -  it>4 
À  Luxviii.   De  como  Joy  aberta  n.  primeira  subcee^ 
^  sum :  em  q  se  achou  dom  jínrique  fie  mentses  por  go^ 
[  uernadtíT.                        •                                               166 
CDap.  lxxix.  De  como  d6  Jnrrif  sabendo  que  era  gouer^ 
nador ,  se  partio  pêra  Cochim :  ^  do  que  Jez  primey^ 
C  ro.                                                                              I6d 
^AV.  Lxxx.  De  como  dS  Anrri^  de  meneses  pelgou  com 
C   h&a  armada  de  Calicut  ^  tomou  dezoyto  paraés^  ^  de 
^   como  mâdau  enforcar  Matu^ele  em  Cananor.  í71 
pibc^.  Lxxxi.  De  como  a  requerimáo  dei  rey  de  Cananor 
mâdOH.  o  gouertíador  queymar  hHa  pouoaçâo  de  motf» 
.    ros  de  CaUiuipor  Eytor  da  sHueira.                        11 1 
Cap.  Lxxxii.  De  c&tno  vendm  el  rey  de  CaHcut  quão  mal 
lhe  sucedia  a  guerra  eometeo  paz  a  dom  João  de  li^ 
ma.                                  *                                       I7é 
Cap.  lxxxiiu  De  como  o  gouemador  Joy  ter  a  Calicut' y 
^  soube  a  paz  que  el  rey  queria ;  ^  do  que  resptm^ 
deo.  176 
iP.  ucxxtiti*.  De  tomo  ho  gouemador  deu  em^Panane^ 
^  da  destruy^ão  que  fez.                                       17» 


Mt  .TAT0AIU. 

Ca»,  lzxxv*  De  «»m*  o  wi4«tiaclar  tiMindbif  fuoynur 
Oaiievtt  por  dom  loS»  Jk  Uma  >  ^  c/«  çue  lhe  axaaU- 
cm,  m 

ÇA^.UPíXvt.  Z>«canu>9j 

C4P.  Lxxxvit.   De  como 

:    pitít»  da  frota  dt  pd^ 

C4P<  Lxxxviii.  De  com, 

CUp.  crixix.   De  coma 

dor  dei  r«y  Dormxm  t 

meã  de  Dwgo  de  twW 
Cap.  xc.  Do  que  fez  Ft 

SéâgqUm*  E  d«  como 

ehit  ^  despachou  a 

ett. 
<?AP.  lei.   Do  í  /e»  dí  í 

^  de  como  se  recoihcA 
Cap.  xoii.  De  comofoy  : 

outroi  capiíáet  detítara 
Cap>  xciii.  De  hâ  milag. 
-  ^uese$  na  iUm  de  Ceilã 
Cáje*  xciiii.   Do  ^  ^lon 

cabo  de  Goardnfum  «$• 
Cap.  xcv^  De  como  Mai 

g^  tia  ilha  de  Banda. 
Cap.  xcvi.  DeqacÓteceo 

ti  afàso  de  meiajutarie 
Cap.  xevii.  De  como  ãi 
:  már  do  mar  de  Makux 
\  de  comafoy  morto  com 
Cap.  xcviii.   Deoomo  01 

,     hatalíta  tornarão  a  Malaca.  x'}' 

^A>>  xcix.   Do  f  Laqueximena  fem  no  ColoKar:  4"  ^ 

como  $efat^.  pêra  Bmtâo,  8 '  ^ 

Cap.  c.   De  como  Baltesar  rodriguez  raposo  ^  Jitíoro 

de  IkÍIo.  desbantíarâa  LogueMmeiía  ^  el  riy  de  Ji"*" 
i,  .guim.  ,     ^  íl* 


ff.        Cap.  ài/De  tmfio  el  tey  〠 Biuiôa  ftimati a fnx^  guer^ 
ki  ra  a  Malaca :  j^^  do  qúejixeróa  seys  ForiVKfHests.  21 7 

CaI^.  cu.  Ut  como  Pêro  mazcttrenhuê  Jvy  enifegiêê  data- 
à  pitahia  de  Mataca.  tti 

I  Cap.  tiii.  Dt  conio  d6  Gatdà  ofirriqttíOd  ehégaú  áf&ha" 

leza  de  Maluco.  Itò 

f,  Cap.  ciiii.   De  c^mo  entrado  ha  nmeitio  ti  hfy  de  Caiu 

€UÍ  Yrn4f  atou  jazer  yutrrà  a  dô  loâo  de  limoi  224 

Vap.  )^<  ^*  como  oí  itmmyos  ^coiAeçarâo  de  vercar  d 
Jorwl^za  de  couas  pêra  asBenlarem  suas  estancias.  226 
ITaP'      \     De  ccniO  despots  de  el  rey  de  Galúut  ser  ua 
^fdom  loâo  de  Uma  tfiiewwu'as  casas  dufeytarid 
^ymmaz^tt.     •  22ô 

CaP'  cvii.  De  conrn  despots  de  se  dom  lò&o  recolher  na 
^  JorUiUzdt^  Ob^entar&o  ós  írnmu^os  suas  esíaneiaB  ^  eo^ 
melará  de  botér  a  Jortaleza.  t:M 

.  Ca^  cviii.  De  coiho  os  tmuíiifos  comt^arão  de  faxper  hiia 
moarrada.  tzi 

CaP*  cix.  4)e  como  dólo&ú  de  Hmu  mandou  pedir  sacor^ 
ro  ao  youernador  ^'  éko  mandou^  2;ifr 

CaP.  cx.  De  como  os  imviUjOS  comej^arão  de  tirar  tom  hú 
tfabuco  ájertaleza^  ^  de  coitwjoy  espeda^ado.     §37 
Caj^.  CXI.  De  como  Chrisíouáo  jusarte  chex^ou  a  Calicut 
I      (^  êtrau  na  Jof  taltza^  c6  os  t[ue  yão  coele..  ISò 

\  Cap.  cxii.  De  come  ho  yenernuéar  mandou  mais  iocor-^ 
7  ^  ro  a  dom  Joãf).  24aí 

Ca>^  cxiji.  De  cemo  es  imiffos  assentaif^ã»  dfmstrahacosy, 
^  éê  éimio/cy  tfneymado  hA  deles.  244 

Cap.  I^Xitu.  be  ^^o/úlo  foy  queimad»  húã  manta  dos  zmi^' 
yos.  24S 

Cap.  cxv.   De  como  dom  loâo  fez  k6é  tranqtiepra  sobre 
«  A#  muro  contra  JdÍLa  úWetrradu  qm  vs^  immiyoi  Jabri^ 
çébââL  ^48 

€a9.  cxvi.  De  como  querido  os  mouros  eomhàtir  a/or-- 
taUza  ê6  h'íne  inania^  de  campo  Jorão  aialhndoê.    %b& 
Ca*,  exviik   fSe  eoma  dom  loão/oy  socorrido  por  Eytor 
4a  iUuéy^a  .^  ^  despotépor  Fi  ancibtoperetrapeikma.  %è4íi 


104  TJ 

Cap.  ckviii.  De  comoõt  t 

tcâoeom  acarregaquel 

de CaUetU i*^""'  ^òào  *i 
Cap.  cxiz.  De  como  o$ 

baluarte  de  madeira  da 
Cap.  czz.  De  como  ho  p 

de  (kUicut ,  ^  do  conse 

os  mouro$- 
Cap.  cxxi.  De  comb  dam 

arrayal  do»  immigoa  :  ^ 

(ou  de  pelejar  txtelet. 
CUp.  cxxii.  De  comb  hog' 
got  q  tinhão  cercada  a/orl 
Cap.  cxziii.  De  coma  ho 

derribar  a  fortaleza  de 
Cap.  cxxiiii.   Do  ijue  fe> 

despejada  a  fortaleza. 
Cap.  cxxt.   De  como  ho 
-  ãUueira  ao  cabo  de'  Goa 
Cap.  cxxvi.  Do  ^  aconte< 

ho  Arei  de  Porquá. 
Cap.  cxzviu  Do  q  aconU 
.  de  Maluco  indo  pêra  tu 
Cap.  cxxviii.  De  como  j, 

talesa  da  ilha  de  Temai 
Cap.  cxxiz.  Decomovená 

lhe  nâo  queria  dar  os  hon 

dou  tomar  ho  leme^  ^  ae 
Cap.  cxxx.  Da  grade  dei 

de  brito  ^  dom  Garctc 

se  partio  pêra  BÔda. 
Cap.  cxxzi.   De  como  ho 

do  Malabar  se  achou  i 

foy  a  Cananor.  tW 

Cap-  cxxxii.  De  comodom  lorgetelo  peitou  com  os  immi- 

gos  no  rio  de  Bacanor^  ^  de  como  os  desharatot*.  29 1 
CAP.csJj.iuJOecomofideceodomjánrriquedemeneses.2^M