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Full text of "Historia do descobrimento e conqvista da India pelos Portvgveses"

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HO  SEITIMO  LIVRO 

D  A 

fflSTORIA  DO  DESCOBRIMENTO 

conqvistI  da  índia 

PELOS  PORTVGVESES. 

Feyto  par  Femô  Lopez  de   Castanheda. 
Com  priuilegio  Real.  Iôõ4. 


HISTORIA 

DO 

DESCOBRIMENTO 

£ 

CONQVISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS 

PORTVG VESES 

F  O  B 

FERNÃO  LOPEZ  DE  CASTANHEDA. 


NOVA    EDIÇIO. 


<   * 


LIVRO  VIL 


LISBOA.  M.DCCC.XXXm. 

NA     TTPOORAPHIA     R  O  L  I.  A  N  D  I  A  N 

POR  ORDEM  SUPERIOR, 


PROLOGO 

NO    SEYTIMO    LIVRO    DA    HISTORIA 

do  descobrimento  &  conquista  da  índia  pelos  Portu* 
fiieses  dirigido  ao  muyto  alio  &  novyto  poderoso  Rey 
dom  loão  ho  Terceiro  deste  nome  nosso  Senhor,  Rey 
de  Portugal  &  dos  Atgfarues,  daq»em  &  daiem  mar  em 
Africa,  senhor  de  Guiné  &  da  conquista  ^  naueeação 
&  comercio  de  Blhiopia ,  Arábia,  Pérsia  &  da  India« 

Por  Fernão  iopez  de  Castanheda. 

i^entença  be  de  Túlio  nas  suas  tusculanas,  muyio  alto 
&  muyto  poderoso  Rey  nosso  senhor  2|  a  hõrra  cria  as 
artes  &  desejosos  da  gloria  d^virtude,  nos  acendemoe 
pêra  a  ganhar.  SentSqa  verdadeiramSte  muyto  digna  de 
8er   notada   pr\ncípa\mente  dos  príncipes  &  dos  senho* 
res :  porque  se  e/es  nilo  fauorecerem  com  hôrras  &  mer- 
cês as  boas  cousas  que  seus  vassafos  fazem,  as8\  nas  ar- 
mas, como  nas  letras:  como  era  qualquer  outro  género 
de  cilícios  virtuosos  com  que  a  repubrica  he  ilustrada, 
não  auerá  nhQa  pessoa  que  se  de  a  eles,  nem  os  siga« 
E  por^  nos  tempos  antigos,  as  fac^anhas  nas  armas,  á 
sciencia  das  letras,  os  singulares  eng^enhos  nas  artes 
macanicas:  se  estimarão  tanto  dos  príncipes  &  das  re« 
pubricas  em  que  se  fazíSo,  &  se  galardoauão  muyto  b6 1 
Ouue  antre  os  Gregos,  &.antre  os  Româos,  &  Atre  os 
Bárbaros  tantos  &  tão  singulares  capitães:  tão  esforça^ 
dos  caualeyros,  tão  excelentes  sábios  &  letrados  de  tan- 
ta erudição,  &  officiaes  tão  perfeylos  em  todas  as  artes 
macanicas,  como  largamSte  contão  as  historias  antigas 
&  modernas,  com  que  deixo  dalegar  por  breuidade.  E 
despois.que  este  fauor  de  hÕrras  &  mercês  cessou  de  se 
fazer  antrestas  nações,  aos  que  forão  excelentes  nas  ar- 
tes que  digo  se  forão  elas  perdendo,  que  nem  cuue  mais 


€a|>ti3e6 ,  nem  cantil^jres ,  &  fafecefSo  o9  «•bm  &  Je- 
trados:  nem  ouue  mais  officiaes  que  nas  artes  roacani- 
cas  se  prezassem  de  ierem  a6  perfeições  que  os  ajriligos 
teuerão.  E  conhecendo  V.  A.  isto  Príncipe  prudentissi* 
mo,  desejando  dennobrecer  seus  rejnos  &  senhorios, 
Irabalba  tanto  coAi  sua  suprema  liberatidade  de  fater' 
mercês  aos  bornes  que  em  todas  as  artes  que  digo  sam 
singulares,  pelo  qiie  mtjytos  trabalhão  por  ho  serem  se- 
ias:  &  por  isso  t«m  V.  A.  tanta  copia  deles,  não  so- 
mente seus  naturais  mas  estrangeir<is ,  que  de  muylo 
longe  correm  à  fa4i>a  de  suas  mercês  grandíssimas,  O 
que  também  me  deu  animo  pêra  sair  cõ  a  mostra  de  meu 
engenho,  &  trazer  coele  a  luz :  cousa  de  tanto  seruiço  de 
V.  A.  &  honrra  de  setjs  reynos  cofno  he  estA  historia  do 
descobrimSto  &  conquista  da  índia  pelos  Portugueses. 
Cousa  de  tanta  admiração  &  tão  digna  de  se  pubricar  , 
que  quSdo  a  Rayaha  nossa  senhora  vio  bo  primeyro  li« 
uro,  disse  a  dona  JMaria  de  noronha  que  Ibo  deu.  Que 
cousa  tamanha  como  aquela ,  mais  cedo  se  ouuera  de 
pubricar ,  &  nao  ouuera  destar  escondida  tanto  tempo, 
&  de  ser  auida  por  muyto  miraculosa  nos  reynos  estran* 
geirosr  be  impressa  parte  dela  em  Frâ^ja  &  se  im[>ríme 
em  Itália :  poio  qu6  mereço  mercê  pois  fuy  ho  primeyra 
Português  que  tomey  tão  bonrrada  empresa^  &  Ibe  dey 
fim  tanto  a  mioba  custa  como  nosso  senbor  Deos  he  tes» 
temunha :  que  por  sua  infinita  misericórdia  tenha  por 
bem  de  alongar  por  imiytos  anos  a  vida  de  Y.  A*  coui 
aerecentan»enlo  de  seu  real  estado  pera^ue  fauoreça  com 
mercês  a  seus  vassalos^  com  que  os  prouoque  a  fasereni 
eousas  porq<ue  merec^ão  sempre  de  serem  tão  nomeados 
pek)  mundo  eomo  sam» 


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o  SEPTIMO  LIVRO 

D  A 

HISTORIA  IX)  DESCOBRIMENTO 

CONQVISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS  PORTVGVESES 

Em  que  se  coniS  o  cfae  eles  fizerSo  gouernandoa  Lopovaz 

de  saro  payo,  por  tnâdado  do  muy  ailo  &  muyio  podero- 

•  ao  rey.  dÔ  loão  nosso  seohor  ,  bo  terceyro  deste  nome, 

Feylo  por  Fernão  lopez  de  Castanheda^ 
CAPITOLO    L 

De    como  foy  aberta  a  terceyra  socessam  em  que  hia 

Lopo  Vaz  de  sam  Payo. 


E 


linterrado  dom  Anri?)  de  meneses,  ajflCarSse  lodos  o9 
capiláes,  fidalci^os,  &  pessoas  principais  na  igreja  de  Ca* 
fianor,  com  Afonso  mexia  vedor  da  fazenda,  qne  hi  a- 
certou  destar:  &  ho  licenciado  loflo  de  soíro  cuuidor  gé* 
ral  da  índia,  pêra  abrirS  a  seenftda  sobcessão  da  gouer* 
lian<^a  da  índia,  que  Jogo  Afonso  mexia  abrio  perante 
todos*  Fim  que  se  achou  l\  socedia  Pêro  mazcarenhas 
que  esfaua  por  capilâo  de  Malaca  donde  não  |K)dia  vir 
se  não  dali  a  onze  meses  por  amor  da  monção.  Com  o 
<)ue  todos  ficarão  còfusos  por  a  índia  ter  necessidade  de 
l^ernador,  assi  por  ei  rey  de  Calicut  estar  de  guerra^ 
A  tambe  el  rey  de  Cãbaya  :  como  por  esperar6  por  ru^ 
mes  «o  Mayo  seguinte,  ou  em  Setfibro.  Ê  coroo  Af5so 
nexía  praticasse  cõ  algfis  qu8  enlegeciâo  por  gouecnar 

LIVBO    VII.  A 


2  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

dor  em  ausência  de  Pêro  mazcarenhas:  disse  loSo  de 
sojro  {}  eslaua  na  pratica ,  que  se  poderã  saber  quê  era 
ho  da  terceira  subcessam :  (}  esse  pois  el  rey  coníiaua 
dele  a  gouernâça  da  índia,  a  gouernaria  melhor  1\  outrS, 
&  a  esse  deuiâo  denleger  ^  a  gouernasse  em  ausência 
de  Pêro  mazcarenbas*  O  j|  logo  contrariou  dÕ  Vadco  de- 
ça  reprouando  muj^to  tal  parecer:  por(}  ho  da  terceira 
subcessam  na  ora  ^  fosse  recebido  por  gouernador,  pos- 
to que  ale  a  vi^nda  de  Pêro  mazcarenhas  íicaua  igoal 
coele  è  todos  os  seus  poderes,  assi  na  justiça,  coroo  na 
fazêda,  do  Q  se  na  índia  seguiria  grade  diuisam :  por  o 
que  não  se  deuia  dabrir  a  terceira  nem  el  rey  ho  auia 
dauer  por  bS.  E  tambS  o  que  fosse  nela  despois  Q  ie- 
uesse  posse  da  gouernâça,  a  não  quereria  alargar  a  Pê- 
ro mazcarenhas  &  seria  muyto  grade  reuolta.  E  deste 
parecer  forâo  aJgus  fidalgos.  E  porS  Afonso  mexia  ho 
nao  quis  tomar:  dizendo  que  pêra  se  escusarê  todos  a- 
queles  inconueniStes  juraria  o  Q  fosse  na  terceira  sub- 
cessam nos  sanctos  euãgelhos ,  &  assi  assinaria  hu  auto 
<)  disso  faria:  que  tanto  que  Pêro  mazcarenhas  chegas- 
se á  índia  lhe  alargaria  a  gouernança.  E  ele  mesmo  A- 
fõso  mexia,  &  todos  os  capiíâes  &  fidalgos  da  índia  ju- 
rarião  tambê  que  ho  fariâo  fazer,  &  coisso  ficaria  a  cou'* 
sa  segura.  O  que  a  todos  pareceo  bem,  &  assi  ho  jura- 
rão &  assinarão  em  hu  auto  ()  disso  fez  Vicêle  pegado 
4  era  secretairo,  &  assinado  ho  aulo,  Afonso  mexia  a«> 
brio  a  terceira  suboesâo  em  que  se  achou  que  sucedia 
Lopo  vaz  de  sam  Pajo  capitão  de  Cochim.  E  sabido 
que  ele  auia  de  gouernar  ate  a  vinda  de  Pêro  mazcare^- 
fthas  de  Malaca,  toroov  Afonso  mexia  a  jurar  que  via^ 
do  Pêro  mazcarenhas  de  Malaca  faria  que  logo  lhe  Lopo 
vaz  de  sfto  Payo  entregasse  a  gouernâça  da  índia,  &  fae 
mesnK)  ior&arâo  a  jurar  os  outros  todos:  &  assi  ho  adsí*- 
Darão  em  outro  aulo  que  Vicèie  pegado  tornou  a  £aaer 
4e8tes  juramentos,  aos  três  dias  de  fetiereiro  de  mil  fc 
<)uiob3t08  &  vinte  seis.  Isto  fej to  partirão  ae  todos  pêra 
Cochim  onde  Afonso  mexia  entregou  a  gouernâça  4â 


LITRO  VII.  CAPITVLO  11.  3 

índia  a  Lx>po  vaz  de  são  Payo  pêra  Q  a  goueriiase  ale  a 
vinda  de  Pêro  mazcareohas  de  Malaca,  juVãdo  primej- 
ro  ele  Lopo  vaz  de  são  Payo  de  ho  fazer  assi ,  &  assi- 
nado em  bQ  auto  {|  disso  fez  Vicente  pegado,  Q  tambfi 
foy  assinado  per  Afonso  mexia,  &  per  todos  os  capitães 
&  fidalgos  Q  se  aií  acharão  &  pelo  ouuidor  geral. 

C  A  P  I  T  V  L  O    lí. 

De  coffio  Lopo  vaz  de  são  Payo  deAaraUm  Mia  armada 
de  mauros  de  Calicut  no  rio  de  Bacanor. 

Jtlintregue  Lopo  vaz  de  sSo  Payo  da  goaeraança  da  In^ 
dia  despachou  pêra  BSgala  Ruy  vaz  pereira  &  deu  a  ca- 

f litania  do  seu  galeão  a  Manuel  de  brito,  &  assi  mãdoa 
orge  cabral  por  capitão  niór  de  certos  paraós  as  ilhas 
de  Maldiua  pêra  fazer  presas,  que  também  se  partio  lo* 
go.  E^  estes  despachados,  fezse  Lopo  vaz  prestes  pêra  ir 
correr  a  costa  do  Malabar,  porque  soubesse  eirey  de  Ca- 
licut que  posfo  que  dò  Anrrique  era  falecido  !)  auia  qufi 
lhe  auia  de  dar  que  fazer,  &  partio  se  deCochíni  a  seis 
dias  de  feuereiro  &  foy  na  galé  bastarda  de  Q  era  capi- 
tXo  d6  Vasco  de  lima  &  (brão  capitães  das  velas  grossas 
a  fora  os  dos  catures  &  bargantis  Diogo  dasilueira,dom 
Afonso  de  meneses,  Manuel  de  brito,  Manuel  de  ma- 
cedo,  António  da  silua,  Anrri^  de  macedo,  Diogo  de 
mezquita  &  Lopo  de  mezquita.  È  deCocbim  foy  ho  go- 
uernador  corrMo  a  costa  ate  Cananor  s8  achar  nenbu 
paraó  de  Calicut ,  porl}  os  mais  como  disse  estauão  den- 
tro AX>  rio  de  Bacanor ,  &  algfls  outros  por  esses  rios  Q 
nAo  oMauão  de  sair.   E  estando  Lopo  vaz  em  Cananor 
tomando  mantimStoe ,  lhe  foy  dada  h&a  carta  de  dom 
lorge  telo  que  acodísse ,  porQ  os  paraós  ({  ali  estauão  se 
^rião  partir,  &  ele  com  a  giBte  1}  tinha  não  era  fioderoso 
pêra  Ih^s  impidir  a  partida,  por  os  mouros  í\  estauão 
neles  6erS  doze  mil,  &  v8do  Lopo  vaz  a  grossa  gSte  que 
os  mouros  erão ,  mâdoo  logo  chamar  Christouáo  de  soik 

A  2 


4  1>A   HISTORIA  DA  INIMA 

fia  &  António  da  silueira  Q  eslauao  em  Goa  pêra  que  8è 
ajunlassein  coele  com  a  mais  genle  q  podesbê  ieuar:  por 
ele  ter  pouea  pêra  bu  feyto  láo  importâte  como  aquele^ 
&  porque  auia  ainda  de  fazer  algua  deleita  por  amor  dos 
mâiinietilos' que  (omaua,  mandou  a  Manuel  de  brito  que 
se  fosse  êlretanto  ajQtar  com  dom  lorge  telo>  E  tomar 
dos  os  manlimeníos,  Lopo  vaz  de  sam  Payo  se  partio 
pêra  ho  rio  de  Bacanor :  onde  chegado  soube  como  os 
mouros  estauã  grâdemcnte  fortalecidos,  não  somSte  de 
muyta  arlelharia  em  eslancias  ao  longo  do  rio,,  mas  cS 
estacadas  dum  cabo  &  do  outro  cõ  que  estreitarão  tan» 
to  ho  rio  que  ci  nossa  frota  nào  podia  ir  se  nã  a  íío:  & 
d'e  biias  estacadas  ãs  o^jtras  estauâ  dados  cabos  |K>r  de- 
baixo dagoa  pêra  que  os  nossos  nauios  Scalhassem  neles 
&  niio  podessem  passar.  E  cõ  tudo  Lopo  vaz  determir- 
nou  de  pelejar  com  os  mouros  &  queimarlbe  os  paraós 
&  não  es{>erar  por  Christouào  de  sousa  nem  por  Antó- 
nio da  silueira  se  tardassem  :  Sc  pêra  pelejar  com  as  es- 
tancias dos  mouros  mãdou  armar  quatro  baleis  de  malas 
que  lirauão  senhos  tiros  grossos  pêra  irem  diàte,  &  a- 
pos  eles  as  outras  velas.  £  vendo  que  não  cbegauâo 
Cbristouão  de  sousa  nem  António  da  silueira  não  quis 
mais  esperar,  porque  não  parecesse  aos  mouros  que  lhes 
auia  medo:  &  determinado  d>e  os  cometer  fez  alardo  de 
sua  gente,  que  achou  serem  setecentos  &.  tantos  ho- 
mens. E  chamado  a  conselho  pêra  consuJtar  cõ  os  capi«- 
tiHes  &  outras  pessoas  ho  modo  de  que  cometeria  os  !mi- 
gos  foy  mujto  contrariado  dos  mais  que  não  pelejasse 
com  os  mouros,  alegando  que  pêra  a  grande  for<;a  de 
geuíe  &  dartelharia  que  eles  tinhâo  tinha  ele  muyto 
pouca:  &  que  não  se  auia  dauenturar  bo  gouernador  da 
índia  em  cousa  ta  perigosa.  E  os  mais  dos  que  isto  di- 
ftião  era  por  quererem  mal  a  Lopo  vaz  &  terem  onueja 
de  gouernar  a  Indi^,  q  cuj<)ou  cada  bu  djeles  de  bo  e&- 
Jegerem  pêra  a  gouernar  em  ausêoia  de  Pêro  mazcace- 
nbas,  &  por  isso  lhe  estoruauâo  que  não  fizesse  h&  fey- 
to  tão  famoso  como  aquele  seria  por^  perdesse  aquela 


lAVBO    VII.   CAFITVLO  II.  ^ 

hòrra.  E  eBtfiiiSdo  ele  suas  tenções  por  saber  quanto 
Jhes  pesaua  de  ele  gouernar  a  índia ,  disse  que  ficasse 
a  cousa  assi  indelerminada  ale  ir  ver  ho  rio ,  &  ho  de- 
jsenibarcadoiro,  ^  viu  na  madrugada  seguinte  cõ  a  clari- 
dade da  iua  iodo  em  bQ  catur^  &  ein  ouiros  deus  JVIa- 
•Buel  de  brilo,  &  Payo  fodriguez  dáraujo  que  escoibeo 
pêra  isso  por  serem  niuyto  esforijados»  E  es  mouros  que 
viráo  os  calores  tirauâlhes  com  a  artelbaria  dasebláciaa: 
-&  erâo  os  pelouros  tantos  ^  se  os  catures  n2o  forào  bê 
-cosidos  com. terra  não  poderão  escapar  de  serem  arroonr- 
badiís  &  tuoriua  quàtos  yâo  dentro,  E  com  tudo  passa- 
tSo  muytu  grande  perigo:  mas  nê  por  isso  Lopo  vaz  de 
.sam  Payo  nã  deixou  de  ver  toda  a  força  que  os  mouros 
lifiháo:   &  ile  voita  lhes  mâdou  cortar  os  cabos  que  li»- 
inhào  de  h&as  eiitacadas  ás  outras  pêra  desempidir  ho  ca- 
minho,  &  forào  cortados  per  homSs  que  ho  fizeráo  de 
-mergulho.  E  feyto  isto  tornouse  á  frota,  onde  deu  con- 
ta disso  aos  capitães  &  fidalgos  fasendolbe  a  vitoria  muy 
£ici)   se  cometessem  os  immigos:  &  os  mais  forão  do 
parecer  que  iiobSo  dates  ^  nào  se  pelejasse.  E  como  ea 
deste  parecer  erao  mais  que  os  que  dizião  que  pelejas- 
se  não  ousaua  Lopo  vaz  de  dar  remate  a  estes  conse- 
Jbos  ,  &  diialauaho  ale  a  vida  de  Christouâo  de  sousa  & 
Dãtonio  da  siiueua ,  cujos  pareceres  cria  que  seriào  Q 
pelejasse  j  &  assi  bo  disserâo  despois  que  chegarão :  do 
.que  Lopo  vaz  ficou  muy to  contêle  porque  linha  por  muy 
certo  auer  viloria  dos  imroigos.  E  ordenada  a  maneirai 
.de  i)  os  auia  de  cometer,  ao  ou^ro  dia  que  forâo  vinte 
einco  de  Feuereiro  em  rompendo  ho  dia  abalou  pelo  rio 
acima  com  sua  gète  que  seriâo  mil  homSs,  &  forão  ú«8- 
ta  ordem  os  quatro  bateis  de  manias  na  diâtoira,  &  no 
primeyro  ya  IVianuel  de  brito,  no  segundo  Payo  rodri- 
guez  daraujo:  &  despois  os  bateis  com  bargantis  &  ca- 
lores a  fio,  &  no  derradeiro  Lopo  vaz  com  a  bãdeira  real, 
lodos  toldados  &  embandeirados,  &  senhas  peças  darle* 
Iharia  nas  proas  &  berços  poios  tíordos ,  rompendo  a  bo- 
ga arrancada  pelo  rio  acima  cõ  grande  arroido  de  gritas 


6  !>£  niBTORIA  m  IKDIA 

&  til§per  de  trombetas :  &  começando  de  descobrir  as  e#- 
lancjas  dos  inimigos  começarão  eles  de  tirar  com  seus 
tiros,  &  chouiâo  os  pelouros  de  serS  muyto  bastos,  pe- . 
)o  que  os  Portugueses  forâo  cõ  mujto  grande  perigo  W 
trabalho  ate  chegarem  defronte  da  tranqueira  principal^ 
dde  Manuel  de  brito,  Payo  rodriguez  &  os  outros  dm 
dianteira  desembarcarão  com  espStosa  briga ,  por  os  im^ 
migos  trabalharem  quanto  podiSo  por  lhes  tolher  a  de- 
sembarcarão cõ  bombardadas,  espigardadas  &  frec bal- 
das. E  rompendo  os  Portugueses  por  antrelas  com  e^ 
forço  sobre  natural  abairroarão  com  a  tranqueira,  dé 
que  com  ajuda  de  nosso  senhor  fízerão  fugir  os  ImigoB 
posto  que  se  defendiSo  marauilhosamente.  Desbaratada 
a  tranqueira,  desembarcou  Lopo  vaz  cô  a  bandeira  real 
pêra  recolher  os  Portugueses  por  não  saquearem  ho  lu- 
gar que  era  dei  rey  de  Narsinga  amigo  dei  Rey  de  Por- 
tugal, &  por  isso  nâo  queria  que  lhe  fizessem  nhíi  agra- 
uo,  &  tambS  porI|  bo  ele  não  fizesse  aos  Portugueses 
que  estauão  em  Bisnegar.  E  recolhidos  os  Portugueses, 
mandou  Lopo  vaz  queimar  os  paraòs  dos  Imigfos  que  to- 
dos arderão,  &  assi  hQa  casa  dalmazem  que  estaua  chea 
despeciaria  &  droga  pêra  carrega  dos  pnraós :  &  em 
quanto  se  queimaua  forão  embarcadas  oytSia  peças  dar- 
telharia  que  se  tomarão  na  trãqueira ,  &  as  mais  delas 
de  metal.  E  esta  muyto  grande  vitoria  alcãçou  Lopo  vaz 
sem  lhe  matarS  mais  que  quatro  Portugueses  &  forão  fe- 
ridos cento,  &  dos  imigos  forão  mortos  muytos  segundo 
se  soube  pelo  grande  prato  que  por  eles  foy  feyto  è  Ca* 
lícut:  cujo  rey  sintio  muito  a  queima  daqueles  paraós 
pola  grande  perda  que  recebeo  em  suas  rendas  &  com 
quebra  de  seu  estado. 


9 

C  A  P  I  T  o  L  o    III. 

0 

De  como  Francisco  de  $á  $e  partia  pêra  ir  a  çUda ,  ^ 
.   de  como  dom  Jorge  de  metnseu  Joy  por  capitão  de 
Maluco,. 

jtl/ecolh ido  Lopo  vm  de  samPayo,  partio  se  pêra  Goa: 
&  entrado  pelo  no  de  Pao^im  ^  Francisco  de  sá  jquB  «&<• 
laua  por  capitão  de  Goa  íi^  poandou  per  mugias  vczm 
requerer  qiH»  náo  passasae  dali  que  bo  nâ  auia  de  reco^ 
Iher  na  cidade,  por  quáio  nào  era  goueraador  da  ladia 
ae  ndo  Peru  mazqarenhas  ^  era  por  el  Key  que  podia  dar 
a  gouernan<^  da  lodia,  ^  ele  era  feyío  poios  hom^ís  que 
a  não  podiào  dar ,  &  p^r  isso  Ibe  na  auia  dobedecer.  E 
acaiuarii  deGoa  fJMdiaoa  lambem  Francisco  de  sá  a  fa^ 
zer  esles  reqiferinieiilos  ^  mas  Lopo  vaz  nã  deu  por  elee^ 
ifL  peaaou.auàie  ale  surgir  diante  do  cais  da  cidade  õde 
se  passou  bii  giSld^  pedalo  «m  tequerimeAios  Q  Lopo  'vaa 
fUAodou  fazer  a  Fràcitíeo  de  sá  sobre  Ibe  abrir  as  porias 
da  cidade  que  estauáo  fechadas*  £!  Frãcisco  de  sá  conr 
Ibe  parecer  .q^e  tioba  por  si  a  c^iSAra  da.  cidade  insistia 
fi  nâo  abrir :  &  por  dt^rradejro  «àdou  abrir  as  parlas  por 
amor  de  Cbrislouio  de  sousa  que  iflUrue<>  nisso.  £  en* 
trado  Lopo  vaz  na  cidade  tirou  a  eapilaaia  da  fortaleza 
a  Frflcisco  de  sá  &  deu  a  António  da  silueira  de  injene^ 
ses  que  linba  casado  per  palauras  de  futuro  com  hQa 
sua  Iliba  9  &  a  Francisco  de  sá  mandou  bo  pêra  Malaca 
I>era  dabi  ir  fazer  hQa  fortaleza  a  çíida  que  he  antre  a 
liba  de  ^ma4ra ,  &.  a  da  iaoa ,  cujo  tey  por  se  recear 
doutro  seu  vezií^bo  Ibe  tomar  bo  reyno  mandara  pedir 
ao  gouernador  dom  Duarte  que  mandasse  lá  fazer  hiia 
fortaleza:  &  ()  Ibe  daria  oiiijla  ^pimenta  &  mais  barata 
qoe  em  Coclii.  £  (X>rque  -el  Rey  de  Portugal  se  reaea* 
lis  que  os  Gasielhanos  fossem  tomar  a^la  ierru  sahenéò 
a  muyta  pimenta  q^ie  auia  nela  n^a^daua  ali  fazer  /orta« 
leaa :  a  cuja  capkanin  &  eai^  de  a  (az^r  deu  a  FcAcki» 


t  1>A    HTSTOItlA    DA   ÍNDIA 

CO  de  saá  por  ser  hu  fidalgo  de  niuyto  seruiço.  E  saben- 
do Lopo  vaz  que  ele  tinha  e»Ce  cargo  ho  despachou ,  & 
deulhe  trezSlos  homSs  Q  pêra  este  fejlo  erão  necessa^ 
rios,  ^  fbrão  embarcados  em  hCI  gaieXo  &  duas  galeolass 
&  assi  despachou  pêra  capitão  de  Maluco  a  dd  lorge  de 
meneses  filho  de  dõ  Rodrigo  de  meneses  a  quem  dom 
Anrrique  de  meqeses  sendo  gouernador  dera  esta  capi- 
tania, &  deulhe  cè  homSs  que  fossem  coele  em  deus  na- 
uios:  &  a  capitania  mór  do  mar  de  Maluco  deu  a  Simfio 
de  sousa  gaiu&o  filho  de  Duarte  s;aluSo ,  &  dA  lorge  a» 
uia  dir  debaixo  da  capitania  de  Frãcísco  de«á  ale  Ma« 
laca  pêra  onde  partirão  em  Março.  E  no  mesmo  mes 
despachou  lambem  Lopo  vaz  a  Mnrtífn  afonso  de  mehy 
jusarte  por  capitão  mór  de  seys  velas  pêra*  ir  fazer  pre- 
6a8  ás  ilhas  de  Maldiua,  onde  andando  Martim  afonso 
topou  com  híía  nao  de  rumes  ÍJ  yão  de  Tenaçarim  perai 
ludá  &  leuauão  inuyla  riqueza,  &  os  rumes  seriâo  Cre- 
Kentos  homõs.  E  Marti  afonso  posto  qiie  não  leuana  mais 
que  ate  cincoenta,  com  quanto  vio  ^  os  rumes  erão  niuy- 
tos  aferrou  cneles  com  ho  s^u  nauio  somente,  &  como  08 
rumes  lhe  tinhão  muyta  auantagem  no  numero  esteue 
dous  dias  aferrado  coeles  éem  os  poder  entrar  pelejado 
muy  brauamente.  E  neste  tempo  forão  mortos  muytos 
dos  rumes  &  dos  nossos  algSs  que  entrarão  a  nao  no  ca- 
bo destes  dons  dias ,  &  acabarão  de  malar  todos  os  ru» 
mea^  &  tomarão  a  nao  ^  leuou  a  goa  onde  foy  inuernar. 

C  A  P  I  T  V  L  O     IIIL 

De  como  Lopo  vaz  de  sam  payo  côcertou  Raix  ocarafo 

CO  Diogo  de  melo  capitã  dormuz. 

xjLtras  fica  dito  como  d8  Anri!}  de  meneses  por  {{ixu- 
mes  delrey  dormuz  &  de  Raix  xarafo  escreuera  a  Diogo 
de  melo  ^  se  temperasse  em  não  dar  causa  a  !\  ihe  fi^ 
zessem  mais  queixume  dele.  E  parece  i\  não  dando  Dio* 
go  de  melo  por  estas  carias  ou  por  rezâo  pêra  isso  (00- 


LÍVRO   VII.   CAPITVLO   im.  9 

mo  he  mais  de  crer )  prSdeo  Raix  xarafo  &  Irataiiao  tão 
asperamente,  ^  deu  matéria  {|  em  hús  Porquês  <}  aig^Qs 
praguentos  fízerão  na  índia  íizesê  hQ  que  dezia.  Por^ 
diogo  de  melo,  xarafo  dame  dinheiro,  Por!)  ele  diz  velo 
▼elo ,  não  sejas  meu  carniceiro.  E  sabSdo  Lopo  vaz  e^ 
ta  cousa  como  ya:  &  tatnbS  por  lhe  Diogo  de  melo  man* 
dar  pedir  1\   ho  fosse  fazer  amigo  <^5  Raix  xarafo  antes 
de  vir  Pêro  mazcarenhas :  determinou  lopo  faz  de  ir  lá, 
p^>rQ  como  conhecia  pêro  mazcarenhas  por  isento  sabia  1| 
sSdo   gouernador  ([  auia  de  castigar  rigurosamente  a 
Diogo  de  melo  se  ho  achasse  cu{|>ado,  &  por  ser  seti  pa- 
rente determinou  de  lhe  ir  acodir.  E  poendo  em  conse* 
)bo  sua  ida  a  Ormuz,  fojihe  muyto  cõirariada:  dizCdo 
todos,  Q  ainda  l\  sua  ida  lá  fora  necessária  a  ouuera  de 
deixar  por  el  rey  de  Calicui  estar  de  guerra ,  &  por  a- 
iier  nouas  de  rumes :  quanto  mais  nSo  anendo  nhua  ne- 
cessidade de  ir  a  Ormuz,  &  atiSdo  talas  pêra  ficar  na 
Ilidia.  £  cÕ  todas  estas  rezões  não  quis  se  não  ir,  &  pê- 
ra resistir  a  armada  de  Calicul  deixou  por  capilâo  mor 
da  costa  do  Ma/abar  António  de  miranda  dazeuedocS 
toda  a  armada  de  remo.   E  na  fim  de  Março  se  partío 
pêra  Ormuz  indo  na  galé  bastarda  c5  dom  Vasco  de  li- 
ma, 8c  não  leuou  em  sua  companhia  mais  de  quatro  na« 
uio8  grossos  de  Q  erão  capitães  do  Afonso  de  meneses, 
Diogo  da  sílueira,  Manuel  de  brito  &  Manuel  de  mace- 
do.  E  na  trauessa  do  golfão  teue  grandes  calmarias  com 
1)  se  deteue  muyto  &  lhe  morreo  rouyta  g6te,  &  despois 
de  muyto  trabalho  &  fadiga  f<»y  aferrar  a  outra  costa  no 
porto  de  Galayate,  cujo  Xeque  estaua  ieuantado  confra 
ca  Portugueses  por  mandado  dei  rey  Dormuz  &  de  Raix 
xarafo  polas  auexaçôes  que  recebião  de  Diogo  de  melo. 
£  bo  XeQ  tornou  a  ser  amigo  dos  Portugueses  por  lhe 
Lopo  vaz  de  sã  Payo  affirmar  ^  não  ya  a  Ormuz  ae  não 
a  deaagrauar  el  rey  Dormuz  &  a  Raix  xarafo  ae  estauã 
agrauados,  &  pêra  castigar  Diogo  de  melo  se  ho  mere- 
cesse. E  assi  como  tornou  este  Xe{}  a  amizade  dos  Por- 
togueses,  assi  tornou  bo  de  Mazcate:  &  Ido  caminho 

UVRO   VII.  B 


iO  BA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

Dormuz  achou  na  acuada  de  teiue  KraQcisco  de  mendo* 
ça  hu  dos  capitães  da  cõserua  Deilor  da  sílueira,  ^  com 
têjx»  se  aparlara  dele  &  fov  ali  ler,  &  hi  achou  bíia  naa 
de  mouros  ^  lomuu  ^  despois  foy  veodida  por  niil  par* 
daos.  E  dali  prosseguio  pêra  Ormuz  ,  onde  chegado 
maadou  logo  sollar  Raix  xarafo,  &  lhe  disse  Q  ufl  ya  a 
outra  cOi>sa  se  não  pêra  ho  fazer  amigo  coui  Diogo  de 
melo:  Q  se  linha  dele  algSs  agrauos  ^  requeresse  sua 
jusliça  &  4  lha  faria  ainda  ^  era  seu  parente.  £  Raix 
:|arafo  como  soube  este  parentesco  descuntiou  de  lhe  Ijo* 
po  vaz  fazer  justiija,  &  disse  ^  náo  queria  nada  Q  lhe 
perdoaua ,  &  ho  mesmo  fez  el  rey  Dormuz  auisado  por 
Raix  xarafo,  &  assi  fícarà  amigos  cõtra  sua  võtade*  E 
Lopo  vaz  reprSdeo  Diogo  de  melo  porC[  hò  achou  culpa* 
do,  &  assi  licou  inuemaudo  em  Ormuz. 

CAPITVLOV. 

De  como  Eytor  da  silueira  do  porto  de  Maçua  mandou  cha^ 
mar  dom  Rodrigo  de  lima ,  ^  sejoy  a  Ormtiz. 

Xliítor  da  sHueira  1\  per  mâdado  de  do  Anrrique  de  me* 
neses  ho  fora  esperar  ao  cabo  de  Goardafum  vendo  qu^ 
se  passaua  ho  l6[io  de  sua  chegada  foyse  a  IVlaçua ,  & 
chegado  aa  ilha  deDalaca  ho  primejroDabril,  eacreueo 
logo  a  dÕ  Rodrigo  de  lima  fazendolhe  saber  coum)  esla^ 
ua  em  Maçua  pedindolhe  que  ii)68e  logo  coele ,  &  mã^ 
dou  esla  carta  ao  çohSo  Darquico  ^  lha  mandasse.  £ 
ele  Iba  mftdoa  ao  lugar  de  Barua  õde  ja  estaua  cõ  ho 
Barnegais,  &  b&  triste  e5  todos  os  de  sua  companhia 
por  terd  por  noua  {|  a  índia  era  perdida  &  os  Portugue- 
ses (oítos  nM)r(o6.  B  esta  carta  Deytor  da  siluf^ira  lhe  foj 
dada  na  se^çunda  oytaua  de  Paseoa  a  noy te :  &  logo  dom 
Rodrigo  esereueo  ao  embaixada  do  preste  q^ie  era  ida 
a  bQs  lugares  seus  {|  se  partisse  pêra  Maçuá  ondi^slaua 
a  armada  dos  Portugueses :  &  a  seg&da  feyra  despois 
da  paseoela  se  par  tio  dd  Rodrigo  &  fvy  coele  bo  Baroe*» 


LIVRO    Vir.    CAPITVLO  V.  11 

gaÍ8  pêra  bo  enlregar  a  Eytor  da  silueira,  &  leuaua  dous 
mil  homSa  de  malas  &  algua  em  caualos  &  aeyscêtoa  de 
pé,  &  por  amor  da  muyta  gente  gaalou  a^ia  somaaa  to- 
da ê  quinze  legoaa  Q  auia  de  Barua  a  Blaçua ,  Õde  che- 
gados entregou  ho  Baraegaia  dõ  Rodrigo  de  lima  &  o« 
de  sua  companhia  a  Eytor  da  siiueira  com  grande  pra* 
eer,  &  midoulhes  dar  cincoêta  vacas,  &  muylos  carneí*- 
ros  y  &  galinhas ,  &  muyto  pescado :  &  despois  chegou 
ho  embaixador  ^  ho  preste  mandaua  a  Portugal.  E  em<- 
bareado  Eytor  da  siiueira  se  par  lio  aos  vinloyto  Dabril, 
&  foy   fazer  agoada  á  ilha  de  Camarão  ho  primeyro  de 
Mayo  ,  &  eatftdo  hi  ho  padre  Francisco  aluarez  Q  tinha 
assinada  a  coua  em  Q  fora  enterrado  bo  corpo  de  Duar- 
te galuão  quâdo.  ali  faleceo  vindo  Lopo  soarez  de  ludá 
desenterrou  sua  ossada  pêra  a  leuar  á  índia,  &  isto  se- 
cretarafite  sem  ho  saber  mais  ^  Gaspar  de  sá  feytor  da 
armada ,  &  ambos  leuarSo  a  ossada  ao  galeão  sam  Lião 
em  \  yão,  &  tfidoa  metida  acodio  vento  a  popa  cõ  (|  se 
£jtor«da  siiueira  pariío,  &  di6se  Gaspar  de  sá  a  Fran- 
ciscu   aluarez ,  ^   assi  coroo  Duarte  galuão  fora  b5  ho- 
mem &  acabara  seus  dias  em  seruiço  de  Deosj  bssí  Jhes 
daua  Deos  bÕ  tfipo  |)or  ele.  E  aos  dez  de  Mayo  Q  a  ar- 
mada era  auãie   DadS  &  entrada  no  golfão  Q  lhe  fazia 
roeto  bo  inuerno  da  Índia ,  se  começou  biia  muyto  gra- 
de íortDèla  de  vento  cÕ  que  a  segfida  noyte  c5  ho  gran«^ 
de  escuro  ^  fazia  se  espalhou  a  frota  &  se  perderão  hãs 
dos  outros  cõ  grandissinio  trabalho  doe  corpos  S  darS  á 
bomba   pêra  esgotarS  a  muyta  agoa  Q  lhes  entraua ,  & 
perigo  das   vidas  do  mar  ^  os  comia.  E  ooeste  têporal 
foy  forçado  a  Eytor  da  sikieirá  arribar  á  cosia  da  Jndíá 
õde  se  achou  só  na  enseada  de  Cábaya :  &  por  ser  ja  in» 
oerno  &  nã  ter  Õde  se  acolher  tornou  a  arribar  ao  goU 
ÍSlo  cõ  a  mesma  tormèta,  andando  sempre  ás  voltas  Q  nã 
podia  nauegar  doutro  modo ,  &  nelas  se  lhe  gasiou  todo 
ho  Majro  &  sete  dias  de  Junho ,  &  por^  os  mantimSlos 
4  leoaua  nã  erao  pêra  tanto  lõpo  foranselbe  acabando, 
prifltetpalmete  a  agoa  dç  2)  se  lhe  foy  a  mayor  parle  cõ 

B  2 


12  JDA    HISTORIA    DA    INBIA 

ho  Iraballiar  do  oauio  na  lorniSta ,  &  chegou  a  ser  (ão 
pouca  ^  andou  a  gète  três  dias  quasi  sem  comer  nada 
por  não  terem  i\  beber.  E  neste  têpo  Eytor  da  silueira 
por  dar  exêplo  aos  outros  foy  ho  prirneyro  Q  deixou  de 
beber  ^  &  algua  pouca  dagoa  que  leuaua  na  sua  camará 
a  daua  por  sua  mão  aos  doêles  Q  auía  aigús  ^.  adoecião 
cõ  fome  &  sede ,  ^  ele  esforçaua  cõ  niuy to  boa»  pala* 
uras:  &  por<!|  nâ  sospeí(assem  ^  bibia  na  sua  camará 
nunca  quis  entrar  nela  neste  tempo,  &  agasalhauasse 
na  tolda :  o  í[  daua  muyto  esforço  a  todos  pêra  sofrer  ta- 
manha fadiga,  a  ^  aprouue  a  nosso  senhor  de  dar  remé- 
dio cõ  auerem  visla  de  Mazcate  a  sete  de  lunbo  hu  dia 
a  tarde,  em  Q  ateli  nê  sãos  nS  doentes  não  tinhão  bibi- 
do  por  de  todo  não  auer  agoa  no  nauio.  £  andando  ás 
voltas  pêra  tomar  porto  i\  não  podião  tomar  por  lhes  ho 
vSlo  ser  cõírairo  acodtrãibe  duas  fustas  dos  nossos  Q  ali 
andauâo  darmada  que  lhes  derâo  agoa ,  &  leuarâo  ho 
galeão  á  toa  ao  porto  de  Mazcate:  &  tomados  ali  man- 
limStos  se  partio  Eytor  da  silueira  pêra  Ormuz  õde  es- 
tauão  08  capitães  de  sua  armada  Q  chegarão  xxviii.  de 
Mayo.  E.  chegado  Eytor  da  silueira  a  Ormuz,  dom  Ro- 
drigo deu  a  Lopo  vaz  hQa  carta  ^  leuaua  do  Preste  pê- 
ra Diogo  lopez  de  siqueira,  &  bua  roupa  de  seda  cõ  do- 
ze grades  chapas  douro  de  martelo,  &  ele  lhe  fez  merca 
em  nome  dei  Rey  de  Portugal  de  duzStos  pardaos,  & 
lambS  ao  embaixador  do  Preste  doutros  duzSlos,  &  man- 
dou logo  tirar  a  mõte  os  nauios  da  armada  Oeytor  da 
silueira  por  terê  necessidade  de  corregiujèto  pola  tor* 
naSta  passada,  &  mãdou  pagar  soldo  a  sua  gSte  por^  nâo 
tinha  ^  gastar  por  as  presas  ^  não  fizera  no  estreito.  E 
concertados  os  nauios,  mandou  na  entrada  Dagosto  £y 
tor  da  silueira  ^  fosse  á  põta  de  Diu  esperar  as  nãos  ^ 
foss6  do  mar  roxo  pêra  Cãbaya  ,  &  mandou  coele  Ma- 
nuel de  brito*  &  Manuel  de  macedo  nos  seus  galeões,  & 
co  quatro  galeões  &  duas  carauelas  se  partio  |)era  a  põ- 
ta  de  Diu  quasi  na  fim  Dagosio,  &  ele  &  os  eapitâes  da 
sua  armada  tomarão  hi  por  força  três  nãos  de  mouros  de 


LIVEO  VH.  CAPITVLO  VI.  1* 

Meca  ^  yão  f>era  Diu  em  ^  se  fízerâo  tâk>  boas  presas 
que  despois  de  vSdida  a  fazêda  (|  se  tomou  nelas  mõ^ 
touse  no  quinto  dei  Rey  sessSta  mil  pardaoa  pagas  as 
partes  a  fora  os  catiuos  que  forão  muytos.  £  por^  des- 
pois da  tomada  destas  nãos  nâo  passarSo  mais  outras, 
partiose  £y tor  da  silueira  pêra  Chaul ,  õde  achou  Lopo 
iraz  de  sam  Payo  Q  auia  pouco  Q  chegara  Dormuz  Q  fez 
niuyta  hõrra  a  Eitor  da  silueira  poias  presas  &  muyios 
catiuos  í\  trazia  de  f\  as  galés  &  nauios  da  armada  se  po* 
diâo  bê  fornecer.  £  íby  acerto  j}  hQ  soldado  natura!  de 
Viseu  vio  ãtrestes  catiuos  !\  estauSo  presos  hO  judeu  i^e- 
Ibo  (|  moraua  no  rey  no  de  Fartaque  por  õde  passado  ele 
cõ  outros  portugueses  pêra  Ormuz ,  j}  se  perderão  na 
costa  do  mesmo  reyno  &  yio  muyto  pobres :  a^le  judeu 
Telho  j)  estaua  preso  os  agasalhou  6  sua  casa ,  &  lhes 
deu  cõ  (|  se  vestisse  &  despesa  pêra  bo  caminho.  E  lem- 
brado este  soldado  deste  bem  !\  lhe  fizera ,  pedio  a  Lo* 
Kvaz  ^  lhe  fizesse  mercê  dele,  cõtandolhe  a  causa  porí^ 
3  pedia:  8c  ele  \ha  fez  louuandolhe  mu^lo  a  lêbrai^a  ^ 
tinba   do  bè  que  recebera.  E  despois  ho  soldado  ãdou 
coele    pedindo  aos  outros-  soldados  dízêdo  a  todos  ho 
bem  Q  lhe  fizera  ^  &  a|fitoulfae  cicoêla  pardaos  :  &  quã- 
do  os  mouros  &  outros  judeus  soubera  isto  dizião  pubri- 
camète  1)  outro  bê  n&o  era  agardecido  senS  o  Q  se  fbzia 
aos  Portugueses  ^  &  por  isso  lhes  auiSo  de  fazer  bê  quS* 
do  oa  achassem  ê  suaa  terras.. 

C  A  P  I  T  V  L  O    Vf. 

De  como  UmSdase  Mdiq  saca  capitio  de  Diu  dei  rey  de 
Câbaya  deUrminoú  de  dar  fortaleza  aos  Portugueses. 

±Xo  quarto  rey  de  Câbaya  Q  ouue  nome  çoltSo  mado^ 
far  teue  hfi  filho  i]  foy  ho  primeyro  a  ^  chamou  Badur, 
que  sendo  moço  nuindaua  matar  por  lhe  dizerê  os  seus 
feiticeiros  ^  despois  de  home  auia  de  dar  miiyta  oppres- 
sft  ao  reyno  &  ho  auia  de  destruir  por  ser  muyto  mao. 


14  BA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

£  sendo  Badur  auísado  disto  fugio  &  foyse  pelo  mudo 
em  trajos  de  jogue  com  Q  andou  por  diuersos  re;fno8  & 
quasi  {}  soube  as  lingoas  de  todos  por  ser  muyio  curioso 
de  saber  as  oousas  eslrãgeiras  &  muy  êgenhoso,  &  indo 
ter  á  cidade  de  Chiíor  no  reyoo  de  Saga  (Q  como  dia- 
se  cootina  cõ  ho  de  Cãbaya)  soube  como  seu  pay  era 
falecido^  &  assi  bú  seu  filho  ^  por  seu  faleci m6lo  lhe  att* 
cedera  no  reyno,  &  4  o^  senhores  de  Câbaya  leuâtarão 
por  rey  outro  seu  irmão.  E  determinado  dauer  por  esta 
^ía  ho  reyno  ^  era  seu  de  dereyto,  descobriose  á  raynha 
Cremei!  ( ^  estaua  viuua  &  gouernaua  o  reyno  por  ho 
príncipe  ser  ainda  menino )  pedidolhe  ajuda  &  fauor  pê- 
ra cobrar  seu  estado:  o  f\  lhe  ela  deu  de  boa  vôlade ,.& 
fez  cõ  el  rey  do  Mâdou  seu  vezinho  senhor  muy  podero^ 
so  4  tambS  lha  desse:  &  cõ  esta  grande  ajuda  cobrou 
ele  ho  reyno  em  {|  matou  seu  irmáo  ê  hua  batalha  des*- 
pois  dalgQas  f\  ouuerão  ambos.  E  sSdo  çoltâo  Badur  pa- 
cifico rey  de  Cãbaya  começou  de  se  querer  vigar  dalgds 
senhores  do  reyno  j)  seguirSo  cõtrele  a  {>ar(e  de  seu  ir^ 
mão ,  &  ãtrestes  foy  MeliQ  saca  fiJho  de  JMeiiquiaz ,  l| 
era  cãpilão  de  Dio,  8c  receado  ele  Q  el  rey  lho  tomasse^ 
determinou  de  se  fauorecer  cÕ  os  Portugueses ,  &  portj 
lhe  parecia  i}  não  auia  gouernador  na  índia  por  ser  ain- 
da ê  Ormuz  escreueo  a  Chrístouão  de  sousa  i}  lhe  mã- 
dasse  hil  homS  muy  to  hÕrrado ,  que  lhe  queria  dar  cÕta 
du  caso  de  muy  ta  importâcia,  pêra  o  que  lhe  eraneces^ 
eario  fauor  do  gouernador  &  não  quis  escreuer  o  i)  era 
por  não  ser  descuberto:  &  por  Lopo  vaz  estar  S  Chaul 
fo;lhe  dada  esla  caria ,  &  pola  imizade  i)  sabia  í\  auia 
anlreMelij)  &  el  rey  deCambaya  lhe  pareceo  t\  por  ne? 
cessidade  se  lhe  queria  encomSdar  ^  &  ele  quisera  ser  o 
q  fora  a  verse  cõ  Meli^ ,  mas  foy  por  todos  cõtrariado 
em  conselho,  dizendo  j)  não  era  bê  que  ho  gouernador 
da  índia  fosse  a  cousa  incerta :  &  acordarão  ^  fosse  £y* 
tor  da  silueira  cõ  a  armada  cõ  (\  partira  Oormuz,  &  ele 
foy  cõlête  &  se  partio  logo. 


LIVIIO   V|X.    CAFITVLO    WIU  1» 

C  A  P  I  T  V  L  O     VII. 

Do  connlho  ^  Hagamaàmut  deu  a  Meliq  sobre  despir 

Diu :  ^  como  lho  iouwu^ 

X^begado  Eylor  da  síiueira  ao  {>or(o  de  Diu  JMeliQ  se 
9Ío  logo  coele  &  lhe  cvoiuu  ioda  a  imizade  ^  auia  aiiire- 
ie  &  eiRey  deCa4iiba]ra  de  qu8  se  nàu  auía  de  frarpos* 
(o  que  reoòcdias«eui ,  porQ  oào  goardaua  a  ninguG  sua 
paiaurii :  &  |>or  isto  queria  pur  se  vingar  dar  a  fortaleza 
de  Diu  a  el  Rey  de  Porlugal  pêra  ler  seu  fauor  &  aju- 
da quSdo  ibe  Ibase  necessária^  porem  que  auia  de  t<*uar 
Ioda  a  arleJbaria  &  mQnújòe»  que  liiiba  em  Diu  perala-^ 
^te  bOa  ilba  nos  KezlHiios  Ôde  queria  fazer  sua  morada 
par  se  segurar  dei  rey  de  Cabaya,  &  ^  Ibe  aaiâo  de  dar 
ametade  do  c)  rendesse  a  ailaadega  de  Diu.  £  algãas 
vezea  ^  JMeii^  se  vio  eom  iialor  da  silueira  teue  coele 
esta  pratica  »&  aoer  mais  e&yio^  f^^^  mouros  nuca  »» 
cabfiu  de  se  determinar  porQ  de  seu  natural  sã  descdfia'» 
ém :  te  eale  tioba  aigQ  receyo  í]  deêpois  ^  leuessè  Dia 
Qâ  Ibe  daria  nada,  &  fazia^bo  ler  Hagaanabmui  a^le 
mouro  seu  parente  de  í\^  fatey  alras  que  estaua  coele ,  a 
quS  pesaua  tanto  de  dar  Uiu  aos  nossos  ^  desejaua  de 
bo  matar,  &  €omo  nâo  podia  dissimulaua  coele  &  dtzia^ 
lhe  i|  fazia  inuyto  hè  de  dar  Diu  aos  Portugaeses  por  se 
segurar  dei  rey  de  Càbaya  y  porè  i^  segura n<^a  teria  ele 
de  Ibe  darê  ameiade  do  Q  rendesse  a  alfandega  de  Dio 
deapuis  Q  bo  tenessem,  &  ^  lhe  parecia  Q  estando  eles 
BO  porto  de  Diu  nâo  se  deuia  de  ir  pêra  laqnele :  por(^ 
coroo  os  Portugueses  nA  ecào  seu»  amigos  por  natureza 
ae  oào  por  interesse  quS  Ibes  loiberia  ^  ao  embarcar  de 
tua  pessoa,  nielheres  h  tbesouro  ^  era  grande  bo  não  Uh  \ 

masaem  cõ  indo  y  pêra  ^  estado  em  sen  |ioder  Ibe  alar* 
gase  be  Ibesouro  &  a  que  Uma  pedia  da  rftda  de  Din. 
£  cemo  Meii^  era  desconfiado  &  andasse  Ião  cbeo  de 
bimIo  fesibo  asu^yte  grande  esta  dnnida  de  HagamabmiU 


IS  DA  HISTottlA  Dá   ÍNDIA 

q  era  seu  parSle  &  amigo,  &  de  quê  confiaua  t\  se  doe« 
ria  de  sua  vida  &  hõrra ,  &  por  isso  o  que  lhe  disse  fez 
nele  tamanha  impressa  Q  sospeitou  que  aquilo  poderia 
assi  ser,  &  começou  de  se  ãtreter  em  sua  ida,  &  preg{|« 
tou  a  Hagamahmul  o  {|  faria:  &  ele  por  lhe  nS  sair  de 
todo  da  vontade  Q  sabia  i)  era  dar  Diu,  disselhe  l\  assí 
bo  deuia  de  fazer  pêra  se  segurar  dei  rey  de  Cambaya. 
£  pêra  segurá<ja  dos  Portugueses  Q  nSo  fizessem  o  quó 
receaua  nÁo  se  deuia  dembarcar  coeles  no  porto:  &  de<» 
uia  de  dizer  a  Eytor  da  silueira  que  se  (ornasse  a  Chaul 
fingindo  algflas  causas  pêra  isso,  &  despois  de  partido 
se  embarcaria  muyto  a  seu  saluo  &  se  iria,  &  ele  fica*' 
fia  em  Diu  pêra  ho  Clregar  a  Eytor  da  situeira  í\  ioçd 
mandaria  chamar  despois  de  sua  partida*  E  não  sendo 
MeiiQ  tão  recatado  como  lhe  era  necessário  teue  pot 
muyto  bõ  ho  conselho  de  Hagamahmut  Q  lho  nSo  daua  a 
outro  fim  se  não  pêra  que  os  Portugueses  nâo  ouuessem 
Diu ,  que  determinaua  de  partido  Melíque  ho  entregar 
a.el  rey  de  Cambaya  pêra  se  congraçar  coele:  &  come- 
çando a  embai'cação  de  Metique  de  se  dilatar,  ya  Ha« 
gamahmut  cõ  recados  a  Eytor  da  silueira  ao  seu  galeão 
dizendolhe  da  parte  de  Melique  que  sentia  aluoroço  nos 
moradores  de  Diu  por  verem  a  nossa  frota  no  porto  & 
começarem  de  sentir  ^  lhe  queria  dar  Diu ,  &  que  re- 
ceaua de  se  leuantarem  cònlrele,  por  isso  ^  deuia  tor- 
narse  a  Chaul  |>era  com  sua  ida  se  assessegar  a  cidade, 
&  assessegada  tornaria.  E  parecendo  a  Eytor  da  siluei- 
ra que  aquilo  era  arrependerse  Melique  mandoulhe  dt" 
zer  ^  do  aluoroço  da  cidade  lhe  nfi  desse  nada ,  porque 
eoino  a  fortaleza  estaua  da  banda  do  mar  podia  embar- 
car se  hfla  noyte  secretamê4.e,  &  em  se  embarcando  se 
meteria  ele  dentro  na  fortaleza ,  &  como  fosse  nela  lhe 
daria  pouco  poios  aliioroços  da  cidade.  Ao  que  Melique 
respondeo  por  conselho  de  Hagamahmut  que  ele  nfio  se 
auia  dir  de  Diu  sem  leuar  toda  sua  fazenda  &  artelhai' 
ria  o  que  não  se  {x>dia  embarcar  so  nSo  por  espaço  do 
dias,  &  em  quanto  se  embarcasse  seria  sua  ida  desça-' 


Liviio '  vt«,  CAPítvíx>  yrut.  '  vr 

herta  o  que  ele  não  queria ,  pof  isso  lhe  parecia  que  se 
tleuta  de  tornar  a  Chaui  &  ele  embarcariíi  sua  fazenda 
maia  disãimaladainCie  &  sem  aospeila  da  gftte  1}  asse»* 
segaria  c5  sua  ida :  &  48do  tudo  prestes  ho  niSdaria  chac- 
inar, &  assi  se  faria  melhor  &  nr>aÍ8  a  saluo  de  todos.  E 
deaooníiâdo  Eytor  da  silueira  da  verdade  de  MeKQ  por 
estes  recados,  por.  saber  a  verdade  da  sr^peita  Q  tinha 
de  fhe  não  dar  Diu,  banqueteaua  Hagamahmut  &  outros 
mouros  que  ySo  ooele,  &  niandaualhes  dar  mayto  vinho 
dnoas  pêra  qoe  os  embebedasse,  por  lhe  parecer  que  be^ 
bados  lhe  diriSo  a  determinação  de  Meiiq.  E  Hagama^- 
famut  como  era  prndSte  StSdiao  &  fasiase  muyto  bêba- 
do: &  porque  se  Eylor  da  silueira  fosse  dizialhe  que 
Mefi^  nã  lhe  auía  de  dar  fortaleza  em  Diu ,  &  {)  ho  ti- 
nha ali  pêra  assentar  b8  suas  cousas  cÕ  el  rey  de  Cá- 
bãya  cO  quS  ãdaua  tratado  amizade* 

C  A  P  I  T  V  L  O    VIIL 

De  como  Eytor  da  silueira  se  tornou  a  Chaul^  ^  do  mah 

^  fez  Lopo  vaz  de  sã  Payo. 

Jli  isto  creo  Eytor  da  silueira  ()  seria  aasi  por()  seerfiide 
ho  feruor  q  vira  6  Melique  pêra  despejar  liiu  pareceo- 
Ihe  que  ao  oufro  dia  ho  despejaria,  &  vendo  a  ditar^ãé 
que  punha,  leue  por  certo  que  se  arrependia  da  primey- 
va  determinais :  &  assi  ho  escreueo  a  Lopo  vaz  pedin'*- 
dolhe  que  determinasse  o  que  faria ,  porque  lhe  parecia 
-que  sua  estada  era  sem  prbueito.  Vista  por  Lopo  vai 
esla  earta,  mostrouha  em  cSselho  em  que  lhe  foy  dite 
por  algus  que  ninpuertf  podia  melhor  determinar  o  que 
£y(or  úh  silueira'  faria  nac|tiele  negocio  que  ele  mesme 
pois  lá  estaua  &  via  o  que  passaua,  de-q  podia  det^r^ 
minar  o  que  seria  melhor':  )K>rque  determinarse  coeles 
que  não  trnhão  experiência  do  que  la  ya  era  fazer  cou^» 
sa  ás  escuras :  &  que  podtXo  com  sua  determinação  dei» 
tar  de  tmio  a  j)erdef  aqtiele  negocio  de  que  a  el  rey  d4 
LIVAO  vil.  *  c 


18  Z>A    HISTORIA    BA  INBIA 

Portugal:  resultaua  tanta  honrra  &  tanto  proueito-,  po> 
i$Bo  que  Eytor  da  silueira  ho  deternúnasse  &  aâ8i  ho  fi* 
^esse.  Out-^os  disserão  ^  poi«  devera  tão  froxo  que  es^ 
tando  Ia  &  vendo  o  que  passaua  não  sabia  determinar  o 
que   faria ^  &  bo  màdaua  pregQlar  a  quem  bo  nâo  via^ 
<)ue  não  era  bem  deixar  cousa  de  tanta  importância  em 
sua  determinação,  &  que  se  màdasse  homem  que  bo 
«oubesse  fazer.  E  camo  os  pareceres  erâo  diiferêies ,  & 
(quasi  tantos  dtLa  parle  como  da  outra^  láçou6^  Lopo  vaz 
da  que  diziâo  que  Eytor  da  silueira  determinasse  o  qjue 
Jbe  parecesse,  pori)  Ibe  pareceo  que  naquilo  lhe  fazia  fa- 
uor   poF^  desejaua  de  ho  ter  de  sua  máo ,  sem  mais  a- 
tentar  qu^uito  melhor  fora  mâdar  outro  porque  não  fize- 
ra o  que  fez  Eytor  da  silueira,  a  q.uem  escreueo  o  que 
delermiiiara  na  consellio.   E  como  a  cousa  ficou  em  seii 
parecer,  &  ele  esleuesse  enfadado  deslar  aii^  vendo  co* 
ino  Melique  insistia   que  fosse  a  Cbaul,  &  crendo  que 
bo  fazia  por  nâo  comprir  o.  que  tinha  prometido  se  foy 
sem  mais  cÕsiderar,  que  assi  como  podia  ser  que  Meli- 
que mentia  assi  lambem  falaria  verdade-  £  que  bo  loe- 
do  que  tinha  dei  rey  de  Cambaya  lhe  representaria  mil 
inconuenienles  pêra  fazer  bua  cousa  tamanha  como  deir 
xar   Diu  &  dalo  aos  Portugueses.  E  partido  foy  ter  a 
Cbaul  Õde  deu  conta  a  Lopo  vaz  do  que  passaua  è  Diu.: 
&  não  ateBlando  mais  Lopo  vaz  naquele  negocio  não 
tornou  a  mandar  logo  Eytor  da  silueira  a  Diu  ou  outro 
com  bua  insiruçâo  do  que  auia  de  fezer,  ates  ordenou 
de  ho  mandar  ao  estreito  a  fazer  presas  &  que  partiria 
dali ,.  porque  em  quanto  se  apercebesse  pêra  a  pariida 
se  Melique   mandasse  recado  pêra  dar  a  fortaleza  aco* 
disse  logo.  E  isto-  se  assentou  em  conselho ,  &  por^.  as 
liouas  da  vinda  dos  rumes  aa  índia  se  começauâo  daui- 
uar  por  certaa,  pareceo  bem.  a  Lopo  vaz  escreuelas  a  eJ 
Rey  de  Portugal ,  &  í[  as  leuasse  Francisco  de  mendo- 
ça  nii  seu   nauio,.  por  quem  Ibe  também  escreueo  a  a>- 
bertura  da  sua  sobcessam  pola  ausência  de  Pêro  mazca- 
f enfaas ,  &  como  gouernaua  a  Índia :  &  porque  podesse 


LJVRO    VH.   CAPITVLO  Vltr.  19 

tír  gente  na  armada  do  auno  seguinie  despachou  logo 
Francisco  de   mendoça  ()   parlío  na  entrada  Doulubro 
porque  chegasse  a  Portugal  antes  que  a  armada  parCís- 
se:  &  tambê  despachou  pêra  Moc^ambiJ}  a  Nuno  vaz  de 
castelo  branco  capitflo  &  feytor  do  nauio  do  trato  de  Cã- 
baya  pêra  çofala ,  a  ()  mandou  ^  desse  auiso  em  MoçS-^ 
bi^  da  vinda  dos  rumes  por^  se  hi  fossem  ler  J}  esteues* 
8§  apercebidos.  E  estas  nouas  dos  rumes  escreueo  lopo 
vas  a  Goa  &  a  todas  as  outras  fortalezas ,  rogantio  aos 
casados  §  quisessem  seruir  a  el  rey  de  Portugal  em  cer- 
tas cousas  que  lhes  nomeou  Q  erft  necessárias  por  amor 
da  ?inda  dos  rumes  pêra  o  Q  não  auia  dinheiro  ao  pre-^ 
sente.  O  que  eles  fizerão  de  tnuyto  boa  vontade,  &  em 
Gochíni  começarão  logo  h(l  galeão  &  faua  carauela ,  & 
hua  gale :  &  de  renouar  a  fortaleza  que  estatia  dãnefi* 
eada :  &  em  Gananor  se  abrio  hfia  caua  muyto  alta  que 
cingisse  a  fortaleza ,  &  em  Goa  hQ  lanço  de  chapa  no 
muro  &  fa3  galeão ,  &  hda  carauela,  &  hòa  gale,  &  em^ 
Chaul  outra  gale,  &  mandou  tambS  Lopo  vaz  Fernão  de 
Hioraís  a  Ormuz  com  poluora  &  outras  cousas  necessa-^ 
rias  pêra  defensam  da  /br<aleza«  £  fejfo  tudo  íffto  par- 
tíose  pêra  Dabul  pêra  ho  destruir  por  «star  aleuanlado, 
&  posto  que  estaua  assentado  em  cõselho  {}  Eítor  da  sil* 
ueira  ficasse  è  Chaul ,  &  dati  se  partisse  pêra  ho  estrei- 
to, porque  se  Meiíque  mandasse  recado  Hie  acodisse: 
lopo  vaz  ho  leuou  cõsigo  com  toda  a  armada  pêra  ho  mH^ 
dar  de  Goa,  sendolhe  requerido  por  todos  os  fidalgos  que 
ho  não  leuasse  porque  se  não  perdesse  Diu  fior  ele  ali 
não  estar  se  Melique  mãdasse  recado  pêra  ho  entregar, 
&  nâ  quis  se  não  leualo,  &  isto  a  requerimCt^  Dçitor 
da  silueira^  porque  ouue  por  afroDta  ficar  em  Chaul 
com  Chrístouão  de  sousa  que  daua  mesa  a  todos  os  fi^ 
dalgos  que  ali  inuernarão  que  erão  rouytos,  &  assi  a  ou- 
tra muyta  gente  que  todos  folgauão  destar  em  Chaul 
por  Christouâo  de  sousa  ser  muyto  largo  de  cõdição  & 
apraziud.   E  porque  Eítor  da  sHaeira  não  auia  dandat 
tâo  acõpanbado  como  ele,  por  não  poder  fazer  o  i^ue* 

c  2 


SO  DA    HISTORIA    PA   IN0IA 

ele  faaia  nâo  quis  ficar  em  Cbaul,  &  fez  com  Lopo  vaa  que 
ho  leuasse  a  Goa :  o  Q  foy  a  final  causa  de  se  desla  vez  não 
auer  Diu* 

C  A  P  I  T  V  L  O     IX. 

De  como  ho  Tanadar  de  Dábul  padio  paz  o  Lopo  wm 

de  sam  Payo. 

XJ^e  Chau]  se  foy  Lopo  vaz  de  sam  Payo  a  Dabul  com 
delermÍDaçã  de  o  destruic  porque  bo  (aoadar  recolhia,  ali 
mouros  de  Meca ,  &  conseolia  que  carregassem  suas 
sãos,  &  trazia  alguas  fustas  darmada  auèdo  paz  âUe  el 
Rey  de  Portugal  &  ho  Hidalcâo*.  £  entrando  pela  barra 
dentro  cÕ  a  gente  prestes  pêra  desembarcar,  sayo  ha 
Tanadar  a  recebelo  em  hua  almadia ,  por^  nao  era  a* 
quele  contra  quem  ya  Lopo  vaz,  se  nSo  ootro  ^  lhe  su--^ 
cedera  no  oflScio  que  desejaua  de  conseruar  a  paz  Q  es* 
taua  assentada ,.  &  por  isto  sayo  a  receber  a  Lopo  vas 
&  descuipousellíe  da  culpa  que  leuera  seu  anlecesso» 
pedindolbe  ^  lhe  confirmasse  a  paz  que  estaua  assenta^ 
da  com  os  nossos,  &  que  faria  quanto  quisesse,  K  ele 
lha  cõtirmou  com  cõdiçâo  que  lhe  entregasse  as  fusta» 
com  sua  artelharía ,.  que  logo  entregou  ,  &  hQa  nao  de 
IMíeca  que  estaua  carregada  de  pimenta,  &  que  não  a« 
colheria  mais  outras  no  seu  porto.  £  isto  feyto  partiose 
Lopo  vaz  pêra  Goa., 

G  A  PI.  TV  L  O    X. 

jDo  ^  ac6tec€o  a  António  galuâo  capitão  de  húa  das  nao» 

da  carga  ate  chegar  á  índia. 

JN  este  ãoo  de  mil  &  cooecxxvi.  partirão  de  Portugal 
pêra  a  índia  quatro  nãos  sem  capitão  raór  de  que  forao 
capitães  Frãciscodanhaia,  Tristão  vaz  da  veiga,  António 
dabreu  que  leuaua  a  capitania  mór  do  mar  de  Malaca^ 
&  António  galuão  filho  de  Duarte  galuão,  que  pariio 


LivKO  yir.  câFiTVLo  X.  ei 

rferfadeiró  de   ioàç>B  a  dezas^ye  de  JMayo :  que  sQca 
ateli  partira  nao  lã  larde.  E  chegaado  á  cosia  de  Gui- 
se andou  oela  cereuta  dias  boca  na  volla  do  naar  hora 
na  da  lerra  seai  poderem  sair  dali  fora:  porque  como 
«qui   correm  as  agoas  em  demasia  pêra  terra  cõ  a  en- 
chente da  maré  por  muyto  que  de  noyle  se  alargaufio 
pêra  ho  mar  não  podia  ser  tanto  que  quádo  amanhecia 
Bão  se  achassem  pegados  cõ  terra ,  porque  nSo  |)odião 
romper  a  grande  for<;a  dagoa.  £  como  António  galuâo 
enlefidesse  algQa  cousa  da  pilotagem ,  dizia  muylas  ye^ 
ses  ao  piloto  ^  ibssem  na  volta  do  mar  pois  Unha  venlo, 
que  poeto  ^  fosse  escasso  que  quanto  mais  se  empegas** 
sem  lhes  alargaria»  £  ho  piloto  niio  queria  dando  suas 
retÕes  ^  Autunio  gaiuâo  recebia  cõtra  sua  võtade  por  Jhe 
não  parecera  boas,  mas  nao  lhe  queria  tomar  seu  officio 
de  mandar  a  via.  E  andado  neste  trabalho  foy  ter  coeU 
iiã  nauio  que  ya  da  ilha  de  sam  Thome  pêra  Portugal , 
&  aabendo  que  a  nao  ya  pêra  a  Jndia  lhe  disserâo  deú 
que  ae  tornassem  pêra  Portugal  porque  ja  n&o  ttnhão 
teiopo  pêra  irem  á  Judia  aquele  ãoo  por  ser  na  fim  de 
luDhc  9  &  Q  estauâo  ainda  na  paragem  do  cabo  do  mon* 
Ce :  com  o  que  a  gSte  da  nao  ficou  confusa  &  aluoroça«* 
da  pêra  requerer  ao  capitão  que  se  tornassem ,  assi  por 
ser  tarde,  como  por  a  nao  pender  muylo  &  ser  lemero* 
aa  de  veia:  porem  António  galuão  oe  assessegou  esfor* 
^jando  oa  que  esperaua  em  n€>sso  senhor  de  i^assar  aque* 
íe  anno  a  Índia.  £  veiMlo  ho  piJoto  ta  mestre  do  nauio 
como  queriãe  prosseguir  sua  viagem ,  disserâo  ao  piloto 
da  nao  que  porque  nSo  se  alargaoa  da  terra  &  fazia  ho 
caminho  pêra  ho  cabo  de  santo  Agostinho,  porque  a^la 
era  a  verdadeira  nauegaçSo ,  pelo  que  ele  pedio  perdão 
a  António  galuão  de  não  qverer  tomar  seu  cõselho  que 
efitâo  aprouou  por  hò :  &  daK  por  diftte  se  fez  na  volta 
do  mar,  &  quis  nosso  senhor  que  lhes  alargou  sempre 
bo  vento  &  fizerão  coele  seu  dereito  caminho,  &  porem 
dando  éa  velas  quando  as  ootras  amainão  <|  assi  era  ne* 
eesaario  por  aer  mu;to  tarde.  £  porque  a  gftte  se  agaa^ 


22  1>A  HfSTORfA  DA  ÍNDIA 

taua  com  andarem  tanto,  António  galuSo  poloa  animar 
&  tirar  ho  -medo  que  tinbSo  mandaua  sempre  ter  pfto  & 
vinho  8obre  cuberta  pêra  que  coineaaem  &  bebessem,  & 
alambor  &  pandeiros  pêra  tangerfi  &  cantarem:  porque 
doutra  maneira  morrerão  todos  de  pasmo.  E  como  Anto* 
nio  galuXo  vio  ho  erro  (\  ho  piloto  fizera  em  nSo  se  em- 
pegar  da  costa  de  Guiné  nât  descansou  mais  sobreie  & 
tomou  anlre  si  cuidado  da  via  &  de  cartear:  8c  era  tâo 
certo  nisso  que  fazendose  ho  piloto  &  outros  eft  as  ilhas 
de  Tristão  da  cunha  passadas,  sempre  perííou  que  nft  fie 
no  próprio  põto  !\  disse  Q  as  auiã  de  ver  as  virão,  do  ^ 
fao  piloto  &  os  outros  se  espantarão  muyto.  E  nauegan* 
do  com  muyto  (rabalho  se  poserão  6  altura  de  trinta  & 
noue  grãos,  &  dali  começara  a  deminuir  &  por  se  faze* 
rS  com  ho  cabo  dobrado  no  mes  de  setêbro  em  ()  ouue- 
râo  desiar  na  índia,  pareceo  ao  piloto  que  ja  aquele  âno 
não  poderião  ir  a  ela,  ainda  ()  António  galuão  j^ria  ir 
por  fora ,  do  que  se  o  piloto  agastaua  tanto ,  ![  disse  á 
gente  que  os  (|ria  leuar  a  perder,  porque  os  vStos  auião 
ja  de  ser  leuanles,  &  as  agoas  corriSo  muyto  naquele 
tempo  pêra  ho  estreito  de  Meca ,  onde  os  auião  de  )an* 
çar  como  ja  lançarão  outras  nãos,  Sc  este  auia  de  ser  ho 
derradeiro  remédio  qnãdo  os  deos  quisesse  saluar  mila« 
grpsamCte :  mas  que  ho  mais  certo  era  ^  antre  monção 
&  moução  que  era  ho  mes  doutuhro  &  de  setSbro  auião 
dachar  tala  calmaria  naquele  golfão  Q  auiã  de  morrer  de 
fome  &  de  sede,  &  isto  quãdo  escapassõ  dos  muytos  bai- 
xos &  iihas  &  rastinguas  ^  auia  nele«  E  coestas  rezòes 
&  com  outras  prouocou  quasi  todos  a  que  fizessem  por 
força  ir  António  galuão  por  dfilro  quãdo  não  qijisesse 
por  sua  vòtade.  &  primeyro  ho  piloto  è  nome  de  todos 
lhe  fez  hiia  fala  em  que  lhe  daua  todas  as  rezões  que 
digo  &  outras  muytas  pêra  não  ir  por  fora  se  não  por 
dentro,  &  inuernar  em  MoçãbiQ.  Ao  j|  António  galuão 
respondeo  que  não  auia  dír  se  não  por  fora,  &  Q  espe-^ 
raua  em  nosso  sftor  de  passar  aquele  ãno  á  índia,  roga* 
do  muylo  a  todos  que  lhes  parecese  bem  lio  Q  dizia,  & 


LIVRO  vu,  CAPiry^o  x*  M 

imítfHnc)o*RÍato  ebamou  bo  piioio  ao  mastre,  Q.  aoia  no- 
na fisteoão  diaa  pêra  Q  bo  ajju^asse  coolra  o  capitão 
foyu  iodosecàe  da  aoa  pafle,  ao  que  ele  respSdeo  que 
Ottca  deos  quisesse  ^  fosse  cõtra  iat  pésgoa ,  qufito  Biais 
aeodo  seu  capíláo,  a  qu^  era  obrigado  dobedecer^  & 
/Bõislo  ficou  a  cousa  asst.   £  cõ  ludo  lendo  o  pilo  lo  os 
mais  da  sua  parle  detet niíooti  de  leuar  a  nao  a  iVloçãbi*- 
§ue  mandando  gouernar  pêra  lá,  bo  {|  sabSdo  Ântonio 
galttâo  oiandbu  Jogo  gouernar  pêra  onde  queria,  p<>lo 
<i)ue  bo  piioio  Ibe  emcâpou  a  nao,.  &  fez  fazer  bu  aulo 
de  Goinu  ibe  o  eapilSo  lomaua  bo  seu  oificio  &  Qria  n>e- 
ier  a  nao  no  fundo  reíJrSdolbe  da  parte  delrey  2|,  ibe  deir 
xasse  Jfizer  seu  ^eaminbo  &  coino  António  galuao  visse 
^  bo  oiélbor  cffa  ir  pot  fora  nâo  quis  se  não  íazer  bo  que 
ibe  parecia  bem :  jk  disse  {|  eJe  mâdaria  a  via :  &  por^ 
Ibe  nâu- mudasse  a  derrota  tiaba  de  noile  &  de  dia  bOa 
agoiba  na  sua  camará  em  {|  via  pêra  onde  gouernauão  ^  - 
&  encomCdauase  a  nosso  sftor  mandando  dizer  missa  lo- 
dos oa  dias,  &  á  noíVe  a  Salue  Sc  as  ladji^ynbas  &  rogaua 
a   nosso  sfior  ^  lhe  valesse»  £  era  tam  deuoto ,  Q  que* 
brâdolbe  bo  garoupez  cÕ  búa  loruoada  nS  quis  §  se  co&* 
cerlasse  ao  oatpo  dia  por  ser  dia  saneio,  nè  ao  outro  ^ 
era  domlgo ,  cd  qjuãto  o  mestre  se  queixaua  ^  perdião 
viagC  sem  a  eeuadeira,  &  todauia  não  quis  António  gal- 
uao <}  se  corregesse  bo  garoupez  poi  sei S  os  dras  1^  erâo, 
lio  qUe  parece  que  d^y  permissão  diuina  por%.  se  andarão 
iiai|ie8  doua  dias  lalo  quãto  o  mestre  qn^isera  ouuerão 
dir  varar  por  cima  dos  baixos  dos  abrolhos  que  eslão  em 
dezasele  grãos  da  bàda  do  aorta,  &  sSdo  perlo  da  Jinba 
comequulbe  dadoecer  algOa  gente  ^  ele  fez  curar  cÕ  lan^ 
ia  diligencia  ^   Ibe  nã  raorrea  nSguS ,  bo  Q  foy  mujlo 
despanlar,  por4  ali  morrfi  sSpre  muylos.  E  despois  ^  bo 
piloto  vio  quã  bõ  conselbo  fora*  bo  Danlonio  galuão  em 
ir  por  fora ,.  &  ^  esperaua  de  ser  muy  cedo  eò  a  costa 
da  Índia  |>ediolhe  perdão  doa  re^risuêtes  ^  lhe  fizera, 
louuãdobo  do  melboc  piloto  do  mundo :.  &  kido  ja  perto 
da  cosia  da  Índia  acbaràose  anise  as  ilbaa  de  Maldiuai, 


84  DA    HISTORIA    3>A    ÍNDIA 

&  como  9H  (odas  rasas  com  a  agoa  &  nê  bè  piloto  n6  dck 
nhu  dos  que  yão  na  oao  forâo  aK  nãca  fiearfio  muytoi»- 
gastados  :  &  mais  porque  viâu.  hfiB  4>aixo8  por  firoa  ^  a«- 
rebdtauão  em  frot ,  ho  ^  visio  por  António  gaiuao  se  ao- 
foio  a  gauea  com  ho  mestre ,  ( porc)  ho  piloto  desacoroí^ 
coou )  pêra  descobrir  de  lá  a  terra  &  por  onde  aoiâo  diR^ 
&  assi  chegon  aos  baixos  i\  conkeceo  que  erâo  de  pedra 
viua,  peto  ^  lhe  pareceo  que  ao  iògo  deles  auia  de  ser 
alcantilado,  &  mandou  fazer  caminho  ao  derredor  dele«| 
&  em  se  poendo  ho  sol  mâdou  tirar  aigQs  tiros  pêra  l[ 
acodisse  gSie  de  terra  se  a  ouuesse,  de  ^  soubesse  dde 
era.  R  logo  sayo  de  hiía  ilha  hua  almadia  bS  esquipada 
•em  ()  ya  bd  velho  com  quinze  ou  vinte  homSs  quacb^ 
gado  abordo  da  nao  entrou  dentro,  &  dele  sodbe  Anto^ 
nio  galuâo  !\  era  sftor  da^la  ilha  ^  auia  nome  Gafar  bfia 
das  de  Maldiua  &  que  ya  bem  nauegado:  &  foy  coelé 
ate  bo  outro  dia  em  amanhecSdo  que  sayo  dantée  as 
ilhas,  &  poslo  ^  ho  mestre  &  piloto  cÕselhaufi  a  Anto^ 
Oto  gaiuao  ^  nSo  deixase  ir  os  das  ilhas  ale  ho  poerete 
na  costa  da  índia  nSo  quis  di^êdo  ^  aA^a  não  fazer  ho 
^  deuia  ficaria  a  gSte  tam  escandalizada  que  ainda  ^ 
irissem  outra  nao  nã  lhe  acoderiã  &  a  deixarilo  dar  á 
costa ,  &  galardoSdolhes  a  boa  obra  l\  lhe  fízerão  os  dei»- 
xou  ir,  &  partidos  daqui  hti  domtgo  na  fím  doutubro  6 
amanhecido  ouuerSo  vista  de  doze  velas  &  arribado  a 
elas  virSo  terra  &  ao  longo  dela  hõa  grade  armada  2}  com 
fao  terrenho  se  faaia  na  toMa  do  mar^  &  das  doze  velas 
i|  parecerão  primeiro,  &  neste  tempo  foy  conhecida  a 
terra  ^  erSo  as  serras  de  Calicnt  ?  &  a  armada  era  de 
Malabares ,  &  as  doze  velas  cuidauâo  serem  de  rumes 
que  era  a  própria  moução  pêra  virem ,  &  os  nossos  es^ 
tauâo  ja  prestes  pêra  pelejar  que  em  amanhecendo  se 
a|)erceh#>o  António  galuâo,  &  nisto  hfia  das  doze  velas 
chegou  á  nao,  &  conhecSdo  que  era  dos  nossos  saluoiiw 
os  com  hua  grande  g^^^^  ^  &  entrarão  aleus  na  nao  que 
disserto  a  António  galuâo  como  estaua  defronte  de  Ga^ 
licut  que  estaua  de  guerra  &  de  lá  era  a  armada  «que 


LIVRO    VII.    CAPITVLO  XU  2b 

Yião,  &  que  ho  tempo  o8  lançara  ali  vi-ndo  pêra  Cuchim 
das  ilhas  de  Maldiua  com  fazenda  pêra  a  feíloría,  pe* 
dindolhe  que  os  leuasse  em  sua  conserua  porque  não  li- 
ahâo  arieiharía ,  &  ele  ho  fez  assi  &  a  armada  de  Calí- 
cul  não  ousou  de  os  cometer ,  cu jdando  que  todos  erãd 
darmada  &  forãose  meter  no  porto ,  &  António  galuâo 
surgio  defronte  por  lhe  ser  ho  vento  contrairo  pera  Co« 
ebím  9  pera  onde  queria  ir ,  nSo  temendo  ho  perigo  que 
era  estar  tâo  perto  dos  immigos,  &  ali  pedirão  mujto  to- 
dos os  da  nao  a  António  galuão  que  pois  ho  vento  era 
a  popa  pera  Cananor  &  pera  Goa  que  fossem  lá  &  que 
farião  muyto  proueilo  em  ?Sder  hi  suas  mercadorias^ 
porQ  vSdendoas  em  Cochim  como  era  ho  derradeiro  por- 
to auíão  de  fazer  barato  delas.  £  escusandose  António 
galuão  desta  ida  por  recear  que  não  tornasse  a  Porto* 
gal  no  ãno  seguinte  por  quão  tarde  era,  lhe  disserão  que 
isso  queriSo  eles,  porque  como  a  nao  era  grande  &  nãe 
linha  na  índia  Õde  innernar  irião  a  Ormuz  em  que  fa- 
rião muyto  proueilo  éobrãdo  sua  fazSda ,  &  quando  tor-* 
nassem  seria  mais  cedo  &  poderião  empregar  de  vagar t 
&  como  isto  era  perda  deJ  rey  não  quis  ÂDtonio  galuão 
Ç  se  ãzesse ,  &  acodindoJhe  tempo  foyse  a  Cochim  onde 
achou  as  outras  nãos  que  aquele  anno  partirão  de  Porta-- 
gah 

€  A  P  J  T  V  L  O    XI. 

De  como  d  rey  de  Portugal  mandou  que  Lopo  vaz  de 

sam  Payo  fosse  gouernador^ 

Jii  chegados  a  Cochim  Francisco  danhaya  &  Tristão 
vaz  da  veiga  ^  erão  capitães  de  duas  nãos  derão  a  A' 
/80o  mexia  vedor  da  fazSda  doas  vias  de  cartas  <)  lhe 
leuauão  dei  Rey  de  Portugal ,  &  neslas  achou  ele  dons 
ina<^  de  subcessões  da  gouernança  da  Tndia  por  faleci* 
B»%io  de  dom  Anrrique  de  meneses.  E  pera  saber  co« 
mo  aquilo  era  leo  hila  de  duas  cartas  que  lhe  el  Rey  es*- 
creoia  que  dizia« 

LIVRO  VII.  j> 


26  VfA   HISTORIA   DA    ÍNDIA 

«  Afont^o  mexia,  eu  el  Rey  vos  enuio  muylo  saudar» 
Per  duas  vias  vos  enuio  nesla  armada  que  nosso  senhor 
leue  a  saluamêlo  dous  sacos  de  cartas  &  despachos  daa 
eousas  dessas  partes  que  ouue  por  meu  seruiço  C|  agora 
fossem,  &'  leua  hu  dos  sacos  Tristão  vaz  daueiga  &  ou- 
Iro  Francisco  danhaya:  (omay  as  cartas  que  váo  pêra 
vos  &  as  do  capitão  mór  lhe  day  &  assi  todas  as  outras 
ás  pessoas  a  que  vâo,  &  não  tique  nhOa  que  náo  seja 
dada,  &  aquelas  que  esteuerô  fora  donde  vos  esteuer* 
des  mandayíhas  dar  &  vão  a  todo  bõ  recado.  E  nesta  ar^ 
mada  me  enuiay  hú  rol  de  como  forão  dadas  aquelas 
que  destes  ás  pessoas  onde  vos  estais,  &  ho  modo  que 
ieuestes  em  enuiar  as  outras  q  vào  pêra  as  pessoas  que 
csleuerê  fora,  &  tomay  disto  bõ  cuydado,  porí|  ho  ey 
por  muylo  meu  seruiço  serè  dadas  todas  as  ditas  cartas: 
as  prouisões  ^  vão  das  subcessões  da  capitania  mór,  tê** 
de  na£[la  boa  goarda  &  segredo  q  cumpre  a  meu  seruiço 
como  de  vos  confio.  Scripta  em  Almeirim  a  vinte  dias 
de  Março  Pêro  dalcaçoua  carneyro  a  fez  de  mil  &c  quí** 
iihStos  &  vinte  seys:  &  das  outras  prouisões  ^  ja  la  t&« 
des  nâo  se  ha  dusar,  &  as  lereis  ê  boa  goarda  &  mas 
trarei:)  quando  S  bora  vierdes,  el  rey.  A  outra  carta  era 
do  teor  d^sla ,  se  náo  q  nâo  ttnba  esta  partícula  derra-% 
deira.  E  vistas  pelo  vedor  da  fazenda,  pegouse  a  esta 
particuJa  derradeira  que  das  prouisões  das  subcesões  !\ 
estauã  na  índia  nâ  se  auia  dusar:  &  por  isso  determi* 
liou  dabrir  estas  q  yão  de  nono,  &  dizSdo  ^  era  hita  cou«* 
sa  que  cumpria  muyto  ao  seruiço  dei  Rey,  fez  ajutar  na 
sé  de  Cochiai  dom  Vasco  deça  capitão  da  fortaleza,  ho 
bcericeado  loâo  do  soiro  otiuidor  geral  da  Índia,  loa  ra- 
belo feytor  de  Cochim ,  Duarte  teixeira  tesoureyro  das 
mercadorias ,  com  outros  officiaes  da  fazSda  &  da  Justi* 
^a,  &  assi  os  capitães  da  armada  de  Portugal  &  outros 
âdaigos  &  caualeyros  da  Índia.  E  juntos  todos  lhes  ieo 
aquelas  duas  cartas  que  lhe  el  Rey  escriuia :  &  despois 
lhes  disse  que  è  hCia  delas  parecia  bem  claramSte  nâo 
querer  el  Rey  que  se  vsasse  das  subcessões  que  eslau2a 


itivRo  vif .  CAPirvLO  xr»  27 

•jia  índia  se  não  daquelas  que  ali  inandaua ,  &  que  de- 
rogaua  as  que  eráo  abertas^  pelo  que  queria  abrir  as  ou- 
tras ,  &  ver  quem  el  Rey  inandaua  que  fosse  gouerna- 
dor  pêra  ho  auerS  por  esse.  Ao  que  dom  Vasco  de^^ 
disse  que  por  dizer  na  aua  carta  que  das  prouisftes  que 
esiauSo  oa  índia  não  se  vsara,  não  se  entendia  que  se 
srsasse  das  ()  ySo  posto  que  as  da  índia  fossem  abertas: 
porque  se  ei  Rey  aqoiio  quisera  que  assi  bo  declarara^ 
«  que  escreuera  pareeendolbe  que  as  sobcessfies  que  es- 
tauâo  na  índia  não  erão  abertas,  mas  sendo  ho  como  $^ 
Dia  de  mandar  qne  se  não  vsasse  delas  &  ficar  em  ta» 
-manha  obrigação  como  ficaua  aoa  I|  daua  a  gouernãça 
da  Índia  &  )ha  tiraua  sem  nhQa  causa  pelo  que  mãdaua 
ter  em  miiyto  grande  segredo  as  subcessões ,  &  pois  el 
Rey  não  mandaua ,  que  posto  que  fossem  abertas  as  ^ 
^esiauio  na  índia ,  que  se  abrissem  as  (}  mãdaua  de  no- 
vo que  lhe  requeria  da  parle  dei  Rey  que  as  não  abritf- 
me,  &  não  desse  causa  a  auer  diuisSes  na  índia,  que  e»- 
taua  claro  auer  ^inlfe  Pêro  mazcarenhas  cuja  era  a  g^ 
-oeroança  de  dereyicy:  &  aquele  que  se  achasse  na  nona 
-tubcessam  cuja  a  goueraan^  não  era ,  pois  ei  Rey  não 
mãdaua  que  lha  dessem  :  &  se  ele  queria  ^erair  sua  bU 
tesa ,  que  lhe  lornasse  a  mandar  a  noua  subcessam  c6 
declaração  do  porque  a  nã  abrira.  E  deste  parecer  de 
^  Vasco  forão  muytos,  &  outros  com  bo  vedor  da  fa« 
senda  que  se  abrisse  a  noua  subcessam.  E>  ele  disse  a 
éom  Vasco  &  aos  outros  qne  de  ser  mal  oo  bem  abrirse 
a  noua  subcessam,  que  ele  daria  conta  de  como  bo  A- 
xera ,  &  ^  a  auia  dabrir :  &  assi  ho  fez  contra  v>on(adb 
da  mayor  parte  dos  Q  ali  estatião. 


B  1 


28  DA  HISTORIA  J>A    iNDIA 

■ 

C  A  P  I  T  V  LO     XII. 

fit  como  Lopo  vaz  de  sann  payo  Joy  declarado  por  90- 

uemador. 

jOLherlaí  a  noua  subcessão  Fernão  nunez  eficriuâo  da 
fazenda  a  leo  em  alta  voz ,  dizendo 

«  Eu  el  Rey  faço  saber  a  todos  os  meus  capitães  &  at* 
caydes  mores  das  minhas  fortalezas  da  índia,  capitães 
das  nãos,  nauios  das  armadas  que  nas  ditas  partes  âdão^ 
fey tores  &  escriuâes  de  minhas  feytorias ,  capitães  d« 
Aaos,  nauios  i\  vão  pêra  vir  cõ  ã  carrega  pêra  estes  rey- 
Bos ,  fidalgos ,  caualeyros ,  &  gele  darmas  Q  nas  drtas 
partes  andarS  &  a  todas  quaes  quer  outras  pessoas  &  of*- 
ficiaes  da  justiça  &  fazêda  a  4  este  meu  aluara  for  mos- 
trado, Q  pela  muyta  confian(;a  que  tenho  de  Lopo  vaz 
de  sam  payo  fidalgo  de  minha  casa,  que  nas  cousas  d« 
Q  ho  encarregar  me  saberá  b6  seruir :  me  apraz  que 
sendo  caso  que  faleça  dõ  Anrrique  de  meaeses,  Q  ora 
•fae  mea  capitã  mór  &  gouernador  das  ditas  partes  da  ín- 
dia ^  nosso  Senhor  não  mãde,  subceda  &  entre  na  dita 
capitania  mor  &  gouérnança,  ho  dito  Lopo  vaz  pêra  ne- 
la me  seruir,  cô  aquele  poder,  jurdiçâo  &  alçada  que  ti- 
nha dada  ao  dito  dom  Anrrique  de  meneses,  &  me  a- 
praz  que  aja  em  cada  h(i  ãno  em  quanto  me  seruir  na 
dita  capitania  mór  &  gouernança ,  dez  mil  cruzados,  s. 
cinco  mil  em  dinheiro,  &  os  outros  cinco  mil  em  pimS- 
ta  comprada  do  seu  dinheiro  ao  partido  do  meyo,  toma- 
do &  nomeando  seu  risco  nas  nãos  &  nauios  Q  nomear 
que  vierS  pêra  estes  reynos,  segundo  crdenãça  dos  par- 
tidos do  meyo,  E  entrado  assi  ho  dito  Lopo  vaz  na  dita 
capitania  mór  &  gouernança  da  índia,  enirará  na  capi*- 
tania  mór  do  mar  que  ele  lem,  António  de  miranda  da- 
zeuedo,  com  ho  ordenado  que  coela  tinha  ho  dilo  Lopo 
vaz  de  sam  payo,  &  no  cargo  que  ele  ao  tal  tempo  te- 
uer,  prouerá  ho  dito  capitão  mór  ate  eu  prouer:  &  não 


LIVRO    VII.   CAPITVLO   XJI.  M 

estado  fia  índia  ho  dilo  Lopo  vaz  ao  tempo  do  faleci- 
mento do  dito  dom  Anrrique,  por  ser  vindo  pêra  estes 
rey  nos  ou  sendo  falecido,  ou  falecSdo  despois  dêtrar  &  su- 
ceder na  dita  capitania  mor  &  gouernanija,  S  quafquer 
destes  casos  entrara  por  capilão  mor  &  gouernador  Pe*- 
ro  mazcarenhas  que  está  por  capilão  de  Malaca:  &  aue- 
ra  bo  dilo  Pêro  mazcarenhas,  os  ditos  dez  mil  cruzados, 
de  seu  ordenado  de  capitão  mór  &  gouernador ,  daquela 
maneyra  que  os  ordeno  ao  dilo  Lopo  vaz,  &  Strará  Pê- 
ro de  faria  na  capitania  de  Malaca,  õde  o  dito  Pêro  maz- 
carenhas está  &  auerá  ho  ordenado  da  capitania  de  Ma- 
laca. £  estado  ele  por  capilão  S  Goa  prouera  ho  dito 
meu  capitão  mór  na  dita  capitania,  a  pessoa  que  lhe 
parecer  que  pertence  mais  a  meu  serui^o  ate  eu  prouer, 
&  auerá  ho  ordenado  da  dita  capitania.  E  porem  volo 
nolefico  assi,  &  vos  mando  a  todos  em  geral  &  a  cada 
hu  em  espicial,  que  vindo  ho  dito  caso  se  cumpra,  & 
goatde  inteyramente  este  meu  aluara  como  nele  he  con- 
teudoy  &  a  quall^r  dos  sobTedilos  que  entrar  na  dita  go- 
uernâça  obedeçaeis  ,    &  cumpraes  seus  requerimentos 
'&  mandados,  assi  como  bo  fazies  ao  dito  dom  Anrri(]|, 
•&  como  sois  obrigados  de  fazer  ao  dito  meu  capitão  mór 
&  gouernador,  &  em  todo  ho  deixai  vsar,  do  poder,  jur- 
de^ao ,  &  alçada,  que  ao  dito  dom  Ânrrique  tinha  dada 
por  minha  carta  ,  sem  duuida  nem  embargo  algQ  que  a 
elo  ponhaeis,  &  mando  ao  meu  vedor  da  fazenda  que 
em  cada  hu  anno  em  quanto  me  seruir  na  dita  capita- 
nia mór  &  gouernança,  lhe  mande  pagar  os  ditos  dez 
mil  cruzados  na  maneyra  sobre  dita*  Feyto  em  Almei- 
rim ,  á  quatro  dias  Dabril ,  lorge  Rodriguez  ho  fez ,  de 
•mil  &  quinhentos  &  vinte  se]^s.  E  estes  dez  mil  cruza- 
dos que  ordeno  que  ajão  os  sobreditos  por  anno,  será 
naquele  próprio  modo,  forma  &  maneyra  q  os  tenho  da- 
dos ao  dito  do  Ânrrique,  &  ho  ordenado  de  António  de 
miranda  dazèuedo  entrando  na  capiiania  mór  do  mar  se- 
rão doos  mil  cruzados  por  anno..  s.  mil  em  dinheiro  & 
mil  em  pimenta  bo  modo  sobredito  de  como  a  ha  dauer 


30  l»â    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

ho  dito  dom  Anrrique,  posto  que  diga  Q  ha  dauer  be 
ordenado  de  Lopo  vaz.  El  rej.  Lido  este  aluara,  foy  fey- 
10  bu  auto  por  Fernão  nunez  escriuão  da  fasSda  da  a- 
bertura  daquela  subcessam ,  ^  foy  assinado  pelos  mais 
dos  que  ali  estauâo,  porem  a  mais  da  gSte  assi  altos  co- 
mo baixos  estranhauão  muyto  abrirse  a{|la  subcessam  ^ 
&  dizião  ^  bo  vedor  da  fazfida  fizera  hOa  cousa  muyto 
errada  &  roubaua  sua  hõrra  a  Pêro  mnzcarenhas  que  por 
dereyto  era  verdadeyro  gouernador,  &  que  Lo{x>  vaz  de 
«am  Payo  nâo  faria  bem  daceitar  a  gouernança  que  nio 
era  sua :  &  que  vindo  Pêro  mazcarenhas  esperauão  que 
ouuesse  na  índia  grande  reuolta  por  ter  nela  muyto  mais 
valia  Q  Lopo  vaz  de  sam  Pajo.  E  bS  parece  que  adiui- 
nhando  el  Rey  de  Portugal  estas  reuoltas  Q  se  poderiâo 
seguir,  como  soube  per  Frãcisco  de  mendoça  que  d5 
Anrrique  de  meneses  era  falecido  &  lhe  subcedera  Pêro 
tnazcarenhas  por  cuja  ausência  Lopo  vaz  de  sam  Payo 
gouernaua  a  índia ,  por  atalhar  ás  dinisòee  que  poderia 
auer  mâdou  logo  Pedreanes  frSces  em  hQ  nauio  c5  reca~ 
do  ^  auia  Pêro  mazcarenhas  por  verdadeyro  gouernador: 
&  este  se  perdeo  na  ilha  de  sam  Lourenço  &  nSo  ouue 
effeyto  o  que  el  rey  qutsera.  E  declarado  Lopo  vaz  de 
sam  Payo  por  gouernador ,  &  auêdo  ho  vedor  da  fazCda 
por  esse,  despachou  logo  dom  Anrrique  deça  qoe  lhe  Io* 
uasse  a  Goa  (onde  lhe  pareceo  Q  ho  achasse)  a  subces- 
sam, &  por  ele  escreueo  hOa  carta  á  camará  de  Goa  em 
t)ue  Ihescreueo  o  que  fizera  pêra  (}  soubesse  ^  Lopo  vac 
de  sam  Payo  era  gouernador  &  o  teaesse  por  esse :  & 
sabendo  híi  Thome  pirez  capitão  áH  catur  esta  noua, 
partio  logo  de  Goa  6  busca  de  Lopo  vaz  pêra  lhe  dar  es- 
ta noua  &  ganhar  as  aluisaras  &  achou  ho  em  Dabul  de 
caminho  pêra  Goa.  E  sabida  a  noua  pola  armada ,  os 
mais  dela  eslranharSo  muyto  o  que  fizera  ho  vedor  da 
fazSda,  porque  todos  queriilo  antes  que  Pêro  mazcare- 
nhas fosse  gouernador  ()  Lopo  vaz  de  sam  Payo  que 
continuando  dali  sua  viagem  chegou  a  Goa,  onde  sendo 
recebido  como  gouernador  deu  a  capitania  mór  do  mar 


LIVRO  VII.  CAPITVLO  Xfff.  SI 

a  António  de  miranda  dazeuedu  &  a  de  Goa  a  Pêro  de 
faria.  E  deixado  em  Goa  a  Eylor  da  silueira  pêra  que 
fosse  ao  esireilo,  se  parlio  pêra  Cochim. 

CAPITVLO    XIII. 


De  como  Hagatnahmvt  se  leuanUm  com  Diu  j  4^  ho  deu^ 

a  el  rey  de  Camhaya. 

Jl  arlido  £y tor  da  silueira  de  Diu  desesperado  de  se  fa« 
ser  fortaleza,  Meiique  saca  l\  faiaua  verdade  &  espera* 
ua  de  comprir  o  que  pronielera ,  começou  logo  de  ho 
despejar,  &  mandou  sua  arlelharia  a  laqueie  pêra  onde 
determinaua  de  se  ir.  EHagamabmut  a  quê  pesaua  lan* 
(o  como  disse  de  Meli()  dar  Diu  aos  Portugueses,  &  (ra^ 
aia  grade  diiigêcia  polo  estornar,  leuãiouse  bum  dia  cõ 
m  cidade  por  el  rey  deCàbaya,  sendo  Meli^  em  húa  sua 
qnmiâ  duas  legoas  de  Diu :  do  q  a  geie  foy  colete  por 
Ibe  pesar  mujilo  de  se  ele  ir  dali  c5  Meliq:  &  leuàiada 
a  cidade  /ogotí/ig^amabmut  ho  fez  saber  a  el  rey  deCam* 
baya,  mádaodoihe  dizer  o  ^  Me/i^  úelennmaua  ^  &  pe- 
dindolfae  a  capitania  dela,  &  Cj  ihe  mSdasse  gête.  £  el 
rey  sabendo  este  recado  partio  logo  pêra  Diu.  H,  sabfido 
IMelil)  o  ^  Hagamahmul  linha  feylo,  conheceo  então  a 
falsidade  do  conselho  {|  lhe  dera  em  fazer  ir  Eytor  da 
•ilueira  pêra  Chaul,  õde  cuydádo  ^  ainda  estaua  Lopo 
wa%  de  sam  Payo  lhe  mádou  dizer  o  (]  passaua,  pedindo^ 
lhe  {)  Ibe  acodisse,  jiorque  esperaria  ate  sua  vinda.  £ 
Christouão  de  sousa  por  nâo  ter  ac mada  ^  lhe  mâdasse , 
niftdou  este  recado  a  Goa  Q  foy  dado  a  Eytor  da  siluei- 
ra 9  por  ho  gfueroador  ser  partido  pêra  Cocbim:  &  Gy« 
lor  da  síJuHra  como  ho  soube  partiose  logo  pêra  Chaul 
iodo  coele  muytos  fidalgos  &  outra  gente ,  mas  sua  ida 
iby  fora  de  tSpo  &  sem  proueito  por  nâo  estar  em  Chaul 
qnàdo  MeliQ  màdou  ho  recado  ^  s^  hi  esteuera  ainda  se 
poderá  auer  Diu,  a  Q  primeiro  ^  chegasse  a  Chaul  che« 
g^oo  el  nj  de  Caaibaya  eÕ  grade  poder  de  gSie,  &  Me- 


32  DA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

li^  escassamête  pode  auer  híia  fusta  em  !\  fugio  pêra  Ta-< 
£[te.  C  ludo  isto  se  sabia  em  Ghaul  quando  chegou  Ey* 
tor  da  silueira,  Q  do  mar  mãdou  dizer  a  Cbristouão  da 
sousa  ^  se  tinha  algu  recado  de  Diu  !\  lho  mâdasse.  E 
ele  respõdeo  !\  a(}la  fortaleza  era  dei  Rey  de  Portugal , 
&  se  a  ele  tinha  por  essa  <)  fosse  lá  &  saberia  ho  reca- 
do ^  &  se  assentaria  o  í\  deuiSo  de  fazer ,  &  se  não  ^  se 
fosse  em  bora.  E  pareofido  a  Eytor  da  silueira  (|  por  ca- 
pitão mor  da^la  armada  lhe  deuia  Christouão  de  sousa 
de  roâdar  ho  recado,  insistia  Q  lho  mâdasse  &  não  {|rta 
lá  ir,  &  tambS  por  recear  (|  como  lá  fosse  lhe  tomasse  a 
armada  &  mandar  outrS  a  Diu.  E  dãdolhe  Francisco  de 
sousa  tauares  palaura  de  não  se  fazer  tal  se  foy  á  forta* 
leza,  &  ê  cõselho  lhe  disse  Cbristouão  de  sousa  o  ^  pas- 
sana  em  Diu  (}  era  escusado  ir  lá:  pelo  ^  se  assStou  (} 
não  fosse  &  tornasse  a  dar  cola  disso  ao  gouernador,  & 
não  fosse  ao  estreito,  por  ser  certo  !\  çoleimâo  raix  per 
mãdado  do  turco  passaua  á  índia  cÕ  hua  grade  armada 
de  turcos  &  ^  estaua  na  ilha  de  Camarão  fazSdo  bua  for-- 
taleza,  &  ho  mesmo  escreueo  ChristouSo  de  sousa  ao 
gouernador  por  Eytor  da  silueira,  ^  ass6(ado  isto  sa 
partio  logo  pêra  Goa  onde  não  achado  ainda  ho  gouer* 
nador  se  partio  pêra  Cochim. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XIIIK 

Do  grade  aluoroço  q  auia  na  geie  da  India^  dizédo  §  Ia>- 

po  vaz  nâ  era  gouernador. 

Jl  ar  ti  do  ho  gouernador  Lopo  vaz  de  sam  Payo  da  ci- 
dade de  Goa,  chegou  a  Cochim,  õde  ho  vedor  da  fazen- 
da era  também  capitão,  Q  na  armada  do  anno  presenta 
the  mâdara  el  Rey  de  Portugal  prouisam  pêra  ho  serjun- 
tamente  com  vedor  da  fazSda.  E  sabSdo  que  Lopo  vaz 
de  sam  Payo  era  chegado  ho  recebeo  com  muyta  festa 
&  ho  tornou  com  todos  a  jurar  &  obedecer  por  gouerna- 
dor da  índia :  &  como  em  Cochini  estaua  jClla  a  mayoc 


LIVRO  VH.  CAPITVLO  Xfttt*  11 

parte  da  gente  dela ,  &  bs  mais  erão  afeyi^ados  a  Pêra 
mazcarenhas  &  desejauão  que  ele  gouernasse  vendo  ^ 
se  fazia  ho  contrairo  pobrícamSte ,  estranbauSo  muyta 
o  que  ho  vedor  da  fazenda  fizera  em  abrir  a  noua  sob* 
cessam  de  Lopo  vaz  de  sam  Payo  despois  de  Pêro  maz« 
earenbas  ser  jurado  &  obedecido  por  gouernador,  &  cba- 
mado  pêra  gcuernar,  &  que  lhe  roubaua  sua  honrra  & 
justiça.  -E  era  a  onião  que  fazião  sobristo  muylo  grandoí 
&  auia  bandos  aotre  os  da  parte  de  Pêro  mazcarenhas  ^ 
&  os  do  gouernador,  &  perfiauSo  com  muyto  perigo  sobro 
qual  era  gouernador  por  dereyto  auendo  palauras  bte 
com  os  outros  &  desafios  &  pelejas^  &  era  a  reuolta  ta-^ 
tnanha  sobristo  em  Cochim  que  nS  se  ouuia  nunca  ou- 
tra cottsa,  &  pêra  mais  ajuda  chegou  na  seganda  oyta« 
ua  do  Natal  hu  jungo  a  Cochim  que  deu  noua  que  Pere 
mazcarenhas  ficaua  embarcado  &  partira  pêra  a  índia  ^ 
<|  agrauou  mais  nos  de  sua  valia  o  que  lhe  ho  vedor  da 
faz&da  fizera.  E  ho  gouernador  como  soube  a  noua  da 
▼inda  de  Pêro  mazcaTen\\as,  porque  ele  soubesse  prímey- 
To  que  chegasse  a  Cochim  ^  não  era  gouernador,  &  não 
6zes8e  aluoroço  mãdou  ho  terlado  de  sua  subcessam ,  & 
ho  do  auto  que  se  fez  quãdo  foy  jurado  &  obedecido  por 
gouernador  a  Anrril\  figueira  feytor  &  alcayde  mòr  de 
CoulSo  com  hQ  regimento  que  tanto  qtte  Pêro  mazcare- 
fibas  chegasse  ao  porto  lhe  fosse  mostrar  ao  mar  ho  ter- 
lado da  subcessam  &  do  auto ,  &  se  ho  outiesse  por  b5 
lhe  fizesse  muyto  gasalhado,  &  doutra  maneyra  que  ho 
não  acolhesse  na  fortaleza.  Partido  este  recado  pêra  Cou- 
lSo, porque  ho  gouernador  sabia  que  se  dizia  pubrica- 
mente  que  ele  tomaua  por  fori^a  a  gouernani^a  a  Pêro 
mazcarenhas  pêra  dar  a  enlêder  a  todos  que  não  era  as- 
si  por  conselho  do  vedor  da  fazenda  mandou  ao  derra- 
deyro  dia  de  Dezembro  chamar  a  sua  casa  Bastião  de 
sousa  ,  Felipe  de  craato,  António  galuâo,  Francisco  da- 
Bhaya  &  Tristão  vaz  da  veiga  capitães  das  nãos  da  ar- 
mada l\  auia  de  tornar  pêra  Portugal,  que  parecia  Q  por 
essa  causa  podião  dizer  sfi  affeic^ão  o  que  lhes  na!)[le  ca* 

LIVBO  VIU  B 


34     '  BA    HISTORIA    DA    fNDIA 

•O  parece^Be,  &  perante  António  rico  que  aquele  atino 
Ibra  de  Portugal  por  secretario  disse  o  que  se  dizia  por 
parte  de  Pêro  mazcarenbas  contra  a. sua  subcessam.  £ 
por  ele  não  fazer  justitja  dos  que  tão  ousadaniète  diziSo 
mal  dele  ^  &  queria  ver  se  por  bem  se  queriâo  enmen^ 
dar,  que  lhes  pedia  como  a  fidalgos  que  tinháo  tanta  re» 
zSo  de  falar  verdade  que  liuremête  lhe  dissessem  com 
íuramSto  dos  santos  euágelbos  o  Q  lhes  parecia  da  sua 
subcessam ,  &  se  Stêdiâo  (}  por  virtude  dela  era  gouer* 
nador:  &  logo  bo  secretario  lha  leo.  E  lida,  como  quer 
Q  ho  gouernador  lhes  pregQtou  simprezmète  o  Q  lhes  pa^ 
recia  de  sua  subcessam ,  &  se  o  fazia  gouernador:  assi 
simprezraenle  disserão  todos  &  cada  bú  por  si,  que  ti* 
nbâo  por  cousa  muyto  clara  ele  ser  gouernador  por  sua 
siubcessam ,  &  que  assi  o  queria  el  Rey ,  &  assi  bo  jura* 
jfLo  que  lhes  parecia.  E  Tristão  vaz  acrecentou  mais^ 
dizendo  que  por  se  eui tarem  cousas  que  seriâo  deserui* 
qo  de  Deos  &  dei  Rey,  ele  gouernador  bo  deuia  de  ser, 
&  também  por  estar  em  posse  da  gouernança :  &  quan* 
to  a  se  ele  ou  Pêro  mazcareolias  ho  deuião  de  ser  por 
justiça,  era  necessário  ver  todas  as  prouisões  passadas 
&  por  as  não  ler  vistas  bo  deixaua  de  dizer.  E  a  isto  se 
calou  bo  gouernador,  &  disse  qiye  assinasse  o  Q  dissera, 
por^  de  tudo  António  rico  fez  hu  auto  Q  ele  &  os  ou^ 
tros  assinara.  E  a  mesma  pregOta ,  &  polas  mesmas  pa^ 
lauras  fez  bo  gouernador  a  bd  Frey  loâoDaro  da  ordem 
de  sam  Domingos  homem  letrado,  que  por  mandado  dei 
Rey  de  Portugal  fora  pregar  á  índia,  que  jurou  ao  ga^ 
nernador  ^  ho  era  por  dereyto  por  virtude  da  sua  pro«- 
iiisam:  &  pêra  ser  mais  notório  a  todos  ho  diria  na  pre^ 
g«içâo  Q  auia  de  fazer  no  dia  seguinte  ^  era  da  Circun- 
eisam  de  nosso  senhor,  &  no  cabo  da  pregação- disse  as 
murmurações  que  auia  contra  ho  gouernador  por  parte 
de  Pêro  mazcarenhas  estranhandobo  muyto,  porque  Lo- 
po vaz  de  sam  Payo  era  verdadeyro  gouernador ,  dando 
pêra  isso  as  melhores  rezões  que  pode,  &  aifirmando  que 
^ssi  ho  sustStaria  em  Paris  &  em  Salamanca  &  em  Por* 


LIVRO    Vlf.    CAFITVLO   XIÍMU  16 

tugal  pêra  ondestaua  embarcado ,  pelo  que  ee  deuía  de 
crer  ique  falaua  verdade  pois  dI  tinha  necessidade  do 
gooernador ,  de  quS  não  era  tamanho  amigo  como  de 
Pêro  mazcareahas :  porem  qne  auía  de  diter  verdade^ 
&  requereo  ao  gouernader  da  parte  de  Deos  que  lhe  lè^ 
brasse  bS  que  tinha  nas  mãos  hOa  cousa  de  tanta  impoiv 
tancia  &  de  tSto  peso  como  era  a  gouemança  da  índia: 
&  que  pois  el  Rey  de  Portugal  a  conãaua  dele^  que  H14 
requeria  da  sua  parte  que  castigasse  graoissifDaaienta 
quft  fizesse  aluoroqos  ou  mouesse  duuidas  na  sua  proui^ 
aam ,  &  que  os  degradasse  de  Cochi  se  fosse  neoessa^ 
rio.  B  o  gouernador  bo  fez  assi,  &  degradou  logo  a  hum 
Simão  toscano  que  fora  criado  de  Pêro  mazcarenhas^ 
por^  era  ho  priocípaJ  que  affirmaua  que  Pêro  mazcare* 
nhãs  era  gouernador ,  &  ^  ho  gouernador  ihe  roubaoa 
sua  justiça :  &  assi  degradou  pêra  Chaul  a  Vicente  p#» 
gado  polo  mesmo  caso  &  aqniria  mnjtos  ()  tiuessê  sua 
iroz.  E  durando  estas  reuollas  que  de  cada  vez  etSe 
majores  forão  aeabmdas  de  despachar  aa  nãos  da  carre» 
ga  que  aufâo  djr  i^erã  Portugal  de  que  forão  capitães 
lUstião  de  sousa^  Frácisco  daobaja,  Trislâo  ras  da  vei- 
ga &  António  galuão,  ^  partidos  de  Cananor  seguirão 
sua  viagem  pêra  Portugal,  ieuando  António  galuão  a 
ossada  de  seu  pay  Duarte  galuão:  i\  ho  derigo  Frãcis» 
CO  aluares  trouoera  á  Índia  de  Camarão  vido  do  Preste  t 
&  António  galolo  a  ieuou  mujlo  secretamCte  na  nao 
por  a  gSte  do  mar  ter  Q  se  perderá  a  nao  em  Q  for  wst^ 
po  morto.  £  estas  nãos  chegarão  todas  a  Portugal  a  sali- 
uamento. 


s  2 


36  DA    HlSTOmiA    OA    INOIA 

C  A  P  1  T  V  L  O     XV. 

De  como  ChrisUmâo  de  sousa  aiqniâo  de  Chaul  deUrmi- 
nau  q  Lopo  voz  de  sam  payo  não  era  gouernador. 

V  icente  pegado  que  foy  degradado  pêra  Chaul  pelo 
gcuernador,  despois  que  foy  lá  por  se  vingar  dele,  di»- 
86  aChristouão  de  sousa  que  era  verdade  que  bo  gouer- 
Dador  &  ho  vedor  da  fazêda  estauão  coocerlados  de  nãa 
darem  a  gouernança  a  Pêro  mazcarenhas ,  aífirmãdo  que 
Lopo  yaz  de  sam  Payo  era  verdadeyro  gouernador  &  não 
ele :  &  que  assi  bo  roandaua  el  Rey  de  Portugal  em  bua 
prouisam  que  dizia,  que  em  caso  que  Pêro  mazcarenhas 
csteuesse  por  gouernador  ho  deixasse  de  ser ,  &  ho  fos- 
se Lopo*  vaz  de  sam  Payo ,  &  mostroulhe  ho  lerlado  da 
carta  do  vedor  da  fazenda :  em  que  el  Rey  dizia  que  das 
subcessões  ^  estauão  na  índia  não  se  vsasse:  &  assiho 
terlado  da  subcessam  de  Lopo  vaz  de  sam  Payo  que  yie* 
ra  de  nouo.  E  parecêdo  a  Christouão  de  sousa  que  ho 
líédor  da  fazenda  fizera  o  que  não  diuia  em  abrir  a  no* 
«a  subcessam  :  pois  Pêro  mazcarenhas  estaua  declarado, 
obedecido  &  jurado  por  gouernador,  &  Q  el  Rey  na  par^ 
ticula  da  carta  a  Q  se  ho  vedor  da  fazSda  pegaua  não 
mâdaua ,  que  posto  que  Pêro  mazcarenhas  fosse  gouer- 
aador  se  abrisse  a  noua  subcessam :  pareceolhe  muyto 
mal  ser  Lopo  vaz  de  sam  Payo  gouernador ,  &  muyto 
peer  a  determínai^ão  com  que  Vicente  pegado  Ibe  dizia 
que  estauão  ele  &  ho  vedor  da  fazenda,  &  que  seria  for- 
çado auer  na  índia  diuisam  que  seria  cousa  muylo  per- 
judicial ,  por  ser  certo  estar  Çoleymão  raix  em  Camarão 
com  a  armada  do  Turco  pêra  passar  á  índia,  &  que  a- 
uia  de  ser  na  moução  de  Àlayo  ou  de  Setembro.  E  pêra 
saber  que  meyo  nisto  tomaria,  ajuntou  a  conselho  ho  ai- 
cayde  mór,  íeytor  &  outros  officiaes  da  fortaleza  com 
muyios  fidalgos  que  estauão  coele:  &  VicSte  pegado 
disse  a  todos  o  Q  dissera  a  ele  só.  £  lidos  os  terlados  da 


LIVRO  VII.    CAPITVLO  XVI.  37 

^arta  do  vedor  da  fazenda ,  &  da  prcuisam  do  gouerna- 
dor :  propoa  Cbrislcuão  de  sonsa  ho  caso,  &  todos  dísse- 
rSo  que  thes  parecia  o  que  disse  que  parecia  a  ele,  &  j| 
Jjopo  vaz  de  sam  Payo  não  tinha  nbum  dereyto  na  go- 
uernança  polas  rezões  declaradas:  mas  porque  se  escu- 
sasse diuisam  antre  duas  tais  pessoas ,  &  os  males  <|  se 
deJa  seguiriâo,  era  necessário  que  se  posessem  em  jus~ 
liça  pêra  se  julgar  por  dereyto  &  nft  por  armas  de  qual 
deles  era  a  gouernança :  &  que  isto  deuia  descreuer  lo* 
^o  a  Lopo  vaz  de  sam  Payo ,  desenganando  ho  que  nSo 
aoia  dobedecer  por  gouernador  a  quem  isto  refusasse 
antes  auia  de  ser  conireie  t  &  que  mandasse  esta  carta 
a  Francisco  de  sousa  tauares  que  a  desse  a  Lopo  vaz  de 
«am  Payo.  E  como  este  era  ho  mesmo  parecer  de  Ghris- 
touão  de  sousa ,  escreueo  a  carta  &  mandou  a  a  Fran- 
cisco de  sousa  que  a  deu  ao  gouernador  em  Goa  como 
direy  a  diante» 

CAPITVLO    XVL 

Do  juramento  §  ho  gouernador  fez  em  Cockim. 

.  X  endo  ho  gouernador  por  muyto  cepto  estarB  os  rvt- 
mes  em  Camará  fazèdo  b&a  fortaleza  pêra  despois  de 
feyih  passarem  á  índia ,  determinou  de  os  ir  buscar  & 
pelejar  coeies :  &  porque  sabia  que  ãdauão  muylos  Por- 
tugueses em  Choramfldel^  escreueo  a  Ambrósio  do  re- 
go que  lá  era  feytor  &  alcayde  mór  que  lhes  dissesse  da 
sua  parle  !\.  logo  sopena  de  tredores  se  fossem  a  Cocbim 
porque  compria  assi  a  seruiço  dei  Rey,  &  que  perdoaua 
aos  Q  fossem  obrigados  á  justiça  quaesquer  culpas  que 
teuessem :  porem  como  ho  eles  não  tinbão  por  verdadey- 
ro  gouernador  não  lhe  obedecerão,  Sc  tambÍE^  em  Cocbim 
muytos  não  se  querião  embarcar  pêra  ir  coele,  dizendo 
p\ibricaméte  que  fingia  ir  ao  estreyto  por  nâo  estar  em 
Cocbim  na  chegada  de  Pêro  mazcarenhas  por  n&  se  poer 
coele  Peio  mazcarenhas  em  dereyto  sobre  a  gouernanr 


88  DA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

ça,  &  por  1880  não  auião  dir  coele  nem  obedecer  a  aeas 
mandados.  E  diziase  isto  iSo  soltamSte ,  &  pnnhase  tS« 
to  por  obra  que  se  embarcauãa  mujrto  |K)Uoo8.  E  que^ 
rendo  ho  gouernador  atalhar  ao  castigo  4  í^to  merecia , 
&  fazer  notório  a  todos  Q  partia  com  tenção  de  ir  pele» 
jar  com  os  rumea:  hfi  domingo  estado  á  missa  em  ho 
sacerdote  leuantâdo  a  hóstia  disse  em  voz  que  podesse 
ser  ouuido.  Eu  juro  naquela  hóstia  consagrada  em  que 
está  ho  verdadeyro  corpo  de  nosso  senhor  lesu  Christo 
que  me  parto  com  tenção  de  ir  buscar  os  rumes  &  pele^ 
jar  coeles,  &  pêra  lhes  toruar  que  não  passem  á  índia* 
£  por  esta  ser  minha  determinação,  mando  a  todo  ho« 
tnem  Português  tirando  aos  fronteiros  da  fortaleza  qua 
se  embarquem  comigo,  &  quem  ho  não  fizer  sayba  cer* 
to  que  será  grauemète  castigado.  E  coeste  juramCto  & 
amoestaçSo  que  ele  fez  se  embarcou  a  gente  toda  cren- 
do ^  auia  dir  pelejar  com  os  rumes :  &  antes  de  se  era* 
barcar  deu  há  regimento  a  Afonso  mexia  em  que  lhe 
mandaua  que  não  recebesse  a  Pêro  mazcarenhas  como 
a  gouernador,  antes  se  quisesse  desembarcar  em  Co« 
chim  coroo  gouernador  lho  defendesse  por  armas.  E  coes- 
te regimêlo  lhe  deu  hQa  carta  pêra  ele  de  grandes  con^ 
solações  sobre  a  mudança  (\  el  Rey  fizera  de  ho  fazer  se- 
gQdo  sendo  primeyro.  E  feyta  esta  diligêcia  se  partio 
deCochim,  ê  laneyro  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  sete: 
&  chegando  a  Cananor  deu  a  dd  Simão  de  roeneses  ho 
mesnK»  regimento  ^  deixara  a  Afonso  mexia,  &  hi  dei- 
xou por  capitão  mor  de  certos.bargantins  a  hii  fidalgo 
chamado  lorge  de  sousa  pêra  que  goardasse  a  costa  do 
Calicut:  &  ho  primeyro  de  Peuereyro  se  partio  pêra  Goa, 
&  em  balicalá  achou  Eytor  da  silueira  que  lhe  disse  o 
que  fizera  em  Diu.  E  a  certeza  que  Christouâo  de  sou- 
sa tinha  da  estada  dos  rumes  em  Gamarão,  &  como  por 
seu  conselho  &  requerimentos  não  partira  pêra  ho  es- 
treyto :  &  dali  escreueo  o  gouernador  a  Christouâo  do 
sousa  ho  fundamento  que  leuaua  dir  pelejar  cõ  os  ru- 
mes, pedíndolhe  que  lhe  mandasse  a  armada  que  ta^ 


LIVRO  TU.    OAFlTVhO  XYti.  89 

Wtse  &  a  gête  que  Ibe  aobejanse  da  ordenada  á  fortal^ 
sa«  £  partindo  daqui  pêra  Goa  achou  no  caminho  Fer^ 
nào  de  morais  que  vinha  Dormua,  de  cujo  rey  the  deu 
carlae,  &  do  capitão  da  forlalesa,  &  do  fey tor :  ern  que 
lhe  faziào  queixume  de  Raix  xarafo  de  counas  que  ti»* 
oba  cometidaa  contra  ho  seruiço  dei  rey  Dormuz  que 
por  Í8go  bo  prfidera,  pediodoihe  todos  trea  que  log^o  man» 
ilasse  por  ele,  porque  em  quanto  esteuesse  em  Ormua 
aempre  auia  de  fazer  maldades. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XVII. 

JDe  como  $e  assentou  qu€  ho  gauemador  n6ofo$u  a  Ckt^ 

marâo. 

\^hegado  bo  gouernador  a  Goa,  jutos  lodos  os  capitães 
4t  fidalgos  prlcipais  da  armada  oo  mosteiro  de  sam  Fran* 
«isco  com  os  mestres  &  pilotos  dela  Ibe  propôs  a  estada 
dos  rumes  è  Camario,  £L.como  queria  ir  pelejar  coeles* 
O  que  íodoa  ouuerào  /X)r  mujto  escusado  por  quã  pou* 
ca  gente  tinha ,  &  qoe  seria  wuyíQ  graade  doudice  ir 
cometer  hila  tão  poderosa  armada  como  os  rumes  tinfaâo 
estando  eies  em  ierra ,  &  acordouse  que  ho  gouernador 
inuernasse  em  Goa  y  &  que  \indo  no  verão  seguinte  ar- 
mada de  Portugal  leria  mais  gCie  Sl  poderia  ir  esperar 
os  rumes  aa  fx>nla  de  Diu  onde  os  tomaria  trabalhados 
da  viagem  &  com  a  artelbaría  abatida  pela  passsgem  do 
golfão:  &  desta  maneyra  com  ajuda  de  nosso  senhor  os 
desbarataria  de  todo.  £  de  tudo  isto  fes  bo  secretario 
^íi  aulo  ^  todos  assinarão.  £  sabendo  a  genie  comum 
€omo  ho  gouernador  não  auia  dir  buscar  os  rumes,  logo 
começou  de  dizer  que  essa  fora  sempre  sua  determina* 
^<o  posto  que  jurara  bo  contrairo,  que  bem  sabião  que 
Bio  deitara  aquela  fama  se  não  por  /ugir  de  Pêro  maz^ 
carenbas  pêra  não  se  poer  coele  em  dereyto,  &  dizião 
outras  muytas  cousas  em  despreao  do  gouernador ,  por* 
que  Terdadeyram^nte  criào  que  ho  nào  era  se  não  Pêro 


J 


40  BA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

Diaeoarenhas.  E  desenganado  bo  goueroador  que  d2o  a* 
uia  dir  a  Gamarão,  mandou  Manuel  de  macedo  a  Orreus 
pêra  que  trouuesse  Raíx  xarafo  preso  a  Goa  pêra  ser 
eastigado  se  iio  merecesse ,  &  mSdoulhe  que  tornasse  a 
inueroar  a  Goa,  &  mandou  logo  ao  capitão  moor  do  mar 
que  so  fosse  ate  Cochím  leuãdo  grade  vigia  sobre  não 
errar  Pêro  mazcarenbae ,  &  Q  achando  ho  Ibe  dissesse 
da  sua  parte  que  se  fosse  inuernar  a  Cananor  ou  a  G># 
cbim,  por^  assi  cumpria  a  seruiço  dei  rey  seu  senbor: 
&  quando  não  quisesse  se  não  ir  a  Goa  que  tornasse 
coele  ate  a  barra,  donde  ho  não  deixaria  passar  ate  lha 
n$o  fazer  saber  como  ali  estaua,  &  deulhe  bua  carta  pe« 
ra  Pêro  mazcarenhas  que  se  quisesse  tornar  a  Malaca 
que  Ibe  daria  mayor  ordenado  do  Q  tinha  a  capitania* 
£  a  causa  porQ  ho  gouernador  receaua  que  Pêro  mazca* 
renhas  fosse  a  Goa,  era  porque  vendo  ho  a  gente  comum 
&  muytos  fidalgos  q  erão  da  sua  banda  aueria  aluoroço  & 
se  faria  diuisam ,  &  bo  farião  poer  em  dereyto  com  Pe* 
ro  mazcarenhas ,  &  não  queria  estar  nessa  auentura. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XVÍII. 

De  como  foy  morto  Gaspar  machado ,  ^  outros  Portu-* 

gueses. 

Xassãdose  estas  cousas  na  índia ,  Pêro  mascarefihas  (} 
estaua  por  capitão  de  Malaca ,  mandou  S  laneiro  deste 
anno  de  vinte  seys  bO  nauio  pêra  a  índia ,  a  cujo  capi- 
tão não  soube  ho  nome,  E  foy  em  sua  companhia  hil 
Gaspar  machado,  t\  ya  em  hti  seu  jungo  c5  sua  fazenda 
Q  era  muyta,  &  nauegando  por  sua  viagem  forão  ter  ao 
cabo  de  Comorim ,  onde  tomara  Patemarcar  hO  valete 
mouro ,  ^  ãdaua  por  capitão  mór  de  hQa  armada  dei  rey 
de  Gaiicut  de  cincoenta  &  dous  paraós!  &  ya  caminho 
de  Ceilão  a  fazer  guerra  a  el  Rey ,  por  ser  amigo  dos 
Portugueses :  &  quis  nosso  Senbor  Q  ho  mar  andasse  pt« 
cado,  &  fizesse  grade  marulho,  pêra  os  Portugueses  4 


Limo  VH»  CÁPirvLO  xtx.  41 

yio  no  nauio  &  no  jugo  escaparê  a  Patemarcar ,  Q  se  ca 
aferrara  os  tomara,  &  eJe  bem  os  quisera  aferrar  mas 
não  ousou ,  por^  cõ  a  marulhada  não  se  lhe  desfizessem 
08  paraós  cÕ  ho  nauio,  &  cS  bo  jungo  (}  erão  majores, 
&  mais  fortes  que  os  paraós ,  &  por  isso  nSo  ousou  da« 
Cerrar  coeies,  &  cÒ  tudo  posse  de  bairrauento  deles,  & 
tirouiiies  muytas  bombardadas,  com  í\  lhes  ferio,  &  ma- 
tou muytos  bomSs ,  &  antreles  foj  Gaspar  machado ,  & 
asaz  teuerâo  que  fazer  os  outros  em  se  acolher:  &  forão- 
se  a  Cocbim,  onde  aebarão  falecido  dõ  Anrrique  de  me* 
oeses. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XiX. 

De  como  Pêro  tnascarenhas  soube  que  era  gouernador 

da  índia ,  ^  do  quefez^ 

Xorge  Cabral  que  foy  por  capitão  mor  de  certas  fustas 
ás  ilhas  de  Maldiua,  vendo  como  Pêro  mazcarenhas  era 
^ouernador ,  determinou  de  \he  \r  dar  esla  noua  a  Ma- 
luca, CÒ  fundamento^  )he  daria  a  sua  vagante,  da  ca- 
pitania de  Malaca  por  a/uíssaras  da  úoua  ^  lhe  /euaua. 
£  assentado  isto  cÕsigo,  partiose  pêra  Malaca  na  fusta 
em  i)  andaua :  &  deu  a  noua  a  Pêro  mascarenhas  l\  era 
gouernador  da  índia,  per  falecimento  de  dom  Anrrií}  de 
meneses:  E  Pêro  mascarenhas  lhe  promeleo  a  capitania 
de  Malaca  quãdo  se  fosse  pêra  a  Jndia :  &  da  hí  a  at6;us 
dias,  foy  certeíicado  de  todo  (}  era  gouernador  da  Jndia, 

Eir  António  da  silua  de  meneses,  que  lhe  deu  a  carta 
afonso  mexia ,  em  l\  Ibe  dizia  que  era  gouernador ,  & 
]io  mandaua  chamar :  &  ho  auio  Ij  foy  feyfo  d^  sua  sob- 
cessão:  o  íj  tudo  visto  pelo  alcaide  mór,  feytor,  &  offi- 
ciseis  da  fortaleza,  &  assi  por  outras  pessoas  honrradas 
q  estauáo  nela,  foy  Pêro  mascarenhas  obedecido  por  go- 
vernador da  índia.  K  isto  feyto  fezse  prestes  pêra  se  par- 
tir pêra  a  índia  d  Agosto,  c5  lençflo  desperar  ho  ieuã« 
te  na  ttha  de  Pulopnar ,  Q  be  8  Setêbro ,  ^  se  chama  a 
mouçâo  pe{|Da,  cÕ  que  se  iria  pêra,  a  índia.  E  antes  {^ 

LIVRO    Vfl.  F 


42  J>A   filSTOEIA   PA  índia 

parlisse  deu  a  capitania  a  lorge  cabral.  Ho  ^  Aires  da* 
cunha  quisera  impedir:  dizêdo  Q  a  capitania  períScia  a 
ele,  por  ser  capilão  mor  do  mar,  porq  quando  ÂfooâQ 
dalbuquer^  ganhara  Malaca  que  se  fora  pêra  a  índia, 
deixara:  que  falecendo  Ruy  de  brito  {|  ticaua  por  capi- 
tão da  forlaleza,  sucedesse  na  capitania  Fernão  perez 
dandrade,  !\  era  capitão  mór  do  mar,  &  despois  passara 
el  rey  do  Manuel  hQ  aluara,  ^  estaua  na  feytoria:  que 
nas  cousas  de  Malaca  se  goardassem  os  regimSlos  ^  A-* 
tbnso  dalbuquer^  hi  deixara,  &  assi  se  guardara  na  de-» 
ferença  q  Nuno  vaz  pereyra  teuera  cÕ  António  pache^ 
CO,  sobre  a  capitania,  por  Oíiorte  de. lorge  de  brito,  co- 
mo disse  no  liuro  Quarto :  &  por  isso  ^  a  ele  Aires  da 
eunha  pertencia  a  capitania  da  fortaleza,  &  não  a  lorge 
cabral ,  fazendo  .sobrislo  re^rimentos  4  Pêro  mascare- 
nhãs  Q  lha  desse.  Ao  que  respondeo,  ^  tudo  quãlo  Ai* 
res  da  cunha  dizia  era  assi ,  se  a  capitania  vagara  por 
sua  morte ,  mas  ^  vagaua  |>or  entrar  na  gouernâqa  da 
índia,  &  por  ser  gouernador,  era  sua  a  dada  da^la  va- 
gante, &  a  podia  dar  a  quem  quisesse,  &  {K>r  isso  a  da- 
i)a  a  lorge  cabral,  assi  por  aiuissara  das  nouas  Q  lhe  le- 
uara,  como  por  ser  hú  fidalgo  de  muyto  merecimSto  por 
aua  linhajem,  &  por  muylos  serui<^os  (|  tinha  feylos  a  el 
rey.  E  com  tudo  Aires  da  cunha  protestou  de  Pêro  mas- 
çarenhas  lhe  pagar  a  sua  custa  ho  ordenado  da  capita- 
oia.  E  querSdo  Pêro  mascarenhas  partir  cÒ  a  determi-^ 
nação  (}  digo:  os  pilotos  lho  re^reráo  ^  não  partisse ^ 
porque  não  auia  da  poder  ir  a  índia  na^ia  mouçâo,  mas 
liião  quis  deixar  dir:  &  parliose  ê  hu  nauio  caminho  da 
ilha  de  Pulopuluar ,  õçle  estado  surto,  lhe  deu  tão  brauo 
tdporal  de  vSto ,  ^  ho  masto  do  nauio  quebrou  por  três 
liugares ,  &  esteue  muyto  perto  de  se  perder,  &  escapa- 
do Pêro  mascarenhas  desta  borriscada,  tornouse  a  Ma- 
laca pêra  se  aparelhar  ^  nã  podia  assi  proseguír  sua  via-v 
gem ,  &  è  Malaea  aeiíou  Frãcisco  de  sá  oè  a  armada  4 
leiíaua  pêra  ir  fazer  a  fortaleza  ê  çunda:  &  coele  ya  dd 
lorge  de  n^eneses  por  capitã  de  Malnco ,  per  prouisâa. 


LIVXO    Vííé   CáPiTVLO  TXm  il 

de  dom  Anrrique  de  ineneses,  ^  lhe  Pêro  mascarenhM 
confiriDOU ,  &  lhe  deu  outro  oauio  que  fosse  em  sua  cd-* 
panbia ,  a  fora  ho  em  ^  ya :  a  cujo  capitão  nâ  soube  ho 
ooine:  Sc  assi  lhe  deu  mais  gSte  da  j|  ieuaua,  &  muoH 
ções  Sc  maadoalhe  que  fosse  pola  via  de  Boroeo ,  pêra 
ee  descobrir  aQla  nauegaçSo  pêra  Maluco,  i\  era  mais 
curfa  que  pela  via  de  Banda,  &  dãdolhe  regínièto  do  <| 
auia  de  fazer,  parliose  dom  lorge  caminho  de  Borneo-: 
&  porQ  Simão  de  sousa  gaiuSo,  que  ya  por  capitã  móc 
do  mar  de  Maluco,  soube  ()  Pêro  mascarenhas  determi** 
naua,  de  ir  sobre  Bintã  pêra  ho  tomar:  &  soube  qui 
pouca  cousa  era  a  capitania  mor  do  mar  de  Maluco:  & 
quão  poDco  podia  neia  serutr  a  el  Rey  de  Portugal,  que 
era  pêra  o  ^  a  ele  pedira :  nã  quis  ir  a  Maluco:  &  íicoa 
e  Malaca  pêra  se  achar  na  emfiresa  de  Bintão:  que  ti^ 
oha  j{  auia  de  ser  hCka  cousa  de  muyta  honrra  &  fama^ 
a  4  ora  iDuyto  inclinado. 

CAPlTVLO     XX, 

£m  q  se  escreae  ho  sitio  ^  a  fortaleza  da  ilha  de  Bintão. 

V  endo  Pêro  mazcarenhas  que  lhe  era  forçado  esperar 
a  mouçao  grande  pêra  a  índia:  &  achandose  com  a  gen* 
te  que  Francieco  de  sá  femra,  determinou  de  ver  se  po« 
dia  coeia  tomar  Bintão  j)  tãta  guerra  fazia  a  Malaca.  B 
assentado  em  conselho  que  bo  fizesse,  pHtiiose  com  hãa 
armada  de  dezanoue  velas,  s*  hO  galeão  pequeno,  hua 
galé,  quatro  nauios  redondos,  dous  bargãtins,  dous  ba«> 
teis  de  matas,  quatro  lâcharas  &  cinco  calaluzes :  &  a 
fora  Aluaro  de  brito  que  era  capitão  da  galé  em  que  yà 
Pêro  mazeárenhas,  forão  capitães  Frãcisco  de  sá,  Aires 
da  cunha,  António  de  brito,  Duarte  coelho,  Fernão  ser*- 
tio  Deuora,  Simão  de  sousa  ealuão,  loão  parheco:  & 
aos  outros  não  soube  os  nomes.  Irião  nesta  armada  tret- 
sfilOB  Portugueses  &  sey^cCtos  Malayos,  de  que  yão  por 
capitXes  dctts  mouros  hearrailoB,  hft  chamado  tàanaya 

F  2 


44  BA  HISTORIA  DA   INIMA 

raja,  o  outro  Tuã  mafamede.  £  coesta  armada  ae  pai<- 
tio  pêra  a  ilha  de  Bintão  que  na  Imgoa  Malaya  quer  di- 
zer estrela :  &  por  isso  el  rey  de  Bintão  tinba  por  titulo 
fuuyto  borrado  cbamarse  rey  da  estrela.  laz  esta  ilha 
sessenta  legoas  de  Malaca  auante  do  estreito  de  Ginca«> 
pura  pegada  com  a  terra  firme,  que  hCi  estreito  rio  que 
se  vay  meter  no  mar  aparta  dela  ^  ao  ioogo  deste  rio  ha 
pedaço  da  foz  dele  está  situada  hQa  boa  pouoaçSo  cba- 
luada  Bintão  f)ouoada  de  mouros  Aflalayos,  onde  fao  rey 
que  foy  de  Malaca  se  recolbeo  despois  que  per  António 
eorrea  foy  lançado  do  pagode,  como  disse  no  liuro  quin--* 
to  &  a  tomou  ao  senhor  dela  A  era  seu  vassalo :  &  des- 
pois que  el  rey  que  foy  de  Malaca  se  apossou  dela ,  a 
fortificou  grandemente  pêra  se  defender  dos  Portugue* 
ses  eom  receo  que  tinba  de  irem  sobrele.  £  a  maneyrã 
da  sua  fortaleza  foy  esta,  8  bua  baya  pequena  onde  se 
ho  rio  mete  que  be  bo  porto  da  cidade:  fez  ao  longo  d& 
canal  que  se  ali  faz  em  voltas  hQa  estacada  pêra  ficar 
tão  estreito  Q  hila  gale  não  podesse  virar  nele.  £  esta 
estacada  era  de  paos  muyto  grossos  metidos  em  cibos 
de  grades  mós:  &  despois  d«  metidos  deitauão  as  moé 
no  mar,  &  que  se  yâo  ao  fOdo,  &  eles  ficauão  pêra  ci- 
ma fora  dagoa  em  boa  altura,  &  doutros  paos  tão  gros- 
sos como  mastos  de  nauios  ^  naquela  terra  se  cbamão 
paoa  ferros  mandou  fazer  hQa  tranqueira  entulhada  qu6 
cercaua  a  pouoação  cm  redddo  eom  seus  baluartes  dos 
mesmos  paos  tambè  entullàados,  &  com  suas  portas  que 
se  fecbauão  &  abrião,  &  em  bua  pote  que  atrauessaua 
)k)  rio  pêra  seruentia  da  ilha  &  da  terra  firnie  estauão 
dous  baluartes  na  entrada  &  saída  deU :  &  nelas  &  na 
tranqueira  amn  trezStos  tiros  dartelbaria.  £statranquey* 
ra  que  cercaua  a  pouoação  tinba  em  lugar  de  caua  três 
ordês  de  estrepea  com  as  põtas  beruadas  &  postos  6  re- 
ues  bils  pêra  quS  qiiisesse  entrar  y  &  outros  pêra  quS 
^luisesse  sair.  £sta  pouoação  era  fundada  em  terra  úe* 
iiassa  &  apaulada ,  &  por  isso  todas  as  casas  estauão  sb^ 
bre  esteos  de  pao  aleuantadas  da  terra  &  secuiaose  por 


LiyRO   vir.  Ci^PlTVLO  XXts  45 

^ontM  ou  niinhoteiras,  salão  a»  dei  rey,  que  eslãuSo  so- 
bre ha  oiteyro  da  banda  do  aeftão. 

CAPITVLO     XXL 

'  De  como  Pêro  nvaxcarenhm  foy  sobre  a  Uha 


-Há  oauegaudo  Pêro  tnazcarenhas  pêra  esta  Uba,  passou 
muito  grade  trabalho  no  caminho  por  ser  muyto  roii», 
&  iodo  per  canaeis  ^  se  fazíâo  antre  hu  grande  arcepe- 
lago  dilbas ,  &  chegado  eõ  toda  a  frota ,  surgío  de  fora 
da  barra,  &  dahi  mãdou  sondar  ho  canal  da  baia  per  on* 
de  auia  dStrar,  &  foiho  sondar  Duarte  coelho,  Q  lhe  dis- 
se, que  era  Ipossiuel  poder  eolrar  a  nossa  frota  sem  ar« 
ráncarS  primeyro  a  estacada:  &  mais  desembarcando 
xlianle  da  transira,  nã  escaparia  nbu  dos  Portugueses 
^íuo,  segudo  a  muyta  soma  darlelharia  ^  tinha,  &  a  fo^ 
9a  ÍMo  II&  se  poderia  Strar  por  ser  muito  alta.  E  sabido 
por  Pêro  mazcarenhas  este  perigo ,  determinou  dStrar 
:pela  ponte  por  onde  se  seruião  pêra  a  terra  firme ,  od»> 
•de  nâo  auia  tâta  arleJ/iaría,  &  pêra  segurar  esta  poste, 
&  poder  melhor  êtrar  por  eia :  determinou  de  a  mandar 
abairroar  por  hú  dos  nauios  redondos ,  &  coele  mãdaria 
arraacar  a  estacada ,  pêra  entrar  toda  a  frota :  &  por^ 
jsto  era  cousa  de  muyto  perigo ,  escolheo  peta  ho  £eizer 
ho  Fernão  serrão  Deuora  Q  tinha  por  esforcjado ,  &  era 
capilão  du  dos  nauios  como  disse,  a  4  ^^^  cincoêta  Por« 
tugueses  pêra  ho  ajudarê  a  este  feylo:  &  fortalecido  bo 
Bauio  de  largas  &  fortes  arrombadas ,  Q  podessfi  resistir 
aos  tiros  dos  imigos ,  &  assi  de  boa  artelharia :  Strou  na 
^aia  indo  atoado  a  doua  calaluzes  porque  fosse  bem  pe- 
jo meo  do  canal,  &  ali  começarão  os  {|  yão  no  nauio  dar- 
rancar  as  estacadas,  no  ^.  passarão  tamanho  trabalho  ca^- 
manho  nS  se  pode  imaginar ,  trabalhando  continuamête 
•ao  cabrestante ,  c&  que  arrãcauão  as  estacas  a  for<;a  de 

Í eitos,  &  de  braços,  cuspindo  muytas  vezes  sangue  cò 
o  trabaUu),  &  eomo  as  estacas  eri  muylas,  &  a  deténs 


46  HA  HlfTOafA  DA  ÍNDIA 

ça  muyto  grande  ero  as  arrancar,  surdíSo  IS  pouco ,  {| 
ao  mais  que  adaufto  cada  dia,  era  ho  cõ|)rinièto  de  hBa 
corda  desparto,  &  coesle  vagar  gastarão  oyto  dias  em 
chegarõ  defrõle  da  trâqueira,  donde  as  bõhardadas  lo- 
go forão  (anlas  que  era  medo  ouuilas,  quanto  mais  ve-» 
laa :  &  danefícarâo  ho  nauio  de  modo ,  ^  se  eão  forSo  as 
arrombadas  fora  lodo  arrombado  &  metido  no  fundo»  E 
andando  os  Portugueses  nesta  fadiga ,  apareceo  hSía  ar* 
joiada  ao  mar  j}  ya  demandar  a  barra  de  Bini&o. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXII. 

■ 

De  como  foy  desbaratada  a  armada  que  el  rey  de  P6m 
mandaua  em  socorro  dei  Rey  de  Bintâo. 

I  rey  de  Bintão  eooio  vío  a  frota  de  Pêro  mazcard* 
nhãs,  &  tinha  dele  noticia  qne  era  muy to  caualeiro  & de^ 
terminado,  tenoSdo  de  se  ver  coele  em  afronta,  mandou 
muy  depressa  pedir  socorro  a  el  rey  de  Pâo  seu  genrro 
&  vezinho,  que  lho  mandou  logo  de  trinta  &  Ires  ian*> 
charas  em  que  irião  bem  dous  mil  bomês  &  mujrtos  man*> 
timentos.  E  esta  era  a  armada  que  pareceo  ao  mar :  & 
porque  Pêro  mazcarenhas  se  receou  que  chegada  está 
aaisse  a  dei  rey  de  Bintão  fc  tomassem  a  sua  no  meyò 
&  lhe  dessem  fadiga,  não  quis  esperar  que  chegasse:  & 
determinando  de  ir  pelejar  coela  no  mar  leuando  parta 
da  sua  meteose  em  h&  baianeo,  &  corrSdo  toda  a  frota 
disse  sua  determinação  aos  capitães ,  que  lhe  pedirão 
muy  to  que  não  tomasse  aquele  trabalho  de  que  ho  eles 
escusariâo,  &  que  ficasse  eiin  goarda  do  porto  porque 
assi  seria  melhor.  E  fazCdo  seu  rogo  mandou  quatro  lan«- 
charas  &  cico  cafaluzes  (a  cujos  capitães  nã  fioube  os 
nomes)  que  fossem  pelejar  com  a  frota  dei  rey  de  Pão, 
&  mandou  por  seu  capitão  mór  Duarte  coelho:  &  tendo 
andada  hua  legoa  donde  fícaua  Pêro  mazcarenhas  che^ 
garâo  a  tiro  de  berço  da  armada  dos  immifSfos  a  que  co^ 
naeçarâo  de  tirar  com  sua  arlelbaria ,  &  ele^  com  meda 


LIVHO  VII.  CAPITTLO  XX 11.  47 

dela  os  meter  no  fundo  fugirão  logo  leuãdo  a  proa  em 

hQa  ilha  que  eslaua  dali  legoa  &  niea  ale  onde  lhe  os 

Portugueses  derâo  ca<;a,  inalandolhe  inuytos  com  a  ar- 

telharia ,  &  de  vinte  três  lancharas  que  chegarão  pri« 

meyro  toda  a  gSle  saltou  era  terra  &  fugio  poia  ilha  & 

aa  lancharas  foráo  tomadas  pelos  Portugoeses  ^  as  outras 

dez  DÍo  podendo  aferrar  a  ílba  passarão  auante  &  aco« 

Ibiáse:  o  £|  vJèdo  Duarte  coelho  porque  não  escapassem^ 

saitou  com  algiis  dos  que  yâo  coele  em  bfi  balanço  da 

sua  lãcbara ,  &  a  forqa  de  remo  deu  após  eles,  tirando^ 

lhes  com  bfl  meyo  berço  que  bo  balanço  leuaua  por  proa, 

&  nhum  dos  outros  capitães  ho  seguio  por  estarS  lodos 

ocupados  em   tomar  as  lancharas  que  digo.  E  vSdo  os 

mouros  ir  ho  balanço  só  virarão  a  ele  indo  obra  de  hfia 

legoa  auante  da  ilha:  &  ele  com  quãto  vio  quãtos  erão 

06  que  voltauão  sobrele,  não  deixou  de  ir  por  diante,  & 

vendo  os   mouros  sua  ousadia  teueranse ,  &  ele  lambem 

ae  leue  porque  lhe  pareceo  doudiee  cometer  tantos  c5 

tão  poucos  como  leuaua  se  não  quãdo  não  podesse  fazer 

mais.   E  tornado  os  mouros  a  ir  parele ,  ya  pareles :  & 

detendose  detinbase:  &  isto  tízeráo  por  (anfas  vezes  Q 

sobreueo  a  noyte,  de  que  a  estas  horas  era  muyto  per^^ 

to,  &  os  mouros  fnerãse  na  volta  do  mar,  &* Duarte 

eoelho  se  tornou  pêra  os  outros  capitães  &  forãse  todos 

pêra  Pêro  mazcarenbas  com  as  lãcharas  que  tomarão 

aos  mouros  carregadas  de  roantimdtos:  com  que  ele  foN 

gou  inuyto  &;  teueo  por  pronostico  da  vitoria  que  auia 

dauer  dei  rey  de  Bintão,  &  assi  ho  disse  a  todos  esfor- 

^do  os  pêra  a  peleja. 


43  DA  HISTORIA  DA   ÍNDIA  ' 

G  A  P  I  T  V  L  O     XXIÍI. 


De  como  Fernão  serrão  pelejou  com  Laquesnmenã. 


D, 


desbaratada  esta  armada,  tornarfto  os  do  nauio  de 
Fernão  serrão  a  seu  trabalho,  darrancarê  as  muytas  &' 
muyto  grandes  estacas  que  estauâo  metidas  peio  canal 
por  onde  auião  dir  á  põle :  em  que  se  virão  em  tama« 
nho  perigo  &  leuarão  trabalho  immenso  quanto  não  se 
pode  cotar,  porque  híís  tinhão  os  peitos  abertos  das  bac^ 
ras  do  cabrestãte,  outros  tinbSo  os  braços  moidos  de  (a« 
par  os  muytos  rombos  que  a  artelharia  dos  immígos  fa- 
zia no  nauio,  que  não  cessaua  de  tirar  de  dia  nem  de 
Doyte  com  que  ho  esburaeaua  todo,  &  era  nele  a  agoa 
tanta  com  toda  a  diligencia  Q  os  Portugueses  fazião  po« 
la  esgotar ,  que  quasi  se  yâo  ao  fundo.  E  coesta  tama-^ 
aba  fadiga  que  lhes  durou  quinze  dias,  quis  nosso  se- 
nhor Q  vencesse  seu  trabalho  a  força  dos  immigos,  & 
chegarão  á  (»Õte  dado  hSa  grade  grita  &  aferrarão  coela. 
O  que  sabido  por  el  rey  agastouse  tanto  que  deshotírra- 
ua  os  seus  de  muy  asf)era8  palauras,  pelo  que  algus  in*" 
tentarão  de  fazer  dar  ho  nauio  á  costa,  &  como  foy  noy- 
te  na  vazãte  da  maré  lhe  cortarão  as  amarras  de  mer- 
gulho:  &  sintido  08  Portugueses  que  caçaua  acodirâa 
logo  &  surgirv^o  outras  ancoras  que  tinhão  a  pique,  & 
forrarão  as  amarras  de  cadeas  de  ferro  |X)r  lhas  não  cor- 
tarem. E  vendo  os  mouros  que  não  podiâo  fazer  nada  se 
tornarão  muyto  enuergonhados :  &  el  rey  mãdou  então, 
a  Laqueximena  que  com  quinhentos  bomSs  em  Õze  lan- 
charas que  tinha  varadas  fosse  pelejar  com  Fernão  ser- 
rão &  ho  tomasse,  çuydando  que  a  muyta  artelharia  dá 
tranqueyra  impediria  aos  outros  nauios  que  lhe  não  aco- 
dissem,  &  mandou  que  tirassem  roda  viua,  &  entre  tan- 
to La{}xímena  foy  aferrar  ho  nauio  de  Fernão  serrão  que 
bem  trabalhou  por  não  ser  aferrado  desparando  assaz  de 
bombardadas :  jiorem  como  as  lâcharas  erão  rouytas  nã 


LV(í)BLO  Vil.  CAniTLO  XXflI.  4» 

se  pode  (olber  a  alguas  que  ho  não  abairroassem  por  proa 
&  logo  sallarâo  muylos  mouroe  dentro ,  &  àpos  estes  a- 
ferrarão  outros  &  Scherão  bo  nauio,  &  outros  que  não 
podiâo  entrar  tirauão  de  fora  lâuytás  frechadas:  &  os 
que  estauão  no  nauio  como  erão  muytos  apertarão  tâ9' 
rijoooBi  os  Portugueses  que  por  niais  esforçadaoiête 
que  peJejauão  oS'  leuario  ate  ho  eonues :  &  aqui  foy  a 
peleja  muy  braua  &  Fernão  serrão  foy  derribado  com 
»uy(as  feridas ,  porS  era  tão  esforçado  que  se  leuãtou 
logo  &  tornou  a  pelejar  com  muyto  esfor<^.  E  com  tudo 
08  sens  estaufio  tão  feridos  que  não  podiSo  escapar  se  a 
este  tempo  não  sobreoierão  Pêro  mazcarenbas  &  Duar- 
te coelho  cd  algQs  Portugueses,  que  onuindo  as  prímey* 
rã8  bombardadas  do  nauio  acodirâo  logo  em  hQ  balanço 
por  escaparem  da  arleiharia  que  tirana  da  (ranqueyrav 
£  chegado  ás  lancharas,  porque  the  elas  impediâo  4  não 
entrassem  no  nauio  deitarãlhes  dêtro  panelas  de  poluora 
com  <4ue  começarão  darder,  &  os  f migos  por  não«e  quey-» 
marem  hOs  se  deiUuâo  ao  mar,  outros  faziSc  afastar  aa 
lancfaaras  &  desabafarão  ho  nauio  &  fugirão :  o  que  os 
mouros  que  estanão  dètro  n&o  sinlirão  cÔ  ho  arroído  da 
peleja.  £  desabafado  ho. nauio,  entrarão  Pêro  mascare- 
nhãs  &  Duarte  coelho  com  os  que  yão  coeles ,  &  ajuda- 
rão Fernão  serrão  também  que  nhd  dos  mouros  escapou 
de  niorie ,  sS  dos  Portugueses  morrer  tihum  posto  que 
todos  eslauão  muyto  feridos,  pelo  qtie  Pêro  mazcarenbas 
quisera  õ  se  forão  pêra  os  curarem ,  &  Q  iriâo  outros 
em  seu  lugar:  &  eles  não  quiserSo,  dizendo  que  em 
quanto  teaessem  Yida  não  se  auião  de  tirar  daíi :  o  que 
lhes  agardeceo  muyto  &  louuou  seu  esforço ,  &  curados 
todos  se  tornou  aa  frota. 


LIVBO  VII. 


60  TUA    BISTOUIA    PA    IKBIA 

C  A  P  I  T  O  L  O    XXIIII. 

De  como  Pêro  mazcarenhas  tomou  a  cidade  de  BiitíâQ* 

V  endo  Pêro  mazcarenhas  a  gfâde  ousadia  dos  lacMjroa 
em  lhe  quererS  ioinar  bo  nauio  a  sua.  viata,  ouue  medo 
que  Ibe  queywassem  a  frota  eÕ  balsaa  de  fogo,  &  por 
isso  não  quis  noais  dilatar  de  qomeier  a  cidade ,  &  aa» 
sentou  de  ser  pota  ponle  cooào  linha  determinado,  oma. 
porque  os  mouros  ieriâo  disso  receo  por  amor  do  nauíoi 
i|  estaua   pegado  eoeki ,  &  poerifto  nela  toda  a  força  de» 
aua  defensam :  determinou  de  Ibea  fazer  crer  que  auia» 
den(rar  pela  (râqueira,  6de  mandou  bSa  noyle  fazer  bOai 
eslâcia  de  pipas  &  cestos  de  campo  cheos  de  terra  en» 
que  mandou  assestar  Ires  berços,  &  assi  mâdou  fazes 
com  enxadas  bua  iarga  estrada.  £  Laqzimeoa  que  estat- 
ua por  capitão  oa  tranque}' ra  bo  mandou  logo  dizer  a  el 
rey,  &  ^  Ibe  mandasse  mais  gente.  £  ele  bo  fez  assi,  & 
niuytos  mouros  ^  estauâo  em  outras  partes  se  passarão 
pêra  ali  cuydando  que  por  aquele  lugar  auião  os  Portu** 
gueses  de  cometer  a  entrada ,  &  era  bo  aluoroço  rouj; 
grade  anlreles  crãdo  que  ao  outro  dia  auiàu  de  ser  mor- 
tos todos  os  Porluguesesa  £  oomo  toy  noyte  l?ero  maz«* 
carenhas  mâdou  a  Sunaya  raja  ^  desembarcasse^eõ  os 
piães  Malayos  &  se  pusesse  detnia  da  estâcia  das  pipas, 
&  HS8i  corSta  Portugueses :  &  mâjdoulbes  Q  Ipeuesaem  t&* 
io  ^  8  vSdo  íiigo  em  qualquer  doe  baluarlea  d»  piíte,  p^ 
aessS  ÍDgo  aos  berqos.  &  tangesse  as  in&betas,  &  díessd 
grades  gritas  comoQ  deaembarcauão  pera^  cometer  a  trà* 
queira.  £  deixado  a  frota  ondeslaua  por  não  aer* sentido 
se  embarcou   nos   baiacus  &  mãcbuas  ,&  desembarcou 
bê  pcra  baixo  na   terra  fírme  que  ticaria  bQa  legoa  da 
pote,  pêra  ode  tomou  ho  caminbo  ^  fez  cò  trabalho  gran* 
dissiaio  &  perigo,  &  por  milagre  de  nosso  aeniior  não  se 
perderão  todos,  por^  yâo  por  vasa  em  ^  atolauão  ate  a 
cinta  &  ate  debaixo  dos  brat^os ,  &  por  antre  buas  aruo- 


LIVAO  TIU  CAPVmj^  xxniK  Ô  I 

rra  4  chanâo  mãgues  (|  dei  (ao  as  raízes  pêra  cama  &  ÍU 
câo  jcomo  08  pés  das  meamas  aruore«i ,  &  como  era  es^ 
curo  marrauâo  coeles,  &  se  não  fora  bo  eslbrçD  que  ihea 
nosso  seflor  daua  este  trabalho  abastaua  pêra  os  debili* 
iar  tanto  que  não  ficarão  per*  faserem  cousa  I)  prestas-» 
«e,  por({  ySo  todos  Siameados,  molhados  &  {(brâtadus* 
iS  com  tudo  cbegarilo  á  ponte  hda  hora  autemaobaã  & 
tio  esforc^doe  &  inteiros  eomose  enlão  se  jeuaníaxao  da 
eama,  &  achario  Feroáo  serrão  prestes  com  sua  genle 
com  fBuylas  panelaa  de  fioluora ,  com  j)  logo  poserão  ho 
4ògo  a  hfl  baluarte  que  «staaa  na  entrada  da  ponte  em 
^indo  da  iJha ,  &  nele  estaua  por  capitão  hfl  mouro  cha« 
mado  TuSo  raja,  &  ho  baluarte  era  de  madeira  &  entu» 
'Ihado  &  fef^ndo  bo  fogo  na  madeyra  começou  logo  dar* 
der»  E  a  isto  acordarflo  os  mouros  Q  estauSo  neíe ,  que 
cuydando  que  Pefo  maacarenhas  auia  de  cometer  pola 
trSqueyra  estauilo  muy  descuydados  de  cometer  por  ali^ 
*&  por  isto  &  por  estarem  deeoetados  de  tigiarS  toda  a 
noyte  adormecerflo :  &  aeor4ados  com  ho  arroido  do  fo» 
•go  sayranse  do  baluarte  por  não  arderem  nele,  &  acodí* 
rfto  a  hfl  postigo  com  j}  se  a  pSie  fechaua ,  cujas  portas 
t>6  portugueses   tinhfio  acerca  arr&badas  &  Abradas  de 
lodo,  remetera  ao  postigo  Ayres  da  cunha  ec  loSo  pa- 
ctK^co  &  êlrarfto  em  ^  pes  aos  mouros  que  lhes  resisliâo 
brauamente,  mas  eles  matando  algus  dos  dianteiros  en- 
trarão dSiro,  &  a  pos  eles  quantcs  estauâo  fora:  &  co- 
mo os  mouros  virão  entrar  os  primeyros  desmayarão  lo- 
go, &  /ugirSo  hSs  pêra  as  casas  ^dei  rey  ou<ros  pêra  a 
tranqueira  ondestaua  Laqueximena,  a  quem  Sanaya  ra»> 
]ja  em  ^vSdo  ho  fogo  no  baluarte  da  ponte  deu  log4)  reba- 
te pela  ordem  q<«e  ibePero  maecarenhas  mAdon.  Laqtie- 
ximena  estaua  Ião  confiado  em  lhe  parecer  que  era  im'** 
fioasiael  entrarem  os  Portugueses  por  ati  que  não  se  ai^ 
^uorai^u  nada  com  o  1\  Sanaya  ies,  &.  estaua  muy  segu^ 
to,  ae  não  quando  algCls  que  fugíáo  do  baluarte  da  pon^** 
te  forão  dar  coele,  fugindo  dos  Portugueses  que  yão  a 
pos  eles,  então  tbes  acodlo  Laqucximeoa  com  sua  gèt^: 

o  2 


A2  VÁ    HISTORIA  Oá    TNDrA     < 

porem  os  Portugueses  yão  tão  desnudados  &  com  tXo 
brauo  ímpeto.  E  os  mouros  ficarão  tão  espantados  de  os 
verem  dêtro  na  cidade^  que  não.dando  por  Laquexime^ 
na  fugirão  pêra  as  casas  dei  rey  &  os  Portugueses  após 
eles  matando  &  ferindo  muylos.  E  el  rey  estando  muy* 
to  fora  de  lhe  parecer  que  a  cidade  se  podia  entrar  es? 
taua  desbonrraado  algQs  que  lhe  affirmauâo  que  era  eo^ 
trada  ^  &  mandauaos  que  fossem  goardar  a  tranqueira : 
&  nisto  começou  denxergar  os  seus  que  yão  fugindo,  & 
então  creo  que  entrarão  a  cidade ,  &  tendo  escassamea» 
te  tempo  pêra  caualgar  em  bQ  alifante  fugio  íkando  sua 
easa  assi  como  a  tioba ,  &  os  Portugueses  yão  tão  dese* 
jesos  de  bo  too^arem  que  derflo  a  pos  ele :  o  que  ele  sin^ 
lindo  se  deceo  &  embranhouse  no  mato  que  era  muy  es«* 
peso,  &  por  isso  os  Portugueses  ho  não  quiserão  buscar^ 
&  foranse  em  busca  de  Pêro  mascarenhas  que  acharãQ 
pelejando  com  híi  capitão  chamado  Laxa  rajja  que  se  de« 
íendia  com  passante  de  mil  mouros  ao  derredor  dú  bar 
Juarte  ondestaua  de  que  os  mais  morrerão  &  ele  fugio 
ferido  de  duas  espingardadas  r  &  assi  forão  outros  muy* 
tos  mortos  &  feridos  ate  as  dez  horas  do  dia  que  se  ar 
cabou  este  feyio,.  ^  foy  hu  dos  marauilhosos  que  os  Por* 
tugueses  fizerão  naquelas  partes  de  ^  aprouue  a  nosse 
senhor  que  não  morreo  nhil  somente  forão  feridos  algils^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXV. 

Do  qfiz  Pêro  mazcarenhas  despois  de  tomada  a  cidade, 

X  ornada  a  cidade  logo  três  mercadores  estrangeiros  & 
ricos  quebi  morauâo  se  focão  a  Pêro  mazcarenhas  a  pe- 
diflhe  ^  lhes  fizesse  mercê  das  fazSdas  pois  erão  estrã* 
geiros.  O  4  P6r<>  ma2carenba&  fez  de  boa  võtade  coqi 
cõdição  qiue  lhe  auiâo  de  dar  mantimenXos  os  dias  quê 
ali  et^teuesse  j  pelo  Q  derâo  arrefens :  &  despois  mandou 
Fero  mazcarenhas  saquear  a.  cidade  em.  que  se  ouu0 
m<uy  rico  despoja  principalmente  nas  casae  dei  rey :  & 


LiVfto  VII.  eArmvo  kiv«  >M 

tmnx  iori  aeindas  Ireaeoiaa  peçdi  cUrteibariay  &  'iDoytas 
deiae  que  forio  tomadas  aos  Portugueaes.  E  rtiubada  a 
eidade  foypoato  bofojo  áv^trâqueyfas  &  kraiitarles '^  d^ 
rou  três  dia8>&  litdo  ardeo  dé  iiaoeyra.qué  aie  oa.paos 
<)tte  .eatauio  metíciba  dt^baUo  do  ciliáo  acdçrák) :  &  Pena 
onaacairenhaa  ealaua  iào  iDa^geadò  do^  fncryU).iiral  que  cm 
mouroa  desta  terra  tiobSo  feyto.  aoa  Porlugueaea^  qua 
não  ae  aueado  por  vingado  do  que  Ibes  fez^&.tanibeas 
pêra  ver  se  podia  tomar  e|  rej  qve  sajbia.queestaua  na 
liba  mâdou  fazer  nela  muyias  entradas  a  seus  capitães , 
principalmente  pot  e\  t^y  de  Dnga  |;rãde  aiuigo  dos 
Portugueses  que  vinba  pêra  bo  ajudar  com  bua  armada 
4fi  desQyto  lancbÀras  &  «aialuzes :  &  este  pi>rque  nSb 
pode  ser  na  tomada  da. cidade  ajudaua  aos  Portugueses 
a  correr  a  ilha^  em  que  ainda  foráo  mortos  muytos  mou- 
r4>a&  qatiuos  dou4.mU:«&  isto.foy  feytoem  quinze  dias 
í^  Pêro  mazeareiiba#  i^ajteue. na  cidade  despoia  que  a  to^ 
'mou^  £  vendo  el  rey  h»  dane  que  se  iazia  em  sua  gen»- 
te,  &  Be.  ali  maia  esteuesse  que  licariâ^  semnhQa  foyse 

Íera  bii  lugar  cbamiido  Vgõtana  onde  despois  morreoi 
]  espalhada  a  noua  como  Pêro  mazcarenhaa  tomara  Bin* 
tão  &  era  el  rey  ^Aigido  iby  ter  ao  ^  era  dantes  senbof 
de  Bintão  qge  moraua  n^  terra  firme  y  pêra.  onde  se  for 
ra  despoia  que  Ibe  el  rey  de  IVlalaca  to,mou  aquela  ilba*, 
&  sabendo  como  Pêro  mazcarenbas  a  ganhara  por  for<;a, 
pareceolbe  que  dele  a  tornaria  a. cobrar  cõ  se  fazer  vas*' 
aalo  dei  Rey  de  Portugal ,  logo  Ibe  foy  falar  com  sua  li- 
ceu^y  &  tizerâo  pazes  com  coodii^ào  que  ho:senbor  da 
Biniáo  nio  fizesse  nela  nbiia  fortaleza ,  nem  auia  de  ter 
armada,  &  quando  aiguô  Ibe  fizesse  guerra  que  bo  de<- 
fendessem  os  Portugueses :  &  dali  por  diante  foy  muy- 
•to  grande  seu  amigo.  E  isto  fejto  despaebou  9  Francis- 
co de  sá  que  fosse  a  <2unda  a  fazer  &>rta)eza  &  deulba 
•trezentos  Portugueses  que  se  embarcarão  em  sete  oa- 
uios,  de  cujoa  capiíâes  náo  soube  çoais  non^es  que  bo 
de  Francisco  da  saa  &  de  Duarte  coelho  <^e  ieuaua  a 
alcaydaria  mór  da. fortaleza  s^  sefizesse«  E  partido  Fran*- 


Ò4»  DA   «trrORIA    0À    IHB1A 

cisco  de  sá,  pnrtiose  Pêro  oiazcarenbaB  pêra  MaJaca*^ 
onde  lhe  foy  feyto  inu3r  solene  rec^biiDenio ,  aasi  polca 
Porluguesea  coiiro  peioa  da  terra  porque  U)dos  ganrbaoSo 
a)U3rto  na  destruição  diei  rey  de  Btotâo  com  que  se  li- 
uraráo  daa  grandes  guerras  que  tifibâo  assi  coele  come 
com  outros  rejs  que  ho  ajudauao  que  vddo  ho  destruin- 
do os  mais  fizerSo  pa«  com  Pêro  raazcarenhns ,  &  dnK 
por  diante  foy  Malaca  muylo  ennobrecida  &  abmlada 
de  mercadorias  &  mantimentos. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXVI. 

De  como  Francisco  de  sá  foy  a  çunáa ,  ^  do  quB^e  a^ 

coMeceo.  * 

J  nrtido  Frâcisco  de  sá  p6ra-<;u<la  deufhe  bCI  tamanho 
tèporal  de  vSto  Q  os  nauioa  da  armada  se  espalbârXo , 
&  FrScísoo  d^  sá  &  cu  troe  três  capilies  forft  cada  bft 
X^  seu  cab<» ,  &  Duarte  codbo  ^  ya  em  bila  nao  arri- 
bou ido  3  «ua  côpanhia  bua  gate  &  bfi  bargSLlim,  &  fo» 
rão  ter  á  burra  de  iqâda  Q  iie  hâa  cidade  {|  está  no  cabo 
da  tiha  de  -çamaira  ao  Idgo  de  bti  braço  demai"^  aparta 
a  ilha  de  çamatra  da  iihft  da  I^aoa  a  mayori  E  ao  derra^ 
dor  desta  cidade  ha  muyto  grSde  soma  de  pimSta  tSo 
boa  como  a  do  Malabar :  be  t<erra  fresca  &  bastada  de 
mátimSlos,  he  pouoada  de  mourc»s,  &  lê  rey  sobre  si  ^ 
i?lb5  he  nK)uro :  &  a  esie  t6po  «^  ali  ohtjgou  Duarte  coe- 
lho não  era  ja  sefior  da  cidade  ho  rey  ^  queria  dar  for- 
taleza se  não  a-Qle  cõ  qnS  tinha  guerra  ^  lha  tomou  por 
força,  &  pêra  se  acabar  de  todo  dapr>ssar  dela  estaua  ne- 
la, &  linha  muyta  gête  de  guerra :  &  era  Imigo  dos  Por- 
tugueses, f)or^  sabia  ^  ho  rey  a  quS  tomara  a  cidade 
os  mâdara  chamar,  6  sua  ajuda  &  lhes  ^ria  dar  fortale- 
za. E  quando  Duarte  coelho  ali  chegou  cõ  o  têporat  l| 
digo ,  deu  aa  costa  ho  bargâtim  (}  ya  C  sua  côpanhia,  & 
saluaranse  em  terra  trinta  Portugueses  f)  yão  nele,  Q 
forft  logo  tomados  poios  mouros  &  degolados  porQ  ot  íh 


LIVRO  VII*  CAFtTVLO  XXVI.  65 

nhão  por  !mig08,  &  a  nao  de  Duarte  coelho  &  a  galé  IS- 
bfi  se  ouuerão  de  perder ,  ee  os  nosso  senhor  não  salua- 
ra.   E  v6do  Duarte  coelho  o  Q  fora  feyto  aos  do  bargã* 
tira  tío  ^  a  terra  estaua  de  guerra,  &achftdosesein  Fra» 
cisco,  de  sa  tio  Q  era  lêpo  perdido  eslar  ali  mais  &  foy* 
se  como  ho  tempo  abonan<2ou :  &  desta  ida  de  Duarte 
eoelho,  &  do  Q  ja  el  rey  sabia  do  outro  seu  antecessor 
^  tinha  dada  palaura  de  dar  forlaleza  aos  Portugueses  ^ 
euue  ele  medo  ^  tornaasB  cÕ  grade  armada ,  &  por  í^o 
tjfitou  maia  gSte  da  que  tinha  &  fortaieeeose  ho  mais  I) 
foúes  £  estando  assi  tornou  Frãcisco  de  sá  cõ  toda  a 
sua  armada  ^  andou  ajQtaiida  por  esses  portos  da  ilha 
da  laoa  õde  foj  ter,  &  partio  da  cidade  de  Panaruca: 
&  chegado  a  ^unda  mâdou  cometer  a  d  rey  Q  )be  den 
xasse  fazer  fortaleza  como  deiícaua  seu  antecessor:  & 
sobre  ele  nã  querer  desembarcou  Frucisco  de  sa  cõ  sua 
gdle  pêra  ho  fazer  por  força.:  &  como  os  mouros  erílo 
ntiytos  &  eslaufio  b6  fortalecidos  deffiderfio  a  desembar* 
cação  aos  Portugueses,  matando  algíts  deles.  E  Francis* 
CO  de  saa  vendo  que  não  podia  desembarcar  se  recolhoo 
a  sua  armada.  E  conbecSdo  Q  cÕ  a  pouca  g6te  ^  tinha 
nâ  podia  fazer  nada  tornouse  pêra  Malaca ,  Cde  ja  não 
achou  Pêro  mazcareohas  Q  era  partido  pêra  a  índia,  & 
por  isso  não  pode  auer  mais  gSte  pêra  tornar  a  çunda , 
nê  Jorge  cabral  lha  pode  dar,  assi  por  ter  pouca  como 
por  màdar  na^le  tSpo  Gdçalo  gomez  dazeoedo  cõ  socor- 
ro a  Aflaluco  como  direy  a  diãte:  &  por  isto  não  pode 
Francisco  de  aá  tornar  mais  a  çunda,  &  se  foy  despoia 
pêra  «•  ]ii4ia. 


66  OA  HISTORfA'BA  nVBfA 

CA  P  I  T  V  L  O    XXVII. 

De  carno  Pêro  mazccírenhas  chegou  a  Cochim ,  ^  querS- 
.  do  desembarcar  lhe  resiuio  ho  vedor  da  fazenda. 

V.  ■       •  ■         ".  '• 

inda  a  motjçSo  em  ^  se  podia  ir  pêra  a  índia-,  parw 

tiose  Pêro  mazcarenhas  cõ  três  galeões  carregadog  kla 

fazSda  dei  Rey  &  da  sua,  &  de  camfnho  passou  porCou-^ 

Ifio,  õde  foy  recebido  do  feylor  &  aieayde  mór  Anrri^. 

figueira  como  gouernador  (posto  (|  tinha  regiicêlo  em 

cdtrairo  de  Lopo  vaz.de  sam.  Payo)  &  cõLoulhe  tudo  o  ^ 

passara  na  índia  despois  de  ser  chamado  [)era  a  gouer«* 

nar:   do  ^  ele  ficou  assaz  dagasiado,  &  conselbouse  do 

\  f^ria  cõ  bú  SiniSo  caeiro  \  como  gouernador  fizera  sea 

ouuidor  geral  &  cÕ  iifl  Lançarote  de  seixas  a  ^  pelo 

mesmo  modo  dera  officio  de  secretarro*  E  estes  lhe  con-* 

selbarão  {|  se  fosse  a  Q)chi  &  iKsasse  de  muyto  rigor  cõ 

Afonso  .mexia,  porí|  abrira  a  noua  subcessam,  porQ  ele 

tinha  toda  a  cui|ia  S  a  abrir :  porê  que  descansasse  ^ 

posto  ^   fosse  aberta  lhe  não.perjudicaua  ao  dereyto  4 

linha  na  gouernâça  por  a  sua  subcessam  ser  prímeyro 

aberta.   E   parecèdolbe  bS  este  cõselho,  partiose  pêra 

Cochi  õde  chegou  ho  derradeyro  de  Feuereyro.  Afonso 

mexia  ^  linha  sobrele  suas  espias  sabSdo  como  era  che^ 

gado ,  lhe  mãdou  logo  notificar  poios  juyzes  de  Cochi  ^ 

&  por  Duarte  teixetra  tesoureyra  das  mercadorias,  & 

por  Manuel  lobato  escriuâo  dii  feytoria  ho  terlado  da  nor 

ua  subcessam  de  Lopo  vaz  de  sam  Payo,  &..boxegimfi| 

to  {]  tinha  dele  pêra  ho  não  receber  como  a  gouernador, 

&  lhe  requeresse  da  parte  dei  Rey  \  obedecesse  ao  go* 

uernador  pois  ho  era  por  aqla  prouisam.  Ao  ^  Pêro  maz- 

carenhas  respõdeo  cÕ  muyta  cólera  ^  aQla  prouisam  nao 

era  assinada  por  el  Rey,  &  por  isso  não  era  obrigado  a 

conhecela  por  sua :  &  ^  Afonso  mexia  como  seu  Tmigo 

a   poderia  fazer ,  &  por  essa  causa  lhe  nã  auia  dobede- 

cer  principalmêle  por  estar  8  posse  da  gouernãça  \  ho 


LIVRO  VII.   CAPITVLO  XXVII.  57 

iBesmo  AfoDso  mexia  lhe  dera  &  f)  elea' merecia  mui 
grade  castigado  pois  sabSdo  i\  era  gouernadur  ousauâo 
de  \be  fazer  tais  requerimêlos.  E  Simão  caeiro  como  ou- 
uidor  geral  lho  estranhou  mtiylo  dizendo  que  aquilo  era 
caso  de  treição ,  &  por  seu  cõselho  ouue  Pêro  mazcare- 
nhas  os  juyzes  por  priuados  dos  officios  &  que  sopena 
de  perdimentos  das  fazendas  não  sayssem  de  casa  des^ 
pois  que  fossem  em  Gochim ,  &  mandou! hes  tomar  abi* 
to  &  tonsura ,  &  fizer  auto  de  sua  prisam  pêra  despois 
proceder  controles :  &  coesta  reposta  os  mandou ,  Duar« 
te  teixeira  &  Manuel  lobato  ficarão  presos  cÕ  ferros  no 
nauio  porque  insistirão  mais  no  requerimento  chamando 
gouernadur  a  Lopo  vaz  de  sam  Payo.  O  que  sabido  por 
Afonso  mexia,  lhe  mandou  requerer  da  parte  dei  Rey 
que  lhe  soltasse  os  presos  que  erâo  officiaes  de  sua  fa- 
zenda que  se  podia  perder  por  sua  prisam  tornandolhe 
a  requerer  í\  obedecesse  á  prouisam  do  gouernador  de 
que  tinha  regimento  f\  ho  não  recebesse  em  terra  por 
nenhua  via  &  lhe  resistisse  com  armas  o  que  auia  de 
fazer^  &  que  se  quisesse  algQa  cousa  que  se  fosse  a  Goa 
&  hi  acharia  ho  gouernador ,  o  que  se  ele  fizera  fora  li- 
ure  da  muyta  deshonrra  (|  lhe  foy  feyta,  &  suas  cousas 
se.fizerão  melhor ,  roas  não  teue  quem  ho  acÕselhasse, 
por^  Simão  caeiro  &  Lâijarote  de  seixas  cÕ  quâlo  vião 
ho  rigor  em  ^  se  Afonso  mexia  punha,  &  ho  grande  po- 
der {)  tinha  por  seus  officios,  &  quão  pouco  Pêro  maz- 
carenhas,  acõselhauâllie  ^  leuasse  tudo  a  for<;a  de  brar 
ço,  &  que  desembarcasse,  porque  como  fosse  em  terra 
seria  gouernador:  &  como  ele  era  muyto  bo  caualeyro 
&  tinha  animo  pêra  tudo  parecialhe  que  tudo  podia  le« 
uar  auanie,  &  por  isso  respondeo  ao  vedor  da  fazenda  ^ 
ao  outro  dia  lhe  respôderia  S  terra  porQ  era  quasi  noyte. 
E  temendose  ele  !\  Pêro  mazcarenbas  desembarcasse  de 
noyte  &  entrasse  na  cidade  por  ser  rasa ,  chamou  todo 
ho  pouo  de  Cochim  a  repiQ  de  sino :  &  cõ  quãto  a  mui- 
tos parecia  mal  tomarse  a  gouernâça  a  Pêro  mazcare* 
nbas,  pelo  í^  deuião  á  obediêcia  portuguesa  4  oã  dispu- 

LIVAO   VIU  H 


ftS  OA    HISTORIA    DÁ    INMA 

ta  86  M  roSâados  de  aeu  rey  ou  dos  Q  estSo  em  seu  lu«* 
gar  sam  justos  ou  injustos ,  acodirão  logo  todos  postos  ê 
armas  pêra  fazerS  o  ()  lhes  Afonso  mexia  mSdasse:  & 
ête  lhes  notificou  o  ^  passaua  cõ  Pêro  inazcarenhas ,  ^ 
jíSio  Qría  se  não  desembarcar  cõlra  ho  regimêlo  do  go^ 
nernador:  pelo  l\  lhes  requeria  da  sua  parte  Q  tãto  mo-» 
taua  como  da  dei  Rey  pois  tinha  suas  vezes  ^  lhe  aju- 
dasse a  cõprir  bo  seu  regimêlo  t\  era  defender  cõ  armas 
a  desembarcarão  a  Pêro  mazcarenkns  &  lhe  ajudasse  a 
guardar  a  praya  aijla  noyte.  E  eies  ho  tizerão  de  lK)a  vd^ 
tade,  &  a  praya  se  goardou  cÕ  tala  diligêcia  como  ^  se 
goardara  de  imigos,  &  toda  a  noyle  Afonso  mexia  gas« 
tou  em  mãdar  re^rimStos  a  Pêro  mazcarenhas  t\  não 
desembarcasse ,  &  Q  se  fosse  a  Goa  &  lá  regresse  sua 
justiça :  &  ele  respõdeo  a  todos  que  em  terra  lhe  respô* 
deria ,  &  ao  derradeyro  acrecêtou  mais  ^  não  aueria  5 
Afonso  mexia  tão  pouca  humanidade,  {|  como  a  Chris* 
tãos  Q  erâo  ele  &  os  de  sua  cõpanhia  os  não  deixasse 
desembarcar  pêra  ouuirS  missa.  E  sendo  ele  desenganan- 
do 1}  nê  pêra  isso,  nã  quis  se  nã  desembarcar  porQ  ti* 
nha  inleligScia  cÕ  aigQs  da  cidade  ^  desembarcasse  coa- 

21a  cor ,  &  como  fosse  em  terra  se  leuâtaríão  coele  obe- 
ecSdoo  por  gouernador,  &  prêderiâo  Afonso  mexia:  o 
Q  não  podião  fazer  s6  ele  desembarcar,  &  isío  fez  a  Pê- 
ro mazcarenhas  insistir  em  sair  em  terra  &  não  se  ir  a 
Goa,  &  tãbem  auer  por  grande  afronta  ter  Afonso  me« 
xia  ousadia  pêra  lhe  dizer  Q  por  armas  lhe  defenderia  a 
áesembarcação,  s6do  ele  bOa  pessoa  tão  principal  na  ín- 
dia, &  tido  )K)r  rouyto  esforçado  pelos  muytos  feytos 
em  armas  ^  fizera.  É  como  ele  não  queria  começar  bri- 
gas com  Afonso  mexia,  &  parecendolhe  ^  desembarca- 
do desarmado  as  não  queria  coele,  &  tãbem  de  confiado 
que  não  ousaria  de  as  cometer,  &  que  os  requerimen- 
tos passados  forão  mais  pêra  ho  espâtar,  que  pêra  ho  exe- 
cutar, cometeo  a  desembarcação,  indo  cõ  toda  sua  gen- 
te em  dous  baleis,  &  ieufldo  ouuidor  &  meirinho  com 
varas ,  &  assi  ele  como  todos  os  outros,  tão  desarmados, 


LITRO    Vn#    CAPITVI.0  XXVII.  6» 

que  ate  espadas  nSo  leiíauSo,  E  vendo  A  fonso  mexia,  (| 
não  {|ria  se  nâo  desembarcar,  defendeolho  como  a  !rni« 
go,  fazendo  me(er  pola  agoa  os  queslauão  coele,  &  mã- 
dâdolhes  ()  ferissem  a  Pêro  mazcarenhas ,  &  aos  de  sua 
cdpanhia,  como  a  Imigos,  &  assi  ho  fizerâo:  bradado 
Ptrq  mazcarenhas  &  os  seus  que  ho  não  íizessS,  por(} 
eião  Cbristãos,  &  nSo  queriâo  guerra  se  não  paz,  &  co* 
mo  pacíficos  yão  sem  armas:  &  requerendolhes  da  par- 
te de  Deos  &  dei  rey  ^  esteuessem  quedos  ho  que  eles 
nâo  faztão  nem  podião  fazer,  porque  Afonso  mexia  os  nS 
deixaua,  &  andaua  atreles  sobre  hâ  caualo  acubertado 
armado,  bradado  que  os  matassem  como  a  immigos, 
f)oÍ8  desobedeciào  aos  mâdados  de  seu  rey,  &  eles  ho 
fazíão  assi  que  os  de  Fero  mazcarenhas  não  tínhão  cÔ  ^ 
ae  defender.  A  genfe  da  terra  que  saio  toda  a  ver  isto 
eetaua  muyto  espantada ,  &  assi  era  pêra  espantar  ver 
Portugueses  fazer  cousa  tão  fea,  &  mais  em  terra  de 
seus  luiigos :  por^  não  poderão  eles  fazer  mais  mal  sos 
cio  mar  do  (\  lhes  fazião  os  da  terra ,  ic  conhecSdo  Pêro 
mazcarenhas  quã  mao  cõselho  fora  ir  desarmado  pois 
tlesembarcaua:  &  vendo  que  não  podia  desembarcar  re- 
colheose,  indo  bem  espancado,  &  ferido  em  hu  braço, 
&  assi  ha  seu  parSte  chamado  lorge  mazcarenhas  fcy 
ferido  de  htin  chuçada ,  &  outros  muylos ,  &  todos  espã» 
cados  &  pisados,  &  despois  {(  Pêro  mazcarenhas  foy  no 
eeu  galeão  mandou  fazer  hCI  auto  do  i\  lhe  A  (nnso  me«- 
xia  (izera  s8do  gouernador  da  índia:  &  a  ele,  &  a  todos 
os  moradores  de  Cochím  mandou  apreg^oar  por  tredóres, 
ameaçãdoos  ^  lho  auiã  de  pagar  se  gouernasse  a  índia. 


H  8 


60  DA   HI8T0KIA   DA  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXVIIL 

De  como  não  podendo  Pêro  mazcarenhas  desembarcar 
'     em  Cananor  se  pariio  pêra  Goa. 

JtVecolhido  Pêro  mazcarenhas  aos  galeões  não  disistio 
Afonso  mexia  de  goardar  a  praia,  8  quãlo  Pêro  mazca- 
renhas esieue  no  porto,  receado  í\  se  melesse  õ  Cocbi 
&  logo  escreueo  ao  gouernador  o  ^  tinha  feyto  a  Pêro 
mazcarenhas ,  mãdandolhe  todos  os  re^rimõtos  Q  lhe  fi- 
zera sobre  (}  nâ  desSbarcasse  &  isto  lhe  mandou  por  Ai- 
res da  cunha ,  Q  tãbem  Jeuou  carta  de  Pêro  mazcare- 
nhas pêra  ho  gouernador  S  c}  lhe  escreuia  o  Q  lhe  fora 
feyto  per  Afonso  mexia,  &  por  isso  se  ^ria  ir  ver  coele, 
&  o  mesmo  escreueo  a  muytos  fidalgos  Qstauã  õ  Goa, 
pedidolhes  ^  determinassem  se  auia  de  ser  Lopo  vaz  de 
sam  payo  gouernador  ou  ele,  por^  nã  ^ria  se  não  justi- 
ça. E  partido  Aires  da  cunha  coestes  papeis  mandou  A- 
fonso  mexia  requerer  a  Pêro  mazcarenhas  ^  lhe  man- 
dasse entregar  os  galeões  que  trazia  pêra  os  mãdar  cor- 
reger  &  lhe  entregasse  a  fazenda  dei  Rey,  &  pêra  ir  a 
Goa  se  la  quisesse  ir  lhe  daria  hua  carauela.Do  que  Pê- 
ro mazcarenhas  foy  contente,  pori|  despois  que  arrefe- 
ceo  da  fúria  que  lhe  causou  a  injuria  que  recebera,  lem- 
brouse  das  que  forâo  feytas  a  Afonso  dalbuquerque  (a 
quem  desejaua  de  seguir)  6  outro  tal  caso  como  a^le, 
&  por  isso  determinou  de  não  fazer  nada  por  for<^a  se 
não  por  justiça :  &  coesta  determinação  não  quis  reter 
08  galeões  porque  não  parecesse  que  se  queria  fazer  for- 
te neles,  &  entregouos  com  a  ifazenda  que  tinhâo,  & 
mudouse  pêra  a  carauela  com  sua  fazêda  &  criados.  E 
coesta  mudança  os  mais  dos  que  vinbão  nos  galeões  se 
forâo  a  terra  por  não  caberem  na  carauela ,  &  poio  ve- 
rem coa-la  determinação:  &  algus  destes  forão  presos 
por  mandado  do  vedor  da  fazSda,  &  antreles  foy  lorge 
mazcarenhas  estando  ferido  da  chuçada  que  disse,  &  as- 


LIVKO  YIl^-GAFITVLO  XXYIII.  61 

si'  ferida  cbroo  esUua  ho  mandou  ieuar  preso  a  fortaleza 
de  Coulâo ,  como  a  quem  fizera  grade  crime :  sendo  ele 
fiessoa  que  linha  bem  aeruido  el  Rey ,  &  fidalgo  de  sua 
casa.  £  Pêro  mazcareohas  despois  que  se  mudou  a  ca* 
rauela,  pariiose  pêra  Gananor  a  esperar  hi  ho  recado  de 
Goa,  por^  dom  Simão  de  meneses  capitão  da  fortaleza 
era  seu  amigo,  mas  achou  a  cousa  muy  desuiada  do  que 
cuydaua,  porque  sabendo  dom  Simão  ^  estaua  no  porto 
lhe  mandou  logo  dizer,  Q  lh«  pesaua  muyto  de  sua  vin- 
da ser  em  tal  tempo :  que  lhe  não  podia  fazer  nenhu  ser** 
uiço  sendo  muyto  grande  seu  seruidor,  porque  tinha 
mi^ndado  do  gouernador  Lopo  vaz  de  sam  rayo  a  quem 
toda  a  genle  da  Índia  tinha  por  gouernador,  que  ehe^ 
gando  ele  aquela  fortaleza  se  quisesse  ir  a  ela  como  hu 
.fidalgo  tão  borrado  &  de  tanto  merecimento  como  ho 
seu  que  ho  recebesse  com  toda  a  honrra  &  cortesia  Q 
ibsse  possiuel :  mas  que  se  fosse  com  nome  de  gouerna- 
dor que  lho  não  consentisse,  &  ele  polo  que  deuia  a  sua 
lealdade  não  podia  fazer  outra  cousa  se  não  obedecer- 
Ihe  como  a  pessoa  dei  Rey  de  Portugal  c)  representaua. 
Ao  que  Pêro  mazcarenhas  respÕdeo  que  não  queria  se 
não  que  comprisse  com  sua  lealdade ,  &  que  não  queria 
dele  maiB  que  hQ  catur  em  Q  fosse  a  íjçsí  pêra  ir  ainda 
mais  raso  que  na  earauela  &  com  menos  sospeita  de 
querer  por  força  auer  a  gouernani^a  que  não  queria  se 
Bão  por  justi<2a.  O  que  lhe  dõ  Simão  louuou  muyto,  & 
lhe  mandou  dar  ho  catur  em  que  não  quis  leuar  mais 
gente  a  fora  os  remeyros  <)  Simão  caeiro  &  Langarote 
de. seixas  &  dous  moços  que  ho  seruissem,  &  ,com  quan- 
to lhe  veo  á  memoria  ir  se  a  Chaul  pêra  Christouão  de 
gousa  que  tinha  por  amigo ,  &  dahi  fazer  suas  cousas , 
Dão  foy  por  recear  que  fizesse  como  dom  Simão,  &  mais 
pola  fama  que  a-uia  que  era  grade  amigo  de  Lopo  vaz  T 

de  sam  Payo,  £(  por  isto  não  quis  lá  ir  &  partiose  pêra 
Goa  parecSdolhe  Q  ho  gouernador  se  queria  poer  coele 
em  justiça,,  &  quando  nào  ^  os  fidalgos  que  estauão  coe- 
le lho  farijão  fazer.  £  poêdose  ho  caso  em  dereyio  a  go* 


6>  IML  RffBTOMA  UA  ITfDIA 

uerfi2i^  seria  sua  por  lhe  dizer  Simão  caeiro  que  ho 
iQuyto  que  iinlia  nela  iba  daua. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXIX. 

De  coma  ho  youemador  smAe  o  ijue  Afonso  mexia  foz  ã 

Pêro  masscarenhas. 

J^yten  da  cunha  {|  leuana  os  recados  de  pêro  niazca- 
renhas  &  do  vedor  da  faz3da  pêra  ho  gmiernador  chegou 
a  Goa  a  quatro  dias  de  inarço^  &  detilhe  os  papeis  que 
leuaua ,  &  vistos  por  ele ,  &  sabendo  por  Ayres  da  ca<- 
flba  o  ^  se  fízera  a  Pêro  inazcarenhaa  ouupsse  por  segu* 
ro  na  gouernança.  B  dando  conta  disso  a  Eytor  da  sil- 
ueira  &  a  Pêro  de  faria  &  a  aigús  fídalgos  de  que  se  fia- 
ua^  lhe  consetharão  que  p<»r  nhu  noodo  consentisse  que 
Pêro  mazcarenhas  fosse  a  Goa  ^  por^  segildo  a  gSie  es- 
taua  descAíSte  da  abertura  da  noua  prouisam,  &  tinha 
que  lhe  fora  tomada  a  gouernança  que  vendo  ho  em  Goa 
se  ieuáilarião  coele ,  por  isso  que  ho  nfio  côsentisse  en- 
trar nela  :  o  qup  pareceo  bem  ao  gouernador ,  &  escre- 
ueo  logo  ao  capitão  mór  do  mar  que  por  ser  grande  in- 
GooueniSte  ao  seruiço  dei  Rey  seu  senhor  ir  Pêro  mas* 
carenhas  a  Goa  como  lhe  diziao  os  fidalgos  que  estauáo 
nela,  lhe  mandaua  que  fizesse  de  maneyra  que  topasse 
Pêro  mazcarenhas  &  lhe  requeresse  da  sua  parte  que  se 
fosse  an  fortaleza  de  Cananor  dÕde  não  sayria  sem  seu 
mandado,  &  não  lhe  querendo  obedecer  lho  faria  fazer 
por  força ,  &  preso  ho  entregaria  a  dom  Simão  de  roe- 
neses  de  que  cobraria  conhecimento  de  como  ho  rece- 
bia, &  quando  se  Pêro  mazcarenhas  defendesse  ho  me^ 
tesse  no  fundo  se  fosse  necessário,  fazendolhe  primeyro 
todos  os  requerimentos  &  protestações  i\  cumprissem,  & 
escreueo  húa  carta  a  Pêro  mazcarenhas  dandolhe  toda  a 
culpa  do  que  lhe  fora  feyto  pois  não  quisera  obedecer  a 
seu  regimento  que  lhe  ho  vedor  da  fazSda  mãdara  note- 
ficar ,  &  por  isso  não  tinha  rezão  de  castigar  ninguém 


LIVBO  VIU  GAFITTLO  Xam.  63 

do  que  lhe  pesaua  muyto^  &  quanto  a  yerae  coele  &coiii 
os  fidalgos  ^  estauão  em  Goa  erâo  todoa  dacordo  que 
ho  nfto  tia^sáe  polo  auerém  por  verdadeyco  goueroador, 
&  maiB  qoe  daria  sua  ida  grande  iorua<^ot  a  se  fazer  o 
que  era  necessário  pêra  ho  recebimento  dos  rumes  ^  es^ 
perauSo:  &  por  isso  ihe  pedia  mujto  de  sua  parte  fc  re^ 
Qria  da  dei  Rey  seu  senhor  qué  se  fosse  a  fortaleea  de 
Cananor  como  ho  capitão  mór  do  mar  lhe  diria,  &  dabt 
mandasse  requerer  o  que  quisesse.  Coestas  cartas  des^ 
pedio  logo  Ayres  da  cunha  a  quem  pola  noua  que  lhe 
dera,  &  por  lho  ho  vedor  da  fazenda  pedir  deu  a  feyla' 
ria  &  alcay daria  mór  de  Coulâo  &  a  tirou  a  Anrri^  fi- 
gueira que  a  tinha  por  el  Rey ,  dizendo  que  fizera  trei- 
no 5  receber  Pêro  mazcarenbas  por  gouernador.  Parti-' 
do  Ayres  da  cunha  coestas  cartas  deu  as  ao  capitão  mór 
do  mar ,  que  nunca  pode  topar  com  Pêro  mazcaronhas  ^ 
&  por  isso  não  ouueefieyto  o  que  ho  gouernador  mandaua# 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXX. 

De  como  ho  gouernador  mandou  q  fosse  preso  Pêro  ntaz- 

carenhas. 

V/omo  quer  que  a  mayor  parte  da  gente  ^  estaua  em 
Goa  assi  altos  como  baixos  fossem  de  parecer  que  a  go- 
nernança  era  de  Pêro  maacarenhas  sabendo  que  era  na 
índia,  &  que  auia  de  ir  a  Goa  aluoraçaranse  muyto  per 
a  sua  vinda,  &  dizião  pubricamente  que  ele  era  goutT- 
nador  &  nâo  Lopo  vaz  de  sam  Payo,  &  f\  vindo  ele  ho 
ajodariâo  a  seio,  &  logo  se  começarão  bandos  antreies, 
&  08  que  tinhão  i\  ho  gouernador  ho  era,  &  a  cada  can« 
to  auia  ajuntamentos  &  perfías  dfls  com  outros  sobre  cu-- 
)a  era  a  gouernan^a ,  &  auia  grande  aluoroço  &  vniâo 
pola  cidade.  E  sabendo  ho  ho  gouernador ,  disse  ho  a 
seus  amigos  pedidolhes  conseliio :  &  eles  lho  derão  Q  de- 
uia  de  a^andar  goardar  ambas  as  barras  de  Goa ,  por- 
que hi  era  ttais  certo  lomarse  Pêro  mazcarenhas  Q  no 


/ 


64  1>A   HISTORIA   DA  HfOIA 

mar  dde  bo  capitão  mor  do  mar  bo  poderia  errar^  &  mX- 
dasse  \  ali  fosae  tomada  a  meiiagè  a  Pêra  mazcareDhaa, 
que  ee  fosae  á  fortaleza  de  Ganaaor  donde  oão  fiayria 
sem  seu  Biandado,  &  Dão  querendo  dar  a  menagem  que 
foase  preso  em  ferros,  &  asai  bo  leuassem  a  Cananor. 
£  ho  principal  deste  conseibo  foy  Eytor  da  silueira  a 
quem  ho  gouernador  daua  mil  pardaos  dordenado  des- 
pois  que  António  de  roiranda  seruio  de  capitão  mór  do 
mar,  &  isto  [K3r  ho.  ter  de  sua  parte  por  ser  pessoa  de 
credito  &  ter  muylos  parentes  4  ho  gouernador  cuyda- 
ua  que  serião  de  sua  valia  por  sua  parte :  &  porque  Pê- 
ro mazcárenhas  &.  os  de  sua  parte  cuydassem  que  era 
assi,  cometeo  a  Eytor  da  siJueira  que  ho  fosse  prender : 
do  que  se  ele  escusou  porque  lhe  parecia  bê  prenderse 
pêra  ho  aconselhar  mas  nã  pêra  ser  ho  executor,  por* 
que  sabia  quãto  todos  os  fidalgos  da  índia  lho  estranha- 
rião«  E  vendo  bo  gouernador  que  se  escusaua  mandou 
a  Simão  de  melo  seu  sobrinho  &  a  António  da  silueira 
de  roeneses  seu  genrro  que  fossem  com  grande  armada 
goardar  ambas  as  barras  de  Goa  &  prendessem  Pêro 
mazcarenhas  não  querendo  dar  a  menagem ,  &  que  Si- 
mão de  melo  ho  leuasse  a  Cananor  &  ho  entregaria  a 
dom  Simão  preso  em  ferros  de  qu6  cobraria  conbecimS» 
to  de  como  ho  recebia ,  &  que  assi  ho  êtregaria  quãdo 
lho  lio  gouernador  mandasse ,  &  eles  se  partirão  pêra  as 
barras  a  houe  de  IVIarço  com  (amanha  armada  &  chea 
de  tanta  gente  como  se  forão  esperar  os  rumes,  o  que 
aiuuroçou  mais  os  da  parte  de  Pêro  mazcarenhas  &  di- 
zíâo  que  bS  mostrAua  ho  gouernador  ^  queria  gouernar 
por  força  pois  não  queria  Q  Pêro  mazcarenhas  fosse  á 
Goa  por  não  se  poer  coele  em  derey to ,  &  se  teuera.  por 
certo  telo  na  gouernança  Q  lhe  oão  dera  nada  de  ir  a 
Goa,  &  \  posto  que  ho  mandasse  prender  2)  a  gouer- 
nança auia  de  ser  sua,  &  diziáno  de  noyte  em  lugar  que 
ho  ouuia ,  &  eie  dissimulaua  por  não  auer  moor  aluoro- 
ço :  &  porem  era  tamanho  4  ^^^  podia  ser  mayor ,  & 
algus  se  yão  aqueixar  do  que  ho  gouernador  fazia  iu> 


LIVRO.  VUk  CAUTVLO  XXX.  6& 

goardic^)  de  sam  Francisco  de  Goa  que  era  homem  le- 
trado, dizendolhe  que  polo  que  deuia  a  €eu  habito  lhe 
deuia  destranbar  o  que  fazia  a  Pêro  mazcarenhas,  &  eie 
respÕdia  que  não  auia  que  lhe  estranhar  porque  fazia 
justiça:  &  que  responderia  mais  largamSte  no  cabo  da 
pregação  que  auia  de  pregar  ho  domingo  seguite,  &  dis- 
se isto  ao  gouernador  pedindoihe  a  sua  prouisit  pêra  a 
ler  no  púlpito ,  &  prouar  por  ela  que  ele  era  verdadeyro 
gouernador,  &  ele  lhe  rogou  muyto  que  ho  fizesse.  E  es- 
tãdo  ho  gouernador  presente  com  muytos  capitães  &  fi- 
dalgos, leo  no  cabo  da  pregação  em  alta  voz  a  prouisam 
per  (\  Lopo  vaz  de  sam  Payo  era  gouernador.  £  despois. 
Q  prouou  por  muytas  rezões  que  ele  era  verdadeyro  go<- 
uernador  {o  t\  ningué  negaua  se  a  subcessam  de  Fero 
mazcarenhas  não  fora  aberta  primeyro)  disse  ho  por^ 
fazia  aquela  declaração ,  &  que  dizia  a  todas  as  pessoas 
que  dizião  que  ho  gouernador  lomaua  por  força  a  gouer- 
nança  a  Fero  mazcarenhas  !\  vissem  bem  o  que  fazião , 
porque  a  fora  lhe  assacarem  hQ  grande  falso  testemu- 
nho cometião  treição  contra  el  Rey  cousa  mtiyto  auor- 
recida  Slre  os  Portugueses  póla  muyto  grande  lealdade 
de  que  sempre  vsarão  sobre  as  outras  nações:  &  posto 
Q  ele  era  Castelhano  não  auia  vergonha  de  ho  confes* 
sar,  mas.  que  a  auiclo  dauer  os  que  lhe  fazião  dizer  a- 
quilo,  &  que  duuidauão  em  cousa  tão  clara  como  era 
ser  Lopo  vaz  de  sam  Payo  gouernador  por  dereyto  & 
não  por  força :  &  que  b5  sabião  todos  quão  pouco  par6- 
tesco  tinha  coele  nè  com  Fero  mazcarenhas,  &  quão 
pouca  necessidade  tinha  deles  nem  doutra  nenhõa  pes* 
soa  deste  mundo,  &  que  ainda  que  lhe  algos  assacatião 
que  ele  não  falaua  verdade,  o  {}  se  ele  fazia  prouuesse* 
a  Deos  eterno  que  no  inferno  fosse  confundido,  &  lhe 
tirasse  logo  a  fala  se  ele  dizia  se  não  o  que  entendia,' 
&  assi  ho  juraua  polo  deos  Q  aquela  manhaã  teuera  nas 
mãos ,  &  |)or  tãto  requeria  da  parte  do  Sancto  padre  ao 
vigairo  geral  que  hi  estaua  que  passasse  hUa  carta  des- 
comunhão  em  que  ouuesse  por  escomungados  a  todos  os 

LIVRO    VII.  I 


M  BA  HnroHiA  DÁ  índia 

ò  diMeaoem  que  ho  goaemador  bo  não  era  por  derejto, 
ic  pagasses  dez  marcos  de  prata  pêra  a  sé  &  nSo  po« 
dessem  ser  absolutos  se  nSo  polo  bispo  do  Funcbal ,  & 
K^ria  ao  ouuídor  geral  &  a  todos  os  fidalgos  Q  oulbas- 
tem  |jor  (amanha  cousa  cosmo  aquela  era,  &  que  soo* 
beesein  (odos  que  as  goardas  que  ho  gouernador  punha 
Das  barras  não  era  por  se  lemer  da  vinda  de  Pêro  niaz- 
earenhas  se  nao  por  não  auer  aluoroços:  &  cuydando 
que  ficauão  todos  erétes  eoesta  fala  ^  Lopo  vaz  de  sam 
Payo  era  gouernador  por  derejto  ealouse ,  &  logo  Fero 
de  faria  capitio  de  Goa  Uie  pedio  a  subcessani  &  a  bet<- 
jou  &  pos  na  cabe^ ,  dizendo  que  a  obedecia,  &  pregil- 
lado  a  todos  se  faaíão  outro  tanto  disserâo  que  si ,  &  do 
que  ho  goardiSo  disse,  &  disto  mandou  fazer  hu  anto 
pêra  sua  8egnran<;a,  &  se  aprouettar  dele  quando  fosse 
tempo,  Sl  por  seu  mandado  fo;  ho  o»uidor  gerai  pokaa 
casas  desses  fidalgos  ^  se  acharão*  aa  pregai^o,  &  ho  as-* 
ainarâo  por  amor  que  disserâo  l^  obedeciâo  á  prooisio 
que  bo  goardiSo  lera,  &  os  que  assinarão,  forão  Pêro  de 
£»ria,  ho  fejior  Miguel  db  vale,  Eylor  da  silueira,  Fran« 
oiseo  de  soasa  tauares ,  Gõi^alo  de  sonsa ,  Ruy  gomez 
dag  rã,  dom  lorge  de  oraste,  Manuel  de  brito,  dÔ  An- 
tónio d^  silueira ,  Vaseo  da  cunha ,  Diogo  da  sMueira  ^ 
dd  Afonso  de  meneses,  Geronimo  de  sousa,  Anrri^  de 
macedo,  lohane  mSdez  de  macedo,  Dic^e  de  macedo, 
Manuel  de  carualhal ,  António  mddez  de  brito,  Frâcis* 
CO  da  silua.  Pêro  descocoar,  &  dõ  Vasco  de  lima,  &  lor- 
ge de  irmA|  porQ  não-  quisserSo  assinar  foran»  presos  so^ 
bre  suas  menagfts ,  Sl  asai  por^  mpslrarão  ser  da  parte 
de  Pêro  mazcarenba»,  &  ao  oulro  dia  foi  este  auto  aa« 
sioado  pelos  que  estauã  nas  barras,  que  forSo  António 
dai  silueira ,.  Simão  de  melo,  dom  lorge  de  noronha,  lor-» 
ge  de  melo,  dÕ  lohão  lobo,  dom  Anrrique  déqa,  lohão 
pereyca,  Francieco  oorrea^  António  ealdeira,  Gomez  de 
souto  mayor,  Lopo  correa,  Franoiseo  de  brito,  Pajo  roíz 
daraujo,  Gracia  de  nrdo,  António  mender  de  vascon** 
celos^  Nuno  pereyra^  Frãcisco  fenreira^  Gaspar  da  sil- 


LIVRO    yff«   CAIPtTVLO  XXXI.  GT 

mi ,  Fernfto  de  inoraeis ,  Fernão  roiz  barba»  E  atsi  foy 
assinado  polo  capilA  oiór  do  mar,  que  chegou  a  este 
tempo  9  &  peloH  eapiiáea  Q  yjlo  coeie. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXC. 

De  e&ma  Pêro  moMCãrenhas  fey  preso  em  ferroe  • 

JL^  auegando  Pêro  maacarenhaa  pêra  Goa^  topou  cd  GA- 
'i;aio  g^omez  dazeuedo,  hfl  fidalgo  de  ^  soube  a  armada 

3bo  esCaua  esperando  pêra  ho  prenderem  por  mandado 
o  gooernador.  E  como  ele  ;a  posto  em  sofrer  tudo  fao 
^oe  lhe  fizessem ,  &  nâo  fazer  mais  que  requerer  sua 
justiça ,  não  lhe  deu  nada  &  passou  auanle ,  &  tãb6  por 
uSo  ter  onde  se  ir :  &  despois  de  sapartar  de  G&^  goh 
mm  chegou  á  barra  de  Pangim  aos  dezaseis  de  Março. 
E  tanto  que  foy  visto  fbe  saio  hfl  bargantim  tirSdolhe 
bombiirdadas  por  alto  pêra  2)  amainasee  como  amainou  ^ 
i&  depois  de  ser  leU('>do  a  António  da  sihieira  &  lhe  nSo 
qnerer  dar  mensgem  t)e  se  ir  meter  na  fortaleza  de  Cu* 
nanor  &  não  sair  sem  mandado  do  gouernador ,  lhe  foy 
deitado  hO  griHiSo.  B  entregue  a  Simão  de  melo  ho  ie- 
uoti  a  Cananor,  &  forão  presos  Simfio^aeiro,  &  Uk;a- 
9ote  de  seixas,  &  leuados  ao  (ronco  de  Goa,  onde  forSo 
bem  carregados  éê  ferro.  E  entregue  Pêro  mazcaiienbaB 
a  dò  Simflo  de  metieses ,  por  Simão  de  melo  cobrou  da- 
)e  hH  eonheeímfito  de  como  ho  recebera,  &  que  assi  ho 
entregaria  quando  lho  pedissem ,  &  coeie  se  (ornou  ao 
goueroadfH*,  Q  se  ouee  por  seguro  com  a  prisão  de  Pa- 
ro mazcnrenhas  ,  &  assr  ho  fteou :  fkottf  coela  se  asseM- 
gnrã  todos  os  aluoroi^os  4[)ue  auia,  &  ni acuem  falou  mais 
ê  Pêro  mi)zcarenbas ,  temendo  que  ^he  não  fizessem  ce^ 
mo  a  ele,  &  mais  perderão  a  «sperani^a  de  se  realaarar, 
E  neste  tempo  Francisco  de  sousa  lauarea  t\  (inba  a 
carta  de  Chrislouão  de  sousa ,  ifue  com  os  de  Cbaul  se 
acordou  q  eeereuesse  ao  gooernaNJor,  Hm  deu ,  cuja  sue^ 
Hincia  era  eepiiarae  mtryte  dele,  eêpennéetfe  por  Rtêt- 

I  2 


CS  .BA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

'mes  cada  diá,  que  Iraziâo  tamanho  poder  como  ele  sa- 
bia :  &  sendo  ho  dos  nossos  tã  pouco  querelo  ainda  de- 
minuir,  cõ  bo  diuídir  em  duas  parles  &  fazer  diuisão, 
que  è  todas  as  parles  era  a  mais  abominauel  cousa  que 
podia  ser,  quãto  mais  na  índia  ^  &  naquele  iSpo,  que 
se  lhe  parecia  que  a  gouernâça  era  sua ,  que  se  posesse 
em  justiça  cÕ  Pêro  mazcarenhas  quando  viesse  de  Ma- 
laca, &  nã  quisesse  que  se  determinasse  por  armas  co» 
mo  parecia  que  queria,  &  quê  teuesse  dereito  esse  fus-- 
Be  gouernador ,  porque  ele  não  queria  que  bo  fosse  hii 
•roais  que  ho  outro,  nè  lhe  queria  que  se  posesse  eni  de- 
leito, se  nãii  por  não  auer  diuisâo  na  índia:  &  Q  assí 
Jho  pedia  rouyto  &  requeria  da  parte  dei  rey :  certefícan- 
duihe  que  não  auia  dobedecer,  se  não  a  quem  se  poses- 
se em  dereito.  Vista  esta  carta  pelo  gouernador,  achou- 
se  muyto  salteado,  por  ser  Christouào  de  sousa  bo  prin- 
cipal capitão  de  toda  a  índia,  &  que  tinha  a  mayor  par- 
le da  gente  dela  de  sua  parte,  por  dar  rouyto  mayor 
mesa  que  todos  os  daquele  tempo,  &  muyto  mais  abas- 
tada &  melhores  igoarias,  &  daua  dinheiro  a  muylos 
que  ho  não  tinha,  &  ser  de  muyto  folgar,  &  muy  fami- 
Jiar  com  todos,  polo  que  continuaiBgteinuernauàêCbaul 
roais  tidalgos  &  gSte  que  &  outra  parte  ^  &  por  isso  bo 
gouernador  ticou  asaz  agastado,  em  lhe  parecer  ^  Ibe 
não  obedeceria  pois  nâ  se  deterroiíl^ra  cõ  Pêro  masca- 
renbas  se  não  .por  força ,  &  isto  Ibe  fez  crer  que  nã  era 
ainda  pacifico  na  gouernaoça,  &  não  mostrou  esta  car- 
ta se  não  aos  que  tinha  por  amigos,  que  ficarão  coela 
abalados ,  por  ser  Cristouâo  de  sousa  a  pessoa  í\  era , 
&  conseiharão  ao  gouernador  i)  Jhe  mãdasse  notiticar  a 
prisão  de  Pêro  mazcarenhas,  &  como  se  fizera  sem  nbQa 
diuisão,  que  fora  aprouada  polo  capitão  mor  do  mar,  & 
polo  capitão  de  Cananor,  &  por  lodos  os  capitães  &  fi- 
dalgos da  índia,  &  bo  obedeciâo  todos  f>or  gouernador, 
pediodolhe  que  pois  nâ  auia  diuisão,  que  obedecesse, 
&  escreuesse  bua  carta  a  Pêro  mazcarenhas,  como  auia 
a  sua  prisão  por  boa ,  &  Ibe  conselhasse  que  desistisse 


LIVRO  VII.  CAFITVIiO  XStXí.  69 

de  pretender  a  gouernãça.  £  sabido  isto  por  Crislouão 
de  sousa  como  quer  Q   não  pretendia  neste  caso  mais 
que  na  auer  diuibão,  folgou  nauj^to  de  a  cousa  se  fazer 
•tão  pacificaniSle :  &  deu  por  isso  niuytas  graças  a  nosso 
aeobor,  mas  não  que  lhe  deixasse  de  parecer  muyto  mal 
^a  prisão  de  Pêro  mazcarenbas ,  &  muyto  peor  nSo  lhe 
darem  a  gouernauça,  que  lhe  parecia  ser  sua  por  derei- 
to,  &  que  pelo  que  deuia  ao  seruic^o  dei  rey,  &  a  obri- 
gac^âo  que  tinha  de  sua  menagem  &  fidalguia,  ^  deuia 
dobedecer  por  gouernador  a  Pêro  mazcarenbas ,  &  nào 
a  Lopo  vaz  de  sam  payo,  mas  poendo  diante  que  fazen- 
doo  assi  se  renouaria  a  diuisão  que  eslaua  apagada^  & 
.que  se  desfaria  ho  corpo  da  gente  da  índia,  que  se  po- 
dia conseruar,   cõ  auer  por  boa  a  prisão  de  Pêro  maz- 
carenbas, &  atalhaua  aos  que  erâo  da  sua  parte,  vendo 
Q  ele  era  da  do  gouernador,  bo  seria  tambê,  &  eslãdo 
4odo0  juntos  &  côfurmes  os  ajudaria  nosso  senhor,  &  lhes 
•daria  vitoria  doa  Rumes,  t\  náo  vindo  na  mouçáodeMayo 
.estaua  certo  virem  na  de  Setebro,  &  achando  diuidida 
a  gente  da  índia,  seria  muy  leue  cousa  ganbar@na,  com 
não  escapar  nhil  dos  nossos,  &  por  isso  lhe  pareceo  bê 
com  cÕselbo  dos  principaeis  que  eslauâo  coele,  que  não 
somente  screuesse  ao  gouernador,  que  ho  obedecia  por 
esse,  &  auia  a  prisão  de  Pêro  mazcarenbas  por  boa,  mas 
tâbõ  a  toda  a  Índia:  &  screuesse  a  Pêro  mazcarenbas 
còforme  ao  que  lhe  bo  gouernador  rogaua ,  &  a  quem 
screueo  esta  carta. 

m  Senhor  por  este  parsio  ouue  bua  caria  de  V.  S.  S  ^ 
me  largamfite  da  conta  do  negocio  dãtrele,  &  Pêro  maz- 
carenbas, muyto  folgara  de  o  saber  primeyro,  porque 
dera  antes  meu  parecer  s3  afei<jã,  como  V.  S.  de  mim 
cré  &  espera.  E  quanto  senhor  ao  que  diz  que  todos  o- 
bedecerâo  a  sua  prouisâo,  eu  tâbê  digo  ^  lhe  obedeço, 
no  alto,  &  no  baixo,  como  a  gouernador  que  be  por  pro- 
uisâo dei  rey  nosso  senhor,  &  sei  certo  selo  V.  S.  por 
morte  de  dõ  Anrrij)  de  meneses  Q  Deos  perdoe»  £  quã- 
to  ao  que  be  pasmado  sobreste  caso,  me  pareceo  escusii-* 


70  nk  «sroRiA  dia  fNUA 

do  meu  parecer ,  por  ho  negocio  ter  ja  fim  Deot  seja 
louuado,  lAo  0em  aíuoro<^  &  sem  diuísão,  ho  <}  sempre 
pedi  a  nosso  senhor,  &  estaua  asas  confiado  Q  se  faria 
b6  polo  V,  S.  ler  ãlre  as  mãos  &  pois  está  feyto  Canto  ê 
cc^ncordia  &  pae,  não  falo  nisso.  A  carta  pêra  Pêro  a^is- 
carenhas  vai  aberta,  pêra  se  lhe  parecer  bem  mldarlha^ 
se  não  faija  ho  que  quiser.  Beijo  as  mftos  de  V.  S.  -de 
Chaul  a  vTte  cinco  de  Março.  Cristouão  de  sousa. 

E  a  de  Pêro  mazcarenbas  dizia. 

*t  Senhor  fuy  emforniado  do  senhor  Lopo  vas,  de  todo 
ho  caso  dàire  vos  &  ele ,  &  assi  vi  suas  prouisôes  &  os 
pareceres  desses  senhores  que  se  acharão  em  Cochim, 
&  certo  tudo  foy  feyto  por  seu  estilo,  &  como  estas  cou- 
sas estem  6  pontos  de  dereito,  ^  muyto  bS  sabem  algfis 
dos  questauão  presentes,  não  vos  pareça  senhor  ho  con- 
Irairo,  se  não  Q  por  todos,  assi  leigos  coroo  por  esses 
dous  frades  ^  ho  deuS  detender,  &  ser  sem  sospeita  por 
seus  hábitos,  &  mais  afirmandoe  cÒ  juramSto,  forão  suas 
prouisôes  auid«^  |x)r  boas:  &  certo  a  meu  ver,  a  vonta- 
de de  Saalteza  era  selo  de  per  falecimento  de  dÕ  Anr- 
rique :  &  de  todas  as  outras  cousas ,  eu  não  fuy  enfor- 
mado se  não  a  tSpo  í\  tudo  estaua  feyto,  por  isso  foy 
escusado  meu  parecer,  &  pois  tudo  esta  pacifico,  a- 
uei  vossa  prisão  em  paciência,  porque  certo  ít)y  neces- 
sária, assi  polo  Iji  vos  eâpre,  como  por  euitar  aF^ílas  ses- 
peitas  domSs  que  desejão  diuisões,  ho  ^  pêra  ho  tempo 
em  ^  estamos  fora  tão  danoso,  ()  muyle  melhor  fera  sei^ 
des  ambos  mortos :  Quisuos  senhor  screuer  esta ,  posto 
^  de  Vios  não  tenha  recebida  nhua  despois  de  vossa  vrnh 
da,  pêra  nela  vos  pedir  por  mercê  como  acima  d^ge  a* 
jais  paciScia  eo«i  vossas  cousas ,  &  queirais  fazer  este 
seruiço  a  sualteza,  de  vos  nâo  lembrardes  agora  de  vo9<- 
sa  honrra ,  por  não  vingardes  vossa  prisão ,  cousa  tãto 
cõtra  seu  seruiço,  &  certo  recebereis  assí^nada  mercê  de 
tão  notaiiel  seruiço,  &  não  demouâo  vosso  bS  conselho-, 
algflas  cartas  de  fidalgos  da  Índia,  porque  certo  qu6 
vos  ho  oontrairo  aconselhar  será  vosso  immigo  y,  &  fíSb 


LIVRO  VII.  CAUTVLO  ILXXI.  7 1 

deteja  de  vomas  cousas  serem  feyla^  a  vossa  hõrra  co- 
mo eu.  Veja  senhor  bo  {}  de  ml  mSda  nes(a  terra  &  fa- 
loei ,  não  tocando  nestes  negócios  ( por  ja  terS  fim )  co- 
ifio  seu  seruiclor  &  amigo  que  sou  de  muylos  dias.  Beija 
silor  vossas  mãos,  de  Ghaul.  Cristouâo  de  sousa. 

E  assi  esòreueo  a  dom  Sim&r  de  meneses  &  a  ou- 
tros muytos  fidalgos  do  que  ho  gouernador  ficou  muyto 
contente  parecendoihe  que  ho  tinha  da  sua  parte,  &  Pe« 
ro  mazcarenhas  também  ficou  satisfeito  quando  ?io  a 
sua  carta ,  porque  entendeo  nela  que  nâo  auia  sua  pri« 
sam  por  boa  se  nSo  pela  pacificação  da  Índia  &  por  se 
escusarem  diuisÕes,  &  teue  esperança  de  lhe  parecer 
ainda  bem  poerse  ho  gouernador  coele  eu)  dere^^lo  sobre 
a  gouernâça  se  bo  dom  Stmào  soltasse,  em  que  ja  co**- 
roeçaua  denteirder  què  Iro  fatia  ^  por  lhe  ter  prometido 
que  coroo  fosse  inuerno  lhe  tiraria  os  ferros,  pedindo- 
Hie  perdão  de  lhos  nio  tirar  mais  cedo  por  recear  que 
fao  gouernador  ho  soubesse*  E  isto  deu  ousadia  a  Pêro 
mazcarenhas  a  mãdar  hQ  requeri m&lo  ao  gouernador  per 
hu  Dinis  camelo  tabalhSo  pubrico  de  Cananor,  euja  8us«* 
taiieía  foj  que  ho  gouernador  se  posesse  coele  6  justiça 
&  não  leuasee  ao  eabo  a  ibrça  ^  lhe  fazia  tomandolhe  a 
gcuemança  ^  fbe  el  Rey  dera  jivot estando  por  todas  as 
perdar  &  dãooa  que  disso  recebesse,  &  requerendoUre 
lambem  ^  eoltasse  a  Simão  caeiro  &  a  Lançarote  de  sei- 
xas pêra  requererem  su^a  justiça  pois  os  tinha  presos  sem 
serem  eu>pad«É.  £  dado  este*  requerimento  ao  gouerna- 
dor, ele  he>  roavpeo  acabaB>db  de  ho  ler :  pelo  ^  Dinis  ca* 
meie  iiSer  oveou*  dfesperae  a  reposta  Sc  fugio  pêra  Cana-' 
iior.  E  logo  Besta  «onjunçáo  indo  ho  gouernador  á  for-^ 
taleza  pasBaifdo  por  diãle  da  porta  do  troco  Simão  caei^- 
ro  &  Lánfarete  de  seixas  Hke  requererão  a  grandes  bra- 
dos que  es  mandasse  soltar  pêra  requererem  a  justiça 
do  gouernador  Pêro  mazcarenhas,  ft  por  isso  os  mandou 
carregar  de  ferro  mais  do  que  estauão ,  &  defendeo  sob 
graues  penaa  que  nidguem  sobreste  caso  de  Pêro  maz- 
eaienhas  Hie  desM  mais  requerimentos  se  não  ao  secre* 


72  BA  HISTO&f  A  Dá  INPIA 

tario  porque  ele  responderia ,  &  mandou  apregoar  Q  so^ 
pena  de  morte  ninguém  fosse  ousado  de  nomear  por  go-> 
uernador  a  Pêro  mazcarenhas:  que  sabendo  coroo  fao  gú- 
uernador  roropera  ho  seu  requerimento  a  Dinis  camelo 
&  lhe  não  dera  outra  reposta,  lhe  pedio  disso  bfl  estor- 
mento  que  lhe  ele  deu.  E  não  responder  ho  gouernador 
a  este  requerimSto,  fez  parecer  a  dom  SimSo  que  toma* 
ua  a  gouernança  por  força,  &  parecendolbe  mal  come- 
çouse  dabalar  pêra  lhe  desobedecer,  &  nâo  Q  ho  dises- 
ge  a  Pêro  mazcarenhas. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXII. 

•  ê 

Da  causa  ^  Eytor  da  sUueira ,  ^  Diogo  da  silueira ,  íe^ 
uerâo  pêra  serem  côtra  ho  gouernador. 

X  ubricado  por  cristouão  de  sousa  que  auia  por  boa  a 
prisão  de  Pêro  mazcarenhas ,  como  ele  era  (lessoa  tão 
principal  na  índia,  &  de  Q  se  fazia  muy ta  conta,  o» 
mais  dos  que  erâo  da  parte  de  Pêro  mazcarenhas,  ven-* 
do  que  era  daquele  parecer,  ho  teuerão  tambS  por  bom, 
&  crendo  ^  assi  cumpria  ao  seruiço  de  Deos  &  dei  re^  ,* 
ássessegarão  de  seus  aJuoroços,  principalmente  em  Goa,* 
era  que  cessarão  supitamSte  os  ajuntamentos  &  perfíaa 
que  auia  dantes ,  com  ho  que  ho  gouernador  ficou  des-* 
canssado,  tendo  que  estaua  em  paz:  pelo  que  começou, 
de  sapercebcr  do  necessário,  pêra  a  vinda  dos  Rumes, 
assi  como  mandar  varar  nauios,  &  fazer  outroe  de  nouo, 
&  fundir  artelharia,  &  fazer  poluora  &  pelouros.  E  nes* 
te  tempo  na  Strada  Dabril,  lhe  pedio  Eytor  da  silueira, 
que  mandasse  Pêro  de  faria  seruir  a  capitania  de  Ma- 
laca de  ^  estaua  prouido,  &  que  lhe  daria  a. de  Goa, 
do  que  se  ho  gouernador  escusou,  porque  Pêro  de  faria 
tinha  lambem  a  capitania  de  Goa  por  el  Rey,  &  estaua 
em  sua  escolha  tela ,  ou  deixala ,  &  por  isso  ho  não  po* 
dia  fazer  ir  a  Malaca  sem  soa  võtade,  &  com  tudo  ele. 

lhe  falaria  nisso,  &  se  quisesse  ir  a  Malac|  lhe  daria  a 

f 


LIVRO  VII.  CAPITVLO  XXXIT.  73 

de  Goa,  &  falandolhe,  respondeo  Pêro  de  faria  que  nâo 
queria  ir  a  Malaca,  ho  que  Eyíor  da  sHueira  nâo  creo, 
quando  liio  bo  goueraador  disse,  &  pareceolhe  que  como 
estaua  necessitado  domes  pêra  se  susi&tar  na  g;ouernaii** 
ça,  que  faria  com  Pêro  de  faria  ^  nâo  deixasse  Goa, 
por  bt)  ter  consigo  que  era  grande  seu  amigo ,  &  pare- 
oendolhe  islo  nâ  quis  receber  palauras  de  comprimen- 
tos, que  ho  gouernador  ieue  coele,  dizSdo  que  lhe  pesa* 
ua  de  lhe  não  poder  dar  aquela  capitania  mas  ^  outra 
cousa  aueria  que  \he  desse:  &  ele  respondeo  que  não 
auia  que  lhe  dar,  &  que  bem  sabia  dele  a  verdade,  & 
que  lhe-  não  auia  dSlrar  mais  em  casa,  ho  que  ho  go« 
uernador  sofreo  polo  tempo  em  que  estaua,  &  dali  se 
foy  logo  Kyior  da  silueira  muyto  agastado  &  indinado 
cftlra  ho  gouernador,  &  cotou  o  {}  passara  coele  a  Dio- 
go da  silueira  seu  parente  &  amigo,  conselbandolhe  que 
lhe  pedisse  a  capitania  de  Malaca,  pois  a  Pêro  de  faria 
Dão  queria  seruir,  &  éle  ho  fez  assi :  &  ho  gouernador 
respondeo  que  lha  dera  de  boa  vontade,  mas  que  Hia 
são  podia  dar,  pola  seruir  lorge  cabral,  a  quem  Pêro 
mazcarenhas  a  dera  sendo  jurado  por  gouernador,  pelo 
que  lorge  cabral  a  não  alargaria  sem  ver  prouisSo  de  Pê- 
ro mazearenhas,  &  indo  ele  sem  ela  a  Malaca,  seria  fa- 
zer la  outro  aluoroço  como  auia  na  índia ,  &  por  isso  ho 
não  podia  prouer  do  Q  lhe  pedia,  do  que  se  ele  mostrou 
muyto  agrauado,  &  não  quis  receber  nhus  comprimen- 
tos do  gouernador,  porque  todos  então  pela  necessida- 
de que  sabião  que  tinha  deles  se  lhe  querião  vender 
muyto  caros ,  &  ajudarse  dele  com  fazerem  seu  prouei- 
lo:  &  crendo  que  não  tinhão  nhf)  de  sua  amizade  nem 
de  serem  de  sua  valia  pois  lhes  nSo  daua  o  que  lhe  pe- 
dião,  pareceolhes  muylo  mal  ser  ele  gouernador,  &  que 
tinha  por  força  a  gouernança  a  Pêro  mazearenhas  que 
era  ho  verdadeyro  fifouernador  &  por  tal  ho  ouuerão,  & 
logo  lhes  pareceo  bem  que  ho  gouernador  se  posesse 
coele  em  dereyto  sobre  quem  ho  deuia  de  ser.  E  assen- 
tado isto  ambos,,  começarão  de  prouocar  outros  fidalgo» 

LIVRO   VII.  K 


74  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

qu0  fossem  de  sua  openiáo  &  íizerão  coeles  que  a  te» 
uessein  &  forâo  estes,  dom  António  da  silueira,  dom 
Tristão  de  noronha,  dõ  lorge  de  crasto,  Vasco  da  cu*** 
nba,  dom  Anrrique  deça,  dõ  Francisco  de  crasto,  Nu* 
po  fernSdez  freyre,*  lorge  da  silueira,  Frãcisco  daiaide, 
Jorge  de  melo,  Diogo  de  miranda,  Ayres  cabral,  Simfto 
sodré,  Marti  vaz  pacbeco  &  Simão  delgado  quadrilbei*» 
ro  mor.  £  acquiridos  estes  &  outros  muylos  homSs  pot 
sua  parle,  logo  bo  escreuerão  por  terra  a  Pêro  mascare* 
nbas,  &  sua  determinação:  por  isso  que  trabalbasse  com 
dom  Simão  que  bo  soltasse,  &  na  entrada  do  verão  se 
fosse  a  Goa ,  &  fariâo  cõ  bo  gouernador  que  se  posesse 
Goele  em  justiça  sobro  cuja  era  a  gouernança.  E  esta 
carta  foy  assinada  por  todos  estes  fidalgos  que  digo,  ^ 
vista  por  Pêro  roazcarenhas  a  mostrou  a  dom  Simão,  di-» 
sendo  que  pois  aqueles  fidalgos  ho  querião  ajudar  que 
porque  bo  não  soltaria  ele  sendo  tamanbo  seu  amigo, 
fe  pois  nisso  seruia  a  Deos  &  a  el  Rey,  &  aflSrmasse  que 
Ibe  prometeo  de  lhe  dar  a  capitania  mór  do  mar  se  ho 
fizesse,  &  tirala  a  António  de  mirada  porque  não  era 
sua  se  ele  fosse  gouernador  que  ficaua  sem  poder  auer 
efleyto  a  segQda  subcessã  de  Lopo  vaz  de  sam  Payo  que 
bo  fazia  capitão  mór  do  mar,  &  dom  Simão  Ibe  prome- 
teo de  bo  soltar  se  aqueles  fidalgos  permanecessem  em 
ser  da  sua  pnrte:  &  que  escreuesse  a  seus  amigos  que 
tinha  em  G^cbim  pêra  saber  se  tinhão  ainda  sua  voz,  & 
que  requeresse  a  António  de  miraoda  &  ao  vedor  da 
fezemia  que  pois  erão  na  índia  pessoas  tão  principais  fi-» 
aessem  com  bo  gouernador  que  se  posesse  coele  ê  jusli-' 
ça :  &  ele  ho  fez  assi ,  &  lhes  mandou  sobrisso  grandes 
Fcqueriínentos  cô  cartas  a  seus  amigos  que  lhos  apre- 
aenlassem,  &  como  bo  vedor  da  fazenda  era  rtiuylo  re^ 
catado  tenviase  de  Pêro  mazcarenhas  ter  algOas  inteli-» 
gencias  em  Cochim  ,  &  por  isso  tinha  suas  espias  pêra 
lhe  tomarem  quais  cartas  ou  papeis  que  lá  mandasse,  & 
acertarão  de  tomar  bíia  carta  que  ouui,  &  tinha  bo  so- 
brescrito tão  riscado  que  se  não  pcKlia  ler,  &  por  isso  fião 
soube  pêra  quem  ena  &  dizia. 


LIVKO  VII.  OAFITVLO  XZXII.  7» 

«  Senhor  agora  nouamente  torno  a  fazer  certos  reque* 
riinentoa  sobre  a  gouernança  da  índia  por  me  ser  reque- 
rido que  o6  faça,  lá  senhor  vos  ha  de  ser  mostrado  hH 
deles  ,  sey  certo  que  vos  ha  de  parecer  bem  fazelo  pois 
a  todos  estes  senhores  digo  poios  mais  deles  parece  mal 
Dão  ho  fazer  dias  ha,  desejâo  todos  virlhe  á  mSo  pode- 
rem aleuaniar  ho  seruic^o  dei  Rey  nosso  sefior,  &  nSo 
oonsentirem  cousas  que  passam  contra  seu  real  estado 
de  que  leoi  que  se  lhes  pode  dar  muyta  culpa  por  as 
eonsen tirem  passar  como  passam :  &  porem  como  em 
Goa  não  fuy  atequi  visto  nem  ouuido,  não  passou  ho 
4empo  de  fazer  o  1)  agora  faço ,  beijaruosey  as  mãos  por'- 
<|ue  todo  vejais,  &  ponhais  ante  vos  que  a  António  de 
niranda  nem  a  Afonso  mexia  lhes  não  ha  nunca  de  pa- 
recer bem  gouernar  eu  a  índia,  porque  gouernãdoa  não 
Jbe  pertence  a  h0  a  capitania  mór  do  mar,  nem  a  ou*- 
iro  a  capitania  de  Gocbim  o  que  lhes  pertence  gooer- 
Dando  Lopo  vaz ,  &  por  isso  ho  querem  soster.  E  com 
tudo  vejo  !\  quer  Deos  tornar  sobristo  como  cumpre  a 
•eu  seruíço,  &  ao  estado  real  dei  Rev  nosso  senhor.  Bei- 
jo as  mãos  de  vossa  roerce  deste  Ginanor  a  vinte  três 
Dabril  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  sete.  Pêro  ma»- 
carenhas. 

E  vista  esta  carta  pelo  vedor  da  fazenda,  respondeò 
ao  requerimento  de  Pêro  mazcarenhas  que  ho  fizesse  aé 
gouernador  &  não  a  ele ,  por^  lhe  não  podia  requerer  ^ 
ee  posesse  fi  justiça  sobre  a  gouernança  Q  era  sua  por 
prouisam  dei  Rey,  &  bo  mesmo  resfiondeo  António  de 
miranda ,  &  ho  vedor  da  fazenda  mandou  logo  esta  car^ 
ta  de  Pêro  mazcarenhas  ao  gouernador  pêra  que  soubes^ 
se  sua  determinação,  que  ainda  a  nflo  sabia^  >&  cnydaua 
que  estana  fora  de  tal  pensamento. 


K  3 


76  BA  HISTORIA  DA  INDfA 

C  A  P  I  T  V  L  o    XXXIH. 

< 

Do  requerimento  que  os  oMciaes  da  camará  de  Goajize^ 

râo  ao  gouemador. 

jL^aqui  por  díâle  amiudou  Pêro  mazcarenhas  os  reque* 
rimêlos  sobre  se  bo  gouernador  poer  coele  em  jusiiça, 
assi  ao  vedor  da  fazenda  como  a  António  de  miranda  & 
ao  mesmo  gouernador  que  a  nhu  respondeo,  antes  pren^ 
deo  algõas  pessoas  que  Ibos  apresenlauão.  E  Ejlor  da 
i»ilueira^  Diogo  da  silueira  &  dom  António  da  silueira 
com  os  de  sua  vaiia  deixarão  neste  tempo  de  ir  a  casa 
do  gouernador  &  acompanhalo  como  costumauâo  dantes, 
Q  que  ele  cuydaua  que  era  fielos  agrauos  que  teriáo  das 
capitanias  que  lhes  não  dera,  &  dissimulaua  coeies  fa- 
asendolhes  sempre  gasalhado  onde  os  topaua,  nem  tirou 
por  isso  a  Eytor  da  silueira  os  mil  pardaos  que  lhe  man^ 
daua  dar  á  custa  dei  Rey  parecendolhe  que  coisto  ho  a- 
mansaría,  &  ho  teria  da  sua  parte  com  os  mais  amigos 
4  tinha:  mas  ele  estaua  ja  tão  determinado  em  fazer  ^ 
se  posesse  em  justiça  com  Pêro  mazcarenhas  que  nb&a 
cousa  aproueilaua  ao  gouernador  pêra  ho  fazer  mudaré 
£  vendo  bo  gouernador  que  os  requerimêtos  de  Pêro 
mazcarenhas  na  cessauão  desenganou  bo  por  húa  carta 
cjue  lhe  nâo  fizesse  requerimêtos,  porque  não  se  auia  de 
puer  coeie  em  justiça,  que  era  fazer  duuidoso  o  que  ti* 
juba  certo  por  prouisão  dei  Rey :  do  Q  logo  Pêro  mazca- 
renhas auisou  a  Eytor  da  silueira,  escreuendolhe  que 
pois  Lopo  vaz  nâo  queria  poerse  em  dereyto  por  seu  re- 
querimento, que  lh«  ti^^esse  ele  com  os  outros  de  sua  va- 
lia y  &  não  querendo  satisfazer  que  lhe  desobedecessem 
&  obedecessem  a  ele,  porque  se  assi  ho  nâo  fizessem 
que  ae  chegaua  bo  verão :  &  se  naquele  negocio  se  não 
tomaua  primeyro  algãa  concrusam,  que  receaua  que  ho 
gouernador  bo  mandaria  preso  pêra  Portugal,  &  assi  não 
aproueitaria  bo  bem  que  lhe  queriâo  fazer.  E  vista  por 


hífMò  trti  cAMVtLb^Aíiii.  TV 

£j(or  da  silueira  esta  carta,  mostrou  a  aos  de  staa  Irga. 
'£  foy  aeordado  por  todos  que  não  era  necessário  faaer- 
8e  enlão  nhu  requerimento  ao  gouernador  ae  não  sendo 
Pêro  mazcarenhas  presSte:  por  tãto  como  fosse  tempo 
ele  fosse  a  Goa,  &  coele  requereriâo  ao  gouernador  que 
8e  posesse  em  juslic^a ,  &  quando  não  quisesse  que  lhe 
'desobedeceríâo  &  obedecertâo  a  ele.  £  neste  acordo  fo^ 
Tão  os  officíaes  da  camará  de  Goa  que  tambS  Eytor  da 
«iiueira  tinba  prouocado  a  terfi  a  vos  de  Pêro  mazcare- 
nhas, &  assi  muytos  cidadãos  de  Goa,  que  todos  assi- 
narão em  bua  carta  Q  Eytor  da  silueira  escreueo  a  Pe* 
xo  mazcarenhas  deste  acordo,  dizendo  mais  que  todos  a- 
-queles  que  ali  yão  assinados  perderião  por  ele  as  vidas 
&  fazendas*  E  os  assinados  forâo  duzètos  &  sessenta  bo- 
rnes, de  c)  Pêro  mazcarenhas  ficou  espâtado  quando  vio 
-a  carta ,  por  cuydar  que  ninguém  quisesse  ser  da  sua 
parte,  &  mostrou  esta  carta  a  dom  Simão  pêra  que  le<- 
uesse  mais  võtade  de  ho  soltar  &  se  animasse  a  fazelo 
vendo  que  tinha  tanta  gente  de  sua  valia ,  &  tornou  a 
escreuer  a  Eytòr  da  silueira  &  aos  outros ,  ^  toda  via 
era  necessário  em  quanto  nSo  fiodia  ir  a  Goa  requere- 
rem ao  gouernador  que  se  posesse  coeie  em  justiça,  & 
quãdo  ho  não  quisesse  fazer  t\  ho  prendessem  ,  &  assi 
ficaria  a  cousa  segura  por  sua  parte ,  porque  sem  duui- 
da  se  este  feylo  não  fosse  auerigoado  antes  da  chegada 
das  nãos  do  reyno,  &  bo  gouernador  bo  fosse  quãdo  elas 
chegassem  estaua  certo  ter  mayor  poder  do  que  tinha, 
porque  os  capitães  nâo  auiâo  dobedecer  se  náo  a  quem 
achassem  em  posse  da  gouernança ,  &  coisso  ho  poderia 
prender  em  prisam  mais  apertada  ate  bo  mandar  pêra 
Portugal ,  &  por  isso  era  muy  necessário  fazerêlhe  ho 
requerimento  que  dizia,  &  prenderSno  quando  nâo  qui- 
sesse satisfazer  a  ele,  &  pêra  que  parecesse  ^  trinhâo 
causa  pêra  Ibo  fazer,  fez  pêra  os  fidalgos  bum  &  outro 
pêra  a  camará  de  Goa  em  que  lhes  requeria  que  reque- 
ressem ao  goiíernadur  ^  se  posesse  coele  em  justiça  so^ 
bre  cuja  era  a  goueraança^  E  Pêra  mazcarenhas  insistia 


78  9k  KntOtlA   DA  flIMA 

tanto  neato  ponto  que  se  posesse  ho  gouernador  coele 
era  justiça  9  porque  tinha  por  niuy  certo  que  a  auia  ele 
de  ter,  &  que  iiie  auiào  de  julgar  a  goueroança.  Bstaa 
cartas,  &  requerimentos  mandou  por  hum  Mem  vazcon 
sua  procuração  pêra  requerer  ^  lazer  tudo  quanto  Ihei 
cumprisse,  &  ele  partio  por  terra  em  lulho,  &  chegos 
a  Goa  na  entrada  Dagosto ,  onde  rouy to  secretamente 
deu  a  Eytor  da  silueira  as  cartas  &  requerimentos  que 
leuaua  que  logo  as  deu  aos  pêra  que  yão.  G  a  todoe  pa^- 
recerâo  bem  os  requerimfitos  de  Pêro  mazcarenhas ,  A; 
M6  vaz  apresentou  na  camará  o  que  ya  pêra  os  offi- 
ciaes:  que  logo  fizerão  outro  ao  gouernador  que  se  po» 
sesse  em  dereyto  com  Pêro  roazcarenhas  sohre  a  ^uer^- 
nança  &  derSno  ao  secretario  &  coele  o  que  lhes  Pere 
mazcarenhas  fizera.  E  ele  os  mostroa  ao  çouernador^ 
■que  nâo  respõdeo  roais  se  nâo  ameaçandoos  se  lhe  fízes^ 
sem  outros  requerímStos:  &  ho  mesmo  faria  se  dessem 
reposta  a  nhii  que  lhes  fizessem  sobre  aquele  caso,  oii 
Pêro  mazcarenhas,  ou  a  qualquer  outra  pessoa.  E  os  oR- 
ficiaes  disserâo  isto  a  Eytor  da  silueira,  dizendo  que  as^ 
si  ho  auião  de  fazer,  por  isso  que  buscasse  seu  remédio: 
porem  que  se  a  cousa  viesse  m  ser  necessária  sua  ajuda 
que  lha  darifio«  E  vendo  Eytor  da  silueira  a  determína* 
çâo  do  gouernador^  acordou  com  os  de  sua  valia,  &  com 
todos  08  2)  tinbão  a  voz  de  Pêro  mazcarenhas ,  que  ele 
com  os  fidalgos  fizessem  bum  requerimento  ao  eouerna^ 
dor  que  se  posesse  em  justiça  cd  Pêro  mazcarenhas «»  & 
que  ho  dessem  a  ele  mesmo,  &  que  lho  desse  Manuel 
de  macedo  com  hum  escrioâo,  &  ele  lho  deu  em  saindo 
de  sua  casa.  Ho  gouernador  ho  tomon ,  &  logo  ho  leo, 
&  não  deu  outra  reposta  se  não  mandar  Manuel  de  ma- 
cedo aa  cadea  &  carrecralo  de  ferro,  porque  confra  sua 
defesa  fora  ousado  de  lhe  dar  ho  requerimento.  E  Ma- 
nuel de  macedo  tomou  testemunhas  de  como  ho  gouer^ 
oador  sendo  ele  fidalgo  ho  mãdaua  meter  na  cadea  com 
as  pessoas  baixas,  &  isto  mais  polo  injuriar  que  por  fa« 
cer  justiça^  porque  pêra  isso  aoia  fortaleza  Sde  ho  pren*' 


deweiD  merecendo  ele  prisam  tão  graue,  quanto  maia 
que  lhe  fazia  aeoi  justiça  pois  ho  prendia  por  lhe  reque- 
rer que  a  fizesse  de  si.  £  passando  aquela  prímeyra  fu- 
fia  ao  gouernador  mandou  que  fosse  tirado  do  tronco, 
&  andasse  pela  fortaleza  com  a  menagem  lomada:  mas 
•le  não  quis  se  não  estar  na  cadea  pois  da  primeyra  lhe 
nâo  deráo  a  fortaleza  por  prisam,  &  bo  escriuão  que  ya 
eoeie  pêra  dar  ho  estormento  foy  espancado  &  arrepela-' 
éo  poio  gouernador ,  &  os  seus  criados  ho  ouuerão  de 
■datar  se  não  fugira» 

C  A  P  I  T  O  L  O     XXXIIII. 

De  como  ho  gauemtuiõr  prendeo  Eytar  da  Btlueira  ^  09 

oftítrw  fàalgos  de  sua  valití. 

V  endo  Eytor  da  silueira  &  os  outros  fidalgos  de  sua 
▼alia  o  que  ho  gouernador  fez  a  Manuel  de  macedo,  pa- 
receolhes  que  era  por  de  mais  fazerlbe  requerimentos 
sobre  se  poer  em  justiça  sobre  a  gouernança  porque  ho 
não  auia  de  fazer,  &  que  estaua  leuantado  com  a  índia. 
E  consultarão  entre  Si  que  era  muylo  grande  desbõrra 
sua  sofrerenno  y  &  que  el  Rey  lho  estranharia  :  &  (j  a- 
quilo  era  causa  muy  abastante  pêra  prenderem  ho  go* 
aernador  tomo  Pêro  mazcarenhas  requeria.  E  assentan- 
do de  ho  fazer  assí^  disserãno  aos  officJaes  da  camará  de 
Goa ,  &  a  todos  oe  que  erão  da  sua  parte  pêra  lhe  aco- 
direm  com  armas  quando  ouuesBe  de  é^r  a  primam ,  & 
começouse  h(l  grande  rumor  pola  cidade ,  de  que  ho  go-» 
uernador  não  sabia  nada,  &  Pêro  de  faria  lho  descobrio.  E 
logo  que  bo  soube  ^  determinou  de  prender  a  Eytor  da 
silueira  flc  os  outros  fidalgos  que  serião  dezasete ,  &  co*- 
ihunioãdo  ho  com  Pêro  de  faria.  Ele  lhe  disse  que  asst 
be  deuia  de  Oizer ,  porque  se  não  auia  de  sofrer  tama- 
i^ho  desaoatametíto.  E  assentado  íelo  deuse  parte  a  An- 
tonio  db  íftilueira  9l  A  8imão  de  melo  &  a  outros,  pêra  t\ 
ao  outro  diá  m  ftasem  tortos  armados  secretamente  a  to- 


KO  nk   HISTaSIA   DA    ÍNDIA 

mar  as  ruas  que  yão  ter  a  casa  Deytor  da  silueira  por^ 
deleuessetn  os  que  lhe  quisessem  acodir:  ÃqueFerode 
fana  por  ser  capi(âo  os  fosse  |ireoder,  &  bo  gouernador 
estaria  na  rua  noua  pêra  maudar  genle  em  sua  ajuda 
ou  acodir  se  fosse  necessário.  E  ao  outro  dia  pola  me« 
nhaã  Q  forâo  noue  dias  Dagosto  estando  tudo  ordenado 
ficou  ho  gouernador  a  cauaio  na  rua  noua,  &  Pêro  de 
faria  se  foy  a  casa  Deytor  da  silueira  que  estaua  hi  mujr«* 
to  perto  em  outra  rua ,  &  achou  ja  moyta  gente  ao  der- 
redor da  casa  que  ya  acodir  a  Eytor  da  silueira,  enten* 
dendo  que  ho  gouernador  ho  niandaua  prender:  &  por 
a  cousa  ser  tâo  supita  não  leuauão  mais  que  lanças ,  & 
assi  acodirão  os  fidalgos  da  conjuração  sem  mais  armas 
4  as  costumadas.  E  sabendo  Eytor  da  silueira  ()  Pêro. 
de  faria  estaua  hi  sayo  a  hQa  genela  &  preguntoulhe  que 
queria:  &  ele  iho  disse,  requerendolhe  que  lhe  desse  a 
menagem.  E  ele  respondeo  que  sobisse  ele  acima  a  to- 
marlba,  &  que  lhe  faria  o  que  ele  merecia^  pois, era  tão 
roim  fidalgo  que  aoeilaua  ilo  prender.  O  que  vendo  Pê- 
ro de  fana  mandou  chamar  ho  gouernador,  que  foy  lo- 
go leuando  algua  g;ente.  E  neste  tempo  era  a  reuolta 
muyto  grande  da  genie  que  acodia  ao  gouernador  &  a 
Eytor  da  silueira,  &  todos  com  lanças  &  ordenauase  hfla 
muy  perigosa  briga ,  porque  os  do  gouernador  leuauão. 
espingardas,  &  os  fidalgos  da  liga  estauão  ja  todos  com 
Eytor  da  silueira^  &  determinauâo  damutinar  a  gente 
de  sua  parte  contra  ho  gouernador  pêra  que  começas- 
sem a  peleja,  &  eles  prosseguissem:  porque  por  se  lhe 
não  dar  toda  a  culpa  do  mal  que  se  seguisse  nã  querião 
começar.  E  coesta  determinação  em  ho  gouernador  che- 
gando, disse  Diogo  da  silueira  da  genela  aos  da  sua  par- 
te que  estauão  na  rua.  Senhores  não  vedes  isto  que  to- 
ma por  força  a  gouernança  da  índia ,  não  he  bem  que 
se  lhe  consinta.  Ao  que  ho  gouernador  respondeo  com 
ira ,  2|  por  força  a  tomaua  &  a  auia  de  tomar.  E  com 
quanlo  os  da  parte  dos  fidalgos  ouuirão  estas  palauras, 
nunca  eles  ousarão  da  bolir  consigo  porque  vião  que  os. 


LI^O   Vlf.   CàMtfLO  xmtiiii,  '«i 

'fidatgoB  estaufio  quedos^-^  -ho  gouetnador  lhes  bradou 
da  rua  que  se  dessem  á  prísam.  B  eies  disserSo  que  se 
-não  auião  de  dar,  porque  ete  os  não  pqdia  prender  que 
«ra  seu  immtgo  por  lhe  requererem  que  nã  tomasse  è 
gouernança'  a  Pêro  macoarenhas ,  &  sobristo  lhe  fizerUo 
algSiâ  requerimentos.    E  Vèndo  ele  que  se  nSo  queríSò 
tlar  á  prisam,  deceose  do  caualo  com  muyto  grande  me- 
*ften^oría,  &  tomando  hOa  lança  8&  adarga  quis  sobir  acr- 
*t»a  ondc^taua  Eytor  da  silueirakiA^os  outros,  que  po^  a 
-«ua  gen(e  estar  mal  armada  &  a  do  gouernador  bem,  8t 
^principalmente  |K)r  lhes  parecer  seruiço  dei  Rey  não  sè 
'fazer  o  que  estaua  ordenado  que  auia  de  ser  com  (ama- 
*nbo  perigfo ,   náo  se  quiserâo  defender  se  nSo  darse  aa 
^prisam.  O  que  foy  grande  bem,  porque  se  se  defenderão 
*Ouuera  de  sf^r  hâa  cousa  mby  fea  pêra  Portugueses  8c 
•poucos  ouuerSo  de  ficar  viuos.  E  8  ho  gouernador  que- 
-rendo  sobir  poia  escada,  sayo  ao  peitoril  dela  Eytor  da 
•ilueira,  &  disselhe  que  ele  &  os  outros  fidalgos  se  da- 
li&o  por  presos,  eniSo  pedio  Pêro  de  faria  ao  gouernador 
-que  se  fosse,  &  que  ele  os  teuaria  aa  fortaleta ,  &  que 
-lhe  deoia  de  dar  aquela  honrra  de  os  leuar  pois  era  ca« 
•pitão  da  cidade.  E  ho  gouernador  ho  fez  assi,  &  foy  es- 
•fieralo  á  fortaleza  onde  foy  logo  com  os  presos  que  fbrão 
estes,  Eytor  da  silueira  ,  Diogo  da  siltoeira ,  Dòni  An- 
tónio da  silueira ,  dom  Tristão  de  noronha ,  áò  forge  d« 
crasto,  Vasco  da  cunha,  Marti  vaz  pacheco,  loriare  da 
-«ilueira,  dom  Anrrique  de<;a,  Diogo  de  miranda,  Fran- 
cisco dataide,  Simão  delgado  quadrilheiro  mór,*  Nuno 
fernãdez  freyre,  dom  Francisco  de  crasto,- Si itião  sodré; 
lorge  de  melo  &  Ayres  cabral.  E  enttados  na  fortaleza, 
bo  gouernador  lhes  tomou  as  menag^s  que  em  seus  pés 
iiS  alheos  não  sayssem  dela,  &  disso  foy  feyto  hQ  auto: 
£  presos  estes  fidalgos ,  pareceo  ao  gouernador  qae  fi* 
caua  em  paz ,  porque  muytos  daquelrâ  que  erão  da  sua 
parte  vendo  os  presos  forão  reconciliar  logo  coele,  &  an^ 
t reles  forão  os  officiaes  da  camará,  a  que  mandou  que 
respôdessem  ao  requerimento  de  Pêro  mazcarenbas  ^ 

LIVRO   VII.  L 


lhe»  Ibuarà  Bl6  vaz  que. ainda. eslaua  em  Goa:  &  f>Qr 
Gonofirazef  ao  gouerâHdor. responderão  que  ih^  aXo  po- 
•díSo  requerer  que  ae  poseaae  em  iusU^a  sobre  a  gouet» 
iDan^a  pc^r  aaberem  que  era  sua  por  prouisam  dei  Heyi, 
;&  erii  obedecido  por  gouiernador  por  lodos  os  da  lodia»: 
«&  se  fiobrisso  Jhe  requeressem  que  se  posesse  em  juaiicja 
pareceria  que  despbedeqião  aoe  mandados  dei  Rey  9  a 
quS  perlencia  julgar  cuja  eca  a  gcueroao^a  &  nâo  a  01»» 
.4rem,  por  lanio  que  w^  vioda  a  Goa  era  escusada,  poa- 
^ue  dSo  seruíria  de  biaii^  que  de  fazer  aluoro^o  na  gei^ 
\iò^  que  era  uecessarío  que  esteuesse  quieta  pêra  |)eie- 
jar  com  os  Rumes  que  esperauâo,  requereudolbe  da  pafi- 
te  dei  Rej  que  não  ibsse  a  Goa»  £  bo  goueraador  ian»* 
bem  respondeo  largamen4e  por  parte  da  camará  a  }íi^to 
ttiazcarenhas  9  apdtaadolbe  i>  dereylo  que  iinba  oa  gi>- 
uernança^  &  como  era  sua.  £  de  tudo  foy  fejfto  quê  ae 
deu  a  Men  vâe  com  que  se  parlio  pêra  Fero  maacare- 
Abas  leuandolbe  tanibem  carias  dos  fidalgos  presos  e» 
i]Ue  Ibe  pedião  que  em  todo  caso  foaae  a  Goa,  porque 
4udo  se  feria  b8.  E  partido  MS  vaa ,  porque  \xç>  goiiefw 
nador  sabia  que  daqiH^lea  fidalgos  ^  eatauâo  pr^os  aJr 
gOs  f>So  linbâo  culpa  Sc  por  amor  da  amizade  Deytor  da 
ailueira  forao  na  conjura<^ão  mandou  os  pêra  as  pouaa^ 
4la8 ,  <&  lambem'  poios  ler  da  sua  parle ,  &  eslt^s  íorão 
Vasco  da  cunha,  dom  Trislào  de  oorooha,  Marli m  vaa 
|)»eb€«o,  liírge  da  ailueira ,  dom  Anrrique  deça,  CMog^ 
de  mirada  ,  Frõcisco  dataide,  SimSo  delgado,  Wuao  /efw 
ft»ndez  freyre^  dom  Francisco  de  crajilo,  Simôô  «odré^ 
&  a  Eylor  da  silueira,  Diogo  da  «ilueira,  d4>m  António 
da  silueira  &  dom  Wr^e  de  crasU» ,  por  serem  cabeças 
4a{|la  cottjuraçào  deixou  <)S  estar  na  forlaleza ,  &  a  Ayí- 
rea  cabraU  &  a  lor^e  4e  melo  por  serê  «M^ylo  malaia 
Mnles  &  ahioraçador^es  4e  pouo  mandou  os  leuar  á  ferta»- 
leza  4e  6e>rMiatarim  ,  *.  íj  os  f>rendesfWHn  em  ferros-  G 
no  cabo  Dago84o  -temSdose  aiíwla  Deylor.  da  silueina  ^ 
dos  outros  ^res  que  Ibe  tperjudicassem  &  4  wcreuiâo  a 
Fero  mai&careah^fi  4  fcMc  a  Gi4)í»  os  qaiaera  mãdar  a  (V 


hWUO  VII.  CâFITVLO  XXZV.  9% 

ebiin  mm  fafl  bergantim  :  o  que  não  careaeo  de  togpeiui 
•^ue  pêra  oiorrereni  no  mar  oe  nandaua  por  ter  ainda  h# 
tempo  nmylo  verde,  Sc  por  mo  ihe  eiea  requererflo  niii|r 
eatretUmenie  que  os  nÇo  mandaaae  por(|  oa  mandana  « 
morrer,  pelo  que  deixou  de  oa  mandar  &  tinha  aobrelea 
grande  recado,  &  eiea  também  ho  iinhfto  sobre  si  por«- 
que  se  reeeauâo  de  peçonha ,  &  andava  a  cousa  tio  da*- 
"•ada  de  parte  a  parte  que  tudo  se  podia  recear,  &  de 
iado  ae  podia  ter  sospeita. 

C  A  P  I  T  o  LO     XXXV. 

De  €úmo  Pêro  maxcarenhae  foy  iAedecido  por  gouema- 

dor  por  dom  Simão  de  meneses. 

J\.  prísam  destes  fidalgos  com  ^  ho  §fouernadbr  cny* 
dou  que  (icaua  mais  seguro  na  gouernança  ho  ouueria 
de  poer  em  risco  de  a  perder:  por^  sabida  por  Pêro  ma«^ 
carenbas  sua  prisaro  ^  &  recebendo  cartas  deles  da  cau^ 
ia  porque  fora,  &  como  se  temi2o  de  os  matar  com  pe» 
^nba ,  porque  ja  cometera  de  us  matar  no  mar  com  oa 
mandar  em  tem{M)  tão  verde  como  os  mandaua:  teue 
ousadia  de  a|)ertar  muyto  com  dom  Simão -()  ho  soltas^ 
ae  &  obedecesse  por  gouernador,  &  desobedecesse  hopo 
Vaz  de  sam  Pfi^^o:  pois  ele  como  tirano  quetia  forc^a* 
mente  tomar  a  ifouernança,  prendendo  aqeetes  I)  lhe  re^ 
queriSo  que  se  posesse  coele  em  jostiça,  &  buscando  ar* 
tes  pêra  os  matar.  E  parecendo  mu^toiiial  a  dom  Simãe 
a  prisam  daquelas  fidalgos  &  ho  mais  que  bo  ^onetoadoe 
fatia,  disse  a  Pêro  mascarenhas,  que  pois  ho  gouerna<> 
ddr  se  não  queria  poer  em  dereylo  sobre  a  gouernãça  aa 
não  tela  por  for<^ ,  o  I)  lhe  a  ele  parecia  mityio  mal  Q 
tinha  por  deshõrra  obedecelo  por  gouernador,  &  por  ia^ 
so  obedeceria  a  ele  Pêro  maaearenhas  pois  queria  justi^ 
ça,  o  que  fazia  por  pacifica^  da  índia*  E  porque  pa* 
recesae  asai  a  todos  ieuou  Pêro  mazearenbas  aa  igre)a 
da  fortales».  E  jQtos  ho  feytw ,  &  alcayde  qiór,  &  fisai 

L  2 


DUlfoa  offibiaes  da  justiça,  &  da  fazeda :  &  algfls  .fidal- 
gos &  Lodoa  o8  ou  iros  Q  iDorauao  na  fortaleza  &  arrabal- 
de:. h&  tabalião.  leo  em  voz  alta  a  subceasam  de  Pere 
jnazcarenhaa  >  que  fora  aberta  por  faleci mea to  de  doa 
Anrrique  dé.  meaesea,  &  ho  auto  Q  foy  feyto  da  eolret' 
ga  da  gouernança  a  Lopo  vat  de  saro  P.ayo  que  gouerr 
^fise  a  Índia  em  quaoto.  Fero  maxcareohaa  não  fosae 
ále  Malaca,  &  a  carta  do  vedor  da  fazenda  per  ^  bo  maar 
dou  chamar,  &  a  subceasaro  do  gouernador  com  todos  oi 
autos  &  requerimentos  que  forâo  feytos  da  resistência 
que  lhe  ho  vedor  da  fazSda  fez  ete  Cochim  ate  aquele 
dia.  E  despois  de  tudo  lido,  disse  Fero  mazcarenbas. 
Tudo  o  que  senhores  ouuistes,  vos  foy  iido  pêra  que 
saibais  quSo  sem  rezSo  &  sem  nhua  justiça  fuy  injuria- 
do, preso  &  mal  tratado:  &  que  se  nâo  poderá  mais  fa- 
aer  a  bQ  pubrico  mal  feytor  que  quisera  entregar  a  la- 
dia  aos  mouros,  do  que  me  fizera,  Afonso  mexia  em  me 
espancar ,  &  Lopo  vaz  ê  me  prender  sobre  a  mercê  (| 
me  S.  A.  fez  da  gouernança  da  Índia  por  muytos  &;  muy-y 
to  grades  seruiços  que  nela  &  em  outras  partes  tenbp 
feytos  a  S.  A.  &  a  ei  Rey  seu  pay :  &  agora  por.derra^ 
deyro  Ibe  segurey  Malaca  com  destruir  el  rey  de  Bin-: 
tão,  &  parecendome  que  vinha  receber  a  roerce  que  me 
fez  por  galardão  de  meus  seruiçbs  recebi  tanta  deshõrra 
&  tamanha  injuria  como  está  notório,  prineipaloiente 
Daioso  nieiia  que  polo  offiQÍo  que  tS  me  ouuera  d^  fa^ 
iiorecer  &  ajudar  querendo  me  Lopo  vaz  fazer  força,  & 
apacifícar  a  índia  como  pessoa  tão  principal  nela  por 
seu  officio:  &  ele  como  meu  iipigo  foy  o  ^  a  reooluea 
eom  querer  entender  por  me  fazer  mal  o  que  a  carta  de 
sua  alteza  não  diz^  &  tem  posta  a  índia  em  bãdos  &  dii 
uisões  &  è  perigo  de  se  perder,  &  Lopo  vaz  ho  ajuda 
por  sua  parte  em  não  se  querer  poer  comigo  em  justiça 
que  por  lho  não  pedir  quando  ya  a  Goa  me  prendeo  em 
ferros  como  a  tredor ,  &  por  força  tne  quer  tomar  a  go- 
uernança ,  &  diz  que  por  armas  ú  ha  de  defender,  &  bõ 
se  parece  pois  prende  &  mal  trata  a  todos  aqueles  que 


hVmO^VlU  CàVlTVSX^  XXKV.  85 

lhe  pedem  jusli^a  por  minha  parte.  E  pêra  se  isto  ver 
mais  claramente  prendeo  agora  os  principais  fidalgos  da 
índia  com  tanto  rigor  &  aspereza  como  que  forão  com«^ 
fveAdidos  em  Ireiçáo,  .&  dizem  me  que  ealá  determinai 
do  de  vir  cercar  esta  fortaleza  &  prfiderme  cd  ho  senhor 
capitão  sendo  tâo  certa  a  vinda  dos  rumes,  &  tudo  isto 
^oíú  bo  mais  que  tem  feyto  sam  mostras  verdadeyras 
idestar  leuãtado  com  a  índia  &  desobedecer  aos  mãda-^ 
dos  de  sua  alteza ,  &  cõtrariar  as  vontades  de  seus  vas^ 
4Milos  que  andão  na  índia,  que  aos. mais  parece  mal  esta 
tirania  de.  que  vsa.  E  pois  bo  ele  assi  faz,  requeiro  a  veé 
se&or  capitão,  &  ao  feytor,  &  alcayde  mór  &  a  todos  os 
outros  officiais  desta  fortaleza  da  parte. dei  Rey  nosso 
senhor  hQa  vez,  &  duas  &  três:  que  vista  a  cõtumacia 
^  Lopo  vaz  de  sam  Payo  de  se  nâo  querer  poer  comi<» 
go  em  justiça  sobre  a  gouernança,  que  coestes  officiaes 
ma  fitregueis  pôr  vossa  parte,  &  me  obedec^ais  por  go« 
uernador,  pêra  que  coeste  fauor  &  com  outros  que  es- 
pero ho  possa  constranger  a  poerse  comigo  em  dereyto 
.pêra  que  a  gouernança  fii}  a  cuja  for  &  se  pacifiquem 
estes  bandos  com  ^  a  índia  está  em  perigo  de  se  perder 
jpindo  08  rumes  como  esperamos.  E  coisto  fez  suas  pro* 
testações  de  não  ho  querendo  assi  fazer  lho  estranhar  et 
Hey ,  &  auer  por  eles  a  perda  que  recebesse  de  ho  nSo 
fazerem ,  pedindo  de  tudo  esiormêtos  com  suas  repostas 
ou  sem  elas.  Mas  não  foy  necessário,  porque  todos  res* 
penderão  ^  lhe  obedecerião  polaa  causas  que  dizia :  & 
Jogo  foy  jurado  por  todos  &  obedecido  por  gouernador 
da  índia  com  grande  festa.  O  que  logo  foy  sabido  em 
Cochim  9  &  como  foy  tempo  muytos  fidalgos  &  outras 
pesseas  honrradas  que  erâo  de  sua  valia  &  inuernauão 
em  Cochim  se  foxioi  parele,  &  assi  chegarão  a  Cananor 
algiís.  capitães  de  nauios  que  erão  fora  da  índia.  £  a- 
cbando.  que  Fero  mazcarenhas  era  obedecido  por  gouer- 
nador porque  Lopo  vaz  de  sam  Payo  não  se  queria  poer 
coele  em  iustiça  ficarão  coele :  &  coisto  estaua  muy to 
fauorecide.^ 


6t  IML  meroftfâ  ha  niiirâ 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXVI. 

Doi  requêrímentôi  qme  ft%  Pen  mazcaremkm  a  L&f$ 

voz  ae  iam  Payo^ 

vybedecido  jiero  maseareshM  por  goiíernâdor,  Sc  vêdo^ 
se  tão  fiiuoreeido  t  delerminou  daiier  de  sua  parle  a 
CbriíitcMiáo  de  aouaa,  port)  lhe  lembrou  que  a  carta  ||  Wnm 
eaereuera  de  auer  aua  príaam  por  boa  que  fora  maíi  po* 
lo  ver  preso  &  por  apaci ficar  a  índia  que  por  lhe  pare*- 
eer  resãu  prenderSaot  8c  pois  esiaua  solto  &  obedecido 
por  gouernador^  &  se  queria  poer  em  Ju8ii<pi  sobre  cuja 
era  a  gouernàija  (}  seria  da  sua  parte.  G  peraisiolbe  mft» 
dou  1)3  requerimento  em  que  relalaua  todo  ho  passado^ 
requerèduihe  juntamente  e5  dom  Simão  &  c5  outros  o& 
iiciaes  da  fortaleza  que  requeresse  a  Lopo  vaz  de  sam 
Payo  que  se  posesse  coele  em  justiça ,  &  não  querendo 
que  lhe  desobedecesse,  &  obedecesse  a  elp  que  querÍ4| 
justiça  &  pacificação  da  índia.  B  ooeste  requeri mentQ 
fliandou  Francisco  mendez  de  vascuncelos  que  pêra  esta 
caso  fez  seu  procurador.  R  partido  Pranoiscu  mSdez, 
mandou  outro  requerimêlo  ao  gouernador  &  dÕ  Simão 
outro  pêra  ^  soltasse  aqueles  fidalgos  {[  estauão  presos ^ 
&  a  eles  todos  cartas  de  nuiylo  esíbrço  que  perderia  a 
vida  sobre  os  soltar,  dizendi»ihe  o  que  era  feyto  &  o  que 
esperaua  de  íiizer:  &  a  primeyra  coesa  que  fez  quem 
lhas  leuaua  lhas  deu  em  chegando  a  Goa ,  &  despois  oa 
requerimentos  ao  secretario  que  os  deu  logo  ao  gouep* 
aador,  &  então  soube  ele  a  soltura  de  Pêro  mazcara* 
obas  &  como  era  obedecido  por  gouernador ,  &;  lha  pe« 
sou  de  ho  fiar  de  ninguém,  &  vio  i\  bo  ouuera  da  ter  em 
Goa  ou  fi  Cocbim,  &  temeose  que  entrasse  de  supito  eai 
Goa,  por^  soube  ^  os  presos,  &  os  Tanadares,  &  capi- 
tães doe  pasos  da  ilha,  &  muytos  cidadãos,  IbQ  tinha 
soritu  Q  fosse  a  Goa,  por^  todos  estauão  prestes  pêra  ha 
ajudar  a  restituir  em  sua  bonrra.  E  por  isso  mandou  a 


LlUkO  Til.  CAPITtrLO  XMXVU  91 

SíidSo  de  melo  seu  sobriobo  Q  fosse  guardar  a  barra  de 
Goa  a  velbi5  cem  bua  galeoia,  &  com  hã  bargantim, 
porque  por  ali  Ibe  pareceu  que  entrasse  Pêro  niazcare* 
Jlbatv^^^  mandou  que  fosse*  preso^  &  leuado  a  Goa :  & 
estando  hi  SicHão  de  melo  aos  descameis  dias  Dagosto, 
chegarão  a  Goa  dous  capitães  de  duas  nãos  ^  ho  ãno 
Mssaido  partirão  de  Portugal ,  &  ioueroarão  em  Moçan- 
wQ«  £  09  capitães  erão  António  dabreu,  de  que  faiei 
Jio  liuro  Terceiro,  ^  Vieente  gil  filho  de  Duarte  trisiio 
Atmador  de. unos,  8f,, indo  eai^^s  faj^r  «o  gourm^dur,  ele 
)bes  contou  bo  que  passuua  aptrele  y  U  Pêro  niazcarer 
nbas  sobre  a  goueroancjft)  &  pêra  lhe  darem  seu  parecer 
«e  era  geuernador  por  dereitOf  Ibeg  mostrou  as  prouitiões 
fNissadiis,  &  a  carta  dei  rey  pêra  Afonso  mexiti,  fi  que 
dilua :  ^  das  outras  prouisões  se  n&o  vsasse ,  &  Ibas  leip 
liasse  çeri^adaS)  &  deuibes  juramento  que  verdadeirantS** 
le  Ibe  disesseo»  #eus  peref  eres :  &  eles  lhe  jurarão  qua 
^ntendiâo,  que  ele  era  gouerqador,  &  os  que  tinhão  be 
eontrairo  deseruijtomuyto  e|  rey.  £  despois  disto  ao« 
iseie  dias  de  Setejnbro^  ebegarft  a  Goa  outros  dous  ca«r 
pitges  da  armada  que  aquele  anno  partira  de  Portugal, 
de  que  foy  capitfto  níi6r  lÚanuei  de  lacerda,  ^  forão  seus 
l^apitAes  Cristuuào  de  mfidoi;a  capitão  Dorgiux,  n^  va^ 
gante  de  Diogo  de  melo,  AteinQs  dabreu,  Gaspar  de 
paiua,  fki  Baltfcfsar  da  silun,  U  Manuel  de  lacerda,  ic  A* 
Jeixos  dabreu  ,  se  perd^erS  m  ilha  de  sasa  Lourenço  por 
i>ult»fi  dos  sá^os  pilotps,  &  Baítesar  d^  situa,  U  Gaspar 
áe  p3Íua,  chegjHrào  a  Goa  a^s  seis  de  Setembro:  &  tamr 
|>e«i  <4irao  |>r%fgMtadu9  p^Ju  goyeriiador,  copoo  António  da- 
breu  íl  Vi^çenie  gii ,  ^  responderfte  C1O9D0  eles,  &  4e  tu^ 
do  mâdi>u  fa^r  iiQ  H^t9$  que  (vj  por  eles  assinado,  & 
por  dom  lolto  deiga  cMnba.4o  dp  {ouernador,  U  por  Fiã* 
(sisco  peM^yf  a  de  berf edu ,  qiie  nas  meamas  nãos  forão 
de  Pâ>r(ug^l,  bO  priMMido  da^iayitMnÍA  de  Cananor,  ou? 
Iffa  da  de  CbauJ,  nas  ^agites  de  dom  Siinao,  &  de  Cria-' 
toufto  deipusa»  M^  mU9  se  ie?  aoa  dea  dias  de  .Setembro» 


8S  1U  HHTOBIA  DA  INBIJl 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXXVII. 

De  como  Fero  mazcarenhas  foy  obedecido  por  gauemeh 

dor ,  por  CrisUmâo  de  sauia^  > 

l\  este  (p5  4eue  Crisloulo  de  soosa  nonas  niiiyl0 
eerlas  que  Raix  i^imão  cafiilâo  mór  da  armada  doe  Ru* 
mes  era  «orto,  &  (}  morrera  em  hua  batalha,  {)  ca  mea^ 
mos  Rumea  ouuerâ  hQs  c5  os  euiroa  aobre  desauen^ 
<|ue  recreceo  antre  elea,  &  que  era  Canta  gente  morta  ^ 
&  a  armada  ficara  (So  daneíicada  {|  se  tornara  pêra  çuez^ 
&  que  ja  aquele  anno  nem  tão  asinha  podiSo  passar  aa 
índia.  E  após  estas  nouas  chegou  Francisco  roendes-d# 
vaseScelos  que  mostrou  a  ChristouSo  de  sousa  per  autoa 
pubricos  como  dÕ  Simão  tinha  obedecido  por  gouerna« 
dor  a  Pêro  mazcarenhas  por  lhe  parecer  que  assi  cum* 
pria  a  sua  leaidade  &  á  menagem  que  tinha  dada  de 
não  obedecer  se  não  a  el  Rey.,  ou  a  seu  certo  recado 
que  linha  que  era  Pêro  mazcarenhas  de  cnja  parte  & 
de  dÕ  Simão  lhe  deu  os  req  um  mentos  que  lhe  leuauat 
&  assi  os  que  fizerão  ao  gouernador  pêra  ()  se  posessta 
em  justiça,  &  o  que  ele  fizera  aos  que  lhos  ieuarão:  & 
assi  lhe  mostrou  per  papeis  todo  bo  mais  que  tinha  fey* 
lo,  &  como  determinaua  de  ir  cercar  Oananor,  reque* 
rendolhe  por  derradeyro  como  seu  procurador  que  lhe  o* 
bedecesse  como  lhe  tinha  obedecido  com  todos  os  capi- 
tães &  fidalgos  da  índia  quando  se  abrira  a  sua  subces* 
sam.  Ouuido  tudo  isto  &  visto  por  Christouão  de  sousa^ 
vio  que  era  necessário  entender  em  cousas  de  tanta  im* 
portancia.  E!  juntos  a  conselho^  ho  feytor  ta  alcayde  mór 
&  os  outros  ofiiciaes  da  fortaleza:  &  assi  os  fidalgos  qu# 
inuernauão  coele  que  era  a  mór  parte  dos  que  andauâo 
na  índia  propôs  lhe  a  prisam  Deytor  da  silueira&doa 
outros  fidalgos,  &  ho  escândalo  que  isso  fizera,  em  tã* 
to  que  da  hi  tomou  dd  Simão  eausa  pêra  soltar  Pêro 
mazcarenhas  &  ho  obedecer  por  gouernador  ,  &  lhes 


LIVEO  VII.  CAPlTVLO  XXXVII*  8S 

mandou  ler  os  requerioiêlos  que  tlanles  disso,  &  des- 
•pois  forão  feylos  ao  gouernador,  &  o  que  the  fasião  Pe« 
ro  mazcarenbas  &  dom  Situão.  E  ouuido  tudo  por  eles 
ficarão  muyto  escandalizados  da  prisam  dos  fidalgos ,  & 
do  gouernador  mostrar  que  por  força  queria  ter  a  gouer- 
fiança,  assi  em  palauras  como  em  obras,  peio  que  de  ce* 
mfl  acordo  rej}reráo  todos  a  CbristouSo  de  sousa  que 
pois  Pêro  mazcarenbas  era  solto  &  obedecido  por  gouer^ 
fiador  j  &  Lopo  vaz  de  sam  Favo  nã  queria  poerse  em 
justiça ,  j}  pêra  pacificação  da  Índia  deuia  dobedecer  a 
Fero  mazcarenbas ,  com  declaração  que  em  todo  ho  16* 
po  (}  Lopo  vaz  se  quisesse  poer  em  justiça  coele  que  se 
pusesse.  E  isto  se  deuia  de  fazer  logo  ates  que  Lopo  vaz 
aquerisse  méres  forças  das  qiie  tinha,  &  se  posesse  em 
querer  determinar  aquele  caso  por  armas  como  se  aíBr* 
oiaua.  E  por  esta  rezão  &  outras  muytas  que  se  derão, 
&  mais  porí)  a  índia  nã  se  podia  pacificar  doutra  ma* 
neyra,  pareceo  bS  a  Christouão  de  sousa  obedecer  a  Fe- 
ro mazcarenbas  cÕ  a. declaração  que  digo,  &  com  deter* 
noinaçâo  de  fazer  todas  as  võtades  que  podesse  a  Lopo 
Taz  de  sam  payo,  como  despois  pareceo  quando  esteua 
com  Fero  mazcarenbas  a  juizo,  como  direi  a  diante,  no 
que  se  vio  (\  sómSte  por  pacificação  da  índia,  &  por  ser- 
uir  nisso  a  Deos  nosso  senhor  &  a  el  rey ,  fez  esta  obe- 
diência a  Fero  mazcarenbas,  &  nã  por  outro  nbn  inte- 
resse nem  proueito  que  pretendesse.  E  acordado  per  to- 
dos que  Fero  mazcarenbas  se  obedecesse  por  gouerna-^ 
dor,  &  obedecido  por  esse  cô  autos  pubrícos  que  disse 
forão  feytos,  &  assinados  por  todos,  mâdarão  logo  hu  re- 
querimêto  ao  gouernador  que  soltasse  os  fidalgos  que  es* 
tauã  presos,  &  se  posesse  em  justiça  com  Fero  mazca^ 
renhas*  E  Cristouão  de  sousa  lhe  screueo  bQa  carta,  em 
que  lhe  daua  as  rezões  porque  obedecera  a  Fero  mazca-^ 
renhas,  &  a  declaração  com  que  se  fizera,  do  J\  bo  go^ 
uernador  não  foy  contente ,  nem  quis  responder  ao  re- 
queriínSto  que  lhe  foy  dado,  antes  ajQtou  bila  armada; 
de  que  fez  ca|ritã  mór  a  António  da  silueira  de  roeneses 

LIVRO    VII.  M 


to  »A  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

seu  genrro,  &  lhe  mandou  que  fosse  coela  a  Chaul,  flt 
requeresse  a  Cristouão  de  sousa  que  Ibe  eutregasse  a  af^ 
anada  que  lá  eslaua^  &  que  entregasse  a  captlania  da 
fortaleza,  a  Francisco  pereyra  de  berredo,  por  quanto 
seu  (empo  era  acabado,  &  ele  vinha  prouido  dela  por  el 
rey.  £  chegado  António  da  silueira  a  Chaul,  Cristouáe 
de  sousa  não  cõsenlio  que  se  desembarcasse,  porque  sa** 
bia  que  ho  gouernador  não  quissera  re8|)onder  ao  ses 
requerimento  ,  &  viose  coeie  nu  mar ,  estando  cada  hl 
em  seu  bargantim:  &  ouuindoCristouâo  de  sousa  ho  re- 
cado do  gouernador,  respondeo  que  nhQa  cousa  daque- 
las auia  de  fazer,  porque  tinha  mandado  em  conlrairo 
de  Pêro  mazcarenbas  seu  gouernador :  sobre  ho  que  An- 
tónio da  silueira  lhe  fez  muytos  requerimentos.  £  asai 
Francisco  pereyra  sobre  lhe  entregar  a  capitania  da  for* 
taleza  ,  protestando  por  seus  ordenados ,  proes  ,  &  per- 
calços ,  &  disso  tomarão  ambos  estromenios» 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXVIII. 

De  como  dam  Garcia  Anrriqutzfez  pazes  c6  el  tey  df 

Tidore. 

jTlLtras  fica  dito  come  per  António  de  brito  ^  fora  capi« 
tã  da  fortaleza  de  Maluco  leuar  dela  mu^ia  gSte,  &  ou** 
trás  muitas  cousas  necessárias  pêra  defensão  da  forla^ 
leza,  de  que  auia  grande  necessidade,  mandara  dom 
Gareía  ai>rriquea  a  Martira  correa  2)  lhas  fosse  buscar  á 
ilha  de  Banda,  a  quaesquer  nauios  de  Portugueses  que 
bi  osteuessè.  £Mariim  correa  chegou  aBâda  quasi  per* 
dido,  cora  bú  brauo  temporal  4  lhe  deu,  &  valeolhe  An^- 
tonio  de  brito  que  ainda  ali  estaua*  £  logo  despois  de 
ele  chegar  ,  chegou  de  JMalaca  em  hD  nauio  hú  fidalgo 
chamado  Manuel  falcão,  ^  Pêro  mazcarenbas  mandaua 
por  capitão  mór,  de  certos  jungos  de  mercadores^  em 
que  ya  híi  Fernão  baldaja  por  scriuâo  da  fpyloria  de  Ma'* 
íuco  com  fazenda  parelu,  que  logo  ftlartim  correa  reco- 


LIVRO  VII»  €Ai»lTVLO  XXXIX.  BI 

Iheo  DO  teu  nauío.  E  por  ele  saber  da  genle  da  terra  y 
que  viram  passar  duas  velas  da  feição  das  naoa  Porlu* 
guesas  por  ãire  aquelas  iihas,  pareceolhe  que  aerião  naoa 
de  CaatelhanoS)  ^por  não  aentir  lugar  pêra  onde  naquele 
tempo  fossS  nãos  Portuguesas,  &  receando  l\  se  fossd 
Castelhanos  iriâo  pêra  Maluco,  &  poerião  em  perigo  a 
nossa  fortalesa,  por  a  pouca  gente  que  lá  íicaua,  &  me- 
noa  mujiiçÕea  cò  que  se  defendesse,  requereo  a  Antó- 
nio de  brito,  &  a  Manuel  falcão  que  fossem  socorrer  a 
fortaleza  de  Maluco  por^  n&  se  perdesse:  &  António 
de  brito  nSo  quis  ir ,  &  Manuel  falcão  si ,  &  leuando  a 
mais  genle  que  pode  partira  ele  &  Marlim  correa  pêra 
Maluco,  &  forão  surgir  na  ilfaa  de  Ternate,  &  desem^ 
barcados  se  forão  pêra  a  fortaleza,  onde  acharão  que 
dom  Garcia  andaua  è  concerto  de  paxes  com  el  rey  de 
Tidore.  Do  que  Gacbil  daroes  não  era  contente,  porque 
afora  ver  que  perdia  muyta  parte  do  mando  que  tinha 
auendo  pazes,  &  que  os  Portugueses  não  teriSo  dele 
tanta  necessidade  como  tinhão,  receauase  que  com  a 
paz,  el  rey  de  Tidore  ho  mandasse  matar  com  pecjonba^ 
pelo  mal  qae  lhe  tinha  feyto  na  guerra.  E  com  quãto 
^  dõ  Garcia  isto  sabia,  fez  toda  via  a  paz  com  ei  rey  de 
Tidore,  com  condição,  que  dentro  em  seis  meses  ter'* 
nasse  el  rey  a  artelharia  que  fora  tomada  na  fusta  {}  dia-* 
se,  &  todos  os  scrauos  dos  Portugueses  que  andauão 
fugidos  è  auas  terras ,  &  assi  ho  mais  que  ae  achasse 
qu0  Uies  ibra  tomado.. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIX. 

De  como  dó  Garcia  anrriquez  tomou  a  quebrar  a  paZé 

Mj  eyta  esta  paz,  sabendo  ed  rey  de  Tidore  qufl  desc5« 
tente  Cachil  daroes  estaua  dela,  polo  contentar  lhe  man* 
dou  dizer  que  casaria  com  ele  hOa  filha  se  quisesse ,  & 
isto  fazia  porque  como  cabia  que  iioba  muyto  credito 
com  os  Portugueses,  receou  que  por  amor  dele. quebras^ 

M  2 


%t  BA    HISTORIA    BA    ÍNDIA 

fiem  a  paz^  do  que  ele  receberia  muyla  perda,  &  por 
1880  queria  ler  seguro  Cacbil  daroes  com  amizade  &  pa- 
Fenlesco.  E  sabeodo  dom  Garcia  bo.que  el  rey  deTido- 
re  cometia  a  Cacbil  daroes,  &  que  ele  folgaua  de  bo  a- 
cettar,  trabalhou  muylo  polo  estoruar,  porque  via  cla- 
ramente que  desta  lianqa  dei  rey  de  Tidore  coro  Cacbil 
daroes,  auia  de  resultar  fazerSihe  algua  Ireição,  &  que 
com  a  paz  se  auia  el  rey  de  Tidore  de  querer  vingar 
dos  Portuguezes ,  do  mal  que  lhe  fizerão  na  guerra ,  & 
vendo  que  náo  podia  estornar  bo  casamêlo ,  determinou 
de  bo  estornar  com  quebrar  a  paz,  &  pêra  que  mostras- 
se ter  rezão  de  a  quebrar,  mandou  logo  pedir  a  artelba« 
ria  a  el  rey  de  Tidore,  posto  §  nao  era  comprido  bo  pra- 
zo em  que  lha  auia  dentregar,  &  quando  lhe  foy  este  re* 
cado,  estaua  ele  muyto  doente,  &  com  tudo  respondeo 
como  bomS  que  queria  amizade ,  que  não  podia  logo 
mandar  a  artelharia,  por  ter  dada  algua  a  eí  rey  de  Ba* 
cbSo,  &  a  outros  reys  4  bo  ajudarão ,  que  como  a  ajun* 
tasse  a  mandaria ,  &  os  scrauos  mâdaria  logo  pedindo  a 
dom  Garcia  que  lhe  mâdasse  algfi  medico  pêra  bo.cu* 
rar^  &  ele  mandou  bu.  boticairo,  que  lhe  deu  pe<^onba 
oom  que  bo  matou  6  poucos  dias.  Ê  sabendo  dom  Gar- 
cia que  era  morto,  determinou  de  tomar  a  cidade,  em 
quanto  os  moradores  dela  estauão  tristes  pola  morte  dei 
rey,  &  descuydados  da  guerra.  E  tendo  sua  gente  prés» 
tes  pêra  isso,  mandou  hQ  recado  diante  ao  regedor  do 
reyno  que  lhe  mãdasse  logo  a  artelharia  se  não  que  auia 
a  paz  por  quebrada :  &  por  ainda  a  este  tempo  bo  corpo 
dei  rey  esteuesse  por  enterrar^  respondeo  que  como  (os* 
se  enterrado  logo  daria  a  artelharia  &  ho  mais.  Dom 
Garcia  que  não  queria  outra  cousa  mandou  embarcar 
sua  gente,  &  embarcada  tornou  a  mandar  pedir  a  arte- 
lharia, &  se  lha  nSodessem  logo  que  auia  a  paz  por* que- 
brada. E  Fernão  baldaya  que  leuou  este  recado,  não 
quis  sair  em  terra  &  mandou  ho  do  mar:  &  sendolhe 
cespondído  polo  regedor  &  mandarins  que  tanto  quea- 
eabassem  bd  conselho  em  que  estauão  pêra  fazerem  rey^ 


UVRO  Vir*    CAPITVLO  XU  9S 

logo  aatbfariáo  a  dom  Garcia.  Ao  que  FernSo  baldaya 
B&>  respondeo :  mas  eom  bu  pregão  lhe  notificou  ^  dom 
Garcia  aula  a  paz  por  quebrada^  &  lhe  pregoaua  a  guer- 
ra. £  coifito  feylo  se  tornou  a  dom  Garcia  que  ya  por 
eaminbo,  &  Stenianhaã  chegou  ao  porto  da  cidade  de 
Tidore  cujos  moradores  assi  pola  tristeza  da  morte  dei 
tej  como  polo  descuydo  que  ibe  causou  a  confiança  que 
tinhão  na  paz  estauão  de  todo  desapercebidos  pêra  se 
defenderem ,  &  por  isso  como  sintirão  que  os  Portugue- 
ses desembarcauão  fugirão  da  cidade ,  em  que  entrados 
os  Portugueses  não  acharão  Q  fazer  saluo  poerlhe  ho  fo* 
go  com  que  queimarão  a  mayor  parte  dela  &  tomarão 
sete  peças  darteibaria.  £  destruída  a  cidade,  tornarão- 
se  á  fortaleza :  &  deste  fey to-  ficarão  os  Portugueses  em 
nuyto  descrédito  com  toda  a  gente  daquelas  partes  & 
os  tinhão  por  tredores ,  &  que  não  goardauão  sua  fé ,  & 
assi  no  reyno  de  Bacbão  comoem  outros,  a  que  dantes 
yfio,  lhes  foy  defeso  que  não  fossem  lá  mais,.  &  não  forão. 

CAPITVLO    XL. 

De  como  dom  lorge  de  meneses  indo  pêra  a  ilha  de  Ter- 
natefoy  ter  á$  ilhas  dosPaptuis  onde  inuemou. 

Uom  lorge  de  meneses  ^  ya  por  capitão  da  fortaleza 
de  Maluco  partio  como  disse  pêra  Malaca  com  regime'^ 
to  de  Pêro  mazcarenbas  que  fosse  pela  via  de  Borneo 
pêra  se  acabar  de  saber  a^le  caminho  por  Õde  se  escu- 
saua  a  detença  que  se  fazia  eni  Banda  esperando  por 
monção.  £  porque  não  pude  saber  o  que  aconteceo  a  dÒ 
lorge  nesta  viagem ,  não  direy  mais  se  não  que  foy  ter 
atraues  das  ilhas  do  Morro  setenta  legoas  da  nossa  for- 
taleza :  &  chegando  ali  hii  dia  sobre  a  tarde  foy  deman* 
dar  a  terra ,  &  sendo  muyto  perlo  dela  mandou  sondar 

eera  surgir  afastado  da  terra  segundo  bo  costume  dos 
ortugueses ,  mas  como  derrador  daquelas  ilh«is  não  se 
Hoha  fundo  se  não  lendo  as  nãos  as  proas  em  terra.  Dom 


\ 


tf4  9A  HlSTOAÍá  HA  INOIA 

loTge  que  isto  não  sabia,  nem  cooliecia  a  terra :  nSo  ou-* 
90U  de  surgir  &  afaslouse  pêra  ho  mar.  JB^  vendo  os  da 
terra  que  ae  afaslaua,  meterâose  algOs  ê  duas  almadiaa 
fc  forâose  pêra  as  nãos ,  porS  não  sabendo  se  erão  de 
Portugueses  se  de  Castelhanos»  não  ousará  de  chegar  a 
elas ,  &  falarãlhe  hu  pouoo  de  lonje ,  &  por  das  nãos  os 
chamarS  &  acenarem  cÔ  panos,  chegou  bOa  almadia  a 
bordo  dSa  das  nãos,  de  {)  pergíitarão  á  gente  dela  pola 
nossa  fortaleza  &  poios  Portugueses  9  de  Q  lhes  nã  sou-* 
berão  dar  nhua  noua :  &  por  nisto  anoitecer  se  afastará 
os  da  almadia  das  nãos,  &  se  forão  leaando  três  beira^ 
mes  vermelhos  que  lhes  os  Portugueses  dera.  E  idas  as 
almadias ,  despois  l\  foy  bS  noj^te  acalmou  bo  vento ,  & 
dõ  lorge  ficou  s3  remédio,  por^  como  não  podia  surgic 
por  não  auer  fundo,  nè  se  podia  chegar  a  terra  por  lhe 
faltar  ho  vento,  escorreo  por  antre  aquelas  ilhas  cò  as 
agoajSs  ^  ali  correm  fortemente,  &  indo  assi  foy  cair 
no  golfão  que  se  faz  antre  estas  ilhas  &  ho  estreito  de 
Magalhães ,  onde  lhe  sobreueo  hu  brauo  temporal ,  com 
^  a  sua  nao,  &  outra  dp  sua  cSserua  forao  a  Deos  mi* 
sericordia  ale  as  ilhas  que  chamão  dos  Papuas,  donde 
or  amor  dos  ponentes  que  ventauao  não  pode  tornar  a 
alqco  se  não  no  Mayo  seguinte,  de  mil  &  quinhentos 
&  vinte  sete:  cõ  os  leuates,  &  ãdou  por  aquelas  ilhas 
seis  meses  cõ  asaz  de  fadiga ,  &  adoeceolhe  &  roorreo- 
Ihe  algua  gente. 

C  A  P  I  T  O  L  O    XLI. 

Da  segunda  armada  que  fio  Etnperador  mandou  ás  ilhas 

de  McUuco. 

lyi  o  liuro  Sexto  6ca  dito,  como  hiia  das  nãos  da  arma* 
da  de  Fernal  de  magalhaSs  cÕ  que  ya  descobrir  Maluco 
tornou  a  Seuilha  com  Crauo,  &  sua  tornada  &  a  mostra 
do  Crauo  ^  leuou,  deu  causa  ao  Emperador  Carlos,  má* 
dar  outra  aroiada  doutras  cioco  nãos  ^  fosse  a  Maluco 


^ 


LIVKOr  Vin   CAIPITVLO  JILI.  96 

a  fazer  fortaleza  na  ilha  deTidore^  pola  amizade  que  os 
Castelhanos  acharX  ê  ei  rèy  deisa  ilha,  &  desla  armada 
foi  por  capitão  mor  hfl  frey  Garcia  de  loaeis  frade  du- 
toa  daa  ordês  da  catialdriá  de  Castela ,  &  desta  armada 
BÓmSte  a  capitaina  passou  a  Maluco  com  outro  nauio 
mais  pequeno,  porem  sem  ho  capitão  mór,  de  que  não 
soube  ho  t^  fez.  E  desta  naò  que  digo  era  capitão  bum 
fidalgo  Biscainho ,  qUe  auia  nome  JMarti  inheguez  de 
Carquicios,  que  era  justiça  mor  da  armada,  &  chegado 
a  hila  ilha  soube  como  os  Portugueses  tinbáo  fortaleza) 
&  armada  na  ilha  de  Ternate,  &  por  isso  recolheo  a 
gente  do  nauio  na  nao,  &  ho  queimou,  &  ticou  com  tre-» 
zStos  humês  todos  escolhidos,  com  que  seguio  sua  viajfi, 
&  foj  ter  a  traues  das  ilhas  do  Morro,  no  mesmo  insta* 
te  que  dÕ  lorge  ali  foy  ter,  &  ouue  vista  dos  nauios  em 
Q  ya,  &  por  lhe  auer  medo  que  conheceo  serem  dos  Por* 
lugueses  se  escòdeo,  &  foise  ilieter  no  golfão  <}  chamão 
de  Camafo,  cuja  terra  era  dei  rey  de  Tidore,  &  por  oS 
moradores  conhecerem  Q  erão  Castelhanos,  polo  que  sa* 
biâo  da  amizade  que  ei  rey  tinha  coeles  os  receberão 
muyto  bem.  E  us  Castelhanos  sabendo  a  guerra  que  os 
Portugueses  tinhão  feyto  a  el  Rey  de  Tidore,  promete- 
rSolbe  de  os  vingar  deles  cora  lhes  tomar  a  fortaleza  & 
matarênos  a  todos  &  comerênos  assados,  &  outros  muy* 
tos  feros  com  que  os  da  terra  eslaufto  muy  salisfeytos, 
&  dauãlhes  tudo  sem  dinheiro,  &  assombrauão  coeste 
fauor  os  moradores  doutros  lugares  dei  Rey  de  Ternat^ 
oossoa  ami^oa. 


M  nk  HISTORIA  DA  INIXA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLII. 

De  como  chegou  hua  nao  de  Castelhanos  ás  ilhas  de 

Maluco. 

xjl  noua  deates  dous  nauios  <le  dom  Tor^e  de  meneeeg 
9  forão  vislos  antre  aquelas  ilhas  do  Morro  foy  ter  á  ilha 
de  Temale ,  donde  se  deu  a  dom  Garcia  anrriquez  sem 
declaração  se  erão  os  nauios  de  Portugueses  ou  de  Cas* 
telhanos.  E  como  isto  6caua  duuidoso  togo  dom  Garcia 
determinou  de  saber  a  verdade  porque  receaua  serem 
Castelhanos,  &  mandouho  saber  per  Martim  correa  que 
foy  em  hQa  cura  cura  com  hfl  soo  Português  chamado 
Diogo  da  guerra  por  saber  bem  a  ling^oa  da  terra,  &  a 
outra  gente  forão  Mandarins.  E  nesta  cora  cora  foy  ter 
aCamafo  a  hum  lugar  dei  rey  de  Temale,  onde  foy  cer« 
iiíicado  ser  a  nao  de  Castelhanos,  &  de  quão  fauorecf- 
dos  08  vassalos  dei  rey  de  Tidore  estauão  roeles,  &  que 
tinhão  grande  armada  ^  &  conselharãlbe  t{  não  fosse  lá 
porque  Martim  correa  ho  quisera  fazer.  E  vendo  que  bo 
aconselhauão  bem  tornouse  pêra  a  fortaleza  com  aquela 
noua :  que  sabida  per  dom  Garcia  mandou  com  conse* 
lho  hQa  armada  a  esperar  esta  nao  quando  fosse  de  Ca« 
mafo  pêra  Tidore  que  assi  cuydarão  que  fosse :  &  a  ca* 
pitania  moor  desta  armada  deu  a  Manuel  falcão,  &  fo« 
câo  nela  setenta  Portugueses  em  dous  nauios ,  &  Cachíl 
daroes  leuauã  doze  carascoras.  E  chegando  Manuel  faU 
cão  ao  meyo  do  caminho  mãdou  polo  ouuidor  da  forta- 
leza hQa  carta  que  leuaua  de  dom  Garcia  pêra  Martim 
inheguez  que  lhe  ele  foy  dar  em  saindo  do  golfam  de 
Camafo :  &  isto  pêra  ter  achaque  de  ver  a  nao  como  ya 
apercebida,  &  ho  numero  dos  Castelhanos.  O  que  tudo 
ho  ouuidor  vio  muyto  bem,  &  Q  a  nao  ya  miiyto  bem 
artilhada  &  c5  muytas  armas,  &  os  Castelhanos  serião 
trezentos.  E  Martim  inheguez  lhe  deu  azo  pêra  que  ho 
visse  muyto  bem  &  ho  dissesse  a  dom  Garcia,  que  ele 


LlVnO ! vir.  CA^PITVLO  XLft.  97 

mbia  béitt  quão  pouco  poder  trnha  assi  de  géDte  como 
dottiras  cousas  que  tudo  lhe  disserSo  os  da  terra :  &  poc 
isso  estaua  muyto  sobre  os  Portugueses  &  ifão  os  tinha 
em  conta,  mas  nem  por  isso  deixou  de  responder  á  car*? 
ta  de  dom  Garcia  cô  muytos  offereciroentos  &  cortesia. 
E  despedido  hoouuidor  coesta  carta  seguio  sua  viagem 
pêra  Tidore,  onde  chegado  &  metida  a  nao  dentro  no 
arrecife,  mandou  fazer  na  entrada  dele  dous  baluartes 
de  pedra  ensosa  (}  artilhou  muyto  b6  com  algda  arteUia- 
ria  da  nao:  &  estes  -goardauSo  a  Strada  do  porto,  &  a 
nao  estaua  defronte  cÕ  a  artelharia  Q  lhe  ficou,  Q  pare*» 
cia  hOa  fortaleza.  E  ho  ouuidor  de  dõ  Garcia  despois  ^ 
^e  despedio  deMartim  hinheguez  tornouse  alManuel  fal* 
cão  Q  sabSdo  ho  modo  de  {{  a  nao  estaua  ouue  por  escu« 
sado  cometeia  !do  \Ho  singelo,  &  tornouse  pêra  a  forta^ 
leza  &  deu  cota  a  dõ  Garcia  do  l\  achou.  E  Martim  hi- 
nheguez de8|X)is  ^  se  fortaleceo  como  digo ,  mãdou  di* 
zer  a  dÕ  Garcia  por  hfl  homS  desses  principais  ^  yão 
coele,  Q  ele  era  ali  vindo  por  mSdado  do  Cmperador  seu 
senhor  cujas  a!)las  ilhas  erão,  assi  por  estarê  na  sua  de* 
marcaçSo,  como  por  Fernão  de  magalhães  seu  vassala 
lhas  descobrir  polo  ^  tinha  tomado  |)os8e  delas,  &  mais 
as  tinha  per  hfia  senteça  !)  ouuera  contra  el  Rey  de  Por<- 
tugal :  &  por  estas  causas  todas  despois  de  estas  ilhas 
serê  descobertas,  ficarão  ali  trita  de  seus  vassalos  f\  fo-^ 
rão  na  sua  armada  cÕ  feytoria  em  fi  ficara  muyta  fazen- 
da,  &  bS  xl.  peças  dartelharia ,  &  ^  não  acbaua  nhQa 
cousa  destas,  &  ^  os  da  terra  lhe  diziâo  Q  os  Portugue* 
ses  tomarão  tudo  &  matarão  os  Castelhanos  {)  ficarão  na 
feytnria,  &  mais  os  achauão  cÕ  fortaleza  feyta  nas  ter-> 
ras  do  Emperador  sem  sua  licfiça  ^  folgaria  de  saber  a 
rezão  í\  os  Portugueses  teuerão  pêra  fazerS  estas  cou- 
sas :  por^  de  tudo  auia  de  tirar  estorroStos  pêra  se  Qi<» 
xar  ao  Emperador.  E  chegado  este  messageiro  a  dòGar*» 
cia  lhe  disse  tudo  isto:  ao  {}  ele  respondeo,  !\  aquelas 
ilhas  &  outras  muytas  não  erâo  nê  forâo  nãca  do  Empe- 
rador, nè  lhe  podião  caber  ê  sua  àewsLf ca^Oy  porQ  n& 

LIVRO    VII.  N 


99  BA   JbItTORKA  BA   I149U 

m  auia  &  Q  a  ouuesse,  ele  sabia  certo  nã  ih#  eabérft  ne^ 
U,  &  £[  se  ouuera  sêlfiça  cdlra  el  rey  seu  seAor  a  veria^ 
por  os  Q  a  derao  serem  seus  vassalos :  &  Q  tambfi  os  juyT 
xes  Portugueses  a  derâo  por  el  Rey  seu  senhor  ^  pelo  (| 
não  era  aquela  a  rezâo  por  õde  as  ilhas  de  Maluco  erâo 
suaa^  nS  menos  por  as  ntãdar  descobrir  por  Fernão  de 
Biagalhâes  Q  as  não  descobrio  de  oouo  ^  por  auer  aiaif 
de  dez  annos  ^  as  descobrira  António  dabreu  por  má* 
dado  Dafonso  dalbuquerQ  gouernador  Q  na^le  tSpo  era 
das  índias  por  el  Rej  de  Portugal :  do  Q  ho  mesmo  Fer* 
não  de  magalhães  fora  testemunha ,  &  têdo  certeza  õde 
a^las  ilhas  jaíiSo ,  por  fazer  trei^fio  a  el  Rey  de  Portu* 
gal  6zera  crer  ao  Emperador  serg  de  seu  descobrimêto ^ 
éi  fizera  q  as  ya  descobrir  indo  por  outro  caminho  &  na* 
negação^  onde  ouuera  ho  fiai  ^  merecia  por  ser  tredoro 
a  seu  senhor  natural  ^  era  el  Rey  de  Portugal  &  não  ha 
Emperador:  &  ^  do  iSpo  ^  António  dabreu  descobrira 
estas  ilha»!  logo  algus  reys  delas  ficarão  amigos  dei  Rey 
de  Portugal  y  &  fovâo  cõteles  de  os  Portugueses  Iralarft 
em  suas  terras ,  &  dali  por  diâte  sSpre  lá  tratarão ,  & 
por  rogo  dei  rey  de  Teroata  ho  passado  mãdara  el  Rey 
de  Portugal  fazer  na^la  ilha  bila  fortaleza.  E  indo  a  fa- 
zer António  de  brito  achara  certos  Castelhanos  na  ilha 
deTidore,  ^  por  nã  terè  lieêija  dei  Rey  de  Portugal  pe^ 
ia  andarê  por  suas  terras  os  mandara  ao  gouernador  da» 
índias  pêra  saber  a  rezão  por^  o  faziSbS ,  assi  Q  aQla» 
ilhas  erão  por  dereyto  dei  Rey  de  jportugal ,  por  cujp 
mãdado  ele  estaua  por  capitão  na^ja  íorlaleaa  ^  defSde* 
fia  ate  a  morte  a  quS  lha  quisesse  tornar^  &  defõder  a 
qualquer  gente  do  mundo  que  não  andassem  por  a(}las 
>lbas  sem  licença  dei  Rey  de  Portugal^  &  que  assi  faria 
aos  Castelhanos  pois  ãdauão  sem  ela ,  pelo  q  lhe  reque**^ 
ria  da  sua  parte,  &  da  do  Emperador  ^  logo  se  foase  pe^ 
ra  a  fortaleza,  &  não  querêdo  estar  de  mistura  com  os 
Portugueses  lhes  daria  bfl  lugar  a[)arlado  em  c)  eateues* 
sem  á  sua  vontade :  &  mais  lhe  requeria  ^  não  compras^ 
se  nhu  crauo  ^  ho  não  podia  fazer  por  ser  todo  pêra  ci 


LIVVO  VII.  CAVITVLO  XLITI.  98 

Rey  de  Portugnl ,  &  iião  querêdo  por  sua  vdlade  facer 
JiQa  causa  d6  outra^  ele  proteataua  de  lho  fazer  por  íar- 
^  aem  por  iaao  eneorrer  fi  Ahfta  peoa  pof«  ho  fazia  por 
seruír  a  el  Rey  de  Portugal  seu  senhon  E  ooesta  repos- 
ta se  foy  o  tnessageiro,  &  porê  Marti  faihbeguez  não  se 
<|uis  ir  pêra  a  fortaleea,  &  mSdou  requerer  a  4ò  Garcia 
^  ho  deixasse  estar  Òde  estaua,  &  sobristo  ouue  muytoe 
recados  de  parte  sem  tofnarft  nhua  cottcrasam ,  &  cada 
àO  tirou  seus  estormGtoa  do  Q  requeria* 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLIU. 

IXi  quiô  acontéceo  a  dom  Oaróa  nntriauez  c6  os  {Jastê^ 

lhanos ,  ^  do  mais  ^  suceaeo. 

V  endo  dom  Garcia  que  Martitn  binhegun  nft  se  que^ 
ria  tirar  de  Tidore  &  fazia  aleuantar  bo  pre^  do  crauo 
dando  por  ele  quatro  tanto  do  {)  estaua  assentado  na 
feytoria ,  determinou  de  Ibo  fazer  por  força ,  &  isto  c5 
«onsetho  de  Manuel  falcSo  feytor  &  outras  pessoas  prin- 
cipais, &  que  ele  em  pessoa  fosse  a  este  feyto.  E  isto 
-assentado,  partiô  hQa  noyte  leuâdo  ate  cè  Portugueses, 
'&  muytos  dos  da  terra  embarcados  em  corascoras  &  ou- 
tros nauios,  &  pêra  baterem  a  nao  &  os  baluartes  leuott 
(res  camelos,  htl  em  hQ  batel  com  b&a  manta  &  os  dous 
em  hfia  fusta  &  hfl  calaluz,  &  nestes  nSo  ya  outra  gente 
de  peleja  se  não  os  capitftes,  bombardeiros  &  remeirost 
&  a  fusta  {}  ya  diante  em  chegado  defrõte  dQ  dos  ba*- 
kiartes  que  a  sintirSo  os  Castelhanos  cÕ  quanto  fazia  es- 
curo, tiraranlhe  tantas  bftbardadas  que  lhe  matarão  hfl 
remeiro,  &  quebrarão  a  cana  do  leme,  quebrado  hua 
mAo  ao  que  ya  a  ele.  E  ho  capitSo  da  fusta  sem  mais 
esperar  por  dom  Garcia  começou  logo  desbombardear 
ho  baluarte,  &  por  os  tiros  serS  muyto  ameude  arreba- 
tou bo  camelo ,  pelo  {)  se  retirou  pêra  onde  estauSo  a 
ftista  &  ho  calaluz ;  &  ddm  Garcia  mâdou  logro  por  ou- 
tro camelo  á  fortaleza  que  yeo  antes  Q  amanhecesse  & 

N    2 


1^0  DA  MI8TOSIA  DA   INmA   ' 

Aiy^  asscsíado  oâ  fusta ,  &  manbaã  clara  mSddú  dÒ  Gaí« 
cia  dar  baleria  aos  Castelhanos  com  ho  batel ,  fusta  & 
ealaluz :  &  eles  4  virão  como  se  a  cousa  ordenaua  cc^ 
meção  de  desparar  soa  artelharia  dos  baluartes  &  dã 
•nao,  &  era  lata  qve  os  pelouros  ^  tirauão  pareci2o  que 
0uíáo  dcntulhar  ho  mar:  &  receando  os  <\  yâo  no  balel^ 
fusta  ^  &  calahiz  Q  os  fizessem  S  pedaijos ,  não  ousarão 
ide  chegar  mojrto  &  poserãse  tão  Idge  ^  quãdo  os  seua 
pelouros  desparauão  yão  dar  no  mar  &  de  chapeletaft 
chegauã  jQto  da  nao  Q  aida  não  cbegauão  a  ela:  &  os 
Castelhanos  como  ^  zombauão  deles  lhes  dauão  muytas 
apupadas.  E  dom  Garcia  tambS  nã  ousaua  de  chegar 
eom  as^  corascoraa  por  serê  muylo  fracas  que  erão  cosi- 
das cõ  cordas  &  qualquer  tiro  as  faria  em  pedaços.  £ 
neste  joguete  Q  mais  ho  parecia^  peleja  esteuerâo  ate 
ho  meyo  dia  Q  sobreueo  a  viração.  E  vendo  dom  Garcia 
que  não  fazia  nada,  afastouse  com  toda  sua  aromda :  & 
também  porque  lhe  ialtaua  a  poluora^  &  auia  de  man»- 
dar  por  ela  á  fortaleza ,  &  em  quanto  mãdou  ficou  eni 
hQa  enseada :  &  estando  ali  sayo  Martim  correa,  ho  fey^ 
tor  &  outros  ate  quinze  em  terra.  E  es.lando  oulhãdo 
hú  lugar  de  mouros  !\  eslaua  em  hQ  alto  pêra  ho  irem 
quejmaf  ^  algus  Castelhanos  que  estauão  no  lugar  &  CB 
6int4rã,  forâo  muyto  secretamente  por  antre  ho  mato^ 
&  começarão  de  lhes  tirar  cS  espingardas  &  bestas ,  & 
hQ  quadrelo  deu  a.  Martim  correa  abaixo  de  hQa  orelha 
4, deu  coeie  no  chão  quasi  morto.  E  por  este  desastre, 
&  também  por  dom  Garcia  ver  que  não  podia  fazer  nhfi 
dano  aos  Castelhanos ,  nã  quis  ali  estar  mais  &  tornou- 
se  pêra  a  fortaleza  com  sua  armada,  do  que  os  Caste- 
lhanos ficara  muyto  soberbos  credo  que  os  Portugueses 
fugião  com  medo ,  &  assi^  ho  dizião  aos  da  terra ,  porem 
a  nao  ficou-  tão  aberta  do  muyto  jugar  da  arlelbaría,  & 
por  ter  a  quilha  no  chão ,  &  por  ser  velha  abrio  de  todo 
&  8e  echeo  dagoa  &  perdeose  sem  mais  aproueitar  pêra 
nada:  do  que  os  Castelhanos  ficarão  muyto  tristes,  & 
Bã  fizerão  mais  nhQ  reboliço  de  guerra  ^  &  deixarâse  es- 


LNnio  vif %:  CáPi VtuOt  XUBt.  U>í 

tar  como  homêa  que  descansauão  9  &  clÕ  Garcia  fez  bo 
mesmo:  &  porque ^era  cifegitcra  a:  nfU)ul(Sd>pera  Malaca 
em  i|  auião  de  partir  pêra  lá  aigús  jQgos,  determinou  de 
«uer  algft  crauo  pêra  él  Rej,  porque  eate^  erar  ha  ptd- 
ueito  que  preilendia  daqueia  fort/ileza^  &  ainda  ate  en- 
tão não  linha  auido  nbú  com  (}  forrasse  parle  do  muyto 
^asto  que  fazia  na^là  fortaleaa.  E  a  causa  deí  nSo  se  pó- 
^er  auer  nhu  crauo  pêra  el  Rey  era  aerfi  os.  Popt4>gu6r 
ises  Ião  cobiçosos  <)  bo  atrauessauâo  todo 9. dando  por  eie 
ÍK>  dobro  que  se  daoa.na  feyloria,  &;fa2çndo  mpytos 
mimos  aos  negros  que  lho  veodião ,  pelo  q  bo  não  que- 
•rião  leuar  á  feyloria^  &  ho  mesmo  feytor  &  esçriuães  bo 
comprauão  antes  pêra  si  que  pêra  el  Rey ,  &  por  isso 
não  podia  auer  nhfl.  £  sabõdo  dÕ  Garcia  isto»  mãdoH 
^ue  toda  pessoa  do  crauo  ^  teuesse  desse  a  decima  paf* 
«te  a  el  Rey  pelo  preço  d[a  feytoria,  &  quando,  bo  não 
jq^iisesse  dar  por  sua  vontade  lho  tomassem  por  força,  & 
aasi  bo  mandou  apregoar^  com  o  ^  todos  receberão,  muy* 
to  pesar  &  poserãse  em  ho  não  consentir  ^  &  chamarão 
•em  sua  ajuda  Cachii.daroes  &  assi  m-uytos  Mandarir» 
£  vSdo  dÕ  Garcia  este  aluoroço  ^  &  acbãdose  só  &  sem 
«poder  pedir  socorro  ao  gouernador ,  &  receando  que  se 
.apertasse  muyto^  {|  lhe  fugissem  os  Portugueses,  &  íi«- 
.cando  só  lhe  tomasse  os  mouros  aa  fortaleza  deizou  sua 
.deter minaçâ  &  êtêdeo  ê  fazer  sua  fazSda  como  09  outros 
£izião ,  &  no  laaeyro  segu!te  mãdou  ê  h&  j&go  i)  par  tio 
pêra  Malaca  Marti  correa  &  Manuel  lobo  cd  cartas  ao 
capitão  de  Malaca  em  ^  lhe  pedia  socorro  de  gente  de 
.^  linha  muyta  necessidade  por  amor  dos  Castelhanos  ^ 
licau$o  em  Tidore  &  em  Geiiolc 


lOt  nk  HliTOElA    Uk    IMBIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLIIIÍ. 

De  c&mo  António  de  miranda  daznusdo  prometeo  a  Pêro 

maxcarenhas  de  lhe  obedecer. 

Jjinlrado  ho  verfio,  p?irtio8e  António  de  mirAdn  dazeue- 
do  câpilão  m6r  do  mar  da  índia  de  Cochíni  meado  Se* 
46bro  cÔ  toda  a  armada  pêra  Goa,  &  por  ele  escrenee 
Afonso  mexia  vedor  da  fazenda  ao  gouernador  o  {|  pas» 
sara  aí|le  inuerao  com  os  requerimentos  de  Pêro  mazca* 
renhas,  a  que  deuia  de  mandar  pêra  Portugal  por  ser 
na  Índia  muyto  perjudicial  ao  seraiço  de  Deos  &  de( 
Rey,  bSo  sabendo  ainda  ^  era  solto.  Partido  Antónia 
de  miranda  fojf  ter  a  Cananor  pêra  ver  se  tinha  dõ  Si* 
inão  necessidade  desfia  cousa ,  &  estando  no  mar  lhe 
mâdou  Pêro  mazcarenhas  hõ  requerimento  por  dom  Si* 
toAo  em  que  lhe  requeria,  {|  pois  dom  Sim^o  &  Christo* 
ufio  de  Sousa  com  a  mayor  parte  dos  fidalgos  da  Índia 
&  gente  darmas  que  andaua  nela  vendo  como  Lofio  vat 
de  sam  Payo  não  se  ^ria  poer  coele  em  justiça  pêra  se 
saber  cuja  era  a  gouernãça  &  a  queria  ter  por  força  ho 
tinbâo  obedecido  por  gouernador.  E  ele  com  tudo  que* 
ria  justiça  por  pacificnçSo  da  índia,  lhe  requeria  da  par« 
te  dei  Rey  que  tambê  bo  obedecesse  porque  vendoseLo^ 
po  vaz  sem  armada  consentiria  que  se  julgasse  por  de- 
reyto  a  qual  deles  pertencia  a  gouernS<ja,  protestado  de 
nâo  querendo  satisfazer  a  seu  requerimento  correr  em 
pena  de  lhe  pagar  seus  ordenados  proes  &  percalços  que 
auia  dâuer  como  gouernndor  &  mais  a  í\  parecesse  bem 
a  el  Rey.  B  visto  este  requerimento  per  António  de  mi- 
randa, vendo  f\  Pêro  mazcarenhas  estaua  obedecido  por 
gouernador,  &  que  de  ele  &  Lopo  vaz  serS  ambos  go- 
uernadores  se  auia  de  seguir  muyto  deseruiço  de  Deos 
&  dei  Rey,  respondeo  que  ele  não  podia  obedecer  por 
gouernador  a  Pêro  mazcarenhas  ate  nã  saber  do  gouer- 
nador que  não  se  queria  poer  em  justiça :  &  quando  ho 


Liyito  yii.  qAMmiO  .yuíiiu  lOf 

goubesse  que  enlâo  lhe  desobedeceria ;  o  que  nflo  salis- 
fazendo  a  Pêro  loazcarenhaa,  lhe  ini^ndou  requerer  Q  do 
que  dizia  lhe  desse  bú  assinado.  O  nue  ele  fez  poias 
causas  ^  digo  ^  [Màreceodolbe  qu^  aquele  lera  ho  nielbolr 
talho  que  podia  dar,  &  deu  bo  assinado  que  eu  vi  ^  & 
dizia. 

a  Digo  eu  António  de  mirada  dazeuedo  capiíSo  móf 
do  mar  da  índia  polo  mu;^to  poderoso  Rey  de  Portugal 
nosso  senhor  Q  me  obrigo  ao  senhor  Pêro  mazcarenbas , 
de  fazer  com  ho  senhor  Lopo  vaz  de  sam  Payo  Q  ora  he 
gouernador  da  Índia ,  que  se  ponha  coele  em  dereylo: 
^  tambS  pretSde  ser  gouernador  dela  sobre  qual  delea 
ho  será.  h  não  querendo  ele  poerse  neste  juyzo,  por  es^ 
te  dou  minha  fé,  preito  &  menagS  ao  dito  senhor  Pêro 
mazcarenbas  de  me  ir  parele  &  lhe  obedecer  como  a  ver«» 
Madeiro  gouernador;  fay to  per  mim  &  assinado  aos  de^ 
aasete  de  Setembro  de  mil  &  quinhentos  &  vinte  sele. 

Dado  este  assinado  partiose  António  de  roiranda  pe* 
Ta  Goa  Õde  logo  ho  gouernadoí  soube  como  bo  dera ,  & 
estranhoulbo  muj  asperamente ,  affiimandolhe  ^  se  nâo 
auia  de  poer  em  justiça  sobre  a  mercê  ^  lhe  el  Rey  fi« 
aera^  que  bS  ae  poderia  ir  pêra  Pêro  mazcarenbas^  por^ 
oulrê  acharia  Q  fosse  capitSu  mór  do  mar.  E  ele  se  á\s* 
eulpou,  dizendo  Q  njlo  dera  bo  assinado  com  tenção  de 
bo  comprir  se  nâo  por  se  espedir  de  Pêro  mazcarenhaa 
que  conhecera  que  estaua  tão  danado  ^  receou  de  fazer 
eoele  algCk  desmâcbo.  £  ho  geuernader  íoj  acõselhado  Q 
tirasse  a  capitania  mór  4o  mar  a  António  de  miranda 
pelo  ^  fizera,  mas  ele  nfto  quis  por{|  mio  fizesse  mais  ai* 
iioro<;o  na  gente,  &  por  ver  se  podia  fazer  as  cousas  por 
bi,  &  mandou  logo  António  de  mirada  a  Cbaul  (donde 
ainda  António  da  silueira  não  era  vindo)  pêra  que  se 
entregasse  da  armada  i)  lá  estaua,  Sl  fizesse  entregar  a 
capitania  da  fortaleza  a  Francisco  pereyra  de  berredo. 


104  Dà  ftiètORiA  Da*  tnoía  * 

C  A  P  í  T  V  L  O    XLV. 

f)o  que  António  de  miranda  ^  Chríêtouão  de  sousajizerâo. 

Jji  chegando  aa  barra  de  Chaul  achou  António  da  siU 
toeira  Q  se  partira  |)era  Goa^  &  disselhe  que  esperasse 
ate  ver  se  Chri^touâo  de  sou^a  queria  satisfazer  ao  re« 
cado  do  gouernador^  &  mandoulhe  díter  como  estaua 
ali  ^  com|>ria  rouyto  ao  seruiço  dei  Rey  vprSse  ambos  ^ 
a  que  ele  respSdeo  que  se  era  pêra  \h^  entregar  a  arma- 
da &  a  capitania  da  fortaleza  que  ja  dissera  que  ho  não 
auía  de  fa^ef  por  ter  mandado  emcontrairo  de  Pêro  maz«< 
caronhas  seu  gouer^nador ,  &  mâdoulbe  requerer  oom  00 
eflSciaes  da  fortaleza  &  cõ  os  fidalgos  tS[  inuernauão  co&i 
le ,  que  visse  a  força  ^  Lopo  vaz  de  sam  Payo  &  Afon<« 
80  mexia  fazião  a  Pêro  mazcarenhas  em  lhe  tomarem  a 
goqernança,  não  querSdo  ele  se  não  o  i|  fosse  dereyto: 
&  pois  estaua  em  sua  mão  fazer  determinar  este  caso 
por  justi(;a,  que  fizesse  cÒ  Lopo  vaz  que  ho  quisesse.  B 
fazendo  sobristo  grandes  protestaçSes  contra  António  da 
miranda :  que  despois  de  responder  a  estes  requerímen*»^ 
tos  se  vío  cÕChristouSo  de  sousana  fortaleza,  onde  con^ 
cerlarão  ambos  ho  modo  que  se  teria  pêra  ^  Lopo  vai 
de  sam  Payo  se  posesse  em  justii^a  com  Pêro  mazcare* 
nhãs  pêra  pacificação  da  índia,  &  Q  us  juyzes  i\  deter^ 
minassS  este  caso  fossS  no  mais  de  sete,  s.  António  de 
miranda,  d5  loão  deça,  Francisco  pereyra  de  berredo, 
Baltesar  da  silua,  Gaspar  de  paiua  capitães  de  duaq  nãos 
da  carrega,  frey  loão  daluim  da'ordS>de  sam  Francisco 
que  era  leygo  se  chamara  loâo  iope«  daluim ,  frey  Luys 
da  vitoria  da  ordem  de  sam  domingos,  &  Christouão  de 
sousa  quis  i\  fossem  estes  juyzes,  posto  i\  sabia  !\  tirado 
os  dous  frades  os  outros  tinha  assinado^  Lopo  vaz  era 
gouernador  verdadeyro ,  mas  por^  ele  nã  teuesse  !)  di* 
zer  os  cÕsStio  &  por  isso  nâ  quis  ele  ser  hu  dos  juyzes, 
nem  quis  que  ho  fosse  nhil  fidalgo  seu  parente  nem  ho- 


LIVRO  Vlí.  CAPITVLO  XLV.  lOft 

Biem  dej|  se  preramísse  ser  daopeniâo  de  Pêro  mazca- 
renhas  que  pois  António  de  miranda  foy  nomeado  por 
juyz  bem  ho  poderá  ele  ser  roas  não  quis  por  esta  cau- 
sa, &  porque  não  era  seu  fím  se  não  apacifioar  a  índia, 
&  que  não  se  determinasse  esta  deferen<;a  por  armas ^ 
porque  nisto  cria  l\  seruia  Deos  &  el  Rey  que  era  o  que 
lhe  lembraua,  &  não  outra  cousa,  E  sendo  nomeados  es- 
tes jujzes  antrele  &  António  de  miranda  com  juramen* 
lo  de  terem  nisso  segredo  ate  ho  temfx)  de  se  declara* 
rS,  por{|  nem  Pêro  mazcarenhas,  nS  Lopo  vaz  ho  «ou* 
bessem,  ao  outro  dia  se  ajuntarão  na  igreja  com  ho  fey- 
tor  &  alcayde  mór  da  fortaleza,  &  outros  oíBciaes,  &  ii- 
daJgos,  &  pessoas  principais  que  inuernauão  nela,  rela- 
tado ambos  as  cousas  passadas,  &  dizendo  quão  neces- 
sário era  pêra  pacificação  da  índia  que  ho  gouernador 
se  posesse  em  justiça  cÕ  Pêro  mazcarenhas  Unhão  am- 
bos cõcertado  hQa  pauta  Q  lhes  mostrauão  pêra  dizer  ca* 
da  hQ  se  se  acrecStaria  mais  âela  ou  diminuiria ,  &  os 
capi tolos  dela  forão  estes. 

«  Que  António  de  mirada  daria  hd  assinado  a  Chris* 
touão  de  sousa  tal  como  o  t\  dera  a  Pêro  mazcarenhas. 

«  B  outro  em  que  se  obrigasse  a  leualo  a  Goa,  &  se« 
guramente  podesse  falar  ao  gouernador  sem  perjuyzo  de 
sua  fazenda,  parentes  amigos  &  criados,  pêra  lhe  re^- 
rer  o  t\  lhe  parecesse  seruiço  dei  Rey,  sem  interuirfi  ou- 
tras f  alauras  fora  da  matéria ,  assi  de  sua  parte  como 
da  do  gouernador* 

«  E  í)  chegado  á  barra  de  Goa  deixaria  a  armada  de 
fora  &  ficaria  nela  António  da  silueira  em  arrefens  en- 
tregue a  ho  fidalgo  sem  sospeita  naquele  negocio,  com 
lhe  -ele  tomar  a  menagem ,  que  sendo  caso  ^  ho  gouer* 
nador  prendesse  a  Christouão  de  sousa ,  qtie  aquele  fi- 
dalgo se  fosse  pêra  Pêro  mazcarenhas  cÕ  a  armada  &  ho 
obedecesse  por  gouernador. 

«  E  (}  Christouão  de  sousa  daria  a  António  de  mirada 
hfl  estormSto  assinado  por  ele  &  poios  otficiaes  da  for- 
taleza &  fidalgos  4  inuernauão^  nela  em  ^  prometessem 

LIVBO  Yii.  o 


lOa  DA   HISTORIA  DA   ÍNDIA 

de  llie  obedecer  com  ioda  a  armada  ^  eslaua  em  GhanI 
ate  chegarõ  a  Goa  &  ae  comprir  ho  atras  capitulado:  & 
iembS  prometerião  oo  ealormèlo,  que  não  querendo  Pe-> 
ro  mazcarenhas  o  que  fosfie  seruiço  de  Deoa  &  dei  Key 
Q  ae  fossem  pêra  bo  gouernador ,  &  que  se  nâo  falasse 
mais  em  Pêro  mazcarenhas  ser  gouernador:  &  ho  mes* 
mo  prometeria  ho  alcayde  mór  ^  ficasse  por  capitão  na 
fortaleza  de  Chaul  ^  a  entregaria  ao  gouernador  &  n&o 
a  Fero  mazcarenhas. 

0  E  Q  quãdo  ho  gouernador  &  Fero  mazcarenhas  sa 
posessem  em  justiça  sobre  a  gouernãça  antes  de  os  ju^** 
aes  da  causa  pronQciarê  cousa  aigúa  prometeriâo  cõ  ju« 
ramento  q  aQle  ^  ficasse  por  gouernador  nào  êiSderia 
na  pessoa,  n6  na  fazSda  do  oulro,  n3  nas  de  seus  cria^ 
dos 9  parStes  &  amigos,  nê  desfaria  o  ^  o  outro  teuessa 
feyto,  &  a  qualquer  deles  q  nisto  nâo  quisesse  consentir 
que  lhe  desobedecessem. 

«  E  que  os  juizes  que  ouuessem  de  julgar  aquela  de« 
ferença,  seriâo  pessoas  sem  sospeita,  que  eles  ambos 
Cristouâo  de  sousa  j  &  António  de  miranda,  dedarariâo 
quâdo  fosse  tempo. 

«  E  ^  lato  {|  ambos  de  dous  chegassem  a  Goa  serião 
soltos  ,  Ej^tor  da  silueira,  do  lorge  de  crasto,  dõ  Anto» 
nio  da  silueira,  &  quaesquer  outros  que  esíeuessera  pre* 
SOS  por  aquele  caso  de  Fero  mazcarenhas,  que  tãbem 
prometeria  de  goandar  bo  que  ali  determinauã,  &  que 
esta  deferença  se  determinaria  em  Cochim ,  Õde  se  a«> 
junlarião,  Lopo  vaz.  de  sã  Fayo,  &  Fero  mazcarenhas 
&  em  partindo  Lopo  vaz  de  Goa  desistiria  logo  da  go* 
ueroança ,  &  iria  como  pessoa  priuada,  em  poder  Di>(o- 
i>io  de  miranda,  >&  eai  Cananor  se  lhe  êlregaria  Fero 
mazcarenhas  pelo  mesmo  modo,  &  querendoo  ele  leuar 
è  seu  poder,  se  «ntregar(a  Lopo  v^z,  a  CrístouSo  de 
sousa ,  ou  a  dom  Simão  de  meneses,  pêra  que  ho  leuas^ 
sem  no  nauio  em  q  fossenu  E  que  alõ  do  seguro  que 
António  de  miranda  auia  dauer  a  Cristouã  de  sousa,  lhe 
Aueria  outro  do  capitão  de  Goa,  &  dos  oíficiaeis  da  cs^ 


LI¥RO  VIU  CAP1TVLO  XLTI.  107 

#arà  da  eidiíde,  com  juramento  Q  faríáo,  que  bSo  goar« 
dando  ho  gouern<tdor  ho  aeguro  que  lhe  desse,  lhe  deso* 
bedeceriSo ,  &  obedeceríâo  a  Pêro  mazoarenbas.  n 

E  despoia  de  lida  etla  paala ,  ^  todos  a  ouuirão , 
disse  Cristouâo  de  sousa  a  causa  porque  se  fazia,  reque-* 
rêdolbes  a  todoa  cÕ  ho  oaptlâ  mor  do  mar,  que  lha  aju* 
daasem  a  poer  em  efeyto ,  &  que  asai  ho  prometesse  to* 
doa  por  juramento,  ho  que  eies  fiaerfio,  lendo  muyto  em 
mercê  a  Crtstouão*ée  sousa,  &  a  António  de  miranda 
fazerSna.  E  de  tudo  foy  feyto  hft  auto  por  Gaspar  afonso 
iabaliào  pubrico  d<i  fortaleza,  que  foy  asínado  por  todos, 
aos  quatro  Doutubro  de  mil  &  quinhentos  &  viote  sete* 

* « 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLVL 

De  como  ho  gouemador^  ^  Pêro  de  faria  ^  ^  outros  ju^ 
raráo  de  comprir  b  pauta  qu€^fizerão  Cristouâo  de  sou* 
sa ,  ^  António  de  mérundom 


F, 


eyta  esta  pauta  foy  leuada  a  António  da  siloeira^ 
por  António  de  miranda,  pêra  que  consenliase  nela,  & 
ele  consentio  muyto  contra  sua  vontade ,  &  por  não  po« 
dvr  maia  fazer,  &  estranhando  muyto  a  Anionio  de  mi* 
tanda  fatela.  E  feytos  dela  doos  teriados,  hu  pêra  Cris* 
Couío  deaousa,  outro  pêra  Anionio  de  miranda,  que  sa 
partio  «o  mesmo  dia,  &  ao  outro  Cristouâo  de  sousa ^ 
íleisando  entregue  a  fortaleza  a  Aloaro  piírto  alcaide 
»ór  dela ,  &  despois  de  chegarS  todos  jâtos  á  barra  do 
Goa,  António  de  miranda  se  foy  ao  gouernador,  &  pe* 
ranle  ho  licenciado  loáo  do  soiro  oouidor  gerai  da  Índia, 
&  ho  secretario,  lhe  mostrou  a  pauta  que  (izera  coai 
CrislouSo  de  sousa,  dizendo  que  a  fizera  por  euitar  os 
grandes  roalea  que  vira  que  estauHo  ordenados,  porOris^ 
toufto  de  sousa,  &  por  os  Ijstaufl  coele  que  mny  estreí* 
tamente  lhe  requererão  f\  consentisse  nela :  &  |)or  issa 
consentira  muyto  conira  sua  vôtade,  porque  bem  sabia 
que  ele  era  verdadeyro  gooeraador ,  &  pêra  ho  aer  tra^ 

o  a 


108  I>A  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

balhara  ^  os  juyzes  fossem  sem  sospeila  &  no  mais  de 
sete  pêra  terem  menos  que  apurar.  Do  que  bo  gouer- 
nador  ouue  muyto  grSde  menencoria ,  &  porque  ho  fey- 
to  não  se  podia  desfazer ,  nã  lhe  disse  mais  se  não  que 
ele  mesmo  tinha  a  culpa  do  que  ele  fizera ,  pois  se  fiara 
mais  dele  despois  de  dar  ho  assinado  Q  dera  a  Pêro  maz* 
carenhas ,  &  que  fizera  mal  de  fazer  aQla  pauta,  porque 
se  fora  por  escusar  males  que.enlâo  estauão  mais  arma* 
dos  que  nOca.  E  querendose  António  de  mirada  discul- 
par  j  disse  ho  gouernador  que  não  erão  necessárias  dis* 
culpas  pois  fizera  sua  vontade,  mas  que  cresse  ^  os  juy* 
zes  não  auiâo  de  ser  mais  de  sete  auendose  de  poer  em 
justiça,  &  ele  lhe  disse  que  não  serião,  &  disso  lhe  da* 
ria  hii  assinado  se  ho  quisesse.  E  tendo  ele  jurado  com 
Ghristouão  de  sousa  de  terem  em  segredo  os  juyzes  que 
ojuuessem  de  julgar  aquela  deferença  ate  ho  tempo  em 
4  se  ouuessem  de  declarar  por  comprazer  ao  gouernador 
lhos  descobrio,  &  forão  os  que  disse.  E  contente  ho  go- 
uernador deles,  lhe  pedio  hQ  assinado  que  não  fossem 
putros^  nem  fossem  mais :  &  ele  lho  deu  ,  &  ho  ouuidor 
geral ,  &  ho  secretario  assinarão  como  testemunhas.  E 
ficando  a  pauta  ao  gouernador  vio  a  coeies  &  com  Pere 
de  faria,  que  lhe  conselharão  que  consentisse  nela, 
por^  não  ho  fazendo  se  ieuâtarião  todos  contrele,  &  pri* 
meyro  a  mandaria  mostrar  aos  oQiciaes  da  camará  da 
cidade,  &  contentandolhes  consentiria  nela  com  condi- 
do ()  fosse  como  gouernador  ale  Cananor,  &  que  a  honr- 
jraDafonso  mexia  fosse  goardada  &  não  consentirião  que 
ficando  Pêro  mazcarenhas  por  gouernador  ho  tirasse  de 
nhum  dos  officios  que  linha,  por  qualquer  maneyra  que 
fosse  ^  &  ho  entregaria  seguro  ao  gouernador  que  fosse 
do  reyno.  E  contente  Cbrislouão  de  sousa  disto ,  man^ 
dou  ho  gouernador  soltar  os  presos ,  &  deu  ho  seguro  a 
Ghristouão  de  sousa  pêra  ir  a  Goa ,  &  ele  não  quis  ir 
por  lhe  escreuerem  que  não  fosse,  porque  ho  gouerna- 
dor tinha  determinado  de  ho  prender  com  António  d« 
miranda  ^  &  por  isso  se  determinou  que  se 


LITRO  *VII.    CAFITVLO  XLVI.  10» 

nima  na  agoada  de  Goa  ^  &  leuanlando  ho  sacerdote  a 
hóstia  9  jurassem  nela  Anlonio  de  oiiranda  &  Cbrislouão 
de  sousa  perante  dom  loao  deça  &  Anlonio  rico  secre- 
tario da  índia  Q  ho  gouernador  iria  como  gouernador 
ateCauanor:  &.^  verdadej^ramenle  segCtdo  suas  cõcien- 
cias  escoJberião  pêra  juyzes  daquela  deferêça  aqueles 
liomSs  que  lhes  parecesse  Q  melhor  &  cõ  mais  conciêcia 
determinassem  a^la  causa  sem  descobrirem  per  si  nem 
por  outrem  os  que  tinhão  escolhidos.  E  lambem  jurariâo 
o  que  tocaua  ao  vedor  da  fazenda,  £  leuados  estes  ca** 
pi  tolos  por  dom  loão  deça  &  por  António  de  miranda  a 
Cbristouâo  de  sousa ,  ele  lhes  disse  que  se  acrecenta^s*- 
sem  na  pauta:  porem  que  por  quanto  ho  galeão  sam  di^ 
ais  em  que  ho  gouernador  andaua,  era  a  mayor  força 
^ue  andaua  na  índia  9  por  andar  marauilhosamente  arli* 
ihado,  &  nele  somente,  podia  pelejar  com  toda  a  outra 
larmada  da  índia  auia  de  jurar  que  como  chegasse  a  Ga^ 
nanor  se  passaria  como  preso  á  galé  em  que  andaua  An- 
tónio de  miranda.  £  sendo  ho  gouernador  disto  contenr- 
te,  aos  vinte  Doutubro  foy  dita  h&a  missa  na  agoada  de 
Goa  na  terra  firme :  &  sendo  presentes  GhristouSo  de 
^Bousa,  António  de  miranda ,  dom  loão  deça  &  outros 
muytos  fidalgos  em.ho  sacerdote  leuan^tando  a  hóstia  dis^ 
ae  António  rico  qae  hi  estaua  aos  circunstantes  se  jura- 
rão por  aquele  verdadeyro  Deos  em  ^  firmemête  crião 
como  fieis  Christâoa  de  comprir  &  goardar  o  que  foy  as^ 
sentado  na  pauta  de  Cbaul :  &  que  ho  gouernador  fossa 
em  posse  da  gouernâça  &  com  toda  sua  borra  ate  Cana* 
Aor,  &  que  goardassem  em  tudo  o  que  cumprisse  á  bonr- 
Ta  do  vedor  da  fazenda,  &  não  consentissem  que  ficado 
Fero  mazearenbas  por  gouernador  lhe  tirasse  nhu  dos 
effidos  ^e  teuesse  se  não  que  ho  deixasse  estar  ate  ir 
gouernador  dePortugai,  &  dizendo  eada  hH  em  alta  voa 
que  si,  disse  a  Cbristouâo  de  sousa  &  a  António  de  mi- 
randa se  jurauão  na  mesma  hóstia  que  bem  &  verda- 
deyramenle  escolhessem  pêra  juyzes  daquela  deferen<;;a 
aqueles  que  segundo  seu  parecer  melhor  &  com  maia 


1 10  mi  mrroRf  A  da  f  nois 

êãà  conciScia  a  determinassem ,  &  que  nem  por  6Í  fiém 
por  outrê  auiâo  de  descobrir  qu6  erâo  ate  dXo  ser  iem^ 
po  de  se  declararem,  &  eles  disseráo  que  si.  £  destes 
juramStos  fez  fao  secretario  bQ  auto  Q  todos  assinarão  t 
&  logo  ao  outro  dia  vinte  hfl  Doutubro,  no  mosteiro  da 
«am  Frâcisco  de  Goa  estando  hi  Pêro  de  faria  capitão 
dela  &  officiaes  da  camará ,  &  quâtos  fidalgos  auia  nela 
&  ho  vigairo  geral  com  toda  a  clerriia,  tendo  frey  Gon^ 
«calo  guardião  do  mosteiro  ho  sanctissimo  sacramento  nag 
mãos  estado  ho  gouernador  em  giolhos ,  disse  em  voz  ^ 
(udos  bo  ouuissem.  Bem  sabeis  os  (\  aqui  est^iis  confto 
por  vos  &  por  outros  muytos  que  estão  ausentes  nft  hQA 
vez  mas  três  fuy  jurado  por  gouernador  da  índia  por  as 
prouisôes  dei  Rey  meu  senhor  ^  disso  teniio,  &  por  es^» 
se  fuy  obedecido,  pelo  qual  me  nQca  quis  pioer  em  fus^ 
tiça  sobre  a  gouernança  com.Pero  mazcarenhas,  nè  a« 
gora  me  posera  se  nã  vira  claramète  quãlo  Deos  &  el 
l^ey  serão  deseruidos,  &  por  isso  mais  por  força  que  por 
vontade  9  &  como  quem  mais  não  pode  m(3  ponho  ^nl 
4ereylo,  &  juro  naquela  hóstia  consagrada  tie  assi  h^ 
fazer,  &  chegando  a  Cananor  desistir  do  mando  de  ^o* 
uernador,  &  não  do  dereyto  que  tenho  na  posse  da  go^ 
uernant^a,  que  deste  não  ey  de  disistir  antes  protesto  úm 
me  ajudar  dele  em  todo  ho  tempo  que  me  for  necessa^ 
fio,  &  assi  jurou  de  se  Stregar  como  preso  na  galé  Dan^ 
toflio  de  míranda,  &  de  comprir  os  maia  ca  pi  tolos  da 
pauta  que  eie  íizera  com  Christouão  de  sousa  em  Cbaul 
4sum  condição  que  fosse  goardada  inteiramente  a  honrra 
do  vedor  da  fazenda  como  eetaua  assentado:  &  fao  mes* 
mo  juramento  fizerão  Pêro  de.  farta,  loão  do  soiro,  os  o& 
iiciaes  da  camará,  &  todos  os  mais  ^  ho  auiã  de  fazer ^ 
-&  ainda  ho  não  tinhão  feyto:  &  de  tudo  ho  secretario 
iez  hum  auto  que  todos  assinarão. 


LIYftO   nu    CAWmLO   XliVÍU  XII 

«  i 

CAPITVLO     XLVII. 

De  como  Pêra  mazcarenhas  ^  Lopm  vaz  de  sápuyo  de-* 
sisiirão  em  Cananor  do  mando  de  gmmmadar.es* 

XJLcaba  isto  Q  todos  ouuerSo  por  muyto  grande  cousa 
por  quSo  difficullosa  lhes  parecia  poerse  ho  gouernador 
çm  justiça^  pajrtiose  ele  pêra  Ganaoor  bu  dia  despois  de 
partidos  António  dazeuedo  &  Gbrislouâo  dé  socisa.  E 
foy  esta  partida  lao  presles  Q  os  do  bãdo  de  Pêro  niaz« 
carenbas  se  espantarão  rouyto,  porque  cuydauio  que  bo 
gouernador  bo  não  seria  mais  que  ate  Canànor,  &  que 
ele  astfi  bo  cria  por  ter  tantos  cdtra  si.  E  cbegftdo  todos 
a  Caaaoor  aos  sejs  de  Nouembro  forftsç  logo  á  fprtalesa 
Cbri&touão  de  sousa  &  António  dazeuedo  y  &  naoslrarâq 
a  pauta  aPero.inazcarenbas  pêra  a  jurar  de  que  ele  foy 
contente,  dizendo  que  tudo  côsentiria  por  paciticação 
da  índia:  mas  que  estaua  inuyto. descontente  do  que 
vira  em  bua  carta  que  ho  gouernador  mandaua  ao  vedor 
iia  fazenda  ,  que  ele  ouoera  por  sua  diligencia ,  &  nela 
Doipeaua  os  juyzes  que  tinb^o  tecolhidos  pêra  determi-f 
narem  aquela.deferen^a,  &  que  ali  vira  claramente  quão 
soa{>eito  lhe  era  frey  loào.dalutni  pola  muyta  coníiança 
^  Lopo  vaz  mostraua  ter  que  auia  de  julgar  por  ele  pa- 
las rezões  que  daua  peta  isso.  E  oiostraodo  a  carta  vi-^ 
^ão  António  de  mirunda  &  Gbrislouâo  .de  sousa  que  en 
assi ,  &  por  isso  Ibea  requereo  que  tilassem  frey  IoSq 
daluà  &  metessõ  outros:  &  Pêro  maicaranhas  quisera 
que  ChristuuSo  de  sousa  fofa  b&  deles,  dizendo  que  bo 
podia  ser  puis  bo  era  Antónia  de  mira»da,  &  ele  não 
quis  por  saber  Q  Lopo  vaz  bo  tiaha  por  soapeiio,  &  em 
lugar  de. frey  loão  daluim  «>etejr|io  eim^o  pêra  serem  juy«T 
ees,  que  fvràu  Lopo  UazeJtiedo,  António  de  brito  que  for 
ra  cspitãb  d^ Maluco,!^ uno  Vaz  àe  eastelo  branco  capi« 
lào^  fQyii^F  do  nauio  do  UAtode^.ÇDÍaia,  Tristão  de  esi^ 
Baatiào  piiui;  .vii^airo  gesf  1  4aiiMba*  Do.%  AAtonio  de 


lis  DA   HI8T0RU   DA  INDlA 

luiranda  (oj  con(6te  com  quanto  líoha  dado  seu  assina* 
do  ao  gouernador  que  os  juyses  não  auião  de  ser  outros 
se  nSo  os  sele  que  lhe  dissera  em  Goa ,  &  estes  que  fo* 
rJío  acrecStados  fícarão  assi  nomeados  antrele  &  Ghris- 
touâo  de  Sousa  coiq  juramento  de  não  se  descobrirem  a 
ninguém,  nem  António  de  miranda  ho  disse  aLopo  vaz* 
Isto  assentado,  ao  outro  dia  se  ajutarâo  na  igreja  da  for- 
taleza Pêro  mazcarenhas,  dom  Simão  de  roeneses,  iio 
feytor  &  alcayde  roór  cõ  os  mais  officiaes  da  forlaleza , 
António  de  mirada,  Christouão  de  sousa  com  outros 
niuylos  fidalgos ,  &  perante  todos  &  do  secretario  -des- 
pois  de  ouuida  missa,  tendo  Bastião  diaz  vigairo  da  for* 
taleza  nas  mãos  ho  sanctissimo  sacramento ,  jurou  Pêro 
mazoarenhas  por  ele  de  cõprir  em  tudo  o  Q  estaua  na 
pauta  que  disse,  dechrando  que  quãdo  disistissp  de  ser 
gouernador,  &  se  entregasse  como  pessoa  priuada,.di« 
sistiria  somente  do  mãdo  de  gouernador,  &  não  do  de* 
reito  que  tinha  na  gouernança,  dizendo  que  não  insisti- 
ra tanto  em  o  ser,  se  não  por  crer  que  era  sua,  &  1) 
era  contente  que  ficando  Lopo  vaz  por  gouernador ,  ho 
mãdasse  preso  pêra  Portugal:  &  acabando  ele  de  jurar, 
jurou  dom  Simão,  &  de8|X)is  os  officiaeis,  fidalgos,  & 
pessoas  principaeis,  &  todos  assinarão  em  hú  auto  que 
ho  secretario  fez  disso,  &  tâbè  ho  assinou  ho  gouerna* 
dor*  E  despois  disto  a  requerimento  de  Pêro  mazcare* 
nhãs  fez  ho  mesmo  secretario  btl  auto,  em  que  se  decla- 
rou que  os  juizes  que  auião  de  julgar  aquela  contenda, 
não  auião  de  julgar  mais  se  nã  quem  era  bem  (|  gouer- 
nasse  pêra  pacificação  da  índia,  porque  cuja  era  a  go* 
uernança  por  dereito,  e)  rey  ou  seus  desêbargadores  ho 
auião  de  determinar.  Feytas  todas  estas  cousas,  embar* 
couse  Pêro  mazcarenbas  no  galeão  de  Cristouão  de  sou- 
sa, como  estaua  assenfado  na  pauta,  &  por()  ali  se  mu- 
dou António  de  miranda  da  ga\é  em  i\  andaua  ao  galeão 
sam  Dinis,  &  Lopo  vaz  de  sã  payo  lhe  auia  de  ser  en- 
tregue pêra  ho  ieuar  a  Cochim,  ficou  no  mesmo  galeão^ 
do  que  se  Pêro  mazcarenhas  queijicou  a  Cristouão  de  aou^ 


Livmo  vif .  CA wTviô  xhni.  1 1 1 

,  &  a  António  de  miranda^  diz6do  que  Lopo  ?az  não 
compria  ho  capitolo  da  pauta,  no  modo  que  auia  de  ser 
entregue,  &  disistír  de  gouernador,  pois  ya  no  galeão 
sam  Dinis,  que  era  a  roayor  força  da  índia,  &  podia 
nele  pelejar  com  toda  a  armada,  &  mais  leuaua  bandei- 
ra na  gauea,  ()  aquilo  não  era  desistir  de  ser  gouerna- 
dor,  se  não  seio  como  dantes,  requerendo  í\  fosse, como 
estaua  assen(ado,  ho  que  Lopo  vaz  não  quis  fazer.  Ho 
^ne  vendo  os  fidalgos,  se  posserão  moyto  contra  isso, 
dizendo  que  se  quebraua  a  pauta,  &  ho  juramento  que 
Lopo  vaz  fizera ,  &  vgdo  Crístouão  de  sousa  como  isto 
era  azo  pêra  se  estrouar  ho  hS  questaua  começado,  fez 
c6  Pêro  mazcarenbas  &  com  os  outros,  ()  deixassem  ir 
Lopo  vaz  como  queria  &  ho  consentirão,  &  embarcado 
Pêro  mazcarenhas  desparou  hâ  tiro  grosso ,  &  a  este  si- 
nal dous  bomês  !\  estauão  nas  gaueas  dos  galeSes,  sam 
Dinis,  -&  sam  Rafael,  tirarão  as  bandeiras  que  ambos 
tinha  como  cápitainas,  pêra  que  sentSdesse  qoe^ro  am- 
bos estauão  os  gouerriadores ,  &  que  ho  tirar  das  ban^ 
deiras,  era  sinal  que  disistiâo  do  mãdo  da  gouernança, 
&  ficauão  como  pessoas  priuadas,  de  que  «e  auia  de  fa- 
zer justiça,  &  eles  ambos  em  se  tirado  as  hand-eiras^ 
protestarão  que  mão  disistiâo  mais  que  do  mãdo  da  go- 
uernàça,  ate  se  julgar  qual  auia  de  gouernar,  &  da  poft- 
se  que  tínhão  não  disislião.  E  fejto  isto  António  de  mi- 
randa  entregou  Pêro  mazcarenhas  a  Cristouão  de  sousa, 
pêra  ho  leuar  ate  Cochim ,  &  lá  lho  entregar,  &  ele  se 
entregou  de  Lopo  vaz  de  sam  payo,  &  se  partira  todos 
pêra  Cochi.  E  quando  foy  esta  perfia  de  LofK)  vaz  não 
querer  sair  de  sam  Dinis ,  mandoii  dizer  a  Pêro  mazca- 
renhas que  por  se  escusarem  aquHes  debat<>s,  &  outros 
muytos  que  sabia  Q  auiSo  de  recrecer,  l\  lhe  requeria  da 
parte  dei  rey ,  que  pois  sem  eles  ambos  se  podia  è  Co- 
chim dar  a  sentSça  sobre  aquela  demanda ,  que  ficas- 
sem na  costa  com  a  armada  repartida  por  ambos,  goar- 
dando  que  não  leuassem  os  mouros  pimenta,  &  que  os 
juizes  siàmSie  fossem  a  0)cfaim ,  &  despoia  de  dada  a 

LIVRO   vil.  p 


114  9A    HMnOKtA    DA    iNWA 

tenlftça  como  lèes  parecesse  lho  mandarião  díaer^  fc  Pe* 
ro  mazcareobas  não  ^uis. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XLVIIL 

JDa  desauença  que  euue  ákre  Lopo  vaz  de  sâ  payo  ^  Pt* 

ro  mazcarenhas^ 

Jji  partidos  como  digo  pêra  Oochi,  chegarão  lá.  a  quin*> 
ae  de  Dezembro»  &  surlos  foy.  Antofi^io  de  miranda  mo»*» 
trar  ao  vedor  da  fazenda ,  a  pàuia,  que  fiaera  com  Cri»» 
iouão  de  flousa  ^  pêra  que  a  jurasse  como  todos  fiterio  y 
ho  q  ele  não  quis  fazer  ^  dizendo  a  António  de  miranda 
4  como  fazião  lai  paula  sem  sua  autoridade  ,  que  era  » 
segunda  pessoa  da  índia  despois  do  gouernador,  sem  cu* 
jo  consentimento  não  se  podia  fazer  nada  que  tocaae» 
á  gojuiern&ça,  estranhSdoo  muyto,  &  dizendo  que  eles 
dtrião  conta  a  el  rey  de  cousa  tão  mal  ieyta  como  aque** 
la  fora  9  &  nâo  querendo  de  todo  em  todo  ho  vedor  da 
/azenda  jurar  a  pauta,  Pêro  mazcarenhas  &  todos  oe  fi* 
dalgos  de  sua  parte  ^  requererão  a  Cristouão  de  sousa^ 
&  a  António  de  miranda^  ^  poisJ^fonso  mexia  não  que» 
via  jurar  a  pauta^  como  Pêro  mazcarenhas,  &  Lopo  vaz, 
com  todos  os  fidalgos  da  índia  tizerão,  no  que  se  mos* 
iraua  claramête  ser  muyto  sospeito^  que  aquela  defereor 
ç»  não  se  determinasse  em  Cocbim ,  se  nao  fi  Coulão^ 
que  era  dali  hfi  dia  de  viagem*  E  conhecendo Cristouâa 
de  sousa  que  Lopo  vaz  nâo  auia  dis  cõseatir  nisso ,  por 
ter  sabido  que  toda  a  esperança  de  ser  gouernador  ti» 
nfaa  em  Afonso  mexia  poios  cargos  que  tinini,  &  como 
de  todo  em  todo  eslaua  posto  em  lhe  fazer  a  vdiade^ 
ainda  que  fosse  sem  rezão ,  por  nã  dar  causa  a  se  aque» 
le  tiet;ocio  deierminar  por  armas  ,  fez  eom  Pêro  mazoa«> 
renhBs,  &  eom  os  de  »ua  v;dia,  que  poslo  que  Afonso 
mexia  não  quisesse  jurar  a  pauta  f.  que  cõseniissem  que 
aquela  deferença  so  determinasse  em  GochÍ4M :  &  con* 
sefilimlo  nisso,  forfto  a  terra  António  de  miranda,  (fc 


x^iTRO  Til.  «ijrriHrLo  xitViii.  116 

CristouXé'  d^  0ou8af  &  «eteraMe  em  santo  Abtooio  pe«> 
ra  noifiearem  os  jutae^  que  julgassem  aquela  defereuiça, 
&  querendo  CrisUntio  de  sousa ,  que  se  nao  nomeasse 

£ir  juis  frey  toio  daluim ,  &  S  seu  lugar  se  metessem  ^ 
opo  dazeuedo  ^  fora  «aquele  anuo  de  Portugal ,  Antot- 
nio  de  brito  que  fora  capiláo  de  Maluco^  Nuoo  vaz  de 
cas4elo  braiiGo,  que  fora  capitã  do  oauio  do  trato  de  qo-^ 
faJâi  Tristão  de  gi, bastião  pires  vigairo  gerai  da  Ia«- 
dia:  eomo  ele  &  Aotoeio  de  mirafida  assentarão  cÕ  Pe* 
ro  Qiasearenhas  em  Cauauor,  AotoDÍo  de  mirada  pete 
eerito  que  tíoba  dado  a  Lopo  vaz  de  sam  pajo,  que  os 
jUJaes  oÍM  fossem  mais  de  sete^  nem  se  mudassem  os  que 
•stajii  nomeados^  não  queria  coaseatír  nos  que  se  acre- 
eentauão,  nS  em  se  tirar  frt^  loâo  daluim,  nem  ho  quis 
fazer  s6  dar  ctinta  disso  a  Lopo  vêSL^  Q  quãdo  ho  soube^ 
oui«e  disso  m4jy to  grade  meneaeoria ,  porque  tinha  por 
muyto  sospeilos  os  juizes  que  se  acreoentauão,  &  náe 
quis  consentir  nisso ^  dizendo  que  não  auia  mais  de  so* 
^er  do  que  sofrera,  &  que  bè  escusado  fora  a  António 
ée  miranda  enganalu;,  &  traaelo  ali  de  Goa,  &  que  ele 
tinha  a  culpa  daquilo  &  não  outrem ,  em  tecer  a  meada 
que  tinha  tecida,  porem  que  lhe  não  daua  nada,  por^ 
a  ele,  &  aos  outros  todos  espetaria  em  hil  pao,  &  que 
ae  fosse  logo  pareles,  &  que  os  ajudasse  a  engaoalo^ 
roas  que  se  nã  quisessem  c5prir  ho  que  estaua  assentar 
do ,  nâ  cdseotia  em  nhOs  juizes ,  i)S  se  queria  poer  em 
éereito,  &  que  pelejaria  cõ  todos  com  sam  Dinis  somenr 
te,  &  a  vStura  diria' quS  era  goueraador,  &  que  ele  ser 
r{a  obrigado  a  dar  cèta  de  todo  pois  fora  a  causa :  &  Anr 
tonio  de  miranda  lhe  respondeo  que  não  enganaua  nh 
guê,  antes  &zia  o  que  deuia,  &  no  que  6zera  naqnele 
edso  tinha  feytò  muyto  seruiço  a  Deos  &  a  el  rey ,  m 
qufi  se  queixaria  d<'is  injurias  que  lhe  dissera ,  &  outras 
muytas  palauras  descandalo  se  passarão  antreles,  qnè 
não  se  ounirão  por  amor  do  grande  arroido  que  faziãf 
os  ^  se  metera  no  meyo:  &  António  de  tmiranda  se  foy 
4o  galeão  muyto  agastado,  pêra  ho  eq^  qee  estaua  PeM 

p  2 


J16  BA   HISTORIA   BA    fNDIA 

mazcarenhas ,  que  sabendo  bo  que  passaoa,  lhe  reque^ 
reo  por  virtude  da  pauta,  Q  pois  Lopo  vaz  de  aã  payo  nft 
cõsentia  nos  juizes,  que  ele  &  Cristouâo  de  sousa  nó* 
lueauâo,  &  ele  era  deles  contente,  que  conoprisse  a  paur 
ta  que  dizia,  ^  em  tal  caso  hp  ouuesse  por  gouernado? 
sem  mais  contradição,  &  lhe  requereo  que  por  esse  he 
obedecesse,  &  ho  mesmo  requerimento  Ibe  fízerâo  quã« 
tos  fidalgos  estaua  coele,  &  por  virtude  da  pauta :  &  por 
estar  escãdaiizado  das  palauras  que  lhe  dissera  Lopo  vaz, 
cõsentio  no  ^  Pêro  mazcarenhas  &  outros  Ibe  requeriâo^ 
tomando  testemunhas  que  bo  fazia  por^  Lopo  vaz  não 
queria  cõprir  a  pauta,  &  fazendo  sobrisso  grandes  pro- 
testações, tomou  logo  os  nauios  que  pode  &  os  entregou 
a  Pêro  mazcarenhas  y  &  forão  estes  a  galé  bastarda  em 
que  estaua  por  capiJtã  Eyior  da  silueira ,  bo  nauio  de 
Nuno  vaz  de  castelo  branco,  duas  carauelas,  de  queeiâe 
eapitSes  Vicente  pegado,  &  loão  de  sá,  hú  galeão  de 
que  era  capitão  Simão  de  melo^  que  naquele  lempo  nX 
estaua  nele,  &  assi  biki  galeoia^  &  aigús  bargantis,  & 
posto  que  Aatonio  de  miranda  tomasse  estes  nautos  a 
Lopo  vaz  fiearâ  sam  Dinis ,  &  sam  Luys ,  &  ho  çamo» 
rim,  de  ^  evão  capitães  Martim  afonso  de  melo  jusarte, 
6l  dom  loíio  déça,  &  as  galés  de  Ruy  pereira^  &  Dan- 
lonio  da  silueira  de  meneses,  &  a  carauela  de  Fernão 
de  moraeia,  afora  muyta  fustalba  !|  estaua  no  porto  de 
Cochim,  &  por  issoho  poder  de  Lopo  vaz  era  dauãtagft 
do  de  Pêro  mazcarenhas,  &  assi  os  de  hH  bãdo  como  do 
outro  fazião  prestes  suas  armaa,  &  arteiharia,  espera- 
do por  bata4ba,  pula  períia  ^  tinha  Lopo  vaz  em  não  cflt- 
sentir  nos  juizes  q^ue  Cristouâo  de  sousa  &  António  de 
mirada^  noraeauão,.  &  algQs  dos  de  Pêro  mazcarenhas, 
dessa  gente  baixa,  bradauâo  por  guerra^  dizendo  ])  P^ 
TO  mazcarenhas  não  deuia  de  sofrer  tatás  soberbas,  quã- 
las^lhe  Lopo  vaz  fazia,  &  ^  entào  tinha  tSpo  de  se  v4»« 
gar  de  quàtas  injurias  tinha  recebido.  E  era  pêra  auer 
meda,  de  como  a  cousa  estaua  aparelhada  pêra  se  per^ 
der  a  índia ,  por^  segundo  ho  poder  dâbos  os  bãdos  ea- 


Llf  RO  Vir.  €APtTVtO  XLVIlI.  1 1  í 

taoá  igea)  estaoa  eerlo  se  dessem  batalha  ^  nãt)  se  apar* 
tai^m  sem  bO  ficar  vècedor,  &  este  auia  de  ficar  de  ma- 
neyra,  que  facilmente  ho  desbarataria  el  rey  de  Calicut, 
^  pêra  este  fira  tinha  prestes  grande  armada,  pêra  dar 
sobre  os  nossos  Q  escapassem  da  batalha,  &  lodos  os  ou- 
tros reys  &  senhores  estauão  dateuanto,  pêra  a  este  tã** 
po  darê  nas  nossas  fortalezas  &  as  tomarS ,  &  desta  vez 
tinhão  por  certo  ficar  a  índia  liure  dos  nossos ,  &  assi 
ouuera  de  ser:  fior^  nfi  Pêro  mazcarenhàs  se  queria  de- 
€er  do  acrecSlamento  dos  juizes,  nê  Lopo  vaz  de  não 
«erem  tãtos,  &  três  dias  durou  esta  porfia,  em  Q  ouue 
muytos  requerimentos  de  hú  ao  outro,  &  muytas  protes- 
tações de  nhu  deles  ter  culpa  do  mal  Q  se  seguisse  da 
batalha  que  se  aparei haua,  no  Q  António  de  miranda  se 
achaua  muyto  culpado  por  descobrir  a  Lopo  vaz  os  jui- 
zes ^  tinha  concertado  com  Cristouâo  de  sousa  ^  julgas- 
se a^la  contenda,  &  polo  assinado  ^  lhe  dera  de  nâo  se- 
lem mais,  que  se  estas  duas  cousas  nSo  forSo,  Lopo  vaz 
consentira  nos  onze  juizes ,  &  porQ  ele  consentisse  ne^ 
]es,  se  afirmou  que  lhe  prometeo  de  votar  por  ele,  & 
por  isto  cooseotio  Lopo  vaz  que  fossS  aqueles  onze  jui>- 
•Kes,  &  por  lhe  Afôso  mexia  aconselhar  que  consentisse 
neles,  &  despois  descolhidos  lhe  posesse  sospeic^ões,  Sc 
ho  mesmo  lhe  côselhou  he  ouuidor  geral,  &  tãbè  dõ  Vas*- 
co  déça  seu  procurador  lhe  mostrou  a  pauta  ^  tinha  as^ 
alnada ,  &  ho  juramento  ^  tinha  feyto  de  a  c5prir ,  pelo 
^  nâo  podia  fazer  outra  cousa  se  não  cfisentir  ])  se  nò- 
ineassS  os  juizes ,  &  por  todas  eslas  causas  ho  cõsentio, 
&  mfidãdo  chamar  António  de  mirada  lho  disse,  &  pe^ 
dindolhe  perda  das  palauras  j)  lhe  dissera  reconciliou 
eoele,  E  depois  de  Lopo  vaz  consentir,  requereo  Pêro 
mazcarenhàs  que  bo  tirasse  de  sam  Dinis,  por  quãto  es^ 
taua  nele  muyto  poderoso  r  &  António  de  mirada  ho  pos 
jia  nao  sam  Roque  ^  tinha  pouca  gente,  &  entregouo  a 
António  da  silueira  de  uieneses  seu  genrro,  &  Pêro 
mazcarenhàs  foy  posto  na  nao  Froideluraar,  &  entregue 
a  Diogo  da  silueira  ^  &  auibos  juroirâo  d»o»eDiregar 


i 


quSdo  IhM  pedissecii.   E  com  isio  ívcaraM  «e^ôros  de  0» 
bedecer  á  seatS^^a  que  se  desse  contra  cada  bu  delei» 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLIX. 

Comoforâo  acrecíladú9  num  dou$  juizes  por  parte  4e  i^ 
po  vaz  de  sam  payo ,  ^  <Í0  faiais  que  pasmu. 

XJLssentado  isto,  logo  ao  dia  seguiole  qu^  fora  desaoor 
ue  de  Dezèbro,  se  forS  a  terra  Crísioqâ  de  sousa^  Anr 
tonio  de  onrâda,  lio  ouuidor  gerai,  &  ho  sf^çreiiiiro ,  an 
jnosteiro  de  santo  António,  onde  s^  ajútará  os  mais  dM 
capitães  &  fidalgos  que  estauàg  çm  Cocbiai,  &  perante 
eles  nouieprflo  António  de  mirando,  &  Cristoull  de  sour 
aa,  as  pessoas  que  auiã  de  ser  juizes  siuidros,  da  deíe^ 
rença  que  auia  antre  Pêro  ro^^carenhas,  &  Lopo  vaz  de 
aain  pajd,  &  por  ficarê  nomeados  os  nSo  torno  a  nomear, 
íif  declarados  fostes  juiaes ,  foi  dita  bâa  missa  que  ludcf 
ouuirâo:  &  no  santíssimo  sajcramento  ii>es  deu  Jio  secrer 
tario  juramento,  ^  bem  &  verdadeiram9(e  julgassem  ae 
pertficia  a  gouernftça  a  Pêro  maacarenbas  «e  a  Lopo  vaf 
de  sam  payo,  &  eles  bo  jurarão,  &  bo  secretario  fez  ho 
mesmo  juramento,  de  goardar  bo  assinado  que  cada  bft 
lhe  daria  de  seu  parecer,  &  he  não  mostraria  nS  daria  • 
ninguS,  se  nã  a  el  rey  se  lhos  pedisse,  &  de  tudo  fe« 
bu  auto  ^  todos  assinarão,  E  feyto  este  juramCto^  Anr 
tonio  de  mirlda  tomou  Cristouáo  de  sousa  a  parte,  k 
disselhe  ^  pêra  í|  Lopo  vaz  de  sam  payo  n&  teuease  que 
dizer ,  quando  se  a  senteaça  desse  contrele,  que  deuiáto 
dacrecenlar  ainda  por  juizes,  a  frey  lofi  daluím,  &  a 
Brás  da  silua  da^euedo,  &  logo  pola  primeira,  Crisiouáe 
de  sousa  nâe  queria,  port)  sabia  certo  que  aquelce  doua 
erão  muyto  suspeitos  a  Pêro  maacarenbas,  &  receaua 
.<|ue  julgassem  contrele,  &  não  querendo  ele  câsentír, 
Ibe  disse  António  de  miranda  j|  consentisse,  &  nã  se 
receasse  díi^les  juizes,  porJj  eie  auia  de  votar  por  Pêro 
mnaeiíreiíbas  ^  &  tàbê  dõ  ioâo  dçça  por^  aabiã  muy  te 


LUfWÊr  riu  CAMTTIit)*  %UX.  1 1 1 

mtfto  qoa  a  justiça  era  sua,  &  nã  fazia  a^la^cirlmooia 
de  juizes,  por  maia  ^  pêra  a|)acificar  Lopo  va^,  &  por{) 
Ibe  não  parecesse  4  Uie  lomauâo  a  goueroanqa,  &  a  da* 
uâo  a  Pêro  majSGarenhafi :  &  eslãdo  nisto  acodio  dom 
loão  dé<;a,  &  disse  ho  mesmo  (}  dizia  António  de  mirft* 
da  ^  &  Crislouãa  de  sousa  consentio  nisso,  sem  dar  con^ 
ta  a  Pêro  mazcareohas ,  nem  a  nhii  de  seus  parentes  & 
amigos ,  porQ  tbe  pareceo  Q  por  mais  saiuas  que  lhes  fi<» 
aesse  nâ  auiao  de  consentir  naqueles  dous  juizes,  por^ 
os  tiahão  por  muylo  sospeitos,  &  f>or  essa  rezâo  fora  tH 
nido  £rey  loâo  daluim  a  requerimêto  de  Pêro  mazcarc'^ 
nhãs ,  &  tãbem  pori[  ele  queria  que  aquela  cousa  se  a* 
cabasse  em  paz ,  &  nâo  por  guerra  como  se  comecjaua 
de  faser  que  este  era  ho  seu  Hm ,  &  posto  que  entSdeo 
que  ya  contra  seu  juramento  descolher  juizes  sem  sos* 
peita,  consentio  nestes  dous  por  euitar  a  guerra  Q  teua 
pêra  si  que  aueria  se  ho  nft  consentisse ,  por^  cometec 
António  de  miranda  aquilo  não  era  sem  vontade  de  Lo* 
po  vaz ,  4  estaua  claro  trabalhar  pola  fazer,  &  por  cima 
de  tudo  isto  Cristoufio  de  sousa  estaua  só  &  nâo  tinha 
qu6  ko  ajudasse  y  por^  como  ele  visse  as  nouidades  qu« 
de  cada  vez  sobreuinbfio,  conbeceo  Q  ainda  a  co^sa  auia 
de  vir  a  estado  {)  se  se  não  fizesse  a  líõlade  a  Lopo  vaz 
fc  a  Afonso  mexia  auiã  de  quebrar,  &  como  tinha  as^fi* 
tado  de  lha  fazer  em  tudo  por^  não  ouuesse  guerra,  não 
quis  que  ficasse  coele  nhii  fidalgo  seu  parente  nem  amí» 
go,  B&  pessoa  da  valia  de  Pêro  mazcarenbas,  porque  a* 
eontecendo  be  Q;  lhe  paraeia,  não  contrariassem  sua  de*- 
iermina<;ão  &  fizessem  reuolla :  &  consentido  ele  nestes- 
dous  juizes ,  foilbes  dado  ho  mesmo  jurismèto  %  aos  ou-» 
troSy  &  assi  ficara  treze»  &.  logo  eles  disserâo  a  esses  fi* 
dalgos  &  capitães  que  estaulo  prestes  ^  mãdassS  cha* 
mar  bo  vedor  da  fazenda,  por<}  sS  ele  fazer  certos  jura* 
mentos  nào  auiã  de  dar  sentença  naq.uele  coso  Q  lhes 
era  cometido,  &  vindo  bo  vedor  da  fazenda,. a  requeri* 
mento  daqueles  fidalgos  &  capitães,  António  de  miran^ 
da  8  Dome  dos  ouUos  juizes ,  Uie  le^reo  da  parte  dei 


no  DA  HISTÓRIA  BA  INNÁ 

Rey  de  Portugal  que  jurasse  de  entregar  a  fortaleza  4e 
Cochim  a  Lopo  vaz  de  sam  payo,  ou  a  Pêro  mazcare^ 
nhãs  9  a  qual  julgassem  por  gouernador,  &  isto  sem  ma- 
nha n8  cautela ,  &  ele  ho  jurou  com  condição  (|  assi  00 
juizes,  como  todos  os  capitães  &  fidalgos  que  ali  esta** 
uão,  &  na  frota  jurassem  solenemente  Q  tomauáo  sobre- 
di  a  ele,  &  a  Aires  da  cunha  capitão  de  Coulão,  Pêro 
vaz  trauaços,  Diogo  chainho,  &  os  moradores  de  Co« 
chim,  &  oíiciaeis  dá  camará,  que  não  recebessem  nhã, 
dano  nem  oífença ,  assi  em  suas  pessoas ,  como  fazSdasy 
&  lhe  (izessê  dar  embarcação,  assi  pêra  Portuf^al ,> como 
pêra  outros  lugares,  &  a  ele  lhe  não  fosse  negada,  posx 
to  ()  se  despois  alegasse  que  era  seruiço  dei  rey  2)  ele  fi- 
casse na  índia,  &  í\  Pêro  mazcarenhas  se  obríiçasse  por 
hCl  assinado  seu  a  cÕprir  tudo  isto  cÕ  juram@to,  &  assi 
Iby  feyto:  &  ho  secretario  fez  disso  hâ  auto  l\  todos  as- 
sinara, &^  despois  disto  querendo  os  juizes  entender  em 
seu  oflicio ,  disserão  a  CristouSo  de  sousa  l\  se  fosse ,  & 
ele  polo  que  tinha  assentado  cõ  António  de  miranda  & 
jj  esteuesse  ao  despacho  da{)la  deferença,  nã  se  quis 
sair,  &  vendo  que  António  de  mirada  era  hQ  dcis  que 
int^istia  (|  se  saísse,  ouue  coele  sobrísso  palauras,  &  assi 
c<>m  os  outros  ,  &  foy  a  cousa  de  maneyra,  que  acodi- 
rSo  08  juizes  de  Cochim  por  mãdadoOafonso  mexia,  pê- 
ra deitarem  fora  a  Cristouã  de  sousa,  que  já  se  saía 
quando  eles  chegarão,  vendo  que  sua  estada  nã  apro-» 
ueitaua  ali,  &  então  conheceo  quã  mal  íízera  &  não  fa- 
zer huxapilolo  na  pauta ,  jurado,  &  assinado,  por  An- 
tónio de  miranda,  que  ele  esteuesse  ao  despacho  daque- 
la deferença ,  porque  assi  não  lhe  fora  defeso  que  não 
esteuesse,  &  então  vio  tambS  ho  grande  erro  (}  fizera ^ 
cm  deixar  acrecStar  os  dons  derradeiros  juizes,  porque 
polo  rigor  que  vsarão  coele,  lhe  pareceo  que  auiãdedara 
sentença  cõtra  Pêro  mazcarenhas,  &  em  entrando  onde 
ele  estaua,  disse  de  muyto  agastado,  sus  alforges  &  par- 
tamos !\  tudo  he  por  demais,  &  calouse  que  nã  quis  mais 
dizer,  por  amor  do  juramento  ^  tinha ,  &  isto  tudo  sa 
fez  ate  véspera. 


UVKO  VII.  CAPirvi-o  I«  321 

CAPITVLO    L. 

Das  rezôes  ^  ho  vedor  da  f azeda  ^  outros  offrecerâ  aos  jui- 
zes pêra  q  Pêro  mazcarenhas  não  fosse  gouemador. 

JL/espaís  de  Chrisiouâo  cie  sousa  ser  ido  í\  os  jiiyzes  ii- 
-carâo  recolhidos  com  ho  secretario  que  ali  fíaou ,  que  a- 
tiia  de  ser  ho  escriuão  daquele  processo,  dom  Vasco  de- 
«ça  procurador  de  Lopo  vaz  de  sam  Payo,  &  Simão  caej- 
xo  procurador  de  Pêro  mazcarenhas,  mostrarão  aos  juy- 
268  as  procurações  que  tinhão  dábos:  &  lhes  derão  io- 
dos os  papeis  de  que  âbos  se  esperauão  dajudar  &  coe- 
les  JiQas  largas  rezões  per  escripto  sobre  a  justiça  que 
tinhâo,  &  apus  íslo  lhes  foy  dado  hCI  requerimSto  dos  of- 
ficiaes  da  camará  de  Cochim  em  nome  de  toda  a  cida<* 
de,  em  q  lhe  requerião  da  parte  de  Deos  &  dei  rey  que 
por  nhu  modo  lhe  na  julgassem  a  gouernãça  a  Pêro  maz- 
carenhas, porque  se  lha  dessem  auiâo  de  despouoar  a 
cidade,  &  irse  pcra  os  mouros,  por  não  se  atreuerem  a 
saluar  cõ  os  Chrislãos  ficando  ele  por  gouernador  que 
«ra  seu  imigo  capital,  alegado  as  rezÕes  !\  auia  pêra  is* 
so:  pelo  qual  não  se  fiarião  de  nhu  juramento  que  fizes- 
se. E  visto  este  requerimento  pelos  juizes  lhes  forSo  da» 
das  huas  rezões  do  vedor  da  fazenda  que  dizião. 

€t  Senhores  se  vossas  mercês  <)uiserê  verdadeiramen- 
te espicular  a  justiça  <)ue  ho  senhor  gouernador  Lopo 
vaz  de  sam  payo  tem  pêra  lhe  ficar  a  gouernança,  a- 
charâo  que  lhe  sobeja ,  &  da  mesma  maneyra  hão  dou-- 
]har  a  que  Pêro  mazcarenhas  pôde  ter  pêra  ser  gouerna- 
dor, achara  que  he  nhCla  por  muytas  reaões,  de  que  a* 
qAíi  darei  alguas. 

19  A  pricipal  he  ser  ele  muito  odioso  aos  moradores 
desta  cidade,  pela  injuria  que  diz  que  recebeo  deles  q na- 
do desembarcou  contra  meus  re^jrimentos ,  pelo  {)  está 
claro  que  seria  muyto  grade  deseruiço  de  deos  &  dei 
rey ,  ficar  ele  na  índia  como  pessoa  particular  ^  quanto 
UVRO  VII.  a 


122  DA    HISTORIA    DA    INDlA 

luaís  cd  mSdo^  &  a  fora  ser  muylo  odioso  por  esta  caii* 
sa  que  tS  de  vingança,  ho  he  tãbem  por  deseruir  a  el 
rey  cõ  ho  mando  que  lhe  dá,  como  vereis  nessa  ínqui- 
riçáo  que  se  tirou  aqu»  contrele  a  requerimento  do  fej« 
tor  de  Malaca ,  em  que  se  achou  que  fez  muy  graues 
erros,  assi  nas  cousas  da  justiça,  como  nas  da  fazenda^ 
&  tambS  offreço  os  autos  que  mandou  fazer  contra  os  of- 
iiciaeis  da  camará  desta  cidade,  contra  quem  ha  de  pro^ 
ceder  despois  que  fur  gouernador,  E  Lopo  vaz  de  sam 
jHiyo  os  que  linha  presos  em  Goa  (&  não  fi  ferros  como 
lhe  mereciilo)  soltou  os  leuemSte,  por  lhe  dizerem  ^  era 
assesego  da  índia ,  &  pola  ver  pacífica  se  pus  em  ven- 
tura de  perder  ho  que  tinha  certo,  digouos  que  tem 
bem  seruido  ei  rey  nosso  senhor  na  justiça,  &  na  fazen- 
da olbay  ho  que  fazeis. 

n  Tem  tãbem  Pêro  mazcarenhas  determinado  como 
ibr  gouernador  de  tirar  António  de  miranda  de  capitão 
inór  do  mar,  &  a  mim  da  capitania  deCochim :  cumu  se 
proua  por  essa  caria  assinada  por  ele. 

9  Também  ha  outra  rezão  rauy  eu i dente  pêra  nSó 
•er  gouernador  Pêro  mazcarenhas,  porque  polo  ser  co» 
meteo  mui  graues  crimes  perdoado  cõlra  forma  das  or^ 
denações  dei  Rey  nosso  senhor  a  algQs  que  Unhão  mor* 
tas  alguas  pessoas  &  os  recolheo  a  Cananor  &  deles  traz 
cdsigo  hu  Lucas  leytão  que  matou  aqui  três  homês,  & 
por  seu  mâdado  está  em  posse  de  hil  nauio.  Pêro  lana- 
res 1}  matou  sua  sogra  sobre  dous  seguros  de  dom  Anr* 
rique  &  ha  bombardeiro  Q  matou  hft  home,  &  os  ^  es^ 
pancarão  &  ferirão  em  Cananor  ho  tabaliSo  que  lhe  ie* 
uou  ho  requerimento  dos  officiaes  da  camará  desta  ci* 
dade.  E  por  ser  guuernador  prometeo  a  muytos  ^  ti* 
Dbão  roubado  &  tomado  muyto  dinheiro  a  el  Rey  nosso 
senhor  de  lho  quitar,  nssi  como  foy  a  ChristouSo  de  sou- 
sa  que  tfi  tomados  a  sua  alteza  perto  de  qutze  mil  cru« 
sados,  deles  do  tempo  do  doutor  Pêro  nunez  &  deles  do 
meu ,  &  por  saber  que  ho  queria  constranger  a  pagar 
este  dinheiro  se  contrariou  logo  daa  cartas  em  que  ti^ 


hJTBLO  vn*  CÀVtrvto  h.  its 

nha  obedecido  por  gouernador  a  Lopo  fas  de  sam  Payo 
&  ibe  desobedeceo  por  nã  pagar  este  dinheiro,  coroo  nSo 
pagará  aendo  Pêro  maecarenbaa  gcuernador.  &  Lançai* 
rute  de  seixas  da  feyloria  J\  teue  em  Pegú  deue  muyto 
dmbeíro  a  sua  alteza  &  ibo  nã  quer  pagar  por  ser  secre-r 
(ario  de  Pêro  mazcarenhas,  nem  menos  pagará  ho  fre^ 
te  do  nauio  que  leuou  a  Malaca  carregado  de  sua  faz&* 
da  &  deixou  a  dei  Rey  i  &  Francisco  mendez  de  vas^ 
conoelos  Q  deixou  por  capitfio  em  Gananor  tomou  hO  na«« 
uio  de  mercadores  nossos  amigos  que  ya  carregado  d^ 
muvta  fazenda  &  dinheiro ,  &  tudo  t6  sonegado  segiido 
ienno  polo  liuro  &  assSto  do  escriuSo  do  mesmo  nauio, 
&  Manuel  da  gama  que  eu  tenho  preso  por  dous  mil 
cruzados  que  deue  a  el  Rey ,  que  me  começaua  de  pa- 
gar deixou  de  bo  fazer,  dizendo  que  coroo  Pêro  mazca^ 
renbas  gouernasse  que  tudo  se  bS  faria.  Pois  quê  toma 
tais  prlcipíos  de  gouernar  a  justii^,  &  daproueitar  lam- 
bem a  fazenda  de  sua  alteza  antes  de  ser  gouernador, 
que  fará  despois  <)  ho  forf  Pelo  que  está  notório  ser  cou«* 
sa  muy  perjudicial  selo,  &  julgado  vossas  mercês  que  ba 
seja,  eu  lhes  encampo  a  fazenda  dei  Rey  nosso  senhor 
qtie  eu  tenho  nela  lambem  seruido,  que  recebeo  past 
[^  sante  de  trezentos  mil  cruzados  de  prooeito  como  darey 

por  conta ,  &  concertadas  suas  fortalezas  &  pagos  maia 
de  duzentos  mil  cruzados  de  soldo  sem  Ibe  boMr  nos  co- 
fres  das  nãos  da  carga  como  algús  fazem.  E  porque  nSL 
se  pode  fiizer  táto  seruiço  sem  se  tomar  conta  aos  1\  rou^ 
bio  soa  íazenda  &  sem  poer  verbas  a  outros  Q  bo  deser-r 
oS  per  outros  modos  (que  he  dobrado  seruii^)  desejãa 
os  culpados  nestes  erros  como  leais  vassalos  que  me  va 
da  índia  &  buscarão  pêra  isso  este  caminho  de  fazer  go^ 
tiernador  a  Pêro  roazcarenhas :  ({  se  bo  senhores  julgar* 
des  por  esse  vos  eneampo  a  fazfida  de  sua  alteza,  &  pro* 
testo  que  seja  aatisfeyto  pelas  vossas,  &  quâdo  nfio  per. 
vossas  ppssoas,  &  protesto  por  m^ue  ordenados,  &  po* 
Ias  perdas  que  receber,  poslo  que  me  não  lembra  se  nã4> 
el  Rey  nosso  senhor,  porque  a  ele  se  faz  a  guerra*  «r 

a  2 


IS4  DA  HISTORIA  DA  ÍNDIA 

Coestas  rezÕes  estauão  outras  de  Pêro  de  faria  ca- 
piiito  de  Goa  fQdadas  sobre  a  mesma  maíeria,  &  assi  bft 
requerimento  do  licenciado  loâo  de  soiro  ouuidor  geral 
da  Índia,  em  ^  requeria  o  que  por  estas  rezões  vay  re- 
latado. E  Ioda  a  noyte  óo  dia  em  que  os  jujizes  começa- 
rão deslar  em  despacho  quãlos  moradores  auia  em  Co- 
chim  andarão  descalço»  em  procissam  cõ  suaa  molheres 
&  filhos,  pedindo  a  nosso  senhor  que  spiritasse  nos  juy* 
zes  que  não  julgassem  a  gouernançaa  Peromazcarenhas 
polo  medo  Q  nuiá  de  se  vingar  deles  &  cõ  grandes  brados 
pediâo  misericórdia:  o  que  foy  muyto  piedosa  cousa  de 
ver^  » 

CAPITVLO    U- 


como  foy  dada  a  stniença  ^  Lopo  voz  de  sam  Payo 

gouernasse  a  Indui^ 

Jji  visto  pelos  juyzes  tudo  o  que  se  alegaua  por  ambas 
as  parles ,  fez  cada  fafl  hQ  escripto  de  seu  parecer  que 
assinou  &  bo  deu  ao  secretario  que  os  leo  peranteies,^ 
&  despois  de  se  achar  que  Lopo  vaz  de  sam  Payo  tinha 
mais  votos ,  &  que  a  ele  perteneia  a  gouernancja  julga* 
râo  que  fusse  gouernador,  &  bo  secretario  escreueo  a  sê^ 
tença  que  dizia. 

«  Vistos  por  os  juyzes  est^a  autes,  &  o  que  por  elea 
se  mostra ,  &  vistos  nossos  assinados  em  !\  eada  bil  de* 
elarou  sua  tenção:  julgamos  por  nossa  difinitiua  senten- 
ça que  Lopo  vaz  de  sam  P«'(yo  goueroe  ^  &  seja  gouer*' 
nador  nestas  partes  da  Índia,  &  Pêro  mazcarenhas  se 
va  em  hora  pêra  ho  reyno  de  Portugal ,  &  lhe  será  dada- 
embarcação  segíido  a  qualidade  de  sua  pessoa:  &  quan* 
to  aos  ordenados  dos  sobreditos  fi^  pêra  el  Rey  nosso 
senhor  ho  julgar  como  lhe  bem  parecer  ^  &  asst  todo  bo- 
rnais que  cada  hu  deles  quiser  requerer  no  reyno.  » 

E  assinada  pelos  juyzes ,  logo  no  mesmo  dia  l\  fo- 
rão  vinte  hQ  de  Dezembro  ao  sol  posto  António  de  mi- 
randa^  Dom  loâo  deça,  Uras  da  silua  diazeuedo,  &Trí8' 


LIVRO  VII.  CAPITVLO  tnr.  ISft 

tâo  de  gá  86  forâo  em  hO  bargaDiim  á  nao'%m  qoe  eò^ 
taua  Pêro  mazcarenhas :  &  dos  de  sua  valia  fora  inuy^ 
tos  a[)08  eles  cuydaodo  que  a  senlença  se  dera  por  ele^ 
£  entrados  deniro  ho  secretario  lha  pubricou  perante 
todos:  &  ete  a  ouuio  com  rosto  muy  seguro,  mostrando 
grande  coração,  o  que  seus  amigos  não  fizerâo  ^  <)  todos 
licarâo  mu^to  tristes.  E  ele  licou  na^la  nao  ate  lhe  ser 
dada  embarca<;ão.  E  os  juyzes  íbrSo  pubricar  a  senten- 
ça a  Lopo  vaz  de  aam  payoy  ^  a  recebeo  com  muyt^ 
prazer )  &  deu  muy  tos  agardecrmentos  aos  juyzes:  & 
pedio  muyto  perdão  a  António  de  miranda  do  !}  passa- 
ra coele.  E  com  quanto  a  sentença  foy  dada  por  Lopo 
vaz,  des|x>is  se  deu  em  Portugal  cSlreie:  &  Q  pagasse 
a  Pêro  mazcarenhas  ho  ordeoadu  ^  leuara  de  gouerna-* 
dor  cõ  todos  os  proes  &  percalços.  £  por  ser  quasi  noi- 
te nSo  se  foy  ho  gouernador  a  (erra  &  fícou  no  mar :  õ- 
de  &  na  terra  ouue  muytas  folias  &  prazeres  &  grade 
Étrõdo  darlefheria  !}  desparaua :  o  Q  daua  grade  tormã*- 
to  aos  da  outra  parte:  por^  lhes  parecia  ^  se  fícassS  na 
índia  4  o  gouernador  lhes  auia  de  fazer  mal.  E  [K)rque 
a  ele  lhe  paraceo  ^  terião  esta  aospeita  os  quis  seg^irar, 
&  ao  outro  dia  antes  que  desembarcasse  correo  tcida  a 
frota  em  b&  eatur,  &  a  todos  em  geral  fez  esta  fala. 
Pois  nosso  senhor  Deos  foy  seruido  de  me  restituyr  na 
gouernança  da  Índia,  peçouos  senhores-  que  todos  vos  a- 
legreis  comigo ,  fc  creai»  que  iieando  eu  por  goirerna* 
dor ,  vos  úea  a  todos  bQ  amigo  pêra  vos  fauorecer  na 
índia,  &  com  el  Key  meu  senhor  representandolhe  vo&- 
aos  serui<^s  &  pedirlhe  que  vos  faça  mercê:  porque  vos 
dou  minha  fé  que  vos  tenho  em  mu^to  boa  cÔta  aos 
que  foste»  da  parte  de  Pêro  mazcarenhas  em  prosseguir* 
des  cd  tanto  esíbrçe  o  que  vos  parecia  que  era  rezáo,  por*» 
^  ho  mesmo  tVzereis  por  mim  se  ferei»  da  minha  parte , 
&  por  isso  vos  nSo  ey  de  ter  má  vontade,  &  vos  prome- 
to que  me  nâo  lembre  mais  ho  passado :  &  vos  pe^o  l\ 
façais  outro  tftto,  &  ^  sejamos  muyto  amits^os,  &  sirua^ 
jnos  todos  eí  rey  muy  tt>  bem ,  &  vamo»  descansar  ^  he 


(empo*  O  que  lhe  todos  teuerio  inuylo  em  nerce  &  fot 
rjtee  coele  pêra  (erra  ^  õde  foy  recebido  eun»  sol^oe  pro* 
citsatn,  &  debaixo  de  hu  palio  foy  leuado  a  See,  &  de9^ 
pois  douuir  missa  á  fortalesa  em  ^  auia  de  pousar,  & 
ali  tornou  a  fazer  muytos  ofireoimenios  aos  fidalgos  que 
lhe  forflo  coDlraíros  com  que  se  segurarão  pêra  ficar  na 
lodia. 

C  A  P  I  T  O  L  O    LII, 

Do  que  ho  gcuernadar  fe»  despeis  de  ser  restituído  em 

stia  posse» 

Re.ti.,.ido  Lop.  «,  d.  «™  P.,0  ..  ..«TO,,.,  ,.í: 
sera  logo  aperceberão  pêra  ir  buscar  os  rumes,  ^  bem 
sabia  ho  seu  desbarato  &  a  morte  de  calei  mão  raix  & 
foylhe  conselhado  que  nSo  fosse  porque  por  nhQ  modo 
lhe  coQuioha  ir  fora  da  índia,  assi  porque  os  da  valia  de 
Pêro  maxcareahas  nSo  estauão  de  todo  assessegados,  & 
ficando  ele  na  índia  despois  da  partida  do  gouernador 
auer ia  outra  reuoita  como  dfltes ,  porque  nhfl  auia  de 
querer  ir  ao  estreite:  &  tarobè  el  rey  de  Caiicut  tinha 
feyta  grande  armada ,  &  vendo  ho  gouernador  fora  da 
índia  faria  nela  muyto  dfino,  &  abastaua  2}  ho  oapitio 
mór  do  mar  fosse  ao  estreito  ás  presas  &  lá  saberia  a 
certeza  do  {}  era  feyto  dos  rumes,  &  náo  vindo  gouer-^ 
nador  no  anno  seguinte  então  os  iria  ho  gouernador  bufrt 
car  lâhê  apercebido  que  podesse  pelejar  coeies.  E  isto 
determinado,  despachou  ho  gooernador  ho  capitão  mór 
do  mar  cd  bua  armada  de  noue  velas.  s.  seys  galeSea 
de  que  a  fora  ele  que  ya  em  sam  Dinis  forão  por  capi^ 
tSes  Fernilo  rodriguez  barba  de  s3  Rsfael,  António  da 
silua  dos  Reys  magos,  Ruy  vaz  pereyra  de  sã  Lujrs, 
Anrrique  de  macedo  do  çamorim  grade,  &Lopode mes- 
quita do  pe^no,  &  FrScisoo  de  vascõcelos  de  bila  galeo* 
ta  ^  '&  Ruy  pereyra  de  hOa  galé  bastarda,  &  bua  e^leo» 
ta  &  cico  bargãtis :  &  coesta  frota  em  Í\  irião  mil  bo^ 
mSs  se  partio  em  laneiro,  &  xii.  dias.  despois  de  sua 


UVSO  Vfl«  CKVtTVlÁ)  UII.  127 

Mtrtida  nãdoa  o  gouernador  a  Simão  de  melo  sea  ao- 
Hbrioho  a  faaer  presaB  ás  ilbaa  de  Alaldiua ,  &  leuou  b& 
•nauio  de  gauea  &  h&a  carauela.  £  neste  tempo  forao 
-acabadas  de  carregar  aa  quatro  naoa  que  aaiâo  dir  pêra 
l^ortugal  &  se  partirão ,  &  foy  eoa  faQa  delas  Pêro  niaa*- 
iUireDbaa  êlregue  preso  a  António*  de  brito ,  &  por  amor 
dele  se  forão  rouytos  fidalgos  pêra  Portugal  &  assi  ou*^ 
Iras  pessoas*  £  primeyro  que  esta  frota  partisse  màdou 
ele  citar  ho  guuernador  perSte  el  rey  ou  perante  os  de^ 
aembargadores  da  sua  relação  pola  gouernâça  da  Índia , 
&  por  bo  cidel  &  crime  que  bobre  a^le  caso  esperaua 
dalcançar  contrele :  &  mais  Ibe  escreueu  como  os  Caste- 
jbaoos  tícauào  em  Maluco  oa  ilba  de  Tidore  como  disse 
atras  pêra  que  socorresse  a  dom  lorge  de  meneses  (\um 
lá  estaua  |K)r  capitão.  £  partida  esta  Trota  cbegou  aPor*- 
tugal  a  saluamento :  &  Fero  maacarenbas  foy  bem  rece^ 
bido  dei  rey :  que  nfio  ouue  por  seu  seruiço  o  que  ibe 
fora  feyto*  £  despois  de  ÍA>po  vaz  de  sam  Payo  ser  em 
Portugal  ouue  sentença  contrele  que  Ibe  pagasse  todo  ba 
ordenado  que  ouuera  dauer  com  a  gouernança. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LIII. 

De  como  dom  Garcia  anrriquez  entregou  a  fortaleza  ãe 

Maluco  a  dom  lorge  de  meneye$. 

JL/om  lorge  de  meneses  Q  inuernou  nas  ilhaa  dos  Pa^ 
puas  como  disse  atras  despois  que  tentarão  os  leuantea 

Krtiose  pêra  Maluco  &  cbegou  á  ilha  de  Ternaie  em 
ayo  de  mil  &  quinbêtos  &  vinte  sete,  onde  soube  em 
cbegando  a  guerra  ()  os  Portugueses  tinbão  com  os  Cas* 
telbaoos,  Tidores  &  Geilolos:  do  que  lhe  pesou  f)or  a 
pouca  gSte  Q  leuaua  &  essa  quasí  toda  doente  que  a  ou*» 
ira  Ibe  morreo  Das  ilbas  onde  inuernou.  £  tendo  ja  esta 
eerteta  despois  de  ebegado^  deixando  os  dous  nauios  a 
recado  se  foy  nos  bateysaa  fortaleza,  donde  sabendo  dom 
Garcia  sua  ida  bo  sayo  a  receber  muyto  ledo^  porque  se 


128  BA    HISTORIA    SA^  llfDIA 

poderia  tirar  da  grande  obrigação  eis  que  eataua  com  a 
guerra  por  amor  do  pouco  apercebi  mes  lo  que  tinha  par 
reU^  &  logo  lhe  entregou  a  fortaleza  ^ssi  .como  lha  An- 
tónio de  brito  entregara,  que  foy  da  maneyra  que  di»- 
«e  no  liuro  sexto.  E  dom  lorg e  lhe  deu  disso  hQ  conhe^ 
cimento  feylo  per  hQ  tabalião  pubrico:  &  logo  {|  dd  lor* 
ge  chegou  Martim  hinhegues  o  capitão  dos  Castelhanos 
que  eslaua  em  Tidore  bo  mandou  visitar  dandolhe  a 
boa  hora  de  sua  vinda,  &  oflTrecendolhe  paz  &  amizade : 
jcÕ  queUiime  da  dÕ  Garcia  que  nunca  a  quisera  coete, 
antes  lhe;metera  a  sua  nao  no  fundo,  &  lhe  matara  hft 
4]omiS  &  ferira  três :  o  l\  dom  lorge  lhe  agardeceo  oflfre- 
cSdoselhe  lambem  por  amigo,  &  disculpando  dom  Gar-* 
cia  que  ho  quisera  ser  seu ,  mas  que  ele  fora  o  que  nâo 
quisera  nem  irse  pareie  como  lhe  mandara  pedir,  &  qui- 
sera antes  estar  antre  os  mouros  seus  immigos,  pedin« 
dolhe  que  pois  queria  sua  amizade  ^  ho  mostrasse  ê  se 
ir  pêra  a  fortaleza,  onde  lhe  daria  apousenlamento  de 
que  fosse  contente.  E  por  Marlím  hínheguez  nâo  res- 
ponder a  isto  lhe  mandou  dom  lorge  hQ  requerimêto 
aos  quatro  dias  de  lunho  em  l\  lhe  requeria  cõ  bo  ai- 
cayde  mór  da  fortaleza,  feyior  &  outros  officiaes  que  se 
fosse  logo  daquela  terra  &  de  todas  as  ilhas  de  Maluco, 
&  não  comprasse  nhCI  crauo.  E  ho  mesmo  requerimento 
lhe  fez  MarUm  hinheguez :  Sc  despois  de  muytos  reque- 
rimentos de  parte  a  parte  (izerão  tregoas,  ale  verem  re- 
cado da  lodia  ou  Despanha  do  que  mandaua  ho  gouer- 
nador  ^  fizesse  dÕ  lorge.  E  como  as  tregoas  forâo  a8sen^ 
tadas  ouue  muyta  amizade,  prestãça  &  conuersação  an«- 
tre  os  Portugueses.  &  Castelhanos,  &  dauãse  dadiuas 
hfis  aos  outros  principalmSteos  capitães.  E  sempre  JVIar*- 
tim  hinheguez  se  fora  pêra  a  nossa  fortaleza  se  ho  nSê 
estoruarão  el  rey  de  Geilolo  &  Cachil  daroes:  el  rey  d« 
Geilolo  porque  osTidores  teuessfi  necessidade  desua.a«- 
juda ,  &  Cachil  daroes  porque  os  Portugueses  a  teuesr 
sem  da  sua. 


VII.  0APITVX.0  UIII.  129 

C  A  P  I  T  V  L  O    LIIII. 

Do  que  dâ  lorge  quisera  fazer  acerca  do  cravo  4"  não  pode. 

X^espois  dÍ8to  tirou  dom  lorge  a  akaydaria  mór  da  for« 
laleza  a  Manaei  falcão  que  a  linha  por  lho  mandar  assi 
Pêro  mazcarenhas,  porQ  lhe  leuara  dous  homiziados  da 
Malaca.  .E  tirada  esta  alcaydaria  deu  a  a  bfl  Sim^  de 
vera ,  &  porque  Manuel  falcão  não  se  escandalizasse  de 
lhe  tirar  a  alcaydaria ,  &  ele  &  outros  nSo  cuydassem  ^ 
ho  fazia  sem  causa  mostroulhe  ho  mandado  de  Peromaz^ 
carenhas.  E  com  tudo  Manuel  falcSo  nSo  se  ouue  por 
salisfeyto  &  ficou  imigo  de  dõ  lorge  posto  que  ho  dissi- 
mdaua.  TambB  dom  lorge  quis  vsar  de  hfl  regimSto  qua 
Afonso  mexia  vedor  da  fazSda  da  índia  mãdara  a  ma* 
luco,  em  que  mandaua  que  ho  feytor  de  Maluco  com* 
prasse  quanto  crauo  ouuesse  nas  ilhas ,  &  carregasse  ho 
mais  !|  podesse  pêra  el  Rey  &  ho  mãdasse  á  índia,  &  o 
que  solfejasse  ho  vendesse  aos  moradores  da  fortaleza 
cõ  ganhar  ho  mais  que  podesse,  &  da^Ie  dinheiro  se  pa- 
gasse ho  ordenado  do  capitão  &  dos  outros  officiaes,  & 
se  pagasse  ho  soldo  &  inantimento  da  gente  darmas  pê- 
ra el  Rey  poder  sofrer  os  grandes  gastos  daquela  forta- 
leza :  &  cõ  tudo  que  se  tomasse  ho  crauo  sem  escânda- 
lo dos  mouros  &  Portugueses  ^  estauão  na  terra.  E  dom 
lorge  mandou  apregoar  este  regimento,  &  que  se  goar- 
dasse.  E  vedo  os  Portugueses  quanto  proueito  lbes.ii«* 
rauão ,  &  que  desta  maneyra  poderia  el  Rey  saber  ho " 
muyto  Q  ganhaua  3  auer  ho  crauo  á  sua  mão  &  ho  muy- 
to  que  perdia  em  ho  não  auer,  &  que  nunca  ho  mais  ar 
largaria ,  no  que  ficauão  perdidos,  porc)  nã  ficauão  maÍ3 
{|  c5  ho  soldo  &  mãtimento  que  nunca  lhes  pagauSo:  de- 
terminarão de  não  consentir  que  aquilo  fosse  auante,.& 
confederarãse  com  Cachil  daroes  que  ho  estornasse.  £ 
ele  {}  muyto  folgaua  de  os  Portugueses  sempre  terem 
necessidade  de  sua  ajuda  assi  ho  fez ,  dizSdo  que  pois 

LIVRO   VIU  R 


IS*  -  HA  HwnoKiA  BA  índia 

os  mouros  não  podião  vender  seu  crauo  a  quS  quises* 
sem  9  que  asai  não  vêderião  seus  mâlimentos  na  foria* 
leza,  &  mandou  ()  os  não  vendessem  dali  por  diante:  & 
começou  ho  escândalo  d>e  crecer  cm  tanta  maneyra  qu« 
a  dd  lorge  lhe  foy  necessário  dissimular,  porque  ho  na 
pode  defender.  E  assi  perdeo  el  rej  tamanho  proiieito 
como  este  fora  de  sua  faz£da ,  &  que  foy  a  causa  de  fa-^ 
ser  ali  aquela  fortaleaa,  &  que  sem  ter  ho  crauo  lhe  não 
seruia  de  mais  que  de  gastar  dinheiro  debalde,  &  com- 
prar ho  crauo  ho  três  dobro  mais  caro  do  que  ho  oora« 
praua  na  índia  antes -que  a  fizesse,  porque  os  mercado* 
ses  lho  leuauão  a  Malaca  ou  á  índia,  sem  mandar  por 
•le  a  Maluco  cõ  tamanho  gasto  como  fazia  a  fortaleza 
qu<e  lá  eBlaoa,  &  as  armadas  que  yâo  por  ele,  em  que  a 
fora  ho  dinheiro  que  se  gaslaua  se  auenturauão  Portu- 
gueses  l[  cada  dia  se  perdiao  no  mar^  &  morriâo  na  terra« 

C  A  P  I  T  V  L  O    LV. 

Xfo  qnt  passou  dom  lerge  de  meneses  có  dô  Garcia  anr^ 
riquez  mbré  mandar  a  Malaca  pela  via  de  JBomeo,    » 

vjfuando  d5  lorge  partio  de  Malaca  pêra  Maluco,  miUi 
douJhe  Pêro  mazearenhas  que  lhe  mãdasse  recado  peJa 
via  de  Borneo  como  achara  Maluco  Jc  como  ficaua,  &  () 
requeresse  a  dom  Garcia  ^  fosse  por  este  caminho  de 
Sòrneo,  porQ  eoino^  era  moyto  mais  breue  ^  ho  de  Bani- 
da, &  podia  a  fortaleza  ser  por  ali  socorrida  em  meno» 
tempo  qiie  pela  via  de  Banda,  desejaua  Pêro  mazcare- 
nbas  q^ie  fosse  bem  sabido  dos  Portugueses  pêra  \  na* 
negassem  por  ali  ^  assi  pêra  serõ-  conhecidos  dos  r«ys  & 
senhores  daquelas  ilhas,  &  tratarem  coekes  por  ter  en« 
formação  que  auia  nelas  oaro ,  como  por  os  CaatelJianos 
Aizerfi  por  ali  seu>  caminho ,  &  os  podifto  hi  esperar  íL 
lhes  tolherifto  que  ftòo  fossem  a  Maluco :  &  também  por 
se  eiiitarê  brigas  que  sempre  reoreciâo  antre  es  capi* 
tâetii  que  inuernaM&o  em  BSda.Este  regimealo  mostrou 


i^íTÊDO  vn.  cjivmub  lv.  131 

dom  lorgtt  a  ò3  Garcia ,  &  requereolhe  da  parte  de  Pê- 
ro masearenbas ,  l\  se  partisse  pêra  iMabca  do  nauio  8 
que  ele  doa»  lerge  fora,  &  que  foaae  pola  via  de  Bomeo. 
E  coeste  requerimento  ficou  dom  Garcia  muyto  saltea- 
do j  porque  recebia  çrSde  perda  nio  indo  por  Banda , 
ondeeperaaa  dir  ter  bO  jugo  qve  ho  anno  parâado  mâda- 
ra  a  Malaca  carregado  de  cravo  seu  &  de  partes,  &  a- 
oia  4e  tornar  a  BSda  eom  roupa  pêra  bo  leuar  carrega^ 
do  de  noz  &  maça ,  &  dizendo  a  dom  lorge  que  ele  lhe 
responderia,  ouue  conselbo  c5  aifffls  seus  amigos  que 
erão  aqueles  que  tinbâo  mandado  bo  crauo  com  ho  seu^ 
&  esperauão  de  fazerS  suas  faz&das  em  Banda  como  ele 
eaperaua  de  fazer  a  s«a ,  &  por  isso  Ibe  cÔselharSo  que 
per  nbft  modo  deixasse  dir  por  Banda.  B  acordarão  to* 
dos  o  j|  dissesse  a  dd  lorge  pêra  não  ir  por  Borneo :  fo 
isto  acordado ,  respõdeo  dd  Garcia  ao  requerimento  de 
dS  lorge.  Que  eie  fera  de  mnyto  boa  vontade  pola  via 
de  Borneo  por  seruir  ei  Rey,  mas  que  sabia  ^  não  auia 
de  poder  ir,  porque  cometera  por  hi  bo  caminho  em 
tem^po Diantonio  de  brito^  leuando  muyto  bôs  pilotos:  8b 
despois  de  andar  perdido  por  aquelas  ilhas  i^  muyto  gra- 
de trabalho  arribara  a  Maluco :  &  anendo  dõ  lorge  a  dO 
Garcia  por  escusado  de  ir,  delerminaua  de  mfldarou-* 
trS  por  aquele  caminho:  ec|  visto  por  dom  Garcia,  & 
que  se  fosse  outrem  ficaua  ele  em  muyta  culpa  por  não 
ir,  determinou  destorunr  a  ida,  fc  disse  a  àò  lorge  que 
lhe  parecia  muyto  escusado  mandar  aljle  nauio,  porque 
a  fora  descobrir  a^ia  nauegação  pela  via  de  Borneo ,  a 
principal  causa  de  ho  mãdar  era  mãdar  pedir*socorro  ^ 
ele  ja  linha  mãdado  pedir  por  Manuel  lobo:  &,  quando 
aquele  nauio  chegasse  a  Malaca  ja  lá  auia  de  ser  sabi^* 
do  ho  seo  recado,  &  quando  vissem  que  sobre  Ião  aper^ 
lado  da  guerra  dos  Castelhanos  eomo  ele  mandava  dizer 
!\  estaua,  &  tão  necrasitado  de  geníe  &  muni<^s  pêra 
a  guerra,  &  que  sobrtsso  ya  an^uele  nauio  pareceria  () 
ho  pritneyro  recado  fera  zombarta ,  &  que  não  auia  ne- 
cessidade de  gente  nS  de  muoÍ4{5es',  porque  se  a  ouuera 

R  2 


133  BA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

não  8é  poderá  mandar  aquele  nauio :  &  a  fora  isaò  os  ^ 
fossem  nele  auião  de  dizer  como  a  nao  dos  Castelhanos 
se  fora  ao  fundo ,  &  que  os  Gaslelbanos  erSo  menos ,  & 
as  iregoas  que  linhâo  assenladas ,  o  que  tudo  seria  cau« 
sa  de  ibe  jiSo  mâdarS  ho  socorro  que  esperaua ,  ou  se 
ibo  mandassem  não  seria  tão  bõ  como  fora  na  indo  ho 
nauio  y  pelo  que  ho  não  deuia  de  mandar ,  mas  deixalo 
estar  &  mandar  concertar  outro  que  estaua  varado ,  & 
despois  de  aparelhado  lho  desse  ^  porque  ele  iria  nele 
esperar  os  Castelhanos  ao  caminho  ,&  impidirlhes  que 
não  mandassem  pedir  socorro  á  noua  espaoba  como  se 
dizia  que  querião  mãdar  pedir :  &  por  fazer  seruiço  a  el 
Rej  queria  leuar  cem  babares  de  crauo  que  tinha  d% 
partes ,  &  os  venderia  ao  feytor  pêra  el  Rey.  E  porque 
logo  do  lorge  não  quis  conceder  isto,  lhe  fez  bum  re- 
querimento em  que  &2Ía  grades  protestai^oes  que  sobre- 
uiudo  algua  perda  a  el  Rey  por  eie  d&  lurge  não  querer 
iazer  o  que  ibe  requeria  carregasse  tudo  sobrele.  £  es* 
te  requerimento  foy  pubricado  a  dom  lorge  aos  quinze 
dias  de  lunho,  que  parecendolbe  boas  as  rezões  de  dom 
Garcia ,  respõdeo  que  queria  fazer  o  Q  Ibe  requeira :  & 
porem  J}  se  disso  a  fortaleza ,  ou  os  Portugueses  rece* 
bessem  algu  dãoo  ou  perda  que  carregasse  sobrele  dom 
Garcia  y  &  assi  cessou  de  mandar  ho  nauio.  £  poi S  d5 
Garcia  ficou  mnjrlo  desconlète  de  dõ  lorge  por  assi  a- 
pertar  coele  q  fosse  peta  via  de  Borneo ,  &  arrepedeoee 
de  Hie  dar  cem  bares  de  crauo  de  Q  lhe  tinha  dada  pa- 
laura  de  llios  mâdar  dar  8  Malaca:  &  a  causa  foy  que 
pedindolhos  d5  lorge  emprestados  respondeo  ele  que  a* 
ueria  seu  conselho*  £  dando  cota  disso  a  seus  amigos  Q 
esperauão  de  se  ir  coele ,  conseiharanlhe  Q.  lhe  desse  de 
graça  os  cS^  babares  de  crauo  ,  &  que  não  quisesse  dele 
outra  paga  se  não  hum^  nauio  em  q.ue  se  fosse,  &  licen- 
ça pêra  se  irS  coele  ate  vinte  homês  de  sua  obrigação* 
£  dõ  Garcia  ho  fez  assi  fazendo  bua  doação  a  dom  lor* 
ge  dos  cS  bares  de  crauo ,  &  bilÉa  procuração  pêra  os 
mandar  arrecadar  em  Malaca ,  &  dom  lorge  lhe  prome* 


LIVRO  VII.  CAPITVLO  LVT.  13S 

teo  bo  naoio  &  roais  a  licença  pêra  osboroSe ,  &  quãdo 
dd  Garcia  vio  que  apertara  tâto  coele  ^  fosse  pela  via  de 
Boroeo,  sentiobe  talo  ^  desconíiou  de  dom  lorge  comprir 
ho  que  lhe  prometera,  &  começou  de  ter  má  soapeila  dele. 

CAPITVLO    LVL 

De  como  dom  lorge  de  meneses  mâdou  recado  ao  capite 

de  Malaca  pola  via  de  Bomeo. 

JL  osto  que  dõ  lorge  por  amor  do  reJJrímento  dedo  Gar- 
cia,  desistio  de  mãdar  ho  nauio  que  disse,  tinha  lã  as- 
sentado de  mandar  a  Malaca  pela  via  de  Borneo  p&ra 
se  saber  bê  aquela  nauegaçâo ,  que  determinou  de  mã- 
dar bua  coracora,  por  ser  nauio  de  que  auia  na  terra 
grande  abastãça,  &  não  auia  de  fazer  mingoa  na  forta* 
)eza.  E  por!}  a  viajS  Ibe  importaua  muyto,  não  a  contiou 
douirè  se  não  du  Vasco  lourenço,  <)  afora  ser  muyto  es- 
forçado &  sesudo  era  seu  tio,  peio  que  tinha  nele  muy- 
ta  confiança  :  &  deulbe  pêra  sua  cõpanhia  hu  Diogo  cão, 
&  outro  chamado  Gõçalo  veloso,  &  outros  dous  &  por 
piloto  bQ  Castelhano,  &  hu  Malayo  que  forão  coele  de 
Malaca^  &  Unhão  alga  conhecimento  daquele  caminho* 
£  pedido  a  Cachil  daroes  a  melhor  coracora  das  que  ti- 
nha os  mâ^ou  nela,  &  deu  a  Vasco  leurenço  cartas  pê- 
ra bo  capitã  de  Malaca,  screuendolhe  a  guerra  em  que 
ficaua  &  a  necessidade  i|  tinha ,  pedindolhe  muyto  !)  ho 
socorresse,  &  que  lhe  mandasse  b&  mace  d^e  cartas  ao 
gouernador  da  Índia,  &  lãbê  lhe  deu  roupa  &  outras  pe^ 
ças  boas  pêra  dar  a  el  rey  de  Borneo,  &  assi  outros 
reys ,  &  dÕ  Garcia,  &  Cachil  daroes  tambS  derão  secre- 
lamSte  cartas  a  Diogo  cão,  <)  screuiâo  ao  gouernador  da 
índia  contra  dom  lorge,  &  ele  as  tomou  por  dõ  lorge 
bo  mãdar  contra  sua  vontade,  &  mandaua  tãbS  dõ  Gar- 
cia bQa  renuneiação  da  doação,  &  procuração,  que  ti- 
aba  dadas  &  dõ  lorge  dos  cê  bares  de  crauo,  l\  dõ  Jor- 
ge mãdaua  arrecadar  em  Malaca  por  Vasco  lourenço : 


que  partido  deTernate  foj  twgir  na  cidade  deBorneo, 
leuido  DO  caminho  niQyto  tralniUiD  ^  &  U  achou  hu  c»* 
oaleíro  chamado  Afonso  pires  que  ya  pna  Malaco  por 
capiiáo  dum  jongo  ^  a  Q  den  eenta  de  como  ficaua  dom 
lorge,  &  este  Afonso  pirez  era  moyto  conhecido  dei  rey 
de  Borneo ,  &  por  isso  foy  com  Vasco  loarenço  quando 
lhe  foy  falar  que  lhe  deu  bo  recado  de  dom  íorge ,  co- 
mo mádaua  por  aquele  caminho  a  Malaca,  pêra  a  aroi^ 
zade  2}  tinha  coele  fosse  em  crecimento,  &  os  Portu- 
gueses conuersassero ,  &  teuessê  (rato  em  sua  terra,  & 
coes(e  recado  lhe  deu  de  presente  h&  pano  darroar  de- 
ras muyto  rico,  em  que  eslaua  afigurado  ho  casamento 
dei  rey  Dingraterra  cd  a  tia  do  Elmperarlor,  &  el  rey  ti* 
rado  pelo  natural  cÕ  suas  vestiduras  reays.  E  quando  el 
rey  de  Borneo  vio  aquelas  figuras ,  preguntou  que  que- 
rião  dizer,  &  Vasco  Jourenc^  lho  disse.  E  sabSdo  el  rey 
que  aquele  que  tinha  a  coroa  era  rey  coroado,  sospeitou 
que  os  Portugueses  com  engano  lhe  querião  meter  ar- 
queie pano  em  casa ,  pêra  ^  de  noyte  por  feytiçaria  a- 
quela  figura  de  rey  se  tornasse  homS ,  &  assi  as  outras 
figuras  ^  estauSo  coele,  &  ho  auia  com  ajuda  deles  de 
matar  ou  [>render  &  tomarlhe  ho  reyno,  pelo  qee  ficou 
muy  tornado,  &  disse  a  Vasco  lourSço  que  lhe  tirasse 
logo  ho  pano  de  diante,  que  não  queria  que  em  seu  rey^ 
no  ouuesse  outro  rey  se  nao  ele,  &  que  se  fosse  logo 
com  os  outros  Portugueses  se  não  que  os  castigaria  co- 
mo a  homSs  2)  lhe  querião  fazer  treiçi.  E  ele  &  os  ou- 
tros se  viráo  em  perigo,  se  nâo  fora  por  Afonso  pirez  & 
algQs  mouros  mercadores  que  os  disculparâo  dizendo  A 
verdade  a  el  rey  &  ho  abrandxirão  muyto  da  fúria  que 
tinha,  &  porem  não  quis  ho  pano  nem  que  ficasse  na 
terra.  E  detSdose  aqui  Vasco  louren«^,  determinou  A- 
fonso  pirez  de  não  ir  a  Maluco  &  tornarse  a  Malaca , 
ou  por  se  deter  aqui  mais  tempo  do  que  ouuera  de  ser, 
ou  por  amor  da  guerra  Q  auia  em  Maluco  com  que  não 
podia  fazer  fozCda ,  &  sabendo  Vasco  lourSço  como  se 
tornaua  foyse  coele  por  ir  em  melhor  embarca^  que  na 


LÍV«>  VII.  CAPITTLO  LTfl.  IS» 

€Óracora  Q  dali  se  tornou  pêra  Maluco  fide  chegou  cd 
nuyto  perigo,  &  ho  capitão  cotou  a  dõ  Jorge  o  que  pat-* 

C  A  P  I  T  V  L  O    LVII. 

De  como  dô  lorge  de  rneneses  mandou  prfder  dó  Garcia 

anrriquez. 

xN  o  tempo  que  esta  cora  cora  chegou  cemeçaua  el  rey 
de  Geiloio  de  fazer  guerra  a  dõ  lorge  porque  não  eira* 
ua  nas  tregoas  dantre  ei  rey  de  Tidore,  &  fazia  aiguaa 
corridas  por  mar  a  Ternate ,  &  Cachil  daroes  as  fazia 
també  a  Geiloio ,  &  faziâse  aigu  dSno  de  parte  a  parte» 
E  estado  assi  a  cousa,  faleceo  Marti  hinbeguez  capitão 
dos  Castelhanos,  &  eles  fizerão  outro  (^  se  chamaua  Fer* 
não  dela  torre.  E  sabido  por  dd  lorge  mandou  ho  visi« 
tar^  &  pregiitarlhe  se  queria  goardar  as  tregoas  que  es^ 
tauão  assentadas  antrele  &  Martim  hinheguez :  &  Fer<^ 
não  dela  torre  não  quis ,  &  tornouse  a  guerra  a  reno* 
uar.  E  porque  Fernão  dela  torre  nâo  tinha  nfa&a  vela  de 
remo  se  não  as  da  terra  mádou  fazer  hua  galeota  pêra 
que  pelejasse  nela  cõ  os  Portugueses:  &  como  dÕ  lorge 
ho  soube  mandou  fazer  outra  com  muy  ta  pressa ,  pêra  o 
que  mandou  apenar  quantos  carpinteires  &  calafates  a«* 
uia  na  terra,  posto  que  andassem  fi  outras  obras:  pêra 
o  que  mandou  tomar  muytos  que  fazião  hii  jflgo  de  dom 
Garcia,  porque  importaua  muyto  acabarse  a  galeota  ce- 
do, por  ele  não  ter  outro  nauio  de  remo  em  que  pele* 
jasse  com  a  galeota  A  fazião  os  Castelhanos.  £  vendo 
bik  clérigo  chamado  l^ernâo  vaz  tomar  os  carpinteiros 
que  trabalhauio  no  jungo,  assi  por  ter  parle  nele  como 
por  ser  amigo  de  dd  Garcia  se  ifoy  logo  a  sua  casa ,  di- 
ftêdo  q«e  pesar  de  tal  como  lhe  auia  dom  lorge  de  tirar 
os  officiaeis  da  sua  obra ,  &  que  ho  náe  fazia  se  não  po* 
lo  não  ter  em  cottla ,  &  coisto  outras  palauras  de  padre 
0iais  cauaieiro ,  Q  religioso,  cd  Q  ho  prouocou  a  ter  me* 
Bencoria  de  lhe  dom  lorge  tMuac  os  carpiateiros ,  seas 


I3C  OA    JflSTORIA   BA    ÍNDIA 

lhe  lembrar  ^  era  pêra  seruiqo  dei  rey ,  &  còesla  fúria 
se  foy  á  ribeira,  onde  dom  lorge  aodaua  fazendo  traba-« 
Ihar  na  galeola,  &  se  lhe  queixou  do  l\  tinha  feyto,  & 
dõ  lorge  respondeo  Q  não  se  podia  fazer  menos ,  por  cÕ« 
prir  atsi  a  seruiço  dei  rey.  E  por  dõ  Garcia  insistir  que 
lhos  nSo  ouuera  de  tomar,  &  dõ  lorge  querer  soster  ^ 
fizera  b3,  vierSo  a  taeis  palauras,  que  dÕ  lor^e  chamou 
sandeu  a  dõ  Garcia,  &  ^  ho  castigaria  muy  bem,  &  dô 
Garcia  Lhe  disse  que  disistisse  da  capitania,  &  Q  lhe  fa* 
ria  conhecer  ^  era  melhor  fidalgo .&  caualeiro  que  ele, 
Sc  nisto  apunhou  da  espada,  &  passarão  outras  palauras 
mais  feas,  &  acodindo  gente  de  hQa  parte  &  doutra,  se 
foy  dõ  Garcia  pêra  sua  pousada  acõpanhado  desses  H 
erão  de  sua  valia,  que  lhe  louuauão  muyto  ho/^  disser^ 
a  dom  lorge ,  &  os  (}  ficarão  cõ  dom  lorge,  lhe  disserãp 
Q  não  deuia  de  passar  por  tamanha  desobediência  9  &  ^ 
deuia  Jogo  de  prSder  dõ  Garcia,  &  ho  que  roais  atiija* 
ua  isto  era  Manuel  falcã,  por  ^rer  grande  mal  a  ambos, 
&  desejar  de  os  ver  em  discórdia:  &  agarrochado  dõ 
lorge  destes  conselhos,  mãdou  a  Thomas  nunez  dafon? 
seca  seu  ouuidor ,  que  fosse  tomar  a  menajõ  a  dõ  Gar? 
cia  &  ho  trouuesse  preso  a  fortaleza ,  ao  {|  os  que  esta? 
uão  coele  que  erão  muytos  acodirão,  dizêdo  a  dom  Gar? 
cia  Q  não  era  bê  deixarse  prender,  &  que  eles  ho  aju? 
darião,  &  dõ  Garcia  não  quis  dar  a  menajem  ao  ouui* 
dor ,  &  disselhe  que  nã  tinha  alçada  sobrele  nè  el  rey 
lha  daua,  que  tirasse  deuassa  dele,  &  a  mãdasse  ao  gor 
uernador  da  índia:  &  sabendo  isto  dom  lorge,  mandou 
repicar  ho  sino  da  fortaleza ,  a  que  se  jQtou  a  gente,  & 
dõ  lorge  lhe  disse  como  dõ  Garcia  lhe  desobedecia ,  pe- 
lo Q  deterrainaua  de  ho  prender,  &  todos  disserão  que 
fizesse  ho  que  lhe  bê  pare4:esse,  &  que  eles  ho  ajudarião 
como  a  capitã  dei  rey  de  Portugal :  &  logo  dÕ  lorge 
mandou  a  Simão  de  vera  alcaide  mór,  que  cõ  hfi  scri- 
uão  da  feytoria  fosse  tomar  a  menajem  a  dõ  Garcia  da 
sua  parte ,  que  se  fosse  pêra  a  fortaleza  preso  &  dises- 
se  aos  Q  estauão  com  dõ  Garcia  que  se  fossem  parele 


Liwi©  mi.  cÃ^rrvLt  tmx.  is 7 

ates  (}  fosse  lá,  &  quando  chegou  a  sua  casa,  achou  que 
«e  ajQtauão  nujytos  coele,  -hus  |X)r  terem  seu  crauo  fey- 
to  &  se  j}rerem  ir  coele,  outros  por^  também  se  queríão 
ir,  por  amor  da  guerra  ^  «staua  trauada  de  que  se  ea- 
jfadauâ,  &  quãdo  estes  ouuirão  ho  que  lhes  dom  lorge 
mandaua  dizer  de  sua  ida  lá,  disserSo  que  fosse  embo* 
ra,  Q  eles  ho  iria  receber  ao  caminho  cõ  lançadas,  &  es* 
te  atreuimSto  tinha  por  saberS  que  passarfi  «em  castigo 
aqueles  que  fauorecerS  &  ajudara  An^tonío  de  brito  fião 
sendo  eapitão,  contra  dõ  Garcia  que  ho-era,  &  dõ  Gár- 
eia  respondeo  ao  alcaide  mór  ho  que  respondera  dantes 
ao  ouuidor,  ho  que  os  de  sua  valia  lhe  louuarSo  muylo, 
&  era  ho  aluoroço  muyto  grande  neles,  o  {}  sabido  por 
dom  lorge  mandou  apolar  aigflas  peças  dartelharia  nas 
casas  de  dom  Garcia  pêra  as  derribar,  mas  primeyre 
tprfiou  a  maiKlar  Já  ho  alcayde  mór  com  ho  inesmo  re- 
cado que  dantes ,  &,  coeJe  hQ  Tristão  vieira :  a  ^  rogòii 
por  ser  amigo  de  dom  Garcia  que  lhe  conselhasse  que 
se  fosse  pêra  a  fortaleza.  E  ele  ho  fez  assi,  pregQtando- 
Ifae  primeyro  se  determina-ua  de  se  defender  de  dÕ  lor- 
ge«  Ao  que  dam  Garcia  respondeo,  que  como  se  auia  de 
defender  sendo  ele  <:apitão  dei  Rey  de  Portugal :  &  en* 
tão  lhe  disserão  Tristão  vieira  &  ho  alcayde  mór,  que 
pois  assi  era  Q  lhe  pediâo  que  fizesse  o  que  dõ  lorge 
mandaua :  o  que  os  !\  ali  estauâo  lhe  conlrariaríto,  &  ele 
disse  Q  não  era  tempo,  porque  se  ho  fizesse  daria  causa 
a  auer  muytos  mortos  &  feridos,  pek>  que  os  Castelha- 
nos ficarião  senhores  da  terra.  £  dizSdo  isto  foyse  só  á 
fortaleza  pêra  ver  se  podia  apacificar  dom  lorge,  a  (| 
disse.  £x  aie  aqui  que  me  quereis,  ^  me  quereis:  &  ele 
lhe  pedio  a  menagem  que  dom  Garcia  lhe  deu  despoie 
de  muytos  debates  por!|  lha  nã  queria  dar.  E  tomada  pe- 
lo ouuidor  &  feyto  disso  hú  auto,  ho  mandou  pêra  hòas 
casas  em  ^  António  de  brito  pousara,  &  mâdou  logo  ti- 
rar deuassa  dele* 


LIVRO  vir.  8 


138  BA  UI0TORIA  DA  INMA 

C  A  P  I  T  V  L  O     LVIII. 

De  coma  dom  lorge  soUou  dom  Garcia  ^  tomarão  a 

ser  amigos* 

X  anto  que  dom  Garcia  foy  preso ,  como  Gacbil  daroe» 
era  grade  aeo  amigo,  trabalhou  muj^lo  com  dom  lorge 
^  ho  soltasse  daodolbe  pêra  isso  mujtas  rezÕes,  mas 
dom  lorge.  DuRca  quis,  diseendo  que  bo  auia  de  ler  pre« 
•o,  &  que  assí  ho  auia  de  roãdar  ao  gotternador  da  In-* 
dia  pelo  que  Cachil  daroes  ficou  muy  desgo8tx)8o  de  dom 
lorge ,  &  se  lhe  acreeenlou  ho  odio  que  lhe  começaua 
de  ler  polo  não  ter  tanlo  de  soa  mSo  como  euydaua  que 
lio  leuesse.  E  lambem  Bal  lesar  rodríguez  feytor  &  ou- 
tros bomSs  borrados  irabalbauão  com  dom  lorge  Q  sol^ 
lasse  dom  Garcia,  &  que  se  lembrasse  que  era  hu  b& 
fidalgo,  &  ^  fora  capilâo  daquela  forlal<*za,  &  ho  rece* 
bera  c5  muy  ta  festa  &  prazer ,  &  lhe  fizera  muylos  of- 
freoimeutos:  mas  lodauia  dom  lorge  bo  n&o  quis  soltar^ 
dizendo  que  cie  escreueria  a  el  Rey  porque  botinha pre*» 
s^  E  eom  toda  esla  briga  mandou  neste  tempo  Cachil 
datoes  com  algQe  Portugueses  correr  per  mar  a  Geilolo, 
&  queimarão  híl  lugar  &  sem  receberê  dano  se  tomarão 
}iera  Ternate:  &  auSdo  dezoylo  dias  que  dom  Garcia 
estaua  preso,  &  sabendo  que  dÕ  lorge  bo  não  queria 
soltar,  &  dizia  que  bo  auia  de  mandar  preso  <io  gouer- 
Aador  agastouse  muy  to  ^  &  teue  eouselbo  cem  os.  de  sua 
Talia  sobre  o  ^  Aiiia:  &  eles  Ibe  coaselbarão  que  deuia 
4e  requerer  a  dom  lorge  i)  bo  soltasse  que  ja>  deuia  des- 
lar  salisfeylo  dalgila  paixão  que  dele  teuera  ,  &  quanda 
bo  não  quisesse  soltar  lhe  mandasse  dizer  que  ho  pren» 
desse  e»  ferros  ,  porque  ou  auia  de  ser  bem  preso  ovt 
bem  solto :  &  se  lio  nâo  quisesse  prender  em  ferros  que 
auia  a  menagem  por  aleuantada,  &  se  auia  dir  pêra  sua 
casa  &  fazer  o  que  lhe  bS  viesse.  E  dom  lorge  por  ho 
seu  caso  não  ser  pêra  ho  prender  em  ferros  não  1»)  auia 


LIVRO  VIU  CAPITtLD  LTttl.  139 

éa  prender  ^  &  por  se  nJk>  soiíâr  per  êi  sèlti  êUft  Iroeh^ 
ko  «Mii»  de  BoUar:  porem  liooDleoeo  douirà  tú^néyxA^ 
pori)  buUMido  do  lorge  bo  recado  de  dolii  Garcia  que  Ibe 
Iduoi»  bo  altkayde  mór,  lhe  ttaiidòa  di^er  polo  feytor  qu^ 
bo  ni  aula  de  soltar^  &  que  lhe  pedia  que  quisesM  âti«* 
ies  aslar  èobre  eea  menagem  què  em  ferros.  E  nSo  que^ 
reodo  dd  Garcia^  aconselfaarAo  ft  dom  lorge  que  pois  hè^ 
ai  qaeria  que  ho  prfidesse  em  fefrM,  &  ele  se  foy  ás  câ-< 
mê  oiide  éS  Garcia  estaua  ^  &  dahi  ho  léuou  aa  rorlale^ 
aa  &  ooán  hfit  grilhAes  ho  mandou  meter  na  torre  da  itoe-^ 
oagft  ondeateue  oytò  dia».  O  que  Yéndo  os  de  suâ  vatítf 
que  serião  de  cofSta  ale  eincoStH  homSs ,  déle^lBirlàl^8e 
de  ho  tirar  da  fortaleza,  dando  disso  conta  a  Cachil  da- 
roes  pêra  que  os  fauofe^esSe  6oáio  faUorécia :  mas  eles 
nâo  poderão  por  na  fortaleza  auer  grande  goarda  &  vi- 
gia de  noyte  k  de  ditti  E  v6d^  que  nflo  podiSo  faeer  é 
\  desejauão ,  determinarão  dê  se  ir  pêra  hu  lugar  forte 
donde  mandassem  requerer  a  dom  lorge  que  soltasse 
dum  Garcia,  &  qitando  n^o  quisesse  Q  se  fiíssetn  perA 
oe  Castelhaoce,  &  que  ês  protvocánSo  a  faaerem  guefM 
a  dom  lorgé)  dl^Sdolhes  quSò  pòUcó  poder  tiffba  pefá  ser 
defender,  fie  prtmeyro  Q  ho  posessem  por  obra  uearâe^ 
de  manbá ,  descobrido  ho  a  FernSo  baldava  escriuSo  dá 
fey  teria  y  porqtte  como  era  amigo  de  ddfòrge  Uió  dlriM 
logo  t  Sc  dom  Iiírge  por  se  eles  nSo  irem  pel^  os  Cást^^ 
lhanos  soltaria  dd  Garcia.  E  is(o  foy  discuberto  a  Fer'« 
Bfio  baidaya  por  hH  Castelhano  desta  liga  ()  auiá  nomd 
Frãciseo  dío  soo  to  que  era  seu  amigo,  fie  porque  Sabiá  ê 
bo'  era  de  dom  lorge  lhe  deseobtia  aquele  iiégotfro.  B 
sabido  isto  pot  dom  lorge  ouisera  logo  prSder  òs  prin^òf* 
paia  daquela  conjUra^^Ao,  L  assí  hO'  dtssê  á  FehiSo  htíU 
daya  &  a  SimSo  de  vera  alcayde  mér  ^  a  que  pesou  dí^ 
M  por  serrem  seus  ainigos  &  «aturaifi^  do  porto  dôde  eléè 
erfto  &  por  isso  disserto  a  dom  lorge  que  lhe  aula  dd 
ser  muyto  trabalhoso  goardar  tairtos  homSs  qualfo  otf 
cinco  mesea  {|  aula  dtfli  a«i  nQK>uç4ê  de  Matará ,  ft  qtfé 
temia  que  lhe  fiigisisem  ^  &  ^u^  éates  auiãe  de  eêltáft  éé 

8    2 


>40  OA    HISTORIA   l>Èí    INOIA 

Garcia  despois  que  esteuesfiein  preaos,  &  soiCos  pode» 
rião  fazer  b{k  mao  recado :  que  lio  melhor  aeria  aoltat 
dõ  Garcia  &  tirafse  de  perigos,  &  maia  não  seado  a  cau^. 
sa  de  sua  prisam  iSo  obrigaíopia:  &. sebristoibe  derâo 
ou  Iras  mu^iaa  rezôes  pêra  ho  soltar  que  a  á&  loige  pa^ 
tecerão  bero«  E  cõ  outros  pareceres  eomo  estes ,  mao- 
dou  soltar  dom  Garcia  coro  eondiíjâa  que  não  fosse  cõ« 
trele  &.  ho  ajudasse  c&tM  osCasielba-nos  &  que  ele  rom- 
peria a  deuassa  que  tinha  tirada  dele:  &  tudo  isto  lho 
prometeo  dom  Garcia,  &  lhe  deu  sua  fé  de  ho  fazer  as-^ 
si,  &  despois  forâo  grades  amigos  &  se  conuersauâo  col- 
ido que  nQca  ouuera  antreles  obfia  discordía«^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    LIX. 

JPs  j0omo  os  da  parle  de  dô  Garcia  trabaikauão  por  auer- 

imizade  antrele  ^  d6  lorge. 

X^esta  amieade  &  con«iersa<jâo  de  dÕ  lorge  &  d6  Gar^ 
eia  pesaua  muylo  aos  de  sua  valia ,  porque  como  erXa 
os  mais  que  estauão  na  fortaleza  &  oa  mais  luzidos  de-» 
la,  &  vi&o  a- grande  necessidade  que  dd  lopge  tinha  de 
gente  por-  amor  da  guerra  temiãse  de  dom  lorge  não 
querer  §  se  fossem,  &  dauão  por  muyto  certo  dom  Gar-» 
cia  não  lhos  pedir  se  continuasse  coeie  a  amizade  ^  co-* 
xoeçauão ,,  que  bê  vião  que  não  era  reaão  que  dom  Gar- 
cia os  pedisse  em  tal  tenopo,  mas  bo  desejo  de  ird  lograi 
a  fazenda  que  tinhâo,  &  ho  i&teresse  do  que  ganhauão 
em  se  ir  não  lhes  deixaua  vsar  do  que  enlSdiAo.  E  co^ 
mo  viâo  que  pêra  se  irem  n&o  auia  melhop  remédio  que 
discórdia  anlre  dom  lorge  &  dom  Garcia  tfabalhauào 
c}nãto  podião  pola  senoear^  &  dizião  aos  amigos  de  dft 
lorge  que  não  se  deuia  de  fiar  tanto  de  dÕ  Garcia  que 
não.  era  tamanho  seu  amigo  como  lhe  daua  a  entender  , 
&  tudo  erão  dissimuJaqões  ate  auer  licença  pêra  leuav 
os  que  queria ,  &  quâdo  lha  não-  dedse  que  os  auia  de 
leuar  por  for^ ,  &  a  do»'  Garcia  dízião  lyie  viase  bem 


1AVBO  VrU  CAFITT&O  LIS.  141 

éoiiio  90  con6aiia  em  dom  lorge  que  nào  era  seu  amíge 
como*  mostraua,  n&  aitia  de  comfrir  coele  de  tbe  dar  ho 
tiauio  pêra  áe  ^ir,  oem^a.Ucença  jierar  es  boinfip  como  Ibe 
f>rometeray  &  que  se  auía  descuaar  cÒa  guerra  que  li- 
nhar pDrem  Q  a  verdade  era  pêra-  «e  vingar  deiefi  por^ 
ibrAo  da  aua  parte  j  por  iaao  que  tomatge  coele  conoru^ 
aam  miqueie  negecie,  &  oâo  esperasse  pola  partida  quaik» 
do  nio  teeesse  tempo  pêra  faser-  nada :  &  tantas  vezes 
disserão  isto  a  dõ  Garcia  qoe  -qeasi  he  creo^  &  por  isse 
estando  hfi  dia  com  dÕ  lotge  á  porta  da  fortaleaa  tlie  pe^ 
•dio  que  lhe  acabasse  de  dar^be  oaiiio  que  lhe  promete* 
jra  pêra  se  ir ,  &  liceâçar  pêra  os.  qtie  forão  em  ajuda  de 
sua  soltura:  ax>  que  á&  lorge  respondeo  que  ainda  era 
Kuyto  cedo  pêra  falar  vaíjie  negocio ,  que  quando  fosse 
tempo  ele  seria  seruido  como  mfldasse.  Do  ^  dom  Gar^ 
cia  foy  cõtente,  &  falou  em  outra  eousa^  do  4  <>*  ^l®  ^^^ 
•valia  íicairâo  mu;  desconientes^  porque  lhes  pareceo  que 
dom  lorge  dizia  aquilo  por  iSporizar^  &  assi  ho*  disserãe 
a  dom  Gareia,  &  que  nào  se  mostrasse  Ião  fi^oxo  oaque^ 
le  caso,  nem  quisesse  estar  aa  dispesiçãe  de  dom  lorge, 
jiem  se  lhe  acanhasse  come  mostrara  quando  lhe  iaiara, 
<Q  se  quisesse  andar  aeempanhado  que  eles  ho  acompa-^ 
i>hariâo :  porque  veado  ho  dom  lorge  andar  acompanha^' 
do  ho  temeria  &  faria  quanto  quisesse»  O  que  a  dom 
Garcia  pareceo  bem ,  &  dali  por  diãte  aadoo'  aeompa^ 
nhado  &  lodos  cõ  suas  espadas:  &  como  dô  lorge  era 
seu  amigo  nào  alfitaaa  naquilo,  nfi. em^  mujtas  sobran^ 
carias  que  lhe  fiísião  os  de  dem  Garcia ,  a  i|  aquilo  pa«> 
ffeceo  muyto  mal^  &  pareeiaJhee  que  dom  lorge  dissimu^ 
kua^  pêra  quando  Ibsse  ao  lem^io  da  partida  os  não  deí<* 
3íar  ir  &  vii^arise  deles  despoie  de  ido  dom  Garcia,  & 
foT  isso  assenlarãe  de  os  não  deixarem  estar  em  paz,  & 
semearem  aotreles  lai  discórdia  que  nunea  esteuessS 
bem  4  porque  doutra  maneyra  nfto  se  poderiflo  ir  da^la 
terjra,  &  dizião  a  dom  lorge  que  dom  Gareia  daua  muy- 
fos  auisos  aoa  Castelhauue-  &  aos  mouros .  de. quàlo  se  or- 
denaua  nàforlaleaa  eontielus^  &  irabalhaua  quanto  po» 


142  IBIA  HirrOBfA  9A  IKDIll 

dia  9  porque  os  de  Ternate  lhe  tetieMem  odfo  ^  &  Um  fi«- 
zestS  guerra:  &  pêra  oa  prouccar  a»Í6sa  ihea  mandaam 
deitar  peçonha  nos  poços  de  que  i>ibião^  &  mSdaua  óm 
fioyie  aos  de  sua  valia  que  lhes  enlrasaem  oaa  casas  & 
Ihea  dorniissem  com  aa  caolberes  &  eoni  as  filhas,  &  co» 
mo  sabião  a  lingoa  da  terra  diziâlhe  por  ela  que  dom 
iorge  Jho  inandaua  fazer«  E  porque  isto  assi  passaua^ 
&  os  da  dom  Garcia,  ho  faziâo,  vianse  os  oiouroa  tão 
perseguidos  que  inuytos  se  yâo  da  cidade  a  morar  a  ou«> 
<ra  parte:  &  diziâo  mais  a  dom  Iorge  que  nhOa  coaaa 
dÕ  Garcia  desejaua  taato  como  malalo  ,  &  destruyto 
quando  ho  não  podesse  matar:  &  pêra  mais  auerigoa«- 
rem  suas  m^tiras  &  falsos  testemunhos  ^  &  meterem  o«- 
dio  antre  oa  da  terra  &  dom  Iorge,  &  ho  bomiziarS  cooi 
eil  rey  de  fiachao  grande  amigo  dos  Portugueses  que 
ASle  tempo  eslaua  em.  Ternate  com  obra  de  duzentos 
itomês  saltarão  hQa  noy te  no  seu  arrayal  hQ  Tristão  viei- 
ra, Afonso  gêtil^  Luys  diaz^  &  outros  da  parte  de  dom 
Garcia  &  matarão  quatro  ou  cico  Bacbões  &  ferirão 
muytos ,  porque  como  estauão  em  terra  d«'unigos  não  s# 
temião  de  nada,  &  os  Portugoeaes  fízerão  a  seu  saluo  o 
que  querião  &  feyto  recolheranse.  E  ao  outro  dia  indo 
el  rey  de  Bachao  fazer  queixume  daquilo  a  dom  lorge^ 
Tristão  vieira  &  os  outros  l\  ho  (izeráo  ho  estaoão  eBpe«> 
rado  sobre  acordo  r  &  sabendo-  dele  ao  íf  ya  disserãlhe 
que  não  fosse  porque  dom  iorge  iho  mandara  fazer,  por 
isso  Q  não  tinha  remédio  pêra  se  Ibe  faser  justiça.  B 
pêra  4  ^1  ^^y  cresse  que  era  assi-,  disserãlbe  que  a  eau«* 
aa  porque  dom  Iorge  lhe  mandara  fozer  aquela  offeosa 
(bra  por  vingança  doa  Portugoeses  que  matarão  em  sua 
terra  a  dom  Tristão  seu  irmão  quando  lá  fora,  &  doa 
juQgos  &  craua  que  Lhe  tomara  como  atras  6ca  díto^.  E 
el  rey  o  cteo,  &  daK  pbr  diante  não  quis  ir  á  fortaleza, 
&  eateue  pêra  se  leuantar  &  faaer  leuãtar  a  terra ;  mas 
quis  Deos  que  fioy  dS  lojge  sabedor  disso  &  da  cansa 
porque  ho  queria  faser,  &  de«i4be  muytas^  dtseulpas,  & 
maadoa  tirar,  deuasaa  aobrâao*  «a  <|ae  se  acbariíe'  out 


pados  Triflrtáo  vieira  &  m  outroa  que  bò  fizerSo,  qua 
senda  anisadas  fagírSo  pêra  bo  oiale  onde  os  não  poda* 
râo  tomar,  pelo  que  dõ  lorge  aa  nSò  castigou  &  deu  cont 
la  do  que  pasaaoa  a  el  rey  de  BaofaSo  pele  Q  perdeo  a 
sospeita  que  tioba  de  dom  lorge*  &  tornou  a  sua  amU 
zade  como  dantes. 

C  A  P  1  T  V  L  O    LX. 

De  como  dô  GatrciB  prêndeo  dom  lorge  em  ftrrM  ^  ^  ^ 

caum  porque. 

v/a  ou  troa  da  parte  de  dd  Garcia  come  rírfto  que  ele 
achata  culpados  Tristão  vieiía,  Afonso  gêtil  &  Loys 
diaz ,  pêra  indinaresn  dos  lorge  oontr a  doa  Garcia  & 
aoa  discórdia  auer  eifeybo:  disaerãlbe  que  beaa  via.bo 
perigo  em  que  aqueles  bonafia  bo  quiserSo  poer ,  &  que 
bSo  bo  fiaevfto  se  nie  por  mandado  de  dom  Garcia :  & 
pêra  ver  se  era  assi  Q  visse  quão  pouco  caso  dom  Gar-» 
cia  fizera  disso  sendo  tamanho  sea  amigo,  &  que  ele  os 
fizera  fugir  &  os  fauofecia».  E  pareeenda  a  dom  lorge  (| 
aquilo  aet ia  assi ,  peta  escusar  paíitôes  &  desgostos ,  & 
tambesi  por  ser  perttr  do  tempo  da  partida  de  dom  Gar^ 
eia  que  era  em  Nouembto^  determinou  de  bo  mandar 
pêra  Taligame  donde  auia  de  partir ,  &  que  hi^  estaria 
ate  que  partisse ,  do  4-  deu  conta  a  Bahf^sar  rodrtgoea 
feytor  ^  &  ao  alcayde  mór  SimSo  de  vera  &  a  Fernflo 
baidaya  ^  tinha  por  amigos  y  que  por  bo  serem  mais  de 
é&  Gkacoia,  ea  por  lhes  pareeer  assi'  tirario  dom  lorge 
daquele  propoeiks  dizendo  que  seria  dair  caeaa  a  outras- 
Imiaades  &  odies,  pelo  que  dõ  lorge  se  mudeu  úbI^  de* 
termina^Sow  E  veado  seus  leaigos  4.  nbfila  cousa  daque* 
las  be  aluoroi^ua  nem  mouia  peta  quebrar  oè  dA  Garcia^ 
eemeçarão  de  deitar  fama  que  dÕ  lorge  mandaua  nsaHir 
dò  Garcia :  &.  mgindose  itte  assi,  bfl  aegro  í\ne  se  cha^ 
»aua  Miguel'  nunez  que  dõ*  lorge  teoara  da  Índia,  8ã 
em  ^  eoDÍNMia  por  ser  bomem  esforçado  desoobrio  em 


144  HÁ  mSTòMk  BA  linffA 

fnuylo  «egredc  so  feylor  que  dom  lorge  lhe  tfnha  niaft-* 
dado  que  malMse  a  dom  Garcia,  &* por  lhe  parecer  que 
não  era  bem  que  bo  fiaesse,  «ae  queria  lançar  c5  oa  Caa* 
ielhanos.  B  parecendo  islo  bua  couaa  muj  graue  ao  fey- 
lor  quimera  que  Miguel  nuoez  ho  dissera  a  dõ  Garcia^ 
tnaa  ele  não  quis  dizSdo  i\  auia  medo  de  dom  lorge :  Sc 
|K>rem  que  JÕ  Garcia  podia  estar  seguro  que  eie  ho  não 
•matasse,  mas  que  doutrem  ho  não  seguraua :  &  ho  fej- 
tor  fez  com  Miguel  nunez  Q  não  se  fosse  pêra  os  Cas« 
leihanos  nS  pêra  outra  parte,  &  que  dom  Garcia  ho  le- 
uaria  pêra  a  índia ,  &  assí  (içou.  E  cuydando  ho  feylor 
bem  naquele  negocio  não  lhe  daua  inuyto  credito,  asai 
par  lhe  parecer  que  dõ  lorge  não  .cdmeieria  hQa  cousa 
tão  fea,  .como  por  saber  os  mexericos  .&  emboriihadaa 
^ue  auia  naquela  terra  antre  os  capitães,  &  por  outra 
parte  parecialhe  que  podia  ser  verdade,  porque  nos  ho- 
mSs  tudo  ha ,  &  que  se  matassem  dom  Garcia  que  ele 
leria  que  dar  conta  a  Deos  pois  bo  não  auisara,  &  por 
este  respeilo  determinou  de  Jhe  descobrir  o  que  lhe  IVli* 
guel  nunez  dissera,  tomandolhe  primeyro  juramê.lo  de 
não  som&te  dizer  em  nhO  tempo  ^  ^le  lho  dissera ,  mas 
nem  dar  disiso  oõta  a  pessoa  aígua  &  ho  ter  em  muyte 
segredo.  Ouuido  isto  por  dom  Garcia,  assentou  que  era 
verdade,  &  que  dÔ  lorge  o  queria  mandar  matar:  &  des« 
pois  de  agardecer  muyto  ao  feytor  tão  bõ  auiso^  disçe^ 
lhe  que  não  podia  deixar  de  dar  conta  daquele  .caso  a 
algOs  seus  amigos,  pêra  que  teuessem  cuydado  de  ho 
goardar,  porem  que  lho  diria  com  juramêto:  o  que  pa- 
receo  bem  ao  feytor,  &  pediolbe  muyto  que  lhe  não  lem* 
brasse  aquilo  roais ,  nem  teuesse  nhu  escândalo  de  dpm 
lorge,  que  bem  «poderia  ser  que  estaria  mujto  innoeen* 
te ,  mas  dom  Garcia  não  ho  fez  assi ,  &  logo  deu  conta 
disso  a  Manuel  falcão,  Manuel  boldho,  Diogo  da  rocha, 
Francisco  pirez,  &  a  outros  (\  tinha  por  amigos  &  em 
que  coníiaua,  que  lhe  conselharão  que  matasse  logo  a 
dom  lorge.  E  oflferecerãse  pêra  ho  fazerem  Manuel  bo« 
lelho  &  Franciaco  pirez.  £  Manuel  falcão  não  foy  deste 


pTítecer^  dizendo  qtie  era  forte  cousa  malar- bum  capi- 
tão de  hua  forlaleza,  que  melhor  aeria  prêdelo  &  tirar 
deuassa  de  suaa  culpas,  porque  alem  das  que  tinha  lhe 
poeriSo  tantas  que  nunca  se  desembarai^asse  delas,  & 
mais  sendo  eles  testemunhas,  &  com  a  deuassa  ho  mã* 
dasse  dom  Garcia  preso  aa  índia,  Sc  que  ficasse  por  ca« 
pitão  daquela  fortaleza,  como  ho  ele  era  dantes.  O  qual 
conselho  pareceo  bem  a  dÕ  Garcia ,  somente  tornar  ele 
a  ser  capitão,  porque  sabia  quão  trabalhosa  &  perigosa 
cousa  era  selo  daqueia  fortaleza ,  em  que  assentou  con* 
sigo  de  deixar  por  capitão  a  Manuel  falcão,  &  isto  não 
Q  ibo  dissesse  ate  auer  eSeito.  E  assentado  nis^o  disse 
ho  dom  Garcia  a  el  rey  de  Bachão  &  a  Cacbil  daroes, 
pedindolhes  que  ho  faViorecessem.  E  eJes  lho  prometerão 
&  mujto  alegres  por  auer  tamanha  discórdia  antre  ca 
Portugueses,  porque  por  derradeyro  erão  seus  immi^^^ 
&  não  lhes  mostrauão  amizade  se  não  e5  necessidade , 
o  que  eles  sempre  desejatião  que  teuessem  deles.  E  nes- 
te tempo  mandou  dom  lorge  a  Cachii  daroes  que  fosse 
darmada  aa  ilha  de  Maquiem ,  com  quem  forão  mnytos 
dos  que  erão  da  parte  de  dom  lorge:  &  dom  Garcia  fez 
que  ticassem  os  da  sua  pêra  fazer  o  que  determinaua* 
£  vendo  que  era  tempo  ho  pos  em  obra,  &  logo  Fran« 
cisco.de  crasto  grande  amigo  de  dom  Garcia  conuidou 
Simão  de  vera  alcayde  mór  &  outros  pêra  lhes  dar  hil 
banquete  no  Toloco  hum  lugar  hDa  legoa  da  fortaleza , 
porque  se  temia  donri  Garcia  que  estando  estes  na  for-> 
taleza  não  lhe  deixariâo  prender  dõ  lorge  sem  baralha. 
E  aceitado  ho  banquete  pelo  alcajde  mór  &  pelos  ou- 
tros que  auião  de  ir  coele,  ao  outro  dia  que  era  domin- 
go leuou  os  Francisco  ^e  crasto  ao  lugar  onde.auia  de 
ser:  &  como  dom  Garcia  soube  que  dom  hrge  acabara 
de  jantar,  mandou  a  Manuel  falcão,  &  a  Diogo  da  ro- 
cha, une  se  fussem  parele  &  fizessem  que  jugasse  coe- 
les  as  tauolas,  porque  ocupado  no  jogo  não  entendesse 
o  que  lhe  querião  fazer.  E  assentados  a  jugar  forãse  lo-^ 
go  aa  fortaleza  Manuel  botelho,  Tristão  vieyra  &  Afon^ 

LIVRO   VII.  T 


146  4U   BWnaiA   BA  INOIA 

80  gentil  que  ja  erão  perdoados  do  que  ãzerfto  a  el  rey 
de  Bachão,  &  aasi  bum  Francisco  pirez,  loâo  de  figuei- 
redo, Ândres  de  palácios,  Frâcisco  do  aouio,  &  outroa 
todos  da  quadrilha  de  dooi  Garcia :  &  esiea  yâo  ja  re^ 
partidos  hQs  pêra  fecharem  as  portas  da  fortaleza  &  as 

f;oardareni,  &  outros  pêra  leuarem  alg&s  criados  de  dom 
orge  a  folgar  fora  da  fortaleza,  &  os  que  náò  pudessem 
leuar  fora,  que  com  cada  hum  se  posassem  três  dos  ooiH 
jurados  pêra  os  lerem  &  tolherem  que  não  acodissem  a 
dom  lorge :  &  após  esles  fuy  do  Garcia ,  seria  ás  duas 
horas  despois  de  meo  dia:  &  coroo  não  se  temi&o  de  im- 
migos  &  era  de  dia  nâo  estaua  ali  ho  porteiro ,  pelo  ^ 
os  ^  tinháo  cargo  de  fecharem  a  porta  tanto  que  dom 
Garcia  sobio  pêra  a  torre  da  menagem  onde  dom  lorge 
estaua,  tomarão  as  chaues  da  porta  da  fortaleza  que  es* 
tauão  bi  dependuradas  &  a  fecharão  &  &ràose  após  dom 
Garcia ,  que  despois  de  recebido  de  dd  lorge  se  asseu^ 
lou ,  &  vSdo  como  dom  lorge  estaua  com  ho  sentido  no 
jogo  que  jugaua  se  abraijou  coele,  dizendo»  Estay  pr«« 
80 :  &  logo  JJUanuel  falcão  &  outros  três  ou  quatro  ho  o- 
judarâo^  ÍH,  os  outros  se  UarSo  com  dous  criados  de  dom 
Jorge  que  néia  estauão  eoele  mais,  &  teuerâiuis  &  tapa* 
xãlhe  as  bocais  que  não  bradassem.  £  dom  lorge  que  vi^ 
a  cousa  como  ya,  comeijou  de  bradar.  Trei^So,  trei^ 
fâo :  &  nisto  bã  seu  pajé  teue  acordo  de  ir  repicar  ho 
sino  da  vigia«  JDom  Garcia  &  os  outros  que  se  abraqa* 
rão  com  dom  lorge,  teuerão  coele  muyto  trabalho  em 
ho  derribarem  pêra  lhe  lançarem  ferros:  por^  como  el^ 
de  seu  naturai  .era  muy to  formoso  &  esforçado  ,  &  a  me* 
neneoria  de  se  ver  assi  tratar  lhe  acrecentaua  ag  forças 
&  esforço,  brace^iua  &  perneaua  &  mordia  tão  fortemè* 
te  que  quasi  ho  uão  podião  ter*  £  se  ele  esteuera  solto 
&  cem  armas,  vvhQ  daqueles  ousara  de  ho  esperar:  Sç 
ele  bradaua  ,  diaendo.  Tredores  mataime,  &  naa  me  ía-» 
jurieis.  £  com  tudo  como  erão  muytos  derão  foele  m 
chão  &  deitarãibe  hiia  adoba  de  quatro  elos  q»e  dom 
Garcia  pêra  isso  mandara  leuar  seeretameiíte  f  &  consta 


LIVIU)  Vil.  tÁWrttJÒ  IAT.  147 

«stené  dS  Garcia  preso  quando  d5  lorf^  bo  prendèo.  £ 
deitada  a  adoba  apanharfino  em  corpo  ft  em  alm^  8c  de-* 
rfto  coele  em  hii  sotáo  da  fortaleta  debaixo  do  cbâo,  6de 
ainda  ho  prfiderâo  a  hilaa  oaraaraa  de  bombardas. 

C  A  P  I  T  O  L  O    LXI. 

Do  que  pMSou  dô  Garcia  despois  de  ter  preso  dom  lorge. 

Jjalteaar  rodríguez  raposo  feytor  &  oulros  Portugueses 
que  pousauâo  fora  da  fortaleza,  onuindo  repicar  ho  sino 
como  ho  tinhão  por  cousa  noua  por  ser  atais  horas  aco- 
dirão  iodes  com  suas  armaa,  &  quando  acharão  as  por- 
tas fechadas  cuydando  Q  era  ireiçSo,  hus  brada  uão  por 
escadas  pêra  sobirem  ao  muro,  ootroa  diziâo  que  que- 
brassem as  portas?  &  era'  a  reuolta  &  arroido  tamanho 
que  a  gente  da  terra  saya  a  ver  o  que  era.  E  desrpois 
que  dom  Oareia  sayo  do  sotSo  em  que  deixou  dom  lor^ 
ge,  &  ouuio  repicar  bo  sino,  &  ho  arroido  que  fáziâo  os 
que  estaoSo  de  fora,  acodio  ao  muro  a  lhes  falar  pêra  os 
assessegar,  &  disseihes.  Senhores  não  vos  aluoraceis  & 
assessegay  i\  a  fortaleza  be  dei  Rey  dõ  loão  de  Portu-» 
gal  nosso  senhor  &  por  sua  está  &  estará,  que  todos  so* 
mos  seus  vassalos ,  &c  desejamos  seu  serviço :  &  porque 
ho  eu  muyto  desejo,  &  ho  bem  &  repouso  de  todos,  flz 
o  que  vos  agora  direy.  Bem  sabeis  como  eu  era  capitSo 
desta  fortaleza,  &  a  entreguey  a  dom  lorge  <]e  meneseé 
por  virtude  de  hua  prouisam  do  gooernador  da  índia  pê- 
ra que  lha  entregasse,  o  que  eu  nSo  podia  fazer  por  domf 
lorge  mandar  enforcar  hu  homem  Português  nas  flhas 
dos  Papuas ,  pêra  o  qne  vAo  tinha  alçada  nem  podef 
pois  ainda  nte  era  capitAo,  por  nSo  ser  entregue  da  ca- 
pitania, pelo  Q  era  obrigado  á  justiçai,  &  ate  nSo  ee  It^ 
urar  não  podia  ter  cargo  de  capitania  nS  doulfa  cousa; 
&  se  ho  eu  soubera  nSo  lhe  Ctregara  a  desrta  fortaleza  & 
ho  mandara  preso  á  índia,  f!,  nâo  abastou  e«te  crime 
que  linha  pomelido  sedo  p€S9oa  priuada,  se  nfio  despois 

T  2 


148  -BA  HI0TOftIA  DA  ÍNDIA 

Q  íoj  eapítSo' V60U  sempre  de  liraDia»^  &  16  deatrayda 
esta  lerra,  &  andaua  pêra  me  matar :  &  sabendo  eu  suas 
culpas  pelo  quedeuo  ao  seruiqo  de  Deos  &  delRey  nos*- 
so  senhor  bo  prendi  pêra  ho  mãdar.  á  índia  cofõ  a  de«; 
uassa  de  suas  culpas :  &  não  dei  cota  disto  a  todos  8 
geral  por^  nãg  toruasse  tamanho  seruiço  dei  Rey ,  &  a- 
gora  que  be  fejto  volo  digo*  £  peço  senhores  wujto  por 
inerce  Q  mo  ajuders  a  ioster,  auenUo  por  b8  o  que  te« 
nho  fe^^tOy  &  ajudandome  a  goardar  esta  fortaleza  de  ^ 
me  ey  por  ealiegue  pêra  dar  conta  dela  a  el  Key  nosso 
senhor  ou  ao  seu  gouernador  da  índia.  E  nisto  chegou 
ho  fey lor  Baltesar  rodriguez  Q  ya  muyio  agastado  por 
lhe  parecer  que  fora  causa  da^la  reuolla ,  pelo  {|  desco- 
brira a  dõ  Garcia,  &  eatáo  vio  quão  mao  conselho  teue- 
ra  em  lho  dizer,  &  achauasse  muyio  culpado:  &  quâdo 
yio  dom  Garcia  n&  quis  esperar  Q  acabasse  de  falar,  & 
queixandoselhe  do  ^  tinha  feylo  a  dõ  lorge,  dÍ2Íalhe  ^ 
outros  meos  mais-  honestos  poderá  ter  a^le  negocio  que 
bo  de  Q  vsara  ,  de  que  lhe  auia  de  ser  tomada  muy  es- 
treita cota.  E.  dissimulando  cÕ  o  que  Baltesar  rodriguea 
^izia  por  se  não  poer  coele  em  disputa  y  pediolhe  por 
mercê  <}  se  fosse  |)era  sua  casa  &  oulhasse  pok)  seruiço 
dei  Rey  como  oulhaua  a  quê  ele  daria  conta  dupor^prS- 
dera  dõ  iorge,  pelo  que  esperaua  mercê  &  honrra.  E 
vendo  Baltesar  rodriguez  Q  naquilo  nâ  auia  remédio  ca- 
louse :  &  08  outros  responderão  a  dom  Garcia  Q  se  fize- 
ra bê  ou  mal  ^  ele  daria  conta  disso  &  forãse,  &  tambê 
iSaitesar  rodriguez.  E  em  quãto  dom  Garcia  &  os  outros 
andauão  nisto  ficou  a  torre  da  menagem  só,  &  sintindo 
bo  hu  criado  de  dom  lorge  chamado  Aluaro  do  cais  !\ 
estaua  doente ,  &  assi  o  que  era  fey  to  a  dõ  lorge  como 
bomê  esforçado  leuantouse,  &  metêdose  na  torre  da  me- 
nagem fechou  as  portas  de  dentro,  &  posto  a  hQa  jane* 
lii  começou  de  dizer  a  grSdes  brados.  Esta  fortaleza  he 
dei  iley  nosso  senhor ,  &  dõ  lorge  de  roeneses  ho  capi- 
tão dela  em  !\  pes  a  dom  Garcia  anrriquez.  ao  Q  logo  a- 
codio  dom  Garcia,  &  os  Q  estauão  coele  &  por  escadas 


UVRO  VII.  OAPITVLO  Utl.  149 

sobirâ  ás  janelas  da  torre  &  enlrando  d6(ro  (ornarão  AU 
uaro  do  cais  com  Q  derSodua  janela  abaixo  bê  espanca- 
do &  arrepelado  9  &  a  oulro  que  quisera  repicar  ho  sino 
foeráo  saltar  dó  muro  abaixo.  E  ainda  isto  não  era  qua- 
si  fe^to  quando  chegou  Simão  de  vera  alcayde  mór,  & 
08  outros  amigos  de  dom  Jorge  que  forão  ao  banquete, 
&  sabendo  {[  estaua  preso  determinarão  de  ho  soltar  & 
todos  juntos  se  forào  á  porta  da  fortaleza  pêra  a  que- 
brar: &  outros  da  parte  de  dom  Garcia  acodirflo  pêra 
lho  defender,  &  loão  eacriuão  patrão  da  ribeira,  &Tbo- 
me  fernàdez  piloto  subirão  ao  muro  polas  lanqas,  &  as- 
ai outros  algus ,  &  disserão  a  dom  Garcia  que  acodisso 
ao  ({  queria  fazer  Simão  de  vera  &  os  outros ,  &  come- 
çouse  bQa  grade  reuolta  porque  acodio  el  rey  de  Baohãe 
com  muyta  gente:  &  posto  que  mostraua  que  era  pêra 
apaciíicar,  a  verdade  era  pêra  fauorecer  dõ  Garcia,  que 
com  hfla  lác^a  nas  mãos ,  &  bfia  adarga  no  braijo  re^reo 
a  Simão  de  vera  &  aos  que  estauâo  coele  que  se  fos- 
sem ,  por!)  aquele  feyto  não  se  auia  de  liurar  por  força 
darmas  como  eles  querião,  pois  todos  erão  híts  &  vas- 
saloe  dei  Rey  de  Portugal ,  cujo  seru4^  não  era  auen^ 
turarêse  tanios  homSs  por  bQ  só,  &  que  sem  tanto  dS^ 
no  como  eles  querião  fazer  se  apacificaria  aquilo.  E  tam- 
b&  outros  que  estauão  de  fura  que  não  erão  por  dom  lor- 
^e  nfi  por  dÔ  Garcia  ajudarão  a  pacificar  de 'modo  que 
iimão  de  vera  &  os  que  estauão  coele  se  forão  pêra  suas 
casas  &  dom  Garcia  ficou  por  capitãa  da  forlaleza  ^  & 
assi  esteu«  bus  dias. 


IftO  xu  nvrosrA  lu  inixa' 

•  C  A  P  I  T  V  L  O     LXIL 

Do  ^Jizerâo  o$  amigos  de  dÓ  lorge  dapois  desuaprisam^ 

JL/eata  prisani  de  d5  lorge  correo  logo  a  Doaa  pola  ter* 
ra,  de  que  a  gente  se  espantou  muyto.  E  sabida  porCa* 
chii  daroea  em  Maquifi,  esses  amigos  de  dom  lorge  (} 
estauão  coele  bo  fiserão  logo  partir  pêra  Ternate  pêra 
ho  socorrerS  &  ajudarem«  E  chegados  a  Ternate  Caobil 
daroes  foy  logo  ver  dom  Garcia,  de  que  estana  muyto 
cdtBle  por  prender  dõ  lorge  a  quê  tinha  ódio  &  deseja-^ 
ua  de  ho  ver  fora  de  capitão.  E  SimSo  de  vera  tâ(o  que 
esta  armada  chegou ,  ajuntou  logo  os  amigos  de  dò  loT^ 
ge  que  ySo  nela,  &  erâo  por  todos  corenta  homSs,  &  d* 
aerão  todos  cabeça  de  Simão  de  vera ,  a  que  derão  sua 
fé  de  faserem  todo  ho  possiuel  por  soltarem  dom  loree, 
&  quando  não  podessem  irse  pêra  os  Castelhanos:  &  fa* 
ttoreciaos  híi  irmão  dei  rey  ^  a«iia  nome  Cachif  viaoo 
grande  amigo  de  dõ  lorge  &  immigo  de  Cachil  daroea 
por  entender  suas  tiranias.  E  praticando  sobre  o  que  a* 
uiao  de  fazer,  determinarão  de  impedir  hõa  deuassa  ^ 
dom  Garcia  mandaua  tirar  de  dd  lorge:  porque  a  fora 
lhe  assacarem  grades  males  tirauão  por  testemunhas 
seus  Tmigos,  &  1}  forâo  em  sua  prisam.  E  Simão  de  ve-» 
ra  fez  sobrísso  htl  requerimento  a  dom  Garcia ,  protes- 
tando não  ser  valiosa  tal  deuassa:  porém  dom  Garcia 
não  deixou  de  a  tirar.  E  porque  Simão  de  vera  insistia 
que  não  se  tirasse,  aluoraçarãose  os  da  parte  de  dom 
Garcia  pêra  ho  matar,  &  assi  ho  dizião  pubricamente' 
&  andauão  em  magotes  armados  darmas  defensiuas  & 
offSsiuas,  &  como  erão  muylo  mais  que  os  de  dom  lor- 
ge &  tinhâo  por  sua  parte  el  rey  de  Bachão  &  Cachil 
daroes  ãdauâo  afouto  como  senhores  do  campo.  O  Q  ven- 
do Simão  de  vera  &  seus  companheiros  não  se  teuerão 
por  seguros  em  Ternate,  &  disserão  a  Cachil  viaco  que 
se  querião  ir  pêra  a  terra  alia  onde  estarião  seguros,  & 


LIVRO  VII«  pAFITVLO  LXH.  151 

dali  requereriSo  sua  justiça,  &  quàdo  lha  nSo  quisessem 
fazer  se  irião  pêra  os  Casíeibanos :  o  que  pareceo  bem 
a  Cacbil  viaoo,  &  foyse  coeles  pêra  os  fazer  apousentar, 
porque  se  teaieo  que  ho  gouernaclor  daquela  terra  os 
nlU>  quisesse  receber,  &  partirão  bua  noyle  secretaroeo<> 
te»  E  chegados  a  terra  alta  náo  os  quisera  ho  gooerna* 
dor  receber  por  uSo  ieuarfi  licêça  de  Cacbil  durões:  & 
Cacbil  viaco  lhe  diísse ,  ^  oode  ele  estaua  nã  era  neces- 
sária licSça  de  Cacbil  darpes,  1)  sintio  muyto  agasalhara 
Cacbil  viaco  &  os  Portugueses  sê  sua  licftça,  &  a  dd 
Garcia  tambeiu  lhe  pesou  uiuyto  de  se  ir6  pêra  lá,  por^ 
logo  lhe  começarão  de  fazer  seus  requerimentos ,  &  assi 
fizerSo  bQ  a  Fero  botelbo  capitSo  do  nauio  em  (|  fora 
dom  lorge  de  Malaca  pêra  Alaluco,  em  que  lhe  bimSo 
de  vera  requeria  que  se  ajuntasse  coele  pêra  soltarem 
ao  seu  capitão  que  estaua  preso :  ao  que  Pêro  botelbo 
res|M)ndeo  Q  oâo  conhecia  outro  capitão  se  n£o  d^m  Gar* 
cia,  &  que  lhe  não  tornassem  mais  com  tais  requeri* 
mentos  porque  era  tempo  perdido,  que  ele  náo  conhecia 
por  capitão  a  dõ  lorge.  É  vendo  Simão  de  vera  quão 
pouco  lhe  aproueitauáo  seus  requerimentos,  assentou 
Com  os  outros  que  chamassem  em  sua  ajuda  el  rey  de 
Tidore  &  Fernão  dela  torre,  &  1)  se  fossem  parelesquasK 
do  não  acabassem  com  dom  Garcia  ^  soltasse  dom  loi^ 
ge,  &  mandarfllhes  dizer  tudo  o  ^  passaua  acerca  da 
prisam  de  dÕ  lorge,  pedindolhes  que  os  ajudassem  & 
em  parassem  como  pessoas  virtuosas  &  fioderosas  (\  erAo, 
^  que  mandassem  requerer  a  dom  Garcia  que  soltasse 
dom  lorge,  &^  quâdo  aãe  quisesse  Q  eatãç  se  irião  pa* 
reles,  pori)  por  aba  modo  auiáo  de  tiear  com  dom  Gar* 
cia  nem  com  outro  capitão.  £  el  rej  de  Tidore  k  Ferr 
não  dela  torre  posto  4  tinbão  guerra  com  os  Portugue* 
ses  vendo  que  aqueles  não  tinbão  culpa,  &  que  erão  de- 
semparados,  determinarão  de  os  fauorecer  &  ajudar,  & 
assi  lho  mandarão  dizer,  &  logo  fizerão  bQ  requerimen- 
to a  dõ  Garcia  que  soltasse  dom  lorge  protestado  que 
carcegassem  sobrele  todas  as  perdas  &  danos  que  daque- 


]5Í  BA   tftSTORfA^DÀ    índia' 

Ia  prisam  recreeeesS,  asai  a  el  Rey  de  Portugal  eomo  à 
quaesquer  outras  pessoas.  E  quando  do  Garcia  vio  a{}le 
requerimenlo  ficou  tnuyto  embaraçado,  porque  vio  que 
se  dÕ  lorge  íeuesse  de  sua  paKe  et  rey  de  Tidore  &  os 
Castelhanos  que  lhe  daria  trabalho,  &  que  lhe  fariâo 
guerra  &  receou  muyto  aquela  carga.  E  com  tudo  res- 
pondeo  ao  requeri meoto,  dando  as  melhores  rezAes  !{  po- 
de por  onde  prendeo  dom  lorge :  &  despois  disto  rogou 
a  Cachil  daroes  ({  fosso  a  terra  alta,  &  com  algQa  dissi- 
mulação soubesse  de  Simão  de  vera  &  dos  que  estauâo 
eode  se  determinauSo  de  se  ír6  pêra  os  Castelhanos  por- 
que isto  receaua  muyto,  &  os  segurasse  quSto  podesse. 
O  que  Cachil  daroes  fez  logo,  &  chegado  a  eles  disse-^ 
lhes  que  nâo  sabia  por(|  se  forSo  da  fortaleza,  porque 
doin  Garcia  não  lhes  tiraua  officios ,  ííè  ordenados ,  nem 
soldos:  antes  desejaua  de  lhos  dar  dobrados,  &  lhe  pesa- 
ua  muyto  de  se  irê.  Ao  que  Simão  de  vera  respondeo 
que  nflo  querião  nada  de  dÕ  Garcia  sem  soltar  dom  lor- 
ge: &c  que  soubesse  certo  ^  se  auíão  dir  pêra  os  Caste- 
lhanos, &  ele  daria  conta  dos  males  que  sucedessem.  E 
estando  nestas  praticas  chegou  hua  armada  dos  Caste« 
Hianos  que  mandaua  Fernão  dela  torre  S  fauor  de  Simão 
de  vera,  &  dos  outros:  que  por  Cachil  daroes  ali  estar 
fizerão  que  ya  pêra  os  leuar  &  fizerão  mostra  de  se  que- 
rerem embarcar.  E  quãdo  ele  vio  tanta  conrrusam ,  pe- 
dio  a  Simão  de  vera  que  não  fizesse  fiada  de  si  ate  não 
ir  falar  com  dom  Garcia,  de  i\  sabia  certo  ^  auia  de  sol- 
tar dõ  lorge  antes  de  se  partir  pêra  Malaca,  &  {}  ele  lho 
faria  fazer  logo!  &  Simão  de  vera  disse  (\  por  amor  de- 
le esperaria,  porem  que  se  dom  Garcia  nào  soliaua  dom 
lorge  que  logo  se  auia  dir. 


LIVRO  VII.  CA1PITVL0  LXIII.  Iô3' 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXIIL 

De  como  dó  Garcia  soltou  dó  lorge  de  meneses, 

Cabendo  dom  Garcia  per  Cachil  daroes  a  delermina- 
ção  de  Simão  de  vera  &  de  seus  companheiros  (emeo 
muito  sua  ida  pêra  os  Castelhanos,  porQ  lhe  auiílo  logo 
de  fazer  guerra  eles  &  el  rey  de  Tidore ,  &  el  rey  de 
Geilolo.  E  estando  a  fortaleza  de  guerra  não  se  podia 
partir  como  queria,  &  deixaia  a  Manuel  falcão,  [X)rQ  su- 
cedendo algu  desastre  seHa  sua  a  culpa,  &  por  isso  se 
mudou  do  propósito  que  tinha  de  leuar  dÕ  lorge  preso  & 
deixar  por  capitão  a  Manuel  falcão,  &  quis  antes  soltar 
dÕ  lorge  &  tornarlhe  sua  capitania,  &  assi  ho  mandou 
dizer  a  Simão  de  vera  por  Cachil  daroes ,  &  Q  se  fosse 
]ogo  pêra  a  fortaleza  com  os  outros.  E  ele  não  quis,  di- 
zendo que  não  se  auiá  dir  se  nSo  despois  de  dõ  lorge 
solto.  E  dali  por  diante  se  enlendeo  em  ho  cõcertarft 
com  dõ  Garcia  no  {}  se  passarão  algQs  dias :  &  por  der- 
radeiro se  assentou  que  dÕ  Garcia  soltasse  dÕ  lorge  Sc 
lhe  deixasse  sua  capitania,  &  l\  dom  lorge  lhe  auia  de 
dar  ho  nauio  de  Pêro  botelho  pêra  sua  embarcação,  & 
auia  de  deixar  ir  Pêro  botelho  com  quantos  estauão  no 
nauio,  &  auia  de  dar  licSça  pêra  se  irS  com  dõ  Garcia 
todos  os  í\  erão  da  sua  parte  sem  lhes  embargar  suas  fa- 
zendas nS  fazer  nhfl  impidimSlo  pêra  !\  não  se  fossem^ 
&  assi  se  auião  de  romper  todos  os  requerimentos <}  erão 
feytos  de  parte  a  parte  &,  deuassas  Q  erã  tiradas,  &  Q 
isto  auião  de  jurar  dõ  lorge  &  dõ  Garcia  em  solene  ju* 
ranVento.  E  despois  de  dõ  Garcia  ido  peraTaiãgame  cá 
todos  os  !\  auião  dir  coele,  viria  Simão  de  vera  &  os  ou- 
tros &  sdtarião  dõ  lorge :  &  assi  foy  feyto,  &  dom  Gar- 
cia mandou  diante  seu  fato,  &  dos  que  yão  coele,  :&  pri* 
meyro  que  se  partisse  da.fortaleza  mSdou  Soraparia  ar- 
telharia  da  fortaleza  porS  lhe  nã  tirassS  coela:  fip  ele  i4o 
ètrarão  Simão  de  vera*  &  seus  coropanheíroa  &  soilo/ãa 

LIVRO   VIU  u 


dõ  lorje  com  muyto  prazer,  mas  do  lorge  que  bo  nSo 
tinha  anles  eslaua  muylo  seolido  de  dÕ  Garcia  pela  of- 
fensa  que  lhe  fízera,  mandou  logo  ao  ouuidor  que  fizes- 
se aulofi  de  ludo  o  que  fhe  doro  Garcia  fizera  &  assi  ti- 
rou eslormSlos  de  como  no  tempo  que  esteuera  preso  9e 
apoderarão  os  Caslelhaúos  da  ilha  de  Maquiem  por  aâo 
auer  quem  lha  defendesse ,  no  que  el  Rey  de  Portugal 
recebera  mujla  perda  por  auer  nela  muyto  crauo,  & 
mandou  logo  fazer  hQ  requerimento  a  Peru  bolelho  que 
se  fosse  pêra  a  fortaleza  por^  tinba  muyla  necessidade 
do  seu  Diauio  por  amor  da  gtkerra  dosCaslelhanos,  &  ao» 
brislo  toroou  a  auer  outra  reqotta  ^ue  dom  Garcia  dizia 
que  dd  lorge  Ibe  tinha  dado' aquele  oauio  pêra  sua  em* 
harcaçao :  &  ouue  muytos  reqMerimStos  de  parte  a  par- 
te,  &  por  fim  de  tudo  se  fuy  do  Garcia  no  nauio  &  Pe- 
PO  bvtelho  coele  contra  vontade  de  dom  lorge,  qtte;mâ- 
dou  fazer  auto  de  sua  desobediência  auendo  bo  por  ale* 
uâtado,  &  isst  quãtos  yao  com  dom  Garcia,  &  tirou  es- 
toroientos  de  como  lht*s  dera  a  licença  por  força ,  &  a 
necesipidade  em  que  ficaua  de  gente :  &  coestes  síuísob- 
&  es-ioru) entoa,  &  com  eartas  ))era  bo  capilâu  de  IVIaJa'^ 
oa,  mandou  iogo  a  .hQ  Vicente  dafonseca  que  partio  pe^ 
i^  IVlalaoa  apoa  dd  Garcia,  &  ass^i  mandaua  lambfi  pe* 
diff  socorro  de  geate» 

C  A  P  I  T  V  JL  O    XXIIIK 

Í)e  c^mo  çns  nmuros  de  Lôgú  nruUarâo  Muares  dê  brito.  ^ 

jlN  este  ano  de  mil  &  cccecxxvii.  estaado  lofge  cabral 
por  ca[>i(âo  de  Malaca ,  malarât  os  mouros  da  cidade  da 
L3gú  certos;  poríUígueses  aem  nhSa  cai^a ,  Sc  lorge  ca« 
brai  jdaatkdoo  iá-a  vingar  estas  mortes  a  bft  Akiaro  d^ 
brito.  oapiAau 'de  hGUt  galé  em  que  leuaria  setenta  Portu^ 
gúéséa  qUe  iodos  coele!  (orão  tniacto^  pelos  mouros  de  L5- 
gúj&L  lomaiâo  a  gale.  £  aufid^  quicrze  dias  que  a  Boua 


LlVnO   vil,  CATITTLO  LXV.  1 66 

deste  dano  era  em  MaIbca  chegou  hi  de  Banâa  Mariim 
cotrea  ,  a  q\ie  lor^e  cabrai  por  bò  ter  por  bÒ  caualeyro 
deu  a  capitania  mór  de  hfia  armada  que  mSdou  a  Lõgú 
a  vingar  aquelas  oflTensaSy  &  por  não  sabqr  parlicular- 
mfite  como  Marltm  correa  as  vingou  digo  em  soma  que 
queymou  Longú  matando  primeyro  muytos  mouros,  & 
tornado  a  tomar  a  gale  que  tomarão  a  Aluaro  cie  brito 
se  tornou  a  Malaca,  &  por  ele  soube  lorge  cabral  como 
a  sua  partida  de  Maluco  ainda  lá  não  era  dom  lorge  de 
meneses,  &  a  necessidade  grandíssima  de  gente  &  de 
mantimentos  em  que  fícaua  dÕ Garcia  ârriquez  por  amor 
da  guerra  t\  tinha  cò  os  mouros  &  cÕ  os  Castelhanos  l[ 
ficauSo  em  Tidore.  O  que  sabido  por  lorge  cabral  fez 
logo  prestes  ho  socorro  cò  que  partio  na  Strada  do  la^ 
neyro  seguTte  bQ  fidalgo  chamado  Gõçalo  goroez  dazeue^ 
do  ()  foy  por  capitão  mór  de  bda  armada  de  dous  nauios 
de  gauea,  &  há  bargStí,  &  hõ  jQgo  em  (\  forão  cê  Por- 
tugueses &  muytas  munições ,  &  dous  mil  cruzados  de 
roupa. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXV, 

Do  qfez  Lopo  vaz  de  sam  Papo  despois  que  foy  julgado 

por  ffouemador. 

J~lo  gouernàdor  Lopo  vaz  de  samPayo  que  ficou  fiCo- 
chi  despois  de  partidas  as  nãos  da  carregfa  para  Portu^ 
gal,  despachou  dom  loão  deça  que  fosse  tomar  posse  dà 
sua  capitania  da  fortaleza  de  Cananor,  &  porque  tinha 
por  certeza  que  auia  muytos  paraós  de  Malabares  de 
Calicut  por  toda  aquela  costa  ÍJ  fazião  muytò  mal  aos  a|- 
migos  dos  Portugueses,  rogou  a  dom  loão  deça  que  a*r 
qucle  pedaço  de  verão  ÍJ  auia  atè  ho  inuernò  goardassfe 
aquela  costa  com  bua  armada  que  lhe  daria:  do  que  ele 
foy  contente  por  seruir  el  Rey,  &  ho  governador  Ihfe 
deu  hQa  galé  em  que  andasse  &  dezaseys  catures  &  hai^ 
gantis  que  ho  acompanhassem,  a  cujos  capitães  não  soií- 
be  os  nomes.  E  partido  dom  Iodo  deça  a  goardar  a  eoi^ 

u  2 


166  1>A  HISTORIA  DA   ÍNDIA- 

(a  do  Malabar  9  enleodeo  ho  gouernador  em  mandar  fa- 
zer a  fortaleza  a  çunda  Q  sabia  (}  não  era  feytapor  Fran- 
cisco de  sá  nuo  poder  mais:  &  por  esta  fortaleza  impor- 
tar rouyto  ao  serui<;o  dei  Rey  de  Portugal,  porque  de- 
fenderia aos  Castelhanos  que  não  fossem  lá  se  quises- 
sem ir  buscar  pimenta  desejaua  ele  de  se  fazer,  &  pêra 
isso  escoiheo  a  Marlim  Afonso  de  melo  jusarle  que  era 
seu  parente  &  bo  conhecia  por  esforijado:  &  quãdo  o 
cometeo  coeste  cargo  ele  ho  nS  quis  aceitar,  dizendo 
que  Francisco  de  sá  aueria  por  injuria  querer  outrem 
fazer  o  que  ele  não  fizera,  &  por  isso  não  auia  daceitar 
tal  cargo.  £  bo  gouernador  lhe  disse  que  as  cousas  do 
seruiçp  dei  Rey,  nã  auia  ninguém  dauer  por  injuria  fa- 
zelas  outrem  se  ele  as  não  pode  fazer,  &  ()  el  Key  não 
era  obrigado  a  goardar  essas  preheminencias  a  ninguém, 
se  não  seruirse  de  quem  fosse  sua  vontade  pois  todos 
erão  seus  vassalos,  &.  que  ja  se  seruira  de  Francisco  de 
gá  &  então  se  serueria  dele.  E  com  tudo  Martim  afon- 
so  não  quis  aceitar  aquela  capitânia,  n6  a  aceitara  se 
ho  gouernador  lhe  não  fizera  sobrisso  grandes  requeri- 
mentos ,  &  ainda  então  a  aceitou  com  dizer  que  faria  o 
,que  Ibe  Francisco  de  sá  mandasse  se  ho  achasse  em  Ma- 
laca. Aceitada  esta  ida  por  Martim  afonso,  por  ho  go- 
uernador &  ele  se  temerem  que  sabendo  a  gente  onde 
ya  não  auia  de  querer  ir  pelo  Q  la  acontecera  a  Frãcis- 
CO  de  sá,  deitarão  fama  que  JVlartim  afonso  auia  dir  fa- 
zer presas  aa  costa  de  Tanaqarim  ,  &  de  caminho  auia 
dinuernar  em  Paleacate,  pelo  que  se  ajuntarão  quatro- 
-cenlos  homSs  que  ho  gouernador  queria  mãdar  nesta  ar- 
mada que  foy  de  noue  velas  grossas  &  de  remo,  de  cu- 
jos capitães  não  soube  os  nomes  salua  de  três ,  de  Tho- 
roe  pirez  capitão  do  nauio  em  que  ya  Martim  afonso, 
.de  Duarte  mendez  de  Vasconcelos  capitão  de  hQa  galeo- 
ta,  deloão  coeUio  capitão  dQ  bargantim,  &  ho  gouerna- 
dor mandou  a  Martim  afonso  que  fosse  |:x)r  Ceilão  &  so- 
corresse a  el  rey  a  quem  fazia  guerra  Patimarcar  capi- 
tão mór  dOa  armada  dei  rey  de  Calicul:  &  Martim  a- 


LIVRO  Vil,  CAPITVLO  LXVI.  157 

foDSo  ho  fez  assi.  £  chegado  a  GeilSo  nSo  achou  Pale- 
inarcar,  que  sabSdo  que  ele  ya  lhe  ouue  lainanbo  me- 
do que  fugio,  &  ficado  èl  rey  de  Ceilão  liure  desta  guer- 
ra ,  foyse  Marti  afoMO  a  Calecare  híi  grande  lugar  na 
costa  cujo  senhor  tinha  a  pescaria  do  aljôfar  como  con- 
tey  atras,  &  porque  se  temia  dos  mouros  de  Calicut  fez 
paz  com  Martim  afonso  com  condição  que  pagasse  ho 
tributo  que  seu  antecessor  pagaua,  &  que  ho  gouerna- 
dor  da  índia  lhe  mandaáse  dar  goarda  quando  fosse  a 
pescaria,  &  daqui  se  foy  a  Paleacateondeauiadinuernar. 

CAPITVLO    LXVI. 

De  como  dam  loâo  deça  desbaratou  ^  prendeo  China' 

culiále. 

» 

JL/om  loão  deça  capitão  de  Cananor  que  andaua  goar- 
dado  a  costa  com  a  armada  que  disse,  andou  por  ela  to- 
do aquele  pedaço  de  verão,  em  que  fez  muyto  dano  aos 
mouros  de  Calicut  que  yão  pêra  Cambaya  com  pimen- 
ta, &  em  diuersos  dias  tomou  corenla  &  oyto  velas  an- 
tre  zambucos  &  paraós  &  os  mais  deles  pelejando  em 
que  matou  muytos  mouros:  &  não  contSle  coeste  dano 
que  lhes  fazia  sayo  hu  dia  em  Mangalor  onde  sabia  Q 
eslauão  certos  paraós  de  Calicut  que  lhe  fugirão  &  quei- 
mou ho  lugar :  &  porque  ho  nã  pude  saber  particular- 
mente ho  digo  assi  ensoma,  &  também  hua  batalha  que 
ouue  no  cabo  do  verão  comChinacutiale  hu  valete  mou- 
ro &  muy  sabedor  da  guerra  que  era  capitão  mór  de 
sessSla  paraós  dei  rey  de  Calicut,  &  cuydando  de  tomar 
dom  loão  sayo  a  pelejar  coele,  &  com  quanto  leuaua  ta- 
manha armada  &  gente  muy  grossa  a  respeito  dos  Por- 
tugueses foy  desbaratado  &  morta  &  ferida  muyta  de 
sua  gente ,  &  ele  foy  ferido  de  duas  cutiladas  pelo  ros- 
to, &  de  duas  espingardadas  per  biia  perna ,  &  assi  se 
deitou  ao  mar  cuydando  descapar  por  ho  seu  paraó  ser 
entrado  pelos  Portugueses)  &  assi  foy  tomado.  £  auida 


168  BA    HfSTOBIA   DA    INOIA 

esta  vitoria  qoe  foj  rouyto  grade  por  ser  ja  bo  cabo  do 
Terão  se  recoíheo  dom  loão  a  Gananor,  &  mandou  paro- 
le da  armada  pêra  Gocbim ,  &  ho  gouernador  lhe  fez 
mercê  de  Chínacutiale  que  eu  vi  em  seu  poder,  &  por 
quem  ouue  grande  resgate. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXVII. 

De  como  Pêro  de  faria  par  tio  pêra  Malaca  ^  ^  Simão 

de  sousa  galuão  pêra  Maluco. 

Xlistando  ainda  ho  gouernador  em  Cochim  por  lhe  pa- 
recer assi  seruiço  dei  Rey  rogou  a  Pêro  de  faria  que  fos- 
se seruir  a  capitania  de  Malaca  pois  era  sua :  do  que 
se  ele  quisera  escusar  por  Malaca  ser  muylo  doStia,  & 
assi  ho  disse  ao  gouernador,  dizSdo  que  antes  queria  íi- 
oar  em  Goa  pois  também  era  sua,  que  era  muyto  sadia, 
&  por  derradeyro  cõsentio  em  ir  a  Malaca  por  compra<- 
2er  ao  gouernador  que  desejaua  de  tirar  de  lá  lorge  cai- 
brai l\  eslaua  da  mão  de  Pêro  mazcarenhas.  E  querSdo 
lambem  ho  gouernador  prouer  a  capitania  de  Maluco  & 
tirala  a  dõ  lorge  de  meneses  deuha  a  hu  fidalgo  chama- 
do Simão  de  sousa  galuão  de  f\  faley  atras ,  &  isto  por 
ser  pessoa  de  grade  confiança  &  em  que  tinha  fi)uytô 
credito,  &  a  capitania  mór  do  mar  &  alcay daria  mór  da 
fortaleza  deu  a  outro  fidalgo  chamado  dom  António  dè 
craslo,  &  a  feytoria  a  outro  fidalgo  chamado  António 
caldeira,  &  a  capitania  de  bQa  galé  em  {|  Simão  de  sou* 
sa  auia  dir  a  lorge  dabreu  que  fora  ao  preste  c5  d5  Ro- 
drigo de  lima,  &  deulhe  setenta  homSs,  &  em  Malaca 
lhe  auia  Pêro  de  faria  de  dar  trinta  pêra  fazerem  cento, 
&  des|X)is  partirão  ele  &  Pêro  de  faria  pêra  Malaca  enfl 
Abril  de  mil  &  quinhentos  &  vintoyto,  &  primeyro  se 
partio  bo  gouernador  pêra  Goa  Õde  auia  dinuernar,  & 
da  hi  mãdou  por  capitão  da  fortaleza  Dormuz  hu  fidalgo 
chamado Cbristouão  de  mendo<;a  que  a  tinha  por  el  Rey 
dom  loâo  de  Portugal,  &  mandou  coele  Raix  xarafo  que 


LIVRO   YII.  CAPITVLO  hXVlIU  1*69 

era  líure  por  seotêqa  do  licenceado  loão  de  soiro  ouui* 
dor  geral  ^  &  que  fosse  seruir  bo  seu  goaziUdo  Dormuz. 
E  chegado  Cristouào  de  Diendoça  a  Ormuz  foy  entre- 
gue da  capitania  por  Diogo  de  luelo  que  era  capitão* 

CAPITVLO     LXVIII. 

Das  presas  que  António  de  miranda  capitão  tnór  do  mar 
fez  no  estreito  j  ^  do  mais  que  sucedeo. 

Jl  artido  de  Goa  António  de  miranda  dazeuedo  capitSo 
mór  do  mar  seguio  sua  rota  pêra  ho  cabo  deGoardàfum 
Õde  chegou  despois  de  passada  hua  grande  tormenta,  & 
ali  repartio  sua  armada  em  três  escoadrões  apartados  btta 
dos  outros,  porQ  as  nãos  dos  mouros  que  passassem  não 
lhe  podessem  escapar,  &  andando  esperandoas  apartou>- 
se  Anrrique  de  macedo  com  têpo  da  conserua  Dantonio 
de  miraordà:  &  andando  apartado  alamar,  bii  dia  pola 
manhaã  topou  com  h&  galeão  grande  de  rumes  feyto  co>* 
mo  os  nossos,  &  como  os  rumes  erão  rouytos  &yàobeD» 
apercebidos  de  guerra  sayrào  ao  encontro  dos  Portugue-^ 
ses  tirandoliie  muytas  bom b€ifdadas,& aperceberão  muy- 
tos  armados  de  sayas  de  malbá  &  corceletes,  &  era  fer- 
mosa  gente  &  muyta.  E  co  tudo  Anrrique  de  macedo 
08  ndo  duuidou  &  abairroou  coeies,  &  começarão  hÚB 
te  culros  de  pelejar  brauamète  sobre  entrarB  hús  os  ou-- 
tros ,  &  sendo  ho  v6to  calma  que  ftcou  de  lufadas  arre* 
Inessarão  os  inimigos  hfia  lá^  de  fogo  ao  galeão  Portu*^ 
guês,  &  pegoulhe  no  artiinão  que  ardeo  donde  .com  hika 
lufada  de  \Clo  se  aacodio,  &  lornou  a  cair  no  dos  Imi- 
gos  ainda  acesa  &  pegoulhe  bo  fogo,  &  por  amor  do  fo^ 
go  que  se  pegou  nos  galeões  cessou  a  peleja ,  &  acodi- 
fão  hQs  &  outros  ao  apagar,  &  os  Portugueses  cortarfto 
logo  a  abairroa:  &  desapegados  dos  Imigos  apagarão  ho 
fogo  &  liuraranse  dele,  o  que  os  inimigos  não  poderão 
fazer  ao  seu  &  ardeo  todo  com  muytos  deles,  &  algus 
poucos  se  lâqarão  ao  mar  q^ue  íbrão  mortos  &  catiuos  c& 


ICO  0A  HISTOflIA  30A  ÍNDIA 

ajuda  doutros  Portug^ueses  de  dous  galeões  da  frola  ^ 
ah  forflo  ter.  E  por  ser  acabada  a  mouçSo  das  presas 
forãse  lodos  estes  (res  capitães  aCaxê  hda  vila  de  mou- 
ros na  costa  Darabia ,  Õde  per  mSdado  Danlonío  de  mi- 
rada se  auiSo  dajQlar  despois  de  fejtas  as  presas,  &  hi 
ho  acharão  c5  vite  velas  de  mouros  que  tomarão  ele  & 
os  outros ,  &  erSo  oyto  nãos  grossas  &  doze  terrádas,  & 
marruazes  ()  sam  mais  pequenos  que  nãos :  &  por  ele 
ser  certificado  que  ainda  auião  de  passar  certas  nãos  de 
mouros  pêra  ho  estreito  tornouse  a  esperalas  deixando 
em  Caxem  Ruy  pereyra  que  era  quadrilheiro  mor  pêra 
vender  parte  da  fazêda  que  se  tomnra  aos  mouros,  & 
porem  as  nãos  não  passarão  &  vendo  Q  nãopassauSofoy- 
se  a  Adem  que  estaua  de  paz  cõ  Portugal ,  onde  achou 
Ruy  pereyra  ^  tinha  recado  dos  regedores  da  cidade 
que  el  rey  não  estaua  nela ,  &  (}  os  rumes  (ízerão  hi  ai- 
gQ  dano.  C  despois  da  morte  de  colei  mão  raix  se  forão 
a  Camarão  esses  que  escaparão.  E  sobresta  noua  leue 
António  de  mirada  conselho  se  iria  a  Camarão  pelejar' 
com  os  rumes:  &  foy  acordado  que  não  por^  era  passa* 
da  a  mouf^ão,  mas  que  mãdasse  lá  hQ  calur  a  saber  no- 
nas deles  {)  por  ser  pequeno  poderia  passar,  &  foy  nele 
ho  piloto  mór,  &  por  lhe  ho  vSto  ser  contrairo  não  pode 
surdir  auante  &  tornouse,  &  no  caminho  tomou  dous 
marruazes,  &  dos  mouros  soube  que  es  rumes  que  esta-* 
uâo  em  Camapão  serião  três  mil  &  quinhStos  homSs.  B 
esta  noua  deu  a  António  de  miranda:  que  Dad6  se  foy 
a  Zeila  pêra  dar  nela,  &  achouha  despejada  &  queimou 
ha,,&:di4:i^e  foy  a  Mazcate:  &  deixando  hi  a  frota,  & 
pôr  capi^Q  ibór  dela  António  da  situa  foy  inuernar  a 
Ormuz. 


LlVJtO  VU*  CAPITVLO  hXÍX.  161 

CAPITVLO    LXIX. 

« 

De  como  farão  aUitios  de  mouros  Diogo  de  mezquita  ^ 

outros^ 

Xnuernando  Anlonio  de  miranda  dazeuedo  em  Ormus 
vêdeose  a  fazSda  das  nao8  que  tomou  cm  que  se  fizerâo 
sessenta  mil  cruzados:  &  a  Vinte  dons  Dagosto  se  par* 
tio  pêra  a  ponta  de  Diu  onde  atiia  de  fazer  outras  pre- 
sas. £  chegado  la  achou  ainda  ho  mar  ISo  grosso  qua 
fao  comia,  &  por  isto  arribou  a  Chaul  fazendo  sinal  aa 
frota  que  arribasse,  &  todos  arribarSo  saluo  António  da 
sílua  &  A firriQ.de  macedo  que  poderão  sofrer  ho  pairo: 
&  arribiiiido  António  de  miranda  sobreueolhe  bfl  tempo- 
ral de  vento  por  dauante  com  que  Lopo  de  mezq-uí  ta  ca- 
pitão do  çamorim  peQ4io  arribou  pêra  Diu«  E  andando 
ainda  os  mares  feytos  desta  toruoada  topouse  com  bUa 
nao  de  mouros  de  Diu  que  serião  duz&tos ,  todos  bem 
armados,  &  os  Portugueses  serião  ate  trinta,  &  arriba- 
rão sobre  a  fiao  com  quanto  fao  tempo  era  forte  &  ho 
mar  andaua  grosso ,  &  abahroarãna ,  &  em  a  ferrado  sal- 
tou Lopo  de  mezquita  nela  com  boa  parle  dos  seua  Sc 
começarão  de  pelejar  c3  os  immigos  com  muyto  -esfor- 
ço, &  neste  conflito  desfaziãse  a  oao  &  ho  galeão  polaa 
grandes  pancadas  ()  se  dauão  com  a  grandíssima  maru- 
lhada que  fazia  &  ambos  estauão  abertos  &  fazião  muy- 
ta  agoa,  &  ouuerãse  de  perder  se  não  quebrara  a  abalr- 
roa,  &  cada  ht)  foy  pêra  seu  oabo  -ficando  Lopo  de  mee- 
quira  com  08  que  digo  na  nao:  &  não  podendo  os  do  . 
galeão  tornar  a  tomar  a  nao  com  a  forlidão  do  tSpo  ar- 
ribarão por  esse  mar  por  se  não  perderem.  E  Lopo  de 
mezquita  &  os  outros  que  ficauão  na  nao  vendo  que  sua 
saluação  despois  de  nosso  senhor  era  ho  bÔ  pelejar,  pe- 
lejarão tão  esforçadamente  que  matarão  a  major  parte 
dos  mouros,  &  os  outros  se  derão  de  muyto  feridos,  & 
postos  em  recado  acodirão  os  Portugueses  á  nao  que  se  ; 

LIVRO    VII.  X  ! 


162  OA    HISTORIA    DA    INBIA 

ya  ao  fQdo  com  a  muyta  agoa  que  fazia:  o  que  vSdo 
X^opo  de  mezquila  apanhou  todo  ho  dinheiro  que  achou 
jiela,  &  mandou  a  Diogo  de  mezquita  seu  irmão  que  se 
inelesse  no  batel ,  &  assi  dezaseys  outros ,  porque  n£o 
podendo  a  nao  escapar  ae  saluasse  com  ho  dinheiro,  & 
porem  não  deixou  de  trabalhar  por  esgotar  a  nao.  E  ven- 
do os  que  eslauão  no  batel  com  Diogo  de  mesquita  que 
não  se  podia  vencer  a  agoa  ^  a  nao  fazia ,  neai  com  as 
bombas,  nem  com  baldes,  desesperarão  de  se  poder  sal- 
uar ,  &  porque  se  os  que  estauão  nela  se  quisessem  a- 
colher  ao  batel  se  alagaria  por  ser  pequeno,  acolherâse 
antes  que  isto  acontecesse  sê  Diogo  de  mezquita  lhes 
fK>der  resistir  antes  ho  leuarâo  por  força.  C  indo  cami- 
nho de  Chaul  toparão  com  a  armada  de  Diu  &  forão  ca* 
tiuos,  &  leuados  a  Diu :  donde  os  leuarâo  a  el  rey  de 
Cãbaya  !\  folgou  muyto  coeles  por  os  ter  por  muyto  es* 
forçados  &  sabedores  na  guerra,  principalmente  a  Dio- 
go de  mezquita^  a  que  comeleo  que  se  tornasse  mouro^ 
oATrecendolbe  por  isso  grades  honrras  &  mercês :  8&  nâo 
-qucrèdo  ser  mouro  ho  atentou  cõ  grades  lormentos  ate 
lio  meter  na  boca  de  húa  bombarda  ceuada  pêra  despa- 
rarem  coele.  £  ete  como  fiel  Chrislão  &  verdadèyro  a* 
migo  àe  nosso  senhor,  sofreo  tudo  com  costancia  gran* 
<iis8ima,  dizendo  sempre  Q  lhe  fizessem  quanto  quises- 
sem ,  que  não  auia  de  deixar  a  ley  de  Deos  verdadeyra 
pola  seyla  de  Mafamede  que  era  mentira.  E  vendo  oa 
-outros  catiuos  seu  esforço  também  nâo  quiserão  ser  mou- 
ros. E  el  rey  deCambaya  esi^antado  da  costãcta  de  Dio- 
go de  mizquila  ho  mâdou  prSder,  &  a  ele  &  aos  outros 
mãdou  dar  cruel  catiueiro,  E  Lopo  de  mezquita  i\  ficou 
na  nao,  pos  tanta  diligencia  com  ajuda  de  i>osso  senhor 
que  vepceo  a  agoa,  &  escapado  a  nao  foy  ter  a  Chaui 
^de  achou  António  de  miranda,  &  do  dinheiro  que  se 
fe2  da  fazenda  desta  nao  forão  pagas  as  parte»  que  se 
deutão  aos  da  armada ,  &  os  sessenta  mil  cruzados  fica« 
rão  forros  pêra  el  Rey. 


/ 


LITUO  Tlf.  CÁMTVLO  LXX,  161 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXX. 

De  como  Haiixá  capitão  da  armada  de  Diu  pelejou  c6 
Antrifiue  de  macedo^  ^  de  comofoy  morto  Antónia 
da    '^ 


xjLnrriqoe  de  macedo  que  fii^ou  á  p8(a  de  Diu  passada 
a  tormenta  com  j)  os  outros  arribarão  acalmou  bo  ven- 
to: &  estando  em  catmaria  derJío  coele  as  fustas  de  Dia 
que  erão  trinta  &  três,  &  Sdaua  por  seu  capitão  mór  hfl: 
valente  mouro  chamado  Haiixá,  que  vSdo  ho  galeão  da- 
quela maneyra  cercou  ho  em  redondo ,  &  mãdoulfae  dar 
bateria,  &  os  Portugueses  começarão  também  de  jugar 
eoro  sua  artelharia ,  &  começouse  hfl  brauo  jogo  prlci*^ 
palmente  da  parte  dos  mouros  que  tirauão  todos  ao  lume 
dagoa  por  as  fustas  serem  rasteiras ,  86  fizerãlhes  tantos 
rombos  que  não  aproueitauão  bombas  n8  baldes  pêra  ve- 
dar a  multidão  dagoa  Q  entraua,  &  foy  necessário  atu- 
pirfise  os  buracos  cÒ  colchões  &  colchas ,  &  andauão  od 
nossos  tão  cansados  que  quasi  não  auía  quem  podesse 
trabalhar,  &  se  os  nosso  senhor  não  socorrera  não  po(]e«> 
TÍk>  escapar,  porque  ainda  que  neste  tempo  sobreueor 
vento  ho  galeão  não  podia  b8  nauegar  por  ter  quebrados- 
os  mastos  &  as  vergas  espedaçadas,  &  as  velas  rntas.  E 
nisto  chegou  António  da  siiua  capitão  do  galeão  reya 
magos  ()  vinha  ao  tS  do  estrSdo  das  bõbardadas,  &  che« 
gando  a  tiro  de  berço  do  «çamorim  mandou  dar  fogo  « 
sua  artelheria ,  &  mais  auante  começarão  as  trombetas 
de  tanger,  dizendo.  Alegraíuos,  alegraíuos  que  aquf 
sam  os  três  reys  magos.  E  ouuindo  òs  mouros  as  tr&be-» 
tas ,  cuydarão  ()  era  o  capitão  mór  ^  safoião  {|  chegara 
k  ponta  de  Diu ,  mas  não  que  se  fora,  &  cuydando  que 
▼inha  com  toda  sua  armada ,  fugirão  todos  com  medo  & 
deixarão  Haiixá  só,  que  também  fugío  por  derradeiro. 
E  sospeitando  António  da  silua  a  causa  da  fugida  dos 
immigos,  seguios  ás  boro  bardadas,  &  Haiixá  lhe  teue 

X  2 


164  m   HISTORIA    DA  ÍNDIA 

hQ  pouco  ho  rosto  também  ás  bombardadas,  &  nisto  deu 
nele  hQ  pelouro  de  bombarda  perdido  &  maloubo,  cd 
que  o8  seus  ficarSo  tão  desacoroçoados  Q  nã  quíserâo 
mais  seguir  os  Imigos ,  &  tornarãse  pêra  onde  6caiia 
Anrrique  de  roacedo:  &  Halixá  vendo  os  assi  tornar 
Guydou  que  era  maniia  pêra  ho  colherê,  &  por  isso  não 
quis  ir  após  eles,  mas  foyse  fugindo,  que  se  os  seguira, 
nem  eles  nem  os  do  çamorim  escaparão.  £  chegados  a 
AnrriQ  de  macedo  forâse  todos  a  Chaul,.  &  dahi  pêra 
Goa  com  ho  capitão  mór  que  chegou  la  na  fim  de  Sele- 
bxo,.  &  deu  coola  da  passado  ao  gouernador^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXL 

Dt  como  Chriêiouão  de  mêdoça  capitão  Dormuz  mâdou 
por  terra  António  tenreyro  a  Portugal  c6  recado  a  d 
Rey. 

JL Teste  (empa  desejado  ChrislouSo  de  mendoça  eapitao- 
Dormuz  de  mSdar  a  el  Rcy  de  Portugal  certeza  de  co* 
mo  os  rumes  não  passaufio  aa  índia  ^  &  auisos  de  muy*' 
ias  cousas  que  comprião  a  seu  serui^o ,  asai  em  Ormue 
con»o  na  índia  escolheo-  pêra  leuar  por  terra  este  reca^ 
ào  a  hu  Aníonio  tenrrejTo  natural  de  Coimbra  Q  eslaua 
em.  Ormuz,  &  fora  com  Baltesar  pessoa  ao  Xeque  is* 
mael ,.  donde  indo  caminho  de  lerusaiem  Cby  preso  poo 
turcos  cuydando  qAie  fosse  espia.  E  leuado  ao  Cayro  foy 
soko,  &  querendose  dali  tornar  a  Portugal  se  foy  a  Chi- 
pre, donde  por  hú  acontecimento  mudou  seu  caminha 
&  iornouse  aa  Indin ,  &  de  Chipre  atrauessou  ho  d^^sor- 
1o  &  foy  ter  a  Baçora  &  dahi  a  Ormuz :  &  por(|.  tinha 
ejKperiencia  deste  caminho,  &  sabia^  a  Hngoa  Persiana, 
&  por  ser  homem  desprito  &  esforçado  ho  escolheo  pêra 
fazer  este  caminho,  &  mais  por  n&o  achar  outrem,  por- 
que por  ho  perigo  do  caminho  ho  receauAo  todos,  &  di»- 
zendolhe  ChristouSo  de  roendoça  quanto  esta  ida  impor^- 
taua  ao  seri^so  dei  Rey  de  Portugal.  Ele  polo  seruix  a 


Vllr  CAFITVLO  LX«.  >6a 

aceitou  debóa  vòtade,  &  dádolbe  ChrisloúSo  deiuêiio- 
ça  muyto  pouc» ajuda  pêra  aua;  despesa,  &  aigQas  car^ 
taa  de  credito  pêra  onde  \k»  foasein  neceasairias  ue  par- 
iio  Dormuz  pêra  a  cidade  de  Baçora  a  vinte  de  SeleiU'* 
bro  do  aoDo  de  mU  &  qi>ÍBhêlos  &  vintoyto ,  &  foy  por 
mai:  ate  esta  cklade,  q4ie  he  em  Arábia  no  eabo  do  siúo 
pefsico  tríiita  &. tanta»  legeas  pelo  rio  eoirates  acima, 
&  po8  neste  caminho,  corenta  dias  pof  os  vSlos  ^  achoQ 
contvairos :  &  nesta  cidade  se  deteue  vinte  dias  em  so 
despachar  porque  a  cafiJa  que  ya  pêra  Damasco  onde 
ete  esperaua  dir  era  partida,  &  ho  Xeque  dacidade  não 
lhe  queria  dar  guia  pêra  atrauessar  ho  deserto  que  ya 
de  Ba<;orá  ate  Alepo,  dizendo  que  não  acbaua  quem  se 
arriscasse  a  tamanha  perigo  como  era  irê  duas  pessoas 
no  mais  j  porQ  as  alimárias  os  comeriâo :  &  mais  que 
Bunca  euue  pessoa  ^  passasse  ho  deserto  sem  ir  em  ca* 
fila  y  &  parecia  que  ho  Xeque  de  ho  dar  por  morto  se 
fosse  no  mais  que  com  a  guia  ,  auia  dó  dele  &  não  lhe 
queria  dar  auiamfito  pêra  se  ir^  £  com  tudo  nunca  Ao* 
tonio  tenrreyro  desistio^  de  ir.  E  vendo  ho  Xeque  sua 
perfia^  muyto  espfltado  de  seu  esfor^^^  &  louuandoiho 
muyto :  lhe  deu  h&  piloto  4  ho  guiasse ,  porque  naque* 
le  caminho  regSse  poios  veutos  como  no  mar  por  nfio  a« 
uer  bi  estradas  nê  pouoados  saiuo  dous  castelos  dalar;- 
«es;  E  António  tenrreyro  &  b^  pílpto  se  partirão  ua  eiv> 
trada  de  Nouembro  ás  duaa  boraii  djes|)ois  de  mea  noy« 
te»  porque  não  fossem  vistos^  &  ya.cada  hú  em  seu  dor* 
medario  que  andão  de  viuie  ci«uo  legoas  ate  t^riuta  a»- 
Ire  dia  &  noy te,  &  n2o  comfi  mais  de  h&a  quarta  de  fa* 
rmba  b&a  v«z  no  dia  &  bebd  de  quinze  em  quinze  dias^ 
&  nestea  k^uauão  seu  mãtimeto  de  lamacasy  biscouto, 
farinhas^  manteiga.  Vaca  cozida  &  agua.  £  partidos  de 
Bafora  ti«arSo  por  seu  camiuho  a  dia^e  por  aq^uele  es<* 
pantoso  deserto  por  õde  ná  auiào  mais  ^  alittiarias  bra«> 
uas.  s»  vsso»,  tigr<^,  lides  &  kibos:  &  aiasiaiiâse  quãto 
podião  donde  podia  auer  alarui^s  (<{).  andào  p^r  aíjle  de* 
serVo  em  a4uai^es)  porqiie  os  náo  toubassepi  q  sam  graor 


16S  BA  fftnomiA  DA  inuta 

des  ladrSea,  8c  assi  caminharâa  viMè  dous  dias  sem  hqih 
ea  receberA  afronta  dai|laa  alimárias  aalao  doag  veze» 
que  08  quiaerão  cometer  doua  liõe»  a  que  eseaparSo  po-* 
k>  g^raade  andar  doa  dormedarioa:  &  outra  vez  de  ma-^ 
drugada  correndo  a  rédea  soKa.  B  tão  amedrontadoa  fo^ 
rSo  oa  dormedarios  que  eorreráo  duaa  legoas ,  &  deata 
corrida  ae  eatrepou  ho  dormedario  Danionio  tenrreyro 
em  bQa  mâo ,  &  ficou  tão  manco  2|^  Ihea  foy  forçado  do-» 
terSie  aeys  diaa,  no  que  pasaarSa  muyto  grande  traba-# 
lho,  &  tambt  em  não  acharem  em  todo  este  tempo  a-' 
goa  maia  l\  qoatro  ott  cinco  vezea  em  que  padecerão 
grade  sede,  &  ainda  eala  ^  achaoâo  era  amargos.  E  tor-^ 
nando  ao  caminho  despois  do  dormedario  ser  são,  no 
cabo  destes  vinte  dous  dias  chegarão  a  hfla  pequena  vi-^ 
la  casteiada^Ss  cercada  de  muro  de  taipas  grossas  pouoa* 
da  dalarues  mouros,  por  nacer  air  h&a  grande  fonte  quo 
lhe  regaua  suas  sementeiras ,  &  auia  palmeyras  de  ta^^ 
maras^  &  aqui  se  meteo  António  tenrreyro  em  bfia  ca* 
ília  que  estaua  de  caminho  pêra  a  cidade  Dalepo  no  ca-^ 
bo  deste  deserto:  &  ho  seu  piloto  se  tornou  pera^Baço^^ 
ra :  &  neste  mesmo  dia  foy  dormir  a  cáfila  a  outra  for«* 
ialeza,  &  dali  a  corenta  legoas  sairão  do  deserto  &  .en« 
Irarão  na  comarca  da  cidade  Dalepo  cerôada  de  muro  te 
pouoada  de  mouros  do  senhorio  do  turco,  &  aqui  se  ti* 
rou  António  têrreyro  da  cáfila  ^  auia  de  passar  ate  ii 
cidade  de  Damasco:  &  tirado  se  fey  a  casa  du  Venezia-* 
no  mercador  de  muyto  grosso  8&  rico  trato  que  ali  fazid 
aua  abi tacão ^  &  em  que  a  geníte  da  terra  tinha  grande 
credito^  &  ohameuasse  Mrcer  andre,  a  quê  leuaua  car*^ 
tas  de  Christooão  de  mSdoça  pêra  lhe  dar  auiamentò 
pêra  aeu  caminho  &-  não  ho  achou  que  era  em  Costãtí'^ 
nopia  a  ct|amado  do-  turco,  &  por  ser  inuerno  &  auer 
muyto*  grandes  neuea  qae  ninguém  eaminbaua  esperou 
aqui  A  ntofiio  tenrreyrcf  cincoehta  dias  &  no  cabo  se  me** 
íéo  em  hOa  ca^la  que  ya  pêra  a  cidade  de  Tripoli  de 
soria  tudo  senhorio  do  Tál-co,  &  daqui  se  embarcou  & 
foy  ler  aa  ilha  de  Chipre ,  &  deapois  de  passar  assaz  éé 


LIVMk  mu    CAPITYLO   hXXlU  167 

irabalho  em  muyto  grandes  tonnenUs  em  que  se  vio, 
(oj  ter  a  Itatia,  dSde  tonou  seu  caminho  por  terra  pêra 
Portugal  õde  chegou  a  aaluaroenlo,  &  deu  a  el  Rey  as 
cartas  Q  leuaua ,  &  foy  muy  graode  espftto  sua  ida  por 
ser  ho  primeyro  Português  que  fez  aquele  caminho  por 
terra  ^  &  ho  primeyro  homem  que  bo  fez  só  oõ  b&  pilo- 
to^ &  que  mostrou  a  el  Rey  que  por  berra  lhe  podia  ir 
recado  da  índia  ê  Iree  jneses  ou  menoa,  porque  oâo  gas- 
tou eie  mais  no  tBpo  em  que  caminhou,  bem  que  fez 
Diais  detença  poios  impedimentos  que  lhe  socederão» 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXII. 

Do  que  piusou  Oonçalo  gomez  daxeuedo  com  dom  Gor- 
da anrriqz  na  tlha  de  Báda^ 

;XjLtras  fica  dito  gook)  kwrge  eabral  mãdou  socorrer  Ma- 
luco por  GÕçalo  gomez  daseuedo  i\  partio  de  Malaca  na 
entrada  de*  laneyro  «lo  an&o  de  mi)  &  quinhentos  &  vin- 
•toylo,  &  chegou  a  Banda  onde  achou  d6  Garcia  aorrt- 
qoez  ^  auia  poucoque  chegara  de  Maluco,  &  tiaba  fey- 
la  Jiija  tranqueyra  onde  pousaua^  &Goa9alo  gomez  tam^ 
1j6  mandou  fazer  outra,  &  nisto  chegou  Vicente  dafon*- 
seca  com  as  cartas  de  dom  lorge  de  meiieses  &  lautos 
^ue  mandara  fazer  de  dõ  Garcia ,  &  ootttou  a  Gonqalo 
gomez  tudo  o  que  dom  Garcia  fizera  a  dom  lorge ,  re- 
queremlolhe  secretatndte  que  ho  prendesse  &  a  quantos 
yão  code  &  que  lhe  tomawe  ho  nouio,  &  quanto  aa 
prisam  de  dom  Garcia  '&  dos  outros  respondeo  Oõçato 
g;omez  que  ho  não  podia  faízer,  mas  (}  Ibe  tomaria  bo  na- 
uio .quando  fosse  tempo.  •£  vendo  Vicente  dafonseca  is- 
to quistra  mâdar  a  Malaca  as  cartas  fc  papeis  que  leua- 
ua de  dom  lorge  p^r  algfts  Portugueses  que  auiãodir  pê- 
ra laa ,  &  como  sabiio*  Q  era  contra  dom  Garcia ,  que 
tambS  auia  dir  dÍo  ouue  ninguém  q ue  os  quisesse  ieii ar, 
pelo  que  os  não  midou  &  tornou  a  dO  lorge  como  direy 
a  diante*  B.vendo^idoai  Garcia  ViceiUe  dafonseca,  que 


168  9A  HIBrORIA  DA  1NWA 

sabia  {|  era  grande  aeruldor  &  amigo  de  dom  forge  lògò 
•ospeitou  a  que  auia  de  «er  aua  vinda,  &  por  isao  ae  eo- 
fneçou  de  recear  que  Gonçalo  gomez  ho  prendesse ,  íc 
tnais  porque  tanto  que  Vicente  dafonseca  chegou,  Ma« 
nuel  falcão  que  pousaua  cóm  dom  Garcia  tendo  a  mes-* 
«na  808peíta<ie  Vicente  da-fonseca  que  ele  linha,  se  pas* 
sou  logo  pêra  .a  tranqueira  de  Gonçalo  gomez,  pareçS- 
<lolhe  que  fazia  a  vontade  a  dom  lorge,  porque  espera- 
ua  de  tornar  pêra  Maluco  <x)m  Gonçalo  gomez  a  (}  con- 
tou-o  que  dom  Garcia  fizera  a  dd  lorge,  conselhandolhe 
que  bo  prendesse  por  isso,  &  que  lhe  tomasse  ho  nauio 
em  Q  ya,  &  Gonçalo  gomez  dissimulauá,  &  Manuel  fal* 
cSo  começou  de  deitar  fama  que  Gonçalo  gomez  auia 
de  prender  ilÕ  Garcia  pelo  que  fizera  a  dom  Jorge ,  & 
algus  seus  amigos  o  começarão  dauisar  disso,  &  (\  lhe 
auia  de  tomar  ho  nauio  em  que  ya  por  isso  que  posease 
cobro  nele :  o  que  não  quis  fa^oer  porque  ihe  parecia  ím- 
{)08siuel  tomarêlho  por  Jeuar  crauo  pêra  el  Rey  fjc  da 
j>rÍ8am  nã  se  temia  porque  sabia  a  verdade  por  espias 
que  trazia  cõ  Gonçalo  gomez,  que  linha  assentado  con^ 
sigo  de  lhe  tomar  ho  nauio  quAdo  se  ouuesse  de  partir 
&  não  ho  disse  a  ninguém  ppr  não  ser  de^uberto:  & 
quãdo  SC  ouue  de  partir  pcra  Maluco  se  foy  pôr  terra 
«spedir  de  dom  Garcia  que  sayo  coele  ate  a  praya  Õde 
se  embarcou  nos  bateis ,  &  alargado  de  terra  se  foy  de- 
rey  to  ao  nauio  em  que  dom  Garcia  ya  ^  auia  nome  caya* 
do,  &  entfto  ho  deu  dom  Garcia  por  tomado  &  creo  o  ^ 
lhe  iinhão  dito.  E  entrado  GÕçalo  gomez  no  nauio  to- 
mou ho  pêra  leuar  a  Maluco,  &  sabendo  que  dõ  Garcia 
tinha  as  velas  na  trãqueira  mãdoulhas  pedir,  desculpã- 
jdose  de  tomar  ho  nauio,  porque  ho  fazia  a  requeriraen- 
io  de  dÔ  lorge  de  meneses  capitão  de  Maluco  de  cuja 
jurdição  era  aquela  terra,  &  por  dõ  Garcia  as  nã  querer 
4lar  lhe  tomou  bo  seu  junge  em  que  leuaua  mais  de  qua- 
torze  mil  cruzados,  pelo  que  dÕ  Garcia  mandou  logo  as 
veias  &  hjl  recado  a  Gonçalo  gomez  per  Manuel  lobo, 
estranhandolbe  o  Q  lhe  fazia.  St  por  ele  mandou  hSia  car- 


LIWO  iril^  CAPITITLO  tXíStf.  .    1^9 

ta  de  crenqa  ao  mestre  &  condestabre  do  nauio,  &  a  ou« 
tros  em  que  coníiaua  que  fizessem  o  que  lhe  Manuel  lo- 
bo dissesse,  que  foy  que  quando  se  partissem  fizessem 
ée  afodò  què  dessem  avela  derradeyrp  de  todps  pêra 
ficarem  na  traseira ,  &  ainda  entSo  ãzessem  qu,^  se.  em- 
baraçauâo,  porque  entre  tanto  iria  dõ  Garcia  com  gen- 
te &  tomaria  fao  nauio ,  porque  Gonçalo  gomez  por  ibe 
bo  vSto  ventar  a  popa  nâo  lhe  auia  de  poder  acodir*^  & 
assi  ho  tomaria.  E  eles  disserâoque  ho  fariSo:  &  ida 
Manuel  lobo  deu  Gonçab  gomez  a  capitania  do  nauio  a 
Ruy  fígueira  capitão  doutro  nauio,  cuja  capitania  deii 
a  Manuel  falcSo.  Isto  feyto  foise  ao  seu  nauio  &  fezse 
á  vela,  &  08  outros  capiíSes  coele  saluo  Ruy  figueira, 
cujo  mestre  por  comprir  o  Q  prometera  a  dom  Garcia 
fez.  que  se  embaraçaua  ao  dar  da  vela,  pelo  c)  todos  os 
outros  ja  nauegauão  quãdo  ele  deu  á  sua,  &  ainda  fez 
tomar  ho  nauio  por  dauante ,  que  era  ho  sinal  a  que  dd 
Garcia  auia  dacodir,  que  acodio  logo  em  paraós  cõ  muy* 
ta  gente,  E  Ruy  figueira  que  entêdeo  a  ruindade  ca* 
peou  a  Gonçalo  gomez  que  eslaua  vendo  ho  embaraço 
do  nauio  i  &  vendo  Gonçalo  gomez  9  gente  que  ya  do 
terra  pêra  ho  nauio  &  ho  capear  de  Ruy  figueira,  en« 
tendeo  logo  o  que  era,  &  mandou  tirar  ás  bombardâda« 
a  dom  Garcia,  o. que  fez  também  Manuel  falcão :  &\co« 
mo  Manuel  lobo  ya  na  diãteira  matoulhe  h8a  bombarr 
dada  dous  remeiros ,  &  a  ele  quebroulhe  hiia  perna ;  .0 
que.  vendo  dõ  Garcia  desesperou  dauer  o  nauio  &{tor« 
nouse,  &.Ruy  figueira  seguio  sua  via  a  (Xms  ,Gonça)oi  g(H 
n^z  que  partio  na  fim  DabriJ.  ,  .  ..   ?      1 


't 


UVRO  VII. 


170  DJL   HliTOftIA    DÁ    IKmA 

C  A  P  I  T  V  L  o    LXXIII. 


y 


De  como  Aharo  de  saya  vedra  tomou  húa  gákotm  cm 
Portugueses  ^  catíuou  muytos  dos  que  yáo  nelom 

Jjim  quanto  isto  passaua  eataua  dom  lorge  em  grSde 
aperto,  porque  sabendo  Fernão  de  la  lorre  &  oa  reja  de 
Tidore  &  de  Geiloio  quSo  escorcbado  dom  Garcia  ho 
áeixara  asei  de  gSte  como  de  munições  de  guerra ,  de» 
terminarão  de  Iba  fazer  maia  apertada  qoe  dantes,  prin- 
cipalmfite  el  rey  de  GeiJolo  que  trabalhaua  quanto  podia 
por  ganhar  todo  bo  Morro ,  que  deaejaua  muyta  de  aer 
aenbor  dele,  &  por  lhe  oa  Castelbaooa  prometerem  de 
lho  fazerem  aqer  foy  ele  da  soa  parte  &  os  ajudaua :  & 
como  trazia  ali  sempre  grossa  armada  pêra  esta  conquis^ 
tá  tolhia  leuarêse  mantimentos  a  Ternate ,  tomado  oi 
nauios  que  oa  leuauâo,  o  que  era  causa  de  auer  grâdé 
fome  na  fortafeza.  E  estando  a  cousa  neste  estado,  che-^ 

Sou  a  Ti<k>re  hft  nauio  de  Castelhanos,  &  por  capitSo 
fi  Aluaro  de  saja  redra  que  partira  da  noua  espanhá 
por  mandado  do  gooernador  dela  por  capi(áo  mór  de  trei 
nauios  S  socorro  dos  Castelhanos  que  estauão  em  Tido* 
re  &  deus  desaparecerão  bo  caminho,  que  segundo  se 
despoís  soube  se  perderão:  &  Aluaro  de  saya  vedra  nãd 
pos  mais  na  viagem  de  três  meses  por  amor  das  grades 
corrfites  que  ho  mar  faz  da  noua  espanha  pêra  ae  ilhaa 
de  Maluco ,  &  poios  vStos  que  sam  sempre  a  popa.  B 
estes  nauios  mandou  ho  gouernador  da  noua  espanha  por 
grandes  conjeituras  que  auia  que  dali  se  podia  nauegar 
pêra  as  ilhas  de  Maluco.  E  quando  os  Castelhanos  virão 
Aluaro  de  saya  vedra ,  &  souberão  donde  ya ,  &  a  bre- 
ue  viagem  que  fizera  ficarão  rauyto  ledos  &  esforçados 
contra  os  Portugueses,  esperado  que  da  noua  espanha 
lhe  iria  sempre  socorro,  a  que  os  Portugueses  nã  po- 
dessem  resistir  &  lhes  tomarião  a  fortaleza ,  &  os  mou- 
ros seus  amigos  também  tinhão  grande  contStamento 


LIVRO  Til.  cAPrrvLO  Lxxiir.  171 

coesta  noaa:  &  determinarão  logo  el  rey  de  Tidore  & 
el  rey  de  Geilolo  de  ir6  tomar  a  ilha  de  Moutel  cujos 
Sangajea  erão  da  obediScia  dei  rey  de  Ternate,  &  muy- 
to  amigos  dos  Portugueses*  B  sabendo  os  Sangajes  este 
apercebimSto  ho  mandarão  logo  dizer  aCachii  daroes  & 
a  dom  lorge  pedindo  a  ambos  que  os  socorressem :  & 
Gachil  daroes  apercebeo  sua  armada  em  Q  se  embarcou : 
&  dom  lorge  mandou  Fernão  baldaya  na  galeota  noua  (( 
fizera ,  &  deulhe  trinta  &  tãtos  Portugueses  que  fossem 
Coele,  &  mandoalbe  que  andasse  da  ilha  de  Moutel  pê- 
ra a  de  MaquíS,  &  que  âsesse  a  mais  crua  guerra  que 
podesse  aos  immigos.  E  sabendo  Fernão  dela  torre  este 
socorro  que  ya  aos  Sangajes  de  Moutel,  mâdou  logo  Al* 
uaro  de  saya  ?edra  por  capitão  doutra  galeola  que  fixe* 
ra  noua ,  &  deuibe  corSta  Castelhanos.  E  partido  pêra 
Moutel  topouse  cõ  Fernão  baldaya  a  quatro  de  Mayo* 
E  como  erão  ambos  vaiStes  caualeyros  em  se  vedo  fize- 
rão  remar  btt  cÔtra  o  outro  desparãdo  essa  artelharia  ^ 
leúauã  &  desaparelhando  as  galeotas  com  as  bõbardadas 
se  aferrarão  9  &  pelejarão  bH  bõ  pedaço  mui  brauamõto 
sem  se  poderS  entrar:  &  neste  tSpò  foy  morto  Fernão 
baldaya  c5  outros  oyto.  E  como  os  Portugueses  ficarão 
sem  capitão,  &  por  estarê  muytos  feridos  não  se  pode- 
rão inais  defender  coroho  esfor^  primeyro,  pelo  ^  os 
Castelhanos  os  entrarão  &  os  fizerão  rSder,  &  os.catiua* 
rão,  &  lhes  tomarão  a  galeota,  morrfido  porS  cinco  dô* 
fes  &  feridos  os  mais.  U  tomada  a  galeota,  Aluaro  de 
saya  vedra  a  leaou  a  Fernã  dela  torre  ^  estaua  na  ci- 
dade de  Tidore ,  8c  entrou  c5  grade  festa ,  Sc  foy  recer 
bido  cft  outra  mayor  &  os  Castelhanos  &  mouros  ficarão 
tão  soberbos  eoesta  vitoria  2}  se  derão  por  senhores  da 
fortaleza ,  flde  foy  grade  tristeza  pola  tomada  da  galeo- 
ta &  catiueíro  dos  Portugueses,  porí}  não  ficauão  nela 
mais  decincoêta  &  Cacbil  daroes  não  quis  mais  andar 
en^  Moutel  aufidos^  por  muyto  injuriado  de  ácõtecer  a|}le 
desastre  aos  Portugueses*  andando  ele  em  sua  cdpanhia': 
tf»  deiíãdasua  armada  S/Moulel  t(M'npU8e  pêra  If ernateu 

Y   2 


17S  '    Sà'  SBBTOftlA   DA    IMDIA     ' 

C  À  P  I  T  V  L  o    LXXIIII. 
como  OóçaJo  gamex  dazeuedo  chegou  a  ilha  de  Tematêé 


E' 
estando^  dõ  lorge  muylo  agastado  pola  tomada  àe^ 

ta  gaieota,  &  p>r  Ibe  nâo  ficare  mat»  de  cincoenla  Por^ 
tugueses  pêra  defeader  a  forialeaa^  &  por  não  ter  oiâti* 
mentos  chegou  Vicête  dafonseca  a  oyto  de  Majo^Sc 
deuliie  noua  do  grande  socorro  Q  trazia  Gõçalo  gomes  {| 
não  tardaria.  E  cÒ  fao  prazer  desta  noua  náo  sintio  dõ 
iorge  náo  querer  ninguê  leuar  a  Malaca  os  papeis  í)  Vi- 
cote  dafonseca  leuaua,  &  logo  se  espalhou  a  noua  do  so- 
corro Q  vinha  aos  Portugueses.  E  oa  Castelhanos  cuy* 
dado  <)  sSpre  auiâo  de  vêcer  fizerão  prestes  Aluaro  de 
aaya  vedra  pêra  ir  esperar  GÕ^Io  gomez  ao  caminho  âç 
toroalo  com  quantos  yâo  coele^  &  leuou  duas  galeotas  ât 
ku  bargantim,  &  a  armada  dei  rey  de  Tidove.  £  ele  par- 
tido chegou  Gõçalo  gomez  á  ilha  de  tíacbão^  õde  se  via 
cõ  el  rey  &  soube  dele  ho  estado  em  Q  eutaua  a  forlale- 
za ,  &  deixou  coele  Manuel  ialcSo  ^  por^  como  sabia  a 
imizade  ^  auia  atrele  &  dõ  lorga  quãdo  ae  partira  de 
Ternate  nã  ho  quíb  lá  leuar  ate  aft  saber  xsomo  .d&  lorr 
ge  estaua  coele  k  soldalos  se  fosse  necessário.  E  parti» 
do  dali  seguio  sua  rota  pêra  Ternate  cÕ  Ioda  sua  arma» 
da,  &  topou  no  caminha  a  dos  Caatelbanos  de  ^  aufide 
irista  mãdou  embanderrar  a  sua  em  sinal  dalegria  por(| 
•nfl  cuydassem  !^  oa  temião:  porem  Akiaro  de  aaya  ve- 
dra não  ousou  de  cometer  GrSçalo  gomez  Q  passou  por 
ele  mudando  tanger  suas  trõbetas  como  ^  os  saluana,  & 
dali  foy  «urgir  no  porte  de  Talaogame,  &  dabi  á  forta^ 
kza  onde  foy  recebido  cõ  muyla  festa :  &  dõ  iorge  lhe 
entregou  logo  a  alcaydaria  mór  da  fortaleza,  &  a  capí^ 
tania  mór  db  mar  por  bua  prouisam  (|  leuaua  ào  gones* 
nador  da  índia.  E  sabSdo  Gõçalo  gomez  ho  dano  ^  dõ 
Iorge  tinha  recebido  da  guerra ,  conselht  ulhe  ^  traba^ 
ihasae  por  fazer  paz  cõ  Fernão  dela  torce :  &'  dè  lorge 


lhe  disse  ^  a  oâ  auia  de  fazer  se  nâ  cÕ  sua  hÕrra ,  & 
ainda  por^  Ibe  a  ele  parecia  b3  fazela  ^  &e  fora  por  ele 
Dão  a  ouuera  de  cometer.  £  auido  seguro  pêra  mãdar 
hti  Aiessageiro  a  Fernão  de  la  torre  ihe  mandou  dizer  por 
iorge  go térrea  hu  caualeiro^  Q  ele  sempre  desejara  de 
ter  paz  cÕ  os  castelbauos,  assi  por  serê  christãos,  como 
por  vassalos  do  Sperador  ^  estaua  tão  liado  cÕ  el  rey  de 
Portugal  por  parèteseo  &  amizade :  &  Q  se  ateli  não  fa- 
kira  na  paz  fora  por^  não  cuydasse  Q  ho  fazia  por  ne- 
cessidade mas  agora  Q  «abia  Q  não  era  por  isso  pois  lhe 
era  vido  tamanho  socorro  como  era  notório,  lhe  pedia  ^ 
fizesfi  paz,  &  não  fosse  causa  dauer  guerra  anlre  Chri^ 
êtãos:.£  deu  a  Iorge  goterrez  esles  apontaoiêlos  com  que 
auia  de  fazer  a  paz. 

u  Que  d&  Iorge  era  cõlSte  de  fazer  paz  coele  &  cò 
08  reys  deTidore  &  de  Geilolo  por  amor  dele :  &  lhe  da* 
ria  Paulo  hii  caaielhano  ^  fora  caiiuo  do  tempo  de  dõ 
Garcia:  &  Q  Fernão  dela  torre  Ibe  auia  de  dar  todos  oa 
portugueses  {|  forão  catiuos  na  galeota  &  lhe  auia  de  lor-* 
Bar  ametade  da  ilha  de  Maquifi  H^  tinhao  tomada  &  era 
da  obediência  dei  rey  de  Ternate:  &  ihe  auia  de  jurar 
^  não  auia  dajudar  os  rejs  de  Tidore  &  de  Geilolo  ^  se 
quisessem  guerra  coele.  E  i)  00  portugueses  &  casteiha'- 
nos  {|  se  paasassC  dOa  parte  pêra  a  outra  não  sendo  por 
casos  crimes^  ^«  os  dessem  a  seus  caf  itães,  &  assi  os  es- 
erauos  ^qaie  Aigisaem  t  &  que  Cacbil  daroes  &  el  rey  de 
Bachâo  não  fariáo  maia  guerra  aos  reys  de  Tidore  &  de 
Geilolo:  &  quando  Fernão  de  la  lerre  não  quisesse  a 
paz  eoestaa  cõdições  que  lhe  fizesse  sobrisso  hfl  reque^ 
rimenio  cÕ  protestac^ão  ^  ele  fosse  obrigado  a  todas  as 
perdas  &  danos  Q  recrecessem  dai-la  gueira,  assi  a  el  Rey 
de  Portugal  como  ao  £mperador.  Lei»ado  este  recado  de 
éÒ  Iorge  &  apõtamCtos  daa  pazes  a  Fernão  de  la  torre 
em  todíos  cõeedeo  ae  não  na  restiluiçã  dametade  da  ilha 
de  Ma^ui&  dizèdo  Qi  era  do  Emperador.  £  respÕdSdo  ao 
requerimêto  ^  lhe  fez  Iorge  goterrez;  fioou  a  guerra  ca-^ 
mo  daotea. . 


174  HA  HISTORIA  Oá.  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  'O    LXXV. 


«   * 


De  €omo  dom  Icrge  de  meneia  àr  Fernão  de  la  torre 
mandarão  pedir  socorro  kú  á  ttuíia  ^  outro  á  noua 
espanha. 

eodo  dfl  lorge  ^  Fernio  de  la  torra  n2o  quBría  a  pax 
c5  a«  cÕdições  \  ele  apSlaua  nSo  a  quis :  posto  (}  foy  c5* 
(ra  ho  parecer  de  GSçalo  gomex  &  doutros  Q  forSo  coe* 
le,  Q  dizião  que  deuía  daceilar  a  paz  sS  se  .dar  .ameta* 
de  da  ilha  de  Maquift, -mas  dom  lorge  não  quis  porQ  lhe 
parecia  aquilo  cou^rdia :  &  v&do  ^  nSo  fazia  a  paz^  & 
que  a  guerra  auia  dir  em  erecimSto;  &  enteadédo  em 
Gõçalo  gomez  ^uao  pouco  ho  auia  dajudar  a  ela  quis  mã- 
dar  pedir  socorro  a  Malaca  &  á  índia  assi  de  gente  co« 
mo  de  fazenda  pêra  a  feyloria  Q  ja  nã  auia  nhfla  por.se 
gastar  toda  como  chegou ,  &  mais  pêra  mâdar  por  Si* 
mão  de  vera  que  queria  mandar  em  hít  nauio  os  autos 
&  eslormõtos  ^  tirara  de  dÕ  Garcia  pêra  ho  fazer  pren* 
der  antes  ^  se  fosse  pêra  Portugal ,  &  determinou  que 
fosse  no  nauio  cayado  ^  éstaua  carregado  de  crauo.  E 
dadas  as  cartas  em  <}  escreuia  ao  capitão  de  Malaca  & 
ao  gouernador  da  índia  quanto  acontecera  despçis  de 
ser  capitão  da  fortaleza,  partiose  Simão  de  vera  no  nar 
uio  que  digo.  E  chegado  á  ilha  de  Mindanaoipy  morto 
com  quantos  leuaua  poios  da  terra.que  lhe  tomarão  ho 
nauioy  ou  se  perdeo  por^  nOca  mais  pareceo,  &  assi  não 
ouue  efieyto  o  ^  dd>  lorge  queria.  E  sahSdo  .Fernão  de 
la  torre  como  dõ  lorge  mahd^ra  Simão  de  vera  a  pedir 
\socorro  a  Malaca  &.á  índia  sobre  lho  Gòçalo  gomez  Je- 
uar  tão  bÕ  oreo  q  queria  destruir  de  todo  os  Ca^telha?- 
nos,  &•  pêra  tãbõ  ter  gSte  com  2}  se  de/endesse^  acordou 
«cõ  conselho  de  mãdar  pedir  socorro  aa  noua  espanha,  e^ 
creuendo  ao  gouernador  dela  o  ^  passaua ,  &  t\  alem  da 
gSte  dar  mas  lhe  mãdasse^officiaes  pêra  ffizer  hQa  foctu- 
leza  de  ^  tinha  necessidade  grãdissima  por  jnãoter  eoi 


-.••»«r 


LITBO  nu  CA  PITTtO  LXXV.  175 

^  se  recolhesse.  E  coesle  recado  nadou  Aluaro  de  saya 
fedrâ  no  nauio  em  (|  fora,  &  pêra  credito  da  tomada  da 
galeota  dos  Portugueses  leuou  alg&s  dos  ^  forSo  oeia  ca* 
tiuos  &  forSo  Fernão  romeiro  patrXo  da  ribeira,  lacome 
ribeiro  comitre,  &  h&  escríufio  pubrico  dlt  fortaleza:  & 
assi  outros  Jous  Portugueses  Q  se  passarão  pêra  os  Cas* 
telbauos,  &  pedílrão  Q  os  mandasse  cÕ  Aluaro  de  saya 
tedra ,  hQ  auia  nome  Simão  de  brito  patalim ,  &  outro 
Bernaldim  cordeiro*  E  partido  Aluaro  de  saya  vedra  a 
qualorze  de  lunho  pêra  a  noua  espanha,  estando  surto 
no  porto  de  hQa  ilha  Q  se  chama  Hamey  c6to  &  selen-^ 
ta  iegoas  de  Tidore,  determinou  Simã  de  brito  cÕ  Fer* 
não  romeiro  de  queimarem  ho  nauio ,  por{)  Aluaro  de 
saya  Vedra  não  fosse  pedir  ho  socorro ,  &  não  achando 
fnaneyra  pêra  isso  furtarão  ho  batel  &  aualro  escrauos 
A  ho  remassem ,  &  tornarãse  todos  pêra  Ternate ,  &  cõ 
rartarS  este  batel  pdserão  Aluaro  de  saya  vedra  em  con^ 
di^ão  úe  não  ir  por  diãte  pornã'  ter  batel  com  Q  se  ser- 
wsse :  &  todauia  foy ,  mas  achou  logo  ho  vento  por  da- 
naste, &  por  tãtos  dias  que  lhe  pareceu  ^  era  ali  geral 
h  por  isso  se  tomou  pêra  Tidore  onde  foy  ter  em  No* 
uembro*  E  Simão  de  brito  &  os  outros  Portugueses  ^ 
fugirão  no  batel  forão  dilha  em  llhá  sofrendo  muyto  má 
vida  de  fome  &  de  trabalho  ate  que  forão  ter  antre  hQas 
iilias  onde  se  deixarão  ficar  três  de  cansados  fc  os  tree 
seguirão  auante  ate  a  ilha  de  Garmelim  do  senhorio  dei 
rey  de  Tidore ,  onde  sendo  conhecidos  por  Portugueses 
forão  presos  por  amor  da  guerra  que  sabião  que  el  rey 
linha  coeles  a  qu6  logo  forão  mandados :  tu  conhecSde 
os  Fernão  dela  torre  Q  yão  com'  Aluaro  de  saya  vedrá 
tene  deles  má  sospeita  ^  pelo  Q  oe  mãdou  neter  a  tor* 
mSto  èu  confessarão  a  verdade.  È  por  esta  tretçã  madoo 
Fernão  dela  torre  degolar  Simão  de  brito  &  enforcar 
Fernão  romeiro  Ic  ho  outro  ficou  eátiuo.-Edespois  dts^ 
to  se  tornou  a  falar  na  paz,  mas  não  se  tomou  nbfla 
concrusaai  por  Fernão  dela  torce  não  querer  alargar  a 
metade  da  ílha^  de  Maquiem :  do  ^  dom  lorge  andaua 


176  DÁ  HfSTOHIA  DA  mDIA 

Hiuylo  agastado,  &  mais  por^  quisera  ir  destruir  a  ch- 
dade  de  Tidore,  &  Gõçalo  gomez  nunca  ho  quis  ajudar 
nem  quis  mandar  os  Portugueses  que  forSo  coele^  &  dK 
sia  {)  não  fora  a  Maluco  se  não  pêra  fazer  crauo ,  pelo 
Q  (odos  lhe  querião  b6  &  nSo  faziSo  caso  de  úò  lorge  se 
não  dele,  nê  dõ  lorge  n£o  ousaua  de  mandar  os  Q  forte 
coele  de  modo  qiie  ficaua  súbdito  de  Gonçalo  gomez  com 
quem  não  ousaua  de  bolir  por  não  amotinar  a  gfile  & 
Irabalhaua  fiola  leuar  por  bem.  E Gonçalo  gomez  cÕ  ver- 
gonha foy  sobre  a  ilha  de  MaquiS  pêra  tomar  os  lugares 
^  forão  dei  rej  de  Ternate,  &  foy  coele  Cacbil  daroes 
mas  cnfadouse  logo  &  tornouse  sem  fazer  nada,  nS  quis 
mais  sair  de  Ternate  se  não  quando  se  foy,  &  por  não 
ter  rezão  de  ir  darmada  alargou  a  alcaydnria  mór  &  a 
capitania  mór  a  dom  lorge  &  todo  seu  feyto  era  fazw 
crauo;  &  dom  lorge  deu  estes  ofiicios  a  Lionel  de  lima 
que  cuydou  que  ho  fizesse  melÍK)r  !\  Gonçalo  gom^z ,  & 
mandoulhe  pagar  date  mão  hQ  anno  dordenado,  mas  ele 
ho  fez  tão  mal,  Sc  valedhe  a  dõ  lorge  que  os  Caslelhanos 
CÕ  medo  da  gente  que  sabiSo  que  estaua  na  fortaleza  fa« 
zião  a  guerra  mais  branda,  &  tinbãomuytas  vezes  tre goas; 

CA  P  I  T  V  L  O    LXXVI.  ! 

m 

De  como  Marltní  afonso  de  melo  jtisarte  se  perdeo  na 

cosia  de  Bengala. 

'Xcuernando  Martim  afonso  de  melo  jusarle  em  Palea* 
cate  rompeose  na  índia  ho  segredo  de  sua  ida  a  çundal^ 
&  algus  amigos  dos  (|  leuaua  na  armada  lhes  escreuerão 
•verdade  donde  auião  dir:  Sc  estes  derâo  a  noua  a  outros^ 
de  modo  que  foy  sabido  pelos  da  armada  do  %)ue  se  rouyr 
tos  escãdatizarão  poios  enganarem ,  &  bus  fugirão  pot 
não  irem  a  çunda,  &  outros  se  conjurarão  pêra  queimar 
rem  os  nauios  da  frota  tão  danados  estauão,  &  hua.noyv 
te  lhes  poserão  ho  fogo,  &  se  nã  fora  acodiribe  Mart!  «^ 
íoQso  muy  asinha  &  apagar  ho  fogo  cÕ  muyta  diligencM 


LTVIO  Til.  CAPITVLô  LXXVt.  177 

éles  forSo  queimados,  &  por  mais  deuassas  que  tirou  pe« 
ra  saber  quem  ho  fizera  nunca  ho  pode  saber,  mas  sou-- 
be  de  muytos  que  estauão  pêra  fugir  por  n<^o  irê  coele 
&  estes  mandou  prender,  &  aos  que  erao  fugidos  tomou 
as  fazendas.  C  passado  bo  inuerno  com  notuyto  trabalho 
destas  amotinações  partiose,  &  porque  soube  que  antre 
Bõgala  &  Pegu  andauão  certas  fustas  de  rumes  fazendo 
presas,  surgio  em  bua  ilha-  chamada  Ncgamele  defronte 
da  cidade  Darracão  a  esperar  as  fustas  i\  auião  ali  dir 
ter:  &  estando  surto  sobreueolhe  tamanho  temporal  de 
veto  que  não  podendo  bo  nauio  sofrer  a  amarra  seleuott 
&  arribou,  &  os  outros  capitães  também  arribarão,  & 
flão  podendo  ler  coele  se  apartarão  de  sua  conserua,  & 
despois  de  cessar  a  tormenta  se  achou  só,  &  determi* 
nou  de  tornar  á  ilha  donde  se  aleuantara  pêra  ver  se  a* 
4)haua  hi  os  outros  capitães :  &  nauegãdo  per  antre  hOas 
ilhas  deu  ho  nauio  em  hQ  baixo  onde  ficou,  &  porque  a 
gente  não  pelejasse  sobre  tomar  a  barquinha  do  nauio 
pêra  se  saluarS  hQs  &  outros  não,  mandou  a  hu  fidalgo 
chamado  André  de  sousa  que  se  metesse  nela,  &  não 
consentisse  que  ningu^^m  entrasse  dentro,  &  pêra  se  sal-* 
uar  a  gente  toda  mandou  muyio  depressa  fazer  jangadas 
«dalgds  paos  das  obras  mortas  do  nauio  &  darcas ,  esfor- 
çando a  gente  que  «todos  se  «aluarião.  E  estando  nesta 
•ocupação  seria  a  mea  noyie  quando  ho  nauio  adernou , 
.&  tÕbouse  todo  pêra  hQa  parte,  que  lhe  não  ficauão  de&^ 
cubertos  mais  queos  «castelos.  E  como  isto  foy  supito  & 
de  noyte  ouuerãse  de  perder  quantos  estauão  dentro 
'  mas  acolherâse  aos  castelos  &  ali  ficarão,  &  as  janga- 
das que  eslaufto  começadas  se  perderão,  &  eles  ficarão 
molhados  &  quasi  despidos  pêra  se  deitarem  ao  mar  cuy* 
'  âãdo  que  não  tinbão  outra  saluação:  o  c|  vedo  Martim 
afonso  os  deieue  &  chamado  André  dje  sousa  que  che- 
gasse á  popa  do  nauio  se  roeteo  na  barquinha  leuando 
diante  a  Tbome  pirez  que  era  ho  senhorio  dele ,  &  des- 
.  pois  se  meterão  outros  que  Alartim  af5so  chamou  por 
seuA  nomes,  &  não  ficarão  mais  que  seys  Portugueses  & 

LIVRO  VII»  z 


178  Dá  historia  BA   ÍNDIA 

08  egcrauos ,  que  pediSo  chorando  que  os  lomasseni  ^  8c 
era  piedade  ouuilos :  mas  por  ser  de  noyte  &  Mariim  a- 
fonso  temer  que  se  ço^obrasse  a  barquinha  com  ho  peso 
da  gente  não  os  quis  tomar  ^  promelendolbes  com  jura- 
mento de  tornar  por  eles  tanlo  que  posesse  os  outros 
em  terra ,  que  por  nSo  caberem  &  temer  que  çoçobras- 
sem  os  não  tomaua,  &  eles  disserão  que  assi  ho  espera- 
uão  nele.  E  Martim  afonso,  se  foy  caminho  da  terra 
que  seria  donde  eslaua  bo  nauio  como  de  Lisboa  a  Al* 
mada,  onde  chegou  sendo  ainda  de  nojte,  &  bo  rolo  do 
inar  era  tamanho  &  tão  bruuo  que  fazia  muy  grande  es* 
carceo,  &  por  isso  não  ousou  Martim  afonso  de  se  che- 
gar a  terra,  &  mandou  fora  dous  marinheiros  pêra  ve- 
rem se  era  praya  ou  penedia,  &  estes  não  tornarão  mais, 
&  parecõdo  a  Martim  afonso  ^  se  afogariâo  não  quis 
que  saysãe  mais  ninguém,  8c  tornou  ao  nauio  pelos  Pois 
tugueses  que  lá  ficauão  por  ver  que  caberião  na  barqui- 
nha, &  não  quis  tomar  nbS  escrauo  porque  não  çoc^o- 
brasse.  E  tomados  os  Portugueses  tornouse  a  terra  onde 
deitara  os  marinheiros,  &  não  os  achando  nem  sinal  de- 
les teueos  por  perdidos.  E  com  quanto  este  desastre  era 
tamanho,  &  estauão  em  muyto  grande  perigo  assi  no 
mar  como  na  terra  ^  não  sabiâo,  naò  faleceo  a  Mariim 
afonso  esforço :  &  mostrando  grande  coração  lhes  disse. 
£m  tamanha  desauentura  como  he  perder  a  faaenda,  & 
a  vida  6car  em  tamanho  risco  como  parece  que  está  a 
nossa  a  principal  cousa. que  nos  ha  de  consolar,  ha  de 
ser  termos  por  certo  Q  ho  merecemos  por  nossos  pecca- 
dos ,  porque  rouyto  menos  se  sento  ho  mal  que  vem  a 
homem  por  sua  culpa  que  aquele  ^  padece  sem  ela,  & 
que  este  que  nos  sobreueo  não  he  tanto  como  merece- 
mos a  nosso  senhor :  que  como  pay  piadoso  vsando  de 
Buíi  misericórdia  inliniia  nos  deu  este  leue  castigo,  por- 
que se  ho  dera  conforme  a  nossas  culpas  oade  se  perdeo 
ho  nauio  acabarão  nossas  vidas,  &  por  nao  perdermos  as 
almas  que  lhe  tanto  custarão  deuemos  de  crer  que  aos 
deixou  coelas ,  &  mais  que  assi  como  nos  harou  de  ia- 


LIVRO  Vir.  CAPITVLO  LXXTÍf.  Í79' 

nlanbo  perigo  nos  ba  dacabar  de  liurar  de  iodo  ate  ooS' 
poer  em  aaiuo,  por  isso  meus  companheiros  vos  peço 
■Quyio  que  creais  isto  como  ho  eu  creo,  &  que  espereis 
em  D0880  senbor  como  eu  espero  que  nos  ha  de  leuar  a 
saluamento ,  &  que  esta  esperança  vos  esforce  pêra  não 
sintirdes  trabalho,  fome,  sede  &  outras  fadigas  que  a- 
uemos  de  passar  ale  termos  remédio  com  que  tornemos' 
aa  índia,  &  que  vamos  agora  ao  longo  da  costa  pêra 
ver  se  achamos  os  nossos  nauios  on  algus  deies  em  que 
nos  embarquemos^  &  quando  não  iremos  ate  Arracão, 
oujo  senbor  he  amigo  dos  Portugueses  &  dali  nos  iremos 
aa  índia.  O  que  pareceo  bem  a  todos,  &  se  mostrarão 
muy to  esforçados  pêra  ho  seguirem. 

C  A  P  I  T  O  L  O     LXXVII. 

Do$  grandes  perigos  ip  trabalhos  que  passarão  Marfim 
Afonso  ^  os  outros  ate  chegarem  a  Arrojc&o. 

XIj  sem  leuarem  nhHa  cousa  que  comer  mais  que  hum 
pouco  de  bizcoito,  &  sem  agoa  nauegarao  dous  dias  ao 
logo  de  terra  sem  comer  nbua  cousa ,  porque  por  amor 
da  agoa  que  não  tinhão  nâio  ousauão  de  prouar  ho  bíz* 
coito,  nem  ousaua  Martim  afonso  de  mandar  a  terra 
buscar  agoa  porque  n^o  via  sinal  de  a  auer  nem  ya  na 
companhia  quem  soubesse  a  terra  pêra  a  buscar,  &  mais 
não  vião  nhua  poúoação.  E  indo  assi  nesta  afronta  ta-' 
manha  virão  hua  aidea ,  com  que  todos  forão  muy to  le^ 
dos  parecendolheg  q«e  ati  terião  remédio  dngoa,  &  Mar« 
ttm  afonso  mãdoo  deitar  em  terra  hum  fidalgo-  ehamader 
Francisco  dacunha  que  agora  mora  no  Algarue ,  &  a 
\mm  Fialho  dalcunha  ^  pêra  que  soubessem  dos  morado-» 
res  daqaela  aldeã  se  lhe  dariao  agoa ,  &  quão  longe  es^ 
taua  do  mar.  E  como  Francisco  da  cunha  &  ho  fialho 
chegarão  aa  aldeã  ajuntarãse  bem  corenta  bomSs  &  to^ 
majido  06  antre  si  os  leuarSo  por  força  noais  pêra  Jio  aer^ 
tòo  &.oa  prendeião,  &  os  que  ficauão  na  barquinha  bens 

z  2 


180  PA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

08  virSo  leuar  mas  dSo  conhecerão  como  os  leuauSo,  & 
ouyJarão  que  lhes  yão  moslrar  algQa  agoa.  £  estando 
esperando  por  eles  sobreueo  hfl  venlo  por  dauante  com 
que  ho  mar  se  começou  dencarapelar;  &  receando  os 
Portugueses  algOa  tormõla,  &  também  enfadados  da  má 
vida  tomarão  dali  achaque  pêra  dizerem  aMarlim  afon* 
80  que  desembarcassem  ali^  o  que  lhe  não  pareceo  bem 
ao  menos  ale  não  tornarem  Francisco  da  cunlia  &  ho 
Fialho )  nem  lhe  parecia  bem  desembarcarem,  porque 
como  os  da  terra  os  vissem  desarmados  lerião  coração 
pêra  os  matarem  por  amor  de  os  roubarem ,  &  que  fa- 
fião  isto  sem  receo,  porque  como  não  nauegauão  não  li* 
nhão  que  perder,  &  que  auendo  de  desembarcar  melhor 
seria  em  Arracão  como  tinha  dito,  porque  ho  senhor  de- 
la como  nauegaua  &  tinha  que  perder  não  lhes  auia  de 
fazer  nhii  mnl  com  temor  das  nossas  armadas,  &  por  is- 
to seria  melhor  irS  lá.  E  Marli m  afonso  não  dizia  isto 
se  não  pêra  ver  se  topaua  algus  dos  seus  nauios  que  tão 
inal  lhe  parecia  desembarcar  em  hum  cabo  como  no  ou- 
%ro.  Mas  como  isto  não  parecia  assi  a  todos,  disserão 
muylos  que  deuião  de  desembarcar  ali  porque  não  (e- 
tiauão  mantimSlos,  &  auia  dous  dias  que  não  comião, 
&  yão  sessenta  &  quatro  pessoas  cõ  que  a  barquinha  ya 
metida  no  fundo,  &  que  se  alagaria  com  qualquer  ma- 
rulho, por  isso  que  ho  mais  seguro  era  desembarcar  ali. 
£  nisto  apertarão  tanto  que  Martim  afonso  disse  que 
desembarcassem,  &  porem  que  ho  fazia  muyto  contra 
sua  vontade^  &  que  não  era  capitão,  nem  era  nada,  que 
se  ho  fora  não  desembarcara,  &  que  não  podia  ser  que 
de  cinco  nauios  q^ue  se  dele  apartarão  não  achassem  al- 
gum em  qae  se  saluassem  por  escusarem  destar  á  eop* 
iesia  dos  mouros,  &  que  entre  tãto  bem  se  poderião  sos* 
ter  na  barquinha,  &  quando  a  tormenta  fosse  tamanha 
então  desembarcarião.  £  ouufndo  isto  André  de  sonsa  ^ 
Gonçalo  vaz  de  meio,  Nuno  fernãdez  freyre  &  outros 
dous  todos  grandes  amigos  de  Martim  afonso  disserão , 
que  ele  era  seu  capitão  &  ho  auia  de  ser,  &  que  se  po* 


LIVRO  VII.  CAPITYLO  LXXVII.  181 

êesBe  aquilo  em  conselho,  &  saberião  se  era  pêra  fazer 
ou  não.  E  posto  fezse  o  que  Marlim  afonso  dizia:  & 
passando  grande  espaço  que  Francisco  da  cunha  &  ho 
Dalbo  não  tornauâo  disse  que  ali  verião  todos  que  gen« 
te  era  aquela,  &  quão  bom  seria  desembarcarem.  E 
sem  roais  esperar  se  parlio,  porque  como  não  tinha  ar- 
mas não  ousou  de  sair  a  saber  o  que  lhes  acontecera, 
&  estes  fugirão  despois  &  forâsé  aa  índia.  E  indo  Mar- 
fim afonso  ao  longo  de  terra  com  ho  mar  bonança  virão 
hum  ribeiro  que  se  metia  no  mar,  com  que  derão  muy- 
tas  graças  a  nosso  senhor ,  &  por  Q  ali  não  parecia  po- 
uoação  segurouse  Martim  afonso  &  mandou  a  Diogo  pi^ 
rez  deça,  &  Nuno  fernandez  freyre,  &  a  outros  dous  que 
fossem  encher  dagoa  bCla  jarra  martabana  que  leuaria 
dous  almudes.  E  estado  tomando  agoa  acertarão  doua 
homens  da  terra  de  chegar  ao  ribeiro  com  hQa  panela 
darroz  cozido  que  ainda  leuauão  quente,  &  Nuno  fer- 
nandez lho  comprou  &  leuou  a  com  a  agoa  a  Marlim  a- 
fonso :  &  querendo  ele  partir  ho  arroz  por  todos  lhe  pe- 
dirão que  ho  comesse  soo,  porque  pêra  todos  não  era  na* 
da  &  pêra  ete  soo  seria  algQa  cousa ,  &  não  quis  se  não 
partilo  &  a  cada  hum  coube  hum  bocado.  E  porque  na 
agoa  era  necessária  grande  prouisam  se  fartarão  ali  de- 
la,  &  leuarão  a  jarra  chea,  &  por  lhes  durar  molhaua 
Martim  afonso  a  ponta  dum  lenço  nagoa  &  dauao  a  chu- 
par a  cada  pessoa  certas  vezea  no  dia ,  &  bo  outro  tem* 
po  tinhâo  na  boca  hum  pelouro  despingarda  pêra  não  a- 
uerem  sede »  &  comião  algds  bocados  de  bizcoito  pêra 
ae  sosterem.  E  coesia  adieta  tão  trabalhosa  nauegarSo 
cinco  dias  sostendo  os  nosso  senhor  milagrosamente,  & 
no  cabo  deles  chegarão  aa  barra  Darracão* 


IBi  1>A    HISTORIA    BA    IlfDfÁ 

C  A  P  I  T  O  L  O     LXXVIII. 

De  como  Martim  afonso  foy  leuado  com  os  outros  per 
kãs  pescadores  aa  cidade  de  çuquiriá. 


E 


como  a  Marti  iD  afonto  lhe  pesasse  mu;  to  deseStre* 
gar  aos  mouros,  porque  sabia  quão  desleais  &  falsos 
sam ,  Irabalbaua  por  buscar  todos  os  modos  que  podia 
pêra  não  se  enlregar*  E  porque  sentia  nos  mais  dos  Por- 
tugueses enfadamSlo  de  tanta  má  vida  nS  ousou  de  lhe 
dizer  o  {}  temia  dos  mouros  porI|  nSo  cuydassem  Q  ele 
não  queria  desembarcar  se  não  trazelos  na  barquinha^ 
&  J\  desesperados  fizessem  algum  desatino,  &  por  issa 
dissimulou  coeles,  dízendolhes  que  antes  que  se  fosseoi' 
pêra  Ar  ração  fossem  ver  a  híis  ilheos  que  ali  estauão 
perto  se  por  ventura  estarifto  hi  algOs  dos  seus  nauiosy 
&  quãdo  não  algii  fato  se  fossem  perdidos,  que  ho  mar 
ali  lançasse,  &  despois  se  iriâo  pêra  Arracão«  E  con- 
sentindo que  fossem  mandou  remar  pêra  lá,  &  começa- 
do datrauessar  acalmou  ho  vento  &  ho  mar  ficou  caua-t 
do,  &  era  tão  vanzeiro  que  metia  a  barquinha  no  fundo 
com  a  agoa  que  lhe  entraua  que  vazauão  com  hum  ca-* 
pacete  &  com  hQa  bacinica  que  leuauão,  &  aqui  se  vi-» 
rão  de  todo  perdidos  pelo  que  chamarão  niuyto  deuota^ 
mete  por  sam  Lourenço  a  quem  prometerão  suas  esmo« 
las,  &  nosso  senhor  por  rogos  do  bem  auSturado  mártir 
os  liurou  deste  perigo,  a  cuja  honrra  despois  mandou 
IMartím  afonso  fazer  hQa  irmida  era  bua  sua  quinta  no 
t^rmo  Dobidos:  &  líures  do  mar  chegarão  ao  ilheo,  em 
cuja  praya  logo. em  desembarcado  acharão  dous  sacos  da 
bizcoilo  todo  molhado  &  hQa  arca  de  pao,  &  dentro  ai* 
gQs  guingÕes  de  que  despois  fizerão  arrombadas  á  bar* 
quinha.  E  nisto  conhecerão  que  algum  nauio  dos  que 
buscauão  era  perdido ,  &  virão  que  ho  ilheo  era  quasi 
tudo  praya  pequeno  &  redondo  &  no  meyo  dele  debai- 
xo de  hiias  aruores  altas  estaua  hum  charco  dagoa  na- 


LIVRO  Vil.  CAPITVLO  LXXYIII.  183 

diael  em  Q  andauão  peixes,  mas  a.agoa  cheirana  mal  & 
amargaua,  &  por  ali  auia  hQas  faueiras  como  as  nossas 
com  fauas^  húas  verdes  &  outras  secas.  Os  Portugueses 
em  as  vendo  arremessarãse  a  elas  com  a  fome  que  le- 
uauão  comendo  muy tas :  &  parece  que  por  terem  esta 
propriedade  os  roais  dos  que  as  comiâo  começarão  logo 
darreuessar,  &  sair  tudo  juntamente  como  so  comerão 
algQa  peçonha  &  cayão  no  chão  muyto  fracos  &  desa* 
cordados,  pelo  que  os  outros  cessarão  de  as  comer,  Sc 
Martim  afonso  acodio  muy  triste  cuydando  que  aquilo 
fosse  peçonha  &  fez  agasalhar  os  doentes  ainda  1}  não 
auia  outras  camas  se  não  a  área ,  &  assi  andou  ate  que 
anoyteceo,  &  quis  lhe  nosso  senhor  bem  que  fazia  líiar 
pêra  os  alomear.  E  andado  passeando  Nuno  fernandez 
freyre  &  Frãcísco  mendez  ao  longo  do  mar  por  não  po- 
derem dormir  com  ho  cuydado  do  perigo  em  que  se  vião 
virão  sair  dagoa  hiia  tartaruga,  &  indo  após  ela  ate  on- 
de tinha  perto  de  duzentos  ouos  tomarãna  coeles  &  I&- 
uarãna  a  Marlim  afonso  que  a  mandou  logo  fazer  em  pe- 
daços pêra  comerem  &  fizerão  muytos  por  ser  mayor  que 
hua  grande  rodela,  &  as  gemas  dos  ouos  deitou  em  bQa 
bacinica  &  coalhados  ao  fogo  os  deu  ()or  sua  mão  aos 
doentes  com  que  os  esft>rçou ,  &  assi  comerão  todos  da 
tartaruga  assada  &  do  bizcotlo  &  almeirões  cozidos  Q 
auia  ali  muytos  &  coziãnos  em  agoa  em  hum  capacete 
que  ainda  que  era  ferrugSto  &  os  almeirões  sabiâo  a 
ferrugem  sabião  b6  com  a  fome.  E  ao  outro  dia  tomarão 
outra  tartaruga  a  que  acharão  mais  de  duzentos  ouos , 
'&  coeste  refresco  sararão  os  doentes. &  esforçarão  os  sãoe 
algum  tanto  em  três  d^as  que  ali  esleuerão.  E  vendo 
Martim  afonso  a  gente  contftle ,  rogoulbes  que  não  fos- 
sem a  Arracão,  porque  tinha  grande  duuida  no  senhor 
daquela  cidade  |K)r  royndudes  que  sabia  que  fizera  a  Por- 
tugueses que  ali  forão  mais  prósperos  do  ^  eles  ySo,  mas 
que  fossem  a  Chetigão  outra  cidade  dei  rey  de  Bengala 
que  btl  Português  dos  da  companhia  que  ja  fora  nela  lhe 
dizia  4  era  petto,  fc  que  ali  oa  agasalharião  bem  por  a* 


184  DA   HISTORIA   DA  INDlÁ 

mor  que  nauegauão,  &  íinbão  necessidade  da  amizade 
dos  Portugueses,  &  todos  disserSo  Q  fossem.  E  atraues** 
sando  a  costa,  chegarão  a  hua  praj^a  Õde  virão  muytos 
palmitos,  &  vendo  Martim  afonso  a  terra  despouoada 
desembarcou  ali  com  todos ,  &  mandou  tirar  a  barqui* 
nha  em  terra,  &  com  pedaços  das  tartarugas  {|  ainda  le- 
uaua  &  algQs  ouos,  &  cõ  ho  bizcoito  ajutarão  os  palmi- 
tos &  refrescarão,  &  com  boa  agoa  que  acharão  deixara* 
se  estar  três  dias ,  &  de  noyte  dormia  dous  marinheiros 
na  barquinha,  &  de  quando  em  quãdoseleuanlauaMar- 
iim  afonso  &  a  vigiaua:  &  isto  fez  porque  algQs  Portu- 
gueses lha  não  podessem  furtar  como  determinarão  pêra 
fugirem  nela  &  deixarS  os  outros.  E  na  derradeyra  noy*- 
íe  indo  a  Marli  aCònso  visitar  achou  duas  almadias  pe* 
gadas  cõ  terra ,  &  cuydando  que  a  querião  tomar  bra* 
dou  aos  Portugueses  ^  acodissem.  E  sentindo  hiis  pes- 
cadores da  terra  que  estauão  nas  almadias  ^  acodião,  a*- 
fastarãse  de  terra  &  falarão ,  &  Marlim  afonso  lhes  mã« 
dou  preguntar  por  hQ  Português  quejaesteuera  em  Ben- 
gala &  sabia  a  lingoa  quanto  era  dali  a  Chetígão,  &  di- 
-zêdo  que  perlo  concertou  coeles  que  os  ieuassem  Já  por 
dez  pardaos  que  Jhes  derão,  &  os  pescadores  mentião, 
&  a  cidade  que  dizião  não  era  Chetigão  se  não  outra 
chamada  Cuqueriá  de  l\  era  senhor  hã  mãcebo  mouro 
chamado  Codauaz  &  por  dinidade  cão,  &  ficaua  ho  no- 
me todo  Godauazcão,  &  era  vassalo  dei  rey  de  Bengala. 
E  tomado  os  pescadores  a  barquinha  de  toa  tirarão  a 
força  de  remo  quanto  mais  poderão  &  em  amanhecen- 
do aebouse  Martím  afonso  dentro  em  hil  rio,  Q  ho  Por- 
tuguês q.ue  esteuera  em  Bengala  disse  que  não  era  a* 
quele  ho  rio  de  Chetigão,  porem  que  bem  podião  sair 
por  ali  ao  mar,  porque  sabia  que  aquele  rio  cercaua  a- 
quela  terra  como  ilha,  &  forão  por  aquele  rio  ate  que 
anoyteceo:  &  «isto  saltarão  os  pescadores  supitamente 
em  terra,  dizSdo  que  yão  leuar  recado  ao  lascar  de  Che* 
tigão  como  estauã  ali:  &  dizSdolhe  ho  Português  que 
porque  mStiáo  se  aquele  não  era  ho  rio  ^e  Chetigão , 


LITRO  !TfK  tlA^P^TVIX^  LXVtlT.  I8t 

diisefSo  4  8Í  era,  &  forise.  E  Marttm  afosso  dUse  que 
e^erassem  ate  veretti  (|iv6  recado  leiiauXb  os  |>e8cãdo- 
res,  mas  eles  não  lornarfto  marâ,'  porem  forfto  dizer  a 
CodauazcSo  que  estauSo  ali  lãioa  Portugueses  Q  anda* 
uão  perdidos^  &  ^  nã  ieuauão  armas.  E  ele  folgou  rouy- 
to  cÔ  a{|la8  nouas  porque  os  tinha  por  valentes  homfta 
&  sabedores  na  guerra,  &  folgou  coeles  pêra  bo  ajuda* 
reni  em  hOa  que  tinha  com  hH  seú  vezinho,  porque  es-* 
peraua  de  ho  vgcer  cd  sua  ajuda ,  &  porque  era  nòyte 
nao  quis  que  desembarcassem ,  &  mâdoulhes  dizer  per 
hO  homem  que  sabia  a  lingoa  Portuguesa  que  nXo  se  a« 
gastassem  porque  ele  era  grade  amigo  dei  Rej  de  Por- 
tugal ,  &  assi  lho  disse  bo  homem  em  voz  alta  sem  ho 
verê  flor  amor  do  grande  escuro  que  fazia.  E  ouuindo 
Afartím  afonso  estas  paiauras  em  Português  &  em  lugar 
onde  tSo  pouco  espierauâo  ouuir  falar  sua  lingoa  nem 
paiauras  tão  fauoraueis  a  eles  íi<iarão  muyto  consolados  ^ 
&  esperarão  bõ  remédio  pêra  a  8alua<;ão  das  vidas ,  pelo 
que  derão  muytos  louuores  a  nosso  senhor» 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXIX. 

D^  como  MarÚ  afonso  ^  os  outros  ficarão  é  poder  de 

CodaiÂOzcão.  ' 

C'  .  . 
odauazcão  que  estaua  rou^o  aIuora<;ado  pêra  auer 
os  Portugueses,  leuantouse  como  foj  manhaã  &  cauaU 
gou  acompanhado  de  rouyta  gente  de  guerra  que  tinha 
junta,  &  Ido  coeie  todos  a  pé  se  foy  á  ribeira  leuando 
diante,  seus  ínstormClos  de  guerra  que  yão  tocando  por 
festa,  mas  aos  Portugueses  não  lhes  pareoeo  assi:  & 
quando  virão  tanta  gSte  daquela  maoeyra  coydarâo  qué 
os  yão  pré>inder,  &  disser âo  que  não  erá  siso  esperar  mais^ 
que  se  fossem,  porque  ho  recado  que  Iheá  derão  de  noy«- 
•te  da  parte  do  goazil  foy  pêra  os  deterem  que  não  fugi8«- 
sem ,  &  a  Martim  afonso  lhe  pareceo  bem  &  foyse  pelo 
rio  abaixo  pêra  ir  sair  ao  mar :  a  gSle  de  Godauazcão 

LIVRO    VII.  AA 


18C  nâ  HMTOftlA    DA  fNMA 

quSdo  ot  virio  fugir  lancearão  a  pos  elea  ao  longo  da  ri6 
apelidando  a  terra,  &  Uradolhea  miiy tas  frechadas  &  pe* 
dradas,  &  da  ouira  baadar  d^-rio  acodi&o  teabaibadorea^ 
&  suas  molfaerea  &  filhos:  )&  todos  eÒ  lamafiha  fúria  quo 
parecia  qua  os  querião  meler  no  fQdo^  &  valeolbea  que 
indo  assi  deu  a  barca  em  seco ,  o  que  vendo  Marlioi  a^ 
fonso  ieuaotou  h(í  lenço  em  sinal  de  paz  porque  oe  não 
ma  lassem  &  bradou  á  geot^  que  esleuesse  queda :  &  eia 
bo  fez  assi,  &  pQrque  a  bf^rca  estaua  hd  pouco  afastada 
fby  necessário  desembarcar  Marli  afooso  &  os  outros  m 
nado:  &eie  foj  bgo  falar  aCodauazeao  que  quando  bo 
vio  lhe  fezmuylo  gasalbado,  &  disselhe  que  não  se  a- 
gástasae  polo  desastre  que  Ibe  acontecera,  &  que  fizes^ 
se  cota  que  estaua  em  Portugal ,  por^  ele  &  os  outros 
Portugueses  assi  auiao  de  ser  tratados  como  lá  ^  &  que 
ele  os  deijcaria  ir  pêra  a  índia  dentro  na  moução^  oú  os 
mandaria  quando  náo  teuesse  embarcação  por  isso  que 
descalçasse :  o  que  lha  Martim  afonso  agardeceo  muy- 
to,  &  ele  ho  mandou  aponsentar  com  todos  os  outros  em 
hâas  grandes  casas,  &  lhes  mddou  dar  todo  bo  necessa^ 
rio,  &  panos  pêra  vestidos  dalg&s  que  disso  linhão  ne* 
cessidade.  E  k>go  ao  outro  dia  chegarão  aa  barra  desta 
cidade  Duaite  wçndez  de  vasseõcelcd  capilSo  do  btia  g^ 
leota  &  loâ  coelho  capitão  dk  barganti  ambos  da  con- 
serua  de  Alarlim  Afonso  ^  andauão  em  sua  busca,  & 
ca  barra  souberfio  dos  wesoioa  pescadores  ^  ali  leuarSo 
€S  Portuguetes  como  lestauSo  na  cidade»  E  os  capitães 
mâdarão  dizer  a  Martim  afdso  como  eslauâo  ali,  q  de- 
terminasse o  ^  qiMsrra:  &  ele  pbdio  licS^a  aCodauatcâo 
pêra  se  if  iêbrandolhe  o  que  lhe  tinba  prometido.  £  ete 
ibe  disse  §  era  irerdade,  mas  ^  não  Ibe  podia  logo  dar 
jicdça,  &  eètoulbe  &  causa  porQ,  j)  era  a  guerra  ^  linba, 
i|  eaperatia  dacaber  co  sua  ajuda  dSIro  na  mouçSe,  & 
ení£o  khe  daria  licença,  &  Q  m&dasse  dizer  aos  capitães 
<fue  estauSo  na  barra  ^  ho*  esperassem  ^  &  enire  tanto 
lhes  dariSo  os  mantiniêtos  de  ^  leuessem  necessidad», 
Sl  Martim  afonso  bo  íe^  m%u 


LlVUÔVlKCAMTVXOrUCXX.  187 

C  A  P  I  TV  L  O    LXXX. 

De  como  Martim  itfonso  foy  liure  do  catiuciro  em  qiu 

estatuí» 

Hd  como  CodauâzcSo  tiniiâi  sua  gente  preetes  pêra  ir 
sobre  seu  fmigo,  parlio^e  logo  íbu2cIo  Marti  afori^o  e&« 
^^S*^)  4  ya  a  caualo  &  os  outros  Portugueses  a  pé,  &  io« 
dosíleuaoSo  arm^as  {|  lhes  Cod^ua^cflo  dera,  &  forão  c3 
muyto  trabalho  por  ho  caminho  ser  moyto  roym  &  fra* 
goso.  E  a  gente  de  Coda^azcão  se  espantaua  de  como 
lio  podiSo  aturar  n^o  sendo  costumados  a  andar  por  a-* 
quela  terra,  &  tinbâo  os  pêra  moyto,  &  assi  forão  por 
Mas  jornadas  ate  checarem  aa  cidade  do  immigo  deCo^ 
dauazcão  que  tinha  deitado  fama  que  leuaua  cem  Por* 
tugueses  com  espingardas: a  fora  bo  grande  poder  de 
gente  da  terra,  &  assi.  alifaoteis»,  pelo  que  seu  immigo 
não  ousou  de  ho  esperar  &  fugio  deixando- a  cidade  des* 
}>ejada,  &  por  isso  a  tomou  Codauaício  sem  nhfla  tesi9* 
tecia :  &  dali  foy  segufdo  seu  imigo  ate  ho  deitar  (ora 
da  terra  que  nfloa  ousou  de  lhe  dar  batalha  com  medo 
dos  Portugueses  que  d^^g^nte  da  terra  não  fazia  conta 
atnda  que  fora  mais  da  q«e  era :  assi  que  ho  medo  doa 
Portugueses  fpz  fugir  bo  immigo  de  GodauaicSo  que  íi« 
cando  senhor  de  lodo  a  terra  de  aeu  imfnígo  se  tornou 
pêra  a  cidade  de  Soré  ondestaua  sua  roãy  &  doua  seua 
irmãos ,  &  ho  galardão  qUe  deu  a  Martim  afonso  &  aos 
outros  pola  ajuda  que  lhe  derão,  foy  negarUes  a  licen* 
ca  que  íhès  tinha  cSc^^ida  &  pe d i ri hes  resgate  polof 
ff^ixnr  ir^  o  que- lhes  não  derSò  polo  não  terS.  E  quãdo 
MaMini  afonso  vio  a  pouca  verdade  de  Codauaacão,  de- 
terminou de  fugir  dando  par(e  disso  a  algtls  dos  ^  esta* 
não  coele.  E  cdcert^do  com  os  capitães  que  eslauão  na 
barra )  que. pêra  bu'  dia  certo  Ibe  mandassem  as  alma^ 
dias  pos  em  obra  sua  fugida  hfia  noyte  despois  qi>e  sin-r 
tM  que  os  da  cidade  erSo  r^olbidõs,  &  isandou  diante 

ÁA    2 


168  JK4   HISTORIA  DA  INMA 

08  mais  dos  que  estauâo  coele  com  quem  foy  hQ  porta- 

guês  ^  cõ  bâ  Manuel  de  cacereslepaúa  os  recados  de 
larti  afôso  aos  capilães  &  sabia  a  lerra  &  Õdestauâo  as 
almadias  l(  era  dali  a  quaUo  leg;oas:  &  partidos  estcfis 
foise  Marli m  afonso  após  eles,  indo  coele  Manuel  de  ca- 
ceres :  &  íslo  seria  as  onze  boras  da  noite :  &  coma  bo 
caminho  era  muyto  roym  &  cdprido^  começarão  de  can- 
sar &  aigús  ficará  &  estes  querSdo  despois  ir  a  pos.os 
outros  não  sabSdo  a  terra  se  perderão :  &  vCdof e  perdi- 
dos tomarft  por  remédio  tornarSse  á  cidade ,  6de  chegat 
rao  antes  damanbecer,  &  deitarSse  em  suas  camas  a 
dormir,  &  antrestes  foy  Diogo  pirez  de^.  Martilo  aíon^ 
so  &  os  outros  seguiráo  audnte,  &  com  ho  roim  camir 
nbo  &  cõ  irem  de  vagar,  &  partirem  tarde  da  cidade  a* 
manheceòUies  antes  Q  chegassem  aas  almadias ,  &  pet 
nã  serS  descubertos  embrenba;rãse.  .£  tanto  Q  amanhe* 
ceo- soube  logoCodauazcIo  ^Martim  afonso  &  os  outros 
Portugueses  erâo  fugidos,  4o  .que  Ibe  pwou  muyto ^  & 
mãdou  chamar  Diogo  pires  deça  &  os  que  eslauÂo  coe- 
le,  &  pregunloulbes  que  como  fugira  Martim  afonso  & 
08  outros  &  eles  ficarfto,  disse  que  nSo  sabia  }x)rque 
Marlim  afonso  lhe  não  dera  conta.de  nada,  &  c|  acorda*» 
do  de  noyte  ho  achara  uienos^  aoa  outros.  Codauazcão 
bo  creo,  &  mãdou  logo  hu  capitão  cõ  quatro  cèios  bor 
mSs  darmas  õbusca  de  Martim. afonso  &  dos  outros  &^ 
trabalhasse  muyto  poios  achar:  &  ele  os  acbou ,  &  6  a 
gSte  os  vSdo  comerão  darremessar  sobreles  pedradas,  & 
frechadas. sem  conto:  fc  os  Portugueses  se  quiserão  der 
fender,  &  Martim  afonso  nSo  «juis^  «tizõdo  ^  não  era  18*» 
po ,  por^  se  bo  fora  ele  cemô^ra  primeyro,  &  ^  quanto 
se  mais  defendessem  tãto  nuais. alttora^ariãa  a  terra,  & 
se  ajuntaria  mais  gente  &  os  matariãa  mais  asinha,  fc 
por  isso  era  melhor  eiilregarSse.  sem  escãdalo.  £  brada- 
do aa  gole  %  não  tirasse  foysè  pareja  y  &  dksse  ao  capi* 
tão  ^  os  Portugueses  erêo  tão  obedÍ€;i>tei|  a  quem  tii^ão 
por  capitão  Q  fazião  quãto  lhes  mandaua,  &  por^  ele  mSr 
dará  a^les  ^  ali  vinhão  ^  fugííssem  que  por  isso  fugitão: 


LIVBO  Vil.  CAPITVLO  LfXX.  189 

&  86  86  auia  de  dar  algika  pena  por  aQIa  culpa  que  fos: 
86  a  ele  somente  porQ  ele  a  tinha.  Ho  capitão  lhe  disse 
Q  não  era  culpado  è  fugir,  &  ^  pesara  disso  a  Codauaz- 
câo,  por{|  folgaua  coele  &  oõ  o»  outros  Porlugueses,  ) 
se  fosso  pêra  a  cidade  &  Q  ihe  faria  mercê,  &  assi  fora. 
£  primeiro  Q  dali  abalasse  hQs  Bramenes  dos  gêlios  pe*- 
dirã  ao  capitão  Q  lhes  mandasse  dar  bu  daQles  Portu- 
gueses pêra  sacriiicarê  aos  seus  pagodes  a  qu6  rogarão 
^  lhe  deparasse  a^les  portugueses,  &  pois  lhos  deparará 
Q  lhes  desse  bu  pêra  lhes  fazerfi  festa :  &  ele  lhes  deu  á 
ha  Gõçalo  va^  de  melo,  a  que  queria  mal  por^  quando 
forSo  aa  guerra  lhe  chamara  cão  perro,  &  ele  não  se  vin- 
gou cÕ  medo,  &  vingouse  ali  porque  vio  a  sua.  E  ali  foy 
logo  degolado,  sem  Marlim  afonso  n6  nbíi  dos  outros 
ousarê  de  falar  por  não  poderõ  mais.  E  leuado  Marli  a* 
foBso  a  Codauazpão,  ele  se  lhe  queixou  por{|  lhe  fugia 
dSdolhe.  tft  boa  vida,  &  tornouho  a  sua  graça  como  dan^ 
tes ,  &  fàzialbe  mercê  &  hõrra  &  poro  não  bo  quis  dei- 
xar ir  Dê  a  nh&  dos  outros,  pelo  ^  Martim  afonso  escre- 
ueo  tudo  o  que  passaua  aos  capitães  que  ho  estauão  es^ 
perando  na  barra,  escreuendolhes  que  se  fossem,  &  es- 
cjreueo  bua  carta  pêra  ho  gouernador  em  que  lhe  daua 
relação  de  sua  desauSlura,  pedindolbe  que  bo  mandasse 
resgatar,  &  os  capitães  se  partirão  &  derão  esta  carta  a 
JLopo  vas  de  sam  Payo  Q  ainda  gouernaua  a  índia ,  ^ 
rogou  a  fafl  mouro  Dormuz  chamado  Cojeçabadím  que  ya 
a  Bengala ,  que  resgatasse  Martim  afonso ,  &  os  q^a 
achasse  viuos ,  &  ele  os  resgatou  por  três  mii  cruzados 
que  deu  a  Codauazcão,  &  os  mandou  á  Índia  em  bua 
A»ta  sua  gouernando  Nuno  da  cunha^  logo  tto  priueyro 
anoo  de  sua  gouernança. 


V 


190  BA   HfSTllAIA   BA    INMA 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXI. 

De  como  Simão  de  s&usa  gáluÃo  com  tormenta  foy  Ur  a 

Dcu^hem. 

Jl  articlos  Pêro  de  faria  &  Si  mio  de  sousa  de  Cocbim 
pêra  Malaca  como  SlrarSo  no  golfáo  da  ilha  de  Ceilão 
pêra  a  de  <;aiTiatra)  por  ser  sempre  perigoso  ainda  que 
seja  na  monção  &  porque  a  gale  era  rasteira  mSdou  Si- 
inSo  de  sousa  abater  quanta  artislharia  leuaua  assi  gros* 
sa  como  miúda :  &  quasi  no  cabo  do  golfão  lhe  sobreueo 
hua  braua  tormenta  com  que  se  apártarSo,  &  Pêro  dd 
faria  foy  ter  a  Malaca  dde  foy  entregue  da  capitania  da 
fortaleza  por  lorge  cabra!  que  a  seruia,  .&  Simão  dê  sou- 
sa com  bo  mesmo  temporal  foy  ter  á  ilha  de  çamatra  á 
barra  de  Dachem  quasi  perdido,  &  cd  a  artelharia  toda 
abatida  &  a  gente  enjoada  &  cansada.  E  sabendo  elé 
poios  da  terra  õdestaua ,  quiserase  logo  ir  se  ho  deixará 
ho  têpo  por  saber  camanho  !migo  dos  Portugueses  era  el 
rey  DachS ,  mas  ho  têpo  não  lhe  daua  lugar.  El  rey  sa« 
bSdo  da  gale  {}  estaua  na  barra  mãdou  pregdtar  f\  gen^ 
te  era  &  pêra  ôde  ya ,  &  sabendo  (}  erãb  Portugueses  (} 
yíio  pêra  Malaca,  determinou  de  os  tomar,  &  pêra  sa- 
ber quantos  erão,  &  como  yão  apercebidos  mãdou-visi- 
tíir  Simão  de  sousa  cõ  moyto  refresco,  dizSdo  ÍJ  Arigáua 
muyto  de  ir  ali  ter  pêra  fazer  amizade  c8.  os  Portugue- 
ses cd  qu6  a  desejaua  de  ter  auia  dias^  rogãdolhe  (}  en* 
trasse  pêra  dètro  Q  lá  estaria  mais  seguro  &  seria  me^ 
Uior  protiido,  &  -t^  quisesse-^  ho  mãdaria  febdcar  per  al«* 
guas  tacharas.  O  ^  Simão  de  sousa  lhe  ngârdeceo^,  di^S» 
do  ^  não  ya  pêra  dentro  por  se  deter  menos,  por^  na 
hora  ^  ho  tempo  desse  lugar  se  auia  de  partir.  E  recea- 
do el  rey  ^  ho  fizesse  assi ,  mãdou  fazer  aquela  noyte 
prestes  mil  homes  darmas  I)  se  embarcarão  em  vin(e  lã- 
charas  pêra  irS  tomar  Simão  de  sousa  !}  polo  seu  Q  lhe 
leuou  o  refresco  soube  a  gSle  ^  tinha,  &  ^  não  leuaua 


LIVSO  VII.  <IAPCT¥1iO  LXXXI.  191 

Milharia  pêra  ie  defender :  &  como  foy  manlfòã  os  des* 

gedio)  mãdftdo  ao  capilSo  delas  ^  por  força  lhe  ieuasse 
imão'  de  sousa  quâdo  não  quisesse  por  sua  vÕtade ,  & 
por  dissíinular  mâdouibe  diãte  hH  recado  eoi  hum  cala* 
luz :  que  pois  ali  estaua  que  eolrasse  pêra  dentro  porque 
lá  estaria  mais  seguro,  &  que  mandaua  algOas  lancharas 

{>era  que  bo  rebocassem.  E  este  recado  lhe  deu  do  ca* 
aluz  hfi  mouro  que  não  quis  entrar  na  galé.  £  dando- 
lhe  Simão  de  sousa  a  reposta  yãose  as  lancharas  che- 
gando: &  quando  Simão  de  sousa  vtoamuytagenteque 
ya  nelas  conheceo  ho  engano^  &  disse  ao  mouro  que  lhes 
dissesse  Q  se  fossem  que  lhes  não  queria  dar  trabalho, 
&  ele  não  se  queria  ir,  pelo  que  Simão  de  sousa  pedio 
suas  armas,  &  os  outros  lambem  se  armarão:  &  bQ  fi- 
dalgo (}  se  cbamaua  Manuel  de  sousa  pos  bo  fogo  a  b& 
falcão  &  tirou  ao  calaluz  pêra  que  se  fosse.  Ho  capitão 
das  lancharas  vendo  que  era  descuberta  sua  treição  mã- 
dou  que  aferrassem  a  galé:  &  tangSdo  es  fl)ouros  seus 
inslormStos  de  guerra,  &  dando  grandes  gritas  remete- 
rão á  galé  tirandolhe  muylas  bombardadas  &  espingar- 
dadas  de  que  ferirão  algOs  Portugueses,  &  doas  ou  três 
lancharas  aferrarão  a  galé  por  popa,  &  saltarão  muytoa 
mouros  dentro  sem  lhe  os  Portugueses  poderB  defender  r 
&  a  peleja  se  começou  muyto  braua,  que  com  quante 
es  Portugeeses  erão  poucos,  &  os  mouros  muylos  pele- 
jara tam  esforçadamête  que  matarão  &  ferirão  muytos 
dos  que  entrarão  &  os  outros  fizerão  tornar  a  suas  lan- 
charas, pelo  que  os  das  outras  não  ousarão  mais  dStrart 
&  porem  combatião  os  Portugueses  brauissimamente 
com  espingardadas,  frechadas,  zagucbadas  &  pedradas  r 
&  com  tudo  fazião  mortal  dano  porque  como  as  lancha- 
ras erão  alterosas  &  a  gale  rasteira  ficauão  muyto  senho» 
res  dos  Pc;rlugueaes  &  tratauão  es  muy  mal,  poro  não^ 
ianie  que  não  recebessem  dobrado  mal ,  mas  como  erão 
as  noue  partes  mais  que  os  Portugueses  não  se  lhes  en*" 
acergaua  tanto  como  neles  ^  erito  poucos.  E  desta  ma- 
neyra  diiro«  a  peleja  ate  as  dea  horas ,  em  <|ue  Simãe 


19t  0A  uiaroftrA  da  índia 

de  sousa  &  os  outros  se  defanderSo  com  esforço  (So  to- 
bre  natural  j}  auendo  os  mouros  por  impossíuel  veocerS- 
noa  &  espantados  de  tal  valentia  domes ,  &  dos  muytos 
(|  da  sua  parle  erâo  mortos  &  feridos  se  retirarão  fican- 
do corenla  Portugueses  mortos  &  feridos ,  &  toraaráse 
pêra  a  cidade. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXXir. 


De  como  Simão  de  soum  galuâojby  morto  na  barra  de 

Dachem  06  quãios  yão  coeU. 

l^abSdo  el  rey  como  a  sua  geote  nSo  leuaua  a  gale, 
ouue  disso  muyto  grade  nienencoria,  &  màdou  logo  ir 
diante  de  si  os  capitães  &  pregunfoulhes  como  não  le* 
uauSo  a  gale,  &  eles  lho  contarão  fazendolhe  grande  es* 
pSto  da  valentia  dos  Portugueses:  do  !\  el  rey  se  agas** 
tou  muyto  mais  do .2}  estaua,  &  cauaigâdo  em  bii  alifan* 
te  mandou  chamar  bo  seu  capitSo  geral  com  a  gSte  de 
guerra  que  (inba  a  cargo,  &  mandoulhes  que  lhe  fossem 
por  a  gale  de  SimSo  de  sousa,  jurãdolbes  por  Mafame- 
de  que  os  que  tornassem  sem  ela  {)  os  auia  de  mandar 
matar  com  a  mão  daquele  alífante ,  &  logo  os  mandou 
embarcar  em  cincoenta  lancharas,  o  que  fizerão  com  bS 
má  vdtade  por  auerS  grSdc  medo  aos  Portugueses  pola 
valSlia  1\  neles  virSo  na  peleja  pnssada.  Ho  capitlo  roór 
dos  mouros  despois  2|  chegou  á  gale  fez  j|  nS  ya  pêra  pe* 
lejar,  &  leuãlãdo  hda  bãdeira  de  paz  disse  Q  queria  fa- 
lar a  Simã  de  sousa  Q  chegou  a  bordo  a  saber  o  Q  qoe* 
ria.  K  ele  lhe  disse  da  parte  dei  rey  Q  estaua  muyto  a- 
gastado,  pori|  sendo  tamanho  amigo  dos  Portuafueses  & 
desejado  de  lhe  fazer  hõrra  &  gasalhado  recebera  de  seus 
x^assalos  tamanha  oífôsa  como  lhes  fora  feyta ,  &  í\  logo 
mãdara  prSder  lodos  a^les  2|  lha  fizerâo,  &  pêra  ver  bo 
castigo  i\  lhes  daua ,  lhe  rogaua  muyto  (|  entrasse  pêra 
dêtro,  &  {}  6caria  louuado.  O  ^ouuido  poios  ^  estauão 
cõ  Sinião  de  sousa,  muytos  começarão  de  dizer  Q  se  ê* 


LIVRO  VII.  dAPITVLO  LXXSriI.  WS- 

(regassem  porQ  ja  nfio  podiâo  pelejar:  o  ()  ouuindo  Si* 
nâo  de  acusa  ouue  medo  que  se  acnotioasse  a  genle,  & 
por  isso  lhes  quis  folar,  &  disse  ao  capitão  dos  mouros 
Q  aueria  conselho  com  sua  getile ,  &  se  eles  quisessem 
k  pêra  dSlro.  E  como  ho  capUâo  receaua  muyto  a  pele- 
ja com  os  Portugueses  foj  contente  de  SiinSo  de  sousa 
auer  ho  conselho  que  dizia  pêra  ver  se  podia  escusar  a 
peleja  &  afastouse.  E  Simão  de  sousa  pregutou  á  g6te- 
da  galé  que  dizia,  &  muytoa  lhe  dísserão  que  farta  bem 
de  fazer  o  c]ue  ei  rey  deDachS  queria  pois  por  força  fao 
auião  de  fazer  por  não  ser6  poderosos  pêra  se  defSder 
posto  Q  todos  os  l|  ali  chegarão  forão  viuos  &  sãos  quan- 
to mais  sendo  a  mayor  parte  mortos  &  feridos :  &;  pode- 
ria ser  que  v6do  el  rey  i\  se  punhão  em  seu  poder  4  '^^^ 
goardaria  sua  pataura  &  faria  o  que  dizia,  &  Q  -se  tira« 
ria  dalgQ  mao  pensaroSto  se  ho  tinha,  o  ^  mais  asinha 
poeria  em  obra  vSdo  í\  não  se  íiaua  dele.  Ao  que  Simão* 
de  Sousa  respõdeo,  f\  claro  estaua  Q  quS  era  tãô  mortal 
Imigo  dos  Portugueses  como  el  rey  Dachê  que  se  os  a-^ 
colhesse  (}  os  auia  de  matar  de  mny  cruas  mortes:  & 
pois  auião  de  morrer  sem  as  vingar,  Q  melhor  morrerião 
vingado  as,  &  farião  o  ^  deuiã  a  Christãos  &  a  caua-* 
leyros,  &  entre  tãto  {|  fazião  o  i)  deuião  lhes  daria  nos- 
so senhor  maneyra  pêra  se  saluarS :  &  quando  não  po^ 
dessem  saluar  as  vidas  l\  lhes  saluaria  as  almas  por  sua 
misericórdia  pois  morrião  por  seu  seruiço.  E  animados 
todos  coestas  paiauras,  disserão^  fizesse  o  ()  lhe  bem 
parecesse ,  &  Q  eles  ho  seguerião :  o  (}  lhes  agardeceo* 
muyto,  &  disse  ao  capitão  dos  mouros  que  não  auia  áè^ 
trar  pêra-  dStro  (|  se  podia  ir  ^hóra :  &  ele  por  estar  a«» 
noeaçado  dei  rey  nã  ou$ou  de  se  ir ,  &  mãdou  aos  seua 
Q  cometessem  a  galé  &  trabalhassem  muyto  pori|  tomns-* 
sg  os  Portugueses  viuos,  ^  assi  lho  eneomSdara  el  rey, 
&  ^  lhes  iSbrasse  como  os  ameaçara  se  fosse  sem  a  ga-« 
le ,  por  isso  ^  fizessem  por  salu»r  as  vidajs.  Os  mouros 
remeterão  á  gale  c8  tamanhos  alaridos  ()  eles  somSte  a-^^ 
bastarão  pêra  desatinar  os  Portugueses,  quanto  mais  tft*^ 

LIVRO    VII*  BB 


194  1>A    HISTORIA    DA    IHIMA 

tM  nuuSs  de  frechas  Q  tolhíão  a  claridade  do  «oi:  tSta 
floma  despigardadas  Q  escureciSo  ho  ár^  pedradas,  za* 
gdcbadasy  azagayadas  &  oulros  arremessos  tãp  espesos 
(|  pareciSo  bua  grossa  chuua.  £  aesla  reuoUa  se  chega-^ 
rã  talo  cerlas  lacharas  á  gale  A  saltarão  algfis  mouros 
dfilro ,  {|  logo  forão  somidos  pelos  Portugueses  Q  cada 
bu  pelejaua  por  vinte,  &  não  descansauão  momSto  &  íi- 
aerão  afastar  as  lancbaras  dos  mouros,  que  como  erão 
muytos  se  fibaraçauão  bus  com  os  outros  porque  todos 
querião  ser  os  dianteiros  que  pelejassem,  &  cõ  a  fadiga 
Q  nisto  tinhâo  podião  os  Portugueses  aproueitarso  deles, 
assi  cõ  os  tiros  miúdos  como  cÕ  as  espingardas  &  outrae 
armas  ofieosiuas  com  que  derribauSo  bOs  sem  pernas, 
outros  partidos  em  pedai^os.  B  era  cousa  espãtosa  de 
Yer  como  os  Portugueses  se  podião  defender  de  tanta 
multidão  de  mouros,  quanto  mais  oEDBdelos  com  tama* 
nha  destruirão.  £  porem  eles  não  estauão  sem  ela  que  * 
erSo  algQs  mortos  &  os  oulros  quasi  todos  feridos,  &  os 
mouros  ^  bo  não  sabião  mas  cujdãdo  Q  estauão  em  to- 
das suas  forças  por  passar  de  Ires  boras  que  duraua  a  pe- 
leja I  &  4  nem  somSte  os  poderão  nuca  abalroar ,  como- 
^arão  de  se  alargar  da  peleja  ainda  que  os  capitães  Ibes 
kmbrauão  bo  ameaço  Q  Ibes  el  rey  fizera,  pelo  que  Ihea 
não  daua  espantados  de  lã  braua  defensão  domSs.  £  vfr- 
do  bft  mouro  ^  andaua  na  galé  de  por  força,  como  os 
mouros  se  afastauã  lãçouse  a  nado  por  ninguè  atfttar  ne* 
)e,  &  íoj  dizer  aos  mouros  que  nã  se  íbssem,  porí^  os 
portugueses  erão  mortos  os  mais  deles,  &  os  outros  tão 
feridos  &  cansados  ^  nã  fie  podião  defender,  &  se  os  eo* 
batesse  mais  bQ  pouco  ^  Ibes  tomaria  a  galé,  &  bo  ca^ 
pitão  mãdou  este  mouro  a  el  rey  pêra  que  Ibe  disesse  a^ 
quilo,  &  assi  os  feridos  ^  tinha,  pêra  (|  lhe  mãdasse  g&^ 
(e  de  refresco,  &•  munições  ^  logo  mandou.  E  chegada 
esta  gSte  tornara  os  mouros  a  cometer  a  galé  ^  entra* 
rã  muytos,  por  ja  os  Portugueses  que  auia  viuos  lhes 
jiã  poderem  resistir :  porí)  nã  pelejauão  mats  ^  Simão 
de  sottsa,  Manuel  de  sousa,  dõ  António  de  crasto,  An- 


LHTRO  TTI.   CAPITULO  hXTXU»  196 

loniò  caldeira^  lorge  dabreu,  &  outros  três  ou  quatro: 
&  cô  quanto  faziSo  façanhas ,  os  mouros  os  fizeráo  reti- 
rar ate  ho  pé  do  maato  ^  &  pregarão  duas  frechas  a  d6 
Anloaiode  craato  na  aate  dãa  choça  com  que  pelejaua, 
&  ficaráolhe  as  mfios  pregadas,  &  aasi  pelejou  ainda  hd 
pouco,  &  foyselhe  tSto  sangue  das  muytas  feridas  que 
Unha  que  cayo  morto,  &  Simão  de  sousa,  &  Manue}  de 
aousa  com  os  outros  fizerSo  ali  cousas  tSo  milagrosas  que 
nio  se  pod6  contar,  &  b6  vingarão  suaa  mortes  assi  os 
que  ali  morrerão,  como  os  Q  despoís  acabarão  suas  vidas 
ê  poder  dos  mouros.  B  na  fúria  desta. peleja  deu  h&  za- 
euncho  darremeso  a  Simão  de  sousa  sobre  ho  coração , 
ac  com  a  força  que  leuaua  lhe  rôpeo  as  coiraças  &  ho  co- 
raçS  &  caio  morto,  &  os  que  ficarão  viuos  que  seria  vin- 
te cinco,  em  que  entrauão  António  caldeira,  .&  lorge 
dabreu,  se  entregarão,  prometendolhes  os  mouros  as  vi* 
das,  &  eles  se  derão  por  nã  terem  forças  nem  fôlego  pê- 
ra se  defenderem ,  &  com  este  Simão  de  sousa  acaba- 
rão de  morrer  quatro  filhos  de  Duarte  galuão.  s.  lorge 
^alaão,  Manuel  galuão,  &  Ruy  galuã  que  todos  falece- 
rão nestas  partes  seruindo  os  R^ys  de  Portugal  como 
eeu  pay  &  ante  passados  seruirão.  Tomada  a  galé  pelos 
mouros  não  ^rião  goardar  ho  seguro  ()  derão  aos  Por* 
tugueses ,  &  queríinos  matar  se  os  capitães  não  acodi- 
rão  que  lhos  tolherão:  &  eles  vfido  que  nã  podião  vio- 
garse  deles  dos  muytos  parentes  &  amigos  Q  lhes  mata- 
rão ,  vingarãse  ean  Simão  de  sousa  ^  fey to  em  pedaços 
ho  deitarão  ao  mar.  Tomada  assi  a  galé  foy  leuada  a  el 
rey  com  os  Portugueses  que  escaparão  viuos,  a  ijel  rey 
fez  muyto  gasalhado  por  dissimular  sua  maldade ,  &  fez 
Q  lhe  pesaua  muyto  da  morte  de  Simão  de  sousa  &  dos 
outros  ^  ele  mãdaua  chamar  pêra  lhes  fazer  gasalhado 
&  hõrra  como  desejaua  de  fa^er  a  todos  os  Portugueses 
de  que  era  grande  amigo :  &  como  eles  fossem  sãos  Q 
escdhessem  antre  si  algQ  que  fosse  dizer  da  sua  parte  ao 
capitão  de  Malaca ,  <}  mãdasse  por  eles ,  &  pola  galé  &; 
artelharia,  &  polo  mais  que  lá  leuesse  que  fora  dos  Pot- 

BB  2 


196  DA    HISTORIA    DA    INOFA    * 

lugueses,  porque  tudo*daria  de  boa  vontade.  £  isto 
2ia  com  tenção  que  ho  capitão  de  Alalaca  mandasse  al- 
gu  nauio,  &  Q  ho  tomaria  com  a  gente  que  fosse  oelet 
&  pêra  mais  enganar  os  Portugueses  mandoulhes  dar 
muyto  boas  pousadas  &  curatos  cõ  grade  diligencia ,  & 
darlhe  todo  ho  necessário  tão  largamSte  como  se  este* 
^uerão  antre  Gbrislâos. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXIIL 

Dt  como  d6  Garcia  anrriqz  chegou  a  Malaca. 

JL/om  Garcia  anrriquez  ()  ficou  na  ilha  de  Banda  áenh 
pois  que  foy  tempo  partiose  pêra  Malaca ,  &  no  cami- 
nho.tomou  bu  jugo  de  mouros  laos.  E  auido  seguro  de 
Fero  de  faria  que  ho  oão  prendesse  nê  a  nhQ  dos  Q  fo- 
rão  na  prisam  de  dom  lurge,  se  foy  a  Malaca ,  onde  lhe 
j^ero  de  faria  mandou  embargar  toda  sua  fazenda ,  dizè* 
do  ^  lhe  não  dera  seguro  mais  Q  pêra  ho  nã  pr&der.  E 
despois  estando  em  Malaca  hCIs  embaixadores  dei  rey  de 
Panaruca,  que  he  na  ilha  da  laoa  que  yão  assStar  pas 
&  amizade  c5  Pêro  de  faria ,  se  leuSlou  bu  arroido  an^ 
tre  os  criados  destes  fibaixadores  &  os  Malayos,  que  foy 
causa  de  se  desembargar  a  fazêda  de  dõ  Garcia ,  &  foy 
desta  manevra.  Pousauã  estes  embaixadores  S  bua  cer- 
ca  de  taipa  junto  da  pouoaijão  dos  Qudis,  &  passando 
hu  dia  há  home  da  terra  per  junto  desta  cerca  com  hil 
pouco  de  dinheiro  virãiho  hils  criados  do  êbaixador:  & 
-tomapc^lho  por  força,  ao  que  aeodirão  aigtls  da  cidade: 
&  estando  em  rezões  com  os  ^  tomarão  ho  dinheiro  Q  ho 
tornassS  passou  bo  meirinho  da  fortaleza ,  a  Q  requere- 
rão que  ho  fizesse  tornar,  &  querêdo  ho  fazer  foy  so- 
brisso  morto  pelos  laos.  E  os  da  cidade  vendo  isto  se  a- 
colherão  cõ  medo ,  &  começasse  hQ  rumor  que  os  laos 
de  Panaruca  &  quãtos  morauão  em  Malaca  erão  feytos 
amoucos,  &  \yofÍ\  atras  disse  ^  cousa  sam  amoucos  ho 
não  digo:  &  este  rumor  chegou  á  fortaleza,  &  acodio  Io- 


LIVRO  VIKCA-PITVLOIAXXniI*  197 

go  Pero  de  faria  com  gente  armada  xuycficlo  (}  era  tret- 
^  ^  &  quando  foy  acbou  ja  dõ  Garcia  aorri{|z  Q  cõ  aete 
ou  oylo  Portugueses  da  sua  companhia  acodio  ao  arrol- 
ado cõ  suas  armas  &  fez  deter  os  laos  que  nã  passassem 
auante  &  matou  doze  deles ,  pelo  que  quando  chegou 
Pero  de  faria  ouue  pouco  que  fazer  em  os  fazerS  reco- 
lher, &  tudo  se  logo  apacificou.  £  porque  dom  Garcia 
acodio  a  tão  bõ  tempo  lhe  mâdou  Pero  de  faria  desem- 
«bargar  sua  faz&da  dando  fiança  dOs  tantos  mil  cruzados, 
-pêra  se  dom  lorge  de  meneses  quisesse  dele  algfla  cou- 
.Mà ,  &  assi  escapou  dom  Garcia  em  Malaca» 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXIIIL 

De  como  el  rey  de  Dachem  mandou  c6  engano  dizer  a  Pe- 
ro de  faria  que  lhe  daria  os  Portugueses  ^  a  gaW. 

iJ^  este  tempo  auia  guerra  antre  el  rey  de  Dacbero ,  & 
el  rey   dauru  seu   vezinho.   £  sabendo  el  rey  Dauru  a 
•muyta  rezão  Q  os  Portugueses  tinbão  pêra  serem  fmigoB 
dei  rey  Dachem,  mãdoii  pedir  ajuda  a  Pero  de  faria  ca- 
pitão de  Malaca,  mandâdolhe  dizer  por  seu  embaixador 
•como  tinha  guerra  cÕ  el  rey  Dachõ,  &  ^  confiado  na  a« 
mizade  Q  tinha  c5  os  Portugueses  do  tempo  Q  lorge  dal- 
boquerQ  fora  capitão  de  Malaca  lhe  mandaua  pedir  a- 
jttda  contra  el  rey  de  DacfaS  que  sabia  que  era  !migo 
•dos  Portugueses,  &  t\  lha  auia  de  dar  por  mar  pêra  coe- 
la  pelejar  a  sua  armada  com  a  dei  rey  de  Dachem  em 
quito  eles  pelejassem  por  terra,  &  ()  esperaua  de  se  vin- 
gar dele  fc  vingar  aos  Portugueses  das  oflensas  (|  lhes 
tinha  feytas.  £  partido  este  embaixador  dei  rey  Dauru, 
foy  logo  sabido  dei  rey  de  Dachem :  do  (}  ele  ficou  muy- 
to  agastado,  porque  a  fora  recear  muyto  el  rey  Dauru 
por  ser  poderoso  de  gente,  &  g6te  esforçaíla  &  guerrey- 
•ra,  auia  grande  medo  de  lhe  ho  capiláò  de  Malaca  dar 
ajuda,  porQ  dandolba  era  sem  nhQa  redenr^ão  destruído: 
•&  estaua  certo  darlha  assi  por  os  males  ^  os  Portugue^ 


198  mà  nitn^AiA  m  rnmA 

•n  (iobSo  dele  recebidos  como  porque  naljla  oonpiDçSo 
auia  fDuytos  Portogueaes  fi  Malaca ,  asai  oa  i)  eatauflo 
daxitea ,  como  oa  que  forSo  cft  Franciaco  de  aá  a  çuda ; 
&  08  Q  leuara  Pêro  de  faria  da  índia,  &  oa  que  auia  de 
leuar  Marli  afonae  de  melp  joaarte  Q  ainda  nSo  aabia 
que  era  perdido,  porem  aoubera  doa  Porloguesea  ^  (i- 
nka  caliuoa  ^  auia  dir  a  ter  a  Malaca.  E  ISdo  por  cer- 
to darse  a  ajuda  a  el  rev  Daoru ,  determinou  de  Ibe.a- 
t ai  bar  com  manha  qua  lha  nSo  deaaem :  fazendo  como 
díaS  da  necessidade  ftrlude,  &  requerer  amizade  ao  ca- 
pitão de  Malaca  cfi  oATrecimento  de  dar  oa  catiuoa  &  a 
galé,  &  todo  ho  mais  Q  tinha  tomado  aos  Portugueses. 
E  porfi  não  auCturasse  nhfl  dos  seus  nesta  embaixada , 
&  tambS  pori)  parecesse  ao  capitão  de  Malaca  j)  tinha 
vdlade  de  cõprir  o  Q  dizia,  mandou  coela  António  cal* 
deira,  &  em  sua  cõpanfaia  outro  Portuguea,  &  primey- 
ro  (\  bo  mandasse  lhe  fez  muytas  mostras  damizade  a 
fora  aa  fi  tinha  feytas  a  todos  em  os  agasalhar  &  curarei 
&  dísselbe  a  causa  por^  ho  mãdaua  &  não  a  nhã  seu^ 
&  Q  se  o  capitão  de  Malaca  quisesse  ^  mãdasse  logo  pe- 
los outros  Portugueses,  &  pola  galé  &  artelharía,  asai 
dela  como  de  hQa  nao  Q  se  perdera  na  aua  barra ,  &  a 
que  tomara  na  fortaleza  de  Pacem :  &  que  não  queria 
outra  couaa  se  não  sua  amizade  &  a  dos  Portugueses* 
E  ao  tempo  que  António  caldeira  chegou  a  Malaca  ti- 
nha Pêro  de  faria  prometida  sua  ajuda  ao  fibaixador  dei 
rey  Dauru,  &  quando  vio  António  caldeira  &  soube  ho 
recado  <)  leuaua  ficou  muyto  ledo  parecfidolhe  que  co- 
braria os  Portugueses  que  estauão  catiuoa ,  &  a  gale  & 
artelharía ,  &  que  nisto  ganhaua  maia  {|  em  dar  ajuda  a 
el  rey  Dauru  :  &  não  ele  sómête  estaua  ooiato  muyto  le- 
do mas  os  maia  dos  principais  da  fortaleza ,  &  dõde  Pê- 
ro de  faria  tinha  prestes  Diogo  de  macòdo  oapitão  mór 
do  mar  de  Malaca  pêra  ir  por  mar  coro  outros  capitães 
ajudar  el  rey  Dauru  começou  de  ho  ter.  O  ()  não  pare- 
cendo bem  a  Marti m  correa  por  ser  seu  amigo  &  ter 
coele  credito  lhe  disse  que  visse  bem  o  {|  fazia,  por(J[  to- 


LIVRO  Tilt  CâPlTTLO  LXXnilI.  19r 

da  aj)lâ  amizade  dd  rey  Dacbd  Ibe  parecia  fingida ,  & 
^  não  era  pêra  outro  fim  se  náo  pêra  aaber  àe  daua  aju- 
da a  el  cey  Dauru ,  ou  se  fazia  armada  prettea  pêra  ir 
vingar  a  tomada  da  gale  asai  oomo  auia  pouco  4  ae  fi- 
zera em  iongú ,  por^  bem  deuia  ele  de  saber  que  auia 
muyta  genle  8  Alaiaca.  E  a  reaào  por  onde  Ibe  parecia 
4  ú  rey  Dacbfi  mandaua  maia  A  ntonio  caJdeira  pêra  sa* 
ber  aQiaà  duas  cousas  que  cd  determiiia<;ão  de  fazer  a- 
mizade,  ^a  coobecer  ele  por  experiência  que  os  mouros 
oão  comeliào  amizade  se  nSo  quando  yíío  ^  lhes  era 
muyio  necessária,  &  que  el  rey  Dachõ  ainda  nã  se  vi- 
ra apressado  dos  Portugueses  pêra  cò  necessidade  dese« 
jar  sua  amizade ,  antes  ele  lhes  tinha  feytas  muytas  & 
muy  graoes  offensas,  na  morte  de  lorge  de  brito,  na 
tomada  da  fortaleza  de  Pacem,  na  da  galé  de  Simão  de 
Sousa  &  outras,  porQ  nunca  ouuera  castigo:  pelo  ^  auia 
destar  muy  to  soberbo,  &  oSo  pedir  amizade  com  ofire* 
cer  tãtas  cousas  a  qu8  lhe  não  pedia  nhfla»  o  que  lhe  fa- 
zia sospeitar  o  que  sospeitaua.  E  parecfido  isto  bfi  a  Pe* 
10  de  faria,  mandou  chamar  António  caldeira,  &  lhe  rc*» 
sumio  perãte  Martim  correa  quanto  lhe  ele  tinha  dito, 
rogandolhe  muyto  que  atentasse  b6  se  se  poderia  ter  a* 
quela  sospeita  dei  rey  Dachem.  Ao  que  ele  respõdeo 
que  não  abonado  ho  muyto,  &  dado  ho  por  amigo  muy 
fiel  dos  Portugueses ,  &.  acreditando  ho  tanto  que  disse 
§  por  nbft  pre<^o  deixaria  dè  lhe  tornar  com  qualquer 
reposta  que  lhe  dessem  pula  confiança  1}  nele  tinha.  O 
&  visto  por  Pêro  de  faria,  teue  por  sem  duuida  ^  el  rey 
Dacbè  falatta  verdade  pois  António  caldeira  fiaua  talo 
dele,  4  estado  líure  se  queria  tornar  lá  sem  reeeo  áe  ho 
catiuare :  &  mais  pori)  dilatado  ele  a  reposta  a  el  rey 
de  Oachê,  lhe  disse  António  caldeira  ^  se  a  mais  dila- 
tasse &  ho  aáo  quisesse  mandar  a  Dacbfi  %  ele  se  iria , 
por4|  auia  de  cAprir  u  ^  prometera  a  cl  rey  de  DachS  & 
aos  Pof  tuguesea  que  ficauão  coele  de  tornar  com  a  re- 
posta. E  quldo  Pere  de  fiiria  vio  sua  deterão iaaçSo^  a- 
cabott  de  todo  erer  4.  ele  tinha  por  verésK^yro  o  que  el 


20a  DA   HISTORIA    DA  ÍNDIA 

rej  de  DachS  lhe  mandaua  dizer,  &  despacbouho  logo 
escreuendo  a  el  rey  de  DachC  que  foignua  muylo  coro 
8ua  amizade^  &  ^  a  aceitaua  em  nome  dei  Rey  de  Por- 
tiJgal,  &  dali  por  diante  teria  nele  hu  bÕ  amigo,  &  re- 
ceberia dele  fauor  &  ajuda  quando  lhe  fosse  necessário,. 
&  que  logo  mãdaria  pelos  Portugueses  &  polo  mais  Q  di- 
zia ,  &  com  a  confiança  que  linha  de  sua  amizade,  nâo 
queria  dar  ajuda  a  el  rey  Dauru  que  lha  mandaua  pedir 
conlrele,  &  que  disso  poderia  estar  seguro,  &  mandaua. 
hQ  Português  casado  em  Malaca  que  sabia  bem  a  ferra. 
&  a  lingoa  dela  que  ieuasse  António  caldeira  em  hii  ba- 
lanço &  ho  posesse  no  reyno  de  Pacem  onde  estaua  el 
cey  de  Dachem  &  lho  entregasse.  E  partidos  de  Malaca 
forão  ter  a  hua  ilha ,  onde  faz6do  agoada  forâo  mortos- 
poios  moradores  dela  que  erão  mouros ,  pelo  que  el  rey 
de  Dachem  não  ouue  reposta. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXXV. 

Do  ^  passou  antre  Pêro  de  faria  ^  el  rey  Dauru ,  ^  el 

r^y  de  Dachem^    - 

JL/espedido  António  caldeira ' pêra  DachS,  como  Pê- 
ro de  faria  tinha  assètado  de  nã  dar  ajuda  a  el  rey  Dau- 
ru despedio  ho  seu  embaixador  respSdendo  que  não  po- 
dia ajudar  a  el  rey  Dauru  contra  el  rey- de  Dachem  por 
amor  dauer  aqueles  Portugueses  que  tinha  catiuos,  & 
por  cobrar  a  muyta  ar  telharia  ;|  tinha  dei  Rey  de  Por* 
tugal  que  se  isso  não  fora  que  ho  ajudara  de-jnuyto  boa^ 
v^ade,  &  ajudaria  côlra  qualquer  outro- rey.  E  ouuin* 
do  ho  embaixador  esta  reposta  .tão. fora  do  que  espera-* 
na,  &  despois  de  ho  deterem  tãto  tempo  como  ho  dete- 
uerâo  ouue  ipiuyto  grande  menencoria  posto  t\  ho  dissi* 
mulou.  E  sem  mais  se  despedir  ^e  Pêro  de  faria  se  par-^ 
tio  hija  noyte  muyto  secretamente ,' do  que  pesou  muy*-^ 
io  a  Pêro  de  faria,  parecendolhe  que  ya  agrauado,  & 
que  el  sej  Daurui  ho  ficaria  del^^t  o  ^  ^^nãcqaeria 


LITRO  Vir.  CAWTVLO  LXXXV.  tOl 

porque  eabía  que  el  rey  Dauro  era  leal  amigo  dos  Por* 
iugueaes ,  &  grande  fieruidor  dei  Rey  de  Portugal ,  & 
por  Í88o  deaejaua  de  ho  poupar :  &  pêra  ho  temperar  de 
seu  agrauo,  mandou  lá  a  liQ  Fernão  de  morais  capitSo 
dQ  galeão  como  que  ho  mandaua  em  seu  fauor ,  &  od 
grandes  disculpas  de  ibe  não  dar  logo  ajuda.  E  chega* 
do  ho  embaixador  dei  rev  Dauro  a  ele  antes  que  Fernão 
de  morais  lá  chegasse,  lhe  deu  a  reposta  de  Pêro  de  fa* 
ria,  de  que  el  rey  ficou  muyto  agastado,  &  porque  se 
temeo  que  desse  ajuda  a  el  rey  deDachS,  despachou  lo* 
go  sua  armada  que  tinha  prestes  que  fosse  pelejar  com 
a  dei  rey  de  DachS  que  estaua  no  porto  de  Pacem :  & 
indo  pêra  lá  topou  no  caminho  hQ  paraó  em  que  ya  hii 
Português  da({les  !\  el  rey  de  DachS  tinha  catiuos  por 
quê  ho  mesmo  rey  mandaua  dizer  a  Pêro  de  faria  t\  mS* 
dasse  logo  poios  outros  Portugueses ,  &  pola  galé  &  ar* 
telharia:  &  isto  porI|  António  caldeira  tardaua  c5  a  re* 
posta ,  &  pareciaihe  !\  Pêro  de  faria  nã  queria  sua  ami- 
zade, por  amor  dos  danos  ^  tinha  feytos  aos  Portugue- 
ses, &  {]ria  antes  a  amizade  dei  rey  Dauru  &  darlhe  a* 
juda  pêra  ho  destruirS  ambos.  E  coesla  sospeita  feruia^ 
&  pêra  se  tirar  dela  tornou  a  mandar  aquele  Português, 
(}  topando  ho  os  A  urus,  como  sabião  que  ho  seu  rey  não 
estaua  bfi  com  os  Portugueses  tomarão  este  &  mandarã- 
no  a  el  rey  Dauru ,  que  sabSdo  dele  ao  que  ya  não  ho 
quis  deixar  ir,  por^  Pêro  de  faria  coeste  recado  não  se 
apressasse  a  socorrer  el  rey  DachS.  E  nisto  chegou  Fer- 
não de  morais  ao  porto  dondestaua  el  rey  Dauru:  que 
como  não  era  amigo  dos  Portugueses  não  <)uts  mandar 
recado  a  Fernão  de  morais,  ales  defendeo  que  ninguém 
fosse  ao  galeão.  E  passando  quatro  dias  qtie  Fernão  de 
morais  estaua  no  porto  sem  pessoa  nhQa  da  terra  ir  a 
bordo,  determinou  com  quãio  lhe  aquilo  pareceo  mal  de 
se  auSturar  &  ir  falar  a  el  rey,  o  que  lhe  foy  contraria^ 
do,  dizendo  que  poderia  ser  que  el  rey  estaria  agraua- 
do  de  Pêro  de  faria  pola  ajuda  qne  lhe  não  quis  dar ,  & 
por  isso  não  quereria  que  os  Portugueses  fossem  a  pua 

LIVRO  VII.  cc 


SOt  Há  HléTOmiA    DA    INX>IA 

terra  nê  eonuersalos^  &  que  iodo  a  terra  sem  eev  reea^* 
do  laçaria  mSo  dele ,  &  fao  prenderia  por  isso  que  não 
fosse.  £  coeso  Fernão  de  morais  era  muylo  esforçado  k 
aueotureyro  n2o  quis  deixar  dir:  &  cliegado  diante  dei 
rey  ^  foj  dele  muylo  bfi  recebido  &  agasalhado ,  &  mw* 
trou  receber  bem  as  disculpas  de  Pêro  de  faria,  &  que 
não  lhe  pesaua  de  sua  amieade  com  el  rey  Dachem  por 
amor  das  causas  ^  dizia,  anlea  folgaua  muyto  de  cobrar 
por  aquela  via  os  Portugueses,  galé  &  arlelharia,  &  que 
nem  por  isso  deixaua  de  «er  seu  amigo  &  ho  seria  sem<- 
pre.  E  isto  (udo  era  6ngido,  que  como  vio  Fernão  de 
morais  logo  determinou  de  ho  prdder  &  lomarlbe  ho  ga* 
ieáo  se  a  sua  armada  desbaratasse  a  dei  rey  de  Dachem, 
&  isto  por  se  vihgar  da  ajuda  que  lhe  Pêro  de  faria  n&^ 
deu.  E  com  tudo  quis  esperar  se  vScia  a  sua  armada  oa 
não ,  porque  não  vencendo  queria  ficar  amigo  com  os 
Portugueses ,  por^  ficando  mal  coeles  receaua  q  se  ajili- 
tassem  cÕ  os  Dachõs  &  ho  destruíssem ,  &  deteue  Fef«- 
bSo  de  morais  oyto  dias  dando  lhe  a  entender  fi  ho  ti^ 
nha  pêra  se  fauorecer  coele  contra  seus  Imigos,  &  a  ca^ 
bo  dos  oyto  draa  lhe  foj  noua  que  a  sua  armada  peleja«- 
ra  com  a  dei  rey  Dachem^  &  Q  nhQa  vencera  &  se  a* 
partarSo  sem  mais  pelejarem  &  a  sua  se  tornaua ,  &  Í0> 
go  deixou  ir  Fernão  de  morais  &  lhe  deu  bo  Portuguea 
que  leuaua  ho  recado  dei  rey  de  Dachem,  que  tinha  rev 
teudo  ate  também  ver  em  ^  parauSo  a^les  negocies,  & 
por  não  serem  a  sua  vdtade  ho  soltou  ,  &  mâdou  dizer  a 
Pêro  de  faria  o  que  ja  tinha  dito  a  Feraao  de  morais  que 
t^uãdo  chegou  ao  galeão  achou  Q  ho  mestre  &  a  outra 
gête  se  ^erião  ir  deaesperados  de  ele  tornar ,  pareceir- 
dolhe  que  era  oatiuo ,  &  receando  que  fossem  os  mou^ 
ros  tomar  ho  galeão.  £  vendo  el  rey  Oauru  que  sua  ar- 
mada nâo  yencera  a  dei  rey  de  Dachem  não  quis  pele»- 
)ar  coele  por  terra ,  nem  nreies  el  rey  de  Dachem  quis 
eoele  guerra,  parecendolhe  que  ho  auião  d  ajudar  os  Por- 
tugueses por  não  ter  afnda  repoata  de  Pêro  de  foria ,  & 
]ogo  se  eofitíertarão  ambos  &  ae  fixarão  amigoa*  £  cooio 


LIVRO  \tll.  CEAVtrfXàQI  tiXXXVU  109 

a  anisaáo  dei  rey  rfe  Dacheao  od  Pêra  de  fiiria  era  fin-i 
gida  por  amor  da  guerra  de)  rey  Dauru  eomo  ae  vio  de-» 
h  desapreasado,  nSo  quia  maia  amizade  com  Pêro  de  fa<< 
via  nfi  dárlbe  nada ,  &  pesoulke  dos  Portugueses  q^e  U-« 
nhã  mandados;  o  que  Pêro  de  faria  não  soube  {>or4|ua 
por  uBL  poder  não  mandou  a  Dacbem^  &  por  lhe  fMirecer 
que  tudo  eslaua  eerto  para  de  cada  vez  que  lá  mandas*^ 
se,  &  ae  oulão. soubera  a  verdade. &  mãdara  ià  bila  ar^ 
mada  el  rey  de  Daehem  ^^Hapcira-o  que  liaha  prometam 
do  ou  fora  deatruidou 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXXVI. 


De  como  Nuno  da  cunha  paríioi  pêra  a  índia  por  youer^ 

nador  dela. 

xN  este  anne  de  mil  &  qnfolM^ntos  &  vintoyto  mandou 
el  Rey  dom  loão  de  Portugal  por  gotiertiador  da  índia 
kft  fidalgo  chamado  Nuno  da  cunha  vedor  da  sua  fazenn 
da^  Q  p<^*t  amor  da  grande  inuertiada  que  foj  aquele  an-« 
AO  não  pode  partir  se  nSo  a  dezoyto  Dabril^  &  leuou 
èua  armada  de  noue  nãos  grossas  &  bum  galeão^  &  hft 
nauio  redondo.  Das  nãos  furão  capitães  a  fora  ele^  Si-* 
mâo  da  cunha  seu  irmão  que  ya  por  capitão  mór  do  mar 
4a  índia.  Pêro  vax  da  ou«»ba  tambS  seu  irmão  ![  teua-* 
«a  a  capitania  de  Goa,  Garcia  de  sá  2}  leuaua  a  de  Ma-« 
}aca  9  dõ  Femãdo  de  lima  de  Satarem  ^  ya  por  capitã 
mór  daa  três  oaos  do  trato  de  Batioalá  pêra  Ormuz  ^  dé 
Frãcisco  deqa ,  Frãcísco  de  mSdoça ,  Ic^âo  de  freytas  & 
Antónia  de  salda  ah  ai  do  galeão  Bemaldl  da  silmeira^ 
do  naoio  afonso  vaa  azãbujow  E  oesta  amnada  fora  tree 
mii  bomSs  darmas  ea»  que  entrauão  moytea  fidalgoa  & 
oriadoa  dei  Rey  a  mais  luzida  gfite  que  aio  a^le  iempo 
fora  á  índia.  Partida  eêta  armada  antes  de  chegar  áa 
Ubás  daaCanariaa  ãtre  aa  noue  iioraa  &.  as  dez  do  dia  se 
foy  a  nao  de  loão  de  freiías  ao  fudo  posQ  abrio  da  popa 
ale  apvoa  de  duas  pancadas  q^ieHie  de«i  a  a^o  dç  Si-» 

cc  2 


204  ]>A   HIBTORIA  PA   ÍNDIA 

mão  da  cunha,  &  isto  por  culpa  do  piloto  da  nao  de  loSo 
de  frei  tas  y  &  em  obra  de  hOá  hora  se  Scheo  dagoa  que 
não  se  pode  JaD<jar  ho  batel  fora  &  ho  esquife  escassa- 
mente, em  que  se  meteo  loão  de  freitas  cõ  algus,  &  so- 
bristo  &  sobre  se  tomarem  arcas  &  tauoas  pêra  cada  hu 
se  saluar  ouue  muylas  cutiladas,  de  Q  muytos  morrerão  : 
&  foy  piedosa  cousa  de  ver  híi  home  casado  que  leuaua 
sua  molher  &  três  (ilhas  moças ,  que  vendose  sem  espe- 
rança de  saluaçâo  se  abraçarão  todos  cinco :  &  dado  gri- 
tos que  cliegauão  ao  ceo  se  forão  cõ  a  nao  ao  fundo :  o 
Q  os  das  outras  nãos  entenderão  quãdo  a  virão  meter  de- 
baixo dagoa  que  aleli  não  sabíão  nada  do  que  passaua 
por  irem  bua  legoa  dela  ou  pouco  menus.  E  entendendo 
o  que  era  acodirão  os  capitães  em  os  esquifes  com  (}  sal* 
uarão  bem  cincoenta  pessoas  Q  andauão  pegadas  õ  ar- 
cas &  8  tauoas,  &  afogarãse  na  nao  cento  &  cincoenta, 
&  Nuno  da  CDnba  nã  castigou  ho  piloto  da  nao  de  loão 
de  freitas  ^  escapou  porque  nâ  soube  a  verdade  de  co- 
mo aquilo  fora  que  lhe  foy  encuberta.  £  prosseguindo 
em  sua  víagS  foy  fazer  agoada  na  ilha  de  Sâtiago ,  õde 
achou  menos  ho  galeão  de  Bernaldim  da  siiueira  que 
euydou  que  achasse  ali  porque  desapareceo  logo  ao  sair 
da  barra  de  Lisboa,  &  indo  por  sua  rota  foy  ter  ao  par- 
cel  de  çofaja  onde  deu  em  seco,  &  foy  morta  a  genle 
pelos  cafres.  E  fazendo  Nuno  da  cunha  agoada  na  ilha 
de  Santiago,  &  tomados  os  mantim&tos  que  lhe  leuauão 
duas  carauelas  que  ateli  forão  coele  loraou  a  sua  via- 
gem ,  &  na  costa  de  guiné  deiiu>u  a  nao  Dantonio  de 
Saldanha  por  singrar  menos  que  todas  as  outras  &  per- 
derem viagem  por  esperarê  por  ela:  &  disselhe  pelo  seu 
piloto  que  se  ficasse  eom  a  bSção  de  Deos»  porque  ben» 
Yia  quão  tarde  era,  &  que  perdião  viagens  por  sua  cau- 
sa,  &  que  melhor  seria  perderse  hfia  nao  que  todas :  & 
coislo  deu  08  traquetes  que  ieuaua  amainados  &homes« 
mo  fízerão  as  outras ,  o  que  vendo  os  que  yão  com  An- 
tónio de  Saldanha  ficarão  muyto  tristes  de  se  verem  fi- 
car ,  o  que  eu  vi  por  ir  na  nao.  £  dado  ho  goueroador 


LIVRO  Vtt.  CAPITVLO  hXTXVU  805 

08  traqaetes  com  as  outras  desaparecerão  em  pouco  es- 
paço, &  António  de  saidanha  mandou  tantas  vezes  mu^ 
dar  a  carrega  da  nao  da  popa  a  proa ,  &  assi  pelo  con- 
trairo  que  lhe  acertou  ho  cõpasso :  &  singrou  dali  por 
diante  muyto  bS.  £  nislo  &  em  vigiar  a  nao  sem  dor- 
mir de  noyte  nè  se  despir,  &  em  a  fazer  andar  mais  do 
que  ho  piloto  &  mestre  fazião  &  em  a  segurar,  &  em 
ter  muyto  grade  cuydado  de  curar  os  doStes  foy  ião  sin>- 
gular  capitão  que  mais  não  podia  ser.  E  despois  da  aju- 
da  de  nosso  senhor  por  sua  diligencia  foy  esta  nao  aque^ 
le  anno  á  índia  segQdo  os  estoruos  que  teue  pêra  não 
ir.  E  seguindo  Nuno  da  cunha  sua  rola  nã  leuàdo  ê  sua 
conserua  mais  £[  Pêro  vaz  da  cunha  &  dõ  Fernãdo  de 
lima  &  Afõso  vaz  !do  na  volta  do  cabo  de  boa  Espera- 
da lhe  deu  hQ  temporal  de  sul  q  durou  húa  noyte  &  hfl 
dia  ate  véspera,  &  em  acabando  forão  ter  coele  Antó- 
nio de  Saldanha  &  dÕ  Francisco  deça,  que  auia  dias  que 
yãa  em  companhia ,  &  forão  recebidos  com  grande  fes- 
ta. E  indo  assi  em  conserua  lhe  deu  aos  seys  dias  de  Ju- 
lho na  paragem  do  cabo  outro  temperai  de  sul  que  du- 
rou vinte  quatro  horas,  &  poderão  as  nãos  sofrer  ho  pai- 
ro ate  ho  quarto  dalua,  em  Q  ho  veto  foy  em  tanto  cre- 
cimento  Q  a  Nuno  da  cunha  lhe  foy  forçado  arribar  porfi 
era  ho  mar  tão  grosso  que  ho  comia,  &  assi  arribarão  as 
outras  nãos  saluo  a  Dãtonio  de  saidanha ,  que  como  era 
Boua  quis  nosso  senhor  Q  pode  sofrer  ho  pairo ,  &  isso 
iby  tambfr  eausa  de  passar  á  Índia.  E  arribando  Nuno 
da  cunha  íby  correndo  com  aquele  temporal*  ale  que  a- 
calmou  &  achouse  com  Pêro  vaz  da  cunha  &  com  dom 
Fern&do  de  lima.  £  os  outros  capitães  forão  por  esse  mar 
ate  que  tornarão  a  fazer  viagem.  E  achãdose  Nuno  da 
cunha  eõ  seu  irmão.  &  c#m  d&  Fernãdo,  acordou  coeles 
que  por  quaato  era  tarde  &  yão  em  risco  de  não  passar 
i  lodia,  ^  pof  pouparS  caminho  fossem  por  fora  da  ilha 
de  sam  Lourenço,  &  assi  ho  fizerão :  &  dõ  Francisco  de- 
ça  fePrãcisco  de  mendo^  &  Afonso  vaz  que  fizerão  seu 
caminho  por  dentro  íbr&o  ler  a  Moçãbiq ,  saluo  Afonso 


30«  9^  BISTOBU  OA  iinai4 

vM  <)  ae  perdeo  ai)»  iibeM  de^  Moçaaibiqve  &  taltiaoaa 
ioda  a  geala  ^  &  éom  Franoiaca  da^  &  Ff  aooiaQo  d^ 
meadoça  acharão  em  Mo^oibiqae  a  Síoiio  da  ouflba  ^ 
fc  por  ser  paaaada  a  i]M>uqSo  qSq  poderAo  pasaar  aa  li^ 
dia ,  &  inuernarSo  hi»  E  Garcia  de  sa  que  anlea  do  pri» 
nieyro  temporal  ae  apartou  da  edaeraa,  despois  de  «ft 
yer  quaaí  perdido  cft  a  aegiaada  tormenta  aegaío  aua  ro^ 
ta,  &  paaaando  mujrto  (Jabalho  de  fome  fcde  aede  e€ 
que  Ibe  morreo  muyU  genie  fibegou  aa  4^oata  da  Indiík 
bfi  aabado  deaaaele  Doulubro  eom  laata  oeceaeidade  da<» 
goa  que  nâo  leuaua  maia  que  bQa  pipa  dela.  E  deapoia 
dele  oylo  diaa  chegou  Aatonio  de  aaldanba  que  lambft^ 
pasaou  assaz  de  trabalha  oom  fome  &.8ede,  de  (|  Ibe  ar 
doeoeo  quasi  quaala  gSte  leuaua  &  lhe  luotrerâo  peria 
de  aesseota  peaaoaa,  &  Sòy  por  fora,  &  por  fazer  prouK 
aaro  na  agoa  que  leuaua  pouca,  bem  bil  mea  ae  nâo  dea 
a  cada  pesaoa  mais  ^  bQ  quartilho  dagoa  cada  dia,  & 
por  passar  aa  índia  oâo  tomou  nhQa  agoada  por  ae  aão 
deteir:  &  chegou  aBatieala  hCl  sábado  vinte  quatro  Oou-^ 
iubro,  &  dali  foj  ter  a  Codúm« 


p. 


C  A  P  I  T  O  L  O     LXXXVIL 
De.  como  se  perdeo  a  mto  de  Nuno  da  eunha. 


assada  a  tormenta  que  disse  oom  que  ae  aa  nãos  ca« 
palbarâ,  Nuno  da  cunha  ed.  pêro  vaz  da  cunha  &  dota 
Fernãdo  de  lima  seguirão  por  sua  rota,  &  oom  muyta 
roym  viagem  de  ventos  cdlrairos  &  ealmariaa  foy  ter  a» 
ilha  de  sam  Louaèço  quasi  na  fim  Deutubro,  &  surgia 
Qa  barra:  do  rio  de  Santiago  pêra  fazer  agoada, •&  a|i  foja 
ter  coeje  hum  Português  {)  lhe  eontou  como  escapar» 
da  nao  de  Manuel  de  laeerda  que  se  perdera  ali  em  hft 
bai^co  por  culpa  do  aeu  piloto,  &  a  gente  ae  aaluara  n» 
terra  por  aer  perto,  &  Manuel  de  Jacerda  se  deteuera» 
HA  anuo  esperando  que  foseew  aAi  ter  algQaa  naoe  qu9 
os.  tomaaaem :  &  ^  i^ueria^doue  mesesique-andiira  bi  hú» 


BAO  òyto  dias,  de  dia  a  terra  Sc  de  ooyle  ao  mar,  &  que 
eada  noyle  Ibe  faztfto  fog^oa  en  crut  pêra  que  soubesse 
que  estauáo  aii  Ciiriaiãoa ,  &  bubo»  ctegera  a  terra  ^  & 
desfois  desaparecera.  E  esla  era  a  oao  Dfltonio  de  sat^ 
danba^  &  não  qofts  cbegar  flosto  que  «io  M  fogos  ^  por^ 
que  sabia  que  iambS  <m  ntooros  os  faaião  pêra  engâDa^- 
rem  os  Cbrislãos  &  os  fecerera  «begar  a  terra,  &ee  per^ 
dereiD  em  nuylos  baixos  &  restiogas  que  ba  ao  tongé 
dela.  E  disse  mais  a(|le  Português  que  desaparecida  es* 
ta  nao  ficarão  Manuel  de  laeerda  &  todos  muyto  tristes, 
por  nfio  esperarem  tão  cedo  por  outra  tiao.  E  porque  a 
terra  era  muy  pobre  de  mantimentos,  &  não  se  podifiõ 
manter:  &  também  por^  ho  roais  certo  caminho  dasnaoi 
Portuguesas  era  pela  outra  bSda  da  liba  acordarão  de  se 
passarê  lá ,  Sc  feytos  em  duas  qaadrilbas  foy  cada  hfia 
por  seu  cabo :  &  ele  por  estar  doente  se  deixara  ali  fi« 
ear .  &  que  a  gente  dà  terra  ibe  fazia  rouyto  bta  com^ 
pannia,  &  dela  soubera  como  cbegarão  aquelas  três  nãos. 
£  fasendo  Nuno  da  cunha  &  os  outros  capitães  agoada, 
em  bSa  terça  fe^ra  que  auia  quatro  dias  que  ali  estaua, 
estando  os  bateis  dStro  no  rio,  leuantouse  hú  trauessam 
com  que  a  nao  de  Nuno  da  cunha  comet^ou  de  caçar  pe>> 
.ra  terra,  &  por  estar  sobre  h5a  só  ancora  lãçarSo  outra, 
&  despoís  outras  ate  seys  que  não  aura  mais  &  todos  oá 
anates  delas  trincarão ,  &  era  por  Be  roçarem  por  pene- 
dos que  estauão  debaixo ,  &  com  a  grande  força  que  le^ 
uaivão  pelo  peso  das  ãcoras  trÍBéaaão  iogo^  E  não  auCdo 
BwceraB  que  teucssem  a  nao,  eaçou  tanto  pêra  terra  ^ 
q<ue  deu  sobre  hfta  área  Õde  fez  assento  &  ébrio,  en* 
cheose  dagoa^  &  ho  mesmo  ouuera  dacontecer  á  nao  dé 
dom  Fernãdo  de  Hma  se  não  teuera  bA  auste  de  eairò 
f|Ue  teue  mão,  porque  -taimbS  outros  de  linho  trincarão, 
li  oi  esquifes  qve  erão  per  agea  ddíro  ao  rio  nunca  po* 
derio  asãodir  por  he  v|(o  ser  trauessam  Sc  na  boca  do  rio 
fnér  hm  iate  tamanho  escareeo  -que  não  poderão  sair , 
fiê  sairião  ate  nie  açaimar  ho  vento ,  &  a  nao  por  a  res-' 
iinga  ses  baixa  aia  fiaoa  cuberto  dagoa  anais  qsFe  at»  a 


tos  DA  HISTORIA  AA  IlfDIA 

ponte,  &  dali  pera  baixo  iudo  se  ferdeo,  &  a  gente  se 
saluou  (oda,  &  Nuno  da  cunba  se  passou  com  parte  de- 
la pera  a  nao  de  Pêro  vaz  da  cunba,  &  a  outra  se  apoQ- 
aentou  na  de  dom  Fernando,  &  tirados  os  mastos  &  irer* 
gas  a  esta  nao,  &  queymado  quanto  patecia  sobelagoa, 
Nuno  da  cunha  se  partio  caminho  daJndia  a  dez  deNo^ 
uembro  &  foy  ter  antre  as  ilhas  de  Zanzibar,  &  hua  noy« 
te  entrou  em  h&a  enseada  grande  que  se  faz^ía  antre  a 
ilha  de  Zanzibar  &  outra.  B  quando  veo  pola  roanhaS 
nem  os  fiíolos  poderão  entender  por  onde  entrarão,  n6 
por  õde  auião  de  sair:  porque  os  canais  por  Ade  entra* 
rSo  &  por  õde  auião  de  sair  erfto  tão  estreitos  que  não 
se  enxergauão  com  ho  mar  que  arrebentaua  em  froL  E 
despois  de  desesperarem  de  não  poderem  dali  sair  &  es* 
tarem  em  muyio  risco  de  se  perder,  mãdou  Nuno  da  cu- 
nha a  Manuel  machado  capitão  dos  seus  alabardeiros 
que  fosse  a  terra  cora  algQs  deles  a  tomar  lingoa  pera 
saber  ondestaua,  &  ele  foy  no  esquife  da  nao  &  quise* 
ra  sair  em  hOa  pouoação  de  í\  logo  os  negros  acodirão 
bem  armados  de  frechas  &  paos  tostados ,  &  pelejando 
coele  ho  fizerâo  recolher  por  força,  ficisobrisso  lhe  mata- 
rão hQ  gormete  &  ferirão  outros  homSs :  o  que  sabSdo 
Nuno  da  cunha,  fez  conselho  sobre  o  que  faria,  &  seu 
irmão  Pêro  vaz  se  conuídou  pera  ir  a  terra ,  Õde  foy  nó 
batel  com  certos  fidalgos  &  outros  homSs  todos  armados. 
£  vSdo  08  a  gente  da  terra  daquela  maneira  fugirão  & 
despouoarão  ho  lugar :  do  i\  Pêro  vaz  se  agastou  muyto^ 
&  disse  a  todos  que  bem  vião  ho  perigo  em  Q  as  nãos 
estauão^  &  quãta  necessidade  tinhão  de  tomar  qu8  as 
tirasse  dali ,  &  pois  os  negros  não  queriâo  esperar  era 
necessário  tomarSnos  por  manha :  &  esta  seria  ficarem 
em  terra  embranhados  aigOs  dos  nossos,  &  os  outros  fi^ 
zessem  que  se  tornauão  no  batel  á  nao,  porque  como 
fosse  noyte  os  negros  auião  de  tornar  á  pouoação,  &  os 
Q  ficassem  embranhados  poderião  tomar  algii  que  Ihea 
dissesse  ondestauão ,  ou  lhes  desse  maneyra  pera  se  ti- 
rarem dali«  E  a  isto  não  respondeo  ninguê,  saluo  hil  mi^ 


LIVRO  Vlf.  CAPITVLO  LXXXVII.  70^ 

cebo  6dlilgo  chamado  Diogo  de  melo  61bo  de  loSo  de  roe* 
Ia  abade  de  pobeiro  ^  disse  eie  ficaria  eom  hil  seu  irmão 
chamado  Trislão  de  melo,  &  com  hfl  seti  criado  que  a- 
uia  nome  loâo  rodriguez.O  que  lhe  Pêro  vaz  leue  muy- 
to  em  mercê,  louuando  ho  por  isso  grandt^menle,  &  pro- 
metendolhe  de  ho  dizer  a  Nuno  da  cunha  pêra  lhe  fa- 
2fiv  mercê:  &  Diogo  de  melo  lhe  disse  que  visse  como 
fícaua»  &  Unto  que  foss^  noyte  que  acodisse  á  praya 
diante  daquela  pouoaçfto  ondeslauâo  pêra  ele  ler  Ôde  se 
aaluasse,  que  bem  sabia  que  se  auia  de  ver  em  perigo^ 
porQ  não  auia  de  vir  de  terra  sem  tomar  lingoa:  &  cois* 
to  se  foy  embranhar  com  seu  irmão  &  cõ  ho  outro ^  & 
Fero  vaz  mandou  remar  ho  batel  pêra  as  nãos.  E  ven- 
do ho  os  da  terra  ir  cujdarâo  que  se  tornauão,  &  por 
isso  em  anoytecSdo  se  forão  pêra  a  pouoaçao:  &  sintin- 
do  Diogo  de  melo  que  tornauão  sayo  do  mato  cõ  Tris- 
tão de  melo  &  loâo  rodriguez,  &  apanhou  bil  mouro  Q 
ya  só,  que  vendo  os  nossos  ouue  tamanho  medo  que  sa 
calou ,  porque  eles  também  ho  ameaçarão  com  as  espa- 
das nos  peitos  Q  ho  matarião  se  bradasse  ou  não  quises- 
se andar.  E  coisto  derão  muy  asinha  coele  na  praya  on- 
de a  borda  dagoa  acharão  Pêro  vaz  no  batel,  E  vendo 
iodos  ho  mouro  que  era  hQ  velho  forão  muyto  ledos,  por- 
que disse  a  Pêro  vaz  pelo  lingoa  despoís  que  perdeo  ho 
medo,  que  se  ho  não  tomarão  ^  nunca  as  nãos  ouuerão 
de  sair  dali  ainda  que  tomarão  outro,  porque  ele  era  pi* 
loto  daquela  costa,  &  !|  as  auia  de  tirar,  &  ho  mesma 
disse  a  Nuno  da  cunha  despois  ^  foy  coele  que  deu  a 
Di(»go  de  melo  muytos  agardeciméntos  pelo  que  fizera , 
&  lhe  prometeo  que  como  gouernasse  a  Índia  lhe  daria 
a  primeyra  cousa  que  vagasse  que  coubesse  nele,  por{| 
fizera  bu  muyto  grande  seruiço  a  Deos  &  a  el  Rey  em 
lhe  trazer  a(|le  piloto:  do  que  os  !\  forão  cÕPero  vaz  ou- 
uerão grande  enueja,  &  lhes  pesou  muyto  de  não  se  of- 
ferecerem  a  embranbarse  como  se  ele  oííreceo,  E  certo 
q  despois  de  nosso  senhor  ele  foy  causa  de  se  as  nãos 
saluarem  em  tomar  aquele  piloto,  &  ao  outro  dia  ho  pi- 

LIVRO    VII.  BD 


210*  '  »Á  RístoKíA  DA  mm  A 

loto  mouro  lírou  as  nãos  daquela  emeada  por  Iitl  canal 
tào  estreito  que  todos  se  espantauao  de  como  podiâo  por 
ali  sair,  &  dali  forão  ter  âo  porto  de  Zanzibar,  ondeste-^ 
uerão  algQs  dias  refrescando  por  ser  a  terra  niuyto  pêra* 
isso  como  disse  atras.  E  desesperando  Nuno  da  cunha 
de  poder  passar  á  Índia  por  ser  vinda  a  mouçfio  dos  le- 
uanles  que  era  contrairá  pêra  sua  nauegaçSo,  &  lhe  era 
forçado  inuernar  em  algft  lugar  da^la  costa,  determinou 
de  ser  em  Mombaça  por  ter  muyto  bõ  rio  pêra  estarem 
as  nãos  o  que  não  podia  ser  em  Melinde  por  ser  costa 
braua,  &  as  nãos  correrS  muyto  perigo,  &  por  isso  não 
podia  bi  ter  ha  inuerno.  E  assentado  nisto,  deixou  em 
Zanzibar  bem  duzentos  doStes  que  leuaua  por  ir  mais 
despejado ,  &  por  ser  a  terra  muyto  sadia  &  abastada 
pêra  eles  air  ficarem.  E  pedio  a  bft  fidalgo  chamado  A-* 
leixo  de  soosa  chichorro  f\  ficasse  por  seu  capitão,  o  que 
€f]e  fez  de  muyto  boa  võtade  por  seruir  el  rey.  £  Nuno 
da  cunha  se  pàrlio  pêra  Melinde,  onde  foy  muyto  bê  ve^. 
eebido  dei  rey,  &  bi  achou  Diogo  botelho  pereyra  ca*' 
pitão  de  htia  naueta  em  que  fora  buscar  dõLuis  de  me^ 
neses  se  parecia  por  a^la  costa,  porque  auia  sospeita  Ç 
não  era  perdido  &  estaua  ali  com  a  gente  da  sua  Itòo, 
&  daqui  mandou  Nuno  da  cufiha  pedir  licença  a  el  rey 
de  Mombaça  pêra  inuernar  no  seu  porto  dâdolb^  a  re-* 
tão  porque  não  podia  ser  em  Melinde,  &  fazendolhe 
muytos  oflTrecimentos.  Mas  el  rey  de  Mõbaça  parecen-* 
dolbe  que  aquilo  era  manha  pêra  lhe  tomarfi  a  cidade 
Hã  a  quis  dar,  pelo  que  ele  determinou  de  lha  tomar  & 
ter  hi  bo  iúuerao. 


LIVBO  Vn.  «APtTVTe   LXXSCVIII.  S91 

C  A  P  I  T  V  L  o    LXXXVni. 

É 

De  como  Nuno  da  cunha  tomou  a  cidade  de  Môbaça. 

Jbi  dado  parte  desta  determinação  a  seu  irmAo  &  a  dS 
«Fernâdo  a  que  pareceo  bem,  assentou  em  conselho  qua 
lio  deuia  de  fazer.  E  feylo  alardo  da  gente  que  tinha  a«> 
chou  (lytocentos  Portugueses  &  bem  duzétos  mouros  da 
Jndia  nossos  amigos  que  iouernauSo  em  Meliode  que  fo- 
xâo  coeie ,  Sc  seys  centos  com  que  ho  ajudou  el  rey  d« 
Melinde:  &  partio  hõ  dia  atarde  com  quatro  velas:  a 
•capitaina,  a  de  dom  FernSdo  de  lima,  a  de  Diogo  bo^ 
telho  pereyra  &  a  dos  mouros.  E  chegado  ao  outro  dia 
pola  manhaã  á  barra  de  Mombaça  surgio,  &  surto  man- 
dou sondar  a  barra  por  Pêro  vaz  da  cunha  Q  foy  no  ba* 
tel  da  nao  bem  artilhado  &  ibrSa  coele  corenta  homês 
de  que  nlgQs  erâo  fidalgos,  s.  Anrrique  de  sousa  chi» 
ohorro ,  Diogo  botelho  pereyra  &  outros :  &  na  entrada 
.da  barra  que  era  bo  mais  estreito  dela  «charão  que  es*- 
taua  Jiu  baluarte  de  pedra,  &  Q  tinha  oyto  bombardas 
ique  os  mouros  que  estauão  nele  des pararão  logo  em  v&- 
•do  ho  nosso  batel  que  por  ser  rasteiro,  &  passar  muyto 
rijo  ho  não  poderão  pescar :  &  passando  auãte  foy  sur- 
gir no  lugar  onde  as  nãos  auião  de  surgir  que  era  perto 
'da  cidade,  &  este  sinal  auia  de  ter  Nuno  da  cunha  pê- 
ra entrar  sem  Pêro  vaz  tornar  a  daribe  rf>cado,  por<|  das 
nãos  podião  ver  onde  surgia,  pelo  que  Nuno  da  cunha 
começando  de  ventar  a  viração  disfirio  as  velas  leuadas 
as  ancoras,  &  ho  mesmo  íi>zerão  os  outros  &  en trarão  po- 
*  ra  dentro ,  &  tirarãlhe  do  baluarte  mas  não  lhe  fízerâo 
nhõ  dano,  &  Nuno  da  cunha  não  mãdou  tomar -ho  ba- 
luarte por  mostrar  aos  mouros  ^  ho  não  tinha  em  con- 
ta,  &  lhe  fazer  crer  ^  lhe  não  queria  fazer  guerra  k 
consentisse  el  rey  por  bem  que  inuernasse  ali,  &  por  is- 
so esperou  a^t^  dia  ate  noyte  sem  mandar  tirar  á^ida- 
dp  pêra  ver  se  lhe  inandaua  aigO  Teca4o ,  mae  ele  esta- 

DD  2 


211  OA  HISTORIA  9A  I17DIA 

ua  bem  fora  disso,  &  assi  lho  aconselhauâo  os  seus^  & 
diziãlhe  ^  quãdo  se  não  pudesse  defender  que  iDelhor 
era  deixar  a  cidade  que  dariba  por  sua  vontade,  &  que 
l)i  Hie  fícaua  passado  bo  inuerno  {|  os  Portugueses  se  a- 
uiao  dir.  E  coesíe  propósito  despejarão  a  cidade  da  fa* 
2êda  &  da  gente. que  não  ficou  mais  ^  a  de  peleja.  E  v8- 
do  Nuno  da  cunba  que  el  rey  estaua  em  seu  ser  &  não 
]be  mandaua  recado  desenganouse  que  queria  guerra, 
&  pêra  saber  Õde  teria  melhor  desembarcarão,  como  foy 
ooyle  mandou  a  Pêro  vaz  que  bo  fosse  ver.  E  chegao- 
úo  ele  diante  da  cidade  {|  os  mouros  bo  ffintirão  sairão 
muytos  á  praya  &  tirauão  muytas  frechadas  cõ  frechas 
beruadas  q  ferirão  algus  Portugueses,  &Pero  vaz  se  tor- 
nou a  Nuno  da  cunha ,  a  que  disse  que  auia  hOa  praya 
em  Q  podia  bõ  desembarcar  posto  Q  auia  de  sair  a  gète 
por  agoa  que  daria  pola  cinta,  &  dali  a  duas  horas  che- 
gou á  capilaina  hQ  mouro  xie  Melinde  que  vinba  da  ci- 
•ãade  &  disse  a  Nuno  da  cunha  que  se  goardasse  de  de- 
sembarcar na  praya  que  auia  de  ser  cousa  perigosa  po- 
la delõça  que  a  gente  auia  de  fazer  era  chegar  a  terra., 
&  que  entre  tanto  a  frechariâo  os  mouros  porque  assi  bo 
tinhâo  determinado :  por  teso  4  deuião  de  desembarcar 
janto  de  bOa  mezquita  Qslaua  abaixo  da  praya  em^de- 
-aembarcaria  sõ  nbií  perigo  por  ser  ali  alcantilado,  &quo 
ele  mostraria  este  lugar.  E  disse  mais  que  os  mouros  se- 
rião  Ires  mil  de  peleja,  &  que  não  linbão  mais  que  bua 
estancia  de  fora  de  búa  das  port-as  da  cidade  com  qua* 
tro  ou  oineo  bomburdas  de  ferrt^,  &  que  bo  bombardei- 
ro era  bd  Português ,  &  £^  auia  aatreles  aigús  espiogar- 
-deiros,  &  ^  estauão  com  grande  medo  4  "^^  parecia  qua 
auiâo  logo  de  fugir.  Sabido  isto  por  Nuno  da  cun-ha,  cd- 
certou  cô  seus  capitães  de  dar  ao  outro  dra  na  cidade  & 
deu  a  diãteira  a  Pêro  vaz  da  eunba  com  seyscêlos  Por- 
tugueses &.trezèlos  moiíros,  &  muytos  destes  Portugue- 
ses era  espingardeiros,  &  era  seu  capitão  hQ  lidalgo  cha- 
mado. Fernão  coutinbo  que  despois  foy  por  terra  da  ín- 
dia a  Porltigal ,  &  Nuno  da  cunha  com  os  outros  capi- 


LIVRO  VIL   CAPITVLO  ULXUVIIK  2H 

i&es  &  resto  da  gSte  Ibe  auiâo  dir  na  retro  goarda.  Eao 
outro  dia  em  amaobecõdo  desembarcarão  na  mezquUa 
onde  o8  guiou  ho  mouFO  de  Melinde,  que  seria  da  eida- 
de  hu  tiro  de  bésla  ou  pouco  mais ,  &  sem  acharem  ali 
resistência  (porque  os  mouros  os  esperauâo  na  praya) 
seguirão  pêra  a  cidade  que  era  cercada  de  muro  baixo, 
&  forao  contra  a  porta  onde  de  fora  eslaua  a  estancia 
que  ho  mouro  dissera^  em  que  estauâo  duas  bõbardaa 
xle.  ferro  que  tirarão  algus  tiros.  E  vendo  ho  bombardeia 
ro  Q  os  nossos  se  chegauâo^  fugio  com  medo  &  assí  os 
mouros  que  estaoão  na  eslãcia  se  recolherão  á  cidade. 
£  vedo  el  rey  que  contra  os  Portugueses  nã  auia  defen- 
sa fugio  da  cidade  cõ  toda  a  gente  ^  &  como  a  pressa 
foy  grande  que  não  podião  leuar  o  que  linhão  deixarão 
Biuyta  parte  dele  soterrado,  &  outra  leuarão  &  lhes  ficou 
}X)r  hi«  E  ei  rey  se  pos  na  mesma  ilha  mea  legoa  da  ci- 
dade  cõ  seu  arrayal  bê  fortalecido.  E  não  achado  Nuno 
da  cunha  nbua  resistência  nos  mouros,  não  os  quis  se* 
guir  &  mandou  roubar  a  cidade  em  que  ho  mais  que  se 
achou  forão  mantiroStos,  porê  algQs  acharão  dinheiro 
com  Q  se  tornarão  dali  pêra  Portugal  no  nauio  de  Dio- 
go botelho.  E  tomada  assi  a  cidade  sfi  morrer  ninguém 
dOa  parte  &  da  outra,  fez  Nuno  da  cunha  algQs  caua- 
leiros,  &  despois  mandou  fortalecer  algQa  parte  dela  a- 
trauessando  as  ruas  cõ  tranqueiras :  por^  pêra  quão  pou- 
cos os  nossos  erâo  ficaua  ela  mujto  grande,  &  não  a  po* 
diao  defender  toda :  &  temiase  Nuno  da  cunha  que  os 
mouros  lhe  corressem  por  quão  perlo  estauão.  E  forta- 
lecida aquela  parte  da  banda  do  mar  com  suas  estancias 
-&  gente  que  as  goardasse,  apousentouse  nos  paços  dei 
fey,  &  dahi  a  algus  dias  mandou  lomar  ho  baluarte  da 
barra  em  que  ainda  estauão  mouros ,  &  mandou  a  isso 
dom  Rodrigo  de  lima  irmão  de  dÕ  Fernando  de  lima , 
que  cora  os  que  leuaua  tomou  ho  baluarte  matado  &  ca- 
.  tiuando  a  mór  parte  dos  mouros  {|  ho  goardauão,  &  to- 
mandolhe  sua  artelharía,  &  foy  ferido  do  Rodrigo  de  híLa 
iirechada  &  assi  algus  outros:  &  ele  morreu  despois  da 


SI4  BA   HISTORIA    1>A  ÍNDIA 

ferida  por  ser  a  frecha  heruada.  E  dali  por  diante  como 
os  mouros  estaufio  tão  perto  da  cidade,  &  a  major  paro- 
le dela  esleuesse  despejada,  vinbâo  correrlhe  de  dia  & 
de  Boyte,  &  como  não  achauSo  resislScia  da  parle  do 
sertão  desauergonhauise  tftto  que  entrauâo  dentro,  ft 
hSs  leuaoão  o  que  lhes  ficara  escondido,  outros  chega- 
uão  ate  as  tranqueiras  t(  os  nossos  tinlvSofeytasnasruas^ 
&  querião  passar  por  elas,  &  assi  ho  fízerio  se  pelos  nos- 
sos lhe  não  fora  defendido  (}  lhes  resísíião  fortemdte :  & 
se  os  nossos  não  teuerSo  necessidade  de  pelejar  na  to- 
mada da  cidade  aqui  teuerSo  (anta  2)  os  mais  dos  dias 
&  das  noytes  ho  faziâo ,  por^  os  mouros  erXo  tâo  sobe- 
jos que  coniinuamSte  vinhSo,  &  muytas  Teses  tomauSo 
os  Portugueses  comendo  &  erão  feridos  niuytos  de  bua 
parte  &  doutra.  E  hQa  vez  sayo  dõ  Fernando  de  lima 
com  tamanha  pressa  que  foy  sem  capacete  cd  hõ  chapeo 
de  frisa,  &  passãdolho  com  hua  frecha  ho  ferirão  na  tes*-* 
ta:  ao  que  ele  disse  muyto  alto.  Amores  de  minha  mo- 
]her  por  mostrar  que  não  sentia  a  ferida,  &  pelejou  lam- 
bem com  os  (}  ho  ajudauâo  que  fez  fugir  os  mouros  de 
que  ficarão  algQs  mortos.  E  sendo  os  Portugueses  tão 
perseguidos  coestes  continos  rebates,  afrontauasse  Nu- 
no da  cunha  disso,  &  tinhao  por  grande  injuria,  &  por- 
que não  sabia  quantos  os  mouros  erão  &  os  nossos  serfi 
poucos  não  ousaua  de  mãdar  dar  no  arrayal  pêra  os  fa- 
zer afastar  dali:  &  desejado  de  tomar  lingoa  pêra  qiYe 
soubesse  o  2)  digo,  encomendou  a  Diogo  de  melo  de  que 
disse  atras  que  lha  tomasse,  porque  tinha  nele  confian* 
ça  que  ho  faria,  &  ele  lho  prometeo,  &  forão  coele  Tris- 
tão de  melo  &  outros  dous  homês  &  hQa  noyte  se  dei- 
tarão em  cilada  perto  do  arrayal.  E  estando  assi  forão 
ter  coeles  dous  mouros  de  que  tomarão  hQ,  &  em  no  to- 
mando deu  tamanhos  brados  antes  que  lhe  podessè  ta- 
par a  boca  (|  foy  ouuido  no  arrayal,  õde  bo  aluoroço  f<fy 
muyto  grande,  &  começarão  todos  de  se  reboluer  pena 
acodir:  o  que  sentindo  Diogo  de  melo  q^uisera  tomar  bo 
mourç  ás  cofitaFS-  &  kuaio':  mos  era  tão  gordo  que  nu«- 


LIVRO  Til.  CAPITVLO  LXSXIX.  2t{|' 

oa  ele  d8  hhií  doi  outros  bo  poderão  leuantar.  E  vedo 
ele  isto ,  &  que  dali  á  eidade  era  mea  legoa  ^  &  qiie  ho 
uâo  auia  de  poder  leuar  contra  soa  vontade  por^  oa 
mouros  vinhão  raatou  ho  &  oorteulire  bu  braço  que  le** 
uou  pêra  testemunho  do  que  fizera^  &  perlo  da  mea  ncy-' 
te  chegou  aa  cidade  coeie  &  por  Nuno  da  cunha  dormir 
deu  bo  braço  ao  seu  camareyro,  &  ao  outro  dia  lhe  con<* 
tou  o  que  fizera :  &  querèdo  laa  tornar  pêra  ver  se  po-^ 
dia  tomar  língoa  não  ouue  disso  necessidade ,  porque  os 
ttooros  não  tornarão  mais ,  que  vendo  que  os  Portugue- 
ses cbegauâo  de  noyte  ao  seu  arrayal  pareceolhes  que 
Hies  punhSo  cilada,  &  ouuerâo  tamanho  medo  que  dali 
por  diante  não  yâo  á  cidade  se  náo  com  muylo  tento,  & 
Ée  dauák)  rebates  era  poucas  vezes,  de  modo  que  os  Por- 
tugueses ficarão  liures  da  afronta  em  que  dStes  estauão 
polo  b6  esforço  de  Diogo  de  mele.  E  auendo  ja  dias  que 
Nono  da  cunha  ali  estaua  começarão  os  nossos  dadoe* 
cer  &  morrer  por  ser  a  terra  doentia ,  &  em  todo  bo  in- 
uerno  que  durou  ate  fim  de  março  morrerão  trezentos  & 
setenta  Portugueses  antre  os  quaes  morreo  Pêro  vaz  da 
cunha  &  outros  muytos  fidalgos  &  caualeyros. 

CAPITVLO    LXXXIX. 

Do  §  ho  gcuemadór  fest  este  inuerno  em  Goa ,  ^  de  co* 
mo  se  perdeo  kãa  armada  no  ria  de  Chatua. 

Xnuernãdo  ho  gooernador  Lopo  vaz  de  saro  Payo  este 
luerno  do  ãno  de  vintoylo  na  eidade  de  Goa  não  quis 
prouer  a  fortaleza  de  capitão,  Sc  ele  mesmo  ho  foy  pêra 
tirar  algOas  tiranias  que  sabia  Q  fazião  os  capitães ,  assi 
tomo  dar  sentSças  por  dinheiro,  por^  os  juyzes  não  po« 
dião  despachar  os  feytos  se  não  eoeles,  leuar  hda  tãga 
de  todos  os  eaualos  que  yão  Dormuz:  &  irião  sempre 
bus  anos  pelos  outros  passante  de  dous  mil  eaualos,  de 
tudos  os  seguros  Q  dauão  ás  nãos  Dormuz  quãdo  se  tor- 
nauão  hH  pardae  por  eada  vinte  eandis ,  &  auia  nao  ^ 


2  ia  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

pagaua  cincoSla  pardaos,  &  mais  hâa  iang-a  de  cada  pes- 
soa, &  nã  auia  anno  que  nâo  foaseni  a  Goa  seasénla  ae- 
tSia  nãos  &  leuaua  cada  hOa  muyta  gente,  E  estes  iri-» 
butos  que  os  mouros  sentiâo  muyto  roais  Q  os  que  pa- 
gauão  a  el  rey  na  alfandega  tirou  ho  gouernador,  de  Q 
os  mouros  folgarão  tanto  que  no  anno  seguinte  forâo  a 
Goa  muyto  mais  nãos  que  atelí  &  a  renda  dalfandega 
teue  muyto  grande  crecimento,  &  assi  concertou  outras: 
miudezas  que  erão  muy  necessárias  pêra  bõ  reginien-to 
da  cidade  &  nobreza  dela.  E  porque  auia  algQa  falta, 
dos  mantimentos  ^  yáo  do  Balagate  por  os  Tanadares 
do  Hidalcâo  os  antreterfi,  mSdoulhe  sobrisso  hOa  embai- 
xada per  Tristão  de  gá,  cõ  hO  presfite  du  ames  inteiro 
laurado  de  romano  cÕ  medalhas  &  folhajê^  duas  maçaa 
de  torneo  de  prata  douradas  &  bua  soma  de  coral  gros- 
so, mSdadoíhe  oíTrecer  sua  ajuda  se  lhe  fosse  necesaria. 
Do  i)  o  Hidalcã  se  mostrou  muyto  cõ(6te,  &  despachou 
ho  com  muytos  agardecimfitos :  &  prouísÕes  pêra  os  ta- 
nadares {|  deixassem  passar  pêra  Goa  quantos  mâtimS-> 
tos  lhe  leuassfi  &  cortar  na  terra  firme  toda  a  madeira^ 
Q  quisesse :  cõ  o  ^  foi  a  cidade  bõ  prouida.  E  por^  não 
saysse  de  Calicut  nS  de  seu  seilorio  nhua  pimêta,  mã- 
dou  o  gouernador  Simão  de  melo  cõ  hu  galeâ  &  cinco 
bargãtís  a  goardar  a  costa,  &eleticou  esperando  por  An* 
tcnio  de  mirãJa  Q  chegou  na  íim  de  setSbro.  E  fuylhe 
recado,  de  dõ  loã  deça  capitão  de  Caoanor  ^  a  vinte  de 
setèbro  se  perdera  hua  armada  Q  sayra  de  CochI  de  tre- 
ze bargãtis  &  catures  &  bOa  galeota :  &  cÕ  hu  supito 
trauessâ  dera  toda  á  costa  na  boca  do  riu  de  Chatuá  na 
costa  de  calicut  &  se  espedaçara ,  &  a  gõte  fora  toda 
morta  &  catiua  pelos  mouros:  pelo  ^  ei  rey  ficara  muito 
soberbo  &  fazia  hua  grossa  armada :  cõ  cujo  íauor  oa 
mouros  de  Cananor  andauã  muito  aluoraçados:  por  isso 
Q  saisse  de  Goa  ho  mais  cedo  ^  podesse. 


LIVRO  VTf.  CAÍirVtO  IMU  217 

C  A  P  I  T  V  L  o    XC. 

■  • 

Como  o  youemadar  desbaratou  Culiak  de  Tanor. 

r-^abido  isto  pelo  gouernador  8  seis  dias  se  aoaboa  de 
fazer  prestes:  &  pariio  de  gop  ko  j. -dputubro  deixado 
jK)r  capttS  António  de  ttiírSda  ^  descâçase  do  trabalho 
^  leuara  no  estreito.  Iforâ  coete' estes  capitães  nos  seua 
galeões  PernS  rodrigoez  barba,  lopode  mezqaita^  Anr^ 
ri{)  de  macedo,  António  ^e  lemos  a  {)  deu  ho galeão  Dan* 
tonio  da  silua :  leuou  mais  S  sua  conserua  ate  sele  bar- 
I^Stins  ^  oáo  auia  mais  &  Goa ,  &  ele  foy  no  gfaieáo  saiu 
Dinis.  E  chegado  antre  rodte  Deli  achou  Simão  de  me« 
lo  seu  sobrinho  l\  lhe  disse  Q  tinha  auiso  de  dõ  loão  de-» 
ça  capitão  de  Cananor ,  {)  estaua  em  Termapatâo  hQÀ 
frota  deCalicut  de  exxx.  velas.  s.  sessenta  paraós  bê  ar^ 
roados  &  artilhados  &  as  outras  pagueres  &  nãos  de  car- 
ga {)  leuauã  especiaria  a  meça:  &  os  paraós  yão  fi  sua 
goarda  ate  serS  fora  da  costa  da  índia :  de  <}  çra  capitão 
mor  Cutiale  de  Tanór  vaiSte  caualeyro  ()  tinha  por  sctÀ 
por  chegar  entã  da  casa  de  Meca.  E  sabSdo  bo  gouei> 
nador  esta  noua  disse-^  se  fossem  laçar  ao  mar  da  baya 
de  cananor  2)  ali  2|ria  pelejar:  por()  dãdolhe  nosso  senhor 
vitoria  como  esperaua^  queria  Q  a  vissem  os  mouros.  B 
fezse  alamar  cõ  os  galeões :  &  os  bargantios  mftdou  que 
fossem  ao  longo  da  cdsta :  &  assi  foy  surgir  onde  dieo  á 
boca  da  noyte:  &  logo  mâdouSi^ira  ho  malabar  capitão 
dâ  catur  a  saber  noua  da  .armada  dos  jnouros  se  ya,  ou 
^  fazia  pêra  a  ir  buscar  se  não  viesse  logo.  E  ele  a  a« 
ehou  no  caminho:  porque  sabendo  Cutiale  que  Simãe 
.de  melo  andaua  a  monte  Deli  com*  tão  fHHicas  velas,  de- 
terminou de  ho  ir  toçoar  parecendolhe  f\  ho  podia  fazer 
cõ  tamanha  armada,  &  despois  de  ho  tomar  esperaua  de 
ir  cõbater  a  fortaleza  de  Cananor:  &  ooeeta  determina* 
ção  se  fez  á  veia  de  madrugada,  &  passado  a  vista  do 
jgouernador  cuydoQ  i\  era  Simão  de  fM\a  &  \)ot  isto  vi^* 

LIVRO    VII.  EB 


rou  sobrele.  E  era  fermosa  cousa  de  ver  Ifila  multidão 
de  nauios  todos  cò  as  telas  ínfuoudas  &  muylo  pêra  es- 
pSlar  a  qu6  auia  de  pelejar  coeles,  a  soma  darlelharía 
de  Q  y&o  armados^  a  gftíe  «em  cÕlo  de  ^  >ae  ibrne^idos, 
abastada  despingardas^  darcos  &  frechas,  de  zagQchos^^ 
despadas  &  doutras  aroias  oflfensiuas  &  defettsiuas :  & 
dftdo  gritos  ^  parecia  ^  feodião  bo  ceo  com  prazer  de 
lhes  parecer  Q  lomaríáe^  oa  nossoa^  &  coisao  tantas  diuer<« 
•idades  de  tágeres  Q  retenião  ()  quebrauio  os  ouuidoa 
de.  quS  os  -outtia»  E/e(  tinlo  o  goueriiador  eomo  os  vio 
armouse  logo  Sc  fea  sÍDal  de  conselho  a  ^  forào  o»  capi^ 
láes  &  fidalgos  &  aobarâiio  ainda  araiSdose ,  &  sem  so 
assentar  assi  em  pé  como  esiaua  lhes  disse  {|  determi* 
aaua  áe  pelejar  c&  os  mouros*  LopQ  daaeuedo,  do  Túb* 
tão  de  noronba  &  Eytor  da  silueir»  dísserâo  lugo  4  P^ 
fecería  doudice  Qrer  pelejar  cd  armada  tào  grossa  ^  ho 
não  deuiáo  de  cometer^  masQ  se  a{)túhoassem  &  íraes» 
ae»  fortes  pêra  ae  defenderft  dos  Itiiigos  se  os  cometes^ 
sS»  E  coestes  se  forão  a  major  parte  doa  do  conselho  9 
fc  algos  4  foráo  bA  poucos  disíão  como  a  medo  4  seria 
meibor  pelejar  ^  apiahoarèse^  porQ  es  mouros  nos  seus 
RAuios  ^  erâo  rasteiros  os  rodeariâo  &  matarião  ás  espi* 
gardadas  &  frechadaB  sem  Uia  eles  poderè  fa2er  nhft  ikh 
jex  doa  galeò<>S)  por  isso  iie  meibor  seria  pelejar  eoeles  & 
comeleloa  logo  nos  b^iRgãlins,  por^  por  serS  ligeiros  po» 
derião  êtrar  &  sair  quaado  quisessem,  &  os  gakdes  iriâo 
i  vela  em  sua  cõpanhia  pêra  seruir^  cõ  a  artelh«'>ria  co« 
mo  fi>rta)exa.  E  deb^afido  bi^s  &  outros  sobre  faicerS  boaa 
suas  rezôes,  ehegou.  Siqrueira^  &  como  era  muyto  esfor«« 
çado  &  sabia  bei»  a  ^iM^rra  do  mAr  por  aiuer  dias  Q  a  v^ 
aaua,  dkse  ao  gcueraador  ^  íazia  por^  estaua  Ião  deiia« 
gar,  ^  se  os  mouras  ebegaufto  a  elea  ^  Ibea  auiâo  d«  fa^ 
ser  muyto  mal  esíãdo  da^^a  matteyra,  Q  não  tinbão  ou^ 
tro  remédio  se  não  cometeles  nos  bargaiina  somêíe  & 
não  no  meyo  em  Q  auia  grada  força  ae  na  per  qualquer 
dos  cabos  ^  auião  dcatar  fracos  &  aà  se  auiao  de  podc^t 
ajudar  tão  aainba  ^  eles  oã  leuassS  nat  aido  cada  bfii  seu 


paniD !  êt  (|  esperaua  è  nosso  Mnhor  ^  ot  aoia  dajudar 
€oiiio  fifeera  ouíras  vezes  ^  k  ^  eiHri»  tãto  2)  oometeaaeiti 
aofl  bargSlIs  os  galeões  fâriflo  seu  offioio  c6  aarielharia. 
Ao  gouernador  lhe  pareeeo  bfi  este  conselho  roas  nfl  ou- 
sou de  ho  tomar  por  tâtos  capitSes  &  fidalgos  Ibe  seifi 
cõtmiros  &  ealauasse,  &  loio  de  soíre  ouuidor  geral  que 
era  do  parecer  do  gooernador,  &  porí)  ho  via  calar  iiA 
ousaif a  de  faiar  ^  poslhe  rijo  htl  pé  sobre  ho  seu  outbido 
parele  como  l|  lhe  conselhaoa  ^  tomasse  ho  parecer  de 
Siqueira,  fi  ele  parece  ^  inspirado  de  nosso  senhor  pe- 
ta auer  a  vitoria  (|  ouue,  disse  SAuyto  ledo  &  esforçado. 
Ora  sus  que  ey  de  [letejar ,  A  eles  com  ho  notne  de  le- 
su :  quS  quiser  acompanhar  bo  seu  gouernador  &  a  ban- 
deira reei  de  sua  Aitesa  sigame.  B  coisio  tosnou  lUta  es* 
pigarda  ás  costas  &  saltou  em  hQa  fusta  de  que  era  ca- 
pitão loSne  ho  tafui,  &  nS  ho  seguirão  outros  iidaigcB 
se  nSo  os  que  jSo  no  seu  galeão ,  que  forSo  estes ,  Buy 
díae  pereyra ,  dom  Sancho  Manuel ,  loSo  rodriguez  pe« 
Teyra  ho  pássaro,  dA  Francisco  de  oraste,  loSo  pereyra, 
Brás  da  silua  da2euedo,  Garcia  de  melo,  Duarte  coelho, 
l<*eroão  da  siiua,  Nuno  pereyra,  Lienel  de  soosa,  An- 
dré casco,  Manuel  de  brito  cabral,  Francisco  de  barros 
de  paiua.  Porque  os  mais  dos  que  forSo  de  voto  que  não 
se  pelejasse  se  deixarão  ficar,  &  não  com  medo  mas  com 
pesiir  da  bonrra  ^  o  gouernador  ali  poderia  ganhar ,  que 
ainda  nSo  podião  apagar  bo  ódio  que  lhe  tinhão  por  par- 
te de  Pêro  mazcarennas.  Embarcado  ele ,  achouse  com 
trese  ou  quatorze  bergantins  &  catures  que  também  a- 
codirão  algOs  de  Oananor,  de  í\  forão  capitães  Francís- 
co  mfidez  de  Braga,  Marttm  da  situa  &  lorge  vaz,  &  de 
•todos  fez  deus  escoadrões*:  &  ho  dtãleiro  deu  a  Simão  de 
•  melo  com  quC  foy  Lopo  de  mezquitaeiD  bd  l>arganlim, 
&  ho  outro  lhe  ficou ,  &  foy  hii  dos  capitães  Ferolb  rè- 
driguez  barba.  Isto  ordenado  remeterão  aos  Imigos  l\  es« 
tauão  a  tiro  de  berço  bradado  porSãtiago,  &  dão  por  hQ 
cabo  tirando  muytas  bombardadas  &  espingardadas  cÔ 
que  os  romperão  deixando  arrobados  algiis  paraós  sem 

BB  2 


220  OA  HfStOEIA   DA   INOfA 

receberS' deles  dano,  &  ho  mesmo  foy  doutra  rez  que  os 
tornarão  a  rorofier:  &  desta  vez  sete  bargantiAs  nossos 
.aferracio.sete  paraóa  dos  IíbidÍ(^os^  de  que  dos  prioiey- 
ros  três  que  abalroarão  efâo  capiiães  SiQira,  Frâcísco 
mãdes  de  Brat^a,  Martíin  da  silua  de-Cananor»  E  em  a- 
: ferrando  lhes  lançarão  dentro  inuylas  panelas  de  poluo- 
ra  com  que  os  queymarào  &  aos  mais  dos  que  y&o  ne- 
les :  &  ho  goueroador  com  os  outros  lambe  pelejarão  tã^ 
ésforçadameiile  que  poserão  os  inimigos  em  tal  aperto 
•c^e  se  desbaratarão' em  menos  de  duas  horas  Q  durou  a 
lorf^a  da  pefeja,  &  fugitão  a  remo  hQs  pêra  Cananor,  ou- 
tros por  esse  mar  que  andaua  bem  cuberto  deles  que  se 
iançauã  a  ele  por  escapar  dos  nossos,  Q  matarão  muy- 
tos  &  outros  catiuarão»  £  durou  isto  ate  ho  meyo  dia 
que  começou  a  viração  de  (}  os  Iraigos  se  ajudarão  &  de- 
^•fdo  á  vela  pêra  fugirS  atodo  tira:  o  ^  vfido  ÍM>  gouerna- 
dor  Qs  não  quis  mais  seguir  por  os  seus  esiarè  muy  can- 
•sftdos  &  rècelbeo  09  paraós  ^  estauã  rSdidos^  foràojuxv. 
eõ  os  meiidds  no  f&do  em  ^  forâo  tomadas  quasi  cincoS- 
ta  peças  darlelbaria  9  &  fora  mortos  &  catiuos  bê  dons 
mil  mouros  9  sem  dos  nossos  nã  morrer  nhft  o  ij  foy  mi- 
lagre por  quã  poucos  erã  &  os  ímigos  tantos  decujo  san- 
gue o  mar  em  ^  foy  a  batalha  se  tornou  de  cor  de  san- 
gue ()  foy  a  vista  de  C('^naHor :  &  por  isso  os  mouros  de- 
le a  virão  muy  bem  ^  todos  esleuerâo  na  praya  cuydã- 
do  Q  os  nossos  auiã  de  ser  tomados  &  (rcarâo  muy  to  tri- 
stes quando  vvrão  ho  cõlrairo«  &  5zerão  grandes  pratos, 
porQ  muy  tos  dos  mortos  erão  naturais  de  Gananor.  E 
receâtlo  eí  rey  de  Calkul  f\  por  amor  d^sla  vitoria  Ihea- 
'tregasse  ho  goueniador  a  ierra  porCrãganor  mandou  la» 
ho  principe  com  muy  ta  gê(e  :&  sabido  isto  ê  Cpchim 
mandou  ho  védoc  da  fazenda  bua  armada  ao  passo  de- 
Cranga  nor» 


UVRO  VU.  CAPITVLO  XCI.  22} 

CAPITVLO    XCI. 

De  como  ho  goueniador  correo  a  cosia  de  Calicul  ^  des- 

íruyo  a  vila  de  Porquá. 

xjLuida  esla  tamanha  vitoria  ho  gouernador  se  tornou 
aos  galeões  &  achou  do  Tristão  de  noronba,  Lopo  da- 
zeuedo  &  Blylor  da  silueira:  que  despois  do  gouernador 
partido  pêra  dar  a  batalha  se  correrão  de  bo  não  ajudar 
&  yão  pêra  isso  em  híi  batel,  noas  chegarão  a  tempo  ^ 
tudo  era  acabado:   &  ele  &  os  outros  que  contrariarão 
ao  gouernador  {|  não  pelejasse  ficarão  muyto  corridos: 
&  muyto  mais  de  ho  não  acompanharem  na  peleja  &  (í-> 
careni  nos  galeõeSé  E  parecendo  a  algQs  que  o  gouerna- 
dor ho  escreueria  a  el  rey  fízerão  ea|>ituÍos  dele  por  se 
vingar  que  prouarão  por  seus  parSles  &  09  mandarão  a 
el  Rey  no  anno  seguinte:  mas  ho  gouernador  Q  não  ti- 
nha tal  pensamêlo  posto  ^  ho  nã  acõpanharã  na  batalha, 
lhes  fez  tàta  hÕrra  &  gasalhado  como  se  a  eles  vêcerão. 
.E  porQ  poderia  ser  i}  a  armada  dos  mouros  se  tornariAr 
a  reformar  nã  quis  ho  gouernador  desêbaroar  õ  Gananer 
.&  dous  dias  esteue  esperado  no  mar»  E  vfido  Q  nã  tor* 
nauã  pareçêdolhe  ^  auiã  deslar  metidos  por  esses  rios, 
partio  a  buscalos  cd  conselho  dos  capitães  &  fidalgos,  & 
.mãdou  diàle  a  Simão  de  melo  por  capitão  mór  dos  bar- 
.gãtls,  &  ele  ya  ao  mar  c5  os  galeões.  £  indo  assi  êirou 
Simão  de  melo  cõ  noue  bargantia,  Ôde  soube  que  esta* 
não  varado»  doze-  paraós  &  queimou  es  cõ  parte  do  lugar 
.sem  em  seus  moradores  auer  resisiencia,  porque  fugirão 
como  virão  os  nossos,  Q  despois  de  queimados  es  paraós 
cortarão  quantaa  palmeiras  auia  aè  derredor  do  lugar 
que  era  a  mayor  destruição  que  se  lhes  podia  fazer:  & 
despois  disto  sayo  em  Ghatuá^õde  queimou  deaasete  p»- 
raós,  &  ho  lugar  com  morte  de  muytos  dos  seus  roora'- 
dores  em  vingãça  dos  nossos  que  ali  forão  mortos  quãdo 
ae  a  frota  perdeo.  E  asst  sayo  em  ouin>»  lugares  que  to> 


SSS  0A  HTSTOWA  DA   IKIITA 

do8  forSo  destruídos  estando  ho  gouerimdor  no  mar  a 
vista  de  tudo,  9c  assi  foj  ate  Cranganor  onde  achou  a 
nossa  armada  que  hi  estaua  como  disse.  E  sendo  certo 
que  bo  príncipe  deCalicut  n8o  estaua  ali  se  nft  pêra  de- 
fensam leuouha  em  sua  oompanhta ,  porque  leuaua  de- 
terminado de  ir  dar  em  Porquá  pera  destruir  ho  Arei 
pola  ímízade  que  tomara  com  os  Portugueses  por  amor 
dei  rej  de  Caiieut.  Este  nome  Darei  he  titulo  de  senho- 
rio, &  assí  era  bo  Arei  senhor  da()l6  lugar,  Sc  grande 
cossairo  de  toda  roupa  pera  o  (\  trasia  muytos  catures 
b6  artilhados,  &  coisto  tinha  aquirido  grade  tesouro,  4c 
tinha  muyta  artelharia  &  b6  quinhão  de  g6te  de  peíejfi. 
£  por{|  bo  gouernador  isto  sabia  determinou  de  o  de^ 
truir  &  dar  ho  lugar  a  saco  pera  Q  os  Portugueses  enrrf- 
^cessem,  &  isto  disse  secretamente  a  aigdscapttfiesporQ 
•e  não  rompesse  &  desse  supitamente  no  lugar.  E  par- 
tido de  Cranganor  tarde ,  fez  que  ya  pera  Cochim  ,  8c 
em  anoy tecendo  fez  volta  sobre  Porquá  onde  surgio  em 
amanhecfido,  &  em  surgindo  saltou  em  terra  eò  sua  g6- 
te,  a  que  fez  saber  que  lhe  daua  ho  lugar  a  escala  fran- 
ca, com  j)  todos  6carão  tSo  ledos  que  posto  (|  a  sua  8- 
trada  era  muyto  perigosa  por  ser  por  esteiros  de  maré, 
&  por  muyta  vasa  que  chegaua  ao  gtolho,  passarão  to- 
do prestesmente  leuando  Simão  de  melo  a  dianteira, 
.inas  não  acharão  com  quem  pelejar  por  ho  Arei  ser  fom 
com  sua  gente  de  peleja.  E  os  moradores  que  erão  fra* 
cos  &  sem  armas  em  vSdo  os  nossos  fugirão  &  deixarã- 
Ihe  ho  lagar,  em  que  ele  entrando  se  forão  dereyfos  aos 
paços  do  Arei  &  meterãnos  a  saco,  &  tomouse muy  gros- 
so dinheiro,  porque  eu  vi  hâ  caldeirão  de  cobre  que  te- 
uaria  faB  cântaro  dagoa  c{  tomou  Francisco  mfidex  <¥& 
Braga  cheo  de  pardaos  douro,  &  outros  tomarão  dez  mil, 
«)yto  mil ,  cinco  mil,  .&  ho  geral  de  c6to  &  duzStos  pem 
cima  &  erão  mil  homSs.  E  a  fera  ho  dinheiro  amoedado 
douro  «c  tomou  outro  muyto  de  prata  &  peças  rioas  de 
pedraria,  &  muytos  panos  rícos  da  Pérsia,  Choraman- 
del  k  das  iliiasda  Ala(d4ua ,  &  camarabãdos  da  Pérsia: 


LITS»  WtU  eiPlTVLO  XCH.  323 

&  forSo  tomadas  sua  molfaer  da  Arei  &  irQa  sua  irmaâ, 
que  nâo  poderão  fugir ,  fermosamêle  arrayadas  douro  ^ 
atjofar  &  pedraria  ,  assi  nas  orelhas  como  no  pescoço  ^ 
mãos »  braços  &  pernas  &  tudo  Ibes  foy  tomado  &  elas 
ficara  caliuas.  E  roubado  ho  lugar  foy  destrui  do  com  seu 
Mtio  em  redondo  a  fo|;o  &  a  ferro  i|  nâo  escapou  nhOa 
cottsa^  &  forão  tomadas  oy tenta  peças  darteiharía  de  fer« 
ro  &  de  metal  &  oylo  paraós  &  dous  catures.  E  coesla 
vitoria  se  foy  bo  gouernador  a  Cochim :  &  ho  Arei  ficou 
tão  quebrado  desta  destruição  que  nunca  mais  ousou  cJe 
ser  cdtra  os  nossos,  &  daqui  naceo  fas&er  despois  paz  c5 
Muno  da  cunha,  &  não  ousou  de  a  fazer  com  ho  gouer-* 
nador  por  saber  que  aquele  anno  se  esperaua  na  Índia 
que  fosse  outro  de  Portugal,  &  auia  medo  que  desfizes* 
se  o  que  esteuesse  assentado,  &  resgatou  sua  molher  &• 
irmàa  |X>r  muyto  dinheiro» 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCII, 

De  como  soube  ho  gouernador  que  as  fustas  de  Diu  cor- 

rião  a  Chaul:  ^*  do  qfez* 

Jtlislãdo  bo  gouernador  em  Cochi  chegou  Garcia  de  saa, 
fc  dbspois  António  de  saldanba,  que  como  disse  se  a-r 
partarã  de  Nuno  da  cunha  com  a  tormenta  que  Ibes  deu: 
fc  contarão  ao  gouernador  o  que  passarão  na  viagem.  E 
António  de  saldanba  lhe  disse  ^  segundo  ho  tempo  que 
auia  i)  se  apartara  de  Nuno  da  cunha,  1}  peis  não  era 
na  índia  Q  nâo  passaria  aquele  ãno,  &  assi  pareceo  a  lo* 
dos*  E  assêtado  Q  não  passaria  a2|le  anno,  tornou  bo  go» 
nernadcr  a  fazer  guerra  aCalicut,  pêra  o  ^  se  foy  aÒa- 
vanor  cõ  toda  a  armada,  &  surgido  ao  mar  mSdou  a  Si* 
nuão  de  melo  4|  fosse  queimar  %uatorse  paraés  de  Cali^* 
cot  ^  estauão  no  lugar  de  Marauia  ao  pé  do  mote  Deli : 
fc  Simão  de  melo  foy  lá  cÕ  cinco  bargãila  em  {)  leuou 
sessSta  boaiCs  &  pelejou  cd  os  mourus  que  eráo  trt?2en- 
tos ,  &  despois  de  pelejarem  iiA  peda^  us  desbaratou  & 


234  BA   HISTORIA   DA   ífTOfíA 

06  fez  fugir  &  queimou  os  paraoe.  E  feyto  isto  toi^noa- 
86  Simão  de  melo  a  Gananor  &  desembarcou  cÕ  ho  go- 
vernador, que  determinado  de  mandar  António  de  mi« 
randa  á  cosia  do  Malabar,  deu  a  capitania  de  Goa  a  M 
loSo  de<;a  capitão  de  Cananor :  &  a  de  Gananor  a  Si- 
nSo  de  melo,  a  que  deixou  noae  bnrgantins  darmada 
ate  a  vinda  de  António  de  miranda,  Q  despachou  des« 
pois  de  ckegfar  a  Goa  pêra  onde  se.paflio  de  Cananor: 
&  despois  dele  partido  paríiose  dom  loSo  deça  pêra  Goa, 
&  em  chegando  se  partio  António  de  mirada  pêra  a  co»- 
ta  do  Malabar  com  hQa  armada  de  duzStos  homSs.  E  es- 
tando ho  gouernador  em  Gt)a  lhe  foy  dado  hfi  recado 
muyto  apressado  de  Francisco  pereyra  de  berredo  capi« 
tão  de  Chaul  em  que  lhe  dizia*  {}  as  fustas  de  Diu  que 
erão  cincoenta  &  tantas  chegauSo  á  boca  da  barra  de 
Chaul  &  lhe  corrião  cada  dia,  {}  8e  tem^a  segQdo  tra- 
zião  muyta  gente  que  entrassem  no  rio  &  tomassem  a 
fortaleza  que  tinha  pouca  gente:  'p4>r  isso  que  socorres- 
se logo  se  não  que  lha  õcaropaua.  Pelo  que  ho  gouer- 
nador assentou  de  ir  a  Chaul  como  (razia  determinado 
de  ir  por  outro  recado  como  aquele  que  lhe  Frãcisco 
pereyra  mãdara  a  Cananor.  E  partiose  de  Goa  a  cinco 
de  laneyro  de  mil  &  quinhStos  &  *vinte  noue  bem  con* 
tta  vontade  Dantonio  de  saldanha  &  de  Garcia  de  sá 
que  forão  coele ,  que  c5  outros  muytos  fidalgos  lhe  con« 
trariarâo  sua  ida,  dizfido  que  a  pessoa  do  gouernador  dá 
índia  não  auiade  ir  a  cousa  tão  f)ouca  a  seu  respeito 
como  as  fustas  de  Diu ,  que  abastaria  mandar  hQ  fidal- 
go. E  ho  gouernador*  que  sabia  que  era  hHa  armada 
muyto  poderosa ,  &  que  se  a  desbaratasse  faria  grande 
seruii^o  a  el  Rey  seu  senhor  não  quis  se  não  ir  &  leuou 
hiia  armada  de  cincoenta  &  duas  velas,  galeões,  g^lés, 
galeotas,  bargantins  &  catures,  &  nela  dous  mil  homens 
Portugueses  &  dos  da  terra.  E  chegando  a  Chaul  achou 
que  as.  fustas  fugirão  com  medo  de  sua  ida,  do  que  os 
que  Iba  contrariarão  zombarão  muyto  &  diziâlhe  que  as 
fosse .  buscar f,  &  logo  o.  gouernador  despedio  ha  capitão 


~\ 


LIVRO  vn.  cAFirvLO  xciii.  225 

dfl  c^tor  ^  lhas  fosse  bnsoar  ate  certas  legoas  pola  cos* 
ta:  &  ele  as  achou  no  rip  de  Máiin,  &  vío  que  erão  ses- 
senta &  três  cheas  de  gStç  &.muy  bS  armadas  dartelha- 
ria,  &  que  andaua  por  capitão  inór  delas  bQ  valfite  mou- 
ro chamado  Halixa ,  &  assi  ho  disse  ao  gouernador  que 
achou  na  barra  de  Chaul.  E  sabendo  ele  esta  noua  en-i 
trou  no  rio  &  foy  desembarcar  na .  fortaleza ,  &  despois 
de  desembarcado  chegarão  no  mesmo  dia  á  barra  treze 
fustas  de  Haiixa  que  eie  mandaua  a  saber  nouàs  do  quQ 
ho  gouernadcr  déterminaua,  &deulhe  por  sinal  {|  se  lhe 
saíssem  de  Chaul  !)  era  sinal  que  ho  gouernador  ya  pe-* 
]ejar  coele  Sc  se  não  não.  B  os  mouros  chegarão  á  boca 
da  barra  posto  que  os  nossos  galeões  eslauão  bi  surtoSi 
&  não  lhes  ouuerão  medo  porque  ventaua  a  viração  que 
era  contraíra  pêra  saírem  de  dentro,  &  começarão  des«- 
bombardear :  o  que  sabido  pelo  gouernador.  mãdou  logo 
a  Eytor  da  silueira  que  lhe  saísse  cÕ  doze  bargantis  !\ 
foy  a  renftos  ate  a  boca  da  barra  cõ  a  decente  da  maré 
mas  não  pode  sair  por  amor  da  montante  que  começa* 
ua.  E  com  tudo  os  mouros  fugirão  &  fora  dar  esta  noua  a 
Halixa. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCIII. 

De  como  ho  gouernador  disse  aos  capitães  da  armada  que. 
queria  ir  tomar  Diu  ^  de  como  foy  contrariado. 


s 


abSdo  ho  gouernador  Ôde  as  fustas  estauão,  &  {)  nã 
corrião  a  Chaul  como  dantes  determinou  de  as  ir  buscar 
pêra  pelejar  coelas :  &  prímeyro  ^  partisse  descobrio  aos 
capitães  &  fidalgos  hfla  cousa  Q  ja  de  Goa  trazia  na  v5* 
tade,  E  jQtos  todos  em  conselho  lhes  disse.  Bê  sabeis  se* 
Aores  ^  Diu  he  a  mais  forte  cousa  de  toda  a  costa  de 
Cambaya ,  &  chaue  de  toda  a  índia  por^  dali  a  pode  el 
rey  de  Cambaya  conquistar,  &  ali  he  a  certa  cdheita 
dos  rumes  se  vier6  á  índia :  &  por  isto  a  fora  ser  tão 
mao  vezinho  como  he  pola  guerra  Q  nosfazimf)orlamuí'*' 
to  ao  seruiço  dei  Rey  meu  senhor  toníarse  ^  o  (}•  agora. 

LIVRO   VII.  FF 


SS6  0A    HI8TOSIA    DA    IlfMA 

prasAdo  a  notso  senhor  se  podara  fazer  cò  moyto  pouco 
perigo  de  seus  vassalos  &  muy  pouoo  gasto  de  sua  fasfr» 
da,  porque  eu  sey  certo  ^  a  principal  genle  de  Diu  an- 
da nestas  fustas ,  &  a  major  par(e  de  sua  arlelbana ,  h 
^  MelíQ  toefto  <}  agora  he  capitão  he  ainda  noao  oaguer^ 
ra  &  sabe  pouco  dela  {|  sam  cousas  euidStes  pêra  se  po« 
der  tomar  facilmfite :  &  esta  foy  a  causa  pricipal  de  mi^» 
nha  vinda  &  nâ  buscar  as  fustas  5  |>era  isso  abastara  bi 
capitão.   E  porJ|  eu  sey  certo  J)  Õiu  esta  desta  maney-» 
ra ,  &  sey  Q  cô  ajuda  de  nosso  seAor  bo  poderemos  to^ 
mar ,  me  parece  Q  deuemos  de  deixar  as  fustas  &  en« 
golfarmonos  no  mar,  como  que  imos  a  Ormuz,  &  engole 
fados  fazer  volta  sobre  Diu  onde  vêdonos  de  supito  bSo 
de  cuydar  que  deixamos  sua  armada  desbaratada  de  que 
bio  dauer  tamanho  medo  Q  ou  se  nos  hão  de  dar  ou  uão 
hão  de  poder  resistir  pêra  os  tomarmos :  &  islo  me  cre« 
de  como  a  homem  que  de  idade  de  dezaseys  a  anos  anp* 
dey  sempre  na  guerra  ategora«  E  pregutado  a  António 
de  Saldanha  &  a  Garcia  de  sá  que  lhes  parecia,  diaserSo 
que  lhes  nSo  parecia  bem  ir  primeyro  a  Diu  que  peie^ 
jar  com  as  fustas,  porque  segundo  a  genle  delas  andaua 
soberba  vSdo  que  oie  se  partia  de  Chaui  &  as  niio  ya  bus* 
car  creriâo  ^  lhes  fugia  &  leriãoatreuiroêtode  iraChaul 
&  deslruir  a  cidade  &  a  fortaleza :  &  quanto  a  ir  a  Diu 
também  lhes  fiarecia  mal  porque  nào  crião  que  estaua 
despejado  nê  se  deuia  de  crer  se  se  nâo  visse  peb  olho^ 
porque  como  auiSo  os  mouros  de  sertãodesouidadosqua 
estando  ele  (So  perto  auiSo  de  ter  Diu  desapercebido  pen 
ra  se  defender  importa ndolbe  tiito:  &  aparecendo  ele 
no  seu  porto  &  nâo  ho  tomando  seria  híia  grande  des« 
honrra :  por  isso  nfto  era  bè  que  fosse,  nem  menos  és  fus-* 
tas  porque  era  muyto  pequena  empresa  pêra  bo  gouer^ 
nador  da  índia.  E  c&  ho  parecer  destes  dous  ae  forâo  os 
mais  dos  que  ali  estauão,  somente  Eyior  da  silaeira  foy 
do  parecer  do  gouernadòr,  assi  em  ir  a  Diu  como  em  ir 
pelejar  cÕ  as  fustas ,  &  por  ser  h6  só  não  aproueitou  ^ 
mas  ho  gouernadòr  disse  que  ainda  que  parecesse  mal  a 


LlVaO  TU*  CAPlTru>  Xdlll.  8S7 

4cMfe8,  que  aiiia  dir^ajar  o&  as  faiiaB,  flcquefosaBcoe** 
le  qlift  quiaesse.  fi  k>go  se  partia  oaoi  toda  a  armada^ 
&  deu  a  eapitania  oiór  doa  aaidoa  da  reiao  a  Eytor  da 
ailoeira  pêra  qae  foste  ao  longo  da  eosta,  &  ele  com  cm 
nauíot  grossos  ya  hom  pou^o  amarado  pêra  qoe  as  fua* 
tas  ibe  nfto  escapassem.  E  quádo  bo  gooeraador  parlio 
apareceo  no  ceo  bO  siaal  branco  (ey  lo  coaio  barra  Sc  » 
trauessaua  de  noroeste  a  sueste  &  linha  hfla  ponta  so** 
bne  DíQ  9  de  ^  despois  se  soube  qae  os  mouros  tomarSo 
naylo  mao  pronosiico,  &  esle  sinal  durou  ate  ho  dia  & 
hora  em  q  as  fustas  forâo  desbaratadas. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCII». 

De  como  ho  gouemaéhr  pelejou  com  u  armada  de  Diu 

^  ade9baruUm. 

Xli  indo  bo  governador  nesta  ordem  dia  dfitrudo  atar» 
de  aparecera  ao  longo  de  terra  bOas  treze  ftistas  que 
ySo  pêra  Cbaui ,  &  em  auendo  vista  da  nossa  armada 
voilarSo  fugindo :  bo  gouernador  como  vio  estas  cuydoa 
l\  vinha  toda  a  armada:  meteose  logo  em  hd  barganlim 
eÕ  determinação  de  pelejar  coela.  E  vendo  que  não  erão 
«lais  foyse  ao  barganlim  Deltor  da  silueira ,  &  disselha 
que  ao  outro  dia  prazendo  a  nosso  senhor  eaperaua  que 
jpelejaesem  com  as  fustas ,  &  deuihe  ho  regimento  do 
que  aaia  de  fazer :  porque  ele  auia  destar  nos  galeões 
faiiorecêdo  a  batalha :  &  pêra  mais  animar  os  capitães 
na  peleja  n>ftdon  apregoar  por  toda  a  frota ^  que  daria 
c8  cruzados  ao  capitáo  q  primeyro  aierraase  fusta*  £ 
aabido  pela  frota  qae  auiXo  de  pelejar  confessarãae  to^ 
dos  aquela  noyte:  &  ao  outro  dia  q  era  <|uarta  feyra  de 
eioca  seys  de  Peuereyro  em  rSpendo  a  alua  chegarão  a 
Bombaim  dde  as  fustas  estauSo  pegadas  cõ  hOa  ponta  ^ 
fc  erSo  per  todas  sessenta  &  quatro.  Eytor  da  silueira 
como  foy  lho  dia  claro  que  as  vio  correo  lodce  os  bargan- 
t!a  &  cataees  de  soa  capitania  &  nUkloo  a  todos  os  car 

FF  2 


S28  '     BA    HISTORIA    lU  tNDM     * 

pilães  que  nSó  tirassS  obit  tiro  aes  Imigos  senSo  des* 
pois  de  desesperarem  de  os  aferrar-  que  assi  ho  tkiba 
mandado  ho  gouernador ,  porque  wAo  fugissem  com  me^ 
do  da  nossa  artelbaria.  £  receando  Evlor  da  silueira  ^ 
os  mouros  se  se  vissem  em  apertada  sè  acolhessem  á  hu 
rio  que  lhes  íicaua  da  bãda  do  oorle ,  niãdou  a  bus  oyio 
capilães  de  hargantíns  que  em  ele  rompêdo  com  os  mou* 
ros  tomassem  a  boca  do  rio  &  lha  defendessem ,  &  aba* 
lou  pêra  os  mouros  com  os  outros  cujos  capitão  erao  á 
fora  ele,  Diogo  coelho,  Gaspar  paez,  Francisco  aluares, 
loão  rodriguez  ho  chatim,  Pedraluarez  de  mezquila, 
António  correa  de  Goa,  Lourêço  bolelho,  Ghristouâo 
Lourenço  carracão,  bo  calafate  de  Gbaul,  Diogo  cores- 
mas  maiu,  Pêro  barriga,  António  colaço,  Ghristouâo 
correa,  lorge  diaz,  &  Antonjoferoandez :  com  qu6  ySo 
estes  6dalgos ,  Ghristouâo  de  melo  &  Diogo  de  sã  Payo 
sobrinhos  do  gouernador,  dõ  Frãcisco  de  crasto,  loão 
perejrá,  Manuel  rodriguez  c^uiinbo,  André  casco,  Frã- 
cisco de  barros  de  payua,  Luys  Coutinho,  Duarte  coe* 
lho,  loão  de  melo,  Garcia  de  melo,  António  barbudo, 
loão  da  silueira,  Manuel  docarualhal,  Nuno  pereyra, 
Lãçarote  dnlpõeni  &  outros  a  que  nâo  soube  os  nomes. 
Halixa  estaua  coro  suas  sessenta  &  qbalro  fustas  feytas 
è  três  batalhas  &  ele  na  da  retrogoarda:  &  como  vío  que 
os  nossos  ababuão  deu  sinal  abs.  seius  que  tirassem  coro 
a  artelbaria ,  &  começou  de  tirar  tãtos  pelouros  que  era 
cousa  despanto,  &  tudo  foy  cuberto  de  fua>o,  &  por  mais 
bastos  que  os  pelouros  eriui  os  nossos  tirauáo  auante 
quanto  podião  sem  nbà  tirar.  O  que^  visto  por  Haliza^ 
&  H  chegauâo  a  aferrar  nâo  ousou  dagoardar  mais  com 
medo  &  fezse  á  vela  pêra  dobrar  a  põia  que  digo  &  a* 
eolberse  pelo  rio  acima,  &  por  ho  venío  ser  escasso  pê- 
ra isso  mandou  meter  os  remos. de  Q  tão  pouco  se  pode 
ajudar  por  ser  contra  agoa,  §  vazaua  a  maré,  &  por  iá- 
6o  se  mudou  a  outra  fusta  peQna  &  deixou  a  sua  Q  era 
grade,  o  que  foy  causa  descapar  da  peleja  que  a  este 
tempo  se  começaua  datear  brauamente ,  porque  o&  nos- 


LIVRO   VII.  CAPITVLO  XCIIII.  22$ 

fi08  chegarão  aos  iromigos,  &  ho  primeyro  bargántiio  ^ 
aferrou  cÕ  hQa  das  fustas  Q  era  como  bQa  boa  |;aleola 
Soy  ho  Dantonio  fernfldez  em  i)  yão  os  fidalgos  <}  disse  ^ 
&  com  a  grande  pancada  Q  ho  bargantim  deu  em  afer- 
rando tornou  a  desaferrar  &  afastouse  hQ  pouco  ficando 
dentro  na  fusta  Francisco  de  barros  de  payua  ^  foj  ho 
primeyro  que  saltou  neia  &  ficou  na  postiça  onde  ho  es* 
jpaço  que  ho  bargantim  esteue  sem  tornar  a  abalrroar 
correo  muyto  grande  perigo  &  sofreo  trabalho  ímmenso 
em  se  defender  dos  imigos  que  trabalhauãoquãtopodiãò 
pof  lhe  tirar  a  vida.  E  tornando  ho  bargantim  a  aferrar 
foy  socorrido  dos  outros  a  2)  os  mouros  defendião  que 
não  ètrassem  na  fusta.  £  estado  nesta  perfia  cayo  da 
gauia  da  fusta  hua  panela  de  poluora  que  quebrou  na 
mesma  fusta  do  mas  to  pêra  a  popa ,  &  tomando  fogo  a 
poluora  que  ali  estaua  arrebentou  com  hu  medonho  es- 
touro,  &  toda  a  cuberta  daquela  parle  lançou  ao  mar 
com  quantos  estauão  neta  y  &  Francisco  de  barros  que 
hi  estaua  cayo  no  bargantim  ferido  em  hum  hombro  di& 
zagunoho,  &  forflo  feridos  loão  pereyra  de  bda  frechada 
Bo  rosto,  &  dom  Francisco  de  crasto  na  cabeça  com  hua 
pedra,  &  conu)  a  fusta  arrebentou  ficou  rSdida ,  &  en- 
tre tanto  chegou  Eylor  da  silueira  com  os  outros  capi- 
tães y  &  aferrado  os  !migos  apertarãnos  tã  rijo  que  fize- 
râo  saltar  muytos  ao  oiar  &  outros  matarão,  &  os  des- 
baratarão de  maneyra  que  todos  fugirão  &  os  Por^ugue* 
ses  os  seguirá  &  por  se  não  poderem  acolher  ao  rio  que 
cuydauãoy  forâo  tomadas  coreia  &  seys  fustas  com  toda 
sua  artelharia  &  queimadas  três  de  Q  não  escapou  nin- 
guém que  todos  fofão  morto»  nelas  &  no  mar :  sem  dos 
Portugueses  morrer  nhfl ,  somente  forão  algfts  feridos , 
&  das  onze  fustas  que  escaparão  reeolheo  Halixa  sete 
g5  a  sua  &  fugio  pêra  bd  lugar  grande  chamado  Taná 
donde  se  foy  a  Baçaim,  &  as  quatro  fugirão  p^lo  rio  de 
Nagotane  onde  forão  tomadas  pelos  gentios  de  Chaul, 
&  assi  não  escaparão  mais  que  as  sete  ^  leuou  Halixa. 
£  desbaratados  os  mouros,  reoolbeose  ho  gouernador  cd 


tS*  lU  HflTOUA  BA  TNDIA 

M  numioÊ  grossos  aa  enseada  de  Bombaim  no  próprio 
dia  j  no  qaal  fc  na  noyte  segulte  os  dos  nauios  de  remo 
que  pelejarSo  cõ  os  mouros  os  acabarão  de  matar  na  a- 
goa*  E  isto  fejto  ajuntou  Eytor  da  siiueira  soa  armada^ 
&  as  fustas  que  toraoit  aos  fmtgos  &  foyse  pêra  bo  go* 
uemador  que  ho  recebeo  cS  moyto  prazer^  &  iaa  armon 
eaualeiros  a  mujtos  fidalgos  &  a  outros  que  bo  quiserSo 
eer  por  se  acbarC  em  bCi  feyto  tio  hOrrado  como  aquele 
foy,  &  de  que  os  mouros  iicarSo  muy  debelitados:  por^ 
toda  sua  esperança  eslaua  na<j[U  armada.  B  juntos  todoa 
os  nossos ,  tornou  ho  gouemador  a  piopoer  em  oõseibo 
sua  ida  a  Dia^  dando  por  rezSo  muy  principal  ho  desba- 
rato das  fustas  com  ^  Dio  ficaua  desbaratado  &  ae  tei- 
maria facilmente  ou  se  daria  ^  mas  nSo  lhe  aproueiton 
por(}  António  de  Saldanha  &  Garcia  de  sa  lhe  lorão  muy 
cdtraíros,  &  por  sua  causa  outros  muy  tos  como  da  pri* 
meyra.  E  foo  a  cousa  a  tâto  (|  lhe  désae  Garcia  de  sa 
que  aXo  roubasse  a  honrra  a  N«no  da  cunha  que  el  rey 
não  maodaua  aa  índia  a  outra  cousa  se  não  a  tomar 
Diu :  por  isso  ^  lho  deixasse,  «e  não  S  pedia  dele  bO  es- 
(onnêto,  &  ho  mesmo  dizia  António  de  saldanba.  E  por 
ho  gouernador  não  ter  da  sua  parte  mais  que  Eytor  da 
siiueira,  &  andar  muy  acanhado  c5  a  vinda  de  Nuno  da 
cunha  ^  quasi  ninguém  bo  queria  ver,  não  ousou  dir  cõ- 
tra  os  requerimêtos  que  lhe  fa^ião.  E  segundo  se  dcspois 
aoube^foy  cousa  muy  errada  não  ir  a  Diu  porQ  se  Ibe  en- 
tregara se  la  fora  &  não  custara  tãto  como  ^pois  cusv 
tou  assi  de  aangue  como  de  dinheiro ,  &  pêra  sua  d«s- 
culpa  com  el  rey  pedio  bo  gouernador  ao  secretario  hii 
estormento  de  certidão  do  que  proposera  naquele  con- 
selho &  no  outro  ates  de  pelejar  com  as  fustas ,  pêra  ^ 
el  rey  soubesse  q«e  ee  não  deixara  de  tomar  Diu  por  sua 
culpou  E  este  estormCto  foy  tirado  de  hQ  auto  que  ho  se- 
cretario fez  dambos  os  conselhos  que  foy  assinado  pelos 
que  forão  neles. 


LIYAO  VIU  CAP1T¥U>  XG¥.  S3 1 

C  A  P  I  T  V  L  O     XCY. 

De  eomo  ho  gouemador  quUeru  ir  $obr€  a  cid^  de  Ta* 

ná^  ^  a  CQiu9a  porque  nâofoy^ 

V  eodo  ho  gouernador  Q  não  podia  ir  a  Diu ,  determí* 
BOtt  de  dar  em  Taoá  bfla  cidade  da  mourot  qualro  le^^ 
goas  por  dentro  do  rio  de  IMiaim,  cidade  grande  &  ríca^ 
&  em  ^  ae  fas  muyta  roupa  de  Cambaya,  &  era  senhor 
dela  bQ  Xeque :  &  porQ  ho  goutjrnadur  aabia  que  esiaua 
rioa  a  queria  tomar  pêra  a  dar  a  aaco  aos  soldados  ^  le^ 
uaasem  de  comer  pêra  ho  inuerno ;  &  pêra  1|  ho  fizesse 
tributário  a  el  rey  de  Portugal.  C  proposto  isto  em  con^ 
selbo ,  &  acordado  que  bo  tisesse  embarcouse  na  fusia* 
Iba  &  nos  baleia  dos  galeões  com  toda  a  gente  da  arma** 
da ,  &  António  de  saldanba  fo^  õ  bOa  galé  muyto  con*» 
tra  võtade  do  gouernador  &  de  todus,  porque  ya  em  ris^ 
00  de  ficar  em  seco :  &  aquele  dia  á  tarde  que  foy  bo 
primeyro  de  Março  entrou  pelo  rio  de  ASaim  com  deter^ 
minaçâo  de  chegar  a  Taná  em  amanhecido  porque  to* 
masse  os  immigos  mais  desapercebidos.  £  indo  todos  a 
remo  com  a  maré  que  enchia  ja  perto  da  cidade ,  soube 
ho  coniilre  da  gaiéDantonio  de  saldanba  tSo  mal  atinar 
bo  canal  do  rio  que  se  meteo  por  hfi  esteiro,  em  que  fi- 
cou em  seco  qoãdo  vasou  a  maré  que  foy  quasi  em  ama<^ 
nbecendo ,  &  assi  ficou  toda  a  armada  em  seco ,  &  foy 
cousa  espitosa  quando  foy  manhaã  clara  ver  como  fica^ 
rào  os  bargantios  &  catares ,  porque  bils  ficauSo  com  os 
esporões  fincados  no  ehSo  &  as  popas  pêra  cima,  outros 
com  os  esporões  pêra  cima  &  as  popas  pêra  baixo ,  que 
parecia  que  os  esteueráo  ordenando  daquela  maneyra : 
do  que  ho  gouernador  ficou  bem  agastado  porque  nSo 
auia  outro  remédio  se  uSo  esperar  pola  maré :  &  os  ca- 
pi  tiles  asu  como  bo  nauio  de  cada  bum  pedia  nadar,  as** 
9i  tiraua^  pêra  a  cidade  por  mais  mandados  que  bo  go- 
ueraador  Jasia  que  bo  nã  fixessem ,  &  deixauãno  só ,  & 


232  BA    HISTORIA    DA    fNOlA 

ate  António  de  Saldanha  deixou  a  sua  galé  em  seco  & 
foyse  em  hOa  fusta,  &  a  gale  ficou  ê  risco  de  nSo  poder 
sair ,  porque  as  agoas  yão  quebrando  como  que  as  ma- 
res da  noyte  sam  mores  que  as  do  dia ,  &  por  isso  ficou 
a  gale  S  muyto  pouca  agoa,  &  não  podia  nadar,  nè  po- 
derá sair  sem  ajuda :  &  esta  deu  ho  gouernador  que  por 
se  não  perder  nã  se  quis  dali  ir  ate  a  nSo  tirar,  &  ele 
por  sua  pessoa  se  meteo  na  vasa  ate  a  cinta  &  ajudaua 
a  tirar  pelos  cabos  &  aportar  ancoras  porJ|  os  fidalgos 
que  yão  coele  tirassem  tãbem ,  o  1}  eles  fizerão  &  forão 
Christouão  de  melo ,  Diogo  de  sam  Payo,  dom  Francis- 
co de  ^rasto ,  Frãcisco  de  barros  de  payua ,  loão  perey- 
rs,  Manuel  rodriguez  contenho,  Ândre  casco,  Luys  Cou- 
tinho ,  Duarte  coelho ,  loâo  de  melo ,  Garcia  de  melo , 
Idão  da  silueira ,  Manuel  do  carualhal,  António  barbu- 
do, &  Lançarote  dalpõem.  E  ajudarão  também  Louren- 
ip  botelho  com  a  gSle  da  sua  fusta  &  ho  colaqo  coro  a 
do  seu  catur:  &  leuando  todos  tanta  fadiga  &  trabalho 
que  lhe  saya  ho  sangue  das  mãos  de  puxarS  poios  caboa 
tirarão  a  gale  pêra  ho  alto  das  oyto  horas  daraanhaãate 
a  hOa  despois  de  meyo  dia,  sem  nhQ  dos  outros  capi- 
tães querer  ajudar  se  não  tirar  pêra  a  cidade  posto  que 
vião  ho  trabalho  em  ^  ho  gouernador  fícaua.  E  vendo  ele 
tão  pouca  obediScia  aos  seus  mandados  não  quis  dar  em 
Taná  porque  receou  ^  tão  pouco  lhe  obedecessem  lá  & 
que  recrecesse  disso  algu  desastre,  &  tornouse  pêra  a 
frota  que  deixaua  no  mar.  £  vendo  os  que  estauão  diã- 
te  da  cidade  partir  a  bandeira  forão  a  pos  ela :  &  ho  go- 
uernador não  quis  castigar  tamanho  desacatamSto  co- 
mo aquele  foy  por  os  culpados  serem  muytos  mas  re- 
prendeos  brãdamenle:  &  perdeose  h&  bÕ  saco  naquela 
cidade  porque  estaua  muy  rica.  E  por  ser  ja  perto  do 
inuerno  &  ho  gouernador  auer  dinuernar  em  Goa,  & 
não  ter  mais  j|  fazer  na(|la  costa  que  não  fizesse  hu  ca- 
pitão mòr  &  deixou  hQa  armada  de  vinte  bargantins  & 
duas  galeotas  com  trezentos  homSs  a  Eytor  da  silueira 
pêra  que  fizesse  a  guerra  na^Ia  costa  ate  ho  cabo  do 


LIVRO  Vil,  CÁPJTVLO  XCVI.  «31' 

Terão  em  que  se  recolheria  a  Ghaul^  &  ele  partiose  pê- 
ra Goa  onde  chegou  em  Março. 

€  A  P  I  T  V  L  o    XCVI. 

Do  que  fez  António  de  miranda  na  costa  do  Malabar 
côtra  os  mouros  de  Calicut  cô  ajuda  de  Chrisiouâo  de 
melo. 

v^egado  bo  gouernador  a  Goa  despois  do  desbarato 
das  fustas  mâdou  a  Ormuz  três  galeões  carregados  de 
mercadoria  dei  rey,  cuja  capitania  mór  deu  a  dom  Fer-> 
liando  deça  seu  .cunhado,  &  forão  seus  capitães  Antó- 
nio de  lemos  &  Lopo  <ie  mezquíta ,  &  mandoulhe  que 
da  voUa  fosse  fazer  presas  á  ponta  de  Diu,  &  despachou 
pêra  Rlalaca  a  Garcia  de  sá  qoe  tinha  a  capitania ,  & 
encomSdoulhe  muyto  ho  resgate  de  Martim  afonso  de 
melo  jusarte  que  estaua  catiuo  em  ^Bõgala,  &  mandou 
ao  Malabar  Christouâo  de  melo  seu  sobrinho  em  hfla  ga- 
le &  seys  bargâtins  de  baixo  de  sua  bandeira  pêra  que 
se  ajuntasse  com  António  de  miranda  &  lhe  obedecesse^ 
E  chegado  laa  foy  coele  ao  rio  de  Chalé  õde  sabia  que 
estaua  hQa  grande  nao  dei  rey  de  Calicut  carregada  de 
pimgla  pêra  Meca  &  doze  paraós  pêra  irem  em  sua  com- 
panhia em  que  aueria  ojk>  centos  mouros  frecheiros  & 
espingardeiros  a  fora  outros  despadas  &  laças  ^  erão 
rouytos,  &  António  de  miranda  entrou  no  rio  com  os 
bargãtis  &  catures  leuâdo  os  a  fio  por  ambas  as  partes 
do  rio  que  lhe  não  fizesse  nojo  a  artelharia  dos  mouros^ 
que  tinbSo  os  paraós  diante  da  nao  na  metade  do  rio  en-* 
cadeados  de  quatro  em  quatro  com  bombardas  nas  proas 
&  per  ambos  ^s  bordos.  E  por  mais  bombardadas  !\  ti- 
rarão ,  os  Portugueses  remado  a  todo  tira ,  &  desparan- 
do  sua  artelharia  lhe  chegarão ,  &  aferrando  cõ  os  qua- 
tro diSteiros  pelejarão  tão  rijo  c5  os  mouros  que  estauão 
neles  Q  os  fizerão  fugir  saltado  hQs  ao  mar  &  outros  re- 
colhendose  pêra  os  paraós  traseiros  que  logo  forão  cer- 

Livao   VIK  GO 


834  BA  MiSTOEU  DA   ÍNDIA 

oados  do9  Portugueses ,  &  pêra  se  despacharS  mais  asi- 
nha  lhe  lançarão  dêtro  panelas  de  poluora  com  que  os 
queimarão^  &  coisso  se  deitarão  todos  os  mouros  ao  mar, 
&  deles  forâo  mortos  i>agoa  outros  fugirão  pêra  terra  a 
Dado  cõ  (amanho  medo  que  nem  na  pouoação  se  atreue- 
rão  a  saluarse,  &  os  Portugueses  a  Rimarão  &  destrui* 
rflo  tudo  ao  derredor.  E  destruída  a  terra  tornouse  An- 
tónio de  miranda  sem  perder  nhQ  dos  seus  de  ^  forão  fe- 
ridos algiis,  &  leuou  consigo  a  nao  carregada  como  es* 
taua  Sc  ojrlo  paraós  §  os  quatro  forão  queimados,  Sc  ma* 
douha  coeles  a  Cochim  onde  ho  vedor  da  fazenda  man^ 
dou  fazer  deles  bargãtins ,  &  a  pimenta  foy  descarrega- 
da na  feytoria.  Despois  disto  and&do  António  de  miran- 
da &  Cbristouão  de  melo  a  monte  fermoso  h&  da  bãda 
do  sul  &  outro  da  do  norte,  teueChristouão  de  melo  vis- 
ta da  armada  deCalicut  hu  dia  a  tarde,  &  sabendo  que 
era  de  cincoeata  paraós  ajuDtouse  com  António  de  mi-* 
Vanda  (que  ainda  não  sabia  parte  dela)  &  diaiselho,  & 
por  ser  tarde  não  pelejarão  coela  aquele  dia  &  deixara* 
RO  pêra  ho  outro  dia.  E  cõeerlado  da  maneyra  i\  auiade 
ser,  em  amanhecendo  foy  seChrístouâode  melo  em  bus- 
ea  dos  immigos  iiulo  abolinãdo  ao  longo  de  terra  com  ho 
lerrenho,  &  António  de  miranda  se  empegou.  E  ido  £ts- 
si  ouue  Ghrislouão  de  melo  vista  dos  imigoa  que  tam- 
bém ho  buscaoão,  &  sendo  perto  deles  tiroulhe  algas  ti- 
vos,  &  como  ^  auia  medo  díeies  poios  ver  muytos  virou- 
lhe  a  popa  com  os  oulros  &  fezse  na  volta  do  marJ  E  em 
os  mouros  vendo  que  fugia  forão  após  ele  obra  de  trin- 
ta paraós  que  ho  seguirão  ate  auer  vista  Dantonio  de 
miranda,  que  indo  de  auiso  do  ^  auia  de  fazer  em  ven- 
do Cbristouão  de  meio  fez  volta ,  &  passando  a  sota  ve- 
to dele  meteose  por  âtre  os  imigos,  que  vSdose  assi  co- 
meter de  sobre  salto  amainarão  pêra  fugir  a  remos  por- 
que não  podíão  pola  bulína.  E  nesta  detença  oyto  dos 
nossos  bargantins  aferrarão  oyto  paraós,  &  começarão 
de  pelejar :  &  querêdo  os  outros  fugir  sayolbes  ao  en- 
contro ChrislouSo  de  melo,  &  seys  dos  seus  bargantins 


LIVRO  VII.  CAPITVLO  XCVII.  236 

nbaIrroarSo  cÕ  outros  seys  paraós ,  &  os  dezaseys  I|  fica- 
rão por  aferrar  fugirão  ate  se  ajuntar  t^om  ho  seu  capi- 
tão mor  seguindo  os  António  de  onranda  ás  bon>barda« 
das  &  espingardadas:  &  nisto  esteuerâo  hd  pouco  coe- 
les,  {|  posto  que  os  quiserão  aferrar  eles  se  goardarSo 
bem  disso:  tanto  que  apertando  os  nossos  pêra  ho  fazet 
lhes  fugirão  ao  longo  de  terra  metendose  por  rios  &  es- 
teiros cõ  muyta  gente  ferida  &  algos  paraos  arromba^ 
dos,  &  António  de  míranda  &  Chrislouão  de  melo  oa 
não  quiserão  seguir,  &  forâo  ajudar  os  seus  t\  ficarão  b^ 
ferrados  com  os  fmigos  que  ja  os  tinhão  desbaratados, 
&  os  matarão  todos,  sem  ficar  nhQ,  &  os  quatorze  paraoa 
lhes  ficarão  em  poder  que  António  de  miranda  mandou 
a  Cananor  pêra  os  fazerS  bargantis:  &  correrão  a  costa 
despois,  &  deixado  a  limpa  meado  Abril  se  recolheo 
Cbristouão  de  melo  pêra  Goa  &  António  de  miranda  pe-» 
xa  Gocbim  por  amor  do  inuerno. 

CAPITVLO    XCVIÍ. 

Da  guerra  que  Eytor  da  silueira  fez  em  Cambaya. 

jO  içando  Eytor  da  silueira  por  capitão  moor  na  costa 
de  Cambaya,  determinou  de  tomar  h3a  fortaleza  duas 
legoas  do  mar  pelo  rio  de  Nagotane,  em  que  soube  que 
estaua  h&  eapitão  dei  rey  de  Gambaya  com  seys  centos 
de  caualo  &  dous  mil  de  pé :  &  deixou  dir  porque  obra 
de  bCia  legoa  da  fortaleza  era  bo  rio  tão  baixo  que  não 
podião  nadar  os  catores,  &  queimou  sey^pouoaçSesgran^ 
des  de  lauradores  que  estauão  quasi  na  entrada  do  rio 
de  hiia  parte  &  doutra ,  &  fez  espantosa  destruição :  6 
que  sabSdo  bo  capitão  da  fortaleza  foy  ho  buscar  conv 
sua  gSte  pêra  pelejar  coele ,  &  topouho  na  derradeira 
pouoaçSo  que  andaua  destruindo.  E  sabendo  Eytor  da 
silueira  quão  groesa  gSte  trazia  n&o  quje  pelejar  coel« 
no  capo  por  ter  tão  pouca  gSte  como  erã  trez&tos  1h>« 
mõsy  parque  muyto  ya  de  pelejar  coeies  no  cflpo  a  pele^^ 

OG   2 


SS6  DA   HISTOUIA    DA    INDrA 

jar  na  fortaleza  onde  delerminaua  dir  pelejar  9  que  00 
campo  auião  destar  espalhados  &  tirar  aos  nossos  como 
a  barreira,  &c  na  fortaleza  não  auião  de  pelejar  mais  que 
aqueles  ^  coubessem  no  muro,  &  no  primeyro  Ímpeto  Q 
era  ho  mais  forte  ficauão  com  os  nossos  quasi  tantos  por 
tãtos  y  &  por  isso  não  quis  Ey tor  da  silueira  pelejar ,  & 
assi  ho  disse  aos  seus  que  fez  recolher  aos  bargãtis  fi- 
cando ele  na  traseira,  porque  os  mouros  Q  chegauão  ja 
sobrele  assoberbauãno  muyto  dando  grandes  apupadas  , 
&  chamando  nomes  aos  nossos  &  os  de  caualo  remeiião 
escaramuçâdo :  &  Kjtor  da  silueira  lhes  fez  rosto  com 
a  gente  que  estaua  por  embarcar  (irado  muytas  espin- 
gardadaSy  &  hu  dos  nossos  que  tinha  hQa  laça  com  bQa 
rodela  se  afastou  do  corpo  dos  outros ,  &  hã  dos  de  ca- 
ualo que  ho  vio  só  remeteo  a  ele  pêra  ho  ferir  a  mão  ten- 
te com  ha  zaguncho,  &  ho  soldado  ho  esperou^  &  em 
querSdo  chegar  a  ele  f\  al<^aua  ho  braço  pêra  ho  ferir  me- 
teolhe  a  lanqa  polo  sobaco  do  braço  &  deu  coele  no  chão 
ferido  mortalmente,  &  ainda  não  foy  no  chão  quâdo  lhe 
ho  soldado  tomou  ho  zaguncho ,  &  caualgãdo  no  caualo^ 
leuou  outro  mouro  dêcontro  que  ya  pêra  ho  ferir,  &  pas- 
sou ho  poios  peitos  posto  Q  ho  laudel  era  forrado  de  ma- 
Uia:  ao  que  os  nossos  derão  grade  grita  &  desfecharão 
hua  grade  çurriada  despi ngardadas,  &  coislo  se  teuerâo 
08  mouros  &.  se  retirarão.  £  ha  soldado  tomando  ho  ea- 
ualo  do  segudo  mouro  pela  rédea  se  foy  cõ  muyto  asses- 
sego  pêra  Eytor  da  silueira  pedindolbe  que  ho  fizesse 
caualeyro  quando  fosse  tempo,  &  ele  ho  fez.  E  não  po« 
nho  ho  nome  deste  soldado  por  não  ser  conhecido:  porS 
ganhou  ali  esta  honrra,  &  Ejtor  da  silueira  lha  fez  dali 
por  diante,  &  assi  ho  gouernador  ^  lhe  chamaua  ho  seu 
caualeyro,  &  na  igreja  estaua  juto  coele,  &  eu  ho  vi 
muj^tas  vezes.  E  embarcado  Eytor  da  silueira  foys&ao 
leigo  da  costa  caminho  de  Baçaim  dali  a  clco  legoas :  mea 
legoa  por  hu  rio  acima,  mandando  diante  saber  sua  dis- 
posição per  hu  Christouão  correa  capitão  dQ  bargãíim: 
&  este  lhe  disse  que  quasi  pegado  cõ  ho  lugar  estaua 


LITRO   VII.    CAMTVLO   XCVII.  437 

htla  IrSquèira  de  madeira  de  duag  faces  entalhada  que 
tinha  ires  baluartes  do  mesmo  com  sessenta  peidas  dar- 
teiharia  grossa,  &  eslaua  em  sua  goarda  &  do  lugar  Ha- 
lixá  (^  fora  capilâo  das  fustas)  cô  três  mil  homSs  de  pé 
&  quinhStos  de  caualo  acubertados.  E  com  quanto  isto 
88  soube  era  ho  desejo  dos  nossos  tamanho  de  pelejar  cõ 
06  mouros ,  que  em  quanto  Ejtor  da  silueira  fazia  eõse- 
Iho  como  auiâ  de  cometer  ho  lugar  bradauâo  todos  que 
acabassem.  E  assêtado  por  todos  que  se  cometesse ,  & 
repõtãdo  a  maré  entrarão  pelo  rio  acima  cõ  grades  ale- 
grias :  &  ao  outro  dia  ás  noue  horas  chegarão  defronte 
da  tranqueira  que  estaua  na  borda  do  rio  que  não  auia 
outro  desembarcadolro  se  não  nas  bocaa  das  bõbardias  ^ 
logo  despararão  nos  nossos,  que  sendo  (ão  pouco»  era 
cousa  medonha  velos  antre  tãtos  pelouros  como  vinhão 
da  tranqueira  ^  pêra  cada  hú  dos  nossos  auia  muytos  Q 
os  matassem,  mas  nosso  senhor  os  goardou  que  todos  es- 
caparão &  tomarão  terra ,  &  os  primeyros  forão  duzen- 
tos piães  Canarins  que  yão  cõ  Malu  mocadão  dos  remei- 
ros  Q  Eytor  da  silueira  deitou  diante  pêra  quebrar  neles 
a  primeyra  ^urriada  da  tranqueira,  &  tambS  estes  forão 
saluos.  E  desembarcado  Eytor  da  silueira ,  remeteo  á 
tranqueira  que  muytos  dos  nossos  tinhão  aferrada,  & 
pelejauão  muyto  valètemente  com  os  immigosquesede- 
fendião  muy  bem,  &  dauão  {}  fazer  aos  nossos  por  serem 
muytos :  &  se  os  nossos  não  teuerãa  tãtas  espingardas 
?irãse  6  assaz  de  trabalho,  porque  as  frechadas  dos  im- 
migos  não  tinhão  conto,  nem  os  arremessos  &  pedradas 
que  lançauão ,  &  laçadas  que  dauão  a  mão  tente ,  mas 
as  espingardadas  dos  nossos  podião  mais  &  derribarão 
tantos  que  fizerâo  caminho  pêra  6trar  sem  lhe  os  mou- 
ros poderem  resistir,  posto  que  trabalharão  nisso  quan- 
to poderão.  E  v6do  que  os  nossos  os  entrauão  fugirão, 
&  eles  os  seguirão  ate  ho  lugar  onde  se  meterão  lodos : 
&  aqui  iizerão  os  immigos  rosto  aos  nossos  defendendo* 
•e.  È  isto  porque  sabãdo  Halixá  (|  Eytor  da  silueira  ya 
sobre  a  tranqueira,  receado  que  a  entrasse  deixou  nela 


238  0A  HT0TOKfA   DA   ÍNDIA 

a  gente  <)  lhe  pareceo  que  abastaria  pêra  a  defender  & 
com  a  outra  de  pé  &  de  caualo  se  pos  em  Cilada  cam 
têção  de  dar  nos  nossos  despois  de  andarem  no  lugar, 
&  Gom  08  immigos  lerê  esta  certeza  íizerâo  rosto  aos 
nossos  &  se  defendido.  E  estando  nisto  sayo  Haiixá  da 
cilada  coro  os  de  caualo  diante  &  os  de  pé  detrás,  o  que 
siniido  Ey(or  da  sílueira  recolbeo  os  nossos  &  sayose  ao 
campo,  &  feytos  em  hQa  pinha  esperou  os  immigos  que 
ho  forâo  cometer  cuydando  í|  lhe  fugia.  E  chegado  os 
dianteiros  ^  erão  os  de  caualo,  desfechao  os  nossos  as 
espingardas  tirando  em  roda  viua  por!|  os  mouros  os  nào 
entrassem  &  derribarão  muytos  deles,  &  os  caualos  c5 
medo  do  eslrÕdo  das  espingardadas  oomeção  de  fugir , 
&  metSse  por  anlre  os  de  pé  derribando  os  com  os  pei-* 
tos,  &  trilhando  os  com  os  pes  os  desbaratarão  &  tizerâo 
fugir  &  coeles  Halíxa:  &  os  nossos  por  estarem  muy 
cansados  os  não  seguirão^  &  íbrâo  roubar  ho  lugar  a  que 
derâo  fogo  despois  de  roubado  &  ardeo  a  parte  daquele 
dia  &  quasi  todo  ho  seguinte  sem  ficar  cousa  Q  não  fos* 
se  queimada,  &  cortadas  as  hortas  &  palmares  derredor^ 
K  foy  cousa  espãlosa  a  destruição  que  foy  feyta  por  tão 
pouca  gente.  E  isto  acabado  í\  foy  bQa  cousa  muy  gran* 
de  sayose  Eytor  da  silueira  pêra  ho  mar  com  sua  arma* 
da  carregada  de  muy(a  fazSda,  artelbaria  &  catiuos  que 
se  (ornarão  em  Baçaim,  &  com  três  taforeas  carregadas 
de  madeira,  &  foyse  por  essa  costa  a  destruir  muytas 
pouoações :  do  que  a  gete  fugia  cõ  medo ,  &  os  nossos 
queimauão  os  lugares  &  destruyão  (udo.  E  era  ho  medo 
lamanho  nos  da  terra  Q  a  seys  legoas  por  dentro  do  ser- 
tão nao  ousaua  ninguém  de  parecer.  E  coes  te  medo  ma  n* 
dou  ho  Xeque  da  vila  deTaná  pedir  paz  a  Eytor  da  sil- 
ueira com  lhe  oflrecer  que  pagaria  cadãno  quatro  mrl 
pardaos  de  páreas,  &  da^le  deti  logo  dous  mil  &  por  não 
poder  pagar  os  outros  dous  mil  deu  arrefens.  E  de  tudo 
isto  foy  feyto  hQ  contrato  assinado  por  ambos,  &  por  sei 
DO  cabo  do  verão  se  foy  Eytor  da  silueira  a  ChaoL  onde 
auia  dinuernar,  &  dabi  mãdou  aa  taforeas  da  madeira  ao 
gouernador. 


LIVRO   yil«    CAPITVLO  XOYIII.  t39 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCVIII. 

Do  que  passou  dô  lorge  de  meneses  c6  Fernão  de  la  torre* 

j\,ttM  fica  dito  quSo  pouca  ajuda  deu  Gdt^alo  gomea 
daseuedo  a  doni  lorge  de  meneses  oÔ  a  gente  Q  leuou 
de  Malaca  ^  &  como  nS  queria  mais  que  estar  na  forta- 
leza fazêdo  sua  fazenda :  porejo  bfl  só  bem  lhe  fez  que 
Cou)  sua  estada  eofreaua  os  castelhanos  &  os  mouros  pê- 
ra que  não  fizessem  a  guerra  tão  apertada  como  dates , 
&  tinha  muytas  vezes  tregoas  &  yâo  folgar  hQs  cÕ  o» 
outros  sem  terem  necessidade  de  pedirõ  seguro  se  não 
quando  cbegauão  ou  leuantauão  hila  bandeira  branca , 
ao  que  parecia  que  aueria  pazântreles.  E  com  tudo  nun- 
ca  a  ouue,  n3  Fernão  de  ia  torre  quis  dar  a  dõ  lorge  os 
Portugueses  que  tinha  catiuos  por  mais  vezes  que  lhos 
pedio  do  que  dom  lorge  estaua  muylo  agastado.  E  cor- 
rêdo  assi  ho  tempo  hQa  noyte  quasi  no  fim  do  quarto  da 
prima  forSo  ter  na  fortaleza  deus  caslelhanoã,  que  to- 
mados pelas  vigias  forão  leuados  a  dom  lorge  ^  os  man-^ 
dou  prender  cuydando  que  yão  pêra  dano  da  forlaieza 
por  não  pedirem  seguro,  neip  leuarem  recado  do  seu  ca- 
pitão. E  sabendo  Fernão  de  la  torre  a  prisam  destes  Cas- 
telhanos com  seguro  de  àÕ  lorge  lhe  mãdou  hQ  embaixa- 
dor que  foy  com  tamanho  aparato  como  que  fora  de  htl 
grande  príncipe  ^  porque  alè  de  leuar  muyto  ricos  vesti- 
dos, lenaua  diãte  trombetas,  &  frautas  &  deus  reyg  dar* 
mas :  &  ya  acompanhado  de  gente  muy  luzida.  E  a  cõ^ 
crusam  de  sua  embaixada  foy  espfitarse  Fernão  de  la 
torre  muyto  de  dom*  lorge  prender  os  dous  Castelha- 
nos, sendo  tão  costumado  antreles,  &  os  Portugueses  irS 
folgar  hQs  com  os  outros ,  pedindolhe  ^  lhos  desse :  & 
dom  iorge  disse  ^  ele  responderia ,  &  mandou  apousen- 
tar  ho  embaixador  que  deteue  algfls  dias,  &  neles  lhe 
fez  muyta  hArra  comendo  ás  vezes  ambos,  &  oulras  lhe 
mandaua  de  comer  a  sua  pousada.  £  hQ  dia  eslãdo  ho 


240  SA  HISTORIA   DA    IN  DIA 

embaixador  no  cabo  do  comer  lhe  mandou  dom  lorge 
como  por  zõbaria  bu  pastel  «em  queySo  bQ  cSo  &  hu  ga- 
to pequenos  viuos  com  h(l  recado,  que  pois  aqueles  dous 
que  erão  tão  cõtrairos  de  sua  natureza,  &  estauáo  lâo 
pacíficos,  que  porque  ho  não  eslauão  assi  os  Castelha- 
nos cÕ  08  Portugueses ,  pois  que  auia  tanta  rezão  pêra 
isso ,  assi  por  serem  todos  Christãos  &  espanhoes,  como 
lambem  por  serem  vassalos  de  dous  principes  tão  liados 
per  parentesco  &  amizade.  E  visto  pelo  embaixador  bo. 
recado  &  ho  presente,  mãdou  preguntar  a  domiorgeper 
qual  daquelas  alimárias  entendia  os  castelhanos.  £  ele 
respondeo  ^  polo  gato,  por  ho  terem  ate  então  muylo 
arranhado,  &  ele  auia  de  ser  ho  cão  que  os  auia  dapa- 
nhar  dum  bocado,  &  Q  dissesse  a  Fernão  dela  torre  que 
lhe  pedia  nuijto  ^  lhe  desse  os  Portugueses  que  lhe  la 
tinha ,  se  não  ^  lhe  não  auia  de  dar  os  castelhanos,  que 
pêra  isso  os  iomara.  E  isto  respondeo  ao  embaixador 
por  derradeyro  quando  se  tornou :  porem  Fernão  dela 
torre  não  quis  dar  os  portugueses.  E  daqui  a  dias  a  qua- 
tro de  Dczêbro  chegou  a  Ternate  hum  fidalgo  chamado 
dom  lorge  de  crasto  em  hum  jungo  de  que  ya  por  capi- 
tão &  de  caminho  foy  porBorneo,  leuando  em  sua  con-. 
serua  hum  lorge  de  brito  por  capitão  de  hfia  fusta  que 
se  perdeo  de  sua  companhia  &  tornouse  pêra  Banda,  & 
dõ  lorge  leuou  muyta  roupa  fieraa  feytoria  &  muni<;de8 
pêra  a  fortaleza  que  então  era  tudo  mujto  necessário. 
E  com  a  vinda  de  dom  lorge  de  crasto  se  fauoreceodom 
lorge  algQa  cousa,  &  mandou  ho  darraada  ao  morro,  on- 
de chegado  pelejou  com  a  armada  dos  imroigos&oadesn 
baratou  &  se  tornou  a  Teroate :  &  sendo  ja  em  laneyro 
de  mil  &  quinhentos  &  vinte  noue,  Gonçalo  gomez  da« 
zeuedo  começou  de  querer  entender  em  sua  partida  pê- 
ra Malaca :  o  ^  vendo  dom  lorge  de  meneses ,  lhe  reQ- 
reo  muyto  estreitamSte  que  ho  não  fizesse,  &  assi  ho 
requereo  a  Lionel  de  lima,  a  quem  tinha  dada  a  alcay* 
daria  mór  da  fortaleza,  &  capitania  mor  do  mar,  poen- 
doihe  diante  a  necessidade  que  linha  deles  por  amor  da 


IIVRO  VII.  CàPrtVhOXOTX.  ^4t 

guerra  que  lhe  faziSo  ôs  mouros  &  os  Castelbânoè ,  & 
em  quanto  apreto  ficaria  por  Ibe  leuarem  a  gente.  E' com: 
tudo  nunca  quiserão  se  nSo  irse,  prometendolhe  de  lhe 
nSo  leuar  a  gente,  que  dom  lorge  deteue  com  muytos 
rogos  &  dadiuas  de  sua  fazenda,  &  proroetendolhes  que 
no  anno  seguinte  lhes  ajudaria  a  fazer  crauo.  E  coisto 
que  íhes  prometeo  íicarâo :  &  pola  ida  de  Lionel  de  li- 
ma deu  08  seus  officios  a  hfi  Gomez  aires  criado  do  mes^ 
tre  de  Santiago ,  &  mandou  na  conserua  de  Gõçalo  go^ 
mez  dazeuedo  a  dom  lorge  de  crasto  que  fosse  pedir  so- 
corro a  quaisquer  capitães  ou  mercadores  que  achasse 
em  Banda ,  assi  de  gente  como  de  mercadorias  pêra  a 
feytoria.  E  parlio  Gonçalo  gomez  &  os  outros  a  dez  dias 
de  Fenereyro ,  &  Gonçalo  gomez  foj  por  Backão  pêra 
tomar  hi  Manuel  falcão  que  deixou  em  Bacfaão  ale  sa** 
ber  se  dom  lorge  queria  que  ele  fosse  pêra  a  fortaleza  9 
o  que  ele  não  quis  consentir  por  estar  mal  coele,  como 
ja  disse. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XCIX. 


E 


De  como  Garcia  de  sá  se  partio  pêra  Malaciu 


Jintrado  bo  mes  de  laneyro  deste  anno  de  mil  &  qui*^ 
nhentos  &  vinte  noue  que  era  a  moução  pêra  ir  de  Ma- 
laca pêra  a  índia ,  partiose  lorge  cabral  que  fora  capi- 
tão da  fortaleza  de  Malaca,  &  dom  Garcia  anrriquez  ca- 
da hu  em  seu  jungo,  &  assi  outros  fidalgos  que  laa  es- 
tauão  &  chegarão  aa  barra  de  Cochim ,  &  com  quanto 
yão  com  determinação  de  passarem  a  Goa  não  ousou  lor- 
ge cabral  por  ser  ja  na  fim  de  Março  &  ventarem  os  no- 
roestes que  correm  ao  longo  da  costa  &  Lhe  erão  por  da- 
uante,  &  por  isso  se  acolheo  lorge  cabral  a  Cochim.  E 
dom  Garcia  não  quis  acolherse  coele,  &  disse  que  auia 
de  passar  a  Goa  em  que  pes  ao  vento  &  ao  mar :  &  po- 
lo vBQto  ser  por  dauanie,  &  bo  jungo  em  que  ele  ya  ser 
mao  de  bolina  &  ir  muyto  carregado  ^  chegou  a  Bateca- 
lá  com  muytp  grande  trabalho. &  perfia:  &  estado  hi  vio 

LIVRO    VII.  HH 


S4S  9A   HWTOUbk  JU    INMA 

qtie  lio  tempo  aiiia  de  ser  de  cada  Tez  mait  forte  por  eer 
■leedo  Abril  que  entraua  ho  inuerno,  &  por  itao  ouiie 
por  seu  acordo  que  era  aielhor  loroaree  a  Codiiai :  co- 
no  tornou,  &  com  grade  lormenLa  chegou  aa  sua  barra 
oode  durando  a  lorfueaia  surgia 9  porque  por  ho  juDgo 
ser  graode  &  ir  muylo  carregado  aio  pode  eolrar  iio  rie 
de  Cocbim.  £  deijtaiido  do»  Garcia  ho  jungo  surto  m^^ 
bre  hua  ancora  foyse  a  terra ,  &  despois  de  ido  creceo 
bo  ▼esto  taoto  que  durou  ires  dias  &  Ires  noyíes  &  aa«* 
daua  ho  mar  táo  gresao  que  ho  juago  se  íoy  au  fundo  c5 
a  Biuyta  a^a  que  lhe  entrou  denlro,  em  que  se  perde- 
rão cíneoenta  mil  cruzados  que  tanto  valia  a  carrega  4 
Unba :  &  doA  Garcia  não  ficou  cÕ  mais  que  com  ho  ves« 
tido  com  que  íóy  a  terra,  &  despois  bo  prendeo  Nuno 
dn  cunha  pelo  qtie  ãzera  em  Maluco  &  ho  mâduu  preso 
a  Portugal  00  anno  seguinte.  E  despois  de  passada  esta 
tormenta,  Garcia  de  saa  que  estaua  então  em  Co6bí  se 
parlio  pêra  Malaca,  &  ya  em  hua  nao,  &  leuaua  et»  sua 
companhia  hum  jungo  que  oomprara  pêra  leuar  sua  fa- 
zenda: &  ho  jungo  se  perdeo  ao  sair  da  barra.  E  che- 
gado Garcia  de  saa  a  Malaca^  lhe  entregou  Pêro  de  fa- 
ria a  capitania  da  fortaleza,  &  ficou  em  Malaca  ate  ho 
Setembro  seguinte  que  se  partio  peca  a  In.die  oode  che- 
gou em  Nouembro. 

CAPITOLO     C. 

De  eoma  d  rey  Dachem  tommè  fH)r  enfmw  hH  galtSa  o 

Mantícl  pu€he€o. 

£il  rey  de  Dachem  po4o8  recados  que  tínha  mamlado  a 
Pêro  de  faria  que  maadasse  pola  igató  como  atras  fica  di« 
to  esteue  esperando  q.ue  fossem  por  ela»  £  quando  vio 

2ue  não  yáo ,  nem  Pêro  de  f<if ia  Ibe  mamlaua  reposta 
cou  espan4ado,  fc4k4rerBi.inou.de  saber  porque  lhe  não 
mãdaua  recado:  &  mandando  pregujilar  a  causa  disso 
ao  Bedara  de  Malaca  4  ^^^  eome  Sanaya  de  raja  o5 


Livno  tn.  cAPTTvxo  c.  S4S 

qntm  tínlíB  grande  nmhtíéeí^  &  lhe  peilaua  groMEiíiDen* 
te  por  ih6  dar  auiso  do  (\\jm  s^ibia  Q  os  Porlogneses  de« 
terminauão  &  quantos  erão,  porque  todo  seu  pensamcn^ 
to  era  diininuilos  tanto  com  ardij8.&  manhas  que  podas- 
se tomar  a  fortaleza  sem  perigo.  E  como  pêra  isto  tinh» 
este  trato*  eom  Sanaja,  foy  por  ele  auísado  de  como  Pe*- 
ro  de  faria  recebera  bem  a  embaixada  qae  lhe  leuars 
António  caldeira,  &  como  ho  mandara  ctmi  reposta:  fc 
por  amor  da  saa  amizade  que  tinha  por  muyto  certa  n&o 
dera  socorro  a  el  rey  Daupu^  &  que  se  Garcia  de  saa  nãd 
entrara  na  capitania  naquele  tempo,  que  sempre  Pêro 
de  faria  mandara  pola  galé.  E  el  rey  deDachem  que  is-» 
to  soube,  determinou  logo.de  cometer  paz  a  Garcia  cte 
sá  pêra  ver  se  lhe  podia  acolher  algfis  Portugueses  pêra 
os  m^tar,  &  mandoulbe  hum  embaixador,  que  au^dose» 
guro  de  Garcia  de  sá  entrou  em  Malaca,  &  primeyro 
que  desse  a  embaixada  correo  toda  a  cidade  sobre  huoi 
alifante  leuando  nas  mãos  hum  bacfo  douvo  em  que  ya 
hfta  carta  dei  rey  de  Daefaem  pêra  Garcia  de  ea  &  ro^ 
deado  de  muyta  gente  úé  pé',  leuaua  bum  homem  dian^ 
te  taégvndo  em  bQa  batia ,  &;  de  quando  em  quSdo  dh» 
?ia  em  )vqz  alta  como  fwegâo  tfU0  e(  te^áe  Dachem  qoe« 
ria  £raer  nnÀtt^  cckú  é  fej  de  Portugal:  &  isto  £ez 
por  ser  assi  ho  costume  daquelas  partes*  E  corrida  a  ci^ 
úade  deu  a  embai!iad^a  a  Garcia  de  sa,  cuja  concrusani 
foy  desculparae  d»  que  ftira  feyto  a  SímSo  de  sousa  gal* 
ufio^  &  como  estaua  prestes  pêra  dar  a  galé,  arteiharía 
&*  Portugueses ,  sobi'^  que  '«3dara  trea  a  Malaca  per 
duaa  retea  pedir  aa^eaprtilo^qae  mandasse  por  todo  biiiR 
homem  bonrraiki^  peva  assentar  coele  amizade ,  porque 
deslB)a«a  que  os  Portiigaesea  teuessem  trato  em  sua  ter« 
rB\,  &  que  tioii«a  virarreposla:  pedindo  a  Garcia  de  saa 
<)ue  .Use  '^sèsae  responder  com  fazer  o  que  pedia«  E 
pareieendo  Garcia  de  saa  que  era  aquilo  terdaée ,  fei 
Kiuyta  Mrra  aer  efaibaizador,  &  despedioho  logc  mandan* 
<}o  eòdOiiOQtrD  com  reposta  como  el  rey  <(iierfa,  qu«  fea 
gnoide  raaeiíi mento  aa  embaixador  Porlugives,  &  po9 

HU    2 


244  .OA    HISTORIA    DA  ÍNDIA 

lhe  fazer  honrra  que  antreles  he  rnuyto  grS.de  lhe  deu 
duas  manilhas  douro  pêra  que  trouuesse  no  bra^o  derey- 
to  como  caualeyro,  &  aos  que  ySo  coele  deu  a  cada  hum 
sua.  E  partido  ho  embaixador  pêra  Malaca  foy  morto 
com  quantos  yão  coele  aa  barra  de  Dachem  por  man* 
dado  dei  rey ,  &  isto  tão  secreUmente  que  ho  não  sou- 
berão  mais  que  aqueles  que  ho  íizerão,  &  por  isso  ho 
Dão  soube  Garcia  de  saa,  «mas  soube  a  honrra  que  lhe 
el  rey  de  Dachem  fez  pelo  que  não  teue  nenhOa  sospei-» 
ta  daquela  maldade,  mas  vendo  que  ho  embaixador  não 
tornaua  cuidou  que  se  perdera  no  mar.  E  sabendo  isto 
el  rey  por  Sanaya  de  rdja ,  tornou  a  mandar  outro  em<* 
baixador  a  Garcia  de  saa,  espantandose  muyto  como  não 
mâdaua  confirmar  a  paz  como  lhe  mandara  dizer ,  ^  a 
nandasse  logo  confirmar  per  algum  homem  honrrada.  R 
cuidando  Garcia  de  sá  que  era  assi,  sem  ho  praticar  em 
conselho  esoolbeo  pêra'  mandar  a  Dachem  hQ  Manuel  pa* 
checo  ^  sabia  bem  a  lingoaMalaya,  &  porque  se  ganhai 
na  muyto  na  mercadoria  q  se  lá  leuaj»se  deulhe  hCí  ^a-^ 
leão  nouo  carregado  dela  &  a  mais  sua,  &  a  outra  doy-t 
tenla  Portugues.es.  que.auiSQ  dirioom, Manual  paçjhecoj 
que  por  a  ida  ser  de  proi^eito  outierao  liceiiça  pêra  irem^ 
com  grade  aderemja.  E  disto  deu  logo  Sanaya  auisó  a*ei 
rey  de  Dachem  conselhãdolhe.que  tonmsse  aquele  ga* 
leão  f  affirmando  que  se  ho  tonwMia  que  ele.  Uie  tomaria 
logo  a  fortaleza  de  Malaci^,..  porque  a  genie  que  ya  nò 
galeão  era  a  principal  da  fortaleza.^  &  a  Q  ficaua  era 
doente  &  pobre.  E  tendo  eJ  rey»  este  recado,  quando  Ma? 
Duel  pacheco  chegou  á  barra  de:  DachiS  de  terminando  él 
rey  de  ho  tomar  mandou  mu;tas  lanchaila^.darinada  pet 
ra  isso,  que  andando  ho  galeão. balrraueateando  de  fora 
da  barra  sayrão  pouca»  &  poucaa,  &  quando  os  PorXu* 
gueses  virão  tanta  gente  como  traziâo  as  ianchasaa,  dis* 
serão  a  Manuel  Pacheco  que  Lhe  parecia  equiló>treição^ 
que  seria  bÕ  armarèse  pêra  se  defenderam :  doi  qua>a0 
ele  agastou  muyto  dizendo  que  è  el  rey  não  auia  irei* 
ção  que  não  fizessem  atuoroijo.  £  como  ja  esteoesaem 


LIVRO    VII.    OAPITVLO  Cl.  2éft 

iDúytáB  lancharas  ao  derrador  do  galeão ,  ^Ira  por  ele 
lifla  frecha  que  sayo  danire  os  mouros,  ao  j|  Manuel  pa« 
checo  pedio  muyto  apressado  hQa  saya  de  malha ,  &  em 
a  metèdo  pela  cabeça  veni  outra  frecha  &  atrauessalhe 
ho!  pescoço,  &  após  isto  êirão  os  mouros  ho  galeão  por 
Iodas  as  partes  dando  grades  gritas,  &  sem  se  os  Portu- 
gueses poderem  armar  nem  defender  forão  tomados  ás 
mãos  sem  escapar  nbu,  &  leuados  a  el  rey  os  mãdou  ma* 
iar  com  os  outros  ^  tinha  da  galé  de  Simão  de  sousa,& 
ficoulhe  ho  galeão  que  era  nouo  &  muyto  bem  artilhado, 
&  coesta  artelharia  6cou  muyto  mais  abastado,  dela  do 
que  estaua  a  fortaleza  de  Malaca :  cÕtra  quem  mandou 
logo  húa  armada,  mandando  dizer  a  Garcia  de  sá  que 
lhe  agardecia  muyto  hò  galeão  que  lhe  não  falecia  mais 
que  hQ  bargâtim ,  que  lhe  rogaua  que  lho  mandasse  se- 
não que  ele  ho  tomaria  cedo.  £  el  rey  ficou  Ião  soberbo 
que  não  tinha  em  cont£(  os  Portugueses ,  &  determinou 
de  lhes  tomar  a  fortaleza  de  Malaca. 

.         C  A  P  I  T  V  L  o    CL 

JDc'  comofoy  discuberla  a  treiçâo  de  Sanaya  de  raja ,  ^ 

foy  morto  por  mo. 


D. 


^espoia  da  tomada  deste  galeão  mãdou  Sanaya  de  ra- 
ja dizer  a  el  rey  de  Dach6  que  pois  ho  tomara  que  ele 
compriria  com  lhe  dar  a  fortaleza  pêra  que  dali  por  dian- 
te buscaua  têpo.  £  quasi  i)  ho  ouuera  de  fazer  se  ho  nos- 
so senhor  não  descolorira,  &  assi  foy  que  andando  muy- 
tos.  mouros  Dachem  darmada  ao  longo  da  costa  de  Ma- 
laca ,  ajuntarãse  com  algiis  dela  onde  chamão  ho  tãque 
deJ  rey  &  hi  fizerão  bíi  bãquete  em  que  os  Dãchl^s  des- 
pois  de  bêbados  cotarão  aos  Malayos  como  por  instru- 
ção de  Sanaya  el  rey  de  Dachem  tomara  ho  galeão ,  & 
como  mandara  matar  ho  embaixador  de  Garcia  de  sa 
pêra  mais  dissimulação,  &  como  tinha  ordenado  de  to- 
mar a  fortaleza  em  hiii  tal  dia  que  Garcia  de  sa  esteues* 


146  9A  BuronuL  ha  hcha 

•e  na  igreja  com  toda  a  gente  qoe  auia  da  tirar  dentro 
com  hum  camelo  qoe  estaua  ceuado  defronte  aa  porta 
da  fortaleza ,  &  matar  a  mais  da  gente  que  etteuesse 
dentro  tomar  a  fortaleça  cÒ  gente  que  auia  de  ter  pêra 
isso :  do  4  logo  Garcia  de  sa  foy  auisado  por  algtls  doa 
Malayos  qoe  erSo  seus  amigos :  &  ouue  logo  conselho 
sobre  matar  Sanaya,  &  qae  fosse  com  ho  menos  aluofo^ 
ço  que  podesse  ser.  E  estando  neste  consdho  ebegoa 
Sanaya  ^  era  fora  com  ootro  mouro  seu  enteado  que  a« 
uia  nome  Tuam  mafamede,  &  Garcia  de  sá  bo  mandoo 
chamar :  &  ele  foy  logo  lá  bC  descuydado  do  pêra  (}  hò 
chamaoâo  que.  nâo  cuydaua  que  se  sabia,  &  ya  coela 
Tuã  mafamede^  a  que  Garcia  de  sá  disse  <)  queria  preiH 
der  Sanaya  por  treiçSo  que  fazia :  o  1)  Si^naya  n2o  en^ 
tendeu  por  não  entSder  a  lingoa  Portuguesa.  A  que 
Tuam  respondeo,  que  se  Sanaya  fizera  treii^So  que. a  pa^ 
gasse.  E  logo  Sanaya  foy  preso,  &  atadas  as  mãos-atras 
foy  deitado  do  terrado  da  torre  ^  era  de  cinca  sobradoe, 
&  assi  foy  morto.  E  Tuam  mafamede  que  assi  ho  vio 
matar  ficou  fora  de  si  com  medo ,  Sc  Garcia  de  sá  lhe 
disse  que  não  ouuesse  medo ,  porque  Sanaya  pagara  ho 
iQal  que  fizefa :  &  a  ele  Q  era  leal  farta  sempve  muy ta 
honrra  &  mercê,  &  mandou  bo  leuai*  pêra  sua  casa  muy- 
to  acompanhado:  &  assi  liurou  nosso  senhor  a  fortaleza 
o8  a  morte  de  Sanaya  de  raja  que  hz  mttyto  grande  es* 
panto  nos  Malayos ,  &  fez  iSbrar  a  morte  de  Tuft  tirnn* 
teraja  em  tempo  Dafonso  dalbuquerque,  &  dízlSo  que 
os  Portugueses  sabião  muy  to  qoe  nao  ae  Ihw  escondia 
nada.  E  el  rey  de  Dachem  ficou  muyto  triste  pota  morte 
de  Sanaya,  porque  perdeo  nele  grande  perda ^  &  a  mo** 
Iber  de  Sanaya  fugio  logo ,  &  foyse  ce^a.  Tufl  nia(a«no^ 
de  pêra  el  rey  Dugentana^  h&  rey  comnrcfto  do  Maiacat 


«•     >•••  •      «.# 


C  A  P  I  T  V  L  O    CII. 

Htc  como  Ntmo  da  .cunha  chegou  a  Ormuz  ^  ^  de  como 

fmf  preíQ  Rais  jwrafo. 

limkvnido  Nuno  da  cunha  em  Mombaça  forSo  ter  coe- 

h»  AD  cabo  do  inuefno  Simão  da  cuuba,  dom  Francisco 

ãeq%^  &  FraBcíneu  de  mèdoi^  que  inuefnarão  em  Mor 

çanibi(|  oode  ibe  niorreiio  qnairocêloa  horoês,  &  assi  bo 

diaserau  a  Nuno  da  cunba^  &.a  perdição  Dafoaso  vaz  a- 

aambujo ,  &  de  Beraaldiro  da  silueira :  do  qjie  ele  ficou 

nuyío  triíile  &  receou  que  também  Garcia  de  aá  &  An^ 

tooio  de  Saldanha  fossem  perdidos,  &  porque  era  no  ca«- 

bo  do  verSo  da  Índia ,  &  a  nauegaçSo  pêra  laa  auia  de 

aer  muy  perigosa  por  amor  das  uaos  que  erão  grandes  ^ 

acordou  cõ  aqueiee  capitftes  que  pêra  seguraiK^a  delas 

fi)aae  ter  ho  inuerno  da  Índia  a  Ormuz.  E  estado  pêra 

partir  foy  bi  ter  em  hfi  nauio  hft  Bastião  ferreyra  ctda» 

dáo  de  Goa  que  por  mandado  do  gouernador  foy  buscar 

Nuno  da  cunha  a  Adoçambique  cuydádo  que  inuernaua 

lá  &  nâo  bo  adiando  foy  a  Meliade ,  &  porque  auia  de 

ir  inuernar  aa  índia  eacreueo  Nuno  da  cunha  por  ele  ao 

gouernador  como  tomara  Mombaça ,  &  a  causa  porque 

ya  a  Ormuz ,  pedindoibe  muyto  que  teuesse  a  armada 

da  índia  concertada  [lorque  auia  de  ter  necessidade  de<- 

)a  em  chegando.   E  partido  Bastião  ferreyra ,  partiose 

ele  pêra  Ormuz  ^  &  es4ando  na  agoada  de  teiue  foy  ter 

eoele  dom   Feraàdo  deça  cft  os  oulroe  dous  capitães  de 

eua  cõserua  que  ySo  da  índia  como  disae  atras ,  &  dahi 

se  foy  a  Alazcale  Õde  deixou  es  doentes  da  armada  que 

enio  muy tos,  &  as  oaos  de  díl  Frãctseo  deça  &  de  Fran^ 

etsco  de  meodoça,  &  por  capitão  a  dom  Fernâdo  de  li«- 

ma  9  &  foyse  na  aua  nao  a  Ormuz  indo  coele  Simàu  da 

cunha  &  doai  Fernando  deça  cam  seus  capitães ,  &.  el 

f  ey  lhe  fez  grande  recebím^oCo :  &  com  sua  chegada  fi- 

«i;u  Aaix  macafo  muy  assooabtado  jque  caaiigasse  auaa* 


248  'r}A  HISTORIA  DA  INmA 

tiranias,  porque  como  vinha  nouamente  auia  medo  de 
entender  nele.  E  auSdo  poucos  dias  que  ho  gouernador 
estaua  em  Ormuz,  chegou  de  Portugal  Manuel  de  roa- 
cedo  por  capitão  de  hfi  galeão  com  prouisam  dei  Rejr 
de  Porlugal  pêra  prfider  Raix  xarafo  por  muytas  culpas 
que  tinha  dele,  &  que  lhe  fosse  entregue,  &  no  mesmo 
galeão  ho  ieuasse  preso  a  Portugal.  E  el  Rey  deu  este 
cargo  a  Manuel  de  macedo  por  confiar  dele  Q  ho  faria 
melhor  que  outrem' &  não  se  peruertéria  c8  peitas.  E 
chegando  ele  á  agoada  dé  Teiue  que  he  sessenta  legoas 
Dormuz  soube  como  Nuno  da  cunha  estaua  em  Ormuz: 
&  porque  se  receou  que  se  soubesse  ao  que  ya  lhe  tira- 
ria a  honrra  quesperaua  de  ganhar  em  prender  Raix  xa- 
rafo (por  ser  cousa  muy  desejada)  quis  ficobrir  sua  ida 
a  Ormuz,  &  foyse  ê  hQa  terrada  c5  algfis  de  que  se  con- 
fiou mandando  ao  ^  deixou  no  galeão  por  capitão  que 
dali  a  tantos  dias  fosse  ter  a  Ormuz  que  era  ho  tempo 
que  lhe  pareceo  que  teria  feyfo  seu  negocio.  E  chegado 
a  Ormuz  na  terrada  que  era  hfl  dia  pola  manhaâ  desem- 
barcou muyfo  secretamête  &  foyse  a  casa  de  Raix  xara- 
fo que  pousaua  nos  paços  dei  rey ,  roãdando  primeyro  a 
hfi  criado  seu  que  como  ho  visse  falar  com  Raix  xarafo 
lhe  Ieuasse  hila  carta  a  Nuno  da  cunha  em  !\  dizia  !\  lhe 
requeria  da  parte  dei  Rey  de  Portugal  que  tanto  que 
aquela  visse  mandasse  gente  a  casa  de  Raix  xarafo  por- 
que cÕpria  muyto  a  seu  seruiço.  E  chegado  a  casa  de 
Raix  xarafo  foy  dele  muyto  bem  recebido  porque  ho  co» 
nhecia  &  tinha  coele  amizade  de  quãdo  ho  leuara  da  In* 
dia  pêra  Ormuz  despois  de  se  liurar  das  culpas  que  lhe 
punhão  como  disse  atras.  E  ho  homem  que  tinha  a  car« 
ta  pêra  Nuno  da  cunha  como  os  vio  faiar  foylha  leuar.  B 
lendo  Nuno  da  cunha  a  carta  chegou  Simão  da  cunha 
muyto  depressa  &  disseihe  que  fazia,  que  Manuel  de 
macedo  tinha  preso  Raix  xarafo:  8&  assi  era  que  ja ano- 
lia  andaua  pola  cidade.  E  ficando  Nuno  da  cunha  muy^ 
to  salteado  coesta  noua  mandou  logo  a  Simão  da  cunha 
*^ue  fosse  prSderRaix  xarafo^  &  ele  foycon^xOHiytage» 


LIVRO  VJI.  CàTirVísO  .CIT.  248^ 

le:  &  cheirando  Ia  achou  que  ja  Maouel  de  jmacedo  ii« 
pha  preso  Raix  xarafo,  &  Simão  da  cunha  lho  tomou  & 
lhe  mandou  logo  escreuer  sua  fazenda ,  &  ho  leuou  coi> 
sigo  a  casa  de  Nuno  da  cunha  sem  na  cidade  auer  por 
kso  nbil  aluoroço  cÕ  quanto  Xarafo  tinha  nela  muyto 
pod^r  &  muyta  valia,  &  era  muyto  aparentado,  &  isto 
por  -medo  dos  nossos.  E  Nuno  da  cunha  6cou  tão  agas- 
tado de  Manuel  de  macedo  prSder  Raix  xarafo  sem  Ihç 
dar  conia  disso,  que  bo  mandou  prender  com  quanto  lhe 
ele  mostrou  a  prouisam  que  trazia  dei  Rey  pêra  ho  prS« 
der:  &  lambem  ho  porque  Nuno  da  cunha  fpz  isto  foy 
por  abrandar  el  rey  Dormuz  {)  mostrou  sentir  muyto  a 
priaam  de  Raix  xarafo  por  ser  ê  sua  casa,  &  dauasse 
por  muyto  injuriado  disso.  E  despois  da  prisâ  de  Raix 
xarafo  eoi  Agosto,  ordenado  Nuno  da  cunha  sua  parti- 
da pêra  a  índia  veyo  noua  certa  a  el  rey  Dormuz  que 
Raix  bardadim  gouernador  de  BaharS  por  el  rey  Dorr 
inuz  se  lhe  rebelara  &  lhe  não  i]ria  pagar  corenta  mil 
xaratins  que  lhe  pagaua  de  rSda,  &  isto  por  amor  da  pri- 
fã  de  Raix  xarafo  de  {)  era  cunhado  dizSdo  2)  el  rey  ho 
fizera  prender  pois  cõsentira  Q  fosse  em  sua  casa,  pelo 
^  lhe  auia  de  fazer  todo  ho  mal  Q  pudesse.  O  Q  sabido 
por  el  rey  deu  cola  a  Nuno  da  cunha,  dizSdo  ()  pois  ele 
era  vassalo  dei  Rey  de  Portugal  &  lhe  paçaua  páreas  ^ 
ele  como  seu  gouernador  lhe  auia  de  restituir  Baharena 
&  tornar  a  sua  obediência  a  Raix  Bardadim,  &  mais 
pois  a  prisam  de  Xarafo  fora  causa  de  seu  aleuantamen- 
to,  &  se  isto  não  fazia  que  nâo  podia  deixar  de  descon* 
tar  nas  páreas  dei  Rey  de  Portugfal  a^les  corenia  mil 
xarafíns  ^  lhe  rSdia  BaharS:  a  Q  Nuno  da  cunha  respo-* 
deo  {)  não  tinha  naquilo  rezão,  porque  se  X^rafi)  for^ 
preso,  fora  por  suas  culpas  &  el  Rey  de  Portugal  ho  po- 
dia castigar  como  seu  superior,  &  por  isso  não  era  a? 
quilo  escusa  pêra  não  pagar  as  páreas.  E  daqui  prati- 
carão lanto  sobresta  cousa  i\  Nuno  da  cunha  fez  cÕ  ei 
rey  í\  pagasse  mais  de  páreas  a  el  Rey  de  Portugal  os 
icorenta  mil  xarafins  ^  lhe  rCdia  Babarem  &  que  lho  so- 

LIVBO   VII.  II 


ISO  nà  «imftii  0A  mik 

meteria  a  6aa  obediência.  E  isto  pos  Nono  da  ennbá  enii 
cAsetho  coro  os  capicáes  &  fidalgos  de  sua  amada:  & 
aigQs  disserSo  ^  ele  ya  dirigido  de  Portugal  pêra  tomar 
Diu :  &  Diu  importaua  mais  tomarse  que  se  aerecSta* 
reio  mais  corSta  mil  xarafins  ás  páreas  Dormuz,  porqne 
auia  de  rSder  mais ,  &  auia  de  ser  mais  Mnra  dei  Key 
de  Portugal  tomarse ,  &  que  se  agt>ra  fosse  sobrele  o5 
ào  destroço  que  Lopo  raa  de  sam  Payo  tinha  feyto  nas 
fustas ,  &  com  ir  de  nouo  de  Portugal  ^  fao  tomaria ,  & 
mdo  sobre  Bahatem  ou  mabdâdo  iá  ()  auia  dauer  rouyta 
detença  por  ser  fora  de  monção,  &  perderia  tempo  de 
éhegar  aa  índia  tSo  eedo  como  era  necessário  pêra  ir 
Èohte  Diu ,  por  isso  que  deixasse  BabarC.  E  outros  dis^ 
serSo  que  não  porque  bõ  se  podia  sugigar  Babarem  ft 
tomarse  Diu  ,  &  coestes  foy  Nuno  da  cunha.  E  isto  se 
Assentou  ,  &  4  fosse  Simão  da  cbnba  a  Babarem :  a  qne 
Nuno  da  ennha  deu  por  regimento  Q  por  quanto  em  fo* 
ra  da  mouçâo,  &  os  ventos  lhe  auião  de  ser  por  dana»* 
te  q  aodasse  ás  voltas  ate  trinta  dias  &  quando  neslé 
tempo  fao  não  podesse  aferrar  que  se  tornasse.  E  coest« 
regimento  se  partio  Simão  da  cunha  na  entrada  de-Se« 
tembro,  &  ele  foy  em  bã  naoio  redondo  du  lorge  gomes 
mercador  da  ladia  Português,  que  eu  conheci,  fc  forão 
por  seus  capitães  dom  Francieco  deça  no  nauio  em  ^ 
Manuel  de  macedo  fera  de  Portugal,  que  não  chegou  a 
Babarem  |>or  ser  roim  de  vela,  &  Manuel  dalfouquerque 
em  outro,  &  dom  Pernãdo  deça  no  seu  galeão,  &  Alei« 
xo  de  sousa  em  outro,  &  Lofio  de  mesquita  nn  çamo* 
fim  peqoeno,  &  Tristão  dataide  em  híja  fusta,  &  a  gen« 
te  j|  ya  nestes  nâuios  forák)  treeentos  dos  nossos  todos  Ih 
dalgos  &  eauaieyros  criados  dei  Rey,  gête  Ioda  limpa  âi 
bem  armada  de  coiraças  de  seda,  &  armas  t^rancas.  Efa«> 
zendo  sua  viagê  acharão  os  v6to8contrairos&  teuerãoas'* 
sa2  de  trabalho,  &  andando  assi  déulhes  nosso  senhor  bfl 
vento  que  os  pos  em  BaharS,  saluo  a  dom  Franeiscodeça 
^oe  (icoii  atras  &  Aleixo  de  sonsa  que  no  caminho  toiiion 
ttlgOas  terradas  de  mouros,  &  despots  foy  ter  aBahareitt 
estando  os  outros  surtos. 


u^movUé  €àwwfíJ$  cm.  Ml 

* 

C  A  P  I  T  V  L  o     CIIJ. 

Do  §  mmnU€€9  a  Simão  da  cwnkoi  em  Bãharem  ^é"  ^ 

coma  ftierrM  ^  outroê  mtJhfim. 

l^begAdok  SiinSo  d&  cunha  «o  porto  deBAbarem  acboit 
bi  Belchior  de  aoitsa  èauares  capitSo  mór  do  mar  Dfkc^ 
0IUZ  com  obra  de  aeya  bargaaila  &  caiurcs  t|i  ealaoa 
geardando  ho  porto,  junto  da  qual  eaiaua  biia  boa  foiH 
tateza  c9  eobeloa  &  torrea  cercada  de  muro  &  caua  orw 
da  Raix  Bardadim  eaiaua  com  atiaa  moiheres ,  (ílhoa  & 
mujla  gente  daimria.  E  veado  ete  surta  a  nosaa  ÍVo(a^ 
&  parecendoibe  ao  Q  ja^  pos  hOa  bandeira  branca  aruo» 
4*ada  na  forlaleia;  &  víata  por  Simão  da  cunha  mãdoti 
a  terra  saber  o  que  q/uería  por  fa&  lingoa:  por  quS^Raiic 
bardadim  Uie  mandou  dizer  que  eie  nio  se  leulLtara  se 
iiSa  por  amor  da  priaam  da  Raix  xarafb  seu  cunhado: 
&  peia  os  nossos  ioteruinbâo  nisaa  que  eki  nS  queria 
ooeies  nada  por  ser  WAiyto  grade  seruidor  dei  Rey  de 
Portugal,  &  pois  ele  queria  aquela  fortaleza  fba  queria 
dar  em  paz ,  &  se  iria  cõ  auaa  molheree,  filhes  ,  gentta 
&  quan-to  estaua  nela,  &  coeata  eondtqflo  lha  daria.  Oo^ 
uído  isto  por  Siaiâo  da  cunha ^  quisera  aceitar  a  (brfa^ 
leza  com  a^ia  coodiçSo,  mas  foy  c5trariado  dos  capítffes 
&  fidalgos,  djzeodoUie  i\  com  medo  a  tomaua  d»{)la  ma«- 
nejrra ,  &  ^  não  era  bS  que  a{|te  mouro  ficasse  sfi  casti* 
go  polo  i|  fizera,  &  quãdo  a  ouuesse  de  tomar  sem  pe^ 
kja  fosse  c5  ibes  ficar  a  faafida :  &  que  Raix  bardadins 
ee  fosse  com  suas  molberes,  filhos  &  gente,  porque  sem 
fazenda  ficaria  bê  castigado.  &  aâo  daria  mais  loruaçâe 
Aã  desassego.  a  el  rey  Dormuz.  R  com  quanio  isto  pa«- 
feceo  muylo  mal  a  Simão  da  cunha  por  parecer  assi  a 
•todos  ho  ouue  por  bê,  mas  muyto  contra  sua  vontade, 
&  iaso  respondeo  a  Raix  bardadim :  que  como  homS  es- 
forçado náo  replicou  mais  se  não  mandou  amora r  ao 
-asiico  dttaa  haãdeiBaa.,  liiia  brAsa  outra  verm^Uia  eomo 

11  2 


158  DA   HISTORIA    DA    INDTA 

quS  dizia  aos  nossos^  vissem  se  queriãp  paz  ou  guerra* 
O  Q  vendo  os  capitães  disserão  a  Sirnâo  dá  cunha  i|  qui- 
sesse guerra,  &'por  isso  ele  mandou  desembarcar  a  gen- 
te, &  algua  arlelhariá  {}  leuaua  pêra  bater  a  forialeza* 
£  feylas/ suas  estãcias,  &  ordenados  seus  capitães  & 

Í rente  ^  aula  deslar  nelas,  começouse  de  dar  bateria  á 
òrtaleza,  &  em  começando  mandou  Raix  bardadim  ti- 
rar a  bandeira  branca  &  ticou  a  vermelha  cumo  quem 
fiâo  estimaua  a  guerra  dos  nossos:  &  bem  parecia  ^  era 
assi,  por(|  como  os  nossos  íazift  algu  buraco  no  muro  cd 
a  artetharia  logo  era  tapado  &  táo  depressa  !\  quasi  ([ 
liâo  se  enxergaua,  do  Q  Simão  da  cunha  andaua  niuyto 
«gastado  vendo  ^  não  fazia  nada ,  principalmêle  por^ 
lhe  faleceo  a  poluora  tambê  apercebido  ya  dela:  &  en* 
ião  vio  ele  canianho  erro  fizera  em  não  tomar  a  fortale- 
za ^  lhe  dauão  em  paz.  E  como  não  tinha  outro  renfte- 
dio  de  poluora  se  não  mâdar  por  ela  a  Ormuz ,  mandou 
logo  lá  hum  bargãtim  Q  foy  S  poucos  dias ,  por  bo  ven- 
to ser  a  popa ,  roas  á  tornada  foy  ho  vagar  muyto.  B 
vendo  os  mouros  a  dilação  que  auia  na  bateria  da  forta- 
leza zombauãd  dos  nossos  de  cima  do  muro  como  era 
Aoyte,  &  dizialhe  i)  pois  os  nã  quiserão  deixar  ir  ^  ali 
«uiâo  todos  de  ficar.  K  parece  ^  adiuinhauão  ou  fizerâo 
por  onde  fosse  assi  segundo  se  presumio  q  deitarão  pe- 
^nha  nas  agoas  de  que  os  nossos  auião  de  beber,  ou 
|K>r  elas  serS  peçonhentas  naquele  tSpo ,  &  nele  mesmo 
ser  a  terra  muyto  doentia,  &  os  nossos  eslarê  despostos 
f>era  doenças  com  ho  muyto  grande  trabalho  Q  tinhão 
começarão  dadoecer  &  tanto  que  não  sè  podião  leuán*^ 
tar.  E  Raix  bardadi  mandou  dizer  a  Simão  da  cunha  ^ 
fx>la  amizade  ^  tinha  cõ  os  nossos  lhe  aconselhaua  ^  se 
fosse,  |)orque  se  ali  esleuesse  mais  lhe  au4a  dadoecer  a 
gente  de  maneyra  que  quand<»  se  quisesse  it  não  auia 
de  poder  r  &  os  nossos  zombauâo  daquilo  &  dizião  a  Si* 
pão  da  cunha  ^  lio  mouro  dizia  aquilo  com  medo,  &  por 
isso  Simão  da  cunha  nãt>  lomoa  seu  couselb^  qiie  iora 
muy  bÕ,  por^  despois  nã^ sucedera  a  desauStura  4 


€édeor*&  foy  a  doê^a  dot  noesos  em  ísnto  créciroenH) 
que  quando  a  poluora  chegou  Donnuz  esiauão  quasi  lo»* 
ãus  doêiea  &  aigâs  aioríos^,  &  fÈorl^-  ele  ¥Ía  têmsi  iKloecer 
a  gente  mudou  as  estSoiat  pêra  perto  do  mar,  por^  ho 
-teuease  níais  a»  mão  8e  ie.  visse  apertado  doa  mouros  que 
ibssein  sobrele^  o  que  temia  muy to  que  fosse  se  Raix 
-bardadini  sottbeSBe  como  línba  a  gente:  o  (}  efe  sabia 
luujr  bè  |H>laejiperiSoia  {{•  tirlba  da  terra,  mas  como  nfio 
queria  se  não  auiisade  cõ  os  nossos  porque  se  fizesse  aW 
gít:dâno  sabia  que  Raix  aarafo  bo  auia  de  pagar  nunea 
quis  bolir  consigo  neái  sair  aos  nossos,  que  se  sairá  c5 
pouco  trabalbo  us  matara  a  todos.  E  despois  de  Simão 
«da. cunha  reoolbtff. os  seus  pêra  mais  perto  do  mar,  fea 
hQa  estâcia  em  que  os  ^aos  lodos »  &  tornou  outra  vea  a 
bater  a  fortaleza  dle  que  derribou  hâ  laço  do  muro  por 
cisâar  abalado  daniesf  U.  quisera  por 'ali  entrar  a  for  tale-* 
"Sa  se  teiiera  quem.ho  acompanhara,  mas  não  achou  sàoa 
4Bais  de.  trinta  &  cinco  ihomês,  &  todos  os  outros  tâo 
4loentes  &  fracos  que  nfto  se^podiâo  bulir:  &  de  muyto 
agastado  Ipuantuu  as  mãos  ao  ceo,  dizêdo.  Senhor  quã 
.pouco  ie  custara -daresme  cem  liomSs  8â«>s,.  Que  cõ  lã-- 
'to8.se  alire«era  a  enlear  .a.  fortaleza  se. os  teu  era  :&  ven- 
do que  os  não  linha  4eixou  de  ho  iaZer  com  muy  to  gran- 
de magoa  assi  por  iiise  como  por  ver  quão  bem  acerlaua 
em  tomar  a  fortaleza  que  lhe  dauâo  em  paz,  &  quã  mal 
aconselhado  .fora  ém  a  nàú-  tomar  &  em  se  não  ir  quan* 
do  tinha  têpo.  E  ilea  que  ho  nao  teuesse  de  todo  deter- 
minou  de  fazer  embarcar  a  artelhar ia  &  os  doentes  poiQ 
os  saluasse ,  o  que  ítz  cõ  iu^menso  trabalho  assi  seu  so- 
mo dos  trinta  &  cimo  qu^  estauào  sãos ,  que  saindolhe 
muyto  sangue  das  mãos  embarcarão  a  artelharia,  &  des- 
.pois  os  doentias  coro  (}  ja  não  podião  de  casados  &  por 
isso  lhes  atauão  cordas  nos  pée  &  os  leuau&  a  rasto  ate 
ho  mar.  E  fey  hQa  muy  piedosa  cousa  de  ver  esta  em- 
barcac^ão,  assi  do  mau  traio  que  se  dauaaoa  doentes  por 
se  mais  nâu  jHider  fazer,  soeío  dos  gimidos  &  grifos  que 
dauâo  &  Sftiigõas  que  diaiào*  £.  neste  trabalbo  ajudou 


454  lu  KumEiii  jn.  wmtk:' 

mujío  bê  aos  nosao»  hum  mouro  Dormuz  <)  fo^eom  Sè^ 
mâo  da  cunha  que  era  Xeqjae  da  ilha  DãgSo  &  ja  em 
hOa  letrada  cem  corSU  moaros  taiabS  Darmue-ooia  (| 
fez  muyia  ajuda  aoa  nosroa  asa»  no  oerco  paasaéO' coma 
oesta  embarcação.  E  eaibaicadoa  iodoa  oe  dofilea  fe  ar- 
telharia,  se*  embarcou  Simão  da  ouph»  iporlo  de  paiião^ 
&  de  l|ai0aDka  desaiieiilura  a  que  ete  quisera  aiaibar 
era  tomar  a  ^rtaieaa  se  ho  deixarfto,  do  que  ele  trnha 
tnayor  magoa,  &  cçela  disse  ao  mestre  do  seu  nauio  e«i 
se  embarcando.  Mesire  quando  ouuerdes  de  fazer  aJgtua 
cousa  de  vossa  bonrra  não  tomeis  ho  conselho  de  nii^guS 
se  não  bo  «^sso*  El  cdsto  fez  dar  ás  veias  &  se  partio  & 
assi  os  ouuos  nauiea:  &  logo  nos  prim^ros  tres^dias  <!e 
sua  nattega<^  começarão  de  morrer  muytos  doe  deein- 
tes  Q  leuaua  {)  lhe  renouauão  de  cada  ves  mais  sua  (ri»- 
iesa  de  que  ele  adoeceo,  &  tão  auorreòído  j»  da^vída 
&  de  tudo  l\  se  meteo  na  pamara  do  oauío  seso  querer 
ver  niagoem  ti/^  falar^  te  dÀdosmuyto^ grande  ajs&eost- 
piros  durou  nouo  dias  despeiS'  !)>  a^èceo  Ic  ôiorreo  de 
tristeza ,  &  no  seit  líaoio  morrerAo  bd  setervtd  doentes  a 
fora  os  dos  outros 'na4wo#r>&'6eoii''ho  naaio  tã<e' desens!- 
parado  de  quS  ho  mareasse*  que  s^  ouaera  de  perder  se 
lhe  nosso  aenhor  não  socorrera  com  ir  ter  coele  Fernaii» 
daluarez  ^arnache  em  hUn,  ierr^a  què  com  sua  rSte  ho 
ajudou  a  louar  aOrmupz^  õd«-  Simão  da  òunba  j)  ya  moi»> 
'to  nele  foy-  enterrado ,  &  assi  Francisco  gomez  fi4ho  do 
bispo  do  FQchal ,  He  todos  os  oauios  da  armada  cbegatS 
muy  destroçados,  bOs  diante  outros  despois:  &  os  maia 
dos  (\  forão  a  BabarS  morrerão  que  muy  poucos  escapa- 
rão &  t«to  foy  o^  ganhou  de. ir  tá:  &  maia  coeeía  ida 
nib  po<fce  Nuno  da  cunh»  partir  pêra  a  Ind^ia  em  Agos- 
to pêra  choe^ar  em  Setembro  Sp  fazer  prestes  a  armada 
pêra  ir  a  Diu  aqu<')e  anno  Ic  não  foy,  B  vedo  -Nuno  da 
cunha  como  nã  tinha  mais  que  fazer  em  Ormuz ,  deter- 
mitfoo  de  se  partir  pêra  a  f  adia,  &  atrecaídou  as  páreas 
dei  rey  DoiHnuz,  fe  soNòa  Manuel  de  macedo  &  pos  em 
«aeu  poder  a  Raix  xarafo  porque  ho  aui^  de  lesiaf  pesa 


LIVSO  VIU  CAPIVTIJO  Gini.  fe6t 

Portugal  fvor 'mandado  dei  Rey.  £  têdo  todo  pwstes , 
parlíose  oaminho  d»  Índia ,  <&  iforâa  toele  dÔ  Fernfido 
de  lima,  dom  Francisco  deqa,  FrScisco  dê  mendoiça^ 
Blacinei  de  B»aoedo  &  outro  todoè  oapiiãeft  de  aaofi)  & 
lorge  gomeE  m»  seu  naiMo*. 

C  A  P  i  T  V  L  O    CIIII. 

Di  eoim  1u)  ^cM/tnwixfr  se  parth  dê  Goa  pêra  Cocfd. 

T' 
endb  tio  gouernaidor  Lopo  va?.  de  aani  Payo  ho  inuer* 

no  6  Goa,  chegou  >kt  Ikistiâo  ferreyra  na  entrada  dele 
ef)m  eartas  de  Nuno  da  cunha ,  qne  tomara  aos  mourofc 
Mombaça  ôde  (eoera  ko  inn^rno ,  &  iicaua  em  Melinde 
dõde  aura  dir  a  Orma^  pêra  no  verão  seguinte  pasaar  á 
I-iidia,  pedindelbe  (r^tte  lhe  4eueMe  a  armada  prestes  por^ 
que  auitt  de  ter  neceasidade  deia  ft  cJiegido ,  &  por  ea^ 
ta  noua  mandou  ho  gouernador  hfta  sotfine  procisâam  ^ 
em  que  com  todos  foy  dar  gra^ae  a  noaso  aenhor  por  a 
noua  da  armada  de  Ptirtugai ,  (}  oa  mouros  queriSo  adi** 
dinfaar  que  não  auía  de  vir,  &  andauâo  por  isso  rouyio 
ledos  dizSdo  &  ja  não  avia  Portugal.  E  dadaâ  graças  ao 
eterno  Deoa,  M  gouernador  ae  pos  com  moyta  dilig^cfa 
a  mandar  coneertar  a  armada ,  &  a  fazer  de  nono  algue 
nauios  a  fura  muytoa  que  mandara  fazer  em  diuersoft 
tenifK)!*  a.  b^jb  galeões  &  a  taforea  de  Gocbim  que  era 
«lao  de  q«ínhSlos  t<ineÍ9,  beys  ga(éa  reaia,eincogaleotas, 
quatro  ^araaelaa,  &  cintoenta  bargantins,  &  muytesou** 
trus  q  Hftaiidou  fâí^zer  de  paraÓs  Malabares^  de  que  no 
(empo  1|  gi^uernou  a  indifa  se  achou  per  certeza  que  se 
(omarto  a  Iinj^  bâ  cento  i&  cincoenta  com  fustas  & 
iDUtroe  na  aios,  &  toAos  bO  artíthadoB  &  de  boa  ar  (ei  bai- 
lia t  &  des4ea  foriio  teuadoa  muyioa  pêra  diuersas  partes- 
tio  sentori^  que  elfiey  de  Portugal  tem  na  Índias  &  ou«- 
IfOli  se  gapstarâo  de  ^bos :  &  com  tudoiioouia  mais  gros«- 
tsa  &  niHfcor  armada  que  tinha  iih6  príncipe  €hfii$tão  de 
céto  Sl  itmla  Ik  ueys  velas,  0«  i|uatorxe  galeões  ^  aeya- 


S5fl  lu  -  fíísromk  DA :  índia 

galéa  reM9y  oyto  galeotns,  seys  carauela8^.&.c8(ò  &  duas 
fustas  &  barganiins.  E  a^si  como  aèrecètou  a  armada, 
^sai  tambS  teue  cuidado  de  repaírar  as  fortalezas  da  ter- 
ra do  necessário:  na  Dormuz  mandou  fazer  hâ  baluarte 
defronte  da  porta ,  &  mandou  acabar  b8s  cobelos  ^  es-i 
tauâo  come<2ados,  &  enmadeirar  os  terrados  da  fortaleza, 
&  argamassar  ho  muro^  &  concertar  a  igreja  l\  estaua 
dãneíicada,  &  na  de  Cbaul  mSdou  leuâlar  mais  hQ  so- 
brado na  torre  da  menagS ,  &  acabar  ho  cobelo  do  ai- 
cayde  mór,  &,  fazer  hú  cais  de  pedra,  &  duas  casas  pe^ 
ra  almazSa  dartelharia  .&  de  mãlim^tos.  Na  cidade  de 
Goa  hu  pedaço  de  chapa  no  muro  da^  banda  do  mar  Sq 
hQ  cobelo^  &  acabar  a  sé  ^  es(aua  começada  &  telhar 
de  nouo  ho  mosteiro  de  sam  FrScisco.  Na  fortaleza  dq 
jQananòr  mandou  fazer  húa  caua  ao  derredor  do  arrabal- 
de pêra  2}  6casse  dSlro  ho  poço  dagoa,  {|  estaua  fora  da 
fortaleza  ^  era  parela  muy  grade  perjuy7.o  por  nS  ter  a«r 
goa:  Sl  na  mesma,  caua  híi  baluarte  ^  varejasse,  ho  mar. 
dQa  bâda  &  da  outra  cÕ  a  artelharia  &  mâdou  refazer 
fao  muro  da  cerca  da  fortaleza  Q  estaua  desfeyto  em 
muylas  partes  &  derribar  o  í)  cercaua  a  torre  da  mena^v 
gS  por  ser  fraco  &  fazelo  mais  forte,  &  fazer  hOa  casa 
pêra  feytoria,  &  hOa  sala  do  apousentiimSto  do  capitão. 
Em  Cochim  mãdou  fazer. a  parede  grande  Q  vay  da  for** 
taleza  ao  logo  da  praya  ate  o  caluele,  &  acabar  todos 
os  cobelos  Q  estaua  da  bSda  do  mar :  &  assi  outras  obras 
miúdas  de  {|  a  fortaleza  tinha  necessidade.  E  a  fora  tur 
do  isto  mãdou  pagar  trezêtos  mil  cruzados  de  soldo ,  ^ 
foy  cousa  em  !\  fez  grande  seruiço  a  et  Rey  seu  senhor* 
£  assi  como  foy  esforçado  na  guerra  9  foy  cSstâle  na 
justiça  !\  sempre  folgou  muy  to  de  fazer,  posto  Q  algííf 
<]UÍ8erâ  dizer  ho  cõtrairo  por  ódio  2)  lhe  tinhão:.porê  ele 
castigou  sempre  os  crimes  asperamête  como  se  víq  no 
mulato  i\  foy  enforcado  em  Goa  por  tirar  de  noyte  em 
Cochi  CÕ  hQa  espingarda  a  FrScisco  pereyra  pestana  ^ 
•&  os  oyto  aleuâtados  da  cõpanhia  dos  ^  se  aleuâtaraQ 
põ  hQa  fiista  &  çõ  hum  barganlim,  ^  ^^  pessoa  foy  prjSr 


LIVRO   VII.    CAPITVLO   CIIII.  267 

der  h&a  noyte  a  terra  firme ,  &  eu  bo  vi  parlir  Q  estaua 
em  Goa  a  esse  ISpo.  Foy  sSpre  mujlo  deuolo  &  teme* 
roso  de  nosso  senhor,  &  tSo  casto  (}  nOca  lhe  sentirão 
molher  em  c]uSto  andou  na  índia:  &  foy  fora  de  vaida- 
des nS  presunções',  &  cÕ  todos  era  companheiro  assi  na 
paz  como  na  guerra ,  &  pêra  todos  muyto  bS  ensinado. 
Foy  bomS  grande  de  corpo,  mSbrudo  &  bS  apessoado  & 
de  rosto  alegre.  B  no  cabo  deste  inuerno  que  teue  ê 
Goa,  em  dia  de  sam  Bertolameu  de  madrugada  surgio 
na  sua  barra  a  armada  !\  aquele  anno  foy  de  Portugal  de 
quatro  nãos  em  {}  ya  por  capHão  mór  Diogo  da  silueira 
&  por  seus  capilSes  Ruy  gomez  da  grã ,  Ruy  mendez 
de  mesquita,  &  Anrri^  moniz  que  morreo  no  mar,  pay 
Daires  moniz  &Dan(onio  moniz  ^  forâo  coele  meninos: 
&  esta  armada  leuou  tão  boa  viagS  que  quãdo  chegou 
a  Goa  yâo  os  homSs  dela  ^  erão  quinbStos  tão  sãos  & 
tao  gordos  2)  parecia  {|  auia  qulze  dias  fi  partirão  de  Lis- 
boa, &  nQca  despois  eu  vi  outros  tais.  E  detendose  Dio- 
go da  silueira  poucos  dias  em  Goa,  se  partio  pêra  Co* 
chi :  &  despois  dele  o  gouernador  a  fazerse  prestes  pêra 
a  partida  de  Portugal ,  pêra  ode  esperaua  de  parlir  po- 
la  vida  de  Nuno  da  cunha,  como  direy  a  diante. 


F  I  N  I  S. 


LIVRO   VII.  KK 


< 


TAVOADA 

DO  SEPTIMO  LIVRO. 

v^APiTOLO  I.  De  eamofoy  aberta  a  terceyra  $oces$am 
em  que  hia  Lopo  Vaz  de  sam  Payo.  Pag.       I 

Cap.  II.  De  como  Lopo  vaz  de  são  Payo  desbaratou  hãa 
armada  de  mouros  de  Calicui  no  rio  de  Bacanor.      9 

Gap.  III.  De  como  Francisco  de  sá  separttopera  iraçúda^  §* 
de  como  dom  lorge  de  menesesfoy  por  capitão  de  Maluco.  7 

Gap.  iiii.  De  como  Lopo  vaz  de  sam  payo  cÓcertouRaix 
xarqfo  c6  Diogo  de  melo  capitã  dormuz.  8 

Ca  p.  V.  De  como  Eytor  da  silueira  do  porto  de  Maçua  man- 
dou chamar  dom  Rodrigo  de  lima^  ^  sefoy  a  Ormuz.    16 

Gap.  VI.  De  como  tem^dose  Meliq  saca  capitão  de  Diu 
dei  rey  de  Cãbaya  determinou  de  dar  fortaleza  aos  Por* 
tugueses.  1 S 

Cap.  VII.  Do  conselho  ^  Hagamahmut  deu  a  Méliq  so* 
bre  despejar  Diu :  ér  como  lho  tomou.  1 5 

Gap.  VIII.  De  como  Èytor  da  silueira  se  tornou  a  CSmutj 
^  do  mais  ^  fez  Lopo  vaz  de  sá  Payo.  17 

Gap.  IX.  De  como  ho  Tanadar  de  uabul  pedio  paz  a 
Lopo  vaz  de  sam  Payo*  20 

Gap.  X.  Do  ^  acõleceo  a  jír^onio  galuão  capitão  de  húa 
das  nãos  da  carga  ate  chegar  á  índia.  ibicf» 

Gap.  XI.  De  como  él  rey  de  Portuaal  mandou  que  Lopo 
vaz  de  sam  Payo  fosse  gouernaaor.  25 

Gap.  XII.  De  como  Lopo  vaz  de  sam  poyofoy  declarado 
por  gouemador.  28 

Cap.  XIII.  De  como  HagamahmvJt  se  leuaníou  com  Diu^ 
^  ho  deu  a  el  rey  de  Cambaya.  3 1 

Gap.  xiiii.  Do  grade  aluoroço  ^  auia  na  géte  da  índia  ^ 
dizêdo  6  Lopo  vaz  nâ  era  gouemador.  32 

Gap.  XV.  De  como  Christouâo  de  sousa  capitão  de  Chaul de- 
terminou ^  Lopo  vaz  de  sam  payo  não  era  gouernador.  3  6 

Gap.  XVI.  Dojuramentoqho  gouemador  fez  em  Cochim.  37 

KK  2 


260  TAVOADA. 

Cap.  XVII.  De  como  $e  assentou  que  ho  gouemador  não 
fosse  a  Camarão.  39 

CÂp.  XVIII.  De  comofoy  morto  Gaspar  machado^  ^  ou- 
tros Portugueses.  40 

Gap.  XIX.  Úe  como  Pêro  mascarenhas  soube  que  era 
gouemador  da  índia,  ^  do  que  fez.  41 

Gap.  XX.  Em  q  se  escreue  ho  sitio  ^  a  fortaleza  da  ilha 
de  Bmtão.  .    43 

Gap.  XXI.  De  como  Pêro  mazcarenhas  foy  sobre  a  ilha 
de  Bintâ.  45 

Gap.  XXII.  De  como  foy  desbaratada  a  armada  que  el 
rey  de  Pão  mandaua  em  socorro  dei  Rey  de  Bintão.  46 

Gap.  XXI II.  De  como  Fernão  serrão  pelejou  com  Laque- 
ximena.  48 

Gap.  XXI III.  De  como  Pêro  mazcarenhas  tomou  a  cidade 
de  Bintão.  bO 

Gap.  XXV.  Do  §fez  Pêro  mazcarenhas  despois  de  toma- 
da a  cidade.  52 

Gap.  xxvf.  De  como  Francisco  de  sáfoy  a  pxnda ,  ^ 
do  que  lhe  aconieceo.  54 

Gap.  xxvfi.  De  como  Pêro  mazcarenhas  chegou  a  Cochim^ 
^  querêdo  desembarcar  lhe  resistia  ho  vedor  da  fazen- 
da. 56 

Gap.  xxviii.  De  como  não  podendo  Pêro  mazcarenhas 
desembarcar  em  Cananor  se  partia  pêra  Goa.  tiO 

Gap.  XXIX.  De  como  ho  gouemador  soube  o  que  Afonso 
mexia  fez  a  Pêro  mazcarenhas.  62 

Çap.  XXX.  De  coma  ho  gouemador  mandou  q  fosse  preso 
Pêro  mazcarenhas.  63 

Gap.  XXXI..  De  como  Pêro  mazcarenhas  foy  preso  em 
ferros.  67 

Gap.  XXXII.  Da  causa  §  Eytor  da  silueira ,  ^  Diogo  da 
sUueira ,  teuerão  pêra  serem  côtra  ho  gouemador.    7  2 

Gap.  XXXIII.  Do  requerimento  que  os  ojiciaes  da  cama- 
rá de  Goafizerão  ao  gouemador.  76 

Gap.  XXX 11 II.  De  como  ho  gouemador  prendeo  Eytor  da 
silueira  ^  os  outros  fidalgos  de  sua  valia.  79 


TA  VOADA*  261 

Cap.  XXXV.  De  como  Pêro  mazcarenhas  foy  obedecida 
por  gouernador  por  dom  Simão  de  meneses.  83 

Cap.  xxxvi.  Dos  requerimentos  que  fez  Pêro  mazcare^ 
nhãs  a  Lopo  vaz  de  som  Payo.  tí<> 

Cap.  xxxvii.  De  como  Pêro  mazcarenhas  foy  obedecido 
por  gouernador^  por  Cristouão  de  sousa.  68 

Cap.  xxxviii.  De  como  dom  Garcia  Anrriquezfez  pa- 
zes cô  el  rey  de  Tidore.  i)0 

Cap.  xxxix.  De  como  dô  Garcia  anrriquez  tomou  a  que- 
brar a  paz.  91 

Cap.  xl.  De  como  dom  lorge  de  meneses  indo  pêra  a  ilha  de 
Temaiefoy  ter  ás  ilhas  dos  Pàpuas  onde  inuemou.  93 

Cap.  xli.  Da  segunda  armada  que  ho  Emperador  man- 
dou ás  ilhas  de  Maluco.  94 

Cap.  xlii.  De  como  chegou  húa  nao  de  Castelhanos  ás 
ilhas  de  Maluco.  9t> 

Cap.  xliii*  Do  que  aconteceo  a  dom  Garcia  anrriquez 
c6  os  Ccistelhanos^  ^  do  mats  §  sucedeo.  99 

Cap.  xliiii.  De  como  António  de  miranda  dazeuedo  pro- 
meteo  a  Pêro  mazcarenhas  de  lhe  obedecer.  io2 

Cap.  xlv.  Do  que  António  de  miranda  ^  Christouâo  de 
sousa  Jizerão.  1  o4 

Cap.  xlvi.  De  como  ko  gouernador^  ^  Pêro  de  faria  ^ 
i§r  outros  jurarão  de  comprir  a  pauta  que  Jizerão  Cris- 

-    touão  de  sousa j  ^  António  de  miranda.  io7 

Cap.  xlvii.  De  como  Pêro  mazcarenhas  ^  Lopo  vaz  de 
sã  payo  desistirão  em  Cananor  do  mando  de  gouerna- 
dores.  Ill 

Cap.  XLviii.  Da  desauença  que  ouue  ótre  Lopo  vaz  de 
sã  payo  ^  Pêro  mazcarenhas.  114 

Cap.  xlix.  Como  forão  acrecéíados  mais  dous  juizes  por 
parte  de  Lopo  vaz  de  sampayo^  ^domais  que  passou.  1 1 8 

Cap.  l.  Das  rezôes  q  ho  vedor  dafazida  ^  outros  offre- 
cera  aos  juizes  pêra  ^  Pêro  mazcarenhas  não  fosse  go- 
uernador. 121 

Cap.  li.  De  como  foy  dada  a  sentença  ^  Lopo  vaz  de 
sani  Payo  gouemassé  a  índia.  '  1 24 


96t  TATOABA« 

Cap.  Lif.  Do  tftt€  ho  gouernadar  fe»  degpóis  de  ser  re$tí^ 

tuido  em  sua  posse.  1 26 

Cap.  liiu  De  como  dom  Garcia  anrriqtuz  entregou  a 

fortaleza  de  Maluco  a  dom  lorge  de  meneses.  127 

Cap.  Liiii.  Do  que  dó  lorge  quisera  fazer  acerca  do  cra^ 

uo  ^*  nâo  pode.  129 

Cap.  lv.  Do  que  passou  dom  lorge  de  menesescôdó  Garcia 

anrriquez  sobre  mandar  a  Malaca  pela  tna  deBomeo.  130 
Cap.  lyi.  De  como  dom  lorge  de  m^neses  mâdou  reca^ 

do  ao  capitã  de  Malaca  poía  via  de  Borneo.  1 33 

Cap.  lviu  De  como  dÓ  lorge  de  meneses  mandou  prfder 

dó  Garcia  anrriquez.  135 

Cap.  LVfif.  De  como  dom  lorge  soltou  dom  Garcia  ^ 

tornarão  a  ser  amigos.  138 

Gap.  líx.  De  como  os  da  parte  de  dÓ  Garcia  trabcdhauão 

por  auer  imizade  antrele  ^  dó  lorge.  140 

Gap.  lx.  De  como  dó  Garcia  prendeô  dom  lorge  emfer^ 

ros^  ^  a  causa  porque.  143 

Gap.  Lxr.  Do  que  passou  dó  Garcia  despois  de  ter  preso 

dom  lorge.  147 

Gap.  LXir.  Do  qjizerão  os  amigos  de  dÓ  lorge  despois  de 

Èuaprisam.  150 

Gap.  Lxiii.  De  como  dó  Garcia  soltou  dó  lorge  demeno^ 

ses.  153 

Cap.  lxitii.  De  como  os  moums  de  Lôgú  matarão  Jlua^ 

ro  de  brito  ^  tomarão  húa  ga\€.  1 54 

Gap.  lxv.  Do  ^  fez  Lopo  vaz  de  sam  Payo  despois  que 

foy  julgado  por  gouernador.  155 

Gap.  lxti.  De  como  dom  loão  deça  desbaratou  ^  pren* 

deo  Chinacutinle.  157 

Gap.  lxvii.  De  como  Pêro  de  faria  partio  pêra  Malaca^ 

i§r  Simão  de  sousa  galtUio  pêra  Maluco.  1 58/ 

CaP.  LxviiK  Das  presas  que  António  de  miranda  capitão' 

mór  do  mar  fez  no  estreito^  ^  do  mais  que  sucedeo.  159 
Gap.  lxix.  De  como  forão  catiuos  de  mouros  Diogo  de 

mezquita  éf  outrús.  161 

Gap.  lxx.  De  como  Halixd  capitão  da  armada  de  Diu 


TATOADA*  t63 

pelejou  c6  Jtnrriqut  de  macedoy  ^  de  eomofoy  tnor* 
to  António  da  siltui.  J63 

Cap.  lxxi.  De  como  Christouóo  de  médoça  cavitáo  Dor- 
muz  mãdou  por  terra  António  tenreyro  a  Portugal  c6 
recado  a  el  Key.  1 64 

Cap.  Lxxii*  Do  que  panou  Gonçalo  gomez  dazeuedo  com 
dom  Garcia  anrriqz  na  ilha  de  Báda.  167 

Cap.  Lxxin.De  comoAluaro  de  saya  vedra  tomou  húa  gaito-- 
ta  aos  Portugueses  ^  catiuou  muytos  dos  que  yâonela.  170 

Cap.  ljlxiiii.  De  como  GÔçalo  gomez  dazeuedo  chegou  a 
ilha  de  TemaU.  172 

Cap«  lxxv.  De  como  dam  lorge  de  meneses  ^  Fernão 
de  la  torre  mandarão  pedir  socorro  ká  á  índia  ^  ou- 
iro  á  nona  espanha.  \  74 

Cap.  lxxvi.  De  como  Martim  afonso  de  melo  jusarte 
se  perdeo  na  costa  de  Bengala.  17a 

Cap.  Lxxvii.  Dos  grandes  perigos  ^  trabalhos  quepassarãa 
Marfim  Afonso  ^  os  outros  ate  chegarem  a  Atracão.  179 

Cap.  Lxxviii.  De  como  Martim  afonso fog  leuado comos 
outros  per  kús  pescadores  aa  cidade  de  çuquiriá.      182 

Cap.  Lxxix.  De  como  Marti  afonso  ^  os  outros  ficarão 
€  poder  de  Codauazcão.  185 

Cap.  i^xx.  De  como  Martim  afonsofoy  liure  do  cati- 
ueiro  em  que  estaua.  1 87 

Cap.  lxxxi.  De  como  Simão  de  sousa  galuão  com  ior^ 
menta  foy  ter  a  Dachem.  1 90 

Cap.  lxxxi  I.  De  como  Simão  de  sousa  galuão  foy  morto 
na  barra  de  Dachem  c6  guãtos  yão  coete.  192 

Cap.  lxxxiii.  De  como  dô  òarcia  anrriqz  chegou  a  Ma- 
laca. 196 

Cap.  Lxxxiiii.  De  como  el  rey  de  Dachem  mandou  cã 
engano  dizer  a  Pêro  de  faria  que  lhe  daria' oe  Portu- 
gueses ^  a  gaU.  197 

Cap.  lxxxv.  Do  ^passou  antre  Fero  de  faria  ^  el  rey 
Dauru ,  ^  el  rey  de  Dachem.  200 

Cap.  lxxxvi.  De  como  Nuno  da  cunha  partia  pêra  a  ín- 
dia por  gouemador  dela.  203 


SR4  TA  VOA  DA  « 

Cap.  lxxxvii.  De  como  se  perdeo  a  nao  de  Nuno  da  cu- 

nha.  206 

Cap.  lxxxviii.  De  como  Nuno  da  cunha  tomou  a  cidade 

de  Môbaça.  211 

Cap.  lxxxix.  Do  q  hogouérnadorfezesteinuernoem  Goa^ 

^  de  corhp  se  perdeo  hâa  armada  no  rio  de  Chatua.  2 1  ô 
Cap.   xc.  C^mo  o  gouemador  desharaUm  Culiale  de  Ta- 

nor.         /  217 

Cap.  xci.  De  como  ho  gouernador  correo  a  costa  de  Ca- 

licul  4r  destruyo  a  vila  de  Porquá.  221 

Cap.  xcii.  De  como  soube  ho  gouernador  que  as  fustas 

de  Diu  corrido  a  Chaul:  ^  ao  qfez.  223 

Cap.  xciii.  De  como  ho  gouemador  disse  aos  capitães  da 

armada  que  queria  ir  tomar  Diu  ^  de  comofoy  con- 

trariado.  226 

Cap.  xciiii.  De  como  ho  gouemador  pelejou  com  a  ar* 

mada  de  Diu  ^  a  desbaratou.  227 

Cap.  xcv.  De  como  ho  gouemador  quisera  ir  sobre  a  ct- 

*  dade  de  Taná^  ^  a  causa  porque  nãofoy.  231 

Cap.  xcvi.  Do  que  fez  António  de  miranda  na  costa  do 

Malabar  côtra  os  mouros  de  Calicut  c6  ajuda  de  Chris- 

touâo  de  melo.  233 

Cap.  xcvii.  Da  guerra  que  Eytor  da  silueirafez  em  Cam'- 

baya.  235 

Cap.  xGVffi.  Do  que  petssou  dâ  lorge  de  meneses  c6  Fer* 

não  de  la  torre.  239 

Cap.  xcix.  Decomo  Garda de sá se partio pêra  Malaca.  241 
Cap.  c.  De  como  el  rey  Dachem  tomou  por  engano  hú 

galeão  a  Manuel  pacheco.  242 

Cap.  Cl.  De  comofoy  discuberta  a  ireiçâo  de  Sanaya  de 

raja  ^  ^  foy  morto  por  isso.  245 

Cap.  cii.  De  como  Nuno  da  cunha  chegou  a  Ormuz ^  ^ 

de  comofoy  preso  Raix  xarafo.  24ÍJ 

Cap.   chi.  Do  §  aconteceo  a  Simão  da  cunha  em  Baha* 

rem^  ^  de  como  morreo  ^  outros  muytos.  251 

Cap.  ciiii.  De  como  ho  gouernador  se  partio  de  Goa  pê- 
ra Cocht  2ô5 


HO  OCTAVO  LIVRO 

D  A 

HISTORIA  DO  DESCOBRIMENTO 

CONQVISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS  PORTVGVESES. 

Feyto  por  Fernão  Lopez  de  Castanheda  y  que  Deos  tem»  ^ 

Impresso  em  Coimbra. 
Cbm  Real  Priuilegio.    M.  D.  LXL 


•  *•■ 


HISTORIA 

DO 

DESCOBRIMENTO 

CONQ VISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS 

PORTVGVESES 

POR 

FERNiO  LOPEZ  DE  CASTANHEDA. 

NOVA    KDIÇXO. 


LIVRO  VIII. 


LISBOA.  M.DCCC.XXXin. 
Na    ttpooraphia    rollandiana.. 

POR  ORDEM  SUPERIOR, 


PROLOGO 

NO    OCTAVO    LIVRO    DA    HISTORIA 

do  descobrimento  &  conquista  da  índia  petos  Portu* 
gueses.  Dirigido  ao  muyto  alto  &  muylo  poderoso 
Rey  dõ  Sebastião  nosso  senhor  deste  nome  o  primey- 
ro.  Rey  de  Portugal,  &  dos  Aigarues,  Daquem,  & 
Dal6  mar,  em  Africa,  senhor  de  Guiné,  da  cõquis* 
ta,  nauegaçâo,  &  comercio  de  Etyopia,  Arábia^ 
Pérsia,  &  da  índia» 

Pelos  jilhos  de  Fernão  Lopez  de  Castanheda. 

.xVinda  que  nam  fora  manifesto  mu}^to  alto  &  muy  pcK 
deroso  senhor,  o  animo  cõ  que  V.  A.  &  seus  antepas- 
sados todos,  receberão  as  semelhantes  oflTertas  de  obras 
prouey tosas  á  Republica,  &  que  ensinauâo  por  exem- 
plos a  bem  obrar  na  paz  &  na  guerra,  bastaua  pêra  nós 
oflTereceremos  esta  a  V.  A.  a  vontade  com  que  el  Rey 
dom  loão  lio  terceyro  vosso  auó  (que  está  em  gloria) 
aceitou  o  Primeyro  liuro  desta  historia  &  quanta  mercê 
por  isto  fez  a  Fernão  Lopez  de  Castanheda  nosso  pay 
(Q  Deos  tS. )  Por^  alem  de  V.  A.  ter  as  mesmas  obri- 
gações pêra  a  fauorecer  que  ele  tinha ,  que  erâo  ser  de 
excellentes  feytos  de  Portugueses,  &  animarem  com  elas 
a  seus  descendentes  pêra  as  y  mi  tarem,  &  terem  por  fá- 
cil poer  as  fazendas  &  vidas  por  acrecentan^ento  de  nos- 
sa sancta  fee,  &  seruiço  de  seu  Rey  (como  estes  seus 
antepass^os  fizerão)  parecia  bastâte  causa  peraV.  A. 
fauoreceí^^^este  Liuro,  ser  parte  daquele  Primeyro  (por 
continuação  da  historia)  q  a  el  Rey  vosso  auó  pareceo 
bem.  Principalmente  que  trabalhou  nela  tanto  nosso 
pay,  &  fez  tantas  diligScias  por  escreuer  a  verdade  ^^ 
que  com  o  fim  da  historia  se  lhe  acabou  a  vida,  que  ti^- 


nha  may  trabalbada  de  muyUa  indíspMJçSes  causadas 
de  cõtino  cuydado,  &  de  continuas  vigílias,  &  leytura 
de  muytos  papeis  ^  da  índia  trouxera.  Polas  quaes  re- 
zoes,  em  seu  nome  pedimos  a  V.  A.  queira  tomar  sob 
seu  amparo  este  Liuro  Octauo,  (&  com  este  o  Nono  & 
Decimo  seguintes,  que  muy  cedo  se  imprimirão)  pêra 
que  responda  o  fruyto  ao  muyto  trabalho  que  ho  Aulor 
nele  teue ,  &  alcance  ho  fim  que  prelendeo. 


^: 


•    •» 


€CCCCCi>EXDCCCCCC^ 

HO  LIVRO  OYTAVO 

D  A 

HISTORU  DO  DESCOBRIMENTO 

» 
E 

€ONQVISTA  DA  ÍNDIA 

PELOS  PORTVGVESES, 

Por  mandado  dei  R^y  dom  loSo  de  gloriosa  memoria 
desle  nome  o  III.  Em  que  se  cStem  o^  osPorlugue* 
ses  fizerSo  na  índia,  &  em  outras  partes  do  orifite ^ 
gouernandoa  Nuno  da  cunha. 

Feyto  per  Fernão  hpez  de  Castanheda^ 

€  A  P  I  T  V  L  O     I. 

De  como  Nuno  da  cunha  chegou  d  índia ,  «^  foy  ^ntre* 

gue  da  gouemança^ 

JL^artido  Nuno  da  cunha  Dormuz.  E  seguindo  por  sua 
viagem,  foy  surgir  na  barra  de  Goa  a  vinte  quatro  Dou* 
tubro.  E  no  n>esmo  dia  a  tarde  desembarcou ,  esperan- 
do o  no  cais  os  vereadores  da  cidade,  &  capitão,  &ou- 
uidor  dda  com  muytos  fidalgos,  &  gSte  outra.  E  mos- 
trada sua  prouisam  de  gouernador,  &  jurando  de  goar* 
dar  os  priuilegios  da  cidade:  forSo  abertas  as  portas, 
que  estauão  cerradas  em  quanto  durou  esta  cerimonia. 
£  metido  debaixo  dfl  paieo,  entrou  na  cidade:  onde  es- 
taua  a  clerizia  com  hfia  solene  procissam  de  Cruzes  le- 
uantadas^  foy  leuado  á  Sé  da  cidade  a  fazer  oração,  & 
da  fai  pêra  sua  casa.  E  como  tinha  determinado  de  aíjle 
anno  não  ir  a  Diu,  cometeo  a  Eytor  da  silueira  que 

LIVRO   VIII.  A 


ft  .     BA   HISTORIA    BA    INBIA 

fosse  com  a  armada  da  índia  esperar  SimSo  da  cunha  á 
bosta  de  Cambaya :  pêra  hi  Ihentregar  a  armada  quan*- 
do  tornasse  de  Babarem ,  pêra  fazer  guerra  a  Cãbaya. 
Que  ainda  ^  diz  no  cabo  doliuroseptimó^  ({Simão  da  cu- 
nha tornou  de  Bailarem  anlee  de  Nuno  da  cunha  partir 
Dormuz ;  não  foy  assi ,  ^  iby  erro  ás^  impressa  vi»  £  por 
Eytor  da  silueira  auer  por  afronta  de  leuar  a^la  armada 
pêra  outrem ,  escusouse  disso :  pelo  que  ho  gouernador 
pedio.  a  seu  cunhada  Antónia  da  silueira  de  aienjeses 
que  a  leuasse.  E  estando  pêra  partir,  chegou  recado 
do  desbarato  de  SimSo  da  cuniia^  &  da  sua  morte.  E 
porque  António  da  silueira  estaua  pêra  leuar  esta  arma- 
da, deu  lhe  bo  gouernador  a  capitania  mór  dela,  pêra 
que  fizesse  a  Cambaya  a  guerra  Q  lhe  ouuera  de  fazer 
Simão  da  cunha ,  &  deulhe  nouecentos  Portugueses,  de 
que  os  quatrocêtos  erão  espingardeiros:  que  forâo  em- 
barcados em  cincoenta  &  três  velas  de  remo,  galés,  ga- 
leotas  &  barganiiofi*  £  partido  António  da  silueira,  deu 
o  gouernador  a  capitania  mór  doutra  armada  que  auia 
de  mãdar  ao  estreito  a  Eytor  da  silueira  de  quatro  ga- 
leões,, duas  carauelas  &  quatro  bargalins.  Dos  galeões 
a  fora  ele,  forâo  capitães  Aliartim  de  erasto,  António 
de  lemos  &  Fernão  vodxiguez  barba :  das  carauelas  Frâ- 
çisco  de  Vasconcelos  ^  &  loanemendez  de  macedo.  Dtm 
bargãtiine  António  bi^lelho,,  Francisco  de  freytas,  &  ou- 
l-ros  dooa,^  &  deulhe  por  regimSto  ^  partisse  em  laneis 
Fo.  E  diei^xâdo  por  capitão  de  Goa  a  dom  Fernando  de 
lima,  se  partio  pera.Cochitn>.  Ede  caminho. deixou  dom 
loâo  dèça  na  capitania,  de  Caaanor  que  era  sua.  E  fea 
ea>pitâo  mór  da  costa*  do  IVlaíabar  a  Diogo  da  silueira 
seu  cunhado  da  primeyra  molher,  &  detilhe  hua  armada 
de  duas.  galeotas,.de  que  forâo  capitães  Manuel  de  vas- 
eõceios,  &  Nuno  fernande?  freyre^  &  a  carauela  de 
Francisco-  da  cuniia ,.  &  seya  barganlins ,  &  foy  capitão 
d&  loãp  da^  siJueirar  seui  irmfto  de  Diogo  da  siJueira ,  & 
deiflcouliie  nesta  armada  duzentos  Portugiueses.  E  che- 
gado a  Coohimi,  foy  recebido  com  a  mesma  solBoidade 


i/rvso  vin.  CA^Firyto  di.  t 

3)  em  âoQ-:  &  ali  acabou  de  ser  eatregoe  dn  ;gotter«- 

nanoa. 

C  A  P  I  T  V  L  O     11. 

J>e  Mmo  foráo  presos  Lopo  vaz  de  sam  Payo  ^  ho  Ip- 

oenceado  loâoide  soyr^ 

J.Íintregtie  ho  gouernador  da  gouernan^ ,  mandou  prê* 
ièer  a  Lopo  vaz  de  sam  Payo,  &  escreti«rlhe  quanta  far 
«zenda  lhe  foy  achada,  dizendo  ()  assi  bo  mandaua  el  Rejr 
<ie  Portugal ,  por  amor  de  hfis  capilulos  ^  derão  dele 
•eeae  fmigos.  E  por  eeles  capítulos  se  processou  despoíf 
-em  Portugal  contra  I.opo  vaz  de  satn  Payo :  &  se  deu 
«eu tença  cdtreie,  que  perdesse  ho  manti mento -Q  ouuera 
«eruíndo  de  gouernador.  B  por  esta  causa  ae  deu  a  aenr 
teça  cõtrele ,  &  nã  por  Ibe  darê  a  gouernS^  os  juyaeg 
^  julgarfio  por  ele  na  índia,  como  disse  no  iiuro  septi*- 
mo  {|  foi. por  erro.  E  sabida  a  prisam  ^de  Lopo  vaz ,  to- 
dos os  ^  erão  amigos  do  serui<^  de  Deos  &  dei  Rey,  foi- 
•fão  muyto  espantados:  por  ser  notório  com  quanta  dili- 
-gencia,  verdade  &  limpeza  Lopo  vaz  de  sam  Payo  seg- 
uira ho  cargo  da  gouernança  da  índia ,  assi  na  guerra*, 
-como  na  paz,  &  l\  tinha  feyta  a. melhor  &  mayor  armar 
da  do  {|  nuca  gouernador  fíz)era  ateli.  E  todos  os  dalo- 
dva  ho  dizião  assi  pubricamète,  o  que  eu  ouui  a  muy- 
tos,  brasfemando  de  quam  mao* galardão  Ibe  dauão  da 
seus  muytos  &  grandes  seruiços»  E  assi  dizião  {|  ho  go- 
uernador estaua  muyto  indinado  cõtra  Lopo  vaz  de  sam 
Payo,  &  lhe  queria  mal  por  lhe  Garcia  de  saa. &  Anto- 
iiio  de  Saldanha  fazerS  crer,  que  Lope.vaz  lhe  qu-isera 
roubar  sua  honrra  em  querer  tomar  Diti,  o  l\  6zera  sem 
duuida  se  lho  eles  não  estornarão,  &  assi  por  outros  me- 
xericos doutras  pessoas  í\  nuca  falece.  E  de  ho  gouee- 
nador  não  estar  bS  cõ  I^opo  vaz,  se  pareceo  no  excedelr 
ho  modo  {}  teue  em  Jhe  mandar  (omar  sua  fazSda  tão 
meudamfite,  que  lhe  mSdou  Lopo  vaz  dizer  ^  xiâ  se  A- 
.gastaua  do  4  lhe  fozia,  ;por<}  esperaua  em  .nosso  Senhor 

A  2 


4  DA   HISTOaiA   HA   INOrA 

que  outro  ho  auia  de  vingar :  o  ()  se  se  comprío  bê.  B 
lo§[0  j)  Lopo  vaz  foy  preso  ^  mandou  dizer  ho  gouernaf* 
dor  ao  licenciado  luâo  de  soiro,  ouuidor  geral  da  Índia, 
que  entregasse  a  vara  a  ha  Pêro  barreio ,  &  se  fizesse 
preste»  pêra  Portugal.  E  vSdo  loão  de  soiro  esle  recado 
do  gouernador,  eomo  era  prudete,  pareceolhe  Q  nâoera 
sem  mistério,  &  ^  não  faria  boa  fazêda  em  ficar  naliH 
dia  cõtra  votada  do  gouernador.  £  sem  mais  2[rer  saber 
se  el  Key  ho  mâdaua  tr  ou  na ,  respondeo  ao  gouerna- 
dor:  ^. lhe  beyjaua  as  mãos  por  tamanha  mercê,  Q  ele 
era  ja  vel'ho  &  cansado,  &  nào  linha  na  Índia  outro  pre* 
mio  de  seus  trabalhos ,  se  não  pobreza  &  mny tos  des- 
gostos, pelo  que  Denhua  cousa  deseja  mais  j)  irse  pe^ 
ra  sua  moiher,  &  seus  filhos.  JMas  por{[  ele  desse  boa 
eÕla  de  si  a  el  Rey  de  qu6  tinha  a^la  vara,  que  lhe 
desse  hfia  certidão  de  como  lha  lomaua»  CÕ  cuja  repos- 
ta ficou  ho  gouernador  atulhado ,  ^  desejaua  de  màdar 
loão  de  soiro  pêra  Portugal,  &  l\  não  fosse  seu  ouuidor : 
porque  lhe  não  tinha  boa  võtade ,  por  ser  certo  Q  ele 
fora  ho  primeyro  que  em  particular,  &  em  pubrico  coi>- 
selhara  cõ  muyta  instancia  a  Lopo  vaz  de  sam  Payo  des- 
pois  do  desbarato  das  fustas  de  Diu,  Q  ho  fosse  tomar, 
&  assi  por  outros  mexericos,  de  Q  sempre  os  gouern»- 
dores  quando  nouamente  chegão  á  Índia  ouuê  que  far- 
te ,  ppincipalmSte  de  pessoas  Q  16  nela  mãdo.  Assi  ^ 
vedo  ho  gouernador  ^  por  ali  não  podia  leuar  loâo  de 
soiro,  mãdouíhe  lomar  pesidScia  sem  ho  el  Rey  màdar 
ir  pêra  Portugal ,  nS  auer  por  acabado  ho  t&po  de  sua 
ouuidoPía.  E  talo  J\  a  residêcsia  foy  pregoada,  como  loft 
de  soiro  lincha  muytos  imigos,  assi  dos  fidalgos  da  ín- 
dia, por  ser  grade  amigo  de  Lopo  vaz,  cujos  imigos 
erão,  como  dos  outros  por  fazer  deles  justiça  que  todos 
aiUOrrecS,  todos  teuerào  ^  dizer  cõlrele.  E  mais  purQ 
ho  eoqueredoF  &  escriuão  da  residêcia  erão  seus  imigos, 
&  assi  ho  íopâo  tãbS  muyta»  testemunhas,  que  cõ  medo 
1}  ele  fizesse  justiça  deles ,  se  lançarão  cÕ  os  mouros.  E 
eõ  seguro  do  gouernador  se  (ornarão  pêra  os  Christàos. 


LlVftO   Vril.   CAPITVLO   IK  À 

£  cô  08  ditos  destas  &  outras  taes  testemunhas  ^  foy 
loão  de  soiro  preso,  &  mandado  a  Portugal.  £  partido, 
como  seus  Imigos  desejauâo  de  bo  destruir ,  oá  cõten- 
tes  cõ  as  testemunhas  da  residécia  ajudarãse  de  hú  Pê- 
ro daguiar,  ^  seruindo  loão  de  soiro  douuidor  geral  ser- 
uia  de  seu  escriuão,  Q  depois  de  sua  partida  íoy  preso 
por  falsario,  a  Q  aigús  Imigos  de  loSo  de  soiro  comete- 
rão {}  testemunhasse  còtrele,  &  l|  ii>e  aueriáo  perdão  do 
gouernador  do  crime,  porque  estaua  preso.  £  prome- 
tendo que  si ,  ouueràlhe  ho  perdão^  que  dizia  «  Eu  Mu- 
no da  cunha  vedor  da  fazenda  dei  Key  nosso  senhor,  & 
gouernador  da  Jndia,  &c.  Certifico,  ^  sendo  preso  Pê- 
ro daguiar  por  falsario,  ihe  perdoey  suas  culpas,  cõ  tal 
cõdiijào  ^  confessasse  tudo  o  que  sabia  do  licSciado  loão 
de  soiro,  i)  foy  ouuidor  geral  nestas  partes  da  Índia.  £ 
isto  por  parecer  Q  cõpria  assi  a  seruiqo  dei  Rey  nosso 
senhor.  £  assi  pareceo  ao  gouernador ,  &  nã  eõ  outra 
má  t&<ião.  £  coeste  perda ,  disse  esie  Pêro  daguiar  mil 
testemunhos  íalsos-  cõlra  loão  de  soiro,  segQdo.se  des» 
pois  soube  |K>r  inquirições  mui  autSticas  que  sobrisso  se 
tirarão,  que  eu  vi :  &  mais  Pêro  daguiar  como  foy  solu- 
to fugio  pêra  os  mouros ,  &  antreles  morreu ,  &  se  me 
não  engano  mouro.  Fínalméte  ^  por  mais  maldades  ^ 
68  Imigos  de  loão  de  soiro  fulminarão  cõtrele  ate  ho  fa- 
serõ  condenar  ,  sabida  despois  a  verdade ,  foy  restitui* 
do  em  sua  honrpa.,  &  em  graça  dei  Rey,  &  em  seu  ser- 
uiço ,  &  nele  morreo.  £  Lopo  vaz  de  sara  Payo ,  &  ele, 
como  digo  fora-  mãdados  presos  pêra  Portugal  oa  arma- 
da ^  ho  gouernador  mãdoo-a^lle  anno,  de  ^  foy  capitão 
mór  Lopo  dalmeida  de  Santarê,  filho  4  foy  de  dÕ  Diogo 
dalmeida  prior  do  Crato,  que  chegou  a  Portugal  a  sair 
«amfito  cõ  rica  earrega» 


<  'DÁ   BIBTMtrA    DA   IffmA 

C  A  P  I  T  V  L  O     III. 

Do  que  dó  lorge  de  crcMoftz  na  ilha  dcBâda. 

j[]N  D  líuro  septimo  fica  dito  como  dò  lorge  de  crasto, 
por  mandado  de  dom  lorge  de  meneses  capitão  da  for- 
taleza de  Maluco,  foy  a  Banda  a  buscar  socorro.  Eche» 
çado,  achou  hi  lorge  de  brito  capitão  da  fusta  Q  se  per- 
dera de  sua  conserua  quádo  hia  pêra  Maluco,  &  nâo 
-podendo  eeguir  sua  rola  arribou  a  Banda ,  pêra  {|  vinda 
a  mouijâo  de  Mayo  se  fosse  a  Maluco.  E  assi  acbou  d6 
lorge  dous  jugos  de  Malaca ,  de  que  erão  senhores  ht 
Lopaluarez,  &  hQ  Bastião  vieyra  mercadores  ricos,  al| 
dÕ  lorge  contou  a  necessidade  de  gête,  &  de  dinheiro 
em  que  ficaua  a  fortaleza  de  Maluco,  requerSdolhes  da 
parte  dei  Rey  j  que  emprestassem  dinheiro  pêra  se  re- 
«medear,  &  alargassem  corSta  Portugueses  (}  leuauão 
em  sua  cÕpanhia  pêra  a  defender.  O  ()  eles  não  quise- 
râo  fazer,  do  que  dô  lorge  fez  autos  que  mandou  ao  ca- 
pitão de  Malaca  pêra  os  castigar.  E  esperando  ele  por 
mouc^o  pêra  tornar  a  Maluco ,  forão  ter  ás  outras  dua« 
ilhas  de  Banda  certos  mouros  vassaJos  dei  rey  de  Tido- 
re  por  seu  mandado  aleuantar  a  terra  ofitraos  Portugiie. 
ees ,  &  pêra  os  fauorecerê  hião  coeles  algQs  Casteíba- 
iios:  (|  aluoroçarão  a  gSte,  dizendo  mil  males  dos  Por- 
tugueses, &  muytos  bgs  dos  caslelhanos,  &  i\  auiâo  ce- 
do de  senhorear  toda  a(}la  terra.  Epor  mais  que  do  lor- 
ge trabalhou  por  atalhar  a  isto,  &  por  tomar  estes  mou- 
ros &  castelhanos  nunca  pode.  E  vinda  a  mou<^o  de 
Mayo,  partiose  pêra  Maluco,  &  chegou  á  fortaleza  cõ 
no  mais  ^  vinte  cinco  Portugueses  que  Mão  na  fusta 
com  lorge  de  brito,  &  sem  nenhúa  fazenda  pêra  a  fey- 
toria,  do  !\  dÕ  lorge  de  meneses  ficou  niuyto  agastado 
por  não  ter  com  {}  p^gar  á  gente  seu  mantimêto,  í\  mor- 
rião  com  fome.  E  a  gSte  da  terra  ^  ho  sabia,  se  espan- 
taua  muyto  de  como  os  Portugueses  podião  sofrer  tama- 


LLVftO  VU£.    CAPITVM)  lUU  t 

nhos  trabalhos  como  erão  os  da  guorra  &  os  da  fome^ 
&  da  grade  cooslãcia  Q  tinhão  em  seruir  a  seu  Rey  ^ 
&  CUIDO  nâ  se  hião  &  deixauâo  a  forlaleaia  |X)Í8  erâo  lá 
mal  fiagos^  assi  do  soldo  como  do  manlimêto»  E  assi 
erâo  espâiados  do  pouco  cuydado  que  os  gouernadores 
da  Índia  tinhâo  dos  Portugueses  Q  eslauão  na^la  forla* 
)eza.  E  quando  Cacbil  daroes  soube  ^  não  auja  nenhúa 
fazQda  com  Q  se  pagasse  o  que  se  deuía  aos  Porlugue* 
ses,  dizia  Q  n  fiodia  ser  se  nâo  ^  não  auia  na  Jndia 
nenbiis  Portugueses ,  nS  gouemador  pois  náo  niàdaua 
cÕ  que  se  pagasse  a  gSle  que  eaiaua  oaQla  fortaleza.  £ 
vedo  ele  a  desordè  que  auia  antre  os  Portugueses ,  & 
quão  pouco  obedecião  os  que  se  achauâo  em  Banda  aos 
mádados  do  capitão  de  Maluco,  cuja  sabiâo  Q  era  a  jur- 
di^jâo  de  Banda  ^  teue  bo  em  niuy  pouca  conla^  &  assi 
aos  Portugueses:  &  dizia  que  galinhas  brancas  antr^ 
pretas  parecião  mujto  mal.  E  outras  cousas  9  em  que 
mostraua  criar  algua  malícia  cõtreles  y  como  despois  se 
affirmou. 

C  A  P  I  T  V  L  O    IIII. 

De  como  doín  Jorge  de  meneies  foy  sobre  a  cidade  dê 

Tidore.. 

±\  este  tempo  se  acabarão  hfias  tregoas  que  auia  antre 
dom  Jorge ,  &  Fernão  de  la  torre ,  &  assi  antre  os  reys 
que  seguiào  estes  dous  capiUíes.  £  acabadas  as.  tregoas^ 
nâ  quis  Fernão  dela  torre  assentar  outras  por  conselho 
dei:  rey  de  TkJore ,  &  db  gouernador  de  leilolo ,  que  úr 
nha.  tudo  preates  pêra  renouar  a  guerra  com  que  espe* 
raua  de  se  fazer  de  todo  senhor  do  Morro ,  que  he  a 
melhor  cousa  daquelas  partes ,  &  por  isso  fazia  eata 
guerra.  £  mãdou  logo  lá  sua  armada,  pêra  que  tomas** 
ae  os  lugares  que  lá  tinha  el  vey  de  Ternate :  &.  el  rej 
de  Tidore  mandou  outra.  £  aimla  queCaohil  daroes  tir 
nba  hè  preuidos  os  lugares  dei  rey  de  Ternate,  mandou 
tambè  aua  armada,  em  q^  &»rfto  algus  Portugueses.  £ 


8  DA  HISTORIA   DA   INDTA 

andâodo  lá,  encontrouse  Cachil  rade  gouernador  deTí^ 
dore,  capitão  de  hfla  grosaa  araiada  com  seys  corasco- 
ras  da  armada  deTernate.  Cdespois  de  os  lernates  pe- 
lejarem muy  esforçadamenle,  forflo  desbaratados  porCa* 
chil  rade:  que  matou  &  ferio  muy  tos  deles,  &  mais 
prendeo  hil  mouro  principal  de  Ternate  capitão  de  hfta 
cora  cora,  que  tomou  com  quantos  hião  nela,  que  mã* 
dou  despois  matar  muy  cruamente.  E  âcando  os  Terna» 
tes ,  &  os  Portugueses  que  os  ajudauão  assi  desbarata* 
dos ,  acoiherãse  a  terra :  &  mandarão  recado  por  mar  a 
dõ  forge  de  seu  desbarato.  E  que  os  imigos  estauão 
muito  poderosos,  porque  a  fora  estar  lá  a  principal  gen- 
te de  Tídore,  andauão  coela  corSta  Castelhanos,  ^  a 
fauorecia  muy  to,  &  se  nã  fosse  hQ  grosso  socorro ,  (| 
seriâo  cedo  senhores  do  JMorro.  O  que  sabido  por  dom 
lorge ,  ficou  muyto  Jedo,  porque  vio  que  tinha  muy  to 
bd  tempo  pêra  destruyr  el  rey  de  Tidore,  &  desbaratar 
Fernão  dela  torre,  (|  não  teria  consigo  mais  que  ate  co- 
renta  Castelhanos ,  &  el  rey  de  Tidore  muy  pouca  gen- 
te, &  essa  não  bem  vsada  na  guerra,  pelo  que  deter- 
minou de  ir  a  Tidore.  E  calando  isto  consigo,  disse  a 
Cacbil  daroes  que  era  necessário  destruyrê  aquelas  ar- 
madas de  seus  iniigos  que  andauão  no  Morro,  &  ajflta- 
rem  todo  seu  poder ,  &  ho  de  seus  amigos.  O  que  pa- 
recendo bem  a  Cachil  daroes ,  mandou  logo  recado  aos 
Sangajes  &  capitães  da  ilha  de  Teriíate,  &  a  el  rey  de 
Bachâo ,  que  acodissem  com  sua  gente :  o  que  logo  fi- 
zerão,  porque  tinhão  pouco  que  fazer  era  a  ajuntar.  E 
chegados  a  Ternate,  sem  dom  lorge  dizer  nada  do  que 
determinaria,  mandou  armar  os  Portugueses,  que  erão 
cento  &  vinte  todos  escolhidos.  E  leuando  suas  trombe- 
tas &  alabales ,  deu  mostra  a  el  rey  de  Bachão ,  &  a 
Cachil  daroes ,  &  aos  outros,  que  folgarão  muyto  de  os 
ver.  E  eles  tambS  derão  mostra  da  sua  gente  a  dom 
lorge,  que  por  não  saber  certo  quanta  era  ho  não  digo, 
mas  era  muy  ta  &  bera  armada.  E  logo  ali  se  apartou 
dom  lorge  cõ  ho  alçayde  mór ,  &  com  ho  fey tor ,  &  ouf 


LfVRO    VIII.    CAPITVLO    IIII.  9 

tro8  Portugueses  principais,  &  com  el  rey  de  Bachão, 
&  Cachil  daroes ,  &  disselhes.  Que  bem  sabião  que  a 
guerra  que  (inhâo  auia  tãto  (empo,  &  de  ()  recebiâo 
lanías  opressões,  toda  nacia  da  cidade,  &  ilha  de  Ti- 
dore.  Cujo  rey  a  fora  ter  grande  poder  de  gente  de  seu 
reyno  tinha  ho  fauor  &  ajuda  dos  Castelhanos  que  se  ti* 
nhâo  fortalecidos  em  sua  terra  com  fortaleza  prouida  de 
muyta  &  boa  artelharia,  com  que  iicaua  ainda  mais  po- 
deroso. Eque  ele  nunca  vira  ho  tempo  tão  desposto  |je- 
ra  ho  destruyr  como  aquele,  por  a  sua  principal  gente 
da  guerra  ser  fora^  &  assi  a  mayor  parte  dos  Castelha- 
nos, pelo  que  não  auia  quS  defendesse  a  terra,  que 
destruída  ticarião  em  paz,  &  não  aueria  quem  lhe  fízes- 
6e  mais  guerra:  porque  el  rey  de  Geilolo  não  a  podia 
fazer  sem  ajuda  dei  rey  de  Tidore ,  &  dos  castelhanos. 
Ouuido  isto  poios  circunstantes,  ho  prímeyro  que  deu 
iieu  voto  foy  el  rey  de  Bachão,  por  ser  ho  principal.  E 
disse,  que  lhe  parecia  muyto  bem  irem  sobre  Tidore, 
&  destruyla,  &  ho  mesmo  disse  Cachil  daroes,  &  os 
Sangajes  &  capitães  J)  hi  estauão.  Mas  os  Portugueses, 
que  como  tinhão  fazenda  que  lograr,  não  quererião  ar- 
riscar as  vidas  em  pelejas,  forão  os  mais  contra  estes 
pareceres,  dizendo:  i\  ainda  que  parecesse  que  em  Ti- 
dore auia  pouca  gente,  ^  não  auia  de  ser  tão  pouca, 
que  com  a  artelharia  que  tinha  não  defendesse  ho  prí- 
meyro combate  dos  Portugueses,  que  não  erão  tantos, 
nem  leuauâo  tanta  gente,  que  do  prímeyro  lanço  leuas- 
sem  nas  mãos  híja  cidade  tão  forte  como  era  Tidore, 
nem  menos  a  fortaleza  dos  Castelhanos  que  estauã  den- 
tro. E  que  ficando  a  combates,  aueriSo  tempo  pêra  a 
gente  que  andaua  darmada  no  Morro,  &  a  de  Geilolo 
lhe  ir  socorrer:  &  ajuntandose  toda,  os  poderião  desba- 
ratar, ou  sabendo  como  a  fortaleza  de  Ternate  íícaua 
soo  a  iriâo  tomar,  &  vsarião  do  seu  ardil:  por  isso  lhes 
parecia  que  não  deuia  de  ir  a  Tidore.  O  que  ouuido  por 
dom  lorge,  ficou  tão  agastado  de  os  Portugueses  serem 
de  voto  que  não  fossem  a  Tidore ,  dizendo  os  mouros 

LIVRO  yiii.  B 


10  DA    HÍSTORIA     DA    INDfA 

quo  8Í :  que  0e  leuantou ,  dizendo  que  não  auia  de  per- 
der a  nierce  que  lhe  nosso  Senhor  fazia,  em  lhe  dar  vi- 
toria de  seus  imaiigos  com  iâo  |k>uco  trabalho  &perigOy 
como  sabia  que  auiâo  de  ter.  b^logo  entregou  a  fortale- 
za a  Gomez  aires  alcaj^de  mór,  com  que  deixou  algíis 
Portugueses  fora  dos  cento  &  vinte  que  disse.  E  pedio 
a  el  rey  de  Bacbão  &  a  Cachil  daroes,  que  logo  sem- 
barcassem  com  sua  gente,  que  ele  as^i  ho  auia  de  ía^ 
zer :  &  auiâo  de  partir  aquela  noyte  antes  que  se  rom- 
pesse ode  hiao ,  porque  queria  tomar  os  immigos  de  sa- 
pito. O  que  lhes  pareceo  muy  bem ,  &  logo  se  embar- 
carão, &  assi  dõ  Jorge:  com  que  os  Porlugueses  hião 
de  muyto  má  vdtade,  o  que  ele  entendia  mas  dissimu- 
laua.  £  embarcouse  em  hu  batel  grande  bem  artilhado^ 
&  com  lorge  deCrasto  em  hft  parao  malabar.  E  os  Por* 
tugueses  í\  nào  couberao  coeles,  se  embarcarão  cõelrej 
de  Bachào ,  &  com  Cachil  daroes ,  &  partiose  véspera 
de  sam  Simão  &  judas  passado  bQ  pedalo  da  noyle.  E 
ao  outro  dia,  que  era  dia  destes  dous  Apóstolos,  em 
amanhecendo  chegou  ao  porto  de  Tidore :  que  he  hQa 
cidade  grande  hft  pouco  afastada  do  mar,  cercada  de 
bua  tranqueira  de  duas  faces  em  lugar  de  muro. 

C  A  P  I  T  V  L  O    V^ 

De  como  dom  lorge  de  meneses  tomou  a  cidade  de  Tidore. 

v^hegado  dom  lorge  ao  porto  de  Tidore ,  assentou  lo- 
go coesses  capitães  &  pessoas  princi|>aes  de  dar  na  ci- 
dade. E  que  entretanto  que  fosse  parela ,  ficasse  dom 
lorge  de  crasto  no  paráo  em  que  bia :  &  com  ho  came- 
lo que  leaaua,  &  com  ho  oulro  q  hia  no  seu  batel  des- 
se bateria  a  htl  Ixiluarle  que  ali  estaua ,  &  deixou  coele 
q^uimLe  Portugueses,  &  algus  mouros  deTernale.  E  ele 
eom  a  outra  gente  desembarcasse  &  fosse  dar  na  cida- 
de, que  era  dali  a  híi  pedaijo.  E  por^  auiáo  dir  por  an- 
tre  aruoredo ,  acordouse  que  fosse  diante  descobrindo  a 


•^wr 


LIVRO  VflI.   CAPITVLO   V.  11 

terra  bfl  Vasco  LoureiK^o,  muyto  falenle  caualeyro, 
com  que  iríão  doze  Portugueses:  &  logo  i  sua  vista  bit 
Dinis  botelho  cÕ  outros  tantos.  B  desembarcado  do  Ior« 
ge  com  toda  a  gente  leuando  esta  ordê ,  abalou  pêra  a 
cidade,  onde  assi  nos  mouros  como  nos  castelhanos  auia 
grande  sobre  salto,  &  muyto  grSde  medo:  porque  Ca* 
chil  rade  ho  gouernador  de  Tidore ,  que  era  muyto  es- 
forçado, &  sabido  na  guerra  não  estaua  na  cidade,  que 
andaua  no  JMorro  com  a  principal  gSte  dela,  &  el  rey 
era  ainda  moço  que  não  sabia  pelejar.  E  Fernão  deia 
torre  ho  capitão  mór  dos  castelhanos  tambS  estaua  de- 
satinado, porque  alem  de  saber  pouco  da  guerra,  & 
nSo^se  ver  nunca  em  outra  tal  como  aquela,  achaua- 
se  com  no  mais  de  corSta  &  dous  castelhanos ,  que  os 
outros  erão  todos  fora.  E  ele  não  se  entendia  com  os 
mouros,  nS  eles  coele:  pelo  que  auia  em  todos  muyto 
grande  espanto.  E  com  tudo  Fernão  dela  torre  mandou 
assestar  algfls  berços  sobre  ho  muro,  principalmente  da* 
quela  parte  dõde  hia  dom  lorge,  &  mandou  tirar  coe- 
)es ,  &  tirauão  muyto  amiúde.  E  chegSdose  os  Portu- 
gueses mais,  começarão  os  castelhanos  de  mesturar  es- 
pingardadas,  &  com  hila  passarão  a  rodela  a  hQ  Portu- 
guês, &  ho  ferirão  na  mão  esquerda.  E  como  eles  hião 
todos,  ou  os  mais  de  má  vontade  a  esta  guerra,  abas- 
tou esta  ferida  pêra  os  espantar,  &  impedir  que  não  pas- 
sassem auante,  &  deteuerãse.  O  que  ouuera  de  ser 
causa  de  morrerS  muytos  se  lhes  nosso  Senhor  não  aco- 
dira,  porque  cumo  estauão  juntos,  poderãlhe  as  espin- 
gardadas  dos  Imigos  fazer  muyto  dano.  Mas  nisto  che- 
gou dom  lorge  &  começou  de  bradar,  que  se  chegas- 
sem ao  muro,  &  eles  não  derão  por  isso,  &  deixarãse 
estar  quedos.  E  como  ele  era  muyto  esforçado,  passou 
a  diante  com  hua  espada  dambas  as  mãos,  dizendo. 
Que  pois  não  querião  pelejar,  que  ele  queria  ser  ho  pri- 
meyro  que  recebesse  a  morte,  antes  que  padecer  tama- 
nha vergonha.  E  dizendo  isto,  &  chamado  por  Santia- 
go, remeteo^  a  bQ  portal  que  estaua  na  tranqueyra  por 

B  2 


12  BA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

onde  os  de  dentro  se  seruíâo.  £  em  abalando  que  hía 
perlo  da  trãqueyra  hfi  Castelhano  chamado  Pêro  de  ra- 
mos, que  eslaua  em  cima  com  Fernão  dela  torre,  &  c3 
outros:  lhe  disse.  Senhor  dom  lorge,  agora  veremos. 
£  dizendo  isto,  desfechou  híia  espingarda  nele.  £  quis 
Deos  que  lhe  deu  na  espada^  &  rcsualando  dahi  ho  pe- 
louro, lhe  deu  na  cabeia:  &  por  ter  capacete,  &  ho 
pelouro  ir  fraco  lhe  não  íez  nada.  Elogo  dom  lorge  çar- 
rou  com  a  tranqueyra  ,  &  por  ser  aleijado  do  braço  de- 
reylo  não  se  pode  guindar  acima,  o  que  prouou  de  fa* 
zer  por  ser  muylo  ligeiro.  £  em  ele  chegando  ao  muro, 
chegarão  Vasco  Lourenço,  Dinis  bolelho,  Vicente  da- 
fonseca,  Francisco  pirez,  &  «julros  que  abalarão  coele* 
£  neste  tempo  os  Castelhanos  nà  faziào  se  nào  lírar, 
hCLs  com  espingardas  oulros  com  bestas  &  outros  com 
pedras  &  lanças.  PorS  os  Portugueses  nào  dando  por  is- 
so ,  esforçados  por  dom  lorge  se  chegarão  sem  medo  á 
tranqueyra,  &  mais  vedo  dom  lorge  em  ciuja,  porque 
como  Vasco  Lourenço»  Vicente  dafonseca ,  &  os  oulros 
forSo  coele,  ele  os  ajudou  a  sobir,  &  assi  eles  (ambem 
ajudarão  à  ele,  dandolhe  decima  as  mãos.  E  em  quan- 
to se  isto  fazia  era  a  peleja  muy  braua,  porque  vendo 
os  Castelhanos  que  os  entrauão,  irabalhauào  quanto  po- 
diâo  por  não  perder  a  tranqueyra,  &  os  Tidores  lhes 
ajudauão  muy  bem ,  de  que  foráo  morlos  bem  cincoen- 
ta:  ^  como  os  Portugueses  &  os  mouros  que  os  ajuda- 
uão erão  muy  tos,  enlrariío  a  tranqueyra.  E  entrada, 
jião  poderão  os  Castelhanos,  nem  os  mouros  resistir  aos 
portugueses,  &  os  Tidores  se  recolherão  pêra  a  cidade, 
&  Fernão  dela  torre  com  os  Castelhanos  pêra  a  sua  {c)r- 
taleza,  leuãdo  os  mais  feridos,  &  ficando  dóus  mortos 
&  quatro  presos.  Edom  lorge  foy  com  sua  gSle  seguin- 
do os  Tidores,  ferindo  &  matando  muytos,  ate  os  dei^ 
tar  da  cidade ,  &  de  volía  coeles  se  foy  ho  seu  rey. 


LlVaO   VIII.   CAPITVLO  VI.  IS 

C  A  P  I  T  V  L  O    VI. 

Do  concerto  que  Jizerâo  dom  lorge  de  meneses ,  ^  Fer^- 

não  dela  torre. 

A.  uida  por  do  lorge  esta  tão  ilustre  vitoria  com  só- 
iDenle  lhe  ferirem  Ires  Portugueses»  mandou  recado  a 
dom  lorge  de  Oasto,  que  se  fosse  logo  á  cidade  cõ  os 
Porlu^uenes  (j  ficarão  coele.  E  ele  chegado,  foy  a  cida- 
de tàaqueada  &  despois  queymada,  no  que  se  gastaria 
ate  véspera,  porí}  como  as  casas  erão  de  madeyra  ardeo 
n)uy  asinha,  il  denpois  disto  assentou  dom  lorge  de  com- 
bater a  torre  dos  Castelhanos,  a  que  chamauão  fortale- 
za, que  como  disse  era  cercada  de  caua.  £  primeiro 
que  bo  fizesse,  escreueo  hiía  carta  a  Fernão  dela  torre  : 
em  que  dizia,  que  lhe  pedia  muyto,  &  requeria  da  par- 
te do  Euiperadur,  que  se  entregasse:  &  que  não  fosse 
causa  de  mais  mortes  dos  Cliristâos,  porque  bem  via  ho 
estado  em  que  estaua,  &  quam  pouco  remédio  tinha 
pêra  se  defender.  &  ^  se  se  quisesse  entregar  a  ele,  & 
aos  que  estauão  coele  seguraua  as  vidas,  &  as  fazen- 
das. E  esta  caria  lhe  màdou  por  htí  seu  escrauo  que 
forrou  pêra  isso:  &  da  torre  sajo  ho  alcajde  mór  ^  se 
chamaua  monte  major  a  tomar  esta  carta.  E  lida  por 
Fernão  dela  torre,  mandou  dizer  a  dom  lorge  pelo  mes- 
mo Monte  mayor,  que  não  se  auia  dentregar  por  mais 
seguros  que  lhe  desse:  mas  que  lhe  daria  a  galeota  que 
fora  tomada  a  Fernão  Balda)^a  com  toda  sua  artelharia^ 
&  a  ilha  de  Maquiem  ,  &  que  não  ajudaria  mais  cõtra 
os  Portugueses  a  el  rey  de  Tidore ,  nem  a  el  rej  de 
Geilolo,  nè  lhes  faria  guerra.  E  que  ficando  em  paz, 
&  amizade,  ele  dom  lorge  se  tornasse  pêra  Ternate. 
Ao  que  dom  Jorge  respõdeo,  que  não  fora  sua  ida  por 
tão  pouca  cousa:  &  pois  assi  queria,  que  sua  fosse  a 
culpa  do  dano  que  recebesse.  E  partido  mote  mayor 
coesta  reposta ,.  abalou  do  lorge  após  ele  com  sua  geo** 


14  DA   MT8n>RU    DA    INDÍA 

te ,  toda  fey  ta  em  dous  fios  como  procissam ,  porque  a 
artelharia  da  torre  dos  castelos  a  não  podesse  pescar.  E 
diante  biSo  algDas  peças  dartelbaria  emcarretadas,  que 
forâo  tomadas  em  hQ  baluarte,  &  assi  escadas  &  muy- 
tas  panelas  de  poluora,  E  v6do  Fernão  dela  torre  este 
aparato,  &  a  muyta  gente  que  dom  lorge  leuaua,  de- 
terminoa  de  se  entregar.  E  auido  seguro  de  dom  lorge 
pêra  lhe  ir  falar,  sayo  da  torre  com  a  melhor  gente  que 
tinha.  E  afastado  bCl  pouco  dela ,  &  dd  lorge  da  sua , 
ae  falarão :  &  assentarão  que  Fernão  dela  torre  desse  a 
dom  lorge  a  galeota ,  que  fora  tomada  a  Fernão  Bal- 
daya,  com  toda  a  artelharia,  &  os  catiuos.  E  que  logo 
ao  outro  dia  Fernão  dela  torre  se  fosse  pêra  a  cidade  de 
Camafo  com  os  Castelhanos  que  ho  quisessem  seguir, 
&  ali  estaria  sem  fazer  guerra  aos  Portugueses,  nfi  a 
el  rey  de  Ternate,  nS  a  el  rey  de  Bachão,  nem  a  ne* 
nhiis  amigos  dos  Portugueses.  Nem  fariâo  crauo,  nem 
iríão  a  nenhiia  das  ilhas  em  que  o  auia :  &  ()  tornarião 
a  ilha  de  Maquie  a  el  rey  de  Ternate.  E  contra  ele, 
nem  contra  el  rey  de  Bachão  ajudarião  el  rey.  de  Tido- 
re,  nem  el  rey  de  Geilolo :  &  pêra  sua  embarcação  dom 
lorge  lhes  daria  ho  bargantim  que  fora  dei  rey  de  Gei- 
lolo, &  mais  três  corascoras  pêra  ho  acompanharem  ate 
Camafo :  &  que  dom  lorge  lhes  não  faria  mais  guerra , 
nem  a  el  rey  de  Tidore,  nem  a  el  rey  de  Geilolo.  E  is- 
to se  goardaria  ate  el  Rey  de  Portugal,  &  ho  Empera* 
dor  mandarS  ho  contrayro.  E  de(x>is  de  ambos  de  dous 
darem  conta  disto  a  sua  gente,  do  que  todos  forão  con^ 
tStes:  fizerão  ambos  por  escrito  hQa  capitulação  desta 
paz,  que  jurarão  de  comprír,  &  goardar  ,  &  a  assinarão 
c5  algClas  pessoas  principais. 


LIVRO   VIII.    CAPITVU)  Vil.  16 

C  A  P  I  T  V  L  O     vil. 

Do  que  fez  dom  lorge  de  meneses  despoU  deste  concerto^ 

JO  ey to  esle  concerto ,  logo  desoylo  ^  ou  dezanoue  Cas- 
telhanos disserâo  que  queriâo  tícar  coiu  doui  Jorge.  £ 
Fernão  dela  torre  lhos  entregou ,  &  cõ  os  outros  Q  se- 
riào  vinte,  se  tornou  a  sua  torre  a  fazer  prestes  f>era 
sua  partida,  ^  foy  ao  outro  dia,  leuando  toda  sua  i'az&- 
da,  &  a  do  Êtnperador,  &  do  Jorge  màdou  coele  três 
corascoras  da  armada  de  Cacbil  daroes.  £  indo  seu  ca- 
minho pêra  Caiuafo,  Q  he  no  IMorro,  toparão  quatro  co- 
rubcoras,  em  Q  bia  ho  gouernador  de  Geilolo:  &  quado 
vio  o  tiargâti,  cuidou  ^  era  de  Portugueses,  e  por  isso 
nâ  ousou  de  os  cometer:  &  dissimulado,  passou  auante 
sem  mais  querer  saber  quem  bia  ali.  E  chegado  a  Gei- 
lolo, soube  o  que  dom  Jorge  de  meneses  fizera  em  Ti- 
dore,  &  que  no  bargantim  que  topara  hia  Fernão  dela 
torre  com  os  castelhanos,  &  as  corascoras  erão  de  Ter» 
nates ,  que  lhe  dauào  goarda.  £  auendo  ho  gouernador 
aquilo  por  injuria,  armou  logo  dez  corascoras ,  &  foyse 
nelas,  pêra  por  Jbr^a  tomar  os  castelhanos  aosTeroates^ 
&  os  leuar  a  Geiloio,  onde  lhe  parecia  Q  estariào  me- 
lhor que  em  Camafo:  &  partido,  nunca  os  pode  achar, 
&  tornouse.  E  chegado  Fernão  dela  torre  a  Camafo, 
torna  rase  pêra  Tidore  os  Terna  tes  Q  forão  coele.  E  ai<- 
gús  castelhanos  Q  estauAò  em  Geilolo,  como  souberão  (| 
estaua  em  Camalb,  lhe  escreueráo  que  fosse  pêra  Gei- 
lolo, porque  lá  estaria  melhor,  por  ser  Camafo  dei  rey 
de  Tidore,  que  era  ja  amigo  dos  Portugueses.  £  tanto 
íizerào  coele ,  que  depois  se  foy  pêra  Geilolo ,  &  que- 
brou o  que  tinha  prometido,  &  jurado.  £  dom  iorge  de 
nieneses,  que  ikou  em  Tidore  ,  despoia  de  partido  Fer- 
não dela  torre,  assentou  paz  com  el  rey  deTidoré,  com 
€Õdi<{áo  que  auia  de  pagar  certos  babares  de  crauo  ca- 
dàno  de  páreas  a  el  Rey  de  Portugal ,  &  ^  auião  destar 


-  I 


16  DA   HISTORfA    BA    INDÍA 

certos  Portagueses  em  Tidore,  pêra  lhe  ensinarem  os 
nossos  costumes,  &  não  auia  roais  dajudar  os  Castelha* 
nos  contrele  9  nem  aos  mouros.  E  estando  aqui  dom  lor- 
^« ,  apareceo  ao  mar  hn  jungo  de  B3da ,  &  Damboino, 
em  que  vinhão  cento  &  cincoSta  mouros,  que  ho  leua- 
uão  carregado  de  roupas,  &  de  mantimentos  pêra  da- 
Tem  por  crauo  em  Tidore,  cuydando  que  estaua  em  sua 
prosperidade.  E  sabendo  dom  lorge  donde  era,  mandou 
a  dom  lorge  de  Crasto  que  ho  fosse  tomar,  &  ele  foy 
em  bua  galeota.  E  sabendo  os  mouros  a  destruy<;âo  de 
Tidore ,  &  a  ida  dos  castelhanos ,  não  ousarão  de  pele- 
jar, &  entregarâse  a  dom  lorge  de  Crasto,  que  os  le- 
uou  no  jungo  á  cidade.  Edoro  lorge  de  meneses  Ihefez 
mercê  do  jugo,  em  nome  dei  Rey  de  Portugal,  assi 
porque  ho  tomara ,  como  porque  auia  de  ficar  em  Tido- 
re, pêra  arrecadar  ho  crauo  que  el  rey  auia  de  dar.  E 
-deixando  coele  cor^ta  Portugueses,  &Cachil  daroescom 
-sua  armada,  se  partio  pêra  Ternate ,  leuando  duas  ga- 
Jeotas  dos  Castelhanos ,  &  algUa  artelharia ,  &  assi  a 
-galeota  que  elles  tomarão  a  Fernão  Baldaya  com  sua  ar- 
teiharia,  &  muyta  poluora,  &  muytas  munições,  &  ho 
maçame,  &  aticoras  que  forão  da  nao  de  frey  Garcia 
de  loais.  E  bem  vingado  dos  danos  que  recebera  dos 
castelhanos,  &  comprido  o  que  dissera,  que  auia  de 
<ser  ho  cão  que  os  auia  dapanhar  dii  bocado,  chagou  a 
Ternate,  onde  foy  recebido  com  grande  festa.  E  ficou 
/em  muyto  credito  com  a  gente  da  terra,  &  dali  a  algus 
dias  chegou  dom  lorge  de  Crasto  de  Tidore,  onde  dei- 
xou tudo  acabado.  E  noianeyro  seguinte  se  partio  ppra 
Bãda  cÕ  determinação  de  se  tornar  á  índia,  como  tor- 
nou ,  &  leuou  algíis  Castelhanos  per  mãdado  de  do  lor- 
ge de  meneses  ij  sabSdo  como  Fernão  dela  torre  se  foy 
de  Camafo  pêra  Geilolo  cõtra  a  capitulação  que  tinhão 
feita,  lho  mandou  estranhar.  E  Fernão  dela  torre  deu 
por  desculpa,  que  ho  fizera  por  força:  &  porem  que  no 
mais  goardaria  a  capitulação,  &  assi  ho  fez. 


LIVKO  VIII.    CAPITVLO  VIU.  17 

C  A  P  I  T  V  L  O     VIII. 

Dt  como  António  da  silueyra  de  meneses  destruyo  çur* 

rate  ^  ReyneL 

Jl  artido  António  da  silueíra  c8  sua  armada,  foy  ter  a 
Chaul,  donde  se  parlio  p^era  a  costa  de  Camhaya,  ^  he 
da  banda  do  sul,  onde  auia  de  fazer  a  guerra.  Ecome- 
<^u  logo  em  bíl  lugar  chamado  Reynel,  ho  principal  da- 
.quela  banda:  que  está  quatro  legoas  do  már,  por  hD  pe« 
queno  rio  acima,  que  vay  em  voltas  per  h&  campo  as- 
sentado na  borda  do  rio.  He  abastado  de  trigo ,  &  dar- 
roz,  que  se  coíbe  naquele  campo,  em  í\  ha  muyta  ca- 
^a  daitenaria.  Ho  lugar  he  grande,  &  raso,  &  bê  ar- 
Tuado :  tem  boas  casas  de  pedra  &  cal,  de  muylos  so- 
4)rado8,  &  muyto  polidas.  Seus  moradores  sam  todos 
mouros  Neiteás,  &  os  melhores  cauaieyros  deCambaya. 
.£  daqui  hia  a  principal  gente  pêra  as  fustas  de  Diu,  & 
assi  pêra  os  exércitos  dei  rey  de  Camhaya ,  que  tinha 
por  fronteyro  ho  capitão  deste  lugar  contra  Nizároaluco, 
&  estaua  hi  outro.  E  chegando  António  da  silueira  á 
foz  deste  rio  de  Reynel,  quãdo  a  vio  tão  estreyta,  nâo 
quis  entrar  sem  sondar  primeyro  ho  rio  per  si  mesmo: 
&  achou  que  ficaua  seco  dele  muyta  |>arte  com  baixa 
mar,  pelo  que  não  podião  entrar  os  nauios  grandes  que 
deixou  de  fora  com  gente  que  os  guardasse ,  &  por  ca- 
pitão mór  Manuel  de  Vasconcelos:  &  nos  catures,  em 
que  leuaua  sete  centos  soldados,  entrou  pelo  rio  acima. 
E  de  caminho  quisera  dar  em  outro  lugar,  grade  &. no- 
bre, chamado  çurrate,  que  estaua  pelo  mesmo  rio  híia 
legoa  antes  de  Reynel,  &  achouho  despejado.  Edesem* 
harcando  com  sua  gente,  em  hu  dia  &  hua  noyte  ho 
queymou  todo,  que  nenhQa  casa  ficou  em  pê:  &  as  or- 
tas  &  palmares  darredor  forão  todas  cortadas  &  destruí- 
das, &  queymadas  muitas  cotias  carregadas  de  manti- 
mStos,  que  estauâo  pêra  ir  a  Diu.  Feyta  esta  deslruy- 

LIVRO    VIII.  c 


18  OA    HISTORIA   DA    IlfDIA 

çâo,  partiose  Aotonio  da  silueira  pêra  Reynel,  que  pa- 
recia da  outra  banda  do  rio ,  que  por  /azer  grandes  vol- 
ias  esÍHua  hQa  legoa  de  çurrate ;  de  cuja  destruição 
sendo  seus  moradores  certificados ,  se  fortificarão  com 
hua  (ranqueyra  á  borda  dagoa  em  que  assestarão  muy ta 
&  bua  arielharia  que  tinháo,  a  mais  deila  de  metal,  fi 
Bds  bocas  das  ruas  fiserâo  outras,  em  Q  também  atsen- 
larâo  artelbaria :  &  quatrocentos  de  caualo ,  se  sayrSo 
ao  campo  a  esperar  António  da  silueira.  £  muy  los  de»- 
les  eráu  acubertados ,  &  todos  armados  de  laudeis  j  d&- 
lea  enlaminados  de  laminas  de  ferro,  &  outros  forrados 
de  malha  pelos  peytos,  &  mangas,  &  terçados  nas  cin- 
tas ,  &  nas  mãos  dous  &  três  zaguncbos ,  &  nos  arções 
seus  arcos  &  coldres  de  frechas ,  que  bé  parecia  gète 
de  feyto.  E  assi  esperarão  os  Portugueses,  que  biáo 
pelo  rio  acima  tangSdo  suas  trombetas,  &  dando  gran» 
des  gritas ,  porque  os  inimigos  soubessem  que  os  náo 
teroião.  E  eles  em  se  os  nossos  descobrindo,  que  a  ar- 
telbaria podia  jugar  descarregâo  hua  grande  çurriada 
de  bombardadas,  que  parecia  bila  toruoada  muy  espan- 
tosa. E  continuando,  parecia  que  tirauão  em  roda  viua 
tantos  &  tão  bastos  erão  os  pelouros.  E  foy  milagre  de 
nosso  Senhor  por  sua  bÕdade ,  que  nenhu  náo  acertou 
em  homS,  &  todos  bião  por  alto.  E  sendo  bQ  tiro  de 
besta  abaixo  do  lugar ,  defrõte  dõde  estauã  os  de  caiiar 
k)  desembarcou  Anlonio  da  silueira  cÕ  toda  a  gõte,  por 
não  descMiibarcar  nas  boeas  das  bõbardas  da  trà^yra  & 
pêra  dali  ir  dereyto  ao  lugar.  £  por^  creo  Q  os  de  ca- 
iialo  ho  cometeriao,  ordenou  sua  gente,  &  deu  a  diá* 
teyra  a  Manuel  de  sousa,  cõ  que  hiâo  os  mais  dos  es- 
píngardeyros,  Q  em  desembarcado  fizerâo  rosto  aos  de 
eaualo,  des|>arando  suas  espingardas,  de  ^  eles  parece 
Q  ouiierão  medo,  &  recoítierâse  ao  lugar  sem  peleja, 
por^  lá  e8f)erauão  de  se  defender  com  a  artelbaria  {|  ti- 
nhào  nas  bocas  das  ruas.  E  assi  bo  fizerão,  j|  em  os 
Portugueses  aparecendo  começarão  de  tirar  coela :  mas 
nê  por  isso  eles  deixarão  de  chegar ,  saltando  d&  cabo 


LIVRO   Vni.    CAPITVLO   VIII.  19 

pefa  bo  oúlrO)  &  abaixãdose  l\  lhe  não  acerlagsem  os 
pelouros^  como  não  acertarão.  E  chegando  ás  Iranquey. 
ras,  acharão  grande  resístScia  nos  mouros,  Q  erão  iDuy-* 
4.08  &  esforc^ados,  &  pelejarão  hú  peda<jo  ale  S  os  eor 
irarão  pela  rua  principal,  &  forão  os  prioieyros  loão  ju- 
sarte  tição  Dázinbaga,  Ruy  boto  de  lima,  dõ Diogo  vi« 
lançuela,  Grcnijalo  vas  Coutinho,  Frâcisco  da  silua,  Bal* 
4esar  lobo  de  sousa ,  &  outros  fidalgos  ate  dez :  &  estes 
mostrarão  aqui  bfi  sua  valètia,  |)or  na^la  rua  estar  ho 
«ayor  peso  da  gente.  E  assi  como  se  estes  desbarata* 
Ho ,  logo  a  gente  das  oatras  se  desbaratou ,  &  fugirão 
todos,  ficando  corfita  mortos,  &  dos  Portugueses  tres^ 
&  algfls  feridos.  António  da  silueyra  os  não  quis  seguir^ 
&  pofido  goarda  da  bãda  do  sertão,  mãdou  saquear  ho 
lugar ,  em  Q  as  mais  das  casas  erão  lauradas  de  mace* 
naria,  &  douradas,  &  cateles  dourados  &  laurados  de 
pedraria  baixa,  Íl  outras  alfayas  tão  polidas  &  ricas: 
que  ate  muytos  falcões  que  se  acharão  em  alcandaras 
tinhâo  os  caparões  dourados.  Ebê  parecião  de  gente  ri- 
ca, ^  assi  o  era  a  i}  ali  moraua ,  por  ser  dos  principaes 
lugares  de  ^  tralauâo  pêra  a  China.  Eassi  acharão  mtjy«- 
ta  mercadoria,  de  que  auía  casas  cbeas:  principalmen- 
te de  cobre,  &  de  marfim ,  &  de  porcelanas,  &  doutras 
cousas  de  muita  valia,  de  que  os  nossos  carregarão  os  ca* 
tures  ho  mais  {)  poderão :  porfi  carregauão  pouco  por  a* 
mor  do  peso  da  g6te  que  auia  dir  neles,  que  se  forão 
Jiauios  grades ,  quantos  ali  hião  ficarão  ricos  pêra  sem* 
pre ,  porque  não  tinha  cÕto  a  riqueza  que  ali  auia  de 
iDuytas  cousas  ()  não  digo.  E  temendo  António  da  sil» 
ueira  {)  lhe  carregassem  os  catut^es,  Q  não  podessem 
nadar,  mãdou  poer  fogo  ao  lugar,  &  esperou  a  noyte 
seguinte,  Q  ardeo  todo  sem  ficar  cousa  que  se  podesse 
enxergar.  £  forão  queymadas  vinte  nãos,  &  muytas  co«> 
tias  todas  carregadas  de  mercadoria,  &  de  madeyra,  & 
a  terra  ao  derredor  foy  toda  destruída  como  em  çurra* 
le.  E  deixando  tudo  destruido  a  fogo ,  &  a  ferro ,  em* 
barcouse :  mandando  primeyro  deitar  na  mayor  altura 

c  2 


tD  DA   HISTORIA    BA    INIMA 

du  rio  a  artelharia  que  oao  pode  leuar,  ()  foy  mojfa, 
b«.'rços  &  falcões ,  &  lodos  de  luelaL  £  chegado  á  t>ar- 
ra,  achou  ^  lomarãu  os  j|  fícauão  na  aroiada  seys  cotias 
que  hiáo  pêra  Diu  carregadas  de  màlioiêtos^  &  quej« 
roaráo  outras  rouylas  carregadas  de  madeyra,  Q  em  Dia 
fizeráo  grande  luingoa,  |K>la  necessidade  ^  linha  de  lu« 
do.  £  as  nouas  dd  desIruyçSo  destes  dous  lugares  6se« 
rSo  grade  espanto^  assi  lá  como  em  toda  Caiubaya,  por* 
que  por  estarem  tâo  longe  do  mar,  &  os  caualeyrus  de 
Keynel  terem  tanta  fama,  se  e8|)eraua  que  nuca  08  nos* 
SOS  lá  fossem.  £  a  genle  da  lerra  andaua  Ioda  pasma* 
da,  por(|  víáo  que  se  nâo  podiào  segurar  se  nào  bfi  me* 
lidos  nu  sertão.  £  deixando  António  da  silueira  muyto 
grade  terror  nesta  comarca ,  por  começar  de  se  chegar 
ho  inuerno  se  partio  pêra  Chaul. 

C  A  P  I  T  V  L  O     IX. 

De  como  Anionio  da  silueira  destruyo  Damão ,  ^  ^o-* 
ctVn ,  ^  outros  muyios  lugares  de  Cábaya. 

Xlà  indo  sempre  ao  logo  da  costa  peta  a  destruir ,  foy 
ter  a  Damão  hii  lugar  muy  grade  na  põla  da  enseada 
da  banda  do  sul  cõ  hua  fortaleza  de  muro  de  largura 
doyto  pês  quadrada,  &  em  cada  quadra  híi  cobelo,  &  a 
porta  chapada  de  metal ,  cm  que  el  rey  de  Càbaya  ti* 
nha  gête  de  guarni<;3o,  que  sabendo  a  destrui<^ão  Q  os 
Portugueses  fiaerâo  em  çurrate  &  Keynel,  &  como  tor- 
nauâo  não  ousarão  desperar,  &  fugirão.  £  os  do  lugar 
lhes  teuerão  companhia,  tirando  primejrro  suasfazêdas: 
&  por  isso  os  nossos  nâo  acharão  aqui  com  qufi  pelejar, 
&  queimarão,  &  destruirão  tudo  na  terra,  &  no  mar 
muitas  nãos,  &  cotias  carregadas  de  mantimentos,  & 
mercadorias.  £  indo  daqui  pelo  rio  acima,  queymarâo 
muytas  aldeãs:  em  que  acharão  hua  nao  grande  J\  se 
fazia  pêra  Meca ,  ^  tamhê  foy  queymada ,  &  forão  ca- 
tiuas  muytas  almas.  £  tamanho  era  o  medo  na  gSte^ 


LIVRO   VIII.    CAPITVLO   IX,  ti 

principalro6te  na  mezquinha,  i\  desemparauão  08  luga- 
res em  Q  morauão,  posto  que  fossem  lÔge  do  mar,  & 
tiiàse  pêra  mais  longe.  Destruída  esta  comarca  de  Da* 
mâo,  partiose  António  da  silueira  pêra  Agacim  ,  outro 
lugar  grande,  por  hú  pequeno  rio  acima  na  volia  que  a 
costa  faz  pêra  Chaui ,  em  ^  auia  cinco  mii  &  quatrocS* 
tos  homês  de  peleja:  os  cinco  mil  de  pé,  &  os  quatro* 
cêtos  de  cauato,  gfite  esfori^ada,  &  (}  esperaua  de  se 
defender.  E  por  isso  António  da  silueira  determinou  de 
08  cometer,  pêra  o  j|  desembarcou  na  costa  hu  quarto 
de  legoa  do  lugar,  por  hu  rio  ser  pequeno  &  baixo:  & 
mandou  diante iManuel  de  sousa  cõ  cèto  &  cinccSta  ea* 

Eingardeyros ,  acõpanhado  de  muitos  fidalgos,  &  ele 
ia  nas  costas.  £  chegado  perlo  do  lugar,  acharão  os 
de  caualo  no  capo ,  &  os  de  pé  no  lugar.  £  os  de  caua* 
lo  posto  que  viào  chegar  os  Portugueses  não  os  sairão  a 
receber,  &  deixarSse  estar  apinhoados.  O  ^  vendo  Ma- 
nuel de  sousa,  deu  Santiago  neles,  &  então  começarão 
de  bolir,  remetêdo  aos  Portugueses :  1}  os  tratauão  mu;* 
lo  mal  cõ  as  espingardas,  com  que  derribarão  treze:  de 
Q  eles  ouuerão  tamanho  medo,  que  a  cabo  de  pouco  que 
pelejauão  fugirão,  deixando  cinco  Portugueses  mortos* 
Os  de  pé  tanto  Q  os  virão  fugir  fizerflo  o  mesmo ,  sem 
receberS  tãto  mal  como  receberão  se  ho  lugar  não  ieue- 
ra  naQla  parte  mais  Q  bua  só  Strada  muyto  estreita,  pe- 
lo j)  os  Portugueses  se  deteuerão  em  entrar:  &  por  isso 
Dão  poderão  alcâçar  dos  imfgos  mais  que  ate  duzStasal* 
mas,  que  matarão  &  catiuarão.  £  ho  lugar  foy  todo 
destruido  a  fogo  &  a  ferro ,  assi  casas  como  aruores ,  & 
cotias,  !)  auia  mujtas  carregadas  de  mantimCios,  & 
madeyra ,  i\  se  leua  darias  partes  pêra  outras  de  Cam* 
baya ,  &  pêra  ho  estrey  to.  £  estando  António  da  siluei* 
ra  pêra  se  embarcar,  três  Portugueses  que  ficarão  em 
terra  desmâdados,  furão  cometidos  de  certos  mouros  de 
caualo,  Q  os  poserão  em  tanto  af)erto  {)  os  fizerão  apar- 
tar, &  douB  fugirão  por  acerto  pêra  ondestaua  António 
da  silueira  ^  a  ^  ele  acodio ,  &  os  recolbeo.  £  ho  uutroy 


CS  IML   HISTORIA   DA    ÍIOnA 

(|  fle  chamaQa  Pedraluarez  do  geiio ,  ioiBOO  mais  d 
uiado  seguindoo  Iret  oioaros  de  caualo.  E  vendo  ele  j| 
não  podia  escapar  ▼irou  a  eles ,  &  derribou  hQ  morto  (( 
¥Íolia  diante:  o  j|  vendo  oa  outros  fugirão^  &  ficando 
liore,  ae  foy  embarcar  em  paz.  E  dali  se  foj  António 
da  silueira  a  h&a  ilha  chamada  Bombaim  pegada  e5  a 
costa,  pêra  dali  arrecadar  as  páreas  deTaná,  Bandorá, 
&  Caranjá ,  que  Ejtor  da  silueira  íixera  tributários ,  co» 
mo  disse  no  liuro  sexto :  Q  eles  logo  pagara  cd  medo  de 
serê  destruidos  como  os  outros ,  em  2[  se  fez  a  espátosa 
destrui<^  ^  disse ,  não  somente  neles ,  mas  em  muytaa 
aldeãs  ^  ha  por  a^la  costa,  Q  he  muy  pouoada.  E  nes^ 
ta  guerra  queymarSo  os  nossos  trezStas  velas  anlre  nãos 
grossas ,  zambucos ,  &  cotias  carregadas  de  fazSda ,  da 
madeyra  &  de  mantimStos.  Em  que  fizerâo  mujtogran* 
de  perda,  assi  a  Cambaya  como  ao  estreito,  &  forSo 
caltuas  mujrtas  almas ,  de  que  a  el  Rey  de  Portugal  vie^ 
tio  cftto  &  cincoSta,  b5s  pêra  remejros.  E  esta  foj  a 
mais  áspera  guerra  j}  ateli  foy  feyta  a  Cambaya ,  &  de 
4  recebeo  mais  perda ,  &  os  nossos  receberão  mais  pro* 
ueito:  porque  todos  os  da^la  armada  forâo  ricos,  &  el 
rey  de.  Câbaya  a  s^ntio  muyto.  E  nesta  ilha  ficou  An« 
tonio  da  silueira  algils  dias  pêra  arrecadar  as  páreas  ca» 
mo  disse« 

CAPITVLO    X. 

De  como  ho  capitão  de  Reynel  desbaraUm  a  Frãcisco  pe* 
reyra  de  berredo ,  capUâo  da  fortaleza  de  ChauL 

JD  azendo  António  da  silueira  esta  guerra  na^la  costa, 
-a  fazia  el  rey  de  Cambaya  a  Niaamaiueo  se&or  de  Cbaul 
vassalo  dei  Key  de  Portugal.  E  isto  por  seus  capitães, 
a  lhe  tomarão  &  {Jymarã  muytos  lugares  de  seu  seflorio 
&  ele  andaua  fugindo  dQ  cabo  pêra  ho  outro,  &  por  is« 
so  os  imigos  se  espalhara  por  sua  terra*  E  hu  destes  ca« 
pilães,  Q  era  ho  de  Reynel  sabêdo  a  destruição  ^  os 
nossos  fizerão  em  Reynel ,  por  vingãça  determinou  da 


LITRO    rni.    CáWTVLO  X.  2S 

queymar  Cbaul  dos  mouros ,  pafeoeodolbe  que  por  se^ 
rein  amigos  dos  Portugueses  se  vingaua,  &  partio  pêra 
lá  06  cinco  mii  de  eauato,  8c  dose  mil  de  pé.  £  mandou 
diauie  algUs  Q  fossem  ver  a  dispoei^ào  da  terra ,  &  es- 
tes chegarão  júto  do  lugar.  Onde  togo  Iby  grande  aluo- 
roço,  &  derfto  recado  na  fortaleça  ^  lhe  acodisfié.  £  »- 
cerlouse  ^  estaua  hi  Fernão  de  moraes,  que  hia  em  fafl 
Galeão  pêra  Ormuz,  &  acodio  logo  c6  sua  geie,  &  assi 
algils  da  fortaleza.  £  acharão  ja  os  imigos  anlre  as  or- 
las de  Ghaul ,  &  pelejara  coelea ,  &  os  fizerão  fugir ,  ti«- 
cãdo  mortos  ires  de  caualo.  £  ficado  bo  lugar  seguro 
por  a^la  vez ,  se  tornou  Fernão  de  inonies  pêra  a  nossa 
pouoaçãor  £ao  outro  dia  forão  esses  principaes  deChaul 
dos  mouros  requerer  a  Frãcisco  pereyra  de  berredo  c»- 
pitão  da  nossa  fortaleza ,  Q  íosse  buscar  os  Imigos  Q  e»- 
tauão  perto ,  &  os  lançasse  de  todo  fora  da  terra  ,  porQ 
lhes  ná  queimassem  o  lugar:  &  (|  era  obrigado  a àefeoh 
deios  pois  Nisamaluco  era  tributário  a  el  Re;  de  Poi^ 
tugal.  O  que  os  ^  estauão  com  Frãcisco  pereyra,  lhe  cò^ 
selbarâo  Q  fizesse.  £ele  ho  fez,  &  sahio  da  fortaleza  c& 
cincoenta  de  eauaio,  &  cento  &  cincoêta  espingardeiros 
de  pé :  &  fby  em  busca  dos  Imigos  ate  chegar  a  bH  pas^- 
BO  mea  legoa  alem  de  Chaui ,  ^  se  chama  Argao:  que 
be  tão  forte  ^  cincoenta  homSs  bo  pode  defender  a  todo 
miido.  £  chegando  ali  não  parecião  ainda  os  mouros  ^ 
pelo  Q  teue  que  erão  fugidos  de  todo,  &  se  quisera  tor*^ 
nar  pêra  a  fortaleza.  £  assi  lhe  disserâo  algas  Q  ho  fi» 
zesse,  por^  ele  não  era  obrigado  a  ir  buscar  os  imigoa 
tào  iõge  da  fortaleza :  &  pêra  defender  Ghaul  abastaua 
acodirlhe  se  os  Imigos  tornaseem ,  &  quanto  mais  perto 
pelejas&e  da  fortaleza ,  tanto  mais  pelejaria  a  seu  saluo. 
Outros  disserâo,  que  deuia  de  passar  auãte  &  ir  buscar 
os  imigos,  &  pelejar  coeles  r  porQ  se  tornasse  sem  ho 
fazer,  Q  pareeeria  fraqueza,  &  (}  ficaria  em  descrédito 
com  a  gfiie  da  terra.  £  tâto  bo  apressarão  estes  ^  ho  fi- 
lerào  passar  auãte  a  outro  passo,  dõde  mãdou  quatro 
de  caualu  a  descobrir  a  terra.  £  esles  lhe  mandarão  dy- 


24  BA   HISTORIA    BA    IlfBIA 

zer  1)  nio  parecião  os  lanigos,  {|  fosse  auâte,  &  n2o 
perdesse  a^la  hoorra ,  ^  lhe  queriSo  roubar  os  que  lhe 
eonselhauão  que  não  fesse ,  &  coisto  foy.  E  saiodo  a  hS 
campo  acharão  os  imigos ,  Q  estauâo  no  cabo  dele  dei- 
tados ao  pé  de  hua  serra :  j}  logo  ge  leuaotarão  em  os 
nossos  parecfido.  E  quando  Francisco  pereyra  vio  tio 
grossa  genle,  achouse  embaraçado:  &  mais  por^  os  I- 
migos  de  caualo  pegario  logo  cõ  os  nossos  de  caualo  j} 
hiSo  diãte.  E  por  os  mouros  serS  tao  grossa  gente,  os 
n2o  poderSo  sofrer,  &  recolbiãse  quãto  mais  podião  muy- 
to  apressados  dos  f migos ,  que  os  apertauâo  rijo:  &  por 
isso  Frãcísco  pereyra  se  quisera  recolher  com  os  de  pé 
ao  passo  donde  partira ,  &  fazerse  ali  forte.  Mas  nâo 
pode ,  por^  vSdo  os  de  pé  a  pressa  com  ^  se  os  Portu- 
gueses de  caualo  recolhiâo,  &  a  grossa  gCte  dos  imtgos 
i|  vinha  sobreles ,  é  estado  cisados  do  caminho ,  por  a 
calma  ser  muyto  gride :  cometerão  de  desmayar,  &  de- 
aordenarse.  E  em  vez  de  se  fazerem  em  corpo ,  &  tira- 
r6  aos  imigos  cõ  as  espingardas ,  espalhise  &  começâo 
de  fugir  polas  serras  fora  do  caminho.  O  que  v6do  os 
imigos 9  começao  de  dar  grides  gritas:  &  apertarão  tão 
rijo  coeles,  ^  os  desbaratarão  a  todos  &  fizerão  fugir, 
assi  os  de  caualo ,  como  os  de  pé  por  essas  serras  por 
fora  da  estrada ,  com  ho  que  receberão  mais  dano:  Q  se 
forão  por  ela  como  Francisco  pereyra ,  &  algus  outros 
que  teuerão  coele  em  chegando  ao  primeyro  passo  seli- 
zerão  fortes,  &  resistirão  aos  imigos  cd  as  espingardas, 
mas  não  ouue  esse  acordo.  E  assi  forão  os  Portugueses 
fugindo  ate  a  fortaleza,  indo  os  mouros  em  seu  alcãço, 
í\  matarão  deles  oytenta  de  pé,  &  ferirão  muytos,  &  quey- 
marão  Ghaul  dos  mouros,  de  í\  matarão  rouylos.  E che- 
garão tão  perto  da  nossa  fortaleza ,  que  lhe  queymarão 
ho  arrabalde  se  não  fora  a  artelharta  que  começou  deti« 
rar.  E  cÕ  tudo  cercarão  a  fortaleza ,  o  que  Frãcísco  pe- 
reyra escreueo  logo  a  António  da  silueira,  &  j}  ho  fosse 
socorrer.  O  (|  ele  fez  como  vio  a  carta ,  &  checou  no 
mesmo  dia  ^  partio ,  por.  não  ser  Cbaul  mais  de.  cinoo 


LIVRO    Viri.    CAPIJ^LO   XI^  26 

]f>goas  de  Bombaim.  E  chegando  a  Chaul,  achou  a  ter- 
ra (oda  cuberla  de  mouros,  que  cõ  sua  vinda  se  forão: 
&  receando  que  tornassem ,  deixouse  ficar  em  Ghaul. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XI. 

De  como  ho  gouemador  prendep  Francisco  pereyra  de 

berredo. 

JL  artidas  as  nãos  da  carga  pêra  Portugal ,  de  ^  foy  por 
capitão  mor  d5  Lopo  dalmt^ida,  despachou  ho  gouerna- 
dor  pêra  IMalaca  a  António  da  silua  de  meneses  capitão 
da  nao  do  trato  da  índia  pêra  Malaca.  E  assi  pêra  Ma- 
luco hii  fídalgo  chamado  Gõçalo  pereyra,  {}  tinha  por  el 
Rey  de  Portugal  a  capitania  da  fortaleza  da  ilha  de  Ter- 
Date,  &  coele  outro  fidalgo  seu  cunhado  que  auia  nome 
Hanibal  cernige  {)  hia  na  sua  subcessam.  E  por  capitão 
tnór  do  mar  de  Maluco  hii  Brás  pereyra  sobrinho  de 
Gonçalo  pereyra.  E  ho  gouernador  deu  a  feytoria  da 
fortaleza  a  hii  Luys  dandrade:  &  estes  todos  partirão 
de  Cochim  em  Abril  pêra  Malaca,  indo  em  sua  eõserua 
António  da  silueira,  &  hu  Lionel  de  lima  em  hOa  ga- 
leota  que  hia  tãbê  pêra  Maluco.  E  despachados  estes, 
partiose  ho  gouernador  pêra  Goa  a  seys  de  Feuereyro, 
&  SBaticalá  lhe  foy  dada  hQa  carta Dantonio  da  siluei- 
ra: em  l\  Ihescreuia  ho  desastre  que  acontecera  a  Fran-» 
cisco  pereyra ,  &  coiyk>  (ícaua  em  Chaul.  E  ho  gouer- 
nador  quisera  logo  ir  a  Chaul ,  &  não  foy  por  adoecer 
em  Goa,  &  por  isso  escreueo  a  António  da  silueira,  que 
tirasse  a  capitania  a  Frãcisco  pereyra  de  berredo,  &  a 
seruisse,  &  lho  mandasse  preso  a  Goa,  &  ^  tirasse  a 
inquirição  sobre  a  desordS  4o  Argao^  &  assi  ho  fez  An- 
tónio da  silueira,  &  ficou  por  capitão  de  Chaul,  &  in- 
uernarã  coele  seys  cêtos  &  cincoenta  soldados,  a  2}  deu 
sempre  de  comer  á  sua  custa,  em  Q  gastou  tâto.  E  fi« 
cou  tão  indiuidado,  que  de  pão  cozido  ficou  deuendo 
ires  mil  pardaos  a  Ana  fernandez,  moUier.do  bacharel 

LIVRO    VIII.  B 


26  DA   HlflTOIIIA     DA    INDfA 

FeraSo  LourSço,  a  quê  ho  ouui.  h^  coesla  geote  segu^ 
rou  a  fortaleza  de  ser  cercada  de  Djuuros. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XIL 

De  como  Diogo  da  silueira  queymou  Calicut ,  ^  foy  «o- 
bre  ho  bigar  de  Mangakrj  ^  ho  dcstruyo  de  iam. 

ÃJíogo  da  silueira  9  Q  ho  gouernador  deixou  por  capa» 
iáo  inór  na  costa  do  Malabar :  foy  (lor  seu  oiàdado  ao 
porto  de  Calicut  pêra  acabar  as  paxes  í|  el  rt-^  de  iSs^ 
íicut  começara  de  fazer  cõLopo  vaz  de  sam  Fayol  E  el 
rey  náo  q.uÍ8  por  hfia  liga  Q  Cioba  feita  cõ  o  (  batioi  de 
Mangalor,  coino  direy  a  diante.  O  <}  vedo  i>iogo  da 
silueira ,  por  se  vingar  mãdou  poer  fogo  ao  laço  da  ci*> 
dade  Q  eslaua  ao  l^o  do  mar  ^  o  ^  aigús  Porlugjueset 
fizeráo  cõ  panelas  de  poluora.  A  ^  os  da  terra  logo  aco^ 
diráo,  mas  toiherãlho  do  mar  cõ  a  artelbaria:  &  cõ  lu* 
do  não  arderão  mais  de  duzfitas  casas,  por  nao  auer  v&» 
to:  9  se  ho  ouuera^  ioda  a  cidade  fora  queimada.  B 
Yêdo  Diogo  da  silueira  2)  não  auia  ali  mais  ij  fazer,  foy* 
se  pola  costa  queimando  muytos  lugares,  &  cortado  os 
palmares,  &  outros  aruoredo»^de  q  a  gente  se  maniê,  íl 
be  a  mayor  guerra  {}  se  Ibe  pode  fazer.  £  sabêdo  quan«* 
to  importau»  ao  seruiço  dei  Rey  de  Portugal  ,'{|  a  es^ 
peciaria  não  fijsse  leuada  a  JVJeca:  irabalhaua  cõ  grande 
diligScia  en>  guardar  os  rios  daj)ia  cosia  iirincipalmète 
ho  de  Cbaie,  em*  Q  sabia  f\  estauão  carregando  algib 
galeões  de  rumes  despeciaria  &  droga  pêra  ho  eslreylo^ 
li  assi  n)iiyto8  zàbucos  &  paráos  grades.  E  |Kjr^  nào  po^ 
dessem  sair,  logo  d^ibi  a  poucos  dias  §  foy  na  costa  mS* 
dou  a- Nuno  iiernâdez  freyre  ^  fosse  surgir  na  boca  do 
rio  de  €hale  cõ  a  sua  gaJeota,  &  cõ  bu  bargantim,  J[ 
tsuauâo  ambos  sessenta  homSs,  &  ^  goardas^e  Q  nào 
saísse  neniiúa  das  velas  Q  estauão  dStro.  E  pêra  estarê 
todos  de  melhor  võlade,  os  manleue  quatro  meses  ásua 
custa ,  tendo  conlinuamête  tanta  abastâça  de  mantimi^ 


LIVRO    VflI.    CAPITVLO   Xlí.  87 

ioê  l\  mandaua  buscar  a  Cananor  (}  nuca  ihe  fallauâo.  E 
ele  cõ  a  outra  armada  vigíaua  os  outros  rios  de  tnaney^ 
ra  l\  nuca  pode  sair  nenhâa  nao,  &  passouse  a  Monção: 

f)elo  í|  os  mouros,  &  rumes  descarregarão  as  nãos  &ga- 
edes  &  os  vararão:  &  não  quiserão  cõprar  tanta  pim^ 
ta  como  lhes  vSdiSo  os  gStios,  &  eles  por  isso  a  forâo 
vSder  na  nossa  feytoria  de  Cochim ,  &  por  esla  causa 
foy  muyta  a^le  anno.  E  sabendo  Diogo  da  silueira  J\  os 
monros  não  podião  aijie  anno  ir  ao  estreylo,  determinou 
de  ir  sobt^JMangalor  como  lhe  ho  gouernador  escreuera 
de  Goa  ^  fosse:  &  pêra  isso  lhe  mandou  mais  bargãtins 
&  gSte.  E  praticado  Diogo  da  silueira  este  feyto  cÕdom 
loão  déça  capitão  de  Cananor,  por  ser  bS  esperemètado 
na  guerra  assentarão  l\  deuia.  dir.  £  partiose  logo ,  le- 
vado hGa  armada  de  duas  galeotas  ,  hila  carauela  &  tre^ 
ze  Bargãtins,  cujos  capitães  forSo  Nuno  fernâdez  frey- 
Te,  Manuel  de  vascõcelos ,  Francisco  da  cunha,  loSo 
da  silueira,  António  desousa,  Gomez  de  souto  mayor, 
Nicuiao  jusarte,  Aires  cabral,  Lourenço  botelho,  Afon* 
«o  ahiarez,  o  calafate  de  Goa,  loão  penaluo,  António 
fernandez,  Frãcisco  de  sequeira  malabares,  Diogo  co- 
Tesma  &  António  mêdez  de  vascÕcelos  feitor  da  armada. 
E  coesta  armada  foy  ter  sobre  a  barra  de  Mangaior,  ^ 
be  hii  lugar  grande  do  reyno  de  Narsinga  metido  obra 
de  meya  legoa  por  hfi  rio.  E  sobrele  juto  cõ  ho  lugar 
estaua  feita  hiia  casa  forte  de  pedra,  &  cal  como  forta- 
leza cóm  seus  bailéus  ao  derredor,  de  que  se  podia  de- 
fender, &  tinha  muyta  artelharia  assestada  da  banda  do 
rio  pêra  Õde  tinha  hõa  seruêlia  &  outra  pêra  o  lugar.  E 
hij  pouco  abaixo  desta  fortaleza  da  banda  da  terra  esta- 
ua fafla  tranqueyra  de  duas  faces  entulhada  de  terra, 
em  t\  estaua  hfla  estãcia  dartelharia.  Eesle  lugar  linha 
arrendado  a  el  rey  de  Narsinga  hfl  grade  mercador  gê- 
iio,  a  ^  ria  sua  lingoa  chamâo  Cbatim  :  &  por  seu  grã* 
de  trato  &  riqueza  se  cbamaua  ho  Chatí  de  Mangaloi". 
£  assi  era  ele  ho  mais  rico  Chatim  de  toda  a^la  costa 
de  Goa  ate  ho  cabo  de  Comorim ,  &  que  tinha  mayor 

D  2 


28  Í>A    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

Iralo:  &  por  ser  amigo  dos  nossos  podiâo  suas  nãos  na* 
uegar  seguras.  E  vendo  el  rey  de  Caiicul  que  não  po- 
dia carregar  3  seus  portos  pêra  o  estreito,  fez  amizade 
coeste  Chatim ,  &  màdaua  ali  sua  especiaria ,  &  hi  a 
carregauao  os  mouros  de  Meca  cÕ  dissimulada  q  carre* 
gauão  no  porto  de  nosso  amigo:  &  pagauão  a  elrey  de 
Calicut  os  mesmos  dereytos  ^  ihe  soyâo  de  pagar  no 
porto  de  Calicut,  &  por  Uso  cÕtentaua  bo  Chatim.  E 
hia  este  trato  em  tâto  crecimento,  ^  assi  era  Mangalor 
l^scala  de  Meca ,  como  Cochim  de  Portugal ,  pelo  ^  era 
muy  perjudiciaU  E  por  industria  dei  rey  de  Calicut,  se 
fortaleceo  ho  Chatim  da  maneyra  ^  digo,  &  lhe  man* 
dou  a  arlelbaria,  &  á  sua  cusla  tinha  ali  gete  de  goar- 
niçâo  pêra  defensam  do  lugar ,  &  da  fortaleza :  &  isto 
esteue  encuberto  algús  annos  ate  £|  foy  sabido  pelo  go- 
uernador ,  q  por  essa  cauisa  ho  mandou  destruir.  E  cbe* 
gado  Diogo  da  silueira  á  barra  de  Mangalor,  mâdou  to- 
mar lingoa ,  de  Q  soube  ^  ho  Chatim  fora  auisado  de 
sua  ida  per  mouros  de  Cananor,  &  q  esperaua  por  ele 
CO  determinac^ão  de  se  defSder,  pêra  o  ^  tinha  muyta 
gSte  de  peleja,  &  assi  soube  ho  sitio  do  lugar.  £  cõ 
quanlo  vio  ^  era  muy  to  forte,  &  a  gSte  muyta  em  de« 
Diasia  pêra  a  sua,  ^  nâo  erao  mais  de  quatrocetos  Por- 
tugueses, determinou  de  dar  nele.  E  dando  cota  aos 
outros  capitães  de  sua  determinação,  ^  forâo  coela con- 
formes i  assentou  coeles  de  dar  no  lugar  ao  outro  dia, 
£  por!)  08  paráos  de  Calicut  cursauâo  ali  muyto,  ^  fí- 
carião  na  boca  do  rio  a  carauela  &  as  duas  galeutas  pê- 
ra lhes  defenderS  a  Strada  se  viessem,  &  cõ  os  bargâ- 
lins  enlrarião.  E  por  se  liurar  do  nojo  ^  a  artelharia 
lhe  podia  fazer,  desembarcaria  hú  pedaço  abaixo  do  lu- 
gar cõ  duz3tos  &  corSta  Portugueses,  de  c|  os  cento  & 
vinte  seriâo  espingardei ros ,  &  os  outros  ^  erâo  comi- 
três,  bombardeiros,  &  gSte  do  mar  iriilo  nos  barganlins 
pêra  esbõbardear  a  fortaleza :  por^  cuydâdo  os  imigos  q 
os  comelião  polo  rio  nSo  acodissê  tâtos  a  defenderlbe  a 
entrada  da  terra.  E  destes  iria  por  capitão  h(l  Francis- 


LIVAO    VIII.    CilPftTVtiO    XII.  29 

€0  dajora ,  porf)  os  capílaea  auiâo  dir  cõ  Dirogo  da  sil- 
ueira.  E  ii^to  assentado,  confesaarãse  todos  a^la  noyle^ 
&  encoiD&darâse  a  nosso  Senhor ,  porQ  o  feylo.  era  perb 
goso.  E  ao.  outro  dia  ^  forào  viie  sete  de  JVlar ço ,  de 
mil  &  quinhêlos  &  irinU ,  em  começando  *a  maré  aba* 
larâo  pelo  rio  acima,  &  Diogo  da  silueira  desembarcou 
ondestaua  assentado.  E  seguindo  pêra  bo  iugar ,  perto 
dele  acharão  obra  de  dous  mil  dos  imigos,  que  os  espe» 
rauâo  em  bu  palmar. -£  em  vendo  os  nossos  derâo  húa 
grade  grila,  desparâdo  muytas  frechadas  &  aigQas  es* 
pingardadas.  loâo  da  ailoeira  que  leuaua  a  dianteira  cÕ 
os  espingardeyros  ,  mãdou  desfechar  neles  :  &  apertará* 
nos  tão  rijo  9  derribado  algiis  mortos ,  ^  os  fizerâo  reco^ 
Iher  ao.  lugar.  E  eles  recolhidos,  quisera  hQ  seu  bom- 
bardeiro dar  fogo  a  artelipria  da  tranqueira :  &  quis  Deos 
^  hfl  dos  nossos  lhe  acertou  cÕ  h&a  espingardada  &  o 
matou,  &  os  nossos  chegarão  tain  asinha  a  tráqueira 
que  a  firtelharia  não  .pode  tirar,  &  em  chegado  entra* 
râo  logo  a. tranqueira,  que  os  imigos  não  ousarão  de  re* 
sistir,  &  deles  se  acolherão  á  fortaleza,  &  outros  ao  lu- 
gar. £  loão  da  sjlueira  com  ate  sessenta  dos  nossos,  to^ 
mou  ao  .lõgo  dp  rio  pêra  a  fortaleza:  &  no  caminho  9r 
chou  hila  mezquita  Õdestauâo  recolhidos  muytos Imigos, 
Q  se  defSderão  cÕ  muyto  esforço.  E  logo  no  começo  foy 
a  peleja  muylo  a&pera^  &  muytos  dos  nossos  furão  feri* 
dos ,  por^  como  a  porta  da  mezquita  era  estreita ,  & 
eles  querião  entrar  todos  juntos  descobriãse  &  feriãnos. 
E  estando  neste  cõflito,  bíl  fidalgo  chamado  Francisco 
de  sousa  remeteo  só  á  porta  da  mezquita,  &  leuou  hu 
mouro  nos  braços,  &  matoubo  ás  punhaladas.  E  coisto 
os  Q  defendião  a  porta  se  retirarão  bil  pouco  pêra  dStro, 
q  algus  dos  nossos  teuerão  lugar  dentrar ,  &  como  hfls 
eiitrarão,  entrarão  todos.  £  a  causa  dêtrarS  despois  de 
nosso  Senhor ,  foy  Frãcisco  de  sousa ,  ^  doutra  manei- 
ra a  Strada  da  mezquita  ouuera  de  cuslar  muyto.  E  en- 
trados os  nossos 9  todos  os  Imigos  forão  mortos,.^  ne* 
nha  escapou :  &  entretanto  os  Q  ficauão  cô  Diogo  da 


30  BA    HISTORIA    tIA    ÍNDIA 

silueira  enxorarâo  ho  lugar  de  todo ,  l\  nSo  ficou  nele 
ningufi.  E  todos  cò  grande  ímpeto,  reroelS  a  oõbater  a 
fortaleza:  em.^  logo  acharão  grSde  resislficia ,  porque 
os  iraigos  estauão  muytos  sobre  os  bailéus,  de  ^  arre- 
iDessauSo  panelas  de  poiuora ,  &  tírauao  niuytas  pedra* 
das ,  &  algíias  espingardadas ,  cÕ  que  ferirão  aigfts  dod 
DO8808  (|  chegarão  desmãdados.  Mas  estes  não  durarão 
muyto,  porQ  a  nossa  espingardaria  lhes  oome^u  de  ti- 
rar, &  matado  algus  fez  recolher  os  outros:  &  não  ou« 
sarão  de  tornar  ali  mais  por  amor  das  espingardadas  (| 
lhes  tiraufto  em  aparecSdo.  C  vSdose  os  nossos  desa* 
pressados  de  cima,  buscarão  maneyra  pêra  entrar  a  for- 
taleza :  &  loâo  fie  Sousa  lobo ,  &  Diegaluares  teiez ,  S& 
Francisco  de  l)arros  de  payua,  acertarão  dacbar  h(I  bef'* 
ço  de  ferro,  Q  tomando  todos  t^ôs  fizerão  dele  vay  St 
vê,  com  ^  arrobarão  hfl  postig'ò  da  fortaleza  por  ondid 
entrarão  co  outros  a  pesar  dos  mouros,  (}  lho  defende-^ 
râo  pouca  cousa,  por^  os  entrauâo  ja  por  cima  das  pa^ 
redes.  B  era  a  reuolta  antreles  muylo  grande  por  fugi« 
r6,  pòrQ  como  forão  êtrados  não  ousarão  desperar  mais^ 
&  fugirão  pela  porta  do  rio,  a  {|  se  dançarão  pêra  se  a^ 
colherS  da  outra  bãda,  como  acolherão  muylos.  E  algQs 
fora  mortos,  assi  ao  fugir  pelos  nossos,  í\  ãdauã  na  for- 
taleza ,  como  no  rio  pelos  (}  estauã  nos  bargãtis ,  l\  já 
erã  chegados.  E  ãtrestes  foy  moflo  o  Chat!  de  hila  es- 
pigardada,  &  dos  nossos  Deos  síeja  lounado  não  morreo 
nhil,  sendo  este  hxí  feito  muyto  perigoso,  &  em  que  os 
fmigos  pelejarão  animosamente^  Despejada  a  fortaleza, 
por^  os  !migos  não  tornassS  em  quanto  se  roubasse,  & 
os  tomasse  desapercebidos,  mandou  Diogo  da  silueira 
goardar  as  portas  a  seu  hirmão  loão  da  silueira,  &  a 
raanuel  de  vascõeelos:  &  deu  ho  cargo  de  fazeré  em- 
barcar a  artelharia  dos  imigos  a  loão  de  sousa  lobo, 
Diegaluarez,  Martim  vaz  pacheco,  &  a  Francisco  de 
barros  de  payua :  Q  a  íizèfão  embarcar,  &  forão  sesfén- 
la  bõbardas ,  de  que  muytas  erão  gfossas ,  &  (res  quar* 
taos.  E  entretanto  f^y  a  fortaleza  Mubada ,  em  )|  se  a^ 


LIVRC  Vllh    QAPITVIiO   }íill.  81 

ehott  uiuj^la  soma  de  cobre,  de  corai  &  jjajsoug^ue,  & 
muytas  graãs,  &  veludos  j  fa*  outras  lutiyias  mercadorias 
muy  ricas  de  Meca:  &;,niuyia  [M4w>ra,  .&.aiaalii)3ilu>s 
sem  colo.  E  dislo  foy  a  iiiayar  parle  quib^iinada ,  porQ 
ifSdo  Diogo  da  siluetra  £[  a  geie  se  desinaodaua  em  tax^ 
regar  mttjto  os  bargaolios,  despoitt  dembarcada  a  jir« 
telharia  maodQU  dar  íògo  á  iorlaleza »  ^  fuy  toda  que]«- 
mada  se  nâo  as  paredes  da  baoda  do  rio  por  serê  muy to 
feries  9  &  os  nossos  as  derribarão  á  mão  ate  os  aliceçeai 
£  assi  fby  queimado  lodo  ho  lugar  &  Ire^e  nãos  -^  bi 
eslauào  varadas,  &  queimadas^  &  cortadas  as  l^rtasi 
de  mameyra  {|  parecia  ^  ouoca  ali  ouuera  poupac^âo,  £ 
foy  este  hQ  muy  aotauei  feyto  por  ser€  es  nossos  tà9 
potfCo9y  &  de  {|  el  rey  de  Portugal  foy  itiuyto.seruido^ 
assi  por  se  lhe  tolher  Q  oâ  se  leuasse  mais  daii  pimenta 
a  AAeca,  como  por  ser  a^ie  lugar  muyio  furte  &  sober* 
bO)  Q  se  nào  falaua  em  outra  cousa.  E  ali  linha  el  rey 
de  Calicui  sua  esperáça^  &  os  seus  muy  grande  esfoi:«> 
^  &  colheita ;  &  por  sua  de^truit^ào  licarao  todos  muy 
Qbradjpsy  &  a  terra  6c<mi  ioda  assombrada  de  medu  dos 

G  A  P  I  T  V  L  o    XJII. 

Do  que  aeonieceo  a  Diogo  da  silueiru  com  Patemarcar 

capitão  da  armada  de  CalicuL 

JL/esíraido  ho  lugar,  por^  era  cabo  do  verão,  &  Dio^ 
go  da  silueira  nà  auia  de  fazer  mais  i\  correr  a  costa , 
em  ^  Dào  ae  esperaua  cousa  perigosa,  pelo  i}  nâo  linlia 
necessidade  de  latas  velas,  mandou  pêra  Goa  noue,  & 
cô  as  outras  ^  erào  sete  se  foy  aCananor.  E  no  me«u)0 
dia  ^  chegou  passou  a  vista  Patimarcar  cafiiiáo  de  hfla 
armada  de  Calicut  de  sessenta  paráos,  í^  bia  por  arros 
â  IMangalor,  nâo  sabSdo  ^  era  destruído.  E  auendo  os 
1K8S08  vista  dele,  determinou  Diogo  da  silueira  dir  pe-^ 
lejar  ooele,  posto  ^  tinha  tão  pequena  frola:  &  esta 
auKla  carregada  da  preaa  de  Maogalor ,  &  aayo  cõ  hiia 


38  DA   HISTôArA    DA    ÍNDIA 

galeota  em  ^  aodaua ,  &  cõ  cinco  foargSlins  por  8e  ho 
ouiro  eslar  descarregado,  &  três  ou  quatro  catures  de 
Cananor.  E  mandou  a  todos  -^-afferrassem  cÔ  os  mou* 
ros ,  por^  trazião  arlelharia ,  &  se  andassem  ás  bombar* 
dadás  j}  os  meteriâo  no  fundo.  B  indo  coesla  determi- 
nação achou  ho  veto  trauessam  &  ficauSolhe  os  !migo« 
de  bairra  v6to,  pelo  Q  os  não  pode  afferrar,  sómSte  ha 
dos  catures  por  ser  ligeiro  passou  auftte  a  remo.  E  quS* 
do,  os  Imigos  ho  virão  só  o  quisera  abairroar.  £  S  que* 
r^do  voltar  pêra  fugir,  os  (}  hião  nele  se  cÕcertarfto  tâô 
mal  (}  çoçobrou ,  &  afogarãose  sete  dos  nossos  ()  hiâo 
dentro.  Ao  ^  os  mouros  deráo  bua  grande  grita,  &  co- 
meçarão de  desparar  muytas  bombardadas,  &  de  hiia 
quebrarão  híi  braço  a  luâo  da  silueira,  que  andaua  dian* 
ie  no  seu  bargantim.  E  vendo  Diogo  da  silueira  que 
por  cauâa  do  vento  não  podia  afierrar  os  fmigos,  &  que 
ás  bombardadas  lhe  tinhâo  muyta  auantagS  por  serfl 
muytos,  &  tra^erS  os  nauios  desempacbados :  não  quis 
perder  tempo,  nem  gSte,  porque  vio  que  era  por  dd 
mais  andar  ali  cõ  tão  poucos  nauios  &  tão  carregados* 
E  tornouse  a  Cananor,  &  Pateniarcar  foy  sua  guia,  ft 
quando  achou  Mangalor  destruído  carregou  em  outra 
parte.  E  tornado  Diogo  da  silueira  a  Cananor  muyto 
sentido  pelo  que  lhe  acontecera,  mftdou  descarregar  os 
bargantins,  &  a  galeota.  E  cifados,  &  enscuados  pêra 
que  ficassem  mais  ligeiros ,  leuando  algfls  catures  de 
Cananor:  que  por  todos  erão  onze  veias,  foyse  a  mote 
Deli  a  esperar  Patemarcar  pêra  pelejar  coele,  &  tornS-^ 
do  ho  foy  togo  cometer.  E  como  ele  então  vinha  carre* 
gado,  &  sentio  a  determinação  dos  nossos,  pois  ho  hião 
ali  esperar.  E  cõ  ho  espãlo  ^  trazia  do  {}  achara  feyto 
em  Mâgalor ,  não  quis  tomarse  coeles ,  &  trabalhou  por 
se  acolher  cõ  ho  vento  que  lhe  fazia  pêra  isso.  E  os 
nossos  os  seguirão  cÕ  grandes  apuparias,  &  meterão  no 
fundo  seys  paraos  cõ  a 'artelbaria ,  &  os  outros  fugirãa 
&  se  fora  a  Calicut :  cujo  rey  ficou  muyto  triste  peJa 
destruição  de  JVIangaior.  E  vêdose  desesperado  de*  te» 


LIVRO   VIII«   GÂPITVLO  XllU.  ^S 

outra  colheita  como  a^lla ,  quisera  despois  fazer  paz  cd 
ho  goueroador,  !(  não  quis  por  conhecer  quã  mentiroso 
era ,  &  quã  incõstanle.  E  Diogo  <Ia  «ilueira  despois  ^ 
Ifae  fugio  Patemarcar,  andou  pela  costa  ale  quasi  a  fim 
Dabril  sem  mais  achar  cõ  quem  pelejasse:  &  por  entrar 
bo  inuerno  se  foy  a  €!ochim,  onde  inuernou. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XIIII. 

De  como  Eytor  da  sibieira  foy  par  capitão  már  òo  caba 
de  Goardajum ,  ^  das  presas  que  fez. 

^/V-tras  fica  dito  como  Eytor  da  siiueíra  partío  de  CSoa 
ft  vinte  hd  de  laneiro,  do  anno  de  trinta  pêra  ho  cabo 
de  Goardaffl  cd  a  armada  Q  disse ,  em  Q  forão  seys  c8- 
tos  Portugueses.  E  chegado  á  paragem  onde  auia  des- 
perar  as  nãos ,  repartio  os  nauios  atrauessando  ho  mais 
que  podião  alcançar,  porí)  não  podessem  passar  nenhQas 
nãos  sem  ser&  vistas.  E  andando  as  esperando ,  foj  ter 
coele  faHa  nao  muito  grade  de  mouros  malabares ,  c6 
quem  pelejou.  Eetes  se  defenderão  muyto  bè  por  faub& 
pedaço,  &  despois  forâo  entrados  &. mortos  todos,  se 
não  hus  poucos  de  í)  Eytor  da  silueira  soube  {)  a^la  nao 
era  doChatim  deMangalor,  &  hia  carregada  de  pirnStà 
&  droga.  E  foy  muyto  grande  dita  tcroarse  esta  nao, 
{)or{{  cõ  a  goarda  t\  Diogo  da  silueira  fez  na  cosia  do 
Malabar  não  hia  a  Meca  outra  pimenta  se  não  aquela^ 
&  assi  não  foy  lá  aquele  anno  nenhua.  Tomada  esta  nao 
que  foy  muyto  rica,  topou  Martim  de  castro  outra  ^ 
hia  de  Diu  carregada  de  roupa  de  Cambaya ,  &  hiãd 
nella  bem  duzentos  homSs  de  peleja,  em  {|  entrauãò 
muitos  Turcos  :.&  os  nossos  serÚo  ate  corenta;,  E  pele*» 
jarão  coeles  hu  bõ  espaço  primeiro  Q  os  aferrassem  at0 
(}  os  abalrroarão:  &  em  afierrâdo,  IMartim  de  crasto  que 
^ra  muy  arriscado  caualeyro,  foy  o  primeyro  que  saltou 
dentro,  &  coele  aigús  dos  seus:  cÕ  quanto  as  pedradab 
&  frechadas  \  os  Imigos  tirauâo  er&o  sem  conto..  E.des^ 

LIVRO   VIII.  E 


$4ê  "        DA    HIlSTORtÁ    SA    ÍNDIA 

pois  de  seré  dSlro,  foy  a  peleja  muyto  mais  rija  que  d&* 
les,  porQ  os  mouros  erâo  horaSts  de  feyto,  &  pelejauâ 
com  rauyto  esforço :  &  defeadSdose  morrerá  quasi  to* 
dos,  deixando  muyto  ferido  aMarlim  de  crasto,  &  dea 
ou  doze  dos  nossos ,  \  todos  jQtos  sosteueráo  ho  mayor 
impelo  da  peleja.  E  tomada  a  nao ,  acbouse  q  hia  rica 
arrezoadamente.  E  a  fora  estas  duas  nãos  se  tomarão 
algilas  outras  pelos  outros  capitães,  mas  sem  peleja:  & 
estas  duas  forão  as  de  mór  preço.  Édos  catiuos  \  forâo 
tdma(k>6  soube  eytor  da  silueira,  que  a  mayor  parie  dae 
nãos  de  Diu  &  do  reyoo  de  Cambaya  erfto  passadas :  por^ 
como  esperauão  Q  bo  gouernador  fosse  a^lie  ano  a  Diu 
partirão  cedo  polas  não  tomarê.  £  sabido  isdo  por  Eitor 
da  siiueira,  vSdo  \  era  iêpo  perdido  andar  ali  mais,  par^ 
tiose  pêra  ho  lu^ar  de  Mete :  õde  tinha  mâdado  aos  ou^ 
(ros  capitães  \  se  ajQtassem  no  fim  das  presas  ^  &  his^ 
lyiitarão  todos. 

* 

C  A  P  I  T  V  L  o     XV. 

IXe  como  os  Rumes  kuantarâe  ho  cerco  a  Adem  oont 

mida  da  tmssa  arm,ada^ 

jyXorto  fao  capitão  mór  do  Turco  ([  matou  Soiermâa 
raez,  como  disse  no  liuro  sexto.  Mustafa,  &  Gojeçofar 
seu  iesoureyro ,  nâo  ousando  de  tornar  a  Ludá ,  nd  a 
çuez,  pola  Ireição  que  fiaserão  ao  Turco  ^  determinarão 
de  tomar  AdS  &  íazerseMustafa  senhor  dela  pêra  fazer 
hi  seu  assento.  E  ajútãdò  dez  nauios  de  remo ,  aotre 
grades  &  pequenos  éa  armada  \  leuaua  Soleituão  raez, 
&  corAta  zâbucos :  &  Geluaa  foy  sobre  Adfi ,  onde  cha^ 
^u  de  supito  com  seys  cfttos  Rumes,  &  muyta  outra 
'i;6te  da  terra,  \  ppr  ganhar  soldo  ho  ajudaua*  £  cercou 
Adê^  pop  mar,  &  da  banda  da  (erra  mandou  fazer  bua 
estãoia,  em  que  forão  assestados  quatro  Basiliscos,  com 
'4  lhe  derribarão  todo  o  muro  da^lla  parte  por  muytas  v^ 
«es ;  &  os  mjouroi  lio  tornarão  a  refazer.  £  erão  tão  eá- 


LIVRO  viir.  ciiprrvLo  xvi.  M 

feridos,  &  defendiãse  lambe,  ^  nuca  MuBlafa  os  po-- 
de  tomap  em  cinco  meses  j)  durou  ho  cerco :  em  que 
lhe  morreo  muyta  gêíe  ^ssa  |)obre ,  de  fome,  &  de  se-^ 
de.  E  sabendo  Muslafa  como  a  nossa  armada  andaua 
Bo  estreito  ouue  medo  il\  íbsse  a  Adè  como  cuslumauâo,! 
&  ()  ho  tomasse  segfido  a  sua  gftle  estaua  desmaiada 
do  trabalho  da  guerra.  E  por  ísaa  leuâtou  bo  cerca,  Sc 
ae  íoy  pêra  Gamarão  Sc  Adem  ficou  liure« 

C  A  P  I  T  V  L  O    XVL 

De  eovno  Eytor  da  9ilueira  fez  que  el  Rey  Dadem  sefir 
zesee  tributaria  dei  Rey  de  Portugal. 


s 


enda  junta  toda.  a  nossa  armada  em  Mete,  mandou 
Eytor  da  sila4>íra  as  nãos  &  zflbucoa  das  presas  a  Maz^ 
cate  pêra  se  vèderi.  E  ele  partiose  pêra  Ad6,  pcrQ  le* 
uaua  por  regimAto  do  gouernador,  que  acabado  as  pre** 
aaa  desse  hfia  vista  a  Adem»  E  acbãdo  no  porto  quaes»* 
quer  nauios  de  muylo  preqo  os  tomasse,  &  doutra  mai» 
neyra  não  curasse  deles.  E  mandasse  recado  a  el  Rey^ 
A  por  amor  dele  ho  fazia :  &  se  quisesse  ser  vassalo  dei 
Rey  de  Portugal,  &  pagarlhe  alguas  páreas  ()  ho  ajuda-» 
ria  era  quito  podesse :  &  por  a  guerra  i\  sabiá  l\  tinha 
cora  os  rumes  mandaua  aljfia  armada  em  sua  ajuda.  B 
chegado  Eytor  da  silueyra  ao  porto  Dadê,  ^  foy  aos 
quatro  Dabríl,  despois  de  surto,  foy  logo  visitado  pot 
dous  mouros  principais,  da  parte  dei  rey  cÕ  muyto  re* 
fresco,  de  vacas,  galinhas  &  carneiros,  &  cÕ  palauras 
de  muyta  amizade:  &  isto  c5  medo  da  nossa  armada. 
Por^  segiido  ele  sabia  que  os  nossos  erâo  de  ccncrusam, 
&  tinha  a  sua  gente  trabalhada  da  guerra  dos  rumes, 
deuse  por  tomado,  &  porisso  dissimulou  com  estas  mo»» 
trás  damizade.  £  na  enuolta  delas  mâdou  perguntar  a 
Eytor  da  silueira  a  determinação  de  sua  vinda.  £  ele 
lhe  respondeo  pola  instrução-  do  gouernador :  &  pos  de 
ena  easa  que:  achado  neuaa  em  qacotora  que  os  ronies 

E  2 


36  DA    HISTORIA    DA   ÍNDIA   ' 

erão  idos  &  nSo  linha  neceâsidade  dajuda ,  espalhara  á 
armada  âa  presas.  E  coisto  lhe  comeieo  a  vassaiagS  Ss 
paga  das  páreas,  oflTrecêdolhe  sua  ajuda  cõíra  os  rumesj 
se  lornassem ,  &  niandoulbe  aigúa  cousa  com  qae  lhe 
pareceo  que  folgasse,  pêra  o  prouocar  a  fazer  seu  re- 
querimenlo*  Â  que  el  rey  respondeo,  que  cujdaua  que 
bo  gouernador  lhe  agardecese  soster  ele  a  guerra  contra 
os  rumes,  gente  maluada,  &  tamanha  imiga  dos  nos« 
SOS :  ^  todo  seu  desejo  era  entrar  em  Adê  pêra  passar 
á  índia :  &  porisso  folgasse  com  sua  amizade  sem  mais 
páreas  nS  cousa  aigua.  E  entendendo  Eytor  da  silueyra 
^  el  rej  se  escusaua ,  mâdoulhe  dizer  que  ho  milhor  h^ 
gar  em  ^  os  o  gouernador  podia  acolher  era  Adè,  por^ 
os  teria  ali  mays  certos :  &  se  ate  li  não  erão  desbara^ 
lados,  fora  por  andarê  sempre  por  lugares  eslreytos  & 
não  sabidos ,  por  isso  visse  o  ^  lhe  cõpria.  E  passados 
sobristo  roais  outros  recados  vio  el  rey  <}  lhe  cõpria  fa» 
zerlhe  a  võtade  &  fezse  vassalo  dei  rey  de  Portugal  ^ 
com  lhe  pagar  de  páreas  cadãno  dali  por  diante  dez  mil 
xerafins  da  valia  Dormuz:  &  disto  se  fez  hQ  contrato, 
cõ  condição  c|  o  gouernador  ho  ajudasse  contra  seusimi- 
gos ,  &  as  nãos  Dadê  poclessem  nauegar  seguras  pêra 
onde  quisessem,  tirado  IVIeca«  E  este  cõtrato  foy  assi- 
nado por  el  rey  &  por  Eytor  da  silueira.  E  el  rey  deu 
logo  a  Eytor  da  silueira  mil  &  quinhêtos  xerafins  mor« 
tos,  de  ^  mãdaria  fazer  em  Ormuz  bQa  coroa  pêra  el 
rey  de  Portugal,  que  lhe  leuariâ  da  sua  parte  em  sinal 
de  vassalagS.  E  detendose  aqui  Eytor  da  silueira  a  fa- 
zer este  contrato  lhe  escreueo  el  rey  de  Xael  ^  queria 
ser  vassalo  dei  rey  de  Portugal ,  &  entregarlhe  a  arte* 
Iharia  que  tinha  em  Xael  &  emDofar,  pedindolhe  muy- 
to  que  fosse  por  bi  pêra  se  fazer  disso  assento.  E  eytor 
da  silueira  respondeo  que  aceitaua  sua  vassalagS,  porS 
que  não  podia  ir  lá  por  lhe  bo  tSpo  não  dar  lugar,  que 
mandaria  lá  hii  home  de  confiança  com  quê  assentase  o 
Q  dizia.  E  quereiídose  Eytor  da  siiueira  partir  deixou 
em  AdS  a  requerimento  díel  rey  h&  bargantim  com  ínn* 


Lfvao  viir.  CÀPiTvLo  xvu  it 

ta  Portugueses,  &  por  capilâo  hu  Aulonio  botelho  cria- 
do dei  rey  de  Portugal,  de  Q  cótiaúa ;  &  deuihe  por  re- 
gimS(o  ^  passado  ho  inuerno  se  fosse  à  índia:  &  de  ca* 
minho  passase  por  Xael,  &  visitasse  ehrey  dasúa  par- 
te, &  lhe  dissesse  que  coele  podia  assentar  o  c}  lhe  esh 
oi^euera  a  Adê,  pêra  o  ^  lhe  deu  iQstruçã.  E  feyto  isto 
66  fiartio  pêra  Ormuz ,  &  passando  por  Mazcate  achou 
^Sdidas  as  presas,  de  Q  vietã  a  el  rey  pagas  as  partes 
trinta  &  dous  mil  pardaos«  E  hi  soube  queFr&cisco  de 
freyta»  capitão  de  hQ  bargantim  que  deixara  em  Mete 
CÕ  hQa  nao  de  presia  pêra  a  ieuar  a  Mazcate^  des))oys 
de  ele  ser  partido,  chegou  híla  fusta  de' rumes,  queerâ 
trinta,  &  dez  Arábios  todos  espingardeyros :  &  quando 
Francisco  de  freytas  a  vio,  cuy dando  i|  fosse  algil  bar-» 
gantim  nosso  sayo  a  ela,  &  conhecêdoa  aferrouha,  pos- 
to  ^  nâ  tinha  mays  de  dez  Portugueses:  &  aferrados 
pelejarão  por  tâto  espaço  isem  se  poderS  vencer,  que  de 
cansados  lhes  foy  necessário  descan^r  pêra  tomarè  fcH 
}ego:  &  tornado  a  pelejar  quis  nosso  senhor  ^  posto  que 
os  nossos  erão  tam  poucos,  que  pelejarão  tam  esforça* 
daroente  ^  os  rumes  &  Arábios  fora  todos  mortos;  sai^ 
uo  hú  arrenegado  Português,  que  andaua  coeles,  Q  sal- 
tando nagoa  bradou  j]  era  Christâo,  &  isto  lhe  valeor 
&  este  se  chamaua  António  bocarro,  &  estando  cõ  seu 
pay  em  Ormuz  que  era  alcayde  mor,  de  sua  própria  ma« 
licia  sem  auer  outra  causa,  fugio  pêra  a  terra  firme,  & 
se  fuy  tomar  mouro:  poio  Q  os  mouros  ho  não  teuerâ 
em  conta ,  &  ho  desprezauâo.  E  TÍose  despoys  em  tãta 
necessidade  de  pobreza,  que  lhe  foy,  necessário  fazerse 
alfayate,  &  cõ  isso  ganhaua  de  comer,  ate  ^  se  ajun^ 
tou  cÒ  os  rumes :  que  na  peleja  ajudou  muy  bS  cõ  hiia 
espingarda,  porj)  despoys  de  tomado  dissera  algfls  que 
ho  virão  tirar.  £  nesta  peleja  morrerão  dous  Portugue*^ 
ses,  &  os  outros  forão  feridos.  E  de  Mascate  se  foy  Ey-^ 
tor  da  sylueira  inuernaraOrmus:  dõde  na  fim  de  Agos- 
to se  pariio  pêra  a  ponta  de  Oiu,  &  sem  fazer  nada  es« 
teoe  hi  todo  Setembro,  &  despoya  se  foy  pêra  Goa  eoi 
Outubro. 


38  JU  HI8TMUA    SWI   INDU 

C  A  P  I  T  V  L  O    XVII. 


F 


De  como  Chmçaio  Pertyra,  cbegcu  a  Mahea. 


artídos  Gonçalo  pereyra,  &  António  da  ailita  de  Co» 
cbinti^  seguirão  aua  rota  pêra  Malaca^  fc  oom  tftpo  apar* 
toiíae  AntoDÍo  da  ailua  deGrÕçalo  peretra^  que  cemLio^ 
Bel  de  lima  foy  em  conserua  ate  as  ilhas  ^  chamâo  de 
Nicobar ,  &  Lioael  de  lima  ^  hia  di&te  como  a  aua  ga» 
leota  era  pequena  9  podeas  dobrar  ^  poeto  que  achou  he 
vento  poitteyro:  o  que  GonçaJo  peoeyra  não  pode  faier 
por  ser  ha  seu  galeão  grande:  )k)Ío  Q  lhe  íoj^  Corçade 
surgiir  na  primeira  ilha  que  era  despotioada ,  &  awgre 
hu  pedaço  afastado  de  terra.  E  por  ho  tSpe  ser  roím 
pêra  sua  viagS  se  deteue  ali  aJgfis  dias ,  em  Q  poc  ret 
cear  que  lhe  faltassem  os  maatimêtos  começou  dapertar 
a  regra:  do  ^  se  a  gente  começou*  dagasUir,  &  descoii» 
fiados  algils  de  se  poderS  ir  dali  tfio  cedo,  concertarão 
muyto  secretamSte  que  se  fossem  no.  paraó  do  galeão  à 
costa  de  Pegu  que  era  dali  perto ,  onde  fariSo  em  pre^ 
sas  mays  proueyto  do  que  faziao  auetiturados  amorrerS 
de  fome  &  de  sede  y  &  (}.  tinha  bõ  aparelho  pêra  furtar 
ho  paraó  9  por  neste  tempo  se  fazer  coele  ajgfoada ,  & 
por  isso  trazia  h0,  par  de  berços  &  pelouros.  E  têdo  ist 
to  assentado,  negocearão  estes  como  fossem.  &zer  agoa* 
da:  pêra  o  í\  leuarã  suas  armas,  &  estando  ho  piloto  em 
terra  enchendo  as  pipas  cõ  algCIs  marinheiros  os  conju* 
rados  se  forão  cõ  ho  paraó :  &  não  ho  achando  ho  piloto 
logo  sospeitou  o  que  era:  &  ãcando'  muyto  triale  porho 
galeão  estar  dali  b5  pedaço  &  não  ter  em  ()  fosse  por 
ser  a  ilha  despouoada.  &  muyto  trt94.e  se  foy  com  os  ou* 
tros  por  ella  a  diante  pedindo  misericórdia  a  nosso  se^ 
nhor ,  que  auendoa  delles  lhes  aparou  hQa  almadia,  que 
parece  que  ali  foy  ter  à  costa,  cõ  que  elles  ficara  muy^ 
to  ledos,  ainda  ()  era  tão  pequena^que  não  cabia  nella 
mais  q.  hà  homfi.  porá  ir  ao.  galeiU).^  &.  este  acordarão  i) 


Lrvfto  vin^  0APirvx.e  xvu.  B9 

fosse  ho  pilolo,  assi  por  ser  lá  muyto  necessário,  como 
por  lhes  prometer  de  acrecõtar  á  almadia  com  algOas 
tauoas  &  madar  por  eles :  &  metendose  so  na  almadia 
foy  remando  vò  hu  pao,  &  assi  chegoiA  ao  galefio:  '& 
dito  a  Gonçalo  pereyra  ceao^ivo  paraó  era  furtado,  fez 
logo  acrecentar  a  almadia,  &  mandou  poios  marinhei- 
tos  Q  fícaufio  em  terra.  £indo  perto  da  ilha  deulheil  por 
eima  dela  h&a  toruoada  que  ouuera  4e  ^oçobrs»*  a  aimaf 
4ÍKa^  &  mais  esgarroa  coela  por  esse  mar  &  pecdenisei 
ee  ihe  nosso  oenhor  não  «acodira ,  f)ue  passada  a  ioruoa* 
da  bo  pibto  ^  iinfaa  olho  na  almadia  a  vio  ir  esgartadá 
o  q«i6  sabido  por  Gonçalo  pereyra  porque  ficaua  perdido 
•em  ela  mandou  cõ  grande  pressa  leuar  ancora ,  &.  dar 
á  vela  &  forâo  sebre  a  almadia  Ç  l;oaiarâo :  &  cobrado* 
CS  mariíiheyros  Q  fiearSo  nà  ilba^  alargou  bo  veto  algOa 
á^ousa,  com  que  acordarão  úe  prosseguir  sna  viagê,  ain» 
Q  fosse  cd  trabalho,  por^  menos  o  sintirião  que  morrera 
ali  à  fome:  &  por  esta  causa  se  partirão,  &  se  fora  da 
|)ba  ê  ilha,  surgindo  muy tas  vezes,  por  ho  voto  ser 
contrayro.  £  qaaai  ^  náo  se  naatinbão  se  nflo  cO  bo 
peixe  qae  pescauâo.  E  parece  Q  onfadadp  bo  piloto  Sn 
algfis  bomefis  darmas,  .&  marinheiros.. desta  màvida, 
deiermiDaráo  de  se  tornar  a  Bengala,  matando  primey* 
ro  a  Gjkjalo  [wreyra  pêra  bo  fioderfi  miJhor  fater,  &  ^ 
em  Bengala  se  £ftri2  ríeos  de  presas»  £  cõcertandose  e»^ 
ta  ooi^uraçi^  foy  descuberta  a  Gonçalo  pereyra  r  què 
prfideo  logo  bo  piloto ,  &.  todee  oe  outros  odjurados.  fi 
ebefpade  aiMIalaca^  foy  Urad*  devassa  sobre  aquela  coti^ 
)or*çio,  em  ^  não  se  aclioa  líiaisprotta  contra  os  cõjU'<^ 
rados,  que  p«ra  serem  açoutados  com  baraço  &  pregão 
&  degradados..  £  porl|  Gonçaio  pereyra  leuaua  por  re« 
gimSto  4o  gouefdador  que  ibsse  de  Malaca  pêra  Malu- 
co pela  via  de  Bof mo  ,  deleues»  en  Malaca  ate  quasi 
a  fim  DagostOé 


40  OA   BI8T0BIA    SA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XVIII. 

Dt  como  morreo  el  rey  de  Ternate  ^  ^  s€  tnatou  CachU 

vayaco.  ^ 

jCjLlras  ftca  dila  como  Fernão  dela  torre  despois  de  ido 
pêra  Caaiafo,  onde  auia  destar  pola  capiíulaçam  dai 
pazes  (fu€^  fez  coro  dÕ  lorg^e  de  menesea,  se  íby  pêra 
GeiJolo  ?por  ibo  requererê  o«  castelhanos  que  hi  estauãé 
£  depois  de  lá  estar  tornou  ho  gouernador  de  Geiiolo  a 
lazer  (guerra  a  el  rey  de  Ternate :  polo  {|  foy  necessário 
fazerliia  tábS  dom  lorge ,  mas  n6  bus  nè  outros  a  /asite 
Iam  apertada  como  dates.  Ecomeçãdose  assi  esta  guer^ 
ra,  fateceo  eJ  rey  de  Ternate:  &  sospeitouse  muyto  ^ 
foy  de  peçonha  ^  &  ^  lha  mandara  diar  Gachil  daroes  ^ 
por  saber  que  eirey  lhe  Qria  mal  por  elle.ser  causa  dé 
aer  metido  naquela  fortaleza,  &  auer  tanto  tèpo  Q  ali 
estaua  coroo  preso.  £  assi  tãbè  por  aroor  das  tiranias. Q 
fazia  em  sua  gouernançay  com  ^>  tinha  posto  ho  reyno 
em  grande  opressam^  PorS  a  vei-dade  da  morte  dei  rey 
não  se  soube:  &  foy  rouyio  sinlida^iassi  dos.purtuguer 
ses  como  dos  mouros  por  lhe  todos. quererS  bem  por  sua 
boa  condição*  E  por  sua  m<u*te  fojr  leuantado  por  rey 
outro  seu  irmão  mais  rooçoc)  auia.  nome  Gachil  ayalo» 
£  v&do  a  raynha  sua  mây  qu«  lhe  não  íioaua.outro^  tef 
mendo  2)  lhe  morresse  este,  pedio  muito  á  dÕ lorge. que 
lho  desse  pêra  estar  na  cidade^  &.fealbe.sobriseo  mxxj* 
tos  requerimefiU>6.  M as. dom. lorire* nunca,  quis,  temeo^ 
do  c|  lhe  fizessem  Ireiçâo  se  ei  rey  esfeuesse  ibra  de  seu 
poder«  B  assi  lho  cõselhaua  Cachil  danoea  por  amor  d<i 
que  ganhaua  -em  el  tey  estar. na  fortaleza,  2)  tinha  au-^ 
sotutamente  todo  o^maiido  doireviM,  &  estado  íbranão 
auia  de  ser  assi  por  lhe  a  raynha '^rer  grado  mal.  Epor^ 
ela  sabia  Q  por  ele  poderia  seu  íilfao  sair  fora  da  fortale*» 
za,  dissimulaua  ho  mal  ^  lhe  queria,  &  trabalhaua  muy* 
to  por  lhe  fazer  a  vontade.  Em  tanto  que  teuè  coele 


•4 


LIVRO   VIII.    CAPITVLO   XVIII.  41 

ajuntamento ,  sendo  sua  madrasta  &  com  tudo  nunca 
pode  alcançar  o  f\  desejaua,  por  Cachil  daroes  estoruar 
quan(o  podia  que  não  tirassem  el  Rey  da  fortaleza:  pe* 
lo  mando  que  perdia:  tirãdose  que  receaua  tanto  do 
perder,  que  tinha  mortal  ódio  a  toda  pessoa  que  sospei* 
taua  que  podia  ser  causa  de  lho  tirar6.  Pelo  que  queria 
grande  mal  a  Cachil  vayaco  que  a  trás  nomeey ,  por^ 
dõ  lorge  era  grande  seu  amigo,  &  ho  fauorecia  muyto: 
o  ^  temia  ser  causa  de  ho  fazer  gouernador,  &  tirar  a 
ele  daquele  cargo:  porQ  sempre  entSdeo  em  dò  lofge 
despoys  que  forâo  as  deferenças  l\  teue  com  dõ  Garcia 
anriquez  i\  não  era  seu  amigo:  &  <)ue  a  comunicarão 
que  tinha  coele  era  mays  por  necessidade  ^  por  vonta^ 
de.  E  por  isto  que  digo  se  temia  de  Cachil  vayaco ,  & 
encubertamSte  bo  tinha  por  imigo :  &  Cachil  vayaco  a 
ele  da  mesma  maneira  por  amor  das  suas  tiranias.  E  vi*- 
liSdo  desta  maneyra  acertouse  I)  hua  armada  dei  rey  de 
G^ilolo  foy  dar  vista  á  fortaleza :  &  dõ  lorge  mandou 
contrela  a  Cachilvaiaco  com  algQs  Portugueses :  &  ela 
ae  embarcou  em  hiia  coracora  em  Q  Cachil  daroes  cos* 
(umaua  dandar,  do  que  ele  não  soube  nada.  E  cachiU 
vaiaco  depois  de  fazer  recolher  os  geilolos  &  lhes  tomar 
hua  coracora,  tornouse  coela  muyto  ledo  pêra  a  fortale* 
za :  o  que  tambS  dom  lorge  festejou  por  ser  seu  amigo, 
do  (\  Cachil  daroes  ouue  grade  enueja.  E  onue  tamanha 
menencoria  de  cachil  vaiaco  ir  na  sua  coracora  quedes- 
cobrio  ho  ódio  c)  lhe  tinha  &  dali  por  diante  lhe  daua 
todos  os  desgostos  que  podia,  &  ho  auexaua  em  tudo: 
&  trataua  de  lhe  dar  peçonha.  E  tão  apertado  se  vioCa* 
chil  vaiaco  dele,  que  desesperado  de  saluar  sua  vida 
antre  os  mouros  se  acolheo  á  fortaleza ,  contado  a  dom 
lorge  a  causa  por!)  ho  fazia«  EsabSdo  Cachil  daroes  co^ 
mo  estoua  na  fortaleza  ficou  muy  agastado  por  lhe  pa« 
recer  ^  tomaua  por  valédor  a  dÒ  lorge.  E  isto  inflamou 
ainda  mais  a  Cachil  daroes  cÕtrele,  &  determinado  de 
bo  auer  pedio  ho  a  dom  lorge  por  sua  pessoa :  dizendo^ 
que  aquele  homS  tinha  offendido  muy  grauemente  a  el 

LIVRO    VIII.  F 


42  PA    HISTORIA     DA    INBIA 

Kej  de  Ternale^  &  ho  linha  iiiujto  deseruido.  E  pêra 

Sroueito  do  reyno  era  necessário  ser  castigado,  pelo^ 
10  deuia  de  dar:  por!}  el  Rey  de  Portugal  nâo  auia  da- 
uer  por  seu  seruiço  emparar  eie,  nem  fauurecer  os  que 
deseruiSu  a  el  Rey  de  Ternale ,  antes  folgaria  de  lhos 
ajudar  a  caí^tigar,  O  que  ouuido  por  do  lorge,  cotuo  era 
amigo  de  Cachil  vayaco,  &  desejaua  de  ho  saluar,  pos 
em  conselho  se  ho  entregaria  a  Cachil  daroes.  £  quan- 
do ele  vio  que  d&  lorge  punha  aquilo  em  cõselbo,  te-» 
meose  que  ho  acon«elTiassem  ^  que  bo  entregasse.  £ 
porque  sabia  certo^  que  se  Cachil  daroes  bo  acolhesse  Q 
bo  auia  de  matar,  &  que  ho  nam  pedia  a  outro  iim: 
quis  antes  matarse  que  morrer  por  seu  mandado.  E  su-^ 
pitamente  se  deitou  da  torre  abaixo,  &  logo  morreo.  E 
com  sua  morte  se  desfez  ho  conselho^  &c  Cachil  daroes 
ficou  vingado,  &  dô  lorge  muyto  triste  por  lhe  não  po- 
der valer.  £  ficou  muyto  mais  descontente  de  Cachil 
daroes  do  que  era,  &  Cachil  daroes  muyto  mais  dele, 

E)f  Qrer  emparar  seu  imigo,  &  lho  nam  dar  logo  com^ 
o  pedio  sem  auer  conselho  sobrisso.  Eassi  se  foy  maÍ0 
acrecentando  bo  ódio  que  se  tinhâo  híi  ao  outro.^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    XIX. 

JDa  ijyuria  que  foy  feyta  a  Cachil  vaydua..  E  do  mm» 

que  tucedea. 

J^este  edio  que  Cachil  daroes  tinha  a  dõ  lorge,  lhe 
naceo  t^r  outro  a  todos  os  Portugueses ,  &  desejar  de 
M  deitar  da  terra,  &  auorreciãolbe  tanto,  que  os  mou-' 
ree  bo  entendiiu).  E  a  fora  qoererem  mal  aos  Portugue^ 
SM  de  seu  natural ,  quetiSolho  também  por  saberem  1} 
lho  queria  Cachil  daroes.  E  no  ^  podiâo  lhe  fasião  ma), 
mas  tslo  muy  di«simuladamêt«,  por^  náoviãoasua: 
fc  auiSo  grande  medo  a  dô  lorge,  por{|  ho  conhecião  por 
cauaieyro.  E  por  se  vrngarem  dele  lhe  matarão  bfia  jkmt- 
íca  da  Chiiia,  que  ele  estimaua  muyto.  £  posto  que  íoj 


LrVRO   VIIf«  CAPITTLO  XtX.  43 

feyto  secretamente,  dÕ  lorge  fez  sobrisso  (anta  diligeo^ 
cia,  (\ne  achou  culpado  na  morle  da  porcaaCachii  vaj-^ 
dua  tio  dei  rey ,  &  caciz  mór  que  antreies  he  como  an« 
tre  noa  ho  Papa  2  &  nem  por  ser  de  tSo  alto  estado  & 
dignidade,  dÕ  lorge  deixou  de  ho  mãdar  prender  na  for- 
taleza. Do  I|  se  recreceo  grade  aluoro<^  na  cidade^  & 
se  nâo  fora  ho  medo  que  tinhâo  a  dd  lorge  leuSiarãse* 
E  logo  cachil  daroes  se  foy  oõ  os  principaes  da  cidade 
á  porta  da  fortaleza  Sdestaua  dõ  lorge,  &  pedíolhe  oS 
todos  eles,  (\  mandasse  logo  soltar  Cachil  vaydua:  es* 
Iranhãdolbe  pr&der  htla  pessoa  de  tal  qualidade  por  tão 
baixa  cousa  como  hQa  porca.  E  dÕ  lorge  não  curande 
de  muytas  palauras  disse,  que  ho  não  auia  de  st^Uar^ 
ee  nSo  pagSdolhe  a  sua  porca  anoueada.  E  Cachil  da«- 
roes,  que  conhecia  dõ  lorge  por  determinado,  Aao  cus- 
tou de  mais  pratica,  &  foy  cõ  os  outros  pêra  mandar 
penhores  que  se  poses8f»m  em  caução  ate  a  porca  ser 
aualiada.  E  quando  tornou  ja  não  achou  dÕ  lorge  que 
andaua  na  ribeira ,  onde  lhe  foy  falar  Cachil  daroes.  £ 
ÚÒ  lorge  foy  cÕtSte  de  dar  Cachil  vaydua  sobre  os  pe* 
nhores,  &  mandou  a  hfj  Pêro  femã<ies  que  os  tomasse 
&  ho  fosse  soltar,  &  ele  ho  fez  assi.  £  como  bomê  de 
pouco  saber  cuydando  que  fazia  graça ,  lhe  vntou  a  bo-» 
ca  &  ho  rosto  com  hua  posta  de  toucinho:  que  foy  a 
mayor  injuria  &  oflensa  que  se  podia  fazer  a  hQ  mouro^ 
por  lhe  ser  iSo  defeso  em  seu  alcorão  comerem  porco, 
quSto  mais  a  Cachil  vaidua  de  tal  qualidade  &  di^nida*- 
de  anire  os  mouros.  Eassi  senfio  ele  tanto  aíjla  iniuria, 
que  lhe  saltarão  as  lagrimas  fora  dos  olhos.  E  corrend»- 
Ihe  polo  rosto,  que  ainda  leuaua  vntado  do  toucinho;, 
se  foy  pêra  Cachil  daroes^  que  cÕ  muytos  mandarins 
ho  esperaua  á  porta  da  fortaleza ,  a  quem  contou  sua 
injuria :  cô  que  todos  chorarão  assi  da  magoa  dele  co* 
mo  por  não  se  poderS  vingar.  E  cuydando  que  aquib 
fora  feyto  por  mandado  de  dom  lorge,  se  inclinarão  ain* 
da  muyto  mais,  porem  cahirãose.  E  algfls  Portugueses 
que  ali  estaulo ,  em  vez  de  00  i^onsolarS  riaose  muyto , 

F  2 


44  I>A    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

louuando  a  graça  de  Pêro  fernandez.  E  Cacbil  vaidua 
de  se  auer  por  mujto  injuriado ,  não  quis  mais  morar 
em  Ternate ,  &  foyse  por  aquelas  ilhas :  nolifícando  aos 
mouros  a  grandíssima  injuria  que  lhe  fora  feyta,  do  Q 
Alafamede  eslaua  muy  offendido,  pediridolhe  da  sua  par- 
le que  a  vingassem.  Pêra  o  que  lodos  se  começarão  da* 
perceber,  &  depois  ho  fizerâo:  &  Cachii  vaidua  se  re* 
colheo  na  ilha  de  Bachão,  &  não  tornou  a  Ternate  se 
hão  no  tempo  Dantonio  galuâo  como  direy  a  diante.  E 
se  a  do  lorge  lhe  pesou  quando  soube  a  offensa  que  fora 
fejta  a  Cachii  vaidua,  ou  o  Q  fez  nisso  não  ho  pude  sa- 
ber: porS  Cachii  daroes  não  fez  nada,  &  esteue  como 
eslaua  sem  bolir  consigo,  se  não  que  dali  a  algus  dias 
mâdou  que  nam  leuassem  os  mouros  a  vèder  nenhils 
mantirnSlos  â  cidade.  £  isto  por  lhos  os  Portugueses 
tomarem  por  força  sem  lhos  quererS  pagar,  porq  náo  ti- 
nbão  com  que ,  que  não  auia  dinheiro  na  fortaleza  cÕ 
que  lhe  pagassem  soldo  nem  mantimento^  do  que  dÕ 
lorge  andaua  muito  agastado,  &  não  podia  dar  remédio 
aos  muylos  queixumes  ^  lhe  os  mouros  faziáo  dos  Por- 
tugueses que  lhes  lomauão  ho  seu.  A  quem  se  reprêdia 
disso,  res|)odiâo  que  lhes  desse  de  comer,  &  que  ho 
fiâo  tomarião  aos  mouros:  Q  vendo  ho  pouco  remédio  de 
seus  agrauos  que  achauão  em  dom  lorge  se  queixauão 
a  Cachii  daroes,  que  por  euitar  brigas  lhes  mandou  4 
Dão  vendesse  nenhQs  mantimõtos ,  n6  os  leuessem  em 
casa  por  lhos  os  Portugueses  não  tomarem.  Cõ  que  eles 
ficarão  em  estrema  necessidade ,  &  se  viâo  cercados  da 
morie:  a  que  dõ  lorge  querendo  acodir,  mandou  Go- 
mez  aires  alcaide  môr  da  fortaleza  cÕ  algus  Portugue- 
ses, que  fosse  pola  ilha  buscar  mantimentos.  E  algiis 
destes  que  bião  diante ,  chegarão  a  htt  lugar  chamado 
Tabona,  &  como  bomês  mortos,  de  fome,  &  lambem 
soberbos:  pc^recendolhes  que  erào  senhores  da  terra,  se 
meterão  logo  polas  casas,  tomando  por  força  os  manti- 
mêtos  !\  achauão:  Do  que  escandalizados  os  moradores, 
começarão  de  lhes  resistir  com  suas  armas*  E  como  erão 


LfIVRO    VIII.- CAPITVLO   XX.  >tó 

muylos  ^  &  08  Portugueses  poucos  tralauãnos  mal ,  & 
Jiislo  chegou  Gomez  aires  cõ  os  que  fícauâo  coele,  que 
erào  poucos  mais  Q  os  !|  andauão  no  lugar.  E  cuydando 
jbo  regedor  dele  que  hiâo  em  socorro  dos  com  que  os 
mouros  pelejauâo,  acodio  lambem  pêra  lhes  socorrer: 
&  tomando  os  Portugueses  anlre  si,  deràihes  mu}'ia8 

{)aocada8  &  fendas ,  &  a  algíis  lomarào  as  armas  que 
euauâo  9  &  assí  os  fizerâo  tornar  pêra  a  fortaleza. 

CAPITVLO     XX. 

De  como  ho  gouemador  de  Tabona  foy  deitado  aos  cáesj 

^*  Cachil  daroes  Joy  degolado. 

V  endo  dõ  lorge  os  Portugueses  tão  mal  tratados,  fi« 
cou  muylo  indinado  contra  os  mouros  de  Tabona.  E 
mandou  a  Gomez  aires ,  que  fosse  logo  contar  aquilo  a 
Cachil  daroes  9  &  Q  lhe  dissesse  da  sua  parte  que  man- 
dasse ir  á  fortaleza  o  regedor  de  Tabona,  &  os  princi- 
pães  que  bo  ajudarão  a  fazer  tamanha  oSensa  aos  Por- 
.tugueses:  porque  doutra  maneyra  não  ho  teria  por  ami- 
go dei  Rey  de  Portugal ,  nS  ho  seria  seu.  £  como  dd 
lorge  tinha  el  rey  na  fortaleza,  fez  logo  Cachil  daroes 
o  Q  lhe  mãdou  dizer :  &  forão  com  bo  regedor  de  Ta- 
Jbona  dous  faomSs  principaes  do  lugar,  a  que  dom  lorge 
mandou  cortar  as  mãos ,  &  cortadas  os  mandou  leuar  a 
Tabona  pêra  darem  nouas  aos  outros,  &  ao  regedor  mâ« 
dou  ho  deitar  com  as  mãos  atadaa  a  dous  cães  grandes 
que  tinha  de  filhar.  E  isto  era  »a  praya ,  Q  estaua  cu- 
berta  de  gente,  que  sahia  a  ver  Ião  noua  &  crua  justi- 
ça. E  foy  cousa  piadosa  de  ver  como  os  cães  remeterão 
ao  regedor ,  &  começarão  de  Ihesfarrapar  a  carne  ,  mor- 
dendo ho  muy  cruelmente,  &  dos  gritos  que  ele  daua 
cõ  a  dor  das  dentadas.  £  nisto  deu  consigo  no  mar,  pa- 
jecendolhe  que  ali  se  saluaria :  &  metendose  ho  mais 
que  podia,  os  cães  ho  seguirão  dandarem  encarniçados. 
£  vèdoae  ele  em  tamanho  perigo,  andando  ja  a  nado 


4í6  I>A   HISTORIA    DA    INDfA 

com  oê  pé8  qu6  cõ  as  mãos  nSo  podia,  fes  vdla  aoscSeii 
que  ho  seguiâo  &  comeijou  cõ  muyto  esforço  &  acordo 
de  ae  defender  cÕ  oa  dètes :  do  que  todos  (içarão  muy 
espantados,  porque  se  os  cães  hu  mordiâo  ele  tambeia 
a  eles.  E  andando  muyto  ferido ,  afierrou  bu  dos  eáes 
por  hQa  orelha ,  &  aSerrado  se  meteo  coeie  debaixo  da^ 
goa,  onde  foy  afogado*  G  assi  acabou  6ua  vida  deixado 
muyto  grande  espanto  de  seu  esforço  em  quantos  fao  vi« 
râo,  &  tamanha  fama  antre  os  mouros,  que  ainda  ago- 
ra falâo  nele  ^  &  nâo  ouue  ali  qu6  não  chorasse  cÕ  pie- 
dade do  verem  morrer  tào  cruel  morte  a  hu  homS  tão 
esforçado,  que  posto  que  tinha  culpa,  fora  pêra  lha  per- 
doar auõdo  respeito  á  causa  dela ,  &  mais  despciis  que 
mostrou  seu  esforço.  Epola  p#»rda  deste  homem  ficaram 
os  mouros  muyto  magoados,  principalmente  Cachil  da^ 
roes,  que  dali  por  diàte  teue  mortal  odío  a  dA  lorge^ 
ic  aos  Portugueses :  &  desejaua  de  os  matar  a  todos  y 
ou  deitalos  fora  da  terra,  &  praticou  isto  com  os  docon» 
selho  dei  rey  de  Ternate.  E  a  principal  causa  pêra  que 
o  queria  fazer  era  pêra  ser  rey,  &  dahi  a  algils  dias  foy 
dito  a  dom  lorge,  que  ele  tinha  assentada  paz  cfi  Ca- 
chil catabruno  gouernador  de  Geiiolo ,  &  tiobâo  ambos 
concertado  de  matarem  os  Portugueses  &  os  Castelha- 
nos, &  tomarlhes  quanto  tinhfto ,  &  depois  matarem  oS 
reys ,  que  eram  ainda  moços ,  &  fazerSse  reys ,  &  iia- 
rSse  por  casamSto.  £  Cachil  daroes  auia  primeyro  dè 
matar  os  Portugueses,  &  despois  Cachil  catabruno  os 
Castelhanos,  E  culpauão  também  nesta  treyçSo  ho  ca- 
marão, que  era  ho  almirante  do  mar,  8t  ho  Boyo  ^  era 
justiça  mór  do  reyno-  Sabido  isto  por  dom  lorge,  por- 
que ho  caso  era  de  tanto  peso  não  quis  fazer  nada  nele, 
ate  nâo  ter  a  mayor  certeza  que  pode.  E  despois  que 
a  teue,  mandou  hu  dia  chamar  a  Cachil  daroes,  &  hò 
Boyo,  &  ho  camarão:  &  apartando  os,  lhes  fez  pregQ- 
tas  do  que  lhe  era  dito:  &  eles  ho  confessarão  com  te- 
mor que  os  nam  metessem  a  tormento.  E  por  Cachil 
daroes  ser  ho  principívl  da  trey^jão,  íby  preso  ua  fortale* 


LlVaO   VIU.    CAPITVLO   XXU  47 

sa :  8obre  o  (}  foy  grande  aJuoroço  nos  mâdarins,  &  mais 
quando  souberão  a  causa  de  sua  prisai».  E  dom  lorge 
teue  logo  conselho  ctim  ho  fej^tor,  &  alcayde  mór,  & 
outros  oíficiaes,  &  pessoas  priu.cipaes  da  forlaiesa  sobre 
o  que  faria  de  Cachil  darot^s.  É  foy  acQrdado  Q  fosse 
degolado  pubricamenie,  porque  estando  preso  podcrse- 
iiia  leuàlar  a  terra' cõtra  a  fortaleza  com  esperan<^a  d^ 
lio  liurarem  ;  &flabêd(>  que  erií  morto  assessegariâo  pois 
Jio  não  podiâo  cobrar^  £  isto  assentado  ^  foy  Cacbil  da- 
foes  degolado  da.  maneyra  que  em  Portugal  sam  degor 
Jados  os  grandes  senhores:  o  que  pos  grande  espanlo 
nos  mouros,  especialmente  nos  mandarins^  que  naquela 
terra  não  morrem  por  justiça:  &  quando  cometem  cri^ 
me  per  (|  mereção  morte  degradânos,  £  vendo  eles  ma» 
tar  assi  a  Cachil  daroes  y  não  se  ouuerâo  por  seguros , 
&  diziâo  Q  fora  morto  sem. causa  somente  por  mexeri* 
cos:  &  temendo  esses  princifiaes  que  lhes  fizessem  outro 
tanto^  determinarão  de  se  ir  da  cidade  morar  a  outra  par- 
te, por  não  estarem  na  conuersa<;ão  dos  Portugueses,  Sç^ 
cõselharão  á  raynha  Q  fizesse  ho  mesmo.  £  assi  ho  kz^ 
&  foyse  coeles  a  hú  lugar  forte  chamado  Turutó:  porem 
a  gente  comufl  não  bolio  consigo,  &  deixouse  estar.  £  a 
raynha  despois  ^  foy  em  Turutó,  mandou  pedir  a  dom 
Jorge,  que  lhe  desse  el  rey  seu  filho  pori}  não  morresse. 
£  elle  nunca  quis,  pelo  Q  a  raynha  mandou,  {|  nào  le^ 
uassem  a  vender  mâti mentos  á  cidade :  &  assi  durou  es<- 
te  aluoro^  ate  que  Gon^lo  pereyra  chegou  a  Ternate» 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXI. 

De  conto  Gonçalo  pereyra  chegou  d  ilha  de  Temate. 

yXoDçalo  pereyra  que  fieoo  em  Malaca  ,  esteue  hi  ate 
vinte  Dagosto  i)  se  partio  pêra  Maluco  eom  Lionel  de 
lima ,  &  foy  de  Malaca  ate  ho  estreito  de  Cincapura  ao 
Jongo  da  Msta,  &  dali  fez  sen  caminho  pêra  a  ilha  de 
Borsfeo,  que  assi  ho  ieumoa  por  regimeato  de  JNuno  de 


48  DA    HISTORIA     DA    INDÍA 

cunha  pêra  tomar  hi  caixas,  que  aam  hA  género  demoe* 
da  que  serue  em  Maluco ,  &  asai  algQa  mercadoria  ne« 
cessaria  pêra  lá.  £  fazendo  seu  caminho  por  ãtre  muy* 
tas  ilhas  por  Òde  ele  he,  foy  ter  á  ilha  de  Borneo  Q  he 
iiíía  ilha,  de  ^  os  Portugueses  a  este  tempo  tinhão  cies-* 
cubert  as 'oy  tenta  legoas.  He  terra  muy  to  abastada  de 
carnes,  arroz,  &  doutros  muytos  &  diuersos  mantim6<* 
tos:  &  assi  de  cousas  ricas,  &  de  muyto  preço,  como 
a  cânfora  que  nace  por  toda  esta  ilha  em  aruores,  assí 
como  nace  a  rezina  nestas  partes.  E  esta  daqui  he  a 
própria  cânfora,  &  que  vai  na  índia  a  peso  douro:  por* 
que  a  oulra  da  Pérsia  he  contrafeyta.  Ha  também  día^ 
mães  que  nacem  nas  prayas  do  mar,  junto  da  cidade 
de  Tanjapura ,  que  sam  muyto  mais  finos  ^  os  da  In* 
dia ,  &  sam  de  mayor  valia.  Nesta  costa  que  he  descu- 
berta  ha  cinco  grandes  pouoaçfies,  todas  portos  de  mar* 
8.  Moduro,  Cerauá ,  Laue,  Tanjapura,  &  Borneo:  de 
que  a  ilha  toma  bo  nome.  Cidade  grade,  cercada  de 
muro  de  ladrilho  de  nobres  edifícios  &  a  principal  de  to- 
das ,  &  em  ^  os  reys  da^la  ilha  residem ,  &  tS  ali  muy 
sumptuosos  paços.  Destes  portos,  os  principaes  sam  La- 
ue, &  Tanjapura ,  &  onde  se  faz  mayor  carregação:  & 
em  todos  morflo  muytos  &  muy  ricos  mercadores  que 
tratão  na  China,  na  Laquea,  em  Sião,  Malaca,  cama* 
tra,  &  è  outras  ilhas  derredor,  a  que  leuSo  cânfora, 
diamâes,  aguila,  &  mantimentos,  em  que  entra  hii  vi- 
nho ^  chamão  tampoi ,  ho  melhor  que  ha  antre  os  vi* 
nhos  contrafeytos ,  &  em  retorno  leuão  roupa  de  cam^ 
baya  de  toda  sorte,  cobre,  azougue,  vermelhão,  &  ca« 
cho  &  pucho.  Os  moradores  desta  ilha  sam  mouros :  ge- 
ralmSte  sam  baços ,  &  bem  despostos ,  tratãse  bem ,  & 
vestõse  ao  vso  malayo,  &  falão  a  lingoa  malaya.  Ho 
rey  desta  ilha  he  mouro,  &  muyto  rico  &  poderoso  de 
gSle,  &  seruese  com  grande  esUdo:  tem  hfl  regedor 
que  pola  mayor  parte  gouerna  ho  reyno ,  a  que  cha* 
mão  em  sua  iingoa  xabanHar.  Chegado  Gonçalo  pereyra 
ao  porto  desta  cidade,  mandou  hii  presente  a  el  rey  per 


HVRO   VIII.   CAPlTVLO  XXI.  49 

LuÍ8  dandrade^  &  ao  xabandar  outro:  &  mandou  dizer 
a  el  rey ,  que  el  rey  de  Portugal ,  &  ho  seu  gouernador 
da  Indiá  ho  mSdauSo  ali  pêra  ho  seruir  no  que  mandas* 
se,  porque  desejauão  muyto  sua  amizade:  &  ({seus  vas- 
salos fossem  tratar  a  Malaca  como  hião  dantes ,  onde 
serião  bem  tratados,  &  tãbem  os  Portugueses  fossem  a 
seus  portos  &  teufssem  neles  trato.  E  dado  per  Luis 
daodrade  este  recado  a  el  rey ,  &  ao  xabandar  com  os 
presentes,  com  -<)  mostrarão  folgarem  muyf o,  responde^ 
rão.  Que  recebião  grande  contentamento  em  el  rey  de 
Portugal  &  seu  gouernador  quererem  sua  amizade,  ^ 
go^rdariSo  coeles  muy  inteiramête,  &  erão  muyto  con« 
tentes  de  fazerem  o  que  lhes  pediâo.  £  que  se  atirão 
por  ditosos  de  GÔçalo  pereyra  ir  ao  seu  porto,  &  de  ho 
terem  por  vezinho  em  IMaluco,  onde  se  prestarião  coele. 
£  mandou  el  rey  ao  xabandar ,  que  aquele  dia  agasa* 
Ihase  em  sua  casa  a  Luis  dandrade :  &  assi  ho  fez ,  fa- 
zendolhe  grande  festa.  E  ao  outro  dia  ho  despachou  el 
rey,  &  mandou  coele  dous  mandarís  a  visitar Gõçalo  pe- 
reyra, &  mãdoulhe  hu  presente.  E  em  vinte  dias  que 
ali  esteue,  lhe  leuarSo  a  vSder  todos  os  mantimentos  & 
cousas  de  que  tinha  necessidade.  E  ficando  em  grade 
amizade  com  el  rey,  se  partio  pêra  Ternate:  &  leuan« 
do  muyto  boa  viagem,  foy  surgir  no  seu  porto  a  hfi  sá- 
bado na  entrada  Doutubro,  do  anno  de  mil  &  quinhêtos 
&  trinta  &  híi.  E  logo  algOs  se  forão  á  fortaleza,  de 
quem  dÔ  forge  soube  como  Gonçalo  pereyra  hia  prouido 
da  capitania  por  el  rey,  &  como  hia  coele Lionel  de  li- 
ma que  era  seu  imigo.  E  teue  pêra  si ,  que  por  essa 
causa  ho  auia  de  mexericar  com  ho  gouernador  da  ín- 
dia: &  sospeitou  {}  auia  de  ser  preso.  E  ao  domingo 
quando  sayo  a  receber  Oon(;alo  pereyra  mãdou  leuar  a 
hQ  seu  criado  hHs  grittiÔes  debaixo  da  capa.  E  depois 
de  recebido  Gonçalo  pereyra  cô  grade  festa,  que  desem- 
barcou ao  domingo  pola  manhaS.  Chegados  á  porta  da 
fortaleza,  mostrando  Gonçalo  pereyra  a  prouisam  que 
leuaua  da  capitania ,  lha  entregou  âom  lorge ,  dandolhe 

LIVRO  VIU.  o 


ÕO  VA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

as  chaues  da  fortaleza ,  &  asai  lhe  entregou  el  rey  Ca- 
chii  (layalo.  EdespoU  tomando  os  grilhões  ^  ho  seu  cria- 
do leuaua,  disse  a  Gon<jalo  pereyra:  que  se  tinha  ne- 
cessidade deleis  pêra  lhos  deitar,  que  ali  estauào,  &  ele 
muyío  obediente  pêra  os  receber.  Besta  justifíca<^o  fez 
dom  lorge  pola  sos|)eita  que  disse  que  tinha  de  ser  pre- 
so. E  Gonçalo  pereyra  lhe  disse ,  que  náo  hia  pêra  ho 
prender  nem  anojar,  se  nam  pêra  ho  seruir  no  que  po« 
desse,  cõprindo  cÕ  a  obrigação  de  seu  carrego.  Ê  cois- 
to  entraram  na  fortaleza,  onde  dõ  lorge  ho  banqueteou 
aquele  dia,  &  ho  enformou  da  terra:  &  deixando  ho  nela, 
se  foy  á  noyte  pêra  a  sua  pousada,  que  era  fura  da  for- 
taleza. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXII. 

De  como  Gonçalo  pereyra  prometeo  à  raynJia  de  Terna^ 

te  de  lhe  entregar  seu  Jilho. 

Cabendo  a  raynha  &  os  mandarins  Q  estauâo  coela,  que 
Gõçalo  pereyra  estaua  de  posse  da  capitania,  &  quedon^ 
lorge  nam  era  capitão,  determinarão  de  se  queixar  dele 
dos  rauytos  grades  agrauos  q  lhes  tinha  feytog,  assi  na 
prisam  de  Cachil  vaiUua,  como  na  morte  do  regedor  de 
Tabona ,  &  de  Cachil  daroes :  &  sobre  tudo  de  lhe  não 
querer  dar  ho  seu  filho  &  terlho  preso,  morrêdolhe  ja  ou- 
tro na  prisam.  Eauida  licença  de  Gonçalo  pereyra,  man-» 
darão  hQ  principal  Mãdarim  a  este  negocio,  que  sabia  a 
lingoa  Portuguesa,  &  homem  muy  prudente,  &  discre- 
to: que  despois  de  ser  bem  recebido  de  Gonçalo  perey- 
ra lhe  disse.  A  pouca  experiecia  de  nossa  lealdade ,  & 
a  má  fama  que  os  mouros  tê  de  desleais  aos  Cliristãos^ 
&  ho  muyto  credito  que  os  Portugueses  tem  de  justiço- 
sos, te  fará  crer  que  a  ida  da  raynha  &  dos  mandarins, 
&  deixarem  sua  cidade :  não  foy  |K)r  culpa  de  dom  lor^ 
ge  de  meneses.  £  que  fazSdoilve  ele  muyto  boas  obras, 
fauorecSdo  suas  pessoas,  &  emparãdo  sua  terra,  eles 
oomo  imigos  dosChnstâos  por  lhes  fazerem  mal,  &<lhes 


LIVRO   VIU.    CAPITVLO   XXII.  61 

tirarem  os  iBanlimeníos ,  deixarão  suas  antigas  mora* 
das,  &  forão  tomar  outras  nonas.  E  porê,  não  sam  os 
JDouros  tão  desleais  como  os  Christãos  os  fazem  princi- 
palmente os  destas  ilhas  de  Maluco  que  se  prezão  de  fi* 
dalgos,  &  de  caualeiros.  ,Poy8  quero  se  preza  destas  duas 
couí^as,  tambS  se  prezará  de  lealdade,  sem  que  a  fídat**' 
guia  &  caualarta  não  |xxlem  ser.  Ese  nossa  lealdade  ha 
verdadeyra  ou  nâo,  digam  no  os  moradores  datibadeTi* 
dore,  que  vindo  os  castelhanos  a  sua  terra  sem  os  co- 
nhecerem os  agasalharão,  fauorecerâo,  &  empararão  ha 
tantos  annos:  &podendoos  matar  &  tomarlhes  lanfa  fa- 
zenda como  tem ,  sem  terem  quem  lhes  disso  tomasse 
conta,  nunca  neles  entrou  tamanha  baixeza,  &  sempre 
os  tratarão  como  a  seus  naturaes:  E  se  osTidores  fize- 
râk>  isto  aoe  Ca6t«»lhanos  que  não  conhecião,  porque  ho 
Jião  farião  os  Ternates  aos  Portugueses,  de  que  tinhão 
tanto  conhecimento  por  fama,  &  por  experiência:  &  a 
quem  por  estas  duas  cousas  que  el  Rey  Boleyfe  tinha 
de  suas  virtudes  oflreceo  fortaleza  em  sua  terra ,  eõ  de- 
sejo  de  sua  amizade,  &  sem  a  isso  ho  obrigar  outro  in* 
teresse.  Mas  temo  de  passar  a  diante  que  a  grauidado 
do  caso  me  faz  couardo  pêra  ho  contar:  &  com  tudoes* 
forçome  c5.a  confiançi  de  tua  bondade,  que  nos  dizS 
que  he  tanta,  que  de  ti  mesmo  farás  justiça.  Não  foj 
a  ida  da  Raynba  nem  dos  mandarins  por  sua  culpa,  nem 
deixarão  suas  caaas  por  maldades  que  fizessem :  mas  fo- 
rão tantas  as  ^uexaqões,  opressoSs  &  n>a]es  que  rerebe»> 
rão  dos  Portugueses  que  de  os  não  poderem  sofrer  se 
desterrarão  de  sua  natureza,  &  forão  buscar  oouos  as* 
sentos*  Certo  que  outra  pessoa  a  que  estes  males  que 
dig^.  não  doerão  tanto  os  ouuera  de  contar:  Sc  não  eu , 
que  somente  em  cuydar  neles  sinlo  partir  meu  coração 
em  mil  partes,  coni  dor  &  magoa  de  tamanha  desauen- 
tnra  como  foy  a  nossa,  quanto  mays  tendo  padecido  tã« 
ta  parte  deles.  E  pf)ys  aquilo  a  que  me  a  ty  mandarão 
não  se  pode  fazer  sem  os  contar  diJoe  hey.  Ho  primeyro 
agrauQ  Q  os  deaauenturados  moradores  desta  terra  cece» 

o  2 


62  DA    HISTORIA    ]>A    ÍNDIA 

berao,  foj  de  Anlonio  de  briío,  que  ihes  prendeo  seu 
Rey ,  &  de  liure  Ihu  fez  caliuo.  E  dom  Garcia  ho  con*- 
tinuou  ^  nunca  iho  quis  soltar,  nem  menos  dom  lorge, 
ate  que  morreo.  E  nam  abastou  morrer  a^Ue  mas  logo 
meteo  em  seu  lugar  o  que  lhe  sucedeo ,  &  este  foy  ho 
galardão  que  ouuemos  de  consentir  que  os  Portugueses 
lizessem  fortaleza  em  nossa  terra,  &  cuydando  Q  metia* 
mos  amigos  com  nosco,  nos  achamos  com  imigos,  por- 
que sempre  nos  assi  tratarão.  E  despoys  ^  os  agasalha- 
inos  qual  de  nos  pode  saluar  o  que  tinlia  pêra  comer, 
que  tudo  nos  tomauâ?  Qual  de  nos  pode  goardar  suas 
molheres  &  filhas  que  as  não  forçassem  ?  Qual  de  nos 
pode  viuer  quieto,  que  eles  nos  desenquietauâo ?  E  tu> 
do  isto  sofrêramos ,  mas  dÕ  lorge  não  quis ,  que  ele  nos 
auexou  &  perseguio ,  de  maneyra  que  ho  não  podemos 
sofrer.  Ele  nos  prendeo  Cachil  vaidua  nosso  caciz  mór, 
que  não  podia  ser  pêra  nos  mayor  injuria ,  nem  parele 
mayor  oífensa  que  vntaremlhe  a  boca  com  porco ,  cuja 
carne  he  tão  abominauel  em  nossa  ley.  IMandou  deytar 
aos  ca6s  hum  homem  de  tanto  preço  como  era  ho  rege- 
dor de  Tabona.  Mandou  degolar  Cachil  daroes  gouerna* 
dor  deste  reyno,  &  a  principal  pessoa  dele.  E  temêde 
a  raynha,  &  os  Mandarins  ^  que  tambê  os  mandasse 
Hiatar  se  forão  da  terra.  E  ela ,  &  eles  se  mandão  a- 
queixar  de  dõ  lorge  por  eslas  cousas  ^  fez,  &  te  pede 
que  lhe  faças  justiça  dele  tão  inteiramente  como  eles 
esperão :  &  que  lhe  des  seu  rey ,  pêra  ^  os  gouerne , 
empare  &  fauoreça,  &  [^era  Q  case  &  aja  filhos  que  lhe 
Bucedão.  E  a  raynha  te  pede  especialmente,^  ajas  pie- 
dade de  sua  viuuidade,  &  desemparo:  &  que  te  iSbre 
que  não  tS  outro  filho  pêra  sua  consolação  se  não  este, 
^  lho  deixes  lograr  algiis  dias  antes  de  sua  morte.  E 
que  fazendo  isto  farás  o-  que  deues ,  &  como  se  espera 
da  bÕdade  Portuguesa  r  &  ela ,  &  todos  os  do  reyno  se- 
lâo  obrigados  pêra  sempre  íazerS  o  que  lhe  mandares. 
Ouuida  esta  fala  por  Gõçalo  pereyra  disse  ao  embaixa- 
dor ,.  que  ele  responderia..  £  mandoa  ho  agasalhar ,  & 


LIVRO   VIU.    CAPITVLO  ZXII.  59 

dar  todo  ho  necessário  á  custa  dei  Key.  E  fazendo  cõ- 
selho  9  propôs  nele  o  J|  lhe  a  raynba  &  Mandarins  inan<- 
dauão  dizer  acerca  de  lhes  soiíar  seu  rey:  em  (}  hus 
disserão,  ^'  não  era  bS  que  se  soltasse.  Por().  se  a  ray- 
nha  &  08  Mãdarins  não  se  tinhão  leuSlado  poios  escã- 
dalos  &  agrauos  que  diziâo  ter  recebidos^  fora  por  amor 
do  seu  rey  que  estaua  na  fortaleza.  £  segQdo  se  mos- 
trauâo'  agrauados,  como  ho  teuessem  por  se  vingarè  dos 
agrauos  passados ,  &  por  não  receberS  outros ,  se  leuâr 
tariâo.  Outros  disserão ,  ^  antes  pêra  os  desagrauar  & 
apazigoar,  se  deuia  de  soltar  el  rey :  por^  seGõçalo  pe- 
reyra  cõiinuasse  cõ  a  prisam  dei  rey  cuydariâo  Q  todoí^ 
os  capitães  lhes  auião  de  ter  presos  os  seus  reys  ,  &  ob 
auiâo  sempre  dagrauar.  E  como  desesperados  trabalha- 
rjão  por  deitar  os  Portugueses  fora  da  terra,  Q  erãomuy 
poucos  pêra  resistirê  ao  poder  dos  mouros ,  se  tizessem 
todos  corpo:  o  ]|  estaua  certo  fazerS,  por!|  hOs  auião 
dajudar  os  outros.  E  v6do  ]|  Gõçalo  pereyra  lhes  soltaua* 
seu  rey  ,  &  fazia  o  Q  seus  antecessores  dSo  tizerão ,  lhe 
tomaria  amor,  &  crerião  Q  tamb&  auia  capitães  ^  lhes 
fizessem  bê :  &  tornarião  a  amizade  cõ  os  Portugueses, 
&  ficaria  a  terra  assentada.  E  deste  parecer  foy  Gõçalo 
pereyra ,  &  este  se  goardou.  E  porS  assentouse ,  ^  an^* 
tes  que  el  rey  fosse  solto  se  acabasse  a  fortaleza ,  pêra 
jnayor  segurâça  dos  Portugueses ,  &  dos  mouros  esta^ 
rem  em  paz«  E  ^  entretanto  fingisse  Gonçalo  pereyra  Q 
andaua  muyto  ocupado  no  despacho  dos  nauios  Q  auião 
dir  pêra  a  Índia,  &  ()  despois  de  sua  partida  lhes  daria 
el  rey  :  por^  ate  então  se  poderia  çarrar  de  todo  o  muro 
da  fortaleza ,  &  acabar  hfl  baluarte ,  ou  faleceria  muy 
pouco ,  &  q  então  não  faltaria  algfla  escusa.  £  isto  as- 
sentado,  respõdeo  Gõçalo  pereyra  ao  embaixador  da  ray- 
nha :  ^  era  contdte  de  lhe  dar  el  rey  seu  filho ,  &  ser- 
uila6  tudo,  porq  assi  lho  mãdaua  el  Rey  de  Portugal, 
&  ho  seu  g4)uernador«  E  !\  lhe  pedia  muito  Q  logo  se 
fosse  pêra  a  cidade  de  Tèrnate ,  &  assi  os  mãdarins  4 
estaufto  coela ,  pêra  assemarG  a  terra :  &  Q  teuessem 


/•  • 


64  DA    HISTORIA    DA    INDfA 

«oiiaade  c8  os  Portugueses  como  dates,  porQ  iodos  erlo 
seus  seruidores,  E  tornado  bo  embaixador  coesta  repoa* 
ía,  ainda  a  raynha  repricou  que  lhe  dessem  primeyro 
seu  fíiho,  &  Stop  se  iria  pêra  a  cidade :  &  sobristo  ouue 
muytos  recados  de  parle  a  parle.  Eassentouse  por  det- 
radeyrO)  {|  el  Rey  fosse  entregue  despois  da  partida  dos 
oauios:  &  que  Gonçalo  pereyra  jurasse  solenemente  de 
ho  fazer  assi.  £  de  ho  jurou  em  híia  Cruz  ^  bo  vigayro 
da  fortaleza  tinha  nas  mãos,  vestido  em  bua  sobrepeliz: 
&  ele  em  giolhus  cd  as  mãos  sobre  a  Cruz  em  quanto 
disse  as  palauras  do  juramento^  estado  presentes  os 
principaes  iVlâdarins  de  Ternate,  &  os  officiaes  da  for- 
taleza. 

C  A  P  I  T  Y  L  O    XXIII. 

Do  que  Gonçalo  pereyra  fez  despois  de  chegar  a  Ternate. 

.1?  eylo  este  juramfilo,  fizerSo  os  mouros  grande  festa 
com  a  esperança  da  liberdade  do  seu  rey.  E.a  raynha 
cõ  os  Mandarins,  se  foy  logo  pêra  Ternate.  E  Gonçalo 
pereyra  a  mandou  visitar  por  Luys  dandrade,  mandS- 
dolhe  hii  bÕ  presente ,  &  assi  a  algiis.  dos  Mâdarins  que 
sabia  que  erào  seus  priuados.  Eassi  os  mâdou  aos  San- 
gajes  &  gouernadores  da  terra,  noteficandolhe  ho  cõce^ 
to  que  tinha  feyto  com  a  raynha,  &  como  estaua  em 
Ternate,  pedtndolhe  i)  bo  viessem  ver  porque  folgaria 
muyto  de  os  conhecer  &  seruir.  E  eles  bo  fízerâo  assi, 
saluo  Gachil  butiiar  sangaje  da  cidade  de  Maquiem  por 
estar  agrauado  das  páreas  do  crauo  que  lhe  dom  lorge 
mandara  que  pagasse  a  el  Rey  de  Portugal :  que  ele  di- 
2ia  ^  não  podia  pagar,  por  Ibe  nâo  ficar  {)  comer.  E 
por  nào  fazer  aluoroço ,  dissimulou  Gõçalo  pereyra  co^ 
le:  &  aos  que  furSo  á  furlaleza  fez  muyta  honrra,  mer- 
cês, &  gasalhado.  E  pêra  mais  cõtentar  a  todos,  vestio 
el  rey  á  Portuguesa  de  veludo  de  cores:  &  ordenou  cer- 
tos Portugueses  pêra  sua  goarda ,  &  que  ho  leuassem  a 
desenfadar ,  &  íbigax  pola  cidade^  De  maneyra  (}  pare- 


LIVRO    Vltl.    CAPíTVLO   XX|II.  56 

cia  a  todos  ![  el  rey  eslaua  em  sua  liberdade :  do  que  a 
raynha  &  todos  andauào  muytp  contentes,  &  tinhâo^ 
BQuyta  confíança  ^  GÕ^^alo  per^eyra  cumpriria  o  que  ti* 
nba  jurado )  &  uiostrauãlhe  eintudo  grande  amizade.  & 
pêra  a  el6  arrematar  mais  &  segurar ,  fee  hú  gouerna«^ 
dor  do  rey  nó  com  apraEimSío  dos  Alàdarius  &  da  rayn 
nba ,  pêra  que  ho  teuesse  de  sua  mão ,  &  o  ajudasse  ^  & 
fauorecesse  como  Cachil  daroes  fizera  a  Antofuo  de  bri^ 
to.  £  este  foy  híí  màdarim  da  gerai^âo  dos  reys  de  Ter-» 
nate,  {)  auia  nome  Cacbilaío:  de  q  todos  os  Português 
ses  tinhâo  rouyto  conbecimêto.  Tàbê  neste  têpo  Fernão 
deia  torre  capitão  mor  dos  castelhanos,  mãdou  visitar 
Gõçalo  pereyra,  &  ratificar  aç  pazes  que  tinha  feytas 
com  dõ  lorge  de  meneses ,  &  fez  paz  cõ  el  rey  de  Gei-* 
lolo.  E  por  se  lhe  el  rey  deTidore  mâdar  queixar,  que 
não  podia  pagar  as  páreas  do  crauo  que  lhe  posera  dom 
lorge  de  meneses ,  porque  se  as  pagasse  lhe  oâo  ticaua 
nada,  pareceo  bê  a  Gonçalo  pereyra  de  lhas  leuâtar  até 
auer  recado  do  gouernador  da  Índia,  a  quem  escreue- 
ria  sobrisso.  Do  que  el  rey  foy  muylo  contente,  &  fi- 
cou grande  seu  amigo.  E  tendo  Gonijalo  pereyra  assen- 
tada a  terra  em  tanta  paz,  &  assessego,  &  vendo  que 
não  auia  cousa  que  estoruasse  ho  seruiço  dei  Rey  seu 
senhor,  que  ele  posposta  toda  cobiça,  desejaua  de  fa- 
zer muy  inteyramente:  começou  de  se  poer  em  ordem 
pêra  ho  fazer ,  &  deu  búa  carta  do  gouernador  Nuno  da 
eunba  a  do  lorge  de  mentes ,  que  lha  nào  quisera  dar 
ate  não  assentar  a  terra*  Em  que  ho  gooemador  dizia  a 
dom  lorge ,  que  ele  era  enformado  que  a  principal  cau* 
sa  doa  desconcertos  que  ouuera  antre  os  capitães  que 
estauão  naquela  fortaleza,  &  os  que  hiâo  de  nouo  pêra 
estarem  nela,  fora  quererêse  ir  cõ  os  capitães  que  se 
hiSo,  08  Portugueses  que  la  estauão,  por  terem  feyto 
seu  crauo.  £  algíis  que  hiâo  com  ho  capitão  nouo  se 
podião  empregar  suas  fazendas  faziâoho  mesmo.  Esein 
íhes  lembrar  a  obrigação  que  tinhSo  do  seruiço  de  Deos 
&  dei  Rey  se  hiâo,  deixando  de  guerra  ho  capitão  que 


5S  DA    HtSTORtA    DA   ÍNDIA 

ficaua,  Sc  sem  gSte.  E  pêra  euitar  isto  lhe  inandaua , 
que  quando  se  fosse  da  forialeza  não  leuasse  mais  que 
ate  seys  homSs  sem  licença  de  Gonçalo  pereyra,  &  por 
cada  ha  que  leuasse  de  mais  sem  ela  pagaria  mil  par- 
daos.  £  a  fora  esta  carta ,  lhe  mostrou  Gonçalo  pereyra 
hií  aluará  do  mesmo  gouernador,  em  que  lhe  mãdaua  o 
que  Ihescreuia  na  carta:  &  assi  outro,  em  que  manda- 
ua  a  Gonçalo  pereyra ,  que  tomasse  a  menagem  a  dom 
lorge  ate  se  ir  apresentar  diante  dele  na  índia,  &  ti^ 
rasse  deuassa  dele  de  todo  ho  tempo  que  fora  .capitão 
daquela  fortaleza.  E  Gonçalo  pereyra  lha  tomou  peran- 
te ho  alcayde  mór  &  feytor,  &  perante  bQ  escriuSo, 
que  fez  de  tudo  ha  auto.  E  Gõçalo  pereyra  pedio  muy« 
to  perdão  a  dõ  lorge  do  que  fazia,  dizendo  que  não  fKH 
dia  ai  fazer,  por  lho  mandar  assi  ho  gouernador  da  ín- 
dia: &  porem  que  lhe  prometia  de  ho  despachar  muyto 
b6,  goardando  em  tudo  sua  honrra.  E  que  alem  dos 
homSs  que  lhe  ho  gouernador  daua ,  lhe  daria  vinte  ho- 
túès  que  fossem  coele:  &  daria  licença  a  dom  Vicente 
de  meneses  seu  jrmao  peja  ir  em  sua  c5panhia ,  &  assi 
lhe  daria  hfl  jungo  que  fazia  pêra  sua  embarcação.  £ 
dom  lorge  lho  teue  em  mercê ,  &  lhe  disse  que  ho  não 
culpaua  em  fa^cer  o  que  lhe  mandaua  ho  gouernador, 
nem  deixaria  por  isso  de  ser  seu  amigo,  &serutdor  & 
^  coníiaua  muyto  nele ,  que  faria  o  f\  dizia.  E  pediolhe 
^  fosse  escriuão  de  sua  deuassa  Grauiel  da  costa,  -que 
ali  fora  feitor :  &  ele  lho  prometeo.  E  dom  lorge  se  foy 
pêra  sua  pousada  preso  sobre  sua  menagem  sem  nenhll 
escândalo  de  Gõçalo  perejra:  &  assi  ho  dizia  a  seus  a- 
migos ,  que  ho  forão  logo  visitar.  E  gonçalo  pereira  ^O' 
^eçou  logo  de  tirar  d^uassa  dele. 


LIVRO  VIII*   CAPITVLO  XXniI.  Ô7 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXIIII. 

De  como  Gonçalo  pereyra  quis  fazer  crauo  pêra  el  Rey 

de  Portugal. 

Vyoro  esta  prisam  de  dom  lorge  de  meneses,  &  por  ser 
fejta  com  tanto  ass^ssego,  ficarão  os  Portugueses  muy 
toruados,  principalmente  os  que  forão  oíSciaes  na  forta- 
leza: &  temerão  muyto  aGõçalo  pereira,  vendo  cõ  quã- 
ta  prudência  fazia  suas  cousas.  E  logo  virão  em  si  o  Q 
receauão ,  t\  Gonçalo  pereira  mandou  recencear  a  cota 
ao  feytor,  &c  almoxarife,  &  outros  officiaes  passados  pe- 
lo feytor  Luys  dandrade.  £  isto  porque  os  mandaua  íi- 
ear  na  fortaleza  por  ter  falia  de  gente.  E  não  se  achou 
a  estes  lienhOa  cousa  da  fazenda  de!  Rey  em  receita, 
&  tudo  era  despesa :  pelo  que  tendo  eles  roubado  el 
Rey,  &  deuendolhe  quanto  tínhão,  achouse  que  el  Rey 
lhes  deuia.  Tão  desordenado  andaua  tudo  naquela  for- 
taleza, &  tão  pouco  se  olhaua  pola  fazenda  dei  Rey, 
nem  auia  a  quem  lembrasse  os  gastos  que  fazia  naque- 
la fortaleza,  pêra  lhe  pouparem  pareles  sua  fazenda,  se 
Dão  quem  mais  podia  apanhar  mais  leuaua.  E  desenga- 
Bados  estes,  que  não  auiâo  aquele  anno  de  ir  pêra  a 
índia :  determinou  Gonçalo  pereyra  de  fazer  crauo  pe^ 
ra  el  Rey,  &  mandou  apregoar  bu  regimSto  que  leuaua 
do  gouernador  Nuno  da  cunha,  que  era  bo  mesmo  que 
fizera  Afonso  mexia:  &  polo  auer  por  bom,  mandaua 
que  se  goardasse.  E  Gonçalo  pereyra  ho  mandou  apre- 
goar com  grande  solenidade:  &  a  sustancia  dele  era, 
que  se  comprasse  pêra  el  Rey  quanto  crauo  ouuesse  na- 
quelas ilhas  pelo  preço  que  estaua  assentado  na  feytoria, 
&  se  metesse  nela,  &  que  nenhua  pessoa  de  qualquer 
qualidade  ^  fosse  ho  podesse  comprar.  Eeste  crauo  que 
se  comprasse  pêra  el  Rey  ho  compraria  ho  feytor  Luis 
dâdrade,  ou  quem  ele  ordenasse,  com  conselho  &  pare- 
cer de  Gonçalo  pereyra:  &  cõprado  se  carregasse  ho 

L1VB0   VIII.  H 


58  DA    HISTORIA    DA    INDlA 

mais  que  ser  podesse ,  assi  pêra  se  ieuar  á  índia  como 
a  Malaca,  &  o  que  sobejasse  se  desse  ao  capitão,  fey- 
tor ,  &  oíficiaes  da  fortaleza ,  &  a  gfite  darmas  sobre 
seus  ordenados ,  &  soldos ,  por  tal  preço  qae  el  Rey  po- 
desse ganhar ,  pêra  poder  cõ  ho  ganho  soster  ho  gasto 
que  fazia  naquela  fortaleza.  Eauendo  hi  tanto  crauoque 
sobejasse  de  tudo  ktO|  se  vendesse  aos  mercadores  com 
bo  mesmo  ganho.  £  porem  que  tudo  isto  se  fizesse  com 
resgoardo  de  não  auer  escândalo  na  terra.  Apregoado 
este  regimento,  ficarão  os  mouros  rouj  descontentes  por 
ihes  tirarem  de  venderem  ho  crauo  por  mais  do  preço 
^ue  estaua  assentado  na  feytoria,  porque  ho  vendiâo 
por  mais.  E  os  Portugueses  também  teuerão  muytode»* 
eontentamenlo,  porque  perdiâo  muyto  em  não  comprar 
yfi  bo  crauo  aos  mouros :  &  com  tudo  consolarãse ,  pare» 
cendolhes  ^  aquilo  não  ouuesse  efleito:  porque  assi  se 
apregoaua  na  chegada  de  cada  capitão,  mas  não  se  fap 
sia  nada  polas  emburulhadas  que  recrecião  ao  partir , 
antro  o  que  ficaua  &  o  que  se  partia.  O  que  eles  espe- 
rauão  que  seria  assi  antre  aqueles  dous ,  &  por  mais 
conformes  {}  elles  esleueasem ,  que  eles  os  reboluerião 
com  seus  mexericos  de  que  erão  muylo  bds  officiaes :  & 
por  isto  se  desagaslarâo  logo,  &  nâo  deixarão  de  fazer 
crauo  ho  mays  encuber lamente  Q  podião.  Mas  tambfi 
Gonçalo  pereyra  atalhou  a  isto,  com  mãdar  apregoar 
sob  certa  pena  que  toda  pessoa  que  teuesse  dachem  em 
sua  casa,  que  assi  chama  ao  peso  cÕ  que  pesam  bo  cra- 
uo, ho  leuasse  ao  fey tor  Luys  dandrade  pêra  ho  que- 
brar &  queimar,  por^  dali  a  diante  não  auia  dauermais 
Q  dous  pesos ,  ãbos  de  bQa  marca ,  hd  na  feitoria ,  & 
outro  ê  casa  da  raynha,  pêra  que  todos  os  que  vendea- 
sem  crauo  bo  fossem  lá  pesar,  pêra  se  saber  qoanto  cra- 
uo vinha  á  feytoria,  &  quãto  rendia:  &  que  ho  feitor 
auia  dir  buscar  as  casas,  &  se  achasse  algfi  Dachem , 
quem  quer  que  ho  teuesse  auia  de  pagar  a  pena.  E  es- 
te pregão  se  comprio  muy  inteyramente ,  &  lodos  os 
dacbfis  forão  leuados  a  Luis  daadrade  que  os  quetmoo 


LlVeO  VIII.   CAPITTLO  SXIHI.  69 

&  quebrou :  &  mandou  fazer  dous  nouos,  hu  pêra  a  fey« 
toria,  &  oulro  pêra  a  raynba.  E  pori)  os  Portugueses  ti» 
nhâo  comprado  muy to  crauo ,  pelo  que  ja  ai)le  anno  se 
podia  auer  pouco  pêra  el  Rey ,  mandou  a  todos  os  que 
ho  tíohão  que  vfidessem  ho  terço  dele  a  el  Rey  pelo  pre« 
ço  da  feytoria ,  o  que  eles  (izerâo  muy  to  cÕtra  sua  voa-» 
Aade.  EsabSdo  fi  se  estaua  carregando  hfl  jungo  dumer-r 
cador  chamado  Nacoda  catimo  pêra  ho  leuar  á  ilha  da 
laoa  carregado  de  crauo,  mandou  bo  tomar  pêra  el  Rey^ 
por  ser  despots  do  pregão  da  defesa  do  crauo ,  &  pagar 
10  polo  preço  da  feitoria :  &  acharão  ]|  tinha  setenta  & 
tantos  bares  de  crauo.  E  nesta  carregação  tinha  parle 
a  raynha  de  Ternate,  &  algiis  Sangajes  que  se  calarão, 
por{)  Gonçalo  pereyra  não  soubesse  (}  eles  quebrauão  he 
regimento  dei  Rey  de  Portugal ,  &  tâbem  porQ  ho  era» 
no  era  tanto  J\  os  mouros  rogauão  coele.  Neste  tSpo  foy 
Gõçalo  pereyra  anisado,  2)  na  ilha  de  Maquiem  estauão 
▼arados  aeys  jnngoe  de  mouros  pêra  íâzerê  crauo,  &  nâ 
ilha  de  Bachão  cinco  sobre  ancora  pêra  o  mesmo,  que 
erão  da  laoa,  Bãda,  &  Amboino.  E  dando  conta  distp 
a  Brás  pereyra  capitão  mór  do  mar,  mãdoulhe  ^  os  fos« 
ee  deitar  fora,  porque  não  carregassem*  E  bras  pereyra 
não  quis  ir ,  dizendo  que  não  hia  a  Maluco  se  não  pêra 
£izer  proueito :  &  não  auia  dandar  darmada  corrSdo  as 
ilhas y  gastando  o  ()  tinha:  que  se  a  ida  fora  proueitosa 
^  logo  a  fizera*  E  por  mais  requerimentos  que  Ibe  G&- 
calo  pereyra  fes  pêra  ir ,  niica  quis  ate  lhe  dizer  í)  lhe 
aiargaua  a  capitania  mór  do  mar,  &  Q  se  iria  pêra  a  I»- 
dia  na  moução  seguinte  pois  ho  apertaua  tanto.  E  per 
^iolhe  logo  licença  pêra  se  ir,  dizendo  2)  se  lha  não  des- 
se {)  a  tomaria.  E  Gonçalo  pereyra  dissimulou  coele  ^ 
porque  não  abrisse  caminho  a  outros :  que  vendo  ()  a{)]e 
^  era  seu  parSte  ho  deitaua  em  tal  tempo,  que  farião 
eles  2)  não  lhe  erão  nada:  fc  disselhe  que  não  se  fosse ^ 
4  não  ho  queria  mandar  pois  não  era  sua  vdtade  de  ir« 
E  cõ  tudo  Bras  pereyra  ficou  muyto  escandalizado ,  & 
quasi  seu  Imigo.  EÇrdçajo  pereyra  não  ho  pode  castigar 

H  2 


60  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

por  nSo  se  amotinar,  &  amotinar  outros  que  lhe  fariãò 
grande  ming^oa ,  pola  grade  necessidade  que  tinha  de 
gête.  E  porque  Brás  pereyra  isto  sabia  fazia  aqueles 
feros.  E  vendo  Gonçalo  pereyra  que  eie  não  queria  ir, 
cometeo  a  ida  a  Lionel  de  lima,  que  com  quanto  era 
capitão  dei  Rey,  &  aquela  ida  era  muyto  de  seu  serui- 
ço,  a  não  quis  aceitar ,  nS  aceitou  ate  que  lhe  Gonçalo 
pereyra  prometeo  a  capitania  do  primeyro  nauio  ou  jun- 
ge ,  que  mandasse  á  índia  cd  crauo ,  em  que  podesse 
leuar  o  que  teuesse ,  &  lhe  pagaria  ho  ordenado  da  ga«- 
leota.  E  por  derradeyro  quando  foy  não  achou  nenhíl 
}ugo ,  porque  foy  tãto  ho  vagar  que  primeyro  os  toma- 
tes mãdarâo  auiso  aos  capitães  dos  jungos ,  &  eles  S9 
•ibrSo  com  medo  de  lhos  meterem  no  fundo. 

c  A  p  I  T  V  L  O  xxy. 

Da  desauença  que  ouue  antre  dom  lor^e  de  meneses  ^ 

Gonçalo  pereyra./ 

'V^omo  quer  que  ho  diabo  trabalha  sempre  por  toruar 
ho  seruiço  de  Deos:  &  onde  vé  mayor  feruor,  hi  põe 
inayores  forças  pêra  ho  impedir.  Assi  fez  aqui,  que  não 
trazendo  Gõçalo  pereyra  ho  pensamento,  se  não  com^ 
seruiria  nosso  Senhor  &  a  el  Rey :  &  a  maneyra  ^  teria 
pêra  ter  a^la  terra  em  paz  em  quanto  jnela  eateuesse , 
&  fizesse  ter  aos  homês  boa  ordem  em  sua  vida,  pêra 
que  ficasse  exemplo  a  seus  sucessores:  ouue  Portugue*- 
Bes  tão  pouco  Chrislãos ,  &  tão  bestíaes ,  que  por  ele 
fazer  isto  lhe  tinha  mortal  odio^  &  assi  a  Luis  dandra- 
de.  PorQ  por  ter  ho  mesmo  desejo ,  que  ele  tinha  de 
seruir  elRey  ho  ajudaua  quanto  podia  por  sua  parte,  & 
tomauão  estes  imigos  por  causa  de  suas  abominaueis  võ» 
tades ,  dizerC  que  Gõçalo  pereyra  queria  vsar  o  que  ne- 
nhu  capitão  vsara  de  goardar  tão  inteiramête  ho  regi- 
mente acerca  do  crauo.  E  o  que  os  mais  atormentaua 
verS  a  grade  amizade  que  Gõçalo  pereyra  tinha  com  os 


LIVRO   VIII.   CAPITVLO   JTXv.  "61 

mouros ,  &  quanto  trabalhaua  pola  so&ter  c6  boas  obra». 
£  Q  isto  nã  era  outro  fim  se  nâo  por  não  ter  necessida* 
de  dos  Portugueses ,  &  poder  fazer  o  Q  quisesse.  E  ve- 
xS  a  grade  conformidade  ^  auia  anlrele  &  dõ  lorge  de 
roeneses ,  {}  o  que  hQ  queria ,  queria  ho  outro :  &  ven- 
do ^  indo  aquilo  assi  era  em  seu^erjuyzo,  começarão 
de  vsar  de  suas  diabólicas  manhas ,  &  ordir  ódio  &  imt>^ 
zade  anlreGÕfjaio  pereyra  &  os  mouros,  &  antreie  &  dê 
lorge,  dizêdo  aos  mouros  ^  Gõçalo  pereyra  os  queria 
ter  sugeitos,  &  ^  não  vSdessem  ho  crauo,  não  mandan^ 
do  el  Rey  de  Portugal  tal  cousa,  nè  menos  ho  gouerna*' 
dor  da  Índia:  &  ele  por  se  mostrar  bõ  seruidor  Qria  fa^ 
zev  mais  do  ^  lhe  mãdauão :  que  não  sabia  como  a  ray- 
nha  &  08  mãdaris  cõsentião  aquilo.  E  a  Gõçalo  pereyra 
hião  dizer  ^  dõ  lorge  dizia  á  janela  de  sua  pousada  ao6 
Q  passauão  poia  rua ,  que  ele  Gõçalo  pereyra  auia  de 
prSder  a  raynha ,  &  algils  seus  priuados.  E  isto  dizia 
por  se  a  raypba  ir  da  cidade ,  &  fazer  aleuãtar  os  mãti- 
mStos :  &  !|  se  lhe  não  quisera  muy to  grade  mal  &  de- 
sejara muyto  de  ho  danar  que  ho  não  dissera ,  mas  Q 
lho  queria  &  desejaua  de  ho  ver  em  necessidade :  por^ 
assi  tãbS  dizia,  Q  quãdo  se  partisse  ()  auia  de  leuar  da 
fortaleza  quanta  gSte  podesse,  pori^  nâo  teuesse  cõ  que 
a  defêder  aos  mouros.  E  Q  em  Banda  auia  de  tomar  ho 
nauio  a  Hanibal  cernije,  porQ  era  seu  cunhado,  &  mã*- 
dar  pedir  seguro  ao  gouernador  antes  de  chegar  á  In- 
•dia:  &  quãdo  lho  não  desse  ^  se  auia  daleuãtar,  &  se- 
«gtldo  dõ  lorge  era  determinado  ^  ho  faria  assi,  por  isso 
\  ho  deuia  de  prêder  em  ferros.  E  a  dõ  lorge  de  men<> 
ses  diziãlhe  i)  não  se  fiasse  da  amizade  que  lhe  mostra- 
na  Gonçalo  pereyra ,  porque  na  deuassa  não  lhe  goar^ 
daua  nenhila,  antes  se  moslraua  seu  immigo  mortal, 
porque  prouocaua  as  testemunhas  a  que  dissessem  mal 
dele.  E  quãdo  ho  não  quertão  dizer,  que  dizia  ^  nãò 
sabia ,  pori)  aqueles  vilãos  dauão  sua  alma  ao  diabo  por 
amor  de  dõ  lorge,  &  sobrisso  lhe  dizia  outras  pajauras 
injuriosas  ,  &  faaia  escreuer  o  que  dizião  ao  contrayro. 


6S  9A    HirroltIA     DA    IUDIA 

E  dísiXOf  que  por  aer  parenle  de  dom  Garcia  anrríqoer 
ihe  queria  tamanho  mal :  que  ho  auia  de  desíruir ,  pois 
lhe  nSo  podia  tirar  cÕ  fada  espingarda.  E  po8lo  que  pola 
primeyra  Gonçalo  pereyra,  &  dd  lorge  não  cresse  isto, 
tantas  vezes  lho  disserâo  ^  &  tantos  modos  buscarão  es- 
tes mexeriqueiros  pêra  iho  meterd  na  cabeça,  &  mais 
ho  diabo  que  os  ajudaua  que  bo  crerSo :  &  começaiâo  de 
criar  ódio  bd  ao  outro,  &  como  ele  foj  crecendo  assi^ 
não  se  fiaua  hfi  do  outro,  fi  veo  a  desconfiança  a  erecer 
tanto,  principalmetite  em  dÕ  lorge:  que  mandou  pedir 
á  Gonçalo  pereyra  q«ie  Ifae  desse  hfia  certidão  de  como 
Jhe  entregara  a^la  fortaleza  de  paz  eÒ  latas  peças  dan» 
telharia  com  as  ^  tomara  aos  castelhanos,  &  assi  seyn 
&auios  &  outras  cousas ,  porque  lhe  ^ra  necessária  pêra 
el  rey  saber  ho  seruiço  2)  lhe  tinha  feyto.  Ao  que  Goi^ 
^lo  pereyra  respondeo,  2)  nSo  lhe  auía  de  dar  tal  certi- 
dão ,  porque  a  terra  não  estaua  de  paz  c5  a  fortaleza 
quando  lha  entregou,  antes  muy  abalada  pola  morte  da 
Cachil  daroes,  &  do  regedor  de  Tabona,  &  da  injuria 
4  fora  feyta  a  Cachil  vaidua,  &  a  raynha  fugida  deTeiv 
nate,  &  os  seus  mandarins,  &  ho  Sangaje  Cachil  huwar 
rebelado  por  amor  das  páreas  que  lhe  posera ,  &  el  rey 
úe  Tidore  queixoso  por  lhe  íazer  outro  tftto.  E  por  de 
todo  em  todo  Gõçalo  pereyra  nSo  querer  dar  esta  certi»- 
dão ,  tirou  dÕ  lorge  hll  estormSto  dele :  pelo  J\  de  cada 
vez  crecia  mais  ho  ódio  antreles.  G  sobristo  fugirão  da 
fortaleza  seys  Portugueses,  de  que  hii  era  piloto:  dea- 
tes  seys  se  forão  dous  pêra  os  castelhanos^  &  os  quatro 
caminho  de  Bâda  em  hfi  paráo  da  terra,  E  tãto  {}  estes 
honiês  desaparecerão,  foy  dito  a  Gonçalo  pereyra,  ^ 
dom  lorge  &  seu  jrmão  dõ  Vicente  os  mandarão  dianr 
te:  &  assi  auia  de  mandar  os  mais  que  podesse.  O  que 
sabido  por  Gonçalo  pereyra,  condenou  estes  fugidos  em 
perdi  mento  das  fazSdas  pêra  el  rey  Q  logo  forão  vêdidas 
em  leyiâo,  &  ho  dinheiro  entregue  na  feitoria.  E  de 
dous  destes  Q  logo  forão  tomados  em  bua  ilha  se  souba 
era  juyzo  Q  era  verdade  que  ae  hião  por  mãdado  de  dff 


LIVRO  VIU.    CAPITTLO  ZZV.  €8 

lorge,  &  de  seu  jrmão  dom  Vicèle,  &  lhes  derio  vinte 
mil  caixas  pêra  o  caminho,  &  sete  patoias,  &  lanças , 
espingardas ,  &  outras  armas  :  &  Ibes  disserão  qne  cedo 
iria  outra  barcada  após  eles.  Ecom  ho  testemanho  des» 
tes  homâi )  acabou  Gonçalo  pereyra  de  dar  credito  ao 
que  lhe  diziâo  de  dom  lorge :  &  prSdeo  logo  dom  V  i* 
cente  sobre  sua  menagõ ,  &  dous  criados  de  dõ  lorge 
em  ferros  por  amor  dos  díous  bomês  dos  quatro  Q  fugi- 
rão. No  {}  dõ  lorge  não  teue  paciência,  &  soltou  muy-» 
tas  palauras  cõtra  Gonçalo  pereyra  ,  a  que  logo  foy  dis« 
cuberto :  que  ho  jugo  que  dÕ  lorge  tinha  começado  pe* 
ra  si ,  se  fazia  cõ  a  pregadura ,  breu  &  estopa  dei  Rey 
de  Portugal ,  &  á  sua  custa  pagaua  tambê  os  officiaes. 
£  pêra  mayor  certeza  disto,  que  fossem  a  casa  Dafonso 
pirea  bfl  amigo  de  dom  lorge ,  &  hi  acharião  muylo  fer«» 
n>,  &  outras  cousas  que  dõ  lorge  de  meneses  tomara 
dos  almazens,  quando  soube  õ  Gonçalo  pereyra  vinha  á 
vela  pêra  tomar  ho  porto  de  Taligame.  £  logo  Gõcalo 
pereyra  foy  buscar  a  casa  Dafonso  pirez,  em  que  acnou 
quioze  quiiitaes  de  ferro  que  tomou  pêra  el  Rey ,  por 
lhe  Afonso  pirez  dizer  que  dom  lorge  os  mandara  ali 
meter :  &  assi  tomou  ho  jugo  pêra  el  Rey.  £  receando 
Q  dom  lorge  se  leuantasse,  tirou  hii  capitão  doutro  jun- 
ge que  hi  tinha  dõ  lorge  ,  Q  chegara  4  era  seu  ,  &  deu 
a  capitania  a  Lionel  de  lima  imigo  de  dom  lorge.  E  is- 
to porque  ho  jungo  auia  de  tornar  pêra  a  índia ,  &  Gò- 
calo  pereyra  lhe  tinha  prometida  a  capitania  doprimey^r 
ro  nauio  §  fosse  pêra  a  Jndia.  E  sobristo  tirou  dõ  lorge 
muytos  estormentos  de  Gõçalo  pereyra,  &  ele  deuassou 
de  dom  lorge  sobre  a  morte  deCachii  daroes,  &  do  re- 

Sedor  deTabona,  &  da  injuria  ^  íby  feyta  a  Cachil  vai* 
ua,  &  sobre  mandar  enforcar  hu  Português  nas  ilhas 
dos  papuas,  &  assi  sobre  outras  culpas  ^  lhe  punhíio.  £ 
por  derradeiro  quâdo  foy  tCpo  de  partir ,  que  foy  em 
Feuereyro  de  mil  &  quinhentos  &  trinta  &  dous,  ho  en- 
tregou preso  em  ferros  a  Lionel  de  lima  seu  Imigo.  £ 
não  lhe  valeo  requerer  a  Gonçalo  pei eyra ,  que  lho  não 


64  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

entregasse  por  ser  seu  imigo,  que  ho  desse  a  Hanibal 
cernije  que  hia  lambem  pêra  Banda.  E  por{|  Gonçalo 
pereyra  receaua  que  dom  lorge  tomasse  em  Banda  ona** 
uio  a  Hanibal  cernije  como  dizião,  não  quis  dar  licença 
a  nenhii  seu  amigo  pêra  ir  naquela  armada,  n6  a  seu  jr- 
mão  dõ  Vicente.  E  deu  a  Lionel  de  lima  as  deuassas 
que  lirara  de  dom  lorge,  &escreueo  hCla  carta  muy  lar* 
ga  ao  gouernadorNuno  da  cunha,  acerca  das  cousas  de 
dom  lorge ,  dizendo  que  perguntasse  por  elas  a  Lionel 
de  lima,  &  ao  vigai ro  que  fora  da  fortaleza  &  ao  meiri- 
nho. E  assi  Ihescreuia  também  como  (icaua  a  fortaleza^ 
&  quão  trabalhosa  era  por  amor  das  desordSs  dos  Portu* 
gueses,  &  assi  outras  cousas  necessárias.  E  mandou 
pêra  el  Rey  cincofita  bares  de  crauo,  que  foj  ho  pri« 
meyro  capitão  Q  ho  mandou.  E  na  conserua  de  Lionel 
de  lima  hia  Hanibal  cernije  ate  Banda,  pêra  trazer  dabi 
fazenda  pêra  a  feytoria.  E  a  raynha  de  Ternate  escre^ 
ueo  tambê  a  el  Rey  de  Portugal ,  &  ao  gouernador  da 
In^ia ,  fazendolhe  queixume  de  dom  lorge ,  &  mandou 
cõ  as  cartas  ate  a  índia  dous  criados  seus ,  a  que  enco* 
mSdou  muyto  que  vissem  bS  que  poder  tinha  eIRey  de 
Portugal  na  índia.  E  leuado  dõ  lorge  tãto  a  recado  co- 
roo digo,  foy  ter  á  índia,  donde  ho  gouernador  homan* 
dou  preso  pêra  Portugal,  porQ  por  ser  da  qualidade  que 
era  não  quis  julgar  as  culpas  que  lhe  punhào,  &  assiJio 
escreueo  á  raynha  de  Ternate.  Cujos  criados  quãdo  vi- 
rão mandar  dõ  lorge  pêra  Portugal,  &  l\  não  fazião  dele 
juátiça  na  índia  dizião,  Q  antre  os  Portugueses  não  auia 
justiça  pois  alargauão  tanto  ho  castigo  das  culpas :  que 
pêra  b8  se  auião  de  castigar  Õde  se  cometião,  &  que 
dali  por  diante  não  esperariâo  j)  lhes  fizessem  justiça. 


Livao   VIII.   CAVITVI.0  XXTII.  C5 

CAPITVLO    XXVI. 

De  como  se  perderão  no  mar  dom  Fernando  de  lima  de 

Sanctarem  ^  Lopo  dazeuedo» 

i^  este  inuerno  que  ho  goueroador  Nuno  da  cunha  le-. 
ue  em  Goa ,  não  quis  prouer  a  capitania  da  fortaleza 
que  estaua  vaga,  &  ele  seruio  de  capitão  por  poupar  o 
ordenado  a  el  Rey,  &  deu  a  ouuidoria  geral  da  índia  ao. 
licenciado  Lopo  fernandez  de  Castanheda  Rieu  pay  ouui-< 
dor  de  Goa,  &  por  sua  industria  crecerSo  as  rendas  de 
Goa  vinte  mil  pardaos.  E  no  cabo  deste  inuerno  chegou 
a  Goa  António  botelhp  capitSo  do  barganlim  que  ficou 
em  Adem  cÕ  cartas  damízade  dei  rey  DadS  pêra  ho  go^ 
uernador,  em  Q  Ihescreuia  como  Mus tafa  &  Co}eçofar 
despois  de  leuSladoe  de  sobre  Adem  se  partirão  com 
vinte  seys  velas  pêra  a  índia.  Edespois  deste  na  Strada 
Doutubro,  chegou  Eytor  da  silueira  com  sua  armada, 
&  deu  conta  ao  gouernador  do  que  fizera  em  Adem.  E 
lhe  contou  como  dÕ  Fernando  de  lima,  nem  Lopo  daze- 
uedo  não  forão  a  Ormuz ,  nem  sabião  nouas  deles ,  pelo 
que  se  cria  serem  perdidos :  &  assi  foy  que  nunca  mais 
parecerão^ 

CAPITVLO    XXVII. 

De  diuerMB  armadas  que  partirão  pêra  a  índia. 

JAI  este  aiíno  partirão  de  Portugal  cinco  nãos  pêra  a  In-» 
dia  sem  capitão  mór,  de  l\  forão  capitães  Manuel  de  bri« 
to,  Fernão  camelo,  Frãcisco  de  sousa  tauares,  ()  faia 
por  capitão  de  Cananor,  Pêro  lopez  de  sam  Payo  pêra 
capitão  de  Goa,  &  Luis  aluarez  de  payua.  Edespois  da 
partida  destas  nãos,  partio  pêra  a  ilha  de  sam  Louren* 
ço  Duarte  dafooseca  por  capitão  mór  de  seu  jrmãoDio<* 
go  dafonseca  a  buscar  a  gête  da  nao  do  Manuel  de  la* 

LIVAO   VIII.  1 


§e  9A    HISIDBKA    Hil   IHIUA 

cerda  ^  &  ambos  ae  perderão.  £  oa  capitiéa  daa  cinco 
naoa  da  carrega  leoarão  muylo  roim  fiagC,  &  os  trea 
prímeyros  chegarão  a  Goa  no  mea  Douiubro  em  diuer- 
aot  dias.  E  despoia  diaao  ae  parlio  bo  gonemador  pêra 
Cocbím,  &  sendo  lá  cbegou  em  Nonêbro  a  oao  de  Fero 
lopez  de  sam  Payo  ^  a  qoe  morrerão  na  viagè  duzentos 
Porlagoeses  a  fora  escrauos ,  &  os  mais  morrerão  dou* 
dos»  E  mílagrosamenle  chegou  defronte  deCananor  por 
não  aoer  quS  mareasse  as  velas,  &  auja  dias  qse  as  nao 
guiodauão,  nem  amaynauão,  &  acodiolhe  Diogo  da  sii^ 
neira  que  andaua  na  costa  ,  &  a  leuou  á  loa  a  Cananor. 
£  chegado  bo  gouernadvr  a  Cocbim ,  despachou  pêra 
Portugal  as  nãos :  &  primejro  que  partissem  ,  mandou 
Nícuiao  jusarte  em  hii  nauio  cem  nooas  ael  Rej  do  que 
passaua  na  Índia.  £  deixado  em  Cocbim  António  de  Sal- 
danha pêra  leuar  a  armada  que  hi  estaua  se  tornou  a 
Goa. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXVIIL 

De  como  /oy  morto  Hagamahumud  por  dÔ  Manuel  teh 

de  nuiiescs. 

V^onso  quer  que  ho  gouernador  determinasse  de  ir  e»* 
te  anno  sobre  Diu ,  vsou  de  bú  ardil  a  fim  de  coele  al- 
cançar fortaleza  em  Diu  ,  sem  morte  de  gente.  E  foj 
mãdar  a  Diu  primeiro  que  ele  fosse  Coje  percoli  bu  mou« 
ro  Persiano )  em  que  linha  grande  confiança  por  ser  b5 
homem,  &  auer  muitos  aonos  que  era  morador  em  Goa. 
E  este  mouro  auia  destar  em  Diu ,  pêra  Q  quando  bo 
gouernador  fosse  cd  sua  armada,  conselbasse  a  Meliqoe 
tocS  capitão  de  Diu,  4}  desse  fortaleza  ao  gouernador, 
por^  lhe  náo  tomasse  a  cidade,  fazendolhe  bo  poder  que 
bo  gouernador  leuaua  mujto  majpor  do  que  era.  E  que 
a^le  conselho  lhe  daua  como  amigo,  &  quâdo  Meliqua 
ho  nao  tomasse,  que  visse  bem  o  que  determinaua ,  S^ 
se  saÍBse  da  cidade  pêra  )bo  dizer.  E  cõ  lhe  (axer  grâ«* 
de8  mercês,  se  par  tio  Coje  percolim  como  mereadw,  § 


LIVB0  Vlfl.   CAFITTM  XXTIfl,  61 

hia  Dormnz  com  niercadoria.  E  deepois  da  partida  de»* 
te  mouro  ^  começou  de  se  ajuiar  em  Goa  a  armada  que 
ho  gouernador  auia  de  leuar :  &  por  serê  os  nauios  rouy^ 
los,  &  não  caberem  no  rio  de  Goa ,  aasi  como  cbegauão 
assi  se  parliâo  pêra  Cbaul ,  donde  auiâo  de  partir  todos 
jQlos  pêra  Diu.  E  despois  de  serfi  partidos,  partiose  bo 
gouernador  com  a  armada  2)  tinha  em  Goa  pêra  Cfaaul 
em  dia  dos  Reys ,  do  anno  de  mil  &  quinhentos  &  lrín<» 
(a  &  hfl.  E  chegando  a  Cbaul  pêra  saber  o  que  bia  na 
costa  de  Cambaya ,  mãdou  ha  descobrir  per  dom  JMa* 
Ottel  de  meneses  tdo,  Luis  falcão  &  outro  fidalgo,  j)  me 
não  lembra  seu  nome ,  que  forão  em  três  catures  arma* 
dos.  E  chegando  todos  três  juntos  perlo  da  ilha  das  Ya« 
cas,  toparão  de  supilo  cÕ  Hagámabumud ,  aquele  mou*» 
ro  de  que  conley  no  iiuro  quinto,  que  tanta  guerra  fea 
aos  Portugu^es:  que  andaua  por  capitão  de  vinte  fu8« 
tas  em  goarda  daquela  costa ,  em  que  trazia  muyta  & 
oiuyCo  boa  gente  de  guerra.  Eauendo  ele  vista  dos  três 
catures,  &  conhecendo  que  erão  de  Portugueses,  foy 
eonlreles  com  sua  armada.  DdlManuel  &  os  outros dous 
capitães,  que  virão  búa  armada  tamanha,  parecfidolhe 
que  seria  mais  doudice  que  valStía  pelejar  coela,  come* 
çarãse  de  recolher  seus  passos  contados,  porq  ue  não  cuy* 
dassem  os  mouros  que  fugia,  que  c5  tudo  não  deixarão 
de  os  seguir,  apertando  ho  remo  quanto  podião,  prin« 
cipalmente  Hagámabumud ,  cuja  fusta  era  mais  remey* 
ra  que  todas  ^  &  assi  ieuaua  a  dianteyra  a  t^^das :  &  hia 
alcançado  ho  catur  do  a  que  não  soube  bo  nome,  por  ser 
zorr<»yro,  &  não  se  remar  tambS  como  os  de  dom  Ma«» 
nuel ,  &  de  Luis  falcão ,  &  quasi  que  ho  hia  abairroan* 
do.  O  que  vddo  do  Manuel ,  posto  que  ho  perigo  de  ho 
socorrer  era  muyto  grade  não  deixou  de  ho  faser.  E  fa* 
zendo  volta  atras  a  boga  arrancada,  remeteo  á  fusta  de 
Hagamahuraud,  &  em  chegado  bordo  cÕ  bordo,  ({  os 
Poriufrueses  quiserão  saltar  dentro  na  fusia ,  quis  nosso 
Senhor  |)oer  tamanho  medo  nos  mouros  f\  vinhão  nela,  2) 
se  acolherão  todos  ao  outro  bordo.  E  em  se  recolhendo 

I  2 


68  ]>A   HISTORIA    BA    ÍNDIA 

&  a  fusta  çoçobrãdo,  tudo  foy  bQ :  que  nâo  teuerSo  os 
Portugueses  tempo  pêra  saltar  dentro.  E  o  que  ouuerão 
de  fazer  na  fusta  fizeráo  fora ,  que  foy  matarem  nagoa 
os  mais  dos  mouros ,  &  atreles  foy  Hagamahumud.  E 
por^  a  mayor  parte  de  sua  armada  se  vinha  chegado, 
cõtentouse  dom  Manuel  com  saluar  ho  catur.  £  man- 
dando cessar  da  morte  dos  mouros ,  fezlhe  dar  hd  cabo 
pêra  bo  ajudar  a  surdir,  &  foy  se  coele  &  com  Luis  fal* 
cão  pêra  Chaul,  Õde  se  soube  logo  a  morte  de  Hagama* 
humud.  Do  que  ho  gouernador  foy  muyto  ledo,  &  deu 
por  isso  muytos  agardecimStos  a  dom  Manuel:  &  não 
tão  somente  por  a  vaiStia  que  fez  em  se  auenturar  com 
tamanho  perigo  a  saluar  ho  catur  &salualo,  mas  em  ser 
causa  da  morte  de  Hagamahumud ,  bo  mais  valente  & 
esforçado  capitão  que  tiiiha  el  rey  de  Cambaya,  &  que 
mais  ardijs  de  guerra  sabia :  &  Q  ho  gouernador  temia 
tanto,  que  não  receaua  de  ter  oulro  estoruo  pêra  não 
tomar  Diu »  se  não  este  mouro  y  que  sabia  Q  auia  destar 
dStro ,  &  que  Melique  tocão  se  regia  por  ele  era  tudo; 
£  quando  soube  {}  era  morto,  deu  ho  feito  de  Diu  por 
acabado  como  ele  desejaua,  &  assi  ho  derão  os  capitães 
&  fidalgos  da  armada,  dizendo:  que  nenhtla  cousa  po- 
derá suceder  tão  importante  pêra  se  tomar  Diu  como  a 
morte  de  Hagamahumud.  £  assi  fora  se  ho  gouernador 
não  se  deteucra  tanto  como  se  deteue  emCbaul  Q  forão 
dez  dias  mais  do  necessário,  &  despois  na  ilha  do  be- 
tcle.  £  nesta  detSça  veyo  a  Diu  ho  socorro  que  direy 
a  diante :  &  fora  os  mouros  ^  estauão  nele  auisados  pe- 
los de  Chaul  de  tudo  o  (|  o  gouernador  determinaua,  & 
do  poder  c^  teuaua.  £  òs  mesmos  mouros  se  espantauão 
de  indo  bo  gouernador  a  hfta  empresa  tamanha  fazer 
tanta  detença:  &  também  se  espan-tauão  muyto,  que 
sendo  são,  quãdo  caualgaua  hia  encostado  a  hu  moço 
desporas.  E  zombando  daquilo  dizião ,  que  não  era  a- 
quele  ho  homem  que  auia  de  tomar  Dia. 


LITAO   VIII.   CAPITVLO  XXtX.  €9 

CAPITVLO    XXIX. 

De  como  ho  gouemador  Nuno  da  cunha  pariio  de  Chatd 

pêra  a  cidade  de  Diu. 

j^cabadas  estas  detenças,  partiose  ho  goueraador  com 
a  mais  poderosa  armada  do  que  ate  aquele  tempo  se  a- 
juntara  na  índia ,  que  era  de  quatorze  galeões  todos 
grandes ,  fortes  &  bem  artilhados ,  &  seys  nãos  Portu^ 
guesas,  &  dezasete  galés  &  galeotas,  &  hâa  galeaça, 
&  duas  carauelas,  &  céto  &  doze  fustas,  bargâlins,  ca- 
tares,  jflgos :  &  outros  nauíos  de  diuersas  feyc^ões,  que 
com  os  de  guerra  fazião  perto  de  trezentas  velas*  E  nos 
de  guerra  hiSo  quatro  ceotas  peças  dartelbaria  grossa , 
liasiliscos ,  espalha  fatos ,  camelos  j  esperas ,  Kões ,  sep- 
pes ,  saluagCs ,  a  fora  a  miúda ,  que  era  grande  soma. 
A  gSte  que  hia  nesta  armada  erSo  (res  mil  Portugue- 
ses^ &  três  mil  Malabares,  &  dous  mil  Canarins  fre- 
cheiros, &  esptngardeyros.  Os  principais  capitães  forâfo 
Ejtor  da  silueira,  Diogo  da  srlueira,  António  da  sil* 
ueira  de  meneses,  António  de  saldanha,  Manuel  de 
brito ,  Ruy  goroez  da  graã,  Marti  afonso  de  melo  jusar- 
te,  Marti  de  crasto,  Ruy  ?az  pereyra,  Vasco  da  cu« 
nha,  Francisco  da  cunha,  Manuel  de  seusa,  António 
de  lemos,  Fernão  rodriguez  barba,  Anrrií|  de  macedo, 
L.opo  de  roezquita ,  Fernão  de  morais ,  dom  Fernando 
deça,  Frãcisco  de  vascõcelos,  Manuel  de  Vasconcelos, 
Ambrósio  do  rego,  Nuno  barreto,  Gonçalo  gomez  da- 
zeuedo,  Francisco  de  saa,  Fernão  de  lima ,  loão  da  sil- 
veira, Anrrique  de  sousa,  Manuel  daibuquerquè,  Tris- 
tão dalaide,  Luis  falcão,  António  de  saa,  lurdão  de 
freytas,  Tristão  gomez  da  graà,  Nuno  fernãdez  freire, 
loam  mêdez  de  macedo,  Diogo  botelho  pereyra.  E  pê- 
ra que  a  frota  fesse  em  boa  ordem  &  geardada,  fez  três 
capitanias  cada  hua  de  vinte  bargâtins&catures :  &fez 
delas  capitães  a  Masuel  dalbut^rque ,  Tristão  dataide , 


7t  !>▲  HMVOIU  JMk  mmM 

Sc  Layf  falcão.  £  diàte  da  armada  obra  de  bfia  legoa 
auía  de  ir  Aotoaio  correa  de  Goa^  descobrindo  ho  mar 
com  certos  catures.  E  iodo  nesta  ordem  bê  de  vagar, 
foy  ler  a  Damão,  donde  auía  dalrauessar  a  enseada  pê- 
ra Diu:  &  por()  detpuis  Báo  podia  tomar  outro  porto, 
tomou  bo  deste  iugar,  que  com  bo  medo  da  nossa  ar* 
mada  estaua  despouoado  ,  &  assí  a  furtaiesa  Q  era  forte 
CÒ  suas  portas  forradas  de  melai.  E  aqui  foy  dita  bua 
missa  cd  grande  solenidade ,  em  bua  tenda  Q  se  armov 
pêra  isso,  &  pregou  frej  António  padrão  coonissairo  ns 
índia  do  menislro  da  ordfi  da  obseruancia  de  sam  Pran* 
cisco«  E  encomendou  muy to  da  parte  de  nosso  Senhor , 
^  pelejassem  todos  eõ  muyto  esforço  pêra  tomarem  Diu, 
onde  posso  Senhor  era  muylo  oflendido  c5  as  abomina^ 
ções  da  falsa  seyta  de  Mafamede,  &  géralmSte  assolueo 
lodos  de  seus  pecados*  E  dita  a  missa,  mandou  ho  go<- 
nernador  dar  bii  pregão  Real,  ^  dizia.  Ouui,  onoi,  ouui 
ho  mâdado  do  muyto  alto,  &  muito  fioderoso  Principe 
el  Rey  dõ  loão  de  Portugal  nosso  senhor,  que  por  ga* 
lardoar  bo  esforço  Sc  valentia  dos  ^  se  atreuerero  a  so* 
bir  primeyro  dos  muros  de  Diu,  &  leuanlarS  neles  esta 
bandeyra  por  sua  Alteza^  em  seu  nome  lhe  hz  o  senhor 
gouernador  mercê  ao  primeyro  de  quinhentos  cruzados, 
&  ao  segundo  de  qualrocStos ,  &  ao  tereeyro  de  trezení* 
tos.  E  dçspoís  disto,  porque  bo  gouernador  sabia  por 
António  correa  que  oyto  leerons  de  Dia  estaua  bfia  pe^ 
quena  ilha  quasi  pegada  com  a  terra  firme,  onde  por 
ser  muylo  forte  el  rey  de  Camhaya  mãdaua  fazer  hila 
fortaleza,  pêra  o  que  tinha  hi  bu  capitão  turco  cÕ  dous 
mil  homSs  de  peleja  Guzarates ,  &  Abexins,  &  algfis 
Turcos:  &  mil  de  trabalho  que  trabalhauão  na  fortale* 
za.  de  que  estaua  feyta  algila  parte  dos  muros,  &  dos 
cobelos,  mas  pouca  cousa.  Teue  conselho  com  os  capi- 
tães principais  da  armada,  se  daria  nesta  ilha  primeyro 
^  eiu  Diu.  E  moueo  a  poer  isto  em  conselho,  saber  que 
a  voz  de  lodos  era  que  se  desse  primeyro  naquela  ilha 
Q  em.  Diu :  [josto  l|  wa  determinação  era  de  não  se  en^ 


LlVtO  VIU*  CAPfTVLO  XXX.  71 

tremeter  em  fienbú  feylo  ale  nào  tonar  DiUé  E  aáal  ho 
disse  no  eõseiho,  em  que  ouue  diuersoa  f>areceres :  por^ 
hikn  diziào  que  era  bd  cometer  primeyro  a  ilha  {}  decn 
sem  em  Diu  ^  por<}  se  pasaaasem  sem  a  tomar ,  como  00 
imnirca  erfio  mais  de  mostras  ^  de  obras  9  tomariào  ta-* 
manha  soberba  cuidado  Q  era  de  medo,  que  aquilo  abas^ 
taria  pêra  Ibes  dar  esfon^o  com  que  se  defeAdessem.  £ 
por  isso  era  necessário  nâo  passar  sem  tomar  a  ilba  ^ 
porqoe  isso  seria  causa  de  os  mouros  desconfiard  de  se 
defenderem.  Outros  dizião  que  nâo  era  bê  cometerse  ai 
ilha,  por^  como  ela  era  mujto  forte  por  ser  a  mayt>r 
parte  cercada  de  rochedo ,  &  menos  gente  da  ()  eataua 
Bela  a  poderia  defender.  Podia  ser  Q  acontecesse  alg& 
perigo  no  cometimento,  &  qualquer  Q  fosse  daria  muj-« 
(a  quebra  a  tamanha  armada  como  aQla  era  &  tdo  pode« 
rosa.  E  os  nossoa  vendo  (}  tâo  pouca  cousa  como  a  ilha 

Ía  seu  respeyto)  lhes  daua  que  fazer,  esperado  queeuEi 
)iu  por  sua  grandeza,  &  fortaleza  achassS  mais  resis- 
tência perderiào  ho  esforço  l|  leuaufio  pêra  o  tonuir.  & 
os  mouros  pelo  cÕtrajro:  o  Q  se  deuia  muyto  de  recear, 
&  por  isso  náo  se  deuia  de  cometer  a  ilba.  £  eomo  do 
outro  |iarecer  eráo  mais  Q  deste ,  assenlouse  ^  se  to^ 
masse  a  ilha  primeiro  qoe  Diu,  &  assi  ho  assinarão  to-" 
dos  em  bu  auto  que  foy  feyto  pelo  secretario  Simão  fer- 
re vra« 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXX. 

JDe  como  ho  geuemador  pàUjou  na  ilha  do  betelecom  ho 
captíQo  dd  rey  de  Cambaya ,  ^  lha  tomou. 

JLjLssentado  ^  a  itba  do  betele  se  deuia  de  tomar ,  par- 
tiose  ho  goueraador,  leuandoa  ordft  que  trouuera  atelk 
£  atrauessando  ho  golfão  da  enseada,  chegou  bfla  ma-^ 
nbaâ  a  esta  ilha,  que  se  cbamaua  então  do  betele,  & 
agora  se  chama  dos  morto»,  que  eomo  disse  está  o}to 
legoas  de  Diu ,  quasi  pegada  «õ  a  tetra  lirroe  lerá  hfla^ 
legoa  de  roda  pouco  maia  ou  i»enos :  da  banda  da  norte- 


72  OA    BfSTOBIA    DA    ÍNDIA 

tô  hú  canal  dallura  de  ires  braças,  &  da  bSda  do  sul 
bus  ilheos  com  Q  fíca  estreita  a  passagem  pêra  a  terra 
firme.  Oa  de  leste  13  bo  rio  Q  a  aparta  da  terra  firme, 
da  doeste  bo  mar.  E  de  todas  be  cercada  de  alto  rocbe? 
do,  &  fica  muyio  alta  sobre  bo  mar.  Êpera  ser  bda  da^ 
mais  fortes  cousas  do  mundo ,  não  lhe  faltaua  mais  qua 
ser. cercada  de  muro,  que  Ibe  el  rey  mandaua  fazer, 
pêra  fazer  outro  Diu,  receando  Q  lha  tomassem:.  ppr<; 
que  de  nenbQa  parte  se  podia  lambe  fazer  guerraaDiíi 
como  dali,  do  que  os  goueroadores  tinhâo  pouco  cuydar 
do.  A  esta  ilha  chegou  bo  gouernador  b&  dia  pola.ma-i 
nhá$:  &  v6do  os  mouros  tamanha  armada ,  temerãfie.(| 
08  tomassem.  E  querendo  fazer  concerto  coro  bo  gouern 
nador,  auido  seguro  dele,  foylhe  falar  bo  capitão  da  i^ 
Iba :  &  pediolbe  i\  os  deixasse  ir  com  suas  molberes ,  fi- 
lhos &  fazêdas,  &  que  lhe  deixaria  a  ilha.  £  bo  gouer<< 
nador  não  quis ,  se  não  ^  ele  sómSte  se  fosse  com  suasí 
molheres,  filhos  &  fazêda;  &  que  os  outros  se  lhe  auião 
dStregar,  &  bo  capílâo  não  quis.  E  isto  ^  ho  gouerna-f 
dor  fez,  foy  contra  ho  parecer  de  todos.  E  aquele  dia 
assentou  ho  gouernador,  Q  ao  outro  dia  desse  na  ilha 
manhaã  ciara:  &  a  primeyra  entrada  fosse  Dei tor  da 
silueira,  que  cometeria  da  banda  do  ponente  onde  ea- 
taua  a  porta  da  fortaleza,  &  da  banda  do  leuante  Diogo 
da  silueira,  &  da  do  sul  Martim  Afonso  de  melo  jusar- 
te ,  &  Francisco  de  saa ,  &  os  outros  capitães  irião  re- 
partidos coeles.  Isto  assentado,  foy  IVIarlim  afonso  de 
melo  JMsarte  em  anoytecêdo  por  mãdado  do  gouernador 
ver  ho  desembarcadoyro  da  ilha.  E  achando  que  era  bõ, 
tornou  cõ  recado  ao  gouernador,  &  despois  ao  seu  na- 
uio.  E  confessouse,  &  encomSdouse  a  nosso  Senhor,  co«- 
010  fazião  todos  os  da  armada.  Os  mouros  como  estauão 
determinados  de  /norrerê  antes  que  se  entregarem ,  fí- 
zerão  setecentos  deles  os  cercilhos  como  clérigos,  2}  assi 
bo  custumauão  quãdo  determinão  de  morrer:  &  estes  sa 
chamão  bolucbes,  gente  de  feyto.  E  boseu  capitão  quey*^ 
mou  suas  molheres,  filbos  &  fazenda:  &  assi  bo  fizerão 


LIVRO   VIU.    CAPITVI.O   XXX.  73 

todos  OS.  casados ,  por  não  terem  embarcado  pêra  pas- 
sarS  a  terra  íirnie ,  &  a  gSte  pobre  passou  a  nado.  E  ho 
tesoureyro  dei  rey  de  cambaya,  se  passou  em  hfla  pe- 
quena jangada  de  madeyra  com  ho  dinheiro  que  tinha. 
Assi  que  nSo  ficou  na  ilha  mais  que  a  gente  de  peleja  • 
que  acabando  de  queymar  as  moíheres ,  &,  os  filhos ,  <} 
foy  três  ou  quatro  horas  ante  manhaã,  derão  fogo  a  essa 
arlelharia  Q  tinhão  por  mandado  do  capitão,  &  coela, 
&  com  espingardas  começarão  de  tirar  a  aigus  nauiod 
nossos  que  estauão  a  sombra  da  ilha ,  &  tão  perto  que 
ouuião  os  nossos  aos  mouros  chamarlhes  perros ,  &  que 
ali  auião  de  morrer.  E  os  nossos  lhe  começarão  tambS 
de  tirar,. &  era  ho  luar  tão  claro  que  os  enxergauao 
muyto  b6,  &  começouse  hfi  áspero  jogo  de  bombarda- 
das,  &  espingardadas  de  hQa  parte  &  doutra.  £  vSdo 
ho  gouernador  que  se  gastaua  naquilo  a  poluora  dos  nos- 
sos debalde,  não  quis  estar  polo  que  se  determinara  no 
conselho  de  dar  na  ilha  manhaã  clara ,  &  mãdou  dar  lo- 
go ,  que  foy  muyto  ante  manhaã ,  pêra  o.  que  mandou 
fazer  sinal  cõ  as  trõbetas  &  charamelas :  o  que  foy  gran- 
de erro ,  pelo  ^  se  disso  seguio.  Ouuido  este  sinal  pela 
armada,  embarcarãse  logo  todos  com  grande  pressa  hua 
quinta  feyra  a  dous  dias  deFeuereyro,  dia  da  purifica- 
ção de  nossa  Senhora.  E  cometerão  cõ  seus  capitães  á 
ilha  pelas  partes  que  lhes  forão  assinadas,  não  cessando 
os  mouros  de  desparar  sua  artelharia  &  espingardaria, 
mas  não  fazião  nojo  coela.  Eytor  da  silueira  por  ter  a 
primeira  entrada,  foy  o  que  cometeo  primeyro  a  porta 
da  fortaleza,  Q  os  mouros  (inhâo  entulhada  de  pedra  & 
terra.  O  !|  os  nossos  não  entenderão  cÕ  ho  açodamSto  ^ 
tinhão  de  a  quebrar ,  &  tambê  não  o  Sxergarão  cõ  a 
sombra  do  muro,  &  trabalhauâo  pela  derribar  cõ  hil  vay 
&  vê.  E  tãto  ãdarão  neste  trabalho  ^  amanheceo,  &6tão 
enxergarão  como  a  porta  estaua ,  &  disserãno  a  Eytor 
da  silueira  que  estaua  ao  pé  da  escada ,  í\  ficou  muy  a- 
gastado  por  lhe  terS  feridos  algfls  despingarrladas,  &ter 
necessidade  descada  pêra  sobir  ao  muro,  &  mãdou  logo 

LIVRO  viir.  K 


74  DA    HISTOaiA   pA    INDrA 

por  ela.  E  entretanto  íicou  ás  eiipingardadascomosmoti^ 
rosy  ^  nâo  reeebião  tAto  nojo  por  estarem  cubertos  c5 
ho  muro,  como  faziâo  aos  nossos  que  estauâo  descuber*- 
tos.  E  nisto  derâo  hQa  espingardada  aEytor  da  silueira 
na  cosa  da  perna  dereyla  que  lha  vazou,  passandollie 
as  escarcelas :  &  achouse  logo  tão  mal  ^  bo  leuarào  ao 
batel.  E  chegando  a  escada,  sobio  a  sua  gente  ao  mu- 
ro: &  ho  cõtrameslre  do  seu  gaieâo ,  a  Q  nào  soube  ho 
nome ,  nâo  podendo  sobir  pela  escada  por  a  genie  ser 
niuyta ,  sobio  pola  taça  ^  leuaua  ate  que  lacou  a  mào 
ezquerda  ao  muro,  &  se  pegou.  E  arrancando  cõ  a  di« 
reyta  a  espada,  deu  bua  estocada  a  bú  mouro  Q  ho  der* 
ribou :  &  os  outros  nâo  ousarão  de  chegar  a  ele  polaa 
espingardadas  t\  os  nossos  tírauào  muy  bastas.  E  neste 
tSpo  começarão  os  mouros  de  despejar  daqle  lugar,  por- 
que ouuiáo  grande  grita,  &  reuolia  na  iiha:  &  íoy  ^ 
nesta  delen<^a  ^  os  Deitor  da  silueira  tízerà  em  sobir^ 
eometeo  Diogo  da  silueira  peia  parte  que  lhe  foy  as8Í« 
nada:  &  foy  ho  primeiro  capitão  i)  subio,  &  subirão 
coeie  deZ  liomSs  do  gaieâo,  S  que  hia  Marlim  de  eras- 
to  capitão  dele,  Fernão  de  crasto,  Gil  de  craslo,  Luys 
Coutinho,  Francisco  de  souda^  Payo  rodrigues  daraujo, 
António  de  sá,  Lionel  de  sousa ,  loáa  aiuarez  dazeue^ 
do:  &  Anrrique  de  sousa  ho  galego.  E  a  pos  estes  so» 
birâo  logo  Diogo  de  melo ,  Fernão  de  lima ,  Liunel  de 
lima,  lorge  de  lima,  dom  Vasco  de  lima,  Vasco  pirez 
de  sãopayo,  dom  Adanuei  de  meneses,  dom  Francisco 
de  crasto,  &  outros  a  qlie  na  soube  ho  nome,  {)  erã 
dez :  &  acharão  Diogo  da  silueyra  cõ  os  outros  i\  os  ti- 
nhào  os  mouros  em  grande  aperto  por  serS  roij}tos,  & 
eles  poucos.  E  se  estes  n«^o  sobreuieram  firase  em  grã* 
de  fadiga:  &  cÕ  sua  vinda  &  de  IMartim  afonso  de  me- 
lo: que  chegou  c5  sua  gSte  os  iizeráo  afastar:  &  carre- 
gando sobre  eles  os  leuarào  ate  jâto  de  hu  cobelo,  onde 
se  apinboarão  bem  qtiatro  cenios ,  &  aly  fizerão  rosto 
aos  ik)Ssos,  pelejando  brauamSte  cÔ  espingardadas  &(re-' 
ebadas:  &  algils  que  eslauão  no  Cobelo  os  ajudauatn  de 


LIVRO    Vííl.    CAPITVLO  XXX.  75 

cima  c6  pedras  &  cantos  I)  deytauâo  aos  nossos.  E  acer- 
tou híí  canto  na  cabeça  a  Diogo  da  silueyra ,  (]  foy  ho 
primeiro  ^  chegou  a  elles  <}  ho  derribou:  &  assi  forão 
derribados  outros  que  quiserão  chegar  coele.  Por6  Dia* 
go  da  silueira  &  eles  se  aleuantarão.,  &  era  a  peleja  ta* 
roanha  !\  era  espâto.  E  cõ  quanto  a  este  tempo  se  ti- 
nhão  ajuntados  muytos  dos  outros  capitaSs  cÕ  Diogo  da 
silueyra ,  não  podiSo  entrar  os  mouros ,  tambS  se  defen- 
dião :  principalmSte  despois  ^  foy  ter  coeles  ho  seu  ca- 
pitsío  cõ  outros  três  mouros  de  caualo.  E  decSdose  se 
ajuntou  coeltes  esforçãdoos  c5  grandes  alaridos.  E  tam- 
bém da  nossa  parte  se  ajuntarão  todos  os  capitães  2| 
eram  ja  entrados  cÕ  sua  gSte ,  &  de  cada  vez  a  peleja 
era  mais  áspera.  E  estado  em  peso  remèleo  lorge  de  li- 
ma ao  capitão  dos  mouros  &  ferioho  de  maneyra  ^  ho 
matou :  &  cõ  sua  morte  enfraquecerão  os  mouros ,  de 
que  muytos  erão  mortos :  &  se  forão  recolhendo  pêra 
hiia  mezquita,  onde  se  meterão  muytos,  &  outros  (\  não 
poderão  por  os  nossos  os  apertarê,  fugiram  cÕtra  as  bar- 
rocas da  banda  do  mar,  &  parle  dos  nossos  ficarão  cõ 
Diogo  da  silueyra  pelejando  *cõ  os  que  se  acolherão  à 
mezquita,  parle  forão  seguindo  os  ()  fugião  caminho  das 
barrocas,  por  onde  se  lançauam  abayxo:  &  muytos  des- 
tes forão  mortos.  E  matado  h(l  Português  hQ  mouro,  ou- 
tro mouro  que  hia  em  sua  companhia,  vendo  que  nã  po- 
dia escapar,  virou  ao  Português  pêra  ho  ferir,  &  ele 
lhe  deu  cõ  a  lança  poios  peytos  &  ho  passou  da  outra 
parte ,  &  ho  mouro  se  deixou  correr  pola  lança  assi  a- 
trauessado,  ate  se  ajuntar  cõ  ho  Português  &deulheh(ia 
cutilada  cÕ  hQ  terçado  que  lhe  cortou  hfla  coxa  cercea, 
&  cairão  ambos  cadahO  pêra  seu  cabo.  (^  deste  esforço, 
&  força  auia  muitos  antre  os  mouros,  de  l\  quãtos  se  a- 
colherão  á  mezquita  forão  mortos.  E  acabado  de  os  ma- 
lar chegou  ho  gouernador,  &  achou  os  nossos  á  caçacõ 
os  mouros  que  fugião  pêra  as  barrocas,  por  onde  se  dey- 
lauSo  a  correr:  &  muitos  cayão  com  pressa,  &  faziãose 
6  pedaços  por  aQles  penedos ,  &  os  outros  lançauSo«e 

K  2 


76  BA   HISTORIA    BA    ÍNDIA 

delles  ao  niár  ^  delles  se  metiSo  debaixo  de  lapas.  E  os 
nossos  ^  acudião  todos  a  esta  parle  por  ser  a  peleja  a- 
cabada  estauão  em  atalaya :  &  em  se  os  do  mar  ou  os 
das  lapas  descobrindo,  lirauâolhe  cõ  as  espingardas,  & 
assi  matauão  muyloç.  E  porque  se  perdido  ntuytos  tiros, 
mandou  ho  gouernadur  ^  nSo  tirassem  mais,  &  foy  cor- 
rer a  ilha,  onde  não  achou  nenhíí  mouro,  Q  quasi  todos 
forão  mortos  &  calinos.  Eporisso  chamarão  dali  pordiS- 
te  a  esta  ilha  a  dos  morlos.  E  dos  nossos  morrerão  dÕ 
Francisco  dabrãnches,  loão  aluarez  dazeuedo,  &  outros 
fidalgos  &  homSs  conhecidos,  Q  erão  por  todos  dezasete. 
E  forão  feridos  cento  &  vinte ,  de  que  despoys  morre- 
rão alg&s.  E  posto  que  a  vitoria  foy  grande  cuslou  muy- 
to  caro,  &  deu  mays  perda  que  prouej^lo,  porque  não 
auia  nhQa  necessidade  de  matar  então  aquelles  mouros, 
&  muyto  grande  de  poupar  os  nossos  pêra  tamaaho  fei* 
to  como  ho  de  Diu. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXI. 

De  como  ho  gouernador  chegou  a  Diu^  ^  cofno  soube 
que  Rumecáo  esíaua  dentro^  com  rumes  ^  ar  telharia. 

iVXortos  &  catiuos  todos  os  mouros  que  auia  na  ilha  & 
destruida  &  queymada  a  fortaleza  que  se  começaua,  & 
recolhida  sua  arlelbaria,  recolheo  se  ho  gouernador  á 
frota  com  todos  os  nossos,  em  que  se  logo  começou  den- 
xergar  algo  desmayo  pelo  dano  que  receberão  na  des* 
truyqão  da  jlha :  assi  dos  mortos  que  eram  pessoas  prin- 
cipaes,  como  dos  feridos,  de  que  muytos  ho  eram,  & 
auiam  de  fazer  grade  mingoa  no  fejto  de  Diu ,  assi  co- 
mo Eytor  da  silueyra  que  de  cada  vez  se  acbaua  peor : 
&  era  hQ  dos  esforçados  capitães  da  armada  &  de  bÕ 
conselho,  &  ele  foy  hum  dos  que  ho  deu  que  não  se  to- 
masse a  jlha  antes  de  Diu.  E  recolhido  ho  gouernador 
deyxouse  ali  estar  oyto  dias  esperando  polo  judeu ,  ou 
polo  mouro  que  tinha  em  Diu  por  espias,  que  leuassem 


LIVRO   VIIK    CAPITVLO  XXXI.  77 

auiso  de  como  estaua,  o  que  nâo  pode  ser,  por^  seys 
dias  antes  que  chegasse  á  ilha  dos  mortos,  polas  de(en- 
i^as  que  fez,  chegou  S/lustafa,  Q  depoys  se  chamou  Ru* 
mtcao,  que  inuernando  no  estreito  (couio  disse  atras) 
se  partio  pêra  a  índia  com  determinação  de  jr  morar  a 
Cambaya,  &  viuer  cõ  elrey  que  se  seruiria  dele  polas 
guerras  i)  tinha.  £  roeste  fundamento  se  foy  diante  Co- 
je  çofar  com  ho  dinheiro  Q  tinha  do  Turco ,  Q  erào  tre- 
zentos mil  cruzados:  &  foy  desembarcar  a  Diu.  £  des* 
poys  chegou  Rumecão  em  hd  galeão ,  &  com  a  outra 
frota  em  que  leuaua  suas  molheres,  &  seyscentos  ru- 
mes ,  &  três  basaliscos  de  metal ,  cada  hú  de  trinta  & 
dous  palmos,  que  erâo  a)uy  formosas  peças:  &  assi  ou- 
tras miúdas,  &  mil  &  trezSlos  Arábios.  £  cõ  toda  esta 
gente  foy  ter  a  Diu,  onde  foy  muy  b6  recebido  de  Me- 
lique  tocSo,  que  estaua  muy  to  medroso  da  grande  ar- 
mada que  sabia  que  ho  gouernador  leuaua.  £  polo  que 
ho  judeu»  &  ho  mouro  lhe  tinham  dito  estaua  determi- 
nado de  dar  fortaleza  ao  gouernador.  £  Rumecão  Q  ho 
entendeo  ho  prouocou  a  Q  ho  não  lizesse,  poSdolhe  dian- 
te quam  forte  estaua  Diu ,  assi  de  gente  ( porque  auia 
nele  treze  mil  homSs  de  peleja)  como  dartelharia:  pori} 
08  baluartes ,  assi  da  fortaleza  como  da  vila  dos  Rumes 
estauão  muy  bem  bastecidos  dela.  £  a  cadea  que  atra- 
nessaua  ho  porto  que  fazia  muy  grande  impedimêto  na 
entrada  &  dentro  dela  setSta  &  três  fustas,  queerahúa 
grossa  armada :  &  estaua  tam  forte  que  podia  pelejar 
com  todo  ho  mCLdo  &  defenderse :  quanto  mais  dos  Por- 
tugueses que  não  auião  de  ser  tantos :  pelo  que  lhe  se» 
ria  cousa  vergonhosa  &  de  grade  vitupério  &  desonrra, 
fazer  nenhu  partido  com  ho  gouernador  quàto  mays.dar- 
Ihe  fortaleza ,  que  pois  lhe  parecia  que  os  nossos  leua- 
uSo  tamanho  poder  ^  despejasse  a  cidade  da  fazenda  & 
da  gente  Q  não  era  pêra  pelejar ,  &  ficasse  a  de  peleja 
&  a  defendesse  coela.  £  se  os  Portugueses  podessem 
mais  &  08  entrassem,  Q  estariào  despejados  pêra  se  sal- 
var. £  se  06  não  entrassem  que  tornarião  a  recolher  o 


73  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

t\  teuessetn  fora,  &  íicarião  descansados.  Eisto  pareceo 
bS  a  Melique  locâo ,  &  assi  se  fez.  E  mais  mandou  que 
sopena  de  morte  não  se  saísse  nenhu  dos  mercadores 
estrãgeyros  que  neia  eslauão,  por^  estes  pelo  (\  lhe  com* 
pria  ajudariâo  a  defender  a  cidade,  &  mais  não  daríão 
nenhii  auiso  ao  gouerAador  do  que  determinauâo  de  fa« 
2er.  E  por  islo  nem  ho  judeu  nem  ho  mouro  nâo  pode* 
ram  sayr  da  cidade  &  dar  auiso  ao  gouernador,  que  se 
andara  mais  de  pressa  &  chegara  antes  deRumecâo,  ú^ 
zera  muyto  seruiço  a  Deos  &  a  el  Rey,  &  ganhara 
grande  honra  em  se  lhes  dar  fortaleza  em  Diu,  que  era 
a  mais  forte  cousa  que  auia  na  índia,  &  de  que  mou* 
ros  &  Rumes  faziâo  todo  seu  fundamento,  pêra  dali  dei-^ 
larem  os  nossos  fora  dela.  E  vendo  ho  gouernador  ^  lhe 
tardaua  ho  recado  2|  esperaua  não  quis  mais  esperar,  & 
parliose  pêra  Diu,  onde  chegou  hu  domingo  á  tarde 
onze  de  Feuereiro,  &  surgio  ao  mar  quasi  hOa  iegoa 
da  cidade:  sabendo  já  a  vinda  de  Rumecclo  por  lingoa 
^  tomou  António  correa.  E certo  que  fez  espanto  na  ci- 
dade húa  armada  tamanha  &  tam  poderosa  como  a  nos^ 
sâ  pcirecia.  E  se  Rumecão  não  esteuera  dentro,  Meli- 
que rogara  com  fortaleza  «lo  gouernador ,  &  Q  ho  não 
destruísse.  E  ainda  Rumecâo  teue  que  fazer  em  lho  es-' 
toruar:  ate  dizerlhe  (\  se  saisse  da  cidade,  &  que  ele  a 
defenderia  cõ  a  gente  que  trouuera ,  &  co  os  merca- 
dores. E  ele  tinha  mandado  minar  todas  ns  ruas  da  cí^ 
dade,  &  encher  as  minas  de  poluora  pêra  lhes  dar  fogo^ 
se  os  nossos  entrassem.  E  mandoulhes  tirar  cÕ  os  seus 
tiros ,  principalmente  á  capitaina ,  i\  ate  noite  não  (íze- 
râo  outra  cousa.  E  caíra  três  pelouros  tS  perto  dela  !\  o 
gouerna4or  mandou  alargar  as  amarras  pêra  íicar  mais 
lõ^e  que  lhe  não  íizesem  os  pelouros  nojo.  E  nííca  quis 
mandar  tirar  á  cidade ,  esperando  ainda  por  recado  das 
suas  espias ,  pêra  determinar  o  que  auia  de  fazer. 


LIVRO   VIII.    OAPITVLO  XXXII.  79 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIL 


De  como  ho  gouemador  deu  bateria  a  Dm^  ^  do  que 

lhe  acoHteceo. 

JlLO  outro  dia  em  saindo  ho  sol  apareceo  muyla  gête 
poios  muros  &  baluartes  da  cidade,  vestidos  de  cabayas 
de  graâ  que  se  viàó  muylo  bê,  &  logo  os  baseliscus  cios 
rumes  comedirão  de  disparar  &l  tirauào  pelouros  de  me- 
tal:  &  de  ferro  coado  de  peso  d<»y(Sta  arralCs ,  segudo 
se  vio  por  algíis  Q  cairá  em  nauios  nossos,  Q  nam  tize- 
rão  nojo.  E  vendo  ho  gouernador  isto  &  que  não  vinha 
oenh&a  das  suas  espias  desesperou  de  virê,  &  determi* 
nado  de  dar  bateria  á  cidade  |K>r  luar  mandou  a  António 
correa  que  chegasse  até  a  cadea  £[  çarraua  ho  porto  pe<- 
ra  descobrir  a  artelhana  ^  auia  nos  baluartes,  &  se  es«- 
taua  algua  armada  no  porto,  &  António  correa  foy  co8«- 
teàdo  a  ilha  cosido  cÕ  terra ,  polo  nao  pescar  a  artelha- 
ria,  assi  dos  baluartes  da  cidade  como  do  da  vila  dos 
rumes,  que  chouia  sobre  eles  pelouros,  &  assi  ho  ga** 
]eáo  dos  rumes  Q  estaua  de  fora  da  cadea ,  &  as  fustas 
Q  estauão  de  dentro,  ho  i\  tudo  muy  bem  visio  por  ele 
s^  tornou  ao  guuernador  Q  estaua  no  galeão  sào  Dinid 
cÕ  Eylor  da  silueyra,  i\  se  iinou  a{|le  dia  da  espingar- 
dada  t)  lhe  derào  na  ilha  dos  mortos.  E  sua  morle  fez 
grande  espanto  na  gente  comú  por  ele  ser  dos  princi^ 
pães  capitaSs  da  armada  &  bem  quisto,  &  sabt*ndo  ho 
gfueraador  por  António  correa  como  a  cidade  estaua 
forte  p<>la  banda  do  mar,  mãdoulhe  que  fosse  saber  sua 
df^sposii^^o  da  banda  da  terra,  &  sabida  lhe-  tornou  a  di- 
7er  que  da^la  parle  não  tinha  artelharia  &  que  estaua 
irara  por!)  a  mayor  fortaleza  ^  tinha  era  híia  caua  bai- 
Jta  ()  logo  se  piidia  atupir,  &  {)  do  desembarcadouro  à 
cidade  seria  perto  de  hàa  legoa ,  &  (j|  daquela  parte  lhe 
parecia  (j[  aueria  pouco  em  a  t(»mar ,  o  que  não  podia 
ser  |)or  bo  gouernador  nâ  hir  aparelhado  pêra  dar  bate* 


80  SA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

ria  por  terra.  E  então  vío  ho  erro  t[  fizera  3  se  deter  tâ- 
to  no  caminho,  &  em  fazer  tamanho  gasto  como  fez  em 
fazer  a^la  armada  pêra  ir  a  Diu  sem  saber  muito  bem 
sua  disposição,  &  que  gente  lhe  era  necessária  pêra  ho 
tomar.  E  neste  dia  senão  fez  roais ,  &  ao  outro  pola 
nienhaã  se  ajuntarão  no  seu  galeão  os  capitaSs  da  arma- 
da aque  disse  ho  auiso  que  esperaua  da  cidade ,  &  a 
fortaleza  que  tinha  da  bãda  do  mar  &  da  terra,  propon» 
do  per  qual  seria  melhor  daremlhe  bateria,  &  foy  deter- 
minado que   posto  que  a  bateria  não  se  podia  dar  benat 
por  mâr  por  amor  do  arfar  dos  nauios ,  4  P^í^  ^'^  esta- 
•uâo  que  se  desse  do  roàr,  por!^  da  terra  uão  podia  sêr, 
por  a  distancia  que  auia  do  desembarcadoico  á  cidade 
ser  grade  pêra  se  leuar  a  artelharia  por  terra»   E  poslo 
Q  se   podéra  leuar  não  auia  tanta  gente  que  podesse  Rr 
car  na  frota  pêra  pelejar  co  a  armada  dos  imigos  se  lh<^ 
saise ,  &  podesse  jr  á  bateria  pêra  goardar  a  artelharia 
com  {|  se  desse:  &  os  imigos  erã  tanta  gente  que  se 
podião  repartir  pêra  pelejar  no  mar  &  defender  a  terra, 
&  por  isso  era  ho  mais  seguro  dar  a  bateria  por  már,  .& 
trabalhar   por  Qbrar  a  cadea  Q  çarraua  ho  porto,  &  en- 
trar dentro  &  tomar  a  armada  dos  mouros  ou  ganhar  ho 
baluarte  do  már  ou  ho  da  barra :  porque  cõ  qual^r  des- 
tas cousas  se  abalarião  os  mouros  pêra  darem  fortaleza* 
E  logo  ali  se  assentou  que  dom  Vasco  de  lima,  lorge 
de  lima,  &  Tristão  homS  cada   hum  em  seu  batel  de 
mantas  que  leuaua  cada  hum  seu  tiro  chamado  liâo  sur- 
giscm   da  lagea  pêra  dentro:  &  dessem  bateria  ao  ba- 
luarte do  mar.  E  que  os  ajudassem  lurdão  de  freytas 
hum  fidalgo  da  ilha  da  madeyra,  &  António  de  sá  (Xe 
Santarém ,  capitães  de  duas  albetoças  que  leuaua  cada 
hua  hu  espalhafato:  &  ao  baluarte  de  Diogo  lopez  ba- 
teria Manuel  dalbuquerque  com  a.  sua  galeaça  que  tira- 
ua  ha  baselísco  por  proa ,  &  auiâno  dajudar  quatro  ca- 
pitães de  quatro  galeotas,  que  tirauâo  quatro  tiros  gros- 
sos. E  os  capitães  forão  Nuno  fernandez  freire,  Fernão 
de  lima,  Manuel  de  Vasconcelos,  &  Vasco  da  cunha: 


LIV&O  TUI.   CAPITVLO  XX^II.  81 

fao  baluarte  da  terra  auia  de  bater  Francisco  de  sâ  ca- 
filão  da  galé  bastarda  com  hum  baselisco  que  tiraua 
ferro  coado  de  peso  do  setenta  arraleSs:  &auiâonodacõ^ 
panhar  quatro  galés  que  tirauão  tiros  grossos:  &  Anto^ 
nio  da  silueyra  com  ho  resto  das  galés:  &  fustaiba  do 
quo  era  capitão  niór,  auia  de  estar  de  sobre  salente  pê- 
ra acodír  se  fosse  necessário,  &  entrar  por  qualquer  por- 
tal que  os  da  bateria  fizessem  no  baluarte  do  mar.  E  n 
outra  armada  doe  galeoSs  &  nauios  grossos  auia  destac 
afastado  obra  de  bua  legoa  de  terra,  [lorque  lhe  não  che- 
gasse a  artelharia  dos  mouros.  Isto  assentado  forão  de- 
semmasteados  os  nauios  da  bateria,  &  fortalecidos  de 
fortes  &  largas  arrobadas:  &  aquela  tarde  os  começarão 
de  rebocar  algds  catures  com  quem  andauão  ho  gouer- 
nador  &  António  de  saldanha:  &  nisto  forão  as  bobar- 
dadas  da  cidade  tantas,  principalmente  dos  baluartes 
que  auião  de  ser  batidos,  que  os  que  rebocauão  Fran*- 
cisco  de  sa  ho  deyxarão  longe  donde  auia  destar,  po- 
rem IManuel  dalbuqueirque  foy  leuado  ao  posto  donde 
auia  de  bater.  E  por  Francisco  de  sá  ficar  longe  donde 
auia  destar  não  se  deu  ao  outro  dia  a  bateria  como  es- 
taua  assentado,  mas  ouue  hum  brauo  jogo  de  bombar- 
dadas  dâbas  as  partes.  E  na  madrugada  seguinte  quis 
bo  gouernador  mandar  rebocar  Francisco  de  sa,  &  deu- 
se  nisso  tam  má  ordem :  &  assi  por  a  corrente  dagoa 
ser  muy  tesa,  que  amaoheceo  primeiro  que  hoposessem 
no  posto,  então  forão  as  bombardadas  tam  bastas  que 
os  mouros  tirauão  que  não  as  podendo  os  capitães  dos 
catures  sofrer  deyxarão  Francisco  de  sá  mea  leg^oa  don- 
de auia  destar ,  que  foy  grande  desmancho :  &  ho  go- 
uernador dagasludo  de  ver  quanto  esloruo  auia  pêra  Frâ- 
cisco  de  sá  chegar  onde  avia  destar,  mandou  que  toda- 
via se  desse  bateria ,  que  se  começou  ás  noue  horas  do 
dia ,  &  foy  cousa  espantosa  as  bombardadas  que  despa- 
rauã  dhiia  parte  &  doutra,  &  a  grossa  fumaça  que  se 
leuantaua  dambas  as  partes  que  escurecia  ho  ceo  &  a 
terra.  E  em  a  bateria  começado  ex  que  abalSo  qb  tref 

LIVRO   VIII.  L 


•S  HA   HISTORIA   DA   INBIA 

bateis  de  manias  atoados  a  três  catures,  de  qae  érie 
capitães,  Gonçalo  vaz  Coutinho  fidalgo,  Frãcisco  de  bar* 
ros  &  outro.  £  parecia  cousa  desçam io  ver  ires  batejs 
que  parecião  ires  cascas  de  nozes ,  irem  cometer  Ires 
baluartes  que  estauâo  das  mais  medonhas  cousas  do  mun* 
do,  com  os  muytos  pelouros  que  deytauáo,  com  que  pa«> 
recia  que  ardiâo  em  fogo :  &  assi  ibes  tirauâo  as  fustas 
que  estauâo  de  dentro  da  cadea,  &  outras  dantre  boba» 
luarte  da  terra  &  a  vila  dos  Rumes.  £  a  dozentos  |)afr» 
SOS  do  baluarte  do  màr  como  os  pelouros  chouião  mata*» 
rão  dez  remeiros  iio  catur  de  Gonçalo  vaz  Coutinho,  qaé 
rebocaua  ho  batel  de  dom  Vasco  de  lima :  &  ho  arrum* 
barão  de  modo  que  não  pode  passar  auante :  &  al^rgao» 
do  ho  cabo  com  que  leuaua  atoado  ho  batel  ho  deyxou« 
Mas  logo  acodio  outro  catur  que  ho  rebocou:  &  vendo 
lorge  de  lima  como  Gonçalo  vaz  alargara  ho  batel  a  dd 
Vasco,  temeose  Q  Fernão  de  barros  lhe  alargasse  ho 
seu ,  pelo  Q  lhe  bradou  que  ho  não  fizesse  se  não  ^  o 
meteria  no  fundo.  £  como  ele  era  esforçado  não  bo  fea 
por  mais  ^  as  bombardadas  forão,  cõ  que  lhe  matarão 
deus  Portugueses  &  sete  remeiros:  &  foy  ho  poer  a 
quarenta  passos  do  baluarte,  !\  deste  espaço  se  auia  de 
dar  a  bateria.  £  ainda  ali  não  alargou  o  cabo  ate  lhe 
lorge  de  lima  não  bradar  duas  vezes  que  ho  alargasse: 
&  neste  espaço  forão  postos  os  outros  bateis:  &  ficou  ho 
de  dom  Vasco  da  banda  do  mesmo  baluarte.  £  ho  de 
Tristão  home  da  vila  dos  Rumes:  &  ho  de  lorge  de  li- 
ma no  meo.  £  todos  três  começara  de  ho  bater  coni  seus 
tiros  que  deytauâo  pelouro  de  ferro  de  peso  de  quaren- 
ta arralSs :  &  tendoho  aberio  lorge  de  lima  com  três  ti- 
ros que  lhe  tirou,  arrebentou  a  bombarda  no  repairo  ao 
derradeyro,  &  não  pode  mays  tirar,  que  se  isso  não 
fora  ele  &  os  outros  fizerâo  portal  por  onde  se  poderá 
entrar.  £  com  tudo  lorge  de  lima  ho  mandaua  cõcer- 
tar :  pêra  ver  se  poderia  fazer  obra :  &  nisto  lhe  derão 
três  tiros  ao  lume  dagoa  com  que  lhe  arrombarão  ho  ba- 
tel ,  &  lhe  matarão  cinco  Portugueses :  &  |)era  não  se 


LIVKO  VIII.   CAPITVLO  XXXII.  .83 

alagar  mandou  lançar  bo  tiro  a  hiia  bftda.  E  neste  ins- 
tale estando  dom  Vasco  em  pê  no  seu  balei  lhe  leuou 
hum  pelouro  dos  imigos  a  cabeça  com  parte  dos  hõbros, 
respondêdo  ele  ao  seu  condestabre  (que  lhe  dizia  que  se 
abaixasse)  que  nâo  auia  medo  a  pelouros.  E  assi  como 
aconteceo  a  estes  bateis  assi  aconteceo  aos  outros  na- 
uios  da  bateria  que  lhes  não  valerfio  arrombadas  nem 
•  fortaleza  jiera  resistirem  às  brauas  çurríadas  de  pelouros 
-que  lhes  dauão  os  imigos  em  roda  viua:  &  a  todos  ar- 
-rÕbarão,  &  meterão  muytos  dentro,  com  que  lhes  ma- 
tarão assaz  de  gente,  principalmente  a  Manuel  dalbu- 
querque  que  estaua  mais  perto  do  baluarte  que  tinha  a 
cargo.  Eos  mouros  também  receberão  algum  dano,  por- 
que polas  ameas  dhum  pano  do  muro  entrou  bii  pelouro 
nosso  que  acertou  de  dar  em  hum  cayxão  de  poluoraque 
ettaua  junto  de  hum  tiro :  &  acendeose  bo  fogo  na  pol- 
uora.  Equeymou  muytos  dos  imigos,  &  eu  vi  ho  fumo: 
&  aesi  outros  tiros  perdidos  lhes  fizerão  também  muyto 
dano  &  muyto  mais  lho  ouuerâ  de  fazer  se  os  nossos  ti- 
ros grossos  não  arrebentarão  todos  sem  ficar  nenhum.  E 
dissese  que  por  lhe  deitarem  carrega  dobrada  da  Q  le- 
-uauâo:  &  Q  ho  mãdou  assi  ho  gouernador,  por  lhe  pa^ 
recer  que  farião  mayor  passada ,  &  por  isso  se  esquen- 
tarão muyto  roays  do  que  se  esquStárão  cÕ  a  carrega 
própria.  E  arrebentarão  sem  lhes  valer  a  muyta  diligen- 
cia que  os  nossos  poserão  em  os  resfriar  com  vinagre. 
E  estando  assi  a  cousa  que  passaria  de  dez  oras,  que 
tãto  durou  a  bateria  sem  os  tiros  arrebentarem ,  soube 
ho  gouernador  como  os  tiros  erâo  arrebentados,  &  que 
não  fazião  nada ,  &  por  isso  mandou  afastar  esses  na- 
uios  pequenos:  &  os  grandes  por  ho  não  poderem  fazex 
logo,  ficarão  ate  a  tarde. 


I.  S 


84  ]>A   HISTORIA    DA  INBIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XXXIIL 

De  como  ho  gouemador  se  partio  do  porto  de  Diu. 

Jljí  em  se  os  nauios  afastando  derão  os  mouros  grandes 
gritas ,  assi  de  prazer ,  como  por  fazerem  escárnio  dos 
Portugueses ,  &  mostraranse  muytos  poios  muros  &  ba- 
luartes, disparando  sua  espingarderia :  &  nisto  &  em  ti- 
ldar a  artelharia  despenderão  ate  a  tarde ,  que  se  os  na- 
liios  grossos  acabarão  dafastar.  Ho  gouernador  dagasta- 
do  &  descontSte  não  se  quis  tornar  ao  seu  galeão ,  & 
foíse  á  taforea  de  António  saldanba»  &  bi  teue  conselbo 
se  daria  outra  bateria,  &  foylhe  cõselhado  que  não,  por- 
que ainda  que  não  teuera  arrebatados  os  tiros  grossos 
como  os  tinba  não  podia  fazer  nojo  á  cidade,  pola  muy- 
ta  &  muy  grossa  artelharia  que  tinba ,  cÕ  que  lhe  faria 
de  cada  vez  mays  dano.  E  ^  a  cidade  tam  forte  como 
aquela  estaua  não  se  podia  dar  bateria  por  már  pêra  lhe 
fazerem  dano,  se  não  por  terra  detrás  de  mantas  &re- 
pairos.  E  que  se  deuia  de  tornar,  &  deixar  aquele  feito 
pêra  outro  tempo  em  que  se  podesse  milbor  fazer.  £  es- 
tado nisto  supitamSte  despararâo  as  fustas  dos  immigos 
a  sua  artelharia ,  &  assi  os  baluartes  &  muros ,  &  isto 
por  festejarem  ho  prazer  que  tinhâo  da  vitoria.  £  ou- 
uindo  08  Portugueses  aquele  supito,  cuy darão  que  as 
fustas  sahião  a  pelejar  coeles.  E  como  os  nauios  da  ba- 
teria estauão  desaparelhados,  &  eles  assombrados  da  re- 
sistência passada ,  aluoroçarãose  muyto  com  medo :  & 
foy  muyto  grande-  rebate  por  toda  a  nossa  armada.  £ 
se  as  fustas  sayrâo  os  nauios  desaparelhados  correrão 
risco  de  serem  tomados,  mas  não  sayrâo  porque  não  li- 
nha os  imigos  essa  ousadia:  &  cuydauão  que  ti n hão  fei- 
to assaz  em  se  defender:  &  assi  foy,  pprque  se  os  nos- 
sos tiros  não  arrebentarão  tam  asinha  eles  fízerâo  portal 
por  onde  os  Portugueses  entrarão:  ou  quebrarão  a  ca- 
dea,  &  aferrarão  cõ  as  fustas:  &  com  qualquer  destas 


LIVRO   VIII.    CAPITVLO  XXXIIII.  85 

a  cidade  se  tomara.  £  porque  o6  nauios  da  baleria  es- 
tauâo  desaparelhados,  &  era  necessário  aparelharense 
foy  forçado  ao  gouernador  dçlerse  ali  a  ses  la  feyra  se- 
guinle,  &  sábado 9  &  domingo:  &  seguda  feyra  se  par- 
tio  pêra  a  ilha  dos  mórlos.  Eos  mouros  Q  ho  virão  ir  fi- 
carão liures  do  grande  medo  que  linhâo  de  os  entra- 
rem:  &  Mustafa  muyto  soberbo  por  fazer  que  não  se 
desse  Diu  ao  gouernador.  £  assi  ho  fez  cerlo  a  ei  Rey 
de  Cambaya ,  pêra  quem  se  logo  foy ,  a  que  contou  ho 
que  passaua,  &  lhe  fez  seruiço  da  arteiharia  que  trou- 
uera.  E  por  tudo  isto  lhe  fez  el  rey  grandes  honrras  & 
mercês,  assi  de  renda  como  de  nome  de  cão,  que  an- 
treies  he  muylo  estimado.  £dali  adiãle  se  chamou  Ru* 
mecão:  &  era  dos  mays  bonrrados  capitães  dei  Rey  de 
Cambaya,  &  mais  seu  priuado,  &  de  que  ele  fazia 
mayor  conta,  do  £[  Melique  toca  ficou  muylo  magoado: 
&  secretamente  imigo  de  rumecâo»  &  receoso  que  ei 
rey  lhe  desse  a  capitania  de  Diu. 

CAPITVLO     XXXIIII. 

Do  que  ho  gouernador  fez  despoys  de  se  yr  de  Diu- 

x^hegado  ho  gouernador  á  ilha  dos  mortos,  teue  ali  cÕ- 
selho  com  todos  os  capitães  &  fidalgos  da  armada ,  que 
por  quanto  os  mouros  de  Diu  auião  de  ficar  muyto  so- 
berbos por  bo  gouernador  os  não  poder  tomar ,  ia  auião 
de  cuydar  que  não  podia  nada ,  era  necessário  pêra  ^ 
de  todo  não  perdesse  bo  credito  ficar  na  costa  de  Cam- 
baya  hfta  grossa  armada  que  destruísse  os  mays  dos  lu- 
gares que  podesse ,  principalmente  Baçaim  em  que  el 
Rey  de  Cambaya  começaua  de  fazer  outro  Diu.  £  co- 
meçasse na  cidade  de  Goga  que  he  dentro  na  enseada 
dezasele  legoas  da  ilha  dos  mortos :  &  coisto  se  restau- 
raria em  parte  ho  reués  que  os  Portugueses  receberão 
em  Diu.  É  assentado  de  se  fazer  assi,  conuiduuse  An- 
tónio de  Saldanha  pêra  ficar  por  capitão  mor  desta  ar^ 


\ 


86  DA   mSTORIA    DA   ÍNDIA 

mada :  &  bo  gouernador  lho  concedeo  por  ser  pessoa  de 
merecimento,  &  por  ler  feyto  muyto  seroiço  na  Índia  a 
el  rey  de  Portugal:  &  deulhe  a  galé  bastarda  em  que 
ficasse  &  oyto  galés  outras  com  quarenta  fustas :  &bar- 
gantins  em  que  ficarão  passante  de  mil  Portugueses  to- 
dos gente  escolhida ,  &  com  a  outra  armada  se  foy  ho 
gouernador  a  Chaul,  cuja  capitania  por  estar  vaga  deu 
a  Diogo  da  silueyra  seu  cunhado.  £  de  Chaul  se  foy  bo 
gouernador  a  Goa,  dõde  mandou  ao  estreylo  a  dom  An- 
tónio da  silueyra  por  capitão  mór  de  hQa  armada  &  deu- 
lhe a  galeaça  em  que  foy :  &  os  outros  capitães  a  fora 
ele  forãoMartim  de  crasto,  lorge  de  lima,  Anrrique  de 
macedo,  António  de  lemes ,^Ioão  rodriguez  paez,  todos 
em  galeões.  E  deulhe  por  regimento  que  fosse  ver  Adem 
a  saber  dei  rey  se  tinha  necessidade  de  sua  ajuda:  &ten- 
doa  lha  desse.  E  arrecadasse  as  páreas  que  deuia.  Ebo 
gouernador  ficou  em  Goa  onde  auia  de  ter  hoinuerno.  E 
porque  pola  ida  de  Afonso  mexia,  que  se  fora  pêra  PoN 
tugal  aquele  anno  ele  ficaua  por  vedor  da  fazenda  até  el 
Rey  prouer,  ho  que  lhe  era  pejo  por  a  grande  ocupação 
que  tinha  na  gouernãça  da  índia.  Por  se  descarregar  dos 
negócios  da  fazenda  fez  ouuidor  dos  feytos  dela  ao  licen- 
ciado Lopo  fernandez  de  Castanheda  que  atelí  seruira 
douuidor  geral  da  índia  na  vagante  do  licenciado  João  do 
soyro:  &  auiao  de  ser  dali  por  diante  ho  doutor  Anfonie 
de  macedo,  que  vinha  prouido  por  el  Rey  deste  officio. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXXV. 

De  como  António  de  Saldanha  destruyo  a  cidade  de  Go- 
ga^^do  mays  que  fez  na  costa  de  Cambaya. 

xxntonio  de  saldanha  que  ficaua  na  costa  deCambaya 
com  a  armada  que  disse,  partido  ho  gouernador  pêra 
Chaul ,  partiose  pêra  a  cidade  de  Gt)ga  l\  he  na  ensea- 
da como  disse,  situada  na  boca  de  hum  steyro  rasa  sem 
nenhfla  fortaleza,  pouoado  de  mouros  mercadores^  ^ou- 


LIVAO  VIII.   GAPITVLO  XXXV.  87 

«indo  como  a  nossa  armada  bia  dt^spejarão  bo  mays  que 
poderão.  £  neste  tempo  acertou  deslar  ali  bua  armada 
de  Malabares  deCalicul  de  vinte  cinco  paraos  carrega-» 
dos  de  pimenta  que  leuauâo  a  vender.  IC  estes  sabendo 
a  vinda  de  António  de  saldanba,  &  nSo  lendo  outro  re* 
médio  vararão  os  paraos  polo  esteyro  acima  obra  de  biía 
lagoa  da  cidade :  se  poserâo  em  renque  julos  hiis  dos 
outros,  com  seus  tiros  darlelharia  nas  proas:  &  os  le- 
mes atrauessados  nelas  pêra  mays  fortaleza :  &  a  gente 
detrás  com  mostra  de  se  defender ,  posto^  algua  se  foy 
pêra  á  cidade  a  ajudar  algQs  mouros  que  nela  íicarào 
porque  os  mays  erão  acolhidos  com  medo  dos  Portugue- 
ses que  chegarão  á  cidade^bum  dia  pola  menbaâ,  &Jo* 
go  desembarcarão:  &  diante  de  todos  Fernão  rodriguez 
barba,  que  ieuaua  a  primeyra  entrada.  £  por  derradey<* 
ro  António  de  Saldanha.  £como  a  gente  que  esíaua  na 
cidade  era  pouca  defendeose  pouco,  Q  logo.  fugirão  ficaa<* 
do  alg&s  mortos  assi  guzarates  como  malabares :  &  en« 
Irada  a  cidade  foy  saqueada.  £  porque  António  de  saN 
danha  sabia  que  a  armada  dos  malabares  estaua  peio  es- 
teiro acima,  determinou  de  a  hir  destruyr.  E  partio  pê- 
ra lá  despoys  de  comer ,  &  foy  por  terra  fey tos  ires  es- 
Goadroês  de  sua  gête.  A  capitania  do  dianteyro  que  se- 
ria de  dozentos  bomês  deu  a  Fernão  rodriguez  barba.  £ 
a  do  segundo  ^  seria  de  trezentos  deu  a  Francisco  de 
Vasconcelos.  E  ho  terceyro  deyxou  pêra  si  que  seria  de 
quinhentos  homSs.  £  indo  nesta  ordem  chegou  a  húa 
grade  varzia ,  [)or  onde  na  borda  do  esteyro  estaua  va- 
rada a  armada  dos  malabares,  que  como  os  Portugueses 
forão  deles  a  tiro  de  bombarda,  lhes  começarão  de  tirar 
com  a  artelharia  que  jugaua  muyto  a  miude:  mas  nem 
por  isso  deyxarão  eles  de  passar  auàte.  E  rompendo  por 
antre  aquela  multidão  de  pelouros  inuestirão  cõ  os  pa- 
raos, &  08  mouros  como  virão  a  cõcrusão,  &  que  os 
Portugueses  queriâo  pelejar  coeles  sem  nenhfl  medo, 
ouueràolbu  tamanho  que  fugirão:  &  deyxarão  os  paraos^ 
sem  morrer  nenhum  Português,  que  acabando  os  jmmir^ 


88  SÁ   HISTOBU    DA   ÍNDIA 

go8  de  fogtr  coroe^rão  logo  dapanhar  essa  pimi^nla  que 
eles  tinhão.  E  (emendo  Anlonio  de  Saldanha  Q  se  carre- 
gassem muyto:  &  que  tornassem  os  imigos  sobreles  & 
nâo  se  podessem  defender  como  muylas  vezes  se  faz^' 
mandou  dar  fogo  aos  paraos.  E  arderão  iodos  com  quan- 
ta pimenta  tinhão,  do  que  os  soldados  ficarão  muito  ma-i 
goados,  porque  perderão  ati  muyto:  &  ficarão  assaz  de 
desconíêtes  de  António  de  saldanha,  que  despoys  que 
os  paraos  arderão  se  tornou  a  cidade,  onde  mandou  quey-i 
mar  cinco  nãos  que  eslauão  varadas,  &  sem  a  sua  geni* 
te  fazer  ali  nenbQa  presa  se  tornou  a  embarcar.  E  dali 
se  passou  á  outra  banda  da  enseada,  &  entrou  em  çur- 
rate  &  Reynel  que  achou  despejados.  E  hi  tomou  oyto 
paraos  Mitiabares  que  achou  varados.  E  feyto  isto  se 
partio  peraChaul  sem  querer  hir  dar  em  Baçaim ,  ci*roo 
íbe  ho  gouernador  mandara ,  &  a  causa  foy  |K)rque  ho 
escorreo  de  noyte,  &  por  não  tornar  a  fras,  &  mays 
porque  soube  que  estaua  muyto  forte.  E  ehegfando  a 
Chaul  deyxou  quasi  toda  a  armada  a  Diogo  da  silueyra, 
que  assi  ho  mandara  ho  gouernador ,  pêra  fazer  guerra 
á  costa  de  Cambaya ,  &  tolher  que  não  fossS  dela  man* 
timenlos  a  Diu  nem  madeyra,  porque  desta  maneyra 
lhe  daria  tanta  guerra  que  com  aperto  se  desse.  Edey* 
xando  a  armada  em  Chaul  se  foy  na  galé  bastarda  a  Goa, 
&  deu  conta  ao  gouernador  do  que  fizera. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XXXVI. 

De  como  Jorge  de  lima  socedeo  na  capiiania  a  dom  JÍn^ 

tonto  da  silueyra, 

jLfoxn  António  da  silueyra  que  foy  ao  cabo  de  goarda- 
fum  por  capitão  mór  da  armada  chegado  á  parajem  em. 
que  aula  desperar  as  nãos  de  presa ,  repartio  sua  arma- 
da no  modo  que  auia  destar:  &  andarão  assi  ate  quasi 
a  fim  Dabril  sem  passarem  nenhilas  nãos  de  presa,  &• 
por  se  chegar  ho  inuerno  parliose  pêra  Adem.  £  no  .ca* 


LivmaviiL  ciFfTVLo  otxrvn.  69 

ninho  soube  que  el  rey  se  leuantara  con(ra  os  Portu- 
gueses y  &  malara  quantos  la  deyxarii  Eytor  da  silvey^ 
ra  9  &  outros  que  despoys  forâo  coiii  mercadorias ,  em 
que  tomou  bem  oytfita  mil  pardaos.  E  affirmouse  ()  a 
causa  desta  treji^àu  dei  Rey  Dadem  foy  cobiça  de  hila 
nao  carregada  de  pimenla  que  hus  Portugueses  lá  leua* 
rào  que  eie  mandou  tomar ,  &  despoys  tomou  fao  maye 
que  digo,  &  com  tudo  dÕ  António  chegou  a  Adê.  G 
chegando  fugirÂo  do  porto  certas  nãos  que  hi  eslauâo , 
&  a  ele  (iraràolbe  ás  bombardadas:  &  vendo  dom  Antó- 
nio que  não  podia  fazer  nada  por  quam  pequena  arma^- 
da  leuaua ,  partiuse  pêra  Ormuz  onde  auia  de  inuernar 
&  hl  faieceo:  &  por  seu  falecimento  foy  emiegido  por 
capiuo  mór:daqueJa  armada,  lorge  de  lima.  E  ele  deu 
a  capi(ania  do  seu  nauio  a  dom  li>áo  lobo,  &  em  Agos- 
to se  partio  lorge  deJima  pêra  a  índia.  E  no  caminho 
tomou  deus  nauios  de  mouros :  &  no  dinbeyro  que  se 
fez  na  carrega  q  leuauâo  vierSo  a  el  Rey  cincoenta  mil 
pardaos  pagas  as  partes» 

C  A  P  I  T  V  L  O   XXXVII. 

De  como  Gonçalo  pereyra  fez  amizade  com  el  Rey  de 

Tiaore. 

Jr  artido  dom  lorge  de  meneses  de  Temate ,  enlendeo 
Gonçalo  pereyra  eiíí  acabar  a  fortaleza  que  ainda  e&ta-* 
ua  da  maneyra  {|  António  de  brito  a  deyxara :  que  ne- 
nhu  destes  capitães  se  lêbrou  de  acabar  a^ la  "obra.  E 
comoGõçalo  pereyra  pêra  isso  tinha  necessidade  de  ma- 
deyra,  &  outras  cousas  que  auia  na  ilha  deTidore  mâ- 
dou  pedir  tudo  ao  rey  dela  por  ser  amigo  dosPorlugue* 
ses,  &  mandou  a  isso  Luys  dandrade,  por  quem  lhe 
mAdou  hum  presente  de  sedas,  &  outras  cousas  de  pre- 
ço. E  Luys  dandrade  hia  com  nome  dembaixador,  & 
assi  leuaua  ho  aparato,  com  que  desembarcou  em  Ti- 
dore.  £  sabendo  el  Rey  quem  ele  era :  &  os  carregos 

LIVHO    VIII*  M 


90  BA   HISTOmiA  30A   ÍNDIA 

que  linha  lhe  mandou  fazer  soISne  recebimento:  &  ot 
8eu8  principaeis  mandarins  com  muyia  gente  bo  forâo 
esperar  ao  mar :  &  em  desembarcando  bo  tomarfto  antre 
si,  &  bo  leuarão  aos  paços  dei  Rey  per  debayxo  de  hOa 
ramada  de  ramos  verdes  l\  duraua  do  mar  ate  os  paços : 
&  bo  chão  cuberto  de  flores :  &  eruas  cbeyrosas ,  &  en^ 
trados  nos  paços  acharão  ei  Rey  è  hua  varanda  térrea 
aparamentada  de  finos  panos  deras,  de  figuras,  &  de 
verdura:  que  lhe  derão  os  Castelhanos.  £  el  rey  seria 
de  xvij.  annos,  &  era  aluo  &  gSlil  bomfi:  estaua  vesti- 
do muy  ricamSte,  &  tinha  grade  magestade  &  estado, 
estaua  acopanhado  de  seus  jrmâos ,  &  de  muylos  mau* 
darins.  £  como  se  criara  cõ  os  Castelhanos  sabia  bem 
a  sua  língoa:  &  Bizcainha,  &  Portuguesa:  &  prezaua- 
se  muy  to  de  as  falar,  £  quâdo  Luys  dãdrade  chegoa 
diante  dele  fezihe  muyta  bonrra:  &  faloulbe  Português. 
£  LfUys  dandrade  lhe  apresentou  ho  presente  que  lhe 
leuaua  com  que  mostrou,  que  folgaua  muyto,  princí* 
palmente  com  hiia  espingarda:  &  despoys  lhe  pregun* 
tou  miudamente  por  ei  Rey  de  Portugal :  &  polo  £mpe- 
rador,  &  por  suas  cortes^  &  desjx)ys  polo  gouernador 
da  índia.  £  por  Gonçalo  pereyra ,  a  que  respondeo  que 
madeyra:  &  quanto  lhe  fosse  necessário  de  sua  terra  tu« 
do  lhe  daria,  &  lho  mandaria:  &  assi  ho  fez.  £  ficando 
tnuyto  amigo  de  Gonçalo  pereyra ,  a  que  também  man*- 
dou  hum.  presente,  tornouse  Luys  dandrade  |>era  Ter- 
nate.  £  no  caminho  se  ouuera  de  perder  com  bua  tor- 
uoada  que  lhe  deu :  &  despoys  disto  por  Cacbil  humar 
Sangaje  da  cidade  de  Maquiem  estar  leuantado  por  amor 
das  páreas  que  lhe  posera  dom  lorge,  &  não  querer  dar 
obediência  a  Gonçalo  pereyra  mandou  controle  Vicente 
dafonseca  com  hfta  armada,  &Cachilato  com  outra,  ho 
que  sabido  per  Gachtl  humar  fugio  pêra  el  Rey  de  Gey- 
lolo^  &  foy  lhe  tomada  sua  terra*  £  despoys  por  rogo  dei 
Rey  deGeylolo:  &  de  Fernão  dela  torre  lhe  restituyo  Gon» 
çab  pereyra  seu  estado,  do  que  el  Rey  de  Geylolo&Fer« 
nâo  dela  torre  ficarão  seus  amigos,  &  se  visitarão  dali  por 
diante  por  seus  mesejeyros. 


tivfto  VIII*  cArrrvLo  xxnviii.  91 

O  A  P  I  T  V  L  O     XXXVHÍ. 

■ 

De  como  a  Raynha  de  TemaU  deurminou  de  mat/at 

Gonçalo  pereyra. 

IS  este  tempo  execulaua  Gonçalo  pereyra  a  preniatíca 
do  crauo  quanto  podia,  apertando  muito  que  ae  goar« 
daaae  do  que  ca  Portugueaea  aodauáo  muy  escandaliza*» 
«loa  poio  muy  to  que  nisso  perdiSot  Scdizifto  antre  ai  qua 
•e  deuiâo  de  jr  pêra  os  mouros  ou  pêra  os  Castelhanos^ 
&  deyxar  sòs  Gon<;alo  pereyra:  &Luys  dandrade,  pêra 
irer  se  defendiâo  a  fortaleza.  Eoa  que  isto  sintião  mays, 
&  dauão  causa  a  se  os  outros  aluorofjarem  erão  ho  vi« 
^airo  da  fortaleza  que  auia  nome  Fernão  lopez :  &  Afon^ 
ao  pirez ,  Vicente  dafonseca ,  Baltesar  veloso :  &  Ma- 
fiuel  pinto,  que  como  sabíflo  a  lingoa  da  terra,  &  ti* 
nhão  amizade  com  a  Raynha  &  com  muy  tos  mouros  que 
também  recebião  perda  nesta  prematica  do  crauo,  pro* 
tiocauamnos  a  parecerlhes  mal:  &  a  escandalizarense de 
Gonçalo  pereyra ,  a  que  determinarão  de  tirar  a  capita*» 
Yiia  &  fazerem  outro  capHSa  que  lhes  alargasse  ho  cra*^ 
lio,  &  cometerão  pêra  issoBms  pereyra  que  sabiSo  que 
estaua  mal  com  Gonçalo  pereyra :  &  por  bo  não  querer 
aceytar  assentarão  de  fazerem  capitão  Vicente  dafonse^ 
ca,  que  naquele  tempo  injuriou  de  palaura  ao  sobreròl- 
da  da  fortaleza  por  dizer  da  parte  deGÒ<;alo  pereyra  aoa 
que  eslauão  em  sua  casa  que  fossem  vigiar  a  fortaleza 
{K)rque  não  querião  jr  á  vigia.  E  reprendendo  Gon<jalo 
pereyra  disto  a  Vicente  dafonseca,  ele  se  agastou  tan-^ 
to  qae  lhe  disse  algfias  descortesias.  E  coÀo  Gon<,-alo 
pereyrar  desejaua  de  ho  castigar  por  saber  que  era  tra- 
vesso: &reuoltoso  prendeo  ho  na  fortaleza  em  ferros  cd 
aquele  achaque:  ho  ^  sabido  poios  outros  c^jurados  pe- 
dirão logo  a  Gõçalo  pereyra  Com  grande  instancia  que 
ho  soltasse  &  ele  não  qtiis ,  dizendo  Q  ho  auia  de  ter 
preso  pêra  na  moui^o  ho  mandar  a  india  com  outroe 

M  3 


01  DA   HI8T0BIA    BA    ÍNDIA 

reuoltosos  ^  auia  na  fortaleza:  do  que  eles  ficarSo  niiiy- 
to  cortados  por  ]hes  parecei  que  entráuão  naquele  con- 
to: &  não  quiserão  mays  falaribe  na  soltura  de  Vicente 
dafonseca;  &  determinarão  de  ho  matar  antes  da  mon- 
ção &  antes  que  Hanibai  cernige  seu  cunhado  cheg:as8e 
de  banda.  E  trabalharão  de  aquerir  de  sua  parte  a  Ray- 
nha,  &Cachtlato:  &  os  mays  dos  mandarins,  &  tantas 
cousas  &  males  lhes  disserâo  de  Gonçalo  pereira :  &  que 
Dão  auia  de  dar  el  rey.  E  tanto  lhe  meterão  em  cabeça 
que  não  desejaua  se  não  destruilos,  &  que  assi  ho  auia 
de  fazer  se  lhe  não  atalhassem  com  a  morte,  que  eles 
ho  crerão:  &  menos  abastara  pêra  ho  crerem  por  serem 
desconfiados*:  &  imigos  dos  christâos.  E  a  fora  este  ódio 
natural  teuerão  outro  a  Gonçalo  pereira  polo  que  dele 
ouuirão.  £  pêra  saberem  se  era  assi  como  eles  dÍ2Íâo 
mandoulhe  a  Raynha  pedir  seu  filho  muy  apertadamen* 
te,  dizendo  que  lhe  lembrasse  quantos  dias  auia  que 
)be  juraua  de  lho  dar  &  que  ho  nam  côpria,  que  se  es» 
pantaua  muyto  de  não  comprir  bo  que  jurara  em  sua 
ley.  E  como  ele  desejaua  dacabar  hum  baluarte  da  for- 
taleza em  que  andaua  com  grade  pressa ,  &  a  entrega 
dei  Rey  ho  auia  destoruar :  &  também  não  ho  querer 
entregar  até  a  fortaleza  não  ser  de  todo  çarrada ,  por- 
que os  da  terra  ho  ajudassejn.como  ajudauão,  resp&deo 
á  Raynha  que  ele  desejaua  tanto  de  a  seruir:  &  fazer- 
Ihe  a  vontade  que  sem  juramento  lhe  entregara  seu  filho 
quanto  mays  jurandolho.  Epol a. ocupação  em  que  anda- 
ua de  qu«  nâo  se  queria  estoruar  não  compria  coela, 
pedindolhe  muyto  que  lhe  desse  licença  pêra  iaso:  & 
que  ho  ajudasse  com  mays  gente  peta  acabar  asinha 
a^la  obra:  porque  quanto  mays  asinha  acabasse^  tãto 
mays  asinha  li>e  daria  seu  filho  &  faria  todo  bo  mays 
que  lhe  mandasse  fK>rque  pêra  isso  desejaua  de  ter  des- 
canso. Porem  a  Raynha  nao  foy  contente  daquela  res- 
posta: porque  Ibe  {)areceo  escusa  pêra  lhe  não  dar  s^^u 
filho:  &  teue  por  verdade,  bo  que  lhe  os  Portugueses 
diziao  de  Gonçato  pereyra,  pelo  que  determinou  de  ho 


LIVRO  VIII.    CAPITVLO   XXXIX.  93 

inàtar  &  tomar  a  fortaleza ,  &  despois  matar  lodos  òé 
Portugueses.  E  o  que  lhe  deu  atreuimêto  pêra  isto  foy 
conhecer  ho  ódio  que  os  principaeis&mays antigos  Por* 
tugueses  tinhão  ao  capitão ,  &  que  foigariâo  de  bo  ver 
iDorto :  &  por  essa  causa  linha  pêra  fazer  aquilo  ho  me« 
Ihor  tempo  que  podia  ser.  £  .mays  por  el  Rey  eslar  na 
fortaleza:  &coele  seus  hirmâos,  &  algiis  tilbos  dosniati- 
darins:  &  hia  ho  gouernador  visitalo  rouytas  vezes.  E 
quasi  Q  nuca  de  lá  sayâo  mandarins  mancebos  que  hiâo 
folgar  coele,  a  quem  poios  lerem  muyto  em  costume 
não  buscauão  se  leuauâo  armas ,  pelo  que  as  podiâo  le^ 
uar  secretas :  &  quando  não  leuarlbashiâo  os  que  leua- 
uâo de  comer  a  el  Rey ,  nas  canas  em  que  leuauâo  ho 
vinho:  &a  agoa.  Enislo  se  acabou  de  deleiminar,  coro 
conselho  dos  seus  mandarins  com  que  ho  logo  praiicou. 

CAPITVLO    XXXIX. 

De  como  foy  morto  Gonçalo  pereira.  E  o&  mouros  que 

ho  matarão. 

JLsto  determinado  a  raynha  por  dissrmular  com  Gonçalo 
pereira  se  mostrou  muyto  satisfeita  com  a  sua  reposta, 
&  mandoulha  muyto  agardecer.  E  pêra  mais  dissimula* 
çào  niàdoulhe  niuyta  gSte  que  ho  ajudasse  a  fítzer  a  for- 
taleza, porque  quanto  acabasse  mais  cedo  mais  asinha 
lhe  daria  seu  filho:  do  qu^^íõçalo  pereyra  ficou  muyio 
ledo,  &  andaua  muy  conlUKe,  fazendo  continuamente 
Irabalhar  na  fortaleza.  E  neste  tempo  Cachii  Calabrura 
gouernador  de  Geylolo,  que  era  metido  na  treyção  que 
a  Raynha  de  Ternate  auia  de  fazer  a  Gonçalo  pereira, 
vendo  que  lardaua  de  se  executar,  receouse  queserom* 
pesse,  &  que  Gonçalo  pereira  lhe  ficasse  por  imigo.  E 
determinando  de  lho  descobrir,  temia  tamhS  que  ho 
náo  Si)ubesse  ainda:  &  descobrindose  !\  Gõçalo  pereira 
bo  soubera  por  ele  õ  a  Raynha  &  os  de  seu  eõselho  fi- 
caria seus  imigos.  E  pêra  não  perder  ni^ío  nada  quis 


94  DA   BfSTOKfA    DA   ÍNDIA 

apalpar  o  que  Guik^Io  pereira  sabia  daquela  treiçXo. 
Mandando  a  hum  Mandarioi  em  (|  oootiaua  muyto  que 
liie  fiisse  dizer  em  aegredo  come  de  si  mesmo ,  que  o^ 
Ihasse  cotno  estaua,  porque  os  Mandarins  de  Ternate 
fcziáo  majrtoe  conselhos  y  &  segundo  ihe  parecia  erã  cd- 
ira  sua  vida,  &  contra  aquela  fortaleza.  E  isto  pêra 
que  assi  como  GoQ<jaio  pereira  tomasse  aquilo^  assi  sa«> 
beria  se  lhe  descobriria  a  ireyçâo,  ou  se  calaria.  GGon* 
caio  pereyra  como  estaua  muyto  crente  na  amizade  da 
Kaynha  &  dos  do  seu  conselho  ,  &  pouco  acautelado  da 
maldade  dos  Portugueses  seus  imigos  :  pareceothequan« 
do  lho  ho  Mãdarini  disse  o  que  theCachil  catabrO  man« 
dou  que  lhe  dissesse,  que  era  mexirico,  &  que  proce« 
dia  denueja  de  os  Ternates  ho  ajudarem  também  a  fa* 
zer  a  fortaleza.  Respondeoihe  que  ja  era  velho,  &  nSo 
tinha  necessidade  de  conselho.  Ho  Mandarim  quando 
vio  quão  descuydado  Gonqalo  pereyra  estaua  da  Ireyção, 
temeose  que  ho  descobrisse  aos  Ternates ,  que  ho  ma« 
tariao  por  isso ,  &  acolheose  pêra  Geilolo ,  onde  contou 
a  Caohil  catabrum  o  que  achara,  do  que  ele  ficou  asse- 
segado  da  suspeita  que  tinha.  E  a  fora  este  auiso  em 
que  Goncjalo  pereira  não  atentou,  disseranihe  algús  Por- 
tugueses que  os  mouros  que  ajudauâo  na  fortaleza  an« 
dauão  mays  ledos  que  dantes,  &  que  dauâo  muy  tos  sal- 
tos, &  faziào  geitos  como  faziâo  quando  andauSo  na 
guerra,  £  que  os  tomauão  polas  mãos,  &  pegauão  ne- 
les dizendo  carachel  mandi^ue  em  sua  lingoa  quer  di« 
zer  homS  valente  &  esforçam!:  &  que  lhe  parecia  aqui* 
lo  sinal  de  terem  ordenada  algQa  treiqSo.  Enem  por  is- 
to atentou  Gonçalo  pereira.  E  sendo  ja  chegado  ho  dia 
em  que  os  mouros  tinhíio  entre  si  determinado  de  ho 
matar,  que  foy  aos  dez  &  sete  de  Mayo,  véspera  de 
Penlhicoste,  ordenarão  como  auia  de  ser.  E  deitando 
sortes  sobre  quem  seria  o  que  matasse  Gonçalo  pereira, 
cahio  a  sorte  sobre  hum  primo  de  Cachil  daroes,  que  a- 
uia  nome  Cachil  cabalou  ainda  mancebo,  &  sobre  ou^ 
tros  dez  da  sua  idade  que  ho  auiâo  dajudar.  Epera  que 


LIVRO   VIII.    CAPITVLO   XJLXlX.  95 

oa  Portuguedes  nSo  sospei lassem  dele  nada,  auiSo  de  jr 
oom  Gacbilato  que  era  feitura  de  Gonçalo  pereira :  & 
l}ue  lhe  hia  falar  a  qualquer  hora,  por  ler  coele  estreita 
amizade.  E  [)08erSo  logo  aquele  dia  pola  menhaã  muyta 

fen(e  em  Ires  ciladas,  hfia  aol  derredor  da  pouoaçâo  dos 
Wlugueses  em  matos  Iam  cerrados  que  a  cercão ,  que 
nunca  ali  ninguS  vay ,  &  porisso  níio  podião  ser  vistos. 
£  a  segunda  estaua  por  essas  casas  da  cidade,  &  a  ter^ 
ceira  na  mizquila,  que  estaua  pegada  com  a  fortaleza, 
E  o8  mouros  desta  em  vendo  hfl  certo  sinal  que  fize»« 
sem  na  fortaleza  os  que  matassem  Gonçalo  pereira  auião 
de  sayr ,  &  entrar  nela  pela  bâda  do  mar ,  por  onde  bo 
muro  ainda  estaua  baixo:  &  auião  de  repicar  ho  sino  da 
vigia  pêra  que  acodissem  os  Portugueses  que  esteues- 
sem  fora:  &  em  sayndo  auião  de  sayr  os  mouros  das 
duas  ciladas  a  darlhes  nas  costas,  &  malaios  a  todos.  E 
este  dia  andarão  os  mouros  tatfr~co|i tentes  pelo  que  es- 
perauão  de  fazer,  que  vindo  ho  meyo  dia  em  que  hião 
eomer  &  tomar  folga,  dizião  a  Gonçalo  pereira  que  fos- 
se comer  &  repousar,  &  que  eles  trabalbariâo  ate  noi(e. 
E  assi  lhe  disserão  algas  Portugueses  que  lhe  parcci3o 
muyto  mal  aqueles  offrecimentos  dos  mouros,  mas  nem 
aquilo  ho  pode  espertar.  E  mandou  aos  mouros  t\  fos- 
sem comer  &  repousar  ale  as  Ires  horas  que  passaua  a 
calma,  fe  enl^  tornaríão  como  costumauão.  E  idos  ele 
se  recolbeo  na  fortaleza  com  os  Portugueses  Q  comião 
eoele ,  &  despois  de  comerem  se  forão  refiousar  a  suas 
pousadas,  que  estauâo  fora  da  fortaleza.  E  ho  capitão 
Gonçalo  pereira  ficou  com  seus  criados,  &  algtls  outros 
que  pousauão  dentro,  &  cada  hum  se  recolbeo  á  sua 
eamara  a  dormir.  E  sabendo  Cacbilalo  isto  foise  á  for- 
taleza com  Cachil  cabalou ,  &  os  outros  deputados ,  pe* 
ra  matarem  Gonçalo  pereira ,  &  batendo  á  porta  da  for- 
taleza que  e6t<7ua  fechada,  como  estaua  sempre  a  al)las 
horas,  abrio  ho  porteiro  conhecendo  ser  Cachilato ,  que 
por  jr  outras  muytas  vezes  a  este  tempo  falar  a  Gonçalo 
pereira ,  ho  deixocr  entrar :  &  ate  ho  page  que  lhe  leua- 


96  BA    HISTORIA   BA    ÍNDIA       ' 

ua  a  espada ,  sem  buscar  se  leuaua  armas ,  nem  a  ne- 
iihll  dos  outros,  taro  em  coslume  os  tinha.  E  Cachilata 
hia  tani  seguro,  que  nem  mudou  cor,  nem  fez  nenhu 
geito,  em  que  se  enlendese  ao  !\  hia.  E  sobindo  atehQ 
derradeiro  sobrado  da  torre  da  menajem ,  onde  pousaua 
el  rey  &  seus  hirmâos,  achou  Vicente  dafonseca,  qu9 
como  disse  auia  dias  que  estaua  preso,  &  anda.ua  coia 
bfis  grilhões:  &  porque  Cachilato,  &  Cachil  cabalou  e* 
ráo  seus  amigos,  &  sabia  a  lingoa,  assentaraiise  sobr^ 
bii  catle  a  faiar  coele,  dando  a  entender  que  esperauâQ 
por  Goncjalo  pereira  pêra  ihe  falarem»  E  se  ele  então 
sajra  sem  duuida  que  a  fortaleza  fora  tomada,  &  forâo 
mór(o2i  todos  os  Portugueses^  Mas  nosso  senhor  os  quis 
guardar,  pêra  em  aquelas  partes  se  conuerterem  talas 
almas  á  sua  saneia  (é^  como  se  d^^spois  conuerterâo.  Eí 
nesta  conjunção  hia  pêra  a  cidade  bu  Portu2:ues  chaman- 
do Manuel  aluarez  dalcunha  ho  saboeiro.  E  passando 
por  jfito  da  mizqnita,  vio  a  gente  darmas  que  hi  esta* 
ua:  &  como  lhe  pareceo  cousa  noua ,  fez  volta. pêra  a 
fortaleza.  E  receando  os  mouros  ()  fossem  desoubertos 
por  ele  sairão  algús  ao  malar,  &  mataráno,  &  audàdp 
coele  éa  cutiladas  vioos  bQa  escraua  branca  de  Gonçalo 
pereira,  que  acertou  de  chegar  a  hfla  janela  da  camará 
em  que  ele  dormia  a  sesta,  í\  eslaua  daquela  banda:  & 
começou  de  bradar  dizSdo  ^  matauâo  os  mouros  hii  Por- 
tuguês. Ao  t\  Gonçalo  pereira  acordou  ,  &  acodio  \oso  á 
janela  bradado  ^  acodissem  ao  Português,  &  tomado 
bua  «idarga,  &  a  espada  abrio  a  porta  da  camará  pêra 
sair  fora,  &  vio  estar  á  porta  Cachilato  &  Cachil  caba- 
lou, Sl  os  outros  cÕ  seus  crises  arrancados  pêra  ho  feri- 
rem. E  na  casa  mais  afastados  el  rey:  &  seus  birmâos 
4amb3  cõ  armas ,  &  logo  arrancou  da  espada,  &  se  pos 
á  porta  a  defenderlhe  a  entrada  muy  esforça dam3l e ,  f| 
bo  nào  podiâo  entrar:  &  mays  nâo  tendo  cõ  que  ho  pi- 
car de  longe  como  ele  fazia.  E  desfKijs  cõtaua  el  Rey 
^  VicSte  dafonseca  que  hi  estaua  aliçaua  muyloos  mou- 
ros que  matassem  Gonçalo  pereira ,  &  que  nâo  se  cba- 


LIVRO  VIII.   CAMTVLO  XXXIX.  97 

nasiétn  hotnSs  se  sendo  tantos  não  matassem  hum  s6^ 
&  os  mouros  vendo  que  ho  não  podião  entrar  pola  por* 
ta  j  entrarão  hOs  por  cima  do  repartimento  da  camars 
que  era  baixo:  &  outros  quehrauão  ho  repartimento  4{| 
era  de  canas  coro  barro  por  cima.  E  como  erão  tantos 
&  Gonçalo  pereira  só  não  pode  acodir  a  tantos  lugares, 
íoy  entrado  &  ferido  na  mão  da  espada,  &  de  duas  mor- 
taes  feridas  nos  peytos  com  que  cahio.  E  nisto  a  sua 
escrauH  não  fazia  se  não  bradar :  &  a  estes  brados  &  á 
reuoita  que  os  mouros  fazião  acodirão  os  criados  de  GÕ- 
i^alo  pereira  com  suas  armas ,  &  hO  deles  que  auia  no- 
me Dinis  daraujo  que  hia  diSte  deu  com  hiia  chuça  a 
Cachil  cabalou  que  achou  primeyro  &  passou  ho  dà  ou- 
tra banda,  &  assi  ferido  ho  ferio  a  ele,  de  manejra  que 
cairão  ambos  mortos  á  porta  da  camará,  &  logo  Bastião 
fernandez:  &  outros  criados  deGonçalo  pereira  que  vi- 
nhâo  a  pos  Dinis  daraujo  se  meterão  com  os  mouros  as 
cutiladas:  &  isto  tudo  foy  tão  hreuemente  feito  que  os 
mouros  não  teuerão  tempo  de  fazerem  ho  sinal  que  auião 
de  fazer  aos  da  mezquita:  pelo  que  eles  não  sairão,  que 
foy  causa  dos  mais  qu«  estauão  na  fortaleza  serem  mor- 
tos, &  a  reuoita  era  muy  g:rande  dStro,  porque  osmou-, 
ròs  se  defendião  como  homSs  desesperados,  &  posto  que 
nã  tinhão  se  não  crises  dauão  que  fazer  aos  Portugue- 
ses. E então  acodio  Vicente  dafonseca  a  hua  janela  que 
cahia  pêra  fora  da  forlaleza^acennndo  com  a  mão,  &  bra- 
dando treição,  &  repicarão  ho  sino  da  vigia,  a  que  lo- 
go acodio  Luys  dandrade  que  pousaua  fora  da  fortaleza 
&  coele  forão  dez  homSs ,  todos  com  as  armas  que  po- 
derão tomar,  &  batendo  à  porta  da  fortaleza,  que  ain- 
da estaua  fechada  lha  foy  abrir  hfi  leronimo  Fernandez 
criado  de  Gonçalo  pereira.  E  chegfarlo  Luys  dandrade 
onde  era  a  peleja  vio  Cachilato  cA  hua  espada  nua  na 
mão,  assentado  no  catle  com  Vicente  dafonseca,  &  os 
Portugueses  pelejando  com  os  mouros:  a  que  Luys  dan- 
drade remeteo  com  os  que  hião  coele ,  &  como  eles  vi- 
rão tantos  sobre  si  desesperados  de  se  poder6  defender 

LIVRO   VIII.  N 


98  0A    HISTOBrIA    DA    ÍNDIA       * 

liQs  derio  consigo  polas  janelas  fora  que  cayãè  sobre  h# 
pátio  da  íbrlaleza,  &  fugirSo  polo  muro  que  ealauainuy^i- 
to  baixo  da  banda  do  tnâr.  Outroe  {}  nSo  poderfto  maia 
acolberãse  á  camará  onde  el  rey  já  eslaua  com  seus  jr- 
mâos  9  a  Q  logo  se  acolheo  era  os  Portugueses  começan* 
do  dacodir,  porque  não  cuydassem  1}  sabia  parte  daque«> 
Ia  treição.  £  os  que  digo  ^  entrarão  na  camará  em  que 
el  rey  eslaua  fecharão  a  porta  sobre  si ,  que  logo  Luys 
dâdrade  ^brou,  Sc  matou  bo  primeiro  mouro  que  lhe  sa^ 
bio  ao  encontro»  E  c5  ajuda  de  Gomes  ayres,  &  outros 
muytos  Q  já  erão  chegados  entrou  coro  os  mouros  &  ca 
acabou  de  matar ,  salúo  a  el  rey  &  três  jrmSos  seus ,  & 
Gachilalo  pêra  saber  por  eles  como  fora  amortedeGon^ 
^lo  pereyra ,  &  os  ter  por  arrefeSs ,  que  por  amor  de* 
les  não  fizessem  os  mouros  guerra  á  fortaleza :  de  que 
logo  tomou  as  chaues  Sl  se  onue  por  apossado  dela,  -por 
)be  dizerem  que  quando  Gonçalo  pereira  espirou  pre«- 
f untou  por  ele:  &  disse  4  ^^  dissessem  j|  olhasse  por 
ai^ttela  fortaleza. 

C  A  P  I  T  V  L  O     XL- 

De  como  Ficente  dafomeca  foy  Ituantado  por  capitão  da 

fortaUza  de  Ternate. 

Segura  a  fortaleza  dos  mouros,  Q  andauão  no  derradei^ 
10)  sobrada  da  torre  da  menajd,  deceo  Luys  dandrade 
abaixo  per&  acodír  á  pouoa4;ao  dos  Portuguesea,  a  que 
oa  mouros  das  ciladas  punhão  bo  fogo,  vendo  que  não 
poderão  tom«r  a  fortaleza.  Eno  primeiro  sobrado  da  tor- 
re achou  Brás  pereira,  que  hia  acodir  acima  muyto  de 
pressa,  cuydftdo  que  hia  a  tempo.  E  luys  dandrade  Ibe 
diese  que  fossem:  acodir  abaixo,  que  tudo  encima  fica- 
na  seguro.  R  Brás  pereira  respondeo  ^  fosse  ele ,  por^ 
que  queria  ficar  na  fortaleza  como  capitão  que  era.  & 
Juuys  dandrade  lâçou  mão  dele^  dizSdo  que  esteuease 
preso.  Mas  logo  se  concertara  que  se  louuassem  &  a 


LIVRO   Vni.   CAPtTVLO  XL.  99 

iqual  deles  julgfiissem  a  capilanta  ,  que  a  esse  íicassè,  & 
ilecerâto  iogo  abaixo.  E  como  ja  oe  portugueses  estauão 
á  porta  d»  forlateaa ,  mandoa  Luys  dandrade  acodir  á 
pouuação,  onde  os  mouros  linhâo  feita  inuyta  perda. 
Porem  fbrSo  todos  deitados  fora  petos  Portugueses,  8i 
algus  íicaráo  mortos.  £  dei  lados  os  mouros  fora  vígiat^i 
fansê  toda  a  noite.  E  como  Fernão  lopez  ho  vigairo  da 
fortaleza,  &  AfÕso  pirez,  Baltesar  veloso,  &  Manuel 
|>into,  &  outros  Imigos  de  Gõçalo  pereira  &  de  Lnyt 
•dandrade,  &  amigos  de  Vicente  daionseca  soubessem 
que  ao  outro  dia  se  auia  de  determinar  a  deferSça  qtim 
auia  anire  Brás  pereira  &  Luys  dãdrade  qual  seria  ca» 
fMtáo:  determinarão  esles  que  nenbfl  deles  ho  fosse,  se 
nflo  Vicente  dafonseca,  como  tinhâo  ordenado  auia  dias^ 
porque  a  estoutros  dous  queriSo  lhe  grade  mal  a  hum 
por  ser  parente  de  Gonçalo  pereira,  a  que  ainda  finbi 
mortal  ódio  pelos  ter<^)8  do  crauo  que  tomou  pêra  el  Rey^ 
&  polo  regimento  que  mandaua  goardar,  &ao  outro  por 
ser  seu  amigo  &  quebrar  os  achens,  &  por  se  doer  moy«> 
to  do  seruiço  dei  Rey.  Etinbão  por  certo  que  qualquet 
deles  auia  de  leuar  ho  estilo  de  Gonçalo  pereira.  Emais 
auiSo  de  tirar  deuassa  de  sua  morte ,  o  que  lhes  seria 
muyto  perjudicial  por  eles  darem  motiuo  aos  mourot 
pêra  ho  matarem.  &  principalmente  VicSte  dafonseca., 
de  que  el  rey  Cachil  dayalo  dezia ,  que  se  ele  não  fora 
que  atiçaua  os  mouros  i\  matassem  Gonçalo  pereira,  que 
nunca  ho  matarão.  E  por  isto ,  &  porfi  sabrâo  Q  auifio 
de  ter  Vicente  Dafonseca  de  sua  roâo,  &  não  os  outros^ 
ffiào  qoerião  que  nenhll  deles  fosse  capitAo  se  nflo  ele. 
£  toda  a  noite  negociarS  como  ho  fosse,  principalmSte 
ho  vigairo  Fernã  lopez ,  que  por  sacerdote  &  religioso 
ho  podia  fazer  mais  sem  vergonha.  Porque  como  era  pa« 
dre  spiritual  de  todos ,  cuydauflo  que  o  !\  ele  dizia  era 
verdade  &  àquilo  se  deuia  fazer.  Elogo  ao  outro  dia,  j} 
forão  dezoito  deMayo,  dia  do  Spirito  sancto,  de  M-D.  xxxj. 
se  ajtitarâo  todos  i  porta  da  fortaleza  da  bida  de  forat 
&  Brás  pereira  capitão  mór  do  mAr,  &  Luys  dfldrade 

N  2 


100  DA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

feytor  &  alcaide  mor,  estando  prese&tea  Ayres  bolelbo 
&Grauiel  da  costa  escriuSes  da  feiloria,  derâo  as  carias 
de  seus  oíBcíos  a  Pêro  de  moura  ouuidor  da  fortaleza, 
pêra  ^  determinasse  com  os  que  ali  estaufl  de  qual  de- 
les era  a  capitania.  £  despois  de  debatido  por  ambos, 
acordouse  ^  eles  jurassem  solenemente  de  cada  hú  de- 
les estar  polo  que  se  achasse  por  direyto  &  por  regimfi- 
to  dei  Rey  de  Portugal ,  &  o  que  ticasse  sem  a  capita- 
nia obedecesse  ao  outro,  tam  integramente  como  se  fo- 
ra prouido  por  el  Rey ,  ou  pulo  seu  gouernador  da  liir 
dia.  £e8te  juramêto  lhes  foy  dado  sobre  hua  pedra  dará 
á  -porta  da  igreja  polo  vigairo  do  que  Còy  feito  htl  auto 
por  Ayres  botelho  escriuão  da  feitoria,  que  per  ser  a^ 
migo  de  Vicente  dafonseca,  &  saber  a  ma<;ada  que  os 
de  sua  parte  tixihã  feyta,  pêra  que  teuesse  credito,  ar 
crecentou  mais  nas  palauras  do  juramento  que  escreueo^ 
que  cadahii  deles  obedeceria  por  capitão  a  outra  qvalQr 
pessoa  que  ibsse  eolegida  por  capitão:  o  que  Brás  pe^ 
reira  assinou  sem  ho  lér.  Mas  Luys  dandrade  nâo  quis 
assinar  sem  ho  lér  primeiro*  £  quando  vio  o  que  Ayres 
botellio.acrecentou  não- quis  assinar,  porque  cõ  ninguS 
linha  duuida,  senão  com  Brás  pereira :  &com  os  outros 
claro  estaua  que  a  nioguè  pertencia  a  capitania  senão  a 
ele  ^  era  alcaide  mor  da  fortaleza.  B  pedindo  a  pena 
escreueo  por  sua  mão,  que  nSo  consintia  em  ser  outro 
Benhíí  elegido  por  capitão,  senão  ele  ou  Brás  pereira 
que  contendia  coele:  &  isto  assifiou*  Feyto  este  auto 
meleose  ho  ouuidor  na  fortaleza  com  os  outros  todos,  & 
fechando  as  portas  sobre  si,  pêra  lá  determinarem  se  era 
a  capitania  de  Luys  dãdrade,  ou  de  Brás  pereira  Q  ficar 
rã  de  fora.  C  metidos  dentro  começa  ho  vigairo  dSbu^ 
rulhar  tudo,  dizendo  a  todos  !}  vissem  bem  o  que  fa- 
zião,  &  não  dessem  suas  vozes  a  Luys  dandrade  pêra 
ser  capitão,  porque  era  de  condição  muyí^o  forte,  &imi- 
go  dos  homSs,  &  que  nâo  queria  ho  proueito  de  ninguS 
se  não  ho  seu,  E  (}  Vicête  dafonseea  era  muito  bõ  ho- 
me, &  amigo  de  todos,  &  ^  todos  ho  eoaheciâo  de  mui- 


LIVRO  VIII.    CAPlTVf.0   XL.  101 

'to  tempo:  &  que  lhes  deixaria  fazer  seu  próueito  &  os 
teria  em  paz.  Ê  fez  de  maneira  que  aueadose  de  votaf 
ou  por  Luys  dandrade,  ou  Braa  pereira,  melerão  em 
lugar  de  Brás  pereira  Vicente  dàfonseca.  Ehíis  votarão 
por  ele,  &  outros  por  Lujs  dandrade:  sem  aproueilar 
ao  ouuidor  dizer  que  não  auia  aquilo  de  ser  as8Í  feito. 
£  vendo  ho  vigairo  ^  por  Vicente  dafunseca  nào  vuia- 
uâo  se  não  os  de  sua  parcialidade,  temeose  que  acaban- 
do todos  de  votar  Luys  dandrade  teuesse  mays  vot^s  ^ 
Vicente  dafonseca,' não  quis  esperar  ate  bo  cabo:  & 
coesses  ^  tinha,  abrirão  a  porta  da  fortaleza  cõ  grande 
arro^^do  de  trõbetas:  &  de  vozes  com  que  diziào  viua 
?iya  ho  capitão  Vicente  dafonseca:  &  os  que  ainda  não 
tiohao  votado ,  sairão  devolta  coetes,  dando  também  as 
mesmas  vozes,  sem  aproueytar  ao  ouuidor  dizer  ^  aqui- 
Jo  não  valia  nada :  &  iio  mesmo  dizia  a  Luys  dandrade, 
&  brada ua  que  Ibe  não  roubassem  sua  ju8ti(;a:  E  que 
não  podião  enleger  por  capitão  se  não  a  ele  que  era  al- 
caide mór,  &  el  Rey  Ibe  daua  a  capitania  per  morte  do 
capitão,  em  quàto  não  prouesse  doutro.  £  sabendo  isto 
Gonçalo  pereyra  ibe  entregara  a  fortaleza  quando  mor- 
rera: &  que  ele  logo  não  consentia  ^  enlegessem  por 
capitão  se  não  a  ele  ou  a  Brás  pereira,  &  auia  por  ne- 
nbua  a  eleicjào  Q  era  feita,  pedindo  ao  ouuidor  ^  de  tu- 
do lhe  desse  hum  estormenlo  pêra  ho  gouernador  da  Ili- 
dia, requerendolhe  que  prendesse  Vicente  dafonseca  i| 
não  podia  ser  capitão  porque  matara  Gonçalo  pereyra: 
mas  tudo  isto  não  aproueytaua,  porque  Vicente  dafon- 
seca tinha  latos  por  si  {}  ho  ouuidor  não  se  atreuia  coe^ 
le.  E  assi  ficou  Luys  dandrade  sem  remédio,  &  Brás 
pereyra  tàbem  que  de  ver  tão  mal  encaminhado  ho  fey- 
to  de  Luys  dandrade  nào  falaua  no  seu.  E  Vicente  da- 
fonseca se  foy  a  comer  leuando  condigo  quasi  ^da  a 
gente  a  ij  deu  de  comer,  &  ainda  quSdo  jantauâo,  des- 
poys  de  bem  quentes  do  vinho  muytos  derão  seus  votos 
a  Vicête  dafonseca  pêra  ser  capitão.  £  com  tudo  ainda 
Luys  dandrade  tinha  quasi  tantos  votos  eomo  ele.  £  a- 


lOS  BA   BTTSTORIA    ML  IMffA 

cabando  ele  de  comer  {ledio  aLuys  dandrade  aa  chaiíea 
da  fortaleza  pêra  íicar  de  iodo  capitão,  &  não  Ihaa  Qrenh 
do  dar  n6  obedecelo  por  ça|>itâo^  mãdou  Vicente  dafon- 
aeca  ao  ouuidor  (|  lhe  tomaase  aa  cbauea ,  &  ele  respon» 
deo  que  ho  não  auia  de  faier  por^  Lujs  dandrade  era 
capitão  por  dereyto^  &  ele  bo  amoalraria  por  regimento 
delUey^  re^rendo  que  lhe  deaae  bum  estormento  do  ([ 
dizia  pêra  ^  el  Rey  de  Portugal  soubesse  que  náo  tinha 
culpa  Qo  que  aly  patsaua^  &  que  não  podia  fazer  inays 
do  que  fazia.  E  Vicente  dafonseca  fazendo  ^  não  aten* 
taua  no  que  bo  ouuidor  dizia,  mãdou  a  Grauiei  da  co»- 
la  que  tomasse  as  chaues  a  Luys  dandrade,  ^  tão  pou^- 
CO  ho  quis  fazer,  Bem  menos  bulião  consigo  nhQ  da  par- 
cialidade de  Vicente  dafonseca ,  porque,  rnuytos  se  co- 
meçauão  darrepender  do  que  tinhão  feyto.  O  2|  enleiíu 
dendo  Fernão  lopez  ho  vigairo,  porj}  não  se  trast4>rnas^ 
ae  ho  que  tinha  feyto^  remeteoa  tomar  aschaues  a  Luys 
dâdrade.  E  logo  acodirão  ao  ajudar  Ayres  botelbo  escri^ 
•uã  da  feyloria  &  hu  Pêro  lorge»  &  por  força  Ibe  («^mi^ 
rão  as  chaues  bradando  ele,  que  lhe  roubauão  sua  justi» 
4^ ,  mas  como  ela  ali  não  era  se  não  de  quê  mais  podia 
ficou  sem  ela,  |K>r2)  podia  pouco,  que  ate  ho  ouuidor  nl 
ousaua  de  boltr  consigo  cõ  medo  de  ho  matarem  Ião  da* 
nados  via  andar  os  da  liga  de  Vicente  dafonseca :  ^  co** 
BIO  desejaua  a  morte  de  GÕqab  pereira :  &  a  precurou , 
j&  foy  causa  dela  nQca  fez  sobrela  nhQa  diligencia.  E 
dissimulou  coela  como  bomS  i}  folgaua.  B  b6  pareceo 
aer  assi,  por^  tendo  preso  Cachilato  que  fora  ho  prin* 
cipal  menistro  da^la  morte,  ho  1\  ele  vio  por  seus  olhos, 
nunca  lhe  deu  nbil  castigo:  nS  pêra  mostrar  que  !}ria 
castigar  tão  brauo  crime  como  at\\e  bo  quis  meter  a  tor^ 
mSto  pêra  lhe  fuier  cdfessar  como  aquela  morte  fora 
ordenada. 


LITRO  Vlir.    CJtFlTVLD  ICLI.  103 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLI. 

Do  §fez  Vkêu  dafmseca  despoge  de  ser  capitão. 

J^abido  pola  Rajnba  Q  sua  treyção  nfio  ouuera  efejto, 
ainda  ^  lhe  disso  pesou  iBujto,  cõsolouse  sabêdo  ^  WU 
c£le  dafonseca  ficaua  fx>r  capilio ,  por^  este  lhe  daria 
logo  el  Rey  eeu  íilho^  como  Jhe  tinha  prometido  Afonso 
pires.  £  peni  estar  niaso  roays  segura  mâdou  logoreca-* 
do  ás  ilhas  de  Moutel  &  Maqui6,  \  lhe  predessC  os  Por<* 
tugueses  ^  lá  esteuessem.  E  quando  chegou  seu  recado 
se  sabia  ja  a  aK>rte  de  Gonijalo  pereyra :  pelo  ^  os  inou* 
ros  se  ieuantarão  oontra  os  Portugueses  ^  iá  andauâo  fa^ 
28do  crano ,  &  roatarfto  logo  Pêro  fernftdeas ,  aquele  Q 
Tntou  cÕ  toucinho  ho  rosto  a  Cacbil  vaidua,  &  outros 
algas :  &  despoys  de  chegar  ho  recado  da  Raynha  não 
Diatarflo  roays,  &  prenderão  os  outros,  &  presos  lhos 
leoarão :  &  despoya  de  os  ler ,  mandou  dizer  faâ  deles  a 
VícSte  dafonseca  que  folgaua  muyto  de  ele  ser  capitfi 
da^Ia  fortaleza ,  por  saber  ^  era  seu  amigo  &  dos  mou- 
ros, &  ela  &  eles  ho  conhecerfi  de  muyto  tempo:  que- 
lhe  Ifibrasse  o  Q  lhe  Afonso  pirez  prometera  fi  seu  no- 
me, que  se  ele  fosse  capitão  (}  logo  lhe  entregaria  el 
Rey  seu  iilho:  pedindolhe  muyto  que  poys  ho  era  ^  lho 
entregasse:  &que  ele  lhe  seria  por  isso  em  muita ubri- 
gaçSo  &  lhe  faria  todas  as  amizades  Q  podesse.  Vicêie 
dafSseca  se  cõselhou  cÕ  Afõso  pirez  sobre  ho  que  res^ 
ponderia  a  este  recado :  &  como  ele  perdera  setSta  ba- 
res de  crauo  ^  lhe  arderão ,  &  mais  hfi  dos  Portugueses- 
Q  estauão  em  poder  da  Raynha  era  seu  filho,  cõselhou- 
Ihe  j)  respondesse  á  raynha  que  lhe  desse  ela  primeyro 
os  Portugueses  que  lá  linha,  &  que  pagasse  aos  outros 
a  perda  4  receberão  dos  mourea  quando  foy  a  morte  de 
Gonçalo  pereyra,  &  ^  ele  lhe  daria  el  Rey.  E  como  a 
Raynha  tinha  por  muyto  certo  darlhe^^VicSte  dafonseca 
seu  filho  tanto  que  fosse  eapitfio  j  &  aa^ta  reposta  ho  a- 


104  BA   HISTORIA   DA   ffNJMA 

chasse  (áo  dcsuiado  disso^  pareceolhe  {)  se  queria  escu* 
sar  de  lho  não  dar«  Epera  o  mouer  a  ^  lho  desse  soltou 
a  Francisco  pírez  íilho  de  Afonso  pirez,  &  mandoulhe  (| 
se  fosse  pêra  a  fortaleza^  &  rogouihe  l\  disesse  a  Vicêle 
dafonsecci,  que  doutra  maneyra  esperaua  ela  l\  eleconi'- 
prjsse  sua  palaura.  £  l\  mais  conla  fizera  de  eua  amiza- 
de do  q  acbauà  que  diuera  de  fazer,  &  l\  roais  cõiiara 
nele  do  í|  ele coníiaua  dela:  por^  ainda  que  lhe  dera  seu 
filho  sem  abua  condiga,  que  eia  fizera  despoys  quaoio 
ele  mandara,  &  que  bem  ho  sabia  ele^:  por  isso  ^  erâo 
escusadas  cõdi^Ses  pêra  lhe  dar  seu  filho,  quSlo  mais 
Q  ainda  {|  lho  dera  liuremente,  lá  lhe  ficauão  em  arre-^ 
fôs  ires  birmãos  seus ,  &  Cachilato  guuernador  do  Rey-* 
no,  &  pessoa  muy  principal  nele,  que  valiào  mays  que 
quanlas  perdas  os  Portugueses  podiâo  ter  recebido:  & 
porem  ([  lhe  parecia  ^  todo  o  que  dizia  era  por  escusar 
de  lhe  dar  seu  filho,  que  se  lho  na  quisesse  dar.,  que 
nSo  lhe  mandasse  mays  nhíi  recado.  E  porque  sabia  que 
el  Rey  de  Bachâo  esiaua  na  fortaleza  mandoulhe  pedir 
^  rogass^a  Vicète  dafõseca  que  lhe  desse  seu  filho.  E 
eslé  rey  de  Bacbáo  como  era  muyto  leal  amiij^o  dei  Rey 
de  Portugal ,  na  ora  que  soube  a  morte  de  Gonçalo  pe- 
reyra,  acodío  cÕ  sua  gente  á  fortaleza  pêra  valer  aos 
Portugueses  se  teuessem  disso  necessidade,  que  fica- 
rão muyto  ledos  coeie.  E  VicSte  dafonseca  por  mays 
azedume  que  bo  recado  da  Raynha  trazia  no  cabo  não 
lhe  quis  mandar  seu  filho,  f)or^  não  falaua  em  cõprir  as 
cddiçÕes  com  que  lho  ele  queria  dar,  nê  lhe  quis  man- 
dar recado,  porQ  a  Raynha  dizia  ^  lho  não  mandasse 
sem  seu  filho.  E  vendo  a  raynha  ^  lho  não  mandaua, 
por  fazer  mal  a  Vicente  daf(»nseca  &  aos  Portugueses 
foyse  da  cidade  cõ  os  Mandaris:  &  mandou  i)  não  se 
vendessem  nhQs  mâtimentos:  &  mandouse  queyxar  de 
VicSle  dafonseca  a  el  rey  de  Tidore  seu  sobrinho,  de 
lhe  não  querer  dar  seu  filho  coroo  lhe  tinha  prometido, 
&  como  sabia  ^  lho  prometera  Gonçalo  pereyra:  rogan- 
dolhe  que  lhe  empecesse  em  tudo  ho  i)  podesse.  E  nisto 


LiTmovin.  CATmisO  xli.   ^  106 

chegou  aTernate  bo  nauío  ê  que  foraBanibal  «erDÍje  a 
Banda:  &  hia  por  capitão  dele  hii  DídIs  de  payua,  por 
Hanibal  cernije  não  querer  tornar  a  Maluco  &  se  yr  pe- 
fa  Malaca.  G  como  Vicfite  dafòseca  estaua  necessitado 
de  gfite,  munições  de  guerra,  &  de  manlimêtos,  de* 
terminou  de  mãdar  logo  este  nauio  pda  via  de  Borneo 
A  pedir  ao  capitão  de  Malaca  estas  cousas  &  deu  a  ca« 

Í^ilania  dele  a  hH  Manuel  das  naues  criado  dei  rey  dft 
oão  de  Portugai  por  ler  bii  aluara  seu  pêra  lhe  darê  a 
capitania  de  hfl  nauio:  &despoj8  de  lha  ter  dada  a  deu 
a  Brás  pereyra  que  lha  pedio  por  ser  capitão mór  domar, 
&  tambê  lha  urou ,  &  a  deu  a  Luys  dãdrade,  ^  agastan- 
do da  sem  justiça  ()  lhe  fora  feyta  se  /iria  jr  pêra  a  ín- 
dia, &  por. isso  pedio  a^la  yda,  &  VicSte  da  fonseca 
lha  deu  cd  cÕsetho  de  seus  amigos,  por  recearêque  taiH 
to  l\  os  outros  nauius  2}  esperauão  de  Banda  chegassem^ 
aueria  amotinação  na  gele  &  fariSo  capítAo  Luys  dan* 
dradf* ,  segíkdo  tinhão  entendido,  E  partido  Luys  daa* 
drade  hia  tam  triste  pelo  {}  lhe  fez  Vicente  dafonseca, 
^  htl  dia  esteue  pêra  se  deytar  no  mar  se  bo  não  teue« 
rão,  &  desfioys  bo  ouuerão  de  matar  è  hQa  ilba,  &  tam* 
t6  em  Borneo  sobre  buas  deferençaa  ^  teue  c5  a  gSte 
do  nauio,  &  dali  foy  ter  a  Malaca,  &  deu  cota  aOar^ 
cia  de  sa  do  !)  era  feyto:  pelo^  ele  não  quis  mandar 
socorro  a  Vicgte  dafonseca  Q  ociue  por  tredoro.  E  dali 
ae  foy  Luys  dandrade  á  Ifidia ,  &  -contou  a  Nuno  da 
cunha  a  morte  de  Gõçalo  pereyra,  &  bo  i)  lb<»  fizera  Vi- 
cSte dafonseca ,  aqueixãdose  dele ,  mas  não  se  fez  so- 
brisso  nada ,  nfi  Vicente  dafonseca  foy  castigado^ 


UTRO  vin. 


lOC  Há  HfiTOMA  JOA  inmà 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLIL 

•  De  como  Vidte  da  forneça  solum  el  rey  de  Temate^ 

K^om  a  yda  da  raynha  da  cidade ,  &  não  ae  veoderS 
M  maotiinSloa,  ficarão  os  Portugueses  ê  graode  ueces^ 
aidade,  do  Q  Vicête  daíSseca  lieou  inuyio  agastado  te 
•em  esperança  de  remédio^  por(|  algft  qu^e  eap^^raua^ 
era  em  hft  juogo  ^  aabta  ^  auia  tle  vir  de  Banda  cdrou* 
pa  &  mantimetoa,  em  que  vinha  por  capitão  tiu  Fràcis*' 
CO  de  sá:  que  sabendo  como  Gõçalo  pereyra  era  morto 
&  da  maneira  ^  Ibra,  pareceolhe  que  Vicente  dafooseca 
eataua  leuantaclo^  &não  quis  jr  á  ibrtaleza  temendo  que 
Une  tomasse  ho  jugo  &  quanto  leuaua,  &  por  isso  se  íoj 
a  Tidore  peca  vfider  a  fasêda  ^  leuana,  &  fazer  seu 
emprego.  £  surto  no  porto  de  Tidore^  el  Rey  por  rogo 
da  Rayoba  deTernate  ho  prSdeo,  &  aquãtos  Portugue-» 
808  yão  coeie,  &  lhe  toonou-  quailti  faaend»  leuaua:  & 
mandado  desenxaroear  ho  jQgo  ho  mâdou  meter  no  fun- 
do, &  isto  cõ  fudamôlo  ^  poc  esta  ppesa,  &  poios  Por- 
tugueses ^  a  Rayaha  dre  Teroate  tiaha^  llie  daria  Vic6* 
te  dafionaeca  el  Rey  aeu  fiibo,  &  assi  lho  mandou  diaei 
a  raynha.  K  paiecCdolhe  a  ele  ^  aquilo  era  fero ,  fea« 
Bke  outro  mayor  &  mandou  logo  perante  ho  n^essageiro 
prender  el  rey  de  Teraate  &  metek).  A  hii  sotao,  &  asat 
seusjnttãoa^  fc  prendao  em  ferros  es  filltes  fke  Mand»* 
fine  <|  estauào  cóclea  &  as  molheres  Q  ho  seruiao ,  di- 
zendoíbe  que  diasesfie  a  Raynha  que  ae  eJ  cey  de  Tido* 
re  lhe  não  mandasse  logo  ho  jugo,  que  seu  filho  &  os 
outros  ho  pagaria.  E  ho  jungo  não  foy  resliluydo,  nao 
soube  porque  causa:  &  a-Raynba  mãdou  pedir  a  ei  Rey 
de  Geylolo,  íj  não  desse  mantimentos  a  Vicente  dafon- 
seca  ate  lhe  não  dar  seu  filho  poys  lho  (inha  prometido, 
&  que  trabalhasse  pok)  cõcertar  coele,  que  ela  faria  o  ^ 
Jhe  bem  |>()recesse,  porque  não  queria  guerra  com  os 
Portugueses ,  se  não  auer  seu  filho  &  casalo  pêra  ter 


Lnuo  vin.  OAVftvu)  xlii.  107 

ketétffo^  c  que  nSo  podia  ser  estando  preto.  E  estan- 
do eete  einbayxador  da  Rajrnha  em  Ge3riolo ,  chegou 
Brás  pereyra  em  hAa  galeota^  J)  apertado  Vicête  dafon* 
aeca  da  necessidade  doa  mflttmfitos  midaua  por  ele  po- 
dir  a  el  Rej  ^  '^^^  midaese  vêder  ofirecfidoihe  por  isso 
amizade  &  ajuda  cõtra  seus  iminígos,  Sc  escreuia  a  Fe&> 
aâo  deJa  torre  a  necessidade  A  que  estaua:  pedíndoiha 
•polo  amor  de  Deos  <|  bo  ajudasse  cA  el  Rey ,  pêra  que 
»e  mandasse  vender  os  mantimentos.  E  oauidas  por  el 
rey  abas  as  embayxadas  c5  conselho  de  Cacbii  calabra«- 
no,  &  de  Fernão  deia  Corre  &  doutros  Castelhanos,  re^ 
pondeo  á  Raynha  q  faria  cõ  Vicfite  dafonseca  Q  lhe  des- 
se seu  filho  ^  cÔ  tanto  2)  iizesse  ho  Q  lhe  fiedia,  &  man- 
dou mantimenfosa  Víc6te dafonseca,  &pedindoibe  muy* 
to  <f  desse  el  Rey  de  Ternate  a  sua  máy ,  &  que  ela  se 
obricraua  a  pagarlhe  todas  as  perdas  1)  os  Portugueses 
receberSo  quando  matarão  Gonçale  pereyra,  &  lhe  da- 
Tia  os  Portugueses  que  tinha  caftnos  te  ho  jungo  ^  es* 
taua  em  Tidore,  d<a^  el  Rey  deGeylolo  í8l  Fernão  dela 
torre  ficau^  por  fiadores ,  &  querendo  fazer  aquilo  po>r 
amor  deles,  lhe  seriSo  sempre  esfi  grande  obrigai^.  B 
iristo  por  Vicfite  dafonseca  a  necessidade  grandissima  ^ 
tinha  de  mantimentos,  &  que  os  não  podia  auer  foj  c5» 
tente  com  conselho  dos  Portugneses  de  fazer  o  que  lhe 
el  Rey  de  Geylolo  &  Fernão  dela  torre  rogaiião,  cd  tan^» 
(o  <{  lhe  auifto  de  dar  arrefSs  ate  a  Raynha  cãprir  hoque 
dizia ,  &  assi  lho  mãdou  dizer  per  Brás  pereyra ,  que 
fcy  em  hila  Galeota  Q  el  rey  de  Gey loto  lhe  mandou  car« 
regar  de  mantimentos,  &  lhe  deu  fi  arrefiBs  quatro  Man* 
darins  dos  principais  de  Ternate,  1\  lhe  a  Raynha  man^ 
dou  pêra  isso,  &  assi  lhe  mandou  muytos  barcos  carre^ 
gados  de  mantimentos.  £  el  Rey^  de  Tidore  como  isto 
soube  soltou  logo  Francisco  de  sá  &  os  outros  pêra  os 
mfldar ,  Sc  eles  não  esperarão  por  isso  &  fugirão ,  &  et 
rey  lhes  mandou  bo  seu  faio.  E  despoys  disto  se  aju»» 
lario  na  vila  de  Limatao  fiide  a  raynha  estaua,  Fernão 
dela  ton*e,  &  bo  goucrnador  de  Geylolo  t  &  bi  foy  ler 

o  2 


108  '•  •  m   HIBfOUA  BA  .  INDU  * 

•coeles  Ticente  dafonseea ,  leu&do  el  rey  Cachii  .átífõXo\ 
^  entregou  a  sua  mfty  despoís  de  jurarê  que  cempriríá 
e  Q  estaua  assentado.  £  logo  os  Portugueses  forão.  ea« 
tregues  a  Vicente  dafonseca^  &  polas  perda»  recebidaa 
•ficarfto  os  arrefôs  que  disse  ate  serem  pagas.  Eassi  fojr 
aoitO'  el  rey  de  Ternate  cò-  grade  festa,  ficSdo  muylo 
«migo  de  VicSie  dafonseca,  &  dos  outros  Portuguesesi, 
a  ^  pagarão  logo  a»  perdas  Q  receberão  quâdo  ma(arSo 
Gonçalo  pereyra.  E  desta  maneyra  ticou  Vicente  dafuni- 
aeca  em  paz  cÕ  os  roouf os,  &  a  terra  ficou  outra  vez  as^ 
sètada  como  a  tinha  Gonçalo  pereyra». 

C  A  P  I  T  V  L  O     XLHL 

De  como  ho  gouemador  começou  a  fortaleza  de  Chalé,. 

V  endo  ho  gouemador  Q  nSo  poderá  tomar  Diu,  deterá 
minou  de  emendar  este  auesso  cõ  fazer  hiia  furialt- za  S 
Chalé  duas  legoas  deCalicut,  ^  t9(iia  rio  tào  alcâtilado^ 
eomo  disse  no  liuro  Sexto,  (}  podiào  entrar  nele  carauef 
las  &  galés ,  &  auêdo  ali  fortaleza  podia  inuernar  a  nos^ 
sa  armada,  &  andar  pola  costa  ale  IMayo:  &  sairia  lo* 
go  na  enirada  de  Selfibro,  no  Q  se  daria  muyto  estorno 
ás  nãos  dos  mouros  yrem  cõ  pimêla  a  IMeca,  &  nã  se 
ordenaria  eousa  algfia  contra  os  Portuguesea  Q  se  logo 
não  soubesse  em  CbaJe,  &  ceesta  fortaleza  ficauâo  os 
mouros  de  Calicut  muylo  enfreados,  &  não  podiSo  na^ 
uegar  como  dantes.  £  vendo  ho  gouernadòc  quãto  isto 
iinportaua  ao*  serniço  dei  rey  seu  senhor ,  negoceou  em 
todo  aquele  inuerno  que  leue  em  Goa ,  que  se  ouuesse 
cõsentiiiiêío  dei  Rey  de  Chalé  pêra  se  fazer  esta  forta* 
leza ,  &  por^  d^.todo  não  se  pode  acabar  este  negocio, 
eomo  foy  na  enirada  do.  ?«rão  que  ho  tempo  deu  jazigo, 
despedio  Manuel  de  sousa  com  bQa  armada  peva  a  costa 
do  Malabar ,  ca  bua  iiislruçâo  do  Q  auia  de  fazc^r  no  ne- 
gocio da.  fortaleza ,  &  {)•  comprasse  ho  chão  a  dinht*yro, 
i|uàdo  não  pudesse  ser  doutra  maneyra.  Evgdose  eíecd 


Linto  viir.  CAPiTVLO  xtiii.  -lõô 

9el  réy  deGhaie,  promeleòihe  ipil  párdaus  douro  porcon^ 
•eniir  i|  se  fiaesse  a  fertaiezsf  ê  sua  terra ,  &  mais  {|  bo 
gouernador  ho  faoorecería  cooira  «1  rey  de  Calicul'  se 
}he  quisesse  faxer  guerra»  £  ei  rey  aee^íou  os  mil  par- 
daos^  dizendo  que  os  tomaua  pêra  pagar  os  pahiiaFes  1[ 
estauâo  no  lugar  em  j}  se  auia  de  íazer  a  fortaleza.  O  ^ 
logo  Manuel  de  sousa  escreueo  ao  gouernador,  que  se 
fez  prestes  pêra  partir,  &  andando  nisso  chegarão  a 
<}r.oa  duas  nãos  de  Portugal^  ciijos  capitftes  eràohúMá- 
Duel  de  brito ,  &  hu  IManuel  botélbo ,  (}  hiào  dirigidos 

Eira  yrS  á  China:  &  estes  disserào  que  partira  tàbê  ho 
outurPero  vaz  corregedor  da  corte  por  capitão' de  buA 
nao  (|  ieuaua  ho  officio  de  vedor  da  fazêda  dtí  Índia,  pe«- 
r6  ele  não  passou  &  tornou  a  Portugal.  E  >&do'b<;  go*- 
uernador  ^.nâo  yão  ways  nãos,  nào  quis  ^  fosse  a^lasá 
China  ^  &  mandou  as  carregadas  pêra  pòrtugal ,  &  per- 
derãose  no  caminho.  E  prestes-  bo  gouernador  de  'sua 
partida,  partiose  pêra  Chalé  leuàdo  consigo  parte  da  ap- 
mada  de  remo,  fuisaaCochim^  a  dar  auianiento  ás  naus 
^  auião  de  partir  perá  Portugal :  &  da  volta  l\  tornou  se 
ajQtou  cÕ  Manuel  de  sousa  S  ianeiro  de  M.  I>.  &  xxxij. 
£  viose  CÕ  el  rey  de  Chalé ,  a  qu6  deu  òs  Hiii  pardaoã 
por  cdsentif  Q  se  ãaesse  a  fortaleza  como  estaua  cõòèr- 
tado.  E  furão  kigo  cortadas  hfias  mil  palmeiras  ()  ocu- 
pauào.bo  cliSo  onde  a  fertaleaa  auia  de  ser  edificada :  & 
feylas  alguas  estàcias  dartelharia  <}  defendesse  os  Por- 
tuguesas se  el  rey  de  Caliout  viesse  c&  sua  gele  (por se 
} presumir  q^acodiria}  ferSu- abertos*  os  aiicesses  da  forta- 
eza  CÕ  grande  festa  de  todos  &  tãger  das  trdbètas  & 
charamelas,  &  desparar  de  Ioda  a  artelbarià.  E  abertos 
os  aiicesses  ha  geuernador  assentou  a  primeira  pedra 
vesúdo  nii  fieiute  de  velud<>&  muito  louçào.  &  António 
de  Saldanha  a  segQdai  &  dabi  piT  diàte  os  outros  fidal- 
gas í|.  erào  muitos  repartidas  por  quartos  que  todos  tra* 
balhaiiA  com  a  outra  gente  como  quaes  quer  polà' anima- 
ram ao  trabalho^  &  erâo  sempre  os  primeiros  (\  traba- 
Ihauào.  E  eirey  deCbate  ajudaua  tab^  cÔ  aua  genie#  Ê 


tio  fl^  mtÊWomk  Bâ  ffiMâ 

ho  goiíeniAídor  maadou  primeírânète  fasBr  8  redddo  m 
miifo9  dã  fortaleza  era  ^  se  poa  tanta  dilsgècia  4  em  Kvj. 
4íaa  fiirâo  em  altura  4  ^^  aaaStoa  a  primeira  andayna 
ilartelharía  noa  baluartes.  B  cft  quâio  foy  fama  ^  el  rej 
de  Calicut  aula  de  yr  eatoruar  esta  obra  aftca  ouaoii. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XUIIÍ. 

■ 

De  oame  ho  eepitSo  mâr  Diogo  4a  tihuyra  dettruyo  ké 

iugar  de  Tmuu 

^abftdo  ho  XeQ  de  Tana  (que  Eytor  da  silueyra  fiaera 
tributário  a  el  rey  de  Portuf^al )  que  ho  gouernador  nãa 
poderá  toiaar  Diu  &  <|  Melí^  toeã  fazia  forte  Ba<^im, 
dSo  quíi  pagar  as  páreas  a  Diogo  da  silueyra  quitdolhas 
jnãdou  pedir ;  &  cd  quàto  despois  disso  Ko  mSdnu  nitiea- 
4^r  i|  Ibe  faria  guerra,  toda  via  não  quis,  parecSdolhe 
4  tinha  cosias  no  sooorro  l\  lhe  podia  yr  de  Baçaim  da 
muyla  gSle  Q  hi  tinha  MeliQ  toeáo.  E;  tendo  Diogo  da 
ailueyra  regimSto  do  gouernador  (|  na  entrada  do  verão 
fosse  fazer  guerra  a  Câbaya,  quis  logo  começar  STana^ 
pêra  õde  partio  no  começo  Doutubro  de  trinta  &  bil  c6 
hQa  armada  de  nauios  de  remo,  em  que  leuaua  trezen* 
tos  bomês  de  peleja,  os  mays  deles  espinsfardeyros,  & 
ficou  por  capitão  da  fortaleza  o  sen  alcaide  mór.  B  dt 
caminho  fez  muyto  grande  desiruyçSo  pola  costa,  qtiey* 
«lãdo  lugares ,  catiuãdo  &  matando  gente ,  &  cortando 
palmares  &  ortas.  B  chegado  a  barra  de  Tanii,  mandou 
sondar  ho  rio  &  espiala,  &  soube  t\  estaua  muyto  forte 
por  ter  diãte  bâa  tranqueyra  entulhada  &  bS  artilhada 
&  ter  muyto  mao  desèbaffcadoyro ,  por  ser  ho  rio  baixo 
&  durar  a  maré  poiico ,  &  aiitáo  de  jr  hQ  pedaço  poia 
vasa  priífteyro  ^  desembarcassS ,  &  cd  tudo  isto  deter«> 
minou  de  desembarcar,  te  aasi  ho  assStou  c5  seus  capi* 
tâes  (}  ho  mesmo  esforço  ^  eie  tinha,  tinbSo  pêra  come^ 
ter  06  mouros  {|  cometerá  ao  outro  dia  cA  a  maré  de  po« 
la  Oi^iibaâ,  indo  soa  catures  peca  ^  pod^^sS  melhor  mh 


uvmo  wii*  CAPiTTLO  xuniu  lil 

dar.  O  Xeque  que  sentio  (}  biâ,  os  foy  esperar  na  trã- 
queira  cõ  Ioda  sua  gSte  de  peleja  j  {[  eráo  quatro  mil 
de  pé,  em  que  auia  muylos  frecheiros,  &quinbSto8de 
GBiiak>:  &  como  os  Portugueses  forào  a  tiro  de  berço  dá 
tranqueira  começou  de  jugar  a  sua  artelharia,  lançado 
grade  soma  de  pelouros,  &  os  Portugueses  passauão  por 
aotreles  muy  sem  medo,  &querêdo  nosso  sellor  que  liies 
Bfto  empecessem  chegará  ate  onde  os  calures  não  pode- 
rão passar,  &  ali  saltarão  na  vasa,  por  onde  forâo  cA 
uuy  to  |)erigo  &  trabalho  a/errar  cõ  a  trâqueira  &  acba^ 
râo  algfia  defensa  nos  imigos,  de  Q  os  traseyros  sem  Te-« 
té  por^  ,  começarão  de  se  retirar  pêra  a  cidade ,  &  tãa 
rijo  como  que  fossem  os  nofisos  a  pos  eles,  &  sentindo 
isto  os  diàteyros  ^  pelejauãó  cõ  muyto  esforço,  cuyda"* 
rão  c}  era  aquilo  algõa  cilada  Q  os  Portugueses  deytárfto, 
&  ^  os  tomauâo  no  meo,  de  ^  ouuerão  tamanbo  medo, 
d  se  poserâo  em  desbarato  &  fugirão  por  mays  Q  Ibebo 
XeQ  bradaua  que  bo  não  fizessem.  E  afroxada  a  defen^ 
ta  da  traoqueyra,  sobiráo  logo  os  Portugueses  poias  lã-^ 
%àty  outros  por  Õde  podião,  &dào  a  pos  os  imigos  ^  nê 
Da  cidade  se  alreuer&o  a  saluar  ,  &  fugirão  ficado  muy- 
ioa  mortos  &  calinos  ^  &  dos  nossos  não  morreo  nhfl  :  & 
despejado  ho  lugav  fuy  roubado  fc  Qymado.  E  dado  Dio- 
f o  da  silueyra  muy^taa  graças  á  nosso  sAor  pola  mercê  ^ 
Hie  fizera  tornouse  a  embaccar  ,  &  embarcado  acabou  a 
agoa  de  vazar  &  os  catuies-  ficara  e»  seco,  o  ^  deu  as- 
saz de  fadiga,  porque  a  gSte  da  cidade  que  eslaua  re- 
colhida by  perto  forâo  sobreles,  sabSdo  coaio  estau&o  & 
leiíarào  algia  ber^s  c&  Q  Ibea  ticaoSo  &  cÕ  muytas  fre^ 
ciladas :  &  nesle  trabalho  esieuerio  ate  4  tornou  a  ma^ 
ré,  &  sem  receberè  nbíi  dano,,  anle»  os  imigos  muito 
da  nossa  artelharia ,  se  Uaào  poio  rie  abeiao  aie  ^  sair- 
lãot  ae  mar. 


tât  t>A  HIflTOfttA    DA  CNMA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLV* 


De  como  o  capUâo  mór  Diogo  da  silueyra  dest$tafo 

ladt  Bondava. 

J^aquí  partío  Diogo  da  «ilueyra  pêra  outra  vila  tnaii 
auãte  cliaiBada  Bandora,  que  soube -^  Meii^Tocá  sfior 
dela  linha  muyto  fortalecida  gÕ  hua  traii{|yra  da  Bãda 
do  rio  9  &  outra  (J  nacta  de  bOa  põta  da^Ia  &  se  eaten* 
dia  pêra  o  «ertão,  ambas  de  duas  faces,  &  entulbadaS| 
&  assentada  nelas  muita  artelharía,  &  auia  cinco  milho* 
in6s  de  pè,  de  J}  muitos  erã  Rumes  &  oyto  oStos  deca^» 
uaio.  B.estaua  este  lugar  metido,  por  hQ  rio  acima.  E 
chegado  Diogo  da  silueyra  á  barra  pos  em  pratica  aseua 
capitães  &  aos  prlncipaes  da  frota  se  daria  naquele  'lu* 
gar,  dizendoliie  sua  fortaleza  &  a  gente  que  tinhai  & 
todos  acordarão  que  se  cometesse,  porQ  quasi  tão  forte 
estaua  Taná  &  ajudaraos  nosso  senhor,  &  assi  auerta 
por  seu  serui(jo  de  o  fazer  entã.  Ecoisto  entrarão  todos 
polo  rio  dentro  bSa  4iienhaã,  &  sabendo  os  mouros  co- 
mo entrauão  quiserão  Iho^effMider  cÔ  a  arteJbaria,  que 
de  hiia  das  tranqueiras  varejaua  bem  pelo  rio  abayxo, 
&  erão  os  pelouros  tão  bastos,  que  fizerão  fazer  tanta 
detença  aos  nossos  que  quando  chegarão  perto  do  lugar 
era  noy te ,  &  por  isso  não  quis  Diogo  da  silueira  1\  de- 
sembarcasse, &  chegouse  da  banda  dalém  do  rio  pêra 
passar  ali  a  noy4e,  que  toda  se  gastou  em  bombardadas 
^  se  tirarão  hi&s  aos  outros  a  montão  sem  se  fazer  ne- 
nh&  nojo:  &  como  foy  menhaã  os  mouros  acodirã  logo 
á  praya  a  esperar  os Por-tug ueses  como  ^  auiâo  por  inju- 
ria esperalos  detrás. das  tra^iqueiras.  Diogo  da  sílueyra 
porque  a  gente  não  auia  de  poder  desembarcar  se  nam 
nos  catures  &  bateis  mandouha  passar  a  eles,  &  parlem 
pêra  terra  a  boga  arrãcada  passandolhes  por  cima  muy- 
tos  pelouros  dos  imigos:  &  quando  abordarão  com  terra 
acharâna  cuberta  de  mouros  ^  &  diante  os  Rumes  por 


LwiBLO  vnr.  cAPrrvLô  xlv.  113 

najs  eaforçados ,  de  Q  os  mais  erSo  espfíngardekos ,  Q 
defi^pararão  hOa  grade  tjurriada  despi ngardadas,  &  os 
nossos  a  eles,  &  ê  quãto  ela  desparoQ  saltarão  algflsna- 
goa,  &  assi  Diogo  da  silueyra  cÕ  a  foandeyra,  pelejando 
todos  CÕ  muyto  esforço,  por{{  os  itnigos  apertauão  quã- 
to podião  por  lhes  estoruar  !\  não  tomassem  terra ,  bo  ^ 
nâ  poderão  fazer,  principalmente  os  Rumes  Q  mais  tra- 
balharão nisso,  ale  perderS  muitos  as  vidas  ho  {[  vedo 
os  outros  se  retirarão,  cõ  l\  osGuzarates  Q  tinhão  neles 
seu  esfi>rço  ouuerão  tamanho  medo  ()  se  desbaratarão  & 
fugirão,  hiis  ao  lÕgo  das  tranijyras ,  outros  poias  portas 
delas  caminho  do  lugar,  &  sem  se  deter  nele  se  acolhe- 
ra: &  os  nosi^os  os  fura  matado  ate  despejarS  o  lugar: 
&  durou  a  peleja  hõa  grade  ora,  6  Q  muytos  dos  imigos 
forão  caliuos,  mortos,  &  feridos ,  &  dos  nossos  feridos 
aigâs.  E  sacado  ho  lugar  foy  todo  queymado  &  destrni- 
do  á  vista  dos  mouros  que  estauão  recolhidos  by  perto : 
&  parecia  ()  nosso  sefior  lhes  punha  medo  dos  nossos  Q 
não  ousauão  de  os  cometer  vgdose  vencidos  en  tão  pouco 
tSpo.  Epor  08  nossos  estarS  muyto  casados  &  fracos  nã 
quis  Diogo  da  silueyra  mandar  Sbarcar  a  artelbaría  Q 
estaua  nas  tranqueyras ,  &  cÕtStouse  cõ  destruyr  ho  lu- 
gar ,  j|  foy  assaz  de  perda  perá  os  mouros  |K)r  ser  de 
grande  trato:  &  dali  se  foy  pola  costa  de  Cambaya  |>or 
Òde  âdou  toda  a  parte  Q  ficaua  do  verão  cÕ  sua  armada 
repartida  S  esquoadrões  de  três  &  quatro  velas ,  oõ  ^ 
lhe  não  escapou  nh&  dos  nauios  !{  hiâ  de  hias  lugares  da 
costa  pêra  outros  cÕ  suas  mercaderias,  de  ^  tomou  muy- 
tos ,  &  outros  !}ymou  &  meteo  no  fúdo.  R  tamanha  era 
a  destruyção  ^  fazia  í\  não  ousauã  nenhus  de  sayr  dos 
portos,  o  !\  foy  causa  deste  anno  auer  muyta  quebra  na 
rSda  dalfàdega  de  Diu  db  {}  rSdia  os  outros  annos,  & 
ouue  muyto  grade  falta  de  mantimStos,  &  de  todas  as 
cousas  (|  hião  da  outra  costa  da  Sseada.  E  não  sòmSte 
fez  Diogo  da  silueíra  esta  destruição  no  mar,  mas  tam- 
b6  na  terra,  em  íj  queymou  muytns  pouoações,  &  na- 
uios ^  estauão  varados,  ê^  caliuou  obra  de  quatro  mil 

LIVRO   VIII.  p 


114  PA   HiaTOAIA   DA   fNDIA  | 

aimas  &  lomou  muyta  mercadoria,  maatiinètoil ,  & 
áejra.  E  de  tudo  isto  ouue  el  Rey  de  Portugal  aua  par- 
te ,  por(|  Diogo  da  silueyra  foy  fao  primeyro  (|  cÕ  apra^ 
zimSto  dos  soldados  í\  ieuaua,  tirou  o  custume  ^  aiiim 
dates  Q  el  rey  nã  ouuesse  parle  nas  presas  ^  se  fasião 
eõ  os  nauios  de  remo ,  &  eiilã  as  ouue ,  em  Ç  sua  fasfi* 
da  recebeo  muy to  proueyto »  porj|  do  dinbeyro  Q  Ibm 
coube  á  sua  parle  pagou  quasi  todo  ho  soldo  Q  ae  deuia 
aos  seus  soldados  &  dos  caliuos  {[  tomou  se  esquipou  a 
mayor  parle  dos  oauioB  de  remo  da  armada  dalndía,  & 
ouue  muyta  roupa  pêra  ho  trato  de  Chaul  pêra  çofala  , 
&  muyta  madeyra,  &  mantiroeDlos.  £  quasi  na  fim  <k> 
verão  se  tornou  a  Chaul  onde  auia  de  ter  ho  inuerno, 
ficado  os  mouros  tâo  daneficados,  Q  muy  to  mays  hosen* 
tirS  do  que  poderão  sentir  darse  fortaleza  em  Diu :  &de 
Chaul  mãdou  Diogo  da  silueyra  ao  goueraador  Q  fasia  a 
£>rtaleaa  em  Chalé  cêto  &  vinte  caiiuos  pêra  trabalharem 
irela» 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLVL 

De  <mn9  se  kuantau  Damião  bernaidez  ^  do  ^fez» 


Q 


uando  ho  gouernador  tornou  de  Diu  pêra  Goa ,  deu 
per  intercessa  de  Simão  ferreira  seu  secretario,  licSça  a 
bumChalim  Português  que  auia  nome  Damião  bernaldee 
pêra  yr  tratar  a  Bengala  em  hum  seu  nauio.  E  indo  d« 
TÍag^  tomou  na  costa  deBaleacate  muylasChãpanaa  de 
mouros  &  de  gentios  amigos  dei  Rey  do  loão  dePortu* 
gal^  que  nauegauáo  com  seu  seguro,  &  matando  coro 
muyta  crueza  quantos  hião  nelas  as  roubou,  &  feyta 
muyto  mal  por  esta  costa  ^  &  deyxãdo  a  gente  muy  e»* 
eandaliaada,.  se  foy  á  de  Bengala.  £  estando  na  ilha 
de  Negamale  foy  ter  coele  hiia  galeola  de  Rumes ,  em 
qtie  yriãabem  quarenta  homens  de  peleja  ,  de  que  pe- 
lejando coeles  matou  dezoyto  &  catiuou  vinte  dons ,  & 
raays  tomou  a  galeota,  em  que  achou  muyta  riqueza* 
B  nela  &  em  outra  que  despoys  tomou,  fez  bem  feylos 


LIVRO  Vlir.   GAPlTfLO   XLVI.  116 

vinte  mil  cruzados  qoe  goardou  fiera  ai ,  sem  dar  parte 
aos  soldados  que  lhos  ajudarfio  atoroar:  &agaleotacoHi 
aua  arlelharia  deyxou  pêra  dar  ao  gouernador,  &  bo  a- 
paaigoar  se  leuesse  dele  menencoria  por  se  assi  aleuan- 
tar.  E  parece  que  bem  ho  adiuinhaua ,  porque  estande 
xlespoys  em  Bfifala  na  barra  do  rio  de  Cbeligáo  onde 
estaofto  dezasete  oauíos  de  Portugueses ,  foy  dada  bfla 
carta  dó  gouernador  da  índia  ao  Goazil  da  cidade  de 
Cbetigão,  &  a  Cojeçabadim  (bo  Mouro  em  que  faley 
no  liuroSeptinM)  em  (|  Ibes  rogaua  muyto  que  prendes- 
sem Damião  bernaldea  &  quantos  hySo  coele,  &  quSde 
ho  nJlo  podessem  fazer,  os  matassem ,  &  lhes  queymas^ 
eem  ho  nauio  com  a  fazenda,  poroue  andauâo  aleuanta*^ 
^os  &  tinbão  feycos  grandes  males,  c5  que  el  rey  de 
Portugal  era  moy  deseruido,  &  que  sobristo  gastassem 
ate  três  mii  pardaos  ()  se  obrigaua  a  pagarlhes.  E  esta 
carta  escreaeo  bo  gouernador,  porque  soube  os  roubos 
que  Damião  bernaldez  fizera  na  costa  de  Baleacate ,  fc 
esta  carta  mostrarão  bo  Goazil  &Co)e  çabadim ,  a  bum 
Nuno  fernandez  freyre:  &  a  Nuno  lobo  criado  do  gouer* 
nador :  &  sabendo  deles  que  ho  sinal  da  carta  era  seu  , 
disserfio  Ibes  que  polo  seruirem  queriSo  prender  Damião 
bernaldez  pois  ali  estaua ,  &  eles  lhes  disserão  que  be 
não  fizesse  porque  sabíão  que  Damião  bernaldez  se  que* 
ria  yr  apresentar  ao  gouernador,  &  por  sinal  lhes  tinha 
emprestada  a  galeota  que  tomara  aos  Rumes  pêra  com 
outros  se  yrS  em  siia  conaeraa  pêra  a  índia ,  &  não  lha 
quisera  vender  comprandolha  eles,  &  escusara  se  disso, 
c9  dizer  1}  a  goardana  pêra  amansar  coela  o  gouernador^ 
&  Q  se  não  determinara  de  se  lhe  yr  apresfitar  t\  lhes 
vSdera  a  galeota,  por  isso  1}  bo  não  prfidesse,  &  mays 
por  não  aner  morte  dos  Cristãos  <)  não  se  escusaua  se  o 
quisesse  prSder :  &  disto  (|  disserão  derão  eada  bQ  sen 
assinado  ao  Goazil  &  a  Coje  çabadi ,  1\  Ibes  pedirão  pe* 
ra  sua  disculpa  cÔ  o  gouernador  ,  de  não  lazerS  seu  ro*. 
go,  &  disto  não  soube  Damião  bernaldez  tiada.  E  esta-* 
do  ali  na  barra  deChetigão  ya  de  noite  a  terra  &  furta* 

p  2 


lis  DA    HISTORIA   DA    ÍNDIA 

ua  muyta  gSle  &  mataua  os  homês ,  &  prSdia  os  oiòçmi 
debaixo  de  cuberla»  E  hu  dia  andando  na  ribeyra  hu 
juouro  honrrado  que  era  capitão  da  cidade ,  que  ua  lin* 
goa  da  terra  se  chama  Gormale,  saltou  Damião  bernal* 
dez  em  terra  supitamente  &  preudeo  ho,  &  auia  tan 
pouca  gente  na  ribeyra  que  bo  pode  prender  a  seu  sal*- 
uo  9  &  deu  coele  no  nauio  deyxando  feridos  os  que  ihe 
^uiseráo  acodir.  E  logo  como  isto  se  soube  na  cidade 
iorSo  presos .  dezaseys  Portugueses  que  eslauão  nela  & 
tomarâlhes  suas  fazendas ,  &  assi  derâo  rebate  em  húa 
ieyra  que  se  fazia  dahy  a  duas  legoas  pêra  prenderem 
outros  que  ia  andauào:  &  estes  sintindo  ho  que  lhes 
querião  fazer  fugirão  pêra  ho  mar  &  saluaranse  nos  na* 
uios.  Os  mouros  porque  Gormala  era  pessoa  muy  prin* 
cipal  desejauâo  de  ho  cobrar ,  &  por  isso  mádarào  dizer 
a  Damião  bernaldez  que  Ibo  desse  &  que  lhe  dariào  os 
Portugueses:  &  ele  não  quis  polo  grande  resgate  que 
esperaua  por  ele.  £  os  mouros  leuarâ  entáu  os  Portu* 
gueses  á  praya^  de  ^Damiá  berohldes  estaua  tão  perto 
^.  os  podia  ver  &  ouuir  &  despindo  os  nuus  começarft 
de  os  açoutar  muy  cruelroête,  pêra  ^.  auSdoDanuâ  berr- 
naldez  piedade  deles  desse  Gormale.  JMas  ele  era  tS 
cruel  &  amigo  do  dinheiro^Q  esperaua  por  Gormale,  que 
Dunca  o  quis  dar.  O  que  vendo  os  mouros  tornarão  a 
recolher  os  Portugueses., 


N 


GAPITVLO    XLVIL 

Do  mays  quefezDmmiâo  Bemaldezi  Eeomo  morreo. 

\  estps  tempo  estauâo  na*  galeota  que  Damião  beraal* 
dez  tomara  aos- Rume»,  Nuno  fernandez  freyre  (que  a- 
gora  mora  em  Lisboa)  Diogo  de  camÕes:  &  outros  Pob- 
tugoeses  a  que  Damião  bernaldez  emprestara  a  galeota 
pêra  se  yrê  caminho  da  índia  com  suas  fazendas  em-sua 
conserua.  E  vendo  Nuno  fernãdez  as  cousas  que  fazia 
bernaldez  taalo  cÕbra  ho  seruiço  de  Deos  &  dei 


LIVRO  VIU.   CAFIT7U>' XCrif .  #   ^^T 

rej^  &  niaispor  se  yr  gastando  a  moiiçáò  &'  seven  pBPf 
tidos  08  mais  dos  nauios  dos  portugueses  que  ali  esta^ 
uào,  pareceolhe  Q  Damião. hernaides  não. queria  tornar 
á  índia ,  &  por  isso  determinou  de  se  yr  com  a  galeota 
sem  sua  licenc^,  se  acfaasse  quem  ho  ajudasse:  perahó 
que  falou  logo  com  ho  piloto  de  Damião  beroaldez  qu« 
estaua  na  galeota  &  com  ho  mestre  &  com  outros  quf 
couuerteo  a  yrense,  por  não  encorrerem  na  pena  em  que 
Damião  bernaldes  tinha  encorrido  por  ser  leuantado.  E 
concertado  isto  na  noyte  seguinte  três  ou  quatro  oras 
ante  menbaã  que  a  maré  começaua  de  det^er,  cortou  a 
amarra  da  ancora  de-  montante  ^  &  começou  de  mandar 
leuar  a  outra  da  jusante  bo  mays  quietamente  que  po* 
derft,  &  como  coroe<;ou  de  se  leuar  assi  a  galeota  come-» 
çou  de  yr  poio  rio  abaixo,  ho  que  sintindo  algfts  de  Da^ 
jniâo  bernaldes  que  estauáo  hy  perto  em  hú  seu  bargã* 
tim  começarão  de  bradar  que  se  ya  a  galeota.  Nunofer* 
nandez  &  ho  piloto  fizerào  ^  caçaua ,  &  ^  entào  o  sin* 
tifto  j  &  fazSdo  ^  se  apareihauào ,  acabarão  de  leuar  a 
ancora ,  &  íuràose ,  indo  M  uno  £^rnádez  ao  leme :  & 
polo  escuro  §  fazia  deu  algilas  vezes  3  seco,  &  cõ  tudo 
quis  nosso  se&or  Q  cfi  aquela  vazàte  chegarão  a  barra , 
&  daby  tomarão  seu  caminho  pêra  Ceylào  dõde  se  auião 
de  jr  a  índia.  E  em  amanhecendo  soube  Damião  ber- 
sal  dez  j)  a  galeota  era  partida,  &  determinado  de  jr  a 
pos  ela  pêra  enforcar  quàtos  hião  nela  soltou  Gormale  a 
troco  dos  Portugueses,  ja  !^  não  tinha  tem[)o  pêra  auer 
por  ele  ho  resgate  i}  esperaUa.  £  indo  caminho  da  bar* 
ra  deu  ho  nauio  tamanha  picada  em  seco  {)  lhe  saltou 
ho  leme  fora  por  nâo  ter  leua  &  perdeose,  &  vedo  ^  náo 
podia  nauegar  sem  leme  mudouse  ao  bargàtiiu  &  bolou 
a  pos  a  galeota,  que  lhe  leuaua  tanta  auaiagem  Q.  nuca 
a  pode  alcã<jar,  &  Nuno  fertiàdez  cõcertuu  secretamête 
f 5  bo  piloto  ^,  não  louiassen>  ho  porto  de  Colubo  ê  Cey-^ 
Ião  ondestaua  a  nossa  feyioria^  por{)  poderia  chegar  en^ 
Ire  tãto  Damião  bernaldez,  &  dizer  ao  feylor  <)  lhes  le* 
uauà  furtada  a^la  galeota  &  re^rer  Q  os  prendesse  ^  & 


llt  Há  HimnnA  da,  indm 

OB  SlmnH^ift)  &  por  ifso  lirarSo  pêra  ho  cabo  deComorl 
guiando  ho  piloto  toda  hila  noyte  pêra  ho  mar  por  oâo 
yrê  ter  a  Coiflbo :  do  qoe  a  gfite  ae  agaatoa  muy to  qu2^ 
do  no  dia  aegtiUe  oâo  virão  terra :  &  ho  piloto  dissímiH 
lou  dãdose  a  oulpa  de  gouernar  mal.  E  dobrado  ho  cabo 
de  ComorI ,  acharão  hu  catur  de  Portugueses  a  cujo  ca* 

Eitâo  rogou  Nuno  fernãdez  que  lhe  poiesse  em  terra doui 
omSs  que  erâo  da  cdpanbia  de  Damião  bernaldez  que 
quJserão  yr  coele  coessa  condição,  &  maia  por  lhes  pro*- 
neter  de  lhes  auer  perdão  do  Gouernador ,  &  dpulhe 
9Ínte  pardaos  pêra  gastarem  entre  tanto.  E  daly  se  foy 
a  Ck)chl  &  depois  aCbale  onde  ainda  estaua  o  Gouerna- 
dor, a  que  deu  conta  do  qne  fizera  a  Damião  bernuldea 
&  lhe  entregou  a  galeota :  &  o  Oouernador  lhe  agrade^ 
ceo  muyto  aquele  seruiço  que  6zera  a  eirey  de  Portu-* 
gal.  B  Damião  bernaldec  que  ya  a  pos  a  galeota,  ehe* 
gou  á  enseada  de  Bilgão  onde  achou  Diogo  de  camSes 
que  Nuno  fernãdez  by  deixara^  &  quiserao  enforcar  por* 
que  lhe  a)udara  a  leuar  a  galeota^  8&  deixou  de  ho  fazer 
por  rogo  de  Nuno  lobo  &  doutros  que  yflo  coele  no  bar^ 
gantim :  &  temendo  que  ho  achasse  algils  capitães  Por* 
tugueses  &  ho  prendessfi  sabfido  como  andaua,  deixou  o 
bargãtim  a  Nuno  lobo  l\  ho  leuasse  ao  gouernador  &ele 
desembarcou  6  Negapatão  pêra  se  jr  a  BiRnetrsr  &  auer 
dahí  perdão.  E  estando  em  Negnpatão  faz6do  se  prestes 
para  ho  caminho,  soubeo  hH  Mignel  ferreyra  {)  estaua 
em  Baleale  por  capitão,  a  (}  ho  gouernador  Nuno  da 
45unha  escreueo  sobre  Damião  bernaldez  ho  Q  tinha  es« 
crito  a  Goje  qabadi  &  ao  Goazil  de  Chetigão,  &  foy  ho 
pr6der«  E  carregado  de  ferro  ho  mãdou  a  Gomes  de 
souto  mayor  capitão  da  pescaria  do  Aljôfar,  q  ho  man- 
dou a  Coulão,  donde  foy  leuado  a  Goa,  &  estado  hy 
preso  no  troco  &  sentSciado  em  dez  anos  de  des^redo 
pêra  a  ilha  de  sctã  Helena  faleceo,  auSdo  primeiro  o 
gouernador  oito  mil  cruzados  que  tinha  escondidos. 


Livmo  mr.  cAPrmLo  ^ltiii.  ,  119 

C  A  P  I  T  V  L  O    XLVIII. 

De  como  Jlntonio  de  Saldanha  fúy  pwr  eaptíâo  mór  aú 

cabo  de  Gúaraajúm. 

JlXo  gouernador  Q  fazia  a  fortaleza  de  Chalé  cÕ  ajuda 
dos  fidalgos  Q  ho  ajudauão,  &  assi  doutra  gente  Portu** 
guesa  {}  estaua  coele  ^  lhe  deu  cabo  em  tão  breue  tem- 
po Q  a  gele  da  terra  ficou  esp&iada :  &  muyto  maia  ei 
rey  de  Calicut,  ^  nftca  ê  todo  este  tempo  ousou  de  mã- 
dar  gSte  a  defender  a^la  obra ,  posto  Q  deitou  fama  \ 
ho  auia  da  fazer.  £  muylo  sentia  o  atreuimCto  do  go- 
ueraador  <)  assi  lhe  fazia  hfla  fortaleza  nas  soas  barbas^ 
h  ho  muito  (}  perdia  nisso  de  seu  credito.  Ea  fortaleza 
aeabada  ficou  em  hâ  capo  raso  dõde  descobria  ho  mar 
&  mruyto  perto,  era  quadrada  &  è  cada  quadra  tinha  hCL 
baluarte  muito  forte,  &  os  panos  dos  muros  Q  cornãode 
baluarte  a  baluarte  erio  de  ciocoenta  pês  de  largura,  & 
da  faáda  de  détro  ao  Idgo  do  n^iiro  estauflo  as  casas  dos 
•fficsaeis  da  fortaleza  &  as  dos  frontey ros,  &  no  meo  cs^ 
taaia  a  torre  da  meadjem,  tambS  muyto  forte  &  toda  hè 
artilhada.  A  capitania  desta  fortaleza  deu  ho  gouerna* 
dor  a  Diogo  pereyra  por  ser  seu  priuado  posto  que  era 
muito  velttt),  &  lha  pedião  outros  homSs  de  roays  serui-* 
ço,  &  Q  erã  mais  pêra  a  defêder  do  Q  ele  erar  &  dey- 
xando  qq  mar  por  capitão  mor  a  ht  fidalgo  chamado  Ma« 
Quel  de  sousa  natural  Deuora  com  h4a  armada  de  tre- 
zêtes  honiSs  ^e  partio  pêra  goa ,  onde  aebou  af)ercel)3* 
dose  António  de  saldanba  pêra  yr  ao  cabo  de  Goarda^^ 
íum,  ao  que  ho  mandaua  por  capitfto  mór  de  hQa  arma* 
da,  de  que  forão  capitãea  a  fora  ele  i^  ya  no  galeSosâm 
Iflateos,  Vasco  pirez  de  saro  payo  em  Lambia  morim, 
dam  Fernàdo  deça  na  galeaça ,  Amónio  de  lemos  nos 
Reys  magos ,  Diogo  boteiho  pereira  em  hft  galefio,  que 
iby  feyto  em  Chaul.,  &  em  duas  galeotas  dS  Pedro  de 
meneaea  &  Alanuel-áe  tascCcelos,  ^  leiíaaa  debaixo  de 


ItO  DA   HISTORIA    BA   ÍNDIA 

8ua  capitania  certos  bargãlína.  E  coesta  armada  partio 
António  de  saldanha  na  êtrada  de.  Peuereyro  de  mil  & 
quinhêtos,  &  trinta  dous,  &  no  caminho  lhe  deu  hfla 
grande  tormenta  cõ  {|  Diogo  botelho  esteue  <\\xíís\  perdi- 
do ,  &  milagrosamSte  o  saluou  nosso  sfior  &  arribou  a 
Chaul :  &  nSo  pode  yr  cõ  António  de  saldanba. 

G  A  P  I  T  V  L  O    XLIX. 

De  como  Rayx  cde  quisera  matar  elRey  Dormuz  seu 

frmâo. 


Q 


uasi  a  pos  A-ntonio  de  sa{danha  partio  António  da 
silueyra  de  meneses  pêra  Ormuz  por  màdado  do  gouer* 
nador  pêra  jr  seruir  a  capitania  da  fortaleza  Dormuz,  ^ 
vagara  por  morte  de  'Crístouâp  de  mêdoça ,  &  seruia  de 
capitão  Belchior  de  sousa  tauares  que  dantes  era  capi- 
tão mor  do  már.  E  foy  cõ  António  da  siliieyraLuys  fal- 
cão «eu  sobrinho,  pêra  ser  goarda  mor  dei  Rey  Dormuz*. 
E  chegado  lá  António  da  silueyra,  &  êtregue  da  capi^ 
tania  da  fortaleza,  el  rey  Dormuz  se  lhe  queisou  de  nu 
seu  jrmão  homS  de  dezoyto  anjios,  que  ho  queria  matar 
por  fauor  &  induzimento  de  sua  mây ,  Q  por  Ibe  Qrer 
mayor  bem  {{  a  ele^  ^ria  {|  fosse  rey  antes  2)  ele,  &  que 
hQa  noyte  fora  achado  debayxo  do  seu  catele  cÕ  hOa  a-« 
daga ,  &  por  isso  ho  mãdara  pnSder :  &  por  ser  ho  caso 
de  tâta  importficia  &  não  auer  dissensões  no  Reyno,  não 
quisera  fazer  justiça  dele  como  lhe  merecia,  pedindolhe 
q  ho  mandasse  á  índia,  por^  sabia  certo  Q  não  fazia  a- 
quilo  se  não  por  induzim6to  de  sua  mãy ,  ho  ^  António 
da  silueyra  fez  por  pacificar  a  cidade,  em  !\  começaua 
dauer  bandos  por  a(}la  causa.  R  no  mesmo  nauio  em  ^ 
António  da  silueyra  foy ,  mandou  ho  jrmâo  dei  rey  que 
se  chamauaRayx  ale  com  toda  sua  casa,  escreuendo  ao 
gouernador  a  rezão  porque  ho  mâdaua.  E  ho  gonerna-^ 
dor  ,bo  recebeo  muyto  bS ,  &  lhe  tiomou  sua  fé  segado 
siiia  ley,  de  nã  se  tornar  a  Ormuz  sem  sua  licença,  por-> 


LIVRO  VIII.   CAPITVLO  t.  I$j[ 

•^ue  86  soubesse  2}  fazia^  ou  queria  fazer  ho  contraíro 
que  bo  mandaria  pêra  Porlugal.  JS  ele  .propaeleo  de  bo 
fazer,  .&  ho  comprio. 

CAPITVLO    L. 

De  como  Manuel  de  vetsconcelos  ^  outros  tomarão  a  nao 

çafeturca. 

\^'hegado  António  de  Saldanha  ao  cabo  de  Goardafum, 
sem  lhe  acontecer  cousa  que  seja  de  contar,  vendo  que 
não  fazia  ali  nenhâas  presas,  m»ndou  Manuel  de  Vas- 
cdcelos  que  fosse  com  os  bargãtins  ao  porlo  de  Xael^ 
pêra  ver  se  achaua  hi  aigQas  naos^  -que  por  ser  tarde 
aueriã  dinuernar.  £  mandou  estas  velas  porque  .por  se- 
rem de  remo  não  serião  sintidas ,  &  auião  de  hir  mais 
asinha  que  os  galeões,  &  por  isso  ficeu  coeles  a  trás  pe* 
ra  jr  de  vagar.  E  chegando  Manuel  de  Vasconcelos  de 
supilo,  achou  hi  hõa  nao  deCambaya  chamada  çafetur- 
cá,  que  seria  de  oytocentas  toneladas,  &  por  sua  gran- 
deza, ^  era  a  mayor  de  quantas  andauã  naquela  carrei- 
ra era  n^uyto  nomeada.  E  ho  capitão  esl-aua  cõ  deter- 
minação de  Tnuernar  em  Xael,  &  na  sayda  do  inuerno 
antes  ^  fosse  verão  de  todo  jrse  a  Diu ,  &  auSturarse 
antes  ao  perigo  do  már,  ^  ao  de  ser  tomado  dos  Portu- 
gueses. E  a  mesma  conta  fazião  outros  muytos  mouros : 
&  por  isso  os  Portugueses  não  achauão  presas  auia  deus 
annos.  E  vSdo  os  mouros  desta  nao  descobrir  a  nossa 
armada,  foy  ho  seu  medo  tamanho  que  não  ousarão  desr 
perar,  &  fugirão  pêra  terra,  leuâdo  todo  ho  dinheiro 
que  tinhão,  &  algflas  cousas  leues,  &.  íicoulhes  a  car- 
rega 'grossa.  E  por  sua  fugtda  não  teuerão  os  Portugue- 
ses quem  lhes  resistisse  tomala«  E  Manuel  de  vascõcelos 
nieteo  nela  hii  quadrilheiro  &  hQ  feytor  pêra  {)  se  entre- 
gassem da  fazenda  I)  tinha  &  ele  cõ  os  bargantins  se 
pos  em  goarda  dela,  ate  chegar  António  de  saidanha,  J\ 
chegou,  dahi  a  dous  dias#  £  vendo  ele  quo  no  porto  não 

LIVRO   VIII.  a 


ISS  0A    HliTOUA    9á    nf0IA 

Buia  mais  dem^  &  Q  se  chegaua  ho  iouerno  p«rlme  pe» 
ra  inazcate ,  onde  determinaua  dinuernar »  &  hi  foy  vfi- 
dída  a  fazSda  da  nao  &  o  casco.  £  passado  o  ÍDoerno 
parliose  c5  a  armada  pêra  a  ponla  de  Diu,  &  mãdou 
Manuel  de  vascõcelos  ao  lõgo  da  costa  cÕ  algCls  bargã- 
tis,  &  tomou  outra  nao  de  mouros  de  diu,  ^  bia  de  Me- 
ca muytQ  rica  j  <}  despors  kiy  vSdida  8  Chaui  cò  toda 
sua  carrega.  El  no  dinheiro  que  se  £ez  nela  &  na  çafe* 
lurca  se  mõlarâo  perto  de  dozStos  mil  paidaos.  E  assi 
deu  Manuel  de  Vasconcelos  caça  a  hii  gaieft  de  Calicut, 
que  por  Uie  fugir  ínúa  da  ponta  pêra  se  meter  em  Dia 
deu  em  hua  lagea  &  perdeose,  &  afogaranse  os  oaaisdos^ 
mouros.  E  S  quasi  dous  meses  ^  António  de  saldanba. 
aqui  andou  nâ  fez  raai»  presas:  &  partiose  pêra  Goa  on»- 
de  entregou  bo  dinheiro  que  leuaua.. 

G  A  P  I  T  V  L  O    LL 

JDe  coma  ha  gcuernador  dettrminou  de  tomar  afortalesa. 

de  Baçojfm. 

JAI  este  arnna  de  mil  &  quinhentos  &  trinta  &  dous  foj 
a  armada  \  bia  de  Portugal  pêra  a  índia  repartida  è 
duae  capitania»  mores ,  hOa  leuou  dõ  Esteuão  da  gama^ 
íilbo  de  d5  Vasco  da  gama  cõde  da  Vidigueira  &  almi^^ 
rante  do  mar  indico,  que  bia  prouido  da  capitania  de 
Malaca  na  vagante  de  Garcia,  de  sá^  &  bia  debaixo  de 
sua  capitania  Vicente  gil  armador^  cuja  era  a  nao  em 
^  hiaw  A  outra  leuaua  dom  Paulo  da  gama,  birmão  de 
dom  Esteuão,  prouido  tambS  da  capitania  de  Malaca  na 
sua  vagSte.  E  debaixo  de  sua  bandeyra  hia  hft  António 
earualbo.  E  destes  capitftes  dÕ  Esteuão  inuernou  em 
Moçãbique ,  &  os  outros  cõ  mu jto  grade  trabalho  pas* 
sarão  á  índia  Õde  chegarão  a^ie  anno  S  diuersos  t^pos 
cd  mujlos  doètes.  £  nesta  armada  foy  bu  Bispo  chama* 
do  dõ  Fernando  que  fora  frade  de  s^im  Francisco,  pêra 
reformar  na  índia  ho  estado  edesíastioo,  &  dar  ordès  & 


LIVRO   ¥111.  CAWnWíéO   Lff.  ISS 

«csriMMff :  Ic  eu  bo  outti  pregar  ê  Goa  louylo  bê^  donds 
ho  gouernadar  deapaciíoii^  Anlociío  de  saJdaoha  por  ca*- 
{silão  már  das  nãos  da  carga ,  que  forfio  três  &  hfi  jun*- 
go  H  partirão  na  fim  de  dezembro  do  mesmo  aono.  B 
4ambS  estando  bo  gouernador  em  Diu  soube  de  certa 
certeza  Q  Melique  toeâo  tioha  feita  em  Baçaim  hua  for* 
laleza  muTto  forte  &  que  ae  criaua  ali  outro  Diu  ^  &  4 
iMperaua  oe  trazer  ali  as  fustas  de  Diu  pêra  que  tolhes- 
sem aos  nossos  que  não  passassem  a  diante.  Ecomo  ho 
gouernador  se  temesse  de  yrê  rumes  á  índia  porque  se 
fossem  tomauão  aquela  fortaleza  aehandoa  em  terra  tS 
fértil  coroo  aquela  be,  &  situada  ao  longo  de  hfl  tam  bS 
fio  como  ho  de  Baçaim  :  pelo  que  a  índia  ficaua  em 
muyto  grande  perigo  se  os  teuesse  tão  vezinhos,  &  por 
isso  determinou  de  jr  sobreia  &  destruyla,  &  sem  dar 
conta  a  ninçuem  se  começou  de  aperceber  pêra  hirqua^ 
si  no  cabo  do  verão ,  em  que  Diogo  da  sihieyra  auia  de 
ler  feyto  muyta  guerra  a  Cambaya. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LIL 

JDe  como  Diogo  da  sãutyra  tomou  as  cidades  de  Patane^ 

Patê  ^  Mangalor^ 

JL/iogo  da  silueira  que  inuernaua  em  Chauri  pelo  regi** 
mento  que  tinha  de  fazer  guerra  a  Cambaya  partiose 
pêra  lá  com  sua  armada  logo  na  entrada  do  verão ,  & 
foy  correndo  a  costa  ate  Diu ,  fazSdo  os  catares  muytos 
saltos  por  toda  a  costa ,  era  que  fizerâo  muyto  grande 
dano,  &  coisso  estaua  a  gente  tão  espantada  que  não 
se  atreuia  a  saluarse  menos  de  seys  legoas  peb  sertão 
onde  se  acolhia,  &  pola  ourela  do  mar  não  auia  nin** 
guem ,  &  nenbus  nauios  ousauão  de  yr  a  Diu ,  nB  as 
fustas  ousauão  de  sayr ,  com  quanto  Diog^o  da  silueyra 
andou  a  vista  de  Diu  algfis  dias»  E  vendo  lele  que  não 
fazia  ali  nada  passou  auãte  caminho  de  hâa  cidede  cha«- 
mada  Pataiie  doze  legoas  de  Diu  na  mesuia  costa  de 

a  2 


1S4      "^  DA   HISTORIA   BA   ÍNDIA  ' 

Cambaya,  situada  á  borda  de  hft  arrecife  cercada  de 
muro ,  &  na  praya  bA  baluarte  que  varejaua  ho  desem* 
barcadoiro ,  &  diante  dele  hfla  forte  tranqueira  bê  ar- 
tilhada que  goardaua  maytas  nãos  que  dentro  dela  es- 
tauão  varadas,  por  ser  cidade  de  grande  trato,  &  po* 
uoada  de  muytos  mouros  mercadores.  £  a  fora  isso  ti- 
nha ei  Rey  de  Gãbaya  ali  gente  de  goarnição,  de  que 
muytos  erão  Rumes  dos  i}  Rumecão  leuara  a  Diu,  & 
com  a  gente  da  cidade  seriam  bem  três  mil  homeês  de 
peleja:  ho  que  tudo  soube  Diogo  da  silueira  por  ho  ca- 
pitão de  hum  Calur,  por  quS  mandou  espiar  esta  cida- 
de: que  também  lhe  disse  ^  a  sua  desembarcada  não 
podia  ser  se  não  diante  da  tranqueira.  £  cd  tudo  ele 
assentou  cÕ  os  outros  capitães  Q  dessem  na  cidade  &  a 
tomassem  cÕ  ajuda  de  nosso  senhor ,  em  i}  esperaua  ^ 
os  ajudaria.  £  cõ  esta  determinação  partirão  pareJa  da 
pata  de  Diu ,  estando  a  gête  Q  estaua  nela  bê  descui^^ 
dada  de  tal  ida,  assi.  por  a  cidade  estar  muyto  afastada 
das  nossas  fortalezas  como  por  até  aquele  tempo  nhiia 
armada  nossa  chegar  àquela  costa.  £  quãdo  ho  capitão 
de  Patane  vio  a  nossa  frota  ficou  muito  salteado,  por^ 
sabia*  ho  grade  dano  4  tinha  feyto  na  outra  costa  de 
Cambaya,  &  mais  i}  pêra  passar  ali  auia  de  ser  visto 
das  fustas  de  Diu ,  que  lhe  auião  de  contrariar  a  passa- 
gem, &  por  isso  ho  salteou  muito  vela  no  seu  porío:  & 
BiSdou  logo  muyfca  parte  de  sua  gête  acodir  á  trâquey- 
ra  pêra  defêder  a  deserabarcaçS  dos  Portugueses  ^  des- 
poys  de  serê  assoitos  por  hii  clérigo  Q  lhes  fez  a  confis- 
são geral  rendarão  pêra  terra  em  seus  bargantins  &  ca* 
tures  &  sem  temor  dos  muytos  &  muy  grossos  pelouros 
^  desparauão  da  tranqueyra  &  do  baluarte  rêperão  por 
eles  ate  pojar  em  terra  cadaha  por  onde  podia ,  &  assi 
desêbarcou  Diogo  dasilueyra  cõ  a  bandeyra  real,  &  nisto 
Bão  auia  ordê  nê  esperar  por  capitães ,  se  não  quê  pri- 
meyro  podia  (por^  na  índia  este  he  ho  próprio  cometer 
dos  nossos)  Sc  pêra  quam  perigosos  os  lugares  são  pare- 
ce 4  he  ássi  melhor  qae  doutra  maneyra ,  porque  quê 


LnrftO  •  Vill.  ^CAPITV1X) 'lAI.  -125 

desembarca  nas  boeas  das  boi^barddB  sem  tér  »bj!l  em*- 
paro  se  não  ho  de  nosso  silor  (|  he  ho  ▼erdadeyw  parece 
^  se  não  desembarcasse  coesta  presleaa ,  &  esperasseBi 
eôcerto  Q  os  mataria  a  artelharia  a  todo».  Assi^  desem- 
barcados os  nossos  como  digo,  remetS  a  tranqueyra  ca- 
da hfi  por  seu  cabo  &  aferrarão  coela  goardãdo  os  nosso 
sflor  da  artelharia  que  lhe  não  (itesse  nojo,  &  vSdose  os 
imigos  assi  cometer  depojs  de  se  defenderS  hum  pouco, 
«em  que  morrerão  alg1Í8da8>  nossas  espingardadas  alar- 
garão a  tranqueyra ,  recolhêdose  pêra  a  cidade ,  de  ^ 
lo  capitão  acodio  cõ  gSte  de  refresco,  &  mandado  abrir 
a  porta  pêra  sayr  chegarão  a  ele  os  seus  i\  fugião  da 
tranqueyra,  ^  vinhão  com  grade  pressa  poios  yrS  os 
nossos  ferindo  nas  costas»  £  quando  acharão  ho  seu  ca^ 
pitão  esforçarão  &  voltarão  aos  nossos  esfor<^ndoos  ele  ^ 
pelejou  como  muyto  valente  caualeyro,  ho  que  foy  cau- 
sa de  o  matarem  cõ  outros  algus  dos  seus  em  hii  pedaije 
fl  aqui  pelejarão  muy  bê ,  &  estes  que  morrerá  forão 
Rumes.  Evendose  os  imigos  sem  capitão  desacoroi;oarã 
de  maneyira  ^  fugirão,  &  os  nossos  entrarão  na  cidade 
a  pos  eles  ferindo  &  matado,  &  fizerão  maiãça  espanto^ 
sa  assi  nes  soldados  coroo  em  outra  gente  l\  não  era  de 
peleja  de  que  catiuarão  muyta.  E  Diogo  da  siiueira  não 
consintia  que  os  seus  saíssem  fora  da  cidade  a^  pos  os 
imigos ,  por^  estauão  cansados.  £  despois  que  os  lança* 
rão  todos  fora  repartio  os  nossos  em  quadrilhas ,  &  mS- 
dou  saquear  a  cidade  &  leuar  todo  ho  despojo  que  foy 
muyto  á  praya  pêra  se  repartir  despois,  &  acharão  man- 
timStos  sem  cÕto,  de  Q  a  frota  ficou  b&  bnsteeida.  B 
sacada  a  cidade  foy  queimada  oõ  muylos  mouros  Q  es» 
tauão  escõdidos  nas  casas,  que  cõ  os  ^  morrerão  na  ba- 
talha foy  htia  boa  soma»  Edos  nossos  quis  nosso  senhor 
que  não  morreo  nenhu.  E  assi  fovão  queimadas  quorSta 
nãos  &  zãbucos  Q  estauã  varados ,  &  b&  galeão  Q  che^ 
gara  de  çuez  auia  dias  carregado  de  rumes.  £  feyta  es- 
ta destruyção  &  recolhida  a  artelharia  dos  imigos  á  nos-^ 
sa  frota,  embarcouse  Diogo  da  siiueira  cõ  toda  sua  gea- 


te^  Q  iaU  ficou  rica,  &  tornâdose  soube  da%Ai  MMifdf 
que  tomou  em  hils  xâbucoa,  que  auSle  de  Patase  pêra 
£0  norte  ealaua  na  neaoia  eoata  outra  cidade  cbamads 
Pale  muyto  jnaya  forte  que  Patane^  eò  inuytaa  ealaii^ 
cias  darlelharia  pelos  muros  da  banda  do  mar ,  &  oooi 
foaró  eiíea  lhe  batia  bo  mar  do  muro ,  &  estaua  dfitm 
mu; ta  gele  de  peleja  todos  Guzarales:  &  parLiase  Jogis 
pêra  li  €Ò  determiaaçio  de  a  tenar^  &  ás  ooee  horas 
do  dÍA  pouco  mays  ou  menos  chegou  diãte  da  cidade  cj( 
•  víraçio^  eujas  esticias  os  imigos  tinhào  rauylo  emhdt- 
deiradas.  E  ehegãdo  os  nossos  a  tiro  de  bõbarda  da  cif- 
dede  despararáo  sua  artelharia  respõdSdo  a  dos  imigos, 
que  nâo  ousaufto  de  aayr  da  cidade ,  &  assi  desembar«- 
'CarSo  sem  receberS  nenbQ  dano,  &  remetSdo  ás  portas 
da  cidade  as  arrobarão,  o  j}  vendo  fao  capilão  dos  imí^ 
gos  Ibe  acodio  logo  com  muyla  gente :  &  defendeoas  €$ 
tanto  esforqo  {}  nunca  as  desemparou,  ate  perder  sobrisr 
SO  a  vida,  &  bssí  cftto  Q  estanio  coele  na  dianleyra,  dt 
Q  os  mays  morrerão  despingardadas ,  &  dos  nossos  quis 
nosso  senhor  ^  nenbã :  &  eft  a  morte  do  capitão  &  des^ 
tes  se  retirarão  os  outros  a  trás,  &  ficou  lugar  aosPor«> 
tugateses  pêra  iQ  entrassS  na  cidade  em  que  se  os  imi« 
gos  defenderão  muy to  bem  em  aigflas  ruas ,  &  por  isso 
forâo  muytos  deles  mortos,  &  por  derradeiro  fugirão  & 
deyxarâo  a  cidade  que  despoys  de  ser  queymada,  &defr 
truyda  como  a  dePatane,  par  tio  logo  Diogo  da  silueíra 
para  oulra  qu€>siaua  mais  auâle  quarenta  legoasdeDiu^ 
chamada  Mágalor,  situada  na  boca  de  hum  rjo  6  costa 
braua  &  tinha  ha  bd  arrecife^  cidade  principal  dai-la 
cosia  toda  rasa,  &  sfi  nenhfia  fortaleza  pouoada  de  mout 
ros  mercadores  ^  {|  sabfido  a  destruição  de  Patê  &  Pata^ 
ne  ainda  questauão  tflo  fortes ,  nSo  se  alreuerão  a  de-^ 
fenderse  posto  ^  tinbão  muyta  gente  de  peleja,  quecha<» 
marâo  pêra  os  defender  despoys  que  souberâo  l\  os  Por<> 
tugueses  andau&o  por  aquela  costa,  &  despejarão  a  ci- 
dade &  se  forâo ,  &  por  isso  os  nossos  ná  teuerão  mays 
Q  fazer  que  queymala  cÕ  muytas  nãos  que  estauSo  vá» 


Lwmoi  vm.  câFiTTt.0  luin  1S7 

mdas*  E  dcapcys  de  queym^Ktas  estas:  cidades  em  que 
Diogo  da  silueyra  foy  em  pessoa ,  queymarão  oe  seus 
capitães  muitas  pouoaçdes  sem  ele  sayr  em  terra^  &  &- 
«erão  tamanha  destruição  que  se  despouoou  toda  a  cos^^ 
4a  &  não  ousaua  nenhua  gente  de  ehegar  ao  aiar  eô  me«- 
úo  àe  não  catiuarS  mays,  que  focão  muytoe:  &  tomada 
mujta  arteJbaria  pêra  el  Rey ,  &  muyta  fazenda  a  fora 
a  tias  partes  Q  todos  foii  muyto  rieos,  &  quey marte 
muyta  ri^za  por  não  terõ  nauios  em  Q  a  carregar»  £ 
JMeiique  capitão  de  Diu  não  podia  acodir  por  a  ocupai 
^ão  ^  tinha  em  fazer  Baqaim ,  &  punha  ali  tâta  força 
por  lhe  parecer  que  coela  defenderia  Diu ,  nem  mencs 
acodia  el  Rey  de  Cãbaya  por  muyta  guerra  i}  lhe  fazião 
eeos  imiffos  pelo  sertão  ( como  dírey  a  diâte. )  E  não  su- 
chando  Diogo  da  silueyra  que»  lhe  resistisse  continuai- 
na  a  guerra  tornando  outra  vez  a  ponta  die  Diu  a  espc*- 
sar  as  nãos  que  fossem  de  Gambaja  pêra  Meca ,  que 
com  seu  medo  nã  ousou  nhQa  de  sayr  aquele  anno ,  no 
^  el  rey  de  Cambaya  recebeo  muyta  perda  fi  suas  alian^ 
degas. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LIIL 

De  como  Jfodncâ  fez  wm  com  ho  gauernnãar ,  ^  lhe 
deu  ast  ktnadãrias  de  Sahete  pêra  el  Rey  de  PorHtgaL 

jl\  oTevceyro  &  Quarto  Liuro  se  fez  m^ção  de  faâmoif* 
90  chamado  çufelarim  escrauo  fc  capitão  do  Hídakfto  a 
que  Afonso  dalbuquei^  torooa  a  ilha  fe  cidade  de  Goa  ^. 
a  que  ho  mecmoHidalcão  por  fazer  honrra  llie  eoncedeo 
que  se  podesse  rkamat  Cão,  &  isto  por  ser  este  nome 
antreles  de  muyla  honrra,  &  se  chamou  A(jadaeâo,  que 
despoys  por  ser  bÕ  caualeyro  &  de  muyto  seruiço  o  ça- 
bayo  &  seu  filho  Hidalcão  que  lhe  suscedeo  no  senhorio 
o  lizerâo  dos  principaeis  de  seus  capitães,  &  lhe  derão 
terras  na  comarca  de  Salsete,  &  anlrelas  foy  Pondá  & 
Biigâo  que  he  ao  pè  da  serra  do  Gate  que  ele  despoys 
fez  hOa  cidade  muyto  forte  cercada  de  muros,  cobelos, 


It8  DA  HTSTOafA    JDA    IimiA 

&  4:aua ,  ao  modo  das  nóaaas ,  &  deuse  tam  ^boa  maaha 
^  tinha  maya  de  quarenta  contos  de  rêda,  &  muita  gen» 
te  de  peleja  assi  de  caualo  coroo  de  pé  &  alyfantes  ^  & 
despoys  doHidalcâo  era  a  segQda  pessoa  em  seu  sen ho^ 
rio  assi  de  terras ,  gente ,  &  renda ,  &  cõ  tudo  era  es*- 
crauo  .do  Hidalcâo,  &  cada  vez  (}  ihe  viesse  á  vontade 
despoelo  de  seu  estado  o  podia  fazer,  &  por  isso  andaua 
ele  sempre  receoso  de  isto  aer  assi,  &  nesle  tempo  veo 
a  saber  que  boHidaicâo  ho  queria  fazer,  porque  homjit- 
<lou  chamar,  !\  era  a  mayor  certeza  de  ser  assi,  porQ 
estes  senhores  de  marauilba  mandão  chamar  estes  capi- 
tães se  .não  pêra  lhes  tirar  as  terras  que  lê  &  nmtarS* 
noa.  >£  como  Açadacão  lenesse  esta  sospeyta  ou  certe^* 
za  quis  se  logo  faunreeer  com  fazer  amizade  cò  ho  f^o* 
ueroador  ^  estaua  em  Goa  a  (|  secretamCte  mandou  so^ 
brisso  seu  embayxador ,  &  1}  lhe  daria  por  isso  pêra  ei 
rey  de  Portugal  as  terras  de  Salsete  &  Pondá  ^  lêdião 
bS  cinquoêta  mil  pardaos  douro :  &  por3  Q  ho  gouerna» 
dor  auía  de  mandar  recolher  estas  rSdas  dissimulada- 
mfile  pori}  o  Hidalcão  o  não  soubesse,  o  que  o  gouer* 
nador  lhe  agardeceo  muy to ,  &  em  nome  de]  Rey  de 
Portugal  lhe  confirmou  amizade,  &  prometeo  de  o  aju- 
dar contra,  o  Hidalcão,  &  fez  logo  Tanadar  mór  a  hft 
Gristouão  de  figueiredo  casado  em  Goa  &  grande  seu 
priuado,  que  mandou  á  terra  firme  cft  outros  Tanada» 
res  pequenos  &  lescríuXes  &  algfia  i^fite ,  &  ele  se  apo- 
sentou è  bu  pagode  de  freyras ,  &  dali  arrecadaua  at 
rendas  ^  &  Aijadacão  teue  maneyea  como  se  escusou  do 
yr  por  aQla  vez  a  chamado  do  Hidalcão,  j}  tãb8  não  inç- 
ais lio  è  ele  por  amor  de  grandes  negócios  Q  lhe  sobret 
aiierâo. 


LIVRO  Tiif.  OAPiwxo  uni.  IS* 

CA  PI  T  V  L  o    LIIIL 

*  » 

Das  dtferenças  jf  ouue  <mtre  Vicente  dfrfomtca  ^  Bros 

pereyra^ 

Jr  icâdo  Vic6te  dafonseca  por  <;apiíSo  da  fortaleza  de 
Ternate  (como  a  Iras  be  dito)  determinou  de  mandar  hd 
jungo  a  Malaca  9  cuja  capitania  deu  a  Afonso  pirez  que 
fora  hum  dos  í\  o  fieerâo  capitSo,  &  sabeado  Brás  pe« 
reyra  que  este  jungo  auia  de  yr  pêra  Malaca^  pedio  a 
VicSle  dafooseca  a  capitania  dele,  &  por^  lha  não  quis 
dar  vierâo  a  tanta  desau^a ,  que  Brás  pereyra  fez  hfll 
requerimento  ao  feytor  &  otficiaeis  da  fortaleza  &  a  ou-* 
tros  criados  dei  Rey  que  prendessem  VicSte  dafonseca^ 
4  cometera  trey<;ão  em  dar  ajuda  &  fauor  aos  mouros 
pêra  matarS  Gonçalo  pereyra,  &  que  tinha  aquela  for-* 
ialeza  por  força,  &  dali  por  diante  náo  falou  mays  a  Vi- 
«6te  dafonseca ,  &  andaua  armado  cõ  outros  muytos  (| 
erâo  de  sua  valia,  &  estes  amotinauâo  outros  &  tinbâo 
.Vicète  dafonseca  entfto  pouca  conta,  que  dizião  pubri» 
camente  {|  ele  ajudara  a  matar  Gõçalo  pereyra,  &  man- 
dara matar  outros  Portugueses  despoys.  que  fora  capi« 
lAo.  E  por  ^le  atalhar  a  outras  mayores  cousas  ()  daque- 
Jas  podiâo  soceder  prendeo  Francisco  de  sá ,  Cosmo 
moniz,  &  outros  culpados  nesta  defamação,  2|  com  a 
prisão  destes  creceo  muyto  mays:  &  foy  posto  per  ve* 
ses  fogo  a  hu  bargãtim  poios  amigos  destes,  porque  aos- 
peytauão  que  presos  os  queria  mandar  nele  á  índia ,  & 
dali  por  diãte  miindou  Vicente  dafonseca  vigiar  a  ribey- 
ra  por  homês  armados.  E  ainda  despoys  disto  creceo 
mays  a  desauença  &  ódio  antrele  &  Brás  pereira ,  sobre 
hO  berço  Q  mandou  tomar  da  Galeota  em  i|  estaua  Brás 
pereyra,  pêra  hQ  bargantim  que  queria  mandar  a  Mala? 
ca  em  companhia  do  jungo  ^  disse,  &  assi  sobre  certos 
homSs  que  mandou  leuar  da  galeota  pêra  a  fortaleza  ^ 
por  lhe  dizere  que  queria  fugir  pêra  BSda ,  &  sobre  bft 

LIVRO   VIII.  R 


que  Brás  pereyra  loiheo  ao  Ouuidor  quQ  ho  nâo  leuas- 
se,  sobre  ho  quedlssd  palauraa  muj^to  defamatorías  con- 
tra Vicèle  dafonseca ,  pelo  que  ele  indinado  disso  ibe 
mâdou  tomar  hó  edqmfé  &  tis  escrauos  da  galèola  q(i'e 
erão  em  terra,  &  defendeo  com  grandes  penas  que  nhua 
pessoa  lhe  keuasse  mãltmenlos.  E  vendose  Brás  pereyrfi 
aèsi  atalhado  9  foy  a  sua  meneocoria  (amatiba  ^  parecia 
doudo,.  &  cõ  grádisaimos  brados  disia  aos  §  estauSo  em 
feerra,  ^  Vicente  dafonseca  nãoeja  eapitâo,  antes  era 
trédor  a  el  Rey  de  Portugal  por  matar  a  Gonc^aki  perey^- 
va  seu  capitão,  &  tinha  ai|ia  fortaleza  pêra  a  vender 
aos  mouros ,  &  por  essa  causa  lhe  não  obedecia ,  &  re- 
queria a  todos  4  nio  Uie  obedecessem :  &  acabando  de 
dieer  isto^  mandou  tirar  três  tiros  á  forlalesa*  Vicête 
dafonseca  Q  estaua  na  ramada  se  reeolheo  logo,  & 
mandaua  tirar  a  artelharia  pêra  meter  a  galeota  no  fil^ 
do  se  não  fora  peio  alcaide  mór  Q  lhe  pedio  ^  o  deixas^ 
se  primeyro  fiJar  c&  Brás  pereyra  do  que  foy  contente^ 
&  despoys  do  alcaide  mór  falar  eoele,  &.  acabar  j}  obe» 
decoria  a  VkSte  dafiSseca  &  jria  a  terra  &  os  faria  ami«- 
f(OB  foi  peor,  por!|.  em  Brás  pereyra  chegado  a  terra  ^ 
Vicêledafonseca  muyto  ledo  com  lhe  parecer  i\  ya  pêra 
ser  seu  ainigo,  como  lhe  o  alcaixle  mòr  tinha  dito,  ítíy^ 
86.  á  praya  pêra  o  receber,  &  ele  lhe  disse  muyto  braue 
^  se  fosse  dali  porj}  o  não  ^ia.  ver  nem  falar  coele ;  Su 
Vicente  dafonseca  Uie  respondeo  ^  nlo  Ibe  ametinasse 
a  gSte  &  ^  visse  quão  mm>  exõpro  daua  aos  mouros  & 
a  todos  9  com  aquêlaa  desobediências  ^  &  Brás  pereyra 
tornou  a  dizer  as  mesmras  palauras  ^dantes,  &  reque*- 
reo  a  quãtos  bi  esfeauão  Q  prSdessem  Vicõte  dafonseca 
pola  morte  de  G&çalo  pereyra:  &  YicSte  dafonseca  1^ 
prendessem  a*  ete  porque  lhe  desobedecia,  &  foy  sóbria» 
to  moyto  (grande  ãltioro^  nos  Portugueses ,  ^  aigiis  di*- 
«ião  Q  VicAte  dafonseca  ikão  era  capitão,.  &  os  mays  di*- 
aião  que  era,  &  ^  Brás  pereyra  merecia  preso  por  ser 
causa  daQllas  reuoltas :  &  chegou  a  cousa  a  (anto,  ^  ho 
alcaide  mór  &  feytor  sS  apartara  c&  (odá  «  gente  ,  ^ 


UVR9  Vlfl.  CáínTTLO  1«V.  131 

Iket  pregiintarão  se  tinhSo  Vicente  dafonnea  por  seu 
icapitio,  &  por  os  mais  dizerem  (}  si^  o  ouuerã  por  ca- 
piíáo^  &  Brás  pereyra  íaj  preso,  &  assi  esteue^na  ibr- 
iaiesa  sen  mais  VioSte  dafikeca  ^rer  ser  seu  amig^  pos- 
to que  lhe  foj  cometido.  E  DÍk>  se  auèdo  por  seguro  de- 
le nê  doutros  de  sua  valia ^  os  entregou  presos  a  Balte- 
sar  veioso  capilflo  do  Bargantim  4  mandou  em  oompi^ 
«hia  do  jungo  que  hia  pêra  Malaca  dahi  os  ieuassê  á  ii»- 
<lia ,  &  partirão  na  entrada  de  Março  do  anno  de  mil  Sc 
quinhentos  &  trinta  &  dous,  &  coydando  Vicente  dft- 
fonseca  que  por  mSdar  Brás  |)ere^a  &  os  outros  ficaua 
-seguro  na  capitania  o  íicou  menos,  por^  algds  desses 
mais  hJirrados  que  iicarAo  coele  parecendolhes  l\  mere- 
ciSo  melhor  a  capitania  í\  ele ,  come<^râo  de  praticar  ê 
fao  prenderê,  &  preso  ho  mandarft  pêra  a  índia,  ho  ^ 
Uie  foy  logo  discuberto :  &  pêra  os  amansar  &  tirar  da^ 
^le  pensamento  gastaua  coeles  muy  largamente,  &  lhes 
/Oeyxaua  fazer  crauo,  &  lhe  fazia  quXtas  boas  obras  po^ 
^a  cõ  que  algik  tXto  os  amâson,  &  porB  ele  nAo  se  con*- 
£aua  de  ningufi,  &  trazia  sempre  hOa  saya  de  malha  se^ 
«reta,  &  sua  espada,  flc  andaua  tSo  acautelado  i\  «yoâdd 
4he  falaua  alguê  estaua  sempre  cft  os  olhos  nele  flt  a  mãe 
sia  espada ,  nS  tomaua  nbfia  cousa  a  pessoa  t(  nfto  fosse 
Sua  se  nlo  com  a  mSo  esquerda  &  a  dereyta  na  espada^ 
•&  Tiuia  com  muyto  grande  fadiga,  tt  muytas  vezes  se 
«partana  s6  a  chorar  dagastado  de  ler  tomado  a^le  oa- 
trego. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LV, 

■  •  « 

Do  §  PaUforágue  ^  Trauanceh  determinarão  tontra  ti 

rejf  Caekil  Dayalo^ 

V  endo  os  monros  as  grades  dissensAes  &  desordSs  (| 
auia  anire  os  Portugueses :  &  <}  s§  nhfl  temor  de  casti^ 
go  nfi  Terepnha  do  mundo  matauSo  capitães,  &  fazia 
outros  cAttaoregimêto  de  seu  rey,  fc  quil  mal  compríio 
os  mâdados  de  bOs  &  dos  outros,  &  (|  sempre  ficauio  li* 

a  2 


Íl32  DA  BfSTDKIA   lU    IKDIA 

;ure8  de  pena  ^  determinarão  de  fazer  bo  iDestno  contra 
teu  rey  Cachil  dayalo  ,  &  os  (}  derão  principio  a  e»ta 
maldade  &  Ireyção  forào  bft  Pateçarangue  !\  Vicente  da<- 
fonseca  fizera  gouernador  do  reyno  pêra  bo  ler  de  sua 
mao,  &  outro  ^^auia  nome  Trauâcelo  ambos  velhos  dis- 
cretos &  prudentes,  &  de  muyta  autoridade  cd  os  man^ 
darins  &  gele  popular  pelo  ^  tinbão  credito  pêra  fazerê 
quãto  quisessem.  £  a  causa  de  Pateçarâgue  fazer  esta 
trei^o^  foy  medo  de^be  el  rey  tirar  a  gouernãça  dorey- 
BO,  porQ  por  ser  ja  didade  pêra  isso  \t\sl  entCder  nela 
pêra  saber  como  seus  vassalos  erão  gouernados ,  !^  auia 
wuytos  annos  ^  os  gouernauão  gouernadores  ^  faziâo 
mais  o  4  os  capitães  Qriâo  l\  o  que  deuiâo:  &  por(}  go- 
/uern&do  el  Rey  Pateçarangue  nSo  era  necessário  Q  go- 
iiernasse  &  perdia  sua  valia  determinou  ele  de  priuar  el 
xey  de  reyno,  &  fazer  rey  a  bCl  seu  jrmâo  bastardo  oba^ 
jnaado  Tafoarija ,  &  era  tam  moço  ^  não  era  pêra  gouer^ 
jaar ,  cÒ  fuodamftto  Q  gouernaria  ele  ao  menos  ate  Ta- 
barija  ser  didade,  &  de  tudo  isto  deu  coata  a  Vicente 
ilafõseca,  cerlificãdolbe  Q  se  Cachil  dayalo  nã  fosse  de»- 
jiosto  de  rey ,  Q  bo  auia  desiomar  a  nào  fazer  seu  pn>- 
lUeytu  eomo  faria  não  sendo  ele  rey,  nem  ficaria  tâoaii» 
#ulu(o  capitão  como  forSo  os  passados,  pelo  i}  deuia  de 
consentir  em<  Cacbil  dayalo  ser  desposto  de  rey  y  no  % 
Vicente  dafkinseca  consentio  por  não  pefder  bo  ^  espek 
xaua  de  ganhar,  em  quâtò  esteuesse  na  capitania.  £  Ift- 
do  Pateçarangue  este  consentimento  pêra  sua  treyçara 
começou  logo  de  *a  poer  em  obra,  tomãdu  por  cõpanbey* 
ro  a  Trauancelo ,  &  como  não  podiam  fazer  nada ,  sê 
te  fidalgos  terfi  ódio  a  et  rey ,  prouocauãonos  a  Hio  tei€ 
por  quantas  maneiras  podia  prrncipalmStefazêdolbes  crer 
^  lhes  ãdaua  cõ  as  molheres :  &  diziam  i}  era  mal  incli^ 
nado:  &  de  forte  cõdição^  &  assi  Ifae  punham  outras 
muitae  tachas  cõ  que  o  fazia  inábil  pêra  ser  rey,  &dés* 
poys  QPateçarâgue  &Trauattcelo  virfio  ^  os  fidalgos  ti- 
nbão ódio  a  el  rey,  começarão  de  lhes  persuadir  Q  o 
desposessem  de  Rey,  &  fizesse  rey  a  seu  jrmâo  Taba- 


LIVB0   VIII.   CÂPITV&D  Wr.  138 

^ija.  Neste  têpo  auia  na  fortaleza  grade  falia  de  mâlir 
Biêtos  ^  &  muytos  Portugueses  mandauã  seus  escrauos  ^ 
CS  fossem  furtar  aos  mouros,  &  assi  os  caba<;os  ^  tinbâo 
fias  pafmeyras  cÕ  o  vinho  Q  saya  deles,  &  como  os  mou- 
ros queria  mal  aos  Portugueses  &  ás  suas  cousas,  dei- 
lauão  peçonha  nos  cabaços  cõ  Q  matauâo  os  Q-  lhes  yão 
beber  bo  vinho,  &  lambo  ás  cutiladas  quãdo  os  achauão 
•de  bÕ  lãço^  &  como  èrâo  mortos  Iam  encubertamente 
Dâo  se  sabia  mais  de  suas  mortes  Q  acbar&nos  menos. 
£  não  podCdo  YicSte  dafõseca  determinar  no  ^  seria 
feito  deles  disseo  a  Pateçaranguc,  rogandolhe  !\  lho  sou- 
besse, &  ele  por  meter  coele  em  ódio  a  el  rey ,  cõtou^ 
lhe  a  maneyra  da  morte  dos  Portugueses  &  dos  escrauos 
atribuindo  a  culpa  disso  a  el  rey ,  afirmando  Q  se  fazia 
:por  seu  mandado,  do  i}  se  Vicête  dafonseca  escandali- 
zou muyto,  &  mandouse  Qyxar  a  el  rey  pelo  mesmo  Pa^ 
teçarangue ,  cò  o  i)  se  el  rey  espantou  muyto ,  por  quS 
«inocête  sabia  i)  estaua  daquela  culpa,  &  se  nâ  se  teme- 
ra de  o  Vicète  dafonseca  tornar  a  prSder  foraselhe  dis- 
*culpar  por  sua  pessoa,  mas  este  temor  lhe  fez  l|  não  foi»- 
jSe ,  &  mãdouse  diseuípar  por  Paleçarãgue  cuidado  Q  lhe 
era  leal ,  &  como  ho  ele  não  era  no  cabo  da  disculpa  l| 
«deu  a  VicSte  dafõseca  lhe  disse  <)  sS  duuida  cresse  ^  tu^ 
tdo  aquilo  erão  palauras.  K  crendo  VicSle  dafonseea  i} 
;era  verdade  determinou  de  prõder  el  rey  &  t^lo  preso 
-como  dates,  &  que  Pateçarangue  gouernaria  ho  reyno, 
porC  el  rey  era  tam  recatado  Q  nunca  mais  foy  á  forta- 
leza, ou  parece  ^  foy  anisado  desta  determinação  &  a»- 
faslauase  ho  mays  i)  |)odia  da  eonuersação  dos  Portugue- 
ses, nã  por  mal  Q  lhes  quisesse,  mas  por  recear  de  os 
escãdatizar ,  &  fazialhes  quanto  bê  podia  ^  &  era  tã  obe- 
diSte  a  Vicète  dafonseca  &  desejaua  talo  deslar  bê  coe^ 
le,  Q  não  queria  valer  a  nhti  Português  Q  se  a  ele  aco- 
lhesse por  algO  dilito,  &  togo  lho  mandaua,  &  cõ  tudo 
nã  lhe  valia  ^  de  cada  vez  lhe  linha  mayor  ódio  &  de- 
sejaua mais  de  o  prêder,  &  quãdo  vio  ^  ho  não  podia 
iazer  determinou  de  o  mandar  matar :  &  tudo  isto  por 


13t  0à  HfrronA  di  tmnk 

induzimeiíto  de  Paleçarangue  (}  linha  o  messio  desejo, 
&  Iam  danados  andauâo  (|  bo  aáo  podiào  encobrir^  & 
foy  discuberto  a  ei  rey  ()  como  era  de  grande  ooraçâo 
dissimulaua  cÒ  Pate^jarangue ,  &  não  ho  quis  castigar 
jTor  não  dar  causa  a  Vicfiie  dafonseca  rõper  coele  guer^ 
ra,  Q  b6  sabia  l\  auia  de  ^rer  acudir  piT  ele.  E  andan- 
do assi  encuberios  torão  quatro  escrauoa  de  Portugu^ 
ses  ao  mato,  &  não  tornado  mais  oiãdou  VicSte  daíbu^ 
eeca  dizer  a  Pateçarangue  ( despoys  de  ihe  mandar  pre^ 
gQtar  por  eies)  {}  ei  rey  os  deuia  de  ter  se  os  nà  luanda- 
ra  malar,  ho  ^  ^1  r^y  soube  do  l\  fícou  tâo  triste  &aga8«- 
lado,  que  se  passou  logo  pêra  hum  lugar  chamado  Tur 
ruló  mea  legoa  de  Ternate,  &  leuou  pêra  lá  sua  mãy 
&  08  do  seu  conselho,  mandando  dizer  a  Vicente  dafon- 
seca que  se  ya,  pêra  ver  se  se  podia  liurar  da  culpa 
3ue  não  linha,  &  que  de  lá  faria  ho  que  lhe  mandasse, 
o  que  VicSte  dafonseca  fícou  muy  escandalizado,  8t 
creo  que  se  queria  leoãlar  cAtra  a  fortaleza  ^  &  por  isso 
trabalhaua  quãto  (lodía  polo  mandar  matar,  &  mandaoa 
fazer  aos  mouros  quãtos  males  podia.  E  vendo  el  rey 
ssto,  ouue  conselho  com  os  seus  sobre  se  mudar  pêra 
nays  longe,  &  assentarão  de  fazer  outra  cidade  onde  se 
chama  a  terra  alia  hua  legoa  daly,  que  com  quanto  lha 
auia  de  ser  trabalho,  as^i  em  dt^yxar  seu  assento,  come 
em  fazer  noua  pouoaçãu,  a  tudo  se  offreciã  por  seCirarB 
de  mexericos ,  desgostos  ,  &  brigas  que  disso  podiam  re^ 
erecer.  E  auido  este  conselho  el  rey  &  a  raynha  se  fí>- 
rão  a  Tidore  &  derão  disio  cdta  a  ei  tej  que  era  jrmãe 
da  raynha  ,  &  tio  dei  rey ,  a  que  pareceo  bem  a  mudar- 
ia pêra  a  terra  alta  pelas  rezões  que.  lhe  derão  pêra  is* 
so,  &  coeste  parecer  midou  el  rey  Dayalo  edeficar  eu* 
tra  cidade  na  terra  alta. 


hh¥U0  ritl.   CAPirvi^O  JkWt.  Id^ 


» f    » 


C  A  P  I  T  V  L  o     LVL 

Oe  como  el  rey  Cachil  Dayalo  se  passou  pêra  a  terra 

alicu 

X  ateçaraogue  como  queria  mal  a  el  rey  &  desejaua  \ 
Vicenie  dafonseca  esteuesse  firme  em  lho  querer,  como 
:vio  o  (}  se  ordenaua  dis^eiho  iogo,  atribuindo  aquela  mu<- 
dao<;a  dei  rey  a  quererse  fortalecer  pêra  seleuantar  coa.*- 
tra  a  forlales&a,  &  fazeribe  guerra ,  bo  Q  Vicente  dafon» 
seca  creo,  aasy  polo  ódio  que  tinha  a  Eirey,  como  pola 
mudSça  que  Ibe  via  fazer  tam  de  supito ,  &  mays  por- 
que neate  tempo  tendo  já  el  rey  onde  se  agaasalbasse  na 
terra  alta  ae  mudou  pêra  lá  cõ  toda  sua  familia ,  saluo  a 
Raynba  sua  mãy  que  iicou  pêra  fazer  yr  Pateçarangu# 
&  os  de  sua  familia,  que  em  nbiia  maneyra  se  ^riào  yr 
de  Ternate  polo  ódio  ^  tinbão  a  el  rey ,  &  estauam  de» 
terminados  de  lhe  desobedecer ,  por  lhes  Vicente  dafoBr 
seca  ter  prometido  de  os  ajudar  a  defender,  &  por  isso 
não  se  queriio  yr.  E  quanto  el  rey  mays  via  que  Pale^ 
^arâgue  insistia  em  nSo  yr  pêra  a  terra  alta,  tanto  mays 
insistia  ^  fosse,  |)orque  reeeaua  muyto  que  não  queria 
ficar  è  Ternate  em  tal  tempo  se  nâo  pêra  o  deseruir,  & 
que  o  fazia  cd  ousadia  Q  ibe  daua  Vicfiie  dafonseca ,  & 
eom  ter  isto  por  certo ,  ibe  mandou  dizer  ^  pêra  bCL  tal 
dia  se  fosse  pêra  a  terra  alta  cõ  todos  os  de  sua  valia,, 
^pena  de  ois  castigar  como  a  reueis ,  &  desobediStes  a 
seu  rey :  £  não  satisfszido  Pate^arâgue  a  este  mandado 
a3  nbft  dos  outros  determinou  el  Rey  de  proceder  cfi* 
trete :  pêra  o  que  se  foy  a  Ternate  ,  Õde  acbou  Pateija^ 
rangue  posto  em  armas  cÕ  todos  00  seus  pêra  se  de/iB^ 
der,  &  tinha  cdsigo  quarenta  Portugueses  espingardey* 
ffps  Q  lhe  dera  Vicftle  dafonseca  pêra  o  ajudarS  contra  el 
rey ,  &  estes  estattfto  na  dianteyra.  £  como  os  el  Rey 
vio ,  disse  ^  bSo  queria  coeles  guerra ,  roas  que  se  e»* 
panlana,  &  estaua  junyto  esoandaliaado ,  \  sendo  ele 


ISS  DA    BISTOHfA    DA    IN0IA 

vasallo  dei  Rey  de  Portugal  j  nào  lhe  Qrer  VicSle  dafoii«» 
seca,  que  era  capitSo  da  sua  rurlaleza>)  deixar  castigar 
Paleçarangue  seu  vassailo  ^  ho  oflTendia  graueiuête,  an* 
tes  lhe  daua  fauor ,  &  ajuda  cÕlrele ,  sendo  obrigada 
poys  era  capitão  dei  Rey  de  Portugal  a  lho  ajudar  a  cas- 
tigar quàdo  ele  só  nã  pudesse :  &  rogou  muyto  aos  Por- 
tugueses ^  assi  fao  dissessem  a  VicSte  dafonseca,  &  ^ 
ele  era  vassailo  dei  Rey  de  Portugal ,  &  por  esse  se  ti- 
Dha ,  nS  deyxaua  de  o  ser  pota  mudàça  {|  fazia  de  Ter- 
Date  pêra  a  terra  alta ,  ^  se  a  fizera ,  fora  por  escusar 
payxdes ,  &  desgostos  {|  se  começauSo  antre  os  Portu* 
gueses  &  os  Mouros ,  &  da  terra  alta ,  mandaria  mayg 
mantimentos  á  fortaleza  do  í\  yâo  dates,  ^  não  cuydas- 
86  Vicète  dafonseca  ^  se  mudaua  pêra  outro  fim ,  &as« 
si  se  veria  a  diante,  pedindolhe  por  derradeyro  ^  fi3 
quisesse  fauorecer  cõtrele  Pateçarangue  n6  os  outros  (| 
lhe  erão  desobediêles,  &  (}  esperaua  |K)r  sua  reposta  pê- 
ra saber  o  ()  auia  de  fazer ,  &  coisto  se  foy.  E  ele  ydo 
recolberâse  os  Portugueses,  &  défão  a  Vicente  dafon* 
seca  ho  seu  recado,  4  ^^^  ouuio  com  grade  menScoria 
porQ  ho  'não  matarão,  &  assi  ho  disse,  affirmando  c5 
juramento  Q  ho  auia  de  destruir,  &  soltando  côtrele  muy 
feas  palauras ,  6  (|  mostraua  claramSte  ho  grade  ódio  \ 
lhe  tinha,  do  ^  el  rey  foy  auisado :  &  na  vendo  sua  re- 
posta ,  determinou  cõ  os  de  seu  cõselho  de  proceder 
eontra  Pateçarangue ,  a  ^  mandou  primeiro  rogar  l\  se 
fosse  parele ,  &  não  querido ,  mandoulhe  fazer  guerra 
por  seus  capitães  1}  cada  dia  lhe  fazião  muitas  corridas, 
&  lhe  dauâo  rebates  por  már  &  por  terra ,  assi  de  dia 
como  de  noyle^  ê  2)  Vicente  dafonseca  ho  raandaua  sem- 
pre ajudar  poios  Portugueses  ,  &  assi  se  ya  ateado  a 
guerra  de  pouco  em  pouco :  ho  que  vSdo  el  rey  a  quis 
mays  apertar,  &  foy  sobre  Pateçaràgue  por  már,  &Ca« 
cbil  bualaua  gouernador  de  Toloco  por  terra  cõ  a  mays 
gSle  q  pode.  E  VicSte  dafonseca  acodio  lo(ro  por  terra, 
&  mãdou  por  már  sessenta  Portugueses  espingardeyros 
em  hii  batel,  &  em  hu  paraó  artilhados,  &  na  pelejara; 


LUTEO  ^niC   CAIPITVLO  XVI.  137 

|X)rQ  v6do  «1  rey  os  Portugueses  Q  yão  diSte ,  nã  quis 
pelejar  coelea  &  retirouse ,  «&  eles  o  aperUirâo  tãto  cõ  a 
artelharia&  espingardaria,  {|  lhe  foy  necessário  fugir. 
E  outra  vez  tornou  el  rey  8  hií  calaluz  cÕ  álgfis  mãda- 
rins  pêra  falar  a  VicSte  dafonseca  &  lhe  rogar  i}  teues* 
«S  paz,  &  ele  lhe  nã  quis  falar,  antes  mãdou  a  certos 
Poctugueses  Q  lhe  saíssem,  &  por  ele^não  Qrer  pelejar, 
&  se  yr ,  fora  a  pos  ele  ate  o  ensacara  na  praya  da  ter- 
jra  alta  õde  se  saluou,  leuãdo  quatro  nqandarins  feridos, 
&  foylhe  tomado  o  calaluz.  E  despois  disto  foy  Vioête 
dafõseca  darmada  á  terra  alta,  6de  chegou  de  supItoSte 
manhaã ,  &  tomou  a  el  rey  toda  a  armada  Q  tinha  asai 
-no  már  como  na  terra,  &  se  tornou  pêra  a  fortaleza  c5 
-grade  cdtõtamSto  de  Pateçarãgue,  &  dos  outros  imigos 
'dei  rey,  ij  vSdo-como^he  Vicente  dafonseca  fazia  guer- 
ra da^la  maneyra^  ainda  jj  o  nã  merecia ,  era  tã  amigo 
dos  Portugueses,  &  desejaua  tSto  sua  amizade  polacria* 
f^o  i\  teuera  coeles ,  que  nQca  quis  guerra ,  nê  defen* 
-derse  pola  não  fazer,  i\  se  quisera  queyxarse  aos  outros 
Reys  segudo  estauão  mal  cõ  os  Portugueses,  b6  ajQtara 
gente  com  Q  fizera  guerra ,  mas  nã  quis  polo  amor  J| 
-lhes  tinha,  &  desejo  de  siia  cÕtiersação:  &  ates  quis 
auêturarse  a  perder  ho  Reyno ,  como  perdeo ,  Q  fazer 
guerra  aos  Portugueses,  tSdo  que  era  muyto  mor  perda 
i)ã  lhe  goardar  lealdade  c)  perder  o  Reyno ,  &  pêra  ver 
i9e  cõ  se  yr  dele  podería  ijhrar  a  fúria  i\  VicSte  dafon- 
seca tinha  cõtrele,  se  foy  pêra  Tidore  cõ  toda  sua  ca«» 
lUi ,  &  cõ  sua  roãy ,  cõ  determinação  de  -estar  lá  ate  J| 
el  rey  fizesse  cõ  VicSte  dáfofiseca  que  fosse  seu  ami^o^ 
^  assi  lho  disse ,  &  ele  lhe  disse  {}  acabaria  isso  cÕ  Vi^ 
cente. dafonseca  por  amor  da  amizade  5  tinhSo  amboa^ 
&  que  tambê  ho  ajudarião  el  rey  de  Bachâo  &  el  rey 
de'Geylolo,  &  Fernã  dela  torre,  a  (|  escreueria  que  ho 
^zessem,  &  assi  ficou  el  rey  Dayaloem  Tidore,  cuy* 
dado  que  ali  se  remediaria*  « 


LIVRO   TUI. 


I 


13S  PA    HItTOfttA    OA  .IlfOrA 


C  A  P  I  T  V  L  a   LVIL 


De  como  Vicenie  dqfonsece  tomou  a  cidade  dt  Tidare^ 

V  icenle  dafonseca  ^  dS  sabia  nada  da  yda  dei  rey 
Daj^alo,  ajCUou  hila  grade  armada  de  mouros  &  de  Por- 
tugueses eÕ  determinação  de  o  destruyr ,  pêra  o  que  se 
Soy  á  terra  aJta  Q  achou  deapouoada,  do  Q  se  muyto  e»- 
pantou^  &Guydou  Q  ei  rey  se  meteria  pelo  sertã  da  jiba 
pêra  se  fazer  forle.  £  queymado  este  lugar ,  foy  sobre 
as  cidades  de  Maiayo  &  de  ToloGo^  {|  tâbS  forâo  despe- 
jadas ,  por  ei  rey  ter  niãdado  aos  moradores  Q  nã  pele>- 
jassem  cõ  os  Portugueses ,  &  estas  tâbem  forão  quey- 
madas»  E  sabfido  Vicente  dafonseca  Q  el  Rey  DayaJo  se 
fora  pêra  Tidore,  folgou  muyto ,  pêra  ter  achai^  de  Ibe 
tirar  o  rey  no,  porQ  não  podia  estar  sem  Rey,  &  as6i 
lho  conselharão  Pateçarangue  &  os  de  sua  valia,  &  Q  fí^ 
zesse  hu  jrmâo  bastardo  dei  rey  Dayalo^  chamado  Car 
chil  Tabarija  moço  de  quatorze  ate  quinze  annos ,  da 
própria  ydade  pêra  eles  niandarfi  a  terra  A  sua  võtade, 
&  pêra  Vicente  dafonseca  ho  fazer  melhor,  fez  gouer- 
nador  do  reyno  Pateçarangue.  £  leuãtado  Tabarija  por 
rey,  foy  Vicente  dafonseca  coele  em  bua  grade  armada 
por  esses  lugares  da  fralda  do  már,  a  que  mandaua  dí- 
£er  que  ele  desposera  de  rey  de  Ternate  a  Caehil  daya^ 
lo,  &  o  deitara  do  reyno  c5  sua  mêij  Sc  outros ,  por  se^ 
tS  culpados  na  morte  do  capitão  Gonçalo  pereyra  &  se 
^ferfr  leuatar  cõtra  a  £L>rtaÍeza ,  &  fizera  rey  a  Caehil 
tabarija,.  4  t^'^nibft^ era  filho  dei  rey  Boleife ,  eujo  e  rey<r 
ix>  eva  por  dereyto ,  pois  Dayalo  ho  perdera :  ^  rogaua^ 
ittuyto  a  todos  ^  obedecessem  por  Rey  a  Tabarija,  por^ 
nlo  querendo  lhes  aeuia  de  lazer  giierra«  £  vendo  os 
•mouros  c^ue  el  rey  DayaJo  se  fora,  oõ  seeeo  da  guerra, 
obedecerfk)  todos  a  Tabarija,^  somfite  o  regedor  de  To^ 
loco  ^  queria  mal  a  Pateçarangue ,.  cõ  quanto  era  sen 
par&te,  &  desejaua  de  o  matar  por  a  Ireyçâo  que  fizera 


LIV80  TUI.   Ck¥tTVU>   LTir.  139 

é  èl  rejDáyBlo,  &  por  \uâo  o  mandou  prfider  Vicente 
-dafonseca^  &  esleue  preao  até  ^  niorreo.  E  como  Pa« 
t^çarangue  aabia  ^  el  rey  Daja^o  estaua  d  Tidore ,  re«- 
ceauase  ^  dali  cobrasse  sen  reyno :  &  pêra  mayor  sua 
«egurança,  fez  c5  Vicète  dafõseca  l[  fosse  c5  grande 
armada  sobre  Ttdore  ^  &  fizesse  oS  el  rey  ^  lhe  mâdas* 
ee  entregar  todo  ho  tesouro  ()  Dayalo  lenara ,  gõ  todo  a 
maia  quãdo  se  fora  de  Terilate^  ae  nS  que  o  destruísse, 
êc  ficando  Dayalo  sem  tesouro  nS  teria  poder  pêra  m 
restaurar  no  reyno,  E  coroo  Vic6te  dafonseca  cria  muy« 
to  em  Pateçarangue  tomou  seu  conselho.  E  chegado  a 
Tidore  bfia  manhaã  c6  grade  armada,  mãdou  dizer  a  el 
rey  as  rezões  porQ  despodera  de  rey  a  Cachil  dayalo  & 
fizera  rey  a  Tabarija ,  a  quS  pertencia  todo  fao  tesouro 
douro,  prata,  &  armas  defensiuas,  &  offensiuas,  &e8^ 
crauiis  que  Dayalo  &  sua  mSy  leuarâo  de  Ternate ,  qae 
Uie  rogaua  <]ue  lhe  mandasse  logo  dar  tudo  se  Qria  ter 
paz  eoele ,  se  nã  j}  lhe  faria  guerra :  &  tâbem  lhe  auia 
«êtregar  Dayalo  &  sua  mfly ,  oú  os  laçasse  de  sua  iet* 
va ,  porQ  qufi  ttnha  amizade  cft  os  Portugueses  nã  auia 
daoolher  hCt  tamanho  seu  imigò  como  Dayalo.  El  rey  úm 
Tidore  como  era  mn^jo,  espanl(»us8  dCi  recado  tã  aspe* 
ro,  &  respddeo  a  VicSlcê  dafonseca  que  fafia  tudo  o  4 
fi)88e  rezfto,  que  lhe  pedia  ^  desembarcasse  pêra  falará 
sobre  aquele  negocio  &  se  fazer  o  Q  fosse  seruiço  dei 
Rey  de  Portugal :  &  por  cOselho  de  Pateçarangue  nM 
quis  Vicfite  dafonseca  verse  cO  el  rey,  &  repricou  {}  ti4. 
lesse  logo  o  {)  lhe  pedia  se  queria  ter  paz  coele :  &  vfi'^ 
dose  el  rey  tã  apertado,  disse  Q  aueria  cdseiho  cd  os 
seus,  &  despoys  yria  falar  a  Vicente  dafonseca  pois  ele 
Aà  t\vÍB,  desembarcar :  &  Vic6(e  dafonseca  nfi  respddeoi 
porque  vio  í\  el  rey  não  fazia  o  que  lhe  pedia.  E  «uy^- 
dando  el  rey  t\  consentia  em  ^  ouuesse  cõselbo  eniroa 
liele,  mas  Vicéle  dafonseca  tomou  outro,  i)  lhe  deu  Ps* 
teçarãgue ,  que  foy  dár  tíB  cidade  pois  el  Rey  nã  sati»» 
fazia  a  seu  requerimento ,  &  cc»m  lhe  fazer  guerra  o  fa^ 
ria  j  &  asai  bo  fez  ^  desembarcado  sopitamente  cÕ  sua 

8  2 


*S4X)  DA   HISTORIA   DA   INDfA    ' 

gente  ármâda,  &  entra  pola  cidade  ferindo '&inatSdo 
aeus  moradores ,  Q  confiados  na  paz  &  amizade  que  ti«- 
nhão  cõ  os  Portugueses  estauSo  bem  descuydados  de  tal 
eousa,  &  sabendo  ho  el  Rej,  fugio  logo  com  a  sua  mãy^ 
&  Cachil  dayalo  cõ  a  sua  pêra  hua  serra  i\  estaua sobre 
a-  cidade,  pcra  onde  tãbem  fugirão  os  mais  dos  mora^ 
doreS)  posto  Q.  algus  quisetão  resistir  por  defenderfi  suae 
molberes  &  fíUios ,  &  estes  forSo  mortos  quasi  todos  i  & 
não  tendo  os  Portugueses  com  quê  pelejar,  roubarão  Sb 
qucymarão  a  cidade.  £  ávida  esta. tamanha  vitoria^  em 
.q  Vicente  dafon^eca  cõ  os  Portugueses  perderão  maie 
de  credito  9  do  que  ganharão  de  honrra,  se  tornou  pêra 
Ternate  sem  aicâçar  nada  do  que  ya  buscar,  se  não 
guerra  cÕ-  Tidore  sem  nbua  causa ,  de  Ç  noeso  sfior  lhe 
deu  logo  algu  castigo:  E tornado  á  fortaleza,  vSdo  ore^ 
gedor  de  Toloco  (Q  disse ^  foy  preso)  ^  Cachil  dayalo 
nã  pod4a.  cobrar  o  reyno,  por  nã  auer  rey  dai^Ja  gera^ 
ção,  determinou  de  malar  el  reyTabarija,  &  dous  seus 
jrmãos,  que  VicSte  dafonseea  tinha  na  fortaleza  pêra 
sua  segurãça ,  ho  <).  cuidou  de  fazer  por  estar  eoeles  no 
dérradeyro.  sobcado  da  torre  da  menagem ,  ainda  qiie 
preso  com  hCLa  adoba,  &  pêra  cõprip  sua  determinação', 
ouue  hfi  cutelo  (}  trazia  escondido,  &  logo  t\  VieSte  da- 
íõseca  chegou  de  Tidore ,  estado  hd  dia  á  porta  da  fon- 
taleza  ho  regedor  ^  estaua  só  cÕ  el  rey  &  seus  jrmâos^ 
&  outro»  algils  no  dérradeyro  sobrado  da  torre  da  me- 
nagem, remeteo  ar  el  rey  pêra  ho  malar,  í\  quis  Deoe  ^ 
lhe  escapou  &  fugio  cõ  os  outros  pêra  duas  camarás  a  4 
fecharão  as  portas  de  dStro,  &  outro»  fugirão  pola  escar 
da  abaixo  bradado  ^  lhes  acodissem,  &  ele  nã  pode  al^ 
eançar  nhfl  por  amor  da  adoba  que  ho  loruaua ,  mas  ai^ 
cangou  hii  filho  de  Vicente  dafonseea^  mo^o  de  sete  Snos 
&  degoiouo,  vendo  l\  não^se  podia  vingar  de  qufi  quir> 
eera^  B  feyto  isto,  porí^  sentio  ^:aoodio  gente,  posse 
sobre  a  porta  da  escada^  tirando  cõ  pedras  •&  páos  &al>- 
gilas  espingardas ,  cõ  ^<  defòndia  muy  brauamSte  que  a 
f;&te  não  sobisse:  a  cima ,  &  cõ=  tudo ,,  M^caualeico 


N   :•: 


inádo  lorge  golerez  passou  a  diaote  bem  cuberto  ctehila 
vodela  Q  lhe  o  mouro  ^brou  sobre  a  eábeqa  cõ-  hua  eât 
|»tngarda  <}  lhe  arremessou ,  &  o  ferio  &  atordoou  algCl 
taaloy  porè  ele  era  tâ  esforçada  que  a^ssi  se  chegou  a0 
mouro,  &  lhe  deu  bfla  eslocada-  pela  barriga  Q  o  passou 
da  oulra  parle,  &  ele  ^.  não  era  de  menos  esforço  (|  lorr 
ge  goterez^,  nfi  por  isso  perdeo  o  lugar  &  Q  estaua  em 
4)uâlo  teue  oõ  ^  se  defender,  &  despois  de  lhe  falecer, 
garrou  cõ  lorge  gotere2  &  ferio  o  cÕ  o  cutelo  por  debai- 
xo da  barba ,  &  ele  o  leuou  nos  braços ,  &  fora  ambos 
pola  escada  a  bayxo,  &  chegado  ao  sobrado  lorge  gole* 
rez  se  desemborilhou  dele,  &  deu  Jhe  hfla  cutilada  na 
cabeça  com  que  quebrou  a  espada,  &  VicSle  dafonseca 
Jk  outros  ho  acabaram  de  matav. 

CAPÍTVI.0     LVIII. 

JDe  como  el  rty  Cachil  dayalo  per^guidò  de  Vicente  da^ 

fonseca  se  foy  morar  a  Geylolo^. 

'VXrâde  espSto  foy  por  todas  aquelas  jlhas  quSdb  se  sou*. 
te^Vicete  dafõsejfia  desposera  de  rey  deTernate  aCa-^ 
jshii  q.  era  legitimo,  &  tã  ameigo  dos  Portugueses  &  cria- 
-lo atreles,  &  ho  perseguira  tãto  até  o  fazer  fugir  do 
íeyno,  &  farcr  rey  a  Cachil  Tabar>ja  lã  mo<;o  fc  bastara 
^o,  &  a  qu6  nSo  pertScia  o  leyno  por  nhfta  via,  &  ti- 
«hfi  todos  disto  grfide  escãdalo:  &  muitos  Sangages  & 
•gouernadore»  dos- lugares  do  reyno  deTernate,  não  que^ 
líiâo  obedecer  a  el  rey  Tabarijfa ,  &  ehamãuâlhe  rey  d« 
'Vicête  dafonseaa  &  de  Pate^rague ,-  pelo  q  Vicête  da- 
i£58eca  fez  a  mayor  araiad»  Q;  pode  &  mãdou  nela  por 
capitã  mórPatei^arãgae  pêra  fazer  a  estes  q  digo  q  obe* 
decessS  a  TabariJA  ^  obedeeerft  vôdo  se  apressados  da 
guerra ,.  posto  ^  el  rey  Gachil  dayalo  lhes  socorreo  cô 
^Igua  armada  maa-  n&  aprooeytou  ,  fe  assi  tãbê  fez  por 
força  q  obedecesse  a  eJ.  rey  Tabapga  hú  mouro  chama- 
do  Ouro  baeh^ia  tesbureird  dei  rey  Cachil  dayalo  pessoa 


I4ft  HA   BrSTDHIA   DTA  fNOIA 

mui  nofáuel  no  reyno,  ^  obedecSda  a  el  rey  Tabafíjai 
lhe  entregou  iodo  o  tesouro  Q  tinha  dei  reyCacbildaya« 
Io,  o  4  foy  eausa  dalgiU  Sâgagea  &  afiores  (|  ainda  ea»- 
Cauã  por  dar  obediAcia  a  el  rey  Tabartja  lha  dessA.  £S 
vSdo  el  Rf^y  deTfdore  como  as  cousas  dei  rey  Tabarija 
erft  de  cada  vez  mais  prosperas,  &  el  rey  Cachii  dayato 
ya  6  mais  perdição,  &  ele  nã  lhe  podia  valer  pi»r  estar 
muy  {|brado  das  guerras  passadas,  fes  paz  cô  Vicêie  da<- 
jfòseca  cft  receo  4  ^  destruiasé  fie  Vicête  dafôseca  a  fez 
por  assStar  a  terra:  vendo  el  rey  feita  esta  paz  nã  se 
atreueo  a  viuer  8  Tidore  por  amor  dos  Portugueses  (| 
iabia  ()  auiSo  lá  dir  ^  dos  quaes  se  nío  ííaua,  &  por  isso 
determinou  de  morar  em  Geyiulo^  &  foy  lá  primeyro^ 

{)era  pedir  licença  a  el  rey  (]  lha  deu  de  boa  v5tade^  & 
he  prometeo  de  lhe  dar  algQs  lugares,  de  cujas  rBdaa 
se  mâteuesse,  &  mais  ^  ele  &  Fernão  de  la  torre  roS- 
dariS  rogar  a  Vicête  dafonseca  {^  o  ajudasse  cÔ  algQa 
cousa,  poys  o  deytara  de  ée^  Reyno^  &  assi  ha  iizerãò^ 
mas  ele  não  quis,  antes  com  PatP<}arftgue  mandou  co» 
meter  a  el  Rey  de  Tidore  i\  lhe  vendesse  el  rey  Cachii 
dnyaio  &  lho  entregasse,  por^  ilílo  se  passasse  perâ  6ey- 
lolo,  temêdo  {|  de  lá  lhe  lizesse  guerra,  bo  í\  el  rey  nSo 
quis  fazer.  E  vendo  Vicente  dafõs^ca  I|  nSo  (|ria ,  fez  (| 
lhe  desse  a  mãy  dei  rey  Tabarija ,  {|  andaua  em  côpa^ 
nhia  da  molher  dei  rey  Cachii  dáyalo,  cò  quê  Pateçarã^ 
gue  desejaua  de  casar  pêra  ser  mays  hftrrado,  &  assi  o 
fez,  depoys  il  foy  entregue  a  Vicente  dafonseca,  ai)  nSo 
abastando  as  perseguições  que  linha  feytas  ael  Rey  Ca** 
chil  dayalo,  tratou  secretainête  cÕ  a  raynba  sua  molher 
()  lhe  fugisse  pêra  Ternate,  &  que  a  casaria  cõ  el  rey 
Tabarija  &  seria  raynha  ^  o  l\  nuncn  auia  de  ser  sendo 
molher  de  Dayalo ,  porQ  nflca  auia  de  ser  rey :  &  affir'- 
niouse  j)  neste  concerto  cdsentio  el  rey  de  Tidore,  cuja 
jrmaâ  era  a  raynha,  te  isto  por  peita,  &  por  desespe*- 
rar  dei  rey  Dayalo  cobrar  roais  o  reyno.  E  despoys  dele 
íornar  de  Geylolo,  hOa  noyte  o  embebedou  «Raynha  è 
h&a  cea  j|  Lhe  deu :  &  estando  ele  bem  entregue  no  so*^ 


LivKO  Ttifa.  cAPirriO' urm.  14S 

DO,  »e  foy  ela  Becreiamfite  com  atgilas  das  suas  mSce- 
bas,  leuãdolhe  &  mayor  parle  do  tesouro  Q  tinha.  Eche- 
gaodo  a  Térnate,  a  casou  VicSte  dafonseca  cõ  el  Rey 
Tabarija ,  o  ^  sabido  por  el  réyCacbil  dnyaió  ho  seotío 
mais  4  perder  o  reypo,  por  lhe  ^rer  muyio  grade  bem, 
&  ser  ela  refrigério  de  seus  trabalhos,  &  Lãbem  siotio 
Jauarthe  o  tesoukro^  porí}  fícau»  de  todo  sem  ter  com  Q 
sosteuesse  aqueles  que  ho  acâpaohauSo :  &  como  er» 
magnânimo  dSo  desmaTou  c&  todos  esles  infortúnios  nC 
SB  mudoti  da  determinarão  de  jr  morar  a  Geylolo,  £ 
porQ  sua  m&y  auia  de  tícar  em  Tidore,  deyxou  coela 
aqlea  que  o  acdpaabaujío,  Scomfidadoliios  rouyio,  &  pe- 
dindolbe  a  eles.mujto  perdão  de  os  nS  leuar  cõsigo,  & 
de  Ibes  nâ  poder  íkzer.. mercê,  fazSdo  ele  &  eles  grSd* 
prato  AO  despedir,. se  partio  pêra  fíeyloto  sò,  &  lã  po- 
bre, ^  Bâk)  tinha  mitys  do  q^e  lhe  el  rey  de  Geylolo  da- 
ua,  dde  esleue  atá-í)  tornou  outro  lèpo,  como  direj  a 
di&le.  £  partido  el  Rey'Dayalo  pêra  Ge;lolo,  el  rey  d« 
Tidore  pedio  ajuda  a  Vic£te  dafonaeca,  &  a  e]  reyTa- 
biirija,  pêra  eoln'ar  algQs  lugares  de  seu  senhorio  Q  lhe 
estauSo  reueladoB,  &  cÒ  sua  ajuda  os  tornou  a  cobrar; 
em  ^  bú  Jorge  goterresc ,  &  hQ  SímSo  val&le  pelejarão 
muy  esfor^adanfile.  £  despoís  disto,  moueo  et  rey  de 
Gevioto  ffuerra  a  VtcSte  dafõseca  por  certos  lugares  de 
linba  tomados  i  &  oÍo  lhos  lornaua 
le  lhos  tornar,  &  asai  esteuerfto  nlé 
ristâo  datayde  ^  foy  por  Cfipitão  da 
10  a  diaote  direy. 


i 


chia  dagoft  do  esteyro  Q  disse,  de  fiftodo ^  nS im podia 
£tr«r  se  oâo  pdo  cabo  dn  irao^yra  ^  <|  os  aiouros  fiserá, 
porQ  se  âlgda  ora  os  oossos  os  quisessS  cooieler,  nft  po- 
deria tãto  Sdnr  a  pé  pêra  cjiegarfi  ao  cabo  da  traoQyra, 
&  se  chegasfiè ,  chegarião  Iam  cansados  que  Aáo  pode- 
riâo  pelejar ,  &  coesla  forlaleea  &  cd  MeiiquQ  ter  deza- 
aele  mú  hoinSs  de  peleja  assi  de  pé  como  de  oaualo,  & 
todos  escolhidos,  lhe  parecia  que  «staua  seguro  da  ser 
tomado* 

C  A  P  í  T  V  L  O    LX. 

» 

Como  Jiíãique  quiaera  deter  cê  enjfono  ko  GSoucmackr  if 

não  cam€l£$$e  a  farlaUzeu 


V^hegadi 


io  bo  gouernador  á  barra  de  Baçaim  entrou  deo- 
tro  no  rio  pêra  surgir  com  sua  armada,  i\  sabendo  Me^ 
Ai  que  Mmaolia  era  temeu  de  ser  tomado ,  &  pêra  au«c 
Sftays  geate  &  se  fortaieoer  mais,  mâdou  logo  dizer  ao 
{^otterAador  por  hum  mercador  Dormuz^  hi  tidba  bihi 
Aao,  ^.  b&  sabia  tomo  seu  paj,  &  ele  forão  sempre  gra»- 
4les  seruidores  dei  Re;  de  Porlugal :  &  a  amizade  que 
teuerS  cô  es  seus  gower»adores  da  lodia,  &  nSea  lhe 
quisera  fazer  guerra,  sobre  Q  el  rey  de  Cãbaya  es  vexa- 
va &  tratara  mal.,  &  por  isio  assi  sec  ele  ^ria  goardar 
iioele  o  que  até  ali  goardara  com  outros  gouernadores  , 
&  ter  coele  paz  &  amisadc  eomo  teuera  cd  os  outros  se 
ele  disso  fosse  conteate,  &  se  posasse  uo  Q  fosse  razJL 
Ho  gouernador  desporys  de  ouuir  este  re<^ado,  pregilioa 
ao  mouro  (xila  faftaleâta  ^  &  «e  estaua  ta  forte  como  ef a 
a  fama,  èt  ho  mouro  lhe  prometeo  de  lhe  dizer  a  vei^ 
dade,  pedindolhe '()  lho  nâ  mfidasse  queymar  h&a  náo^ 
hl  tinha ,  &  tnays  pois  era  vassallo  dei  Rej  de  Portu«- 
^al :  ho  ^  ogoueroador  lhe  prometeo,  &  ele  lhe  contou 
&r^a'rogte  a  gente  qu«  MeltQ.  tinha  &  ho  assento  da  for- 
taleza, &  quam'  foitulecida  estaua.  £  ho  Gotternador 
■que  com  tudo  tinha  determinado  de  dâr  nela,  não  ihc 
4eu  nada  do  que  ouuio  ao  mouro  ^  &  sespendeo  taMelí^ 


LivROi  1  VIU.  xjÀauBntiO '  nx.  147 

<|«ei  qpUe  fiM  Saber  <|ire  enu  verdajde  tikdò  qiiã(o  ifieiifaa« 
Mua  Aízsff  ^  €rQ  cont&ie.  détfaeec  ceeie  pa£  &  o  ter  por 
aifttgo^  &  que  lhe  mandasBe-arrefens^  &;  qsoe  despoí»  d^ 
es  ter  mandacia  la  cõ  quem  naaentasse  a  paz  &  a  amn 
aade^  E  comoMelique  nâo  tínba  teii<;âo  de  fazer  a  paz^ 
iiSi»  qaia  ipandar  resposta  aQle  dia,  &  ao  cairo  mãdoa 
tces  Mouroa  iioorradM*x)«ie.  ho  oterçadorDormuz  oonho^ 
ei^  y.  qtns  bo  gauernader  mandoiu  a^pasailhar  em  hfia  ga-» 
IfeoLa  ^  de  que  era  capitão  loãò  de  payua  feytor  da  ar-* 
mada  :  &  piâdou  aMartim  afiMso  c^e  melo  qae  fosse  as*- 
seotar  paz  comMeinq^ie :  &  seria;  com  oosdiçâo  que  lha 
abrgasae  aquela  fortaleza*  E  safaSdo  Meivque  ^omo  ya 
Martim  *afoii80 ,  .sayo  boa  reeeber  btl  pe^a<jo  fora  da 
fuictalt£Ba :  &  alk  assentados  «a  herua  sobre  búa  alcatifa 
praticarão  napaz ,  &  Melique  n9o<^a  dar  a  foKaIeza, 
&  .pc»r  Martim  afonso  aprefíar  mtvytio  coele^^a  jdesse^ 
Ibe  disse  Al  dique  fi  lhe  rogana  fisr  sua  fidalguia  qwetbe 
dissesse,  se  eáe  fora  Mdíq.ue  se  a  dera,  &  Martim  afon-^ 
so  reBpftdeo.  que  se,  soubera  ho'  poder  que  ya  CDutrele^ 
como  sabia,  que  a  entregara  por^escapar:  &  cc>in  tud» 
]Meli{)  poia  tençSo  que  tinba  insistia  miiyti>  em  não  àãp 
a  fortaleza^  E  por  derradeyro,  n^ays  pêra  detòr  picouGl» 
que  pêra  querer  conerusam^,  disse  que.  dirribaria  a  fcuv 
taleza ,  com  condigam  que  lhe  pagasse  ho  gouernadoR 
os  gastos  que  6zera ,  &  que  auia  de  leuar  a  «rtettiaria  y 
madeyra ,  &  pedra ,  &  era  refazimento  dos  gastos  Ih^ 
auia  de  dar  ciacoentacaiialos  dos  q^tefeoaua,  &coest<» 
reposta  se  Cmuou  Martim  afonso,  &  deua  ao  Gooeriia^' 
dor,  que  maadou  logo  os  arreffis,  &«ha4nou  a  cfiseiha 
na  sua  galé  onde  propôs  aosicapitSes  6daUt>s,  &'pes«« 
soas  principaeis  da  armada,  a  reposta  de  Melií)^  &  co- 
mo muitos  sabiam  bo  assflto  da  fortaleza  pelo  mouro  fe 
ho  modo  de  (\  estaua  fortalecida ,  &  tenoíessè  a  peleja  y 
Qo  lhes  parecesse  melhor  auer  a  fortaleza  séiAi  ela  l\  coe** 
Ia,  em  ()  muitos  corriA  risco* de  morr^rS,  &  a  ludia  {i«^ 
c»ir  desfalecida  de  gCte,  de  ^  ao  presSte  auia  necessida*' 
de  grádisstma^  ioiâo  de  parecer  Q  se.edcedessç  jiMeliÇ 

T  2 


1*6  -lU  HICTOIIEA    lU.fffDU'! 

O  que  pedia  j  dando  as  mesmas  rezões  Q  digo^  &)  por^ 
não  8ô  fizesse  Baçai  oatro  Diu.  E  Diogo  da.  silueyra)  & 
Manuel  datbaquer^foráoiniiy  desuiados  deste  parecer  *, 
<!izêdo  quea^ia  armada  qae  fao  gouerfiador  irazia^  Ih 
nha  miiyto  custado  a  el  íiey. ,  &  o  que  se  poderia  dai* 
por  86  derribar  a  fortaleza  seria  outro  tanto  ^  o  que  era 
grande  vergonha  &  parecia  ffaq4jeza)  que  era  muyto  dé 
notar  pois  se  cometia  por  (aata  &  tam  boa  gente  &  tain** 
bõ  armada  como  ali  estaua  ^  &  por  nã  ficar  6  custume 
aos  mouros  c^como  íjuísessem  ajuntar  quaeis  quer  quatro 
pedras  pêra  lhas  vendetS:  iambê  como  Meii^  ^ria  vSder 
aquelas 9  &  mays  leualas^  que  o  não  deuião  de  fazer: 
&  seMelique  nã  quisesse  dar  a  íbrlaieea  li^iremente  qu^ 
pelejassem  9  &  que  esperauâo  em  nosso  silor  Q  os  auia 
de  ajudar  por  mays  fortes  que  os  imigos  estiuessem ,  & 
deste  parecer  £>râo  outros ',  &  bo  gouernador  por  derra- 
deyro>^  &  por  serem  mays  vozes  se  assentou  que  fosse 
assi  y  &  bo  gouernador  be  Hiandou  dizer  a  Melique  por 
be'  mouro  Doimuz,  &  por  .ele  respondeo  que  ao  outro 
dia  ma«ularia  a  resposta:  &  vendo  os  soldados  esta  dila- 
ção sem  saber&a  causa  j  &  porque  sabião  o  que  Mar(im> 
ifonao  passara  cõ  Melique  sobre  o  que  o  gouernador  te- 
v^ra  conselho,  &  lhe  respõdera,  assentarão^  poys  ho* 
gouernador  não  dera  logo  em  terra  que  não  Q^ria  íazer 
nadat  &  se  (ornaua^  &  leuãlouse  sobrislo  grande  mur-' 
muraqão  por  toda  a  ífrota,  &  o  secretario  Simão  ferreyra* 
bo  disse  ao  gouernador,  4  vendo  ho  vir  de  fora  cõ  rosto 
descontête  Ide-  pregulou  que  ya  lá,  &  de  que  vinha  des- 
cõteate,.ele  lhe  respõdeo  ^  por  dizerS  todos  (\  se  lorna* 
uão  pêra  Gk)a  sem  fazerS  nada ,  &  entSdeiido  ho  gouep* 
Dador,  q?ue  poys  ete  soltaua  aquilo  (|  auia  grade  muroml* 
ração  na  armada,  &  vendo  tambS  4  Melique  não  mao- 
daija  reposta,  tornoa  a  chamar  a  conselho  &  determinou 
de  dar  em  terra  ao  outro  dia  ^  era  dia  de  são  Sebastião^ 
&  que  de  Ioda  a  gente  se  fizesse  Ires  escoadrÕes,  no- 
prifaeiro  q  seria  de  seis  cSlOs  Portugueses^  &quinhSt08 
Ganaris^  yrião  Diogo  da  silueyra,  Martim  a&mso  de  me- 


LlVftOVIIl.   CÀPlTVLO   LXt.  14> 

lo  juftarte,  &  Manuel  dalbuquer^.  No  segfldo  que  séria 
doutros  talos  yriâo  dom  Fernando  deça,  Vasco  pirez  de 
Bio  payo,  dom  Paulo  da  gama,  António  de  lemos,  Anrri^ 
de  macedo,  António  cardoso,  &  os  ouiros  capitães  dos 
galeões.  No  terceyro  que  seria  de  oylo  cStos,  yria  o 
gouernador  cÒ  a  bádejra  real  acÕpaobada  dos  outros  ca- 
pitães, &  nesta  ordem  desembarcarião  todos  de  madru- 
gada &  cometerião  ho  cabo  da  tranqueyra ,  cujo  cami- 
nho ho  mouro  Dormuz  lhes  insinaria,  indo  na  dlanleyra 
com  Diogo  da  sHueyra ,  &  á  boca  da  noyte  a  albeloça 
de  Pêro  de  faria  com  as  mays  velas  que  teuessem  liros 
grossos ,  &  assi  algQs  bateis  de  matas  se  chegariâo  o 
mays  que  podessem  â  fortaleza  &  á  tranqueyra,  pêra  ^ 
ouuindo  de  madrugada  hil  tiro  de  berço  Q  tiraria  o  seu  ca* 
tur  indo  pêra  terra  começassem  de  bater  a  fortaleza  &  Irí- 

queyra» 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXI. 

De  como  Diogo  da  silueyra^  Mariim  afonso  de  melo  ju-- 
sarie:  ^  Manuel  dalbuquerque  desbaratarão  a  trâquej/' 
ra  dos  imigos. 

Xsto  assentado  tornarSose  ca  capi files  aseug  nauios,  & 
chegados  á  tranqueyra  &  fortaleza  os  t\  auião  de  dar  a 
bateria  êcomSdouse  a  gSte  a  nosso  sflor ,  porj)  ho  feyto 
era  muyto  perigoso  per  a  fortaleza  estar  tam  forte  como 
disse,  &  em  grandes  alegrias  pori^  soubessem  os  imigo» 
%  os  não  temião.  £  vinda  a  madrugada  Ç  o  gouernador 
deu  o  sinal  cõ  ho  berço,  coma  estaua*  assentado,  trome- 
çou*  a  nossa  artelharia  de  despavar  &  eomo  era  ainda  de 
Boyte  &  fazia  neuoa ,  &  os  tiros  desparassem  quasi  a 
Ma  foy  hfla  cousa  esp&tosa,  &  rn^ays  per^  a  artelharia 
dios  imigos  começou  tambe  de  jugar  cuydãdo  Q  os  Por- 
tugueses desembarcauão  diante  da  íbrtaleza.  Ú  desen)* 
harcados  eles  &  postos  na  ordfi  em  §  auião  de  yr ,  co* 
meçarão  de  caminhar  ao  longo  da  tranqueyra  jiera  ho 
Gabe'U«la,  porque  querèdo Diogo  da  silueyra  entrar  pela 


eaua  aia»  qtifa  quâdo  achou,  a  altura  <|U6  linba:  &  poit 
iwèo  paasou  auãle  por  bOL  campo  raso  onde  a  nusaa  g)9iih 
to  nâ  tiohâo  outro  emparo  se  não  o  de  nosso  sftor  {|  o« 
goardaase  das  noujtaa  bÕbardadas^  lhes  os  imigos  tira** 
uani  &  espiogardadas  em  roda  viua,  &  oauytas  bõbaa 
de  fogo^  &  tudo  tã  basto  Q  era  milagre  euÂdente  esea- 
pare  de  tantos  tiros  y  &  nosso  sftor  seja  louuado  em  nhtii 
acertarão  y  pelo  ^  despoys  muyios  dos  Canaris  que  yãa 
eò  os  nossos  se  tornarão  cristãos ,  dizendo  que  o  nossa 
Deos  era  melhor  que  todoa  os.  outros  deoses  Q  nos  goar^» 
daua  dos  perigos.  E  os  mesmos  mou«os  espantados  de 
verá  ^.  os  seus  tiros  nâo  em^pecião  aos  Portugueses,  maa*« 
darão  dizer  a  Meii^Ji  í^  visse  o  ^  fazia  por£|  a  artelharia 
nâo  fazia  mal  á^les  homds^  &  que  se  chegauâa  ao  cabo 
da.  trãqueyra^  onde  se  todos  ajuntarão,. &  seriãto  doz0 
mil  hoinSs  de  pé  &  de  caualo ,  em  Q  auia  muytoa  Rn-* 
mes  &  outra  gente  branca.  E^sabido  por  Melique  a^le 
recado,  acodio  á  tranqueyra  deyxãdo  encomSdada  a  for- 
taleza a  hil  capitão  de  {}  confiaoa,  E  quando  os  Portu* 
gueses  chegarão  ao  cabo  da  trãq4sieyra  despoys  de  tan- 
tos perigos  acharão  como  digo  a^le  corpo  dos  imigos^  {| 
era  cousa  de  tiros  de  fogo  que  tirauão  pêra  defender  a 
«entrada ,  mas  os  Portugueses  não  duuidando  nh&a  cou* 
sa  remeterão  aos  imigos  na  ordem  em  {)  yão,  tirado  hfi» 
muitas  espingardadas,  &  outros  cõ  lanijadas*  E  venda 
os  tmigos  a  ousadia  cÕ  ^  os  comeCião  os  menos :  teiie^ 
râo  coração  pêra  se  defender  o  que  âzer2o  por  hQ  quar- 
to dora,  pelejando  muy  esforçadam£te  &  logo  se  desbar- 
ratarão,  não  podêdo  sofrer  o. Ímpeto  dos  Portugueses, 
&  fugirão  deles  pêra  a  pouosiqão,  &  outros  pêra  a  forta-» 
leza,  &  assi  os  seguirSo  os  nossos,  parte  deles  com  Dio-i 
go  da  silueyra  {|  seguio  os  qyâe  contra  a  |K>uoa<;io,  Sc 
parte  cÕ  Marlim  afonso,  &  Manuel  dalbuquerque  os  ^ 
yão  pêra  a  fortaleza:  &  nisto  chegou  Melij)  ^  &  come-i 
<jou  de  recolher  os  seus,  &  assi  como  os  recolhia  fazi» 
volta  aos  que  yão  coro  Diogo  da  silueyra,  mas  aprouey-^ 
t^ua  Ibe  pouco,  porque  como  os  Portugueses  yâo  faiia^> 


LfVRo  y»H.  «ârtTTii»  tau.  191 

ffeciclQS.  cotna  viloria  a  cada  volta  lhe  matauãomuyio»: 
•&  Msi  os  leuarâo  ate  «  pouoaçâo  ^  onde  Melique  nâ  se 
atreuêdo  a  saluar ,  fugjo  passaodo  hOa  poDte  que  atia^ 
^uessaua  ho  esleyro  Q  disse,  &  recoJhe€>se  cõ  a  gente  ao 
pé  de  bua  serra  õde  se  fez  forte,  &  na  entrada  da  traa- 
queyra  &  no  alcâqo  dos  imigos  fora  mortos  bô  quinhêtos 
.faamês ,  &  niuytos  deles  Rumes ,  &  atreles  foy  fau  Abe- 
21  de  cauaio,  ^  atreles  era  tido  por  esforçado  caualeyrc», 
&  matou  ho  loão  jusarte  tição,  &  assi  foy  morto  buca- 
'pilão  dei  rey  de  Cambaya  cÕ  dous  filhos  &  hu  genrro, 
&  não  foy  a  esta  bataiba  a  mays  que  a  ver  os  Portugue- 
ses, porque  nunca  os  vira  peiejar,  &  tinha  deles  fama 
que  erâo  muyto  valentes  homõs,  &  este  capitão  se  a- 
cbou  armado  de  hu  bõ  corsolete :  &  assi  morrerão  ou- 
tros muitos  capitães  &  homSs  conhecidos,  &  dos  Portu- 
guesas morriâo  ate  seys ,  &  hii  deles  era  fidalgo ,  & 
cbamanasse  Diogo  de  melo,  &  outro Bertoiameu  drago, 
&  doa  outros  não  soube  os  nomes.  Eesta  vitoria  se  oa>- 
Jie  6  três  oras ,  &  foy  das  prlcipaeis  (^  ate  aly  se  ouue 
na  índia,  por  ser  hft  feyto  de  muyto  grande  perigo,  & 
^er  a  peleja  cõ  a  melhor  gête  da  índia ,  assi  de  pé  coh 
mo  de  cauaio,  &  em  i)  auia  moytos  Rumes,  &  a  mays 
da  outra  gente  toda  brãca,  afora  terem  Jantas  mwaições 
À  tiros  de  fogo  como  disse» 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXII. 

De  awio  os  imigos  despejarão  a  fortaleza  de  Baçtík 

JL/esbaratadoa  os  ioiigos  &  posto  fogo  á  pouoaçam,  ti«* 
raram  os*  Portugueses  ^'iminho  da  fofftalesa ,  &  chf^gan»- 
do  á  metquita  que  disse  y  esperarão  polo  gouernadoí'  ^ 
chegou  á  trâqueyra  quasi  em  tfido  os  Portugueses  aca^ 
Jbado  de  desbaratar  os  imigos,  que  polo  pouco  espaço  {| 
l^astarão  em  os  desbaratar,  não  pode  chegar  mays  cedo: 
&  foy  a  pressa  tamanha  4  correrão  os  Portugueses  muy* 
to  risco  de  aerè  mocloa  cd  a  noasa^  arlelkatia  {[  tifauás 


15S  DA   ffffTOMA    »A   INOfA 

05  do  mar,  ^  cuydando  ^  nã  tomassem  a  trSqueyra  táo 
asinha ,  dSu  faziXo  se  oão  tirar  a  ela  poios  ajudar,  fe  tS 
impresso  tinhSo  isto  na  fantezia,  que  os  vião  ãdar  sobre 
os  valos  da  iranqueyra ,  &  cuydauto  Q  erSo  os  jmigos  , 

6  1}  os  Portugueses  erão  todos  mortos,  se  nflo  quãdo  vi- 
rão luzir  os  capacetes,  então  deixarão  de  tirar.  E  che- 
gando ho  gouernadof  á  mezquita  deu  «luytos  louuores 
a  nosso  senhor  por  a^la  vitoria ,  &  fez  muyta  honrra  & 
gasalhado  a  Diogo  da  silueyra  &  aos  outros  capitães  lo« 
uãdo  seu  esfor<^)  &  valentia,  &  disselhes  Qesperaua  em 
-nosso  sefior  dalmocjar  ali  &cear  dentro  na  fortaleza,  por^ 
o  mais  era  feyto:  &  pêra  2|brar  as  portas  da  fortaleza 
mandou  logo  á  frota  -por  algfls  tiros  grossos,  l\  )X)r  der- 
radeyro  aprouue  a  nosso  senhor  ^  não  forão  necessários, 
&  acabousc  lio  feyto  sem  perigo,  por^  indo  poios  tiros, 
mandou  ho  gouernador  ao  secretario  {}  fosse  espiar  a  por- 
ta da  fortaleza  pêra  ver  se  lhe  poderião  tirar  c5  as  b3- 
-bardas  por{|  mãdara ,  &  mandou  yr  coele  sete  ou  oyto 
homês,  &  como  os  outros  o  virão  abalar,  f  |K)r  ser  prí*- 
uado  do  gouernador)  leuãtarãose  bem  quinhétos  &  forão 
a  [x>8  ele.  E  vendo  os  mouros  ^  estauão  na  fortaleza  a- 
X{ueie  .corpo  de  gente  emcaraua  -nela  &  a  bateria  Q  lhe 
dauão  por  mar,  &  vendo  desbaratada  a  tranqueyra,  & 
que  Meli^  fora  desbaratado,  &  não  se  poderá  recolher 
á  fortaleza ,  cuydarão  que  lhe  yão  tomar  a  porta  pêra 
não  poderS  sayr  em  quãto  os  outros  entrauão  pelos  mu- 
ros, &  cd  o  medo  ^  disto  côceberão  abrirão  as  portas  & 
fugirão  pêra  ho  esteyro  c6  determinação  de  passar  da 
outra  parte:  &  os  Portugueses  Q  os  virão  derão  após 
eles,  mandando  ho  secretario  dizer  o  que  passaua  ao  go- 
uernador, que  logo  seguio  pêra  o  lugar  por  onde  os  jmi- 
gos i}rião  fugir,  &  ainda  neste  alcanço  forão  deles  mor- 
tos perto  de  cinquoSta  Rumes  &  homSs  brancos,  &  por 
não  poderS  passar  do  esteyro  se  tornarão  pêra  a  fortale- 
za,  a  cuja  porta  ho  gouernador  armou  algfls  caualeiros, 
&  antre  eies  forão  Gil  de  crasto  filho  de  Diogo  borges 
contador  de  Viseu,  Baitesar  lobo  desousa,  Tomé  dé 


LIVRO   VII!.    CÀ?lTVLO   I-XII.  16Í 

brilO)  Líonel  de  lima  &  outros,  a  fora  muytoe  {{  fizera 
aa  niezquita:  &  despoys  entrou  na  fortaleza  dando  muy- 
las  graças  a  nosso  sflor  pola  muyto  grande  mercê  j)  lhe 
fizera ,  &  achouse  muyta  poluora  despmgardada  &  de 
bSbardada  &  muytos  pelouros  &  outras  muylas  muni-  ' 
çRes ,  a  fora  a  artelharia  que  com  a  que  foy  tomaiia  na 
traoqiteyra  forâo  quatrocStas  peças,  &  antrelas  sete 
grossas  arrebatadas,  &  a  terra  foy  cortada  &  deslruyda^ 
em  táto  t\  os  Portugueses  rogauão  hils  aos  outros  ^dey« 
xassem  algQas  aruores  pêra  sombra,  &  a  rogo  de  fafi  Gu- 
zarate  gentio  homfi  velho  &  que  tinha  presença  de  bonr* 
rado,  mãdou  o  gouérnador  que  não  cortassem  mais  ar- 
uoredo.  EporQ  ele  não  linha  gente  pêra  soster  aQlafor-^ 
taleza  contra  vdtade  dei  Rey  de  Cambaya  &  pola  não 
deyxar  aos  mouros  a  mãdou  derribar  toda  ^  assí  o  ba*. 
luarte,  &  desfazer  a  tranqueyra,  no  ^  se  deteue  oyto 
dias  tendo  em  terra  seu  arrayal.  E  desfeyto  tudo  isto 
ate  os  aliceces  recolheo  se  a  frota,  &dahí  mãdou  a  Dio- 
go da  silueyra  aoestreylo  por  capitão  mór  debita  arma- 
da de  três  galeões  de  que  forão  capitães  ele,  António 
de  lemos,  António  cardoso,  &  bâa  galé  real  a  cujo  ca* 
pitão  não  soube  ho  nome,  &  duas  galeotas,  capitães 
Frãcisco  de  sousa,  &  Fernão  de  crasto,  &  quinze  bar* 

Ífantins  &  catures:  &  porQ  lhe  foy  dito  l\  a  fortaleza  de 
>amão  estaua  despejada,  determinou  de  a  mandar  der- 
ribar, &  deu  ho  cargo  disso  a  Manuel  dalbuquerQ  I)  fez 
capitão  mór  de  hua  armada  de  três  galés  de  A  forão  ca- 
pitães ele,  dÕ  Pedro  de  meneses,  &  Manuel  de  vascon* 
celòs,  &  doze  bargantins  &  catures,  pêra  que  lhe  deu 
trezentos  hom&s ,  &  deyxandolhe  esta  armada  se  partio 
per»  Chaul  &  dahi  pêra  Goa  õde  auia  de  inuernar,  & 
daqui  despachou  Martim  Afonso  de  melo  jnsarte  pêra  yr 
a  BSgala  fauorecer  Cojeiabadim,  aquele  mouro  Q  ho 
resgatou ,  como  disse  no  Liuro  Septimo.  E  por  el  rey 
de  Bengala  ho  não  querer  deyxar  tornar  pêra  sua  terra 
escreueo  a  eirey  de  Portufral  ho  agrauo  q  lhe  el  rey  fa* 
zia   pt  dindoUie  <}  ho  mandasise  tirar  dela ,  &  ij  auendo 

LIVRO   VIU.  u 


|94  iU    HISTORIA   DA    ÍNDIA 

de  yr  «Igu5  a  itso  fosse  Mariim  afooso,  aqoeni  «Bcreileo 
2|  Ibe  mandasse  aquela  caria,  &  que  escretiesaç  a  el  Rej 
os  seruí<{os  ^  Ibe  tinha  feytos,  &  ^  lhe  pedisse  a^la  yda 
a  Bengala  9  porque  ele  lamb&  pedia  a  ^l  rey  Q  ho  oilt« 
dasse :  &  Martim  afonso  bo  fez  assí  9  £^  el  rey  Ibe  fes 
fuerce  da  yda,  &  assi  lho  escreueo,  &  escreueo  aoGo-» 
uernador  que  lha  desse  ,  &>  por  isso  lha  deu  ,  &  a  lirou 
a  Ruy  ?az  pereira ,  a  quem  a  tinha  dada.  £  auenda 
^lartiro  albnso  dyr,  deulbe  bo  goueraador  bo  galeão 
sam  Rafael  em  qtie  íbsse,  d^  que  era  capitão  CriaiouàQ 
de  meio,  &  deulbe  cento  &  eiocoejita  Portugueses,  & 
partio  de  Cochim  em  Abril ,  leuando  em  sua  consevua 
^um  nauio  seu  ,  &  bua  nao  de  Bastião  luys  escriuào  da 
inatricula  de  Gocbim ,  &  António  gramaxo  em  bu  jun^ 
go  seu ,  &  outro  nauio ,  <;om  que  vio  cinco  velas* 

CAPITVLO    LXHL 

De  ç^mo  Manuel  daUmquér^pu  /ay  dtírribo^  a  fiurtmleaê 

de  Damão, 

A.  gemte  que  ficou  com  Manuel  dalbuquerque^  se  es»* 
barooM  de  muyio  má  vootade  por  ser  entrada  dinuetno^ 
&  serem  os  ventos  eonlrayros,  como  por  esiarem  enfa« 
dados  de  pelejar ,  &  desejarem  de  yr  descasar  a  Goa ; 
&  Manuel  dalbuquerque  os  confortou  &  esforçou,  &  par* 
tiose  pêra  Damão,  que  be  hum  lugar  grande,  &  iem 
hua  boa  fortaleza,  situada  na  ponta  da  enseada  de  Càm 
baya  da  banda  do  sul,  por  btt  rio  a  cima  pouoado  de  Gu- 
zarates  gentios,  &  na  fortaleza  estaua  bu  mouro  capilâo 
dei  rey  de  Cambaya,  cd  quatrocentos  Abeiins  &  Fat*^ 
taquls ,  &  os  mais  deles  espingardeyros,  &  estana  a  for- 
taleza bem  artilhada ,  &  não  despejada  como  íizerit  crer 
ao  gouernador..  Chegado  Manuel  Dalbuquerque  bua  aAr 
temenhaâ  á  barra  de  Dama ,  asai  como  chegou  mandou 
logo  a  hum  fidalgo  chamado  loâo  de  mendoc^a  que  foese 
Sondar  bo  rio  pêra  ver  se  poder iâo  entrar  nele  as  galèa 


&  ver  8  desposição  da  fonaleta  ^  &  ele  fcíy  êt»  bbtíi  ea- 
(ur,  &  tornou  cõ  recado  ainda  ante»  daMuan^ecer ,  que 
86  galés  podiSo  ii$dar  no  rio,- &  segundo  as  oongé^tu*» 
ras  que  vira,  que  lhe  parecia  que  oe  íniiges  èstftuão  to* 
^s  recolhidos  na  fortaleza  eaperando  por  eie.  E  com 
quanto  Manuel  dalbuquerque  isto  soube,  &'VÍo  que  tra^ 
zia  pouca  gente  pêra  cometer  a  fortaleza,  era  tam  ami- 
go de  sua  honrra  que  hâUi  quis  qúe  dissesáe  alguS  que 
poderá  tomar  a  fortaleza  se  a  cometera,  &  assi  ho  disse 
a  todos  os  capitSes,  &  pésso&s  priâcipaeis  da  frota^  pe^ 
dindolhe  que  a  cometessem  ^  &  que  despoys  ho  tempp 
lhe  mostraria  ho  que  podião  laaer,  &  isto  porque  todos 
erSo  dacofdo  que  pojs  a  fortaleza  estaua  fbrte  que  n 
nSo  cometessenk,  porque  boGouernador  os  nâo  iDandârd 
a  tomala ,  se  nSo  a  derribala,  erendo  que  estaua  despe^ 
jada ,  &  pois  o  nã  estaua ,  nem  eles  nãò  traziio  pètre^ 
chos  pêra  a  tomar ,  que  era  escusado  cometela ,  &  poto 
que  Ibes  Manuel  dalbuquerque  pcídio,  lhes  pareeeo  bem 
v«remna^  &  passarão  tanto  anante  com  tdda  a  frota,' 
ainda  ante  menhaS,  que  se  pegarfio  eom  ho  muro  dât 
fortaleza,  de  que  as  bombardas  eboutão:  &  vendo  Ma« 
fiuei  dalbuquerque  ()  nft  fazta  ali  msíys  que  poderem  Ihe^ 
matar  gente,  tornouse  a  sayr  antes  que  viesse  ho  dia ,^ 
&  que  lhe  podessem  os  imigos  fazer  nojo  com  a  s^tetha-^ 
ria,  &  atrauessamio  pêra  Die  a  esperar  algt^as  nãos  qne^ 
fossem  aMma,  d^ulbe  bum  tempo  com  queesteue  qna*^ 
si  perdido,  &  arribou  a  hfl  lugar  ohamado  Âgacim  que^ 
acbon  despido,  &  achou  hy  rouyta  madeira  qe^  man-' 
dou  leqar  a  Goa,  pêra  onde  se  foyqueymado  ho  lugar^ 
fc  hi  achou  ho  governador ,  que  por  nâ  ser  chegado  dÓ; 
EsleuSo  da  gama  ^  tiirtia  a  eapilania  de  Malaca  na  va» 
gftte  de  Oaròía  de  fá ,  despachou  pêra  lá  dò  Paulo  da' 
gama  seu  jrmão,  i\  entraua  na  mestna  capitania,  nasua^ 
vagante,  que  de  Goa  se  foy  a  Coehim,  &  dahi  partio^ 
pêra  Malaea  na  6f0  Dabril  de  mil  &  quinhentos  &  trin«: 
ta  &  três ,  &  foy  por  capitão  mór  dé  dons  naviios ,  &» 
duas  fustas ,  &  hf  coele  ho»  fidalgo  seu  tio  chaipada 

u  2 


156  fiA   HIWOMA   DA   ÍNDIA 

TristAo  datayde,  que  ya  por  capitão  da  (otlãlnht  d«Ma« 
luco.  E  chegi^o  dom  Paulo  a  Maiaea  foy  enlregue  da 
capitania  por  Garcia  de  sá^  &  despoyt  despachou  Tria-> 
tão  datayde  Q  partio  pêra  JMaluco  em  Agosto  pêra  yr 
por  Uorneo ,  &  por  nSo  poder  saber  (^ue  armada  teuou^ 
o  nào  digo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXIIIL 

De  como  cbegarã(t  aa  índia  cartas  armadas  de  PorlugáL 

JAI  este  auno  de  mil  &  quinlientos  &  trinta  &  três,  mao- 
dou  el  Rey  dom  loão  de  Portugal  sele  nãos  á  Jndia  re» 
partidas  em  duas  capitanias ,  de  três  foy  capiláo  mór 
hum  fidalgo  chamado  dom  lobão  pereyra,  que  leuaua  a 
capitania  de  Goa ,  &  fora  seus  capitães  hum  dom  Fran- 
cisco de  noronha  que  se  perdeo  com  tempo,  &  Louren^ 
de  payoa  que  passou  cõ  dom  loão.  Da  outra  armada  foy 
capitão  mór  outro  fidalgo  chamado  dom  Gon<^lo  couti^ 
nho  prouido  também  da  capitania  de  Goa  na  vagante  de 
dom  lobão  pereyra ,  forâo  seus  capitães  Simão  da  veiga, 
Diogo  brandão  do  porto,  &  Nuno  luriado  de  mendoça 
eomêdador  da  Gardiga,.  a  que  não  soube  ho  q^ie  acon- 
teceo  na  viagem,  se  não  a  dom  loão  pereyra,  que  sayn- 
do  do  parcel  de  ^faJa  ,  &  inde  por  anire  hãas  jlha« , 
quis  esperar  as  nãos  de  sua  conserua,  &  preguntando 
ao  piloto  &  ao  mestre  eomo  farião,  disserão  que  amay- 
nassem,  &  Aotonjo  galuão  ,  hfi  fidalgo  de  que  fiz  men« 
çã  no  liuro  Septimo,  que  ya  na  nao  por  passageyro,  & 
sabia  bem  da  nauegação,  disse,  que  Ibe  nào  parecia 
bom  conselho,  &  que  poya  não  queriâo  fazer  caminho, 
que  deuião  de  payrar  com  ho  traquete  pêra  a  nao  fazer 
cabeça  ao  már  ,  &  não  yr  dar  em  terra  pêra  onde  cor* 
rião  as  agoas ,  &  lambem  como  estauâo  perto  do  Tro« 
pico,  podia  sobreuir  algQa  toruoada  que  es  leuasse  maya 
asinha  a  terra ,  &  parecendo  isto  bera  a  todos  asst  se 
íezy  porem  oam  durou  mais  que  até  o  quarto  da  modor* 


/ 


LIVRO  TI1Í.   CAP1TTLO   LXIIII«  167 

rendido,  que  se  dom  loão,  &  Antooio  galuSo  aco- 
lherão a  suas  camará»  a  dormir ,  &  ainda  bem  o  piloto 
&  ho  mestre  não  sentirá  que  dormiáo,  derào  com  as  ve« 
las  embayxo,  porque  iomarào  ho  conselho  de  António 
galuão  de  má  vontade.  E  feyta  esta  boa  pilotagê ,  dáo 
consigo  nos  camarotes,  &  deytàose  a  dormir  muy  des* 
cansados ,  &  duas  oras  por  passar  do  quarto  dalua ,  co* 
aieçasse  douuir  o  leme  da  nao ,  j)  y'a  roteado  polo  chão 
por^  amaynadas  as  velas  leuarã  as  agoas  a  nao  pêra 
terra  como  António  galuâ  dizia,  que  por  yr  na  camará 
òò  leme  acordou  logo  ao  arroydo  j)  ele  fazia ,  &  nisto 
deu  a  nao  duas  pâcadas  tamanhas  eõ  a  quilha  \  parecia 
\  se  abria ,  &  a  elas  acordarão  os  (}  jaziào  de  baixo  da 
cuberta,  &  comei^arâ  de  gritar  cuidando  que  a  nao  era 
perdida,  &  mays  porque  viáo  o  mestre  &  o  piloto  desa-» 
cordados,  que  como  virão  o  mao  recado  que  tinháo  fey- 
to  pasm^ião ,  &  nã  sabia  mais  f)  chorar ,  &  era  a  reuol«- 
ta  muito  grade  na  gSte,  hâs  brada uã  ^  matassem  o 
mestre  &  o  piloto ,  pois  forão  causa  de  se  perder  a  nao, 
outros  arremetião  a  arcas,  &  a  tauoas  &  paos,  pêra  se 
dey tarem  ao  már,  com  quanto  fazia  grande  escuro,  & 
dom  loão  queria  tomar  o  batel,  &, trazia  hiia  espada 
pêra  ho  delender  a  quem  o  quisesse  tomar.  E  era  o  de- 
sacordo tamanho  em  todos ,  j|  se  ouuera  a  nao  de  per» 
der  se  não  fora  António  galuão,  que  màdou  logo  dar  os 
tranquetes,  &'yr  marioheyros  ao  leme,  que  nã  acharão 
por  saltar  fora  quando  a  nao  deu  a»  pancadas:  &  Antó- 
nio galuão,  ainda  que  vio  tamanho  perigo  como  a^leera, 
disse  aos  marinheyros  &  ao  piloto  &  mestre  ^  se  calasse 
por  a  gête  nã  esmorecer:  que  nosso  Senhor  lhes  daria 
remédio  que  teuessem  nele  confiança,  &  disse  a  dom 
loão  que  tirasse  a  espada  que  tinha,  nem  lhe  sentissem 
que  queria  tomar  o  balei,  porque  cuydaría  a  gente  que 
era  a  nao  de  todo  |)erdida^  &  remeterião  todos  ao  batel 
pêra  o  tomarfi  &  maiarseyão  hfls  oom  os  outros,  qii# 
dissimulasse  &  se  mostrasse  alegre,  porque  coiaso  os  a^ 
uia  nosso  Senhor  de  aaluar  &  não  eõ  desordens,  ho  que 


IftS  Há   SUTORIA    PA  INDIJl 

pareceo  bem  a  dom  loão ,  &  assf  bo  fez ,  &  consolou  a 
geúie  que  estaua  despida  pem  se  lançar  ao  már,  &  An« 
ionia  galuão  chegou  entfto  debajxo  da  boba ,  &  disse  a 
todos  que  esforçassem  que  a  bcmíba  linha  pouca  agoa^ 
que  era  sinal  que  a  aao  nSo  abrira,  &  mandou  logo  dar 
a  bomba  perm  que  vissem  (|  era  verdade,  com  o  que  to«- 
dos  esforçarão.  E  por  A  ntooio  galuão  achar  com  ho  pruf* 
mo  que  eslauão  em  dez  braças,  &  logo  em  o^^to,  qum 
era  sinal  que  não  tornaua  a  terra,  mandou  logo  alargaf 
falia  ancora,  &  amaynar  os  tranquetes  que  linbã  dados: 
&  isto  feyto  amanheceo,  com  que  a  gète  acabou  defifor^- 
^ar  de  todo ,  &  mays  porque  as  outras  duas  nãos  che* 
garSo  &  lhes  falarão,  &  ali  ouaecooseJbo,.queporqQan* 
to  não  estauSo  de  Moçambique  mays  i\  qualorze  legoas^ 
&  a  nao  começaua  de  fazer  agoa  l\  fossem  sem  leme, 
]>orQ   na  detença  que  fizessem  em  o  fazer  se  |K}dería  a 
nao  yr  ao  fundo ,  &  por  ser  tam  perla  poderia  a  nap  yr 
á  loa  do  seu  batel  &  as  outras  nãos  yrião  em  goarda  dei- 
ta, &  assi  o  fizerão  &  chegarão  a  Moçambique  a  salua^ 
mento,  onde  por  não  se  poder  tomar  a  agoa  da  nao  por 
ser  na  quilha,  acõselhauâo  a  dom  loâo  que  a  descarre* 
gasse  nas  outras  nãos  &  se  fosse  nelas,  &  aquela  ficaria 
ali  pêra  a  desfazerem,  mas  António  galuão  não  foy  desr 
te  parecer,  se  nã  Q  a  nso  se  tirasse  a  mdte  ou  ás  ma» 
rês  &  se  cÕcertasae  ho  melhor  que  podesse  ser ,  &  que 
se  fosse  dom  iohão  nela  á  índia:  &  que  ele  yrta  ceeie 
9c  ho  ajudaria  de  dia  &  de  noyte  com  quãtosleuauaque 
erão  muytos.  £como  dd  Iohão  tinha  bem  esprementado 
quam  bom  conselho  era  o  Oãlonro  galuã  tomou  este :  & 
concertada  a  nao  loyse  nela  á  índia,  &  quãtos  yão  na 
nao  wêdo  ^  António  gaiuã  se  Sbarcaua,  se  Sbapcarã 
lambS,  posto  Q  eslaoã  fora  dela,  &  bem  se  pode  crer, 
que  despoys  de  nosso  Sftor  ele  saluou  a^la  nao  duas  ve> 
ees.  B  assi  partio  dom  Bsteuão  da  gama,  que  inuernou 
em  Moçan^ique,  &  dom  lobão  foy  ter  a  Goa,  onde  int 
u«rnaua  o  gonenuidor ,  que  por  esperar  de  fazer  paz  cO 
d  rey   de  Galícut,  se  partio.  log^i- para  lá  como  as  nãos 


LIVRO  VUf»    aiflTVM   JUXV.  I6t 

àb^gaWto :  E  chegado  a  CaJicut  com  ioda  a  armada,  le« 
Uanlouae  lamaobo  temporal  ^  valo,  que  não  pode  ao» 
frer  a  amarra  maia  de  hu  dia  &  caçaua  muylo,  peio 
qoe  o  gouernador  arribou  a  CcM^bi,  &  hy  «e  deleue  oyr 
lo  ou  dez  dias ,  em  eacreuer  pêra  Forlugal ,  &  despoyf 
ie  lornou  a  Calioui:  Ecome<jàdo  dau^er  recadoa  anlrelo 
&.  el  rey  sobre  as  paaes,  niica  em  dou«i  dias  se  pode  lo* 
mar  nelaa  nenbtta  concrusào  y  porque  cada  bum  queria 
biia  cousa,  &  nisto  sobreueo  Iam  braua  tormenta,  que 
todos  os  nossos  se  deráo  por  perdidos,  &  alargando  lam<* 
alauea  o  vento ,  que  Maiiuet  dalbuquerque  pode  dar  o 
traquele  da  sua  galé ,  acoibeose  por  se  não  perder ,  & 
cuydando  bo  gouernador  que  ya  desamarrado,  &  que  ea* 
garraua  fes  sinal  á  frola  que  leuasse,  &diffirindo  bo  tra- 
quele .dauanle  seguio  a  pos  ele  pêra  Ibe  acodir ,  &  des* 
pois  de  ver  como  ya,  por  o  vento  Ibe  nfio  seruir  pêra 
tornar  a  Caiicut,  fezae  na  volta  de  Goa  seguindo  bo  toi* 
da  a  frota ,  &  foy  aferrar  bo  seu  porto,  &  por  esta  cau^- 
sa  não  ouuerSo  efeyto  aspaMs  com  el  rey  de  Caiicut. 

C  A  P  l  T  V  L  O    LXV. 

Dé  cmno  Foft»  4a  €umha  foy  eqnar  Diu. 

Jtio  Goueraador  ficou  tam  magoado  de  qoam  mal  Ibe 
•ocedeo  a  em  pressa  de  Diu ,  que  por  muyias  boas  ven^ 
turas  que  lhe  deapoya  soc^deráo  na^  podia  perder  a  ma- 
goa que  tinha ,  nem  evydaua  o  mays  d]0  It^mpo  se  nâo 
%ue  i^ianeyra  leria  pêra  fa«.er  fortaJesa  em  Diu,  &  coes- 
te  fundamento  mandaua  fazer  laala  gueini  a  Cambaya, 
porque  ei  Rey  enfadado  dela  lhe  desse  esla  fortaleza  , 
porque  teuesaem  paz.  £  pairecendolbe  que  el  rey  este* 
neaae  ja  mais  brando  pêra  isso,  lhe  mamtou  bua  embai** 
xada  per  Tristà  degá  sqbte  que  lhe  desse  fortaleza  em 
Diu,  &  que  faaia  paz  coele,  &  seria  seu  amigo,  &  por 
o  mesmo  Tristão  degá  escreueo  a  algas  capitães  dei  rey, 
&  seftbof ea  de  «na  corte  ^ua  bo  fattotecesae». ,  &  aju- 


100  DÁ  HISTORIA    DA  iNDfA 

dasiem  pêra  aue^  eaia  foríaleea,  &  lhes  imindou  fyreMtt^ 
tes  pêra  q4ie  o  fizessem  de  meíhor  vontade ,  &  nisto  se 
trabalhaua.  Despoys  que  el  rey  ouuio  a  embaixada,  que 
mostrou  ouuír  de  boa  vontade,  porem  nam  tinha  nenhfla 
pêra  dar  a  fortaleza.  E  andando  assi  esíe  enibajxador 
coro  ei  rey ,  soubeo  Melíque  tocSo  capitão  de  Diu ,  (| 
eslaua  muyto  receoso  de  lhe  el  Rey  tirar  aquele  estado 
pêra  o  dar  a  Rumecão,  &•  estando  coeste  receo,  nSo  ae 
sabe  com  que  tenção  escreueo  ao  Gouernador  que  lhe 
mandasse  bã  fidalgo  com  que  podesse  falar  miudamente 
cousas  que  compriS  muyto  a  serui^  dei  rey  de  Portu*- 
gal,  &  quando  o  gouernador  vio  esta  carta,  sospeytou 
queMelique  quereria  dar  fortaleza,  &  fazendo  logocon* 
selho  sobrisso,  pareceo  a  todos  ho  que  o  gouernador  808« 
peytaua,  ic  por  isso  assentou  que  se  mandasse  o  fidalgo 
^  Meliq  pedia ,  pêra  (|  o  gouernador  escolbeo  a  Vasco 
da  cunha,  assi  por  cavaleiro  muito  esforçado  &  sesudo, 
como  por  antigo  na  índia,  &  saber  bem  os  costumes 
dos  mouros :  &  deulhe  hQa  instrução  do  que  auia  de  fa^ 
zer  com  Melíque,  que  auia  de  ser,  que  ele  desse  aquela 
cidade  a  el  rey  de  Portugal :  &  que  ho  gouernador  em 
seu  nome  lhe  fazia  por  isso  doação  de  juro  dametade  da 
renda  da  alfandega  dela,  &  mais  ihe  faria  hSa  fortaleza 
em  qualquer  dos  rios  deCambaya  que  ele  quisesse,  pê- 
ra que  esleuesse  seguro  dei  rey  deCambaya,  contra 
quS  ho  fauorecería,  &  ajudaria  de  cada  vez  que  lhe  fòs** 
se  necessário,  &  que  trabalhasse  ]}OTjr^  cidade  &ver^ 
se  auia  nela  algfla  entrada  por  onde  se  podesse  tomar, 
porque  não  se  tomando  concrusão  com  IMelique,  yria» 
3obrela  outra  vez  &,  a  tomaria,  &  pêra  isto  mandou  que 
fosse  coele  ho  artílheyro  mór,  que  sabia  muyto  daguer*'* 
ra.  Eassí  lhe  deu  mais  hum  lao Cristão  casado  em  Goa, 
jrmão  dum  bombardeyro  que  estaua  em  Diu  no  baluar* 
te  do  már ,  que  se  lhe  offreceo ,  pêra  falar  coeste  bom« 
bardeyro  seu  jrmão,  &  intentar  se  se  poderia  por  algfla 
maneira  tomar  a  cidade.  E  despachado  Vasco  da  cunhar 
de  tudo  ho  que  compria  a  sua  viaj^em,  partiose  em  hQa 


MVftO   VflI.   CAFITVLO   LXV«  161 

fusta  na  entrada  Dagosto,  &  chegando  á  barra  de  Diu, 
aruorou  hua  bandeira  branca,  ho  que  sabido  por  IVleIi-> 
que  sospeylando  ho  que  era,  peio  que  tinha  escrito  ao 
gouernador,  mandou  hum  bomS  deconfiãça  a  saber  quem 
vinha  na  fusta,  &  Vasco  da  cunha  iho  disse,  &  que  tra-< 
xia  hua  carta  do  gouernador  a  Melique  tocâo,  porS  que 
não  auia  de  yr  a  terra  sem  lhe  mandar  por  arrefens  o 
capitã  do  baluarte  do  már  que  lhe  logo  mandou,  &dey"i 
xando  ho  Vasco  da  cunha  em  poder  Dãtonio  borges  (hum 
fidalgo  que  ya  coeie)  se  foy  desembarcar  na  cidade ,  & 
se  vio  cd  Melif|  nas  suas  casas  onde  falarão  de  praça 
hum  pedai^o,  &  despoys  se  recolheo  Vasco  da  cunha  a 
bum  aposento  das  mesmas  casas  onde  auia  de  pousar^ 
&  hi  foy  falar  coele  Alelique  secretamente,  que  como 
sabia  falar  bem  ho  Português,  não  ouue  necessidade  de 
iingoa.  E  despoys  de  lhe  Vasco  da  cunha  dar  hua  carta 
do  gouernador  em  Persiano,  em  que  lhe  escreuia  o  qua 
queria  dele,  &  ho  partido  que  lhe  faria,  l\  Melique  leo: 
\he  disse  mais,  que  mio  deuia  nada  a  el  rey  de  Cam-* 
baya  pêra  por  amor  dele  deyxar  de  fazer  híia  cousa  d^ 
tanlo  seu  proueylo  como  lhe  o  gouernador  cometia :  an- 
tes ainda  que  nao  fora  de  nenhQ  interesse  a  ouuera  de 
fazer  por  se  vingar  dos  danos,  &  agrauos  que  Iheel  Rey 
de  Cambaya  tinha  feytos,  como  fora  malar  lhe  seu  jr- 
mào  mays  velho  Melique  saca,  por  outra  nenhua  causa 
se  não  por  lhe  tomar  sua  fazenda,  cuidando  que  fosse 
rico,  &  tírarlhe  a  honrra  do  gouernador  nao  tomar  Diu, 
&  dala  alVIustafa  hum  estrãgeyro,  que  fora  sem  porque 
tredoro  ao  Turco  seu  senhor,  &  que  causas  erfio  estas 
pêra  que.  vindo  conjunc^ao  pêra  isso,  como  agora  vinha,| 
vingar  se  dei  rey  de  Câhaya,  &  tirarlhe  Diu  ,  &  dab 
ao  goueriíador  com  partido  Iam  proueytoso  como  ihefa-« 
zia,  &  mais  com  (içar  em  sua  natureza  tam  seguro  dei 
rey  de  Cambaya :  &  Melique  lhe  respõdeo  que  lhe  pa- 
recia b8  tudo  ho  que  dizia ,  &  com  tudo  queria  cuydav 
nisso,  &  despoys  11^  responderia:  &  Vasco  da  cunha 
lhe  disse  que  cuydasse,  &  entre  tanlo  yria  dar  hita  car^- 

LIVRO  viir.  X 


162  SA    HISTORIA    I>A    INBtA  «. 

la  do  Goueroador  a  Diogo  da  silueyrà  que  chegara  en- 
tão á  põta  de  Diu  de  Masca le  onde  inuernara,  sem  fa- 
zer no  estreito  nhfias  presas.  E  a  carta  do  Gouernador 
pêra  Diogo  da  silueyra  dizia ,  Q  na  fizesse  nbOa  guerra 
a  Diu,  porque  trazia  hiL  embayxador  com  el  rey  de 
Cambaya.  £  despedido  dele  Vasco  da  cunha  se  tornou 
m  Diu ,  que  lhe  Meli<}ue  locSo  mostrou  ^  &  b8  elle  nê  o 
artilheiro  mór  virão  entrada  pêra  se  poder  cometer  se 
não  com  grande  força  de  gente,  pêra  se  repartirem  ter- 
ça &  no  mar,  &  hua  atupisse  a  caua  &  batesse  os  mu* 
90S,  &  outra  pelejasse  com  a  armada  doa  mouros  que 
estaua  no  már.  Tambõ  neste  tempo  ho  lao  dè  Goa  es- 
teue  com  o  bombardeyro  seu  jrmâo  no  baluarte  do  már, 
pêra  ho  que  disse ,.  maa  nfio  ouue  maneyra  pêra  nad&^ 
nem  Melique  se  acabou  de  determinar,  se  aceytaua  ou 
Bão  o  que  lhe  o  gouernador  cometia:  &respõdeo»Vaa- 
eo  da  cunha  ^  na^le  vera  yria  o  gouernador  darmada 
até  Diu,  qqe  até  êíão  se  determinaria,  &  lhe  daria  ar 
uiso  de  sua  deterraioaçâ ,  &  deuihe  hila  carta  de  crea- 
ça  pêra  ho  gouernador,  &  coela  se  foy  Vasco  da  cunha 
pêra  Goa ,  onde  contou  ao  gouernador  ho  que  fizera^  & 
Diogo  da  silueira.  se  foy  pêra  Chaul. 

e  A  P  I  T  V  L  O    LXVI. 

Do  que  fez  dom  Pauh  da  qama  despoys  de  ser  €apitAh 

de  Malaca. 

J-^espoys  que  dom  Paulo  da  gama  foy  entregue  da  ea- 

Êitania  de  JMaiaca^  determinou  de  fazer  guerra  a  el  rey 
(ugeniana,  fiiho  do  Rey  a  que  Afonso  dalbuquerqúe 
tomou  Malaca ,  que  despois  de  perder  Bmtâo ,  fez  seu 
assento  em  hâa  cidade,,  chamada  Vgentana ,. cinGoenta 
legioas  de  MaJaca  por  h{l  rio  acima^  &  era  muyto  pode- 
roso* de  gente,  assi  por  már  comq  por  terra:  &estedes^ 
poys  que  foy  Rey ,  assentou  pazes  com  Pêro  mazcare* 
nhãs  sendo  capitão  de  Malaca,^  porS  nunca  despoys  conir 


Lrr«o  VIU.  qapítvuo  lxvi.  l€S 

prio  as  condições  tias  pazes.  E  porque  dom  Paulo  iste 
«abia,  determinou  de  lhe  fazer  guerra ,  &  yr  sobre  ele 
&  tomarlbe  a  cidade  y  &  isto  eom  conselho  de  todos  os 
fidalgos  <)tie  estauão  cÕ  ele :  &  estando  quasi  prestes  a 
armada  que  dom  Paulo  auia  de  ieuar,  chegou  á  jlha  das 
Nãos  hila  armada  de  vinte  sete  iScharas  bem  fornida  de 
gente  &  dartelharia,  &  era  dei  Rej  Dugentana,  &  ya 
por  seu  capitão  mór  htl  valente  mouro  chamado  Tuíio^ 
barcaiar,  ^  mãdou  dizer  a  <lõ  Paulo^  que  el  rey  Dugen- 
tana  seu  senhor  bomandaua^m  socorro  «dei  rey  de  Pêra 
seu  jfmâo,  &  lhe  mandara  que  de  caminho  mandasse 
saber  dele  se  mandana  que  ho  seruisse  em  alglla  cousa 
&  que  ho  fizesse^  ao  que  dom  Paulo  respondeo  com  muy- 
tos  agardeciment<>s,  dizendo  nSo  ter  necessidade  de  sua 
ajuda ,  &  o  capitão  se  foy.  E  examinada  bem  -esta  sua 
vinda,  &  offrecimentes  desnecessários,  assentouse  que 
aua  vinda  não  fora  por  outra  cousa,  se  não  que  sabendo 
el  Rey  Dugentana  a  armada  que  se  fazia  prestes ,  pêra 
yrem  sobrele,  mãdara  esta  armada  cõ  a{}la  dissimulaçã, 
pêra  ^  ficasse  nas  costas  da  nossa ,  <}  como  auia  de  1&» 
uar  toda  a  pricipal  gête  da  fortaleza,  &  auia  de  ficar 
pouca  pêra  defSder  poderia  os  inngos  desêbarcar  a  seu 
saluo,  &  ao  menos  queymar  a  pouoaçã  dos  Quelins,  & 
por  isto  se  assêtar  fior  todos  ser  assi ,  se  acordou  por 
eles  ^  a  yda  sobre  Vgentana  era  escusada,  &  que  ficas-, 
se  pêra  outro  tempo.  E  porque  dom  Paulo  segurasse  el 
rey  DugStana,  &  lhe  fizesse  perder  algOa  sospeyta  se  a 
teuesse,  mandoulhe  per  êbaixador  a  Ml  Fernã  vieyra, 
que  confirmasse  as  pazes  que  estauão  assêtadas:  &des*. 
poys  que  foy  em  Vgentana  d  rey  ho  prendeo  &  a  quan-. 
tos  yao  coele ,  &  mandou  os  matar  cõ  diuersos  géneros 
de  morins,  dizendo  que  ho  fazia,  porque  sabia  que  os 
nossos  erão  seus  imigos,  &  mays  por  vingar  a  morte  de 
Sanaya  que  Garcia  de  sá  mãdara  matar^  como  disse, 
&  dali  por  diante  se  começou  guerra  antre  os  nossos  & 
ei  rey  Dugentana,  2)  roandaua  suas  armadas  correra 
Malaca,  &  pelejauão  com  a  nossa  armada,  &  assi  du^- 

X  2 


164  ]>A    HISTORIA    PA    INJDIA 

rou  a  guerra  ate  que  foy  dom  Esleuão  da  gama  (como 
direy  a  diante).  E  com  quanto  dom  Paulo  aào  tioba 
mays  de  duzentos  bom6s,  era  tão  esforçado  &  de  tâo  b5 
fiaber  na  guerra,  que  ordenou  sempre  tam  beio  suas 
icousâs,  que  sempre  leuou  ho  melhor  dos  imigos:  &60^ 
bristo  era  tam  Jiberal ,  que  gaslaua  bo  seu  muy  larga*- 
mente,  dando  muylo  grande  mesa  aos  soldados.  E  du^ 
rando  assi  isto,  por  auer  quinze  anoos  ^  eJ  rey  de  Pâo^ 
&  el  rey  de  Patane,  estauâo  de  guerra  com  a  forialeaa 
de  Malaca,  Q  era  grande  deseruiço  dei  rey  de  Portugal, 
determinou  dom  Paulo  de  fazer  pazes  coeies ,  que  lez , 
indo  por  embayxador  hum  Manuel  godinho»  que  as  as*- 
sentou  muyto  á  vontade  de  dom  Paulo ,  &  como  com* 
pria  a  seruíço  dei  Rey  de  Portugal,  que  foy  grande  pro- 
ueyto  de  sua  fazenda,  &  da  de  seus  vassallos:  E  estas 
pazes  forSo  causa  de  tornarê  a  tratar  na  China,  de  que 
se  despoys  descobrirão  pelos  nossos,  mais  de  ciocoenla 
portos  melhores  que  os  de  Canlâ,  como  a  diàle  direyw 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXVIÍ. 

Da  treyçâo  que  el  rey  de  Bengala  ordenou  contra  Mar- 

úm  ci/bníío  de  melo  jusarte. 

dTjLartim  afonso  de  melo  jusarte  que  partio  de  Gocbíia 
pêra  Bengala  com  cinco  velas ,  foy  surgir  na  barra  da 
cidade  de  Chetigâo ,  &  cõ  iicêga  do  Goazil  da  cidade 
(que  he  como  gouernador)  soyo  em  ierta  oom  os  Poft. 
lugueses  de  sua  companhia :  Sc  porque  aly  se  paga  na 
alfandega  de  ires  bfum  ,  que  he  muy  grande  dereyio, 
receará  os  Portugueses  de  o  pagar  &  por  isso  esconderá 
muy  ta  da  fazenda  Q  leuauã ,  sem  a  ieuarS  â  alfandega , 
o  {)  foy  peor  por^  o  Goazil  o  soube,  &  deu  na  casa  em 
que  estaua,  &  a  tomou  por  perdida  pêra  el  rey  de  Ben- 
gala. E  neste  tempo  mandou  Martim  afonso  hum  Duar- 
te dazeuedo,  que  agora  mora  em  Euora,  com  hiia  eo>- 
baixada  a  el  rey  de  Bengala  sobre  paz ,  &  amizade  com 


LIVRO   TIIU  QàTfm0'  UXVIU  165 

€l  Rey  de  Porlugal,  &  deyxar  yr  pêra  sua  terra  a  Coje- 
«xabadim ,  &  niaodouthe  de  presente  doas  caualos  ara^ 
fbios,  &  bua  faca  de  Caaibaya  &  algus  caixões  dagoas 
rosadas,  que  António  de  saldaoba  tomou  na  nao  çafe^ 
Xurca  j  &  uiuy tas  peças  de  veJudi)s  \elulados  &  densas»- 
€08 ,  &  islo  da  parle  do  gouernadar  da  iodia,  &  da  sua 
muyta  fazenda  outra  &  das  partes,  porque  costuroa  el 
rey  de  Bengala  de  mandar  avaliar  ho  que  Ibe  dâo  ose»- 
trangeyros  &  pagaribp)  &  ialo  por  auer  todas  as  boas 
fieças  ^  leuâo,  &  por  isso  lod<>8  os  lAercadores  &  outras 
•pessoas  esLrangeyras  i\  vao  a  ele^  Ibe  faseai  muyto  gr jl^ 
4es  presentes,  em  que  teiin  o  ganho  0iuyío  certo,  & 
Aiais  forrão  os  dereilos  ^  ounerÀo  de  pagar ,  porê  ng  tó- 
rios Jbe  pode  mandar  presentes,  por  a  cidade  doGouro, 
em  que  reside,  estar  çS  legoas  dos  portos  de  mar  pelo 
Gàges  a  cima ,  &  ser  a  yda  lá  muy  custosa.  K  despa^ 
chado  Duarte  daseuedo,  partío  se  pêra  bo  Gouro,  &  fo- 
rno coeie  bú  luto  de  vilbalobos  Destremoz,  Nuno  fei^ 
Jiandez  freire,  lurdão  de  moraeis,  Diogo  cabaço,  Dio 
^o  ferras^,  Lopo  cardoso,  &  outros  que  faziâo  numero 
de  dez.  Enauegado  |x»lo  rio  acima,  cbegou  á  cidade  do 
Gouro,  (cujo  sitio  &  m^breza  disse  no  Liuro  Quarto).  E 
chegado  lá,  aébou  {|  era  morto  Nançarotexá  rey  deBen^ 
^ala  9^0  matarão  os  seus  capados ,  de  que  ficara  hú  fi- 
iko  que  por  ser  menino  gouernaua  o  reyno  bfi  seu  tio 
jrmâo  dei  rey,  ^  auia  nome  JMabmudxá»  &  este  mora^ 
Jia  nas  casas  dei  rey  ,  ^  erâo  do  temanbo  Deuora,  bil 
BUntuoso  &  nobre  ed^cto.,  taurodas  todas  as  casas  de 
Jauores  douro,  &  o  ebno  &  as  paredes  eubertas  dazule- 
jos ,  &  no  meo  destes  paços  esta  bQ  pateo ,  (|  ocupa  târ 
to  espaço  como  o  resio  de  Lisboa ,  a  Q  enérào  por  doze 
portas,  &  todas  em  voltas,  &  em  cada  biia  estào  quar 
tro  porteiros ,  &  no  cabo  deste  patee  está  bum  alpen- 
dere,  aque  eles  cbamao  Bailéu,  em  ^  ei  ftey  deBenuola 
iuiue  os  emhíiíxaderes ,  &.eiitào  esta  bo  pateo  theo  de 
:gête^armHs.  Tè  (áihê  estes  paços  muitos  jardins  &  ca- 
sas  de  prasòr,  Q  ale  die  rioo8  eaiu  muylo  deJeitosos.  tíâr 


166  9A  fffSTOMA  BA  rNDIA 

-bendo  Duarte  dazeuedo,  €oino  Mahmudxá  governatta  n 
Teyno  ^  deuihe  a  èbayxada  {|  ieuaua  a  el  rey ,  &  asâi  ho 
presente  da  parte  de  Marlim  afonso^  &ele  lhe  disse  i\  o 
despacharia,  &  três  dias  despois  disto  matou  Mahmudxá 
el  rey  seu  sobrinho,  &  fezse  rey  de  Bêgala,  estado  as^ 
•sentado  Ires  dias  &  três  noytes  tia  cadeira  real,  porque 
doutra  maneira  não  podia  ser  rey.  E  como  ele  tinha 
muitos  de  sua  parte  pode  fazer  isto:  &  ficado  por  reydé 
Bêgala,  tornoulhe  a  falar  Duarte  dazeuedo,  relatSdolhe 
outra  vez  sua  embayxada,  &  assi  lhe  deu  o  presente 
que  Jeuaua  a  el  rey  da  parte  do  gouernador.  Com  que 
«I  rey  folgou  muyto,  &  prometeolhedeo  despachar  muy- 
-to  cedo :  E  por  nâo  yr  de  cada  vez  tâta  gente  ao  paço, 
disselhe  que  nS  fosse  daly  por  diSte  mais  que  Nuno  fer- 
nSdee  freire,  ^  sabia  a  lingoa,  &  a  que  conhecia  da 
outra  vez  que  esteuera  em  Bègala,  &  assi  se  fez:  & 
neste  tempo  que  esperauâo  ho  despacho,  tomarão  Nuno 
/ernandez  &  os  outros  Portugueses  grade  cSuersação  & 
amizade  com  hum  mouro  VaISciano  que  moraua  na  cir 
dade  que  tainha  a  tomou  coeles  por  serS  Espanhoes,  & 
folgaua  de  falar  coeles  nas  cousas  Despanha ,  princípal- 
mête  de  Valença  donde  era  naturapi,  &  este  era  homS 
principal  na  cidade,  &  tinha  grade  credito  cõ  el  rey: 
&  a  mesma  amizade  tomarão  com  hum  logue,  chamado 
Xei}  pír,  Q  dezia  ser  de  trezStos  anos,  !)  fazia  grada 
austinScia  âc  santa  vida  se  nã  fora  Mouro,  &  por  isso 
el  rey  &  todos  crião  muito  nele,  &  lhe  fazião  esmolas. 
E  quando  Duarte  dazeuedo  deu  a  d  rey  o  presente  da 
parte  do  gouemador,  em  que  (como  disse)  entranão 
algas  caixdes  dagoas  «rosadas  f\  forão  tomados  na  naaça- 
feturca ,  ^  ainda  ieuauão  a  marca  dos  mouros  de  cujos 
-forão,  que  logo  forão  conhecidos  por  hix  Rume,  cuja 
fora  a  fusta  que  tomara  Damião  bernaldez,  que  moraua 
no  Gouro,  &  como  ele  eslaua  muyto  magoado  da  fusta 
-i)  lhe  tomarão.,  &  dos  cÔpanbeiros  que  forão  mortos  & 
catiuos  na  peleja,  acrecêtouselhe  a  magoa  coro  veros 
•caixões  que  sabia  eomo  fora  tomados :  &  desejando  de 


LlVaO   VIII.   CAFITTLO   UCVtl.  167 

86  vingar,  trabalhou  por  fazer  malar  Marlim  afonso  com 
quStos  Portugueses  estauS  em  Chetígão ,  &  quãtos  es- 
tauâo  no  Gouro ,  &  pêra  fazer  com  el  rey  Q  o  fizesse  j 
peytou  a  hu  capado  que  auia  nome  Agebabedeia  grade 
priuado  dei  rey  ^  a  ^  disse  que  não  deuia  de  consentir 
que  os  Portugueses  fossem  a  Bengala^  por<|  tinha  sabi- 
do  que  eram  ladrões ,  que  roubauã  os  romeyros  ^  yão  a 
Meca  y  de  cujas  forâo  as  mais  das  peças  j)  ihe  derão  de 
presente  9.  ^^  Q  J^^  espiar  as  terras  cÕ  mostra  de  trato 
&  amizade,  &  despois  as  cõquistauâo ,  como  fizerSo  em 
muytos  lugares  da  Índia:  O  que  sabendo  el  Rey  de  Ga* 
licut  j  &  despois  el  rey  da  China  ,  os  nâ  quiserâo  con- 
sentir em  suas  terras ,  &  oa  matarão  &  tomarão  quáto 
leuauSo,  pelo  que  nunca  lá  mays  tornarão  9  &  assi  de» 
uia  ele  de  fazer ,  &  aueria  cem  mil  cruzados  Q  leuauão 
de  mercadoria.  £  como  el  rey  de  seu  natural  era  tira- 
no ,  pareceolhe  isto  bS ,  &  mãdou  logo  recado  ao  Goazii 
de  Chetigâo  que  prêdesseMartim  afonso  &  osPortugue* 
ses  Q  estauão  eoele ,  &  lhe  tomasse  as  fazendas  &  lhos 
mftdasse :  E  porque  se  isto  não  descobrisse  per  alguém, 
S&  fosse  auiso  a  Chetigâo^  mandou  poer  goardas  assi  no 
rio  como  em  terra ,  Q  não  deyxassem  passar  ninguém 
pêra  Chetigâo  se  nâo  quem  leuasse  sua  licença ,  porem 
isto  não  se  pode  fazer  com  tãto  segredo ,  <|  bu  Gentio 
chamado  Darinda  ho  nâo  soubesse,  &  este  ho  descobrio 
a  Nuno  fernãdez ,.  por  bQ  certo  preço  ^  lhe  pedio  por 
isso  prometendolbe  de  trabalhar  fK)r  saber  quãto  passas- 
se neste  negocio..  £  como  Nuno  fernandez  foy  sabedor 
desta  treyção,  escreueo  logo  a  IMarlim  afonso,  a  que 
não  pode  yr  ho  recado  por  amor  das  goardas  que  não 
deixarão  passar  ho  portador,.  &  quando  Nuno  fernandez 
isto  soube,  disse  ho  a  Duarte  dazeuedo  &  aos  outros, 
que  tambfi  esperarão  que  lhes  fizesse  el  rey  o  mesmo  ^ 
noandaua  fazer  a  ASarlim  aibnso,  &  encomedarâose  a 
Deos,  por{^  nâ  Unhão  nhft  remédio  pêra  escaparê,  & 
Nuno  fernãdez  ya  falar  muylas  vezes  com  o  logue ,  & 
dizialbe  o  que  passaua,.  &  encomendaualbe  que  Classe  a 
el  rey  por  eles. 


lei  *    TU   MBrOaUA   DA    INBU      ' 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXVIII. 

De  como  Martim  of&mso  de  melo  jusarU  foy  preso  em 

Btngala. 

I^heg^ado  ho  recado  dei  rey  de  Bengala  ao  GoazH  de 
Cheligâo,  determinou  de  prender  Marfim  afonso,  ^  an- 
daua  coele  em  re^rimento  que  tornasse  a  fazSda  Q  Ih 
nha  tomada  ao6  Portugueses:  &  determinando  de  ho 
prender ,  lhe  mandou  dizer  t\  lhe  fosse  falar ,  &  concer* 
tariâ  ambos  como  lhe  auia  de  tornar  a  fazenda*  E  Mar-r 
tim  afonso  leUou  consigo  cSlo  &  cincoenla  homSs  os 
mais  deles  com  espingardas,  &  vendo  ho  GoaziJ  quâ  bS 
acõpanhado  ya,  não  ousou  de  cometer  o  que  tinha  de* 
terminado,  &  fingindo  grandes  ocupaqoes  dissimulou 
com  Martim  afonso,  pedindclhe  que  ficasse  pêra  ho  ou«> 
tro  dia,  &  mais  que  por  lhe  fazer  grande  honrra  auia 
dir  gõtar  coele  com  todos  os  Portugueses  nrincipaeis^ 
pêra  que  ele  se  podesse  gabar  de  tamanha  honrra  como 
aquela.  E  Martim  afonso  como  era  bom  homS,  &  sem 
nha  dobrez,  pareceolhe  q  ho  Goazil  lhe  falaua  verdade^ 
&  por  lhe  comprazer  por  «irnor  do  requerimento  Q  (razia 
coele  aceitou  ho  gentar,  sem  lhe  Jêbrar  que  não  conui* 
nha  a  seu  cargo  aceytalo,  &que  lhe  poderiito  fazer  trey* 
çâo,  &  pois  ya,  yr  apercebido  como  o^dia  dates.  Efian- 
dose  no  Goazil,  foy  com  quarenta  homBs  sem  leuarS  to* 
dos  mays  armas  que  suas  espadas ,  &  outros  ficará  na 
pousada  com  hum  Francisco  pacheco,  &  loSo  jusarte 
tíçâDazinhaga  que  ya  também  na  armada  não  quis  yr, 
por  ter  cõcer lado  de  yr  a  monte  a  matar  hum  porco.  B 
Marti  afonso  foy  coesta  companhia  que  digo  a  casa  do 
Goazil  que  tinha  prestes  grande  baqueie,  que  foy  dado 
era  hum  pateo  de  baixo  de  hum  alpendere,  &  estando 
no  meyo  do  comer,  ho  Goazil  se  leuantou  supitamenlé 
da  mesa,  fingindo  íj  lhe  vinha  hum  accidête  ao  estama- 
go,  &  disse  a  Martim  afonso ,  &  a  Gonçalo  gomez  da^ 


LIVRO   VIII,    CAPITVLO    LXVIII«  169 

zeuedo  que  estauão  junto  coele,  que  não  se  bolissem 
que  logo  tornaua,  &  eles  muylo  inocentes  ho  crerão, 
&  deyxarãse  estar ,  ^  se  logo  se  leuantarão  nio  fora  o 
que  foy :  &  esperando  eles  polo  Goazil ,  acodfi  b3  qua- 
tro mil  frecheiros  por  cima  das  paredes  do  pateo,  & 
com  grandes  gritas  cometo  de  desparar  suas  frechas 
em  Martim  afonso  &  nos  outros ,  que  conhecerão  em- 
tam  ho  mao  recado  que  tinhão  feyío  em  se  liarem  dos 
mouros,  &  não  tendo  outro  remédio,  acodírãologoá  por- 
ta do  paleo  pêra  43e  sayrem  &  acharâona  fechada,  &por 
mais  for^  que  poserâo  nunca  poderá  leuar  as  portas  fo- 
ra do  couce,  &  entre  tanto  os  mouros  não  fazião  senão 
frechar  neles ,  &  forão  iogo  cubertos  de  frechas  Cristo- 
uão  de  melo,  Gonçalo  gomez  dazeuedo,  António  de  mez- 
quita,  António  graroaxo  &  outros  seys  que  cayrão mor- 
tos, &  Martim  afonso  também  ouue  sete  frechadas  mas 
não  forão  em  lugares  perigosos ,  &  era  grande  magoa 
ver  a  ele,  &  aos  outros  que  não  se  podião  defender  dos 
mouros  nem  oflendelos,  &  salcauão  dum  cabo  pêra  ho 
outro  por  se  goardarem  das  frechadas,  &  arremetião  á 
porta  perfíando  pola  leuar  fora  do  couce :  &  nisto  apar 
receo  o  Goazil  sobre  a  parede ,  &  fazendo  estar  quedos 
os  Mouros ,  disse  a  Martim  afonso  que  bê  via  como  es* 
taua,  que  não  quisesse  morrer  &  que  se  entregasse, 
porque  não  era  pêra  mays  que  pêra  os  leuarS  a  el  rey 
de  Bengala  que  desejaua  de  os  ver  &  que  lhe  daua  es- 
paço pêra  auer  conselho  com  os  seus,  com  que  Martim 
afonso  se  apartando  lhes  disse,  que  nâo  se  enganassem 
cõ  o  que  lhes  dizia  ho  Goazil ,  por^  se  assi  fora  ja  que 
os  Unha  em  seu  poder  &  estaua  seguro  de  não  se  -po- 
derS  defender  antes  de  lhes  mandar  fazer  mal,  lhes  ou<* 
uera  de  cometer  ^  se  dessS,  mas  como  determinaua  da 
08  matar  ou  prender,  nâo  fez  coeles  nhií  comprimSto, 
que  lhe  parecia  que  nâo  se  deuião  de  dar^  porque  ca 
outros  Portugueses  lhes  «codiriã  &  os  liurarião,  &  todos 
forão  contra  este  parecer,  dizSdo  <}  se  os  mouros  esqui- 
Serão  matar,  Q  lhes  na  cometera  o  Goazil  ^  se  dessem,' 
LIVRO  VIII.  y 


170  9A    H18T0aiA    DA    INDfA 

porj|  não  lhe  inòtaua  may»  malaios  ás  frectadai  que 
aiaodarlhea  cortar  as  cabeças,  &  se  os  prendesse  que 
Msaz  de  roerce  Hied  fazia ,  fx^r^  ou  por  resgate  ou  poc 
euira  maneira  teria  esperancja  de  ser8  soltos  por  isso  que 
se  dessem  2  &  nâo  esperassem  pov  socorro ,  porque  ae 
os  outros  Portugueses  lho  ouueráo  de  dar  J4i  aií  forão: 
&  eJes  dizia  verdade,  porQFrácisco  pacheco  Q  ficauaoa 
pousada  por  mayoral ,  como  ouuio  ^  Martim  afõso  esta« 
na  cercado  dos  mouros ,  em  vez  da  lhe  acodir  fugio  pe* 
ra  os  nauios ,  &  assi  fízerão  os  outros,  dejfxàdo  quanto 
iinhão  em  terra  ^  &  tudo  lhes  tomarão  os  meuros,  &  se 
teuerâo  acordo  também  os  matarão:  &  loão  jusarte  ti^ 
(ambem  se  saluou  milagrosamente,  que  no  monte  sou« 
be  bo  que  passaua  na  cidade.  £  vedo  Martim  afÕso  ^ 
es  que  estauã  coeie  erão  de  parecer  que  se  dessem , 
eonsentio  nisso  muyto  contra  sua  vontade,  &  entrega* 
vfiose,  jurãdolhes  o  Goasil  em  hum  Moi^fu,  que  os  náo 
prendião  se  nâo  pêra  os  leuarem  a  el  rey  de  Bengala 
por^  desejaua  de  os  ver :  &  como  fora  presos  bo  Goazil 
es  mandou  leuar  por  terra  ao  rio  Ganges ,  &  por  ele  ar 
eima  ao  Gouro. 

G  A  P  I  T  V  L  O    LXIX. 

Do  perigo  em  que  os  Portugueses  esteuerâde  serem  marUm 

JJjíú  quanto  se  isto  £izia,  Nuno  fernÂdez  frejre,  que 
eom  Duarte  dazeuedk»  ^^  &  os^  outros  Portugueses  estaea 
no  Gouro,  trabalba-ua  por  saber  de  Darinda,  ho  gentio 
que  disse,  que  nonas  tinha  de  Martim*  afoneo  &  dos  ou* 
tros,  &  mâdaua  lho  preguntar  pelo  língoa.  £  bum  dia 
pola  menbaã  lhe  respondeo,.  que  Martim  aibnso  &  oe 
outros  erão  presos  &  que  os  leuauão  ao  Gouro,  &  Mune 
fernandez  ho  disse  iogo  a  Duarte  dazeuedo,  &  que  lhe 
parecia  que  os  auião  logo  de  prender  por  isso ,  que  de- 
terminassem ho  qne  seria  bem  que  fizessem ,  &  Duarte 
dazeuedo,  &  loSo  de  vilbalobos,  Diogo  caba^,  Dioge 


LIVRO   VIU.   CAPITVl-0  «JllX.  171 

:ferrâK  &  ontfos  quatro^  forSo  de  parecer  quese^tregaa- 
«em  lof  O9  &  Ntino  fernawl^ez,  lurdão  da  morais,  &  I^o- 
po  Cardoso ,  diaserão  que  nào  aa  aiiiâo  denlregar,  por- 
que poys  os  auião  de  matar  queriâo  primeyro  vender 
bem  auas  vidas.  £  estando  nesta  pratica  ex  que  dá  de 
supito  sobre  as  casas  huai  capitão  dei  rey  de  Bengala 
con  quaíTooenlos  aoldados  pêra  os  prender,  &  começan- 
do de  quererem  entrar  a  casa,  eotregarXose  logo  Duar- 
te daaetiedo  &  os  outros  que  erfio  do  sen  parecer,  icem 
estes  sayndo  arremeta  Nuno  fernandez  freyre,  Lopo 
Cardoso  &  Inrdfio  de  moraeis  á  porta,  &  defendiãona  tam 
-esfor^adamête ,  que  os  imigos  a  n2o  podiâo  entrar:  & 
como  daqui  recrecese  grande  ainoroço ,  acodio  ho  Las- 
car, que  he  como  bo  regedor  da  justiça  etn  Portugal: 
&  vendo  a  Nuno  f^ernandea  com  que  tinha  oonhecimen- 
to  disselfae  que  pêra  que  era  cometerem  bo  que  não  a- 
uiSo  de  poder  leuar  auãte,  que  se  desse,  porque  el  rey 
os  nfto  mãdaua  prender  se  nflo  por  algfia  máenformaç&o 
<\ue  tinha  deles^  que  sabida  a  verdade  os  soltaria  logo^ 
&  ajudou  o  a  isso  Duarte  daxeuedo,  &  os  outros:  &veii>- 
do  eles  que  nSo  se  podiSo  defender  derãose,  &;  forfto 
presos  com  outros  de  dous  em  dous  a  hfia  braga  ^  &  ho 
Lascar  lhes  mandou  escreuer  as  fazfidas  &  socrestalas^, 
ic  reboluendo  hOa  arca  que  não  auia  mays  que  escre» 
uer,  foy  achado  no  fundo  dela  hâ  Cruciãxo  de  vuito^ 
que  bfl  mouro  amostrou  dizendo  que  aquele  era  hoDeos 
dos  Cristãos  como  por  escarneo,  o  que  magoou  tanto  os 
Portugiieses  que  chorara:  &Nuno  fernandez  lhes  disse^ 
que  poys  aquele  Crucifixo  se  aobara  a  tal  tempo,  que  o 
deuiâo  de  tomar  por  sinal  de  seu  liuramSto  que  espe- 
rassem em  nosso  senhor  que  auiã  descapar.  E  presos  as^-. 
si^de  dous  em  dous  forão  leuados  á  cadea  da  cidade  era 
que  aueria  bem  quinhetos  presos,  &  logo  Agefaabedalá 
disse  a  el  Rey,  que  pêra  que  erão  presos  aqueles  la^ 
d? Aes  {)  os  mandasse  ntatar,  &  mandando  el  rey  que  os 
matassem  quis  nosso  senhor  {}  parecesse  aquilo  mal  a 
bum  mouro  chamado  Aifacão  que  era  ayo  dos  moços  & 

T  2 


172  BA   HT8TORIA   BA   INBIA 

dalgos  dei  rey,  &  disselhe  ^  nã  deuia  de  mandar  matar 
a(}les  bomCs,  por^  estaria  antreies  algtls  mercadores  que 
não  terião  culpa,  &  Agehabedelá  a  que  pesou  muyto 
douuir  afjla  pajaura,  disse  que  não  era  bem  que  se  des- 
se a  vida  a  ladrões ,  &  pêra  os  matarem  a  todos  lhes 
dissessem  que  os  que  soubessem  tirar  com  espigarda  ^ 
os  auiSo  de  goardar  pêra  a  guerra,  &  aos  que  fossem 
mercadores  que  os  auíâo  de  matar,  &  todos  diriâo  que 
sabia  tirar  com  espingardas,  &  logo  este  recado  foy  da- 
do ao  Lascar ,  que  logo  se  foy  á  cadea ,  &  ho  primeyro 
a  que   preguntou  se  era  Lascar!  foy  a  Nuno  fernandez 
.freyre,  dtzendolhe  a  causa  porque  lho  pregQtaua,  &  pa- 
rece que  nosso  senhor  inspirou  nele  quesospeytasse  ho 
£m  pêra  que  lhe  fazião  aquela  pregunta,  disse  que  era 
mercador,  fc  que  bem  ho  deuiâo  de  conhecer  por  tal, 
pois  com  aquela  erão  duas  vezes  Q  ali  fora ,  &  ho  Las- 
car parecendolhe  Q  negaua  a  verdade,  por  comprazer  a 
Agehabedelá  que  assi  lho  encomendara,  quis  fazer  me- 
do a  Nuno  feraaodez  pêra  dizer  que  eraLascarim,  man* 
douho  tirar  da  cadea  &  íizerão  que  lhe  querião  eortar  a 
cabeça  poSdolhe  hiia  espada  no  pescoço,  &  dizialhe  ho 
Lascar,  que  se  queria  viuer  i)  dissesse  a  verdade,  mas 
nem  por  isso  se  disdisse,  &  ho  mesmo  aconleceo  a  lur- 
dã  de  mordíeis  &  a  Diogo  cabaço,  &  os  outro»  com  me- 
do da  morte  dizião  que  erã  Lascarins,  &  que  sabiâo 
fundir  artelharia,  &  eomo  ho  Lascar  vio  que  bils  diziâo 
hua  cousa  &  outros  outra,  não  quis  fazer  nada  ate  não 
dar  couta  a  el  rey,  &  escreuendo  os  nomes  de  Nuno 
fernandez  j  Diogo  cabaço ,  &  Furdâ  de  moraeis  pêra  os 
mostrar  a  el  Rey,  foy  lhe  dar  rezSo  do  que  passaua,  & 
acertou  de  uão  estar  coele  mais  !\  Alfacâ,  Q  disse  a  el 
rey  despoys  de  lhe  ho  Lascar  fazer  relação  do  que  pas« 
sana ,  que  poys  não  ganbaua  nada  em  mandar  matar  a- 
Qles  homSs  que  lhes  desse  a  vida,  porque  poderia  vir 
tempo  em  que  folgasse  de  os  ter  viuos :  &  quando  des- 
.poys  os  quisesse  matar  que  hy  os  teria,  &  el  rey  foy 
cõlente,  &  assi  escaparão  os  Portugueses,  a  que  Alfa- 


LIVKO  VUI.   OAPITV&O  LWX.  173 

cão  mandou  dizer  bo  que  disaera  a  el  rey ,  &  poys  es- 
caparão daQla  ora  ^  espérassei!»  eni  Deód  que  os  salua- 
ria  &  ^  lhe  rogassem  por  eles  &  por  ele ,  &  ^  soubes- 
.sem  que  auião  de  ler  uele  hum  hotn  padrinho.  £  des- 
poys  disto  chegou  Marlim  afooso  de  melo  &  os  que  fo- 
rão  presos  coele,  &  foráo  melidos  em  hua  cadea  que  es- 
taua  melida  dentro  nos  paços  dei  Rey  que  era  comoca- 
.dea  da  corte,  &  estes  andauâo  presos  cada  bum  sobre 
sy,  &  as  mãos  soltas,  &  JNuno  fernandez  &  os  outros 
a  fora  estarê  presos  de  dous  em  dous,  andauâcõasmãos 
dereylas  presas  ao  pescoço,  &  hQs,  &  outros  na  tinbfi 
pêra  comer  cada  dia  maj^s  que  bum  Pone,  que  polamoe* 
da  Portuguesa  sam  três  reys,  que  cÕprauSo  darroz  que 
coziâo  em  agoa,  &  isto  lhes  sostinha  a  vida  pêra  não 
morrerS  com  fome.  E  com  tudo  Nuno  fernandez  &  seus 
companheyros  passauâo  melhor  acerca  do  comer ,  por- 
que lhes  fazião  muitas  esmolas  algús  fidalgos  que  esta* 
uã  presos,,  &  assi  bo  logue,  &  bo  mouro  Valenciano 
que  disse,  &  Âlfacã,  &  de  tudo  partiáo  com  IVlarlim 
afonso  &  com  os  outros^  &  do  mays  passauâo  todos  muy 
trabalhosa,  &  triste  vida,  esperando  cada  dia  que  os  ti- 
rassem a  degolar,  como  faziào  a  outros  muy  tos,  que 
não  auia  dia  que  bo  não  fizessem.  E  até  as  onze  horas 
estauâo  sempre  sem  comer,  que  não  podião  com  os  so- 
bre saltos  que  tinbão  até  aquelas  oras  se  os  roatarião: 
&  com  bo  roi  comer  &  fedor  da  eadéa,  &  com  não  ves- 
tirem quorenla  dias  camisas  adoeciâo  deles.  Eouue  nos- 
so Sflor  por  seu  seruiço,  4  passados  estes  quarenta  dias, 
el  rey  por  conselho  de  Âlfacâo  quis  ver  o  fato  que  fora 
tomado  a  Nuno  fernandez,  &  aos  outros  &  mâdoulbes 
dar  muytas  camisas,  ceroulas,  &  gibões,  que  estauão 
antrele :  &assi  mandou  dali  por  diante  dar  a  cada  bum 
cada  dia  bua  tanga  pêra  sua  mantença,  &  coeste  fauor 
)hes  respousarS  os  corações,  &  perderão  ho  medo  que 
dantes  tinbão:  &  assi  viuerão  até  a  mouçâo  seguinte, 
em  Q  o  gouernador  mandou  recado  a  el  Rey  de  Bengala 
sobre  resgatar  ASarlim  afonso  (como  direy  a  diante). 


174  •▲   HIMlOHffA    DÁ  f  NmA 

C  A  P  I  T  V  L  O   LXX. 


De  cBmo  as  Cú$tMano$  que  €9tau6o  eni  GeUoh  $e  forêo 

peta  Tnstâo  dáUayde. 


Cw.d, 


lo  Tristão  datayde  n  Malaca  com  dom  Paulo  da 
gama  seu  sobrinho ,  parliose  pêra  Maluco  (|«asi  na  fim 
Dagoslo,  porque  auia  dyr  porBorneo.  E  porque  ná  pu- 
de saber  certo  o  ^  lhe  acdteceo  no  caminho ,  nem  Q  ar- 
mada leuoU;,  o  nâo  digo,  se  nSo  que  chegoo  á  jltia  de 
Teraale  em  Outobro  de  mil  Sc  «{uinhentos,  &  trinta  Sc 
três :  &  desembarcado  foy  bem  recebido  dei  rey  Taba- 
rija ,  &  de  Vicente  dafonseca ,  que  folgou  muito  cd  sua 
TÍnda,  pelo  aperto  em  que  estaua  cõ  a  guerra  dosGey- 
lolos ,  &  entregoulhe  a  fortaleza ,  mostrandolhe  Tristão 
dalayde  primeyro  as  prouis&es  que  tiuha  pêra  entrar 
naquela  capitania.  E  como  neste  anno  não  era  çafra  de 
crauo  nem  ho  auia  9  &  todos  os  Portugueses  teuessem 
suas  fazendas  pêra  empregarem  no  anno  seicfuinte,  pelo 
que  desejaufto  de  íicar  na  fortaleza,  todos  se  tizerSomuy- 
to  amigos  de  Tristdo  datayde  pêra  os  deyxar  ficar,  Sc 
aigús  lhe  descobrirão  que  Vicente  dafonseca  em  ele  vin- 
do á  vela,  apanhara  quanto  auia  na  feytoria  pêra  se  pa- 
gar, &  a  seus  amigos,  do  que  lhes  era  diuido  de  seus 
ordenados  Sc  soldos ,  pelo  que  Tristão  datayde  ho  man^ 
dou  prender ,  Sc  buscarlhe  a  casa ,  Sc  lhe  mandou  tomar 
quanta  fazenda  se  achou  que  leuaua  da  feytoria:  Scmâ- 
dou  logo  tirar  deuassa  dele  sobre  a  morte  de  Gonçalo  pe- 
reyra,  Sc  sobre  tomar  ho  reyno,  a  et  Rey  Cachil  daya- 
lo,  Sc  dalo  a  Cachil  tabarija.  E  sobre  outros  males  que 
tinha  feytos.  E  como  quasi  nenhus  Portugueses  se  qui-> 
sessem  al|le  anno  yr  da  fortaleza  por  amor  do  crauo  que 
não  tinha,  ninguém  acodia  por  Vicente  dafonseca,  Sc 
por  isso  Tristão  datayde  não  teue  os  trabalhos  que  te- 
uerão  os  capitães  passados ,  nem  ouue  as  desordens  & 
aluoroçoB  que  auia  dantes :   £  passados  algds  dias ,  el 


LIVRO   VIU.   GAPFFVLO  I^XX.  I7è 

Rey  de  Tidore  &  el  rey  de  Bacbâo  &  outros  senhores 
mandarão  visitar  Tristão  datayde,  &  ele  ihes  n)andou  a 
todos  f>re8enie8:  &  veado  que  eJ  Key  deGeyloJo  bo  nâo 
mandaua  visitar,  teue  por  certo  que  eslaua  de  guerra ^ 
*&  por  isso  ottue  seguro  dele  pêra  mandar  Anlonio  de 
leiue  que  mandou  eom  Pêro  de  monte  mayor ,  que  fora 
por  embaixador  de  Fernão  dela  torre  ao  gouernador  da 
índia,  sobre  lhe  dar  li€en^  pêra  se  yr  â  Índia,  &  da- 
bi  embarcada. pêra  Portugal,  &  bo  gouernador  lha  man^ 
daua ,  &  carta  pêra  Tristão  datayde  &  pêra  dum  Paulo, 
que  de  Maluco  íl  deAdalaca  lhe  dsssem  embarcarão  pe* 
ra  a  índia,  &&  a  yda  Danlonio  deteiue  com  Pêro  de  mõ* 
te  mayor  foy  pêra  assentar  comFernã  dela  torre,  ama* 
neyra  de  como  se  aeia  de  yr  de  Geyloio  pêra  a  fortale* 
za,  porQ  por  amor  da  guerra  temia  que  el  rey  deGey* 
lolo  08  náo  deyxasse  yr,  antes  sabddo  que  se  queriáo  yr 
os  prenderia ,  &  isto  receaua  também  Fernão  dela  tor«^ 
re ,  &  por  isto  nã  quis  qne  el  rey  de  Geyiolo  bo  soubes* 
se ,  &  tâbem  pêra  se  yrem  sem  sua  licença  nAo  podia 
leuar  sua  artelharia,  nem  as  Sírmae  que  tinhâo,  de  que^ 
a  mayor  parte  tinbao  empenhadas  a  el  rey  de  Geilolo 
por  lhes  dar  qve  comessem ,  &  pêra  auerem  tudo ,  assS^ 
tou  que  lhe  mandasse  Tristão  datayde  di2er  pubrica^* 
mente  ^  qee  bo  Emperador  &  el  rey  de  Portugal  esta- 
uSo  concertados  na  deferen^i  que  tinhão  sobre  acõquis* 
ta  das  jlhas  de  Maluco  ^  &  por  isso  bo  Emperador  lhe 
mandaua  que  com  todos  ws  Castelbainos  que  estauãoooe» 
}e  se  fossem  pêra  Portugal  pêra  debi  se  yrem  a  Castela^ 
pelo  que  el  rey  d^  Portugal  por  vogo  do  Emperador  lhes 
m«ndaiia  dar  embarca^  em  que  se  fossem ,  &  ho  go- 
uernador da  índia  assi  lho  toandaua  dizer ,  &  que  esta^ 
na  preste»  pêra  lha  dar  que  se  fusse  logo  ptfra  a  índia, 
&  quando  não  quisessem  yr  per  suo  vontade,  que  Tris- 
tão datayde  lhos  mandasse  pur  força,  &que  ele  se  mos*- 
*raria  muy  to  q.oeyKoso  a  el  f  ey  de  Geyloio  deste  recado, 
dizendo  que  nà  se  auia  dyr  pêra  os  PorCogueses,  &  qne 
aniee  se  deyxaria  »ef ter  y.  Sa  q^e  ale  no  defenderia  que 


17é    .  DA    HISTORIA     DA    tNDIA     ^ 

ho  o3o  tomaBsem  por  fonja ,  &  se  ei  rey  coestes  biocog 
lhe  não  desse  JicSça  pêra  se  yr  com  quanto  linha,  &lhe 
dissesse  que  o  ajudaria  a  defender,  que  então  fosse  Tris- 
tão datayde  com  a  maior  armada  que  podesse  ao  porto 
da  cidade  de  Geylolo,  &  desse  a  entender  que  queria 
desembarcar  de  dia,  pêra  os  Mouros  acodirem  ali  to- 
dos :  com  cujo  medo  faria  que  não  desembarcaua ,  & 
como  fosse  bS  noyte ,  deyxasse  ali  algas  bateis  com  ar- 
teiharia  &  gSte  que  tirassem,  pêra  que  os  mouros  cuy- 
dassem  que  queria  desembarcar  ante  menhaã,  &  yrse 
ya  com  bo  rosto  da  armada  desembarcar  dali  mealegoa 
fau  lugar  que  se  chama  Balobalo ,  dôde  yria  por  terra  a 
Geylolo,  onde  os  mouros  lhes  sayriã  &  eles  yriâo  na 
diâteira,  &  se  lhes  Stregaríâ  logo,  ho  que  v^do  os  mou- 
ros auiam  de  fugir,  &  eles  ficarião  na  cidade,  &  pode- 
riâo  leuar  sua  artelharia,  &  outras  armas  &  ho  mais  que 
tínhSo,  &  parecSdo  este  ardil  bem  a  Tristão  datai  de  m&- 
dou  o  recado  que  digo  a  Fernão  dela  torre  {)  mostrado- 
se  dele  muyto  agrauado ,  ho  relatou  a  ei  rey  de  Geylo* 
lo ,  dizSdo  o  ^  disse  Q  auía  de  dizer ,  &  el  rey  &  os  dó 
seu  cõselho  lhe  respõderão  J\  não  se  agastasse  que  eles 
ho  ajudaria  a  defender,  que  mãdasse  drzer  a  Tristão 
datayde  que  na  se  auia  dyr  parele  &  sabendo  ele  hoque 
auia  de  fazer,  pedio  ajuda  a  el  reyTabarija  pêra  yr  to- 
mai: 08  castelhanos  a  Geylolo  dizSdolhe  a  causa  porque, 
&  ho  mesmo  mandou  dizer  a  el  rey  dêTidore,  &  a  el 
rey  de  Bachã,  &  a  muylos  Samgages,  a  que  tambfi 
mãdou  pedir  ajuda,  que  todos  fora  em  pessoa  com  a 
mays  gente  que  poderão  ajuntar,  &  de  Ternate  partio 
Tristão  datayde  acompanhado  destes  reys  k  senhores, 
&  CO  h£la  grade  frota  &  poderosa  de  gente  &  fortaleci** 
da  dart^lharia  chegou  ao  porto  da  cidade  de  Geylolo, 
que  pòs  nos  mouros  grande  espãto  mas  os  Castelhanos 
lho  tirarão,  &  esforçando  os  acodirã  todos  ao  porto  pêra 
resistirem  a  Tristão  datayde,  que  deu  conta  aos  reys  & 
capitães  do  ardil  que  leuaua  pêra  vencer  osimigos,  não 
falando  nada  nos  Ciastelhanos,  &v8aiido  logo  dele  iazen* 


Limn  WH.   CAPÍTVLO   LM:i.  177 

éò  que  queria  desétmbarcar ,  &  tendose  como  que  ho 
fftzíâ  com  medo ,  ésforçarSose  os  mouros  iBuyto ,  pare- 
cendoihes  que  era  assi ,  &  dando  grandes  gritas  tirauS 
muy tas  frechadas ,  &  nisto  esteuerâ  até  a  noyíe  ^  que 
continuando  Tristão  dalayde  seu  ardil  deyxando  no  por- 
to algda  gente  em  baleis  se  foy  ao  porto  do  lugar  de 
Baiobalo,  &  quasi  á  mea  noyte  desembarcou  nuiyto  pa^ 
ciíicamente  por  nSo  ser  sentido  dos  mouros  que  estauSo 
descuydados ,  se  não  quando  sentirão  que  os  entrauão , 
&  querendo  resistir  a  isso  pelejara  hum  pouco  ^  mas  fo* 
rã  logo  desbaratados:  &  entrado  o  lugar  per  Tristão  da- 
tayde  mandou  o  queymar ,  &  queyroado  abalou  pêra  a 
cidade  deGeylolo,  &  ei  rey  Q  soube  sua  yda  pelos  mou- 
ros que  fugirão  de  Baiobalo,  mandou  a  Cachil  Gatabru- 
no,  que  ho  saysse  a  receber,  que  sayo  com  muy  ta  gen- 
te,  &  diante  Fernão  dela  torre  com  os  outros  Castelha- 
nos, &  menhaã  clara  ofaegariLo  a  hum  escampado  onde 
então  chegaua  Tristão  datayde ,  pêra  qu6  ae  forão  logo 
dando  grandes  gritas  de  prazer  por  se  verem  em  liber- 
dade que  ate  ly  íinhãose  por  catiuos^  pois  não  podiãa 
ai  fazer  se  não  estar  em  poder  dos  mouros. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXI. 

ê        • 

De  como  Tristão  daiapde  quewnou  a  cidade  de  Geyloh , 
^  como  Cacnil  eâtabruno  se  fez  Rey* 

MJe  tão  supita  mudança  como  esta,  não  somente  ficou: 
Cachil  catabru no  muyto  espantado,  mas  com  tamanho 
medo  que  logo  se  recolbeo  pêra  a  cidade ,  donde  nã  se 
atreuendo  a  defender  botou  leuando  el  rey  &  tudo  ho 
mais  que  pode  &  ho  mesmo  iizerâo  os  moradores,  &  fu- 
girão todos  pêra  o  mato,  de  modo  que  quando  Tristão 
datayde  chegou  achou  tudo  despejado,  &  despois  de  ser 
a  cidade  saqueada  disso  Q  lhe  acharão ,  a  mandou  Ioda 
queymar  saluo  a  mesquita,  por  lhe  os  reys  rogarS  i\  não 
fosse  queimada,  mas  de  noyte,  mãdou  Tristão  dataide 

LIVRO   VIII.  z 


178  lU  QKHtt^RU  Hà  :t^JMJl 

h  alg&s  Portugueses  que  decaem  rebates  fahoi;  ji&  fenlé 
dos  reys ,  diuido  a  enteadec  ^ue  erâGeyloios »  &  ^  siesn 
(u  leuolta  pqsessè  secraUD)ête  foge  á.  ine%i|iiila^.&.afisi 
foy  tãbê  qtiieymada,  &  asabeu  do:  arder  menliaâ.  clara s 
&i  eomo  não  auia  mak  qwejai&es  loA(M>uBeTriiiafadatay<* 
4e  coe»  os  reys  pena  a.  fòrial^a ,  dejpsâiido  no  porta  do 
GeyloJo  Diogo  sacdioba  eapilfio  mór  do  mar  deJMaJuoo, 
fc  AaloQio  de  leyue  c5  hâa  acmada  em  que  fiearà  ses«* 
%eatia  Portugueses  &  ni«ytosTesoaies^  pêra  que  tolhes«» 
sem  aos  Geyioios  que.  oàp  tor Sbassecu  á  cidade  nem  h^* 
sen  pescar,  por  ho  pesoaido  ser  tyo  pcincipudr  aBantmie»^ 
W  qiue  letD.  E  ele  ydo ,  CapUlcstabruno  com  acordo 
de  todo  bo  conselho  dei  ley  de  Geylolo ,  comeieo  pazes 
a  Diogo  sardinha,  &  m  Antónia  de  teyue,  que  nand»« 
tíky  sobrísso  recado  a  TrisUo  ikitayde,  Sc  por  seu  cço^ 
sentimeato  foy  CdMsbii  catebiunie  <)oeles  á  foptaieaca,;  Sa 
assenUMi  pasees  com  TristS  4atayde.  £.  como  auia  4iaa 
^lue  ele  determioaua  de.  se  fazer  sey  de  Gey k>lo  ,  Sc  'ba 
tinha  assi  oonoertado  qom  Caçbil  darees,  n&o  ho^  fez  pov 
■âo  ver  mais.  ho  tempoi  desposta.  pêra  isso ,  &  vendo  ho 
então,  deteriaiaon.  da.  eaecutac- seu  desejo:  Eq^Ada 
foy  de  Ternate,  deu  peçonha  determinada  a  el  Rey, 
que  morreo  dabi  a  algi^  dias,  St  pof  ele  ser  moço,  nem 
ser  casado ,  nè  ter  fílbos  ,  se  fez  rey  de  Geylolo.  E  por- 

Sinè^  Is2.  isto  quaadi^  foy  de  Ternate ,  crerilo  todos  que 
ora  aquilo  por  consenltmento^  de  Tf  islão  datayde,  & 
também  por  ele  bo  dizer  pubricamente,  &  que  dera  por 
isso  muylo  grandes  p^tas  a  Tristão  data]^,  em  que 
entrario  hOs.  payoSs  áonMto  &  eraua  &  outras  consas* 
Também  despoys  disto,  Tristâa  datayde  centra  vonia^a 
deJ  rey  de  Ternate  &  de  Pale<^rangue ,  &  dos  de  se» 
eonselíio,  leuantou  ho  degreda*  aa  camarão ,  que  fora 
criado  de  Cachil  daroes,  &  que  goueraaado  ele  a  reyna 
de  Ternate  fora  ahutrãte  do  már  ^  &  dom  iorgeho  de^i* 
gradou  quando. mandou  degolar  Caebil  daroes^polo  acbar 
culpado,  &  pesaua  a  el  Rey  Tabarij»  &  aos  de  seu^  con- 
selho, deTrislâo  datayde  leuantar  bo  degreda  ao  çamaM 


rao  por  ele  ser  mao  home,  &  lenierem  ^  lhes  fizesse  al- 
gfl  mal ,  como  íet  ^  &  Tri^âd  cTaial^dè  ttemdu  logo  coele 
grade  credito ,  &  ele  trabalbaua  muylo  por  lhe  fazer  a 
vontade ,  >8&  dauatiM  lauytoa  àrdiè  fetB  atrecentar  afaa 
fazenda,  que  era  ho  t^lie  el#  deiejaua,  &  pêra  a  fazer 
melhor  &  ajuntar  muyto  crauo,  determinou  de  fazer  yr 
de  AlafueD  qufltoe  mercaiioFe6  «staaão  toaqttelas  jlhâs^ 
«iti  Portuguesea  como  eairânf^eyroB^  a  que  m&doii  aob 
oerta  pena  per  hum  Pregâa  que  mandou  daylar  que  fie* 
ra  tal»  dia  ae  emkiaroaaseiíi,  bo  q«fa  faaia  ^^raadseapa» 
(o,  porqae  ate  entto  nunca  te  aoònlécer&  deytareàn  por 
for^a  oa  Portugueses  fora  da<}las  jlbaa  antes  ele»  fugifto^ 
Sc  entflo  erft  iâo  UNma  de  yr  (}  Triaíio  datàyde  (fez  «u«* 
barear  muytoa  por  força,  À;  bo  fn^imeyro  capilAo  que 
partio ,  foy  bum  fidafgo  chaiHEado  lardil  die  fraytaa,  qaé 
primeyro  que  se  ambarcaaaa  fez  grandes  requerimentos 
ii  Tristão  datayde  que  Ibe  dease  carrega  dm  Orauo  pêra 
1k>  nauio ,  porque  yk  vasio  «mv  leuar  algitay  no  que  el 
f ey  <ie  Portugal  reicebía  múyto  grande  perda^  nrnê  Tmi- 
Moiddtayde  nSo  nnis,  ptA^que  iha  6taase  tòdoiío  bra«oi 
•Eentt^gou  preso  Vioen te  d«fonieea :a  lúrdã»  de  freyta^ 
que  fao  entregasse  ao '  gouemador  4}aIndHa  tom  a  deuas*- 
aa;  db  imM  culpas,  E  taMbei»  neste  nauio,  foy  Fwnl 
idda  tçrre  oom  <f^  outros  Cast^hanos,  .&  lunààc^  de  ftey*- 
las  foy  ièr  á  ladtá ^nde  enijpegou  Vicenterda^ònaeca.  fi 
ed  qoãto  na  deiiassa  Q  Trisllto  dataide  tireii  se  proaa»^ 
mSo  claramente  auas  oulpaa  por  Òde  iiieredaimiy to  graia- 
de  pena,  nunca  Ibe  foy  dada,:  bo  que  deu  causai  á  ae 
íaMreai  em  Maluco  muyto  màyoree  malea',  àssicontr* 
Deos  como  contra  bo  praximo,  nem  onue»  cfuam  ae  tem** 
brasse  do  seruiço  dei  rey,  ae  tifto  de  eáriiqueeer  por 
i^ualqaer  maneyra  que  podesse^ 


Z   2 


180  Dia  HIMOKU  HA  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXIÍ. 

De  como  ha  gouenwdor  foy  a  Diu  pêra  severcôel  ny 

de  Cambaya. 

JTjLtras  fica  dito,  como  Vasco  da  cunha  foy  a  Diu  por 
mandado  do  gouecnador  a  fatar  com  Melique  tocào  00* 
tire  lhe  dar  Diu,  de  cuja  yda  el  rey  de  Cábaya  ívy  aui* 
aado  per  Ruiqecão,  que  trazia  «uaa  eepiae  oomMelicjue 

Kr  Ibe  querer  mal ,  &  desejar  que  el  rey  de  Cambaya 
3  desse  a  capitania  de  Diu ,  &  por  isso  disse  a  el  rey 
§  aquela  viata  de  Vasco  da  cunha  com  Melique  deuiade 
eer  pedirlhe  o  goueraador  fortaleza  em  Diu,  o  qwe  el  rey 
logt)  soupeytou,  &  dali  tomou  ódio  a  Melique,  &  deter* 
minou,  de  lhe  tirar  a  capitania  de  Diu,  &  dala  a  Rume* 
jcSo^  ho  ^  auia  dias  que  desejiaua,  crendo  que  cõ  isso 
aeguraua  Dfu  de  lho  tomarem  oa  Portugueses ,  &  Q  ele 
&ría  vyr  muy  tos  Turcos  do  eatreyto  pêra  andarfi  aa  sua 
armada,  &  defenderem  aos  Portugueses  que  nâo  tornas^ 
sem  aa  naoa  de  Cambaya  quâdo  vinhão  do  eatreyto,  ho 
que  ele  siotia  muyto*  £  sospey lande  el  rey  que  hoGo* 
uemador  trazia  iralo  com  Meliquè,  pêra  lhe  dar  florta^ 
Jeaa,  deapedio  Tristão  útgéí^  com  lhe  responder  que  era 
cÕtente  de  dar  ao  gouernador  a  fortaleza  que  lhe  pedia^ 
que  se  Ibsse  ver  coeie  em  Diu ,  &  isto  com  tenção  de 
ko  nã  £azer  se  nSo  a  fim  deatoruar  que  lhe  nâo  fizesse 
iko  Goueraador  guerra  aquele  verão  j  &  que  indo  a  Diu, 
iio  poderia  acol£sc  &  ttatalo,.&  mais  estoruaria  quelMe^ 
lique  lhe  Dão  desse  ibrlaieza.  £  sabido  polo  gouernador 
este  recado  dei  rey  creo  que  era  assi,  porque  ainda  nae 
conhecia  quam  malicioso  er»,  &  logo  se  fez  prestes  pe» 
ra  yr  a  Diu,  &  dizendo  ao  que  ya,  com  que  toda  agen- 
te  ficou  muy  (o  alegre»  £  pêra  esta  vista  do  gouernador 
c5  el  rey  de  Cambaya  se  fizerão  os  fidalgos  &  capitães 
da  índia,  &  outras  pessoas  bonrradas  prestes  de  muy* 
tas  louçainhas ,  &  galantarias  de  seda  &  ouro ,  assi  naa 


LIVRO  VIII.   CAPITTLO   L^XII.  181 

àrmatf  eomo  om  vestidos ,  &  lodos  gastarão  nujto ,  do 
que  se  arrependerão  assas,  vedo  de]x>is  ^  não  ouueefey- 
to  esta  vista:  &  daqui  ficou  despois  chamarse  na  índia 
este  anno  ho  das  paruoices,  porque  virão  inu)^tus  Q  as 
fizerão  em  gastar  tãto  dinheyro  de  balde.  E  feylos  to- 
dos estes  gastos ,  partiose  o  gouernador  pêra  Cbaul ,  & 
dahí  pêra  fiaçaim  õde  acbou  Diogo  da  silueyra,  &  da- 
qui se  parlio  pêra  Diu  cÕ  h&a  poderosa  frota  doytenta 
velas ,  em  que  entrauão  oylo  galeões ,  de  que  a  fora  a 
capitayna  erão  capitães,  Diogo  da  silueyra,  António 
dô  lemos  ,  Manuel  de  macedo ,  dom  Esteuão  da  gama, 
António  de  sá  ho  rume,  Diegaluarez  lelez,  dom  Gas- 
tão Coutinho,  &  de  Galés  &  Galeotas,  Sflanuel  dalbu- 
querque ,  Vasco  pirez  de  são  payo ,  dom  Pedro  de  me^ 
Beses ,  Manuel  de  Vasconcelos ,  Fernão  de  lima ,  &  ou- 
tros fidalgos,  yriào  nesta  armada  deus  mil  Portugueses, 
a  mays  luzida  gente  que  nunca  se  ajuntou  na  Índia.  £ 
ebegado  ho  gouernador  defronte  de  hum  lugar  chamado 
Danu,  soqbe  que  ho  dia  dantes  passara  elRey  deCaro«> 
baya  em  noue  galés  pêra  Diu ,  ei  logo  dali  lhe  mandou 
dizer  p^r  Simão  ferreyra  que  onde  seria  bõ  verêse  se  em 
madrefaba  ou  no  már,  &  foy  coele  pêra  lingoa  loão  de 
Sátiago  (lingoa  do  gouernador)  que  fora  mouro  &  fize- 
rase  Cristão.  E  proseguindo  ho  Gouernador  por  sua  via^ 
gem  foy  ler  á  jlha  dos  Mortos^  &  ali  esperou  por  Simão 
ferreyra,  que  não  tardou  muyto  que  não  chegou,  &  ya 
coele  Coje<;ofar,  que  lhe  disse  da  parte  dei  rey  deCain- 
baya  que  lhe  pedia  que  fosse  a  Diu  &  que  se  veria,  & 
loão  de  Santiago  disse  ao  gouernador  que  soubera  em 
Diu  que  el  Rey  deCambaya  queria  dar  a  sua  capitania 
a  Rumecão,  que  se  lhe  ofiVecera  de  lho  defender.  Ede»* 
ta  jlha  doa  Mortos  se  foy  ho  gouernador  a  Diu,  &  da 
barra  mandou  Simão  ferreyra  com  Coge^far  a  el  rey^ 
pêra  que  lhe  mandasse  recado  em  que  lugar  da  jlhaque^^ 
lia  que  se  vissem ,  &  indo  ele  coeste  recado  foyse  ho 
gouernador  a  terra  com  oa  capitães  &  algús  fidalgos,  & 
desembarcou  onde  chamão  ho  Palmarinho^  &  ya  ver  se 


I8t  Dt   HirrOftIA  DA   IKMâ 

poderiíio  ali  proar  aa  gaM» ,  pêra  Q  quemdo  et  Rey  da 
Càbaya  que  se  visaeiíi  ali  fazer  diegar  aa  galés,  perafi^ 
car  aeguro  com  a  sua  arielharía  se  el  rey  de  Cambaya 
quisesse  fazer  aig^a  treyçSo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXIII. 

De  como  Manud  de  maeedo  u  desafiou  cô  RumeeSoj  ^ 

não  lhe  sayo  ao  desenfio. 

Jtiistando  nisto ,  veo  Symlto  ferreyra ,  &  disse  ao  Gto- 
ueraador  que  el  rey  não  acabaua  dassentar  onde  se  a- 
iiíSo  de.  ver,  &  que  lhe  maadaua  pedir  que  lhe  mandas* 
se  lá  os  capitães  da  galé  bastarda  &  dos  galeões,  que 
os  queria  ver  pêra  lhes  fazer  honrra.  E  estando  bo  go* 
uernador  suspenso  sobre  ho  que  faria ,  porque  receaua 
que  el  Rey  reteuesse  os  capitães  despoys  que  os  lá  te^ 
nesse,  disselbe  Tristão  de  gá  que  ja  fora  por  embayxa- 
dor  a  el  Rey  de  Cambaya  que  os  mandasse ,  por{}  nSo 
08  mfldando  el  rey  era  tam  sospeytòso  ((  cuydaría  que 
não  se  íiaua  dele :  &  como  isto  cuydasse  nSo  se  auia  de 
querer  ver  cd  ele,  &  por  isto  os  mandou  boGouernador 
yr,  &  el  Rey  os  recebeo  com  muyta  honrra.  E  saben^ 
do  Manuel  de  maeedo  como  el  rey  queria  dar  a  capita^ 
nia  de  Diu  a  RumecSo ,  &  tirala  a  Melique  tocSo  que 
era  muyto  seu  amigo,  estando  com  el  rey  lhe  disse  (deâ^ 
pois  de  lhe  pedir  licSça  pêra  falar  hft  pouco)  (|  se  esp^ 
taua  muyto  dfl  rey  tá  sabedor ,  &  caualeiro  como  ele 
era ,  querer  tirar  a  capitania  de  Diu  a  bum  vassalio  co- 
mo era  Aleli{}  tocSo  &  ^  o  tambS  tinha  seruido,  &  fliho 
de  t3  singular  capitSo  como  íbra  Bieliijaz  o  velho ,  (| 
tanto  seruiço  fizera  ao  reyno  de  Cãbaya ,  &  tã(o  acre- 
cBlara  na  hõrra  dos  Guzarates ,  &  a  !|ria  dar  a  Rume- 
cSo hfli  homS  eslrãgeyro,  de  l\  não  tinha  outra  ezperiei^ 
cia  se  nã  fazer  treyçSo  ao  Turco  c5  qu6  viuia ,  &  por 
essa  causa  fugira  de  seu  seruiço ,  &  se  acolhera  a  GS- 
baya,  pelo  Q  nSo  se  deuia  de  fiar  dele,  se  não  esperar^ 


LIVRO  TflI.   CâFiTVU>  UXIII.  Í8I 

lhe  fiteme  outra  treyçSo^  &  se  Rumecão  ali  estaun  & 
segasse  ho  que  ele  dkia,  que  ele  Jbo  faria  confeaiar  em 
baialiia,  que  folgaria  muylo  dauer  coele«  £  Ruoiecão 
que  ali  eslaua  o  ouuio  diaer  ao  liogoa^  &  por  náo  resi* 
pomler  oulbou  el  Rey  parele  cow  bd  roaio  nenõcorio : 
k  «alandoae  toda  via  Rumeeio,  dkae  Manuel  de  mace- 
do  que  entendeo  Q  era  aq^uele^  Q  outra  vez  o  ioraaua  a 
desafiar  pola  mesma  rezao^  &  maye  que  podia  meter 
consigo  outro ,  por^  ele  se  Kitataria  tò  ambos.  £  veado 
el  rejr  í)  oãa  respondia ,  Ibe  disse  com  yra ,  J|  como  náo 
respõdia  ao  desafio,  &  Rumecão  d^sse  q  poio  aflo  terem 
cota,  porê  que  poys  asai  ^ria,  ^  aceytaea  o  desafio, 
sem  meter  outrê  cõsigo ,  &  assi  foj  logo  deputado  bo 
mar  pêra  ser  bo  campo  do  desafio,  &que  pelejaria  cada 
bfi  de  sua  fusta  em  que  estarião  sós*  Aceytado  ho  de^- 
safioh,  mandou  el  rey  dizer  ao  Gouernador,  que  lhe  auia 
de  faiar  de  hila  geneb ,.  no  baluarte  de  Diogo  lopez ,  & 
ele  esteuesse  no  már  em  hiia  galé ,  do  que  se  o  goucr^* 
Bador  rio  quando  bo  aoube ,  &  mandouibe  dizer  Q  lhe 
Bâo  queria  falar  da^la  maneyra :  &  sabddo  o  desafio  de 
IManuel  de  macedo  cA  Rumecao  folgou  muyto,  &  deo* 
lhe  licêça  pêra  ho  fazer,  &  mandouibe  esquipar  hfl  bar^ 
gantim  em  que  se  meteo ,  .&  foy  surgir  jfjto  da  iagta  , 
&  por  Rumecâo  tardar,  &  ao  gouernador  ibe  parecer  que 
nã  ousaria  de  sayr  com  medo  da  nossa  frota ,  mandou 
leuar  &  fezse  híí  pouco  ao  mar,  &  despois  disso  sayrâo 
do  porto  da  cidade  sete  ou  oyto  fustas  loldadas  íc  em^ 
bandejradas,  &  bila  diante  da^  outra  fcrão  demandar  bo 
bargantim  ondeslaua  Manuel  de  maoedo,  &  dando  to- 
das bua  volla  ao  derredor  deiè  se  reeolfaerão  ao  potlo 
donde  sayrâo,  &  nSo  tornou  mais  nhtla,  que  parece  que 
não  quis  eL  Rey  {^  Rumecâo  snysse  ao  desafio.  £  ven^ 
do  ho  gouernador  que  tardaua  aiuyto,.  fez  sinal  a  Mn* 
Buei  de  macedo  eom  hum  tiro  que  so  recolhesse :  &  re-* 
colhido  deyxouse  eelar,  fo  vfido  que  o  desafio  oâo  nuia 
efeyto,  &  que  ficaua  de  guerra  c0  Cambaya,  mandou 
b&a  armada  ao  ealreyto  de  tseaGaleotas  &  treze  fustas^ 


184  BA    HItTOmiA  BA    flIDIA 

&  por  capitão  mór  Vasco  pirez  de  8io  payo  que  ya  em 
hQa  daa  galeolas ,  &  naa  duas  dom  Pedro  de  meaeses  ^ 
&  dom  Manuel  de  lima ,  &  yriSo  na  armada  trezentos 
hom6s.  E  de  Dia  se  tornou  bo  gooemador  a  Chaul , 
donde  despachou  pêra  ho  estreyto  a  Diogo  da  silueyra 
por  capitSo  mór  de  hua  armada  de  cinco  galeões ,  cujos 
«capitães  a  fora  ele  forão,  António  de  sá,  dom  Gastão 
Coutinho,  Diegaluarez  telez,  &  António  de  lemos,  cona 
regimSto  que  tá  se  entregasse  da  armada  ^  leuara  Vas* 
CO  pirez  de  sSopayo ,  &  ^  na  entrada  do  verSo  se  lbs« 
se  á  põta  de  Diu  donde  faria  guerra  a  Cãbaya:  tfibS 
despachou  António  da  silua  de  meneses  pêra  Bfigala  a 
resgatar  Marti  afonso  de  melo  jusarte,  &  foy  por  capitã 
mór  de  noue  veias,  cÕ  l\  parlio  deCochi,  &  despois  se 
partio  o  gouernador  pêra  Goa  onde  auia  dinuernar:  & 
dali  despachou  a  dÕ  Esteuão  da  gama  pêra  Malaca  aser« 
uir  a  capitania  da  fortaleza,  porfi  era  sua  priraeyro  f^ 
de  dõ  Paulo  da  gama  seu  jrmSo ,  &  ele  se  foy  a  Gochi 
dõde  o  acabou  de  despachar  o  vedor  da  fazêda ,  &  par-r 
tiose  pêra  malaca  ê  Abril  de  M;  D.  xxxiiij.  E  depoia 
dele,  partio  o  vedor  da  fazèda  pêra  Ormuz  a  visitar  a 
fey  teria  &  saber  como  se  gastaua  a  fazêda  dei  rey  de 
Portugal ,  &  foy  ê  hQa  nao. 

CAPITVLO    LXXIIII. 

De  como  indo  dom  lorge  de  crasio  sobre  d  rey  de  Rey* 

xel ,  se  tomou  sem  fazer  nada. 

i.^  este  tempo  estaua  leuantado  cõtra  el  Rey  Dorrauz 
ha  seu  vassallo  {}  era  rey  de  hua  cidade  chamada  Rey* 
xel ,  na  costa  do  estreyto  da  Pérsia,  cfito  &  setSta  ie^ 
goas  Dormuz,  &  este  trazia  hOa  armada  de  doze  fustas 
por  a^le  estreito,  cò  Q  roubaua  as  nãos  que  nauegauã 
por  ele,  principalmente  pêra  Ormuz,  &  por  isto  ousa^ 
u3o  muy  poucas  de  nauegar,  no  ()  el  rey  l)ormuz  rece-» 
bia  grade  perda  dos  derey tos  da  alfandega ,  pelo  ^  sa 


LIVRO  tiii.  cAiPrrvLO  Lxxnii.  i«6 

aqueyxoo  a  António  da  silueyra  capitão  da  ft)rtaleza,  dí- 
têdo  t\  era  necessário  destruírse  a^la  armada,  por^  dou- 
tra maneyra  não  podia  pagar  as  páreas  ^  pagaua  a  el 
rey  de  Portugal.  È  sabido  isto  por  António  da  silueira 
assentou  com  dÕ  lorge  de  craslo  4  ^^^  capitão  ixiór  do 
oiár  Dormuz  que  fosse  com  sua  armada  aReyxeJ,  &re« 
querese  a  el  rey  Q  se  tornasse  á  obediência  dei  Rey 
Dormuz ,  &  recolhesse  a  armada  ^  se  não  i\  seria  neces* 
sario  acodír  a  isso  pois  el  Rey  Dormuz  era  vassalio  dei 
Rey  de  Portugal ,  &  coislo  se  partio  dõ  lorge  indo  em 
bua  galeota,  &  leuou  dous  bargands,  de  i)  erâ  capitães 
Ruy  gomez  casto,  &  loão  ribeyro,  &  bua  fusta,  capi- 
tão Nuno  vaz,  &  cinco  catures,  &  nestas  velas  forão 
duzentos  homês.  E  chegado  ao  cabo  de  Vadestâo,  c6to 
&  sessenta  legoas  Dormuz,- achou  o  tempo  tã  cÕtrayro, 
Q  lhe  foy  forçado  surgir  em  hiia  jlha  despouoada  pegada 
cõ  ho  mesmo  cabo,  onde  esteue  passante  de  vinte  diast 
&  plissado  este  tempo  que  teue  lugar  de  fazer  viagfi^ 
achouse  cõ  necessidade  dagoa  &  de  mãtimStos,  &  por 
nâ  auer  na  jlha  nhOa  destas  cousas,  as  foy  tomar  á  ter- 
ra firme,  &  estado  fazSdo  agoada  hfl  terço  de  mea  le- 
goa  donde  surgio ,  sayrSo  muy tos  mouros  ^  estauão  em 
ciladas,  &  derão  em  sua  gSte  tã  supilamente  Q  não  se 
poderão  valer  que  nã  fossS  tomados  pelos  mouros  oyto 
Portugueses  &  Irita  &  cinco  escrauos  Cristãos,  &  outros 
tãtos  remeyros  da  capitayna,  ^  não  leuaua  maís^  &  sa- 
bido isto  por  dô  lorge  Q  estaua  no  már  ficou  muy  agas- 
tado, por^  pola  perda  dos  romeiros  ([  Ibe  catiuarâ  nS 
podia  proseguir  sua  viagS,  &  poH)  não  auia  ondeosfoa*. 
se  tomar ,  propôs  2  còselho  se  tornaria  a  tomalos  a  Or-n 
muz  pois  sem  eles  nã  podia  fazer  cousa  <}  aproueytasse, 
&  auêdo  algiis  !\  lhe  cõselhauã  Q  tornasse  a  Ormuz  aefli 
passar  auãle ,  disse  híL  Frãcisco  de  gouuea  Q.  pois  se  a-» 
uia  de  tornar  ^  pêra  poder  dar  nouas  em  Ormuz  do  que 
ya  em  Reyxel,  &  das  fustas  lho  queria  yr  saber  em  fail 
catur,  &  dom  lorge  não  quis,  dizêdo  Q  se  lá  fosse  ani- 
sar se  yão  os  imigos  de  sua  yda,  o  4  ele  não  i)ria  b^jA 

LIVRO   VIII.  AA 


186  DA    HfSTOBU    DA    ÍNDIA 

iomalos  de  sapito ,  &  assi  se  lurnou  a  Ormus ,  &  quãdo 
António  da  sílueyra  soube  Q  a  fora  nH  fazer  nada  lhe 
acõtecera  a^le  desastre  &  por  sua  cuJpa,  ficou  muyto 
agastado  poJa  má  cota  em  ^  os  Portugueses  serião  lidos^ 
&  polo  seruiço  dei  rey  de  Portugal  Q  perecia  &  delermi* 
nou  de  tornar  a  mandar  a  mesma  armada  cõ  outro  ca- 
pitão mór,  pêra  í\  esçolheo  Frãcisco  de  gouuea,  de  {[ 
eonbecia  esforço  &  saber  pêra  acabar  aijle  feyto,  &  assi 
Ibo  disse  9  pedindolhe  muyto  que  o  fizesse  verdadeyro, 
&  eie  lho  prometeo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXV. 

Dê  conto  Francisco  de  gouuea  foy  por  ccantão  mor  da 

armada  côíra  cl  rey  de  jReyxet. 

jLÀ  ps^tiose  Dormuz  com  a  mesma  armada  Q  leuara  d5 
Jorge )  8t  foy  na  fusta  de  que  era  capitã  Nuno  vaz,  & 
sem  lhe  aeõtecer  cousa  Q  o  toruasse  de  sua  viagg  foy 
ter  ao  porto  de  Reyxel  ^  cidade  grade  cõ  húa  boa  forta» 
leaa  na  costa  Darabía  situada  S  bõ  sitio  de  casas  de  pe* 
Ara  &  cal^  &  abastada  de  mâtimSlos,  &  pouoada  de 
mouroiSii  Et  rey  sabSdo  ^  a  nossa  armada  estaua  no  por* 
to^  delefmirH)u  de  a  tomar  cÒ  quãlos  yâo  nela,  &  isto 
por  ègAnoy  pêra  o  §  mâdi)u  dizer  aFrlcisco  de  gouuea 
po?  ha  nrnnro  borrado  Q  sua  vinda  fosse  boa  ^  por^  foi* 
gaua  muyto  !|  os  Portugueses  fossem  a  seu  porto ,  pofo 
fltesejo  ^  tinha  de  ter  cceles  pazes  ^  &  se  as  eie  quises- 
se aeeylnr,  era  cfitenie  de  lhe  dar  as  fustas  ^  tinha  & 
es  eatiuos  que  tomarão  a  domiorge,  &  fazenda  dos  nos* 
SOS  que  os  seus  tiobao  tomada,  &  coeste  recado  lhe  man« 
dkoo  bd  presente  de  muyto  refresco.  E  por^  Francisco 
de  gotiuea  leuaua  em  regimento  Q  fisesse  paz  com  ei 
rey  dandoihe  ele  o  que  lhe  prometia ,  respondeo  I)  era 
eõtente  de  fazer  coele  paz.  se  fizesse  ho  que  dizia ,  & 
que  ate  então  lhe  não  auia  de  tomar  nada.  E  oouida 
esta  reposta  por  el  rey  ike  cometeo  que  se  vissem  ábor* 


LiTtO  TIfK  Cà^imiO  UtZV.  187 

da  dagot)  Ac  em  ordenar  como  aaia  de  ser  esta  vista  se 
pnsarilo  irem  dias ,  porque  el  rey  se  arrependia  de  yr 
falar  a  Francisco  de  gouuea  ^  porque  como  determinaua 
de  o  prender  pareceolhe  que  corria  perigo,  &  quando 
ouuesse  algum ,  Aelhor  ca^rki  ao  beuOoadI ,  &  por  is- 
so ho  mandou ,  escusandose  a  Francisco  de  gouuea  de 
náo  yr  oomo  lhe  mâdara  dizer.  £  paaeadoft  estes  diab^ 
mandou  el  rey  armar  hfta  tenda  muyto  rica  na  praya 
pegada  cÕ  ho  mar ,  pêra  se  ver  nela  ho  seu  Goazil  q6 
Frãciseo  de  gouuea,  queaa^o  em  terra  cdquárenUiPor* 
tugueses :  todoe  despingardas ,  &  de  <om  bâa  espada 
dãbas  as  mãos  nua ,  &  deyxou  os  nauios  cò  os  esporões 
em  terra,  &  a  arteiharía  ceuada^  porque  tinha  oospeita 
que  lhe  auiâo  os  mouros  de  ^rer  faeer  algiia  trey^já,  & 
assi  era ,  {}  el  rey  tinha  posto  hõa  cilada  de  trás  dum 
oyteiro  que  estaua  ki  perto,  em  ^  entrauâo  quatrocêtoa 
de  caoaío  &  grade  multidão  de  gSle  de  pé,  pera^ê  hó 
Goazil  lan<;Sdo  mão  de  Francisco  de  gouuea  acodissem 
eles  sobre  os  que  fossem  coele,  &  os  matassfi  a  todos  &» 
Uies  tomassem  a  armada :  &  pêra  isso  sayo  Gofe  frajulá 
(4  assi  se  cbamaua  o  Goazil)  cò  trezétos  homSs,  &veo4 
do  o  Prioisco  de  goouea  lhe  mSdou  dizer  ^  pêra  ^  em 
tanta  g6te  poys  ya  de  pas,  ^  ele  aâo  tiahaAaifidequa«« 
rèta  homCs  ()  trouuesse  ele  c8to ,  &  assi  o  fez  o  Goazil, 
&  mádou  apartar  os  outros :  &  entrado  na  têda  assBtou** 
se ,  &  disse  a  Frãcisco  de  gouuea  (J  se  assfitasse  ■&  ele 
nto  quis  pola  so^peita  i\  tif)ba,  &  è  quAto  falou  cÕ  a 
Goazil  sempre  passeou  od  a  espada  na  mâo  &  por  itooo 
Goazil  aS  ousou  de  cometer  ha  que  leitaoa  d^termina*^ 
do,  antes  estaua  temeroso  de  ver  ho  desassego  de 
Francisco  de  gouuea  ,  &  cuydaua  4  o  auia  de  ma(ar  t 
&  ho  concerto  da  paz  fby  o  q^ie  el  rey  mandou  dizer  a 
Francisco  de  gouuea  ^  que  todo  foy  escrito  per  dous  ee^- 
crioftes,  hum  Poriiigueí^,  &  outro  mouro,  &  assinada 
por  Francisco  de  gouuea  &  polo  Goazil  -què  se  tornoa 
pêra  a  cidade  desp^is  disto  acfaibado,  ft  disse  qtie  ao  <m^ 
tro  ctía  se  compriria  ho  concerto.  B  quamk>  el  Bey  vio 

AA  2 


188  DA    H^ISTORIA    DA   fNDiA 

boGoazil  sem  Francisco  de  gouuea,  ouue  tamanha  me« 
nencoria  que  ho  quisera  mandar  malar^  &  não  o  iez  por 
conselho  dos  seua^  mas  tiroulhe  ho  officio. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXVI. 

Do  que  fez  Francisco  de  gouuea  despoys  q  vio  qm  el  rey 

de  Reyxel  não  queria  pass^ 

y  endo  el  rej  que  não  poderá  auer  Frãcisco  de  gouuea 
eomo  quisera,  determinou  de  se  declarar  coele  por  iiui- 
go,  &  mandou  muytos  espingardeyros  &  frecbeyros  a 
goardar  bus  poços  em  que  Frâcisco  de  gouuea  quisera 
fazer  agoada ,  ho  que  nâo  pode  por  lho  os  mouros  de* 
fenderem.  £  como  erâo  muytos  em  demasia ,  &  os  nos- 
sos poucos,  íizerâo  nos  recolher  pêra  os  nauios  com  muy«- 
to  trabalho ,  &  ajudoulhes  muyto  a  sua  artelharia  que 
fez  algii  dano  nos  imigos  de  mortos  &  de  feridos,  &eje» 
matarão  hum  marinheyro  Português.  E  como  a  nossa 
artelharia  pode  jugar  aíastarâose  os  imigos,  &  os  nossos 
teuerâo  lugar  de  se  embarcar,  &  pola  necessidade  que 
tinfaão  dagoa  foy  forçado  a  Fraficisco  de  gouuea  (ante» 
doutra  cousa)  de  a  yr  tomar  a  bua  jiha  chamada  Carre- 
ga sete  legoas  de  Keyxet ,  &  indo  pêra  lá  ouue  vista 
das  fustas  de  Reyxel,  &  posto  que  erâo  o  dobro  da  sua 
armada,  determinou  de  pelejar  coelas,  &  a^si  ho  disse 
aos  outros  capitães,  &  arribou  logo  pêra  os  imigos,  que 
vendo  a  nossa  armada,  pareòe  que  ouuerão  tamanho- 
Biedo  que  arribarão  pêra  terra,  &  forãose  meter  em  hii 
rio  duas  legoas  de  Reyxel ,  &  duas  ficara  de  fora  por 
não  poderem^  mays.  £  vendo  Frâcisco  de  gouuea  que 
se  acolhia,  por  a»  akã^ar  maia  asinha  se  mudou  a  htb 
dos  eatures  &  por  remar  rijo  alcâiçou  hfla  das  duas  fustas 
que  ficarão  de  ibra ,  &  aferrou  logo  bua  delas ,  &  msto 
lhe  matou  três  bomSs  de  vinte  que  andauâo  nela  todoa 
espiffgardeyros ,  &  os  outros  se  lanhara  ao  mar  que  oa 
Portugueses  :totiuarão  todos  &  tomarão  a  fusta,  &  a  ou* 


LIVRO   TUI.    CAPITVLO   LZXVI.  169 

tra  varou  em  terra  &  saluouse  a  gente ,  &  a  fusta ,  que 
ficou  em  poder  de  Francisco  de  gouuea  aehouse  carre* 
gada  de  crauo ,  gingibre ,  &  canela ,  &  assi  andauãe  as 
outras  nãos  que  tomarão  que  yão  Dormuz  pêra  Báco- 
ra, Tomada  esta  fusta ,  &  vendo  Francisco  de  gouuea 
que  não  podia  pelejar  cõ  as  outras  por  estarem  metidas 
no  rio  foyse  fazer  agoada  a  Carrega,  ondestaua  hiia  po* 
uoaijão  com  bua  mezquita,  &  aqui  eslauão  obra  de  ses- 
senta mouros  da  armada  dos  imigos ,  que  ficauão  espe- 
rado em  quãlo  os  outros  leuauão  a  Reyxel  as  presas  que 
fizerão,  &  estes  como  virão  a  nossa  armada  no  porto  em 
quanto  se  fazia  agoada  acolherãose  a  hum  cabeço  ai  te 
Õdesleuera  hOa  fortaleza,  determinando  de.  se  defender, 
&  mandarão  recado  aRejxel  de  como  ficauão,  &  os  mo- 
radores do  lugar  se  .acolherão  por  outra  parte  a  bfias  la- 
pas ^  estauão  ao  longo  do  mar ,  de  que  os  Portugueses 
matarão  amayor  parte»  Despoys  defeyta  agoada  &quey- 
mado  bo  lugar,  em  que  foy  queymado  bíía  mezquita 
que  os  mouros  tinhâo  por  cousa  santa,  &  a  que  yao  em 
romaria  de  muytas  partes,  mandou  Francisco  de  gou- 
uea ,  dizer  aos  mouros  que  estauão  no  cabeço  que  os  a- 
uia  de  matar  se  em  três  oras  não  se  Ibes  fossem  entre- 
gar pêra  fazer  deles  bo  Q  quiaesse,  Sc  eles  o  fizerão  com 
medo,  mandandolhe  primeyro  as  armas,  &  por  eles  ou* 
ue  despoys  Frãcisco  de  gouuea  os  Portugueses  que  ca- 
tiuarão  a  dÕ  lorge  de  crasto,  com  condição  quesegoar- 
dasse  a  paz  Q  assentara  com  Goje  frujala,  do  J|  el  Rey 
foy  contente,  vendo  quam  pouco  ganbaua  em  ter  guer- 
ra com  os  Portugueses»  £  isto  feyto,  Franoiseo  de  gou- 
uea foy  correndo  aquele  e&treyto  até  a  jiba  de  Babarem 
donde  escreueo  a  eí  rey  de  Baçora  o  que  íizera,  &  man- 
doulbe  a  especiaria  ^  tomara  aos  mouros,  &  isto  por 
ser  amigo  dos  Portugueses.  £  sabendo  el  rey  que  aque- 
le estreito  estaua  seguro,  mandou  bua  nao  carregada 
de  mantimentos  a  Francisco  de  gouuea  com  muytos  a- 
gardecimentos  da  especiaria  que  Ibe  mandara.  £  dey- 
xando  Francisco  de  gouuea  seguro  este  estreyto  se  foy 


190  PA   HliTCmiA   DA   INOIA 

inuernftr  a  Ormuz,  cujo  rey  faleeeo  »esté  (fif>o:  9l  Arn^ 
toDio  da  silueyra  &  Diogo*  da  tilueyfa  leuaDlarão  povray 
hum  seu  filho  dydade  doyto  annoa,  que  despois  foy  waot* 
to  com  peçonha,  que  lhe  mSdou  dar  Rayxateque  iQ  ed-» 
Uua  degradado  na  Iftdiã ,  &  por  ser  6eu  tio  aueedeo  jki 
reyno,  &  foy  muylo  amigo  doa  Portogueses,  &  fes  muy*^ 
tos  serui^^  a  ei  Rey  de  Portugal. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXVH. 

Do  que  fez  Anionio  dã  sUua  de  Meneses  eun  Bengala^ 

JL  artido  António  da  silua  pêra  Bengala  chegou  cd  to^ 
da  sua  armada  ao  porto  de  Cbatigão ,  &  porque  leuauâ 
por  regimento  que  não  fizesse  guerra  nem  paz  em  fien-» 
gala  sem  hd  parecer  deMartim  afonso  de  melo  jusarte^ 
ieue  maneyra  como  lhe  mandou  hQa  carta  em  que  lho 
eioreuia  o  regimento  do  gouernador,  por  isso  que  lhe 
respondesse  ho  que  faria,  &  auido  conselho  com  os  Por-» 
tugueses  que  todos  estauão  ja  na  cadea  dei  rey  assenta^ 
rã  que  deuia  fazer  paz ,  porque  por  guerra  não  se  po* 
diáo  liurar,  &  só  Nuno  fernandez  freyre  foy  de  pareoetf 
contrayro,  dizõdo,  que  se  deuia  de  fazer  guerra  a  el 
rey  de  Bengala  pêra  que  soubesse  ho  que  podião  os  Pom 
tugueses,  por(|  com  quatro  nauios  Q  se  possessem  nas 
barras  de  Cbatigão  &  de  Satigão  defenderia  que  Beas 
saysse  destes  portos  nem  entrasíe  neles  nenhum  nauio, 
no  que  el  Rey  de  Bengala  receberia  perda  grandíssima, 
por  não  ter  em  seu  reyno  outros ,  &  aqueles  renderem 
tnuyto ,  &  nem  por  amor  da  guerra  os  auia  el  Rey  de 
BengaFa  de  matar  por  amor  dos  Patanes  que  lhe  come-i 
4pauâo  de  fazer  guerra ,  pêra  qne  auia  de  ter  deles  tie-> 
cessidade.  B  como  Nono  fernandez  era  só  deste  pare« 
eer,  áétéAtou  Martim  afonso  no  outro,  &  assi  ho  escre-* 
ueo  a  Aiitonio  da  bilua,  f\  mandou  por  Sbaikador  a  el 
rey  de  Bêgala  hfi  lorge  alcoforado,  &  a  sustancia  de 
sua  êbaixada  foy ,  \  com  quãto  o  gonernador  tinha  reza 


LIVBO   TUI.   C1PI7TLO   LSXTIl.  19i 

destar  agrauado  dele ,  &  de  lhe  fazer  guerra ,  por  lhe 
)M:8der  ho  capitão  ÀPortugueses^  Diãdaaa  a  sua  terra, 
iiã  se  2}ria  Ifibrar  dagrauos,  se  nfi  ser  seu  amigo,  &ser- 
uilo  no  que  podesse ,  porque  asai  lho  mandaua  el  Rey 
seu  senhor,  de  cuja  parle  &  da  sua  lhe  rogaua  que  sol- 
tasse 06  Portugueses ,  po^rs  não  tinhão  fejto  por  onde 
merecessem  ser  presos.  £  dada  esta  embaixada  a  ei  rey 
ouue  conselho  sobre  ho  que  faria»  £  Agehabedelá  lhe 
disse  j)  não  fizesse  paz  com  ho  gouernador  aeiD  lhe  des» 
se  08  Portugueses  por  menos  de  quorenta  &  cinco  mil 
pardaoe ,  porque  dandolhos  de  graça  pareceria  que  ho 
fazia  oÕ  medo,  &  Alfacão  lhe  disse  que  lhe  compria 
muyto  fazer  paz  com  ho  gouernador,  porque  ho  seu  rey- 
no,  era  como  hum  homS  Q  tiuha  deus  olhos,  &  estes 
erã  Cbatigão  &  Satigão»  dous  portos  de  mar  que  lhe  ho 
gouernador  podia  cegar  com  suas  armadas ,  &  por  isso 
deuia  de  fazer  paz  &  darlhe  os  catiuos  sem  dinheyro, 
poys  forão  presos  sem  rezão ,  porque  leuando  por  eles 
dinheyro  claro  estaua  que  os  Portugueses  se  auião  den^ 
tregar  em  sua  fazenda ,  ou  na  de  seus  vasallos.  £  com 
quanto  isto  pareceo  bem  a  el  rej  &  outros  forSo  dele , 
era  tam  afeyçoado  a  Agehabedalá  que  tomou  o  seu ,  ãc 
respondeo  a  lorge  alcoforado  que  era  contente  de  fazer 
paz  com  o  gouernador,  mas  que  lhe  auia  de  dar  quoren* 
ta  &  oinco  mil  pardaos  por  BAartim  afonso  &  poios  ou* 
tros ,  porque  os  não  auia  de  dar  por  menos ,  &  despoja 
tornou  a  dizer  que  os  nã  queria  resgatar ,  &  isto  por 
conselho  de  Agehabedalá.  £  lorge  alcoforado  se  foy 
cuesta  reposta  dei  rey,  que  drsse  a  JM  ar  ti  m  afonso  &aos 
outros,  que  ficarão  m4»jto  tristes,  parecendoihes  que 
poys  os  el  rey  não  queria  resgatar  que  nunca  sayrião 
dali,  &  fizexão  grãik  pranto  com  lorge  aicoforade  quan- 
do se  despedío  deles,  &  ele  leoeu  esta  reposta  a  Antó- 
nio da  silua,  ^.  indinado  cÕtra  eirey  determinou  de  se 
vingar  em  seus  vassallos,  &  hum  dia  ante  menhaã  deu 
com  sua  gente  emChatigão  &  pos  lhe  ho  foço^  com  que 
queymou  mujta  parte  dela,  &  matou  &  catiuou  miiyta 


192  BA    HISTORIA    DA    ÍNDIA 

gente :  &  dali  se  (ój  a  buas  jlbas  onde  morauâo  itiuylos 
Bengalas  degradados,  &  destruyolhe  as  pouoaqSes,  & 
matou  os  mais  deles:  &  feyta  muyto  grande  deslruyção 
se  foj  pêra  a  índia,  &  com  menencoria  disto  mandou 
ei  Rey  prender  os  Portugueses  de  dous  em  dous,  que 
andauam  ja  soltos,  &  os  que  lhe  aconselhauam  que  fi- 
zesse paz  com  ho  gouernador  &  que  lhe  desse  os  catiuos 
sem  resgate,  lhe  disserSo  entáo  que  bem  via  quanto 
melhor  conselho  era  ho  seu  que  ho  de  Agehabedalá,  & 
poys  aquele  capitão  dos  Portugueses  sem  mandado  do 
gouernador  lhe  Gzera  tanto  dano ,  que  faria  outro  que 
K>8se  dirigido  pêra  lho  fazer.  E  el  Rey  conhecendo  a 
verdade  mandou  cortar  a  cabeça  a  Agehabedalá,  por- 
que ho  não  conselhara  bem  fiandose  dele,  &  não  lhe  va- 
leo  sua  priuança,  &  por  nâo  parecer  que  sollaua  os  Por- 
tugueses com  medo  os  não  soltou  logo:  E  dali  a  algus 
dias  por  parecer  que  os  soltaua  por  amizade  mandou  le- 
uar  ante  sy  a  Martim  afonso  solto,  &  mostrou  lhe  hiia 
■carta  de  marear  sobre  ^  praticou  coele  hum  pedaço,  & 
despoys  ho  roâdou  tornar  á  cadea ,  &  de  dias  em  dias 
ho  mandaua  leuar  antesy^  buscando  sempre  cousas  pê- 
ra praticar  coele :  &  neate  tempo  mâdou  4  "^^  tirassS  os 
ferros,  &  aos  outros,  de  que  mandou  tirar  da  cadea 
Nuno  fernandez  freyre  por  saber  tanger  viola,  &  a  hum 
loão  adão  que  tangia  hds  órgãos  ^  lhe  Martim  afonso 
mandara  de  Ghatigã,  &  a  ha  André  gonçaluez  pêra  lhe 
cantar,  porque  era  muyto  inclinado  a  musica,  &  tinha 
muytos  músicos  ao  seu  modo,  &  hum  mestre  da  musica 
que  tinha  treze  mil  pardaos  de  rSda  com  aquele  of&cio, 
&  a  este  entregou  Nuno  fernandez,  lohão  adão,  &  An- 
dré gonçaluez,  &  dali  por  diante  teuerão  todos  melhor 
vida,  &  fazialhes  el  rey  mercê,  &  não  tinhão  outra  má 
vida  se  não  estarem  ali  sem  poderem  sayr  quãdo  que- 
rião. 


LIVRO   TUI.    CAPITVLO    LXXVIII.  193 

CAPITVLO     LXXVHI. 

De  como  húa  armada  dd  rey  Dugentana  foy  correr  a 
Malaca ,  ^  de  como  foy  morto  dom  Paulo  da  gama 
^  outros. 


D, 


om  fisteuão  da  gama  que  ya  pêra  Malaca  chegou  lá 
em  Mayo^  '&  iogo  lhe  dom  Paulo  seu  jrmfto  entregou  a 
capitania,  &  ficando  ele  por  capitão,  daly  a  oyto  dias 
teue   noua  ^ue  estaua  no  rio  de  Muar  fa&a  armada  dei 
Rey  Dugentana,  &  pêra  saber  a  verdade  disso  &  quan- 
tas velas  erão ,  mSdou  lá  Simão  sodré ,  &  Frãeisco  de 
barros  de  payua  que  leuarâo  cinco  mafichuas.  £  chega- 
dos acharão  a  armada  fora  do  rio  posta  ao  longo  de  ter- 
ra,  &  erão  doze  calaluzes  de  laos ,  de  que  era  capitão 
mór  hum  mouro  chamado Habrabem^  &  cinco  lancharas 
dei  rey  DugStana ,  &  todas  com  muyta  gente  &  arte«^ 
Uiaria,  ho  ^  Simão  sodrè,  &  Francisco  d^  barros  pode-> 
rão  bem  ver  por  se  cbegarê  muyto,  em  tãto  queosjmi- 
gos  cuydando  que  querião  pelejar  se  leuarão,  &  forão 
pareles,  &  eles  como  não  yão  pêra  pelejar  fizerão  volta 
pêra  Malaca  a  dar  rezão  do  que  virão ,  &  os  mouros  os* 
yão  seguindo  quanto  podião,  &  em  anoytecendo  lheco«. 
meçarão  de  tirar  com  a  artelharia.  E  sendo  duas  iegoas. 
de  Malaca,  passadas  duas  oras  da  noyte,  virão  com  ho 
luar  que  fazia  muy  claro  muitas  manchuas,  &  em  cada 
hiia  dous  três  Portugueses ,  &  deles  souberão  que  sobre» 
a  tarde  despoie  de  sua  partida ,  se  vira  em  Malaca  con-* 
traMuar,  hiias  nuuens  delgadas  como  fumo,  &  pormuy« 
tos  afirmarem  que  era  fumo,  &  dartelharia,  o  disseráo* 
a  dom  Esteuão,  &  que  seria  bom  mandar  socorrer  aos' 
Portugueses  que  laa  erão,  &  assi  lho  conselhou  hii  Al- 
uaro  botelho  bom  caualeyro  &  muyto  antigo  em  Mala- 
ca :   &  com   quanto  dd  Esteuão  não  quisera  mandar  ho 
soccorro  disselbe  dõ  Paulo  que  o  mandasse  &  <}  ele  yria,. 
&  d3  Esteuão  se  escusaua  dizêdo,  Q  a  armada  estau* 

JLIVRO.VIII.  BB 


194  BA    HISTORIA    X>A   flVDIA 

aioda  varada  &  qiíe  nSo  auia  em  que  yr  ho  socorro:  & 
com   tudo  dom  Paulo  nft  quis  se  não  yr  muyto  contra 
võlade  de  dom  Esteuão,  &  embarcouse  em  hfl  paraò  de 
carrega  de  hua  nao  de  Cambaya,  &  Manuel  da  gama 
em  outro  &  com  cada  hum  vinte  bomSs  fidalgos  &  ca- 
uaieyros :  &  outros  quarenta  bornes  se  enibarcarAo  em 
roanchuas   tam   pequenas  que  não  cabião  em  cada  bila 
mays  ^  dous  três ,  &  coro  tam  róis  embarcações  Iby  so- 
correr quem  não  tinha  necessidade  de  socorro,  &  che- 
gou a  eles  ás  oras  que  digo»  £  sabendo  eles  quam  mal 
aparelhado  vinha  dom  Paulo  pêra  pelejar  com  osimigos, 
por  hum  nauio  dos  seus  abastar  só  pêra  peJejar  coui  to* 
da  a  sua  armada  foy  Simão  sodré  dÍ2er  a  dd  Paulo  Q  fK>r 
esta  rezão  se  deoia  de  tornar,  &  não  pelejar  com  oe  i- 
mígos  de  cuja  armada  lhe  deu  relação ,  pdo  que  a  dom 
Paulo  lhe  pareceo  bem  seu  conselho,  &  fez  volta,  &  os 
imtgos  não  deyxarão  de  lhe  dar  caça  quádo  virão  que 
armada  trazião,  tirandolhe  muitas  bombardadas,  o  que 
os  Portugueses  não  podiào  fazer  por  não  terem  arlelfai^ 
ria.  E  vendo  eles  que  os  tmigos  os  aicançauão,  &quani 
mal  auiados  yão  pêra  pelejar  coeles,  conseifaarão  a  dom 
Pauto  que  ou  se  passasse  a  hâa  manchua  &  recolhesse 
as  outras  &  se  fosse  que  o  poderia  fazer  por  serem  le* 
geyras ,  ou  varasse  em  terra ,  porque  onde  ele  ensecas* 
se  nã  auiâo  os  nauios  dos  jmigos  de  nadar,  &  deste  mo* 
éo  se  saiu  a  ri  a  ate  ser  socorrido  de  Malaca.  Edom  Pau-* 
fa>  parecêdolhe  isto  fraqueza  não  quis  se  nl  pelejar ,  Sc 
cA  animo  muy  esforçado  virou  a  abalrroar  cô  h&a  Íaut 
ebara  ()  achou  roais  perto,  &  Manuel  da  gama  fez  ho 
meamo,  &  em  aferrando  forão  todos  os  seus  encrauados 
dazao^ayas,  freebas^  &  páos  tostados,  &  com  tudo  ele 
entrou  na  lanchara  que  aferrou  a  pos  hum  seu  ayo  cha- 
mado lorge  fernãdez  borges  y  que  foy  o  primeyro  que 
entrou,  &  com  quanto  a  dom  Paulo  lhe  atreuessuu  bia 
azagaya  a  mão  dereyta,  ele  &  lorge  fernandez  peleja-* 
rão  tam  vatentemfiíe  que  logo  em  entrando  leuarào  oe 
mouros  ate  a  popa  da  lanchara,  &  nisto  entrarão  Anto^ 


LIVRO  TUI.   CAPITVLO   LXXVITI.  196 

nio  pereira  que  foy  alejado  do  braço  dereylo,  Vasco  da 
cunha,  dom  Francisco  de  iima,  que  forSo  feridos  nas 
cabeças ,  &  Gonçalo  bayflo ,  &  assi  outros ,  &  peiejauão 
com  grSde  braueza  porque  os  jmigos  er9o  muytos,  & 
ouiro  tanto  faziaManuel  da  gama  com  os  seps.  E  tendo 
dom  Paulo  rendida  a  lanchara  ondeslaua  quisera  passar 
auante  mas  não  pode ,  porj)  em  aferrando  a  lanchara  se 
lançará  os  seus  remeyros  ao  mar,  &  fugira  &  estado  as- 
si cõ  a  lâchara  rCdida,  acodio  outra  i)  trazia  muytomays 
g6te ,  &  entrou  de  roldão  ondestaua  dom  Paulo  &  foráo 
tantos  os  que  carregarão  sobre  ho  Bayleu  que  quebrou 
coelesy  &  como  erão  muytos,  &  os  Portugueses  estauão 
ja  feridos,  &  doutras  lancharas  lhe  tirauão  muytos  ar* 
remessos,  por  mays  esforçadamente  que  pelejarão  não 
se  poderão  defender,  &  foy  morto  lorge  fernandez  bor- 
ges  &  dom  Paulo  cayo  desmayado  do  muyto  sangue  ^ 
se  lhe  ya  das  mortaeys  feridas  que  tinha,  &  Gonçalo 
bayã  estando  muyto  ferido  posto  no  bordo  da  lanchar* 
foy  derribado  no  mar,  &  assi  cayrfio  outros  muytos  com 
a  grande  multidão  darremessos  que  os  imigos  arremes- 
sauão,  &achar8ose  seys  paos  tostados  jdtos  com  que  ti- 
rauão. E  tambè  foy  desbaratado  Manuel  da  gama,  pos* 
to  que  a{}le  dia  fez  marauilhas  cÒ  os  seus  &  assi  os  ou-« 
tros  Portugueses ,  porem  aproueytou  pouco  porque  os  i- 
niigos  por  serem  em  demasia  muytos  os  afogauão&com 
tudo  também  receberão  perda ,  que  morreria  bem  -quo* 
renta  a  fora  muytos  feridos ,  &  por  isso  ee  contentarão^ 
com  escaparem,  &  se  forão  leuando  dom  Paulo  quasi 
morto  na  lãcbara  sem  saber  Q  o  leuauã,  nem  a  lorge» 
fernandea  seu  ayo,  &  soubesse  Q  ainda  dom  PauJo» 
viuera  ate  ao  outro  dia  a  véspera ,  &  se  ele  não  cayra* 
Bunca  ho  mal  doa  Portugueses  fpra  tanto.  E  acolhidor 
oe  imigos  ajunfarãose  todos  os  nossos  capitães,  &«chan- 
do  menos  dom  Paulo  ficarão  muyto  tristes  por  ser  muy-* 
to  amado  de  todos,  por  soas  muitas  virtodf^s,  &  por  ser 
muyto  esforçado.  É  a  fora  ele  acharão  que  morrera  loSo 
Fodiigues  de  sousa,  sobriabo  de  gareia  de  sá,  lorge  fer-^ 

BB  2 


19C  DA   HISTORIA    BA    ÍNDIA 

pandez  borges,  António  defarão,  Pêro  q4jeyniado,  Goa« 
çalo  bayâo,  &  dou»  bom  barde jros  ^  &  forão  feridos  Ma- 
nuel da  gama^  dõ  Francisco  de  lima,  Vasco  da  cunha, 
António  pereyra,  Francisco  bocarro,  Fernão  gomez, 
&  outros  que  fazião  numero  de  trinta ,  &  coesta  perda 
se  tornarão  a  Malaca,  &  contarão  a  domEsteuSo  ho  que 
Ihea  acontecera^ 

C  A  P  I  T  V  L  O  LXXIX. 

JDe  como  Francisco  de  barros  de  payua  foy  buscar  man-' 
timentos  a  Patane  y  ^  do  que  lhe  aconteceo^ 

i^entindo  muyto  dom  Esteu^ão  a  morte  de  seu  jrmâo, 
determinou  de  yr  sobre  el  Rey  Dogentana  &  destruylo,. 
por  vingan^^a  daquela  morte ,  pêra  bo  que  se  começou 
daperceber.  £  por^  ê  Malaca  auia  grade  falta  de  mãt4« 
mSios,  mâdou  }K)r  eles  no  lulbo  segulte  a  Pão,  cujo  rey 
estaua  de  paz ,  &  foy  Simã  sodré  ê  hOa  nao  de  duzen- 
tos toneis ,  &  ao  mesmo  mâdou  Francisco  de  barros  da 
payua  a  Patane  cõ  qiie  também  tinha  paz,  &  estando 
íá  foy  ter  com  Simão  sodré  bíia  armada  dei  rey  Dugen^ 
tana  de  trinía  &  cinco  lancharas  y  de  que  ya  por  capi-^ 
tão  mor  Tuão  mafamede ,  que  fugira  de  Malaca  poia 
morte  de  Sanaya  de  raja.  E  por  Tuão  mafamede  não  se 
atreuer  a  pelejar  com  Simão  sodré  foy  em  busca  deFr^m^ 
cisco  de  barros  que  sabia  que  tinha  hum  nauio  peque* 
âo,  &  não  teria  r^le  mays  q^ie  ate  vinte  Portugueses,. 
&  nS  por  isso  se  deyxou  ele  de  defender  dos  imigoscom 
muito  esforço,  Sl  eles  o  cometerão  com  grandes  grita» 
pêra  ho  aferrarem,  mas  nunca  poderão,  por(}  os  Portu-^ 
gueses  os  nào  deyxivrâa  cÕ  muytas  panelas  de  poluora# 
cfue  lhe  arremessauão  &  cõ  muyla  soma  despingardada^» 
4  lhe  tirauão.  E  despois  de  lha  matarem  três  bomSs^  & 
ferirS  os  outros  todos ,  vendo  ^  o  nã  podia  aferrar  se 
afastara  bum  pouco,  ho  que  vendo  os  Portugueses  co-- 
mo  estauão  muylo  cansad#s  Sc  feridos^.  ^  ja  nào  podião; 


LIVRO  VIU»   CIPITVLO   hXXX.  197 

^H>Dsigo,  requererão  a  Francisco  de  barros-  que  poys  uâo 
podião  mais  fazer  que  se  acolhessem  a  terra  ^  &  saluar 
se  yão  y  &  despoys  viriíi  lempo  em  que  se  vingaria ,  & 
ele  nâo  quis  parecendolhe  que  era  quebra  de  sua  honr* 
ra :  dizSdo  que  melhor  era  a  morte  com  bonrra ,  que  a 
vida  deshonrrada,  &  mays  que  temia  que  vendo  os  Pa* 
lanes  como  yão  desbaratados  que  se  ieuautassem  con<^ 
Ireles  &  os  matassem^  posto  que  estauão  de  paz.  £  veia- 
do a  gente  que  nã  se  queria  yr,  não  qniserâo  mays  es* 
perar  y  &  lan<^rãose  ao  batel  do  nauio  &  forãose  a  ter* 
ra,  somente  dous,  bum. chamado  loão  freire,  &  outro 
Bastião  nunez  &  estes  dous  persuadirão  a  Francisco  de 
barros  que  se  fosse,  &  primeyro  deylou  a  mais  da  ar- 
telharia  que  pode  no  mar  porque  nâo  licasse  aos  imigos, 
&  por  essa  causa  pos  fogo  ao  nauio ,  &  á  poluora  que 
estaua  nele,  &  despoys  se  foy  pêra  terra  sS  ser  vislo 
dos  imigos ,  &  em  terra  recolheo  os  Portugueses  &  foy 
se  pêra  a  cidade  onde  foy  bem  recebido,  &  hi  ficou  hum 
anno  por  aão  ter  embareação  pêra  se  jr,  &  despoys 
mandou  dom  Esleuão  por  ele.  £  sintindo  os  imigos  que 
bo  nauio  estaua  despejado  entrarão  nele ,  &  apagarão  o 
fogo  8&  tomarãno  meo  queymado :  &  vendo  que  nâo  po-< 
diâo  auer  ^  gente  dele  forào  se,  &  Simão  sodré  que  foy 
a  Pão  fez  carregar  certos  jungos  de  mantimêtos,  &  foy 
lie  coeles  a  Malaca*. 

C  A  P  I  T  V  LO    LXXX, 

JDe  como  Diogo  da  silueyra  chegou  a  ponta  de  Dm  ^ 

.    à^  que  kijez» 

JL  assado  ho  inuerno  {)  Diogo  da  sifoeira  teoe  em  Or«- 
nuz,  partiose  pêra  Alazcate  onde  tinha  os  galeões  y  Sc 
dali  na  fim  Dagosto  com  tuda  a  armada  pêra  a  ponta  de 
Diu,  onde  esperou  a»  nãos  que  fosbè  daeatreito,  de  que 
fez  dar  á  costa  algtkas  <|  lhe  fugirão,  &»  as  nâo  pode  U>* 
mac.  £.  vendo  que  na.í^zia  aU  narda  fd>  surgir  na  barra 


19t  lU   HlfTORIA   DÁ    INOIA 

de  Diu  onde  as  fustaa  se  lhe  mostrarão ,  mas  nâo  ousa» 
rão  de  pelejar  coele :  &  aquy  seube  que  ainda  estaua 
em  Diu  por  capit&o  Melique  iocSo^  &  não  deyxára  el 
rey  de  Cábaya  Rumeclo  como  estaiia  delermiDado^  por 
naquela  conjunção  Ibe  ser  noti6cado  que  el  rey  dos  Mo* 
gores  (hum  rey  muylo  poderoso)  lhe  fazia  guerra  pêra 
que  el  rey  de  Cambaya  tinha  necessidade  de  Rumeeáo. 
£  despoys  que  Diogo  da  silueyra  isto  soube,  tomou  hâa 
nao  de  presa  que  foy  ter  coele  ^  &  tomada  se  fez  à  ve^ 
Ia ,  &  foyae  pêra  Goa  com  recado  do  gouernador  que 
lhe  mandou  dizer  que  se  fosse. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXXI. 

De  coma  chegou  á  índia  Marfim,  afamo  de  smaa. 

J\  este  tempo  chegou  a  armada  de  Portugal ,  de  que 
foy  por  capitão  mor  Marti  afonso  de  sousa,  a  quê  pot 
seus  seruii^QS  el  rey  fex  mercê  da  capitania  mór  do  mas 
da  índia :  &  a  armada  ^  leuou  de  Portugal  foy  de  cin* 
00  nãos  grossas  cõ  a  sua,  de  {{  fora  capitães  ele,  Diogo 
lopez  de  sousa,  Tristão  gomez  da  graã,  Simão  guedea 
de  sousa,  ^  leuaua  a  capitania  de  Chaul ,  Anionio  de 
brito  9  que  leuaua  a  de  Goch!.  E  chegado  a  Goa  a  sal* 
uamêto ,  mostrou  Mart!  afonso  sua  prouisl  ao  goueroa** 
dor  ^  hi  estaua ,  pelo  que  o  roeteo  de  posse  da  capita- 
nia mór  do  mar,  &  lhe  mandou  que  se  fosse  a  Câbaya 
pêra  tomar  a  vila  de  Damão ,  S&  lhe  fazer  a  mays  guer- 
ra qoe  ppdesse ,  &  que  em  Cambaya  se  entregaria  da 
armada  que  trazia  Diogo  da  silueyra.  E  despachado  Mar* 
tim  afonso,  partiose  peraChaul,  &  forão  coele  estes  ea» 
pttães  de  galès  &  Galeolas^  Fernão  de  sousa  de  taeora^ 
Manuel  de  souaa  de  sepulueda,>Martim  correa,  dom 
Diogo  dalmeyda,  lofto  de  sousa  lobo,  &  Francisco  de 
sá,  &  outros^  &assi  kfi  loão  de  sonsa  dalcunha  Rates 
em  hua  carauda:  &  chegado  a  Chaul  achou  hy  Diogtf 
da  silueyva  que  (be  eatregou  a  armada  de  Vasco  Pire» 


LIVRO  VIII*   CA7ITVLO  X.XXXII.  199 

dic  tâo  payo  ^  f|  era  de  Ires  galeotas ,  &  dezaseys  fus- 
tas,  &  assí  quatro  galedes ,  &  Diogo  da  eiloeyra  seguio 
sua  rota  pêra  Goa  pêra  «e  yr  pêra  Purtugal.^ 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXXn. 

De  como  Marúm  ufanso  de  sousa  tfmwu  a  v^de DaméOí 

Jlintregue  Marlim  afoDSo  de  sousa  da  armada ,  partio^ 
se  pêra  a  vila  de  Damão  ^  &  leuaua  triota  &  cinco  ve* 
1m  y  em  que  yrião  seyscentos  soldados ,  &  coesta  frota 
chegou  a  Damão,  bum  lugar  do  reyno  de  Cambaya,  si- 
tuado na  ponta  da  sua  enseada  da  banda  do  sul  por  hA 
rio  acima  ode  ei  rey  de  Câbaya  tinha  biia  fortaleza  for-** 
te  &  bem  artilhada ,  quadrada ,  &  em  cada  quadra  hil 
baluarte,  &  tinha  bfla  sô  porta.  E  sabCdo  ho  capitão 
dela,  que  era  Turco,  a  yda  de  Martim  afonso  queyrooo 
ho  lugar ,  &  deslruyo  tudo  ao  derredor ,  &  recolheo  a 
gente  na  fortaleza ,  em  que  tinha  quinhentos  soldados , 
es  mays  deles  Rezbutos,  que  sam  os  gentios  que  erão 
senhores  de  Cambaya,  antes  ()  a  os  mouros  ganhassem, 
te  por  serB  homfis  esfor9ados  os  tinha  ali  el  rey  de  Gam« 
baya ,  os  outros  erão  Turcos ,  em  que  entrauão  cem  es- 
pingardey ros ,  &  estauã  todos  muito  contiados  de  pode« 
rem  defender  aquela  fortaleza  ao  goueraador  da  Índia , 
quãto  mays  a  Martim  afonso,  que  sabiáo  Q  leuaua  pou- 
ca gente.  £  parecendo  ao  capitão  ^  ele  cometesse  a  for^ 
talesa  pob  rio,  mãdou  fazer  ao  longo  dele  algflas  estan*^ 
cias  dartelharia.  Chegado  Martim  afonso,  como  digo, 
surgio  na  costa  pêra  dali  yt  ver  a  dispoi^K^áo  da  fortale^ 
ia,  a  que  foy  em  hum  catur  pequeno  quando  era  baixa 
mar,  &  fuy  neste  tempo,  porque  com  a  maré  crecia  a 
a|oa,  &  ficaria  sobre  a  terra  desctiberto  áartelharia,  & 
CO  bayxa  már  fieaua  ho  aleanlM  alio,  &eiicobrileya  dos 
tiros,  ()  forSo  sem  oonto,  assi  de  bõbardas,  como  des- 
pingardas  eiUràdo  polo  rio,  &  valeolhe  ho  ardil  que  te- 
ue  pêra  lhe  nào  empeaerem  y  &  por  isso  passou  auante 


200  DA  HisroArik  da  índia 

da  forUleea  &  a  vío  muylo  bê,  &vedo  quã  perigosa  erà 
a  filrada  por  a^la  parte  por  amor  da  arlelharia^  deter-* 
minou  de  a  cometer  por  outra  se  podesae  aer :  &  sabS-^ 
do  que  polo  serlfi  polaa  costas  da  fortaleza  auia  bum  ca- 
minho largo  &  chão,  por  onde  a  gente  podia  yr  a  pra- 
zer, pareceolhe  bem  cometer  por  aly^  &  assi  o  disse  aos 
capitães  em  conselho,  &  que  auia  de  desembarcar  na 
costa  braua  de  frõte  da  fortaleza  ás  duas  oras  despoja 
de  raea  aoyte ,  pêra  em  amanhecendo  dar  na  fortaleza^ 
&  assi  ho  fez ,  &  ao  desembarcar  teuerâo  os  Porlugue-. 
ses  muylo  trabalho ,  Q  desembarcarão  tã  afastados  da 
terra  que  lhes  daua  a  agoa  polo  pe6co<^ ,  porque  não 
ousauão  de  chegar  os  catures  a  terra  que  auiâo  meda 
de  se  eapedaçarem  com  ho  grande  escarceo  que  o  mar 
fazia.  E  em  quanto  a  gente  desembarcaua  foy  Martim 
afonso  ver  com  cinco  fídalgos  o  lugar  por  onde  auiadyr: 
&  achando  que  era  assi  como  lhe  tinhSo  dito,  tornouse 
pêra  sua  gente  que  achou  desembarcada,  &  coela  feyta 
em  hum  corpo  abalou  pêra  a  fortaleza,  &  chegou  ás  cos** 
tas  dela  em  amanhecendo,  leuando  diante  duzentos  es«« 
pingardeyros  pêra  fazerem  despejar  os  mouros  que  aco- 
dissem  daquela  parle,  como  acodirão  logo,  mas  quam 
asinha  forão  acodir,  Iam  asinha  se  tornarão  com  jnedo 
das  espingardadas^  que  erã  íanlas,  que  quasi  desfazia 
as  ameas«  E  vendo  os  Portugueses  o  muro  despejada 
poserão  as  escadas  que  leuauâo  pêra  sobyrS,  &o  pri-* 
meyro  ^  pos  a  sua  foy  hfl  Frãcisco  da  cunha ,  &  o  pri- 
meiro que  subio  por  ela ,  &  a  pos  ele  outros ,  &  por  a 
escada  ser  podre,  com  a  gente  ser  muyta  quebrou,  sen« 
ão  Francisco  da  cunha  quasi  no  cabo  dela  &  cayo ,  le-^ 
liando  diante  de  sy  quantos  yão  de  trás  dele ,  &  todoa 
ficarão  mal  tratados  das  quedas,  principalmSte  ele  que 
cayo  de  mays  alto,  &  com  quebrar  esta  escada  receou 
a  geqle  de  subir  polas  outras,  &  não  quis  ninguS  mais 
sobir ,  dizSdo  4  ^^^^  {)odres ,  o  ^  ouuindo  Marli  afonso 
mãdou  logo  trazer  háa  escada  noua  Q  mãdara  fazer  de 
duas  aalenas  da  carauela ,  &  era  tão  larga  Q  podia  yc 


LIVRO  VIII.   GAPITVLO   LXXXII.  201 

por  ela  cinco  bornes  em  fieira^  &  6  quãto  se  foy  por  es- 
ta escada  fora  algus  Portugueses  ao  derredor  da  fortale- 
za pêra  onde  eslaua  a  porta  |X)ia  qual  virS  sayr  obra  de 
trinta  dos  ímigos  t\  yão  fugindo,  &  esles  erão  da  gente 
bayxa^  em  Q  o  medo  era  tamanho  (}  determinarão  de  fu- 
gir, &  estes  começarft  logo,  por  os  soldados  eslarfi  em 
cima  nos  baluartes,  &  não  auer  quê  os  teuesse:  &v6do 
os  fugir  estes  Portugueses  ^  digo,  começarão  de  bradar 
^  fugião  os  imigos,  &  dera  logo  a  pos  eles,  &  outros 
acudirá  á  porta  que  estaua  aberta  &  remeterão  a  ela  ri* 
jo  que  os  jmigos  a  não  poderã  fechar ,  porem  fízerãose 
em  corpo  diante  dela,  &  começara  a  defender  a  Strada^ 
&  na  própria  conjunção  em  que  aqueles  Portugueses  re« 
metia  á  porta  da  fortaleza,  chegou  a  escada  noua  que 
digo,  &  posta  ao  muro  ho  primeiro  que  sobio  &  chegou 
ao  muro,  foy  Torres  hu  Italiano  comitre  da  galé  de  Mar* 
tim  afonso ,  &  ho  segQdo  Diegaluares  telez ,  híi  fidalgo 
muy  esforçado,  &  a  pos  estes  outros  poucos,  &  isto  & 
ho  chegar  dos  outros  Portugueses  á  porta  da  fortaleza 
foy  todo  hum ,  &  vendose  os  imigos  assi  cometer ,  de- 
sesperados de  se  defenderem,  determinarão  de  fugir,  & 
por  isso  se.  decerã  os  mais  ao  pateo  da  fortaleza ,  &  se- 
tenta  (parece  Q^dos  mats  bonrrados)  se  poserSo  a  ca^ 
4ialo  pêra  se  acolherem  iogo,  &  os  outros  cometera^ 
porta  a  pé  como  que  queríão  sayr,  mas  não  poderão  por 
•estarem  nela  tantos  Portugueses,  que  estauão  atocha^ 
dos  sem  poderem  yr  pêra  diãte  nem  pêra  trás,  &  tu 
nbão  feyta  hiia  medonha  pinha  de  fais  &  despadas  nuas^ 
.&  espingardas^  &  era  fatia  braua  reuolta  deles  pêra  en^ 
trarô  &  dos  imigos  pêra  sayrè,  &  tudo  era  cheo  de  hrar 
dos  &  gritos.  E  três  dos  imigos  como  determinados  de 
n)orrerê  pêra  fazerõ  lugar  aos  outros,  espetaranse  nas 
lanças ,  &  forão  correndo,  por  elas  ate  chegarem  aos  ^ 
as  íinhão,  &ferirâonos  muy  rijo  cÕ  os  terçados,  &muy** 
to  mais  dano  íizerâo  se  não  fora  por  hâ  Aluarò  de  mey^ 
reles  que  os  acabou  de  matar  çõ  hQa  espada  dâbas  as 
mãos,  &  assi  foy  morto  outro  de  caualo  com  bíla  espia* 

LIVRO   VIII.  cc 


SOS  ^Á  HOnrOAIA   -DA   ItlDIA 

i^ardada  que  lambem  q«iís  ooneter  aporta.  E tanto qii« 
Alar  ti  iD  afoDso  vío  que  Diegaluares  telez  ^  &  08  outrotfi 
0obiâo  pola  escada,  acodio  a  eafein^r  oa  qu0  «staii&o  á 
porta  ^  &  a  força  dodlbros  4  pos  coot  outros  deu  còelea 
dentro  9  &  como  agôa  que-fctope  de  f>reea,  idá  Saotia*- 
go  DOS  imígos^  &  nisto  chega  Diegaluarez  ieiez^  &  os 
outn>s  que  entrarão  pelo  muro^  &  (^ifaêdoJios  jio  meo^ 
apertaráonos  de  tal  oaodo,  qm  nenhum  escapou  viuo^ 
pelejando  primeyro  cooi  muylo  esfor^ ,  porque  tendo 
que  oão  podifto  escapar  tingar&ose  noa  Portugueses^  de 
que  matarão  dez,  &  ferirão  muytoe  de  niuylas  feridas. 
£  roubada  a  fortaàeza ,  deleue«e  ASarlim  afooso  tflres 
dias  em  a  derribar  &  arrasar ,  què  parecia  que  «â-este- 
uera  aiy,  Sl  daquy  foy  correndo  a  cosia  ate  Diu,  & 
ooesia  vitoria  ibe  ouueráo  os  mouros  grande  medo ,  & 
el  rey  de  CâiMtya  a  sânlio  muyto. 

C  A  P  I  T  V  L  o    LXXXIII. 

De  como  el  Rey  dos  Mogores  aitrou  -na  Jndmi 

jLjLntes  disto  entrou  na  índia  hum  rey  de*  hâs  peuos  h 
que  vuigarm8te'cbamãcr  Mogoces^  cujo  aevhorio  icoitfínà 
cò  ho  do  ^060,  &  dixem  que  he  a  terra  a  -que  antiga»- 
mente  ebamarfto  Farchia ,  be  «eta  geala  akia  &  bfi  4v0- 
sombrada  de  barbas  cÕpridas,  &  traaS  as  cabeças  irnfys^ 
das,  &  nelas  hiis  carapuicjõea  quasi  da  maneyra  dos  do 
cofio ,  vestem  cabayas,  &  roupões  de  seda,  ou  de  pano, 
segudo  cada  hum  pode:  oe  nobres  se:8era6.oom'nmy4a 
pdicia  de  baixelas  de  prata,  &de  noyte  alomeaose  com 
Teias  de  cera  em  castiçaeis,  &  db  eaininho  lecfto  ho  Am- 
lo  em  arcas  encoy radas,  almofreixes,  &  maias,  of}i»eii- 
tos  eõ  reposteyros ,  &  alcatifas  sobre  camelos  ,  &  Jeuão 
inuyto  boas  tendas  pêra  pousarem  no  campo.  Ho  pro^ 
pfio  pelejar  dos  Mogores  be  a  eaualo,  os  cai>abs  sfio  co- 
mo quartaos,  correm  pouco,  &  andâo  «luvto,  &  pele^ 
jfio  coeles  aaubertados,  suas  armas  aâo  pelotas  de  seda 


LivBo  vNié  cAmrut  Lncxirr.  tos 

M  de  coyro  de  quartos  ^  que  lhe  cbegão  hum  palmo  a« 
bayzo  do  giolho  forrados  «de  laminas,  cõ  crauaçfto  doura* 
da^  nas  cabeças  celadaa^  &  capacetes  cÕ  grades  pena- 
chos dourados.  As  armas  ofi%siuas  sio  arcos,  frechas^ 
terçadoB^  ma^a  de  ferro,  &  macbadinhas,  &  todas  es^ 
ias  armas  leuã  pSdúradas  nos  arç5es  das  solas,  leuão 
tâbê  mujta  artelbaria  encarretada,  &  cada  peça  de  oò^ 
primeiíto  de  couado^  as  grossas  tirão  pelouros  do  tama- 
nho de.  faicdes,  a  miúda  como  noaes.  Cõ  esta  gente  an-« 
da  outra  niuyta  de  diuersas  nações,  assi  como  Tártaros^ 
Turquimães,  Coraçones,  &oalros,  &  todos  se  chamâo 
jMogores,  mas  os  próprios Mogores  são  os  que  digo:  cu- 
jo rey  era  grão  senhor  de  Cerra,  &  de  gente,  &seruiase 
com  grande  estada,  &  vènuo  muyto  poucas  vezes,  & 
quando  quer  que  lhe  fale  salguem. manda  ho  chamar,  Sc 
€6  senhores  de  sua  corte  fázS  cada  dia  d  uns  vezes  a  ca- 
lema á  casa  ou  á  tenda  em  que  está;  be  mouro,  &  assI 
ho  são  todos  seus  vassallos ,  ho  mais  do  tempo  lejfla ,  fc 
reaa^.pelo  que  os  seus  ho  tem  por  santo,  dizião  que 
Aunca  lhe  sonberão  conhecer  molher,  &  assi  estranhaua 
muyiio  ho  pecado -da  iú)£uria»  Tem  grade  goarda  è  sua 
iMssoaassi  na  paecomo  ni^  guerra,  Scgoaréâno  aos  quar« 
tos  dous  mil  de  cauato ,  acada  quarto  em  Q  entrSo  eenv 
senhores  principaeis,  &  todos  come  da  sua  cozinha,  quan- 
do cauaiga  acompanha  ho'  gente  sem  conto,  assi  de  pé 
como  de  caualo,  &  vão  diante  dele  porleyros  cõ  varas 
Kermdhas ,  te  oortros  oíBcineia  que  Tazèm  apstrtar  ageii« 
te.  A  causa  da  vinda  deste  rey  á  índia  foy  segQdo  sou- 
be dalgfls  Portugueses  que  esteuerão  no  seu  arrayal,  ser 
desbaratado  do  Xeque  jàmael,  de  que  escapou  com  sete 
mil  de  caualo,  &  vendo  se  desbaraiado,  de  corride  nft 
quis  tornar  a  seu  Reyno ,  sem  fazer  algíla  cousa  com 
que  emendasse  aQla  quebra,  &determiaãdò  de.conquis^ 
tar  ho  Reyno  de  Deli  comarcão  do  seu,  lhe  começou,  de 
í>^scr  guerra  cõ  ajuda  .ditm  jrmftò  dei  rey  de  Deli,  a  qu9 
perleníeia  ho  reyno  de  dereyto,  &  a  i|  prometeo  sé  b^e 
oonquistasse,  pctfêm  não  ho  fez  assi  despoys  de  ocaqu^s»! 

cc  2 


Í0%  !   •  DA   HISTORIA    DA  «ITOfA        ' 

Ude^  &  tomouo  peraey.  Eeste  a  que  pertencia  bo'r0}r^ 
DO  quando  íbIo  vio  fugio  pêra  el  Key  de  Cambaya^  á 
pedtrlhe  ajuda  contra  lio  rey  dosMogores,  que  por  as 
Dobresas  de  que  vaou  nesta  coDquisla  cõ  os  soldados , 
cobrou  tamanha  fama ,  ^  em  pouco  tempo  ajuntou  cin* 
coenta  mil  de  cauaio.  £coído  tambè  tinha  fama  decon* 
quistador,  estado  no.reyno  de  Oely^  foy  ter  cd  ele  hCl 
sobrinho  dei  Rey  de  Mandou  y  aqueixandoseihe  dei  rey 
de  Gambaja ,  Q  lha  matara  seu  .'tio  por  treyção ,  &  lhe 
çaliuara  sete  filhos  &  lhe  tomara  ho  reyno.  Pedindolbe 
que  fizese  por  b6  ou  por  mal  que  el  rey  de  Cãbaya  sol- 
tasse os  filhos,  &  lhes  tornasse  o  reyno.  Sobre  o  ^  elrey 
dos  Mogores  mandou  hú  embaixador  a  el  rey  de  Cam- 
baya ,  que  por  não  querer  fazer  seu  rogo  onue  desafio 
antreles  pêra  fazerè  guerra  hil  ao  outro  9  que  logo  co- 
meçarão per  seus  capitães.  £  por^  os  dei  rey  de  Cara- 
baya  leuauão  ho  pior,  determinou  ele  de  jr  a  ela  emi 
pessoa ,  pêra  o  {|  determinou  de  fazer  paz  com  ho  go- 
uernador  Nuno  da  cunha,  por^  lemeo  que  lhe  toipasse 
Diu  cõ  toda  a  fralda  do  mar  em  quanlo  fosse  contra  et 
rey  dos  Mogores.  £  pêra  o  contSlar  &  prouecar  qoe  fi- 
zese a  paz  9  Ibe  deu  Baçaym  ^  sobre  o  q  lhe  mandou  tík 
embaixador  j  que  se  chamaua  Coge  sacoez^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXUil. 

JDe  como  dRty  de  Cambaya  deu  Baçaym  a  elRey  dom 

loam  de  Portugal. 

Jl  arlido  este  embaixador  que  digo,  chegou  a  Goa,  on- 
de deu  sua  embaitada  ao  gouernador,  cuja  còcrusaro 
foy  que  el  rey  de  Câbaya  lhe  daua  Baçaym  com  todas 
suas  ilhas,  &  bfla  legoa  polo  sertão,  que  rendia  tudo 
eincoCta  mil  pardaos  douro,  &  que  fizese  paz  coele.  B 
como  ho  gouernador  sabia  certo  ho  fim  pêra  que  el  rey 
de  Cãbaya  queria  a  paz^  &  quSta  necessidade  tinha  de- 
la,  dí  a  quis  cõceder ,  sem  el  rey  de  Gambaya  a  fora  a 


LIVRO   Vlll/CAtlTVLO   LS^klIII.  20o 

Ç  daua  consinlir  que  as  nãos  dos  mouros  fl  hiâo  a  Diu 
fossem  a  Bâçaym ,  &  hi  jyagariáo  pêra  el  Rey  de  Por- 
tugal os  derejtos  que  pagauâo  em  Diu,  que  serião  bS 
oúlros  cincoenta  mil  pardaos  dé  ouro,  &  mais  que  lhe 
auia  de  dar  lodos  os  Portugueses  catiuos  que  tinha,  o 
que  el  rey  de  Cambaya  concedeo ,  porque  era  sua  len- 
^o  vencer  el  rey  dos  IMogores,  &  despoys  os  Portugue- 
ses, &  tomarlhes  a  índia.  £  outorgado  por  ele  eslecon* 
trato,  foyse  ho  gouernador  a  Baçaym  com  hua  grade  ar- 
mada :  &  lá  se  ajiilou  coele  Alartim  afonso  de  sousa,  & 
lhe  leuou  ho  embaixador  delrey  de  Cambaya  assinado 
por  ele  ho  contrato  que  antreles  foy  feyto.  E  ho  embai- 
xador lhe  entregou  Bac^aim  com  suas  jlhas,  &  hiia  legoa 
pelo  sertão,  &  entregue  mandou  o  gouernador  fazer  hua 
casa  forte  por  não  poder  fazer  logo  forlaleza,  &  esta  ser« 
ueria  de  feitoria ,  &  fez  feytor  a  hum  Gaspar  paez ,  & 
deyxandolhe  algOa  gente  se. tornou  a  Goa  onde  inuer* 
DOU,  &  primeyro  despachou  ho  embayxador  dei  rey,  cõ 
quem  foy  loao  de  Santiago  lingoa  do  gouernador  Q  fora 
mouro  &  era  Cristão,  pêra  que  trouuesse  os  catiuos  que 
el  rey  auia  de  dar,  que  erâo  Diogo  de  mezquíta,  Lopo 
fernandez  pinto ,  &  outros.  £  el  rey  porQ  lhe  pareceo  Q 
Sãtiago  lhe  descobriria  muytas  cousas  do  gouernador  que 
lhe  erfto  necessárias  que  soubesse ,  cometeo  que  ficasse 
coele ,  fazfidolhe  mercê  de  vinte  mil  pardaos  douro  & 
de  quorenta  mil  de  renda  &  Q  serva  seu  lingoa ,  do  que 
Santiago  foy  contente,  &  descobrio  a  el  rey  quanto  lhe 
pareceo  que  sabia  do  gouernador  &  dos  Portugueses  fa- 
zendolhe  seu  poder  muyto  pouco,  &  (}  facilmente  os 
deytaría  fora  da  Índia,  se  quisesse,  &  por  isso  et  rey 
nâo  quis  mandar  os  catiuos  ao  gouernador ,  nem  Iam 
pouco  mandar  que  as  nãos  que  auiflo  dír  a  Diu  fossem 
a  Baçaim. 


206  IMl  historia  BA   IKDU 

d  A  P  I  T  V  L  O     LXXXV. 

Dê  como  indo  dom  Esteuâo  sobre  et  rey  Dugentana  lhe 

desbaratou  hda  Iranqueyra» 

J^espois  da  morle  de  dd  Paulo  íicou  el  rey  Dugentana 
tão  soberbo^  que  mandou  logo  suas  armadas  ao  estreito 
de  Gincapura  pêra  que  tomassem  os  jungos  que  per  bi 
fossem  a  Malaca^  &  fizessem  aos  nossos  quanto  mal  po- 
dessem ,  &  eles  ho  fazião  assi ,  correndoos  por  muytaa 
vezes.  O  que  demoueo  mais  a  dom  Esieuão  pêra  a  des« 
truy(^  dei  rey  de  Vgenlana,  que  tinha  seu  assento  em 
hQa  grande  cidade  sele  legoas  por  bum  rio  a  cima,  cu« 
jo  nome  he  Vgenlana,  &  dele  se  chama  assi  a  cidade: 
&  este  rio  se  mete  no  mar  alem  do  es  t  rey  to  de  Cinea-» 
pura.  E  determinado  dom  Esieuão  de  destruyr  ésterey^ 
ajuntou  sua  gente  ^  fora  quatrocStos  Portugueses :  & 
deyxando  a  fortaleza  entregue  ao  alcaide  mdr ,  se  par-* 
lio  pêra  Vgen lana  em  lunbo  do  anno  de  mil&quinbeiH 
tos  &  triola  &  cinco  cõ  hQa  armada  de  duas  fustas  ele 
em  biia,  Manuel  da  gama  em  outra,  &  sete  lancharas, 
de  4  erão  capitães,  Simão  sodré,  dom  Frãcisco  de  li* 
ma,  António  dabreu ,  dÕ  Cristouã  da  gama,  Anrique 
mendez  de  vasconc^os,  Pêro  barriga,  António  grãdio^ 
&  bua  carauebi  redõda^  de  Q  foy  capitão,  bii  Pernft 
gomez  natural  Dajcoucfaete,  4  ^^^^  scriuão  da  feytori« 
de  Malaca,  &  hfia  nao  capitão  bum  Diogo  botelbo,  & 
asâi  alg&as  niancbuas»  &  baldes  pêra  seruiço  desta  fro« 
ta^  &  partido  coela  checou  á  foz  do  rio  Dugentana, 
por  onde  entrou,  &  despoys  de  nauegar  por  ele  Ires  le« 
goas  por  ser  bayxoi  não  pode  a  mo  passar  mds  auaote , 
&  por  isso  a  deyxou  ali ,  &;  pêra  Q  goardasse  o  rio  que 
nâo  socorresse  a  armada  dei  Rey  que  andaua  de  fora* 
E  prirtido  dali ,  a  obra  de  mea  legoa  achou  bua  pouoa- 
çã  Q  se  despouoou  com  medo  dele ,  que  cõ  tudo  lomarã 
ali  lingoa^  por  quem  soube  q^ue  dali  pêra  riba  não  era  o 


7»- 


LIWO  TUt.   GAFnriJO  LXXXV.  !207 

rio  de  nata  largura  4>ue  «dum  Iko  de  pedra  &  de  mujio 
grande  oorrente,  &  todo  cnhetto  deepeaso  aruoredo  que 
encobria  ho  sol,  fc  que  dali  a  duas  Iqgoas  oiâdara  el  rej 
fazer  hfia  traníjyray  porque  oa  Portugueses  ieuessem 
«seya  Q  fazer  em  chegar  a  Vgeniana,  &  pêra  lhe  tolhe- 
Tem  dali  bo  caminho,  porque  ficaua  muyto  estreylo.  £ 
i»a4>ido  isto  por  dd  Efiteuão,  mandou  Pêro  barriga,  lor- 
ge  daluarSga,  &  Bernaldira  cordeyro  em  seulK)8  baKíes 
a  descobrir  ho  rio,  &  saber  se  era  assi  ho  que  ho  tingoa 
dizia,  &  que  lhe  tornassem  cÕ  recado  por{|  ali  os  espe- 
Taua.  £  eles  forão  &  achara  a  tranQyra  feyta  ao  pé  dii 
outeyro  Q  fazia  hu  cotouek)  no  rio,  &  cÕ  a  transira  fi- 
caua tão  estreilo  Q  não  podia  passar  ninguém  (}  osími- 
gos  !\  nela  estau&o  os  nam  matassem  ás  frechadas ,  & 
tinhâo  cortadas  muytas  aruores  sobre  o  rio  &  aladas  com 
rota  de  Bengala ,  pêra  Q  se  dd  EsteuAo  passasse  as  dei* 
xassê  cayr  &  lhe  «garrassem  bo  caminho,  ^  não  se  po- 
tdesse  tornar.  E  ver  isio  lhes  custou  muyto  perigo  de  os 
matarS  cõ  frechadas  &  visto  iornarâo  a  dÕ  Esteuão  & 
Jho  cÕtarfto,  &  ^  (segundo  seu  p\pecer  ele  não  podia 
passar  «em  desbarratar  aj||ia  Iratt^ira ,  •&  Q  ho  faria  por 
ier  pouca  gente.  E  drto  isto  per  dd  Ésieufto  aos  outros 
capitães  &  pessoas  principais  da  frota ,  assentouse  por 
-todos  Q  tomasse  a  tranqueira,  &  hu  pedaço  primeiro  1| 
chegassem  a  eJa  sairia  Pêro  barriga  &  António  grandio 
com  a  s«a  "gente  em  terra  pêra  darC  por  eb  na  trãquei- 
ta ,  &  ele  com  os  da  arnxiHla  daria  por  mar.  E  por^  ho 
mato  eva  muyto  basto  &  dõfisleuio  se  temeo  2)  pola  es- 
treiteza do  rio  08  imigos  se  escondessem  antre  bo  aruo- 
redo &  lhe  frechassem  a  gente,  mãdon  fazer  baileasnas 
fastas  &  nas  lancharas  pêra  irè>debaÍ7Co  espingardefros, 
fSc' tirara  dali  se  acõteeesse  oi}  reeeaua.  E  passados  deus 
dias  que  se  nisto  d^teue ,  tornou  a  sua  viagS  caminho 
dn  tranqueira ,  &  hfi  pedaço  Ma  deseníbarcarSo  Pêro 
barriga  &  António  grandio  coma  gente  de  suas  lâcha- 
ras,  que  seriáo  ate  sessenta  4iom6s ,  ou  pouco  menos, 
&  iinar^o  pêra  a  trãqueira  indo  a  vista  da  armada,  & 


108  DA   HI0TORIA   DÁ    ÍNDIA 

ohegarSo  primeiro  que  o8  do  inár.  E  por  Ihea  parecer  ^ 
geria  perigo  não  cometer  ca  Imigos  ^  oa  cometerão  aaai 
como  hião  auiadoa,  deafechãdo  oa  eapingardeiroa  ^  hião 
diâte.  £  os  imigoa  ae  defenderão  bd  pouco,  maa  v^ndo 
chegar  a  armada  pareceolhea  Q  oa  queria  tojnar  no  roeyo^ 
ía  sem  se  deter  muylo  na  defensa  fugirão^  ficando  mor<* 
tos  Ires  doa  principays,  &  oa  outros  se  acolhera  â  forta- 
leza onde  el  rey  esíaua ,  a  quê  cCtarã  seu  desbarato , 
engrandecSdo  muyto  ho  poder  de  dõ  Esteuão  &  aeu  es* 
forço ,  por  encobrirem  ho  medo  (}  leuauS :  Pelo  que  da 
Q  eslauão  com  ei  rey  teuerão  tambS  aigú  de  serem  desr 
baraUdos,  $c  risceauã^  a  chegada  dos  nossos. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXVI. 

De  como  dom  Esteuâo  chegou  á  fortaleza  dos  immigoB^  . 

X^esbaralada  a  Irãqueira  aem  oa  Portugueses  receberS 
nenha  dano,  como  chegou  dom  EIsteuâo  tornarSse  aem* 
barcar  Pêro  barriga  &  António  grandio  eom  sua  gfite^ 
por^  posto  que  dõ  Esteuão  quisera  que  forão  sempre  por 
terra  ale  a  fortaleza  pêra  tolher  aos  Imigos  se  os  ouues- 
se  que  lhe  nao  tirassem  danlre  ho  aruoredo,  não  podião 
por  a  terra  ser  apaulada  pola  mayor  parte  dâbas  as  parr 
tes  do  rio,  &  ser  sapal  por  onde  ae  não  podia  andar: 
&  por  isso  os  imigos  não  podião  chegar  ás  bordas  do  rio, 
que  se  isso  não  fora  eles  chegarão,  &  somõte  delas  à# 
pedradas  &  frechadas  segundo  ho  rio  era  estreito &ele9 
muytos  poderão  defender  a  passagê  a  dom  Esteuão:  & 
tambfi  por  ho  rio  fazer  muitas  voltas  &  cotouelos  lhes 
estoruou  lãçarS  balsas  de  fogo  pêra  queimar  a  nossa  fro^ 
ta,  por^  se  auiã  de  deter  nestes  cotouelos.  E posto  que 
a  terra  era  assí  apaulada  onde  auia  lugar  pêra  isso  aiur 
da  ^  estreito  desembarcarão  António  grandio  &  Pêro 
barriga  cÕ  sua  gente  &  hião  a  vista  da  frota ,  despois  ^ 
partio  desta  primeira  trâqueira  caminho  da  fortaleza: 
onde  estaua  Laqueximena  capitão  mór  dei  rey  ^  tieri» 


c&igã  bê  seys  mil  hornês  o6  mais  deks.  frecheiros ,  & 
dos  outros  algus  espigardeiros  &  em  ^  el  rey  linha  todo 
wu  esforcjo,  &  a  fora  isso  estaua  inuy  to:  forte  cõ  Lua 
tranqueira  l\  atrauessaua  ho  rio^  &  era  de  duas  faces 
entulhada  de  grades  madeiros  &  pedras :  &  3  cada  ca^ 
bo  hQ  cobelo  do  mesmo,  &  no  meio  hua  porta  ^  se  fe-» 
chaua  é  abria  pêra  sairS  suas  armadas.  E  nesta  Iràquei* 
ra  auia  mujta  artelharia,  8c  dela  pêra  hua  chapa  da  ter- 
ra  de  hfta  das  bâdas  do  rio  se.estSdia  hfia  fortaleza  de 
madeira  muito  forte  em  «Q  estaua  recolhido  Laquexime-^^ 
na  GÕ  sua  gSte.  E  el  rey  estaua  em  hCia  pouoaçâ  dali  a 
hGa  iegoa,  &  por  ele  eslar  tao  fortalecido  lhe  pareceoQ 
estaua  seguro  de  ser  entrado.  Chegado  dõEsteuéio  a  es-* 
ta  fortaleza  surgio  cõ.a  Creta  detrás  du  cotouelo  que  a 
emparaua  da  fortaleza^  de  Q  ficou  a  tiro  despingarda,  ^ 
era  a  largura  do  cotouelo.  E  Ic^o  S  chegando  Pêro  bar-^ 
riga  &  António  grandio  Q  chegara  por  terra  lhe  manda- 
rão dizer  !)  deuia  seguir  a  vitoria  ^  trazia  da  tranquei* 
ra^  &  c5  ho  fauor  dela  desbarataria  logo  c^imigos*  E 
dõ  Esteuã  não  quis  por  nS  jr  apercebido  pêra  isso^  & 
por  ser  tarde  &  a  gele  jr  casada  de  leuar  á  toa  os  na- 
uios.  E  assi  ficou  ho  cõbate  pêra  outro  dia.  £  por^  de 
noite  08  Imigos  não  lançassem  fogo  de  terra  na  frota,  ih* 
carSo  António  grandio  &  Pêro  barriga  cô.sua  gSte  dú 
parte  ondestauão,  &  da  outra  desembarcou  Anriqucmè-' 
dez  de  vascõcelos  cõ  os  seus,  pêra  i\  a  frota  lhes  ficas^ 
se  no  meyo  &  hiis  &  outros  a  goardassê.  E  la^ximena 
^  sintio  4  os  nossos  erâo  chegados  fortaleceose  ainda 
mais  do  Q  estaua,  &  mandou  meter  muytos  estre'pes  dd 
pao  ferro  muyto  grossos  por  derredor  da  fortaleza.  E  es- 
ta noite  cõcertou  dÕ  EsteuSo  como  se  auiâo  de  cometer 
08  imigos:  &  foy  q  dõ  ChristouS  da  gama  seu  jrmãd 
fosse  na  carauela  de  Fernãgomez  abalroar  a  trâqueira^ 
&.  jrião  coele  Simão  sodre,  Manuel  da  gama  &  outros 
ate  cinccSta  homõs  fijla-lgos.  E^  a  carauela  fosae  cerpa*» 
da  darrõbadas  por  lííe  na  fazer  nojo  a  artelharia.  Elogo 
ao  outro  dia  lhas  fizerão  muyto  fortes  daruores  inteiras 

LIVRO    VIII.  DD 


210  DA   «STORU    OA' índia        ' 

9  cortara  pêra  issa.  Isto  feito  hfi  dia  pela  naeohaã  aba* 
lou  a  carauela  ^  leuaua  muy  grande  peso  por  amor  daa 
arrobadas  9  &  por  isso  nào  podia  jr  se  não  ás  loas^  & 
estas  auia  dir  atar  em  aruores  bH  Luys  de  brag«  {|  fora 
escriuãu  da  feitoria ,  &  despois  datadas  nas  aruores  se 
auiâo  datar  por  elas  os  da  carauela  ao  cabrestante,  por^ 
nS,  auia  força  de  remos  ^  a  dtese  surdir  segundo  seu 
peso,  &  a  grande  corrfiie  dagoa:  &  mais  indo  a  remoa 
não  se  podia  leuar  por  amor  d^  artelharia  dos  imigos  (| 
estaua  certo  pescar  as  manchuas-ou  balões  a  ^  fosse  a<» 
toada  como  descobrisse  fao  cotcfueto  (\  ficasse  a  vista  da 
trãqueira.  E  indo  bQa  só  mancbua  atoada  desta  manei* 
va  hia  ao  Jongo  de  terra,  &  despois  enipararsebia  cd  a 
mesma  carauela  em  quanto  se  aiaase  polocabrestáte.  £ 
porl|  nisto  auia  de  aaer  vagar  6cou  dõEsteuâocÕ  cres- 
to da  armada  detrás  do  cotoueio  ate  a  carauela  afTerra? 
eò  a  trãqueira,  de  Q  tanto  t(  se  lhe  a  carauela  descobrio 
eomeçâo  de  chouer  pelouros  cft  tanta  fúria  Q  parecia  ^ 
fundift  ho  mundo,  quanto  mais  a  carauela,  a  i|  as  arrÕ*» 
badas  aproueitarão  muyto  peru  os  que  hiã  dêtro  nâo  se» 
f6  todos  feitos  S  pedaços.  Porem  FernSo  gomez  foy  fe* 
rido  dík  pelouro  em  hfl  braço  ^  de  Q  despois  morreo*  B 
da  earauela  lambS  jugauão  coessa  artelharia  ^  ksuauão^ 
It  tudo  era  euberlo  de  fumo,  &  como  o  rio  era  sõbrío 
por  amor  da  e8|)essura  do  aruoredo ,  quasi  ^  ficou  todo 
escura,  &  nisto  passou  Luis  de  braga  muj  grade  perr* 
go  em  ;r  atoar  os  cabos  âs  aruores  por  onde  se  auia  da* 
lar  a  caraueb.  fi  auSdo  os  negros  Q  remauão  medo  das 
bÔbardadas  &  frechadas  (^  tiráuSo  da  tranj^yra  nSo  que* 
rião  remar ,  pelo  {)  conueo  a  Luys  de  braga  arrSear  da 
espada^  &  ameaçaíos  coeia  ^  os  mataria  se  nã  remasse, 
fc  cd  is^lo  remara  sem  eles  nê  ele  serem  feridos :  o^pa--^ 
receo  milagre  r  &  assi  fby  ate  Q  anoiteceo  Q  a  carauela 
ftcou  a  meo  tiro  de  pedra  da  tran^yra  &  ali  surgio  c5 
determinaçS  de  a^U  Bo;ie  jr  aferrar  a  trãqseira» 


«^ 


LfVllO  VIII«  €APITVLO  LXXXVfl.  211 

C  A  P  I  T  V  L  o    LXXXVII. 

( 

Dé  como  âfi  EãUuão  de^arntnu  el  rey  Dugeniana. 

^urta  a  carauela ,  vio  Luis  de  braga  na  boca  do  caDal 
jtito  da  (rao^yra  onde  a  carauela  pDdta  chagar  hfi  jilge 
«lagado  Q  00  imigoa  ajagarão  receando  de  aer  o  {|  viâo^ 
&  ficaua  a  agoa  tS  baixa  Q  nS  podia  passar  húa  man'- 
chua  por  cima  do  jQgo^  &  sabido  isto  por  dõ  Christonie 
<leyxouse  estar  ate  ver  o  ()  dd  EsteuSo  determinaua ,  a 
-qufi  logo  mandou  dizer  o  ^  passaua ,  ele  lhe  mSdou  di*^ 
zer  (}  se  tornasse ,  &  assi  o  fez.  E  v8do  dõ  Esteuão  \ 
ná  podia  cdbatér  a  fortaleza  por  már  determiaon  de  o 
fazer  por  terra  &  nft  se  yr  sem  a  tomar:  &  pêra  saber 
eua  disposição,  &  onde  poderia  assentar  a  artelhariamJU 
dou  a  Francisco  bocarro  de  Lisboa  {)  tinha  a  feytoria  de 
Malaca  Q  se  passasse  4a  bSda  dalém  do  rio ,  &  viáse  a 
diapoai^o  da  terra  dizendolhe  pêra  2} !  &  foy  coele  hd 
espTgardeiro,  &  indo  em  pés^  &  S  mãoa  por  nSo  ser  vie:. 
to  se  pôs  em  cima  dfi  outeirinho  ^  senhòfeaua  a  fort»:* 
íessa^  fi.  vio  assentada  de  maneira  ^  estSdo  hõ  oamel0 
dõde  efe  estaua  c5  hum  par  de  falc^^es,  nS  pareceria  n!^ 
guê  na  fortaleza  {)  não  fosse  pescado ,  &  asai  o  disse  a 
•dõ  Estenâo,  &  í)  sd  a()la  estâcia  abastaria  pera^fazer 
jd^p^jíkr  a  fortaleza  aos  !n)igos.  E  onuindo  Ibo  Manual 
^a  gama  lhe  disse ,  Q  não  fizesse  aquilo  tfi  chSc,  ^  maia 
auia  T[  fa2er  do  que  dizid^  &  ele  disse  -^  pois  ele  ^  o  fo* 
Ta  ver  o  dizia  {)  ainda  era  muyto  menos  ^  fepera  isse 
íbssem  lá  éò  Esteuão  ^  &  ele ,  &  veriâo  se  era  assi ,  & 
eniUo  forS  todos  três  &  coeles  d5  Cri stouflo ,  A  ntonio 
dabren  &  A  nriQ  medez ,  &  por  o  mato  ser  muyto  basto 
os  nâo  f  irão  da  fortaleza.  E  i^8do  l\  Wdi  assi  como  Frft» 
cisco  bocarro  dizia ,  na  noyte  s^gulte  mandou  dd^  Eate^ 
^ão  fe^er  ali  hOa  estancia  c5  bQ  camelo,  &  dotis  falcfies^ 
&  deu  a  goarda  dela  a  Anril)  mSdez  de  vascdcelos,  cô  a 
gente  da  sua  lanchará :  &  António  grãdio  eataiia  S  ou* 

DD  2 


212  DA   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

tra  da  mesma  parle  em  Q  eslaua  a  fortaleza.  £  g  ame- 
jihecêdo  começou  jugar  a  arlelharia  Q  fatia  muyto  nojo 
aos  imigos,  &  elee  aos  nossos  nenhQ,  posto  (\  a  sua  nu« 
ca  deixaua  de  iirar.  E  durou  este  cõbate  quasioytodias, 
8  q  os   nossos   matara  dos  imigos  muitos  &  eles  aigjls 
dos  nossos,  &  nisto  faltou  a  poiuora,  porque  do  £sle« 
4ião  não  determinaua  de  dar  tâíos  diascõbaie^  quecny- 
dou  Q  em  hu  se  acabasse  aQle  feyto,  &  lãbê  Jfae  coine* 
^u  dadoecer  a  gente  por  a  terra  ser  muyto  doentia,  & 
por  faitarS  os  mãtimStos,  pelo  (}  dõ  Esteuao  dagastado 
pos  ê  cõselho  se  se  tornaria  pois  não  fazia  nada  &  po- 
dia perder  muito,  &  muitos  fura  de  parecer  ^  se  tornas- 
06 ,  &  Pêro  barriga  cõ  alg&s  disse  ^  eJe  não  auia  medo 
aos  imigos  pêra  se  tornar,  mas  q  auia  medo  á  nossa  fro- 
ta 4  tinha  pêra  andar  sete  legoas  per  hú  rio  muyto  es- 
treyto  &   de  grande  corrente ,  i\  seria  causa  de  darem 
h\l9  nauios  pelos  outros  &  desbaratarSse  per  si,  que  não 
se  deuião  yr  dali  sem  cometer  a  fortaleza,  &  cometen- 
doa  |K)deria  ser  que  Deos  os  ajudaria,  &  quando  não^ 
Bo  os  imigos  os  vissem  tornar  terião  reza  de  dizer,  vão- 
se  deixalos  yr.  £  como  dÕ  Esteuao  &  todos  tinbão  a 
Pêro  barriga  por  muyto  bõ  caualeyro,  &  que  fizera  dis- 
so muy  boa  experiScia  em  Africa,  &  ![  sabia  bê  da  guer- 
ra, abalouos  muyto  esle  seu  parecer,  &  ouueráno  por 
bd,  porè  não  se  determinarão  no  1)  fariâo  &  ficou  assi, 
&  cada  bíí  se  tornou  a  seu  lugar,  ^  se  fora  a  jentar  Q 
era   pela  menhaã.  O  Q  parece  ^  quis  nosso  sflor  pêra 
anais  seu  iouuor  &  gloria :  por^  despoys  deste  conselho, 
chegou  à  fortaleza  Tuâo  inafamede  capitão  mór  do  már 
dei  rey  DugStaoa ,  da  costa  de  Pão  onde  ãdaua  darma- 
da,  &  el  rey  o  mãdara  chamar  pêra  ajudar  cÕ  sua  gêt^ 
aLaquexímeaa  côira  os  nossos  &  deixou  a  frota  no  már, 
&  foyse  por  terra  cõ  sua  gSte  à  fortaleza ,  &  chegou  o 
dia  em  q  foy  esle  cõselho ,  &  como  ya  de  refresco  quis 
Jogo  sayr  aos  nossos,  &  deu  a^la  larde  rebate  nas  es- 
tancias Dâtonio  grãdio,  &  de  Pêro  barriga  cõ  bS  mil  ho- 
mõs,  &  eles  ^  não  desejauâo  mays  ^  pelejar  coeles  re^ 


hlVBO  VIII.   CAPiTVLO   hXXXVllU  213 

ceberflMiob  cd  muilo  esforço,  &  pelejara  cd  grade  oosa- 
ú\a.  £  tanto  ()  a  grita  foy  ouuida  na  frota,  luâdou  dom 
Esleuão  08  mais  que  pode  i|  fossem  acodir,  &  a  arte- 
Iharia  começou  logo  de  jugar,  &  foy  bo  arroido  lama- 
4ibo  Q  parecia  destruirse  o  m&do.  Ecomo  os  imigosvis- 
sem  quã  b6  se  os  da  estaacia  defendião,  &  i|  soccorrião 
4)8  da  armada,  &  ouuirSo  as  bombardadas,  cuydarão  Q 
^râo  tomados  no  meo,  &  desmayarSo  de  modo  Q  se  ou* 
uerão  de  perder  se  nao  teuerão  iâ  perto  a  colheyla,  on- 
de se  acolherão  sem  fazer  dano  aos  Portugueses ,  rece- 
bendo deles  muyto,  &  forâo  os  mcilSdo  alé  a  forlaieaa. 
£  vfidoLa^ximena  quã  facilmSteTuâo  mafamede,  {}  ya 
de  refresco  fora  desbaratado  &  a  bateria  ^  se  daua  de 
cõtino  á  fortaleza ,  &  sobre  ludo  parecerlhe  Q  delermi* 
nauSo  de  a  tomar,  ouue  tamanho  medo,  &  assi  os^es- 
tauâo  coele,  Sc  tambê  Tua  mafamede  pelo  2}  tinha  es<^ 
premõtado,  ^  a^la  noyte  despejarão  a  fortaleza  de  todo, 
&  se  forão  caminho  da  pouoàção  em  ^  el  rey  estaua , 
que  tãbê  despejou  a  pouoação  cõ  quantos  eslauão  nela 
&  fugio  cõ  medo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    LXXXVIII. 

J>o  §  fez  dó  EsteuSo  despois  §  desbaratou  el  Rey  Dth 

gentana. 

JLrespejada  a  fortaleza,  quando  veo  ao  quarto  dalaa,  ^ 
era  de  rero  barriga  na  ouuido  na  fortaleza  o  ^  dates  ou* 
uia  per  bradarS  &  falarè  os  imigos  i)  se  vigiauã ,  &  tãr 
ger  08  seus  sinos,  &  cantar  galos.  Eparecendolhemuy* 
to  sossego,  sayose  fora  da  estâcia  cõ  algfts  homSs  do 
quarto,  &  cbegouse  á  fortaleza,  &  não  ouuindo  nada 
chegouse  tão  perto  ()  claramête  vio  2)  estaua  despejada, 
o  ^  logo  mâdou  dizer  a  dõ  Esteuao  ^  como  amanheeeo 
desembarcou  com  sua  gente,  &  entrou  dentro  na  forta- 
leza em  que  não  ouue  que  roubar.  Eela  desfeyla  de  to- 
do ,  &  recolhida  a  arttifaaria  ^  bi  ficou  ,  foyse  cõ  toda  a 


S14  OA   BIftTOfttÁ  BA   IKBrÁ 

frota  pelo  tio  aeima  á  pouoaçâo  delrej  I)  também  ac&OH 
deapejada^  &  qoeyiDouba  toda,  &  muitas  Itcharaa  ^ 
eatauSo  começadas,  &  tomou  outras  i\  estauão  acaba- 
das ,  &  assi  algas  calaluzes*  Isto  feylo  seguio  pelo  rio 
acrma  bO  hiia  lagoa  al8  da  pouoaçiío  pêra  ver  Q  auta  no-- 
le :  &  achou  moitas  lâcharas  &  calatuzes  {{  esíauâ  vara^ 
dos  no  mato  no  l{  gastou  três  dias.  E  feyto  isto  se  tor^- 
nou,  &  qufldo  se  sayo  do  rio,  por^  a  corrSle  íi2  atrauea^ 
sasse  os  nauios ,  hiãose  atofido  as  aruores ,  pelo  modo 
que  se  aloaua  a  carauela  quãdo  foy  pêra  aferrar  atraii^ 
^yra:  &  saydo  fora  do  rio  tornouBe  a  Malaca  õde  foy 
recebido  cõ  muito  grSde  festa  da  gSle  da  terra,  por^ 
ouue  tamanha  vitoria  duRey  Q  estaua  tSo  poderoso,  te 
fazia  táto  dano  a  Malaca,  &  de  cada  vez  lho  ouuera  de 
fazer  mais,  &  das  lancharas,  &  calaluzes  &  artelbaria 
que  dõ  EsteuSo  oaue  dos  imigos  fez  hua  grade  armada 
de  ^  tinha  muita  necessidade. 

C  A  P  I  T  V  L  O     LXXXIX. 

De  como  Francisco  de  barros  de  payua  4*  Anri^  mêdez 
de  vascôcêlos  pelejarão  c6  hua  armada  de  laos. 

Vyhegado  d&  Esteuâo  Dtfgetana  mSdoa  Anri^  mSdes 
de  Vasconcelos  a  Patane  asSi  pêra  trazer  Frâcisco  de  bar* 
ros  de  payua  i}  la  estaua ,  como  pêra  dar  ordS  que  fos- 
se dahi  hfi  jugo  á  China  quê  lá  mfidaua  a  prouar  se  Cre- 
ria ter  tr^to,  como  teuerão  em  tSpo  passado,  &-  foy  Ân«- 
rifi  mSdez  em  hQ  nauio  dos  nossos :  &  chegado  a  Patane 
achou  Frâcisoo  de  barros  viuo  &  os  !)  ficarão  coele  ^  &; 
despaohddo  o  jijgo  pêra  a  China  deu  ordS  como  Francis-* 
CO  de  barros  se  Sbarcassô  era  outro  da  terra  ofi  os  da 
sua  còpanhia  pêra  se  tornarS  a  Malaca.  E  despachãdose 
Frâcisco  de  barros  teuerão  noua  de  hfta  armada  dé  cos«* 
sayros  laos,  de  ^  era  capitSo  môr  hd  mouro  lao  chama^ 
do  Eriacai!,  &  trazia  vinlô  quatro  calaluzes,  dQs  Q  tâ 
duas  ordSs  de  remos  bus  dè  pãgayo  outros  de  galé,  & 


LIVRO  ▼III.    CAPITVU)  I.XXXIZ.  216 

sS  tamanhos  ^  traz  cada  bfil  cê  homSa  de  peleja  ^  &  assi 
o  traziào  ealea,  &  muyla  artelharU,  &  muitos  arleôcios 
de  fogo.  £  sabSdo  Anri^  mfidez  &  Francisco  de  barros 
Q  esta  armada  vinha  pêra  Patane  ^  fiaerâose  á  veta  c5 
tra(|le8,  &  meaenas  pêra  yrè  receber  a  armada  aó  mar, 
&  em  sayndo  da  enseada  aurgio  Francisco  de  barros  na 
costa  por  ler  ainda  gSte  em  terra  &  mais  a  vela  grãde« 
£  Anrique  mendez  foy  na  volta  do  mâr  a  descobrir  os 
Imigos ,  &  descobertos  virou  pêra  onde  ficaua  FrScisco 
de  barros,  &  surgio  por  ho  vento  ser  calma,  &  os  Imi-* 
go8  se  forâo  chegado  a  remo  pêra  ele :  &  seria  as  trei 
oras  despois  de  meo  dia ,  £riacatl  repartío  os  calaiuzea 
desta  maneyra :  Mâdou  a  sete  que  se  fossem  cometer 
Francisco  de  barros ,  &  ele  cd  os  outros  a  Anri2|  mSdez 
&  por])  o  não  pode  aferrar  á  sua  vontade,  por  Ânri{^ 
snendez  trazer  o  seu  batel  atracado  da  banda  dabaira** 
uento,  mãdoulhe  cortar  ho  cabo  por  h&  calaiuz,  &  os  (| 
bo  yão  fazer  como  sabiâo  Q  auiã  dacbar  contradi<^  aper« 
ceberão  se  parela,  fazjido  faQ  teito  daa  suas  rodelas  po? 
cima  do  calaluz  cõ  ^  por  mais  pedradas  Q  lhe  dera  & 
outros  arremessos  cõ  í^  lhe  tirarft,  n&  deysarã  dStrar  no 
batel,  &  cortarlbe  o  cabo  &  leuarfino.  £  ieuado  abat*- 
roou  Ériacati  ho  nauio  com  outros  capitães,  Sl  Anrique 
mSdez  acodio  logo  cÕ  os  seus,  cÔ  muylas  panelas  de  pol*^ 
nora  &  muytas  espingardadasr  &  durou  a  peleja  h&  pe* 
(bijo  em  i)  muytos  dos  imigos  íbrâo  mortes.  E  nesta  pe-» 
)eja  foy  Anrique  mèdez  ferido  na  barba  de  h^a  frechada 
de  zarauatana ,  &  por  ser  peçonhenta  ficou  ele  desaeor*» 
dado,  &  os  seus  ho  meferá  por  morto  em  bii»  camará* 
£  com  tudo  se  deienderâo  tambS  que  nunca  os  iroigoS' 
08  poderão  entrar  por  aquela  parle,  antes  os  fizera aTas* 
lar.  £  querSdo  outros  abalroar  por  outra,  ccmo- j.a  fazia 
vento,  derão  ás  veias ,  &  ÍDrãse  na  volta  do  már.  E  não 
os  podendo  os  Imigos  seguir,  forise  lodos  a*  Frâcisco  do 
barros ,  que  pelo  Q  lhe  fieana  em  terra  se  deixi»ti  estar 
surto,  não  tendo  consigo  mays  que  dezaseys  Portugue* 
ws  ,  &  por  isso  08  imigos  hlo  aíerrarfto  logo ,  S^  ele  s^ 


216  DA  HISTOaiA    DÁ    IirDIA 

defeadeo  que  ho  nlo  entrassetn  cõ  muytos  artifícios  de 
Cogo  que  Ihet  deitou.  E  n^ste  còbaie  lhe  matarão  trea 
homfia  y  &  Ibe  tomarão  três  paraós  de  seruiço  que  tinha 
a  bordo,  Sc  fugirftlhe  doze  mariuheyros  da  terra.  £  ven^ 
do  Erlacatim  que  achaua  mayor  defensa  do  que  cuydou, 
JA  sobre  perfía  fez  quatro  fíeyras  dos  seus  calaluzes,  & 
cada  hila  hia  abalroar  ho  jungo,  &  pelejaua  tanto  ate 
que  cançaua,  &  todos  ho  abalroarão  muytas  vezes.  E 
tambfi  se  defendeu  que  nunca  fao  entrarão,  posto  qutà 
lhe  matarão  &  ferirão  quasi  todos,  &  ele  foy  ferido  em 
bua  perna  de  hua  frechada  pec^onhSta,  &  a  hil  Bastião 
nunez  da  Vidigueira  y4erão  quatro  bõbardadas  em  hfla 
rodela  ^  tinha  embratfada,  sem  lhe  fazer  nenhQ  mal.  E 
durou  a  peleja  ate  ais  onze  horas  da  noite  ^  Q  era  muy 
clara  polo  grande  iQar  {|  fazia.  £  não  ficando  viuos  nS 
pêra  pelejar  mays  queFrãcisco  de  barros  &Ioã  martiaz 
mestre  do  nauio,  &  Bastião  nunez,  aferrou  por  derra- 
deiro ho  jungo  Eriacatim  ,  que  nflca  ate  então  ho  abal- 
roara ,  &  coeie  foy  outro  capitão.  Ecomo  os  nossos  não 
erão  mais  que  os  Q  digo,  começarão  de  subir  ao  nauio 
ate  doze  dos  Imigos ,  a  que  acodirão  Francisco  de  bar« 
ros  &  os  outros  dous  cÕ  muy  to  esforço ,  &  lançarão  so- 
breles  tâtas  panelas  de  poloora  Q  os  fizerão  saltar  aomár 
todos  queimados,  de  que  morrerão  os  mais.  E  assi  hua 
molber  &  dous  filhos  de  Eriacatim,  que  trazia  cõsigo,  ^ 
desesperado  denlrar  ho  jungo  se  afastou,  &  não  quis 
mais  perfiar,  &  de  fora  se  pos  as  frechadas  &  bõbarda* 
das  cõ  sua  armada,  de  2}  tinha  perdida  a  mayor  parte 
da  gSte  (\  foy  morta  nos  cometimêtos  passados,  que  foy 
muyto  grade  milagre  de  nosso  senhor,  sendo  tantos 
quantos  erão  não  entrarS  niica  ho  jugo ,  ou  nã  ho  queu 
maré,  segundo  a  multidão  darteficios  que  lhe  deitarão 
dentro:  de  que  algds  derão  em  hQa  jarra  de  poluora/, 
em  j|  se  acSdeo  ho  fogo  que  queimou  três  Portugueses, 
&  hò  foy  Francisco  de  barros  em.  hfla  mão ,  &  em  huâ 
parte  do  rosto.  E  a  fora  isto  forão  tantas  as  bõbardadas 
que  lhe  derão,  que  se  nosso  senhor  ho  não  Jiurata^  a? 


LIVRO    VITI,   CAPITVLO  XC.  217 

basfarSo  pera  ho  meter  no  fundo,  &  ho  fazerê  em  pe* 
da<^os,  porque  ao  lume  dagoa  lhe  derSo  quatro  com  que 
ho  arrobarão,  &  acodirão  os  Portugueses  a  (aparlhe  os 
rõbos,  &  no  masto  grãde  lhe  dera  cinco,  &  no  do  tra- 
fite  três  &  na  camará  de  popa  lhe  metera  xiv.  pelouros. 
Ê  estando  assi  ÂnriQ  mfidez  ^  ficara  desacordado  da 
frechada  tornou  em  seu  acordo,  pregQtando  se  era  Fran« 
eisco  de  barros  tomado:  &  sabêdo  Q  ainda  se  defendia, 
queixouse  muito  cfi  os  seus  porque  ho  desempararâo,  Sc 
ho  nã  ajudarão  &  mandou  que  ho  fossem  ajudar,  &quâ- 
do  forão  acharão  os  Imigos  afastados  tirâdolhe  bombar* 
dadas,  &  romperão  por  anlreles  tirando  com  a  artelha- 
ria,  &  metera  hum  calaluz  no  fundo,  &  forãose  ajuntar 
com  Francisco  de  barros,  ho  que  vendo  Eriacatim  se 
foy  na  volta  da  terra  muyto  destroçado,  &  com  grande 
perda. 

C  A  P  I  T  V  L  O    XC. 

De  como  Francisco  de  barros  ^  Anrrique  mendez  de  vas^ 

cancelos  se  tornarão  a  Malaca. 

X  arlidos  os  imigos,  disse  Francisco  de  barros  a  Anrrií| 
m€dez  como  ficara ,  &  ^  forçado  auia  dir  a  terra  pola 
gente  ^  lá  (tnha,  &  amarinbarse,  por^  sem  isso  na  po« 
deria  yr  a  Malaca,  &  assi  o  fez ,  &  Anrique  mSdez 
prosseguio  pera  Malaca,  &  tornado  Francisco  de  barros 
aPatane  &  tomado  o  de  Q  tinha  necessidade  &  sua  gen- 
te, &  curados  os  feridos,  partiose  pera  Malaca,  &  no 
caminho  topou  Patibarrá  lao  capitão  mor  de  hua  arma- 
da de  cossairos  de  sessenta,  &  tantas  velas  grossas,  & 
por  yr  muyto  ao  mar  lhe  escapou ,  posto  que  ho  segui- 
rão oyto  velas,  &  não  ho  podendo  alcançar  ho  deyxa- 
rão.  Edespois  ditsto  foy  ter  coele  Anrique  mendez,  que 
"vinha  dePatane  onde  arribou  cõ  tempo  despois  de  Fran- 
cisco de  barros  partido,  &  assi  forão  em  companhia  ate 
que  se  apartarão  com  tSpo.  E  ficando  Francisco  de  bar^ 
ros  só,  porque  leuaua  tão  pouca  gCte  como  digo,  &sa* 

LIVRO   VIII.  BE 


218  DA    HISTORIA    DA    INOIA 

bia  que  a^las  armadas  o  auiâo  dir  esperar  ao  edtreytô 
de  Ciacapura  pêra  ho  tomarem ,  por^  não  tinka  outro 
caminho  pêra  Malaca,  foyse  a  bua  jlha  que  estaua  oyto 
legoas  da  costa ,  &  hi  se  deyxou  estar  ate  Q  lhe  pare- 
ceo  ^  os  imigos  serião  idos,  &  ele  marcaua  ho  tempo 
de  sua  estada  poios  manlimentos  que  poderifio  ter.  JBS 
parecfido  a  Francisco  de  barros  que  era  tempo,  partiose 
&  passou  o  eslrejto  sem  achar  nbu  dos  jmigos,  &  foj 
ter  a  Malaca  onde  achou  Anrique  mêdez  que  por  achar 
os  tempos  coulrayros  gastou  tanto  tempo  que  ja  os  Imi- 
gos erão  ydos ,  que  se  isso  nâo  fora ,  fora  grande  mila- 
gre escaparlhes* 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCI. 

De  como  muytos  gentios  â  morauão  no  Morro  se  tamor 

ráo  Òhristãcs^ 

JL/espoys  4  Tristão  datayde  capitão  da  fortaleza  de  jlf^^ 
]uco  ncou  de  posse  dela,  entendeo  em  a  restaurar  por 
estar  muyto  daneíicada,  &  a  torre  da  menagem^  ^  do 
derradeiro  sobrado  pêra  cima  era  de  paredes  de  canas, 
&  mâdou  ba  fazer  de  tauoado  &  rebocar  por  dStro  c5 
cal,  &assi  mãdott  fazer  a  ygreja  de  pedra  &  cai.  Ene»- 
te  tempo  lhe  chegou  hil  messageyro  de  hfl  gentio  gouer«- 
nador  de  bua  cidade  do  Morro  chamada  Momoya ,  pop 
qu8  lhe  mãdou  dizer  que  se  tornaria  Cfaristâo  se  lhe  pro- 
metesse de  o  liurar  dois  mouros  ^  de  cada  vez  ^  hiãoait 
darmada  vexauão  a  ele ,  &  aos  outros  gentios,  tomando** 
Hies  o  ^  linhão,  &  tralandoos  como  catiuos.  E  ooest« 
messegeyro  hia  hum  Português  chamado  Goix^aloveloBiQ. 
per  cujo  cõselho  se  (}rra  este  regedor  tornar  Cbristâo.  fi 
folgando  Tristão  datayde  muyto  coesia  noua ,  por  set 
tamanho  serui^  de  Deos  como  era ,  porj)  esta  obra  tãi^ 
sancta  ouiresse  effeyto,  teue  este  messegeiro  com  4Beu:s 
côpanheyros  escõdidos  ate  ^  se  baaíizarao,  &  vestidos 
muyto  bem  de  trajos  Portugueses  os  despedío  cõ  reposta 


LIVRO  VffI.   CAPíTVLO   XCI.  21* 

ao  regedor,  ^  se  ele  se  fizesse  Christâo,  aIS  de  o  fauo- 
4-ecer,  ajudar,  &  emparar,  contra  quS  qaer  que  o  qui- 
sesse anojar,  lhe  faria  muytas  mercês.  Pelo  que  o  rege- 
dor sabida  esta  reposta  se  foy  logo  pêra  a  fortaleza  a  fa- 
zer Christâo ,  ôde  recebeo  agoa  de  bautismo  com  grade 
festa  &  solenidade ,  &  foy  lhe  posto  nome  do  lobão  de 
momoya ,  &  assi  forão  bautizados  todos  os  de  sua  casa* 
E  quando  se  foy  mandou  Tristão  dataide  coele  hum  clé- 
rigo chamado  oymâo  vaz  pêra  ^  bautizasse  aQle  pouo^ 
-de  Q  ho  mais  se  tornou  em  pouco  tempo  á  santa  fé  ca- 
tbolica  9  &  em  tanto  crecimento  hia  esta  obra  de  nosso 
afior,  que  foy  necessário  mãdar  Tristão  datayde  outro 
clérigo  ^  auia  nome  Francisco  aluarez,  pêra  ajudar  a  Si- 
mão vaz,  v&  tâto  fruto  íizerão  ambos  que  os  mays  dos 
pagodes  éa^les  gentios  mudarão  em  ygrejas ,  em  ^  ce- 
lei^auão  ho  officio  diuino.  E  vendo  Tristão  datayde  co- 
mo estaChristindade  multiplicaua,  mandou  lá  algfls  Por- 
tugueses que  em  hfia  trflqueyra  que  fizerão  esCauã  era 
goarda  &  fauor  dat^les  Christãos,  pêra  ^  os  mouros  os 
nSo  vexassem.  E  fazSdose  isto  no  Morro,  chegou  ae 
porto  deTemate  h&  calalaz  em  ^  vinhão  hfis  homSs  de 
huas  jibas  que  se  <;bamão  dos  Ceíebes^  onde  dizem  que 
lia  muyto  ouro,  cera,  cascas  de  tartarugas,  &  outras 
mercadorias  ricas  ^  &  estes  <H)síumauão  de  yr  cada  an- 
fK>  a  Ternate  a  buscar  roupa  da  índia  &  outras  cousas 
^  leuauSo  em  retorno  de  suas  mercadorias ,  &  como  ti- 
nhão  este  costume  despoys  que  forão  no  porto  de  Ter- 
nate fizerão  mostra  do  qu«  leuaiião:  em  que  mostrarão 
algiias  manilhas  douro ,  &  logo  na  noyte  seguinte  salta- 
rão coeles  4certos  Portugueses  em  hum  batel ,  &  come- 
terãonos  eomo  Imigos,  ferindo  &  matando  algfls  &  os 
outros  se  saluarão  no  mar  deyxãdo  hocalaluz  que  os  Por- 
tugueses tomarão,  &  leuarão  aTristâo  datayde  cÒ  lodo 
bo  despejo  que  tinha ,  que  ele  tomou ,  pelo  J)  pareceo 
que  aquilo  fora  feyto  por  seu  mãdado,  de  que  ei  Rey 
Tabaríja  &  os  mouros  ficarão  muy  descõtentes,  Scescan^ 
dalizados ,  mas  calarãsè  por^  nã  podia  mays.  -^ 

EE  2 


220  DA   HI8T0EU   PA   INOIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCII. 

De  como  Tristão  datayde  prendeo  el  rey  Tabarija  de 
Ternaíe ,  ^  ma  tn&y  ^  ^  Fateçaranyuek  . 

i]N  este  l6po  foy  mexeHcado  el  Rey  Tabarija  deTerna- 
te  cÕ  Tristão  datayde  que  trataua  de  ho  matar  &  tomar 
lhe  a  fortaleza,  &.  ^  enlrauáo  nesta  consulta  sua  tuây, 
&  seu  marido  Fatei^arangue  regedor  do  reyno :  &  Ra- 
gabaho  justi<^a  mòr.  O  que  sabido  por  Tristão  dalaide 
ho  creo  por  serS  mouros.  E  determinado  de  os  prender 
deu  disso  couta  a  algQs  Portugueses  seus  amigos  ^  com 
Q  assentou  q  pêra  prèder  ei  rey  &  os  outros  sem  aluo- 
*roço,  tizessem  dous  dos  mesmos  Portugueses  que  pele- 
jaucío,  pelo  que  Tristão  dataide  os  mandana  prender, 
&  presos,  rogariao  a  el  rey  que  falasse  por  eles  Q  os  sol- 
tasse, ao  que  ele  jria  á  fortaleza,  &in(lo  lá  seria  preso 
CÕ  os  outros ,  que  tambê  os  fariSo  la  jr  com  algOa  ma- 
nha. Istp  assentado  logo  se  pos  em  obra.  E  rogado  el 
rey  por  parte  dos  dous  Portugueses  presos  Q  os  fizese 
soltar,  foyse  à  fortaleza  pêra  ho  rogar  a  Tristão  datai- 
de, que  esperado  por  isso  eslaua  na  torre  da  menagem 
com  a  mayor  parte  dos  Portugueses  da  fortaleza,  a  que 
tinha  dado  cola  do  caso,  &  a  (^  tinha  mandado  que  tâ- 
to  que  ele  &  el  rey  se  assentassem ,  agasalhassem  an- 
tre  dous  hum  mouro  dos  que  entrassem  co  eIRey  em 
que  aferrarião  como  cl  rey  fosse  preso ,  porque  nào  fi- 
zessem aluoroço ,  ou  se  deytassem  da  torre  abayxo  não 
se  podendo  defender.  E  estando  todos  praticando  che- 
gou a  raynha  mãy  dei  rey,  &  Pate<;aranguo  seu  mari- 
do, &  Ragabaho  ^Tristão  datayde  tinha  mandado  cha- 
mar por  hum  lorge  de  brito,  &.Lionei  de  Uma  fidalgos: 
&  eles  como  inocentes  da  culpa  f)  lhe  dauão,  forâo  logo 
a  seu  chamado.  E  tendo  os  Tristão  dataide  todus  jíitos, 
lhes  disse,  que  tinha  sabido,  que  se  querião  leuantar 
Contra  aquela  fortaleza,  &  matar  a  ele  &  aos  outros  Poc^ 


LWBO  VIII.   CAP1T¥L0   XCIT.  221 

tugttesófl)  &  pêra  lhes  dizer  islo  os  mandaifa  otiamar  pe» 
ta  os  prender  polo  caao  ser  pêra  isso,  &iiiandalo8  aogo* 
Uernador  da  índia  pêra  os  casligar  como  merecessem  ^ 
do  que  eles  se  mostrarão  muylo  espantados,  como  quS 
oão  tinbâ  cul[>a,  iicando  mujio  seguros,  &  sem  mudan* 
ça  de  cor,  dizendo  logo,  ^  aquilo  erão  mexericos  de 
pessoas  que  lhes  queriâo  mal|  que  se  posessem  coeles  S 
justiça  porque  mostrariâo  sua  jnocècia,  &  assi  tízerao 
muytas  exclamatjões,  dizendo  que  os  prendião  sem  cau- 
sa,  &  lhes  roubauão  sua  justiça :  &  com  tudo  Tristão 
datayde  os  mandou  preuder  em  ferros,  &  meter  em  bfls 
sótãos  debaixo  na  torre  da  menagS,  &  isto  sem  nenhQ 
aluoroço,  porque  os  mouros  que  biâo  com  el  Rey  por 
estarem  afierrados  não  bo  poderão  fazer  &  pori|  o  não 
ouuesse  na  cidade,  quando  se  soubesse  a  prisam  dei  rey, 
fez  Tristão  datayde  logo  rey  por  conselho  do  camarás 
que  estaua  coele,  a  bQ  moço  que  auia  nomeCachil  aey- 
ro,  filho  bastardo  dei  Rey  Boleyfe  &  de  bQa  laca  Q  ai»- 
da  era  viua,  &  ho  tinha  cõsigo,  a  cuja  casa  Lionel  de 
lima  foy  por  ele  com  outros,  &  sobre  o  leuarem  dey(a«> 
rão  a  mãy  por  hiia  lanela  fora,  sobre  o  Q  foy  grande  ai* 
uoroço  na  cidade.  Ei  porque  Iggo  se  rompeo  como  el  rey 
&  os  outros  erão  presos,  muy  tos  fugirão  da  cidade,  pria- 
cipalmente  os  do  c^^selbo  dei  rey,  cuydando  que  tam- 
bém os  prêdessem  ^  &  era  pêra  auer  piedade  ho  desati* 
no  cõ  que  fugiâo,  &  como  os  seguião  as  molheres,  os 
filhos,  &  os  criados  chorado,  &  deixando  as  casas  aber* 
tas,  &  como  a  gête  baixa  os  saya  auer  grilando  de  me* 
do ,  &  era  a  reuojta  niuy  grade.  E  hil  mouro  honrrado 
Q  auia  nome  Ouro  bachela,  de  que  faley  a  trás,  por  ser 
do  conselho  se  quisera  yr  disculpar  a  Tristão  datayde, 
&  foy  morto  á  porta  da  fortaleza  ^  ho  i)  foy  causa  de 
ainda  os  mouros  fugirem  mais  &  quasi  se  despouoar  a 
cidade,  porem  logo  se  tornou  apoucar  tornãdost*  os  mou- 
ros poucos  &  poucos  y  por  grandes  arooestações  que  lhe 
64  brisso  fez  ho  camarão,  dandolhes  muyto  fircDes  segu- 
ros da  parto  de  Tristão  datayde,  de  nào  receberem  niai 


Sit  'DÁ  BUrVOftM    BA  llfDf A 

noa  oorpoè  fM  nas  fazCdas,  &  por  esta  macieira  forioM* 
sessegadoa  lodos  o»  outros  lugares  da  jlba,  cujas  pessoas 
prÍQcipaeis  forflo  á  fortaleza  por  rogo  de  Tristão  datay*- 
de  que  lhes  deu  as  causas  porQ  prèdera  Tabarija  &  os 
outros.  E  o  mesmo  escreueo  aos  reys  comarcãos,  &Sã^ 
gajes  porQ  honã  teuessem  por  tiraoo&sealuoro^^assem* 
£  ainda  i^  lhes  pareceo  mal  o  Q  tinha  fe;to,  não  lhes 
deu  disso )  dizendo  Q  era  bS  empregado  nos  Tcrnates 
todo  ho  mál  que  lhes  fieessem  os  Portugueses ,  poys  os 
leuarão  a  sua  terra  &  Lha  entregará,  &os  ajudarão  con- 
treles  seus  parentes^  &  naturaeis:  &  mandarão  dizer  a 
Tristão  datayde  que  lhes  parecia  bS  ho  que  tinha  fey^ 
tO|  offrecSdolhds  sua  ajuda  se  lhe  fosse  necessária,  com 
ho  que  Tristão  datayde  ficou  cõtSte  &  descãçado,  &  le- 
go leuãtou  por  rey  Gachii  aeyro,  &  fez  gouernador  do 
reyno  bo  camarão ,  posto  (J  era  de  baixo  sangue ,  Q  erâ 
eõlra  ho  costume  da  terra:  &  por  se  segurar  meteo  el 
rey  na  fortaleza  donde  nunca  saya :  mas  hi  era  seruido 
&  venerado  como  rey,  &  ho  seruiâ  os  seus.  Nôs  officios 
•^  tinha  dordenãça^  todos  Tristão  datayde  proueo  de  no*- 
uo,  que  cuydando  f\  estaua  seguro  pêra  fazer  tudo  o 
l]ue  quisesse,  determinou  logo  dauer  pêra  sy  lodo  ho 
crauo  {}  ouuesse  na  terra,  pelo  preqo  que  estaua  assen-*- 
tado  na  feytoria,  Q  era  aiiiil  reaes  ho  Bahar.  E  pêra  isso 
mandou  bo  9amarao  pregoar  sob  granes  penas ,  que  ne- 
nha  mouro  nem  gentio  vddesse  crauo  se  náo  a  Tristão 
datayde  &  aos  Portugueses  ^  ele  ordenasse  pêra  o  c5* 
prarem.  E  o  mesmo  mandarão  pregoar  a  seu  requeri- 
mento os  reys  de  Tidore  &  de  Geylolo,  &  ho  de  Ba- 
chão,  que  tambS  foy  requerido  pêra  isso^  mas  nã  quis^ 
E  pêra  se  auer  todo  este  crauò ,  &  não  escapar  nenhu , 
pos  Tristão  datayde  nos  lugares  em  que  ho  auia  criados 
seus ,  &  outros  homSs  de  que  ciõfiaua ,  &  estes  a  fora 
arrecadarS  ho  crauo,  tiranizauão  a  terra  com  crueza  de- 
masiada, tomando^  a  seus  donos  quãto  lhes  vinha  á  von« 
tade,  &  hê  molberes  &  6lhas,  &  seruindose  deles  em 
4udo  como  descrauos,  sem.Tristãe' datayde  querer  aeo* 


dir  a  Unso,  &  cõoelbandolbe  algfts.que  ho  fizesse  por  não 
96  leuaDtar  a  terra,  zombaua  disso^  £  toda  e^ta  diligen* 
cia  dauer  o  crauo,  era  causada  ho  seu  preço  aJauan* 
tar  de  cada  ?ez  màiBy  &  chegou  a  valer  boBahar  a  cin* 
eoenla  &  a  sewenta  cruzados ,  por^  como  os  Portugue» 
868  tinhâo  muita  fazSda  Q  ^bq pregar,  &  viAo  hocanuoho 
Q  a  terra  leuaaa  pêra  se  ieuÂtar ,  i^rião  todo«  emprega-* 
b,  &  todos  comprauâo  crauo^  &  os  mouros  como  se  a^ 
uenturauão  a  grandes  penas  se  Tristão  datayde  ho  sou* 
besse,  náo  o  ijuerião  dar  menos  do  preço  ^  digo,  &ou«- 
tros  ho  dauão  por  armas ,  &  pela  necessidade  \  os  Per^ 
tugueses  tinhâo  não  deyxauào  de  ho  comprar» 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCIH. 
lÁe  €&mo  Tristá  dutaide  fez  guerra  u  el  rey  deBebchÍ(K  - 

J[N  este  ISpo  fez  Tristão  datayde  guerra  a  ei  rey  de  Ba* 
chão ,  por  se  vingar  dele  de  ihe  nã  querer  deyxar  fazer 
crauo  em  sua  terra :  &  por  não  yr  á  fortaleza  despois  da 
prisão  dei  rey  Tabarija ,  como  Q  se  Qria  leuâtar  cdtra 
ela.  E  como  ele  sabia  bS  da  guerra ,  a  primeyra  cousa 
Q  fez ,  foy  mâdar  tomar  lingoa  a  Bachão  pêra  saber  ho 
que  el  rey  deierminaua ,  &  a,  isto  Ibrâo  há  António  pe* 
reyra ,  lorge  goterrez  ^  &  outro.  £  oooio  os  Bachões  nS 
se  temião  por  estarem  de  paa  com  os  Portugueses,  fa* 
cilmente  estes  capitães  tomarão  algUs,  do  Q.  se  ei  rey 
espantou  muito,  por  ser  ho  mays  antigo  amigo,  &  mais 
leal  que  os  capitães  de  Ternate  lenerão  sempre  naque^ 
la  terra ,  fc  cõ  mais  deiigencia  aeodio  sempre  á  fortale*- 
za  em  suas  necessidades :  &  posto  Q  Tristão  datayde 
soube  dos  Bachèes  que  el^  Rey  estana  muyto  assessega- 
do  na  paz  &  amizade  que  tinha  ccele,  todauia  proseguo 
a  guerra  coatrele^  mandando  b{la  arinada  que  lha  fizes* 
se  a  fogo  &  a  sangue.  A  cujos  capitães  el  rey  fez  grft- 
des  requerimentos  da  parts  dei  Rey  de  Portugal  quelha 
não  izessem  foS»  ena  amigo  dei  Rey  de  Portogal  &  ti^ 


984  DA   HISTORíA    DA    ÍNDIA 

nh<i  paz  coele ,  &  nS  queria  guerra  nem  fizera  por  que 
lha  fizessem ,  &  cÕ  tudo  nAo  quiserão  se  nílo  fazertha  j 
no  que  não  fieerSo  mays  que  perderB  aigQa  gente  que 
Ibe  os  fiachões  matarfto  &  ferirão^  &  sem  fazerem  mays 
se  (ornarfio  a  Tristão  datayde,  que  tomando  aquilo  por 
injuria  determinou  de  se  vingar,  &  yr  em  pessoa,  & 
leuar  em  sua  ajuda  os  reys  de  Ternate,  &  de  Tfdore, 
&  parliose  cÕ  hua  grossa  armada,  de  i\  forão  oapitâes  a 
fora  ele,  Diogo  sardinha  capitã  mór  do  már,  Baltesar 
vogado,  António  pereyra,  Francisco  pirez,  Baitesar  ve^ 
loso,  Lisuarte  caeyro,  Fernão  anriquez,  António  de 
teyue,  lorge  goterrez,  &  outros,  &  assi  os  reys  que  di* 
go ,  &  seus  gouernadores  &  Sangajes,  E  chegado  á  bo- 
ca do  rio  deBachão,  soube  {}  os  mouros  ho  tinhão  atu- 
pido ,  com  ho  muito  &  muy  basto  aruoredo  que  tem  de 
cada  parte  que  serrarfto,  &  deytarão  nele.  E  sabendo 
Tristão  datayde  que  não  podia  yr  por  terra  por  ser  ala- 

f adiça,. determinou  de  yr  polo  rio  &  desatupilo,  &  assi 
o  fez,  leuãdo  nos  bateis  &  ehãpanas,  molinetes  carre- 
teis com  que  tirauão  os  troncos  grossos  do  aruoredo,  & 
os  mays  delgados  cortauâo  cõ  machados,  o  que  fazião 
cÕ  muytQ  grade  trabalho.  EsabSdo  el  rey  de  Bacha  co- 
mo Tristão  datayde  desatupia  ho  rio  &  se  hia  chegado 
á  cidade,  mãdou  gente  que  per  antre  o  ma(o  (irasse 
frechadas,  &  arremessos  aos  Portugueses ,  &  os  eslor* 
uasse  de  desatupirem  bo  rio,  ao  q  Tristão  datayde  ata- 
Jhou,  mâdando  Diogo  sardinha  capitão  mór  do  mar  cõ 
outros  capiíXes  íj  fossem  ao  longo  de  terra  cÕ  os  espin- 
gardetros  &  varejassem  a  gente  í\  impedia  o  desatupir 
do  rio,  •&  assi  foy  feyto.  O  que  vendo  el  rey,  mandou 
deytar  ho  rio  por  outra  parte  por  onde  ya  antigamente, 
&  como  tinha  muyía  gente  logo  foy  feilo,  &  começan^ 
do  a  agoa  de  vingar,  ficou  a  frota  de  Tristão  datayde 
em  seco,  &  sospeytando  ele  o  que  podia  ser,  mandou 
gCle  a  ver  se  era  assi ,  &  achando  i\  sy ,  derâo  nos  Q 
trabalhauâo  no  rio,  &  fizerãonos  fugir,  &  despois  ato- 
pirâo  a  madre  ^linhâo  feyta  ao  rio,  &  fizerãono  tornar 


LIVRO   VITI.    CAPITVLO  XCniI.  2*4 

pm*  onde  eon^ia.  B  desesperado  el  rey  de  poder  escapar 
a  Tristão  dataide ,  despejou  a  eídade  &  acolheoâe  cora 
a  gente  pob  serlâo  da  jlha ,  de  modo  Q  quando  Tristão 
dataide  chegou  a  eia ,  nem  achou  gCle  cõ  que  pelejar , 
nem  fazftda  t\  roubar,  o  ^  vendo  os  Portugueses  lhe  po- 
serão  o  fogo,  &  a  ^ymarfio  &  destruyrão  de  todo,  c5 
grande  parte  da  terra  ao  derredor ,  &  quebrarão  as  se- 
pulturas dos  reys  (|  ali  estauã  sepultados ,  &  leuarâo  as 
ossadas ,  parecendolhes  que  despoys  lhas  resgataria  ei 
rey:  B  despois  disto,  quisera  Tristão  datayde  entrar 
pola  jlha  &  destruyla,  mas  não  pode,  por  ser  terra  ala- 
gadiça :  &  vendo  que  não  podia  fazer  nada  se  tornou 
pêra  a  fortaleza  c5  os  reys,  deyxãdo  Diogo  sardinha  cS 
a  mayor  parte  da  armada  pêra  ^  fizesse  guerra  guerrea- 
da a  el  rey  de  Bachão,  &  ficou  coele  Pateçarangue  c5 
a  armada  deTernate.  E  ydo  Tristão  datayde  el  rey  co- 
meteo  paz  a  Diogo  sardinha  &  ^  daria  duzõtos  Bahares 
de  crauo,  do  ^  Tristão  dataide  foy  contente,  &  despois 
disso  mâdou  hQ  nauio  a  banda  a  fazer  fazSda,  de  ^  (oy 
por  capitão  hu  loâo  de  canha  pinta. 

CAPITVLO    xcini. 

De  como  el  rey  de  Cambaya  foy  buscar  d  rey  das  Mo^ 

yores, 

JLIespoys  que  çoltão  badur  Rey  de  Cambaya  fez  paz 
eõ  ho  gouernador,  determinou  de  yr  pelejar  com  el  rey 
dos  Mogores,  Q  lhe  entraua  a  terra,  como  disse,  & 
frendo  partir  soube  i)  se  lhe  rebelara  airaynhadumrey- 
no  por  hum  seu  fíiho  que  era  seu  vassallo,  que  determi- 
nando de  sugigar  eela  raynha  primeiro  que  fosse  contra 
ei  rey  dos  Mogores ,  partio  logo  da  cidade  do  Mandou 
onde  estaua  &  Ipuoq  hum  exercito  em  que  entrauão 
cento ,  &  eincoenta  mil  homSs  de  caualo ,  em  que  aue« 
ria  trinta  mil  acobertados  &  de  bõs  caualos,  &  os  ou- 
tros erão  bõs  &  máos,  &  quinhStos  mil  homês  de  p^,  eni 

LIVRO    VIU.  FF 


/ 


SSC  DA   HISTORIA   SA   IN  DIA 

que  entrauSo  quioze  mil  estrftgeyros  Fartaqvifl'^  Abe« 
xint,  &  trezStog  Rumes,  que  leuaua  Rumecâo^  &  oin^ 
coenta  Portugueses ,  quinze  Christâos  caliuos ,  que  el 
rey  soltou  pêra  ho  ajudarem  nesla  guerra  ^  &  lhes  mau- 
doa  dar  armas  &  pagar  soldo ,  &  os  outros  arrenegados^ 
&  trinta  Franceses  que  forão  ter  a  Diu  na  nao  Dohri^ 
gas :  leuaua  mil  peças  dartelbaria  Scarretadas  ^  em  que 
•ntrauã  quatro  basaliscos,  jrmãos  do  i!|  Nuno  da  cunba 
asâdou  a  Portugal,  &  tudo  de  metal^  ê  carretas  de  qua- 
tro rodas,  &cada  carreia  era  leuada  por  duzentos  boys^ 
es  bois  das  carretas  das  outras  pe<^  erao  segudo  elas 
demandaua,  &  muytos  bombardeyros  &  fundidores.  C 
pêra  esta  artetharia  hião  quinbfttas  carretas  carregadas 
de  poluora  &  de  pelouros:  Jeuaua  oyto  centos  Aiifantes 
CÕ  castelos  de  madeyra,  &  de  muytos  deles  jugauáo 
doos  berços  ,  &  nos  outros  hrâo  quatro  espingardeyros«. 
Fera  as  despesas  deste  campo  ieuou  quinhentos  cofres 
grSdes  de  cobre  cbeos  de  dinneyro  douro  &  de  prata,  & 
oada  hil  hia  em  hfia  carreta.  A  Ibra  outro  muy  lo  dinhey-« 
ro  que  ieuauâo  todos  os  senhores  \  hiào  com  elrey,  as^ 
si  mouros  como  gentios,  de  <|  algus  tinhâo  sete  colos 
mil  cruzados  de  renda,  &  outros  quinhStos,  quatrocea- 
tos,  trezentos,  duzentos,  &  cento,  &  cada  hum  leua-* 
ua  seu  tesouro :  &  hião  neste  campo  ires  mil  mercado- 
res ,  ^  bo  mais  pobre  não  decia  de  vinte  mil  cruzados  y 
&  muytos  de  trezentos,  &  duzentos  mil.  Partido  el  rey, 
seguio  seu  caminho  pêra  o  rey  no  deSangà,  &  fi>y  sobre 
a  principal  cidade  dele^  Q  se  chama  Chitor,.  \  na  lin^ 
goa  da  terra  quer  dizer  sombreiro  do  mtido ,  &  assi  ho 
he  f»Ia,  &  al8  de  ser  a  mais  nobre  &  rica  \  pode  ser  no 
míído ,  não  lhe  falta  grandeza  &  fortaleza :  será  de  três 
lagoas  de  roda,  situada  sobre  hCla  moyto  alta  serra,  cer- 
cada de  fortes  muros  &  baluartes  da  nossa  maneira,  en» 
\  autâ  muy  suntuosos  edi£otos  ,  asst  dos  seus  pagode» 
eomo  dos  homSs  que  tinbâ  os  mais  as  paredes  iforrada» 
do  tauoádo  dourado ,  &  as  qtie  não  erão  douradas  eráo 
branqueadas  od  hiL  betume  aluo,  &  rijo  \  parecia  vídfo. 


LIVRO  VIU.   CAFITVLO   XCIIII.  St7 

Nesta  cidade  estaua  a  raynha  deste  reyno,  t^  auia  no- 
me Gremêli,  moiher  viuua  &  ainda  de  boa  jdade,  & 
muyto  fermosa,  &  Ião  esforçada  Q  peiejaua  como  hom6, 
Sc  lioba  cOsigo  doua  mil  de  caualo  &  trinta  mii  de  pò« 
Chegado  eirey  deCãbaya  a  esta  cidade  cercou  da  serra 
quâlo  ocupaua  dela  a  cidade,  &  do  pé  da  serra  come- 
4}ou  logo  de  ffiidar  fnzer  dons  mayaeis  de  pedra  &  bar- 
ro pêra  chegarem  acima  ao  muro  da  cidade,  &  cada  hft 
por  dSlro  de  largura  de  cincoêla  pés  cubertos  dé  vigas 
muyto  jiltas,  porQ  aa  pedras  {|  oe  immigos  lançaufio  dú 
cima  não  fizessem  nojo  aos  que  andauflo  dentro  faaêdo 
bus  degraos  pêra  a  g8te  sobir  por  ali  a  cidade,  &  man* 
dou  pregoar  que  a  todo  boraS  ^  Ibe  leuasse  hiía  pedra 
dos  muros  da  cidade  daria  bum  madrafaxao,  que  pola 
nossa  moeda  vai  três  cruzados ,  pêra  o  4  tiabá  diante 
de  si  cofres  cheos  deles ^  &  coesta  diligencia,  &  cÒ  a 

5iue  se  pos  nos  mayneis  forão  acabadas  em  htt  mes  & 
eyto  sobre  cada  hiia  b&  baluarte  que  ficailão  tão  perto 
dos  muros  da  cidade  que  deytauão  dStro  panelas  de  poU 
uora,  foy  a  cidade  entrada  principalmente  pula  valêlia 
dos  Portugueses ,  que  el  rey  sempre  mandaua  poer  noá 
lugares  de  mayor  perigo,  por  os  ter  por  mays  ouaadoa 
Q  nbfls  das  outras  nações^  &  assi  forão  eles  os  primey*' 
ros  que  entrarão  a  cidade.  Cujos  moradores  fizera  hfla 
notauel  façanha,  que  foy  queymarense  todos  (em  se  en-* 
irando  a  cidade)  assi  molberes  oomo  bomSs  que  não  po^ 
derão  morrer  na  batalha ,  &  assi  suas  fazendas  que  ti* 
nhão  prest<>s  pêra  isso,  &.80iibeae  despois  ^  forão  seten- 
ta mil  pessoas  &  bo  fogo  durou  Ires  dias  sem  se  poder 
apagar.  £  a  raynha  fugio  logo  com  setis  filbos  &■  cont 
hum  senhor' sc^  vasralk>  que  tinha  por  anúgo.  £  tornai 
da  a  eidade  el  rey  de  Carobaya  fi«ou  t|k)  lèab  como  se 
fora  tfenbor  do  mftdo,  fe-dézia  que  daii  por  diante  nira 
rey  da  índia  auia  áe  trazer  #om br ejro/se  não  ele,  écten 
^^^y^,  gratadea  mercês*  aos  <lo  úeu  oampo  d<^rando  aii 
rendas  aos  senhores ,  &  fco  soldo  aos  soldados* 


♦  ♦ 


FF    2 


**•  »A  HI6TO1RIA.  nu  mniA 


C  A  P  I  T  V  L  O    XCV. 

tos  mil  de  caualo,  os  cincoenta  «il.  acubertadoT   &  !í 
tes  eràoMogores,  os  outros  de  ca-alos  Sr/w 
»08,  Tarquimâes,  Coracones,  &  Delia    &  nJ^Vt  T 

guncho,  &  alforge  g5  mantunSlo ,  &  a  eeniB  d^  Ha 
ít?  ;«•'«>♦  ««  q  a«ia  dez  mil  ^spiogírdeL^  ^a«t 

ílíí  r**^  '^"í***  ^•"y^*  n.oJheres'iojt^r«s  Iodas  aT 
«ao  &  com  arcos  &  frechas  com  «^ue  tiriuào,  Tleoa^; 
«íl  peças  dartelharia ,  &  coesle  campo  se  [o\  cam!nhí 
da  c.dade  de  Mandou  oode  íuydou  que  acháwe  S  "ev 

«a  hl  não  a  quis  combater.  E  sabendo  que  estaua  sobra 

«er  que  auia  dous  meses  que  andaua  por  suas  íenZ 
.em  achar  com^  qu6  nelejass2:  &  el  rey  íe  Gambava^ 

ZoláT:^  r^"  ^'"'"«^  quandolhe  dera  es?e  r^ 
cado,  &  Jogo  partio  com  seu  campo  cõtraMaadou  ft  era 
o  cami-nho  que  traziâo  seus  cíkrajíos.  E  checara  bôí 
sua  cidade  chamada  Docer,  asseada  em  hfi^càno  ras^ 
ao  longo  de  hfl  rio,  acbou  nouas  q  Ik>  Mogor  estaua  d«,S 
sele  Jegoas,  &  que  nâo  andaua  cada  dil  mais  de  h SÍ 
fegoa,  Jegoa  &  mea,  &  os  seus  corred^rererào  vitíe 

Sr«;«?  r  VJ^^  "^'"^  despedio  ha  seu  «apiíio 
«bamado  Coraçàcâo  com  ires  mU  de  caoalo  a  sabir  se 
era  àssi  o  ^  Hie  dwiSo.  E  sabêdo  o  jrmâo  do  Moger  sua 
yda  deu  neie  &  matouHie  quantos  J^uau»,  saiuo  quore».» 
ta  q  ficarão  muyio  feridos,  k  ho  capitâo  foy  catiuo. 
Aqui  espefou  el  Rey  deCàbaya  ho  Mogor,  assi  por  de»- 


LlVftO  VIIÍ.   CAÍlTVLO  *CV.  SÍÔ 

cansar  sua  gente  j  como  por  auer  disposição  mutlo  boa 
pêra  assentar  o  arrayal,  que  assentou  pegado  com  o  rio 
de  hQa  parte  ^  &  da  outra  cercado  de  tranqueiras  &  ca- 
uas  cõ  muyta  artelbaria  que  íicaua  furlissimo ,  &  aqui 
cõtra  seu  costume,  ^  era  não  se  cõselhar  nunca  cÕ  nin* 
guem  no  que  auta  de  fazer,  tomou  conselho  com  Rume« 
cSo  ( que  era  seu  condestabre  }  se  daria  batalha  ao  Mo- 
gor,  por^  au6turaua  nela  todo  seu  estado,  o  que  lhe 
eonselhou  {|  nAo  fizesse,  mas  Q  por  outros  meyos  oafaff- 
tasse  de  si ,  porc}  dali  ao  jnuerno  aueria  hu  mes ,  8(  cõ 
as  chuuas  &  cheas  &  ríbeyras  era  im))0S8Íuel  o  Mogor 
esperar  no  campo ,  &  se  auia  dir  por  força ,  o  que  pa« 
receo  bê  a  el  rej  de  Cambaya,  mas  sayoíbe  mal,  por* 
que  nS  choueo  goteira  dagoa ,  que  foy  cÕtra  natureza 
do  tem])o :  o  que  foy  causa  de  se  perder  >  o  Q  quiçá  nS 
fora  se  pelejara*  E  tudo  isto  parece  que  foy  permissão 
diuina,  porQ  se  ele  dali  ficara  cô  a  vitoria,  todo  seu  po- 
der ouuera  de  virar  contra  os  Portugueses ,  &  não  ces- 
sar atee  que  os  não  desarreygara  da  índia.  E  chegado 
fao  Mogor  a  tiro  dartelharia  do  campo  áe\  rey  de  Cam- 
baya ,  assentou  o  seu  I)  tomaua  três  legoas  pêra  trás,  & 
na  frontaria  do  arrayal  estauão  deus  senhores  principais, 
fali  se  chamaua  Indobeque  que  era  Mogor,  outro  Esta- 
€oHm ,  Grego  de  naçã  &  condestabre ,  &  da«  carretas 
em  que  leuaua  a  artelbaria  cercou  o  campo,  &  cada 
quorenta  se  cerrauâ  com  b^a  cadea  de  ferro  com  que 
se  fechauão  em  outra  carreta,  &  deste  modo  se  fecha- 
uBo  todas  em  reda  que  fícauã  eomo  fortaleza,  &  nhfl  ho- 
me de  canais  podia  entrar  dentro.  Tendo  ho  Mogor  as* 
sentado  seu  arrayal ,  começou  a  artelbaria  de  jugar ,  St 
como  a  dei  rey  era  maya  fvriosa  fusirgaua  mays  ao  lon- 
ge, &  fazra  maj/or  dano,  pelo  ^  o  Mogor  se  ttrou  pêra 
onde  lho  nft  fizesse,  &  mãdour  conuidar  el  Rey  deCam^ 
baya  pêra  batalha  campal,  ehamandofhe  couardo.  E  cô 
tudo  et  rey  de  Camrbaya  pefai  determinação  que  tinha 
não  quis  pelejar,  porque  ja  começaua  dauer  medo  sem 
yn  de  que.  £  iieete  tempo  fugirão  do  eaakpo  de  Cam^ 


I 


t30  DA    HISTORIA    I>A    ÍNDIA 

baja  cinco  Portugueses,  quatro  ChrialSoâ^  &  h&  arre- 
negado, &  forãose  pêra  ho  campo  doMogor  a  quero  fo- 
râo  leuadoS|  &  leuantouse  a  velos  da  porta  de  sua  tSda^ 
&  mostrou  que  folgaua  mujto  de  os  ver,  &  pregunlou 
a  cada  hu  por  seu  nome,  &  o  arrenegado  que  era  o  lia- 
goa  lhos  disse ,  &  que  ho  seu  era  Hamet ,  porQ  se  tor- 
nara mouro,  do  q  se  el  rey  espantou  muyto,  &  estra- 
nhoulhe  muyto  tornarse  mouro«  £  sabendo  como  em 
Ghrislão  se  chamaua  António  gonçaluez,  mandoulbe  Q 
assi  se  chamasse,  &  a  todos  fez  mercê  de  dinheiro,  ves« 
tidos,  &  armas,  &  lhes  prometeo  muito  grandes  mercês 
se  quisessS  jr  coele  a  suas  terras,  &  encomSdouos  ao 
seu  cõdestabre  por^  era  christâo :  &  agasalhauâose.coni 
a  sua  gente,  &  fazialhes  roujla  hõrra,  &  estes  ouuirâ 
no  mesmo  campo  que  ho  JMogor  era  de  casta  deChrís- 
tâos ,  &  por  isso  folgaua  coeles.  £  vedo  ele  que  el  rey 
de  Cambaya  não  queria  pelejar,  começa  de  lhe  tomar 
os  mantimentos  &  nSo  lhe  deyxaua  jr  âo  cSpo  ae  nSo  os 
^  não  podia  tomar ,  &  estes  erão  (ã  poucos  ^  não  erão 
nada  pêra  a  multidão  domSs  &  daliniarias  ^  auia  nocS-* 
po  dei  rey  de  Cãbaya ,  em  que  Içgo  ouue  muyto  grade 
fome ,  &  era  o  trigo  &  ho  arroz  tão  pouco  ^  se  vendia 
aos  arratens ,  &  valia  cada  hú  seys  vinténs,  &  bu  mo« 
lho  de  feno  outro  tanto,  &  começarão  de  morrer  os  ca* 
uaios  &  os  homês ,  Sc  em  duus  me^es  ^  assi  esleuerão 
ouue  algus  recontros  em  ^  sempre  os  Mogores  forâo  ven- 
cedores. E  por  derradeyro  mandou  el  rey  de  Cãbaya 
hum  capitão  cõ  todos  os  Abexins  a  tomar  híia  grande 
recoúa  de  mantimentos  que  lhe  trazião,  &  os  Mogores 
a  tomarão  &  matarão  os  mais  dos  Abexins,  &  era  ja  ta«^ 
nianho  ho  medo  ^  auião  aos  Mogores  no  capo  de  Cam« 
baya  ^  do  rugido  das  ar/nas  se  espantauão.  £  vendo  is«* 
to  el  rey  de  Cambaya,  &  a  muyta  gente  que  lhe  mor- 
ria foy  ko  seu  medo  tamanho  de  ser  tomado  que  deler^ 
minou  de  fugir.  £  húa  noyte  ja  no  cabo  do  quarto  dn 
modorra  se  acolheo  ho  mays  secretamente  que  pode^ 
deyxando  recado  a  Rumefâo  que  arrebentasse  a  arte« 


LIVAO  TUI.   OAPITVLa  XOVI.  t3t 

Iharia,  por(}  us  Smígo8  não  se  aproueytassem  dela,  & 
que  com  a  inays  da  gfite  de  caualo  que  podesse  se  fos* 
se  á  cidade  de  Mandou  pêra  onde  ya ,  Q  esta  gituada 
na  ponta  de  hua  serra  de  sete  iegoas  de  roda  8c  de  niea 
legoa  daltura,  &  fica  oomo  hfi  penhâo:  por^  a  inayor 
parte  he  de  rocha  viua,  a  cidade  será  do  tamanho  de 
Lisboa  &  sobe  a  eia  per  hQas  escadas  feytas  ao  pica  na 
rocha.  Nesta  cidade  tinha  el  rey ,  hãs  paços  lodos  la«> 
nrados  douro  &  dazul^  &  as  paredes  cubertasdazulejos, 
&  tem  h&a  orta  do  tamanho  de  Viia  noua  dandrade,  & 
dentro  Ires  grandes  tanques  dagoa  cõ  dous  barganils 
cada  hu ,  em  Q  el  rey  se  desenfadaua  com  seus  priua^ 
dos  9  &  no  cabo  dela  hua  estrebaria  com  dez  mil  caua- 
los  9  cõ  suas  selas  i&  freos  pêra  fazer  mercês  aos  silores 
seus  vassallos.  £  primeyro  ()  chegassem  a  estes  pa<jos 
auiflo  de  passar  por  três  fortalezas  muyto  fertes  cÕ  seus 
muros  &  cauas^  &  cada  hua  não  tinha  mays  de  duas 
portas  f\  goardauâo  capitães  cõ  gente.  £  se  esta  serra 
b8o  fora  tamanha  nunca  esta  cidade  se  poderá  tomar , 
pori|  tinha  dentro  agoa  &  mantimSlos  pêra  quãto  du- 
rasse o  cerco  ^  mas  por  a  grâdeza  da  serra  nâo  se  podia 
defender.  £  cÕ  tudí)  el  rey  de  Câbaya  se  acolheo  a  ela 
cd  sete  mil  de  caualo  ^  se  forflo  ajuntado  coeie,  cõ  quã- 
to deixou  a  estrada  8  sayndo  do  capo ,  &  se  foy  por  lu- 
gares desuiados  por  não  ser  tomado. 

CAPITVLO     XCVI. 

i>e  conta  €l  rey  dê  CXAoga  sê  acolheo  u  Dm  ,  ^  ão  mãiè^ 

que  /est. 

J?  ugido  ti  rey  de  Gambaya ,  mandoo  Rumecão  sobre- 
carregar a  artelharta,  fit  muiia  arrebSíou  &  outra  ficou 
por  arrebentar  cÕ  pressa  de  fugir,  por2)  a  fugida  dei  rey 
por  Biais  secreta  ^  foy  ee  soube  logo  peio  IMogor,  \  muy- 
to de  pressa  foy  a  pos  ebs  c6  quinhfttoe  de  caualo,  &  os 
seus  der  fie  logo  ao  cájpo  dei  rey  de  Càbaya  &  roubarãono, 


139  BA    HISTORIA   DA   lt4DIA 

&  a8  tendas  dei  rey  que  erâo  de  boreado  &  de  veludo 
de  deotro  &  de  fora  forfto  todas  espeda^iadas  ^  (|  ooupa* 
uão  hum  ressio  dStro  no  arraial  em  Q  caberia  dez  mil 
homSs  de  caualo ,  &  foy  cousa  afi  conto  ho  dinheyro  4 
ae  achou)  &  assi  ouro  &  prata  em  barras,  &  muitas  pe* 
ças  ricas  ^  nSo  tinhâo  preço  ^  assi  dei  rey  como  dos  se- 
phores  2|  yão  coele,  Q  nhfl  c5  pressa  de  fugir  leuou  cou- 
sa nhua:  &  como  eles,  &  a  outra  gele  do  c3po.for2o 
pelo  derejto  caminho  de  IMSdou,  quasi  todos  forâo  mor* 
tos  poios  Imigos  4  lhe  seguiSo  o  alcanço,  &'o  Mogor  se 
deu  tâta  pressa  que  em  três  dias  chegou  a  Mandou ,  & 
chegada  sua  gfite  cercou  a  cidade ,  &  mandou  dizer  a 
el  rey  de  Gambaya  4  restituísse  al}ie  reyno  a  cujo  era , 
íl  os  outros  !|  tinha  tomados,  &  !|  desse  Diu  ao  gouer- 
oador  da  índia ,  &  ^  ho  deyxaria  yr  pêra  Cãbaya  do  ^ 
se  el  rey  rio ,  parecSdolhe  j|  estaua  seguro  pola  fortale^ 
za  da  cidade  &  poios  mãtimenlos  Q  tinha!  &  durando 
este  cerco  se  cõcertou  o  Mogor  cÕ  Rumecão  ^  se  fosse 
parele  &ç,  que  lhe  daria  a  rêda  Q  tinha  dei  rey  de  CS- 
baya  &  se  assentaria  cÕ  seus  jrmâos,  &nc^o  lhe  deu  Diu 
i)  tábõ  Runiecâo  pedia  por  dizer  {|  o  tinha  prometido  a 
Nuno  da  cunha.  E  coeste  concerto  fugio  Rumecão  fin« 
gindo  ^  daua  hn  rebate  no  capo  dos  imiffos,  &8ayo  aup 
Lcmenhaâ  cõ  quantos  Rumes  tinha  &  foise  pêra  o  Mo<> 
gor.  B  soubese  {)  quâdo  el  rey  de  Cãbaya  o  soube  Q  dis- 
sera a  Manuel  de  macedo.  Como  foste  verdadeyro,  & 
isto  polo  q  lho  profetizara  de  RumecSo  quando  se  desa- 
fiou coele.  E  despois  disto  peytou  o  Mogor  tSto  a  h& 
capitão  ^  goardaua  hQa  das  portas  da  cidade  {|  lhe  dea 
por  eia  Strada  hua  noite  &  tomou  a  cidade,  &  el  rey  de 
Cãbaya  se  acolheo  cõ  quatro  de  caualo  por  yr  mais  en- 
cuberlo,  &  foise  caminho  do  reyno  de  Cãbaya  ft  cidade 
de  Chãpaner  í\  he  da  costa  trinta  legoas ,  &  fi  hiis  gra- 
des cãpos  se  leuanta  hfla  serra  pei)na  a  modo  de  penha 
toda  de  rocha  talhada  &  será  em  ptirtes  de  hua  legoa 
dallqra,  &  em  outras  de  quatrocStas  braças,  he  toda 
cercada  de  muro  muyto  forte  de  cantaria  çÕ.cincoèta.&' 


LIVílO   VIII.    CAI>ITVL0  XCVI.  233 

€^to  baluartes  do  foesino,  &  mtiílo  bem  artilhados  dar- 
telharia  grossa  ^  «ilo  t8  c&lo!  toda  esta  cerca  oSo  16 
tnais  I)  bfla  só  entrada  per  bda  porta  feyta  ao  picão  fnniH 
to  alta ,  &  vay  de  baixo  do  chão  mais  de  quorenta  bra- 
ças,  &  antes  de  chegar  a  esta  poria  t'ein  hjia*caua  de 
cem  passos  muyto  /uda ,  &  no  andar  de  baixo  híia  poa- 
te  Ieuadí<^:  em  goapda  desta  porta -e&ícauão  quatro  tra- 
bucos de  mastos  tão  grossos  como  os  das  nãos  de  car- 
reira. Dentro  desta  primeira  cerca  ba  outras  seys^  & 
alem  da  4erradeyra  está  a  pouoação  que  he  de  c6lo  & 
trinta  mil  vezinhos  l\  se  estende  por  toda  a  serra ,  & 
nela  estão  hCIs  paijos  dei  rey  do  tamanho  da  cidade  De- 
uora  cercados  de  muro  cÕ  três  portas  de  ferro ,  &  ile 
dentro  pousa  el  rey  quando  ali  «vay  com  as  suas  molhe- 
res  {|  sam  seyscêtas ,  &  os  irecebedores  de  suas  rendas 
que  andão  na  corte,  &  os  officiaes  de  sua  casa,  &  eslã 
os  almazSs  dartelharia  &  das  armas ,  &  as  casas  d^  ffl- 
diçSo  dartelharia:  todo  o  mais  sam  jardis,  &  casas  de 
prazer,  a  mais  rica  &  deleytosa  cousa  do  miido,  &  no 

Çico  desta  serra  ha  outra  fortaleza  sobre  rocha  talhada* 
'anlo  ^  el  rey  de  Câbaya  chegou  a  esta  cidade,  fez  lo- 
go partir  pêra  Diu  suas  molheres  &  «ua  mãy  &  bo  sea 
tesouro  douro  amoedado  &  joyas  ricas,  ^  dizS  !\  chega- 
ua  tudo  a  dez  cotos  douro :  &  ho  de  prata  ^  era  muy- 
to,  mandou  recolher  na  fortaleza  do  cume  da  serra,  & 
mandou  a  hft  capitão  ^  auia  dtr  cõ  suas  «íiolheres  ^  se 
teuesse  noua  2|  o  Mogor  bo  seguia  <}  se  fosse  a  Câbaie- 
te,  hfla  cidade  porto  de  mar,  onde  tinha  feyta  bua  fro- 
ta muy  grande  de  ga^leões ,  galés ,  &  galeotas.  E  assi 
deixou  em  Ghampaner  bum  capitão  com  cinco  mil  bo- 
rnes de  peleja,  &  mantimentos  pêra  quatro  annos.  E  is- 
to tudo  feyto  partio  pêra  Diu  cõ  seus  quatro  compa- 
nheyros  vestido  como  pobre,  &  rapado  por  não  ser  co« 
nbecido,  nê  doe  seus  ^  tamanho  era  ho  seu  medo  ^  de 
tudo  bo  auia.  £  quS  auia  tão  pouco  !}  com  seu  grande 
poder  auia  de  cdquistar  bo  mQdo,  tornou  tão  destroçado 
por  sua  grande  soberba,  que  segundo  ele  cõfessou,  ateli 

LIVRO   VIII.  GG 


234  BA   HISTORIA    BA   ÍNDIA     • 

não  tinha  em  conta  Deos^  nê  Mafamede^  nem  entraua 
nas  mezquitas  a  fazer  a  ora<23o  da  sua  seyta^  &  cuidaua 
Q  ele  mesmo  era  deos ,  &  assi  punha  em  seu  titulo.  Ho 
QoitSo  Badur  cuja  cadeyra  está  nos  ceos,  &  ho  sol  he 
seu  seio^  8c  a  lua  ferradura  do  seu  caualo,  &  as  estre- 
las crauos  dela.  E  chegado  ele  a  Diu,  mâdou  logo  fazer 
dous  baluartes  em  dous  passes  da  terra  firme  pêra  a  jiha 
que  se  [lodião  passar  cõ  maré  vazia ,  &  isto  porf}  se  o 
Mogor  viesse  que  o  não  podesse ' entrar :  &  estado  em 
Diu  chegara  as  suas  roolheres  &  sua  mãy  &  seu  tesou« 
ro.  E  porf|  se  os  imigos  na  aproueytassem  da  armada  ^ 
tinha  em  Cribaiele  mandou  a  queymar,  &  assi  mãdou  hii 
seu  sobrinho  chamado  Mirãomubmald  pêra  Damào,  & 
pêra  a^la  comarca  que  cõfina  cÕ  Chaul  a  fazer  gente  & 
defendelas  do  Nizamaluco  se  lhe  quisesse  fazer  guerra^ 
&  mandoulhe  ^  quãdo  se  visse  em  necessidade  Q  se  foS'^ 
se  a  Chaul  &  se  entregasse  a  Martim  afonso  de  sousa  Q 
sabia  que  inuernaua  a  hi. 

C  A  P  I  T  V  L  O    xcvir. 

De  como  Martim  afonso  de  sousa  soube  ho  desbarato  dei 

rey  de  Câbaya. 

Jjistando  el  Rey  deCãbaya  acolhido  na  cidade  doMao^ 
dou  despois  ^  fugio :  h&  Português  Q  andaua  coele  ca* 
tiuo  Q  auia  nome  Francisco  ]ourea<^  fugio,  &  cd  n»uito 
grSde  trabalho  foy  ter  a  Chaul  véspera  de  sam  loão,  & 
eõtou  a  Martim  «tfonso  o  desbarato  dei  rey  de  Cãbaya, 
&  ^  despois  de  ser  fugido  ouuira  como  fugira  de  Mâdou 
Bo  mais  que  com  quatro  de  cauab ,  &  como  toda  a  ter* 
ra  por  onde  passara  estaua  muy  temerosa  dos  Mogores 
&  desesperada  de  se  el  rey  de  CSbaya  poder  deíSder.  £ 
a  pòs  isto  foy  dado  hu  recado  a  Martim  afonso  de  Mi<> 
râomuhmakl  l\  estaua  em  Damão,  4  "^^  mandou  pedir 
seguro  pêra  estar  ali,  &  pêra  se  jr  a  Cbaut  c&  sea  pes«^ 
floa,  dinheyro,  &  molberea  se  se  visse  apressado  dos  Mi>^ 


LIVAO  TÍII.    CA7ITVL0  XCVif.  235 

{;ores:  Ôde  Nizamaiuco,  &  Marlim  afonao  &Symão  gue* 
dez  de  sousa  capitão  de  Chaul  lhe  noandarão  os  seguros 
mnyle  largos.  E  esoreueolbeMarlim  afonso  j|  el  rey  de 
Gambaya  deuia  dobrigar  ao  gouernador  pêra  o  ajudar  ê 
tamanha  necessidade  como  estaua  cÔ  ihe  dar  hQa  forta- 
leza em  Diu,  em  Q  ná  perdia  nada,  antes  ganbaua  muy« 
to  em  cobrar  lau»  boa  amizade  como  a  sua,  &  creria  ho 
gooeroador  que  de  era  seu  amigo  por(}  doutra  maneyra 
não  se  auia  d^  fiar  na  paz  que  fizerão,  pois  tão  mal 
«comprira  hil  dos  sustanciaeis  pontos  do  cõlrato  das  pa* 
zes,  que  era  mandarlhe  logo  os  catiuos  que  nunca  mais 
mandou,  antes  induzira  a  Santiago  que  ya  por  eles  a  fi« 
car  coele ,  x>  que  não  erão  começos  de  boa  amizade ,  & 
fiera  desfazer  todas  as  sospeylas  ^  o  gouernador  tinha 
de  lhe  não  goardar  a  paz ,  era  rouyto  necessário  darlhe 
fortaleza  &  Diu  &  mais  por  quã  seguro  ficaua  de  seus 
Imigos  cõ  lha  dar.  E  o  mesmo  escreuco  Martím  afonso 
a  el  rey  de  Cãbaya,  roandandoo  visitar  como  amigo,  Sc 
offrec#>rlhe  com  sua  armada  o  que  lhe  dele  cõprisse,  por*- 
que  lhe  pareceo  Q  polo  tempo  em  ^  el  rey  estaua  semo« 
«aeria  coisto  a  dar  fortaleza  em  Diu ,  &  o  mesmo  lhe  ee« 
creueo  Mirãmuhmaid ,  escreuendolhe  a  boa  palavra  ^ 
achara  em  JMartim  afonso,  &  como  lhe  mandara  ho  se« 
guro  Q  lhe  pedira.  E  como  Martim  afonso  escreueo  a 
el  rey  de  Cãbaya,  escreueo  ao  gouernador  do  mudo  ^ 
el  rey  estaua,  m&dandolhe  pedir  licSça  pêra  na  entrada 
Dagosto  yr  sobve  Diu  cÔ  a  armada  ^  tinha,  por^  eria 
verdadeiramCte  l\  indo  na(}la  cõjunção  el  rey  auia  de 
dar  fortaleza  em  Diu  pêra  ganhar  nossa  amizade^  que 
lhe  ímportaua  tãto  q  sem  ela  nã  se  |K>dia  restaurar,  por 
estar  desbaratado,  &  seu  Imigo  nniyto  apoderado  no  rey* 
no,  cõ  quem  auia  de  recear  de  se  ele  gouernador  aju* 
tar,  &  pof  Diu  estar  muito  desgoarnecido  dartelharia  & 
mingoado  de  gente ,  porque  tudo  el  rey  tinha  leuado  á 
guerra  &  ho  perdera  no  desbarato;  &  porq  estando  no 
roàr  lhe  podia  tolher  os  mãtimentos  que  yão  por  ele,  !\ 
erão  08  mays  dos<  que  se  gi^^tauãç  em  Diu  ,.&  por  lhe 

GO   2 


236  DA   HI8T0BIA    DA   ÍNDIA 

tolher  os  socorros  Q  esperaua  da  genie  do  mar  roxo  que 
tinha  mandado  buscar^  &  majs  faria  arribar  a  Baçaym 
ás  nãos  que  fossem  do  estreyto ,  o  que  podia  faaer  por 
virtude  do  contrato  das  pazes  Q  estauão  assentadas.  B 
vista  por  ho  gouernador  esta  carta,  moslroufaa  aalgús  fi* 
dalgos  seus  parentes  &  amigos  dizêdo,  que  bS  escusa* 
do  era  cuydar  ninguém  j|  auia  el  rey  deCábaya  de  dar 
a  aJ^e  tS|io  fortaleza  em  Diu  poys  nunca  teuera  deie 
tanta  necessidade  como  entâ ,  por  ser  o  pricipal  lugar 
de  sua  saluação,  &  por  ter  nele  suas  mulheres  &  lhe* 
souro,  &  por  isso  lhe  parecia  escusado  fazer  fundamen- 
to da  fortaleza  nem  bo  fazia:  &  posto  que  l-ha  el  Rey 
de  Cambaya  quisesse  dar  que  primeiro  auia  de  fazer  a 
de  Baçaim  com  {)  se  cõtentaua  ,  &  a  seguraa^ja  dela  era 
e  principal  proneito  Q  queria  do  desbarato  dei  rey  de 
Cambayay  &  de8[K)is  que  leue  muitos  fidalgos  deste  pa«- 
vecer ,  por  serem  seus  parentes  &  amigos ,  pos  em  con- 
selho a  yda  que  Martim  afonso  lhe  screuia  que  queria 
fez«r  a  Diu,  &  todos  os  ^  tinha  prouocados  a  serem  de 
seu  parecer  votarão  que  nflo  era  bem  que  fosse ,  dando 
pêra-  isso  ae  rezões  que  he  gouernador  daua ,  &  Frâcis» 
CO  de  soosa  tauares,  &  Aleyxo  de  sousa  chichorro,  & 
outros  aigiis  foríio  de  parecer  que  Martim  afonso  era 
muylo  bem  q^ie  fosse,  f>orque  por  el  rey  de  Cambaya 
não  ter  outro  lugar  mais  principal  pêra  sua  saluac^ão  que 
Diu  &  ter  bi'  suas  molheres  &  tesouro  auia  de  queres 
coQseruaJo  &  teio  segura,  he  ^  ele  mesmo  sabia  que 
não  podia  ser  sem  amizade  dos  Portugueses  &  darlhe 
fortaleza  nele ,  por^  ceela  ho  seguraua  de  todo ,  pois  be 
auião  de  defender  aos  Mogores  como  seu  y  &  não  tende 
nele  fortaleza  se  auia  de  temer  que  lho  tomassem  por 
quã  fraco  estaua  sem  a  artelbarie  4  dates  tinha,  &  mays 
sabendo  qaâ^  pouco  firmes  estauão  aa  pases  {|  tinha  ed 
ho  goiuernador,  per  quã  mal  comprira  as  principaeis  e&- 
diçAes  €|.u6  mais  importauão  a  sua  firmeza:  &  sabendo^ 
eles  erâo  sâores  do  már  dde  lhe  podia  tolher  os  maeti^ 
menlos^  4*  P^^  ^  principalmente  mais  que  por  terra 


LlVftD  WH*.  CAfJTYI.O.XCeVIIl«  237 

biSo  a  Dia',  &  por  isso  linhâo  por  muj  certo  ^  indo 
MartíiD  afooso  a  Diu  sem  pedir  fortalesa  bo  auia  el  rey 
de  conuidar  coela  quanto  «maia  pediAdoIba^  peJò  Q^auião 
por  muito  grande  seruiço  de  Deos  &  dei  Rey  de  Portu- 
gal sua  yda  lá ,  &  não  yr  seriK  do  cõtrarip;  £  como  es^ 
ie  parecer  íoj  de  poucos  &  bo  outro  de  mais,  aaaentou- 
se  que  Marli m  afooso  não  fosse  a  Diu ,  &  que  bo  go- 
tiernador  lho  defendesse  como  defendeo,  por  btla  carta 
<}tte  lhe  logo  escceueo*  Edespoys  vindo  Agosto  §  bo  in- 
•uerno  começou  de  dar  lugar  á  nauegaçfio  daquela  costa^ 
despedio  (sem  fazer  sobrisso  conselho)  Syroão  ferreyra 
•Q  fora  seu  secretario  em  btta  fusta  pêra  Diu ,  com  em» 
bayxada  a  el  rej  de  Cãbaya^  mandandobo  visitar  como 
amigo  &  offrecerlbe  sua  ajuda  cõtra  seus  Imigos,  cÕde» 
terminação  que  el  rey  lhe  daria  fortaleza  fi  Diu  pola  ne^ 
cessidade  em  que  eslaua,  &  pola  ajuda  Q  lhe  offrecia, 
&  pêra  se  isto  asai  fosse  deu  procuração  a  Symão  fer- 
reyra que  a  aceytasse,  &  iiaesse  sobrisso  concerto  como 
ele  fizera  sendo  presente  j  &  roandoulbe  ^  nã  fosse  por 
Gbaul  por^Martim  aíofiss  aã  soubesse  sua  yda,  &  man- 
dou eoele  Cogexacoez  ( bo  embaixador  dei  rey  de  Gft- 
baya)  &  três  ci^Mes  que  bo  acompanhassem  &  partio 
quasi  na  fim  Dagoslo^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    XCVIlí. 

De  mmú  d  rey  de  CÓbaya  finâáou  pedir  socorro  ao  Turco. 

J-^espois  qae  ti  rey  de  Gãbaya  se  vk>  em  Diu  eõ  suas 
molheres  &  tesouro ,  &  vio  ^  seus*  comarcães  estauão 
^dos,  &  lhe  Dão  faziSo  guerra,  &  sabendo  bo  Q  Mart! 
afôso  escreuera  a  Mirãomubmald  a  cerca  de  lhe  goardar 
á  amizade,  teuese  por  mais  segurado  ^  partira  de  Cham- 
panel,  &  coisso  &  cd  lhe  parecer  A  era  impossiuel  to- 
marfiibe  oe  Mogores  CbSpanel  nfi  Diu,  &  outros  algus 
hl  gares  fortes  Q  tinha  na  costa  de  Gãbaya,  pareeeolheQ 
bem  se  poderia  sosler  eÕtra  os  JMogores  sem  Aiadamen^ 


tZB  DA   HfSTOmtA    DA  TKDIA 

4o  da  amizade  cõ  o»  Portiig^ueses  pêra  Ibes  dar  fortaleza 
em  Diu,  crAdo  que  se  conten lassem  com  a  deBaçaym : 
Íl  determinou  de  mâdar  pedir  socorro  ao  Torço ,  tendo 
por  certo  que  lho  daria ,  &  coele  tornaria  a  cobrar  seu 
siiorio,  &  deytaria  os  Portugueses  fora  da  índia  &  se 
faria  sAur  dela.  £  pêra  prouocar  ao  Turcx)  Q  com  boa 
•vonlade  &  breuidade  lhe  mandasse  o  socorro,  mãdoulhe 
hum  presente  de  joyas,  armas,  &  roupas  ricas,  Q  foj 
auaiiado  em  seyscenlos  mil  crutados,  &em  dinheiro  pe*- 
ra  paga  do  soldo  de  dez  ou  doze  m.íl  homSs  i\  lhe  man^ 
4Íaua  pedir,  lhe  rnãdou  hil  conto  douro,  &l  oytoceios  mil 
cruzados:  &  isto  tudo  &  cartas  I)  scriuia  ao  Turco,  en^ 
Iregou  a  hQ  seu  principal  capitão  Q  auia  nome  çafer^ 
cãoy  em  ^  tinha  grande  cÕfiança,  &por  isso  ho  maodoa 
450  esta  embayxada,  dandolhe  por  regimento  {|  fosse  até 
luda  por  már  &  dahi  por  terra  ao  Cayro  deyxando  a  bS 
recado  o  ^  leuaua ,  &  dahi  se  yria  onde  ho  Turco  e8t&- 
uesse,  &  lhe  daria  suas  cartas.  E  |)era  hir  6  sua  com^ 
panhia  lhe  deu  hfi  Português  arrenegado ,  chamado  lor»- 
^e  i|  era  seu  patrSo  mór.  £  posto  (}  era  ainda  ho  iBpo 
verde  quis  !\  partise.  çafarcão  na  entrada  de  Setembro, 
por^  oujua  medo  Q  partido  ai  ais  tarde  as  topasse  Marlim 
afõso  de  sousa  Q  auia  de  correr  a  costa  com  isua  arma^ 
da ,  &  porQ  as  cousas  ^  leuaua  çafarcSo  erão  de  tama- 
nho preço  |)or  hirem  b&  seguras  deuttie  Ires  galeões  em 
fossS  ele  capitão  de  hu,  &  doutro  lorge  o  arrenega* 
o ,  ít  em  sua  companhia  duas  cáraweias^,  &  doas  fas- 
tas, &  todas  estas  velas  ho  melhor  artilhadas  í|  pode  ser. 
£  posto  q  algQs  ^yrão  dizer  j)  coeste  çafarcão  rnãdou  el 
rey  de  Cãbaya  a  sua  principal  molher,  &  qae  mandaua 
este  tesouro  cò  Aindamento  de  se  hir  morar  a  Meca,  o 
^  digo  he  verdade,  segudo  se  soube  por  Garcia  de  no 
ronha,  hn  Turco :!)  so*  tornou  despoysCbristão  em  ten»* 
po  do  Visorey  dõ  Garcia  de  Noronha,  &  doutros  Tur- 
cos 2ji  forão  tomados  no  estreito  {como  dírey  a  diãte)« 
NS  he  de  crer  ^  determinado  el  rey  de  Cãbaya  de  se  yr 
pêra  JMeoa  imuadasse  diante  &  sem  ele  sua  prieipal  m» 


I 


LlVmO  Vtll<   GAPITVLO  XOIX.  289 

HilEir,  &  parte  do. seu  tesouro,  sendo  os  mouros  (2  cio* 
808  de  qual()r  das  suas  molheres ,  quaato  mais  da  prlci- 
paK  NS  be  de  crer  ^  fosse  e^BS^i  sua  deleriDÍQaçSo,  pois 
mandara  !|yroar  s«a  armada,  Q  , pêra  .esta  viagem  lhe 
era  tã  necessária. 

C  A  P  I  T  V  L  o    XCÍX. 

Dt  wmo  él  rey  de  Câbaya  fay  acÔ9elhado  ^  desêe  foría* 
<  leza  em  Diu  ao  gauèrnador. 

jL  ornada  a  cidade  de  MSdou  pelo  Mogor,  seguio  a  pos 
el  rey  de  Câbaya  ^  soube  \  hia  pêra  Cbãpaner ,  &  sa^ 
bendo  Q  era^  partido,  mildou  hQ  seu  capilfio  cÕ  vinte  mil 
de.caualo  4  ^i^^^  ^^  podia  alcançar  ho  tesouro  dei  rey 
de  Gàbaya ,  &  Q  fosse  a  Cábayete  a  tomar  a  frota  f[  ibe 
phreceo  que  ainda  acharia,  mas  acboua  ja  toda  Qyma« 
da :  &  daii  foy  roubado  a  terra.  £  ho  Mogor  ^  ficaua  cõ 
seu  cSpo  sobre  Champaner.  peitou  iâto  ao  eâpitjo  i^  a 
ffoardaua  ^  lha  Stregou ,  por^  queria  mal  a  el  rey  de 
Cftbaya  por  muitos  males  ^  lhe  fizera :  &  ho  Mogor  ou«« 
lie  esta  cidade  na  Strada  Dagosto,  iSc  apousentouse  nela 
pêra  dali  cõquistar  o  rey  no,  &  como  ele  tinha  prometi-^ 
do  Diu  ao  gouernador,.  que  sabendo  seu  poder  &  a  guer- 
ra ^  fazia  a  el  rey.  de  Cambaya,  ibe  mandou  pedir  Diu 
secretamente  per  hQa  carta  4  Ibe  screueo,  lêbrouse  de 
bua  promnsò ,  &  Qrendoa  cõprir  lhe  s^reveo  hda  carta 
a  ^les  cbamSo  Formão^  &  mãUonha  a  JMarti  afonso  pêra 
{)  lha  niãdasse^  &  antes  de  lhe  ser  dada  esta  carta  sou- 
be el  rey  de  Câbaya  ÍJ  ho  Mogor  eslaua  em  Cbãpaner 
&  ouuese  de  todo  por  perdido  &  desesperado  de  ter  Õde 
se  saluasse  determinou  de  fugir  pêra  Meca ,  cô  seii  te- 
souro, molheres,  &  parCtes  &  deyxar  ho  reyno  ao  Mogor 
^  o  tomasse.  E^rSdo  por  8  efeito  sua  partida  ajuntóuse 
sua  mSy ,  &  Cogeqofar  &  Ninarão  hu  gentio  seu  parenr> 
te,  a  que  tinha  dada  a  capitania  de  Diu,  &  assi  oulros 
seus  parentes :  &  tantas  rezões  lhe  derão  \  na  era  boa 


240  DA  HistottiA  r%Á  iffmk 

Bua  delermínaçSo,  que  se  íítou  dela,  &  Cogeçofar  Ifae 
acdselkou  ^  desse  /orialeza  em  Diu  ao  goueraador  ^  & 
Q  o  ajudaria  9  por4}  lhe  parecia  ^  sem  sua  ajuda  se  nflo 
podia  restaurar ,  &  q  não  ihe  desse  nada  de  dar  a(|ia 
fortaleza  pêra  seu  remédio,  por^  despois  de  restiluydo 
no  reyno  a  podia  tomar  de  cada  vez  que  quisesse  &  dei- 
tar os  nossos  fora  dela.  Ecoesle  propósito  pareceo  bê  a 
el  rey  de  Câbaya  dar  esta  fortaleza ,  &  cessou  de  sua 
yda  pêra  Meca ,  &  escreueo  logo  a  Martim  afooso  que 
na  ora  partisse  pêra  Diu  porque  eõpria  muyto  a  seruiço 
dei  rey  de  Portugal  fazelo  assi,  &  mãdoulhe  outra  carta 
pêra  o  gouernador ,  em  5  lhe  dizia  Q  fosse  a  Diu  por^ 
lhe  ^ia  dar  a  fortaleza.  É  per  hii  êbaixador  i\  leuou  es^ 
tas  cartas  mSdou  Diogo  de  mezquita,  Lopo  Fernãdex 
pinto,  &  os  outros  caUuos  i)  era  obrigado  a  ipandar,  & 
antes  Q  este  embaixador  chegasse  a  Gbaul  foy  dada  a 
Martim  afonso  a  carta  dei  rey  dos  Mogores,  &  após  ela 
ehegou  o  erobayxador  &  lhe  deu  as  dei  rey  de  Cãbaya 
assi  parele  como  pêra  o  gouernador.  £  vendo  Martim 
afonso  quãto  importaua  yr  ele  a  Diu ,  posto  i)  lhe  o  goi» 
uernador  tinha  defeso  que  não  fosse,  partiose  loeo  com 
três  catures  em  ^  leuaria  sessenta  horoês ,  ele  nía  era 
hii,  &  Symão  guedez  de  sousa  capitão  dé  Çhaul  em  ou* 
tro,  deyxãdo  recado  a  Vasco  pirez  de^^sam  payo  i\  se 
fosse  a  pos  ele  cÕ  a  outra  armada,  &tâbem  antes  de  sua 
partida  mandou  a  loâo  de  mSdoça  Q  leuasse  o  embai* 
xador  dei  rey  de  cãbaya  ao  gouernador  &  a  carta  dei 
rey  dos  Mogores ,  &  lhe  escreueo  como  bia  a  Diu. 


lilVRO  VHI.   eAPim.0  C.  S41 

r  • 

c  A  P  I  T  V  L  o    c. 

De  como  Martim  qfonso  de  €ou$a  ^  Syínâo  ferrara  che* 
garâ  a  Diu^  4^  oo  ^  4xssentarâ  cô  €l  rey  ae  Cabaya. 

Jl  arlick)  Marli  afdro  de  Ghaul  seguio  por  sua  víageoi 
f^era  Diu,  &  perlo  dele  aciíou  Sfml^  ferreyra  de  ^  ficou 
espantado  hir  a  Dm  pelo  Q  ^be  o  gouemador  escreuera, 
de  qúã  pouco  fuodamSto  fazia  de  se  lhe  dar  fortaleza , 
&.inais  de  como  Simão  ferreyra  passara  sem  toma rChaui, 
&  tambS  se  ele  espalou  de  -quãdo  Ae  Marti  afonso  disse 
Q  el  rejr  de  Cãrbaya  o  mãdara  chamar  muyto  de  pressa 
&  mandara  cartas  ao  gouemador,  &  porS  que  nâo  auia 
de  fazer  cousa  nbfiia  cõ  el  Rey  de  Gãbaja  sem  lhe  dar 
forialeza  em  Diu:  &  isto  também  por^  soube  a  procu*^ 
ra4jão  que  ele  leuaua  do  gouernador  pêra  aceitar  forta- 
leza em  Diu  se  lha  desse :  dizêdo  mays  iQ  o  tSpo  nSo 
era  pêra  el  rey  nâo  dar  forialeza  &  2}  lha  auia  de  dar, 
&  pêra  isso  o  maodaua  chamar ,  &  ele  coesse  preposito 
hía  y  &  assi  foy ,  que  chegados  a  Diu ,  disse  el  rey  « 
Marti  afonso  o  estado  em  que  estaua,  &  i}ria  que  o  go- 
uernador o  ajudasse  cõtra  scuslmigos,  na  somente  n 
defenderse  deles  mas  pêra  lhe  fazer  guerra,  &  (}  ele 
Marti  albnso  auia  dãdar  coele  pola  t^Õíiança  Q  tinha  ne- 
le :  &  em  galardão  desta  ajuda  ^  queria  do  gouernador 
lhe  daria  hOa  fortaleza  em  Diu  no  lugar  ^  11^  bê  pare- 
cesse. £  porQ  o  gouernador  não  poderá  logo  hir,  por 
Goa  õdestaua  ser  mais  longe  que  Chaul ,  mãdara  cha- 
mar a  ele  Martim  afonso,  <issi  pêra  o  ajudar  a  defendei; 
de  seus  immigos  se  fossem  sobrele,  como  pêra  t^oele  as- 
sentar ho  dar  da  fortaleza,  &  capitiilaçílíes  das  pazes , 
aíe  ho  gouernador  as  auer  por  boas,  &  pêra  que  man- 
dasse dizer  ao  gouernador  quãta  vontade  tinha  de  as 
fazer:  &  fioys  Simão  ferreyra  linha  procura^jão  pêra  as 
fazer  em  nome  do  gouernador  <|iie  logo  assentassS  como 
auião  de  ser,  &  que  ho  gouemador  se  lhe  bem  pareces- 

LIVRO   VIII.  HH 


MS  DA  HlfTOmiA  lU   INDU 

fie  faria  a  fortaleza  da  bãda  dos  baluartes  do  mar  &  da 
terra,  camariba  lhe  bem  parecesse,  pori|  ambos  lhos  da- 
ua,  &  assi  aquele  lugar  por  melhor,  porque  era  ho  roais 
forte  da  cidade^  &  podia  iia{|ie  lugar  ser  a  fortaleza  so- 
corrida por  mar  se  teuesse  necessidade*  B  cÔcertado  el 
rey  cõ  Mart!  afonso  de  que  maneira  auiâ  de  ser  as  ca- 
pitula<25e8  das  pazes^  ho  mandou  meter  de  posse  do  ba- 
luarte da  terra ,  &  ali  se  apousentou  com  todos  os  Por* 
tugueses.  E  os  capítulos  das  pazes  forSo  estes, 

.9f  Ho  çoltáo  Badur  be  cdiente  de  dar  a  et  Rey  de  Por« 
lugal  hOa  foriakza  è  Diu  em  qualquer  lugar  que  ho  go» 
uwaador  Nuno  da  cunha  quiser ,  da  banda  dos  baiuar* 
tes  do  mar  &  da  terra,  da  grandura  Q  lhe  bem  parecer, 
&  nssi  ho  baluarte  do  mar. 

»  E  assi  ha  por  bè  de  dar  &  confirmar  Baçaym  com 
tod^is  suas  ierras,  taoadarias,  r£das,  &  dereitos,  assi 
como  tem  dado  no  cõtrato  que  fez  coele  sobre  as  paus 
no  dito  Ba^iym* 

p  Com  condiçS,  que  todas  as  nãos  de  Meca  que  po? 
virtude  do  dito  contrato  das  pazes  er2o  obrigadas  a  hir 
ft  Ba<^ajm  que  ho  não  sejão ,  &  venjbão  a  Diu ,  assi  eo* 
mo  dantes  viobâo:  nem  lhes  seja  feita  forqa  atgfia.  B 
quãdo  alg&a  quiser  lá  hir  por  sua  vontade  que  ho  possa 
fazer?  &a6si  bo  farão  outras  doutras  partes  que  yrâo& 
virão  pêra  onde  quiserem.  £  porem  hfias  &  outras  iia«* 
«egarão  com  cartazes. 

ir  E  com  condi^flio,  l|  e)  Rey  de  Portugal  não  terá  em 
Diu  derejloa  n6  rfidas  nfi  mays  ^  só  a  dita  forUileza  & 
baluartes ,  &  todos  os  dereytos ,  rendas ,  &  jurdi^jãe  da 
gSte  lia  terra ,  será  do  dito  qo\í3o  Badur. 

ir  E  cora  condição ,  que  todoe  os  caualos  Dormuz  fc 
Darabta  que  polo  dito  contrato  das  pazes  erSo  obrigados 
a  hir  a  Baçal  vão  a  Diu  &  pagarão  os  dereytos  a  el  rey 
de  Portugal  segundo  o  costume  de  Goa.  E  não  os  com- 
prando el  rey,  seue  donos  ealeuarão  onde  quiserem. 

»  E  com  condição^  que  lodbs  os  cauabs  qu^  forem 
do  estreyto  peta  dentro^  nSo  jpaguem  BenhOa  dereitôsj 
&  serão  forros. 


LIVRO  VIII.    QÂ^mU)  Cl.  249 

»  fi  eoiB  eoto<iição>  que  el  Rey  de  Poríu^at  &  hô  çotr 
Ifio  Badúr  serão  amigos  damígos ,  &  imniigps  de  immi- 
go8.  £  bo  gouernador  em  Dome  dt^i  Rey  de  Portugal 
ajudará  bo  çpllão  Badur  c5  todo  o  Q  poder  por  mar  & 
por  terrft^  &  aasi  el  rey  a  ele  quãdo  cõprir  com  auaa  g9< 
tea  &  armadas. 

nlE  eoôi  condiíjão^  que  quereijidose  fazer  GbrisISoâ 
algos  Mouros  da  terra  do  çpíiâo  Badur  que  bo  gouerna^^ 
dor  bo  não  consinta.  £  assi  bo  qoltâo  Badur  não  coBsin- 
tiraa  fazerse  nenbumCbristfio  mouro.  £  que  possandose 
de  sua  terra  algua  pessoa  ou  pessoas  que  deuào  dinhey* 
ro  ou  tenhão  fazenda  dei  Rey  de  Portugal  ^  t(  ele  os 
inahde  entregar,  &  outro  tâto  fará  bo  gouernador  se  se 
passar  pêra  os  Portugueses  algum  bomS  que  tenba  fa* 
afida  do  çoltão  Badur ,  ou  lhe  deua  dinbeyro. 

Feytas  estas  capitulações,  &  assinadas  por  el  Rey, 
nadou  as  BAart!  afonso  ( por  Diogo  de  mezquita  que  foy 
coele  )  ao  gouernador  pêra  í]  as  assinasse  ^  &  el  rey  de 
Cambaya  mandou  coele  Xacoez  com  hfla  carta  ao  go* 
uemador ,  rogandolhe  !\  nã  tardasse ,  &  partirâse  am^ 
bos  na  fim  de  SetSbrô. 

C  A  P  I  T  V  L  O    Cl. 

« 

De  como  ho  ^auemador  se  pariionera  Diu  ^  a  €hanuuh 

dei  rey  de  Cambaya. 

V^begado  IcSo^de  mèdoqa  a  Goa  c5  bo  embaixador  dei 
rey.  de  Cambaya,  derão  ao  fi^ouema<k>r  as  cartas  que  Ibe 
leuauão^  &  a  dei  rey  dos  JMogofes  (1}  eu  vi)  di2ia  em 
aossa  lingoagem. 

9  Muyto  honrrado^  ^  muHo  wtnhor  ãtre  todos  ^aca^ 
beçet  de  todos  ^  ^  ke  muyto  sofrido  ^  muyto  virtuoso ,  4* 
uã  fama  tí  de  muyta  honrra ,  gouernador  ^  ^  capilm 
mòr  Franyue  ^  a  que^xrio  o  cortesia  como  se  fosse  a  pes^ 
soa  dei  rey ,  ele  me  escrsueo  Mia-  carta  c6  seu  destoo ,  ^ 
por  seu  òe  9  ^  boa  amizade ,  q  me  foy  dada  indo  Ja  de 

HH  2 


244  DA   HISTORIA   DA   INDÍA 

caminho  pêra  offender  meus  côirairos  sobre  suas  terras  : 
^  o  ^  mescreuesies  vi  logo  ^folguey  muyío  de  hover.  E 
a^le  tempo  veo  muita  geie  ae  meu  cótratro  sobre  minhas 
terras ,  eniâo  sairá  algús  capitães  meus  a  pelgar  coeles  ^ 
^  derâo  sobre  ho  seu  arrayal  ^  4"  os  desbaratará  todos  ^ 
^  foráo  a  pos  eles  ate  júto  de  Mâdou ,  matando  ^  catU' 
uádo  muyta  gente  ^  os  quaes  como  virão  a  minha  espada 
fugiráo  todos  como  gente  roym  ^  ciueL 

»  Eu  mandey  hú  pião  aos  capitães  do  Daquê^  a  que 
tinha  mandado  que  fossem  sobre  as  terras  de  meu  côtrai^ 
ro:  ^  lhes  dissese  q  se  viessem  pêra  mi :  sam  muyto  hon^ 
rados ,  ^  muyto  grades  senores ,  ^  te  todo  ho  reyfio  do 
Daqui,  Como  chegaré  a  mi ,  conselharmey  coeles  ^  ^  cê 
pouco  trabalho  auerey  meu  contrairá  c6  todas  suas  terras^ 

n  Os  portos  de  már  ^me  escreuestes  q  querieys  que  vos 
Jkassem  com  toda  a  renda :  os  quaes  eu  tenho  em  meu 
poder ,  disso  vos  mando  este  Formão^  &  ^  9.  ^^  pedis  vos 
outorgo ,  porê  c6  condição  que  quê  quiser  nauegar  q  ho 
possa  fazer ,  ^  que  viua  quê  quiser  nesses  portos  sem  re^ 
ceber  escândalo.  E  de  tal  rey  como  eu  aueys  desperar 
ainda  mais  mercês ,  ^  queria  §  fizeseys  boa  justiça  em 
qualquer  lugar  ^  tiuerdes  em  poder ,  porque  minha  gente 
q  ha  destar  pertú  vos  ajudará  a  fazela  quando  for  neces^ 
sario :  ^  assifará  a  vossa  quando  me  côprir.  E  as  ter-- 
ras  §  esteuerem  perto  de  vos  podereis  tomar ,  ^  não  cu- 
reys  das  de  longe,  que  tempo  virá  g  as  tomarey^  E  quê 
espera  minha  mercê  ^  deseja  minha  at^iizade ,  não  digo 
eu  darlhe  os  portos  demàr,  se  não  as  terras  jrmes,  ^ 
quanto  eu  poaer ,  que  os  portos  de  már  não  he  nada  9 

A  carta  dei  rey  de  CSbaya  não  dizia  q  lhe  queria 
dar  fortaleza  em  Diu ,  se  não  Q  eui  vedo  aj}la  partisse 
logo  pêra  Diu,  porque  eompria  muito  ao  seruiço  dei  rey 
de  Portugal  irerê  se^  ambos*  £  ha  mesuo  disia  a  carta 
de  Marti  a/onso  l\  lhe  screuera  ei  rey  de  Cfibaya^  &  ^ 
hia  porQ  cria  2|  ibe  auia  de  dar  fortaleza  em  Diu.  E  pa- 
recendo ao  gouernador  (}  assi  auia  de  ser  pola  cÕjunçâo 
•m  i\  era ,  posto  4^  9Í  rey  dos  Mogores  fazia  promessii 


ttflosIárgB,  ftaréceolhe  melhor  lomaf  fortaleza  dei  rey  de 
Caaibaya  ^  UnhaDiu^que  ioipaiá.da  mão^  dei  Re j,  dos 
^ogores  que  ho  auia  ainda  «fascõqirístar,  &  conquista- 
do ou  bo  daria  ou*  oâo»  £llât)e(n.vinbãlbe  melhor  a  ami- 
zade dei  rey  dç^Càbay^  por.  quã  (peuco- podia  Q  a  dei 
fey  dos  Mo(^ores.^  era  muilo.  podetoso',  &  segundo  a 
-presunção  ^  traaia  queria  conquistar  ^ toda  a  India^  & 
•daria  mais  Q  fazer  ^  nhix  rey  dela,*  &  quanto  menos  poi. 
•desse,  tãto  o  esiado  dej  rey  de  Portugal  ficaua  mais  se- 
-guro^  £c  por. isso  delerminua.de  se  liarcõ  el  rey  deCâ* 
baya  &  animalo  ^  resistisse  a^ei  rey  .dos  Blogores  &  a^ 
judalo  a  isso  quãto  podesse.  £  sem  se  deter  mays  Q  ho 
dia  em  Q  loãg  de  uiSdu^a  chagou  ,  sé  partio  ao  outro  5 
hfla  fusta:  &  fora  coele  em  outras,  Garcia  de  sá,  Frã- 
iiisco  de  sousa  tauáres,  Diogo  lopez  de  sousáy  &  Antò- 
nio  galuâo,  por^  pêra  esperar  por.  toda  a  armada  seria 
muito  vagar,  porê  ficou  recado  a  Manuel  de  sousa  ^se 
-partisse  coela  ho  mays  asinha  Q  podesse  ser.  £  partido 
de  Goa  foy  ter  a  Cbaul ,  &  dahi  a  Baçai  onde  achou 
Vasco  pirez  de  sam  paj^o  c&  a  armada  ^  leuaua  alMarlI 
afonso ,  &  o  gouernador  ho  deteue  Q  nào  fosse  &  dey* 
xouse  ali  estar  ate  J|  chegou  Diogo  de  mesquita  {|  hia 
em  sua  busca  com  as  capitulações  das  pazes  pêra  as  as- 
sinar^ &  ali  lhe  deu  Xacoez  a  carta  ^  lhe  leuaua  dei 
rey  de  Cambaya. 

«  Nomeado  do  grade  rejF  li  &  do  mar ,  das  agoas  »- 
zuysy  Nuno  da  eunha,  capitã  mór  com  a  mercê  dei 
rey,  eu  vos  acrecSley  por  afiiizade.  Sabereys  ^  osecre** 
lario  Symâoferreyra  fiel  &  amado  em  abas  as  partes  & 
Xacoez  atear  filho  do  hôrado  viera  a  ml:  a  vossa  caria 
q  me  inádasles  veo  a  meu  estado ,  &  vi  tudo  o  ^  nela 
Tinha  escrito,  quâto  á  vontade  &  desejo  {|  lêdés  eu  e 
soube  claro,  &  ates  dislu  Xacoez  me  fez  saber  a  vossa 
bondade  &  amizade,  &  o  soube  agora  por  Simão  ferrey- 
ra  per  via  dami;sade ,  aquilo  t^.  vos  era  necessário,  &  ^ 
em  tãloa  aMu»  nã  se  pode  cõprir,  nS  ouuereis  dalcãçar 
tâ  asinha  hu  lugar  pêra  eatarfi  oa  Portugueses  aqui  ê  Dii» 


SM  »▲   mTMtIA  VL  ínOiA) 

da  banda  (^  Tos^fejs ,  ¥oê  nâo  ho  maadastes  pedir  iit 
ho  pedíslea^  eu  vos  faço  aneice  dele  ed^as  ooadiçSes  ^ 
Sjraiflo  ferreyra  outer^oa  por  i^irtude  da  voasa  procurar 
cio.^  as.  quaes  sabereis  por  sua  carta  fc  per  palaura  de 
Xaooez.  Agora  be necessário  (^  tanto  <|[^  esta  voa  for  d»- 
da,  1)  ni  eaíeys  ^do*  em  nhft  lugpar  ^  &  venhais  aqui  cd 
Xacoea;  eu  iioha  escrito  ao  capitão  oiór  do  luár,  &  iãr 
to  (|  lhe  derfto  Riea  mfldado  logo  veo  a  minha  casa,.  fol*> 
guey  coisso,  &  por  isso  o  mftdey  estar  aqui  pêra  me  ser^ 
uír.  Peiu  è  Diu  a  vfotoyto  de  SetSbro  de  mii  &  qui- 
nliStos ,  &  tdta  &  clco.  m 

C  A  P  I  T  V  L  O    CII. 

De  como  ho  gouemadar  chegou  a  Di»^  ^  ee  vio  cá  d 

rey  de  Cabaya. 

Jjj  aabSdo  ho  gouernador  o  Q  era  feyto  logo  partio  per 
ca  Diu  ftde  chegou  em  Outubro,  &  leoaria  nouecètos 
bomSs ,  &  á  boca  da  barra  o  fdy  receber  por  mftdadò 
dei  Rey  de  Cftbaya  Ninarão  capilá  de  Diu  em  híía  galé 
acõpanhado  dos  principays  da  corte,  &  esles  desembaiv 
carSo  cft  ho  gouernador  que  foy  logo  falar  a  el  rey  que 
esperaua  por  ele  em  sess  paijos-que  erio  terieos,  &  fsf 
ziSse  as  casas  ao  derredor  de  bQ  grande  pateo ,  &  el 
Rey  estaua  em  hâa  casa  pegada  coele,  qve  mais  pare- 
cia alpendere  que  casa ,  dey tado  em  hil  oatle  que  não 
tinha  outra  ri^za  se  n&  ser«  os  pés  douro,  n6  a  casa  não 
estaua  paramStada  se  nSo  tudo  muito  pobre,  &  el  rey 
vestido  em  hila  Cabaya  de  pano  dalgodâo  branco ,  es- 
tau2o  coele  obra  de  dea  oi>  dote  aenberes,  hum  fora  hin- 
mSo  dei  Rey  de  Deli  homS  de  setenta  annos,  &  outro 
jrmSo  doutro  rey ,  &  estes  assentados  no  chSo  j&to  do 
catle,  &  os  outros  em  pé,  porQ  diante  dei  rey  não  se 
pode  assentar  se  nã  rey  ou  filho  de  rey.  Cd  o  gouerna* 
dor  entrarão  neste  pateo  ate  qoorBta  fidalgos ,  &  tanto 
que  vio  et  rey  lhe  fez  hfta  mesavsi  ao  nosso  tnoda;,  & 


^ 


LIVRO  TUI,   CAnnrLO  dl.  S47 

entrado  na  casa  lhe  fez  outra,  &  assi  fizerSo  os  que  yS 
coele.  El  rey  não  Jlie  i^z  outra  cortesia  se  não  agasalha- 
lo  bem  com  os  olhos ,  &  por  assi  se  custumar,  antes 
que^fahissem)  ícy  vestida  ao  governador  bfia  eabaya  de 
borcado  de  peso  i}  lhe  el  rey  mandou  dar ,  &  aos  que  o 
acdpanhauão  outras  de  borcado,  &  borcadílho,  &  assi 
as  teuerâo  em  quanto  esteuerfto  nos  pa<208,  por^  he  isto 
sinai  de  grftde  amizade.  £1  Rey  não  teue  outra  pratica 
cò  ho  gouernador  se  dXo  pregfltarlhe  como  bia  do  cami- 
nho: &  aisto  lhe  respõdeo  em  pé,  que  ho  não  mandou 
assentar ,  somente  cotirir  a  cabeça  que  teue  discuberta 
ate  lha  el  rey  mandar  cobrir ,  &  despoys  se  tornou  á 
frota ,  &  ao  outro  dia  «iesêbarcou ,  &  foy  se  apousêtar 
no  baluarte  da  terra  Q  estaua  embandeyrado  com  bã'^ 
deyras  das  armas  de  Portugal.  £  despoys  disto  se  virSo 
alg&as  vezes  o  gouernador  &  el  rey  &  concertarão  que 
por  quanto  elRej^ae  temsa  ^  osMogores  Ibe  tomassem 
*  cidade  de  Baroche  que  está  trinta  legoas  da  enseada 
de  Câbava,  mandasse  lá  ho  gouernador  hú  capitão  nos*^ 
flo  com  duaentos  &  cineoenta  Portugueses  pêra  a  defen* 
der,  &  estado  pêra  hir  por  capitão  deles  dom  €k)nçaio 
Coutinho  chegou  Manuel  de  macedo,  a  quem  ho  gouer* 
nador  deu  esta  yda.  Também  el  rey  de  Cambaya  pedío 
ao  gouernador  ^  lhe  mfldasse  tomar  hfla  fortaleza  que 
lhe  os  Mogores  tiohâo  tomada  no  rio  Indo,'  &  a  esta 
em  pressa  mandou  ho  governador  por  capitão  mór  Vasco 
pires  de  sam  payo  com  hfla  armada  de  doze  fustas  & 
iKirgantins  a  cujos  capitães  não  soube  os  nomes,  saluo  a 
Miguei  dayala,  Rodrígaluarez  vogado,  &  Afonso figuey^ 
ra ,  &  leuoo  dosenios  &  cineoenta  bomfts ,  &  em  sua 
companhia  Cpy  bum  mouro  chamado  Cogeçofar  capitão 
dei  wj  de  Cambaya  com  trezentos  Turcos  debayxo  da 
liandeyra  de  Vasco  pirez,  4  partio  de  Diu  na  entrada 
de  N4MieittbM* 


248  DA  HISTORIA   DJL  INDU 

•  f 

c  A  p  I  T  V  L  o  cm.  . 

«  «  . 

Do  façanhoso  ftyto  que  fez  Diogo  botelbo  em  se  pr  em 

húa  fusta  pêra  Portugal. 

JL^  e»te  tempo  aodaua  na  Ináía  hil  caaaleiro  chaoiado 
Diogo  botelho  í)  dites  andara  na  índia  muitos  annoa^ 
&  fizera  nela  muito  seruiço,  assi  a.el  rey  dom  JManuel, 
como  a  el  rey  dÕ  loão  seu  filho,  &  a  fora  isso  era  muito 
sabido  na  arte  marinliatica  &  sabia  b6  fazer  cartas  de 
marear  &  indo  da  índia  deu  a  elrey  dÕ  loão  bua  caria 
de  -doze  peleã  em  que  estauá  quanto  do  mundo  era  dis* 
cuberto.  E  Qrendoihe  el  rey  '  fazer  mercê  ,  não  faleceo 
quõ  lhe  dissesse  Q  se  queria  hir  pêra  el  rey  de  França 
pêra  lio  deseruir ,  &  outros  mexericos  cõ  Q  el  rey  o  de* 
gradou  pêra  a  índia,  &  (oj  na  armada  de  Martim  afon* 
so  de.  sousa,  no  ãno  de  mil  &  quinhentos  &  trinta  & 
quatro.  £  como  Diogo  botelho  fosse  muyto  leal  a  sea 
rey,  &  sabia  que  não  tinha  culpa  no  jQ  Jhe  assacará,  ^ co* 
mo  foy  na  índia  pedio  ao  gouernador  Nuno  da  cunha  Q 
lhe  deyxasse  fazer  híia  fusta  pêra  ãdar  nela  seruldo  a  d 
rey ,  &  isto  cõ  tença  de  feyta  se  yr  nela  peca  Portugal^ 
porí|  tornâdose,  visse  el  rey  8ua-4eal^ade^  &  eamâha 
falsidade  fora  o  l\  lhe  .dele  diseerã,  &  ^  assi  ícomo  yada 
índia  naj)la  fusta,  assi  se  foca  pêra  Frãça  se  o  quisera 
/azer:  &  coesta  determjnaçá  fez  a  fvstp  fi  Cochi  í|  foy 
de  vinte  dous  palmos  <le  odpvido,  &  doze  de  largo,  & 
aeys  de  põtal,  (|  he  da  quilha. ate. a  primoyra.cuberta; 
Feita  esta  fusta,  começarão  .maldizentes  Ãe  dizer  {|  a 
fizera  pêra  se  hir  nela  ao  estreyto.&  da.  h^  pêra  o  Turcos 
&  sabSdo  o  Doutor  Pêro  vaz  o  ])  aediaia  ,>  lhe  tomou  a 
fusta,  como  vedor  da  faz^a  i). era ^^  &> Diogo  botelho 
lhe  disse  (}  visse  bê  o  (}  fazia  em  lhe  tomar  a(^uela;fu0r 
ta  sem  ter  proua  abastante  pêra  o  fazer,  no  que  hodes^ 
truya  de  todo ,  porQ  sabendo  el  rey  que  lhe  tomara  a 
fusta ,  &  a  causa  porque  lhe  mandaria  cortar  a  cabeça. 


LIVRO  Vlfl.  tÁPífriA  tm.  Í49 

E  Pêro  vaz  lho  íornou  a  fusta,  jurando  lhe  ele  primej- 
ro  em  hQa  ostía  consag^rada  de  i>So  sé  ir  pêra  parte  ai- 
gQa  em  que  desseruisse  el  Rey  de  Portugal,  se  na  de. 
ho  seruir  como  ho  roays  leal :  &  honrado  vassallo  que 
ele  tinha.  E  auida  a  fusta  se  foy  Diogo  botelho  a  Da- 
bul  pêra  dali  se  partir,  &  como  ele  sabia  bem  da  pilo- 
tagem não  quis  leuar  nenhua  pessoa  que  soubesse  dela, 
por  não  auer  antreles  contradição,  o  que  seria  causa  de 
se  perder,  nS  quis  leuar  pêra  marearS  a  fusta  mays  {| 
seus  escrauos,  &  de  Portugueses  leuou  cinco  a  fora  ele^ 
trea  criados  seus,  bo  ComiCre  da  fusta  &  hum  Manuei 
moreno,  &  muyto  b6  prouido  de  mãtimStos  cõ  a  veia 
doste  se  partio  de  Dabui  ho  primeiro  de  NouSbro  de  mil 
&  quinhètos  &  trila  &  cinco,  dizendo  Q  se  hya  ajQtar 
cõ  a  nossa  armada  que  andaua  na  costa  de  Câbaya«  E 
pêra  atrauessar  ho  golfão,  comeqou  logo  de  se  afastar 
muito  de  terra.  E  conselhandolhe  ho  Gomitre  que  ho 
nSo  fizesse,  lhe  descobrio  sua  determinaçS  &  aos  outros: 
&  porque  se  temeo  ^  se  rebelassem  quãdoo  soubessem, 
trazia  hi!ia  snya  de  malha  secreta,  &  hda  espada  na  cin- 
ta, &  esforçou  a  todos  muito  pêra  esta  viagS,  dizSde 
lhe  quSto  lhe  compria  fazela,  prometSdoIbe  galardão  de 
seu  trabalho ,  &  logo  deu  ao  Gomitre  vite  mil  reas ,  & 
lhe  pagou  tudo  quâto  jurou  {]  lhe  ficaua  na  índia,  & 
coisto  fora  todos  cõtentes  dir  coele,  &  mais  por^  tomou 
terra  na  costa  Darabia  ao  tempo  que  disse  que  auia  de 
tomar  ho  que  parece  {|  foy  ordenado  por  nosso  Senhor, 
por  serS  ali  as  correntes  tamanhas,  Q  quStos  pilotos  por 
ali  nauegSo  desatinão  no  tomar  da  terra.  E  feyta  agoa- 
da  &  carnagS  em  ha  porto  chamado  lubo  se  partio,  & 
foy  surgir  no  cabo  das  agulhas  duas  legoas  de  terra ,  & 
ali  lhe  deu  hfl  brauo  temporal  de  sul  cÕ  ^  arribou  duas 
vezes,  &  coele  se  vio  perdido  de  todo,  por  «erem  os  ma- 
res muy  grossos  em  demasia :  &  como  a  fusta  era  pe- 
quena entrauao  por  hfla  parte,  &  sayâo  pela  outra,  & 
milagrosamente  ho  saiuou  nosso  senhor :  &  coeste  tSpo- 
ral  dobrou  o  cabo  de  boa  esperãça  a  vinte  de  lancyro, 

LIVRO   VIII.  II 


MO  DA  HISVaftU  DA  índia   • 

&  ainda  despois  pasaou  trabalhos  immeDaois ,  de  $9  ver 
morto  c5  tormêtas ,  &  cò  fome  &  sede ,  &  esoorreo  a 
jlha  de  santa  Elena,  que  a^  não  vio  e5  a  neuoa  que  fa« 
xiã  os  grades  vSlos.  £  ooesta  má  vida  determinarão  os 
marinheyros  de  ho  malar ,  &  aos  outros  Pofíugueses  & 
hirõse  a  terra ,  &  não  andarê  mais  no  mar.  £  sendo  ja 
debaixo  da  linha  na  costa  deGuiné,  leuantanse  h&anoy* 
te ,  hQs  cõ  espetos ,  outros  cÕ  machados  9  &  fisgas ,  & 
dão  em  Diogo  botelho  &  nos  outros,  de  que  logo  mata- 
rão hu  y  &  ferirão  o  Comitre  &  Diogo  botelho  <)ue  aco*- 
dirão  a  esta  reuolta ,  &  isto  feyto  deytarâose  ao  már,  & 
afogarãose,  &  esle  foy  outro  trabalho  muylo  grande  per* 
deremse  assi  os  que  mareauão  a  fusta,  &  ficar  ferido  ho 
Comitre,  &  Diogo  botelho  que  era  o  que  mãdaua  avia, 
sem  ^  nã  se  podia  nauegar,  &  terô  tã  mau  aparelho  pê- 
ra se  curare^  pelo  ^  Diogo  botelho  esteue  quatorse  dias 
s&  poder  falar,  &  mãdaua  gouernar  por  escrito  o  Q  ou* 
uera  de  ser  causa  de  se  perderem ,  &  sobristo  lhes  co- 
meçou de  faltar  a  agoa,  &  como  não  auia  onde  se  to- 
mar foy  necessário  estreitar  a  regra,  no  Q  passarão  muy- 
to  grande  sede ,  &  de  tudo  os  iiurou  nosso  Senhor ,  & 
chegarão  á  paragem  das  jlhas  que  Diogo  botelho  não 
quis  tomar  por  byr  daquela  maneyra,  que  temeo  que 
ho  prêdessem ,  &  por  lhe  dar  veto  por  dauâte  lhe  foy 
forçado  arribar  á  jlha  do  Fayai,  onde  soube  Q  estaua  ho 
corregedor  daquelas  jlhas;  &  como  não  se  podia  enco- 
brir, desembarcou,  fingindo  que  ieuaua  hã  recado  do 
gouernador  da  índia  a  el  rey  que  lhe  importaua  rauyto, 
&  fex  hík  maço  de  cartas  feyliço  &  selado,  pêra  dissH 
mular  o  recado.  £  ao  desembarcar  ho  fora  receber  ho 
corregedor  c&  toda  a  gente  da  terra,  como  a  cousa  muy 
Boua ,  sabendo  como  viera  da  índia  em  hCla  fusta  tão 
pequena ,  ho  que  tinhâo  por  grade  milagre ,  &  fiserãe 
lhe  aa  mais  festas  que  poderão,  ate  lhe  correrem  -  tou- 
ros :  &  estando  os  vendo  de  hfta  janela  íby  conbeeido 
do  corregedor  ^  estaua  coele ,  &  como  sabia  que  fora 
degradado  pêra  a  índia  pareceolhe  que  vinha  fugido :  & 


per  isso  se  auenturara  a  vir  naquela  fu8(a:  &  determi^ 
nando  de  ho  pren^der,'  preguntottlhe  se  el^a  parente  dfl 
botelho  Q  fora  degradado  pêra  a  índia,  fingindo  que  não 
lhe  sabiá  bo  nome ,  por^  se  negasse  i\  era  aquele  ^  au»* 
ria  sua  presunção  por  verdadeyra ,  &  prendeloya  logo. 
£  sospeytãdo  Diogo  botelho  sua  determinação,  disselha 
que  ele  era  ho  mesmo  que  fora  degradado,  &  Nuno  da 
cunha  por  não  achar  outí!S  que  se  quisesse  au^turar  a 
tamanho  perigo  como  a^ te  fora,  ho  mâdara  por  lhe  que* 
rer  mal :  &  que  flsera  a^la  vtagS  por  o  recado  Q  leuaua 
-ser  de  grade  importância  &  de  tanto  segredo,  que  de 
ninguém  fiaua  as  carias  se  não  de  sy  mesmo ,  &  mos- 
troulhe  bo  macjo,  o  ^  bo  corregedor  creo ,  &  por  isso  ho 
fião  prendeo ,  &  pediolhe  i\  lhe  dissesse  ^  recado  era , 
«o  ()  ele  respondeo  ^  pòr  tienbQ  modo  lho  podia  dizer , 
mas  ^  por  amor  'dete,  posto  ^  Ibsse  contra  joramSto, 
lhe  dexaria  bCla  cart(A  em ^  tho contasse,  (|  lhe  auia  da 
liar  sua  fé  (\  não  aíbrtsse  sé  nSocyto  dias  despoys  de  sua 
partida ,  &  asst  se  fez.  "Ena  <cBKa  ^  lhe  deixou  difi&ia  do 
modo  ^  bya ,  do  ^'*o  corregedor  flcou  muito  magoado 
porQ  o  nã  prêdera,  &  mais  por()  acabando  de  lér  a  can» 
ta  chegou  aii'8imãk>'ferreyra  -^^lo  gouernador  mandau» 
da^  índia  cÕ  noua  «a  ei  rey  como  el  rey  de  Cambaya  Iheí 
dera  fortaleza  em  Dru,*^  mãdou  logo*  quasi  a  pos  Dio« 
go  botelho  quando  soube  ^^  era  partido,  por^  nâ  soubes^ 
se  el  rey  por  Diogo  'botelho  a  noua  da  fort^alesa  4\  por 
ele,  mas  não  pode  ser^  porque  partido  Diogo  botelha 
chegou  a  Portugal  onde  se  foy  apresCtar  a  el  rey  &  lha 
disse  a  cansa  porQ  ^e  fora  tia  índia  da^la  maneyra ,  fe 
lhe  deu  as  oouas  da  4ndfa  ^ >  c5 'l^  el  rey  ficou  muyto  le-^ 
do,  &  lhe  agarde^eo' etia  iqnda  iouuãdo 'muilo  seu  atire-> 
iiÍ9i8to^  &  lomou  o  em  .t9ua  gra^a^  &  fezlhe  *merce, 
temjoo  por  tft  leal  como  «ra*  E  c^uido  se  eoube  do  modé 
4)  viera,  &  foy  ?isia  a^fasta^  foy  8  todos  espãto  gram 
diaaimo,  &  dizfão  ^  "M  fora  ik  tempo  dos  Rohiãos  gfitios^ 
Q  lhe  íkerão  ihila  «vtatua  por  memotia  de  faganha  tão 
g^raaida,  cono  080  se^aaba^am  nenhâa-eaoritura/Q  alguni 
homS  fizesse.  11  2 


S52  -  DA  HISTORIA  SA-INI^A  ■ 

CAPITVLO      CHIÍ. 

* 

De  como  çdeymâo  Haga  entrou  nas  terras  da  Tanadar 

ria  de  Salsete. 

xjLtra0  íica  dito  como  Açadacão  «enhor  de  BilgSo,  por 
se  lemer  do  Hidalcâo  fizera  paz  com  ho  gouernador  pê- 
ra bo  ter  de  sua  parte  se  lhe  comprisse,  &  lhe  dera  se* 
cretamenle  as  Tanadarias  de  Salsete  &  de  Bardes ,  & 
despoys  disto  tornado  o  Hidalcâo  a  estar  b3  cõ  A<^ada^ 
cão,  &  a  recebelo  em  seu  seruiço,  arrependeose  Aqa- 
dacão  de  ter  dado  as  Taoadarias :  &  vendo  que  ho  Go<* 
uernador  era  em  Diu,  onde  se  auia  de  deter,  pareceo? 
lhe  ^  era  tèpo  de  as  cobrar,  por  quam  poucos  Fortuguer 
ses  sabia  cj  as  goardauao,  &  mandou  a  bum  Turco  ca* 
pitão  de  Pondâ,  chamado  Çoiej^mâo  Haga,  que  com 
cinco  mil  homês  de  pé  &  decaualo  fosse  recolher  m 
rendas  darias  Tanadarias,  ^  ele  ho  fez  assi:  &  man- 
dou algQa  da  sua  gente  cercar.  Cristouão  de  figueiredo 
Tanadar  mór,  f}  estaua  apousentado  em  hujn  pagode  d# 
freyras  chamado  Bardor,  qucioipaua  ho  n^xjne  do  diabo 
a  ^  era  didicado ,  &  estas  freyras  erâo  molheres ,  (}  dea? 
poys  d&  vittuas  não  se  quisetão  queymar.  £  vendose 
Cristouão  de  figueyredo  cercado,  ho  mâdou  logo  dizei 
a  dom  lohâo  pereyra  capitão  de  Goa,  &  comoele  era 
muyla  esforçado  &  amigo  de,  nosso  Seikbor ,  &  do  seruH 
^  dei  TQy ,  em  lhe  sendo  dado  ho  i^ecado ,  ajualou  cen» 
homSs  de  caualo  Portugueses.,  &  duzStos  de  pé,  &a 
dezoyto  de  Setembro  se  passou  a  Benestarim ,  &  dali 
foy  caminho  do  Pagode  de  Bardor-,  &  çpleymSo  se  re? 
tirou  pêra  hfla  aldeã  mea  legoa  dele,  eo»o4ioube  q«ie 
ya.  E  chegado  dom  lehâe  ao-  pagode  que  soube  que  os 
imigos  se  yão ,  não  os  quis  seguir  porque  leuaua  a  sua 
gente  casada,  &  quis  que  repouaase  em  quálo  comida , 
&  entre  tãto  mandou  dizer  a  çoleymâo  ^  se  .fosse  mais 
de  presa  do  que  ya,  &  detSdo  çoteymão  o  messageifo, 


LIVRO  VIU.   CAPlTVLa  ClIIf.  tòS 

mandou  dizer  por  outro  seu  a  dom  lohâo  que  assi  ho  fa- 
ria ^  &  que  ho  não  seguisse  muylo,  &  antes  ^  se  este 
messegeyro  partise^  mandou  dom  lohão  aos  seus  que 
dessem  mostra  ^  &  os  primeyros  forâo  os  espingardeiros 
que  erâo  oytenta,  &  ho  mouro  tremia  com  medo  do 
grande  estrondo :  &  dada  a  mostra  deyxouho  dom  lohão 
yr,  mandando  dizer  a  çoleymão  que  tSto  que  acabasse 
de  comer  yria  de  pos  ele ,  por  isso  que  bo  não  achasse, 
&  assi  lho  disse,  &  lhe  contou  a  espigarderia  que  dom 
lohão  teuaua.  £  conhecendo  çoieymão  ho  dano  Q  podia 
receber  deia,  receou  de  o  esperar ,  &  fazêdo  sinal  a  sua 

ÍSte,  retirouse  niais  pêra  dêtro  da  terra,  &  quãdo  dõ 
ohão  chegou  ao  lugar  onde  esperaua  de  o  achar ,  não 
vio  se  na  a  fardagem  &  vendo  dom  loão  Q  fugiâo ,  não 
os  quis  apertar,  &  deyxouse  yr  a  pos  eles,  &  ao  outro 
dia  foy  ler  a  hu  Pagode  chamado  Gbâdor  trea  legoas  do 
de  Bardor ,  onde  cuydou  Q  i^oteymão  se  fizesse  forte  & 
ali  ho  esperasse ,  mas  não  ho  fez  com  medo ,  ante  sayo 
de  todo  da  comarca  de  Salsete,  &  assi  ho  soube  aly  on- 
de se  deyxou  ficar  por  ser  perto  da  noy te :  £  como  foy 
menhaã  por  segurar  a  terra ,  andou  por  ela  espaço  de 
três  oras,  &  deyiando  fauorectda  a  gente  dela,  com  ho 
medo  que  lhe  ouuerão  os  immigos^  tornouse  ao  pagode 
de  Bardor ,  onde  animou  os  Gãcares  que  não  ouuessem 
medo  dos  mouros ,  porque  bem  vião  camanho  ho  elea 
auiâo  das  armas  dos  Portugueses,  que  sendo  tãtos  & 
eles  tão  poucos  lhe  fugira.  Ê  deyxando  algQa  gente  da 
que  leuaua  a  Gristouão  de  figueiredo,,  principalmente 
espingardeyros  ae  tornou,  a  Goa. 


tbê  BA   8I9T0fRIÁ     DA   INNA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CV. 

De  como  Manuel  de  vascôctlos  desharatoti  os  mouros  que 

estauão  na  ^anqueyra  de  Bari. 

JL/espoys  que  çoleyraSo  hagá  «e  recoUieo  cõ  medo  de 
dom  lobão,  &  soube  que  ele  era  tornado  a  Goa,  temeiH 
do  que  se  tornasse  a  entrar  em  Salsete  cd  grande  corpo 
de  gente  \  tornaria  dotfi  lobSo ,  &  assi  andaria  sem  fa* 
ser  nada,  por  isso  que  seria  melhor  mãdar  sua  gente  em 
quadrilhas  por  essas  aldeãs  a  recolher  as  rSdas,  &  as  re* 
colheria  melhor^  &  assi  o  fez.  E  sabido  isto  por  dõ  lohão^ 
/es  logo  hfla  armada  de  fustas  &  bargantins  que  andas^ 
se  por  aquele  rio  de  Salsete ,  &  Manuel  de  Vasconcelos 
casado  fiGoa  era  capitão  mór  &  fazia  muytos  saltos  sayi»^ 
do  de  dia,  &  de  noyte  em  terra^  &  daua  nas  aldeãs  oní^ 
de  estauão  os  mouros^  descuydados  de  sua  yda ,  &  poc 
isso  roataua  &  catiuaua  mnytos,  E  sabSdo  <;oleymft  oo^ 
mo  os  seus  erSo  assi  perseguidos  dos  Poçtugueses.bus^ 
cou  remédio  pêra  os  defender:  &  como  sabia  que  borio 
de  Salsete  era  muyto  estreyto,  onde  estaua  hum  passo 
que  se  chama  Bóri ,  cinco  legoas  da  jlha  de  Goa ,  por 
onde  os  Portugueses  passauão,  mandou  aK  fazer  hfla  e»« 
tãcia  de  três  bombardas  em  hfla  tranqueyra,  que  ama^ 
nheceo  hum  dia  fey ta ,  &  quando  os  Portugueses  forão 
pêra  passar  pola  estreyteza  do  passo  varejaua  os  a  arte« 
Iharia  muy  rijo:  &  fazialhes  muito  dano,  &  por  atalhar 
a  ele,  &  que  aquela  for<;a  não  crecesse  mays,  mandou 
dom  loão  a  Manuel  de  Vasconcelos  que  a  fosse  desfazer 
&  foy  là  cõ  quarenta  espingardeiros :  Sc  chegando,  achou 
grande  resislScia  nos  Imigos,  que  serião  bem  duzentos 
honiSs ,  &  quasi  todos  frecheyros ,  &  cõ  tudo  passando 
a  primeira  qurriada  das  bõbardadas  aferrou  cõ  a  tran- 
queyra &  despois  Manuel  de  Vasconcelos,  de  pelejar  hii 
pedaço  cõ  os  mouros  muy  esforçadamSte  os  fez  fugir, 
matando  muy  tos  deles,  &  Qymou  a  tran^yra,  &  reco- 


LlVftO  VIII.    OAFITVLO   CVI.  265 

Ibida  a  artelharia  se  tornou  pêra  Goa ,  &  desembarcou 
cõ  08  que  forão  coele ,  leuando  cada  hQ  sua  cabei^a  de 
mouro  oa  w3io ,  pêra  mostra  da  vitoria  Q  lhes  nosso  Se* 
nhor  deu ,  &  por  isso  (orSio  muy  bem  recebidos. 

C  A  P  1  T  V  L  O  CVI. 

De  como  dom  lohâo  fez  no  rio  de  SakeU  a  fortaleza  de 

São  Johâo  de  RachoL      ^^ 

V  eodo  dom  lohão  2^  a  guerra  se  ateaua  j  &  que  os 
questauSo  no  pagode  de  Bardor  não  estauão  seguros,  & 
pêra  el  rey  de  Portugal  colher  as  rendas  daQlas  Tana- 
darias  Q  tinha ,  era  necessário  ter  lá  gSte ,  &  esta  em 
lugar  seguro  dos  Imigos,  &  pêra  isto  determinou  de  fa* 
^ler  h&a  fortaleza  em  hum  lugar  que  a  seu  parecer  & 
doutros  fidalgos  &  pesseas  principaeis  achou  muy  to  b& 
pêra  isso  no  rio  deSalsete  em  hum  morro  de  rocha,  que 
estaua  por  ele  a  cima  sejs  legoas  da  jlba  de  Goa  &  húa 
do  passo  de  Bóri ,  &  este  morro  era  gride ,  &  estaua 
quasi  pegado  c&  a  terra  firme ,  &  ficaua  antrele  &  ela 
algQ.a  agoa  como  esteyro,  &  da^la  banda  se  fazia  hfi  cã-* 
po  raso  Q  era  quasi  terra  alagadiça  com  agoa&morraça 
&  ficaua  hum  sapaL  K  achado  este  morro  por  dò  loão 
logo  c5  a  gSte  da  armada  Q  lá  andaua  começou  de  fazer 
a  fortaleza ,  &  acabou  a  8  espaço  de  três  meses  ou  pou« 
CO  menos,  &  S  todo  este  t&po  teuerão  os  nossos  muita 
guerra  eò  os  mouros  a  què  pesaua  8  estremo  da^la  for- 
taleza ,  &  por  isso  defejudião  brauam8le  l\  não  se  fizes*- 
se :  &  açadacã  a  qu8  pesaua  mays  {|  ningu8 ,  &  era  ho 
H  sostinba  esta  guerra  nftca  acabaua  de  mftdar  g8te,  & 
arteficios  de  fogo  ^  &  muy  tas  muniçftes:  &  nesta  guerra 
fieerão  os  nossos  muito  boas  cousas  em  armas ,  t\  não 
escreuo  particularmente,  porQ  as  não  pude  saber  se  não 
etn  soma.  E  com  quanto  dom  lòão  fcy  bem  contrariado 
éos  imigos  (|  não  fizesse  esta  fortaleza  ^  ele  a  acabou  cft- 
mu; la  honrra^  &  acabada  ioilhe  posto  oome  sam  loão  ^ 


250  DA    flISTORIA    DA   ÍNDIA 

á  hoDrra  do  sanlo  deste  nome,  &  polo  rochedo  em  Qsta- 
ua  sSo  loão  de  Ráchol,  &  tinha  três  baluartes  è  trift* 
guio,  &  no  meyo  hOa  torre  de  Menagfi,  &  todos  cÒ 
muita  nrtelharia  &  cubertos  de  telha:  era  entulhada  até 
o  andar  das  ameas  do  muro,  &  tinha  sua  coyraça,  & 
aeruiase  por  hua  escada  denlulho,  tam  larga  &  chaã, 
que  podião  sobir  por  ela  homSs  a  caualo,  &  desta  esca* 
da  êlrauâo  na  fortaleza  por  hfla  põte  leuadiça :  podíSosè 
b8  agasalhar  nela  seys  cêtos  homês  cõ  mâtimêtos  ^  lhe 
abastassS.  Acabada  esta  fortaleza  deu  dõ  loão  a  capita- 
nia a  Miguel  froez,  &  deixoulhe  sessenta  dos  nossos^ 
&  a  goarda  daQle  rio  deu  a  Goni^alo  vaz  coutinho ,  que 
andaua  em  hQa  albetoça  bS  artilhada,  &c  a  lorge  de  me^ 
lo  soarez  4  andaua  ê  hQa  galé,  &  isto  por^  os  mouros 
acodiâo  sempre  á  borda  do  rio  no  passo  de  Bóri  a  fre- 
char os  nossos  que  passauS  nas  fustas  pêra  a  fortaleza, 
Q  todas  leuauão  arrombadas  pêra  emparo  dos  !)  hiâo  ne- 
las, &  sempre  auia  pelejas  antre  os  nossos  &  os  mouros. 
E  tornado  do  loSo  a  Goa  soube  !)  era  chegada  a  armada 
das  nãos  da  carga,  de  Q  fora  de  Portugal  por  capitão 
mór  Fernão  perez  dãdrade,  &  forão  seus  capitães  Fer* 
não  de  morays,  Martim  de  freitas ,  Thome  de  sousa, 
Luis  aluarez  de  payua,  Fernão  camelo  &  lorge  mazca- 
xenhas,  Q  chegara  a  índia  a  saluamSlo* 

C  A  P  I  T  V  L  O    CVIL 

De  conw  Pasço  pirez  de  sa6  payo  tomou  a  fortaleza  dt 

f^ariuene  no  rio  Indo. 

V  asco  pirez  de  sam  payo  ^  partio  de  Diu  pêra  yr  to- 
mar a  fortaleza  de  Variuene ,  como  a  trás  disse,  anda- 
das oytenta  legoas  ao  longo  da  costa  chegou  á  foz  do 
rio  Indo ,  Q  tanto  está  de  Diu  pêra  ho  norte ,  &  ateli 
chega  ho  reyno  de  Gâbaya ,  &  começa  outro  chamado 
Vlcinde,  cm  que  entra  no  már  este  rio  Indo,  hQ  dos 
famosos  de  Ásia.  £  surto  aqui  Vasco  pirez  vazou  a  maré 


LIVUO   Vllf.    CAPITVLO  CVII.  257 

hua  granáe  mea  legoa  &  ficarão  o8  nauios  em  seco ,  -& 
foy  auisado  pela  gente  dá  terra  que  despejasse  os  na- 
uios  t[  ficassem  leues  quando  tornasse  a  mõlante  dagoa, 
por^  se  perderiSo  se  esteuessem  carregados  por  trazer 
grande  força,  que  enchia  com  macareo,  fao  que  logo 
fez,  &  mandando  aboyar  a  artelharia  forão  postos  sobrela 
os  maslos  &  vergas  dos  nauios,  &  quãdo  a  maré  tornou 
vinha  ho  macareo  tam  alto  &  cò  tamanho  ímpeto  &  ru- 
gido, que  os  nossos  ouuerão  medo  cuydãdo  que  os  auia 
de  çoçobrar,  &  assi  dera  os  nauios  grandes  pancadas  na 
praya ,  que  parecia  que  se  espedaçauS ,  &  passada  esta 
fúria  foy  recolhida  a  artelharia  cÕ  o  mais.  E  aparelhados 
os  nauios  entrou  a  frota  no  rio,  &  hi  achou  Vasco  pires 
ho  capitã  dei  rey  de  Câbaya  a  I]  os  Mogores  tomarão  a 
fortaleza ,  ^  sabSdo  como  Vasco  pirez  hia  ho  foy  ali  es<* 
perar  cÔ  a  gSte  Q  tinha  embarcada  em  galuetas,  &  con- 
toulhe  (}  tanto  ^  os  Mogores  souberão  sua  vinda,  quei- 
mara logo  a  pouoação  da  fortaleza  a  ()  se  acoiberao ,  & 
serião  cSto  &  cincoenta  homSs  todos  frecheiros ,  se  não 
oyto  que  erão  espingardeiros,  &  que  não  tinha  mays  ar- 
telharia {|  quatro  ou  cinco  berços ,  &  Q  a  foKaleza  esta- 
ua  na  borda  dagoa  &  era  pe^na  &  quadrada  feyta  de 
barro  enuasado,  &  de  rama  cõ  seus  baluartes  &  cercada 
de  caua.  E  leuãdò  Vasco  pirez  este  capitão  côsigo  foy 
polo  rio  acima  até  ôde  estaua  a  fortaleza  a  I)  chegou  de 
noite,  &  sem  !|rer  saber  mais  da  disposição  da  fortale- 
za n8  da  terra ,  ordenou  de  dar  nela  ao  outro  dia  fi  a- 
manhecSdo,  &  repartio  o  cõbat«  por  três  estancias,  hua 
auia  de  ter  ele  cõ  os  seus  capitães ,  &  Portugueses  da 
■bãda  do  rio ,  outra  Cogeçofar  cÔ  os  Turcos ,  &  a  outra 
o  capitão  dei  rey  de  Câbaya  cõ  sua  gSte ,  I)  era  a  mais 
espingardeiros,  &  não  auião  de  ter  outro  cuydado  se  não 
de  tirar  aos  IMogores  que  parecessem  sobre  ho  muro,  & 
oada  dous  capitães  Portugueses  auião  de  leuar  hua  es- 
cada pêra  sobirS  ao  muro.  Isto  cScertado,  &  encomõ- 
dãdose  todos  a  nosso  sefior,  desembarcarão  ao  outro  dia 
em  amanbecfido  feytos  em  três  escoadrÕes,  &  cada  hCL 

LIVRO   VIII.  KK 


268  »A   HMTORIA    OA  INMA 

Be  foy  ao  lugar  Q  lhe  era  assioado,  £  cõ  quanto  oa  Mo- 
gores  erSo  poucos,  resislião  muy  brauamenle  coessa  ar- 
telbaria  Q  linhSo  &  espingardas,  desparãdo  frechas  sem 
coto,  &  arremessando  muylas  panelas  de  poluora,  & 
muylo  fogo  outro  c5  que  logo  ferirão  b8  oy tenta  Portu- 
gueses ,  que  foy  causa  de  não  poderem  chegar  as  esca- 
das ao  muro,  saluo  Miguel  dayala  Ij^  foy  ho  primeyro 
que  Bobío,  &  bfi  cõtrariado  &  ferido  sobio  ao  muro,  don- 
de os  imigos  o  deytarâo  abaixo,  no  que  correo  muyto 
perigo,  &  cõ  tudo  escapou  cÕ  a  vida,  &  a  htl  fidalgo 
chamado  Martim  afôso  de  melo  punho»  Q  sobia  após  ele, 
d  chegando  ao  quarto  degrao  foy  ferido  de  hCka  frecha 
na  roda  do  giolho  cõ  que  cayo  abayxo,  &  não  sobio  mais 
ainguS  por  neste  tempo  arder  a  escada.  £  vendo  Vasco 
pirez  bo  dano  ^  recebia  sua  gente,  mandou  a  afastar 
oom  determinaijSo  de  descoroar  as  ameas  do  muro  pêra 
Jà  gente  poder  melhor  sobir,  &  assi  o  fez  cõ  a  artelba- 
ría  ^  logo  mandou  tirar  em  terra :  &  por  se  esta  obra 
acabar  tarde,  não  quis  cometer  a  entrada,  &  ficou  pêra 
o  outro  dia,  em  Q  não  ouue  ^  fazer  por  os  Mogores  fu- 
gira a^la  ooy  te ,  do  que  sendo  Vasco  pirez  anisado  de- 
sembarcou cõ  os  seus  &  foy  a  pos  eles,  &  ainda  matou 
algfls,  &  tomada  a  fortaleza  entregou  ao  capitão  delrey 
4e  Cambaya ,  &  por  não  ler  mantimêtM  &  ^uar  algQ 
4le8concerto  antreie  &  Cogec^ofar,  não  fez  mais  guerra 
aos  Mogores  &  toroouse  pêra  Diu. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CVIIL 

De  como  foy  comegada  a  fortaleza  de  Diu ,  fths  Pon- 

tuguesee. 

JjLo  gouernador  4  ^l^ua  em  Diu ,  cÕ  negócios  que  (d- 
ue  &  em  ajuntar  pedra  cal  &  m^deyra,  não  pode  co- 
meçar de  fazer  a  fortaleza  se  não  em  NouSbro,  &  des- 
pois  douuir  missa  cÕ  todos  os  c^pitães&  fidalgos  cõ  gran- 
de estrondo  darlelharia ,  &  arroido  de  trÕbelafi  ^  À  aJ«- 


LiTJie  viiT.  ciFrrvLO  cvirr.  25» 

gre  rom  de  charamelas :  assentou  a  primeira  pedra  des* 
la  fortaleza,  coro  muytas  moedas  douro  debaixo  dela.  B 
a  pos  ele  os  outros  capitães  &  fidalgos ,  que  todos  cd 
muyto  prazer  trabalbauão^  por  auer  tanto  tSpo  que  esta 
fortaleza  era  necessária  pêra  conseruaçã  do  estado  da 
Índia:  por  ser  a  principal  porfa  por  onde  os  Turcos  po» 
diã  entrar.  E  coela  ficou  de  todo  fechada ,  como  direy 
oo  liuro  nono  quando  foy  cercada  de  Turcos.  Eassi  foy 
começada  a  obra,  pêra  que  el  rey  deCambaya  mandou 
ao  gouernador  doze  mil  cruzados  com  nome  dalmorço 
pêra  a  gSte  de  seruiço,  que  dei|  em  grande  abastança 
pêra  seruirem  nesta  obra ,  em  Q  os  Portugueses  leuauSo 
assaz  de  trabalho ,  porque  tanto  trabalhauão  os  fidalgos 
eorao  os  outros,  &  lodos  eráfo  repartidos  por  quartoa:  & 
pa  eapitSes  deles  andauâo  ás  enuejas  de  quê  daria  me^ 
Ihor  de  comer  aos  de  seu  quarto,  &  quem  ho  daua  nie^t 
Ihor  tinha  mais  gente,  &  fazia  mais  obra.  E  por  isso 
oreoia  sempre,  o  que  Garcia  de  saa  tinha  a  cargo,  que 
era  hil  baluarte,  a  que  despois  chamara  de  Santiago,  & 
aigQs  lhe  chamauSo  ^e  Garcia  de  saa ,  pori}  o  fez  todo^ 
Bo  ^  gaitou  muyto,  que  d^ua  melhor  de  comer  Q  todoa 
os  outros  capitães.  E  fazendose  a  fortaleza,  soube  el 
rey  de  Câbaya  como  el  rey  dos  Mogores  despois  de  to-, 
mar  Ch^mpanel  quisera  ir  sobre  Diu ,  &  não  fora  por 
saber  que  estaua  hi  ho  gouernador,  &  se  foy  alMadaufí^ 
&  a  tomou  ))0F  peytfi  ^  deu  ao  capitão  que  a  tinha.  È 
parecendo  a  el  rey  que  seria  bõ  dar  hfia  sayda  polo  rey- 
no  pêra  que  soubessem  seus  vassalos  í\  era  viuo,  &i3om 
esperança  de  os  socorrer  o5  ho  fauor  doa  portugueses, 
não  se  entregassem  a  el  rey  dos  Mogores.  E  tomando 
nisto  ho  parecer  do  iifouerni^dor ,  que  foy  l|  sy,  lhe  pe^^ 
dio  que  lhe  desse  Alartini  afõso  de  souaa  pêra  compa- 
nheiro, por  lhe  ser  aíFeyqoado  por  seu  esíbrço  &  valen- 
tia, &  hõa  oonuersação ,  do  que  ho  gouernador  foy  con- 
tente. E  assi  lhe  ^ea  mais  sete  ou  oyío  fidalgos.  E  quau^ 
do  se  el  rey  partio  lhe  encomendou  muyto  suas  molhe'* 
ffes  &  seu  (hesouro:  &  mais. lhe  pedio  Q  mãdasse  rogar 

KK    2 


260  JDA   HI8T0HU    BA    ÍNDIA  ' 

a  Niza  maluco  que  Uie  oâo  fizesse  guerra,  por(}  estando 
seguro  de  lha  não  fazer  tirana  de  sua  frontaria  IMiram 
tnuhmalà  cooj  a  gSle  que  tinha  Q  lhe  era  necessária  pe* 
ra  outra  parte.  £  ho  gouernador  mandou  com  esta  em* 
baixada  a  hum  caualeiro  chamado  Gaspar  preto ,  hom5 
de  muyta  confiança. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CIX. 

De  como  Xercansur  tomou  ho  reyno  dos  Patanes  a  el 

rey  de  Bengala. 

JYeynando  em  Bengala  Nançarote  xá  antecessor  de  Ma- 
bumedxá  (como  disse  a  trás)  determinou  el  rey  dos  Mo- 
gores  peia  fama  que  tinha  de  seu  grandíssimo  tesouro, 
ae  ho  conquistar  antes  dêtrar  na  índia:  &  por^  não  po- 
dia entrar  se   não  polo  reyno  dos  Patanes  que  confina 
com  i>o  rio  Ganges  (como  disse  no  liuro  quarto  falando 
do  reyno  de  Bengala)  cometeo  dentrar  por  ele.  E  ten« 
do  el  rey  dos  Patanes  pouca  força  pêra  lhe  resistir ,  pe* 
dio  ajuda  a  et  rey  deBSgaia,  que  logo  lha  deu  pelo  que 
lhe  importaua:  &  ambos  resistirão  a  el  dos  Mogores  & 
ho  fizera  tornar.  E  ele  ido  el  rey  de  Bengala  prendeo 
el  rey  dos  Patanes  &  tomoulhe  ho  reyno:  em  Q  deixou 
por  gouernador  Cotufoxa  ,  hum  grande  senhor  seu  vas- 
salo, com  muyta  gente  repartida  por  capitanias,  &  ele 
andaua  no  campo  com  grade  exercito,  em  que  andaua 
hum   soldado  Patane  bomê  muyto  esforçado,  que  auia 
nome  Xercâsur,  que  auendo  hum  arroido  eom  ho  the-* 
soureiro  do  campo,  acodio  Colufuxá  aos  apartar,  &  foy 
morto  por  desastre:  pelo  que  Xercansur  se  foy  do  ar« 
rayal.  E  e)  rey  de  Bengala  lhe  perdoou  despois,  &  ho 
fez  tornar,  &  pos  por  gouernador  no  reyno  a  hum  seu 
primo  chamado  çoltão  babmo.  £  despois  disto  morreo 
Nançarote  xá,  de  que  ikou  hú  filho  pequenino,  em  cu- 
jo nome  gouernaua  ho  reyno  Mahmudxà  seu  tio  hirmâo 
de  seu  pay ,  que  se  leuantou  cÕ  ho  reyno  (como  disse 


LIVRO  VIU.   CÀPITVLO  CX.  261 

a  Iras).  O  que  sabido  por  qoltâo  Halamo  Ibe  escreueo 
logo  que  restituísse  ho  reyno  a  seu  sobrinho,  se  não  que 
lhe  faria  guerra,  como  fez,  &  nela  foy  morto.  E  Xer* 
cansur  ho  soldado  que  tenho  dito,  vSdoho  morto,  pos 
logo  em  saluo  ho  tesouro  do  campo,  &  recolhendo  a  mais 
gente  que  pode  do  campo  de  çoltâo  Jialamo,  desbaratou 
a  gente  dei  rey  de  Bengala.  O  que  sabido  por  ele ,  & 
receando  que  Xercansur  se  lhe  leuant asse  com  ho  rey* 
no ,  lhe  mandou  cometer  que  se  fosse  parele ,  com  pro- 
messas de  muylas  mercês ,  que  ele  não  quis  som  que 
ele  restituísse  primeiro  ho  reyno  dos  Patanes  em  sua  li- 
berdade ,  o  que  el  rey  nâ  quis ,  &  começou  de  lhe  fazer 
guerra,  de  que  Xercansur  leuaua  ho  milhor. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CX. 

De  como  el  rey  de  Bengala  mandou  ao  gouemador  vinte 

Portugueses  dos  que  catiuou. 


p 


rosseguindose  esta  guerra  antre  el  rey  de  Bengala  & 
Xercansur,  ])  foy  causa  de  Martim  afonso  de  melo,  & 
os  outros  catiuos  terem  melhoramento  em  seu  caliuei-- 
ro.  Neste  âno  de  mil  &  quinhêtos  &  trinta  &  cinco  che- 
gou a  Chetigão  hum  Diogo  rabelo  que  hia  da  Índia,  aÇ 
ho  gouernador  encomendou  muyto  <}  visse  se  por  meyo 
deCoge  çabadim  podia  resgatar  Martim  afonso  &  os  ou- 
tros ,  &  qué  lhe  pagaria  ho  resgate ,  no  que  ele  pos  sua 
diligencia.  £  como  el  rey  de  Bengala  estaua  muy  as- 
sombrado da  guerra  ^  lhe  fazia  Xercansur :  &  auia  me- 
do de  lhe  ho  gouernador  mandar  çarrar  Chatigão  &  Sa- 
tigão,  folgou  de  fazer  paz  coele,  &  mâdouibe  vinte  dos 
catiuos  de  graça,  por  hum  embaixador  que  lhe  mandou 
com  Diogo  rabelo,  per  quem  lhe  mandou  dizer,  que  lhe 
não  mandaua  logo  Martim  afonso  &  os  outros,  por  se 
temer  de  ter  necessidade  deles  pêra  a  guerra  que  tinha, 
pedindolhe  muyto  que  lhe  mandasse  socorro,  &despoys 
de  vindo  lhe  mandaria  Martim  afonso  &  os  outros:  a 


ses  SA  HtrroMA  da  nma 

qoen  rogon  que  escreuesse  xo  goueroador  Ç  Ibe  nan* 
daste  ho  socorro  que  pedia ,  dãdoliie  a  entender  que  se 
Hio  mandasse,  que  lhe  daria  fortaleaa  em  Cbaiigáo,  & 
assi  lho  escreueo  Marti  ro  afonso.  Porem  ho  gonernador 
teae  tanto  que  fazer  na  fortaleza  que  lhe  el  rey  de  Cã* 
baya  deo  em  Diu,  &  despois  com  a  morte  do  mesmo 
rey,  como  dírey  a  diante,  que  nunca  pode  mãdar  ho 
socorro ,  n6  quis  despachar  ho  embaixador  sem  ho  man« 
dar.  E  ei  rey  de  Bfigala  ainda  que  mandou  estes  catí«> 
uos,  não  quis  soltar  Marlim  afonso,  temendo  que  fu» 
gisse  pêra  Xercansur,  mas  mandauaho  chamar  muytss 
vezes,  &  praticaua  coeie  em  muytas  cousas.  EMartim 
afonso  porque  ho  entendia,  nllca  lhe  quis  pedir  que  ho 
soltasse,  antes  se  mostraua  muyto  descuydado  da  soltu- 
ra, por  onde  el  rey  folgaua  muyto  mays  coele. 

C  A  P  r  T  V  L  O     CXI. 

De  como  Tristão  datayde  mandou  el  rey  Taharija  ao  g^ 

uemador  da  índia. 

Jjintrado  ho  anno  de  mil  &  quinhentos  &  trinta  &  cin^ 
CO,  despachou  Tristão  dataide  capitão  da  fortaleza  de 
Teroale  os  nauios  que  auiSo  de  ir  pêra  Malaca  &  pêra 
a  índia,  cuja  capitania  mor  deu  a  Lionel  da  lima:  a 
que  tambe  entregou  preso  el  rey  Tabarija,  com  os  au^ 
tos  ^  mãdou  fazer  de  suas  culpas:  &  coeie  mandou  sua 
mãy  &  Pateçaranfi;ue ,  que  forão  piadosa  cousa  de  ves 
quâdo  os  tirarão  da  prisam  os  prantos  que  fazião,  &  as 
magoas  que  dizíão,  vendose  leuar  de  sua  terra  pcrn  ou* 
tra  estranha,  donde  não  esperauão  mays  de  tornar.  B 
então  conheceo  Patec^arangtie  que  pagaua  ho  mal  qua 
fizera  sem  causa  a  el  rey  Caehjl  dayaio  seu  rey  em  lhe 
£azer  tifiir  ho  reyno.  E  partido  Lionel  de  lima  com  sua 
frota  foy  ter  a  fianda  &  dahi  a  Malaca,  &  despoys  á 
índia ,  onde  entregfou  el  rey  Tabarija  8ç  os  outros  pret 
soa  ao  gouflCAador  Nuno  da  cunha ,  ^  por  oa  aohar  sem 


LIVBO  VUI.  eAPITVLO  cxu.  2^9 

oalpa  08  deu  por  liures,  &  julgou  que  9e  desse  ho  reyno 
de  Teroale  a  el  rey  Tabarija ;  &  ele  se  tornou  Chrislâo, 
&  bo  gouerpador  ho  lomou  despoys  a  mandar  pêra  Mã* 
lucp)  ia  mvrreo  em  Alalaça)  como  direy  a  diania* 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXII. 

Z)e  como  09  Rty$  da$  ilhus  de  Maluco  jurorão  d$  fazer 

yucrra  a  Tristão  datayde^ 

.^tras  fioa  dilo  a  guerra  que  Tristão  dalayde  fez  a  el 
rey  de  Bacbfio ,  dg  ()  ele  ficou  tam  escandalizado  9  que 
ainda  ^  fez  paz  não  perdia  bo  escândalo,  porque  Ibe  ifi- 
braua  quanianbo  seruidor  fora  sempre  dei  rey  de  Porlu** 
gal,  &  quam  leal,  &  coro  quanta  diligencia  acodira  sem^ 
pre  á  fortaleza  em  todas  suas  necessidades,  &  verse  por 
derradeiro  tam  mal  galardoado  de  Tristã  dalaide ,  to** 
moulhe  mortal  ódio  &  desejou  sua  deslruy<^o,  &  quei«- 
)(ouse  aos  outros  reys  das  ilbas  deMaluco,  que  portam** 
b8  estarem  muyto  escãdalisados  ainda  que  bo  dissimu*- 
lauSo ;  bo  escândalo  daquele  ibe  fez  renouar  bo  seu.  B 
despoys  que  per  recados  teuerfio  algfia  inteligSciaacer* 
ca  de  se  vingarem  de  Tristão  dalayde,  ajunlaranse  to» 
dos  em  Tidore.  s.  £)l  rey  Cacbil  dayalo,  \  fora  de  Ter- 
nate,  £1  rey  Cacbil  Catabruno  de  Oeylolo,  £1  rey  Ga* 
cbil  mir  de  Tidore ,  &  el  rey  de  Bacbão ,  onde  todos 
juntos,  olegou  cada  bQ  largamente  as  causas  que  tinbao 
pêra  serA  uiiigos  nfto  somente  de  Tristão  dataide ,  mas 
de  lodos  os  Portugueses,  &  procurar^  sua  total  deslruy* 
ção ,  &  asai  ho  jurarão  todos  quatro  sobre  bum  ]Mo<;afu, 
que  be  bo  iiuro  de  sua  seyta ,  &  por  sua  cabeia ,  &  po^ 
los  ossos  de  seus  passados,  de  se  leuãtarem  cõtra  a  for- 
taleza ,  &  fazerêlhe  tanla  guerra  ate  que  a  tomassem , 
&  matassem  Tristão  dataide,  &  quantos  Portugueses 
('Sleuessem  nela,  ou  os  deitassem  fora  da  terra.  £  sen- 
do caso  que  ho  não  podessem  fazer  por  a  forlaleza  ser 
socorrida,  que  então  cortarião  &  queimarião  as  aruores 


264  DA   HISTORIA    DA    ÍNDIA 

do  crauo  daquekts  ilbas ,  &  as  da  doz  &  da  maça  &  tO'>- 
do  outro  aruoredo  de  fraylo,  &  despouoarião  as  ilhas, 
&  se  iriâo  morar  a  outras,  porque  os  Portugueses  per- 
dessem a  esperança  de  tornar  roais  a  elas ,  &  sobristo 
perderiSo  todos  as  vidas  &  os  estados.  E  ho  mesmo  ju- 
ramento fizer^o  vinte  dous  birmãos  destes  reys,  &  assi 
de  terê  isto  em  muyto  segredo.  Blogo  ali  foy  ordenado 
que  os  da  ilha  de  Ternate  auião  de  ser  os  primeyros 
que  auiâ  de  começar  esta  guerra ;  &  que  ate  eles  não 
ir6  bem  cõ  ela  por  diante,  não  auião  os  reys  das  outras 
ilhas  de  boijr  consigo.  E  ho  camarão  também  íoy  nesta 
liga,  &  ainda  que  não  foy  presente,  deu  pêra  isso  seu 
consenti nien to.  Que  posto  ^  deuia  muyto  a  Tristão  da- 
iaide,  que  de  nada  ho  fizera  tamanho  senhor,  era  mou-^ 
rOf  que  naturalmente  sam  desleays.  Eali  foy  tambê  or» 
denado,  que  fizessem  crer  a  Tristão  dataide  Q  nas  ilhas 
dos  Celebes  &  Macaçares ,  &  na  de  Mindanao  auia  ou- 
ro, que  as  mandasse  descobrir,  &  ele  <;om  cobiça  bo 
faria :  &.  como  a  isso  auia  de  mãdar  gente  lhe  ficaria 
pouca  pêra  se  defender,  pelo  que  aueria  pouco  que  fa- 
zer em  ho  tomar.  Eque  os  da  cidade  de  Ternate  serião 
os  primeyros  que  se  íeuãtassem,  &  a  despouoarião,  por^ 
que  os  Portugueses  não  podessem  ter  mantimStos:  & 
lhes  fizessem  coisso  mais  guerra*  E  ho  camarão  fingiria 
qué  lhe  pesaua  da^le  leuantamento ,  &  que  não  era  sa- 
bedor dele :  &  se  faria  grande  amigo  de  Tristão  dataj- 
de ,  &  ficaria  coele  pêra  espia ,  porque  mayor  guerra 
faria  em  descobrir  aos  Imigos  seus  segredos  do  ^  otde* 
nasse  cdtreles  que  em  pelejar  coqlrele# 


C  A  P  IT  V  L  o    CXIII. 

De  como  os  mouros  de  Temate  despouoarâo  a  cidade* 

Jlsto  asai  ordenado,  (izerão  saber  a  Tristão  dataíde,  que 
erâo  chegadas  a  Gejiolo  certas  corascoras,  que  vinhão 
da  iiha  de  Mindanao  em  que  acharão  muyto  ouro,  com 
b  que  ele  se  prouocou  a  mandar  descobrir  esta  ilha ,  & 
mandou  a  isso  hum  loâo  de  canha  pinto  em  hu  nauio, 
que  a  foy  descobrir,  &  tendo  descuberta  parte  dela^ 
foy  com  tempo  ter  a  outra  ilha  que  estaa  ao  mar  desta, 
Tiue  se  chama  Siriago:  &  tendo  necessidade  de.  fazer 
nela  agoada,  fez  paz  com  a  gente  da  terra,  sangrando- 
se  ele  &  el  rey ,  &  bebêdo  hum  ho  sangue  do  outro ,  & 
desta  maneira  fica  feita  a  paz.  Eauêdoa  os  da  terra  por 
muyto  firme  conuersauão  com  os  Portugueses,  &  hiâò 
ao  nauio  sem  medo.  E  determinado  loão  da  canha  de 
se  ir,  deitou  hQ  dia  mâo  de  quãtos  da  terra  estauão  no 
nauio  pêra  os  catiuar,  &  algiis  fugirão  deitandose  ao 
fnár,  &  estes  forão  dizer  a  el  rey  a  treyçâo  que  lhe  os 
Portugueses  fizerão,  que  logo  mandou  deitar  sua  arma- 
da ao  mar,  em  i\  mandou  meter  sua  gente  pêra  ir  to- 
mar o  nosso  nauio,  cõtra  quem  foy  a  velas,  &  a  remos, 
tirado  tantas  frechadas  &  arremessos ,  &  com  tamanhas 
gritas ,  que  loão  de  canha  com  medo  mandou  cortar  as 
amarras,  &  dar  ás  velas  &  fugio.  Eho  que  pior  foy  que 
ihe  ficou  a  artelharia  do  nauio,  ()  com  hum  temporal 
deitou  ao  már.  E  vedo  os  mouros  q^ue  ho  não  podião  a)^ 
caçar  tornarãse.  E  por  isto  que  lhe  os  Portugueses  fize- 
rão crerão  todos  os  males  que  os  das  ilhas  de  Maluco 
contauão  deles.  E  escapando  ioão  de  canha  daqui,  aca- 
bou de  descobrir  a  iiha  de  IMtndanao,  em  ^  não  achou 
curo,'&  tornouse  pêra  Temate.  E  por  aquele  anno  ser 
*a  moução  do  crauo,  não  quis  Tristão  dalayde  mandar 
mays  descobrir  os  Celebes  nem  Maçacares,  porque  Sda- 
iia  muy. ocupado  em  fazer  nauios  pêra  carregar  de. era* 

LIVRO   VIH.  LL 


S6«  Btà    HISTORIA   OA   INDlÀ 

uo^  cft  outras  pessoas  que  linhão  nele  parle»  O  que  vis- 
to poios  reys^  &  desesperado  de  diuidirem  os  Portugue- 
ses por  aquela  maneira,  ordenarão  de  os  diuidir  por  ou-* 
Ira :  &  foy  fazer  el  rey  de  Geiioio  gò  bus  pouos  chama- 
dos Tauaros ,  que  erã  liures  y  que  fizessem  guerra  ao 
se&or  da  grã  Bocanora  &  ao  Murro :  em  cujos  seahorios 
se  tornauão  muitos  Christâos,  dos  que  disse  a  trás,  por^ 
sabiâo  que  lhes  auia  Tristão  dataide  de  mandar  logo  a^ 
codir^  &  assi  o  fez^  mãdâdo  hOa  armada  de  Ternates 
&  de  portugueses  á  grão  Bocanora  y  &  por  capitão  mór 
hu  seu  sobrinho  chamado  iorge  dataide,  &  ouUa  aa 
Morro ,  cuja  capitania  mór  deu  a  Diogo  sardinha  capi* 
tão  mór  do  mar.  E  andando  estes  capitaSs  fazêdo  aguer^ 
ra  nestas  duas  partes ;  como  os  Ternates  virão  Q  fica^ 
uão  poucos  Portugueses  na  fortaleza,  |K)8erão  em  efiWito 
sua  determinação,  &  forãose  muytos  deles  secretamente 
em  certas  corascoraa  á  Batachina  do  íuortç  junto  de  Gey- 
loioy  onde  estaua  hum  Vicente  correa  mestre  de  hua 
nao ,  com  outros  cortado  madeira  pêra  estes  nauiosque 
se  fazia ,  &  duas  ou  três  legoas  da  costa  toparão  hit  bas- 
tei dos  nossos,  que  Vicente  eorrea  mádaua  carregado  d# 
madeira  pêra  a  fortaleza:  &  hiâo  nele  alguus Portugue- 
ses &  Arábios  que  ho  remauão»  E  os  mour«)s  matarão 
a  trei<2ão  quantos  hiao  no  balei,  saiuo  hfl  dos  Arábios 
que  escapou  a  nado^  &  fuy  dizer  a  Vicente  correa  o  % 
passaua  do  que  elle  ficou  muyto  espãtado,  por  os  mou- 
ros ser&  tanNiBhos  amigos  dos  Portugueses.  £  parecfi-- 
doibe  isto  algu  misteriu,.  acolheose  logo  cõ  os  outros  em 
hú  batel  per»  Ternale  ;  &  no  caminho  achou  os  mouros 
que  maiarão  os  outros  Portugueses:  &  quando  os  vi^ 
fezse  forte  pêra  se  defèder  r  cl  conhecendo  por  isso  os 
mouros  2|  Vicente  correa  sabia  o  que  fizerão,  disstmu*- 
larSo,  &  como  nao  lhes  fazia  tempo  pêra  Ternate ,  ar- 
ribarão a  Geyiok),  &  Vicente  correa  tambfi  poia  mesma 
causa.  E  indo  ao  longo  da  costa  topou  hum  capitão  dei 
rey  de  Geylolo  cõ  oylo  corasceras ,  que  lhe  disse  que 
hia  por  seu  mandado  pêra  o  ieuar  seguco,  por^  soubera 


\ 


LIVHO  VIII.   0AVITV1X>  €011111.  267 

a  tri>içt  que  os  mouros  de  Ternate  fiserjb  sos  outros 
Portugueses^  &  porque  bo  nSo  fixesem  a  ele.  E  isto  fets 
el  rey  de  Geylolo  pêra  mays  dissíniulaçã  com  Tristão 
datayde ,  que  lho  mandou  muy to  agardecer  quando  lio 
sout)e :  &  ficou  muy  suspSso  nSo  sabendo  determinar  a 
eausa  porque  os  mouros  faríão  aquela  trei^So :  &  agas-» 
(ouse  muy  to  ooisso,  &  mays  porque  nâo  estaua  ali  ho 
^marao  que  lho  dissese,  que  era  rfarmada.  R  estandb 
assi ,  como  já  os  moradores  de  Ternate  a  teuessem  se- 
cretamente despejada  de  suas  fazendas^  hfl  dia  anteme* 
nbaS  se  forão  todos :  o  que  sabido  por  Tristão  dataide 
aeodio  muy  (o  do  pressa  :  &  achando  ainda  algus  que 
hião  na  traseyra  rogaualhes  que  nSo  se  fossem,  &  se 
estauSo  agrauados  dele,  ou  doutra  pessoa  que  os  desa* 
granaria:  mas  eles  nem  somente  bo  quiserão  olhar,  & 
forfiose.  E  ele  nSo  quis  que  Ibe  fizessem  ma)  poios  nSe 
escandalizar  mays,  parecendolbe  que  os  amansaria  por 
bem:  mas  eles  nSo  estanco  nisso,  &  forãose  pêra  outros 
lugares  donde  esperaufto  de  fazer  a  guerra^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXIIII. 

De  como  Tristão  datayde  quisera  fazer  paz  "CÔ  os  mcu^ 

ros ,  ^  eks  não  quiserão. 


D, 


Wpejada  a  cidade ,  acertou  de  chegar  bo  camarão , 
Q  como  disse  era  fora  com  bfia  armada ,  &  tanto  {|  de« 
«embarcou  com  os  seus  seruidores  &  pessoas  de  sua  (a* 
tnilia  :  osoutros  mouros  í\  ficau^o  na  armada  fizerâo  voU 
ta  nas  mesmas  corascoras  em  qtie  biSo  &  se  forfto.  O  Q 
logo  pareceo  ma)  a  OHiytos  Portugueses  porque  sabiSo 
que  ele  era  muyto  mat  quis4o  dos  mouros ,  por  ser  go« 
uernador  em  ?)  Ibes  pez:  &  desejauâo  de  1^  matar,  &() 
nSo  teaerSo  nunca  Iam  b5  tempo  pêra  isso  como  entSo, 
poys  estauSo  teuantados  contra  a  fortaleza,  o  que  mos* 
trauSo  em  se  ir6  logo,  &  poys  bo  deizauão  yíuo,  n2o 
era  se  não  por  ser  tambS  na  consulta  do  leoãtamêto,  & 


268  DA*  Hf STOitIA  •  DA    INDlA 

por  díssimQlaçSo  ficaua  nra  fortaleza  pêra  poder  deMOk 
brir  aos  outros  o  {|  Tristão  dalaide  determinasse :  a  Q 
despois  algas  disserSo  eista  sospeita :  mas  ele  cria  tafito 
no  camarão  que  lhe  não  deu  credito.  E  ho  ijamarao  dor 
sembarcado  se   foy  logo  a  Tristão  dataide:  &  disselhd 
rou)^lo  espfitado  que  lhe  parecia  que  a  gente  de  terra 
era  leuantada:  porque  os  da  armada  em  que  fora  ho 
qliiserão  malar,  porque  não  queria  ir  coeles:  &que  seu 
filho  ho  desemparara  pêra  ser  com  os  aleuantados,  & 
por  amor  dele  ho  não  matarão,  &  ho  teuarão  á  fortaleza^ 
onde  queria  morrer  &  viuer  coele  que  lhe  tanto b6  tinha 
feyto,  &  que  a  seu  res[ieito  lhe  não  lembraua  natureza 
nê  filhos,  nS  outra  cousa  algfla»  ETrialâo  dataide  muy<* 
to  crente  í\  era  assi,  lhe  fez  muyto  gasaibado,  dãdolhe 
grandes  agardecimêtos»  £  determinando  de  ver  se  por 
be  podia  pacifícar  a  terra,  fez  hOa  armada  dalg&s  bar* 
gantins  &  paraós  qtre  tinha,  &  assi  das  corascoras  da 
armada  dei  rey  de  Geilolo ,  cujo  capitão  ainda  hi  efrta* 
ua  pêra  ver  o  fim  ^  auia  esta  guerra,  &  leuar  a  noua  a 
et  rey.  E  nesta  armada  mandou  el  reyGachil  aeyro,  pa« 
recSdclhe  {[  lhe  obedecerião  os  mouros,  &  assessegarião 
daquele  mouimento,  &  hia  ho  (gamarão.   E  esta  armada 
correo-  todos  os  lugares  maritiibos  da  ilha,  a  cujos  mt>- 
radores  dezi^io  da  parle  dei  rey  &  de  Tristão  dataide, 
eõ  muytos  rogos,  que  tornassem  a  Aizer  amizade coele^ 
&  que  ele  os  desagr^iuaria  se  eslauã  agrauados,  &  faria 
quanto  quisessem  :  lêbrandolhes  a  amizade  {[  sempro 
leuerã  c&  os  Portugueses,  &  como  lhes  chaipauâo  hir-: 
mãos,  &  buíras  muytas  cousas  pêra  os  preuocarêa  poa 
ÍL  amizade.  E  os  mouros  como  que  estauão  falados  res* 
ponderâo  todos  per  hua  maneira,  dizendo  ^  não  obede-* 
cião  a  Cachil  aeyro,  por<).  ho  não  tinha  por  rey :  &  pos* 
to  que  comoa  rey  ibe  obedecessem  aigú  tempo  forapov 
força,  ^  seu  rey  nalural  era  Cachil  dayalo  Q  ja  tinhãOf 
E  qu&  quanto  a  amizade  eÕ  os  Portugueses,,  eles  a  ti^ 
nhão  cotuo  dantes,  &  a  queria  de  muylo  boa  vontade, 
se  eles  matassem  a  TrislâU)  datayde ,  w  ^  quecião  tamap* 


nha  mal  por.rnuytoa  ()  ihes  fizesa^^  ^^^^  ^^^  veriSo  ho 
roslo  n&  seriâo  amigo»  dos  Pprtugye^çs  ean  quãlo  bo.  te* 
uesseiD  por  capitão.  £  sabendoo  Tristão  dalayde  deter- 
minou cÕ  cõselho^de  ihes  ftzf^r  guerr^.,  .pêra  ver  se  fa- 
rião  coela  paz.  E  jfita  sua  armada  correo  a  costa  da  jlha 
da^la. banda  dá  fortaiefiiay  &  Q^eyfi)o4  eiisaa  lugai^s  que 
hi  eslauão:  o  ^  v6do  os  mouros  leuantarâose  logo  dall^ 
&  passarãse  pêra  os  altos  das  serras  y  &  fizerâp  bi  suarft 
pouoações  ^  ^  fortaleoerâ  grandemSte :  &  porQ  se  teme- 
rão Q  os  Portugueses  fossem  lá.  denoyte,  &  atinasseio 
onde  eslauão  os  lugares,  polo  ladrar  dw  cães  ou  calar 
dos  galos,  não  deixarão  nenhQs  i|  não  matasse,  &de8^ 
pois  dislo  dera  bua  noyte  na  cidade  de  Ternate  em  l^ 
ainda  morauão  algus  PortaguQses  &  Qymarâna  toda,  pê- 
ra declararõ  a  Tristão  dalaide  ^  nQca  auião  de  ter  paz 
coele,  &  dali  por  diante  corriâo  á  fortaleza  de  dia  &de 
noite:  &  deytauãolhe  muitas  ciladas,  com  Q  matauão 
íc  catiuauão  dos  {|  estauã  na  fortaleza,  principalmêleos 
escrauos  ()  sayão  por  agoa  &  lenba':  £  assi  saltauãp  cd 
os  ^  ãdauâ  a  pescar  no  arrecife  &  às  vezes  íbes  toma*- 
uão  os  paraòs  &  erão  tam  sobejos  ^  de  noyte  nãocessa- 
iião  de  fazer  seus  saltos  cõ  ^  dauão  grade  opressão  aos 
Portugueses  ,  Q  cõlinuamen4e  estauã  armados  ,  &.  tiran* 
do  tiros  perdidos  oom  suas  espingardas  por^  como  bo 
não  fazião  logo  os  immigos  eram  coeles  gritado  &  fazfi* 
do  grades  malinadas.  £  Tristão  dalaide  por^  sua  gSte 
não  leuasse  tã  má  vida,  mãdou  fazer  certas  goaritas  ao 
derredor  da  pouoaçâo  dos  Portugueses,  em  ^  mandaua 
vigiar  algfls  espigardeyros  repartidos  per  quartos  &  bo 
mesmo  mãdou  £azer  na  ribeyra  pêra  goarda  da  armada^ 
&  ele  tinba  a  outra  gfile  jilla  debaixo  da  ramada  á  por* 
la  da  fortaleza  pêra  se  Ibe  fosse  necessário  ncodir  a  aU 
gQ  rebate,  &  ali  comiáo  &  dormiáo.  £  Francisco  de  son- 
sa alcoforado  capitão  de  bila  nao  grossa,  Q  estauã  CTa- 
Jãgame^  cd  outros  capitães  doutros  nauios ,  Q  auião  de 
partir  cõ  carrega  pêra  a  Índia  no  laneyro  seguke,  co- 
ma Bouberão  ^.  a  terra  era  leuãtada,  cercarão  logo  de 


170  DA   SfBTMITA   BA   INlIfi^ 

trãqtieiras  h  «auás  00  nauiot  ft  tinháo  ft  inftl<!  pM*â  w 
oorregefê  &  bâBtecerâaas  darteíbàrín  pêra  soa  «MMk 

C  A  P  I  T  V  L  O  CXV. 

De  como  té  leumUãráo  oê  lugarw  do  Morro. 

Vyomo  eslA  guerra  íby  começada,  Trisd^)  dataide  mf» 
dou  loeo  auÍ80  A  hfl  parao  ao  vigairoíSymão  vas  !}  eaia* 
ua  no  niorro  bautiiBdo  os  (}  ae  tornauS  CristSoa,  pêra  ^ 
ealeaeaac  a  reeado  c5  oaPoriugueaes  Q  eslauSo  coele  & 
08  nã  tomassem  de  sobresalto:  mandandolbe  íãbS  dizer 
f\  comprasse  os  mais  mStimenlos  ()  podessS  antes  1}  01 
Terna tes  fossem  aluoroqar  a  terra ,  &  a  pos  este  parao 
mandou  Diogo  sardinha  capitão  mór  ào  mar  è  hQ  bar^ 

Santim )  assi  pêra  fatiorecer  os  ChristSos  da  ÍH*ra  do 
lorro  como  pêra  ho  trazer  carregado  de  mantimetos, 
mas  quando  eie  chegou,  ja*  achou  Ternates,  2)  tinhão 
dito  como  erâo  ieuStados  cStra  a  fortaleza,  &  lhe  faetSo 
I  guerra-,  de  Q  não  auião  de  cessar  ate  a  não  tomarS  & 
matarS  Tristão  dataide ,  &  todos  os  outros  Portugueses, 
Q  deuião  de  ter  por  tmigos,  pois  ho  erão  dei  rey  Cachil 
dayalo  seu  rey  &  senhor  natural,  a  ()  tinhão  feyto  tanto 
mal  como  eles  sabiSo  &  por  rasa  causa  &  outras  muylas 
se  leuantarão  contra  os  Portugueses,  porque  ele  assi  ilie 
tinha  «oandado:  &  mandau^  a  eles  como  a  seus  vsssa^- 
los  que  lhes  não  vSdessem  nenbQs  mantimentos,  '&cois«- 
to  tinhão  amotinada  a  gôte  que  os  não  queria  vendei^ 
E  algfls  lugares  que  erão  dos  Cbristãos  nouos  como  ot/- 
uirão  que  os  Ternates  erão  leuantados  contra  a  fortale*- 
xa,  &  que  el  rey  Cachtl  dayalo  era  restituydo  8  seu  rey*- 
no,  renunciarão  logo  aChrístandade  que  tinhão,  &;  tor- 
narãose  gètios  como  dantes ,  &  poserãose  da  parte  d^ 
rey  Cachil  dayalo  &  assi  algus  gentios.  E  estes  erão  os 
que  não  queria  vender  os  mantimentos,  &  faziãnos  ale- 
uantar:  em  tanto  que  valêdo  ho  alqueire  darroz  a  doua 
«intAs  ^  tinha  sobido  a  cruzado,  &  assi  ho  pre<^  do  mais 


LÍVBO  VUU  CAPITVM  €XV.  B7i 

bia  cada  vez  em  mayor  crecioiento.  E  achando  Diogo 
sardinha  isto  aasi  trat^tornado ,  (e%  queixume  ao  gouer^ 
uador  de  çugalá  Christâo  oouo  que  auia  nome  Luys  cor* 
rea ,  que  parece  que  por  nft  «alisfazer  a  seu  queixume^ 
vierâo  a  roins  palauras,  em  que  lhe  Diogo  aardiuha  cha^ 
iDou  eao  perro  arrenegado :  &l  que  eslaua  em  ponlo  de 
lhe  cortar  a  cabeça,  mostrado  que  bo  queria  fazer  c9 
bua  espada  dâbas  as  mãos ,  &  que  cooio  fosse  na  forlá-- 
leza  auia  de  dizer  a  Tristão  dataide  que  ho  mandasse 
enforcar.  E  ou  por  esia  injuria,  ou  porLuys  correa  es- 
tar abalado  pêra  deixar  a  iey  de  Christo ,  com  ho  exê- 
pro  dos  outros  deixouba  Jogo,  &  tofnouse  gSlío  &  Imigo 
dos  Portugueses,  a  que  detêdeo  que  não  se  dessem  nf*m 
>êdessem  em  sua  terra,  aenbús  mantirnSios.  E  cõ  tudo 
em  outra  parte  carregou  Diogo  sardinha  bo  bargantin» 
deles  ,  &  se  tornou  pêra  a  fortaleza ,  &  forâo  cpele  ol^ 
gQs  Cbristâos  da  terra,  eõ  voz  de  ajudarê Tristão  datay^ 
de  na  guerra  que  tinha  cõ  osTeroates.  Porem  a  verda- 
de era  que  biâ  ver  ae  os  Ternates  se  tiahâo  leuanlado, 
que  bo  não  podiÀ  erçr :  pêra  que  achado  que  era  assi 
se  tornassem  gentios  ,  •&  serè  contra  09  Portugueses.  E 
phegadp  Diogo  sardinha  á  forts^lez^,  qui^  TrJistSo  datai- 
de soube  bo  aluoroço  Q  hia  no  Morro  n^o  cuydando  qui^ 
ibsse  mais,  mãdou  logo  bua  champana  armada  em  que 
biáo  certos  portugueses  pêra  trazerem  mantimentos:  ^ 
estando  estes  lá  em  bum  lugar  chamado  Biepy a  for^o  to* 
dos  mortos  pola  gente  da  terra ,  que  tomou  a  ch^pana 
eom  toda  a  artelbaria,  &  as  mais  armas  que  leuaua.  £ 
bo  mesmo  foj  feyto  a  outros  Portugueses  que  bião  dp 
Morro  pêra  Ter nate  em  outro  nauio.  E  nesta  cõjuncjão 
íoy  n»orto  ho  vigairo  Simfto  vaz  com  quantos  Poriugue*- 
ses  estauão  eoeie,  pela  gente  da  terra  que  ele  bautiza- 
n ,  que  lhes  tomou  quanto  tinbâo.  £  isto  tudo  se  fejt 
sem  no  Tristão  dataide  saber  se  nAo  dahi  adins.  Even^ 
do  ele  a  necessidade  que  linhade mantimentos:  &quam 
4lifícuitosamente  09  podia  auer  do  Morro ,  socorreose  ^ 
el  rey  deGeylolo,  que  por  mays  dissimular  sua  tmiaad^ 


Í7Í  ©A   HfStÔliTA    »A  tNDIA    * 

)be  mandou  qualro  corascorias' carregadas  de  çagu  :' & 
mãdoQ  aos  que  híSo  nelas  que  se  deixassem  fícar  com' 
ho  seu  capilSo  Cachil  limor,  que  ajudaua  TrisiSo  dalai-^ 
de ,  a  que  mãdou  fazer  grandes  oflTereci mentos  dajada 
de  gSle  pêra  aquela  guerra ,  &  de  sua  pessoa  se  fosse, 
tiecessaria,  &  de  mantimentos:  eom  o  que  TrrstAo  da^ 
laide  ficou   muy  conlSte  de  ter  por  atnigo  hõ  rey  Iam 

prinoipai  como  aquele. 

■ 

C  A  P  I  T  V  L  o    CXVl. 

Do  espantoso  fey  to  que  fez  dom  loatn  de  Mamoya. 

XIjI  rey  Gachíl  dayalo  ja  antes-  disto  á  petiçffo  dos  Ter- 
nales  estaua  apoderado  de  toda  n  ilha  de  Ternate,  & 
outra  vez  obedecido  por  rey:  *&  tinha  mSdado  fazer  gen*» 
te  de  guerra  a  Mindanao  &  a  Banda,  mandando  dizer 
ho  pêra  que:  &  como  determinaua  de  tomar  os  PorliH 
gueses,  &  a  causa  porque.  E  sendo  lâ  este  recado,  a<^ 
certou  de  jr  a  Banda  hum  jungo  d^  hu  Português  cha^ 
mado  Lopaluarez , 'Q  os  BandanesestomarSo,  matando 
quãtos  Portugueses  hião  dentro.  E  tomada  a  artelbariA 
&  outras  armas ,  mandariío  tudo  a  et  rèy  Cachil  dayalo; 
que  muyto  ledo  ho  mandou  ^dizei^  a  el  rey  de  Geylolò 
-com  quem  naquele  tempo  acerimrdestar  bíS  Castdhané 
que  fora  lingoa  na  fortdeza,  q  nuia  nomeManhoz^  quê 
^á  fora  ter,  nSo  soube  a  que:  &tíômo  este  hia  da  noss* 
«fortaleza,  de  que  el  rey  desejaua  saber  nouas,  deulhè 
hfla  escraua  &  quatro  aneys  doúrò:  &  preguntandolhè 
^spois  por  nouas  de  Tristão  dataide,  disselhe  dele  mit 
tnalf»s :  &  t\  por  essa-  causa  e&tauSo  os  Póttugueses  mu;f 
desci^lentes  dele,  &  lhe  íjriSo  maly  &  que  se  ho  ajudai 
4jSo  na  guerra  era  polo  que  Ihesliia  nisso.  E  que  Tris^ 
tâo  dataide  estaua  muyto  apertada  coela,  por  nXotet 
«mantimentos,  nem  esperança  de  osr  auer  se  nSo  delet 
4fe  íj  a  guerra  estaua  já  tS  trauada,  i\  lhe  parecia  qub 
miO€a«-os  Ternates  faríã^paí.'  ftorft  .que  TristSo  dattiiáê 


LIVRO   TIll.   CAPITVLO  CXtI.  Í73 

i  âesejaoa  muyto  pêra  prender  todos  os  reys  de  Mata* 
CO,  &  os  mandar  presos  á  índia,  conio  fizera  aTabarija* 
£  assi  lhe  disse  outras  tnuylas  cousas  que  parecido  roS- 
liras  porque  as  não  podia  saber  tam  particularmente  co- 
mo as  dezia,  &.  parecia  que  era  mays  por  lhe  parecer 
que  ei  rey  foigaria  coisso,  que  por  ser  assi.  Do  ^  elrey 
deitou  mão  &  ho  creo:  &  tendo  por  certfi  a  guerra  dos 
Ternates  &  Portugueses ,  roãdou  dizer  a  el  rey  Cachvt 
doyalo  Q  estaua  prestes  pêra  ho  ir  ajudar  na  guerra  con- 
tra Tristão  dataide ,  &  coprir  o  que  tinha  jurado  com 
os  outros  reys,  que  lhe  mâdasse  entregar  os  lugares  ^ 
lhe  forâo  tomados  no  morro,  a  ()  logo  el  rey  Cachil  daya* 
lo  satisfez,  mandando  a  isso  hu  seu  capitão  que  foy  em 
cÕpanhia  dei  rey  de  geylolo,  que  leuou  a  mays  poderosa 
armada  i|  pode.  E  determinando  de  ir  ao  Morro  mandou 
recado  a  Cachil  timor  que  estaua  cõ  Tristão  dataide  que 
se  fosse  logo ,  &  leuasse  os  Chrislãos  do  morro  9  a  ^ 
tambS  mandou  que  se  fossem,  &  assi  ho  fizerão,  sem 
falarS  a  Tristão  dataide,  do  que  se  ele  espâtou  muyto, 
&  logo  ho  teue  a  mao  sinal.  É  chegados  estes  a  Geylolo 
íogo  se  el  rey  partio  pêra  ho  Morro :  &  tomado  ho  pri- 
meyro  lugar  despois  ^  foy  lá,  mandarãno  chamar  os  de 
^ugalá,  pêra  lhe  entregarS  hii  clérigo  Português  chama- 
do Francisco  aluarez,  que  ali  bautizara  muytos  dos  ^  se 
conuerterã:  &  algíls  Portugueses  (|stauao  coele  fazõdo 
hu  jijgo  pêra  carregarS  de  crauo,  o  ()  Iheô  sendo  discu- 
berto  fugirão  em  hua  coracora :  em  ()  leuarã  a  pedra 
dará ,  &  ho  caliz ,  &  algfis  ornamentos  de  hfla  igreja 
em  4  se  dizia  missa.  £  não  pode  ser  tão  secretamête^ 
^  parte  da  armada  delrey  de  Geylolo,  íj  ja  hi  estaua, 
não  fosse  aix)8  eles.  E  pelejado  cÕ  algdas  corascoras 
que  os  alcançarão  foy  Francisco  aluares  ferido  de  deza* 
sete  feridas,  &  cõ  tudo  ele  &  os  outros  pelejarão  tão 
brauamSte  i\  se  escapulirão  dos  imigos,  <}  por  derradey*^ 
ro  08  ouuerão  de  tomar  se  nã  lançara  ao  mar  os  ornamS- 
tos  ÍJ  leuaiião,  &  como  erão  de  seda,  &  os  imigos  co- 
biçosos ,  Sbaraçarãso  c  os  tomar ,  &  por  isto ,  &  por  so- 

LIVRO    VIU.  MM 


274  9A   H18TOEIA    DA   INOIA 

bre  vir  a  noyte  escaparão  &  se  acolherão,  &  sem  faserS 
áelèifl,  forâo  ter  á  fortaleza ,  onde  contarão  a  Tristão 
dataide  o  ^  passaua,  do  Q  ele  íicou  muito  agastado,  por 
perder  a^ie  rey  em  Q  tinha  grade  cõfiança ,  &  por  lhe 
parecer  que  tambS  os  outros  reys  se  auião  de  Icuãtar* 
£  como  andaua  tão  ocupado  oomo  digo  na  guerra  dos 
Ternates ,  nã  pode  mãdar  socorro  ao  Morro  &  deixou  o 
íeyto  á  fortuna.  Tomado  Çugalá  por  el  rey  de  Geylolo 
tomou  despois  outros  lugares  &  ho  derradeyro  auia  no* 
ane  Marooya,  de  !}  era  gouernador  do  leão  de  mamoya, 
a^le  gètio  Q  primeiro  se  tornou  Cristão,  <|  como  ho  era 
verdadeyro,  não  temeo  elrey  de  Geylolo  cõ  quã  podero- 
so ya ,  &  posse  em  defensão  cÕ  algQs  Portugueses  ^  ti- 
nha ,  Q  estauâo  ali  os  mais  dos  ^  andauão  no  Morro,  & 
tinhâo  feyta  hfla  tranjjyra  eõ  algua  arlelharia,  onde  se 
dÕ  loão  meteo  coeles ,  &  cõ  algiis  de  sua  valia ,  pêra  se 
defender  ou  morrer,  poríj  foy  desenganado  dos  da  cida- 
de q  se  auiã  dêlregar  a  elrey  de  Geylolo  ^  como  entre- 
garão ô  chegado.  E  quãdo  el  rey  soube  a  determinação 
de  dõ  loão  foy  sobre  a  tran^yra,  &  os  Portugueses  sem 
pelejar.e  se   lhe  entregara  logo ,  não  aproueitando  a  dõ 
loão  dízerlbe  quam  mal  o  fazião,  !^  toda  via  cõ  os  ^  ti- 
nha ainda  4  erã  poucos  se  defêdeo  dei  rey,  cõ  tanto 
esforço  2)  8  todo  a^le  dia  ho  nam  pode  entrar:  &  vinda 
a  noyte  q  cessou  o  oõbate,  vôdo  dõ  loão  q  não  se  podia 
defBder,.  não  quis  que  sua  molher  por  ser  fraca  lhe  fi- 
zesse el  rey  negar  a  fé  de  Christo,  &  a^si  a  seus  filhos 
^  erão  peqninos,  &  por  isso  matou  a  ela  &  a  eles,  & 
despois  de  destruyr  seus  tesouros ,  por  elrey  os  não  ar 
uer,  se  quisera  matar  se  seus  parêtes  &  amigos  ho  nao 
teuerão  por  força,  do  que  ele  ficou  muito  magoado,  & 
lhes  pedio  muito  4  o  deyxassem  matar,  por(|  melhor  se- 
ria matarse,  que  ficar  em  poder  dum  tirano  tão  cruel 
como  el  rey,  que  por  ser  rey  fizera  tamanha  treyção  co- 
mo fora  matar  el  rey  seu  jrmâo,  q  de.dereyto  era  rey; 
pelo  q  lhe  íjria  grade  mal-  E  cõ  tudo  não  cõsentirào  q 
se  matíwse,  &  entregarão  se  a  el  rey,  q  entrado  na 


Livmo  vrii.  CM9TTV1JÒ  crcmi.  37* 

tran^yra,  &  sabendo  o  í\,  dõ  loidto  fizeia  ^  ho  mandou 
trazer  anleay,  &  pregulandoOie  como  leuera  coração  pe* 
ra  fazer  cousa  (âo  abomínauel ,  respondeo  cõ  muito  es*- 
forço ,  Q  b6  sabia  Q  ele  &  soa  molher  &  Alhos  er2  Cri* 
slãos,  &  como  eia  por  ser  molher  era  fraca,  &  cÕ  pou- 
ca prema  a  poderia  fazer  negar  a  fé ,  &  a  eles  por  mou- 
cos Q  por  Uso  o8  matara,  t\  melhor  estariSo  na  gloriado 
parayso,  oade  cria  ^  auiâo  dir  ^  então  má  terra  coidoí 
9tí\h^  do  Q  se  ei  Rey  espantou  muito,  &  quisera  o  fa- 
zer tornar  mouro ,  mas  nQca  pode ,  posto  ^  ho  ameaçou 
cõ  a  morte  Q  ele  não  temeo,  n6  el  rey  lha  deu  por  rogo 
de  seus  parentes.  E^  tomada  por  el  rey  esta  cidade ,  em 
que  acabou  de  tomar  ^>s  lugares  que  erão  seus ,  tomou 
se  a  seu  Reyno  muyto  ledo  &  vitorioso  com  .muytos 
rPortugneaes  catiuoa. 

c  A  p  I  T  V  L  O  cxvri. 

I>e  como  0$  outros  rey$  das  Uhas  de  Maluco  se  IcuantarÔB. 

V  endo  el  rey  deTidore  &  el  rey  deBachão  q  a  guer- 
ra dosTernates  hia  auaute  com  os  Portugueses,  não  qui- 
sera maya  esperar  pêra  lha  fazerem ,  como  antre  todoe 
eslaua  jurado,  pêra  o  que  togo  ajuntarão  sua  gente., 
que  foy  muyta,  &  ^tãbS  forão  ê  sua  ajuda  quatro  reys 
daa  ilhas  dos  Papuas,  que  }>er  cartas  entrarão  nesta  li- 
ga :  &  forão  el  rey  de  Vaigama ,  el  rey  de  Vaigue ,  el 
rey  de  Quibibi,  &  el  rey  de  IMincimbo»  Edeterminadoa 
estes  reys  de  romperfi  a  guerra  com  Tristão  dataide, 
porque  lhe  não  parecesse  que  lha  fazião  por  cobiça,  não 
quiserão  catiuar  nenhum  dos  Portugueses  que  estauã  fa- 
zSdo  crauo  em  seus  senhorios,  nem  tomarlhe  cousa  al- 
giia  do  que  tinhão.  £el  reyCachil  mir  deTidore,  man- 
dou chamar  lorge  goterres,  loão  figueira  &  outros  por- 
tugueses ])  lá  estauão,  &  preguntoulhes  se  querião  ficar 
coele  ou  irse  pêra  a  fortaleza,  a  quedeterminaua  de  fa- 
zer guerra ,  dizêdo  as  causas  porque«  E  sabendo  deles 

MM    2 


276  BA    HISTORIA   DA   ÍNDIA 

que  86  queriS  ir,  os  mandou  y  dãdolhes  embarcação  em 
que  leuarão  tudo  o  que  tiohão :  &  por  eles  mandou  pu- 
bricar  a  guerra  aTrislâo  dalayde,  que  ficou  coisso  bem 
agastado,  nA-por  medo  dos  mouros,  mas  pola  falta  que 
tinha  de  mantimentos.  E  a  pos  estes  portugueses  que 
forão  de  Tidore,  chegarão  outros  da  ilha  de  IMaquiê  & 
da  de  Moutel.  El  rey  Landim  de  Bachão  tambê  mâdou 
bum  Francisco  mendez  dorta  com  outros ,  &  todos  fora 
mortos  no  caminho  por  osTernates  que  os  encontrarão, 
ou  |)or  outros  seus  amigos*  Por  cuja  vingãça  quando 
Tristão  dataide  ho  soube ,  foy  sobre  hum  lugar  chama* 
do  Mongue  perto  da  fortaleza,  que  estaua  bê  fortaleci^ 
do  de  tranqueiras  &  prouido  de  mouros,  com  que  Tris- 
tão dataide  &  os  Portugueses  Q  hião  coele  ouuerâo  hiia 
braua  peleja  assi  de  feridos  como  dje  mortos:  &com*  tu- 
do ho  lugar  foy  entrado.  E  ho  primeiro  que  entrou  foy 
hum  lorge  de  brito,  de  que  faley  a  trás,  &  carregarão 
sobrele  tãtos  mouros ,  que  ho  ouuerão  de  ma(ar  se  não 
íbra  socorrido  por  hu  Baltasar  vogado  Deuora,.  que  eii 
conheci,  muyto  valente  caualeiro,  &  por  lorge  dataide^ 
&  Anlonio  de  teyue,  &  por  Tristão  dataide,.  &  por  ou- 
tros, que  pelejarão  com  tanto  esforço,^  com  quanto  os 
mouros  erão  muylos-^  &  eles.  poucos  os  fizerão  fugir:  &. 
ficarão  feridos  lorge  de  brito,  Andce  pinto,  A nriQ  Jor- 
ge, Afonso  teíiceira^  &  outros  algiis.  E. saqueado  ho  lu- 
gar &  queimado,  tornouse  Tristão  dataide  pêra  a  for- 
taleza, íicãdo  os  mouros  muyto  magoados  por  a  perda 
da^le  lugar ,  <J  estaua  muyto  íbcte. 


LIVEO  YIII.   CAPITYLO  CXYIII.  277 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXVIIT. 

Do  que  fez  Tristão  datayde  prosseguindo  a  guerra.  E  de 
como  Frãcisco  de  sousa  tomou  Turutoo. 

j\  esle  tSpo  ehegou  a  Ternate  bii  fidalgo  cbaroado  Si- 
mão  sodré,  em  bOa  carauela  cõ  socorro  a  Tristão  datais 
de  que  ho  mandaua  dõfisteuão  da  gama  capitão  de  Ala- 
laca :  &  foy  por  fioroeo ,  &  logo  a  pos  ele  chegou  loão 
de  canha  pinto  de  descobrir  a  ilha  deMindanao.  Ecom 
a  vinda  destes  dous  capitães  ficou  Tristão  datayde  muy- 
to  ledo,  por  trazerS  gête,  de  que  tinha  grade  necessida- 
de pêra  se  defender  da^les  reys  ^  esperaua  que  fossem 
cercar  a  fortaleza :  do  ^  eles  estauão  bS  fora ,  que  não 
se  atreuiSo  a  isso,  por  não  terem  tiros  pêra  darem  bate- 
ria^  nem  saber  pêra  ho  mais,  &  por  isso  determinarão 
de  lhe  fazerem  guerra  guerreada  por  mar ,  &  tomar  os 
Portugueses  com  íbme.  E  em  quãto  se  apercebião  pêra 
isso  Dão  quis  Tristão  dataide  estar  eoioso ,  porque  esta- 
va tam  apertado,  que  não  tinha  outra  salua<;ao  se  nã  fa- 
zer guerra  aos  mouros  da  ilha,  &destruyrihes  as  pouoa- 
ções,  porque  nisso  auia  algils  mantimêtos  que  se  toma- 
uão  nelas.  E  porque  não  pude  saber  por  ordem ,  nem 
particularmête  o  que  fez  Tristão  dataide  na  guerra  que 
teue  com  os  Ternates,  &  cÕ  os  outros  mouros  de  fora, 
que  lhe  corriâo  por  már  ate  a  roouçâo  de  partirem  as 
nãos  pêra  a  índia,  não  posso  tambS  contar  as  cousas 
por  ordem ,.  nem  particularmente  j  se  não  em  soma  :  & 
despois  da  vinda  de  Simão  sodré  foy  por  mandado  de 
Tristão  dataide  a  hfli|  pouoa^ão  de  mouros,  (}  estaua 
perto  da  fortaleza  sobre  h&a  serra,  a  ^  chegou  ê  ama- 
nhecSdo  cõ  certos  Portugueses  que  hiâ  cÕ  ele :  &  deu 
nela  tâ  de  supito,  {)  os  mouros  ficarão  tam  salteados, 
que  não  teuerão  acordo  pêra  se  defender ,  &  fugirão  lo- 
go quasi  todos,  se  não  algQs  que  pelejarão  quasi  nada, 
&.  ferira  hil  Português  clmmado  Fernão  da  silua.^  E  sa^ 


S78  fU   HISTORIA   DA   I9D1A 

queado  ho  lugar  foy  queimado,  &  Simã  sodré  se  tornou 
á  fortaleza.  E  fendo  TristSo  dalaide  tau  bõ  começo  em 
tempo  de  tanta  desauentura,  como  era  mujto  esforçado 
&•  sabedor  na  guerra,  não  quis  deixar  esfriar  esta  vito- 
ria, &  prosseguindo  auaate,  mandou  destruyr  per  Si- 
mão sodré  as  vilas  de  Turutó»  Palatia,  &  Calamata,  & 
nesta  fixerâo  os  mouros  muy  djura  resistência  pelejando 
brauamante  ^  &  os  Portugueses  também ,  de  qoe  forão 
feridos  algutts,  &  hum  deles  se  cbamaoa  Joio  freire , 
que  ouue  cinco  feridas,  de  que  despoys  esteue  em  pe<* 
rigo  de  morte.  £  na  tomada  doutra  vila  chamada  Gico, 
ho  iizerão  os  Portugueses  Iam  esforçadamente ,  qaa  & 
tomarão  &  queimarão,  &  foy  ferido  hft  Baltasar  veloso 
dbCka  espingardada  que  lhe  quebrou  hum  braço.  E  con» 
todas  .estas  vitorias  estauãoos  mouros  tam  duros  no  o- 
dio  que  tinbâo  a  Tristão  datayde,  que  não  querião  coele 
paz ,  posto  que  depois  lha  4nandott  oífrecer  per  alg&as 
vezes ,  &  ho  camarão  lhes  mandaua  dizer  Q  a  não  des- 
sem, porque  os  Portugueses  nã  podião  durar  muyto^ 
por  a  grande. falta  que  ti n hão  de  mantimStos,  que  não 
auía  mays  que  os  que  tomauã  nas  pouoações :  com  o  que 
se  os  mouros  esforçauão  pêra  prosseguirfi  a  guerra.  B 
todos  os  que  fugião  destes  lugares  que  Simão  sodrèdes^ 
truyo  se  ajuntara,  &  assi  outros  doutras  partes^  &fize^ 
rão  hua  pouoação  sobre  hiia  rocha  no  mais  alto  da  ser-- 
ra,  que  fenece  perto  da  fortaleza  da  parte  do  ponente, 
&  dali  pêra  baixo  era  dambas  as  bandaa  de  pena  ta« 
Jbada ,  &  cercada  de  dous  profundíssimos  vales ,  !)  era 
medo  ouibar  pêra  bayxo.  E  a  seruentia  desta  pouoação 
era  na  bicada  desta  serra,  per  h&a  vereda  tam  estreita, 
que  não  se  podia  yr  por  ela,  se  não  bOa  pessoa  diante 
doutra:  &  ainda  quasi  em  pés  &  em  mãos,  por  ser  de* 
masiadamente  ingrime ,  &  com  passos  muy  ásperos.  E 
a  fora  isso  ho  pé  da  serra  por  onde  era  ho  caminho,  es-* 
taua  cercado  de  hãa  caua  em  que  auia  muy  tos  esterpes 
ao  derredor:  &  perto  da  pouoação  hCa  tranqueira  bè  ar« 
tiibada,  que  goardauão  muytos  espingardeiros.  Nesta 


LlVftO   TUI.    CAPITVLO  CXVIII.  279 

pouoaçâ  que  auia  oomeTurutó  se  Unhão  o»  mouros  \yot 
seguros  por  sua  fortaleza ,  &  corriãlhe  daqui  a  míude , 
&  punhâlhe  ciladas,  com  que  faziâo  muylo  mal  aos  Por* 
tugueses  &  os  puubâ  em  grande  trabalho.  O  que  Tris* 
tSo  dalaiée  sintia  em  estremo,  &  mais  porque  fora  duas 
vezes  pêra  destruyr  esle  lugar  &  não  pode  fazer  nada* 
E  vendo  que  era  escusado ,  por  ho  caminho  que  estaua 
fortalecido,  não  quis  lá  mais  tornar,  ate  não  ter  quem 
soubesse  outro  caminho  menos  perigoso:  &  trabalhando 
por  auer  alguS ,  mâdou  a  isso  fialtesar  vogado ,  &  Este*^ 
não  de  cbaues,  que  deitados  em  cilada  em  hQ  vale,  to* 
marão  certos  mouros,  que  prometerão  a  Tristão  dataide 
de  ho  leuar  a  Turutó  por  caminho  sem  perigo.  E  por* 
que  ho  feyto  era  grande,  mandou  pedir  a  Francisco  de 
sousa  que  estaua  em  Talâgame,  que  ho  ajudasse  com  a 
gente  ^  tinha ,  deyxando  nos  nauios  a  goarda  necessá- 
ria. E  como  Fráoisco  de  sousa  desejaua  muyto  de  seruif 
el  Rey,  foy  de  muyto  boa  vontade  pêra  ho  seruir  nis- 
so. O  que  visto  por  Tristão  dataide  lhe  deu  a  capitania 
mòr  deste  feyto ,  &  não  quis  ir  lá.  E  deulhe  por  seus 
capitães  António  de  teyue,  &  António  pereira,  osquaes 
foy  assentado  (}  fossem  com  a  mayor  parte  da  gefite  que 
bia  com  Frãciseo  de  sousa  pelo  caminho  sem  perigo,  & 
Frãcisco  de  sousa  fosse  peio  perigoso  &  cometesse  ho 
lugar,  pêra  Ç  cuydassera  os  mouros  que  era  toda  agen^ 
te  &  acodissem  ali.  £  entre  tanto  António  pereyra  & 
Anlonío  de  teyue  ho  estrarião,  &  tomariâo.  Isto  assen-* 
tado  partiose  Frãcisco  de  sousa  bem  de  noite ,  •  &  onde 
se  fazia  ho  caminho  sem  perigo  pêra  Turutó  mandou  An- 
tónio pereira  &  António  de  Teiue  que  fossem  por  ele 
com  as  guias  Q  leuauão ,  &  ele  em  amanhecSdo  se  foy 
oÕ  sua  gente  dereito  á  trãqueira  dos  imigos  que  como 
ho  virão  derâo  btki  grande  grita,  desparando  suas  bom- 
bardadas,  que  ná  empecerão  aos  Portugueses  por  esta- 
rem mais  altas  que  eles.  E  vendo  que  lhes  não  fazia 
nojo  çarrarão  com  a  tranqueira ,  tirãdose  de  hila  parte 
&  doutra  muylas  espingardadas»  £  nisto  chegarão  An^ 


S80  BA   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

ionio  pereira  &  António  de  teyue  com  sua  genle  &dãQ 
por  as  costas  do  lugar ,  entrado  cÕ  grande  estrondo  de 
gritas  &  espingardadas ,  com  que  os  mouros  cuydando 
Q  era  todo  ho  mQdo  sobreles,  foy  ho  seu  medo  tamanho 
que  fugira  a  quem  mais  podia.  E  francisco  de  sousa  & 
os  outros  capitães  os  seguirão ,  matando  &  ferindo  ate 
despejarê  ho  lugar,  que  logo  foy  todo  queymado  Sedes- 
truydo  com  morte  de  muytos  mouros ,  sem  dos  Portu- 
gueses morrer  nenhum.  Isto  feyto  tornouse  Francisco 
de  sousa  pêra  a  fortaleza ,  onde  foy  bem  recebido  por 
feyto  tam  façanhoso. 

C  A  P  I  T  V  L  O     CXIX. 

Do  que  acanteceo  a  Tristão  datayde  com  a  armada  dei 

rey  de  Tidore. 

V-y^om  quanto  a  perda  deste  lugar  foy  rouyto  grande 
pêra  os  mouros,  não  desmayarão  pêra  deixarem  de  pros- 
seguir a  guerra.  E  pêra  a  fazerem  dali  por  diante  mays 
áspera  &  com  mnys  sua  segurança  leuantarão  todas  aa 
pouoaçÕes  que  ainda  lhes  íicauão  daquela  parte  do  po* 
nente,  onde  estaua  a  fortaleza,  &  passarãse  pêra  a  ban- 
da do  leuante,  com  o  que  Tristão  dataide  ficou  roaya 
desaliuado,  porque  como  os  imigos  estauão  maya  afas- 
tados da  fortaleza  não  lhe  corrião  tanto  a  miude:  mas 
dessas  vezes  que  lhe  corrião,  fazia  muy  to  dano  aos  Por- 
tugueses, tomandulbe  ho  gado  que  sahia  a  pacer,  &ca- 
tiuãdo  os  escrauos  £|  hião  ao  mato,  &  quãdo  hiã  sobre 
algQas  pouoaçÕes  perdião  o  caminho  à  mingoa  de  guias: 
&  primeiro  que  chegassem  a  elas  os  sentia  os  mouros, 
que  como  ho  mato  he  muy  to  çarrado  ,  &  a  terra  muy  to 
fragosa  &  sem  caminhos ,  punhãose  em  passos  onde  se 
podião  ajudar  deles ,  &  os  ferião  &  matauão  sem  rece« 
berem  dano,  &  recebendo  os  Portugueses  muyto  se  tor- 
nauão  sem  fazere:m  nada.  E  outras  ve^es  leuauão  íambS 
os  mouros  ho  raiihor  em  algiias  pouoaçÕes  que  os  Portu^ 


LlVfcO  VIU.   CAPITVLO  CXIX.  281 

guéses  queríão  tomar ,  donde  se  tornauãp  feridos  &  mal 
tratados,  defetidêdolhe  os  mouros  que  as  não  tomassem. 
£  ho  mesmo  trabalho  que  tinhão  os  da  fortaleza,  linbSo 
os  que  estauSo  em  Talãgame  com  Francisco  de  sousa 
nos  nauios  da  carga,  salteandoos  os  imigos  por  terra 
quando  hi3o  buscar  mantimento,  &  por  mar,  principal- 
mente despdis  que  os  reys  de  Tidore,  de  Geilolo  &  de 
Bachão  soltara  suas  armadas  que  traziâo  por  mar ,  com* 
1}  dauSo  assaz  de  fadiga  a  estes  Portugueses  ^  estauSo 
em  Talangame ,  que  ás  vezes  lhes  sabiSo  em  seus  pa- 
raos  &  cham panas,  mas  como  erão  poucos  sempre  leua-' 
uâo  a  peor.  £  vindo  hQa  vez  certas  corascoras  de  Tido-' 
re,  sayranlhe  os  Portugueses,  cujos  capitães  forão  hum 
Luys  do  casal  valente  caualeiro ,  &  hum  Fernão  anri- 
quez ,  &  outros.  E  receado  f>s  mouros  a  artelharia  dos 
Portugueses ,  íizerâo  volta  retirandose ,  &  eles  forão  de-* 
pos  eles  ás  bombardadas:  &  vendoos  fugir  seguirãnos 
ate  08  meter  no  porto  de  Tidore.  Do  que  os  mouros  se' 
ouuerão  por  muyto  injuriados ,  &  determinando  de  se 
vingar,  poserão  híla  cilada  de  muytas  corascoras  detras^ 
de  hua  põta  perto  de  Talangame,  donde  mandarão  três 
que  corressem  aos  nauios  dos  Portugueses ,  &  se  che- 
gassem a  eles  ho  mais  que  podessem,  pêra  os  mais  ati- 
çarê  a  sayrihes,  &  entS  se  retirassem  de  vagar,  ate  os 
meterS  na  cilada ,  &  assi  ho  fizerão.  E  leuarão  Luys  do 
casal ,  &  Fernão  anriquez,  ^  lhe  sayrão  em  dous  paraos 
ate  dobrarem  a  ponta  onde  estaua  a  cilada,  &  ali  volta- 
rão sobreles :  &  nisto  sayrão  os  da  cilada,  &  pegara  com' 
Luys  do  casal  que  acharão  diante,  &  assi  como  Fernão' 
anriquez  os  vio  pegados  coele,  acolheose  pêra  Talanga- 
me, &  deixou  Luys  do  casal,  &  os  outros  que  ho  aju- 
dauão,  que  despoys  de  pelejarS  valentemente  forão  to- 
dos mortos.  E  os  mouros  se  tornarão  pêra  Tidore  muy- 
to  ledos ,  por  serem  os  primeiros  que  malarã  Portugue- 
ses em  batalha  de  már,  o  que  lhes  parecia  impossiuel, 
por  amor  da  artelharia  a  que  auião  medo,  &  dali  por 
diante  lho  perderão.  O  que  Trislãq  dataide  sintio  tanto 

LIVRO    VIII.  NN 


282  BA  HISTORIA   DA  IN0IA 

coiiio  a  perda  daqueles  Portugueses :  &  por  isso  deter- 
minou de  não  deixar  passar  aquilo  sem  vingança,  &em- 
barcouse  em  sua  armada,  cujos  capitães  forão  Diogo 
sardinha,  António  de  teyue,  António  pereyra,  Baltasar 
vogado ,  Francisco  de  sousa ,  Simão  sodré ,  Esteuâo  de 
chaues,  &  outros  6dalgos  &  caualeyros,  &  partiose  pêra 
Tidore,  cÕ  propósito  de  destruir  a  cidade  mas  os  mou* 
lOS  não  lhe  derão  esse  vagar,  antes  ho  forão  receber  ao 
mar  em  sua  armada,  que  era  muy  grossa  a  respeito  da 
de  Tristão  datayde ,  que  quando  os  vio  ticou  espantado 
de  sua  ousadia:  &  mandando  dar  fogo  a  seus  tiros,  co« 
meçoulhes  de  tirar.  E  os  mouros  que  lhe  não  auiã  me« 
do ,  fízerâo  ho  mesmo  com  os  seus ,  &  começase  híi  bra* 
uo  jogo  de  bombardadas  &  espingardadas,  Bse  os  mou« 
ros  teuerã  os  nauios  tam  íbries  como  os  dos  Portugue- 
ses sempre  aferrarão  com  eles :  &  se  ho  íizerâo  não  6* 
oara  nenhfl  viuo  dos  nossos,  porque  os  mouros  erão  muy- 
tos  &  bê  armados  r  &  porem  ho  medo  de  lhe  meterS  os 
nauios  no  fundo  os  estornou  de  aferrarem ,  nem  os  Por* 
tugueses  ousauâo  de  os  aferrar,  porque  os  vião  tantos. 
£  assi  andarão  hum  bõ  pedaço  neste  jogo.  E  vendo  Tris- 
tão datayde  quo  lhe  falecia  a  poluora  &  que  não  fazia 
nada ,  começou  de  se  retirar  &  os  seus  coele  ,  ate  que 
voltarão  de  todo  pêra  a  fortaleza,  seguindoo  sempre  o& 
mouros,  &  dãdolhe  muytas  apupadas,  ate  que  se  enfa- 
darão, &  tornarãose  peraTidore  muy  to  soberbos  coesta^ 
vitoria,  &  perderão  de  todo  ho  medo  que  tinhão  de  Tris- 
tão datayde,  que  elea  auiã  por  mujto  esforçado.  E  en« 
tendendo  ele  os  mouros  não  quis  mays  sayr  da  Cot taleza 
a  pelejar ,  nem  por  terra  nem  por  már :  &  também  por 
amor  do  despacho  dos  nauios  da  carga,  que  auião  de 
partir  pêra  a  índia. 


LITRO   VIII.  CAPITVLO  GXX.  88S 

CAPITVLO    CXX. 

De  como  indo  hum  tapUôú  dei  rey  dos  Mogores  sobre  Ba* 
çaym  deyxou  de  hir  com  medo  dos  PortugxAeses. 

JCil  rey  deCambaya  (como  íica  dito  a  trás)  fazendo  bo 
gouernador  a  fortaleza  em  Diu  deu  hiia  sayda  por  seu 
reyno  pêra  que  soubessem  que  era  viuo.  £  forão  coele 
IVIarlim  afonso  de  sousa,  &  outros  sete  ou  oyto  fidalgos: 
&  andando  la  soube  como  el  rey  dos  Mogores  tomara  a 
cidade  de  Madauá,  principal  de  Cambaya  quando  seus 
reys  erSo  gentios.  E  estando  el  rey  de  Cambaya  em  hila 
sua  cidade,  hum  dia  antemenbaS  lhe  derSo  rebate  ^  vi-* 
nhão  08  Mogores  ^  &  foy  ho  medo  tamanho  que  se  os 
Mogores  forSo  tomarSna.  E  el  rey  de  Cambaya  se  sahio 
Jogo  &  tornouse  a  Diu.  E  cabendo  ho  gouernador  estas 
nouas,  &  receando  que  os  Mogores  fossem  sobre  Baçayra 
&  ho  tomassem,  mandou  a  Garcia  de  saa  que  fosse  pe«- 
ra  lá ,  por  ter  acabado  ho  baluarte  que  tomou  a  cargo 
de  fazer  na  fortaleza ,  que  auia  nome  Santiago ,  &  deu* 
lhe  quatrocentos  Portugueses  que  fossem  coele :  &  mât* 
doulhe  que  ajuntasse  antre  tanto  os  materiaes  pêra  hOa 
fortaleza  que  auia  dir  fazer  como  acabasse  a  de  Diu :  & 
assi  ho  fez.  E  estado  ele  em  Baça!,  chegou  hi  Gaspar 
preto,  que  fora  com  embaixada  do  gouernador  a  Niza- 
uiuluco  senhor  de  Chaul ,  sobre  que  nfto  fizese  guerra  a 
elrey  de  Cambaya,  que  ho  concedeo  por  amor  do  gouer- 
nador: &  lhe  offreceo  sua  ajuda:  &  Gaspar  preto  disse 
a  Garcia  de  sá  Q  vido  de  lá  pêra  Diu  teuera  por  noua  \ 
hia  hú  capitão  do  rey  dos  Mogores  sobre  Baqaim  cooi 
vinte  mil  de  caualo,  &  gSte  de  pé  sem  coto,  pêra  ho 
tomar  cÕ  toda  sua  comarca,  &  dalo  a  Melique  tocão  ^ 
fora  seflor  dele,  &  se  lançara  com  el  rey  dos  Mogores 
no  desbarato  dei  rey  de  Cambaya.  E  que  os  corredores 
desta  gente  chegarão  dele  tão  perto  que  catiuarã  algQs 
de  sua  cÕpanhia,  pelo  que  lhe  fora  forçado  leixar  hoca- 

NN  2 


284  PA    HISTORIA    DA    INDfA 

minfao  que  leuaua  &  se  acolher  a  Damão,  &  dali  se  fora 
por  már  a  Baçaim.  £  garcía  de  saa  ficou  muyto  triste 
coesta  Doua ,  porque  já  a  tinha ,  &  a  gente  da  terra :  & 
assi  os  Portugueses  estauão  com  grade  medo  por  sabe- 
rem quantos  erSo  os  Mogores^  &  ^es  tam  poucos.  E 
por  isso  Garcia  de  saa  nã  se  estreueo  a  esperalos :  & 
mais  quãdo  soube  quam  perto  estauâo ,  porQ  a  fora  não 
ter  mais  de  quatrocentos  homSs,  &  os  imigos  não  terem 
couto,  não  tinha  onde  esperasse  seu  primeiro  Ímpeto  se 
não  no  campo,  o  que  era  perigo  grandíssimo,  por^  com 
os  imigos  tirarè  nomais  {|  cada  híi  sua  frecha  lhos  ma- 
tarião  todos.  E  por  isso  Garcia  de  saa  com  ho  parecer 
de  Gaspar  preto  &  doutros,  determinou  de  se  embarcar 
&  irse,  o  que  sinlindo  a  gente  da  terra,  &  algiis  mer* 
cadores  eslrágeiros,  que  se  auíâo  por  seguros  com  a  es- 
tada de  Garcia  de  saa ,  deranse  por  perdidos ,  enten- 
dendo que  se  queria  ir,  &  chorauão  sua  desauentura. 
£  era  píadosa  cousa  de  ver  ho  gritar  das  molheres,  ho 
chorar  dos  meninos,  &  ho  lamenlar  dos  bomês,  &  a  es- 
te som  entrouxara  os  Portugueses  seu  fato.  Ecomo  isto 
era  tamanha  quebra  do  credilo  que  tinhão,  principal- 
mente naquele  tSpo,  em  que  toda  a  cõiiança  dei  rey  de 
Cãbaya  estaua  neles,  pareceo  muyto  mal  a  António  gal- 
uão,  que  não  sabia  o  ^  Garcia  de  saa  tinha  assentado: 
&  quando  ho  soube  lhe  pareceo  muyto  mal ,  &  disseJhe. 
Vos  senhor  não  me  negareys  que  quãdo  aqui  viestes  por 
mãdado  do  gouemador  que  não  sabieís  que  os  homês 
que  trazieis  não  erão  mays  dos  que  agora  sam ,  a  res- 
peyto  dos  Imigos  que  nesse  tempo  imaginastes  muy  bem 
quantos  auião  de  ser ,  poys  querião  tomar  esla  terra ,  a 
^  ho  gouernador  vos  maodaua  pêra  lhe  resistir ,  &  b6 
sabieis  então  que  não  Unheis  onde  vos  defender  se  não 
no  capo  pelejando,  &  poys  vos  então  não  escusastes, 
podendo  ho  fazer  sem  deshonrra,  ^  o  não  sabia  ninguS , 
não  vos  escuseis  agora,  com  ficar  deshonrado,  &  os  Por- 
tugueses cÕ  descrédito  poys  he  em  pubrico.  £  por  sos- 
ter  este  ^  eles  ha  tantos  annos  que  tem  ganhado  na  In* 


LIVBO   YIII.    CAP1TV1.0   tXXU  2dl 

dia ,  será  muylo  serui<;o  de  Deos  &  dei  rej  perder  as 
yidas  que  durão  Ião  pouco ,  &  isto  vos  requeiro  da  sua 
parte  que  ho  faijais,  quanto  roais  que  sein  as  perder , 
nos  podemos  defender  com  a  artelharia  &  espingardaria 
que  temos  y  Q  nos  defenderão  a  dianleyra ,  &  a  trasey- 
ra  ho  mar,  &  mays  faremos  muy  asinha  húa  tranquey- 
ra  de  quanta  raadeyra  aqui  teinos,  que  cÕ  hfia  caua  ti- 
cará  forlissima.  £  muytos  que  estauâo  com  Garcia  de 
saa  estauão  tam  assentados  em  se  hir :  que  não  somente 
lhes  nfto  pareceo  bê  o  que  dizia  António  galuâo,  mas 
nem  deixarão  Garcia  de  saa  que  lhe  respondesse,  antes 
começarão  de  dizer  todos  Q  era  escusado  a^le  conselho. 
£  vendo  António  galuão  Q  ho  não  ^rião  poer  em  prati- 
ca, foyse  muy  to  agastado.  £  parecendo  muy  to  bS  a 
Garcia  de  sá  o  {|  dissera ,  assentou  de  ho  fazer ,  &  di* 
zendo  ho  a  todos  foy  a  pos  ele,  &  louuando  lhe  muito 
seu  conselho  ho  tomou,  &  pediolhe  que  fizese  a  metade 
da  trãqueira ,  &  assi  a  fez ,  cõ  o  Q  gSte  assi  da  terra , 
como  estrãgeiros  se  ajutarão  todos  cÕ  Garcia  de  sá  pêra 
ho  ajudarê.  £  sabendo  ho  capitão  dosMogores  quã  for- 
talecido ele  estaua ,  deixou  de  yr  a  Baçaym ,  &  tornou- 
se^  CÕ  o  que  os  portugueses  ganharão  muy  ta  hora  & 
credito  &  assi  António  galuão  Q  deu  ho  cõselho. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXI. 

De  como  el  rey  de  Câbaya  quisera  fazer  hú  muro  aníre 

a  nossa  fortaleza  ^  a  cidade. 

X^esapressado  Baçaim  dos  Mogores  partiose  Gaspar 
preto  pêra  Diu,  &  deu  a  reposta  de  Nizamaluco  ao  go- 
vernador {}  a  disse  a  ei  rey  deCambaya,  que  ficou  muy 
desaliuado,  sabendo  que  lhe  não  auia  Nizamaluco  de 
fazer  guerra:  &  então  ficou  muyto  mays  descontSte  do 
(}  andaua  dates  por  ter  dada  a  fortaleza  em  Diu  ao  go- 
vernador ,  porQ  lha  dera  cõ  tencjão  que  cõ  a  ajuda  (}  lhe 
desse ,  deitaria  fora  de  seus  rey  nos  os  Mogores ,  &  ele 


S86  9A   BI8TORIA   BA   IRDIA 

Tia  I)  ho  gooemador  nâ  podia,  pelo  ^  se  aehoo  muito 
alcaçado,  &  ja  que  oSo  tioba  remédio  pêra  ao  preaenle 
estoruar  que  oSo  ae  fizese  a  fortaleza,  determinou  de 
▼er  se  a  poderia  cegar ,  c5  lãqar  h&a  parede  anlrela  & 
a  cidade ,  pêra  despois  j}  se  ho  eonernador  fosse  fazer 
nacjla  parede  baluartes  com  i|  podesse  bater  a  fortaleza 
&  lomala.  Isto  determinado  <,  mandou  dizer  ao  gouema* 
dor  por  Ninarão  capita  de  Diu ,  &  por  ioi  de  Santiago 
seu  lingoa  !\  lhe  deixasse  fazer  a  parede  que  digo:  & 
ho  gouernador  lhes  disse  Q  ele  respõderia  a  el  rey  por 
seu  messageiro ,  &  sobre  esta  reposta  fez  cÕselho  em 
que  propôs  o  ^  lhe  elrey  mâdara  dizer,  &  Marti  afonso 
de  suusa  foy  de  voto  que  se  cÕcedesse  a  el  rey  que  fi« 
zesse  a  parede,  por^  como  era  apetitoso  passarselhebia 
anie  apetite  &  nã  a  faria.  E  Ferná  rodriguez  de  caste- 
Joorãco  ouuídor  geral  &  outros  disserâo  Q  por  nlifi  mo- 
do se  lhe  cõcedese,  pori}  logo  a  faria,  &  feita  seria 
peor  desfazerSlba  ,  &  deste  voto  foy  ho  gooemador :  & 
jslo  determinado,  assentouse  ![  Fernaô  rodriguez  lho 
fosse  dizer  que  se  a  fortaleza  era  sua,  &  os  portugueses 
seus,  Q  pêra  que  era  aquela  parede,  &  por  isso  era  es- 
cusada. £  quSdo  lhe  Fernaõ  rodriguez  deu  este  recado, 
el  rey  se  agastou  &  respSdeo  muito  aluoroçado,  que 
queria  aquela  parede,  pêra  que  hu  Português  não  te- 
uesse  lugar  de  yr  matar  bua  vaca  a  hii  seu  gStio,  ou 
fazer  outra  cousa  de  ^  se  seguisse  escândalo  antre  os 
mouros,  &  os  portugueses,  o  que  ele  nâo  queria  por 
amor  daroizade  dStrele  &  ei  Rey  de  Portugal.  E  toda- 
uia  insistia  Q  auia  de  fazer  a  parede,  sobre  o  i|  se  pas- 
sarão algQs  recados  antrele  &  ho  gouernador,  !\  leuaua 
fernã  rodriguez,  &  apertado  mais  el  rey  em  fazer  aQla 
parede,  mãdou  dizer  ao  gouernador  que  quSdo  fizera 
coele  ho  cõtrato  das  pazes ,  naõ  se  obrigara  mais  (|  a 
deizaribe  fazer  bua  fortaleza,  &  nâo  a  serlhe  sogeito,  & 
segado  via  ele  ho  queria  sogigar,  pois  lhe  queria  jmpe- 
dir  que  naõ  fizesse  bua  parede  ê  sua  terra,  que  lhe  nSo 
goardaua  ho  c5lrato,  &  sl  reposta  deste  recado  foy  acor^ 


LIVAO  YUI.   GAFITYLO  0S%U  £87 

4ada  em  conselho ,  Q  Fernâ  rodrigues  respondesse  a  et 
rey  bo  mais  brãdaiuête  ^  podesse  ser ,  &  quando  de  to^ 
do  em  todo  insislisse  na  parede,  Q  o  desenganase  (}  lha 
não  auia  o  gouernador  de  deixar  fazer.  E  Fernão  rodri- 
gaea  íoj  a  ei  rey,  que  lhe  falaaa  pelo  Ungoaloâ  de  San- 
tiago, &  quando  el  rej  vio  que  lhe  não  concedia  hogo^ 
uernadpr  a  parede,  começou  de  falar  alio  que  lhe  não 
goardauâo  ho  contrato  em  nbfla  cousa,  &  que  pedida  m'ú 
bomês  ao  goueinador  pêra  lhe  yrS  goardar  Baroche,  & 
que  lhe  nau  dera  mais  de  cSto ,  &  pois  lhe  quebraua  a 
paz  Q  auia  de  fazer  a  parede^  £  fernão.rodriguez  lhe 
disse  que  em  nhúa  maneira  Ibo  auia  ho  gouernador  de 
conaenlir,  porq  nS  os  Portugueses  auiãode  querer  que 
lho  consentise,  do  que  el  rey  ficou  muyto  menScorio,  & 
chamou  perro  a  loào  desantiago,  porque  lhe  dizia  tal 
cousa,  &  despois  disse  que  os  portugueses  ibe  chama- 
uão  doudo ,  &  que  ele  ho  era  poâs  tizetra  o  que  fez ,  Sc 
porem  que  iàbem  os  doudos  aientattáo  pelo  ^  lhe  cõpria». 
£  coisto  se  foy  Fernão  rodriguez  ,  &  el  rey  íicou  muito 
agastado  do  des^ano  que  lhe  ele  deu ,  |ior  auer  aquilo» 
por  grade  quebra ,  &  se  ele  pcdera  logo  se  vingara  do 
gouernador,  mas  como  linha  pouco  poder,  &  os  MDgo* 
res  eslauâo  em  Cambaya ,  não  ousou  de  bolir  consigo  , 
&dali  por  diante  teue  mortal  ódio  aos  portugueses,  & 
determinou  de  lhes  tomar  a  fortaleza  como  teuesse  tem- 
po ,  &  com  tudo  dissimulou  este  ódio ,  Sc  esteue  algfla 
dias  arrufado  sem  se  ver  com  bo  gouernador,  a  que 
mandou  dizer  por  Ninarão,,  que  pois  não  queria  que  fr« 
zesse  a  parede^  que  a  n&  queria  fazer,  mas  que  lhe  dea- 
se  gente  pêra  fazer  guerra  aos  Alogores  como  Ibe  tinha 
prometido,  sobre  ho  que  bo  gouernador  teue  conselho, 
em  que  foy  acordado  que  lhe  náadesse  gente ,  porque 
não  seria  muito  pedila  elrey  pêra  a  matará  treição,  que 
ae  lhe  respondesse  que  Uia  não  podia  dar  por  ter  pouca^ 
que  pêra  bo  verão  que  juntaria  mais  lha  daria,  &coes«* 
ta  reposta  se  agrauou  elrey.  muy to^  &  disse  ^  não  podia 
ho  gottiernador  negar  que  Uks  nãa  compria  iio  citrato ^ 


f  88  DA   HISTORIA   DA   INDTA 

&  poyg  asai  era  1}  ho  não  podia  ajudar  ^  buscaria  seu 
remédio^  &  mandou  a  Ninarão  que  di^seese  ao  gouer- 
nador  como.  que  bo  auisaua  que  ele  se  queria  yr  pera^ 
Meca.  £  sabido  iato  pelo  gouernador  logo  poa  em  con- 
selbo  o  que  faria,  em  que  foy  acordado  {|  bo  deteuessS, 
por^  não  era  tSpo  de  ho  deixarê  yr,  pela  diuisam^auiar 
em  Câbaya.  E  cõcertado  anlre  bo  gouernador  que  se' 
vissem,  por  quãto  el  rey  estaua  fora  da  cidade  na  quin-' 
ta  de  Melique,  virãse  na  ponta  de  Diu,  onde  bo  goueis' 
nador  foy  em  hfta  fusta ,  &  forâo  coele  Marlim  afonso* 
de  sousa,  Manuel  de  sousa,  dom  gonçalo  coutinho,  & 
fernão  rodriguez  de  castelo  branco  ouuidor  geral,  &Ioam^ 
da  costa  secretario  do  gouernador,  a  que  el  rey  estaua' 
esperado  em  bfia  fusta,  acompanhado  dalgfis  seflores  do 
seu  reyao  ate  quatro  ou  cinco ,  &  o  gouernador  entrou' 
na  fusta  dei  rey ,  &  ãbos  de  dous  se  meterão  no  toldo  ,* 
&  os  fidalgos  &  senhores  ficarão  de  fora,  &  ali  fez  eirey 
h&a  comprida  pratica  ao  gouernador,  em  que  lhe  resu- 
mia as  condiçoSs  do  contrato  Q  era  feito  antreles,  &que 
não  sómête  lho  quebraua  em  lhe  impidir  a  parede ,  mas 
nem  lhe  daua  a  gente  que  pedia  aqueizãdose  muytode* 
le.  E  ho  gouernador  lhe  disse  que  por  estar  doente  lhe 
nã  respondia,  que  lhe  responderia  Fernão  rodriguez  que 
sabia  bem  aquele  negocio,  do  que  sendo  el  rey  coníen-' 
te ,  Fernão  rodriguez  lhe  disse ,  ^  no  cStraio  que  eie  fi- 
zera com  ho  gouernador ,  não  estaua  ^  fizese  a  parede 
que  dezia  antre  a  fortaleza  &  a  cidade:  &  por  isso  não 
se  deuia  de  aqueisar  dele  que  lho  não  goardaua :  quan- 
to mays  que  fazendose  aquela  parede  a  fortaleza  ficaua' 
cd  a  arteibaria  cega  &  não  valia  nada,  o  qqe  ele  não 
auia  de  querer  poys  a  dera  liuremente,  &  poys  era  pa- 
rele  tam  proueitosa  como  pêra  os  Portugueses,  ^  erão 
todos  seus :  &  estauão  ali  pêra  bo  seruir  quãdo  fosse 
tempo,  &  pori}  então  bo  não  era,  por  ser  entrada  dia- 
uerno,  Jhe  não  daua  ho  gouernador  a  gente  que  lhe  pen- 
dia ^  com  {}  por  derradeiro  nã  auia  de  fazer  nada,  por- 
que a  inuernada  bo  não  auia  de  deixar  andar  pelo  caro» 


i 


LlVâO  Vtll.   CA^ITVLO   CX%IU  239 

po,  que  pêra  bo  verSo  1)  poderia  andar  por  e)e  )be  daria* 
a  gente  i\  quisesse ,  &  q^e  amda  ^  aquilo  uã  esteuera* 
BO  isontra to  abastara  pêra  bo  fa^er^  a  võtade  que  tinha' 
de  bo  seruir ,  &  que  não  cuydasse  outra  cousa :  nem  ^' 
lhe  não  goar daua  o  contrato ,  porque  seria  sem  pezâo  , 
&  cõtra  o  que  deuia  ao  desejo  que  bo  gouernador  tinba. 
de  o  seruir.  £  assi  lhe  disse  outras  cousas  com  que  et* 
rey  abrandou,  &  íicou  satisfeito,  &  prometeo  de  se  tor- 
nar pêra  a  cidade :  &  disse  que  não  hia  logo  com  bo  go-' 
nernatior ,  por^  não  parecese  aos  mouros  que  bia  por 
força:  &  o  gouernador  se  tornou.  Ecomo-el  rey  era  in^p^ 
constante,  ainda  despoys  disto  teue  alguas  refegas  dar-* 
repêdimento  do  que  fizera,  com  t{  mandou  aJjfa  noyte 
engeitar  a  paz  ao  gouernador:  &  polo  seu  secretario  lhe 
mandou  bo  contrato,  dizendo  {}  lho  não  goardaua :  &  na 
mesma  hora  foy  a  ele  Fernão  rodriguez,  per  mandado 
do  gouernador  S  htía  fusta,  &  acompanhado  da  sua  guar- 
da. £  falado  a  «1  rey  bo  assessegou  de  maneira,  que  ao 
outro  dia  se  foy  pêra  a  cidade  oomo  tinha  prometido, 
&  tornou  a  ser  amigo  do  gouernador,  ainda  que  fingido, 
por(}  deterxnioaua  de  tomar  a  fortaleza  43omo  teuesse 
tempo. 

€  A  P  I  T  V  L  O    CXXII. 


Mi 


De  como  os  Mogor^  forão  desbaratados. 


irãomuhmalá  sobrinho  dei  rey  deCambaya,  que  es* 
taua  na  frõtaria  de  Damão  cõtra  bo  Nizamaluco :  des* 
poys  que  vio  que  os  Mogores  não  ousara  dir  sobre  Ba- 
çaim  cÕ  medo  dos  Portiigueses,  não  quis  ati  estar  mays,' 
porq  Nizamaluco  não  auia  ^e  fazer  guerra  a  elrey  seu 
tio  que  lhe  mandou  gente  pêra  q  com  a  que  trnba  fosse 
fazer  guerra  aos  Mogores  q  andauSo  no  reyno  de  Mã- 
dou ,  a  que  ele  foy  leuando  ainda  mays  gente  íj  lhe  Ni- 
zamaluco deu  pêra  bo  ajudar  naquela  guerra :  &  lá  se 
ajuntou  CÕ  alguiis  capitães  dei  rey  de  Cambava,  que  ti- 
nbão  por  ele  algíias  fortalezas ,  &  deles  soube  como  el 

LIVRO  VIII.  o  o 


390  <OA   HISTORIA  DA   INIUA 

rey  doiMo|;cre8  era  partido  pêra  bo  rey no  deBfigalaao 
conquislar  pela  grande  fama  do  tesouro  que  tinha  el  rey 
de  Bengala,  &  que  deiaara  em  Mandou  algfls  capitães 
c6  gSle  de  goarnição:  a  que  Mirãaiuhmalá  kz  logo  a 
guerra,  com  ^  oe  apertou  em  eslremo,  &  assi  com  fo- 
me, por^  como  eetauiSo  nas  fortalezas  &  nfto  erâo  senho- 
res do  capo,  não  podiâo  auer  mantimfitos^  &  morrerão 
muytos  á  fome ,  &  de  trabalho,  &'dos  outros  hus  se  fo- 
ra buscar  bo  seu  rey,  outros  se  ajuntarão  cõ  Mirzãoba* 
met  sobrinho  do  seu  rey,  que  se  Iby  despoys  pêra  el  rey 
deCâbaya,  que  oõ  a  diminuy^jão  dos  Mogores  ficou  muy- 
to  fauorecido:  &  dali  por  diante  lhe  acodio  muytagête^ 
oõ  que  despois  cobrou  seus  seltorios  sem  ter  necessidade 
da  ajuda  dos  Portugueses. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXIIL 

De  como  dom-  loâo  pereyra  Cíq^itâo  de  Goa  desbaraiau 

çoltymâo  haga. 

J^urando  a  guerra  dantre  AçadacSo  &  dd  loâo  pereira 
capitão  de  Goa ,  sobre  querer  tomar  as  lanadariss  de 
Salsete  &  de  Bardes,  tornou  Açadacâo  a  mãdar  sobre- 
les  çoleymão  haga  seu  capitão  com  noue  mil  homês,  de 
Q  erão  sete  mil  Balagatioos ,  em  Q  entrauao  duzentos 
de  caualos  ligeyros  &  cincoCta  ácubertados  &  os  dous 
mil  estrangeiros  brancos,  &  destes  dous  mil  os  mais  fre* 
cheiros  &espingardeiros.  Entrado  çoiey  mão  baga  nas  ta- 
nadarias  com  esta  gente ,  nSo  qulserão  os  da  terra  por 
seu  medo  pagar  mais  as  rSdas  que  dantes  pagauâo  aos 
tanadares  Portugueses ,  que  logo  escreuerão  a  dÕ  loâo 
pereyra  capitão  de  Goa  y  requerèdolbe  ^  lhes  acodísse^ 
a  que  eh  paitio  logo  cõ  quatrocfttoe  Portugueses ,  tre- 
zentos de  pé,  de  (^  toy  capitã  Payo  rodrigues  daraujo^ 
&  cSto  de  caualo,  em  Q  entrauào  lurdâo  de  freitas  da 
ilha  da  madeira  capitão  do  campo ,  GaTuão  viegas  adail 
de  goa,  Maouei  de  Vasconcelos  casado,  Galaz  viegas^ 


Livno  VIII.   CAYITVLO   CXXTTK  >9I 

Dio^o  botefbo  dandrade^  &  outros  a  í\  nSo  Boobé  ca  no« 
neg,  &  mi)  piâes  da  terra  ^  de  qoe  forSo  capitães  Crís- 
ná  &  Ralú  dous  gStios.  Coesta  gftie  partio  dom  loâo  na 
entrada  de  Feuereiro :  &  cbegadD  a  Rachol  soube  ^  es* 
taua  çoleimS  baga  dali  a  hfla  legoa,  &  logo  por  hua  lio* 
goa  {}  tomou  soube  ()  era  aleoftlado  pêra  mais  Icmge^  cd 
medo  4  auia  de  pelejar  coele  polo  ter  por  muylo  esfoiv 
ijado.  O  ^  sabido  por  dõ  loâ  determinou  de  bo  ir  bus* 
car:  &  indo  polo  caminho  soube  deGaloSo  viegas  2}  bia 
diãte  descobrindo  ho  capo ,  que  çoleimSo  estaua  cõ  sua 
gftle  na  bicada  de  btia  serra  dali  a  duas  legoas  a  cuja 
vista  chegou  aos  noue  de  feuereiro:  &  seria  a  espaço  de 
mea  legoa.  E  quando  os  Portugueses  virão  tantos  mou*» 
ros  esjiàtarâse  muylo,  por  nSo  saberS  dantes  quantos 
erflo ,  nè  os  faziSo  a  àb  loão  tantos :  a  {)  algfis  disserSo 
que  se  tornasse ,  porQ  seria  doudice  cometera  a  tantos 
mouros.  Do  t\  dom  loflo  ficou  muyto  agastado  por  lhe 
parecer  l\  ho  diziflo  c0  medo,  &  ajuntado  esses  princí* 
pays  lhes  disse*  Pareceme  sefiores  Q  vos  vè  de  pouca  fé 
em  nosso  senhor,  dizerdes  que  nos  tornemos  sem  come-» 
ter  estes  mouros ,  como  f\  não  fossem  eles  os  ^  nos  fu* 
girSo  muytas  vezes:  &  os  ^  nos  nflca  poderão  impedir 
^  não  fizéssemos  a  fortaleza  de  Rachol ,  pois  eles  náo 
sam  agora  mais  esforçados  {|  então,  n8  vos  tSdes  agora 
menos  esforço  l\  quando  vos  eles  fugirão :  8c  o  l\  vos  pa- 
rece (}  vos  ha  de  saluar,  isso  vos  deitará  a  perder  de 
todo,  por{}  se  vos  os  Imigos  virS  tornar  cuidarão  {)  lhe 
fugis  &  cuydfl4o  vos  siguirão,  &  pola  grande  distancia 
^  iia  daqui  á  nossa  fortaleza ,  nos  matara  a  todos  pri- 
meiro H  la  cheguemos.  Por  isto  c6  a  esperãça  em  nosso 
senhor  t\  nos  dará  vitoria,  &  cd  vos  fôbrar  quantas  ve- 
zes DOS  fugirão  demos  nestes  cães ,  por(|  vedo  (\  os  cn-» 
metemos,  eu  vos  fico  (\  logo  lhes  sobreuenha  ho  medo  Q 
nos  te,  &  nos  deixe  ho  campo.  £  parecendo  isto  bS  aos 
mays ,  disserflo  í\  dessem  nos  fmigos ,  2}  neste  lepo  co« 
meçarto  de  chegar  pêra  dom  loão  feytos  em  três  escoa- 
drões^  &  de  tâos  feytò  bQ  arco,  em  cujas  p5tas  hião 

oo  2 


SA>  BA   HISTOmiA    BA    INBIA 

•0  cada  hua  cento  do8  de  caualo  ligeyros,  &  no  meoog 
acobertados:  &  sendo  a  Uro  despingarda  dos  nossos  ({[ 
estauâo  feitos  em  hCl  corpo)  começão  de  desparar  muy* 
tos  foguetes  ferrados  &  bombas  de  fogo,  &  muylas  es* 
jMDgardadas ,  &  frechadas  sem  conto ,  &  dando  grades 
gritas  hifio  çarrãdo  1m>  arco  pêra  tomar  os  nossos  no  meo, 
\  coessa  tfiçâo  ordenou  çoleimão  a  sua  gSte  desta  ma- 
iieyra..  £  certo  ^  bia  tâo  medonba  ^  era  muyto  pêra  te» 
mer*  DÕ  lobSo  {|  vio  j}  não  podia  deyxar  de  ficar  no  meo, 
pori)  o  arco  vioba  muyto  largo,  determinou  de  dar  nos 
Imigos  ates  Q  se  «garrassem  de  todo,  &  mãdou  a  lurdio 
de  freitas  Q  cÕ  trita  de  caualo  escolbidos  fosse  cometer 
os  acubertados ,  &  nsâdou  coele  o  seu  guião  &  ij  ele  da» 
fia  entrelãto  em  bua  das  põtas.  £  nisto  erfto  as  esfun- 
gardadas  tãtas  da  parte  dos  imigos,  &  foguetes  fura- 
dos, &  bobas  de  fogo,  ^  algus  dos  ^  hião  cÕlurdão  de 
fpeytas  virarão  as  costas,  mas  tornarão  logo,  parece  i| 
com  vergonha  de  se  saber:  &  em  lurdão  de  freytas  fe- 
rindo, deu' ele  Santiago  em  hua  das  pontas  dos  imígos, 
porem  bo  medo  parece  que  sallou  cÕ  os  nossos^  que  não 
abalarão  com  dom  loão  mays  dos  de  caualo  4  noue  & 
deates  forão  Bento  gomez  das  donas ^  António  ferrão, 
Bastião  rolz ,  &  aos  outros  seys  nã  soube  os  nomes  & 
os  outros  de  caualo  se  deyxarão  estar  quedos ,  &  parte 
dos  de  pé,.  &  os  outros  começauão  de  fugir  comospiães 
da  terra,  mas  d&  loSo  cõ  quSto  o  vio,  não  deyxou  de 
cometer  os  mouros  cõ  os  noue  (}  digo  chamando  por  San^ 
tiago :  &  vSdo  ^  BasUão  rolz  hia  sem  capacete,  bradou<^ 
lhe  ^  ho  fosse  tomar ,  &  ele  respõdeo  qiie  não  era  tem- 
po,  &  assi  sem  capacete  o  fez  tão  esforçadamête  cÕ  to- 
dos os  outros  Q  os  mouros  da{}la  ponta  se  começarão  lo- 
go de  desbaratar ,  vSdo  em  quã  poueo  dd  loào  &  os  no- 
ue tinbão  suas  esplgardadas ,  frechadas ,  bSbas  de  fogo^ 
&  foguetes,  &  Q  assi  se  arremessauão  aos  matar  come 
homfis  ^  não  estimauão  as  vidas,  &  matando  rouyto^ 
dos  mouros  os  fizerâo  fugir,  desta  ponta,  &  nisto  aços 
dio  çoleymão  baga  c5  os  da  outra  &  desfezse  o  arco.  B 


himO  fJU.   CAPITVLI)  CXXIII.  2'9^ 

Infido  08  nossos  Q  ofio  abalarão  cõ  dõ  loão  eome  se  des* 
baratauft  os  Imigos  eiu  j)  ele  dea  cobrarão  coração ,  & 
feyios  em  bfl  corpo  bo  forão  ajudar,  8&  isso  causou  não 
ho  sumir  çoleymão  &  aos  ^  estanão  coele  quâdo  acodio 
cõ  os  da  sua  ponta ,  &  meslurandose  bfis  cõ  os  outros 
renououse  a  peleja  ^  foy  muy  braua ,  por^  âtre  os  Imi- 
gos  auia  muytOB  Parcos  &  outra  gète  brâca  Q  pelejauão 
com  grade  esforço ,  mas  como  os  nossos  ja  estauão  jun- 
tos ,  &  se  esquêtauão  de  cada  vez  mays ,  cõ  ho  feruor 
da  batalha  âzerflo  marauilhas  por  emendar  ho  passado , 
&  matando  muytos  dos  imigos  apertarão  Ião  rijo  cÕ  os 
outros  ()  os  fiserâo  fugir,  &  dõ  loão  cÕ  os  nossos  de  ca- 
ualo  ibe  seguio  ho  encalço  bê  duas  oras ,  em  Ç  matou 
muytos  de  caualo,  &  piães,  &  muyto  mays  matara,  se 
não  Q  muytos  meterão  ramos  verdes  nas  toucas  como 
leuauSo  os  nossos  piâes ,  &  coisso  escaparão ,  &  os  nos- 
sos os  seguirão  ate  htl  ria  onde  os  imigos  se  lançarão  & 
passara  a  nado,  &  algus  se  afogarão  com  pressa,  assi 
Lião  cortados  de  medo,  &  daly  se  tornou  dõ  loão  ^o  ar^ 
rayal  dos  imigos  onde  foy  achada  muy  rica  presa ,  assi 
de  fazfida ,  como  darmas  &  mãtimêtõs ,  &  muytos  boys 
de  carrega  &  caualos.  £  muy  tas  cabayas  ^çoleymão  ti- 
nha pêra  dar  aos  seus ,  §  primeiro  rõpessfi  os  portugue- 
ses. £dõ  loão  mandou  fazer  alardo,  &  achou  Q  Ibe  não 
fora  morto  ningufi :  somCte  íhe  firirão  algfls  de  frecha- 
das &  zagunchadas,  &  algfls  caualos :  No  Q  nosso  seflor 
mostrou  quâ  milagrosa  fora  aijla  vitoria.  E  dos  mouros 
se  achou  Q  forão  mortos  mil  &  sete  centos^  &  muytos 
eatiuos.  Eantre  oe  mortos  foy  hQ  sobrinho  de  colei  mão, 
Q  era  capitã  do  capo:  &  Abedacâo  capitão  de  Gintaco^ 
ra,  caualeyro»  de  muyio  esforço,  &  de  grade  estima 
antre  os  mouros.  E  assi  outros  muyto  pricipaes.  £  por 
memoria  desta  tã  famosa  vitoria,  &  Q  as  mouros  muyto 
sentirão,  armou  dÕ  loão  muytos  caualeyros,  Q  se  ieue- 
rão  por  muyto  ditosos  de  ho  ser  em  feito  tam  hõrado» 
E  isto  feyto  o  Q  ficaua  daquele  dia  &  parte  do  outso, 
andou  dõ  loft  corrfido  a  terra ,.  pêra  ^  soubessem  os  mo^- 


S94  114  HirroiuA.  lu  nfõiA 

radorn  Q  era  tenhor  do  cSpo,  &  todos  lhe  leoaulo  muy^ 
tos  preseitles  de  mantimentos ,  tÒ  prazer  de  se  ▼erem 
Hures  dos  mouros  que  lhes  auorectio  grandemente  poio 
roao  (ralo  que  lhes  dana.  E  dejxando  dÕ  loão  a  terra 
em  paz  se  tornou  a  Goa,  onde  foy  recebido  com  procis* 
s2o  suJSne,  &  acbou  hi  hfi  embaixador  de  çoleimflo  ha* 
ga ,  i)  da  sua  parte  lhe  leuoo  bum  presente  de  cousas 
ricas  9  &  Ibe  pregfltou  oomo  bia  da  batalha :  &  se  esta* 
ua  em  disposição  pêra  dar  outra:  E  isto  fez  çoleymflo 
por  ficar  muyto  cõtente  do  esforço  de  dõ  loão,  ((  bS  vio 
como  os  seus  ho  desempararSo,  &  c5  quS  poucos  come» 
terá  os  mouros.  Edõ  loáo  recebeo  bem  bo  embaiiador^ 
&  lhe  fez  rauyta  hõra  &  gasalbado,  &  bo  ban!|leou,  & 
lhe  deu  hã  bo  presente  pêra  çoleymão ,  &  Q  the  disseso 
Q  ficara  muyto  bem  desposto  da  batalha  pêra  o  t\  Iheoô* 
prisse:  &  ainda  estaua  pêra  dar  oo Ira.  Do  l\  çoleimã 
ficou  muyto  ledo,  &  Açadacã  muyto  triste  vCdo  <)  nio 
podia  cobrar  al|la8  tanadarias:  pdo  {|  se  pode  ver  Q  se 
|iodiã  tomar  todas  &  sosterse,  &  ()  por  culpa  dos  gouer- 
nadores  se  perderSo  tanto  tèpo  tantos  mil  cruzados  que 
elas  rendem. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXIIII. 

De  como  foy  acabada  a  fortaleza  de  Diu  j  ^  foy  come* 

cada  a  de  Baçaym. 

Jtlo  Gouernador  ^  fazia  a  fortaleza  em  Diu  se  deu  tã(a 
pressa  em  a  fazer  que  a  acabou  quasi ,  em  quorenta  & 
noue  dias  de  trabalho,  Q  foy  na  fim  de  Feuereiro  de 
mil  &  quinhStos  &  trinta  &  seys  anos,  &  acabada  pos 
lhe  nome  Sâ  Thome ,  &  ficou  de  trezentas  &  cincofita 
braças  ê  roda,  &  de  figura  triSgular,  &  tinha  os  muros 
de  grossura  de  deaoyto  pés ,  &  daltura  de  trila  palmos 
cd  as  ameas,  tinha  quatro  baluartes,  os  Ires  em  trífl« 
guio,  &  o  outro  no  meo,  entulhados  ale  ho  primeyro 
sobrado ,  abertos  pola.  banda  de  dentro  &  descubertos  fo 


LIYRQ  ynu  CAFITVLO  cxxiiir.  t9& 

cereada  de  caua ,  muyto  forte  &  bê  artilhada ,  &  fieoa 
feito  bo  cauouco  pêra  bâa  cisterna  inuyto  grXde.  £  ela 
acabada  deu  bo  gouernador  a  capitania  a  Manuel  de 
Bousa  Deuora,  &  deulbe  noue  cStos  boJnSs.  £  estado  ho 
gouernador  em  Diu ,  vio  cõ  todoa  os  fidalgos  j|  ho  ac5« 
panbauio^  bfl  homS  ^  dizia  ser  de  treze  tos  &  quorSta 
annos,  &  assi  ho  afiirn>aua  el  rey  de  Câbaya,  &  todos 
os  principaes  de  Diu  &  lêbrauase  ser  toda  Câbaya  de 
gentios,  &  não  auer  nenhQa  {)ouoa(^o  em  Diu.  Dizia 
que  quairo  vezes  se  llie  pelarão  os  cabelos  brãcos,  &  ou- 
tras lantas  lhe  tornarão  a  nacer  pretos,  &  por  tãtas  ve- 
xes lhe  cayrâo  os  dentes ,  &  Ibe  tornarão  a  nacer.  £  Q 
teuera  setecentas  molheres.  £ho  gouernador  lhe  mfldou 
ver  ho  pulso  por  hum  medico,  que  lho  achou  muylo  es- 
forçado, &  no  rosto  &  na  faJa  bomõ  de  setenta  annos, 
&  tinha  pouca  barba  &  essa  preta ,  era  de  nação  Boga- 
Ia,  do  casta  de  gètios,  fc  aiiia  muyto  que  se  tornara 
mouro.  Ho  gouernador  esteue  ainda  em  Diu  quasi  ate 
fim  de  Março,  &  antes  de  se  partir  Ninarão  capitão  de 
Diu  lhe  disse  secretamête,  que  não  se  íiaua  dei  rey  de 
Cãbaya  por  ser  muyto  inconstante  &  cruel ,  &  que  re- 
ceaua  que  lhe  quisese  fazer  mal,  como  fazia  a  outros  (^ 
lho  não  mereciâOy  |)edindolbe  que  mãdase  a  Manuel  de 
sousa  que  ho  acolhese  na  fortaleza  se  teuesse  disso  ne- 
cessidade ,  &  Q  ele  ho  seruiria :  cõ  o  ^  ho  gouernador 
íblgou  muyto,  por  ter  por  amigo  hil  bomC  tam  princi- 
pal como  aquele.  £  cõ  conselho  mãdou  a  Manuel  de  sou- 
sa que  ho  fauorecese  &  recolhese  na  fortaleza  se  neces- 
sário fosse*  £  despois  se  partio  pêra  Baçaim ,  a  que 
ebegou  com  toda  sua  armada :  &  quando  vio  a  trãqueira 
que  se  fez  per  conselho  de  António  galuâo,  gabouha 
muyto,  &  foy  logo  ver  ho  sitio  onde  auia  de  fazer  a  for- 
taleza pêra  a  comeijar.  £por  fazer  honra  a  Autoniogal- 
iião  que  sabia  que  a  merecia  por  oiuytas  vias,  quand(> 
ouue  de  abrir  os  aliceses  da  fortaleza,  mãdoulbe  que 
desse  as  primeiras  enxadadas,  &  posesse  a  primeira  pe^ 
dra,  estado  iu  Garcia  de  saa,  &  outros  muytos  fida%os» 


296  JU   HISTORIA    DA   ÍNDIA 

£  deixado  ho  gcuetoudor  Garcia  de  saa  pêra  a  acabar, 
partiose  pêra  Goa,  &  despoys  dalgils  dias  que  chegou 
íoy  ver  a  fortaleza  de  Racboi,  sobre  o  que  logo  A<;ada-* 
cio  lhe  maodou  bua  embaixada,  que  a  derribasse  &te- 
uesseni  pazes  coino  dantes,  &  que  recolhessem  ambos 
as  rendas  das  tanadarias  daquela  comarca :  &  Q  as  po- 
sessero  em  deposito  ate  ele  maldar  dizer  a  d  rey  de  Por* 
tugal  da  maneirai)  lhe  dera  aquelas  tanadarias:  &quaR* 
do  el  Rey  ouuesse  por  bê  de  as  tomar ,  que  lhas  deixa- 
ria ê  paz  &  seria  seu  amigo  como  era.  E  bo  gouerna- 
dor  não  quis  cÕ  cõselbo,  dizendo  que  tinha  as  tanada* 
rias  por  bõ  titulo,  poys  ho  Hidalcâo  por  amor  dele  lhe 
não  fizera  guerra. 

CAPITVLO    CXXV. 

De  como  António  Gabiâo  partio  pêra  MoUucom 

xlim  Goa  achou  ho  gouernador  Lionel  de  lima,  que  de 
parte  de  Tristão  dataide  capitão  da  fortaleza  de  Terna-* 
te,  lhe  entregou  ei  rey  Tabarija ,  Pate^arangué,  &  suas 
molheres ,  &  os  outros  presos ,  que  todos  se  queixarão 
muy  to  da  sem  rezão  &  agrauo  j|  lhes  Tristão  dataide  fi-* 
zera ,  re^rèdolhe  Q  visse  logo  suas  culpas ,  &  os  cõde» 
nasse  ou  assoluesse :  &  se  as  não  teuessem  ^  os  -tornas- 
se a  mãdar  a  Maluco  nas  nãos  i]  fossem  pêra  lá.  O  j| 
ho  gouernador  não  quis  fazer,  ainda  ^  sabia  ^  não  ti- 
nha culpa ,  &  nã  os  quis  mãdar  ai}le  ãno :  por  não  ter 
causa  de  mandar  prender  Tristão  dataide ,  de  que  era 
muyto  grade  amigo :  &  por  isso  dilatou  o  despacho  dos 
presos:  do  {[  eles  se  queixauão  muyto,  &  dízião  que 
tam  pouca  justiça  achauão  na  índia  como  em  Maluco: 
Pêra  onde  bo  gouernador  determinou  de  mandar  aquele 
anno  António  galuâo,  que  tinha  a  capitania  da  fortale- 
za: por^  per  Lionel  de  lima,  &  por  cartas  domSs  de 
Maluco ,  soube  as  anexações  que  Tristão  dataide  fazia 
sios  Portugueses  &  aos  mouros:,  pelo  Q  estaua  certo  le- 


LIVAO  TIIT.    CAPITVLO   CXKV.  ?97 

uantarse  a  terra  contrele:  &  a  fora  isso  ficaua  étn  gnin« 
de  aperto  de  fome,  &  sem  auer  na  feyloria  apercebi- 
mento pêra  a  paga  do  soldo  &  mantimento  da  gête  & 
pêra  restauraçâ  da^la  terra  era  tnuyto  necessário  jr  hil 
capitão  esforçado,  mãso  &  de  bõa  cõsciencia.  E  como 
ho  gonernador  por  experiScia  sabia  que  em  António  gaU 
uâo  auia  estas  qualidades:  &  sobre  tudo  sermuytoami- 
go  do  seruiço  dei  rey ,  &  que  outra  cousa  não  desejaua 
mais  neste  mundo,  folgou  muyto  de  ele  ser  ho  capilãò 
que  auia  dSlrar  na  fortaleza,  &  assi  lho  disse.  E  com 
quãto  ele  douuida  sabia  algâa  cousa  das  desord-Ss  &  ma« 
les  ^  auia  em  Maluco,  posto  i\  lhe  ho  corarão  dizia  que 
nS  fosse,  todavia  ^por  seruir  a  Deos  &  a  el  rey  disse  ^ 
yria.  E  ho  gouernador  lhe  deu  hOa  nao  pêra  jr ,  sem 
lhe  lêbrar  que  a  tinha  dada  a  hQ  fidalgo  chamado  Duar* 
te  de  miranda:  O  que  sabendo  António  galuão,  por  lhe 
não  fazer  má  obra ,  a  tornou  a  engeftar  ao  gouernador, 
dizSdo  ho  por!|  ho  fazia:  &  tambS  por  a  nao  ser  muyto 
pequena  pêra  leuar  a  gente  !\  tinha  necessidade  de  Je^ 
uar,  pelo  ^  lhe  deu  outra  mayor.  Ecomo  pêra  ir  alVIa- 
lúco  se  acha  a  gSte  cõ  muyto  trabalho,  não  quis  Antó- 
nio ealuão  terse  á  ^  lhe  ho  gouernador  poderia  dar:  & 
cõ  rogos,  dadiuas  &  promessas  doutras  mayores^m  Ma* 
luco,  acquirio  a  niays  gête  í\  pode,  &  se  partio  pêra 
Cochim  onde  se  auia  dacabar -de  despachar :  mas  nao 
achou  lá  nenhã  aparelho  pêra  isso  por  Pêro  váz  vedor 
de  fazenda  não  ter  dinheiro  ^  lhe  dar,  pelo  Q  lhe  foy 
necessário  emprestalo  a  el  rey,  &  deixou  de  ho  leuar 
empregado  em  cousas  f\  ho  iresdobrara:  &  hè  poderá 
sem  sua  quebra  deixar  de  ir  aíjle  anno,  poys  lhe  não 
dauão  auiamêto,  como  se  dera  aos  capitães  passados, 
&  não  quis  pelo  muyto  íj  sua  ida  imporíaua  ao  seruiço 
dei  r^Y^  &  como  i«to  sabia  nã  lhe  lêbruu  mais  seu  inte- 
resse: &  sem  lhe  ser  paga  nhua  cousa  de  seu  ordenado, 
como  aos  outros  capitães,  nem  a  gente  !\  ya  coeie  do 
soldo  jj  Ifae  era  diuido,  se  partio  de  Cochim  a  oyto  de 
Mayo  .na   nao  ^  lhe  ho  gouernador  deu,  &  co  outra  Q 

LIVRO   VIII.  PP 


t98  IML  HISTORIA   DA   ÍNDIA 

fretoa  á  sua  custa  ^  de  ^  fez  capitão  hil  Francisco  nu^* 
nez ,  em  ^  leuou  a  mays  &  niays  luzida  gSte  (|  nunca 
Iby  a  Maluco  9  Q  por  ser  muyia,  &  não  caber  na  sua 
aao  fretou  a^la :  &  tãbS  leuou  molheres  ^  a  ^  fez  gran^ 
des  partidos :  cõ  fundamento  de  as  casar  lá  cõ  Portu- 
gueses ,  assi  pêra  fazeré  gerac^ão ,  como  pêra  saberS  os 
mouros  ^  determinauã  eles  de  morar  em  Maluco,  &  não 
de  deixar  a  terra,  £  leuou  muyta  fazSda  de  Cambaja 
trigo  &  finho  &  azeites  de  Portugal,  açúcar  &  grande 
soma  de  conseruas,  pedras  datafonas,  &  serras  gran<- 
des  &  pequenas,  machados,  enxadas,  &  outras  alfayas 
necessárias  pêra  quem  lá  morasse,  que  não  auia  na  ler* 
ra:  &  assi  leuou  ferro  &  chubo:  £com  estas  duas  nãos: 
&  com  outros  nauios  que  hiâo  pêra  Malaca,  todos  de» 
baixo  de  sua  capiíania  se  partio  de  CocJiim* 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXVK 

De  cOitio  el  rey  de  Calicui  y  se  quisera  cot^oar  em  Rq)^ 

lim  ,  ^  tèâo  pode. 

v^omo  quer  Q  el  rey  deCalicut  tinha  grande  ódio  a  el 
rey  de  Cocfat,  por  amor  dos  Portugueses,  buscaua  sem<- 
pre  modos  {lera  ho  desiruyr :  &  o  que  achou  neste  teiii<> 
po ,  foy  querer  coroarse  em  hu  pagode ,  que  está  era 
lerra  de  Repelim ,  <)  antre  os  gentios  he  casa  de  grana- 
do saotidade :  &  nela  costuroão  os  reys  de  Galicut  ée 
se  coroar :  &  como  erâo  coroados,  era  costume  irèUie  os 
outros  reys  do  Malab^ar  fazer  reuerenciá ,  t»ao  seus  so«- 

feitos  que  erão  dali  por  diante.  £  por^^  lha  el  rey  de 
íochim  fosse  fazer:  &  ho  prSdesse  queria  ele  coroarse: 
&  tambê  pêra  (}  se  teuesse  tempo  passar  dali  a  Cochim 
te  destruik.  £  aperoebendose  pêra  este  feyto^  soubehe 
el  My  de  Cochim,  que  ho  disse  a  Pêro  vaz  vedor  da  ía^ 
senda :  dízendt^lhe  o  ^  imporlaua  sua  ooroaijão :  peb  (| 
Pêro  vaz  mandou  logo  goardar  ho  passo  de  CVãganor  por 
onde  ei  rey  de  Calicut  podia  passar  a  repelnn :  &  4leu  a 


Lívio  VIU.   CAPITVLO  CXKVIT.  19» 

cspilania  mór  desta  goafda  a  hil  Pero  froez  seu  paren- 
te ,  que  foy  em  hfia  fusta ,  &  três  capitães  em  três  ba* 
teys^  &  os  que  bião  codes  erSo  todos  espigardeiros.  E. 
por  esta  goarda:  ou  por  outra  cousa,  não  passou  el  ref 
de  Calicui  como  se  esperaiuu 

CAPITVLO    CXXVII. 

De  como  Xercansurfez  guerra  a  el  rey  de  Bengala^ 

X^rosseguindoXercansur  a  guerra  cAtra  él  rey  de  ben« 
gala  (como  a  trás  tica  dito)  desbaratoulhe  tfftas  vezes 
ho  seu  capitã  mór ,  que  hò  fez  recolher  a  htia  fortaleza 
chamada  Gort,  situada  na  p5ta  de  bua  serra,  que  en- 
testa no  Gãges ,  &  be  por  ele  acima  vinte  legoas  alem 
do  Gouro,  &  sòbrela  foy  Xercansor,  &  a  cercou :  &  isto 
despoys  da  partida  de  Diogo  rabelo.  E  sabendo  el  rey 
-de  BSgala  este  desbarato,  &  qup  Xercansur  estaua  tão 
perto  cÕ  sessenta  mil  de  cauato,  &  de  pé  gente  sem  co- 
to, mandou  soltar  Martim  afonso  &  os  outros,  pêra  a- 
judarS  a  sua  gSte  na  guerra ,  &  assi  lho  disse.  E  man- 
dou os  (|  fossem  pousar  a  casa  do  seu  armador  mór ,  ^ 
por  lhes  não  querer  dar  pousada ,  a  fora  tomar  em  casa 
do  mouro  valenciano  que  disse:  donde  por  el  rey  nãa 
se  fiar  delies,  &  lhe  parecer  (\  fugirião,  os  mandou  a- 
pousenlar  nos  seus  pa<^s:  &  el  rey  rogou  a  Marti  afon- 
so, que  mãdasse  algus  Portugnes<*s  com  gente  sua  que 
(fiierÍA  mandar  em  socorro  da  fortaleza.  E  ele  se  lhe  of- 
fereceo  pêra  ir  lá  em  pessoa:  o  que  el  rey  não  quis  pc-t 
lo  receo  que  tinha  de  lhe  fugir,  ou  de  se  ir  peraXercJ^ 
aur,  &  parecialhe  que  não  indo  ele  que  tornariãoosPor* 
togueses  1^  tà  fi>ssem.  E  quando Mar(!  albnso  vk>  a  des- 
còiíança  dei  rey,  não  quis  pertiar  em  jr :  &  mandou  do» 
ze  Portugueses  ^m  duas  fustas,  armadas  cõ  algfls  ber-* 
^os;  &  febrão  capitães  delas  loão  de  vilbalobos,  &  loãa 
correa,  bós  eaualeifos,  o  que  fez  mnys  |)or  satisfazer  a 
el  rey,  que  pot  lhe  paMeef  Q  aoíã  de  fazer  algfla  cousa 

PP  2 


soo  BA   HISTOEIA    BA   ÍNDIA 

o5tra  tftta  gente:  posto  Q  dos  BSgalas  forão  muytos^  Sc 
todoa  por  már  em  aimadias,  &  quando  chegarão  á  forta*^ 
léza,  ja  Xercansur  a  tinha  toibada,  cÕ  morte  de  muy- 
tos  dos  ^  estauSo  dètro.  E  como  os  Portugueses  erão 
tani  poucos  não  poderã  fazer  nada :  nC  menos  os  BSga- 
las, &  tornarãse.  E  mais  por^  Xercansur,  deixado  a 
fortaleza  bS  fornecida  de  gSte  se  íóy  com  ho  resto  pola 
ribeira  dó  Ganges  abaixo  ate  defronte  doGouro:  cÕ  de- 
terminação de  ho  passar  dali ,  &  a  cercar.  E  por(}  nis- 
to auia  dauer  detêça :  mãdou  fazer  bila  tranqueira  de- 
frõte  de  hil  bayleu  das  casas,  dei  rey  Q  caya  sobre  o  rio* 
£  fazSdose  esta  tranqueira  hCis  rumes  {|  morauã  em 
Bengala  cõ  enueja  do  muito  cabedal  Q  el  rej  fazia  dos 
Portugueses:  se  lhe  oíTerecerão  pêra  ir5  impedir  <]  se 
nâ  fizese:  o  !\  auiâ  por  grade  injuria  estado  eles  alj.  E 
pêra  se  fazer  ho  feyto  milhor  dissera  a  el  rey  Q  fossem 
lamba  os  Portugueses.  O  í\  Marti  afonso  nâ  quisera, 
pêra  í|  vira  el  rey  o  Q  os  rumes  fazião  indo  sós :  È  por 
lho  el  rey  rogar,  mãdou  oyto  todos  despigardas  em  nua 
f4i8ta  bê  artilhada ,  &  os  rumes  forão  em  duas  châpanas 
em  Q  leuauâ  aigús  tiros  a  !\  querSdo  dar  fogo,  se  acS- 
deo  na  poluora  dãbas :  &  por  isso  se  tornara  sem  che- 
garê  á.  tranqueira,  a  {}  chegarão  os  Portugueses,  tiran- 
do muytas  bõbardadas  &  espingardadas.  E  como  os  bê- 
galas  tinha  grade  descõfiança  dos  Portugueses ,  vêdoos 
ião  poucos  &  chegarse  tãto  á  trãqueira,  não  faltou  quê 
dissese  a  el  rey  ^  estaua  no  bayleu  olhado  o  Q  farião, 
que  não  se  chegauã  tanto,  se  não  pêra  se  deitarê.  cõ  os 
Patanes  que  os  fízese  tornar ,  &  assi  ho  fe^.  E  por  sè 
tirar  da  sospeita  q  tinha  determinou  de  tomar  a  todos 
as  armas :  dizêdo  a  Marti  afõso  Q  o  não  fazia :  se  não 
poios  escusar  de  pelejarê,  porQ  não  queria  ^  morresse 
nenhíi  pêra  os  mâdar  todos  viuos  ao  gouernador.  E  c6 
toda  esta  desculpa  Marti  afonso  lhe  disse,  que  não  dei^ 
xaua  de  cuydar  ^  ele  tinha  sospeita  dos  Portugueses  lhe 
fugirem  &  por  isso  lhes  mandaua  tomar  as  armas  pedia* 
dolhe  muy to  Q  ho  não  sospeitasse :  porque  os  Fortttgu&- 


LIVRO  Vllf.  CAPITVLQ  CXXVIII.  30Í 

868  érSò  tam  leays  Q  não  auião  de  fugir:  posto  que  ete 
iiâo  ficara  em  ierra^  quanto  mays  ficando :  &  que  quan-^ 
to  fazião  era  com  desejo  de  ho  seruirem ,  por  amor  daa 
mercês  que  lhes  fazia.  &  assi  ]be  disse  outras  cousas.^ 
abonãdoos*  £  el  rey  lhe  deu  por  desculpa  o  que  tinha 
dito. 

C  A  P  I  T  V  L  O   CXXVIII. 

De  como  el  rey  de  Bengala  fez  paz  c6  Xercansur. 

jLjLcabada  a  tranqueira  queXercSsur  mãdou  fazer,  de- 
terminou dapertar  mays  ho  cerco ,  &  mandou  passar 
muyta  parte  da  sua  gente  da  bãda  da  cidade ,  que  pas- 
sou  em  almadias,  por  não  ter  outra  embarcaçã:  &  por 
ho  rio  ser  estreyto  passauã  os  caualos  &  os  alifanles  a 
nado,  &  cada  ha  leuaua  atados  nas  ilhargas  dous  odres 
de  peies  de  vacas,  porque  os  não  leuasse  a  corrente  da- 
goa  que  he  grandíssima.  E  vCdo  el  rey  que  passauâo, 
ifiâdose  ja  de  Marlim  afonso,  rogoulhe  que  se  podesse 
estoruasse  a  passagS  bos  imigos :  £  ele  foy  em  hfi  pa- 
rao :  &  mandou  a  Duarte  dazeuedo  que  fosse  em  outro, 
&  leuarão  os  Portugueses  que  erâo  quinze  ou  pouco  mais. 
&  assi  forão  muytos  BSgalas,  que  como  virão  os  pala* 
nes  fugirá  logo ,  tamanho  medo  lhe  auião ,  &  os  Portu- 
gueses ficara  sós  &  por  serem  tam  poucos  não  poderã 
pelejar  coro  os  Patanes :  &  mays  porque  algus  que  co- 
meterão pêra  isso  se  afastara ,  tirandolhes  muylas  fre- 
chadas :  &  deixarãlhes  dous  alifãtes ,  que  qs  Portugue- 
ses lhes  tomara.  £  vedo  Marli  afònso  Q  nã  podia  mayò 
fazer ,  tornouse  a  terra ,  &  leuou  os  alifantes  a  el  rey  Q 
tudo  vio  donde  estaua :  &  como  os  Bêgalas  fugiirão ,  & 
deu  muytos  agardecimõtos  a  Martim  afonso,  Q  acodio 
logo  cÕ  os  Portugueses ,  &  Bêgalas  à  parte  por  onde  os 
Patanes  poderiâo  cometer  a  cidade,  Q  estaua  cercada 
de  tran^yras  cõ  algíia  artelharia :  Porem  os  Patanes  nã 
curarão  disso ,  nS  fizerão  mays  despoys  de  desembarca- 
ra y  ^  assentar  seu  arrayal  ^  assi  estes  como  os  Q  des^ 


SOS  DA   HISTORIA    BA   ÍNDIA 

poyt  patearlo  ^  no  (}  se  deteueráo  aigOt  dias ,  &  el  rey 
ficou  i&  cdtente  do  esforço  {)  Marti  afunso  mostrou  atjto 
dia  em  licar  cd  os  Portugueses  antre  os  Palanes^  de»* 

Eoys  de  os  Bengalas  fugirS,  4  lhe  mandou  dar  hfla  ca^ 
ajra  &  mil  tangas  de  Bftgala,  ^  sam  doas  mil  &  qui** 
nhenlas  das  da  Índia,  {{  pola  moeda  Portuguesa ,  erto 
cêto  &  quorenia  &  cico  mil  rs^  St  dali  por  diante  lhe 
mandou  dar  pêra  comer  seys  tâgas  cada  dia,  {{  erSo  no- 
ue  eêíos  rs^  {{  por  a  terra  ser  tá  barata  como  disse  no 
liuro  quarto,  fundiSo  mays  do  que  ca  fundo  dez  cruza* 
éo9.  E  a  cada  hi  dos  Portugueses  midou  dar  bua  tàga^ 
l|  eles  poupauao,  por  iVlartl  afSso  lhes  dar  de  comer,  a 
^  el  rey  cíali  por  diâte  ficou  tá  afeiçoado  &  tinha  nela 
tamanho  credito,  ^  lhe  prometeo  de  dar  lugar  ao  go^ 
uernador  pêra  i}  fizesse  hfia  fortaleza  8  ChatieJIo  &  oum 
tra  em  Satígão,  &  mais  por^  preguntando  a  Martim  a* 
fonso,  se  lhe  mandaria  o  gouernador  mil  Portugueses 
pêra  bo  ajiKiarem,  &  artelharia,  lhe  disse  <^  syv  R  po« 
rem  porí)  isto  auia  de  ser  cft  irftprímeyro  á  Índia  &tor-« 
narS,  o  {|  ele  nXo  podia  esperar^  per  XercSsur  apertav 
muylo  bo  cerco,  começou  de  tratar  coele  paz,  do  que 
deu  cota  a  Mart!  a(bnso,  &  2^  XercSsur  Ibe  pedia  por 
lhe  dar  paz  treze  leques  douro:  &  cada  \eJ^  té  qu^irenfa 
&  cinco  mil  pardaos,  que  fiaziS  soaaa  de  quinhentos  A 
vinte  doo  mil  pardaos.  E Martim  afonso  lhe  disse  q  não 
deuia  de  dar  aíjle  dinheiro,  porqjiio  co«»Ie  Ihn»  auia  Xer* 
cãsur  de  fazer  guerra:  &  com  tudo  el  rey  nato  deyxou 
de  o  dar,  cõ  condi^^fl  {)  Xercansur  ficasse  seu  vassalo, 
&  primeiro  1\  se  ftjsse  lhe  fizesse  reuerêcia  ,  &  ele  lha 
fez  da  borda  do  rio  estando  antre  sua  gente,  &  el  rey 
defronte  no  seu  baylt*u,  &  diziasse  I^  ele  dera  a  Xer* 
cansur  outros  treze  leques  secretamfite  por  fazer  pas 
coele,  assi  polo  aperto  em  que  estaua,  como  tamhS 
polo  muylo  f\  perdia  na  guerra.  B  não  se  espante  nin« 
gts&  deste  rey^  dar  tanto  dinbeyro:  pv^que  el  rey  dd 
Câbaya  disse  em  Diu  ae  gnuernador  Nuno  da  cunha, 
qtie  bo  tesouro  dd  rey  de  Bengala  sra  tosiaobo  coma 


LIVRO  VIII*  CÀPITVI-O  CXX^VIIK  803 

ho  seu ,  &  como  ho  dei  Rey  de  Narsinga ,  que  erão  do» 
nayores  que  se  sabiâo  naquelas  partes.  £  posto  que  el 
rey  ficou  desapressado  da  guerra  de  Xercansur  nõ  por 
isso  deyxòu  de  fazer  a  JVIartI  afoAaa  h  honrra  ^  ifae  dan- 
tes fazia ,  eõ  que  estaua  tSo  acreditado  na  corte ,  que 
inuytos  senhores  &  outras  pessoas  principaes  ho  toma- 

São  por  tercéyro  cõ  el  rey  9  pelo  4  era  muyto  hoarrado 
e  lodos,  &  lhe  mandauáo  muytos  presentes ,  &  por  a^ 
mor  dele  erâo  niuy  estimadoa  os  outros  Portugueses^  &; 
andauio  nuyto  lussidos  &  tam  seguros  como  em  Lisboa» 
£  eJ  rey  despoya  de  se  ver  iíure  da  guerra  ^  ou  por  ou*- 
tra  causa ,  mudou  a  võtade  j}  tinha  de  dar  fortalezas  a 
el  Rey  de  PortugjJ  6  Chatjgã  &  Satigão^  se  nio  as  at- 
íandegas  c5  casas  de  feytoria ,  &  ani  ho  disse  a  Max^ 
lim  afonso,  que  lhe  Ifihrou  ^  não  prometera  se  nâo  for^ 
ialezas :  &  por^  vio  Q  el  rey  nâo  estaaa  nisso  não  quis 
perfiar,  &  disselhe  que  desse  o  qoe  quisesse.  £  por  dpea 
rogo  fez  el  rey  juyz  da  alfandega  de  Chatigão  a  Nuno 
fernãdez  freyre,  dãdolhe  htl  grade  circuito  de  casas  ^ 
em  ^  morauS  mouros  &  gêtios ,  pêra  ^  r^desse  patele^ 
&  o  Q  rendesse  a  chapa  de  chatigã ,  &  ibe  deu  outros 
mujtos  poderes  de  4  todoa  os  da  terra  estaufio  espanta*- 
dos ,  ser  el  rey  t2  amigo  dos  Portugueaes ,  i}  os  (}ria  aiv- 
reygar  na  terra*  E  ho  juyz  dalíSdega  de  Sategfio  Q  era 
menosy  deu  a  loâ  correa,  &  logo  ele  &  Nuno  fernandez 
se  forão  pêra  estas  duas  cidades  a  seruir  seus  officios , 
do  Q  os  Goazís  delas  estauft  muy  tristes ,  porQ  lhes  ti-- 
rauâo  ho  poder  ^  tinha,  prkípalmente  ho  de  Chatigdp 
^  era  mayor.  . 


80é  BA   HISTORIA    DA    INDU 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXIX. 

De  como  el  rey  Dugentana  ftz  paz  c6  dom  Esteuão  da 

yama. 

.xjLtras  fica  dito,  como  despoys  Q  el  rey  DugCUna  fof 
desbaratado  por  dom  E^teuft  da  gama,  &  destriiyda  sua 
fortaleza,  (|  fez  outra  mais  pelo  rio  acima,  dõde  fazia 
guerra  a  Malaca  como  dantes.  E  determinado  do  Este- 
uão de  ho  destruyr ,  tornou  a  fazer  hQa  armada  como  a 
.^  ieuara  da  outra  vez  &  partiose  pêra  iá,  &  sendo  jun- 
to do  rio  de  Muar  lhe  deu  hua  toruoada  cõ  que  se  ala* 
gou  hua  fusta  em  ^  ele  hia ,  indo  dõ  Esteuâo  em  hã 
bailéu ,  Q  hia  sobre  bo  tSdal  da  fusta ,  Q  se  despregou 
quâdo  se  a  fusta  foy  ao  fundo,  em  JJ  morrerito  quatro 
dos  nossos,  &  os  outros  escaparão,  &  assi  escapou  d5 
Esteuão  no  bayleu,  &  perdeose  bua  arca  com  a  sua  pra- 
ta. E  vendo  isto  todos  os  da  frota,  lhe  disserão  ()  se  tor- 
nasse &  não  fosse  auante,  &  !(  se  reformaria  doutra  fus* 
ta  &  de  gente :  como  que  tomauão  aquele  desastre  por 
mao  pronostico,  o  l\  ele  não  quis  fazer,  mostrado  muy* 
to  esforço,  dizfido  t\  não  cria  em  agoiros,  &  Q  esperaua 
em  nosso  silor  de  ser  tão  ditoso  na(|la  empressa  como 
fora  na  outra.  Eassi  fciy  ^  destruyo  a  fortaleza  õ  el  rey 
Dugêtana  ttnha  muyto  forte,  &  bS  artilhada  &  com 
niuyla  gête,  &  lha  queymou  &  tomou  a  artelharia.  E 
pori)  o  não  pude  saber  particularmente  ho  digo  è  soma, 
&  assi  lhe  tomou  algOas  tacharas,  &  se  tornou  pêra  Ma* 
laca.  E  vendo  el  rey  DugStana  que  não  se  podia  defen- 
der de  dõ  Esteuão,  lhe  mãdou  cometer  pazes  por  seu 
embayxador,  &  ele  lhas  outorgou  coestas  cÕdiçÕes  Q 
daly  por  díâte  não  fizesse  mays  nauíos  de  guerra  &  os 
Q  teuesse  fossem  pêra  seruir  cõ  mercadorias,  &  que  pa- 
gasse de  páreas  cadano  a  el  rey  de  Portugal  duas  lan- 
charas aparelhadas,  (\  lhe  auia  de  mandar  a  Malaca,  & 
Q  em  nhu  nauio  ^  fosse  a  Malaca ,  não  fizesse  nenbua 


força  item  roubo.  E  quSdo  os  capitães  deMakca  leues- 
êè  necessidade  de  renoeyros  ou  doutra  qualQr  cousa  lhos 
desse,  &  quãdo  seus  imigos  lhe  íizessS  guerra,  ou  se 
rebelasse  algua  terra  o  fizesse  saber  ao  capitã  de  IMaia- 
ca  pêra  o  ajudar:  &auia  de  ser  vassallo  dei  rey  dePor« 
tugal.  E  disto  tudo  se  fizera  escrituras  assinadas  por  el 
rey  &  por  dõEsteuão,  &  ficarão  dali  por  diante  em  paz. 
E  despoys  disto  mandou  dÕ  Esteuã  hu  fidalgo  chamada 
António  de  sousa  por  capitão  mór  de  cinco  fustas,  a  bua 
cidade  chamada  Pêra  quorenta  legoas  de  Malaca  pêra 
o  norte:  cujo  rey  tinha  paz  cÕ  el  rey  de  Portugal,  E. 
sSdo  António  de  sousa  na  costa  deste  reyno  achou  hCi 
capitã  dei  rey  de  Pêra  chamado  Tuãomarra  pelejado 
em  hua  lanchara  cd  dous  jnngos  (\  bo  tratauão  mal.  E 
conhecêdo  António  de  sousa  quS  era  lhe  acodio  &  com' 
sua  chegada  fugirão  os  jungos.  E  Tuão  marra  lhe  disse 
que  a{}les  jtigos  erã  da  cõpanhia  de  Tuão  mafnmede  ca- 
pitão mor  do  m«ór  dei  reyDngStana,  com  quS  tinha  de- 
ferença  porí)  acolhera  em  hã  }un£ro  (daíjFes  com  {)  ho 
achara  pelejado)  certos  vassalos  dei  rey  de  Pêra,  ^  se 
lhe  leuantarão  cõ  muyta  fazenda,  &  hião  fugidos  pêra 
AchS,  cujo  rey  era  imigo  dei  rey  de  Pêra  amigo  dei 
rey  de  Portugal.  E  poys  el  rey  dugSlana  ho  era  tambS, 
&  Tuão  mafamede  «ra  seu  vassalo,  Hie  pedia  i\  fízesse 
coele  que  lhe  entregasse  os  aleuantados.  E  António  de 
sousa  lhe  disse  que  si :  &  forãse  ambos  em  busca  de 
Tuão  mafamede,  ^  andaua  hi  perto :  &  auendo  ele  vis*' 
la  deles  cuydou  que  hião  pêra  pelejar  coele,  pos  se  em' 
defensam,  começando  logo  de  lhe  tirar  ás  bõbardadas. 
E  posto  q  António  de  sousa  nem  Tuãomarra  lhe  nã  ti- 
rauào,  &  leuantarão  bandeira  de  paz,  ele  não  deixaua 
de  tirar,  parecendolhe  q  bo  querião  tomar  cõ  engano. 
Pelo  q  foy  forçado  a  António  de  sousa  &  a  Tuão  marra, 
tirarSIhe  lambS  com  sua  artelharia :  o  !\  ele  \'Sdo  ouue 
logo  medo  pelo  pensamento  ^  trazia  &  fugio :  &  porque 
ho  seguião,  parecCdolhe  que  não  podia  escapar,  làçouse 
ao  mar  ferido  em  bua  perna  de  hua.  espingardada&assi 
LIVRO  VIII.  aa 


ZOê  1>A   HliTOBIA    DA   INBIA 

M  acolheo  a  terra  ^  era  perto ,  &  lá  morreo  da 
que  leuaua ,  &  o  mesmo  fizerão  oe  aeui» ,  &  a  lanebara 
em  que  andaua  ficou  em  poder  de  António  de  sou8a« 
Tomada  esta  iáchara  Anlonio  de  sousa  foy  logo  pelejar 
cÕ  bo  jungo  do8  aieuãtados,  que  lhe  Tuâo  marra  moa- 
trou ,  &  foráo  coele  três  fustas  de  sua  oooserua :  os  do 
jjungo  erão  muylos  &  homSs  de  feilo,  &  leuauSo  muyía 
artelharia)  &  poristo  se  defendião  valenlemenie ,  posto 
Q  os  nossos  pelejauão  eom  muyto  esfonjo?  ^  '^^^  faziâo 
muyto  dãoo.  E  indo  António  de  sousa  pêra  aferrar  ho 
jQgo,  desparou  dele  hila  bõbardada  que  lhe  deu  por  hu 
giolbo  ÍÍ0  leuoulbe  a  perna  em  pedais ,  &  ele  cayo  ao 
már  j  por  eslár  em  lugar  pêra  isso,  &  como  bia  armado 
foise  logo  ao  fúdo.  E  morto  Anlonio  de  sousa ,  os  nos^ 
SOS  deixara  bo  jungo  &  t<imbê  por  ser  noite  ^  &  os  j| 
bião  nele  se  forilo  na  volta  do  már ,  &  os  no98os  se  lor* 
narâo  a  Malaca  com  a  lanchara  de  Tuão  mafamede. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXX. 

De  como  Tristão  datayde  mâdou  pedir  socorro. 

Jljntrado  ho  mes  de  laneiro  do  8no  deM.D.xxxvj.  em 
Q  as  nãos  auiâo  de  partir  de  Maluco  pêra  a  Índia,  des- 
pachou Tristão  dataide  todos  os  junges  de  mercadores 
que  eslauâo  pêra  partir,  porQ  lhe  leuauSo  bo  seu  crauo 
de  graça.  E  nuca  quis  que  a  nao  Sanclisprito  que  era 
dei  rey  tomasse  carrega,  dizendo  Q  eirey  não  tinha  cra- 
uo coque  se  carregasse,  sobre  o  ^  Rodrigo  rabelo  fey- 
tor  desta  nao  ihe  fez  bà  requerimento,  dizendo  ^  de- 
fendesse que  ninguè  c5prasse  crauo  ate  ai|la  nao  ser  car- 
regada, como  o  gouernador  Nuno  da  cunha  mandaua 
por  hil  seu  aluará,  ^  logo  lhe  apresentou ,  em  i}  tambS 
defêdia  c|  na  fosse  de  vazio  pola  perda  Q  el  rey  recebe- 
ria nisso:  &  Q  auia  muilo  crauo  ^  ele  daua  aos  jungos 
dos  mercadores  por  lhe  leuarê  bo  seu  de  graça.  E  tris* 
tão  dataide  nfto  quis,  &  deixou  ficar  a  nao :  sobre  o  qiim 


LIVRO  VIU.   CAPITVLO  CXXXI.  807 

Rodrigo  rabelo  lhe  fez  outro  requerimento,  dizendo  ^ 
se  perderia  a  nao  de  todo  se  ficasse ,  por  auer  dous  an* 
nos  {[  não  fora  tirada  a  mole ,  &  apodreceria  &  se  co<« 
meria  do  gusano.  £  cõ  tudo  Tristão  dalaide  não  quis , 
antes  ho  tratou  muyto  ma]  de  palaura,  &  lhe  quis  dali 
por  diante  mal.  Tamb6  Tristão  dataide  mandou  nesta 
mduçfio  Diogo  sardinha  capitão  mõr  do  mâr  da  fortale* 
Ka,  com  cartas  &  requerimentos  pêra  ho  capitão  que  es-» 
teuesse  em  Banda ,  &  pêra  ho  de  Malaca,  &  pêra  ho 
gouernador  da  índia,  em  !\  lhes  auia  a  fortaleza  por  em-* 
campada  se  lhe  não  mandassem  logo  socorro  de  gente, 
armas  &  mantimentos  pêra  a  guerra  que  lhe  os  mouroé 
faaiék),  contado  quâ  apertada  era,  &  a  necessidade  em 
que  èstaua:  &  mâdoubo  em  hQa  barcaça  em  que  auia 
de  tornar  de  Banda  loã  de  canha  pinto  que  hia  coele. 
£  a  pos  ele  mandou  hA  Dinis  de  payua  cõ  os  mesmos 
requerimentos.  £  chegados  a  Banda  achara  por  capitão 
Anrique  roendez  de  vascõcelos,  de  ^  fíz  menção  a  traz, 
que  vistos  os  requerimentos  &  cartas  de  Tristão  datai-* 
de ,  lhe  mãdou  logo  bt>  mais  socorro  que  pode ,  assi  de 
mantimentos,  de  gente  darmas  &  munições,  &  mandou- 
lho  em  hfl  jungo,  de  que  foy  por  capitão  hil  fidalgo  Cas-» 
telhano  chamado  dõ  Fernãdo  deMÕroy.  EtambS  hil  pi-> 
loto  l\  auia  nome  Luys  froez  cõprou  hQ  jungo,  £c  carrega- 
do de  mantimentos  com  algus  portugueses  ()  acquirio,  se 
foy  em  companhia  de  dõ  Fernando,  &  loão  de  canha  pinto^ 

C  A  P  I  T  V  L  o    CXXXI. 

De  canto  o$  mouros  quiserâo  queytnar  k&a  nao  dos'  PoT'* 

tugueses  ^  não  poderão. 

V  endo  estes  reys  das  ilhas  de  Maluco  a  defensam  ^ 
acbauão  nos  Portugueses,  determinarão  de  queimar  á 
nao  Santisprito  Q  estaua  em  Talangame,  de  í\  era  ca* 
pitão  Francisco  de  sousa:  &  ho  jQgo  de  Fernão  anriques 
Q  se  estauá  acabando,  &  eslaua  fortalecido  com  bfiatran'^ 

cia  2 


SOS  DA   HISTORIA   DA   INIHA 

queira*  E  esta  queima  auia  de  ser  de^angadas  de  ma* 
deira  sobre  joangas,  melida  por  antreia  iDuyla  rama  se- 
ca, &  assi  breu  &  alcalrSo:  &  em  quanlo  se  islo  fazia 
cessarão  suas  armadas  de  audar  no  mar^  de  que  hll  dia 
desaparecera  9  &  tardarão  bè  dous  meses  em  tornar ,  o 
que  foy  grade  hè  pêra  Tristão  dataide  &  os  ^  coele  es« 
tauâo ,  que  nesLe  tSpo  descansarão  dos  grandes  traba* 
lhos  da  guerra :  porc)  nem  por  terra  lhes  dauào  os  !mi- 
gos  rebates,  &  podiao  seguramõte  yr  buscar  mantimen- 
tos hQa  legoa  da  fortaleza,  em  que  nãoáchauàonentms, 
por  serS  todos  os  çagueiros  cortados,  &  assi  palmeiras^ 
&  as  eruas,  que  não  auia  aruore  nè  erua  de  que  se  po- 
dessem  aproueitar,  !\  eles  por  hQ  cabo  &  os  da  terra 
polo  outro  tudo  tinhão  leuado:  &da  terra  não  Iheiicaua 
já  outro  mantimêto  que  podessem  auer  mays  facilmente 
q«ue  bo  pescado  &  marisco:  aiada  i|  er a  muytocaro, 
por  não  auer  quõ  bo  vendesse  se  não  ho  camarão  i)  o 
mâdaua  pescar,  &  vendiao  mQyto  á  sua  võtade  que.da- 
ua  bua  sardinha  por  cincoêta  rs,  &  hila  cauala  por  seys 
vintSs.  E  bem  mostraua  ser  immigo  dos  Portugueses , 
qxie  nenhila  piedade  auia  deles  ainda  que  os  visse  doen<- 
tes ,  nem  os  socorria  como  fazia  Cachil  daroes  no  tem- 
fo  de  António  de  brito,  que  os  remediaua  &acodiacom 
o  que  tinha,  como  que  fora  pay  de  todos.  £  inda  que 
08  portugueses  andauão  muy  escãdalizados  do  camarão, 
por  ealenderS  sua  roindade,  dissimulauão  por  amor  de 
Tristão  dataide  que  sabia  que  era  seu  amigo:  &  fuy  a 
fome  tamanha  antre  os  Portugueses ,  que  não  ficou  cão 
nem  gato,  nê  bogio,  nê  ratos,  que  nao  fossem  comi- 
dos, &  era  a  carestia  tamanha  dalgfls  mâtmiêto»  que 
auia,  que  era  cousa  espãtosa  ,  porQ  hQ  alqueire  darroz 
valia  cinco  cruzados,  &  híia  jarra  de  <jagu  vinte  cinco 
cruzados  &  trinta,  &  não  abaataua  a  hum  só  home  mais 
q  bú  mes,  &  ainda  a  não  comer  muito,  hum  fiorco  vin- 
te mil  rs,  &  baa  cabra  oyto  mil,  &  bua  galinha  quatre 
cruzados  &  hij  ouo  trinta  rs ,  bCia  jarra  de  vinho  da  ter- 
ra dezaseys  cruzados,  &  htla  pipa  de  vinho  de  Portugal 


z 


LIVRO   VIU.    CAPITVLO  CnXU  809 

cem  mil  reys,  &  a  irezStos  cruzados  a  escolher.  HQa 
panela  pêra  fazer  de  curaer  hú  tostão  &mays.  Húasaya 
de  malha,  ainda  que  fosse  roym  cento  &  cento  &  cin*^ 
coenta  cruzados,  hua  espingarda  trinta,  hiia  lança  vin* 
te  &  cinco,  &  húa  espada  ho  mesmo,  &  bQa  adarga 
outro  tanto:  &  hCl  punhal  doze  cruzados,  bo  veslido  & 
calejado  não  tinhão  preço.  E  com  quanto  esta  careslia 
era  tamanha,  &  a  gente  fosse  grandemente  atonnenla- 
da  da  fgme ,  sentião  algCL  descanso  em  se  verem  desa- 
pressados  da  guerra  estes  duus  meses.  Se  não  quando 
bum  dia  subitamête  em  amanhecendo  aparecem  ao  mar 
deTalâgame  bê  trezentas  veias  dos  Imigos  que  cobriáo 
bo  már,  &  foy  muy  medonha  cousa  de  ver  pêra  os  Por- 
tugueses. E  por  terra  apareceo  tambS  muy(a  gête  de 
guerra :  &  era  a  causa ,  porQ  em  quãto  as  jâgadas  de 
madeira  que  vinhão  coesta  frota  queimassem  a  uno  & 
outros  nauios,  acederia  a  gente  ix>r  terra  a  dar  na  trã* 
queira,  &  queimaiahia  cõ  o  jugo  t)  estaua  em  (erra:  & 
isto  auia  de  ser  em  decendo  a  maré*  Vendo  Frâcisco  de 
sousa  este  aparato  deulhe  na  vontade  ho  pêra  i)  podia 
ser:  &  como  era  muito  esforçado  não  se  toruou ,  antes 
teue  muy  bÕ  cÕseiho  pêra  atalhar  aos  mouros  Q  lhe  não 
queimassem  a  nao,  cercandoa  cÕ  muytas  vigas  derlada« 
nagoa,  &  bê  amarradas  ^  esteuessem  Qdas,  pêra  que 
as  jangadas  de  fogo  não  podessê  chegar  á  nao :  &  nisto 
gaslou  a!)le  dia :  Q  tãbê  os  mouros  gastarão  em  chega- 
rê  a  Talangame,  onde  Frâcisco  de  sousa  os  recebeo  cd 
muitas  bõbardadas  que  a  nao  &  o  jQgo  tirauão  muy  a 
miude,  &  assi  os  outros  nauios,  com  ^  lhe  não  poderão 
chegar:  nê  a  gente  da  terra  bulia  consigo:  esperado  ^ 
os  do  már  fizesse  obra,  &  cuioo  foy  noyte  mandou  Fran- 
cisco de  sousa  hu  home  por  terra  dizer  a  Tristão  datai- 
de  como  ficaua ,  {[  lhe  acodisse :  &  por  ele  respondeo  (^ 
logo  hia.  E  auido  conselho ,  mandou  da  melhor  gente 
da  fortaleza  nesses  nauios  que  tinha  >  de  Q  foy  por  ca* 
pitão  mor  hii  fidalgo  homê^  didade  Q  auia  nome  EsteuS 
de  chaues,  &  fora  os  capitães  Autonio  pereira,  lorge 


810  DA  msrOKÍÁ   DA   iumA 

dalaide,  António  de  teiue,  Lujê  de  braga,  lorge  de 
brito,  loã  figueira,  Baltesar  veloso,  Balíesar  vogado, 
lorge  golerrez,  &  outros  {)  partirá  cõ  o  nauio  bê  arli* 
Ihado :  &  em  chegado  a  tiro  de  ber^  da  frota  dos  mou* 
ros  pofi  a  proa  neles  desparãdo  seus  tiros ,  a  Q  eles  res* 
põderã  cõ  os  seus,  que  como  nfto  erão  tam  furiosos:  nã 
lhe  faziâo  tanto  dano  como  recebião,  &  por  isso  lhes  de* 
râo  lugar  que  entrassem^  E!  vSdoos  FrScisco  de  sousa 
vir  saltou  cõ  outros  nesses  paraos  i|  tinhSo,  &  jOtos  cõ 
os  que  vinhaõ  em  socorro  remete  as  jangadas  que  esta*» 
uâo  em  seco  cõ  ho  peso  da  madeira ,  &  poserâlhes  ho 
fogo  cõ  panelas  de  poluora ,  &  a  pesar  dos  mouros  do 
mar  &  da  terra  que  as  querião  defender  arderam  todas, 
&  sobristo  forâo  feridos  algus  de  hfla  parte  &  da  outra* 
£  como  os  mouros  virão  arder  as  jangadas,  &  que  não 
tinbSo  remédio,  afastarâse  assi  os  da  terra  como  os  do 
mar ,  &  forãse  dãdolhe  os  Portugueses  grandes  apupa*» 
das,  &  Esteuão  de  chaues  se  tornou  pêra  a  fortaleza, 
onde  derão  muitas  gra<^as  a  nosso  senhor  por  tamanha  vi«^ 
toria. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXII. 

De  como  Tristão  datayde  tomou  cometer  paz  aos  mou^ 

ros  ^  naô  quiserão. 

JL  arecendo  a  Tristão  dataide,  {|  coesta  vitoria  ficariam 
os  imigos  mays  brados,  quis  verse  querião  paz,  o  ^ 
uiãdou  cometer  polo  camarão,  &  eles  respõderão  como 
dates,  &  diziase  que  por  conselho  do  mesmo  camarão, 
que  lhe  descobria  ho  aperto  de  fome  em  !\  os  Portugue- 
ses estauâo.  E  por  dar  a  entender  que  falaua  nas  pa- 
zes, falaua  alto  na  lingoa  Malaya,  por^  auia  algijs  que 
a  entendtão :  &  ho  seu  filho  mais  velho  {|  andaua  cõ  os 
mouros  como  ho  via  fazia  que  pelejaua  coele,  &dizialhd 
na  lingoa  Malaya  porque  não  se  passaua  pêra  os  mou* 
ros,  &  estaua  com  os  perros  dos  Portugueses ,  &  ele 
lhe  respondia  cÕ  gtãde  fúria  que  melhor  estaria  eJe  & 


LIVBO   VIU.    CáPiTVl.0   CXXXII.  011 

6eu8  amigdB  com  os  Portugueses,  de  Q  tinhão  mais  ne* 
cessidade  que  dos  mouros ,  &  aolrislo  lhe  dizia  por  hua 
lingoagem  ^  ba  na  terra,  que  he  como  ho  latim  anlre 
DOS  (que  nenhCl  português eotSdia)  as  necessidades  em 
que  eJes  estauão,  &  que  não  cessassem  da  guerra,  4 
muy  asinha  os  tomariâo  cõ  fome ,  &  por  dessimuiaçãò 
yinhão  nesta  pratica  a  pelejar,  &  ho  lilho  moslraua  ao 
pay  os  cotouelos  &  as  solas  dos  pés,  que  he  como  antre 
DOS  ho  mostrar  das  figas,  que  he  ho  mayor  desprezo  & 
injuria  que  hQa  pessoa  pode  fazer  a  outra.  E  sabendo 
Tristão  datayde  como  os  mouros  não  ^riflo  paz ,  tornou 
a  prosseguir  a  guerra  ho  mais  brauamente  que  pode, 
assi  por  mar  correndo  a  ilha  ao  derredor,  como  por  ter- 
ra indo  sobre  algus  lugares  que  tomaua :  &  aos  mouros 
que  catiuaua  deles  mandaua  assar:  &  fazia  os  portu- 
gueses Q  os  comiâo,  pêra  se  manterem  cueles,  &  ou- 
tros mandaua  aos  mouros  cõ  as  maÕs  cortadas,  &  ore- 
lhas ,  &  narizes ,  pêra  que  os  espãtasse  quàdo  soubes-- 
sem  que  os  assauão,  mãdãdolhes  dizer  Q  assi  auia  de  fa-r 
^er  a  lodos.  E  mandado  hil  dia  assi  hu  destes ,  por  naõ 
yr  daquela  maneira  onde  os  seus  naturays  ho  vissçm  , 
determinou  de  se  matar,  &  por  não  ter  com  ^ ,  se  dei-» 
tou  nagoa  de  que  bebeo  tania  que  se  afogou,  do  que  os 

Eortugueses  ficarão  espantados.  £  chegando  neste  tSpo 
o  socorro  que  hia  de  Bãda ,  como  disse  atras ,  pêra 
Tristão  datayde  fazer  mais  guerra  aos  mouros,  tomou* 
lhe  os  dous  melhores  portos  que  tinhão,  que  erâo  ho  de 
Toloco,  &  ho  deTabãga,  &  no  deTolo«o  mandou  poer 
bOa  barcaga,  de  que  era  capitão  loã  de  canha  pinto, 
com  trinta  homSs,  &  hiia  carauela  com  outros  tantos  no 
de  Tabãga.  £  estes  nauios  estauão  ali  como  fortalezas: 
&  em  aparecendo  os  mouros  por  màr,  ou  por  terra,  ti- 
rauanlhe  com  a  artelharia ,  &  a  fora  isso  estauão  os  na« 
pios  de  nemo  repartidos  nestes  dous  portos ,  &  dali  cor- 
riâo  k  costa  da  ilfaa,  &  fasíão  quaoto  dano  podião.  E 
por^  os  ca|Htães  nau  podião  dar  de  comer  muy  to  tSpo 
aos  soldados  ^  andauão  ooeles ,  revezaua  Tristão  d^taU 


S12  0A   HISTORIA   DA    INDfA 

de  as  capitanias  a  qu6  podia  dar  de  comer,  &  desta  ma- 
neira «oslinha  a  guerra:  de  f\  tambè  os  mouros  da  ilha 
estauâo  muyto  apressados  por  estarS  encerrados.  E  ain- 
da (|  as  armadas  de  seus  Imigos  que  andauão  pelo  miv 
erã  muytas  não  podiâo  defender  aos  Portugueses  que 
lhes  na  fizessem  guerra  nem  podiSo  aferrar  coelas,  por 
amor  das  cangalhas  das  suas  joangas  &  corascoras  que 
deitauão  mnylo  pêra  fora  como  postiçis  de  galé,  &may9 
erão  taai  fracas^  que  auia  medo  {[  qualquer  tiro  que 
lhe«  desse  as  íizese  em  pedaços,  que  se  isso  não  fora^ 
não  deixarão  daferrar  cõ  os  Portugueses  como  despoysfi* 

zerão 

C  A  P  I  T  V  L  O  cxxxiir. 

De  como  Tristão  dataide  destruhio  a  cidade  do  Toloco.  ' 

Jl  rosseguindo  assi  Tristão  dataide  a  guerra  còtra  od 
mouros,  determinou  de  tomar  a  cidade  deToloco,  cuja 
}>ouoação  mudará  pêra  cima  da  serra  onde  estauào  rouy-^ 
to  fortes :  &  auida  por  Tristão  dataide  hfia  guia  que  o 
leuasse  a  esta  cidade,  ordenou  de  a  tomar,  &que  Fran- 
cisco de  sousa  fosse  com  cincoenta  homês  escolhidos  pe^ 
la  bãda  da  terra,  por  onde  ho  leuaua  ho  guia,  &  ele  co^ 
meteria  da  parte  do  már^  por()  os  mouros  acodissemalí, 
&  deixassem  despejada  a  parte  da  terra,  &  assi  se  fez, 
que  em  rompendo  bo  dia,  se  mostrou  Tristão  dataide 
da  banda  do  már  cõ  sua  gente,  tocando  suas  trombe- 
tas, &  desparando  sua  espingardaria,  a  que  os  mouros 
acodirão  logo,  deixado  cair  da  rocha  muytas  &  grande^ 
gatgas  &  vigas,  &  tirando  espingardadas,  &  muytos  ar* 
remessos  com  que  ferirão  algus  dos  Portugueses :  &nis^ 
to  chegou  Francisco  de  sousa  pela  banda  da  terra  & 
deulhe  nas  costas:  o  ;|  lhe  fez  tamanho  medo  que  fugi* 
rão  pêra  ho  mato:  &  os  Portugueses  entrarão  a  cidade^ 
&  saqueada  dos  mantimentos  foy  queimada  &  destruy- 
da,  do  {}  os  mouros  da  ilha  ficarão  muyto  quebrados, 
{K)rque  vendo  Iam  asinha  destroida  a<|la  força  Q  era  tam 


LIVRO  ^ni.  -CAPtTVLô  CmCIlI.  »13 

forte,  pareceolhes  Q  era  por  demays  defenderSse  aos 
Portugueses  ^  a  ^  viSo  que  dauSo  de  comer  nos  manti- 
mentos !\  lhes  eles  tomauão,  pelo  {)  mandara  dizer  a  el 
reyCachíl  dayalo  que  estaua  em  Tidore,  que  lhes  des- 
se licença  pêra  despouoarem  de  todo  a  ilha  deTernate^ 
dãdolhe  as  causas  que  auia  pêra  isso.  £  como  ele  nS 
desejaua  outra  cousa ,  parecSdoIhe  {|  com  isso  danefica- 
ua  muyto  os  Portugueses ,  respondeo  que  si :  com  ho 
parecer  dei  rey  de  Tidore  &  dos  outros  reys.  E  porque 
a  ilha  não  se  podia  assi  despejar,  por  amor  da  nossa  ar- 
mada, consultarão  ho  modo  ^  terião  pêra  a  despejarem 
a  seu  saluo:  &  em  quanto  tomauâo  este  conselho,  não 
andauão  suas  armadas  no  mar,  tam  continuas  como  cos- 
tumauão:  o  que  vendo  Tristão  datayde  determinou  de 
mãdar  saltear  ho  reyno  de  Geylolo,  de  que  lhe  pareceo 
^  el  rey  estaria  muy  descuidado,  por  lhe  parecer  que 
em  tal  tempo  não  ousaria  Tristão  dataide  de  mandar  lá 
sua  armada  que  logo  mãdou,  &  por  capitão  mór  Antó- 
nio pereira  capitão  mór  do  már,  &  coele  os  outros  capi- 
tães nomeados  a  trás,  &  assi  o  camarão.  E  chegado  an- 
temenhaã  a  Geilolo,  sayrão  em  terra  &  queymarão  hOa 
mezquita  que  estaua  junto  da  praya:  &aoodido  osGey« 
lolos ,  os  Portugueses  se  embarcarão  logo  sem  afronta : 
nas  «m  outro  lugar  pequeno  que  quiserão  cometer  mays 
a  diante,  a  receberão  assaz,  i\  oonK>  a  terra  estaua  a- 
pelidada  sayrã  logo  os  mouros  a  recebelos  á  praya,  & 
fezerãnos  Sbarcar  em  !)  lhes  pez,  &  matarãlhe  hií  ho- 
Júè:  &  coisto  feito  se  tornarão  pêra  casa,  ficando  os 
mouros  muyto  soberbos,  por  resistirS  daquela  maneira 
aos  Portugueses :  a  que  de  todo  perderão  ho  medo. 


LIVRO  YIII.  KR 


S14  OA    HI8T0RIA   DA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXIIII. 

JDe  como  foy  morto  poios  mouros  Baltesar  vogado. 

JlXo  conselho  que  estes  reys  ouuerão  pera  se  despejar 
a  ilha  a  saluo  da  sua  gente,  foy  Q  cometessem  fjaz  a 
Trislâo  dataide,  pera  ^  mandasse  despejar  os  portos  que 
tioha  pejados  j  &  ir&  ali  suas  armadas  de  noy te  tomar  a 
gente,  &  passala  aGeyloIo  pera  onde  auia  dir,  pornâa 
caber  em  Tidore.  E  sabido  pelos  Ternales  este  ardil  ^ 
auida  fala  do  camarão,  mâdarâ  dizer  por  elle  a  Tristão 
dataide ,  que  erâo  contentes  de  fazerS  paz  coele :  &  d<r 
tornarfi  a  pouoar  a  cidade  de  Ternale :  porS  que  pera 
se  isto  fazer,  era  necessário  ajQtarSse  todos  os  Q  anda- 
uão  espalhados  pola  ilha  principalmente  molheres&me*- 
ninos,  Q  todos  auião  de  dar  seu  parecer.  E  que  nâo  ser 
podiâo  ajutar  cõ  medo  dos  nauios  que  estauâo  na^les^ 
dous  portos,  í\  os  mandasse  dali  (irar,  &  recolher  sua 
armada,  &  <)  se  ajuntariâo»  Do  que  Tristão  dataide  foy 
Gontête ,  porQ  ale  de  desejar  a  paz ,  sabia  q  auia  muyta 
crauo  que  desejaua  de  cõprar.  E  despejados  os  porlos, 
vinha  de  noite  a  armada  de  Geylolo,  &  leuaua  os  mou- 
ros poucos  &  poucos.  E  ja  ^  erâo  quasi  todos  idos  ^ 
nâo  íicaua  senão  Poyo  6iho  do  camarão  cõ  algús  de  sua 
valia,  que  determinaua  de  ficar  com  os  Portugueses  pe- 
ra dÍ88Ímula<;âo,  mandou  dizer  a  Tristão  dataide  que  ja 
tinha  assentado  com  os  mouros  de  fazerê  a  paz,  que 
auiâo  por  feyta,  ^  mãdasse  algus  capitães  ^.  lhe  desseuit 
goarda  pera  se  irõ  pera  a  cidade  de  Ternate.  &  Tristão 
dataide  mandou  a  isso  Francisco  de  sousa,  &  Baltesar 
vogado  em  dous  bargãtins,  que  indo  peraisso,  em  do- 
brando hOa  ponta ,  virão  a  armada  dei  rey  de  Geylolo 
que  os  eslaua  esperado  por  auiso  de  Poyo  que  estaua 
emTabãga.  Eos  mouros  vendo  os  dous  bargãtins  forãse 
dereitos  a  eles  desparando  sua  artelharia  &  espingarda- 
ria, &  ffluytos  arremessos,  &  ho  mesmo  fez  Baltesar 


Livma  vnu  CÁPrrv^o  czxxv.  316 

Togado  9  que  era  muylo  valSte  caualeiro,  que  hia  dian- 
te de'  Frãcisco  de  sousa.  E  logo  neste  primeiro  encon* 
tro  oaue  algfia  feridos  de  bita  parle  &  doutra.  Poro  co- 
mo os  mouros  hiã  determinados  dabolroar  cõ  os  Portu- 
gaeses,  sem  medo  da  sua  artelharia ,  em  acabando  a 
primeyra  çurriada,  aferrou  com  Baltesar  vogado  hua  po- 
derosa joanga,  em  ^  íriSo  hè  duzStos  mouros  todos  gen- 
te luzida  &  de  feito  que  saltando  logo  no  bargantím , 
matara  a  Baltesar  vogado  &  quantos  hião  coele  pelejan- 
do ele  &  eles  primeyro  c5  mujto  esforço,  &  vingSdo 
muy  bS  suas  mortes  com  muytos  mouros  que  matarão. 
E  vSdo  Francisco  de  sousa  tantos  mouros,  &  que  seu 
socorro  a  Baltesar  vogado,  não  aproueitaria  de  mais  que 
de  ho  tomarem,  tornouse  com  a  mayor  pressa  íj  pode  a 
Talangame,  onde  fícaua  Tristão  dataide,  íj  sabêdo  co- 
mo Baltesar  vogado  fícaua,  &  a  grossa  armada  dosmou^ 
ros,  vio  ^  nSo  aproueitaua  socorrerlhe,  por^  ja  auia  de 
ser  morto:  &  entre  tanlo  ^  lá  fosse  segundo  os  mouros 
auiâ  de  ficar  soberbos  jriSo  dar  na  fortaleza,  &  queima- 
rião  a  pouoação  dos  Portu^fueses,  pelo  l\  se  partio  log^o  pê- 
ra a  fortaleza,  &  deixou  Francisco  de  sousa  emTalanga-* 
me. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXV. 

Do  mays  que  os  mouros  fizerâo  despoys  de  tomari  ho 

bargantím. 

JL/a  morte  de  Baltesar  vogado  &  dos  outros  Portugue- 
ses, &  da  tomada  do  bargantim,  ficarão  os  mouros  de- 
Geiíolo  sobcrbissimos,  &  cõ  presunção  dos  mais  esforça- 
dos daquela  terra,  &  doutras  muytas,  poys  ousarão  de 
ser  os  primeiros  que  aboiroassem  nauios  de  Portugueses, 
&  ho  tomassem  cõ  morte  do  capitão,  &  leuarão  ho  bar- 
gantim a  el  rey  de  Geilolo  com  as  cabeças  dos  mortos, 
que  fez  aos  capitães  grades  mercês,  do  !)  os  mouros  de 
Tidore  ouuerão  tamanha  enueja  quando  ho  souberão, 
que  jurarão  de  tomar  a  primeira  vela  que  saysse  dafor-^ 

RR  2     ' 


316  DA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

taleza ,  donde  Tristão  dataide  não  ousaua  de  sair,  por 
lhe  não  acõtecer  outro  desastre :  pelo  Q  Poyo  filho  doca* 
marao  (}  eslaua  em  Tabãga ,  &  os  da  sua  yalia  não  fo- 
rão  pêra  a  fortaleza.  E  sabêdo  os  mouros  que  Tristão 
dataide  não  ousaua  de  sayr  dela ,  sayão  nela  esses  que 
andauão  por  már^  principalmente  os  de  GeiloJo,  &  pu« 
nhâse  em  ciladas  pêra  os  que  saissem  da  fortaleza ,  oa 
dos  nauios  ^  estauão  em  Talangame,  de  ^  acertou  de 
sayr  hii  dia  Fernão  anriquez ,  a  buscar  hil  pao  pêra  hO. 
leme  ^  com  sua  gente,  &  com  a  de  Francisco  de  sousa :. 
&  sayranlhe  de  bua  cilada  os  mouros,  que  como  erâ  nvuy- 
tos  matarão  logo  obra  de  dez  Portugueses ,  &  mays  de 
quorenta  escrauos,  &  não  escapara  nenbú  se  atràqueira^ 
não  fora  tã  perto,  onde  se  os  Portugueses  acolb4>ráo.  BL 
quando  Tristão  dataide  ho  soube,  determinou  de  se  a- 
uenturar  a  jr  lá  a  ver  como  aquilo  fora,  &  tamb3  pêra 
Jeuar  çagu  pêra  a  fortaleza  de  hQs  junges  que  hí  chega*- 
râo  Damboyno ,  &  foy  em  hiia  fusta  muyto  bS  artilha-^ 
da,  &  acompanhado  de  cincoèta  Portugueses  todos  es- 
colhidos. £  indo  perlo  deTalangame  sayolhe  hiía  arma-^ 
da  dei  rey  de  Tidore,  que  os  seguio  de  maneyra  que 
chegaua  a  ele  a  tiro  de  berço.  E  ele  lhe  mandou  tirar* 
com  sua  arlelharia,  ^  logo  Francisco  de  sousa  ouuio,  & 
sospeitando  o  que  era  sahio  logo  em  terra,  com  a  mays 
da  gSle  dos  nauios,  &  foyse  ao  lÕgo  do  mar  pêra  ajudas 
a  Tristão  dataide,  que  neste  tempo  acertou  de  meter 
hú  pelouro  na  capitayna  dos  mouros,  em  que  fez  hum 
buraco  que  se  hia  ao  fundo,  pelo  que  lhe  foy  necessá- 
rio socorr-erenlhe  os  outros  nauios ,  &  com  isto  se  dete- 
uerão  que  Tristão  dataide  se  meleo  debaxo  da  sombra 
da  artelharia  daa  naos«  O  que  vislo  pelos  mouros,  & 
que  lhe  não  podião  fazer  nenhii  nojo ,  por  estarS  onde 
estauão,  tornarãse  pêra  Tidore  com  algfls  feridos  & 
mortos.  E  dando  Tristão  dataide  ordS  ao  que  era  necea* 
sario  em  Talãgame,  tornouse  carregado  de  çagu  pêra  a. 
fortaleza,  dõde  não  ousou  mais  de  sayr  por  não  ter  gen<** 
te  &  easa  ^  tinha  doente  &  fraca  da  grande  fome  &  tra^^ 


LIVRO   VIII.    CAPITVXO   CXXXVI.  817 

balho  4  passauão ,  como  disse  a  trás.  O  que  vendo  os 
Reys  ajunlarâse  lodos  cõ  sua  gSle  pêra  jr6  cercar  a  for* 
taleza  &  tomarê  os  Portugueses  viuos  cÕ  Tristão  datai** 
de,  &  lhes  darê  luuy  cruas  mortes.  E  porQ  os  capitães 
&  soldados  lhos  tomassem  víuos ,  dauãlhe  de  beber  por 
os  copos  por  onde  bebiâo,  que  sam  douro,  que  he  a 
mayor  honra  Q  lhe  podia  fazer :  &  entre  tanto  que  se 
ajuntauâo  os  de  fora,  os  Q  estauão  em  casa  corrião  cada 
dia  a  fortaleza ,  sem  lhe  os  Portugueses  ousarS  de  sair 
&  faziáo  os  mouros  tamanho  arroido  de  gritas,  &  estron- 
do despingardadas ,  Q  cõ  medo  quantos  bufaros  auia  na 
ilha  se  deitarão  ao  már,  8c  nunca  mays  parecerSo.  E 
Tristão  dataide  esteue  em  tamanho  aperto  cõ  todos  os 
Q  estauão  coele ,  que  se  nosso  senhor  não  leuara  lá  tSo 
cedo,  como  leuou  António  gaiuão,  nenhil^ nã. escapara^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXVI. 

De  como  dom  loão  pereira  pelgou  em  Bardes  c6  lane*' 
beque  capitão  Daçadacâo^  âr  ho  desbaratou^ 

dar  lugar,  tornou  Ai^dacâo  a  continuar  a  guerra  con*^ 
tra  os  Portugueses ,  &  mandou  ás  terras  das  tsmadarias 
de  fiardes  hu  seu  capitão  chamado  lanebeque  cõ  quatro 
mil  homSs,  de  ^  os  quatrocStos  erâ  de  caualo,  &  dos 
9utro»  mujto»  deles  erão  espingardeiros ,  pêra  {[fosse 
arrecadar  as  rendas,  &  prouasse  a  fortuna  se  lhe  seria 
mays  fauorauel  f\  a  ^joleimão  haga.  £  como  ele  entrou 
na  terra  eõ  este  poder ,  espãlouse  ho  nosso  tanadar,  de 
maneira  que  se  foy  pêra  Goa,  &  contou  ao  gouernador 
e  (}  passaua,  que  logo  mãdou  dom  loão  pereira  capitão 
de  Goa ,  Q  partio  na  entrada  Dagoslo  com  cSto  &  trin*^ 
ta  de  caualo,  deles  A  rabies,  deles  da  terra  &  forào  coele 
estes  fidalgos,  dõ  Pedro  de  meneses.  loão  de  mendoça» 
Cristouào  de  sousa.  Lisuarte  dandrade.  Martim  correa 
da  eilua^  loão  j  usar  te  tição.  Manuel  de  sousa  de  sepuJk 


SI 8  BA  H1IT0RIA    DA   INBIA 

ueda.  Franciseo  de  gouuea.  Perot  da  cunha.  Manuel  de 
vascõcelos  bo  casado.  Bdos  casados  de  Goa  Gaiuâo  vie* 
gas,  Galaz  viegas.  Anlonio  da  roberada,  &  hfi  seu  íilbo 
do  mesino  nome ,  &  outros  í\  fazião  bo  numero  Q  digo , 
&  quatrocentos  Portugueses  de  pé,  os  mays  espingar- 
deiros^  de  que  fby  |K)r  capitã  Payo  rodriguez  daraujo, 
&  quinhentos  piftes  da.  terra,  &  seus  capitães  Crrsná  & 
Ralu.  Et  passando  dÕ  loão  em  Pangt,  começou  a  cami* 
nhar  pêra  ondestauã  os  imigos ,  {}  era  dali  a  bOa  legoa, 
&  as  noue  boras  do  dia  ouue  vista  deles,  decima  dhuas 
serras,  {[  cayâo  sobre  hiias  várzeas  semeadas  darroz,  & 
no  meyo  delas  se  fazia  bQ  palmar,  al&  de  bQ  arroyo  da- 
goa.  E  nesle  paJmar  que  era  muyto  grande  tinha  lane- 
beQ  a  sua  gente  de  pé,  em  que  auia  oytenta  espingar» 
deiros ,  &  os  mais  dos  outros  erão  frecheiros.  £  dãbas 
as  bandas  do  palmar  estauão  os  de  caualo  repartidos  em 
dous  esquadrões,  &  a  ordê  era  muy  boa,  &  como  quem 
sabia  bS  da  guerra ,  por?)  podião  todos  pelejar  sem  se 
embaraçarè  hus  cõ  os  outros :  E  quando  os  Portugueses 
vira  ho  bÕ  concerto  em  {)  os  imigos  estauão  &  quantos 
erâo,  algus  (\  yão  na  diãíeyra  se  deteuerã,  &  deyxarã 
passar  algíis  dos  traseiros  :  {|  fora  loão  jusarle  tição.  Ma* 
Jiuel  de  vascõcelos,  Lisuarte  dãdrade,  Frãcisco  de  gou- 
uea,  Pêro  da  cunha,  Galuã  víegas,  &  decendo  da  ser- 
ra começara  os  nossos  piães  de  rõper  cõ  os  imigos ,  Q 
como  eslauã  encubertos  no  palmar,  nã  queria  sayr  de- 
le, &  tirauã  dali  mny  rijo:  &  nisto  saê  do  palmar  três 
mouros  bu  espingardeiro,  outro  frecheiro,  &  outro  des- 
cudo  &  laça ,  2)  nesta  ordS  pelejauã ,  &  remetera  a  bQ 
loao  roiz  (dalcunha  ho  tafui)  l\  se  desmâdou  cÕfíado  na 
iigeyreza  do  caualo,  &  roatarãno:  o  l\  vendo  Lisuarte 
dandrade,  Frclcisco  de  gouuea,  &  Pêro  da  cunha,  ^ 
começauã  de  chegar,  quisera  lhe  acodir,  mas  ja  bo  a- 
charã  morto :  E  Lisuarte  dãdrade  f\  ya  diante,  cõ  quã- 
to  nã  passaua  de  dezoyto  annos,  remeteo  aos  (res  mou- 
ros &  ferio  im  á  mão  tente  cõ  a  laça  pola  cabeça  cõ  tã- 
4a  força,  ^  ibe  sayo  o  ferro  por  debaixo  da  barba,  &  <i^ 


LIYBO   VIU.   CAPITYLO   eXXXVII.  819 

mouro  com  o  aperto  da  morte  laçou  as  mâo0  na  laça  tS 
foriemSte  ^  a  leuou  cosido  ao  cbâo ,  &  Lisuarle  dãdra-» 
de  por^  lhe  nâ  ficasse  se  deceo,  &  tomãdoa  tornou  a  ca* 
uaigar  cÕ  muyto  perigo,  porQ  aoodiâ  sobrele  os  Imigoss 
&  se  nâ  fora  Francisco  de  gouuea,  Pêro  da  cunha,  & 
hu  Fernâ  roiz  ^  se  poserão  diante,  tratarâqo  mal:  & 
neste  tempo  deu  dõ  loã  nos  imigos  pola  outra  banda  do 
palmar,  cõ  tamanho  ímpeto ^  Q  logo  se  desbaratará  & 
ibgirâo,  principalmente  porQ  sintirão  fugir  lanabeque  ^ 
estaua  da  outra  banda,  que  dizem  Q  se  vio  tam  apres^ 
sado  de  Francisco  de  gouuea.  Pêro  da  cQha,  &Lisuar- 
te  dãdrade ,  2}  o  seguia  sem  o  conhecer  ^  se  deceo ,  &. 
meteose  ê  hiia  casa  donde  se  saluou,  cÕ  a  reuolta  ^era 
grade  dos  Imigos  Q  fugia  &  dos  Portugueses  Q  os  se-^ 
guia,  &  foram  aposeles  hiia  legoa,  em  Q  matara  &  ca« 
tiuarã  deles  bS  duz&tos,  &  dos  Portugueses  nã  morreo 
mais  Q  loã  roiz ,  &  fora  feridos  Pêro  da  cunha ,  &  ou- 
tros algus :  &  por  ser  ja  noyte  dÕ  loS  se  recolheo  a  hft 
pagode  ê  Q  se  fez  forte.  £ao  outro  dia  mSdou  descobrir 
a  terra ,  pêra  Q  se  ouuesse  Imigos,  fosse  pelejar  cõ  eies^ 
mas  ja  nâ  pareciam  nhus  Q  todos  se  acolherão,  &  lana^^ 
be^  se  tornou  peraAçadacâo  muyto  triste.  EvCdo  dom 
loam  Q  ficaua  a  terra  segura  tornouse  pêra  Goa. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXVII. 

De  como  jínianio  da  silueira  pelejou  c6  Çamabe^  copi* 
iâo  Daçadacão  em  Bardes ,  ^  o  desbaratou. 

jTjLuêdose  AçadacSo  por  muy  injuriado  de  seus  capitSea 
ser8  vScidos  latas  vezes,  nã  disistio  da  guerra:  &  jun- 
tos quatro  mil  &  duzStos  bomès  de  pé  espingardeiros  ^ 
frecheiros,  &  adargados^  &  oyto  cStos  de  caualo :  fez 
eapítã  deles  a  bii  vaISte  Turco  chamado  Çarnab^i)  Q  a* 
uia  pouco  4  chegara ,  a  Q  cõtoti  quantas  vezes  os  seus 
capitães  fora  vScidos,  rogãdolhe  muyto  que  trabalhasse 
por  auer  vitoria  dus  Portugueses ,  &  cÕ  isto  o  mâdou  4 


SSO  DA  HISTORIA    DA   ÍNDIA 

terra  de  Bardes :  &  começado  ide  recolher  as  rSdas,  fojr 
o  gouernador  disso  auisado,  &  mãdou  a  Anlon^io  da  sií- 
ueira  .{|  se  fizesse  prestes  pêra  yr  pelejar  cõ  os  imigos., 
h  lançaios  fora  da  terra.  E  por!)  determinou  de  mãdar 
c5  ele  a  niais  gSte  de  caualo  {}  podesse:  mãdou  pregoar 
q  todo  homS  que  quisesse  yt  a  caualo ,  se  o  nã  teues- 
se ,  fosse  por  essas  estrebarias  de  mouros  &  de  Chris- 
tãos,  &  tomasse  caualo,  &  andaua  o  meyrinbo  a  faz^ 
los  dar ,  &  cõ  tudo  por  nã  auer  selas ,  nã  ouue  mais  de 
cfito  &  oytSta  de  caualos  Arábios,  em  que  eulrarã  es-* 
tes  fidalgos,  afora  outros  {}  nã  soube:  loS  de  mfidoça, 
Frãcisco  de  mSdoça,  loâ  jusarte  í\(^o ,  António  de  le^ 
mos,  Manuel  de  macedo,  Frãcisco  degouuea^  Lísuar- 
te  dãdrade.  Pêro  da  cunha,  lanemSdez  de  maoedo^ 
IVIanuel  de  vascõcelos  casado,  Frãcisco  da  silua  Dalco- 
baça ,  àò  loã  lobo ,  Ruy  4liaz  pereyra ,  Diogo  botelho 
dãdradCi,  Christouão  de  sousa  de  Lamego,  Pêro  roíz 
porras,  Manuel  Dazãbuja,  António  cabral  de  SãtarS^ 
lorge  de  melo  punho,  Aluaro  de  mSdoça,  Luys  Couti- 
nho, Pêro  barriga,  Frãcisco  pacheco,  Diogo  pereira , 
os  outros  ^rã  casados  &  cidadãos  de  Goa,  &  deles  mes* 
mos  yão  mais  cento  &  trinta  de  roeis  da  terra ,  l\  fazia 
numero  de  duzêtos  &  oytêta  de  caualo,  &  quinhfilos  de 
pé  todos  Portugueses ,  &  os  mais  espingardeiros :  &  foy 
por  seu  capitã  Ruy  diaz  pereira,  i&  outros  tâtos  da  ter- 
ra, de  {)  foy  capitã  Crisná ,  &  passará  em  Pãgi  em  hH 
doB  dias  de  Setêbro,  estado  hi  bo  goueriiador,  {|  fazia 
muita  hõrra  a  todos  os  Q  passauS,  &  por  isso  passou  tã- 
ta  gSte ,  &  tã  boa.  E  passados  da  bãda  dal3 ,  começara 
de  caminhar  pêra  onde  estaua  çarnabeque  Q  era  dali  a 
duas  legoas ,  õ  hil  vale  ãtre  duas  serras  de  grade  aruo- 
redo ,  Q  chegaua  ate  as  rayzes  das  serras ,  &  a  entrada 
fortalecida  de  muylas  couas  cubertas  de  torrões  cÕ  ber- 
ua ,  por^  nã  se  parecesse ,  &  ficaua  hH  caminho  dobra 
de  doze  palmos  cuberto  da^le  aruoredo ,  antre  as  raizes 
das  serras ,  &  hQa  varzia  4  se  fazia  ao  longo  delas ,  ^ 
«ra  terra  alagadiça  por  ser  semeada  darroz^  &  oáo  m 


LIVRO  Vril.   CAPITVLO   CXXXVit,  .    S^l: 

podia  andar  por  ela ,  &  cõ  isto  eslaua  a^le  lagar  muito 
forte,  &  çarnabe^  muito  cofiado  i\  auia  de  desbaratar 
os  Portugueses  se  ho  comeiessS :  &  pêra  os  cõuidar  a 
isso ,  tanto  l\  os  vio ,  Q  seria  ás  duas  horas  despois  de 
mco  dia,  mãdou  a  hil  seu  capitã  ^  cÕ  obra  de  duzentos 
de  pé  saysse  fora  da  boca  do  vale ,  &  se  mostrasse  aos 
Portugueses,  &  tãto  2)  os  cometesse,  se  retirassS  pêra 
dSlro ,  onde  ele  ficaua  S  cilada  cÕ  os  de  caualo,  &  ai* 
gâs  dos  de  pé  polas  fraldas  das  serras  Q  os  víssS  os  Por- 
tugueses, &  2|  nã  cuydassS  que  erã  mais  pêra  os  co- 
meterS.  António  da  silueyra  como  vio  os  ^  sayrão  abo- 
ca do  vale  9  &  vio  os  outros  ^  parecia  polas  fraldas  das 
serras ,  logo  lhe  pareceo  Q  era  cilada ,  por  saber  ^  antre 
os  imigos  auia  muytos  de  caualo,  &  como  lhe  isto  pa- 
receo, mandou  a  Ruy  diaz.  pereyra  Q  cõ  os  Portugueses 
de  pé,  por{|  erã  todos  espingardeiros,  fosse  dar  nos  imi- 
gos, &  assi  mSdou  a  GaluSo  viegas  2)  fosse  cÕ  cincoSta 
de  caualo  em  fauor  dos  de  pé  &  estes  forS  nomeados  por 
ele,  !\  não  quis  Q  fossS  se  nã  homSs  de  feito,  &  Lisuar- 
te  dâdrade  lhe  pedio  2}  o  metesse  na^le  coto,  &  ele  nâ 
quis  por  ser  mScebo,  &  temer  de  se  desmãdar,  &  to- 
dauia  Lísuarte  dãdrade  se  furtou  &  foy  cõ  os  cincoSta: 
&  quildo  António  da  silueira  ho  vio  yr  nS  ho  quis  man- 
dar tornar,  &  disse  l\  al^les  nâ  se  podia  estornar  &  () 
Deos  os  guardaua.  Os  imigos  como  os  Portugueses  fo- 
ra deles  a  tiro  despingarda,  Q  lhes  começara  de  tirar  c5 
elas,  começara  de  se  retirar  pêra  onde  e8tauaÇarnabe{| 
na  cilada,. &  a  este  retirar  começou  de  correr Galuã  vie- 
gas cõ  08  ^  yã  CÕ  ele,  &  indo  assi  corrSdo,  cayrã  b5 
quinze  nas  couas  JJ  estauã  cubertas ,  &  o  primeiro  foy 
António  de  lemos,  &  os  outros  passara  auSte,  &  quãto 
mais  se  chegauâ  ao  boqueirã  dafi  serras ,  tãto  mais  cho^ 
uiã  sobreles  espTgardadas  &  frechadas ,  &  valeolhes  yrS 
por  debaixo  dil  aruoredo  de  tamarindos  muyto  basto, 
em  cuja  rama  ()braua  a  fúria  da  mayor  parte  delas,  & 
assi  vire  poia  bSda  es^rda  dõde  leuauão  as  adargas  com 
Q  se  emparauSo ,  ^  doutra  maneyra  os  mais  ouuerã  de- 
LIVRO  viif.  ss 


,r 


3t8  DA   HliTOAIA    BA   1N0IA 

morrer  I  po^(^  ouue  adarga  em  {|  se  acbarS  deajioía  pra« 
gadas  sessêla  frechas ,  &  nS  por  isso  os  nossos  Dã  det«- 
xará  de  passar  auãle ,  ale  dar  cÕ  a  cilada  Q  estaiia  de* 
trás  do  lugar ,  &  por  ser  a  terra  apertada  tinha  çarna- 
be^  os  de  caualo  em  fieyras,  &  a  gSle  de  pé  polaa  fral-» 
das  das  serras ,  &  ele  diãte  dos  de  cauato ,  encima  diL 
poderoso  caualo,  &  ele  bomS  grande  &  mèbrudo,  ar- 
cado de  hft  laudel  de  laminas ,  &  na  cabe^^a  hQa  futa  ^ 
&  hú  terçado  vazado  ate  a  pÕta ,  &  cheo  dazougue ,  & 
cd  esta  ajuda,  &  cq  a  grãdissima  furça  {)  tinha,  diziiio 
i)  fendia  dil  golpe  h&a  bufara  polo  meo.  Eem  os  nossos 
oomec^do  denlrar  por  antre  as  casas,  começa  os  imigoa 
de  desparar  muytas  bobas  de  íbgo,  com  i[  matara  algQ 
&  Q  primeiro  fuy  Frãcisco  da  siiua  Dalcobaça,  mas  cÕ 
tiudo  isto  os  nossos  entrara  por  antre  as  casas,  &  che-^ 
garã  aos  Imigos  de  caualo  cõ  muyto  esforço,  &  cõ  elea 
Qomeçarâ  de  pelejar ,  maa  nâ  teuerã  os  de  pé  í\  os  aju- 
dassem cõ  as  espingardas,  por2)  ficaram  muyto  atras  ^ 
Rã  poderão  ter  coeles*  E  como  os  Imigos  virão  quão  pou- 
cos os  nossos  erã,  remeterá  a  eles  cÕ  grade  Ímpeto  ^ 
principalmSte  çarnabe!} ,  &  o  primeiro  j}  ferio  foy  Gas- 
pat  prelo,  &  alcãçouho  por  hu  hõbro  &  descoseolho  ta-^ 
to,  sem  lhe  aproueitarê  as  armas,  {|  lhe  viâ  latejar  os 
bofes,  &  a  IVligel  froes  deu  outro  por  cima  do  capacete, 
4  logo  deu  coele  no  chão,  &  juraua  depois  ^  dali  aqua- 
Uo  dias  lhe  nã  ficara  a  vista  perfeita,  ik  outro  deu  a  hu 
íj  fora  porteiro  de  Lopo  vaz  de  saopayo,  q  lhe  corloa 
de  haa  orelha  ate  o  olho  da  outra  parle  ^  lhe  ficou  a  ca- 
beça õbicada  &  cayo  logo  morto ,  &  tirou  outro  a  Diogo 
botelho  dandrade,  &  errâdoho,  tomoulhe  o  caualo  por 
cima  das  ancas  nas  cobertas  da  sela ,  &  fendeho  quasi 
ale  baixo,  &  em  caindo  foy  Diogo  botelho  saluo  por 
Cristouão  de  sousa,  &  por  Lisuarte  dâdrade,  ^  lhe  de- 
ra hú  caualo  dos  ^  andauã  soltos,  o  ^fizera  cÕ  grade 
perigo,  por  carregarS  sobreles  muytos  mouros,  (]  esia- 
uam  muyto  fauorecidos  côo  esforço  do  seu  capita:  Eco- 
es nossos  serfi  lã  poucos  os  tralauão  muyto  mal  cõosfe*^ 


tirfi^  &  asfii  aos  caiialos  ({  todos  forâo  feridos,  &  algQs 
mortos,  &  (fibè  os  (J  yâo  neles  o  ouuuerS  de  ser  sem  (í«^ 
car  nhú  se  nS  fura  Pêro  barriga ,  (J  como  sabia  hè  da 
guerra,  &  vio  o  perigo  dos  Portugueses,  |>era  os  fazer 
recolher  disse  alto:  Nã  he  tempo,  ao  cilpo,  ao  cSpo, 
&  dizèdo  isto  se  começou  de  recolher,  &  outros  í\  o  ou- 
uyrão  começará  de  fugii*  a  quS  mais  podia ,  sem  aten* 
tare  por  algus  Q  estauam  cercados  de  mouros  em  aper^* 
to  grandissimo,  &  h(i  destes  foy  loão  jusarte  tiçSo,  ([ 
despois  de  chamar  outros  ^  lhe  acodissS,  &  nam  quise- 
ram, ou  ho  nSo  ouniram,  chamou  duas  vezes  por  Lisuar- 
te  dandrade  !\  ya  na  d^rradeyra,  &det8dose  ele  ))orver 
qu6  ho  chamaua,  arrSca  dãtre  os  imigos  çnrnabe(}  c5 
outros  quatro  do  caualo,  &  após  ele  outros  muytos,  pe- 
lo ^  a  Lisuarte  dSdrade  lhe  côueo  acolherse  indo  ferido 
dil  dos  fmigos,  a  que  matou  o  caualo,  &  quis  nosso 
Sefior  í\  começando  estes  de  se  desbaratar,  chegou  An- 
tónio da  silueira  cõ  o  resto  dos  nossos,  indo  diSte  de 
todos,  aníre  Ruy  varela  &  Pêro  da  cunha,  &  nas  cos- 
tas FrScisco  de  gouuea  &  Frãcisco  pacheco  <\  ya  dizSdo 
a  brados:  Sftores,  olhai  polo  vosso  capitã?  E  eles  yS 
tão  apertados  dos  mouros  l\  nfi  podia  fazer  menos,  & 
se  António  da  silueira  nS  chegara,  nS  escapara  nhfl  se- 
gudo  os  mouros  feria  neles,  principalmCte  çarnnber{ ,  1} 
vSdo  ho  socorro  l\  sobreuinha  aos  (|  fugia,  por^  nã  cuy- 
dassS  os  nossos  ^  lhes  auia  medo,  se  meteo  por  antre- 
les  tã  rijo  como  ha  corisco,  &  topido  cõ  António  da 
silueira ,  lhe  deu  hã  golpe  sobre  hil  hõbro ,  {)  se  as  ar- 
mas nã  fora  tã  boas  lho  cortata,  mas  atormentoulho  de 
tal  maneyra,  fj  depois  lhe  foy  necessário  trazer  ali  hfl 
emprasto  muytos  dias,  &  em  ele  dando  este  golpe,  Ruy 
varela  &  Pêro  da  cunha  l\  ficara  hfl  pouco  atras  Dãlo- 
nio  da  silueyra,  lhe  puserS  as  lanças  nos  peitos  pêra  o 
derribarS  mas  não  poderã,  8&  por  isso  deixado  as  laças 
pegarão  nele,  &  ajudãdoos  Frãctsco  de  gouuea  &  Lisuar- 
te dãdrade,  deram  coi^le'  do  caualo  abnyxo  sem  se  po- 
der valer ,  &  ele  derribado  foy  lo^o  tão  pisado  dos  pés 

ss  2 


St4  lU   HISTORIA  OA  IMUA 

dM  caualof  qoe  nâ  se  pode  mais  leuaDtar  &  ali  fcj  moi^ 
to:  £  em  cayado  acodirâo  dos  seus  hils  desoy  to  Turcos 
todos  capitães  Daçadacão,  &  forfio  sobre  Antooio  da  sil- 
ueira  &  sobre  os  outros  que  estauão  coele,  &  comei^rS 
de  pelejar  muy  brauamfite,  porem  como  çarnabeque  era 
ja  derribado,  &  os  seus  ho  nã  vião,  &  os  bossos  espior 
gardeiros  começassem  de  varejar  com  as  espingardas  ^ 
começara  os  Imigos  de  se  desbaratar  &  fugir ,  assi  os 
do  vale  como  os  das  fraldas  das  serras ,  &  acabarão  da 
se  desbaratar  de  todo  cõ  a  morte  dos  dezoylo  capilàes 
Turcos,  que  pelejarão  com  tanto  esforço  &  valentia , 
que  depois  de  hd  ser  derribado  do  caualo,  remeteo  ahA 
Diogo  pereira  que  estaua  a  caualo  pêra  lho  tomar ,  & 
com  tanla  força  lhe  puxou  por  tida  perna,  que  lhe  ras- 
gou hila  bota.  £  desbaratados  de  todo  os  imigos,  que 
começarão  de  fugir,  seguirão  os  nossos  após  eles  até  bft 
escapado  que  foy  muy  to  pouco  espaço,  &  António  da 
silueira  não  quis  que  passassem  dali,  receando  que  ou* 
uesse  oulra  cilada,  por  ver  yr  os  immigos  de  caualo 
muyto  de  vagar  pola  serra  acima  por  caminhos  que  ti^ 
iibão  feitos ,  &  este  vagar  segiido  se  depois  soube ,  era 
por  amor  de  recolherê  os  de  pé..  £  mandando  Anlonio 
da  silueira  deler  os  nossos,  chegou  Crisná,  &  reque* 
reolhe  da  parte  de  Deos  &  dei  rey  que  o  seguisse  & 
fosse  após  os  imigos  ^  yão  muyto  desbaratados  &  que 
08  matarião  todos ,  &  se  não  ^  lhe  desse  lícSça  pêra  os 
seguir  cõ  os  seus  piaSs,^  por^  eles  abastaria  pêra  matar 
todos  os  Imigos ,  como  fizera  quando  passara  com  dom 
loã  pereyra  a  Saisete ,  que  fizera  afogar  três  mil  almas, 
&  António  da  silueyra  não  quis  polo  receyo  da  cilada, 
Gontentandose  cÕ  desbaratar  os  Imigos^  de  ^  forão  mor- 
tos çarnabei)  &  os  dezoyto  capitães  ^  &  quatrocfilos  ou^ 
tros ,  &  muy  tos  feridos ,  &  só  a  morte  de  çarnabe^  bas« 
tara  pêra  esta  ser  híia  muyto  grande  vitoria  como  foy^ 
de  Q  Açadacâo  ficou  tão  quebrado,  que  nííca.mais  ou- 
sou de  mandar  nhQa  gente  que  pelejasse  em  campo  com 
os  Portugueses ,  de  ^  morrerão  nesta  batalha ,  Francis? 


LIVKO  YIII»  €APITyi.O  CXXXVIII.  326 

to  da  silua  Dalcobaça,  JManuel  dazambuja,  o  que  foy 
porteiro  de  Lopo  vaz  de  sãopayo,  Pêro  rodríguez  perras, 
&  outros  três,  &  fora  feridos,  loS  de  mSdoça,  Aluare 
de  mêdoça,  loã  jusarle  Uç2,  Lisuarte  dâdrade ,.  Gaspar 
preto,  António  da  raboreda,  o  moço,  &  outros  algíis: 
^  durou  esta  batalha  das  onze  oras  até  as  tres« 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXVIIL 

De  como  António  da  silueira  fez  k&a  iranqueyra  em 

Bardes. 

JtVecolhidoâ  os  Portugueses,  mãdou  A  ntonio  da  sílueira 
yer  bu  esteyro  Q  ya  ter  ali  perto,  a  ver  se  estauâo  hi 
hus  bateis,  ^  lhe  o  gouernador  dissera  ^  auia  ali  de  mã* 
dar  cõ  gête  ^  esteuesse  na^e  esteyro,  por^  auiã  os  I- 
nngos  de  passar  por  ele  &  os  atalhasse,  &  António  da 
ailueyra  mãdaua  buscar  estes  bateis,  pêra  leuar  neles 
os  feridos  &  mortos ,  mas  nâ  se  achara ,  pelo  ^  os  sãos 
os  ouuerã^  de  leuar  ás  costas  nos  Mcudos  dosCanansate 
onde  desembarcarão ,.  Q  era  legoa  &  mea ,  no  Q  leuarSo 
trabalho  imenso,  por  fazer  mujto  grâJe  calma  &  na  te^ 
iS  ainda  comido.  Eindo  assi  todos  muyto  casados,  che«- 
gou  loã  de  payua  feitor  da  armada  do  gouernador,  Q 
da  sua  parte  ya  visitar  António  da  silueira  &  saber  co* 
mo  lhe  ya,  por^  quando  os  Portugueses  com^^irã  dç 
/ugir  da  batalha  ^  António  da  silueira  socorreo,  três  ca^> 
sados  de  Goa  (a  Q  nâ  soube  os  nomes)  fugira  tão  bC-, 
&  hU  foy  dizer  ao  gouernador  Q  António  da  silueyra  fo- 
ra desbaratado,  &  mortos  mnytos  dcs  q  }ã  coele,  no- 
meãdobos  por  seus  nomes.  £  eslãdo  o  gouernador  muy- 
to  triste,  soube  a  verdade  por  hu  pião  de  Grisná  ^  lhe 
mâdou  €Õ  a  noua ,  &  por  isso  o  gouernador  o  mádou  vi^ 
sitar,  &  mais  mãdaualhe  fazer  hua  transira  ondestaua  o 
nosso  Tanadar  da^la  comarca,  em  t\  deií^aria  quorêta 
espingardeiros  pêra  Q  ficasse  seguro,  &  mãdaua  rogar 
aos  iidalggs  Q  estauã  cÕ  António  da  silueira  \  o  ajudas- 


Z2t  DA   HIfTOHIA    1>A   ÍNDIA 

0ê  a  fner  a  trij|ira.  £  por  a  gente  yr  muylo  cSsada  9c 
morta  cd  fome,  ae  foy  Anlonio  da  silueira  onde  ya  pe> 
ra  hi  de8câ<^r,  &  a^la  noite  foy  bQa  braua  &  espftlosa 
tormSta  de  veto,  toruõea,  &  chaua:  &  como  os  nossos 
estauã  no  capo,  Õde  ná  auia  nhu  abrigo  de  tSdas  nfi  ca- 
sas ,  desgrudarase  as  adargas  cÒ  a  agoa ,  &  os  caualos 
se  ouueram  dafugar,  &  niuylos  por  ser  ho  tem|K>  iam 
forle  se  passarão  secretamente  aPangi  c5  quanto  bi  es- 
íaua  o  gouernador,  que  todavia  mandou  a  António  da 
silueira  que  fosse  fazer  a  tranqueyra,  &  ele  foy  nam  le- 
vando mais  de  duzentos  Portugueses,  em  que  entrauam 
trinta  &  seys  de  caualo,  &  fez  a  transira  rouyto  forte 
de  duas  faces  &  entulhada ,  cÕ  seus  baluartes  forrados 
de  tauoado  pela  t>Sda  de  dStro,  &  foy  feita  ê  oyto  dias, 
c5  mnyto  trabalho  dos  fidalgos.  B  sabêdo  ho  Gouerna* 
dor  q  a  tranijira  era  acabada,  mãdou  a  António  da  sil- 
ueira ()  corresse  a  terra  ate  onde  fora  a  batalha ,  por(| 
auia  noua  ()  tornaram  ali  os  immigos  &  ij  estauX  hi,  o2| 
deu  grande  opressão  aos  Portugueses,  por  serS  tS  pou« 
cos  como  erS:  E  logo  se  partio  António  da  silueira  c5 
sua  gfite ,  indo  diãte  GaluS  viegas  descobrindo  a  terra, 
&  c5  ele  Galaz  viegas ,  Baltesar  de  vilhegas ,  &  Lisuar- 
te  dádrade,  ^  yã  sempre  diSte  do  corpo  da  gCte  hQ  ter- 
ço de  legoa ,  &  por  isso  chegarS  sós  onde  fora  a  bala- 
Iha,  em  (|  não  achara  imigos  nS  rasto  deles,  &  sabêdo 
ho  António  da  silueira  se  tornou,  deysãdo  a  terra  paci- 
fica ,  &  se  passou  a  Pãg!  onde  ho  goueroador  ho  espe- 
ra ua ,  &  dali  se  foram  pêra  Goa. 


LIVRO  VIU*   «APITTLO   CXL«.  827 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXXXIX. 

Ih  como  fay  preso  Garcia  deSá^^  António  da  silutira 
foy  acabar  de  Jazer  a  fortaleza  de  Bajfoim. 

i^  este  aano  de  mil  &  quinhentos  &  trinta  &  seyn  j 
partiu  pêra  a  Índia  por  capitão  mor  da  armada  da  carga 
hu  fidalgo  chamado  lorge  cabral ,  (  de  que  se  fez  men* 
çâo  no  liuro  Septimo)  &  os  outros  capitães  foram  Fran* 
cisco  barrete,  Ambrósio  do  rego,  Gaspar  dazeuedo,  & 
Vicente  gii,  a  que  nâ  soube  o  que  aconteceo,  nem  em 
que  tempo  chegaram  á  Índia.  E  porque  ei  Rey  de  Por^ 
togai  mandaua  prender  a  Garcia  de  !Sá  (que  estaua  por 
capitã  em  Baçaim  fazendo  a  fortaleza )  &  socrestarihe 
sua  fazenda,  por  capitulos  que  seus  imigos  deram  dele, 
mandou  ho  gouernador  a  António  da  siJueira ,  Q  fosse 
acabar  de  fazer  a  fortaleza  de  Bac^al ,  &  assi  a  loão  de 
mendoça,  &  ^  Garcia  de  Sá  se  fosse  pêra  Goa,  &  eles 
fora  com  gente  que  lhes  o  gouernador  deu  pêra  isso.  E 
chegado  António  da  silueira  a  Baçal,  mandou  Garcia  de 
Sá  pêra  Goa ,  &  ele  ficou  acabando  a  fortaleza  cõ  loam 
de  mendoça  9  no  ^  gastara  três  meses» 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXL. 

De  como  Marti  afonso  de  sousa/oy  socorrer  a  el  rey  de 

Cochi  j  ^  do  que  Jkz  no  caminho» 

X^urando  a  perfia  dei  rey  de  Calicut  se  querer  coroar 
em  Repeli ,  &  defendedoibo  os  nossos ,  por  nâ  ficar  su-> 
perior  doa  reys  do  Malabar  amigos  dei  rey  de  Portugal, 
soubeho  ho  gouernador ,  &  por  isso  mádou  logo  Marti 
afonso  a  Cochi'  cõ  asua  armada,  em  que  leuaria  qua» 
trocenloa  homês,  &  os  capitães  ^  leuou,  afora  ele  {)  ya 
em  h&a  oarauelaforã,  Vasco  pirez  de  sampayo,  Fernft 
de  seusa  de  tauora,  Manuel  de  sousa  de  Sepulueda^ 


SS8  9A  niSTORfA    I>A   INMA 

dd  Diogo  dalraeyda,  Marti  correa,  FrScis.co  de  barros 
de  payua,  lorge  barroso  dalii>eyda,  Francisco  pereira, 
Gaspar  de  lemos,  lorge  de  figueiredo,  Diogo  de  rey- 
noso,  António  de  souto  mayor,  Francisco  de  Sá,  loãe 
de  sousa  de  matos,  dõ  Pedro  de  meneses,  &  esties  em 
galeotas  &  fustas,  afora  outros  Q  yão  em  catures.  Esa- 
bfido  Marti  afonso  Q  em  Colemute  se  fazia  sempre  gra- 
de armada  edtra  os  nossos,  determinou  de  ho  deslruyr: 
&  dando  c5ta  disso  a  seus  capitães,  desembarcou  cõeles 
cõ  a  gSte  Q  ieuauã,  &  ao  desembarcar,  achara  obra  de 
dous  mil  Naires,  2}  lhes  quisera  defender  a  desembar- 
caça,  &ouue  sobrisso  hua  braua  peleja,  de  l\  os  nossos. 
ficarS  vÇcedores,  cÕ  morte  de  muytos  dos  Imígos,  &  os 
Q  ticauão  fugirá  &  desempararS  ho  lugar,  l\  foy  lodo 
queymado,  &  foram  tomadas  sete  fustas  que  hi  esta- 
uam  varadas. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXLI. 

De  como  Martim  afonso  de  sousa  chegou  a  Cochi. 

v/nde  despois  ^  chegou,  soube  como  el  rey  de  Calicut 
caminhaua  cÕ  sua  gente,  cÕ  determinação  de  passar  a 
Repeli  pelo  passo  de  Crãganor,  pêra  se  coroar  como 
disse  atras,  &  gSte  sua  (}  ya  diâte,  era  chegada  ao  pas* 
80  onde  tinha  queymada  hua  hermida  ^  ali  deixara  sam 
Thome ,  &  fizera  hua  tràqueira  forte ,  em  q  assêtara 
algClas  peças  dartelharia.  EH  sabido  isto  por  Marti  afõso, 
determinou  de  yr  tomar  esta  tràqueira,  &  defender  a^lle 
passo  a  eirey  de  Calicut,  &  pêra  este  feyto  mãdaua  eU 
rey  de  Cochi  hCla  soma  dos  seus  Naires,  &  assi  ho  Mã« 
gate  caimal  seu  vassalo,  &  grade  senhor:  &  oscapitSes 
desta  gSle,  erã  os  regedores  de  Cochi,  Q  por  na  acodirS 
a  hu  dia  Q  Marti  afonso  tinha  assinado,  pêra  dar  na 
trãqueira  bQa  menhaft,  nao  deu,  &  ficou  a  cousa  pêra 
ho  outro  dia.  E  sabêdoho  el  rey  de  Calicut  na!}le  (  por 
suas  espias.)  Q  Marti  afonso  deixara  de  yr  dar  na  trS^ 


LIVHO   VIII.  CAPltVIX)   CXLII.  329 

Queira  por  faita  de  maré,  &  <)  auia  dir  ao  oatro  dia  06 
gfãde  poder  de  gSte ,  foy  bo  «eu  medo  tamanho ,  1\  nK 
ousou  de  bo  esperar :  &  na  noyte  seguinte  recolhida  a 
artelbaria^da  tranqueyra,  se  passou  cd  sua  gSte  áCha- 
tuá ,  &  dahi  pêra  ho  pé  da  serra ,  &  não  ousou  de  tor- 
nar a  cometer  o  ^  cometia ,  sem  grade  poder  de  gQote 
(<2oaK>  direy  adiante. ) 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXLII. 

De  como  ti  rey  de  Calicut ,  com  medo  de  Martim  afonso 
de  sousa  se  retirou  pêra  suas  terras :  ^  de  como  Martim 
afonso  começou  de  fazer  guerra  a  el  rey  de  Repelim* 

Oabido  em  Gochim  como  el  rey  de  Calicut  fugira,  mu* 
dou  Marti  afonso  a  yda  8  auia  de  fazer  a  esperalo,  em' 
yr  cõtra  el  rey  de  Repeli ,  assi  por  ser  nosso  Imigo ,  & 
ajudar  a  el  rey  de  Calicut ,  como  por  ter  hQa  pedra  dei 
rey  de  Coch!,  (J  lhe  el  rey  de  Calicut  irmão  de  Nãbea- 
dari  tomara,  quãdo  (he  tomou  CochI,  2}  se  ele  acolheo 
ao  pagode  de  Vaipi  (como  disse  no  liuro  primeyro.)  E 
el  rey  de  Cochi  sabSdo  (}  el  rey  de  Repeli  tinha  esta 
pedra,  l\  era  cousa  de  sua  religiS,  sentiase  disso  por 
muyto  injuriado,  &  reQria  a  Marti  afõso  í\  lha  fosse  to« 
mar,  que  foy  com  cÕselbo  do  vedor  da  fazenda  &  de  to- 
dos 08  outros,  &  leuou  mil  dos  nossos,  &  muytos  Nai- 
res  debaixo  da  capitania  do  prlcepe  de  Cochi  &  do  MS- 
gate  caimal ,  &  doutros  senhores  dei  rey  de  Coch!.  B 
cd  Marti  afonso  forS  todos  os  capitfies  da  sua  armada, 
&  assi  António  de  brito  capitão  de  Cochi,  lorge  mas- 
carenhas  de  montas,  &  Pêro  froes,  t\  yã  cd  elle  por 
terra,  &  por  mar  ya  lorge  cabral  capitS  noór  da  armada 
da  carga  ^  &  Manuel  rodriguez  Coutinho^  em  fustas  & 
baleis*  Partio  como  digo  por  terra,  a  vinte  hQ  de  No^ 
uSbro,  &  aQle  dia  foy  dormir  á  terra  do  Anche  caimal, 
&  ao  outro  foy  cometer  a  terra  dei  rey  de  Repelim,  í| 
he  quasi  ilha ,  &  dõde  a  não  cerca  a  agoa ,  Q  era  pola 

LIVRO   VIII.  TT 


a(SO  BA   HISTOBEA  PA   IHBIA 

parte  Q  oi  nossos  auiào  dêtrar ,  cercada  de  caaaueaes 
de  canas  da  índia,  que  saon  mujto  grossas,  &  estaxi&a 
tecidas  de  maneara,  Q  íicauSo  noais  furtes  ^  muro,  & 
tinha  aii  certas  entradas,  em  {|  estauã  Iranqueyras  muy*» 
lo  ^rtea,  &  bè  artilhadas  &  guardadas  de  gente.  Os 
nossos  y£o  nesta  ordê:  António  de  brito  ieuaua  a  dia- 
teyra  cõ  trezêtos  homõs  os  mais  espingardeyros ,  &  yã 
cÕ  ele  dõ  Diogo  dalmeida,  lorge  mascarenhas  de  mõtáS| 
Pêro  froes,  &  outros  t^apítães  &  fidalgos:  Eaposele^ 
Marti  afonso  cÒ  a  bâdeyra  real  cÕ  ho  resto  da  gele.  An- 
tónio de  brito  foj  cometer  hila  destas  Cram^ueyras  4  úi^ 
go ,  <}  tinha  três  peças  dartelharia :  &  vèdobo  os  imi- 
gof ,  apartarSse  cem  Naires  todos  escolhidos  pof  muyto 
esforçados,  &  sayrã  a  receber  os  nossos  fora  da  trâquey- 
ra^  cuydao^o  Q  por  sua  valCtia  os  nâ  deixassem  chegar 
a  eia  9  mas  os  nossos  matarão  &  ferirft  muy  toa  cõ  as  es<« 
pitigardas ,  &  os  fis^erâ  fugir :  &  indo  assi  ilesbaralados, 
hum  que  ya  muyto  ferido  nam  se  atreuSdo  a  viuer,  cha* 
mott  outro,  &  dieuJhe  a  sua  agomia  &  aeu  escudo  (}  lho 
]euasse ,  &  isto  ^  porQ  t6  eles  ^  ainda  Q  morram  na  ba-^ 
taJha^  se  saJuã  as  armas,  fica  inteyramète  cÕ  suahõrra». 
IS  seguindo  os  nossos  os  imigos,  entrarJL  eõ  elea  na  trS« 
9ueyra,  &  dentro  a.charâ  resistêcia  nos  imigos  jaguar- 
dauâk),  &  durou  a  peteja  ate  chegar  Marti  afonso,  Q  se 
os  imigos  desbarataram^  de  todo  &  fugirão ,  &  dali  fes 
Marti  afõao  volta  sobre  a  mãe  esquerda ,  ende  estau& 
duas  estâcias  pêra  ho  rio  ^  o  guardauA,  &  estas  cõba* 
tia  lorge  cebraíl  cd  os  capirtHes  ^  lauaua  por  mar  ^  Q  a« 
parlara  tão  rijo  cd  os  mouras  Q  os  fizera  fugir.  £  sabèn 
do  eJ  rey  de  Repelim  2|  aj^las  Irâqueiras  era  tomadas  , 
mãdott  alargar  ae  outras ,  &  recojher  sua  gfite  pêra  a 
cidade,  onde  esperaua  de  se  defender  eÕ  ciaee  mil  Nai- 
res ^  linha  seus ,  &  do  Mâgate  achfi  vassalo  dei  rey  de 
Calicut,  &  entrauSa  neete»  quinhentos  espingardeyrosw. 


ura.0  Tiii.  CAvnTLO  oxliii.  931 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXUIÍ. 

De  Qom0  Marti  trfanão  de  wum  duharatou  d  rey  âeRô^ 

petím  9  ^  /A€  queffmou  a  cidade^ 


D, 


desbaratadas  as  Iráqueiras  Q  à\go^  deixoDse  Martt 
«fonso  íicar  ali  pêra  desclsar  sua  g:ètet  &  ao  oa Iro  dia 
«m  amanhecendo,  abalou  pêra  a  cidade  de  Repelim ,  ^ 
«ra  dali  hila  legoa ,  &  mandou  a  Frácisco  de  barros  de 
payua,  ^  tÔ  cèto  &  ci neófita  espingardeyros  fosse  dían* 
te  descobrindo  a  terra :  &  nas  costas  lhe  ya  António  de 
brito  cõ  quatro  'OStoç  homSs ,  &  cÒ  oe  mesmos  capitães 
&  fidalgos  ^  ho  aoõpanharão  ho  dia  dates,  &  na  retro* 
guarda  Marti  aífiso  06  ho  resto  da  gSte :  &  camínhfide 
Tiesta  ordem ,  posto  2)  no  caminho  auia  muytos  frechey^ 
TOS ,  por  antre  muytos  palmares  Q  auia  duma  parte  & 
doutra :  Francisco  de  barrop  cõ  os  seus  espigardeyros  os 
despejaua  de  maneira ,  {)  os  nossos  nâ  r«>ceberã  deles 
nhã  dSno,  fc  asai  fora  ate*  a  entrada  da  cidade,  ^  era 
per  antre  hOs  valos  &,h(las  cauas,  IJ  o  de  mais  era  cer* 
cado  de  cnnaueaes.  E  nesta  ^trada  estaua  hil  capitA  c8 
muytos  espf gardeyros  &  frecheiros ,  &  como  ela  era  es* 
treita  podiâna  os  Imigos  defender  muyto  bS,  &  por  isso 
durou  a  peleja  aqui  hO  pedaço ,  &  |K>r  derradeiro  os  T- 
tnigos  ficarão  desbaratados,  &  os  nossos  entrarão  leoan* 
does  diante  de  si  fugindo  ate  dar  nas  casas  dei  rey , 
donde  ho  resto  dos  Imigos  f{  hi  estaua  fugira ,  v6do  fu* 
gir  CS  outros :  &  nflca  el  rey  os  pede  deter  por  mais  (| 
os  esforçou ,  &  então  fugio  coeles ,  sendo  dos  derradei^ 
ros.  &  Francisco  de  barros  ho  seguio  cõ  algfls  outros , 
tirandulhe  tantas  espíngardadas  (}  lhe  matarão  o  que  lhe 
leuaua  ho  sombreiro,  que  com  a  pressa  não  ouue  qufi 
ho  leufitasse ,  &  ficou  o  {}  el  rey  sentio  muyto ,  por  ser 
antreles  grande  desonra»  E  despois  de  perdido  ho  som* 
breiro,  el  rey  foy  tam  apertado  dos  nossos  !\  hoseguião, 
que  cõ  muyto  grande  perigo  escapou ,  saluandose  em 

TT   2 


SS2  DA   HISTORfADA   fNDIA. 

hika  almadia  em  t[  se  embarcou  cõ  ho  mangate  Acb8,  & 
oulroa  qualro  &  fugio*  E  entre  tanto  Mart!  afonso  que 
tomou  por  outra  parte,  foy  dar  em  hua  mezquita,  de^ 
«ayrâ  obra  de  vite  mouros  determinados  de  ho  malar", 
segundo  hu  remeteo.  a  ele  com  grande  ousadia ,  tiran- 
dolhe  hua  cutilada ,  que  ele  tomou  na  rodela ,  &  logo  ho 
Utrauessou  com  bH  zagficho  que  leuaua :  &  a  pos  isso 
foy  morto  dos  nossos:  &  os  outros  (ambê  morrera ^  pe- 
fejádo  como  muyto  valetes  homSs«  £  mortos  estes  JMar* 
tim  afonso  fez  ali  corpo  recolhêdo  os  nossos  de  que  muy- 
tos  andauão  desmãdados  poia  cidade  a  roubar,  &  destes 
Ibrão  mortos  dez  ou  doze ,  que  na  batalha  não  morreo 
nenhíl:  somente  forão  feridos  muytos,  &  anlrestes  fo- 
rão  htl  Duarte  de  miranda ,  &  hu  Esteuão  gago.  £  dos 
Imigos  se  achar&  mortos  cento,  &  os  feridos  forâo  sem 
conto,  &  em  muyto  pouco  espacjo.  E  desbaratados  os 
imigos  &  fugidos,  foy  roubada  a  cidade,  &  as  casas 
delrey ,  em  !\  foy  achada  a  pedra  dei  rey  de  Gochim,  ^ 
era  hQa  pedra  branca  como  qual^r  outra ,  da  feyçSo  & 
do  tamanho  de  hfla  mea  moo  datafona,  &  tinha  abertas 
huas  letras  malabares.  E  cõ  esta  pedra  tizerão  os  nayres 
de  Cochim  grande  festa :  &  assi  íbrão  achadas  hõas  tai- 
jioas  de  metal ,  c&  hilas  serpes  escolpidas  nelas ,  &  hQas 
letras  Chins,  q^ie  el  rey  de  repelím  tinha  era  grande 
veneração,  por  ser  cousa  de  .sua  religião.  £  saqueada  a 
cidade,  despoys  de  ser  toda  queimada  se  (ornou  JMar* 
tim  aÍGíso  a  Cochim,  onde  foy  recebido  cõ  muyta  festa, 
&  deu  a  el  rey  de  Cochim  ho  sombreiro  dei  rey  de  Re» 
pelim.,  &  as  tauoas,  &  a  pedra,  que  ele  estimou,  muyr 
tp ,  &  lhe  deu  por  isso  grandes  agardecimeotos.. 


LIVRO  TIIIv  CAFITTLO  CXLIIII.  ar33 

•       ♦ 

C  A  P  I  T  V  L  O   CXLIIIL 

De  cúmo  Martim  afonso  defendea  a  elrey  de  Calicut  que 

não  passasse  polo  passo  do  voo. 

•  V  endo  ho  vedor  da  faseoda  i)  el  rey  deCalieut  conli* 
nuaua  a  guerra,  &  2}  cometia  dentrar  polo  passo  de  CrS- 
ganor,  pareeeolhe  bS  c5  conselho  de  Marl!  afonso,  & 
de  António  de  brito >  fazer  hua  fortaleza  na^ie  passo, 
que  se  logo  eoine<iou.  £  nisto  tendo  JMarli  afonso  noua 
que  partia  a  armada  de  Calicut  carregar  darroz  a  Bra- 
celor ,  fez  se  prestes  pêra  jr  pelejar  coela ,  &  toniarlhe  a 
carga  quãdo  tornasse ,  ^  era  b&  doa  grades  danos  ^  po- 
dia fazer  a  elrey  de  Calicut ,  com  que  a  sua  gente  lhe 
fiiorrería  de  fome..  £  fazendose  prestes  pêra  jr,  ex  que 
chega  recado  dei  rey  de  Cochim  muyto  de  pressa,  que 
>inba  el  rey  de  Calicut  cõ  grande  poder  de  gente  em  (| 
entrauão  dous  mil  espingardeiros,  &  determinada  dStrar 
polo  passo  do  vao,^  que  era  na  terra  do  IMãgate  Vftyinal, 
duas  legoas  acima  do  passo  deCranganor,  &  Q  não  que- 
fia  entrar  por  este  passo  de  Crftganoc,  por  estar  impe- 
dido cõ  a  fortaleza  4  os  nossos  faziSo ,  &  polo  passo  do 
vao  podia  passar  cõ  a  maré  vazia,  como  em  outro  tSpo 
inlêtara  de  passar  seu  antecessor,  quâdo  lho  Duarte  pa- 
checo  defendeo  tão  milagrosamête  coroo  disse  no  iiuro 
primeiro.  £  por  bo  recado  ser  tam  de  pressa,  seembar- 
eou  lo£o  Martim  afonso  em*  bus  tones,  por  jr  mays  asi- 
nha ,  oL  eoibarcarâse  coele  obra  de  nouenta  dos  nossos , 
os  mays  deles  capitães  &  fidalgos,  &  fora  coele  ho  re^ 
gedor  de  Cochim  cõ  algOs  naires ,  &  deyxou  encomen- 
dado a  Âiitonío  de  brito  j|  fosse  a  pos  ele  eom  a  mais 
gente  i|  pudesse.  £  màduu  a  Francisco  de  barros  de 
payua  Q  em  húa  galé  com  outros  dous  capitães  de  dous 
bar^gantis  se  fosse  meter  no  rio  de  Crãganor  pêra  goar- 
dar  bo  passo,  que  nào  passasse  por  ele  gente  dei  rey  de 
Calicut)  &  defendesse  que  não  entrassem  no  mesmo  rio. 


334  BA   BI8T0KIA   DA    llfmA 

hDas  vínterinco  fustas  da  armada  dei  rey  deCalicut,  (| 
f^ra  certo  que  ele  mãdaua  jr  a  este  rio  pêra  ho  ajudarê, 
Sc  defenderS  os  nossos  catures  Q  Dãleuassem  socorro  on- 
de fosse  necessário:  o  que  se  podia  faker  porá  terra 
ser  toda  regadia  de  muytos  rios  (coo^  disse  no  primei- 
ro ijuro).  E  seMartim  afonso  não  mandara  atalhar  a  es- 
tas fustas  desta  maneira,  por  nenhfl  modo  se  podara  to- 
lher a  passagè  a  el  rey  deCaliout,  como  despoys  loiheo. 
Isto  ordenado  partiose  Marlim  afonso  pêra  ho  passo  do 
vao:  &  ao  outro  dia  em  amanhecSdo  chegou  ás  terras 
doMangate  caimai,  {)  pola  breuidade  do  tSpo  nSo  tinha 
juntos  mays  de  três  mil  nayres.  B  dele  soube  2|  estaua 
el  rey  de  Calicut  dali  a  duas  legfoas,  &  que  tinha  quo^ 
rSta  mil  homSs,  &  ^  dahi  a  três  dias  daria  a  batalha^ 
por{|  era  seu  cosi  ume  dala  aeste  praeo,  despois  Q  che« 
gaua  a  terra  de  seus  imigos.  E  no  dia  em  l\  auia  de  ser 
roandaua  tanger  hQa  bozina  &  h&  atambor  de  tamanha 
grandura,  que  não  auia  quatro  homSs  que  ho  abalae^ 
sem,  &  este  se  ouuia  a  duas  legoas:  &  sem  estes  sinays 
se  não  dana  a  batalha,  &  1)  isto  teuesse  por  certo*  B 
como  Marti  afonso  teuesse  aquilo  por  abusam ,  nft  ho 
creo ,  &  foyse  ao  passo  onde  desembarcou ,  &  por  lhe 
os  tones  não  ficarS  em  seco  os  mandou  afastar  pêra  ho 
rio,  &  ele  fK>s  se  no  capo  cõ  sua  genCe,  &  estauSo  coele 
ho  mSgnle  &  o  regedor  de  Cochim  c5  seus  nayres,  que 
lhe  dizião  que  estaua  ali  de  balde,  por^  el  rey  de  Cali* 
cut  não  auia  de  dar  a  batalha  isenão  passados  os  três 
dias:  &  primeiro  se  auia  de  tanger  ho  atãbor  que  digo. 
E  estado  nisto  começa  daparecer  hd  corpo  de  gSte  dos 
Imigos,  que  serião  cinco  mil  homSs,  que  com  grandes 
grilas  remeterão  ao  passo^  &começSo  de  passar»  Ecuy- 
dando  Marti  afonso  que  era  algãa  gente  da  dei  rey  ^ 
vinha  desmandada,  mandou  a  Gaspar  de  lemos  que  cS 
yinte  espingardeiros  se  posesse  detrás  dil  valo  i}  estaua 
perto  do  vao ,  &  dali  fizese  roste  aos  Imigos,  (}  em  con* 
tinCte  começarão  de  crecer,  se  nSo  quando  aparece  a 
bfideira  delrey ,  ^  era  «inai  4  vinha  ali :  E^issi  era  qii# 


LiVBO   VIII.   CAPITVIXI  CXLIIII.  83C 

bSo  curando  de  superstições,  por  tomar  os  nossos  de  su-* 
pito,  &  os  desbaratar  a  seu  shIuo,  não  quis  vsar  dos  si- 
iiays  que  mãdaua  fazer  quando  auia  de  dar  batalha.  £ 
parece  que  nosso  senhor  inspirou  em  AAartl  afonso,  que 
não  cresse  o  Q  lhe  boMangate  dizia  do  costume  delrey 
de  Caiicut ,  por^  se  lho  crera  passara  elrey  sem  ser  con^ 
trariado,  &  tizera  o  ^  determinaua,  que  fora  grande  maL 
£  como  as  insinias  dei  rey  aparecerão  oe  nayres  do  wk^ 
gale  &  os  deCochim  conhecendo  Q  ele  vinha  foy  boseu 
medo  tamanho,  que  se  afastarS  dos  nossos  bu  bõ  peda<» 
ço  pêra  fugirB,  se  Martim  afonso  fosse  desbaratado.  £ 
algús  dos  nossos  ate  trinta  c5  o  mesmo  medo  fugirão 
pêra  os  tones  em  Q  se  esconderão  pêra  se  acoiherS  s» 
IVlarti  afonso  leuasse  bo  pior.  Martim  afõso  que  vio  es- 
ta couardia,  sabendo  do  IMangate  ho  porQ,  tomouho  pe« 
la  mão  &  teueo  que  não  fugise  y  dizendo  ^  não  oouessft 
medo  y  porQ  esperaua  em  nosso  senhor  de  desbaratar  el 
rey  cò  aqueles  poucos  que  tinha,  que  não  serião  mays 
de  sessenta»  E  algOs  dos  nossos  desconfiados  disto  po« 
der  ser,  lhe  acõselhauão  Ç  se  recolhesse  aos  tones,  fe 
se  saluasse,  por^  não  era  siso  esperar  tam  grossa  gfite. 
Por&  Vasco  pirez  de  sam  payo ,  &  Frãcisco  pereira  ths 
conselhavão  que  pelejase  &  bo  mesmo  lhe  pareceo  a  ele 
que  deuia  de  fazer  j  por  ja  terè  passado  ho  vao  muy toa 
doa  imigos :  k  segundo  erão  ligeiroa  antes  de  chegail 
aos  tones  matariào  quan^tos  bião  coele:  &  a  fora  islo 
Bão  poderia  recolher  Gaspar  de  lemos  por  estar  cercado 
dimígos.  £  encomendSdose  a  nosso  sftor  de  todo  coraçS, 
&  cã  ha  eafosço  ne^e ,  fez  ha  cf^rpo  dos  seus ,  &  dá  San^ 
tiago  nos  Imigos ,,  íerinido  &  matando  neles ,  Q  erão  bl^ 
cinco  mil  alS^  do  pasao ;  &  ajudauao  loão  luys  ho  eõdefik 
tabre  da  fortaleza  de  €ochl  tiraiMÍo  ée  traués  aos  Ymi^ 
goê  cè  bfl  ber^e  ^  estaua  em  h&  tone ,  em  Q  se  cbegou 
á  boca  do  vao.  £  dali  a  pouco  cbegou  c6  a  maré  híi  ba* 
tel  nosso  c5  ku  falcào  &  doua  ber<jos  ^  tambB  varejarão 
ibf  temfile  aes  Imigos :  He  éÒ  tiMlo  eles  erão  tantos ,  ^  b^ 
fs  flosao  slkei'  nàeeAfMl^era>  afogará*  os  nossos ,  a  Q  ou^ 


836  Oll  HfSTOail  BA  INDfl 

iierã  (amanho  medo^  que  se  começarl  de  retirar  pêra 
ais  do  passo  oodestaua  el  rey  de  Calicut.  O  (|  v-6do  a 
gSte  do  MSgate,  ouue  vergonha  de  ler  fugido,  &  pêra 
imendarS  ho  passado  remeierXo  cÒ  grandes  grilas  onde 
era  a  batalha,  &  ja  aã  acharSo  1}  fazer,  por  serfi  todos 
08  imigos  passados  da  outra  bSda:  &Martini  afonsonão 
quis  deixar  passar  os  nossos ,  de  1}  morrerá  algus  nesta 
batalha ,  &  dos  Imigos  perto  de  trezentos.  E  ainda  des- 
poys  dos  Imigos  ser6  passados  da  outra  bSda  se  poserS 
GÕ  os  nossos  ás  espingardadas,  &  assi  esteuerSo  per  es* 
paço  de  duas  horas ,  ate  1}  se  recolberSo,  &  Mart!  afon* 
80  se  afastou  bO  pedaijo,  &  ficou  no  capo  a^la  nojte. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXLV. 

De  como  António  de  brito  pelgou  algAas  vezes  no  passo  do 
vao  com  a  gente  dei  rey  de  Calicut  ^  sempre  venceo» 

vyoesta  vitoria  tS  milagrosa,  ^  nosso  sefior  deu ,  ficou^ 
el  rey  de  Calicut  tã  quebrado  que  se  tornou  ao  seu  ar- 
rayal  &não  quis  tornar  mais  a  dar  batalha  por  sua  pes- 
soa, &  ficou  seu  poder  muyto  desacreditado,  &  ho  dos 
nossos  cÕ  muyto  grSde  credito,  vSdo  a  gSte  da  lerracd 
quãta  ousadia  lhe  resistira,  sendo  tã  poucos,  &tornoa- 
Uies  alèbrar  as  grades  vitorias  (J  ali  ouuera  Duarte  pa* 
checo  cõtra  aãle  maluado  rey  deCalicot,  queenfãorey* 
naua:  &  os  cia  parte  dei  rey  de  Cochiro  se  esforçarão 
tanto  pêra  ajudar  os  nossos,  que  logo  a{)la  noite  acodi* 
rão  ao  Mãgate  caymal  mays  quatro  mil  nayres.  E  ao 
outro  dia  chegou  António  de  brito  com  quatrocêtos  dos 
nossos:  &  vendo Martim  afonso  tam  boa  gente:  dado  a 
dianteira  a  António  de  brito  deu  outra  batalha  aos  Imi- 
gos j}  prouarão  de  passar  ho  vao:  &  venceos  com  lhe 
matar  mays  gente  que  da  outra  vez  &  os  fez  afastar  do 
passo,  do  que  el  rey  de  Calicut  ficou  b8  triste,  &  quise- 
ra irse  de  todo,  se  os  senhores  que  estauão  coele  ho  não 
estoruarão.  £  ho  dia  seguinte  desta  batalha  chegou  h»' 


LIVAO   Vllf.    CAPITVLO   CXLVÍ.  337 

príncipe  deCochim  cõ  vinte  mil  naíres  seus  &  dos  caj- 
inais  Q  ho  acõpanbauão:  &  erão  muyloa  espingardeiros. 
£  vendo  Marlim  afonso  tanta  gSte  junta,  ouue  sua  es- 
tada ali  por  escusada :  &  mays  sabêdo  Q  andaua  no  roár 
a  armada  de  Calicut»  a  que  era  necessário  í\  acodisse. 
E  por  isso  deixou  a  goarda  daquele  passo  a  António  de 
brito,  deizãdolhe  quatrocentos  dos  nossos,  &  os  vinte 
mil  nayres  que  digo.  Edespois  de  Marlim  afõso  ser  ido 
do  passo,  ficou  nele  António  de  brito  quinze  dias:  & 
neste  espaço  pelejou  seys  vezes  com  a  gente  dei  rey  de 
Calicut,  sobre  querer  passar  o  vao,  &  de  todas  foy  ven-* 
cedor,  &  fez  grade  destroiçSo  nos  immigos:  o  que  ven- 
do el  rey  de  Calicut,  &  ()  sua  perfia  era  por  demais, 
leuantou  ho  arrayal,  &  recolbeose  pêra  dêlro  de  suas 
terras.  Eel  rey  deCochim  ficou  liure  do  medo  que  tinha 
dele. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXLVI. 

De  como  Marlim  afonso  de  sousa  desbaratou  Cotiálemor 
car  capitão  mor  do  mar  dei  rey  de  Calicut. 

JL  artido  Martim  afonso  do  passo  do  vao,  &  chegado  a 
Cochi,  embarcuuse  cõ  trezentos  dos  nossos,  pêra  ir  bus- 
car a  armada  de  Calicut,  &  ele  foy  em  hOa  carauela, 
&  vasco  pirez  de  sam  payo,  dom  Diogo  dalmeida,  & 
Manuel  de  sousa  de  sepulueda  em  galés ,  &  em  fustiís. 
Fernão  de  sousa  de  tauora.  Martim  correa.  Francisca 
de  barros  de  payua.  lorge  barroso  dalmeida.  Francisco 
pereira.  Gaspar  de  lemos.  leronimo  de  figueiredo ,  Frã- 
cisco  de  saa  &  outros.  E  partido  de  Cochi  foy  correndo 
a  costa  ate  Cbale,  onde  achou  Diogo  de  reynoso  coro 
cinco  fustas,  q  se  acolhera  ali  fugindo  a  Cotiale  marcar 
capitã  mór  darmada  de  Calicut :  &  despoys  de  pelejar 
cõ  ele  hum  pedaço:  esteue  muyto  perto  de  se  perder, 
&  foy  lhe  tomada  hQa  fusta  de  seys  que  trazia,  Scosimi* 
gos  ho  seguirão  ate  Çhale  onde  escapou.  E  recolhido 
Diogo  de  reynoso  á.conserua  de  Martim  afonso,  par- 

LIVRO   VIII.  uu 


3àÔ  bk  tfltsYôWiÀ  DJL  tsmk 

lSd9é  'etil  1yu«te&  dti  artliadtí  âott  !rft'íg;os  tornáâd  pârft  Ck 
chim  &  aô  òtttfo  dia  ^  horafl  de  véspera  théo  Mârii  a* 
fotísò  al(lit)af  €0  ha  galèa  fe  ni6ta«  mayerea  <ia  froU,  & 
as  ligfeyraa  ao  iògò  da  tèrrti,  •pateteo  a  frota  doa  tiuig^os 
t2ittí\yê  aò  (ofrgo  de  lerra  da  psarte  de  Caliciit ,  €c  «ra  de 
vintecirtco  fustas ,  em  ^  acrdauft  tiiti  &  t)uk)hento8  fao«^ 
íii^s ,  &  muylos  d^les  ^spitigaréeiros.  E  como  aparece* 
^ão  os  imig^os  de  supilo,  os  nossos  que  aiidaufio  desejo^ 
aos  de  pelejar  Coeles,  pfiiicipa1«3%te  Diogo  de  reynoso^, 
hia  tiOB  diaúleitõS)  rem^t^  logo  aes  iimgos,  6c  A*aionio 
de  Nina  cupitão  dotftra  fuala,  &  A iilonio  de Booto  t»ay or^ 
&  outros  ^  hiâo  «"as  fii^las  ligeiras  &  dera  -coeles  anlre 
€S  ilheos  de  Pãdarane  lírandolhe  ui  uy  las  bom  bardadas  i8c 
è^pitigaírdad^ã.  GoUiarle  marcar  que  «abia  que  fitarti  a« 
ftrtiso  aTidaiia  no  mar,  par eceelhe  logo <]iie  eraaefuéle^ 
&  pola  fama  que  linha  da  resistêcia  que  fizera  a  el  Tey 
de  Calicut  IrnliaHie  grande  med6,*&  cê  eie  nam  ousoa 
desperar,  &  delerminando  de  se  acolher  a  Calicul,  çar- 
TWí  sua  arniada,  &  a  vé^a^s  '&  remos  se  foy  ho  mais  qne 
pode  perlongando  a  letra  peranlobrav  a  ponta  deCoule* 
te.  Marlim  afonso  que  vio  os  Imigos,  &  como  a  peleja 
Ée  com^Qau-a,  'potque  nam  pedia  cfaeg«r'com  a -caraue-^ 
h,  "Sáliou  em  hõa  fu^sta  das  mai!8  ligeyras,  &  a  biki  ^gen^ 
te  mandoua  meter  na  fu^a^de  1'eronymo  de  figueyredo^ 
&  bota  a  boga  arrancada  a  lomar  a  dianteyra  aos  imi- 
gos,  porque  nam  dobrasse  a  ponta,  &  fey  <5Ô«Ie  Fnin* 
Cfisco  de  barros,  por  ser  a  sfia  fusta  das  niofs  pequenas*. 
£  indo  assi  Diogo  de  fejTroso  &  Afilonio  de  fíma  que 
seguiam  os  tmígos  alcSijarSo  bQa  fusta ,  &  aferrandoha 
saliaram  denlro^com  sua  gente,  que  pe^lejoo  com  tant^ 
esforço  que  *nhd  dos  Imi^^os  ficou  'com  a  vida,  &  com  tu» 
do  dos  nossos  forão  mortos  quatro  &  muytos  feridos :  E 
Vendo  Goliale  marcar  que  Martim  afoneo  lhe  tomaua  l^ 
dianteira,  &  as  ouitras  fuslas  lhe  yão  nas  cestas,  &  as 
galés  lhe  faziSo  rosto  pêra  o  tomarem  de  traués  vio  que 
bo  cercaríão,  &  que  não  poderia  escapar  antes  que  h& 
Cercassem ,  poa  a  proa  em  Tíracote  ^  há  lugar  questá  na 


Livao'  Tiiu  cMvmo  cxtivn.  339 

eofila,  <|iie  lem  hã  Mireeife  de  penedes  diante  do  pctto 
com  dttft»6fiUadM,  hâa. da  bAda  do  norte,  outra do9ul, 
&  08  seus  8f gutrfio  a  poB  eie ,  &  enaecando  as  fualaa 
quanto  poderão  aaltarfto  em  terra  &  meterâose  antre  ae 
fustas ,  ddde  tirana  muylas  bonbardadaa  &  espingarda^ 
das  a  Martin  AfocMo,  qae  entrou  no  arreeife  com  Fran** 
eisco  de  barro» ^  &  lerenjiBo*  de  flgueiredo  pela  entrada 
dai  banda  do  sul ,  &  na  boca  da<  do<  norte  ficou  a  nossa 
(ustalfaa,  por  não  caberem  todoe  dentro,  &  era  hum  e»» 
pantoso  jogo  de  borobasdadas  &  despingardadas  dus  & 
doutros,  &  Martim  afonso  por  se  chegar  aos  Imigos  fir* 
eou»  em  seco  no  rolo  do  mar,,  o  que  vendo  os  immieos^ 
reroetetam  deles  á  sisa  fusta  com  graedes^  gritas:  de  pra«» 
zer,  de  Ibe  parecer  que  a»  ii abam  (ornada,  &chegarSosd 
tanto*  que  Ike  lançanam  mão  da  apelaçim  da  fusta  q^ua* 
cendolha  enaeoar  d»  todo :  &  os  nosaos  quando  assi  vi- 
ram tomar  a  fusta,  metenamse  áe  lanqadaa  &  espingar^ 
dadas  com  os  immigoa'^  de  que  mataram  taatos  que  oa 
fiaeram  afastar^  &  dos  nossos-  foram  mortoa  dous  &  £sh 
ridos  sete  ou  oyto*.  E  eatre  tanto  Francisco  de  Barros^ 
&  leronymo  de  Figueyredo,.  nieteramse  antre  as  fustas 
dos  immtgos^  de  que  queyntòram  alguas  com  panelan 
de  poluora  &  outros  artificios  de  fogo,  &.  nam  deyxa- 
iam  de  pelejar  até' a  noyte,  &  começaram  ás  quatro  ho- 
ras^ &  fiaera»  moyto' grande  dano»  nos  immjgos^  &doa 
nossos  nam  ibram  mortos  mais  de  tfes ,  &  feridos  muy« 
tos« 

CAPITVLO    CXLVIL 

De  coma  MarUnt  efmua  de  sausa  qoiura  pelejar  em  ter^^ 

ra  com  os  imigos  ^  n»  pode., 

juLcabada  a  pelejai,  pda  noyte  que  aobretteo  mandou 
Marli  afoBse  rs tirar  todas  ^  &  fes  a  frota  em  duas  par* 
tes,  &  dftai  deu  cuydadaaManud  de  sousa  de  Sepul* 
ueda,  que  guardasse  com  ela*  a  entrada  do  arrecife  da 
banda  da  nerte,.  &  a  Francisco,  de  barros,  a  outra^  &  que 

uu  2 


840  BA  HirrORU   BA   INBIA 

guardasse  a  do  sul,  porque  os  Imigos  nã  fogissem  de 
noyte,  que  temendo  que  os  nossos  lhe  não  queymassem 
as  fustas  ao  outro  dia,  toda  a  noyte  gastaram  em  varar 
as  fustas,  &  íizerá  estancias  darteibaria  &  fortalecerãose 
grandemente,  &  na  mesma  noyte  acodirâ  todos  os  de 
Coulete,  Termapatâo,  &  doutros  lugares  darredor,  & 
a(juntarãse  quinze  mil  homês,  o  que  se  logo  enxergou 
em  amanhecendo  na  grossa  gente  que  apareceo  &  no 
grande  rurtior  que  fazia.  £  quâdo  Marl!  afonso  vio  aa 
estancias  &  a  fortaleza  l\  tinham  feyta,<  chamou  os  ca- 
pitães a  conselho  a  que  propôs  o  caso,  &que  er^  neces- 
sário pêra  sayr  em  terra  fazer  duas  partes  da  gente  que 
tinha,  bQa  pêra  ficar  na  frota,  outra  pêra  pelejar  em 
terra  9  pêra  o  que  a  gente  que  tinha  era  tam  pouca  ()> 
nam  abastaua  pêra  nenhiia  destas  cousas,  peio  que  to- 
dos acordaram  que  nam  era  bem  pelejar  cõ  os  Imigos , 
pelo  grade  risco  que  se  corria ,  &  i|  se  fossem  logo ,  & 
assi  ho  fizeram  ,  &  tornara  na  volta  de  Cananor :  B  tor- 
nando Marti  afonso  ao  longo  da  costa  peraCalicut,  che-> 
gou  a  ele  bO  catur  bem  esquipado  com  cartas  dei  rey  de 
Gochi,  em  ^  lhe  certefícaua  ^  tornaua  eirey  deCalicut, 
pedindolhe  que  lhe  acodisse  logo,  &  ele  o  fez  assi,  & 
entrou  cõ  toda  a  frota  polo  rio  deCranganor,  &  foy  ter 
ao  pAsso  do  Vao,  por  onde  el  rey  de  Calicut  entraúá  da 
outra  vez,  &  hi  achou  António  de  brito  com  os  casados 
de  Ck)cbira ,  &  outra  gente  esperando  por  el  rey  de  Ca* 
licut,  que  sabendo  Q  Marti  afonso  era  chegado,  nam^ 
quis  cometer  de  passar ,  &  tornouse ,  que  nam  cuydou 
que  Marti  afonso  podesse  acodir  tam  de  pressa,  &  por 
isso  cometia  ho  passo :  &  vendose  assi  estornado  ficoa 
tã  quebrado ,  que  aquele  verão  nam  cometeo  mais  de 
querer  passar  a  Repeli  &  espalhou  sua  gente,  o  que  sa- 
bido por  Martim  afonso  se  tornou  outra  vez  a  correr  a 
costa,  onde  tambê  não  achou  a  armada  deCalicut,  que 
com  medo  dele  se  recolheo  &  ficou  a  costa  despejada , 
pelo  que  aquele  anno  nã  foy  nenhiia  especiaria  ao  es- 
treylo^  &  Marl!  afonso  se  recolheo  em  Mayo  a  Cocbiai^ 
onde  ínuernou. 


LIVRO  VIII.   CAPITVLO   CXLVIIU  341 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXLVIII. 

De  como  Açadacão  começou  de  fazer  guerra  ao  gouer* 

fiador. 

V  endo  Açadacam,  senhor  de  BilgSo,  que  por  mais 
gente  que  mandaua  pêra  tomarem  as  Tanadarias ,  que 
lhe  ho  gouernador  tinha  as  nam  podiâo  tomar ,  &  sem- 

fre  era  vencida  em  todas  as  batalhas  que  dauam  aos 
Portugueses,  determinou  de  as  cobrar  por  guerra  guer- 
reada, a  que  principalmente  ho  demoueram  conselhos 
dei  Rey  de  Cambaya,  que  determinaua  de  tomar  alu- 
dia aos  Portugueses  (coroo  direy  a  diante. )  E  determi- 
nando de  fazer  esta  guerra  foy  com  muy ta  gente  assen- 
tar seu  arrayal  junto  do  Rio  de  Salsete,  mea  legoa  da 
fortaleza  de  Rachol,  com  fundamento  de  <^arrar  aos  Por- 
tugueses ho  caminho  pêra  esta  fortaleza,  com  outra  que 
ati  queria  fazer ,  &  deix>is  de  çarrado  tomar  a  fortaleza 
de  Kachol,  com  quantos  estauam  nela :  &  mandou  logo 
assentar  hfia  estãcia  com  três  peças  dartelharia  em  hOa 
terra  grossa  ou  morro,  quasi  como  rocha  que  se  fazia  on- 
de ho  rio  se  estreitaua  muyto,  &  como  ho  canal  do  rio 
era  pegado  cõ  este  morro^,  nam  podia  nenhiia  cousa  pas- 
sar pêra  a  fortaleza  que  a  nam  pescasse  aartelharia:  O 
que  vendo  Gonçalo  vaz  Coutinho,  &  Anrrtque  de  melo 
Coutinho,  &  lorge  de  melo  soarez,  i|  guarda uam  aquele 
rio  em  duas  galeotas  &  hua  a ibe toca,  deram  hQa  ante- 
menhaâ  com  sua  gente  na  estancia  que  digo,  &  fazen- 
do fogiros  mouros  que  a  guardauam ,  tomaram  a  arte- 
Iharia,  do  que  Âçadacflo  ticou  muyto  injuriado,  &  es- 
tfldo  assi ,  faltou  ho  mantimento  a  estes  capitSes  que 
guardauam  ho  rio,  por  lho  nã  mandar  Miguel  froes  fey- 
tor  de  Goa,  que  tinha. cuydado  de  lho  mandar,  &  tar* 
dando  ho  mantimêto,  tanto  Q  os  eapitães  nem  a  gSte 
poderS  sofrer  a  fome ,  forãose  ao  passo  Dagact  na  jlha 
de  Goa ,  cuydãdo*  de  ho  acharè  hi ,  &  tSpouco  ho  não 


t4S  BA   VISTORIA   DA   IUMA 

acharSO)  &  ainda  ali  esperaram  por  ele  Ires  ou  quatro 
dias  9  &  neste  tCpo  vSdo  Açadacio  qtve  ttao»  auia  guar- 
da no  rio  {^  estoruasse,  fortaleceo  logo  acjuele  passo,  fa- 
aendo  em  ambas  as  bandas  do  rio  estacadas  dobradas  8b 
entulhadas,  eslreitanduho  de  tal  maneyra,  que  nam  fi- 
caua  mais  espaço  que  quanto  passasse  hii  bar^antl  diaft» 
te  doutro ,  &.  na  coroa  do  morio  que  era  chaA  da  banda 
do  ria,  cMide  auia  algua  Moneyra  de  desembarcaram , 
ainda  que  mujto  roím ,  fez  logo  hum  muro  de  palmeji-- 
ras  de  duas  faces ,  entulhado  de  lerr»,  rama ,  &  pedras 
com  hum  baluarte,  btraueaes,  etn  que  fbrfto  assStadas 
alguaa  pec^s  dartelharia,  &  »a  terra  qtie  cercaua  o.  mor» 
ro,  que  era  apaulada,  midou  leoanítar  muytas  valas, 
em  que  foy  assentada  algfia  attelhari»,.  &  assí  foy  coo* 
tinuádo  a  cerca,  com  que  ficasse  hOa  for<^  fortíssima, 
&  ficasse  <;arrado  bo  caminho  pêra  Rachais  E  afora  a 
gfite  de  seruiço  <|  era  rouyta,  tinba  AçadacSo  em  guv* 
da  desta  obra  des  mil  monroa,  em  qtte  enlrauam  muy* 
toa  frecheiros  &  espingardeiro»:  B  quando  Gom^o.  vas 
lof noii  com  oa  outros  oapttSes ,  ^  viram  a  cousa  como 
ja ,  &  a  determinação  doo  mouros  ^  mandaram  disec  ao 
gouernodur  quo  mandasse  mais  gente,  pêra  verem  ao 
podiam  estornar  que  aquela  obra  nam  fosse  auante ,  h 
ele  Oftandou  tam  pouca  que  nam  aproneytou ,  &  torna» 
ramlho  a  mandar  quo  naaadasse  mais ,  porque  era  ho 
feyto  perigoso^  flt  ora. necessaría  mujta  goote. 

C  A  P  I  T  Y  L  O    CXLIX. 

De:  como  éam  Gonpala  eeutínhajfo^  ckakimfaiipi  y  no 

(Mtfso  Detúrim 

vyom  esto  segundo  recado  de  Gonçalo  vaz  oonHoho, 
despachou  logo  ho  governador  a  dom  GSçala  coutinho , 
S  fosse  por  mar  cõ  oytooBtoa  Portugueses  ^r  a  desfavor  a 
fortaleza  ^  Açadacá'  faaia  no  paaso.dciBorí  ({|.as8Í  auia 
nome  aquele  passo )  &  oa  capitáoo  qnn  o  acôpanharSo 


LirRO  -VIU.  cAFinrLo  cn.ix.  S43 

forSo,  Lionel  de  Hiaa ,  Manuei  áe  va«conceIo8 ,  loáo 
juMtrte  tk^ão,  GÔçalo  vaK  couUnbo,  lorge  de  iih^Io  soa- 
res, Anrríoue  áe  melo,  Trislâo  hontC,  Simà  de  lima, 
Diogo  botelho  ^àdrade^  Afonso  iialbo,  Miguel  dayala, 
&  outros  a  que  nã  soube  os  'nomes,  iodíos  fidaigofi  6i  gen* 
.le  de  feilo :  £  falia  terça  feira  ero  anoytecendo  foy  dom 
Gonçalo  com  seus  capitães  embarcar  ao  passo  Dagaciai, 
fe  o  Testo  da  noyte  que  |>a8sou  no  rio  perto  do  passo  de 
Bori ,  ordenou  c5  os  outros  capitães  de  cometer  a  forta- 
leza dos  mouros  em  amanheoedo,  &  que  ele  cõ  quatro- 
centos homes  daria  no  rosto  da  fortaleza ,  Q  era  o  lugar 
mais  perigoso,  &  Lionel  de  lima  com  duzentos  Portu- 
gueses desembarcaria  mais  a  baixo  pêra  Goa ,  &  rodea^ 
ria  pêra  cometer  a  fortaleza  por  de  trás ,  &  Manuel  ée 
vasconceios  com  outros  duzStos  desembarcaria  mais  a^ 
cima  pêra  Rachel  pêra  dár  por  outra  parte ,  êi  tomas- 
sem os  mouros  no  meo  que  não  se  fodessem  defender: 
£  porque  por  amor  do  morro  que  fazia  bQ  cotouelo,  não 
Be  podião  Ter  pêra  darè  todos  a  h&a ,  assentouse  que 
qoãdo  dom  Gonçalo  ouuesse  de  desembarcar  ,  mandasse 
4ocar  as  suas  Irôbeias,  pêra  que  a  este  sinal  desembar- 
csiBsem  Lionel  'de  lima  &  Gonçalo  vaz :  £  qiuerendo  a^ 
manbeeer  abalou  dA Gonçalo  pêra  «e  chegar  á  fortaleza, 
'&,  os  «outros  coeie,  cada  capitão  e8  sua  gente  pêra  onde 
ihestaua  assimido  (}  desembarcassem :  &  quis  sua  desa» 
iientura  de  d6Guiiçalo,  que  bua  fusta  «m  <]ue  ya ,  assi 
fx)r  s«r  grande  como  por  jr  muyto  carregada  y  nâea  po- 
de nad*r  pêra  chegar  onde  auia  «de  desembarcar,  no  que 
«e  deteue  até  meobaã  elara^  o  que  v^ndo  dom  Gronçalo, 
i&  -que  a  fusta  não  surdia ,  mudouse  dela  a  btl  eatur ,  & 
coeBÍã  reuolta  •&  cô  a  grande  opressão  que  lhe  dana  a 
artelharia  dos  imigos  que  neste  t&f)o  jugaua  muy  bra- 
uan»ente,  esquecee  a  dom  Gonçalo  de  leuar  eonsigo  as 
irombe<as  pêra  fazer  o  sinal  questaua  ordenado ,  nem 
menos  Ibe  Icmíbrou  teuar  a  band^^ira :  E  cbeganduse  ele 
pêra  o  morro  com  a  gCte  do  seu  escoadrão ,  í\  ficou  no 
meo  4as  'estancias  darietbaria,  que  4m  mouros  iiabão  naa 


344  3k   HISTORIA    Dá    ÍNDIA 

estacadas  dambas  as  bandas  do  rio,  em  que  tSobem  ed^- 
lauão  muytos  frecheiros  &  espingardei ros^  foy  cousa  me- 
donha de  ver  os  pelouros  de  bombardas  &despingarda8 
Q  desparauâ  dOa  &  doulra  parte >,  bobas  de  fogo,  &  fre- 
chadas,  que  lodo  o  ár  era  cuberto:  £  logo  muyloa  dos 
Portugueses  do  escoadrão  de  dom  Gonçalo  forão  feridas 
&  mortos,  &  ele  chegou  c5  muyto  grande  trabalho  a  hfta 
calheta  ()  se  fazia  ao  pé  do  morro  á  borda  do  rio  onde 
auia  de  desembarcar,  &  hi  achou  ò  calur  Dafonso  Galho 
que  ja  tinha  desembarcado,  &  foy  o  primeiro  que  com 
quatro  dos  da  sua  capitania  trepou  polo  morro  &  subto 
ao  muro,  &  hu  dos  quatro  auia  nome  Bastião  da  costa, 
&  outro  loão  pinheiro  mulato  &  natural  de  Setuuel,  & 
aos  outros  nã  soube  os  nomes:  E  posto  que  sobre  o  mu- 
ro acharão  grande  resistScia  nos  imigos,  de  que  matarS 
nalgils,  &  outros  fizerão  saltar  a  baixo  feridos,  ganharIL 
hft  pedaço  do  muro ,  recebêdo  sobrisso  muy  grades  ferir 
das,  &  se  teuerão  quê  os  ajudara,  sempre  a  fortaleza 
ficara  poios  Portugueses ,  por  cujos  peccados  nosso  Se- 
nhor permitio  que  não  se^ganhasse:  Equerendolhedom 
Gonçalo  acodir,  arremesouse  cõ  muyta  pressa  fora  do 
catur,  &  passando  por  cima  do  outro,  começou  de  tre- 
par por  hfls  páos  diante  de  (odos  os  que  o  acompanha- 
uâ,  &  sobindo  ao  muro  cÕ  muyto  grande  ousadia,  deu- 
lhe  dil  traués  hua  arcabuzada  no  braço  esquerdo  l\  lhe 
esmiunçou  grade  parte  dele,  &  coesta  juntamSte  Ibede- 
râo  com  húa  panela  de  poluora  na  cabeça  que  o  ouuera 
de  queimar,  se  não  fora  a  celada  que  leuaua ,  &  coisto 
foy  tanta  a  pedrada  com  grandes  pedras ,  que  o  desati» 
narão  &  cayo  a  baixo,  &  deste  mesmo  traués  forão  tan- 
tas as  arcabuzadas,  panelas  de   poluora,  &  pedradas, 
que  não  deixara  sobir  nhfi  da  sua  companhia,  &  no 
mesmo  catur  matarão  &  ferirão  a  todos,  &  antreles  foy 
Tristão  home  valente  caualeiro ,  que  eu  conheci  na  ín- 
dia, &  a  gSte  dos  outros  catures  do  escoadrão  de  dò 
Gõçalo  não  poderão  desembarcar  na  calheta,  por  ser  tão 
estreita  que  não  cabião  nela  mais  que  os  dous  qae.esr 


LlVflfO    VIIK    CAPITVLO   CXLIX.  34& 

tnuS  dSlro,  &  quãdo  víão  Q  nSo  podião  entrar  chega- 
uãose  ao  morro  &  trepauS  por  ele  pegaodose  a  vergon- 
teas  &  a  troços  deruas ,  mas  os  tnouros  não  os  deixauS, 
iirandolhes  com  o  que  disse,  &  coisso  muylos  tições  a-' 
cesos,  com  que  feriâo,  espedaçauâo  &  malauâ  os  Por- 
tugueses sem  se  poderS  valer,  &  entretanto  Afonso  fia* 
lho  &  os  outros  qualro  que  estauão  sobre  o  muro  forão 
lâo  apertados  dos  mouros  cõ  feridas  que  receberão,  que 
loão  pinheiro  &  outros  dous  cayrão  mortos  do  muyto 
sangue  que  se  lhes  foy ,  &  Afonso  (ialho  &  Bastião  da 
costa  forSo  deitados  do  muro  abaixo  quasi  mortos,  &  fo- 
ra cayr  no  catur  antre  os  outros ,  a  ^  os  mouros  derão 
grade  grita:  Neste  tempo  Lionel  de  lima  que  desem- 
barcou primeiro  que  dõ  Gonçalo,  quãdo  vio  que  tarda- 
va o  sinal  das  trombetas,  &  entrando  per  hQ  aruoredo 
espeso,  foy  sayr  onde  os  mouros  tinha  feytas  suas  va- 
las detrás  da  fortaleza,  &  como  era  mancebo  &  esforça- 
do, em   vendo  os  mouros  adiantase  do  corpo  da  gente 
com  cinco  homSs,  leuando  ho  seu  guia,  &  foy  cometer 
hu  magote  de  mouros,  !\  o  ferirão  tão  mortalmente  des- 
pingardadas  que  logo  cayo  morto,  pelo  í)  o  seu  guião 
&  os  cinco  lançarão  a  fugir,  &  os  outros  que  (ícauão  nil 
corpo  quando  aquilo  virão  desbaratarãose  com  medo,  & 
fufifirão  tão  desatinados  que  não  pararão  menos  do  rio& 
embarcarãose  com  grande  afronta,  porQ  os  seguião  os 
mouros  &  matarão  muytos,  &  acabarão  todos  se  não  fo- 
rão os  nauios  a  ^  se  acolherão,  &  Manuel  de  Vasconce- 
los não  desembarcou ,  porque  não  ouuio  o  sinal  !|  espe- 
raua,  &  teuese  até  ver  o  que  seria,  se  não  quãdo  ouuio 
a  grita  dos  mouros  cÕ  prazer  do  desbarato  de  dom  Gon- 
çalo, q  se  partio  logo  pêra  Agacim,  com  lhe  ficarem 
mortos  perto  de  duzStos  homSs,  em  que  entrarão  Tris- 
tão homS,  Lionel  de  lima,  Simão  de  lima  &  outros,  & 
leuar  quatrocentos  feridos,  &  assi  se  tornou  pêra  Goa. 


LTVBO  VIII.  XX 


8M  BA   HISTORIA   DA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CL. 

De  como  Pêro  de  faria  derrtbmi  aforiaUxa  de  RachoL 

t^ora  quanto  dom  Gonçalo  foy  desbaratado,  neoi  por 
isso  ho  Gouernador  dey xou  de  mandar  guardar  o  rio  co<^ 
mo  dantes ,  pêra  que  esioruasse  4  o^o  fizessem  os  !mi- 
fos  a  fortaleza  que  faziâo,  &  deixou  Gõçalo  vaz  couti«- 
nbo  com  os  capitães  que  tinha  &  ainda  oulros,  que  fo^ 
rSo  loâo  j  usar  te  tição  ^  loão  fernandez  de  Vasconcelos, 
Diogo  botelbo  dandrade,  &  IMiguel  dayaia,  &  esles  três 
em  bateis  de  mantas,  pêra  esbombardearem  os  mouros 
qoaodo  trabalhassem  na  fortaleza,  &andauão  certos  ca^ 
pitfles  de  caiures  pêra  acodirem  a  estes  bateis  se  fosse 
necessário:  £como  Açadacâo  vio  esta  armada  Q  anda-» 
ua  no.  rio,  não  quis  mandar  trabalhar  na  fortaleza  de 
dia,  porque  dos  bateis  lhe  matauão  a  gente  cõ  bobar* 
dadas,  &mandaua  trabalhar  de  noyte  que  lhe  nãofarião 
tanto  nojo:  Ecom  quanto  os  Portugueses  derribauào  de 
dia  com  a  artelharia  parte  da  obra  que  se  fazia  de  noy- 
te, náo  era  (âto,  que  não  fosse  em  mu^^to  crecimenlo, 
&  nefita  perfia  estcauâo  continuamente ,  em  que  hús  & 
outros  leuauão  muy  grande  trabalho:  E  aigús  arrenega- 
dos 4  estauã  com  Açadacâo,  diziâo  de  noyte  por  seu 
mandado  a  Gonçalo  vaz ,  que  se  espàtauâo  dele ,  f\  seut- 
do  tão  b5  cauaieiro  &  antigo  na  índia,  não  conselbar  ao 
gouertiador  Q  disistisse  daquela  guerra  que  fazia  a  Açar 
dação  pois  era  lâo  injusta,  *que  por  força  lhe  queria  lo*> 
mar  suas  terras ,  sendo  ele  amigo  dei  Rey  de  Forlugal 
fc  tendo  ambos  paz,  &  sobre  {}  linha  protestado  Q  auão 
quebraua  por  se  defender  &  trabalhar  de  cobrar  suas 
terras ,  que  lhe  o  gouernador  tinha  por  força ,  &  como 
fosse  na  índia  outro  gouernador,  auia  de  mâdar  tirar  bfi 
estromento  da  pouca  culpa  que  tinha  naquela  guerra,  & 
de  não  ser  em  cargo  dos  gastos  que  o  gouernador  fazia 
nela ,  pois  se  defendia ,  &  que  com  aquele  estormento 


LKVBO  VIU.    CÁVITVLO   CL.  347 

aoia  de  mandar  bum  seu  criado  a  Portugal  queixarse  a 
e\  Rej  da  guerra  que  Ibe  ho  gouernador  fazia ,  &  tftlaf 
veaes  foj  iato  dito  a  €rÕçalo  vaz  que  deitou  nifto  ditsoj 
&  escreueobo  ao  gouernador,  &quedeoia  dacodir,  porq 
a  fortaleza  doa  niouroa  ya  de  cada  vez  em  crecimento, 
aem  lhe  poder  eitoniar  que  nSo  foase ,  &  mais  que  ele 
íí  outros  capitães  estauSo  de  dStro  do  rio  pêra  Rachol , 
donde  oáo  podiáo  sayr  sem  inuy to  perigo :  E  vista  esta 
carta  pelo  gouernador,  pareceolbe  que  Açadacão  se  ju»- 
tiiicaua,  assi  pêra  Ibe  alargar  asTanadarias  que  Ibe  ti- 
nha tomadas ,  que  ete  estaoa  bem  fora  de  Ibas  tornar 
em  quanto  as  podesse  defender :  £  por{|  pêra  esta  guer-' 
ra  lhe  fazia  grande  pejo  a  fortaleza  de  Kacbol,  pois  pe-^ 
ra  a  segurar  Ibera  necessário  ter  sempre  gSte  naquele 
rio,  &  por  amor  dela  Ibe  era  grande  perjuyzo  fortalecer 
Açadacão  aquele  passo ,  pos  em  conselho  se  serra  bem 
derribala,  &  foy  acordado  que  sy,  pêra  bo  qne  logo  de»« 
pachou  Pêro  de  faria,  porQ  sabia  muylosardijs,  &aque 
08  mouros  auiSo  grande  medo:  E  cbeg.ado  Pêro  de  fa- 
ria, logo  de  noyte  lifae  os  arrenegados  disserSo  bo  que 
diziSo  a  Gonçalo  vaz  acerca  da  guerra  com  Açadacâo,- 
ao  que  eie  respondeo,  que  lhe  dissessem  ,  que  cousa  de 
tanto  peso  como  aquela,  se  nam  auia  de  dizer  assr,  que 
falasse  coele  &  entenderseySo.  E  como  AçadacS  dese- 
jaua  mnylo  de  ter  paz  c&  o  gouernador ,  pêra  cobrar  m- 
suas  Tanadarias ,  que  bem  via  Q  por  guerra  auiSo  de 
ser  ra^s  dauer,  folgou  coeste  recado  de  Pêro  de  faria, 
&  ao  outro  dia  fez  como  Pêro  de  faria  lhe  fosse  falar, 
dãdolhe  arrefefis  seguros ,  por()  ele  por  ser  muy to  velho 
nã  podia  decer  do  Morro :  E  nesta  vista  cdcertarão,  que 
A^dacSo  mandasse  ao  gouernador  bii  embaixador,  com 
hâa  r»s4ru<;ft  do  que  queria,  &  que  ete  lhe  escreveria 
que  o  fizesse,  &  isto  por  Goa  receber  dele  boa  vezínhau-^ 
ça ,  &  nS  por  medo  de  guerra ,  porque  aquela  força  nS 
era  nada  pêra  os  Portugueses  se  eles  quisessem  :  &en(re- 
tãto  que  o  embaixador  fosse  &  tornasse  Q  teuessem  tre- 
goas^  &  tudo  isto  era  ardil  pêra  poder  derribar  a  forta- 

XX  2 


348  Dá   historia    BA   IlfDIA 

leza  de  Rachol  &  passar  sem  perigo,  porque  doutra  ma- 
neira náo  podia  ser ,  &  assi  ho  escreueo  ao  gouernador, 
&  Q  pêra  o  poder  fazer  deieuesse  o  embaixador  Daça- 
dação  alé  muylo  tarde  9  &  Q  soubesse  que  quãtos  Por- 
tugueses auia  na  Índia ,  não  erSo  poderosos  pêra  derri* 
barê  a  fortaleza  que  fazia  Açadaca :  £  partido  ho  em- 
baixador ,  Pêro  de  faria  passou  fi  paz  pêra  a  fortaleza 
de  Racbol  por  virtude  das  tregoas ,  &  oiuito  de  pressa 
recolheo  a  artelbaria  da  fortaleza  &  a  gente  nos  nauios 
que  tinha,  que  fez  logo  sajr  pêra  fora,  que  tàobem  pas- 
sara em  paz ,  &  ele  ficou  cÕ  algiis  bõbardeiros  picado  a 
fortaleza  &  minâdoa,  o  que  tudo  se  fez  muylo  prestes: 
&  cõira  a  tarde  mãdou  dar  fogo  ás  minas ,  ^  arrebenta- 
do cayo  toda  a  fortaleza  sem  ficar  nada  em  pé,  &  derao 
tamanho  estouro  ^  foy  ouuydo  dos  mouros,  &  Açadacão 
mandou  logo  por  terra  saber  que  era  aquilo  ( que  nSo 
voou  ao  que  era)  por  estar  descuydado  de  tal  cousa ^ 
por  lhe  parecer  que  o  gouernador  quereria  paz ,  segun- 
do entendera  em  Pêro  de  faria ,  que  em  dando  fogo  ás 
minas  se  foy  polo  rio  abaixo :  &  enlretâlo  o  embaixador 
Da^dacSo  foy  ao  gouernador  com  a  instruçSo  de  sua 
embaixada,  Q  era  pedirlhe  as  Tanadarias,  lembrando- 
lhe  a  condição  cõ  ^  lhas  dera.  £  vendo  o  gouernador  a 
carta  de  Pêro  de  faria ,  deteue  o  embaixador  até  bem 
tarde ,  &  respondeo  por  derradeiro  que  não  queria  sol- 
tar as  Tanadarias,  nê  queria  coele  paz  se  nã  guerra.  £ 
partido  o  embaixador  coesta  reposta,  em  chegado  ao 
passo  de  Bori  achou  no  rio  Pêro  de  faria  que  vinha  de 
derribar  a  fortaleza  de  Rachol,  &  logo  se  foy  pêra  Goa 
zombando  Daçadacão,  ^  senlio  muyto  o  engano  que  lhe 
fizera  Pêro  de  faria  &  mais  porque  ticaua  de  guerra  com 
o  gouernador ,  &  esleue  assi  suspenso  hus  dias  cuydan- 
do  no  que  faria. 


LlVaa  VIII.    OAFITVLO   CLI.  349 

C  A  P  I  T  V  L  O    CU. 

Dú  ardil  c6  que  el  rey  de  Cambaya  quisera  cegar  afor^ 

taUzã  de  Diu  ^  nSo  pode. 

Jbil  rey  de  Cambaya  (  ooiuo  disse  a  iras  )  estaua  muyto 
arrependido  de  dar  íbrlaleza  em  Diu  ao  Gouernador  de* 
terminou  de  a  lomac,  pêra  o  que  quisera  fazer  o  muro 
âtre  a  cidade  &  a  Íbrlaleza  j  que  lhe  o  gouernador  não 
cõsentio :  £  dissimulado  {}  lhe  não  daua  disso :  como  se 
o  gouernador  parlio  de  Diu ,  se  lhe  dobrou  a  vontade  Q 
tinha  de  tomar  a  fortaleza,  pêra  que  mãdou  ao  Rao  ca* 
pitão  de  Diu,  que  tanto  Q  se  ele  partisse,  come^^asse  de 
fazer  bttas  estrebarias  no  lugar  em  que  quisera  fazer  o 
muro  &  Q  fossem  compridas,  &  de  vinte  pés  de  largu- 
ra, com  as  paredes  muyto  fortes  que  viessem  ao  oliuel 
do  itmro  da  fortaleza  &  se  lhe  perguntassem  que  era  al- 
quilo ,  dissesse  que  erâ  estrebarias  pêra  caualos  que  ali 
determinaua  de  ter :  &  como  fossem  acabadas  as  entu- 
Ihasse  secretamfite  &  entulhadas  que  ficaria  hQ  forte  mu- 
ro assentaria  nele  a  artelharia  que  lhe  parecesse  neces* 
saria  pêra  bater  a  fortaleza,  &  que  lhe  mandasse  recado 
que  tornaria  logo:  E  deixãdolhe  cinquoenta  mil  homès 
de  peleja,  se  partio  a  cobrar  os  lugares  que  lhe  tinhão 
tomados,  &  ele  partido,  dahi  a  poucos  dias  começou, o 
Rao  de  fazer  as  estrebarias :  E  sabido  por  Manuel  de 
Sousa  capitão  da  fortaleza,  logo  lhe  pareceo  o  que  era, 
&  roais  lembrandolhe  o  muro  Q  eirey  quisera  fazer  na- 
quele lugar,  &  tàobê..lbo  disserâo  os  Portugueses,  con- 
selbandolhe  que  mãdasse  dizer  ao  Rao  que  não  fizesse 
aquelas  estrebarias,  íl  quando  nào  quisesse,  Q  lhas  der- 
ribassem: E  parecendo  isto  bê  a  Manuel  de  sousa,  lo- 
go aos  quatro  diaa  Dabril  se  foy  a  casa  do  Rao ,  &  de- 
pois de  lalar  coeie  sobre  não  fazer  as  estrebarias,  &  as- 
sentarão que  o  Rao  mandasse  dizer  a  el  rey  deCàbaya, 
como  Manutd  de  souaaJhe  ya  á  mão  a  fazer  as  estreba- 


SSa  DA   HISTORIA    VA    INinA 

rias,  que  lhe  mandasse  dizer  o  que  faria,  &  ()  entre- 
tanto nâ  se  bolisie  nelas  i  &  o  Rao  n&  entistia  mais  era 
fazer  o  que  lhe  mandaua  el  rey  deCambaya,  tendo  tan- 
ta £6te  pêra  o  poder  fater  ^  assi  per  ser  amigo  de  Mar 
nuel  de  sousa  y  como  polo  ter  de  sua  parte ,  pêra  se  lhe 
el  rey  de  CSbaya  quisesse  fazer  algum  mal ,  &  se  isto 
nio  fora  sempre  insistira  em  íazeraa estrebarias,  &  rom- 
pera a  guerra,  com  o  ^  Manuel  de  sousa  teuera  grande 
trabalho  por  ser  entrada  dÍDuerno,  &  o  gouernador  nâ 
lhe  podia  socorrer :  E  sabendo  el  rey  de  Uflbaya  por  re» 
cado  do  Rao,  coroo  lhe  Manuel  de  sousa  impedia  as  es^ 
trebarias  &  imaginando  que  seria  por  entSder  o  fim  pe^ 
ra  que  erSo,  não  quis  que  lhe  eatèdessem  sua  determi-* 
nação,  &  mudou  o  propósito  Q  tinha  de  tomar  a  forta^ 
leza  cò  dissimulações,  se  nã  deseubertamèie  por  sua 
pessoa :  &  pêra  ^  o  gouernador  não  podesse  socorrer  á 
fortaleza,  escreueo  a  Nizamaluco,  aHidalcã,  &  aÂça«» 
dação,  &  a  el  rey  de  Calicut,  i\  determinaua  de  tomar 
á  fortaleza  de  Diu ,  &  despois  deitar  os  Portugueses  fo* 
ra  da  índia  pedindolhes  muyto  J\  o  ajudassem  cd  faserfi 
guerra  aos  Portugueses,  pori|  ocupados  coela,  não  po^ 
dessem  socorrer  híks  aos  outros ,  &  esta  foy  a  causa  Da-» 
çadacã  &  el  rey  de  Calicut  fazerem  a  ^sfuerra  {)  fazião 
aos  Portugueses ,  &  Nizamaluco  &  Hidalcão  não  a  fíz&* 
rão,  por  não  estarem  em  tempo  pêra  isso,  &  escreueo 
tãobem  ao  Raa  ^  deixasse  de  fazer  as  estrebarias ,  pcH*^ 
que  tinha  determinado  de  tomar  a  fortatesa  por  outra 
maneira,  que  como  fosse  desocupado  dos  negócios  S  que 
andaua ,  que  ele  acodiria  a  Diu  -&  toniaria  a  fortaleza , 
&  assi  Ihesereueo  o  Q  escreuia  aos  reys  da  índia ,  & 
ceeate  recado  não  toj  feyta  mais  obra  nas  estrebarias, 
cova  -o  <^uè  Manuel  de  sousa  ficou  ilescãçado,  porê  ficom-^ 
lhe  outra  guerra:  por{}  sabendo^^e  mouros,  psiocipaU 
mete  os  soldados,  Q  el  rey  deCambaya  determinaua  de 
tomar  a  fortaleza ,  êsoberbeoeranse  nmyto  cfttra  os  Por^ 
tugueses,  &  queriam»  tratar  como  oatíuos,  dandolbes 
mi<2;tos  encõtros  se  oe  aobauina  ei^laiàe,  &  oospiado 


LIVRO   TH r.    CATITVLO  CU.  SÔl 

neles,  &  dixCdolbes  palauras  injuriosas.  O  que  sabendo 
Manuei  de  sousa ,  por  eseusar  brigas  &  soster  a  paz , 
paaadou  pregoar  4  sopena  de  dez  pardaos,  nbii  Portu- 
guês nâ  fosse  fora  da  fortaleza ,  roais  Q  até  hft  tiro  de 
pedra:  &  sabendo  os  Portugueses  a  causa  do  pregão, 
ná  o  podião  sofrer,  &  diziâo  que  pêra  Q  era  ter  paz  c6 
os  mouros  pois  eles  queriâo  guerra,  &  não  deixauão  dír 
á  cidade  em  cõpanhias  &  rouyto  a  recado :  E  acerlouse 
aos  quatorze  de  lunho,  Q  andando  híls  Portugueses  na 
cidade ,  hú  tiro  de  besta  da  fortaleza ,  quis  hum  mouro 
dar  hiia  bofetada  a  hum  Português,  &  eie  bo  matou  an- 
tes ^  Iba  desse ,  sobre  o  que  se  armou  bu  brauo  arroido 
de  cutiladas  &  pedradas,  antre  muytos  mouros  &  algfls 
Portugueses ,  ao  ^  Manuel  de  sousa  acodio  &  fez  reco- 
lher os  Portugueses ,  ^  os  mouros  ouuerSo  por  seu  ba- 
rato de  se  apartarê  por^  leuaua  o  peor,  do  Q  pesou  muy- 
io  aos  Portugueses  Q  andauâo  no  arroido  pdr^  lhe  nam 
deixarão  matar  os  mouros,  &  deitauão  as  armas  no  chão 
cõ  menScoria :  £  recolbendose  Manuel  de  sousa,  mata- 
ffio  os  mouros  cinco  Portugueses  ^  andauã  negoceãdo 
na  cidade,  do  ^  Manuel  de  sousa  ficou  tão  agastado, 
que  pos  em  conselho  se  rõperia  a  guerra ,  &  foy  deter- 
minado i\  não ,  &  a  principal  causa ,  por  nã  terê  agoa 
na  fortaleza,  sem  i\  não  poderião  sofrer  o  cerco,  &  lão- 
bem  por  auec  tamanha  soma  de  mouros  na  cidade ,  Q 
lhe  darião  assaz  de  fadiga,  &  por  nã  poderem  ser  so- 
corridos em  menos  ^  dali  a  ires  meses,  por  isso  fi  se 
deuia  de  payrar  o  melhor  ^  podessem ,  &  pedir  ao  Rao 
^  entregasse  os  mouros  Q  matara  os  Portugueses,  pêra 
Manuel  de.  sousa  fazer  justiça  deles,  &  quando  não  qui- 
sesse, ^  dissimulasse  até  a  vinda  do  gouernador,  a  )| 
maodariâo  recado  como  viesse  o  verão  &  entã  se  vinga- 
ria. Isto  assentado,  Manuel  de  sousa  quis  ser  ho  Q  fos- 
^e  pedir  os  mouros  ao  Rao,  &  não  leuou  mais  que  quo- 
renta  alabardeiros  &  espingordeíros  j}  erâo  da  sua  guar- 
da, &  assi  seus  criados,  fazendo  fechar  as  portas  da  for- 
taleza ao  alcaide  már  antes  que  se  apartasse  dela,  &r6- 


862  OA   HISTORIA    BA   fNDfA       ^ 

querendolbe  da  parle  dei  rey  f\  Dão  deixasse  sajr  dela 
nbils  Portugueses,  &  I{  ficasse  por  capiíão  se  lhe  aoSle- 
cesse  aigQa  .cousa ,  &  cõ  islo  .se  foy  ás  casas  do  Rao,  l[ 
eslauS  cercadas  de  bê  quorenta  mil  mouros  todos  arma* 
dos ,  &  tS  soberbos ,  Q  punhâo  niedo  a  qu6  os  via,  &cd 
tudo  nâ  bolirS  consigo  vedo  Manuel  de  sousa,  &  derão- 
lhe  lugar  que  entrasse :  Entrado  e|e ,  cõ  tanta  segurí* 
dade  como  Q  eles  fora  seus ,  &  faUtdo  ao  Rae  queixan*» 
dose  dos  mouros  ^  lhe  matara  os  Portugueses ,  quisera 
Q  lhos  entregara,  &  ele  se  lhe  desculpou  1)  o  não  podia 
fazer  sem  licSça  dei  rey  de  Cambaya^,  a  quê  escreueria 
a  cousa  como  fora,  &  i}  ele  lhe  mãdassa  pedir  os  mou«* 
ros ,  &  assi  se  íez ,  mas  el  rey  de  Câbaya  se  rio  bã  dm 
lhe  Manuel  de  sousa  pedir  os  mouros,  &  escreueolhe  Ç 
Ihosnã  auia  de  dar,  porem  Q  mãdaría  aos  seus  Cacizes 
que  os  encomendassem  a  Mafamede«  E  quâdo  Manuel 
de  sousa  vio  esta  reposta,  teue  por  certo  2)  el  rey  lhe 
auia  de  fai^er  guerra  ou  algfia  treyção,  &  dali  por  diãte 
nH  repousaua  coeste  cuydado,  &  tinha  grade  guarda  so- 
bre o8  Portugueses  que  nS  fossem  á  cidade ,  &  vigiaua 
de  noyte  a  fortaleza  cÔ  muyta  diligencia. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CUL 

De  como  el  rey  de  Cambaya  tornou  a  Diu^  ^  do  quefezi, 

Jl  assandose  estas  cousas  em  Diu ,  deu  el  rey  de  Cam* 
baya  fim  a  suas  guerras,  &  foyse  a  Diu,  onde  chegou 
a  dez  dias  Doutubro,  &  logo  em  chegando,  hfia  noyte 
disse  hii  mouro  a  Manuel  de  sousa  á  porta  da  fortaleza 
estado  ele  só  da  banda  de  dentro  c5  a  porta  fechada,  & 
o  mouro  de  fora ,  {)  se  ao  outro  dia  ho  mandasse  cha- 
mar el  rey  de  Cambaya  f\  nã  fosse  porQ  o  queria  malar, 
&  por^  nã  cuydasse  l\  lhe  dizia  isto  por  algfl  interesse ^ 
Jhe  nã  dizia  quê  era,  &  Manuel  de  sousa  não  disse  isto 
então  a  ninguê,  até  ver  se  era  assi,  se  não  quãdo  ao 
outro  dia  foy  chamado  da  parte  dei  rey  de  Cambaya,  & 


^ 


LIVRO   VIÍU   OAPITVLO   CIÍTT.  iàZ 

Ainda  !)  sabia  bo  ^  lb«o  mouro  dissera  nSio  derxon  dir, 
porQ  ouue  medo  ^  nSo  indo  tornasse  el  rey  acha{)  p&ra 
rõper  a  guerra ,  ao  que  ele  desejaua  muylo  dalalhar,  & 
tãobS  pareceolbe  Q  não  ganbaua  el  rey  nada  ê  o  malar, 
pois  coífiso  nâo  tomaua  a  fortaleza ,  &  roais  Q  ,o  auiso  Q 
tbe  deu  o  mouro  seria  falso:  E deitadas  bè  suajs  conlasy 
assentou  em  yr,  deixado  o  alcaydo  mor  por  capitão,  a 
^.  encomendou  muylo  a  guarda  da{}la  fortaleza  &defen^ 
são  se  necessária  fosse :  E  deixando  toda  a  gente  arma- 
da &  artelharia  prestes,  foy  falar  a  el  rey,  não  leuãdo 
mais  ^  os  da  sua  guarda  &  seus  criados,  &  el  rey  o  re-. 
oebeo  cõ  muylo  gasalbado,  &Jhe  mandou  dar  hQa  Ca-( 
baya  rica,  &  Ibe  pergiitott  como  eslaua,  &  ele  Ibe  deu 
de  presente  bii  Montante  com  a  maçaâ  &  cabos  doura^ 
dos,  &  hils  estribos  &  esporas  do  mesmo  teor:  £  Ma*^ 
nuel  de  sousa  por  ser  esta  a  primeira,  vez  ^  o  via^  nSL 
Ibe  quis  logo  faiar  na  morte  dos  Portugueses,  &  tornou- 
se  aa  furialeza,  mostrado  el  rey  !\  fícaua  seu  amigo  :• 
mas  como  era  muyto  incõslanle  logo  se  mudou »  &  dali 
a  algiis  dias  estando  na  quinlaã  de  Meii^ ,  determinan-^ 
do  Consigo  de  tomar  a  fortaleza  o  pos  em  côseiho,  em. 
^  foy  cõselbado  per  toJos  Q  o  nã  fizesse,  &6ua  mây  Ibo 
rogou  muyto,  dizêdo  f\  os  Portugueses  n«1o  lhe  fazião 
phQ  mal,  &  que  sebolisse  coeles  lhe  ficariâo  por  imi- 
gos,  &  nâo  lhes  auia  de  tomar  a  fortaleza,  &  eles  des* 
truirlheyâo  a  cidade,  por  isso  ^  fosse  seu  amigo,  &não 
lhes  fizesse  guerra,  &  ajadoua  muylo  Sãtiago  em  Q  el 
rey  confiaua,  a  ^  disse  Q  nâo  auia  de  tomar  a  fortaleza 
aos  Portugueses  tão  faciJmSte  como  lhe  parecia,  porque 
a  fora  ela  ser  muylo  forle,  &  artilhada  de  boa  artelha- 
ria, eles  erâo  tam  leaeis  &  tâo  esforijados,  ^  auiã  to- 
dos de  morrer  primeiro  f\  a  perdessem ,  que  se  lha  não 
tomasse  por  algíí  ardil  Q  por  força  era  escusado,  !\  o  ar- 
dil auia  de  ser,  fazerse  muyto  amigo  de  Manuel  de  sou- 
sa, &  dissimular  com  o  yr  ver  aa  fortaleza ,  pêra  que, 
tãobem  descansasse  dalgda  sospey  ta  se  a  teuesse:  &vin-. 
do  o  gouernador  a  Diu ,.  coeata  amizade  o  poderia  prS- 

UVRO    VIII.  *   YY 


tbé  m  H»TORIA   lU   INMA 

4er  ou  matar ,  &  sendo  ele  morto  <m  preso  tomaria  a 
fortal^sa,  porque  morto  o  gouernador,  não  auiio  osPor^ 
tugueses  de  ter  esforc^o  pêra  se  defvnderS  ^  &  4  daque-» 
la  tnaneyra  a  tomaria  a  seu  saluo ,  ^  nisto  assentou  el 
rey:  £  oomo  era  acidentai  &  apetitoso,  quis  logo  yr  á 
Cuf talesa ,  onde  foy  aos  treze  ae  Nouõbro  ás  oyto  orae 
danoyte,  nâp  indo  coele  mais  que  o  Rao  &  dous  ou-^ 
tros  senhores  mouros,  &  sem  ter  mandado  recado  aMa* 
Ruel  de  sousa  que  auia  dir,  bateo  de  supito  a  estas  oras 
4  digo:  £  sabendo ManueJ  de  sousa  Q  ya  mandim  tocar 
astvÕbetas,  &,como  os  Portugueses  andauào  cõ  atoar* 
das  de  guerra,  em  hCt  momeato  foráo  (od«s  armados  & 
postos  uo  terreyro  da  fortaleza ,  &  erâo  perto  de  noue« 
eeatos,  a  Q  Manuel  de  sousa  mildou  Q  fizessem  h&a  rua 
perãtreies  c5  muy tas  tochas  anlresachadas ,  c6  cuja  cia- 
sidadeas  armasF  peeplâdeciâo  (^  era  húa  b&  fertnosa  coo* 
sa:  E  nisto  abrio  Manuel  ée  sousa  o  postigo  da  porta 
da  fortaleza,  &  entrou  et  rey,  que  mãdou  Q  nâo  entras^ 
se»  coele  mais  ^  o  Rao  &  os  outros  dous,  &  que  toda 
a  outra  gente  ficasse  de  fora.,  &  logo  mãdou  fechar  e 
postigo  k  isto  por  segurar  Mamiel  de  sousa,  &  ficou  es« 
pantado  de  chegar  tflo  d«  supito,  &  achar  os  Portuguch 
ees  armados  Ifio  asM»ba:  E>  dando  a  èntend^ir  oue  se  '»« 
gastaua  entre  tantos  armado»,  disse  a  Manuel  de  sousa, 
4  se  el#  era  tamanho  amigo  dei. rey  de  Portugal  &  doa 
Portugueses  que  pêra  §  se  armauão,  ao  que  Jhe  respon- 
deo ,  Q  não  estranhasse  aos  Portugueses  armarense  pov 
suavioda,  porque  oesiumaufie  de  o  faaser  quand4D>osreys 
éntrau$Q  nas  fortalezas  dei  rey  de  Portugal,  com  o  ^  e* 
rey  descansou ,  &  foy  ver  deatro  as  casas  de  Manuel 
de  sousa :  E  o  Rao  sabSdo  que  lhe  tinha  descuberta  ai-» 
gíla  parte  do  mal  t|  el  rey  queria  aos  Portugueses,  quan- 
do ?ÍQ  el  rey  na  fortaleza  &  enUar  nas  casas  de  Manuel 
de  sousa,  reaeandose  í|  o  matasse  disselhe,  eapkâo  pren- 
der &  nSfy  matar,  k  Manuel  de  sousa  lhe  disse ,  ^  nto 
ama  de  fazer  hOa  eoasa  n«  outra ,  k  depois  dizia  í}^  o 
de  faaes ,  pop^  bA  sabia  se  o-  ouuera  o  guueroaii» 


LIVM»  VIU»   CA»ITr»r  CHiIII.  3d6 

dor  por<  bft:  E  vendo  d  rèy  aa  cans  da  Manuel 'de  ioa** 
fiâ  gaoalbaa  Inoyio^  &  éiiftdolbe  de  Q  as  oaaas,  forUn 
ieca,  ele^  &  oaPortugueaea,  iudo^era  aeu^  disae  eltep 
am  Português :  Bofe  amigo,  a  follaJezA  be  dei  i^y  leu 
•eftor  ^  &  aa  ctaaa  são  luas,  £  aueodo  obta  da  mtea  ora 
^  eataua  dêlro  Éayose^  koSdo  MtiiMi^i  ^e  aouaa  por  kOa 
mão^  &  o  Rèo  por  outra*  ata  sayr  da  forialesa^  &  foysa 
pêra  aua  caaa  coydando^deíKaufi  Mandei  de&ouaamuy-* 
lo  fora  de  soapeyta  oõ  aquela  yda  ^  &  ele  como  ooqIm^ 
cia  ei  rey  ,  tem  iate  dela  ooAio  dantea.  ' 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLIli. 

De  como  Manuel  de  sousa  escreueo  ao  Gmê€r$9àéor  o  quê 

pasaaua  ém  Diu^ 

aaaadoa  poucos  dias  que  el  rey  foy  á.  forUlMay  tfeué 
Aòua  certa  da  grade  guerra  que  el  rey  de  Calinut ,  &> 
AçadaoAo^  fatião  aoa  Portuguesas^  &  cDitioera  tncõsr* 
tante^  Sl  tinha  moriai  ódio  aoa  PoMuguesea,  esqueciíto 
do  conselho  ^  tinha  tomado,  quis  ioniar^por  for^  a  ím^ 
ialeza,  &  iem  nhâ  propoailo,  mãdou  iiura.  dia  de.  pre«* 
sente  a  Manuel  de  Sousa  quorêta  galiilhsia  muytD  ma«* 
gfáa  &  sem  cabeçaa  &  perbasv&iet»  âasi  por  aõbárdcAÉy 
eonio  por  sinal  de  guerra^  &Âdamiel  de  sotisaas  taraouy 
o  que  não  pareceo  bem  aos  Portoguesea,  <f lia  logo  símh 
bera  que  aquilo  era  faaet  el  rey  eâcarti^o  deles  &  maie 
sinal  de  guerra,  &  entã  se  arrepSdeo  Manuel  de  sousa 
de  não  prender  el  rey  quãdo  foy  á  fortaleza ,  pois  sabia 
sua  determinaçã,  &  escreueo  logo  ao  gouernador  por  hu 
Francisco  anrriquez  quanto  lhe  tinha  dito  o  Rao  da  de- 
terniinaçã  dei  rey  de  Cambaya  &  o  que  tinha  feito,  & 
como  o  não  prendera  quando  fora  á  fortaleza  por  não  sa* 
ber  sua  vontade,  &  ^  acudisse  a  Diu  porque  esperaua 
por  cerco :  Vôdo  o  gouernador  esta  carta  ficou  muy  a- 
gastado  de  Manuel  de  sousa  não  prender  el  rey  quando 
o  teue  na  fortaleza  pois  sabia  sua  deterroinaçil :  £  em 

YY  2 


36S  OA    HISTORIA   DA    ÍNDIA 

acabando  de  a  ler ,  escreueo  outra  {K)r  sua  mSo  a  Ma» 
nuel  de  sousa,  estranbandolbe  nflo  prender  el  rey,  & 
que  o  prendesse  se  o  acolhesse  outra  vez  na  fortaleza  , 
por^  ele  partia  logo,  &  na  mesma  ora  mãdou  coesta  car- 
ia a  hu  criado  seu ,  chamado  Pêro  de  chaues ,  de  que 
confiaua  uiuyto,  que  foy  em  hil  catur  bem  esquipado, 
leuando  a  caria  cosida  em  hfl  gibão,  ^  deu  a  Manuel 
de  soosa,  o  qual  nSo  pode  prêder  el  rey  pt^r  nà  tornar 
mais  á  fortaleza:  C  por  neste  tempo  o  e^nernador  an« 
dar  em  concerto  de  pazes  cÕAçadacâo,  màdou  diante  a 
Diu  Manuel  de  macedo  cÒ  algOa  gente ,  niandandolhe 
que  dissesse  a  Manuel  de  sousa  (}  como  ete  chegasse  a 
Diu,  desparasse  toda  a  artelharia  &  fizesse  grande  Tes- 
ta, dizendo  que  chegará  quatorze  nãos  de  Portugat  que 
leuauão  sete  mil  homSs ,  &  assi  foj  feito ,  com  o  ^  el 
rey  de  Cãbaya  ouue  medo  de  declarar  a  guerra :  E  rnu» 
dando  então  o  conselho  de  tomar  a  fortaleza ,  assentou 
eai  prender  o  gouernador  &  mandalo  chamar,  fingindo 
que  queria  falar  coele  cousa  que  importaua  muyto  aò 
serui^o  dei  rey  de  Portugal ,  porque  coisto  yria  logo  & 
mandoulhe  hil  embaixador,  que  era  hii  mouro  muyto 
bonrrado  seu  capitã,  filho  doutro  ehamado  Lucâo,  grã-> 
de  senhor  em  Cambaya ,  que  tinha  hd  conio  douro  de 
iMa :  &  este  embaixador  sabia  bem  a  treyçSo  4  orde- 
fiaua  el  rey  de  Gâbaya ,  que  lhe  mandou  que  fosse  por 
Baçain  &  leuasse  consigo  G>jexacoez ,  <).  era  Taaadar 
■lór  dei  rey  de  Cambaya  naquela  terra. 


LIVRO  TUI.   CAPITTLO  CLHII.  867 

C  A  P  I  T  V  L  O   CLIIIÍ. 

De  como  foy  descuberta  ao  gouemador  a  treyção  dei  rey 

de  Cambaya. 

\^oin  quanto  Aijadacão  estaua  tão  forte  no  passo  de 
Borí,  &  vio  derribada  a  forlaleza  deRachol ,  &  vio  des- 
baratado dô  Gonçalo  coutinbo,  &  mortos  duzentos  Por- 
tugueses ^  nâo  descansaua  por^  o  gouemador  não  que^ 
ria  paz  eoele,  que  bem  sabia  que  sem  ela  nâo  podia  co- 
brar asTauadarias  de  Salsete  &  de  Bardes,  (]  era  o  fim 
porQ  fazia  esla  guerra,  &  por  isso  não  deixaua  de  pedir 
paz:  £  ainda  depois  de  ydo  Pêro  de  faria,  quàdo  der* 
ribou  a  fortaleza  de  Racliul,  mandou  bu  embaixador  a 
pedir  paz  ao  gouemador,  promelendolhe  se  a  fizesse, 
cõ  ihe  dar  as  Tanadariaa,  de  lhe  descubryr  hâa  cousa 
que  ihe  importaua  muyio  sabela ,  &  nittto  lhe  f(/y  dada 
a  caria  de  Manuel  de  sousa,  acerca  da  deierminaçam 
dei  rey  de  Cambaya :  £  vendo  o  gouemador  que  lhe  era 
necessário  acodir  a  Diu,  &  que  Goa  ficaua  em  perigo  se 
ficasse  de  guerra  com  Açadacão,  determinou  de  fazer 
paz  coeie  &  darlbe  as  Tanadarias ,  &  ntais  porque  sou* 
be  do  mesmo  embaixador  o  que  escreuera  a  A<2adacâ& 
nós  outroa  senhores,  acerca  de  fazerS  a  guerra  ^  lhe  fa- 
zia por  eaaa  causa ,  &  mosiroulbe  a  própria  carta  quel* 
rey  de  Cambaya  escreuera  a  Ai^dacão ,  &  qu^  isto  era 
ho  ^  lhe  im|)ortaua  de  saber,  por()  não  se  fiasse  dei  rey 
de  Cambaya :  E  bo  gouemador  porque  não  parecesse 
que  coeste  medo  fazia  as  pazes  dissimulou,  dizendo  que 
Aã  lhe  daua  nada  dei  rey  de  Cambaya ,  por^  tinha  em 
Diu  niuyto  boa  fortaleza  &  gfiie  com  que  a  defender, 
mas  |Mir  A^adacft  ser  vezinho  de  Goa  &  amigo  dei  rey 
de  Portugal ,  folgaria  de  ter  paz  coele  &  tornarihe  as 
Tanadarias,  com  condiçS,  qne  eJe  mandasse  bu  embai- 
xador a  ei  rey  de  Portugal  sobrisso,  como  dizia  dantes^ 
&  que  se  el  rey  ouuesse  por  bem  que  lhe  ficassem  as 


S5S  BA    HI8TOKIA   DA   IKDIA 

Tanadarias  que  lhe  ficariâo,  &  se  nSo  que  as  aoía  de 
tornar )  &  assi  se  fez  a  paz:  E  depois  disto  chegou  o 
embaixador  dei  rey  de  Cãbaya ,  &  coele  Xacoez  a  que 
o  gouernador  mandou  fazer  bom  recebimento  &  lhes  fei 
muyta  honrra,  &  deulhes  por  oõpanheiro  a  Coge  perco* 
lim  hu  mouro  Persiano  (de  que  faley  a  trás)  que  eu 
conhecj,  em  que  o  gouernador  coniiaua  muylo,  por  ar 
uer  aonos  ^  andaua  na  Índia  &  ser  amigo  dos  Portu* 
gueses  &esprementado  por  leal,  &maÍ8  era  muyto  pto* 
dente,  &  por  isso  lhe  encomendou  o  gouernador  quelbd 
soubesse  do  embaixador  dei  rey  de  CSbaya  a  determt^ 
nai^o  dei  rey ,  &  tâobS  rogou  o  mesmo  a  Xacoez  quê 
linha  por  amigo,  &  lhe  descobrira  que  el  rey  de  Cam* 
baya  lhe  mandara  que  comprasse  quanto  arroz  ouuesse 
em  Baçaim  &  )x)r  a!|la  terra,  porl}  os  Portugueses  o  liá 
achassfi,  &  que  nisto  lhe  parecia  que  el  rey  qaeria  fa*^ 
zer  guerra  á  fortaleza  de  Diu,  &  a  ele  treyçâ,  por  ai-* 
gOas  cousas  que  lhe  o  embaixador  dissera:  £  coneerta^ 
do  isto  com  estes  dons  mouros,  eles  tomarSo  a  oargodô 
o  saber,  pêra  que  hCl  dia  derâo  hà  banquete  ao  embais 
xador,  em  que  entrauão  muyto  bõs  vinhos,  com  que  fi*^ 
cou  quSte  &  ledo,  &  ficando  todos  Ires  sós  sobre  co^ 
roer,  começara  Cogepercoiim  &  Cogexacoez  de  dise«> 
rem  mal  dos  Portugueses,  &  brasfemando  deles,  por  os 
males  que  fazião  aos  mouros,  &  espantandose  moyto  dei 
rey  de  Cambaya  sendo  tamanho  senhor^  como  os  não 
deitaua  fora  da  índia,  dandothe  por  isso  muyta  culpa, 
&  que  deuia  de  tomar  o  gooernador  em  bQ  baqueie  que 
lhe  desse,  ou  em  outro  lugar  &  prendelo,  porque  preso 
facilmSte  lhe  tomaria  a  armada  &  a  fortaleza-,  &  depois 
tomaria  as  outras  fortalezas,  &  deítaru  os  Portugueses 
fora  da  índia,  o  que  lhe  seria  mayor  bonrra,  que  ser 
tamanho  senhor  eomo  era ,  &  pêra  sua  fama  sayr  p^\o 
mundo,  deuia  de  mandar  ô  gouernador  depois  de  preso 
ao  Turco  em  hOa  gayola  de  ferro:  Eo  embaixador  oom 
a  ledioe  que  tinha,  riose  muyto  quc^vndo  ouuyo  ittò,  d^ 
zendo  que  assr  bo  linha  el  rey  de  Cambaya  d^lermina> 


LIVRO  YIII.    CAPltTLO  CLIIII.  369 

4d  :  &,  que  eomo  iio  gouernador  fosse  em  Diu  ,  lhe  auta 
de  dar  bum  banquete  &  a  seus  capitães,  oa  quintaã  de 
Meiique,  em  hOa  orta  que  tinha  cercada  de  forte  mu- 
ro ande  os  auia  de  prèder  a  todos ,  ou  nas  suas  casas 
quando  os  nam  podesse  acolher  na  quintaâ.  Eperamayor 
certeza  do  gouernador,  esiaua  em  outra  casa  pegada 
com  ela  hú  Português,  que  sabia  a  lingoa,  que  ho  ou*» 
iiia  &  escreuia,  &  deu  tudo  ao  gouernador,  que  deu  muy-- 
tas  graças  a  nosso  Senhor  por  lhe  descobrir  aquela  trey- 
çam ,  &  bem  parece  que  foy  aquilo  permissam  diuina, 
jiorj)  a  Cbristandade  que  auia  na  Índia  nam  se  perdes^ 
se,  ho  que  ouuera  de  ser,  se  a  treyçam  delrey  deCam- 
baya  ouuera  effeyto,  &  logo  ho  gouernador  determinoa 
cõsigo  de  prender  el  rey  deCambaya,  se  ho  Manuel  de 
Sousa  não  teuesse  preso,  &  auia  de  ser,  fazer  que  ya 
doente  do  caminho,  pêra  que  quando  chegasse  a  Diu  o 
fosse  el  rey  ver  a  fortaleza  onde  ho  prenderia ,  &  quan- 
do nam ,  prendelo  em  sua  casa ,  a  primeyra  vez  que  ho 
fosse  ver,  leuando  cincoenta  fidalgos  &  homSs  de  feyto 
armados  secretamente ,  que  ho  auiam  dacompanhar;  B 
em  ele  chegado  por  terra  ás  casas  dei  rey  com  esta  com* 
panbia,  auíaro  de  chegar  por  mar  os  nauios  de  remo, 
€!om  iodo  ho  resto  de  sua  gente,  todos  armados  secre^ 
tangeste,  tãgSdo  trombeias  &  atabales,  como  que  lhe 
yão  íazer  festa,  fc  em  ho  gouernador  cbegftdo  á  prirney*- 
ra  porta  das  casas  dei  rey,  auiam  de  matar  hoporteyro, 
&  despois  arrombando  as  outras  portas  onde  el  rey  es^ 
lava  &  prendelo,  &  dar  com  ele  bos  catures,  que  auiam 
éestar  pegados  com  as  euas  casas,  por  ho  mar  bater  ne- 
(as,  fc  dali  dar  com  ele  oa  fortaleza,  porque  a  nossa  ar« 
mada  deftmdería  que  nâo  chegasse  a  dei  rey ,  &  os  que 
yão  com  o  gouernador  ho  defenderiam  dos  mouros  se 
acodissem  por  terra,  &  nam  deu  logo  parte  disto  a  nrn^ 
goem,  por  nam  ser  descuberto,  &  logo  pos  em  obra  sua 
partkla ,  que  foy  na  entrada  de  Janeyro  do  anno  de  mil 
&  quinhentos  &  trinta  &  sete,  &  leuou  bfta  armada  de 
trinta  vAlaa  groMas  &  miudaa ,.  com  quinhentos  Portu- 


360  DA    HISTORIA    BA    ÍNDIA 

gueses,  mandado  recado  a  Mart!  afõao  de  sousa  que  an* 
daua  no  Malabar,  que  logo  partisse  pêra  Diu,  &  fosse 
coin  niuyta  pressa,  porque  era  cousa  de  onuyta  impor- 
tância ,  &  Marli  ãjbnso  ho  fez  assi ,  leuando  Ioda  a  ar- 
mada que  tinha,  Sc  ho  gouernador  nam  esperou  por  ele^ 
&  foy  com  tam  pouca  gente  com  pressa  de  lhe  parecer, 
que  tanto  que  ehegasse  a  Diu,  por  yr  doente  ho  yria 
ei  rey  de  Càbaya  logo  ver  á  fortaleza ,  onde  ho  prende- 
ria,  &  fazia  conta  que  com  a  gSte  que  leuaua,  &aqua 
tinha  Manuel  de  sousa  se  defenderia  dos  mouros,  &que 
€om  a  ^  Marti  afonso  leuasse,  abastaria  pêra  segurar 
Diu,  quanto  mais  que  como  os  mouros  vissem  preso  el 
rey  de  Cambaya,  não  auiam  de  ter  coração  pêra  bolirê 
cdsigo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLV. 

■ 

De  como  António  galuáo  chegou  a  Malaca. 

Jl  arlido  António  galuão  de  Cochi,  seguio  sua  rota  pê- 
ra Malaca  com  os  nauios  de  sua  conserua,  &  indo  no 
mais  que  com  a  nao  que  fretou,  de  que  era  capitão  Fran- 
cisco nunez,  &  na  paragem  da  jlha  deçamatrá,  lhes  deu 
hQa  tormSta  com  que  se  ouuera  de  perder,  porque  es- 
tando surto,  foy  a  outra  nao. dar  por  a  sua,  não  a  ven- 
do com  o  grande  escuro ,  &  abalrroou  coela ,  &  desfa- 
ziãse  húa  cõ  a  outra  cõ  o  mar  que  era  muito  grosso.  £ 
eslàdo  neste  grade  perigo,  quis  nosso  Senhor  que  ces- 
sou a  tormenta  &  apartarãose  as  nãos,  &  daquy  foy  ter 
a  Malaca  aos  dezoyto  de  lunho,  &  estando  aquy  adoe- 
ceo  &  quasi  morto  o  mãdou  dom  Esteuão  da  gama  le- 
uar  pêra  a  fortaleza ,  onde  nosso  Seflor  lhe  deu  saúde , 
&  já  em  Agosto  chegou  Diogo  sardinha,  per  que  Tris« 
tão  dalayde  roandaua  pedir  socorro  a  domEsleuão,  en- 
campãdolhe  a  fortaleza  se  lho  logo  não  mandasse  pela 
via  de  Borneo,  &  Diogo  sardinha  deu  tãobem  hiia  carta 
de  Tristão  datayde  a  António  galuão,  em  que  ho  aui- 
saua  do  que  ^uia  dyr  apercebido :  &  assi  lhe  derão  ou? 


LIVJIO   VIII.    OAPirvi-0   CLV.  361 

ira  carta  que  lhe  escreuiâ  algUs  homSs  de  Maluco,  & 
aotre  outras  cousas  dizia  nela:  Eassi  esperamos  senhor 
por  vossa  vinda,  coino  os  santos  Padres  que  estauâo  no 
urobo  esperauão  pola  de  nosso  Senhor ,  pêra  nos  tirar- 
des de  tantos  trabalhos  como  temos,  &  ale  qua  chegar* 
des  nos  parece  dez  mil  anos,  praza  a  nosso  Senhor  que 
o  traga  como  desejamos:  Dizem  que  lhe  hão  lá  de  cõ« 
prar  a  fortaleza,  se  a  vender  será  grande  deseruiço  de 
Deos  &  dei  rey ,  &  risco  desta  fortaleza ,  &  de  nossas 
vidas  &  fazendas ,  &  receamos  muy to  de  a  venderdes , 
porque  se  assi  for ,  dará  causa  a  se  perder  de  lodo  o 
seruiijo  de  Deos  &  dei  rey,  a  que  importa  muylo  esta 
fortaleza  &  vindo  parela  fareis  a  ambos  muylo  seruiço, 
&  a  nos  lodos  muy  ta  mercê,  &  muylo  bem  a  toda  ater* 
ra,  que  cõ  grande  desejo  de  sua  vinda  o  está  esperan- 
do. E  lãobS  lhe  foy  dada  outra  carta  de  Rodrigo  rabelo 
feylor  da  nao  Santispirilo,  em  que  lhe  fazia  grandes 
queixumes  de  Tristão  datayde ,  por  lhe  não  deixar  car- 
regar a  nao  &  a  deter  dous  annos.  E  sabendo  António 
galuão  por  estas  cartas  a  grande  necessidade  que  a  for- 
taleza de  Maluco  tinha  de  mantimentos,  armas,  &  gê- 
te ,  requereo  ao  feylor  Belchior  botelho  que  carregasse 
a  nao  dei  rey  de  mãlimentos  por  quão  necessários erão, 
&  por  ele  não  querer  tomar  se  nã  poucos ,  foy  necessá- 
rio a  António  galuão  buscar  dinheiro  emprestado,  & 
comprou  tantos  á  sua  custa  que  carregou  a  nao  Q  leua- 
ua  fretada,  &  nisso  &  em  peylar  a  gSte  que  fosse  coe- 
le  gastou  muyto,  porque  ouuyndo  a  gente  que  ya  coele 
o  trabalho  que  auia  em  Maluco:  E  v6do  que  os  que  de 
lá  vi  n  hão  nao  quer  ião  tornar,  nã  querião  yr  c5  António 
galuão,  que  fazêdo  o  que  digo,  lhes  ganhou  as  vonta- 
des pêra  yrem.  E  por!|  sabia  que  toda  a  saluação  da  for- 
taleza de  Maluco  era  muylos  mantimStos,  deixou  em 
Malaca  hii  António  soarez,  que  fosse  em  bil  jungo  pela 
]aoá  &  o  carregasse  hi  deles,  &  pêra  isso  lhe  deu  a  sua 
prata  laurada  Q  tinha  por  não  ter  já  dinheiro:  E  vendo 
quão  necessária  era  sua  yda  a  Maluco,  posto  f\  eslaua 

LIVRO  VIII.  zz 


Í6%  VA   aiSTORfA    DA    ÍNDIA 

muyto  doète,  &  doni  Esteuáo  &  os  outros  lhe  cdnselb»* 
úfio  ^  não  8o  maiasse,  &  que  espaçame  aaa  pirtida 
pêra  o  lanetro  seguinte,  não  quis  se  Dá  partirse  índa 
quasi  GoiD  a  candea  na  mSo,  tamanho  era  seo  desejo 
de  seruir  aDeos  fc  a  el  rey :  &aos  dezoytoDagostodea 
á  vela,  &  se  partto  de  Malaca  pela  via  de  Bornea:  B 
sab<>ndo  quão  perjudicial  era  ao  seruiço  dei  rey,  leuarse 
A  Maluco  faz&da  de  partes ,  não  quis  dar  licença  a  nin- 
gu5  que  a  leuasse,  posto  que  por  isso  lhe  dauio  muyto^ 
d6  menos  deu  licença  a  mercadores  pêra  que  fossem 
eoela  depois  Q  lá  esteuesse ,  o  que  nunca  ate  então  fr- 
será  nenbâ  capitão. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLVI. 

De  como  Antonio^^aluâo  chegou  aajlha  de  TemcAe. 

Jl  a rlido  António  galuão  de  Malaca  foy  ler  ao  porto  de 
Borneo  cõ  sua  conserua ,  &  por  el  rey  &  os  seus  estarè 
jnuyto  escãdaiizados  dos  agrauos  \  os  mouros  de  Maiu* 
CO  recebião  de  Tristão  datayde  &  dos  Portugueses ,  nS 
foy  António  galuão  ali  tãobem  agassalhado,  como  o  fo- 
râo  os  outros  capitães  j)  yão  pêra  Maluco,  pelo  que  não 
se  quis  deter  &  partiose  logo,  &  dali  foy  ter  á  jiba  de 
Ternate,  em  cujo  porto  surgio  aos  vintactnco  dias  Dou- 
tubro ,  &  como  foy  visto  da  fortaleza ,  foy  grande  o  aU 
uoroço  na  gente,  &  algus  desses  principaes  o  forão  lo* 
go  visitar,  pêra  lhe  dizerem  mal  de  Tristão  datayde  co- 
mo dísserão,  atrebuyndolbe  toda  a  culpa  de  lhe  os  mou- 
ros fazerem  guerra ,  &  que  os  Portugueses  estauão  tão 
escãdaiizados  dele  que  se  dom  Esleuão  da  gama  não  es* 
teuera  por  capitão  de  Malaca,  eles  o  mandarão  preso  ao 
Gouernador  da  índia ,  mas  porque  dõ  Esteuão ,  que  era 
seu  sobrinho,  estaua  em  Malaca  onde  auia  dir  ter,  o 
não  mandarão ,  &  tantos  males  diziâo  de  Tristão  dalay- 
de,  que  António  galuão  o  não  creo,  parecendolhe  que 
o  dizião  por  lhe  comprazer.  £  pori|  sabia  que  sempre  os 


LIVBD  THC  CAVtTWLO  CLVI.  3«3 

eafHlfles  daquela  ibrtajeza  quando  entrauáo  pceadiSo  os 
ouiros  Kfuestauão  neU^  determinou  de  n2  facer  amí  a 
Tristão  dalajrde ,  ae  não  laandalo  com  sua  hõrra ,  aaluo 
•e  lhe  aebasse  taee  culpas  que  nâ  podesie  ai  fazer  se  nS 
prendelo,  feasti  Ibo  mandou  dizer,  mãdandohò  ele  vi- 
sitar, &  pediribe  Q  fosse  Jogo  lofliar  posse  daquela  for- 
taleza, o  Q  nã  quis  fazer,  &  deteuese  algfts  dias  sem 
sajrr  em  terra,  por  Ibe  pareoer  que  vSdo  a  gente  o  fsr 
uor  que  fasta  a  Tristão  datayde,  reeõciliassefn  com  ele, 
ou  ao  menos  nã  se  atreueasem  a  queizarselbe  muito  de* 
le.  E  vendo  os  da  fortaleza  quanto  dilataiia  tomar  pos^ 
se  dela,  dizia  que  era  com  medo  de  nam  se  alreuer 
com  a  carrega  que  era  ser  capitão:  E  por  isao  desem^ 
barcou  bii  domingo,  &  fqy  recebido  eom  prociasam  can- 
tando os  clérigos:  Te  Deum  laudamus,  &  metido  de 
posse  da  fortaleza ,  foy  lio  prazer  muyto  grande  em  to* 
dos,  dizendo  que  os  fora  remir  do  catiueyro  em  que  es* 
tauam,  principalmente  em  ieuar  tantos  mantimCtos  co* 
mo  leuou :  E  porque  ele  sabia  a  necessidade  que  auia 
deles,  &  a  grande  valia  que  tinham.,  pos  tayxa  neles ^ 
&  pêra  que  teuesse  mais  vigor,  .&  todos  soubessem  que 
auia  de  permanecer,  começou  iogo  nos  dei  rey  que  es- 
lauam  na  feitoria,  mãdâdo  que  se  dessem  trinta  gantas 
daroz,  quesam  oyto  alqueires,  por  quatrocentos  &  oy- 
lenta  r&B,  a  rezão  de  sessenta  o  alqueire,  valêdo  dan- 
les  a  cinco  cruzados,  &.a  este  preço  se  pagasse  nele  o 
mantimento  &  soldo  que  fosse  diuido  ás  partes.,  a  que 
ftinda  deuião  a  algQs  do  tfipo  Dantonio  de  brito,  &  nis* 
tó  a  fora  el  rey  ganhar  muyto  em  se  desendiuídar,  ga- 
nhou muyto  no  emprego  deste 'arQz:Ea6si  mandou  que 
a  jarra  do  çagu  se  desse  a  duzentos  rSs ,  &  hum  porco 
três  mil  rSs ,  &  hQa  cabra  dous  cruzados ,  &  hO  cabrito 
três  tostões ,  hQ  ley tão  hik  cruzado ,  hCla  galinha  cin- 
coenta  rs,  &  assi  todo  ho  mais  muyto  barato,  peraquam 
caro  estaua  dantes  ( como  disse  atras )  &  assi  em  todas 
as  outras  cousas.  E  pêra  se  melhor  executarem  as  pe> 
nas  desta  taixa ,  fez  hCi  juyz  ordinário ,  &  dous  almota- 

zz  2 


384  DA   HISTORIA  DA  ÍNDIA 

ceis,  que  ate  entain  oam  ouuera,  &  deulhes  os  cinco 
liuroB  das  ordenações,  que  leuou  pêra  isso  da  índia, 
que  forão  os  primeyros  que  se  virão  naquela  terra:  & 
assi  leuou  pêra  ho  ecolesiaslioo ,  as  CõsliluyçSes  que  o 
Cardeal  dÕ  Afonso  de  gloriosa  nremoria  fez.  E  v5do  a 
gente  quam  amigo  António  galuâ  era  do  bem  comO,  & 
quSo  zeloso  da  justiça,  de  cada  vez  lhe  queriSo  major 
bè ,  &  dauam  mais  graças  a  Deos  por  lhes  dar  tal  capi* 
tão.  C  depois  de  ter  ordenado  o  que  pertencia  a  bÕ  re* 
gimfilo  da  terra,  entendeo  em  repajrar  as  cousas  ne« 
cessarias  pêra  defensam  da  fortaleza,  especialmente  na 
artelbaria  que  achou  muyto  daneficada,  a  grossa  sem 
repayros,  &  a  miúda  sem  rabos  nem  piães,  &  ainda  di« 
siâo  que  falecia  a  melhor,  que  Tristam  datajde  dera 
aos  jungos  dos  mercadores  fiera  segurâça  do  crauo  que 
lhe  leuauam ,  nem  auia  ferreyro  pêra  que  a  concertas- 
se, porque  hu  que  auia,  deralbe Tristão  datayde  licSça 
pêra  Malaca  na  moução  passada,  nem  auia  poluora,  nem 
caruão  pêra  se  fazer:  &  António  galuâ  fez' tanta  dili* 
gencia,  que  achou  hu  ferreyro  que  andaua  encuberto, 
a  que  deu  tanto  de  sua  fazenda,  que  quis  vsar  do  offi- 
cio,  que  importaua  tanto  <}  sem  ele  não  se  podia  con- 
certar a  artelbaria ,  que  logo  foy  concertada ,  &  repay» 
rada  de  todo  o  necessário :  B  feyta  poluora ,  &  António 
galuâo  com  os  fidalgos  &  pessoas  principaes  yão  ao  ma- 
to a  cortar  madeyra ,  pêra  os  repayros  das  bombardas  , 
&  lenha  pêra  se  fazer  caruão ,  Sc  a  traziam  ás  costaa 
com  immenso  trabalho,  o  que  não  se  poderá  fazer  se 
António  |[aluão  não  leuara  a  ferramenta  que  disse  qua 
leuou  da  índia  pêra  esie  mester* 


LIVRO   VIKI*   CAPITVLO  CLVII.  366 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLVII. 

De  como  António  galuâo  se  apercehto  pêra  yr  pelejar 

com  os  mouros  a  Tidore. 

JL  âro  soberbos  eslauã  os  reys  de  Maluco ,  com  as  vi- 
torias passadas,  que  ainda  (|  souberão  a  vioda  Dantonio 
galuão,  &  a  bua  gente  que  leuara ,  não  disislirâo  da 
guerra  !|  faziam  á  fortaleza ,  &  màdauã  suas  armadas  !\ 
lhe  fosbê  correr )  &  assi  o  fazião ,  dandolhe  os  mouros 
mil  rebates  de  dia  &  de  no^te,  com  ^  António  galuão 
socedeo  no  grade  trabalho  Q  Tristão  datayde  tinha  dáles, 
tendo  cõtinuamête  as  armas  vestidas,  cõ  quantos  auia 
na  fortaleza,  acodindo  aos  saltos  dos  Imigos,  muytas 
vezes  estado  comêdo  &  dormindo,  &  sem  terem  nenhii 
repouso.  E  parecendo  a  António  galuã,  t\  por  ser  nouo 
na  terra,  quereria  os  reys  paz  coele,  &  ()orque  sabião 
que  se  auia  dir  Tristão  datayde,  mandoulha  pedir  por 
Gonçalo  vaz  çarnache  capitão  mór  do  mar,  que  foy  em 
bua  carauela  a  Tidore,  onde  os  reys  estauam  juntos: 
que  ouuindo  a  embayxada  Dantonio  galuam  sobre  a  paz, 
se  desculparam  da  guerra  que  faziam ,  com  os  males  & 
cffensas  que  lhes  Tristam  datayde  tinha  feyto,  &  que 
aueriaro  sobrisso  seu  conselho ,  &  entre  tanto  assenta- 
ram tregoas  por  certos  dias,  pêra  que  coesta  cór  teues- 
sem  tempo  de  tomarem  lingoa  da  fortaleza ,  &  saberS  a 
determinação  Dãtonio  galufto,  quando  o  não  podessê  sa* 
ber  pelo  camarão:  £  cÕ  a  contiança  desta  tregoa,  de 
que  António  galuão  foy  cõlente,  começarão  os  da  for- 
taleza de  sayr  pola  jlha  a  buscar  lenha ,  mais  desmãda- 
dos  que  dates ,  principalmente  os  escrauos ,  de  que  os 
Imigos  que  estauam  em  cilada  pêra  isso ,  tomarão  logo 
três,  &  forãose  coeles  tam  asinha,  que  quando  António 
galuáo  acodio  ja  os  não  achou.  £  vendo  ele  quam  mal 
lhe  os  reys  guardauam  a  tregoa,  mandoulho  estranhar 
muy  to,  dizendo  que  pois  assi  era,  que  não  lhe  posessein 


y 


3G6  BA   HlfTintfA   DA  <NMA 

culpa  66  lhes  fizesse  guerra,  ^  lhe  auia  de  fazer  descu- 
berla  &  nSo  c5  Irej^s :  ao  que  responderão ,  que  fi« 
zesse  bo  que  quisesse  que  prestes  estauão:  O  que  oq- 
uido  por  António  galuSo,  determinou  de  yr  sobre  Tido- 
re  &  dar  batalha  aos  reys,  posto  que  sabia  o  demasiado 
numero  de  gente  que  tinhão,  &  quão  esforçada  era ,  & 
que  o  gouernador  da  índia,  com  todo  seu  poder  faria 
muyto  cm  a  desbaratar,  &  que  era  perigo  grandissimo 
auenturarse  em  hQa  batalha:  &  porem  lembraualhe,  que 
pêra  esperar  por  mais  gente,  que  a  nam  podia  auer  se 
nam  da  índia,  &  em  dous  annos,  se  no  caminho  lhe 
nam  acontecesse  algQ  desastre,  &  que  pêra  a  gente  que 
tinha  não  auia  mantimentos,  pêra  a  terça  parte  deste 
tempo,  nem  os  podia  auer  de  nenhfla  parte,  &  sem  ele^ 
era  impossiuel  sosterse,  por  iaso  que  era  melhor  auen- 
turarse em  hOa  batalha,  com  a  esperança  em  nosso  Se- 
nhor ,  que  morrerem  com  fome  poucos  &  poucos.  E  ie« 
to  determinado,  praticouho  em  conselho,  &  os  mais  fo- 
ram de  parecer,  que  nam  se  deuia  de  pelejar  com  ta- 
manho poder  de  gente  como  tinham  aqueles  Reys,  sei>- 
do  os  Portugueses  tam  poucos^  que  se  deuia  de  «meter 
na  fortaleta  &  guardala ,  &  mandar  pedir  gente  ao  go- 
uernador da  índia:  &  António  galuSo  foy  de  parecer 
que  pelejasse,  dando  as  rezÕes  que  disse,  &  algQs  fo- 
ram deste  parecer ,  &  neste  se  assentou.  E  como  tudo 
estaua  prestes  pêra  a  partida,  partiose  António  galuflo 
pêra  Talangame,  onde  estauam  quatro  velas,  em  que 
auia  dir,  afora  algus  paraós  de  seruiço,  &  em  duas,  \ 
eram  duas  nãos,  yr  eíe  &  Gonçalo  ?az  çarnache,  &em 
hum  nauio  Francisco  de  sousa  alcoforado,  &  em  hum 
calaluz  el  reyCachil  aeyro,  &  bo  camarão  com  cincoen- 
ta  mouros,  &  nas  outras  vélae  cento  &  setenta  Portu- 
gueses, &  na  fortaleta  deyxou  por  capitam  Trislam  da- 
tayde,  porque  nam  podia  ficar  outra  pessoa  mais  per- 
tencente pêra  isso,  assi  por  ser  tam  esforçado,  como 
por  ser  tio  de  dom  Esteuam  da  |:ama  que  estaua  em 
Malaca,  que  ho  «ocorreria  lago  se  fòese  caso  que'Anlo^ 


LIVRO   VIIK   CAPITVLO   CI,V1I*  367 

Dia  galoSo  morresse  na  batalha,  &  também  folgou  de 
ho  deyxar^  pêra  que  lirasae  estormentos  de  seus  serui* 
ços  á  sua  vontade,  &  cobrasse  a  perda  que  tinha  rece- 
bida cõ  a  guerra ,  Sc  deyxou  coele  seus  criados  &  ami« 
gos.  vE  estando  António  galuâ  em  Taiãgaroe  pêra  par- 
tir, sayràlhe  de  híia  cilada  dous  mil  mouros,  comijouue 
hQa  escaramu<;a  despingardadas ,  de  ^  nS  hQs  nS  outros 
jficarâo  feridos ,  &  em  se  os  mouros  embarcando ,  foy  to- 
mado h&,  a  t\  António  galuão  pregíítou  polo  que  osreys 
deleroiinauão,  [>romelendulhe  mercês  se  dissesse  a  ver- 
dade, &  tormentos  se  dissesse  mentira,  a  que  o  mouro 
respondeo  muyto  seguro.  Sabe  capitão,  que  se  aos  reya 
que  eu  siruo,  &  á  sua  gente,  se  seguisse  alg0  dfino  polo 
que  eu  dissesse,  não  aueria  tormèto  que  mo  fizesse  di-» 
2er,  <}  assi  como  eu  tiue  ousadia  pêra  ficar  na  traseyra, 
pêra  defender  os  outros  que  se  enibarcauâo ,  assi  terey 
esforço  pêra  sofrer  a  pena  com  que  salue  talas  vidas : 
mas  como  sey  certo  9  ^  os  reys  &  a  gSte  que  eslSo  em 
Tidore,  não  perde  nada  no  j}  te  disser,  direy  verdadey- 
ramente  o  que  me  preguntares,  então  lhe  disse,  que  os 
quatro  reys  de  Maluco,  &  outros  quatro  dos  Papuas, 
estauam  todos  ein  Tidore,  com  tanta  gente,  que  não 
se  podia  contar,  &  era  sua  determinação  de  ho  toma- 
rem viuo  com  todos  os  Portugueses ,  pêra  aos  que  esta- 
uão  dantes  com  Tristão  dalayde  &  a  ele  matarem^com 
granes  tormentos,  &  a  António  galuão  &.ao3  outros  os 
resgatarem,  &  que  a  cidade  de  Tidore  estaua  fortíssima 
com  muros  &  baluartes,  &  muytos  estrepes,  que  por 
nenhua  parte  podia  ser  entrada ,  com  hCLa  fortaleza  so^ 
bre  h&a  rocha  talhada ,  pêra  onde  sobiam  por  hum  ca- 
minho  tam  íngreme  &  estreyto,  que  ás  pedradas  se  de- 
fenderia a  sobida  a  todo  mundo,  &  pêra  aencaualgarem 
por  terra  auiam  de  sobir  mais  de  hQa  legoa ,  por  cami- 
nho muyto  fragoso  &  çarrado  daruoredo,  &  todauia  o 
mouro  lhe  prometeo  de  ho  leuar  lá,  porque  quanto  mais 
cedo  ho  leuAsse,  tanto  mais  asinha  seria  liure,  &  ele 
seu  caliuo :  &  António  galuão  eslaua  espantado  de  ver 


368  BA   HISTORIA   DA    INIHA 

a  ousadia  deste  mouro,  &  tudo  lhe  sofria,  porque  ho 
guardaua  pêra  guia ,  se  lhe  fosse  necessário. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLVIII. 

De  como  jántonio  galuâo  destruyo  de  todo  a  cidade  de 

Tidore. 

.A.0  outro  dia  em  que  António  galuão  determinaua  de 
partir ,  em  rõpendo  a  alua ,  apareceo  ao  mar  hiia  arma- 
da dos  mouros,  de  passante  de  trezentas  velas  de  remo, 
em  que  ySo  mais  de  trinta  mil  bomSs  de  peleja  com  os 
remeiros,  que  também  se  contam  por  homSs  darmns,  & 
he  costume  da  terra,  os  filhos  dos  reys,  dosSangajes,  & 
dos  Mandaris  andarem  ao  remo  em  quanto  sam  mSce* 
bos ,  &  prezâose  disso ,  porque  dali  v3  a  serem  caualey- 
ros.  £  os  mouros  que  soubera  que  António  galuão  estat- 
ua de  partida ,  forSolhe  dar  mostra  de  sua  armada  pêra 
o  espâtarfi ,  &  cõ  tudo  cõ  medo  da  sua  artelharia ,  nSo 
ousarão  de  chegar  a  tiro  de  bombarda  dele :  E  vedo  ele 
Q  tudo  aquilo  era  rebolaria  não  deixou  de  partir,  deixã*> 
do  em  guarda  de  Talãgame  Fernã  anrriquez ,  em  cer- 
tos jungos  que  hi  iicauão,  &  em  ele  partindo,  partio 
também  a  armada  dos  mouros  indo  sempre  alamar:  & 
chegado  aTidore  que  eorae<^ou  de  costear  a  jlha,  forão 
as  prayas  cubertas  de  g€te  que  o  sayâo  a  ver,  &  dauã 
grades  gritas.  E  em  começando  de  descobrir  a  cidade, 
começou  a  artelharia  de  jugar  dela,  mas  como  passauS 
os  pelouros  por  alto  nam  lhe  faziam  dSno,  &  António 
galuão  mãdou  (}  não  tirassem  á  <!Ídade,  c5  determina- 
ção de  ver  primeiro  se  podia  fazer  paz  por  bS,  &quãdo 
não  t\  então  faria  a  guerra,  &  foy  surgir  cÕ  sua  armada 
diante  dOa  mezquita,  &  dali  mãdou  logo  hâ  recado  aos 
reys  sobre  paz,  mas  o  messageyro  nã  foy  ouuydo,  n6  o 
deixara  chegar  á  cidade,  cõ  muitas  espingardadas  que 
lhe  tirarão  de  !)  o  ferirão,  &  coisto  derão  muytas  apu- 
padas, como  que  zombauão  da  yda  Dãtonio  galuão,  cW 


LIYIIO  VIII.   OAPITVLO  CLVIII.  /         369 

mando  nomes  injuriofios  aos  Portugueses,  ^  todo  ouuião 
f>or  estarS  perto  de  terra ,  &  nisto  gastarão  o  Q  era  por 
passar  do  dia,  &  quasi  toda  a  noyte,  E  em  aparecendo 
algua  cãdea  na  nossa  armada,  tirauãibe  logo  cõ  a  arte- 
Iharia,  pelo  Q  se  passou  dali  pêra  baixo  da  cidade,  assi 
por  se  tirar  daquele  perigo,  como  por  ter  tSpo  pêra  pra- 
ticar como  daria  na  cidade,  &  ali  lhe  deu  hóa  toruoada 
com  Q  se  ouuera  de  perder,  &  por  isso  determinou  de 
surgir  ao  pé  da  rocha  onde  eslaua  a  fortaleza  da  cidade, 
por^  ali  lhe  pareceo  l\  a  poderia  melhor  esbõbardeai,  Sc 
estar  mais  emparado  da  sua  artelharia.  E  querendo  sa* 
ber  se  era  como  lhe  parecia ,  mSdou  GÕçalo  vaz  çarna- 
che  ^  o  fosse  ver ,  &  sondasse  ao  pé  da  rocha ,  do  (|  se 
ele  escusou,  dizSdo  Q  o  matariSo  os  tiros  ^  lhe  tirassem 
de  terra  Q  yria  de  noyte.  E  vedo  António  galuâo  Q  o 
não  queria  fazer,  fojr  fazelo,  o  í\  fez  cÕ  rouylo  grade 
perigo,  &  depois  foy  ali  surgir  cõ  a  armada,  em  que 
logo  fez  cõselbo  sobre  sa^r  em  terra,  &  hus  dizião,  (|a 
cidade  se  deuia  descalar  por  qualquer  parte  Q  podesse, 
outros  í\  polo  mais  forte,  por^  ali  auia  dauer  menos  gSte 
pêra  a  defender,  oulros  ()  deuiâ  de  tomar  a  fortaleza,  í\ 
ainda  ^  fosse  cousa  muy  trabalhosa  de  fazer,  era  de  rouy* 
to  menos  perigo,  por^  nã  linha  artelharia  n%  gSle  !)  a 
defendesse,  porQ  auiâo  os  mouros  |K>r  impossiuel  poder- 
se  tomar:  &  tomada,  darião  dali  tanta  guerra  á  cidade, 
que  ou  se  os  mouros  yriâo  dela,  ou  farião  paz,  quanto 
mais  (\  auiâo  muy  to  de  desmayar  com  a  fortaleza  toma- 
da ,  &  ainda  Q  tomasse  primeyro  a  cidade ,  estaua  cer- 
to acolheremse  os  mouros  á  fortaleza ,  como  fizerâo  ou- 
tras vezes,  &  ali  seria  impossiuel  fazerlhe  dano,  &  des- 
te parecer  foy  António  galuâo,  &  ali  se  assentou  que 
pêra  este  feyto  leuasse  cento  8c  vinte  Portugueses  esco- 
lhidos, &  os  cincoeuta  ficassem  na  armada,  assi  pêra  a 
defenderem  se  a  dos  imigos  a  cometesse,  coroo  pêra 
que  em  amanhecendo  aparecessem  nos  nauios  todos  ar- 
mados ,  &  tangêdo  suas  trombetas  &  atãbores ,  {)  cuy- 
dassem  os  !migos  que  querião  desembarcar,  &  acodis* 

LIVRO   VllU  AAÂ 


370  DA   HISTORIA    BA    INBIA 

sem  a  (otherlhes  a  desembarcarão,  &  Anlonk)  gatuSo 
com  08  oulroa  podessem  mais  facilmente  tomar  a  forta* 
lezA.  E  encomendâdose  a  nosso  Senhor,  que  os  iiurasse 
de  tamanho  perigo  como  aquele  a  que  se  punbão,  por 
exal^^amento  de  sua  sancta  fee.  Rendido  ho  quar(o  da 
modorra,  que  era  o  tempo  em  que  os  imigos  estauSmais 
assossegados ,  desembarcou  António  gaiuã  c5  os  ceto& 
vinte  Portugueses,  í\  todos  ieuauâ  espingardas  &  laças, 
&  ieuauãolhas  seus  escrauos,  Q  cõ  os  senhores  fatiam 
numero  de  trezStos.  E  tornados  os  bateis  pêra  a  frota, 
abalou  António  galuão  pêra  a  fortaleza,  per  hú  cami- 
nho ()  estaua  afastado  da  cidade,  pêra  cima  da  rocha  i( 
disse,  pelo  que  não  foy  sentido  dos  imigos,  &  leuaua  a 
gSte  feyla  em  corpo,  &  na  dianleyra  yãGõçalovaz  çar^ 
nache,  Diogo  iopez  dazeuedo,  lorge  de  brito,  António 
de  teyue ,  do  Fernãdo  de  mòrroy ,  lorge  datayde ,  & 
outros  fidalgos  cujos  nomes  nã  soube,  &  assi  hfl  Antó- 
nio carneiro  ^  leuaua  o  mouro,  ()  disse  Q  os  guiaua,  & 
no  meo  ya  António  galuão  cõ  a  bandeira:  &  a  traseyra 
por  ser  lugar  de  mais  importãcia,  foy  encomfidada  a 
Frãcisco  de  sousa ,  cõ  quem  yão  loão  freyre  &  outros: 
E  como  o  caminho  era  muy  fragoso,  &  António  galuão 
ya  de  vagar,  por  os  seus  não  cansarS,  chegou  a  mea 
íegoa  da  fortaleza  ás  oyto  oras  do  dia  (Q  era  do  apos- 
tolo Sã  Thome : )  E  como  se  ya  chegado  á  cidade,  foy 
sinlido  das  atalayas  dos  Imigos,  ()  lhes  logo  derão  ani- 
so, dizSdo  quã  poucos  erã  os  Portugueses:  E  aluoro- 
çados  os  reys  coesta  noua ,  derão  logo  rebate  á  sua  gê- 
te,  de  íj  se  aj&tarão  cincoêta  mil  homSs  de  peleja,  & 
sayndo  cõ  os  reys ,  tirarão  a  grade  pressa  pêra  onde  ya 
António  galuão,  4  ouuindo  bo  arroydo  da  gSte  ^  era 
grade,  por  nã  se  embaraçar  coele,  antes  de  chegar  á 
fortaleza,  deixou  o  caminho  Q  leuaua,  &  meteose  pelo 
mato,  ÍJ  como  era  muy  espesso  ho  encobrio  dos  imigos, 
íj  o  perdera  de  vista:  E  cuydãdo  ÍJ  fogiã,  começa  de 
dar  grades  apupadas  cõ  prazer,  &  era  medonha  cousa 
douuir  os  ecos  4  f^^ziS^o  P^^  a^les  vales ,  !|  isto  só  abas* 


LIVRO   VIII*    CAFITVLO    CLVIIT.  371 

(•aua  pêra  faxer  desmayar  Anlooio  galuã  &  os  seus,  Q 
cõ  a  esperâça  em  nosso  Senhor  yã  lodos  muy  esforça- 
dos. El  reyCacbíl  dayalo  ()  leuaua  a  diãleira  dos  itnini- 
gos,  &  a  quS  era  encoroêdado  Q  fosse  o  primeyroQ  des- 
se nos  Portugueses  9  trabalhou  por  lhes  atalhar  antes  ^ 
chegassS  á  fortaleza,  &  sayndo  cõ  sua  gSte  a  hú  esca- 
pado Q  se  fazia  antreles  &  a  fortaleza ,  foy  ali  ter  An- 
tónio galuâo  por  acerto,  &  el  rey  quisera  auer  fala  dele 
pêra  o  deter,  {}  <ihegas86  entretanto  os  outros  reys  cÒ  o 
resto  da  gête  &  o  tomasse  ás  mSos  cõ  os  outros,  Q  nã 
se  cõtê(auâ  de  os  matarS  pelejado:  porém  António  gal- 
uâo nã  curado  de  pratica,  &  fazSdo  tocar  as  trõbetas, 
remete  cõ  os  seus  aos  mouros ,  chamando  por  Sâtiago , 
&  desparâdo  sua  espigardaria ,  &  outros  ás  laçadas  & 
cutiladas,  de  Q  logo  foy  ferido  el  rey  Dayalo  Q  andaua 
na  diãleira ,  vestido  em  hQa  saya  de  malha  &  hu  capa- 
cete na  cabeça ,  pelejando  cõ  hOa  espada  dambas  as 
mãos,  &  cahio  das  feridas  Q  lhe  dera,  &como  era  muy- 
to  esforçado ,  leuãtouse  logo ,  dizendo  í\  nã  era  nada , 
posto  ^  lhe  sahia  muyto  sangue.  E  neste  têpo  deu  há 
mouro  a  hQ  Pêro  pinbeyro,  cÕ  htia  espada  hu  golpe  de 
tala  força  sobre  o  capacete,  í\  o  derribou  atordoado,  & 
malaraho,  se  lhe  não  acodiralorge  de  brito,  i}  o  derri- 
bou cõ  hOa  lançada,  &  logo  foy  morto,  &  Pêro  pinhey- 
ro  leuanlado,  &  nisto  era  a  batalha  muy  trauada,  &  fe- 
rida muy  asperamêle,  trabalhado  os  mouros  por  cercarè 
os  Portugueses,  &  sumirênos  a  todos,  ho  ^  sem  duuida 
ouuera  de  ser  se  a  batalha  mais  durara,  mas  quis  nosso 
Senhor  por  sua  mia,  atalharlhe  com  cayr  el  rey  Dayalo 
desmayado,  do  muito  sangue  !\  se  lhe  foi  das  feridas  ^ 
erã  mortaes,  &  em  caindo,  bradou,  dizSdo  que  ho  ti- 
rassem da  batalha ,  porque  os  cães  de  seus  imigos ,  nã 
se  alegrassem  com  a  sua  cabeça.  E  tanto  ^  os  seus  ho 
viram  assi  leuar,  desmayaram  de  maneyra,  ^  não  po- 
derá mais  pelejar,  &  fogiram  a  quê  mais  podia  deyxan- 
do  as  armas,  por  yrem  mais  despejados,  &  estes  deram 
aa  outra  gente  4  ^^  ^'^y^  leuauam  pêra  os  ajudarS,  & 

AAA    2 


372  VA   HTSTO&rA   BA   imOIA 

como  deram  neles  denconlro  6zerSD08  fogir ,  &  hAs  ySo 
pêra  a  fortaleza,  &  outros  por  esses  matos.  António  gal- 
uSo  dando  muytas  graças  a  Deos  por  tão  milagrosa  vi- 
toria, foy  seguindo  os  ^  yam  pêra  a  fortaleza,  matando 
&  ferindo  neles ,  &  entrou  nela  com  todos  os  seus  dfi- 
uoita  cÕ  algfls  mouros,  que  vazaram  logo  fura  &  lha  dei* 
xaram ,  &  ele  lhe  mandou  dar  fogo ,  &  como  as  casas 
eram  de  madeyra  &  de  canas  &  cuhertas  doía,  começa 
o  fogo  dacenderse  tam  brauamfite,  <|  era  espanto  ouuir 
ho  arroydo  que  fazia.  E  vendo  os  rejs  que  uam  auia  ali 
remédio ,  acodiráo  á  cidade ,  onde  ho  medo  f<»y  muy to 

Erãde  nos  que  nela  ficarão,  quando  vira  entrar  eirey 
byalo  quasi  morto,  &  começaram  logo  de  fogir  dela, 
cò  molheres ,  filhos ,  &  fazendas ,  &  mais  quàdo  viram 
os  reys  Q  fogiam ,  &  ouuião  ho  arroydo  do  fogo  j}  quey* 
maua  a  fortaleza.  E  v&do  os  reys  tamanho  destrc.ço,  co- 
meça de  se  poer  em  saluo  por  esses  matos,  &  el  rey  de 
Tidore  acodio  a  suas  molheres  &  tesouro,  cÕ  quatro  mil 
homSs  que  ho  ajudauSo ,  &  deram  cÕ  tudo  em  bil  pro» 
fundo  vale,  &  vSdo  os  Portugueses  &  Arábios  mari- 
nheiros {}  estauã  na  nossa  frota  ho  destroço  dos  mouros, 
em  í\  f>es  a  hií  Francisco  nunez,  &  a  hii  Fernão  leytâo, 
^  António  galuSo  deixou  nas  nãos  por  capitães,  tomado 
nos  bateis  algíis  berços  &  falcões,  forãse  á  cidade,  &  nã 
achado  defensa  nos  mouros,  meterSse  a  roubar  sem  nhOa 
ordem,  o  (}  foy  causa  de  os  mouros  darê  neles  &  matara 
&  ferira  algus  Arábios,  &  assi  ouuerâo  de  fazer  aos  Por- 
tugueses, se  nesta  cÕjunçSo  nã  entrara  António  galuão 
CÕ  08  seus,  ()  vendo  (}  estauã  todos  viuos  &  sãos,  talo 
Q  o  fogo  foy  bS  ateado  na  fortaleza  deceo  á  cidade,  & 
era  enlrãilo  cõ  grande  grita  &  arroydo  de  tròbetas ,  de- 
semparã  os  mouros  tudo  &  acolhèse.  £  por  se  os  Portu- 
gueses nã  embaraçarê  cõ  ho  roubo,  mãdou  António  gal- 
uã  poer  fogo  á  cidade,  Q  foy  toda  queymada,  afora  os 
muros,  ê  i\  ardeo  muyta  riqueza ,  por£|  como  os  mouros 
estauã  muy  cofiados  em  os  não  tomarS,  tinha  todas  suas 
fazêdas  sem  lirarõ  nhila  cousa  ^  &  fora  mortos  muy  tos 


LIVRO   VIU.    CAPITVLO   CLIX.  373 

mouros 9  &  feridos  sem  colo,  &  caliuos  infindos  hotnSs 
&  molhereS)  &  lomada  muyta  artelharia,  &  nauios  de 
remo,  &  bfl  jugo :  &  dos  Portugueses  nâ  foy  niorlo  nbti, 
saluo  hu  escrauo.  £  parece  ^  quis  nosso  Senhor  fazer 
este  uiilagre,  pêra  cõfusâ  dos  mouros  &  Qbrarlhés  sua 
soberba. 

CAPITVLO    CLIX. 

De  como  os  Reys  de  Geilolo  ^  de  Bachão  ^  ^  os  outros 

se  foram  pêra  suas  terras. 

J^uida  esta  lã  milagrosa  vitoria,  tnãdou  António  gal- 
Và  derribar  os  muros  &  baluartes  da  cerca  da  cidade,  Q 
em  algfis  dias  fora  derribados,  ^  tudo  íicou  tã  raso  co- 
mo se  nuca  ali  esteuera  cidade,  &  assi  foi  atupida  a  ca*, 
ua ,  &  isto  com  imêso  trabalho  Dâtonio  galaâo  &  dos 
seus,  que  de  dia  estauâ  em  terra,  &  de  noyte  dormiam 
na  armada.  £  como  os  Reys  estauam  juntos,  &  tinham 
ainda  junta  a. gente  que  escapou  da  batalha,  determi- 
naram de  ho  tomarem  no  mar  com  sua  armada,  quando 
fosse  das  nãos  pêra  a  cidade ,  por  ser  a  distancia  hâ 
pouco  cumprida,  do  {|  António  galuâo  foy  auisado  por 
suas  espias,  &  aquela  noyte  mandou  poer  em  cilada  ao 
longo  da  terra  debayxo  do  aruoredo  algfla  gente  nos  na- 
uios de  remo  que  tomou ,  pêra  Q  sayndolhe  os  !m)g08 , 
lhes  ficassem  os  seus  detrás  &  ele  diante,  &  pêra  os 
prouocar  a  sayrenlhe,  embarcouse  pola  menhaS  com 
grãjie  arroydo  de  trõbeias ,  &  como  os  mouros  estauâo 
prestes  na  armada,  sayrào  logo  a  ele  indo  cosidos  com 
terra,  pêra  lhe  tomarem  a  diãteira  antes  {}  chegasse,  & 
indo  assi,  foram  dar  de  supito  com  a  cilada,  que  lhe 
Antinio  galuào  tinha  posta,  de  que  lhe  logo  começarão 
de  tirar  com  a  artelharia  &  chegarse  a  eles,  &afierrarã 
bõa  coracora  dei  rey  de  Bachâo,  ^  ya  diante  carregada 
djcT  gête,  !)  nam  ousando  de  pelejar  se  deitou  ao  mar,  & 
a  ccracira  foy  tomada:  £  vedo  os  outros  isto,  forase 
retirando,  &  defendSdo  de  maneyra,  Q  nam  receberá 


a74  DA    HISTORIA    DA    IKDIA 

mais  nojo  &  forâose,  do  Q  os  reys  fícarSo  rouy  enuer- 
gonbados,  vSdo  quã  pouco  lhes  fundira  seu  ardil  ^  &por 
Í8so  acordarS  de  darS  em  Anionio  galuâo  per  terra  & 
per  mar,  &  estado  juntos  pêra  isso,  foy  Anionio  galuão 
auisado ,  &  foy  logo  sobreies  {)or  terra ,  &  partio  de  dia 
por  lugares  encobertos,  pêra  os  tomar  de  sobreçalto,  & 
assi  ouuera  de  ser,  se  os  da  companhia  de  Frâcisco  de 
sousa,  que  ya  na  dianieyra,  nam  tirara  certas  espin- 
gardaras yndo  perto  dos  iniigos,  Q  os  sintirã,  &  coma 
estauã  cortados,  do  medo,  &  os  tomassem  de  sobresalto 
acolheramse  logo,  &  todauia  Anionio  galuam  alcançou 
os  da  traseyra ,  de  que  matou  &  ferio  &  catiuou  algQs, 
&  antre  os  mortos  foy  bum  primo  dei  rey  de  Geilolo 
muy to  valente  caualeyro,  de  que  os  immigos  receberam 
grande  perda,  &  fizeram  por  ele  grandes  prantos,  & 
despois  disto,  foy  António  galuam  sobre  hum  lugar  que 
estaua  hi  perto,  que  achou  despouoado  cõmedo&quey* 
mouhoy  &  era  ja  ho  medo  tamanho  nos  mouros,  que  nam 
ousauam  daparecer,  o  que  visto  poios  reys  de  Bachão, 
&  de  Geilolo,  &  dos  Papuas,  &  ^  era  escusado  tentar 
mais  a  fortuna  conlra  António  galuam,  determinaram 
de  se  tornarem  pêra  suas  terras,  &  deyxarè  a  guerra 
pêra  outro  tempo,  &  assi  ho  disseram  a  el  rey  de  Tido* 
re,  dandolbe  pêra  isso  aigúas  rezões,  &  as  principaea 
forão,  que  Deos  pelejaua  por  Anionio  galuâo,  ou  Ma- 
famede  destar  yroso  cõtreles ,  cõsentia  que  fossem  assi 
vencidos  por  tam  poucos  Portugueses,  tendo  eles  tanta 
gSte  que  nam  tinha  conto,  iníirindo  dali,  que  nam  era 
bem  que  pelejassem  mais  &  com  isto  se  partiram,  fican-» 
do  el  Rey  de  Tidore  muylo  triste  de  ho  deixarem  da- 
quela maneyra.  E  vendo  os  Portugueses  desaparecer  os 
immigos,  cuydauam  que  yâo  sobre  a  nossa  fortaleça,  & 
fizera  grandes  requerimStos  ^  lhe  acodisse,  &  ele  nft 
quis,  dizôdo  Q  quS  nS  defendia  sua  terra,  que  não  auia 
dir  tomar  a  alhea. 


LIVRO  Vllf.   CAflTVLO  fXX.  876 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLX. 

De  como  Aníanio  galuão  fez  paz  com  cl  rey  de  Tidore. 

X-^eterminando  António  g;alu3o  de  nam  se  yr  dali,  seiii 
faxer  paz  com  el  rey  de  Tidore,  ou  quando  nâ  quisesse 
yr  sobrele  &  malalo,  escreueolhe  hâa  caria,  em  que  di- 
zia, como  sem  bo  ele  nunca  ter  anojado,  em  chegando 
àquela  terra  lhe  yâo  cada  dia  correr  suas  armadas ,  & 
mandandoihe  cometer  paz ,  nunca  vira  sua  reposta ,  & 
de  se  ver  injuriado^  acodira  por  sua  bonrra,  &  mais  por 
isso ,  ()  por  desejar  a  guerra  iha  fizera ,  &  aos  outros 
reys,  com  quem  desejaua  de  ter  paz,  &  pois  eram  ydos, 
&  ele  tinha  experiência  de  quanto  mal  fazia  a  guerra, 
lhe  [ledia  muyto  que  tizesse  com  eie  paz ,  &  que  a|)er- 
taua  tanto  com  ele,  que  a  quisesse  pola  muito  boa  fa- 
ma que  tinha  dele.  Recebida  dei  rey  esta  carta,  man- 
douha  ler  em  conselho,  em  que  foy  praticado  que  An- 
tónio galuSo,  como  bomè  que  desejaua  paz  &  conserua- 
çâo  da  terra ,  sempre  defendera  aos  seus  que  a  nam 
destruyssem ,  nem  cortassem  palmeiras ,  nem  nenhâas 
aruores,  &  atee  a  sua  mezquita  (cousa  tã  auorrecidá 
dos  Portugueses,)  deixara  sem  tocar  nela,  8c  quem  is- 
to fazia,  &  nam  se  ensoberbecia  com  a  vitoria,  deuia 
de  ser  bÕ  home,  pelo  que  deuiã  de  fazer  tregoa  com 
ele,  com  condição  que  ae  fosse  logo  do  seu  porto,  &  lhe 
não  fizesse  mais  guerra,  &  despois  de  vagar  fariam  paz 
com  ele,  porque  não  a  auiam  de  fazer  em  quanto  Tris- 
tão datayde  esteuesse  em  Maluco,  &  assi  lho  mandou 
el  rey  dizer,  do  que  António  galuão  não  foy  contente, 
por  lhe  aquilo  parecer  cousa  muyto  desapeg<'>da,  &  assi 
ho  mâdou  dizer  a  el  rey,  &  que  nã  auia  de  fazer  nada 
sobre  a  paz ,  sem  se  ver  com  ele ,  &  logo  )be  os  Portu- 
gueses disserão  que  aquíto  seria  impossiuel,  por  ser  arn 
tigo  costume  dos  reys  de  Maheo,  nam  verem  ho  rosto 
a  qu6  os  veoeia,  se  nam  dabi  a  seye  meses,  &  por  esta 


376  BA   HI8T0RU   HA   ÍNDIA 

causa  el  rey  se  escusou  de  se  ver  com  ele ,  &  mandou 
em  seu  nonie  a  Cachil.  rade  seu  jrmSo ,  &  a  segunda 
pessoa  do  reyno.  £  por  António  galuSo  ler  dele  boa  in- 
formaram ,  antes  de  faiar  com  ele  a  bem  de  feyto ,  lhe 
cometeo  que  quisesse  ser  rey  daquele  rejno  &  ^lboda«- 
ria,  por  seu  jrmão  ho  ter  perdido ,  por  se^ter  leuantado 
contra  a  fortaleza,  &  Ibe  ler  feyta  Iam  crua  guerra,  & 
não  querer  ainda  paz  ofiereceodolha  eJe,  &  António gal- 
uão  fazia  isto ,  por  lhe  parecer  que  com  este  beneficio 
teria  Cachil  rade  da  sua  parte ,  &  ho  ajudaria  cõlra  os 
outros  reys,  &  ele  nam  quis,  dizendo  que  nunca  Deoa 
quisesse  que  fosse  Iredoro  a  seu  jrmâo.  £  por  ele  não 
querer  aceitar  ho  reyno,  nè  querer  prometer  a  António 
galuâo ,  que  faria  com  el  rey  que  se  visse  com  ele ,  fi- 
cou António  galuão  tão  agastado,  que  nam  quis  fazer 
nada  com  ele ,  &  Cachil  rade  se  foy ,  ficapdo  de  guerra 
como  dantes:  Porem  el  rey  mudou  seu  costume,  &via- 
se  com  António  galuão,  leuãdo  consigo  Cachil  rade  & 
seus  jrmãos,  &  muylos  Maodaris,  &  assentarão  paz, 
com  condirão  que  el  rey  desse  toda  a  arielharia{}  tinha, 
&  todas  as  armas  Portuguesas,  &  assi  de^se  pêra  el  rey 
de  Portugal  ho  crauo  que  ouuesse  em  sua  terra,  pelo 
preço  da  fey  toria,  &  que  nã  ajudasse  nhã  rey  contra  os 
Portugueses:  £  nesta  vista  deu  António  galuão  presen- 
tes a  el  rey  &  a  Cachil  rade  &  seus  yrmãos,  &aos  Man- 
.daris,  &  dali  por  diante  em  algus  dias  que  se  António 
galuâo  deteue  ho  forão  ver  el  rey  &  eles ,  &  comião  & 
bebião  como  que  auia  muyto  tempo  !\  se  conuersauão, 
&  et  rey  8c  todos  eslauâ  muy  contentes  da  condição 
Dantonio  galuão,  &  folgauâ  muyto  com  sua  amizade, 
&  Cachil  rade  o  auisou  que  se  nã  fosse  dali  ate  esta  a- 
mizade  não  ficar  bS  firme,  porque  el  rey  seu  yrmão  era 
muy  perseguido  dos  reys  de  Bachão  &  Geyloio,  8&  te- 
mia que  tâto  que  dali  fosse  partido  lhe  tornasse  a  fazer 
guerra,  em  vingança  da  morte  dei  rey  Cachil  dayalo, 
que  fora  morto  a  ferro ,  q\ie  todos  eslauâ  obrigados  per 
juramento  de  a  víngarõ,  &^  assi  lho  pregaufto  seus  Ca- 


LIVAO  VXfl.    CAPITVLO  CLXT.  377 

CÍZ68 :  pelo  que  António  galuão  se  deteue  mais  algils 
dias  do  ^  se  ouuera  de  deter,  &  neste  tempo  lhe  pro- 
meteo  de  tornar  a  fazer  a  cidade  onde  estaua,  &  a  co- 
meçou antes  de  sua  partida. 

CAPITVLO    CLXI. 

De  como  se  os  Portugueses  amotinarão  pêra  fazerem 

crauo» 

V  endo  António  galuâo  que  el  rey  de  Tidore  estaua 
firme  em  sua  amizade,  determinou  de  yr  sobre  el  rey 
de  Geilolo,  pêra  se  \k)t  bem  não  quisesse  fazer  paz,  lhe 
fazer  guerra  ale  que  a  fizesse.  E  parlido  lhe  deu  hu  tão 
brauo  temporal  que  arribou  a  Talangame ,  &  como  os 
Portugueses  se  ali  virão,  porque  era  já  a  mouçâode  Ma« 
laca  &  desejauão  de  se  yrem  &  fazerem  crauo,  não  qui« 
serão  tornar  com  António  galuão  á  guerra,  &  amolina^- 
rãoselhe  de  maneira,  que  lhe  foy  forçado  desembarcarsa 
&  yrse  á  fortaleza ,  onde  logo  mandou  adubar  a  nao  dô 
que  era  capitão  Francisco  de  sousa  &  a  outra  em  que 
ele  fora.  E  por^  Tristão  datayde  se  auia  dyr  naquela 
mouçã  mãdou  tirar  deuassa  dele,  como  era  costume  ti« 
rarse  dos  capitães  quãdo  acabauã:  E  sabendo  Tristão 
datayde  que  os  mais  o  acusauã,  pedia  a  António  gal- 
uão que  ouuesse  piedade  dele,  &  ele  lhe  prometeo  de 
fazer  todo  o  fauor  que  podesse,  cõ  tanto  que  não  fosse 
contra  sua  conciencia,  por  isso  que  descansasse:  Esa« 
bendo  que  hu  loão  freyre  estaua  mal  coele  fez  que  fosse 
seu  amigo,  &  assi  outras  amizades,  apacificandoho  com 
os  mais  que  lhe  querião  mal,  ate  pacificar  hus  pescado- 
res que  se  lhe  queixauâo  du  comprador  de  Tristão  da- 
tayde, chamado  Pratas  dalcunha,  porque  lhes  tomara 
o  pescado  &  os  escalaurara ,  &  mãdou  dizer  a  Tristão 
datayde  que  castigasse  o  Pratas,  &  tatás  cousas  fazia 
por  ele,  q  muytos  diziâo,  que  pois  o  não  castigaua  po- 
]^s  culpas  que  tinha ,  &  mandaua  preso  á  índia ,  algd 

LIVRO   VIII.  BBB 


B7B  dA   m«TòAIA    0A   ÍNDIA 

viria  l\  o  |[>rendeBfie  &  caslig&sse  gem  cu1(>r.  E  com  tu- 
do mandou  2}  se  lirasAe  deua^ea  de  Tristão  datnyde,  do 
que  se  ele  logo  escandalisou  Danlonio  galuào,  &  come- 
çou de  Ihamolinar  a  gele  em  segredo,  &  António  ga^ 
uao  na  sabendo  disso  nada,  entendia  em  auercrauocom 
que  carregasse  pêra  el  rey  a  nno  de  Francisco  de  sousa 
&  a  outra,  &  mandou  pregoar  que  sob  graues  penas 
que  nhua  pessoa  vêdesae  crauo  se  náo  na  feitoria,  ou  a 
quem  o  feytor  deputasse  pêra  o  comprar,  &  ao  taba- 
liâo  pubrico  q  sob  a  mesma  pena  nâo  fízesse  conheci- 
mento nem  escritura  de  compra  nem  veda  de  crauo  a 
tabQa  pessoa ,  &  ao  Ouuidor  Q  nhCiaa  partes  ouuisse  so- 
bre crauo.  £  sabendo  que  nas  jlhae  de  Moutel  &  de 
Maquiem  estauSo  certos  junges  de  mouros  tomando cra*^ 
lio,  mãdou  logo  iáGonçak)  vaz  qarnache  com  híía  arma- 
da pêra  os  deitar  fora,  &  foram  cõ  ele  Cacbi)  rade  &  o 
camarão,  &  os  deitaram  fora,  &  com  todas  estas  dili^ 
gencias  que  António  galuâo  fasia,  nam  podia  auer  cra- 
iio,  nS  os  Portugueses  deixauam  de  o  comprar,  o  que 
faziam  de  noyte  depois  que  se  fechaua  a  fortaleza,  & 
l^arregauãno  em  hCi  jungo  da  Dinis  de  payua.  E  sabeR*- 
do  António  galuSo  como  comprauam  de  noyte,  mSdoa 
vigiar  a  praya  de  noyte  pelo  meyrinbo  da  fortaleza,  man- 
dandolhe  ^  o  tomasse,  &  querendo  ele  fazeio,  foy  es- 
pancado, &  nisto  foy  António  galuâ  anisado  pelo  vigay- 
fo  da  fortaleza  ,  &  por  outro  clérigo,  que  o  queriío  m»- 
tar  por  amor  da  defesa  do  crauo,  &  cada  htt  lhe  deu  sea 
assinado  do  que  lhe  dizia.  E  vendo  ele  o  escSdalo  doa 
Portugueses,  prouou  de  ver  se  os  podia  amansar  com 
boas  palauras,  &  fazendoos  todos  ajuntar  á  ()orta  da  for- 
taleza, lhes  disse. ■  Nam  me  negareis  senhores,  que  to^ 
dos  os  bomSs  que  se  tem  era  conta  domSs,  tem  por  cou- 
sa muy  abominauel  a  ingratidão,  &  por  grande  baixeza, 
&  se  prezão  muyto  dagardecidos,  &  t€  por  nobreza  vsar 
dagardecimSto,  &  de  quem  recebem  algfi  beneficio,  de- 
seja de  lhe  fazer  outros,  &  he  certo  que  se  perguntar  a 
cada  hfi  de  vos,  que  dirá  4  ^^^^  ^^^  P^ís  ^^  ^^^í  ^^  P^>^ 


LIVEO  VIU,   CAPITTLO   CtXÍ.  379 

que  fazeis  o  contrayro  com  el  Rey  nosso  senhor,  que 
faz  a  todos  latas  mercês  de  contiso,  dandovos  terra  em 
que  moreis,  dãdovos  leys  em  Q  víuaes,  defSdendovos 
de  Y0880S  Imigos,  dandovos  maneira  pêra  lerdes  de  que 
vos  mater,  &  outras  muytas  mercês  que  sam  largas  de 
contar:  pois  de  quem  receberíeis  tantos  benefícios,  que 
«e  lhe  fosse  necessário  ajudardeslhe  a  sustentar  sua  fa- 
zSda  que  o  nam  fizésseis,  o  que  nam  fazeis  a  el  Rey, 
inas  antes  lha  destruys,  porque  nam  tendo  ele  nesta  ter- 
ra outra  cousa,  com  que  sustêtar  dez  ou  doze  mil  cru- 
zados que  gasta  cadanno,  nos  soldos  &  mantimentos 
desta  fortaleza,  se  nam  o  crauo,  que  ha  tanto  tempo 
que  assentou  com  os  reys  que  lhe  dessem  a  mil  reis  o 
bár,  vos  lho  lãdes  leuãtado  a  vinte  mil,  que  nam  vai 
tanto  na  índia,  com  que  fazeis  que  nam  se  acha  pêra 
se  lhe  comprar,  &  lhe  fazeis  perder  o  cabedal  de  Q  tem 
necessidade,  pêra  soster  os  grandes  gastos  desta  forta- 
leza: pelo  que  vos  requeyro  da  sua  parte,  que  não  com- 
preis  crauo,  &  lhe  deixeis  comprar,  &  o  queirais  antes 
comprar  do  seu  feitor,  que  volo  ha  de  dar  mais  barato 
^  os  mouros,  porque  assi  o  ha  ele  por  bem  em  hfl  regi- 
ro6(o  que  aqui  estáDafonso  mexia,  sendo  veedor  da  fa- 
zenda da  índia,  &  pêra  que  saybais  que  nam  he  isto 
ardil  pêra  o  auer  pêra  mi  eu  volojurarey,  &  logo  jurou 
solênemõte  cm  hfl  missal  de  nã  cõprar  crauo  perasy  por 
nhfia  pessoa,  se  nam  todo  pêra  el  Rey,  ate  as  suasnaoa 
serem  carregadas ,  &  rogou  a  seus  amigos ,  &  mandou 
a  seus  criados  que  assi  o  fizessem ,  &  certo  crauo  que 
lhe  deram  por  amizade  el  rey  de  Ternate  &  o  camarão, 
&  el  rey  de  Tidore,  &  Cachil  rade,  nam  quis  que  lhe 
entrasse  em  casa ,  &  mandouho  leuar  á  fe^  toria. 


BBB  2 


-MO  DA  HISTORIA   BA  TllDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXII. 

Do  mau  que  passou  AnUmio  gahiâo  c6  os  Portugueses 

sobre  o  crauo. 

JlN  enhiia  destas  diligecias  aprooeytauani)  pêra  se  auer 
crauo  pêra  el  Rey  &  de  dous  mil  Bares  dele,  que  An* 
tonio  galuão  sabia  que  erão  feytos ,  depois  de  chegar  a 
JMaluco,  não  se  ouuerá  pêra  el  Rey  mais  de  ceio,  &  is- 
to porQ  o  comprauão  a  mil  reis ,  &  as  partes  dauâ  por 
ele  vinte  mil ,  &  mais  não  o  queriâo  carregar  nas  nãos 
dei  rey,  se  não  em  hu  jungo  dQ  Dinis  de  payua,  cm 
qne  Tristão  datayde  linha  parte.  E  receado  António 
galuão  que  se  fossem  sem  sua  licSi^a,  &  lhe  leuassem  a 
gête,  kz  vir  as  nãos  &  o  jungo  de  Talangame,  &  sur* 
gir  em  hua  calheta  perto  de  nossa  Senhora  da  barra ,  & 
ainda  deu  juramSto  aos  capitães,  que  não  se  fossem 
sem  soa  licença,  nem  lhe  leuassem  gSle,  &  deste  ju- 
ramSto se  fez  hQ  auto  que  todos  assinaram.  £  cõ  tudo 
António  galuão  por  sua  pessoa,  vigiaua  de  ncytea  praya, 
pêra  ver  se  topaua  algus  cõ  crauo,  &  tomaua  o  ^  acha- 
na :  do  que  aqueles  que  o  traziâo  se  agastauam  niuyto, 
&  dizião  que  fazia  grande  erro  em  se  sayr  de  noyle  da 
fortaleza,  que  o  poder  ião  matar,  porem  ele  não  deixa  ua 
a  vigia.  O  que  vedo  os  Portugueses  que  comprauão  o 
erauo,  se  ajuntarão  ha  dia  com  Tristão  datayde  ^  os 
fauorecia  &  era  sua  cabeça  por  lhe  pesar  com  as  diii« 
gencias  (j  fazia  António  galuão,  &  forãose  dassuadacom 
armas  diante  da  porta  da  ygreja ,  estado  ele  dStro  na 
fortaleza ,  &  diziào  com  grandes  brados ,  que  não  auiã 
de  deixar  de  fazer  crauo,  &  que  o  auiâo  de  defender  ás 
laçadas  a  qu3  lho  quisesse  iomar  dali  por  diante,  &  foy 
isto  em  tanto  crecimêto,  que  António  galuão  mandou 
repicar  o  sino  da  vigia,  pêra  ver  se  auia  alguS  que  fos- 
se da  parle  dei  Rey,  &  nisto  quis  sayr  fora,  pêra  ver 
o  que  a  gente  determinaua,  &  em  sayndo,  achou  á  por- 


LtYRO   rUU   CAPITVLO  CLZII.  >8t 

ta  da  fortaleza  Francisco  de  sousa  com  outros,  &  disse- 
)he  que  ja  Tristão  datayde  &  os  da  assliada  erSo  ydos  y 
que  nã  lhe  lembrasse  aquilo,  &  ele  o  fez  assi.  £  vendo 
a  gente  quão  remisso  era  em  castigar  aquele  delito  & 
outros,  cuydauâo  que  auia  medo  a  Tristão  datayde, 
pelo  que  o  nào  teueram  em  conta,  &  pareceo  tão  mal 
esta  assuada  a  muytos,  que  GÕçalo  vaz  (jarnache  culpa- 
na  muyto  António  galgâo  de  não  prender  Tristão  datay- 
de, &  lio  mandar  preso  á  índia,  &  diziaho  pubricamen* 
te,  pelo  que  Tristão  datayde  saltou  coele  com  gente 
pêra  o  matar  ou  injuriar,  &  assi  o  tizera  se  Gonçalo  vaz 
nã  se  acolhera  á  ygreja,  &  AnU)nio  galuâo  nãoacodira: 
&  sintindo  Gonçalo  vaz  isto,  desafiou  Tristão  datayde, 
que  lhe  nà  sayo  ao  desafio,  pelo  !\  Gõçalo  vaz  lhe  es- 
creueo  hila  carta  de  muy  feas  paiauras.  £  desejado  An- 
tónio galuão  assossegu ,  prSdeo  sobre  sua  menagê  Gon- 
çalo vaz  por  amor  do  desafio,  parecendoihe  que  coisso 
poeria  paz  antrele  &  Tristão  datayde,  de  cuja  discór- 
dia, por  serê  taes  pessoas,  se  podia  seguir  muylodesser- 
uiço  de  Deos  &  dei  Rey :  porem  GÕçalo  vaz  se  ouue 
pcjr  muy  to  injuriado  de  ser  preso,  acodindo  por  suahòr- 
ra,  &  ficou  imigo  Dâlonio  galuão,  nem  Tristão  datayde 
xiãu  ficou  seu  amigo,  nê  deixou  de  lhe  leuar  quanta  gen- 
te pode  a  Índia,  que  sabia  a  necessidade  que  tinha  de- 
la por  amor  da  guerra  em  que  ficaua»  £  pêra  mais  es- 
candalizar a  gente  da  terra,  leuou  bQ  moço  Christão 
4)bamado  Paulo,  filho  dú  homem  dos  principaes  do  Mor- 
ro, que  auia  de  cuydar  que  lho  leuauâo  a  vender  á  ín- 
dia. £  nno  o  querendo  Tristão  datayde  dar,  nem  a  ge- 
ie que  leuaua ,  mandãdolfae  António  galuão  pedir  tudo 
c5  miyta  cortesia,  depois  destar  embarcado,  mandou- 
lhe  depois  sobrisso  muy  tos  requerimStos,  o  que  namsa- 
tijsfazendo  Tristão  datayde,  antes  soltado  palauras  muy 
feas,  f(»y  António  galuão  ás  nãos  ao  outro  dia,  assi  pê- 
ra lhe  tomar  a  gente  que  lhe  leuauão,  como  pêra  tomar 
pêra  el  rey  o  terço  de  lodo  o  crauo  que  achasse  de  par- 
tes ptlo  preço  da  feitoria ,  &  embarcoose  em  h&  batel 
com  hil  falcão  por  proa» 


S8t  DA    HISTORIA    lU    índia 

C  A  P  I  T  V  L  p    CLXIIL 

Do  que  Tristão  Datayde  fez  a  AnUmio  da  Madureyra. 

V^omo  08  <]ue  estauâo  no  noar,  tinha  em  torra  quem  os 
Auisasse  do  fi  António  galuâo  delerminaua,  forâo  ioga 
auisados  !)  auia  dir  ás  nãos  ao  outro  dia,  &  o  pêra  que^ 
leuarão  de  noyte  as  ancoras ,  &  sem  lhes  lembrar  ò  \m* 
ramento  {|  tinhao  feyto  a  António  galuSo,  de  nam  se 
yrõ  sem  sua  licenija,  nem  Ibe  leuarê  g&te,  derâo  algiis 
á  veia  &  forãose,  &  quando  António  galuâ  chegou,  ja 
nã  achou  roais  que  hua  nao,  &  o  jQgo  de  Dinis  de  pay* 
ua  que  se  faziâo  á  veia,  &  foyse  ao  jQgo,  requerendo 
de  fora  que  amaynasse,  &  Dinis  de  payua  se  pos  a  bor** 
do  com  toda  a  gente  armada,  &  espingardas  ceuadas^ 
com  murrões  acesos,  dizendo  ^  quê  chegasse  a  ele  qua 
o  mataria.  E  como  ho  vento  era  fresco ,  &  o  mar  gros* 
so  foyse,  sem  Ibe  lembrar  que  por  ter  rouytas  diuidas 
&  emburilhadas ,  o  embargauam  por  elas  ao  lempo  da 
embarcação ,  &  António  galuSo  se  obrigou  por  de  ao 
nam  pagasse,  &  se  isso  não  fora,  não  se  podia  yr,  & 
fícaua  perdido,  por  ter  feyto  inuylo  grade  emprego,  & 
em  ele  partindo,  acabou  a  nao  de  dar  ás  veias  &se  par* 
tio  tambê,  &  estas  velas  &  as  oiitras,  leuarâ  a  mayor 
pnrte  da  gente  da  fortaleza,  sem  nhõ  temor  de  serem 
castigados ,  que  bS  aabião  que  auião  de  (ícar  sem  casti« 
go ,  coroo  ficaram  os  passados ,  que  fizerâo  os  mesmos 
dilitos,  &  por  isso  forão  de  cada  vez  mayores.  E  vendo 
Anlonio  galuSo  como  se  forão,  leuandolbe  a  gente  de  ^ 
tinha  tãta  necessidade,  por  ficar  de  guerra,  oiiueos  por 
aleuantados,  &  cõdenouos  em  perdimento  das  fazendas 
pêra  el  Rey,  &  tirou  estormStoe,  &  deuassas  do  que  Jbo 
fiserâo,  &  de  como  (icaua,  &  cõ  dous  requerimentos, 
hfí  porá  o  capitão  de  Malaca,  &  outro  pêra  o  gouerna» 
dor  da  India^  que  lomaasem  pêra  el  Rey  as  fatédas  da* 
queles  aleuâtados ,  &  lhe  desse  a  mais  pena  qoa  meva* 


LlVaO   VIU.    CAPITTLO   CLXIII.  883 

ciSo  suas  culpas,  despachando  logo  pêra  Banda  hQ  An- 
tónio da  madureyra,  que  leuou  lodos  esles  papeis  em 
bQa  carauela,  &  mais  cartas  pêra  el  Rey  de  Portugal, 
em  que  lhe  escreuia  o  estado  em  que  achara  a  terra,  & 
o  (\  tinha  feyto,  &  que  desse  tudo  ao  capitão  que  este- 
uesse  em  Banda:  a  que  chegado  António  da  madurej- 
ra,  achou  bi  por  capitão  hQ  Manuel  da  gama,  parente 
de  dÕ  Esteuão  capitão  de  Malaca.  £  )X)r  Mantiel  da  gat>- 
ma  estar  anisado  de  Dinis  de  payua,  &  doutros  que  ja 
lá  «rSo,  que  nâo  tomasse  nhfls  |)epeifi  Q  lhe  António gal- 
ticlo  mandasse ,  dizendolhe  o  sobre  que  erâo ,  nâo  quis 
tomar  nhQs,  por  mais  requerimentos  que  lhe  António 
da  madureyra  fez  que  os  tomasse^  nê  menos  consentio 
que  tomasse  agoa,  nem  lenha,  &  como  a  imigo  o  fez 
layr  do  porto:  &  poia  necessidade  Q  ti«ha  de  fazer  a*- 
goada,  se  foy  á  jlba  Damboyno,  &  surgio  em  hfi  porto 
perto  doutro  donde  Tristão  datayde  esiaua  surto,  que 
jogo  soube  o  que  António  da  madureira  leuaua,  &  te* 
mendose  que  o  desse  em  aigu  nauio  dos  que  ali  esta- 
tifio,  &  se  saberia  na  índia  &  em  Portugal  o  que  fizera 
em  Maluco,  &  porque  não  se  soubesse,  mandou  contrele 
bâ  António  pereyra  que  fora  eapitôo  mor  do  mar  em 
Maluco,  ()  fosse  cõ  gente  armada  contra  António  da 
madureira  &  que  o  fizesse  yr  dali,  &  asei  o  fez,  que  lhe 
«lào  deixou  fazer  agoada ,  &  tornouse  pêra  Maluco  sem 
dar  os  papeis  que  leuaua,  &  assi  se  enterrou  o  l)TrÍ6(ft 
datayde  &  os  outros  iizerSo,  &  el  rey  foy  muyto  desep- 
tildo,  &  os  Ilidis  deles  forSo  tãobem  galardoados  como 
que  o  seruirSo  muyto  bem.  Ea  cdpa  disio  be  toda  dos 
'gouernadort^s  da  Índia,  ^  não  trabalhão  muyto  p(»r  sa- 
berem os  dilitos  que  se  fazem  em  Maluco,  &  sabidos 
os  aAo  casiigão  muyto  bem. 


384  DA  HUTORIA  DA  INOIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXIIII. 

De  como  él,  rey  de  Cambaya  foy  ver  ho  goaemador  ao 

ycUeão. 

Jl  arti(fo  ho  Gouernaáor  pêra  Diu,  comeijou  de  se  fazer 
doente,  pêra  Q  podesse  bem  fingir  que  o  era  quâdoche* 
gasse  á  fortaleza ,  por^  el  rey  o  fosse  ver  a  ela  &  lá  o 
prendesse ,  &  de  cada  vez  se  fazia  mais  doSte ,  &  por 
isso  se  deteue  em  Cliaul  algus  dias,  &  dali  se  foy  a  Bar 
çai  em  bua  fusta  por  dêtro  do  rio,  pêra  mostrar  quão 
doSte  ya,  porque  a  fama  corresse,  &  quando  chegasse 
a  Diu  soubesse  el  rey  de  Cambaya  ^  ya  doente,  &aqui 
se  deteue  algus  dias,  &  quando  ya  a  terra  pòr  mostrar 
que  não  se  podia  ter,  leuauâono  em  hii  Palanqui,  que 
sam  como  Esquifes ,  &  leuauãno  homês  &  ya  cercado 
de  fidalgos.  £  partido  de  Baçai  chegou  á  jlha  dos  Mor« 
tos  a  fiizer  agoada,  &  pêra  lhe  yr  hi  falar  Manuel  de 
Sousa,  que  foy  vespoxa  Dentrudo  á  noyte,  &  lhe  conr 
tou  tudo  o  que  el  rey  de  Càbaya  determinaua  em  sua 
treyção,  &  ainda  de  noyte  se  tornou  pêra  a  fortaleza, 
sem  ser  sentido  dos  mouros  onde  fora.  E  passado  o  dia 
Dentrudo ,  ao  outro  dia ,  que  era  quarta  feyra  de  Cin? 
za,  em  amanhecSdo  se  foy  o  gouernador  ó  vela  pêra 
Diu,  &  indo  assi ,  el  rey  de  Cambaya  que  andaua  á 
caça  de  monte  ao  logo  do  mar  o  vio  yr,  &  mâdoulhe  tor 
go  preguntar  por  sua  disposição  por  hum  porteiro ,  por 
quem  lhe  mandou  algus  veados  &  gaaelas^  deles  sem 
pernas,  &  outros  sem  braços:  E  dado  por  ele  o  recado 
dei  rey  de  Cambaya  ao  gouernador,  respondeolhe  que 
ya  muyto  doête,  &  por  isso  se  deleuera  tâto  no  cami- 
nho que  se  isso  não  fora,  logo  lhe  fora  beijar  as  mãos. 
£  partido  o  porteiro,  foy  ho  Gouernador  surgir  na  baya 
de  Diu ,  &  ali  ho  foy  logo  ver  Manuel  de  sousa,  &  nis- 
to chegou  o  embayxador  per  que  el  rey  de  Càbaya  man- 
dara chamar  o  gouernador,  que  ho  ya  visitar  da  parte 


LIVRO   VIII.   CAPITVLO  CLSIIfT.  886 

dei  rey  que  o  mandou,  &  depois  de  ho  ter  mandado  che- 
gou a  Diu ,  &  em  chegando  lhe  tornaua  o  embaixador 
CO  reposta  do  Gouernador  como  ya  doente,  &  por  isso 
]he  não  ya  beijar  as  mãos.  E  sabendo  el  rey  que  o  go- 
uernador ya  doente,  o  quis  yr^ver,  pareceridolhe  que  o 
seguraua  coisso:  &  assi  como  vinha  da  caça  se  embar- 
cou em  hQa  fuslinha,  leuãdo  consigo  Coge  çofar,  &  hil 
seu  filho,  que  auia  nome  Rumecão,  &  dous  gSrros,  hd 
chamado  ho  Tigre  do  mundo,  outro  Caracem,  &  ho  seu 
secretario,  &  Langarcâo  grade  senhor,  que  tinha  hu 
coto  douro,  &  loão  de  santiago  lingoa  &  outros  cinco 
mouros,  todos  capitães  &  grandes  senhores.  E  em  ou* 
trás  três  fustas  yâo  os  criados  destes,  &  chegou  tão  de 
supito  ao  galeão,  que  não  teue  o  gouernador  tempo  pê- 
ra mais ,  que  pêra  o  sayr  a  receber  ao  portaló  todo  in- 
vado.  E  afora  os  fidalgos  que  yão  coele  no  galeão  esta- 
uão  outros  &  algus  capitães  (|  forão  ao  galeão  em  sur- 
gindo.  E  quando  o  gouernador  deceo  pêra  o  conues  a 
receber  el  rey  disse  a  Lisuarte  dandrade,  IVIanuel  de 
Vasconcelos  casado,  loão  jusarte  tição,  Cristouã  de  me- 
lo, António  de  Sá  o  rume,  António  mendez  de  vascÔ- 
celos,  &  a  outros  que  estauão  juntos,  que  se  fossem  pê- 
ra  ho  chapiteo  como  ^  o  goardassem ,  Q  receaua  algQa 
treyção,  pelo  que  assi  aqueles  como  todos  os  outros , 
mandarão  polas  espadas  &  as  poserão  na  cinta,  &  nisto 
entrou  el  rey  no  conues  vestido  em  húa  cabaya  de  pano 
verde,  &  na  cabeça  hQa  touca  preta  peQna,  &  hQa  ada- 
ga rica  na  cinta ,  &  dous  pagSs  lhe  leuauão  hu  terçado 
&  hu  arco  com  frechas,  &  deste  modo  yão  os  ^  o  acora- 
panhauão.  O  gouernador  ^  o  esperaua  lhe  tirou  hu  cha- 
peo  de  guedelha  leonado,  &  fezlhe  hua  mesura  que  pos 
hu  giolho  no  chão  muy   pesadamSte  como  que  estaua 
muyto  doente:  El  rey  lhe  tomou  as  mãos  com  as  suas, 
que  era  ho  mayor  gassalhado  que  lhe  podia  fazer,  &  o 
leuantou,  &  lançandolhe  ho  braço  |)or  cima  das  costas, 
sobirâ  ambos  á  tolda,  onde  os  fidalgos  oulharão  todos 
pêra  o  gouernador,  principalmente  IManuel  de  sousa  que. 
LIVRO  vm.  ccc 


98ê  9A  HISTORIA  0A   ÍNDIA 

sabia  2|  o  gouernador  determinaua  de  prender  el  rey  ^ 
assi  peio  1)  Ihescreuera  antes  de  soa  yda  que  o  prSdes- 
se ,  como  pelo  que  Jbe  disse  quSdo  o  foy  ver  á  jlha  dos 
Mortos :  E  ainda  i^  os  outros  fidalgos  não  sabião  Ijfbe  o 
gouernador  queria  prender  el  rey ,  parecialhes  que  era 
bem  prenderse ,  porque  tinhSo  algua  sospeita  que  que* 
ria  fazer  treyçSo  &  sabião  certo  ^  quisera  tomar  a  for* 
taleza ,  roas  o  gouernador  niica  oulhou  pêra  ningufi ,  & 
c5  os  olhos  no  chão  entrou  com  el  rey  na  sua  camará  ^ 
entrado  coele  Coge  çofar ,  o  Tigre  do  mundo ,  o  Secre* 
tario  dei  rey,  Santiago ,  Sc  outros  dous  mouros ,  &  nhd 
Português.  Eem  entrando,  mandou  el  rey  fechar  a  por- 
ta por  dentro,  &  ficando  os  fidalgos  muyto  espantados 
de  lhe  o  gouernador  não  faser  nhO  sinal ,  começarão  de 
murmurar  disso  hOs  com  os  outros:  E Manuel  de  sousa 
que  sabia  c^mo  o  gouernador  determinaua  de  prender 
el  rey ,  quando  vio  entrar  o  gouernador  &  el  rey  na  ca-» 
mara,  ficou  muyto  agastado  de  o  gouernador  lhe  não  di- 
zer nada  nem  lhe  fazer  sinal ,  &  não  se  sabendo  deier«- 
minar  no  l\  faria,  disse  a  Manuel  de  macedo,  &  Antó- 
nio Cardoso,  o  que  lhe  o  gouernador  escreuera  acerca 
da  prisam  dei  rey,  pedindoihes  conselho  no  que  faria, 
&  eles  lhe  eonselbarao  que  mandasse  preguntar  ao  go- 
uernador que  determinaua  ou  que  queria  que  fizesse,  & 
ele  lho  mandou  pergiitar  por  lorge  barbosa  Q  agora  he 
juyz  dos  Órfãos  em  Coimbra,  2)  por  não  lhe  quererS  a- 
brir  a  porta  da  camará,  nem  poder  entrar  pola  escotilha 
da  camará  do  leme ,  se  foy  á  varanda  da  camará  onde 
ho  gouernador  estaua,  &  entrou,  &  achou  assentados 
el  rey  &  ho  gouernador  em  hOa  alcatifa  falando,  (c  ho 
gouernador  encostado  ao  raasto  da  mezena,  &  assenta- 
do lorge  barbosa  em  giolhos,  lhe  deu  o  recado  á  orelha, 
a  a^  o  gouernador  não  rcspondeo ,  nS  lorge  barbosa  não 
sayo  fora  a  dizer  isto  a  Maneei  de  soasa,  porque  el  rey 
como  qu6  se  temia ,  se  leuãtou  k>go  muyto  de  pressa , 
&  sayose  da  camará  sem  esperar  Q  ho  gouernador  fosse 
coele ,  n&  ate  o  prepao,  &  todos  os  fidalgos  oulharão  pe^ 


Lívio  VIIU  OAPITTLO  CLXV.  887 

ra  o  gouernador  como  da  primeira  y  &  iâi^bem  abaixou 
ca  olbosy  &  el  rey  se  foy.  esobarcar  Ião  de  presaa,  que 
èeaua  Goge  ^far  no  gateâf^  Sn  alar|;andose  ei  rey^  que 
lhe  dtsaerâo  que  ficaua  o  tornou  a  tomar  y  {|  foy  muylo 
grande  honrra ,  &  ci>aM>  bo  tomou  ^  leaHtíando  remar  a 
todo  tira ,  partio  pêra  a  cidade  ^  estaria  bOa  legoa  ou 
mais  I  dõde  o  goueriiadov  éstaua  surto. 


I 


C  A  P  I  T  V  L  O  CLXV* 
De  cemo/ey  morlo  el  rey  de  Cambaya. 


ndíJise  el  rey  embarcar  ,  aparlouse  o  goueraador  com 
Manuel  de  so-usa  y  &  disselfae  que  fosse  a  poa  el  rey  & 
Ibe  dissesse  que  c&  a  pressa  de  sua  yda  não  teuera  lem^ 
po  de  I4èe  dar  hik  recado  dei  vey  de  Portugal  seu  senbor^ 
que  cQfMria  muyto  darselhe  logo,  que  lhe  beijaria  aa 
mãos  por  se  yr  á  fortaleza  pêra  onde  k^o  ya  &  hi  Ibo 
dai^ia :  £  com*  isto  ae  embarcou  Manuel  de  sonsa  em-  bd 
eatur  que  tinha  a  bordo,  indo  coele  Diogo  de  mezqaitai 
&  António  correa.  Os  fidalgos  que  ficauão  no  galeão  áú 
pasmados  do  gouernador  deixar  assi  yr  el  rey  oulbauSa 
parele,  &  ele  lhes  disse.  Senhores  ()  me  oulbaeis,  em-* 
barcayuos  nessas  fustas  que  estão  a  bordo,  &ac5pnnba3r 
el  rey  &  faaei  o  que  vos  Manuet  de  sousa  disser :  E  di** 
sendo  isto,  dão  todos  consigo  nas  fuatas,  cÔ  no  amist 
outras  armas  que  espadas,  &  em  buas  muylos,  &  en» 
outras  poucos,  com  pressa  grandissima  botão  a  pos  ]Ma« 
Buei  de  sousa  {^  ya  atracado  quanto  podia  por  chegar  a 
el  rey,  &  valeolbe  muyto  pêra  o  alean<;ar,  a  detêça  que 
el  rey  fez  em  tornar  a  tomar  Coge  qoíar ,  q4ie  duulra^ 
maneira  nunca  bo  alcançara-:  E  emparelhando  com  at 
fusta,  disse  a  Santiago  que  dissesse  a  el  rey  que  se  pas^ 
sasse  ao  aeu  catur  que  queria  o  gouernador  que  fosse  á< 
fi>rialeaa,  &  Santiago  respeadea  que:  diuidíoes  erão  aque* 
laa,  que  nS  auia  de  dar  tal  recado  a.  el  rey  que  lho  fos'^ 
9%.  eia  diaer  dfilcoí  â  fuala.  E  parece-  que  querendo  Mar* 

ccc  2 


388  DA   HISTORIA   DA   INDlA     ' 

nuel  de  sousa  saltar  dentro,  ou  como  quer  que  foy  cayo 
no  mar ,  &  logo  hil  seu  page  se  lançou  a  pos  ele  &  le- 
uandobo  poios  cabelos  o  teue ,  &  nisto  chegou  hQa  fusta 
em  ^  yâo  Lopo  de  sousa  coutínho,  António  cardoso,  o 
doutor  Pedraluarez  dalmeida  ouuidor  geral  da  índia,  & 
desta  fusta  saltou  Lopo  de  sousa  no  catur  de  Manuel  de 
sousa,  &  «ãjudouho  a  tirar  do  mar  aos  outros:  E  el  rey 
de  Câbaya  quando  vio  aQle  desastre,  como  que  lhe  pe- 
saua  dele,  chamou  Manuel  de  sousa  pêra  a  sua  fusta ^ 
que  em  todo  tempo  teue  ieuantado  ho  remo,  &  Manuel 
de  sousa  entrou  logo  dentro,  &  coele  Diogo  de  mezqui- 
ta,  &  Lopo  de  sousa,  Pedraluarez  dalmeida,  &  Anto^ 
nio  correa,  &  seria  ás  quatro  oras  depois  de  meo  dia , 
&  ficará  de  proa  Manuel  de  sousa,  António  correa,  & 
Pedraluarez ,  Lopo  de  sousa ,  &  Diogo  de  mezquita  pas- 
sarSo  á  popa:  E  vendo  Santiago  entrar  estes  sem  o  el 
rey  mandar,  &  vendo  como  as  outras  fustas  dos  Portu- 
gueses vinha  apressadas,  disse  a  el  rey  que  o  querião 
prender,  &  como  era  colérico,  logo  tirou  bàa  frecha  pe« 
ra  o  ceo,  que  era  sinal  de  guerra,  o  que  entendèdo 
Diogo  de  mezquita,  &  mais  polo  ^  ouuio  a  Santiago, 
arrancou  da  espada  supitamente,  &  arrebatado  el  rej 
por  hil  braço  o  ferio  pela  parte  dereyta  de  búaeslocada 
pequena ,  por  amor  dos  mouros  que  logo  acodirâo  &  o 
embaraçarão,  &  como  erâo  treze  &  todos  de  mujto  es- 
forço carregarão  sobre  os  Portugueses  ferindoos  braua- 
isSte,  &  quasT  dos  primeiros  golpes  forâo  mortos  Ma* 
Buel  de  sousa,  &  Pedraluarez  dalmeyda,  ou  tomados 
forão  deitados  ao  mar,  &  Diogo  de  mezquita,  Lopo  de 
sousa,  &  António  correa ,  pelejauão  com  moyto  esfor- 
ço, &  coesta  detença  teuerâo  tempo  de  chegar  duas  fus- 
tas Portuguesas,  de  que  erâo  capitães  bfl  Afonso  fialbo, 
&  hil  Aluaro  mendez  de  Chaul,  homSs  sem  medo,  ii 
leuauão  ambos  bem  coren ta  Portugueses,  &  em  chegan- 
do acertou  de  cayr  nagoa  António  cardoso  em, queren- 
do saltar  na  fusta  delrey ,  &  eles  o  tirarão,  &  em  o  ti- 
rando hn  page  dei  rey  Abexim  moço  de  ale  dezoytoan- 


LIVRO   VIII.    CAPITVLO   OLXV.  389 

nos  ajudaua  os  seus  muy  valentemente,  tirado  cÕ  o  ar* 
CO  dei  rey  tão  ameude,  !\  parecia  que  punha  as  frechas 
duas  &  duas,  &  em  tirado  António  cardoso  dagoa  deu« 
lhe  hua  frechada  com  que  o  atrauessou  &  logo  morreo, 
os  criados  daqueles  senhores  que  yão  cõ  el  rey  de  que 
erão  os  mais  Turcos ,  tambS  ajudauâo  por  sua  parte  es- 
quentado a  batalha  brauamfite,  &  Aiuaro  mendez  fj  is* 
to  vio  aferrou  logo  com  h&a  das  fustas  em  que  saltou 
com  algQs  dos  seus ,  &  pelejou  Iam  sem  medo  que  ma- 
tou os  mais  deles  &  os  outros  fez  sailar  ao  mar,  muyto 
feridos ,  mas  deulhe  o  page  dei  rey  neste  tCpo  hQa  fre- 
chada polo  estamago  cò  que  ho  derribou  morto ,  &  assi 
matou  Afi/oso  fialbo,  &  outros  dez  ou  doze,  &  matara 
todos  se  o  nã  acertarão  de  matar  com  hua  espingarda^* 
da.  Lopo  de  sousa  &c  Diogo  de  mezquita  que  estauam 
cercados  de  mouros,  ainda  que  recebiào  muytas  feridas 
matara  cinco  ou  seys,  porem  os  outros  que  os  sentirão 
cansados  &  fracos  do  sangue  que  tinhào  perdido  garra- 
rão coeles,  &  como  tinhao  mais  forc^a  derão  coeles  no 
mar  em  que  ouuerão  de  morrer  se  os  não  tomarão.  El 
rey  como  vio  despejada  a  fusta  dos  Portugueses  manda 
remar  a  boga  arrancada  caminho  da  cidade,  seguindoho 
qúasi  toda  a  nossa  armada  de  remo  que  tiraua  cÕ  sua 
artelharia,  &  era  ja  a  barafunda  muy  grade  de  grilas, 
bombardadas ,  &  espingardadas ,  o  que  vendo  os  Tur- 
CiiS  !)  estauâo  surtos  em  hfla  gateota  &  em  híía  taforea 
que  chegarão  ali  onde  andauft  darmada  por  mãdado  dei 
rey  de  Cambaya ,  começarão  de  desparar  sua  artelharia 
cõtra  os  Portugueses ,  o  que  visto  por  Gom^alo  vaz  Cou- 
tinho &  outros  capitães  que  íicauão  muyto  a  trás  pêra 
alcâçarS  drey  os  forão  aferrar  &  os  matarão  quasi  to- 
dos pelejando.  El  rey  que  se  acolhia  quâto  podia  chegou 
antre  os  baluartes  onde  se  daua  por  saluo,  mas  nosso 
Senhor  que  via  quão  perjudicial  era  sua  saluac^âo  pêra 
os  Portugueses,  orden<  u  Q  em  ele  ali  chegando  saysse 
de  dentro  do  rio  hú  catur  nosso  de  ^  era  capitão  bQ  Por- 
tuguês chamado  dalcunbaPantafasul  que  se  Iheairaues- 


8  90  DA   HI9T0RIA    DA   ÍNDIA 

SOM  diante  9  &i  qom  hQ  pelouro  de  berço  lhe  matou  qua* 
tiro  ieii9ei(o« :  &  cafDQ  nislo  «awua  a  maré  &  deitasae  a 
fiiala  piera  fora,  por  mingoa  doa  cemeitos  que  faltauã, 
^  ei  rey  visse  que  a  oosaa  armada  se  cbegaua  ^  pare* 
ceoJbe  que.  Qiethor  se  saluaría.  a  uado,  &  por  isso  ae  dei"* 
toM  Qom  Q6  outros  ao  mar,  &  eadaado  chegou  bua  fue<* 
ta  de  qu^  era  qapittão  bu  Tristão  de  payua  de  Saularem 
a  qu^u)  ai  rey  bradlou  em  sua  lin^oa  que  o  nâo  UEiialaa* 
6.em  que  era  el  reji  deCâUbayai,  &4  daria  muiylo  dinbeyw 
ro  a  qu8  o  saluasse^  &  ses^randoha  Tristão  de  payua 
lhe  deu  hQ  remo  a  (}  se  pegou ,  &  depois  de  pegado  ao 
remo^  lhe  devi  o<i4ro  cõi  bfta  chuça  pelo  rosto  &  Lbo  aira* 
uessQu:  &.  vSdobo  Tristão  de  payua  ferido,  acaboubo 
de  matar  cd  htia  espada ,  &  depois  se  foy  ao  fundo  (} 
Ddea  pareceo,  &  Sâliago  foy  ter  nadado  até  junto  do 
baluarte  do  mar ,  doad<»  hQ  Português  Ibe  deu  c&  hâ 
cauto,  na  cabecja  de  !)  logo  morrea,  S^  assi  forão  mortoe 
todos  os  outros,  saluoCoge  ijofar,  ij  ferido  na  cabeçada 
dqas  feridas  o  saJuou  A.nlonio  de  suuUo  ma.yor  por^  o  co-* 
pbecia.  E  este  foy  o  tim  dei  rey  de  C&lviya,,  Unvaubo 
f eubor  de  terras ,  gSies ,  &  tesouros ,  i)  se  escapara  vi« 
UQ  cõ  saber  !\  os  Portugueses  o  queriAo,  matar  lhes  dera 
muyto  trabalho,  por  ter  passante  de  eÍACO^la  milhomêa 
em  Diu  y  &  armada  &  arteíharia :  maa  nosso  SenJhoe  ^ 
ouue  piedade  dos  Portugueses  permíiioc|  o  maiassem., 
v8do  o  deacuydo  {(.onue  de  o  preedei^Q  tendoho  na.mâo, 
&  sabendo  a  treyqSo  que  quertu.  f«aeri,  &.o.odio  que  Ur 
Dha>  aM  Portugueaea. 


LIVAÒ  Vill.   CAfVtVhÚ  CtXVU  ÍÒÍ 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXVI. 

Do  que  íuctdeo  depois  dá  Morte  det  rey  de  Caínbaya. 

i^abidó  pelo  Gòueroador  a  morte  dei  réy  de  Catnbayà^ 
ficou  mujto  triste  por  Í8flo ,  por{|  lhe  |>arecia  ()  melhor 
negocio  fizera  ae  fora  ptetó^  &  como  jà  lhe  tinhão  le^ 
nado  Goge  çofar,  prometeolhe  a  vida^  &  tnuytaa  mere- 
ces, se  lhe  desse  inaneyra  pêra  auer  Diu  em  paz,  & 
ele  lho  promeleo,  &  dandolhe  sua  fee^  de  não  fazer  ou- 
tra cousa,  foyse  á  cidade,  ainda  que  era  quasi  noyte, 
onde  auia  grade  aluoroço  pola  morte  dei  rey,  &  os  mer* 
cadores  (cõ  medo  de  os  roubarem)  despejauao  ho  mais 
que  podiSo,  &  bo  Rao  capitão  da  cidade  estaua  pêra  úé 
yr^  sabendo  que  Manuel  de  sousa  era  morto.  É  Coge 
çofar  mandou  logo  deitar  hum  pregão  em  nome  do  Oo* 
uernador,  que  ele  daua  seguro  real  a  todo  mercador  que 
ficasse  em  Diu,  de  nam  lhe  ser  feyto  nenhu  damtio, 
nem  nos  corpos  nem  nas  fazendas ,  &  mandaua  a  todos 
os  âoldados ,  que  logo  despejassem  a  cidade ,  sopena  de 
Miorte,  cõ  o  que  os  mercadores  assossegaram  do  aluoro> 
ço  que  tinham,  &  os  soldados  se  acolheram ,  &  o  Rao 
tambS  fogio  aquela  noyte,  &  foyse  pêra  as  molheres  dei 
tey,  que  estauam  oa  quintaã  de  Alelique,  &  pos  em 
saluo  a  elas  &  ao  tesouro  dei  rey.  E  sabendo  o  Gouer- 
tiador  como  a  cidade  estaua  assossegada ,  desembarcou 
ao  outro  dia ,  fc  dando  muytos  louuores  á  tiosso  Senhor 
foy  tomar  posse  dela,  &  achou  hua  boa  armada,  &  qua-^ 
tro  basaliscòs  de  metal,  &  cinco  esperas,  &  bom  quar*^ 
tao ,  a  fora  outra  muy ta  artetharia  de  htto ,  &  mais  de 
dous  mil  quintaes  de  poluof &  de  bombarda,  &  despiu-*^ 
garda,  &  pelouros,  &  outras  muuiçSes  de  guerra  sem 
60AÍ0,  em  muy  bôs  almazSs,  &assi  cobrou  a  alfandega 
de  Dia  pêra  el  Rey  de  Portugal ,  que  rendia  ci>nto  & 
éytenta  mil"  eruzades  ou  mais ,  &  ficaoa  senhor  da  me- 
)li»or  cidaàe  ^  aui»  fta  costa  de  Gãbeya ,  &  da  principal 


392  I>A    HISTORIA    DA  .ÍNDIA  . 

que  na  índia  lhe  daua  mais  guerra  que  outra  nhSa,  & 
cõ  cuja  tomada  os  reys  da  India^  ficará  roais  assombra- 
dos de  medo  dos  Portugueses  que  doutra  nhua,  &  mais 
quãdo  souberâo  que  el  rey  de  Gambaya  fora  morto.  E 
depois  disto,  chegou  Martim  afonso  de  sousa  com  sua 
armada,  a  que  pesou  muyto  de  não  se  achar  ali,  por- 
que se  se  achara  sempre  el  rey  de  Gambaya  fora  preso, 
&  nâo  morrera  nhú  Português,  de  quatorze  que  forão 
mortos  í[  nomeey ,  &  vinte  cinco  ou  trinta  feridos. 

C  A  P  I  T  V  L  O   CLXVII. 

De  como  Mirzãohamet  se  fez  rey  de  Camhaya  cô  fauor 

do  Gonernador. 

X^iuulgada  a  morte  dei  rey  de  Camhaya,  foy  ter  a  no- 
ua  ao  seu  arrayal  ondestaua  hQ  cunhado  que  fora  do  rey 
dos  Mogores,  chamado  JMirzâohamet  que  andaua  com 
el  rey  de  Gambaya,  í\  sabendo  como  ele  era  morto,  & 
nâo  deixaua  filhos,  &  era  mal  quisto,  &  que  por  essa 
causa  poderia  auer  controuersia  sobre  quem  seria  rey  de 
Gambaya,  determinou  dintenlar  de  o  ser,  &  logo  se  fes 
chamar  rey  de  Gambaya  com  fauor  de  dous  mil  Mogo- 
res de  caualo,  gente  escolhida  que  andauâo  no  arrayal 
com  que  fez  corpo,  &  tomou  o  dinheiro  ^  el  rey  de 
Gambaya  trazia  no  arrayal,  que  era  hu  conto  &  mep 
douro,  &  assi  todas  as  cousas  de  seu  seruicjo.  E  sabendo 
como  os  grandes  de  Gambaya  queriao  fazer  seu  rey  IVIi- 
râomuhmala  Q  andaua  no  Mandou,  &  por  ser  morto,  to- 
mauão  por  rey  a  hO  moço  que  auia  nome  çoltâomahmu- 
de,  socorreose  ao  gouernador  Nuno  da  cunha  ^  o  fauo- 
recesse,  mandaodolhe  offrecer  por  isso  cincoSta  mil  par- 
daos  pêra  os  gastos  de  sua  armada ,  ^  lhe  logo  daria.  E 
depois  de  ser  de  todo  rey  de  Gambaya  de  Mangalor 
ate  Diu,  que  sam  dezoyto  legoas,  com  hua  pelo  sertão, 
&  de  çurrate  até  Baçai  com  outra,  pedindolhe  tãobem 
conselho  no  que  faria  pêra  se  conseruar  em  rey.  E  sen» 


LIVRO   VllU   CAPITVLO  CLXVII.  393 

do  O  gonernador  contente  de  fazer  sua  petição^  o  man- 
jdou  pubricar  por  rey  de  Cãbaya  no  alcorão  de  Diu  ^  & 
lhe  mandou  dizer,  que  em  quãto  os  do  reyno  estauão 
sem  rey ,  ele  deuia  dyr  polo  reyno ,  porque  como  auía 
muytos  que  queriâo  mal  a  çollSobadur,  &  nã  tinhSo 
rey,  folgarião  de  o  ter  por  esse,  &  se  ajuntariâo  coele, 
&  quando  os  <)  queriâo  fazer  rey  o  fizessem ,  já  lhe  nãó. 
poderjão  dar  o  reyno,  o  que  seria  ao  reues  se  ele  se  dei- 
xasse estar  quedo,  por  isso  que  logo  deuia  dabalar:  Po* 
rem  ele  não  tomou  este  conselho,  &  deixouse  estar  na 
vila  de  Nouaguer  leuando  boa  vida,  &  mãdou  os  cin- 
cóèta  mil  pardaos  ao  gouernador ,  &  híl  assinado  do  ^ 
lhe  prometia.  E  depois  disto  no  mes  de  Slarço  adoeceo 
bo.  gouernador,  &  por  se  achar  rouyto  mal  &  dizerem 
08  Médicos  que  de  cada  vez  se  auia  dachar  peor,  por 
Diu  ser  muyto  contrayro  a  sua  saúde,  lhe  requererão  os 
iidalgos  que  se  fosse  inuernar  a  Goa,  TporQ  determina* 
pa  dJnuernar  em  Diu,)  &  por  rsso  ho  Gouernador  onue» 
de  yr  inuernar  a  Goa,  posto  que  foy  muyto  contra  sua 
vontade,  &  nam  leuou  mais  que  seus  criados  &  IMart! 
afonso  de  sousa  com  sua. armada,  &  deixou  em  Diu  to« 
dos  os  fidalgos  da  índia,  &  assi  a  outra  gente  da  arma- 
da, &  ficou  por  capitam  António  da  silueyra,  &  nos 
dous  baluartes  da  vila  dos  Rumes,  loâo  de  mendoça, 
&  Francisco  de  mendoça  yrmâos,  Q  dauão  de  comer 
cada  h&  a  centq  &  vinte  homSs,  &  Ruy  diaz  pereyra- 
ficou  por  capitam  nas  casas  que  foram  da  mãy  dei  rey 
de  Cambaya,  que  eram  como  fortaleza,  &  daua  de  co- 
mer a  cem  homSs,  &  António  da  silueyra  a  trezentos, 
&  assi  dauão  mesa  algus  fidalgos,  s.  dõ  loã  lobo  íilho  do 
barão,  Francisco  pereyra,  Anrrique  de  melo,  filho  bas- 
tardo ilo  cõde  de  Marialua,  &  Gaspar  de  sousa,  no  que 
todos  gastarão  rouyto,  principalmSte  António  da  siluey-' 
ra  que  tinha  mais  l\  todos,  no  que  fizerão  muyto  serui-' 
ço  a  el  Rey  de  Portugal ,  porque  sem  isso  nam  se  po- 
dia sostentar  a  muyta  gente  que  inuernou  em  Diu,  que  - 
sem  ela  fora  tomado  pelos  capitães  de  Cambaya,  que* 

LlVfiO   VllI.  DDD 


S94  BI  BisToitA  ná  mniA 

Gom  medo  desta  gente  nani  oQsarã  da  lhe  faznr  guer^» 
ra  y  como  determinattl ,  pêra  se  ?ÍDgarft  dos  nossos  pola 
morte  do  seu  rey. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXVin^ 

De  coma  os  capitães  ^  êãnhares  de  Camòaya  deàmraUí^^ 
rào  Aíirzâohamet ,  que  se  chanutua  rey  de  Cumbaya. 

Jl  artido  ha  gouernador  pêra  Goa,  conro  os  capilXee  de 
Canbaya  sinliSo  mujto  serMiraâobametrej  deGftbajar, 
&  mais  com  fauor  dos  Portugueses,  deierminarflo  de  ko 
deslrujr,  pêra  o  que  leuantarara  por  rey  a  Alirãomuh* 
mahia  que  andaua  no  Mandou ,  &  eai  quanto  nào  fee^ 
se,  foram  deytos  Ires  capitães  prii»cipaes,  pêra  cfue  em 
aeu  nome  regessem  o  rey»o  y,  com  a  mày  de  i(ulldo  bi^ 
dor,  &  íbrã  estes  Madre  matueo,  Driacie,  Sc  Auc<o, 
<|ue  ajuntando  dez  mii  de  cauaJo^  &  quinze  mH  de  pé^ 
fi>râo  cõtraMiralN)  hamel  que  ainda  estaoaemNuaguet 
muyto  de  vagar.  C  sabendo  ele  qme  seus  iinnmigos  o  yãe 
boscar ,  Ibes  sábio  ao  encõtre  cook  es  doos  mil  Mogoree 
qee  tinhxi  de  canaW,  &  e«u€ram  bfia  bataika  em  qfue 
Áf  irzSo  foy  desbaraftadoí,  &  íbgio  pêra  o  reyno  de  Vlcin^ 
de  y  cujo  rey  era  seu  parSte  ,  &  dos  seus  (or!Í0  mortos 
quínbSlos ,  &  os  outcos  fogirão  pêra  a  vi^la  dos  Romes^^ 
4  estaua  dali  legoa  &  mea,  &  todo  este  caminho  os  se- 
gnnSx>  o»  imigos ,  &  matarSo  os  ^  digo ,  fc  os  aieabsrSo 
de  matai  a  iodos,  se  não  §  chegando  a  tiro'  de  bti>arde 
da'  irila  dos  Rumes,  se  ieuerã  pof  as  muytas  bftbardadee 
(^  lhes  loão  de  mSdoça  mãdou  tiirar,  cuydãdo  {)  yâo  osn^ 
treie,  &  dafi  ae  afastarão  os  de  Câbaya,  &  flcarrá  úê 
Mogores,  ^  {lassados  tred  dias,  em  Q  António  da  situei^ 
ra  soube  a  vepdade  de  eomoí  vinbão,  os  mandon  reoe»^ 
Iher  na  viha  dos  Rumes,  por  serS  nossos  nnrigost,  h  àé^ 
pois  ^  os  feridos  forão  sãos,  lhes  deu  auiamelo  pêra  ^ 
se  pactissem.  E  nestes  três  dias  q  os  Mogores  esteuef 
sem  os  António  da  sílueyra  querer  mandar  recolher, 


LlVfiO  TUI.   CiPlTTLO  CUCIX.  896 

fior  ee  temer  de  treyção,  aooateceo  ^  bu  Mogor  aper*** 
fiou  noyto  €5  lofto  de  niÁdoça,,  ^  o  deixasse  eiitrar  na 
vila  cO  tua  >aidher,  &  loã  de  mfidoça  dimporíuiiido  4áê^ 
se  ^  «DlcaMe  ela  aó,  &  eõsenUDde  o  IkAogor ,  eta  nam 
qute ,  dizSdo  que  coeie  queria  morrer  &  viaer. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXJX. 

De  como  m  raáes  ék  Cambuya^  deywaróo  pw  Jrotíteiro 
cSira  Diu  Alucão  ^  ^do  mais  q  passou. 

jD^et  capitães  de  Cambaya,  depois  que  TÍrSo  qne  nSo 
podia  fazer  mais  mal  aosSIoçores  do  Í\  lhes  linhâo  fey^ 
to,  recolherãose  pêra  Nouaguer,  c6  determinação  de  fa- 
zerS  guerra  a  António  da  siluejra,  &  primeiro  que  a 
rõpeeaem ,  ouae  atgfts  recados  deles  a  ele  sobre  pazes : 
E  por  António  da  silueira  lhes  pedir  que  dessem  a  el 
rey  de  Portugal  fao  c)  llie  daua  Mirzão  bamet  se  fosse 
rey ,  ná  ouue  a  paz  efieílo ,  &  declarouse  «  guerra,  que 
foy  encomendada  a  Alueao  qee  tinha  ali  suas  terr-aS)  Sc 
08  outros  se  forSo  pêra  IMadauó,  deixandotbe  .doze  mil 
boMês,  &  ele  tolèeo  logo  que  nâo  fossem  da  (erra  fír* 
Bie  á  jlha  buscar  carnes  &  frnyias,  &  mãdaua  de  noyte^ 
passar  sua  gente  á  jlba  por  certos  passos  Q  tinha  de  bay- 
xa  naar,  pêra  que  atupissem  algas  poços  de  que  os  Por** 
tttgueses  bebião«  O  que  leão  de  mfidoça  cSlraríana  com 
os  seus  com  muyto  esforço  ^  &  quasi  cada  noyte  auia 
rebates  de  peleja ,  &  nisso  &  em  vigiar  lf<uauã  os  Por* 
tugMeses  trabalho  iminenso,  &  leuarSo  em  dous  meses 
que  durou  este  cerco ,  em  qne  passarão  tanta  fome  de 
carne  que  ebegou  hOa  galinha  a  valer  seys  iostc^^s,  & 
quasi  na  fim  de  lanho  ne;g;oceon  A)itonio  da  sílueyra 
como  t)auesse  tregoas  aninele  &  Alucfio  até  a  uinda  do 
ffouernador,  qtie  esfieraua  que  fosse  daM  a  hum  antio, 
k.  mandou  coeste  recado  a  hum  Francisco  pacheco,  què 
i<>y  i^yt  dalfandega^  que  foy  'arrepelado  dà  capitão  Da- 
hicão^  mbre  palauras  que  á  cinte  quis  atier  com  Fran^ 


396  DA   HItTOmiA    DA   ÍNDIA 

cisco  pacbeco,  pêra  bo  injuriar,  que  por  isao  se  tornoki 
aem  dar  ho  recado  que  leuaua.  O  que  sintiodo  muylo 
Anlooio  da  silueyra,  pedio  a  loão  de  nifidoça  que  na 
menbaã  de  aam  loão,  que  auia  de  ser  ao  outro  dia,  fos- 
se colher  as  lampas  á  estancia  do  capitão  que  arrepela- 
ra Francisco  pacheco,  &  estando  pêra  partir,  chegou 
hum  recado  Dalucão,  em  que  se  desculpaua  a  António 
da  silueyra  do  que  o  seu  capitão  fizera,  &  por  isso  ho 
tinha  preso  pêra  ho  mandar  degolar,  &  mandou  con6r- 
mar  as  tregoas,  &  Jeuantou  bo  cerco,  de  que  a  cidade 
ficando  desapressada,  foy  logo  abastada  de  muylos  man- 
timentos, &  ennobrecida  de  muytas  &  muy  ricas  merca- 
dorias. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXX. 

De  como  lorge  mascarenhas  pariio  pêra  Maluco. 

Vyontinuando  boGouernador  sua  viagem  pêra  Goa  che- 
gou lá,  &  dahi  se  foy  IMartiro  afonso  de  sousa  a  Co* 
chim,  onde  auia  dinuernar,  &  dahi  despachou  Fernã 
rodrigue;  de  castelo  branco  vedor  da  fazenda,  hu  fidal- 
go que  auia  nome  lorge  Mascarenhas,  de  que  fiz  men- 
ção nos  iiuros  atras,  que  ya  por  capitão  &  feylor  da 
nao  do  trato  da  índia  pêra  Maluco,  que  pariio  em  Abril 

f>era  Malaca,  &  dahi  auia  dyr  carregar  de  crauo  a  Ma- 
nco ,  &  da  torna  viagem  de  noz  &  maça  em  fianda ,  & 
pariio  tãobem  de  Cochim  em  bua  fusta  bum  Afonso  vaz 
de  brito  pêra  Bêgala,  per  mandado  de  Martim  Afonso 
de  sousa  a  resgatar  Martim  Afonso  de  meto  jusarte  que 
lá  estaua  catiuo  com  outros  Portugueses  (como  tenho 
dito)  &  trazelo  se  lho  quisessem  dar.  £  partidos  estes, 
em  diuersos  tempos  chegarão  aos  lugares  a  que  yão :  & 
quando  Afonso  vaz  chegou  a  Chetigão,  ja  el  rey  deBè^ 
gala  sabia  a  morte  dei  rey  de  Cambaya,  que  lhe  fora 
por  terra ,  &  os  mouros  lha  contarão  mentirosa ,  dado  a 
culpa  ao  gouernador  Q  o  matara ,  por  lhe  tomar  Diu 
tendo  coele  paz,  com  o  que  el  rey  ficou  toruado,  &  per- 


LIVRO  VIII.  CAPmriiO  cjíxxi.  If7 

deo  o  credito  dos  Portugueses,  parecendolhe  que  assi 
lhe  farião,  &  os  mouros  cospião  aos  que  estauã  noGou- 
ro,  &  lhes  dizião  injurias.  E  estando  nesta  afronta,  che- 
gou a  Chetigâo  logo  no  principio  Dabrii,  há.  AnloDÍo 
niêdez  de  crasto,  que  fora  criado  Dantonio  da  silue}^ra, 
que  ya  em  hQ  nauio  com  fazenda ,  &  leuaua  híia  carta 
do  gouernador  pêra  Marli  afonso ,  em  que  lhe  coniaua 
da  morte  dei  rey  de  Cambaya ,  &  as  rezões  por^  fora 
morto,  &  logo  Nuno  fernãdez  freire  juyz  da  alffidega  de 
Chetigâo  ierladou  esta  carta,  &  a  mandou  a  Marti  a* 
fonso  por  duas  vias,  &ele  a  mostrou  a  elrey,  que  quan- 
do soube  as  rezÕes  porJ)  el  rey  de  Cambaya  fora  morto, 
as  ouue  por  boas,  &  pedio  perdão  do  passado  a  Marlim 
afonso ,  &  tornou  os  Portugueses  a  sua  graça. 

C  A  P  I  T  y  L  O    CLXXI. 

Dê  como  08  capitães  das  nãos  da  carga  chegará  aa  In^' 

dia. 

V  indo.  o  verão  da  índia ,  chegarão  a  ela  em  diuersos 
tempos,  algilas  das  nãos  da  carga  que  aquele  anno  par* 
tirão  de  Portugal,  de  que  foy  capitão  mor  dõ  .Fernando 
de  lima,  filho  de  Diogo  Lopez  de  lima,  ^  ya  por  capi-* 
tão  Dormuz,  &  os  capitães  de  sua  oonserua  forão,  lor- 
ge  de  lima ,  que  ya  pêra  capitã  de  Chaul ,  dom  Pedro 
da  silua,  Marli  de  freytas,  que  depois  que  chegou  á 
Índia  foy  morto  por  mouros,  não  soube  como,  &  Lopo 
vaz  vogado.  E  depois  da  partida  destas  nãos,  partirão 
outras  Ires  carregadas  de  gente,  de  que  forão  capitães, 
Diogo  lopez  de  sousa ,  Fernão  de  morais ,  &  Fernão  de 
crasto,  &  estas  mandou  el  rey  de  Portugal,  por  ser  cer* 
teficado  pela  via  de  Veneza,  que  mandaua  o  Turco  hda 
armada  á  Índia  pêra  lha  tomar. 


S98  iu  HonroitLk  lu  imuA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXIL 

De  como  ho  Gouemador  wube  iqtu  ya  kúa  armmda  d$ 

Turcos  'Oa  Imíia. 

Èseytas  as  tregoat  antre  António  dm  BÍioeym  capiláo 
de  Dia  ^  &  Atueão  ^  todos  ou  mercudores  Sl  <outra  geola 
pobre,  que  se  forão  de  Diu,  quando  maíaram  d  rey  de 
Cambaya ,  ae  tornarão  pêra  a  cidade ,  &  aa  entrada  de 
Setembro,  mXdou  Antooio  da  «iioeyra  Miguei  vas,  & 
Panialiâo  perejra  em  dou«  oatures  coalra  MaogaJor,  pe^ 
ra  que  fízeaaeoi  arribar  a  Diu  aa  naoa  q«e  fosaeiB  do  ee^ 
treyto ,  segurandoot ,  que  ainda  q  Dia  foaee  de  Portei 
guesea,  aeriam  lambem  tratadoa,  como  quando  era  dei 
rey  de  Cambaya,  &  coíaao  arribaram  muyfaa  naoa,  com 
que  a  cidade  foy  iam  ennobrecida ,  que  diziam  oa  mou- 
ros ,  que  depoia  da  morte  de  Meiiqoeaz ,  nonea  a  cida- 
de ho  eateuera  tanto  nem  tam  rica.  E  neataa  naoa  ea- 
creueo  ho  aenhor  Dazibele  no  eatreyto  a  Coge  (jofar^ 
que  ho  Turco  mandaua  bQa  armada  aa  Índia,  de  oiie 
era  capitai»  mór  <^leymâo  Baxá ,  rey  <lo  Cayro  &  Da« 
lexaodria.,  &  mandoulbe  ho  tevlado  do  regimento  que 
Qoieymão  tinha  do  Turco  nesta  armada^  o  que  logoCo<* 
ge  çofar  disse  a  António  da  ailiíeyra,  &  ela  o  escueoeo 
ao  gouernador  &  asai  Coge  ^far.  jB  ounidas  pdo  ffouet^ 
nador  estas  nouas ,  parlioae  pêra  Diu  na  Cm  de  UezS^ 
bro^  a  fazer  certas  cousas  necevsarias  pêra  a  vinda  dos 
Turcos;  &  por  rego  DAtonio  da  si lueym,  mandou  Coge 
çofar  híta  fusta  0$  roçado  ao  senhor  Dazibele ^  que  lhe 
mandasse  certeza  da  determinarão  de' çoleymSe  inxá^ 
&  que  tornusae  a  inuernar  a  Dia. 


LlVliO  Tni.   CAPfTTlJ»  CLXXIII.  399 

C  A  P  I  T  V  L  O    CÍLXXIIL 

dâMf  que  PaUituuar^  ^  outros  cãpitãe$  de  Calieta 

Jixerâo  a^s^  Fortagnese^ 

JN  este  tempo  se  levAiom  cfttia  ti  tey  deCeilio  bfi  seo 
yrmia,  que  auia  nome  Maduita  pSdaie,  a  que  fauore*- 
cia  el  tej  de  Calicut,  por  ele  ser  mtijic  gT8de1fn>g'e 
doa  Porto giieeea^  ft;  mandee  em  eua  ajuda  Irct  val^^tet 
mouroa.  s.  Patê  maçar  ^  C^tíale  maear,  Ale  bâbrahB^ 
por  capitães  de  corilla  &  sele  Aiaiias  grandes ,  &-  bè  ar<^ 
aoadas^  em  que  ySo  oyto  mH  motiros^  ^  partirSo  de  fwf^ 
to  de  Paiiane,  andada  Marti  a(bMo  de  «ousa  darmadà 
na  eoata«.  £  partidos  eates  capilSes^,  acbaraa)  surtas  na 
barra  de  Cocliii»  quatMN  naés  Pertagoesss,  ^  tem^iaâ 
earga  pêra  Portagal ,  a  i)i  se  ebegauSo  a  remos  pêra  as 
tomarS,  bo  meterem  no  fuodo,  por^  lhes  pareceo  j}au)ã 
destar  sem  gête  como*  eslauie,  mas  oão  poderão,  porQ 
tanto  4  se  ?io  esta  armada  de  Coebl^  mâdou  logo  Fei*^ 
ii<Sa  rodriguea  de  castelo  branco  védof  da  Aarzt nda,  iifoy^- 
tíí  g8te  em  socorro  daa  nãos,  qe^  cticgao  aefas  p^riínej'^ 
re  í\  ehegaseem  os  mouros ,  a  que  deram  bffa  grafiée 
çiirríada  àe  bembardada»,  &  os^  fizerié  jr  seu  caminho, 
que  tomario  pêra  Coutáa,  em  cujo  porto  acbarâo  hum 
l^iculao  jusarte,  capitão  de  hõa  nao  que  estatta  earre^- 
{[«'vndo :  &  cvjdide  de  o  tecnar,,  o  cometerão  és  bombar«- 
dadae  o9  que  o  matarão,  &  vende  que  não  podíão  to- 
mar a  nao  passarão  de  largo,  &  tomarão  muytosf  tstm^ 
buços,  k  nãos  q  yãe  de  Cberamãdel  pêra  CocbT,  &  hda 
nao  ^  ya  de  Ceilão  coe»  as  peMfaa.  B  a>è  da  cabo  de 
ComorI ,  derão  em  hum  lugai»  de  €hrisl9oa  dà  terra , 
chamado  Tutueori,  da  pescaria  do  afofar,  &  não  er- 
laiido>  ki  Manuel  rodriguer  ceeii<iybe»  1)  era  capitão  dela 
ú  tomara ,  &  roebárJIo  de  qiuifd  tinha ,  até  as  vèstim&- 
tae  k  a  pedra  dará,  &  matara,  mu^ta  gète,  &  depois  se 
deyxarã  andar  por  aduela  eeeta,  ^  nio  topaeão  denhil 
nauio  que  não  tomassem. 


400  n4' HISTORIA.  PA   HfDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXIIII. 

De  como  Marli  afomo  de  iousa  chegou  onde  étUiuâo  (h 

capitàe$  dei  rey  de  CalicuL 

JLll  o  (êpo  ^  esta  armada  Bahío  de  Panane^  andauaMar* 
ti  afonso  de  eouaa  c6  a  sua  oa  cosia  do  Malabar  ^  &  ya 
na  volta  de  Gaoaoor  quãdo  soube  dela  ^  pelo  ()  tornou 
logo  atras ,  &  se  foy  a  Coclil ,  &  reformãdose  do  neces? 
sario ,  foy  eoi  busca  dos  mouros  ^  de  ^  sabia  cada  dia 
nouas,  &  no  cabo  de  Comori  achou  o  vSto,  í\  chama 
coniQmêle  na  índia  i  a  vara  de  Cboromãdel,  ^  Jbe  erii 
|)or  dauSte  ^  &  como  o  mar  era  muyto  grosso ,  dobrou 
a^Ie  cabo  eÕ  assaz  de  trabalho  &  de  fome,  faiiécêdoiha 
os  mâlimSlos^  fH>r  se  déler  mais  dias  do  <}  cuydou.  Do- 
brado o  cabo,  !^  os  mouros  ouuerã  vista  de  Marli  afoo^ 
so,  nS  quisera  pelejar  coele,  poslo.()  lhe  linbão  grada 
auãlagS,  &  isto  fizera  duas  ou  tres>  vezes,  s6  os  jÚíartI 
afonso  poder  alcãçar,  do  que  se  ele  agastou  muyto^ 
por{|  vio  /)  se  os  seguisse  daquela  maneyra,  assi  como 
assi  não  os  podia  alcaa<^r ,  &.  desbarataloyão  pouco  & 
pouco,  &,  afora  não  podej  fazer  ao  que  fora,  .receaua 
que  em  sua  ausência  se  leuantassem  na  costa  do  IMaia- 
bar  algQs  mouros  cossayros,  Q  tomassem  quâlaa  nãos 
iiauegassem  por  aquela  costa,  pdo  que  ibe  pareceo  qud 
era  melhor  tornarse  a  guardar  a  cosia ,  Q  gastar  ali  o 
tempo  sem  fazer  nada  &  assi  o  fez ,  &  cÕ  quanto  deu 
em  Cocbi  esta  causa  pêra  se  tornar ,  pos  Fernão  rodri- 
guez  em  conselho  coele,  &  cÕ  os  outros  capitães  &  fi- 
dalgos  o  seu  parecer,  &  ainda  ^  o  ouuerã  por  bd,  as* 
sentarão  í|  era  muyto  necessário  nâo  yrfi  os  mouros  a 
Ceylão,  por^  se  Maduna  pandale  desbaratasse  el  rey 
de  Ceylão,  &  ficasse  vitorioso,  traria  ali  aquela  armada 
dei  rey  de  Galicut,  &  tomaria  quantas  nãos  passassem, 
assi  pêra  dSlro  :de  Ceylão,  como  de  dStro  pêra  fora, 
pelo  4  Marli  afonso  deuía  de  tornar  a  buscar  os  mouros 


LTVRO  Vni.   CAPITVLO   CLXXIIir.  401 

&  pelejar  coeles ,  &  praseria  a  noB8o  Senhor  I)  os  acha- 
ria varados  em  hua  enseada  onde  os  desbarataria,  o^ 
parece  que  foy  pronoslico  da  viloria  Q  Marli  afonso  ou- 
ue.  E  Útbê  indo  Marli  afonso  pola  cidade,  depois  Q  se 
assentou  que  tornasse  a  buscar  os  mouros,  sayo  á  rua 
híia  molher  viuua,  a  ^  os  mouros  de  Calicut  catiuarão 
hii  ilibo  didade  de  doze  anos  !\  auia  nome  Marcos,  & 
tomãdoho  pola  fralda  dOa  loba,  lhe  pedio  cõ  muytas  la- 
grimas ^  lhe  trouuesse  seu  6lho,  ^  sabia  {}  lho  leuauâ 
08  mouros  naquelas  fustas,  &  Q  ouuesse  piedade  dela, 
por^  nã  tinha  outro,  Marti  afonso  |x>r  se  desapressar 
dela,  lhe  prometeo  o  Q  pedia,  &  bS  o  cQprio:  £  refor- 
mada sua  armada  de  mais  nauios  &  g&te,  se  partio  cõ 
qualrocêtos  Portugueses,  8  vinteduas  velas  de  remo, 
de  Q  afora  ele  fora  capitães ,  Fernão  de  sousa  de  lauo* 
ra,  Manuel  de  sousa  de.Sepulueda,  Frãcisco  de  sá, 
loâo  de  mSdoça,  Marli  correa  da  silua,  dom  Diogo  dal* 
meida ,  lorge  barroso  dalmeida ,  Frãcisco  de  barros  de 
paiua,  Gaspar  de  lemos,  Frãcisco  pereira,  leronjmo 
de  figueiredo  ,  António  de  lima,  António  de  sousa,  Sy« 
mão  rãgel  de  Coimbra,  António  fernãdez,  &  Francisco 
de  sequeira  Malabares,  &  outros  dous,  a  J)  não  soube 
08  nomes :  &  indo  Marli  afonso  por  sua  viagS  lomòu 
certas  champanas  de  mouros,  !\  yão  da  pescariê^do  al- 
jôfar, em  q  catiuou  obra  de  corSta  mouros  dos  i)  yão  c5 
Pale  maçar,  &  cÕ  os  outros  capitães,  2)  mãdou  entre- 
gar aos  Christãos  de  Tutocori ,  pêra  se  vingarè  do  mal 
^  lhe  fizera,  do  l\  se  eles  vingarão  b8:  E  proseguindo 
daqui  8  busca  dos  mouros ,  foy  os  achar  na  enseada  de 
Beadalá ,  hQa  grade  pouoação  perto  dos  baixos  dç  Chi- 
la,  &  aqui  esCauã  os  mouros ,  pêra  por  força ,  arreca* 
dar8  os  dereytos  da  pescaria  do  aljôfar,  &  como  estauã 
de  vagar,  tinha  varada  a  armada  6  hQa  língoa  darea  {| 
ficaua  em  restiga,  &  tínbã  assSlado  o  arrayal  em  í)  es- 
tauã dentro  em  hO  palmar ,  &  os  marinheiros ,  &  bom- 
bardeyros  estauSo  nas  fustas :  Chegado  Marlini  afonso 
a  vista  dos  mouros,  em.  hila  segunda  feyra  vintoyto  de 

LIVRO    VIII.  EBB 


402  DA  HISTORÍA  DA   INDfA 

laiieyro,  &  auendo  eies  vista  de  sua  armada,  acodiram 
logo  08  que  estauain  no  arrayai  ás  fustas,  que  Unhão 
todas  seus  tiros  nas  proas ,  com  que  começarão  logo  de 
jugar  pêra  a  nossa  armada ,  que  tambè  desparaua  sua 
artelbaria  cbegandose  pêra  os  mouros,  &  era  o  estron* 
do  dos  pelouros  muyto  grande  darftbas  as  partes,  &  assi 
a  matinadà  de  brados,  &  de  grilas,  que  dauao  bõs  & 
outros ,  &  08  mouros  de  lhes  parecer  i|  por  serS  muytos 
tinbão  tomados  os  Portugueses,  &  os  Portuguesea  de 
os  acharft  em  lugar  que  nao  Ibes  podiSo  fogir,  &  coeste 
aluoro<{o  ^  os  Portugueses  tinbâo,  errará  o  caaal  da  res* 
tiga  por  onde  ouuerão  dStrar  com  os  mouros  &  aferra* 
los,  pelo  que  como  as  suas  fustas  erão  grandes,  pêra 
padarem  pola  restinga  encalbarão  nela,  o  que  vendo  os 
marinbeyros  dalgOas  se  deitorâo  nagoa  pêra  tomareui 
fundo ,  &  verS  se  podiAo  os  soldados  desembarcar ,  por 
estarem  em  grande  perigo,  cam  as  muytas  bombarda* 
das ,  espjngardadas  Sc  frechadas ,  que  os  mouros  tira* 
Qâo,  &  acbâdo  os  marinheiros  que  o  fundo  era  darea 
solta  &  a  agoa  alta  pêra  desembarcarem  homSs  arma** 
dos,  disserftno^  aos  capitães,  Q  •  mandarão  que  ninguS 
desembarcasse.  E  por  mandado  de  Mart!  afbnso  se  a^ 
fastarão  pêra  o  pego,  &  nisto  desembarcarão  ed  sua  gerr^ 
te  mais  abaixo  da  restinga,  dÕ Diogo  daimeida,  Fernão 
de  sousa  de  tauora,  &  outro  capitão,  &  encaminharão, 
ao  lÕgo  da  praya  pêra.  os  mouros ,  cuydando  §  d^esem* 
bavcasse  Mart}  aíbnso,  &  vSdo  os  mouros  ^  ele  nã  de- 
sembarcaua,  antes  se  a£astaa»  pêra  o  pego^  pareceo^hes 
^'  poderião  tomar  aa  fustas  de  dõ  Diogo,  de  Fernão^  de 
sousa,  &  do  outro  ^  íicauA  sós,  pêra  Q  logo  começarão 
de  desencalhar  aigáas  das  suas  em  que  se  meíião,  e 
que  visto  por  Marti  afonso,  eonhecendo  seus  pensamen*- 
tps,  lançouse  logo-  no  seu  balam,  &  varando^ por  eim;^ 
da  restinga,  per  antre  tamanha  multidSe  de  pelburo» 
como  digo,  salta,  em  terra  &  fez  recolher  dom*  Diogo, 
&  os  outros  capitães  com  sua  gente  ás  sua^  fijstas,  & 
fii2end0  aoabar  dafestar  as  eutrae  pe^a  hopego^  A3y  ve^ 


Lívio  VIII.   CAPITVLD  CXXrv.  403 

a  disposiçi  da  restioça  000  que  tchou  o  canaf :  Sc  tomo 
ãs  bombardadat  eram  mujrlas ,  arromboiíilie  b&b  o  ba- 
lAo ,  com  qoe  ae  vio  «id  grande  perigo. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXV. 

De  como  farão  desbaratados  porMartim  afonso  de  sousa 

08  capuáts  dei  rty  de  CalicuL 

y  isto  porMartim  afonso  o  que  queria,  tornouse  á  aua 
/rola ,  &  como  foy  noyle ,  mandou  a  Prancísco  de  se- 
queyra,  que  se  fosse  deylar  com  o  seu  calur  bua  le^oa 
abayxo  da  enseada,  &que  deytasse  em  terra  cerCos  Ma- 
labares seus  parentes  pêra  espias  dos  mouros ,  &  pêra 
cima  da  enseada ,  mandou  deylar  sete  fustas  ao  longo 
da  terra ,  porQ  se  os  mouros  quisessem  fogir  de  noyte , 
como  fizeram  em  Calecare,  que  òs  estoruassem,  &que 
tirassem  tiros,  respondendo  hiis  aos  outros,  &  de  quan* 
4I0  em  quando  espingardadas.  O  que  ouuindo  os  mour 
ros,  &  temendo  que  fossem  aquela  noyte  cometidos  po- 
la  praya  fori alecerflose  daquela  parte  de  ?alos,  te  tu»- 
cbas  darea ,  em  que  assentaram  algfis  tiros ,  com  que 
respondiam  aos  dos  Portugueses,  &  teueram  toda  a  noy^ 
te  muy  grande  vigia,  &  como  foy  menbaã  recolberãose 
os  catures  da  vigia,  onde  estaua  Martim  afonso,  qua 
sabendo  das  espias  o  ^  os  mouros  reoeauão  &  como  se 
fortalecerão^  quis  ainda  esperar  outra  noyte  sem  os  co- 
meter ate  saber  mais  deles,  &  anoy tecendo,  mandos 
ter  a  mesma  vigia  que  a  passada  &  pola  mesma  manei*- 
ra ,  &  os  mouros  responderão  aos  tiros  dos  Portugueses 
ate  o  quarto  da  prima  rendido,  &  são  quiserSo  mais 
respõder,  parecendolbes  que  os  Portugueses  faziãoaqui#- 
lo  pêra  ibe  fazer  gaatar  a  poiuora  de  balde ,  &  que  nSa 
ousauâo  de  pelejar  coeles  por  serem  poucos ,  &  espera^- 
4iã  o  socorro  de  Cocb!  ou  Cboromandd,  &  se  Ibes  fossa 
pdi^jariil ,  &  se  nSo  nâ :  £  fey ta  esta  conta ,  não  res«- 
poudurlo  aos  nossos  tiros ,  nem  corarão  de  muy  ta  vigia 


404  Dl  HISTOMA  DA  INDTA 

&  deitarâose  a  dormir,  do  que  Marlim  afonso  foy  logo 
auisado  por  suas  espias,  pelo  que  vio  que  tinha  tSpo  de 
pelejar  coeles  poid  o  náo  tinhâo  em  conta ,  &  por  nSo 
esperarè  por  isso  estarião  mais  descuidados,  &  o  des- 
cuydo  lhes  faria  roayor  medo ,  &  assi  o  disse  aos  capi- 
iSes  da  frota,  &  a  outras  pessoas  principaes,  cÕ  que  as- 
sentou que  pelejaria  coeles  em  terra,  em  que  desembar- 
caria em  quatro  fustas  grandes,  bii  quarto  de  legoa  d5- 
de  os  mouros  estauâo  pêra  o  norte ,  &  como  fosse  perto 
deles,  faria  sinal  coro  h&a  camará  de  falcão  a  António 
de  sousa  &  a  Gaspar  de  lemos,  que  cô  oy tenta  bomês 
de  iSqas  &  rodeias ,  &  a  gSte  do  mar  ficarifio  em  sete 
catures  no  canal  sobre  o  remo,  &  em  ouuindo  o  sinal 
cometerião  os  mouros :  £  deixãdohos  no  canal,  fojse  ao 
posto  dde  auia  de  desembarcar,  &  mandou  a  todos  os 
que  soubessem  tirar  com  espingardas  que  as  leuassem  , 
&  dessfi  as  rodelas  &  laças  aos  marinheiros  Q  lhas  le- 
vasse ,  &  (}  cobrisse  os  murroSs ,  porQ  os  mouros  lhos  nft 
•enxergassem,  ^  os  {|ria. tomar  de  supito,  &  desta  ma^ 
neira  começou  de  caminhar  pêra  onde  estauâo  os  mou^- 
ros  c5  a  gente  em  corpo,  Qseriâo  seyscentos  homSs  cora 
08  escrauos  &  marinheiros,  &  as  fustas  em  que  desem^ 
barcou  yão  ao  lõgo  de  terra  emparelhando  coele,  pêra 
que  hQa  fizesse  o  sinal  cõ  o  tiro,  &  caminhando  nesta 
ordem,  António  de  sousa  &  Gaspar  de  lemos  que  fica^ 
não  no  canal  com  os  sete  catures  sobre  o  remo,  estauâo 
esperando  o  sinal ,  se  não  quando  hu  dos  catures  se  a*- 
trauessou  no  canal  per  roi  vigia ,  &  atrauessado  foy  lo^ 
go  visto  dos  mouros ,  a  {|  parecendo  que  o  acertassem 
lhes  tirara  com  hu  falcão,  &  em  António  de  sousa  & 
.Gaspar  de  lemos  o  ouuindo ,  cuydarâ  que  era  o  sinal 
que  lhes  Martim  afonso  auia  de  fazer,  pelo  ^  remete- 
rão aos  mouros  tangendo  as  trombetas  &  gritando  cota 
tamanho  arroido  que  faziâo  mostra  de  serem  todos  os  da 
armada ,  &  assi  o  cuydarão  os  mouros ,  que  logo  acodi^ 
rão  a  defenderlhes  a  desembarcarão ,  &  meterâose  na> 
goa  aos  receber ,  &  sentindo  quão  poucos  os  Porlugue-- 


LIYRÓ   VIII.    CAPITVLO   CLXXV.  406 

ses  erâo  esforc^arãose  niuylo ,  &  remelerSo  aos  calores  ^ 
&  tomauãnos  poios  remos  querêdohos  varar  em  terra  y 
ao  que  os  Portugueses  saltarão  nagoa,  &  começarão  de 
pelejar  com  os  mouros,  que  como  erãt>  muylos  os  trata* 
uão  mal,  &  matara  António  de  sousa,  Gaspar  de  le* 
mos,  &  outros  sete,  &  com  tudo  os  outros  se  defendiSo 
brauamente.  Martim  afonso  que  tinba  ouuido  o  tiro  dos 
mouros,  &  a  pos  ele  ouuio  as  trombetas  &  a  grita,  logo 
conheceo  o  que  era,  &  disseho  á  sua  gête,  a  que  man- 
dou sopena  de  morte  que  ninguS  não  fosse  se  não  sea 
passo  cheo ,  porque  se  fossem  de  pressa  cbegarião  tão 
cansados ,  por  ser  ainda  longe ,  que  nam  poderião  pele- 
jar &  os  imigos  os  matarião,  &  que  encomendassem  a 
Deos  06  outros  que  pelejauSo  que  ele  os  goardaria ,  & 
coisto  chegou  aos  mouros,  &  sem  o  sentirem  lhes  deu 
nas  costas,  porè  eles  nS  desmayarão  coeste  supito  co- 
metimêlo,  antes  como  erão  oylo  mil  homSs,  iizerão  lo- 
go rosto  aos  Portugueses ,  lançado  diante  os  espingar- 
deiros  que  erâ  duzentos,  &  hils  &  outros  começarão  hua 
espantosa  peleja,  em  que  Martim  afonso  pelejaua  coma 
caualeiro,  &  mãdaua  como  capitão,  &  não  estimando 
cÕ  os  outros  espingardadas  nem  lançadas,  nem  outros 
golpes,  se  metiâo  todos  cõ  muyto  esforço  antre  os  Imi- 
gos matando  &  ferindo,  ao  que  os  outros  ajudauão  tàbê, 
que  não  o  podèdo  os  mouros  sofrer  ^  começarão  de  des- 
pejar as  fustas  &  retirarse  pêra  o  palmar  onde  tinbão  o 
arrayal ,  seguindobos  os  Portugueses ,  &  como  forão  no 
largo  que  se  os  mouros  poderão  estender  &  cercar  os 
Portugueses,  {}  erâ  muy  poucos  antre  tantos,  aperta- 
rãonos  de  maneira  Q  se  acolberão  ás  fustas,  ate  onde  os 
mouros  os  seguirão:  £  como  os  Portugueses  forão  em 
terra  apertada ,  em  que  tanto  montaua  aos  mouros  serê 
poucos  como  muytos,  porque  nã  podia  pelejar  se  não  os 
da  dianteira,  tornara'  a  auer  a  melhor  deles,  &  torna- 
rãnos  a  leuar  de  vencida  ate  o  palmar ,  donde  os  mou- 
ros 08  tornara  a  leuar  ate  as  fustas.  £  vencendo  ora  hiis 
ora  outros ,  gastará  nisto  ate  as  oy to  oras  do  dia ,  em  ^ 


406  9A   HISTomU    DA   IKDfA 

forâo  feridos  bem  seteota  Portugueses,  o  que  vende 
IMarlim  afonso,  &  que  os  mouros  não  se  auifio  de  des^ 
baratar,  em  quanto  teuessem  suas  fustas  inteiras,  com 
esperança  de  as  cobrarem,  determinou  de  lhas  quey<- 
mar,  por  conselho  Dantonio  fernandez  malabar,  que 
assi  lho  disse,  &  ele  mâdou  logo  que  lhes  posessem  fo- 
go &  assi  fuy  feyto;  &  como  estauâo  ci  fadas  &  enseua- 
das  começarão  darder,  lauraodo  o  fogo  com  grande  fu*- 
ria ,  o  que  desesperou  os  mouros  de  as  saluarS ,  &  co^ 
fifieçou  de  fugir  a  gente  (|  nao  tinha- obrigação,  &  logo 
a  outra,  &  a  trás  ela  os  capitães,  &  Atgindo  assi  us 
mouros ,  algQs  seus  filhos  pequenos  quiserâo  leuar  por 
íbrça  ho  menino  Marcos  filho  da  viuua  de  G>chím,  que 
ae  liurou  deles  ás  punhadas  &  ficou:  E  Martim  afonso 
4  vio  fugir  os  mouros,  deixouhos  yr  por  ler  sua  gente 
cansada,  &  saluar  algáas  das  fustas  de  que  saluou  vin- 
teduas,  &  forão  queymadas  vintecinco,  em  que  forâo 
lomadas  qualrocStas  peças  dartelharia,  as  oêto  de  me- 
lai, &  mil  &  quinhentas  espingardas,  &  dos  mouros  fo<- 
râ  mortos  oytocõtos,  &  algils  catiuos,  &  achouse  antre>- 
Jes  hu  Português  que  trazíâo  caliuo,  ()  auia  nome  Aoi- 
dre  luys,  &  no  menino  Marcos,  cd  que  Martim  afonso 
folgou  muyto  pêra  o  dar  a  sua  mãy,  &  dos  Portugueses 
fora  mortos  dez,  &  feridos  setenta,  de  que  bil  foy  Dio<- 
go  de  reynoso  de  hfia  espingarda-la  por  hfla  perna. 

C  A  P  I  T  V  L  O   CLXXVI. 

Do  mais  que  fez  Maríhn  afamo  de  soma  depids  da  vi' 

ioria  de  Èeadala. 

^nLuida  esta  vitoria,  deu  Marti  afonso  muytos  Jouuores 
a  nosso  Seflor  por  a  graade  mercê  que  lhe  fez^  &  certo 
•que  fí>y  muyto  graaxie^  porque  afora  a  perda  que  el  rey 
de  Calicut  recebeo  em  perder  esta  armada,  se  eJa  este- 
«era  inteira,  quando  os  Turcos  vierâo  a  Din,  como  dí^ 
rey  adiante ,  ela  fisera  t&ta  guerra  aos  Porlugueses ,  4 


LIVRO  VIII.   CAPITVLO  CVXXVÍ.  407 

a  costa  da  Malabar  nia  se  poderá  tiauegar  ^  &  as  naoc^ 
Portuguesas  da  carga  ou  escaparão  ou  não  de  serem  tow 
madas,  &  que  não  fizera  oulro  mal,  se  não  ajuntarse 
com  a  dos  Turcos  fora  muyto  grande:  Assi  que  foy  e^ 
ta  Titoria  muy  importãle  pêra  segurar  a  índia.  Ú  por 
ela  ser  de  tanta  fama ,  muytos  fidalgos  pedirão  a  B/lar^ 
tim  afonso  ^  os  fizesse  alt  caualerros ,  &  ela  os  fe'Z ,  & 
dali  mandou  ao  gouernador  a  noua  desta  vitoria,  p^r  hH 
cauaJeiro  chamado  Mrguet  dayala  que  mora  em  Li^boa^ 
q'ue  loy  en>  bfta  fusta ,  &  de  caminho  a  desise  en^  G;-* 
chim  a  Fernrâo  rolz  de  castelo  brâco  vedor  da  rarzea^da'. 
£  indo  de  viagS,  depois  de  partir  de  Cochim ,  topou  d 
Iflontedeli  duas  fuslasrde  Malabares  cõ  ^  qtf^sera*  pele- 
jar, &;  fugirãolhe,  &  togo^  Copou  outra  muy  to  grande  &í 
com  muyta  gõte,  cd  que  aferrou  &  pelejocr  c&os  moCH 
ros  bu  bom  peda<;o  sem  o  poderem  entrar,  &  matou 
muytos  cõ  os  seas  soldados  que  erâo  dezoy to,  &  assi  se 
apartara  matandolhe  os  mouros  dous.  E  Marti  afonso  (| 
ficaua  em  Beadalá,  por  ser  perto  Ceilão,  foy  lá  a  visi- 
tar el  rey ,  &  saber  dele  se  tinha  necessidade  de  sua 
ajuda ,  c5  o  que  el^  rey  folgoi^  muy  to,  &  co  he  desbara^ 
to  dos  Malabares.  O  que  sabido  l^ãbè  por  MacJune  pan- 
dalc ,  se  recolheo  pêra  bua  serra  Õde  se  fez  forte ,  &  de* 
sapressou-  el  rey ,  pelo  que  el  rey,  não  teue  necessidade 
de  Marti  afonso ,  &  deullie  vinte  mil  pardaos  pêra  o^ 
gastos  da  armada,  &  dali  se  tornou  a  Cochim,  onde  íof 
recebido  cõ  grade  festa,  &  depois  se  tornou  a  correr  » 
costa  cõ  a  mesma  armãKla  !\  leuaua  &  indo  de  CaHcul? 
pêra  Cananor  defrõte  de  Tíracole ,  pelejou  cÕ  dezoy  t<y 
fustas  de  Calicut,  que  yão  carregadas  darroz,  cuidan^ 
do  os  mouros  que  yão  aelas ,  que  sertão  três  mil ,  quer 
ainda  Martím  afonso  não  era  passado  do  cabo  de  Como^ 
ff  pêra  o  Malabar^  &  como  o  conhecerão  fugirflo  vèdof 
que  os  ya  cometer,  &  efe  &  oe  seus*  capitães  os  segui-' 
râò  ate  que  os  alcã^arão,  aferrarão,  ft entrarão,  &  forii 
mortos  b&  mil  &  quinhentos  mouros,  &  algus  catiuos, 
&  os  outros  se  saluarã  a^  míd^  puF  ser  perto  de  terra  ^  & 


408  DA   HISTORIA   PA    ÍNDIA 

as  fustas  forão  todas  tomadas,  saluo  hfia  qoe  varou  & 
das  outras  tomou  Simão  rangei  duas  que  aferrou  cõ  os 
seus  soldados,  &  matarão  quantos  mouros  yão  dê(ro,  & 
dos  Portugueses  morrerão  vinte,  &  forâo  feridos  cSto  & 
dez,  porê  os  mouros  sintirã  muyto  a  grade  perda  ^  a« 
qui  recebera  principalmente  os  de  Calicui,  cujo  rey  a* 
cabou  aqui  de  perder  toda  sua  armada,  pelo  !\  lhe  foi 
forçado  fazer  depois  pazes  cÕ  o  Visorey  do  Garcia  de  no-* 
ronha  (como  direy  no  liuro  Nono. )  É  auida  por  Mar- 
tim  afunso  esta  vitoria,  se  foy  a  Cananor,  leuando  os 
mouros  que  catiuou  enforcados  nas  vergas  dos  nauios, 
pêra  ()  os  vissem  os  mouros  de  Cananor,  pori^  sabia  que 
andauâo  muytos  deles  na{|la  armada,  pelo  que  (àobem 
lhes  mandou  deitar  na  praya  os  que  forão  m<irlos  na  ba- 
talha pêra  Q  os  vissem.  E  coesles  dous  despojos  que 
IMartím  afonso  fez  nas  armadas  de  Calicut,  ficou  a  cos- 
ta do  Malabar  limpa  delas  por  h&s  dias. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXVII. 

De  como  Martim  afanzo  de  melo  juiarU  sayo  do  catmey* 

ro  de  Bengala. 


V-^hegadi 


lo  Afonso  Vaz  de  Brito  a  Cbeligão  (como  dis- 
se a  trás)  falou  logo  com  Nuno  Fernandt*z  Freyre,  dí- 
zendolhe  ao  que  ya,  &  auido  seguro  dei  rey  de  BSgala, 
foyse  ao  Gouro,  onde  lhe  deu  a  carta  de  Martim  afonso 
de  sousa ,  em  que  lhe  contaua  os  grades  negócios  {{  fi- 
cara ao  gouernador  depois  da  morte  dei  rey  de  Cambaya 
pêra  seguráça  de  Diu ,  &  por  isso  lhe  nã  poderá  a^le 
anno  mandar  a  gente  que  lhe  pedira  por  seu  embaixa- 
dor, que  lhe  mandaria  coela  no  anno  seguinte,  pedin- 
dolhe  muyto  pois  era  amigo  dei  rey  de  Portugal ,  que 
deixasse  yr  Martim  afonso  de  melo,  de  que  auia  neces- 
sidade na  índia  pêra  capitã  de  hQa  fortaleza  que  lèe 
derael  rey  de  Portugal :  Epor  esta  carta  deu  ei  rey  li- 
cença a  Martim  afonso  que  se  fosse  com  os  outros  Por- 


LIVRO  VIII.   CAPITVLO   CLXXVII,  40» 

tugueses ,  saluó  Nuno  fernâdea  frejve  y  lò&o  hàáo  ^  A  ih 
tooio  paez^,  Afonso  vaz  de  brito,  q  auia  de  ficar  etnar-» 
reíBs  de  Martim  afonso,  q  promeleo  a  el  rey  de  fezer 
qiie  o  gouernador  lhe  mâdasse  logo  mujla  gente:  E  co 
C8  Portugueses  que  aui3o  de  yr  coele,  se  foy  embarcar 
a  Chetigão  na  fusta  Dafonso  vaz  de  brito,  &  dahi  sa 
partio  pêra  a  índia,  onde  chegou  a  saluamêlo:   E  já- a 
este  tempo  auia  noua  no  Gouro  que  Xercansur  (aquele 
Patáne  de  que  falei  a  trás)  torna ua  sobre  o  Gouro -cô 
cein   mil  de  caualo ,  &  trezStos  mil  de  pee :  &  ao  diá 
seguinte  em  que  Martim  afunso  partio  do  Gouro,  che- 
garão muytos  Bengalas  q  estauSo.na  fronlaria  contra  00 
Fatanes ,  de  q  forào  desbaratados ,  &  afirmarão  a  el  rey 
q  Xercãsur  se  chegaua  de  cada  vez  mais  pêra  ho  Gouro 
cÕ  a  gente  4  digo ,  &  dizia  l\  nâ  fizera  paz  cÕ  el  rey  j 
Be  nâo  |X)rq  lhe  desse  cadãno  treze  leques,  &elrey  mà- 
dou  logo  saber  se  estnua  Martim  afbnso  ainda  no  Gouro 
pêra  o  não  deixar  yr,  por^  o  ajudasse  naquela  guerra 
que  esperaúa:  &  vendo  que  Martim  afonso  era  ydo  c5 
09  outros  Portugueses,  mandou  Nuno  fernSdez  freyre  c5 
grades  poderes  a  Chetigfio,   pêra  que  lhe  fizesse  mil 
manchuas  como  as  de  Malaca,  pêra  estornar  coelas  a 
Xercansur  a  passagem  do  Ganges  ao  Gouro,  o  que  nâo 
pode  ser,  por^  quâdo  Nuno  fernandez  partio:  já  muyta 
gSte  de  Xercansur   tinha  passada ,  &  tinha  cercado  o 
Gouro  por  agoa,  ^  não  pode  Nuno  fernandez  sayr  eni 
ha  paraó  em  (|  ya  se  não  defendendose  ás  espingarda- 
das  c5  doas  escrauos  que  leuaua  ^  o  ajudauão ,  &  assi 
se  foy  sayndo  dãtre  os  Patanes.  E  em  hua  cidade  abai- 
xo do  Gouro ,  chamada  çarnagfto ,  achou  no  rio  o  Las-^ 
car  dela  com  seyscentas  almadias  carregadas  de  manti* 
mentos  que  leuaua  ao  Gouro,  &  quSdo  soube  Q  estaua' 
cercado,  cometeo  a  Nuno  fernandez  que  fosse  coele,  2| 
não  quis  por  o  aperto  em  que  se  vira ,  &  por  ele  não- 
I}rer  yr,  não  ousou  o  Lascar  dyr  cõ  os  mantimentos  nem 
foy ,  &  por  falta  deles  foy  a  fome  tamanha  no  Gouro ,  l^' 
06  pays  comerão  os  filhos  peqoenos ,  tendo  primeiro  co- 

LlVaO   Vm.  FFF 


410  BA  HISTOmiÁ  DA  ÍNDIA 

midofl  os  CBuak)8  U  00  alifantes,  &  por  derradeiro  os  Pa« 
tanes  entrarão  a  cidade ,  &  matarlo  a  mayor  parte  dos 

SestauSo  dStro,  &  el  rey  de  Bfigala  fugio  muyto  feri<» 
o ,  &  indo  assi ,  topoa  cÒ  bfi  capilAo  dei  rey  dos  Mo^ 
gores  que  o  ya  socorrer  por  lho  ele  mXdar  pedir ,  &  es- 
te capitão  leuaua  quorenta  mil  de  caualo,  c5  que  el  rej 
de  Bengala  assi  ferido  como  ya,  fez  logo  volla  (lera  o 
Gouro,  parecêdolbe  que  o  tornaria  a  tomar,  &  el  rey 
dos  Mogores  ya  a  pos  ele  c5  o  resto  de  seu  exercito: 
fc  sabendo  Xercãsur  oue  ya,  como  não  queria  mais  que 
o  tesouro  dei  rey  de  Bengala ,  apanbouho  todo  &  leuoa« 
ko  deixado  a  cidade  despejada,  &  assi  a  acharão  osMo*» 
gores,  cujo  rey  por  não  achar  o  tesouro,  &  porque  mor- 
reo  el  rey  de  Bdgala  das  feridas ,  não  quis  ali  roais  esr 
tar  &  toroouse.  O  que  sabendo  Xercansur  depois  de  se 
fazer  jurar  por  rey  de  Bengala  &  dos  Patanes ,  foy  a 
pos  ele  com  seu  exerci  U>,  &  depois  de  o  desbaratar  lhe 
tomou  bo  reyno  de  Deli,  de  Sanga,  &  do  Mandou ,  Sti 
ficou  senhor  deles ,  &  do  de  Bengala ,  &  do  dos  Patar 
nes,  &  niorreo  muy  grande  senhor,  &  por  sua  morte 
deyxuu  estes  Keynps  aos, filhos  que  linha. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXVIII. 

De  cama  0$  Aches,  quiurâo  tomar  aforudeza  de  Malaca. 

.Cim  todos  os.liuros  a  trás  fica  dito,  o  mortal  ódio  que 
el  rey  Dachem  tinha  aos  Portug^esce,  &  quanto  traba- 
lhou por  tomar  a  fortaleza  de  Malaca,  &  estando  ainda 
neste  propósito,  mandou  hu  seu  capitão  com  três  mil: 
homBs  que  a  fossa  tomar,  &  desembarcaria  de  noyle, 
&  logo  escalaria  a  fortaleza.  E  partido  cd  hua  grande, 
armada,  sem  ser  sentido  dos  Portugueses,  n^m. sabe- 
rem sua  yda,  chegou  a  Malaca  veapora  de. nossa  ^ora. 
de  Setembro,  do  anno.de  lõ37.  ao  quarto  da  modorra, 
&  desembarcado  muy  oaladam6le ,  foyse  á  pouoaçã  dos. 
Quelfs  ^  era  cercada  de  madeyra,  &.  entrou  por  hft  bar 


Lirmo  fiii.  CAmvuo  clxxviit.  41  i 

luarle^  que  se  ohaaiaua  do  Bfidara,  cujos  criados  o  vi- 
giauão,  maft  doraiíâo  a  este  tempo  tãobem,  {|os  AchCs 
os  matarão  a  todos  sem  acordarem,  &  entrando  por  aqui 
i)a  cidade,  repartidos  em  escoadrões,  se  forão  com  suas 
guias  á  ponte  pêra  dali  jvem  á  fortaleza  &  escalarSna, 
o  que  ouaera  de  ser,  se  }he  nosso  Senhor  nSo  atalhara, 
&  indo  seu  caminho  desmandarãose  algfls  a  roubar  cer* 
tas  casas ,  cujos  moradores  sintindo  que  erâo  imigos,  & 
cuydando  que  fosse  gfite  dei  rey  Dungentana,  forão  dar 
auiso  ás  vigias  da  fortaleça ,  que  dado  rebate  a  dõ  Es- 
teuâo  da  gama  que  era  capitSo,  se  pos  logo  em  armas 
com  os  Portugueses,  &  sab&do  ele  que  erilo  AchSs,  te- 
meo  muyto  sua  vinda,  parecendolhe  que  nâ  deuia  de 
ser  sem  terem  inteligência  na  cidade,  principalmente 
com  NinapSo  &  Ninabay  jrmãos,  mouros  honrrados  & 
ricos,  de  que  dom  fisteufto  tinha  grande  receo  de  lhe 
fazerem  treyção.  E  deixado  a  fortaleza  a  recado ,  foyse 
á  ponte  com  duzd tos  Portugueses,  em  que  entrauão 
TristS  dalayde,  que  aaia  pouco  que  chegara  de  Malu- 
co ;pola  via  de  Banda,  Manuel  da  gama,  Paulo  da  ga- 
ma, António  pereira^,  dom  Manuel  de  lima,  dom  Fran»- 
oisco  de  lima,  dom  CristouSo  da  gama,  Frãcisco  bocar- 
ro  fey tor ,  &  outros  fidalgos  &  caualeíros ,  &  passando 
a  ponte ,  logo  na  entrada  da  pouoac^âo  dos  Quells  foy 
dar  cd  bQ  escoadrão  dos  Aches,  c5  2)  começou  de  pele^ 
jar,  ao  qoe  os  outros  acodirS  logo  &  foy  anlreles  hiià 
braua  batalha ,  em  Q  os  Portugueses  pelejarão  tãobê,  f( 
fizera  afastar  os  AchSs  hD  peda<;o  pêra  dêtro  da  cidade, 
matando  algas :  E  vendo  o  seu  capitão  que  não  podia 
fazer  o  pêra  que  viera,  soltouhos  a  roubarem  na  cidade, 
ao  que  dom  Esteuão  acodio  ainda  {)  era  denoyíe,  &  a- 
pertouhos  tão  rijo,  2)  em  amanbecSdo  os  fez  recolher  ao 
baluarte  por  onde  entrara,  o  que  fizerSo  com  muyto 
tento  ,  &  fechando  a  porta  sobre  sy ,  sem  *  lhe  os  Portu- 
gueses poderem  imfjedir  {)  a  não  fechassem,  &  feriãnos 
do  baluarte  com  muyta  pressa  cò  frechas  beruada»:  O 
que  .vendo  dom  Esteuáo,  mandou  a  Tristã  datayde  que 

FFF  2 


41  >  DA   HISTORIA  BA  IHniA 

c5  cem  homfis  quebrasse  a  porta  do  baluarte  ^  &  ele  co 
duzfitos  entraria  entre  tanto  poias  costas,  &  asai  se  fez, 
sobre  o  que  foy  h&a  espfttosa  peleja,  &  por  derradeyro 
os  AcbSs  forfl  lâo  mal  tratados,  ()  tomarão  por  remédio 
.fugirê  &  yrense  pêra  sua  terra,  ficando  trezètos  mortos, 
&  dos  Portugueses  não  morrerão  nbOs,  somente  forão 
feridos  Tristão  datayde,  dõ  Francisco  de  lima,  Antó- 
nio pereira,  Francisco  bocarro  &  outros.  E  el  rey  Da- 
cbd  depois  {[  soube  ()  a  sua  gente  fora  desbaratada ,  a- 
crecentoulhe  mais  o  desejo  de  tomar  a  fortaleza,  &  tor- 
nou a  mandar  outro  capitã  com  cinco  mii  homSs  que  a 
tomasse  por  fortja  a  escala  vista* 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXIX. 

De  como  os  Achêê  tomarão  a  Malaca. 

V  endo  dom  Esteuão  quão  de  rebate  chegarão  os  AcbSs, 
&  a  opressam  em  ^  poserão  a  fortaleza,  ordenou  sessen- 
ta Portugueses  pêra  vigiarêa  cerca  dos  Quelis,  &  por- 
que era  de  madeyra,  ajuntarãose  eles  todos  por  rogo  de 
dd  Esteuã  &  cercarãna  de  taypa,  &  dd  Esteuâo  por  a- 
cabar  asinha  a  obra  andaua  sempre  nela  louuando  os  que 
o  faziâo.  bem,  &  dandolhes  de  comer  á  custa  dei  rey, 
no  que  gastou  trezStos  cruzados ,  &  coisto  fez  obra  em 
trinta  dias,  {)  doutra  maneira  não  se  fizera  cô  menos  de 
trinta  mil  cruzados,  &  a  menos  altura  do  muro  era  dd 
home,  &  a  mayor  de  dpus  &  três :  &  nisto  soube  dõ  Es- 
teuão  como  yão  os  AchCs  pêra  Malaca,  &  temêdose  que 
desembarcassem  logo  de  caminho  como  da  outra  vez, 
pos  no  tialuarte  do  Bendara  duzStos  espingardeiros ,  & 
por  seu  capitão  Paulo  da  gama ,  &  a  Tristão  datayde , 
a  dom  Francisco  de  lima ,  a  dõ  Manuel  de  lima ,  &  a 
Manuel  da  gama,  deu  a  cada  ha  vinte  cinco  sobresa- 
lentes  pêra  ^  corressem  o  muro,  &  acodissem  onde  fos- 
se necessário ,  &  ele  com  outros  cento  se  pos  junto  da 
fortaleza:  E  esperado  coesta  ordem  os  Acbfis,  chega- 


LIVRO  YIIT.   GAPITVLO  OLXXIX.  413 

rSo,  &  como  yão  pêra  tomarS  a  cidade  per  cõbate,  as- 
sentara seu  arrayal  hQ  quarto  de  tegoa  dela ,  onde  cba- 
mão  a  pÕta  de  Tãjaqueli,  que  na  noyle  seguinte  fazen^ 

.do  grande  escuro  feytos  em  Ires  escoadrões  h&  pêra  es- 
calar o  baluarte  do  Bendara,  &  os  outros  pêra  escala- 
rem o  muro,  &  quando  não  podessem  o  cortarS  cõ  es- 
copros &  macetas ,  cuydahdo  que  era  ainda  de  madei- 
ra, &  os  que  auião  descalar  o  baluarte,  sobiráo  muy  ca- 
ladamente parecCdolhes  Q  os  não  sentião,  se  não  quSdo 
os  Portugueses  que  estauão  nele  arremesarão  sobreles 
tanta  panela  de  poluora,  &  lhes  tirarão  tantas  espingar- 
dadas  que  os  ^  sobiâo  se  decerão  muy  de  pressa  &  os 

'  outros  nâo  ousarão  de  sobir,  &  fao  mesmo  acõteceo  aos 
que  quiserão  sobir  pelo  muro,  &  com  tudo  os  AchSs 
Dam  deixarão  o  combate,  em  que  perfíaram  duas  oras 
de  relógio,  &  forão  muytos  feridos  &  mortos:  &  como 

•  sayo  a  lua  se  forão  por  nã  receberá  mais  dano ,  &  tor- 
narão na  noy  te  seguinte ,  &  aconteseoibes  da  mesma 
maneira.  E  vendo  dom  Esteuão  que  por  virem  polo  es- 
curo não  recebião  tãto  dano  como  receberião  se  ouuesse 
claridade,  recebeos  na  primeyra  noyte  que  tornarão  com 

•grandes  nouelos  de  fiado  ensopados  em  azeyte,  &  estes 
acesos  de  três  em  três  postos  em  grades  espetos  de  três 
pontas,  que  estauam  fincados  no  chão  hum  tiro  de  pe- 
dra do  muro,  &  dauão  tanta  claridade  como  !)  fora  de 
dia,  pelo  Q  os  Acbès  forão  b8  vistos  a  hS  grande  peda- 
lo do  muro,  onde  lhes  tirarão  cõ  a  artelharia  &  espin- 
gardaria com  que  os  fizerão  tornar  sem  ousarem  de  che- 
gar ao  muro,  nem  ousarão  de  tornar  mais  pois  os  vião: 
£  recebendo  muyto  grade  dano  de  mortos  &  feridos  se 
partirão  pêra  sua  terra  tão  de  pressa  que  Tristão  datay- 
de  que  foy  a  pos  eles  com  hOa  armada  os  não  pode  al- 
cãçar:  &  com  a  fama  dos  AcbSs  yrem  tão  mal  tratados 
não  ousarão  outros  de  bolir  consigo. 


414  BA  HISTORIA    DA   ÍNDIA    * 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXX. 

De  como  António  gàluâo  fez  pazes  com  el  rey  de  Oeiloby 

^  de  Bachâo. 

Jl  artido  Tristão  dalayde  de  Ternate  coiiie  a  trás  fíoa 
dito,  António  galuão  que  ficaua  por  capitão  da  fortale- 
za ,  ficou  em  grande  trabalho  por  se  yr  (Sta  geate  que 
quasi  ficou  só,  &  por  estarem  ainda  osTernates  de  guer- 
ra. E  como  eie  conhecia  que  a  principal  causa  de  seu 
descanso  era  paciioar  a  gSte  da  tçrra  &  tornaia  a  ser 
amiga  dos  Portugueses,  trabalhou  polo  faser  por  meo  de 
Cachil  rade  jrmão  dei  rey  de  Tidore ,  que  niseo  lhe  a- 
proueitou  tanto,  f\  se  ele  não  fora  custaralhe  muyto  fa* 
zelo,  porque  osSãgages  ck>  senhorio  de  Ternate  querião 

Jdesposessem  <le  rey  de  Ternate. a  el  rey  Cachil  aeyco 
isendo  que  era  bastardo,  &  auia  outros,  que  lhe  peroe- 
díão  pêra  serS  reys ,  &  que  desposessem  de  regeder  ao 
camarão, ^omet ião  a  António  galuão  ({screuesse  aoGo- 
uernador  da  índia,  que  lhes  mandasse  el  rey  Tabarija 
que  era  seu  rey  de  dereyto,  &  se  fosse  morto  (}  então 
farião  outro^  &  que  enlre  (ãto  fosse  António  galuão  seu 
rey.  E  como  ele  eiu  muyto.  bom  hom&  &  desejaua  muy- 
to de  seruir  a  Deos  &  a  el  rey,  não  quis  aceyiar  aque- 
le partido,  receando  que  o  pouo  se  escandalizasse  de  ser 
regido  por  ele  j|  era  Cristão,  &  por  isso  trabalhou  tanto 
com  os  Sangages-  &  gouernadores  dos  iugaree  y  que  fo- 
rão  contStes  dobedecerS  por  rey  a^  Cachil  aeyxo ,  &  ao 
camarão  por  regedor,  &  assí  o  fizera  pelo*^  António  gal- 
uão deu  muytos  presentes  á  sua  custa  &  cois lo  começa- 
rão osTernates  l\  estauão  espalhados  por  outras  jlhas  de 
se  tornar  pêra  Ternate  &  pouoar  a  terra,,  em  que.  An- 
tónio galuão  começou  daquerir  grande  fama  de >  muyto 
bom  homS,  &  Q  nã  auia  nele  nhQa  cobiija,  &  espanta- 
uâse  os  mouros  muyto  de  ihoBerecerfi  a  gouernança 
do  rey  no  &  não  a  querer  aceitar,  porque  no  tempo  que 


LIVRO  YIII.   CAFITVLO  GLXXXI.  41  & 

a  teuera  se  poderá  fazer  quão  rieo  quisera,  &  el  rey,  & 
o  camarão  lhe  ficarão  por  isso  em  obriga<;ão  grãdissima, 
&  assi  o  dizião  pubricamente.  E  tendo  asseniada  a  ter- 
ra ,  pêra  a  cõseruar ,  trabalhou  por  fazer  cft  el  rey  de 
GeiloJo  &  com  el  rej  deBacbão,  que  sabia  que  se  aper- 
cebiâo  pêra  lhe  fazerem  guerra  &  trabalhauSo  com  el 
rey  de  Tidore  que  os  ajudasse ,  SC  isto  por  vingarS  a 
morte  dei  rey  CacbU  dáyab,  que  fora  morto  a  ferro, 
que  erão  obrigados,  a  viagar  segundo  seu  costume.  £ 
por  os  reys  não  quererê  a  paz,  os  desafiou  António  gal- 
uão  a  ambos  que  se  mat-assem  coele  pois  ele  só  era  o  de 
quem  desejauSo  de  se  vingar ,  &  os  reys  aceitará  o  de- 
safio, mas  não  ouue  eflfeito,  por  el  rey  de  Tidore  &  âeu 
yrmão  Cachil  rade  interuirê  nisso ,  &  lhes  fizerão  fazer 
a  paz  com  António  galuào:  £  ao  tempo  que  a  assenta- 
ra»  lhes  mandou  António  galufio  grades  presentes  da 
parte  dei  Rey  de  Portugal ,  &  eles  lhe  mandarão  algfia 
rortugueses  que  tinhâo  catiuos,  &  artelbaria,  &  outras 
armas.  £  assentadas,  as  pazes,  muyto»Ternates  que  es- 
tauão  naqueles  dous  reynos  se  tornarão  pêra  Ter nate,  & 
ahsi  se  tornauão  cada  dia  outros,  &  se  ya  pouoãdo  ater- 
ra como  dãles ,  de  que  a  gente  estaua  tão  íbra  como 
disse  a  trás,  nõ  ouuera  nuca  de  tornar  a  Tomate  se  não 
fora  a  boa  fama  Dantonio  galuio ,  &  ver6  por  obra  que 
era  assi  oomo  ouuião. 

C5  A  P  1  T  V  L  O    CLXXXL 

JDe  esmo  $e  perderão  duas  nao$  de  Castelhanos  que  yão 

pêra  Maluco. 

IN  este  tempe  mandarão  oa  reya  daquelas  jlhas  recado 
a  António  galuão  Q  per  antreiaa  contra  aa  dosPapuaa 
andauão  duaa  naoa  de  Caateébanea'  ^  nâ  podião  tomar 
porto,  nem  eles  auião  de  consentis  que  o  tomassem  ate> 
não  saberem  se  era  disso  contente,  ho  que  lhes  ele  man- 
dou agradecer,  &  pedir  que  os  não  deixassem  tomar  por^ 


416  ]>A   HISTORIA    DA    ÍNDIA 

lo  em  suas  terras ,  &  que  lhes  dissessem  da  sua  parle 
que  se  fossem  á  forlaleza  &  seriâo  remedeados  de  lodo 
o  Dccessario:  E  logo  mandou  fazer  algQs  bateis  de  que 
líaha  necessidade  se  os  Castelhanos  quisessem  guerra : 
Cujo  capitão  mor  auia  nome  Fernfto  de  grijaluarez ,  &  o 
da  outra  nao  se  chamaua  AJuarado,  i\  indu  da  noua  Es- 
panha pêra  o  Peru  do  Emperador  ondeslaua  o  marques 
dõ  Fernando  cortes,  &  ou  por  võtade  de  Fernão  de  gri* 
jaluarez ,  ou  por  lhe  assí  ser  mâdado^  sendo  a  duzèlas 
iegoas  da  costa  da  noua  Espanha ,  disse  á  sua  gCte  Q 
a u ião  de  descobrir  outra  terra  sem  dizer  Q  terra  era^  do 
{|  a  todos  pesou  muyto^  &  por  nauegarê  ao  lÕgo  da  li* 
nha  ora  a  hAa  parte  ora  á  oulra  ate  cinco  ou  seys  graos: 
dallura ,  parecia  a  lodos  que  a  terra  que  auião  de  des* 
cobrir  erão  as  jibas  de  Maluco ,  &  assi  andarão  ale  se. 
poerem  em  treze  graos  da  parle  do  sul  ^  &  tornarão  ate 
vintaqualro  da  banda  do  norte  ^  &  sem  nunca  acharem 
terra,  por  falta  dagoa,  tornarão  a  demãdar  a  linha  pe- 
V  ra  fazerem  agoada  dos  chuueyros,  no  Q  gastarão  muylos. 
dias.  E  falecendolhes  o  mantimento,  quiserão  tornar  á; 
noua  Espanha  &  não  poderão,  porque  chegado  a  vinte; 
sete  graos  dá  linha  escaseaualhes  o  vfito ,  &  fizerão  Í8to. 
lanlas  vezes,  que  lhes  foy  forçado  yrense  dereitoa  ás. 
jihas  de  Maluco,  &  roorreolhes  quasi  toda  a  gente,  &. 
anlrestes  foy  Fernão  de  grijaluarez,  &  furão  ter  aelaa^ 
cujos  moradores  lhes  não  deixarão  tomar  porto  por  amor 
Danlonio  galuão,  &  dizíãlhes  que  se  fossem  á  nossa  for- 
taleza, o  que  nã  quiserão,  &  vendose  sem  remédio  de 
poderem  tomar  porto,  &  com  medo  de  se  alagarem  por 
as  nãos  andarem  muy to  abertas  derão  á  costa ,  onde  os 
mais  fora  mortos  pula  gente  da  terra ,  &  escaparão  Ires 
ou  quatro  que  forão  calinos,  &  depois  os  resgatou  An- 
tónio galuão  &  soube  deles  tudo  isto ,  &  Q  na  noua  Es* 
panha  se  fazia  bfia  armada  pêra  yr  a  Maluco  Q  foy  (co- 
mo direy  no  liuro  Nono. ) 


LIVRO  Vril.   CAPITULO  CLXZXII.  41 V 

Ç  A  P  I  T  V  L  O    CLXXXII. 

De  como  loâo  freyre  foy  ao  Morro  por  capitão  de  hiSa 

arnuxdai  . 

X  depois  Dantonio  galoSo  mandar  recado  aos  reys  de 
Siaiuco  que  dS  deixassem  tomar  porto  aos  Castelhanos 
fez  logo  húa  armada  de  que  foy  por  capitão  mór  ao  Mor- 
ro híí  loâo  freyre  pêra  tornar  á  obediência  da  fortaleza 
certos  lugares  que  lá  estauão  leuantados,  &  foy  coele 
Cacbil  rade,  por  cuja  causa  algtls  daqueles  lugares  de- 
rão  logo  obediência  a  loSo  íreyre,  &  outros  nâo  quise- 
râo  &  se  defenderão,  &  ouue  bi  peleja  antre  os  mouros 
&  os  Portugueses ,  &  foy  morto  bõ  Fernão  pinto ,  &  an- 
dando lá  loam  freyre ,  chegou  lòrge  mascarenhas  capi- 
tão, &  feytor  da  nao  do  trato  da  índia  pêra  Maluco, 
que  ya  carregar  de  crauo  pêra  el  Réy  dom  luão  de  Por-* 
tugal:  &  tanto  que  surgio  em  Talangame,  soubese  na 
fortaleza  por  algQs  da  nao  que  forão  a  terra ,  que  lorge 
mascarenhas  leuaua  bum  aluará  dei  Rey  em  que  defen- 
dia que  nenhOa  pessoa  comprasse  cra*uo  &  todo  se  ven- 
desse na  feytoria  sopena  de  perdimento  do  crauo  &  de 
toda  a  fazenda :  &  que  mandaua  ao  gouernador  da  In* 
dia  &  ao  vedor  da  fazSda  que  o  fizessem  comprir:  El 
assi  disseram  mais  que  o  vedor  da  fazenda  dera  lícSça- 
a  lorge  mascarenhas  &  aos  que  yão  coele  pêra  comprar* 
rem  certos  bares  de  crauo  &  os  carregarem ,  &  a  mes- 
ma licença  mandaua  a  António  galuão,  &  ao  feytor  & 
a  seus  escriuães,  com  bo  que  toda  a  gSte  da  fortaleza* 
se  aluoroçou  grandemente,  &ajuntarãose  os  mais  â  por- 
ta da  fortaleza ,  dizendo  a  grandes  brados ,  que  auião 
dir  qoeymar  a  nao  de  lorge  mascarenhas  cõ  quantos  es- 
tauam  dentro  pois  vinha  nela  tal  aluará,  &  que  se  auião 
dir  pêra  os  castelhanos  se  viessem ,  ou  pêra  os  mouros, 
PȒa  lhe  tirana  mo  crauo  que  eles  tamb6  mereciam,  pois 
vão  tinham  outra  cousa  em  que  tratar:  &  defendiam 

LilVRO   VIII.  GOO 


41  •  1U  HI0TOBfA  BA  ÍNDIA 

aquela  fortaleza,  com  tanto  derramamento  de  sangue  & 
trabalhos  tam  immensos,  &  defendSdo  el  Rey  ho  crauo» 
geralmente  ho  seu  vedor  da  fazenda  ho  alargaua  a  lor- 
ge  roascareohas  &  aos  seus  marinheyros  que  nunca  pe- 
lejaram naquela  terra:  &  diziam  a  António  galuão  que 
acodio  a  esle  aluoroço,  que  nam  sofresse  bo  aluaraa  que 
leuaua  lorge  mascarenhas  pois  nunca  el  Rey  ho  manda-* 
ra  em  tempo  doutro  nenhD  capitão ^  ao  que  ele  respon- 
deo  que  pois  que  ele  era  dei  rey  fc  eles  também,  que 
auiam  de  com|>rir  os  seus  mandados ,  &  que  se  el  rey 
aquilo  maodaua,  ele  era  contente  de  lhe  obedecer  &  ho 
auia  por  bem,  &  que  el  rey  fazia  bo  que  deuia  pêra  for* 
rar  ho  grande  gasto  que  auta  tantos  annos  que  tinha  na- 
quela fortaleza  sem  auer  dela  nenhii  firoueylo:  &  quan* 
to  a  ele  nam  lhe  daua  nada  de  yr  pobre  |ior  goardar  oa 
mSdados  dei  rey ,  em  quc'  esperaua  que  lhe  faria  mercê 
pois  a  fazia  a  todos  oa  que  ho  seruiam,  rogando  a  todos 
que  nam  se  aluoroi^assem  em  quanto  nam  vissem  ho  al- 
uará que  diziam,  fiorque  ele  daria  a  tudo  hum  meo  com 
que  ficassem  cõlentes :  Porem  a  gente  naid  foy  cunten- 
le  disto,  &  roais  porque  sabia  que  António  galuam  era 
tam  amigo  do  serQiço  dei  rey ,  que  auia  de  goardar  ho 
aluará  ao  |)é  da  letra,  &  nam  |>odiam  assossegar:  &laa» 
danados  andauam ,  que  sayodo  lorge  Mascarenhas  em 
terra,  sem  ho  saber  António  galuam ,  assi  como  os  que 
digo  bo  viram  saltaram  conã  ele  pêra  ho  matarem,  &  as- 
si ouuera  de  ser  se  nam  se  acolhera  a  bua  casa  na  po- 
uoa<^o  dos  Porlug;ue8es  onde  se  defendia  com  a  porta 
íechsíúa  ,  a  que  acodio  A oilonío  galuam  ,  &  quando  che» 
gou  jaa  acendiam  fogo  pêra  queymarem  a  casa  &  a  ele  r 
£  como  a  gente  vio  António  galuam ,  foramse  todos,  & 
ele  leuou  Jorge  Mascarenhas  pêra  a  fortaleza :  &  como 
nam  estaua  em  tempo  pêra  castigar  aquele  crime ,  por 
anM)r  dos  castelhanos  que  esperaua ,  &  recear  que  se 
lhe  fosse  a  gente,  dissimulou  com  os  culpados,  daado- 
Ibe  esperãça  que  quãdo  visse  o  aluará  faria  o  que  fosso 
justiça^  pois  naquelas  parles  era  vedor  da  faz&dadel  Re>y 


UVaO   TUI.   CAPITYI.O  CliXXXIII.  419 

&  fez  que  fossem  amigos  de  iorge  inascareDbas  &  dos 
que  yão  CÕ  ele,  no  que  ihe  foy  bõ  padrinho,  porque 
doutra  maneyra  foralhe  grande  trabalho  saluar  a  vida, 

Segundo  a  gente  desejana  de  o  matar.  ^ 

•  •         • 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXXÍII. 

De  como  fay  lido^  ^  pubricado  o  aluaraa  que  leuaum 
large  mascarenhoB ,  ^  dai  muyiãt  deêordes  que  sobris^ 
90  sucederão. 

.x\ ssossegado  este  aluoroço,  mostrou  Iorge  mascare^- 
nbas  o  aluará  que  leuaua,  que  defiois  de  António  gal- 
uâo  dizer  que  lhe  obedecia,  foy  lido  em  voz  alta  peran- 
:te  lodos,  cuja  sustancia  era  o  que  disse:  &  assi  foy  li* 
.da  a  iicen^  que  o  vedor  da  fazenda  daoa  a  António 
^aluSo  &  a  foT^e  mascarenhas  &  aos  outros  pêra  faze* 
jrem  crauo,  &  António  gajufto  disistio  logo  da  soa,  di* 
.aendo  que  posto  que  perdia  nisso  múylo,  que  antes  a 
queria  (}  perderse  bo  seruicjo  dei  Rey  seu  senhor,  que 
pêra  se  conseruar  naquela  terra  era  muyto  necessário 
pão  fazer  ninguém  crauo  se  não  ele,  pêra  se  tornar  ao 
primeyro  preço  que  lhe  fora  posto  per  António  de  brito, 
porque  os  mouros  auerião  por  seu  barato  de  o  darem , 
não  ho  podendo  vender  a  outrem  se  nS  a  el  Rey,  &que 
melhor  seria  aos  Portugueses  comprarêno  na  feytoria 
que  aos  mouros  pois  lho  dauâo  tão  caro  que  nam  valia 
mais  na  índia  (\  em  Maluco,  &  mais  que  na  feytoria 
lho  darião  em  desconto  de  seus  soldos  &  mantimentos, 
eem  terem  necessidade  de  darem  por  ele  roupas  &  ou« 
trás  cousas  que  auiam  dauer  de  fora ,  &  ja.  que  dauão 
tamanho  ganho  aos  mouros,  que  melhor  seria  darem  al- 
gum a  el  Rey  que  os  mantinha,  &  gastaua  tanto  em 
soster  aquela  fortaleza  &  era  causa  de  eles  enfríquece^ 
rem,  que  nam  era  rezS  que  eles  leuasaem  tudo  8c  el 
Rey  nada,  pedindo  a  todos  ()  oouessem  |ior  bem  hoqjue 
el  Rey  mandaua  &  comprisse  ao  pé  da  letf a :  £  logo 

GGG  2 


*20  ©A   HI8T0RTA   DA   ÍNDIA 

mandou  pregoar  o  atuará  com  trombetas  por  a  cidade , 
&  depois  pola  jlha.  E  mandou  ao  ouuidor  &  ao  feytor 
que  tirassem  deuassa  se  ele  ou  seus  criados  fizeram  al- 
gum crauoy  ou  o  compraram  depois  que  ali  eslaufto,  & 
acbouse  que  nam ,  porque  desejaua  tanto  de  seruir  el 
Rey,  &  tomarem  lodos  dele-eaempro  pêra  ho  seruirem, 
que  antes  queria  perder  sua  fazenda ,  que  fazer  cousa 
:em  que  parecesse  que  o  deseruia.  £  mandou  mais  que 
do  crauo  que  as  partes  tinbâo  feylo,  se  tomasse  ho  ter- 
ço pêra  el  rey ,  &  lhes  fosse  pago  polo  preço  da  fey  te- 
ria, &  assi  fuy  feyto,  no  que  se  ouueram  quinhentos 
bares  de  crauo  pêra  el  Rey:  E  pêra  que  dali  por  dian- 
te se  ouuesse  (odo  bo  crauo  pêra  el  Rey,  escreueo  car- 
tas aos  reys  de  Maluco  &  aos  Sangages,  pedindoihes 
que  defendessem  em  suas  terras  que  nam  se  vendesse 
o  crauo  se  nam  ao  feytor,  mandandolhes  bo  lerlado  do 
aluará  dei  rey,  ao  que  todos  responderam  que  seruiríam 
de  muy  boa  vontade  a  eIRey  de  Portugal,  mas  que  na- 
quilo nau  podiam  por  serê  certos  que  ainda  que  matas- 
sem 08  mouros  que  nam  auiam  de  deyxar  de  vender  be 
crauo  a  quem  lhe  roais  desse ,  que  defendesse  ele  aos 
Portugueses  que  lho  não  comprassem  ,  porque  doutra 
maneira  não  podia  ser:  Epor  neste  tempo  António  gal- 
uâo  ser  auisado  que  lorge  mascarenbas  mandaua  fa^er 
crauo ,  &  Q  os  Portugueses  o  querião  táobeni  fazer,  pe^ 
dioibe  António  galuâo  que  o  nam  fizesse  por  não  dar  azo 
que  ho  quisessem  os  outros  fazer,  que  muyto  crauo  auia 
de  leuar  dei  Rey  em  que  se  entregaria  daquele,  pêra 
que  lhe  ho  vedor  da  fazenda  daua  licença:  E  nào  o  que- 
rendo ele   fazer  pos  António  galuâo  pena  conforme  ao 
aluará  dei  rey  que  não  comprasse  crauo ,  &  lorge  mas- 
carenhas  lhe  mostrou  bum  aluará  do  gouernador ,  em 
que  o  isentaua  de  lodo  de  sua  jurdição,  assi  a  ele ,  co^ 
IDO  a  quantos  yão  coele,  &  a  nao  &  sua  carga,.  &  so- 
bristo  ouue  atreles  discórdia ,  &  lorge  mascarenbas  se 
foy  pêra  a  nao,  &  não  tornou  mais  a  terra.  E  vendo  os 
Portugueses  esta  discórdia,   começarão  logo  da|)ertar 


LIVRO  VIU*    CAPITVLO   CLXXXIII.  421 

Gòm  António  galuão  que  lhes  deixasse  fazer  crauo^  se 
não  que  se  yriâa  pêra  a  Índia,  fazendolhe  sobrisso  gran- 
des requerinoêtos,  &  protestando  de  ele  ser  em  cargo  a 
el  rey  da  perda  que  recebesse  por  sua  yda :  &  com  tu- 
do António  galuão  nã  quis  nunca  alargar  ho  crauo,  & 
mandou  requerer  a  Jorge  mascarenbas  pelo  Ouuidor, 
que  lhe  não  ieuasse  nhíia  gente  sem  sua  licença ,  &  ele 
não  quis  deyxar  chegar  ho  Ouuidor  a  bordo,  mandan- 
dolbe  tirar  com  espingardas ,  cuydando  que  o  ya  pren- 
der: &  foy  ho  aluuroi^o  tamanho  na  gente,  &  o  desa- 
uergonhamento ,  por  lhe  Anlonio  galuão  nani  querer  a- 
largar  o  crauo,  que  o  quiserão  matar,  mas  não  poderão. 
£  por  derradeyro  se  armaram  cento  &  ojtenta  homSs, 
&  assi  armados  na  metade  do  dia  se  forào  embarcar,  a- 
meaçâdoho  com  a  morte  se  lho  quisesse  tolher ,  &  di- 
zendo que  pois  era  tão  amigo  do  seruic^o  dei  Rey  ,  que 
lhe  goardasse  a  sua  fortaleza,  &  assi  se  forão  embarcar 
GÕ  lorge  mascarenhás ,  &  com  hum  Fernão  anrriquez 
senhor  díi  lungo  em  que  se  ya  .pêra  a  Índia,  &  Antó- 
nio galuão  nam  pode  resistir  a  isto,  porque  lhe  nam  fi- 
cauam  mais  de  cento  &  vinte  hómês ,  &  estes  porque 
lhes  daua  de  .comer  á  sua  custa,  que  não  auia  na  fei- 
toria com  que  lhes  pagassem  mantimento,  &  Anlonio 
galuão  porque  não  ficasse  só  &  se  perdesse  aquela  for- 
taleza, gastaua  o  seu,  &  não  lhe  daua  nada  perdeio  por 
seruir  el  Rey ,  dizendo  que  pois  o  perdia  nisso  que  el 
Rey  ho  satisfaria:  E  era  a  reuolta  tamanha,  &  ho  Ou- 
tiidor  ouue  tamanho  medo,  que  por  lhe  António  galuão 
não  mandar  prêder  ninguém  deixou  a  vara ,  nem  ho  Vi- 
gairo  queria  seruir  a  ygreja,  &  tão  bem  se  foy.  £  em- 
barcada esta  gente  com  lorge  mascarenhas,  &com  Fer« 
não  anrriqne^,  partirãose  pêra  Banda :  &  também  foy 
em  sua  conserua  hum  Gonçalo  Vaz  çarnache,  que  an- 
daua  darmada  no  Morro,  onde  tomou  por  força  a  leão 
Freyre  hQ  nauio  em  que  andaua  que  António  galuão  ti- 
nha pêra  mandar  aquele  anno  aa  índia  carregado  de 
Crauo ,  &  por  mays  requerimentos  que  mandou  fazer  a 


4tt  DA   HISTOSrA    1>A    IlfDf A 

GÕi^b  vaz  (  depois  que  foy  em  Talâgame )  que  tomas* 
se  o  crauo  nunca  quis,  &  foyse  com  o  nauio  vazio,  no 
que  el  rey  recebeo  muyio  grande  perda,  &  Gonçalo  vaz 
n&  ouue  por  isso  nhu  casligo,  pelo  que  em  Maluco  ca- 
da h&  fazia  ho  que  podia  sem  temor  de  Deos ,  nem  dei 
Rey,  nem  vergonha  do  mudo,  &  mais  por!|  sabiâo  {|  os 
não  podia  castigar  o  capitão  de  Maluco.  1^  vedo  aigus 
castelhanos  que  estauâ  na  fortaleza  ( &  esiauâ  pêra  se 
yr)  como  António  galuão  ficaua  só,  n^o  se  quisera  yr^ 
lembrados  da  muyta  borra  &  gasaihado,  &  outras  muy* 
tas  boas  obras  que  lhes  tinha  feytas ,  &  por  lhe  pagarS 
tudo  isto  quiserão  ficar :  Pois  os  Portugueses  a  quem  ti- 
nha feyto  o  mesmo,  lho  pagauã  tão  mal,  &  assi  lho  dis- 
seram &  ficaram  coele,  o  que  lhes  ele  agardeceo  muy- 
lo,  &  logo  esculheo  hu  deles,  que  auia  nome  Pêro  de 
ramos  {}  conhecia  por  bõ  home ,  &  escreueo  por  ele  a 
ei  Rey  de  Portugal  &  ao  gouernador  &  ao  vedor  da  fa<- 
zenda  o  que  lhe  fizerão  muy  miudamente,  mandandolhe 
os  estormêlos  que  dioso  tirara  &  os  autos  !\  fizera ,  & 
mandoulhe  que  desse  tudo  a  qualquer  capitão  que  achas- 
se em  Banda:  &  em  guarda  deste  Pêro  de  ramos  foy 
Gachil  rade  com  htla  armada  dei  rey  deTidore,  &  che- 
gado a  BSda  deu  tudo  a  Paulo  da  gama  que  hi  estaua 
por  capitão,  &  estando  hi  morrerão  lorge  Mascarenhas, 
&  Gonçalo  vaz  ç^nache  de  doença  que  lhes  sobreueo. 

C  A  P  I  T  V  L  O  CLXXXIIIÍ. 

Do  que  o  gouernador  fez  em  Diu  pêra  a  mnda  doe 

Turcos. 

Kj  Gouernador  que  ya  pêra  Diu,  como  disse  a  tras^ 
chegou  lá  na  entrada  de  Feuereiro ,  do  anno  de  mil  & 
quinhentos  &  trinta  &  oyto ,  &  sabendo  de  Coge  çofar 
como  tinha  por  certa  a  vinda  dos  Turcos,  &  que  vinhão 
com  grande  poder,  por  quanto  a  cerca  da  vila  dos  Rur 
mes  era  grade,  &  era  necessária  muyta  gente  pêra  a 


LIVRO   VIII.   CAPITVLO  CLXXXIIII.  423 

defender,  que  ele  não  linha,  pelo  que  os  Turcos  a  po« 
deriào  tomar,  acordou  com  conaelbo  de  a  derribar,  & 
que  fizesse  na  borda  dagoa  bu  baluarte  &  húa  casa  for- 
te pêra  apousenlamento  do  capitão  do  baluarte,  o  que 
logo  foy  começado,  &  tinhâo  as  paredes  de  vinte  pés 
de  largo ,  cuja  capitania  o  gouernador  deu  a  bQ  Fran- 
cisco pacheco  juyz  dalfandega  de  Diu,  &  dentro  na  for* 
taleza  foy  comec^ada  hfia  cisterna  de  vinte  palmos  dal* 
to^  &  tão  alta  que  cada  palmo  auia  de  leuar  duzentos  & 
cincoenta  toneis  dagoa :  1^  neste  tempo  quisera  o  go- 
ueriiador  reformar  as  Iregoas  que  Anionio  da  silueyra 
linha  assentadas  cÕ  Alucão  que  se  acabauão  énlão^  & 
Alucão  nâca  o  pos  em  obra ,  por  mais  recados  que  lhe 
lorão  sobrisso  :  £  o  gouernador  ainda. que  espera ua  {^e^ 
k>s  Turcos  ^  não  quis  ínuernar  em  Diu ,  &  fuyse  a  Goa^ 
deixando  a  António  da  silueyra  seys  cStos  bomès,  de 
que  os  quatrocentos  erão  mal  armados  ,  &  os  duzentos 
não  eram  pêra  pelejar,  &  antrestes  muyto  poucos  fidal- 
gos, &  leuou  toda  a  gente  consigo,  deixando  a  fortale- 
za em  tamanho  risco  &  de  guerra  com  Cambaya :  &  de 
Goa  despachou  a  Vasco  pirez  de  sampayo  pêra  yr  a 
Bengala  com  gente  em  ajuda  dei  rey,  &  foy  por  capitão 
Biór  de  eotie  velas,  de  que  foram  por  capitães  afora  ele, 
António  de  melo  !Í  agora  mora  em  Bucelas,  Frãcisco  de 
barros  de  payua,  JManuel  mascarenhas,  Cristouão  dou- 
ria,  Diogo  rabelo,  &  outros,  &  mandou  neata  frota  ho 
embayxadbr  dei  rey  de  Bengala  ,  &  Vasco  pirea  se  foy 
a  CochiiH  y  donde  parlio  em  Mayo  pêra  Bengala» 


434  DA   HISTOmiA    DA   ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXXV. 

De  como  Coge  çqfar  fugio  de  Diu» 

X depois  do  Gouernador  partir  de  Diu,  reformou  An* 
tonio  da  silueyra  as  lreg;oas  que  linha  com  Aiucáo,  & 
a  po8  ísao  chegou  a  Diu  h&a  carta  i\  Cof^^e  çofar  Unha 
mandada  aCaxem  a  saber  ainda  mais  certeza  da  passa* 
gem  dos  Turcos  á  índia,  {|  lhe  leuou  recado  muyto  cer-* 
to  que  auiáo  de  passar  com  grande  armada ,  de  que  ele 
folgou  muylo,  pori}  lhe  parecia  que  deitariáo  os  Portu* 
gueses  fora  da  índia,  que  era  cousa  que  muyto  deseja* 
ua,  por  lhes  ler  mortal,  odío,  posto  que  mostraua  ser 
seu  amigo:  E  logo  determinou  de  se  yr  pêra  çurrala 
secretamente  oom  toda  sua  casa  &  fazenda,  pelo  que 
encobrio  o  recado  que  tinha  a  António  da  silueyra,  ái^ 
zendo  que  lhe  parecia  vento  a  vinda  dos  Turcos,  por* 
que  et  rey  de  CaxS  &  algus  mercadores  de  A/leca  lhes-* 
creuerão  que  náo  auia  lá  tal  noua.  E  pêra  mais  dissi-* 
mulação  de  sua  yda ,  fez  (\  carrec:aua  hfla  nao  noua  ^ 
fizera  auia  pouco  pêra  a  mandar  aTenaçari,  Scem  quan- 
to  fazia  isto,  mafidou  suas  molheres  pêra  curral e  em 
companhia  das  de  hum  mouro  honrrado ,  que  por  lhe  o 
gouernador  tirar  a  xabandaria  de  Diu,  se  ya  morar  a 
çurrate  com  toda  sua  casa,  8(  por  isso  forão  as  molhe- 
res de  Coge  çofar  coele,  sem  ninguém  entender  que  se 
ySo,  por  os  mouros  terem  muytas.  E  mandadas  as  mo» 
Iheres,  carregou  hua  noyte  o  fato  na  nao  que  dizia  que 
mandaua  a  TenaçarT,  &  fazendo  que  deitaua  a  nao  fora 
da  barra  pêra  partir,  se  acolheo  aos  vinte  seys  Dabril 
de  mil  &  quínbSlos  &  trinta  &oyto:  De  cuja  supita 
yda  foy  grande  espanto  na  cidade,  esfiecíalmente  antre 
a  gSte  da  terra,  que  dizia  que  não  se  fora  Coge  çofar 
se  não  pêra  fazer  guerra  aos  Portugueses ,  &  assi  pare- 
ceo  a  António  da  silueyra,  que  sabendo  que  estaua  em 
çurrate  Ihescreueo  muytas  vezes,  que  se  sua  yda  fora 


por  agrauos,  que  lhos  declarasse  &  o  desagrauaria,  pe- 
dindolbe  inuyto  que  se  tornasse,  pêra  Diu ,  a  que  ele 
nunca  respondeo,  pelo  que  António  da  silueyra  se  re- 
ceou de  guerra.^  &  pos  grande  diligencia  em  se  acabar 
ho  baluarte  &  a  cisterna.  E  logo  iiQ  domingo  depois  da 
yda  de  Ooge  <^far  aconteceo  bQa  cousa  que  pareceo 
pronostico  das  guerras  que  mouros  &  Turcos  fízerfi  a* 
quele  anuo  á  fortaleza:  E  foy  que  os  moços  oatiuos  as^ 
si  Cbristãos  como  mouros  se  lizerSo  em  dous  bandos,  & 
por  modo  de  folgar  pelejarão  cd  paos  hús  contra  os  ou- 
tros, &  ficando  os  moços  Christâos  com  a  vitoria,  o  8in« 
tírào  tanto  os  moços  mouros  que  se  quiserão  vingar,  & 
pola  somana  tornarão  a  pelejar  de  verdade  j  leuâdo  hua 
&  outros  arteficios  de  fogo,  &  os  Christâos  leuauão  híia 
bandeyra  com  a  Cruz  de  Christo,  &  os  mouros  outra 
çom  a  ymagem  de  Mafamede,  &  sempre  os  Cbriatik)a 
leuauSo  a  vitoria,  &  por  se  fazerem  muyto  mal  hOs  aoa 
outros,  lhes  foy  defieso  que  nam  pelejassem.  E  nisto  a 
dezaseys  dias  deMayo  chegou  a  Diu  Fernão  de  moraea 
que  aquele  anno  partio  de  Portugal  ptir  capitão  de  hua 
nad  da  carga,  como  disse,  &  por  ele  escreuia  ei  rey  ao 
gouernador  a  certeza  da  passagS  dos  Turcos. á  índia,  & 
çslá  tinha  Antooio  da  silueyra  per  hfi  Tristão  gomes 
natural  de  cezimbra,  que  sendo  catiuo  deBarbaroxa  lhe 
fugío  &  foy  ter  a  Baçorá  &  depois  á  Índia,  de  quS  An- 
tónio da  silueyra  soube  a  certeza  da  passagem  dosTur- 
*  cos.  £  não  fiodendo  Fernílo  de  moraes  nauegar  na  sua 
nao  poia  costa  da  índia  por  ser  inuerno,  se  foy  em  hii. 
catur  caminho  de  Goa,  &  de  Chaul  não  |K>de  yr  no  ca- 
tur  &  se  foy  por  terra ,  &  leuou  as  cartas  ao  gouerna- 
dor, que  se  começou  a  faser  prestes  pêra  no  ^tembra 
seguinte  yr  a  Diu* 


c 


LIVRO   VIII.  HHH 


4S6  Ba  HítfTotfA  DÁ  mmA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXXVL 

De  tmnú  os  regedòre$  de  Cambaya  mundarâo  nroar  DiUé 

Kyoge  çofar  que  desejaua  muyto  de  tomar  a  forlaleza 
de  Diu )  por  saber  quflo  mai  prouida  eataua  de  g6ole& 
dagi>d,  foyse  a  Chãpaner  ondesiaua  a  mSy  do  ^Itão  ba-* 
áuF)  &  seu  neto  çdIíAo  mabmude  rey  de  Cambaya  mô* 
ço  pequéAó,  &  oÉ  ires  capitães  que  gouernauã  o  reyiio, 
&  deulhéâ  c5ia  da  dísíposiçSo  em  que  estaua  a  foriaieM 
de  Diu,  aflrmand»  que  nunca  auíão  de  ler  iâo  bom  (em* 
po  pêra  a  tomarem  eottío  aquele ,  &  eies  o  ac4>rdarão 
aisy,  &  logo  despacharão  a  Alucâo  pêra  faaer  guerra  a 
IMu  túm  cinco  mil  de  caualo  &  dea  mil  de  pé^  &  por* 
^neera  ^elho  foise  Coge  çofar  seu  companheiro,  que 
por  esta  honfra  que  lhe  foy  feyta  leuou  á  sua  custa  mil 
Turcos  de  caualo  &  ires  mit  Guzarates  de  pé ,  que  c4 
M  Dalucão  fàzião  dezaaotte  mil  bont^s,  com  que  parti* 
fSo  pêra  Diu,  do  que  logo  Akiionio  da  silueyra  tby  aui' 
Éad&9  que  o  disse  aoÉ  fidalgos  &  pessoas  {)rincipaes  Ç 
^taiiík)  coele,  &  rtiaudou  a  Francisco  pacheco  capitã 
do  baluarte  da  vila  dos  Rumes  que  dormisse  lá  cada 
i^yte ,  porque  estaua  acabado  &  entulhado  até  o  pri^ 
meiro  sobrado,  &  até  li  tinha  vinte  palmos  daltura^  & 
fbt&^  lá  ieuados  cilico  tiros  grossos,  bfl  lifto,  bâa  saloa-» 
ge  d^  ferro ,  &  hiStk  espera ,  &  dons  camelos  de  metal  ^ 
à  que  togo  ttimidbii  fafcer  ad  bombardeyras ,  &  mandou 
lartliçat  ao  iv^ar  o^  i^uio^  qu^  tínha  varados^  pet a  dèfón^ 
derem  cée>és  ò  tky.  E  andando  nesta  docupa^m  leuan- 
feus<é  kfki  Hoyte  fego^  na  fortaleza  em  caina  de  hfla  mio** 
Iher  solteira  Q  queymou  sessenta  morada«  da  casas ,  dei 
^  Coge  çofar  quando  ho  soube  tomou  bom  pronostico, 
oi  disse  á  sua  gente  Q  aquele  fogo  queymara  quantas 
munições  tinhão  os  Portugueses.  E  apressando  coesta 
noua  seu  caminho,  chegou  ele  &  Aiucão  á  quintaã  de 
M el)^  aos  vinte  quatro  de  lunho  onde  assentara  seu  ar- 


LIVRO  Tifl.   CAPJTTLO  CLZXXTII.  4S7 

rAyal,  &  (olherSo  logo  os  mantiiBetiloB  I)  yflo  da  tem 
firme  á  cidade ,  em  cujos  moradores  íby  tamanho  o  me«- 
^o  que  logo  começarão  de  fttgir.  E  sabendo  Coge  çofar 
destes  qua  as  bombardeyoas  do  baluarte  da  vila  dos  Ru«- 
mes  olo  erio  acabadas ,  &  os  lifos  nâo  podião  }ugar 
/oyfao  saltear  hOa  quarta  feyra  antejnanfaai  vinte  seys 
de  lunho,  leuando  os  quatro  mil  homfis  de  sua  oapita^ 
«ia ,  &  chegou  tam  do  supito  que  subio  soa  gente  ad 
muro  que  ainda  não  era  derribado  ^  &  matarão  aigfis 
Portugueses  dos  que  vigiauXo^  &  aos  brados  destes  a^ 
eordaráo  os  officíaes  da  alfandega  &  outros  Portugueses^ 
que  fx>r  todos  furão  vinte,  Sc  com  pressa  se  acolherão 
em  camisa  ao  baluarte ,  &  dali  se  defendera  com  as  es* 
pingardas  tão  «esforçadamente  que  os  não  poderão  enr 
trar,  princípakneoie  porque  aeodio  logo  António  da  sil'* 
ueyra  &  fez  afastar  os  imigos,  &  Coge  ^far  fojr  ferido 
de  hQa  espingardada  por  bOa  «Io  j  Ic  por  isso  se  U)r^ 
aou  pêra  a  quintaá  de  JMeiique  eade  se  ashou  muyto 
mal  da  ferida. 

C  A  P  I  T  V  L  O  CLXXXVII. 

De  como  AnUmio  da  siluep^a  poi  gomrd/as  tios  pasios 

da  ilha. 

JAI  este  tempo  a«ia  em  Diu  muytoa  mouros  brancos  do 
estreito  todos  homfis  de  guerra^  que  el  rey  deCambaya 
antes  de  morrer  mandara  chamar  a  soldo  pêra  o  ajuda«> 
rem  contra  os  Portugueses^  te  estes  chegarão  aqueie 
Abril  passado  em  habito  de  mercadores  pêra  nam  se- 
rem conhecidos ,  &  leuauã  suas  armas  secretas ,  &  a- 
gassalhauãose  cft  os  outros  mercadores  onde  tinhão  es- 
condidas as  armas.  E  vendo  estes  a  guerra  que  Coge 
<^far  fazia  aos  Portugueses,  creceolbes  o  desejo  de  o 
ajudarem ,  &  descobri ndose  por  lascaria  começarão  de 
prouocar  a  gSte  da  cidade  ^  se  leuantasse  contra  os  Por- 
tugueses, &  hus  por  hú  cabo  outros  pelo  outro  faziáo 

HHU   2 


4S8  '    DA   HI8T01IIA   BA   HIBIA 

grandes  ajunlamentofli  nas  ruas  &  nas  praças,  ao  {)  logo 
acodio  António  da  sihieyra  acdpanhado  da  meibor  gele 
da  fortaleaa  toda  armada ,  &  dado  de  suptlo  nos  mouros 
prfideo  muytos  destes,  &  boscando  as  casas  dos  merca- 
dores tomou  quantas  armas  achou  cÕ  que  os  iascaris  fi- 
carão desarmados.  Isto  feylo ,  porque  a  cidade  nSo  ti- 
nha agoa  se  não  a  da  jlha,  pos  goardas  nos  passos  que 
auia  dela  pêra  a  terra  íirme ,  &  em  dous  baluartes  que 
estauão  em  dous  deles  pos  por  capitães  Gonçalo  falcãa 
filho  de  loâo  falcã,  &  Luys  rodriguez  de  carualho,  & 
em  outro  passo  que  auia  nome  Palari ,  Lopo  de  sousa 
Coutinho  deSantarS  em  hfia  galeota  com  vinte  cinco  es- 
pingardeiros ,  &  outros  tantos  em  hDa  barcaija  &  duas 
fustas,  &  o  passo  da  ponta  da  jlha  goardauão  António 
da  veiga  feytor ,  &  Francisco  anrriquez  tesoureyro  dal- 
fandega,  &  Francisco  foreyro,  &  lorge  barbosa  de  Coim- 
bra escriuães ,  &  Francisco  de  gouuea  capitão  mór  do 
mar  de  Diu,  &  Miguel  vaz,  Panlaliâo  pereyra.  andaufio 
de  sobresalente  em  três  catures  correndo  os  passos  de 
Boyte  &  de  dia :  E  em  quanto  duraua  a  ferida  de  Coge 
çofar  Q  os  mouros  não  dauão  rebates,  £ez  António  da 
silueyra  acabar  o  baluarte  da  vila  dos  Rumes,  que  £• 
eou  daltura  de  quorSta  palmos,  &  assi  a  casa  de  junto 
coele ,  pêra  que  mandou  logo  Francisco  pacheco  cõ  se- 
tenta homSs ,  porem  não  se  pode  fazer  caua  a  este  b»- 
hiarte  que  foy  causa  de  se  tomar  depois,  &  tãbem  foy 
acabada  a  cisterna  da  fortaleza,  &  assi  como  a  yão  aca- 
bando, a  enchiSo  dagoa,  &  leuou  cinco  mil  toneis,,  com 
^ue  a  fortaleza  ficou  bê  abastada  dagoa. 


LIVRO   TUI.   CAPITVLO   CLXXXVIII.  428 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXXVIII. 

De  como  António  da  silueyra  deixou  a  ilha  ^  ^  se  reco- 

Iheo  na  cidade. 

JLrepois  que  Coge  çofar  foy  sam  da  sua  ferida,  logo 
ele  &  ÂlucSo  assentarão  seu  arrayal  na  terra  Srine  ao 
derredor  da  jiha ,  &  fizerão  suas  estancias  darteiharia 
defronte  dos  passos  da  jiha ,  Coge  çufar  defronte  do  de 
'Palart,  &  Alucão  dos  outros,  &  de  dia  &  de  noyte  nun- 
ca a  arlelharia  esiaua  queda  sem  tirar,  pêra  que  defen- 
-dessem  a  passagem  a  algils  catures  que  leuauâo  manii- 
mentos  &  rouniijões  aos  passos:  ECoge  çofar  que  dese- 
jaua  muyto  de  tomar  o  passo  de  Palari,  melhorou  hua 
Doyte  sua  estancia  em  a  chegar  mais  pêra  o  passo,  por- 
que bem  sabia  que  não  auia  de  poder  de  dia ,  &  pêra 
se  acabar  logo  em  hua  noyte  mãdoua  fazer  de  cestos  de 
campo  eheos  de  terra,  &  andando  nesta  obra  quinh6(o8 
Turcos  dos  da  sua  capitania,  acertou  de  passar  p(^lo  rio 
IMiguel  vaz  no  seu  catur ,  &  enxergando  em  terra  a  so- 
ma que  fazião  algQs  cestos  que  estauão  assentados,  & 
sem  poder  desenferençar  o  que  era,  deulhe  híía  <;urria*- 
da  despingardadas  de  ^  se  os  Turcos  empararão  com  os 
cestos,  &  não  bolirão  consigo  por  não  serem  sentidos ^ 
receando  que  os  estoruassem  da  obra  (|  fazião.  Lopo  de 
Sousa  que  ouuio  as  espingardadas  acodio  logo  na  sua  ga- 
leota,  &  mandou  tirar  àquela  soma  que  parecia  com  hft 
camelo,  cujo  pelouro  dando  nos  cestos  os  esborralbou  to- 
dos, &  matou  algQs  Turcos:  E  vendo  Lopo  de  sousa  {| 
com  aquele  tiro  desapareceo  a  soma  que  via  mandou  ti^ 
rar  mais,  &  os  Turcos  lhe  tirarão  tãobem  r  porem  como 
Lopo  de  sousa  era  esforçado  nâo  quis  estar  naquilo,  & 
saltou  em  terra  com  JMiguel  vaz  cõ  todos  os  de  sua  com- 
panhia, &  dera  nos  Turcos  com  tamanho  Ímpeto  que  os 
iizerão  fugir  ficando  algQs  mortos,  o  que  pareceo  ao  ou- 
tro dia  no  mujto  sangue  que  ali  foy  achado  &lFÍpasdo- 


430  BA   HISTORIA    BA    IKBIA 

mSs,  que  os  corpos  leuarão.os  viuos  por  nSo  saberem  os 
Portugueses  o  dano  que  Ibes  fizerão,  &  MigUf^l  vaz  fojr 
ferido  de  hQa  espingardada  em  bd  pé.  E  com  tudo  isto 
como  os  mouros  erâo  tantos  como  disse  nào  ibes  pode- 
rSo  os  Portugueses  loiber  que  aáo  melht)rasem  suas  es- 
tancias &  9S  posessem  a  menos  de  cem  passos  do  rto^ 
com  que  impedirá  aos  Portugueses  que  não  nauegasseni 
por  ele,  por(|   tudo  quâto  passaua  de  dia  &  de  noyt« 
pescauam  com  a  artelharia,  matando  &  ferindo  os  Por^ 
tugueses,  &  por  isso,  &  por  António  da  silueira  ver 
claramente  que  não  podia  defender  a  jlha  com  quJo 
pouca  gente  tinha ,  &  tâobem  por  ter  a  cisterna  cheii 
dagoa,  &  DÍo  ter  necessidade  da  que  auia  na  jiba,  de^« 
terminou  com  consdho,  de  a  alargar  aos  tnouros,  o  qvm 
fez  aos  mme  Dagosto:  E  per  Payo  n»drigiiiez  daranjo 
mandou  dizer  de  noyte  aos  capitães  que  esta4iâ  nos  pa^ 
SOS  que  se  recolhessem  á  cidade ,  no  qu^  foy  grande 
desmancho  &  desordem  ,  porque  afora  £sizer  «grande  vfi* 
lo  &  marulhada  no  rio^  com  que  o  oauegar  por  ele  era 
muyto  perigoso.  Em  António  da  veiga  feyior  ouuindo 
o  recado» Aantoaio  da  silueyra  nio  se  quis  mais  deter ^ 
&  deixado  sua  capitania  se  acoiheo  por  terra  od  mede 
4las  bõbardadas  l\  Ibe  os  «ouros  anil  de  tirar  se  fossa 
f)or  agoa  ^  &  os  outros  ^  forão  Frãoisco  aarriqiiez ,  lor^ 
^e  Barbosa,  Frâcisco  foreyro,  Miguel  Vai,  &  Panta» 
Jião  Pereyra  se  furão  por  mar  aos  ca  lures  &  em  duu 
-l^aleotas,  Sc  foy  tamanho  o  medo  nos  eomitres  delas  das 
bombardadas  que  tirauft  os  mouros  passando  por  diante 
-de  hfia  estancia,  que  derio  coelas  em  seco  iodo  os  ca*- 
turtãs  diante,  que  por  -isso  nâo  sentirão  o  que  acÕtet^ra 
Ás  galeotas,  cujos  rendeiros  &  g€íe  darmas  vendo  qua 
estauâo  «m  seco  fugirão  k)go  coro  medo  de  os  tomarem 
os  .mouros^  &.  deixarão  sós  os  <sapitães ,  por  cujos  rogos 
«unca  quiserâa  tornar :  j&  vftdo  eies  que  sós  nio  podiãa 
salaar  as  galeotas,  &  que  se  perderiao  es|ierafido  maist,. 
-poserSolhes  o  fogo  <&  forãose  por  terra :  &  os  mouros 
<|ua  as  furão  arder  aoodiri  iogsa  a  mr  <>  ^  icta^  Sl  acba»> 


LIVRO   VIII.    GAPITVLO   CLXXXVIJI.  431 

doas  ÊÓSj  a|)agarâo  o  fogo  &  recolherão  as  bõbardas  que 
tinbão  &  outras  armas,  &  o  mesmo  aconleceo  aGonça-» 
]o  falcão  que  ya  em  b&a  barcaça  com  a  gente  &  arte- 
Iharia  ()  tinha  no  baluarte  de  que  era  capitão,  &aLuy8 
rodriguez  de  carualfao  que  ya  em  hfla  fusta,  que  nunca 
a  sua  gente  quis  esperar  &  toda  fugio,  &  deixarão  a 
artelbaría  &  outras  armas  aos  mouros,  que  sem  peleja- 
rem, &  ás  escuras,  ouuerfto  em  bfla  noyte  o  que  não 
poderão  auer  em  muytos  dias  pelejando  conlinoamente : 
£  fazendosé  tãobê  a  vela  Lopo  de  sousa  Coutinho  pêra 
se  yr  na  sua  galeota,  o  grande  vento  que  fazia  &  a  ma- 
ré que  vaaaua  lha  deitarão  da  banda  da  terra  firme,  on^ 
de  ficou  em  seco  hil  tiro  de  pedra  da  madre  do  rio ,  & 
sentindo  que  daua  em  seco,  alargou  o  batel  pelo  rio  a* 
baixo ,  porque  se  receou  que  os  seus  fugissem  nele ,  & 
sem  ele  bem  sabia  que  não  se  podião  yr  por  o  rio  ser 
ali  de  mais  largura  que  em  outra  parte,  £  em  amanhe- 
cendo que  os  mouros  o  virão  tão  perto  de  terra  &  tão 
longe  dagoa.,  pareceolbes  que  o  poderião  tomar,  &  re- 
meterão á  galeota  trezentos,  deles  Turcos,  Abexis,  & 
Arábios,  dando  grades  gritas,  &  em  o||»a|mKlklo  reba- 
ta Lopo  de  sousa  o  seu  guião,  ficado  a  lança  no  meo 
da  galeota,  &  disse  c6  o  rosto  ledo:  Ainda  que  por  ml 
queira  passar  algfia  couardia ,  sam  estes  senhores  ^  es« 
tão  em  minha  comi^aobia  tão  ? alentes  caualeyros  que 
mo  não  consentirão ,  a  que  logo  bus  remeterão  ás  es* 
pingardadas,  &  os  que  as  não  tinbfto  aos  berços  &  fal- 
cões da  galeota,  &  poendolbes  o  fogo  tendohos  aos  hom- 
bros  desparfto  nos  imigos,  &  juntamente  coeles  a  arle- 
Iharia  grossa ,  cujos  pelouros  hús  leuauão  em  migalhas, 
outros  em  pedaços,  &  outros  deyxauão  feytos  dous  de 
cada  hã ,  &  coesta  esborralfaada  se  escarmentará  os  i* 
mtgoB  de  maneira  ^  fugirft,  &  anles  que  tornassem  ou- 
tra vez  tomarão  Lopo  de  sousa  &  os  seos  a  galeota  nos 
braços ,  &  ora  neles ,  ora  a  empuxões  com  trabalho  !- 
menso  derão  coela  no  pego^  &  escapando  de  (amanho 
perigo  com  ajuda  die  nosso  Senhor  se  forão  pêra  a  cí« 


432  DA   HISTORIA   BA   INBIA 

tUde,  eacontrando  dous  calures  que  yâo  em  seu  so* 
corro. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CLXXXIX, 

De  como  António  da  sUueyra  se  recolheo  aa  fortaleza. 

JL  erdida  a  arlelharia  que  eslaua  nos  passos  com  que 
Aoíunio  da  silueira  eaperaua  de  defender  a  cidade,  fuj 
por  iudos  acordado  que  a  não  podia  defender  sem  tirar 
arteiharia  da  fortaleza,  o^  era  perigoso, 'porque  nSo 
aabiào  o  que  sucederia,  &  por  isso  &  (K>r  nào  ler  genla 
pêra  defender  tamanha  cerca  como  tinha  a  cidade,  a* 
eordouse  em  conselho  ()  a  deixasse  &  se  recolhesse  na 
fortaleza  {|  era  o  mais  seguro.  E  porque  já  os  mouros 
erã  entrados  na  jlha  &  andauào  á  vista  da  cidade,  &  os 
que  eslaua  nela  lhes  faziio  sinaes  cora  bâdeiras,  sayo 
António  da  siiueyra  com  cem  Portugui^ses  pola  cidade 
&  enforcou  &  alâceou  muytos  mouros  priaci|ialniSte  os 
que  via  eom  armas,  &  prendeo  quatro  mercadores  prio- 
eipaes,  porque  se  se  visse  em  algiia  oecesiiidade  se  te* 
jnedeasséi  4Miiriw  9  &  quasi  noyte  se  recoltieo  á  funaleza 
aos  dez  Dagoslo,  &  ao  outro  dia  começarão  os  mouros 
que  já  eslauSo  na  cidade  de  roubar  alguas  casas  junto 
da  fortaleza  em  que  auia  muy(a  fazenda  &maulimento8 
que  os  Porlugueses  cò  pressa  nâ  poderão  recolher  na 
fortaleza,  &  por  rogo  dalgus,  que  vSdo  roubar  o  seu, 
quiserão  sayr  aos  mouros  mandou  António  dn  siiueyra 
coeles  bCl  tidalgo  chamado  Gaspar  de  sousa  ^  deu  coe- 
|ps  nos  mouros  que  fízerSo  fugir,  ficando  algCis  mortos, 
&  dos  Portugueses  foy  morto  hQ,  &  outros  forâo  feri- 
dos^ &  cotn  tudo  tornarão  pêra  a  fortaleza  carregados 
de  mantimentos,  &  dali  por  diante  ordenou  António  da 
siiueyra  Q  os  fossem  tomar  cada  dia ,  &  fossem  em  sua 
goarda  cincoêta  &  quatro  homês,  &  assi  lenha  &  agoa 
dQs  poços  que  estauão  juntos  da  fortaleza:  &  por  fazer 
hÕrra  a  Lopo  de  sousa  coutinhoo  fez  capitão  desta  goar* 
da ,  cõ  que  cada  dia  ya  á  cidade  por  mantimentos  ^  le- 


LIVRO  VIIT.   CAFITVLO  CLXXXIX.  488 

Aha,  &  agoa^  &  auia  recontro  com  os  mouros ,  de  que 
^eaipre  morrião  algOs.  £  nesle  tempp  fazia  Goge  ijcifar 
bater  ho  nosso  baluarte  da  vila  dos  Rumes «  com  húa 
^stScia  dartelbaria  que  mâdou  assentar  no  cays  daifan- 
dega  de  que  tâbem  varejaua  o  mar  por  amor  dalgiis  ca* 
tures  que  da  fortaleza  leuauâo  mantimentos  ao  baiuar* 
te :  &  porem  não  fazião  nhu  nojo,  nem  a  artdbaria  que 
batia  ho  baluarte »  nem  tão  pouco  ho  fazia  Alucão  que 
pousaua  nas  cayas  da  mãy  do  çoltão  badur,  &  sua  gente 
estaua  pola  cidade,  a  que  cada  dia  saya  Lopo  de  sousa 
sem   medo  dos  mouros.  £  fau  dia  véspera  da  assunção 
de  nossa  Senhora,  sayndo  á  cidade  matou  algQs  Turcos 
de  Coge  çofar  que  achou  desmandados ,  &  outros  fugi- 
rão^&  o  forão  dizer  a  Coge  çofar,  que  mandou  logo  qui- 
nhStos  homSs  escolhidos  em  busca  de  Lopo  de  sousa  ^ 
que  estaua  no  mais  que  cõ  quatorze  na  boca  de  hiHaruai 
&  os  outros  tinha  poslos  nas  bocaa  doutras,  &  dando  os 
mouros  coele  determinou  de  pelejar  coeles,  &  logo  qui- 
sera começar,  &  por  cõselho  dO  Simâ  furtado  bom  cat 
uaieiro  deixou  bem  encher  a  rua,  por()  quanto  os  !mi<- 
gos  mais  se  apinhoassem  menos  se  auiS»éijfedfÉr  das  ar* 
.  mas.  E  os  mouros  se  ajfltarão  tantos  que  nã  podião  pe^ 
lejar  mais  que  os  dianteiros:  £  logo  Lopo  de  sousa  deu 
neles  com  os  seus,  &  pelejarão  tão  esforçadamente  \  ma- 
tarâo  todos  os  mouros  que  estauão  na  dianteira  &  os  (| 
estauão  logo  detrás  destes,  &  os  outros  fogírâo  fícando 
mortos  trinta,  &  dos  Portugueses  nhu,  &  Lopo  de  sou- 
sa foy  ferido  em  hQa  perna,  &  outro  homS  em  outra,  & 
a  hu  seu  page  foy  quebrado  hum  olho.  E  em  quanto 
Lopo  de  sousa  jouue  ferido,  forão  capitães  da  goarda 
Gonçalo  falcão,  &  Gaspar  de  sousa,  que  catiuarão  hil 
mouro  honrrado,  de  que  soube  António  da  silueyra  que 
no  arrayal  Dalucão  se  dissera  que  a  Mangalor  chegara 
hQa  nao  de  mouros,  que  dizia  Q  em  Adem  ficaua  b&a 
grossa  armada  de  Turcos,  &  porem,  que  não  se.  tinha 
por  certo ,  &  cõ  tudo  como  ho  mar  deu  jazigo,  mandou 
António  da  síkieyra  Miguel  vaz  Q  fosse  a  Mangalor,  & 

LIVRO  VIII,  iii 


434  HA   mSTOStA   DA   ÍNDIA 

fiflsBasse  h  vante  pêra  saber  noua  da  armada  doa  Tiin» 
tos.  B  de|)OÍti  ^  Lopo  de  sousà  tornou  a  dar  goarda  ab- 
obou hft  dia  rosalgar  nos  poçoa ,  &  por  isso  não  quis 
António  da  silueyra  que  saíssem  roais  fora,  &recolheo>* 
se  de  todo  na  fortaleza ,  de  que  sempre  do  baluarte  & 
da  vHa  dos  Rumes  tirauão  muytos  líros  pefdidos  aos 
Mouros,  em  !\  Aizifto  rouyto  dãoo.  E  António  da  silueyra 
Mcreueo  ao  governador  per  mar  como  estaua ,  pedindo- 
ihe  socorro,  &  ele  ibo  mandou  logo  (comq  direi  a  diante.) 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXC. 

De  cõmò  ka  embàixaáor  dei  rey  de  Cãbaya  chegêu  m 
CoetantiMpla  ^  ^  ifeli  a  embaixada  ao  Tntxo. 

jTjLtras  fica  díto^  que  çafercão  eapitlo  dei  rey  deCaiu«» 
baja  que  ele  midaua  por  embaixador  ao  Turco  a  pedira 
lhe  socorro ,  pariio  de  Diu  na  enlrade  de  Setembro  do 
anno  de  Inil  &  quinhentos  &  trinta  &  seys ,  &  proee^ 
guindo  por  sua  ifiagê  foy  ter  a  ludá  onde  deixou  sua 
frota  h  o  presente  que  leuaua  aoTuroo^  se  loy  por  ter- 
ra ao  Cayro^  &  dahi  polo  Nilo  abaixo  ate  Roxale  M 
lugar  na  fos  do  Niloeessenta  milhas  Dalexadria:  £  che- 
gado lá  deu  a  e«vil>âixada  &  cartas  ^  leuaua  ao  Turco  ^, 
que  ihe  refepondeo  k^o  qtte-  por  aquele  anne  nao  podia 
dar  a  el  rey  de  Cá«i)baya  a  gente  que  kie  pedia ,  por 
tiUBfito  estaua  de^amftvbo  pêra  a  cidade  defielona,  com 
eeterMrinaiçSo  éentrai*  por  ali  em  ifatia,  maudandolha 
^«e  lestM^yesse  assi  ò  ptiesetrte  1|  lhe  leuaua  ale  aua  tor^ 
liada ,  &  então  ntãdam  -a  «el  rey  de  Cambaya  a  geMe 
i()ue  fiedia.  £  «ornado  o  T^rco  de  Belona  wem  fazer  na* 
da^  feylhe  o  outro  levhbáixador  dei  rey  de  Cambaya  que 
disse  <que  lhe  mandara  com  determinaiçSo  de  destruyr 
os  Portugueses  que  afydauâo  na  índia,  p<>r  se  arrepSder 
de  tér  dada  a  Ibriateza  S  Diu.  £  este  aperío«  cõ  oTdr- 
CO  que  mandasse  a  el  rey  de  Cambaya  o  socorro  que  lhe 
«lidara  pedir.  B  depoia  4a  chegada  deste ,  chegou  o«- 


Livfto  vrif.  CAFim.0  ckc.  4Sft 

tro  de  MírSomuhmahlá  que  inandaua  pedir  o  80corro*c5 
grande  efficacía  porá  ae  vingar  dos  Poriuguesefi  que  ti- 
iihão  morto  a  el  rey  de  Câbaya ,  &  lhe  queriSo  tomar  o 
rejno.  B  oom  a  vinda  deste  derradeiro  embaixador^  der 
terminando  o  Turco  de  dar  o  ^ocorro  qua  Jhe  pediáo , 
escreueo  a  çoleymão  baxá  Rey  do  Oajrro,  AJefandriai 
Roxate,  Damasco,  Meada,  ate  ludá,  que  lhe  niãdMSi^ 
leuar  aCostãttflopia  o  dinheiro  k,  presente  que  ike  man- 
dara el  rey  de  Cambaya ,  &  as  sele  velas  eon  que  fpra 
fessero  ieuadas  a  çuez,  &6eriSo  varadas  Gom  outf^sqoe 
fai  estaulo ,  o  que  çoletmAo  (ez  Jogo  &  madou  o  dinhei^ 
ro  &  presente  per   hQ  capf tfl  chamado  Hamed  rex ,  & 
por  mádado  do  Turco  foy  eno  aua  companhia  lorge  o 
arrenegado.  iS  vendo  ho  Turco  tanta  riquexa  mandada 
assi  tfto  leuemSte  por  hii  rey  que  moraua  tio  bnge^  pa« 
refeolhe  (}  a  riqueaadaqueia  terra  deuia  de  ser  sens 
conto,  pelo  que  desejou  de  poder  c6quistar  Cambaya& 
o  resto  da  índia,  &  por  isso  se  enfprmou  de  lorge  o  ar<« 
renegado,  assi  dá  riqueza  de  Cambaya  &  dosouiroii 
reynos ,  &  do  poder  de  seus  reys ,  &  4o  dos  Poríogoe* 
ses,  que  o  enformou  muyto  targameotp  de  tudo  íaatSdo^ 
lhe  muy  pouca  cousa  o  pòdcfr  4el  rey  de  Portagual  na 
índia,  &  ^  com  qnatquer  armada  podaria  iam^r  os  Por* 
togueses   fora  da  índia ,  &  tomfirlfae  ho  j[  tiohAo  (oaiarr 
do.  E  nisto  chegou  a  Costfitioopla  a  principal  melker  i| 
Ibra  d#l  rey  de  Cambaya  c6  muyt^o  diobeyro&i  pedraria^ 
&  contou  ao  Turco  a  tporte  de  sen  marido,  pedindoibe 
que  mfidasse  hfia  armada  áfndia  pêra  I jk;ar  os  PortugtH»* 
aee  fona.  E  nesta  conjunta  chegou  a Çõstãtinopla  ò  eni4 
baixador  dei  rey  4e  Xael,  ^  lhe  «leuaua  de  preaente  de-i 
coyte  Portogneses  que  catiuara  ao  seu  porto  coni  euiree 
(como  disse  a  trás. )  E  antreles  ya  hil  AiiMdPo  madegura 
que  presumia  de  piloto ,  de  qne  tãobA  o  Turco  se  eafer* 
mon  das  cousas  da  índia,  &do  poder  dei  Rey  de  Porl-ugual 
nela^  &  achou  que  cAformaua  com  e  que  lerge  lhe  tinha 
dito,  8c<ifiVeceoselhe  pêra  yr  «a  armada  se  a  mandasse  á 
Índia,  porque  sabia  muyto  tiem  o  caminho,  fc  es  pórlM^ 
&  barras  dela.  m  2 


43$  DA   HISTOKfA    BA    ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  o    CXCI. 

... 

De  como  ho  Turco  deu  a  capitania  moor  da  €irmada  que 
mâdaua  aa  índia  a  çokytnâo  baxaa  rey  do  Cayro ,  ^ 
do  regimento  que  lhe  deu» 

V^oettas  enformaqões  &  outras  muitas  que  o  Turco  te- 
ue,  delerminou  de  màdar  bua  armada  á  lodia,  pêra  ver 
se  a  podia  tomar  aos  Portugueses,  &  os  naMÍos  pêra  es«» 
ta  armada  estauâo  em  çuez,  que  lhos  roâdara  fazer  Ha*- 
brahem  baxá  muyto  grande  seu  priuado  perayreom)uis*> 
tar  a  índia ,  onde  não  foy  por  o  Turco  o  matar  quaods 
soube  ^  queria  dar  Costantinopia  ao  £mp«^rador.  £  de* 
terminando  o  Turco  de  mâdar  esta  armada  á  índia,  deu 
a  capitania  mór  dela  a  çoteimão  baxá  rey  do  Cayro,  que 
sabendo  como  a  armada  auia  dyr,  pedio  a  capitania 
mór  dela  ao  Turco ,  cujo  ])orteiro  da  camará  fora ,  & 
prhneyro  de  seu  pay,  a  quem  sendo  Christâo  &  natural 
da  Murea,  fora  dado  de  tribato  em  mo^o,  &  o  Turc« 
o  mandou  capar  pêra  ser  seu  porteyro  da  camará  &  a»* 
dar  antre  as  suas  molberes :  &  a  causa  de  aleâçar  ta* 
manbo  senhorio  foy,  porque  reynando  ho  mesmo  Tureo 
que  então  reynaua  (a  quê  como  digo  seruira  de  portei- 
ro da  camará )  se  lhe  leuâtou  Hamedbaxá  rey  de  Cayro, 
Alexandria,  Roxate,  Damasco,  Meada,  ate  ludá^  a 
que  o  Turco  deu  este  senhorio,  porque  no  cerco  de.Ro- 
ães  inuêtou  as  albarradas  com  que  foy  tomado  &  fez  a 
fortaleza  de  madeyra  em  que  o  Turco  pousou  em  quan^ 
(o  durou  o  cerco :  E  leuantado  este  Hamed  bsxá ,  foy 
Diorto  por  Camusay  mouro  Arábio  natural  de  Lepo,  & 
tesoureiro  mór  do  Cayro ,  que  primeiro  que  o  matasse 
escreueo  seu  leuaQtameoto^  &  que  determinaua  de  o 
matar,  &  morto ^  mandou  a  cabe<;a  ao  Turco  com  as 
cartas  d^  como  o  matada»  £  niSdado  es  te.  recado,  ya  já 
por  caminho  çoieimão  faiaxá  j  que  o  Turco  mâdaua  com 
bfia  armada  de  doze  velas  em  fauer  de  Camusay  :  £  a- 


LITRO  YUI.    CAPITVLO   CXCI.  417 

chando ^leimão  o  seu  recado  que  mandaua  ao  Turco, 
tomou  as  cartas  &  rõpeas ,  &  com  a  cabeça  de  Hamed 
bãxá  se  tornou  a  Coslãtinopla ,  &  disse  ao  Turco  Q  ele 
matara  Hamed  baxá ,  pelo  qual  lhe  deu  o  senhorio  que 
tinha  Hamed  baxá ,  &  daqui  ficou  grade  !mizade  antre 
Camusay  &  çoleimão,  que  com  quanto  era  tamanho  se- 
nhor &  de  ydade  de  setenta  annos,  &  tâ  gordo  que  de- 
pois que  se  assentaua  nâ  se  podia  leuanlar,  &  deus  ho- 
mês  o  leuantauâo,  &  tinha  tamanha  papada  Q  lhe  caya 
•sobre  os  peytus,  era  tão  cobiçoso  de  gloria  &  de  dinhei- 
ro, que  por  alcãçar  tamanha  como  seria  tomar  a  Índia 
aos  Portugueses,  &  ser  senhor  dos  muytos  &  grandes 
-tesouros  que  Já  auia,  pedio  esta  empresa  ao  Turco,  com 
condição  í\  pagaria  á  sua  cusla  a  genle  da  armada.  E 
sendolbe  cõcedido  pelo  Turco,  fugio  Aluaro  madeyra  o 
|)iloto  de  Gostãtinopla  &  deu  consigo  em  Portugal,  & 
contou  a  el  rey  a  passagem  desta  armada  á  índia,  pelo 
<\ue  o  el  rey  soube  primeiro  que  ela  lá  fosse.  E  tSdo  ço* 
leimão  baxá  prestes  as  cousas  de  sua  armada,  se  partio 
•de  çuez  na  entrada  de  lul^ho  de  lãas.  annos  com  hilia 
frota  de  setenta  &  quatro  velas»  s.  quinze  galés  bastar- 
das de  trinta  &  três  bãcos  cada  hiia,  vinte  cinco  galés 
reays  de  trinta  bancos,  dez  galés  sotis,  quatro  albeto- 
ças,  a  que  eles  chamâo  maonas  cõ  sua  apelaçã,  seys 
galeões  de  duas  gaueas ,  &  outros  quatro  nauios  mais 

J)equenos ,  que  fazião  por  todos  sessenta  &  quatro  ve- 
as,  fornidas  todas  de  muyta  &  boa  artelharia  de  me- 
tal, &  de  seys  mil  &  quinhentos  homSs  de  guerra,  s. 
mil  &  quinhêtos  laniceros,  &  dous  mil  Turcos  todos  es- 
colhidos &  gente  limpa  que  lhe  forão  de  Costantinopla, 
&  três  mil  bomSs  outros,  ^  por  serem  vsados  no  mar 
auiâ  de  seruir  dofficiaes  dos  nauios,  &  de  soldados  qoan^ 
do  fosse  necessário,  &  sete  mil  homSs  forçados  pêra 
remeyros,  a  que  tomou  as  armas.  £  porque  algfls  se 
lhe  querião  amotinar  mandou  degolar  duzentos,  &  a  fo- 
ra isso  fez  outras  muyto  grandes  cruezas  &  tiranias  pê- 
ra auer  dinheiro  cojn  que  auia  de  pagar  á  genle.  E  le- 


4t8  DA   HltTOEfA   DA   IlfDIA 

uaua  nesta  armada  cinco  capitSet  prtcipaet.  t.  Ineefha^ 
met  capita  roór  do  mar  Dalexandria,  a  qae  çoleimSa 
deu  a  capitania  mór  daquela  armada ,  deixado  pêra  bj 
a  jardÍ4^,  00  outroa  forão  Mastafaa^  da  casta  dosMa^ 
melucos,  que  çoleimão  pos  em  lugar  deCamnsay  tesou*- 
reyro  mór  do  Cayro,  que  ya  tâobem  por  capilâo,  &<20* 
leimfo  o  matou  por  se  temer  dele,  que  erão  imigos,  co- 
mo ja  disse 9  os  outros  (res  capitáM  auite  nome,  Ha* 
brahembeque  lanicero,  &  outro  HabrahSbeque  da  casta 
dos  Mamelucos,  &  Mabmuhdebeque,  &  o  regimento  do 
Turco  que  leuaua  foy  este :  Que  fosse  tomar  a  costa  da 
enseada  de  Canihaya  ou  MSgabr,  &  bi  fisesse  agoada^ 
&  n<1o  pelejasse  com  ninguém  se  nSo  c5  a  própria  arma^ 
da  do  gooemador  da  Índia  por  ei  rey  de  Portugual,  porw 
que  nSo  enfraquecesse  ou  díminuisse  sua  armada,  &  se 
o  gouernador  nflô  quisesse  pelejar  coele  no  mar,  se  fo^ 
se  á  cidade  de  Goa  &  Ibe  posesse  cerco  &  tomada  se 
fixesse  nela  forte,  por^  Ic^  lhe  mandaria  socorro  pêra 
se  defender  dos  Portugueses :  E  se  em  Mangalor  mn^ 
besse  que  nio  podia  pelejar  com  a  armada  do  gouern»» 
dor,  nS  tomar  Goa  sem  auentnrar  muyto  de  sua  arma-> 
da  &  gSte  que  então  se  fosse  a  Ormuz  &  o  tomasse  Sc 
se  fizesse  bi  forte ,  porque  logo  o  socorreria  com  breui- 
dade* 

C  A  P  I  T  V  L  O     CXCIf. 

De  Cúmà  çoUimâo  baxaa  te  partio  cananhe  da  Iniia^  4r 
do  €trdil  ijfue  teue  pêra  Umtar  a  cidade  Dadem^  ^  de 
como  €kegôu  <mò  parto  de  Diu* 

Jr  atlido  <2oleim<o  baxá  de  quez ,  deuse  a  mayior  pressa 
'qite  pode  em  aua  viagem ,  porque  fiio  feese  sabida  na 
índia  firimeiro  que  cbegasse^  pêra  o  que  tinha  fevta 
grande  d rK gentia ,  {MNrqne  nliCba  vela  saysse  do  eatreyto 
antes  de  ele  sayr:  &  de  çuez  pos  4res  dias  de  eaviinbo 
ao  Toro,  &  do  Toro  a  indá  cinco,  &  feft  de  demora  do- 
^e«  ^  Quísem  ikmt  mattba  «csNiuer  el -rev  da  ludá%  Q«n 


LiYfto  nu.  CAjnrvLQ^  cartii.  489 

como  sabia  bem  a  pouca  verdade  dos  Tul^cos,  principal^ 
nieote  de  «joleimflo  ^  &  quão  cruel  &  Urano  era  j  despe* 
jou  a  cidadã  &  posse  eai  saluo :  £çoÍeia)âo  ajuntou  aquy 
á  sua  armada  as  sete  velas  que  ali  estauà  que  forão  ddl 
ter  de  Cambaya  •  •&  ires  oaos  de  Hamezui  vedor  da  fa* 
«enda  do  Cayro,  &  outras  duas  dei  rey  de  ludá ,  com 
qoe  a  fex  de  aetenia  &  seys  velas.  E  partido  de  iudá 
jpD8  quatro  dias  atéCamarfio,  &  de  caiiunbo  tomou  A «- 
belé,  hú  lugar  na  costa  Darabia,  de  que  era  senhor  bfi 
Turco  chamado  Nacodahamet,  Q  depois  de  fiizer  muyto 
bò  recebimento  a  çdeiraâo^  foy  degolado  por  seu  maiH 
dado^  sem  mais  outra  causa  se  iiâo  a  de  sua  crueza,  & 
deu  ho  senhorio  do  lugar  a  Muslaia  seu  capitam :  £ 
obegado  a  Camarão  escreueo  a  ei  rey  Dadem  como  ya 
á  índia  &  a  causa  por  que,  pedindolhe  que  ouuesse  por 
bem  de  lhe  dar  Hcesça  pêra  entrar  no  porto  Dadfi  a  to* 
mar  agoa ,  lenha ,  &  canfte ,  que  entreianto  o  que  leua- 
«a  a  ctarta  lhe  faria  presies  &  asei  aiguas  casae  pêra 
deixar  bi  muytes  doeniies  que  trazia ,  do  que  ei  rey  foy 
contente,  pareceodolhe  quei^leimâo  lhe  falaua  verda- 
-de ,  que  depois  que  fez  em  Camarão  quinze  diaa  de  de*- 
ièijsí ,  se  parlio  pêra  as  portas ,  &  gastou  no  caminho 
bom  dia  &  hfla  noyle,  &  outro  tanto  das  purlas  ate  o 
porto  Dadem ^  onde  surto,  el  rey  Dadem  o  niaadou  vi* 
-sitar  com  muytes  refrescos,  &  çoleimio  pêra  tomar  a 
cidade  por  manha  como  trazia  «del^erwiaade  ^  mandou  lá 
os  doentios  que  mãdara  dizer  a  ei  rey  que  trazia  pêra  os 
deixar  nela ,  &  estes  forão  dos  mais  evfonjados ,  &  ya 
hix  home  lançado  em  kQ  ieyto,  &  nele  esçõdidas  as  ar« 
mas  pêra  sy  &  pêra  outros  que  o  leuauão.  £  como  as 
casas  fera  estes  dceotes  estauão  despejadas  &  perto  do 
mar,  de  quatro  que  leuauâo  !hu  doente  ficauão  dous 
pêra  o  oorareni ,  no  que  os  da  cidade  não  ateníauão 
porque  os  viS  aem  armas ,  &  coesta  manha  se  meterio 
em  quatro  ou  cinco  dias  bísro  quinhentos  homSs,  &  de- 
pois de  serem  dentro ,  mandou  çoleimâo  rogar  a  el  rey 
Dadem  que  íbew  á  sua  .galé|  por^  ttaba  de  falar  coelã 


440  DA  RISTORrA  BA   IKBfA 

cousas  que  releuauão  muylo^  do  qoe  el  rey  (ez  e8car«» 
neo.  E  como  isso  era  o  que  çoleimSo  queria ,  mandoa 
fazer  hil  sinal ,  a  {}  os  doentes  sayrão  todos  cõ  suas  ar«^ 
nas  9  &  derão  nos  pa<^s  dei  rey ,  onde  entrarão  de  rol* 
dão  sem  auer  quem  lhes  podesse  resistir  por  sua  supita 
vinda,  &  el  rey  foy  preso  &  leuado  á  galé  de  çoleimão^ 
ficando  a  cidade  em  poder  dos  doentes :  E  el  rey  Da- 
dem  depois  que  foy  na  galé  de  çoleimâo  lhe  perguntou, 
porque  ho  mandara  prender  íiandose  dele,  &  ele  lhe 
respofideo,  que  se  lhe  parecia  bem  estar  ele  em  pessoa 
do  Turco,  &  auer  quatro  dias  que  estaua  ali  &  não  o 
yr  ver ,  ao  ^  el  rey  respondeo  com  muyto  esforço,  Q  se 
ali  esteuera  o  Turco  senhor  de  çoleimão ,  {|  era  rey  co* 
mo  ele ,  que  o  fora  ver ,  mas  a  ele  q  era  seu  escrauo  & 
seu  capitão ,  como  queria  que  o  fosse  ver,  que  ele  o  iir 
nha  em  seu  poder  porque  se  íiara  deie ,  porq  se  não  se 
fiara  nunca  a  sua  gente  lhe  entrara  na  cidade ,  nem  se 
liurara  dali  com  cabeça,  &  çoleimão  o  mãdou  logo  en- 
forcar em  hil  palanco  da  galé,  &  depois  põdurar  á.|ior« 
ta  da  cidade,  que  logo  mandou  saquear  por  sua  genle^ 
&  ele  sayo  em  terra  &  se  pos  á  porta,  mandando  apre- 
goar I|  sopena  de  morte  quanto  fosse  roubado  na  cidap 
de  tudo  se  leuasse  á  frota:  Eçoleimão  buscaua  a  quan- 
tos sayão  de  dentro  carregados  do  roubo ,  &  lomaualhe 
todo  ho  ouro,  prata,  &  joyas  que  lhes  achaua,  &  o  fa- 
to deixaualho,  &  coisto  ouue  muyto  grande  soma  douro 
&  de  prata :  E  vendo  os  soldados  que  não  partia  coeles 
tomarãolhe  mortal  ódio,  &  o  mesmo  saco  q  se  deu  á  ci- 
dade se  deu  a  três  nãos  de  Malabares  que  estauáo  no 
porto  que  lhes  qoleimão  mandou  tomar  pêra  leuar  carre- 
gadas de  mantimentos ,  &  aos  Malabares  tomouos  pêra 
remeiros.  Tomada  a  cidade ,  mandou  cortar  as  cabeçaa 
aos  principaes  moradores  dela,  porque  não  fizessem  al- 
uoroQO  depois  de  sua  yda:  &  prouendoa  de  gente  de 
guerra  &  dartelharia,  deixou  nela  por  capitão  Hahrahê- 
beque  lanicero,  &  partiose  pêra  a  índia,  &  neste  gol- 
fão assi  por  h&  grade  têporal  que  lhe  deu,  como  por  sua 


LIVRO  VllU   CAPITTLO  C3K3II.  441 

foTie  &  áspera  condic^ao,  se  af>arlarão  de  sua  conserua 
st^ys   velas ,  &  bua  delas  que  era  hO  galeão  foy  ter  aos 
jlheos  de  santa  Maria  na  cosia  da  índia,  onde  António 
de  souto  mayor  eslaua  com  certas  fustas  darmada,  j| 
pelejou  todo  bQ  dia  cÕ  os  Turcos  que  yão  neste  galeão. 
£  depois  de  muyto  grande  peleja  os  desbaratou  matan* 
do  os  nossos  os' mais  deles,  &  dos  l[  íicarâo  víuos  sou- 
be  como  ya  çoleimão,  &  os  mandou  ao  gouernador Nu- 
no da  cunha,  que  sabendo  esta  noua  se  começou  de  fa- 
zer logo  prestes  pêra  socorrer  a  Diu  ,  onde  Ibe  pareoeo 
que  esta  armada  auia  dyr  dereyta.  £  continuando  ço« 
leimâo  sua  viagê  pêra  a  costa  da  Lndia,  depois  de  quin- 
ze dias  de  partir.  Dadem ,  foy  ter  ao  porto  de  Mãgalor, 
onde  Goge  çofar  parece  que  auisado  de  sua  yda  o  esla- 
ua esperandk),  &  lhe  foy  falar  ao  mar  louuando  muyto 
sua  vinda  &  poderosa  armada,  &  aconselhandolhe  que 
fosse  a  Diu,  porque  quem  quisesse  senhorear  a  Jndia 
tinha  muyta   necessidade  de  ter  aquela  cidade  pêra  ho 
fazer  mais  facibuente,  por  ser  muyto  forte  de  sua  nalu- 
rez,  &  ter  bom   porto  &  varadoyro,  &  estar  a  balrra* 
uento  da  Índia,  &  que  a  tomaria  sem  nba  trabalho  por 
quão  poucos  &  mal  armados  eram  os  Portugueses  que. 
estauã  na  fortaleza,  &  mingoados  de  muytas  cousas  ne- 
cessárias pêra  sua  defensam,  &  muyto  cansados  do  tra- 
balho da  guerra  que  lhes  ateii  tinba  feyta :  &  coestas 
rezÕes  se  demoueo  çoleimão  a  yr  a  Diu  &  quebrar  ho 
regimSto  do  Turco.  E  partiose  pêra  Diu,  indoCoge  ço-. 
far  diante  por  terra,  &  a  hua  quarta  feyra  quatro  dias 
de  Setêbro  de  16^8,  ás  dez  oras  do  dia  chegou  á  vista 
de  Diu,  &  começou  de  se  ver  da  fortaleza  a  armada  de 
colei  mão  que  ya  nesta  ordem  ;  Da  banda  do  mar  afas- 
tadas da  terra  obra  de  duas  legoas  yão  quatorze  galés 
reays  feitas  em  h&  escoadrão,  &  ao  lAgo  da  terra  sete, 
&  a  pos  estas  todas  as  outras  galés  &  nauios  de  peleja 
da  armada,  &  no  meo  as  nãos  de  carrega,  então  se  co- 
nheceu ser  esta  armada  de  Turcos  pelo  grande  numero 
de  nauios  de  remo  que  era.  E  tâobera  chegou  nesta  coo- 

LIVRO   VIII.  KKK 


4é%  Mk   HinoaiA^IU    INMA 

jonçflo  JMigtiel  vaz  na  sua  fusta,  que  cerlificoQ  ser  a 
armada  de  Turcos.  Q  Q  sabSdo  Auloiiio  da  silueyra  es<« 
creueo  logo  bila  earla  de  crença  pêra  o  gouernador  (| 
lhe  mandou  pelo  mesmo  IMíguel  vaa ,  disendolfae  que 
contasse  largamente  ao  gouernador  como  ficaua,  &  eie 
se  parlio  logo  pêra  Groa  ,  &  como  era  muyto  esfon^do 
em  sayndo  do  porto  por  se  afirmar  na  verdade  de  cama* 
nha  a  frota  era,  fez  seu  caminho  muyto  perto  da  arma* 
da,  &  sayrãolhe  doze  gaiès  tirandolhe  ás  bÕbardadas 
que  o  ouuerâo  de  tomar  se  lhe  não  acalmara  o  vento  : 
&  vendo  que  ho  nâo  podiSo  tomar ,  se  forâo  su^gti  )ud« 
io  da  outra  armada,  que  surgk)  ao  baluarte  de  Diogo 
lopez  de  sequeira  fazendo  grandea* alegrias. 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXCIIL 

Do  (fue  fez  António  dm  silueyra  com  a  vinda  dos,  Turtes^ 

V  endo  António  da  silueyra  sobre  sy  bua  armada  Ukk 
poderosa  como  a  dos  Turcos ,  &  que  segundo  os  muy-» 
tos  annos  ^  aui»  que  sesperaua  na  Índia  deuia  d»r  muy^ 
to  bcoí  prouida  de  geate,  arlelharia,  &  muniçães,  não 
perdeo  a  esperança  que  tinha  em  nosso  Senhor  que  o 
ajudaria,  nean.  a  eeforqo  que  sempre  teue  em  semelhaOf^ 
tes  perigos ,  &  nâo  lhe  tembrou  que  estaua  cem  legoas 
do  goiier nador ,  nem  em  hfia  fortaleza  cÕ  tâo  pouca  ai^« 
telharia,  &  muyto  pouea  gente,  que.  ainda  que  auia  se^ 
tecentos  bomâs  de  rol:,  somente  os  duzentos  estau&a 
bem  armados  pêra  pele/arem,  porS  dos  outros  os  trezen^ 
toe  etfto  es{)ÍDgardeysos,  que  assi  o  achou  polo  alardo  ^ 
íez.  Edefoie  ajuntados  os  fidalgos  &  pessoas  ppinsipae» 
^  estauão  na  fortaleza  peia  repartir  por  eles  as  estaa^ 
cias  que  auia  de  íaaer  thes  disse.  Ex  aquy  senhores  o 
tSpo  c^ni  4  aoemos  de  poer  diante  seremos  Portegnesea^ 
&  vindos  a  esias  partes  a  seruir  a  Deos  fc  a  el  Rey  nos*, 
so  seaihor,  pontue  o  conteolameato  de  se  offerecer  seu» 
sa  em  qfse  posaasoos  alaan^ar  o  q^e^  pretendemos  ^  ao» 


•  i 


LIVRO  VIIK   CáPITVLO  CXCIIK  443 

fará  facilmente  passar  todos  os  trabalhos  que  sé  nos  de- 
uem  representar  do  muyto  aparato  de  gente  &  artilha- 
ria ()  tão  perto  de  nós  lemos.  Eu  de  mi  digo ,  <}  estou 
tão  confiado  em  nosso  Senhor ,  &  nestes  bÕs  desejos ,  & 
na  companhia  com  1\  me  acho,  que  tenho  por  muy  cer- 
to ^  que  não  somente  auenms  de  defender  esta  fortaleza 
a  estes  infieys ,  mas  ainda  os  auemos  de  desbaratar  & 
alcançar  deles  jllustre  vitoria*  E  porque  tenho  bem  en- 
tendido i\  nesta  confiança  não  faço  auentagõ  a  nbQ  dos 
que  aqui  eslão,  não  lembro  as  grandes  obrigações  ^to- 
dos temos  pêra  ter  estas  esperanças ,  nem  as  muytas 
vitorias  que  nos  Deos  por  sua  bõdade  tem  dado  nestas 
partes  contra  estes  seus  &  nossos  Iraigos.  Elogo  tratou 
de  repartir  as  estãcías  da  fortale2a  da  maneyra  seguin- 
te. A  Gonçalo  falcão  deu  a  goarda  do  baluarte  samTho- 
me,  &  no  pano  do  muro  j|  se  começa  neste  baluarte  & 
vay  direyto  ao  baluarte  de  Santiago  (que  fez  Garcia  de 
Sá)  ordenou  três  estancias,  de  ^  furão  capitães,  Ma- 
nuel de  vascScelos  juyz  dalfandega ,  natural  da  jlha  da 
Madeyra,  Francisco  anrriquez  tesoureiro  dalfandega,  & 
António  foreyro  escriuâo  da  fortaleza,  &  no  pano  do  mu- 
ro que  corria  do  baluarte  de  sam  Thome  ate  o  postigo, 
pos  duas  estancias,  de  que  furão  capitães,  Rodrigo  de 
proença ,  &  Fernão  peleja ,  escriuães  da  feitoria ,  &  no 
baluarte  Santiago,  deixou  por  capitão  como  estaua  Gas- 
par de  sousa,  &  no  pano  do  muro  que  sae  deste  baltiar* 
te  &  corre  ao  longo  do  rio  ate  as  casas  dele  mesmo  An- 
tónio da  silueyra  por  ser  ali  o  muro  delgado  Q  ficara  do 
iè\n  de  çoltão  badur,  &  era  lugar  de  grande  perigo  ho 
deu  a  Lopo  de  sonsa  eoutinho  que  o  goardasse,  dizèdd- 
Ibe  logo  o  porq  lho  daua,  no  Q  mostrou  ter  nele  grande 
confiança  como  tinha.  Em  outra  estancia  que  fez  nà 
feitoria  velha,  pos  por  capitão  o  feitor  António  da  ve>- 
ga ,  a  capitania  do  baluaile  da  coyraça  que  entraua  no 
itiar,  pos  por  capitão  a  Fernão  velho  filho  do  Alcsyde 
mór ,  &c  por  ser  o  lanço  pel}no  lhe  não  deu  mais  de  vin- 
te cjtico  homSs  pêra  sua  cdpanhia:  a  capitania  do  ba- 

KKK   2 


'444  njL   HISTORIA:    BJl   fNDfA 

ludrte  da  barra,  que  ISobein  chamfto  do  almazeOI,  deu 
a  Francisco  de  gouuea,  J|  era  capitão  luór  do  marr  No 
baluarte  do  mar  ficou  António  de  sousa  de  Lamego  co- 
mo estaua.  No  pano  do  muro  que  vay  ao  longo  delongo 
da  costa  braua,  por  ser  muyto  forle,  &  nam  se  poder 
por  atí  receber  damno ,  nâo  teue  mais  necessidade  que 
de  vigias,  por^  não  fugissem  por  ali  os  eaorauos,  &de8- 
cobrissem  aos  Imigos  o  que  ya  na  fortaleza ,  &  António 
da  silueyra  ficou  por  sobresalête  com  a  sua  gente  pêra 
acodir  aos  lugares  necessitados  de  socorro,  &  p^^ca  tol- 
dar as  estancias.:  &  mandou  aos  casados  que  vigiasseoi 
a  casa  da  poloora ,  porque  lhe  nSo  posessem  os  escra- 
uos  fogo,  &  assi  a  cisterna,  porque  lhe  não  deytassem 
pe(;onJia.  isto  ordenado,  logo  os  capitães  das  estancias 
começaram  de  se  fortalecer  onde  era  necessário ,  trab»* 
Ibando  com  os  de  suas  capitanias  sem  descansar ,. pos- 
que  os  immigos  os  nam  tomassem  desapercebidos^ 

C  A  P  I  T  V  L  O    CXCIUL 

Do  que  aconUceo  aos  Portugueses  com  setecentóê  laniM-- 

ros  que  desembarcarão  em  Diu. 

vyoge  çofar  que  naturalmente  queria  mal  aos  Portugue- 
ses por  os  ter  por  imigos,  &  por  nuca  leuar  deles  o  me- 
lhor em  quanto  Jbe  fez  guerra,  estaua  muyto  ledo  com 
à  vinda  dos  Turcos,  porq<je  a  fora  lhe  ser  inclinado  po- 
la  criação  q,ue  teue  coeles ,  pareciaJhe  que  bo-  auiam  de 
vingar  dos  Portugueses  tomãdolhe  a  fortaleza,  &  des- 
truindo de  todo,  assi  os  que  estauam  nela,  cemo  per 
toda  a  índia,  &  por  isso  desejaua  mu^to  de  os  ajudar, 
&  engrandecia  muyto  sua  armada  a  Aiucão,  depois  que 
se  vio  com  çoleymfo  baxá  em  Mangalor :  E  sem  nenhila 
vergonha  lhe  cometeo  que  fizessem  chamar  no  alcocão 
de  Ditr  por  rey  de  Camb^ya  ao  Turco,  como  lhe  çoley- 
•mão  rogara  que  fiaesse.,  o  que  Aiucão  nam.  quis  fazer, 
espantandose  muyto  da  deslealdade  de  Coge  çofari.  teu- 


LJTEO  VIII.    CAPITVLO  CXCIIII.  445 

do  recebida  tanta  bonrra  &  inerce  em  Cãbaya,  &  qu^ 
rer  fazer  tamanha  ireyção  a  el  rey  &  ao  reyno,  &  disse 

-que  nam  auia  de  ler  nhfia  amizade  com  çoieymão  nem 
com  08  Turcos,  porque  sabia  bem  quam  má  gente  eram, 
&  se  eie  a  ouuesse  de  ter,  que  nam  estaria  mais  em 
sua  companhia:  &  Coge  <;ofar  dissimulou  coele.  £  co- 
mo çoleymSo  surgio  o  foy  visitar,  &  disselhe  o  que  acha- 
ra  em  Alucão,  acerca  de  sua  amizade,  porem  que  eie 
o  serueria  com  a  gente  que  tinha,  atee  morrer  em  ser- 
ui<;o  do  Turco  &  seu ,  &  deulhe  informação  do  sitio  da 

-fortaleza,  fazêdoa  sempre  cousa  muyto  fácil  de  tomar, 
&  depois  se  tornou  pêra  terra.  £  çoleymao  por  animar 
os  Guzarales,  ao  outro  dia  que  foram  cinco  de  Setem- 
bro, mandou  desembarcar  setecentos  laniceros  que  say- 
ram  com  suas  cabayas  deles  de  borcado,  outros  de  ce- 
tins carmesins,  &  doutras  cores  lustrosas,  &  nas  cabe** 
ças  bQs  ehapeos  de  feltros  feytos  como  ciadas  antigas, 
(que  os  fazem  conhecer  por  laniceros  antre  a  outra  gen- 
te,) &  eram  todos  guarnecidos  &  orlados  douro  &  com 
ricas  plumas ,  &  estes  eram  todo»  frecheyros  &  espin- 
gardeyros :  &  assi  como  desembarcaram,  fizeram  ho  ca- 
Bnnbo  pêra  a  fortaleza,  poendo  as  mãos  nos  bigodes  que 

.eles  tem  por  grande  fero  &  assi  outras  rebolarias  que 
costumam  por  serem  de  seu  natural  muyto  soberbos.  Os 
deCâbaya  espantados  de  tamanha  ousadia  os  seguiram, 
cuydando  que  auiam  logo  de  subir  ao  muro,  &  eles  nam 
o  fizeram  assi ,  mas  meteramse  polas  casa»  que  forão 
doa  Portugueses,  que  estauão  darredor  da  fortaleza  pê- 
ra as  roubarem,  ao  que  António  da  silueyra  acodio, 
mandandolhes  tirar  ás  espingardadas,  com  que  foram 
nortos  cincoenta ,.  &  eles  mataram  sete  dos  Portugue- 
ses &  ferirão  vinte,  mas  como  recebiSo  mayor  dano  nam 
quiseram  yr  mais  por  diante,  &  afas(arãc>se  dandolhes 
os  Portugueses  grandes  apupadas,  Q  eles  tem  por  gran- 
de injuria:  £  Alucão  2}  conhecia  muyto  bem  os  Turcos 
&  sua  pouca  verdade,  &  mais  pelo  ^  lhe  Coge  çcfar  co- 

,  meleo  da  parte  de  çpleymâo  y,  nã  quis  coeles  nhiia  ami» 


446  DA   HISTORIA   BA    ÍNDIA 

zade,  &  por  isso  não  quis  estar  ali  mais,  &  parliose  a- 
queia  tarde  pêra  Nouaguer  cfi  seys  mil  boinès,  l\  dos 
de  sua  cõpanhia  nS  quiserfto  yr  mais  coele  por  induzt- 
mento  de  Coge  çofar  cd  quem  licarâo,  que  com  os  seus 
fazia  treze  mil:  E  em  Nouaguer  esteue  Alucão  todo  o 
tempo  que  durou  o  cerco  da  fortaleza,  &  dahi  escreueo 
a  el  rey  de  Cambaya  o  i)  lhe  Coge  çofar  cometera  da 
parte  de  çoieymão,  pelo  que  se  fora  pêra  Nouaguer :  E 
el  rey  lhe  re8)x>ndeo  que  íízera  muyto  bem ,  mandfldo* 
lhe  que  não  desse  nçnh&s  mantimentos  aos  Turcos  & 
defendesse  Q  lhos  não  leuassem,  &  assi  o  escreueo  a  to- 
dos seus  capitães  comarcãos  de  Diu ,  que  o  oompriram 
muy  bem ,  &  nunca  el  rey  de  Cambaya  quis  mandar  o 
Gontrayro  por  mais  cartas  que  lhe  çoleymão  escreueo 
sobrísso :  o  que  he  de  crer  que  quis  nosso  Senhor  por* 
que  os  Turcos  fizessem  tã  pouco  como  tízerão  contra  os 
nossos ,  de  que  foy  grande  causa  o  pouco  fauor  que  a- 
charão  nos  Guzarates* 

CAPÍTVLO    CXCV. 

De  como  çoleymâo  basaa  se  foy  ao  rio  de  Madre  fabaa 
pêra  mandar  calhar  sua  arielharia  sobre  cubería  pêra 
bater  a  fortaleza  de  Diu. 

i 

orno  foy  noyte  deram  os  Turcos  mostra  de  soa  es- 
pingardaria, &  em  eles  acabando  a  deram  também  os 
Portugueses  per  mandado  Dantonio  da  siiueyra,  fx)rque 
soubessem  os  Turcos  t\  auia  quem  lhes  resislís^e,  &  ti- 
raram todos  hD  &  hum,  &  como  eram  trezentos  deteue- 
ramse  hum  bom  pedaço  em  tirar,  &  em  acabando  d^u- 
se  mostra  da  nossa  artelharia  desparando  cada  pei^  por 
si ,  &  após  isto  tangeram  as  trombetas ,  &  depois  derão 
os  da  fortaleza  grandes  gritas,  de  que  se  os  Turcos  a- 
gastaram  muyto,  principalmente  çoleymâo,  que  na  moa-, 
tra  que  os  Portugueses  fizeram  conheceo  que  era  gente 
4e  feyto,  pgrfi  dfssimttbiá ,  &  depgis  disto  tud^  OttuirAo 


c 


LIVRO  VIII.   CAPITVLO  CXCV.  447 

M  da  forUlexa  dizer  de  fora  em  aitas  vozes,  portas,  pe^* 
dras,  &  isto  por  aiguas  vezes,  no  Q  pareceo  i}  dizião  aos 
Portugueses  l|  tapassS  com  pedras  as  portas  da  fortale^ 
za,  do  que  António  da  silueyra  tinha  muyto  bom  cuy« 
dado,  &  nani  era  necessário  lembraremlho.  Ao  outro 
dia ,  que  foram  seys  de  Setembro ,  começou  de  ventar 
Sul,  que  por  ser  irauessam  ondesiaua  a  armada  dos 
Turcos  fez  algum  receo  de  tormenta  a  çoleymam ,  maa 
acalmou  logo ,  &  quis  nosso  Senhor  deyxar  a  matança 
dos  Turcos  pêra  os  Portugueses*  £  determinando  çoley-* 
não  de   tomar  a  fortaleza  por  conselho  de  Coge  çofar  ^ 
se  foy  ao  rio  de  Madre  fabá  pêra  bí  calhar  sua  artelha* 
ria  sobre  cuberta  que  trazia  abatida,  &  porque  nisto  s« 
auião  de  gastar  algOs  dias,  ofio  o  quis  mandar  fazer  no 
porto  de  Diu ,  porque  o  nâo  deslruysse  a  artclbaria  da 
fuftaleza:  E  como  seu  fundamCto  era  tomar  primeiro 
bo  baluarte  da  vila  dos  Rumes  que  a  fortaleza,  mandou 
a  Coge  çofar  que  ficasse  preparando  as  cousas  necessa* 
riaa  pêra  se  bater ,  &  deyxotilhe  quinhentos  Turcos  que 
o  ajudassem  debaixo  da  capitania  de  Mahmudebeqoe, 
&  ele  se  partio  pêra  Madre  fabá  sábado  sete  de  Setem- 
bro, &  ao  entrar  ao  rio  se  lhe  perderão  quatro  nauios 
de  carrega,  carregados  de  mantimentos  &  munições, 
que  Ibe  depois  deram  grande  perda :  fc  a  prímeyra  cou- 
sa que  çoleymSafez,  foy  mfidar  desembarcar  Ires  ba- 
saliscos  &  outros  liios  que  mandou  a  Coge  çofar  per 
Abrahembeque  com   quinhentos  Turcos,  &  por  ser  ho 
caminho  comprido  &  em  muytas  partes  darea  soha,  nSo 
pode  yr  mais  que  bum  dos  baaaíiscos  cem  as  outras  pe« 
ças  q4ie  foram  ieuadas  a  Diu ,  onde  Coge  çofar  &  Mah- 
mudebeque  aadaruam  oceupadoa  em  iaaer  as  trinchas, 
basliíSes,  vepayros,  &  mantas  de  q«e  tinham  necessi* 
daide  pêra  as  baterias  que  esperauam  de  dar  ao  baluarte 
&  á  fortaleza ,.  &»  comi  tudo  nam  deyxaaam  de  tirar  aa 
fortaleza  muytos  iiròs  perdíidiNS  oom  a  arteiharia,  desque 
aBtanbfcia  atà bo  qnafite  da  prima  rendido ,  &  assi  c5 
espingardas  wm  qa«:  U»  tiraoã.  oada*  dia  bfi.  dez  mil  iU 


448  ]>A   HliTORIA    BA   ÍNDIA 

ro8 ,  &  08  roais  deles  einpregauâo  na  ygreja  que  esiaua 
em  hú  alto  &  parecia  de  fora,  &  assi  htla  rua  pubrtca 
^  atrauesaatia  |)or  diante  da  poria  principal  &  por  aer 
passagem  de  gente,  &  assi  por  amor  da  que  enira«a  na 
ygreja  i\  os  imigos  vião  faziâo  ali  os  seus  tiros,  mas  nos* 
so  Senhor  goardaua  os  Portugueses,  posto  que  as  e»- 
pingardadas  lhe  yâo  zenindo  peias  orelhas,  &  coisto  e^- 
râo  brauamête  atromentados,  &  so/riâo  muylo  grande 
trabalho  repayrando  todos  o  que  era  necessário  repay* 
rarse  na  fortaleza,  s.  dobrando  as  anieas  dos  baluartes 
na  grossura  do  muro  de  pedra  &  barro,  &  fazendo  man^ 
tas  &  derribando  as  pontes  da  porta  da  fortaleza  &  do 
postigo,  &  tapSdo  as  portas  deníulho  de  pedra  &  terra, 
&  na  coyraça  foy  feyto  hâ  contra  muro,  &  na  estancia 
de  Lopo  de  sousa  coutinho,  se  fez  faiia  tranqueyra  de 
niadeyra ,  &  por  dentro  bua  estacada  tecida ,  &  todos 
trabalhauam  nestas  obras  sem  auer  deferença  de  pes« 
soas  cada  capitão  na  obra  qu^  fazia  em  sua  estancia  com 
a  gente  dela,  &  todos  a  qual  mais  es^çado  sem  mos*» 
trar  nhii  câ8a<^« 

C  A  P  I  T  V  L  O     CXCVL 

De  hú  ardil  com  que  Coqe  çofar  quisera  fazer  muyto 
mal  aos  Portugueses ,  ^  de  como  lhe  aíalhou  Francis^ 
CO  de  Gouuea  capitão  moor  do  mar  de 


D, 


'eterminando  Goge^efar,  AbrabSbeque,  &  Mahmu«* 
debeQ,  de  fazer  aos  Portugueses  quâto  mal  pudessem 
fabricarão  hõa  machina  de  guerra  em  hâa  albetoça  doy- 
tenta  couados  de  comprido  que  fora  de  çoitflo  badur,  & 
por  sua  grandeza  nam  podia  nauegar,  &  esiaua  varada, 
&  acrecentando  esta  em  altura  a  fízerSo  quasi  tã  alta 
como  o  baluarte  do  mar  ou  da  vila  dos  Rumes ,  &  fey* 
ta  a  mandarão  encher  de  lenha ,  salitre ,  enxofre ,  &  aU 
catrão  que  fizesse  tudo  grande  fumaça,  &  poer  no  meo 
do  rio  amarrada  com  quatro  ancoras^  duas  de  monlâta 


LIVRO  VIII.    CAPITTLO  CXCVI.  449 

&  duas  de  jusante,  porque  esteoesae  roais  segura  até 
Berem  agoas  viuas  cõ  que  podesse  nadar,  porque  por 
seu  grande  peso  o  não  podia  fazer  com  agoas  mortas , 
&  isto  com  determinação  de  a  encostarem  ao  baluarte, 
da  viia  dos  Rumes  &  daremlbe  fogo  pêra  que  com  o  fu« 
mo  fizesse  grande  nojo  aos  Portugueses,  ou  também  pe* 
ra  que  facilroSte  os  podessem  cõbater,  o  Q  se  ouuera 
efleyto  lhes  fizera  muyto  mal:  &  considerando  isto  An* 
tonio  da  siiueyra,  pêra  lhe  atalhar,  lhe  pareceo  bem 
<|tieymar8e  esta  fabrica  antes  que  ▼ieséem  as  agoas  vi* 
uas,  sobre  o  que  fez  conselho  no  baluarte  sam  Thome 
com  os  capitães  das  estancias,  a  quem  propôs  o  caso  &; 
pedio  seus  pareceres  de  como  se  queymaria  aquele  ede« 
ficio  &  por  quem :  &  Frãcisco  de  gouuea  capitão  mor 
do  mar  que  estaua  presente,  &  por  seu  officio  lhe  per- 
tencia fazer  aquela  queyma,  disse  a  António  da  siluei* 
ra  primeyro  que  ninguém  votasse,  que  ele  podia  prati- 
car o  modo  que  se  auia^de  ter  em  se  queymar  aquela 
nao,  por^  qu6  o  auia  de  fazer  ja  estaua  certo  ser  ele 
Francisco  de  gouuea,  &  que  sua  mercê  &  todos  aque- 
les senhores  vião  muyto  bem  o  seruiço  que  fazia  a  el 
rey  de  Portugal,  &  o  perigo  que  corria  em  o  fazer.  An- 
tónio da  silueyra  lhe  disse  que  todos  serião  testemunhas 
disso  &  da  mercê  que  merecia  em  o  fazer :  &  ordenou- 
se  que  aquela  noyte  fosse  Francisco  de  gouuea  no  ca- 
tur  de  Miguel  vaz ,  que  era  ja  vindo  de  Goa,  &  fossem 
coele  Bertolameu  fernandez,  &  Bastião  diaz  capitães  de 
dous  catures,  pêra  que  todos  três  juntamente  posessem 
o  fogo  com  panelas  de  poluora,  &  que  os  que  ouuessem 
dir  nos  catures  fossem  espingardeyros,  pêra  que  se  de- 
fendessem dos  imigos  se  ihes  fosse  necessário :  Isto  as- 
sentado, como  foy  bem  noyte  partiose  Francisco  de 
gouuea  a  fazer  a  obra  que  lhe  era  encomendada,  &  com 
quanto  fazia  escuro,  coroo  o  rio  era  estreyto  foy  logo 
sentido  dos  immigos  que  vigiauão  na  borda  dele,  que 
em  o  sentindo  despararam  sua  artelharia  que  tiobã  as- 
sentada por  aquela  parte:  &  quanto  mais  tudo  estau^ 

LIVRO   VIII.  LLL 


450  BA    HISTORIA    BA    INBIA 

caiado  ^  tanto  mais  espaeloao  foy  ho  aupílo  eatrondo  da 
arteiharia  &  a  grande  fumaiça  que  se  leuaxitou ,  &  assi 
como  a  arlelbaria  jugaua  de  pressa,  assí  os  remeyros 
dos  oatures  apertauao  o  remo  eom  tanta  força  que  pa* 
recia  que  Foauami ,  &  coesla  diJigencía  í^udandoos  nus* 
so  Senhor  se  escapulirão  de  tamanha  soma  de  pelouros, 
&  forâo  pegar  com  aquela  machioa  {)  parecia  bfla  muj* 
to  alta  &  grande  torre ,  em  que  eslauâo  obra  de  vinte 
mouros  em  sua  goarda :  E  ém  Francisco  de  gouuea  & 
os  outros  aferrado  cõ  a  oao ,  arremessaràibe  dStro  muy^ 
tas  panelas  de  poiuora  &  rocas,  &  outros  ar teficios  de 
fogo  que  se  pegou  logo  ao  alcatrão  &  aos  outros  mate* 
riaes,  &  começando  a  labareda  de  se  leúantar,  derãa 
os  mouros  consigo  nagoa  com  medo  da  morte,  de  que 
nam  poderão  escapar  aos  nossos  que  oe  mataram  nagoa^ 
&  Francisco  de  gouuea  &  os  dos.outfos  catures  esteue* 
rSo  sobre  o  remo  até  que  'O  fogo  que  poserSo  se  aieoa 
de  maneira  que  não  se  podia  apagar ,  o  que  foy  feyio 
com  muyto  grande  perigo  dos  que  estauão  nos  catures,. 
por  serem  em  todo  este  tempo  tão  bastas  as  bomJbarda- 
das  &  espingardadas.que  os  mourM  tirauão,  que  búI»* 
gfosamente  escaparão  os  Portugueses:  E  quejmada  a 
não  de  todo,  tornouse  Fraeeisco  de  gouuea  com  o  mes* 
mo  perigo,  &  por  esle  íeyio  que  fes  ficou  muylo  louuado. 

C  A  P  1  T  V  L  O    CX€VIL 

De  como  aauòe  lio  iGouemador  quê  esia/uão  os  Tmrcos  no 

yoríQ  de  Diu. 

!^abido  pelo  Gotternmlof  eomo  çeleymfto  baxá  estaua 
eom  sua  armada  no'  porl9  de  Diu ,  receouse  que  passe- 
via  a  Goa  &  a  ceroavia ,  &  porque  eoisso  tolheria  yrea» 
mantimentos  a  Goa,  determittou  de  se  prouer  primeyro 
da  terra  firme ,  &  por  conselho  de  Fernão  rodriguea  de 
castelo  branco  vedor  da  liaaêda^  maadou  iiQ  embaixador 
a  Açadacão  com  a  noua  da  fiada  dos  Tjurcos,  pediad»- 


LiTito  viíu  CAvrrçiiO  excvii.  461 

Ibe  Biuyto  que  nfto  fizesse  gente  coro  receo  deles ,  &  (| 
as&i  o  roandasee  dizer  aos  capitães  do  DdquS ,  por{|  ele 
80  queria  tomar  o  trabalho  de  lhes  resistir ,  |>era  ^  sou- 
bessem quão  bõ  ▼ezinho  tinhfto  nele:  £  coeste  embai- 
xador foy  quS  comprasse  mãtimentos  dissimuladamSle 
&  os  mádasse  a  Goa,  &  assi  se  fez :  &  AçadacSo  folgou 
muyto  coesta  embajxada ,  &  agardeeeo  ao  Gouernador 
o  ^  lhe  mandou  dizefé  Ê  em  quSto  se  o  gouernador  a- 
percebia  pêra  yr  socorrer  António  da  silueira,  lho  mâ- 
doo  dizer  por  Fernão  de  moraes,  com  Q  forão  obra  de 
vinte  soldados  escolhidos,  &  em  Chaul  se  ajfltou  cõ  Pê- 
ro vaz  guedez,  Q  Symão  guedez  de  sousa  capitã  da  for- 
taleza mandaufi  iambê  c&  polu4)ra  &  muni<^e8,  &  en- 
trarão ambos  no  porto  de  Diu  por  estar  despejado  dos 
Turcos 9  nè  forS  vistes  de  Coge  çofar  por  ser  de  noite, 
&  Pêro  vaz  se  tornou  a  Chaul,  &  Fernão  de  moraes  nS 
-fez  outro  tãto  por  Ihei  Antenio  da  siluéira  requerer  4  o 
Bá  fizesse:  &  dali  a  doM  ou^  três  dias  foy  htia  noyie  á 
fortaleza  Frãoisco  pacbeco  capitã  do  baluarte  da  vila 
dos  Rumes,  dizCde  que  queria  fa^er  iestamSto  &  des^ 
carregar  sua  afma :  o  que  sabSdo  o  feytor  António  da 
veyga  the  mãdou  requerer  que  pagasse  a  el  rey  ce«la 
aoraa  de  dinheiro  !\  lhe  deuia,  do  Q  se  elé  ouue  pot 
muyto  injuriado  &  se  agrauou  do  feytor  a  António  da 
sifuerra,  de  !\  se  agraooâ  tãto  por  Ibe  dizerem  !\  era 
bem  l\  pagasse  o  f[  deuiai,  Q  lhe  engeitou  a  capitania 
do  baluarte,  &  por  António  da  silueyra  ficar  disso  agas- 
tado, se  Ibe  offereceo  Lopo  de  sousa  cootinbo  pêra  a 
capitania,  quando  FrãcÍ8eo>  pdcheco  a  nã  quisesse  de 
todo ,  S&  isto  por  servir  el  rey  eft  quãto  o  perigo  estaua 
TOuy  certo,,  ma»  nã  foy  necessário  por  Frâcisco  pacheco 
tornar  «  tomar  a  capitafiia,  &  António  da  situeyra  dis-» 
aimulbn  este  desacatamSCo^  por  ser  o  tempo  que  era.  B 
nesta  conjum^m  apareceo  ao  mar  bfia  nao  da  conserua 
dos  Turcos  que  ya  carregada  de  mantimentos,  &leua- 
wa  trezentos  homens,  os  mais  de  peleja,  &  per  manda- 
do Daaionio  da^  silueiva  a  foy  reconhecer  Miguei  Vaz 

LLXi   2 


4&2  ]>A   HISTOEIA   DA   ÍNDIA    ' 

no  seu  catur  em  que  leuaua  dous  berços ,  &  quiase  es- 
pingardeyros :  &  chegando  á  nao  que  estaua  surta  pêra 
auer  fala  dela,  os  mouros  lhe  tirarão  com  a  artelharia 
&  muytas  frechadas ,  &  assi  se  começou  a  peleja  que 
durou  até  a  tarde  que  veo  a  viração,  com  que  os  mou- 
ros Jeuando  ancora  forão  varar  na  terra  firme  da  banda 
da  enseada,  &  Miguel  vaz  a  seguio  até  lhe  sayrem  dous 
bargantins  de  Turcos  que  vigiauão  o  mar,  &  por  nam 
ter  poluora  nem  pelouros  não  quis  coeles  nada ,  &  se 
foy  leuando  dous  feridos ,  deysando  mortos  &  feridos 
dos  mouros  c6to  &  cincoenta ,  segundo  se  soube. 

c  A  p  I  T  V  L  O  cxcyiii. 

Do  que  fez  fiasco  pireis  de  Sampayo  em  Bégala* 

JL  ornada  a  cidade  do  Gouro  por  Xercansur,  como  dis- 
se atras ,  escaparão  muyto  mal  feridos  três  Portugueses 
que  estauã  com  el  rey  de  Bengala,  Afonso  vaz  de  bri- 
to ,  Diogo  ferraz ,  &  loSo  adão ,  &  forâose  a  Gbeligão 
pêra  Nuno  fernãdez  freyre:  £  sabido  là  como  o  Gouro 
era  tomado,  &  el  rey  de  Bengala  fugido,  aleuitouse 
grade  cõtenda  anlre  dous  senhores  mouros  vassalos  dei 
rey  de  Bengala,  Códauazcão  &  Amazarcâo  que  estauSe 
em  Chetigão  sobre  qual  seria  senhor  dela,  &  Nuno  fer-* 
nãdez  os  concertou,  &  ficou  Amazarcâo:  E  nisto  che- 
gou a  Chetigão  per  mandado  de  Xercansur  bil  capitão 
Palane  por  Nogazil ,  ^  he  como  regedor ,  &  tomou  pos* 
se  dela  pacificamente:  &  dizendolhe  Nuno  fernãdez  o» 
officios  Q  tinha  em  Chetigão  por  prouisâo  do  rey  que  ío- 
ra  de  Bengala,  &  ele  disse  que  os  teuesse,.  porque  Xer- 
cansur folgaria  muyto  cotsso,  &  lhe  faria  ainda  roayo- 
res  mercês  que  aquelas  por  ser  muyto  amigo  dos  Portu- 
gueses, &  estando  nisto  chegou  Vasco  pirez  de  sampaya 
com  a  armada  quo  disse,  com  o  que  Âmarzacã  &  ou- 
tros senhores  B^alas  folgará  muyto,  &  acordarão  todos 
que  pois  leuaua  tãta  gente  que  lhe  requeressem  qu9 


LIVRO  VIII.   CAPITVLO   CXCVIII.  458 

prSdesse  o  Nogazil  de  Xercansur,  &  tomasse  a  cidade 
Gom  voz  de  ser  pêra  el  rey  de  JBêgala,  porque  lodos  o 
ajudarião :  &  se  el  rey  tornasse  como  esperauão  que  fi- 
caria a  cidade  pêra  el  rey  de  Portugal,  &8e  nã  que  mâ- 
daria  recado  ao  Gouernador  ^  o  socorresse  pêra  soster 
a  cidade,  &  assi  lho  mandarão  pedir  por  Nuno  fernâdez 
freire  que  lhe  conselhou  que  o  tizesse,  por^  íicariâo  os 
Portogueses  em  grande  credito  naquela  terra,  o  que 
Vasco  pirez  nã  quis  fazer,  dizendo  que  pois  a  terra  es- 
taua  assi ,  Q  queria  fazer  sua  fazêda  &  yrse ,  &  man- 
douse  escusar  a  Âmarzacão  pelas  mais  honestas  rezões 
que  pode,  dãdolhe  esperança  que  prenderia  ainda  oMo- 
gazii,  rogâdolhe  que  o  não  prSdesse  sem  seu  recado,  & 
ele  lho  prometeo:  E  neste  tempo  chegarão  os  Mogores 
aoGouro,  não  estando  hiXercansur  que  era  ydo  a  poer 
em  saluo  o  tesouro  dei  Rey  de  BSgala :  &  sabendose 
em  Chetigão  a  vinda  dos  IMogores ,  pareceo  aos  Benga- 
las que  o  seu  rey  era  tornado  ( pelo  que  foy  em  todos 
gxande  aluoroço.)  £  Amarzacâo  vSdo  que  Vasco  pirez 
não  quisera  prender  o  Nogazil,  não  se  fiou  dele  pêra 
ihe  dizer  que  o  prendesse ,  &  quis  que  fosse  preso  por 
seu  mãdado,  assi  por  ganhar  nisso  honrra,  como  por 
alegar  aquele  seruiço  a  el  rey  de  Bengala ,  &  secreta- 
mente mandou  hfl  capitão  cõ  quinhentos  Bengalas  fre* 
cbeyros  &  espingardeyros  que  prendessem  o  Nogazil , 
que  supilaroente  lhe  cercarão  a  casa  &  o  tomarão  desa- 
percebido pêra  não  se  defender,  que  quando  se  vio  assi 
mandou  chamar  Nuno  fernandez  que  lhe  valesse,  &que 
antes  queria  ser  preso  dos  Portugueses  que  dos  Benga- 
las: E  Nuno  fernâdez  por  auer  perigo  na  tardança  não 
deu  eôta  do  caso  a  Vasco  pirez  que  estaua  na  frota ,  & 
foyse  a  casa  do  Nogazil,  &  quando  os  Bengalas  o  virão, 
-derão  húsk  grande  grita  nomeando  el  rey  de  Bengala,  & 
por  lhe  terem  grande  acatamento  o  deyxarão  entrar  on- 
destaua  o  Nogazil  com  bum  seu  yrmâo  em  poder  de  cer- 
tos BSgalas  que  os  tinhão  presos,  que  ele  fez  afastar, 
&  sabendo  do  Nogazil  que  queria  ser  antes  preso  dos 


464  BA  HISTORIA    DA  ÍNDIA 

Portugueses  que  dos  Bengalas ,  disselhes  a  parte  que 
AmazarcSo  nS  era  bem  conselhado  em  prender  o  Noga- 
zil  daquela  roaneyra,  que  ouuera  de  mandar  algus  offi- 
ciaes  dalfandega,  a  que  oNogazil  tinha  tomado  dinhey- 
ro  de  Q  ouuera  de  saber  quanto  era,  &  mandalo  escre- 
uer,  &  depois  proceder  conlrele:  o  que  |>arec6do  bem 
ao  capitão  que  tinha  preso  o  Nogazil ,  mandou  dizer  a 
Amazarcflo  o  que  dizia  Nuno  fernãdez,  que  também 
mandou  logo  bu  escrito  a  Vasco  pirez,  em  que  lhe  «fon- 
tana o  caso  pêra  que  acodisse  logo:  &  ele  màduu  Frã- 
cisco  de  barros  de  paiua  cõ  cincoenta  espingardeyros;, 
que  em  chegando  ás  casas  do  Nogazil  começarão  da  ti- 
rar,  pelo  que  os  Bengalas  fugirão  &  o  seu  capitã,  & 
Francisco  de  barros  tomou  oNogazil  &  o  leuou  a  Vasco 
pirez ,  que  o  teue  preso  bem  seys  meses ,  &  depois  o 
deyxou  fugir  por  peytas  que  lho  deu :  E  estado  asst  a 
cousa,  forão  ter  a  Bengala  sessenta  Turcos  em  bda  g»- 
leota  que  se  apartarão  na  partida  Dadem  da  armada  de 
çoleymão  baxá,  &  passando  por  Pegu  deylarão  fama  que 
o  Gouernador  &.-08  Portugueses  erâo  mortos  poios  Tur* 
cos ,  &  dando  a  mesma  noua  em  Bengala ,  furâose  me- 
ter em  hum  rio  quatro  legoas  de  Chetigão:  O  que  sa- 
bendo Vasco  pirez,  mandou  Francisco  de  barros  de  pair 
ua  na  sua  fusta,  &  algQs  calaluzes  com  gSte  pêra  Q  to- 
masse a  galeota  aos  Turcos,  que  se  defenderão  também 
que  o  fízerã  afastar,  &  logo  vararão  a  galeola,  &  íiz^ 
rão  hQa  tranqueyra  em  Q  assestarão  quatorze  bombar- 
das que  ti n hão,  &  estado  ali  catiuarão  três  Portugueses 
a  que  dera  muytos  tormentos,  ameaçando  os  outros  que 
os  auiâo  den forcar.  E  Vasco  pirez  com  quanto  tinha 
muyta  gente  nílca  quis  vingar  esta  injuri^^,  nem  tomar 
os  Turcos,  o  que  poderá  bem  fazer,  nC  meoosquis  dar 
ajuda  a  Nuno  fernãdez  freyre  (|  lha  pedio  per»  yr  de- 
fender hua  nao  noua  que  tinha  carregada  de  fazenda,  Q 
soube  que  os  Turcos  queríão  yr  tomar:  o  que  vendo 
Diogo  rabelo  o  foy  ajudar  com  quinse  Porl^ugueses  que 
aiKlauão  na  sua  fusta ,  &  António  de  jUeto  Ibuou  cinca 


LIVRO  VIII.    CAPITVLO   CXCIX.  455 

Bo  esquife  do  aeu  nauio,  &  Nuno  fernandez  em  hfl  pa- 
rao,  &  chegados  aa  galeuta  não  a  poderão  aferrar  por 
desastre ,  &  nã  por  lhes  faltar  coracjã ,  &  os  Turcos  lhe 
matarão  seys  Portugueses  &  ferirão  os  outros,  &  hfl  foy 
Nuno  fernãdez,  &  depois  deu  Christouâo  douria  de  su* 
pito  com  os  Turcos  em  outro  rio  que  cÕ  medo  saltara 
ao  mar  &  fugirão,  &  Christouâo  douria  tomou  a  galeota 
com  a  artelharia  &  com  muyta  riqueza  que  tinhâo,  & 
Vasco  pirez  inuernou  em  Bengala  sem  fazer  mais  que  o 
que  digo,  &  depois  foy  se  a  Pegú  onde  faleceo  de  doS-* 
ça :  &  assí  perdeo  el  rey  de  Portugal  esta  cidade  de 
Chetigão,  que  se  poderá  soster  com  pouco  trabalho  ^ 
por  Xercansur  andar  ocupado  em  sua  conquista,  como 
disse  a  trás» 

CAPITVLO    CXCIX. 

De  como  jíntonio  galuio  refez  a  fortaleza  de  Temate. 


p 


artido  lorge  mascarenhas  &  os  outros  da  jlha  deTer« 
sate,  que  António  gaJuão  ficou  desapressado,  entendeo 
k)go  em  refazer  a  fortaleza  que  eslaua  tam  daneficada , 
que  a  fez  quasi  de  nouo,  &  mandou  fazer  dentro  casas 
pêra  pousarem  Portugueses,  &  tulhas  pêra  ter  manti- 
mfitos  dfls  annos  pêra  outros,  |)orque  se  lhe  sobreuiesse 
guerra  que  esteuesse  prouido  deles,  &  não  auendo  guer- 
ra os  dar  á  gSte  em  <lesconto  de  seu  soldo  &  mantimS* 
lo.  E  assi  ^z  a  casa  da  feytoria  de  pedra  &  cai  com 
tulhas  pêra  estar  o  crauo ,  &  mandoulhe  fazer  húa  cer- 
ca de  taypa,  &  junto  coela  mandou  fazer  a  casa  da  fer- 
raria de  taypa  que  dantes  era  de  sebe,  &  assi  era  a  ca^ 
sa  da  poloora  que  mandou  fazer  de  taipa  defronte  da 
porta  da  fortaleza ,  porque  lha  fião  furtassem  os  escra» 
uos  quando  a  faziãOé^E  porque  os  Portugueses  gastauam 
muylo  em  refazerem  cadanno  as  suas  casas,  que  er& 
de  paredes  de  canas  fendidas,  fez  coeles  q.ue  as  fizea* 
sem  de  pedra  &  ísal  5  com  suas  janelas  &  chaminés  co- 


456  DA    HISTORIA    DA    INDfA 

mo  em  Portugal,  &  que  se  cercassem  de  muro  de  tay« 
pa ,  o  que  íizerSo  á  sua  custa  sem  custar  a  el  Rey  na* 
da:  E quando  foy  ao  abrir  dos  alíceces  pera  esta  cerca, 
ei  rey  deTernate  deu  as  primeiras  enfadadas  por  amor 
Dãtonio  gaiuão,  &  após  ele  o  camarão  &  outros  fidal* 
gos,  &  António  galuão  os  banqueteou  aquele  dia,  & 
el  rey  lhe  deu  gSte  que  trabalhasse  nesta  obra,  &  a  fo« 
ra  este  muro  fora  feytos  ainda  outros  dous ,  porque  fi- 
casse ho  resio  darredor  da  cerca  em  campo  raso ,  pur* 
que  nas  outras  cercas  ficaua  a  terra  mais  alta  que  elas: 
De  maneyra  que  tinha  a  cidade  (res  cercas,  &  a  derra- 
deyra  tinha  seus  baluartes  &  era  cercada  de  caua  que 
ficaua  muyto  forte,  &  a  cidade  muy to  fermosa  com  muy-» 
tos  poços  dentro  &  parreyras  que  António  galuão  ali  le- 
uara,  que  estauâo  todo  o  ãno  verdes  &  com  fruyto,  que 
assi  he  a  qualidade  da  terra.  E  fez  com  eirey  que  des- 
se aos  Portugtieses  terras  que  laurassem  &  prantassem 
aruores,  em  que  fizerão  quíntafts,  em  que  traziâo  cria- 
ções de  galinhas,  porcos,  cabras,  &  ouelhas,  que  pa^* 
recia  o  campo  de  SãtarS:  E  pera  a  terra  ser  melhor  re- 
gida ,  fez  almotacés  &  vereadores.  E  por^  a  entrada  no 
porto  da  cidade  era  trabalhosa  &  perigosa  por  amor  dít 
penedo  2|  esíaua  no  meo  da  barra  de  nossa  Senhora  que 
era  a  principal,  mandou  quebrar  este  penedo,  &  fícou 
a  barra  tão  boa  que  dõde  dantes  nâo  podia  entrar  hõa 
coracora  sem  muyto  tento,  entraúa  &  saya  hil  nauio  á 
vela  sem  payxão,  &  mandou  aleuantar  tanto  o  arrecife 
que  ficaua  o  porto  como  fada  caldeyra  sem  o  mar  fazer 
nojo  aos  nauios  que  estauâo  dentro  por  mais  brauo  ^ 
andasse,  &  çarrou  as  outras  duas  barras.  E  vendo  el 
rey  de  Ternate  a  fermosura  da  nossa  cidade,  creceolhe 
cobiça  de  fazer  assi  a  sua,  ao  menos  nas  casas,  &  por 
seu  rogo  lhe  ordenou  António  galuã  como  auia  de  ser, 
&  ficou  a  cidade  arruada  &  muyto  mayor  do  que  era, 
do  ;|  os  mouros  estauâo  muy  contentes :  &  por()  a  sua 
mezquíta  ficaua   padrasto  da  nossa  fortaleza  a  mandou 
ei  rey  meter  dentro  na  sua  cidade.  E  assi  como  se  eiH 


LIVAO   VIII.    CAPITTLO   CXCIX.  457 

nobreceo  esta  cidade  de  Ternale,  se  ennobreceram  ou- 
tras Q  pareciâo  pouoaçÕes  Portuguesas.  E  pêra  a  nossa 
cidade  de  Ternate  ficar  de  todo  nobre,  trouue  António 
^aluâo  agoa  dali  três  legoas  ahura  grande  chafariz  que 
fez  junto  da  fortaleza  de  que  bebia  a  gente,  &  em  que 
bebião  gados,  &  lauauão  a  roupa,  &  da  agoa  que  sobe- 
jaua  regauã  ortas  &  pomares ,  assi  dos  Portugueses  co- 
mo dos  mouros,  que  dali  por  diante  a  seu  rogo  deixa- 
rão a  vida  da  guerra  que  iinhão,  &  derãose  a  lauTar& 
a  semear  &  a  criarê  gados ,  com  ^  a  jlha  ficou  grande- 
mente abastada.  £  António  galuâ  por  pagar  a  el  rey 
de  Ternate  quãtas  boas  obras  lhe  fizera,  o  tirou  da  for- 
taleza onde  estaua  como  preso  &  o  deixou  yr  pêra  a  ci- 
dade pêra  biias  casas  Q  fez  muy  suntuosas,  &  Ihentre- 
gou  a  gouernãça  de  seu  reyno  pêra  que  liuremente  o 
gouernasse,  &  lhe  deu  Jicença  pêra  Q  casasse,  ho  que 
os  reys  daquela  jlha  não  fizera  mais  depois  que  ali  foy 
feyta  a  nossa  fortaleza  &  estauâo  como  catiuos,  &  por 
esta  liberdade  que  António  galuão  deu  a  este  rey,  lhe 
ficou  ele  &  seus   vassalos  em   tanta  obrigação  Q  ele  & 
eles  lhe   tinhão   tclto  acatamento  como  que  se  fora  pay 
de  todos  &i  assi  lho  chamauão,  nS  o  nomeauS  por  outro 
nome,  nem  fazia  el  rey  nè  nhií  MandarI  cousa  Q  lho  n&o 
dissessem   primeiro  &  não  tomassem  em  tudo  seu  cõse- 
Ibo,  &  fazião  em  seu  louuor  muy  tas  cãtigas.  Eassi  como 
os  mouros  lhe  queria  bem  pplas  boas  obras  queJhe  fazia, 
assi  lho  querião  tâobê  os  Portugueses,  por^  lhes  fez  pa- 
gar muytas  diuidas  que  lhes  os  mouros  deuião  auia  an- 
nos,  &  nhQ  capitão  teue  poder  pêra  lhas  fazer  pagar,  & 
os  que  adoecíão,  ele  os  curaua  á  sua  custa,  por  el  rey 
não  ter  cõ  <)  os  curasse,  Sc  se  ele  não  fora,  todos  morre- 
rão de  fome,  ^  emprestou  a  el  rey  com  Q  lhes  pagasse  o 
mantimêto,  no  !\  perdeo  muyto,  porQ  cõ  empregar  o  seu 
dinheiro  nisto,  não  fez  nunca  sua  fazenda,  &  dous  an- 
nos  teue  este  trabalho  &  gasto,  por^  em  todo  este  tempo 
nunca  os  gouernadores  nem  o  vedor  da  fazenda  mandarão 
roupas  á  fortaleza  pêra  se  a  gente  prouer  de  mantimentos. 

UV&O  VIU.  MBIM 


468  DA  llIBTOaiA  BA  ÍNDIA 

C  A  P  I  T  V  L  O    CC. 

De  como  no  Morro  se  leua»aau  hA  capin&o ,  ^  àt  €tmt# 

foy  morto  ^  ^  ào  mais  ^  passou. 

.andando  António  galuSo  ocupado  nestas  eousab  «ou*- 
be  que  no  Morro  se  leuantara  hu  capitão  que  afora  le* 
uâlar  a  terra,  &  trazia  por  mar  bQa  grossa  armada  com 
que  andaua  lâo  soberbo  Q  dizia  que  auia  de  correr  a 
Ternate:  o  !\  sabido  por  António  galuâo  mandou  iogò 
lá  falia  armada  de  corascoras  que  Ibe  emprestou  el  rey 
de  Tidore ,  &  mandou  por  capiiio  mór  dela  hft  clérigo 
de  missa  que  auia  nome  Fernão  vinagre  com  eorêCaPor^ 
tiigueses,  que  foy  lá,  &  pelejou  com  aquele  capitã^  quil 
foy  morto  na  batalha  &  h&  seu  yrmão,  &  outros  muy-*^ 
tos,  &  a  outra  gente  fugio.  E  depois  desta  vitoria  as-^ 
sentou  Fernio  vinagre  a  terra,  &  fe^  rebautizarmujtos. 
que  forSo  CbristSos ,  &  fez  muy tos  de  nouo ,  &  leuou  a 
armada  carregada  de  mantimentos.  E  vendo  António 
galuâo  quSo  bem  aquilo  sucedera ,  &  os  Cbristáos  Q  se 
lá  (izerão,  tornou  a  mandar  Fernão  vinagre*^  <)  ainda 
fez  mais  Chrislâos,  cujos  iilbos  heuou  a  António  galuâo 
por  seu  mandado  pêra  os  mandar  doutrinar  na  nossa 
sancta  fee ,  &  mandak»  insinar  a  ler  &  a  escreaer ,  no 
que  tâobS  gastou  muyto ,  &  assi  em  dar  peças  a  seus 
pB3fs  quãdo  o  vão  ver,   porQ  <2oisto  os  tinha  seguros  na 
Cbrisíandade  Íl  na  bmizade,  &  este  foy  hfl  grande  ser- 
tivço  qae  fet  a  Deos  &  a  el  rey ,  porQ  afoita  os  mnyloB 
Chtistãòs  qife  (^  âaerão  &  permanecera ,  ganbonse  le*- 
uare  daK  maytos  maniitíieatos  a  Ternale  ,  oõ  4  ^  terra 
esteue  mais  barata  do  que  nilea  esteue.  E  4epoís  disto 
sabendo  António  galuâo  ^ae  nauegaua  peraMalvcdhfra 
grossa  «rmada  4e  junges  da  laóa,  B2da^  Macai^ar  ^  £t 
Atnboyno,  que  ya  buscar  crauo,  a  cujo  ^rato  esperairã^ 
de  dar  muy  ta  attelbariat^  &  armas  qope  leuaulto 'ôomo 
dantes  faziSo,  &  por  estia  g6te  nã  yr  ás  }lba8  de  Malu^ 


LIVRO   VIII.   CIFITVLO  CC.  459 

CO  donde  depois  nrião  mãos  de  deitar,  &  farilo  toroa- 
ção  em  se  auer  ho  erauo  pêra  el  rey,  determinou  de  Ibes 
impedir  a  vinda,  pêra  o  !\  mandou  a  Âmbbyno  Diogo 
lopez  dazeuedo  capitam  mór  do  mar  de  Maluco,  cd  hâa 
armada  de  vinte  cinco  coratcoras  &  duzentos  mouros 
que  lhe  emprestou  el  rey  de  Tidore,  em  I)  foy  seu  yr- 
mão  Cachii  rade,  &  Diogo  lopes  leuou  corèta  Portugue- 
ses, &  dusêtosTernates.  E  chegado  a  Amboyno,  achou 
a  frota  que  digo  com  que  pelejou  &  a  desbaratou  &fez 
fugir  Sc  desfazer  com  morte  de  muytos  dos  que  yfto  ne- 
la, &  em  algQs  jungos  que  se  lhe  rõderão ,  achou  muy- 
ia  arlelharia,  muylas  armas,  Sc  muyto  dinheiro,  &dnU 
foy  ao  lÕgo  da  costa  com  sua  armada ,  &  assentou  ami- 
zade em  toda  ela ,  &  os  i)  a  não  l)riâ  por  bem ,  fazialha 
receber  por  mal,  &  em  três  lugares  principaes  que  se 
chamão,  Atiua,  Mantelo,  &Nuciuèl,  fez  fazer  os  seus 
moradores  Christãos,  pedindolho  eles  com  grade  instS-- 
eia,  E  assi  se  tornou   pêra  Ternate  leuando  hQ  yrmão 
dei  rey  de  Ternate  que  lá  estaua  fugido,  do  tSpo  de 
Tristão  datayde,  &  Cachii  vaidua  do  tempo  de  dom 
lorge,  &  assi  outros  do  pouo.  E  tãobem  nesta  cõjnnção 
mãdou  António  galuão  a  seu  sobrinho  loâo  fogaqa  cd 
b&a  armada  ás  jlhas  dos  Papuaa  a  buscar  as  duas  nãos 
de  Castelhanos  4  disse,  por  saber  que  erâo  la  lanhadas, 
mas  não  as  achou  por  serem  perdidas ,  &  descobrio  a- 
quelas  jlhas  &  assentou  amizaide  com  todos  os  reys  de- 
las, que  mandarão  a  armada  carregada  de  mantimentos 
a  António  galuão.  E  neste  tSpo  forão  ter  a  Ternate  dous 
yrmãos  Macaçares  de  nação,  que  estado  em  Ternate  & 
sendo  gStios,  inspirados  de  nosso  Senhor  se  fizera  Chris- 
tãos, &  foy  seu  padrinho  António  galuão,  cujo  nome 
tomou  o  mais  velho  &  o  mais  moço  ouue  nome  IMíguei 
galuão,  Q  bautizados  se  forão  á  jlha  do  Macaçar  donde 
erão  naturaeis,  &  dahi  tornarão  a  ver  António  galuão, 
eõ  hda  armada  carregada  de  sândalo  &  algii  ouro  &  ar- 
mas, &  outras  mercadorias,  í\  disserâo  a  António  gal- 
uão que  auia  nas  jlhas  do  Macaçar  &  dos  Celebes ,  on- 

MMM   2 


460  DA  BI8T0&IA  SÁ   ÍNDIA 

de  folgariito  moyto  de  terfi  trato  com  os  Portugueses, 
&  se  lá  fossem  se  fariSo  muytos  Christáos,  &  pêra  e 
serem  vinhão  algQs  mancebos  fídalgos,  a  que  logo  foy 
dada  agoa  de  bautismo,  £  ouuyndo.  Adíodío  galuão  as 
Douas  desta  terra  folgou  muylo,  assi  por  se  alargar  nela 
a  fee  de  Chrísto,  como  pêra  os  Portugueses  fazerê  seu 
proueito:  &  logo  ordenou  de  mandar  lá  hQ  caualeiro 
chamado  Francisco  de  crasto  casado,  bomS  muyto  pêra 
isso ,  a  !\  deu  bú  regimento  que  assentasse  amizade  cõ 
os  reys  darias  terras  ,  &  Irabalbasse  por  se  tcrnar5 
Chrisiãos ,  pêra  ho  que  lhe  deu  muytas  peças  que  lhes 
desse  de  presentes ,  &  que  tudo  fosse  por  bem.  E  des* 
pachadoFrancisco  de  crasto  partiodeTernateem Mayo, 
&  aos  vinteseis  de  lunho  chegou  a  blla  jlha  dosCelebes 
chamada  Chedigão,  que  está  em  doze  grãos  &  dobs 
terços,  cujo  rey  &  pouo  erão  gentios,  &  assentou  logo 
amizade  com  el  rey  vendose  no  mar,  &  ambos  se  san- 
grarão nos  braços ,  &  h&  bebeo  ho  sangue  do  outro,  & 
dahi  a  poucos  dias  se  fez  el  rey  Ghristão,  muyto  con- 
tra vontade  dos  do  seu  conselho,  &  foylhe  posto  nome 
dom  Frâcisco,  &  foy  bautizarse  dentro  ao  nauio,  Qnão 
quis  Francisco  de  crasto  yr  a  terra,  &  assi  se  fizerâo 
Chrisiãos  três  yrmãos  dei  rey  &  sua  molher  Sc  hHí  61ho, 
&  cento  &  trinta  fidalgos,  &  muytos  do  pouo.  E  passa- 
dos vinte  tious  dias  que  Francisco  de  crasto  gastou  nis- 
so partiose ,  deixando  em  todos  muyta  soydade ,  &  dali 
foy  ao  longo  da  jlha  de  Mindanao,  &  chegou  a  hum 
rio  ondestaua  hQa  cidade  chamada  Soligão  cujo  rey  se 
fez  CbristSo,  &  foylhe  posto  nome  Anlonio  galuâo,.  & 
coele  recebeo  agoa  de  bautismo  aRaynha  &  duas  filhas, 
&  bõ  cento  &  ctncoenta  pessoas  outras.  £  depois  se  íi- 
zerão  na  mesma  jlha  Chrisiãos  el  rey  de  Butuão,  a  que 
chamarão  dom  loão  o  rey  grande ,  el  rey  de  Pimilara 
que  lãobem  se  chamou  assi,  el  rey  de  Camiguy  a  ^  po-- 
serão  nome  áò  PVancisco.  Eassi  receberão  agoa  de  bau- 
tismo suas  molberes,  filhos,  &  yrmãos,  &  muyta  parte 
de  seus  vassalos,  assi  dos  nobres,  como  do  pouo.  K 


X 


LITAO   VIII.   CAPITTLO  CC.  461 

querendo  Francisco  de  crasto  passar  desta  jlha  á  dolMa- 
caçar,  foylhe  o  vento  tão  contrayro,  que  mil  vezes  es* 
teue  perdido  9  pelo  que  os  que  yão  coele  não  quiserão 
que  passasse  por  diante ,  &  o  (izerão  tornar  a  Ternale^ 
leuando  mujtos  filhos  daqueles  que  se  tornarão  Cbri- 
slãos,  pêra  lhe  ser  insinada  a  doutrina  cbristaã  &  a  nos- 
sa lingoa,  o  que  António  galuão  fazia  com  grande  cuy- 
dado ,  &  08  criaua  como  filhos.    - 


L  A  V  S    D  E  O- 


Foy  impresso  este  Octauo  liuro  da  historia  da  índia  em  a 
BQQjto  nobre  &  leal  cidade  de  Coimbra »  por  loao  de  Barrevra  im- 
pressor dei  Rey  na  mesma  vniuersidade.  Acabouse  aos  vmtaseys 
dias  do  mes  Dagosto  de  ld61.  aonos. 


TAVOADA 


DO  OCTAVO  LIVRO. 


C. 


^APiTVLO  I.  De  como  Nuno  da  cunha  chegou  dlndia^ 
^  foy  entregue  da  gouemança.  Pag.       I 

Cap.  II.  De  como  forâo  presos  Lopo  vaz  de  sam  Payo 
^  ho  licenceado  íoâo  de  soyro.  â 

Cap.  iii«  Do  que  dÓ  lorge  de  crasio  fez  na  ilha  de  Bâ-- 
da.  6 

Cap  II II.  De  como  dom  lorge  de  meneses  foy  sobre  a 
cidade  de  Tidore.  7 

Cap.  V.  De  como  dom  lorge  de  meneses  tomou  a  cidade 
de  Tidore.  10 

Cap.  VI.  Do  concerto  que  fizer âo  dom  lorge  de  meneses y 
^  Fernão  dela  torre.  13 

Cap.  VII.  Do.quejez  dom  Jorge  de  meneses  despois  deste 
concerto.  1 5 

Cap.  viu.  De  como  António  da  siiutyra  de  meneses  des- 
truyo  çurrate  ^  Rtynel.  17 

Gap.  IX.  De  arniO- António  da  silueira  dtstrttyo Damâo^ 
^  Agacim  ^  ^  ^Mirvs  muytos  lugares  de  Céòaya.     20 

Cap.  X.  De  como  ho  capitão  de  Reynel  desbaratou  a 
Frâcisco  pereyta  de  berredó ,  capitão  da  fortaleza  de 
Chaul.  22 

Cap.  XI.  De  como  ho  goutmador  prendeo  Francisco  pe^ 
reyra  de  berredo.  25 

Gap.  XII.  De  como  Diogo  da  silueira  queymou  Calicut, 
^  foy  sobre  ho  lugar  de  Mangalor ,  ^  Ao  destruyo  de 
todo.  26 

Cap.  xiii.  Do  que  aconteceo  a  Diogo  da  silueira  com 
Patemarcar  capi%ào  da  armada  de  Galtcut.  3 1 

Cap.  xiiii.  De  como  Eytor  da  silueyra  foy  por  capi- 
tão \nár  ao  cabo  de  Goatdí^m^  4*  Aos  presas  que 
fez.  33 


464  TA  VOADA  • 

Gap.  XV.  De  como  os  Rumes  leuantarâo  ho  cerco  a 
Adem  com  medo  da  nossa  armada.  34 

Cap.  XVI.  De  como  Eytor  da  silueira  fez  que  el  Rey 
Dadem  sejizesse  tributário  dei  Rey  de  Portugal.      35 

Gap.  XVII.  Dexomo  Gonçalo  Pereyra  chegou  a  Malaca.  38 

Gap.  XVIII.  De  como  rnorreo  el  rey  de  Ternate^  ^  se 
matou  Cachil  vayaco»  40 

Cap.  XIX.  Da  injuria  quefeyfeyta  a  Cachil  vaydua.  E 
do  mais  que  sucedeo.  42 

Gap.  XX.  ue  como  ho  gouemador  de  Tahona  foy  deita- 
do aos  cães ,  ^  Cachil  daroes  foy  degolado.  45 

Gap.  XXI.  De  como  Gonçalo  pereyra  chegou  d  ilha  de 
Ternate.  47 

Gap.  XXII.  De  como  Gonçalo  pereyra  prometeo  à  ray- 
nha  de  Ternate  de  lhe  entregar  seu  fUho.  50 

Gap.  XXII I.  Do  que  Gonçalo  pereyra  fez  despois  de  che-- 
.gar  a  Ternate.  54 

Gap.  xxiiii.  De  como  Gonçalo  perjsyra  quisfa^r  crauo 
pêra  el  R^  de  Portugal.  57 

Gap.  XXV.  6a  desauençá  que  ouue  ántrédom  lorge  de 
meneses  ^  Gonçalo  pereyra.  60 

Gap.  XXVI.  De  como  se  perderão  no  mar  dom  Femian* 
do  de  lima  de  Sanctarem  ^  Lopo  dazeuedo.   .  65 

Gap.  XXVI i.  De  diuersas  armadas  que  partirão  pêra  a 
índia.  ,  ,  ibíd. 

Gap.  XXVIII.  De  como  foy  morto  Hagamahumud  por  dô 
Manuel  telo  de  meneses.  66 

Gap.  XXIX.  De  como  ho  gouema/dor  Nuno  da  cunha 
partia  de  Chaul  pêra  a  cidade  de  Diu.  69 

Gap«  XXX.  De  como  ho  qouernádor  pelyou  na  Uha  do 
betele  com  ho  capitão  dei  rey  de  Cambaya ,  ^  lha  to- 
rnou. 71 

Gap.  XXXI.  De  como  ho  gouernador  chegou  a  Diu^  ^ 
corno  soube  que  Rumecão  estaua  dentro^  com  f%imes  4r 
ar  telhar  ia.  76 

Cap.  XXXII.  De  como  ho  gfmernador  deu  bateria  a  Diu^ 
^  do  que  lhe  aconteceo.  79 


TA  VOADA*  4fiÒ 

Cap.  XXXIII.  De  como  ho  gouernador  se  partiu  do  porio 
de  Diu.  84 

<3ap.  xxxiiii.  Do  que  ho  gouernador  fez  despoys  de  se 
yr  de  Diu.  85 

Gap.  XXXV.  D€  como  António  de  saldanha  destruyo  a 
cidade  de  Goga ,  ^  do  mays  que  fez  na  cosia  de  Cam- 
baya.  86 

Cap,  XXXVI.  De  como  lorqe  de  lima  socedeo  na  capita- 
nia a  dom  António  da  suueyra.  88 

Cap.  XXXVII.  De  como  Gonçalo  pereyra  fez  amizade 
com  el  Rey  de  Tidore.  89 

Cap.  xxxviii.  De  como  a  Raynha  de  Ternate  determi- 
nou de  matar  Gonçalo  pereyra.  91 

Cap.  XXXIX.  De  comofoy  morto  Gonçalo  pereira.  E  os 
mouros  que  ho  matarão.  93 

Catp.  xl.  De  como  Vicente  dcfonsecafoy  leuaiHado  por 
capitão  da  fortaleza  de  Ternate.  98 

Cap.  xli.  Do  q  fez  Victte  dafonseca  despoys  de  ser  cor 
pitão.  103 

Cap.  xlii.  De  como  Vicête  da  fonseca  soltou  el  rey  de 
Ternate.  106 

Cap.  xLiii.  De  como  ho  gouernador  começou  a  fortale- 
za  de  Chalé.  108 

Cap.  xliiii.  De  como  ho  capitão  már  Diogo  da  silueyra 
destruyo  ho  lugar  de  Tona.  110 

Cap.  xlv.  De  como  o  capitão  mór  Diogo  da  silueyra 
destruyo  a  vila  de  Bandora.  1 1 2 

Cap.  xlvi.  De  como  se  leuantou  Damião  bernaldez  ^ 
do  qfez.  l\é 

Cap.  xlvii.  Do  mays  que  fez  Damião  Bernaldez.  E  co- 
mo morreo.  116 

Cap.  xlviii.  De  como  António  de  saldanha  foy  por  ca-- 
pitão  mór  ao  cabo  de  Goardafum.  119 

Cap.  xlix.  D€  como  Rayx  ale  quisera  matar  elRey 
Dormuz  seu  jrmâo.  120 

Cap.  l.  De  como  Manuel  de  Vasconcelos  ^  outros  to- 
marão a  nao  çafeturca.  121 
livro  viii.                                 nnn 


466  TAVOÁIM. 

Cap.  li.  De  como  ho  gouernador  determinou  de  tomar 

a  fortaleza  de  Baçaym.  122 

Cap.  1^11.  De  como  Diogo  da  silueyra  tomou  as  cidades 

de  Patane^  Paíe  ^  Mangalor.  12 a 

Cap.  Liii.  De  como  já^adacã  fez  paz  com  ho  gauerna-^ 

dor ,  ^  lhe  deu  as  tanadarias  de  Salsete  pêra  el  Rey 

de  PoriugaL  127 

Cap.  li  111.  Das  diferenças  q  ouue  antre  Vicente  dafon^ 

seca  ^  Brás  pereyra.  129 

Cap.  lv.  Do  q  Pateçarâque  ^  Trauancelo  delerminmâo 

contra  el  rey  Cachil  Úayaío.  131 

Cap.  lvi.  De  como  el  rey  Cachil  Dayalo  se  passou  pêra 

a  terra  alta.  J35 

Cap.  lvii.  De  como  Vicente  dafqnseca  tomou  a  cidade 

de  Tidore.  J38 

Cap.  ltiii.  De  como  el  rey  Cachil  dayalo  perseguido  de 

Vicente  dafonseca  se  foy  morar  a  Geyhlo.  141 

Cap.  lix.  De  como  ho  gouemador  determinou  de  yr  so*^ 

bre  a  fortaleza  de  Baçat^  ^  do  sitio  da  fortaleza.  144 
Cap.  lx.  Como  Melique  quisera  deter  cô  engano  ho  Go^ 

uernador  â^  não  cometesse  a  fortaleza.  1 46 

Cap.  lxi.  De  como  Diogo  da  silueyra^  Martim  afonso 

de  melo  jusarte:  ^  Manuel  dalbuquerque  desbaratarão 

a  trâqueyra  dos  imigos.  149 

Cap.  Lxii.  De  como  os  imigos  despejarão  a  fortaleza  de 

Baçai.  i  b  1 

Cap.  lxiii.  De  como  Manuel  dalbuquerque  foy  derribar 

a  fortaleza  de  Damão.  Iè4 

Cap.  Lxim.  De  como  chegarão  aa  índia  certas  arma-- 

das  de  Portugal.  Ib6 

Cap.  lxv.  De  como  Vasco  da  cunha  foy  espiar  Diu.  109 
Cap.  irXvi.  Do  que  fez  dom  Paulo  da  gama  despoys  de 

ser  capitão  de  Malaca.  i(i2 

Cap.  Lxvii.  Da  treyçâo  que  el  rey  de  Bengala  ordenou 

contra  Martim  afonso  de  melo  jusarte.  \  64 

Cap.  iixviii.   De  como  Martim  afonso  de  melo  jusarte 

foy  preso  em  Bengala.  168 


TATOADA.  467 

Cap.  lxix.  Do  perigo  em  que  ot  Portugueêes  têteverâ 

de  serem  mortos.  170 

Cap.  lxx.  De  como  os  Castelhanos  que  estxmâo  em  Gei- 

lolo  se  forâo  pêra  Tristão  daiayde.  174 

Cap.  lxxi.  De  como    Tristão  datayde  queymou  a  d* 

dade  de  Geylolo ,    ^  como  Cachil  catabrtmo  se  fez 

Rey.  177 

Cap,  Lxxir.  De  como  ho  gouernador  foy  a  Diu  pêra  se 

ver  c6  el  rey  de  Cambaya,  1 80 

Cap.  lxx II k  De  como  Manuel  de  macedo  se  desafiou  c6 

Rumecâo^  ^  não  lhe  sayo  ao  desafio.  .  ih2 

Cap.  Lxxiiii.   De  como  indo  dom  lorge  de  crasto  sobre 

el  rey  de  Reyxel,  se  tornou  sem  fazer  nada.  184 

Cap.  lxxv.  De  como  Francisco  de  gouuea  fov  por  ca^ 

pitão  mor  da  armada  côtra  el  rey  de  ReyxeL         186 
Cap.  lxxvi.  Do  que  fez  Francisco  de  gouuea  dcspoys  ^ 

vio  que  el  rey  de  Reyxel  não  queria  paz.  1 88 

Cap.  lxxvi [.  Do  que  fez  António  da  silua  de  Meneses 

em  Bengala,  190 

Cap.  lxxviii.  De  como  húa  armada  dei  rey  Dugentana 

foy  correr  a  Malaca^  ^  de  como  foy  morto  dom  Pau^ 

lo  da  gama  ^  outros.  193 

Cap.  lxxix.  De  como  Francisco  de  barros  de  payuafoy 

buscar  mantimentos  a  Patane ,  ^  do  que  Ike  aconte- 

ceo.  I 96 

Cap.  lxxx.  De  como  Diogo  da  silueyra chegou  aponta 

de  Diu  ^  do  que  hi  fez.  197 

Cap.  lxxxi.  De  como  chegou  d  índia  Martim  afonso 

de  sousa.  198 

Cap.  Lxxxif.  De  como  Martim  afonso  de  sousa  tomou  a 

vila  de  Damão.  199 

Cap.  lxxxiii.  De  como  el  Rey  dos  Mogores  entrou  na 

índia.  202 

Cap.  lxxxi iit.  De  como  el  R^y  de  Cambaya  deu  Ba- 

çaym  a  el  Rey  dom  loam  de  PortugaL  204 

Cap.  lxxxv.  De  como  indo  dom  Esteuão  sobre   el  rey 

Dugentana  lhe  desbaratou  kâa  Iranqueyra.  206 

NNN    2 


468  TA  VOADA. 

Cap.  Lxxxvi.  De  como  dom  Esteuâo  chegou  d  fortaleza 

dos  tmmiffos.  208 

Cap.  Lxxxvir.  De  como  dô  Esteuâo  desbaratou  el  rey 

Dxigentana.  211 

Cap.  Lxxxviii.   Do  q  fez  dô  Esteuâo  despois  q  desbara'* 

tou  el  Rey  Duyentana.  2i3 

Cap.  lxxxix.  De  cmno  Francisco  de  barres  de  payua 

^*  Anriq  midez  de  vascôcelos  pelejarão  cô  húa  armada 

de  laos.  214 

Cap.  xc.  De  como  Francisco  de  barros  ^  Ânrrique  «len- 

dez  de  Vasconcelos  se  tornarão  a  Malaca»  2 1 7 

Cap.  xci.   De  como  muytos  gentios  q  morauão  no  Mor^ 

ro  se  tomarão  Ckrisíâos.  218 

Cap.   xcii.    De  como    Tristão  datayde  prendeo  el  rey 

Tabarija   de  TermUe^   ^'  sua  mây  ^   ^  Pate^aran^ 

gue.  220 

Cap.  xcii f.  De  como  Tristâ  dataide  fez  guerra  a  el  rey 

de  Bachão.  223 

Cap.  xciiií.  De  como  el  rey  de  Cambaya  foy  buscar  el 

rey  dos  Mogores.  225» 

Cap.  xcv.   De  como  el  rey  de  Cambaya  sem  pelejar  foy 

desbaratado ,  por  el  rey  dos  Mogores.  228 

Cap.  xcvi.  De  amu)  el  rey  de  Câbaya  se  acolheo  aDiu^ 

^  do  mais  que  fez.  231 

Cap.  xcvii.  De  como  Mnriim  afonso  de  sousa  soube  ho 

desbarato  deUrey  de  Câbaya.  2:J4 

Cap.  xcvii I.  De  como  el  rey  de  Câbaya  mâdou  pedir  so- 

corro  ao  Turco^  237 

Cap.  xcix.  De  como  el  rey  de  Câbaya  foy  acôselhado  ^ 

desse  fortaleza  em  Diu  ao  gouernador.  239 

Cap.  c.  De  como  Martim  afonso  de  sousa  ^  Symâofer^ 

reifra  chegará  a  Diu  ^  ^  do  ^  assentará  cò  el  rey  de 

Câbaya.  241 

Cap.  Cl.  De  como  ho  gouernador  se  partia  pêra  Diu^  a 

chamado  dei  rey  de  Cambaya.  >  243 

Cap.  cu.  De  como  ho  gouernador  chegou  a  Dkty  ^  se 

vio  c6  el  rey  de  Câbaya^  246 


TáVOADA.  469 

Cap.  cm.  Do  façanhoso  Jeyto  que  fez  Diogo  botelho  em 

^e  J/r  em  húa  fusta  pêra  Portugal.  248 

Cap.  ciiii«  De  como  çoleymâo  Haga  entrou  na&  terras 

da  Tanadaria  de  Salsete.  2õ2 

Cap.  cv.  De  como  Manuel  de  vascôcelos  desbaratou  os 

mouros  que  estauâo  na  tranqueyra  de  Bóri.  2ò4t 

Cap.  cvi.  De  como  dom,  lohâo  Jez  no  rio  de  Salsete  a 

fortaleza  de  São  lohâo  de  Rachol.  2òb 

Cap.  cvii.  De  cmno   Vasco  pirez  de  saô  payo  tomou  a 

fortaleza  de  Variuene  no  rio  Indo.  2ô6 

Cap.  cviik  De  como  foy  começada  a  fortaleza  de  Diu^ 

pelos  Portugueses.  258 

Cap.  cix.  De  como  Xercansur  tomou  ho  reyno  dos  Pa- 

tanes  a  el  rey  de  Bengala.  260 

Cap.  cx.  De  como  el  rey  de  Bengala  mandou  ao  gouer- 

nador  vinte  Portugueses  dos  que  catiuou.  261 

Cap.  CXI.  De  como  Tristão  dalayde  mandou  el  rey  Ta^ 

tarifa  ao  gouernador  da  índia.  262 

Cap.  cxii.  t)e  como  os  Reys  das  ilhas  de  Maluco  jura-- 

râo  de  fazer  guerra  a  Tristão  datayde.  263 

Cap.  CXI II.  De  como  os  mouros  de  lemate  despouoarão 
•    a  cidade.  26õ 

Cap.  cxiiii.  De  como  Tristão  datayde  quisera  fazer  paz 

i6  os  mouros^  ^  eles  não  quiserâo.  267 

Cap.  cxv.  De  como  se  leuantarão  os  lugares  do  Morro.  270 
Cap.  cxvi.    Do  espantoso  feyto  que  fez  dom  loam  de 

Mamoya.  272 

Cap.  cxvii.  De  como  os  outros  reys  das  ilhas  de  Maluco 

se  leuantarão.  275 

Cap.  cxviii.  Do  que  fez  Tristão  datayde  prosseguindo 

a  guerra.  E  de  como  Frãcisco  de  sousa  tomou  7u- 

rutoo.  277 

Cap.  cxix.  Do  que  aconteceo  a  Tristão  datayde  com  a 

armada  det  rey  de  Tidore.  2òO 

Cap7  cxx.  De  como  indo  hum  capitão  dei  rey  dos  Mo- 

gores  sobre  Baçaym  deyxou  de  kir  com  medo  dos  Por- 

tugueses.  263 


470  TATOADA. 

Cap.  cxxi.  De  como  ti  rey  de  Câbaya  quisera  fazer  hã 

muro  antre  a  nossa  fortaleza  ^  a  cidade.  285 

Cap.  cxxii.  De  como  os  Mogores  forão  desbaratados.  289 
Cap.    cxxiir.    De   como  dom,  loâo  pereyra   capitão  de 

Goa  desbaraíou  çoUymão  hcufa.  290 

Gap.  cxxiiiK  De  comofoy  acabada  a  fortaleza  de  Diu^ 

&  f^y  com^ada  a  de  tíaçaym.  t^^ 

Cap.  cxxv.  Úe  como  António  Galuâo  par  tio  pêra  Ma^ 

luco.  296 

Cap.  cxxvi.  De  corno  el  rey  de  Calicut^  se  quisera  cO' 

roar  em  Repelim ,  ^  não  pode.  tQB 

Cap.  cxxvii.  De  como  Xercansur  fez  guerra  a  el  rey 

de  Bengala.  299 

Cap.  cxxviii.  De  como  el  rey  de  Bengala  fez  paz  c6 

Xercansur.  301 

Cap.  cxxix.   De  como  el  rey  Dugentana  fez  paz  c6  dom 

Esteuâo  da  gama.  tO^h 

Cap.  cxxx.  De  como  Tristão  datayde  mãdou  pedir  so- 

corro.  soe 

Cap.  Gxxxr.  De  como  os  mouros  quiserão  queymar  húa 

nao  dos  Portugueses  ^  nãf)  poderão.  307 

Cap.  cxxxii.  De  como  Tristão  datayde  tornou  cometer 

paz  aos  mouros  ^  naÔ  quiserâo.  310 

Cap.  cxxxii r.  De  como  Tristão  dataide  destruhio  a  ct- 

dade  do  Toloco.  3i2 

Cap.  cxxxiiii.  De  como  foy  morto  poios  mouros  Balie^ 

sar  vogado.  314 

Cap.  cxxxv.  Do  mays  que  os  mouros  fizerâo  despoys  de 

tomarê  ho  bargantim.  315 

Cap.  cxxx VI.  Lie  como  dom   loâo  pereira  pelefou  em 

Bardes  c6  íanebeque  capitão  Daçadacâo  ^  ^  ho  desba* 

ratou.  317 

Cap.  cxxxvii.  De  como  António  da  sihieira  pelejou  cô 

Çarnabeq  capitão  Daçadacâo  em  Bardes ,  ^  o  desba- 
ratou. 319 
Cap.  cxxkvuí.  De  como  António  da  sHueira  fez  húa 

tranqueyra  em  Bardes.  325 


TA VOA  DA.  471 

Cap.  cxxxix.  De  comofoy  preso  Garcia  de  Sd^  ^  An- 
tónio da  silueira  foy  acabar  de  fazer  a  fortaleza  de 
Boçaim.  327 

Cap.  cxl.  De  como  Marti  afonso  de  sousa  foy  socorrer 
a  el  rey  de  Cocht  j  ^  do  ^ue  fez  no  caminho.        ibid. 

Cap.  cxLi.  De  como  Martim  afonso  de  sousa  chegou  a 
Cochi.  323 

Cap.  cxlii.  De  como  el  rey  de  Calicut^  com  medo  de 
Martim.  afonso  de  sousa  se  retirou  peia  suas  terras :  ^ 
de  como  Martim  afonso  começou  de  fazer  guerra  a  el 
rey  de  Repelim.  329 

Cap.  cxLiii.  De  como  Marti  afonso  de  sousa  desbaratou 
el  rey  de  Rq[}elim^  ^  lhe  ^eymou  a  cidade»  331 

Cap.  cxlijii.  De  como  Marttm  afonso  defendeo  a  el  rey 
de  Calicui  que  não  passasse  polo  passo  do  vao»        333 

Cap.  cxlv.  De  como  António  de  brito  pelejou  algúas 
vezes  no  passo  do  vao  com  a  gente  dei  rey  de  Calicut 
^  sempre  venceo.  3  36 

Cap.  cxlvi.  De  como  Martim  afonso  de  sousa  desbara^- 
tou  Cotialemacar  capitão  mor  do  mar  dei  rey  de  Ca- 
licut* \  337 

Cap.  cxlvii.  De  como  Martim  afonso  de  sousa  quisera 
pelejar  em  terra  com  os  imigos  ^  não  pode.  339 

Cap.  cxi.viii.  De  como  jíçadacão  começou  de  fazer 
guerra  ao  gouernador.  341 

Cap.  cxlix.  De  como  dom  Gonçalo  couiinho  ^  foy  des- 
baratado^ no  passo  Debori.  342 

Cap.  cl.  De  como  Pêro  de  faria  derribou  a  fortaleza  de 
RachoL  346 

Cap.  clk  Dú  ardil  c6  que  el  rey  de  Cambaya  quisera 
cegar  a  fortaleza  de  Diu  ^  não  pode.  349 

Cap.  cLii.  De  como  el  rey  de  Cambaya  tornou  a  Diu, 
^  do  que  fez.  3õ2 

Cap.  cLiii.  De  como  Manuel  de  sousa  escreueo  ao  Go^ 
uernador  o  que  passaua  em  Diu,  3õ5 

Cat.  cLiiii.  De  como  foy  de^uberta  ao  gouemador  a 
treyção  dei  rey  de  Cambaya.  357 


47)  TAVOADA, 

Cap.   clv*    De  como  António  galuáo  chegou  a  Mala^ 

ca.  3 GO 

Cap.  clvi.  De  como  ArUonio  galuáo  chegou  aa  jlha  de 

Temate.  362 

Cap.  clvii.  De  como  António  galuão  se  apercebeo  pêra 

yr  pelejar  com  os  mouros  a  Tidore.  S6i 

Gap.  clviii.  De  como  António  galuão  destruyo  de  todo 

a  cidade  de  Tidore.  368 

Cap.  CL4X.  De  como  os  Reys  de  Geiloh  ^  de  Bachão , 

^  os  outros  se  foram  pêra  suas  terras.  373 

Cap.  clx.  De  como  António  galuão  fez  paz  com  el  rey 

de  Tidore.  375 

Cap.  clxi.  De  como  se  os  Portugueses  amotinarão  pêra 

fazerem  crauo.  377 

Cap.  cLXir«  Do  mais  que  passou  António  galuão  c6  os 

Portugueses  sobre  o  crauo^  380 

Cap.  clxi II.  Do  que  Tristão  Dataydefez  a  António  da 

Madureyra.  382 

Cap.  clxi III.    De  como  el  rey  de  Cambaya  foy  ver  ha 

gouernador  ao  galeão.  384 

Cap.  clxv.  De  como  foy  morto  el  rey  de  gkimbaya.  387 
Cap.  clxvi.  Do  que  sucedeo  depois  da  morte  dei  rey  de 

Cambaya.  39 1 

Cap.  clxvii.  De  como  Mirzâoham£t  se  fez  rey  deCam" 

baya  c6  fauor  do  Gouernador.  392 

Cap.  clxvui.  De  como  os  capitães  ^  senhores  de  Cam^ 

baya  desbaratarão  Mirzãohamet^  que  se  chamaua  rey 

de  Cambaya.  394 

Cap.  cLXix.  De  como  os  regêtes  de  Cambaya^  deyxarâo 

por  fronteiro  côtra  Diu  Alucão  ^  ^  do  mais  ^  pas^- 

sou.  395 

Cap.  clxx.    De  como  lorge  mascarenhas   partia  pêra 

Maluco.  396 

Cap.  clxxi.  De  como  os  capitães  das  nãos  da  carga  che^ 

garã  aa  índia.  397 

Cap.  clxxii.  De  como  ho  Chuernador  soube  que  ya  kHa 

armada  de  Turcos  aa  índia.  398 


TAVOADA.  473 

Cap.  clxxiik  Do  dano  que  Pateniacar^  ^  outros  capi- 
tães de  Calicut  fizerào  aos  Portuífueses.  399 

Gap.  clxxiiii.  De  como  Marti  afonso  de  sousa  chegou 
onde  esíauâo  os  capitães  dei  rey  de  Calicut.  .  400 

Cap.  clxxv.  De  como  forão  desbaratados  por  Martim 
afonso  de  sousa  os  capitães  dei  rey  de  Caltcut.        403 

Cap.  clxxvi.  Do  mais  que  fez  Martim.  afonso  de  sou- 
sa depois  da  vitoria  de  jBeadala.  406 

Cap.  clxxvi I.  De  como  Martim  afonso  de  melo  jusarte 
sayo  do  catiueyro  de  Bengala.  403 

Cap.  clxxviii.  De  como  os  Aches  quiserâo  tomarnfor* 
iáleza  de  Malaca.  4 1  o 

Cap.  clxxix.  De  como  os  Aches  tomarão  a  Mala- 
ca.  412 

Cap.  glxxx.  De  como  António  galuâo  fez  pazes  com  el 
rey  de  Geilolo ,  ^  de  Bachão.  4 1 4 

Cap.  clxxxj.  De  como  se  perderão  duas  nãos  de  Caste- 
lhanos que  yâo  pêra  Maluco.  .415 

Cap.  clxxxii.  De  como  loão  freyre  foy  cu)  Morro  por 
capitão  de  húa  armada»  4L7 

Cap.  cLxxxiff-  De  como  foy  lidOy  ^  pubricado  o  ai- 
uaraa  que  leuaijta  lorge  mascarenhas  y  ^  das  muytas 
desordés  que  sobrisso  sucederão.  419 

Cap,  clxxxiiii.  Do  que  o  gouernador  fez  em  Diu  pêra 
a  vinda  dos  Turcos.  422 

Cap.  clxxxv.  De  como  Coge  çofar  fugio  de  Diu.      424 

Cap.  clxxxvi.  De  como  os  regedores  de  Cambaya  man- 
darão cercar  Diu.  326 

Cap.  CLxxxvii.  De  como  António  da  silueyra  pos  goar- 
das  nos  passos  da  ilha.  427 

Cap.  cLxxxviii.  De  como  António  da  silueyra  deixou  a 
ilha  y  ^  se  recolheo  na  cidade,  429 

Cap.  clxxxix.  De  como  António  da  silueyra  se  recolheo 
aa  fortaleza.  432 

Cap.  cxc.  De  como  ho  embaixador  dei  rey  de  Cãbaya 

chegou  a  Costantinopla ,  ^  deu  a  embaixada  ao  Tur- 
co. 434 

LIVRO   VIII.  000 


474  TAVOADA. 

Gap.  cxci.  De  como  ho  Turco  deu  a  capitania  moor  da 
armada  que  mâdaua  aa  índia  a  çoleymão  baxaa  rey 
do  Cayro^  A*  do  regimento  que  lhe  deu.  436 

Cap.  cxcii.  6e  como  coleimão  baxaa  te  partio  caminho 
da  índia  ^  ^  do  ardil  que  teue  pêra  tomar  a  cidade 
Dadem  j  ^  de  como  chegou  ao  oorto  de  Diu.        438 

Cap.  cxciii.  Do  que  fez  António  aa  sihieyra  com  a  vin^ 
da  dos  Turcos.  442 

Cap.  cxcii II.  Do  que  aconteceo  aos  Portugueses  com  se- 
tecentos laniceros  que  desembarcarão  em  Diu.        444 

Cap.  cxcv.  De  como  çoleymão  baxaa  sefoy  ao  rio  de 
Madre  fabaa  pêra  mandar  falhar  sua  artdharia  so^ 
bre  cuberta  pêra  bater  a  fortaleza  de  Diu.  446 

Cap.  cxcvi.  De  hú  ardil  com  que  Coge  çofar  quisera  fa-^ 
zer  muyto  mal  aos  Portugueses  j  ^  de  como  lhe  aia- 
Ihou  Francisco  de  Gouuea  capÁâo  moor  do  mar  de 
Diu.  448 

Cap.  cxcvii.  De  como  soube  ho  Gouemador  que  esiauão 
o$  Turcos  no  porto  de  Diu.  460 

Cap.  cxcviii.  Do  que  fez  fiasco  pirez  de  Sampayo  em 
Bcgcda.  452 

Cap.  cxcix.  De  como  jínkmio  galuâo  refez  a  fortaleza 
de  Temate.  455 

Cap.  cc.  De  como  no  Morro  se  leuantou  hú  ojpiiâo ,  ^ 
de  Qomo  foy  morto  ^  ^  do  mais  ^  passou.  458 


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