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R3/3C 3*5
Presente d to the
library of the
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Dr. António Gomes
Da Rocha Madahil
HISTORIA
DOS
DESCOBRIMENTOS,
E CONOJJISTAS
DOS
PORTUGUEZES,
NO NOVO MUNDO
TOMO II.
LISBOA
NA OFFICINA DE ANTÓNIO GOMES.
MDCCLXXXVl.
Com licença da Real Mexa Cenforia.
Vende-fe na logea da Viuva Bcrtrand
e Filhos , Mercadores de Livros junto á
Igreja dos Martyrcs ao Xiado 3 em Lisboa.
,-»
5 7o •
HISTORIA
DOS
DESCOBRIMENTOS
ECONQUISTAS
PORTUGUEZES,
NO NOVO MUNDO.
LIVRO V.
A NT O que Albuquerque Ann. de
começou a íaborear-íè com J, ç.
o goíto y que lhe devia cau-
far a mudança da íua for- * ^'
tuna, goíto que confiília na legitima, D* MA*
e jufta fatisfaçaó , de fe ver livre de NOEL REI
huma perfiguiçaó injurioza, antes que affonso
na preverfa fatisfaçaó de ver humilha- d'albu-
do o feu rival , já que as almas gran- ouerçue
des faó incapazes de fen rimemos' taó gover-
Tom, II, A viz, ^adqx*
1 Historta dos Descobrimentos
viz , teve huma nova mortificação a
Ann. de que foi obrigado a difimular , eis-aqui
J. C. a ocafiaó.
içog, O Bailli Amaral, que no Medi-
terrâneo tinha desbaratado a frota ,
D* MA" que o Calife enviara para Afia , pa-
noel rei ra aj|j carregar madeiras de conílruc-
çao , tendo dado conta a EIRei da
ArFONso fua expec}jç.aó 3 e do defignio que o
D ALBU- Calife dnha ddo de fe rervir <fefta|
querque macje;ras 9 para fazer paííar huma fro-
gover- ta para as jncjjas ^ as inftancias d0
nador. samorim 5 Dt Manoel picado contra
efte ultimo , que o havia afia? oífendi-
do pela obílinada guerra , que fazia
aos Portuguezes , refolveo vingar-fc
delle por hum modo eftrondoio , ede
fe esforçar confideravelmente para o
arruinar deílruindo-lhe a fua Cidade
Capital. Para o que armou eíla frota
de 15 navios , e de 9^ homens , de
que acabo de fallar. E ainda que o
motivo , apparente deíle grande ar-
mamento foííc para fe por em ef-
tado de fe oppor á frota do Calife,
as oceultas viílas da Corte tinhaõ prin-
cipalmente por fim a deítruiçao de
Calecut.
D. Fernando Coutinho Grande
Marechal do Reino , homem vivo ,
emprehendedor, e amante da gloria ,
DOS PoPvTUGVEZ^S , LlV. V. $
pedio ao Rei lhe conriafíe eíta expe
diçaó, o que o Rei lhe concedeo cie Akm. de
bom grado , por quanto o amava : J. C.
e fez expedir as ordens , que Couti- jrio.
nho quiz , e o fez abfblutamente in-
dependente do Vice-Rei , e do Go- D* MA~
vernador em eíla expedição , para dei- IsOEL REl
la lhe dar toda a honra.
Depois da partida de Almeida 3 affom»o
naõ tardou o Marechal em intimar a D ALBU"
fua commiffaó. No principio quiz pre- QUERQUE
venir o Governador, o que fez por GOVEK"
Gafpar Pereira , Secretario da Coroa NAD0R«
nas índias. Depois defte preliminar
elle mefmo fallou , e pedio a Albu-
querque y naõ fomente que lhe naõ em-
baraiiaífe, mas antes que como paren-
te, e.< amigo oajudaíTe, e o fecundal-
fe nifto , poílo que natural menre naõ
foffe do feu agrado. „ Vós tendes ,
lhe diz , adquirido já muita gloria
„ por muitas , e belas acçoens que
„ rlzeíleis. Muitas tendes para fazer ,
yy que vos immortalizem depois da mi-
„ nha partida. Deixai aííígnalar-me tam-
3, bem hum pouco neíla fó occaíiaõ
„ para que vim. Eu naó me quero
5, eílabelecer nas índias. Naó invejo
5, as fuás riquezas. Naó tenho outra
3y paixaó mais que d' adquirir algu-
:, ma honra. Eu efpero que a ami-
A JÁ a,zade5
95
4 Historia dos Descobrimentos
„ zade , e o fatigue que nos ligaõ , e
Ansjt. de „ que entre nós tornaó todos os bens
J. C. „ communs , façaõ com que vós naó
Ic0o, „ me cnvejeis a vantagem de poder
„ adquirir algum merecimento , que
D# MA~ „ nao pôde efcurecer o voffo , nem
NOEL rei ■ aincja rnefmo entrar em parallelo com
„ numa parte das voílas acçoens , que
affonso ^ VQS iem ^ grangeado os credi-
d albu- ^ tQS je j^j^ jos maiores Capitaens.,,
querqxje Muito grandes , c muito recentes
gover- era- as 0brigaçoens , que Albuquerque
mad.or. devia ao Marechal 3 para lhe naó acor-
dar huma graça , que parecia taó ar-
rafoada. E pofto que eu creia que eU
le a fentio viviíKmamentc , e que lhe
defagradaííe muito , com tudo a iílb
anuio muito bem , e fe comportou
até ao tempo da acçaó , de maneira
que naó deo fufpeita.
O Rei de Cochim , a quem o
projecto foi communicado, o appro-
vou ; mas julgava heceíTano , primeiro
que tudo , tomar lingoa de Coje Be-
qui , antigo , e fiel amigo dos Portu-
guezes , de quem fe foubeífe exacta-
mente o eítado em que fe achava a
Cidade de Calecut. Delle com erTeito
fouberaõ, que o Samorim eftava actu-
almente oceupado na fua fronteira ,
em fazer guerra a hum Príncipe alia-
do
MA-
RE1
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V . £
do do Rei de Cochim : que na Ci -
dade eftavaõ poucos Naires , em com- Ann. de
paraçaó dos muitos que nella refidiaó ]. C.
quando ahi eílava o Samorim. Além j -c~
diílo que a Cidade eílava lem defen-
fa pela parte do Norte ; mas aliás bem D*
defendida pelo meio dia, aonde oSa-NOEL
morim tinha huma caza de recreio em
alguma diíiancia , chamada Ceranie a A/FONSO
Í[ual tinha huma boa cerca , e hum B ALBU"
orte entrincheiramento bem guarne- ÇVER(^UE
eido de artilheria : que em rim aiiiG0VER"
lhe faria grande perda queimando-Ihe KAD0R»
vinte embarcaçoens novas , que eíb-
vaõ nos eftaieiros , e que craõ deíli-
nadas para fazerem a viagem de Meca.
Com eílas viftas fe determinou a
expedição, fazendo-fe todos os prepa-
ros com a diligencia poílivel , publi-
cando-fe que eíles preparos pertencia©
á carga de alguns navios , que fe def-
punhaó a partir para Portugal. A pe-
zar de todo fegredo , foraó adverti-
dos 5 e tudo fe achou preftes em Ca-
lecut para os receber.
Eftando tudo prompto , a arma-
da compofta de trinta nãos divididas
em duas frotas , huma chamada a fro-
ta de Portugal , commandada pelo
Marechal, e a outra a frota das ín-
dias 3 conduílda pelo Governador Ge-
ne-
6 Historia dos Descobrimento»
nera! , partio no ultimo de Dezembro
Ann. de de 1509, e chegou á vifta de Cale-
J. C. cut no fegundo de Janeiro do anno
1509. feguinte.
Os Generaes tiveraõ confelho a
D# MA" vifta da Cidade, onde fenaó deícubria
xoel rei a[gum movimento , pofto que ahi e£-
tivelTcm trinta mil Naires deftnbuidos
affonso pCi0S p0ftos importantes. O Marechal
d albu- ren0vou entaõ o feu primeiro cumpri-'
cuERquEment0 a Albuquerque, e lhe declarou ,
gover- que defejava commandar a vanguarda.
hador. Albuquerque lho confentio . pofto que
com violência , ou porque temeíTe o
génio impetuozo , e colérico do Ma-
rechal , ou porque na fua avançada ida-
dade fe eftimulafíe dos brios , que ani-
maó a mocidade. Mas confentindo-
lho , regulou de modo as coifas , que
fenaó cuiz alongar do Marechal. De
commum acordo ordenarão de hirem
cada hum na tefta da fua frota : c
por huma ordem expreíía allixada no
maftro grande de cada náo, fe pro-
hibio aos Orfíciaes de faltar em terra
antes dos Generaes. Defte modo per-
tendeo Albuquerque poder moderar
a cólera do Marechal , ou roubar lhe
de fafto huma honra , que lhe con-
cedera fó de palavras ? e por pura
complacência.
Ma-
DOS PoRTVGUEZES , LlV. V. J
Manoel PaJÍanha OíKcial velho ,
augurou mal eíta expedição , e naó Akn. de
podendo calar-fe , diíle que efperava ]. C.
pouco de hum corpo que tinha duas j-IC#
cabeças , e acrecentou que fendo af-
fás feliz por ter vifto morrer quatro D- MA~
dos feus filhos na cama da honra, e NOEL KEJ
no fervi ço do Rei nas índias , teria
ainda a vantagem de lhe fazer facri- affonso
íicio de fi mel mo neíta occafiaó. Ti- D ALBU~
nha enviado o leu quinto filho para QV£fcQ*«
Portugal, como fe tiveííe previik) , GOVfcR~
que as índias haviaó de fcr o feu fe- -aeor.
pulcro , e o de quafi toda a fua fa-
mília.
A frota do Marechal compunha-
fe de bravos Officiaes , gente de dif-
tinçaó ; mas que por vir de novo ,
naó conheciaó o paiz , e ignoravaó a
maneira de nelle fazer guerra. A do
Governador tinha por primeiros Orft-
ciaes fubalternos , que tinha fido pre-
cifo fubítituir aos antigos Capitaens ,
a quem o ódio a Albuquerque unha
obrigado a embarcarem-fe com o Vi-
ce-Rei , para naó ficarem expeilos á
vingança , de hum homem , que el-
les tinhaõ oíFendiclo muito. O que
era já hum peílimo prognoftico. O que
fc paífou depois cuc a ordem fe am?
xou , foi de hum prefigio ainda mm
íunef-
ÍÍADOR.
8 Historia dos Descobrimentos
fimefto ; porque graflando a emulação
Ann. de pelos Offuiaes das duas frotas, e mo-
J. C. cidade Nobre , que em vez de fe ali-
icio mentarem, e defcançarem , a fim de
citarem mais á lerta na feguinte manha,
r>. MA-cacJa hum occupado de fe armar, e de
*;oel rei tomar 0 feu lugar nas chalupas, onde
paílaraó toda a noite , de modo , que
affonso pe|a mailhá eftavaõ taõ canfados da
d aliu- vigiija ^ e da fadiga , da fome , e
querque feje ^ que depois lentiraó crueliflíma-
gover- mente no extremo calor do dia, e da
acçaõ.
Polias em movimento as chalu-
pas , e aproximando-fe a praia para
fazerem a defcida , acharão que o mar
ahi quebrava com muita violência. Fo-
raó recebidas como naõ efperavaó pe-
la artilheria do entrincheiramento , e
do Cerame, que os incommodou mui-
to , e o faria muito mais , fe as ba-
terias eftiveflem mais no nivel da
agua. Albuquerque fez faber ao Ma-
rechal , fer mais prompto feparar
as chalupas , e que cada hum aelles
na refta das fuás folTe defcer onde
podeífe. Ifto fe fez. O Marechal, que
contava fempre com a vanguarda ,
naõ fe adiantou , e foi defcer muito
longe. Mas Albuquerque ufando de
mais diligencia , e cortando mais curto ,
6a"
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V. O
ganhou logo a terra , e depois d'hum —
pequeno -.ombate fc afenhoreou do Ann. de
cntnncheiramento , partio direito ao ], C.
Cerame , que diftava hum tiro de befla, irio.
onde achou huma forte refiítencia ,
mas cheeando-lhe os feus lhe lança-
- r D X NOEL FEl
rao rogo.
O Marechal , naõ tinha ainda
chegado ao entrmcheiramento quan- ,
do percebeo o fogo , e gritando que D At
eftava trahido , entrou em huma tu- QUEK(£UE
riofa cólera. Atirando depois com 0GOXEK'
capacete, e armas que tinna namaó,KAD0B"
tomou huma toalha , e huma cana.
Entre tanto vindo a elle Albuquerque.
3, He aílim , lhe diz , Senhor Albu-
3, querque, que vós cumpriíles a pa-
3, lavra que me deites ? Quereis ter
3, o goftõ de eferever ao Rei , de que
„ entraftes o primeiro em Calecut ; mas
3, eu lhe darei boa conta de tudo , c
3, lhe farei conhecer, que coifa he efta
3, canalha de índios ; de que vós
3, lhe fazeis de longe hum efpanta-
„ lho. Elle o comprehenderá bem
3, quando eu lhe diíTer, que entrei na
„ Cidade com huma toalha na cabeça ,
„ e huma caria na maó. „ Ifto lhe
dilTe com tanta eíRcacia, que fe íup-
pos , que lhe hia dar com o baftaõ , e
tudo quanto Albuquerque produzio pa-
ra
ZNADOR.
!0 Historia dos Descobrimento!
ra juftificar-fe , o Marechal nada quiz
Ann. de admitir , e d então fe apaixonou de
J. C. modo, que ficou incapaz do conielho.
i^io. Com tudo chamando o interpre-
te , que conhecia o j^ãiz ; lhe peigurt-
d. ma- tQu ^ on(je eílava o Palácio do Rei ,
koel rei e ^he pejjQ que 0 conduziffe aonde
achafife homens para combater. Por-
Ai-iOi\-3o e cjjzja ^ na5 fe pGjein chamar af-
r> albu- ^*m aqyenes ^ que fe renderão com
^■»E«y? tanta facilidade. O interprete lhe mof-
trou o Palácio de cima de hum oitei-
ro , que poderia diítar meia legoa.
O Marechal determinou de hir lá ,
ordenou a Pedro AíFonfo d' A guiar
feu Capitão Tenente , que tomafíe
duas pequenas peças de artiiheria, e
mandando tocar a marchar , íe poz em
marcha com oitocentos homens , man-
dando dizer ao Governador , que o
podia feguir , ou fazer o que quizeífe,
porque nada lhe emportava.
Poílo que Albuquerque fe picaf-
fe muito , e conheceíle bem o perigo
em que o precipitava a temeridade do
Marechal , o feguio com feiscentos
Fortuguezes , e os Malabares de Co-
chim. Mas antes ordenou a D. An-
tónio de Noronha feu fobrinho , a Si-
mão de Andrade , . e a Rodrigo Ra-
belo 5 que deixava com trezentos ho-
mens 3
DOS PORTUGUEZES , Li V. V. II
mens , que velaffem na guarda das
chalupas , que para ellas fizeffem tranf- Ann. de
portar a artilhem do entrincheiramen- J. C.
to , e do Cerame , e que queimaílem j IO<
os navios, que eítavaõ nos eftaleiros,
o- que fe executou fem alguma op- D# MA~
poííçaõ. K0EL KEl
Ainda que o Palácio do Samo-
rim fofíe defendido pelo Governador AFFONSO
da Cidade , e por hum grande nume- D ALBr"
ro de Naires , rlzeraó tao pouca refif- QuerQue
tencia, que o Marechal, que ignora- GovER~
va que a fua fugida era hum eítrata-NADOR%
ta gema , íe confirmou feguramente
na opinião que tinha concebido da
lua fraaueza , e do defprezo , que
delles le devia fazer. Manoel Fa-
çanha o advirtio de balde , que fe
acautelaííe , e impcdiífe aos feus cue
fe demandaffem , que deitaíTe inceílan-
temente fogo ao Palácio , e que tor-
naííe para os bateis. Como elle efta-
va fatigado a naò poder mais , para
chegar lá , tinha precizado , que o
levalTem pelo caminho , que naó po-
dia comfigo , diíTe que queria defcan-
çar algum tempo , e fe afTentou. Os
Portuguezes fe eípalharaó pelo Palá-
cio , para faquearem as riquezas , de
que citava cheio. Os Naires. oue ef-
tavaõ de vigia vencc-os efpalhadcs ,
12 Historia dos Descobrimentos
fritarão como coftumaõ para fe njun-
Ann. cie tarem. Já os viaó apparecer de toda
J. C. a parte. Aí ou cjuerque , que chegava
1510. enrao ao Palácio , vendo que os Nai-
re^ Te ajuntavaó , naõ quiz entrar , e
d. ma- mancl()U p0r jjy^ vezes àizer ao Ma-
hotl kei rechal que fahiífe. O Marechal lhe
reípondeo , que fe adiantaíTe , cjue elle
AFFONso Q fegujija brevemente ? quando vitTe
d amu- 0 ^^q ^em ateac}0 em diferentes par-
qveroue re3_ SaJjjo com effeito entaó , mas
gover- era muit0 tarde. Os Naires incorpo-
í-ador. radas ? feguindo-o obrigara5-no a vol-
tar íobre elles , acompanhado fomen-
te de trinta homens. Combaterão com
muito valor para falvarem a vida do
Marechal : mas eíte fenhor , receben-
do huma ferida nas pernas , que o fez
cahir de joelhos , defendendo-fe nefta
poílura por algum tempo , cahio em
fim íob a multidão dos golpes com
Manoel Paífanha , Lionel Coutinho ,
Vaz da Silveira , e mais treze OiTL-
ciaes.
Albuquerque que fe tinha adian-
tado y percebendo o perigo em que
eílava o Marechal , tornou a traz
efcoitado com hum groíTo de tropas.
Mas como os inimigos eraó muitos ,
naõ pôde penetrar até ao Marechal. É
naõ lhe çuftou pouco o defender-fe.
Por-
DOS PORTUGUEZES , LlV. V. 1}
Porque achando-fe em huma ribancei
ra muito eítreita , e profunda , os Akk. de
Naires , que eftavaó fupperiores ao ca- J. C.
minho , e que o dominavaó o ataca- i^io.
raó a feu falvo de fima para baixo ,
fem que os Portuguezes , por efta- D* ?'*A"
rem muito juntos, podeííem jogar asNOELREI
íuas lanças. Pelo contrario , nenhum
dos tiros, que lhes arremeçavaó erra- AFF0NSO
va. Albuquerque foi ferido de três rle- D ALBU"
xas , que duas lhe paííaraô o braço QUERQVE
cfquerdo , e a terceira o ferio na ca- GOVER~
ra , ainda que levemente ; mas rece- NAD0R*
beo huma grande pedrada no peito ,
que o derribou fem fentidos. Neíla
occafiaó morrera 5 f e o valor de Gon-
çalo Queimado feu Alferes , que fe en-
tregou á morte junto delle , efe o
foccorro de Diogo Fernandes de Be-
ja , que fez os últimos esforços pa-
ra o falvar , e que pondo-o fobre hu-
ma rodela , o trouxe nefte eftado até
ás chalupas.
A iílo fe feguio huma derro*a
geral , fuecedendo o medo ao valor ,
naó viraó mais que Portuguezes fugir,
lançando as armas para melhor corre-
rem. Os Naires , que hiaó no feu fe-
guimento matarão muitos. Mas foraó
obrigados a parar com a chegada de
de Diogo Mendes de Vafconccilos , e
Si-
14 Historia dos Descobrimentos
Simaó de Andrade de huma parte , e
Ann. de de António de Noronha , e de Ro-
J. C. drigo Rebelo da outra , que vinhao
15 io. íbccorrer os fugitivos. A pezar de tu-
do o terror era taó grande , que a
d. ma- • • j j • - r *
maior parte ainda deitavao as luas ar-
koel rei r r ^ r r
mas para le íalvarem, lem que os fe-
guiííem. O ultimo , que entrou nas
A/FONSO chalupas, foi Jorge Botelho, que mu i-
d albu- tQ lemp0 çQ OCCUpOU em ajuntar as
*UER*_UE armas efpaihadas. '
Ambos os partidos inimigos tfen-
nador. tjra- vivamente a perda, que tinhaõ
feito neíla occaíiaõ , fem fe faborea-
rem da vantagem , que tinhaõ confe-
guido. Os Portuguezes affligidos com
a morte do Marechal , e outenta dos
feus , peííòas diftintas pela maior par-
te j defaíbcegados pelas feridas de Al-
buquerque que efteve algum tempo
em perigo de vida; abatidos pela in-
juria da fua desfeita , e ainda mais in-
juriados pela fraqueza , que moítraraõ
na fua derrota, lançando fora as fuás
armas , fe retirarão a Cochim , onde
apenas oufavaó aparecer.
D'outra parte o Samorim rece-
beo nefta jornada huma perda coníl-
deravel , que lhe cuílou bem a refar-
zir. Em Calecut morrerão pelo ferro,
ou fogo mais de três mil peffoas , en-
tre
DOS PORTUGUEZES , LlV. V*. 1 £
tre as quaes fe acharão o Governa .
dor , e dois Caimales. Mas a perda Ann. de
dos homens foi menos feníivel a eíle J. C.
Princepe ; porque o que mais lhe to- x -IO
cou no coração , e lhe atrazou os feus
negocies , foi a perda da fua Capital, D* MA"
Palácios, Templos, navios queimados. koelrei
Foi-lhe anunciado efte defaílre no tem-
po , que elle fazia guerra com vanta- affonso
gem em paiz inimigo. Logo que foi D ALBU_
avifado , defalojou de noite fem trom- QukrQue
betas , e chegou quatro dias depois GOVER-
da partida de Albuquerque.. A vifta da NADOR'
deítruiçaõ do fogo o pôz fora de íi.
Mas quando foube por miúdo da ac-
ção, e que tinhaõ morrido taó pou-
cos Portuguezes , entrou em tal in-
dignação contra a fraqueza dos feus,
e principalmente dos Mouros da Ci-
dade , que ajuntando eftes , chegou
a ameaçalos de os expuliar dos feus Ef-
tados. Com efFeito na de conceder-fe ,
que Calecut fe defendeo mal , e que
exceptuando os Naires, que perfegui-
raõ os Portuguezes na Fua retirada ,
Todos até alii tinhaó muito mal cum-
prido o feu dever. Em muitos ata-
ques quafi nenhuma refiítencia tinha
havido , e além difto de ambas as
partes amigos , e inimigos fe applica-
raõ mais á pilhagem do que a com-
ba-
i6 Historia dos Descobrimentos
. bater com honra. O grande numero
Ann. dedos mortos fe achou fer de malhe*
]. C. res , de meninos , e muitos outros ,
j I0 que as chamas envolverão ; ou em
fim daquelles que correndo precipita-
D* MA~damente á pilhagem, foraó íurprehen-
^0ELREI didos , e fe viraó obrigados a cederá
força , á qual nada refiíte.
affokso Albuquerque foi o único , que
d albu- fe aproveitou da infelicidade commum,
quer que porqUe ai<fm Ja morte do Marechal
go ver- 0 ijvrar Je num inimigo , qv.e o per-
*a*>0r. deria para com EIRei , he certo que
naó oufara emprehender , vivo elle ,
de lhe tirar a frota que tinha levado
de Portugal , como fez a Pedro Af-
íonfo de Aguiar, que fuecedeo ?.o Ma-
rechal , de quem era Cap:taó Tenen-
te: fem eíla dificuldade, que venceo
Albuquerque neíla occafiaó 3 naó feria
hum Governador General , mas fim
hum Capitão de Guarda-Cofta fem na-
da poder emprehender.
Albuquerque fuecedendo a Almei-
da no Governo das índias , naó fue-
cedeo em todas as fuás honras , nem
em todos os feus direitos. EIRei D.
Manoel reflectindo , que hum homem
fó naó podia vellar como preciza ef-
ta vaíta exiençaó de paiz , u- e fe ef?
tende deíde o Cabo de Boa Efpe-
ran-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. IJ
rança até ás extremidades das índias, >
tinha determinado de a repartir em Ann\ de
diferentes Governos. E como tinha J. C,
íempre na idéa , que o principal obje- \$\o.
£to era as vifinhanças do mar Roxo ,
de qne queria vedar abfolutamente o p* MA"
commercio , ao que quiz applicar ashOELRÇI
luas pnncipaes forças. Para o que fçz
hum governo particular , que fe ef- a/Foistso
tendia defde Sofala até Cambaia, Pa- D ALBU"
ra alli chamou Jorge d' Aguiar , que Querque
enviou com huma frota. Perfuadido GOVER~
logo , que o Governador das índias KADQR*
teria pouco que fazer , principalmente
depois da deítruiçaó de Calecut, lhe
ordenou que enviaííe a Jorge de
Aguiar as galeras , e bragantins , que
tinhaó fido Feitos em Anchediva, e que
eraó diítinados para corfo na Coita
do Malabar , como fe lhe foífe fácil
guardar efta Coita fem eíte foccor-
ro , ou como fenaó houvefie mais
«pe temer. Além diíto D. Manoel ti-
nha também enviado huma frota para
Malaca á ordem de Diogo Lopes de
Siqueira , para ahi eítabelecer hum
governo diítinéto. Deite modo o Go-
vernador das índias limitado no Indof-
tan , fomente achando-fe redufido a
quafi nada , vinha a fer para Albu-
querque a quem deraó a inviftidura.
Tem, II. B naó
18 HibTORiA dos Descobrimentos
— = naó huma mercê , mas fim huma ef-
Akn. de pecie de afronta , porque naó lho con-
J. C. cedendo , Tem lhe tirar os contornos do
i^iO. mar Roxo , naó roi fenaó para o tirar
de hum poíto , que nas viftas delRei ,
D* MA~cra o mais coníideravel.
*0EL REI Mas Albuquerque , que fabia a-
proveitar-fe das conjuncluras do tem-
A,FtONSOpo, fervio-fe ultimamente da fua for-
d albu- tuna ^ e p0[itica para revoltar todos
quer que e^j.es j çftos ? chamar tudo a fi, e
govek- n-^j-0 fazer acriar ainda o bem do fer-
kador. v\ç0t Começou por Pedro Aífbníb de
Aguiar. Procurou no principio inít-
nualo , de que naó convinha á íitua-
çaó dos negócios , que trmfportaffe
toda eíta frota para Portugal , que de-
pois do defaílre fuecedido em Calecut,
era para temer , que o Samorim pof-
to em defefperaçaó naó arrife aíTe tudo
a fim de íe vingar ; que naó deixa-
ria de fublevar os Príncipes da índia
amigos , e inimigos dos Portuguezes ,
que de boa vontade fe aproveitariam
da occafiaó para os perder, que pela
lua ultima difgraça , acabavaó de conhe-
cer , que os Portuguezes naó eraõ
invencíveis , e que depois da parti-
da deita frota , leria tanto mais fácil
venceios , quanto ricariaõ fem defen-
fa, e naó le reítabeiefceriaó do aba-
timen-
DOS PoRTUGVEZES , LlV. V. Ip
timento da fua desfeita. Naõ fe ren — —
dendo Aguiar , lhe falia o Governa- Akn. de
dor em tom fupperior. Diz-lhe clara- J. C,
mente , já que fe obftinava a querer i^iq,
aquillo que era contra o ferviço do
Rei y que efcreveria a ElRei , e que D< MA"
lhe faria pedir conta das duas peças N0EL REl
de campanha , que o Marechal tinha
confiado do feu cuidado , e que taõ AFFONSo
froixamente tinha perdido em Cale- D ALBU"
cut. Como Aguiar tinha efte erro de QUER^us
que fe corregir , atemorizou- fe deíla G0VER"
propoílçaó , e ficou taõ dócil , que KAD0R-
paftou por tudo o que o Governador
quiz. O qual conheceo também efta
fraqueza , que quando Aguiar fazia al-
guma repugnância fobre algum artigo a
lhe mandava perguntar onde eítavaó as
duas peças de campanha. Em fim re-
duzio-o a contentar-le com três navios ,
de quinze que ccmpunhaõ a frota, ti-
rou-l-he até as fuás trombetas , e alfím
o expedi o para Portugal.
Era mais difícil eludir a diílina-
çaõ , que ElRei tinha feito para o
governo do mar Roxo , fe a fortuna
o naõ fecundafie bem. A numerofa
frota de doze navios , que para alli
ElRei enviou , tendo fido efpalhada
por huma furioza tempeftade , Jorge
de Aguiar > que a commandava , foi
B ii mor-
GOVEK
Í-ADOR
20 Historia dos Descobrimentos
— morper íb' re as Haas de Triílaõ da
Akk, dç Cunha. Os outros navios fe^uiraó di-
J. C. verias derrotas , e pela maior parte fo-
1*10. ra° parar ás índias.. Duarte de Le-
mos , fojrinho de Aguiar a quem fuc-
D' MA~ cedeo , tendo eípera.do em vaó era
koel rei j^]0ç(imkique para o-s ajuntar , naó pô-
de recolher mais que hum pequeno
A,FFO!So numero , com que toi invernar a Me-
d albu- ],nc|e ^ e tomou depois o caminho de
çuerque socotorá • aonde naó pôde chegar ,
o que o obrigou a continuar o leu
caminho para Ormus. Aqui manejou
bem os negócios , de modo que obri-
gou a Atar a pagar-lhe o tributo an-
nual de quinze mil Serafins eílipula-
dos com Albuquerque ; rnas nunca pô-
de obrigar eilc Miniit.ro a reílituir-lhe
a Cidadella , nem ainda a permiti v-
lhe eítabelecer huma Feitoria Atar
crendo entaó dever apoiar-fe iobre as
dependências , que tinha com o Vice-
Rei D. Franciíco de Almeida , e naó
ter nada que temer de Albuquerque,
dç quem íabia a defgraça , e a deten-
ção em Cananor, iliudio todas as íuas
petiçoens.
Lemos tei^.do ficado perto de dois
mezes á vifta de Ormus , vivendo em
muito bom commercip com os Mou-
ros 5 e em muito boa íegurança , do\\~
de
DOS PoRTUGUEZE5 , LlV. V. 21
de parrio para tornar a Soco ri , e
deípachou de Mafcate Nuno Vaz da Ann. de
Silveira ao Governador das índias , J. C.
para lhe pedir as galeras , e embarca- i^iq.
çoens , que o Rei tinha peito fia foa
dependência. Vaz chegou pfecizamen- D* M"~
te no tempo em que o Marechal , e :,CEL REi
o Governador íe diípunhaó á empre-
za de Calecut. Foi fácil perfuadilo , A/F0-:;_°
que era precizo atender ás confequen- D ALEX-~
cias deite negocio , no qual quiz ter QUERQuE
parte , e nelle confirmou bem a idéa COvER-"
que tinhaó do íeu valor ; porque mor- NKD,QiR-
reo na cama da honra , indo em foc-
corro dô Marechal ; e depois de ma-
tar três Naires com a lua maó.
Depois da morte de Silveira , o
Governador General , fez partir An-
tónio de Nogueira , parente de Le-
mos ^ no navio que elle commanda-
va , com proviviíbens para refreícar
Socotorá , e com huma carta de que
lhe encarregou de lha remeter. Neíla
carta Albuquerque fe efeuzava a Le-
mos fobre a íituaçaó dos feus negó-
cios-, que naó lhe permitiaó enviar
mais poderoíb foccorro ; mas lhe pro-
metia , que tanto que a fua frota ef-
tiveíTe em eítaao de fe meter ao mar,
iria unir-fe com elle , e que entaõ lhe
confignaria as galeras, e os bragantins,
con-
11 Historia dos Descobrimentos
■ conforme as ordens da Corte. Com tu-
Ànn. de do rogava-lhe de lhe enviar D. Af-
]» C. íoníb de Noronha , feu fobrinho , a
1510. quem o Rei tinha nomeado Gover*
nador da Fortaleza de Cananor.
to, ma- paflado algum tempo Albuquer-
p que, lhe enviou ainda outro navio
carregado de proviíbens , condufido
affonso p0r prancifco Pantoja , com huma
d albu* carna mu'lto engraçada , mas cheia de
cerque igu^g efcuzas para juftifkar os feus
co ver- ddondos. Lemos , a quem nada dif-
tíADOR. t0 convinha , tendo perdido quafi to-
dos os léus pelas moleftias, e ten-
do-fe viíto obrigado de hir a Melin-
de para reílabelecer a Tua faude , re-
folveu-fe em fim a partir para ás ín-
dias , a fim de peííoalmente íblicitar ,
o que lhe naõ podiaõ negar fem vio-
lentarem as ordens da Corte. Albu-
querque , que lhe quis dar alguma fa-
tisfaçaõ , o recebeo com os braços aber-
tos , e Te applicou a íazer-lhe tantos
cumprimentos , tantas honras , e tantas
caricias , com o pretexto de fazer juf-
tiça ao íeu merecimento ; e de ter hu-
ma conduta differente , da que Al-
meida tinha tido a leu refpeito 4 que
Lemos , cuja vaidade fe liíbngeava
com todas eílas demonítraçoens , foi
muito fatisfeito por algum tempo, e
por
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 2$
por tanto naó teve mais do que boas
palavras , e puros cumprimentos, co- Akk. de
mo direi mais difufamente depois. J. C.
As viftas , que a Corte tinha fo- 1510.
bre o eílabelicimento de outro Go-
verno em Malaca , foraó ainda me-
nos faftidiofas ao Governador pela
pouca felicidade que teve DÍ020 Lo-
* , e- r AFFONSO
-pes de Siqueira na íua empreza ; o ,
que eu vou agora contar.
Sique'ra tinha partido de Lisboa
J , ai -i j o GOVER-
«m 5 de Abril de 1500 com quatro na- t
vios. Tinhaó-lhe ordenado , que re-
conhecefie na paíTagem a Ilha de Ma-
dagafcar , cu de S. Lourenço , e Te
informaffe fe ahi havia minas de oiro,
e prata , efpeciarias , e outros géne-
ros , fegundo as noticias , que nella
tinhaó dado a Triftaó da Cunha ,
que poíto que nada daquillo achara ,
naó deixara com tudo de fazer muito
belas relaçoens na fua retirada. Si-
queira abordou a Ilha da parte do
largo , tocou em muitos portos , e
nelles recolheo muitos dos infelices ,
que fe tinhaó falvado do naufrágio de
]oaó Gomes de Abreu. Mas naó a-
chando nada , que lhe fatislizeífe as ef-
peranças concebidas , continuou a fua
derrota para á Ilha de Ceiiani , que
naó pôde ganhar , pelo naó fervir o
ven-
24- Historia dós Descobrimentos
~"~ '"'■" — vento ; de forte que foi obrigado àt
•A.nn. de hir aportar a Còchim , aonde ancorou
]. C. em 21 de Abril de 1509 depois de
icio. ter confumido mais cie hum anno nef-
ta navegação.
d. ma- Almeida o recebeo muito bem j
iíoel rei e vencf0 a fua commiíTaó , lhe deo
hum navio de refòrio com fefíenta ho-
affokso mens ^ entre 05 quaes embarcou al-
r> albu- guns como banidos , e cujo crime io
quer que €j.a fe terem flcl0 favoráveis a Albu-
tovER- querque. Com eftas finco velas, par-
kadqr. rj0 biqueira de Cochim em 19 de
Agoíto da mefmo anno 3 e tentando o
conhecimento da Ilha de Geilam ao
terceiro dia , atraveffou o golfo de
Bengala cortando fobre a Ilha de Su-
matra ; de caminho deílinguio as Ilhas
•de Nicobar , e aportou a Pedir , de-
pois de alguns dias de muito bom
tempo.
A Ilha dê Sumatra á maior das
Ilhas do Sunda , tem fegundo a e in-
timação dos Mouros que a medirão,
fetecentas legoas de circuito. He def-
tribuidà em muitos Reinos povoados
■por duas caítas de habitantes , dos
quaes huns que faó os antigos natu-
raes dò paiz iaõ Idolatras *, '« alguns
*taó bárbaros , 'q\ie fe murem da car5-
feè dos feus inimigos, Outros mais
Yno-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 1$
modernos , e mais civil i fados , faó —
Árabes de origem, e da feita de Ma- Ank-. de
homet. Como efta Ilha he a maior J. C.
deites quarteiros, he também mais ri- i^io.
ca de efpeciarias ^ pedras preciozas ,
minas de oiro , cobre, eítanho , e fer- D* MA~
to, e em toda a qualidade de gene- NOEL REl
tos. O meio da Ilha he cheio de al-
tas montanhas , e n'uma ha hum ce- affonso
lebre Volcaó , que deita fogo, e cha- D ALBL"
mas como os montes Gibcl , e Vezu- QUER(^UE
vio ; mas nas encoílas ha belas cam- GOvER"
•pinas fertiliííímas , e cub erras de ar- KADOR''
vores de toda a efpecie. Huma fobre
todas fe vê notável pela fua fingula-
Tidade , a que os Portuguezes chamaó
Arvore trijíe de dia , porque de dia
parece inteiramente defpojada , mas
todas as noites ao pôr do Sol os (eus
botoens fe abrem , derramando hum
■cheiro muito agradável das folhas , e
<las flores, que todas cahem quando o
-Sol torna a nafcer no Orizonte. A
•linha , que corta a Ilha quafi pelo
meio , a faz fujeira a grandes calores :
o ar he doentio , dizem , para os ef-
-trangciros. Os Sábios eílaõ divididos
•em oppinioens , fe cita , ou a de Cei-
lão he a Taprobana dos antigos.
Como Siqaeira era o primeiro
-Portuguez^ que abordou eíla Ilha -,
o
26 Historia dos Descobrimentos
o que podia paliar por nova defco-
Ann. de berta , obteve dos Reis de I^edir , e
J. C. de Pacen , com quem fez aliança ,
jrio. ^em tratar mais que com os feus Mi-
niilros , a permiíTaó de levantar hum
35 * MA~ padraõ com as armas de Portugal ,
KOELREI aílim como tinhaó ufado os primeiros
defcobridores ; mas como elle naõ ti-
affonso njia tença5 ^ fe demorar lá, fez-íe
"° ALBU~ á vela poucos dias depois para Mala-
qverque ca aon(^e che^ou em ii de Sctem-
GOVER" bro.
kador. Malaca era entaó huma Cidade
das mais ricas , e das mais deliciozas
do Oriente. Situada além do Golfo de
Bengala , fobre a ponta da celebre pe-
ninfula , que julgaõ fer a Cherfonefo
de oiro dos antigos , e fobre a bor-
da do eílreito , que a fepara da Ilha
de Sumatra , e eila parece com effei-
to eílar fituada para fer o centro do
commercio da Arábia, e do Indoftan
por huma parte , e da China , do Ja-
pão , das Filippinas , e das outras Ilhas
ido Sunda pela outra. Com tudo he pe-
quena , e naó conta mais que trinta
mil fogos. O rio em cuja embocadu-
ra eíiá, a corta pelo meio, fazendo-a
como duas Cidades muito longas , e
muito eftreitas , unidas fomente por
huma ponte de madeira. Os habitan-
tes,
DOS PoRTUGVEZES , LlV. V. lj
tes , quafi todos Mahometanos de ori
gem , c de Religião, vivos, efpirito- Ann. de
los, amaõ o ócio , paffaó huma vida J. C.
muito fuave , e muito conforme ás \c\o9
idéas da fua feita. A abundância dos
paizes vifinhos fomecendo-lhe todas as D* MA~
ailicias , contribue para á fua vida NOEL REI
voluptuofa, tanto como a fua opulen^
cia , que era tal que naó contavaó as AFFONSO
fuás riquezas , fenaó por muitos Ba- D ALBU"
bars de oiro ( contendo cada hum def- ^UERQUE
tes quatro quintaes ) naó fe julgava GOvER"
ahi hum homem rico , fe n'um mef- NADOK*
mo dia naó podia pôr no mar três ,
ou quatro navios , e carregalos rica-
mente á fua cufta. Tinha fido noutro
tempo fujeita ao Reino de Siam j mas
Mahmud , que reinava entaó , tinha
íacudido o jugo , e manejava de mo-
do as máximas da fua politica para
com os Príncipes vifinhos , e ainda
mefmo para com os Ivíiniftros do feu
legitimo Soberano , que Qiic poderofo
Monarcha , ou defprezava , íou naó ou-
fava emprehender reduzilo á fua obri-
gação.
Mahmud infiruido dos motivos
da vinda do General Português , ficou
bem contente , ou o afretou. Deo-ihe
audiência com toda a pompa , que
uzaõ os Reis do Oriente. Aílignou-fe
o
GOVER-
NADOR.
28 Historia dos Descobrimentos
o tratado de ambas as pprres, o ju-
Akn. de ramento feito fobre a lei de Maho-
J. C. met de huma parte , e fobre os
leio. Santos Evangelhos da outra. O Rei
ihe aílignou logo huma caza commo-
d, hiA"c|a na Cidade, de que Ruy d'Arau-
1,OELKEIjo, que devia fer o Feitor -, tomou
pofíe , e âefâe entaõ os Portueuezes
AFFOKSO L > 7 - r D 1
tomarão tanta connança aos agrados
d au- ^o prjncjpe ? e Jq j^anda1 ã fcu rio ,
que fe efpalharaó pela Cidade fem al-
guma precaução. Com tudo os Mouros
do Indoftan eílabelêcidos em Malaca ,
inimigos jurados dos Portuguezes , e
naturalmente zelozos de hum tratado ,
que devia prejudicar os feus interef-
íes , esforçaraõ-ie tanto como o tinhaõ
feito n'outra parte para defacreditarem
os novos hofpedes. Naó deixarão pa-
ra os tornar odiozos , de contar tudo
o que elies tinhaó feito em Quiloa %
em Ormuz , e no Malabar. Os fa-
ctos eraõ taó enérgicos , e expoílos
cem cores taò vivas , que fizeraõ to-
do o efFeito que defejavaó. Os Mou-
ros acharão tanta mais facilidade nòs
feus deíignios perniciozos , quanta ti-
veraõ em faber tomar por cabeça dois
homens de grandiííimo credito. O pri-
meiro era hum chamado Utetnutis Ja^
va de Naçaó 3 a quem davaõ o titu-
lo
DOS PoRTVGVEZES , LlV. V. 2p
Io Raia , que tomaõ rodos os peque s
nos Régulos do Malabar. Era raõ po- Ann. de
derofo em Malaca , que lhe conravaõ J. c.
leis mil cfcravos caiados , e muiro
maior numero de outros que o naõ
eraó. O fegundo era hum Mouro Gu- D- MA~
zarate , que fazia o ofRcio de Cha- K0EL REl
bandar , ou Coníul da Tua naçaó.
Tendo eit.es voltado o efpirito do affonsg
Rei , e do Bandara , ou primeiro Mi- D ALBU~
niftro , determinou-fe entre elles no querque
conielho fecreto do Príncipe , que fe govek-
tramaííe aos Portuguezes algum laço nado*.
para fe desfazerem de todos a hum
tempo. Efta refoluçaó foi tomada con-
tra o parecer do Almirante , e do
T':eíoureiro Mór5 que naó approvaraó
efta traição. Com tudo nada omittiraò
para allucinar os Portuguezes , e occul-
tar os máos defignios, que tinhaõ con-
cebido contra elles. Mas como prin-
cipalmente do General , e dos princi-
paes Oífrciaes , hc que fe queriao affe-
gurar, e como era dirricil chamalos á
terra , o Rei , para melhor os enga-
nar, fez publicamente todos os prepa-
ros de huma magnifica merenda que
lhe queria dar , para o que mandou
fazer huma caza de madeira , junto á
ponte da Cidade.
Quando Siqueira entrou no por-
to
ttADOR.
30 Historia dos Descobrimentos
— to eíhvaó ahi quatro juncos da Chi-
Ann. de na, cujos Capitaens foraó logo com-
J. C. primentar o General , que lhe pagou
i^ic. a vifita '■, e fe deo também com elles,
que fe tratarão mutuamente nos feus
d. ma- navjos ^ e conferváraó fempre huma
noelrei mutua correfpondencia. Eltes Capi-
taens tendo conhecido a cega confian-
affonso ça do General 5 ç a liberdade , que
J> ALBU- e||e Jaya a()s feus Je ancJarem peJa
cerque £ic|acje ^ Q aavirtiraó como amigos ,
que defconfiaíTe d'uma Naçaó natural-
mente pérfida 3 eo avizaraó da traição ,
que lhe urdiaó. Mas Siqueira naõ fez
cazo diffo , nem fe acautelou.
Huma eftaiagadeira , Perfiana de
naçaó , que tinha eitalagem na Ci-
dade , e alojava em fua caza hum
Portuguez , que entendia a lua lín-
gua, fendo inftruida da confpiraçaõ,
avizou o General por eítc mefmo
Portuguez , que lhe queria fallar em
fegredo , e que iria a feu bordo de
noite , a fim de naõ fer percebida.
Siqueira enfadou-fe deílas viíitas , e
rejeitou três vezes a proporção. Mas
eíta mulher a pezar da fua obílina-
çaó indo a bordo , e tendo-o inftrui-
do de todo o fegredo, ainda que naõ
pôde confeguir o perfuadilo , coníiguio
com tudo delkj que fingiffc hum in-
con-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. $1
conveniente , com que malogrou as
medidas tomadas pelo banquete , o Akn. de
que fe fez. ]. C.
Errado efte tiro, recorrerão a ou- ir-io.
tro artificio mais infidiofo , e que mof-
trava hum novo favor da Corte. O D* MA~
Rei fez dizer ao General, que aren-NOELRE£
dendo a que o tempo da Monçaó fe
chegava , e confiderando que tinha AFFONSO
vindo das extremidades do mundo , D ALBU"
e tinha maior viagem para fazer na ÇUERQUE
retirada 3 o queria preferir a todas as G0VER~
Naçoens , que eílavaõ no feu porto , KAD0R*
e expedilo primeiro : que para iíTo
naõ tinha mais que enviar todas as
fuás chalupas á terra em hum dia da-
do , no qual lhe daria toda a fui car-
regação. No mefmo tempo o E anda-
ra fez preparar grande quantidade de
bateis pequenos, no fundo dos quaes ,
defpofcraõ todas as qualidades de ar-
mas , que cobrirão de diverfas provi-
foens de viveres. O numero dos bateis
era eípantoíb, mas occultaraó-nos ate
ao tempo em que deviaó acometer , e
começar a mortandade geral dos Portu-
guezes , pelo final que lhe feria dado
por hum foguete.
Ainda que Siqueira devia julgar
por muitas acçoens que fe contradi-
íiaó , a refpeito meímo da carrega-
ção,
GOVER-
NADOR
32 Historia dos Descobrimentos
•• çaó , que o Governador obrava de ma
ánn. de fé , cegou-fe cada vez mais , e naó
]. C. concebeo a menor fufpeita. No dia
j .IOp aiíignado enviou as chalupas , e ba-
teis á terra excepto huma > que dei-
MA"xou , para hir , e vir em calo preci-
■NOELKElzo. No mefmo tempo o Bandara fez
partir os bateis , que tinha preftes ,
affonso e c.ue e{^ava5 cheios cTarmas , e fol-
io alel- jj^^Qg desfaríados de paifanos 3 fem
«juER^\jE^ue moftraffem outra pretençaó. , que
a de levar prcvifoens , e refrefcos pa-
ra a frota. A feguranfa em que viviaó ,
fez que no principio naõ defconfiaííem
do numero , com que tinhaõ tratado a
acçaó , que crefcia infenfiv cimente.
Para melhor alucinarem o Gene-
ral , vieraõ a bordo como pnra o vi-
fitarem , o filho do Raia Utemutis ,
que fe tinha encarregado de o m^-
tar, e o Chabandar acompanhados fo-
mente de fete , ou oito peííoas. Si-
queira jogava entaó o Chadrez, po-
rém os traidores teítemunhando-lhe o
gofto , que tinhaõ de o ver acabar a
iua partida , por quanto , diziaó elles
que tinhaõ hum jogo quafi íimilhan-
te , tornou , e continuou a jugar com
muita applicaçaó.
Com tudo os navios fe enchiaõ
de todos eftes falfos mercadores. Gar-
cia
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 33
cia de Soufa Capitão cie hum dos fin- »
co navios , conheceo primeiro o pc- Ank. de
rige , e gritando aos feus que rizei- ]. C.
iem fahir todo eíle povo, enviou Fer- 1*10.
nando de ?vla^alhaens taó conhecido por
eíle famoib eíireito , a que dco o leu D*
nome, para advirtir o General fe acau-SOEI" RE1
cela-ie. No me imo tempo o contra-
meítre do Almirante , que tinha fu- *FFONSO
bido á gavia, percebeo que nas cof-DALBU"
tas de Siqueira o filho de Ucemutis , *UER<iUE
que eíperava com impaciência pelo GOVEK~
ílnal, de tempo em tempo metia maõNAD0R"
a ihum punhal com que o havia aco-
meter , e o arrancava ate ao meio. Af-
faltado deita vifta deo hum grande gri-
to , chamou ás armas , e advir tio o Ge-
neral ; que efpantado deíle motim,, e
ignorando ainda a caufa , fe levantou
com percipiuçaó , de mandar as fuás
armas , e ordenou , que fe deííe fogo
á artilheria. O filho do Raia , e os
outros que eílavaó com elie . iulgan-
do-fe defcobertos , naó íe animarão a
confeguir o feu intento , e fe deita-
rão ao mar para ganharem os bateis.
No mefmo inftante praticarão o mef-
mo aqueiles que eftavaõ nos outros
navios , que fe fal varão por eíle iubi-
to terror.
Mas fendo entaõ dado o final 5
Tom. II. C co-
34 Historia dos Descobrimentos
**■ começarão a dar nos Portuguezes 9
Ank. cie que eitavaó na Cidade , dos quaes fò
J. C. vinre ie falvaraõ , em ,caza de Rui
j >I0> d'Araujo , onde íe poferaó em defen-
ía. Francifco Serram ganhou a cha-
d. ma- |.,pa jQ navj0 ^e joa5 Nunes , que
koel rei ^e cuft.ou bem chegar a bordo.
O General neíta primeira deíor-
affokso jem naó fabendo, que partido romaí-
d albu- fe ^ ajuntou o leu conielho. Alguns
querque fora5 efe parecer , que era precizo vin-
co ver- gar e^a traiçaó , queimar os navios ,
kador. Cjue eftavaó no porro , á excepção dcs
Chinefes , de quem tinhaó recebido
fempre bons confeihos , e provas de
foiidas amizades. Mas como naõ ti-
nhaó mais que duas chalupas , Siquei-
ra-, a quem o perigo fez prudent: ,
foi do parecer de aparelhar , e fazer
algumas tentativas para • recolher es
Portuguezes , que eílavaó em terra ,
e retirar-fe.
Da outra parte o Bendara vendo
o mao fucceffo da fua empreza, cor-
reo á feitoria onde Araújo fe defen-
dia, e afugentando a multidão dos
fubíevados, defculpou-fe o melhor que
pode 5 pròtefkndo que nem o Rei , nem
elle tinhaó parre ncíla coáfpiraçaó ,
que fem duvida proced:a de hum
equivoco , e dando a Araújo hum ri-
co
DOS PoRTUGUEZES j LlV. V. fâ
co mercador índio , am;go dos Por — ~
tuguezes para fua caução, elle o to- Ann. de
mou ? e aos feus na lua protecção. J. C.
Rcítaoelecida aíílm a tranqu ilida- i^io.
de , mandou o Bendara dar as meí-
mas deiculpas ao General , exortar! - D'
do-o a tornar com confiança ; que lhe PEt REl
entregaria todos 03 Porraguezes , e to-
dos ob fcus eifeiíos. Mas o General A/FO-;so
paliando do exeeífo da confiança ao D "^LBU"
exceííò oppofto, naó íe fiando da lua ^UtI^UE
palavra , e julgando por melhor expor COVER"
a vida dalguns particulares á feguran- NADOR«
ça da fua frota , lhe mandou dizer que
confervaíle precizamente os penhores ,
que tinha em feu poder 5 que em
pouco tempo lhos viriaó refgatar com
maó armada , e fazer-ihe pagar cara
o direito das gentes. , que vioiara a
feu refpeito.
Depois defta ameaça fez-fe á ve-
la , e queimou no caminho dois dos
feus navios , por naó ter baftante gen-
te para os manobrar. Chegando depois
aTravancor, onde foube que Albuquer-
que eítava de poífe do governo das
índias 3 a lembrança do difgoílo , que
lhe tinha dado , declarando-fe aberta-
mente contra eíle , para comprazer com
o Vice-Rei 5 e o temor que teve de
fe ver expoifo ao feu reíentimento ,
1AD0K.
$6 KíSTORIA DOS DevCOERIMENTOS
~ fizcraõ com que fe contemaífe com
Ann. de lhe eicrever , e lhe enviar outros dois
J. C. navios da íua efquadra , que naó po-
1510. ^a conduzir comfigo , por fazerem
multa agua. Depois difto partio fó
MA" de lá para Portugal , fazendo a mefma.
KOEL REI 1 i ' r 1 /- . a 1
derrota, que nzera quando loi. Al-
buquerque naõ deixou de fer feníivel
AFFOKSO ' / V/v, -j
, ( a lua ciil graça, e ao partido que n-
D Aiw- n|ia tomaj0 . p0rque além de terem
q^erque^jo amjg0S5 0 eftimava , e fe diíTa-
boreava de perder hum OíHcial, com
quem fe podia congraçar.
Poíto que pareceífe, que o Go-
vernador das índias naó tiveflè quem
o pcrturbaíTe na pofiè do feu gover-
no , e que depois de reftabelecido das
feridas , naó pnreceífe oceupado no prin-
cipio mais , que do cuidado de rece-
ber os Embaixadores dos Príncipes ,
que vinhaó fellcitalo do feu novo Ef-
Éado, o feu efpifito com tudo naó ef-
tr.va tranquilo. Fazia rrlíres reflexoens
fobre as contrariedades , que tinha ti-
co no tempo de Almeida ; tinha vif-
to partir para Portugal com el!e os
feus mais cruéis inimigos, que lhe ti-
nhaó já feito muito mal , para deixa-
rem de continuar a trabalhar de o ar*
minar inteiramente no eípiriro do Rei.
Via em torno de fi muitos defeonten-
tes ->
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V. $J
tcs , que ferviaó debaixo das fuás or-
dens. A difgraçá de Calecut , e a Ann. de
morte do Marechal craó para thc hu- J. C.
ma occaflaõ para os Teus adveríarios irio.
lhe darem novos revezes. Mas o que
mais o hicommodava, eraô as ordens ' 'MA
do Rei , que limirandc-lhe o gover- K
no, o punha em eílado , de nada fa-.
zer a bem do Eílado , e da íua pro- A/FONSO
pria gloria. L AJJiVZ
Nefta perplexidade revolvia no £UER9.U?
feu eípirito inceflantemente grandes G0AER"
idéas , cujo eípanto podeile fervi r de IADOR*
deftruir as piores imprelToens , reter
todos os esforços da inveja 3 e fazer-
fe neceffario a pezar de tudo. Elle ti-
nha na maõ grandes forças para exe-
cutar es feus diíignios fecretos, e a
fim de lhe naò cícapar a occafiaõ ,
nem de dia nem de noite dormia ; e
trabalhava muito para lhe adiantar a
execução.
Tanto que poz pronta íua arma-
da que ccnfiftia em dezoito navios, duas
galeras . e hum bragantim , dois mil
Portuguezes de boa tropa , e alguns
Malabares , logo ajuntou os fcus
Opitaens em coníeího. 55 Dizlhes
„ que elle tinira recebido ordens a-
„ penadas do Rei para dai todos os
„^'occorros, que pudefíê a Duarte de
„Le-
GOVER-
NADOR.
38 Historia dos Descobrimentos
„ Lemos , que as viíbs da Corre eraó
Ánn. c\ç „ de applicar rodas as forças da índia
J.C. „ para o mar Roxo 5 para poder refif-
15 10. 55 "r ^s novas frotas 3 que preparava o
33 Calife , e para inteiramente lhe que-
D# MA" 3, brar ocommercio : que fegundo ei-
*cel rei ^ ms vjftas eftaya nQ dc(;gnio fe hir
3? ; eííbalmente unir-íe com Lemos pa-
affonso * ra Q ajudar a fundar a Cidadela ,
D ALBU- ^ quQ 0 j^e| p e man(Java fazer no
querque - u^ar ma=s conveniente , para do-
33 rmnar o eftreiro de Babelmendel , e
33 que elle eftaya refoluto de o aju-
33 dar em tudo o que pudeíTe co^tri-
3, buir mais para o bem do ferviço 9
33 e a honra da íua naçaó : que do
3, mais nada o impedia a fegu;r efte
3, projeclo 3 que tudo eítava tranquilo
35 no Indoftan , e cue o Samorim ef-
33 tava taó abatido depois da perda ,
33 que tivera em Gèlecut 3 que naò ef-
33 tava abfolu lamente em eftado de
33 empreender coifa alguma.
Èíle diícurfo 5 que foi recebido
com grande appiauío principalmente
dos que o naõ amavaõ , era cppoílo
totalmente ao feu penfamento 3 e al-
guns Autores Fortuguezes concordaõ
nifto mefmo ; mas eílfes fe engana-
rão 3 creio eu , penfando que a fua
mira era de cahlr fobr.e Ormuz 3 pa-
ra
DOS PORTUGULZES , LlV. V. $<)
ta fe vingar de Coge Arar , e fegu
rar huma conquiíta , que lhe tinha eí- A-
capado. De outro modo teriao falia- J. C.
do, Te atendeííem que Albuquerque j^ÍO
fahindo do leu governo , e entrando
em diítriclo de ou iro perdia toda a D' MA"
iua auctoridade 5 e ío pedia fervir em MOEL KLI
fubaltemp. Porque eílou períuadido do
feu grande merecimento 3 e no me imo A,FF0: so
j o delle fer ambiciezo de çomman- D A1
dar, e da Tua gloria para que fizeíTe Q.UE*<W
hum taó faíio projecto. GG1
O meu pj reçei em fim hc , que : A:
o feu oculto projecto era cahir Cobre
Goa, como rez , e niílo convirão fe
julgarem pelos antecedentes , e eon-
fequentes. Porque logo que che
o Marechal , e cjue fe tratou de dif-
íarçar a empreza de Calecut, que que-
riaó ocultar , o Governador , que ti
defde entaó luas viílas , manclou fon-
dar o porto de Goa ; o que motivou
a rizo aos Teus Capitaens, que
raó efu empreza como louca , e
fizeraó cantigas, em que o Qovei
dor naó foi pouco motej 1
tsQpco me Tm o tem. ::-
ique efereveo ao Rei d'Õnor , e a
ir.oja , inimi . itáes do S I
Príncipe de Goa , por cauza
tereífes, que eu já expliquei nç
par-
40 Historia dos Descobrimentos
parte , e lhe envio Lionel Coutinho, e
Ank. de Braz Teixeira. Timoia naó pôde vir
J. C. fãllâr entaó ao Governador que o ef-
1510. perava ; mas o affegurou de que a
empreza de Goa era fácil , e que fem-
d. ma- pre Q acjiarja preíles a ajudalo quan-
*oel rei c|Q a qUizeflg tentar . e Albuquerque
que queria grangear Timoia para as
affoí.so precizoens futuras, lhe levantou a feus
d albu- r0g0S os Jireitos fobre as mercado-
QUERQVÈ rjas^ c,ue entrava5 no p0rt0 de Mer-
gover- geu , direitos que c Yice-rei D. Fran-
kador. cifeo d' Almeida lhe tirara injuítamente.
Finalmente depois da infeliz ex-
pedição de Calecut , o primeiro cui-
dado do Governador foi de fe unir
com o Rei de Narfinga. Para *o que
lhe enviou hum homem de credito ,
que era hum Reiigiofo Franciícano ,
chamado Padre Luiz. O ponto capi-
tal da inftruçaô deíle Padre, era fa-
zer compreender a eíle Principe , que
o fim da aliança propofta era para fe
unir com elle , para o ajudar na guer-
ra , que tinha contra o Reino de De-
can , e em particular contra o Sabaio:
cie lhe tirar o ccmmercio dos caval-
ios c.i Períia, o que feria tanto mais
ía:il . cie depois ene o Reino de
Ormuz Tcíle tributário de Portugal ,
feria fácil impedir , que os cavailos
fcf-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V . ál
fofíem defembarcar noutros portos 5~~ T*
que naó íoífem Teus : e que para a^'N- de
execução dos Teus projeclos communs , ~> C.
eíle eftava preftes para fazer marchar 1510,
as Tuas tropas para ás terras fegundo Dí
a precifaó : que pela fua peílõa, c^e KOel re
fe encarregava do que pertencia ás Ci-
dades marítimas. He muito veriíimil , .__-^M
que no meímo tempo o (jovernador DJALBU_
fizefle recordar Timoja das fuás P«>"0UER0 .
meíTas , e que oceultamente aiuftaffe _
?. -1 r i* GOVER-
com elle a períonagem , que louvou . .
1 . r D * :l ^ADOR.
depois.
Como quer que folTe , a frota
partio de Cochim no fim de Janeiro
de 1510 perfuadidos todos da ideado
projecto do mar Roxo. Albuquerque
proveo na partida , e pela fua derro-
ta a diverfas praças do feu governo ,
onde deixou bons Officiaes , guarni-
çcer.s numerozas , e muniçoens em
abundância. Chegando a Cananor , jre-
colheo os deípojos dos dois navios ,
que voltando para Portugal fe tinhaó
desfeito junto das Ilhas de Anchedi-
va , onde chamaõ os bancos de Pa-
doúa, onde as equipagens foraó falvas
pelo valor de Fernando de Magalhaens.
Dalii o Governador fe fez á veia Fazen-
do fempre a mefma derrota. Quando
eile foi a travez d'Onor, apparecqo
Ti-
42 Historia dos Descobrimentos
• Timoja, como Duende fahido da ma-
A>n. de quina , para voltar todo o fyítema deíla
J. C, empréza. Vinha n'um batei compri-
15 io. ^° 5 fem outro motivo na apparencia 3
que o de faudar o Governador na faa
D* MA" paífagem , e de lhe levar refrefeos,
koel Depois dos primeiros cumprimentos
faliaraò muito tempo em particular ,
affowso e ouvinj0_0 Albuquerque , ouiz que
d albl- e||e exp0Zeje em pien0 comelho , o
QUERQUE ^ue em feSredo lhe tipha dko#
GOV"R' Junto "o Confelho , fallou aíTim
kador. Xirnoja.,, Eu fei com extrema admi-
55 raçaó 3 que eíta poderoza armada he
„ deíthada para hir fazer guerra ao
5, Calife dentro no mar Roxo , e que
„ todo eíle preparo he para impedir ,
?, que as íim frotas cheguem ate aqui :
3, confeíTo que eítou admirado , e que
3,naò poíío compreender, como tan-
3, tas peííoas recommendaveis pela fua
5, prudência , e pelo feu valor , ie
3, levem tanto do feu erro. Para que
3, hides bufear taó longe hum ini-
3, migo que tendes no vofíb feio :
„ ignorais que o Calife tem em Goa
3, hum dos feus Generaes , e mais de
3, mil Mammeilus ,ou Rumes , que pa-
3, ra ahi fe retirarão depois , que
3? foraõ desfeitos por Emir-Hocem ?
„ Que eíle General efereveo ao Ca-
33 life
DOS PoKTUGUEZES, LlV. V. 43
life que lhe enviaíTe fomente ho
mens , e navios 3 que efperava fa- Ann. de
zer de Goa huma praça d/armas , J. C.
a qual feria a ruína de todos os j^q.
„ Portuguezes , que ellao nas índias ?
„ Vós iabeis iem o poder duvidar 3 D* MA~
?, que Sabaio , ornais cruel inimigo 'NOEL REl
5, da voíTa naçaó depois do negoc'o de
„ Dabul , eftabelcceq per ponto prin- AFFO*s°
5, cipal , o dar afy.o a todos os ef- D ALBU"
„ trangeiros da lua Ceita , e princj- Q^rque
5Í palmente aos Europêos í que tez GOVER"
3, conítruir vinte navios do porte dos *AD0R»
5, voííbs 3 e cue reíoive tudo para íe
3, por em eítado, naó fomente de vos
33 reílítir 5 mas de vos deílruir. Mas
3, o que vós ignorais talvez he , que el-
3, le merreo á pouco na foría deites
33 preparos ? e que o Idalcaó leu fi-
3, lho , e leu fucceííor 3 moço fem
3, experiência 3 le acha hoje no ulti-
33 mo embaraço 3 oceupado em fazer
3, guerra aos eílrangeiros feus viíinhos,
33 dos cuaes todos querem recuperar ,
33 o que íeu pai lhe tinha ufurpado ,
3, e aos feus próprios vaíTalios 3 que
3, pela fua revolta fe vingaó das vio-
33 lendas , que contra eiies fe fizeraó
33 n'outro tempo , determinados a fa-
>5 cudir o pezado jugo da fua fer L-
33 daõ. Já o Chefe dos Mammelus 3 e
,, dos
44 Historia dos Descobrimentos
- — „ dos Rumes naõ reconhece fenhotj
Ann. de „ Aííim pofto que Goa feja huma Ci-
J. C. 35 dade forre 9 eíti hoje bem fraca pe-
ie io. 35 ^a divifaô que nella reina. A con-
„ quiíta he fácil , cu conto com ella
D* MA" 55 de modo, fe vós a quereis empre-
koel rei ^en<jer3 q,,e eu me ofrereço para ter
„ parte nella. Eu hirei pôr as minhas
a^ffonso ^ trCpas ? e os mcu3 navios em eíta-
d albu- ^ ^0 ^g me unjr com vofco ^ e qUan.
QUERQUE ^ (j0 voirar ^ embarcarei no navio Flor
gover- ^.do Mar, a fim de eftar em voíío
kaeor. ^ poder , como feguro penhor da
„ minha palavra , em que vós vos
„ poííais vingar , fazendo-me certar a
3? cabeça , fe eu vos engano.
Fazendo eíte difeurfo huma gran-
de impreffaó na aíTemblea , Albuquer-
que que naó queria dar fufpeita, de
que entre Timoja , e elle navia al-
gum aiuíle , repreientou com muita,
gravidade , que na verdade lhe feria
moleiro perder a taó boa occafiaó ,
que fe lhe ofTerecia de tomar Goa , e
deixar os Mammeius tomar pé n'um
poílo . donde tal ves naõ pudefíem mais
lançai os ; mas que em tudo o que
Timoja tinha dito , via muitas coiias
fobre que podiaõ racionavelmcnte du-
r : que naó convinha facilmente
deixar o certo peio incerto 3 facrifkir
as
cos Portugltzes , Liv. V. 4^
as ordens do Rei , e vantagens fc *
guras aos inconvenientes , que pode- Ann, de
naõ feguif-íe3 fe a relação que aca- J. C,
bava de fazer-fe naõ tolTe exaclamen- i^íq.
te verdadeira.
Como fe inclinavaó á propcíiçaõ D* MA"
feita porTimoja, e que fó fe tratava :'OEL REl
de ter informações mais feguras , e
pofitivas , refolveraõ em fazelo voltar A/I"ONSO
para razer novas averiguações , e o
General o viíltou nas Ilhas de Anche- QUERC^E
diva , onde fe devia demorar com o G0VER"
pretexto de fazer aguada. nador.
Timoja naõ deixou de tornar com
a prontidão pcJíivel trazendo as decla-
rações , que lhe pediaó. Condufio
eomfigo quatorze fuílas bem arma-
das 3 e cheias de gente efcclhida ,
fem que no paiz , podeíTem ter ful-
peita , que prejudicaífe o fegredo da
emprefa } pelo cuidado que tivera de
divulgar 3 que o Governador Geral
lhe razia a honra de Lhe dar parte na
gloria , que hiaõ ganhar na fua expe-
dição do mar Roxo , e depois na
conquiíta de Ormuz.
Tendo em fim Timoja confirma-
do , e fegurado por novos teílemu-
nhos , o que tinha avançado , naõ te-
ve mais do que algumas conteítaçcés
a refpeito da barra de Goa , de que
os
GOVER-
NADOR.
4ó* Historia dos Descobrimentos
os O nciaes eftavaõ perfuadidos , que
Ann denaó tinha fuífictente fun^b. Fimoja
J. C. porém amimando pela íua cabeça ,
1510. Tae r^1 ;° men°5 tres braças , e
meia de agua em baixa mar , deter-1
£>. ma- r -n 1 /-< ^ ^
mmou-.e a conquilta de Goa. O Go-
^OEL REI 1 l r .
vernador qujz ter por eiento o pare-
cer de toios os oue affiftiraó ao Con-
lelho , e lhes íez untamente afhgnar
D ALBU- o I 1 r 1 • ° -
outro acto , pelo qual fe obrigarão
JE toios a reconhecer por Governador
General , D. António de Noronha ,
íuppoíto que como a forte das armas
he incerta , faltou nefta guerra.
Tomada eíta refoluçaó , Timoja.
por ordem de Albuquerque voltou ou-
tra vez , deixando a fua pequena fro-
ta no Cabo de E.ama , onde devia
efperalo , foi cahir com as fuás tro-
pas fobre a Fortaleza de Cintacora ,
cuja vumhança incommodava muito a
Cidade dOnor, levou-a á força âcC^
cu berra, e paííou tudo á eipada , e
lançou-lhe fogo , e com incrível cele-
ridade tornou a unirfe a Albuquerque
com as filas rufias , no tempo que ef-
té General chegava á barra de Goa.
A Cidade de Goa fituada em
dezaíTcts gráos de latitude do Norte
na Ilha de Tiçinrim, a qual tem qua-
fi nove, ou dez legoas de circuito,
e
DOS PoRTUGUEZES , LtV. V. 47
€ he fechada pelas correntes de cio is .
pequenos rios , era entaó huma cias Ank. de
mais confideraveis Cidades da Penin- J. C.
fula d'aquem do Gange íituada n'uma x _IO
igual dirtancia entre Cambaia , e o Ca-'
bo Somorim, he mui própria para fa- D* MA~
zer hum grande commercio , por ter NOEL KEí
o melhor porto de todos cites con-
tornos ; de modo que naó he deficil AFFOf So
ccmparalo aos portos de Conftantino- D ALEl ~
pia , e de Touion , que paííaó pelos QuerQue
melhores do noíTo grande continente* GOVER~
era antigamente do Reino de Decan. >,ADORj
O Rei de Decan , a quem os princi-
paes fenheres dos feus E (lados tinhaó
íó deixado huma pequena íombra de
aucloridade a rinhaó confiado a hum
Oiricial da fua Coroa , Mouro de ori-
gem , e de Religião, chamado Adil ,
Can, e per corrupção Idalcan , que
os Portuguezes continuavaó a cha-
mar fem razaó Zabala , nome que fo
propriamente convinha ao Prin:ipe
Gentio, a quem Goa tinha fido uzur-
pada. Efte Idaicaó conferveu fempre
numa grande correfpondencia com o
feu Soberano em quanto viveo , pon-
do-fe em eftado de fe confervar por
íorça no cazo de lhe ler precizo.
Tinha munido a Cidade de boas mu-
ralhas y de torres, e de Cicladellas. Ti-
nha
48 HiSTORIA DOS DeSCOBRLMEMTOS
— — nha fortificado do meimo modo as
Ann. depaíTagens por onde podiaõ entrar na
]. C. Ilha , e as fazia guardar com efcru-
151c. puloíiffima attençaõ. Naó fe fiando
dos índios nem dos Mouros do paiz,
"de quem conhecia a fraqueza , e a má
EL KEI fé , tinha íormado hum corpo de tro-
pas compofto de Árabes , de Perfas ,
A/FO?,sode Mahometanos da Europa , e de
d albu- "\|amme]_us do Egypto em que pu-
ÇUEROUE 1 r • 1 £ T" 1
v c nha a iua principal confiança. I inha
go\er- t;^o extremo cuida^0 de prover a iua
nador. Cidade de toda a forte de munições,
e iobre tudo de armas á maneira da
Europa ; os feus armazéns eítivaS
cheios , os arcenaes em bom eftado:
tinha nos feus eíbdeiros muitos na-
vios de modelo fimilhante ao dos Por-
tuguezes. Finalmente como elle era
mteiligente, vigilante, e activo, ainda
que o feu governo foíTe hum pouco
duro, tinha chegado a fazer a fua Ci-
dade bella , forte , e florecente , naó
fe efqnecendo de tudo , para chamar
o commercio , e recebendo perfeita-
mente bem os eílrangeiros , que lá-
bia empregar, e recompenfar fegundo
feus talentos , e feus lerviços , e que
ahi fe eítabeleciaõ tanto mais volun-
tários , quanto o paiz naturalmente
rico 3 e fértil, alli forneíTe abundante-
men-
MA-
REt
AFFONSO
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V. A9
mente ás commodidades , e delicias
da vida. Ann. de
A inquietação cm que eílava AI- J. C.
buquerque , e o temor que tinha de i^io.
hir encalhar na barra , tez com que
ordenaííe por precaução a D. António
de Noronha, e a Timoja que rbíTem
antes íbndala. Ordenou logo ao pri-
c rc c J AFFOm
meiro , que ioíle atiacar o lorte de ,
Pangim , que eftava na Ilha , e a Ti-
•v *r P cr J f J QUERQUE
moía , que íe apreientaíie de fronte de x
Jt- 1. - -r^ GO VER-
outro rorte , que chamavao o lrorte
de Bardes, que eftava no continente. NAD0R"
Eftes dois per. os tinhaó fido eít.abele-
cidos pelo Z:.baia para a derença da
barra. Noronha devia fer delendido
por Simaó dcAndrade na fua galera ,
por Simaó Martins no Teu braganrin ,
por Jorge Fogaça , por Jeronymo Tei-
xeira, Jorge da Silveira , Joaó Nunes , e
Garcia de Soufa nas fuás chalupas.
Timoja devia conduzir as fuás fuíras.
AJ vifta da frota inimiga, e def-
de o primeiro rebate Miiique Sufe-
Curgi , efte Ofíicial do Calife , de
que temos fallado , que tinha maior
aucloridade na Cidade , fahio com pre-
cipitação para hir defender o Forte
de Pangim. Combateo valerozamente
fobre a ribeira na primeira trincheira ,
para impedir a defeida , mas fendo fe-
Tom. II, D ridg
^O Historia dos Descobrimentos
rido de huma flexa , que lhe paíTou
An:;. de a maó, efta dor ;o obrigou a retirar*
J. C. fe para ° Forte , onde pouco depois
10 recuperou a Cidade. Vendo-fe os léus
* * fem Chefe recolheraô-fe também ao
d. ma- Forte com preffa , mas Noronha ten-
noel rei J0 dado algumas bandas de artilheria ,
que naó fizeraõ effeito , os perfeguio
affonso taó vivamente , que os Portuguezes
d'albu- entrarão baralhados com os fugitivos.
querque Timoja naó achando refiítencia na
gover- outra parte , foraó tomados os dois
nador. Fortes , e toda a artilheria.
Huma vicroria taó repentina conf-
ternou toda a Cidade, onde naó ha-
via cabeça , obedecendo cada hum fem
vontade áquelles que arrogavaó a íi
a autoridade. Albuquerque , que ti-
nha feito avançar todas as chalupas ,
e bateis , e que tinha paliado elle
mefmo para á galera de Fernando de
Beja , porque o vento naó o fervia
para fazer entrar os navios de porte
no rio , íoube logo deíla defordem
por alguns Mouros de Cambaia , e de
Diu , que vieraõ bufear a fua protec-
ção. Reprezentando-lhe eíles o eira-
do das coifas , e aííegurando-lhe que
a gente de Melique-Sufc-Curgi lhe
obedecia poucp 3 porque lhes pagava
mal : o General enviou ao campo ef-
tes
DOS FoRTUGUEZES , LíV. V. $1
tes mefmos Mouros para fazerem da •
fua parce propofiçoés vantajozas aos Ann. de
habitantes , a quem fez dizer : ]. C.
„ Que bem longe de vir para tirar- icio.
wlhes a liberdade, naõ tinha elle ou-
„ tra intenção , que de os livrar do D* MA~
5, jugo odiozo fob o qual gemiaó : V0EL REI
que elle confirmava todos os feus
privilégios , permitia a cada hum AFFONSO
que viveíTe na Religião em que ti- D ALBU"
_ nha fido criado , e que lhes alivia- ««"íiqwi
3, va a terça parte do tributo , que G0VER"
#, pagavaó ao Idalcaó : exceptuando NAD0R*
3, porém aos eftrangeiros armados pa-
3, ra ferviço deite Príncipe , de quem
3, queria íer General , com os quaes
3, uzaria de maneira , que todos feriaõ
55 contentes. „
Recebidas eftas propofiçoes com
agrado na Cidade, coníentio ella em
dar-fe aos Portuguezes , e o tratado
foi afíignado dcambas as partes a pe-
zar dos esforços de Sufe-Curgi , que
naó podendo impedir-lhe a execução,
fáhio de Goa pouco acompanhado ,
e foi levar ao Idalcaó a triite noticia
da entrega defia praça.
Os Magiílrados tendo levado as
chaves a Albuquerque , fez o Gene-
ral pacificamente a fua entrada em 17
de Fevereiro de 1510, no meio das
D ii accla-
5^ Historia dos Descobrimentos
■ 1 — acclamaçoês do povo fempre adorador
Ann. de da novidade. Hia montado n'um belo
]. C. cavallo da Perfia , precedido de trom-
1510. bera: , e outros initrumentos milita-
res , de hum Religiofo Dominicano ,
que levava diante delle o eitendarte
moel rei ja Cruz ^ e dcum ofHcial que levava
a bandeira de Portugal. As tropas fe-
affonso g^aõ em fl|eira marchando em boa
d albu- orc|em ^ com os feus Oíficiaes na tefta.
Tendo dado graças ,1 Deos de
go ver- jocjnos ^ e derramando muitas lagri-
nador. mas je gcfj.0 tfum ta5 gloriofo fuc-
ceifo , tomou poííe da Fortaleza , e
do Palácio do Idalcaõ , e ordenou tam-
bém tudo, que ninguém podeíTe pre~
judicalo , e que nenhum dos feus in-
commodaífe hum povo , que de taõ
boamente fe tinha entregado.
Acharão na Cidade quarenta pe-
ças de groíTo calibre , fmcoenta e un«
co falconetcs , e outras muitas peça»
de artilheria ligeira , pólvora , balas ,
granadas , e toda a íorte de armas ,
e inuniçpes de guerra. Concaraó nos
eftaleiros até quarenta embarcações
entre grandes e pequenas , entre as
quaes havia dezafete íuftas, com todos
os léus aparelhos nos armazéns. Con-
tarão também nas cavalharices do Idal-
caõ cento e fecenta cavallos da Per-
fia,
DOS P/ORTUGUEZES , LíV. V. 5$
fia. E aílim do mais á proporção.
O Governador , que tinha deter- A>.r. de
minado fazer de Goa a Metrópole das ]. C.
Conquiítas dos Portuguezes na índias , 1510.
começou por declarar aos feus Officiaes
o defignio de invernar alli , e tomou *
todas as medidas para fe ahi confervar , K
e para introduzir huma boa forma no
governo , que pretendia eítabelecer. affo*. o
Nomeou logo António de Noro- D ALEU"
nha feu fobrinho Governador da Ci-*UERQUE
dade , e lhe cedeo a Fortaleza. E pa- GovER~
ra fe alojar tomou o Palácio do Iaa,-T"AD0R'
caó , onde eítavaõ ainda as luas mu-
lheres , e o feu ferralho. Fez Mordo-
mo mor a Gafpar de Paiva , e deo
a feitoria a Francifco Corvinel. Ten-
do-fe depois dciílo informado exacta -
mente do produclo das Alfandegai ,
tanto da Cidade de Goa , como das
Ilhas vifinhas , que montavaõ á oiten-
ta e dois mil pardaos cada armo 3 ef-
tabeleceo rendeiros aíKm Mouros, co-
mo Gentios , que fubcrdinou a Timo-
ja , a quem fez rendeiro geral , e a
quem deo além diffo o cargo de Sar-
gento mor do Eftado , e Reino de Goa.
Tendo logo feito tomar alguns
poftos , onde os inimigos ainda fe
mantinhaó na Ilha , fez entrar a fua
frota no porto 5 reftabeieceo os pcOos
de
54 Historia dcs Descobrimentos
de Cintacora , de Pangin , e de Bar
Ann. de des , que tinhaõ fido arruinados : acref-
J. C. centou novas obras á Cidadella de
1510. ^oa Para fe poder retirar para ella em
. qualquer precizaó , e acautelou as paf-
MA~ fagens da Ilha , pondolhes Officiaes
iíoel rei fuborainaa0s á D. António de Noro-
nha 3 que devia vigiar íbbre todos, tor-
affonso neancJo a j^a ^ e jevar foccorro a to-
d albu- ^a a pârte ^ue G p^cifaí^e.
querque Dada efta primeira forma ao gover-
gover- no jnterjor ^0 Governador mandou cha-
hador. mar os £nvia(jos <Jos Príncipes eftran-
geiros , que fe achavaõ em Goa , e de-
pois de faber delles o motivo da Tua
legação , expedio primeiro os dos Reis
de Naríinga , e de Vengapour , aos
quaes ajuntou Gafpar Cnanoca , e o
Padre Luiz Francifcano , com o ca-
racter de Embaixadores para procura-
rem fazer liga offeníiva , e defenfiva
com efr.es Principes inimigos do Idai-
caó 3 e pedir confentimento ao pri-
meiro para fundarem huma Fortaleza
em Baticalá. Ouvindo depois os En-
viados de Ormuz , e do Sofi da Per-
■fia , defpachou também eíles , e en-
viou com elles em qualidade de Em-
baixador a Rui Gomes Gentilhomem da
caza delRei de Portugal.
Iírnael Schah 3 ou Sofi da Perfia
era
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 5"C
Cra hum dos maiores Príncipes , que — *
occuparaó efteThrono, que elle tinha Ann. dê
quafi conquiftado. Era refpeitado cc- J. C.
mo hum dos mais poderofos Monar- irio.
cas do Or:ente , e fe tinha dillin-
euido por duas grandes batalhas, que
*? , r ! i iD * j KOEL REI
tinha ganhado , numa contra o grande
Senhor , e outra contra hum Cam
poderoíiííimo da grande Tartaria. El- ,
rimava Albuquerque particularmente y
e lhe havia enviado Embaixadores , ÇUERÇ
mas naó chegarão a Ormuz fe naò G°^ER~
depois da fua partida, como já diííe. KAD0R*
Nada he mais belo , que a carta que
Albuquerque lhe efcreveo , e as inf-
truçoés que deo ao feu Embaixador ,
como largamente fe lè nos feus Com-
mentarios. O projecto dcuniaó , que
propunha a eíle Príncipe para deírruir
o Calife , manifeíla bem a grandeza
da fua alma , e a nobreza dos feus fen-
timentos , a fuperioridade do feu va-
lor ,e a folidez dos feus conhecimentos.
Mas eíla embaixada naó fe efFeituou.
Atar fempre inimigo oculto dos Pcr-
tuguezes , e de Albuquerque , fez en-
venenar Gomes no caminho , depois
de ihe.rer feito toda a forte de honras.
Com tudo o moço ídalcaó feri-
do da triíle nova da entrega de Goa ,
deo-íe todo a fazer paz com todos os
feus
$6 Histopía dos Descobrimentos
feus inimigos aílim exteriores como
Ann. cie interiores , com as condições menos
J. C. delavantajozas , que pôde para procurar
15 io. recupera* efta prc~ça , que era o quç
mais lhe importava , o que confeguio.
D* * A~ O Rei de Narímea , que efrimava an-
JsOEL REI r~< 1 - 1 C ...
tes ver Goa em poder ao leu inimi-
go , que no dos Portugúezes , de quem
affonso tem;a 0 aranc|e poder , fci o primei-
d albu- rQ ^ue approvou 0 tratado. Os ini-
çuerqu mjgos ciomefticos acommodaraó-fe mais
go ver- facijirienreí ]\ja5 deixarão os habitan-
ííasor. tes ^e QQa ^ e aque]ies mefmos que
tinhaó entregado a Cidade , inju-
riados da lua fraqueza, e penhorados
do amor do feu Príncipe ligitimo , de
tomar com elle as medidas para facu-
direm hum dominio ellrangeiro , que
cada dia fe lhes fazia mais odiozo.
O Governador tiaõ ignorava eíles
ocultos confelhos , que nao era o que
eiíe mais fentia. Elle grande homem
era diltinado , para ter mais para com-
bater a fua própria Naçaó , do que os
inimigos da lua Naçaó. Tinha entre os
feus principaes Omciaes cfpiritos tur-
bulentos , cuja má vontade tinha ja
exprimentado. Porque citando em Ca-
nanor antes de vir a Goa, quatro Ca-
pitaens feus tinhaó projetado defde en-
tão de o deixarem , para hir á corfo
pa-
BOS FoPTUGUEZES , LlV. V. *?J
para á Ilha de Ce;laó. Más , efte pro
]eck> foi hterromp;do , porque o Co- Ann. de
vernador tirou a Jeronymo T.Jxe'ra , o J.C.
principal da f • -çr.ó , o ^ommando do teu 1^10.
navio, que pouco defpois lhe reítina:o.
Timoia naóeílava contente, tinha-
r IT • J li J • ' J NOELREl
fe liíonguido , que lhe cedenao o rc-
minio de Goa, mediando algum cenib
que pagaííe a EiRei de Portugal ; e A,FF<
cíbrisando-fe a defender a praça fó D ALBL"
^ r ' C r QUERQUE
com as luas tropas , e a íua culta , o x x
que era huma quimera. Eiie tinha que- GOAE
rido perfuadir-fe que Albuquerque lho KAD0B-
tinha promitido , e vendo que naó lhe
cumpria a palavra , que lhe tinha dado
aílim como ellc o pretendia , trabalhou
occultamente de grangear os OíRciaes ,
e poios da lua racçaó. O Governa-
dor tinha muito boas razoens para
lhe naó dar a conhecer a indifcripçaó
ca propcílç ;5 , que elies lhe tinhaó
feito , e para os naó envergonhar de
lha fazerem. Mas quando íoube que
o Idakaõ , ieita a paz com oz fcus
inimigos , fe adiantava com grandes
jornadas , que tinha quarenta mil ho-
mens de Infantaria , e finco mil cavalos;
Timoja tendo renovado os feus occui-
tos artificie? , o temor entaó de naó
poder rsiiítir a grandes ferças , o laítio
<de trabalhar nas fortiMcacoens , e a
ambi-
$8 Historia dos Descobrimentos
ambição de fe empregar n'outros inte-
Ann. de reíTes mais pcííoaes , fizeraó que cada
J. C hum achaííe razoetis plauziveis do bem
15 10. d° eítado , para apoiar as pretençoens
_ de Timoja , e para obrigar o Gover-
M * " nador a defiílir de huma empreza que
NOEL rei 1 • , - r • ' r r r L
todos julgavao iupenor as luas torças.
Albuquerque diílimuiava , -preciza-
AFFONSO r 1 n ■ r/l- n
va lua conltancia para reíiltir a eira
torrente , mas era obneado a ter pa-
QUERQUE • • a 1 p \ Y -
^ x ciência. A pezar da lua moderação
GOVER- 1. - r r 1 r
adiantarao-le tanto os revoltoíos , que
or. |jie Corromperaó até 900 entre os feus
fubalternos. Teve a felicidade de os
apanhar numa caza , onde deliberavaõ
de lhe fazerem propor fediciozamente
pelas fuás tropas , que lhes pagaííe o
íoldo em dinheiro , e naó em vive-
res. E chamando dois dos principaes ,
por quem foube quaes eraó os Au-
rores de todos eftes movimentos ,
remunerou-os , e fe contentou de re-
prehender fortemente os outros. Palia-
do afgum tempo livrou-fe de Jerony-
mo Teixeira , concedendo-lhe a li-
cença , que lhe pedia para hir a Co-
chim, onde Jorge da Silveira tomou
a confiança de o feguir fem licença.
Em quanto o General efíava
aííim occupado em dcíenâer-Cc das
traições dos habitantes , e das confpi-
ra-
DOS PoRTUGUEZES, LtV. V. $<)
raçoés dos Teus , o Idalcaõ fe difpôz
a vir fitiar Goa com todas as fuás Ann. de
forças. Primeiramente fez , que fe J. C.
adiantaííe huma parte das fuás tropas, 1510.
dirigida por hum dos feus melhores
Capitães , chamado Pulatecaõ , elpe-
ranco unir-fe-Jhe com o groíío do ex-^OLLRE1
ercito. Pulatecaõ naó encontrando re-
fiílencia na fua marcha , adiantou-fe AtFFO-so'
' > 1 rr J Til D ALBU-
ate as duas paílagens da Una , a que
chamaô os Poííos de Benaítarin, e QUERq_UE
de Agacin , e fe acampou fobre o pe- GOVER
queno rio deSalcete, ao pé da cadèa NaD0R#
das montanhas de Gate, que atravef-
faó toda eíta Peninfula da índia. In-
tentava eíte General entrar na Ilha
em a primeira occafiaó favorável que
tiveííe , para o que mandou fazer
grande quantidade de jangadas , e de
canoas de fajgueircs para cá paífagem
das fuás tropas. E porque a artilhe-
ria de Garcia de Soufa , que ccmman-
dava no paíTo de Benaftarin , e a do
navio de Ayres da Silva, que eftava no
mefmo porto, poderia incornmodalo
muito , fez correr huma cortina ,que o
efeudou inteiramente d 'uma , e outra.
O dezejo , que Pulatecaõ tinha
de poder entrar em Goa , antes que
o Idalcaó o encontra íle , o fez tentar
as vias da negociação , primeiro que
as
*ADOR.
60 Historia dos Descobrimentos
as hoílilioiídes. O trombeta que in-
At: u. de viou , era hum dos degradados , que
J. C. Pedro Alvares Cabral tinha deitado
i*tio. na Coita de Affrica , chamado Joaõ
_ Machado , Portuguez de naçaõ. De
Melinde tinha paíTado a Diu , e dalli
KOEL REI r^ 1 r T 1 , , .
a Croa , onde o ldalcao ultimamente
morto fuppondo-o Turco em Religião ,
AFFONSO í r 1 1 11 •
e em origem, e achando-lne mento,
lhe deo huma companhia de Rumes.
rque ^s propoíicoés de Machado eraó de
COVER- f 1 1
modo , que parecendo querer o bem
da fua nacaõ , favoreciaõ todas as per-
tençoés cie quem o enviara, e repre-
Tentando ao Governador „ A impoílí-
bilidade em que fe achava para re-
fiftir a hum taó poderofo exercito ,
„ no meio duma Cidade preítes a fub-
„ levar-íe , com hum punhado , por
„ aífim dizer , de Portuguezes , que
„ pouco Te uniaõ comelle, e iftona
„ entrada d'um inverno , que o impof-
„ fibilitaria a retirar-íc , fe elle
„ naó tomaiTe as fuás medidas para o
., previnir por huma capitulação hon-
„ rada , e vantajoza. „
Poílo que Albuquerque teftemu-
nhaíTe o Teu agradecimento a Machado ,
pela boa vontade que cite lhe moílrava,
e pelos ferviços que lhe poderia fazer ,
fabendo bera o pouco cazo , que fe de-
ve
■n
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V. 6t
ve fazer da fé defbs peffoas, naó fe fiou — •
dcile mais que a bom partido, e íup- Ann. de
pondo que lhe poderia ter exagera- J. G.
do muito as forças do inimigo, con- 1510.
firmou-fe no propofito de fe conlervar
na fua conauifta , e de niflb pôr o ul-
r A ° r NOEL REI
tmio esiorço.
Timoja caufava-lhe fugeiçaõ. O
vr n 11 a -1 j j AFFONSO
difeofto que elle lhe tinha dado pe- ,
las luas intrigas com os Omciaes . e a
pouca folidez das tropas deite índio , Q ^y
que eitando pofbdas ao Paço d'Au-
gin , eitavao iempre no ponto de o
defemparar , lhe laziaó fui peita a fua
fé. Certamente creio , que Timoja naó
penfava em traição. Eitava prezo por
muito grandes vantagens , porém a fua
conducla occafionava algumas fufpei-
tas. O Governador , que queria certi-
licar-fe o fez cahir num laço , em que
elle mefmo fe meteo. Hum dia em
que Albuquerque lhe tcítemunhava a
defeonfiança , que tinha dos principaes
Mouros da Cidade , que temia fe vol-
taííem para o feu antigo fenhor, e fal-
lando-lhe com o coração aberto come*
quem preciza de coníelho , lhe pre-
guitou como fe t:raria de cuidado
neíte ponto „ Reípondeo Timoja ,
obrigai-os a meter íuas mulheres , e
Pt filhos na Fortaleza , como feeuros
6l Historia dos Descobrimentos
„ penhores da fua fidelidade. Iíío fe-
Akn. de „ rá difícil , replicou Albuquerque ,
J. C. „ fe na5 tiverem quem lhe dê exem-
15 IO. 35 P^° 5 mas CO!Tlo vós eílais aqui á
_ „ lua tefta , fe virem que o fazeis
d. MA")3rem repugnância , elles o faraó de
ícoel rei ^ ^oa vonta^e>5) Timoja atterrado def-
te golpe imprevifto naó pôde arrecuar ,
affonso 0ijecieceo ^ e fez obedecer os outros.
d albu- Y)efte modo aquietou o efpirito do
quERquE Governador , que nifto fez huma ve-
GOVER" nida de meílre.
vador. £^a pjevençaQ na5 impedio as
traições, e o General teve muitas pro-
vas por efcrito , abrindo as cartas , en-
tre as quaes elle achou , de Mirai , e
de Melique Sufe-Condal , de quem pa-
rece , devia menos defconfiar , porque
o primeiro tinha moftrado grande de-
zejo de entregar a Cidade aos Portu-
guezes , e o íegundo era intimamente
ligado a Timoja, que lhe tinha n'outro
tempo dado hum afilo , depois que fo-
ra expulfado de Goa pelo defunto Idal-
caõ. Albuquerque disfarçou no principio,
deixando a vingança para feu tempo.
Com tudo vigiava como Capitão
mor , e tinha a Ilha também fechada ,
que os inimigos naó podiaó penetra-
la. Nada eílava mais bem eitabelecido ,
cuie todos os feus poílos. Tinha fei-
to
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 6^
to armar trincheiras de huns a outros , «
vifitava-os peffoalmente , e tinha poí- Ann. de
to corpos de referva para íocorrer a J. C.
todos em cazo precizo. Hum dos pri- i<~io.
nieiros cuidados foi de ajuntar todos
os bateis , para que os inimigos fe D* MA"
naó podeflem aproveitar dellcs : mas NOEL REI
quando elle deo a ordem , o Sabandar ,
ou Commiííario da Marinha , que era A,FFONS°
traidor , e a efperava , os tinha envia- D ALBl-~
do todos para os inimigos, que deiles ^UER0-UE
fe tinhaó apoderado. Naó íe lhe de- GOvER"
morou o caftigo , porque naó poden-KADOK*
do dar razaó deita conducta , Albu-
querque o fez matar pelos feus guar-
das, e deitar feu corpo no rio*
A fentinela , que faííaó as tropas
Portuguezas , que eftavaó fempre á
leira, cortando a efperança a Pulate-
caó de as poder forçar de dia, rezol-
veo furprendelas numa das noites do
inverno em que entravaó , e que faó
acompanhadas de vento , e chuva. Ef-
colheo a de 17 de Maio , que veio
como à defejava. Sufolarim Official
de credito commandando hum corpo
de dois mil homens , entre os quaes
havia mil e trezentos Rumes , ou bran-
cos , devia hir defcer ao PaíTo de Be-
naítarim , e Melique Sufe-Curgi com
outro igual corpo a devia hir defcer
com
6*4 Historia dos Descobrimentos
~" com os Coties , ou pequenos bateis ,
Ann. deque o Sabandar tinha enviado cie Goa,
J. C. ao poil:o de Gondalim. Foraó taó fe-
i-çio. ^ces > <lue defefttbârcâraõ metade dos
Teus , antes que foflem percebidos. E-
Vm MA"poftoque ao defpontar do dia os Por-
koel rei tuguezes fízeíTem grande fogo com a
fua artilheria , e huma grande deftrui-
AFFONSO ç^ nQ3 ypç tin}ia5 p-ffacJo f Com tu-
d aleu- fo crecenc|0 fempre o numero dos
querque mjmigos s foraó tomados os dois pof-
gover- tos^ e os Por^gucze1; forçados a íe
ka-dor. retirarem para á Cidade ; de forte que
Pulatecaõ naó achando quem lhe íi-
zeífe cara , paffou as luas tropas para
á Ilha , e veio acampar- íe em hum
lugar chamado as duas arvores 2. meia
legoa de Goa. Vlctoria fácil , mas
que naó o teria íido 5 íe dois dos
principaes OfHciaes Porruguezes tive í-
íem querido fazer a fua obrigação.
O Governador naó foi inteirado,
de que os inimigos eílavaõ na Ilha ,
íe naó peníando no perico mais emi-
nente , fez íahir da Cidade todas as
tropas Indianas , que ahi eííavaó ,
com o pretexto de ioccerrerem o poí-
to de Benaftarim. Bem preveo que
elias hiriaó encontrar os inimigos , aí-
íim como rinhaõ já feito as tropas
de Timoja ; mas era-lhe mais vanta-
jozo
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 6$
jozo apartalas,do qconfcrvalas na praça, ■
onde poderiaó dar-lhe maiores trabalhos. Am;, de
Querendo depois vingar-fe dos J. C.
traidores, fez degolar alguns , e fez irio.
enforcar outros na Cidadeila , mui fe-
cretamente para que os habitantes D# MA"
ignorando eíta execução fe confervaf- N0EL REI
fem no refpeito dos penhores , que
elle tinha em feu poder. Mas como AFFONSC>
naó poderão perfuadir-fe , que elle D ALBU"
foííe ás ultimas a feu refpeito , naó £VERQU2
occultaraó a inclinação que unhaó ao GOVER"
inimigo , e tanto que Pulatecaó avan- KADoR«
çou as fuás tropas para á Cidade ,
tudo pareceo preítes a fublevar-ie. Pu-
latecaó perdeo com tudo três dias di-
ante da praça, foi obrigado a fazer
huma obra avançada, e nella caval-
gar algumas peças de artilheria para
fazerem brecha. Entaõ correrão os
habitantes ás armas Os Portuguezes
attacados dentro , e fora , combaterão
com muito valor. Timoja , e Menai-
que , ambos índios , e fieis ao feu
partido , alEgnalaraó-fe nella occafiaõ :
porém arraítados pela multidão dos
agreílores foraó obrigados a ganhar a
Cidadeila com Aíbuquerque , que lhe
cuftou bem falvar-fe nella. Antes de
fe recolher teve a pervençaó de dei-
tar fogo aos armazéns , e ás embar-
Tom. II, E ca-
tfADOR.
66 Historia dos Descobrimentos
— — caçoes , que eítavaó nos eítaleiros , o
Ann. de que fez alguma diverfaó , fendo osini-
J. C. migos obrigados a concorrer ahi para
1510. trabaharem na fua extinção.
Na pre:izaó em que Albuquer-
D* MA~ que fe achava defpachou para Cochim ,
KOFL REI • 1 t - , •*
e enviou ordem a Jeronymo Teixei-
ra, e a Jorge da Silveira para virem
affonso unjr_fe.]]ie 5 e j^e conduzirem foccor-
D ALBU- ro< ^as gggj CJQ-S nomens a quem q
querque o^o cegava ? defprezaraó as luas or-
dens , e as fuás rogativas. Doutra
parte a divizaó fe augmentava entre
os feus , cujo atrevimento , e a revol-
ta cobravaó novas forças á medida ,
que lhe parecia ter mais razaó para
combater a fua obítinaçaõ. Pulatecaõ
que eílava informado de tudo o que
íe paliava , atiçava o fogo deita divi-
zaó pelas licenças , que dava ao Ge-
neral de retirar-fe com honra , e pe-
lo terror que lhe queria infpirar, pu-
blicando o defignio , que elle tinha de
queimar a fua frota , íeja porque efpe-
raffe por iíTo obrigalo a deixar a par-
tida , ou porque naó dezejalTe mais ,
que augmentar a perturbação. Macha-
do fempre zelozo , quando menos na
apparencia , avlzava de tudo , e os
feus avizos , que fe achavaó fempre
verdadeiros , produfiaó o effeito de en-
volve-
t>OS PoRTVGUEZES , LlV. V. 6j
volverem fempre cada vez mais o Go —
vernador com os feus fubalternos. Ann. de
Nifto chegou o Idalcaó , e en- J. C.
rrou na Cidade com o refto das tro- rr-I0.
pas. A primeira coifa que fez , foi
tentar embocar o canal do rio ,
para impedir a fahida á frora Por-NOELREI
rogueza , e aíTegurar-fe de poder quei-
mala. Para efte efTeito fez alli enca- AFF0NSO
lhar dois corpos de embarcações no D ALBU"
lugar onde o canal era mais eftreito. °-UER(iUE
Albuquerque fe achou entaó numa ter- GOVER- .
rivel extremidade. Vio-fe na precizaó NADOR«
de abandonar a Cidadella , para falvar
a íua frota , com o que naó fabia fe
o canal eírava abfolutamente fechado ,
ainda na fuppofiçaó , que podeííe for-
çar a paffagem , era obrigado a in-
vernar nos feus navios , tendo toda
a probabilidade 5 que a barra eftaria
entupida pelas áreas , que as tempef-
tades alli ajuntaó no principio do in-
verno,
Felizmente como efte era o tem-
po das innundaçoés y o crefcimento
das aguas lhe abrio caminho , de mo-
do que os feus navios podiaó paíTar
em tiieira a lado das embarcações en-
calhadas. Sobre ifto tomando a refo*
luçaó de defpejar a Cidadella , foi jul-
tificar novamente os traidores 3 fazen-
E ii âo
68 Historia dos Dzscouiu?<íextos
cio morrer até cento ííncoenta peífoas
Akn. de que tinha em penhor. Fez depois ef-
J. C. pedaçar , e f algar os cavailos das ef-
1510. trcbtrias do Idalcaõ , para remediar a
fome j e tendo pefquizado o modo
-d. MA-para era^arcar tU(j0 0 que queria ie,
i^otL rei yar ^ tomou a noite para fazer a fua
retirada. D. António de Noronha fa-
affonso zencj0 largar fogo a hum armazém in-
d albu- tempgftiyjHnenie 5 advertio com iíío os
^UERquE inimigos do intento da fugida. Albu-
cover- querque os teve }0g0 em fnna ^ ^e
&ADOR. forte 5 qlie naõ pôde ganhar as fuás
náos fem combate , e correo muito
rifco matando-lhe o cavallo em que
hia.
A alegria , que teve o Idalcaõ
de fe ver fenhor da Cidadeila > foi
bem aguada pelo horrorozo efpeta-
culo-de tantas cabeças cortadas , e ca-
dáveres defcabeçados , que elle achou
na praça 5 e pelos gritos dos parentes
dos mortos, os quaes fendo todos dos
principaes da Cidade pertenciaó quaíl
a todas as cazas , que fe cubriraó de
luto. Entre tanto Albuquerque vo-
gou com as velas cheias , e foi anco-
rar em hum portinho eípaçozo entre
a ponta de Rebandar , a barra , e os
Fortes de Pangim, e de Bardes. O
Idalcaõ que o tinha feito feguir por
hum
HEI
D ALBU-
DOS PoRTUGUEZES , Ll\< V. 6o
hum bragantin , temendo que elle fe
apoderaífe deites Fortes , enviou-lhe Akn. de
Machado para o enrerter com propo- J. C.
ííçoés de paz. E pofto que a altivez j^I0.
do Governador foffe tal , que as coifas
?iue elle fazia da fua parte , podiaõ paf- D'
ar por extravagâncias, por ferem ar- í:OEL
ro^antes , eíle Príncipe naõ deixou de
continuar as luas negociações , ate que ^-r^
eftes dois pontos foiTem inteiramente
eftabelecidos. Doutra parte os Capi- QUERQUE
taés queriaó abfolutamente obrigar Al- GOVFR~
buquerque a fahir da barra , e pofto r:AD0R«
que ifto foíTe contra o voto de todos
os Pilotos , naó focegaraó fenaó quan-
do por ccndefcendencia elle permitio
a Fernando Peres de Andrade , tentar
a fahida com o navio S. Joaõ , que
a teima defte OíHcial fez perecer , de
modo com tudo que falvaraõ a equi-
pagem , e toda a carga.
Preparada a artilheria dos For-
tes , começou a jugar com tanta fe-
licidade , que como o portinho onde
eftava a frota , pofto que grande, naõ
o era afias para eila , Albuquerque naõ
fabia aonde fe meteíTe, e era obriga-
do a fazer mudar continuamente de
lugar os íeuc navios , fem lhes poder
achar feguro azilo. Sentio-fè taõ cruel
fome , que foraó obrigados a come-
rem
70 Historia dos Descobrimentos
— rem ratos, e até os couros dos baús,
Ann. de e dos efcados : porém o que mais
J. C. mortificou o General , foi a deferfaó
leio. ^e três dos feus, que contarão ao Idal-
caõ o eílado miieravel , a que eíla-
D* MA"vaõ redufidos. Efte Príncipe que era
koel rei ta~ civilizado como valerozo , lhe
enviou , logo que teve a primeira no-
AFFONsotocja ^ numa fufta cheia de viveres, e
r> albxj- rcfrefcos , mandando-lhe dizer : „ Que
ÇUERO-UE„ pelas armas he que queria vencer
co ver- ^ os ceus inimig0S 5 e na5 pela fo-
napor. m me# ^ Mas Albuquerque que creo
que o Idalcaõ defejava laber na ver-
dade fe elle eltava com efFeito em
taó grande extremidade , uzou de fin-
gimento. Porque fazendo expor fobre
a tolda hum quarto de vinho com o
pouco bifcouto , que tinhaó refervado.
para os doentes , como para todos
uzarem á defcripçaõ , illudio o laço ,
e recambiou o prezente , refpondendo
ao OíRcial que o trazia, engraçada,
e altivamente no mefmo tempo. „ Di-
„ zei ao voflb Senhor , que eu lhe fou
„ obrigado , mas que naó receberei os
„ léus prezentes , fenaõ quando for-
„ mos bons amigos. „
Soffrendo fempre a frota muita
arcilheria dos fortes de Pangim , e de
Bardes . reíoiveo o Governador de fe
a-
DOS PoRTUGVEZES , LlV~. V. Jl
livrar defta impunidade, intentando ga-
nhalos por viva força. A empreza Ann. de
era atrevida , e mefmo temerária. Na J. C.
má vontpdc, que os Officiaes lhe ti- irio.
nhaó , vio bem que naó confeguiria
refolvelcs a iíTo , propendo o negocio D* MA~
em deliberação no Confelho : e por KOEL RE1
iflo in^tande-os , lhes diz determina-
damente, que elle eftava determinado A3FFONSO
a attacalos , que naó obrigava algum a D ALBU~
feguilo , rras que iria na frente dos Querçue
que voluntariamente o feguiííem. Eíla GOVER"
maneira de propor furtio eíFeito. Tb- KAD0R|
dos q-izeraó, e todos ahi deraõ asmaós,
O ídalcaó , que tinha {ido aviza-
do por hum fugido , tinha reforçado
a guarnição de Pangim com quinhen-
tos homens , feguindo o confelho de
Machado , que fe tinha obftinado ,
contra o parecer dos outros Oíficiaes ,
dizendo que os Portuguezes ganhavaõ
o Forte , ainda que foííem muito in-
commodados. Ainda que depois da
evazaõ do fugido , Albuquerque defc-
donfiaffe , que o Idalcaõ enviaria efte
reforço , com tudo preparou-fe a dar
o feu golpe desde a mefma noite.
Tendo feito o feu projecto , e deftri-
buido a fua gente por mar , e terra ,
para attacar por differentes panes ao
meímo tempo os dois Fortes , e o
mef-
~>l Historia dos Deçcosrimektos
— * mefmo campo de Pulatecaó , que efta-
Ann. de va poítado fobre hum oiteiro muito
J. C. perto do Forte de Panai m , para o
i<io. í°correr fegundo a neceííidade ; chegou
ao defembarque duas horas antes do
11 * MA~dia 3 fem que o percebefem. Tendo
*0ELRE1 entaó feito tocar á combate com o
maior numero de trombetas , e tam-
affonso |DOre3 3 que i^ç f0j p0j]iuei 3 attacou
■° ALBU" todos os lados. Pulatecaó , que julgou
querque ter tQC|a a armac|a Portugueza fobre
GOVER- Ç{ ^ na* j^g |em|3rou mais ^O que pQr.
nador. ^c em fugjcfo para fe retirar para á Cida-
de com precipitação. Os que guardavaó
o forte de Pangim, tinhao paífado mui-
ta parte da noite a beber , e todos efta-
vaó fepultados em profundo fono. Co-
mo elles todo> eílavaó dormindo dentro,
e fora do Forte, onde naó podiam caber
todos , fem alguma precaução , portas
abertas , e as mefmas guardas dor-
mindo , foraó vencidos antes que ti-
veíTem , por aílim dizer , tempo para
fe defenderem. Foraó ganhados os
Fortes , a arrilheria , e os viveres em-
barcados , e cila valentia , que foi hu-
ma acçaõ muito memorável , enfiou
aos Portu^uezes poucos homens , e al-
guns feridos. O Idalcaó nella perdeo
três dos feus Capitães, 150 Paimes ,
C 100 índios, que ficarão na praça.
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 7$
Ficou elle taó afluftado , que temendo <
que os vencedores o vieilem finar a ánn. de
Goa, fahio d'ahi , e fez novas pro- J. C.
pofiçoés de paz. 15IO.
Reíiavalhe hum grande recuríb
na efperança , que tinha de queimar a D*
frota. Tinha para eíle eíFeito prepara- NOEL RE1
do quantidade de jangadas cheias de
matérias combufliveis , que devia fa- AFF°^so
zer feguir 5 e fuftentar por oitenta D ALBU"
embarcações a remos , cujo deítino °>UER(iL'E
era para matar os Portuguezes , queG°^ER
fe deitalTem ao mar quando os feus KAD0R»
navios fe queimaíTem. Albuquerque naó
ignorava eíle projeclo , e tomou Jogo
algumas medidas para fe defender del-
le , mas peníando tudo bem, julgou
que era melhor prevenir o goípe, e
hir queimar as jangadas antes que ci-
las íoííem lançadas. Deo efta com-
miffaõ a António de Noronha leu fo-
brinho , a quem deo 3C0 homens ef-
colhidos repartidos em dez chalupas ,
que elle fez preceder d'nma fufta ,
d'um paráo , c das duas galeras de
Fernando de Beja , e de António de
Almada. Ordenou a eíles uitimos , que
deitalTem gente em terra para traze-
rem alguém, que os pudeííe inílruir da
íltuaçaó dos inimigos , mas eites naó
vendo apparecer peílba .alguma, e en-
ladan-
74 Historia dos Descoerimektos
fadando-fe de efperar , foraó ancorar
Ann. de a hum tiro de canhão longe da Ci-
j. C. dade. Joaó Gonçalves Caftelbranco ,
15 io. 4ue commandava o paráo , foi alias
animozo para hir ahi dar-lhe huma
d. ma- v;^a j^iJjQg $ e paffar por baixo do
koel rei j.0gQ cjas batarias , de que naó rece-^
beo incommodo.
affqnsí j^ António de Noronha chegan-
r> albxj- ^Q aonc|e as ^uas ga|eras eítavaõ an-
QUERQUE coracjas ^ percebeo pelo leu travez
gover- trjnta paráos commandados por Sufo»
hadok. ]arimj que vinhaó da parte da Ilha
de Divarin. Temendo entaõ fer me-
tido entre dois fogos , e attacado pe-
las outras pequenas embarcações , que
veriaõ da parte da Cidade , dividio as
fuás chalupas em dois corpos. Entre-
gou féis ao commando de Jorge da
Cunha 3 que inviou contra eftes últi-
mos , dando-lhe ordem de naó atirar ,
fem que elle deíle fignal. Elle com
as quatro chalupas defendidas pelo pa-
• ráo , e pela fufb. , e pelas galeras ,
foi afrontar Sufolarim.
Começado o combate por todas
as partes , Cunha pôs em fugida logo
os paráos , que tinha em frente , e os
acuou contra a praia , onde naó po-
dendo feguilos , os varejou muito tem-
po a feu gcíto. Sufolarim refiftio
mais .
DOS PoRTUGVEZES , LlV. V. 7^
mais , e batalhou bem , mas hum ti-
ro de canhão bem apontado levando- Akn. de
lhe alguns remeircs , o voltou para a ]. C.
Cidade: Noronha o feguio de taó per- j ia
to , que o obrigou a encalhar defron-
te da* porta da Cidade , que fe cha- D* MA"
mou depois de Santa Catherina. E por- KOELREl
que cntaó acharão eítar a proa da fua
chalupa na poupa da fuíta inimiga, affonso
os dois Andrades faltarão logo den- D ALBU"
tro, e foraõ feguidos de .mais três, o Çuerque
que atemorizou de modo o Suíola- GOVE1'~
rim, e os íeus , que deitando-fe abai- NAD0R» -
xo , abandonarão a embarcação. Em
todo eíle tempo chovia de fima dos
muros , e da praia huma nuvem de
tiros , dos quaes hum ferindo Noro-
nha na polpa da perna efquerda no
tempo em que hia faltar para á fuíla
de Sufolarim , depois dos outros fin-
co , que tinhaó já entrado , recado
para á fua chalupa , que tendo-fe fe-
parado da fufta , porque entaó naó
penfaraó mais que ioccorrelo , os fin-
co vaicrozos ficarão expomos ao fu-
ror dos inimigos que os rodearão. O
(eu numero era taó grande , que ne-
nhum dos Capitães ouzou deíembar-
car para hir foccorrelos : mas Luiz
Coutinho , que commandava huma das
féis chalupas da eíquadra de Cunha,
entran-
GOVER-
NADOR
j6 Historia dos Descobrimentos
entrando em huma das outras chalu-
Ann. de pas com a maior parte dos feus , en-
J. C. vi ou a íu a com o feu Patraó , e fere
15 io. romeiros para os tomar. Fernando de
Beja chegando no meímo tempo com
d. ma- a j^ua oaiera para defender a chalu-
*0ELREIpa, o Patraó fe encoftou á fuíta, e
lai vou os valerozos , que combatiaó
affonso como Heroes, á excepção porem de
p aleu- joa~ ^'Eiras , que feu muito valor
querque ]ançOU entre os inimigos , que o ma-
tarão. Beja intentando inutilmente tra-
zer a fuíla a reboque , foi obrigado
a ceixala , depois do que , todos fe re-
tirarão de noite para le unirem á frota.
O Idalcaõ, que tinha voltado a
Goa , e que foi o obfervador de to-
do eíle combate , agradou-fe tanto do
valor dos finco valerozos , e mais
que tudo dos dois irmaós Andrades ,
que íizeraó prodígios de valor , e fer-
vi raó de e feudo aos outros três , que
enviou Machado para os comprimentar
da fua parte , mandando-lhe dizer, que
elle eílimava tanto o feu valor , que
com elles elle efperaria conquiftar to-
da a índia •■, que os aííegurava da
fua amizade , e lhes pedia a fua. El-
le lhes teria mandado algum prezen-
te , fe Machado lhe naó tivefTe cer-
tificado, que elles lho naò recebiaó.
Ef-
DOS PORTUGUEZES, LlV. V. yj
Eila viíloria , que deítruio o pro-
jecto do Idalcaó , naõ foi completa A*tn. de
pela perda de D. António de Noro- J. C.
nhst , que morreo três dias depois da i^io.
ferida, A fua morte foi tanto mais
feníivel a Albuquerque, quanto a dor D*_ MA~
foi complicada com a noticia , que KOEL REI
teve pouco depois do deíaílrc fucce-
dido a D. Aftbnfo de Noronha , ir- af^nso
ma5 de D. António. Tinha partido D ALEU~
de Socotorá para vir tomar o governo QuerQue
da Fortaleza de Cananor , como já GOVER-
diííemos •, o navio que o trazia dan- KAD0R'
do por huma tempeftade fobre a Coi-
ta de Cambaia , confiando-fe D. Af-
fonfo nas fuás forças , foi dos que fe
deitarão ao mar para fe falvarem : ei-
le apanhou huma bóia , mas chegan-
do á praia onde o mar batia furio-
zamente , a mefma bóia fobre a qual
elle eílava, o despedaçou. Os que fi-
carão agarrados ao corpo do navio ,
falvaraõ-fe todos , e foraó conduzidos
prezioneiros para á Corte do Rei
de Cambaia. Albuquerque amava eítes
dois irmaós , filhos de fua irmã, co-
mo fe foffem feus próprios filhos. El*
les ambos tinhaó inrmito merecimen-
to , e por beliílimas acções fe tinhaó
deftinguido 3 e eraó geralmente efti-
maios 3 e amados. Parece que D, An-
to-
78 Historia dos Descobrimentos
tonio tinha fuperior hfgar a feu irmaó
Ann. de no coração cio feu tio. Porque ain-
]. C. ^a 4ue ti^ha fó 24 annos , elíe o dif-
tinava para feu íucceílbr no governo
5 ' geral.
d. ma- Foi eíla verdadeiramente huma
koel rei perda para o Governador. Porque co-
mo D. António era amado, e tinha mo-
affonso dos iníinuantes , reftabelecia os ne£o-
d'albu- cios que a ri^ida auíteridade de feu
QUERQuEtio tinha perdido. Elie de ordinário
gover- fe fazia medianeiro, e acommodava tu-
kador. do. Albuquerque experimentou bem
de preíTa a fua falta n'uma precizaõ.
O General tinha no feu navio
muitas moças filhas dos Mouros re-
belados , que nunca quiz redimir a
feus parentes , tendo refolvido de as
fazer inílruir na nofia fanta Religião,
e cazalas com Portuguezes , como
com eíFeito fez pouco depois. Cha-
mava-lhes fuás filhas 5 e havia muito
fundamento para fuppor , que ellas
eraó a fua paixaõ. Com todas as pre-
cauções , que elle tomou para as guar-
dar, houveraó muitas defordens , de
que os principaes Oínciaes fe acha-
rão os primeiros culpados. Rui Dias
moço voluntário convencido do fado
foi condenado á forca. Os Capitães
mais fogozos 3 entre os quaes foraõ
03
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 79
os dois Andrades , foraó taó indigna
dos deita fentença , ainda que dada Àkn. de
pelo Auditor das índias , que tendo J. C.
íublevado os feus , foraó tirar o cri- x IQ
minozo , e tumultuariamente vieraó
a bordo do navio do Governador , pa- D* MA"
ra lhe preguntar em virtude de que K0EL KEl
poder exercitava elle tal juítiça ; e
entre muitas palavras pouco decentes AFFOK£°
lhe diíTeraó decedidamente , que era D ALBU"
precizo livralo , ou mudar-lhe a pe- cerque
na , que naó convinha por nenhum me- GOvER"
do a hum Fidalgo. Albuquerque muito KAI)0K«
Senhor de íí fez femblante de lhe que-
rer moftrar os feus poderes. Os Ca-
pitães foraó finceros em hir a bordo.
Albuquerque entaó tirando pela fua
efpada. „ DiíTe, eis-aqui em cuja vir-
„ tude eu obro. „ E fazendo-os logo
meter em confelho , e tirando-lhe o
cominando das fuás embarcações, fez
executar a fentença fem remiflaó. Ac-
ção de valor , que conteve todos no
maior refpeito , porém que naó fez
mais que irritar cada vez mais os ef-
piritos.
As vantagens , que os Portugue-
zes tinhaó confeguido , os tinha fei-
to aiargar-fe hum pouco por cauza
dos viveres , e pela facilidade que lhe
<leraó de os tirar das Ilhotas vifinhas
de
8o Historia dos Descobrimentos
de Goa. Os ilmplices rumores de paz
Ank. de lhe tinhâõ fido úteis para iílo. Por-
]. C. que como o Governador tinha ainda
l5ia em ferros muitos Mouros , a que naõ
tinha dado a pena ultima , fez-fe ro-
D• MA" gar a permifTaó para que o feitor Cor-
ri oel reí vinej trata^g ^o (Qu re(Vare com os
parentes dos prefioneiros , e o refga-
AFFONSO te em ^ fempre pagQ f;m viveres# A
x> albu- pCZar ^e tuJj0 ifto a frota fofria fo-
.quERquE me . por^m como 0 inverno declina-
gover- va ^ lifongeavaó-fe de ver fedo o fim
n£Dor. ^e toc|as eftas mizerias.
O defignio do General era naõ
fahir de lá , fem tomar a Cidade , e
neftas viftas fez logo partir D. Joaó
de Lima , que devia conduíir os do-
entes para Ánchediva , e ordenar aos
navios , que de novo chegaíTem de
Portugal , que foíTem unir-fe com o
General^ á barra de Goa. Timoia foi
defpachado no mefmo tempo com as
fuás fuftas para hir bufear viveres a
Onor. Albuquerque tinha noticia cer-
ta , de que o Rei de Naríínga defen-
ganado da falfa idéa , que lhe tinhaõ
dado da tomada de Goa , tinha de
novo rompido com o Idalcaõ , e fe
tinha unido aos Príncipes feus tribu-
tários 3 para hir fitiar a Cidade de Ti-
racoi, o que obrigava ao Idalcaó a
dei-
DOS PoRTUGUEZES 5 LlV. V- 8l
deixar Goa ; para hir em focorro ciei -
ta praça. Porém os Capitães eftavaó Ann. de?
taó eltimulados contra o Governador , }. C.
que ellc os naõ pôde períuadir com j^iq.
as melhores razo-s , de modo que
fempre , le reíolveo a ievar a ancora
tara fe retirar. A primeira tentativa
Foi inútil , e foi obrigado a tornar a
trás com Lima, e Timoja , que naó D ALBL~
tinhaó podido paííar. Finalmente em (iUER^x-E
15 de Agoito eftando preíles , fahio GOVER"
da barra, e no mel mo dia aviltou aKAD0R«
frota de Diogo Mendes de Vafcon-
cellos, que chegou de Portugal.
Além de huma frota de trinta
velas , que o Rei D. Manoel pós no
mar contra os Mouros de Fez , e de
Marrocos a quem elie continuava a
fazer guerra , eíte Príncipe fez panir
neíle mefmo anno outras tres frotas
para o novo Mundo. Vaíconcellos
comrnandava huma de quatro navios ,
que eile enviava a Malaca , amei de ter
recebido noticia alguma de E»iogo Lo-
pes de Siqueira, que ahi tinha envia-
do nos annos precedentes. A fegun-
da era de íete navios conduzida por
Gonçalo de Siqueira, cujo deftíno era
para as índias : e a terceira de tres
embarcações, que deo a Joaó -Serrão,
Tom. II. F que
82 Historia dos Descobrimentos
que rinha ordem de hir tomar exa*
A::::, àè &Bó conhecimento da Ilha de Mada-
J. C. j/ifcar , e das utilidades , que delia íe:
j.IO# ] tirar. Porem Serraó t^ndo
perdido muito tempo neíta Ilha cor-
D* MA~rendo-ihe os íeus portos , lem maior
koel rei ,e][cl j^ . dQ ^c QS ^fi Q tmha-
precedido , continuou a íua derrota
AFFONSo^ ás Inc!ias>
d alí:!;- ^ vinda de todas eiras náos deo
QUEliquE grande goílro a Albuquerque , que dif-
(jover- çQ teye noticia em Anchediva por
i.ador. yafconceiíos ? porém, a diítiuaçaõ def-
te naô lhe emportava nada. Livrou-
íe com tudo ao principio de lhe ta-.
ôsa Riflo : mas antes o recebeo com
. muito agrado , dando-lhe a entender
cuc o naõ podia expedir taó depref-
ía , porque a navegação para Malaca
íe naõ abria antes cse três mezes , pro-
me*;cndo-ihe cuc quando folie própria,
jhe daria maior numero de nãos com
que podeHe executar com honra hu-
ma Dmpreza , que naõ poderia con-
feguir com a íua pequena frota.
Fazendo logo' quatro eíquadras
de três naoi cada huma , para cru-
zar em diferentes lufares da Coita ,
foi a Caiiaiior -, onde Duarte de Le-
mos que ahi chegou enraõ, o emba-
raçou muito.. Albuquerque tomou o
par-
t>OS PoRTUGUEZES 3 LlV. V. 8$
partido de o receber com diftinçaõ 5 — •
como já diíTe , e Lemos fe contentou Ann. de
por algum tempo com eftas demonf- J. C.
tracoés honrozas ; porem os Capitães i^io.
dofcotcrerítes , tinhaó atiçado o fogo
eh difcoriia , e elle fe picou a reípeito Di MA"
de hum Embaixador do Rei de C:.m-M0ELREl
baia , que veio tratar paz com Albu-
querque. Lemos entendeo, que o Ge- AFF0NSO
neral fe intrometia nos feus direi- D Aí
tos , e que elle devia enviar-lhe o <iJER<£Ul*
Embaixador , porque Cambaia eftava GOVER"
no feu deítricto. Albuquerque diffi- KAD0R*
mulou com Lemos , e lhe iofreo mui-
tas coifas y que lhe naó fofreria nou-
tro tempo. Elie julgou , que o devia
confervar por reípeito a ElRei , e ás
Provizoés que tinha. Xaõ deixou com
tudo de profeguir na lua carreira , e
de expedir o Enviado de Cambaia.
As diferenças deites dois homens te-
riaò peííimas confequencias 5 fenaó fof-
fem terminadas peia chegada dos na-
vios de Siqueira , que traziaó ordem
a Lemos de voltar para Portugal 5 e
de entregar o Governo a Albuquer-
que.
O Governador concluindo os ne-
gócios que tinha em Cananor, e ten-
do vifto o Rei , de quem recebeo to-
<iâ a forte de honras , vio-fe obriga-?
F ii do>
84 Historia dos Descobrimentos
►- do por hum novo acontecimento de
Jí>:::. de hir a Cochim. Trimumpara era mor-
J. C. to no feu retiro. A lei do paiz re-
1510. queria, que o Rei que o tinha fuc-
cedido no Throno , foífe fubftituir nef-
d. ma- ta foiidaó , e cedeífe o ieu lugar ao>
Díoel rei Cq^j-jj^^q ? que Trimumpara tinha ex-
cluído , porque elle tinha tomado o
affonso partlj0 (je Samorim no tempo que ef-
d albu- te ^e ^az|a guerra> q m0ç0 Rei nao
çuekque tm]ia muita devoção para encerrar-fe
gover- ra£ «-jeprena. Os Portuguezes de Co-
jíapor. ^^ çe oppozeraó a ifto com todas
as fuás forças , mas o feu competi-
dor que tinha já entrado com maó
armada na Ilha de Vaipim , parecia .
eílar na obrigação de o conftranger a
iíío. A prezença do Governador lhe
tirou os meios, mas o Governador que
tinha outros deíignios no penfamento ,
tendo tornado a Cananor , efte Prín-
cipe ambiciozo tornou com novas for-
ças , que tinha tido do Samorim , as
quaes lhe aproveitarão pouco. Nuno
Vaz de Caltelbranco o deílruio de
modo , que penfou fazelo prezionei-
ro , e lhe tirou para fempre a efpe-
rança de reinar.
A empreza de Goa eílava fem-
pre fobre o coração de Albuquerque -y
mas as contradições, que tinha íofri-,
do
DOS PoRTUGUEZE? , Ln'7 V. 85
cio da parte dos feus OtHciaes y faziaõ —
com que elle naó ouzaífe decla- A
rar-lhe a paixão que tinha. Elle a J. C.
prcpoz no Confelho , ccmo por to- 1510.
mar parecer íbbre a conjuntura cos
tempos 3 os quaes fe acharão taó fa- r*
voraveis, que ella foi determinada pc- '
la pluralidade. Albuquerque teve £rar.-
de cuidado em tomar os pareceres ;. ^;
por efcrito , e naó perdeo hum mo- : AL-U~
mento em a executar. qvlrqve
Elle bem quiz conduzir a eftá G0
cmpreza os Capitães deílinados a voí- ^AD0R*
tar para Portugal com Lemos, e Gòri~
calo de Siqueira 3 que tinhaó ordem
de vir com os navios de carga. Por-
que ainda que os feus Capitães fof-
lem os principaes defcontentes , e re-
voltozos , de que elle fe dele j ária li-
vrar j com tudo como elles err.ó bons
Officiaes , e coftumados ás guerras das
índias , naó fe defagradou de qué o
quizeífem feguir. Porém Jeronyrro
Teixeira , e os outros bem longe de
o ajudar , fizeraõ quanto poderão pa-
ra fazer encalhar a empreza. Elíes
lhe corromperão 5C0 homens , tpe fe
efconderaó no momento da partida,'
e naó tendo podido feduzir Váícon-
cellos , o cahmír.iaraõ na prèzerça
Al Li cerque, fazendo dar a elfc
Gai-
GOVjER-
JÍADOR
86* Historia dos Descobrimentos
Gafpar Pereira Secretario das índias,
Ann. de o falfo avizo de que Vafconcellos
J. C. queria eícapar-fe para hir a Malaca.
1510. ^'cr e^a ca^za o General , que facil-
mente cahio neíle engano, o fez Ten-
d. MA"tcn:jar com os Capitães da fua ef-
koel rei ^uajra ^ a quem r;rou 0 govemo das
íuas náos , que lhe reftituio logo de-
AFFOKso • tendo connecic{0 a faificíade da
DALBL" acuzaçaó.
Perto do principio de Novem-
bro 3 o General fe fez á vela , e foi
ancorar a Onor 3 que achou em fei-
tas pelas núpcias de Timoja , que
efpozava a filha da Rainha de Go-
zampa. Albuquerque quiz honrar ef-
tas núpcias com a fua prezença. A fua
frota que era de 34 navios , fendo logo
reforçada de outras três embarcações
que Timoja lhe deo*3 fe voltou ao
rríar em quanto o Príncipe índio ajuf-
tado com o General 3 deixando a fua
noiva 3 ajuntou três mil homens das
fuás tropas para hir unir-fe-lhe á vif-
ta cie Goa.
O medo foi tao grande cm Goa
com a chegada da frota , que os For-
tes de Bardes , e Pangim foraò logo
de' empar ades dos que os guardavaõ.
Albuquerque que naõ quiz perder tem-
po y apreveitou-íe da occaíiaó , e en-
viou
dos Portugueses, Liv. Y. 87
viou algumas chalupas ás ordens dos
dois irrnaós , D. Joaó , e D. jerohy- Ani
mo de Lima para darem hum a vifta J. C.
d' olhos á Cidade, e fazerem Tua re- i^q.
Jaçaó do eftado em que ella fe acha-
va. Satisfizeraó bem elies á ília com- '
miíTaó , indo are junto da Cidadella , N0EL REI
e deícubriraó a terra de muito peno ,
a pezar das falvas de artilheria , e a A/FOÍ*°
chuva de flexas , de que naõ recebe- 'J ;^LEL~
raó algum incommcdo. çllKÇlE
O Idalcaô rinha deixado na pra- ccvEK"
ça nove mil homens, entre os crazcs 11AI>0*'
contavaó dois mil Rumes. Tinha-lhe
acreícentado novas obras , e a rinha
provido de toda a forte de, munições
de guerra. O General tendo regula-
do o projecto das fuás operações ,
foi delcer duas horas antes do dia
25 de Novembro a huma jufta c.if-
tancia d'uma obra avançada , que eiie
precizava ganhar logo. Diviac attaca-
la a hum tempo por três partes , em
quanto Albuquerque , que devia fazer
outro attaque a huma das portas da
Cidade, efperava que o meílre da Ca-
pitania feguido de trinta marinheiro." ,
tiveíTe cortado huma eílacada , que fe
achava no caminho , que eiie havia fa-
zer. Sendo dado o final do atraque
com grande efirondo de inílrume • os
beli-
88 Historia cos Descobrimentos
— bélicos , D. Joaô de Lima , Diogo
Ann. de Meneies de Vafconcellos , e hum ter-
J. C. ceiro 5 que commandavaõ os três cor-
içio. Pos deiemados a dar o affalto á obra
avançada , a forçarão todos três no
D* MA" mefmo tempo , e feguiraó os inimi-
JÍOEL REI ^QS j^g ,| ^ ja (3JjacJe . ^ue e^es
naó pederaó bem fechar nas luas cof-
affokso u<? ^ p0rque Diniz Fernandes de Mel-
d albj- |0 ^ ^uc çQ acjiava na te{j.a ^os que
^LEP.quE feguiap 3 atraveífou entre as duas
go ver- tranqUeníls c|a porra , que depois fe
kador. chamou de Santa Catherina , a baile
de huma grande lança. Depois de
grandes esforços de ambas as partes 3
os Portuguezes fe aííenhorearaó da
porta , e fe efpalharaõ instantanea-
mente pelas ruas ; e á pezar das pe-
dras , e ílexas , que lhe lançavaó dos
telhados 5 e das janelas das cazas , le-
varão os inimigos diante de fi , ven-
do-fe algumas vezes abafados : porém
focorridos fempre a tempo , foraó ga-
nhar o terreno até ao Palácio do Idal-
caõ.
Em quanto efes fe aproveitaó
das fuás vantagens , Albuquerque ,
que tinha ouvido rodo o eifcrondo ,
que fe tinha feito daquclla parte , en-
viou Simaó Martins porá lhe dar re-
lação do que fe ahi paffava : porem
naó
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 8o
naó tendo paciência de efperar pela — '
íua reporta , enfiou a ma do Arra- Akk. de
balde , que defembocava na porta , J. C.
que tinhaó attacado. Ahi lhe cahio 1510.
em (ima hum ccrpo de Mouros , que
r • - t ^ i ' r 1 ir D. MA-
fugiao da Cidade, e que achando-íe n a
entre dois ío^cs nzerao da necemda-
de virtude , e batalharão bem. O Ge-
1 ' 11 /r r AFFOKSO
neral com tucto lhe paliou por lima , ,
e entrou no praça. „ „
~ rj r . QUERQIE
Com xvco os primeiros , que * ^
checarão ao Palácio íoraõ muito mal G
D 1 , 1 ■ r i:ador.
tratados , alguns dos mais togozos
ahi morrerão , e D. Jeronymo de Li-
ma ahi foi ferdo mortalmente. EUes
feriaó tecos paflâdòs á eípada, fenaó
fora hum novo reforço , que lhe che-
gou a tempe. D. ]oaó de Lima ven-
do feu irmaó desbaratado quiz-fe de-
morar, mas eíle , que tio eftado em
que fe fer tia , naõ fazia já coita da
vida , rhofoou-lrie o caminho da glo-
ria 3 e ire fdlou como Heroe. D. Joaó
combatido de duas paixões, feguio o
feu parecer, e julgou por melhor vin-
gai-ihe a morte , do que certificar-
lhe huma ternura interrípciliva. Ellcs
naó deixr vo de ter bem que fazer ;
porque fabiô por niterentes parles do
Palácio tanta geme a pé , e a cavai-
lo . que logo os inveitiraõ. Porem
Dio-
©Q Hittoria dos Descobrimentos
. Diogo Mendes de Vakoncellos che-
Ank. de gandc neítc tempo , fez declinar a ba-
J. C. lança, e teve verdadeiramente a hon-
j „ro ra deíla jornada ; como também Ma-
noel de Lacerda , que tendo hum fer-
d. «A-ro ^ç £jexa na cara ^ cioricie lhe cor-
mke rei rja mu;ío fanglie , na5 ceifou de com-
bater : matou hum Abixim, que pa-
affoxso recja ]lomcni fo confideraçaó , e mon-
d aldv - ta:ic|0 no cavallo defte inimigo derri-
querque bado, acharaó-no ainda fó fazendo ca-
gover- ra a O;co peflfoas que defafiou.
kador. Depois difto os inimigos naó fi-
zeraó mais refiílencia. Cada hum naó
penfou mais que em fugir, e fe fal-
varaõ pelas portas . ou por fima dos
muros , de forte , que quando o Ge-
neral chegou, tudo eftava feito. Elle
fez logo fechar as portas , para em-
pedir os feus de fe defmandarem , e
depois de dar graças a Deos de hu-
ina vantagem taó aííign alada , armou
Cavai! eiros Maneei da Cunha , e Fre-
derico Fernandes , que rinha primeiro
entrado na Cidade, e alguns outros
que fe tinhaó (UíUngukio mais.
la acçaó morrerão ló perto de
xantã Portuguezes na praça , e tre-
H£tuo& fergbs j catre cites íoraõ os
do:_. :r:naõs Ànc.rd)xi , qiíè Ciaô iem-
OS primeiros expeftes. A perda
dos
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V. pi
dos inimigos foi muito coníideraye! , *-
contando os que pafíaraõ pe'o ferro A:n. cc
do vencedor, ou fe precipitarão dos 3- C.
muros , e dos telhados das cazas , ou i^jo.
fe afogarão. Fizeraô particularmente
i i r ' tcT D. MA-
mortandade iobre os Mouros , e o
General banio logo da Cidade , e do
feu território , todos aquelles que ti-
nhao eí capado a deíiruiçao , que ie ,
lhes tinha feito. Mandou também ian- ATL,~^-. ,
çar fogo aos arrabaldes de Goa, aí-ÇLli_y
fim como tinha jurado , para fe vin- .
gar dos Canarins , e Malabares , que "ADOR*
tinhaó favorecido a vinda de ídaicaó.
Pôs a Cidade á faque , e para punir
os habitantes , impós-lhe os m elmos
tributos , que elies pagavaó a feu pri-
meiro Senhor.
Timoia chegou pouco depois da
acçaó , e naó teve com que poceffe
juilincar a lua tardança , e defvane-
cer as fafpeltas da traição , fenac a
preíTa , e brevidade , rom que tudo fe
fizera. O eípirito do General vi flori o-
zo era muito vvo para foccega* com
o gofto duma nova conqr.iíla. À exe-
cução dum projecto fazia nelle def-
pertar a idéa doutro. Elle tinha três
principaes. O prmeiro era o do mar
Roxo. EiRei ' D. Manoel apertava
muito pelas noticias , que tinha rido
do
02 Historia dos Descobrimentos
do Levante , de que o Calife prepa-
Ank. de rava huma poderoza ftofà em Suez
J. C. pelas vivas inftancias do Samorim ,
imo. ^os ^e's c^e Ormuz, d'Aden , e de
Cambaia; e elle tinha dado [as ordens
p. ma- neceífarias para obrigarem ao Rei de
koel rei Aden , por bem ou por mal , a dei-
xar edificar huma Cidadella na íua
affonso Capital : que a naó poder fer , Te fun-
r> albu- fofa huma na Ilha de Camaran , que
çuerque era melhor que a dg Socotorá, onde
go ver- cs navjos na5 podiaó invernar. Com
kador. efeito Albuquerque enviou entaó Fer-
nando de Beja para a deítruir, por-
que alem de fer inútil , euftava mui-
to a coníervar. O íegundo projeclo
era o de Ormuz , que elle tinha fem-
pre nu coração : e o terceiro era em
fim a empreza de Malaca , na qual
naó parecia que penfava fenaó por fa-
vorecer a commiítaó de Diogo Mendes
de Vafconcellos , que fe tinha deílin-
guido muito na tomada de Goa. Ef-
fecHvamente hum dos feus primeiros
cuidados , foi mandar ordens a Cana-
nor para aprontarem tudo para á via-
jem defle Qíficial.
Entre tanto einpregava-fe todo a
afFegurar-fè de modo de Goa, que
lha tiaô podelíem tirar nunca -, e de-
pois do fim de Novembro até ao íim
de
DOS PoRTUGUtZES, LlV. V. 9$
cie Março do armo feguinte , naó per
deo elie hum ío momento , aííim em Ann. de
a fortificar como em lhe introduzir J. C.
Jjuma forma de governo eífavel. Co- i^io.
mo elle queria fazer ahi huma Cida-
de Portusuez a , o feu maior difvelo '
r • n i i li ^ NOEL REI
foi eítabelecer nella os iJortuguezes ,
que fe quizeraõ ahi coníervar. Ca-
z.ou-os com as filhas dos Mouros , e ,
77 . ,, r r D ALBU-
Oentios , que elie coniervava preíio-
' * n 1 i . r QUER QUE
neiros ; e a fim de os obrigar mutua- _
j-n m • ,i D GOVER-
mente diítribuio-lhe as cazas , e as
terras aos Mouros , que tmha bani-
do , ou lhe deo empregos nas rendas ,
c Alfandegas ; e fe fez além diiTo cm
extremo humano , e agradável para
com efta nova Colónia. Aíhília ás
ceremonias deites cazainentos , e pof-
to que fe pareceííem com os cios pri-
meiros Romanos com as Sabinas rou-
badas , com tudo aproveitarão. Elle
mandou logo bater moeda , para tirar
o valor á dos Mouros , e regulou mui-
to bem a fazenda Real , como tam-
bém as rendas das quaes conferio a
Superintendência a Merlao irmaó do
Rei d'Onor.
Por todo eíte tempo , recebeo os
Embaixadores de quaíi todos os So-
beranos da índia 5 que o enviarão fau-
dar fobre a fua nova conquiíia , e
pro-
94 Historia dos Descobrimentos
procurarão a íua aliança. A lua Cor-
Ann. cie te aíi^nii2hav5.-ie entaõ á d'um dos
*? K' maiores Monarcas do mundo, e elle
15 io. confervava-lhe o eiplendor com toda
d. M\-aP0ITiPa5 4ue te P°^e imaginar.
KOELREi O tempo paflava, e Diogo Men-
des de Vafconcellos , vendo que o Go-
AFF01,:sovernador o entretinha com boas pa-
d'allu- lavra* , pedio-lhe que fe declarafTe.
"' Elle o fez com razoes muito íbiidas ,
^ fazendo-lhe conhecer a impoilibilida-
de da lua empreza j porem querendo
jíador. ac|0çar-ihe 0 diígoíto do que lhe ne-
gava , ofereceo-lhe , ou o Governo de
Goa , ou outras vantagens confidera-
veis , no cazo que elle intentaííe
voltar para Portugal. Naó íe fatis fa-
zendo Mendes , Albuquerque lhe fez
fallar pelos léus amigos. Mas naó
bailando nada para o adoçar, e mof-
trando-íe eíle Oificial fempre determi-
nado a feguir o feo deílino , naó lhe
obílando nada. O Governador pôs o
negocio em deliberação 110 Conlelho 5
e. fez intimar judicialmente a fenten-
ça a Mendes fob pena de degredo
para elle , e de morte para os mais
da fua efquadra, no cazo de palia-
rem avante. Partindo Mendes a pe-
zar deí:a prohibiçaõ , elle o fez feguir
com ordem de o fazerem voltar , ou
de
DOS PoilTlTGUEZES , LíV. V. <?0 '
de o meterem no fundo. Mendes te- — —
ve a infelicidade cio tempo contrario Ann. de
o demorar na barra de Goa. Elie J. C.
com tudo naó íe rendeo fenaó depois l~1 0#
de alguns tiro: , que lhe cortarão a
ver^a do maííro srande , e lhe ma-
% J • "Y\ 1 J f NOEL REI
rarao dois moços. Os culpados rorao
procurados. Mendes foi condemnado
a íer reconduzido para 1'orrugal , ea ,
pnzao ate partir. Liiruz Cernicne Ca-
pitão devia ler degolado , e os mef- ^lE^Qu«
três pilotos enforcado» Houveraó dois t e
>s oo principio em prezença 'AD0R*
de todos os Miniítros eíbangeiros ,
cue approvaraó muito efta juíiiça do
General , por onde conceberão delle
numa grande idca. Porém í rogos dos
Oííiciaes Porruguezes 3 elles pedirão
perdão de vida para os mais 5 e o
obtiveraõ.
O General parecia querer fempre
feguir o projecto do mar Roxo. Com
erfeito fez-íe á vela para o executar;
mas tendo-fe feito hum pouco ao lar-
go , para evitar os baixos de Padova ,
experimentou huma tempeftade. Des-
via elie tela prefentido , por íer a le-
z-aõ dos ventos gemes , e regulares ,
que fazem por alguns mezes impoíll-
vel a navegação da índia no Golfo
Arábico, e pelo contrario fazem a
moa-
VADOR,
96 Historia dos Descobrimentos
motiçaó para Malaca. Pareceo entaõ
Akkí de que elle naó tinha deficukado a Vaf-
J. C. concellos eíla empreza cm razaõ de
15 10. a querer tentar elle mefmo. He cer-
D MA to que fó elle com todas as fuás for-
M)Êlrei>s %?°&* confeguir,
J endo em fim tomado a refolu-
iCFfUIÇn çaó do parecer de todos os íeus Ca-
AFFONSO J . ^ l . 111 i
d'*lbu- Pltaes> virou de oordo , e tocou de
ql-eroue Paf%™ Goa, Cananor , e Cochim,
go ver- ° e depois de ordenar os negócios
do feu Governo , atraveííba o Golfo
de Bengala , tomou no caminho ai*
guns navios de Cambaia , que nave-
gavaò fem paífaportes léus , e abor-
dou a Pedir na Ilha de Sumatra. O
Rei de Pedir , a quem a lua viíla in-
timidou , lhe enviou nove , ou dez
Portuguezes da tropa d' Araújo , que
tinhaó efcapado de Malaca. Eíles lhe
noticiarão a revolução fuccedida n'ef-
ta Cidade , onde o Rei no ponto de
ler oppriínido por Bendará feu tio , e-
viiou-lhe os defignios fazendo-o de-
golar. Elle teria ahi feito o mefmo
ao Chabandar dos Guzarates , que
era dá confpiraçaó , fe eíle attentando
pela fua vida fenaõ falvaíTe junto do
Rei de Pacen , com quem eílava.
Como o Bendará, e o Chabandar ti-
nhaó fido os principaes aurores da trai-
ção
D05 PoRTUGVEZES, LlV. V. 07
çaõ feita a Siqueira , eila noticia que
deo gofto ao General, porque delia A::;. de
tirou hum bom agouro. }. C.
Eile partio do porto de Pedir j-jq,
muito contente das attençoés , que o
Rei lhe fez , e foi ancorar no de D * MA"
Pacen onde lhe rlzeraó as mefmas de- lN0EL REt
monílraçoés , porém aili conheceo lo-
go a pouca finceridade : porque o AFF0-N5°
Rei de Pacen , que lhe tinha prome- D ALBU~
tido de lhe entregar o Chabandar dos QUER(^UE
Guzarates , lho deixou efcapar, naGOUR'
efperança que eile poderia obter o feuKAD0R*
perdão do Rei de Malaca , pela noti-
cia que eile lhe levava cia chegada
da frota Portugueza. No mefmo tem-
po procurava divertir o General , pa-
ra dar tempo a Mahmud para fe pôr
em defenía. Albuquerque percebeo
iito , porém naõ querendo romper com
cite Princepe , tornou logo a fazer-
íe á veia. O Chabandar alcançou lo-
go o merecido caíligo •, o General o
apanhou na fua fugiria fem o conhe-
cer. Eile brigou como hum deíeípe-
perado. Todos os da fua embarca-
ção ficarão mortos com eile , e eile
íerio todos os da que o attácaraé*
Aconteceo entaó huma coifa que pa-
receo prodigioza , porque quando o
defpirao , o acharão todo coberto, de
Tom. II Q feri-
pS Historia dos Descobrimentos
, — feridas , fein que apparece.Te huma go-
áxn". de ta de langue : porém depois que lhe
]. C. tirarão hum bracelete de o;ro , no
imo. TJ?^ eílava engaíb.do hum olTo d'um
animal , que "o Reino de Siaó cha-
D* MA"maó Cabis , fahio em torrentes de to-
noel Reij^ as fer-l(jas ^ oac|e e^e 0ÍrQ tin}ia a
virtude de o reter.
affonso Mahmud Rei de Malaca depois
d albu- j0 ^ue fez a Siqueira , devia efperar
quERQVE aigruma hoftilidade da pane dos Por-
co ver- tU7UeZes , por iíío fe nao devia admirar
kador. dz vinda d* Albuquerque ; e antes pa-
rece que a efperava. Porque ainda
que a íua Cidade eftiveííe toda aber-
ta , tinha mil homens de tropa , e
hum numero prodigiozo de peças de
artilheria , de forte que parecia fiar-
fe muito das fuás forças. Com tudo
naõ deixou de enviar faudar o Gene-
ral , e de dar algumas fatisfaçòés á
cerca do paíTado , defeuipando-fe com
o Bendara", a quem dizia elle , tinha
punido com os rigores da fua juíliça
pela pena ultima. Albuquerque naõ
quiz receber as fuás fatisfaçòés , e fe
contentou com lhe pedir , que lhe re-
meteíTe Rui d'Araujo, e os outros Por-
tuguezes com todos os effeitos d'Eí-
Rei feu Senhor , que tinhaõ fido apa-
nhados 3 q decipados.
Ma-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 9<?
Mahmud dezejou dar alguma fa«
tisfaçaó a Albuquerque pelo temor Ann. de
que lhe infpirou a lua prezença , e J. C.
pela incerteza em que eiteve íe de- i^io.
via rezolver-fe á guerra , cujos acon-
tecimentos temia. Porém Aladin feu D* MA~
filho , e Principe hereditário de Mala- N0EL REI
ca, eo filho do Rei de Pam , que fe
achava entaó nefta Cidade , onde ti- AfFF0NS0
nha vindo para efpozar-fe com a fi- D ALBU
lha de Mahmud, e o novo Chabandar QUERC^E
dos Guzarates , que naó era menos ini- GOVER"
migo dos Portuguezes , que o feu pre- NAD0R«
decelíor , iníligando-o inceííantemente
contra eftes eftrangeiros , de quem tu-
do devia temer , determinou-fe elle
com efFeito a arrifcar tndo , antes do
cue dar-lhe a fatisfacaõ que lhe pe-
diaó. Com tudo elle os enterteve com
boas promeflas , a fim de dar tempo
ao feu Almirante , que eftava actual-
mente no mar, de voltar com a fua
frota para fe unir a outras muitas em-
barcações de remos , que tinha todas
prelr.es , para com todas juntas quei-
mar a frota Portugueza.
Com tudo a maneira com que
elle paleava o General era taõ grof-
íeira , que fe podia confiderar como
huma ferie de infultos. Albuquer-
que bem o percebia, e precizava dá
G ii to-
100 Historia dos Descobrimentos
. * ioda a fua fleugma para naó perder a
Ann. de paciência ; porém julgava, que devia
]. C. lòírer tudo por amor d' Araújo , a
i-io. 4uem devia grandes obrigações, e
que naó fe achava em Malaca em
D* MA~ perigo de lá morrer, fenaó por fer
K9ELREIleu intimo amigo, e que pela razaó
deita amizade o Vice-Rei D. Fran-
affonso cjrCQ fe Almeida ali o enviara como
d albu- batli,j0# Ajeim ^ifto julgava dever ef-
quERquE te refpejt0 ás ordens do Rei de Por-
gover- tuga] ? que naó queria que conílran-
nador. geíTem intempeftivamente a hum ne-
gocio, em quanto houveííe efperança
de o confeguir pelos meios de bran-
dura. Emiim elle naó fe incommoda-
va de ver que os feus Oíficiaes fe
picavaó dos iníultos , que lhes iaziaó',
para mais os animar á vingança pe-
la grande indolência , que oppunha á
cólera delles.
Por tanto enfaftlado finalmente
de naó ver fim algum á negociação ,
fez reprezentar a Araújo a trifte pre-
cizaó em que fe achava de emprehen-
der alguma coifa. Eíte lhe reípondeo
nobremente, que naó cuida-fe por mo-
do algum nelle, mas fomente em fe
vingar de hum Príncipe infiel , que
fó penfava em perdeJo. Sobre eíte
refpeito enviou o General algumas cha-
lu-
DOS PoRTUGUEZES ,' LlV. V. 101
lupas para lançarem fogo a alguns
bairros da Cidade, e a alguns na-A-K. de.
vios de Cambaia. O que aproveitou^ J. C.
porque Mahmud enviou ao campo jr\o^
Araújo , e todos os Portuguezes pre-
zioneiros, pedindo por mercê ao Ge- D* *A~
neral premi tifle , que trabalhaííem pa-NOELBEi*
ra extinguir o fogo.
O gofto que teve o General de affonso
recuperar Araújo , e os léus o enfo- D ALBU"
berbeceo muito , e o pôs em eftado QUER0-UE
de fazer propofiçoés muito mais for- G0VER~
tes. Com effeito elle pedio entaó : NADOR# *
3, Que naó fomente lhe pagaffem o
,, valor do que lhe tinha fido tirado
„ da feitoria , mas ainda todos os
3, gaílos do armamento que tinha fei-
3, to. Porque como naó tinha vindo
3, para negocio , mas fomente para re-
a, petir o que lhe detinhaó injuftamen-
3, te 5 naó era de razaò , dizia elle,
3, que fupportaffe eíTa defpeza. Final'
5, mente exegia , que lhe deiTem hum
3, lugar para fundar huma Cidadella ,
„ porque depois da traição feita a Si-
35 queira , naó convinha que os vaf-
3, íallos cTElRei feu Senhor , e os
3, feus effeitos efriveíTem expoílos a
„ fimilhantes perfídias. „
Mahmud fingio que aceitava ef-
tas propofiçoés , e deo a liberdade ao
Gene-
102 Historia dos Descobrimentos
í General cie efcoiher o lugar , que lhe
Ann. de fora mais conveniente. Porém os íub-
J. C. terfugios de que fe fervio , e os avi-
leio. zos *ecretos5 clue alguns índios ami-
gos dos Poriuguezes deraó , defeo-
r>. ma- grjncj0 a fua m;£ fé 9 obrigarão a Al-
koelrei {3Uquerqlie a uzar de força, e a fa-
zer hum affalto á Cidade com a efpe-
affonso ranca de a ganhar. Araújo o tinha
x> albu- capacifac[0 de que elle feria fenhor da
quer que cidade , tanto que o foííe da ponte ,
cover- e ^q ao menos dividiria as forças
fadqr. do inimigo , na5 podendo metade da
Cidade communicar a outra. A pon-
te eílava muito bem fortificada ; ti-
nhaó edificado nella huma efpecie de
Caftello de madeira , onde comman-
dava hum dos principaes Oíficiaes do
Rei. Eílava bem guarnecida de arti-
lheria. Dos dois lados tinhaõ feito
algumas incifoés , ou foíTos , que era
precizo tomar logo. Além diílo fiu-
ma das faces da ponte eílava defendi-
da pela viíinhança d'uma Mefquita
de pedra, e do Palácio do Rei : A
outra o eílava igualmente pelos telha-
dos das cazas.
Na Vigília de Sant-Iago Maior,
em que o General tinha huma gran-
de confiança , porque eíle grande
Santo he protector das Efpanhas , c
Pa-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 10}
Patrono d'uma Ordem , de que elle -—=- •
| era Commendador, todas as chalupas , Ánn. de
e eícaieres da freta tiveraõ ordem pa- J. C.
ra hi^em a bordo da Almirante, para j^io.
ahi âjúftarem o projecto do atraque.
I O General fez dois corpos de exer- D* MA~
' cito, que cada hum devia hir defcer N0EL REI
a hum dos limites da ponte, para fe
reun rem depois ambos no meio. D. AFFONSO
Joaó de Lima commandava o corpo , D -ALBX;"
que dev>a defembarcar da parte da QLERQufe
Mefqnita , e do Palácio do Rei. Al- GOyÈ^
buqi-erque em p^eiToa condufia o ou- KAD0R*
tro , e devia defcer na parte oppoíta
onde eítava o bairro dos Mercado-
res. O defembarque fe fez com feli-
cidade ao defpontar do dia Santo , a
pezar do fogo de artilheria , mofque-
taria , e duma chuva de flexas : e de
ambas as partes começou o combate
com muita animoíidade.
Albuquerque forçou logo os fof-
• fos por onde Simaó d'Andrade en-
trou primeiro. Naõ fem muito traba-
lho , e grandes combates , pôde o Ge-
neral penetrar até á ponte , e fenho-
rear-fe de metade. Eíle fe admirava
que Lima , que tinha defeido da ou-
tra parte , naõ tívefle feito outro tan-
to , e fe via embaraçado. Porim Li-
ma antes de chegar á ponte , tinha
ti-
T04 Historia dos Descobrimentos
í — tido a cara Aladin , c o filho do Rei
Ann. de de Pam leu cunhado , na teíla d'ura
]. C. groílb corpo de tropas : e apenas a
leio. partida foi unida com eftes, foi elle
obrigado a dividir a fua gente, para
r. ma- fazer face ao Rei, que vinha tomar-
koel rei ^he a retaguarda. &&c Príncipe vinha
montado n'um Elefante , precedido de
affonso ^0-s outros ^ e íeguído de muiio gran-
. d albl*- fe numero , eícokados de mais de
querque qU;nhení0S homens. Cada Elefante ti-
gover- n|ia jiuma torre, e a fua tromba ar-
iíador. macla de fouces , e de fabres. A vif-
ta deites Elefantes intimidou no prin-
cipio os Portuguezes. Porém Lima
fazendo abrir fileiras , como para lhe
dar caminho , e deixalos paíTar , os to-
mou no flanco. Fernando Gomes de Le-
mos , e Vaz Fernando Coutinho fo-
raó os primeiros que os attacaraó.
Elles embeberão no Elefante do Rei
as fuás lanças , e o iiriraõ perigoza-
mente. O animal ferido deo grandes
gritos , tomou cem a tromba o feu
couduaor , e o pizou aos pés , e re.
tro cedendo 3 derribou os que vinhaõ
atraz delle , e pós tudo em defer-
dem. Mahmud , que conheceo o pe-
rigo em que eílava , porque eftava ]í
ferido n^umamaó 3 deíçeo occultamen-
te , e fe pôs em falvc. A trepa de
Ala-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. 10$
Aladin ttttõ reíiftio mais que a co
Rei , Lima fe affenhoreou da Mef- Ann. de
quita , e da outra entrada da ponte. J. C.
O Governador General naó ti- T^io.
nha tido pouco que fazer da fua par-
te. Porque no me fino tempo que o D; MA~
Rei fe aprezentou para attacar Lima , NOtL REI
e os feus , três OfHciaes principaes
deite Príncipe fe fepararaõ delle , e AFFO>:so
correrão para á ponte , feguidos de hum D ALBU"
corpo de íetecentos homens, para fa- ÇUERQUE
zer cara 20 General , que fe acheu GOVLR~
entre dois fogos , obrigado no mefmo NADOR*
tempo á fazer cara a eíles , e aos do
lado oppoílo , que refpondia cá rua
principal da Cidade , donde vinhaõ
fempre fobre elie tropas de refrefeo.
Além diíío era muno incommodado
das flexas , e dos artifícios, que lhe
atirarão de fima dos telhados das ca^
zas vifinhas da ponte , íem fe poder
livrar. Porem quando Lima chegou
á ponte , os mefmos inimigos achan-
do-fe entre dois fogos, depois d\ima
grande refiftencia , foraó obrigados a
deitar-fe da ponte a baixo no rio pa-
ri fe falvarem. Levandc-os a corren-
te para á parte dos bateis , os mata-
rão aqueiles que tinhaó ficado cm guar-
da deftes bateis , de modo que efea^a-
raõ muito poucos.
Reu-
106* Historia dos Descobrimentos
Reunidos aílím os dois corpos , e
Akn. de fentindo animar-fe o feu vaJor, pela
J. C. uniaõ das fuás forças , Albuquerque
1510. trabalhou por fe fortificar fobre a pon-
te com a mefma madeira , que os ini-
d. ma- mjgos aiaj tinna5 9 e fez alteftar duas
icoel rei peças de canhaó á entrada do fof-
io, que enfiavaó a rua principal. Para
affonso çe iivrar i0jT0 Ja importunação dos
• dalbu- teliiaaos deftacou Gaípar de Paiva,
querque e 5jma5 ]VIartins cada hum com cem
go ver- nomens para hirem lançar fogo ás ca-
kador. zas< q f0g0 pegou de modo , que mui-
tas foraó confumidas juntamente com
o tecto da Melquita , huma parte do
Palácio do Rei , e outro pequeno Pa-
lácio ambulante , arraftado fobre rodi-
nhas , que o Rei tinha feito conítruir ,
para divertimento nas núpcias da Prin-
ceza fua filha.
Albuquerque naõ confeguio com
tudo fortificar-fe fobre a ponte como
dezejava ; eílava fempre a braços com
novos inimigos : os feus eftavaõ muito
fatigados : tinhaõ paffado toda a noi-
te debaixo d'armas : tinhaõ combatido
todo o dia ; e padeciaõ extrema fe-
de , fome , e o exccíKvo calor do dia.
Apenas fe podiaó ter. O General te-
mia^ além diífo para á fua frota , o re-
torno na armada dos inimigos, ou as
ma-
D . M A-
NOEL RE!
DOS PoRTUGUEZES , LlV. V. IO7
maquinas que podiaõ lançar íbbre os
feus navios para os queimar , e de for- Akn. de
te que elle tomou o partido de fe re- J. C.
tirar, refoluto de voltar outra vez ao j_IO
porto , e contente do que tinha feito
neíta jornada.
Como o General tinha confiado
muito na facilidade , que teria em fe
aíTenhorear da Cidade, pela relação AFFOKSO
de Araújo j achou pelo fuceíTo , que D ALBU"
lhe tinhaó faltado muitas coifas, das QLERQuE
quaes fe quiz prover, antes de tentar GOVER"
outro attaque. Neit.es cuidados , gaitou NAD0R»
alguns dias em armar hum Junco ,
que era hum navio de grande porte ,
que fez armar de groífas peífas de ar-
tilheria , e cubrir com mantas para
o prezervar da artilheria dos inimigos.
Encheu-o alem difíb de muitos to-
neis , e de toda a forte de inftrumen-
tos próprios para fe poderem fervir
para fe entrincheirar. Efte Junco , que
parecia huma fortaleza fluótuante , de-
via encoftar-fe á ponte para a domi-
nar ; porém como as marés naõ davao
baftante agua , precizava muitos dias
para o levar a reboque , e fazelo a-
vançar pouco a pouco , á medida que
as aguas crefcefem . com a aproximação
da Lua nova. Os inimigos esforça-
vaó-fe pelo queimar , e lhe deitavaó
em
ic8 Historia dos Descobrimentos
— em cada maré ate três , e quatro ma-
Ann. de quinas cheias de artifícios , e matérias
J. C. combuftiveis , que foraó fempre àc[-
1510. viadas pelas chalupas da frota , arma-
_ das de páos compridos , e ganchos.
KOEL REI
GOVER
*ADOR.
As barrarias da praia naó ceítavaõ de
atirar-lhe , e de o crivar , em diverfas
partes faziaó igualmente grarídiíílmo
^ffonso ef|.rag0 9 e António de Abreu que com-
i> albu- mandava, teve ambas as faces paffadas
quERquE pQr }iuma |jaia ^ que ^g ievOU parte
do queixo , dos dentes , e da lingoa ,
o que naó impedio a efte valente ho-
mem de continuar a fervir o feu car-
go, e de fe agravar mefmo contra
Albuquerque , que julgando-o impof-
fibilitado do ferviço, o quiz render.
Emfim no dia de S. Lourenço ,
vendo o Governador , que o Junco po-
dia fer conduíldo até a ponte , tornou
ao porto como dantes. Os inimigos,
que tinhaõ tido tempo para fe pre-
pararem , faziaõ hum rogo formidá-
vel , fem embargo do qual a decida
íe fez íeliciilimamente. Diniz Fernan-
des , Jorge Nunes de Leaó , Nuno
Vaz de Caftelbranco , e Jaques Tei-
xeira tendo forçado as primeiras trin-
cheiras na reíca das fuás companhias ,
foraó atracar a Mefquiíta. Da outra
parte Albuquerque evitando /por avi-
zos
DO? PcRTUGUEZES , LlV. V. IOO
2os que tinha tido, minas, e abrolhos
de [erro , que Mahmud tinha feito Ann. de
por nos lugares por onde julgava que J. C.
dle paíTaria , levou os inimigos ante i^io.
fi até ao meio da rua principal da
Cidade , onde fez os maiores esfor- D* ?lA"
ço~ para fe affenhorear d 'um entrin- X0EL REl
cheiramento , que os Mouros tinhaó
feito , e donde combatiaó com extre- AFFONSo
ma do valor. Confeguindo-o em fim , D ALEU"
nelle deixou huma parte das fuás tro- ^UEK(^UE
pas , e voltou com a outra para aju- GOVER"
dar os que attacavaó a Mefquita. Na NAD0K«
paiíagem achou a ponte livre , e in-
teiramente limpa peio valor de An-
tónio de Abreu. Os que combariaó a
Mefquita experimentando igual fuccef-
ío , a tinhaó ganhado por viva for-
ça, antes da chegada de Mahmud,
que vinha na teíta de três mil homens
para a defender , de modo que vendo
efte Príncipe tudo concluído , voltou
íòbre feus paffos, e fe retirou para
o feu Palácio , onde o General naõ
feguiflem.
Sendo entaó todo o difvelo do
General apoderar-fe da ponte, enviou
quatro barcas ás fuás duas bocas, bem
fornecidas de artilheria para limpar a
praia. Foi logo tirar os toneis , que
tinhaó trazido no Junco , mandou que
os
lio Historia dos Descobrimentos
os encheííem de terra , do que fez
Ann. deduas boas batarias, huma via parte da
J. C. Mefquiua, e outra da parte da rua
15 io. principal. Tendo afíim fortificado as
paflàgens , fez cubrir a ponte , e o
D. MA-í a * 1 1 r
junco com grandes velas , para po-
1 der eílar ahi defendido aííim do gran-
de calor, como dos tiros , e dos ar-
AFFONSO -c • • - 1 • 11
titicios que continuavao a deitar-lhe.
Mas para íe livrar mais feguramente
^UEK<iUF'deíle incommodo , fez occupar as ca-
GOVER- T L J 1
zas mais viímhas da ponte , e caval-
*ador. gar a[gumíls peças d'art!lheria fobre
os feus telhados. O combate durava
ainda na Cidade , ou na rua princi-
pal , ou nas traveífas. Hum deftaca-
mento , que elle enviou para ahi paf-
far tudo á efpada, acabou de decipar
tudo , matando , e aíTacinando ate á
noite, de modo que as ruas , e o mef-
mo leito do rio eítavaó cheios de fan-
gue , e corpos mortos.
O General julgava ter ainda mui-
to que fazer no dia íeguinte no atta-
que do Palácio , porém o Rei o tinha
abandonado á deíefperaçaõ , e fe ti-
nha retirado de noite para o Rei de
Pam , donde efcrevco aos Reis vifí-
nhos para os entereíTar a fim de ref-
tabelecerem féis mil homens de tro-
pas inimigas , que reftavaó ainda ern
hurrç
DOS PoRTUGUEZES, LlV. V. III
hum bairro entrincheirado tendo-fe
v-> ■
ido do mefmo modo : a Cidade A:;k. de
appareceo reduzida a huma medonha J. C.
folidaó. Ninguém oufava íahir das ca- i^iq.
zas. Deite modo durou iflo alguns
dias , nos quaes o Raja Uremutis, D* MA"
que tinha já tratado lecretamente com NOEL REl
o General , lhes mandou pedir protec-
ção para íí , e para todos os Jovas , affo>.so
que eraó da lua obrigação. Araújo D ALEU"
entercedeo também por Ninachetu. ÇUER(iUE
Era efte hum Gentio, notável pela fua GOVER~
probidade 5 e pelas fuás riquezas , que NAD0R«
pelo eípirito de Religião tinha foccor-
rido por todos os modos os Portu-
guezes em quanto durou o feu cati-
veiro , e continuara depois em os avi-
zar de tudo , que contra elles fe ur-
dia. Deo-fe quartel aos eltrangeiros ,
porém tudo que foraó Mouros Guza-
rates , e Mouros naturaes de Mala-
ca , os que naó foraó paliados á eípa-
da 3 ficarão captivos. A Cidade foi
por três dias expcíla a ambição dos
toldados. He incrível á riqueza , que
acharão nelia. Porque além do dinne-
ro j e pedras preciozas , que os ini-
migos levarão 3 ou efeonderaõ , alem
das que os vencedores poderão ocul-
tar ? o quinto de todo o faque , que
pertencia por direito ao P>.ei 3 chegou
a du-
112 Historia dos Descobrimentos
a duzentos mil cruzados. Naó toca-
.An;;, deraó nos armazês da Cidade , nem no
J. C. que podia fervir para reitabelecer a fro-
15 io. ta5 ou para fortificar a praça , na qual
cuílará a crer , que acharão três mil
D* * A~ peças de artiiheria , de que havia até
koelrei duas mil de fundiça6< Affim 0aiZem
Autores Portuguezes , que devo feguir.
affons^o Efta COpquií^5 que foi obra de
D ATI " oitocentos Portuguezes, e de duzen-
quEi<qLEtos Malabares auxiliares, que compu-
nhaõ a frota de Albuquerque , naó
euftou ao vencedor mais que oitenta
homens dos feus, dos quaes a maior
parte morreo por cauza das flexas en-
venenadas , de cujo veneno fe igno-
rava ainda o remédio. Os inimigos
pelo contrario perderão infinita gente,
cujo numero fe naó pode eítimar. Naó
fe pode negar que elles naó fe defen-
deíTem bem ; porém vio-fe neíta occa-
ííaó o que pode o valor , e do que
he capaz a gente esforçada governa-
da por hum grande Capitão.
Fim do Quinto Livro,
GOVER
In,*. DOR.
HIS-
"5
^M
HISTORIA
DOS
DESCOBRIMENTOS,
ECONQUISTAS
DOS
PORTUGUEZES,
NO NOVO MUNDO.
LIVRO VIA
I Conquiíla de Malaca na 5 era Akn. de
I x;w4|| ^'e menor importância que J. C. ,
ÍSAXi! a ^e ^oa * ° Venerai fe en_
tregou a eila pouco depoi
1510.
para fe aíTegurar. da poííe "daqtíella^ do D* MA"
mefmo modo que tinha uzado paraNOELREi
fe eílabelecer folidamente nefta. E no affonso
principio para cativar o efpirito dos d'albu-
povos 5 e ganhalos , deo a intendência quero_ue
dos mouros eftrangciros ao Raja Ute- gover-
Tom. IL H mu- uador,'
114 Historia dos Descobrimentos
imitis , e a dos índios Idolatras a Ni-
Ann. denachetu. Hum tinha mu iro credito, e
J. C. autoridade fobre os da fui feita, ou-
icio. tro unha probidade, os Portuguezes
lhe eraó obrigados , een de ncDre
D* MA" defcendencia. Eftes dois homens cha-
koel rei marci<5 |0g0 aqUelles a quem o terror
tinha apartado. De modo que Mah-
AFFONSOmud, e o Príncipe Aladin , que fe
d albxj- tinhaô acampado fobre o rio Muar
quERqvÈ oko iégoaá diítante da Cidade , naõ
go ver- p0jera5 impedir a dezerfaó dhuma
iíador. j>arre dos fugitivos , que os tinhaõ
íeguido na fua inrelicidade, mais por
temerem hum domínio eftrangciro 3
que por aííeiçaõ que lhes tiveííem.
Por eíte modo a Cidade começou a
povoar-fe, e a fer commerciante , co-
mo d^riíe;,
Mo mefmo tempo , que o Ge-
neral promulgava fuás leis de poli-
cia , para dar a Malaca huma nova
forma de governo , naó deíprezava o
que lhe era igualmente neceííario , que
era edificar huma Cidadella para ler-
vir de azilo aos Portuguezes , e de
freio a huma Cidade, que pode facil-
mente mudar de fénítor. Tinha a cer-
teza , pela relação que lhe tinha Fei-
to Araújo, de naõ achar pedra para
a fundar. Porém foi mais feliz do
que
DOS FoRTUGUEZES , LíV. VI. Ií£
que penfava. Porque fazendo cavar ■
ao pé d'uma montanha , ahi achou Ank. de
muitas fepulturas dos antigos Reis , ]. C.
todas trabalhadas em bella pedra ia- i^io.
vrada ; e no mefmo tempo defcubrio
huma efpecie de pedra boa para fa- D* MA"
zer cal. Contente das duas defcobcr- N0£L REI
tas, naó deixou o feu primeiro pro-
je&o, de fazer hum Forte de madeira A,FFOKSO
para provizaó , e porque mais de pref- D
ia fe acabafle. Porém no mefmo dia ^UER(iUE
que começou efte , deitou os funda- GOVEK~
mentos do outro ao pé da montanha, NAD0R*
e para que ella o naó dominaíle fez
elevar o eirado , ou a torre de home-
nagem de finco andares. Fez também
fundar huma Igreja denominada N.
Senhora da Annunciaçaó , e hum Hof-
pital para doentes.
Trabalharão neíla obra com mui-
ta diligencia , porque o General ven-
do que os feus naó baftavaõ , empre-
fou também os Ambaragos , que era
uma efpecie de povo meudo , a que
chamavao Ej cr avos do Rd , e que eraó
fuilentados peio Fitado. Albuquerque
os obrigou a iílo , aíKm por brandu-
ra como por força , recebendo muito
bem os que fe aprezentavaõ volurtta-
tarios , e publicando hum Edi&o rl-
gorozo para obrigar os outros , aíllg-
H ii nan-
Il6 Historia dos Descobrimentos
— nando recompenfa a quem aprefentaf-
Ann. de fe hum defbs fugitivos ; o que deo
j. C. lugar a alguma dei ordem , por ferem
leio. denunciadas como eferavas, muitas pef-
íbas de condição livre.
d. ma- M.ihmud fortirlcou-fe da fua par-
koel rei te ç0\yTQ 0 r:Q ^g ]\^uar 5 qae fechou
para cortar o caminho aos bateis , que
affonso p0cjcr]a5 invadir o feu campo. Lizon-
r> albu- geava_fe elle no principio de que Al-
QUER0-U£ buquerque fe contentaria com faquear
cover- a cidaae , e conduzir todas as rique-
kador. zas para 0 indoftan. Porém quando
vio as medidas que elle tomava para
fe eftabelecer neíla , quiz perfuadir-fe
que poderia ainda expulfalo com os
foccorros que efperava , tanto mais que
tinha noticia que o Laczamana , ou Al-
mirante da lua frota , e o Principe
da Ilha de Linda feu vaííallo , fe ti-
nhaó poíto em caminho para Malaca ,
e que naõ eftavaõ longe. Porém o
Principe de Linda vendo a Cidade to-
mada fe recofreo , e Laczamana fez
algumas 'propofiçoens de tregoa a Al-
buquerque que as aceitou. Elias nao
fe efreituaraó peios crimes d^iquelles
índios , a quem o General trata com
amizade. Porque concebendo que eíle
Almirante, qae era homem de me-
recimento , nao tinha para com ello
maior
í)OS PoRTUGUEZES, LlV. VI. 1 17
maior reputação, e credito que elles,
elies o fizeraõ advertir ocultamente , Ann. de.
de que fe intentava íbbre afuavida, ]. C.
o que desfez a negociação. i-cic.
Com tudo Albuquerque , a quem
deíagradava a próxima vifmhança de D* MA"
Mahmud , e cTAíadin, rezolveo lau- *0EL REI
calos fora deite poílo , ames que elles
ie fortificarem, de modo que naó po- A*¥0i:s0
defíe obrigalos. Deo eíla commiífaó D ALBU"
aos Andrades, que na frente de 4C0 9-UERQUB
Portuguezes , Cco Javas , e de tre- GOVER"
zentos Malaios do Reino do Pegu ,
foraó attacalo taõ repentinamente y
que naó teve mais tempo que para fu-
gir, deixando quaíi todas as íuas ba«
gagens : entre eítas fe acharão fete Ele-
fantes ricamente ajaezados.
Depois deíla retirada ficando mais
defeançado em Malaca , Albuquerque
tinha mais liberdade para adiantar as
fuás obras , e para eftabeiecer a ordem.
As leis que pos , fundadas fobre equi-
dade , e ju.íliça , foraó recebidas com
tanto goíio , que moílravaó a diferen-
ça do Governo precedente, que tinha
fido violento , e tyrannico. Porém o
que lhe acabou de ganhar o coração
ao povo, foi o que praticou batendo
nova moeda. Porque no mefmo tem-
ao que a fua politica lhe fazia publi-
car
Ii8 Historia dos Descobrimentos
■ car hum Edic~ro, que prohibia o uzo
Ann. de de qualquer outra moeda com pena
J. C. de morte , fez elle fazer efta procla-
x^io. rnaçaõ com huma pompa , e liberali-
dade, que parecia ter profuzaõ. Nada
d. ma- fajtou a beieza cio efperaculo , e em
koel rei tocjas as mns p0r oncje pan*ava a co-
mitiva, António de Scuza, e o filho
affonso de ftinacheru efpalhavaõ efta moeda
d albc- ^'0-ir0 ^ prata 5 e eftanho ás maós cheias
quERQUE ^g accíamaç0és Jc todo povo occupa-
GOVER" do em ajuntala.
nador. Efpalhada logo a noticia da con-
qu;fti de Malaca , cauzou hum gran-
de movimento em todas as Ccn.es dos
Principes viíinhos : cada hum nella to-
mou p rte , fc guri do os feus enteref-
fes. Com tudo por diverfcs motivos
de politica todos enviarão feus Em-
baixadores para darem parabéns ao
General da fua vicroria , e fazerem
aliança com elie. O Rei de Siam mef-
mo , que tinha chegado , enviou a
oomprimentalo por lhe ter caítigado
hum dos feus íubditos rebellados , e
lhe teftemunhou o gcíto , que teria
de viver em boa armonia com a Co-
roa de Portugal. Albuquerque rece-
beo todos eftes Embaixadores cem
pompa, e com grandes moftras de dif-
tinçaõ , e depois de os expedir , en-
viou
DOS Po RTUGUEZES , LlV. VI. I ip
cu os feus para cilas diverfas Cor-
tes , António de Miranda d'Azevedo , Ann, de
e Nicoláo Coelho ao Rei de Siam ; Rui J. C.
da Cunha ao Rei de Pegir, e outros , jrio.
cujos nomes nos naó chegara©^ aos Reis
das Ilhas de Java, e Sumatra. D' :íA~
A occafiaó era muito beiía para NO£L REI
deixar de fazer reconhecer as Ilhas de
Banda, e as Molucas celebres pela fiti- A/rONSO
gularidade da flor da noz noícada , i\AJLBU"
e cravo cTefpecíe , que em nenhuma QTJER(è°'E
outra parte Te acha , e de que cilas GOVER"
faziaó hum grande ccmmcreio com!ADCR"
Malaca. O General lhe enviou três
navios ás ordens de António de A-
breu , de quem quiz reçompençar com
cfta diftinçaó os recentes rerviços fei-
tos na conquifta de Malaca.
Em quanto tudo corria conforme
aos dezejos de Albuquerque , correo
hum rifeo tanto maior , por ter dentro
em fi o inimigo , que o procurava opri-
mir , e que era inimigo muito pode*
rozo , e muito oculto. A idade de oi-
tenta annos naó tinha tirado nada á
vivacidade da ambição de Utemutis ,
pelo contrario parecia, que lha aug-
mentava , e atiçava todo o feu fogo
á medida , que elle fe avifmhava á
fepultura onde a grandeza fe aniqui-
la. Eíle homem muito rico , e mui-
to
120 Historia dos Descobrimentos
to poderozo para vailallo , tinha fem-
Ann. depre cauzado ciúme a Mahmud , que
J. C. tinha razaó para o temer ; porque el-
i-çio. ^e nimca perdera de vifía o dcfignio
de o dethronar. Porém como elle era
13 • MA~por extremo velhaco, e com referva,
ííoel rei tjnfia_fe acommodado também ao tem-
po , e tinha de maneira difpoíto as fuás
affonso intrigas ^ que fem precipitar coifa al-
io aleu- ^uma ^ parecia confiar tudo das con-
querque junturas# Naó as podia elle ter mais
gover- favoraveiSj que a do fyílema |d'um
^ador. j^ei Jefapoílado , fugitivo , e d'um
Governo eítrangeiro , e novo , no qual
lhe tinhaó dado huma taó grande au-
toridade.
As fuás efperanças tendo-fe exci-
tado mais vivamente que nunca, apron-
tou d'uma parte os foccorros , que ef-
perava da Ilha de Java , onde elle ti-
nha fempre tido correfpondencia pa-
ra confeguir o feu projeclo , e d'outra
travou huma nova intriga com AJa-
din , Príncipe hereditário de Malaca ,
a quem elle bem quiz enganar com
efperanças do Throno. Albuquerque,
que conhecia o caraeler da perfona-
gem , tinha muito lugar de defeon-
fiar delle no mais. Porque á medida
que eíle homem vaõ julgou aproxi-
mar-íe o termo 3 onde devia, ver co-
roa-
dos Portugueses , Liv. VI. Ill
roados feus dezejos , fez-fe infolen- ■■ - ■
te, e deshumano: começou o povo a Ann. de
queixar-fe das fuás tyrannias , e o J. C.
General dos feus roubos , e da fua 1510.
defobediencia. Porém o General foi
bem de preíía fabedor de todo o myf- Dá MA~
terio das operações fecretas defte ho- NOEL REl
mem intrigante pelas fuás cartas ori-
einaes que tomou , e que foraõ a cau- AFFONSO
za da fua ruína. '
Tratava-fe de fe apoderarem dei- ****«««
le, o que naó era fácil; para iílo fe GOVER"
fervio o General d'hum artificio. Ha- NAD0R>
via na Cidade hum Per ia , chamado
Ibrahim , amigo de Utemutis , que
dezejava muito hum emprego , que
requeria com ardor. Albuquerque mof-
trou querer deíirir-lho , porém fez-lhe
íaber ao mefmo tempo , que tinha
feito voto de naó dar emprego algum ,
fem tomar primeiro o parecer dos prin-
cipaes Oificíaes , e de todos os men-
bros do Confeiho. Ibrahim-, que eíla-
va cerro dos veres , os ajuntou logo
na Fortaleza. Forem em vez de tra-
tar defte negocio o General, fez re-
ter Utemutis , feu filho , feu genro ,
e feu fòbrinho, e convencendo-os do
crime de leza Mageftade pelo feu
proprip íignal , lhe fez fazer feu pro-
ce.To formai, e os fez condenar a fe-
rem degolados. A
GOVER-
NADOR
122 Historia dos Descobrimentos
A mulher de Utemutis fez todo
Ann. de o poííivel para evitar efte golpe , e
J. C. oíFereceo ao General fete banais de
1510. oiro, & elle quizeffe contentar-fe de
comutar a pena em deírerro. O Ge-
d. ma- ncraj ^ ^ue fe períuadio dever fazer
uoel rei jium exemp]ar caflia0 nefta occafiaõ ,
foi inflexível , e reípondeo que o Rei
affonso ^ea senftor na5 c újjjja reveítido do
d albu- cargQ ^ ^ que 0 tinha honrado, pa-
;^LEra vender a juftiça. Fez-íe a execu-
ção com todo o apparato , que podia
infpirar terror ; fobre o mefmo thea-
tro , que tinha íido preparado por avi-
zo de Utemutis para o fumptuozo
banquete, onde fe tinha projeclado
aíTafíinar Siqueira , e os feus no meio
das delicias da meza.
Feita a execução , foi dado a Pa-
tequitir o emprego do culpado , Java
de naçaõ como elle, porem que as
fuás riquezas , que os faziaó concor-
rentes , e rivaes , os tinhaó feito ini-
migos. Foi eíle hum rafgo de politi-
ca do General. Que naõ pode huma
mulher orTendida ? A eípoza de Ute-
mutis , ultrajada da morte do feu ef-
pozo , unio-fe logo a Patequitir, of-
icre:eo-lhe fua filha em cazamento ,
que lhe tinha fido negada noutro tem-
po , e lhe aillgnou para dote todo o
Ciro
t>OS PORTVGUEZES, LlV. VI. 12$
oiro que ella tinha querido ciar a Al
buquerque. com a condição, que en- Annw de
trando no Teu ódio , emprehendeííe J. G.
de a vingar inteiramente. Patequitir , i^io.
que naó tinha menos ambição do que
Utemutis , prometeo tudo , e conce- D* MA~
beo tanto mais facilmente o difignio NOELREI
de fe eftabeiecer febre o Trrono ;
porque todas as forças dos Javas, até A/FO>-3°
entaó divididas , fe reunirão em feu D ALBU~
favor. Elle deo logo provas da fua QuerQub
mudança , lançando fo^o com frivolo G0VER"
pretexto ao bairro dos Quircms , eNAD0R*
dos Charins , que tinhaõ formado quei-
xas contra Utemutis. Albuquerque co-
nheceo entaó ore fe tinha engana-
do na efeolha deite homem , porém
por refpeitos particulares, naó oufou
emprehender defpojalo do feu Ohicio
de Chabandar : e elle da fua parte ,
naó oufou deelararrfe abertamente re-
belado , julgando que cevia efperar a
partida do dor , que naó po-
dia tardar rr po , por cauza da
vifinhança da monção. Com erYeito
tanto que ella veio , chamou elle Rui
de Brito Patalim para Governador de
Malaca , e Gcrhmandante em todo ef-
te delineio com toda a íua autori-
dade. Rui d" Araújo ficou com o car-
go de feitor , e de Capitão , ou Go-
verna-
124 Historia dos Descobrimentos
vemador da Cidadella ; e Fernando
A.vn. de Peres d" Andrade a quem elle deo dez
J. C. navios , íoi provido do emprego de
15 io. Almirante deites mares. Fez também
muitos outros Officiaes fubalternos ,
T3m MA" depois do que íe fez á vela pnra tor-
soel rei nar para Q jncj0ftari ^ com grailcie pe-
zar do povo de Malaca, que fez vi-
AFFOKao vi]íimas íiiftancias para o demorar ain-
* ALBU" da algum tempo.
querqlf. QQa t:„iu fetitido a auzencia do
go ver- Qeneraj ^ e pouco tinha faltado para
kadok. qUG e|ja na5 recahilTe nas maõs dos
íeus primeiros Senhores. O Idalcaõ
fufpirava fempre por eíla praça , que
era a fua melhor flor ; elle eipera o mo-
mento da partida de Albuquerque, na
auzencia do qual parecia eíperançar-fe.
Porém, muito occupado com a guerra
que lhe faziaó os feus viíinhos no cen-
tro das terras , naó pôde elle peííoal-
mente tentar a empreza , e foi obri-
gado a connalla de Pulatecaõ , á quem
deo três mil homens de tropa , e al-
guma cavallaria. Melrao , e Timoja
avizados da fua chegada , e juntando
logo quatro mil e quarenta cavallos ,
ue tinha.ó para guardar as alfandegas
a terra rlrme , foraõ-lhe aprezentar ba-
talha. Pulatecaõ a aceitou , e foi deilrui-
do, As íuas tropas poífas logo em de-
for-
\
DOS PORTUGUEZES , LlV. VI. I2£
fbrdem , e o arraflaraó contra feu goílo
na íua fugida ; mas hum OíHcial do Ann. de
exercito de Meírao feguindo-o irnpru- J. C.
dentilftrnamente , e Tem ordem lhe ref- i^]Qt
ti mio a vicloria, Porque fendo morto
efte OfRcial , os feús fe deciparaõ. vD* MA~
Entaó Pulatecaó ajuntando os icus , NOEL REl
veio cahir fobre Melrao , que naó o
efperando , fe recreava em ioccego da A FFO-
vantagem , que acabava de confeguir D ALBU~
com tanta gloria. Desbaratado Melrao QuerQub
na íua volta naó oufou por vergonha GOVER~
voltar para Goa, e íe foi para o Rei *-AD0P-
de Naríinga , e levou cor. figo Timo-
ja , depois de ter alcançado para fi
hum falvo conduclo. Porem o laivo
conduto naó fervio de nada a Timo-
ja : o Rei de Narfinga violando com
elle os direitos da hofpitalidade , e da
fe puplica , naó fei porque motivo ,
o fez aíTaílinar. Fim trifte para efte
homem, que tinha feus defeitos; mas
com tudo tinha muita coifa boa. era
valerozo, muitas acçoés boas a ref-
peito de fi , e grandes ferviços feitos
aos Portuguezes. Melrao foi mais fe-
liz, porque neflas circunftancias a mor-
te do Rei d'Onor feu irmaõ o livrou
cTum competidor injuíto , o Throno
lhe fei dimrido fem concorrência , e
neile fe confervon fempre aliado fiel
da Coroa de Portugal. Pu-
126 Historia dos Descobrimemtos
• Pulatecaõ naó tendo mais inimi-
Ann. de gos á cara , avançou-fe até aos paços
J. C. de Benaflarin , e de Agacííi. Teníoa
15 IO. inutilmente fazer fubievar os índios
da Ilha , que fe confervaraó fieis , e
r>. ma- avizara5 ^e tuc[0 Rodrigo Rabelo,
KOEL REI Qovernac|or Je Qoa ? para que pr0.
veííe na fegurança da Ilha , fazendo
affonso guaraar as^ paíTagéhs. Com effeito el-
d albu- ^e p5s ai(f0 boa ordem , e com mui-
quERQUE ta promptidaó. O General inimigo naó
go ver- çQ deíanimou : efperou que conciuiííe
hador, como na primeira vez , e aproveitou.
Porque tendo feito preparar quantidade
de bateis ligeiros cooertos de couro ,
e efcolhido o tempo d'uma noite ef-
cura , e chuvoza , enganou também os
Poituguõzes por muitos fingimentos ,
que divertindo-lhes aattençaô , naó fo-
mente atraveçou a Ilha fem fer perce-
bido , mas tomou ainda duas caravel-
las , e paífou á efpada os que -as
guardavaõ.
Para fe aproveitar depois da pri-
meira perturbação , que a fua paiTa-
gem devia cauzar , e apanhar o ini-
migo em algum laço , lubornou hum
índio , a quem ordenou , que roííe á.
Cidade í aliar ao Tanadar , como de ícu
mota próprio, e o avizaíTe de que 200
Mouros tinhaó entrado na Ilha , e ef-
tavaó
£05 PoRTUGUEZES, LlV. VI. 1 27
tavaõ podados na antiga Goa , onde
feria fácil furprendelos. O Governa- Ann; de
dor valente, mas pouco prudente, ca- J. C.
hio no engano contra o parecer de i^io.
Coje-Qui , a quem o avizo pareceu
fufpeito. Enviou elle primeiro Fer- D* MA"
nando de Fana para deícobrir ; porém M0EL KEI
feguindo logo a impetuofidade dos feus
poucos annos , fahio na freme de A/F0*k:>0
M J -i D AL3U-
ouarenta cavaiios , e de quinnentos
índios. Tanto que elle fe adiantou , <^Ei^UE
o traidor que tinha dado o fallb avi- GOVER"
zo , defcubrio a lua vclhacâra aos In- -VADOR-
d;os , que o feguiaó, dis-lhes o ver-
dadeiro numero dos inimigos , e fal-
vou-fe. Eíte pararão , vendo a deíi-
gualdade do partido.
Rabelo celcobrindo de fíma c'um
ro os inimigos , que prífavaó de
quinhentos , e vendo-fe abandonado
cios feus índios , ficou abifmado 3 po-
rém formalizando-fe hum pouco: ., Que
3, vos parece , Senhores , diz á fua
n pequena tropa. Mal : refpondeo Co-
3, je-Qui : porém qualquer partido que
3, vos tomeis , cu vos figo. „ Naó di-
zendo os outros nada , por temerem,
que fe attribuiffe a fraqueza o único
confclho prudente, que niífo fe podia
tomar. „ Vamos, lhe diz Rabelo, ho-
33 je fe verá quanto vai o coração de
ca-
!i8 Historia dos Descobrimentos
— !,, cada hum de nós. IíTo me agrada,^
Akn. de difle Manoel da Cunha taó valente ,
J. C. mas taó temerário como o Gcverna-
151 1. ^or 5 e ^em ma*s preambulo, cahiraõ
fobre o inimigo com tanto furor ; que
""o romperão , desbarataraó-no , c o poze-
koel rei r c - J 1 • * •
rao em rugida , e o obrigarão a preci-
pitar-fe no rio. Trezentos ficarão no
lugar , e houve maior numero de aro-
D ai.bu- ^°
ÇUERQUE
GOVEPv-
hADOK,
Saaos.
Dos quinhentos índios , que fe-
guiraó Rebelo , trezentos Canarins vol-
tarão para traz ; os duzentos que eraó
Malabares tinhaõ-no íeguido de longe 5
e chegarão muito a tempo de fe me-
terem na turba dos fugitivos. Em
quanto cites os impeliiaó com ardor,
vieraó dizer a Rabelo , que havia alguns
inimigos retirados num outeiro entre
ruínas. Eíle era Pulatecaó, e outenta
homens dos mais valentes dos que o
feguiaõ. O Tanadar Coje-Qui o co-
nheceo polas fuás infignias , e fez
quanto pôde para conter a impetuofi-
dade do Governador , prometendo-lhe ,
que elle os faria cercar pelos feus , e
obrigando-os de longe com tiros de
flexa, de modo que nem hum e ('ca-
paria. O conlelho era muito pruden-
te pani hum moço louco , a queivi a
fua primeira felicidade tinha cep;
LUe
DOS PoRTVGUEZES, LlV. VI. 129
Elle correo precepitado a bufcalos com ^*
quarorze cavailos, e faltou numa cer- Ann. de
ca. Os inimigos o meterão no flanco J. C.
por ambas os partes, e picaraõ-lhe o ca- j^II#
vallo , que empinando-fe voltou fobre
cIIq , onde logo o matarão ás lança- D# MA"
das. Manoel da Cunha , que o tinha fe- W0EL REI
guido teve a mefma forte : os outros
foraó rechaíTados com o mefmo vigor, AFFONSO
e tomarão o partido de fe retirar pa- D ALBU"
ra á Cidade , fem que os inimigos °-uero-ue
tomaííem o trabalho de os feguir , GOVER- ,
contentes com a morte deíles dois NAD0R-
homens , cujo valor imprudente tinha
arrebatado aos feus o fruclo duma
taõ bella vicloria.
Francifco Pantoja devia por di-
reito fucceder a Rabelo no feu poílo ,
e o Confelho a iíTo o obrigou , po-
rém elle o recuzou , e fez acío de
reziftencia. Na lua falta ninguém o
merecia melhor , que Diogo Mendes
de Vafconcellos. He verdade que fen-
do prezioneiro de Eítado , tinha mo<-
tivo para que naó o efcolheffem. Com
tudo a neceílidade fez paffar por tudo.
OrTereceraó-lho , e elle o aceitou. Pan-
toja quiz depois entrar , e fez feus
proteílos , porém naó foi attendido.
Mendes como homem experimen-
tado logo fe applicou todo á fuftentac
Tom, II, i hum
130 Historia pos Descobrimentos
hum Cerco , de que temia os rifeos ,
4-nn. de porque eílava na enrrada do inverno,
]. C. e toda a fua guarnição confiava de
1511. feiS centos Malabares , ou Canarins ,
que tinha {ido obrigado a receber na
d. ma- Qjac}e ^ e duzentos Portuguezes , .aos
koel rei q1jaes fe ajuntarão mais quaíl trinta,
que conduziaó Francifco Pereira de
A/FONSOBerredo , qua com efte pequeno reforço
d alku- f0i recebido como huma divindade.
querque Naquelle tempo Pulatecaó , que
Go ver- tinna nJo defeanço para fe reparar das
ííador. uiti1Tlas perdas que tinha tido, tinha
entrado em poífeífaõ do refto da Ilha ,
e fe fortificava no poílo de Benafta-
rin , onde fez huma efpecie de Cida-
della , fegundo as regras da arte. De
lá in faltava elle a Cidade fendo fe-
nhor do campo , e correndo até ás
portas. Porem em todas eftas corridas
foi fempre desbaratado, e obrigado a
retirar-íe com perda.
Eftas perdas com tudo craõ pe-
.quenas , e elle fe perfuadia inteira-
mente de fe fazer fenhor de Goa,
que afTegurando-íe decAe entaõ de a-
,propriar-fe o poder Soberano , naó fez
mais cazo das ordens do feu Prínci-
pe, e nem ainda fe dignava de o inf-
.truhir do que fe paífava. O Idalcaó ,
* quem por efte proceder fe fez faf-
pei-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. IJT
peito , rezolveo de o fazer render , e »
enviou para efte effeito Roftomocaó , Ákn. de
Árabe , ou Turco de erigem 5 e de J. C.
Religião, cujo merecimento pelíoal o i^n,
tinha obrigado a dar-lhe fua irmá em
cazamento. Roftomacaó condufia íeis '
mil homens , e trazia huma ordem a K0ELREI
Pulatecaó para efte lhe entregar o man-
do das tropas. O Idalcaó tinha-fe per- AFFO*so
fuadido , que o refpeko da peiioa , D ALBU"
que enviava adoçaria a Pulatecaó o °-UERQUE
defgofto da fua revocaçaó ; porém go^ek"
tomou-o como criminozo , e recuzou JsAD0Rt
obedecer-lhe.
Roftomocaó tomou o partido de
dillimular, porém enviou oceultamen-
te hum prizioneiro Portuguez que ti-
nha a Mendes para lhe dizer da fua
parte. „ Que tudo o que Pulatecaó
3, tinha feito , o tinha Feito fem or-
5, dem , e contra a vontade do Idal-
3, caó 3 que naó appetecia mais do que
3, viver em boa amizade com a Co-
„ roa de Portugal 3 de que fe queria
53 fazer tributário. Que fe elie qui*
,3 zelTe unir as fuás tropas ás delle pa-
33 ra o ajudar a fubmeter efte vaílaiio
33 rebelado , eile lhe ficaria obrigado ,
j, e o deixaria depois na pacifica poi-
5, feffaó de Goa , fobre a qual nao
„ tinha elie mais nada que preten-
I ii àci' 3
132 Historia dos Descobrimentos
„ der , por quanto os Portuguezes fe
Ann. de 55 tinhaó feito Senhores delia. „ Men-
J. C. des foi enganado por huma propofi-
151 1. Çaó taõ lizongeira. Os dois Generaes
ie uniraõ com felicidade. Pulatecaõ
defpojado fe retirou para o Idalcaó pa-
*oel kei ra çe queixar deita traição , e pedir-
Ihe mítica. Elle lha fez fazendo-lhe
AFFONSO 1 J J
dar veneno.
d albu- Roftomocaõ confeguindo o fim
«^uerque dos feus intentos , naó fomente naõ
cover- cumpri0 a paiavra que dera a Mendes,
xudor. mâS ejje Q manjou notificar logo com
muita foberba para defpejar a praça.
Como elle naó teve outra refpoíto.
que a que merecia , começou a com-
batela com mais ardor do que o ha-
via feito feu predeceííor ; porém fican-
do-lhe o leu campo muito diílante ,
foi alíás maltratado nas diverfas carrei-
ras que fez , pelas embufcadas , que o
Governador pòs fobre os divcrfos cami-
nhos que elle fazia. Em todas teve fem-
pre prejuízo , e os citiados perderão
lo huma peííoa de confideraçaõ , que
foi o Tanadar Coje-Qui 3 cuja perda
fentiraó vivamente por cauza da af-
feicaó que fempre tivera aos Portu-
guezes , a quem fizera grandes fervi-
ços ; porque era esforçado , e fempre
prompto contra os Mouros inimigos.
Deraó-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. I$$
Deraó-lhe hum tiro n'uma deftas for- ■
tidas , de que morreo depois de ai- Akk. de
guns dias , naó tendo outro pezar , J. C.
que o de naó morrer no campo da i$n,
batalha.
As continuas chuvas derrubarão
depois grande pedaço dos muros da
Cidade , de modo que o muro fi-
DALBU-
cou da altura de hum homem. Ser-
vio-lhe de fencidade a noite •, por-
j j 11 r QVERQUE
que tiverao tempo de trabalnar para
i *í r> n -■ GOVER-
repararem a brecha. Koitomocao que
rr i ir i r i -j ■ NADQR.
o louoe pelos íeus deicuondores , veio
dar-lhe aflako ao campo. Porém du-
rando o combate todo o dia nelle foi
taó mal tratado , que naô ouzava pa-
recer no dia feguinte. Quando menos
aílim o julgarão pelo tempo , que deo
aos citiados de fortificarem eíle poffco.
Porem na noite feguinte moftrou ,
que era fingimento para os pôr em
cteicuido. Com effeito elle attacou a
brecha duas horas antes do dia , e
penfnu to mal a por aífalto. Quatro
noites fuccefivas tez o mefmo , e foi
fempre rebatido ; de forte que fe pôs
em mais cautella , e recorreo a hum
eílratagem.i para enfraquecer os citia-
dos , e dilíipalos com fadigas , fem
lhe cuílarem a elle nada. Aífentou
hum corpo de tropas muito perto da
Ci-
1 34 Kistoria dos Descobrimentos
— Cidade com ordem de fazerem tocar.
Aí.v. de as trombetas toda a noite. Os citia-
J. C. dos acordados por eir,e eílrondo efta-
151 1. vaõ fempre alerta, e padeciaó muito
com a vigília , com o pezo das fuás
r>. ma- armas ^ e os rig0fes da eítaçaõ. Com
koel rei hjíjo |:vrara5_fc defte incommodo , e
desbaratarão o deftacamento.
AFtoNso ^t^ enra5 os cjtjados tinhaó fo-
1» albu- ^rj^o mujt0 p0UCO aos inimigos : po-
qLERQuEr^m R0ft;0mo(:aõ rendo-fe apoderado
govek- ^e kum a|tQ ^ dominava a Cida-
kador. ^e ? e cavaigarido alli huma groífa co-
lubrina , que com o feu fogo conti-
nuo varejava tudo , e fe apontava co-
mo queriaõ , naô fomente nas cazas 9
porém ainda fobre os homens fez gran-
diílima deftruiçaó , e cauzou grande
inquietação. Por outra parte a fome
fe fentio de modo que hum pequeno
faço de arroz cuílava 24.CO , e numa
galinha hum cruzado. Tendo os ha-
bitantes confumido os mantimentos ,
naó reílavaó mais que os dos arma-
zéns , cuja diilribuiçaó fe fazia com
muita cautelia, e fomente aos que
traziaõ armas , 05 outros viviaõ uni-
camente do produclo da fua pefcaria ;
o que logo cauzou huma molcilia ge-
lar j cue naó foi mais pequeno flage-
lo do que a fome.
Ef-
DOS PoRTUGUEZE? , LlV. VI. I^
Elias miferias multiplicadas re-
voltarão o animo de alguns íbldados, Ann. de-
que comparando o íeu citado prezen- J. C.
te com o de Machado, e d/outrcs fu- x lL
gitivos , que os Príncipes da índia ,
para quem fe retirarão , encherão de D* VlA"
bens , e honras ■■, paííaraó para o cam- lx0EL **■
po inimigo , e abjurarão a Tua Reli-
gí?ó. No princio ouveraó poucos que affonsc>
deraó eíte máo exemplo ; porém, os D ALEU~
amigos que deixarão na praça rraba- Q"ERQUE
lharaó tanto , que chegarão a 70 que GÒVE*~
fe conjurarão para fugir: d'outra par- *;AD0K#
te Machado, que com o feu eftado
fazia inveja a eítes mizeravcis , ty-
rannizado pelos remorlbs da fua con-
fciencia , excitado pelas relíquias do
amor da fua Naçaó , e pode ler que
temendo fer punido como traidor
( porque começava a fer íufpeito )
meditava huma retirada inteiramente
oppofta. A elle era que os dezerto-
res eftavaõ encarregados , e os incor-
porava no corpo que elle commanda-
va. A diíhmulaçaó de que elle era
obrigado a uzar , o obrigava a mof-
trar-lhe agrado , e bom acolhimento :
porem elle íe compadecia da apoíla-
zia delles , que lhe renovava todo o
arrependimento da lua. Extremamen-
te toi penetrado , quando vio que ef-
ta
l$6 Historia dos Descobrimentos
«- s — ta gangrena lavrava até na Fidalguia j
Ann. de e que lbube a conjuração que tinhaã
J. C. feito , os que eftavaó ainda na praça :
151 1. e^e ^°'1 penetrado , e aífuftado, e a dor
que iíto lhe cauzou lhe apreffou o di-
d. ma- £gn^0 qUC ej|e a tempos , meditava.
koel rei EUe tinha tido dois fUhos ^ que
fizera baptizar occultamente 3 bem que-
affonso rerja 'ievaios com fjg0 ? porém naõ
d albu- venc|0 mo,£0 5 e temendo que criados
çuerque nQ ^i^ornetifn^o ? tiveííem a infelici-
gover- dade de |~e coru}enarem ? a mai enten-
#ador. jjda piecjacje 0 fez parricida ; fufocou-
os de noite 3 e depois defte horrivel
homicídio 3 que parreceo effeito do
acazo , e achando occaziaó , conduzia
configo os Portuguezcs captivos , e
dezertores como para paffeio ; guiou-os
para o pé de Goa , onde lhe fez hu-
ma falia viva , e patética 9 acompa-
nhada de copiozas lagrimas , e os exor-
tou a feguirem-no para á Cidade , a
corregirem fuás culpas paífadas por
hum arrependimento, cujo perdaó elle
lhe afiançava. Os dezertores apenas
fe dignarão ouvilo , e tornarão pa»
ra traz. Forem elle 3 e os capti-
vos , feguiraó o projeclo que tinnaõ
premeditado. Vieraõ recebei os em pror.
ciíTaõ ? e com todas as demonítraçoés
<Tuma : alegria completa. Pareceo que
a Ci-
DOS PORTTJGUEZES , LlV. VI. 1$
i Cidade recebera nelles a fua falva-
çaó. E he certo que efta retirada , Ahn. de
que penetrou o coração de todos, im- J. C.
pedindo a deferçaó, impedio também j^u.
a entrega da praça , que eíla deferçaó
tinha feito inevitável. D*
Roílomocaó irritado por efta re- N0EL REI
tirada de Machado com mais ardor
apertou o cerco. Com effeitd por ai- A>FFONSO
gum tempo naó deixou refpirar os citia- D ALBU"
dos , nem de dia nem de noite. Com <*UE-R0-UE
tudo em huma deitas efcaramuças , GOVEK~
fahio o Governador na frente de oiten-NADOR*
ta cavallos , e desbaratando-lhe duzen-
tos cavallos Mouros , e fetecentos fol-
dados infantes , que tinha poilo n'uma
embofcada , conferva mui bem os fcus ,
pondo a fua confiança no que havia
refultar da exceíliva fome a que a
Cidade eftava reduzida.
Tinhaõ alli já fofrido quafi tanto
como em hum dos cercos mais memorá-
veis de que falia a hiftoria , e pofto que
a Cidade naó foífe citiada com forma-
lidade , eftavaó em eílado de pade-
cer muito a naó fer a generoza refo-
luçaó de Francifco Pereira de Berredo ,
ue emprehendeo , a pezar da eílaçaó ,
e hir a Baticalá , bufcar mantimen-
tos em huma fuíta. E ainda que o
pofto de Cintacora por onde devia paf-
far,
138 Historia dos Descobrimentos
far , ejftivefle guardado por fuílas iní-*
Annt. de migas , foi huma viagem taó feliz ,
J. C. que voltou carregado , e acompanha-
151 1. <t° de vinre pardos cheios de roda a
forte de provizoés. Algum tempo de-
D* MA" pois Sebaíliaõ Rodrigues fazendo a mef-
jíoel rei ma vjagem com jguaj_ fortuna t teve
Goa de que fe fuftentar até quaíi ao
affonso fim ao univerf0# Fernando de Beja ,
d albu- Albuquerque tinha enviado para
quERQVE demoiir 0 porte de Socotorá , chegou
go ver- depois que entrou a eílaçaó benigna.
kador. pouco depois delle chegarão ainda Joaó
Serrão, e Paio de Sá , que vinhao
da Ilha de Madagafcar. Foraõ fegui-
dos por Manoel de Lacerda , que con-
duzio os féis navios, que Albuquer-
que lhe tinha deixado para anelar a
corfo pela Cofta de Malabar, e por
Chriítovaó de Brito, que tinha parti-
do nefte anno de 151 1 na efquadra
do D. Garcia de Noronha. Também
Melique Jaz fempre politico, queren-
dc-fe diílingutr por lhe dar foccorro ,
lhe enviou dois navios , que acabarão
de os abaftecer.
Roílomocaó naó defeorçoou com
a chegada deftes foccorros ; porém fi-
cando bem derrotado em diverfos en-
contros , naó penfou mais do que em
confervar-fe no poílo de Beneílarin ,
r de
D. MA-
NOEL RE*
AFFONSO
DCS FoRTUGVEZES, LlV. VI. 3^p
de que fez a melhor praça , que te- <
ve o^dalcaó. Eftanco ahi naó menos fi- Ank. de
tiado cio que íltiador, Goa fe vio li- J. C.
vre de todo o modo delle, depois de i^u,
haver feito muita honra aos que a de-
fenderão , particularmente a Mendes ,
que aili adquiriria mais gloria a naó
cometer os erros a que o obrigou a in-
veja de fe vingar de Albuquerque , e
de desfazer o que efte tinha eítabele- D ALBV
eido. QUERQUE
Efte General , que nós deixamos GOVER"
lio mar partindo de Malaca, fomente NAD0R* "
com finco nav;os , e hum Junco , fez
huma das melhores viagens pofíiveis,
e falvoa-fe por hum milagre da fua
fortuna. Porque navegando pela Cof-
ta de Sumatra , e achando-fe a travez
do Reino d'Auru , lhe fobreveio hu-
ma das mais violentas tempeftades , que
fe experimentarão neftes mares : era
noite , todos os ventos defenfreados.
O Cco eílalava com raios , e trovões ,
e o mar eftava taó alto como os mon-
tes : como eftava perto de terra , che-
gou-fe para bufear azilo , e ancorou.
Porem as vagas eraó taó forres , que
elle empuxado fobre as ancoras 3 foi
dar fobre hum banco onde o navio
Flor do Mar em que hia , celebre pe-
las fuás viagens , e expedições , mas
mui-
t40 HlSTORlA DOS DeSCOBRIMENT03
muito velho , e meio podre , fe partíò
Ann. de pelo meio , e logo toda a parte da proa
J. C. Foi engolida pela tempeítade. A parte
151 1. ^a poup*1 ficou encravada na arèa , e foi
comida pelas ondas do mar. Em quan-
" to huns faó forvidos pelas vasas , e os
TC OFÍ REI * r*
outros agarrao a primeira coifa que fe
lhes aprezenta, Albuquerque lutando
AFFONSO 1 1 x * • J
, com as ondas n.ao achou mais do que
x> albu- ^um pequen0 ^[^q ^e numa das fuas
v £ elcravas 5 abraçou-o por compaixão ,
00 ver- pQ.g parecia ^ue Deos [no enviava
í:ador. para Yeu refugio , pondo elle mef-
mo a confiança da fua falvaçaó na
innocencia defta tenra idade. Pedro>
d'AIpoem 3 que commandava o navio)
Trindade , tinha ancorado junto d' Al-
buquerque , e advertido do feu nau-
frágio pelos clamores que ouvio , naõ
obííante o aííobiar dos ventos , deitou
a fua chalupa ao mar , e falvou o
General. Os outros que eftavaó no>
caftello da poupa também fe falvaraõ ,
aíílm por algumas jangadas que arma-
rão , como pelo foccorro , que lhes
deraõ tanto que veio o dia , e que
o mar focegou. Do mais naõ fe po-
de falvar nada das grandes riquezas ,
que efte navio trazia. Nelle vinha o
quinto delRei , e todos os effeitos do
General y o qual fentio mais ainda que
to-
DOS PoRTUGUEZES , LtV. VI. Í4Í
todo o oiro , e jóias da carga , a per
da de dois leoés de bronze, que ti- Ann. de
nha diftinado para á fua fepultura , J. C.
e do bracelete do famozo Chabandar jrii.
de Malaca 5 no qual tinhaó notado
huma taó grande virtude para eítan- ^ D* MA*
car fangue, e delle queria fazer pre- í0EL REI
zente ao Rei.
Naó foi fó eíla a infelicidade def- AFFONS<>
te funefto fucceílb. Os Javas que no D ALBU"
Junco eítavaó muitos, tendo-fe fepa- QLERquE
xado peia tormenta do navio de An- G0NE
tonio Nunes que vigiava , fe revolta- NAD0K- '
taraõ contra o Capitão Simaó Mar-
tins , e o matarão com os outros Por-
tuguezes á excepção de quatro , que
lançando-fe no eicaler faltarão á ter-
ra , e foraó recolhidos pelo Rei de
Pacen , que os tratou muito bem , pa-
ra niíto obfequiar o Governador. Suc-
cedendo calmas á tempeftade , vio-fe
Albuquerque em hum novo perigo de
morrer de fome , e fede. Dois navios
que elle tomou fazendo viagem , trou-
xeraó remédio a ambas as coifas. Hum
deites navios que elle tinha dado a
Simaó d' Andrade , para o mariar com
alguns da fua equipagem , lhe pregou
huma peça naó eíperada. Porque co-
mo Andrade naó pode tomar altura ,
ioi obrigado a confiar-fe do Patraó a
que
\\1 Historia dos Descobrimentos
que fez a derrota das Maldivas. Alli
Ank. de os índios do navio revokando-fe con-
J. C. tra Andrade , e os feus os defpoja-
151 1. raõ j e lhe fizeraó toda a forte de in-
fultos. Com tudo naõ ouzaraó tirar-
lhes a vida , com medo que fe nao
JJOEL REI • rr *y • " l •
vmgiíiem no Capitão do navio , que
vinha por reféns no do General. El-
AFFONSO 1 • - r< L- J
les os enviarão a Cochim , onde o
d albl- Qeneraj_ checou também no fim de
OUERQUE t- • a
** * Fevereiro.
cover- ^. Q recebera5 com tanto maior
hapqr. gQ^-Q ^ como pelas primeiras noticias
do feu naufrágio o tinhaõ chorado
morto. Se a alegria publica lhe fez
impreííaó , o feu gofto teve defconto
na dor, que teve dos efquerdos proce-
dimentos , e das tyrannias d'aquelles
que tinha deixado no Govetno. Eftes
homens iníquos , cujas maõs eftavaõ
cheias de rapinas , roubavaõ defcara-
damente , e com taó pouco pejo , que
tinhaõ deíterrado Simaó Rangel, uni-
camente por cauza da liberdade com
que elle reprehendia a publicidade , e
o efcandalo dos feus roubos : deíterro
que lhe cauzou nova infelicidade ; por-
cue foi captivo de Mouros , e con-
ciufilo para Aden. A equidade de Al-
buquerque , que foi vivamente pe-
netrado deíU acçaó 3 teria feito a
mere-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. 14$
imerecida juftiça ; porém o feu Confe
lho naõ o julgando próprio, conten- Ann. de
tou-fe de informar de tudo á Corte. J. C.
Elle teve para coníblar-fe hum 1^12.
pouco , as noticias que recebeo dos
íòccorros , que lhe vinhaó de Portu- D* MA"
gal , e o , gofto que teve de ver osNOELREI
Portuguezes , que tinhaó fido prezio-
neiros no navio , que deo á coita fo- AFF0NSO
bre a de Cambaia. D ALBU"
Defde o anno precedente ElRei, ^E^UE
para o confolar da perda dos feus dois GOVER"
áobrinhos D. Affonío , e D. António KADOR* '
de Noronha , tinha feito partir D.
Garcia feu irmaõ com huma efquadra
de féis navios. D. Garcia teve muito
infeliz viagem «, encoílou-fe de mais
ás terras do Brazil ; e fubindo mui-
to fobre o Cabo de Boa Efperan-
ça para o Polo auftral , experimentou
frios taó fortes, como os que fe fen-
tem nas viagens do Norte , e achou
dias taó curtos , que, eraó obrigados
a confundir n'uma mefma hora o jan-
tar , e a cea , ( afiim o dizem todos
os Autores ) . Gaitou fete mezes in-
teiros para chegar a Moçambique , on-
de invernou. Os navios de Chriftovaõ
de Drito , e de Ayres da Gama irmaõ
do Almirante , que eraó da efquadra
de D. Garcia , íizeraó pelo contrario
hu-
144 Historia dos Descobrimentos
■ huma viagem taõ prompta , que voí;
Ann. de tara° Para Portugal , taó depreíTa co-
J. C. mo Garcia chegou ás índias.
Com tudo Noronha tendo acha-
^ * do no caminho alguns navios , deo
d. ma- avizo á Corte da lentura da íua mar-
^oel rei cha . ElRei que temia fempre os pre-
paros do Califa, tez partir doze na-
affonso vios divididos em duas efquadras com-
i/albu- mandadas por Jorge de Melo Pereira ,
querque e Garcia de Souza , que tinhaõ ás fua>
gover- ordens muito bons OfEciaes , entre os
ííador. quaes eraó Jorge d'Albuquerque , Pe-
dro feu filho , e Vicente , todos trcs
próximos parentes do General. Efta-5
frotas chegando no mefmo tempo nef-
te mefmo anno , foraó agradavel-
mente recebidas , por trazerem hum
reforço de mais de dois mil homens.
No que toca aos prezioneiros de
Cambaia , foraó livres por hum modo
fmgular ,' que merece fer contado. O
Rei de Cambaia ainda , que ligado
occultamente com o Califa , e inimi-
go mortal dos Portuguezes no fundo
do feu coração , tinha fempre tratado
eftes prezioneiros com grande difhn-
çaõ por confelho de Melique Jaz, e
de Melique Gupin , ambos rivaes , e
concorrentes , mas ambos de muito
credito para com elle., e igualmente
deze-
1>0S PoRTUGUEZES, LlV. VI. I4£
dezejozos de merecerem a protecção 1
dos Portuguezes para á precizao. Co- Akk. de
mo eftes prezíoneíros podiaó fervir-lhe J. C.
para entrarem em alguma negociação , \c\z.
uzavaó muito bem a refpeito delies ,
e lhes davaó todas as largas para ura- D' >ÍA"
tarem do íeu refgate. Albuquerque de- ís0EL RhI
zejou ardentemente o feu refgate , em
quanto ignorou a forte de feu fobri- Af FONSO
nho D. AíFonfo , que eftava no na- D ALBL"
vio encalhado ; porém quando o fou- ÇUER(2LE
be , pofto que eftes doi? Miniftros do GOVLR"
Rei de Cambaia , e os prezicneiros N*AD0R# •
juntamente lhe efcreveííem ; naó fe
apreífou mais com tanta eíficacia, naó
fei porque cauza , a tratar do leu ref-
gate. Foi igualmente froxo fobre eíle
artigo com hum Embaixador , que
lhe veio da Corte de Cambaia , tan-
to mais fabendo que os prezioneiros
eítavaó bem. Com tudo eftes enía-
dando-fe do feu eftado , o Padre Lou-
reiro Francifcano , ePce digno Miilio-
nario , de que falámos , pedio ao Rei
que o deixa-fe hir a Cocbim, para el-
le mefmo alli tratar defte negocio.
O Rei perguntando-lhe que íeguro
lhe dava de voltar, delatou eile o feu
cordaõ 3 e lho entregou , como penhor
mr.is íeguro da íua palavra. Obtendo
O confeiitimento dcfce Principe P para
Tom, II K efte
I46 Historia dos Descobrimentos
eíte negocio fomente , foi a Cochim.
Ann. de Albuquerque tinha partido, e os que
j. C. govemavaõ na fua auzencia , eftavaõ
ici2. mu"ito occupados 3 e mui pouco afei-
çoados ao bem publico 5 para fe com-
D* MA" padecerem do eirado dos feus conci-
koel rei c]riC]a53 . je forte que na5 vendo meios
de confeguir o que pertendia , voltou
AFFONbo CGmo tmna vindo. O Rei ficou taó
d albu- penctrado deita fidelidade , e concebeo
querque jUima tàQ granc]e idéa duma Naçaó ,
govea- ^ue pr0(^uz;a homens capazes deites
jíador. ac^os cje virtude , que os enviou Tem
reígate.
Defde o, momento da fua che-
gada a Cochim , o Governador tinha
Tabido tudo o que íè tinha pafíado em
Goa , onde as coifas eíWaó no eíta-
do em que as deixamos. Elle logo
enviou para iá provi zoes de guerra,
e de boca. Tiruu Mendes , e no feu
lugar pôs Manoel de Lacerda. Fez
Manoel de Souza Governador da Ci-
dadeila , e Fernando de Beja General
da armada que Lacerda commandava.
Também fez partir para Majaca Fran-
cifeo de Mello , Martim Guedes , e
Joríre de Brito , com hum reforço de
140 peííoas , quantidade de munições
de guerra , e de boca , carpinteiros
de navios , e tudo o que era neceifa-
rio
NOEL REI
DOS PoRTUGUÊZES, LlV. VI. 147
rio para pôr no mar féis galeras , que i
cHftinava para guardar os eftreitos de Ann. de
Saban, e de Sincapour. Bons deze- J. C.
jos teve eile de fe tranfportar a Goa , i^ij.
onde a fua prezença era neceííaria ; po-
rém os que alli governavaó , lembran-
do-Ihe as poucas forças que elie en-
tão tinha , rogaraó-lhe que fufpendef-
fe a fua viagem até achegada do foc- A/FO*so
corro que vinha de Portugal , de que D ALau"
havia já noticia. m *******
Parecendo-lhe cila propofiçaó juf- co^R~
ta, e racionavel , fufpendeo com ef-N ®^
feito por algum tempo a fua viagem,
e fe applicou entretanto a reformar
os abuzos , que fe tinhaó introduzido
na fua auzencia. Naó eraó fomente
os Superiores do Governo , que ti-
nhaó prevaricado na fua adminiílra-
çaó , a defordem tinha paílado dos
Grandes ao povo ; e alli havia huma
corrupção de coítumes taó geral ? e
defmedida , que os vicios dos Portu-
guezes faziaó horror aos Mahometa-
nos , e aos Idolatras : de force que
eftes homens , que tinhaó paííado á ín-
dia , com a idea de a conquiílar para
Jefus Chriílo , antes do que de a fub-
meter ao dominio do feu Soberano ,
eraó a Cruz dos Miílíonarios , e o
maior obitaculo para o eílabeiecirnen-
K ii to
GOVER-
KADOR.
*4& Historia dos Descobrimentos
■ — to da fé , pelo contraíle horrorozo de
Ain. defeus exemplos , e acçoés , com as fan-
J. C. tas máximas da moral do Evangelho.
151 2. Albuquerque compadeceo-fe deites ex-
ceííòs 5 e trabalhou quanto pode para
D. MA- ' 1 -1 j- rnr
03 remeaear ; e o remédio mais em-
koel rei caz £oj ^ ^e unindo-fe com o Rei de
Cochim, feparou os quartéis dos Ma-
affonso |ajjare3 ^ e ^GS Portu^uezes , com pe-
d aleu- ^a je m0rte je pa|Xâf]"em d'uns para
£ outros , ilto reprimio por algum tem-
po a deíenvoltura , e naó íervio pouco
para 2, ccnverfaó dos Gentios.
Malaca naó fentio menos a au-
zencia do General , do que Goa. Mah-
mud5 e Aladin poftados na Ilha de
Bir.tau , Laczamana feu Almirante 5
que guardava o rio de Muar , e Pa-
tequitir ie ajuftavaó para lhe fazerem
hurr.a viva guerra , com a efperança
de fe fazerem fenhores delia. Os ín-
dios antigos dos Portuguezes , e os
meímos Portuguezes elmerecendo do
feu pequeno numero , temiaõ tudo da
uniaõ deíks inimigos , que cada hum
de per fi naó era para defprezar. Pate-
quitir páfl tinha íahido da fua povoa-
ção de Upi , onde refidia c'os ieus Ja-
vos , depois que tivera o atrevimento
de qi:eimar o bairro dos Quiíins , e
Chaths. Havia-íe aili forciilcado com
dobra-
DOS PoRTUGVT!?£S , Ll\\ VÍ. Í49
dobrada cítacada , da qual a iegun »
da era feita da precioz* madeira de San- Ann. de
dalos. Tinha também íeus navios , que J. C,
mandava a corio , e inquietava muito I^I2.
a Cidade.
Brito tinha feito huma trinchei- D# MA
ra defde a Cidade até á porta da For- r0EL REl
taleza , com a qual fazia huma efpe-
cie de Bailiaõ , no angulo do qual co- AFFOIsSO
lo:ou o corpo dum grande navio que D ALB
dominava as duas faces. Parequitir ef- vJ
colhendo huma noite efcura , tomou GovER"
o navio pela negligencia do Capitão , ^AD0R#
que ncllc foi morto com todos os
feus 5 excepto hum meílre artilheiro ,
que o viítoriozo confervou para fazer
iervir á huma grofla peça de artilhe-
ria , que alli tomou.
Era precizo naõ deixar gozar mui-
to tempo a Patequitir de hum acon-
tecimento , que enfoberbecendo-lhe o
animo abatia em extremo o dos ín-
dios alliados, que já tinhaó dado mui-
tos ímaes da fua defconfiança , eniu-
tando-fe na partida de Albuquerque.
Aíhm rezolveraó de hir no dia fe-
guime attacaio no feu Forte. Aífon-
Jo PeíToa conduzio por terra ao longo
da praia os Malabares , e os Malayos ,
fuftentados por alguns arcabuzeiros
Portuguezes. Fernando Peres d*An-
dra-
iço Historia dos Descoriument-os
i drade , .ommandava a partida , e ef-
Ann. de tava á teíla do reíto nos bateis. Af-
J. C. fonfo Peííoa chegou hum pouco tar-
1^12. ^e 3 Por ^er demorado por cauza d^m
váo. Botelho duma parte com vinte
d. MA" portuauezes fomente , e Fernando Pe-
jíoel rei res ^a outra attacara5 0 Forte , e for-
çarão as trincheiras das duas eftacadas.
affonso q major perigo foi dentro da praça ,
d albu- oncje ac}iara5 ^oo homens em armas ,
qUERQUE e tres £lefantes 9 f0br£ ca(Ja kum ^05
cover- quaes nav;a huma torre , e muitos
nador. befteiros. Botelho mais expofto do
que os outros fuftentou o primeiro
esforço com a fua pequena tropa. Naõ
fe perturbou , ordenou aos léus que
fizeffem pontaria para matar o Meítre
do primeiro Elefante , que era fêmea,
e muito mais pequena , que os ou-
tros. Cahindo o Meítre trafpafado dos
tiros 5 o Elefante voltou de lado , e
no campo recebeo hum tiro d'arcabus
no coração , e naõ dando mais do que
hum grito , cahio morto. Fernando
Peres chegou nefte momento pelo
Jado oppofto : os inimigos perturbados
naõ cuidarão mais do que em fe aco-
lherem para os mattos , aonde naõ fi-
zeraõ cazo de os feguir. Acharão no
Forte tantas riquezas , e fobre tudo
tantas efpeciarias, que naõ podendo
os
DOS F0RTUGUE?ES , LlV. VI. T5Í
os vencedores carregalas , foraó obriga
dos a eonvindar a gente de Malaca Ann. de
para vir tomar parte na preza, depois J. C.
diílo lançarão fogo ao que ticou. Bo- IcT2.
telho deílinsuio-íe muito neíta ac-
honra D' MA"
Cao o NOEL R£I
çao ; porem quem teve maior í
nefía jornada , foi fem cor.tradiç
meftre artilheiro, que Patequitir tinha
captivado no navio que tomara. Por- A^rFONS°
que preferindo antes a morte do que D A"u"
fervi* á peça de artilheria contra os QUERQUE
feus , Patequitir lhe mancou cortar a COVER"
cabeça fobre a culatra da mefma pe- NADGR»
Ça 5 a qual acharão ainda rociada do
icu langue efparfido de frefeo quan-
do a tomarão.
A fuperíliçaó impedio Patequitir
de tornar a hum lugar, onde a forte
das armas lhe tinha fido raõ contra-
ria : tranfponou-fe huma legoa mais
longe, e ani fe fortificou ainda melhor
do que no primeiro porto. Xkrõ fe
demorarão de ahi o atracarem , para fe
aproveitarem do ardor que dá a vicloria
aos vencidos. As duas eftacadas foraõ
ainda forçadas com muito calor como
•na primeira vez ; mas como o terreno
€ra hum lamaçal, donde as aguas eíla-
vaó coníervadas por artificio , naõ po-
dendo os Portuguezes tirar-fe delle tam-
bém como os índios , por cauza do
Pe-
lçl Historia bos Dêsco*ptMentos
-- pezo das fuás «irmãs , Peres mandoí»
. de tocar á retirada , para ganhar os ba-
'. C. teis. O de Araújo muito carregado de
i$i2. gente encalhou na área , e íbbre o
campo foi o theatro d'um grande com-
D* MA* bate. Peres o fez foccorrer ; porem
ív0EL RE1 Araújo ahi foi morto com Chriftovaõ
Pacheco 3 e António de Azevedo Ca-
affonso p-ra- ^e ^uma caravela. Fernando
d albu- peres ^ Pedro de Faria , e muitos ou-
qlerque trQj a^j fora5 feridos : vantagem que
govek- fazerc|0 jpnflàr de falto a vicforia d'u
hADQR. ma ma^ a outra ? expertou o valor dos
inimigos 5 e abateu muito os Portur
guezes.
Poucos dias depois , tiveraõ oc-
caíiaó de fe pagarem na frota inimiga.
Laczamana que a commandava , era
hum bom Officiai , porém confiando
mais na prudência , que no valor , evi-
tava expor-fe a huma acçaó , e con-
tentava-fe de moleílar os Portuguezes ,
atalhando-l!ie os foccorros , e os vi-
veres. Com tudo Mahmud obrigado
por Patequitir, e esforçado pela fua
ultima felicidade , enviou ordem ao
feu Almirante para fe unir ás frotas
do Rei d'Arguim, e d'outro Principe
feus aliados , e fe aprezentar nos ef-
treitos de Saban, e Sincapour , e jun-
to da foz do rio de Muar. Peres
faben-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VI. 1 ç$
íabendo pelos Teus exploradores que ■
elle eftava neíte ultimo eírreiro, foi Akn. de
logo buícalo para lhe dar batalha, j. C.
Laczamana percebeo primeiro a frota X-I2.
Portugueza , quando o navio de Bo-
telho , que fazia a vanguarda , come- D* UA*
çou a dobrar hum cabo , que cobria NOEL REl
toda a fua. Bem longe de correr fo-
bre elles , íe encovou muito no bahia AFFOKSO
que fazia o Cabo, para o deixar pai- D ALBU"
íar , e dar-ihe pela poupa. Botelho co- QUEI-^UE
nhecendo o íeu deilgnio , naó de;- GOVER~
xou de paliar além , na eíperança de NAD0£U
lhe fechar , e tapar o caminho. Com
efFeito quando íe defcobrio a frota
Portugueza , Laczamana penfou fo-
mente por-fe em feguro ; e para
que os navios inimigos naó fo-iem ter
com elle, fez diante de íl iiu::::. trin-
cheira de navios , e de embarcações
de remos , que fez furar pelo fundo^
para que enchendo- íe d agua , foíTem
tomadas com mais difficuidade. De-
pois começou a artilheria a varejar
<Tuma , e doutra parte promptamente ,
com a coílumada differença, q:Te a dos
inimigos era mais numeroza , e a dos
Portuguezes mais efHcaz , e maneja-"
da melhor ; porém os primeiros íupri-
raó a fua falta , pela multidão de fle-
xas , que atiravaó da praia , com que
os
1^4 Historia Dt>s Descobrimentos
" os Portuguezes foraõ muito incommo-
Akn. de dados.
J« C. O que naó obftante eftes ganha-
I512. ra^ os bateis á medida que Juiintos
_ defcubrio , faltando de hum a outro;
Houve alíi hum cruento combate. Os
WOEL REI •» 11 r J n- • "
Javas nelie íe deftmguirao , e avan-
çaraó-fe até a combate* á golpes de
affonso rjfan^e> £]|es fug-jraó pcítc cuc no
D ALBU- t! ii ~ J
fim , e os Portuguezes nao podendo
QUERQUE |evar os bate;s ^ anj i\c lariçuaó lo-
GOVER- gQ ^ ^ ^^ ^ mujro preju Zo.
iíapor. Apartando a noite o combate ,
Andrade eíteve attentamente vigian-
do o feu inimigo , para que lhe naó
efcapaífe de noite. Porém Laczama-
na pondo as fuás embarcações em fe-
co , fez-ihe por diante huma trinchei-
ra de terra, fobre a qual eftabeleceo
huma boa battaria. Iílo foi feito com
tanta promptidaó , e filencio , que fe
achou acabado ao defpontar do dia.
G.9 Portuguezes tinhaó-no percebido ta5
pouco , que eftavaó na duvida fe elle
teria fugido. De forte, que na ma-
drugada , quando Peres vio eíla trin-
cheira , e que percebeo os inítrumen-
tos bélicos dos inimigos , pafmou , e
naó pôde deixar de admirar o feu Ge-
neral , que refta occaíiaó lhe pareceo
grande Capitão*. E naõ tendo gente
Fa-
UOS P0RTUGVE2ES , LtV. VI. 1$Ç
para fe arrifcar a hum defembarque ,
fe retirou deixando a efte General , Ann. de
poíto que vencido , mais gloria que ti- J. C.
vera tido em o vencer. 1512.
A guerra que faziaõ em Mala-
ca, affugentou os eftrangeiros , a pe- D# MA-
nuria cauzou ahi fome , e depois as NOEL RÈi
rnoleítias faziaõ cahir as armas das
maós d'ambas as partes 3 e os obrigarão A>FFCNSO
a fazer huma efpecie de tregoa por D ALBU"
neceílidade. O mal durava , e creícia. QUKRQU«
Peres foi conílrangido a andar á cor- GOVER"
fo para ter mantimentos. Cahio fobre KADoR»
hum Junco , que tomou depois dum
vigorozo combate. Penfou que ifto
foííe a cauza da fua perdição. Elle ti-
nha-fe contentado com defarmar os
prezioneiros , e lhe deixou a liberda-
de para andarem por toda a fua embar-
cação , para onde tinha feito paífar hu-
ma parte. Os prezioneiros todos tinhaó
coníervado hum Cris debaixo dos vef-
tidos , e formarão o diíignio de toma-
rem o navio. O Capitão devia dar
íignal : efeolheo o tempo em que Pe-
res eítava deitado para dormir a fefta 9
e quando elle fe voltava , deraó-lhe
huma pancada por de traz. Os outro*
cemeçaraõ a querer jogar as facadas,
porém os Porruguezes fora5 taó deí-
tros , que o Capitão naó teve tempo
de
1$6 HlSTORlA DOS DeSCOBTUMEKTOS
de repetir : foi logo agarrado , os ou-*
Akk. de tros mortos , ou apanhado? 3 ou fe
J. C. deitarão ao mar. Betes fez perguntar
leu. ° Capitão 3 cjue confeííou que o Jun-
co era de Patequitir 5 e que o mef-
D' MA" mo filho de Patequitir eftava aCtuai-
koelrei mente nQ navio<
Como o Junco eííava cheio fò de
affonso vjveres ^ e 0 Çapitaõ declarou outros
d albu- tres juncos 5 que tomarão fem dar ti-
qverque rQ^ a aiegrja f0[ mujt0 grande em Ma-*
gover- jaca . p0rque os habitantes niffo acha-
kador. va5 Jorrado entereííe , hum do leu bem
próprio, e outro do mal do feu inimigo,
a quem os Juncos pertenciaó, o qual
morria de fome. Porém o filho de
Patequiiir foi taó mal guardado , que
>o.
A Cidade foi depois mais alivia-
da , naó fomente pelas prezas , que
Peres continuou a fazer , mas também
peia chegada dos foccorros que Albu-
querque enviou , e peia de Gomes da
Cunha 5 que tendo feito aliança com
o Rei de Pegu, tinha conduzido alguns
Juncos cheios de mantimentos , e ti-
nha obtido a liberdade de poder hir
carregar aos feus Eftados. António de
Abreu voltou entaõ das Malucas , e
António de Miranda de Siam , aonde
o General o havia enviado, e aonde
fora muito bem recebido. Con-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. tfjt
Contentes com effces novos foc-
corros d'homens , e munições , os Por- Ánn. de
tuguezes fe rezolveraó a. hir viíitar de j. C.
movo Patequitir ás Tuas trincheiras, 1512.
perfuadidos de melhor forruna , por
cauza ào eítado , que fabiaó , a que
a fome o tinha reduzido. Com effei- N0ELRE£
to deíla vez foi inteiramente deílrui-
, ir 1 • AFFONSO
do , entrados íeus entrincheiramentos, ,
parte dos feus Elefantes mortos ou A
tomados , os íeus desbaratados , ou VB*Ç,r*1
poílos em fugida, e elle inteiramente ^0VER
derrotado, que defefperando do eíla- hAD0R*
do dos feus negócios , fe embarcou
com a fua família para hir para á Ilha
de Java : porem elle o fez com tan-
to fegredo , que três dias depois da
fua partida , he que confiou em Ma-
laca. E ainda que Fernando Peres o
vigiou , e o perfeguio vivamente lo-
go , elle lhe efcapou , e fe pôs em
feguro.
A deílruiçaõ de Patequitir conRer-
nou Mahmud , que fe achava defem-
parado , e privado dum apoio , em
oue confiava , mas foi hum lance bem
favorável aos Portuga ezes. Porque no
mefmo tempo que elles fe viraò li-
vres defte inimigo , lbes cahio outro
em fima , que provaveimence os òe[->
trairia , fe tiveífe podido unir as íuas
for- ~
1^3 Historia dos Descobrimento?
■ forças ás de Petequitir , com quem
Ann. de tinha enrereííes particulares , e que
]. C. naó ceííava de apreífar a lua partida
1512. ^a grande Java 5 onde fazia os feus
preparos.
D- MA~ As duas Ilhas de Java faõ do
soelrei numcro daquellas a que os Portugue-
zes chamaó do Sunda. A grande , de
affonso a(^uj çc trata, naó he íeparada da
d albl- £Q Sumatra , mais que por hum pe-
QUERo_uEqueno eftrejto ^ que dá efte nome ge-
GOVER- rpJ de Sunaa a t()das eftas Iihas< tl-
kador. ja tem qua(i duzentas legoas de com»
prido , e mais de ílncoenta de largo ,
e corre de Efte a Oueíie. He corta-
da pelo comprimento por huma longa
cadêa de montanhas , ailim como a
Itália o he pelos Apeninos ; porém taõ
altas que os habitantes , que cilas di-
videm para hum e outro lado , naó tem
communicaçaó alguma. Além diflb he
fertilliilima de todas as coifas necef-
farias ávida, principalmente em eípe-
ciarias , e em aromas , de que ahi fe
faz grande commercio. Se he verda-
de que os naturaes do paiz faõ ori-
ginaes da China , aílim como lho fa-
zem dizer , he prccizo que haja mui-
to tempo que foíTe feita a ília tranf-
raigraçaó. Eftes líneos L\ò igualmente
polidos , e taó bravos que chegaó a fe-
ro-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. I^p
roces , vingativos por extremo , e defpre- -^— — —.
zaó a vida quando emprehendcm vin- Anx. de
gar-fe. A' excepção de alguns dos mais J. C.
notáveis, que trazem i únicas de feda, x iy
e de algodão , andaó nus , e ío cobrem
o que o pejo os obriga. Rapaõ a ca- D* MA~
beça por diante , e encrefpaó o refto : MOEL **«
nunca a cobrem, e teriaõ por huma
das maiores afrontas , que ouzaílem A,FFOXSO
tocar-lhe com a maó. Amaó a guer- D ALSL~
ra , e a caíla, á qual levaó fuás mu- QuerQue
lheres, e filhos em carros dourados. GOvER"
As mulheres, que naó faó ahi defa-NAD0R*
gradáveis , trabalhão bem em muitas
coifas. Os homens íaó muito induf-
triozos, e faó principalmente peritos
nas obras de ferro, e de fundição.
Originariamente eraó Idolatras , e os
que habitaó no centro do paiz ainda
o faó. ■ Os que eftaó nas bordas do
mar , tem abraçado a lei de Mafcma
ligandc-fe aos Mouros , que ahi fe
tem eílabelicido como por toda a par-
te. No tempo em que nós falíamos
havia nove Reys na Ilha ; porém ti-
nhaó huma aucloridade muito limita-
da íobre a Naçaó , a qual fe go- e •
nava propriamente pelo Confelho dos
Velhos.
Far.e-Onus} que he o inimigo de
<{uq vou a fallar , naó era Rei , mas
tinha-
GOVER-
NADOR
16b Historia dos Descobrimento*
tinha-fe alevantado contra o Teu legi-
Ann. de timo Soberano , era aífás poderozo pa-
]. C. ra fe fazer temer , ou para ler lançado
1512. do throno por tempos. Parecia que el-
le dirigia o feu plano para fe eíla-
d. MA"De[ecer r0Dre as minas de Mahmud
i,oel rei ^e| ^e fyTajaca ^ pelas inteíligencias
que tinha com Utemutis , e havia fe-
AFFONSO r •
te annos que le preparava com ímpe-
13 AXBW" netravel fegredo a reípeito das fuás
^^^Ev-ílas. Depois que os Portuguezes fe
atTenhorearaó deita Cidade, concebe»
eile huma maior efperança de apode-
rar-fe delia. A íua frota, dizem , que
conitava de quaíi trezentas velas de
todas as efpecies , entre as quaes ha-
via muitos Juncos de grande porte.
O em que elle hia era prodigiozo pe-
la fua altura , e comprimento. A ga-
via dos navios Portuguezes chegava
fó ao nivel do feu Caftello de popa.
Era de madeira taó forte , que as pre-
cintas , e as bordas que eraõ cie fere
taboas unidas por huma argamaça , eraõ
feitas á prova de bomba , e delias
reâecliaõ as balas.
Eíta frota partio do porto de Ja-
para no anno fe?;uinte de 151^: tan-
to que eíia paflbu o eílreito de Sim-
cla , Rui de Br'to teve logo noticia
pelos íeus defeubriciores. A noticia
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. l6l
fez alguma impreííaõ em Malaca nos ■
Portuguezes mefmo. Porque além de An:;, de
faberem que os Javas faó homens re- J. C.
folutos, e belicozos , naõ ignoravaõ i^n.
que faó também perigozos nos com-
bates pelos eftratagemas , que empre- D* MAT
" * • f *»• ' NOLL REI
gaó no ultimo recurio. Siqueira , e
Albuquerque os tinhaó experimenta-
do , e fe tinhaó admirado. O primei
ro mefmo ahi penfou morrer. Porque D ALBU"
quando faó abordados , elles tem hum °-UERÇUE
fogo artificiai que naó queima ; po- GOVEK"
rém que adulta aos que naõ faó cof- *AD0R»
tumados a elle. Além diíto tem a in-
duitria de acravarem os feus navios,
de modo que fe enchem d'agua fem
avariar as mercadorias , e expõem
aquelles , que os tem tomado , a fe
afogarem. Com tudo o Governador
de Malaca fem fe aííombrar enviou
Fernando Peres d' Andrade com os feus
navios para aviftar eíta frota , e fe
difpos para hir combatela. Peres vol-
tou fem a ter viíto y porque a frota
inimiga tinha paífado do eltreko de
Saban para outro , que formaó algu-
mas Ilhas viímhas ; porem na fua vol-
ta , elle a vio defcobrir-fe de fronte
da Cidade , onde o numero dos feus
navios neó deixou de augmentar o
terror.
Tom. II. L Co:n
i6z Historia dos Descobrimentos'
Com tudo vio-fe huma nobre emu-
Ánn. de laçao entre os Chefes pari :onvirem
]. C. áefta acção. E até houveraõ altos
1512. gritos entre Brito , e Peres ; porque
o primeiro queria cornmandar a fro-
D' MA~ta, e as coifas foraó levadas logo nó
koel rei loagc ^ c..^ BritQ p.s peres em Co{^
Telho. Porém pafTando o primeiro fo-
affonso gQ ^ arrependeo-lc , livrou-o , e o deí-
d ALBU" culpou , e efte facrificando os feus re-
°-UER0.UE fentimentos ao bem publico, Te pôs
gover- toc|0 em movimento para n{r ao jnj_
kador. migo. A frota Portugueza compunha*
fe de 17 navios , fuítentados por ou-
tra pequena frota toda comporta de
embarcações dopa<z , que commanda-
va Nina Cheiu , que tinha 1&5OO
Maiayos ás fuás ordens.
Ao amanhecer do dia feguinte ,
as duas frotas fe prepararão , a dos
inimigos para entrar no porto , e a
dos Porcuguezes pira ganhar o largo.
Botelho que eítava na vanguarda , e
que tinha hum bem veleiro , governou
íobre a Capitania, a qual fe defth guia
aflas pela lua grandeza. Foi logo in-
vertido por quinze pequenas embarca*-
ço5s , de que naõ fez cazo algum.
Pedro de Faria o feguio na fua gale*
ra com c mefmo ardor. O feu deíi^-
nio era de hir a abordagem. Porém
quan-
DOS PORTUGUEZES , LlV. VI. l6$
quando viraó de perto a fua altura
cxceííiva contentaraó-fe em a varejar. Ank. de
Naó aproveitando alii nada a artilhe- j. C.
ria , voltarão a meter-fe em linha, j J7
Todo eíle dia fe paíTou em efcaramu-
ças. Os inimigos naó tinhaó dezejo D* MA"
de pelejarem ao largo , e intentarão N0EL REl
entrar no porto, o que iizeraõ de noi-
te , fem que os podeíTem impedir. AFFONSO
Efperavaó pelas fuás maquinações cau- D ALau~
zar algum movimento na Cidade , e °-UFRQTJE
fazerem-na declarar a feu favor. Os GOVER~
Porruguezes pelo contrario cobiçavaõ NAD0R*
tomar o largo , porém mudarão de
idéa, com medo de ferem cercados ,
e fe colocarão também no porto mui-
to perto da praia.
Muito pouco fe dormio nas duas
frotas , os Chefes de ambas as partes
liveraõ confelho. A divizaó fe paten-
teou mais do que até alli entre os
Portuguezes. Brito , e os de feu parti-
do mudando de parecer queriaó evitar
o combate ,. e enviar a pedir foccorro
ao Indoítan. Elles arrazoarão , c o
acto foi declarado a Peres, que dei;e
fez pouco cazo , arrazoou da fua par-
te , e rezolveo de dar a batalha , pôs-
fe a prumo fobre as fuás ancoras , em
quanto o Governador fez trabalhar na
ponte, e na frente da rua principal
L ii pa-
1^4 Historia dos Descobrimento!
— para-fe por cm defcnfa. Com tudo
Aí "N. de no fim os O.íiciass fe reunirão, em
J. C. favor de Peres , e rogarão o Gover-
Xc\f. nador que quizeiTe ficar na Cidadel-
la , a fim de naõ por em rif.o a faa
d. MA"|jeflba , de que dependia a lalvaçaó
litífiL rei ja praça 5 no cazo de qualquer con-
trario acontecimento.
affonso Doutra par:e alguns dos mais
d albu- diftin&os da Cidade pafíàraõ a bor-
QuERquEc|0 ^ Pate-Onus , a quem contarão a
gover- deílruiçaó 5 e fugida do Patequitir ,
nador. 0 que 0 p^s de peílima condição. Po-
rém, como em hum mal fem remédio,
foi neceffario deliberar fobre o parti*
do que niíTo fe havia tomar. Acon-
felharaô-lhe que evita.Te a batalha ,
cujo fucceífo era ao meios incer o
com os Portaguezes coítumidos a ven-
cer. Pate-Onus cedeo a eite . parecer ,
e quiz clecer á terra ; porem o temor
de que os feus Javas pllhaífem ami-
gos , e inimigos , fez com que fe op-
pozeíTe a efte projefto , e que o acon-
íethaflefn pira h:r unir-fe a Laczama-
ra no ro de Muar, na efperança que
obrando de acordo , e vigiando fomen-
te a fechar as paíTageris , fe fariaõ
Tenhores da -praça , evitando-ihe os
ípecorros , e os viveres.
Tendo prevalecido eite confelho ,
que
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. 16*5
?ue era o mai; prudente , e o mais ■■
eguro , Pate-Onus fe preparou; po-Ann. de
rém a fim de encobrir a ília mano- ]. C.
bra , mandou fazer hum grande ef- jri?.
tro~ o de trombetas, e inílrumentos ,
que Peres naõ pode antever, e jul- D# MA"
gou ore huma parte das fuás trombe- N0EL REl
tis rinha defemoarcado , quando o dia
feguintê lhe defeubrio a fua retirada. A.FF°*S°
Porém como elle eftava hda á vilta , D ALBU"
nao defebnfiou de o alcançar, e ten- (*UERqUE
do promptan ente defatado a fua me- GOVER"
zena , elevado ancora, todos os mais NAD0R*
fizeraõ o incímo , e o alcançarão lo-
go , pofto que o inimigo , que o vio
aparelhar , deitou tora todas as fuás
velas , para melhor fugir. Os Portu-
guezes animados por huma retirada
taó vergonhoza, c taó pouco efpera-
da , começarão a jogar a fua artilhe-
ria , e a deitar granadas , e panela; de
fogo com tanta violência , e felicida-
de , que fenaô via de todas as panes
mais que arderem embarcações , cor-
rerem á pique , voarem defpedaçadas ,
e inimigos que fe deitavao' a£K mar ,
onde os Portugueses defeidos naYfuasv
chalupas fe cançavaõ de os matar. Pe-
res temendo que as munições lhe fal-
tafTem , defpàchou para pedir a Brito,
que lhas enviou , e mandou dar def-
car-
i66 Historia dos Descobrimentos
* cargas pela artilheria daCidadella, pa-
Ann. de ra annunciar á Cidade huma vistoria ,
J. C. que eítava já em boa figura , porem
j-j, que os habitantes diferentemente af-
reiçoados naó ouzaraó efperar, ou naó
d. ma- çQ tiniia5 lembrado de temer.
uoel rei Durando o combate até ao meio
dia , Pate-Onus aturdido do effeito da
affonso artiiheria Pcrtugueza , cujas balas , e
11 aleu- artilhaços tinhaó feito alguma ruína
querque f0t,re 0 feu convez 3 fez fignal a
gover- qUatro Juncos dos mais fortes da fua
kador. ^rota para fe ine virem encoílar. O
Senhor de Polimbaõ y feu parente , e
feu Vice-Almirante , teve ordem de
fe pôr diante com outro Junco , e de
fazer cerrar todos aquelles , que naó ef-
tavaõ ainda fora do combate , tudo em
torno delles. Tudo foi feito. Porém
foi eíle o peior partido, que elle po-
dia tomar. Porque eítando aíRm ferra-
dos , os Portuguezes naó perdiaó hum
fó tiro , e os artilhaços faziaó ainda
maior eíFeito , que as balas : o mar ef-
tava todo cuberto de ruinas , ou de
navios abrazados , e todo tinto de Tan-
gue , e cheio de moribundos , e mor-
tos.
Peres tinha dado ordens , que fe
combateíTe fempre de longe fem hir
a abordagem ; porém a razaó das or-
dens
SOS PORTUGUEZES , LlV. VI. l&f
dens mudando algumas vezes fegun
do as cireunftancias , eítas circunftan- Akn. de
cias mefmo obrigaó a pezar de que ]. C.
as haja, a fuppkntar eltas ordens, 1<1?
Ailim Martinho Guedes foi o primei-
ro , que vendo-fe com capacidade de D* MA"
tomar hum Junco , chegou para o NOEL RE1
abordar, romou-o , e lançou-lhe fogo.
Joaõ Lopes d'Alvim fez o mefmo a affonso
outro. Peres tendo reforçado o feu D ALBU~
navio da gfchte que tomou de algumas QUERQ_US
outras embarcações, abordou o Vice- GOVEK^
Almirante da armada inimiga pelo ílan- KADOR*
co junto com Francifco de Mello ,
que o aíferrou peia proa. O fobrinho
do Vice-Almirante , moço rezoluto ,
vendo o perigo de leu tio , perlon-
gou-fe com o navio de Peres , e unfa-
dc-fe , paííou por fima delie como poi
huma ponte fern fe demorar , e com-
batendo como hum defefperado .• con-
feguio vantagem. Peres , Simão Ak
for.fo Bifagudo loraõ feridos : elles
eraò mal guiados fem Botelho , que
tendo também abordado, correo a íoc-
correlos. Naó obílante iíto elles tive-
raó muito que fazer fó , depois d'um
•te dos mais porfiados , afferra-
dos iempre eíles finco navios , os Por-
ruguezes , fe apoderarão dos dois Jun-
aos quaes largarão fogo , naõ
ri-
i68 Historia dos Descobrimentos
ficando alli ninguém para os defender.
Ank. de Os outros Capitaens da frota Por-
]. C. tugueza faziaó todos maravilhas da fua
j-T, parte, como também Tuan Mahamet ,
que combatia a favor delies no Jun-
D* MA~ co que lhe pertencia , e Nina-chetu
KOEL REI que conduzia* a pequena frota Ma-
layeza,
affonso Depois que Peres fe aííenhoreou
d albu- ^QS ^0'ls juncos ? fc[ ^ar caffa a Pate-
quERquEQnus^ e 0 pCrfeguI0 até á noite cor-
gover- tancJ0_ihe as fuás velas , e a maftrea-
kador. ça5 ^ ficando fó faó o corpo do na-
vio , onde a artilheria naó podia mor-
der. A vifta do combate era fempre
horroroza. E fe augmentou , porque
o Ceo lhe deo parte. Encubrio-fe tu-
do*, e dobrou o horror da artilheria ,
juntando-lhe feus raios , trovões , e as
trelas da noite. Entaó cada hum co-
meçou a cuidar em fi. As duas fro-
tas foraó difperfas , e confundidas ,
naó fabendo ninguém aonde eftava.
Os navios £rofíbs correrão maior rif-
co : porque como eítavao perto da ter-
ra , foraó obrigados a ancorarem em
duas braças d'agua.
No dia feguinte da tempeítade ,
Botelho , e Tuan Mahamet feparados
do reílo de toda a fua frota , le acha-
rão junto do Junco de Pate-Onus , e
de
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. l6~0
de outros dois. A vifínhança rendo ?
atiçado o ardor do combate, elies pe- Akn. de
lejaraó com furor, ate que lhe faltou J. C.
a pólvora. Entaõ Botelho voltou a r x,
Malaca para tomar novas munições , e
renovar a partida. No tempo aue el- D' MA"
le alli checava de novo, achou pe-!C0ELREl
res nas Ilhas chamadas as Ilhas dos
navios. Elle o exortou em vaó para AFFONSO
que o feguifíe , porque os feus navios D ^L3U"
eílavaó muito deíiroçados , quafi to- °-UE*QUE
da a gente ferida , e abatida do tra- GOVtR"
balho do dia , e noite precedente. NAD0R-
Botelho naó deixou de feguir o feu
conceito , porém inutilmente. Pate-
Onus tinha ja ganhado o largo para
hir , naó ao rio de Muar , fecundo
feu primeiro projecto , mas á Una de
Java , onde elle mefmo chegou feri-
do , depois de ter perdido mais de
oito mil homens , quaii todos os feus
Juncos que eraò feífenta , e a maior
parte das fuás embarcações pequenas.
Em quanto ao Junco em que elle hia,
fez tirallo á terra , e confervalo em
hum Arfenal feito de per, fado , pa-
ra eternizar a memoria defta jornada,
a honra que tinha tido em hir bufear
os Pcrtuguezes , e a fua felicidade de
lhe efeapar.
No retorno de Botelho , toda a
fro-
GOVER-
NADOR
170 Historia dcs Descobrimentos
-: frota entrou em Malaca ás acclama-
Ann. de çoês do povo , que applaudio hurna
J. C. taó bella vicloria. E depois de haver
151 3. dado a Deos lblemues acçoés de gra-
ças 3 Fernando Peres que tinha acaba-
D. MA- j r * ■ T
do o leu tempo , partio para o In-
doítan com António de Abreu , Vazco
Fernandes Coutinho , e Lopo de Aze-
, ^ vedo , deixando o cominando do mar
a Joaó Lopes de Alvim r que tinha
x ^ tido provizocs de Governador.
As noticias d uma rrota do Cali-
fe , que deziaõ com aífectaçaó ter for-
tido do mar Roxo , e entrado no Gol-
fo Arábico para vir recuperar Goa pe-
las inítancias do Idalcaó , cauzava ef-
torvo a Albuquerque 5 que obrigado
por outra parte pelas ordens da Cor-
te a fe pôr em eítado de prevenir ef-
ta frota , podia fazello reprehenfivel
pela íua lentura , e temer que os feus
inimigos fecretos ahi fe prevaleceflem.
Aííim tendo provido aos negócios de
mais precizaõ , e recebido os reforços
que lhe tinhaõ vindo , fe fez á vela
em 1$ de Setembro de 1512. com
dezafeis navios , aos quaes fe deviaõ
ajuntar outros quatro , que elle havia
tomar em Goa. Forem tendo tido na
fua derrota avizos mais feguros dos
proje&os do Calife , cuja frota naõ
cila-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VI. Vfí
eftava ainda prompra, e que primeiro
que tudo , queria fazer-íe fenhor de Asn. de
Adem , para o fer das Gargantas do mar J. C.
Roxo, mudou logo de penfamento , ici?.
e fe demorou em Goa , determinado
a naó partir d'alli , fem que tiveíTe D* MA"
lançado Roftomacaõ do perto da Be- N0EL REI
naftarim.
Foi recebido com as mefmas hon- affonsò
ras , que fe teriaó feito á peííoa d'El- D ALBU"
Rei, e com as demonftraçoés de ter- Q^ERQ_uE
nura , e reconhecimento , que a Cida- GOVER"
de lhe devia, como feu fundador, e nador.
libertador. O inimigo que ella tinha
na fua vifinhança naó a opprimia tan-
to como dantes , porém cauzava-ihe
todo o receio. Tinha eile feito de
Benaftarim huma praça de guerra das
melhores daquelles tempos, Elle a ti-
nha cercado de baluartes , e fortes
muralhas terraplenadas da parte de
dentro até as ameias , exceptuando
hum lo lugar , onde o muro , rorte
por fi mefmo , naó tinha precizaõ òcí'-
te ioccorro , por cauza de huma la-
goa que o prezeftava , e no qual ti-
nha muitos "bateis armados. Tinha el-
le ahi nove mil homens de guarnição ,
naó lhe faltavaó munições de guerra,
e de boca , c corria fama que o Iciaí-
caõ lhe enviava ainda hum exercito de
vinte mil homens. Ten-
D . MA-
l>OEL REI
172 Historia dos Descobrimentos
— — Tendo o Governador tomado co«
Ann. de nhecimento do eftado das coifas, em-
J. C. prehendeo por-lhe fuio formal por
151 3. mar, e terra, e começou logo pela
parte do mar. Eíte era o mais difí-
cil. O inimigo tinha entupido as paf-
fagens em chias partes com fortes ef-
tacadas , que occupavaó todo o leito
AFFONSO 1 -ai' J-/I * n rr
do no. Alem diíío eiras paíiasens erao
tao eltreitas , que eitevao expoítas a
O.UERQUL t0£jo q çQg^ jas mura|uas< ^ dirficul-
dade naõ o deteve. Fez armar féis
uador. embarcações tao cheias de artilheria ,
que pareciaõ ter mais ferro que páo ,
e fez fazer em fima pontes , e olhei-
ros no ar , para ahi ter cubertos os
obreiros ; e como eíles telheiros as
faziaó pender hum pouco para huma
parte , elle as equilibrou com toneis
que as contrapezavaó. Tanto que ef-
tiveraõ preíles , enviou ahi duas pe-
la parte do paíío feco , e as outras
quatro pela velha Goa.
Chegados os navios a feu poílo,
arrancadas , e tiradas as eftacadas , foi
eíla a força do perigo. Os inimigos
fazlaõ hum fogo continuo , e terrível.
Elles tinhaó huma battaria á flor d'a-
gua , que naó errava tiro. Huma grof-
fa colubrina em particular fervida por
hum arrenegado , os deílruia mais
que
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. tj$
que todo o reíto. Albuquerque que
em hum catur hia aonde a neceffiaa- Akn. de
de mais o chamava, foi cuberto pela J. C.
cabeça do fangue dum infeliz, que 1512,
elle defpedaçou a feu lado. O navio.
cue commandava Ayres da Silva len-
do mal governado , e tendo tocado , a N0EL RE1
artilheria dos inimigos o maltratou tan-
to , que deitando-lne fogo a três bar- A,FF0ÍCS°
ris de pólvora , lhe fez voar huma D AJ-BU"
parte , e meteo tal meio á equpi- QUERQUE
gem , que todos, excepto Silva, {e^0ER-
deitarão a nado. Porém correraó-fe NAi^OK»
tanto de ver o Governador no leu ef-
caler correr ao mais forre do pergo ,
que animados ainda mais pela Tua itv
trepides , que pelas reprehenço-5s que
elle lhes fez, por haverem aífim dé-
femparado o feu Capitão , tomarão to-
dos para bordo.
Dando a Albuquerque muito iri-
commodo a Coiubrina , propoz elle
cem cruzados , a quem a poaeffe dcC-
montar. O feu meftre artilhe'ro o cori-
feguió, elle meteo a bala direita pe-
la boca do canhão , cujos artilnaços
matarão o arrenegado , e dois ajudan-
tes que elle tinha. Porém o fogo do
inimigo foi taõ frequente em toda efta
primeira jornada, que elle naó o pode
executar fcnaó no outro dia. Os ini-
mi-
174 Historia' dos Descobrimentos
- — '■ migos atirarão também grande quantida-
Ann. de de de ílcxas de que os navios eítavaó
J. C. cobertos > e ca5 efpeffas como hum bof-
151 z, 4ue- Com tudo a artilheria das embarca-
ções tendo arruinado muito as battarias
D* MA dos inimigos ? fez que o fogo deites fof-
IÍ0ELKE1fe mais brando. Entaó fe afTenhoreou
das paííasens , o que era mais impor-
AFFONSO r 0. 3, 1 . r í
cante , e tirarão os viveres , e ioccorros
aos finados da parte do continente.
Q ^ Naó tinhaó ainda emprehendido
G.OVER" Ti J J
coita alsuma da pane da terra , quan-
NADQR. I 1_ r L r
do numa aventura pareceo querer ra-
zer os Porcuguezes fenhores da praça
puma volta de maó. Iíto foi íiuma
Sexta feira dia Santo , para os Mu-
Íjl manos. Roílomocaõ fahio naquelle
ia na frente de 2 50 cavallos, edum
numero muito mais confideravel de
infantes , e fe avançou até meio ca-
minho de Goa. Albuquerque tinha
hido reconhecer algum poílo , e dc[-
cubrindo toda eíta gente, ficou duvi-
dozo , fe haveria alli algum laço , ou
fe os inimigos teriaõ intenção de fa-
zer alguma valentia , para moítrarem
que pouco temiaó os Poriuguezes.
Com tudo huma das guardas avança-
das tendo dado rebate á Cidade , to-
carão o fino , e no campo fcm eípe-
rar ordem do Governador , os OíK-
ciaes
D. MA-
X O EL REI
dos Portugueses , Liv. VI. 175"
ciaes fizeraõ fahir as tropas por polo — «»
toes até o numero de dois mil ho- Ann. de
mens . fem contar Malabares , e Cana- ]. C.
rins. Roítomocaõ vendo que o fe- 1512.
guiaõ , tocou á retirada , e voltou pa-
ra á fua praça : porem os feus que
íe viraó muito canfados , tendo fecha-
do as porcas , os que ficarão de fora ,
r * 1 • J l- • ]• r AFFOFSO
íorao obrigados a dividi rem-íe em ro- ,
da dos muros , donde lhe deitarão D ALEU~
cordas para os ajudarem a fe falvar ; QUE*V«
outros íe afogarão, ou foraõ mortos. °vEI
Chegados os Fortuguezes ao pé KAEOR*
da muralha , e animados pelo ardor
de feguirem o inimigo , emprehendc-
raõ de a tomar por efcala pelos mef-
mos lugares , ajudando-fe das fuás lan-
ças o melhor que podiaó. Como os
que primeiro chegarão eraó peífoas
diítiníras , e OiTiciaes maiores , a emu-
lação os eílimulou ainda mais. D. Pe-
dro Mafcarenhas , e Lopo Vaz de
Sampaio, fe deftinguiraõ entre os mais.
A vigoroza reíiítencia dos inimigos ,
que concorriaõ á detença dos feus mu-
ros , naó lhes esfriou os ânimos , nem
menos a morte de Diogo Corrêa ,
de • Jorge Nunes de Leaó , e de Mar-
tim de Mello, nem o numero dos feus
feridos. Porém Albuquerque que efta-
va montado a cavailo , e chegou a
opor-
Xj6- Historia dos Descobrimentos
oportuno tempo , vendo a defigualdade
Ann. dedo partido, mandou tocar á retirada,
]. C. e inteiramente traníportado degoíto,
I<ia. fo* traçar Mafcarenhas, e o beijou
na tefta , foííe por efta diftinçaó que
d. MA~ei[e 0 quizeííe recompençar , de que
K0ELREl fendo nomeado pela Corte Governa-
dor de Cochim , naõ quizeííe tomar
AFFONsOpOÍ1-£ pafa ter a hopra je yir aírift;r
d albu- ao cerc0 jg Benaílarim , ou foííe por-
<juERQUEque die quizeíí-e com ifto difpor a
go ver- genre ? para que 0 quizeíTem ver no go-
kador. verno Je Qoa a que 0 diftinava. Po-
rém efla diftinçaó fez muitos zelozos ,
e pôs o Governador na neceílidade de
íe juílificar contra a vivacidade de huns,
£ desfarçar a zombaria de outros.
* Foi precizo fazer hum cerco re-
gular , que fe começou dois dias de-
pois. O exercito confiava de três mil
Portuguezes de beliílima tropa. Hu-
ma fahida que fez o inimigo fobre o
quartel de Manoel de Souza Tava-
res, onde Garcia de Noronha eftava
mal difpoílo , fem Mafcarenhas que
conduzio hum novo refreíco , obri-
gou o General a fazer linhas de cir-
cumvalaçaõ. Os inimigos fe defendiaõ
com valor, porem as battarias dos íl-
tiantes , tendo começado a fazer bre-
cha3 Roítomocaó,que temeo íer toma-
do
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. IJJ
do por aííako , fez tocar á chamada , -»
e arvorou bandeira branca. Ann. de
Os artigos da capitulação foraõ J. C.
aílignados hum pouco contra a von- j^i?,
tade dos Oificiaes , que queriaõ to-
mar a praça por aííalto. As condi- D* MA"
çoés foraõ que 03 inimigos fahiriaó N0EL REI
com feus bens , e fuás pciloas faivas,
deixando ao vencedor a artilharia , as A,FFONSo
munições de guerra, os navios que D ALBU"
tinhaõ na Ilha, os cavallos , e os ar- QUERQU]S
renegados. Efte ultimo artigo cruzou GOVER"
alguma conteítaçaõ. Albuquerque lhes NAD0Rí
prometeo a vida , e Roítomqcaó por
efcrupulo de Religião fahio antecipa-
damente da praça , para que ie naõ
diffeOe que elle os tinha entregado.
Defpejada a praça , entrou neila o
vencedor. Entaó appareceo o foccorro
enviado pelo Idalcaõ , e commandado
por Sufolarim. O que veio muito tar-
de, e voltou como tinha vindo.
Albuquerque fatisfez a promeíía
aos dezertores , naõ lhes tirou a vi-
da y mas querendo fazer hum exem*
pio de terror , pior que a mefma mor-
te, depois de os expor aos intuitos do
povo , fez-lhes cortai o nariz , as ore-
lhas , a maó direita, e o dedo poile^af
da maó efquerda , e os enviou pr szi< «
nioneiros para Portugal , j^ara dar hunj
Tom. li* M efpe-»
I78 Historia dos Descobrimentos
efpetaculo horrorozo do caítigo , que
Akn. dctinhaõ merecido pela apoítafia. Hum
J. C. deítes , homem de qualidade , naó po-
ici*. dendo fofrer a viíta da fua pátria que
} tinha deteítado , alcançou por mercê
D* MA" que o deiraííem na Ilha de Santa He-
IÍ0EL REl lena entaó dezerta. Deixaraó-no alú
com alguns negros , e com que fizef-
affonso fe huma habitação. EUe ahi fez pe-
i> albu- nitencia dos feus peccados 3 e reparou
querq_ue a jnjurja q^ tinna feito ao feu no-
gover- me 5 e á lua Naçaó , cultivando eíta
fíADOR. j]{ia ^ qUC f0j depois duma grandiili-
ma utilidade aos navegantes deitas lon-
gas carreiras.
EIRei D. Manoel em coníideraçao
ao Governador , lhe havia enviado D.
Garcia de Noronha feu fobrinho , e o
tinha feito General do mar das ín-
dias , para que neíta qualidade podef-
fe ajudar feu tio com auclondade , e
fupprir a muitas coifas , que elle naS
podia fazer por fi mefmo. Ailim Albu-
querque, a quem os negócios retinhao
em Goa , o enviou a Cochim para ex-
pedir os navios de tranfporte , que
deyiaõ partir neíte anno de 1512 pa-
ra o Reino , e lhe deo ordem ao mef-
mo tempo de fazer cruzar fobre a Cof-
ta de Calecut , para impedir os navios
Mouros d'ahi entrarem , ou fahirem.
El-
DOS PoRTVGUEZES, LlV. VI. I7£
Elie fez partir Garcia de Souza para —
cruzar fobre a Coita, de Dabul , com Akn. de
ordem de enviar á Goa todos os na- ]. C.
vios que foiTem carregados de cavai- 1^1?
los da Perfia , fem lhes permitir que
foííem a outra parte ; fazendo-lhes de- D* MA*
clarar pela meíma via , que feriaó ali- MOEL RE1
viados d'uma parte dos direitos, que
d'antes pagavao por eíle commer:io. AFí:oNSO
Eíla moncbra produzio o melhor D ALBU"
«fFeito , que eile poderia dezejar de <iUER^UE
ambas as partes. O Samorim havia GovER"
muito tempo que eílava enfadado da NAD0R*
guerra , que lhe tinha trafido infeli-
cidades fobre infelicidades. Os feus
alliados , ouo tinhaó fervido mal , ou
o haviaó abandonado. O feu commer-
cio eílava inteiramente morto. Os feus
concorrentes, e os feus nvaes tinhaó-
fe aproveitado dos feus deípojos , for-
tificando-fe da aliiança dos Portugue-
ses. Os Portuguezes mefmos tinhaõ-
fe feito taõ poderozos , depois da to-
mada de Goa , e de Malaca , que el-
les eraó d'alguma forte os Senhores da
índia ; de modo que eíle Príncipe naõ
vendo outro caminho para fahir do
embaraço em que eílava metido , que
o da íubmiíTaõ , deo commiííaó ao
Príncipe Naubeadarin para entrar em
conferencia, e concluir a paz por to-
M ii do
l8o Historia dos Descobrimentos
do o preço que foífe. Eíle efcreveo
Ann. de a D. Garcia de Noronha , offereceo-
J. C. fe para fer medianeiro entre o Samo-
j p rim, e elle , e fe obrigou a fazer con-
*" fentir leu tio para dar hum lugar pa-
D- MA"ra huma Cidadella.
xíoel rei por ourra parre a çfoa fez-fe mais
florente que nunca. A diminuição
affonso jos direitos de entrada, e íahida atra-
r> albu- ]^ja os commerciantes , fempre ávidos
çverqueJq maior ganho , e fempre atten-
GovER- t03 a qualquer intereífe. Viaó-nos pa-
fador. ra afa correr de tropel , e á profia,
ElRei de Portugal naõ perdeo nada ;
porque o que parecia perder na de-
minuiçaó dos direitos , recuperava pe-
la abundância dos géneros precizos, e
augmento dos rendimentos. Elíes eraõ
de taõ grande rendimento;, que o Rei
de Vengapur , de quem o Governador
dezejava muito a aiiiança , enviou hu-
ma embaixada, a fim de fer preferi-
do para o arrendamento total. O feu
Embaixador trouxe hum foberbo pre-
zente c!e chayreis , fellas , e outros jae-
zes de cavalios ricamente bordados,
de grande preço. Pedia juntamente ,
le lhe vendeíTem trezentos cavalios
h Perna , o que lhe concederão, O
Rei de Narfnga, e o Idalcaó mef-
mo fempre inimigos , conceberão diílo
ciu-
t
bos Portugueses, Liv. VI. 181
ciúmes , e temendo Ter hum pelo ou 1
tro prevenido , enviarão feus Embai- Ank. de.
xadores a Albuquerque para fazerem ]. C.
feus tratados. 151?.
No mefmo tempo Albuquerque
fe vio procurado de novo pelos Reis * A"
da Perfia, e de Cambaia. E o Empera- *OEL REl
dor dos Abexins , e o Rei d'Qrmuz
lhe enviarão feus Embaixadores , para A
D ALBU-
os fazer paffar á Portugal : e hum Re
das Maldivas fe fujeitou , fazendo-fe QUERQUE
tributário da Coroa. gover-
A politica de Albuquerque a ref- NAD0R*
peito de todos eftes Príncipes foi ma-
ravilhoza. Porque no meimo tempo
que tratava os feus Enviados com ex-
plendor , e amizade , naó fazia mais
do que travar as negociações fem fe
apreííar de concluir difinitivamente ,
e fingindo remeter a inteira conduz aõ
dos tratados para á vinda d'uma ex-
pedição que meditava, e para a qual
o viaó fazer grandes preparações , de
que ninguém fabia o deftino ; a fim de
que temendo cada hum , que a tempeí-
tade lhe cahifíe em fima , fizeífe pro-
poíiçoés mais vantajozas , e defíè mais
facilmente as maõs ás que elle mef-
mo lhe quizeíTe fazer.
De todos eftes Embaixadores , o
de que teve goíto mais fenfivel , foi
do
lSl Historia dos Descobrimentos
do Preíle-Joaó , ou do Emperador dos
Ann. de Abexins , Príncipe conhecido até entaõ
]. C. duma maneira taõ confuza 3 e que os
1513. Reis D* ]oaõ II. e D. Manoel tinhaõ
t.ió grande dezejo de conhecer. Al-
buquerque fe lizonseava de que as
KOEL REI -1 . * . . r & 1 i-r
primeiras noticias ieguras chegalTem a
Corte por elle , e que ífto podefle
affo so parecer como nvjm effeito das diiieen-
D ALtSU- • 11 • i r • 1
cias . que elle tinha leito para cheear
v v a coníeguilas. Aíhm lobre o primei-
GO er- rQ ayjzo que ejje ^ye^ (Je que efl.e
ííador. Èttibabtador eílava em Dabul , onde
o retinha prezioneiro o Tanadar , ou
Rendeiro da Alfandega do Idalcaõ ,
ordenou a Garcia de Souza que o
pedilíe , e o fizeffe conduzir com to-
da a diligencia. Souza cumprio bem
a fua commiíTaõ. E porque eíle Em-
baixador eílava encarregado d'um pre-
ciozo Santo Lenho , que o Empera-
dor 3 e a Emperatriz Helena envia-
vaó a EIRei de Portugal 5 o Gover-
nador o fez receber em prociíTaó na
frente do Clero 5 e das tropas. E de-
pois de converíar muito com elle a
reípeito da fua viagem , o fez partir
para Cochim , cheio de honras, com
ordem ao Commandante de Cochim
para o fazer paíTar para Portugal no
melhor navio de tranfporte.
A
DOS PoRTUGTJEZE?, LlV. VI. l8$
A frota d 'Albuquerque ccmpofta
de vinte navios . 1^700 Portugueze^ , Ann. de
e 800 Malabares , eílando preíles , J. C.
íem que delia podeífem penetrar o i^i?
myfterio , íe fez á vela ; e no pon-
to de fahir da barra de Goa, ajuntou t " MA~
os feus Capitães, que todos eraõ Of- NOEL REI
iiciaes diíKncros , ou pela fua quali-
dade , ou pelos feus fervi cos , e lhes AFF0
r j -1 i • D ALBU-
propoem as ordens que tinha recebi-
do d'EíRei para á viagem do mar Ro- ^UE
11 r • ° r GOVER-
xo : elle as appo;ou com fortes ra-
zoes , que foraó todas approvadas pe-NAD0R*
lo Conlelho.
As calmas o detiveraõ muito tem-
po no mar. Foi obrigado chegar a
Socotorá , e naõ chegou á viíla d'A-
den fenaõ no dia de Quinta feira maior.
Porém como era perto da noite , e
conhecia pouco a praça , pôs-fe á ca-
pa. Pouco depois vindo-lne dizer Pe-
dro d'Abuquerque que achava fundo
a ^ braças, fez continuar a derro-
ta ío com a mezena , fempre com o
prumo na maô, e ancorou em qua-
torze braças fem fe querer fiar nos fo-
gos que os habitantes , que o tinhao
percebido , fizeraõ fobre alguns roche-
dos com o difignio de o fazerem en-
calhar.
Só a viila da praça fez julgar a
Al-
184 Historia dos Descobrimentos
— — Albuquerque que a empreza era mais
Âí.^. de difícil do que lhestinhaó feito. A Cidade
]. C. dJAdem fituada na foz do mar Roxo em
Ki2# 1: gráos, e 15 minutos de Latitude
do Norte fobre a Cofta da Arábia y
r. a- £az iluma ^eja vjft.a pe|a {•ua f]tuaça53
KGELREI e ^>da bdeza ^ ^g eciificiOSf Hu.
ma pequi a lingoa de terra , fobre
AFFONSo (.ije e^ír ^ acka ^ avançanc|0-fe para 0
d albu- mar f(;rma a]jj cJQJg p0rros 5 que fa-
quERQVE zem |iuma e<peciec}e Penirfula ao pé
gc ver* <|*uma montanha , a qual elevando-fe
i.ador. cm muitas pontas muito efcarpadas ,
aprezenta hum belo efpetaculo , po-
rem de huma beleza mifturada com
horror, O folo delta montanha he taõ
árido , que nelle nunca crefce a me-
nor ^erva, e em lugar de ter algu-
mas fontes , imbebe logo toda a agua
que lhe cae do Ceo. Hum fó aque-
duclo conduz á Cidade da diílancia de
q-atro milhas toda a que fe ahi bebe.
SSác oW^ados a trazer por mar, ou
do interior das terras todo o precizo
par i vida. Com tudo a Cidade naõ
ceix^v : de fer povoada , rica, e abun-
dante. Devia ella cita obrigação em
parti .ular aos Portuguezes, porque fe
tinha augme^rado por todos os modos
depois do eltabelecimento delles nas
índias. Porque d'antes como os na-
vios
SOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. I 8?
vios que entravaó , ou fahiaõ do mar 3
"Roxo naõ tinhaó nada que temer , fa- Ann. de
ziaó fua derreta em d : reitura , fem pen- J. C.
far em Aderi. Porem o perigo dos 151 2.
navios Portuguezes , que cruzavaó ,
obrigou lo?,o os Mercadores a retira-
r 11 1 M NOEL REI
rem-ie a ena como para hum azilo ;
e d'entaó ficou huma das celebres. A
mefma razaó fez que a fortificaífem de A(FFONSO
boas muralhas 3 e de fortes torres da D
parte domar, e também da parte cja^UER(íUE
montanha adiantarão as fortificações até G
o mais alto, edificando torres fimilhan- NAD0K*
tes fobre todos os,feus cumes , e bons
muros que cortavaõ todos os íeus des-
filadeiros.
O Rei, ou Cheque d' Adem naõ af-
íiília ahi de ordinário. Morava no cer-
taó , para eítar mais prompto para fe
defender dos fens viíinhos. Tinha fo-
mente em Adem hum Emir , que era o
Governador. Mir-Amirjam, que o era
quando Albuquerque alli fe aprezen-
tou, era politico , "e valerozo. Deo
prova d'ambas as coifas , porque o en-
treteve com muita máxima, para ter
tempo de fazer entrar tropas na pra-
ça , e fe defendeo depois com muito
valor , e rezoluçaõ. Albuquerque per-
didas as efperanças , que lhe tinhaó
feito conceber as primeiras civilidade^
com
l86 Historia dos Descobrimentos
com que o Emir o previnira , julgou,
Akn. de para íahir gloriozo , era eíce hum ne-
]• C. gocio com que devia romper , e fe
151 3. determinou a hir á efcala. O Emir
_ naó lhe tomou o contra pé. Naõ fe
embaraçou em irnpedir-ihe a defcida ,
tfOEL REI A r r rrr\
e elperou a pe firme lobre as mura-
lhas.
AFFONSO AT J 1 • »
, r A iua prudência , e valor teriao
com tudo esbarrado contra o esforço
RQUE dos Portuguezes , fe o efpirito dever-
tigem , e a loucura do ponto de honra
kador. na- ^e ap0cjerafJem deíles. Os, Capi-
tães derao elles mefmos exemplo aos
outros. A precepitaçaõ com que cada
hum fe esforçava para fer o primei-
ro que fubiífe á muralha 3 para ahi ar-
vorar os feus eílendartes os fazia cor-
rer como loucos. Muitos fe lançarão
á agoa por impaciência para chegarem
primeiro ao pé da muralha. Encoíla-
raó depois as fuás eícadas , e a pezar
da furioza refiftencia dos inimigos,
fobem como a correr , arvoraó fuás
bandeiras ; porém com tanta inveja
huns dos outros , que naó fe pôde
deíVinguir na multidão , fe naõ hum
Clérigo de fobrepeliz , que arvorou
hum Crucifixo em lugar de eílendar-
te. Cem tudo as efeadas muito carre-
gadas fe quebrarão 3 quando havia já
per-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VI. 187
perro de 1 50 homens , que tinhaõ en-
trado na praça donde elles apartarão Ann. de
logo os Mouros, que fe lhes oppunhaó. J. C.
O Governador, que chorava huma j-j*
deíordem que naó podia impedir, fe
applicou a fazer reparar as efeadas. D* MA~
Porém Garcia de Souza, que fe ha-NOELREI
via adiantado pelas ameias , tendo
entrado por huma canhoe^ra da mura- affonso
lha , que fez deílapar com quaíí fel- D ALBU~
fenta homens : Albuquerque fe tranf- Querque
portou ao mefmo fitio , e fez abrir GOVER"
outra , por onde entrarão ainda qua- KADOR*
renta. Enviou elle logo ordem a Joaõ
Fidalgo para hir com a fua companhia
de Ordenança para impedir , que en-
traífem da parte da montanha , o que
elle naó pôde fazer , por fer o terre-
no muito efearpado , e os inimigos fe
defenderem alli com muito valor.
Elles cobrarão animo á vifta da
defordem. Os Portuguezes , que eíla-
vaó fobre os muros , combatiaõ com
vantagem , e Gracia de Souza mais
animado que todos os outros , fe ti-
nha apoderado d'um pequeno entrin-
cheiramento ; porem Amirjam na fren-
te d'um corpo de cavallos , deo fobre
elles com tanto vigor, que limpou os
muros , e obrigou os Portuguezes a fa-
hir pelas mefmas canhoeiras , por onde
ti-
l83 Historia dos Descobrimentos
tinhaó entrado. Souza ficou cercado
Amv. de com alguns que eftavaõ com elle. Al-
J. C. buQuerque lhes fez dar cordas para
j^j-^ deícerem, porém ama:or parte deites
vaJerozos , crendo que naó feria hon-
d. ma- rQ70 ^ e{|;imara5 antcs morrer , e elles
lípEL KE: todos fe quizeraó matar. Outros que
combatiaõ noutra parre naó tiveraõ
affokso efte cfcrupulo> Defceraó do melhor
d ALBu- mocj0 que poderão , e alguns fe pre-
ÇLERquE cipitaraó. Garcia de Souza, que ficou
glver- enrre os mortos ^ tinha provizoés da
NAfcOR. Q0Tíe para 0 Governo d' Adem , foi iílo
que lhe deo -tanto calor para fe deitin-
pu nefta jornada. Dizem que elle
feitou ao pefcoço do Patráó da fua
chalupa hum colar doiro que trazia ,
e que lhe deo a fua bolça , para o
animar ao pôr no efbdo de faltar pri-
meiro na praia. Penfamento cego dum
homem, que fe apreílava a hir bufear
a morte , onde cria achar o principio
da lua forruna.
Defcorçoado por hum taõ infeliz
fuece^o Albuquerque fe retirou para
os feus navios , tendo aprendido a fua
cuíla , que a vitoria naó eftá fempre
attada ao carro dos Conqui dadores , e
que ella abandona algumas vezes os
íeus maiores validos. Com tudo antes
de partir ? quiz aíTenhorear-fe dum ba-
luar-
Í)OS PoRTUGUEZES , LlV. VI. l8p
luarte que eílava fobre huma repon
ta, d'onde a artilheria incommodava Ann. cie
muito a frota. Porem em quanto de- ]. C.
liberou, o Meílre do navio de Ma- \r\ii
noel de Lacerda , que ahi padecia mais
que os outros , defceo a terra com D* MA"
parte da fua equipagem, tomou-o , e K0EL REI
paflou á efpada os que o defendiaó.
Altivo com eíle fuecefíò , queria que aífohs«
attacaífem de novo a Cidade , de que D ALBU"
eíle baluarte fazia a principal força, querqub
Eílando os Capitães neíle penfamento gover-
notificaraõ iílo ao General. Porem Al- nador,
buquerque naõ quiz entender niílo.
Contentou-fe de fazer tirar a artilha-
ria do baluarte , de faquear os navios
que eílavaõ no poíTo , e queimalos ,
íem que a Cidade fizeííe algum mo-
vimento , depois do que fe tez ave-
la para entrar no mar Roxo.
Eíle mar , fobre cujo nome os
Sábios fe tem cançado muito , tem a
figura d'um lagarto , ou Crocodilo , cu-
ja cabeça he comprehendida entre os
Cabos de Fartaque , e de Gardafu 5
até ao eílreito de Meca , ou de Ba-
belmandel, que forma o pefcoço. Di-
latando-fe o corpo entre as coílas da
Arábia d'uma parte , e as da Ethio-
pia alta , e do Egypto da outra , vai
terminar-fe ^m ponta, que faz a cau-
da
GOVER
UADQR
IpO Historia dos Descobrimentos
• da de Suez , que crem fer Aííionga-
Ann. de ber , donde partiaõ as frotas de Salo-
J. C. maó , e onde começa o IítHmo , que
151 z. ° íepara do mediterrâneo, e que une
as terras d'Affrica ás da iVfia. O mar
r. ma- j^QXO na5 receDe em feu fej0 qua(i
koel rei outras aguas que as fo Oceano Indi-
co. He pouco fuieito a tempeftades »
AFFONSO r "1
, e quaíi que nao conhece outros ven-
D albu- tos Qs ^e ^jorre e ^u| que aj1-
JL,,™_ tem *eu temP° regrado como a mon-
ção no mar das índias. O feu com-
primento he quaíl de 3 50 legoas íb-
bre quarenta de largo y contando de
Suez até ao eftreito. Os Árabes o
repartem em três partes , ou lizirias ,
que a do meio , que faz como o ef-
pinhaço do Crocodilo , he clara , e na-
vegável de dia , e noite , ancorando
ahi fempre entre 25 , e 60 braças. As
outras efuas , que eítaõ fobre os flan-
cos , e bordão as coitas , íaó pelo con-
trario retalhadas de ilhotas , de ro-
chedos , de baixos , e bancos d'arêa.
Com tudo como ahi fó fe navega ern
embarcações muito pequenas , que cha-
maõ Gelvas , os Pilotos naó deitaõ ao
largo , fenaó quando temem alguma
borrafea de vento. Elles amaõ fempre
a vifinhança das terras ; porém temen-
do accidentes 5 ancoraó d'ordinario an-
tes
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. Ipl
tes de fe pôr o Sol. Achaõ-fe duas ■
Ilhas nefte mefmo eltreito , que formão A nn. de
dois canaes. O da pane da Arábia J. C.
he mais frequentado. N'uma deitas i*\i
Ilhas he que fe tomaó os Piloros , de
que fe fervem para entrar no mar D* MA~
Roxo. Além dos defeitos deita nave- NOEL REI
gaçaõ , que nós já tocamos , e a di-
ficuldade de abordar os portos, tanto AFFONS<>
da parte da Afia, como da Africa, ha D ALEU~
ainda hum muito grande , ehe (jue as QuerQue
Ilhas que fe achaó neíle mar fao qua- GOvER~
íi defertas , áridas , e tem falta d'a- NAD0R*
gua , c doutras coifas neceííarias á
vida.
O Governador entrou no mar
Roxo contra o parecer de todos os
feus Capitães, e de todos os feus Pi-
lotos , a que naõ teve outra rafaó que
dar , fe naõ que era ordem da Corte.
Entrando fez dar huma falva geral de
toda a fua artiiheria , como por hu-
ma efpecie de triumfo , porque elle era
o primeiro dos Europêos , que nelle
entrou com huma frota. Ninguém o
havia feito antes delle depois do des-
cobrimento do novo Mundo. Com
tudo o que fe lhe tinha augurado lhe
íuecedeo. Penfou morrer fobre os bai-
xos. Foi obrigado a invernar na Ilha
de Camarão. Naó pôde chegar nem
Íp2 Historia r»os Descobrimentos
; a Suez , nem a Gidda , nem ter noti-
Akn. cetas da trota do Sultaó. Padeceo mui-
]. C. ta cede, fome, e murmurações dos
j-jj fubalternoc. Naó pôde executar o pro-
jeclo, que parecia, ter de fundar huma
D* MA" Fortaleza na Ilha de Camarão, ou na
koel kei £ç Macuá. Finalmente depois de ter
experimentado todas as fortes de d-S-
affonso graças 5 fez ^ar crena aos feus navios ,
d ALBL-- ^hio j0 mar Roxo, e veio a prezen-
QuERquEtar,íe aefronte de Adem.
gover- Parecia que o efperavaõ. Tudo
kador. anj eítava bem fortificado , ahi appa-
recia mais obra , mais gente , e mais
rezoluçaó que d'antes. O que ahi ha
de íingular , he que elle , que na5 ti-
nha quendo- tomar a Cidade , quando
para iffo foi excitado por toda a fua
frota , quiz tentar tomala depois 3
contra o fenti mento geral de todos
os feus Capitães , e de tGda a gente
de guerra. Indignou-fe tanto com a
contradição que achou fobre eíle pon-
to , que para o 9 envergonhar , dzo a
commiííao aos das equipagens, para hi-
rem tomar o mefmo baluarte , que
tinhaó tomado a primeira vez ; o que
íizeraó. Com tudo depois de ter fei-
to varejar a Cidade, e tentado inu-
tilmente queimar os navios do por-
to , foi obrigado a fazer-fe á vela pa-
ra voltar. ■ Na
A N N
. de
J.
C.
I51
7*
D.
MA-
K0EI
REI
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. 10$
Na íua paflagem fe demorou em
Diu , onde Melique jaz , de quem
queria obter licença para ahi fundar
numa Cidadella , ioube também di-
vercilo , aílim com prezentes , como
com boas palavras , que fem nunca
fe moftrar , fem lhe dar lugar para
queixar-fe , confeguio canfar-lhe a pa-
ciência, e obrigalo a ir-le , fem con- ArF0NSO
cluir nada. Tanto que elie fe fez á D ALBU"
vela, o Melique o ieguio para o vi- ^UERquE
fitar. Eítava taó adornado , que pare- GOVER~
cia naó ter outro defignio que o de NAD0R«
obfequialo ; e também armado , que
diíTe que fe queria fazer temer. Al-
buquerque naó pôde deixar de louvar
a lua prudência. DiiTe : „ Que naó
„ tinha nunca conhecido cortezaó mais
3, hábil , mais firme em recuzar tudo
3, o que d'clle queriaó exigir , e mais
3, próprio para fazer receber agrada-
„ velmente as fuás negações. „ O
General continuou logo a fua derro-
ta , iem colher fruclo algum d "uma
expedição que tinha euftado tantas def-
pezas , e que parecia prometer-lhe as
maiores vantagens.
Acontecimentos ha , que parecem
fer unicamente effeito da fortuna .
e do acazo , porém que tem cauzas
iecrecas , que o publico nem fempre
•Tom. II, N pene-
Ip4 Historia dos Descobrimentos
penetra ; porque lhe naó vê as cau-í
Ann. de zas. Verdadeiramente deve parecer ef-
J- C. pantozo que Albuquerque naó quizeí-
1512. ie tomar a Cidade de Adem , quando
o podia , e que o feu Confeito o o-
d. ma- brigava ^ fem fer deíanimaJo pelo máo
noelrei fucceíIo que tinha ticJo ^elcalada. He
verdade que eile deo por cauza , que a
affonso Qifade era muito grande , e que pre-
d albu- cjzar:a Guatro mi| homens para a gnar-
quERquE ^^ pQjém efta razaõ naó íatisraz,
go ver- L0pes je Caftanheda o julgou , e iup-
^4£>or. poem para 0 juftificaj , que cobria con
eíte pertexto o deílgnio que tinha de
hir a Suez. Porém eu eftou perfuadi-
do , que elle tinha motivos mais po-
derozos para íufpender toda efta em-
preza.
As índias eraó o theatro das pai-
xões dos Portuguezes. A grande dif-
tancia da peíToa do Soberano parecia
auótorizar ahi , naó fomente as lu-
xurias rnais monílruozas , os roubos
mais enormes , as injuftiças mais exe-
cráveis , a cubica mais infaciavel ; mas
também tudo o que o ciúme , o ódio ,
e a vingança tem de mais atroz. AU
- buquerque multo zelozo pelo bem do
ferviço, muito auílero no Teu moio
de governar, naó podia foírer o ca-
ceio da liberdade , principalmente nas,
.per-
D09 PoRTUGUEZES, LlV. VI. I0£
peílbas di ilhetas. Lio era baftante pa- ■ ■
ri lhe criar tantos inimigos monaes , Akk. de
e injuílos columniadores, que naó cef- J. C.
fando de eferever á Corte contra ei- 1513.
le , procuravaõ defvanecer as aceuza-
çoens , que elle poderia fazer contra
elles , tornando-o a elle meimo iuí-
peito por outras aceuzaçoes armadas ,
e provadas pela pluralidade de teílc- ,
1 1 jii r r • - d albu-
munhas daquelias que le conipirao pa-
e provadas pela pluralidade de teílc
munhas da
ra o mal. - -
Do numero deílss últimos, cujacCKE
memoria nao devia exiítir , era Lraí-
par Pereira Secretario das índias. Era
eíle hum homem perigozo , máo ef-
pirito , e da efpecie dos que diz o
o provérbio , que fó querem pefear em
agua turva : próprio para fazer a per-
fonagem de criminozo , de aceuzador ,
de teílemunha, e de Juiz tudo junta-
mente. O Vice-Rei D. Francifco d Al-
meida tinha tido provas do feu cara-
cter preverfo , e Albuquerque foi a
fua viclima. Pereira tinha vindo a
Portugal , onde tinha adquirido a con-
fidencia cTElRei , e muito credito dos
feus Miniftros. Tinha apoiado bem os
artigos fecretos 5 que tinha eferito con-
tra Albuquerque , e ElRci fe tinha dei-
xado perfuadir , que tudo o que eile
General tinha feiío de bem era coi-
N ii tra-
Io6* HlSTORIA DOS DESCOBRIMENTOS
-* trar o ao feu ferviço , particularmente
Ann. de na tomada de Goa , e lhe tinha en-
J. C. viado ordem para a reitituir ao Idal-
T ..J2 caó , depois de ter com tudo poílo o
negocio em deliberação no feu Con-
d. ma- fexho- Albuquerque tinha recebido ef-
KOELREita orjem peia3 trotas, que chegarão
de Portugal depois do feu retorno cie
affonso Malaca. Porém elle a tinha pruden-
d albu- temente difimulado nas circunftancias
qvERqvr. em cpC tu<j0 fe temia nefta Cidade 7
cover- peja viflnhariça de Roftomocaó , que
kadok. eftava ainda Senhor de Benaitanm.
Gafpar Pereira tendo voltado das ín-
dias com a mefma ordem , então o
Governador deo parte ao Coníeiho
das cartas da Corte. Felizmente íe
acharão ahi baftantes peiíoas bem in-
tencionadas , para que a negativa ven-
ceííe , e Goa foífe confervada.
No mefmo tempo que os calum-
niadores d'Albuquerque fizerió tantos
esforços para deítruirem a fua obra ,
trabalharão a fepara-lo por outro ca-
minho , fazendo continuas inftancias £
Gorte , para atrahir "as forças da ín-
dia para o mar Roxo, na efperança ,
cpie iífo fó arruinaria o feu Governo :
aiKm como eiie tinha penfado , acon-
teceo na repartição que foi feita em
favor de Jor^e d'Aguiar , a quem Le-
mos
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. 1 $J
mos tinha fuccedido. Albuquerque o
fenro bem , e comprehendia ainda me- Ann. de
lhor, que ifto era arruinar os nego- ]. C.
cios do leu Príncipe debaixo do eípe- ir ia,
ciczo pretexto do bem. Por ifto he
que eu me convenço , que tomando D'
como homem hábil todas as medidas KOEL REI
que convinhaó para parecer entrar nas
viftas d'E!Rei íeu Senhor , e d'uma *,r^MO
Corte enganada por relações infiéis , D ALBU"
naó fe admirou que podeíTe parecer QUER0-U5
que ellas naó eraó praticáveis.
No-feu retorno da viagem do NAD0R*
mar Roxo , o General achou que os
feus envejozos tinhaó ainda trabalhado
para malograrem todos os feus proje-
clc?. Tin ao perfuadido aos Reis de
Cochim, e Cananor , que a paz feita
com o Samorim hia arruinar o com-
mercio deli es , porque ella deílruhia
o feu. Era com o mefmo eipirito
que tinhaó fublevados eftes Príncipes
contra a empreza de Malaca. Com ef-
feito perdiaó muito huns , e outros ,
porque os Portuguezes lendo ienho-
res deita Cidade ahi tomavaó os géne-
ros na primeira maó , e partiaó da
Cidade em direitura para Portugal, em
lugar que dantes todos os géneros vi-
nhaó parar de Malaca no Indoftan. Ef-
tes Príncipes pofto que inimigos do Sa-
mo-
lo8 HiSTORIA DOS DE3COERIMENT05
morim , tinhaõ achado o meio de per-
Ann. de turbar ioda a ííia Corre, para o im-
J. C. pedir de concluir , e de cumprir a pa-
is 14. lavra que tinha dado ao Governador,
de aílinar hum terreno para conítruir
^' XA~ huma Çidadella. O Velho Samorim
3nOEL KE1 era morto. Líle era Naubeadarim, que
lhe tinha íuccedido : c efíe Príncipe,
AFFOÍ"b° taó amado ccmo era dos Pcrtuguezes,
d aleu- achava tantos obítaculos na fua pro-
querque ^r-a Qortç pelas intrigas dos pertur-
govek- [,aí|ores ^ que na5 fa^a que partido
ííador. toma{Te> q que fervia por huma;:par-
re a animar eftes Principes , e a fuf-
pender pela outra , era a noticia que
Gafpar Pereira tinha affectado efpalhar
quando chegou , de que vinha novo Go-
vernador , que teria idéas todas dife-
rentes, e que era precizo attender ao
bem publico.
Além deitas praticas , que Albu-
querque fabia quaíl todas , teve ain-
da avizos fecretos d'uma carta cheia
de crimes , que António Real efcre-
veo a ElRei contra elle por folicita-
çoés de Gafpar Pereira, que occulta-
men:e andava de caza em caza para
a fazer aílignar. O Governador teve
meios de alcançar huma copia : al-
guns dos culpados confefTaraõ tudo ,
c pedirão perdaõ. A carta foi pro-
pelia
DOS PoRTUGUEZES , LlV. Vi. I 00
pofta em pleno Con Telho , e Pereira --
convencido. O parecer do Ccnfelho Akk. de
foi que Albuquerque cnviaífe Pereira ]. C.
attauo de pés, e maós para Portugal, i^fA.
e fora bem feito. Por-em contentou-
fe d*etiviar huma iuítificaçaó aíhgnada D* MA~
pelo mefmo Confelho , ou fofle por N0EL REI
temer o credito que Pereira tinha na
Corte, ou por lhe parecer que efían- AFFOKS<>
do os Réos auzentes lhes fariaó mais D ALLU_
facilmente os feus proccííos. quer que
Com tudo elle negociou também gover-
com o ncvo Samorim, que efte Prin- NAD0R#
cipe deitou fera dos feus Efèados os
Mouros , que fe oppunhaò á paz , deo
o lugar para a Fortaleza que fe de-
sejava , íez-fe tributário de Portugal ,
cedeo metade dos feus direitos da en-
trada , forneceo os mater-aes , e a
gente necelíaria para conftruir a Cida-
«iella ; e naõ fe contentando que efte
tratado foííe nííignado pelo Governa-
dor, enviou hum Embaixador a El-
Rei de Portugal cheio de ricos pre-
zemos, a fim que elle ratiíicaíTe por
fi mefmo efta paz que elle merecia ,
dizia elle ; porque fendo fó Prínci-
pe Je Calecut , o havia fempre favo-
recido, e que neíla conficeraçaò vi-
nha renunciar a amizade do Calife ,
fechar a entrada de feus portos aos
vaíTa-
200 Historia dos Dr.scoBiu mento»:
• vaffallos deite Príncipe , e a todas as
Akk. de vantagens que diíío poderia tirar.
]. C. Os Reis de Canancr, e Cochira
151 4. convieraó igualmente , depois que a-
partaraó de fi os perturbadores , que
r* MA" lhe introduzido mas idéas. «Albuquer-
KOEL REI j r • W-
que os capacitou cos léus intereííes ,
e os virou de modo , que fe mof-
AFFOKso lr,jra^ fatisfeitos da lua conducla 3 e
r> albu- e||es me|*mos ftzera5 fuas pazes com
^ Y o àamcrim.
gover- q Qovernac{or tratou também com
wador. QS j^ejs ^ ]\Tar(|nga a 0 idaicaó e 0
Rei de Cambaia > em confirmação do
que Te havia começado entre elles.
Obteve particularmente deíle ultimo
licença para fazer huma Fortaleza em
Diu , com a condição que lhe daria
a mefma vantagem em Malaca. Me-
lique Jaz tinha lempre moítrado con-
correr para eíta Fortaleza , obrigando
os Portuguezes a que requereíTem im-
mediatamente ao Rei de Cambaia ,
que era o Senhor , para lha conceder.
Porém trabalhava oceultamente com
eíte Príncipe , e empregava os meios
mais fortes para diíTo o retirar. O
JVÍeiiquc Gupi 3 que lhe era igualmen-
te agradável 5 e que por efta rszaõ
era /eu inimigo , o fez em fim con-
fentir míTo. He verdade que fe naó
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VI. 201
efTeituou por entaó ; porque Melique ■
Jaz fez tantos esforços occultamentc , Ann. de
que o Rei mudou de parecer 3 e Me- J. C.
Jique Gupi defcahio muito do gran- 1^14.
de favor em que citava para com o
,x L x D. ma-
Mou arca.
Todas eftas vantages deraõ a Al- K0EL REl
buquerque tanto gcíto , como as intri-
cas dos fediciozos , que tinhaó traba- AFFONSO
íhado para as impedir , o haviaó affli- D ALBU"
gido. Efta alegria foi ainda augmen- QUERQUE
rada por Fernando Peres d'Andrade , GOVLR"
que tinha chegado neílas circunítan- NAD0R#
cias , pata obter a permiíTaõ de vol-
tar para Portugal , trazia a goítoza no-
tia aa infigne vicloria , que tinha al-
cançado contra Pate-Onuz no porto
de Malaca.
Com tudo eíla Cidade peníòu fer
tirada aos Portuguezes d'uma manei-
ra muito fmgular , e com pouca def—
peza. Mahmud vendo que iodas as
fuás forças , e as dos feus alliados
naó eraó fufficientes para o reftabele-
cerem , recorreo cá indullria. Tinha na
fua Corte ■ hum Mouro Bengala de
Naçaõ , chamado Tuam Maxelis no
qual confiava muito. Ajuílou com el-
le o projedto da fua traição , e traçou
o plano íobre o do antigo Zopiro Ba-
bilónio. Fingio cahir-lhe da graça ef-
te
202 Historia dos Descobrimentos
te valido , lança-o do pé de fi , fuf-
Ann. decita-lhe accuzaçoés , como fe cJle hou-
J. C. veíTe procedido mal na adminiítraçaõ
15 14. ^a fua ^eai fazenda, da-lhe infinitos
defgoílos fucceííivos , e todos grandes ,
D# MA~ de modo quenaõ faltou len.iõ fazer-lhe
koel re: 0 feu proceffo , e íazelo matar n'um ca-
dafalfo. Ninguém ignorava eíte revez
affonso ja fonuna em Malaca , onde ninguém
r> albv- penfava que foíTe fingimento. Com
querque luc|0 Maxeíis achou meio de fe ef-
covER- capar> Rctugiou-fc em caza de Bri-
*abor. ro ? qUe 0 recebeo c'os braços aber-
tos. Coiro era efperto , e fe moífrou
mui 10 afeiçoado aos Portuguezes , pa-
ra fe vingar da ingratidão do feu Prín-
cipe , iníinuou-le logo no coração do
Governador, c de Pedro PeíToa, que
era feitor , de modo que tinha entra-
da franca na Cidndella , e ahi tra-
zia huma guarda que lhe haviaó da-
do para fua fegurança. Hum dia na
iorça do calor , Maxelis tendo difpof-
to os feus , concertado com Tuam Co-
lafcar , que era hum dos Chefes dos
Mouros o mais viíinho da Cidadella ,
entra na praça como coftumava , dei-
xa a fua gente á porta , vai ao quar-
to do Feitor 5 que achou deitado para
dormir a feita : chega- fe a elle , fala-
lhe , e quando elle menos o cuidava ,
o fe-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. 20$
o fere mortalmente com hum cris , e
corre logo pêra introduzir os feus. O Akk. de
Fekor , ainda que entre agonias, te- J. C.
ve muito accordo para fechar a porta, 1514.
c chamar ás armas , e no mefmo tem-
po cahio morto. A çuarda correo
r n i NOEL REI
ao eítrondo ; tomou as portas , antes
que Maxelis fe fizeíTe delias íenhor.
Naó daó quartel aos Mouros que ef- -*Ff0-so
tavaó eípalhados pelo Forte. Maxe-D ALBU"
lis mefmo cahio trafpaííado combaten-QVERQUE
do como defefperado , e pagou a fua GOVER"
perfídia com o leu fangue, infeliz na KAD0R'
execução de hum projeclo bem ajuf-
rado } e bem feguido. Mahmud, que
diílo foi logo avizado , tirou difto fó
pezar , e confuzaó , e fe vio* pouco a
pouco obrigado a pedir huma paz , que
eílava rezoluto a naó guardar fem fer
obrigado pela precizaó , e que fe lhe
naó concedeo fe naó por huma efpe-
cie de neceííídade.
Malaca vio pouco depois duas
fcenas cruéis no ceio da paz , que te-
ve nefta alguma coifa de mais efpan-
tozo , que os horrores da guerra. Eis-
aqui a occaíiaó. O Rei de Cambaia ,
genro de Mahmud , e cunhado de
Aladin , defgoítczo deites dois Prín-
cipes, fe tinha feparado dos feus in-
tereíles , pouco depois da tomada da
Cida-
GOVER-
NADOR.
204 Historia dos DescotírimenH«s
Cidade , para fazer ali rança c'os Por^
Ann. • e fcuguezes. Tinha enviado léus Em-
J. C. baixadorcs a Albuquerque , tinha de-
1514. P°'s conferido com elle , e fe tinhaô
ajuftaJ.o, o que foi depois canza dos
T>' MA~ dois íucceíTos hmeílos que vou aconrar.
koel kei ^T<1 aiitribuiçaó dos empregos ,
que foi feita logo depois que os Por-
affonso tuguezes tomaraõ poífe de Malaca ,
d albu- Nínachetu tinha tfdo o de Bandará,
^c^QUEque era o mais confideravel de todos.
Elle o merecia , como j;í diffe , pela
fua probidade , c pelos feus ferviçcs :
naõ podíaó íançar-lhe em rollo maií
que o leu nafcimento , porem ifto mef-
mo tinha hum grande obftacuio , por
naó haver no mundo nada de que os
índios fejaó mais zelozos , que das
prerrogativas das fuás Caíras. Os das
Í>rincipaes naó podendo fofrer verem-
e fuornitidos a hum homem d 'uma
Caíla inferior á fua , fizeraó fentir a
Albuquerque efte inconveniente , que
hia apartar de Malaca toda Nobreza
dos índios Idolatras. Com tudo efte
General naó ouzando entaó tirar o
emprego de Bandará a Ninachetn por
cauza d'uma certa decência , conten-
tou -fe com prometer ao Rei de Cam-
par , que o meteria de poífe d efte em-
prego 3 quando as circunftancias do
tem-
DOS PoRTUGUEZE? , LlV. VI. 10$
tempo lho permirilTcm. Com effeito
dois annos depois , tencio enviado Jor- Akk. de
ge d'Albuquerque para fubítituir Bri- j# ç
to, que tinha acabado o íeu tempo i^j.i.
no Governo de Malaca , lhe ordenou
que defapofiáííe Ninachetu , e que D* MA"
pozeflc em feti lugar o Rei de Cam- N0EL KEt
par.
Jorge d' Albuquerque naó tinha ^ro^°
ainda checado , quando penfou em dar v ALtL"
' n • C OUE3LOUB
execução a elte negocio, e para ta- c
sact mais honra a efte Príncipe , lhe OOVLR"
enviou Jorge Botelho feguido de al-í*ADClU
furnas embarcações a remos para o
receberem , e o conduzirem a Malaca.
O Rei de Campar eftava entaó fina-
do na fua Capital pelo Rei de Lin-
da , vaííallo de Mahmud , e o execu-
tor das luas vinganças. Eífe tinha hu-
ma frota de 6o velas , e o Rei de
Campar via-fe quaíl redufido pela fo-
me ás ultimas neceílldades. Ignoravaó
a fua fituaçaó em Malaca ; porém
Botelho tendo noticia dã fua derro-
ta , e tendo mandado bufcar reforço ,
besbaratou a trota inimiga , livrou o
Príncipe íitiado , e o conduzio para
Malaca, onde foi recebido em trium-
fo , e metido de poííe do emprego de
irá.
Ninachetu recebeo eíle golpe cia
for-
206" Historia dos Descobrimentos
foruna , e da ingratidão como heroe In-
Ann. dedio, e rezoluto de dar hum cfpetacu-
J. C. Jo íimilhante ao que Calano deo n'ou-
1514, lro tempo á Grécia no reinado de
Alexandre Magno , expedia :ulo mui-
to ordinário nas índias , porém muito
KOEL REI t-, r «
novo para os Portuguezes. tez pre-
parar numa fogueira de lenha de òan-
AFFONSO*! 1 j ° •
dalos , e dos mais preciozos aromas.
D Tendo depois convidado todos os feus
x v amigos, ahi íe aprezentou no dia de-
terminado em fua companhia, e em
NADOR. 11 r
prezença de todo o povo.
Onde de ar tranquilo , e com ad-
mirável defafombramento fez pouco
depois efte diicuríb. „ Os Portuguezes
„ me haviaõ honrado com o emprego
3, de Bandará. Nelle entrei fem o ter
3, cubicado , exercitei-o fem entereTe ,
„ mais para utilidade delles , do que pa-
3, ra á minha 3 e naó me íica pezar
3, de o deixar. Mal por elles fomen-
33 te fe em mo tirar recompeníaõ a
33 minha virtude , aííím como punem
3, os crimes \ e íe naó fabem dimnguir
„ que o que fe empenha por hum era-
3, prego , o merece menos que o que
3, naó o dezejou. Saiba Albuquerque
3, hoje , e com elle todos os Por-
5, tuguezes , que faltando ao reconhe-
3, cimento a meu refpeito > elles po-
„dem
TiOS PORTUGUEZES , LlV. VI. 2C7
„ dem fazermc a afronta cie me de
„ fapoíTar , fem por huma mancha na Anu. de
„ minha gloria ; e que elies bem com- J. C.
„ prehendem que aquelle , que íacrirl- 1514.
,, ca as riquezas, as dignidades , a fua
„ me ima vida a lua honra, nao era
j r -d /l L «« NOEL REI
„ capaz de facnficar cita honra ao
„ amor das dignidades , das riquezas, e
,, da vida. Minha alma he innocente , ,
5' . .r. r n C D ALBU-
,, e vai punficar-íe neíte ro£o , como
55 r f ■ n ' QUEKQUE
„ o oiro na torja , para voar ao autor x
,, da fua origem. Vós , Senhores do
„ mundo , que he voila obra , L)eo-
„ zes immortaes , que os homens naó
33 podem enganar , e que difpençais
„ as recompenças , e as penas fegun-
5, do o merecimento , recebeime na voi-
,3 fa gloria ; fazei juftiça á minha in-
3, nocencia , e vingai-me da ingrati-
3, daó. „ Dito ifto , lançou-fe na fo-
gueira 3 onde logo íoi conlumido.
O Rei de Campar exerceo por
algum tempo o ofHcio de Bandará com
dignidade , e com tanta inteireza ,
e fidelidade como Ninachetu. A Cida-
de ientio o feu Governo : fez-fe mui-
to florecente, e frequentada dos Gen-
tios 3 e Mouros 3 que vinhaó atrahidos
pela eftimaçaó de fuás virrades. Mah-
mud , antigamente Rei de Malaca ,
que chamaremos daqui em diante Rei
de
2o8 Historia dos Descobrimentos
de Bintam , onde fe tinha eftabeiccido
Ânn. de depois de ter expulfado o que era le-
J. C. gitimo Senhor , naó pôde íotrer eíta
profperidade. Determinou de o perder
514' procurando fazelo lufpeito , como fe
p. ma- tiveflfe entretido com elle intelligencias
koel rei fecretas - e o alcançou com muita de-
licadeza. Jorge d'Abuquerque muito
affonso crédulo , e confiando muito de fimpli-
d'albu- ces apparencias , que fizeraó fortes iffc-
querque preíloés fobre o leu efpirito fufpeito-
gover- zo, fez prender cite Rei innocente,
kador. fezlhe fazer feu proceíío formal , e
eíte infeliz Príncipe , condenado por
prezumpçoés mais que por provas , te-
ve a infelicidade de perder a cabeça
fobre hum cadafalço pela maó do al-
goz. A crueldade barbara deita exe- '
cuçaó fanguinoza em huma períona-
gem d'íta ordem , e que fabiaó naó
ler culpado. , revoltando todos os es-
píritos , defpertou a lembrança do pa£-
íado , a morte de Ninachetu , e o íup-
plicio de Utemutis , a Cidade fe fez
dezena , e o nome Portuguez fe fez
execravel.
Ainda que a expedição do mar
E.oxo naó fez grande honra a Albu-
querque, havia com tudo feito huma
terrível impreflaó fobre todos os povo>
deíh vifinhança , e particularmente na
Cor-
DOS PORTUGUEZES, LiV. VI. 20^
Corte de Calife. Porque eíle Princi .
pe que no principio tinha feito pou- Ann. de
co cazo da tentativa íbbre Adem, e J. C.
tinha feito refponder ao Cheque, que 1^14
Jhe tinha enviado a pedir foccorro, e
de quem naó citava contente „ Que D* MA~
„ defendeííe os feus Eílados como po-NOEL REI
3, deffe , que elle faberia prover na fe-
3, gurança dos feus. „ Com tudo tan- AFFONSa
to que foube que a frota Portugueza D ALKU"
tinha entrado no mar Roxo , teve tan- Q-uerQue
to medo com a noticia que fe efpa- COvER"
lhou no mefmo tempo, de que devia NAD0R%
vir outra frota dos Príncipes Chriitaõs
.pelo Mediterrâneo da parte d' Alexan-
dria , que fe confiderou entaõ como
perdido. No Cairo já movido pelo fup-
plicio de tres principaes cabeças do
Eílado , tudo foi preit.es a huma fub-
levaçaó geral , e neíta occafiaó o Emir
<jue commandava em Alepo fe revol-
tou , e fez declarar a Cidade a favor
do Rei da Pedia ; de forte que o
Calife , tanto que vio o perigo hum
pouco apertado , penfou feriamente
em tomar medidas para guardar o mar
Roxo , e pôr os feus Eítados em fe-
gurança daquella parte.
ElRei D. Manoel , fendo aviza-
do pelas correfpondencias que tinha
no Levante , enviou novas ordens a
Tom. II, O Albu-
210 Historia dos Descobrimento^
" ' ■ ■ Albuquerque para tornar fobre Adem,
Ann. de deixandolhe com tudo a efeolha de
j. C. pôr em deliberação , fe feria me-
1515. lh°r cahir fobre Ormuz. O Embaixa-
dor que o Rei d'Ormuz tinha envia-
~ do a Portugal, era hum Seciliano ,
*,0ELRMque criado de tenra idade cuftara-lhe
taó pouco a fazer- fe Mufulmano, que
'A/FOÍiSO naõ tinha de Chriftaó mais que o
d albl- [)aptifmo# Eftando em Lisboa tornou
^uerque ^ fcii^AQ de feus pais ? c tomou o
covlr- nome <]e ISJicoláo Ferreira , que ElRei
jjador. 2]1C ^eo> Jendo-lhe a mudança de re-
ligião mudado feus intercíTes , e in**
clinaçoés , tinha inclinado muito El-
Rei a atlegurar-fe d'Ormuz , perfua-
dindo-o que naó fe deixa-fe prevenir
pelo Sofi , que cubicava efta praça , e
ElRei abalado dos feus peníamentos o
havia enviado a Albuquerque com as
ordens de que faiei.
O General tendo aprontado a fua
frota , que era de 27 velas de diver-
los portes, e em que tinha i$50O
Portuguezes , e 790 Malabares , ou
Canarins , fez Confeíhè á vifta de Goa
no navio de Vicente d'Albuquerque
em que hia j e além dos feus Capi-
tães chamou o Governador da Cida-
della de Goa , e "Nicoláo Ferreira. Os
pareceres foraó muito diiFerentes fobre
as
dos Portugueses, Liv. VI. 211
ias duas expedições : porem tendo fal- «
lido Ferreira , a affirmativa foi para Or- Ann. de
muz , para onde logo virou a proa. J. C.
Albuquerque eílimou ifto mais que iriç
tudo, havia muito tempo que clle cor-
reria a eíta praça , e depois que elle D* MA~
foi obrigado a abandonala pela recla- N0EL RE|
maçaó dos léus Capitães , tinha guar-
dado o juramento que havia feito de A*FOKS<*
naó fazer a barba, em quanto fe naó D ALEU"
vingaíTe defta Cidade, que fe tinha vif- <*UE*<^«
to conquiítar com tanta frouxidão. Os GOVER"
Reis d'Ormuz naó tinhaó nunca que- NAD0R»
rido entregar a Cidadella que Albu-
querque tinha começado , nem conce-
der aos Portuguezes huma Feitoria na
Cidade , nem ainda reítituir os effeitos
?[ue tinhaó fido tomados : mas como
cm o commercio das índias , a lua
Cidade eftava abfolutamcnte arruina-
da , e que elles naó o poiiaó fazer
fem os paííaportes do Governador^ ; a
fua politica os tinha obrigado a pagar
á Coroa de Portugal o tributo annual
a que fe haviaó obrigado. Tinhaó com
tudo procurado fazelo diminuir , e cf-
te era o motivo porque tinhaó envia-
do feu Embaixador á Portugal.
A íace dos negócios tinha mu*
dado em Ormuz. Coje-Atar tinha mor-
rido numa velhice honroza. Rais
O ii Nor-
212 Historia dos Descobrimentos
i Nordin , que lhe fuccedcra no miniíle-
Ann. de rio , tinha feito empeçonhar Sufadin ,
]. C. para pôr em feu lugar, em defprezo
i<ic. ^os i eus dois filhos, Torun-Cha irmaõ
defte Principe. Para mais fortalecer a
d. ma- çuí auftQjtâaée , Nordin tinha feito
jcoEi.nEiv;r daPerfia tres fobrinhos feus , dos
quaes o ultimo chamado Rais-Hamed,
AFi okso nomern je taicnto , e determinado to-
d albu- mou pOUCO a pouco huma tal auclorida-
ÇVER.qvç <|e ^ que fe fez fenhor da peíloa do Rei.
GovtR- ^orj|n enganado nas fuás efperanças ,
K4DQR. nao fomente na5 tinha credito algum,
mas eítava bem como prezioneiro em
fua caza com feus dois filhos. O
hábil Hamed obrava tudo difpotica-
mente. Pertendem que o feu defignio
era de entregar o Reino a Sofi If-
mael. Dacordo com eítc Principe ,
que zelava muito a Seita d'Hali , ti-
nha já feito tomar a Torun-Cha o Tur-
bante encarnado , que Ifmael enviava
>elos feus Embaixadores a todos os
Príncipes Mufulmanos da índia , e da
Arábia , para os unir aos feus inte-
reíles pela religião.
Hamed tinha também trazido a
Ormuz a fua família , que faziaó mais
Àt ietecerttas peflbas. Pouco a pouco in-
troduzia tropas da Perfia em Ormuz, e
na fua viíinhança. E ic ainda naó ti*
nhi
l
MA-
:l rei
DOS PoRTUGUEZÍS , LlV. VI. 21$
fvha feito morrer Torun-Cha , era pro «
vavelmente porque naõ eitava tudo Ann. àc
ainda prompto para a revolução que J. C.
elle meditava. ici ~.
Hamed naó deixava de continuar
a pagar o tributo á Coroa de Portu- D#
gal ; porém tinha refuzado entregar *
a Cidadella, que o General de novo
lhe tinha feito requerer por Pedro AFF0NSC>
D'Albuquerque , que tinha enviado á D ALBU"
cruiar as Coíbs d' Adem , e do Gol- <^Rf?uB
fo Pcrfico ; de forte que todas eílas GOVER"
coifas juntas, determinarão o Confe- NAD0R» I
lho a preferir a empreza de Ormuz ,
que teria fido difícil tirar das maós de
Ifmael , fe tivelfe entrado na poííc
della.^
Tendo a frota ancorado de fronte
de Ormuz , e falvando o Palácio do
Rei com toda fua artilheria , Albu-
querque communicou as íuas intenções
a efta Corte, e depois d'aigumas idas ,
e vindas , o Rei o meteo de poiTe da
Cidadella , que fe apreííou a conclui-
la : aílignou-lhe algumas cazas da Ci-
dade , para ahi eftabelecer feus quar-
téis , e fez arvorar fobre feu Palácio
a Bandeira de Portugal. Hamed que
era o Governador , conferiria em tudo
por medo. A' vifta da frota havia
com tudo diminuído a fua àutorida-
de,
214 Historia dos Descobrimentos
í de , e fez conceber ao Rei ,ea Nor*
ÍInn. de din a efperança de fahirem da efcravi-
J. C. daõ. O íufpeitozo Minifterio eftava
. . muito duvidozo , e naõ permitia que
ninguém fallaíTe ao General Portu-
d, ma- gues ? ou a qualquer que vieííe da fua
soel rei parte 9 fenaó em prezença d'um de feus
irmaós , que lhe iervia de eípia. Com
-affonso tut|0 lsTordin fez faber a Albuquerque,
d albu- que 0 Rei, e elle teriaó muito gof-
QUERquE t0 que ei[e os tirajJe da opreííaõ.
co ver- ]sr0 temp0 em que as coifas eíla-
Kapor. Vtl5 nefte eílado, havia em Ormuz hum
enviado de Ifmael , que efperava oc-
cafiaõ favorável para paliar á índia ,
ç hir encontrar Albuquerque , a quem
fe dirigia da parte de feu Senhor
para bufcar a fua amizade , e a d'El-
Rei de Portugal. Efte Principc defde
a idade de oito annos ate vinte , que
podia ter entaõ tinha conquiftado mui-
tas Províncias , e tinha augmentado
a fua Monarquia , que emparelhava
cem a do Gram Senhor , e do Calife.
A eítimaçaó que elle fazia do verda-
deiro merecimento , tendo elle muito,
o tinha feito procurar Albuquerque ha-
via muito tempo , e eíla paixaó fe
havia augmentado pelas bellas acções
c[ue Albuquerque havia feito depois.
Como os grandes homens fe eítimaõ
mu-
DOS PORTUGUEZES , LlV. VI, 2í$
mutuamente , Albuquerque naõ deze- •
java menos travar amizade com If- Atro, dç
mael , de que efperava tirar grandes J. C.
vantagens. 15K.
A idea lifongeira, que trazia com-
igo huma tal petição da parte do So- D* MA~
fi, fez que Albuquerque deííe a efta MOEL REl
Embaixada toda a pompa , que ella po-
deria ter nas Cortes mais brilhantes A)FFON5°
da Europa. Tudo fe paliou com pom- D ALBL*
pa , e magnificência , e fe terminou QUERQU£
todavia com fimplices teilemunhos de GOvER~
eflimaçaõ leni concluir nada 3 ao me- NAD0R« f
nos que fe faiba ; porem o General def-
pedindo o Embaixador o fez acom-
panhar á Corte de ífmael por Fernan-
do Gomes de Lemos , que foi carre-
fado de prezentes de eftimaçaó , ed'um
eliííimo projeclo daliança , que po-
deria produzir coifas grandes , fe po-
defie ter fido feguido por quem o ha-
via concebido.
Entre tanto Hamcd , e Albuquer-
que bufeavaó mutuamente deftruir-fe ,
e attentavaó na vida hum do outro,
Albuquerque audorizado com o que o
Rei lhe tinha mandado dizer , achou
primeiro os meios do que o feu adverfa-
rio, poílo que efte fuppos confeguilo
pela mefma via. O General fez final-
«;en:e propor huma pratica com o Rei.
Ha-
2l6 Historia dos Descobrimentos'
Hamcd quiz que íílo folfe em humà
Ann. de tenda feita de penfado de fronte do
J. C. Palácio, onde pretendia lograr o feu
ir\r, intento. O General teimou que foffe
iílo na Cidadella. Hamed confiando
v' MA~ de o confeguir lá mefmo , confentio nif-,
jíoel rei zo Regujara5 0 ceremonial , e as con-
dições deita vifita. A principal deitas
AJFFOKSo condições era , que das duas partes
d albu- na£ haveriaó armas , condição que ne-
t^uERquEn|lum fos ^0«s par^Jog queria obfer-
COVER- var>
Iíador. çom effeito no dia feguinte Albu-
querque tendo tomado todas as fuás me-
didas 3 e também Hamed, Hamed entrou
primeiro. Formaraõ-lhe queixa fobre
as fuás armas , ao mefmo tempo que
clle fe queixava juítamente do mef-
mo ; e como elle começava a enfadar-
fe , foi trafpafíado de muitas feridas.
O Rei que veio depois , ficou fufpen-
íb , e temendo ao mefmo tempo ; po-
rém logo fe foccegou. Os irmaós de
Hamed , e os feus guardas , a quem
tinhaó fechado as portas , as quizeraõ
abrir. As tropas Portuguezas , que ef-
tavaó de fora , e que tinhaó ordem ,
acodiraõ. O povo hia tomar parti-
do , fem faber fe o Rei eítava mor-
to : mas a prezença deite Principe
que fe lhe moftrou duma janela
o
DOS PoRTUGl?EZES, LlV. VI. llj
O foccegou. Entretanto os irmãos j
de Hamed ganharão o Palácio do Ànn. ds
Rei , que era a principal Fortaleza j. C.
da Cidade , e ahi fe entrincheirarão. \cirm
Eítava entaó em Ormuz hum OíRcial
do Sofi, que acompanhava o Enviado D* MA"
da Perfia, de que temos fallado , eK0ELREI
que occultamente devia apoiar os de-
lignios de Hamed. Albuquerque o man- AfFONSÍ>
dou bufcar , e lhe mandou dizer, que D AIBU"
foflc dizer aos irmaós deite pérfido , ****W
que fe elles naó fahifiem logo do Pa- GOVER"
lacio , elle naó faria quartel a ninguém. KAD0R»
Eíla ameaça produzio efFeito , abando-
raó o Palácio, e pouco depois toda a
família deíle Miniftro foi banida do
Eftado , com pena de morte. Publica-
rão no mefmo tempo huma prohibi-
çaó com a mefma pena de trazer ar-
mas de noite , ou de dia ; e eíla pro-
hibiçaõ , que defarmou o povo , reíli-
tuhio a tranquilidade.
PaíTado eíte tempo o Rei , e a
General fe viraó com mais liberdade ,
e Albuquerque pareceo tela dado a ef-
te Principe , que naó cabia em fi de
goílo de fe ver Rei , quando nunca
o tinha fido. O General naó fe em-
baraçava nos negócios do Governo ,
porem eflencialmente tomou tacs me-
didas , que Ormus nunca pôde lacudir
o jugo que elie lhe poz. Hum
21o Historia dos Descobrimentos
■ Hum rumor que fe efpalhou entaõ
Ank. de de que vinha huma frota ao Calife fo-
J. C. bre Ormuz, foi a principal cauza. Naó
1515. *"e Poc^e determinar quem foííe o au-
tor ; fe foraó os Miniílros do Rei ,
v' MA"que fe tiveííem agoniado com a par-
*0ELREitida de Albuquerque, ou fe fofie
o mefmo Albuquerque, que o íizeíTe
•\1'ÍONSO efpalhar com o diílgnio de fazer o que
D albu- |ez a e^.e refpe|to< q que qUCr que
v ' ^ folie, acreditando eita noticia, que nao
covEk- tjnjia nenhuma probabilidade , enviou
kador. D. Garcia de fronha pedir da fua
parte toda a artilheria do Palácio , e da
Cidade , com o pretexto que tinha pre-
cizaó da fua , para hir na vanguarda
deita frota, e naó podia deixar a Ci-
dadella fem armas. Nordin prometeo
tudo no princio ; mas tendo-fe depois
arrependido da fua facilidade , quiz-fe
retratar. D. Garcia , que tinha ordem
fecreta de a tirar por força , fe lha ne-
gaíTem , lhe tirou todo o pretexto de
dilações, dizendo que naó partiria, fem
que a artilheria folie dada , como foi
com erTeito.
Albuquerque acabou de fegurar
efte eftado á Coroa de Portugal , por
hum lance muito efpantozo. Porque
fez também , com o pretexto de que
podsriaõ nafcer perturbações no Reino
por
DOS PoRTUGTJEZES , LlV. VI. 2l£
por cauza da multidão dos Príncipes •
de fangue dos Reis de Ormuz a quem Ann. de
tinhaó cegado , para os feparar do ]. C.
Throno , porém que tinhaó mulheres , iric.
e filhos , ae que fe poderiaó prevalecer
contra o Rei -reinante , elle fez que D' MA"
lhe entregaííem eíles Príncipes , que KOEL REI
eraó quinze , e os enviou para Goa
com as fuás famílias na efquadra de AFF0NS<>
Garcia de Noronha 3 a rim de os ter D ALBU"
ahi bem guardados. E quando elle «^e*^*
mefmo partio d'Ormuz , ordenou a Pe- GOVER*
dro de Albuquerque , que deixou Go- NAD0R«
vernador da Cidadeila , que fe aífe-
nhoreaííe dos dois filhos de Zeifadim,
a fim de ter o Rei enfreado com eíles
dois moços Príncipes , que eraó os le-
gítimos herdeiros da Coroa.
Com ifto governava de modo o
Rei , que efte Príncipe , que lhe cha-
mava leu Pai 5 parecia fer-lhe obriga-
do em todas as acções : e continha
tanto os Portuguezes , que naó havia
hum que oufaíle fazer-lhe o menor in-
fulto , ou que o fizeíTe fem que foííe
punido. Houveraó ahi fere que deferta-
raó , e paliarão para os Árabes.. O
General os fez feguir , e para iífo fe
fervio de Raes Nordin : foraó apanha-
dos , e por fentença do Juiz foraó
queimados vivos no meímo batel , em
que
220 Historia ©os Descobrimentos
1 que tinhaó fugido , excepto dois , que
flbw. de tendo feito algum ferviço no infeliz
J. C. fucceííò de Calecut, onde foi o Ma-
l5i<\ rechal , merecerão que lhe commutaf-
_ fem a fua pena pela de galez. Eíti
fevcndade , que continha todos no feu
koelrei (jever ^ augmentava a eítimaçaó do Ge-
neral , e o pôz em tal reputação , que
AFFONSO fV r -n-- r l r
os Duques , ou rnncipes vninhos le
D ALBU- rr ' r J
apieíiarao a procurar a lua amizade ,
QUERquE Qu pQr £ vindo pelloalmente faudalo 3
ou pelos principaes OíHciaes da fua
IiAD0R- Cora.
Entre tanto cahio doente : huma
indigeílaó cauzada pelos feus contínuos
trabalhos o abateo tanto em taõ pou-
co tempo , que fez feu teftamento ,
e recebeo todos os Sacramentos como
para morrer. Hum pequeno alivio que
teve na moieftia o obrigou a embar-
car-fe para tornar a Goa. Taõ fecre-
tamente o fez , que deo cauza a que
o íuppozeíTem morto ; o que com tudo
foi defvanecido por aquelles que o Rei
mandou em feu alcance para da lua
parte lhe levarem refrefeos.
Apenas fahio do Golfo quando
appareceo huma pequena embarcação
de Mouros vinda de Diu , que lhe tra-
zia cartas. Huma era dum Mouro ,
chamado Cid-Alle3 e outra d'um Em-
baixa-
t>cs Portugueses , Liv. VI. 221
baixador do Sofi junto do Rei de Cam- ■■
baia. A primeira lhe dizia que Lopo Anu* de
Soares d'Âlbergaria tinha chegado ás J. C.
índias com \i navios, e vinha para \z\c%
lhe fueceder em Governador : que Dio-
go Mendes de Yafconcellos vinha go- D' ■*
vernar em Cochim, Diogo Pereira pa- K0ELREl
ra Feitor , e que EIRei tinha aííim
difpoAo de muitos poftos. Acrcfcen- A,FFONs«
rava que Melique Jaz eftava taó mor- D ALBU"
tificado da fua revocaçaó , que naó ti- QLER(^uS
nha tido animo de lhe eícrever. O GCKLR~
Embaixador de Ifmael lhe dezia qua- NAD0K»
íi o mefmo , e procurava azedar-lhe
o animo com a ingratidão com que
recompençavaõ os feus ferviços , e lhe
ofTerecia hum azilo junto de feu Se-
nhor, com todos os bens , e todas as
honras de que era digno.
Albuquerque no eftado em que
eftava , naó podia exprimentar hum
revez taó pouco merecido , e cípera-
do. Sufpeniò com a vifta do trium-
ío dos feus inimigos , e do progreiTo
que tinhaó feito no efpirito do Rei ,
naó pode evitar os teítemunhos da
fua admiração. ,, Que 2 gritou , Soares
„ Governador das índias < Vafconcel-
„ los , e Diogo Pereira que fiz paliar
„ a Portugal como criminozos , re-
„ conduzida cç-ra honra \ Eu incorro
55 n9
222 Historia dos Descobrimentos
— „ no ódio dos homens pelo amor dò
Ann. de 55 Rei , e na d if graça do Rei pelo
]. C. „ amor dos homens ? A' fepultura ,
f-éfé., )j infeliz velho, he tempo, á fepul-
„ tura. „ Repeno muitas vezes eftas
d. ma- u|r[mas palavras penetrado da mais vi-
koelre» va ^or^ Qom tU£}0 depois que efta
primeira impreííaó paíTou , moftrou-fe
affokso mâjg focegac|0 9 e íe rezolveo a ef-
i> albu- crever aÈlRei. O que fez neftes ter-
querque mos> ^ Senhor , eícrevo efta ultima
gover- ^ Carta a y alteza com huma an-
wador. 5j guftia , que para mim he hum final
„ certo da minha morte próxima. Te-
5?nho hum filho no Reino , rogo que
5, o façais grande á proporção de meus
5, ferviços 6 e eu lhe ordeno de volo
3, requerer lubpena d'incorrer na mi-
5, nha maldição. Naó vos digo nada
„ das índias , ellas vos fallaraó afTas ,
„ affim por ii , como por mim. „
Fez depois queimar as cartas que
os Mouros do Indoftan efereviaó a Teus
correfpondentes d'Ormuz , advirtindo-
os que naó entregaííem a Cidadella
aos Portuguezes , que o Governador
era depofto ; e que tinha vindo hum
novo bem diferente de íeu predecef-
íor , e que feria muito mais favorável
aos feus negócios. Depois difto naó
cuidou mais que na lua falvaçaó , e
quan*
t>OS PoKTUGUEZES , LlV. VI. 22J
quando foi perto de Goa , mandou buf- *
car o Vigário Geral , e o Medico. O Ann. de
mal tinha-fe adianrado muito para que 3- C.
eíle podeffe ahi fazer proveito. O Vi- x -x _
gario Geral lhe adminiílrou os últimos
Sacramentos , que elle recebeo nova- D* MA"
mente com fentimentos de muito gran- N0EL REl
de piedade. Sendo paífada quafi toda
efta noite em exercícios de Religião , affonso
deo a fua alma a Deos hum pouco D ALBU"
antes do dia i6de Dezembro de 1515 °-UEi^ue
aos 63 annos de fua idade , dos quaes G0VER"
os últimos dez tinha paliado nas In- NAD0R*
dias.
Seu corpo foi levado a Goa , e
fepultado na Igreja de N. Senhara do
-Monte , que elle tinha fundado. As
exéquias que lhe fizeraó foraõ magni-
ficas , e durarão quafi hum mez. Po-
rém o faufto da pompa lúgubre deíla
folemnidade lhe roi menos honrozo ;
que o luclo univerial em que efta Ci-
dade fe fcpultou ? e as lagrimas que
derramarão fem diftinçaõ Chriítaos ,
Mufulmanos 5 e Gentios , cada hum
dos quaes cria perder nelle feu pai ,
ou feu amparo. Mais de 50 annos de-
pois 3 feus ollos foraó tresiadados para
Portugal , onde lhes fizeraó também
grandes honras.
A fua caza procedia dos filhos
nata-
224 Historia dos Descobrimentos
naturaes dos Reis de Portugal , cujo
A:-::, de fangue foi honrado nelle como nos
J. C. ieus Príncipes legítimos. Era o fegun»
jr\c. do filho de Gonçalo d'Albuquerque ,
Senhor de Villa Verde, e de D.Leo-
d. ma- nor ^e ]yjeneze3 , f^i^ L\Q prjmeiro
koll rei ç;onc|e d'Atouguia. Na fua mocidade
tinha fido eíiribeiro mór d'E!Rei D.
A"°r-° ]oaò 1L ' ,e fe havia femPre diílin~
D ALBL" guido j porém a fua fortuna o efpe-
^ERQLE rava nas índias , onde devia fazer-lhe
GDV£f~ ganhar o nome de Grande , e polo
ijadoa. a par dos Conquiíladores mais celebres.
Era de figura mediocre , mas bem
proporcionado , tinha o ar do femblan-
te agradável , o nariz aquilino , e hum
pouco comprido , o ar nobre , e ma-
geítozo. A velhice o fez ainda mais ve-
nerável pola extrema brancura dos feus
cabelos, e d'uma barba taó comprida ,
que a podia atar á fua cintura. No
.governo parecia grave , e fevero ,
e na cólera terrivcl ; fora difto era
engraçado , divertido , e amável. Ti-
nha cultivado o feu efpirito nas bellas
letras. Falava de repente com graça,
e eicrevia ainda melhor. Temperava
fempre o feu difcurfo com alguns bons
ditos , e affeclava iílo particularmente
quando fallava com auctoridade a fim de
corre^ir o que o leu ar muito fevero
linha de arrogante, A
DOS FoRTUGUEZES, LlV. VI. 22£
A rectidão , a iuftica , e o amor
do bem publico formavaó propriarnen- Ann. de
te o feu caracter. Era fevero frequcn- J. C.
temente até á crueldade , avaro pelos j.j.
intereííes d'ElRei , inflexível no que »
era do ferviço , e da difciplina militar, D* MAr
porém taó afeiçoado no mefmo tempo a N0EL REI
procurar o bem de cada hum , que dei-
te comporto de qualidades auíteras, e AFFOXSO
oificiozas , rezukava huma idéa geral D ALEU"
que o fazia amável daquelies mefmos QLERQUE
Í[ue aborreciaó a fua fevendade excef- GOVER"
iva. Sua rigida equidade , tinha fei- KAD0R*
to huma grande impreílaó , que de-
pois da fua morte os Gentios , e os
Mouros hiaó offerecer votos ao leu tu-
mulo, para lhe pedirem juíliça contra
a tyrannia de alguns que lhe fuccede-
raó no emprego , fem lhe lucceder nas
virtudes. Em quanto vivo , o feu rigor
lhe fez grandes inimigos , e lhe cau-
zou muitos difgoftos ; porém a facili-
dade com que voltava a relpeito deiles ,
e os defculpava áquelies mefmos que
o exortavao a fe vingar , naõ fervio
pouco a elevar a fua gloria.
Na guerra foi verdadeiramente
grande pela nobreza de feus projectos , .
pela prudência com que es conduzia , e
o vigor com que os executava. No con«
íelho , e na acçaó parecia haver nel- '
Tom. II. P le
226 Historia dos Descobrimentos
le dois homens inteiramente differen-
Ann. de tes. Num dia de batalha era Capitão de
J. C. tal forte ? que todo parecia íoldado ,
,-j- indo pelejar, e expondo-fe como hum
moço perdido. Muitas vezes lhe de-
D* MA~ raõ reprehençoés inúteis , e na acçaõ
yOELREi de Benaftarim Diogo Mendes de Vaí-
concellos , pofto que defgoítozo del-
affonso ^e £-Q- 0£rigac}0 a advirtilo de que ei-
r> albu- ]q çe expunha com muita temeridade,
cerque Sem £azer mjuft;ça aos maiores Ca-
gover- pjtaés J0 fcu tempo , naó houve ne-
hador. nhum que tiveííe reputação mais di-
latada que a fua nas três partes do
mundo , Europa , Africa , e Afia. Com
tudo ifto era feliz , o que fez dizer
a EiRei Fernando o Catholico fallan-
do ao Embaixador de D. Manoel ,
que elle fe admirava que EIRei feu
genro tiveííe penfado em o retirar das
índias ; porém D. Manoel o fez pela
mefma politica que tinha obrigado ao
rnefmo D. Fernando a retirar o gran-
de Capitão Gonçalo de Córdova do
Reino de Nápoles. Albuquerque tinha
pedido Goa a titulo de Ducado 3 e foi
fobre efta petição , que feus invejozos
. acabarão de o fazer fufpeito.
Três Remos conquiftados , mui-
tas Fortalezas edificadas , a paz efla-
beliçida em todas as panes da índia y
mui-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VI. Hj
muitos Reis vencidos , feitos tribu- ■
tarios , ou aluados , foraõ obra fua , Ann. de
de que naõ teve outra recompença mais J. C.
que o pezar dum defagrado , que o fez 1515-,
morrer lá mefino , onHe tinha come-
çado a fazer-fe heroe. EIRei D. Ma- D' MA"
x 1 1 1 NOEL REI
noel conheceo com tudo o erro que
fez , porém muito tarde , e fem lhe fa-
• Vi • r i r • 1 • j affonso
zer juttiça ioore os íeus calummadores. ,
O que fez he , que verdadeiramente D -AlLSU"
tomou cuidado do filho , que lhe ti-
nha recommendado. Fez-lhe deixar o G(MER~
nome de Braz, para tomar o deAf-K R*
fonfo. Cázou-o depois com Maria de
Noronha fua parenta, filha do Con?.e
de Linhares , e de Joana da Silva
filha do primeiro Conde de Portale-
gre. E lhe faria grandes mercês ,
como o tinha prometido ao Conde de
Linhares feu fogro \ mas depois da
morte d'ElRei D. Manoel , Afíbnlb
perfuadio-fe , que ignoravaó no reinado
feguinte as promeiTas que lhe tinhao
feito , como tinhaó eíquecido os fer-
viços de feu Pai. Aíiim os heroes
fó devem ellimar a gloria que eter-
niza fuás beilas acçoês , gloria que a
inveja pode efcurecer por algum tem-
po , mas de que o mefmo tempo os
faz fempre triumfar.
Albuquerque dezejou que alguém
P li pcdef-
228 HlST. DOS DeSC." DOS PoRT?
podeííe efcrever fua hiftoria , elle o
Akn. de podia fazer, como Cezar efcreveo a
J. C. lua. Seus trabalhos o impedirão ; po-
j j rem feu filho o fuprio. Kc feu filho que
publicou os Commentarios , que nós
d. ma- temos do feu nome. Neiles ha hum
KOEL REI grande amor da verdade, grande mo-
deração , muita prudência para com
affonso os inimig0S de feu Pai , e tanta mo-
d albu- deília na relação das acçoés deííeHe-
quERquE r^e ^ que fe pode dizer , que o retra-
gover- t0 que faZj bem longe de o exceder ,
nador. he muito inferior ao feu original»
Fim do Livro Sexto.
HIS-
229
W^áéêÊM^^;
VWW<
3>2$
HISTORIA
DOS
DESCOBRIMENTOS,
ECONCLUISTAS
DOS
PORTUGUEZES,
NO NOVO MUNDO.
LIVRO. VII.
Akn. de
Gloria da Naçaõ Portugueza J. C.
voava com a fama por todas iri^.
as partes do mundo , em
quanto Portugal le enchia D* MA"
das riquezas do Oriente , e que a N0EL REI
Europa abro os olhos admirados, e in- lopo
vejozos fobre a fua profperidade. D. soares
:cl pacifico fobre feu Throno go- d'alber-
zava o lifongeiro prazer do grande no- garia
me 3 que lhe dilatavaó ate o fim do gover-
Uni- nadou.
230 Historia dos Descobrimentos
— - — Uni ver íò feus Capitães pelos fens a-
Ann. de contecimerxtos , trabalhos , e conquií-
]. C. tas , e elle recolhia fem fadiga os
thefouros immeníos , que eraò o fru-
" ■ «fio das incompreheníiveis fadigas que
d. ma- elles tinhaò ibírido , e dos perigos fem
KOELREifini que ha vi ao corrido.
Eíte Principe prudente , e fempre
topo zelozo da Religião fe fez claro, e famozo
soares por fuás vantagens na Santa Sé como
d'alber- Principe Chriftaó. Affonfo Rei de Congo
caria lhe tinha enviado o Principe Henrique
go ver- feu filho , com numeroza mocidade com-
kador. poíla dos filhos dos principaes Senho-
res da fua Corte. ElRei D. Manoel
lhes fez dar a educação , que convinha
ás fuás qualidades , e os fez paliar
depois a Roma , onde viraõ com ex-
trema fatisfaçaõ eílas premiífas da Bar-
baria, virem dos limites da Africa re-
conhecer o Vigário de Jesus ChriíTo,
e exporem como a feus olhos as pro-
vas dos progreílbs que fazia a Fe.
Pouco tempo depois D. Manoel
quiz fazer também em Roma appara-
to doutra force de bens, fazendo hu-
ma efpecie de obfequio ao Soberano
Pontífice, que entaõ era Leaó X. das
premiífas das riquezas do Oriente.
Trfbó da Cunha foi o Miniítro deita
Embaixada , e conduzio comfigo três
de
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VII. 2^1
de Teus filhos, dos quaes hum toi de
pois Governador General das índias. Ann. de
Segundo as relações que nos reílaõ ]. C.
daqueile tempo, foi efta huma das i~jr.
Embaixadas mais efplendidas que ain-
da appareceo neíta Capital do mun- D* MA~
do. A' magnificência da entrada do NOEL REi
Embaixador nada faltou , porém nada
igualou a bclleza dos prezentes. Con- LOPO
ííftia em todos os ornamentos que S°ARES
convém á peííoa do Papa , e á deco- D ALKER*
raçaó de léus altares , quando faz Pon- GARlA
ttfical. Iíto tudo bordado de oiro , e GOVER"
prata , taó carregado de pérolas , e KAD0R*
pedras preciozas , que cubriaó tudo :
taõ ricamente trabalhados, que o fei-
tio excedia d' algum modo a matéria.
Os olhos dos Romanos ficarão en-
candeados ; porém o que lhes naó deo
menos gofto , foi huma Panthera , e
hum Elefante. O Elefante enfinado ,
fe proílrou três vezes diante do Vi-
gário de Jesus Chrifto , e divertio
depois a Corte molhando os expecla-
dores com agua que tinha tomado na
fila tromba. A Panthera deítra na caf-
fa cítrangolou alguns animaes a que
a íoltaraó. EIRei de Portugal quiz
tombem dar aos Romanos o expeéta-
culo do combate d'um Elefante , e hum
Renocerente ; porém o Renoceronte
naó
gari a
COVER-
2$l Historia dos Descobrimentos
naõ pôde chegar a Roma, e morreo
Ann. de fobre as Coitas de Génova.
J. C. Em quanto todo o Mundo aplau-
j -j - dia eíle Pincipe afortunado , elle mef-
mo preparava o tumulo , onde devia
d. ma- fepUitar com Albuquerque o mais belo
KOEL REI da fua ^lo^a ^ e ^ ^ fua Naça5#
Arrependeo-fe he verdade , de lhe ter
lopo enviado hum fucceíTòr , e efcreveo a
soares soare3 limitando feu Governo de Co-
L~ chim a Malaca , e deixando o mais
a Albuquerque , como fe vé na carta
deite Princepe copiada nos Cdmenta-
ííador. rjos ^e{ie grande homem. Outros di-
zem que efcreveo a Albuquerque pedin-
do-lhe , que efcolhefíe huma praça nas
índias a feu goílo onde feria indepen-
dente do Governador, com promeífa,
que tanto que Soares expiraííe , lhe-
aaria o Governo com o titulo e as
honras de Vice-Rei. Porém o tiro efta-
va dado 3 e o mal naõ tinha remédio.
Chegado Soares a Cochim , fez o que
algumas vezes fazem as peííbas que
entraó em emprego por refpcko de
feus predecelTores , a que naõ crem
fuccecíer , fe os naõ deítruirem á elles
e as fuás obras; em que íaó aprova-
dos commurnente peios fubal ternos, que
mudando de incercíTe como de orr-ieiro,
ou naó tem outro merecimento que
o
dos Portugueses ? Liv. VII. 233
o de fazer corte a hum que vem
de novo , ou eclipfaó o mereci- Akn. de
mento que tem pondo-íe da parte dos ]. C.
iníipidos Aduladores. Vizitou as pra- i^ir,
ças , em tudo fez mudanças, meteo
em differentes poílos creaturas luas ; D* MA"
caííou e perfegoio todas as de Albu-K0EL REl
querque , deftruhio todas as luas ideias,
tomou íiílemas inteiramente contra- LOFO
rios , e apiicou-fe particularmente a SOARES
difgoílar com mios modos D. Garcia DALBER-
de Noronha , a quem feu tio havia GARlA
feito partir primeiro para Ccchim , gover-
permitindo-lhe tornar para Portugal. ÍÍADOR*
-Em huzna palavra fez tudo de novo ,
julgando fem duvida que fazia bem.
Porém logo conhecerão a differença
que havia d'homem a homem. Os
inimigos dos Portuguezes cobrarão a-
nirno 3 feus amigos efmcreceraõ , os
Reis de Canancr , de Caiicut, e Co-
chim 3 particularmente efte - ultimo ,
perderão com elle a confiança que
tinhaó em Albuquerque , a quem eles
naõ fabiaó recuzar nada. Os mefmos
Portuguezes parecerão degenerar; e
aquelles que até entaõ tinhaó fido He-
roes , naõ parecerão muito mais que
Mercadores , ou Piratas. Naõ he iílo
porque Soares naõ tlvefle leu mereci-
mento 3 porém podia ter muito , e
fer
Am
3.
1515.
D. KA-
LOPO
SOARES
i/ALBER
GA RI A
GOVER-
NADOR.
234 Historia dos Descobrimentos
fer muito inferior a Albuquerque. As in-
. cie felicidades , c difgraças que acontecerão
C. á profia , fizerao conhecer bem o pa-
ralíelo pelo feu ^contraíte; a fortuna
muitas vezes fe intereíTa na repu-
tação dos homens grandes , e elip-
El fando de ordinário fuás belas quali-
dades , ou fazendo brilhar as mediocres ,
legendo lhe agrada fervilos bem ou
mal. Por efta razaó fempre differaó
que os grandes talentos naó baftao
fó aos que govemaõ ; mas que he
precizo também attender fe faó felices
na efeolha que fazem das pefíbas.
Havia ja alguns annos que amea-
çavaõ os Portuguezes com huma frota
do Caliphe , porem todo o rumor
que fe divulgava 3 fe defvanecia de-
pois , e nada apparecia. Com efFeito ,
ibíTe porque cite Prmcepe tiveffe muitos
outros negócios , ou porque fe defgoí-
taííe cio infelis fucceíTò cia fua primei-
ra tentativa 9 parecia dormir fobre feus
entereííes. Duas couzas o defpertarao
deite profundo fono. A primeira foi
a induftria de Emir-Hocem. A fegun-
da o medo que lhe caufou a frota
Portugueza entrada no mar Roxo com-
mandada por Albuquerque. Hocem fen-
do desbaratado por Almeida , naó oufou
mais tornar ao Cairo 3 com medo de pa-
gar
COS PoRTVGUEZES, LlV. VII. 2$Ç
gar com a cabeça as faltas da fua má for
tuna. Os Príncipes Mufulmanos naquel-ANN. de
les tempos naó perdoavaó a feus Ge- J. C.
neraes infelices. Porem como efte era 1515.
hum antigo Cortezaó , rezolveo con-
graçar-fc com o feu Principe irritado 3 D* MA-
por algum ferviço importante, que o KOEL RE1
podefíe ajudar a entrar no feu vali-
mento. Nefta idéa tendo conferido as LOPO
fuás viílas com o Rei de Cambaia , S?ARES
e Melique-Jaz , recolheo os fragmen- D ALBER*
tos da lua armada, e fe retirou para GARIA
Gidda , ou ]udda , como os Portu- GOVER"
guezes a chamaó. Eíla Cidade que NAD0R»
eíiá íltuada fobre a Coita da Arábia
a 21 gráo , e meio de Latitude do
Norte , ainda que antiga , e muito
beila pelos feus edifícios , naó tinha
outro merecimento , que ler frequen-
tada pelos Perigrinos , que hiaõ a Me-
ca , donde difta huma jornada. O ter-
ritório he eíteril ; a agua ahi fe paga
muito cara , porque vem de muito lon-
ge em beíías de carga. Naó tinha el-
la entaó muros alguns , e eftava fujei-
ta ás invazoés dos Beduains Árabes,
que a infeftavaõ com os feus roubos.
Kocem determinado a fe eílabele-
cer alli , fez faber aos habitantes , para
lhe captar a benevolência , que queria
ficar entre ellçs > para os defender
da
irOEL REI
FADOR.
27,6 Historia dos Descobrimentos
da pilhagem dos Árabes , que vinhaõ
A:::, de cativalos até ás fuás cazas. Porém no
]. C. mefmo tempo efcreveo ao Calife ou-
15 15. rros motivos que elle lábia dever fu-
_ gerir. „ Começava a fua carta expon-
do duma maneira dilicada a infe-
licidade da lua deílruiçáõ , que at-
^ tribuia aos peccados dos Mufulmanos,
Í"°!ÍL- ■>' e '^ indignação do feu grande Pro-
feta. D'ahi pníTando aos progreííos
„ extraordinários 3 que os Portuguezes
GARIA „ tinhaó feito nas índias , contra a
„ esforço de todas as Potencias da
Afia 5 fupunha que a fua principal
mira era aíTenhorearem-fe do fepuí-
cro de Mahomet , para confeguirem
dos Maho metanos os mefmos tribu-
?, tos que elies mefmos lucravaó do
35 .Santo Sepulcro , e dos Chriílaós que
33 o vifitavaõ. „ Naó fe enganava em
hum fentido ; porque he certo que
, Albuquerque zelczo contra o Alcorão
quanto pode fer , tinha ideado deítruir
>>A?ca 3 e Medina , fem lhe deixar
pedra febre pedra ; e defpojalas dos
thezouros que tem ; e tena executa-
do efte projeclo , fe tivefle vivido. El-
le o havia tentado no principio eftan-
do no mar Roxo 5 quando fez derro-
ta por Guidda , porém os ventos o
deíviaraõ. Iílo naó lhe fez perder de
dos Portugueses , Liv. VII. 237
vifta eíla rezoiuçaó , que julgou poder
eífcctuar quando fofie Senhor d'Or- Ann. de
muz , e de alguns outros poítos no J. C.
Golfo Perfico , e no Yemen , donde 151^.
pertendia enviar por terra gente de-
terminada a tomalas numa volta de ' **
maó.„ Hocem reprefentava logo como NOEL ÁEl
„ hum meio eíficaz de fe oppor á em-
„ preza delles , a idéa que nnha de . LOl°
,, fortificar Gidda, que fe^uraria o Se- °-ARES
D ALEER-
yy pulcro de Mahomet contra as armas
3, dos Chriftaós, e faria também o Ca- GARIA
3, life Senhor do mar Roxo.,, co\er-
Aproveitou o artificio d'Hocem. r,AD0ÍU
Cativado o Calife por cite zelo appa-
tente de Religião , e pelo entereífe
pefibal que alli tinha , o foccorrep com
gente , e dinheiro : ordenou-lhe que
cercaíTe Gidda com muros , e nella fun-
daíle huma boa Cidadella , a fim de
conter os habitantes íujeitos ; o que
fez. Porém como o temor , que o Ca-
life teve da frota de Albuquerque , e
do> progreíTos defte Conquiílador , fez
ainda maior imprelTaó , pençou feria-
mente a fazer huma nova frota para
ás índias. Fez o corte das madeiras
em Afia , como na primeira vez. E ain-
da que o Bali o Portu^uez da Ordem
de S. Joaõ de Jeru falem defbaratou
também eíla frota no Mediterrâneo , e
me-
238 Historia dos Descobrimentos
: meteo féis navios no fundo, e tomou
Ann. de finco , falvou muita madeira de conf-
J. C truçaó, com que fez em Suez 27 em-
l5l5* DarcaÇ°^s5 galioés , galeras , fuftas , e
gelvas , nas quaes trabalharão diligen-
D* MA"tiiTimamente.
HOEl REI ^ fofça defte trabalho Raj3 So.
limaó , Corfario celebre , chegou a
lofo^ Alexandria , para lhe offerecer féus
soares ferviç0S> £ra hum homem de nafci-
d alber- mento humilde , natural de Mytikre
GARIA nas Ilhas do Archipelago. Tinha fi-
gover- £j0 nQ principi0 pirata , e adquirido
nador. alguma reputação ; porem as queixas
que os Turcos mefmo fizeraõ contra
elle á Porta, havendo-o feito incorrer
na indignação deita. Corte, veio cru-
zar nas Coftas d'Italia, e Sicília , onde
tendo feito prezas confideraveis fe
pôz em eftado de fe fazer receber
pelo Calife, com tanta mais eftima-
çaó , por fe aprezentar em melhor
Fortuna.
Com effeito Sultão Sampfon o
recebeo como hum homem , que lhe
era enviado do Ceo neftas circunítan-
cias , e logo o nomeou General da fro-
ta , que tinha feito apparelhar em Suez.
E lhe deo Ho~em para Tenente Ge-
neral , com ordem de o hir tomar a
Gidda 3 e de hirem juntos a Adem pa-
ra
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIL 2}p
ta o tomarem , e fe naó o podeííem
confeguir , que foffem conftruir huma Akn. de
Fortaleza na Ilha de Camarão , onde J. C.
fabia que os Poituguezes tinhaó ten- l^l^m
tado fazer huma.
Solimaó executou a fua commif- D* MA~
faõ com a maior fidelidade , e promp- NOEL REI
tidaõ que lhe foi poifivel , e foi a-
prezentar-fe defronte d' Adem. O Rei LOPO
cfAdem prevenido da chegada da fro- S?AR;:3
ta Mufulmana 3 e naó podendo duvi- D ALBKR*
dar das más intenções do Calife , com GAR1A
quem eftava mal , tinha pofto a Ci- GOvER~
dade em defença. Tinha tirado de NADOR«
Elach , e doutras praças dos feus Ei-
rados , poderozos foccorros de tropas ,
e munições , que havia enviado a Emir
Amirjam para poder fuítentar hum íl-
tio. Solimaó vendo o pouco cazo que
fizeraó da fua lubmiíTaó , bateo a pra-
ça com furor y fez huma grande bre-
cha , e tomando-a d'afTaíto 5 entrou na
Cidade. Porém perdeo ahi tanta gente ,
Í[ue admirado cl uma taõ vigoroza re-
íftencia , fe retirou , e foi para Cama-
rão para alli começar a Cidadella
que tinha ordem de fundar.
A moleíla vivenda deita Ilha 3
onde a fome , e a cede naó podiaõ
tardar em fe fazerem fentir, junta a
hum trabalho defagradavel 3 e oppoíto
ao
240 Historia dos Descobrimento»
— ao feu gemo a£tivo , e atrevido, teu-
Ann. dedo-Ihe defagradado , deixou Hocem
J. C. continuar a obra d'uma praça, de que
1516". ° Calife lhe havia deilinado o Gover-
no , e paíTb;i com a melhor pp.rre das
D. MA- ? r 1 • r 1
tropas a terra firme , para hir lenho-
0EL KE1 rear a Cidade de Seibit , que tomou.
Neíle tempo checou a noticia a
çL0P° Camarão, que o Caíife tinha paíía-
soares ^o ^ 5yrja na te{j.a d'um poderozo exer-
£> ALBER-c-t0 contra Selim Emperador dos Tur-
g^ria CQ3 ^ e qae Q t^1|ia desbaratado junto
gover- ^'Alep em batalha campal , e alli ti-
nador. n|m perdid0 a vida. Poíto que difto
naó houveíTe mais que hum rumor íur-
do, e incerto, Hocem que eílava pi-
cado de lhe terem preferido Solimaó
no Commando General , diíto fe ler-
vio paraíeduziras tropas que tinha com-
figo. Naó faltarão razoes , nem meos
para perfuadir a gente oprimida ; de
íbrte que todos dacordo deixarão a
liha , e fe retirarão a Gidda. Solimaõ
que diílo foi logo fabedor , para alli
correo da fua parte. Hocem lhe fe-
chou as portas. Eílavaõ para recorrer
. á força d'uma , e d'outra parte , quan-
do Muphti de Meca tranfporrado do ze-
lo de Religião , e horrorizado dos dam-
nos que hia cauzar eíla guerra civil ,
acudio a Gidda y e terminou as diíFe-
DOS PORTVGUEZES, LlV. VII. I4Í
tenças dos dois compitidores. Hocem
foi 'a victima dcfta ralça paz, poÍIoAnn. de
que delia defconriaífe. Solimaó íe ap- J. C.
poderou da fua peífoa com o pretexto j^kJ.
de o enviar ao Calife para o fenten-
cear , e o fez deitar fecretamente no D*^ MA~
mar com huma pedra ao pefcoço. Os K0El- REl
rumores da morte de Sampfom, ten-
ág-[c verificado depois, Solimaó fe de- L0PO
clarou por Selim , e difto fez ferviço b°ARES
para com o Sultão, que tendo no an- D AUER*
no feguinte acabado de deíiruir o Im- GARlA
perio dos Mameius, pagou a Solimaó G0VER~
o que tinha feito , e reconheceo feus NAD0R*
fervi cos.
EIRei D. Manoel , que tinha ti-
do noticias certas dos novos preparos ,
que o Calife fazia em Suez para eita
frota, de que acabo de fallar , havia
também enviado novas ordens ao Go-
vernador , e poderozos reforços para
hir combatela. Soares tinha fido iní-
truido d'outra parte por D. Alexo de
Menezes , que havia invernado em Or-
muz , duma parte das coifas , que eu a-
cabo de contar ;de forte que fem perder
tempo , fe meteo ao mar. A fua fro-
ta comporta de 47 navios , era a mais
belia , e a mais numeroza que 03 Por-
tuguezes tinhaó tido neílcs mares. A
ffcolha dos feus Capitães era de gen-
Tom. II, Q. te
24- Historia dos Descobrimentos
te valeroza , e diílincTa ; porém com
Aní:. c!c tudo multo interiores áquelles velhos
J. C. QjRciaes, que tinhaõ fervido com Al-
icigi meida . c com Albuquerque, e que o
dif^oílo do novo Governo tinha obri-
D* KA" §a<*° a pa'^ar Pela niaior parre defeon-
1',0ElKt!re!itcs para Portugal com D. Garcia
de Noronha.
Entrando no porto d'Adem , Soa-
soares res fa|vou a Cidade com toda a fua
d aleer- art;jhcrja ? e com grande numero de
caria iníirumeatofi , e trombetas , que ehj-
cevER- rQU pert:0 tje juas horas. A Cidade
nador. nao reipondeo ás falvas , o que ad-
mirou o Governador , e começou a
embaraçalo ; porque ellc naõ tinha
vontade de attacar a praça. Pouco tem-
p.0 depois fe certificou , vendo vir hum
efe? ler a íeu bordo com huma bandei-
ra branca em final de paz. A brecha
que Solimaó tinha feito, naó tinha fi-
do reparada. Amirjam em attençaõ á
neceílidade em que fe achava, enviou
trei peffoas das riais notáveis da Ci-
dade para levarem as chaves ao Go-
vernador , dizendo-lhe.,, Que elle fe re-
,, conhecia por vaílallo cTElRei de Por-
3, tugal, e deixava a Cidade á fua dif-
5> cripçaó : que haveria feito o mefmo ,
„ quando Albuquerque alli fe aprezen-
?, tou ; fe cfte General muito auílero
naó
DOS PORTUGUEZES , LlV. VIL 245
naõ tiveííe lo^o revoltado todos os
„ habitantes contra elle , e infpirado Ann. de
„ hum temor, que os obrigou a ie po- J. C.
„rem em defenfaó. „ m l ^
Nunca houve occaíiao melnor pa-
ra tomar Adem, e nelia conílruir hu- D* MA"
ma Fortaleza: e até o ultimo moço da k°elRei
frota , naó havia quem julgaífe que
naõ a deixariaó efcapar. Soares fó pen- LOPO
íou d'outro modo , e nem ie dignou soares
de convocar Confelho ibbre a conju- D albeR*
clura prezente. Fez refponder ao Emir, GARIA
que elle rezervava a íua boa vontade GOvER"
para á volta , que era obrigado a hir nador»
buícar a frota do Sultaõ para a com-
bater , que lhe pedia fomente alguns
Pilotos , e mantimentos que pagaria
bem. O Emir naó cabendo em fi com
goílo deita repoíta , que nunca tinha
oufado efperar , e efperando fó o fe-
liz momento da partida deita frota 3
fez quanto pôde para a apreffar , en-
viando-lhe quanto lhe pediaó , e ifto
com muitas attençoês , que Soares ce-
go tomou diíio accafiaõ de fe applau-
dir da enormidade do feu erro.
Levando ancora oito dias depois ,
fez derrota para o mar Roxo , e cui-
dou morrer no eítreito , por querer
andar de noite. Huma tempeftade , que
fe levantou, maltratou muito a íua Iro-
QL ii - *a *
244 Historia dos Descobrimentos
tá , e a pôz em grande perigo. Efca-
[os
ÍÍADOR.
Ann. degou delia com a perda de hum
J. C. feus navios , que eíbindo raó carr _
isió'. ^° das prezas, que tinha feito , foi ao
findo : digna recompença òa avareza
D' MA"do Capitão, que teve a mefma forte.
*otL REI que feus theícroros.
Depois d'outras muitas difgraças a
L0P0 frota fe aprezentou defronte de Gidda.
soar s q meJ;0 mtcntou affugentar todos os
** ALFiHR~ habitantes. Solimaó os aíTegurou. A
caria pjndencia do General Portuguez os
goviir- rranquiiizou ainda mais : he verdade
que o porto era de difícil acceííò ,
que fó lhe podiaó chegar por hum
canal torcido , que eftava fortificado
com alguns reduetos , e algumas bata-
rias. Soares intentou empenhar-fe allu
Em quanio elle perde o tempo em
irrezoluçoés, Solimaó, que conheeeo
que tinha negocio , lhe enviou pro-
por hum dezaho fó por fó. Soares te-
ve a prudência de naó aceitar. Seria
bem , fe tiveíTe oufado enprehender to-
mar a Cidade , e queimar a frota do Ca-
life , como podia, e que todos os Of-
fkiaes, que bramiaó de cólera, e ver-
gonha, o pediaó ; porém naó tendo po-
dido tomar ifto fobre fi , vendo-fe in-
fultado de todos os modos pelos ini-
migos , e naó podendo rebater as in-
DOS PoRTVGUEÍES , LlV. VII. 24$
jurias dos fcus , de que a maior parte >
niorriaó de cede , fez-fe á vela para á Ank. de
Ilha de Camarão. J. C.
Experimentou lá novas anguílias. irio\
Tendo tugido os habitantes , a penas
pôde alcançar alguns viveres duma D*
Ilha vifinha, onde alguns dos fcus fo- N0ELREI
raõ tomados por traição 5 e enviados
a Solimaó. Por falta de comodidades LOPC\
para acabar a Cidadella , que os Ma- S0ARES
meluz tinhaó já bem adiantada , o Ge- D ALBER"
peral a deftruio. A pefte , fome, ce- GARlA
de faziaó entre tanto furiozas deftrui- GOvER"
çoés na fua gente , as tempeílades KAD0R-
tendo-lhe também feito perder alguns
navios , e as nações das duas herdas co
mar Roxo eftando como conjuradas
para lhe negarem toda a forte de foc-
corro , tornou a pafíar o eilreito de
Babelmandei , e fei cahir fobre Zei-
la na Coíla d'Africa.
Eíla Cidade muito povoada , era
toda aberta , e fem defeníTaó , porem
como ahi tinhaó em pouco o Gene-
ral , do qual fábiaõ todos os deíaftres ,
o defprezo deo valor aos fcus habi-
tantes , que tendo feito fahir mulhe-
res 5 e as bocas inúteis , para as pôr
cm feguro no centro das terras , fe
armarão , e fizeraó hum bom appara-
to fobre a praia. A necellidade fez
com
LOPO
SOARES
D*ALBER
CARIA
COVER-
?í-ADOR.
246" Historia dos Descobrimentos
— — com que fe rezolveíTem a defembarcar.
Ann. de Os inimigos fe admirarão pouco , e re-
J. C. prehendendo aos Portuguezes a fira-
1516. queza que tinhaõ moílrado emGidda,
os iníultavaõ, prometendo-lhes que
elíe lhes faria melhor acolhimento ,
E1 do que lhes tinha feito Solimaõ. A
vanguarda , e o corpo de batalha ti-
nhaõ já poík> pé em terra , e fe im-
pacientavaó furiozamente das demoras
do General , que conduzia a reta-
guarda. O difgofto das fuás dilações
por huma parte 3 e a injuria dos in-
fultos dos inimigos pela outra , eítimu-
lando-o na fria obrigação , todos de
acordo cahiraõ fobre eíles habitantes
bazofios , que mal fuítentaraó a apof-
ra. Apenas fizeraó alguma reííílencia.
Ganharaõ-lhes a Cidade , entrarão por
huma porta , e fahiraó pela outra , an-
tes que o General , que procedia com
muito vagar , tiveíle cfefembarcado.
Foííe zombaria ou naó 3 Simaõ d'Andra-
de lhe enviou dizer , que fe apreífa-fc ,
que podia vir com toda a confiança ,
e naó acharia quem lhe fizeííe cara.
O cumprimento naó agradou muito a
Soares 5 e moílrou-fe muito picado ,
que lhe tirafferh a gloria que devia
ganhar nefta acçaõ.
A Cidade Yoi faqueada tomarão
alli
DOS PoRTUGUr.ZES , LlV. VIT. 247
alli algumas provizoés , mas poucas.
O Governador fez lançar fogo a to- Ann. cie
do o refto , cfperando provcr-fe abun- J. C.
dantemènte de tudo em Adem, a onde i^ió.
tornou cheio d'aquella confiança com
que tinha partido. Porem naò era já
tempo lo hábil Amirjam tinha-ie a- N0EL REl
proveitado do feu erro , e tinha-fe
fortificado o melhor que pôde. As bre- L P
chás efhvaó reparadas , as muralhas SOARES
guarnecidas darrelharia , e a Cidade D ALEER-
cheia de boa foidadefea preftes a de- GARI.\
fendela bem. Aifim naõ tendo mais GmiR~
nada que temer dum homem 3 que ti- :sAD0R#
nha logo perdido toda a fua eítima-
çaõ, e que no eílado cm que fe a-
prezentava , era mais capaz de exci-
tar a compaixão , que ao terror 5 negou-
lhe até efta mefma compaixão 3 naó
quiz coníentir que o fòrnecefíem de
viveres , e apenas permitio , que po-
deíTc fazer aguada, que lha fez pagai
muito cara. Nefta extremidade 5 Soa-
res confuzo , e redufido a hurna cf-
pecie de deíefperaçaõ voltou íbbre a
Cofta d'Ainca para á Cidade de Bor-
bora ; porém encontrando calmas , fe
vio obrigado pelo primeiro vento à
ganhar Ormuz , e de lá as índias ,
tendo perdido também na derrota hu-
ma parte da fua frota 3 que as tem-
pefta-
248 Historia dos Descobrimentos
peitados deítroçaraó , fem ter recolhi-
Ann. de do d'um armamento taó formidável
]. C. outro fruclo , mais que a injuria de na6
I-16. ter abfolutamente executado nada do
que EIRei lhe havia ordenado , e ter
d. MA" perdido por fua culpa duas das me-
noel rei JjjQfçg occazioens , que a fortuna lhe
poude aprezentar.
lop°n Quafi fempre huma infelicidade
soares ^ feguida cToutra. Em quanto Soares
3D aleer- çfay^ 0CCUpad0 da fua triíte expedi-
caria çg- ^ penfou Goa tornar ao feu pri-
cover- meiro Senhor pela falta do feu Go-
tiAD0R' vernador , D. Gutierres de Monrroi ,
homem de qualidades , e próximo
parente do General , com quem tinha
vindo ás índias provido por EIRei do
Governo deita praça. Exaqui a o-
ccaziaõ. Fernando Caldeira que tinha
fido pagem de Albuquerque 3 fe havia
eítabelecido em Goa com a protecção
dcíte General , e ahi eítava cazado.
Foi pouco depois aceuzado á Corte
de ter fido traidor , naó poupando a-
migos nem inimigos , e foi tranfpor-
tado a Portugal carregado de ferros.
Como era homem de juizo , defendeo-
fc também , que foi abíoluto , e ref-
tituido com honra. Tornou a paíTar
com Soares , e fe embarcou no navio
que commandava Monrroi. Eítando ef-
te
MA-
NOEL REI
D ALBER-
GARIA
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VII. 240
te em Goa tinha galanteado a mulher
de Caldeira, e na derrota, foíTc por- Ànn. de
que Caldeira alli defcubrilTe entaó ai- J. C.
guma coifa, ou que a lembrança do iri6\
paffado fizefTe nafcer idéas defagrada-
veis , tiveraó razoes taõ fortes , que
Caldeira deixando a frota em Moçam-
bique , paflbu a Goa noutra pequena
embarcação. Tendo chegado alli , e LOFO
tendo tido novas luzes febre as fuás S?A
fufpeitas , cortou a cara , e as couchas
a Henrique de Toro , que tinha fido
o medianeiro das intrigas de Monrroi. GOVI-R
Defconfiando depois da paixão , e da N'AD0R
vingança deite , numa praça onde el-
.le era o Governador , e vendo-fe d'ou-
tra parte fem protecção pela morte
d' Albuquerque, retirou-fe aPondá, pra-
ça do Idalcaó, e conduzio fua mulher,
e todos os feus bens. Ancoítan , que
alli governava pelo Idalcaó , Cabendo
que elle era valente , o recebeo com
goíto , e travou amizade logo com elle.
D. Gutierres obrigado pelo leu
amor, e dezejo de fe vingar , irritou-
fe muito com a retirada de Caldeira ,
e por diverfos correios naó ceHava de
foliei tar Ancoítan para lhe remeter ef*
te dezertor, para o caftigar. Ancoítan
que tinha probidade, naó quiz nunca
attender ás fuás propofiçoés , e fe of-
feri*
GARI A
GOVER-
NADOR*
25O Historia dos Descobrimentos
■ fendeo de que o quizcífem obrigar a
SÉLmn. de violar o direito da hofpitaiidade , e
J. C. d'aziio , o qual devia fer inviolável nas
15 16. terras de feu Senhor. Naõ aproveitan-
do eílas negociações , Monrroi fobor-
1 r nou hum Português chamado Joaó Go-
moel rei mçs ^ara aifa^nar Caldeira. Gomes
aceitou a commiíTaõ , e1 foi eílabeie-
cer-fe a Pondá. Caldeira que o co-
soares nviecja 0 recebeo cos braços abertos,
v" deo-lhe hum quarto da fua caza , in-
troduzio-o com Ancoílan , e lhe con-
íeguiú o feu agrado. Alguns dias de-
pois montando Ancoílan a cavalio , e
hindo paífear. com elles fora da Cida-
de , ringio Gomes ter que fatiar em
particular com Caldeira ; e o apartou
num pouco , e mata-o á viíla rnefrao
d' Ancoílan, e em defpique dos dois. An-
coílan irritado , maiidou-lhe no alcance,
c iem outra forma de proceífo ,lhe cor-
tou a cabeça, logo que lho aprezen-
.taraó.
Mais irritado ainda contra Ancof-
tan , do que tinha fido contra Caldei-
ra , Monrroi fentia ainda hum dezejo
mais violento de fe vingar , e naô o
podendo fazer com honra , quiz exe-
cutalo por huma traição. A fim de
melhor emcubrir o leu dcíignio com as
apparencias d5um fioiplez diyertim ci-
to ,
DOS PoRTUGUEZEÇ, LlV. Vil. 2$I
to , preparou-fe para dar htimas cava
lhadas , canas i e outros efpeclaculos Akn. de
pela Feita de Pentecoíles. Para o que J. C.
convidou toda a moei Jade da Cidade, j^i^,
e dos fuburbios, affim Porraguezes co-
mo Mouros, e Gentios, e com eíte D* WAm
pretexto , exercitou por muito tempo !;0EL REI
a fua cavallaria a fazer diveríbs mo-
vimentos, logo
No dia mefmo de Pentecoítes fo- S°ARES
bre a tarde , fem dizer nada do feu D ALEER-
projecto , tomou 8o cavallos , 70 ar- CARIA
cabuzeiros Portuguezes , e perto de GOvER-
quinhentos, ou ieiscentos Malabares, NADOR-*
que conduzio até ao Paço de Benaf-
tarim , onde checarão á entrada da
noite. Tendo-lhe lá declarado os léus
intentos , achou alguma difHculdade
nas pefíòas de probidade , aos quaes
eíta trahiçaõ nao agradou ; porem ten-
do entrepoílo a autoridade d'EíRei 3
pretextando-a com o bem do ferviço , os
íez partir na mefma noite para Pondá ,
depois de haver empenhado Joaó Ma-
chado, para deixar o governo do par-
tido a feu irmaõ D. Fernando de Monr-
roi. Machado mais experimentado do
que eíte , lhe acon Telhou , que f
raiTe hum desfiladeiro para aííegurar a
fua retirada ; o que ene fez. Porém
D. Fernando naõ foi taõ dócil ao con-
fe-
CO VER
2NAD0R.
25I Historia dos Descobrimentos
felho , que lhe deo de fazer o atta-
Ann. de que da noite , era quando todos efta-
J. C. vaó fepultados no fono. Quiz efperar
i~i6. ° ^*a c^aro3 ° (lue tendo-o feito def-
cubrir, Ancoílan paffou para á outra
d. ma- parre c|0 r|0 com as fuas tr0pas 5 e a
*ÍOEí- REI maior parte dos moradores , com que
fez hum corpo. Os Porcuguezes tcn-
•LOPO do entrado em Pondá alli paíTaraó á
soares ejpacja tucj0 0 que acharão; porém o feu
x> aluer- cõmmandante perdendo a efperança
^"*R^ de deílruir o batalhão quadrado , que
eílava d'além da ponte , e conhecen-
do o erro que tinha cometido , man-
dou dizer a Machado , que fe retiraííe
com a fua infantaria , e que elle hia
fazer o mefmo com a cavalhria, com
a qual elle o defenderia.
Ancoílan , tomando eíla retirada
como huma fugida , paíTa a ponte : dá
íbbre D. Fernando , e faz chover fo-
Lre elle huma taó grande quantidade
de flexas , que o pôz em deíordem , e
o fez cahir fobre a fua Infantaria ,
que foi ainda mais perturbada , e fe
poz em derrota. Peior foi ainda quan-
do chegarão ao desfiladeiro : aqueiies
Que o deviaó guardar , tendo-o aban-
donado para terem parte no faque
da Cidade de Pondá , naõ deixou Án-
coftan de o oceupar , e aproveitando-
fe
DOS PoRTUGVEZES, LlV. VII. 2$$
fe da vantagem do lugar , metco os ■
fugitivos cm hum taó grande aperto, Ann. de
que naó foi mais que huma carniceria. J. C.
Machado , para dar lugar a D. Fcr- 1516.
nando de fe efeapar , fez-fe firme por p
ateum tempo , e mataraó-no depois ^" *
, c r • J- • J i NOEL REI
de ter feito prodígios de valor , para
naó cahir nas maós dos inimigos. Se
elles tivciTem. querido , quafi ninguém
efeaparia deite partido. Com tudo ti- /
K . J r IT ' D ALEER-
verao lugar de le liíongcarem : ficarão
firtcoenta Portuguezes na praça ; hou-
veraó 27 prezos , e mais de cem In-
dios mortos , ou prizioneiros. D. Fer- *
nando de Monrroi falvando-fe com tra-
balho , e com muito pouco fequito ,
chegou a Benaftarim, onde D. Guttie-
res o efpcráva , foccegado feu eípiri-
to do goíto da vingança , que jul-
gou tomar de Ancoítan , e naó atten-
dendo a nada menos , que á fahi-
dad'um taó triíte acontecimento.
Aconteceo mais. Ancoffcam fober-
bo da lua vicloria y e indignado def-
ta complicação de perfídias d'um fó
homem , deípachou logo para o Uai-
caó ^ a lhe dar conta do que fe tinha
paííado , defpertando-lhe a efperanç 1
de fe fazer Senhor de Goa 5 que a
infracção da paz lhe dava direito de
attacar , e que eftando bem debilita-
da
GARIA
COVER-
254 Historia dos Descobrimentos
da pela perda que acabava de experimen-*
Ann. detar, cheia de triíleza , e medo, faria
J. C' taó pouca reíiíleiícia, que naõ eftando
ir 16. aparelhada para fufter hum fitio, naõ
poderia Ter íoccorrida , por eílarem na,
d. entrada do inverno. O Idalcaó tinha
KOEL KEI £eitQ Jiuma tregoa com 0 J^e: ^e ]^a]>
íingà. Âproveitou-fe da conjuntura ,
lopo e £ez partjr Surolarim com fmeo mil
soakes cava]ios ^ e vmtc e feis mj| homens
l~de pé. Sendo ifto junto a Ancoftan ,
oceupou todos os portos da terra fir-
me. Na verdade naõ pôde chegar a
*~4DOR. entrar na jjj^ . p0réin fechou-lhe tam-
bém todas as paíTagcns , que Goa a-
pertada peia fome eítava na precizaô
cie fe render, a naõ ferem os foccor-
ros que ihe trouxeraó Joaõ da Silvei-
ra , que tinha invemado em Quilca ,
Rafael Pereílrello que voltava de Ma-
laca, e António de Saldanha que vi-
nha efle anno de Portugal com hu-
ma efquadra de íeis navios. Que cri-
mes naõ comete hum homem empre-
gado que naó teme fer punido ! E
quam dignos de compaixão faó os
Reis , fe os naõ conhecem , ou fe naó
tem força para os caíligar.
A avareza , e a concorrência de
dois competidores , pozeraó Malaca nos
mefmos nicos em que Goa fe tinha,
vifto
J50S PoRTUGUEZES , LlV. "\rIT. 2$£
vifto reduzida por hum louco amor. — > — — —
Jorge de Brito , que íuccedeo a Jorge Ank. de
d'Aibuquerque em lugar de foccegar os J. C.
ânimos, que o íupplicio do Rei de Cam- jri6#
par havia aili cauzado , naó fez mais
que irritalos peia Tua mdiícriçaó. A D* MA~
Corte mal informada lhe hia dando or- KOEL REI
dens , que Jorge d'Àlbuquerque lhe a-
eonfelhou que naó íeguiíle 3 prevendo LOPO
os inconvenientes que lhe acontece- S°ARES
riaó. Eiras ordens pretenciaó aos Am- D ALBER"'
bar ages , e Balfates , que fe chama- GARlA
vaõ os eícravos do Rei. Eíta gente COvEa»
era fuftentada pelo Fifco. Eraó fó NAD0R*
obrigados a certos trabalhos ; fora dif-
fo os deixavaõ viver em paz com as
fuás famílias 5 com fuás mulheres , e
filhos. Brito feguindo as fuás initruc-
çoens , lhes diminuio os foldos , e os
fez verdadeiramente eferavos , repar-
tindo-os entre os Portuguezes. No
mefmo tempo intentou meter Portu-
guezes em todos os Juncos , e navios
que aberdavaõ á Malaca, para faze-
rem commercio. Eítes odiozos difig-
nios diílados por numa infaciavel cu-
bica , e contra todas as regras da pru-
dência , reduzirão a Cidade a huma
total folidaó 9 e a fez padecer mui-
to. Em vaó quiz Brito corregir o que
tinha feito , naó o pôde conieguír , e
nefte difgoftg morreu. Sua
2$6 Historia dos Descobrimentos
— Sua morte foi feguida cTuma caJ
Akn. de lamidadade para efta pobre Cidade.
J. C. Eftando para morrer nomeou Nuno
\c\6t Vaz Pereira 5 para governar em leu
lugar. Pereira fe tinha apoderado da
d. ma- c^icladella , onde fe confervava em vir-
koel rei rijc je£a nomeaçaõ 5 e também das
ordens da Corce. António Pacheco ,
lopo qlie era Capitão do Porto , e Gene-
soaf.es r;^ fo mar nefi.as paragens , preten-
d aí.ber- (]eo ^ue |jie pertenceffe o governo ,
gari a Q çc va[eo t]a ordem que o grande Al-
gover- buquerque tinha eflabelicido , fubíli-
kaeor. tuincj0 Fernando Peres d' Andrade a
Rui de Brito Patalim , fuppofto que
eíte faltaífc fobre ifto 3 os Portuguezes
fe dividirão em duas facções. Pache-
co , que queria evitar as occaíioês das
vias de faclo , fe retirou com a fua
frota para huma pequena Ilha vifinha.
Hum dia 3 que Pacheco tinha vindo a
Malaca para ouvir MiíTa , bem acom-
panhado 3 Pereira appareceo ao poftigo
cia Fortaleza, chamou-o, e moílròu que-
rer entrar em ajuíte por via de lou-
vados. Pacheco fubio na boa fé , e
foi apanhado com alguns dos feus
partidifhs. Efta violência acendeo os
ânimos , e augmentou o fogo da di-
vizaó. O Rei de Bintam aproveitou-
fe delia. Fez avançar hum corpo
DOS PoUTTGUÈZE?, LlV. VII. Isrf
tk tropas hum Raja , que eírava a
feu ferviço , chamado Cerebige , que Ank. de
tinha adquirido muita reputação entre J. C.
os feus. Efte veio acampar- fe a finco 1516,
legoas de Malaca na entrada do Rio
Muar. Fortificou-fe de modo alli , que
naó poderão lança-lo fora. Dahi fa-
zendo coríbs por mar e terra 3 incom-
modou de modo a Cidade , que ne- LOPO
nhum navio oufava apparecer ; o que'','
com o tempo teiia abatido eíla pra- ° ALBER*
ça , fe huma Providencia particular t,AK1A
naó tiveííe velado fobre es Portugue- GOVER*
zes , d'alguma forte , a pezar delles NAIX0R»--
mefmos.
A conduéía deites naó era me-
lhor por todo a parte ; como fe a mor-
te d'Aíbuquerque tiveííe efpalhado en-
tre eiies hum efpirito de loucura , e
que fe ajuílaífem para trabalharem em
íe deítruirem : de/ forte que encorren-
do ao mefmo t^mpo no defprezo , c
indignação dos/Gentios , e Mouros 5
pareciao que lhes infpiravaó valor ,
para fe fablev^rem contra elles. Ena
Baticala houveraó 27 mor los em hum
levantamento. Em Cochim outros fin-
co , que tinhaó hido á caça na terra
firme , riveraó a mefma forte. Pouco
faltou, que naó ãíIãcinaiTêm em Coulaó
todos os que ali fe achavaó. Heytot
Tom. II, R Ro^.
258 Historia dos Descobrimentos
Rodrigues, que ahi tinha fido envia""
Ann. de do , para procurar a licença para fe
J. C. conílruir numa Cidadella , evitou o
l<i6. §°lpe Pe^as ordens feveras que deo
para ninguém fahir , e de eílarem íem-
D' MA" pre acautelados. Quinze fuftat de Me-
líOEL rei {[que jaz correra5 foSre Joaó de Monr-
roi , que cruzava fobre as Coftas de
Cambaia. Hum Portuguez arrenega-
soares jQ conc]uzia a empreza , e lhes fez
d alber- naj-cer a efperança de o tomarem : a
garia vont:a<Je nao lhes faltou ; porém Monr-
cover- rQ- os desbaratou. Contraverteraó , cm
vadok. ocjj0 a Albuquerque , as principaes
condições do tratado , pelo qual o
Rei das Maldivas bfe havia feito vaf-
fallo d'E!Rei de Portugal , e aliena-
rão o efpirito deite Príncipe. Final-
mente os Reis de Pegu , e de Ben-
gala por íl meímos fe retirarão da
aliança dos Portuguezes.
Era tempo que o Governador
General volt alte da fua expedição pa-
ra remediar todos eíles males , e foi
logo a que fe applicou. He verdade
que quando chegou teve alguns dií-
goftos , que flzeraó huma diverfaó no
feu efpirito. A Corte quartava , e li-
mitava a fua autoridade. Porque alem
de nomear todos os Governos , que
cftavaó antes no arbítrio do General,
■ en-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIF. 2^0
envio também Fernando cT Alcáçova — =
por Intendente da fazenda e direitos Àhk. de
cTElRei , e tinha dado huma comiiTaõ J. C.
particular a António de Saldanha , para 1516".
cruzar íbbre toda a coita da Arábia ,
com poderes muito amplos , aííignando- ' MA~
lhe hum confideravel numero de na- NOEL REl
vios. Soares teve difto muito difgoito.
Porém depois , como hum Governador
/-' 1 r l r • SOARES
Geral le reconhece ter iempre a pnn- ,
cipal aucloridade na maó , e que D A^BEK"
neita diftancia naó faltaó preteítos, nem A*-!A
cores para interpretar, ou fui pender ('Ú^ER~
as ordens da Corte , Soares tanto í,ADOR#
fez , aílim por fi , como pelos feus ,
que difgoftozo Alcáçova , tornou para
Portugal neíte mefmo anno com os
navios de tranfporte. As queixas que
fez produzirão feu erTeito , e fe fize-
raó fentir a feus adverfanos no feu
retorno. Porque d'enta5 fe eítabeie-
»ceo o coílume de mandar citar os Go-
vernadores perante o Tribunal da Fa-
zenda Real para aili darem conta.
Naó deixou com tudo de achar meios
occuitos para efcapar depois ao rigor
deite Tribunal. "No que refpeita a
António de Saldanha , foi obrigado
a conte. ntar-fe com huma efquadra me-
díocre , com a qual naó fez outra coi-
ia mais, que tratar a Cidade de Eor-
R ii bo-
GARIA
GÕVER-
ttADOR.
l6o Historia dos Descobrimentos
r bora cio mefmo modo que tinha fido
ÀNN. de a de Zeila.
j. C. Soares defpachou depois D, Alei-
1516. xo de Menezes para Malaca , a quem
deo três navios , com ordens d'ahi ef-
tabelecer Governador Affoníb Lopes
íh)el rei ^ (30fj-a ? e Duarte de Mello em Ge-
neral domar, e de fazer paliar Duar-
te Coelho a Siam , a fim d ahi reno-
50 ARES ,. r> • v ■
. , ? var a aliança com o Kei , e obrigar
efte Príncipe a mandar feus navios a
Malaca , para animar o commercio
deita Cidade. Enviou também Ma-
noel de Lacerda a Diu , D. Triítaó
de Menezes ás Molucas , e D. Joaó
da Silveira ás Maldivas , donde devia
paliar a Bengala, e de lá tornar á
Ilha de Ceilão , fobre a qual o Go-
vernador tinha intentos.
D. Aleixo de Menezes fatisfcs
bem a fua commiíTaó. Nuno Vaz Pe-
reira era morto , e tinhaó-fe alevantado *
dois novoi Competidores, mais aííiduos
ainda do que os primeiros ; de forte
que d ambas as partes era prccizo ef-
tar prevenido : tanto , que o Rei de
Bintam aproveitando-íe delias difcor-
dias , tinha formado hum novo cam-
po fobre o rio Muar , para aproveitar
o de Cerebige , e inteirava de moda
«Malaca , que a tinha como finada.
Me-
DO? POPTVGTJEZES ^ LlV. VTI. l6i
Menezes teve trabalho para tranquili -r
zar os Portuguezes. Naó era efte o A: :n. de
tempo de punir os culpados , conten- ]. C.
tou-fe de foltar Pacheco, e os outros iç\6.
prezioneiros , e de ordenar a lmns , e
outros , que efqueceííem as injurias D' *
paliadas. Coelho, que Menezes envio NOEL RE*
a Siam , fegundo as ordens que ahi
havia executar, confeguio perfeitamenr TOPO~
te a lua negociação , e na lua reti- ^ares
rada foi devedor a huma tempeftade , D ALB1:R~
d'outra boa fortuna que naó procurava. GA*IA
Porque fendo deitado fobre as terras GCnEH~
do Rei de Pam , genro de Mahmud KAD0R- ■
Rei de Bintam , que eftava mal com
feu fogro, efte- Príncipe recebeo Coelho
com todas as demonftraçoés poffiveis
d'amizade , e fe fez vaíTallo de Por-
tugal , obrigando-fe a pagar hum va-
zo d'oiro dum certo pezo por tributo
annual.
Fernam Peres d' Andrade tendo
chegado entretanto das partes da Chi-
na , onde tinha fido enviado , como
diremos noutro lugar, Malaca fc achou
hum pouco aliviada , e o Rei de Bin-
tam muito deftruido. Porém efte Prín-
cipe recorrendo a feus artifícios ordi-
nários , moitreu querer paz, e fez pro-
pofiçoês , de que fe naó queria fervir
fe naó para entreter > fabenco bem que
An-
GARI A
GOVER-
NADOR.
161 Historia dos Descobrimentos
'" Andrade , e Menezes naõ fariaõ longa
Ann. de refidencia em Malaca. Com efFeiío eí-
]. C. tes dois OfHciaes , que artfiaó em deze-
içi6. j°s ^e voltar para Portugal, quizeraõ
a penas começar huma negociação ,
de que deviaó mandar a concluzaõ ao
KOEL REI r^ 1 j • r
Governador , e partirão o mais prei-
tes que poderão , trazendo configo
quafi todas as forças de Malaca.
soares ■ Enta5 Q Re| de Binram tjrand0
l" a mafcara , appareceo diante da Ci-
dade taó innopinadamente , que Cof-
ta , que efperarva a concluzaõ da paz,
cuidou que o timavaõ com a praça nos
primeiros momentos do afiai tò. A frota
inimiga compoíta de 85 embarcações
das chamadas Lancharas , e Calaluzes3
appareceo primeiramente no porto , e
lançou fogo a dois navios mercantes ,
e a huma galera , que naõ poderão
foccorrer , por cauza de citar na bai-
xa mar. Havia em Malaca fó 70 Por-
tuguezes , a maior parte doentes. O
medo lhes fez paííar a febre. Todos
fe armarão para correr ao porto \ po-
rém no tempo que para ahi correrão ,
o exercito do Rei de Bintam appa-
receo da outra parte. Foi huma efpe-
cie de milagre , que neíle momento
de perturbação naõ foííe a Cidade to-
mada. Mas a pezar da defordem rn-
fepa-
D. MA-
NOEL REI
LOPO
SOARES
d'alfer-
GARIA
GOVER-
NADOR.
TOS PoRTUGUEZES , LlV. VII. lé^
feparavel deftes attaques innopinados ,
índios, e Pcrtuguezes , fizeraõ tam- Ann. de
bem o feu dever, que o Rei de Bin- J. C
tam , tendo-fe enregelado perto de 20 1516.
dias diante da praça , foi obrigado a
retirar-íe para o íeu campo de Muar ,
limitando-fe , como d'antes , a evitar
os viveres aos fitiados.
Por efte meio pode fer tivefíe con-
feguido fazer cahir a Cidade , fem hu-
ma acçaó , que d'um hofpede lhe fez
hum inimigo , do qual recebeo de-
pois hum damno , que lhe fez perder
hum dos feus dois campos. Tinna to-
mado hum Java homem rico , e po-
derozo , que vinha eílabelecer-fe em
Malaca com toda a fua família , efte
Java tinha huma mulher muito bella ,
de que o Rei fe apaixonou , e foi
correfpondido. O Java fe eííimulou
logo da affronta que lhe era feita, e
cheio de dezejo de fe vingar , paíTa
fecretamente a Malaca , poem-fe a ref-
ta d'um corpo de Portuguezes , fuften-
tado da parte do mar por Duarte de
Mello , atraca o primeiro campo de
Mahmud , e o tomou ; infeliz com
tudo na fua vingança porque alli foi
morto.
D. Jcaó da Silveira foi feliz na
fua viagem ás Maldivas. O Governa-
dor
GARI A
GOVER-
NADOR.
264. Historia dos Descobrimentos
— ■ dor o dezejava com paixaõ , para ò
Ar::, de que tinha muitos motivos. Elias Ilhas
J. C. compõem hum Archipelago de fronte
1516Y da peninfula da índia á quem do Gan-
_ ges , quafi a 70 legoas da Coita, do Ma-
'D' MA labar. Os Árabes as contaõ por mi-
KOEL REI ,1 • • ,
lheiros , a maior parte de pouca ex-
tençaó, e feparadas humas das outras
LOPO J r -r
por canaes muito pequenos. 1 em-nas
s res reparticj0 em treze partes, que os In.-
L" dios chamaó Atcllons , e que fe
dividem por muis largos braços de
mar. Todos fe perfuacíem 3 que cilas;
flzeraó n'outro tempo , com a Ilha de
Ceilão 3 parte do continente 5 e que
foraõ feparadas por alguma violenta
revolução fuecedida na terra. O que
poderia favorecer eíla opinião he3 que
fe ve ainda no mar grande numero
de coqueiros. Os fruclos que as tem-
peílades arrancão , e que vem á fu-
preficie d'agua , faó muito procu-
rados , e fe vendem bem , porque
os eílimaó como hum antídoto taó ef-
flcaz , como o bezoartico. Os coquei-
ros que creíTem nas índias 3 faó a
maior riqueza do paiz. He de todas
as arvores a que tem mais uzos , af-
fim como os antigos efereveraõ do Lo-
tos y e da planta Papyros. O princi-
pal de todos he 3 que fornece o Cai-
ro ,
MA-
1503 PORTUGUEZES , L\V. VII. léf
ro , dandolhe matéria para ás cordas. =2?
Ella confiíte nos fios que le achaó Ann. de
entre a primeira cafca , e o craneo, ]. C.
ou corpo lignozo do coco. Efta ma- jri6\
teria ne taó abundante , que tem
para fornecer com factura a Afia , e
Africa, e para dar parte á Europa. O N0EL RE
paiz produz além difto diverfas qua-
lidades de frucfos. Tem minas d'oiro , LOpo
c prata 5 pedras preciozas , conchas SOA
que fervem de pequena moeda nas D ALEER"
índias. Acha-fe também quantidade de GAR1A
Âmbar de toda a efpecie nas Coíhs. G0VER"
Eíhs Ilhas reconheciaó hum Sobera- NAD0R'
no , o qual fazia a fua refidencia em
ívíále , Capital , que dá o nome a to-
das as outras.
Qusndo os Mouros negociantes
das índias fe viraó expoftos aos cor-
fos dos Portuguezes, que pertenderaó
logo fer os únicos Senhores do mar ,
abandonarão as Coitas , e tomando
mais ao largo , a fim de lhes efcapa-
rem, faziaó derrota pelas Maldivas,
e de lá hiao carregar á Malaca , á
Sumatra , nas outras Ilhas da Sunda,
e em todas as paragens cnde os Por-
tuguezes naõ eítavaó ainda eftabelici-
dos. D. Franciíco cí'Almeida fendo dií-
to inílruido , enviou D. Lourenço feu
filho para defcobrir eftas Ilhas , com
... ■ -; ordem-
LOPO
SOARES
D ALBER
CARIA
GOVER-
NADOR .
26*6* Historia dos Descobrimentos
ordem de cruzar fobre efta paragem.
<Ann. de Aílim D. Lourenço d'Almeida roi o
J. C primeiro dos Portuguezes queahifoi:
15 16. com tuc^° pofto que alguns Autores
aifirmaó , que elle thi naó abordou ,
D* MA~ e ou foíTe por fe defviar , ou por
1 que os ventos lhe foliem contrários ,
defcobrio fó a Ilha de Coilaó , de
que tomou poííe em nome d'ElRei
de Portugal , tendo ancorado no por-
to de Gália, e feito hum tratado d' a-
liança com o Rei.
O que reinava entaó nas Maldi-
vas , tinha hum competidor , que pof-
fuia algumas deitas Ilhas, e tomava
também o titulo de Rei. Era efte hum
Mouro de Cambaia chamado Mama-
le, eílabelecido no Malabar, e ami-
go dos Portuguezes. F0i eíle o mo-
tivo que chegou feu Competidor a
procurar a aliança deites , e volunta-
tariamente fe fez tributário da Coroa
de Portugal , com a condição que
obrigaria Mamale a renunciar ás fuás
pretençoés. Mamale o fez em confi-
deraçaó a Albuquerque ; porém os
inimigos deite grande homem, tendo
zombado da fua condescendência , quiz
tornar entrar nos feus direitos , a-
poyado mefmo pelos Portuguezes, o
que defgoítou muito o Rei das Maldi-
vas. Com
COS PoRTUGVEZES , LlV. VII. l6j
Com tudo fobre as inítrucçoés , —
que Albuquerque tinha dado aCofta,ANN. de
deitas Iltías , e das vantagens que J. C.
d'ellas poderia tirar EIRei , D. Manoel j «^
deo ordem a òoares que dirigiffe o
animo deite Príncipe , e formaííe hum D* MA"
eílabelicimento folido nos feus Efta-NOELRE1
dos. Em confequencia deitas ordens
he , que Soares tinha defpachado Sil- LOPO
veira. Como eíte tinha em fuás inf- S°ARES
trucçoés ordem para prometer ao Rei D ALBER~
toda a fatisfaçaõ , que podeffe dezejar, GARIA
obteve também quanto quiz. gover-
Era no mefmo tempo ordenado NAD0R#
a Silveira , que deífe caça aos navios
que tomavaó cila derrota do largo , e
principalmente a hum Mouro Guza-
rate chamado Aile-Cam , que tinha fe-
te embarcações a remos , com as quaes
devia comboyar féis navios de Cam-
baia 3 e impedir que naó trouxeflem
ás feitorias Portuguezas o Cairo , ou
eíla matéria para cordas que fe carre-
ga nas Maldivas. Silveira bem deo
caça a Ale-Cam ; porem eíte , que
conhecia perfeitamente o laberinto de
todas eítas Ilhas , lhe efeapou fempre ,
canfou-lhe a paciência , e o obrigou a
hir-fe fem ter feito outra coifa , que
tomar dois navios, que vinhaõ de Ben-
gala , e que envio a Cochim.
%6S Historia dos - DescobstmentoS
A preza deftes dois navios , f{
'Ann. de cauza de fer taó mal fuccedido nó»
J.-C. Reino de Bengala, como o tinha íi-
!-l7 do bem na Corte do Rei das Maldi-
vas. Os navios que Silveira tinha to-
_d. ma- mâ(|0 pertenciaó ao cunhado do Go-
?0ELREl vemador de Chatigan , Cidade do
Reino de Bengala, onde Silveira foi
LOPO ancorar. Hum moço deites navios a
soares penas. pôz pé em terra , declarou fer
D.ALBER~ Silveira quem os tinha tomado, e que
caria e^e ^ e tocjos os <ja fua cometi va era'5
cqver- làdfoens , e velhacos. O que mais
k-\PQr. certificou eíla opinião , foi a maneira
com que Silveira fe comportou a ref-
peito de Joaõ Coelho , que Fernam
Peres d'Andrade enviara á Cofta de
Bengala em nome d'ElRei de Por-
tugal , de quem paliava por Embai-
xador. Porque tendo Coelho inocen-
temente hido a bordo do nivio de Sil-
veira j eíle , que queria ter a honra
d'efta Embaixada , reteve Coelho pri-
zioneiro. O Governador de Chatigan
que amava Coelho , e que naó podia
duvidar , que elle naó tiveííe hido lá
em nome d'E!Rei de Portugal , naõ
pôde deixar de concluir defta deten-
ça^ , de que era com eíreito hum
pirata , Portuguez na verdade , mas
que o medo de fer punido por algum
cri-
LOPO
ARES
d'alber-
1)0S PoRTUGUEZES , LlV. VII. 26*9
crime peio Governador General , o ha — -
via obrigado a tomar efte expedien- Akn. de
te j de forte que tendo toda a Cida- J- C
de fublevado contra elle , teve muito 151-7.
que fofrer , aíKm pela fome . como
71 xi j D. MA*
por cauza dos moradores , por todo o
inverno , que rói obrigado a paliar nei-
ta enfeada. Coelho , dando-fe-lhe a li-
berdade , ordenou hum pouco os feus
negócios , imas o ódio que tinhaó á-
quelle , fez com que lhe urdhTem hu-
ma traição , em que fizeraõ entrar o GARlA
Rei d'Árracan. Silveira lhe efcapou GOvER*
felifmente. Gom tudo vendo o pou-NA
co que adiantava , e perdia o feu tem*
po, parcio para fe hir ajuntar com o
General na Ilha de Ceiíaó, onde des-
via eftar oceupado a conílruir huma
Cidadella , cujo Governo tinha Soa-
res promitido dar a Silveira.
Ceilaó era hum grande objecto
para os Portuguezes : e Coita tinha
também dado as ordens prefixas ao
Governador para ahi fe eílabelecer ,
e fundar huma Fortaleza. A Ilha que
he duma forma quafi oval, e coloca-
da defronte do Cabo Comorim para a
ponta da Peninfula d'aquem do Gan-
J;es , tem quaíi 70 legoas de compri-
o , e perco de 50 de largo. Pare-
ce que a natureza a fizera para recreio,
e el-
270 Historia' dos Descobrimentos
v T e ella ainda hoje conferva com que
?h'c e autorizar a opinião dos fcus morado-
J* S* res, que crem 3 que lá era o Paraizo
I5X^- terreítre. O Teu ar he muito faõ 5 e
d. ma- a terra por extremo fértil. As arvo-
KOELREires de canella difundem hum cheiro
dos mais fuaes , que fe fentc bem
lopo longe no mar , e a annuncia antes que
soares a vejaõ. As arvores de que a tiraó,
D'ALBER-as larangeiras, e cidreiras formaó bof-
garia quês efpeflbs , e preciozos , fem pre-
gover- cizarem de cultura. Tem muitas pe-
kador. dras preciozas. Tem minas d'oÍTO ,
prata, e outros metaes. Pefcaó fobre
as fuás coitas muito bellas pérolas.
Os Elefantes faõ mais fermozos , e mais
dóceis , do que em nenhuma outra
parte das índias. Os Ilheos profeííaó
pela maior parte a Religião antiga do
paiz , tal como lha enfinaó os Brach-
manes. Tem particularmente huma
pura veneração a hum monte , que fe
eleva no melo da Ilha , que os Por-
tugueses chamarão Pico d' Adam. Vef-
fe fobre o feu cume huma ou dua3
pegadas , que os Ilheos dizem ler dos
pés do primeiro homem. Pretendem,
que lá he que elle foi xreado , c que
foi fepultado com fua efpoza , íob
duas pedras fepulchraes , que ainda
alli fe defcobrem , pelo que referem
ai-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VII. Ijí
alguns Autores. Pofto que efte mon- ■
te feja extraordinariamente efcarpado , Akk. de
e que fe naó fubá fem atraveííarem J. C.
horrorozos precipícios , e contínuos \r\%t
perigos de morte , os devotos do paiz ,
c principalmente os Jogues por eile D* MA"
fazem frequentes perigrinaçoés , para NOEL REl
fatisfazerem á fua devoção. A Ilha
era dividida em nove Reinos, de que LOPO
o principal era o de Colombo , onde S°ARES
o General tinha ordem de hir. D ALBER~
Soares tinha invernado em Co- CARIA
chim , para fazer os preparos da fua GOvER-
cxpediçaó , no que trabalhou com KAD°R»
muito mais ardor , por ter fabido , que
lhe enviavaõ hum fucceíTor, intentou
<pe a fua vinda o naó furpreendefie ,
e lhe arrebataííe huma pequena glo-
ria , de que tinha muita precizaõ , pa-
ra reparar hum pouco íuas difgraças
paíTadas. Partio em fim perto do mea-
do de Setembro com huma frota de
17 navios , fete para oito centos Por-
tuguezes , muitos Naires de Cochim ,
e algumas tropas Malabares. Com
brevidade chegou á vifta de Coilaó ,
e aportou á Galle , onde os ventos
contrários o demorarão quafi hum mez.
Donde fazendo-fe á vela para Colom-
bo j na eftrada vio huma pequena ba-
cha que formava hum beliilimo por-
to,
GAR1A
GOVER-
NADOR.
272 Historia" dos- Descobrimentos
^~ to , na qual fe lançava hum rio qiiç
íAnn- ^e vinha cias terras. Demorou-fe alli , rer
J. C. zoluto a edificar a Fortaleza nefte
1518. fitÍP- Defpachou logo para o Rei a
pcdir-lhe licença. Eíte Principe afias
-j ' '""antevia os inconvenientes deita peti-
• L çaó , que foi bem combatida no feu
Confelho. Porém refleclindo nas van-
tagens que o Rei de Cochim tinha
tirado da fua alliança com os Poriu-
D ALBER- , • T 1 o
guezes, pelo meio dos quaes eltava
rico , e poderozo de muko pequeno
Principe que era , captivado além dif-
íb pelos prezentes y e boas palavras
do Enviado do Governador 9 conce-
deo tudo com a melhor graça do»
mundo. Porém os Mouros eltrangei-
ios , que fe achavaò nos feus portos 5
lendo trabalhado para fazerem mudar
efta rezoluçaõ , naó fomente o Rei
fe'retra£k>u ; mas fez ainda tanta di-
ligencia para fe pôr em defeza , que
Soares achou no outro dia huma ef-
pecie de entrincheiramento feito no lu-
gar onde queria fundar, e battaiias
preparadas que começarão a atirar-lhe.
Menos admirado , que indignado»
da ligeireza do Principe , que lhe fal-
tava á palavra , naó duvidou de o at-
racar , e depois de alguma reílítencia
forçou, o entrincheiramento onde per-
deo
DOS FoRTUGUEZES, LlV. VII. 1"J^
deo alguns dos íeus , e entre outros —
Veriífimo Pacheco. Porém a perda Ann. de
dos inimigos foi mais confideravel. J. C.
Determinado a edificar a fua Forca- 1^3^
leza com beneplácito , ou fem elie ,
o Governador tez abrir hum foíío fo- D# MA~
bre huma das pontas da Bahia, e ie- K0EL RKI
vantou daquem hum muro de pedra
para cobrir os gaftadores. O Rei LOPO
vendo o muro levantado , e defcorfoa- s °f AR ES
do pela primeira defgraça , enviou a D ALBER"
dar defculpas , e requerer que fe fe- GARIA
guraííe a negociação. Soares confen- GOVER-
tio niffo ; porém acrecentou que era NADQR«
juílo , que em caftigo da traição que
lhe tinha feito , fe fizeífe vaítallo da
Coroa de Portugal , e pagaíle hum
tributo annual > d'huma certa quanti-
dade de Canela , de Elephantes , e
de pedras preciozas encravadas em fcus
anéis. Em tudo confentio : a Cida-
delia fe fez com huma grande di-
ligencia, fornecendo o Rei os OfRciaes,
e os materiaes. Soares tendo dado o
Governo a Silveira , e deixando Antó-
nio de Miranda para commandar nefta
paragem , tornou a partir para Co-
chim , onde achando Dioço Lopes de
Siqueira feu fucccíTor , lne entregou
o Governo da índias , e fe fez á ve-
la para Portugal , onde chegou em Ja-
Tom. II. S nei-
274 Historia dos Descobrimento*
neirc de 1519 mais rico dos bens que
An?;, de trazia do novo Mundo , que de glo-
J. C. ria que ahi tiveiTe adquirido.
j^Tg Diogo Lopes de Siqueira que íuo
cedeo a Soares , naó tendo me-
d. ?íA-jkor fortuna do que clie , naó teve
koel rei tarn-jcm n:íAà em que 0 reprehender.
Proveo logo nos difrerentes governos,
piòGo fegando as ordens que tinha da Cor-
lopes de te ^ expedio os navios de carga para
siqtJEi- Q Reino 5 e reparcio os que deviaó fi-
ra ao- cir nà índia , legundo o para que os
verna- ciftinava. António de Saldanha teve
dor. ordem de hir cruíàr fobre as Coíhs
da Arábia, em quanto o General fe
preparava a hir lá reparar as faltas de
leu predeceflòr. Chriitovaó de Sa , e
Chriítovaó de Souza com íiias eíqua-
rlras deviaõ vigiar ibbre as Coitas de
Diu , e de Dabul , contra as ruftas
deíias duas praças. Aíronfo de Mene-
zes foi enviado a Baticalá , cujo Se-
nhor rcJrufãvâ o tributo ordinário. Joaó
Gomes Cheira-Dinhciro parrío para ás
Maldivas , com ordem de fundar alli,
fegundo o tratado leito , huma Feito-
ria cnle íervíflê de Fortaleza. Heitor
Rodrigues foi continuando no leu poí-
rò da Coularn, para executar a com-
.5, que tinha tido de Soares , d*
ahi fundar huma Cidadelia. António
Cor-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VII. Ijf
Corrêa chamado para hir com Embai •
xada á Corre do Pegu , devia con- Ann. de
duzir hum foccorro a Malaca, e Si- J. C.
maó d' Andrade com huma efquadra 1^18.
de finco navios foi deítinado para a
rf-»L D. MA*
China.
A expedição de António de Sal- NOEL REI
danha fe contentou com algumas pre-
zas. Menezes , obteve o que quiz em DIOGO
Baticalá , porque felismente o Gover-LOPES DE
nador General indo a Goa , chegou SI0-UEI~
quaíl no meímo tempo , que elle , de- KA GO"
fronte deita praça. Chriítovaó de Souza VERNA*
perdeo hum dos feus navios, que foiDOR*
defpedaçado : as fuftas de Dabul lhe to-
marão outro carregado de effeitos para
EIRei de Portugal , e elle mefmo ten-
do defembarcado , foi taò maltratado,
que teve todos os incommodos poíílveis
para fe tornar a embarcar. Joaó Gomes
tendo chegado ás Maldivas fundou a
lua Feitoria , onde ficou com 15 ho-
mens fomente para alli ter a adminif-
traçaó da fazenda ; porem em lugar
de fe portar niíío com prudência ,
tendo-fe tornado hum pequeno tyranno,
e feguindo o feu génio arrebatado ,
e foberbo , foblevcu contra fi os Mou-
ros eífrangeiros , que o matarão , e
deílruiraó- todos os íeus. Heitor Ro-
drigues teve muito trabalho para con-
$ ii fe-
VERNA
DOR
Tj6 Historia dos Descobrimentos
» feguir os fcus fins. Ninguém confen-
Ann. de tia que elle conílruhTe hum Forre. Da
J. C. fua parte fingia querer fó hum arma-
ici8. zem í porém os fundamentos que elle
deitava o trahiaõ a feu pezar : entaõ
D# MA~elle fe vio muitas vezes nos termos
*-oELREide fer degola<j0# Como a Rainha o
afudava , e o favorecia contra o pa-
diogo recer ^o ^-eu confej[h0 5 e de todo o
lopes de j-çu pOVO _ p^z a fua 0bra em cftado
si que i- je p0jer {"er aperfeiçoada fem temor.
ra GO- yant0 ^ue cneg0U a efte eílado, fuf-
citou as dividas antigas , com o qua
alienou o efpirito da Rainha que as
tinha fatisfeito em cêntuplo. Eíla Prin-
ceza fe arrependeo muito tarde dos
ferviços que lhe havia feito , e expe-
rimentou o que lhe tinhaó dito mui-
tas vezes , que ella mefma trabalhava
para fe fubmeter ao jugo. As tenta-
tivas que fez para o iacudir , foraõ
inúteis, e foi obrigada a pedir a paz,
depois de a ter rompido.
Simaó d'Andrade dettruio na Chi-
na tudo o que feu irmaó , que lá ti-
nha eftado antes delle, havia feito de
bom. Depois da tomada de Malaca ,
nada era mais conveniente aos Por-
tuguezes , que fazerem-fe conhecer no
grande Império dos Chinos , eítabe-
Jecer alli huma boa cçrrefpondencia ,
e commerciar. Tem
DOS PoRTUGUEEES , LlV. VII. IjJ
Tem apparecido prezentemetitc
tantas hiítorias , e relações do Eflado Ann. de
deita grande Monarquia-, taõ refpeita- ]. C.
vel pela íua antiguidade , pela longa j^i8.
ferie, e mageftade de feus Emperado-
res , a prudência do feu Governo po- D* MA"
lítico , a extençaó , o numero , a ter- N0ELREl
tilidade das fuás Províncias , que com-
prehendem hum paiz taõ grande como DloGO
a Europa, a multidão infinita de feus L0PEt> DE
povos , a beleza de fuás Cidades , e SI(^UEl"
edifícios, o caracter culto, e polido RA GO~
de feus moradores , a variedade das vERNA"
artes, e Sciencias que alli florecem , D0R*
as riquezas immenfas que tem y
o frudo da indultei , da arte, ou
das vantagens da natureza , que fe-
ria fuperfluo fazer huma digreífaó inú-
til , para dar a conhecer coifa que
hoje quafi ninguém ignora. Aílim en-
viando o meo leitor a eílas mefmas
relações , deixo tudo o que pertence á
Religião, Coftumes , e Governo , e ás
outras noticias deite Império , cuja
defcripçaó me apartaria muito , para
vir ao que he precizamente da minha
hiítoria.
Os primeiros Chinezes , que os
Portuguezes viraó , foraó os que Dio-
go Lopes de Siqueira achou no por-
to de Malaca , ae quem recebeo toda
a for-
278 Historia dos Descobrimentos
- — a forte de civilidades , e bons con-
Ann. de felhos , como ja difle. O grande Al-
J. C. buque,que ahi tornou a encontrar ou-
1518. tros, quando veio para tomar efta Ci-
dade , e achou naquelles os meímos
modos atraòtivos , que o obrigarão a
1 rei travar am[zac}e com elles. Eíle General
que tinha hum grande dcfeernimento ,
concebeo huma alta idéa d'uma Naçaó,
xopes de a ^e £azja e{^imar at£ nos medres
q 1- íjlos navios, e nas equipagens compoítas
de gente humilde, cujo miniíterio naõ
x,ri,a- £Q ajufta fempre com as civilidades.
Fez-lhes faber na fua partida , que
quando fofle fenhor da praça , teria
exceffivo goílo de que os Chinezes
a quizeííem frequentar , e elles lho
prometerão na fua partida, porem a
guerra , que alli fempre tinha conti-
nuado depois , os tinha apartado com
as outras Naçoens.
Sobre iíto a Corte de Portugal ,
determinou enviar huma eftjuadra á Chi-
na para conduzir hum Embaixador.
A efquadra compoíla de nove navios
era commandada por Fernam Peres
d'Andrade , que alli fe achou no pri-
meiro anno do governo de Lopo Soa-
les d' Albergaria. Quando Peres che-
gou ás Ilhas vifmhas de Catitaõ , o
Mandarim General do mar veio com
as
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VII. l*]*)
as fuás embarcaçoens diante dellc com
o efpirito de dcfconfiança, une devia Ar.:,, de
cauzar a primeira viíla dos navios J. C
Portuguezes. Peres naó deo idéa de j-^.
fe pôr cm defeza , e fe portou em
tudo com muita prudência. Tendo D* MA~
chegado a Çantaó algum tempo tie-^OELRE»
pois, deo parte aos Mandarins do mo-
tivo da íua vinda , confiou-íhes o DlOGO
Embaixador, e fete pcííoas da íua co- LGPES DE
mitiva , aturando todo o ceremoniai SI0-LEI"
ordinário nacuelle paiz. E depois de RA c0"
quatorze mezes de demora , nos quacs v.e.rna-
íez vifitar as Cidades marítimas por DOR* .
Jorge Mafcarenhas , que a iifo en-
viou. Procurou tomar por fí mefmo
todo o conhecimento que pode do paiz
fem defprezar Teus entereítes peííoaes ,
e fe difpoz á voltar. Porem antes de
fe fazer á vela , fez publicar nos por-
tos de Cantaó , Tamaó , e Nanto on-
de fe tinha demorado , que fe aili
houvciTe alguém que tiveífe motivo pa-
ra fe queixar d*algum, Portuguez po-
deria vir livremente para receber fa-
tisfaçaó , e pelo efpiendor de huma
ta5 belia acçaó , deixou efta fabia Na-
ção cheia de huma alta idea d'elle , e
de todos os vafíallos d'ElRei de Por-
tugal. O feu retorno a Malaca foi de
grande foccorro para a Cidade. P af-
iara-
18o Historia dos Descobrimentos
• fando de lá para o Indoítan , voltou
Ann. de para á Europa , onde chegou felismente
J. C. com grande contentamento de EIRei D.
J518. Manoel 3 que naò podia fatisfazer-fe de
ouvir as relações . que lhe fez da fua
D* MA~ viagem.
JÍOELREL Com tuc|0 Q Embaixac}or Th0-
maz Peres foi conduzido a Pekim ,
diogo com t0£jas as ftonras que fazem aos
xopes de ^ini^ros <jos maiores Reis. A lua
siçuei- viagem de Cantão a Pekim foi de qua-
*a Go- trQ mezeSe Xudo eftava nas mais fa-
ilrna- voravejs ciifpofiçoés para confeguir a
V0R' a lua negociação. O Emperador tinha
concebido muita eftimaçaõ dos Por-
tuguezes > cujo nome fe tinha efpalha-
do por toda a Afia. O Enviado do
Rei de Bintam, que tinha hido pedir
foccorro contra elles , em vaõ fe ef-
forçava para os deftruir. Porem Simaó
d' Andrade naó tinha inteiramente che-
gado com a fua efquadra á Ilha de Ta-
maõ , por que tomando huma condu&a
toda oppoíta á de feu irmaó , e cren-
do tratar com os Chinezes, como com
os Cafres do Cabo de Boa Efperança,
começou a deitar os fundamentos
duma Fortaleza na Ilha, armar bat-
tarias , difpor fentinellas , correr fobre
os navios mercantes , filhar os que
vinhaõ da índia fem paífaporte do Go-
verna-
DOS FoRTUGUEZES , LlV. VII. 28 1
vernador , e tirar-lhe a força o dinheiro.
Dando confequentemente carreira livre Ann. de
para tudo o que a libertinagem tem de J.C.
mais defenfreado: elle, e os ieus infulta- ICIQ
raó os Chinos como a inimigos , rou-
bando as filhas das cazas, fazendo ef- D* MA"
cravas as peffoas livres , e vivendo NOEL REI
n'uma diííoluçaó igualmente injurioza
á noíía Santa Religião , e á honra da d1°go
fua Naçaó ; de forte que tendo irrita- LOi>ES de
tio, e efcandalizado eítes povos mode- s,QU£i-
rados, e judiciozos , tudo fe armou pa- RA G0"
ra os deftruir. Naó poderão evitar o fe- VERNA>-
rem tomados, e tratados como ladroes , D0R*
c piratas ; porém huma borrafca deci-
pando a frota Chineza, lhe deo tempo
a fe efcaparem. Thomaz Peres , e os da
fua comitiva pagarão pelos culpados ,
e fofreraó a pena que lhes era devi-
da. Tendo chegado á Corte , á noticia
deita defordem confideraraó-nos fo-
mente como efpioés. Foraó recondu-
zidos a Cantaô , onde confumidos de
difgoftos , e trifteza , Peres , e os da
fua comitiva morrerão mizeravelmen-
te. O que foi mais deplorável , he
que a Naçaó Portugueza ficcu defa-
creditada d' eíta má conduta , e foi
como banida da China , que lhe fe-
chou as fuás portas por huma longa
ferie de annos.
282 Historia dos Descobrimentos
Simaõ d'Andrade eílava raõ de-
Ann. de zcjozo de hir á China para fazer efta
J. C. bela manobra , que paliando por Ma-
151 8. laca na° lhe deixou foccorro algum ,
_ pcfto que a Cidade fempre opprimida
KOEL REI
tinha muito grand
^i
Corrêa indo ao Re
e precizaó. António
.eino de Peeu , naõ
KA GO-
VERNA-
DOR.
fez o mefmo. Achou a praça rcdu-
Dl° zida a muito grandes neceííidades.
LOPES DE Tt • " 1. 1 j>
inuma mui pequena medida d arros
cuftava hum cruzado , naó fe dizia
Mifia , por falta de vinho ; as vias ef-
tavaõ fechadas a todos os foccorros pelos
contrários ; os inimigos fe lhe aprezen-
tavaó frequentes vezes, fem que os Por-
tuguczes oufaiTem fahir para llies dar em
fima ; o Governador eilava morrendo ,
e huma parte da guarnição doente.
Os três navios que Corrêa tinha leva-
do alegrarão mais hum pouco a Ci-
dade. Naó obftante o foccorro , Cor-
rêa por dois mezes naó teve peque-
no embaraço em refiítir aos frequen-
tes aííaltos dos inimigos , que esperta-
dos pela mefma chegada do reforço ,
fe fizeraó taó importunos , que Cor-
rêa , por quem tudo fe movia , naõ
comia , nem dormia fem eílar armado ,
fatigado fem defcançar o corpo , nem o
efpirito. Finalmente os inimigos can-
çaraõ 3 e fe reciraraó para mais lo n-
DOS PoRTVGUEZES , LtV. VIL 2&$
se , o que o facilitou a fcguir a Tua
derrota para hir para onde era deftí- Axk. de
nado. ]. C.
Do porto de Pedir, onde Cor- 1510.
rea foi tomar carga , fe tranfportou ao
de Martabam, donde enviou á Cofia D*
do Pegu duas ou três peilbas em leu h0ELREl
nome , para dar parte da fua vinda.
O Rei do Pegu era entaó hum pode- DIOGO
rofiílimo Príncipe , que tinha muitos L0PEb DE
outros por Teus tributários. O Rei de bI(^VE1"
Siam , e elle occupavaó toda a penin- KA G0~
fula d' além do Ganges. As fuás for- VERNA"
ças , e a fua vifinhança os faziaõ D0R*
iempre inimigos. Os povos deíles
dois Príncipes fe aíiimilhavaõ muito
na fua Religião , coftumes , e in-
clinações.
O Rei do Pegu agradando-fe dos
motivos da Embaixada , deípachou os
Enviados de Corrêa , e fez partir com
elles o Rolin da Corte , que he o
Chefe da Religião do paiz , e hum
dos principaes Miniftros d'Eílado, pa-
ra hir regular as condições do trata-
do. Depois que fe aiuíhraõ , e que
tratarão de o ratificar , o Rolin , e o
Miniilro do Rei jurarão com muita
ceremonia fobre os livros da fua Re-
ligião. Corrêa, que tinha feiro tomar
huma fobrepelis ao Capelão do íeu na-
vio ,
284 Historia dos Descobrimentos
■ ' ' vio , para dar também alguma digní-
Ann. de ^adc ao ^eu juramento , ou por nao
J. C. fe contentar com o breviário defte
Capelão, que eftava muito mal trata-
* ^' do, ou porque períuadido como máo ca-
d. ma- fuífta, que nao devia guardar ré aos que
NOEL rei naó cra5 (j0 grémio da verdadeira Re-
ligião, e que naó quizeííe profanar os
diogo livros fantos com hum juramento , que
iopes de eftava determinado a naõ guardar ,
siquEi- fe na5 em qUanto convieíTe a feus
ra Go- negócios , mandou trazer hum livro
verna- de canções, e trovas , fobre o qual
dor. diíTe tudo o que quiz. O acazo
com tudo fazendo abrir fobre eílas
palavras da Efcritura, vaidade das vai-
dades , e tudo be vaidade , foi pene-
trado d'um interino horror , e lentio
hum jufto efcrupulo da profanação
que tinha feito , o que teria fem du-
vida efcandalizado os mefmos pagaós ,
fe elles comprehendeíTem efte dolo. Fei-
to por efte modo o tratado , e regu-
lado o commercio a contento dos con-
traclantes , Corrêa fe fez á vela , e
voltou a Malaca acompanhado de mui-
tos Juncos carregados de viveres , e
provizoens , que trouxeraõ para alli
a abundância.
Garcia de Sá tinha chegado a
efta Cidade na auzencia de Corrêa ,
e de-
VEKNA-
DOR«
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VII. 28$
e depois da fua partida para o Reino —
de Pegu. Pelos intereíles peííoaes de Akb. de
Diogo Lopes de Siqueira He que alli ], C.
viera. Porem Coita, que eílava fem- 151 o.
pre doente, lhe entregou o Governo
da praça para hir morrer a Cochim.
Manmud eftava fempre acampado fo-
bre o Rio Muar , cuja viílnhança ti-
nha também fempre a Cidade inquie- ,
ta. Com a vinda de Corrêa reíblve- L PE* _
raó livrar-fe deite embaraço. Corrêa , '
e Mello commandaraõ o partido. Por
fortes que foííem os entrincheiramen-
tos , e obílaculos que o inimigo tinha
pofto por todo o comprimento do
Kio, tudo foi deírruido. Os Portugue-
zes feguindo fua vicloria , vaô ate ao
Pagode onde eftava o quartel do Rei.
Tinha já fahido , e metido fuás tro-
pas em batalha com feus -Elefantes.
Parecia dever pelejar como homem de
valor, no moao com que fez jogara
fua artilheria, e que luas tropas pa-
redão animadas. Porem efte brio mu-
dado fubitamente em hum terror pâ-
nico, vio-fe abandonado dos feus por
huma vergonhoza fugida , e obrigado a
deixar todas as fuás bagagens em pre-
za ao vencedor , e retirar-fe a Bin-
tam pata ahi efperar melhor fortuna.
Os Reis d' Achem, ePacem, ain-
da
286 Historia dos Descobrimentos
■ — i da que alliados dos Portuguezes, apro-
Ann. de veitando-fe do eftado d'afflicçaõ em que
J. C. eftava Malaca , fe tinhaó comportado
151 o. mal a refpeito delles. Eíte ultimo em
particular , debaixo naõ íei de que
pretextos, tinha faqueado a feitoria d'el-
KOEL REI f J , l r c n.
les , e no tumulto que fe fez neíta
occaíiaó, houveraó 2<; mortos, e mui-
DIOGO i j J n J
tos maltratados , e poítos em pnzao.
lopes de Qarcja jg ^ vendo-fe hum pouco
siQXTEir maj^ aQ largo , depois Je desbaratado
ra GO- Q j^e- ^e gmtam ^ julgou convenien-
verna- te ino^rar-ihe entaõ o leu reffentimen-
J)0R* to. Deo commiíTaõ a Manoel Pache-
co , que era hum pouco cnterefTado
na vingança, de feu irmaó António, que
era do numero dos que elles tinhaó feito
prizioneiros. Ainda que Pacheco naõ
tinha mais que hum fó navio , com
tudo o temor que infpirou roi tal ,
que naõ fomente apartou deftes quar-
téis todos os navios eftrangeiros ; mas
nem ainda hum barco de peícador
o u fava apparecer.
Os inimigos oufando attacar o
navio , fe contentarão de faber as oc-
cafioés em que Pacheco enviava a fua
chaiúpa á terra. Occorreo huma taõ
favorável , que parecia que efta cha-
lupa naõ poderia efcapar. Tinhaífe a-
diantado pelo rio de Jacoparim para
hir
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIL l8j
hir fazer aguada. Tendo-a percebido
os inimigos , chegarão ás duas praias Akk. de
do rio , e começaó a atirar huma chu- J. C.
va de flexas , em quanto preparaó ^io.
com a mais poffivcl prontidão três lan-
chas , cada numa com 150 homens." D* MA"
Na chalupa fó eftavaó finco , aífás oc- *OELREI
cupados em fe defenderem c'os fetis
efcudos dos tiros que lhe lançavaó. DIOGO
O vento , e a maré lhes eraó contra- LOPES DE
rios, e favoráveis aos inimigos. Eíles Sl(^UEl~
finco valcrozos neíta extremidade , to- RA G0"
maraó o único partido , que podia inf- VERNA"
pirar-lhes o valor, que era morrer fa- D0R%
zendo os últimos esforços de valentes.
Tanto que o primeiro batel, que com-
mandava o Raja Sudamicin chegou á
chalupa , hum dos finco homens for-
te , e robufto o agarrou , e os outros
quatro tomando o nome de Jezus por
voz de guerra , entraõ de falto , e com
as lanças paílaó todo o que fe lhes
aprezenta , tendo-os feguido o quin-
to , e fazendo igualmente o feu de-
ver, 05 inimigos admirados fe confun-
dem, cahem huns fobre outros, e em fim
fe lançaó á agua a pezar dos esfor-
ços de Sudamicin , que obrigado a
imitalos , de raiva , e defefperaçaõ
naõ ceifou de ferir , ou matar os (eus
que lhe cahiraó d maó3 fenaó depois
que
288 Historia dos Descobrimento*
?ue fe afogou. As duas lanchas que
eguiaó , defanimadas pela infelicidade
J. C. da primeira , fe pozeraó em fugida á
leio. viíta de finco homens enfraquecidos do
trabalho , e do fangue que perdiaõ
" pelas feridas ; e deixando-lhes aííim
líoELREI numa plena vicloria , pozeraó o feu
Rei na precizaó de pedir paz.
diogo q Qovernacjor General partindo
loi-es de para Ljskoa com nove navios, tinha fei-
mquei- to numa feliz, viagem , conduzindo
RA GO~ configo toda a fua frota ás índias.
verna- -j^t0 ann0 feguinte EIRei fez partir
D0R'- outra de 14 velas , commandada por
]orge d'Albuquerquc , que levava Pro-
vizoés da Corte para fer fegunda vez
Governador de Malaca. O deílino def-
ta fegunda frota foi inteiramente de-
plorável. Separando-a huma tormenta
no mar Atlântico , hum deites navios
tornou para Lisboa. Outro commanda-
do por num Efpanhol de grande nome,
mas em quem a fua conduzia moítrou
hum juizo pouco faõ , naõ podendo
dobrar o Cabo de Boa Efperança ,
defcahio ao Brafil , onde os Salvagens
lhe matarão até 70 homens da fua equi-
pagem. O Capitão naõ fe entrifteceo
com eíla perda ; porque pondo-fe fu-
perior aos Portuguezes, que elle de-
íarmou de accordo com os feus Caf-
tilha-
cos PoRTUGuazES , Liv. VII. 289
tilhanos , fe fez pirata , e morreo de- <
pois miferavelmenre. Outro comman- An?.-, de
dado por Manoel de Souza , tendo ]. C.
perdido o Capitão , Piloto , e muita 1^20.
parte dos feus , perto das Ilhas vifí-
nhas a Quiloa, pela traição dos Ilheos , D* MA-
o navio defgovernado fe foi efpeda-NOELREI
çar fobre a praia , onde os Mouros
matarão tudo o que lhe cahio nas DI0GO
maõs , á excepção dum moço de que L0PES DE
o Rei da Ilha de Zanzibar, fez pre-Sl*UEI"
zente ao Rei de Mombaça. Nove RA G0~
mais deitas embarcações abordarão a VERNAC
Moçambique, onde foraõ obrigados aD0R,t
invernar com Jorge d'Albubuerque feu
General. Só quatro chegarão neíle an-.
no á índia.
Efta frota trazia hum novo Inten*
dente da Fazenda , que era o Doutor
Pedro Nunes , que ElRei enviava pa-
ra o lugar de Alcáçova , que Soa-
res tinha maltratado muito. Numes foi
exempto da jurifdicçaó do Governador
General. Além do governo da fazenda ,
tinha também o da politica, e da juítiça.
ElRei lhe havia ailignado 20 homens
para fua guarda , grandes foldos , e
privilégios coníideraveis , por cuja
iazaõ o Governador General fe acha-
va quafi limitado ao militar fomente»
Siqueira 3 que tinha invernada
Tom, IL % tíef-
VER NA
DOR
20Ò Historia dos Descobrimentos
neíte anno em Cochim para fazer os
A:::, de preparativos da íua viagem do mar
j. C. Roxo. Sabendo pelos quatro navios
1520. 411C tinhaõ chegado á índia, o arma-
mento que EiRei tinha feito para en-
d. ha- tregar a Jorge d/Alhuquerque , defpa-
r.oELREi ^^ }iuma embarcação para Moçam-
bique , para dar ordem a eíle , de vir
DK)GO efperalo junto ao Cabo deRoíalgate:
lopes de e nQ caZQ (,uc t[veffe j^ pafíado, de
situei- Q ^r encontrar ro mar Roxo 5 e de
o feguir até Gidda. Porém os navios
que commandava , fendo quaíi rodos
navios de carga , alguns Capitães , que
tinhaó fuás commiífoés para outra par-
te , e naó eraó obrigados a Jervir
nefta forte d'expediçoés , naó quize-
raó obedecer. Parecendo juítas fuás iní-
tancias , foi determinado , que dos no-
ve navios que commandava Albuquer-
que , quatro paífariaó em direitura á.
índia com o Intendente, e que os ou-
tros finco hiriaó com Albuquerque ao
encontro do Governador. Porem Si-
queira tendo já entrado no mar Ro-
xo , os Capitães naó quizeraó ainda
obedecer ; e Albuquerque tendo toma-
do auto da fua recufaçaó , fez derro-
ta para Ormuz , e foi obrigado a apor-
tar a Calaiate. Onde tendo-fe deixa-
do perfuadir per Duarte Mendes de
yafcon-
dOs Portuguezes , Liv.* VIL 2oí
Vafconcellos de fazer prizioneiro oP.ci
Zabadim Governador delia praça , íe- Ann« cie
gundo as ordens fecretas, que Mendes J. C.
tinha do Rei meímo d'Ormuz , o ne- Ir,0i
gocio foi taó mal dirigido , que naó
poderão confeguir a lua tentativa, e D' MAr
ahi morrerão 20 Portuguezes , e mais K0JÍL REl
de 50 feridos , ZabadLm tendo perdi-
do íó três dos feus , adquirio tanta DIOGO
honra nefte encontro , quaó pouca os LOPES DE
Portuguezes. siquei-
■Siqueira tinha em fim partido deí- RA G0~
de o mez de Fevereiro com huma V3S*NAr
nota de 24 velas , e de três mii ho- D0K"
mens de tropas, dos quaes eraõ i^Boo
Portuguezes , para íe unir á partida
do mar Roxa : empreza tantas vezes
recomendada pela Corte , tantas vezes
tentada , e fempre infeliz. Deitou lo-
go para o Cabo de Guardam , fugin-
do da Coita d' Adem, que parecia naó
querer tocar. Sua viagem roi promp-
ta até o Cabo , onde chegou quaíi
taó de preíTa como as curvetas , as quaes
tinha leito hir diante para baterem ci-
te mar , e procurar faber noticias dos
Rumes, que dezejava tomar cie repente,
Tinha ordenado a eftas curvetas, que
deífem de paíTagem caça aos navios ,
que cnccntraíTem ; a fim de que crendo
ter fó *quatro , ou finco embarca-
T 'ú çoés
202 Historia dos Descobrimentos
- — çoés á cara , os inimigos tomatíerrt
Akk. cie confiança 5 e cahifeth no engano. Al-
J. C. guns cias fe pafTaraó , fem que lhes
i -20. aconteceífe coifa confideravel , mais
do que tomar numa pequena aldeã ,
D# MA~ onde naõ ficara mais do que liuma
koel rei ygjka ^ a quem obrigarão a procurar-
lhes agua de que rínhaõ grande necefli-
Dloco dade, em reconhecimento de naõ que-
Lopes de rerem lançar fogo á povoação. Paliou
siquEi" depois á Coibi da Arábia por baixo
ra Go- 3'Âciém , e foi dar fobre hum pene-
verka- c|0 oncJe o feu navio fe partio , e pe-
D0R* recco. D'ahi tendo entrado no Eftrei-
to , foube pelas prezas que fez, que
tinhaõ vindo de Gidda féis galeras Tur-
cas , e Iq)5C0 homens de reforço:
que as intenções da Porta eraõ de to-
mar Zeibit, e marchar depois contra
Adem. Sobre iílo houve Confelho , e
expôz as ordens que tinha , que con-
íiítiaó ern marchar contra a frota do
Sultão , ou a naõ poder, procurar to-
mar al^úm conhecimento das terras
do Preftc Joaõ , abordar a ellas , c
deitar cm terra o Embaixador , que
tinha vindo a Portugal da parte defte
Príncipe, e aquelle que ElKei D.Ma-
noel lhe enviava.
Tendo o Confelho votado fobre
v primeiro partido , tomarão o Cabo
fo-
DOS FoRTUGUEZESj LlV. VII. 20}
fobre Gidda , porém começando a lo- '
prar os ventos Nortes , e fendo du-ANN, de
ravcis neíta cefaõ , o temor que hou- I. C.
ve de experimentar as mefrnas dif- 1520.
fracas , que tinhaó acontecido aos
ois precedentes Governadores , fez „OELREI
que depois de terem lutado alguns -
dias inutilmente, fcíTem obrigados a BlOGO
tomar o fegundo partido , e a fazer
derrota para á Ilha de Macuá , que r
i 1 • - i- 3 t» r SiQUci-
descubrirao em dia de raícoa , e on-
de ancorarão no outro dia dez d* Abril. rFRN,.^
Os moradores a tinhaó abandonado, *
crendo, que a frota de que tinhaó ti-
do noticia por huma geiva , era a
dos Turcos , cujo tratamento temiaó ,
Í>oílo que Mahometanos também ; de
orte que o General 'foi obrigado a
fazer avançar alguns brigantins para
tomar lingoa. Hum deites brigantins
defcobrindo de muito perto a terra ,
veio hum pequeno batel a bordo ,
conduzido por três homens, queren-
do reconhecido os Portuguezes , falta-
rão no brigantim com grandes de-
monílraçoés de alegria , moftrando nu-
ma Carta , e hum anel que traziaó.
Eítes homens eraó enviados pe-
lo Governador de Arquico , Cidade
logeita ao Imperador efa Ethiopia , e
porio confiáeravel. A Carta eferita
em
2^4 H-storia dos Descobrimentos
— — —em Árabe teftemunhava „ O goílo in-
Ann; de „ finito que elle tinha de ver cm fim
j. C. _,, cumpridas fuás antigas Profecias , que
leio. 55 lhes annunciavaó que verlaò hum dia
„ fobre Tuas terras Chriflaõs d'um po-
D< MA"„ derozo Reino do Occidente > que fe
KOEL RE1 „ deviaõ unir por amizade, e interef-
35 fes com elle , como elies o efta-
diogo ^ va5 ;^ peja ^ ^ue profe{fava5. Que
to^Es de ^ Q Rd David feu Senhor naó fuf-
lojjei- ^ pirava fenaó per efta uniaó, pela ef-
yj perança que tinha concebido , que
„ eiJa íerviria para deftraiçaó da Seita
„ de Mafoma : Que lhe tinha dado as
?5 ordens as mais precizas para os re-
3, ceber bem quando apparecefíem :
„ Que hia dar parte ao Barnages ,
33 Governador da Provincia , delta boa
3, fortuna : Que entre tanto elle roga-
33 va ao General 5 que quizeíTe per-
mitir aos habitantes da Ilha de Ma-
çuá 3 que voltaííem para fuás Gi-
zas , e "de os confiderar ainda que
PA GO
VERNA"
DOR.
53
M
3, foíTem Mahometanos , como vaífalíos
33 do Emperador dos Abexins. „
A leitura deíla Carta encheo os
'Portuguezes de confolaçaõ. Siqueira
principaJ mente , que fe conílderou co-
mo o homem mais afortunado por ter
feito cíle defeubrimento , naó podia
exprimir, nem conter c gofro que fen-
tia.
D. MA-
NOEL REI
DIOGO
LOPEi DE
DOS PoRTVGUEZES , LW« Vil. 205»
tia. Refpondeo ao Governador o
mais agradecido que pôde ; e deo- a Ann. de
feus Enviados huma bandeira com J. C.
huma Cruz como a da Ordem de l _20#
Chrifto , para lhe fervir de protecção.
Eíle Eftendarte taó refpeitavei da
noíTa Religião , apenas foi vifto
pelos habitantes da Cidade d' Ar-
quico , logo todos correrão de tro-
pel , como em procifíaõ , com o Go-
vernador na frente para o receber , SI(^UEl"
c o trouxeraõ depois cantando- Hym- RA GO~
nos, e Pfalmos até fe» Palácio, íb- vERKA"
bre o qual o fez arvorar. D0R*
Tendo havido mútuos prezentes ,
e eílabelecido maior fegurança de am-
bas as partes , os que vieraõ faJiar
da parte de Governador d'Arquico pro-
curarão noticias d'um certo Embaixa-
dor, que o Ernperador da Ethiopia tinha
enviado ás índias para o fazer pafTar
de lá a Portugal. Era eíle o que ef-
tava na frota , e que tinhaó occulta-
do pelas razoes que eu vou á dizer : po-
rém hc precizo , que eu tome dum
pouco mais longe a fua hiftoria.
Nós temos viílo até aqui os cui-
dados infinitos que tinhaó tido os Reis
D. ]oaó II. e D. Manoel , para defcu-
brir as terras dum Príncipe Chriftaõ ,
conhecido na Europa defde o tempo
da"s
KA GO-
VERNA-
DOR.
"içá Historia cos Descobrimentos
' das Cruzadas , pelo nome de Preíte
Ank. de Joaó, e as diferentes peíToas que tinhaó
J. C. enviado por diverfas derrotas para del-
ic2i. *e terem algum conhecimento. Os feus
cuidados tiaó foraó d' algum modo innu-
d. MA-te|s^ e nos remos notado, que pelos
*0ELREl indícios que lhes haviaõ dado, era ef-
te o Emperador dos Abexins , ou da
diogo £tnicpia aita# pecjro ^ Covilhã hum
10PESDEdos primeiros, que tinhaó fido envia-
siQuEi- ^os a e^te defcobrimento , tinha che-
gado á Corre deite Principe onde nós
o deixamos. Aquelles que depois ten-
tarão hir lá pelo Senegal, naó o con-
íeguiraó por artificio dos mefmos Por-
tuguezes. Os que foraó pelo Egypto ,
€ peia Coita do Zamguebar , toraó
os mais felices , principalmente os três
que Triftaó da Cunha tinha defem-
barcado em Quiloa , e que ArTonfo
d Albuquerque fez faltar á terra perto
do Cabo Guardafu.
Pedro da Covilhã tinha íido
muito bem recebido do Empera-
dor Efcandcr , ou Alexandre que rei-
nava entaó. Éíle Principe vendo as
fuás cartas de crença o tratou muito
bem , e concebeo grandes efperanças
fobre a aliança que lhe era propof-
ta. Porem a morte levando-o na
fior de íua idade 3 feu irmaó Nahu ,
que
50S PoRTVGUEZES, LlV. Vil. lyl
que lhe fuccedeo , fe achou ter ou- ■■
tros penfamentos y e por hum prin-Ain». de
cipio de Politica , ordinário neíla Mc- J. C.
narquia , tirou a Pedro da Covilhã i^zi.
toda a efperança de poder tornar á
fua pátria ; de maneira que Covilhã D* MA"
tomando partido da neceííidade , fe ca- NOEL REt
zou , e naó peníou mais que em aca-
bar os feus dias nefle deftêrro. Sendo DTOGO
morro Nahu pouco tempo depois de LOPES DC
íeu irmaó , David feu filho ainda me- SlfiUEI~
nino , íubio ao Throno na tutella da PvA G0~
Emperatriz Helena fua Mãi. ver na-
Efta Princeza que tinha muito D0R»
juizo , e valor , emendou os erros de
Efcander com todo o goilo, por faber
pela voz publica as grandes coifas que
os Portuguezes tinhaõ feito nas ín-
dias ; de forte que ella reíoiveo ref-
ponder á Embaixada d'E!Rei de Por-
tugal. Naó pôz ella os olhos em Pe-
dro da Covilhã , do retorno do qual
fe naó podia aífegurar ; porem efeo-
Iheo hum Chriftaó chamado MattheuSj
Arménio de Naçaó , que tinha aííiili-
do muito tempo no Cairo . e feito
muitas viagens á Ethiopia , de quem
fe havia fervido em muitas negocia-
ções , e que por iíTo havia merecido
a fua confidencia. A's Cartas de Cren-
ça ajuntou hum Santo Lenho em
hum
2pB Historía dos Descobrimentos
hum relicário d'oiro , de que fazia
Ann. de prezenre a EIRei de Portugal. £)eo-
J. C. lhe depois por companheiro da Em-
1521. baixada hum moço Abexim , homem
nobre, e os fez pafTar ambos fecre-
" tamente ás índias , onde deviaó pedir
koel rei aQ Qovernajor huma pafTagem para
DIOGO
Portugal
t»c
Affonfo d' Albuquerque , que ef-
lopes de tava enta- fervindo , tirou o Em-
S10.UEI- baixador das maôs do Tanadar de Da-
RA ao- ^1 ^ ^lie Q ^nha como em prizaõ.
verka- Pez -lhe todas as honras na Cidade de
S>0K' Goa , e o fez paíTar a Cochim , como
í í diffe 5 para o fazer embarcar no me-
lhor navio , que ouvefTe de partir neíle
me imo anuo para Portugal. Porém o
Embaixador naõ tendo nada de res-
peitável mais do que o feu próprio
merecimento , coiía pouco conheci-
da em hum eitrangeiro , e pouco ef-
timada daquelles , que naõ fazem cazo
fe na5 d'um certo eítrondo , que fe
naõ via nelle , os inimigos d' Albu-
querque , aquelles mefmos que tinhaó
mais auctoridade em Cochim, o ttaH
taraó como hum impoftor , e lhe fize-
ra5 toda a qualidade d'aíírontas , as
quaes augmentaraó ainda os Capi-
tães Bernardim Freire , e Francifco Pe-
reira Peftana , pelo que fofFreo muito,
na
DIOGO
PES DE
SOS PoRTUCUEZES , LlV. VII. l$<)
na viagem , e particularmente em Mo- —
çambique. Ann. de
D. Manoel , que diílo foi infor- J. C.
mado ainda antes que chegaííem , in- Ir>i.
dignou-fe tanto diíto y que enviou ao
encontro deães dois Capitães para os D* MA~
meterem á ferros , e o> transportarem N0EL REl
depois para ás cadèas de Lisboa, on
de expiarão por muito tempo a lua u
culpa , e d'onde naó fahiraó fe naó LO
pelas repetidas inftancias do Embaixa- *IQU
dor , que tinhaõ maltratado. No que RA G0"
toca ao Embaixador El Rei lhe fez to- VERNA*
das as honras que merecia a Ma gel- DOR*
tade do Monarca que o enviara , e de
quem qIIq tinha procurado o conhe-
cimento com tanta paixaó. Depois de
fe demorar alguns mezes D. Manoel
o fez tornar para ás índias com o
moço Abexim , e o fez acompanhar por
hum novo Embaixador , que enviava
elle mefmo á Corte da Éthiopia , dan-
do ordem a Soares 5 que era entaó
Governador , de os conduzir peífoal-
mente na frota , que devia conduzir pa-
ra o mar Roxo , e de os dezembar-
car onde podeífe nas terras dos Abe-
xins.
ElRei teílemunhava quanta pai-
xaó tinha por efte negocio , e a gran-
de opinião que dolÍQ tinha concebido ,
pe-
^oo UstôrÍa dos Descobrimentos?
pela efcolha da peflba , que chamour
Annt. de para efta Embaixada. Era eíle Duar-
J. C. te Galvaõ , depois de fe ter diftin-
ic2i. guido nas guerras de Africa , tinha
commandado os corpos de tropas auxi-
d. ma- ijares ^ que £iRei de Portugal havia
K0ELREl enviado aos Principes feus alliados ,
e fe havia ainda feito mais recommen-
diogo javej_ peios importantes negócios , que
tratara com grande polnica na maior
siquci- parte ^as cortes dos maiores Princi-
ka GO- pes ja £uropa ? e que eftando entaó
verna- em ]luma idade muito adiantada , de-
P0R" via admirar-fe muito de fe ver encar-
regado duma commiíTaõ para o fim do
mundo , que tinha mais ar duma aven-
tura , que de huma Embaixada. Com
tudo o zelo , e o efpirito de Religião lha
fizcraõ aceitar com goílo , na efperança
de neiia procurar a gloria de Dcos. Po-
rem como Soares na fua empreza do
mar Roxo, naó executou nada de quan-
to El Rei lhe tinha ordenado , Galvão
rr.orreo por caufa das fadigas , e fo-
me que lofreo na Ilha de Cama-
rão , á vifta , para aílim dizer , da de
Maçui , naó lhe faltando mais que
dois p.iíTos para entrar no porto taõ
dezejado. Galvaõ era hum fanto ; b
naufrágio de Jorge feu filho , que elle
vio c'os olhos do efpirito 3 e que el-
le
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VII. 30f
le declarou quando morreo , augmen «.
tou muito a opinião , que tinhaó de Ann. de
fua virtude , quando o lucceíío juíti- J. C.
ficou a verdade da profecia. j_2I
O Embaixador Mattheus tendo
tornado ás índias com Soares , foi D* MA"
obrigado d'alli efperar até á expedi- NOEL REl
çaó de Siqueira , que fe embarcou de
novo com Hodrigo de Lima , que D. DlOGO
Manoel fubftituira a Galvaó. Em to- L0?ES DE
do eíle entervalo naó foi maltratado , S,£UE1~
como o tinha fido por feus primeiros RA G0~
perfeguidores , tinha com tudo o dif- VERNA~
gofto de fe ver em pouca eftima- D0K%
çaó y e peio menos fuípeito a huma
infinidade de gente 3 que o coníide-
deravaõ como hum impoítor 3 hum
vagabundo , e hum efpiaó.
Porém quando o aprezentaraó a
cftes Abexins , que por elle procura-
rão , o momento defte reconhecimen-
to fez chorar a todos. Eíta boa gen-
te fe proftrou logo beijando-lhe a
maó , e chamando-lhe muitas veze^
Abba Mattheus 3 que quer dizer, Pai
Mattheus. Eíte venerável velho , cho-
rando elle mefmo de goífo , e de ter-
nura , e banhando a íua branca barba
c'o feu pranto, abraçando-os em tor-
no de fi , defprezando fuás penas paf-
íadas , e as immenfas fadigas de dez
an-
i:OíiL R.E1
302 Historia dos Descobrimentos
— - -■ annos fucceffivos , ciava publica-
Akn. demente graças a Deos 5 de que
]. C tendo fò propofto a lua floria , íe
1521. havia dignado d'abençoar Teus traba*
lhos , unindo de tamanha diftancia duas
taõ poderozas Nações , para o bem ,
e augmento da Religião. Suas pala-
vras , e o ar com que as dizia , to-
diogo cava5 vivamente o coração de todos
xorEs de03 ^ue e^ava5 prezentes , principais
si que 1- mente ^os Portuguezes a quem eíle
ka gc- expedaculo reprehendia vivamente as
verna- injurias que ine tinhaó feito padecer.
E0R' Efperavaó o Barnagues , ou Go-
vernador General da Provinda , que
he huma das primeiras peílòas do Rei-
no, d'ordinario hum próximo parente
do Emperador , e elle meímo Rei
do Reino de Figre-Mahon. Neile in-
tervallo Siqueira tomou conhecimento
da Ilha de Maçuá , fez purificar hu-
ma das fuás Mefquitas , que conver-
teo em Capella de NL Senhora da Con-
ceição , onde celebrarão os Santos Myf-
terios. Pedro Gomes , Prefidente do
Ccnfelho das índias d outra parte com
o Em.baixador Mattheus , foraó vifi-
rar hum celebre Moíleiro da Ordem
de Santo António , chamado de Jesus ,
ou da Vifaõ , onde receberão toda a
forte de abençoes dá pane dos feus Pve-
Jieiozos. Final-
DOS PORTUGUEZES, LlV. VII. 3O3
Finalmente o Barnagues chegou
Louveraõ logo algumas difficuldades, por Ann. de
cauza do ceremonial da fua audiência J. C.
para o General. Regularão com tudo 1^21.
que fe faria num vafto campo , onde
eftariaõ três cadeiras , huma para o D* MAm
Barnagues , a fegunda para o Gene- *OEL REl
ral , e terceira para o Embaixador Mat-
theus. O Barnagues chegou aili com D1°GO
dois mil homens de pé , e duzentos LOlLS VB
cavallos. Siqueira conduzio fó jÉÍÒO ho- s,çt,E1"
mens , que difpôz em bela ordem , RA o0
e fe adiantou fomente na frente de 60. VERKA"*
Depois d'alguns cumprimcrKos , que D0R*
foraó feguidos de mútuos prezentes , o
General entregou ao Barnagues os dois
Embaixadores , e a fua cometiva. Fal-
laraõ depois no projecto de fundar hu-
ma Forteíeza em Maçuá, ou na Ilha
de Camarão , fobre o que fe naó po-
de concluir nada de repente. Em rim
jurarão de parte a parte huma efpecie
d'alliança fobre os Santos Evangelhos ,
e cada hum fe retirou para fua parte.
Os Embaixadores Mattheus , e
Rodrigo de Lima foraó entregados ao
Governador d'Arquico , que os devia
Fazer conduzir á Corte, para onde os
deixaremos ir , para feguirmos Siquei-
ra , que fe pôz em caminho para ás
índias. O retorno deite General naó
te-
304 Historia dos Descobrimento?
-" teve nada memorável até ao Golfo
Ann. deIJeríico, a naó ler o eftrago que fez
J- C. na Ilha de Deloca , que achou aban-
152 1. donada, e perdeo ainda hum dos ieus
navios commandado por Jeronymo
D. MA- j „ ,~ ~ , • r , ■,'
de Souza. Lm Calaiate achou Jor^e
d Albuquerque a quem deixou 0U0-
DlOGO
RA GO-
VERNA
SOR.
verno da íua frota , para hir elle mef-
mo com as pequenas embarcações in-
X-OIES DE ^\ x J 1 •
vernar a Ormuz, donde partio no mez
l?1^" ^'Agcílo para tornar para olndoftam,
fem ter feito mais nada, que feus pre-
deceíTores , cem todo eíie poderozo ar-
mamento , a naó íe contar por algu-
ma coifa o que fez em Arquico , o
que teria feito huma íimplez galera ,
taóbem como elle com toda fua frota.
Na auzencia de Siqueira , o Rei
cie Narfinga , e o Idalcaó tiveraó guer-
ra. O primeiro a declarou , e rompeo
a tregoa que tinha feito. Tinha para
iíío muito fortes motivos. O Idalcaõ
dava hum afilo a todos os fugitivos
contra as leis eítabciicidas entre elles ;
porem como a queixa podia ler ílludida
por ralças cores , o Rei de Narímga
querendo ter hum pretexto mais plau-
fivel , uzou deíle eitratagema. Enviou
a Goa hum Mouro , chamado Cid-
Mercar para comprar cavallos , deo-
lhe groíla forniria de dinheiro 3 e cartas
pa-
DOS PoRTVGUEZES , LlV. VII. 30^
para o Governador. Como o Mouro
devia paflar pelas terras do Idalcaó ; Ann. de
porque o negocio naó era ooculto , nem J. C.
o devia Ter fegundo as intenções de i^2i.
quem o enviava , foubeo o Idalcaó , e
fez mil agrados a Mercar , como pa-
ra honrar nelle o langue de Maro-NOELREI
ma , e o turbante verde , e leparan-
do-o do ferviço do Rei de Narfinga, Dl0GO
o fez Commandante de huma das L0PEb DE
fuás praças, onde o fez depois matar SI(^LEI~
fecretamente , e roubou íeus thezou- RA GO~
ros. O Rei de Narfinga , que naó vERNA~
eíperava mais que efte momento, pôz D R*
em pé hum exercito fimilhanre em
numero ao de Xerxes , e foi fitiar
Rachol , praça forte que o Idalcaó lhe
tinha tomado. Pondo-íe o Idalcaó em
movimento para fazer levantar o fido,
perdeo a batalha , na qual 40 Portu-
guezes arrenegados fe deixarão matar
por defenderem hum dos Generaes do
Idalcaó , que foi feito prifioneiro. De-
pois defta vi&oria , Rachol foi obriga-
a render-fe ao vencedor pela deter-
minação d'outros 20 Portuguezes , que
ferviaó no exercito do Rei de Nar-
íinga , cujo Chefe fe chamava Chrif-
i tovaó de Figueiredo : tendo feito ma-
ior imprelTaó eftes 20 homens fobre os
i fitiados , do que efta multidão innume-
Tom. II. V u«.
$o6 Historia dos Descobrimentos
-a ravel de bárbaros vicloriozos , contra
Atro. de os quaes eíiavaó determinados a fe
J. C. defender.
j 2I O Idalcaó reduzido a huma ver-
gonhoza retirada experimentou novas
d. MA-3ifgraças da fortuna. Os Gines, que
koel rei £^ huma caíla de índios eftabeiecidos
nas terras marítimas, antes que os Mou-
dioco ros os tiverem expulfado , vendo o
lopes de jdalcaõ oceupado com efta guerra ,
siquei- ^efeeraõ do monte de Gate em nu-
ra Go- mero je 8<&ooo homens , e fe apo-
verna- deraraõ duma parte da terra firme nos
dor.- fuburbios de Goa. O Tanadar do Idal-
caó querendo converter em feu pro-
veito o que tinha em feu poder do
produto cias fuás rendas , avizou promp-
tamente a Rui de Mello Governador
de Goa , da irrupção dos Gines , per-
fuadindo-o que íó delle dependia o
apoderar-fe das Alfandegas da terra fir-
me , e que o Idalcaó dezejaria antes
que ellas eftiveffem em poder delle ,
do -que ho dos feus vaífallos rebeldes.
Mello póz o negocio em Confelho :
o cazo tinha fácil decizaó. Os Gines
eraó alliados , e eíiavaó em paz com
o Idalcaó ; porém a cubica tendo a-
chado pretextos para illudir os trata-
dos , e a ié dos juramentos , cubiçoza-
mente fe aproveitarão deita occaíiaó,
t
DOS PoRTtJGUEZES , LlV. VII. 3O7
e Rui de Mello Jufarte foi enviado pe
lo Governador feu tio contra os Gí-Ann. de
nes na frente de fere, ou oito centos ]. G.
homens. Naó fe achando eítcs em ef- i^zi.
tado de contraftar com os Portugue-
zes , lhes abandonarão o território de D^ UAr
Goa, e paliarão mais longe. O Tana-1,0*11" REI
dar aplaudindo a fua perfídia , fez
paííar fecretamente groíías í ornas á DIOGO
Goa , para onde fe retirou para eílar LOi>ES DE
feguro, forem Deos vingador da má M'2UEI"
fé , permite que ella naó utilize a nin- RA ^co'
guera. A traição do Idalcaõ lhe cuf-VERÍ,A~
tou caro pelas perdas que fez. A do D0K%
Rei de Narílnga lhe aproveitou pou-
co , porque perdeo pouco tempo de-
pois a Cidade de Racho! , que tinha
lido objeclo da infracção da paz. O
pérfido rendeiro querendo retirar o di-
nheiro de feu Senhor, que elie tinha
em depofito , o amigo Português , de
quem o confiou , negou a divida , o
que póz o Tanadar em taó grande fu-
ror , que endoudeceo. O infiel depofi-
tario naó gozou do feu roubo , e da
lua falfidade : huma morre precepita*
da o levou poucos dias depois. Finai*
mente os Portuguezes perderão tarri*
bem as Alfandegas , que linliaó tifft*
do com mais facilidade, que juftiça.
Os Portuguezes ti verão então ho-
V li ma
308 Historia dos Descobrimentos
——ma occafiaó de fazerem ainda melhor
Akn. de os feus negócios n'outra parte, com
J.C. a apparcncia da equidade , e da de-
i<2i. fenÇa ^° direito dos pupillos ; eu naó
fei com tudo fe o fundamento delta
D* MA~ equidade he bem folido. No tempo
koel rei que Affonfo d'AIbuquerque foi tomar
Malaca, fazendo-fe encontradiço com
DIOGO hum Junco , que naõ pôde tomar, por-
lopes de que tocjos os que eftavaó dentro fe acha-
stqirci- va^ determinados a morrer ,' antes do
KA GO~ que fe deixarem tomar por viva força.
ver na- Quando porém defcoríoava de o con-
dor. feguir , vieraô de livre vontade fazer
propofiçoés , e rogar efte grande ho-
mem para tomar em protecção hum
Rei infeliz expulfado de feus Eítados
por hum injufto ufurpador. Era efte
Sultão Zeinal , que tinha fido defpo-
jado do Reino de Pacem. Albuquer-
que aceitou com gofto a propoílçaõ 9
e conduíio efte Príncipe a Malaca ,
refoluto de fe fervir delle para bem
de feus negócios , depois da tomada da
Cidade. Zeinal vendo que efte Gene-
ral lhe tinha faltado na primeira ex-
periência achou meio de fe efcapar ,
e paíTar para o campo de Mahmud.
Sendo a Cidade tomada voltou ainda
«i Albuquerque ; porém perfentindo que
Albuquerque o conduíia para o Indof-
tan,
DOS PoRTUGUEZES, LlV^ VII. 3O9
cari , e que o foccorro que lhe prome — ^
tiaó podia demorar-fe , tornou a paf- Ann. de
far ainda para o campo inimigo , e J. C.
íeguio a fortuna de Mahmud deipoja- jrzi.
do de feus Eftados como elle.
Os Reis da Ilha de Sumarra eraó D* MA*
de tal modo dependentes do capricho N0EL REI#
dos feus vaíTallos 3 que era coifa ef-
pantoza, haver quem o quizeffe fer. O DIOGO
menor fanático alli cauzava hum arroi- LOPES DE
do popular , e tanto que hum inf- SIQUE1"
pirado tinha pronunciado no feu en- RA GO~
tuziafmo , morra o Rei , eftava efte VERKA'5
fentenciado de morte, era degolado , e D0Rl
matavaõ todos os que eraó feus apai-
xonados, fem encontrar da parte dcl-
les a menor refiítencia. Deíle modo
tinhaó matado muitos em Pacem , quan-
do Zeinal ajudado das tropas de Mali-
mud recuperou o Throno cie feus pais.
O ultimo Rei que Zeinal defpojou ,
deixou hum filho de quafi 12 anhos
de idade. O Molona , ou chefe da
Religião faívando efte menino o con-
duíio ao Indoftan para implorar o foc-
corro dos Portuguezes , e metello na
protecção do Governador General , of-
íerecendo fazerem-no a elle , e ao feu
Remo tributários de Portugal , e que
daria lugar para fazer huma Fortale-
za em Pacem. Sendo aceitado efte par-
tido y
5 10 Historia dos Descobrimentos
■ tido , Jorge cTAlbuquerque 3 que hia
Ann. c.2 tomar pofle cio Governo de Malaca ,
J. C. foi encarregado da commiffaó de refti-
i^í. tuir cfte Príncipe á poííe dos feus Ei-
rados.
Ainda que Sultão naõ recebeo os
ícgel rei foccorros de Mahmud, que de propo-
ílto o havia feito feu genro para o
dioco obrigar mais , fe naó com ar. condições
lo: es de jc rc rerv:r delíe contra os Portugue-
moueí- zes ? com tU£|0 eiqe principe mudando
km Go- ^ entcreííes com a íua boa fortuna ,
verna- nPt5 ddejava outra coifa mais que a
por. aliiançâ delies. E porque no tempo
de revolução o feitor que eílava em
Pacem , tinha fugido pelo temor que
teve deile , do que fe difgoftou mui-
to , mandou rogar ao Governador
de Malaca , que lhe mandaífe algum
com quem podeíTe faltar nos negó-
cios , o que foi feito. Porém a paz
naó durou pela imprudencra de Diogo
Vaz , que lhe foi enviado. Efte ho-
mem infclente , tendo perdido muitas
vezes o reípeito devido a eíle Princi-
cipe, foi a victima da indignação dos
feus Cortezaôs , que o apunhalarão
com alguns dos feus, fem para iíTo
efperarem ordem.
Jorge d 'Albuquerque tendo-fe a-
prezentado no porto de Pacem com o
feu
DOS PORTUGUEZES , LlV. VII. 3II
fcu pupillo Zeinal , para ferenar a tem —
peftade , ofFereceo todas aquellas con- Akn. de
diçoés , e as mefmas vantagens , ]. C.
que os Portuguezes podiaõ efperar da- \rn.
cuelle de quem tinhaó tomado a de-
tença. Albuquerque naó quiz atender D* MA"
a coifa alguma , e fe difpoz a uzar de N0EL REi
força deícuberta. Zeinal , temendo
as alterações populares, íe tinha for- DI0G0
tificado em hum campo fora da Cida- LOPES D1
de com hum dobrado cerco. As tro- SI(^utl"
pas Portuguezas de hum lado com as RA G<
do Rei d'Áuru do outro , o attacaraó , vERNA~
e o tomarão. Zeinal combatendo com V0K*
valor alli o matarão. O Principc .pu-
pilo naó tendo competidor , foi refti-
tuido ao Throno. Os Portuguezes hm-
daraó a fua Fortaleza , e fe aprovei-
tarão de muitos defpojos.
No mefmo dia que Albuquerque
ganhou eíla formoza vicloria, os Portu-
guezes receberão pouco depois huma
perda confideravel , que fervio de def-
conto. Jorge de Brito tinha paílado
neíie anno de Portugal para ás ín-
dias , commandando liuma efquadra de
nove navios. Tendo chegado a Co-
chim 5 foi defpachado peio Governa-
dor General para ás Malucas , para
onde eílava -deítinado com hum a ef-
quadra de fete navios. Pouco depois
par-
RA GO-
VERNA-
DOR.
512 Historia dos Descobrimentos
■ ■ parrio Jorge d'Albuquerque , em cuja
Ann. deconferva naõ pôde hir. Aportando a
J. C. Achem , hum Portuguez chamado ]oaó
1521. de Borba, veio a Teu bordo para o
faudar. Efte homem depois de ter nau-
^~ frasrado , e lutado por nove dias em
ttOEL REI 1 *. ri C
hum pequeno eícaler , contra a to-
me , ventos, e ondas, tinha arriba-
do a Achem, onde tinha fido recolhi-
lo de {jo p£|o ^ej ^a maneira mais afável
do mundo. Borba reconheceo mal os
favores deite Príncipe ; porque tanto
que chegou a bordo , períuadio Brito ;
que fe apoderaííe d'um Pagode , di-
zendo-lhe , que nelle acharia riquezas
immenfas. E a fim de o animar a ef~
ta acçaó , lhe fingio que o Rei d' Achem
tinha aproveitado as relíquias do nau-
frágio aum dos feus navios, e feito
morrer os Portuguezes , que dclle fe
tinhaõ falvado. Brito , enganado pola
efperança deitas riquezas, que cria já
poíluir, enviou fazer propoíiçoés mui-
to extraordinárias ao Rei , que lhe
refpondeo com tudo de modo que fa-
t is fana todo o homem , que foíTe per-
fil adi do' de que era dotado de razaó.
Brito receou no mefmo tempo o foc-
corro d'outro navio Portuguez , que fe
achava no porto, com o pretexto de
naó fer da fua efquadra 3 e muito
mais
COS PoRTVGVE2E5, LlV. VII. $1$
imais para naõ fcr obrigado a lhe dar —•
parte no roubo do Pagode. Ann. de
Determinado em attacar a Cida- .'• C-
de, mandou zz homens para o defembar- 1 52 1 .
que , os Capitães na frente delles nas d m^
fuás chalupas á excepção de Francif- ^ ^
co Godinz , que os ieguia com a lua tui-
ta onde eftava a artilheria , e os ar- DlOGO
cabuzeiros em numero de 70. Tendo- LOpES DE
fe as chalupas adiantado , porque a 10TJEI_
fuíla naõ podia andar tanto , Brito „n
quiz elperalla , porque ella trazia as VERNA,
luas principaes forças , que devia além R*
difíb defender , e favorecer o defembar-
que ; porém hum vento de terra , que
engroífava as aguas da embocadura do
rio , dando-lhe muito trabalho , e al-
guns falconetes , que atiravaó d'um
pequeno baluarte viílnho , os feus o
confrangerão a ferrar a praia , e a
defembarcar. O que levava a bandei-
ra de Brito , tendo-fe atordoado á for-
ça de vinho para ter mais animo , par-
tio defmandadamente , tanto que poz
pc em terra fem efperar ordem. Brito
c'os feus gritos 3 fez quanto pôde pa-
ra o demorar , e os aventureiros que
o feguiraó ; mas eílando todos furaos
á fua voz, e o numero delles engrof-
fando cada vez mais , elle mel mo
foi arraftado contra leu goílo. Naõ eí-
tive-
$14 Historia dos Descobrimentos
tivcraõ muito tempo que naõ cahiflen*
Ann. de fobre hum corpo de mil homens con-
J. C duzido pelo Rei em peílòa. Como
1521, os Portuguezes naó tinhaó configo os
m Teus arcabuzeiros , foraó logo debai-
xo. O Alferes autor da difsraça com-
JíOELREt n- 1 r • * 1
mum teve o caítigo da lua imprudên-
cia . fendo o primeiro que matarão.
DIOGO 1 j t» • r l ^
Jorge de Bnto 3 e outros três Capi-
DE taés da fua frota tiveraó a mefma for-
siquei- ^ Gafpar Fernandes, bom OíHcial,
A " chegando-fe muito a hum Elefante
Vjirna- para o paflpar com a fua iança ^ efte
R* animal o tomou na tromba , e o ar-
remeçou taó alto que cahio morto.
Pondo-fe o reíto em fugida , Louren-
ço Coutinho 3 hum dos Capitães que
vinha unir-fe ao groíTo , e fazia como
o corpo de rezerva , vendo efta deC~
truiçaó , fe deitou a fugir , em vez
de efperar para fuíler os fugitivos. O
que <kndo animo aos inimigos , fica-
rão 70 Portuguezes mortos nefta ver-
gonhoza retirada. Só dois , a faber
Luiz Rapozo , e Pedro Vellozo , cu-
jos nomes merecem fer immortaes ,
repararão a honra da fua Naçaó. Ef-
tando preíles a fe embarcarem , e naõ
vendo o feu General, determinaraó-fe
a hirem-no. bufcar , e o reconduzi-
rem , ou morrerem com elle \ e de-
pois
DOS PORTUGUEZES , LlV. VII. $I£-
pois de fazerem prodígios de valor , j-
morrerão trafpaiTados. O Capitão da Ann. de
fuíla julgando pelo eflrondo que ti- J- Ca-
nhão travado peleja, fez quanto pôde i^zi.
para abordar ; mas encalhando , foi D _
obrigado a eíperar a preiamar , ,Para N0EL Kei
fe deíencalhar. Depois deita inteiici- i%
dade tendo todos ganhado a fua frota DIQGO
como poderão , fe íizeraõ á vela para .
Pedir, onde António de Brito , que fe s EI_
achou neíte porto , foi eleito General ^
, f. .,-,- ' "t- m • ra co-
em virtude duma commiflao d Ellvei 3
1 1 r VERNA-
que achou nos papeis de íeu irmão , a
quem era fubftkuido. Do porto de Pedir
foraõ ao de Pacem , onde achando Jor-
ge d Albuquerque preltes a partir , to
dos juntos íe fizeraó á veia para Malaca.
Tendo Albuquerque tomado pof-
fe do governo , e achando taõ boa
companhia , quiz aílignaiar os princi-
pies indo expulfar Mahmud da Ilha
de Bintam. Haviaó-lhe feito a em-
preza fácil, e elle confiava muito em
18 navios , cue levava a efta expedi-
ção, e 6co homens de boas tropas. ,
Porém tendo deixado de levar com
figo efeadas , por lhe fegúrarem que
naõ teria preciz^õ , fez inúteis esfor-
ços contra hum b ■■■;•■. f ò , que Lac-
zamana defendeo taó vigorozaraente ,
que Albuquerque tendo neiie perdido
mui-
316* Historia dos Descobrimentos
a muita gente, perdendo também a ef4
Ank. deperança de o tomar, fe tornou a em-
J. C. barcar pouco airozo , para tomar a Ma"
152 1. laca- António de Brito com a fua ef-
quadra tendo-fe feparado deile para fe-
d. ma-í . r , r , ,T , r ,
guirem lua derrota as Malucas , Lac-
KOEL REI D . j ,/,. , n J-
zamana que o vio debilitado por eíta di-
vizaõ de forças, o feguio logo com 15
lancharas armadas , de taó perto , que
LOPES DE ,, ' j ^
entrou com elle no porto , onde to-
siquei- t . . ,r ^., e.
mou o brigannm de Gil Simão ,
que alli o matarão com todos os que
o derendiao.
Neíte mefmo tempo, os Portu-
guezes fe acharão reduzidos a huma
grande extremidade na Ilha de Cei-
lão. Lopo de Brito , que tinha fuc-
cedido a D. Joaõ da Silveira no Go-
verno da Fortaleza , que Soares tinha
fundado , emprehendeo acrefcentala ,
e para efte eíFeito levou com figo
hum reforço de Toldados , e de traba-
lhadores. Os Chingules , que faõ os No-
bres do paiz , o acharão muito máo,
c fe queixarão altamente como de
huma infracção feita ao tratado , e de
huma tentativa arrifcada para lhes opri-
mir a liberdade. Fora fem duvida pru-
dência fufpender huma obra , contra
a qual todos pareciaó que fe revolta-
vao. Porém Lopo defprezando os ru-
mo-
DOS PoRTVGUEZES , LlV. VII. } lj
mores populares teve mais animo , e m*ç
determinação em feguir feu trabalho. Amk. de
Tendo-fe neíta occafiaó irritado os ani- J. C.
mos, atiçando os Mouros o fogo da j^i.
divizaõ , como coítumavaó , fe enter-
rompeo o commercio da Fortaleza D* MA"
com a Cidade , de modo que a fo- M0EL PE1
me fe íentio brevemente alli. Adian-
tou-fe mais a ouzadia dos habitan- DlOGO
tes , porque fe achavaó alguns Portu- LC*ES DE
guezes defgarrados os iníultavaõ , e SIÇUEI"
maltratavaó. ' RA G0~
Lopo de Brito diílimulou eíles VERNA"
infultos, pode fer mais do que deve-D0R*
ra > porém animado depois pelas mur-
murações dos feus , que tachando-lhe
a fua muita paciência , acuzavaõ o feu
valor , paííou duma vez a outro ex-
tremo fem prever as confequencias.
Porque hum dia, no tempo do re-
Eouzo , e do grande calor , tendo fa-
ido do feu forte com 150 homens ,
entrou na Cidade de Columbo . onde
nada menos fe efperava, que eíía hof-
tilidade , alli levou hum tal medo,
que no efpanto d'uma irrupção taó fu-
bita , cada hum dos habitantes fó cui-
dou em fugir. Porém depois reunidos
fora da Cidade ^ e pafTado elte pri-
meiro momento de terror, attrahidos
pelo amor de fuás mulheres , e filhos ,
torna-
318 Historia dos Descobrimentos
tomarão a entrar com furor. O efpe-
Ann. de claculo deitas mulheres , c filhos que
J. C. Brito íe tinha contentado de fazer pren-
i<2i. ^er , augmentando também a fua ani-
moíidade, os Portuguezes foraó obri-
D* MA" ^ados a retirar-fe , com mais de 30
koel rei kridos ? recolheraó-fe á fua Fortaleza
com trabalho, e pode fer que naõ :on-
diogo fegu,;ífem entrar nella , fe o fogo
loi'es de gri[0 tinha prudentemente feito lançai*
siQUEi- ^s caza3 fa rua principal, naó caozaf-
RA G0~ fc diverfaó, e facilitaífe a retirada.
verna- TsJaõ foi iílo mais do que os prin-»
D0R* cipios dos feus males. A indignação
que cauzou em toda a Ilha huma irup-
çaó arrebatada , e taó pouco disfarça-
da a fublevou toda inteira. Naó hou-
ve quem fe naó quiZeííe armar para os
deítruir „ diziaó , de indianos piratas ,
3, que tendo fido recebidos com huma-
3, n idade , naó fe contenta vaó de fe
3, fazerem fenhorcs do paiz , e do com-
5, mercio , para o fazerem fó fcgundo
j, as leis que lhes aprouve prefcre-
3, ver , mas pareciaó ainda cubiçozos do
3, fangue de quem os hofpedou , em-
3, pregavaõ para o derramar as mais
3. vergonhozas traições , moílravaó-fe
_,, inimigos com as armas na mao ,
3, fem motivo , e alguma denuncia-
33 çaõ de guerra 3 e deílas formalida-
des
DOS PORTUGUEZES , LlV. VII. $Ip
-,, des que os povos mais bárbaros tem •
?, coílume de guardar. 33 De repente Ank. de
ahi Te acharão mais de 20^ homens J. C.
juntos, em que o furor augmentando j^i.
b valor natural deites Ilheos , lhes fez
tomar as medidas as mais eíRcazes pa- D* MA"
ra afíegurar a fua juíta vingança. A hOEL REI
Fortaleza foi fitiada em forma. Os ini-
migos a cercarão da parte da terra por DIOGO
linha , e reductos , aos quaes ajunta- LOPES DE
raó dois cavalleiros , donde a artilhe- SIQUE1~
ria dominando a praça, dco lugar por RA G0~
finco mezes inteiros a Brito de fe ar- VERNA~
repender da fua imprudente fahida , D°R*
e aos feus de o obrigarem a ido.
Dc[de os princípios do fitio , Bri-
to tinha dado avizo a Cochim do
aperto que o efperava ; mas como
o General tinha defprovido todas as
praças do Indoílan , para a grande em-
preza de que vamos fallar , naó lhe
poderão enviar mais que 50 homens
em huma galera , commandada por An-
tónio de Lemos , que gaitou muito
tempo a lá chegar por cauza do inverno.
Com a chegada defte fraco foc-
corro , conhecendo Brito que naó de-
via efperar outro , fegundo a fua de-
fefperaçaó , e refolvendo arrifcar tudo
em huma acçaõ deciziva , de fazer
levantar o fitio dos inimigos , ou de
mor-
VER NA
DOR.
320 Historia dos Descobrimentos
* morrer como valerozo , antes que dei-
Akn. dexar-fe confumir pela fome, e as outras
J. C. difgraças que íaó confequencias dos
1521. longos imos.
^ „■ Ordenou a Lemos , que cheeaf-
„T ,1T le a lua galera o mais que podei-
KOEL REI r °. , . 1. . T
le aos entnncneiramcntos inimigos ,
_ e que os vareialíe toda a noite. Ef-
diogo ^ • v n
ta manobra chamou a eíta parte a
LOPES de , r . /r r
attençao dos íitiantes , aíiim como
o tiniu eíperado , defde o principio do
RA GO- j. c • - • ri •
dia legumte , attacou os entnncheira-
mentos da parte oppoíla na frente de
300 homens com tanta impetuofidade,
que os que os defendiaõ , tomados do
repente , os defempararaõ para fe re-
tirar para á Cidade. Porém como a
rnultictaó dos inimigos era fem nume-
ro em comparação dos Portuguezes ,
e que além diilo naõ lhe faltava gen-
te hábil na arte da guerra , reuniraõ-
fe, fizeraó hum corpo de 150 cavai-
los, e 25 Elefantes, fuitentados por
huma eípecie de batalhão quadrado ,
e tornarão em boa ordem para os en-
trincheiramentos, que acabavaõ de per-
der. Brito , que tinha já fahido em
feguimento delles , vendo-os vir naõ
fe admirou , e tendo ajunrado os feus
béfteiros , lhes ordenou que fizeíTem a
íua defearga fobre 03 Elefantes. Elles
o
DOS PoRTUGUEZES, LíV. VII. }2t
o fizeraó com tanta deftreza , e feli —
cidade, que eftes animaes efpantados, Ann. de
e irritados pelas fuás feridas, voltando 3. C.
fobre os feus , desbaratando homens, 1^21.
e cavallos , caufaraó fobre o campo
huma deílruiçaó taó eeral, que os
Portuguezes nao achando ninguém que
lhe fizeífe cara , entrarão com os tu-
Sitivos confufamente na Cidade , e os
r • j • ' ' 1 1 r LOrES DE
perfiguirao ainda mais ate a hum bol-
que de palmeiras , onde Brito temendo I(^UEI"
que os feus fe demandaffem , naó jul- A G0~
sou útil obrigalos mais , e mandou VERNA~
& / • ib ' DOR,
tocar a retirada.
A paz foi o fruclo d'uma taó be-
la vicloria. Porque o Rei do Colom-
bo indignado porque os Mouros , que
o tinhao movido a efta guerra , tinhao
fido os primeiros a fugir , e além diífo
enfadado das perdas que tinha tida
nefta ocçaó, e no fitio, fe reconci-
liou de boa fé com os Porcuguezes ,
e viveo depois com elles em boa ar-
mo n ia.
D. Manoel defejava com paixão
ter huma Fortaleza em Diu. Tinha
ordenado iílo muitas vezes aos Gover-
nadores das índias. Porém Meliqtie
Jaz os havia fempre illudido com a
fu efperteza. EIRei enfadado dos feus
artifícios tinha em fim ordenado a Si-
Tom. II. X quei*
322 Historia dos Descobrimentos
ws queira que fizeííe de modo, que alcan-
Ann. deçaííe o confentimento por bem, ou por
]. C. mal. Alli havia logo huma modifica-
1*21. Çaó a efta ordem; porque EIRei que-
_ rendo poupar as luas tropas dezejava
.d. ma que i^o ^e £ze|]*e ^e modo , que naõ
jvoel rei empregaffe inteiramente a força, que
eíla naó fizeííe mais que ajudar á af-
diogo tuc|a ^ e a ijiduftria. Com tudo depois
jxpes de ^£o eí;a moc^£caça5 foi tirac|a ? e a
siçuei- orjem f0i enviada pura , e íimplez :
RA G°" (lue ^e Melique Jaz naó confentilTe na
VE.RKA- petiçaó 9 qUe de novo lhe requereíTem ,
1)0 R' lhe declaraíTem guerra. El Rei eftava
taó perfuadido , de que o negocio fe-
ria fácil , que havia feito partir Fer-
nando de Beja com as provizoés de
Governador da nova Fortaleza.
Siqueira, que recebeo eílas ordens
em Ormuz no retorno da fua expedi-
ção do mar Roxo , as confervcu em
degredo , e foi na paííagem ancorar
defronte de Diu , bem determinado a
aproveitar a occafiaõ , f e a achaíle favo-
rável. Foi illudido na refpofta como
dantes. Eile bem o efperava , mas dif-
finvulou. O Feitor Português o tinha
avifado de que a praça eftava muito
bem munida , para que elle podeíTe li-
zcngçar-fe de a tomar, no eítado cm
que elle fe achava , de forte que com
errei-
D. MA-
NOEL REI
DOS PoRTIÍGUEZES , LlV. VII. 22$
eftcito naó fe achando afíaz forte ,
continuou fua derrota até Cochim , pa- Ann. de
ra alJi hir fazer maiores preparativos. J. G.
Jaz, que era bem fervido de e(- !-2i.
pias a quem pagava bem , foi logo
aviíado cios movimentos de Governa-
dor , de que era próprio que tiveíTe
alguma defconliança. Para melhor íe
aííegurar, enviou a Cochim hum Of- D!OGO
ikial 3 fem que moítraííe outra ten- :L0PES D
çaó , que a de condufir alguns prezen- SI^LEI~
tes da lua parte ao General , que con- RA GO~
tinuando a uiffimular , os recebeo mui- VERNA"
ro bem , e moítrou fempre ao Olfi- D0R"
ciai muita eí&maçaó por leu Senhor,
e hum grande déíejo de viver em boa
correípondencia com elle. Porem era
impoflivél cue eCtc homem , vendo hu-
tna frota de mais de 8o velas , a mais
bela que os Portuguezes nunca tive-
raó , naó fufpeitalTe algum grande do
ílgnio , c que o Melique naó conclu ti-
le dilTo, que eíte diíignio o reípeitava.
Siqueira partindo de Cochim trouxe
o Qííicial até Goa ; porém lá elle fe
efeapou , e foi dar avizo de tudo a
feu Senhor.
Jaz , que fe naó queria achar á
chegada da frota , partio logo para á
Corte de Cambaia 5 deixando na pra-
ça Melique Saca feu filho 3 bem i:if-
X u trai-
324 Historia dos Descobrimentos
truido de tudo o que devia dizer, e
Ann. de com elle hum valente Capitão charna-
J. C. do Aga-Mahmud , homem de valor ,
ic2i. e ^e confelho , que podia fervir de
tudo em precizaó. Siqueira tendo an-
D* MA~ corado na enfeada com elta frota for-
noELRKi inj^yei ? enviou logo faudar o moço
Melique y para lhe dar avifo da fua
Diogo chegai ^ on para melhor dizer 9 da
lopes de fua paflàgcm. Seu defignio era , di-
siquEi- zia e||e ^ ^e j^ a Ormuz , onde a fua
ra Go- prezença era neceffaria; mas que lhe
■verna- rogava ao niefmo tempo , que quizeffe
dor. cfTedruar o que lhe tinha prometido
tantas vezes , de lhe aíftgnar hum lu-
gar para fundar huma Fortaleza. Sa-
ca 3 que por percauçaó tinha feito
prender todos os Portuguezes difper-
íos pela Cidade , a fim de que elles
naó communicaífem com o feu Gene-
ral , naó duvidou de praticar cara á
cara com elle , tomando as percau-
çoés que convinhaó á fua legurança.
Neíla pratica , que foi cheia de
civilidade,, Excufou-fe elle por naõ
„ poder conceder o que lhe pediaó ,
5, íem a permiíTaó de feu Pai , que elle
„ mefmo tinha niíTo a melhor vonta-
3, de , e naó tinha ido peíToalmente
5, á Corte mais que a fim de obrigar
„ q Rei a conceder eíla graça , á qual
„ cite
DOS P0RTUGUEZES3 Livi VII. ^Iç
„ eíle Príncipe tinha huma oppofiçaó
3, invencível. „ Tendo Siqueira feito Akn. de
iníkncia para falar ao menos aos Por- J. C.
tuguezes que eítavaó na praça. O mo- i*2i.
ço Melique refpondeo : „ Que devia
,, eftar muito defeançado íobre o efta- D* MA~
„ do delles , que eftavaó livres , con- NOEL RE*
55 tentes , e que gozavaó de todas as
„ vantagens auma boa correfponden- D1°GO
„ cia : Qae a petição que lhe fazia LOl'ES DE
„ de lhos aprezentar , lhe era injurio- SI(^UEI"
„ za por moftrar huma defeontiança RA GO~
„ que fazia á fua civilidade : Que elle VERKA"
3, naó os aprezentava em quanto a fro- D0R*
5, ta naó partiííe , com medo de que
3, naó pareceffe , que fe defconíiava da
3, fua íinceridade 3 ou que elle mefmo
3, o fazia por puílillanimidade,. e por
3, medo. 3,
Sobre eftas coifas houve o Go-
vernador muitos confelhos com os feus
Capitães. A maior parte tinhaó fuás
commiííoés para portos , onde efpera-
vaó enriquecer-fe , e fervias de má
vontade em huma empreza ,. onde *íè
naó ganhava nada. Alíim a maior
parte votou, que a praça fendo tam-
bém fortificada como eiíava , era hu-
ma temeridade emprehender o attaca-
la. Além diíío apoiando as rafoens de
Melique , concluirão que feria ajuntar
a ia-
RA GO-
VERNA
DOR.
^16 ITstoria bos Descobrimento*.
a injuftiça e imprudência , porque com
Ann. Je eífeiro naõ pertencia 3 nem a teu Pai ,
J. C. nem a elle , que lhe naó deilem a fa-
ic2i. tisfaçaõ que elle pedia.
Os Toldados íempre anirnozos , que
D* MA~naõ perr.er.dem mais , que fer condufi-
koel rei ^os ^ apenag fufpeitaraó eíia determina-
ção do Confelho , bramindo de ver-
dtogo gçj-iha 3 e de cólera , naõ fe ouvia
LOPES DEma|s ^ue V,lima yoz em tocJa a frota,
si que i- ^ue taxanc[0 0 General de cobarde ,
e poltrão , lançavaó-lhe em rofto a
gloria da Naçaõ abatida na perda de f-
ta occaíiaó, a mais bela que podia ha-
ver y e que naõ achariaó mais. O que
foi peior alguns dias depois : vindo o
Feitor á bordo pela permiíTaõ que o
General tinha alcançado, dando reféns ,
e tomando por diverfas vezes caixões
d'ouro , e de prata , que eraõ os íeus
efTeitos , que falvava da jufta aprehen-
faõ duma guerra que previa , diziaõ
claramente que o General vendia a
Naçaõ , e os entereíTcs d'ElRei por
boa moeda corrente. Os Capitães da
frota fallando no publico d'um modo
diíterente do que o tinhaó feito no
Confelho , approvavaõ eftes infolen-
tes difcuríbs ; mas que fó tinhaó mui--
to fundamento apparente. Siqueira que
o íoube tendo-os revocado ao Con-
r feihoj
nas Portuguezes , Liv. Vil. 327
felho , dando-lhes rcprehençoés muito — ■-■-!-
acres, que elles mereciaó bem, lhesÀNN. de
fez dar de novo feu voto por efcrito. J. C.
Aííignaraõ tudo o que elle quiz , prom- \*2~i.
ptos também a fazer proteítaçoés con-
tra íi. Deite modo o General julgan- D* MA~
do-ie feguro a refpeito da Corte por 1,0EL REl
efta percauçaó , reiblveo de profeguir
r\ +. r DIOGO
lua derrota para Ormus : erro conii-
deravel , que todos os Chefes devem LOPE^DE
examinar , havendo conjunturas emsl(^lEl"
que os Governadores devem tomar lo- RA G0"
bre fi os acontecimentos , principal- vERNA"
mente quando tem ordens precizas que D0R"
os favorecem , fem o que perdendo
a occaziaó de boas acçoés , perdem
também a fua reputação, naõ obftante
as apparencias de prudência , com que
íuppoem cubrilla, e com a reputação
delles a confiança das tropas , a quem
he difícil de impor.
Em fim- tendo feito faber a Me-
lique Saca a determinação que tinha
de continuar fua derrota , o fez rogar
que quizeffe bem facilitar a Rui Fer-
nandes a viagem da Corte de CiufflH
baia , onde o enviou para coucluír
efte negocio. Saca livre 'duma 'extre-
ma inquietação , prometeo tudo , e deí-
de logo fez levar, á frota toda a forte
de refrefeos. Siqueira expedio pata Co-
chim
328 Historia dos Descobrimentos
— = chim D. Aleixo de Menezes , quô
Ann. cie devia commandar na índia em auzert-
J. C. cia do General , e com elle } fez par-
1521. tir Jorge d'Albuquerque , e Jorge de
Brito para onde eftavaõ deftinados ,
MA~ de que já falíamos 5 c vimos os fuc-
cefTos. Com elles partirão tambcm Cou-
tinho , e Pereftrello deíhnados para á
tfOEL
r>iOGO Qj1jna ? e os outros que deviaõ com-
xopes de mancjar os navios Je carga de retor-
siquEI" no para Portugal ; o que fazia por
RA G tudo o numero de 20 Capitães mais
verna- mercíUj0res que foldados : mas pode
fer também que tivefTem fido mais fol-
dos que mercadores , fe o General ti-
veíTe amado mais a fua gloria , que o
feit enterefTe. Ifto he o que he difícil
de dezatar.
Finalmente o General , fazendo-
f e á vela para Ormuz , deixou Fer-
nando de Beja , e Pedro d'Utel com
íeus navios, os dois irmaôs Nuno Fer-
nandes , e Manoel de Macedo com fuás
caravellas , com o pretexto de carre-
garem algumas provizoés ; mas com
ordem fecreta á Beja de tirar logo
todos os Portuguezes que eftavaó em
Diu , eno cazo que a negociação de
Rui Fernandes nao tiveffe effeito , que
declaraffe logo a guerra Outro erro
muito grande: porque fe elle nao ti-
nha
ÒDS PoRTUGUEZES , LlV^ VIL $2p
ftha ouzado declaralla elle mefmo , tcn- ■
do huma taó bela occaziaó 3 e huma Ann. de
frota taó formidável 5 parecia bem pou- ]. C.
co prudente fazer eita declaração taó \ci\.
fora de propofito , e com taó poucas
forças.
Alguns annos depois EIRei d'Or-
NOEL REI
muz naó pagava exactamente o tribu-
to que devia á Coroa de Portugal , DlOGO
j r1 i r i- • • r j LOPES DE
deículpava-íe com a diminuição dos
feus rendimentos , e tinha alguma razaó. SI<^UEI~
As Ilhas de Baharem , e de Catife no RA G0"
Golfo Perfico eraó do domínio deite VERNA"
Príncipe. A pefca das Pérolas que alli D0R*
fe faz naó he taó abundante , como a
das índias ; mas as Pérolas ahi tem
huma fombra mais bela , e faó de me-
lhor qualidade. Eftas Ilhas que faziaõ
huma parte confideravel da riqueza
defte Príncipe , lhe foraó tiradas por
hum dos feus vaííallos chamado Mo-
crim , Rei de Lazah , e genro do Chec
de Meca , que fez fublevar Baharem
em feu favor , no mefmo tempo que
Hamed feu fobrinho fez o mefmo em
Catife. O defprezo que conceberão
ambos de hum Rei , que fe tinha fei-
to tributário d'um punhado de eftran-
geiros , auctorizando-lhes a revolta ,
Foi também o motivo que o Rei To-
run-Cha fez valer na prezença do Ge-
ne-
350 Historia dos Descobrimentos
nerai para o ajudar a fubmèter eftes
Ann\ de vaíTalos rebellados , ou para naó eílra-
J. C. nhar que elle naó pagaííe hum tribu-?
1521. t0 5 cuj° pezo excedia as fuás forças.
O General perfuadio-fe das fuás ra-
MA" zoes com melhor vontade , porque Mo-
KOEL REI • " r 1 1 1- r
cnm nao le contentando da lua uíur-
paçaõ , entretinha huma pequena fro-
DiOGO r T • \- it\
ta , que arruinava o commercio d Or-
lopes de mus ^ tomando todas as embarcações
siqi^Ei- que virma5 da Baçorá , e das outras
*A G(* partes do Golfo.
\erna- Como o negocio era urgente ,
D0R" Siqueira mandou para efta expedição
António Corrêa com 7 tuítas , e 400
Portuguezes , que deviaó fer feguidos
da frota de Torun-Cha compofta de
perto de 200 embarcações pequenas ,
conduzidas por Rais Seraf feu primei-
ro Miniílro. Huma violenta tempeíta-
de dividindo-os , Corrêa foi obrigado
a efpcrar alguns dias fobre fuás anco-
ras á viila de Baharem , para fe dar tem-
po de fe ajuntarem áquelles que po-
deriaõ vir unir-fe-lhe. Mocrim fe a-
proveitou defta dilação , para fe fortifi-
car cada vez mais.' Tinha I2<^ ho-
mens de tropas , 300 beíteiros de flexa
Perfianos , e 20 befteiros- de befta.
Corrêa defembarcou- foccegadamente ;
porém como elle defconfiava das tro->
pas
DOS PoR-TUGUEZES , LlV. VII. 33 I
pas Armuziannas , ordenou a Seraf , ■
que rlzeífe o atraque dum lado , que Ann. de
eile fe obrigava a combater o outro. ]. C,
O que quiz efeolher partido fecundo 1^21.
os acontecimentos , fobio a hum alto
para daiii íe determinar íegundo o fuc- D* MA"
.ceíío. DVatra parte os Portuguezes NOEL REI
poftos em movimento , Ayres Corrêa,
irmaó de António guiando a vanguar- D10GO
da compofta de 70 homens , pela maior LOPES DE
parte gente diítincra , deixou-fe hum SIQUEI~
pouco levar da vivacidade do íeu ani- RA G0"
mo: e feguindo o methodo que os^ERNA^
Portuguezes entaó rinhaõ de comba- D0R*
ter fem ordem , arrebatados pelo íeu
impeto, deo íobre os inimigos de fú-
ria com os ieus , que tendo-fe deman-
dado para fazerem cara à multidão ,
foraó mui maltratados , fendo muitos
feridos , e principalmente Ayres Cor-
rêa que foi ferido cem muitas ■ flexas ,
e o teriaó matado , a naó fer o ioc-
corro d'alguns valcrozos , que o rodea-
rão para o defenderem. Sobrevindo
António com o corpo de batalha pal-
iou a diante fem íe deter , naó lhe
obílando o triíle eílado em que via
feu irmaó. Os entrincheiramentos ini-
migos foraó ganhados ; porém foi lo-
go precizo abandonallcs , e ceder á for-
çê , e ao valor de Mocnm , que com-
bateu-
l\l Historia dos Descobrimentos-
11 batendo na frente dos feus , naó fe
Ann. de intimidou , ainda que debaixo delle
J. C. lhe matarão dois , ou rres cavallos , c
leu. na° defcanfou fe naó depois de recha-
çar os Portuguezes já vicloriozos.
d. ma- q exceflfv0 ca|or do dia obrigan-
koel rei j0 os ^0>s pjjj^Qg a fazer huma ef-
pecie de tregoa para refpirarem , cada
diogo Jium çujJqu nos feus feridos. ft|as
loíes de dQ[c3Lnçanâo hum pouco, António Cor-
siquEi- rea t0rnancjo ao porto , o combate
ra Go- çQ renovou com mais furor. A viclo-
verna- ria efteve muito tempo duvidoza, em
D0R* quanto Mocrim pôde animar as rropas
com a fua prezença ; porém receben-
do hum tiro , de que morreo três dias
depois , foi obrigado a mandar-fe le-
yar para fora da refrega , entaó os
feus enfraquecerão , e fe pozeraó em
fugida. Seraf ociozo até entaó , fe a-
preííou para vir tomar parte no def-
pojo , antes que na viaoria. Corrêa
ciiíiimulando o que naó podia punir ,
o deixou fatisfazer hum pouco á fua
cubica , e o mandou em feguimento
dos fugitivos que bufcavaó o Reino
de Lafah. Seraf os alcançou , e vol-
tou com a cabeça de Mocrim , que
fendo embalfamada , foi enviada ao
Rei d'Ormuz. Efte Príncipe eílimou
muito ifto , e a fez colecar em hum
monu-
DOS FoRTUGUEZES , LlV. VIL $$$
monumento que erigio na fua Capital *
com huma infcripçaó em lingoa Per- Ann. de
fiana, e traduzida na Portugueza^ pa- J. C.
ra ímmortalizar a gloria deita Naçaó. 1521.
Tendo fubmetido Corrêa as duas
Ilhas de Baharem , e de Catife , e
tendo alli deixado Seraf , tornou a
Ormuz , onde foi igualmente recebi-
do do Rei , e do General , como
merecia fer. Por fer ifto verdadeira-
mente huma bela acçaõ d'armas , que I(^UEl~
lhe fez dar o fobrenome de Baharem,
ao qual EIRei de Portugal concedeo v
depois hum novo final de honra , -
permitindo-lhe ajuntar huma cabeça
de Rei ao antigo brazaó das armas
da fua caza.
O Governador cubiçozo de tor-
nar á índia , tendo licença d'ElRei ,
fe fez á vela , e veio apparecer dian-
te de Diu , fazendo fempre cara de
profeguir o projeclo de conírruir alli
huma Fortaleza. As coifas tinhaõ alli
mudado bem de face, e teve entaõ
motivo para fe arrepender do paíTado.
Rui Fernandes tinha vindo da fua
Embaixada fem ter confeguido nada.
Fernando de Beja tinha declarado guer-
ra em todas as fornaas , e tinha cor-
rido fobre alguns navios de Cambaia ,
que tinha tomado ; mas efte dezafio
lhe
334 Historia dos Descobrimentos
■ lhe cuítou caro. As fuílas de Meli-
•Ann. de que Jaz , commandadas por Aga Mah-
J. C. mud, lhe cahiraó em {ima , e achan-
1521. do & &* pequena efquadra feparada
em hum tempo de bonança , Mahmud
"achando feus navios hum atras do ou-
KOEL REI
tro , 03 attacou com tanto vigor , que
meteo a pique Pedro d'Ute!., e mal tra-
tou de modo a Caravela de Nuno
Fernandes de Macedo, e o Galiaó de
SíQlei- pernancj0 de Beja, que teriaõ tido a
Go- merma corte fe Utel , fe hum vento
ixeico , terminando a calma , nao
DOR. 1 • a r
obrigara Aga a retirar-le.
Beja reparando-íe hum pouco no
porro de Chaul , veio á prezenra de
Sequeira fegundo as ordens que tinha.
•Encontrou-o na altura de Diu , e lhe
deo eílas triftes noticias , que o afligi-
rão por extremo. O General julgou
remediar tudo , tomando difignio de
fundar em Madrefaba , finco legoas
abaixo de Diu. Porém além de Me-
lique Jaz , que alli tinha tido fortu-
na , ter fortificado eíle poílo , foi
também impedido por outro aconteci-
mento. Os Mouros duma embarca-
ção que tinha tomado , e que tinha
feito paílar para á de Ayres Corrêa
feu -irmaó , onde eftavaÕ todas as coi-
fas neceííarias para eíta Fortaleza , naõ
poden-
RA GO-
VERNA-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIL 3$£
podendo fofrer o captiveiro deitarão
fogo á pólvora , e íizeraó voar o na- Ann. de
vio 5 embaraçando-fe pouco de morrer, J. C.
com tanto que fizefícm morrer com fi- ir>[.
go aquelles , que confideravaó feus in-
juftos opreíTores. Deite modo fervio D* MA"
pouco a Ayres Corrêa ter ganhado N0EL REI
muita gloria em Baharem , e lhe te-
ria fido mais vantajozo morrer no cam- DlOGO
po da batalha , do que íbbreviver pou- L0PES DE
cos dias para ter hum taó trifte fim. s,(iUE1~
O General naò podendo confe- B
fuir o íeu projeclo , mudou também
e penfamento , e refolveo fundar a D0R"
Fortaleza em Chaul. Nizamaluco con-
íentio niíío , e lhe adiantou mefmo a
execução. Devia tirar d'ahi muitas van-
tagens , e com iílo tinha a doce fa-
tisfaçaó de fazer defpeito a Melique
Jaz , com quem eftava actualmente em
guerra. Siqueira aproveitou-fe da oc-
caziaó com goílo ., e apreíTou a obra
com todo o feu poder, porque foube
entaó da chegada do feu fucceííor. A
Fortaleza foi fundada meia legoa dif-
tante da Cidade na embocadura d»
rio da parte do Norte , e em pouco
tempo fe pôz em eirado de fer leva-
da á fua inteira perfeição 5 fem temer
nada da parte dos inimigos , os quaes
eítavaõ ainda embargados por huma
obra
3 $6 Historia dos Descobrimentos
■ obra avançada que defendia os trabar
Ann. de lhadores.
J. C. EÍU Fortaleza, que criaó, dever
j-2i. arruinar abfolutamente o commercio
de Cambaia , era muito prejudicial aos
D* MA" intereíTes de Melioue Jaz , para que
noel rei e||e na- fizeffe todos os feus esforços
para a impedir. Aga Mahmud infati-
diogo gave[ nos feus corfos favorecia tam-
x.orEs de gem ^uas intenç0és f qUe naó deixava
siquei- paf]"ar alguma occaíiaó de attacar os
PvA G0~ Portuguezes. Meteo logo a pique o
terna- navi0 (je pec]ro da Silva de Menezes ,
D0R" que voltava d'Ormuz , e eilava pref-
tes a entrar na barra de Chaul ; fem
que D. Aleixo de Menezes , que ti-
nha vindo de Cochim , e que por or-
dem do Governador hia a encontra-
lo , lhe podeíTe dar algum foccorro ,
por cauza da calma que encontrou,
Soberbo com efta acçaó o Aga, con-
tinuou ainda mais de 20 dias fuccelli-
vos a affrontar as duas galeras , que
commandava Fernando de Mendonça,
c D. Jorge de Menezes , aproveitan-
do-fe também do vento , e dos mares ,
porque D. Aleixo de Menezes naó
lhe podia fazer nada , e porque elle
varejava á fua vontade as duas galeras
fobre as quaes a fua artilheria levava
fempre vantagem.
Siquei-
dos Portuguezes , Liv. VII. 337
Siqueira que le achava lá no eí-
íreito, e a quem efta pequena guer- Ank. de
ra naó dava muita honra , fentindo J. C.
fua aucloridade pouco refpeitada, de- içzi.
pois que íabiaó que tinha já fuc-
ceííor , defe lozo além difto do tem- D' IA-
1 • \J 1 • J • ' NOEL REI
po da partida dos navios , que deviao
traze-lo a Portugal , íe diipoz a partir
para Cochim , deixando Henrique de D
Menezes feu fobrinho para comman- LOiES DSr
dar no Forte de Chaul , e Fernando de 5l(iUEI~
Beja para General do mar com dois KA GO~
galioês , trcs galeras, huma fufta , e'SERNA"
hum bargantim , com o que eílava em D0R*
eftado de fazer cara a Aga.
Apenas o General entrou no mar
o vento lhe efcaceou , e fe vio obri-
gado a ancorar diíiante hum tiro de
çanhaõ do íkio onde eílava Fernando
de Beja com a fua pequena frota. Fa-
vorecendo a calma a confiança de Alah-
mud , efteve eíle logo a braços com
Beja á viíta do General , a quem hum
vento , que fe ievantou da terra , im-
pedio de fazer o menor movimen-
to em favor dos feus. Todo o ef-
forço do combate cahio logo fobre a
galera de André de Souza , que foi
muito maltratada pela anilharia , até
que D. Jorge de Menezes chegou em
leu foccorro , e fez retirar hum pou-
Tom. II. Y ca
338 Historia dos Descobrimentos
co as fuílas de Aga , onde cauzou al-
An-n. de guma defordem. Fernando de Beja,
J. C. que rinha paífado do feu galiaõ para
1521. a galera de Fernando de Mendonça,
fobrevindo com rres chalupas bem ar-
d. ma- macjas ^ e num efcaie]-5 os inimigos fe
KOfcL RE1 pozeraó em fugida, naó obftante os
esforços de Aga, que fez quanro pô-
DlOGO de para os reter.
Porém cnfurecendo-o ainda mais a
siquei- vergonha defta fugida, voltou no outro
K G0~ dia com maior furor. E como naò achou
verna- majs £Q ^ue as ^uas ga}eras 5 porque
13 0R' André tinha tido ordem de hir appa-
recer ao Governador com a má equi-
pagem em que os inimigos o haviaõ
deixado , Aga teve mais vantagem ,
e o combate foi mais cruento , que
no dia precedente. Aga fe lançou á
galera de D. Jorge de Menezes , pa-
ra ií qual Fernando de Beja havia paf-
fado. Beja combatendo valerozamen-
te alli o matarão rodeado dos feus ,
que pela maior parte foraó feridos :
a galera ficou crivada pelo continuo
fogo do inimigo. D. Jorge de Me-
nezes longe de fe afíuftar animando
o valor dos feus , fez huma taó bela
manobra , que os inimigos intimida-
dos , faraó os primeiros a retirar-fe
com grande admiração de todo o po-
vo ,
nos Portuguezes , Liv. VII. §39
vo , que fobre a praia era expefiador —
do combate. D. Jorge todo altivo deita Ann. de
retirada ancorou > como para dizer que J. C.
era lenhor do campo da batalha , e ^21.
fez empavezar a fua galera para anun-
ciar a victoria. Porem de tarde com D- MA"
Jufam , foi dar conta ao General das N0EL Rcl
perdas que tinha tido , e da terrível
íituaçaó em que a artilheria do ini- DI^GO
migo tinha poílo a fua galera , que LOi>ES DE
inteiramente eftava incapaz de fervir. sl0-UEl"
Beja foi muito chorado , e na verda- RA G0~
de o merecia fer. António Corrêa foi VERNA~
deixado em feu lugar até á chegada D0F-
de D. Luiz de Menezes , irmão do
novo Governador General , que tinha
provizoés de General do mar. Siquei-
ra tendo depois partido para Cochim,
achou ahi D. Duarte cie Menezes já
de pode da Fortaleza , e apoderado
do Governo , fem outra formalidade
mais do que algumas demonftraçoés de
civilidade , que naó íignificavaõ nada„
Depois do que Siqueira partio com os
navios de carga para Portugal , para
onde dizem havia já enviado muito di-
nheiro antes de vir. Accufaõ-no com ef-
feito, leja verdade, ou inveja, de naó fe
ter defeuidado, e de ter feito melhor os
íeus negócios , q os d*ElRei feu Senhor.
Fim do feúmQ Livro.
Y ii UlSz
340
HISTORIA
DOS
DESCOBRIMENTOS,
E CONQUISTAS
DOS
PORTUGUEZES,
NO NOVO MUNDO.
LIVRO VIII.
Ann. de
J. C.
1521.
Morte d'ElRei D. Manoel ,
que foi no fim do anno de
1521 fubmergio Portugal em
oao — — — profunda trilteza na maior
111. REi.f°rÇa das fuás profperidades : huma
moleília de nove aias o lançou na
d. duar- fepuitura aos 53 annos de fua idade,
te de e no principio do 27 do feu reinado.
menezes Naõ foi fem razaó que lhe chamarão
co ver- o filho da fortuna, tendo chegado á
iíador. . Co-
DOS PORTUGUEZES , LlV. VIII. }4*
Coroa , donde parecia apartado pelos
Príncipes que o precediaó , e tendo-o Ann. de
levantado depois ao ponto o mais ]. C.
brilhante de íeu efplendor. A perda 1^21.
do rilho da íua primeira mulher lhe
tez faltar efta celebre fucceííaó , que D,JOA
cauzou depois a elevação da caza III# REI*
d'Auftria ; porém elle teve com que
fe coniolar pelos feus defcubrimentos, D* DL*R"
e conquiílas no novo Mundo. S'elle 1E DE
foi o rilho da fortuna , naó o foi cer- MEinEZES
tamente d'uma fortuna cega. Efte Prin- G0%EK~
cipe tinha verdadeiramente as quali- NAD R"
dades heróicas , que formaó 03 gran-
des homens ; e o íeu Reino , que
elle \ca florecer por tantos modos y
gozou todas as vantagens , que pode
procurar hum Rei , que he digno de
o fer. D. Joaó III. leu filho de ida-
de de 20 annos fubio ao Throno de-
pois delle , e ie moítrava herdeiro de
luas virtudes , principalmente do eí-
p-.rito de Religião , que lhe grangeoir
v apelido de Piadozo.
D. Duarte de Menezes naó tinha
ainda tomado poíTe do feu governo,
quando morreo EIRei : naó entrou
neíle fe naó no mez de Fevereiro òo
anno feguinte : porem a noticia delia
morte 16 chegou ás índias , quafi no
meio deíle meímo anno ; aonde naó
dei-
111. REI
342 Historia dos Descoerimentos
• — deixou de levar alguma mudança nas
Ann. de fortunas 3 aííim como de ordinário
3. C acontece na mudança de Senhor. O
1522. Governador principalmente fe pertur-
- bou com ella . porque fentia bem eme
D. JOÃO i, Jf r L r • • 1 x •
o grande favor que leu pai tinha ti-
do d'ElRei defunto , de quem era
Mordomo Mcr , naó fe confervaria
D. DUAR- xt
com o novo Monarca.
No principio fe havia apoderado
MENEZES j/~. l i - 1 c c\
do doverno por via de tacto , como
gover- tornem qlie CGnta fobre o feu credi-
te ador. t0> q primeir0 a<a0 que fez cja fua
jurisdição 3 foi d enviar a Chaul feu
irmaó D. Luiz de Menezes , e de ti-
rar o Governo ctefta Praça a Henri-
que de Menezes fobrinho de Siquei-
ra , para o dar a Simaó d'Andrade.
Muitas pe-íTbas fe offenderaò com
efte difpotifmo d autoridade , que fa-
zia huma afronta a feu predeceííor ,
tanto mais que efte tinha autoridade
de nomear hum Governador, ate que
a Corte niffo proveíTe. D. Duarte
corou a fua conducra , dizendo que
nefte empre-go fe.precizava de hum
homem de reputação , como era Si-
maó d'Andrade , que além diffo fe
©fferecia a armar , e fuftentar á fua
eufta féis galeras do numero de do-
ze , que o General queria por no
mar
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. $4}
mar contra as furtas de Mellque Jaz. j
Porém a verdadeira razaõ era por ler Ann. de
pobre o íbbrinho de Siqueira ; pelo J.C.
contrario Simaó d'Andrade , que íe ti- g*»i.
nha enriquecido muito na Tua viagem
da China , e que havia prometido a D* j0a0
D. Duarte de efpofar huma filha na- 1U- REU
rural, que elle tinha em Portugal.
Os Portuguezes de Chaul efta- D; DUAR"
vaó fempre opprimidos. Aga Mahmud TE DE
a quem a retirada de Siqueira fez mais MENEZE5
valente , tinha ido aprezentar-fe á bar- COVER~
ra com as fuftas , para obrigar Anto- NADOR"
nio Corrêa a expor-fc a huma acçac.
Elle o varejou com muita valentia.
Corrêa, por falta de munições , fe poz
na defeníiva atirando mui devagar ,
por naó extinguir as poucas que lhe
reítavaõ. Aga tendo tomado ainda mai^
confiança , intentou tomar hum dos
reduclos que defendiaó a entrada da
barra. A iíTo tinha fido folicitado por
hum dos mais confideraveís Mouros
de Chaul , que chamavaõ também
Mahmud. Pedro Vaz , antigo Orli-
cial , que tinha fervido em Itália ,
commandava no redueto , onde naõ
tinha mais que trinta homens. O Aga
poz a fua gente em terra , que eraó
300 voluntários , quaii todos peíToas
qualificadas , fem que os do reduclo
os
344 Historia dos Descobrimentos
os podeffem perceber. Aquelles ten-
Ann. de do-íe efeondido a traz d'uma eminen-
J. C. cia, que dominava o reducro , pclcja-
1521. mó logo, que poderão fer defeubertos.
• A accaó foi das mais vivas. Pedro
D. JOÃO ^r J n -li • C
\ az,e os meítres artilheiros rorao mor-
K ' ' tos : os outros Te defenderão com to-
do o valor que fe pode imaginar , e
l" depois da acçaó acharão que tinha no
feu broquel até 27 flexas. Fora pre-
GOVER-
cizado a ceder á força , fe Corrêa lhe
naó tivefie enviado 60 homens em
kador. (|ojs bateis J3em armados , que divi-
dirão da fua forte em feu favor. O
Aga admirado da morte dos dois Che-
fes defte partido , e de quafi 90 ho-
mens eftendidos na praça , tomou o
partido de fe retirar. O traidor Mah-
mud, crendo que ignora vaó a fua per-
fídia , enviou felicitar Corrêa deita vi-
cloria, e lhe fez levar refrefeos. Cor-
rêa por refpofta. lhe enviou as cabeças
dos feus Deputados , e fez pendurar-
Ihes os corpos nas vergas dos feus
navios.
D. Luiz de Menezes chegou du-
rante efte tempo : Corrêa , coroado
d'uma no;a gloria por efta nova van-
tagem , lhe entregou o governo da
frota , c foi ainda a tempo de fe em-
barcar com Siqueira feu tio , nos na-
vios
TE DE
MENEZES
P03 PoRTUGUEZES, LlV. VIII. 2,4£
vios de carga. Melique Jaz fabendo da
chegada de Menezes, e temendo ain-ANN.#de
da mais Simaó d'Andrade , que tinha 3- C.
já chegado a Chaul , havia obrigado 1^22.
na íua derrota a Cidade de Dabul a
iL j 1 •„ d. JOÃO
lhe entregar duas galeras inimigas , e
a pagar hum tributo annual a Coroa
de Portugal , chamou o Aga , e as Tuas
r n ° ' , 1 & D. DUAR-
fuítis , e enviou pedir paz ao novo
Governador , defculpando-fe do paíla-
do com a má conduta de Siqueira feu
predeceífor. D. Duarte lha concedeo
de melhor vontade, do que fe fufci-NAD
taiTe huma nova guerra , cujas confe-
quencias tinha razaó de temer.
Houve ainda aqui hum effeito da
cubica coberto com as apparencias do
bem Publico. O Rei d'Ormuz naó
pagando , e nem podendo pagar o
tributo pela diminuição das íuas ren-
das , como já diífemos , alguns parti-
culares avizaraó á Corre de Portugal,
que ifto era pela má adminiítraçaõ
das rendas deite Príncipe , o qual era
roubado pelos Míniftros que o gover-
navaõ. Ainda que huma das condi-
ções do tratado , que tinhaó feito com
elle , foi que naó íe embaraçariaó com
os negócios do feu Governo , com
tudo o cazo tendo fido propofto em
Portugal aos Doutores , todos refpon-
de-
34^ Historia dos Descobrimentos
— -. deraõ unanimemente y que fendo o Rei-
An^. de no de Ormuz tributado á Coroa , El-
J. C. Rei de Ponugai era abíbiutamente o
irzz. Senhor dos Eilados deite Príncipe.
Sobre efta divifaõ D. Manoel en-
d. joao vjQU or(jens ao Governador General ,
iii. KEI- que pozeíTe Portuguezes em todas as»
alfandegas do Reino de Ormuz , como
d. duar- fe QS porcuguezes eftando huma vez
TE DE neftas alfandegas , naó podeííem rou-
menezes j5ar Q principe) aíílm como o tinhaõ
>ver- £ejtQ os Qj^ciaes Árabes , ou Perfis ,
kadok. qUC aj|- cftava5 Jantes já, que rouba-
vaõ também o mefmo Rei de Portu-
gal. Eftando Siqueira em Ormuz exe-
cutou as ordens d'ElRei feu Senhor
contra o feu próprio fentimento. Ifto
tinha grandes dificuldades ; porém co-
mo Toran-Cha Rei d'Ormus precifa-
va entaõ do foccorro dos Portugue-
zes, para tornar a conquiftar as Ilhas
de Baharem , e de Catife , tomou o
partido de diííimular , e de fubmeter-
ie. A diílimulaçaõ fervio fó de aug-
nientar o mal , porque depois da par-
tida de Siqueira ©s novos Feitores da
Alfandega naó deixarão de dar mui-
tos motivos de queixa : por outra par-
te os Miniftros do Rei d'Ormuz achan-
do occafiaõ de o irritarem exceífiva-
mente, efte Príncipe d*acordo com
el-
DOS P0.RTUGIJEZES , LlV. VIII. \4J
elles , tomou a reíoluçaó de fazer aí- ■ r— •
facinar todos os Porruguezes , n'um Ann. de
mefmo dia , e á mefma hora, em J. C.
toda a extençaó dos feus Eítados. 1522.
O negocio foi conduzido com -
r °- , -r • T, D. 3 O AO
muito íezredo , e artihcio. Porque pa-
n r ■ rir- m» REI
ra melhor conseguirem o ieu aeíignio,
e para enfraquecerem os Portueue-
r J- - ít 1 J C D.DUAR-
zes , períuadirao a Manoel de Souza
Tavares , que commandava fobre efta
r^ O. £ íT J „ MENEZES
Coita , que roííe ao encontro dos
Nautaques , ou Baloches , corfarios Ara- G(M
bes , os quaes infeítavaó eíles mares NAD0F"
no tempo da monção. Apenas Sou-
za partio arrebentou a conjuração pe-
lo attaque de dois navios , que relta-
vaó no porto. O fos;o que lançarão
ao primeiro , foi o fmal de aiTacina-
rem os Porraguezes. Aili morrerão
12c , fem filiar dos efcravos de am-
bos os fexos , em Ormuz , Curiate ,
Soar , Baharem , e n'outras partes.-
Rui Boto mais fel is do que os outros
na infelicidade commum , acabou por
hum gloriozo martyrio em Babarem,
tendo eftimado mais fofrer todas as
forres de tormentos , que renunciar
a íua Religião para abraçar a lei ac-
Mahomet. Só o Governador de Maf-
cate naó quiz executar as ordens fan-
guinarias do feu Príncipe 0 e avizou a
Ma-
D. DUAR
TE DE
MENEZES
G OVE II-
J.ADOK.
348 Historia dos Descobrimentos
— Manoel de Souza Tavares de tudo o
Ann. de que fe urdia , o que logo o obrigou
J. C. a retroceder.
1522. D. Garcia Coutinho Governador
d JOA.5 ^a fortaleza d'Ormuz , antevendo bem
.,.' « °iue ° menor mal que tinha para te-
iii. rei. ^ * r , *
mer , era a tome , e lede em quanto
duraífe hum fítio difícil a fupportar ,
com a pouca gente que tinha efeapa-
do ao aflacinio, fez partir com preíía
huma caravela, para avizar o Gover-
nador General do eílado em que fe
achava. Com tudo Souza fe apreíTa-
va para tornar a Ormuz. Huma tem-
peftade o feparou de Triílam Vaz , que
no leu paráo paííou pelo meio da frota
dos inimigos , compofta de mais de 160
Tcrradas , de que naó recebeo damno
algum , ou foffe por naó fer percebido
ou por ter a felicidade de fofrer todo o
fogo deites, fem receber prejuízo. Ma-
noel de Souza tendo depois ancorado
na diílancia de duas legoas da Cidade ,
o perigo a que Coutinho o vio cx-
pofto , fez com que elle fe determi-
naííe a enviar à fua prezença Triftam
Vaz , que teve também o valor de
paíTar pelo meio da frota inimiga pa-
ra hir ter com elle. Torun-Cha en-
colerizado com a fraqueza dos feus ,
que naó oufavaó abordalo , fez pôr
dian-
dos Portugueses , Liv. VIII. $49
diante de fi fobre duas mezas duas-
bacias. Huma eftava cheia d'oiro , e Ann. de
n outra de jóias , e adornos de mu- J. C.
lhcres para excitar-lbes o valor com ^22.
eira viita , que era o fimbolo de du-
plicada recompença. Com effeito efta
vifta animando os brios dos mais ira- ■ ■" RET#
cos , toda efta frota fe póz em mo-
vimento. Naó obftante todos os íeus D* DUAR"
esforços , os dois navios abrirão paf- 1 E DE
kgem , e vierao colocar-fe no por- '
to , debaixo do fogo da Fortaleza ; GOvER~
porem taó cheios de ílexas, que efta-KAD0R"
vaó cobertos delias , de modo que ti-
veraó de que fazer fogo por muitos
dias.
A Fortaleza tendo fido depois at-
tacada da parte da terra por dois me-
zes fucceííivos , porem fem muito ef-
feito , Torun-Cha irritado por huma
parte contra os Miniílros , que o ti-
nhaó metido nefte máo negocio 5 e te-
mendo pela outra ainda mais o caíli-
go devido á fua traição , tomou a mais
extranha refoluçaó do mundo , que foi
deixar a Cidade d'Ormuz , e nir ef-
tabelecer-fe na Ilha de Queixome ,
que diila dalli fó três legoas , e tem 15
de longo , no feguimeuto da terra da
Coita de Carmania. Para o que pu-
blicou hum çdick) com pena de mor-
te
$$0 Historia dos Descobrimemtos
• te a cada hum dos feus vaííallos pa-
A;n. de ra fe embarcarem com todos os íeus
j. C. bens para o feguirem. Pofto que elta
1522. determinação extravagante encheo á
- Cidade de difgofto , foi obedecido. Os
OrKciaes , que deixou para fazerem
111. rei. r j r
executar as luas ordens , encanara®
também o Governador da Fortaleza ,
d. DUAR"que naó conheceo o diíignio do Prín-
cipe , íe naó quando o mal naó tinha
MEhEZEs remec||0 ^ e que v[0 toja a Cidade em
go\er- f0g0# Entaó temendo algumas filadas,
hADOR. e na£ 0llfanc}0 enviar alguém para fa-
ber o que íe paíTava , eíía Cidade fo-
berba pela beleza dos feus edifícios ,
eíteve á defcripçaó das chamas , que a
<Jeftruiraó em quatro dias •, e quatro
-noites. Efpeclaculo digno de compai-
xão, e capaz de arrancar lagrimas. Os
Portuguezes perdido ò medo quaíl no
fim deíle incêndio , efperaraó ainda a-
char nelle de que latisrazer á fua cubi-
ca, e fe lançarão por entre as chamas
para a contentar. Porém tiradas al-
gumas provizoens de boca, que naó
foraó inúteis , naó acharão mais do que
cinzas , e carvaó.
Torun-Cha tornou a fí, naó po-
dia deixar de fe arrepender do mal que
tinha feito a fi meímo. Além dos in-
commodos ordinários a todo o novo
côa-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. $$1
eítabelecimento , bem de preíTa fe vio
reduzido na Tua Ilha á todas as mi- Anw. de
zerias, que fofriaó os Portuguezes em J. C.
quanto durou o cerco. Porém eftes 1*22.
foraó os primeiros a foccorrelo. D.
Garcia Coutinho, tendo interefles pef- D* J0AO
foaes que ajuílar com efte Príncipe, '"• REI#
entrou com elle em fecreta correfpon-
dencia , e lhe deo todas as iníinua- D# DUAR-
çoés necelíarias tocante á maneira com TE DE
que le devia comportar para fazer a MENEZEs
íua paz com Joaó Rodrigues de Noro- GOvER-
nha , que vinha para lhe fucceder no NADOR»
Governo da Fortaleza , e que efpera-
vaó todos os dias. Pouco depois D-
Gonçalo Coutinho primo de D. Gar-
cia ainda fez pior ; porque tendo fi-
do defpachado por D. Luiz de Me-
nezes , para annunciar da fua parte o
foccorro , que elle condufia em pef-
iba , foi carregar-fe de provifoés a Maf-
care, e as foi vender ao Rei Torun-
Cha a Queixome ò antes de hir a Or-
muz , onde a fua chegada naõ deixou
de cauzar muita alegria. Efta prevari-
cação fez muito prejuízo a EIRei de
Portugal ; porem he aííim que quaíi
fempre os Reis faõ fervidos por vaf-
faios enterefleiros.
Com tudo Torun-Cha naõ tardou
em fer a- vicfrrrm da ambição , e da
divi-
$çl Historia dos Descobrimentos
divifaó dos feus. Rais Seraf zelof»
Ann. de da autoridade que tinha tomado' Mah-
J. C. mu d Mcrad , de quem o Rei via a
is 22. mulher com muita privança , e que
^ com o favor deite fraco Príncipe , ti-
A nha tomado quafi toda a auctoridade,
nu Ei# £ez apQo-ar 0 jf^e| íccretamente , e puz
fobre o Throno em feu lus;ar a Cha-
p-DUAR"Pat-Çha Mahmud , hum dos filhos do
TE DE defunto Rei Ceifadim. Morad , que
MENEZES i 1 J • J n '
conheceo bem depois delta acção que
co\ek- ^ra e||e na^ havia outra falvaçaõ fai
Í,ADCR* naó na fugida, abandonou a parte ao
feu concorrente , o qual fe vio com
hum Rei pupilo fó Senhor do Eira-
do , como o havia fido feu pai Nor-
dim depois da morte do Rei Hamed.
D. Luiz de Menezes fabendo na
fua derrota huma parte deitas coifas y
e o íim trafico delia revolução , foi
ancorar defronte da Ilha de Quei-
xome. Seus Capitães eraõ de pare-
cer que ellea deítruiíTe bem, como
o podia fazer facilmente , porém D.
Luiz temendo a defefperaçaó de Se-
raf, que fazia femblante de fugir com
o Rei para o interior das terras , e
conhecendo de que importância era
obrigar eíte príncipe a tornar para Or-
muz , defprezou os pareceres dos feus
Oificiaes 3 e nem lequer fe dignou
ena-
aos Portuguezes , Liv. VIII. 555
chamar a Confelho. Com tudo cieíc
jou bem caufar alguma defordem no Ank. de
Governo deíla Corte, por má vonta- J. C.
de í Seraf , que lhe era odiozo , e de 1^22.
quem temia igualmente os artifícios ,
e as defconfianças. Para efte effeito D* JOAO
folicitou dois Cheques vifínhos, etri-llI# REU
butarios do Rei d'Ormuz , que lhe
prometerão logo de excitar algum mo- D* DUAR"
vimento , e depois lhe faltarão ápa-TE DE
lavra. A negociação com tudo corria MENEZES
feu curfo entre Seraf, e elle. Final- GOVEK"
mente regularão , que o Rei tornaria NAD0R»
para Ormuz , e que pagaria d'alli em
diante 15c?) íeraíins agoiro de tribu-
to , e que leria compenfado todo o pre-
juízo que tinha fido feito aos Portu-
guezes ; porém que eítes tirariaó os
OfRciaes , que tinhaó nas alfandegas ,
e naó fe embaraçariaó mais com os
negocio: do Governo.
Aíhgnado o tratado , Cha-Mah-
mud enviou prezentes de conílderaçaõ
em jóias , e peças prcdozas para £1-
Rei , e a Rainha de Portugal, para o
Governador das índias , e para D.
Luiz. Porem D. Luiz em toda a fua
condueta , moílrou hum defentcreíTe
digno de admiração. He verdade que el-
le naó oufou recufar o prefente do
Rei d'Ormuz , porém naò o quiz re-
Tom II. Z ce-
354 Historia dos Descobrimento?
ceber para ÍI , e o fez ajuntar ao pre-
Ann. de fente dcítinado para á Corte de Por
]. C. tugal. Eu eítou perfuadido que D.
leu, Luiz feguio nifto os fentimentos que
- lhe infpirava a nobrefa do fcu fmgue.
d. joao £u cre-0 com tuc|0 ^ue g^.es fenrimen-
ih. re . tQS foraó ^um pouco defpertados nelle
por huma carta que elle recebco de
b. DUAR-Ignacio de Bulhões feitor d'Ormuz.
•ie de -p^e jlomem que |iavja {[do criado em
MENEZES cafa d() prior d() Crat0 paj ^ ^
go ver- \^UIZ ? ufancj0 da íiucloridade que com-
kador. mummcnte tomaó os antigos crea-
dos acreditados , lhe efcrcvco huma
carta, que chegou primeiro que elle,
c na qual lhe dizia com huma liber-
dade nunca affás louvada, que os Mi-
niftros dos Reis dOmuz eraó pelfoas
a quem os maiores crimes naó cuíla-
raó nada , porque eftavaõ na poííc de
<áS lavar com o feu dinheiro. Porém
que conhecendo o fcu modo de obrar,
©tilava liíbngear-fe de que elle naó
quereria manchar o feu fangue , nem o
feu nalcimento obrando como os ou-
tros. Eira carta fez o feu efteito em
D. Luiz mais do que em D.Duarte feu
irmaõ , que quando elle veio depois
á Ormuz , deo fufpeitas de que tinha
feguido outras máximas , o que irri-
tou por modo D. Luiz , que (Quebran-
do com elle , fe feparou. ' D.
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VIÍÍ. ^5
D. Luiz com tudo me parece que -
ofufcou o bem que tinha feito por Ann. de
huma parte , com a traição que tez ]. C.
pela outra. Porque antevendo bem ^22.
que Seraf naó cumpria o principal ar-
tigo do tratado , que era de recondu- D* J0"°
fir o Rei para Ormuz , entrou em ne- H1, KE1'
gociaçaõ fecreta com Rais-Cha-Miíir
parente de Seraf, aquelle mefmo de D- DUAR"
quem Seraf fe tinha fervido para afo- TE DE
gar o Rei Torun-Cha. Prometeo-lhe meí:ezes
íazello Xabandar d "Ormuz , fe elle qui- GOVER~
zeííe aíTacinar Seraf, e Rais Sabadim , naímírí
em cujas maós refidia toda a auctori-
dade do moço Rei. Cha-Mifir efcu-
tou a propofiçaõ ; porém naõ podendo
executar o negocio em quanto a fro-
ta Portugueza eftava no porto , por
ca«fa das cautelas que tornava Seraf
para á fua confervaçaó , naó pode em-
penhar-fe em quanto o tempo lhe naó
deíTe comodidade. Ifto obrigou D. 1
a tornar para ás índias, onde períua-
dio o Governador feu irmaó a ftír pef-
loalmente a Ormus , para aili con fu-
mar o qne fò havia delineado , c po -
co depois elle mefmo fe expèdío para
o mar Roxo.
Cha-AIiíir cumprio a palavra. Tan-
to que Seraf, e Sabadim viraó que a
frota fe partira., julgaraó-fe em líber-
Zii dv
$56 Historia dos Descobrimentos
dade , e naó tiveraõ tanta cautela nas
A:;-, de fuás pefíòas. Entaó Cha-Miílr aprovei-
J. C. tando-íe da occaíláó , foi aíTacinar
i^iB. Sabadim, que foi o primeiro que cahio
„ nos [cus laços. Seraf intimidou-fe tan-
d. joao to djfl-Q com a primeira noticia que
uu REi.reve5 c^ue çG fajvou de cafa em caía,
como hum homem que vai fugindo á
■u^DUAR~juíliça. Com tudo tornando a íi , vol-
te de tou par>1 fua cafa, fez carregar os feus
menezes thefouro3 em huma Terrado, , po-los
gover- em feguro, foi atrevidamente falvar-fe
h«ABOR. entre as maòs dos Portuguezes, e to-
mou a Fortaleza delles por afilo. Cha-
Milir ficando Senhor da Corte pela re-
tirada de Seraf, fez cfcrever a Noro-
nha , Governador da Fortaleza d'Or-
muz , em nome do Rei , e feu , para
prender Seraf como culpado d'uma lon-
ga ferie de crimes , dos quaes lhe en-
viava a liíta. Inftruia-o depois de tu-
do o que fe tinha paliado entre D.
Luiz , e tile. Seraf foi retido por cau-
J«i dcíhs cartas, e conjVituido prefio-
neiro na torre , a ifto fe feguio a vin-
da do Rei para Ormuz. Porem Seraf
laó culpado como era achou meio de
fazer a fuà caufa boa. Noronha fe fez
mefmp o ien maior partidifta , e quan-
do 1). Duarte de Menezes chegou,
Noronha o ©brigou a ver fecrecamen-
te
DOS PoRTUGlfE^EE , LlV. VIII. $57
te o ícu prcíioneiro , com o que elle «
conciuio o reftabelece-lo em todas as A&N.rdè
fuás honras , alcançando 200$ fera- j. C.
fins, de que daria logo metade , eo 1^22.
reilo a paiiar em diverfos termos , e
r ° 1 ■, ■ .•/ D. JOÃO
o augmento do tributo annual ate a
60& ferafins. Peio enorme que o Ef- ll"
tado naó podia lupportar no Teu ef-
plendor, e que muito menos o podia ' *
íofrer naquella occafiaó , que eífava rE
eígotado , e arruinado. Porem o pro- itE
prio do entereíle he cegar. Por efte GOA
modo Seraf, o inimigo mortal dos Por- CsAJ*eaí
tuguezes , foi reftabelecido pelos Por-
tuguezes mefmo , e Cha-Milir , que os
tinha fervido , foi obrigado com as fuás
creaturas a prover na lua faívaçaó pe-
lo meio da fuga.
D. Luiz de Menezes tornando
d 'Ormuz ás índias , perdeo hum do>
feus navios pelo máo tempo. Era com-
mandado por Duarte d'Ataide ,que nel-
le morreo com feu filho , e D. Garcia
Coutinho y a quem Noronha tinha fuc-
cedido no Governo d'Ormuz. D. Duar-
te de Menezes fazendo derrota para.
efta mefma Cidade , perdeo huma das
fuás galeras por hum accidente , de que
elie naó foi a caula , porém que o-
íufcou muito a íua gloria , e a da fim
Naçaó. Sebaftiaõ , e Luiz de Noro-
nha
$5% Historia dos Descobrimentos
nha ambos irmãos , e commandando
Ank. de cada hum hnma galera, citando dian-
L C. te da frota do General , deraó caffa
1522. a kum navio de Reiner , Cidade do
- Golfo de Cambaia , que voltava
do Reino de Pegu carregado de ri-
quezas , e fe achava na paífagem de
Diu , para onde moítrava hir. Os dois
d. duar-
írmaós chegando-fe a elle , o varejarão
1E DE com a lua artilheria até á entrada da
Menezes n0;te ^ contentando-fe entaõ de o te-
co ver- rem ,| vj^ ^ e ajT"encancj0 toma-lo no
isador. outro jja> q navj0 eítava taó criva-
do , que corria rez d'agua. Os que eíta-
vaó dentro fentindo o perigo , falva-
raõ-fc por hum eftratagema dos mais
attrevidos. EUcs fizeraó encoítar o feu
navio a huma das galeras em que fe
ouvia menos eftrepito , pela verga fe
efeorregaó para dentro , e logo ás pe-
dradas , e com flexas encoítaraó os Por-
tuguezes á poupa , que fem fazerem
a menor refiítencia , fe lançarão ao
mar para ganharem a galera de Luiz
de Noronha. Teidc eíte recolhido hu-
ma parte deites infelices , entre os
qnaes eítava feu irmaõ , poderá facil-
mente recuperar a galera perdida, po-
rém faltei1 -lhe a lembrança ,ou o va-
lor. Os Mouros mais altivos com ef-
ta prefa , do que aííictos com a perda
do
DOS PORTUGVEZES , LlV. VIII. ^Q
cio feu navio , condufem a fua prefa
a Diu , onde Meliquc Saca fazendo Ank. de
trofeo deita vantagem , quiz que a J. C.
galera foíle metida em hum arfenal , x , t
como hum monumento eterno da fua
gloria , mcftrando efta galera a todos D* JOAO
os eftrangeiros , a quem perfuadia que uu REI*
ella tinha fido tomada pelos fuás tuf-
tas. Concebeo além diílo tanto áef- D- DUAR~
prezo a refpeito do Genernl , que Tr- DE
àtide entaó começou os feus cor- msnezes
íbs , e piratagens. O Melique ]az (,ÒVF-R"
feu pai tinha morrido alguns tempos fiAD0R*
antes ; homem digno de viver para
íempre na hiftoria pela rara prudência ,
que o fez taóbem negociar todos os
tempos com os Portuguezes , que fez
fempre com elles a guerra , ou a paz
a. feu proveito , e foube merecer-lhes
eítimaçaó , logrando-os fempre.
Os negócios fentiaó por outra
parte a fraqueza do Governo, O ídal-
caó , que tinha feito a fua paz com
o Rei de Narfínga , tornou a entrar
pouco a pouco na poííe das alfande-
gas da terra firme , de que os Portu-
guezes fe rinhaó aííenhoreado. Fran-
cifco Pereira Peftana Governador de
Goa , pofto que muito bom OífTcial
naó o pode impedir, fem embargo de
algumas pequenas vantagens , que te-
ve
3^0 Historia dos Descobrimentos
ve em diíferentes occafioés. Porém o
Anu. de que alli caufou maior incomodo, foi ,
J. C. que a duração deite homem fez defer-
i<22. tar ^e ^oa mu'ras famílias , que efti-
, máraó antes hir eítabelecer-fe neutra
D*JOAO parte do que viver debaixo das fuás
in. rei. 0i;cjcns> q Governador General naó
ignorava as queixas que faziaó contra
r.DUAR-pe^.ara . p0rém qHc fechava os ouvi-
T£ DE dos aos gritos do povo , comprado pe-
wenezes |os prefentes? e bons regalos que Pef-
gover- tana ^ç j^vja fejro>
IiAD0R' De todos os OíHciaes que tinhaó
tido commiííoés da Corte para hir á
China , e que todos fufpiravaó por
eíla viagem, na efperança dos immen-
fos lucros , que alli podiaó fazer , e de
que tinhaó exemplo em Pereítrello , e
nos dois Andrades , Duarte deixou fó
partir Martinho Affonfo de Mello Cou-
tinho com huma efquadra de quatro
navios , de que dois outros irmãos de
Coutinho , e Pedro Homem eraõ os
Capitães. Martinho Affonfo tendo che-
gai» a Malaca , pode tanto com os
íeus rogos , e com os de Jorge d'Al-
buquerque , que Duarte Coelho , e
Ambroíio do Rego fe ajuntarão a cll&
para eíla viagem , para á qual naó ti-
nhaó inclinação. Coelho , que tinha
tido parte nas extravagâncias de Simaõ
d'An-
DOS PoKTliGUEZES, LlV. VIII. $6t
ti 'Andrade , naõ ignorava 1 que pon- — ~»
to os Chinezes eftavaõ irritados ; co-A: :\ de
nhecendo bem a má recepção que eí- 3- C.
les deviaó fazer-lhes. Com effcito Io- 1^22.
go que elles appareccraõ , o Manda-
rim guarda-cofta tendo aviíado á Can- D' ,0A°
taó da chegada delles , recebeo ordem tl1' KEr*
dos primeiros Magiítrados de os perfe-
guir á ferro , e á fogo , de naõ efcu-D" DVAR"
tar propofiçaó alguma da parte delles ,1E DE
e de fazer os últimos esforços para os ME:rz: :
deílruir. Mello que fó tinha no cora- GOvER~
çaó o travar a boa correfpondencia entre KAD0R*
as duas Naçoés , fofreo todo o esfor-
ço da frota Chincza fem refponder 3
e fe indignou contra Ambrofio do Re-
go , que naõ tendo tanta paciência fi-
zera jogar a fua artilheria com baltan-
te eftrago dos navios , que íe lhe tinhaó
aproximado muito. Porem vendo de-
pois que a paciência naõ lhe fervia de
nada , Mello naõ teve mais do que
ardor para íe vingar.
Os feus Capitães naõ julgarão fer
útil ajudar-lhe o valor , e foi elle
obrigado a penfar na retirada ; o que
fe naõ pode fazer taó promptamente ,
e taó a propoílto , como fe defejav.i.
Perdco alguma da fua gente em hunu
aguada. Por cumulo de difgraca , o
navio de leu irmaó Dioco fe percleo pe-
1 L
MENEZES
G.OVER-
2ÍAD0R.
$6*2 Historia dos Descobrimentos
: — —lo fogo que faltou na pólvora. O de
Ann. de Pedro Homem foi tomado pelos ini-
]. G. migos. Mello mefmo teve muito tra-
1522. balho para fe falvar com o refto , dei-
* xando aos Chinezes com o goíto de
d. joao o naverem p0ft0 em fugida 5 e tle fe
111. rei. aproveitarem ^qs feus defpojos , e de
fazerem muitos preíioneiros , dos quaes
v' DUAR" morrerão alguns de fome nas prifoés
de Gantaõ. Elles evitarão em eíta mor-
te a fentença do Imperador , que os
condenava a ferem efquartejados , co-
mo efpias y e como ladroes. Sobre o
que, diz hum Autor Portuguez , que
os Chinezes lhes fafiaõ menor injuítiça
fobre o fegundo artigo , do que Ibbre
o primeiro. Houveraõ 25 que expe-
rimentarão o rigor defta cruel íen-
tença.
No feu retorno , Mello quiz dar
huma viíla d'olhos cá Fortaleza de Pa-
cem , para ver fe lhe poderia fervir
d* alguma utilidade. O fucceíío moítrou
quanto efta idéa era faudavel. Depois
da morte de Jorge de Brito , o Rei
d' Achem foberbo com a fua vi&oria •
naó tinha ainda depofto as armas ,
e fe tinha aíTenhoreado dos Reinos de
Pedir , e d'Aia. Tendo depois entra-
do no Reino de Pacem , alli fez hu-
ma conquiíla tanto mais fácil 3. por fer
o
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. $6$
o Rei trahido pelos íeus próprios vaf-
falos ; e por muita felicidade fe pôde Ann. de
falvar , fem fe ter podido valer do foc- j q
corro que lhe davao os Portuguezes , 1^2?.
que vendo-fe eftes mefmos trahidos ,
alli perderão 55 dos feus , e entre ou- D* J0A0
tros o feú Chefe D. Manoel Henri-'11* REU
quês , irmaó de André Governador da
Fortaleza. O Rei d'Achcm mais altivo D* DUAR"
com efta victoria , mandou citar efte TE DE
para entregar a praça , que fez inveí- MENEZES
tir logo , que recufou entrega-la. Nef- G°VLR"
tas circunftancias he auc appareceo a NAD0K«
frota de Mello Coutinho , cuja fó vil-
ta fez levantar o cerco.
Porém Mello tendo continuado a
fua derrota para ás índias , os Poitu-
guezes fe acharão novamente emba-
raçados. André Henriques pedia foc-
corro a Rafael Pereftrello , que efta-
va em Chatigam no Reino de Ben-
gala. O OíHcial que Pereftrello en-
viou , fe fez traidor. Faltando os foc-
corros defte , ^Henriques recorreo ao
Governador General , que "lhe enviou
Lopo d' Azevedo para lhe fueceder ,
allim como o mefmo Henriques lho
tinha pedido, Razoes peífoaes d'ente-
reííe tendo impedido a Henriques de
lhe entregar o governo da praça ,
Azevedo íe retirou como tinha vindo.
D.
5^4 Historia dos Descobrimentos
— — D. André Henriques naò deixava
Ann. de de fe defender bem , e tinha tido três
| q vantagens aííás confideraveis ; porém
a inquietação em que eftava por caufa
1512' dos feus eíFeitos , que elle temia per-
d. joaó der , e a inveja de os pôr em fegu-
iii. REi.ro, tendo tomado o feu principal cui-
dado , embarcou-fe , e deixou no feu
d. duar- lugar Ayres Coelho feu parente , que
te de aceitou a commiiíaõ como homem va-
menezes lerofo. Henriques fazendo-le á vela
gover- para ás índias , achou no feu caminho
ícADOR. Sebaítiaõ de Souza, e Martinho Cor-
rêa , que hiaó carregar ás ilhas de
Banda. O primeiro tinha tido ordem
para hir conltruir huma Fortaleza na
Ilha de S. Lourenço , ou de Mada-
gafcar no porto de Matatane , e nnõ
o podendo confeguir, porque o nav;o
que levava os materiaes , tinha fido
ieparado delle por huma tempeltade,
Henriques tendo-lhes dito o eftado em
que cile tinha deixado a Fortaleza de
Pacem , cílcs julgarão ferem obriga-
dos a hirém foccorreia , em quan-
to o Governador delia mefma praça ,
cego pela fuaambiçaõ, trabalhava por
le apartar delia.. Porem elle trabalha-
va por le apartar delia. Os ventos
contrários o obrigarão a ceder.
O Rei a Achem poílo que admi-.
ra-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VIII. $6$
rado da chegada deite foccorro , com •
tudo mais fe animou a fazer os últimos Ann. de
esforços para tomar a praça. Fez-Jhe J. C.
plantar a efcalada huma noite. Tinha 1^22.
8$ homens , muitos Elefantes , e lhe
fez applicar mais de 708 efcadas. Os D* JOAO
Portuguezes fe defenderão como he- m* REI*
roes , e obrigarão os inimigos a reti-
rar-fe com perda de 2$ mortos. Ha- Dt DUAR"
via 350 Portuguezes no forte, e vi- TE DE
veres para muitos mezes. Com iílo MEiNEZES
quem fe perfuadiria que eítes valero- GOvER"
los, que acabavaó de fe aílignalar por NAD0R*
huma acçaó capaz de os immortaliíar,
tomaíTem logo a refoluçaõ mais fraca,
e mais infenfata do mundo. Porque
tendo concluido todos , que o forte naó
podia confervar-fe , determinarão fa-
zelo arrazar. Porém como cada hum
cuidava mais em falvar feus bens do
que em outra coifa , o negocio foi taõ
mal executado , como concebido. O
fogo que elles lançarão na retirada,
foi logo apagado pelos inimigos. As
minas naó puderaõ rebentar. As pe-
ças que tinhaó carregado para as faze-
rem arrebentar, naó pegarão fogo , nem
fizeraó efFeito algum. A perturbação ,
o medo , a precipitação deites fracos
fugitivos, eraó taes , que elles fe mc-
tiaó na agua até o pefcolTo para fc.
embar-
$66 Historia dos Descobrimentos
embarcarem, conftrangidos pelos Ilheos,
Akk, de que atiravaó fobre elias nuvens de fie»
]. C. xas , e os iniultavaó com horríveis
jciz alaridos, reprehendendo-lhes o feu ter-
"* v , ror pânico. Bem longe finalmente de
d. joao tcrem tempo para falvarem os íeus
ih, rei ^çftÇj p0r caQfe di fua funefh cobar-
dia , a penas o tiveraó para falvarem
D.DUAR-as fua3 v]jas ^ picando inceífantemen-
te de te as amarras dos navios.
MENEZES Ainda elles naó tinhaõ bem acabado
go ver- en^a indigna acçaó , de que eílavaó já ar-
kador. rependidos , quando para augmenrarem
a ília defefperaçaó , viraò apparecer
o foccorro do Rei cTAuru , que conf-
tava de 4$ homens , e de 30 lancha?
cheias de todas as caílas de pro-
vifoês. Pouco depois elles encontra-
rão logo Azevedo , que condufia tam-
bém hum novo retorço de Malaca. Po-
rém o erro eftava feito , e o mal naó
tinha remédio. Os Portuguezes per-
derão para lempre a Ilha de Sumatra.
O Rei d'Auru eíteve também expulfa-
do por hum tempo do feu Reino , e
obrigado a hir procurar hum aílilo á
Malaca , onde eílavaó já os Reis de
Pedir , e de Pacem , onde alguns aca-
barão alli os feus dias , depois de ex-
perimentarem os rigores d'uma extre-
ma pobreza.
Jor-
DOS PoRTUGUEZES , LlV, VIII. 367
Jorge d'Albuquerque Governador :
de Malaca, depois da difgraça queti-ANN. de
nha tido no attaque de Bintam, fuf- J. C.
tentava mal a alta reputação que o \czz.
grande Affbnío tinha feito ao feu no-,
me. He verdade que a principal cau- D* j0a°
fa era por falta de fortuna , e naó do lIU KEI#
feu valor. D. Sancho Henriques feu
genro, que era General do mar nef- D,DUAR"
tes diítriclos , tendo hido por lua or- TE DE
dem attacar a frota de Mahmud no me*ezes.
rio Muar , levantou-fe huma borrafca cover-
de furiofo vento, que levando humaNAD0IU
parte das fuás lanchas para entre os
inimigos , pareceo ter-fe ajufbdo com
elles para lhas entregar nas fuás maós.
Depois da tempeftade D. Sancho , por
lium máo confelho, tendo enviado Ma-
tioel de Berredo na lua gaíiota , e Fran-
ciico Fogaça em huma lancha á occupar
a entrada do rio, os inimigos os in-
veftiraõ , e pofto que os Portuguezes
fe derendefTem com o feu coítumado
valor, foraó finalmente vencidos pela
multidão ; de force que deita pequena
frota, fó Duarte Coelho, e o Gene-
ral , apenas fe poderão lalvar em Ma-
laca, d'onde eíte foi morrer pouco de-
pois no Reino de Pam.
O Rei de Pam, que tinha deixa-
do o parado de Mahmud , Rei de Bin-
tam ,
TE DE
MLNEZES
GOVER-
NADOR,
3^3 HVtoria dos Descobrimentos
rr. t<irn 3 para fe entregar ao. Portugue-
Ann. dezes , tinha de novo contra:l.ido allian-
J. C. ça com clie. Huma das principaes con-
1522. oiçoés do fen tratado, foi que elles
- confervariaõ eíla alliança muito em
D. JOÃO ri n • 1 -n»
legredo , e que o Rei de Pam , con-
' tinuando a moítrar-fe amigo dos Por-
tuguezes, lhes faria occultnmentc to-
l~do o mal que podcífe. Eíle pérfido
Principe lhe cumprio fielmente a pa-
lavra. António de Pina foi o primeiro
que cahio no> laços , e foi tomado
com o Junco que elle commandava.
O Rei de Pam enviou Pina com os
feus a Mahmud , que tendo feito ef-
íorços inúteis para lhes fazer abjurar
a lua Religião , os fez atar á boca
duma peça , e voar defpedaçados.
André de Brito , que o Governador
General havia mandado traficar áquel-
les quartéis para os feus intereffes par-
ticulares , tendo hido abordar a elle
mefmo porto , alli morreo com 12
Portuguezes , que tinha no feu navio ,
e foraó todos mortos exceptuando hum
irmão de Brito , que tendo feito
tudo quanto fe pode efperar da for-
ça , e do valor d'um homem , prefe-
rio antes deitar-fe á a°;ua com hum
pezo , que atou logo aos pcs , e afo-
^ar-ie 3 que. cahir vivo naus mas dei-
ta
fcOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 360
tes traidores > ou deixar-lhes a gloria í
de o matarem. D. Sancho Henriques Akn. de
ignorando todas eftas traições , veio ]. C.j
também entregar-fe á crueldade. O Rei 1^22.
para melhor o enganar , o enviou lo-
go faudar , e lhe fez levar refrefcos. Dt JOAO
Repetio depois as attençoês , e os ll" REI"
preíentes , quando foube a qualidade
1 1 • D DUAR*
de quem commandava o navio ; po-
rém apenas D. Sancho ancorou , vio TE DE
cahir fobre fi duas lanchas do Rei , MENEZES
com 30 de Lac-zamana General da fro- GOvER"
ta do Rei de Bintam , o qual tinha NAD0R*
chegado na vefpera , efe tinha efcon-
ciido no rio. D. Sancho fó tinha 30
homens e aííentando que era im-
poííível , poderem falvar-fe , exhor-
tou-os a que morreííem com valor.
Com efFeito morrerão todos , depois
de terem feito tudo o que fe pode de-
fejar das peíToas mais refolutas.
A traição produfía o mefmo ef-
feito na ilha de Java , onde foraó tam-
bém alguns Portuçuezes afTacinados.
Depois de tantas difgraças fuccedidas
humas fobre outras na vifmhança de
Malaca , efta Cidade fe vio em tor-
mento , e fepultada em confternaçaõ.
Eftava cercada de inimigos conjurados
para á deítruirem. Ninguém oufav*
ievar-lhe viveres, e ella experimen-
Tom. II, Aa tava
37O Historia dos Descobrimentos
• rava todos os rigores da neceííidade.
Ank. cie Obrigada a manaaJos bufcar, era en-
]• C. taõ neceflítada a defpojar-fe dos íbo
1523. corros , que a podiaò defender. E em
a - quanto aquelles , que ella enviava ,
hiao cahir nos laços que lhes eítavao
III. RU. , r 7 11 * n
armados , ncava eLa expoita aos ín-
fultos. Lac-zamana , que naó ignorava
D. DUAR- , j r íT l
nada do que le paliava , e que como
hábil General fe aproveitava de todas
MENEZES r - • J
as occalioes , teve o atrevimento de
vir queimar o navio de òimao d A-
breu no porto mefmo de Malaca , on-
de o Governador o vio queimar , fem
lhe poder valer. Efte mefmo Gene-
ral tomou também duas caravelas da
efquadra de D. Garcia Henriques, que .
Albuquerque tinha enviado contra elle
á entrada do rio Muar. Finalmente o
Rei de Bintam fez inveftir a Cidade
por mar , e terra. Lac-zamana , que
commandava no mar, tinha 20çJ) no-
mens na fua frota. Hum Portuguez
arrenegado commandava o exercito ,
que era de 16$ homens. Tiveraó a Ci-
dade bloqueada por efpaço de hum
mez ; e pofto que alli naó houveíTem
mais do que 80 Portuguezes effecli-
vos com os naturaes do paiz , os ini-
migos naó fizcraó grandes progreíTos ,
por caiifa da vigoroia refiftencia que
acharão. Lou-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 37I '
Louvarão muito Albuquerque , que em
rocio o rempo animou íempre os ieus Ank. cie
pela íua liberalidade , e cuidado para J. C.
com os pobres , e doentes, e pela íua 1522.
urbanidade, que lhe adquirio os co-
rações de todos; Eíte Governador ti-
nha defpachado para Cochim, para re- Ul"
prefentar ao General á triíle fituaçaó
em que fe achava. Porém como o ef- D* DUAR"
pirito de entereíle naó morre no meio TE D
das maiores calamidades , elle lhes pe- MEKEZES
dio o Governo das Molucas para D. GOVER~
Sancho Henriques feu genro , ou pa- NADOR-
ra D. Garcia Henriques feu cunhado,
na fuppofiçaó que D. Sancho íofíe
morto , como haviaó graves fufpeitas.
D. Duarte de Menezes fez logo par-
tir fcte navios para Malaca , condufi-
dos por Martinho AfFonfo de Souza.
Depois do que elle mefmo partio pa-
ra hir invernar a Ormuz , e receber
o refto dos pagamentos , que tinha
ajudado com Seraf. D, Luiz de Me-
nezes ficou em Cochim para com-
mandar nas índias , na auzencia do
General.
Tendo Souza chegado á Mala-
ca , naõ fomente confeguio para efta
Cidade afrligida mais algum alivio ,
e facilidade para íubílítir , porém a
vingou ainda de muitos darrmos , que
Aa ii os
7^1 Historia dos Descobrimento*
os feus inimigos lhe haviaõ feito pa-
Ann. dedecer. Jorge d' Albuquerque tendo-o
J. C. metido de poííe do Generalado do mar,
icii, lhe ordenou que foíTe occupar a em-
- bocadura do rio Muar com finco na-
D. JOÃO vjos . e||e ajjj fe confervou tres me-
iií. REi.zes^ nQS quaes Lac-zamana naô oufou
fahir , e naõ podendo nenhum navio
D* DrAR~eít.rangeiro levar alli mantimentos , ou
te de mercadorias , Bintam teve a lua vez
mknezes nos rjg0res ^a neceíTidade. Sendo Sou-
gover- za obrigado pela intempérie a deixar
nador. e^e p0jnt0 9 f0i vifitar o Rei de Pam pa-
ra punir as fuás perfídias. Queimou
nos feus portos os Juncos deite Prín-
cipe , e os dos negociantes das Ilhas
de Java que alli íe achavaó. Contaó
que alli rizera morrer ate 6<fo pefíoas ,
e que cativara tantos outros, que ca-
da Portuguez tinha pelo menos féis.
Souza tendo d'aili hido á Patane , fez
hurna execução ainda mais violenta :
porque alem de muitos Juncos que
tomou , ou que queimou , lançou tam-
bém fogo no do Rei de Patane, que
citando auzente , voltava para foccor-
rer a fuá Cidade. Eíle Principe infe-
lis rendo-fe deitado á agoa para fc
1 alvar á nado , foi mono com todos
os da lua embarcação. Os moradores
de Patane atemorizados , falvaraó-ie
nas
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VIII. $7$
nas terras. Naó achando Souza com ■■
quem combateffe, deftnihio toda a Ci- Ann. de
dade, e de modo que ficou ío o chaõ, J. C.
e tornou para Malaca 5 contente das içi*
fuás façanhas, pofto que ío foífem
pequenos acontecimentos , que pouco D* JOAO
decidiaò. iI!- RE'-
D. Gracia Henriques , para quem
Jorge d'Albuquerque tinha pedido o D* DUAR"
Governo das Malucas , tinba alli feito TE DE
já huma viagem ; porem antes de o MEKEZES
feguirmos niito, nos he precizo ver GOVER~
o citado em que eítavaó as coifas , KAD0*'
Por refpeito á eíhs Ilhas , que faziaó
hum grande objecto para os Portugue-
zes , e que na Europa haviaó de fer
huma femente de divifaó entre as Co-
roas de Portugal , e de Cattella.
As Ilhas de Banda , e as Ilhas
Molucas fituadas perto da linha equi-
nocial no Oceano das índias 5 faõ do
numero das que chamaõ da Sunda ,
e fe reduzem fegundo as antigas rela-
ções ao numero de 2C ; finco debai-
xo do nome de Banda , que he a prin-
cipal ; e outras finco debaixo do no-
me genérico de Molucas. Elias fe dif-
tinguem das outras Ilhas deíle archi-
pelago alíim pela fua pequenhez ,
porque a maior naó tem mais de
íeis legoas de circuito , . como pela
fingu-
374 Historia dos Descobrimentos
(insularidade do fruto que ellas pro-
Ann. de duíem , e lhes dá todo o valor , por-
J. C. que fò lá unicamente fe acha. As
Ic2?. Ilhas de Banda faõ as únicas , que daó
- as nozes mufcadas e a fua flor. As Mo-
d. joao iucas fa5 igualmente as únicas que daó
lu- REI'o cravo da índia.
A arvore que dá a noz mufca-
d. duar- ja affeme|ha.fe muito a hu-ma perei-
TE DE ra , e o feu fruto a hum peflego. Eíle
menezes fruto ^e viftofijfimo quando eílá fazo-
cover- na(j0 ^ peja variedade das fuás cores.
sador. Qpan^o 0 põem a fecar , elle fe abre ,
e lança certas pequenas pclinhas fi-
nas , que faó a flor , debaixo da qual
fe acha a noz mufcuda 3 que he co-
mo o caroço deíle fruto. A arvore
que produz o cravo da índia , he qua-
11 do mefmo tamanho dá que produz
a noz mulcada. Aííemelha-fe hum pou-
co mais ao loureiro , e a fua folha á
da oliveira: o feu fruto vem em ra-
malhetes , eílá fempre verde na arvo-
vore : e depois fe pinta de vermelho ,
e finalmente fe faz tal como no 16
trazem. Em o colhendo, a arvore fi-
ca de modo cançada , que naõ torna
a dar fruto , fe naó depois de defcan-
çar hum anno.
Os povos dcílas Ilhas tem fó pro-
priamente eíte fcutví que faz o feu
com-
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 37£
commercio. O Sagu , que he a me *
dula d'uma arvore, lhes ferve para fa- A nn. de
zerem o Teu pam , como a raiz de maji- J. C.
dioca na America Meridional. No mais 1^22.
quando os Portuguezes rizeraó o leu
defcubrimento , eraó eíles huma efpe- D* J0AO
cie de falvagens , que coriheciaó che- m* RE*U
fes , a quem prodigalizavam o nome
de Reis ; porem que ío tinhaó huma D* DUAR*
aucloridade muito dependente dos feus TE DE
vaííallos. Sua Religião antiga era hum MENEZES
Paganifmo muito bruto, de que fegun- GOVER~
do as apparcncias , confervaraõ ainda NADOR»
as fuperíliçoés com o Mahometifmo ,
que havia pouco tempo tinhaó recebido.
António d'Abreu , que o grande
Albuquerque enviou para defeubrir ef-
tas Ilhas , naó pôde ganhar pela con-
trariedade dos ventos fe naó a Ilha
d'Amboine , que fica perto dalli , e
tornou para Malaca. Voltou depois
para ás Ilhas de Banda, e achando
alli a fua carga de cravo , naó teve
precizaó de hir ás Mohicas , onde nao
poderia tomar nada , por eítar carrega-
do , e íe fez á vela para ás índias*
Donde pondo-fe em derrota para tor-
nar para Portugal na efquadra de Fer^
nam Peres d' Andrade que voltava
da China , morreo no caminho.
Francifcp Serram , que era da ef-
qua-
III. REI.
D. DUAR
376 Historia dos Descobrimentos
■ quadra d' Amónio d' Abreu na fua pri-
Ann. de meira viagem das Molucas , delle fe
J. C. feparou por huma tempeítade , e foi
1^2? naufragar fobre as Ilhas de Lucopim*
* „ de modo porém que perdendo alli o
joao corpQ j0 navi0 9 falvou toda a fua
gente. Pouco entereííe fe confegue-
ria , porque a Ilha era deferta. Hum
cafo iíngular dirigido pela providencia
te de f0j a fua facção. Os Ilheos vifinhos
menezes ten(j0 fido teítemunhas do feu naufra-
cover- gj0j yieraõ para fe aproveitarem dos
ííador. fcus defpojos ; Serraõ que percebeo
iílo , meteo-fe n uma embufeada 5 dei-
xou-os defembarcar , e fe fez fenhor
dos feus bateis. Eftes furprendidos pe-
dirão mifericordia ; e por final , ou por
outro modo , lhe perfuadiraõ que fc
elle quizeííe tornallos a embarcar , el-
les o condufiriaó a lugar onde elle fe-
ria bem recebido. Serraõ fe deixou
perfuadir pela neceííidade em que elle
mefmo fe achava , e com tudo naõ fe
fiou deites Ilheos fem cautela. Elles
lhe compriraó a palavra , e o condufi-
raó á Amboine , onde lhe fizeraó to-
da a forte de agrados , e bom acolhi-
mento.
Os habitantes deita Ilha eftavaõ
em guerra com os da Ilha de Bato-
chim , e elles a fizeraó com vantagem
por
DOS PORTUGUEZES , LlV. VIU. $jf
por caufa da ajuda de Serrão , e dos -^ — — <
feus. O eco que fe efpalhou pelas Mo- Ann. de
hicas , onde os Portuguezes eraó já J. C.
conhecidos pelos cuidados que tinha x<2*.
tido o grande Albuquerque dalii enviar * ' '„
hum Malaio negociante de Malaca j D- JOAO
para aplanar os caminhos a António ,n* REI*
d' Abreu. Tendo a fuá reputação ad-
quirido hum novo luir.ro pela noticia D* DUAR"
defte fuccelTo da guerra cTAmboine , TE DE
os Reis de Ternate , e de Tidor am- MENEZES
bos á profla procura vaó chamar para G°VER~
fi eftes eítrangeiros. Boleife Rei de NAD0R»
Ternate mais deligente venceo o feu
rival y e os chamou para fr. Francifco
Serraó , e os feus foraó por cite mo-
do os primeiros Portuguezes que che-
carão ás Molucas. António de Miran-
da de Azevedo , e Triftaõ de Mene-
zes , foraó alli enviados depois. Os
dois Reis os felicitarão para que conf-
truiffem hum Forte cada humfobre o
feu terreno , por preferencia ao do
outro , confederando eíle Forte como
hum penhor feguro da fuperioridade
que elles tomariaó fobrç feus vifinhos.
Porem eítes julgarão arrafoado demo-
rar efta obra por algumas rafoês de
Í)olitica , de que eu creio que a mais
blida era , que elles tinhaó feiro hu- '
ma boa carregação > e que defejavaõ
an-
378 Historia dos Descobrimentos
antes hirem-lhe procurar os lucros , d<>
Ann. de que penfar em edificar.
J. C. António de Brito, que tinha fuc-
1522. cedido a feu irmaó D. Garcia que a
- Corte enviou ás Moiucas com pro-
d. joao vjf0gS je Governador , partio , como
111. rei. w ^Q ^ ^a II Ka de Bintam depois
da tentativa infelis , que Jorge d'Al-
D,DUAR"buquerque tinha feito fobre èfta Ilha
TE DE de Java , donde foi depois á de Ban-
menezes ^ Ac|10U # jy Garcia Henriques,
gover- ^ue jorge d'Albuquerque alli havia
SADO*, enviado por fua conta. D. Garcia ef-
pantou Brito com a noticia que lhe
deo de que tinhaõ chegado ás Moiu-
cas dois navios da Coroa de Caílelia ,
que alli tinhaó tomado carga ? e par-
tido , deixando doze homens em Ti-
bor , onde elles tinhaõ eílabeiecido hu-
ma efpecie de feitoria. Julgando Bri-
to que a coifa era de grande confe-
quencia para á Coroa de Portugal ,
convidou Henriques para o feguir , e
para ajuntar as fuás forças , que po-
de fer que foliem neceffarias para ex-
puliar os Caftelhanos. Pofto que efta
propoílçaó defordena-fe os negócios
de Henriques , naó deixou elie de a
aceitar , preferindo como fiel vaífallo
os enterefles do feu Príncipe, aos feus
particulares.
A
dos PorTuguezes j Liv. VIII. 3-9
A noticia era certa , e eifaqui ■*
o que a occafionou. Francifco »Serraó *»KN« cie
extremamente unido por amizade !• C*
com Fernando de Magalhães , lhe ef- 1522,.
creveo á Portugal o íeu novo dei- D J0A£
cubrimento , do que lhe fazia hu- ./
ma bela relação , exhortando-o a que
foíTe alli ter com elie , e feguran-
do-lhe que o leu trabalho feria bem..'
recomueníado. Magalhães citava en- MEKEZES
taó defgoítozo com a Corte. Elíc G 0\EP_
tinha fervido bem na Aftrica , e nas "
índias , e pretendia que EIRei lhe
augmentaffe 2CO réis por mez , cer-
tas moradias , que a Corte de Por-
tugal cílava no coftume de pagar, e que
tinhaó lugar de alimentos , e que os
Reis davaó antigamente áquelles , que
era 5 do eftado da fua cafa. Eftas mo-
radias poíto que muito módicas , en-
tereffavaó mais que tudo a Nobreza ,
que fazia confiílir huma parte da fua
honra , e da fua gloria em ter maior
ou menor moradia. D. Manoel que
eftava prevenido contra Magalhães
por alguma falfa iníormr.caó , lhe re-
eufou a petição; iíto o oífendeo uõ
vivamente , que elle paffou ao fervi-
ço da Coroa de Caftclia com alguns
outros defeontentes , reíblvido a vin-
gar-fe de hum reputo awe coníidera»
va como huma arronta. El-
580 Historia dos Descobrimentos
Elle naõ achou melhor meio que
Ann. de a propofiçaó que fez ao Imperador
J. C. Carlos V. , de nir tomar poffe em feu
1522. nome das Ilhas Molucas, que elle pre-
- tendia eftarem no deftriclo que per-
d. joao tencja a Hefpanha , em confequencia
ih. REi.ja doaçaó dos Soberanos Pontífices,
e da divifaó que elles tinhaó feito em
d. duar. favQr das Coroas de Caftdla 9 e Por.
TE DE tugal , quando eftas duas Potencias,
menezes repaj-tirao entre fi o novo Mundo
G VER" quafi no mefmo tempo em que ellas
ííador. começara5 adefcubrillo. Magalhães fun-
dou as fuás razoes nas dum Mathe-
matico , chamado Faleiro , que tinha
condufido com figo. O Imperador ,
que tratava entaó o cafamento de fua
irmã D. Leonor com ElRei D. Ma-
noel, naó fe inclinava. muito a favo-
recer a propofiçaó de Magalhães : po-
rem o ieu Confelho pelo contrario a
recebeo com muita ambição. O Em-
baixador de Portugal fez tudo quan-
to pôde para evitar o golpe j fallou
fortemente aos Miniftros , e intentou
comprar Magalhães com grandes pro-
metas ; porém naó adiantando nada
por efta parte, avifou diito á fua Cor-
te. Com eíla noticia ficarão coníler-
nados i e fobre iflo fizeraó confelhos fo-
bre c©nfelhos. Hum Senhor dos mais
acre-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VIII. 38I
acreditados alli votou , que fó íe po~
DUAR-
TE DE
EKEZES
deria evitar efte damno chamando Ma-^Aim, de
galhaés por grandes dadivas , ou fazen- J. C.
do-o aííacinar. Nem huma, nem ou- 1522.
tra coifa fe fez , e Magalhães tendo
feito feu tratado com a Corte de Caf- D* JOAO
tella , partio de Sevilha no fim do nu ]
anno de 1519 com finco navios, e
hum poder mui difpotico de vida , e
morte fobre todos os que eílavaó de- T
baixo das fuás ordens. Eraó em nu- M
mero 25O homens, entre os quaes ha- GCKER~
via 30 Portuguezes. Huma das con- NAD0R-
diçoés com tudo do tratado , foi que
elle tomaria o feu caminho pelo Oc-
cidente , e fe apartaria da derrota or-
dinária, que os Portuguezes tinhaó pa-
ra hir ás índias , aflím como tinha fi-
do já regulado entre as duas Coroas.
Magalhães tirou direito ao Brafil ,
e feguincio fempre a Cofta, chegou á
ponta mais meridional da America , on-
de fe acha hum montaó de Ilhas , que
alli formão diverfos canaes , nas quaes
fe embaraçou. Porém, como no defco-
brimento das terras novas , a incer-
teza em que fe eíti fobre o termo ,
a ignorância dos mefmos lugares on-
de fe achaó , trazem ao efpirito in-
quietaçoens , e imaginaçoens maiores,
que o comprimento da viagem , e as
difR-
ifil Historia dos Descobrímemtos
difficuldadcs preí entes crecem fempre
Ann. de nas almas viz , e tímidas, Magalhães
J. C. teve incríveis trabalhos para vencer.
i<zz. O3 rigorefos frios , e o medo dos
- povos gigantefeos , e bárbaros que
D* J A achou , toraõ os menores. As rre-
111. rei. ^uentes conjuraçoens feitas contra a
lua vida, era o que tinha mais para
d. duar- temerí j± fua fjrmefa d'alma venceo
TE DE tudo. Algumas execuçoens fanguino-
Mir.HEZEs ^s ^ue |ez a temp0 ^ infpiraraó maior
gover- terror ? fo que as tantafmas de medo,
kador. ^ue caufava5 a clivifaõ na lua frota.
Finalmente depois de ter perdido dois
navios , dos quaes hum naufragou de
modo porém que tudo fe falvou , á ex-
cepção do corpo da embarcação, e o ou-
tro tornou para Hefpanha , elíe defem-
bocou no mnr do Sul pelo famofo ef-
treito , que depois tomou o feu no-
me , e o fará immortal.
Elle correo ainda 1^500. legoas
fegundo a íua eílimaçaó tirando para
o Equador para bufear as Molucas.
Tendo-fe elevado algum tanto mais ,
perdeo o que procurava , e voltou pa-
ra ancorar em hnma Ilha chamada
Zubo , a dez gráos de latitude do Nor-
te. Aili foi beliiíimaniente recebido
j>elos Ilheos , cujo Rei com toda a
íua familia , e pane dos léus vaífal-
los
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 38^
los fe fizeraõ baptifar , antes ainda
de poderem conhecer que coufa era Akn. de
o Baptiímo. Efte Príncipe, que efta- J. C.
va em guerra com os feus vifmhos , 1^2^.
os habitantes da Ilha de Mathan , fe
fervio com vantagem de Magalhães , e D" J°
dos feus. Elle desbaratou duas vezes IM,RFU
os inimigos; porém no terceiro encontro
Magalhães tendo cahido em hum laço, D' DUAR™
alli morreo com huma parte dos feus. r
Trifte fim para hum homem d'eíte MENEZES
merecimento. gover-
Depois d'eíte defaftre o Rei ven- NAD0R-
eido ajuftando-fe com o vencedor ,
naó fez mais cafo da Religião que pro-
feífara , nem das leis da hofpitalidade,
nem dos ferviços que havia recebido
dos feus hofpedes. Tendo tirado á
terra huns vinte por caufa de hum fef-
tim , os fez aííacinar exceptuando hum
fó chamado Joaõ Serrão, do qual in-
tentou poder fevir-fe para fazer huma
traição aos outros , que tratavaó do
íeu refgate. A má fé deíles llheos
tendo-fe manifeflado muito , o in-
felis Serrão ahi foi deixado. Os ou-
tros reduíidos ao numero de 180 ho-
mens , tendo queimado o corpo de
hum dos feus navios , fizeraó-fe á ve-
la com os dois , que lhe reftavaõ , e
depois de terem por muito tempo er-
ra-
KA DOR.
384 Historia dos Descobrimentos
— ratio , chegarão em fim ás Molucas 3
Ann. deonde Almanfor Rei de Tidor os xer
]. C. cebeo com todo o contentamento pof-
i$2*. íivel. Tendo-fe aíli refeito hum po-
-uco, e carregados do que poderão tra-
d. JQAOzer ^e mcrcacjoriíls J0 pajz 5 com tar^
111. REi.tl maior facilidade por os Portugue-
zes eftarem entaó auzentes , fe fize-
f*DUAR"raó á vela para Hefpanha no mez de
te de J3ezembr0 cie 1521. deixando em Ti-
menezes jof G3 I2 jlomen3 . ^e que ja faiamos.
António de Britto tendo ido abor-
dar á Tidor para fe apoderar logo
dos Hefpanhoes , naó achou alli ne-
nhuma dificuldade da parte d'elles ,
nem da de Almanfor , que fe achou
com tudo hum pouco furprendido , e
começando a fazer bafe fobre os Caf-
telhanos , cfperava poder-fe mudar dos
Portuguezes , nos quaes tinha experi-
mentado ferem mais inclinados para
Boleife do que para elle.
Brito ufou alli muito bem com
os Hefpanhoes , e ainda que lançou
mão de todos os feus erfeitos , os fez
com tudo regíftar. Dos dois navios
que reílavaó da frota de Magalhães ,
hum veio bufear a fua protecção. Ef-
te que devia fazer a derrota para hir
bufear as Antilhas , depois de ter lu-
tado dois mezes com os ventos , fe
vi«
DOS PoRTVGUEZES , LlV. VIII. 385;
vio obrigado a defcahir ás Molucas ,
poílo que foííc diftantc delias mais de Ann. de
800. legoas , fazendo agoa, que quatro J. C.
bombas naó podiaó ef^otar. Abati- 152:.
dos com miferias , e fadigas , fizeraó -
,. r> . r L- p L d. JOÃO
pedir a Brito , que labiao ter che^a-
*\ ■ cr ■ *■ ' J 11 III. KEI
do , que tiveile compaixão delles , e
que lhes enviaííe ioccorro. Brito lhes
* . 1 , r r D. DUAR-
enviou numa caravela com rerreicos ,
e ancoras. A caravela era feguida de TE D
muitas caracoras , ou grandes embarca- MENEZES
P r 1 GOVER-
çoens a remos , conduliias por gente
do paiz. D. Garcia Henriques alli foi NAD0K*
também com ordem de fazer quanto
podeíTe para falvar a embarcação ; po-
rém eíie naó a pôde impedir de dar
á Coita, e de naufragar. No tocante
aos homens , que eílavaó mais mortos
do que vivos, tiveraó alli tao grande
cuidado, como fe eiles foííem Pcrtu-
guezes. Hum fò que o era na verda-
de , e que íe tinha unido em Tidor
aos Caíleihanos cortarao-ihe a cabe-
ça , como culpado de traição. Os ou-
tros tendo fido contduíidos ás índias ,
foraó conduíidos a Portugal , donde fc
paííaraó para Hefpanha.
O íeguado navio, chamado a Vi-
storia , que tinha governado direito fo-
bre o Cabo de Boa Efperança , abor-
dou ás llli?^ de Cabo Verde ; o Go-
Tem, II. Bb ver-
$86 Hi vi oki a dos Descobrimentos
*■ vernador o fez reter , e meter toda
Akn. de a equipagem em prifaó , onde muitos
]. C morrerão de miíeria. Os que fobre
152 *». viverão a efta difgraça , tendo fida
s. . . ' ,- depois foltos , e fendo-lhes entregue
D. JOÃO r • " 'o mi
o navio , vierao aportar a Sevilha ,
1 . rei. on(|e en^e navj0 conftderado como Iiu--
D.DUAR
TE -DE
GOVER-
I.ADOR
ma maravilha do mundo , por fer o
primeiro que alli tinha feito o grro-,
foi pofto n'hum arfenal , para fer con^
^1^ES fervado , e moftrado á pofteridade.
Carlos V. a quem efte defcobri-
mento caufou hum gofto exceflivo, en-»
tfifteeeo-fe com a morte de Magalhães,
que elle teria dignamente recom-
penfado. Joaõ Sebaííiaõ Cano natural
de Bifcaia , que tinha reconduzido o na-
vio, recebeo grandes honras do Impera-
dor , e por armas hum globo terreftre
com eítas palavras em torno, Primíts me
circtímdeJijít. Com tudo efte defcobri-
rtiento defpertou o ciúme , e a pre-
tençao das duas Cortes , fuftentando
cada huma , que as Molucas eftavaó no
fcu "deftriclo. Fizeraó muitas confe-
rencias de Jurifconfultos , de Mathe-
maticos , e de Marítimos , fem deci-
direm nada. Por fim as queftoés fe a-
commodaraó depois de terem fido mui-
to tempo debatidas na Europa com a
pena , e «as Molucas com a cfpada*
Ann. de
J. c.
1523.^
D. JOAÕ
DOS PoRTUGUEZÊS , LlV, VIII. ifíj
Boleife Rei de Tem ate _, e Fran-
cifco Serraó eftavaó mortos quando ^
Brito chegou ás Molucas. Efte Prin-
cepe , que fora fempre apaixonado
dos Portuguezes lhes deo a ultima
prova da fua affeiçaó quando eftava
para morrer ; porque elle naó tinha iití rei.
nada íobre o coração como recomen-
dar á Tua efpofa , que elle deixava tu- d. duar-
tora dos feus filhos , e dos quaes o que te de
o fuccedia tinha fò fete annos , que menezes
fe confervaíTe fempre unida á Coroa gover-
de Portugal cuja protecção feguraria kador.
a fua cafa. As ultimas vontades defte
Principe tinhaó feito impreíTaó fobre
o coração da Rainha , e dos Gover-
nadores da fua Corte. E com effeito
os Portuguezes tinhaó achado até en-
tão em Ternate todas as demonftra-
çoens d'hum amor cordial , e fincero.
Se Brito tiveííe feguido as or-
dens cheias de prudência , que o gran-
de AfFoníb d' Albuquerque tinha dado
a António dJ Abreu quando o enviou
ás Molucas , e fe elle tiveííe remediar
do os CFros de Martinho ArTonfo de
Mello Ju farte , que pelos feus capri-
chos , fuás altivefas , e fua ambição
tinha fubievado toda a Ilha de Ban-
da , onde teria morrido , a naó fer o
foccorro que lhe deraó Sónaó de Sou-
Bb u fa ,
388 Historia d-os Descobrimento^
- fa , e Martim Correia , elle teria íT-
Ank. dedo o Senhor de todas eítas Ilhas ,
J. C. das cjuaes todos os coraçoens lhe eraó
j.2, affectos , e teria evitado muitas infe-
:>* , licidades cuja caufa naó fe pode atri-
d. joao bujr çe nao a ej[e mc[m0t
111. kli. "Nos princípios a Rainha de Ter-
nate , c o Rei de Tidor naó tiveraõ
.n. duar- oulra aníbiçaó que a de o grangear :
■i e de fc ni(^0 nonve alguma contrariedade ,
Menezes e aigum motivo de difgofto , foi por-
cOver- que ej]es difbutaraó vivamente qual
i.adcp.. teria a felicidade de ter a Fortaleza
nas Tuas terras ; e que Brito tendo
preferido o porto de Ternate , Alman-
for Rei de Tidor foi taó mortificado
de fe ver privado delia , como os de
Ternate tiveraõ verdadeira fatisfaçaõ
de terem a preferencia. Almanfor coín
tudo pofto que penalilado interiormen-
te , naó delconfiava d'iík> , e era fá-
cil a Brito confervar a tranquilidade,
fe tiveííe fabido conduzir-fe.
Sendo a Rainha de Ternate a filha
d' Almanfor , temeo Brito que cila
Princefà d'acordo com feu pai , naó
cntralíe pelo decurfo dos tempos noi
movimentos que elle poderia caufar ,
fe fe refentiffe do defprefo que lhe ti-
nhaó feito , ou fe elle caufaííe in-
veja aos Caitelhanos de tornarem a
Ti-
»0S Pc-RTUGUEZES , LlV. VIII. 389
Tidor , como elles lho haviaó promi —
tido. Neíta idéa elle fe unio eftreita- Ann. de
mente com Cachil d'Aroes , hum dos J. C.
filhos naturaes de Boleife moço ar- lci^.
dente , e animoíb , amigo por extte-
mo dos Portuguezes , porem que de- D* JOAO
baixo das apparencias cTamifade, cobria !11, REI*
buma grande ambição , e ambos uni-
dos , trabalharão pata fazerem tirar a D* DUAR"
Regência á Rainha. Com toda a íur- TE DE
prela que lhe caufou a propoíiçaó que MENEZES
lhe fizeraó para a deixar , ella com GOVER"
tudo efteve por iíTo , confentio que KAD0R»
Cachil d'Aroes governafíe em feu lu-
gar , e obrigou meímo os grandes do
Eílado a que o aprovaflem. A Rainha
com tudo naõ deixou de fentir, como
também os Governadores o golpe que
lhe tinhaó dado. Porém Almanfory
a quem o entereííe da fua filha toca-
va mais vivamente , foi d'iíto mais vi-
vamente penetrado.
Cachil MamolL , outro filho na-
tural de Boleife , que em vida de feu
Í>ai tinha fido deíterrado , e fe con-
ervava na Jlha de Gilolo , irritado por-
que Cachil d'Aroes feu irmaó fe oppu-
nha á fua revocaçaó , tomou o par-
tido dos defeontentes , trabalhou oc-
cultamente a eílimular o animo da
Rainha 3 e dos feus parti Jiftas. Pre-
ten-
3<P0 Historia dos Descobrimentos
— rendem mefmo que elle vieífe de noi-
Ann. de te a Ternate para procurar o matar
J. C. feu irmaõ. Ou naó fofie mais que hu-
j-22^ ma pura fupofiçaõ o difignio d'efte
i aííacinio , ou com effeito elle o u-
d. joao ve{íe formad0 s Cachil d'Aroes o
ni. REI* rufpeirou , de modo , que determi-
nou prevenilo , e que os Portugue-
d. DUAR-zes Q ajucJaírem ; Cachil Mamoll apa-
te de receo aíTacinado junto da Fortaleza.
menezes £^a morte ^ ^e que facilmente
gover- p0Cjiaõ fufpeitar os autores 3 tendo
vadok. ajnc}a majs foffocado os ânimos , a
Rainha temendo-íe , tomou a refolu-
çaó de fe retirar para feu Pai com
os Principes feus filhos , ifto teria fei-
to de Ternate huma folidaó. Pode
fer que lhe infpiraííem eíle parecer
para fazerem o que depois fizeraó. O
que quer que fone , Brito unido com
Cachil d'Aroes intentou tirar o Rei ,
e os feus irmãos , e metellos na For-
taleza. Sabendo-o a Rainha , teve
tempo de fe falvar nas montanhas , e de
fe retirar para Tidor , deixando feus
filhos em poder dos feus arrebatado-
res , que iriaó ter lugar de fe felicita-
rem aefte fucceilo. Com o noticia que
o povo teve da retenção do Rei , e
dos Principes , fe moveo ; porém o
Cachil d'Aroes , e Brito o apafigua-
raõ
itos Pqrtuouezeç , Liv. VIII. 301
*aó j fenv com tudo curarem a chaga — *.
que tinhaó feito totlos eíles golpes de Ann, de
altivez. ... ]. C.
; Neíle mefmo tempo , algumas em- j -2-">.
barcaçoésda Ilha de Banda tendo ido
cártegar a Tidor , pretendeo Brito que D* J0A0
Banda -como fugeita á Ternate, fó cie- IU* REU
viaó :vir bufcar carga cá Ternate. Elle
queixou-fe a Almanior : e tendo-íhe ref- D* dl:ar"
pondidõ eír.e Príncipe cue os tornalle TE DE
te quifeíle , Brito o tez íem duvi- ME*;EZES
dar. p O Rei , e o povo fe irritarão GOvE*~
ao ultimo- ponto. Neíta mefma occa- KAD0K*
liaó houveraó alguns Portuguezes mor-
tos. Brito em vez dYbrir os olhos ,
fez pedir com foberba que lhe entre-
gaííem os autores deites aílacinios. Al-
manfor lhe entregou alguns. Brito naõ
fe per fu adio que foííem eíTes os cul-
pados ; porem que eraó miferaveis que
tinhaó merecido a morte , e dos quaes
o Rei tinha vontade de Te desfazer.
Com tantos motivos de rompimen-
to,, a guerra naõ fe declarava , e os
Tidorianos. ficavaó quietos; porém iík>
mefmo dava fufpeita. Maiores eraó as
òffenfas , e mais fufpeitavaó do myf-
terio no "filencio d'uma paciência can-
çada e levada ao fim. Porém como hu-
m& guerra aberta pareceo menos, pre-
judicial" do que as traições que inten-
ta-
TE DE
MENEZES
GOVER-
hADOR.
392 Historia dos Descobrimentos
■ ' tavaó maquinar , Brito , e o Gachil
Ann. de d'Aroes a flzeraó determinar por hum
J. C. bando que publicarão , pelo qual o
j-22. primeiro fe obrigava a dar huma pe-
. ça de panno fino á qualquer que lhe
d. joao trox£fl-e a cabeça dum Tidoriano. Pof-
iii. R»-t0 que a maior parte dos habitantes
de Ternate eftiveiTcm taó irritados co-
'" mo os de Tidor , o enterefíe com tudo,
que pode fempre muito fobre almas
viz, os animou de modo , que em
pouco tempo foi obrigado Brito a def-
tribuir mais de 600 peças de panno,
em que eu creio que ellc teve pezar
de fe ver taòbem fervido.
A dilíimulaçaó naó podia ter mais
lugar depois de taó terríveis actos de
hoííilidade. A guerra fe fez de veras ,
e os principios foraó favoráveis a Al-»
manfor. Os Portuguezes foraó mal di-
rigidos em três ou quatro encontros.
Brito arrependeo-fe cos feus primei-
ros procedimentos , e teria penfado
folicitar huma paz que elle mefmo ti-
nha duvidado , fe Cachil d'Aroes lhe
naó tiveííe animado o feu valor aba-
tido. Martinho Corrêa , e o Cachil
tomando pouco depois a Cidade de
IVIariaquc antiga Capital do Reino de
Tidor , e os Tidorianos tendo alli per-
dido muita gente , Almanfor fentia da
mef-
DOS POltTVGVEZES , LtV. VIII. $0$
me ima forre o pezo da guerra , e pe
tiio a paz. Brito a quem eite fuccef- Ann. de
ío rinha te: to pafíar cTuma cxtremida- 3- C.
de á outra , lha recufou, e Almanfor 15*2.
naó a pode alcançar fe naó do fuece- -
r ^ rr> ■ D. JOÃO
ior ce Brito , e com mui auras con-
v ' III. REI.
diçoes.
O Eftado das índias cedia huma
cabeça que podeíTe alli por em boa *
ordem os negócios da Coroa. Como
EIRei D. Jcaó III. naó tinha ainda *******
enviado ninguém para governar, quiz GOWR'
honrar-fe com a cícolha , que fez. PÓz KAD0R-
os olhos para iflb fobre o Almirante ,
o celebre Vafco da Gama , Conde da
Vidigueira , que tendo elle primeiro D* VASCO
defeuberto as índias, naó tinhaó feito VA GA"
cafo delle no reinado precedente , MA VI'
pofto que pareceíTe merecer melhor CE"REf*
do que ninguém fer alli enviado, pa- 1524*
ra polTuir bens , e honras. EIRei lhe
deo titulo de Vice-Rei , huma frota
de 16 navios , e 3^ toldados , com
que partio em 10 de Abril de 1524.
Além da infelicidade que elle te-
ve de perder no caminho o navio de
Francifco de Brito , e a caravella de
Chriitovaó Rofado , que perecerão no
mar largo , e o navio de Fernando
Monrroi que naufragou nos baixos de
Melinde 3 porém de que fe uivou a
equi-
394 Historia dos Descobrimentos
— equipagem , lhe aconteceo hum acci*
Akn. de dente muito extraordinário , que pôz
J.- C. toda a frota n'um grande movimento*
1524. F°i eiTi huma fexta feira fete de Se-
d. jo\ó tem^ro -depois das oito horas danoite
..." .... clue eftando no mar de Cambaia l com
iir.. rei. i* r r J ,
hum tempo fereno , e fem que o ve.n*
d v\scQ t0 re^ra^"eí todos os navios, em lu-
gar da inclinação coftumada nas cal*
DA GA- ° r - T 1 -
_ mas; torao agitados tao vivamente,.©
CF-RE por hum modo taó irregular, que .car-
da hum julgou tocar fobre hum bai-
xo, e achar-fe ná fua ultima hora.
A inopinada perturbação que caufou
eíle movimento , junto com os horro-
res da noite, e a ignorância do que
fe paíTava nos outros navios , produ-
fio logo huma extrema confufao. Fi-
zeraõ- final d'hunia embarcação a' òu-
/-:- tts para pedir - foccorro* Hum corre
á fonda , o outro á bomba , muitos
ás "manobras. Os mais medrofos agar-
rarão tudo a quê fe podiaó aíFeírar ,
e o conílderaraõ como a ultima pran-
cha no naufrágio. O General/ naó foi
também izento do medo aporem fi-
nalmente . tendo advinhado a verdadei-
ra càuia d'efte movimento fin guiar ,
animou toda a fua gente com- huma
éfpccie de vangloria. „ Coragem ,
5, nieus filhos > dufe elle 5 ; a terra das
,, In-
»0S PoRTUGUEZES, LlV. VIII. 39£
a, índias treme , he ifto hum bom ■
3, agouro , ella tem medo de nós. „ Ann. de
A tranquilidade feguio-fe logo ao tu- ]. C.
multo. Houve fó hum homem que dei- 1^24.
tando-fe ao mar , alli fe perdeo pelo
exceííivo dezejo de fe íalvar.
Delta infelicidade refukou gran- m* *EU
de bem para muitos outros. Porque
como o terremotu durou muito tem- D* VASc0
po, o medo fez huma revolução nos DA GA"
doentes tal , que a fcvre pafTou a rodos , MA V1
e os poz em pé como por milagre. CE"REI»
Outro acci3ente ainda mais ra-
ro neftas paragens fe feguio logo
ao primeiro ; porque fem vento , e
fem nuvem foraó inundados por
huma chuva taó copiofa , que pa-
recia hum annuncio d'hum fegun-
do diluvio. Ella durou pouco ; po-
rém o goílo que t.veraõ de fe verem
livres d'ambos os perigos 5 foi fegui-
do d'hum novo embaraço. O Gene-
ral tinha mandado dar huma vifta d*
olhos a Diu , e tinha ordenado ao
piloto da barra , que governaííe para
eíti Cidade-. Deviaó vella em três
dias 3 porem como paíTaraó mais de
féis fem a poderem deícubrir , entaõ
fem reflectirem, que ellc tinha feito
mudar a ordem , e feiro governar fo-
bre outro rumo , que ojs apartou , a lem-
bran-
3p6 Historia fios Descobrimento»
•■■' branca dos dois accidentes que acaba-?
Ann. de vaó de acontecer-lhes , deo matéria a
J. C. novas efpeculaçoens , e a novos te-
1524. mores, fundados fobre as predicçoens
, cios Aílrologos , que tinhao annuncia-
r>. joao jQ qUe nen\e mefmo anno achando-fe
ih. rei. tocjos os pianetas em conjunção no
ílgno Pifeis , haveriaó dilúvios prodi-
d. vasco gj0fos ? e revoluçoens efpantofas nas
da ga- terras tparirimas. Eftas predicçoens ti-
MA V1" nhaó feito tanto eftrondo na Europa,
CE"?E1, 3ue mu^tas gentes dando-lhe excef-
íiva fé , tinhaó já tomado fuás pre-
cauçoens , e feito armazéns fobre as
altas montanhas para fe alli refugia-
rem como em hum feguro azylo. Os
noffos Argonautas depois do que lhe
tinha acontecido , criaò já que a ín-
dia eftava fubmergida no fundo das
aguas ; porem clles fòraõ agradavel-
mente tirados âo cuidado pelo mef-
mo piloto , que tendo explicado a cau-
ía do erro d'elles , os certificou de
que no outro dia veriaó ou Baçaim ,
ou Chauí. Com effeito elles foraó an-
corar no dia feguinte no porto d'eíla
ultima Cidade.
O Vice-Rei começou logo por
entrar nas honras , a nas funções do
feu emprego. Entre as ordens, que
deo j huma das principaes foi , que ic.
o
DOS PORTUGUEZES , LlV. VIII. $£7
o Governador General , que eftava
ainda em Ormuz , vieíTe alli aprefen- Ann. de
tar-fe , lhe naó permitiíTem que de- J. C.
ícmbarcaííe. PaíTando a Goa , recebeo j_24>
as queixas que lhe fizeraõ contra o
Governador Francifco Pereira Peita- D' jOAO
na, e o tratou com o meímo rigor de 1U* RE,#
que tinha efte mefmo ufado a refpei-
to dos outros. De Goa pondo-fe em D' VASCo
derrota para Cochim , fez retroceder DA GA~
o caminho a D. Luiz de Menezes , MA vl~
que encontrou hindo receber feu ir- CE"KEIé
maó , e lhe ordenou que o feguiíTe.
Porem Vafco da Gama pareceo
naó ter hido ás índias fe naó para
lá morrer , como fe tiveííe fido do feu
deílino vir aprender que era mor-
tal neíle novo Mundo , cujo defeo-
brimento naó podia immortalizar mais
que o feu nome. Foi na verdade hu-
ma perda ; elle amava a juftiça , e
começava já a. comportar- fe alli mui-
to bem } para reftabelecer a boa or-
dem , c a gloria da fua Naçaõ. A lem-
brança do que tinha feito nas fuás
primeiras viagens , tinha dado áelle
numa alta idea. Os Mouros principal-
mente o temiaó em extremo , e fen-
do já menos atrevidos , a aprehenfaô
fò que delle tinhaó , parecia reduzilos
a-oí termos da fua obrisacaó,
D.
3^8 HfSTOIWA Í»OS DeSCOBRíMÉNTO*
•*-* D. Vaico da Gama era de eíhtu-
Akn. dera medíocre ; porém pouco deiem-
J. C. baraçado por íer muito gordo. Seu
x_24 femblante corado, e inriammado. Ti-
\ nha o parecer terrível na cólera. O
d. joao Çç9 f0g0 0 jevava algumas vezes
ih. rei. mujt0 ionge ? e paliava os limites
d'uma juíla íeveridaae no modo , e na.
d. vascq precepitaçaó com que punia. No mais
da ga- únna a|ma grande , e capaz de gran-
ma vi- ^çg co[fa3# Os obííaculos , e as dirK-
ce-k£i. cuUades fó ferviaó de mais o anima-
rem. O defcubrimento das índias fez
o feu maior luftre , porém pode fer
que feja mais .admirável de ter n numa
idade avançada facriricado o feu dcf-
canço á vontade do feu Príncipe , que
pareceo dezejar que elle para aíli tor-
naíTe. Seu corpo ficou dcpofitado em
Cochim até o anno de 15^8 , que feu
filho Pedro da Silva teve a licença
de o trani "portar para Portugal , onde
EIRei lhe fez dar as maiores hon-
ras , que ainda ie fizeraó á huma pef-
foa particular, e que naó era de fangue
Real. O que alli ha de fingular , he
que á caía d'Albuquerque naó pôde
alcançar le naó muito tempo depois a
mefma graça para o corpo do grande
Affònfo. Também lhe fizeraó honras
muito inferiores , como fe foile mais
glo-
DOS" PoRTUGUEZES , LlV. VIIT. $09
gloriofo defcubrir as índias ■, do que ■■■
conquiftall-as." He verdade fe nós a- Awn. de
creditarmos niíío o autor dos Com- ]. C.
mentarios deite grande homem, que i^zci
a razaó. porque fe precizou tanto tem-
po para ter efta permiíTaó , foi por cau- D-;J°A0
ia da paixão dos habitantes de Goa , ní* *EI*
o porque fe naó pôde aicanfar , fe
nao.por virtude duma Bulia do Pa~D* VASCO
pa y. a qual fulminava grandes excom- DA GA~
munhoés contra os que a ifío fe op- MA vl~
pofeííem. E a fer aííim , huma pai- tE~REI'
xaó taõ confideravel he ainda mais hon-
roza para Affbnfo , do que as mais fo-
berbas pompas fúnebres , e os pane-
gy ricos mais eloquentes dos maiores
Oradores.
Parecia que a Corte tinha pre-
viílo a morte próxima do Vice-Rei.
Porque attendendo por huma parte aos
feus annos ; e ás íuas infirmidades , e
por outra aos inconvenientes , que po-
diaó nafcer em paiz taò diftante, na '
cazo de morrer o Governador , eftabele-
ceo ella neíla occafiaõ , e que depois
ie praticou fempre , o que chamaó
Succeffbcns , o que fe faz por eíle mo-
do. EIRei de tempo em tempo en-
via ás índias cartas fechadas com o
fello da Coroa até numero de quatro ,
ou fmco y em ca*la huma das quaes
achaô
MA VI-
CE-REI.
400 Historia cos Descobrimentos
- achaó o nome cio fugeito , que de-
Ann. deve tomar o Governo depois da mor-
J. C. te do que eftá no emprego. Eftas car-
1525. tas trazem a infcripçaó da primeira,
- fecunda , terceira íucceiTaó , &c. A -
D. JOÃO . ° r ' ir
ngamente ficavao em depoíito na mao
do Intendente da Fazenda Real , e
hoje ficaó na do Arcebifpo de Goa ,
d. VASCOque na5 pOC]e aDr;r ? fe na5 na pre_
íenfa das peflbas determinadas peli
Corte , e fegundo a ordem da infcrip-
çaó , de forte que fó podem abrir a
iegunda no cafo de ter fido inútil a
primeira , e aiUm nas outras.
O Vice-Rei D. Vafco da Gama
levava com figo as primeiras carris,
e conduíla na fua frora fem o faber,
os que eílavaó defti nados para feus
iucceflfores , e alguns dos quaes fizerao
depois eit-ranhas fcenas.
Sendo aberta a primeira fuecef-
faõ , moilrou o nome de D. Henri-
d. HEN-que de Menezes, filho de Fernando
RiquE de Menezes , de alcunha o Roxo ,
DEMEKE-que tinha vindo ás índias com pre-
zes Go-vifoens de Governador d'Ormuz. Po-
ver ka- rim Fernando deMonrroi, que tinha
por. as do Governo de Goa , rendo nau-
fragado nes baixos de Melinde , e ef-
r.ando auzente , o Vice-Rei tinha mu-
dado o deílino de Menezes, e o ha-
via
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 401
via fubítituido a Monrroi no Governo
deita praça que tirou a Peítana. Lo- Ann. de
po Vaz de Sampaio , Governador de J. C.
Cochim , que o Vice-Rei moribundo 1525-,
tinha eftabelicido em feu lugar , e re-
vertido de toda a Tua auetoridade até D* JOAO
que aqueile a quem a fueceflaó decla- nu KEI
raíTe folie em eirado de tomar poíle do
Governo , procedeo muito bem a ref- D# HEN"
peito de D. Henrique. Defpachou lo- RI<^UE
go para Goa a dar-lhe avifo da fua DE ME>
promoção, e lhe enviou huma efcol- neZes
ta fará o condufir á Cochim. g.over-
D. Duarte , e D. Luiz de Me- NAD0R*
nezes , que eílavaó ainda em Cochim,
emiferaó aproveitar-fe da conjuntura
da moleítia , e da morte do Vice-Rei,
para fazerem durar o feu Governo,
tiles tinhaõ feu partido na Cidade ,
e tudo alli caminhava á huma fediçaõ
aberta ; porém D. Duarte naó tendo
nunca tido a liberdade de pôr pé em
terra , e D. Luiz tendo tido ordem
de tornar para bordo , Sampaio con-
teve também todos os léus partidiítas
na fua obrigação , que eítes dois Se-
nhores foraó obrigados a partir con-
tra fua vontade , com tanta infelicida-
de para ambos , que D. Luiz perdeo-
fe , fem que fe íoubeíTe mais onde ,
nem como j e D. Duarte tendo che-
Tom. II. Ce ea-
D. HEK
1E ML
í-t.zes
<iOVER
402 Historia dos Descobrimentos
— : . gado á Portugal , alli morreo á vifta*
Ákk. de do porto.
J. C. D. Henrique recebeo a noticia da
j., fua elevação , com aquella indiferen-
. ça, que he a prova d'hum coração
d. joao f*em ambjçtlQ. £ra eíle hum homem
111. rei c]a ya(Je d'Ouro , e do antigo tem-
po , que contente com a fua virtu-
de y com a fua probidade, com a no-
breza dos feus ferviços , amava an-«
tes merecer as honras do quepofluil?
las ; e que pifando aos pés todas as
idéas da paixaó , e do entereífe , co-
nador. mo indignas d'um efpirito vam , pre-
zando pouco empregos , que os ou-:
tros fó procuravaó com tanto ardor ,
porque achavaó nelles huma ampla
comodidade para fatisfazerem á to-
das as fiías fraquezas. As fuás primei-
ras acçoens foraó provas da fua equi-
dade, da fuamodcítia, e da fua ap-
plicacaó ás fuás obrigaçoens. Porque
ellc disfarçou de baixo de diverfos pre-
textos para naõ chegar á Cochim an-
tes da partida de D. Duarte , e de D.
Luiz de Menezes feus próximos pa-
rentes , ò naõ dar aos enterelTes do
fangué o que a juftiça do Vicc-Rei
lhes havia recuzado. Prohibio depois
abfòfyítàmente que lhe deífem o tra*
ramenio de Senrioria _, e que lhe fi-
jref-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VIII. 40$
zeííem as honras coftumadas á entra- ■
da dos Governadores , debaixo do Akn. de
pretexto de que eraó pouco decentes ]. C.
nas circunftancias do luto pela morte \czr,
do Vice-Rei , o que depois fervio de " ^
re^ra. E em fim entreçou-fe todo ao D- J0A0
bem publico.
Depois da morte do grande Al-
buquerque , a attençaõ que tinhaõ tido D* HEN~
os que lhe tinhaó íuecedido aos feus Rl(^UE
entereííes particulares , antes que ao DE ME"
. r \T7fS
bem commum , e o pouco que eí- ***»■
timavaó luas peiToas , tinha auclorifa- GOVER"
do huma multidão de Corfarios , JVIou- NAD0R*
tos , e Gentios , que infeílavaõ por
modo eíles mares , que os navios da
Coroa fó podiaó fahir em frota. D.
He.irique tinha começado a fentir d'if-
10 a injuria, eo prejuízo, lo^o que
tomou polTe do Governo de Goa ;
porque paííava todos os dias á viftà
d'eíta Cidade quantidade deites pira-
tas , e de navios mercantes , que hiaõ
de baixo de fua efeolta , fem lhe po-
derem fazer nada.
O Vice-Rei tinha começado a dar
ordens muito precifas para alimpar as
coifas de todos eftes ladroens. Chrif-
tovaõ de So^fa tinha deioaratado por
duas occafíoens hum dos mais famo-
fos Chefe? d'elles , chamado Cutial ,
Ce ii <jue .
404 HiSTOiuA dos Descobrimentos
— que o tinha attacado com 4 paráos ,
#nn. de e depois com 80. Vicente Sodrc en-.
]. C. viado também com huma efquadra de-
jrjjr, 4 navios ás Maldivas , deu cada a
\ Mamale , Mouro o mais acreditada
p« joao ja jncjja i e que fe intitulava Rei das
11 1. rei. \jaidivas , como já diíTe. Tomou-lhe
duas Fuftas , e o fez higir com qua-
D. hen- trQ GUtras até Cananor , onde naõ
U0-UE tardou em pagar aos Portuguezes a.
uf me- pena ^ue jj^g era devida 5 pe|0 ma] que
kezes jjies j.^^ £eitQj porque D, Henrique
cevER- tend0 chegado alli pouco depois , s
ív^DtíK' tendo-o achado prefioneiro na Gida-,
delia , onde o Rei de Cananor , que
fe comunicava fccretamente com elle
o tinha feito meter para dar alguma,
rnoítra de fatisfaçaó ao Vice-Rei* D,
Vafco da Gama , lhe fez fazer o feu
proceíTo fem dilação , e o fez enfor-
car, antes que o Rei de Cananor o
podeíTe repetir. ■ -
D. Henrique antes de chegar a
Cananor tinha já confeguido algumas
vantagens fobre os piratas , por meio
de Jorge de Melo leu Sobrinho , que
desbaratou também Cutial em huma
occaíiaó , e n'outra deftruio 36 paráos
fahidos de Diu. D. Henrique em pef-
foa decipou na fua derrota 50. paráos ,
que dlc encontrou brigando com D.
1 ]or-
»OS PORTUGUEZKS , LlV. VIII. 40^
Jorge de Menezes , que tendo fó hum
Galiaõ eftava bem embaraçado para Ann... de
fe defender. O General enviou depois ]. C.
Heitor da Silveira a requerimento do \ciz.
Rei de Cananor para a nacente do rio JQ4~
que parta por diante defta Cidade , pa- ' RE
ra deftruir algumas povoacoens , on-
de muitos d' cites piratas íe acolhiaó , _
e viviaó em huma efpecie de inde- ' *
pendência-; o que fez Silveira com mui- ^
ra felicidade. Chriftovaó de Brito caf- NEZES
rigou igualmente os de Dabul. He r£_
verdade que alli o matarão : porérn ,.„_„
r c - r i i i> NADO*.
a lua morte toi compeníada pela d
hum grande numero de inimigos , e
do feu Chefe v que fendo apanhado,
c. levado ^á Goa ahi morreo das fuás
feridas , e tendo a vantagem de morrer
Chriítaó.
O fupplicio de Mamale intimidou
todos os Mouros do Indoítam , que
julgando do Governador pelo defen-
tereííe que tinha molhado , recufan-
do confiantemente as ímmenfas fom-
mas offerecidas pelo feu reigate , co-
nhecerão por iffo o que elles mefmos
deviaó entender. A feveridade que
ufavaó com os que eraó apanhados ,
naõ fervio pouco para remediar a de-
fordem. Porque os navios dos Por-
ruguezes victoriofos quando voltavas
111. REI
D. HEN-
RIQUE
DÉ ME-
KEZF.S
GOVER-
NADOR.
406 Historia dos Descobrimento?
— — — cTeítes combates , em lugar de Flamu-
Akn. delas , e Pavefes naó aprefentavaõ de
J. C. longe fe naó os corpos deites infeli-
i<2<, ces pendurados das vergas, e as fuás
- cabeças polias em fileira iobre es bor-
l0 dos. Os que trafiaó vivos 3 largavaõ-
nos aos rapaíes que fe recreavaó de
os matar ás pedradas.
Ifto propriamente era huma pe-
quena guerra , logo fe levantou huma
mais confideravel^ que o mefmo Go-
vernador foi obrigado a começar. Nau-
beadarim que tinha fempre eílado uni-
do aos Portuguezes por inclinação ,
e por eítima , naõ tinha tido por mui-
to tempo o Sceptro de Calicut. O Sa-
morim , que lhe tinha fuecedido , naõ
tendo os mefmos fentimentos , e en-
tregando-fe aos confelhos dos Mou-
ros , fe tinha picado em muitas oc-
cafioés contra D. Joaõ de Lima , Go-
vernador da Fortaleza de Calecut. E
ou porque os Portuguezes eítiveiTem
muito etefeuidados dos feus direitos ,
e das fuás pretençoês , ou porque os
índios aproveitando-fe. da fraqueza do
Governo lhe fizeíTem velhacarias , as
coifas tinhaó chegado a ponto , que
tinhaó havido já muitas hoftilidades ,
que fe aproximavaõ muito a hum rom-
pimento aberto. O Samorim , acom-
mo-
DOS PoRTUGUEZES , LtV. VIII. 4O7
modando-fe com hum eílado indecifo ,
que naó era nem paz nem guerra , ti- Assn, dç
nha enviado hum Embaixador ao no- J. C.
vo Governador para o enganar , fa- !«<.
zendo.propofiçoés d'hum a|uíle, que el-
le naó obfervaria fe naó em quanto D* JOAO
lhe achaííe entereíTe , na efperança da m* REt*
•occafiaó em que elle podeiTe dar al-
gum grande golpe. D. Henrique na- D* HFÍ'~
ruralmente inimigo da perfídia , e bem U1QU5:
determinado interiormente á caftigar M ME~
efte Príncipe, divertio o leu Embaixa- NEZES
dor com boas efperanças , até que eí- govf.r-
le fe pôz em eftado de lhe enfinar por ^a-Por»
hum golpe eítrondozo , de que maneira
queria obri-gaio a viver com elle.
Tendo em fim defpedido o Em-
baixador com boas palavras , e com
promelTa de que em pouco tempo iria
vifitar feu Senhor , partio com huma
armada de 50 velas de toda a efpccie ,
e de 2<è homens de defembarque ,
com que foi cahir fobre Panane , hu-
ma das principaes praças do Samo-
rim , bem provida de -gente , e dar-
tilheria , debaixo da condueta d'um
Portuguez arrenegado. D. Hennque
naó tendo alcançado a fatisfaçaó que
pedia , pôz as fuás tropas em terra ,
e dividindo-as em três corpos , de
que Pedro de Mafcarenhas, e D. Si-
mão
KEZF.S
GOVER-
NADOR.
408 Historia dos Descobrimentos
maò de Menezes commandavaõ os dois
Ann. de primeiros , e o General o terceiro ,
J. C. attacou a praça , tomou-a , e deftruio-a,
í<z<. fó com perda de poucas peíTòas , e de
- quafi 50 feridos. O numero dos mor-
d. JOAOtQS £Qj mu[t0 confideravel da parte dos
111. R£U inimigOS ; acharão entre elles o corpo
do arrenegado ; porém taó desfigurado
d. wên- no parecer que tiveraó trabalho para
*1<^TE o reconhecer.
No dia feguinte , o Governador
foi aprefentar-fe de fronte de Calecut.,
queimou grande numero de navios no
porto , em quanto por fua ordem D*
Joaó de Lima tendo feito huma forti-
da , lançou fogo aos fuburbios da Ci-
dade. Dalli D. Henrique tendo refor-
çado a gunrniçaó da Fortaleza d'ho-
mcns , e de munições , paííou até á
Couletta a féis legoas para fima de
Calecut.
Efta praça aíTentada fobre o porto
em amikheatro , era taó forte pela ar^
te , e pela natureza , pela quantidade
de artilheria -, e pelo numero dos
inimigos , que o confelho do Gene-
ral julgou logo , que ella era incon-
quiftavel , e que era temeridade in-
tentar attacalla. Ifio era baftante pa-
ra D. Henrique , fe elle quifeíTe fó
jufiificar huma retirada por efcrituras ;
Po-
DOS PõRTUGUEZES , LlV. VIII. 4O9
■porém como era hum homem eíte , ■ •
que olhava para o entereííe do Rei 5 Ann. de
e gloria da lua Naçaô , primeiro que J. C.
para á fua própria, que elle tinha 1525.
muito bem eítabeiecida por muitas bel-
las acçoés em Africa , quando foi Ca- p* JOAO
pitaó de Tangere ,,fallou taó fortemen- ll,i REi*
te , que redufio todos os pareceres ao
íeu , e decidio pelo attaque. Sobre o D* KE>?'
que , tendo regulado a diípoílçaó , deo Kl0-UE
hum corpo de 400 homens a D. Si- DE ME"
maó de Menezes , e condufio outro *EZES
de i<àcoo , deixando ao refto da frota GoVER"
a commiííaõ de defbaratar a dos ini- KAI)0R*
migos que eftava no porto. O fumo
da artilheria das duas armadas favo-
receo o defembarque. Combatiaó com
extremado valor d'ambas as partes. Os
Mouros , que fe tinhaõ facrificado á
morte , todos fe fizeraó matar , o ref-
to fugio. Efta acçaó cuítou fó 14 ho-
mens aos Portueuezes 5 lem fallar dos
feridos. Tiverao com que fe confolar
na prefa. Trezentas c feíTenta peças
de canhaó , innumeraveis arcabuzes ,
e efpingardas , 53 embarcações carre-
gadas , muitas riquezas achadas na '^ra-
ça , foraó a prefa do vencedor. De-
raó por defpojo as chammas a Cida-
de , e o reíto das embarcações. Def-
pois diíto D. Henrique contente da
fua
410 Historia dos Descobrimentos
fua expedição, fez-fe á vela para Ca-
Ann. de nanor , e de lá para Cochim.
J. C Em vez deftes golpes de valor fa^
j -2-# zerem entrar em fi o Samorim , lo
. ferviaõ de o irritar mais ; porém para
d. joao fegurar melhor a fua vingança , jul-
jii. rei. gQU jçygj rCcorrer a diííimulaçaó , e
enviou ao Governador General huma
x>. hek- pefl-oa ^e confiança para fazer algu-
p^que mas pr0p0fíç0ens de paz , a fim de
DE ME" que .á fombra d'efte tratado o Gene-
kbzbs ra| na- penfatfe mais em reforçar a
cover- guarnição da Fortaleza , que efte Prin-
i.ador. c]pe e^aVa já refoluto de a íitiar no
inverno em que eíiavaó para entrar.
O General naó eftava longe da paz ,
porque tinha na idça hum defignio de
maior importância : aflím tendo-a ca-
pitulado com muito duras condiçoens
para o Samorim , as quaes o feu En-
viado acceitou facilmente , eftc Enviado
partio com o tratado que o Príncipe
devia aíKgnar. Porem como tudo fó era
fingimento da fua parte , defáe efte
principio tomou as luas medidas para
íitiar a Fortaleza.
Mandou logo n<fo. homens , de-
baixo da conduàa d'hum Siciliano ar-
renegado , hábil engenheiro para o
tempo que tinha fervido ás ordens
de Solimaó na tomada de Rhodes.
Ef-
DOS PoRTfGUEZFS, LlV. VIII. 411
Elle tinha ordem de fazer linhas , e de .. ■■... — i
cercar a Fortaleza da parte da terra 3 Ann. 4e
e como cila eftava fobre huma lingoa J. C.
avançada para o mar , elle abraçava \ciç.
iodo o terreno por huma efpecie de
obra em cornos, terminada em cada v' J0AO
ponta por hum baluarte ou baftiaó , liI* REU
d'onde o canhão batia de perto o com-
primento das Coitas. O leu foíío era D- HEN"
de 2$ pés de largo , feu terrapleno R,(2UE
da outra parte tinha 8 , ou 10 , e era Dt ME"
fortificado com quatro, ou 5 redutos KE2ES
entre os baftioens. D. Joaó de Lima C0VER*
fez tudo quanto pôde para impedir o nador.
progreflb d'eíla obra. Fez muitas for-
tidas a tempo. Servio-fe com vanta-
gem de algumas caías , que eftavaó de-
fronte da Fortaleza , o que lhe ferviaó
de armazéns. Porém naõ tendo mais
que 300 homens , dos quaes perdeo
50 nellas fortidas , naõ pôde impedir
que os inimigos , infinitamente iupe-
riores pela multidão dos feus comba-
tentes, e dos feus gaítadores , naõ con-
dufilem a obra á Tua perfeição. O que
elle fez também com muita prudência
para coníervar a comunicação do mar,
ioi condufir hum caminho bem cober-
to de gabioens , e fortificado por mo-
do de couraça, , o que foi depois a fua.
falvaçaõ. Com tudo como as Cofias
eraó
412 Historia dos Descobrimentos
— eraó muito altas, que o mar batia alli
Ann. dequafi fempre com muita violência , que
J. C. naó havia porto, porém fomente algumas
j -2r. enfeadas muito más , os foccorroseraó
\ tanto mais difíceis , por naó poderem
r>,JOA0 chegar alli fe naó em mui pequenas
ih. rei. cmbarcaçoens , e fomente com tempo
de bonança.
d; hen- q 5iciiiano tendo aperfeiçoado
RI0-UE as Tuas linhas , e as fuás obras, con-
de. w e-. £aya tanro em tomar a praça f quc
*EZES naó duvidou em fazer vir o Samo-
cd ver- rjm cm peffoa# Vindo efte Principe
kador. ao Campo com hum exercito de 90^;
homens , começarão logo as batarias
a jogar. Se eftas batarias tiveííem fi-
do bem fervidas , a praça naó podia
confervar-fe muito tempo. Porque alem
da fuaartilheria numerofa, tinhaó peças
que levavaó bombas, ou balas de dois
pés de diâmetro. Faltava-lhes fó a ar-
te. Os Portuguezes pelo contrario fer-
viaó muito bem a lua. Porém o ef-
rrago que ella podia fazer era pou-
co fenfivel , porque as perdas dos ini-
migos craó de pouco momento , em
razaó do feu grande numero.
D. Henrique tendo recebido a no-
ticia do íitio, enviou logo dois na-
vios commandados por Chriftovaõ ]u-
íarre 3 e Duarte da Fon feca , para dei-
ta-J
DOS PoRTVGVFZES, LlV. VIII. 41 3
tarem na praça 140 homens de refor- — — —
ço com munições. Jufarte chegou pri- Akk, de
meiro , e ancorou muito perto da For- J. C.
taleza. Fonfeca detido pelas calmas , 1525.
foi obrigado a ancorar hum pouco
mais longe. Efte foccorro era taõ pou- D* jOAO
co coníideravel , que D. Joaõ de Li- UI* REI*
ma naó queria que elle tentaiTe o defem-
barque. Com tudo Jufarte, a quem naó D* HEN'
faltava valor , de oitenta homens que R ^UE
tinha , metendo 35 na fua chalupa , DE ME"
arriícou o tiro , e procurou ganhar o NEZES
iim da couraça , porem a força d'agua GOvER*
tendo-o levado mais longe , teve alli NAD0R" -
hum combate dos mais afperos. Eíte
pequeno foccorro entrou finalmente na
praça , tendo fó perdido quatro ho-
mens, com Manoel Cerniche, que ten-
do voltado para falvar hum dos feus
amigos , recebeo alli tantas feridas ,
que. morreo pouco depois. Fonfeca
tendo tido prohjbiçaõ de Lima para
tentar a meíma coifa , tornou por fua.
ordem para Cochim para pedir hum foc-
corro mais confideravel. Empreza mais
dimcil pelo rigor da cezaó , que naó
era a de paíTar á travez do inimigos
mais para temer , do que a violência
dos Tyíoens.
O fitio fe apertava fempre com
muito vigor da parte dos inimigos ,
que
414 Historia dos Descobrimento^
———que empregavaõ tudo para tomar a
Ann. de praça antes do fim do inverno. Os fi-
][# Qm tiados naó fe defendiaó com menor
y valor ; e certamente alli fe fizeraõ ac-
* .' m çoês taò belas como nos cercos mais
d. joao memoráveis. D. Joaó de Lima alli fe
ih. rei. portou como Toldado, e como Gapitaõ.
Era perfeitamente auxiliado por fcus
r. hen- irmaós , e por feus fobrinhos , que
RiquE alli Te deítinguiraó. As granadas, que
de me- até entaó fò tinhaó fervido nos com-
ííezes bates de mar, e que foraó entaó pof-
cover- tas em ufo pela primeira vez nos fi-
hadqr. tios , íizeraó maravilhas. O ponto ef-
fencial era refrefear a praça 3 ó que
foi fácil pelas diligencias do Gover-
nador General , e porque os inimigos
naó tinhaó armada. António da Silva ,
Heitor da Silveira , e Francifeo Perei-
ra Pcífcana levaraó-lhe em diferen-
tes tempos foccorros , que o Samorim
naó pôde impedir. Finalmente quan-
do chegou a primavera , o mefmo Ge-
neral veio em pdToa com huma fro-
ta J:C 20 veias , e 1^500 homens de
boa tropa.
Cj inimigos á vifta da frota Por-
tugueza fe aprefentaraó fobre a praia
em raó boa ordem, e em taó grande
numero , que a maior parte dos Ca-
pitães , e dos Qfficiacs lhe tomáraó
ai-
DOS PORTUGUEZFS , LlV. VIU. 41^
algum medo , e o moílraraõ no Con : —
felho , onde o General os achou qua- Ann. de
{] todos oppoftos ao difignio que el- J. C
le tinha de fazer levantar o cer- 1^25-.
co. O General , que tinha ordens pa-
ra naó hir contra o feu Confelho o D* JOAO
ajuntou muitas vezes, fem o poder 1,u REI*
dobrar para o feu parecer , ifto o obri-
gou a confervar-íe alguns dias em D* HEN"
innacçaó. Como elle também naó que- R1QUE
ria retratar-fe , recorreo ao arteficio , e DE ME~
empenhou fecretamente D. Joaó de'í;E2ES
Lima para attacar o baluarte dos ini- GOVER"
migos , que eftavaó no fim da meia KAD0IU
lua da parte do meio dia. O avifo
foi enviado a Lima por hum mergu-
lhador que levava huma carta numa
bola de cera. O attaque do baluarte
fe fez á yifta da frota com muita fe-
licidade. D. Henrique louvou muito
a acçaó , e depois concluindo que
com pouca gente fe podia vencer hu-
ma multidão de bárbaros, declarou ao
Confelho , que elle mefmo eftava re-
foluio a attacar com todas as fuás for-
ças ; e por efta declaração reunio to-
dos os votos , que até entaó lhe ti-
nhaó fido contrários.
D. Henrique mandou dar os pa-
rabéns á Lima da bela acçaé que ti-
nir; feiro ? ç faber delle em que par-
1525.
D. HEN-
RIQUE
DE ME-
NEZES
COVER-
NASQR.
416 Histoíua dòs Descobrimentos
1 ■ te poderia mais facilmente defembar-
Ann. de car. Eíte lhe refpondco por D. Jor-
J. C. ge de Lima , que quiz hir á fro-
ta em hum pequeno Datei condufxdo
por hum fó marinheiro. O batel foi
T>' IOA0 metido á pique pelos inimigos ; po-
iii. REi-r(;rn p_)t Jor^e achou meio de fe ial-
var, e tenoo ganhado a Capitania á
nado , inítruio de tudo o General.
Sobre iílo tendo D. Henrique
feito avançar os íeus navios o mais
perto da terra, que lhe foi poflível ,
limpou muito bem a praia com a fua
artilheria , e os inimigos naó oufan-
do a. apparecer , fez deitar em duas
noites lucceííivas na Fortaleza 1 50 ho-
mens por cada vez fem obftaculo al-
gum. O Samorim naó o ignorou , nem
ie entriíleceo , perfuadindo-fe que o
General naó ouíando entrar em hu-
ma acçaó com elie, fe contentaria de
fornecer a Fortaleza de gente , e de
provífoés , depois do que fe retiraria^
o que naó lhe tirava a efperança que
tinha de fe aiTeiihorear delia : porém
clle fe enganou na fua efperança.
Porque algum tempo antes do dia,
na mefma noite em que o fegundo íoc-
corro tinha cnrrado , D.Henrique tendo
ajuítado com Lima todos, os finae? ,.
defcmbarcou nas chalupas com todas
as
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 4I7
as tropas de defembarque , vogando a
remos furdos para naó fer perfentido. Anu. de
Lima no meímo tempo fez attacar as J. C.
linhas dos inimigos por Heitor da Sil- 1525-,
veira , e Fernando de Moraes por
hum lado ; e elle mefmo deo o aí- D' J0^0
falto pelo outro com muito vigor. m* RE *
Os que eílavaó nas trincheiras as aban-
donarão com muita precipitação ; po- D* HEN"
rém ellas foraó logo foccoridas por R,QUF-
outros que defceraó aos folíos , e que DE ME"
crendo que encontrariaó poucos como NEZES
nas fortidas ordinárias , lifongeavaó-ie GOVER"
de concluir logo tudo. Com ifto D. NAD0R*
Henrique defembarcou focegadamente
ao fom de trombetas , e inítromentos
bélicos. D. Jorge de Menezes , e D.
Jorge Tello de Menezes , tendo-fe es-
condido nos foílbs cada hum com
60 homens , deitarão quantidade de
granadas , que caularaó perturbação
entre os inimigos. Pouco depois , o
General tendo também penetrado com
o corpo de tropas que commandava ,
naó houve mais do que huma eílra-
nha confufaò entre os fitiantes. Os
Portuguezes como lobos famintos en-
trados em hum curral , naó faziaó mais
que matar. Admirou D. Jorge de Me-
nefes , que depois de ter feito acço-
ens prodigiofas com hum montante ,
Tom. II. Dd lan-
418 Historia dos Dfsc obrimentos
lãnçando-le ao forte da peleja para fal-
Ank. cie var hum dos feus , que ie tinha empe-
J. C. nhado muito , o livrou , e recebendo
K-:<_ hum golpe que lhe eírropeou a maó
-direita, naó ce.Tou com a efquerda de
d. joao i i r j j» 11
. combater , com a elpada d aquelle
mie elie tinha taõ nobremente foccor-
rido.
•Em ím os -inimigos depois de te-
*'^LF acm perdi do ;<& homens , abanJona-
**" jtãò as iuas trincheiras para Te falva-
**^rs rem na Cidade , e n'hum bofeme de
Govf-K- pa{meiras que {ke- ficava vifinno , c
ííado*. ÒM<^e Q (^eneraj naõ q^ „ue os fe.
guiffeitj. F-fta vicloria foi numa das
mais jbefas que fe ganhou na índia.
Tendtvfe divulgado o ecco até à Por-
ta. Solimaõ , que alli reinava entaõ ,
fe encheo de pafmo 5 e de admiração,
peia alta idéa que tinha das forças do
Samorím , e pela comparação que fa-
zia do pequeno numero dos Portu-
guézes com a inumerável multidão dos
inimigos que" eíles tinhaó á tefta.
Quafi todos os Reis tributários do
Sátnorim rctirando-fe para os feus do-
mínios depois d'efta acçaõ , efte Prín-
cipe achon-fe muito embaraçado , re-
mendo principalmente muito que o
vencedor fTzéíTe cortar o boíque de
palmeiras , que íicava junto da Cidade.
Além
DOS PoRTUGUEZSS , LlV- VIII. 4I9
Além da perda que ifto lhe teria cau- — —
fado , como he nas índias o final Ann. J.e
mais eftrondozo d'huma vicloria , te- J. C.
ria ifto fido para elle a mais cruel a f- t-2c
fronta que poderia receber. Agitado .
d'efta inquietação , fez comque vieflfe ••KAO
Cojc-Bequi , que defde a entrada dos111, KEK
Portuguezes nas índias fe tinha de-
clarado á favor d'elles , e lhes tinha D' HEN-
fido fempre feu fiel amigo. Prome- RlQUE
teo-lhe de o fazer Chabandar de Ca- DE ME~
lecut , fe elle podeflfe fomente alcan- KEZES
çar-lhe quatro aias de tregoa para po- GOVER"
der fallar da paz., Coje-Bequi fe ef- NAD0R#
cufou pela fua velhice, e pedio o car-
go para hum dos feus filhos , no cafo
que alcancaffe o negocio •, porém o Sa-
morim prevenindo eíle acontecimento ,
lho deo logo , teftemunhando aíHrn o
quanto amaua a paz.
A tregoa foi facilmente concedida
cm atenção ao medianeiro ; naó foi o
mefmo a refpeito da paz. As expe-
dições que propunha o General eraõ
duras por extremo , e o Samorim as
naó podia acceitar fem deshonra. O
artigo de todos , que mais o incom-
modava , era o requerer-lhe o Gene-
ial que lhe entregaíTc Arei de Porca.
Eíle Senhor era vifinho , e tri-
butário do Samorim, tinha fempre (o*
■ Dd ii gui-
D. HEN-
PE ME-
NEZES
GOVER-
NADOR.
420 Iístoria dos Descobrimentos
guido o partido dos Portuguezes con-»
Ann. detra o entereííe do feu Príncipe. No
J. C. negocio de Coulete D. Henrique ten-
j-2c. d° percebido que fe confervava ocio-
- zo , efperando mais pela occaíiaó de
d. joao j^ ao faque ? çJq qUC procurar ter par.
l* te na acçaó , mandou que para o acor-
darem lhe atiraííem huma pequena pe-
ça de campanha , que lhe quebrou
^lQy^ numa perna. O Arei irritado d'hum
proceder taó oíFenfivo , virou a caiacaa
tez a fua paz com o Samorim , e pro-
curou depois as occafioens de fe vin-
gar , como fez em quanto durou ef-
te fitio \ e pouco depois contra Jorge
d'Albuquerque , que lendo relevado do
feu governo de Malaca , e voltando
fó em hum Junco , foi attacado por
25 Catures condufidos pelo Arei em
peíToa ; porém Albuquerque o tra-
tou taó mal , que o obrigou a reti-
rar-fe com perda de mais de 300. ho-
mens.
Naõ fe podendo concluir a paz
amigavelmente , D. Henrique que fa-
zia pouco cafo do Samorim, do qual
naõ tinha precifaõ , e que havia rece-
bido ordens da Corte para deftruir as
fortalezas de Calecut , de Pacem, c
de Ceilão como inúteis 5 tomou o par*
jidg de as executar ; fçz defpejar a pra*
POS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 42 1
ça , fez mina-la bem, e fe"fez avela. ——
O Samorim , e a lua Corte a ^ucm Ann. de
naõ pôde occultar os preparos dnuma J. C.
partida que parecia fugida , eílavaó em iczc.
admiração , e naó podendo compre-
hender qual foííe o fruclo d'huma taó
11 • rv t> ' III. REI •
bela viítoria. rorem tanto que vi-
rão que tinhaó aparelhado , e que a fro-
ta tomava o larso , e que naó podiaó
duvidar mais , então a Fortaleza aban- v
donada , fe encheo em hum inflame de "
Índios curiofos , e cubiçozos dos quaes
parte para fe aífezurar do faclo , par-
° - ri NADOR.
te para roubar , entrararao por todas
as partes á montaõ. Porém naó ti-
veraó muito tempo para fe felicita-
rem de fe verem fenhores delia. Jo-
gando as minas com horrivel ruido ,
a fizeraó arrazar quafi toda inteira, e
fepultaraõ efta multidão de miferaveis
debaixo das ruinas. O Samorim de-
fefperado , naó fabendo em quem fe
vingaífe , defcarregou toda a fua ira
fobre o infelis Coje-Bequi , a quem
fez cortar a cabeça , imputando-lhe
ter fido hum obftaculo da paz. Os fi-
lhos defte infelis velho , que o feu
zelo pelos Portuguezes faziaó dignos
de melhor fim , fe retirarão para Ca-
nanor , onde a penfaó que a Corte
de Portugal dava a feu Pai , lhes foi
con-
4t2 Historia dos Descobrimentos
continuada , e os ajudou a viver.
Ann. de O vicloriozo D. Henrique naõ
J. C. defcanfou fobre as fuás victorias. Sem-
i*2<. Pre occupado unicamente do bem do
, Eílado punha todos os feus di-ívelos
d. joao i confervar a paz onde a havia , e
REI a preparar-fe eíRcazmente a fazer guer-
. ra aonde era precizo. Principalmente
d. hen- aftla maior attençaó era conter os feus
bique OrHciaes, pôr limites ás fuás rapinas,
ee me- e :rijunciçíls> Moílrou bem quaes eraõ
lsEZíS os feus fentimenro3 fobre eít,e pon-
gover- tQ depois Jq negocio de Coulete. Por-
kador. que tencj0 recebido hum expreffo que
o Rei d'Ormus , e Rui Seraph tinhaõ
defpachado ao Vice-Rei D. Vafco da
Gama 3 para fe queixarem das tiranias
que contra elles exercitara D. Duarte
de Menezes no tempo do feu Gover-
no, e que exercitava ainda D. Diogo
.,de Mello Governador da Fortaleza
d'Ormuz , D. Henrique a quem o En-
viado entregou as cartas do feu Prín-
cipe , efereveo a Mello com hum mo-
do decente na verdade. „ pedindo-lhe
3, em nome d'E!Rei de Portugal , e
„ no leu que fizeííe ceifar ' as queixas .
3, fazendo elle mefmo ceífar as, fuás ex-
5, torfoens j porem ajuntando que fe el-
„ le naõ tinha reípeito ás fuás roga-»
„ tivas , fe veria obrigado aílim mo-
DOS PORTUGUEZES , LlV. VIII. 42£
55 ço como era , a enfmar prudência '
„ ás íuas cans. „ E a fim de que Mel- Ann. de
lo naó fe iervilte u*huma carta que ei- J. C.
le podia tet occulta , avifou de tudo o 1515.
que lhe efcrevia ao Rei d'Ormuz , e
a òeraph. hnviou no mcimo tempo
1 r \ j- j.>\ 11 iu. kei.
ordem ao Auditor d Ormuz , que lhe
remcteíTe em ferros hum confidente
D. ht:i>
de Mello , d eíla elpeac d homens , de
que os Governadores cubiçozos aehao
íempre bom numero, que carretão de E **E
todas as iniquidades de que ejles mcí-
mos faó os autores , e nas qim€3 naó
querem apparecer. Eífei icvcr idade que
naó foi ignorada, contribui© muito pa-
ra reft.abeleccr a boa ordem.
Depois do negocio de Calecut D.
Henrique tornando á Cochim , come-
çou fazer novos preparativos para hum
grande difignio que revolvia na men-
te ; mas de que ninguém podia pe-
netrar o fejredo. Com .Atudo fez di-
verfas expediçoens para differentes par-
tes. Partio depois elle mefmo para
Goa , d'onde tinha reioívido hir in-
vernar á Mafcate. De Goa fez partir
Heitor da Silveira com quatro navios,
com apparencia de hir buícar D. Ro-
drigo de Lima , que havia 6 arinos que
citava na Corte do imperador da Eviio-
pia ; porém occultamente lhe ordenou
que
4^4 Historia dos Descobrimentos
,NNp Que o eíperaííe no Cabo do Guarda-
•! fií até quaíi ao fim de Março 5 no
1525. qual tempo elle poderia deitar até á
r>. joaÓ Una de Malaca , fe até entaó o naõ
111. rei. tiveíTe encontrado.
Como a Corte de Portugal tinha
d. HEN- fundado grandes efperanças fobre a
ri que uniaó das fuás forças com as do Im-
de me- perador da Ethiopia para fe fervir em
kezes beneficio do Chriílianifmo , contra as
cover- Potencias Mufulmanas da Africa ,
kador. e ^e ^a 5 os Governadores tinhaò
fempre tido ordens muito apertadas de
trabalharem para facilitar o retorno de
D. Rodrigo de Lima. Em confequen-
cia d'eílas ordens D. Duarte de Me-
nezes tinha enviado Teu irmaó D. Luis
com huma frota de o navios para o
mar Roxo. D. Luis na fua derrota
faqueou a Cidade de Xael fobre a
Cofia da Arábia , queimou algumas
embarcaçoens inimigas , varejou a Ci-
dade d* Adem , e tendo hido até á
Ilha de Maçua fem que encontraííe D.
Rodrigo de Lima , efcreveo-lhe huma
carta , na qual lhe fixava hum tem-
po dentro do que o efperaria. Porém
tendo-fe paflado elle termo fem que
clic apareceíTe 3 D. Luis tornou para
ás índias , fem haver recolhido fruto
algum da fua viagem.
D.
KEZKS
GOVER-
NADO!'..
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 4l£
D. Vafco da Gama , no tempo ■
em que morreo , fazia os preparari- Ank. de
vos duma frota coniideravel que que- J« C.
ria fizer commandar por feu filho D. 1525.
Eítevaó da Gama. Lopo de Sampaio de- -
. , 1 ur o • / d. joao
pois da morte do \ ice-ivei , íem mu-
dar o deílino deita frota , que devia
hir bufear D. Rodrigo de Lima , mu-
dando de General , cortou o numero dos D*
navios , e deo o governo delia a An- Rl^
tonio de Miranda. D. Henrique vin-
do a Cochim para tomar poííe do feu
Governo , tendo encontrado Miranda
na fua der ota , lhe tirou os navios da
fua eiquadra , e fó lhe deixou huma
Caravela , com ordem também de fe
ajuntar a 4 navios, que tinha manda-
do crufar íbbre a Coita de Cambaia ,
para obfervar duas embarcações que
deviaó fahir de Diu carregadas de ma-
deiras de conítxuçaó para fervTiço dos
Turcos que eilavaó em Gidda. Miran-
da crufou vantajozamente para o ef-
treito de Meca , fem hir mais longe.
Heitor da Silveira fez melhor, faqueou
a Cidade de Dofar , fubmeteo as Ilhas
de Dalaca , e Maçua , e lhes impôs
hum ttibuto , e em fim trouxe hum
novo Embaixador do Imperador de
Ethiopia , com D. Rodrigo de Lima ,
e Francifco Alves , de que he precizo
en-
426* Historia dos Descobrimentos
entre tanto que eu diga os fucceííos,
Ann. de depois que eu tiver dado huma idéa
J. C. geral , e abreviada da peííoa , dos Ef-
i52<. tados , e dos vaííallos d'eíte Príncipe,
- menos conhecido que procurado , de-
D-TOAO baixo do nome fuppofto de Prcfte
III, REI. ir - l l
João.
Ninguém duvida , creio eu , h®-
V. HEN- je ^ e^e nome ^e prej[}e ou I>a.
RiquE t|re joa^ ^a fundado fobre huma
de- me etymoiogia conhecida , que nos vem
dos tempos das cruzadas , e fe for-
gover- mou ^a j^a p0pU]ar ^ que havia hum
,0R* grande Monarca do Oriente , que fe
chamava Joaó, e era Padre da Lei de
Jelus Chriíto , da qual elle , c os feus
vatTallos faziaõ huma profiífaõ aberta.
Que o Chriftianifmo tinha fido efpa-
lhado por toda a grande Afia , e até
ao Império da China , ifto parece cer-
to pelos veíligios , que ainda hoje ie
achaõ , ainda que naó hajaó provado
que tenha fido a Religião dominante,
e geral d'algum Eirado em particular.
Que tenha havido igualmente na gran-
de Afia hum poderofo Príncipe Chrií-
taó , ifto parece igualmente feguro.
Os Soberanos Pontirices , e os Prín-
cipes Crufados tiveraó com clle algu-
mas relaçoens , muitas infrneti feras. Os
que lhe vforaó enviados , fizeraõ rela-
ço-
DOS PoRfUGTJEZES, Lllg. VIII. ^ÍJ
çocns taó pouco exaétas , que íó ierr ■
vem para nos pôr em conruzaó , de Akn. de
íorre que he difícil hoje , cu meimo J- C.
imppíTivcl dizer ao jufto onde eraó os 1525.
feus Eftados. No tempo do primeiro
cerco de Damitta , que foi tomada, por D- JOAO
Joaó Brienne , fe elpalhou o rumor , iiU KEI*
de que o Principe que reinava entaõ,
chamado David , vinha na frente d'hum D*
poderofo exercito em foccorro das en- KiQy£
ieadas , em quanto a Rainha de Jor- DE ME"
gia fe difpunha a entrar por outra NEZES
parte na Paleítina, o que obrigou Cor- GoVER"
radim , e Seraph y que acodiraó á NAD0R'
foccorrer Meledim Suitaó do Egipto
feu irmaó , p:.ri tornar prontamente
para os feus Eífodos para ie oppor a
eftas duas Potencias. Porém David naõ
lhe -euftou pouco a deienderíe.' Os
Tártaros o desbaratarão , e defapoffaraõ,
ao menos d\Huma parte dos íeus Ef-
tados,. ou das fuás conquiítas. No fe-
culo treze -perto do anno 1240 houve
ainda, hum .-aedes Príncipes", que opri-
mido pelos Tártaros fucceílores de
Gentchifcan na Tártara Occidental ,
recorreo ás Potencias da Europa. De-
pois daquelle tempo achaó-fe muito
poucos viftigiòs.
Com tudo como a idéa defte
Príncipe , poílo que confufa , era mui-
to
1.11. REI
D. HEK-
GOVER
I.ADOR
428 Historia dos Descobrimentos
' to viva no tempo dos primeiros def-
Ann. de cubrimentos dos Portuguezes , depois
J. C. dos esforços que os Reis D. Joaõ ,
is2<. e £)• Manoel tinhaõ feito para o def-
* cubrirem , períuadiraó-fe , naô fem al-
0 gum fundamento que o Preíte Joaõ
era o Imperador da Ethiopia , a quem
deraó também os nomes de grande
Negus , e de Rei dos Abexins. He
RI<2UE precifo conceder que todos os fignaes
de me- fe affemjihavaõ. Os nomes d'eftes Prin-
KEZES cipes tirados do Teíkmento velho ,
a Mageftade d'eítes Monarchas, que ref-
peitavaó como huma efpécie de .Di-
vindade , as crufes que clles faziaó
levar diante de fi , a Religião Chrif-
tá corrompida pelos erros dos Nefto-
rianos , e dos Jacobitas , Scc. Só alli
ha a diferença dos Eirados d'hum , que
fuppoem terem fido muito remotos na
grande Tartaria ou na índia , em lu-
gar que os do outro íaó na Africa.
Eu creio em fim , que fem fe
apartar muito da verdade ( o que fó
dou como huma fimples conjeclura )
podem dizer , que efte era o mefmo
Monarcha, que era Imperador da Ethio-
pia , e que tinha feito na Afia gran-
des conquiftas , que elle tinha podido
dilatar até á índia , e á Tartaria , e
que por huma deÓas revoluçoens da
for-
3D0S FoRTUGUEZES 3 LlV. VIII. 42p
fortuna , de que ha infinitos exemplos,
teria fido rechaíTado até nos feus Efta- Ann. de
dos hereditários , com tanta facilida- J. C.
de, quanta elle tinha tido em fe dilatar, 1525.
para os paizes mais apartados. n ~
* ~ t • j r 1 • J D. JOÃO
O Império dos Ethiopes pode an-
dar a par com todas as outras Naçoens
pelas fabulas da fua antiguidade ; mas
atravez do que fe pode defenredar da
fabula , parece confiante principalmen- lI<*VE
« 1 iTT 1 DE ME"
te pelo teltemunho de Heródoto , que
he hum dos mais antigos , e maiores KEZE
Impérios do Mundo. Era certamente GQ,VER"
muito mais extenfo do que he hoje: NAD0R%
e eu creio que he demonítrado , que
as Arábias , que tem igualmente to-
mado os nomes de índia , e de Ethio-
pia , foraó antigamente , e muito tem-
po do feu dominio. Sendo aílim , naó
fera maravilha , que hum Príncipe ,
que tinha hum taõ grande Império
na Afia , tenha podido fazer os progref-
fos d'hum Conquiftador rápido \ e íofri-
do depois na fua peiToa , ou na de feus
fucceííòres os reveles d'huma fortuna
pouco eílavel , quando fe trata de con-
íervar E fiados taõ extenfos , e pela
maior parte novamente conquiftados.
O que eu figo pode fer confirma-
do por numa carta do Gram Senhor
de Rhodesj que eferevendo a ElRei
de
430 Historia dos Descobrimentos
~T 7* de França Carlos VII. diz expreíTa-
TK'r mente . que o Imperador da Ethiopia
** **' era o /verdadeiro Pretle-Joaõ. A mef-
1525. ma carra que o Papa Alexandre III.
d. joaó efereveo a hum Rei da índia Cha-
211. rei. mado Joaó , caracteriza baftantemente
o Imperador da Ethiopia. Aílim antes
d. hen- dos defcobrimentos dos Portuguezes ,
ri que- Haviaõ já noticias muito confideraveis
PE ME_ do Rei dos Abexins , e huma efpe-
kezes Cie de perfuafaó de que elie era o
go ver- Preíle-Joaó.
uadqr. Heródoto cjue já citei, e os ou-|
rros de antiguidade protana nos repre-
fentaó os Ethyopes , como hum dos
primeiros povos do Mundo, iguaes ,
ou anteriores meimo aos primeiros
Egypcios. Os Ethiopes d'hoje dizem
fer deícendentes de Haback neto de
Noé , donde íe formou o nome d'A-
b a ília , e por corrupção d'Abyífínia.
Depois daquclle tempo contaó huma
larga ferie de Reis , cujos faftos nos
parecem fabulas , ou porque com elias
tenhaô engroflado os feus annaes , af-
íím como o fizeraõ todos os outros
povos , ou porque depois de tantos fe-
culos tem para nós hum ar de novi-
dade , une nós naó podemos ajuítar
com as noíías preocupações. Entre as
fuás épocas tern duas muito celebres,
a
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VILT. 4} I
a que he difícil negar alguma crença.
A primeira he aquella da Rainha de Anu. de
Sabá. A fegunda he a da Rainha J. C.
Candace. i-ç2c.
A primeira que elles chamaõ Ma-
ueda , teve , dizem elles , hum filho D' J0AC
e Salomão chamado David, ou Me- IM| KK['
nilehek, donde defcenderaô todos os
feus Reis por huma longa ferie de D* HEN"
feculos , naó fem alguma interrupção, Rl(2UE
depois da qual tornarão a íubir ao DE ME~
Tnrono , que efta família occupa ain- NEZES
da hoje. O que fez com que David, G0VER"
que Reinava no tempo cfElRei D. K*-eoR«
Manoel, tomaiíe cites títulos. „ Da-
„ vid amado de Dcos , columna da
„ fé , do fangue , e da linha de Judá ,
5, filho de David , filho de Salomão ,
„ filho da columna de Siaó , filho da
,; femente de Jacob , filho da maó de
Maria , filho de Nahu pela carne.
Imperador da grande , e alta Ethya-
pia, e de todos os Reinos feus de-
pendentes. ,,
Pretendem que Menilehek tendo
fido enviado a feu pai , fora rnitruido
na Religião dos Hebreos , que tornan-
do aos feus Eftados com hum grande
Padre filho de Sadoc, e i2ç& homens,
mil tomados de cada tnbu , fe es-
tabelecerão na Eihyopia : que depois
dei-
432 Historia dos Descobrimentos
lelle a Ginecocracia antiga fora mu-
tv
Ann. dedada, fuecedendo os filhos dos Reis
J.C. no Throno contra a lei immemorial ,
152c. ^uz eftabelecia a fucceíTaó na linha
- das filhas. Com tudo cuílame a com-
d. joa' previcncjer a ferje Jqs tempos moílran-
111. rei. j0_nos p^ainnas miúto celebres entre
elles , donde eu concluiria facilmente ,
que elles tem ainda huma efpecie de
B IOUE A- -i r *> A
* Ginecocracia tal como le ve em am-
D£ Mc bas as índias , alíim como eu ja ex-
pliquei no meu livro dos coftumes dos
GOVER- \ ■ n ic m
Americanos , com eíta direrença nao
ííador. menos qUe fe p0cle fazer, que depois
daquclle tempo os Reis fe cazavaó nas
fuás mefmas famílias , o que terá mais
facilmente confervado a defeendencia
pela multiplicidade das gerações no
mcfmo fangue. De lá he que tem ain-
da confervado muitos ufos do Judaif-
mo , entre os quaes fe naó deve por
a Circumcifaó que elles tinhaó antes,
aííim como Heródoto o certifica , e
que he ufada pelo fexo que naó era
entre os Judeos.
Candace , que forma a fegunda
época, he aquella Rainha celebre, de
que S. Filippe Diácono baptizou o
Eunuco, e iie duma , e da outra que
elles receberão a Religião Chriíláa.
Pertendem que efte nome 3 Candace,
fe-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VIII. 4^
hoje hum nome genérico , que fe da-
va a todas as fuás Rainhas, comoda-ANN. de
vaó o de Faraó a todos os Reis do J. C.
Egypro. ^ ^ I525.
Isnoraõ-fe os limites da Etyopia
antiga. He quaíi certo que ella íe ex-
ít ■ ' J-Lrr i J III. REI.
tendia , aiiim como ja dilie , pelas duas
Arábias. Ifto he o que fe pode con-
jecturar da natureza mefmo dos prefen-
tes que a Rainha de Saba trouxe á Sa-
lomão. As Cidades de Saback , e d' A-
suma, cujas ruinas fe vem ainda na"
alta Ethyopia, podiaó fer as Capitães
do Império ; mas pode-le concluir pe-
las grandes riquezas que julgarão cá
Rainha de Saba, que ella tinha hum
Império muito extenlo.
A Ethyopia d'Africa era limita-
da , pouco antes que os Portugue-
zes alli abcrdaíTem , ao Septentriaó
pelo Egypto , e pela Núbia , ao
Oriente pelo mar Roxo , e a Cofta de
Zanguebar, ao meio dia pelo Mono-
metapa , e ao Occidente pelo paiz
-dos Negros. Porém quando os Portu-
guezes aili entrarão , os Muíulmanos
fe tinhaó apoderado de todas as pra-
ças marítimas , exceptuando Arquico 5
eme nunca tiveraõ ; e no centro das ter-
ras muitos povos bárbaros , e os Gal-
les em particular , fe tem Icvan-
Tom. II. Ee ta-
4^4 Historia dos Descobrimentos
-tado , e feito como independentes.
Ann. de O Imperador d'Ethyopia era eo-
]. C. mo hum ídolo , que os feus vaííal-
içie 'os niefmos , e principalmente os ef-
' - trangeiros naó viaó quafi nunca ; a
D,JOAO maior graça que elle fazia aos Reis
in. REl< rributarios era de lhes apreíentar a fua
maõ , ou o feu pé para o beijarem, de
d. «cu- ]õ?[KO c]e num vèo que o occuitava aos
ri^ujç ç€us 0]nos> qs Portuguezes o familia-
de íie- rj7<ara5 hum pouco mais, de forte que
KEZEs |j0je çc mopcra 5 e naó fegue mais a
goví.Pv- etiqueta rigorofa do ccremonial dos
nador. primeiros tempos. Traz huma touca
particular coberta de tecido d'ouro ,
e prata , e adereííada com algumas pe- y
rolas. Tem de ordinário na maõ huma
pequena Cruz , que he o fimbolo da
Ordem de Diácono , que elle recebe
fempre para commungar debaixo das
duas efpecies , e entrar no Sanclua-
rio , o que naó podem fazer os leigos.
Efte Príncipe naó tem morada fi-
xa. A Capital do feu Império he hu-
ma Cidade ambulante , e propriamen-
te hum campo de quaíl 40 para 50
mil homens de guerra , os dois terços
ce Infantaria, e o reíto de Cavalla-
ria. Além diilo elle tem mais o du-
plo , ou triplo de outras peffoas do fel*
viço para confervaeaó do campo. To-
dos
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. A^S
dos moraó em barracas ,• a mefma Igre-
ja, e o Palácio do Imperador. Porém An n. de
a ordem he taó bela, que naõ ha Ci- J. C.
dade mais bem governada, e com me- 1525.
lhor policia. Os Abexins naõ íabem
o que íaó Cidades muradas. Elles tem D
por principio , que a força d'uma pra-
ça coníiíte no valor , e na multidão dos
homens , e naõ em baílioés , e parapei- D*
tos. Tem com tudo quantidade de Al- RI"U
deas afoitadas em planices immenfas , DE
c -il r cc • -cl nezes
e que razem maravilho lo errei to a viíta
pela íua proximidade apparente. As luas
cafas íaó fó de madeira , e tem fó NAD0R*
hum andar. Em cada Província naó
ha mais do que fó huma cafa de pe-
dra , que he a caia da Juftiça , onde
ninguém pode entrar na auíencia do
Governador, ainda que eUa efteja fem-
prc aberta. O Padre Paez Jefuita ten-
do edificado huma caía de muitos
andares para lhe fervir de habitação,
e de Igreja , efta cafa foi pela íua
fineularidade hum objecto de curioíi-
dade para todo o paiz. Iílo naõ era
aílim nos primeiros tempos. Achaó-íe
na Ethyopia minas de Cidades fober-
bas , e de edifícios magnificos , que
dizem fer da primeira antiguidade. Eu
eílou perfuadido que eíla Tua politica
de habitar fempre cm tendas , he que
Ee ii tem
4]6 Historia dos Descobrimentos
tem abatido o poder deite Príncipe ,
Ann. de e o que confirma a conjectura que eu
I ç tenho , de que eile poderia n'outro tem-
\'~2r. po íer poderoío , e ter eílendiclo o feu
, domínio muito longe pela Afia , fem
D- JOA0 que aili reíte difto algum veftigio.
ih. rei. ^ Ethyopia he hum paiz cheio
de montanhas d'uma exceíliva altura,
v. hen- e muito agrCftes , porém as planices
RI<2UE faó fermozas, e muito férteis. O que
de he- tcm jc nia]s curiofo 5 íaõ as nafcentes
do Nilo , taó procuradas , e ta5 defco-
coyi.r- ujjççjjj^g c]a antiguidade profana. Os
jcador. Jefui^as as defcubriraó viajando na
comitiva do imperador. O Grande
Albuquerque tinha , fegundo dizem ,
formado o projecto , de concerto com
q Imperador, de mudar o curfo deite rio5
. c de o lazer deíaguar no mar Roxo.
Ifto teria feito morrer todo o Egyp-
to , que naó recebe outras aguas
mais , íe naó as do Nilo , taó cele-
brado, pela fecundidade que alli lhe
leva. Porem aífirmaó que efte proje-
cio he abfolutamente impoílivel na fua
execução ; mas ainda fendo quiméri-
co , he belo o telo con ebido , e faz
honra ás ideas deile grande homem,
Os Abexins faó muito fuperfticio-
fos : a fua Re!ig;aó , ainda que Chrif-
■ táa , corrompida peias herezias de Nef-
to-
E Mi>
EZES
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 4^7
tório , e de Diofcoro , he além d iito : —
miílurada de Judaifmo , e de Paganif- Ann. de
mo 3 e da infatuaçaó das advinhaçoés. J. C.
Tem huma ordem Hierarchica rodos 1^25.
os gráos do Sacerdócio , até ao Abu-
na, que he o Biípo da Corte, e o D* JO*v
único de todo o Império. Eíle Abu-111* HLI*
na , he enviado peio Patriarca Scif-
matico d' Alexandria , que elies reco- D* HE
nhecem por Soberano Paftor. Tem R|Q^
além diílo huma quantidade prodígio- D"
fa de Monjes , que alli fe.introduíiraó *
antigamente pelo Egypto , e de que GOVI
a maior parte leguem a regra de Santo NAD0R
António. Todos tanto feculares, como
regulares , aíFeclaó huma grande auto-
ridade, e íaó muito abílinentes. Com
tudo iíto faó muito ignorantes , pou-
co verfados nas matérias Theologicas ,
obftinados , e preocupados das fuás
falias opiniões , como íe naó pode ex-
preffar, principalmente os Ecclefiafti-
cos , e Reli gi o Tos : e como o povo
lhes tem muito grande refpeito , e
faó em grande numero , porque o íeu
eftado os livra d'uma efpecie de ef-
cravidaõ, e que o mefmo Imperador
tem alguma forte de dependência do
Abu na, por efte motivo fe tem feito
a converfaó deites povos muito difí-
cil , e eigocado em yaôs esforços todos
os
438 Historia dos Descobrimentos
os trabalhos dos Miílíonarios que tem
An?:, de cultivado eíla vinha infrutífera.
]. C. Tornemos entre tanto á viagem
1525-. ^e D. Rodrigo de Lima, que Siquei-
x ra tinha entregado ao Barnagais , e
ao Governador d' A rquí co , com as 13
peíFoas da lua comitiva , antes que
partifle do porto de Maçua. Pondo-fe
eíles em marcha , para hirem á Corte
do Imperador, perderão nos primeiros
dias o bom Embaixador Mattheus , que
morreo no Moíleiro de Bifan com gran-
iu. REI
D. HEN-
BIQUE
DE ME-
GOVEK-
KADOR,
^l
des fentimentos de piedade , e d'uma
doce confolaçaó, na elperança das gran-
des recompenças que teriaó fuás fadi-
fas pelo bem efpirkual , e temporal
a Ethyopia, pela uniaó de dois gran-
des Principes , que podiaó para ifíò
concorrer. A morte defte fanto ho-
mem foi huma perda para os Portu-
guezes , a quem faltava na maior ne-
ceííidade. Porque além de que lhes te-
ria fervido d interprete fieí , tinha tido
muito credito fobre o cfpirito de D.
Rodrigo, para lhe fazer conhecer a
razaõ em muitas occaficés , cm que
cIIq excedeo todos os limites.
Bem diferente do Embaixador Gal-
vão , que a Corte tinha enviado , e
que morreo na Ilha de Camarão , D.
, Rodrigo de Lima, em lugar da pru-
den-
DOS PoRTUGUEZES, LlV. VIII. 430-
dencia, da experiência, e da fagaci
dade , que Galvão tinha moítrado em Ann. de
ranças negociações , e intereiTes nas J. C.
principaes Cortes da Europa , ío tinha i~ic.
huma mocidade imprudente, hum ge- ..
nio arrebatado, e incivil, altivezas ex- D' JOAO
travagantes, ideas quiméricas , e huma H1, REI*
impaciência exceífiva, que lhe cau fa-
raó muitos difgoítos , íem o corrigir, D* HEK~
e embaraçando-o igualmente com os Rl(lVE
Abexins, e es feus mefmos. DE :'1E~
Depois de muitas fadigas, e def- NEZI:s
goftos do viagens, tmalmeníe chegou C*>VE*T
Lima á Corte com a íua com! L0R'
Quiz o Imperador dar-ihe audie-
com huma mageífade , e ma^uiu
cia , cuja deícrpçaó , que deo o 1 l-
dre Franciíco Alvares Capelão da Em-
baixada, o qual eícreveo a hiítoria del-
ia, faz baítantemente ver a grandeza
deíle Príncipe. Ke verdade que tem
pretendido depois , que em todo eíte
preparo , havia huma oítentaçaõ ex-
traordinária coníorme á vaidade deita
Nação , cujo fm era entaó engrande-
cer os objectos na prelença deites es-
trangeiros , para lhes fazer eftimar mui-
to a íua aliança. O Embaixador foi
chamado muitas vezes com a rneíma
pompa ate aos pés do Tlirono , fera
nunca ver a peíiòa do Monarca 3 o que
lhe
440 Historia dos Descobrimentos
lhe deo muito difgofto : e eu creio
Ann. de que iílo foi em parte para o caftigar
J. C. cios Teus furores , e da pouca modeftia
1525-. ^a fua conducta , pelo que lhe retarda-
- rrió a sraca que elle deíeiava com tan-
D. JOÃO : ^c iL r - r c
ta paixão , e que lhe fizerao lorrer
111 'RFIt •
num ceremonial inteiramente novo,
e que o abatia muito.
r>. hen- ^ra primeim audiência, D. Rodri-
*iQUE g0 offereceo feus prefentes , que con-
de me- ^^.ja5 em numa eípada , e num pu-
nhal ricamente guarnecidos , huma cou-
gover- x2spL ) todas as armas defenfivas , duas
kador. pequenas peças dç canhão de bronze,
balas proporcionadas ao calibre das
duas peças , dois barris de pólvora ,
quatro peças de tapeçaria da melhor,
haiTi-orgaó , e hum mappa do mundo , a
que o Embaixador ajuntou quatro facos
de pimenta , que elle tinha para Teu
ufo. Eíle prefente , que pode fer que
foííe bem recebido , o foi muito mal,
porque os domefticos do defunto Em-
baixador Mattheus tinhaõ feito faber
ao Imperador , que naó era elle o pre-
fente que lhe tinha mandado EIRei
de Portugal. Eíle accidente caulou
também a D. Rodrigo novas mortifi-
cações, e foi obrigado a conceder pa-
ra adoçar o efpirito do Príncipe , que
era verdade, que o prefente d/EÍRei ci-
tava
NADOR,
dos Portugueses , Liv. VIII. 44 r
rava ainda cm poder do Governador
General das índias, e que leria en- Ann» da
viado fielmente d íua Síageftade , po- ]. C.
rem que o General tiaõ tinha nunca \rzc.
efperado aportar em Maçua , que o
havia feito íó por huma cfpecie d\i- D" jOAO
calo , e que elle tinha fuprido por lu* Rtl'
eíte preiente, que elle da lua parte
fazia , ao que citava em Goa , tendo D* HE"'"
affima neccííidade , e a conjuntura dos Rl°-UE
tempos difpoíto das coifas como elle D£ ME>
naó efperava. E cu o Imperador fe fa- NEzr-s
tisfizefle com eftas rafoés , ou naó, moí- GOvER"
trou com tudo que defprefava o prefen-
te , e o fez diflribuir pelos pobres ,
e pelas Igrejas.
Em fim depois de ter canfado a
uaciencia de D. Rodrigo por mais
a hum mez , correo o vèo que ihe oc-
cultava a peííoa do Príncipe: Appa-
receo affentado fobre hum Throno al-
to , com a Coroa na cabeça , c o roi-
to meio coberto com huma garça , que
hum pagem abaixava , c levantava de
de tempo em tempo. Parecia ter pouco
mais de 20 annos , e tinha muito boro
agrado , ainda que moreno como íaõ
o; Abexins. A audiência foi de mer-
cês , e o Imperador certificou a íatis-
façaõ que tinha de entrar era aliança
com ElRci de Portugal 3 aquém per*
mi-
DE ME
KEZES
GO VER
442 Historia dos Descobrimentos
1 mitio desde logo fundar Fortalezas em
Ann. de Maçua , e Suaquem ,eem Zeila , pro-
J. C. metendo ajudallo , para a funda çaõ ,
jrzc. com homens, viveres , dinheiro, e
, materiaes.
d. joao Depois diílo, o Imperador fe mof-
íii. rei. trou mujtas veZes , fem eíle fafto que
o cercava, .e com mais familiaridade
d. hen- y-0 ^ e converfou muitas vezes em
KI(^UE particular com o Padre Francifco Al-
vares lobre os negócios da Religião.
Quiz-lhe ver dizer Miíía conforme o
Rito Latino , e lhe afíiítio com toda
iíador. a fua corte. Moítrou-fe edificado das
ceremonias da Igreja Romana , e con-
cebeo no mefmo tempo nu ma aita
idéa de Alvares , que adquirio a re-
putação de hum fanto. Os Portugue-
zes tiveraõ da fua parte a fatisfaçaõ
de verem Pêro da Covilháa , que
naó podia conter a alegria de encon-
trar os feus nacionaes , e ao mefmo
tempo derramava muitas lagrimas
com a lembrança da fua pátria , que
naó devia ver mais por caufa da fua
grande idade , e das obrigações que
tinha tomado.
O Imperador forneceo fempre com
abundância a fultentaçaõ do Embaixa-
dor , e dos feus que feguiaõ a Corte
nas diferentes marchas que elie fez ,
e
DOS PoRTUGUEZES , LlV. VIII. 44}
e de que Alvares nos deixou huma
relação magnifica. Ann. de
Defde a primeira diítribuiçaõ que J. C.
fe fez por ordem do Imperador , Li- i~2*,
ma, que julgou que tudo era para fi ,
reparrio pouco com os da ília co- D* JOAO
raitiva ; o que efeandalizou de modo nI* REK
Jorge cie Abreu , e Lopo da Gama ,
que chegarão ás palavras mais inju- D* HEI>"
riozas , c às acções, em prefença mel- RI^LE
mo dos primeiros Mililitros do Impe- DE ME~
rador , que ficarão mito efeandalizados, NEZES
e relatarão tudo a eílc Príncipe. gover-
Eíle procedimento taó indecente KAD0F-»
em hum homem rcveftido de caracter,
foi fuíteiitado por outro ainda pior.
Porque tendo-fe o Imperador empi-
nhado duas vezes para os reconciliar ,
e fazer ceiTar o eícandalo , nunca D.
Rodrigo quiz admitir reconciliação al-
guma , de forte que na comitiva do
Imperador foi obrigado a tomar elle
meimo as medidas convenientes para
evitar maiores arroliioi.
Em fim D. Rodrigo tendo tido
fua audiência de deípedida , e tendo-
fe pofto em caminho , o Imperador 3
que o fez acompanhar pelo íeu Mor-
domo mor , e por outro dos grandes
Senhores da fua Corte , que devia fer
também da viagem 9 lhe Fez dizer por
eiles ,
444- Historia dos Descobrimentos
elles , que queria abfolutamente , que
Ann. de elíe Te reconciliaíTe com Abreu. Para ifto
J. C. fe precizaraó muitas conferencias. Com
1525. tu"° confeguio-fe a paz. Abraçaraõ-fe
- finalmente , mas defcle entaõ fe quize-
D* JOAO raó cada vez pior. D. Rodrigo or-
111. rei. j£nou ao feu deipenfeiro que naó def-
fe viveres a Abreu. De balde o Mor-
d. HEN- domo mor jne nioílrou a fem razaó
que fazia , e preílftio proíiadamente ,
ME~ e Abreu mais irritado que nunca , re-
kezes f0iveo fazeios dar por força , e che-
GOV.ER- gou ^ aCç0gS ainda mais moleftas ,
kador. fem ^ue Q garnagafs em peííoa po-
deífe moderar as violências deites dois
homens. ífto indignou por modo eíte
Príncipe , que depois de lhes ter tira-
do as cartas , e o prefente que o Im-
perador enviava a^ElRei de Portugal,
os fez rccondufir para á Corte para
alli os fazer caftigar.
Os negócios fe acommodaraó hum
pouco na Corte , ao menos cm quan-
to ás apparencias. Com tudo D. Ro-
drigo recebeo as cartas que lhe efcre-
veo D. Luiz de Menezes , que tinha
vindo á Malaca para o reter, e naó
o achando , lhe aííinalou hum dia até
o qual o efperaria. Por eítas mefmas
cartas o avilava da morte d'E!Rei D.
Manoel, de que o Imperador moílrou
.uurn,
DOS PoRTUGUEZES, LíV. VIII. 44$
Jium grande fentimento ; pelo que orde
nou hum jejum rigorofo de três dias Ann. de
fucceílivos, dentro dos quaes todas as J. C.
logeas fe fecharão, Naó íe comprava 1525.
nem vendia nenhuma das coifas mais
neceííarias para á vida. Depois deite ' JOA
luto , ao qual íuccedeo o acontecimen- lVÍ RET*
to de faberem que D. Manoel eítava
fubftiruido na peííoa d5ElRei D. Joaó D* HEN"
Iíí. feu filho, foi Lima defpedido de RIQUE,
novo; porem tendo paífado o dia que DE MENE~
lhe havia fido prefcrito , foi obrigado ZE:
a voltar fobre feus paííbs , e tornar VERNA"
á prelença do Imperador , que , com D0R#
o favor dos prefentes que D. Luiz
lhe tinha deixado no porto de Ma-
çua , o recebeo completamente bem.
Em fim depois de féis annos de
aííiíleneia na Ethyopia, D. Rodrigo
teve do Imperador fua audiência de
licença , ' que o fez acompanhar por
hum Embaixador que enviava a EIRei
de Portugal. Heitor da Silveira os re-
colheo no porto de Maçua , donde os
conduíio para ás índias. De lá fe em-
barcarão para Lisboa onde chegarão
felismente. EIRei D. Joaó III. os re-
cebeo em Coimbra cem honras ex-
traordinárias , 'e fez hir recebelos ao
caminho todos os Prelados , e Titu-
los que alli tinha na fua Corte.
El-
IJ. KEI.
D. HEN-
444 HxsT. dos Desc. dos Port.
EIRei tendo enviado depois D.
Ann. de Martinho de Portugal íeu fobrinho com
]. C. Embaixada ao Papa Clemememe VII.
j-2-». Alvares feguio cite Príncipe tendo
* também o caracter de Embaixador do
D. JO/.O T J i»r» i • n
Imperador d Ethyopéa , e em cita qua-
lidade teve a honra de praticar com
Sua Santidade, que fe achava em Bo-
lonha , onde devia coroar o Impera-
Rlt^\ dor Carlos V. A aíTemblea era das
mais au guitas ; e fe Alvares teve a
íatisfaçaõ de apparecer nella com hum
caracter muito Superior á fua primeira
fortuna , o Soberano Pontífice naó a te-
ve menos de receber as cartas , que
elle lhe apreíentou da 'parte d'hum
Príncipe , de eme havia na Europa hu-
ma idéa bem íupperior ao que elle na
verdade era , que lhe dava titules ma-
gnifico s, e o hí o n geava cem a efpe-
rança de fazer entrar o feu Império
nos fentiraemos de furniiTaó á Igreja
Romana.
Fim do Livro oitiavQ , c do Tomo
jcyjllldo. '•
KEZES
GOVER-
NADOR.
Ani
T
;