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Full text of "Historia dos descobrimentos e conquistas dos portuguezes, no novo mundo"

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Presente  d  to  the 
library  of  the 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Dr.  António  Gomes 
Da  Rocha  Madahil 


HISTORIA 

DOS 

DESCOBRIMENTOS, 

E  CONOJJISTAS 

DOS 

PORTUGUEZES, 

NO   NOVO  MUNDO 
TOMO   II. 


LISBOA 

NA    OFFICINA    DE    ANTÓNIO    GOMES. 

MDCCLXXXVl. 

Com  licença  da  Real  Mexa  Cenforia. 

Vende-fe  na  logea  da  Viuva  Bcrtrand 
e  Filhos  ,  Mercadores  de  Livros  junto  á 
Igreja  dos  Martyrcs  ao  Xiado  3  em  Lisboa. 


,-» 


5  7o       • 


HISTORIA 

DOS 

DESCOBRIMENTOS 

ECONQUISTAS 

PORTUGUEZES, 

NO  NOVO  MUNDO. 


LIVRO    V. 


A  NT  O     que    Albuquerque  Ann.  de 
começou    a  íaborear-íè    com     J,  ç. 
o   goíto  y  que  lhe  devia  cau- 
far    a  mudança    da  íua  for-       *  ^' 
tuna,  goíto  que  confiília   na  legitima,    D*    MA* 
e  jufta  fatisfaçaó  ,  de  fe   ver  livre   de  NOEL  REI 
huma  perfiguiçaó  injurioza,  antes  que  affonso 
na  preverfa  fatisfaçaó   de  ver  humilha-  d'albu- 
do  o  feu  rival ,  já  que  as  almas  gran-  ouerçue 
des   faó  incapazes   de  fen rimemos'  taó  gover- 
Tom,  II,  A  viz,    ^adqx* 


1     Historta   dos  Descobrimentos 

viz  ,    teve    huma    nova  mortificação  a 

Ann.  de  que   foi  obrigado  a  difimular  ,  eis-aqui 
J.  C.     a   ocafiaó. 

içog,  O   Bailli  Amaral,   que  no  Medi- 

terrâneo   tinha   desbaratado    a    frota , 
D*    MA"  que   o   Calife   enviara  para  Afia  ,  pa- 
noel  rei  ra  aj|j  carregar   madeiras  de  conílruc- 
çao  ,    tendo  dado   conta    a  EIRei  da 
ArFONso  fua   expec}jç.aó  3    e  do  defignio   que  o 

D  ALBU-      Calife      dnha     ddo    de     fe    rervir      <fefta| 

querque  macje;ras  9  para  fazer  paííar  huma  fro- 
gover-  ta  para  as  jncjjas  ^  as  inftancias  d0 
nador.  samorim  5  Dt  Manoel  picado  contra 
efte  ultimo ,  que  o  havia  afia?  oífendi- 
do  pela  obílinada  guerra ,  que  fazia 
aos  Portuguezes  ,  refolveo  vingar-fc 
delle  por  hum  modo  eftrondoio  ,  ede 
fe  esforçar  confideravelmente  para  o 
arruinar  deílruindo-lhe  a  fua  Cidade 
Capital.  Para  o  que  armou  eíla  frota 
de  15  navios  ,  e  de  9^  homens  ,  de 
que  acabo  de  fallar.  E  ainda  que  o 
motivo  ,  apparente  deíle  grande  ar- 
mamento foííc  para  fe  por  em  ef- 
tado  de  fe  oppor  á  frota  do  Calife, 
as  oceultas  viílas  da  Corte  tinhaõ  prin- 
cipalmente por  fim  a  deítruiçao  de 
Calecut. 

D.  Fernando  Coutinho  Grande 
Marechal  do  Reino  ,  homem  vivo  , 
emprehendedor,  e  amante  da  gloria  , 


DOS  PoPvTUGVEZ^S  ,    LlV.    V.         $ 

pedio  ao  Rei    lhe  conriafíe   eíta  expe 

diçaó,  o  que   o   Rei  lhe  concedeo  cie  Akm.  de 
bom  grado  ,    por  quanto    o   amava  :     J.    C. 
e  fez  expedir  as   ordens  ,  que   Couti-     jrio. 
nho   quiz  ,  e  o   fez  abfblutamente   in- 
dependente  do   Vice-Rei ,    e  do  Go-      D*   MA~ 
vernador  em  eíla  expedição ,  para  dei-  IsOEL  REl 
la  lhe  dar  toda   a  honra. 

Depois    da  partida    de  Almeida  3   affom»o 
naõ   tardou    o  Marechal    em  intimar  a  D  ALBU" 
fua   commiffaó.  No  principio   quiz  pre-  QUERQUE 
venir    o   Governador,    o  que    fez  por  GOVEK" 
Gafpar  Pereira  ,    Secretario  da   Coroa  NAD0R« 
nas    índias.    Depois     defte   preliminar 
elle  mefmo   fallou ,    e   pedio   a  Albu- 
querque y  naõ  fomente  que  lhe  naõ  em- 
baraiiaífe,  mas  antes  que  como  paren- 
te, e.<  amigo  oajudaíTe,  e  o  fecundal- 
fe  nifto  ,  poílo   que   natural menre  naõ 
foffe    do    feu  agrado.  „    Vós   tendes  , 
lhe   diz  ,    adquirido    já  muita   gloria 
„  por  muitas  ,    e   belas     acçoens    que 
„  rlzeíleis.    Muitas   tendes  para  fazer , 
yy  que  vos  immortalizem  depois  da  mi- 
„  nha  partida.  Deixai  aííígnalar-me  tam- 
3,  bem   hum  pouco    neíla    fó   occaíiaõ 
„  para    que   vim.    Eu    naó    me  quero 
5,  eílabelecer  nas  índias.    Naó    invejo 
5,  as   fuás    riquezas.    Naó  tenho   outra 
3y  paixaó    mais    que    d' adquirir     algu- 
:,  ma  honra.   Eu    efpero   que    a   ami- 
A  JÁ  a,zade5 


95 


4  Historia  dos  Descobrimentos 

„  zade ,  e  o  fatigue  que  nos  ligaõ  ,  e 

Ansjt.  de  „  que   entre  nós  tornaó  todos  os  bens 
J.  C.     „  communs  ,  façaõ  com  que    vós   naó 
Ic0o,    „  me   cnvejeis    a  vantagem    de  poder 
„  adquirir   algum    merecimento   ,    que 
D#    MA~  „  nao    pôde  efcurecer    o  voffo  ,   nem 
NOEL  rei  ■    aincja  rnefmo  entrar  em  parallelo  com 
„  numa  parte  das  voílas  acçoens  ,  que 
affonso  ^  VQS    iem    ^    grangeado    os     credi- 
d  albu-    ^  tQS  je  j^j^  jos  maiores  Capitaens.,, 
querqxje  Muito   grandes ,  c  muito  recentes 

gover-  era-  as  0brigaçoens ,  que  Albuquerque 
mad.or.  devia  ao  Marechal  3  para  lhe  naó  acor- 
dar huma  graça  ,  que  parecia  taó  ar- 
rafoada.  E  pofto  que  eu  creia  que  eU 
le  a  fentio  viviíKmamentc  ,  e  que  lhe 
defagradaííe  muito  ,  com  tudo  a  iílb 
anuio  muito  bem  ,  e  fe  comportou 
até  ao  tempo  da  acçaó  ,  de  maneira 
que  naó  deo  fufpeita. 

O  Rei  de  Cochim ,  a  quem  o 
projecto  foi  communicado,  o  appro- 
vou  ;  mas  julgava  heceíTano  ,  primeiro 
que  tudo  ,  tomar  lingoa  de  Coje  Be- 
qui  ,  antigo  ,  e  fiel  amigo  dos  Portu- 
guezes  ,  de  quem  fe  foubeífe  exacta- 
mente o  eítado  em  que  fe  achava  a 
Cidade  de  Calecut.  Delle  com  erTeito 
fouberaõ,  que  o  Samorim  eftava  actu- 
almente oceupado  na  fua  fronteira , 
em  fazer  guerra  a  hum  Príncipe  alia- 
do 


MA- 
RE1 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V .         £ 

do  do   Rei   de  Cochim  :   que   na   Ci - 

dade  eftavaõ  poucos   Naires  ,  em  com-  Ann.  de 
paraçaó   dos  muitos  que  nella  refidiaó    ].  C. 
quando  ahi  eílava    o    Samorim.    Além     j  -c~ 
diílo  que    a  Cidade  eílava  lem  defen- 
fa  pela  parte  do  Norte  ;  mas  aliás  bem    D* 
defendida  pelo  meio   dia,  aonde  oSa-NOEL 
morim  tinha  huma  caza  de  recreio  em 
alguma  diíiancia  ,    chamada    Ceranie  a  A/FONSO 

Í[ual     tinha  huma   boa   cerca  ,    e   hum  B  ALBU" 
orte    entrincheiramento    bem  guarne- ÇVER(^UE 
eido    de   artilheria  :     que   em    rim    aiiiG0VER" 
lhe   faria    grande  perda  queimando-Ihe  KAD0R» 
vinte   embarcaçoens   novas  ,  que   eíb- 
vaõ  nos   eftaieiros  ,    e  que    craõ  deíli- 
nadas  para  fazerem  a  viagem  de  Meca. 
Com  eílas  viftas  fe   determinou  a 
expedição,   fazendo-fe  todos  os  prepa- 
ros com   a   diligencia    poílivel  ,   publi- 
cando-fe  que  eíles  preparos  pertencia© 
á  carga  de  alguns   navios  ,  que    fe  def- 
punhaó  a   partir   para   Portugal.  A  pe- 
zar   de    todo   fegredo  ,   foraó    adverti- 
dos 5   e  tudo   fe  achou  preftes  em   Ca- 
lecut para  os  receber. 

Eftando  tudo  prompto  ,  a  arma- 
da compofta  de  trinta  nãos  divididas 
em  duas  frotas  ,  huma  chamada  a  fro- 
ta de  Portugal  ,  commandada  pelo 
Marechal,  e  a  outra  a  frota  das  ín- 
dias 3  conduílda  pelo  Governador  Ge- 
ne- 


6     Historia  dos  Descobrimento» 

nera! ,  partio  no  ultimo  de  Dezembro 

Ann.  de  de  1509,  e  chegou  á  vifta  de  Cale- 
J.  C.  cut  no  fegundo  de  Janeiro  do  anno 
1509.    feguinte. 

Os   Generaes   tiveraõ    confelho   a 
D#    MA" vifta  da  Cidade,  onde  fenaó  deícubria 
xoel  rei  a[gum  movimento  ,    pofto   que  ahi  e£- 
tivelTcm  trinta  mil  Naires  deftnbuidos 
affonso  pCi0S  p0ftos  importantes.   O  Marechal 
d  albu-    ren0vou  entaõ  o  feu  primeiro  cumpri-' 
cuERquEment0  a  Albuquerque,  e  lhe  declarou  , 
gover-     que  defejava  commandar  a  vanguarda. 
hador.     Albuquerque   lho  confentio .  pofto   que 
com  violência ,    ou   porque  temeíTe  o 
génio  impetuozo  ,   e  colérico  do  Ma- 
rechal ,  ou  porque  na  fua  avançada  ida- 
dade  fe  eftimulafíe  dos  brios  ,  que  ani- 
maó     a   mocidade.    Mas    confentindo- 
lho  ,  regulou   de  modo  as  coifas ,  que 
fenaó   cuiz    alongar  do  Marechal.    De 
commum    acordo   ordenarão   de  hirem 
cada    hum   na   tefta    da    fua   frota  :  c 
por  huma  ordem   expreíía  allixada  no 
maftro   grande   de   cada    náo,   fe   pro- 
hibio   aos  Orfíciaes  de  faltar   em  terra 
antes   dos  Generaes.    Defte  modo  per- 
tendeo     Albuquerque     poder    moderar 
a  cólera  do  Marechal  ,  ou    roubar  lhe 
de   fafto   huma    honra  ,   que  lhe   con- 
cedera fó    de   palavras  ?   e   por    pura 
complacência. 

Ma- 


DOS    PoRTVGUEZES  ,    LlV.     V.  J 

Manoel    PaJÍanha   OíKcial  velho  , 


augurou   mal    eíta   expedição  ,    e  naó  Akn.   de 
podendo  calar-fe  ,    diíle  que  efperava     ].    C. 
pouco    de  hum   corpo   que    tinha  duas     j-IC# 
cabeças  ,  e   acrecentou  que    fendo  af- 
fás    feliz  por   ter   vifto    morrer  quatro    D-    MA~ 
dos  feus   filhos  na    cama   da   honra,  e  NOEL  KEJ 
no   fervi ço   do  Rei    nas  índias  ,    teria 
ainda  a  vantagem   de   lhe   fazer   facri-  affonso 
íicio   de  fi  mel  mo   neíta   occafiaó.    Ti-  D  ALBU~ 
nha   enviado    o  leu   quinto   filho    para  QV£fcQ*« 
Portugal,    como    fe    tiveííe    previik)  ,  GOVfcR~ 
que   as  índias   haviaó  de   fcr  o  feu  fe-  -aeor. 
pulcro  ,    e   o  de  quafi  toda    a   fua  fa- 
mília. 

A  frota  do  Marechal  compunha- 
fe  de  bravos  Officiaes  ,  gente  de  dif- 
tinçaó  ;  mas  que  por  vir  de  novo  , 
naó  conheciaó  o  paiz  ,  e  ignoravaó  a 
maneira  de  nelle  fazer  guerra.  A  do 
Governador  tinha  por  primeiros  Orft- 
ciaes  fubalternos  ,  que  tinha  fido  pre- 
cifo  fubítituir  aos  antigos  Capitaens  , 
a  quem  o  ódio  a  Albuquerque  unha 
obrigado  a  embarcarem-fe  com  o  Vi- 
ce-Rei  ,  para  naó  ficarem  expeilos  á 
vingança  ,  de  hum  homem  ,  que  el- 
les  tinhaõ  oíFendiclo  muito.  O  que 
era  já  hum  peílimo  prognoftico.  O  que 
fc  paífou  depois  cuc  a  ordem  fe  am? 
xou  ,  foi  de  hum  prefigio  ainda  mm 

íunef- 


ÍÍADOR. 


8     Historia  dos  Descobrimentos 

fimefto  ;  porque   graflando  a  emulação 

Ann.   de  pelos  Offuiaes  das  duas  frotas,   e  mo- 

J.  C.     cidade   Nobre  ,  que  em  vez  de  fe  ali- 

icio      mentarem,  e  defcançarem  ,  a  fim  de 

citarem  mais  á  lerta  na  feguinte  manha, 

r>.    MA-cacJa  hum  occupado   de  fe  armar,  e  de 

*;oel  rei  tomar  0  feu  lugar  nas  chalupas,  onde 

paílaraó   toda  a  noite  ,  de  modo  ,  que 

affonso  pe|a  mailhá  eftavaõ    taõ   canfados    da 

d  aliu-    vigiija  ^  e   da   fadiga  ,    da    fome  ,  e 

querque  feje  ^  que  depois  lentiraó  crueliflíma- 

gover-    mente  no   extremo  calor  do  dia,  e  da 

acçaõ. 

Polias  em  movimento  as  chalu- 
pas ,  e  aproximando-fe  a  praia  para 
fazerem  a  defcida  ,  acharão  que  o  mar 
ahi  quebrava  com  muita  violência.  Fo- 
raó  recebidas  como  naõ  efperavaó  pe- 
la artilheria  do  entrincheiramento  ,  e 
do  Cerame,  que  os  incommodou  mui- 
to ,  e  o  faria  muito  mais  ,  fe  as  ba- 
terias eftiveflem  mais  no  nivel  da 
agua.  Albuquerque  fez  faber  ao  Ma- 
rechal ,  fer  mais  prompto  feparar 
as  chalupas  ,  e  que  cada  hum  aelles 
na  refta  das  fuás  folTe  defcer  onde 
podeífe.  Ifto  fe  fez.  O  Marechal,  que 
contava  fempre  com  a  vanguarda  , 
naõ  fe  adiantou  ,  e  foi  defcer  muito 
longe.  Mas  Albuquerque  ufando  de 
mais  diligencia ,  e  cortando  mais  curto  , 

6a" 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V.        O 

ganhou  logo  a  terra  ,  e  depois  d'hum — 

pequeno     -.ombate   fc    afenhoreou    do  Ann.  de 
cntnncheiramento   ,    partio    direito   ao     ],  C. 
Cerame  ,  que  diftava  hum  tiro  de  befla,     irio. 
onde    achou   huma    forte    refiítencia  , 
mas  cheeando-lhe    os  feus    lhe  lança- 

-     r         D  X        NOEL   FEl 

rao  rogo. 

O   Marechal   ,    naõ    tinha    ainda 
chegado    ao   entrmcheiramento     quan-    , 
do  percebeo  o  fogo  ,  e   gritando  que  D  At 
eftava  trahido  ,    entrou  em  huma   tu-  QUEK(£UE 
riofa    cólera.    Atirando    depois   com  0GOXEK' 
capacete,   e  armas  que   tinna  namaó,KAD0B" 
tomou    huma  toalha   ,    e   huma    cana. 
Entre   tanto  vindo  a  elle  Albuquerque. 
3,  He  aílim ,   lhe    diz  ,    Senhor  Albu- 
3,  querque,    que  vós  cumpriíles   a   pa- 
3,  lavra  que    me  deites    ?    Quereis   ter 
3,  o   goftõ   de  eferever  ao  Rei ,  de  que 
„  entraftes  o  primeiro  em  Calecut  ;  mas 
3,  eu  lhe   darei   boa  conta  de  tudo  ,   c 
3,  lhe  farei  conhecer,   que  coifa  he  efta 
3,  canalha    de   índios    ;     de    que     vós 
3,  lhe    fazeis    de  longe    hum  efpanta- 
„  lho.    Elle     o    comprehenderá     bem 
3,  quando  eu   lhe   diíTer,  que   entrei  na 
„  Cidade  com  huma  toalha  na  cabeça , 
„  e  huma    caria   na   maó.  „     Ifto   lhe 
dilTe  com  tanta  eíRcacia,  que   fe  íup- 
pos ,  que  lhe  hia  dar  com  o  baftaõ  ,  e 
tudo  quanto  Albuquerque  produzio  pa- 
ra 


ZNADOR. 


!0  Historia  dos  Descobrimento! 

ra  juftificar-fe  ,  o  Marechal  nada  quiz 

Ann.    de  admitir ,   e  d  então    fe  apaixonou    de 

J.  C.     modo,  que  ficou  incapaz   do  conielho. 

i^io.  Com  tudo  chamando    o  interpre- 

te ,  que  conhecia  o  j^ãiz  ;  lhe  peigurt- 

d.  ma-  tQu  ^  on(je  eílava  o  Palácio  do  Rei  , 
koel  rei  e  ^he  pejjQ    que   0  conduziffe  aonde 

achafife  homens  para  combater.  Por- 
Ai-iOi\-3o  e  cjjzja  ^  na5  fe  pGjein  chamar  af- 
r>  albu-  ^*m  aqyenes  ^  que  fe  renderão  com 
^■»E«y?  tanta  facilidade.  O  interprete  lhe  mof- 
trou  o  Palácio  de  cima  de  hum  oitei- 
ro  ,  que  poderia  diítar  meia  legoa. 
O  Marechal  determinou  de  hir  lá  , 
ordenou  a  Pedro  AíFonfo  d' A  guiar 
feu  Capitão  Tenente  ,  que  tomafíe 
duas  pequenas  peças  de  artiiheria,  e 
mandando  tocar  a  marchar  ,  íe  poz  em 
marcha  com  oitocentos  homens  ,  man- 
dando dizer  ao  Governador  ,  que  o 
podia  feguir  ,  ou  fazer  o  que  quizeífe, 
porque    nada  lhe  emportava. 

Poílo  que  Albuquerque  fe  picaf- 
fe  muito  ,  e  conheceíle  bem  o  perigo 
em  que  o  precipitava  a  temeridade  do 
Marechal  ,  o  feguio  com  feiscentos 
Fortuguezes ,  e  os  Malabares  de  Co- 
chim.  Mas  antes  ordenou  a  D.  An- 
tónio de  Noronha  feu  fobrinho  ,  a  Si- 
mão de  Andrade , .  e  a  Rodrigo  Ra- 
belo 5  que  deixava  com  trezentos  ho- 
mens 3 


DOS    PORTUGUEZES  ,    Li  V.    V.         II 

mens  ,    que  velaffem    na  guarda    das 

chalupas  ,  que  para  ellas  fizeffem  tranf-  Ann.  de 
portar  a  artilhem  do   entrincheiramen-    J.  C. 
to ,  e  do    Cerame  ,  e   que  queimaílem     j   IO< 
os  navios,  que  eítavaõ  nos  eftaleiros, 
o-  que    fe  executou   fem    alguma  op-    D#    MA~ 
poííçaõ.  K0EL  KEl 

Ainda   que    o   Palácio    do  Samo- 
rim  fofíe    defendido  pelo    Governador  AFFONSO 
da  Cidade  ,    e  por  hum   grande  nume-  D  ALBr" 
ro  de  Naires  ,  rlzeraó  tao  pouca  refif-  QuerQue 
tencia,  que  o  Marechal,    que  ignora- GovER~ 
va  que   a   fua  fugida  era  hum   eítrata-NADOR% 
ta  gema  ,     íe    confirmou    feguramente 
na   opinião   que     tinha    concebido    da 
lua   fraaueza  ,    e  do    defprezo  ,    que 
delles    le     devia    fazer.     Manoel    Fa- 
çanha   o   advirtio    de   balde  ,    que   fe 
acautelaííe ,   e  impcdiífe  aos    feus    cue 
fe  demandaffem  ,  que  deitaíTe  inceílan- 
temente  fogo  ao  Palácio  ,  e  que  tor- 
naííe  para  os  bateis.    Como  elle  efta- 
va   fatigado    a  naò   poder  mais  ,    para 
chegar   lá   ,   tinha    precizado   ,  que   o 
levalTem   pelo  caminho  ,  que  naó   po- 
dia  comfigo  ,  diíTe  que  queria  defcan- 
çar  algum   tempo  ,  e   fe  afTentou.    Os 
Portuguezes  fe   eípalharaó    pelo   Palá- 
cio ,  para     faquearem   as  riquezas  ,  de 
que  citava   cheio.    Os   Naires.  oue  ef- 
tavaõ   de    vigia   vencc-os   efpalhadcs , 


12     Historia  dos  Descobrimentos 

fritarão  como  coftumaõ   para   fe   njun- 

Ann.  cie  tarem.    Já  os   viaó   apparecer    de    toda 
J.  C.    a   parte.    Aí  ou  cjuerque  ,    que   chegava 
1510.      enrao   ao  Palácio  ,   vendo   que  os  Nai- 
re^   Te  ajuntavaó  ,   naõ   quiz  entrar  ,  e 
d.    ma-  mancl()U  p0r  jjy^  vezes   àizer   ao  Ma- 
hotl  kei  rechal    que    fahiífe.    O    Marechal    lhe 
reípondeo ,  que  fe  adiantaíTe ,  cjue  elle 
AFFONso  Q    fegujija  brevemente  ?    quando  vitTe 
d  amu-     0  ^^q  ^em  ateac}0  em  diferentes  par- 
qveroue  re3_    SaJjjo    com    effeito  entaó  ,    mas 
gover-     era  muit0   tarde.    Os   Naires    incorpo- 
í-ador.     radas  ?  feguindo-o   obrigara5-no  a  vol- 
tar íobre   elles  ,   acompanhado  fomen- 
te de  trinta   homens.    Combaterão  com 
muito    valor  para  falvarem     a  vida  do 
Marechal :  mas   eíte  fenhor  ,  receben- 
do huma   ferida  nas  pernas ,  que  o  fez 
cahir  de  joelhos  ,  defendendo-fe  nefta 
poílura  por   algum  tempo  ,    cahio  em 
fim  íob    a    multidão   dos   golpes    com 
Manoel  Paífanha  ,   Lionel    Coutinho  , 
Vaz  da  Silveira  ,    e  mais   treze  OiTL- 
ciaes. 

Albuquerque  que  fe  tinha  adian- 
tado y  percebendo  o  perigo  em  que 
eílava  o  Marechal  ,  tornou  a  traz 
efcoitado  com  hum  groíTo  de  tropas. 
Mas  como  os  inimigos  eraó  muitos  , 
naõ  pôde  penetrar  até  ao  Marechal.  É 
naõ  lhe  çuftou   pouco    o  defender-fe. 

Por- 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    V.        1} 

Porque  achando-fe  em  huma  ribancei 

ra  muito    eítreita  ,    e   profunda  ,    os  Akk.  de 
Naires  ,  que   eftavaó  fupperiores  ao  ca-     J.  C. 
minho  ,  e  que    o  dominavaó   o   ataca-      i^io. 
raó    a  feu  falvo    de  fima  para  baixo  , 
fem   que    os   Portuguezes  ,    por   efta-    D*    ?'*A" 
rem  muito  juntos,  podeííem  jogar  asNOELREI 
íuas  lanças.    Pelo  contrario  ,  nenhum 
dos   tiros,  que  lhes  arremeçavaó  erra-  AFF0NSO 
va.  Albuquerque  foi  ferido  de  três  rle-  D  ALBU" 
xas  ,    que  duas   lhe   paííaraô    o  braço  QUERQVE 
cfquerdo ,  e  a  terceira  o  ferio  na  ca-  GOVER~ 
ra  ,  ainda  que  levemente  ;  mas  rece-  NAD0R* 
beo   huma   grande  pedrada   no   peito  , 
que    o  derribou    fem  fentidos.    Neíla 
occafiaó  morrera  5   f  e  o  valor  de  Gon- 
çalo Queimado  feu  Alferes ,  que  fe  en- 
tregou   á  morte  junto    delle  ,    efe  o 
foccorro  de  Diogo   Fernandes    de  Be- 
ja ,  que   fez    os   últimos  esforços  pa- 
ra o   falvar  ,  e  que  pondo-o  fobre  hu- 
ma rodela ,   o  trouxe  nefte  eftado  até 
ás  chalupas. 

A  iílo  fe  feguio  huma  derro*a 
geral ,  fuecedendo  o  medo  ao  valor , 
naó  viraó  mais  que  Portuguezes  fugir, 
lançando  as  armas  para  melhor  corre- 
rem. Os  Naires  ,  que  hiaó  no  feu  fe- 
guimento  matarão  muitos.  Mas  foraó 
obrigados  a  parar  com  a  chegada  de 
de  Diogo  Mendes  de  Vafconccilos  ,  e 

Si- 


14    Historia  dos  Descobrimentos 

Simaó  de  Andrade  de  huma  parte  ,  e 

Ann.  de  de  António  de  Noronha  ,  e  de  Ro- 
J.  C.    drigo   Rebelo    da   outra  ,   que   vinhao 
15 io.    íbccorrer  os  fugitivos.   A  pezar  de  tu- 
do  o  terror    era  taó    grande   ,    que  a 
d.     ma-       •  •    j     j  •         -  r  * 

maior  parte  ainda  deitavao  as  luas  ar- 
koel  rei  r    r  ^  r  r 

mas  para  le  íalvarem,  lem  que  os  fe- 

guiííem.  O  ultimo  ,  que  entrou  nas 
A/FONSO  chalupas,  foi  Jorge  Botelho,  que  mu i- 
d  albu-   tQ  lemp0     çQ  OCCUpOU    em  ajuntar  as 

*UER*_UE  armas  efpaihadas.        ' 

Ambos  os  partidos  inimigos  tfen- 

nador.  tjra-  vivamente  a  perda,  que  tinhaõ 
feito  neíla  occaíiaõ  ,  fem  fe  faborea- 
rem  da  vantagem  ,  que  tinhaõ  confe- 
guido.  Os  Portuguezes  affligidos  com 
a  morte  do  Marechal ,  e  outenta  dos 
feus ,  peííòas  diftintas  pela  maior  par- 
te j  defaíbcegados  pelas  feridas  de  Al- 
buquerque que  efteve  algum  tempo 
em  perigo  de  vida;  abatidos  pela  in- 
juria da  fua  desfeita  ,  e  ainda  mais  in- 
juriados pela  fraqueza  ,  que  moítraraõ 
na  fua  derrota,  lançando  fora  as  fuás 
armas ,  fe  retirarão  a  Cochim  ,  onde 
apenas  oufavaó  aparecer. 

D'outra  parte  o  Samorim  rece- 
beo  nefta  jornada  huma  perda  coníl- 
deravel  ,  que  lhe  cuílou  bem  a  refar- 
zir.  Em  Calecut  morrerão  pelo  ferro, 
ou  fogo  mais  de  três  mil  peffoas ,  en- 
tre 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    V*.  1  £ 

tre   as  quaes    fe  acharão    o  Governa . 

dor  ,    e  dois    Caimales.    Mas  a  perda  Ann.  de 
dos  homens  foi  menos  feníivel  a  eíle     J.  C. 
Princepe  ;  porque  o   que  mais   lhe  to-      x -IO 
cou   no  coração  ,  e  lhe  atrazou  os  feus 
negocies  ,   foi  a  perda   da  fua   Capital,    D*    MA" 
Palácios,  Templos,  navios  queimados.  koelrei 
Foi-lhe  anunciado  efte  defaílre  no  tem- 
po ,  que  elle   fazia  guerra   com  vanta-  affonso 
gem  em  paiz  inimigo.    Logo  que   foi  D  ALBU_ 
avifado  ,  defalojou  de  noite  fem  trom-  QukrQue 
betas  ,    e  chegou    quatro    dias  depois  GOVER- 
da  partida  de  Albuquerque..    A  vifta  da  NADOR' 
deítruiçaõ   do   fogo    o  pôz  fora  de  íi. 
Mas   quando   foube  por  miúdo  da  ac- 
ção, e   que   tinhaõ    morrido   taó  pou- 
cos  Portuguezes  ,    entrou   em    tal   in- 
dignação  contra  a   fraqueza   dos  feus, 
e  principalmente  dos  Mouros    da  Ci- 
dade ,    que   ajuntando   eftes  ,     chegou 
a  ameaçalos  de  os  expuliar  dos  feus  Ef- 
tados.  Com  efFeito   na  de  conceder-fe  , 
que  Calecut  fe  defendeo  mal ,  e  que 
exceptuando  os  Naires,  que  perfegui- 
raõ    os  Portuguezes    na  Fua  retirada , 
Todos  até  alii  tinhaó  muito    mal  cum- 
prido   o   feu   dever.    Em  muitos   ata- 
ques quafi  nenhuma    refiítencia    tinha 
havido  ,    e   além    difto    de    ambas   as 
partes  amigos  ,  e  inimigos   fe  applica- 
raõ  mais  á  pilhagem  do  que  a  com- 

ba- 


i6   Historia  dos  Descobrimentos 

. bater  com    honra.    O  grande  numero 

Ann.  dedos  mortos    fe  achou    fer    de  malhe* 

].  C.     res  ,   de   meninos  ,    e  muitos  outros  , 

j    I0      que    as   chamas    envolverão  ;     ou  em 

fim  daquelles  que  correndo    precipita- 

D*    MA~damente  á  pilhagem,  foraó   íurprehen- 

^0ELREI  didos  ,  e  fe  viraó  obrigados  a  cederá 

força  ,  á  qual  nada  refiíte. 
affokso  Albuquerque    foi    o   único  ,   que 

d  albu-    fe  aproveitou  da  infelicidade  commum, 
quer  que  porqUe    ai<fm  Ja    morte    do  Marechal 
go ver-    0   ijvrar  Je   num  inimigo  ,  qv.e   o  per- 
*a*>0r.     deria  para  com  EIRei  ,    he   certo    que 
naó   oufara  emprehender  ,   vivo    elle  , 
de  lhe  tirar  a  frota    que  tinha  levado 
de  Portugal  ,    como   fez   a  Pedro  Af- 
íonfo  de  Aguiar,  que  fuecedeo  ?.o  Ma- 
rechal ,  de   quem  era  Cap:taó  Tenen- 
te:  fem  eíla  dificuldade,    que  venceo 
Albuquerque   neíla   occafiaó  3  naó  feria 
hum    Governador   General  ,    mas  fim 
hum  Capitão  de  Guarda-Cofta  fem  na- 
da poder  emprehender. 

Albuquerque  fuecedendo  a  Almei- 
da no  Governo  das  índias ,  naó  fue- 
cedeo em  todas  as  fuás  honras  ,  nem 
em  todos  os  feus  direitos.  EIRei  D. 
Manoel  reflectindo  ,  que  hum  homem 
fó  naó  podia  vellar  como  preciza  ef- 
ta  vaíta  exiençaó  de  paiz  ,  u-  e  fe  ef? 
tende   deíde    o  Cabo    de    Boa  Efpe- 

ran- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.        IJ 

rança  até  ás  extremidades  das  índias, > 

tinha    determinado     de   a  repartir    em  Ann\  de 
diferentes    Governos.    E   como     tinha     J.  C, 
íempre  na  idéa  ,  que  o   principal  obje-     \$\o. 
£to   era   as  vifinhanças  do   mar  Roxo , 
de  qne  queria    vedar   abfolutamente   o    p*    MA" 
commercio  ,    ao  que  quiz  applicar   ashOELRÇI 
luas  pnncipaes  forças.    Para  o  que  fçz 
hum   governo    particular   ,    que  fe  ef-  a/Foistso 
tendia  defde  Sofala  até  Cambaia,  Pa-  D  ALBU" 
ra    alli   chamou  Jorge   d' Aguiar  ,   que  Querque 
enviou   com    huma    frota.    Perfuadido  GOVER~ 
logo  ,    que  o  Governador    das  índias  KADQR* 
teria  pouco  que   fazer  ,  principalmente 
depois    da  deítruiçaó     de  Calecut,  lhe 
ordenou      que     enviaííe     a     Jorge     de 
Aguiar   as   galeras  ,  e   bragantins  ,  que 
tinhaó  fido  Feitos  em  Anchediva,  e  que 
eraó    diítinados     para    corfo    na  Coita 
do   Malabar  ,  como  fe  lhe   foífe    fácil 
guardar    efta    Coita     fem   eíte   foccor- 
ro ,    ou    como     fenaó  houvefie    mais 
«pe  temer.    Além  diíto  D.  Manoel  ti- 
nha   também  enviado  huma  frota   para 
Malaca  á  ordem   de  Diogo    Lopes  de 
Siqueira  ,    para     ahi  eítabelecer    hum 
governo   diítinéto.    Deite  modo  o  Go- 
vernador das  índias  limitado  no  Indof- 
tan  ,    fomente    achando-fe    redufido   a 
quafi  nada  ,    vinha  a   fer  para    Albu- 
querque a  quem   deraó   a  inviftidura. 
Tem,  II.  B  naó 


18  HibTORiA  dos  Descobrimentos 

— = naó  huma  mercê  ,  mas  fim  huma  ef- 

Akn.  de  pecie  de  afronta  ,  porque  naó  lho  con- 
J.    C.     cedendo  ,  Tem  lhe  tirar  os  contornos  do 
i^iO.     mar  Roxo ,   naó  roi  fenaó  para  o  tirar 
de  hum  poíto ,  que  nas  viftas  delRei  , 
D*    MA~cra  o  mais   coníideravel. 
*0EL  REI  Mas   Albuquerque  ,    que   fabia   a- 

proveitar-fe    das  conjuncluras  do  tem- 
A,FtONSOpo,   fervio-fe  ultimamente  da  fua   for- 
d  albu-    tuna  ^    e  p0[itica  para    revoltar  todos 
quer que  e^j.es         j  çftos  ?  chamar  tudo   a   fi,  e 
govek-    n-^j-0  fazer   acriar  ainda  o  bem  do  fer- 
kador.    v\ç0t    Começou  por  Pedro  Aífbníb  de 
Aguiar.    Procurou     no    principio    inít- 
nualo ,  de   que   naó  convinha    á  íitua- 
çaó  dos    negócios  ,     que    trmfportaffe 
toda   eíta  frota  para  Portugal ,  que  de- 
pois do  defaílre  fuecedido   em  Calecut, 
era  para  temer  ,   que  o   Samorim  pof- 
to  em  defefperaçaó  naó  arrife  aíTe  tudo 
a  fim  de   íe  vingar  ;    que   naó   deixa- 
ria  de  fublevar   os   Príncipes   da  índia 
amigos  ,  e  inimigos  dos  Portuguezes  , 
que    de   boa  vontade    fe  aproveitariam 
da   occafiaó  para   os  perder,   que  pela 
lua  ultima  difgraça ,  acabavaó  de  conhe- 
cer ,    que    os  Portuguezes    naó    eraõ 
invencíveis  ,    e  que    depois    da   parti- 
da  deita   frota  ,  leria  tanto   mais   fácil 
venceios  ,  quanto  ricariaõ   fem    defen- 
fa,  e  naó    le  reítabeiefceriaó  do   aba- 

timen- 


DOS    PoRTUGVEZES  ,     LlV.    V.       Ip 

timento  da   fua   desfeita.    Naõ   fe  ren — — 

dendo  Aguiar ,  lhe   falia    o   Governa-  Akn.  de 
dor  em   tom   fupperior.    Diz-lhe  clara-     J.  C, 
mente  ,  já   que  fe  obftinava  a  querer     i^iq, 
aquillo    que    era  contra    o   ferviço  do 
Rei  y  que  efcreveria  a  ElRei  ,    e  que    D<    MA" 
lhe    faria  pedir  conta    das   duas  peças  N0EL  REl 
de   campanha  ,  que   o   Marechal   tinha 
confiado    do  feu   cuidado  ,    e   que  taõ  AFFONSo 
froixamente    tinha  perdido     em  Cale-  D  ALBU" 
cut.  Como   Aguiar  tinha   efte  erro  de  QUER^us 
que     fe  corregir  ,   atemorizou- fe  deíla  G0VER" 
propoílçaó  ,    e    ficou   taõ    dócil  ,  que  KAD0R- 
paftou    por  tudo  o  que  o   Governador 
quiz.    O   qual    conheceo  também   efta 
fraqueza  ,  que  quando  Aguiar  fazia  al- 
guma  repugnância   fobre  algum  artigo  a 
lhe  mandava  perguntar  onde  eítavaó  as 
duas   peças  de  campanha.    Em  fim  re- 
duzio-o  a  contentar-le  com  três  navios  , 
de  quinze  que  ccmpunhaõ  a  frota,  ti- 
rou-l-he  até  as  fuás   trombetas  ,  e  alfím 
o  expedi  o  para  Portugal. 

Era  mais  difícil  eludir  a  diílina- 
çaõ  ,  que  ElRei  tinha  feito  para  o 
governo  do  mar  Roxo  ,  fe  a  fortuna 
o  naõ  fecundafie  bem.  A  numerofa 
frota  de  doze  navios  ,  que  para  alli 
ElRei  enviou  ,  tendo  fido  efpalhada 
por  huma  furioza  tempeftade  ,  Jorge 
de  Aguiar  >  que  a  commandava ,  foi 
B  ii  mor- 


GOVEK 
Í-ADOR 


20  Historia  dos  Descobrimentos 

—  morper   íb'  re    as    Haas   de   Triílaõ   da 

Akk,    dç  Cunha.    Os   outros  navios  fe^uiraó  di- 
J.   C.     verias  derrotas ,  e  pela   maior   parte  fo- 
1*10.     ra°  parar     ás    índias..    Duarte    de   Le- 
mos ,  fojrinho   de  Aguiar  a  quem  fuc- 
D'    MA~  cedeo  ,    tendo   eípera.do   em    vaó  era 
koel  rei  j^]0ç(imkique  para  o-s  ajuntar  ,  naó  pô- 
de  recolher    mais   que    hum    pequeno 
A,FFO!So  numero  ,  com  que  toi  invernar  a  Me- 
d  albu-    ],nc|e  ^   e   tomou   depois  o  caminho  de 
çuerque  socotorá  •    aonde    naó   pôde   chegar  , 
o  que    o  obrigou    a  continuar    o   leu 
caminho  para  Ormus.    Aqui  manejou 
bem  os   negócios  ,  de  modo  que  obri- 
gou a   Atar  a  pagar-lhe    o  tributo   an- 
nual  de  quinze    mil  Serafins    eílipula- 
dos   com  Albuquerque  ;  rnas  nunca  pô- 
de obrigar  eilc  Miniit.ro   a  reílituir-lhe 
a   Cidadella ,    nem    ainda    a  permiti  v- 
lhe    eítabelecer    huma    Feitoria     Atar 
crendo   entaó  dever  apoiar-fe   iobre  as 
dependências  ,  que  tinha  com   o  Vice- 
Rei   D.   Franciíco  de   Almeida  ,  e  naó 
ter   nada  que   temer   de  Albuquerque, 
dç  quem  íabia  a  defgraça  ,  e   a  deten- 
ção em  Cananor,  iliudio  todas  as  íuas 
petiçoens. 

Lemos  tei^.do  ficado  perto  de  dois 
mezes  á  vifta  de  Ormus ,  vivendo  em 
muito  bom  commercip  com  os  Mou- 
ros 5  e  em  muito  boa  íegurança  ,  do\\~ 

de 


DOS    PoRTUGUEZE5  ,    LlV.     V.        21 

de  parrio    para  tornar    a   Soco    ri   ,   e 

deípachou   de  Mafcate   Nuno    Vaz  da  Ann.   de 
Silveira     ao    Governador    das  índias  ,     J.  C. 
para  lhe  pedir  as  galeras  ,  e  embarca-     i^iq. 
çoens  ,  que   o  Rei  tinha  peito    fia  foa 
dependência.  Vaz   chegou  pfecizamen-    D*    M"~ 
te  no   tempo   em  que    o   Marechal  ,  e  :,CEL  REi 
o  Governador    íe   diípunhaó  á  empre- 
za  de   Calecut.    Foi   fácil  perfuadilo  ,  A/F0-:;_° 
que  era  precizo  atender   ás  confequen-  D  ALEX-~ 
cias   deite   negocio  ,  no  qual   quiz   ter  QUERQuE 
parte  ,    e   nelle  confirmou  bem  a  idéa  COvER-" 
que  tinhaó   do  íeu  valor  ;  porque  mor-  NKD,QiR- 
reo  na  cama  da  honra  ,  indo   em   foc- 
corro  dô  Marechal  ;    e  depois   de  ma- 
tar três   Naires   com  a   lua  maó. 

Depois  da  morte  de  Silveira  ,  o 
Governador  General  ,  fez  partir  An- 
tónio de  Nogueira  ,  parente  de  Le- 
mos ^  no  navio  que  elle  commanda- 
va  ,  com  proviviíbens  para  refreícar 
Socotorá  ,  e  com  huma  carta  de  que 
lhe  encarregou  de  lha  remeter.  Neíla 
carta  Albuquerque  fe  efeuzava  a  Le- 
mos fobre  a  íituaçaó  dos  feus  negó- 
cios-, que  naó  lhe  permitiaó  enviar 
mais  poderoíb  foccorro  ;  mas  lhe  pro- 
metia ,  que  tanto  que  a  fua  frota  ef- 
tiveíTe  em  eítaao  de  fe  meter  ao  mar, 
iria  unir-fe  com  elle  ,  e  que  entaõ  lhe 
confignaria  as  galeras,  e  os  bragantins, 

con- 


11  Historia  dos  Descobrimentos 

■  conforme  as  ordens  da  Corte.  Com  tu- 

Ànn.   de  do  rogava-lhe    de  lhe    enviar  D.  Af- 

]»  C.    íoníb  de  Noronha  ,    feu   fobrinho  ,  a 

1510.     quem  o   Rei    tinha   nomeado   Gover* 

nador  da  Fortaleza  de   Cananor. 
to,    ma-         paflado  algum   tempo    Albuquer- 
p  que,    lhe    enviou    ainda  outro    navio 

carregado    de  proviíbens  ,    condufido 
affonso  p0r   prancifco    Pantoja  ,    com    huma 
d  albu*    carna  mu'lto  engraçada ,    mas  cheia  de 
cerque  igu^g  efcuzas    para  juftifkar  os  feus 
co ver-    ddondos.    Lemos  ,  a  quem  nada  dif- 
tíADOR.     t0   convinha  ,  tendo  perdido   quafi  to- 
dos os   léus    pelas  moleftias,    e  ten- 
do-fe  viíto  obrigado    de  hir  a  Melin- 
de  para  reílabelecer  a  Tua  faude  ,  re- 
folveu-fe  em  fim  a  partir  para  ás  ín- 
dias ,  a  fim  de  peííoalmente  íblicitar , 
o  que  lhe  naõ  podiaõ  negar  fem  vio- 
lentarem as  ordens    da  Corte.    Albu- 
querque ,  que  lhe  quis  dar  alguma  fa- 
tisfaçaõ  ,  o  recebeo  com  os  braços  aber- 
tos ,  e  Te  applicou  a  íazer-lhe  tantos 
cumprimentos  ,  tantas  honras  ,  e  tantas 
caricias  ,  com  o  pretexto  de  fazer  juf- 
tiça  ao  íeu  merecimento  ;  e  de  ter  hu- 
ma   conduta    differente  ,    da  que    Al- 
meida tinha  tido  a  leu   refpeito  4  que 
Lemos  ,   cuja    vaidade    fe   liíbngeava 
com    todas  eílas  demonítraçoens  ,  foi 
muito  fatisfeito    por  algum  tempo,  e 

por 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.        2$ 

por  tanto  naó  teve   mais  do   que  boas 

palavras  ,    e  puros  cumprimentos,   co-  Akk.   de 
mo  direi  mais  difufamente  depois.  J.  C. 

As   viftas ,  que  a  Corte   tinha  fo-     1510. 
bre    o    eílabelicimento    de  outro   Go- 
verno  em   Malaca ,    foraó    ainda  me- 
nos   faftidiofas    ao    Governador     pela 
pouca  felicidade  que  teve   DÍ020   Lo- 

*  ,        e-  r  AFFONSO 

-pes    de  Siqueira     na   íua    empreza  ;  o     , 
que  eu   vou  agora  contar. 

Sique'ra   tinha   partido   de  Lisboa 

J ,       ai     -i     j  o  GOVER- 

«m  5  de  Abril  de  1500  com  quatro  na-  t 
vios.  Tinhaó-lhe  ordenado  ,  que  re- 
conhecefie  na  paíTagem  a  Ilha  de  Ma- 
dagafcar  ,  cu  de  S.  Lourenço  ,  e  Te 
informaffe  fe  ahi  havia  minas  de  oiro, 
e  prata  ,  efpeciarias  ,  e  outros  géne- 
ros ,  fegundo  as  noticias  ,  que  nella 
tinhaó  dado  a  Triftaó  da  Cunha , 
que  poíto  que  nada  daquillo  achara  , 
naó  deixara  com  tudo  de  fazer  muito 
belas  relaçoens  na  fua  retirada.  Si- 
queira abordou  a  Ilha  da  parte  do 
largo  ,  tocou  em  muitos  portos  ,  e 
nelles  recolheo  muitos  dos  infelices  , 
que  fe  tinhaó  falvado  do  naufrágio  de 
]oaó  Gomes  de  Abreu.  Mas  naó  a- 
chando  nada  ,  que  lhe  fatislizeífe  as  ef- 
peranças  concebidas ,  continuou  a  fua 
derrota  para  á  Ilha  de  Ceiiani  ,  que 
naó    pôde   ganhar ,    pelo  naó  fervir  o 

ven- 


24-  Historia  dós  Descobrimentos 

~"~ '"'■" —  vento  ;    de  forte   que   foi  obrigado  àt 

•A.nn.   de  hir  aportar  a  Còchim  ,    aonde  ancorou 

].    C.     em  21     de  Abril  de    1509    depois  de 

icio.     ter  confumido  mais  cie  hum  anno  nef- 

ta   navegação. 
d.    ma-  Almeida   o  recebeo  muito   bem  j 

iíoel  rei  e   vencf0    a  fua  commiíTaó   ,   lhe    deo 
hum  navio  de  refòrio  com  fefíenta  ho- 
affokso  mens   ^   entre   05  quaes   embarcou   al- 
r>  albu-    guns  como  banidos  ,    e  cujo  crime  io 
quer  que  €j.a  fe   terem  flcl0   favoráveis  a  Albu- 
tovER-    querque.    Com   eftas  finco  velas,  par- 
kadqr.     rj0    biqueira    de  Cochim    em     19  de 
Agoíto  da  mefmo  anno  3   e  tentando  o 
conhecimento    da  Ilha   de  Geilam   ao 
terceiro    dia  ,  atraveffou    o     golfo  de 
Bengala  cortando    fobre  a  Ilha  de  Su- 
matra ;  de  caminho  deílinguio  as  Ilhas 
•de   Nicobar  ,   e  aportou  a  Pedir  ,  de- 
pois   de  alguns    dias   de    muito     bom 
tempo. 

A  Ilha  dê  Sumatra  á  maior  das 
Ilhas  do  Sunda  ,  tem  fegundo  a  e  in- 
timação dos  Mouros  que  a  medirão, 
fetecentas  legoas  de  circuito.  He  def- 
tribuidà  em  muitos  Reinos  povoados 
■por  duas  caítas  de  habitantes  ,  dos 
quaes  huns  que  faó  os  antigos  natu- 
raes  dò  paiz  iaõ  Idolatras  *,  '«  alguns 
*taó  bárbaros  ,  'q\ie  fe  murem  da  car5- 
feè    dos    feus    inimigos,    Outros    mais 

Yno- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.       1$ 

modernos   ,    e  mais    civil  i fados  ,    faó — 

Árabes   de   origem,  e  da  feita  de  Ma- Ank-.  de 
homet.    Como  efta  Ilha    he    a    maior     J.  C. 
deites   quarteiros,  he  também  mais  ri-     i^io. 
ca    de  efpeciarias  ^    pedras   preciozas  , 
minas  de  oiro  ,  cobre,  eítanho  ,   e  fer-    D*    MA~ 
to,  e  em   toda   a  qualidade    de   gene-  NOEL  REl 
tos.    O   meio  da  Ilha  he   cheio  de  al- 
tas  montanhas  ,  e  n'uma   ha  hum  ce-  affonso 
lebre  Volcaó ,  que  deita  fogo,  e  cha- D  ALBL" 
mas  como  os  montes  Gibcl ,  e   Vezu-  QUER(^UE 
vio  ;   mas  nas  encoílas   ha   belas  cam-  GOvER" 
•pinas  fertiliííímas  ,    e  cub  erras    de  ar-  KADOR'' 
vores   de  toda  a  efpecie.    Huma  fobre 
todas  fe  vê  notável    pela   fua  fingula- 
Tidade  ,  a  que   os  Portuguezes  chamaó 
Arvore  trijíe  de  dia  ,    porque  de  dia 
parece   inteiramente    defpojada  ,    mas 
todas   as  noites  ao  pôr  do   Sol   os  (eus 
botoens   fe  abrem  ,    derramando   hum 
■cheiro  muito  agradável    das   folhas  ,  e 
<las  flores,  que  todas  cahem  quando  o 
-Sol   torna    a  nafcer    no    Orizonte.    A 
•linha  ,    que   corta     a   Ilha  quafi    pelo 
meio ,  a  faz  fujeira  a  grandes  calores  : 
o  ar  he  doentio  ,  dizem  ,   para  os  ef- 
-trangciros.    Os  Sábios    eílaõ   divididos 
•em  oppinioens  ,  fe  cita  ,   ou  a  de  Cei- 
lão  he  a  Taprobana  dos   antigos. 

Como     Siqaeira    era    o    primeiro 
-Portuguez^   que    abordou   eíla    Ilha  -, 

o 


26  Historia  dos  Descobrimentos 

o   que    podia  paliar    por  nova    defco- 

Ann.  de  berta  ,  obteve   dos  Reis  de  I^edir  ,  e 

J.  C.     de  Pacen  ,    com   quem    fez    aliança  , 

jrio.      ^em  tratar  mais  que  com  os  feus  Mi- 

niilros  ,  a  permiíTaó   de    levantar  hum 

35  *    MA~  padraõ    com    as   armas    de  Portugal , 

KOELREI  aílim  como   tinhaó  ufado   os  primeiros 

defcobridores  ;  mas  como   elle   naõ  ti- 

affonso  njia  tença5  ^  fe  demorar  lá,    fez-íe 

"°  ALBU~    á  vela  poucos  dias  depois  para    Mala- 

qverque  ca     aon(^e    che^ou  em   ii    de  Sctem- 

GOVER"     bro. 

kador.  Malaca  era  entaó   huma     Cidade 

das  mais  ricas  ,  e  das  mais  deliciozas 
do  Oriente.  Situada  além  do  Golfo  de 
Bengala ,  fobre  a  ponta  da  celebre  pe- 
ninfula  ,  que  julgaõ  fer  a  Cherfonefo 
de  oiro  dos  antigos  ,  e  fobre  a  bor- 
da do  eílreito  ,  que  a  fepara  da  Ilha 
de  Sumatra  ,  e  eila  parece  com  effei- 
to  eílar  fituada  para  fer  o  centro  do 
commercio  da  Arábia,  e  do  Indoftan 
por  huma  parte ,  e  da  China  ,  do  Ja- 
pão ,  das  Filippinas ,  e  das  outras  Ilhas 
ido  Sunda  pela  outra.  Com  tudo  he  pe- 
quena ,  e  naó  conta  mais  que  trinta 
mil  fogos.  O  rio  em  cuja  embocadu- 
ra eíiá,  a  corta  pelo  meio,  fazendo-a 
como  duas  Cidades  muito  longas  ,  e 
muito  eftreitas  ,  unidas  fomente  por 
huma  ponte  de  madeira.  Os  habitan- 
tes, 


DOS   PoRTUGVEZES  ,    LlV.    V.       lj 

tes  ,  quafi  todos  Mahometanos  de  ori 

gem  ,  c  de  Religião,  vivos,  efpirito-  Ann.  de 
los,   amaõ  o  ócio  ,   paffaó   huma  vida     J.  C. 
muito   fuave  ,     e   muito  conforme   ás    \c\o9 
idéas  da   fua    feita.    A  abundância  dos 
paizes  vifinhos  fomecendo-lhe  todas  as    D*    MA~ 
ailicias   ,     contribue    para   á  fua    vida  NOEL  REI 
voluptuofa,  tanto  como  a  fua  opulen^ 
cia ,  que  era  tal  que  naó  contavaó  as  AFFONSO 
fuás  riquezas  ,    fenaó  por  muitos   Ba-  D  ALBU" 
bars  de  oiro  (  contendo  cada  hum  def-  ^UERQUE 
tes    quatro   quintaes )    naó   fe  julgava  GOvER" 
ahi  hum  homem  rico  ,    fe  n'um  mef-  NADOK* 
mo    dia  naó  podia    pôr   no  mar  três  , 
ou  quatro    navios  ,    e  carregalos  rica- 
mente á  fua  cufta.    Tinha  fido  noutro 
tempo  fujeita  ao  Reino  de  Siam  j  mas 
Mahmud ,    que   reinava    entaó ,    tinha 
íacudido  o  jugo  ,   e  manejava  de  mo- 
do  as  máximas    da   fua    politica   para 
com    os  Príncipes    vifinhos  ,    e    ainda 
mefmo  para  com  os   Ivíiniftros  do  feu 
legitimo  Soberano ,  que   Qiic  poderofo 
Monarcha  ,  ou  defprezava ,  íou  naó  ou- 
fava  emprehender  reduzilo  á   fua  obri- 
gação. 

Mahmud  infiruido  dos  motivos 
da  vinda  do  General  Português ,  ficou 
bem  contente  ,  ou  o  afretou.  Deo-ihe 
audiência  com  toda  a  pompa  ,  que 
uzaõ  os  Reis  do  Oriente.  Aílignou-fe 

o 


GOVER- 
NADOR. 


28  Historia  dos  Descobrimentos 

o   tratado  de  ambas    as   pprres,  o   ju- 

Akn.   de  ramento    feito    fobre  a  lei    de  Maho- 

J.  C.     met    de    huma    parte  ,    e    fobre    os 

leio.     Santos    Evangelhos    da  outra.    O  Rei 

ihe   aílignou   logo  huma   caza  commo- 

d,    hiA"c|a   na   Cidade,   de   que   Ruy  d'Arau- 

1,OELKEIjo,    que  devia    fer    o  Feitor -,    tomou 

pofíe  ,  e  âefâe  entaõ    os  Portueuezes 

AFFOKSO L  >  7 -  r  D         1 

tomarão   tanta    connança    aos   agrados 
d  au-    ^o  prjncjpe  ?  e  Jq  j^anda1  ã  fcu   rio  , 

que  fe  efpalharaó  pela  Cidade  fem  al- 
guma precaução.  Com  tudo  os  Mouros 
do  Indoftan  eílabelêcidos  em  Malaca  , 
inimigos  jurados  dos  Portuguezes  ,  e 
naturalmente  zelozos  de  hum  tratado  , 
que  devia  prejudicar  os  feus  interef- 
íes  ,  esforçaraõ-ie  tanto  como  o  tinhaõ 
feito  n'outra  parte  para  defacreditarem 
os  novos  hofpedes.  Naó  deixarão  pa- 
ra os  tornar  odiozos  ,  de  contar  tudo 
o  que  elies  tinhaó  feito  em  Quiloa  % 
em  Ormuz  ,  e  no  Malabar.  Os  fa- 
ctos eraõ  taó  enérgicos  ,  e  expoílos 
cem  cores  taò  vivas ,  que  fizeraõ  to- 
do o  efFeito  que  defejavaó.  Os  Mou- 
ros acharão  tanta  mais  facilidade  nòs 
feus  deíignios  perniciozos  ,  quanta  ti- 
veraõ  em  faber  tomar  por  cabeça  dois 
homens  de  grandiííimo  credito.  O  pri- 
meiro era  hum  chamado  Utetnutis  Ja^ 
va  de  Naçaó  3  a  quem  davaõ  o  titu- 
lo 


DOS    PoRTVGVEZES  ,    LlV.    V.       2p 

Io  Raia  ,  que  tomaõ  rodos  os   peque s 

nos  Régulos  do   Malabar.  Era  raõ  po-  Ann.  de 
derofo  em  Malaca  ,  que  lhe    conravaõ     J.  c. 
leis    mil    cfcravos    caiados  ,    e  muiro 
maior   numero    de  outros    que     o  naõ 
eraó.  O  fegundo  era  hum  Mouro  Gu-    D-    MA~ 
zarate ,    que  fazia    o  ofRcio    de   Cha- K0EL  REl 
bandar  ,  ou   Coníul  da  Tua  naçaó. 

Tendo  eit.es  voltado  o   efpirito  do  affonsg 
Rei  ,  e  do  Bandara  ,  ou  primeiro  Mi-  D  ALBU~ 
niftro  ,    determinou-fe    entre    elles  no  querque 
conielho  fecreto  do  Príncipe  ,  que   fe  govek- 
tramaííe   aos    Portuguezes    algum  laço  nado*. 
para   fe  desfazerem   de    todos    a  hum 
tempo.   Efta  refoluçaó  foi  tomada  con- 
tra   o    parecer    do   Almirante   ,   e    do 
T':eíoureiro  Mór5  que  naó  approvaraó 
efta  traição.  Com  tudo  nada  omittiraò 
para  allucinar  os  Portuguezes ,  e  occul- 
tar  os  máos  defignios,  que  tinhaõ  con- 
cebido contra   elles.    Mas   como  prin- 
cipalmente do  General  ,  e  dos  princi- 
paes  Oífrciaes ,  hc  que  fe  queriao  affe- 
gurar,  e  como  era  dirricil  chamalos  á 
terra  ,    o  Rei ,    para   melhor  os  enga- 
nar, fez  publicamente  todos  os  prepa- 
ros de  huma    magnifica   merenda    que 
lhe  queria    dar  ,  para    o    que  mandou 
fazer  huma  caza  de   madeira  ,  junto  á 
ponte  da   Cidade. 

Quando  Siqueira    entrou   no  por- 
to 


ttADOR. 


30  Historia   dos  Descobrimentos 

— to  eíhvaó  ahi  quatro    juncos   da  Chi- 

Ann.  de  na,  cujos    Capitaens    foraó  logo  com- 
J.  C.     primentar  o  General  ,  que  lhe  pagou 
i^ic.     a  vifita  '■,  e  fe  deo  também  com  elles, 
que   fe  tratarão   mutuamente   nos  feus 
d.    ma-  navjos  ^    e  conferváraó    fempre    huma 
noelrei  mutua    correfpondencia.    Eltes    Capi- 
taens tendo  conhecido  a  cega  confian- 
affonso  ça  do  General  5    ç  a  liberdade  ,    que 

J>  ALBU-       e||e       Jaya      a()s     feus      Je    ancJarem    peJa 

cerque  £ic|acje  ^  Q  aavirtiraó  como  amigos  , 
que  defconfiaíTe  d'uma  Naçaó  natural- 
mente pérfida 3  eo  avizaraó  da  traição , 
que  lhe  urdiaó.  Mas  Siqueira  naõ  fez 
cazo  diffo  ,  nem   fe  acautelou. 

Huma  eftaiagadeira  ,  Perfiana  de 
naçaó  ,  que  tinha  eitalagem  na  Ci- 
dade ,  e  alojava  em  fua  caza  hum 
Portuguez  ,  que  entendia  a  lua  lín- 
gua, fendo  inftruida  da  confpiraçaõ, 
avizou  o  General  por  eítc  mefmo 
Portuguez ,  que  lhe  queria  fallar  em 
fegredo  ,  e  que  iria  a  feu  bordo  de 
noite  ,  a  fim  de  naõ  fer  percebida. 
Siqueira  enfadou-fe  deílas  viíitas  ,  e 
rejeitou  três  vezes  a  proporção.  Mas 
eíta  mulher  a  pezar  da  fua  obílina- 
çaó  indo  a  bordo ,  e  tendo-o  inftrui- 
do  de  todo  o  fegredo,  ainda  que  naõ 
pôde  confeguir  o  perfuadilo  ,  coníiguio 
com  tudo  delkj  que  fingiffc  hum  in- 

con- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.       $1 

conveniente ,    com  que    malogrou    as 

medidas    tomadas    pelo    banquete  ,  o  Akn.  de 
que   fe  fez.  ].  C. 

Errado  efte  tiro,  recorrerão   a  ou-    ir-io. 
tro  artificio  mais  infidiofo ,  e  que  mof- 
trava    hum    novo  favor   da  Corte.    O    D*    MA~ 
Rei  fez  dizer  ao  General,  que  aren-NOELRE£ 
dendo  a  que  o  tempo    da   Monçaó  fe 
chegava  ,    e   confiderando    que  tinha  AFFONSO 
vindo    das   extremidades    do    mundo  ,  D  ALBU" 
e  tinha    maior  viagem    para  fazer  na  ÇUERQUE 
retirada 3    o   queria  preferir  a  todas  as  G0VER~ 
Naçoens  ,  que  eílavaõ  no   feu  porto  ,  KAD0R* 
e   expedilo    primeiro   :    que   para    iíTo 
naõ    tinha  mais    que  enviar     todas  as 
fuás   chalupas  á  terra  em  hum   dia  da- 
do ,  no  qual  lhe  daria  toda  a  fui  car- 
regação.   No  mefmo   tempo   o  E anda- 
ra fez  preparar  grande  quantidade    de 
bateis   pequenos,  no  fundo  dos  quaes  , 

defpofcraõ  todas  as  qualidades  de  ar- 
mas ,  que  cobrirão  de  diverfas  provi- 
foens  de  viveres.  O  numero  dos  bateis 
era  eípantoíb,  mas  occultaraó-nos  ate 
ao  tempo  em  que  deviaó  acometer ,  e 
começar  a  mortandade  geral  dos  Portu- 
guezes  ,  pelo  final  que  lhe  feria  dado 
por  hum  foguete. 

Ainda    que  Siqueira    devia  julgar 
por  muitas   acçoens   que   fe    contradi- 
íiaó ,   a    refpeito  meímo    da  carrega- 
ção, 


GOVER- 
NADOR 


32  Historia  dos  Descobrimentos 

•• çaó  ,  que  o  Governador  obrava  de  ma 

ánn.  de  fé  ,    cegou-fe  cada    vez  mais  ,    e  naó 
].  C.    concebeo    a  menor    fufpeita.    No    dia 
j  .IOp    aiíignado    enviou   as   chalupas  ,    e  ba- 
teis á   terra  excepto  huma  >  que   dei- 
MA"xou  ,  para  hir  ,  e  vir  em  calo  preci- 
■NOELKElzo.    No  mefmo  tempo  o  Bandara  fez 
partir   os  bateis  ,   que    tinha   preftes  , 
affonso  e  c.ue   e{^ava5  cheios   cTarmas  ,  e  fol- 
io alel-   jj^^Qg   desfaríados    de  paifanos   3    fem 
«juER^\jE^ue  moftraffem    outra  pretençaó. ,  que 
a  de  levar  prcvifoens  ,  e  refrefcos  pa- 
ra a  frota.  A  feguranfa  em  que  viviaó  , 
fez  que  no  principio   naõ  defconfiaííem 
do  numero ,  com  que  tinhaõ  tratado  a 
acçaó  ,  que   crefcia    infenfiv cimente. 

Para  melhor  alucinarem  o  Gene- 
ral ,  vieraõ  a  bordo  como  pnra  o  vi- 
fitarem  ,  o  filho  do  Raia  Utemutis  , 
que  fe  tinha  encarregado  de  o  m^- 
tar,  e  o  Chabandar  acompanhados  fo- 
mente de  fete  ,  ou  oito  peííoas.  Si- 
queira jogava  entaó  o  Chadrez,  po- 
rém os  traidores  teítemunhando-lhe  o 
gofto ,  que  tinhaõ  de  o  ver  acabar  a 
iua  partida  ,  por  quanto  ,  diziaó  elles 
que  tinhaõ  hum  jogo  quafi  íimilhan- 
te  ,  tornou  ,  e  continuou  a  jugar  com 
muita  applicaçaó. 

Com  tudo  os  navios  fe  enchiaõ 
de  todos  eftes  falfos  mercadores.  Gar- 


cia 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.       33 

cia  de  Soufa  Capitão  cie  hum  dos  fin- » 

co  navios  ,  conheceo   primeiro     o  pc-  Ank.  de 
rige  ,   e   gritando    aos  feus  que   rizei-    ].  C. 
iem  fahir  todo  eíle  povo,   enviou  Fer-     1*10. 
nando  de  ?vla^alhaens  taó  conhecido  por 
eíle  famoib  eíireito  ,  a  que   dco  o  leu    D* 
nome,  para  advirtir  o  General  fe  acau-SOEI"  RE1 
cela-ie.    No  me  imo   tempo    o   contra- 
meítre   do   Almirante  ,    que  tinha  fu-  *FFONSO 
bido  á   gavia,  percebeo    que   nas   cof-DALBU" 
tas  de   Siqueira  o  filho   de  Ucemutis  ,  *UER<iUE 
que    eíperava     com   impaciência    pelo  GOVEK~ 
ílnal,  de  tempo  em  tempo  metia  maõNAD0R" 
a  ihum  punhal  com   que   o  havia  aco- 
meter ,  e  o  arrancava  ate  ao  meio.  Af- 
faltado  deita  vifta  deo  hum  grande  gri- 
to ,  chamou  ás  armas  ,  e  advir  tio  o  Ge- 
neral ;  que   efpantado   deíle  motim,,  e 
ignorando   ainda  a  caufa  ,  fe   levantou 
com  percipiuçaó  ,   de   mandar   as  fuás 
armas  ,  e  ordenou  ,  que  fe  deííe  fogo 
á  artilheria.    O  filho   do   Raia  ,    e  os 
outros  que  eílavaó  com  elie  .  iulgan- 
do-fe  defcobertos  ,  naó   íe  animarão  a 
confeguir   o  feu  intento  ,    e   fe  deita- 
rão  ao  mar   para  ganharem   os  bateis. 
No  mefmo   inftante   praticarão  o  mef- 
mo   aqueiles   que    eftavaõ    nos    outros 
navios  ,  que  fe   fal varão  por  eíle  iubi- 
to   terror. 

Mas  fendo    entaõ   dado    o  final  5 
Tom.  II.  C  co- 


34  Historia  dos  Descobrimentos 

**■ começarão    a    dar    nos    Portuguezes  9 

Ank.  cie  que  eitavaó   na    Cidade  ,  dos   quaes  fò 

J.   C.    vinre    ie  falvaraõ   ,    em  ,caza    de  Rui 

j  >I0>     d'Araujo  ,  onde   íe  poferaó   em  defen- 

ía.    Francifco  Serram  ganhou    a    cha- 

d.    ma-  |.,pa   jQ   navj0    ^e  joa5  Nunes  ,    que 

koel  rei  ^e   cuft.ou   bem  chegar  a  bordo. 

O  General  neíta  primeira    deíor- 
affokso  jem  naó  fabendo,  que  partido  romaí- 
d  albu-    fe  ^  ajuntou   o   leu    conielho.   Alguns 
querque  fora5  efe  parecer  ,  que  era  precizo  vin- 
co ver-    gar  e^a   traiçaó  ,    queimar  os  navios  , 
kador.     Cjue   eftavaó  no  porro  ,  á  excepção  dcs 
Chinefes   ,    de  quem   tinhaó  recebido 
fempre  bons   confeihos  ,    e  provas  de 
foiidas    amizades.    Mas  como    naõ  ti- 
nhaó mais   que  duas  chalupas  ,  Siquei- 
ra-,  a  quem  o  perigo    fez  prudent:  , 
foi  do  parecer    de  aparelhar  ,  e   fazer 
algumas     tentativas   para  •  recolher    es 
Portuguezes  ,    que   eílavaó    em  terra  , 
e  retirar-fe. 

Da  outra  parte  o  Bendara  vendo 
o  mao  fucceffo  da  fua  empreza,  cor- 
reo  á  feitoria  onde  Araújo  fe  defen- 
dia, e  afugentando  a  multidão  dos 
fubíevados,  defculpou-fe  o  melhor  que 
pode  5  pròtefkndo  que  nem  o  Rei ,  nem 
elle  tinhaó  parre  ncíla  coáfpiraçaó  , 
que  fem  duvida  proced:a  de  hum 
equivoco  ,  e  dando  a  Araújo  hum  ri- 
co 


DOS    PoRTUGUEZES  j    LlV.    V.  fâ 

co   mercador   índio  ,     am;go   dos   Por — ~ 

tuguezes   para  fua  caução,  elle   o   to-  Ann.   de 
mou  ?  e   aos   feus  na   lua  protecção.        J.  C. 

Rcítaoelecida  aíílm  a   tranqu ilida-     i^io. 
de  ,    mandou   o  Bendara   dar  as   meí- 
mas   deiculpas    ao   General  ,    exortar!  -    D' 
do-o  a  tornar   com  confiança  ;  que  lhe    PEt  REl 
entregaria  todos  03  Porraguezes ,  e  to- 
dos  ob   fcus   eifeiíos.    Mas  o   General  A/FO-;so 
paliando   do    exeeífo   da    confiança   ao  D  "^LBU" 
exceííò   oppofto,  naó   íe  fiando   da  lua  ^UtI^UE 
palavra  ,    e  julgando  por  melhor  expor  COVER" 
a  vida  dalguns  particulares  á   feguran-  NADOR« 
ça  da  fua  frota  ,  lhe  mandou  dizer  que 
confervaíle  precizamente   os  penhores  , 
que     tinha    em   feu   poder  5     que   em 
pouco   tempo  lhos   viriaó  refgatar  com 
maó   armada  ,    e  fazer-ihe   pagar   cara 
o  direito    das   gentes.  ,    que    vioiara  a 
feu  refpeito. 

Depois  defta  ameaça  fez-fe  á  ve- 
la ,  e  queimou  no  caminho  dois  dos 
feus  navios  ,  por  naó  ter  baftante  gen- 
te para  os  manobrar.  Chegando  depois 
aTravancor,  onde  foube  que  Albuquer- 
que eítava  de  poífe  do  governo  das 
índias  3  a  lembrança  do  difgoílo ,  que 
lhe  tinha  dado  ,  declarando-fe  aberta- 
mente contra  eíle  ,  para  comprazer  com 
o  Vice-Rei  5  e  o  temor  que  teve  de 
fe  ver  expoifo   ao   feu   reíentimento  , 


1AD0K. 


$6    KíSTORIA    DOS    DevCOERIMENTOS 

~ fizcraõ   com    que    fe    contemaífe   com 

Ann.   de  lhe  eicrever  ,   e  lhe  enviar   outros  dois 

J.   C.     navios   da  íua  efquadra  ,  que   naó  po- 

1510.     ^a  conduzir    comfigo  ,    por    fazerem 

multa     agua.    Depois    difto  partio    fó 

MA"  de  lá  para  Portugal  ,  fazendo  a   mefma. 

KOEL   REI     1  i    '  r  1         /-    .  a  1 

derrota,     que   nzera    quando   loi.    Al- 
buquerque naõ   deixou   de  fer  feníivel 

AFFOKSO    '     /  V/v,  -j 

,  (  a  lua  ciil graça,  e  ao  partido  que  n- 
D  Aiw-  n|ia  tomaj0  .  p0rque  além  de  terem 
q^erque^jo  amjg0S5  0  eftimava  ,  e  fe  diíTa- 
boreava  de  perder  hum  OíHcial,  com 
quem  fe  podia  congraçar. 

Poíto  que  pareceífe,  que  o  Go- 
vernador das  índias  naó  tiveflè  quem 
o  pcrturbaíTe  na  pofiè  do  feu  gover- 
no ,  e  que  depois  de  reftabelecido  das 
feridas  ,  naó  pnreceífe  oceupado  no  prin- 
cipio mais  ,  que  do  cuidado  de  rece- 
ber os  Embaixadores  dos  Príncipes  , 
que  vinhaó  fellcitalo  do  feu  novo  Ef- 
Éado,  o  feu  efpifito  com  tudo  naó  ef- 
tr.va  tranquilo.  Fazia  rrlíres  reflexoens 
fobre  as  contrariedades  ,  que  tinha  ti- 
co no  tempo  de  Almeida  ;  tinha  vif- 
to  partir  para  Portugal  com  el!e  os 
feus  mais  cruéis  inimigos,  que  lhe  ti- 
nhaó  já  feito  muito  mal  ,  para  deixa- 
rem de  continuar  a  trabalhar  de  o  ar* 
minar  inteiramente  no  eípiriro  do  Rei. 
Via  em  torno  de  fi  muitos  defeonten- 

tes  -> 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V.        $J 

tcs  ,  que  ferviaó   debaixo   das   fuás  or- 

dens.    A   difgraçá     de    Calecut  ,    e   a  Ann.   de 

morte  do  Marechal  craó   para  thc  hu-     J.   C. 

ma   occaflaõ   para   os    Teus   adveríarios      irio. 

lhe  darem  novos  revezes.    Mas   o  que 

mais  o   hicommodava,    eraô  as  ordens       '    'MA 

do   Rei ,    que  limirandc-lhe   o  gover-  K 

no,  o  punha  em   eílado  ,  de  nada    fa-. 

zer  a  bem  do  Eílado  ,  e  da   íua  pro-  A/FONSO 

pria  gloria.  L  AJJiVZ 

Nefta     perplexidade     revolvia    no  £UER9.U? 
feu    eípirito     inceflantemente    grandes  G0AER" 
idéas ,  cujo   eípanto   podeile   fervi  r   de  IADOR* 
deftruir    as    piores    imprelToens  ,    reter 
todos   os   esforços   da  inveja  3    e  fazer- 
fe  neceffario   a  pezar  de  tudo.    Elle  ti- 
nha na  maõ    grandes  forças  para   exe- 
cutar   es   feus  diíignios    fecretos,  e  a 
fim    de    lhe  naò    cícapar    a     occafiaõ  , 
nem  de   dia   nem  de   noite   dormia  ;  e 
trabalhava    muito  para   lhe   adiantar   a 
execução. 

Tanto  que  poz  pronta  íua  arma- 
da que  ccnfiftia  em  dezoito  navios,  duas 
galeras  .  e  hum  bragantim ,  dois  mil 
Portuguezes  de  boa  tropa  ,  e  alguns 
Malabares  ,  logo  ajuntou  os  fcus 
Opitaens  em  coníeího.  55  Dizlhes 
„  que  elle  tinira  recebido  ordens  a- 
„  penadas  do  Rei  para  dai  todos  os 
„^'occorros,  que  pudefíê  a  Duarte   de 

„Le- 


GOVER- 
NADOR. 


38    Historia  dos  Descobrimentos 

„  Lemos  ,  que  as  viíbs  da  Corre  eraó 

Ánn.  c\ç  „  de  applicar  rodas  as   forças   da  índia 

J.C.     „  para   o  mar   Roxo  5  para  poder  refif- 

15 10.     55  "r  ^s   novas  frotas  3  que  preparava  o 

33  Calife  ,  e  para  inteiramente  lhe  que- 

D#    MA"  3,  brar  ocommercio  :   que  fegundo   ei- 
*cel  rei  ^  ms   vjftas  eftaya   nQ   dc(;gnio   fe  hir 

3?  ;  eííbalmente  unir-íe  com  Lemos  pa- 
affonso  *  ra  Q   ajudar    a  fundar    a   Cidadela  , 

D  ALBU-      ^  quQ      0     j^e|      p  e     man(Java      fazer     no 

querque  -  u^ar  ma=s  conveniente  ,  para  do- 
33  rmnar  o  eftreiro  de  Babelmendel ,  e 
33  que  elle  eftaya  refoluto  de  o  aju- 
33  dar  em  tudo  o  que  pudeíTe  co^tri- 
3,  buir  mais  para  o  bem  do  ferviço  9 
33  e  a  honra  da  íua  naçaó  :  que  do 
3,  mais  nada  o  impedia  a  fegu;r  efte 
3,  projeclo  3  que  tudo  eítava  tranquilo 
35  no  Indoftan  ,  e  cue  o  Samorim  ef- 
33  tava  taó  abatido  depois  da  perda  , 
33  que  tivera  em  Gèlecut  3  que  naò  ef- 
33  tava  abfolu  lamente  em  eftado  de 
33  empreender  coifa   alguma. 

Èíle  diícurfo  5  que  foi  recebido 
com  grande  appiauío  principalmente 
dos  que  o  naõ  amavaõ  ,  era  cppoílo 
totalmente  ao  feu  penfamento  3  e  al- 
guns Autores  Fortuguezes  concordaõ 
nifto  mefmo  ;  mas  eílfes  fe  engana- 
rão 3  creio  eu ,  penfando  que  a  fua 
mira  era  de  cahlr  fobr.e  Ormuz  3  pa- 
ra 


DOS    PORTUGULZES  ,    LlV.    V.        $<) 

ta  fe  vingar  de   Coge  Arar  ,  e  fegu 

rar  huma  conquiíta  ,  que  lhe  tinha  eí- A- 

capado.    De   outro   modo   teriao  falia-    J.   C. 

do,  Te    atendeííem    que   Albuquerque     j^ÍO 

fahindo   do  leu  governo  ,     e  entrando 

em    diítriclo     de   ou  iro    perdia   toda  a    D'    MA" 

iua  auctoridade  5  e   ío  pedia  fervir  em  MOEL  KLI 

fubaltemp.  Porque  eílou  períuadido  do 

feu  grande  merecimento 3  e  no  me  imo   A,FF0:  so 

j  o  delle  fer  ambiciezo  de  çomman-  D  A1 
dar,   e  da   Tua  gloria   para  que  fizeíTe  Q.UE*<W 
hum  taó  faíio   projecto.  GG1 

O  meu   pj  reçei    em  fim  hc  ,  que  :  A: 
o  feu  oculto  projecto  era   cahir    Cobre 
Goa,  como    rez ,   e  niílo  convirão   fe 
julgarem   pelos    antecedentes  ,   e   eon- 
fequentes.     Porque   logo   que     che 
o   Marechal  ,   e   cjue   fe   tratou   de  dif- 
íarçar  a  empreza  de  Calecut,  que  que- 
riaó  ocultar  ,  o  Governador  ,  que  ti 
defde  entaó   luas  viílas  ,  manclou    fon- 
dar   o  porto   de  Goa  ;  o   que  motivou 
a  rizo  aos   Teus  Capitaens,  que 
raó    efu  empreza  como   louca  ,  e 
fizeraó    cantigas,  em  que  o   Qovei 
dor  naó  foi  pouco  motej  1 

tsQpco     me  Tm  o    tem.  ::- 

ique  efereveo  ao  Rei  d'Õnor  ,   e  a 
ir.oja  ,    inimi .  itáes    do     S  I 

Príncipe   de  Goa  ,  por   cauza 
tereífes,    que   eu   já  expliquei    nç 

par- 


40  Historia  dos  Descobrimentos 

parte  ,  e  lhe  envio  Lionel  Coutinho,  e 

Ank.  de  Braz   Teixeira.    Timoia  naó   pôde  vir 
J.  C.      fãllâr  entaó    ao   Governador  que  o   ef- 
1510.     perava    ;    mas    o  affegurou     de   que  a 
empreza  de  Goa  era  fácil ,  e  que  fem- 
d.    ma-  pre   Q  acjiarja   preíles  a  ajudalo  quan- 
*oel  rei  c|Q   a   qUizeflg  tentar  .   e   Albuquerque 
que   queria   grangear    Timoia   para   as 
affoí.so  precizoens  futuras,  lhe  levantou  a  feus 
d  albu-    r0g0S    os    Jireitos  fobre    as   mercado- 
QUERQVÈ  rjas^   c,ue  entrava5  no  p0rt0  de  Mer- 
gover-     geu ,  direitos  que  c   Yice-rei  D.  Fran- 
kador.     cifeo  d' Almeida  lhe  tirara  injuítamente. 
Finalmente    depois   da  infeliz  ex- 
pedição  de  Calecut  ,    o   primeiro   cui- 
dado  do    Governador   foi  de    fe    unir 
com    o  Rei  de   Narfinga.   Para  *o   que 
lhe  enviou  hum   homem     de   credito  , 
que    era   hum  Reiigiofo    Franciícano  , 
chamado    Padre  Luiz.    O  ponto   capi- 
tal da   inftruçaô  deíle  Padre,    era    fa- 
zer  compreender   a  eíle  Principe  ,  que 
o   fim  da   aliança  propofta   era   para  fe 
unir  com  elle  ,  para  o  ajudar  na  guer- 
ra ,  que  tinha  contra  o    Reino  de  De- 
can  ,  e  em  particular  contra  o  Sabaio: 
cie   lhe    tirar   o  ccmmercio    dos  caval- 
ios  c.i  Períia,  o  que   feria   tanto  mais 
ía:il   .    cie  depois    ene     o    Reino   de 
Ormuz    Tcíle  tributário     de  Portugal  , 
feria    fácil    impedir  ,    que  os  cavailos 

fcf- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V .       ál 

fofíem   defembarcar    noutros    portos  5~~    T* 

que  naó    íoífem    Teus  :    e  que   para  a^'N-   de 
execução  dos  Teus  projeclos  communs ,    ~>  C. 
eíle   eftava   preftes  para   fazer  marchar    1510, 
as  Tuas  tropas  para   ás   terras   fegundo    Dí 
a  precifaó  :  que  pela  fua  peílõa,  c^e  KOel  re 
fe  encarregava  do  que  pertencia   ás  Ci- 
dades marítimas.    He  muito  veriíimil  ,  .__-^M 
que   no   meímo    tempo  o  (jovernador  DJALBU_ 
fizefle  recordar   Timoja    das  fuás   P«>"0UER0  . 
meíTas  ,    e   que  oceultamente  aiuftaffe  _ 

?.  -1  r  i*  GOVER- 

com   elle    a  períonagem  ,  que   louvou  . . 

1  .  r  D  *    :l  ^ADOR. 

depois. 

Como  quer  que  folTe  ,  a  frota 
partio  de  Cochim  no  fim  de  Janeiro 
de  1510  perfuadidos  todos  da  ideado 
projecto  do  mar  Roxo.  Albuquerque 
proveo  na  partida  ,  e  pela  fua  derro- 
ta a  diverfas  praças  do  feu  governo  , 
onde  deixou  bons  Officiaes  ,  guarni- 
çcer.s  numerozas  ,  e  muniçoens  em 
abundância.  Chegando  a  Cananor  ,  jre- 
colheo  os  deípojos  dos  dois  navios  , 
que  voltando  para  Portugal  fe  tinhaó 
desfeito  junto  das  Ilhas  de  Anchedi- 
va  ,  onde  chamaõ  os  bancos  de  Pa- 
doúa,  onde  as  equipagens  foraó  falvas 
pelo  valor  de  Fernando  de  Magalhaens. 
Dalii  o  Governador  fe  fez  á  veia  Fazen- 
do fempre  a  mefma  derrota.  Quando 
eile    foi  a  travez  d'Onor,    apparecqo 

Ti- 


42  Historia  dos  Descobrimentos 

• Timoja,  como  Duende  fahido   da  ma- 

A>n.   de  quina ,  para  voltar  todo  o  fyítema  deíla 

J.  C,      empréza.    Vinha   n'um    batei    compri- 

15 io.     ^°  5  fem  outro  motivo  na  apparencia  3 

que   o  de  faudar  o  Governador   na  faa 

D*    MA"  paífagem  ,    e  de    lhe   levar    refrefeos, 

koel         Depois    dos     primeiros    cumprimentos 

faliaraò    muito    tempo    em  particular  , 

affowso  e   ouvinj0_0    Albuquerque  ,  ouiz  que 

d  albl-    e||e  exp0Zeje   em  pien0  comelho  ,  o 

QUERQUE   ^ue     em    feSredo     lhe     tipha     dko# 

GOV"R'  Junto  "o   Confelho  ,    fallou   aíTim 

kador.  Xirnoja.,,  Eu  fei  com  extrema  admi- 
55  raçaó  3  que  eíta  poderoza  armada  he 
„  deíthada  para  hir  fazer  guerra  ao 
5,  Calife  dentro  no  mar  Roxo  ,  e  que 
„  todo  eíle  preparo  he  para  impedir  , 
?,  que  as  íim  frotas  cheguem  ate  aqui : 
3,  confeíTo  que  eítou  admirado  ,  e  que 
3,naò  poíío  compreender,  como  tan- 
3,  tas  peííoas  recommendaveis  pela  fua 
5,  prudência  ,  e  pelo  feu  valor ,  ie 
3,  levem  tanto  do  feu  erro.  Para  que 
3,  hides  bufear  taó  longe  hum  ini- 
3,  migo  que  tendes  no  vofíb  feio  : 
„  ignorais  que  o  Calife  tem  em  Goa 
3,  hum  dos  feus  Generaes ,  e  mais  de 
3,  mil  Mammeilus  ,ou  Rumes  ,  que  pa- 
3,  ra  ahi  fe  retirarão  depois  ,  que 
3?  foraõ  desfeitos  por  Emir-Hocem  ? 
„  Que   eíle  General  efereveo    ao   Ca- 

33  life 


DOS    PoKTUGUEZES,    LlV.    V.       43 

life    que    lhe    enviaíTe  fomente   ho 

mens  ,    e  navios  3    que  efperava  fa-  Ann.  de 

zer    de  Goa   huma    praça   d/armas  ,     J.  C. 

a    qual    feria     a    ruína   de    todos  os     j^q. 
„  Portuguezes ,  que  ellao  nas  índias  ? 
„  Vós    iabeis    iem   o   poder    duvidar  3    D*    MA~ 
?,  que    Sabaio  ,    ornais    cruel   inimigo  'NOEL  REl 
5,  da  voíTa  naçaó   depois  do  negoc'o  de 
„  Dabul ,   eftabelcceq  per  ponto  prin-  AFFO*s° 
5,  cipal  ,    o    dar  afy.o     a  todos   os  ef-  D  ALBU" 
„  trangeiros    da   lua  Ceita  ,   e  princj-  Q^rque 
5Í  palmente    aos    Europêos   í    que  tez  GOVER" 
3,  conítruir  vinte  navios    do  porte  dos  *AD0R» 
5,  voííbs  3    e  cue  reíoive  tudo  para   íe 
3,  por  em  eítado,  naó  fomente   de  vos 
33  reílítir  5   mas    de   vos   deílruir.    Mas 
3,  o  que  vós  ignorais  talvez  he ,  que  el- 
3,  le   merreo    á   pouco    na   foría  deites 
33  preparos  ?  e    que   o  Idalcaó    leu    fi- 
3,  lho  ,    e   leu   fucceííor  3    moço  fem 
3,  experiência  3  le  acha    hoje  no  ulti- 
33  mo   embaraço  3   oceupado    em   fazer 
3,  guerra  aos  eílrangeiros  feus  viíinhos, 
33  dos  cuaes   todos   querem   recuperar  , 
33  o   que   íeu   pai  lhe   tinha  ufurpado  , 
3,  e   aos     feus   próprios    vaíTalios  3  que 
3,  pela   fua  revolta  fe  vingaó  das  vio- 
33  lendas ,   que   contra  eiies    fe  fizeraó 
33  n'outro   tempo  ,   determinados  a    fa- 
>5  cudir    o   pezado    jugo   da    fua   fer  L- 
33  daõ.  Já  o  Chefe  dos  Mammelus  3  e 

,,  dos 


44  Historia  dos   Descobrimentos 

- — „  dos    Rumes    naõ   reconhece    fenhotj 

Ann.  de  „  Aííim  pofto   que  Goa   feja  huma  Ci- 
J.  C.     35  dade  forre  9  eíti  hoje   bem   fraca  pe- 
ie io.     35  ^a  divifaô    que  nella  reina.    A   con- 
„  quiíta  he   fácil ,   cu  conto   com    ella 
D*    MA"  55  de  modo,   fe  vós  a  quereis    empre- 
koel  rei  ^en<jer3  q,,e  eu  me   ofrereço  para  ter 
„  parte  nella.    Eu   hirei  pôr  as  minhas 
a^ffonso  ^  trCpas  ?  e  os   mcu3    navios  em  eíta- 
d  albu-    ^  ^0   ^g  me   unjr  com  vofco  ^  e  qUan. 
QUERQUE  ^  (j0  voirar  ^  embarcarei  no  navio  Flor 
gover-    ^.do   Mar,    a  fim   de  eftar  em   voíío 
kaeor.     ^  poder   ,     como     feguro    penhor    da 
„  minha    palavra   ,    em    que   vós    vos 
„  poííais   vingar  ,  fazendo-me   certar  a 
3?  cabeça  ,  fe  eu  vos  engano. 

Fazendo  eíte  difeurfo  huma  gran- 
de impreffaó  na  aíTemblea  ,  Albuquer- 
que que  naó  queria  dar  fufpeita,  de 
que  entre  Timoja  ,  e  elle  navia  al- 
gum aiuíle ,  repreientou  com  muita, 
gravidade  ,  que  na  verdade  lhe  feria 
moleiro  perder  a  taó  boa  occafiaó , 
que  fe  lhe  ofTerecia  de  tomar  Goa  ,  e 
deixar  os  Mammeius  tomar  pé  n'um 
poílo  .  donde  tal  ves  naõ  pudefíem  mais 
lançai  os  ;  mas  que  em  tudo  o  que 
Timoja  tinha  dito  ,  via  muitas  coiias 
fobre  que  podiaõ  racionavelmcnte  du- 
r  :  que  naó  convinha  facilmente 
deixar  o  certo  peio   incerto  3  facrifkir 

as 


cos  Portugltzes  ,  Liv.  V.     4^ 

as  ordens    do   Rei  ,    e  vantagens   fc * 

guras    aos  inconvenientes  ,    que   pode-  Ann,   de 
naõ    feguif-íe3    fe   a  relação   que  aca-    J.   C, 
bava  de  fazer-fe  naõ  tolTe  exaclamen-    i^íq. 
te  verdadeira. 

Como  fe   inclinavaó  á  propcíiçaõ    D*    MA" 
feita  porTimoja,  e  que   fó  fe  tratava  :'OEL  REl 
de     ter   informações    mais    feguras  ,  e 
pofitivas  ,  refolveraõ  em   fazelo  voltar  A/I"ONSO 
para    razer  novas   averiguações   ,    e   o 
General  o  viíltou  nas  Ilhas  de  Anche- QUERC^E 
diva  ,   onde   fe  devia    demorar  com  o  G0VER" 
pretexto  de  fazer  aguada.  nador. 

Timoja  naõ  deixou  de  tornar  com 
a  prontidão  pcJíivel  trazendo  as  decla- 
rações ,  que  lhe  pediaó.  Condufio 
eomfigo  quatorze  fuílas  bem  arma- 
das 3  e  cheias  de  gente  efcclhida  , 
fem  que  no  paiz  ,  podeíTem  ter  ful- 
peita  ,  que  prejudicaífe  o  fegredo  da 
emprefa  }  pelo  cuidado  que  tivera  de 
divulgar  3  que  o  Governador  Geral 
lhe  razia  a  honra  de  Lhe  dar  parte  na 
gloria ,  que  hiaõ  ganhar  na  fua  expe- 
dição do  mar  Roxo  ,  e  depois  na 
conquiíta   de   Ormuz. 

Tendo  em  fim  Timoja  confirma- 
do ,  e  fegurado  por  novos  teílemu- 
nhos  ,  o  que  tinha  avançado  ,  naõ  te- 
ve mais  do  que  algumas  conteítaçcés 
a  refpeito  da   barra  de  Goa  ,  de  que 

os 


GOVER- 
NADOR. 


4ó*  Historia  dos  Descobrimentos 

os  O  nciaes   eftavaõ  perfuadidos  ,  que 

Ann    denaó   tinha    fuífictente    fun^b.     Fimoja 

J.   C.    porém   amimando    pela     íua    cabeça  , 

1510.     Tae   r^1    ;°   men°5   tres   braças    ,    e 

meia  de  agua    em  baixa   mar  ,   deter-1 

£>.     ma-  r  -n        1      /-<  ^  ^ 

mmou-.e  a   conquilta  de  Goa.  O  Go- 

^OEL  REI  1  l  r     . 

vernador  qujz  ter  por  eiento  o  pare- 
cer de  toios  os  oue  affiftiraó  ao  Con- 
lelho  ,  e  lhes  íez    untamente  afhgnar 

D   ALBU-  o  I  1        r  1      •    °       - 

outro  acto  ,  pelo  qual  fe  obrigarão 
JE  toios  a  reconhecer  por  Governador 
General ,  D.  António  de  Noronha  , 
íuppoíto  que  como  a  forte  das  armas 
he  incerta  ,  faltou  nefta  guerra. 

Tomada  eíta  refoluçaó ,  Timoja. 
por  ordem  de  Albuquerque  voltou  ou- 
tra vez  ,  deixando  a  fua  pequena  fro- 
ta no  Cabo  de  E.ama  ,  onde  devia 
efperalo  ,  foi  cahir  com  as  fuás  tro- 
pas fobre  a  Fortaleza  de  Cintacora  , 
cuja  vumhança  incommodava  muito  a 
Cidade  dOnor,  levou-a  á  força  âcC^ 
cu  berra,  e  paííou  tudo  á  eipada  ,  e 
lançou-lhe  fogo  ,  e  com  incrível  cele- 
ridade tornou  a  unirfe  a  Albuquerque 
com  as  filas  rufias  ,  no  tempo  que  ef- 
té  General  chegava  á  barra  de  Goa. 
A  Cidade  de  Goa  fituada  em 
dezaíTcts  gráos  de  latitude  do  Norte 
na  Ilha  de  Tiçinrim,  a  qual  tem  qua- 
fi  nove,   ou    dez  legoas   de  circuito, 

e 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LtV.    V.       47 

€  he   fechada  pelas   correntes   de   cio  is . 

pequenos   rios  ,     era    entaó   huma  cias  Ank.  de 
mais    confideraveis  Cidades   da  Penin-    J.  C. 
fula  d'aquem  do  Gange  íituada  n'uma    x  _IO 
igual  dirtancia  entre  Cambaia  ,  e  o  Ca-' 
bo  Somorim,  he  mui  própria   para  fa-    D*    MA~ 
zer    hum  grande  commercio  ,  por   ter  NOEL  KEí 
o  melhor  porto     de  todos     cites   con- 
tornos  ;    de  modo   que  naó  he   deficil  AFFOf  So 
ccmparalo  aos  portos  de  Conftantino-  D  ALEl  ~ 
pia  ,  e  de  Touion  ,   que  paííaó  pelos  QuerQue 
melhores   do   noíTo   grande  continente*  GOVER~ 
era   antigamente  do   Reino   de  Decan. >,ADORj 
O  Rei  de  Decan  ,  a  quem   os  princi- 
paes   fenheres  dos  feus  E (lados  tinhaó 
íó   deixado  huma  pequena   íombra   de 
aucloridade    a  rinhaó  confiado   a   hum 
Oiricial  da  fua   Coroa  ,  Mouro  de  ori- 
gem ,  e  de   Religião,  chamado  Adil  , 
Can,    e  per    corrupção   Idalcan ,    que 
os    Portuguezes    continuavaó     a    cha- 
mar fem  razaó  Zabala  ,    nome  que  fo 
propriamente     convinha     ao    Prin:ipe 
Gentio,  a  quem   Goa  tinha  fido  uzur- 
pada.    Efte   Idaicaó    conferveu  fempre 
numa    grande    correfpondencia   com  o 
feu   Soberano   em  quanto  viveo  ,  pon- 
do-fe  em  eftado  de    fe    confervar  por 
íorça    no    cazo    de    lhe    ler   precizo. 
Tinha  munido  a  Cidade   de  boas  mu- 
ralhas y  de  torres,  e  de  Cicladellas.  Ti- 
nha 


48    HiSTORIA     DOS    DeSCOBRLMEMTOS 

— —  nha    fortificado    do    meimo    modo    as 

Ann.  depaíTagens    por    onde   podiaõ    entrar  na 
].  C.     Ilha  ,    e   as   fazia  guardar    com  efcru- 
151c.     puloíiffima     attençaõ.    Naó   fe    fiando 
dos  índios  nem  dos   Mouros   do  paiz, 
"de  quem  conhecia   a  fraqueza  ,  e  a  má 
EL  KEI  fé  ,  tinha   íormado  hum  corpo   de  tro- 
pas compofto   de  Árabes  ,  de   Perfas  , 
A/FO?,sode   Mahometanos    da  Europa   ,    e    de 
d  albu-   "\|amme]_us   do  Egypto      em  que   pu- 

ÇUEROUE      1  r  •       1  £  T"     1 

v  c  nha  a  iua  principal  confiança.  I  inha 
go\er-  t;^o  extremo  cuida^0  de  prover  a  iua 
nador.  Cidade  de  toda  a  forte  de  munições, 
e  iobre  tudo  de  armas  á  maneira  da 
Europa  ;  os  feus  armazéns  eítivaS 
cheios  ,  os  arcenaes  em  bom  eftado: 
tinha  nos  feus  eíbdeiros  muitos  na- 
vios de  modelo  fimilhante  ao  dos  Por- 
tuguezes.  Finalmente  como  elle  era 
mteiligente,  vigilante,  e  activo,  ainda 
que  o  feu  governo  foíTe  hum  pouco 
duro,  tinha  chegado  a  fazer  a  fua  Ci- 
dade bella  ,  forte  ,  e  florecente  ,  naó 
fe  efqnecendo  de  tudo  ,  para  chamar 
o  commercio  ,  e  recebendo  perfeita- 
mente bem  os  eílrangeiros  ,  que  lá- 
bia empregar,  e  recompenfar  fegundo 
feus  talentos ,  e  feus  lerviços ,  e  que 
ahi  fe  eítabeleciaõ  tanto  mais  volun- 
tários ,  quanto  o  paiz  naturalmente 
rico  3  e  fértil,  alli  forneíTe  abundante- 

men- 


MA- 

REt 


AFFONSO 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V.         A9 

mente   ás  commodidades   ,    e    delicias 

da  vida.  Ann.   de 

A  inquietação  cm  que  eílava  AI-  J.  C. 
buquerque  ,  e  o  temor  que  tinha  de  i^io. 
hir  encalhar  na  barra  ,  tez  com  que 
ordenaííe  por  precaução  a  D.  António 
de  Noronha,  e  a  Timoja  que  rbíTem 
antes    íbndala.    Ordenou  logo    ao   pri- 

c  rc  c  J       AFFOm 

meiro  ,    que   ioíle    atiacar  o  lorte    de    , 
Pangim  ,  que   eftava   na   Ilha ,  e  a  Ti- 

•v  *r  P  cr     J       f  J      QUERQUE 

moía  ,  que  íe  apreientaíie  de  fronte  de  x 

Jt-  1.  -  -r^  GO VER- 

outro  rorte  ,  que  chamavao  o  lrorte 
de  Bardes,  que  eftava  no  continente.  NAD0R" 
Eftes  dois  per. os  tinhaó  fido  eít.abele- 
cidos  pelo  Z:.baia  para  a  derença  da 
barra.  Noronha  devia  fer  delendido 
por  Simaó  dcAndrade  na  fua  galera  , 
por  Simaó  Martins  no  Teu  braganrin  , 
por  Jorge  Fogaça  ,  por  Jeronymo  Tei- 
xeira, Jorge  da  Silveira  ,  Joaó  Nunes  ,  e 
Garcia  de  Soufa  nas  fuás  chalupas. 
Timoja  devia  conduzir  as  fuás  fuíras. 
AJ  vifta  da  frota  inimiga,  e  def- 
de  o  primeiro  rebate  Miiique  Sufe- 
Curgi ,  efte  Ofíicial  do  Calife  ,  de 
que  temos  fallado  ,  que  tinha  maior 
aucloridade  na  Cidade  ,  fahio  com  pre- 
cipitação para  hir  defender  o  Forte 
de  Pangim.  Combateo  valerozamente 
fobre  a  ribeira  na  primeira  trincheira , 
para  impedir  a  defeida  ,  mas  fendo  fe- 
Tom.  II,  D  ridg 


^O    Historia  dos    Descobrimentos 

rido  de   huma  flexa  ,    que  lhe  paíTou 

An:;.  de  a   maó,  efta  dor  ;o  obrigou   a   retirar* 

J.   C.     fe  para    °   Forte  ,   onde  pouco   depois 

10     recuperou  a  Cidade.  Vendo-fe  os  léus 

*     *    fem    Chefe    recolheraô-fe  também  ao 

d.    ma-  Forte  com  preffa  ,  mas  Noronha  ten- 

noel  rei  J0   dado  algumas  bandas  de  artilheria  , 

que  naó  fizeraõ  effeito  ,  os  perfeguio 

affonso  taó  vivamente   ,    que  os   Portuguezes 

d'albu-    entrarão   baralhados  com  os   fugitivos. 

querque  Timoja     naó    achando    refiítencia    na 

gover-    outra    parte  ,    foraó    tomados    os   dois 

nador.     Fortes  ,  e  toda  a  artilheria. 

Huma  vicroria  taó  repentina  conf- 
ternou  toda  a  Cidade,  onde  naó  ha- 
via cabeça  ,  obedecendo  cada  hum  fem 
vontade  áquelles  que  arrogavaó  a  íi 
a  autoridade.  Albuquerque  ,  que  ti- 
nha feito  avançar  todas  as  chalupas  , 
e  bateis  ,  e  que  tinha  paliado  elle 
mefmo  para  á  galera  de  Fernando  de 
Beja  ,  porque  o  vento  naó  o  fervia 
para  fazer  entrar  os  navios  de  porte 
no  rio  ,  íoube  logo  deíla  defordem 
por  alguns  Mouros  de  Cambaia  ,  e  de 
Diu ,  que  vieraõ  bufear  a  fua  protec- 
ção. Reprezentando-lhe  eíles  o  eira- 
do das  coifas  ,  e  aííegurando-lhe  que 
a  gente  de  Melique-Sufc-Curgi  lhe 
obedecia  poucp  3  porque  lhes  pagava 
mal :  o  General  enviou  ao  campo  ef- 

tes 


DOS    FoRTUGUEZES     ,    LíV.    V.       $1 

tes  mefmos    Mouros   para  fazerem  da • 

fua   parce   propofiçoés    vantajozas   aos  Ann.   de 
habitantes     ,    a     quem     fez     dizer   :     ].   C. 
„  Que    bem  longe   de   vir  para    tirar-     icio. 
wlhes  a  liberdade,  naõ  tinha  elle  ou- 
„  tra    intenção  ,    que  de   os   livrar   do    D*    MA~ 
5,  jugo    odiozo    fob    o   qual    gemiaó  :  V0EL  REI 
que    elle  confirmava    todos    os  feus 
privilégios   ,   permitia    a   cada    hum  AFFONSO 
que  viveíTe    na  Religião   em  que  ti-  D  ALBU" 
_  nha  fido  criado  ,  e   que  lhes  alivia-  ««"íiqwi 
3,  va    a  terça  parte    do   tributo  ,    que  G0VER" 
#,  pagavaó    ao   Idalcaó   :    exceptuando NAD0R* 
3,  porém  aos   eftrangeiros  armados   pa- 
3,  ra  ferviço  deite  Príncipe ,  de  quem 
3,  queria   íer  General  ,  com    os  quaes 
3,  uzaria  de  maneira  ,  que  todos  feriaõ 
55  contentes.  „ 

Recebidas  eftas  propofiçoes  com 
agrado  na  Cidade,  coníentio  ella  em 
dar-fe  aos  Portuguezes ,  e  o  tratado 
foi  afíignado  dcambas  as  partes  a  pe- 
zar  dos  esforços  de  Sufe-Curgi  ,  que 
naó  podendo  impedir-lhe  a  execução, 
fáhio  de  Goa  pouco  acompanhado  , 
e  foi  levar  ao  Idalcaó  a  triite  noticia 
da  entrega  defia  praça. 

Os  Magiílrados    tendo   levado  as 
chaves  a  Albuquerque  ,    fez   o  Gene- 
ral pacificamente  a  fua  entrada  em  17 
de    Fevereiro  de  1510,   no  meio  das 
D  ii  accla- 


5^  Historia  dos  Descobrimentos 

■ 1 —  acclamaçoês  do  povo  fempre  adorador 

Ann.   de  da  novidade.    Hia  montado  n'um  belo 
].  C.      cavallo  da  Perfia  ,  precedido  de  trom- 
1510.     bera:  ,    e  outros  initrumentos    milita- 
res ,  de  hum    Religiofo  Dominicano  , 
que  levava    diante  delle    o   eitendarte 
moel  rei  ja  Cruz  ^   e  dcum  ofHcial  que  levava 

a  bandeira  de  Portugal.  As   tropas  fe- 
affonso  g^aõ    em   fl|eira   marchando  em  boa 
d  albu-    orc|em  ^  com  os  feus  Oíficiaes  na  tefta. 
Tendo     dado    graças    ,1   Deos  de 
go ver-    jocjnos  ^   e    derramando  muitas    lagri- 
nador.     mas  je   gcfj.0   tfum    ta5  gloriofo  fuc- 
ceifo  ,    tomou  poííe    da  Fortaleza  ,    e 
do  Palácio  do  Idalcaõ ,  e  ordenou  tam- 
bém tudo,  que   ninguém  podeíTe  pre~ 
judicalo  ,    e  que  nenhum  dos  feus  in- 
commodaífe    hum   povo  ,    que  de   taõ 
boamente    fe  tinha    entregado. 

Acharão  na  Cidade  quarenta  pe- 
ças de  groíTo  calibre  ,  fmcoenta  e  un« 
co  falconetcs  ,  e  outras  muitas  peça» 
de  artilheria  ligeira ,  pólvora  ,  balas  , 
granadas ,  e  toda  a  íorte  de  armas  , 
e  inuniçpes  de  guerra.  Concaraó  nos 
eftaleiros  até  quarenta  embarcações 
entre  grandes  e  pequenas  ,  entre  as 
quaes  havia  dezafete  íuftas,  com  todos 
os  léus  aparelhos  nos  armazéns.  Con- 
tarão também  nas  cavalharices  do  Idal- 
caõ cento  e  fecenta  cavallos  da  Per- 
fia, 


DOS    P/ORTUGUEZES  ,    LíV.    V.      5$ 

fia.    E    aílim   do     mais     á   proporção. 

O   Governador ,   que   tinha  deter-  A>.r.   de 
minado  fazer  de  Goa  a  Metrópole  das     ].  C. 
Conquiítas  dos  Portuguezes  na  índias  ,    1510. 
começou  por  declarar  aos  feus  Officiaes 
o  defignio   de  invernar  alli  ,    e  tomou       * 
todas  as  medidas  para  fe  ahi  confervar  ,  K 
e  para   introduzir   huma  boa  forma  no 
governo  ,  que   pretendia  eítabelecer.       affo*.  o 
Nomeou  logo  António  de  Noro-  D  ALEU" 
nha  feu  fobrinho   Governador    da  Ci-*UERQUE 
dade  ,  e  lhe  cedeo  a  Fortaleza.  E  pa-  GovER~ 
ra  fe  alojar  tomou  o  Palácio  do  Iaa,-T"AD0R' 
caó  ,  onde  eítavaõ    ainda  as   luas  mu- 
lheres ,  e  o  feu  ferralho.  Fez  Mordo- 
mo  mor    a  Gafpar  de   Paiva  ,    e  deo 
a  feitoria    a  Francifco  Corvinel.  Ten- 
do-fe  depois    dciílo  informado    exacta  - 
mente    do   produclo    das  Alfandegai   , 
tanto    da  Cidade   de    Goa ,  como   das 
Ilhas  vifinhas ,  que  montavaõ  á  oiten- 
ta e   dois  mil  pardaos  cada  armo  3  ef- 
tabeleceo  rendeiros  aíKm  Mouros,  co- 
mo Gentios  ,  que  fubcrdinou  a  Timo- 
ja  ,    a   quem  fez  rendeiro    geral   ,  e  a 
quem  deo  além  diffo  o    cargo  de  Sar- 
gento mor  do  Eftado  ,  e  Reino  de  Goa. 
Tendo    logo    feito   tomar    alguns 
poftos  ,    onde     os    inimigos    ainda  fe 
mantinhaó    na  Ilha  ,    fez  entrar  a  fua 
frota  no  porto  5  reftabeieceo  os  pcOos 

de 


54  Historia  dcs  Descobrimentos 

de  Cintacora  ,  de  Pangin ,    e  de  Bar 

Ann.   de  des  ,  que  tinhaõ  fido  arruinados  :  acref- 
J.   C.     centou    novas    obras     á    Cidadella  de 
1510.     ^oa  Para  fe  poder  retirar  para  ella  em 
.  qualquer  precizaó  ,  e  acautelou  as  paf- 
MA~  fagens    da  Ilha   ,  pondolhes    Officiaes 
iíoel  rei  fuborainaa0s   á  D.  António    de  Noro- 
nha 3  que  devia  vigiar  íbbre  todos,  tor- 
affonso  neancJo  a  j^a  ^  e  jevar  foccorro  a  to- 
d  albu-    ^a  a  pârte  ^ue  G  p^cifaí^e. 
querque         Dada  efta  primeira  forma  ao  gover- 
gover-    no  jnterjor  ^0  Governador  mandou  cha- 
hador.     mar  os  £nvia(jos  <Jos  Príncipes  eftran- 
geiros  ,  que  fe  achavaõ  em  Goa ,  e  de- 
pois de    faber  delles  o   motivo  da  Tua 
legação  ,  expedio  primeiro  os  dos  Reis 
de  Naríinga  ,  e  de  Vengapour  ,   aos 
quaes  ajuntou   Gafpar  Cnanoca  ,    e  o 
Padre   Luiz    Francifcano ,    com   o  ca- 
racter   de  Embaixadores  para  procura- 
rem fazer    liga  offeníiva  ,    e  defenfiva 
com  efr.es  Principes    inimigos  do  Idai- 
caó  3    e   pedir    confentimento    ao   pri- 
meiro  para  fundarem  huma   Fortaleza 
em   Baticalá.    Ouvindo  depois  os  En- 
viados  de   Ormuz  ,  e  do  Sofi  da  Per- 
■fia  ,    defpachou   também  eíles ,    e   en- 
viou  com  elles  em   qualidade   de  Em- 
baixador a  Rui  Gomes  Gentilhomem  da 
caza  delRei    de  Portugal. 

Iírnael  Schah  3  ou  Sofi  da  Perfia 

era 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.        5"C 

Cra  hum  dos  maiores    Príncipes  ,  que — * 

occuparaó   efteThrono,  que  elle  tinha  Ann.  dê 
quafi   conquiftado.    Era   refpeitado  cc-     J.  C. 
mo    hum   dos  mais    poderofos  Monar-      irio. 
cas    do    Or:ente ,   e   fe    tinha    dillin- 
euido  por  duas   grandes  batalhas,  que 

*?     ,  r      !       i  iD  *  j       KOEL  REI 

tinha  ganhado ,  numa  contra  o  grande 
Senhor ,  e  outra  contra  hum  Cam 
poderoíiííimo  da  grande  Tartaria.  El-  , 
rimava  Albuquerque  particularmente  y 
e  lhe  havia  enviado  Embaixadores  ,  ÇUERÇ 
mas  naó  chegarão  a  Ormuz  fe  naò  G°^ER~ 
depois  da  fua  partida,  como  já  diííe.  KAD0R* 
Nada  he  mais  belo  ,  que  a  carta  que 
Albuquerque  lhe  efcreveo ,  e  as  inf- 
truçoés  que  deo  ao  feu  Embaixador  , 
como  largamente  fe  lè  nos  feus  Com- 
mentarios.  O  projecto  dcuniaó  ,  que 
propunha  a  eíle  Príncipe  para  deírruir 
o  Calife  ,  manifeíla  bem  a  grandeza 
da  fua  alma ,  e  a  nobreza  dos  feus  fen- 
timentos ,  a  fuperioridade  do  feu  va- 
lor ,e  a  folidez  dos  feus  conhecimentos. 
Mas  eíla  embaixada  naó  fe  efFeituou. 
Atar  fempre  inimigo  oculto  dos  Pcr- 
tuguezes  ,  e  de  Albuquerque  ,  fez  en- 
venenar Gomes  no  caminho ,  depois 
de  ihe.rer  feito  toda  a  forte  de  honras. 
Com  tudo  o  moço  ídalcaó  feri- 
do da  triíle  nova  da  entrega  de  Goa , 
deo-íe  todo  a  fazer  paz  com  todos  os 

feus 


$6  Histopía  dos    Descobrimentos 

feus    inimigos    aílim    exteriores   como 

Ann.   cie  interiores  ,    com    as  condições    menos 

J.   C.     delavantajozas  ,  que  pôde  para  procurar 

15 io.     recupera*    efta  prc~ça  ,    que   era  o  quç 

mais  lhe  importava  ,  o  que  confeguio. 

D*    *  A~  O  Rei  de  Narímea  ,  que  efrimava  an- 

JsOEL  REI  r~<  1   -        1        C  ... 

tes  ver  Goa  em  poder  ao  leu  inimi- 
go ,  que  no  dos  Portugúezes  ,  de  quem 
affonso  tem;a  0  aranc|e  poder  ,  fci    o  primei- 
d  albu-    rQ  ^ue  approvou    0   tratado.     Os   ini- 
çuerqu    mjgos  ciomefticos  acommodaraó-fe  mais 
go ver-    facijirienreí  ]\ja5   deixarão  os   habitan- 
ííasor.     tes   ^e  QQa  ^   e   aque]ies   mefmos   que 
tinhaó    entregado     a     Cidade  ,     inju- 
riados    da   lua  fraqueza,  e  penhorados 
do  amor  do  feu  Príncipe  ligitimo  ,  de 
tomar  com   elle  as  medidas  para  facu- 
direm  hum   dominio   ellrangeiro  ,   que 
cada   dia    fe  lhes    fazia    mais    odiozo. 
O  Governador  tiaõ  ignorava  eíles 
ocultos  confelhos ,  que  nao  era  o  que 
eiíe  mais   fentia.  Elle   grande   homem 
era  diltinado  ,  para  ter  mais  para  com- 
bater a  fua  própria  Naçaó ,  do  que  os 
inimigos  da  lua  Naçaó.  Tinha  entre  os 
feus   principaes  Omciaes  cfpiritos   tur- 
bulentos ,     cuja   má   vontade   tinha  ja 
exprimentado.  Porque  citando   em  Ca- 
nanor  antes  de  vir   a  Goa,  quatro  Ca- 
pitaens  feus  tinhaó  projetado  defde  en- 
tão de  o  deixarem  ,  para   hir  á  corfo 

pa- 


BOS    FoPTUGUEZES  ,    LlV.     V.       *?J 

para  á  Ilha  de   Ce;laó.  Más ,  efte  pro 

]eck>   foi  hterromp;do  ,   porque  o  Co-  Ann.   de 
vernador  tirou  a  Jeronymo  T.Jxe'ra  ,  o     J.C. 
principal  da  f  •  -çr.ó  ,  o  ^ommando  do  teu     1^10. 
navio,  que  pouco  defpois  lhe  reítina:o. 
Timoia  naóeílava  contente,  tinha- 

r      IT  •    J  li  J       •     '  J         NOELREl 

fe  liíonguido  ,  que  lhe   cedenao  o  rc- 
minio  de  Goa,  mediando  algum  cenib 
que   pagaííe   a  EiRei   de  Portugal ;   e  A,FF< 
cíbrisando-fe   a    defender     a   praça   fó  D  ALBL" 

^  r  '   C  r  QUERQUE 

com   as   luas  tropas  ,  e  a  íua  culta  ,   o  x       x 

que  era  huma  quimera.  Eiie  tinha  que-  GOAE 
rido  perfuadir-fe  que  Albuquerque  lho  KAD0B- 
tinha  promitido  ,  e  vendo  que  naó  lhe 
cumpria  a  palavra  ,  que  lhe  tinha  dado 
aílim  como  ellc  o  pretendia ,  trabalhou 
occultamente  de  grangear  os  OíRciaes  , 
e  poios  da  lua  racçaó.  O  Governa- 
dor tinha  muito  boas  razoens  para 
lhe  naó  dar  a  conhecer  a  indifcripçaó 
ca  propcílç  ;5  ,  que  elies  lhe  tinhaó 
feito  ,  e  para  os  naó  envergonhar  de 
lha  fazerem.  Mas  quando  íoube  que 
o  Idakaõ  ,  ieita  a  paz  com  oz  fcus 
inimigos  ,  fe  adiantava  com  grandes 
jornadas  ,  que  tinha  quarenta  mil  ho- 
mens de  Infantaria  ,  e  finco  mil  cavalos; 
Timoja  tendo  renovado  os  feus  occui- 
tos  artificie?  ,  o  temor  entaó  de  naó 
poder  rsiiítir  a  grandes  ferças ,  o  laítio 
<de    trabalhar  nas    fortiMcacoens  ,   e  a 

ambi- 


$8  Historia   dos  Descobrimentos 

ambição   de  fe  empregar  n'outros  inte- 

Ann.    de  reíTes  mais   pcííoaes  ,  fizeraó  que  cada 

J.  C     hum  achaííe  razoetis  plauziveis  do  bem 

15 10.    d°   eítado  ,  para  apoiar  as  pretençoens 

_  de  Timoja  ,   e   para  obrigar  o  Gover- 

M  *       "     nador  a  defiílir  de  huma  empreza  que 

NOEL  rei        1         •    ,  -  r  •  '     r   r      r      L 

todos   julgavao  iupenor   as  luas   torças. 
Albuquerque  diílimuiava ,  -preciza- 

AFFONSO  r  1    n  ■  r/l-  n 

va    lua   conltancia  para  reíiltir  a   eira 
torrente  ,   mas   era  obneado  a   ter  pa- 

QUERQUE      •  •  a  1        p  \         Y  - 

^       x      ciência.    A  pezar    da  lua    moderação 

GOVER-  1.  -   r  r  1      r 

adiantarao-le  tanto  os  revoltoíos ,  que 
or.  |jie  Corromperaó  até  900  entre  os  feus 
fubalternos.  Teve  a  felicidade  de  os 
apanhar  numa  caza ,  onde  deliberavaõ 
de  lhe  fazerem  propor  fediciozamente 
pelas  fuás  tropas  ,  que  lhes  pagaííe  o 
íoldo  em  dinheiro  ,  e  naó  em  vive- 
res. E  chamando  dois  dos  principaes , 
por  quem  foube  quaes  eraó  os  Au- 
rores de  todos  eftes  movimentos , 
remunerou-os  ,  e  fe  contentou  de  re- 
prehender  fortemente  os  outros.  Palia- 
do afgum  tempo  livrou-fe  de  Jerony- 
mo  Teixeira  ,  concedendo-lhe  a  li- 
cença ,  que  lhe  pedia  para  hir  a  Co- 
chim,  onde  Jorge  da  Silveira  tomou 
a  confiança  de  o  feguir  fem  licença. 

Em  quanto  o  General  efíava 
aííim  occupado  em  dcíenâer-Cc  das 
traições  dos  habitantes ,  e  das  confpi- 

ra- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LtV.    V.        $<) 

raçoés  dos  Teus  ,  o   Idalcaõ  fe  difpôz 

a  vir    fitiar  Goa    com    todas   as    fuás  Ann.   de 
forças.    Primeiramente    fez  ,    que    fe     J.  C. 
adiantaííe  huma  parte  das   fuás  tropas,    1510. 
dirigida    por   hum     dos   feus    melhores 
Capitães  ,  chamado   Pulatecaõ  ,    elpe- 
ranco   unir-fe-Jhe  com  o  groíío  do  ex-^OLLRE1 
ercito.    Pulatecaõ  naó  encontrando  re- 
fiílencia    na   fua  marcha  ,   adiantou-fe  AtFFO-so' 

'       >        1  rr  J        Til  D  ALBU- 

ate  as  duas  paílagens  da  Una  ,  a  que 
chamaô  os  Poííos  de  Benaítarin,  e  QUERq_UE 
de  Agacin  ,  e  fe  acampou  fobre  o  pe-  GOVER 
queno  rio  deSalcete,  ao  pé  da  cadèa  NaD0R# 
das  montanhas  de  Gate,  que  atravef- 
faó  toda  eíta  Peninfula  da  índia.  In- 
tentava eíte  General  entrar  na  Ilha 
em  a  primeira  occafiaó  favorável  que 
tiveííe  ,  para  o  que  mandou  fazer 
grande  quantidade  de  jangadas  ,  e  de 
canoas  de  fajgueircs  para  cá  paífagem 
das  fuás  tropas.  E  porque  a  artilhe- 
ria  de  Garcia  de  Soufa  ,  que  ccmman- 
dava  no  paíTo  de  Benaftarin  ,  e  a  do 
navio  de  Ayres  da  Silva,  que  eftava  no 
mefmo  porto,  poderia  incornmodalo 
muito  ,  fez  correr  huma  cortina  ,que  o 
efeudou  inteiramente  d 'uma  ,  e  outra. 
O  dezejo  ,  que  Pulatecaõ  tinha 
de  poder  entrar  em  Goa  ,  antes  que 
o  Idalcaó  o  encontra  íle  ,  o  fez  tentar 
as   vias  da  negociação  ,  primeiro   que 

as 


*ADOR. 


60  Historia  dos  Descobrimentos 

as   hoílilioiídes.    O  trombeta    que    in- 

At: u.  de  viou  ,  era  hum    dos    degradados ,   que 

J.  C.     Pedro    Alvares    Cabral    tinha  deitado 

i*tio.    na  Coita    de  Affrica  ,    chamado    Joaõ 

_  Machado  ,   Portuguez    de    naçaõ.    De 

Melinde  tinha  paíTado  a  Diu  ,  e  dalli 

KOEL  REI  r^  1        r     T  1    ,  ,    . 

a  Croa  ,  onde   o    ldalcao   ultimamente 
morto  fuppondo-o  Turco  em  Religião  , 

AFFONSO  í  r  1  1       11  • 

e  em  origem,  e   achando-lne  mento, 

lhe  deo  huma   companhia  de   Rumes. 

rque  ^s  propoíicoés    de  Machado   eraó  de 

COVER-  f  1  1 

modo  ,  que  parecendo  querer  o  bem 
da  fua  nacaõ ,  favoreciaõ  todas  as  per- 
tençoés  cie  quem  o  enviara,  e  repre- 
Tentando  ao  Governador  „  A  impoílí- 
bilidade  em  que  fe  achava  para  re- 
fiftir  a  hum  taó  poderofo  exercito  , 
„  no  meio  duma  Cidade  preítes  a  fub- 
„  levar-íe  ,  com  hum  punhado  ,  por 
„  aífim  dizer  ,  de  Portuguezes ,  que 
„  pouco  Te  uniaõ  comelle,  e  iftona 
„  entrada  d'um  inverno  ,  que  o  impof- 
„  fibilitaria  a  retirar-íc  ,  fe  elle 
„  naó  tomaiTe  as  fuás  medidas  para  o 
.,  previnir  por  huma  capitulação  hon- 
„  rada  ,  e   vantajoza.  „ 

Poílo  que  Albuquerque  teftemu- 
nhaíTe  o  Teu  agradecimento  a  Machado  , 
pela  boa  vontade  que  cite  lhe  moílrava, 
e  pelos  ferviços  que  lhe  poderia  fazer , 
fabendo  bera  o  pouco  cazo  ,  que  fe  de- 
ve 


■n 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V.      6t 

ve  fazer  da  fé  defbs  peffoas,  naó  fe  fiou — • 

dcile  mais  que   a  bom  partido,   e   íup-  Ann.  de 
pondo    que   lhe    poderia     ter  exagera-     J.  G. 
do  muito   as  forças  do   inimigo,  con-      1510. 
firmou-fe    no   propofito  de  fe  conlervar 
na  fua   conauifta  ,  e  de  niflb  pôr  o  ul- 

r         A  °  r  NOEL  REI 

tmio   esiorço. 

Timoja  caufava-lhe    fugeiçaõ.    O 

vr      n  11        a  -1  j    j  AFFONSO 

difeofto  que  elle  lhe  tinha  dado  pe-  , 
las  luas  intrigas  com  os  Omciaes  .  e  a 
pouca  folidez  das  tropas  deite  índio  ,  Q  ^y 
que  eitando  pofbdas  ao  Paço  d'Au- 
gin  ,  eitavao  iempre  no  ponto  de  o 
defemparar  ,  lhe  laziaó  fui  peita  a  fua 
fé.  Certamente  creio  ,  que  Timoja  naó 
penfava  em  traição.  Eitava  prezo  por 
muito  grandes  vantagens ,  porém  a  fua 
conducla  occafionava  algumas  fufpei- 
tas.  O  Governador  ,  que  queria  certi- 
licar-fe  o  fez  cahir  num  laço ,  em  que 
elle  mefmo  fe  meteo.  Hum  dia  em 
que  Albuquerque  lhe  tcítemunhava  a 
defeonfiança ,  que  tinha  dos  principaes 
Mouros  da  Cidade  ,  que  temia  fe  vol- 
taííem  para  o  feu  antigo  fenhor,  e  fal- 
lando-lhe  com  o  coração  aberto  come* 
quem  preciza  de  coníelho  ,  lhe  pre- 
guitou  como  fe  t:raria  de  cuidado 
neíte  ponto  „  Reípondeo  Timoja  , 
obrigai-os  a  meter  íuas  mulheres  ,  e 
Pt  filhos    na  Fortaleza ,   como  feeuros 


6l  Historia  dos  Descobrimentos 

„  penhores   da  fua  fidelidade.    Iíío  fe- 

Akn.  de  „  rá     difícil  ,    replicou    Albuquerque  , 

J.   C.     „  fe  na5  tiverem  quem  lhe  dê  exem- 

15 IO.    35  P^°  5    mas    CO!Tlo    vós    eílais    aqui  á 

_  „  lua   tefta  ,    fe   virem  que    o   fazeis 

d.    MA")3rem   repugnância  ,  elles  o  faraó  de 

ícoel  rei  ^  ^oa  vonta^e>5)  Timoja  atterrado  def- 
te  golpe  imprevifto  naó  pôde  arrecuar  , 

affonso  0ijecieceo  ^    e  fez  obedecer  os   outros. 

d  albu-    Y)efte    modo    aquietou    o    efpirito    do 

quERquE  Governador ,  que  nifto  fez  huma  ve- 

GOVER"    nida  de  meílre. 

vador.  £^a    pjevençaQ    na5   impedio   as 

traições,  e  o  General  teve  muitas  pro- 
vas por  efcrito  ,  abrindo  as  cartas  ,  en- 
tre as  quaes  elle  achou ,  de  Mirai ,  e 
de  Melique  Sufe-Condal ,  de  quem  pa- 
rece ,  devia  menos  defconfiar  ,  porque 
o  primeiro  tinha  moftrado  grande  de- 
zejo  de  entregar  a  Cidade  aos  Portu- 
guezes  ,  e  o  íegundo  era  intimamente 
ligado  a  Timoja,  que  lhe  tinha  n'outro 
tempo  dado  hum  afilo ,  depois  que  fo- 
ra expulfado  de  Goa  pelo  defunto  Idal- 
caõ.  Albuquerque  disfarçou  no  principio, 
deixando  a  vingança  para  feu  tempo. 
Com  tudo  vigiava  como  Capitão 
mor  ,  e  tinha  a  Ilha  também  fechada  , 
que  os  inimigos  naó  podiaó  penetra- 
la.  Nada  eílava  mais  bem  eitabelecido  , 
cuie  todos  os  feus  poílos.    Tinha  fei- 

to 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.       6^ 

to   armar  trincheiras   de  huns  a  outros  , « 

vifitava-os  peffoalmente  ,  e   tinha   poí-  Ann.  de 
to  corpos  de  referva    para  íocorrer   a    J.    C. 
todos   em  cazo   precizo.  Hum  dos  pri-     i<~io. 
nieiros   cuidados  foi    de  ajuntar  todos 
os   bateis  ,    para  que   os   inimigos   fe    D*    MA" 
naó  podeflem    aproveitar  dellcs  :  mas  NOEL  REI 
quando  elle  deo  a  ordem ,  o  Sabandar , 
ou  Commiííario   da   Marinha  ,  que  era  A,FFONS° 
traidor  ,  e  a  efperava ,  os  tinha  envia-  D  ALBl-~ 
do  todos  para  os  inimigos,  que   deiles  ^UER0-UE 
fe  tinhaó  apoderado.    Naó  íe  lhe  de-  GOvER" 
morou    o  caftigo  ,  porque  naó  poden-KADOK* 
do    dar  razaó    deita  conducta  ,    Albu- 
querque o  fez  matar  pelos  feus  guar- 
das,  e  deitar  feu  corpo   no  rio* 

A  fentinela  ,  que  faííaó  as  tropas 
Portuguezas  ,  que  eftavaó  fempre  á 
leira,  cortando  a  efperança  a  Pulate- 
caó  de  as  poder  forçar  de  dia,  rezol- 
veo  furprendelas  numa  das  noites  do 
inverno  em  que  entravaó  ,  e  que  faó 
acompanhadas  de  vento ,  e  chuva.  Ef- 
colheo  a  de  17  de  Maio  ,  que  veio 
como  à  defejava.  Sufolarim  Official 
de  credito  commandando  hum  corpo 
de  dois  mil  homens  ,  entre  os  quaes 
havia  mil  e  trezentos  Rumes ,  ou  bran- 
cos ,  devia  hir  defcer  ao  PaíTo  de  Be- 
naítarim  ,  e  Melique  Sufe-Curgi  com 
outro    igual  corpo  a   devia    hir  defcer 

com 


6*4  Historia  dos  Descobrimentos 

~"  com  os  Coties  ,  ou   pequenos   bateis  , 

Ann.   deque  o  Sabandar  tinha  enviado  cie  Goa, 

J.    C.    ao  poil:o  de   Gondalim.    Foraó  taó  fe- 

i-çio.     ^ces  >    <lue  defefttbârcâraõ  metade  dos 

Teus ,  antes  que  foflem  percebidos.    E- 

Vm    MA"poftoque  ao  defpontar  do  dia  os  Por- 

koel  rei  tuguezes   fízeíTem   grande  fogo  com   a 

fua  artilheria  ,   e  huma  grande  deftrui- 

AFFONSO  ç^    nQ3    ypç    tin}ia5    p-ffacJo  f    Com    tu- 

d  aleu-    fo   crecenc|0    fempre     o    numero    dos 

querque  mjmigos  s  foraó   tomados  os  dois   pof- 

gover-    tos^  e  os   Por^gucze1;   forçados   a   íe 

ka-dor.    retirarem  para  á  Cidade  ;  de  forte  que 

Pulatecaõ   naó    achando    quem  lhe  íi- 

zeífe   cara  ,  paffou   as  luas  tropas   para 

á  Ilha  ,    e  veio    acampar- íe    em   hum 

lugar   chamado  as  duas  arvores  2.  meia 

legoa   de    Goa.    Vlctoria    fácil   ,    mas 

que   naó     o   teria    íido  5    íe   dois    dos 

principaes  OfHciaes  Porruguezes  tive  í- 

íem   querido    fazer   a  fua  obrigação. 

O  Governador  naó  foi  inteirado, 
de  que  os  inimigos  eílavaõ  na  Ilha  , 
íe  naó  peníando  no  perico  mais  emi- 
nente ,  fez  íahir  da  Cidade  todas  as 
tropas  Indianas  ,  que  ahi  eííavaó , 
com  o  pretexto  de  ioccerrerem  o  poí- 
to  de  Benaftarim.  Bem  preveo  que 
elias  hiriaó  encontrar  os  inimigos  ,  aí- 
íim  como  rinhaõ  já  feito  as  tropas 
de  Timoja  ;    mas  era-lhe  mais  vanta- 

jozo 


DOS    PoRTUGUEZES  ,     LlV.     V.       6$ 

jozo  apartalas,do  qconfcrvalas  na  praça,  ■ 

onde  poderiaó  dar-lhe  maiores  trabalhos.  Am;,   de 

Querendo     depois    vingar-fe     dos     J.    C. 
traidores,    fez   degolar   alguns  ,  e  fez     irio. 
enforcar  outros  na   Cidadeila  ,  mui  fe- 
cretamente    para    que     os     habitantes    D#    MA" 
ignorando  eíta  execução  fe  confervaf-  N0EL  REI 
fem    no  refpeito    dos   penhores   ,  que 
elle   tinha    em   feu  poder.    Mas   como  AFFONSC> 
naó   poderão    perfuadir-fe   ,    que    elle  D  ALBU" 
foííe  ás    ultimas   a  feu    refpeito  ,  naó  £VERQU2 
occultaraó    a   inclinação  que  unhaó  ao  GOVER" 
inimigo  ,  e  tanto  que  Pulatecaó   avan-  KADoR« 
çou    as    fuás    tropas   para   á   Cidade  , 
tudo  pareceo  preítes  a  fublevar-ie.  Pu- 
latecaó perdeo  com   tudo   três  dias  di- 
ante   da  praça,    foi  obrigado   a   fazer 
huma   obra  avançada,    e   nella  caval- 
gar  algumas   peças  de    artilheria   para 
fazerem    brecha.     Entaõ    correrão    os 
habitantes    ás  armas    Os   Portuguezes 
attacados  dentro  ,  e  fora  ,  combaterão 
com  muito  valor.    Timoja  ,   e   Menai- 
que  ,    ambos  índios  ,    e  fieis     ao   feu 
partido  ,  alEgnalaraó-fe  nella  occafiaõ  : 
porém    arraítados    pela    multidão    dos 
agreílores  foraó   obrigados   a   ganhar  a 
Cidadeila  com  Aíbuquerque  ,    que  lhe 
cuftou   bem   falvar-fe  nella.    Antes  de 
fe  recolher  teve    a  pervençaó  de   dei- 
tar fogo  aos  armazéns ,    e   ás   embar- 
Tom.  II,  E  ca- 


tfADOR. 


66  Historia  dos  Descobrimentos 

— —  caçoes ,    que  eítavaó  nos  eítaleiros  ,  o 

Ann.  de  que  fez  alguma diverfaó  ,  fendo  osini- 
J.  C.  migos  obrigados  a  concorrer  ahi  para 
1510.      trabaharem  na  fua  extinção. 

Na  pre:izaó    em  que    Albuquer- 
D*    MA~  que  fe  achava  defpachou  para  Cochim  , 

KOFL  REI  •  1  t  -    ,  •* 

e  enviou  ordem    a  Jeronymo   Teixei- 
ra, e    a  Jorge   da  Silveira   para  virem 
affonso  unjr_fe.]]ie  5  e  j^e   conduzirem    foccor- 

D  ALBU-      ro<      ^as    gggj   CJQ-S    nomens    a    quem    q 

querque  o^o  cegava  ?  defprezaraó  as  luas  or- 
dens ,  e  as  fuás  rogativas.  Doutra 
parte  a  divizaó  fe  augmentava  entre 
os  feus  ,  cujo  atrevimento ,  e  a  revol- 
ta cobravaó  novas  forças  á  medida  , 
que  lhe  parecia  ter  mais  razaó  para 
combater  a  fua  obítinaçaõ.  Pulatecaõ 
que  eílava  informado  de  tudo  o  que 
íe  paliava  ,  atiçava  o  fogo  deita  divi- 
zaó pelas  licenças  ,  que  dava  ao  Ge- 
neral de  retirar-fe  com  honra  ,  e  pe- 
lo terror  que  lhe  queria  infpirar,  pu- 
blicando o  defignio ,  que  elle  tinha  de 
queimar  a  fua  frota  ,  íeja  porque  efpe- 
raffe  por  iíTo  obrigalo  a  deixar  a  par- 
tida ,  ou  porque  naó  dezejalTe  mais  , 
que  augmentar  a  perturbação.  Macha- 
do fempre  zelozo  ,  quando  menos  na 
apparencia  ,  avlzava  de  tudo  ,  e  os 
feus  avizos  ,  que  fe  achavaó  fempre 
verdadeiros ,  produfiaó  o  effeito  de  en- 
volve- 


t>OS    PoRTVGUEZES  ,    LlV.    V.       6j 

volverem  fempre  cada  vez  mais   o  Go — 

vernador  com  os  feus  fubalternos.  Ann.   de 

Nifto    chegou   o  Idalcaó  ,    e   en-    J.  C. 
rrou  na  Cidade  com    o   refto  das  tro-    rr-I0. 
pas.     A  primeira    coifa   que    fez  ,  foi 
tentar     embocar     o     canal     do    rio  , 
para     impedir    a    fahida    á  frora   Por-NOELREI 
rogueza  ,  e  aíTegurar-fe  de  poder  quei- 
mala.    Para  efte  efTeito  fez   alli  enca-  AFF0NSO 
lhar    dois   corpos    de   embarcações  no  D  ALBU" 
lugar  onde   o  canal  era   mais  eftreito.  °-UER(iUE 
Albuquerque  fe  achou  entaó  numa  ter-  GOVER-  . 
rivel  extremidade.  Vio-fe  na  precizaó  NADOR« 
de  abandonar  a  Cidadella  ,  para  falvar 
a  íua  frota  ,  com  o  que  naó  fabia  fe 
o  canal  eírava  abfolutamente  fechado  , 
ainda  na  fuppofiçaó ,   que  podeííe  for- 
çar  a  paffagem  ,    era   obrigado    a  in- 
vernar   nos   feus   navios  ,    tendo   toda 
a  probabilidade  5    que    a  barra    eftaria 
entupida  pelas  áreas  ,    que  as   tempef- 
tades    alli  ajuntaó  no  principio  do  in- 
verno, 

Felizmente  como  efte  era  o  tem- 
po das  innundaçoés  y  o  crefcimento 
das  aguas  lhe  abrio  caminho  ,  de  mo- 
do que  os  feus  navios  podiaó  paíTar 
em  tiieira  a  lado  das  embarcações  en- 
calhadas. Sobre  ifto  tomando  a  refo* 
luçaó  de  defpejar  a  Cidadella  ,  foi  jul- 
tificar  novamente  os  traidores  3  fazen- 
E  ii  âo 


68  Historia  dos  Dzscouiu?<íextos 

cio   morrer  até  cento   ííncoenta  peífoas 

Akn.   de  que  tinha  em  penhor.    Fez  depois  ef- 

J.    C.     pedaçar  ,    e  f algar  os  cavailos   das  ef- 

1510.    trcbtrias  do  Idalcaõ  ,    para  remediar  a 

fome  j    e  tendo    pefquizado    o  modo 

-d.    MA-para  era^arcar    tU(j0    0  que   queria  ie, 

i^otL  rei  yar  ^  tomou    a   noite  para  fazer  a   fua 

retirada.    D.  António  de  Noronha  fa- 

affonso  zencj0  largar  fogo  a  hum  armazém  in- 

d  albu-   tempgftiyjHnenie 5  advertio  com  iíío  os 

^UERquE  inimigos  do  intento  da  fugida.    Albu- 

cover-    querque    os  teve  }0g0    em  fnna  ^    ^e 

&ADOR.  forte  5  qlie  naõ  pôde  ganhar  as  fuás 
náos  fem  combate  ,  e  correo  muito 
rifco  matando-lhe  o  cavallo  em  que 
hia. 

A  alegria  ,  que  teve  o  Idalcaõ 
de  fe  ver  fenhor  da  Cidadeila  >  foi 
bem  aguada  pelo  horrorozo  efpeta- 
culo-de  tantas  cabeças  cortadas  ,  e  ca- 
dáveres defcabeçados  ,  que  elle  achou 
na  praça  5  e  pelos  gritos  dos  parentes 
dos  mortos,  os  quaes  fendo  todos  dos 
principaes  da  Cidade  pertenciaó  quaíl 
a  todas  as  cazas  ,  que  fe  cubriraó  de 
luto.  Entre  tanto  Albuquerque  vo- 
gou com  as  velas  cheias  ,  e  foi  anco- 
rar em  hum  portinho  eípaçozo  entre 
a  ponta  de  Rebandar  ,  a  barra  ,  e  os 
Fortes  de  Pangim,  e  de  Bardes.  O 
Idalcaõ  que    o  tinha  feito   feguir   por 

hum 


HEI 


D   ALBU- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    Ll\<    V.        6o 

hum  bragantin  ,   temendo  que  elle  fe 

apoderaífe  deites   Fortes  ,    enviou-lhe  Akn.   de 
Machado  para    o   enrerter  com  propo-     J.  C. 
ííçoés  de  paz.    E  pofto  que   a   altivez     j^I0. 
do   Governador  foffe  tal  ,  que  as  coifas 

?iue  elle  fazia  da  fua  parte  ,  podiaõ  paf-    D' 
ar  por  extravagâncias,  por  ferem  ar-  í:OEL 
ro^antes  ,  eíle   Príncipe  naõ  deixou  de 
continuar  as  luas  negociações ,  ate  que  ^-r^ 
eftes  dois  pontos    foiTem  inteiramente 
eftabelecidos.   Doutra   parte    os    Capi-  QUERQUE 
taés  queriaó  abfolutamente  obrigar  Al-  GOVFR~ 
buquerque  a   fahir  da   barra  ,    e  pofto  r:AD0R« 
que   ifto  foíTe  contra  o  voto   de  todos 
os  Pilotos  ,  naó  focegaraó   fenaó  quan- 
do  por  ccndefcendencia    elle  permitio 
a  Fernando  Peres  de  Andrade  ,  tentar 
a   fahida  com    o  navio    S.  Joaõ  ,  que 
a   teima  defte  OíHcial   fez  perecer ,  de 
modo  com  tudo  que   falvaraõ    a  equi- 
pagem ,  e  toda  a  carga. 

Preparada  a  artilheria  dos  For- 
tes ,  começou  a  jugar  com  tanta  fe- 
licidade ,  que  como  o  portinho  onde 
eftava  a  frota  ,  pofto  que  grande,  naõ 
o  era  afias  para  eila ,  Albuquerque  naõ 
fabia  aonde  fe  meteíTe,  e  era  obriga- 
do a  fazer  mudar  continuamente  de 
lugar  os  íeuc  navios  ,  fem  lhes  poder 
achar  feguro  azilo.  Sentio-fè  taõ  cruel 
fome  ,  que  foraó  obrigados  a  come- 
rem 


70  Historia  dos  Descobrimentos 

— rem  ratos,  e  até  os  couros  dos   baús, 

Ann.  de  e  dos     efcados   :    porém  o  que    mais 
J.  C.    mortificou  o  General  ,   foi    a  deferfaó 
leio.    ^e  três  dos  feus,  que  contarão  ao  Idal- 
caõ    o   eílado  miieravel  ,    a  que   eíla- 
D*    MA"vaõ  redufidos.    Efte  Príncipe    que  era 
koel  rei  ta~    civilizado    como    valerozo   ,    lhe 
enviou  ,  logo   que  teve  a  primeira  no- 
AFFONsotocja  ^  numa   fufta  cheia  de  viveres,  e 
r>  albxj-   rcfrefcos ,  mandando-lhe  dizer  :  „  Que 
ÇUERO-UE„  pelas    armas   he  que    queria  vencer 
co ver-    ^  os    ceus  inimig0S  5  e  na5   pela  fo- 
napor.     m  me#  ^    Mas   Albuquerque   que    creo 
que   o  Idalcaõ  defejava  laber    na  ver- 
dade   fe   elle    eltava    com  efFeito  em 
taó   grande  extremidade  ,  uzou   de  fin- 
gimento.   Porque  fazendo  expor  fobre 
a  tolda  hum  quarto    de  vinho   com  o 
pouco  bifcouto  ,  que  tinhaó   refervado. 
para    os    doentes   ,    como  para  todos 
uzarem  á  defcripçaõ  ,  illudio   o  laço , 
e  recambiou  o  prezente  ,  refpondendo 
ao   OíRcial   que  o  trazia,   engraçada, 
e  altivamente  no  mefmo  tempo.  „  Di- 
„  zei  ao  voflb  Senhor  ,  que  eu  lhe  fou 
„  obrigado  ,  mas  que  naó  receberei  os 
„  léus    prezentes  ,   fenaõ  quando   for- 
„  mos   bons   amigos.  „ 

Soffrendo  fempre  a  frota  muita 
arcilheria  dos  fortes  de  Pangim  ,  e  de 
Bardes  .  reíoiveo  o  Governador  de  fe 

a- 


DOS    PoRTUGVEZES  ,    LlV~.    V.         Jl 

livrar  defta  impunidade,  intentando  ga- 

nhalos    por   viva    força.    A    empreza  Ann.  de 
era  atrevida  ,  e   mefmo  temerária.  Na     J.  C. 
má  vontpdc,  que   os   Officiaes  lhe   ti-     irio. 
nhaó  ,    vio  bem   que   naó    confeguiria 
refolvelcs  a  iíTo  ,  propendo   o   negocio    D*    MA~ 
em    deliberação  no  Confelho  :    e  por  KOEL  RE1 
iflo  in^tande-os  ,    lhes   diz  determina- 
damente, que  elle  eftava  determinado  A3FFONSO 
a  attacalos ,  que  naó  obrigava  algum  a  D  ALBU~ 
feguilo  ,    rras   que   iria  na  frente    dos  Querçue 
que  voluntariamente  o  feguiííem.  Eíla  GOVER" 
maneira  de  propor  furtio   eíFeito.   Tb-  KAD0R| 
dos  q-izeraó,  e  todos  ahi  deraõ  asmaós, 
O  ídalcaó ,  que  tinha  {ido  aviza- 
do  por   hum  fugido  ,    tinha    reforçado 
a  guarnição  de  Pangim  com  quinhen- 
tos homens  ,    feguindo  o   confelho   de 
Machado  ,    que    fe   tinha    obftinado  , 
contra  o   parecer  dos  outros  Oíficiaes , 
dizendo  que  os  Portuguezes  ganhavaõ 
o   Forte  ,  ainda  que  foííem  muito  in- 
commodados.    Ainda    que     depois    da 
evazaõ   do  fugido  ,  Albuquerque   defc- 
donfiaffe  ,  que   o  Idalcaõ  enviaria  efte 
reforço  ,  com  tudo  preparou-fe   a  dar 
o    feu    golpe    desde    a    mefma  noite. 
Tendo  feito  o  feu  projecto  ,  e  deftri- 
buido  a   fua  gente  por  mar  ,  e  terra  , 
para    attacar  por   differentes  panes  ao 
meímo   tempo  os  dois    Fortes  ,   e  o 

mef- 


~>l  Historia  dos  Deçcosrimektos 

— * mefmo  campo  de  Pulatecaó  ,  que  efta- 

Ann.  de  va  poítado     fobre  hum    oiteiro    muito 

J.  C.     perto    do    Forte   de  Panai m  ,    para  o 

i<io.    í°correr  fegundo  a  neceííidade  ;  chegou 

ao   defembarque    duas   horas  antes   do 

11  *    MA~dia  3    fem  que    o  percebefem.    Tendo 

*0ELRE1  entaó    feito   tocar   á   combate    com  o 

maior  numero  de  trombetas  ,    e  tam- 

affonso  |DOre3   3   que  i^ç  f0j  p0j]iuei  3  attacou 

■°  ALBU"    todos  os  lados.    Pulatecaó ,  que  julgou 
querque  ter   tQC|a    a  armac|a    Portugueza   fobre 

GOVER-      Ç{  ^    na*     j^g    |em|3rou    mais    ^O   que  pQr. 

nador.  ^c  em  fugjcfo  para  fe  retirar  para  á  Cida- 
de com  precipitação.  Os  que  guardavaó 
o  forte  de  Pangim,  tinhao  paífado  mui- 
ta parte  da  noite  a  beber ,  e  todos  efta- 
vaó  fepultados  em  profundo  fono.  Co- 
mo elles  todo>  eílavaó  dormindo  dentro, 
e  fora  do  Forte,  onde  naó  podiam  caber 
todos  ,  fem  alguma  precaução ,  portas 
abertas  ,  e  as  mefmas  guardas  dor- 
mindo ,  foraó  vencidos  antes  que  ti- 
veíTem  ,  por  aílim  dizer  ,  tempo  para 
fe  defenderem.  Foraó  ganhados  os 
Fortes ,  a  arrilheria  ,  e  os  viveres  em- 
barcados ,  e  cila  valentia ,  que  foi  hu- 
ma  acçaõ  muito  memorável  ,  enfiou 
aos  Portu^uezes  poucos  homens  ,  e  al- 
guns feridos.  O  Idalcaó  nella  perdeo 
três  dos  feus  Capitães,  150  Paimes  , 
C  100    índios,    que  ficarão    na  praça. 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.         7$ 

Ficou  elle  taó  afluftado ,  que  temendo < 

que   os   vencedores    o  vieilem   finar  a  ánn.    de 
Goa,    fahio   d'ahi  ,   e   fez  novas   pro-     J.   C. 
pofiçoés  de   paz.  15IO. 

Reíiavalhe    hum    grande    recuríb 
na  efperança  ,  que  tinha  de  queimar  a    D* 
frota.   Tinha  para  eíle  eíFeito  prepara-  NOEL  RE1 
do  quantidade    de   jangadas   cheias   de 
matérias    combufliveis  ,  que  devia  fa-  AFF°^so 
zer    feguir  5    e   fuftentar    por    oitenta  D  ALBU" 
embarcações    a    remos  ,    cujo    deítino  °>UER(iL'E 
era    para  matar  os  Portuguezes  ,    queG°^ER 
fe  deitalTem    ao  mar   quando    os   feus  KAD0R» 
navios  fe  queimaíTem.  Albuquerque  naó 
ignorava  eíle   projeclo  ,  e  tomou  Jogo 
algumas  medidas  para   fe  defender  del- 
le  ,    mas   peníando  tudo   bem,  julgou 
que    era  melhor   prevenir   o  goípe,  e 
hir  queimar  as  jangadas  antes  que  ci- 
las   íoííem  lançadas.    Deo     efta   com- 
miffaõ  a  António    de  Noronha   leu  fo- 
brinho  ,  a  quem   deo  3C0   homens  ef- 
colhidos  repartidos    em   dez   chalupas  , 
que    elle    fez    preceder   d'nma    fufta  , 
d'um   paráo  ,    c   das    duas   galeras  de 
Fernando  de  Beja  ,    e   de  António  de 
Almada.  Ordenou  a  eíles  uitimos  ,  que 
deitalTem    gente    em  terra   para  traze- 
rem alguém,  que  os  pudeííe  inílruir  da 
íltuaçaó  dos  inimigos  ,    mas  eites  naó 
vendo  apparecer  peílba  .alguma,  e  en- 

ladan- 


74    Historia  dos  Descoerimektos 

fadando-fe    de   efperar  ,  foraó  ancorar 

Ann.  de  a  hum  tiro    de  canhão    longe  da  Ci- 

j.  C.     dade.    Joaó   Gonçalves    Caftelbranco  , 

15 io.     4ue  commandava  o  paráo   ,   foi   alias 

animozo    para    hir   ahi  dar-lhe    huma 

d.    ma-  v;^a  j^iJjQg  $    e  paffar    por  baixo  do 

koel  rei  j.0gQ    cjas   batarias ,  de  que  naó  rece-^ 

beo  incommodo. 
affqnsí  j^    António  de  Noronha  chegan- 

r>  albxj-    ^Q  aonc|e    as   ^uas  ga|eras   eítavaõ  an- 
QUERQUE  coracjas  ^    percebeo    pelo    leu    travez 
gover-    trjnta   paráos  commandados  por   Sufo» 
hadok.     ]arimj    que  vinhaó    da  parte  da   Ilha 
de  Divarin.    Temendo   entaõ  fer  me- 
tido entre  dois  fogos  ,  e  attacado  pe- 
las outras  pequenas  embarcações ,  que 
veriaõ  da  parte  da   Cidade  ,  dividio  as 
fuás  chalupas  em  dois  corpos.    Entre- 
gou féis    ao  commando    de    Jorge  da 
Cunha  3  que   inviou  contra   eftes   últi- 
mos ,  dando-lhe  ordem  de  naó  atirar  , 
fem   que  elle    deíle  fignal.    Elle  com 
as  quatro  chalupas  defendidas  pelo  pa- 
•   ráo ,    e  pela  fufb.  ,   e  pelas   galeras  , 
foi   afrontar  Sufolarim. 

Começado  o  combate  por  todas 
as  partes  ,  Cunha  pôs  em  fugida  logo 
os  paráos  ,  que  tinha  em  frente  ,  e  os 
acuou  contra  a  praia  ,  onde  naó  po- 
dendo feguilos  ,  os  varejou  muito  tem- 
po   a     feu    gcíto.     Sufolarim    refiftio 

mais  . 


DOS    PoRTUGVEZES  ,     LlV.    V.       7^ 

mais  ,  e  batalhou  bem  ,  mas  hum  ti- 

ro  de  canhão  bem   apontado  levando-  Akn.  de 
lhe  alguns   remeircs ,  o  voltou  para  a     ].  C. 
Cidade:  Noronha  o  feguio  de  taó  per-      j    ia 
to  ,  que  o   obrigou  a  encalhar  defron- 
te da*  porta    da  Cidade  ,   que   fe  cha-    D*    MA" 
mou  depois  de  Santa  Catherina.  E  por-  KOELREl 
que  cntaó  acharão  eítar  a  proa   da  fua 
chalupa    na   poupa    da  fuíta   inimiga,  affonso 
os  dois    Andrades    faltarão    logo   den- D  ALBU" 
tro,  e  foraõ  feguidos  de  .mais  três,  o  Çuerque 
que   atemorizou    de    modo    o   Suíola-  GOVE1'~ 
rim,  e   os  íeus  ,  que  deitando-fe  abai-  NAD0R»  - 
xo  ,    abandonarão  a  embarcação.    Em 
todo   eíle  tempo   chovia    de  fima  dos 
muros  ,    e  da   praia    huma  nuvem   de 
tiros  ,  dos   quaes    hum   ferindo    Noro- 
nha   na   polpa   da  perna    efquerda  no 
tempo   em  que  hia  faltar  para  á  fuíla 
de  Sufolarim  ,   depois  dos  outros  fin- 
co ,    que   tinhaó   já  entrado  ,    recado 
para  á  fua  chalupa  ,   que  tendo-fe   fe- 
parado     da   fufta  ,    porque    entaó  naó 
penfaraó   mais  que   ioccorrelo  ,  os  fin- 
co vaicrozos   ficarão    expomos    ao   fu- 
ror dos   inimigos  que  os   rodearão.    O 
(eu  numero    era  taó  grande  ,  que   ne- 
nhum  dos    Capitães   ouzou  deíembar- 
car    para   hir    foccorrelos  :    mas   Luiz 
Coutinho  ,  que  commandava  huma  das 
féis   chalupas  da   eíquadra  de   Cunha, 

entran- 


GOVER- 
NADOR 


j6  Historia  dos  Descobrimentos 

entrando    em  huma   das  outras   chalu- 

Ann.  de  pas  com  a  maior  parte  dos   feus  ,  en- 

J.  C.     vi  ou   a  íu  a  com  o   feu  Patraó ,  e  fere 

15 io.    romeiros  para   os  tomar.    Fernando  de 

Beja  chegando  no  meímo  tempo  com 

d.    ma-  a   j^ua    oaiera  para   defender    a   chalu- 

*0ELREIpa,  o  Patraó  fe  encoftou    á   fuíta,  e 
lai  vou  os   valerozos  ,    que    combatiaó 
affonso  como  Heroes,  á  excepção    porem  de 
p  aleu-    joa~    ^'Eiras   ,    que   feu     muito  valor 
querque  ]ançOU  entre  os   inimigos  ,  que   o  ma- 
tarão.  Beja  intentando  inutilmente  tra- 
zer a  fuíla   a  reboque  ,    foi  obrigado 
a  ceixala  ,  depois  do  que ,  todos  fe  re- 
tirarão de  noite  para  le  unirem  á  frota. 
O   Idalcaõ,   que  tinha  voltado   a 
Goa ,   e  que   foi  o  obfervador  de  to- 
do eíle  combate ,  agradou-fe  tanto  do 
valor    dos   finco    valerozos  ,    e  mais 
que  tudo   dos    dois  irmaós   Andrades  , 
que  íizeraó  prodígios  de  valor  ,  e  fer- 
vi raó  de  e  feudo  aos  outros  três  ,  que 
enviou  Machado  para   os  comprimentar 
da  fua  parte  ,  mandando-lhe  dizer,   que 
elle  eílimava  tanto    o  feu  valor  ,  que 
com  elles  elle  efperaria   conquiftar  to- 
da   a    índia  •■,    que    os    aííegurava   da 
fua  amizade  ,  e  lhes   pedia  a  fua.  El- 
le lhes   teria   mandado  algum  prezen- 
te  ,    fe  Machado  lhe   naó  tivefTe  cer- 
tificado,   que  elles  lho   naò  recebiaó. 

Ef- 


DOS    PORTUGUEZES,    LlV.    V.       yj 

Eila  viíloria  ,  que  deítruio  o  pro- 


jecto   do   Idalcaó   ,    naõ   foi   completa  A*tn.   de 
pela  perda   de   D.  António    de  Noro-    J.    C. 
nhst  ,  que  morreo   três   dias   depois  da     i^io. 
ferida,    A  fua    morte   foi     tanto   mais 
feníivel  a  Albuquerque,  quanto    a  dor    D*_    MA~ 
foi   complicada    com     a  noticia  ,    que  KOEL  REI 
teve  pouco  depois    do   deíaílrc   fucce- 
dido    a   D.  Aftbnfo    de  Noronha  ,  ir-  af^nso 
ma5    de    D.   António.    Tinha  partido  D  ALEU~ 
de  Socotorá  para  vir  tomar  o  governo  QuerQue 
da   Fortaleza    de   Cananor  ,    como   já  GOVER- 
diííemos  •,    o  navio  que    o  trazia  dan-  KAD0R' 
do  por   huma  tempeftade  fobre   a  Coi- 
ta de  Cambaia  ,    confiando-fe  D.  Af- 
fonfo  nas  fuás   forças ,  foi   dos  que  fe 
deitarão  ao  mar  para  fe  falvarem  :  ei- 
le  apanhou   huma  bóia  ,    mas  chegan- 
do  á  praia   onde     o   mar   batia   furio- 
zamente  ,  a   mefma  bóia   fobre  a  qual 
elle  eílava,  o  despedaçou.    Os  que  fi- 
carão  agarrados   ao   corpo    do   navio  , 
falvaraõ-fe  todos  ,   e  foraó  conduzidos 
prezioneiros    para     á    Corte    do    Rei 
de  Cambaia.  Albuquerque  amava  eítes 
dois   irmaós  ,  filhos  de   fua   irmã,  co- 
mo fe  foffem  feus  próprios  filhos.  El* 
les  ambos   tinhaó  inrmito    merecimen- 
to ,  e  por  beliílimas   acções   fe   tinhaó 
deftinguido  3    e  eraó   geralmente    efti- 
maios  3  e  amados.  Parece  que  D,  An- 

to- 


78    Historia  dos  Descobrimentos 

tonio  tinha  fuperior  hfgar  a   feu  irmaó 

Ann.  de no   coração   cio   feu    tio.    Porque  ain- 
].  C.    ^a  4ue  ti^ha  fó  24  annos  ,  elíe  o  dif- 
tinava    para  feu   íucceílbr  no   governo 
5     '    geral. 
d.    ma-  Foi    eíla    verdadeiramente   huma 

koel  rei  perda  para  o  Governador.    Porque  co- 
mo D.  António  era  amado,  e  tinha  mo- 
affonso  dos   iníinuantes ,  reftabelecia  os   ne£o- 
d'albu-    cios   que    a  ri^ida  auíteridade    de  feu 
QUERQuEtio    tinha  perdido.   Elie    de  ordinário 
gover-    fe  fazia  medianeiro,  e  acommodava  tu- 
kador.    do.    Albuquerque    experimentou    bem 
de  preíTa    a  fua  falta    n'uma  precizaõ. 
O  General    tinha   no    feu    navio 
muitas   moças    filhas  dos   Mouros    re- 
belados ,    que   nunca    quiz     redimir  a 
feus  parentes  ,    tendo   refolvido  de  as 
fazer  inílruir  na  nofia  fanta   Religião, 
e  cazalas     com    Portuguezes  ,    como 
com  eíFeito    fez  pouco   depois.    Cha- 
mava-lhes   fuás  filhas  5   e  havia  muito 
fundamento    para  fuppor  ,    que   ellas 
eraó  a  fua  paixaõ.  Com  todas   as  pre- 
cauções ,  que  elle  tomou  para  as  guar- 
dar,   houveraó   muitas  defordens  ,  de 
que    os   principaes   Oínciaes    fe   acha- 
rão os   primeiros   culpados.    Rui   Dias 
moço  voluntário    convencido  do  fado 
foi    condenado    á   forca.    Os  Capitães 
mais  fogozos  3    entre  os  quaes  foraõ 

03 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.       79 

os  dois  Andrades  ,  foraó   taó   indigna 

dos  deita    fentença  ,  ainda   que  dada  Àkn.   de 
pelo   Auditor    das   índias  ,    que  tendo    J.  C. 
íublevado   os   feus  ,    foraó  tirar  o  cri-    x    IQ 
minozo  ,    e    tumultuariamente    vieraó 
a  bordo  do  navio  do  Governador ,  pa-     D*  MA" 
ra  lhe  preguntar   em  virtude    de  que  K0EL  KEl 
poder   exercitava    elle    tal  juítiça   ;  e 
entre    muitas  palavras  pouco  decentes  AFFOK£° 
lhe    diíTeraó    decedidamente  ,   que  era D  ALBU" 
precizo    livralo  ,    ou   mudar-lhe  a  pe-  cerque 
na  ,  que  naó  convinha  por  nenhum  me-  GOvER" 
do  a  hum  Fidalgo.  Albuquerque  muito  KAI)0K« 
Senhor  de  íí  fez  femblante  de  lhe  que- 
rer moftrar    os   feus  poderes.   Os   Ca- 
pitães foraó  finceros   em  hir  a  bordo. 
Albuquerque    entaó    tirando    pela  fua 
efpada.  „  DiíTe,  eis-aqui  em  cuja  vir- 
„  tude    eu  obro.  „   E  fazendo-os  logo 
meter   em  confelho  ,    e  tirando-lhe  o 
cominando  das  fuás  embarcações,  fez 
executar  a  fentença  fem  remiflaó.   Ac- 
ção   de  valor ,  que  conteve  todos  no 
maior   refpeito  ,    porém    que   naó  fez 
mais  que  irritar  cada  vez  mais  os  ef- 
piritos. 

As  vantagens ,  que  os  Portugue- 
zes  tinhaó  confeguido  ,  os  tinha  fei- 
to aiargar-fe  hum  pouco  por  cauza 
dos  viveres  ,  e  pela  facilidade  que  lhe 
<leraó  de  os  tirar  das  Ilhotas  vifinhas 

de 


8o   Historia  dos  Descobrimentos 

de  Goa.   Os  ilmplices  rumores   de  paz 

Ank.  de  lhe   tinhâõ   fido    úteis    para   iílo.   Por- 
].   C.     que   como   o   Governador   tinha   ainda 
l5ia    em  ferros  muitos  Mouros  ,  a  que  naõ 
tinha  dado   a  pena  ultima  ,  fez-fe   ro- 
D•     MA"  gar   a  permifTaó  para  que  o  feitor  Cor- 
ri oel  reí  vinej   trata^g    ^o  (Qu    re(Vare   com   os 

parentes  dos  prefioneiros  ,  e  o  refga- 

AFFONSO  te      em   ^  fempre      pagQ     f;m     viveres#      A 

x>  albu-  pCZar  ^e  tuJj0  ifto  a  frota  fofria  fo- 
.quERquE  me  .  por^m  como  0  inverno  declina- 
gover-  va  ^  lifongeavaó-fe  de  ver  fedo  o  fim 
n£Dor.     ^e  toc|as   eftas  mizerias. 

O  defignio  do  General  era  naõ 
fahir  de  lá  ,  fem  tomar  a  Cidade  ,  e 
neftas  viftas  fez  logo  partir  D.  Joaó 
de  Lima  ,  que  devia  conduíir  os  do- 
entes para  Ánchediva  ,  e  ordenar  aos 
navios  ,  que  de  novo  chegaíTem  de 
Portugal  ,  que  foíTem  unir-fe  com  o 
General^  á  barra  de  Goa.  Timoia  foi 
defpachado  no  mefmo  tempo  com  as 
fuás  fuftas  para  hir  bufear  viveres  a 
Onor.  Albuquerque  tinha  noticia  cer- 
ta ,  de  que  o  Rei  de  Naríínga  defen- 
ganado  da  falfa  idéa  ,  que  lhe  tinhaõ 
dado  da  tomada  de  Goa  ,  tinha  de 
novo  rompido  com  o  Idalcaõ  ,  e  fe 
tinha  unido  aos  Príncipes  feus  tribu- 
tários 3  para  hir  fitiar  a  Cidade  de  Ti- 
racoi,   o  que    obrigava    ao  Idalcaó  a 

dei- 


DOS    PoRTUGUEZES  5    LlV.     V-        8l 

deixar  Goa  ;  para  hir  em  focorro  ciei - 

ta   praça.    Porém   os    Capitães   eftavaó  Ann.  de? 
taó  eltimulados  contra  o  Governador  ,     }.    C. 
que    ellc    os  naõ   pôde  períuadir  com    j^iq. 
as    melhores   razo-s  ,    de   modo    que 


fempre  ,  le  reíolveo  a  ievar  a  ancora 
tara  fe  retirar.  A  primeira  tentativa 
Foi  inútil ,  e  foi  obrigado    a  tornar  a 


trás   com  Lima,    e  Timoja  ,  que  naó  D  ALBL~ 
tinhaó   podido  paííar.    Finalmente  em  (iUER^x-E 
15   de   Agoito   eftando  preíles   ,  fahio  GOVER" 
da   barra,    e  no   mel  mo  dia  aviltou  aKAD0R« 
frota  de   Diogo   Mendes    de  Vafcon- 
cellos,   que   chegou   de   Portugal. 

Além  de  huma  frota  de  trinta 
velas ,  que  o  Rei  D.  Manoel  pós  no 
mar  contra  os  Mouros  de  Fez  ,  e  de 
Marrocos  a  quem  elie  continuava  a 
fazer  guerra  ,  eíte  Príncipe  fez  panir 
neíle  mefmo  anno  outras  tres  frotas 
para  o  novo  Mundo.  Vaíconcellos 
comrnandava  huma  de  quatro  navios  , 
que  eile  enviava  a  Malaca  ,  amei  de  ter 
recebido  noticia  alguma  de  E»iogo  Lo- 
pes de  Siqueira,  que  ahi  tinha  envia- 
do nos  annos  precedentes.  A  fegun- 
da  era  de  íete  navios  conduzida  por 
Gonçalo  de  Siqueira,  cujo  deftíno  era 
para  as  índias  :  e  a  terceira  de  tres 
embarcações,  que  deo  a  Joaó  -Serrão, 
Tom.  II.  F  que 


82  Historia  dos  Descobrimentos 

que   rinha    ordem   de   hir    tomar   exa* 

A::::,  àè  &Bó    conhecimento    da  Ilha    de  Mada- 

J.  C.     j/ifcar  ,  e   das  utilidades  ,  que  delia  íe: 

j.IO#     ]  tirar.     Porem    Serraó     t^ndo 

perdido   muito    tempo  neíta    Ilha  cor- 

D*    MA~rendo-ihe  os  íeus   portos  ,  lem  maior 
koel  rei  ,e][cl  j^  .    dQ  ^c     QS  ^fi    Q  tmha- 

precedido  ,   continuou    a    íua     derrota 
AFFONSo^   ás  Inc!ias> 

d  alí:!;-  ^  vinda  de  todas  eiras  náos   deo 

QUEliquE  grande   goílro  a  Albuquerque  ,  que  dif- 

(jover-    çQ    teye   noticia     em     Anchediva    por 

i.ador.    yafconceiíos  ?  porém,  a  diítiuaçaõ  def- 

te   naô   lhe   emportava   nada.    Livrou- 

íe   com    tudo  ao  principio   de  lhe  ta-. 

ôsa  Riflo  :     mas  antes   o  recebeo   com 

.    muito   agrado ,    dando-lhe    a  entender 

cuc  o   naõ   podia  expedir   taó  depref- 

ía  ,  porque   a   navegação   para   Malaca 

íe  naõ  abria  antes  cse  três   mezes  ,  pro- 

me*;cndo-ihe  cuc  quando  folie  própria, 

jhe   daria  maior  numero  de   nãos  com 

que  podeHe    executar   com   honra   hu- 

ma    Dmpreza  ,  que  naõ   poderia  con- 

feguir  com  a  íua  pequena  frota. 

Fazendo  logo'  quatro  eíquadras 
de  três  naoi  cada  huma  ,  para  cru- 
zar em  diferentes  lufares  da  Coita  , 
foi  a  Caiiaiior  -,  onde  Duarte  de  Le- 
mos que  ahi  chegou  enraõ,  o  emba- 
raçou    muito..    Albuquerque  tomou  o 

par- 


t>OS    PoRTUGUEZES  3    LlV.    V.       8$ 

partido     de   o  receber    com  diftinçaõ  5 — • 

como  já  diíTe  ,   e  Lemos   fe  contentou  Ann.   de 
por  algum   tempo   com  eftas   demonf-    J.  C. 
tracoés    honrozas  ;   porem  os    Capitães    i^io. 
dofcotcrerítes  ,   tinhaó    atiçado    o  fogo 
eh  difcoriia  ,  e  elle  fe  picou  a  reípeito    Di    MA" 
de  hum  Embaixador   do  Rei  de  C:.m-M0ELREl 
baia  ,  que   veio  tratar  paz  com   Albu- 
querque.   Lemos   entendeo,  que  o  Ge-  AFF0NSO 
neral    fe    intrometia    nos    feus    direi- D  Aí 
tos   ,     e  que    elle  devia    enviar-lhe  o  <iJER<£Ul* 
Embaixador  ,   porque   Cambaia   eftava  GOVER" 
no    feu  deítricto.    Albuquerque    diffi- KAD0R* 
mulou   com  Lemos ,  e  lhe  iofreo  mui- 
tas  coifas  y  que  lhe  naó    fofreria  nou- 
tro  tempo.    Elie  julgou  ,   que  o  devia 
confervar   por  reípeito  a  ElRei  ,  e  ás 
Provizoés  que  tinha.    Xaõ  deixou  com 
tudo   de  profeguir  na  lua  carreira ,  e 
de    expedir   o    Enviado    de    Cambaia. 
As  diferenças  deites   dois    homens  te- 
riaò  peííimas  confequencias  5  fenaó  fof- 
fem  terminadas    peia  chegada  dos   na- 
vios  de  Siqueira  ,    que   traziaó  ordem 
a  Lemos   de  voltar  para   Portugal  5  e 
de  entregar    o  Governo    a  Albuquer- 
que. 

O  Governador  concluindo  os  ne- 
gócios que   tinha  em  Cananor,   e  ten- 
do vifto  o  Rei ,  de  quem  recebeo  to- 
<iâ  a  forte  de  honras  ,  vio-fe  obriga-? 
F  ii  do> 


84  Historia  dos  Descobrimentos 

►- do  por    hum  novo    acontecimento   de 

Jí>:::.   de  hir  a  Cochim.    Trimumpara  era  mor- 
J.  C.     to  no    feu  retiro.   A  lei    do   paiz  re- 
1510.      queria,    que  o  Rei  que    o  tinha   fuc- 
cedido  no  Throno  ,  foífe  fubftituir  nef- 
d.    ma-  ta  foiidaó  ,  e   cedeífe  o   ieu  lugar  ao> 
Díoel  rei  Cq^j-jj^^q  ?  que  Trimumpara   tinha  ex- 
cluído ,    porque   elle  tinha   tomado  o 
affonso  partlj0  (je  Samorim  no   tempo  que  ef- 
d  albu-    te  ^e  ^az|a  guerra>  q   m0ç0  Rei  nao 
çuekque  tm]ia  muita  devoção   para   encerrar-fe 
gover-    ra£  «-jeprena.    Os   Portuguezes  de  Co- 
jíapor.     ^^   çe  oppozeraó    a  ifto  com  todas 
as  fuás  forças  ,    mas    o  feu   competi- 
dor    que  tinha   já    entrado    com  maó 
armada    na  Ilha  de  Vaipim  ,    parecia . 
eílar  na  obrigação  de  o  conftranger  a 
iíío.    A  prezença  do    Governador  lhe 
tirou  os  meios,  mas  o  Governador  que 
tinha  outros  deíignios  no  penfamento  , 
tendo   tornado   a   Cananor  ,  efte  Prín- 
cipe  ambiciozo  tornou  com  novas  for- 
ças ,   que   tinha  tido  do  Samorim  ,  as 
quaes   lhe   aproveitarão  pouco.     Nuno 
Vaz    de   Caltelbranco    o    deílruio  de 
modo ,    que  penfou    fazelo  prezionei- 
ro ,    e  lhe  tirou   para  fempre  a  efpe- 
rança  de  reinar. 

A  empreza  de  Goa  eílava  fem- 
pre fobre  o  coração  de  Albuquerque  -y 
mas   as  contradições,  que  tinha  íofri-, 

do 


DOS    PoRTUGUEZE?   ,    Ln'7    V.      85 

cio   da  parte  dos  feus  OtHciaes  y  faziaõ — 

com      que    elle     naó      ouzaífe    decla-  A 
rar-lhe    a  paixão    que    tinha.     Elle   a     J.  C. 
prcpoz   no    Confelho  ,    ccmo   por    to-    1510. 
mar  parecer     íbbre   a   conjuntura    cos 
tempos  3    os  quaes   fe   acharão  taó  fa-    r* 
voraveis,  que  ella  foi  determinada  pc-    ' 
la  pluralidade.  Albuquerque  teve  £rar.- 
de    cuidado     em    tomar    os    pareceres  ;.     ^; 
por    efcrito  ,    e  naó  perdeo   hum  mo-  :  AL-U~ 
mento  em  a  executar.  qvlrqve 

Elle    bem    quiz    conduzir   a   eftá  G0 
cmpreza   os  Capitães  deílinados  a  voí- ^AD0R* 
tar  para  Portugal  com  Lemos,  e  Gòri~ 
calo    de   Siqueira  3    que  tinhaó   ordem 
de  vir  com  os   navios   de   carga.  Por- 
que ainda   que   os   feus    Capitães    fof- 
lem  os  principaes  defcontentes  ,   e   re- 
voltozos ,   de   que  elle  fe   dele j ária   li- 
vrar j  com  tudo  como  elles  err.ó  bons 
Officiaes ,  e   coftumados  ás  guerras  das 
índias  ,    naó  fe  defagradou    de  qué  o 
quizeífem     feguir.     Porém     Jeronyrro 
Teixeira  ,  e   os  outros   bem  longe  de 
o  ajudar  ,   fizeraõ  quanto   poderão  pa- 
ra    fazer    encalhar    a   empreza.    Elíes 
lhe  corromperão   5C0   homens  ,  tpe  fe 
efconderaó   no   momento    da  partida,' 
e   naó    tendo  podido   feduzir   Váícon- 
cellos  ,  o  cahmír.iaraõ  na  prèzerça 
Al  Li  cerque,   fazendo   dar  a  elfc 

Gai- 


GOVjER- 

JÍADOR 


86*  Historia   dos  Descobrimentos 

Gafpar  Pereira  Secretario  das   índias, 

Ann.   de  o    falfo    avizo    de   que     Vafconcellos 
J.  C.     queria    eícapar-fe   para   hir  a   Malaca. 
1510.     ^'cr   e^a  ca^za  o  General ,  que  facil- 
mente cahio  neíle  engano,  o   fez  Ten- 
d.    MA"tcn:jar    com   os    Capitães     da   fua  ef- 

koel  rei  ^uajra  ^  a   quem   r;rou  0  govemo   das 
íuas  náos  ,  que  lhe  reftituio  logo   de- 

AFFOKso       •       tendo   connecic{0   a   faificíade  da 

DALBL"    acuzaçaó. 

Perto  do  principio  de  Novem- 
bro 3  o  General  fe  fez  á  vela  ,  e  foi 
ancorar  a  Onor  3  que  achou  em  fei- 
tas pelas  núpcias  de  Timoja  ,  que 
efpozava  a  filha  da  Rainha  de  Go- 
zampa.  Albuquerque  quiz  honrar  ef- 
tas  núpcias  com  a  fua  prezença.  A  fua 
frota  que  era  de  34  navios  ,  fendo  logo 
reforçada  de  outras  três  embarcações 
que  Timoja  lhe  deo*3  fe  voltou  ao 
rríar  em  quanto  o  Príncipe  índio  ajuf- 
tado  com  o  General  3  deixando  a  fua 
noiva  3  ajuntou  três  mil  homens  das 
fuás  tropas  para  hir  unir-fe-lhe  á  vif- 
ta  cie   Goa. 

O  medo  foi  tao  grande  cm  Goa 
com  a  chegada  da  frota  ,  que  os  For- 
tes de  Bardes  ,  e  Pangim  foraò  logo 
de' empar  ades  dos  que  os  guardavaõ. 
Albuquerque  que  naõ  quiz  perder  tem- 
po y  apreveitou-íe  da  occaíiaó  ,  e  en- 
viou 


dos  Portugueses,  Liv.  Y.      87 

viou   algumas  chalupas    ás  ordens   dos 

dois  irrnaós  ,    D.  Joaó ,  e  D.  jerohy-  Ani 
mo   de   Lima    para  darem    hum  a  vifta     J.  C. 
d' olhos   á  Cidade,    e   fazerem  Tua  re-    i^q. 
Jaçaó   do  eftado   em  que  ella   fe  acha- 
va.   Satisfizeraó  bem   elies   á   ília  com-       ' 
miíTaó  ,    indo  are   junto  da  Cidadella ,  N0EL  REI 
e   deícubriraó  a  terra  de  muito  peno  , 
a  pezar   das   falvas   de  artilheria ,  e   a  A/FOÍ*° 
chuva  de  flexas  ,  de   que   naõ  recebe-  'J  ;^LEL~ 
raó   algum   incommcdo.  çllKÇlE 

O  Idalcaô  rinha  deixado  na  pra-  ccvEK" 
ça  nove  mil  homens,  entre  os  crazcs  11AI>0*' 
contavaó  dois  mil  Rumes.  Tinha-lhe 
acreícentado  novas  obras  ,  e  a  rinha 
provido  de  toda  a  forte  de,  munições 
de  guerra.  O  General  tendo  regula- 
do o  projecto  das  fuás  operações  , 
foi  delcer  duas  horas  antes  do  dia 
25  de  Novembro  a  huma  jufta  c.if- 
tancia  d'uma  obra  avançada  ,  que  eiie 
precizava  ganhar  logo.  Diviac  attaca- 
la  a  hum  tempo  por  três  partes ,  em 
quanto  Albuquerque  ,  que  devia  fazer 
outro  attaque  a  huma  das  portas  da 
Cidade,  efperava  que  o  meílre  da  Ca- 
pitania feguido  de  trinta  marinheiro." , 
tiveíTe  cortado  huma  eílacada  ,  que  fe 
achava  no  caminho ,  que  eiie  havia  fa- 
zer.  Sendo  dado  o  final  do  atraque 
com  grande  efirondo   de   inílrume  •  os 

beli- 


88   Historia  cos  Descobrimentos 

— bélicos  ,    D.  Joaô    de    Lima ,    Diogo 

Ann.   de  Meneies  de  Vafconcellos  ,  e  hum  ter- 

J.  C.     ceiro  5  que  commandavaõ  os  três  cor- 

içio.      Pos   deiemados   a  dar   o   affalto  á  obra 

avançada  ,    a    forçarão    todos    três  no 

D*    MA"  mefmo  tempo  ,    e   feguiraó    os  inimi- 

JÍOEL  REI    ^QS     j^g     ,|  ^    ja     (3JjacJe    .    ^ue   e^es 

naó  pederaó  bem  fechar   nas   luas  cof- 
affokso  u<?  ^  p0rque  Diniz  Fernandes   de  Mel- 
d  albj-     |0  ^   ^uc    çQ  acjiava    na  te{j.a   ^os    que 
^LEP.quE        feguiap  3  atraveífou  entre    as    duas 
go ver-     tranqUeníls    c|a  porra  ,     que   depois   fe 
kador.     chamou   de   Santa  Catherina  ,  a  baile 
de    huma     grande     lança.    Depois   de 
grandes  esforços  de  ambas  as  partes  3 
os    Portuguezes     fe    aííenhorearaó    da 
porta  ,     e     fe   efpalharaõ    instantanea- 
mente pelas  ruas  ;    e   á  pezar  das  pe- 
dras ,  e  ílexas ,  que  lhe    lançavaó  dos 
telhados  5  e  das  janelas  das  cazas ,  le- 
varão os   inimigos  diante    de   fi  ,   ven- 
do-fe  algumas  vezes   abafados  :  porém 
focorridos  fempre  a  tempo  ,  foraó  ga- 
nhar o  terreno  até  ao  Palácio  do  Idal- 
caõ. 

Em  quanto  efes  fe  aproveitaó 
das  fuás  vantagens  ,  Albuquerque  , 
que  tinha  ouvido  rodo  o  eifcrondo  , 
que  fe  tinha  feito  daquclla  parte ,  en- 
viou Simaó  Martins  porá  lhe  dar  re- 
lação  do  que    fe   ahi  paffava  :    porem 

naó 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.         8o 

naó    tendo   paciência    de   efperar   pela  —  ' 

íua  reporta  ,   enfiou     a  ma   do  Arra-  Akk.   de 
balde ,    que  defembocava     na  porta  ,     J.  C. 
que    tinhaó   attacado.    Ahi    lhe    cahio      1510. 
em  (ima  hum  ccrpo  de  Mouros  ,  que 

r       •     -         t        ^    i      '     r  1  ir         D.      MA- 

fugiao    da  Cidade,    e   que  achando-íe  n  a 

entre  dois   ío^cs  nzerao   da  necemda- 
de  virtude  ,  e  batalharão  bem.   O  Ge- 

1  '        11  /r  r  AFFOKSO 

neral  com  tucto    lhe  paliou  por  lima  ,    , 

e  entrou  no   praça.  „   „ 

~  rj      r  .  QUERQIE 

Com    xvco    os     primeiros   ,    que  *        ^ 

checarão   ao  Palácio   íoraõ  muito   mal  G 

D 1  ,  1  ■       r  i:ador. 

tratados  ,     alguns   dos    mais    togozos 

ahi  morrerão ,  e  D.  Jeronymo  de  Li- 
ma ahi  foi  ferdo  mortalmente.  EUes 
feriaó  tecos  paflâdòs  á  eípada,  fenaó 
fora  hum  novo  reforço  ,  que  lhe  che- 
gou a  tempe.  D.  ]oaó  de  Lima  ven- 
do feu  irmaó  desbaratado  quiz-fe  de- 
morar, mas  eíle  ,  que  tio  eftado  em 
que  fe  fer  tia  ,  naõ  fazia  já  coita  da 
vida  ,  rhofoou-lrie  o  caminho  da  glo- 
ria 3  e  ire  fdlou  como  Heroe.  D.  Joaó 
combatido  de  duas  paixões,  feguio  o 
feu  parecer,  e  julgou  por  melhor  vin- 
gai-ihe  a  morte  ,  do  que  certificar- 
lhe  huma  ternura  interrípciliva.  Ellcs 
naó  deixr  vo  de  ter  bem  que  fazer  ; 
porque  fabiô  por  niterentes  parles  do 
Palácio  tanta  geme  a  pé  ,  e  a  cavai- 
lo  .    que    logo    os    inveitiraõ.    Porem 

Dio- 


©Q  Hittoria  dos  Descobrimentos 

. Diogo   Mendes  de    Vakoncellos  che- 

Ank.   de  gandc  neítc  tempo  ,  fez  declinar  a  ba- 
J.   C.     lança,   e  teve  verdadeiramente  a  hon- 
j  „ro      ra   deíla   jornada ;  como   também  Ma- 
noel de  Lacerda  ,  que  tendo  hum  fer- 
d.     «A-ro   ^ç  £jexa    na  cara  ^  cioricie  lhe  cor- 
mke  rei  rja  mu;ío  fanglie ,   na5   ceifou  de  com- 
bater :  matou    hum   Abixim,   que   pa- 
affoxso  recja  ]lomcni  fo  confideraçaó  ,  e  mon- 
d  aldv -    ta:ic|0   no  cavallo    defte   inimigo  derri- 
querque  bado,  acharaó-no  ainda  fó  fazendo  ca- 
gover-    ra  a  O;co  peflfoas   que  defafiou. 
kador.  Depois    difto  os  inimigos  naó  fi- 

zeraó  mais  refiílencia.  Cada  hum  naó 
penfou  mais  que  em  fugir,  e  fe  fal- 
varaõ  pelas  portas .  ou  por  fima  dos 
muros  ,  de  forte  ,  que  quando  o  Ge- 
neral chegou,  tudo  eftava  feito.  Elle 
fez  logo  fechar  as  portas ,  para  em- 
pedir  os  feus  de  fe  defmandarem  ,  e 
depois  de  dar  graças  a  Deos  de  hu- 
ina  vantagem  taó  aííign alada  ,  armou 
Cavai! eiros  Maneei  da  Cunha  ,  e  Fre- 
derico Fernandes  ,  que  rinha  primeiro 
entrado  na  Cidade,  e  alguns  outros 
que  fe  tinhaó  (UíUngukio  mais. 

la  acçaó  morrerão   ló  perto  de 

xantã   Portuguezes  na  praça  ,  e  tre- 

H£tuo&    fergbs  j    catre    cites   íoraõ  os 

do:_.    :r:naõs    Ànc.rd)xi  ,  qiíè  Ciaô    iem- 

OS  primeiros    expeftes.    A    perda 

dos 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V.       pi 

dos  inimigos    foi  muito   coníideraye!  , *- 

contando    os  que   pafíaraõ    pe'o    ferro  A:n.  cc 
do   vencedor,   ou  fe    precipitarão  dos    3-   C. 
muros  ,  e  dos  telhados   das  cazas ,  ou    i^jo. 
fe    afogarão.    Fizeraô     particularmente 

i      i  r   '  tcT  D.      MA- 

mortandade    iobre    os    Mouros   ,    e  o 
General   banio  logo  da   Cidade  ,  e  do 
feu    território ,   todos    aquelles   que  ti- 
nhao   eí capado    a  deíiruiçao  ,    que  ie    , 
lhes  tinha  feito.  Mandou  também  ian-     ATL,~^-.  , 
çar   fogo   aos   arrabaldes  de   Goa,  aí-ÇLli_y 
fim  como   tinha  jurado  ,   para   fe  vin-  . 
gar  dos  Canarins  ,   e   Malabares  ,  que "ADOR* 
tinhaó  favorecido  a   vinda  de  ídaicaó. 
Pôs   a  Cidade   á   faque  ,  e  para  punir 
os  habitantes  ,    impós-lhe    os   m elmos 
tributos  ,  que  elies  pagavaó   a  feu  pri- 
meiro  Senhor. 

Timoia  chegou  pouco  depois  da 
acçaó  ,  e  naó  teve  com  que  poceffe 
juilincar  a  lua  tardança  ,  e  defvane- 
cer  as  fafpeltas  da  traição  ,  fenac  a 
preíTa  ,  e  brevidade  ,  rom  que  tudo  fe 
fizera.  O  eípirito  do  General  vi  flori  o- 
zo  era  muito  vvo  para  foccega*  com 
o  gofto  duma  nova  conqr.iíla.  À  exe- 
cução dum  projecto  fazia  nelle  def- 
pertar  a  idéa  doutro.  Elle  tinha  três 
principaes.  O  prmeiro  era  o  do  mar 
Roxo.  EiRei  '  D.  Manoel  apertava 
muito   pelas   noticias  ,   que  tinha  rido 

do 


02  Historia  dos   Descobrimentos 

do   Levante  ,   de  que  o  Calife  prepa- 

Ank.  de  rava    huma   poderoza   ftofà    em    Suez 
J.  C.     pelas    vivas  inftancias    do  Samorim  , 
imo.     ^os  ^e's  c^e  Ormuz,  d'Aden  ,    e  de 
Cambaia;  e  elle  tinha  dado  [as  ordens 
p.    ma-  neceífarias   para  obrigarem  ao   Rei  de 
koel  rei  Aden  ,  por  bem  ou  por  mal ,  a  dei- 
xar edificar    huma    Cidadella    na  íua 
affonso  Capital  :   que  a  naó  poder  fer  ,  Te  fun- 
r>  albu-    fofa  huma  na  Ilha  de  Camaran  ,  que 
çuerque  era  melhor  que    a  dg  Socotorá,  onde 
go ver-     cs   navjos  na5   podiaó   invernar.    Com 
kador.     efeito  Albuquerque  enviou   entaó  Fer- 
nando de  Beja   para  a  deítruir,    por- 
que  alem  de  fer  inútil  ,  euftava  mui- 
to   a   coníervar.    O   íegundo    projeclo 
era  o   de  Ormuz ,  que  elle  tinha  fem- 
pre   nu  coração  :  e  o  terceiro   era  em 
fim    a  empreza  de  Malaca  ,    na  qual 
naó  parecia  que  penfava  fenaó  por  fa- 
vorecer a  commiítaó  de  Diogo  Mendes 
de  Vafconcellos  ,  que  fe  tinha   deílin- 
guido   muito  na  tomada    de  Goa.  Ef- 
fecHvamente  hum  dos    feus   primeiros 
cuidados  ,  foi    mandar  ordens  a  Cana- 
nor  para   aprontarem  tudo  para  á  via- 
jem defle  Qíficial. 

Entre  tanto  einpregava-fe  todo  a 
afFegurar-fè  de  modo  de  Goa,  que 
lha  tiaô  podelíem  tirar  nunca  -,  e  de- 
pois do  fim  de  Novembro  até  ao  íim 

de 


DOS    PoRTUGUtZES,    LlV.    V.        9$ 

cie  Março  do  armo  feguinte  ,  naó  per 

deo  elie  hum  ío  momento ,  aííim   em  Ann.  de 
a    fortificar    como    em  lhe    introduzir    J.  C. 
Jjuma   forma  de  governo   eífavel.    Co-    i^io. 
mo  elle  queria   fazer   ahi  huma  Cida- 
de Portusuez  a  ,    o   feu   maior    difvelo       ' 

r   •         n     i      i  li  ^  NOEL   REI 

foi  eítabelecer  nella  os  iJortuguezes  , 
que  fe  quizeraõ  ahi  coníervar.  Ca- 
z.ou-os    com  as  filhas   dos  Mouros  ,  e    , 

77        .  ,,  r  r        D  ALBU- 

Oentios  ,    que   elie  coniervava  preíio- 

'        * n  1  i      .  r  QUER QUE 

neiros  ;  e  a  fim  de  os  obrigar  mutua-    _ 

j-n   m      •      ,i  D  GOVER- 

mente  diítribuio-lhe  as  cazas  ,  e  as 
terras  aos  Mouros  ,  que  tmha  bani- 
do ,  ou  lhe  deo  empregos  nas  rendas , 
c  Alfandegas  ;  e  fe  fez  além  diiTo  cm 
extremo  humano  ,  e  agradável  para 
com  efta  nova  Colónia.  Aíhília  ás 
ceremonias  deites  cazainentos  ,  e  pof- 
to  que  fe  pareceííem  com  os  cios  pri- 
meiros Romanos  com  as  Sabinas  rou- 
badas ,  com  tudo  aproveitarão.  Elle 
mandou  logo  bater  moeda  ,  para  tirar 
o  valor  á  dos  Mouros ,  e  regulou  mui- 
to bem  a  fazenda  Real ,  como  tam- 
bém as  rendas  das  quaes  conferio  a 
Superintendência  a  Merlao  irmaó  do 
Rei   d'Onor. 

Por  todo  eíte  tempo  ,  recebeo  os 
Embaixadores  de  quaíi  todos  os  So- 
beranos da  índia  5  que  o  enviarão  fau- 
dar    fobre   a    fua   nova  conquiíia ,    e 

pro- 


94  Historia   dos  Descobrimentos 
procurarão  a   íua  aliança.    A   lua  Cor- 


Ann.  cie  te  aíi^nii2hav5.-ie  entaõ  á  d'um  dos 
*?  K'  maiores  Monarcas  do  mundo,  e  elle 
15 io.  confervava-lhe  o  eiplendor  com  toda 
d.     M\-aP0ITiPa5    4ue  te  P°^e  imaginar. 

KOELREi  O  tempo  paflava,  e  Diogo  Men- 

des de  Vafconcellos ,  vendo  que  o  Go- 

AFF01,:sovernador    o   entretinha   com   boas   pa- 

d'allu-  lavra*  ,  pedio-lhe  que  fe  declarafTe. 
"'    Elle  o   fez  com  razoes  muito  íbiidas  , 

^  fazendo-lhe    conhecer  a  impoilibilida- 

de  da    lua  empreza  j  porem  querendo 

jíador.  ac|0çar-ihe  0  diígoíto  do  que  lhe  ne- 
gava ,  ofereceo-lhe ,  ou  o  Governo  de 
Goa  ,  ou  outras  vantagens  confidera- 
veis  ,  no  cazo  que  elle  intentaííe 
voltar  para  Portugal.  Naó  íe  fatis fa- 
zendo Mendes  ,  Albuquerque  lhe  fez 
fallar  pelos  léus  amigos.  Mas  naó 
bailando  nada  para  o  adoçar,  e  mof- 
trando-íe  eíle  Oificial  fempre  determi- 
nado a  feguir  o  feo  deílino  ,  naó  lhe 
obílando  nada.  O  Governador  pôs  o 
negocio  em  deliberação  110  Conlelho  5 
e.  fez  intimar  judicialmente  a  fenten- 
ça  a  Mendes  fob  pena  de  degredo 
para  elle  ,  e  de  morte  para  os  mais 
da  fua  efquadra,  no  cazo  de  palia- 
rem avante.  Partindo  Mendes  a  pe- 
zar  deí:a  prohibiçaõ  ,  elle  o  fez  feguir 
com  ordem  de  o  fazerem  voltar  ,  ou 

de 


DOS    PoilTlTGUEZES  ,    LíV.    V.      <?0     ' 

de  o  meterem  no   fundo.    Mendes  te-  — — 

ve   a   infelicidade   cio   tempo  contrario  Ann.  de 
o    demorar    na    barra    de   Goa.    Elie    J.  C. 
com   tudo  naó  íe  rendeo   fenaó  depois      l~1 0# 
de  alguns   tiro:  ,    que   lhe    cortarão  a 
ver^a    do  maííro  srande  ,    e  lhe   ma- 

%      J     •  "Y\  1        J  f  NOEL  REI 

rarao    dois  moços.    Os  culpados    rorao 
procurados.    Mendes     foi   condemnado 
a  íer  reconduzido   para  1'orrugal  ,  ea    , 
pnzao  ate  partir.  Liiruz   Cernicne  Ca- 
pitão devia   ler  degolado  ,    e  os   mef-  ^lE^Qu« 
três  pilotos  enforcado»  Houveraó  dois   t     e 

>s  oo  principio  em  prezença  'AD0R* 
de  todos  os  Miniítros  eíbangeiros  , 
cue  approvaraó  muito  efta  juíiiça  do 
General ,  por  onde  conceberão  delle 
numa  grande  idca.  Porém  í  rogos  dos 
Oííiciaes  Porruguezes  3  elles  pedirão 
perdão  de  vida  para  os  mais  5  e  o 
obtiveraõ. 

O  General  parecia  querer  fempre 
feguir  o  projecto  do  mar  Roxo.  Com 
erfeito  fez-íe  á  vela  para  o  executar; 
mas  tendo-fe  feito  hum  pouco  ao  lar- 
go ,  para  evitar  os  baixos  de  Padova  , 
experimentou  huma  tempeftade.  Des- 
via elie  tela  prefentido  ,  por  íer  a  le- 
z-aõ  dos  ventos  gemes ,  e  regulares  , 
que  fazem  por  alguns  mezes  impoíll- 
vel  a  navegação  da  índia  no  Golfo 
Arábico,    e  pelo   contrario    fazem  a 

moa- 


VADOR, 


96  Historia  dos  Descobrimentos 

motiçaó   para  Malaca.    Pareceo   entaõ 

Akkí  de  que  elle  naó  tinha  deficukado  a  Vaf- 
J.  C.  concellos  eíla  empreza  cm  razaõ  de 
15 10.  a  querer  tentar  elle  mefmo.  He  cer- 
D      MA   to   que  fó  elle  com  todas  as  fuás  for- 

M)Êlrei>s  %?°&*  confeguir, 

J  endo   em  fim  tomado   a  refolu- 
iCFfUIÇn  çaó  do   parecer  de  todos  os   íeus  Ca- 

AFFONSO    J  .       ^  l  .  111  i 

d'*lbu-  Pltaes>  virou  de  oordo  ,  e  tocou  de 
ql-eroue  Paf%™  Goa,  Cananor ,  e  Cochim, 
go ver-  °  e  depois  de  ordenar  os  negócios 
do  feu  Governo  ,  atraveííba  o  Golfo 
de  Bengala  ,  tomou  no  caminho  ai* 
guns  navios  de  Cambaia ,  que  nave- 
gavaò  fem  paífaportes  léus  ,  e  abor- 
dou a  Pedir  na  Ilha  de  Sumatra.  O 
Rei  de  Pedir ,  a  quem  a  lua  viíla  in- 
timidou ,  lhe  enviou  nove  ,  ou  dez 
Portuguezes  da  tropa  d' Araújo  ,  que 
tinhaó  efcapado  de  Malaca.  Eíles  lhe 
noticiarão  a  revolução  fuccedida  n'ef- 
ta  Cidade  ,  onde  o  Rei  no  ponto  de 
ler  oppriínido  por  Bendará  feu  tio  ,  e- 
viiou-lhe  os  defignios  fazendo-o  de- 
golar. Elle  teria  ahi  feito  o  mefmo 
ao  Chabandar  dos  Guzarates  ,  que 
era  dá  confpiraçaó ,  fe  eíle  attentando 
pela  fua  vida  fenaõ  falvaíTe  junto  do 
Rei  de  Pacen  ,  com  quem  eílava. 
Como  o  Bendará,  e  o  Chabandar  ti- 
nhaó fido  os  principaes  aurores  da  trai- 
ção 


D05    PoRTUGVEZES,    LlV.    V.        07 

çaõ  feita   a  Siqueira  ,   eila  noticia  que 

deo  gofto    ao  General,    porque   delia  A::;.  de 
tirou  hum   bom  agouro.  }.   C. 

Eile    partio    do   porto    de    Pedir     j-jq, 
muito  contente   das   attençoés ,  que  o 
Rei    lhe   fez   ,    e  foi    ancorar    no  de     D  *  MA" 
Pacen  onde  lhe  rlzeraó  as  mefmas  de- lN0EL  REt 
monílraçoés  ,  porém   aili  conheceo  lo- 
go    a    pouca   finceridade  :     porque  o  AFF0-N5° 
Rei  de  Pacen  ,  que  lhe   tinha  prome-  D  ALBU~ 
tido  de  lhe  entregar   o  Chabandar  dos  QUER(^UE 
Guzarates   ,    lho    deixou    efcapar,  naGOUR' 
efperança  que  eile  poderia  obter  o  feuKAD0R* 
perdão  do  Rei  de  Malaca  ,  pela  noti- 
cia   que   eile   lhe  levava   cia    chegada 
da  frota  Portugueza.    No  mefmo  tem- 
po procurava  divertir   o   General  ,  pa- 
ra dar  tempo   a  Mahmud  para   fe  pôr 
em     defenía.     Albuquerque     percebeo 
iito  ,  porém  naõ  querendo  romper  com 
cite   Princepe  ,    tornou  logo   a   fazer- 
íe  á  veia.    O   Chabandar  alcançou  lo- 
go  o   merecido   caíligo  •,  o   General  o 
apanhou  na   fua  fugiria   fem  o   conhe- 
cer.   Eile    brigou  como  hum  deíeípe- 
perado.    Todos    os   da    fua    embarca- 
ção   ficarão  mortos    com  eile  ,   e  eile 
íerio    todos    os    da   que     o    attácaraé* 
Aconteceo   entaó  huma  coifa  que   pa- 
receo    prodigioza  ,    porque   quando   o 
defpirao  ,    o  acharão  todo   coberto,  de 
Tom.  II  Q  feri- 


pS  Historia  dos  Descobrimentos 

, —  feridas ,   fein  que  apparece.Te  huma  go- 

áxn".   de  ta   de  langue  :  porém  depois   que  lhe 

].  C.     tirarão     hum     bracelete    de  o;ro  ,    no 

imo.     TJ?^   eílava  engaíb.do  hum   olTo  d'um 

animal  ,    que  "o  Reino   de   Siaó   cha- 

D*    MA"maó    Cabis  ,  fahio  em  torrentes  de  to- 
noel  Reij^  as  fer-l(jas  ^  oac|e  e^e  0ÍrQ  tin}ia  a 

virtude  de  o  reter. 
affonso  Mahmud    Rei   de    Malaca  depois 

d  albu-  j0  ^ue  fez  a  Siqueira  ,  devia  efperar 
quERQVE  aigruma  hoftilidade  da  pane  dos  Por- 
co ver-  tU7UeZes  ,  por  iíío  fe  nao  devia  admirar 
kador.  dz  vinda  d* Albuquerque  ;  e  antes  pa- 
rece que  a  efperava.  Porque  ainda 
que  a  íua  Cidade  eftiveííe  toda  aber- 
ta ,  tinha  mil  homens  de  tropa  ,  e 
hum  numero  prodigiozo  de  peças  de 
artilheria  ,  de  forte  que  parecia  fiar- 
fe  muito  das  fuás  forças.  Com  tudo 
naõ  deixou  de  enviar  faudar  o  Gene- 
ral ,  e  de  dar  algumas  fatisfaçòés  á 
cerca  do  paíTado  ,  defeuipando-fe  com 
o  Bendara",  a  quem  dizia  elle  ,  tinha 
punido  com  os  rigores  da  fua  juíliça 
pela  pena  ultima.  Albuquerque  naõ 
quiz  receber  as  fuás  fatisfaçòés  ,  e  fe 
contentou  com  lhe  pedir  ,  que  lhe  re- 
meteíTe  Rui  d'Araujo,  e  os  outros  Por- 
tuguezes  com  todos  os  effeitos  d'Eí- 
Rei  feu  Senhor  ,  que  tinhaõ  fido  apa- 
nhados 3  q  decipados. 

Ma- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.       9<? 

Mahmud  dezejou   dar  alguma  fa« 


tisfaçaó    a   Albuquerque    pelo     temor  Ann.   de 
que    lhe  infpirou     a  lua  prezença  ,  e    J.   C. 
pela   incerteza  em    que  eiteve   íe  de-    i^io. 
via  rezolver-fe  á   guerra  ,  cujos  acon- 
tecimentos  temia.    Porém    Aladin  feu     D*  MA~ 
filho ,  e  Principe  hereditário  de  Mala-  N0EL  REI 
ca,   eo  filho   do  Rei  de  Pam  ,   que  fe 
achava  entaó  nefta   Cidade ,   onde   ti-  AfFF0NS0 
nha    vindo  para  efpozar-fe    com  a  fi-  D  ALBU 
lha  de  Mahmud,  e  o  novo  Chabandar  QUERC^E 
dos  Guzarates  ,  que  naó  era  menos  ini-  GOVER" 
migo  dos  Portuguezes  ,  que  o  feu  pre-  NAD0R« 
decelíor  ,  iníligando-o  inceííantemente 
contra  eftes  eftrangeiros  ,  de   quem  tu- 
do   devia  temer ,     determinou-fe    elle 
com   efFeito  a  arrifcar  tndo  ,  antes  do 
cue    dar-lhe   a    fatisfacaõ    que  lhe  pe- 
diaó.    Com  tudo  elle  os  enterteve  com 
boas  promeflas  ,   a  fim  de    dar  tempo 
ao   feu  Almirante  ,   que   eftava  actual- 
mente  no  mar,  de  voltar  com   a  fua 
frota  para  fe  unir  a  outras   muitas  em- 
barcações de  remos  ,  que  tinha  todas 
prelr.es  ,    para  com  todas   juntas  quei- 
mar a  frota  Portugueza. 

Com  tudo  a  maneira  com  que 
elle  paleava  o  General  era  taõ  grof- 
íeira  ,  que  fe  podia  confiderar  como 
huma  ferie  de  infultos.  Albuquer- 
que bem  o  percebia,  e  precizava  dá 
G  ii  to- 


100   Historia  dos  Descobrimentos 

. * ioda  a  fua  fleugma  para   naó   perder  a 

Ann.   de  paciência  ;   porém  julgava,   que  devia 
].  C.     lòírer    tudo    por    amor     d' Araújo  ,   a 
i-io.     4uem    devia    grandes     obrigações,  e 
que     naó     fe   achava    em   Malaca   em 
D*    MA~ perigo    de  lá  morrer,    fenaó   por  fer 
K9ELREIleu   intimo    amigo,  e  que    pela  razaó 
deita    amizade  o    Vice-Rei   D.   Fran- 
affonso  cjrCQ   fe   Almeida   ali   o  enviara  como 
d  albu-    batli,j0#  Ajeim  ^ifto  julgava   dever   ef- 
quERquE  te   refpejt0  ás   ordens  do  Rei   de  Por- 
gover-    tuga]  ?    que  naó   queria  que    conílran- 
nador.     geíTem  intempeftivamente  a  hum  ne- 
gocio, em  quanto  houveííe    efperança 
de   o   confeguir  pelos   meios   de  bran- 
dura. Emiim  elle  naó   fe  incommoda- 
va    de  ver    que   os  feus    Oíficiaes    fe 
picavaó  dos  iníultos  ,  que  lhes   iaziaó', 
para   mais   os  animar  á  vingança  pe- 
la grande  indolência  ,   que  oppunha   á 
cólera  delles. 

Por  tanto  enfaftlado  finalmente 
de  naó  ver  fim  algum  á  negociação  , 
fez  reprezentar  a  Araújo  a  trifte  pre- 
cizaó  em  que  fe  achava  de  emprehen- 
der  alguma  coifa.  Eíte  lhe  reípondeo 
nobremente,  que  naó  cuida-fe  por  mo- 
do algum  nelle,  mas  fomente  em  fe 
vingar  de  hum  Príncipe  infiel  ,  que 
fó  penfava  em  perdeJo.  Sobre  eíte 
refpeito  enviou  o  General  algumas  cha- 

lu- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,'  LlV.    V.      101 


lupas    para  lançarem    fogo    a    alguns 

bairros     da    Cidade,   e    a   alguns   na-A-K.   de. 
vios  de   Cambaia.    O   que  aproveitou^    J.    C. 
porque    Mahmud    enviou     ao     campo     jr\o^ 
Araújo  ,   e  todos   os   Portuguezes  pre- 
zioneiros,  pedindo   por   mercê   ao  Ge-     D*  *A~ 
neral   premi tifle  ,   que  trabalhaííem  pa-NOELBEi* 
ra   extinguir  o    fogo. 

O    gofto   que   teve  o  General  de  affonso 
recuperar    Araújo  ,  e  os  léus   o   enfo-  D  ALBU" 
berbeceo  muito  ,   e   o  pôs     em  eftado  QUER0-UE 
de  fazer    propofiçoés    muito  mais   for-  G0VER~ 
tes.    Com    effeito    elle    pedio  entaó :  NADOR#   * 
3,  Que    naó  fomente    lhe    pagaffem   o 
,,  valor     do  que   lhe  tinha  fido    tirado 
„  da    feitoria   ,     mas    ainda   todos    os 
3,  gaílos   do  armamento  que   tinha  fei- 
3,  to.    Porque    como    naó   tinha    vindo 
3,  para  negocio  ,  mas  fomente  para  re- 
a,  petir  o  que  lhe  detinhaó  injuftamen- 
3,  te  5  naó   era   de    razaò  ,    dizia  elle, 
3,  que   fupportaffe   eíTa   defpeza.  Final' 
5,  mente  exegia  ,   que  lhe  deiTem  hum 
3,  lugar    para  fundar  huma  Cidadella  , 
„  porque  depois  da   traição  feita  a  Si- 
35  queira  ,    naó   convinha  que    os   vaf- 
3,  íallos   cTElRei    feu    Senhor  ,     e   os 
3,  feus    effeitos  efriveíTem    expoílos   a 
„  fimilhantes   perfídias.  „ 

Mahmud  fingio   que   aceitava   ef- 
tas  propofiçoés  ,  e  deo  a  liberdade  ao 

Gene- 


102  Historia  dos  Descobrimentos 

í General  cie  efcoiher  o  lugar  ,  que  lhe 

Ann.   de  fora  mais  conveniente.   Porém  os  íub- 
J.    C.     terfugios   de  que   fe   fervio  ,  e   os  avi- 
leio.      zos  *ecretos5  clue   alguns  índios   ami- 
gos    dos  Poriuguezes   deraó   ,    defeo- 
r>.   ma-  grjncj0   a  fua  m;£   fé  9  obrigarão  a  Al- 
koelrei  {3Uquerqlie   a  uzar   de  força,     e  a   fa- 
zer hum  affalto   á  Cidade  com  a  efpe- 
affonso  ranca    de  a   ganhar.      Araújo   o   tinha 
x>  albu-    capacifac[0  de  que  elle   feria  fenhor  da 
quer  que  cidade  ,  tanto  que  o  foííe  da  ponte  , 
cover-     e  ^q     ao    menos   dividiria     as   forças 
fadqr.     do   inimigo  ,  na5  podendo  metade  da 
Cidade   communicar   a  outra.   A  pon- 
te eílava    muito  bem    fortificada  ;    ti- 
nhaó  edificado   nella  huma  efpecie  de 
Caftello  de   madeira ,    onde   comman- 
dava  hum  dos   principaes  Oíficiaes  do 
Rei.    Eílava  bem   guarnecida    de  arti- 
lheria.    Dos    dois    lados    tinhaõ     feito 
algumas  incifoés ,  ou  foíTos  ,  que   era 
precizo    tomar  logo.    Além    diílo  fiu- 
ma  das  faces  da  ponte    eílava  defendi- 
da   pela    viíinhança    d'uma    Mefquita 
de  pedra,   e   do  Palácio    do    Rei  :   A 
outra  o  eílava  igualmente  pelos  telha- 
dos  das   cazas. 

Na  Vigília  de  Sant-Iago  Maior, 
em  que  o  General  tinha  huma  gran- 
de confiança  ,  porque  eíle  grande 
Santo    he  protector    das  Efpanhas  ,  c 

Pa- 


DOS    PoRTUGUEZES   ,    LlV.    V.        10} 

Patrono    d'uma    Ordem ,    de   que   elle -—=- • 

|    era  Commendador,  todas  as  chalupas ,  Ánn.   de 
e   eícaieres  da  freta   tiveraõ  ordem  pa-    J.    C. 
ra  hi^em  a  bordo  da   Almirante,  para    j^io. 
ahi   âjúftarem    o  projecto  do   atraque. 
I    O  General   fez    dois  corpos   de   exer-   D*     MA~ 
'    cito,    que  cada  hum   devia   hir   defcer  N0EL  REI 
a   hum  dos   limites   da  ponte,  para  fe 
reun  rem  depois   ambos   no   meio.    D.  AFFONSO 
Joaó  de    Lima  commandava  o   corpo  ,  D  -ALBX;" 
que    dev>a    defembarcar    da     parte   da  QLERQufe 
Mefqnita  ,  e  do   Palácio  do  Rei.    Al-  GOyÈ^ 
buqi-erque    em   p^eiToa  condufia    o  ou-  KAD0R* 
tro  ,   e  devia  defcer   na  parte  oppoíta 
onde    eítava    o  bairro     dos    Mercado- 
res.   O  defembarque  fe  fez   com  feli- 
cidade  ao   defpontar   do    dia  Santo ,  a 
pezar  do  fogo   de  artilheria  ,  mofque- 
taria  ,  e  duma   chuva   de  flexas  :  e  de 
ambas    as  partes    começou   o  combate 
com  muita  animoíidade. 

Albuquerque  forçou  logo  os  fof- 
•  fos  por  onde  Simaó  d'Andrade  en- 
trou primeiro.  Naõ  fem  muito  traba- 
lho ,  e  grandes  combates  ,  pôde  o  Ge- 
neral penetrar  até  á  ponte  ,  e  fenho- 
rear-fe  de  metade.  Eíle  fe  admirava 
que  Lima  ,  que  tinha  defeido  da  ou- 
tra parte  ,  naõ  tívefle  feito  outro  tan- 
to ,  e  fe  via  embaraçado.  Porim  Li- 
ma antes    de    chegar  á  ponte ,    tinha 

ti- 


T04  Historia  dos  Descobrimentos 

í —  tido   a  cara  Aladin  ,  c   o  filho   do  Rei 

Ann.  de  de  Pam    leu  cunhado  ,    na   teíla  d'ura 
].   C.     groílb    corpo    de  tropas  :    e   apenas   a 
leio.     partida  foi  unida    com  eftes,    foi   elle 
obrigado    a  dividir    a   fua  gente,  para 
r.     ma-  fazer  face  ao   Rei,  que   vinha  tomar- 
koel  rei  ^he  a  retaguarda.  &&c  Príncipe  vinha 
montado  n'um  Elefante  ,  precedido  de 
affonso  ^0-s   outros  ^  e  íeguído  de  muiio  gran- 
.  d  albl*-    fe    numero  ,     eícokados    de  mais  de 
querque  qU;nhení0S  homens.  Cada  Elefante  ti- 
gover-    n|ia  jiuma   torre,  e   a   fua  tromba  ar- 
iíador.     macla  de  fouces ,  e  de  fabres.    A   vif- 
ta  deites   Elefantes  intimidou  no  prin- 
cipio   os     Portuguezes.    Porém    Lima 
fazendo   abrir  fileiras  ,    como   para  lhe 
dar   caminho  ,  e  deixalos  paíTar ,  os  to- 
mou no  flanco.  Fernando  Gomes  de  Le- 
mos ,   e  Vaz   Fernando   Coutinho   fo- 
raó    os     primeiros     que    os    attacaraó. 
Elles  embeberão  no   Elefante    do  Rei 
as  fuás  lanças  ,    e  o  iiriraõ  perigoza- 
mente.    O   animal   ferido   deo  grandes 
gritos  ,    tomou   cem    a   tromba    o  feu 
couduaor  ,  e  o   pizou  aos  pés  ,   e  re. 
tro cedendo  3    derribou   os    que   vinhaõ 
atraz  delle   ,    e   pós    tudo    em   defer- 
dem.    Mahmud  ,   que  conheceo  o   pe- 
rigo em  que  eílava  ,  porque   eftava   ]í 
ferido  n^umamaó  3   deíçeo  occultamen- 
te  ,    e  fe  pôs  em  falvc.   A  trepa  de 

Ala- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,   LlV.    V.      10$ 

Aladin    ttttõ   reíiftio     mais     que   a    co 

Rei  ,  Lima    fe   affenhoreou    da  Mef-  Ann.    de 
quita  ,    e   da  outra  entrada  da  ponte.     J.  C. 
O    Governador   General     naó  ti-     T^io. 
nha  tido  pouco  que   fazer  da   fua  par- 
te.   Porque    no   me  fino   tempo  que  o    D;    MA~ 
Rei  fe  aprezentou  para   attacar  Lima  ,  NOtL  REI 
e   os   feus  ,    três   OfHciaes     principaes 
deite    Príncipe   fe    fepararaõ    delle  ,  e  AFFO>:so 
correrão  para  á  ponte  ,  feguidos  de  hum  D  ALBU" 
corpo   de  íetecentos  homens,  para   fa-  ÇUERQUE 
zer  cara    20    General  ,   que    fe  acheu  GOVLR~ 
entre  dois  fogos  ,  obrigado  no  mefmo  NADOR* 
tempo  á  fazer  cara   a  eíles  ,  e  aos  do 
lado    oppoílo  ,    que    refpondia    cá  rua 
principal    da    Cidade  ,    donde   vinhaõ 
fempre    fobre  elie  tropas    de  refrefeo. 
Além    diíío    era    muno    incommodado 
das  flexas ,    e  dos  artifícios,    que  lhe 
atirarão    de  fima   dos   telhados  das  ca^ 
zas  vifinhas    da  ponte ,    íem   fe  poder 
livrar.    Porem    quando    Lima    chegou 
á  ponte ,   os   mefmos  inimigos   achan- 
do-fe   entre  dois   fogos,  depois  d\ima 
grande   refiftencia  ,    foraó  obrigados   a 
deitar-fe  da  ponte   a  baixo  no  rio  pa- 
ri  fe  falvarem.   Levandc-os    a  corren- 
te para   á   parte   dos  bateis ,  os   mata- 
rão aqueiles  que  tinhaó  ficado  cm  guar- 
da deftes  bateis  ,  de  modo  que  efea^a- 
raõ   muito  poucos. 

Reu- 


106*  Historia   dos  Descobrimentos 

Reunidos  aílím  os  dois   corpos  ,  e 

Akn.  de  fentindo  animar-fe    o  feu    vaJor,  pela 
J.  C.     uniaõ   das     fuás  forças ,    Albuquerque 
1510.     trabalhou  por  fe  fortificar  fobre  a  pon- 
te com  a  mefma  madeira  ,  que  os  ini- 
d.    ma-  mjgos  aiaj  tinna5  9    e  fez  alteftar  duas 
icoel  rei  peças    de    canhaó    á  entrada    do    fof- 
io,  que   enfiavaó  a  rua  principal.  Para 
affonso  çe  iivrar    i0jT0    Ja  importunação    dos 
•  dalbu-    teliiaaos   deftacou  Gaípar    de    Paiva, 
querque  e  5jma5  ]VIartins  cada   hum  com  cem 
go ver-    nomens  para  hirem  lançar  fogo  ás  ca- 
kador.     zas<  q  f0g0  pegou  de  modo ,  que  mui- 
tas  foraó  confumidas  juntamente  com 
o  tecto   da  Melquita  ,  huma   parte  do 
Palácio  do  Rei ,  e  outro   pequeno  Pa- 
lácio ambulante ,  arraftado  fobre  rodi- 
nhas ,  que  o  Rei  tinha  feito  conítruir  , 
para  divertimento  nas  núpcias  da  Prin- 
ceza  fua  filha. 

Albuquerque  naõ  confeguio  com 
tudo  fortificar-fe  fobre  a  ponte  como 
dezejava ;  eílava  fempre  a  braços  com 
novos  inimigos  :  os  feus  eftavaõ  muito 
fatigados  :  tinhaõ  paffado  toda  a  noi- 
te debaixo  d'armas  :  tinhaõ  combatido 
todo  o  dia  ;  e  padeciaõ  extrema  fe- 
de  ,  fome  ,  e  o  exccíKvo  calor  do  dia. 
Apenas  fe  podiaó  ter.  O  General  te- 
mia^  além  diífo  para  á  fua  frota  ,  o  re- 
torno na  armada  dos  inimigos,  ou  as 

ma- 


D .       M  A- 
NOEL  RE! 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    V.        IO7 

maquinas  que   podiaõ  lançar  íbbre  os 

feus  navios  para  os  queimar  ,  e  de  for-  Akn.  de 
te  que  elle  tomou  o  partido  de   fe  re-     J.  C. 
tirar,  refoluto  de  voltar  outra  vez  ao      j_IO 
porto  ,  e  contente  do  que  tinha  feito 
neíta  jornada. 

Como  o  General  tinha    confiado 
muito  na  facilidade  ,   que  teria  em  fe 
aíTenhorear    da  Cidade,    pela   relação  AFFOKSO 
de  Araújo  j    achou  pelo    fuceíTo ,  que  D  ALBU" 
lhe   tinhaó   faltado   muitas   coifas,  das  QLERQuE 
quaes  fe  quiz  prover,  antes   de  tentar  GOVER" 
outro  attaque.  Neit.es  cuidados  ,  gaitou  NAD0R» 
alguns    dias     em  armar   hum     Junco  , 
que  era  hum  navio   de  grande  porte  , 
que  fez  armar  de  groífas  peífas  de  ar- 
tilheria  ,     e   cubrir    com   mantas    para 
o   prezervar  da  artilheria  dos  inimigos. 
Encheu-o    alem    difíb    de    muitos   to- 
neis ,  e  de  toda  a   forte  de  inftrumen- 
tos    próprios   para    fe  poderem    fervir 
para   fe  entrincheirar.   Efte  Junco ,  que 
parecia  huma    fortaleza  fluótuante  ,  de- 
via  encoftar-fe  á  ponte  para  a  domi- 
nar ;  porém  como  as  marés   naõ  davao 
baftante   agua  ,  precizava   muitos   dias 
para  o  levar  a  reboque  ,    e  fazelo  a- 
vançar  pouco   a  pouco  ,  á   medida  que 
as  aguas  crefcefem  .  com  a  aproximação 
da  Lua    nova.    Os  inimigos     esforça- 
vaó-fe  pelo   queimar  ,  e  lhe  deitavaó 

em 


ic8   Historia  dos  Descobrimentos 

—  em  cada  maré  ate   três  ,  e  quatro  ma- 

Ann.  de  quinas  cheias  de  artifícios  ,  e  matérias 
J.  C.  combuftiveis  ,  que  foraó  fempre  àc[- 
1510.    viadas   pelas  chalupas  da  frota ,  arma- 


_  das     de  páos  compridos  ,    e   ganchos. 

KOEL  REI 


GOVER 
*ADOR. 


As  barrarias  da  praia  naó  ceítavaõ  de 
atirar-lhe  ,  e  de  o  crivar  ,  em  diverfas 
partes  faziaó  igualmente  grarídiíílmo 
^ffonso  ef|.rag0  9  e  António  de  Abreu  que  com- 
i>  albu-  mandava,  teve  ambas  as  faces  paffadas 
quERquE  pQr   }iuma   |jaia  ^  que   ^g   ievOU  parte 

do  queixo  ,  dos  dentes  ,  e  da  lingoa  , 
o  que  naó  impedio  a  efte  valente  ho- 
mem de  continuar  a  fervir  o  feu  car- 
go,  e  de  fe  agravar  mefmo  contra 
Albuquerque  ,  que  julgando-o  impof- 
fibilitado  do  ferviço,  o   quiz  render. 

Emfim  no  dia  de  S.  Lourenço  , 
vendo  o  Governador ,  que  o  Junco  po- 
dia fer  conduíldo  até  a  ponte  ,  tornou 
ao  porto  como  dantes.  Os  inimigos, 
que  tinhaõ  tido  tempo  para  fe  pre- 
pararem ,  faziaõ  hum  rogo  formidá- 
vel ,  fem  embargo  do  qual  a  decida 
íe  fez  íeliciilimamente.  Diniz  Fernan- 
des ,  Jorge  Nunes  de  Leaó  ,  Nuno 
Vaz  de  Caftelbranco  ,  e  Jaques  Tei- 
xeira tendo  forçado  as  primeiras  trin- 
cheiras na  reíca  das  fuás  companhias  , 
foraó  atracar  a  Mefquiíta.  Da  outra 
parte  Albuquerque  evitando  /por  avi- 

zos 


DO?    PcRTUGUEZES  ,    LlV.     V.        IOO 

2os  que  tinha  tido,  minas,  e  abrolhos  

de    [erro  ,    que  Mahmud   tinha     feito  Ann.    de 
por  nos  lugares  por  onde  julgava  que     J.   C. 
dle  paíTaria  ,  levou  os  inimigos  ante      i^io. 
fi   até    ao   meio     da  rua     principal  da 
Cidade ,    onde   fez    os  maiores    esfor-    D*     ?lA" 
ço~  para    fe   affenhorear    d 'um  entrin-  X0EL  REl 
cheiramento  ,   que    os   Mouros   tinhaó 
feito  ,  e  donde  combatiaó  com  extre-  AFFONSo 
ma  do  valor.    Confeguindo-o  em  fim  ,  D  ALEU" 
nelle  deixou  huma  parte   das  fuás  tro-  ^UEK(^UE 
pas  ,  e  voltou  com   a  outra  para  aju-  GOVER" 
dar  os   que   attacavaó  a  Mefquita.  Na  NAD0K« 
paiíagem  achou   a   ponte    livre  ,  e   in- 
teiramente limpa  peio    valor   de  An- 
tónio  de  Abreu.    Os  que  combariaó  a 
Mefquita  experimentando  igual  fuccef- 
ío  ,    a   tinhaó   ganhado    por  viva   for- 
ça,   antes    da  chegada     de  Mahmud, 
que  vinha  na  teíta  de  três  mil  homens 
para  a  defender  ,  de  modo  que  vendo 
efte  Príncipe    tudo  concluído  ,   voltou 
íòbre  feus  paffos,    e   fe  retirou    para 
o  feu   Palácio  ,    onde  o   General  naõ 
feguiflem. 
Sendo    entaó  todo    o    difvelo  do 
General  apoderar-fe  da  ponte,  enviou 
quatro  barcas  ás  fuás  duas  bocas,  bem 
fornecidas   de   artilheria  para  limpar  a 
praia.    Foi  logo  tirar    os    toneis  ,  que 
tinhaó  trazido   no  Junco  ,  mandou  que 

os 


lio  Historia  dos  Descobrimentos 

os   encheííem    de   terra ,    do    que  fez 

Ann.   deduas  boas  batarias,  huma  via  parte   da 

J.  C.     Mefquiua,    e  outra    da  parte     da    rua 

15 io.    principal.    Tendo  afíim    fortificado    as 

paflàgens  ,    fez  cubrir   a  ponte  ,    e   o 

D.       MA-í  a  *  1  1       r 

junco    com  grandes  velas   ,    para   po- 
1  der  eílar  ahi  defendido  aííim  do  gran- 
de calor,  como  dos  tiros  ,    e  dos   ar- 

AFFONSO    -c    •  •  -  1     •  11 

titicios  que    continuavao    a  deitar-lhe. 

Mas  para   íe  livrar   mais   feguramente 

^UEK<iUF'deíle  incommodo  ,  fez  occupar  as  ca- 

GOVER-  T     L  J  1 

zas  mais  viímhas  da  ponte ,  e  caval- 
*ador.  gar  a[gumíls  peças  d'art!lheria  fobre 
os  feus  telhados.  O  combate  durava 
ainda  na  Cidade  ,  ou  na  rua  princi- 
pal ,  ou  nas  traveífas.  Hum  deftaca- 
mento ,  que  elle  enviou  para  ahi  paf- 
far  tudo  á  efpada,  acabou  de  decipar 
tudo  ,  matando  ,  e  aíTacinando  ate  á 
noite,  de  modo  que  as  ruas  ,  e  o  mef- 
mo  leito  do  rio  eítavaó  cheios  de  fan- 
gue  ,  e  corpos  mortos. 

O  General  julgava  ter  ainda  mui- 
to que  fazer  no  dia  íeguinte  no  atta- 
que  do  Palácio  ,  porém  o  Rei  o  tinha 
abandonado  á  deíefperaçaõ  ,  e  fe  ti- 
nha retirado  de  noite  para  o  Rei  de 
Pam  ,  donde  efcrevco  aos  Reis  vifí- 
nhos  para  os  entereíTar  a  fim  de  ref- 
tabelecerem  féis  mil  homens  de  tro- 
pas inimigas ,  que  reftavaó    ainda  ern 

hurrç 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    V.       III 

hum      bairro     entrincheirado    tendo-fe 


v->  ■ 


ido    do  mefmo   modo  :    a  Cidade  A:;k.  de 
appareceo   reduzida  a   huma  medonha     J.  C. 
folidaó.  Ninguém  oufava  íahir  das  ca-      i^iq. 
zas.     Deite   modo    durou    iflo   alguns 
dias   ,    nos  quaes    o   Raja    Uremutis,    D*    MA" 
que  tinha  já  tratado  lecretamente  com  NOEL  REl 
o  General ,  lhes  mandou  pedir  protec- 
ção  para   íí  ,  e   para   todos   os  Jovas  ,  affo>.so 
que    eraó    da   lua    obrigação.    Araújo  D  ALEU" 
entercedeo     também    por    Ninachetu.  ÇUER(iUE 
Era  efte  hum  Gentio,  notável  pela  fua  GOVER~ 
probidade  5  e  pelas  fuás  riquezas  ,  que  NAD0R« 
pelo  eípirito  de  Religião  tinha  foccor- 
rido   por    todos   os  modos    os  Portu- 
guezes  em  quanto  durou    o   feu   cati- 
veiro ,  e  continuara  depois  em  os  avi- 
zar  de   tudo  ,  que  contra  elles  fe  ur- 
dia.   Deo-fe  quartel  aos  eltrangeiros  , 
porém  tudo  que  foraó  Mouros  Guza- 
rates  ,   e   Mouros   naturaes    de  Mala- 
ca ,  os  que  naó  foraó   paliados  á  eípa- 
da  3    ficarão     captivos.    A    Cidade   foi 
por   três  dias   expcíla    a  ambição  dos 
toldados.   He  incrível   á  riqueza  ,  que 
acharão  nelia.    Porque  além  do  dinne- 
ro  j  e   pedras   preciozas  ,    que    os  ini- 
migos levarão  3  ou  efeonderaõ  ,  alem 
das   que   os  vencedores   poderão  ocul- 
tar ?  o  quinto  de   todo    o   faque  ,  que 
pertencia  por  direito  ao  P>.ei  3  chegou 

a  du- 


112  Historia  dos  Descobrimentos 

a  duzentos    mil    cruzados.    Naó   toca- 

.An;;,  deraó   nos  armazês  da  Cidade  ,  nem  no 

J.  C.    que  podia  fervir  para  reitabelecer  a  fro- 

15 io.     ta5  ou  para  fortificar  a  praça  ,  na  qual 

cuílará   a   crer  ,  que   acharão   três   mil 

D*    *  A~  peças   de  artiiheria  ,  de   que   havia  até 

koelrei  duas  mil  de  fundiça6<    Affim  0aiZem 

Autores  Portuguezes ,  que  devo  feguir. 
affons^o  Efta   COpquií^5   que   foi  obra  de 

D  ATI  "  oitocentos  Portuguezes,  e  de  duzen- 
quEi<qLEtos  Malabares  auxiliares,  que  compu- 
nhaõ  a  frota  de  Albuquerque  ,  naó 
euftou  ao  vencedor  mais  que  oitenta 
homens  dos  feus,  dos  quaes  a  maior 
parte  morreo  por  cauza  das  flexas  en- 
venenadas ,  de  cujo  veneno  fe  igno- 
rava ainda  o  remédio.  Os  inimigos 
pelo  contrario  perderão  infinita  gente, 
cujo  numero  fe  naó  pode  eítimar.  Naó 
fe  pode  negar  que  elles  naó  fe  defen- 
deíTem  bem  ;  porém  vio-fe  neíta  occa- 
ííaó  o  que  pode  o  valor  ,  e  do  que 
he  capaz  a  gente  esforçada  governa- 
da por  hum  grande  Capitão. 

Fim  do  Quinto  Livro, 


GOVER 
In,*.  DOR. 


HIS- 


"5 


^M 


HISTORIA 

DOS 

DESCOBRIMENTOS, 

ECONQUISTAS 

DOS 

PORTUGUEZES, 

NO  NOVO  MUNDO. 


LIVRO    VIA 


I  Conquiíla  de  Malaca  na  5  era  Akn.  de 
I  x;w4||  ^'e  menor    importância    que    J.  C.    , 

ÍSAXi!  a  ^e  ^oa  *  °  Venerai  fe en_ 


tregou    a  eila    pouco  depoi 


1510. 


para  fe  aíTegurar.  da  poííe  "daqtíella^  do  D*  MA" 
mefmo  modo  que  tinha  uzado  paraNOELREi 
fe  eílabelecer  folidamente  nefta.  E  no  affonso 
principio  para  cativar  o  efpirito  dos  d'albu- 
povos  5  e  ganhalos  ,  deo  a  intendência  quero_ue 
dos  mouros  eftrangciros  ao  Raja  Ute-  gover- 
Tom.  IL  H  mu-    uador,' 


114  Historia  dos  Descobrimentos 

imitis ,  e  a  dos  índios  Idolatras   a  Ni- 

Ann.   denachetu.    Hum  tinha  mu  iro  credito,  e 
J.   C.     autoridade  fobre  os  da   fui  feita,  ou- 
icio.      tro  unha   probidade,    os   Portuguezes 
lhe    eraó  obrigados  ,    een     de  ncDre 
D*    MA"  defcendencia.  Eftes   dois  homens  cha- 
koel  rei  marci<5  |0g0  aqUelles   a  quem   o  terror 
tinha    apartado.    De  modo    que  Mah- 
AFFONSOmud,   e   o  Príncipe    Aladin  ,    que   fe 
d  albxj-    tinhaô    acampado    fobre    o  rio    Muar 
quERqvÈ  oko  iégoaá  diítante    da   Cidade  ,    naõ 
go ver-    p0jera5    impedir    a  dezerfaó    dhuma 
iíador.     j>arre    dos   fugitivos  ,    que     os   tinhaõ 
íeguido  na   fua  inrelicidade,  mais  por 
temerem    hum    domínio    eftrangciro  3 
que    por   aííeiçaõ    que    lhes    tiveííem. 
Por    eíte   modo   a   Cidade  começou  a 
povoar-fe,  e  a  fer  commerciante ,  co- 
mo d^riíe;, 

Mo  mefmo  tempo  ,  que  o  Ge- 
neral promulgava  fuás  leis  de  poli- 
cia ,  para  dar  a  Malaca  huma  nova 
forma  de  governo  ,  naó  deíprezava  o 
que  lhe  era  igualmente  neceííario ,  que 
era  edificar  huma  Cidadella  para  ler- 
vir  de  azilo  aos  Portuguezes  ,  e  de 
freio  a  huma  Cidade,  que  pode  facil- 
mente mudar  de  fénítor.  Tinha  a  cer- 
teza ,  pela  relação  que  lhe  tinha  Fei- 
to Araújo,  de  naõ  achar  pedra  para 
a    fundar.    Porém    foi  mais     feliz   do 

que 


DOS    FoRTUGUEZES  ,    LíV.    VI.    Ií£ 

que    penfava.    Porque     fazendo    cavar ■ 

ao    pé  d'uma    montanha  ,    ahi   achou  Ank.   de 
muitas    fepulturas   dos    antigos    Reis  ,    ].   C. 
todas    trabalhadas   em   bella  pedra  ia-    i^io. 
vrada ;   e  no  mefmo  tempo   defcubrio 
huma  efpecie    de  pedra  boa  para    fa-    D*    MA" 
zer  cal.    Contente  das  duas  defcobcr-  N0£L  REI 
tas,    naó  deixou    o  feu  primeiro  pro- 
je&o,  de  fazer  hum  Forte  de   madeira  A,FFOKSO 
para  provizaó  ,  e   porque  mais  de  pref-  D 
ia  fe   acabafle.   Porém   no  mefmo  dia  ^UER(iUE 
que   começou    efte  ,  deitou   os  funda- GOVEK~ 
mentos  do  outro  ao  pé  da  montanha,  NAD0R* 
e  para  que  ella    o  naó  dominaíle  fez 
elevar  o  eirado  ,  ou  a  torre  de  home- 
nagem de  finco  andares.  Fez   também 
fundar    huma   Igreja   denominada     N. 
Senhora  da  Annunciaçaó ,  e  hum  Hof- 
pital  para  doentes. 

Trabalharão  neíla  obra  com  mui- 
ta diligencia  ,  porque  o  General  ven- 
do que  os  feus  naó  baftavaõ  ,  empre- 
fou  também  os  Ambaragos  ,  que  era 
uma  efpecie  de  povo  meudo ,  a  que 
chamavao  Ej cr avos  do  Rd  ,  e  que  eraó 
fuilentados  peio  Fitado.  Albuquerque 
os  obrigou  a  iílo  ,  aíKm  por  brandu- 
ra como  por  força  ,  recebendo  muito 
bem  os  que  fe  aprezentavaõ  volurtta- 
tarios  ,  e  publicando  hum  Edi&o  rl- 
gorozo  para  obrigar  os  outros  ,  aíllg- 
H  ii  nan- 


Il6  Historia  dos  Descobrimentos 

—  nando  recompenfa  a  quem  aprefentaf- 

Ann.  de  fe  hum  defbs  fugitivos  ;  o  que  deo 
j.  C.  lugar  a  alguma  dei  ordem  ,  por  ferem 
leio.     denunciadas  como  eferavas,  muitas  pef- 

íbas  de  condição  livre. 
d.    ma-  M.ihmud  fortirlcou-fe  da  fua  par- 

koel  rei  te  ç0\yTQ  0  r:Q  ^g  ]\^uar  5    qae  fechou 

para  cortar  o  caminho  aos  bateis ,  que 
affonso  p0cjcr]a5  invadir  o  feu  campo.  Lizon- 
r>  albu-    geava_fe  elle  no  principio  de  que  Al- 
QUER0-U£  buquerque  fe  contentaria  com  faquear 
cover-    a   cidaae  ,  e   conduzir  todas  as  rique- 
kador.     zas    para  0   indoftan.    Porém    quando 
vio  as  medidas  que   elle   tomava   para 
fe  eftabelecer  neíla  ,  quiz  perfuadir-fe 
que   poderia    ainda  expulfalo    com  os 
foccorros  que  efperava ,  tanto  mais  que 
tinha  noticia  que  o  Laczamana  ,  ou  Al- 
mirante   da  lua  frota  ,    e    o  Principe 
da   Ilha  de   Linda  feu  vaííallo  ,    fe   ti- 
nhaó  poíto  em  caminho  para  Malaca  , 
e  que    naõ    eftavaõ    longe.    Porém  o 
Principe  de  Linda  vendo  a  Cidade  to- 
mada   fe  recofreo ,    e  Laczamana  fez 
algumas  'propofiçoens  de  tregoa  a  Al- 
buquerque que   as  aceitou.    Elias  nao 
fe  efreituaraó   peios  crimes    d^iquelles 
índios  ,  a  quem  o  General  trata  com 
amizade.  Porque  concebendo  que  eíle 
Almirante,    qae  era  homem  de  me- 
recimento ,   nao   tinha  para  com  ello 

maior 


í)OS   PoRTUGUEZES,   LlV.    VI.      1 17 

maior  reputação,  e  credito   que  elles, 
elies  o    fizeraõ    advertir  ocultamente  ,  Ann.   de. 
de  que  fe  intentava  íbbre   afuavida,    ].    C. 
o  que  desfez  a   negociação.  i-cic. 

Com  tudo   Albuquerque  ,  a  quem 
deíagradava    a  próxima  vifmhança   de     D*    MA" 
Mahmud  ,     e  cTAíadin,  rezolveo   lau-  *0EL  REI 
calos  fora  deite  poílo  ,  ames  que  elles 
ie   fortificarem,  de  modo   que  naó  po-    A*¥0i:s0 
defíe    obrigalos.    Deo    eíla    commiífaó  D  ALBU" 
aos  Andrades,    que   na  frente   de  4C0  9-UERQUB 
Portuguezes  ,    Cco   Javas  ,    e  de   tre-  GOVER" 
zentos   Malaios    do  Reino    do  Pegu  , 
foraó    attacalo     taõ    repentinamente  y 
que   naó  teve  mais  tempo  que  para  fu- 
gir, deixando   quaíi   todas   as   íuas  ba« 
gagens  :  entre  eítas  fe  acharão  fete  Ele- 
fantes   ricamente  ajaezados. 

Depois  deíla  retirada  ficando  mais 
defeançado  em  Malaca  ,  Albuquerque 
tinha  mais  liberdade  para  adiantar  as 
fuás  obras  ,  e  para  eftabeiecer  a  ordem. 
As  leis  que  pos  ,  fundadas  fobre  equi- 
dade ,  e  ju.íliça  ,  foraó  recebidas  com 
tanto  goíio  ,  que  moílravaó  a  diferen- 
ça do  Governo  precedente,  que  tinha 
fido  violento  ,  e  tyrannico.  Porém  o 
que  lhe  acabou  de  ganhar  o  coração 
ao  povo,  foi  o  que  praticou  batendo 
nova  moeda.  Porque  no  mefmo  tem- 
ao  que  a  fua  politica  lhe  fazia  publi- 
car 


Ii8  Historia  dos  Descobrimentos 
■       car  hum  Edic~ro,  que  prohibia    o  uzo 

Ann.  de  de  qualquer    outra  moeda    com    pena 
J.  C.     de  morte  ,  fez  elle  fazer    efta  procla- 
x^io.    rnaçaõ  com  huma  pompa  ,    e  liberali- 
dade, que  parecia  ter  profuzaõ.   Nada 
d.    ma-  fajtou  a  beieza  cio   efperaculo  ,  e   em 

koel  rei  tocjas  as   mns  p0r    oncje  pan*ava  a   co- 
mitiva, António  de  Scuza,  e  o  filho 

affonso  de  ftinacheru   efpalhavaõ    efta  moeda 

d  albc-    ^'0-ir0  ^  prata  5  e  eftanho  ás  maós  cheias 

quERQUE  ^g  accíamaç0és  Jc  todo  povo   occupa- 

GOVER"     do  em  ajuntala. 

nador.  Efpalhada  logo  a  noticia  da  con- 

qu;fti  de  Malaca  ,  cauzou  hum  gran- 
de movimento  em  todas  as  Ccn.es  dos 
Principes  viíinhos  :  cada  hum  nella  to- 
mou p  rte  ,  fc guri  do  os  feus  enteref- 
fes.  Com  tudo  por  diverfcs  motivos 
de  politica  todos  enviarão  feus  Em- 
baixadores para  darem  parabéns  ao 
General  da  fua  vicroria  ,  e  fazerem 
aliança  com  elie.  O  Rei  de  Siam  mef- 
mo  ,  que  tinha  chegado  ,  enviou  a 
oomprimentalo  por  lhe  ter  caítigado 
hum  dos  feus  íubditos  rebellados  ,  e 
lhe  teftemunhou  o  gcíto ,  que  teria 
de  viver  em  boa  armonia  com  a  Co- 
roa de  Portugal.  Albuquerque  rece- 
beo  todos  eftes  Embaixadores  cem 
pompa,  e  com  grandes  moftras  de  dif- 
tinçaõ  ,  e  depois  de  os  expedir ,  en- 
viou 


DOS    Po  RTUGUEZES  ,    LlV.    VI.       I  ip 

cu   os   feus   para  cilas   diverfas  Cor- 


tes ,  António  de  Miranda  d'Azevedo  ,  Ann,   de 
e  Nicoláo  Coelho  ao  Rei  de  Siam  ;  Rui    J.  C. 
da  Cunha   ao  Rei  de  Pegir,  e  outros  ,    jrio. 
cujos  nomes  nos  naó  chegara©^  aos  Reis 
das  Ilhas  de  Java,  e   Sumatra.  D'  :íA~ 

A  occafiaó  era  muito     beiía  para  NO£L  REI 
deixar  de  fazer  reconhecer  as  Ilhas  de 
Banda,  e  as  Molucas  celebres  pela  fiti-  A/rONSO 
gularidade     da  flor   da    noz     noícada  ,  i\AJLBU" 
e  cravo    cTefpecíe  ,  que   em  nenhuma  QTJER(è°'E 
outra   parte  Te  acha  ,    e   de   que   cilas  GOVER" 
faziaó    hum    grande    ccmmcreio    com!ADCR" 
Malaca.     O  General  lhe    enviou   três 
navios   ás  ordens     de  António  de    A- 
breu  ,  de  quem  quiz  reçompençar  com 
cfta  diftinçaó  os  recentes   rerviços  fei- 
tos na  conquifta  de   Malaca. 

Em  quanto  tudo  corria  conforme 
aos  dezejos  de  Albuquerque  ,  correo 
hum  rifeo  tanto  maior  ,  por  ter  dentro 
em  fi  o  inimigo  ,  que  o  procurava  opri- 
mir ,  e  que  era  inimigo  muito  pode* 
rozo  ,  e  muito  oculto.  A  idade  de  oi- 
tenta annos  naó  tinha  tirado  nada  á 
vivacidade  da  ambição  de  Utemutis  , 
pelo  contrario  parecia,  que  lha  aug- 
mentava  ,  e  atiçava  todo  o  feu  fogo 
á  medida  ,  que  elle  fe  avifmhava  á 
fepultura  onde  a  grandeza  fe  aniqui- 
la. Eíle  homem  muito  rico  ,  e  mui- 
to 


120  Historia  dos  Descobrimentos 

to  poderozo  para  vailallo ,  tinha  fem- 

Ann.   depre    cauzado  ciúme  a   Mahmud  ,  que 
J.  C.     tinha  razaó  para  o  temer  ;  porque  el- 
i-çio.    ^e    nimca   perdera   de  vifía  o  dcfignio 
de  o  dethronar.  Porém  como  elle  era 
13 •    MA~por  extremo  velhaco,  e   com  referva, 
ííoel  rei  tjnfia_fe  acommodado  também  ao  tem- 
po ,  e  tinha  de  maneira  difpoíto  as  fuás 
affonso  intrigas  ^    que  fem  precipitar    coifa  al- 
io aleu-    ^uma  ^   parecia  confiar   tudo    das   con- 
querque  junturas#    Naó  as  podia  elle   ter  mais 
gover-    favoraveiSj    que    a   do    fyílema  |d'um 
^ador.    j^ei    Jefapoílado ,    fugitivo ,    e    d'um 
Governo  eítrangeiro ,  e  novo  ,  no  qual 
lhe  tinhaó  dado   huma   taó  grande  au- 
toridade. 

As  fuás  efperanças  tendo-fe  exci- 
tado mais  vivamente  que  nunca,  apron- 
tou d'uma  parte  os  foccorros  ,  que  ef- 
perava  da  Ilha  de  Java  ,  onde  elle  ti- 
nha fempre  tido  correfpondencia  pa- 
ra confeguir  o  feu  projeclo ,  e  d'outra 
travou  huma  nova  intriga  com  AJa- 
din  ,  Príncipe  hereditário  de  Malaca  , 
a  quem  elle  bem  quiz  enganar  com 
efperanças  do  Throno.  Albuquerque, 
que  conhecia  o  caraeler  da  perfona- 
gem  ,  tinha  muito  lugar  de  defeon- 
fiar  delle  no  mais.  Porque  á  medida 
que  eíle  homem  vaõ  julgou  aproxi- 
mar-íe  o  termo  3  onde  devia,  ver  co- 
roa- 


dos  Portugueses  ,  Liv.  VI.    Ill 

roados    feus    dezejos   ,  fez-fe  infolen-         ■■  -  ■ 
te,  e  deshumano:   começou  o  povo  a  Ann.  de 
queixar-fe   das    fuás    tyrannias ,    e    o     J.  C. 
General    dos    feus   roubos  ,    e  da  fua     1510. 
defobediencia.   Porém  o    General    foi 
bem   de  preíía  fabedor   de  todo  o  myf-    Dá    MA~ 
terio  das  operações  fecretas   defte  ho-  NOEL  REl 
mem  intrigante  pelas  fuás    cartas  ori- 
einaes  que  tomou ,   e  que  foraõ  a  cau-  AFFONSO 
za   da  fua  ruína.    ' 

Tratava-fe  de  fe  apoderarem  dei-  ****««« 
le,  o  que  naó  era  fácil;  para  iílo  fe  GOVER" 
fervio  o  General  d'hum  artificio.  Ha-  NAD0R> 
via  na  Cidade  hum  Per  ia  ,  chamado 
Ibrahim  ,  amigo  de  Utemutis  ,  que 
dezejava  muito  hum  emprego  ,  que 
requeria  com  ardor.  Albuquerque  mof- 
trou  querer  deíirir-lho  ,  porém  fez-lhe 
íaber  ao  mefmo  tempo  ,  que  tinha 
feito  voto  de  naó  dar  emprego  algum , 
fem  tomar  primeiro  o  parecer  dos  prin- 
cipaes  Oificíaes  ,  e  de  todos  os  men- 
bros  do  Confeiho.  Ibrahim-,  que  eíla- 
va  cerro  dos  veres  ,  os  ajuntou  logo 
na  Fortaleza.  Forem  em  vez  de  tra- 
tar defte  negocio  o  General,  fez  re- 
ter Utemutis ,  feu  filho  ,  feu  genro  , 
e  feu  fòbrinho,  e  convencendo-os  do 
crime  de  leza  Mageftade  pelo  feu 
proprip  íignal  ,  lhe  fez  fazer  feu  pro- 
ce.To  formai,  e  os  fez  condenar  a  fe- 
rem degolados.  A 


GOVER- 
NADOR 


122  Historia  dos  Descobrimentos 

A  mulher   de  Utemutis    fez  todo 

Ann.  de  o  poííivel    para  evitar    efte  golpe  ,  e 
J.  C.     oíFereceo    ao  General  fete    banais  de 
1510.     oiro,   &  elle  quizeffe  contentar-fe  de 
comutar    a  pena  em  deírerro.    O   Ge- 
d.    ma-  ncraj  ^    ^ue   fe  períuadio    dever  fazer 
uoel  rei  jium  exemp]ar    caflia0  nefta  occafiaõ  , 
foi   inflexível  ,  e  reípondeo  que  o  Rei 
affonso  ^ea   senftor  na5    c  újjjja  reveítido  do 
d  albu-    cargQ  ^    ^  que  0  tinha  honrado,  pa- 
;^LEra  vender    a  juftiça.    Fez-íe  a  execu- 
ção  com  todo   o  apparato  ,  que  podia 
infpirar  terror ;   fobre  o   mefmo   thea- 
tro  ,  que  tinha  íido  preparado  por  avi- 
zo    de    Utemutis     para    o   fumptuozo 
banquete,    onde    fe  tinha    projeclado 
aíTafíinar  Siqueira ,  e  os   feus  no  meio 
das  delicias   da  meza. 

Feita  a  execução  ,  foi  dado  a  Pa- 
tequitir  o  emprego  do  culpado  ,  Java 
de  naçaõ  como  elle,  porem  que  as 
fuás  riquezas  ,  que  os  faziaó  concor- 
rentes ,  e  rivaes  ,  os  tinhaó  feito  ini- 
migos. Foi  eíle  hum  rafgo  de  politi- 
ca do  General.  Que  naõ  pode  huma 
mulher  orTendida  ?  A  eípoza  de  Ute- 
mutis ,  ultrajada  da  morte  do  feu  ef- 
pozo  ,  unio-fe  logo  a  Patequitir,  of- 
icre:eo-lhe  fua  filha  em  cazamento  , 
que  lhe  tinha  fido  negada  noutro  tem- 
po ,  e  lhe  aillgnou  para    dote  todo  o 

Ciro 


t>OS    PORTVGUEZES,    LlV.    VI.      12$ 

oiro  que  ella   tinha  querido   ciar  a  Al 

buquerque.  com  a  condição,  que  en- Annw  de 
trando    no    Teu  ódio   ,    emprehendeííe     J.  G. 
de  a  vingar  inteiramente.    Patequitir  ,    i^io. 
que  naó  tinha  menos  ambição  do  que 
Utemutis  ,  prometeo   tudo  ,   e  conce-    D*    MA~ 
beo  tanto  mais    facilmente    o   difignio  NOELREI 
de    fe    eftabeiecer    febre     o   Trrono ; 
porque  todas  as   forças  dos  Javas,  até  A/FO>-3° 
entaó  divididas  ,    fe  reunirão     em  feu  D  ALBU~ 
favor.   Elle    deo   logo  provas    da  fua  QuerQub 
mudança  ,  lançando  fo^o   com  frivolo  G0VER" 
pretexto    ao    bairro    dos  Quircms ,    eNAD0R* 
dos  Charins  ,  que  tinhaõ  formado  quei- 
xas contra  Utemutis.  Albuquerque  co- 
nheceo     entaó     ore   fe  tinha    engana- 
do  na  efeolha    deite  homem  ,    porém 
por  refpeitos    particulares,    naó  oufou 
emprehender  defpojalo  do  feu   Ohicio 
de  Chabandar  :    e   elle  da   fua  parte , 
naó   oufou  deelararrfe   abertamente  re- 
belado ,    julgando  que   cevia  efperar  a 
partida   do  dor  ,  que   naó  po- 

dia tardar  rr  po  ,  por  cauza  da 

vifinhança  da  monção.  Com  erYeito 
tanto  que  ella  veio  ,  chamou  elle  Rui 
de  Brito  Patalim  para  Governador  de 
Malaca  ,  e  Gcrhmandante  em  todo  ef- 
te  delineio  com  toda  a  íua  autori- 
dade. Rui  d" Araújo  ficou  com  o  car- 
go de  feitor ,  e  de  Capitão  ,  ou  Go- 
verna- 


124  Historia  dos  Descobrimentos 

vemador    da   Cidadella  ;    e   Fernando 

A.vn.  de  Peres  d"  Andrade  a  quem  elle  deo  dez 

J.   C.     navios  ,    íoi  provido    do    emprego  de 

15 io.     Almirante   deites  mares.    Fez   também 

muitos    outros    Officiaes    fubalternos  , 

T3m    MA"  depois  do   que  íe  fez  á  vela  pnra  tor- 

soel  rei  nar  para  Q   jncj0ftari  ^  com  grailcie  pe- 

zar  do   povo  de  Malaca,    que  fez  vi- 
AFFOKao  vi]íimas  íiiftancias   para  o  demorar  ain- 
*  ALBU"    da  algum  tempo. 
querqlf.  QQa   t:„iu  fetitido   a  auzencia  do 

go ver-  Qeneraj  ^  e  pouco  tinha  faltado  para 
kadok.  qUG  e|ja  na5  recahilTe  nas  maõs  dos 
íeus  primeiros  Senhores.  O  Idalcaõ 
fufpirava  fempre  por  eíla  praça ,  que 
era  a  fua  melhor  flor  ;  elle  eipera  o  mo- 
mento da  partida  de  Albuquerque,  na 
auzencia  do  qual  parecia  eíperançar-fe. 
Porém,  muito  occupado  com  a  guerra 
que  lhe  faziaó  os  feus  viíinhos  no  cen- 
tro das  terras  ,  naó  pôde  elle  peííoal- 
mente  tentar  a  empreza  ,  e  foi  obri- 
gado a  connalla  de  Pulatecaõ ,  á  quem 
deo  três  mil  homens  de  tropa  ,  e  al- 
guma cavallaria.  Melrao  ,  e  Timoja 
avizados  da  fua  chegada  ,  e  juntando 
logo  quatro  mil  e  quarenta  cavallos  , 
ue  tinha.ó  para  guardar  as  alfandegas 
a  terra  rlrme  ,  foraõ-lhe  aprezentar  ba- 
talha. Pulatecaõ  a  aceitou  ,  e  foi  deilrui- 
do,  As  íuas  tropas  poífas  logo  em  de- 

for- 


\ 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VI.      I2£ 

fbrdem  ,  e  o  arraflaraó  contra  feu  goílo 

na  íua  fugida  ;    mas  hum    OíHcial   do  Ann.   de 
exercito  de  Meírao   feguindo-o    irnpru-    J.    C. 
dentilftrnamente ,  e  Tem  ordem  lhe  ref-    i^]Qt 
ti  mio  a  vicloria,    Porque  fendo   morto 
efte  OfRcial  ,   os    feús    fe  deciparaõ.  vD*    MA~ 
Entaó   Pulatecaó   ajuntando    os  icus   ,  NOEL  REl 
veio  cahir  fobre  Melrao  ,    que   naó   o 
efperando  ,  fe  recreava  em   ioccego  da  A  FFO- 
vantagem  ,  que     acabava   de  confeguir  D  ALBU~ 
com  tanta  gloria.  Desbaratado  Melrao  QuerQub 
na  íua  volta  naó   oufou  por  vergonha  GOVER~ 
voltar  para  Goa,  e  íe   foi  para  o  Rei  *-AD0P- 
de   Naríinga  ,    e  levou  cor.  figo  Timo- 
ja  ,    depois    de  ter  alcançado    para  fi 
hum    falvo   conduclo.    Porem  o   laivo 
conduto  naó  fervio  de  nada  a  Timo- 
ja  :  o  Rei  de  Narfinga  violando  com 
elle  os   direitos  da  hofpitalidade  ,  e  da 
fe  puplica  ,    naó   fei    porque   motivo  , 
o   fez    aíTaílinar.    Fim  trifte  para  efte 
homem,  que  tinha  feus  defeitos;  mas 
com   tudo  tinha  muita   coifa   boa.  era 
valerozo,    muitas   acçoés   boas    a  ref- 
peito  de   fi  ,  e  grandes  ferviços   feitos 
aos  Portuguezes.    Melrao   foi   mais  fe- 
liz, porque   neflas  circunftancias  a  mor- 
te do   Rei   d'Onor   feu   irmaõ  o  livrou 
cTum   competidor    injuíto  ,    o   Throno 
lhe    fei  dimrido  fem  concorrência  ,  e 
neile   fe  confervon  fempre    aliado  fiel 
da  Coroa  de  Portugal.  Pu- 


126  Historia  dos  Descobrimemtos 

• Pulatecaõ   naó  tendo   mais  inimi- 

Ann.  de  gos   á  cara  ,  avançou-fe   até  aos  paços 

J.  C.    de  Benaflarin  ,   e  de  Agacííi.    Teníoa 

15 IO.     inutilmente    fazer    fubievar    os   índios 

da  Ilha  ,   que   fe  confervaraó  fieis ,  e 

r>.    ma-  avizara5    ^e    tuc[0   Rodrigo     Rabelo, 

KOEL  REI  Qovernac|or     Je    Qoa  ?      para     que    pr0. 

veííe    na  fegurança   da    Ilha  ,  fazendo 
affonso  guaraar  as^  paíTagéhs.    Com  effeito  el- 
d  albu-    ^e  p5s  ai(f0  boa   ordem  ,  e  com  mui- 
quERQUE  ta  promptidaó.  O  General  inimigo  naó 
go ver-    çQ  deíanimou  :    efperou  que  conciuiííe 
hador,     como   na  primeira  vez  ,  e  aproveitou. 
Porque  tendo  feito  preparar  quantidade 
de   bateis  ligeiros   cooertos  de  couro  , 
e  efcolhido  o   tempo   d'uma  noite  ef- 
cura  ,  e  chuvoza  ,  enganou  também  os 
Poituguõzes   por  muitos  fingimentos  , 
que  divertindo-lhes  aattençaô  ,  naó  fo- 
mente atraveçou  a  Ilha  fem  fer  perce- 
bido ,  mas  tomou  ainda  duas  caravel- 
las  ,    e  paífou    á  efpada    os  que  -as 
guardavaõ. 

Para  fe  aproveitar  depois  da  pri- 
meira perturbação  ,  que  a  fua  paiTa- 
gem  devia  cauzar  ,  e  apanhar  o  ini- 
migo em  algum  laço  ,  lubornou  hum 
índio  ,  a  quem  ordenou  ,  que  roííe  á. 
Cidade  í  aliar  ao  Tanadar  ,  como  de  ícu 
mota  próprio,  e  o  avizaíTe  de  que  200 
Mouros  tinhaó  entrado  na  Ilha  ,  e  ef- 

tavaó 


£05    PoRTUGUEZES,    LlV.    VI.      1 27 

tavaõ  podados    na  antiga  Goa  ,    onde 

feria    fácil   furprendelos.   O   Governa-  Ann;   de 
dor  valente,  mas  pouco  prudente,  ca-     J.  C. 
hio    no  engano    contra    o  parecer    de    i^io. 
Coje-Qui  ,    a  quem    o   avizo  pareceu 
fufpeito.    Enviou    elle    primeiro    Fer-    D*    MA" 
nando  de  Fana  para  deícobrir ;  porém  M0EL  KEI 
feguindo  logo   a  impetuofidade  dos  feus 
poucos    annos   ,    fahio    na  freme    de  A/F0*k:>0 

M  J  -i  D  AL3U- 

ouarenta    cavaiios   ,    e  de    quinnentos 
índios.    Tanto  que    elle  fe  adiantou  ,  <^Ei^UE 
o  traidor  que  tinha  dado  o   fallb  avi-  GOVER" 
zo  ,  defcubrio  a  lua  vclhacâra  aos  In-  -VADOR- 
d;os  ,  que  o  feguiaó,    dis-lhes  o  ver- 
dadeiro   numero   dos   inimigos ,  e  fal- 
vou-fe.   Eíte  pararão ,    vendo   a  deíi- 
gualdade  do  partido. 

Rabelo  celcobrindo  de   fíma  c'um 
ro    os   inimigos  ,  que  prífavaó  de 


quinhentos  ,  e  vendo-fe  abandonado 
cios  feus  índios  ,  ficou  abifmado  3  po- 
rém formalizando-fe  hum  pouco: .,  Que 
3,  vos  parece  ,  Senhores  ,  diz  á  fua 
n  pequena  tropa.  Mal  :  refpondeo  Co- 
3,  je-Qui  :  porém  qualquer  partido  que 
3,  vos  tomeis  ,  cu  vos  figo.  „  Naó  di- 
zendo os  outros  nada  ,  por  temerem, 
que  fe  attribuiffe  a  fraqueza  o  único 
confclho  prudente,  que  niífo  fe  podia 
tomar.  „  Vamos,  lhe  diz  Rabelo,  ho- 
33  je  fe  verá  quanto  vai  o  coração  de 

ca- 


!i8  Historia  dos  Descobrimentos 

— !,,  cada  hum  de  nós.  IíTo  me  agrada,^ 

Akn.   de  difle  Manoel  da   Cunha    taó  valente  , 

J.  C.     mas  taó   temerário   como    o   Gcverna- 

151 1.     ^or  5  e  ^em   ma*s  preambulo,   cahiraõ 

fobre  o  inimigo  com  tanto  furor ;  que 

""o  romperão ,  desbarataraó-no  ,  c  o  poze- 
koel  rei  r  c     -  J  1    •         *  • 

rao  em  rugida  ,   e  o  obrigarão   a  preci- 

pitar-fe  no  rio.    Trezentos   ficarão  no 

lugar  ,   e  houve   maior  numero  de  aro- 


D  ai.bu-    ^° 


ÇUERQUE 

GOVEPv- 

hADOK, 


Saaos. 


Dos  quinhentos  índios  ,  que  fe- 
guiraó  Rebelo  ,  trezentos  Canarins  vol- 
tarão para  traz  ;  os  duzentos  que  eraó 
Malabares  tinhaõ-no  íeguido  de  longe  5 
e  chegarão  muito  a  tempo  de  fe  me- 
terem na  turba  dos  fugitivos.  Em 
quanto  cites  os  impeliiaó  com  ardor, 
vieraó  dizer  a  Rabelo ,  que  havia  alguns 
inimigos  retirados  num  outeiro  entre 
ruínas.  Eíle  era  Pulatecaó,  e  outenta 
homens  dos  mais  valentes  dos  que  o 
feguiaõ.  O  Tanadar  Coje-Qui  o  co- 
nheceo  polas  fuás  infignias  ,  e  fez 
quanto  pôde  para  conter  a  impetuofi- 
dade  do  Governador  ,  prometendo-lhe  , 
que  elle  os  faria  cercar  pelos  feus  ,  e 
obrigando-os  de  longe  com  tiros  de 
flexa,  de  modo  que  nem  hum  e ('ca- 
paria. O  conlelho  era  muito  pruden- 
te pani  hum  moço  louco  ,  a  queivi  a 
fua  primeira   felicidade  tinha  cep; 

LUe 


DOS   PoRTVGUEZES,   LlV.    VI.      129 

Elle  correo  precepitado  a  bufcalos  com  ^* 

quarorze  cavailos,   e  faltou  numa  cer-  Ann.  de 
ca.    Os  inimigos  o  meterão  no  flanco     J.  C. 
por  ambas  os  partes,  e  picaraõ-lhe  o  ca-     j^II# 
vallo  ,   que  empinando-fe  voltou  fobre 
cIIq  ,    onde  logo  o  matarão   ás  lança-    D#    MA" 
das.  Manoel  da  Cunha  ,  que  o  tinha  fe-  W0EL  REI 
guido  teve  a  mefma  forte  :  os  outros 
foraó  rechaíTados  com  o  mefmo  vigor,  AFFONSO 
e  tomarão  o  partido   de  fe  retirar  pa-  D  ALBU" 
ra    á  Cidade   ,    fem  que    os   inimigos  °-uero-ue 
tomaííem    o   trabalho     de    os   feguir ,  GOVER-   , 
contentes    com    a  morte   deíles    dois  NAD0R- 
homens  ,  cujo  valor  imprudente  tinha 
arrebatado     aos   feus     o  fruclo    duma 
taõ  bella  vicloria. 

Francifco  Pantoja  devia  por  di- 
reito fucceder  a  Rabelo  no  feu  poílo  , 
e  o  Confelho  a  iíTo  o  obrigou  ,  po- 
rém elle  o  recuzou  ,  e  fez  acío  de 
reziftencia.  Na  lua  falta  ninguém  o 
merecia  melhor  ,  que  Diogo  Mendes 
de  Vafconcellos.  He  verdade  que  fen- 
do prezioneiro  de  Eítado ,  tinha  mo<- 
tivo  para  que  naó  o  efcolheffem.  Com 
tudo  a  neceílidade  fez  paffar  por  tudo. 
OrTereceraó-lho  ,  e  elle  o  aceitou.  Pan- 
toja quiz  depois  entrar  ,  e  fez  feus 
proteílos  ,  porém  naó   foi  attendido. 

Mendes  como  homem  experimen- 
tado logo  fe  applicou  todo  á  fuftentac 
Tom,  II,  i  hum 


130  Historia  pos  Descobrimentos 

hum  Cerco  ,   de   que  temia  os   rifeos  , 

4-nn.   de  porque  eílava  na  enrrada  do  inverno, 

].    C.    e    toda    a  fua    guarnição    confiava  de 

1511.     feiS  centos  Malabares  ,  ou   Canarins  , 

que  tinha  {ido    obrigado  a  receber   na 

d.    ma-  Qjac}e  ^  e  duzentos  Portuguezes ,  .aos 

koel  rei  q1jaes  fe   ajuntarão  mais    quaíl  trinta, 

que   conduziaó    Francifco   Pereira    de 

A/FONSOBerredo  ,  qua  com  efte  pequeno  reforço 

d  alku-   f0i  recebido  como  huma  divindade. 

querque         Naquelle  tempo    Pulatecaó  ,  que 

Go ver-    tinna  nJo  defeanço  para  fe  reparar  das 

ííador.    uiti1Tlas    perdas  que  tinha   tido,  tinha 

entrado  em  poífeífaõ  do  refto  da  Ilha , 

e   fe   fortificava  no  poílo   de  Benafta- 

rin  ,  onde  fez  huma   efpecie  de  Cida- 

della  ,  fegundo  as  regras   da  arte.    De 

lá  in  faltava  elle  a   Cidade    fendo   fe- 

nhor    do  campo  ,    e  correndo    até  ás 

portas.   Porem  em  todas  eftas  corridas 

foi  fempre   desbaratado,  e  obrigado   a 

retirar-íe  com  perda. 

Eftas  perdas  com  tudo  craõ  pe- 
.quenas  ,  e  elle  fe  perfuadia  inteira- 
mente de  fe  fazer  fenhor  de  Goa, 
que  afTegurando-íe  decAe  entaõ  de  a- 
,propriar-fe  o  poder  Soberano  ,  naó  fez 
mais  cazo  das  ordens  do  feu  Prínci- 
pe, e  nem  ainda  fe  dignava  de  o  inf- 
.truhir  do  que  fe  paífava.  O  Idalcaó  , 
*  quem  por  efte  proceder  fe  fez  faf- 

pei- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.     VI.      IJT 

peito  ,  rezolveo  de  o   fazer  render ,  e  » 

enviou   para  efte  effeito  Roftomocaó  ,  Ákn.   de 
Árabe  ,    ou  Turco    de   erigem  5   e  de     J.  C. 
Religião,  cujo  merecimento  pelíoal  o     i^n, 
tinha   obrigado    a  dar-lhe  fua   irmá  em 
cazamento.    Roftomacaó   condufia  íeis       ' 
mil   homens  ,   e  trazia  huma  ordem  a  K0ELREI 
Pulatecaó  para  efte  lhe  entregar  o  man- 
do  das  tropas.  O  Idalcaó  tinha-fe  per-  AFFO*so 
fuadido  ,   que   o  refpeko    da    peiioa ,  D  ALBU" 
que    enviava   adoçaria    a  Pulatecaó   o  °-UERQUE 
defgofto    da    fua    revocaçaó   ;   porém  go^ek" 
tomou-o   como  criminozo  ,  e  recuzou  JsAD0Rt 
obedecer-lhe. 

Roftomocaó  tomou  o  partido  de 
dillimular,  porém  enviou  oceultamen- 
te  hum  prizioneiro  Portuguez  que  ti- 
nha a  Mendes  para  lhe  dizer  da  fua 
parte.  „  Que  tudo  o  que  Pulatecaó 
3,  tinha  feito ,  o  tinha  Feito  fem  or- 
5,  dem  ,  e  contra  a  vontade  do  Idal- 
3,  caó  3  que  naó  appetecia  mais  do  que 
3,  viver  em  boa  amizade  com  a  Co- 
„  roa  de  Portugal  3  de  que  fe  queria 
53  fazer  tributário.  Que  fe  elie  qui* 
,3  zelTe  unir  as  fuás  tropas  ás  delle  pa- 
33  ra  o  ajudar  a  fubmeter  efte  vaílaiio 
33  rebelado  ,  eile  lhe  ficaria  obrigado  , 
j,  e  o  deixaria  depois  na  pacifica  poi- 
5,  feffaó  de  Goa  ,  fobre  a  qual  nao 
„  tinha  elie  mais  nada  que  preten- 
I  ii  àci'  3 


132  Historia  dos  Descobrimentos 

„  der  ,  por  quanto   os  Portuguezes  fe 

Ann.  de  55  tinhaó   feito  Senhores  delia.  „  Men- 

J.  C.     des    foi   enganado  por  huma   propofi- 

151 1.     Çaó  taõ  lizongeira.    Os  dois  Generaes 

ie    uniraõ    com    felicidade.    Pulatecaõ 

defpojado  fe  retirou   para  o  Idalcaó  pa- 

*oel  kei  ra  çe  queixar  deita  traição  ,  e  pedir- 

Ihe  mítica.    Elle  lha  fez    fazendo-lhe 

AFFONSO     1  J  J 

dar   veneno. 
d  albu-  Roftomocaõ    confeguindo    o    fim 

«^uerque  dos  feus  intentos  ,  naó  fomente  naõ 
cover-  cumpri0  a  paiavra  que  dera  a  Mendes, 
xudor.  mâS  ejje  Q  manjou  notificar  logo  com 
muita  foberba  para  defpejar  a  praça. 
Como  elle  naó  teve  outra  refpoíto. 
que  a  que  merecia  ,  começou  a  com- 
batela  com  mais  ardor  do  que  o  ha- 
via feito  feu  predeceííor  ;  porém  fican- 
do-lhe  o  leu  campo  muito  diílante  , 
foi  alíás  maltratado  nas  diverfas  carrei- 
ras que  fez  ,  pelas  embufcadas  ,  que  o 
Governador  pòs  fobre  os  divcrfos  cami- 
nhos que  elle  fazia.  Em  todas  teve  fem- 
pre  prejuízo ,  e  os  citiados  perderão 
lo  huma  peííoa  de  confideraçaõ  ,  que 
foi  o  Tanadar  Coje-Qui  3  cuja  perda 
fentiraó  vivamente  por  cauza  da  af- 
feicaó  que  fempre  tivera  aos  Portu- 
guezes ,  a  quem  fizera  grandes  fervi- 
ços  ;  porque  era  esforçado  ,  e  fempre 
prompto    contra    os  Mouros  inimigos. 

Deraó- 


DOS    PoRTUGUEZES ,     LlV.     VI.     I$$ 

Deraó-lhe  hum  tiro  n'uma  deftas   for-  ■ 

tidas ,    de    que   morreo   depois   de  ai-  Akk.  de 
guns   dias   ,    naó   tendo  outro  pezar  ,     J.  C. 
que    o  de    naó    morrer    no   campo   da     i$n, 
batalha. 

As  continuas  chuvas  derrubarão 
depois  grande  pedaço  dos  muros  da 
Cidade   ,    de    modo    que    o    muro  fi- 

DALBU- 


cou  da  altura    de  hum    homem.    Ser- 


vio-lhe    de   fencidade    a   noite    •,    por- 

j  j      11  r  QVERQUE 

que   tiverao    tempo   de   trabalnar   para 

i         *í  r>      n  -■  GOVER- 

repararem   a  brecha.    Koitomocao  que 

rr     i  ir  i    r     i    -j  ■      NADQR. 

o    louoe  pelos  íeus  deicuondores  ,  veio 

dar-lhe  aflako  ao  campo.  Porém  du- 
rando o  combate  todo  o  dia  nelle  foi 
taó  mal  tratado  ,  que  naô  ouzava  pa- 
recer no  dia  feguinte.  Quando  menos 
aílim  o  julgarão  pelo  tempo  ,  que  deo 
aos  citiados  de  fortificarem  eíle  poffco. 
Porem  na  noite  feguinte  moftrou  , 
que  era  fingimento  para  os  pôr  em 
cteicuido.  Com  effeito  elle  attacou  a 
brecha  duas  horas  antes  do  dia ,  e 
penfnu  to  mal  a  por  aífalto.  Quatro 
noites  fuccefivas  tez  o  mefmo ,  e  foi 
fempre  rebatido  ;  de  forte  que  fe  pôs 
em  mais  cautella  ,  e  recorreo  a  hum 
eílratagem.i  para  enfraquecer  os  citia- 
dos ,  e  dilíipalos  com  fadigas  ,  fem 
lhe  cuílarem  a  elle  nada.  Aífentou 
hum  corpo  de  tropas  muito  perto  da 

Ci- 


1 34   Kistoria  dos  Descobrimentos 

— Cidade    com  ordem  de  fazerem  tocar. 

Aí.v.   de  as  trombetas  toda  a   noite.    Os   citia- 

J.  C.     dos  acordados   por   eir,e   eílrondo  efta- 

151 1.    vaõ  fempre  alerta,    e   padeciaó  muito 

com  a  vigília  ,    com  o   pezo  das  fuás 

r>.    ma-  armas  ^   e  os  rig0fes   da  eítaçaõ.    Com 

koel  rei  hjíjo  |:vrara5_fc   defte  incommodo  ,    e 

desbaratarão   o  deftacamento. 
AFtoNso  ^t^   enra5   os  cjtjados  tinhaó  fo- 

1»  albu-  ^rj^o  mujt0  p0UCO  aos  inimigos  :  po- 
qLERQuEr^m  R0ft;0mo(:aõ  rendo-fe  apoderado 
govek-     ^e   kum  a|tQ  ^  dominava   a  Cida- 

kador.  ^e  ?  e  cavaigarido  alli  huma  groífa  co- 
lubrina  ,  que  com  o  feu  fogo  conti- 
nuo varejava  tudo ,  e  fe  apontava  co- 
mo queriaõ  ,  naô  fomente  nas  cazas  9 
porém  ainda  fobre  os  homens  fez  gran- 
diílima  deftruiçaó  ,  e  cauzou  grande 
inquietação.  Por  outra  parte  a  fome 
fe  fentio  de  modo  que  hum  pequeno 
faço  de  arroz  cuílava  24.CO  ,  e  numa 
galinha  hum  cruzado.  Tendo  os  ha- 
bitantes confumido  os  mantimentos  , 
naó  reílavaó  mais  que  os  dos  arma- 
zéns ,  cuja  diilribuiçaó  fe  fazia  com 
muita  cautelia,  e  fomente  aos  que 
traziaõ  armas  ,  05  outros  viviaõ  uni- 
camente do  produclo  da  fua  pefcaria  ; 
o  que  logo  cauzou  huma  molcilia  ge- 
lar j  cue  naó  foi  mais  pequeno  flage- 
lo do   que  a  fome. 

Ef- 


DOS    PoRTUGUEZE?  ,    LlV.    VI.      I^ 

Elias    miferias     multiplicadas    re- 


voltarão o  animo  de   alguns   íbldados,  Ann.  de- 
que  comparando  o  íeu  citado  prezen-     J.   C. 
te  com  o  de  Machado,   e  d/outrcs  fu-    x    lL 
gitivos  ,   que   os   Príncipes     da  índia  , 
para    quem   fe  retirarão  ,    encherão  de    D*    VlA" 
bens  ,  e  honras  ■■,  paííaraó   para  o  cam-  lx0EL  **■ 
po  inimigo ,    e  abjurarão   a  Tua   Reli- 
gí?ó.    No  princio  ouveraó  poucos   que  affonsc> 
deraó    eíte    máo  exemplo  ;  porém,  os  D  ALEU~ 
amigos    que  deixarão    na  praça  rraba-  Q"ERQUE 
lharaó  tanto  ,   que   chegarão  a  70  que  GÒVE*~ 
fe  conjurarão  para    fugir:  d'outra  par- *;AD0K# 
te  Machado,    que   com    o  feu  eftado 
fazia  inveja     a  eítes    mizeravcis  ,   ty- 
rannizado  pelos   remorlbs  da   fua  con- 
fciencia   ,    excitado   pelas  relíquias  do 
amor  da   fua  Naçaó  ,  e   pode    ler   que 
temendo     fer    punido     como     traidor 
(  porque   começava    a   fer    íufpeito   ) 
meditava   huma   retirada     inteiramente 
oppofta.    A    elle   era    que  os  dezerto- 
res   eftavaõ   encarregados ,   e  os  incor- 
porava no   corpo  que  elle  commanda- 
va.    A    diíhmulaçaó    de  que    elle  era 
obrigado    a  uzar ,    o   obrigava   a  mof- 
trar-lhe  agrado  ,  e  bom   acolhimento  : 
porem   elle   íe   compadecia  da   apoíla- 
zia  delles  ,    que  lhe  renovava  todo   o 
arrependimento  da  lua.    Extremamen- 
te toi  penetrado  ,  quando  vio  que  ef- 

ta 


l$6  Historia  dos  Descobrimentos 

«- s —  ta  gangrena  lavrava   até   na  Fidalguia  j 

Ann.  de  e  que   lbube   a  conjuração  que   tinhaã 

J.  C.    feito  ,  os   que  eftavaó  ainda  na  praça  : 

151 1.     e^e  ^°'1  penetrado  ,  e  aífuftado,  e  a  dor 

que  iíto  lhe  cauzou  lhe   apreffou  o  di- 

d.    ma-  £gn^0   qUC   ej|e  a  tempos  ,  meditava. 

koel  rei  EUe    tinha  tido  dois    fUhos  ^  que 

fizera  baptizar  occultamente  3  bem  que- 
affonso  rerja  'ievaios    com  fjg0  ?    porém  naõ 
d  albu-    venc|0  mo,£0  5   e  temendo  que  criados 
çuerque  nQ  ^i^ornetifn^o  ?  tiveííem  a  infelici- 
gover-    dade  de  |~e  coru}enarem  ?  a  mai  enten- 
#ador.     jjda  piecjacje  0  fez   parricida ;  fufocou- 
os   de  noite  3    e  depois  defte  horrivel 
homicídio  3    que  parreceo    effeito     do 
acazo  ,  e  achando  occaziaó  ,  conduzia 
configo   os    Portuguezcs    captivos ,    e 
dezertores  como  para  paffeio  ;  guiou-os 
para   o  pé  de  Goa  ,   onde  lhe  fez  hu- 
ma  falia   viva  ,    e  patética  9   acompa- 
nhada de  copiozas  lagrimas  ,  e  os  exor- 
tou   a  feguirem-no   para  á  Cidade  ,  a 
corregirem    fuás    culpas     paífadas    por 
hum  arrependimento,  cujo  perdaó  elle 
lhe    afiançava.    Os   dezertores    apenas 
fe    dignarão    ouvilo   ,    e   tornarão   pa» 
ra    traz.    Forem    elle  3    e    os     capti- 
vos ,  feguiraó    o  projeclo    que  tinnaõ 
premeditado.  Vieraõ  recebei  os  em  pror. 
ciíTaõ  ?  e  com  todas   as   demonítraçoés 
<Tuma  : alegria  completa.    Pareceo  que 

a  Ci- 


DOS    PORTTJGUEZES  ,    LlV.    VI.    1$ 

i   Cidade  recebera  nelles  a  fua   falva- 

çaó.   E   he    certo    que    efta  retirada  ,  Ahn.  de 

que  penetrou  o  coração  de  todos,  im-     J.  C. 
pedindo  a  deferçaó,    impedio  também    j^u. 
a  entrega  da  praça  ,  que  eíla  deferçaó 
tinha  feito  inevitável.  D* 

Roílomocaó   irritado   por  efta  re-  N0EL  REI 
tirada    de     Machado   com    mais   ardor 
apertou   o  cerco.    Com  effeitd  por  ai-  A>FFONSO 
gum  tempo  naó  deixou  refpirar  os  citia-  D  ALBU" 
dos  ,  nem  de   dia  nem  de  noite.  Com  <*UE-R0-UE 
tudo     em  huma    deitas    efcaramuças  ,  GOVEK~ 
fahio  o  Governador  na  frente  de  oiten-NADOR* 
ta  cavallos  ,  e  desbaratando-lhe  duzen- 
tos cavallos  Mouros  ,  e  fetecentos  fol- 
dados  infantes ,  que  tinha   poilo  n'uma 
embofcada  ,  conferva  mui  bem  os  fcus  , 
pondo     a  fua  confiança   no   que  havia 
refultar    da    exceíliva    fome    a  que  a 
Cidade  eftava  reduzida. 

Tinhaõ  alli  já  fofrido  quafi  tanto 
como  em  hum  dos  cercos  mais  memorá- 
veis de  que  falia  a  hiftoria  ,  e  pofto  que 
a  Cidade  naó  foífe  citiada  com  forma- 
lidade ,  eftavaó  em  eílado  de  pade- 
cer muito  a  naó  fer  a  generoza  refo- 
luçaó  de  Francifco  Pereira  de  Berredo  , 
ue  emprehendeo  ,  a  pezar  da  eílaçaó  , 
e  hir  a  Baticalá  ,  bufcar  mantimen- 
tos em  huma  fuíta.  E  ainda  que  o 
pofto  de  Cintacora  por  onde  devia  paf- 

far, 


138  Historia  dos  Descobrimentos 

far  ,  ejftivefle  guardado   por   fuílas  iní-* 

Annt.   de  migas  ,    foi    huma  viagem   taó   feliz  , 

J.  C.     que  voltou   carregado  ,    e   acompanha- 

151 1.     <t°   de  vinre    pardos   cheios  de  roda  a 

forte  de  provizoés.    Algum  tempo   de- 

D*    MA"  pois  Sebaíliaõ  Rodrigues  fazendo  a  mef- 

jíoel  rei  ma  vjagem  com  jguaj_  fortuna  t    teve 

Goa  de  que  fe  fuftentar  até  quaíi  ao 
affonso  fim  ao  univerf0#  Fernando  de  Beja  , 
d  albu-  Albuquerque  tinha  enviado    para 

quERQVE  demoiir  0  porte  de  Socotorá ,  chegou 
go ver-  depois  que  entrou  a  eílaçaó  benigna. 
kador.  pouco  depois  delle  chegarão  ainda  Joaó 
Serrão,  e  Paio  de  Sá  ,  que  vinhao 
da  Ilha  de  Madagafcar.  Foraõ  fegui- 
dos  por  Manoel  de  Lacerda  ,  que  con- 
duzio  os  féis  navios,  que  Albuquer- 
que lhe  tinha  deixado  para  anelar  a 
corfo  pela  Cofta  de  Malabar,  e  por 
Chriítovaó  de  Brito,  que  tinha  parti- 
do nefte  anno  de  151 1  na  efquadra 
do  D.  Garcia  de  Noronha.  Também 
Melique  Jaz  fempre  politico,  queren- 
dc-fe  diílingutr  por  lhe  dar  foccorro  , 
lhe  enviou  dois  navios  ,  que  acabarão 
de  os   abaftecer. 

Roílomocaó  naó  defeorçoou  com 
a  chegada  deftes  foccorros  ;  porém  fi- 
cando bem  derrotado  em  diverfos  en- 
contros ,  naó  penfou  mais  do  que  em 
confervar-fe  no  poílo  de  Beneílarin  , 
r  de 


D.      MA- 
NOEL RE* 


AFFONSO 


DCS  FoRTUGVEZES,   LlV.   VI.     3^p 

de  que   fez   a  melhor  praça  ,  que   te- < 

ve  o^dalcaó.  Eftanco  ahi  naó  menos  fi-  Ank.  de 
tiado  cio  que  íltiador,    Goa  fe  vio  li-     J.  C. 
vre  de  todo  o   modo  delle,  depois  de     i^u, 
haver  feito  muita   honra  aos  que  a  de- 
fenderão ,  particularmente   a   Mendes , 
que   aili   adquiriria  mais  gloria     a  naó 
cometer  os  erros  a  que  o  obrigou  a  in- 
veja de  fe  vingar  de  Albuquerque ,  e 
de  desfazer  o  que  efte  tinha  eítabele-  D  ALBV 

eido.  QUERQUE 

Efte  General ,  que  nós  deixamos  GOVER" 
lio  mar  partindo  de  Malaca,  fomente  NAD0R*  " 
com  finco  nav;os  ,  e  hum  Junco ,  fez 
huma  das  melhores  viagens  pofíiveis, 
e  falvoa-fe  por  hum  milagre  da  fua 
fortuna.  Porque  navegando  pela  Cof- 
ta  de  Sumatra  ,  e  achando-fe  a  travez 
do  Reino  d'Auru  ,  lhe  fobreveio  hu- 
ma das  mais  violentas  tempeftades  ,  que 
fe  experimentarão  neftes  mares  :  era 
noite  ,  todos  os  ventos  defenfreados. 
O  Cco  eílalava  com  raios  ,  e  trovões , 
e  o  mar  eftava  taó  alto  como  os  mon- 
tes :  como  eftava  perto  de  terra ,  che- 
gou-fe  para  bufear  azilo  ,  e  ancorou. 
Porem  as  vagas  eraó  taó  forres  ,  que 
elle  empuxado  fobre  as  ancoras  3  foi 
dar  fobre  hum  banco  onde  o  navio 
Flor  do  Mar  em  que  hia  ,  celebre  pe- 
las fuás  viagens ,    e  expedições  ,  mas 

mui- 


t40   HlSTORlA    DOS    DeSCOBRIMENT03 

muito  velho ,  e  meio  podre  ,  fe  partíò 

Ann.  de  pelo  meio  ,  e  logo  toda  a  parte  da  proa 

J.  C.    Foi  engolida  pela  tempeítade.   A  parte 

151 1.     ^a  poup*1  ficou  encravada  na  arèa  ,  e  foi 

comida  pelas   ondas  do  mar.  Em  quan- 

"  to  huns  faó  forvidos  pelas  vasas  ,  e  os 

TC  OFÍ    REI  *  r* 

outros  agarrao  a  primeira  coifa   que  fe 
lhes   aprezenta,    Albuquerque  lutando 

AFFONSO  1  1  x  *      •        J 

,  com  as  ondas  n.ao  achou   mais  do  que 

x>  albu-    ^um  pequen0  ^[^q   ^e  numa   das  fuas 

v  £  elcravas  5  abraçou-o  por  compaixão  , 
00 ver-  pQ.g  parecia  ^ue  Deos  [no  enviava 
í:ador.  para  Yeu  refugio  ,  pondo  elle  mef- 
mo  a  confiança  da  fua  falvaçaó  na 
innocencia  defta  tenra  idade.  Pedro> 
d'AIpoem  3  que  commandava  o  navio) 
Trindade  ,  tinha  ancorado  junto  d' Al- 
buquerque ,  e  advertido  do  feu  nau- 
frágio pelos  clamores  que  ouvio ,  naõ 
obííante  o  aííobiar  dos  ventos  ,  deitou 
a  fua  chalupa  ao  mar  ,  e  falvou  o 
General.  Os  outros  que  eftavaó  no> 
caftello  da  poupa  também  fe  falvaraõ  , 
aíílm  por  algumas  jangadas  que  arma- 
rão ,  como  pelo  foccorro  ,  que  lhes 
deraõ  tanto  que  veio  o  dia ,  e  que 
o  mar  focegou.  Do  mais  naõ  fe  po- 
de falvar  nada  das  grandes  riquezas  , 
que  efte  navio  trazia.  Nelle  vinha  o 
quinto  delRei ,  e  todos  os  effeitos  do 
General  y  o  qual  fentio  mais  ainda  que 

to- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LtV.    VI.     Í4Í 

todo   o  oiro  ,   e  jóias   da  carga  ,  a  per 

da  de  dois  leoés   de   bronze,    que   ti- Ann.  de 
nha    diftinado  para    á  fua    fepultura ,    J.  C. 
e  do   bracelete   do  famozo   Chabandar     jrii. 
de  Malaca  5    no     qual   tinhaó    notado 
huma   taó    grande  virtude    para  eítan-  ^  D*  MA* 
car  fangue,  e  delle   queria   fazer  pre- í0EL  REI 
zente  ao  Rei. 

Naó  foi  fó  eíla  a  infelicidade  def-  AFFONS<> 
te  funefto  fucceílb.    Os   Javas  que  no  D  ALBU" 
Junco  eítavaó  muitos,    tendo-fe  fepa- QLERquE 
xado  peia  tormenta   do  navio   de   An-  G0NE 
tonio  Nunes  que  vigiava  ,  fe  revolta-  NAD0K-  ' 
taraõ    contra    o  Capitão    Simaó  Mar- 
tins ,  e  o  matarão   com  os  outros   Por- 
tuguezes   á  excepção    de  quatro  ,  que 
lançando-fe   no   eicaler    faltarão  á  ter- 
ra ,   e  foraó    recolhidos    pelo  Rei   de 
Pacen ,  que  os  tratou  muito  bem  ,  pa- 
ra niíto  obfequiar  o  Governador.  Suc- 
cedendo   calmas   á  tempeftade ,    vio-fe 
Albuquerque  em  hum  novo   perigo  de 
morrer  de  fome  ,  e  fede.  Dois  navios 
que  elle  tomou  fazendo  viagem ,  trou- 
xeraó  remédio  a  ambas  as  coifas.  Hum 
deites   navios    que  elle  tinha    dado   a 
Simaó  d' Andrade  ,  para  o   mariar  com 
alguns  da  fua  equipagem  ,  lhe  pregou 
huma  peça  naó   eíperada.    Porque  co- 
mo Andrade  naó    pode  tomar  altura  , 
ioi  obrigado   a  confiar-fe    do  Patraó  a 

que 


\\1  Historia  dos  Descobrimentos 

que  fez  a   derrota    das    Maldivas.  Alli 

Ank.   de  os  índios  do   navio  revokando-fe  con- 

J.  C.     tra    Andrade ,    e  os   feus    os  defpoja- 

151 1.    raõ  j  e  lhe  fizeraó  toda  a  forte  de  in- 

fultos.    Com    tudo    naõ  ouzaraó   tirar- 

lhes  a   vida  ,    com  medo    que   fe  nao 

JJOEL  REI      •  rr  *y       •      "     l  • 

vmgiíiem  no  Capitão  do   navio  ,   que 
vinha  por  reféns  no  do  General.    El- 

AFFONSO  1  •         -  r<       L-  J 

les    os   enviarão    a  Cochim  ,    onde  o 
d  albl-   Qeneraj_    checou    também   no    fim  de 

OUERQUE  t-  •  a 

**       *      Fevereiro. 

cover-  ^.  Q  recebera5  com  tanto  maior 

hapqr.  gQ^-Q  ^  como  pelas  primeiras  noticias 
do  feu  naufrágio  o  tinhaõ  chorado 
morto.  Se  a  alegria  publica  lhe  fez 
impreííaó  ,  o  feu  gofto  teve  defconto 
na  dor,  que  teve  dos  efquerdos  proce- 
dimentos ,  e  das  tyrannias  d'aquelles 
que  tinha  deixado  no  Govetno.  Eftes 
homens  iníquos  ,  cujas  maõs  eftavaõ 
cheias  de  rapinas  ,  roubavaõ  defcara- 
damente ,  e  com  taó  pouco  pejo  ,  que 
tinhaõ  deíterrado  Simaó  Rangel,  uni- 
camente por  cauza  da  liberdade  com 
que  elle  reprehendia  a  publicidade  ,  e 
o  efcandalo  dos  feus  roubos  :  deíterro 
que  lhe  cauzou  nova  infelicidade ;  por- 
cue  foi  captivo  de  Mouros  ,  e  con- 
ciufilo  para  Aden.  A  equidade  de  Al- 
buquerque ,  que  foi  vivamente  pe- 
netrado   deíU    acçaó  3    teria  feito   a 

mere- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,   LlV.    VI.    14$ 

imerecida  juftiça  ;  porém  o  feu  Confe 

lho  naõ  o  julgando   próprio,    conten-  Ann.   de 
tou-fe  de  informar  de  tudo  á   Corte.      J.   C. 

Elle    teve  para    coníblar-fe    hum    1^12. 
pouco  ,    as  noticias    que   recebeo   dos 
íòccorros  ,   que  lhe  vinhaó   de  Portu-     D*   MA" 
gal   ,    e  o ,  gofto    que  teve    de  ver  osNOELREI 
Portuguezes  ,  que   tinhaó  fido  prezio- 
neiros  no  navio  ,  que  deo  á  coita  fo-  AFF0NSO 
bre  a  de  Cambaia.  D  ALBU" 

Defde  o  anno  precedente  ElRei,  ^E^UE 
para  o  confolar  da  perda  dos  feus  dois  GOVER" 
áobrinhos  D.  Affonío  ,  e  D.  António  KADOR*  ' 
de  Noronha  ,  tinha  feito  partir  D. 
Garcia  feu  irmaõ  com  huma  efquadra 
de  féis  navios.  D.  Garcia  teve  muito 
infeliz  viagem  «,  encoílou-fe  de  mais 
ás  terras  do  Brazil  ;  e  fubindo  mui- 
to fobre  o  Cabo  de  Boa  Efperan- 
ça  para  o  Polo  auftral ,  experimentou 
frios  taó  fortes,  como  os  que  fe  fen- 
tem  nas  viagens  do  Norte  ,  e  achou 
dias  taó  curtos  ,  que,  eraó  obrigados 
a  confundir  n'uma  mefma  hora  o  jan- 
tar ,  e  a  cea  ,  (  afiim  o  dizem  todos 
os  Autores  )  .  Gaitou  fete  mezes  in- 
teiros para  chegar  a  Moçambique  ,  on- 
de invernou.  Os  navios  de  Chriftovaõ 
de  Drito  ,  e  de  Ayres  da  Gama  irmaõ 
do  Almirante  ,  que  eraó  da  efquadra 
de  D.  Garcia  ,  íizeraó  pelo  contrario 

hu- 


144  Historia  dos  Descobrimentos 
■  huma    viagem  taõ  prompta  ,  que  voí; 

Ann.  de  tara°  Para  Portugal   ,  taó  depreíTa  co- 
J.  C.     mo  Garcia  chegou  ás  índias. 

Com   tudo    Noronha  tendo  acha- 
^     *    do    no  caminho     alguns   navios  ,    deo 
d.    ma-  avizo  á  Corte  da  lentura  da  íua  mar- 
^oel  rei  cha  .  ElRei  que  temia  fempre  os  pre- 
paros   do   Califa,  tez  partir   doze  na- 
affonso  vios  divididos  em  duas  efquadras  com- 
i/albu-    mandadas  por  Jorge  de  Melo  Pereira  , 
querque  e  Garcia  de  Souza  ,  que  tinhaõ  ás  fua> 
gover-    ordens  muito  bons  OfEciaes ,  entre  os 
ííador.     quaes  eraó  Jorge   d'Albuquerque  ,  Pe- 
dro feu  filho  ,  e  Vicente  ,  todos   trcs 
próximos  parentes    do  General.    Efta-5 
frotas  chegando  no  mefmo  tempo  nef- 
te    mefmo    anno  ,    foraó     agradavel- 
mente  recebidas ,    por  trazerem    hum 
reforço    de  mais  de  dois  mil  homens. 
No  que  toca  aos  prezioneiros   de 
Cambaia ,   foraó  livres  por  hum  modo 
fmgular  ,'  que  merece  fer  contado.    O 
Rei    de    Cambaia  ainda  ,    que   ligado 
occultamente  com  o   Califa  ,  e  inimi- 
go mortal    dos   Portuguezes  no  fundo 
do  feu   coração  ,  tinha  fempre  tratado 
eftes    prezioneiros  com  grande  difhn- 
çaõ    por  confelho    de  Melique  Jaz,  e 
de  Melique  Gupin ,    ambos    rivaes ,  e 
concorrentes  ,    mas  ambos    de    muito 
credito  para   com  elle.,  e  igualmente 

deze- 


1>0S    PoRTUGUEZES,    LlV.    VI.     I4£ 

dezejozos    de  merecerem    a  protecção 1 

dos  Portuguezes  para  á   precizao.  Co-  Akk.  de 
mo  eftes  prezíoneíros  podiaó  fervir-lhe     J.  C. 
para  entrarem  em  alguma  negociação ,      \c\z. 
uzavaó  muito   bem    a  refpeito    delies  , 
e   lhes  davaó  todas  as   largas  para  ura-    D'     >ÍA" 
tarem  do  íeu  refgate.  Albuquerque  de-  ís0EL  RhI 
zejou  ardentemente  o  feu  refgate ,  em 
quanto   ignorou   a   forte  de  feu   fobri-  Af FONSO 
nho  D.  AíFonfo  ,    que   eftava  no   na-  D  ALBL" 
vio  encalhado  ;  porém   quando   o  fou-  ÇUER(2LE 
be  ,  pofto  que  eftes  doi?  Miniftros  do  GOVLR" 
Rei    de  Cambaia  ,    e   os   prezicneiros  N*AD0R#  • 
juntamente    lhe   efcreveííem  ;    naó    fe 
apreífou  mais  com  tanta  eíficacia,  naó 
fei  porque  cauza  ,  a   tratar  do   leu  ref- 
gate.   Foi  igualmente  froxo  fobre  eíle 
artigo    com   hum     Embaixador  ,    que 
lhe  veio  da   Corte  de   Cambaia  ,  tan- 
to mais    fabendo  que    os  prezioneiros 
eítavaó    bem.    Com    tudo    eftes  enía- 
dando-fe  do  feu  eftado  ,  o  Padre  Lou- 
reiro  Francifcano ,    ePce  digno  Miilio- 
nario  ,  de  que  falámos  ,  pedio  ao  Rei 
que  o  deixa-fe   hir  a  Cocbim,  para  el- 
le    mefmo   alli    tratar   defte     negocio. 
O    Rei    perguntando-lhe    que   íeguro 
lhe  dava  de  voltar,  delatou  eile  o  feu 
cordaõ  3  e  lho  entregou ,  como  penhor 
mr.is  íeguro  da  íua   palavra.    Obtendo 
O  confeiitimento  dcfce   Principe  P  para 
Tom,  II  K  efte 


I46  Historia   dos  Descobrimentos 

eíte  negocio  fomente  ,  foi  a   Cochim. 

Ann.  de  Albuquerque  tinha  partido,  e  os  que 
j.  C.  govemavaõ  na  fua  auzencia  ,  eftavaõ 
ici2.  mu"ito  occupados  3  e  mui  pouco  afei- 
çoados ao  bem  publico  5  para  fe  com- 
D*    MA"  padecerem   do  eirado    dos   feus  conci- 

koel  rei  c]riC]a53  .  je  forte  que  na5  vendo  meios 

de  confeguir  o  que  pertendia  ,  voltou 
AFFONbo  CGmo  tmna  vindo.  O  Rei  ficou  taó 
d  albu-  penctrado  deita  fidelidade  ,  e  concebeo 
querque  jUima  tàQ  granc]e  idéa  duma  Naçaó  , 
govea-  ^ue  pr0(^uz;a  homens  capazes  deites 
jíador.  ac^os  cje  virtude  ,  que  os  enviou  Tem 
reígate. 

Defde  o,  momento  da  fua  che- 
gada a  Cochim ,  o  Governador  tinha 
Tabido  tudo  o  que  íè  tinha  pafíado  em 
Goa  ,  onde  as  coifas  eíWaó  no  eíta- 
do  em  que  as  deixamos.  Elle  logo 
enviou  para  iá  provi  zoes  de  guerra, 
e  de  boca.  Tiruu  Mendes  ,  e  no  feu 
lugar  pôs  Manoel  de  Lacerda.  Fez 
Manoel  de  Souza  Governador  da  Ci- 
dadeila  ,  e  Fernando  de  Beja  General 
da  armada  que  Lacerda  commandava. 
Também  fez  partir  para  Majaca  Fran- 
cifeo  de  Mello  ,  Martim  Guedes  ,  e 
Joríre  de  Brito  ,  com  hum  reforço  de 
140  peííoas  ,  quantidade  de  munições 
de  guerra  ,  e  de  boca  ,  carpinteiros 
de  navios ,  e  tudo  o  que  era  neceifa- 

rio 


NOEL  REI 


DOS    PoRTUGUÊZES,    LlV.    VI.    147 

rio  para  pôr  no  mar  féis  galeras ,  que i 

cHftinava   para  guardar    os  eftreitos  de  Ann.  de 
Saban,   e  de   Sincapour.    Bons     deze-     J.  C. 
jos  teve   eile  de  fe  tranfportar  a  Goa  ,      i^ij. 
onde  a  fua  prezença  era  neceííaria  ;  po- 
rém os  que  alli  governavaó ,  lembran- 
do-Ihe   as  poucas    forças   que  elie  en- 
tão tinha  ,  rogaraó-lhe  que   fufpendef- 
fe  a  fua  viagem  até  achegada  do  foc-  A/FO*so 
corro  que  vinha  de  Portugal  ,  de  que  D  ALau" 
havia  já  noticia.  m         ******* 

Parecendo-lhe  cila  propofiçaó  juf- co^R~ 
ta,  e  racionavel  ,  fufpendeo  com  ef-N  ®^ 
feito  por  algum  tempo  a  fua  viagem, 
e  fe  applicou  entretanto  a  reformar 
os  abuzos  ,  que  fe  tinhaó  introduzido 
na  fua  auzencia.  Naó  eraó  fomente 
os  Superiores  do  Governo  ,  que  ti- 
nhaó prevaricado  na  fua  adminiílra- 
çaó  ,  a  defordem  tinha  paílado  dos 
Grandes  ao  povo  ;  e  alli  havia  huma 
corrupção  de  coítumes  taó  geral  ?  e 
defmedida  ,  que  os  vicios  dos  Portu- 
guezes  faziaó  horror  aos  Mahometa- 
nos  ,  e  aos  Idolatras  :  de  force  que 
eftes  homens  ,  que  tinhaó  paííado  á  ín- 
dia ,  com  a  idea  de  a  conquiílar  para 
Jefus  Chriílo  ,  antes  do  que  de  a  fub- 
meter  ao  dominio  do  feu  Soberano  , 
eraó  a  Cruz  dos  Miílíonarios  ,  e  o 
maior  obitaculo  para  o  eílabeiecirnen- 
K  ii  to 


GOVER- 
KADOR. 


*4&  Historia  dos  Descobrimentos 

■ —  to   da  fé  ,    pelo  contraíle  horrorozo  de 

Ain.   defeus  exemplos  ,  e  acçoés  ,  com  as  fan- 

J.  C.     tas   máximas  da  moral  do  Evangelho. 

151 2.  Albuquerque  compadeceo-fe  deites  ex- 
ceííòs  5  e  trabalhou   quanto   pode  para 

D.     MA-  '      1  -1       j-  rnr 

03  remeaear ;  e  o  remédio    mais   em- 
koel  rei  caz   £oj  ^  ^e  unindo-fe  com  o  Rei   de 

Cochim,  feparou  os  quartéis  dos  Ma- 
affonso  |ajjare3  ^  e  ^GS  Portu^uezes  ,  com  pe- 
d  aleu-  ^a  je  m0rte  je  pa|Xâf]"em  d'uns  para 
£  outros  ,  ilto  reprimio  por  algum  tem- 
po a  deíenvoltura ,  e  naó  íervio  pouco 
para  2,  ccnverfaó  dos  Gentios. 

Malaca  naó  fentio  menos  a  au- 
zencia  do  General ,  do  que  Goa.  Mah- 
mud5  e  Aladin  poftados  na  Ilha  de 
Bir.tau  ,  Laczamana  feu  Almirante  5 
que  guardava  o  rio  de  Muar ,  e  Pa- 
tequitir  ie  ajuftavaó  para  lhe  fazerem 
hurr.a  viva  guerra  ,  com  a  efperança 
de  fe  fazerem  fenhores  delia.  Os  ín- 
dios antigos  dos  Portuguezes  ,  e  os 
meímos  Portuguezes  elmerecendo  do 
feu  pequeno  numero  ,  temiaõ  tudo  da 
uniaõ  deíks  inimigos  ,  que  cada  hum 
de  per  fi  naó  era  para  defprezar.  Pate- 
quitir  páfl  tinha  íahido  da  fua  povoa- 
ção de  Upi ,  onde  refidia  c'os  ieus  Ja- 
vos  ,  depois  que  tivera  o  atrevimento 
de  qi:eimar  o  bairro  dos  Quiíins  ,  e 
Chaths.    Havia-íe  aili  forciilcado  com 

dobra- 


DOS   PoRTUGVT!?£S  ,    Ll\\   VÍ.     Í49 

dobrada    cítacada  ,    da  qual    a  iegun » 

da  era  feita  da  precioz*  madeira  de  San-  Ann.   de 
dalos.  Tinha   também  íeus  navios ,  que    J.   C, 
mandava  a   corio  ,  e  inquietava  muito    I^I2. 
a    Cidade. 

Brito   tinha  feito    huma   trinchei-    D#    MA 
ra  defde  a  Cidade  até   á  porta  da  For-  r0EL  REl 
taleza  ,  com   a  qual  fazia  huma  efpe- 
cie  de  Bailiaõ  ,  no  angulo  do  qual  co-  AFFOIsSO 
lo:ou  o  corpo   dum  grande  navio  que  D  ALB 
dominava  as  duas  faces.  Parequitir  ef-  vJ 
colhendo  huma   noite  efcura  ,    tomou  GovER" 
o  navio   pela  negligencia  do  Capitão ,  ^AD0R# 
que    ncllc    foi     morto    com   todos    os 
feus  5   excepto   hum  meílre  artilheiro , 
que  o  viítoriozo   confervou   para  fazer 
iervir   á  huma    grofla  peça  de  artilhe- 
ria  ,   que   alli  tomou. 

Era  precizo  naõ  deixar  gozar  mui- 
to tempo  a  Patequitir  de  hum  acon- 
tecimento ,  que  enfoberbecendo-lhe  o 
animo  abatia  em  extremo  o  dos  ín- 
dios alliados,  que  já  tinhaó  dado  mui- 
tos ímaes  da  fua  defconfiança  ,  eniu- 
tando-fe  na  partida  de  Albuquerque. 
Aíhm  rezolveraó  de  hir  no  dia  fe- 
guime  attacaio  no  feu  Forte.  Aífon- 
Jo  PeíToa  conduzio  por  terra  ao  longo 
da  praia  os  Malabares  ,  e  os  Malayos  , 
fuftentados  por  alguns  arcabuzeiros 
Portuguezes.    Fernando  Peres    d*An- 

dra- 


iço  Historia  dos  Descoriument-os 

i drade  ,    .ommandava  a  partida  ,  e   ef- 

Ann.  de  tava   á  teíla  do  reíto  nos   bateis.    Af- 
J.  C.     fonfo  Peííoa    chegou   hum  pouco  tar- 
1^12.    ^e  3  Por  ^er  demorado  por  cauza  d^m 
váo.   Botelho  duma  parte   com    vinte 
d.  MA"  portuauezes  fomente ,  e  Fernando  Pe- 
jíoel  rei  res   ^a  outra  attacara5  0  Forte ,  e  for- 
çarão as  trincheiras  das  duas  eftacadas. 
affonso  q  major  perigo   foi  dentro  da  praça  , 
d  albu-    oncje  ac}iara5  ^oo  homens  em  armas , 

qUERQUE  e    tres     £lefantes  9    f0br£    ca(Ja    kum  ^05 

cover-  quaes  nav;a  huma  torre  ,  e  muitos 
nador.  befteiros.  Botelho  mais  expofto  do 
que  os  outros  fuftentou  o  primeiro 
esforço  com  a  fua  pequena  tropa.  Naõ 
fe  perturbou  ,  ordenou  aos  léus  que 
fizeffem  pontaria  para  matar  o  Meítre 
do  primeiro  Elefante  ,  que  era  fêmea, 
e  muito  mais  pequena  ,  que  os  ou- 
tros. Cahindo  o  Meítre  trafpafado  dos 
tiros  5  o  Elefante  voltou  de  lado  ,  e 
no  campo  recebeo  hum  tiro  d'arcabus 
no  coração ,  e  naõ  dando  mais  do  que 
hum  grito  ,  cahio  morto.  Fernando 
Peres  chegou  nefte  momento  pelo 
Jado  oppofto  :  os  inimigos  perturbados 
naõ  cuidarão  mais  do  que  em  fe  aco- 
lherem para  os  mattos  ,  aonde  naõ  fi- 
zeraõ  cazo  de  os  feguir.  Acharão  no 
Forte  tantas  riquezas  ,  e  fobre  tudo 
tantas    efpeciarias,    que  naõ  podendo 

os 


DOS    F0RTUGUE?ES  ,    LlV.    VI.     T5Í 

os  vencedores  carregalas  ,  foraó  obriga 

dos     a   eonvindar    a  gente   de   Malaca  Ann.  de 
para  vir   tomar  parte  na  preza,  depois     J.    C. 
diílo   lançarão   fogo  ao  que  ticou.  Bo-     IcT2. 
telho     deílinsuio-íe    muito     neíta    ac- 

honra    D'    MA" 
Cao   o  NOEL  R£I 


çao  ;   porem  quem   teve   maior   í 
nefía  jornada  ,   foi  fem   cor.tradiç 
meftre  artilheiro,   que  Patequitir  tinha 
captivado   no   navio    que  tomara.  Por-  A^rFONS° 
que  preferindo  antes   a  morte   do   que  D  A"u" 
fervi*    á  peça  de   artilheria   contra   os  QUERQUE 
feus  ,  Patequitir  lhe   mancou   cortar   a  COVER" 
cabeça   fobre  a   culatra  da  mefma  pe-  NADGR» 
Ça  5  a  qual   acharão   ainda   rociada  do 
icu   langue   efparfido    de  frefeo   quan- 
do  a  tomarão. 

A  fuperíliçaó  impedio  Patequitir 
de  tornar  a  hum  lugar,  onde  a  forte 
das  armas  lhe  tinha  fido  raõ  contra- 
ria :  tranfponou-fe  huma  legoa  mais 
longe,  e  ani  fe  fortificou  ainda  melhor 
do  que  no  primeiro  porto.  Xkrõ  fe 
demorarão  de  ahi  o  atracarem ,  para  fe 
aproveitarem  do  ardor  que  dá  a  vicloria 
aos  vencidos.  As  duas  eftacadas  foraõ 
ainda  forçadas  com  muito  calor  como 
•na  primeira  vez  ;  mas  como  o  terreno 
€ra  hum  lamaçal,  donde  as  aguas  eíla- 
vaó  coníervadas  por  artificio  ,  naõ  po- 
dendo os  Portuguezes  tirar-fe  delle  tam- 
bém como  os   índios  ,  por  cauza  do 

Pe- 


lçl   Historia  bos  Dêsco*ptMentos 

--  pezo   das   fuás    «irmãs  ,  Peres   mandoí» 

.   de  tocar  á  retirada  ,    para   ganhar    os  ba- 

'.  C.     teis.  O  de  Araújo  muito  carregado  de 

i$i2.     gente   encalhou   na  área  ,    e  íbbre    o 

campo  foi  o  theatro  d'um  grande  com- 

D*    MA*  bate.   Peres   o     fez   foccorrer  ;    porem 

ív0EL  RE1  Araújo  ahi   foi  morto  com  Chriftovaõ 

Pacheco  3   e   António  de  Azevedo  Ca- 

affonso  p-ra-     ^e    ^uma    caravela.    Fernando 

d  albu-    peres  ^   Pedro  de  Faria  ,   e  muitos   ou- 

qlerque  trQj    a^j   fora5  feridos  :  vantagem  que 

govek-    fazerc|0  jpnflàr   de  falto   a  vicforia  d'u 

hADQR.     ma  ma^  a  outra  ?   expertou  o  valor  dos 

inimigos  5   e  abateu  muito  os  Portur 

guezes. 

Poucos  dias  depois  ,  tiveraõ  oc- 
caíiaó  de  fe  pagarem  na  frota  inimiga. 
Laczamana  que  a  commandava  ,  era 
hum  bom  Officiai ,  porém  confiando 
mais  na  prudência  ,  que  no  valor  ,  evi- 
tava expor-fe  a  huma  acçaó  ,  e  con- 
tentava-fe  de  moleílar  os  Portuguezes  , 
atalhando-l!ie  os  foccorros ,  e  os  vi- 
veres. Com  tudo  Mahmud  obrigado 
por  Patequitir,  e  esforçado  pela  fua 
ultima  felicidade  ,  enviou  ordem  ao 
feu  Almirante  para  fe  unir  ás  frotas 
do  Rei  d'Arguim,  e  d'outro  Principe 
feus  aliados ,  e  fe  aprezentar  nos  ef- 
treitos  de  Saban,  e  Sincapour ,  e  jun- 
to  da    foz  do    rio    de    Muar.    Peres 

faben- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VI.      1  ç$ 

íabendo     pelos   Teus   exploradores  que  ■ 

elle  eftava  neíte    ultimo    eírreiro,   foi  Akn.   de 
logo    buícalo     para    lhe    dar    batalha,     j.  C. 
Laczamana  percebeo   primeiro   a  frota    X-I2. 
Portugueza  ,    quando   o   navio  de  Bo- 
telho ,  que  fazia  a  vanguarda  ,  come-    D*    UA* 
çou   a  dobrar  hum  cabo  ,   que  cobria NOEL  REl 
toda  a   fua.    Bem  longe  de  correr  fo- 
bre  elles  ,  íe  encovou  muito  no   bahia  AFFOKSO 
que  fazia  o  Cabo,  para  o  deixar  pai-  D  ALBU" 
íar ,  e  dar-ihe  pela  poupa.    Botelho  co-  QUEI-^UE 
nhecendo   o   íeu    deilgnio   ,    naó   de;-  GOVER~ 
xou  de   paliar   além  ,  na  eíperança  de  NAD0£U 
lhe  fechar  ,  e   tapar   o  caminho.  Com 
efFeito    quando    íe  defcobrio    a    frota 
Portugueza  ,    Laczamana  penfou    fo- 
mente    por-fe     em    feguro   ;     e    para 
que  os  navios  inimigos  naó   fo-iem  ter 
com  elle,  fez  diante  de  íl  iiu::::.  trin- 
cheira   de  navios ,    e  de  embarcações 
de   remos  ,  que  fez   furar  pelo  fundo^ 
para  que   enchendo- íe  d  agua  ,    foíTem 
tomadas     com    mais  difficuidade.    De- 
pois   começou    a    artilheria    a   varejar 
<Tuma  ,  e  doutra  parte  promptamente  , 
com  a  coílumada  differença,  q:Te  a  dos 
inimigos  era  mais  numeroza  ,  e  a  dos 
Portuguezes    mais  efHcaz  ,  e  maneja-" 
da  melhor ;  porém   os  primeiros  íupri- 
raó  a  fua  falta ,  pela  multidão  de  fle- 
xas  ,  que  atiravaó  da  praia  ,  com  que 

os 


1^4  Historia  Dt>s  Descobrimentos 

"  os  Portuguezes  foraõ  muito  incommo- 

Akn.  de  dados. 

J«   C.  O  que  naó  obftante   eftes  ganha- 

I512.     ra^   os  bateis  á   medida   que   Juiintos 

_  defcubrio  ,    faltando   de  hum  a  outro; 

Houve   alíi   hum  cruento  combate.  Os 

WOEL  REI    •»  11        r       J    n-  •      " 

Javas    nelie   íe   deftmguirao  ,   e  avan- 

çaraó-fe    até    a  combate*   á    golpes  de 

affonso  rjfan^e>    £]|es    fug-jraó   pcítc     cuc    no 

D  ALBU-       t!  ii  ~  J 

fim  ,    e   os  Portuguezes  nao   podendo 
QUERQUE  |evar   os  bate;s  ^    anj  i\c  lariçuaó   lo- 

GOVER-       gQ  ^       ^    ^^     ^     mujro     preju  Zo. 

iíapor.  Apartando    a  noite   o    combate , 

Andrade  eíteve  attentamente  vigian- 
do o  feu  inimigo  ,  para  que  lhe  naó 
efcapaífe  de  noite.  Porém  Laczama- 
na  pondo  as  fuás  embarcações  em  fe- 
co  ,  fez-ihe  por  diante  huma  trinchei- 
ra de  terra,  fobre  a  qual  eftabeleceo 
huma  boa  battaria.  Iílo  foi  feito  com 
tanta  promptidaó  ,  e  filencio  ,  que  fe 
achou  acabado  ao  defpontar  do  dia. 
G.9  Portuguezes  tinhaó-no  percebido  ta5 
pouco  ,  que  eftavaó  na  duvida  fe  elle 
teria  fugido.  De  forte,  que  na  ma- 
drugada ,  quando  Peres  vio  eíla  trin- 
cheira ,  e  que  percebeo  os  inítrumen- 
tos  bélicos  dos  inimigos  ,  pafmou ,  e 
naó  pôde  deixar  de  admirar  o  feu  Ge- 
neral ,  que  refta  occaíiaó  lhe  pareceo 
grande    Capitão*.   E  naõ  tendo  gente 

Fa- 


UOS    P0RTUGVE2ES  ,    LtV.    VI.    1$Ç 

para  fe  arrifcar  a  hum    defembarque , 

fe  retirou    deixando   a   efte    General  ,  Ann.    de 
poíto  que  vencido  ,  mais  gloria  que  ti-     J.  C. 
vera  tido  em  o  vencer.  1512. 

A   guerra    que  faziaõ    em  Mala- 
ca, affugentou    os  eftrangeiros  ,  a  pe-    D#    MA- 
nuria    cauzou  ahi   fome  ,   e  depois  as  NOEL  RÈi 
rnoleítias    faziaõ   cahir    as    armas    das 
maós  d'ambas  as  partes  3  e  os  obrigarão  A>FFCNSO 
a  fazer    huma  efpecie   de  tregoa     por  D  ALBU" 
neceílidade.   O  mal  durava  ,  e  creícia.  QUKRQU« 
Peres   foi   conílrangido  a  andar  á  cor-  GOVER" 
fo  para  ter  mantimentos.   Cahio  fobre  KADoR» 
hum    Junco ,  que  tomou    depois   dum 
vigorozo   combate.    Penfou    que    ifto 
foííe  a  cauza   da  fua  perdição.   Elle  ti- 
nha-fe    contentado    com    defarmar    os 
prezioneiros  ,  e  lhe  deixou  a  liberda- 
de para  andarem  por  toda  a  fua  embar- 
cação ,  para  onde  tinha  feito  paífar  hu- 
ma parte.  Os  prezioneiros  todos  tinhaó 
coníervado  hum  Cris  debaixo  dos  vef- 
tidos ,  e  formarão  o  diíignio  de  toma- 
rem   o   navio.    O  Capitão    devia   dar 
íignal  :  efeolheo  o  tempo  em  que  Pe- 
res eítava  deitado  para  dormir  a  fefta  9 
e   quando    elle   fe   voltava  ,   deraó-lhe 
huma  pancada  por  de  traz.    Os  outro* 
cemeçaraõ    a  querer  jogar  as  facadas, 
porém  os  Porruguezes    fora5    taó  deí- 
tros ,  que  o  Capitão  naó  teve  tempo 

de 


1$6  HlSTORlA    DOS    DeSCOBTUMEKTOS 

de  repetir  :  foi  logo  agarrado  ,  os  ou-* 

Akk.   de  tros   mortos   ,    ou   apanhado?    3  ou    fe 
J.  C.     deitarão  ao   mar.   Betes  fez   perguntar 
leu.     °    Capitão  3  cjue   confeííou  que   o  Jun- 
co  era   de    Patequitir  5  e   que   o  mef- 

D'    MA"  mo   filho    de   Patequitir  eftava  aCtuai- 
koelrei  mente   nQ  navio< 

Como  o  Junco  eííava  cheio  fò  de 

affonso  vjveres  ^  e   0    Çapitaõ  declarou  outros 

d  albu-     tres  juncos  5  que   tomarão   fem   dar  ti- 

qverque  rQ^  a  aiegrja  f0[  mujt0  grande  em  Ma-* 

gover-     jaca  .  p0rque  os  habitantes  niffo  acha- 

kador.     va5  Jorrado  entereííe  ,  hum  do  leu  bem 

próprio,  e  outro  do  mal  do  feu  inimigo, 

a  quem  os   Juncos  pertenciaó,  o  qual 

morria    de   fome.    Porém    o    filho   de 

Patequiiir    foi  taó  mal  guardado  ,  que 

&gto. 

A  Cidade  foi  depois  mais  alivia- 
da ,  naó  fomente  pelas  prezas  ,  que 
Peres  continuou  a  fazer  ,  mas  também 
peia  chegada  dos  foccorros  que  Albu- 
querque enviou  ,  e  peia  de  Gomes  da 
Cunha  5  que  tendo  feito  aliança  com 
o  Rei  de  Pegu,  tinha  conduzido  alguns 
Juncos  cheios  de  mantimentos  ,  e  ti- 
nha obtido  a  liberdade  de  poder  hir 
carregar  aos  feus  Eftados.  António  de 
Abreu  voltou  entaõ  das  Malucas  ,  e 
António  de  Miranda  de  Siam  ,  aonde 
o  General  o  havia  enviado,  e  aonde 
fora  muito  bem  recebido.  Con- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.    tfjt 

Contentes    com   effces    novos  foc- 


corros  d'homens  ,  e  munições ,  os  Por-  Ánn.   de 
tuguezes   fe  rezolveraó   a.  hir  viíitar  de    j.    C. 
movo    Patequitir    ás    Tuas  trincheiras,     1512. 
perfuadidos   de    melhor    forruna  ,  por 
cauza    ào  eítado  ,  que  fabiaó ,    a  que 
a  fome  o   tinha   reduzido.    Com  effei-  N0ELRE£ 
to  deíla  vez   foi  inteiramente   deílrui- 

,  ir  1      •  AFFONSO 

do  ,   entrados  íeus  entrincheiramentos,    , 
parte   dos    feus  Elefantes    mortos  ou     A 
tomados  ,    os   íeus    desbaratados  ,   ou  VB*Ç,r*1 
poílos  em  fugida,  e  elle  inteiramente  ^0VER 
derrotado,  que   defefperando   do  eíla-  hAD0R* 
do   dos    feus  negócios  ,    fe  embarcou 
com  a  fua  família   para   hir  para  á  Ilha 
de   Java  :  porem   elle  o  fez  com  tan- 
to fegredo  ,  que  três    dias  depois  da 
fua  partida  ,  he   que   confiou  em  Ma- 
laca.   E   ainda  que  Fernando  Peres   o 
vigiou ,    e  o   perfeguio    vivamente  lo- 
go ,  elle   lhe  efcapou  ,  e  fe  pôs  em 
feguro. 

A  deílruiçaõ  de  Patequitir  conRer- 
nou  Mahmud ,  que  fe  achava  defem- 
parado  ,  e  privado  dum  apoio ,  em 
oue  confiava  ,  mas  foi  hum  lance  bem 
favorável  aos  Portuga ezes.  Porque  no 
mefmo  tempo  que  elles  fe  viraò  li- 
vres defte  inimigo  ,  lbes  cahio  outro 
em  fima  ,  que  provaveimence  os  òe[-> 
trairia  ,  fe  tiveífe  podido  unir  as  íuas 

for-  ~ 


1^3  Historia   dos  Descobrimento? 

■  forças     ás   de    Petequitir ,   com   quem 

Ann.   de  tinha    enrereííes   particulares   ,     e   que 

].  C.    naó  ceííava  de  apreífar   a  lua    partida 

1512.     ^a  grande  Java  5    onde   fazia    os   feus 

preparos. 
D-    MA~  As    duas    Ilhas    de   Java   faõ    do 

soelrei  numcro  daquellas  a  que  os   Portugue- 
zes  chamaó  do  Sunda.    A   grande  ,  de 
affonso  a(^uj  çc  trata,  naó  he   íeparada  da 

d  albl-    £Q   Sumatra  ,  mais    que  por    hum  pe- 
QUERo_uEqueno  eftrejto  ^   que  dá  efte nome  ge- 

GOVER-      rpJ     de    Sunaa    a     t()das    eftas     Iihas<      tl- 

kador.  ja  tem  qua(i  duzentas  legoas  de  com» 
prido  ,  e  mais  de  ílncoenta  de  largo  , 
e  corre  de  Efte  a  Oueíie.  He  corta- 
da pelo  comprimento  por  huma  longa 
cadêa  de  montanhas  ,  ailim  como  a 
Itália  o  he  pelos  Apeninos  ;  porém  taõ 
altas  que  os  habitantes  ,  que  cilas  di- 
videm para  hum  e  outro  lado ,  naó  tem 
communicaçaó  alguma.  Além  diflb  he 
fertilliilima  de  todas  as  coifas  necef- 
farias  ávida,  principalmente  em  eípe- 
ciarias  ,  e  em  aromas  ,  de  que  ahi  fe 
faz  grande  commercio.  Se  he  verda- 
de que  os  naturaes  do  paiz  faõ  ori- 
ginaes  da  China  ,  aílim  como  lho  fa- 
zem dizer  ,  he  prccizo  que  haja  mui- 
to tempo  que  foíTe  feita  a  ília  tranf- 
raigraçaó.  Eftes  líneos  L\ò  igualmente 
polidos ,  e  taó  bravos  que  chegaó  a  fe- 
ro- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.       I^p 

roces  ,  vingativos  por  extremo ,  e  defpre-  -^— — —. 
zaó  a  vida  quando   emprehendcm   vin-  Anx.   de 
gar-fe.  A'  excepção  de  alguns  dos  mais     J.  C. 
notáveis,  que  trazem  i únicas  de   feda,    x    iy 
e  de  algodão  ,  andaó  nus  ,  e  ío  cobrem 
o  que  o  pejo   os   obriga.    Rapaõ  a  ca-    D*    MA~ 
beça  por  diante  ,  e  encrefpaó  o  refto  :  MOEL  **« 
nunca    a  cobrem,   e  teriaõ  por   huma 
das    maiores   afrontas  ,    que   ouzaílem  A,FFOXSO 
tocar-lhe   com  a  maó.    Amaó    a  guer-  D  ALSL~ 
ra  ,   e  a   caíla,   á  qual  levaó  fuás   mu-  QuerQue 
lheres,    e  filhos    em   carros  dourados. GOvER" 
As   mulheres,  que  naó    faó  ahi  defa-NAD0R* 
gradáveis  ,  trabalhão   bem  em   muitas 
coifas.    Os    homens   íaó   muito    induf- 
triozos,    e   faó  principalmente   peritos 
nas  obras    de   ferro,     e  de    fundição. 
Originariamente  eraó    Idolatras ,    e  os 
que  habitaó   no   centro   do  paiz   ainda 
o  faó.  ■  Os    que  eftaó    nas    bordas  do 
mar ,  tem   abraçado    a  lei  de   Mafcma 
ligandc-fe    aos   Mouros  ,    que  ahi   fe 
tem   eílabelicido   como  por   toda  a  par- 
te.   No   tempo  em  que   nós   falíamos 
havia  nove  Reys   na  Ilha  ;   porém  ti- 
nhaó   huma  aucloridade   muito   limita- 
da íobre   a  Naçaó  ,    a  qual  fe   go-  e  • 
nava   propriamente  pelo   Confelho  dos 
Velhos. 

Far.e-Onus}  que   he   o  inimigo  de 
<{uq  vou  a  fallar ,  naó  era  Rei ,  mas 

tinha- 


GOVER- 
NADOR 


16b  Historia  dos  Descobrimento* 

tinha-fe   alevantado  contra  o   Teu  legi- 

Ann.    de  timo  Soberano  ,  era  aífás  poderozo  pa- 

].  C.     ra  fe  fazer  temer  ,  ou  para  ler  lançado 

1512.    do  throno  por  tempos.  Parecia  que  el- 

le   dirigia    o   feu  plano  para   fe  eíla- 

d.    MA"De[ecer    r0Dre    as  minas   de   Mahmud 

i,oel  rei  ^e|  ^e    fyTajaca   ^  pelas   inteíligencias 

que  tinha  com  Utemutis ,  e  havia  fe- 

AFFONSO  r  • 

te  annos  que  le  preparava  com  ímpe- 
13  AXBW"  netravel  fegredo  a  reípeito  das  fuás 
^^^Ev-ílas.  Depois  que  os  Portuguezes  fe 
atTenhorearaó  deita  Cidade,  concebe» 
eile  huma  maior  efperança  de  apode- 
rar-fe  delia.  A  íua  frota,  dizem  ,  que 
conitava  de  quaíi  trezentas  velas  de 
todas  as  efpecies  ,  entre  as  quaes  ha- 
via muitos  Juncos  de  grande  porte. 
O  em  que  elle  hia  era  prodigiozo  pe- 
la fua  altura  ,  e  comprimento.  A  ga- 
via  dos  navios  Portuguezes  chegava 
fó  ao  nivel  do  feu  Caftello  de  popa. 
Era  de  madeira  taó  forte ,  que  as  pre- 
cintas ,  e  as  bordas  que  eraõ  cie  fere 
taboas  unidas  por  huma  argamaça  ,  eraõ 
feitas  á  prova  de  bomba  ,  e  delias 
reâecliaõ  as  balas. 

Eíta  frota  partio  do  porto  de  Ja- 
para  no  anno  fe?;uinte  de  151^:  tan- 
to que  eíia  paflbu  o  eílreito  de  Sim- 
cla  ,  Rui  de  Br'to  teve  logo  noticia 
pelos     íeus    defeubriciores.    A    noticia 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.      l6l 

fez  alguma  impreííaõ  em   Malaca  nos ■ 

Portuguezes   mefmo.    Porque  além  de  An:;,  de 
faberem  que  os   Javas  faó  homens  re-     J.  C. 
folutos,    e  belicozos  ,    naõ  ignoravaõ      i^n. 
que  faó  também  perigozos   nos   com- 
bates pelos   eftratagemas  ,  que  empre-    D*     MAT 

"  *    •  f  *»•  '  NOLL  REI 


gaó  no  ultimo  recurio.  Siqueira  ,  e 
Albuquerque  os  tinhaó  experimenta- 
do ,   e   fe  tinhaó  admirado.    O  primei 


ro    mefmo   ahi  penfou  morrer.  Porque  D  ALBU" 
quando  faó  abordados  ,  elles   tem  hum  °-UERÇUE 
fogo   artificiai   que   naó   queima  ;    po-  GOVEK" 
rém   que   adulta  aos   que   naõ  faó  cof-  *AD0R» 
tumados   a  elle.  Além    diíto  tem  a  in- 
duitria  de  acravarem   os    feus   navios, 
de  modo  que   fe  enchem  d'agua   fem 
avariar    as    mercadorias   ,    e     expõem 
aquelles  ,   que   os   tem  tomado  ,  a  fe 
afogarem.    Com    tudo     o   Governador 
de    Malaca  fem    fe  aííombrar    enviou 
Fernando  Peres  d' Andrade   com  os  feus 
navios    para   aviftar    eíta   frota ,    e   fe 
difpos  para  hir  combatela.    Peres  vol- 
tou  fem   a  ter  viíto  y    porque  a   frota 
inimiga   tinha   paífado   do     eltreko   de 
Saban  para  outro  ,    que  formaó  algu- 
mas Ilhas  viímhas  ;   porem   na  fua  vol- 
ta ,  elle    a  vio   defcobrir-fe  de  fronte 
da  Cidade  ,   onde   o  numero  dos  feus 
navios    neó    deixou     de   augmentar  o 
terror. 
Tom.  II.  L  Co:n 


i6z    Historia  dos  Descobrimentos' 

Com  tudo  vio-fe  huma  nobre  emu- 

Ánn.  de  laçao    entre   os    Chefes  pari  :onvirem 

].  C.     áefta    acção.     E   até    houveraõ    altos 

1512.    gritos    entre  Brito  ,    e  Peres  ;    porque 

o   primeiro   queria  cornmandar    a  fro- 

D'    MA~ta,  e  as  coifas  foraó  levadas   logo  nó 
koel  rei  loagc  ^  c..^  BritQ   p.s  peres  em  Co{^ 

Telho.  Porém  pafTando  o  primeiro  fo- 
affonso  gQ  ^  arrependeo-lc  ,  livrou-o  ,  e  o  deí- 
d  ALBU"  culpou  ,  e  efte  facrificando  os  feus  re- 
°-UER0.UE fentimentos  ao  bem  publico,  Te  pôs 
gover-    toc|0    em  movimento   para  n{r   ao  jnj_ 

kador.  migo.  A  frota  Portugueza  compunha* 
fe  de  17  navios  ,  fuítentados  por  ou- 
tra pequena  frota  toda  comporta  de 
embarcações  dopa<z  ,  que  commanda- 
va  Nina  Cheiu  ,  que  tinha  1&5OO 
Maiayos   ás  fuás   ordens. 

Ao  amanhecer  do  dia  feguinte  , 
as  duas  frotas  fe  prepararão  ,  a  dos 
inimigos  para  entrar  no  porto  ,  e  a 
dos  Porcuguezes  pira  ganhar  o  largo. 
Botelho  que  eítava  na  vanguarda  ,  e 
que  tinha  hum  bem  veleiro ,  governou 
íobre  a  Capitania,  a  qual  fe  defth  guia 
aflas  pela  lua  grandeza.  Foi  logo  in- 
vertido por  quinze  pequenas  embarca*- 
ço5s  ,  de  que  naõ  fez  cazo  algum. 
Pedro  de  Faria  o  feguio  na  fua  gale* 
ra  com  c  mefmo  ardor.  O  feu  deíi^- 
nio  era   de   hir    a  abordagem.    Porém 

quan- 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VI.      l6$ 

quando    viraó   de   perto     a   fua   altura 

cxceííiva  contentaraó-fe   em  a  varejar.  Ank.  de 
Naó  aproveitando   alii  nada  a  artilhe-     j.  C. 
ria  ,    voltarão    a  meter-fe     em  linha,     j    J7 
Todo  eíle  dia  fe  paíTou   em  efcaramu- 
ças.    Os   inimigos   naó   tinhaó    dezejo    D*    MA" 
de  pelejarem    ao  largo  ,    e  intentarão  N0EL  REl 
entrar  no  porto,  o  que  iizeraõ  de  noi- 
te ,    fem    que    os    podeíTem     impedir.  AFFONSO 
Efperavaó  pelas  fuás  maquinações  cau-  D  ALau~ 
zar   algum  movimento    na    Cidade  ,  e  °-UFRQTJE 
fazerem-na   declarar     a  feu  favor.    Os  GOVER~ 
Porruguezes   pelo    contrario  cobiçavaõ  NAD0R* 
tomar    o   largo  ,    porém    mudarão  de 
idéa,  com  medo   de   ferem   cercados  , 
e  fe  colocarão  também  no  porto  mui- 
to  perto   da  praia. 

Muito  pouco  fe  dormio  nas  duas 
frotas  ,  os  Chefes  de  ambas  as  partes 
liveraõ  confelho.  A  divizaó  fe  paten- 
teou mais  do  que  até  alli  entre  os 
Portuguezes.  Brito ,  e  os  de  feu  parti- 
do mudando  de  parecer  queriaó  evitar 
o  combate  ,.  e  enviar  a  pedir  foccorro 
ao  Indoítan.  Elles  arrazoarão  ,  c  o 
acto  foi  declarado  a  Peres,  que  dei;e 
fez  pouco  cazo  ,  arrazoou  da  fua  par- 
te ,  e  rezolveo  de  dar  a  batalha  ,  pôs- 
fe  a  prumo  fobre  as  fuás  ancoras  ,  em 
quanto  o  Governador  fez  trabalhar  na 
ponte,  e  na  frente  da  rua  principal 
L  ii  pa- 


1^4  Historia  dos  Descobrimento! 

—  para-fe    por   cm  defcnfa.    Com   tudo 

Aí "N.  de  no  fim   os   O.íiciass    fe    reunirão,  em 
J.  C.    favor   de  Peres  ,  e   rogarão  o  Gover- 
Xc\f.    nador   que   quizeiTe   ficar    na   Cidadel- 
la  ,  a  fim  de  naõ  por   em  rif.o  a  faa 
d.    MA"|jeflba  ,    de  que  dependia     a  lalvaçaó 
litífiL  rei  ja   praça  5    no   cazo  de   qualquer  con- 
trario acontecimento. 
affonso  Doutra    par:e    alguns    dos    mais 

d  albu-  diftin&os  da  Cidade  pafíàraõ  a  bor- 
QuERquEc|0  ^  Pate-Onus ,  a  quem  contarão  a 
gover-  deílruiçaó  5  e  fugida  do  Patequitir , 
nador.  0  que  0  p^s  de  peílima  condição.  Po- 
rém, como  em  hum  mal  fem  remédio, 
foi  neceffario  deliberar  fobre  o  parti* 
do  que  niíTo  fe  havia  tomar.  Acon- 
felharaô-lhe  que  evita.Te  a  batalha  , 
cujo  fucceífo  era  ao  meios  incer  o 
com  os  Portaguezes  coítumidos  a  ven- 
cer. Pate-Onus  cedeo  a  eite  . parecer , 
e  quiz  clecer  á  terra  ;  porem  o  temor 
de  que  os  feus  Javas  pllhaífem  ami- 
gos ,  e  inimigos  ,  fez  com  que  fe  op- 
pozeíTe  a  efte  projefto  ,  e  que  o  acon- 
íethaflefn  pira  h:r  unir-fe  a  Laczama- 
ra  no  ro  de  Muar,  na  efperança  que 
obrando  de  acordo ,  e  vigiando  fomen- 
te a  fechar  as  paíTageris  ,  fe  fariaõ 
Tenhores  da -praça  ,  evitando-ihe  os 
ípecorros  ,  e   os  viveres. 

Tendo  prevalecido  eite  confelho  , 

que 


DOS  PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.      16*5 

?ue   era  o  mai;   prudente  ,   e  o   mais  ■■ 

eguro  ,   Pate-Onus    fe  preparou;  po-Ann.  de 
rém   a    fim   de  encobrir    a   ília  mano-    ].    C. 
bra   ,    mandou   fazer   hum   grande   ef-    jri?. 
tro~  o  de   trombetas,  e   inílrumentos , 
que    Peres   naõ  pode  antever,    e    jul-     D#   MA" 
gou  ore  huma  parte  das  fuás   trombe-  N0EL  REl 
tis  rinha  defemoarcado  ,  quando  o  dia 
feguintê  lhe   defeubrio    a   fua  retirada.  A.FF°*S° 
Porém   como  elle  eftava   hda  á  vilta  ,  D  ALBU" 
nao  defebnfiou   de   o   alcançar,  e  ten- (*UERqUE 
do  promptan  ente  defatado    a  fua  me-  GOVER" 
zena  ,  elevado  ancora,  todos  os  mais  NAD0R* 
fizeraõ  o  incímo  ,  e  o   alcançarão  lo- 
go ,  pofto   que  o  inimigo  ,  que   o  vio 
aparelhar  ,    deitou    tora   todas  as  fuás 
velas  ,    para  melhor   fugir.    Os  Portu- 
guezes    animados    por  huma     retirada 
taó  vergonhoza,    c  taó  pouco  efpera- 
da  ,  começarão  a   jogar    a  fua  artilhe- 
ria  ,  e  a  deitar  granadas  ,  e  panela;  de 
fogo  com  tanta  violência  ,  e  felicida- 
de ,  que  fenaô   via    de  todas  as  panes 
mais  que     arderem  embarcações ,  cor- 
rerem á  pique  ,  voarem  defpedaçadas  , 
e  inimigos   que    fe   deitavao'  a£K  mar , 
onde  os  Portugueses  defeidos  naYfuasv 
chalupas  fe  cançavaõ  de  os  matar.  Pe- 
res temendo   que   as  munições  lhe  fal- 
tafTem  ,  defpàchou   para  pedir  a  Brito, 
que  lhas  enviou  ,   e  mandou  dar  def- 

car- 


i66  Historia  dos  Descobrimentos 

* cargas  pela  artilheria  daCidadella,  pa- 

Ann.  de  ra  annunciar   á  Cidade  huma   vistoria  , 
J.   C.      que  eítava    já  em  boa    figura  ,   porem 
j-j,      que    os  habitantes  diferentemente   af- 
reiçoados  naó  ouzaraó  efperar,  ou  naó 
d.    ma-  çQ  tiniia5  lembrado  de  temer. 
uoel  rei  Durando   o  combate  até   ao  meio 

dia  ,  Pate-Onus  aturdido  do  effeito  da 
affonso  artiiheria   Pcrtugueza  ,    cujas  balas ,  e 
11  aleu-    artilhaços     tinhaó   feito    alguma  ruína 
querque  f0t,re    0    feu    convez   3    fez   fignal    a 
gover-     qUatro    Juncos  dos  mais   fortes  da   fua 
kador.     ^rota  para    fe  ine    virem  encoílar.    O 
Senhor   de  Polimbaõ  y  feu  parente  ,  e 
feu    Vice-Almirante  ,  teve   ordem  de 
fe  pôr   diante  com  outro  Junco  ,  e  de 
fazer  cerrar  todos  aquelles ,  que  naó  ef- 
tavaõ  ainda  fora  do  combate  ,  tudo  em 
torno   delles.    Tudo   foi   feito.    Porém 
foi  eíle  o  peior  partido,  que  elle  po- 
dia tomar.  Porque  eítando  aíRm  ferra- 
dos ,  os  Portuguezes  naó  perdiaó  hum 
fó   tiro  ,   e  os   artilhaços   faziaó   ainda 
maior  eíFeito  ,   que  as  balas  :  o  mar  ef- 
tava    todo  cuberto    de   ruinas ,    ou  de 
navios  abrazados  ,  e  todo  tinto  de  Tan- 
gue ,  e  cheio  de  moribundos  ,  e  mor- 
tos. 

Peres  tinha  dado  ordens  ,  que   fe 
combateíTe    fempre    de  longe  fem  hir 
a  abordagem ;   porém   a  razaó   das  or- 
dens 


SOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VI.       l&f 

dens    mudando   algumas  vezes   fegun 

do  as  cireunftancias  ,    eítas  circunftan-  Akn.   de 
cias   mefmo   obrigaó    a   pezar    de  que     ].    C. 
as    haja,    a  fuppkntar    eltas    ordens,     1<1? 
Ailim  Martinho  Guedes  foi  o  primei- 
ro ,  que  vendo-fe    com    capacidade  de    D*    MA" 
tomar    hum    Junco  ,    chegou    para   o  NOEL  RE1 
abordar,  romou-o ,   e  lançou-lhe  fogo. 
Joaõ  Lopes    d'Alvim   fez   o   mefmo   a  affonso 
outro.    Peres    tendo    reforçado    o  feu D  ALBU~ 
navio  da  gfchte  que  tomou  de  algumas  QUERQ_US 
outras  embarcações,    abordou  o  Vice-  GOVEK^ 
Almirante  da  armada  inimiga  pelo  ílan-  KADOR* 
co    junto    com    Francifco    de  Mello  , 
que  o  aíferrou  peia  proa.    O    fobrinho 
do    Vice-Almirante  ,   moço   rezoluto  , 
vendo    o   perigo   de  leu   tio  ,    perlon- 
gou-fe  com  o  navio  de  Peres  ,  e  unfa- 
dc-fe  ,  paííou  por  fima  delie  como  poi 
huma  ponte  fern  fe  demorar  ,  e  com- 
batendo como  hum  defefperado  .•  con- 
feguio    vantagem.    Peres  ,    Simão  Ak 
for.fo    Bifagudo    loraõ   feridos    :    elles 
eraò    mal  guiados    fem   Botelho ,  que 
tendo  também  abordado,  correo  a  íoc- 
correlos.    Naó   obílante   iíto  elles  tive- 
raó  muito  que  fazer    fó  ,  depois  d'um 

•te  dos  mais  porfiados ,  afferra- 
dos  iempre  eíles  finco  navios ,  os  Por- 
ruguezes  ,  fe  apoderarão  dos  dois  Jun- 

aos   quaes    largarão  fogo    ,    naõ 

ri- 


i68    Historia  dos  Descobrimentos 

ficando  alli  ninguém  para  os  defender. 

Ank.   de  Os  outros  Capitaens  da  frota  Por- 

].  C.      tugueza  faziaó  todos  maravilhas  da  fua 

j-T,       parte,  como  também  Tuan  Mahamet , 

que   combatia    a  favor    delies  no   Jun- 

D*    MA~  co    que    lhe  pertencia  ,  e  Nina-chetu 

KOEL  REI  que    conduzia*   a   pequena    frota    Ma- 

layeza, 
affonso  Depois   que  Peres    fe  aííenhoreou 

d  albu-  ^QS  ^0'ls  juncos  ?  fc[  ^ar  caffa  a  Pate- 
quERquEQnus^  e  0  pCrfeguI0  até  á  noite  cor- 
gover-  tancJ0_ihe  as  fuás  velas  ,  e  a  maftrea- 
kador.  ça5  ^  ficando  fó  faó  o  corpo  do  na- 
vio ,  onde  a  artilheria  naó  podia  mor- 
der. A  vifta  do  combate  era  fempre 
horroroza.  E  fe  augmentou  ,  porque 
o  Ceo  lhe  deo  parte.  Encubrio-fe  tu- 
do*, e  dobrou  o  horror  da  artilheria  , 
juntando-lhe  feus  raios ,  trovões  ,  e  as 
trelas  da  noite.  Entaó  cada  hum  co- 
meçou a  cuidar  em  fi.  As  duas  fro- 
tas foraó  difperfas  ,  e  confundidas , 
naó  fabendo  ninguém  aonde  eftava. 
Os  navios  £rofíbs  correrão  maior  rif- 
co :  porque  como  eítavao  perto  da  ter- 
ra ,  foraó  obrigados  a  ancorarem  em 
duas  braças  d'agua. 

No  dia  feguinte  da  tempeítade  , 
Botelho  ,  e  Tuan  Mahamet  feparados 
do  reílo  de  toda  a  fua  frota  ,  le  acha- 
rão junto  do  Junco  de  Pate-Onus  ,  e 

de 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.       l6~0 

de    outros    dois.     A  vifínhança    rendo ? 

atiçado  o  ardor  do  combate,  elies  pe-  Akn.  de 
lejaraó  com  furor,   ate  que   lhe  faltou     J.  C. 
a    pólvora.    Entaõ    Botelho     voltou  a     r    x, 
Malaca  para  tomar  novas  munições  ,  e 
renovar  a   partida.    No  tempo  aue  el-    D'    MA" 
le  alli   checava    de  novo,    achou   pe-!C0ELREl 
res    nas    Ilhas  chamadas    as   Ilhas  dos 
navios.    Elle    o  exortou  em    vaó  para  AFFONSO 
que  o  feguifíe  ,  porque  os   feus  navios  D  ^L3U" 
eílavaó    muito  deíiroçados  ,  quafi   to-  °-UE*QUE 
da  a  gente    ferida  ,   e  abatida  do   tra-  GOVtR" 
balho    do    dia  ,   e    noite   precedente. NAD0R- 
Botelho    naó  deixou  de  feguir    o  feu 
conceito  ,    porém    inutilmente.    Pate- 
Onus  tinha    ja  ganhado    o  largo  para 
hir  ,     naó  ao    rio   de   Muar   ,  fecundo 
feu  primeiro  projecto  ,  mas  á  Una  de 
Java  ,    onde   elle  mefmo    chegou  feri- 
do ,    depois   de    ter  perdido    mais  de 
oito  mil  homens  ,  quaii  todos  os  feus 
Juncos    que  eraò  feífenta  ,    e   a  maior 
parte  das   fuás   embarcações   pequenas. 
Em  quanto  ao  Junco  em  que  elle  hia, 
fez    tirallo    á   terra  ,    e  confervalo   em 
hum    Arfenal   feito    de  per, fado  ,   pa- 
ra  eternizar  a  memoria  defta    jornada, 
a   honra  que   tinha  tido  em  hir  bufear 
os  Pcrtuguezes  ,  e  a  fua  felicidade  de 
lhe  efeapar. 

No  retorno  de  Botelho  ,    toda  a 

fro- 


GOVER- 
NADOR 


170  Historia  dcs  Descobrimentos 

-: frota   entrou    em  Malaca    ás    acclama- 

Ann.  de  çoês    do   povo  ,    que    applaudio  hurna 
J.  C.     taó   bella   vicloria.  E  depois  de  haver 
151 3.    dado  a  Deos  lblemues  acçoés  de  gra- 
ças 3  Fernando  Peres  que  tinha  acaba- 

D.      MA-   j  r  *    ■  T 

do  o  leu  tempo  ,  partio  para  o  In- 
doítan  com  António  de  Abreu  ,  Vazco 
Fernandes  Coutinho  ,  e  Lopo  de  Aze- 
,  ^  vedo  ,  deixando  o  cominando  do  mar 
a  Joaó  Lopes  de  Alvim  r  que  tinha 
x       ^      tido  provizocs  de   Governador. 

As  noticias  d  uma  rrota  do  Cali- 
fe  ,  que  deziaõ  com  aífectaçaó  ter  for- 
tido  do  mar  Roxo  ,  e  entrado  no  Gol- 
fo Arábico  para  vir  recuperar  Goa  pe- 
las inítancias  do  Idalcaó  ,  cauzava  ef- 
torvo  a  Albuquerque  5  que  obrigado 
por  outra  parte  pelas  ordens  da  Cor- 
te a  fe  pôr  em  eítado  de  prevenir  ef- 
ta  frota  ,  podia  fazello  reprehenfivel 
pela  íua  lentura  ,  e  temer  que  os  feus 
inimigos  fecretos  ahi  fe  prevaleceflem. 
Aííim  tendo  provido  aos  negócios  de 
mais  precizaõ  ,  e  recebido  os  reforços 
que  lhe  tinhaõ  vindo  ,  fe  fez  á  vela 
em  1$  de  Setembro  de  1512.  com 
dezafeis  navios  ,  aos  quaes  fe  deviaõ 
ajuntar  outros  quatro ,  que  elle  havia 
tomar  em  Goa.  Forem  tendo  tido  na 
fua  derrota  avizos  mais  feguros  dos 
proje&os   do  Calife  ,    cuja   frota  naõ 

cila- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VI.       Vfí 

eftava  ainda  prompra,    e  que  primeiro 

que    tudo ,    queria   fazer-íe  fenhor  de  Asn.  de 

Adem  ,  para  o  fer  das  Gargantas  do  mar     J.  C. 

Roxo,    mudou   logo  de   penfamento  ,    ici?. 

e  fe   demorou   em  Goa  ,    determinado 

a    naó  partir  d'alli  ,    fem  que    tiveíTe    D*    MA" 

lançado   Roftomacaõ  do   perto  da  Be-  N0EL  REI 

naftarim. 

Foi  recebido  com  as  mefmas  hon-  affonsò 
ras  ,   que   fe  teriaó   feito   á  peííoa  d'El-  D  ALBU" 
Rei,  e  com    as  demonftraçoés  de   ter-  Q^ERQ_uE 
nura  ,  e  reconhecimento ,  que  a  Cida-  GOVER" 
de  lhe  devia,    como  feu    fundador,  e  nador. 
libertador.    O   inimigo    que  ella   tinha 
na   fua   vifinhança  naó  a  opprimia  tan- 
to  como    dantes  ,    porém  cauzava-ihe 
todo    o   receio.    Tinha    eile    feito    de 
Benaftarim  huma  praça   de   guerra  das 
melhores  daquelles  tempos,    Elle   a  ti- 
nha   cercado    de    baluartes   ,    e   fortes 
muralhas     terraplenadas    da    parte    de 
dentro    até    as   ameias   ,    exceptuando 
hum   lo    lugar ,    onde    o  muro  ,   rorte 
por  fi  mefmo ,  naó  tinha  precizaõ  òcí'- 
te   ioccorro  ,   por    cauza    de   huma  la- 
goa que   o  prezeftava  ,  e  no   qual  ti- 
nha muitos  "bateis  armados.   Tinha  el- 
le ahi  nove  mil  homens  de  guarnição  , 
naó  lhe  faltavaó  munições  de   guerra, 
e  de  boca  ,  c  corria  fama  que  o  Iciaí- 
caõ  lhe  enviava  ainda  hum  exercito  de 
vinte  mil  homens.  Ten- 


D .      MA- 
l>OEL  REI 


172  Historia  dos   Descobrimentos 
— —  Tendo   o  Governador  tomado  co« 

Ann.  de  nhecimento  do  eftado  das  coifas,  em- 
J.  C.  prehendeo  por-lhe  fuio  formal  por 
151 3.  mar,  e  terra,  e  começou  logo  pela 
parte  do  mar.  Eíte  era  o  mais  difí- 
cil. O  inimigo  tinha  entupido  as  paf- 
fagens  em  chias  partes  com  fortes  ef- 
tacadas  ,    que  occupavaó  todo    o  leito 

AFFONSO     1  -ai'  J-/I     *    n  rr 

do  no.  Alem  diíío  eiras  paíiasens  erao 

tao  eltreitas ,    que  eitevao    expoítas  a 

O.UERQUL  t0£jo  q  çQg^  jas  mura|uas<    ^  dirficul- 

dade  naõ  o  deteve.  Fez  armar  féis 
uador.  embarcações  tao  cheias  de  artilheria  , 
que  pareciaõ  ter  mais  ferro  que  páo , 
e  fez  fazer  em  fima  pontes  ,  e  olhei- 
ros no  ar  ,  para  ahi  ter  cubertos  os 
obreiros  ;  e  como  eíles  telheiros  as 
faziaó  pender  hum  pouco  para  huma 
parte  ,  elle  as  equilibrou  com  toneis 
que  as  contrapezavaó.  Tanto  que  ef- 
tiveraõ  preíles  ,  enviou  ahi  duas  pe- 
la parte  do  paíío  feco  ,  e  as  outras 
quatro  pela  velha  Goa. 

Chegados  os  navios  a  feu  poílo, 
arrancadas ,  e  tiradas  as  eftacadas ,  foi 
eíla  a  força  do  perigo.  Os  inimigos 
fazlaõ  hum  fogo  continuo ,  e  terrível. 
Elles  tinhaó  huma  battaria  á  flor  d'a- 
gua  ,  que  naó  errava  tiro.  Huma  grof- 
fa  colubrina  em  particular  fervida  por 
hum    arrenegado  ,    os  deílruia    mais 

que 


DOS   PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.     tj$ 

que   todo     o    reíto.    Albuquerque  que 

em  hum  catur   hia  aonde  a   neceffiaa-  Akn.  de 
de   mais  o  chamava,  foi  cuberto   pela     J.  C. 
cabeça  do    fangue  dum    infeliz,  que      1512, 
elle  defpedaçou    a  feu  lado.    O  navio. 
cue  commandava  Ayres  da  Silva  len- 
do mal  governado  ,  e  tendo   tocado  ,  a  N0EL  RE1 
artilheria  dos  inimigos  o  maltratou  tan- 
to ,  que  deitando-lne   fogo  a  três  bar-  A,FF0ÍCS° 
ris    de  pólvora  ,    lhe   fez   voar    huma  D  AJ-BU" 
parte ,    e  meteo  tal   meio    á  equpi-  QUERQUE 
gem  ,    que  todos,    excepto   Silva,  {e^0ER- 
deitarão    a    nado.    Porém    correraó-fe  NAi^OK» 
tanto   de  ver  o  Governador  no  leu  ef- 
caler  correr  ao  mais    forre  do  pergo  , 
que   animados  ainda  mais   pela  Tua  itv 
trepides  ,  que   pelas    reprehenço-5s  que 
elle  lhes  fez,  por  haverem  aífim  dé- 
femparado  o  feu  Capitão  ,  tomarão  to- 
dos para   bordo. 

Dando  a  Albuquerque  muito  iri- 
commodo  a  Coiubrina  ,  propoz  elle 
cem  cruzados  ,  a  quem  a  poaeffe  dcC- 
montar.  O  feu  meftre  artilhe'ro  o  cori- 
feguió,  elle  meteo  a  bala  direita  pe- 
la boca  do  canhão  ,  cujos  artilnaços 
matarão  o  arrenegado ,  e  dois  ajudan- 
tes que  elle  tinha.  Porém  o  fogo  do 
inimigo  foi  taõ  frequente  em  toda  efta 
primeira  jornada,  que  elle  naó  o  pode 
executar  fcnaó    no  outro  dia.  Os  ini- 

mi- 


174  Historia'  dos  Descobrimentos 

- — '■ migos  atirarão  também  grande  quantida- 

Ann.  de  de  de  ílcxas  de  que  os   navios  eítavaó 
J.  C.    cobertos  >  e  ca5  efpeffas  como  hum  bof- 
151  z,     4ue-  Com  tudo  a  artilheria  das  embarca- 
ções tendo  arruinado   muito  as  battarias 
D*   MA  dos  inimigos  ?  fez  que  o  fogo  deites  fof- 
IÍ0ELKE1fe  mais   brando.    Entaó  fe  afTenhoreou 
das   paííasens ,   o  que  era  mais  impor- 

AFFONSO  r  0.         3,         1     .  r  í 

cante  ,   e  tirarão  os  viveres ,  e  ioccorros 
aos   finados  da  parte  do  continente. 
Q       ^  Naó    tinhaó   ainda   emprehendido 

G.OVER"  Ti  J  J 

coita  alsuma  da  pane  da  terra ,  quan- 

NADQR.         I        1_  r  L     r 

do  numa  aventura  pareceo  querer  ra- 
zer  os  Porcuguezes  fenhores  da  praça 
puma  volta  de  maó.  Iíto  foi  íiuma 
Sexta   feira   dia   Santo  ,  para  os  Mu- 

Íjl  manos.  Roílomocaõ  fahio  naquelle 
ia  na  frente  de  2 50  cavallos,  edum 
numero  muito  mais  confideravel  de 
infantes ,  e  fe  avançou  até  meio  ca- 
minho de  Goa.  Albuquerque  tinha 
hido  reconhecer  algum  poílo ,  e  dc[- 
cubrindo  toda  eíta  gente,  ficou  duvi- 
dozo  ,  fe  haveria  alli  algum  laço ,  ou 
fe  os  inimigos  teriaõ  intenção  de  fa- 
zer alguma  valentia ,  para  moítrarem 
que  pouco  temiaó  os  Poriuguezes. 
Com  tudo  huma  das  guardas  avança- 
das tendo  dado  rebate  á  Cidade  ,  to- 
carão o  fino ,  e  no  campo  fcm  eípe- 
rar  ordem   do  Governador  ,    os  OíK- 

ciaes 


D.       MA- 
X  O  EL  REI 


dos  Portugueses  ,  Liv.  VI.    175" 

ciaes   fizeraõ   fahir  as  tropas  por  polo — «» 

toes    até  o    numero  de   dois    mil  ho-  Ann.  de 
mens  .  fem  contar  Malabares  ,  e  Cana-     ].  C. 
rins.    Roítomocaõ     vendo    que   o    fe-      1512. 
guiaõ  ,  tocou  á  retirada  ,  e  voltou  pa- 
ra á  fua    praça  :   porem    os  feus    que 
íe  viraó  muito  canfados ,  tendo  fecha- 
do  as  porcas ,  os  que  ficarão  de  fora , 

r         *        1     •        J  l-     •  ]•  r  AFFOFSO 

íorao  obrigados  a  dividi rem-íe  em  ro-     , 
da    dos    muros   ,  donde    lhe  deitarão  D  ALEU~ 
cordas  para   os  ajudarem   a  fe   falvar  ;  QUE*V« 
outros   íe   afogarão,   ou  foraõ  mortos.     °vEI 

Chegados  os  Fortuguezes  ao  pé  KAEOR* 
da  muralha  ,  e  animados  pelo  ardor 
de  feguirem  o  inimigo  ,  emprehendc- 
raõ  de  a  tomar  por  efcala  pelos  mef- 
mos  lugares ,  ajudando-fe  das  fuás  lan- 
ças o  melhor  que  podiaó.  Como  os 
que  primeiro  chegarão  eraó  peífoas 
diítiníras  ,  e  OiTiciaes  maiores  ,  a  emu- 
lação os  eílimulou  ainda  mais.  D.  Pe- 
dro Mafcarenhas ,  e  Lopo  Vaz  de 
Sampaio,  fe  deftinguiraõ  entre  os  mais. 
A  vigoroza  reíiítencia  dos  inimigos  , 
que  concorriaõ  á  detença  dos  feus  mu- 
ros ,  naó  lhes  esfriou  os  ânimos ,  nem 
menos  a  morte  de  Diogo  Corrêa  , 
de  •  Jorge  Nunes  de  Leaó ,  e  de  Mar- 
tim  de  Mello,  nem  o  numero  dos  feus 
feridos.  Porém  Albuquerque  que  efta- 
va    montado  a    cavailo ,    e  chegou   a 

opor- 


Xj6-  Historia  dos  Descobrimentos 

oportuno  tempo ,  vendo  a  defigualdade 

Ann.  dedo   partido,   mandou  tocar   á  retirada, 
].  C.     e  inteiramente  traníportado   degoíto, 
I<ia.     fo*  traçar  Mafcarenhas,    e  o   beijou 
na  tefta  ,  foííe   por  efta   diftinçaó  que 
d.  MA~ei[e    0  quizeííe   recompençar  ,  de  que 
K0ELREl  fendo  nomeado    pela  Corte  Governa- 
dor de  Cochim  ,   naõ  quizeííe    tomar 
AFFONsOpOÍ1-£    pafa   ter    a  hopra  je  yir  aírift;r 

d  albu-    ao   cerc0  jg  Benaílarim  ,  ou  foííe  por- 
<juERQUEque    die    quizeíí-e    com    ifto  difpor   a 
go ver-    genre  ?  para  que  0  quizeíTem  ver  no  go- 
kador.     verno   Je  Qoa  a  que  0  diftinava.  Po- 
rém efla  diftinçaó  fez  muitos  zelozos  , 
e  pôs   o  Governador  na  neceílidade  de 
íe  juílificar  contra  a  vivacidade  de  huns, 
£  desfarçar   a   zombaria  de   outros. 
*       Foi  precizo  fazer  hum    cerco  re- 
gular ,   que  fe  começou  dois  dias  de- 
pois. O   exercito  confiava  de  três  mil 
Portuguezes  de   beliílima    tropa.    Hu- 
ma  fahida  que  fez   o  inimigo  fobre  o 
quartel   de  Manoel    de    Souza    Tava- 
res, onde    Garcia  de  Noronha   eftava 
mal   difpoílo  ,   fem    Mafcarenhas  que 
conduzio     hum   novo    refreíco   ,   obri- 
gou o  General    a   fazer  linhas   de  cir- 
cumvalaçaõ.    Os   inimigos  fe  defendiaõ 
com  valor,  porem  as   battarias  dos  íl- 
tiantes  ,   tendo  começado   a  fazer  bre- 
cha3  Roítomocaó,que  temeo  íer  toma- 
do 


DOS   PoRTUGUEZES  ,   LlV.   VI.      IJJ 

do  por  aííako  ,  fez  tocar  á  chamada  , -» 

e   arvorou   bandeira   branca.  Ann.   de 

Os  artigos    da  capitulação     foraõ    J.  C. 
aílignados   hum  pouco    contra  a  von-    j^i?, 
tade  dos    Oificiaes  ,    que   queriaõ   to- 
mar   a   praça    por   aííalto.     As   condi-     D*  MA" 
çoés    foraõ    que   03  inimigos    fahiriaó  N0EL  REI 
com  feus  bens ,  e   fuás  pciloas   faivas, 
deixando  ao  vencedor   a  artilharia  ,  as  A,FFONSo 
munições    de    guerra,    os  navios   que  D  ALBU" 
tinhaõ  na  Ilha,  os   cavallos  ,  e  os  ar- QUERQU]S 
renegados.   Efte  ultimo  artigo  cruzou  GOVER" 
alguma  conteítaçaõ.    Albuquerque  lhes  NAD0Rí 
prometeo    a   vida ,  e  Roítomqcaó  por 
efcrupulo   de  Religião   fahio   antecipa- 
damente da  praça  ,    para  que   ie  naõ 
diffeOe  que    elle    os  tinha    entregado. 
Defpejada    a  praça  ,   entrou    neila  o 
vencedor.  Entaó  appareceo  o  foccorro 
enviado  pelo  Idalcaõ  ,  e  commandado 
por  Sufolarim.   O  que  veio  muito  tar- 
de,  e  voltou  como  tinha  vindo. 

Albuquerque  fatisfez  a  promeíía 
aos  dezertores  ,  naõ  lhes  tirou  a  vi- 
da y  mas  querendo  fazer  hum  exem* 
pio  de  terror  ,  pior  que  a  mefma  mor- 
te, depois  de  os  expor  aos  intuitos  do 
povo  ,  fez-lhes  cortai  o  nariz  ,  as  ore- 
lhas ,  a  maó  direita,  e  o  dedo  poile^af 
da  maó  efquerda  ,  e  os  enviou  pr szi<  « 
nioneiros  para  Portugal  ,  j^ara  dar  hunj 
Tom.  li*  M  efpe-» 


I78  Historia  dos  Descobrimentos 

efpetaculo  horrorozo   do   caítigo  ,  que 

Akn.   dctinhaõ  merecido    pela   apoítafia.  Hum 
J.  C.     deítes  ,  homem  de  qualidade  ,  naó  po- 
ici*.     dendo  fofrer  a  viíta  da  fua  pátria  que 
}  tinha  deteítado  ,    alcançou   por  mercê 

D*    MA"  que  o   deiraííem  na  Ilha  de  Santa  He- 
IÍ0EL  REl  lena   entaó  dezerta.    Deixaraó-no    alú 
com  alguns  negros  ,  e  com  que  fizef- 
affonso  fe  huma  habitação.   EUe  ahi   fez  pe- 
i>  albu-    nitencia  dos  feus  peccados  3  e  reparou 
querq_ue  a  jnjurja  q^    tinna  feito    ao  feu  no- 
gover-    me  5  e  á  lua  Naçaó  ,  cultivando  eíta 
fíADOR.     j]{ia  ^  qUC   f0j  depois  duma   grandiili- 
ma  utilidade  aos  navegantes  deitas  lon- 
gas carreiras. 

EIRei  D.  Manoel  em  coníideraçao 
ao  Governador  ,  lhe  havia  enviado  D. 
Garcia  de  Noronha  feu  fobrinho  ,  e  o 
tinha  feito  General  do  mar  das  ín- 
dias ,  para  que  neíta  qualidade  podef- 
fe  ajudar  feu  tio  com  auclondade  ,  e 
fupprir  a  muitas  coifas  ,  que  elle  naS 
podia  fazer  por  fi  mefmo.  Ailim  Albu- 
querque, a  quem  os  negócios  retinhao 
em  Goa ,  o  enviou  a  Cochim  para  ex- 
pedir os  navios  de  tranfporte  ,  que 
deyiaõ  partir  neíte  anno  de  1512  pa- 
ra o  Reino  ,  e  lhe  deo  ordem  ao  mef- 
mo tempo  de  fazer  cruzar  fobre  a  Cof- 
ta  de  Calecut ,  para  impedir  os  navios 
Mouros   d'ahi   entrarem ,   ou  fahirem. 

El- 


DOS    PoRTVGUEZES,    LlV.    VI.     I7£ 

Elie   fez  partir  Garcia  de  Souza  para  — 

cruzar  fobre  a  Coita,  de  Dabul  ,  com  Akn.   de 
ordem  de  enviar    á  Goa  todos  os  na-     ].  C. 
vios  que  foiTem    carregados  de   cavai-     1^1? 
los   da  Perfia  ,  fem  lhes   permitir  que 
foííem  a  outra  parte  ;  fazendo-lhes  de-    D*    MA* 
clarar  pela  meíma  via  ,  que  feriaó  ali-  MOEL  RE1 
viados  d'uma  parte  dos  direitos,  que 
d'antes  pagavao  por  eíle  commer:io.     AFí:oNSO 

Eíla  moncbra  produzio  o  melhor  D  ALBU" 
«fFeito  ,  que  eile  poderia  dezejar  de  <iUER^UE 
ambas  as  partes.  O  Samorim  havia  GovER" 
muito  tempo  que  eílava  enfadado  da NAD0R* 
guerra ,  que  lhe  tinha  trafido  infeli- 
cidades fobre  infelicidades.  Os  feus 
alliados  ,  ouo  tinhaó  fervido  mal ,  ou 
o  haviaó  abandonado.  O  feu  commer- 
cio  eílava  inteiramente  morto.  Os  feus 
concorrentes,  e  os  feus  nvaes  tinhaó- 
fe  aproveitado  dos  feus  deípojos ,  for- 
tificando-fe  da  aliiança  dos  Portugue- 
ses. Os  Portuguezes  mefmos  tinhaõ- 
fe  feito  taõ  poderozos ,  depois  da  to- 
mada de  Goa ,  e  de  Malaca ,  que  el- 
les  eraó  d'alguma  forte  os  Senhores  da 
índia  ;  de  modo  que  eíle  Príncipe  naõ 
vendo  outro  caminho  para  fahir  do 
embaraço  em  que  eílava  metido ,  que 
o  da  íubmiíTaõ  ,  deo  commiííaó  ao 
Príncipe  Naubeadarin  para  entrar  em 
conferencia,  e  concluir  a  paz  por  to- 
M  ii  do 


l8o  Historia  dos  Descobrimentos 

do   o  preço    que   foífe.    Eíle  efcreveo 

Ann.  de  a  D.  Garcia   de   Noronha  ,    offereceo- 

J.  C.    fe   para  fer  medianeiro  entre  o  Samo- 

j    p       rim,  e  elle  ,  e  fe  obrigou  a  fazer  con- 

*"     fentir   leu  tio  para  dar  hum  lugar  pa- 

D-    MA"ra  huma  Cidadella. 

xíoel  rei  por  ourra  parre  a  çfoa  fez-fe  mais 

florente    que    nunca.     A    diminuição 
affonso  jos  direitos  de  entrada,  e  íahida  atra- 
r>  albu-    ]^ja  os  commerciantes ,   fempre  ávidos 
çverqueJq    maior    ganho  ,    e    fempre    atten- 
GovER-    t03  a  qualquer  intereífe.   Viaó-nos  pa- 
fador.    ra   afa   correr    de  tropel ,    e  á  profia, 
ElRei  de  Portugal  naõ   perdeo  nada ; 
porque    o  que  parecia  perder    na  de- 
minuiçaó  dos   direitos  ,  recuperava  pe- 
la abundância  dos  géneros  precizos,  e 
augmento   dos  rendimentos.  Elíes  eraõ 
de   taõ  grande  rendimento;,  que  o  Rei 
de  Vengapur ,   de  quem  o    Governador 
dezejava  muito  a  aiiiança  ,  enviou  hu- 
ma  embaixada,  a  fim  de   fer   preferi- 
do para   o  arrendamento   total.    O  feu 
Embaixador  trouxe   hum   foberbo  pre- 
zente  c!e  chayreis ,  fellas ,  e  outros  jae- 
zes  de   cavalios    ricamente    bordados, 
de  grande  preço.    Pedia    juntamente  , 
le  lhe  vendeíTem   trezentos    cavalios 
h   Perna  ,  o  que    lhe   concederão,    O 
Rei    de  Narfnga,     e   o  Idalcaó  mef- 
mo  fempre  inimigos ,  conceberão  diílo 

ciu- 


t 


bos  Portugueses,  Liv.  VI.    181 

ciúmes  ,  e  temendo   Ter  hum  pelo  ou 1 

tro   prevenido  ,    enviarão   feus  Embai-  Ank.  de. 
xadores    a   Albuquerque   para   fazerem     ].   C. 
feus  tratados.  151?. 

No   mefmo    tempo     Albuquerque 
fe  vio  procurado  de  novo  pelos    Reis      *      A" 
da  Perfia,  e  de  Cambaia.  E  o  Empera-  *OEL  REl 
dor    dos   Abexins ,  e   o   Rei   d'Qrmuz 
lhe  enviarão  feus  Embaixadores  ,  para  A 


D  ALBU- 


os  fazer  paffar  á  Portugal  :   e  hum  Re 

das  Maldivas   fe  fujeitou  ,    fazendo-fe  QUERQUE 

tributário  da  Coroa.  gover- 

A  politica  de  Albuquerque  a  ref-  NAD0R* 
peito  de  todos  eftes  Príncipes  foi  ma- 
ravilhoza.  Porque  no  meimo  tempo 
que  tratava  os  feus  Enviados  com  ex- 
plendor  ,  e  amizade  ,  naó  fazia  mais 
do  que  travar  as  negociações  fem  fe 
apreííar  de  concluir  difinitivamente , 
e  fingindo  remeter  a  inteira  conduz aõ 
dos  tratados  para  á  vinda  d'uma  ex- 
pedição que  meditava,  e  para  a  qual 
o  viaó  fazer  grandes  preparações ,  de 
que  ninguém  fabia  o  deftino  ;  a  fim  de 
que  temendo  cada  hum ,  que  a  tempeí- 
tade  lhe  cahifíe  em  fima ,  fizeífe  pro- 
poíiçoés  mais  vantajozas  ,  e  defíè  mais 
facilmente  as  maõs  ás  que  elle  mef- 
mo lhe   quizeíTe  fazer. 

De  todos  eftes   Embaixadores  ,  o 
de  que  teve  goíto   mais  fenfivel ,  foi 

do 


lSl  Historia   dos  Descobrimentos 

do  Preíle-Joaó  ,  ou  do  Emperador  dos 

Ann.  de  Abexins  ,  Príncipe  conhecido  até  entaõ 
].  C.     duma   maneira  taõ  confuza  3  e  que  os 
1513.     Reis  D*  ]oaõ  II.   e  D.  Manoel  tinhaõ 
t.ió   grande    dezejo   de    conhecer.  Al- 
buquerque   fe    lizonseava    de  que  as 

KOEL  REI         -1      .    *  .    .  r   &  1  i-r 

primeiras  noticias  ieguras   chegalTem  a 

Corte    por  elle  ,    e  que    ífto   podefle 

affo  so  parecer  como  nvjm  effeito  das  diiieen- 

D  ALtSU-         •  11        •     i  r   •  1 

cias  .  que  elle  tinha  leito  para  cheear 
v  v  a  coníeguilas.  Aíhm  lobre  o  primei- 
GO   er-      rQ   ayjzo    que    ejje  ^ye^    (Je   que    efl.e 

ííador.  Èttibabtador  eílava  em  Dabul  ,  onde 
o  retinha  prezioneiro  o  Tanadar  ,  ou 
Rendeiro  da  Alfandega  do  Idalcaõ  , 
ordenou  a  Garcia  de  Souza  que  o 
pedilíe  ,  e  o  fizeffe  conduzir  com  to- 
da a  diligencia.  Souza  cumprio  bem 
a  fua  commiíTaõ.  E  porque  eíle  Em- 
baixador eílava  encarregado  d'um  pre- 
ciozo  Santo  Lenho  ,  que  o  Empera- 
dor 3  e  a  Emperatriz  Helena  envia- 
vaó  a  EIRei  de  Portugal  5  o  Gover- 
nador o  fez  receber  em  prociíTaó  na 
frente  do  Clero  5  e  das  tropas.  E  de- 
pois de  converíar  muito  com  elle  a 
reípeito  da  fua  viagem  ,  o  fez  partir 
para  Cochim  ,  cheio  de  honras,  com 
ordem  ao  Commandante  de  Cochim 
para  o  fazer  paíTar  para  Portugal  no 
melhor  navio  de  tranfporte. 

A 


DOS    PoRTUGTJEZE?,    LlV.    VI.    l8$ 

A  frota  d 'Albuquerque    ccmpofta 


de  vinte  navios  .  1^700  Portugueze^ ,  Ann.  de 
e   800  Malabares  ,    eílando     preíles  ,    J.   C. 
íem    que    delia    podeífem   penetrar    o    i^i? 
myfterio  ,   íe  fez  á    vela  ;    e  no  pon- 
to  de  fahir  da  barra  de  Goa,  ajuntou  t   "    MA~ 
os  feus   Capitães,  que   todos  eraõ  Of- NOEL  REI 
iiciaes    diíKncros  ,   ou   pela  fua  quali- 
dade ,  ou  pelos  feus   fervi  cos  ,  e  lhes  AFF0 

r  j  -1  i  •     D  ALBU- 

propoem   as   ordens    que  tinha   recebi- 
do d'EíRei  para  á  viagem  do  mar  Ro-  ^UE 

11  r  •        °  r  GOVER- 

xo  :  elle    as  appo;ou     com  fortes   ra- 
zoes ,  que  foraó   todas  approvadas  pe-NAD0R* 
lo  Conlelho. 

As  calmas  o  detiveraõ  muito  tem- 
po no  mar.  Foi  obrigado  chegar  a 
Socotorá  ,  e  naõ  chegou  á  viíla  d'A- 
den  fenaõ  no  dia  de  Quinta  feira  maior. 
Porém  como  era  perto  da  noite ,  e 
conhecia  pouco  a  praça  ,  pôs-fe  á  ca- 
pa. Pouco  depois  vindo-lne  dizer  Pe- 
dro d'Abuquerque  que  achava  fundo 
a  ^  braças,  fez  continuar  a  derro- 
ta ío  com  a  mezena  ,  fempre  com  o 
prumo  na  maô,  e  ancorou  em  qua- 
torze  braças  fem  fe  querer  fiar  nos  fo- 
gos que  os  habitantes  ,  que  o  tinhao 
percebido  ,  fizeraõ  fobre  alguns  roche- 
dos com  o  difignio  de  o  fazerem  en- 
calhar. 

Só  a  viila  da  praça    fez  julgar  a 

Al- 


184  Historia  dos  Descobrimentos 

— —  Albuquerque  que  a  empreza  era  mais 

Âí.^.  de  difícil  do  que  lhestinhaó  feito.  A  Cidade 

].  C.     dJAdem  fituada  na  foz  do  mar  Roxo  em 

Ki2#    1:   gráos,    e  15   minutos  de   Latitude 

do  Norte    fobre   a   Cofta  da  Arábia  y 

r.      a-  £az  iluma  ^eja  vjft.a  pe|a  {•ua  f]tuaça53 

KGELREI    e     ^>da     bdeza    ^    ^g     eciificiOSf    Hu. 

ma   pequi    a   lingoa    de  terra   ,    fobre 
AFFONSo  (.ije  e^ír  ^  acka  ^  avançanc|0-fe  para  0 
d  albu-    mar    f(;rma   a]jj    cJQJg   p0rros  5    que  fa- 
quERQVE  zem  |iuma  e<peciec}e  Penirfula  ao  pé 
gc  ver*     <|*uma  montanha  ,  a  qual  elevando-fe 
i.ador.     cm  muitas  pontas    muito  efcarpadas , 
aprezenta  hum    belo  efpetaculo  ,   po- 
rem   de  huma    beleza  mifturada  com 
horror,  O  folo  delta  montanha  he  taõ 
árido  ,  que  nelle  nunca  crefce  a  me- 
nor ^erva,     e  em  lugar    de  ter  algu- 
mas fontes  ,  imbebe  logo   toda  a  agua 
que  lhe   cae  do  Ceo.    Hum    fó  aque- 
duclo   conduz  á  Cidade  da  diílancia  de 
q-atro   milhas  toda  a  que  fe  ahi  bebe. 
SSác    oW^ados   a  trazer  por    mar,  ou 
do   interior    das   terras  todo  o  precizo 
par     i  vida.    Com  tudo   a  Cidade  naõ 
ceix^v  :   de  fer  povoada  ,  rica,  e  abun- 
dante.   Devia   ella   cita  obrigação  em 
parti .ular  aos  Portuguezes,   porque   fe 
tinha  augme^rado  por  todos  os    modos 
depois    do    eltabelecimento  delles   nas 
índias.    Porque   d'antes    como    os  na- 
vios 


SOS   PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.      I  8? 

vios   que  entravaó  ,  ou  fahiaõ   do  mar 3 

"Roxo  naõ  tinhaó  nada  que  temer  ,  fa-  Ann.  de 
ziaó  fua  derreta  em  d :  reitura  ,  fem  pen-    J.  C. 
far    em    Aderi.    Porem    o  perigo   dos     151 2. 
navios  Portuguezes   ,   que    cruzavaó , 
obrigou   lo?,o  os  Mercadores    a  retira- 

r  11  1  M  NOEL  REI 

rem-ie  a  ena   como  para   hum  azilo  ; 
e  d'entaó  ficou  huma  das  celebres.  A 
mefma  razaó  fez  que  a  fortificaífem  de  A(FFONSO 
boas   muralhas  3  e  de  fortes  torres  da D 
parte  domar,  e  também  da  parte  cja^UER(íUE 
montanha  adiantarão  as  fortificações  até  G 
o  mais  alto,  edificando  torres  fimilhan- NAD0K* 
tes  fobre  todos  os,feus   cumes ,  e  bons 
muros  que  cortavaõ  todos  os  íeus  des- 
filadeiros. 

O  Rei,  ou  Cheque  d' Adem  naõ  af- 
íiília  ahi  de  ordinário.  Morava  no  cer- 
taó  ,  para  eítar  mais  prompto  para  fe 
defender  dos  fens  viíinhos.  Tinha  fo- 
mente em  Adem  hum  Emir ,  que  era  o 
Governador.  Mir-Amirjam,  que  o  era 
quando  Albuquerque  alli  fe  aprezen- 
tou,  era  politico  ,  "e  valerozo.  Deo 
prova  d'ambas  as  coifas ,  porque  o  en- 
treteve com  muita  máxima,  para  ter 
tempo  de  fazer  entrar  tropas  na  pra- 
ça ,  e  fe  defendeo  depois  com  muito 
valor  ,  e  rezoluçaõ.  Albuquerque  per- 
didas as  efperanças  ,  que  lhe  tinhaó 
feito  conceber  as  primeiras  civilidade^ 

com 


l86  Historia  dos  Descobrimentos 

com  que  o  Emir  o  previnira ,  julgou, 

Akn.   de  para  íahir   gloriozo  ,  era  eíce  hum  ne- 

]•  C.     gocio    com   que    devia  romper  ,  e  fe 

151 3.     determinou    a    hir    á   efcala.    O   Emir 

_  naó  lhe  tomou    o  contra  pé.    Naõ  fe 

embaraçou    em   irnpedir-ihe  a  defcida  , 

tfOEL    REI  A        r        r  rrr\ 

e  elperou    a  pe  firme  lobre  as  mura- 
lhas. 

AFFONSO  AT  J  1  •     » 

,        r  A    iua  prudência  ,   e  valor  teriao 

com  tudo  esbarrado  contra  o  esforço 
RQUE  dos  Portuguezes ,  fe  o  efpirito  dever- 
tigem  ,  e  a  loucura  do  ponto  de  honra 
kador.  na-  ^e  ap0cjerafJem  deíles.  Os,  Capi- 
tães derao  elles  mefmos  exemplo  aos 
outros.  A  precepitaçaõ  com  que  cada 
hum  fe  esforçava  para  fer  o  primei- 
ro que  fubiífe  á  muralha  3  para  ahi  ar- 
vorar os  feus  eílendartes  os  fazia  cor- 
rer como  loucos.  Muitos  fe  lançarão 
á  agoa  por  impaciência  para  chegarem 
primeiro  ao  pé  da  muralha.  Encoíla- 
raó  depois  as  fuás  eícadas  ,  e  a  pezar 
da  furioza  refiftencia  dos  inimigos, 
fobem  como  a  correr ,  arvoraó  fuás 
bandeiras  ;  porém  com  tanta  inveja 
huns  dos  outros  ,  que  naó  fe  pôde 
deíVinguir  na  multidão  ,  fe  naõ  hum 
Clérigo  de  fobrepeliz  ,  que  arvorou 
hum  Crucifixo  em  lugar  de  eílendar- 
te.  Cem  tudo  as  efeadas  muito  carre- 
gadas fe  quebrarão  3   quando  havia  já 

per- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VI.      187 

perro  de  1 50  homens  ,  que  tinhaõ  en- 

trado    na  praça  donde  elles   apartarão  Ann.   de 

logo  os  Mouros,  que  fe  lhes  oppunhaó.    J.   C. 

O  Governador,  que  chorava  huma    j-j* 
deíordem    que   naó   podia   impedir,  fe 
applicou    a  fazer   reparar    as    efeadas.    D*    MA~ 
Porém  Garcia  de   Souza,  que   fe  ha-NOELREI 
via    adiantado    pelas    ameias     ,    tendo 
entrado  por  huma   canhoe^ra  da  mura-  affonso 
lha  ,  que  fez  deílapar    com  quaíí   fel-  D  ALBU~ 
fenta  homens  :  Albuquerque   fe  tranf-  Querque 
portou    ao    mefmo    fitio  ,   e  fez  abrir GOVER" 
outra  ,    por  onde    entrarão  ainda  qua- KADOR* 
renta.  Enviou   elle  logo  ordem  a  Joaõ 
Fidalgo  para  hir  com  a  fua  companhia 
de  Ordenança  para   impedir  ,  que   en- 
traífem  da  parte  da  montanha  ,  o  que 
elle  naó  pôde  fazer ,   por  fer  o  terre- 
no muito  efearpado  ,  e  os  inimigos  fe 
defenderem  alli  com  muito  valor. 

Elles  cobrarão  animo  á  vifta  da 
defordem.  Os  Portuguezes  ,  que  eíla- 
vaó  fobre  os  muros  ,  combatiaõ  com 
vantagem  ,  e  Gracia  de  Souza  mais 
animado  que  todos  os  outros ,  fe  ti- 
nha apoderado  d'um  pequeno  entrin- 
cheiramento  ;  porem  Amirjam  na  fren- 
te d'um  corpo  de  cavallos  ,  deo  fobre 
elles  com  tanto  vigor,  que  limpou  os 
muros ,  e  obrigou  os  Portuguezes  a  fa- 
hir  pelas  mefmas  canhoeiras  ,  por  onde 

ti- 


l83  Historia  dos  Descobrimentos 

tinhaó    entrado.    Souza    ficou   cercado 

Amv.   de  com  alguns  que  eftavaõ  com  elle.  Al- 
J.    C.     buQuerque     lhes    fez   dar    cordas    para 
j^j-^     deícerem,  porém  ama:or  parte   deites 
vaJerozos  ,   crendo   que  naó   feria  hon- 
d.    ma-  rQ70  ^  e{|;imara5  antcs  morrer  ,  e   elles 
lípEL  KE:  todos  fe   quizeraó  matar.    Outros  que 
combatiaõ    noutra    parre    naó  tiveraõ 
affokso  efte   cfcrupulo>    Defceraó    do    melhor 
d  ALBu-    mocj0  que  poderão  ,  e   alguns   fe  pre- 
ÇLERquE  cipitaraó.    Garcia  de  Souza,  que  ficou 
glver-    enrre    os  mortos  ^    tinha  provizoés  da 
NAfcOR.    Q0Tíe  para  0  Governo  d' Adem  ,  foi  iílo 
que  lhe  deo  -tanto  calor  para  fe  deitin- 
pu     nefta  jornada.    Dizem    que  elle 
feitou    ao   pefcoço   do   Patráó   da  fua 
chalupa   hum   colar   doiro   que   trazia  , 
e  que   lhe  deo     a  fua  bolça  ,    para  o 
animar  ao  pôr  no  efbdo  de  faltar  pri- 
meiro na  praia.  Penfamento  cego  dum 
homem,   que  fe  apreílava  a  hir  bufear 
a  morte  ,  onde  cria  achar    o  principio 
da   lua  forruna. 

Defcorçoado  por  hum  taõ  infeliz 
fuece^o  Albuquerque  fe  retirou  para 
os  feus  navios ,  tendo  aprendido  a  fua 
cuíla ,  que  a  vitoria  naó  eftá  fempre 
attada  ao  carro  dos  Conqui dadores  ,  e 
que  ella  abandona  algumas  vezes  os 
íeus  maiores  validos.  Com  tudo  antes 
de  partir  ?  quiz  aíTenhorear-fe  dum  ba- 

luar- 


Í)OS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.      l8p 

luarte    que  eílava   fobre  huma   repon 

ta,    d'onde     a  artilheria  incommodava  Ann.   cie 
muito   a  frota.  Porem   em  quanto   de-    ].    C. 
liberou,    o   Meílre  do   navio   de   Ma-     \r\ii 
noel  de  Lacerda  ,  que  ahi  padecia  mais 
que  os    outros  ,   defceo     a  terra  com     D*    MA" 
parte  da  fua  equipagem,  tomou-o  ,  e  K0EL  REI 
paflou    á  efpada   os  que    o  defendiaó. 
Altivo   com  eíle  fuecefíò  ,  queria  que  aífohs« 
attacaífem  de  novo  a  Cidade  ,  de   que  D  ALBU" 
eíle  baluarte  fazia   a    principal  força,  querqub 
Eílando  os  Capitães  neíle  penfamento  gover- 
notificaraõ  iílo  ao  General.  Porem  Al-  nador, 
buquerque    naõ    quiz    entender    niílo. 
Contentou-fe   de   fazer  tirar   a  artilha- 
ria do   baluarte  ,  de  faquear  os  navios 
que    eílavaõ  no    poíTo ,    e  queimalos  , 
íem   que  a  Cidade  fizeííe   algum  mo- 
vimento ,  depois  do  que   fe  tez   ave- 
la para  entrar  no  mar  Roxo. 

Eíle  mar ,  fobre  cujo  nome  os 
Sábios  fe  tem  cançado  muito  ,  tem  a 
figura  d'um  lagarto  ,  ou  Crocodilo  ,  cu- 
ja cabeça  he  comprehendida  entre  os 
Cabos  de  Fartaque ,  e  de  Gardafu  5 
até  ao  eílreito  de  Meca ,  ou  de  Ba- 
belmandel,  que  forma  o  pefcoço.  Di- 
latando-fe  o  corpo  entre  as  coílas  da 
Arábia  d'uma  parte  ,  e  as  da  Ethio- 
pia  alta  ,  e  do  Egypto  da  outra  ,  vai 
terminar-fe  ^m  ponta,  que  faz  a  cau- 
da 


GOVER 
UADQR 


IpO  Historia  dos  Descobrimentos 

• da  de  Suez ,  que    crem  fer  Aííionga- 

Ann.   de  ber  ,  donde  partiaõ  as  frotas   de   Salo- 
J.  C.     maó  ,  e  onde  começa  o  IítHmo  ,  que 
151  z.     °   íepara  do   mediterrâneo,  e  que  une 
as  terras  d'Affrica  ás  da  iVfia.  O  mar 
r.     ma-  j^QXO   na5   receDe    em    feu   fej0  qua(i 
koel  rei  outras  aguas  que   as   fo  Oceano    Indi- 
co.   He   pouco  fuieito  a  tempeftades  » 

AFFONSO  r  "1 

,  e  quaíi  que    nao   conhece  outros  ven- 

D  albu-     tos  Qs  ^e   ^jorre      e  ^u|      que  aj1- 

JL,,™_  tem  *eu  temP°  regrado  como  a  mon- 
ção no  mar  das  índias.  O  feu  com- 
primento he  quaíl  de  3  50  legoas  íb- 
bre  quarenta  de  largo  y  contando  de 
Suez  até  ao  eftreito.  Os  Árabes  o 
repartem  em  três  partes  ,  ou  lizirias  , 
que  a  do  meio  ,  que  faz  como  o  ef- 
pinhaço  do  Crocodilo  ,  he  clara  ,  e  na- 
vegável de  dia  ,  e  noite  ,  ancorando 
ahi  fempre  entre  25 ,  e  60  braças.  As 
outras  efuas  ,  que  eítaõ  fobre  os  flan- 
cos ,  e  bordão  as  coitas ,  íaó  pelo  con- 
trario retalhadas  de  ilhotas  ,  de  ro- 
chedos ,  de  baixos ,  e  bancos  d'arêa. 
Com  tudo  como  ahi  fó  fe  navega  ern 
embarcações  muito  pequenas  ,  que  cha- 
maõ  Gelvas  ,  os  Pilotos  naó  deitaõ  ao 
largo  ,  fenaó  quando  temem  alguma 
borrafea  de  vento.  Elles  amaõ  fempre 
a  vifinhança  das  terras  ;  porém  temen- 
do accidentes  5  ancoraó  d'ordinario  an- 
tes 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.     Ipl 

tes  de  fe  pôr    o  Sol.    Achaõ-fe  duas  ■ 

Ilhas  nefte  mefmo  eltreito ,  que  formão  A nn.  de 
dois    canaes.    O  da   pane    da  Arábia     J.  C. 
he    mais    frequentado.    N'uma    deitas     i*\i 
Ilhas  he  que  fe  tomaó  os  Piloros  ,   de 
que    fe    fervem    para   entrar    no   mar    D*    MA~ 
Roxo.  Além  dos  defeitos  deita  nave-  NOEL  REI 
gaçaõ  ,  que  nós  já  tocamos  ,   e  a  di- 
ficuldade de  abordar   os  portos,  tanto  AFFONS<> 
da  parte  da  Afia,  como  da  Africa,  ha  D  ALEU~ 
ainda  hum  muito  grande  ,  ehe  (jue  as  QuerQue 
Ilhas  que  fe  achaó  neíle  mar  fao  qua-  GOvER~ 
íi  defertas  ,    áridas  ,  e  tem  falta  d'a-  NAD0R* 
gua  ,    c   doutras    coifas    neceííarias  á 
vida. 

O  Governador  entrou  no  mar 
Roxo  contra  o  parecer  de  todos  os 
feus  Capitães,  e  de  todos  os  feus  Pi- 
lotos ,  a  que  naõ  teve  outra  rafaó  que 
dar ,  fe  naõ  que  era  ordem  da  Corte. 
Entrando  fez  dar  huma  falva  geral  de 
toda  a  fua  artiiheria  ,  como  por  hu- 
ma efpecie  de  triumfo  ,  porque  elle  era 
o  primeiro  dos  Europêos  ,  que  nelle 
entrou  com  huma  frota.  Ninguém  o 
havia  feito  antes  delle  depois  do  des- 
cobrimento do  novo  Mundo.  Com 
tudo  o  que  fe  lhe  tinha  augurado  lhe 
íuecedeo.  Penfou  morrer  fobre  os  bai- 
xos. Foi  obrigado  a  invernar  na  Ilha 
de  Camarão.    Naó  pôde    chegar  nem 


Íp2  Historia  r»os  Descobrimentos 

; a  Suez  ,  nem  a  Gidda  ,  nem  ter  noti- 

Akn.  cetas  da  trota  do  Sultaó.   Padeceo  mui- 
].  C.     ta  cede,    fome,    e  murmurações   dos 
j-jj     fubalternoc.  Naó  pôde  executar  o  pro- 
jeclo,  que  parecia,  ter  de  fundar  huma 
D*    MA"  Fortaleza  na  Ilha  de  Camarão,  ou  na 
koel  kei  £ç  Macuá.    Finalmente   depois  de  ter 
experimentado  todas   as  fortes  de  d-S- 
affonso  graças  5  fez  ^ar  crena  aos  feus  navios  , 
d  ALBL--    ^hio   j0  mar  Roxo,  e  veio   a  prezen- 
QuERquEtar,íe  aefronte  de  Adem. 
gover-  Parecia  que   o    efperavaõ.    Tudo 

kador.  anj  eítava  bem  fortificado  ,  ahi  appa- 
recia  mais  obra ,  mais  gente  ,  e  mais 
rezoluçaó  que  d'antes.  O  que  ahi  ha 
de  íingular  ,  he  que  elle  ,  que  na5  ti- 
nha quendo-  tomar  a  Cidade  ,  quando 
para  iffo  foi  excitado  por  toda  a  fua 
frota  ,  quiz  tentar  tomala  depois  3 
contra  o  fenti mento  geral  de  todos 
os  feus  Capitães  ,  e  de  tGda  a  gente 
de  guerra.  Indignou-fe  tanto  com  a 
contradição  que  achou  fobre  eíle  pon- 
to ,  que  para  o 9  envergonhar  ,  dzo  a 
commiííao  aos  das  equipagens,  para  hi- 
rem  tomar  o  mefmo  baluarte  ,  que 
tinhaó  tomado  a  primeira  vez ;  o  que 
íizeraó.  Com  tudo  depois  de  ter  fei- 
to varejar  a  Cidade,  e  tentado  inu- 
tilmente queimar  os  navios  do  por- 
to ,  foi  obrigado  a  fazer-fe  á  vela  pa- 
ra voltar.  ■        Na 


A  N  N 

.  de 

J. 

C. 

I51 

7* 

D. 

MA- 

K0EI 

REI 

DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VI.     10$ 

Na  íua  paflagem  fe  demorou   em 
Diu ,    onde    Melique    jaz  ,    de  quem 
queria    obter   licença   para    ahi   fundar 
numa   Cidadella ,    ioube    também    di- 
vercilo  ,   aílim  com   prezentes  ,    como 
com   boas  palavras    ,    que  fem    nunca 
fe  moftrar   ,    fem  lhe   dar    lugar   para 
queixar-fe  ,   confeguio   canfar-lhe  a  pa- 
ciência, e  obrigalo   a  ir-le  ,  fem  con-  ArF0NSO 
cluir   nada.   Tanto    que   elie   fe   fez   á  D  ALBU" 
vela,  o   Melique    o   ieguio   para   o  vi- ^UERquE 
fitar.    Eítava   taó  adornado  ,  que  pare-  GOVER~ 
cia  naó    ter  outro  defignio    que  o  de  NAD0R« 
obfequialo  ;  e  também   armado  ,    que 
diíTe    que  fe     queria   fazer  temer.  Al- 
buquerque  naó  pôde  deixar  de  louvar 
a    lua   prudência.    DiiTe  :    „    Que  naó 
„  tinha  nunca  conhecido  cortezaó  mais 
3,  hábil ,    mais  firme   em  recuzar   tudo 
3,  o   que  d'clle  queriaó  exigir ,  e  mais 
3,  próprio    para    fazer   receber   agrada- 
„  velmente    as    fuás     negações.  „    O 
General  continuou   logo    a   fua  derro- 
ta ,    iem  colher    fruclo   algum    d  "uma 
expedição  que  tinha  euftado  tantas  def- 
pezas  ,  e   que  parecia  prometer-lhe  as 
maiores   vantagens. 

Acontecimentos   ha  ,  que  parecem 

fer    unicamente     effeito    da    fortuna   . 

e  do    acazo  ,    porém  que    tem   cauzas 

iecrecas  ,    que  o   publico   nem  fempre 

•Tom.  II,  N  pene- 


Ip4  Historia  dos  Descobrimentos 

penetra  ;    porque  lhe  naó  vê    as  cau-í 

Ann.   de  zas.   Verdadeiramente  deve  parecer  ef- 

J-    C.     pantozo   que   Albuquerque   naó  quizeí- 

1512.      ie  tomar  a  Cidade  de  Adem  ,  quando 

o  podia  ,  e  que  o  feu  Confeito   o  o- 

d.    ma-  brigava  ^  fem   fer  deíanimaJo  pelo  máo 

noelrei  fucceíIo  que  tinha  ticJo   ^elcalada.  He 

verdade  que  eile  deo  por  cauza ,  que  a 

affonso  Qifade  era  muito   grande  ,  e  que  pre- 

d  albu-    cjzar:a  Guatro  mi|  homens  para  a  gnar- 

quERquE  ^^   pQjém    efta  razaõ    naó    íatisraz, 

go ver-     L0pes  je  Caftanheda  o  julgou ,  e  iup- 

^4£>or.     poem   para  0  juftificaj  ,  que  cobria  con 

eíte  pertexto   o  deílgnio  que  tinha  de 

hir  a  Suez.    Porém  eu  eftou  perfuadi- 

do  ,  que   elle   tinha  motivos  mais   po- 

derozos  para  íufpender    toda  efta  em- 

preza. 

As  índias  eraó  o  theatro  das  pai- 
xões dos  Portuguezes.  A  grande  dif- 
tancia  da  peíToa  do  Soberano  parecia 
auótorizar  ahi  ,  naó  fomente  as  lu- 
xurias rnais  monílruozas  ,  os  roubos 
mais  enormes  ,  as  injuftiças  mais  exe- 
cráveis ,  a  cubica  mais  infaciavel ;  mas 
também  tudo  o  que  o  ciúme  ,  o  ódio  , 
e  a  vingança  tem  de  mais  atroz.  AU 
-  buquerque  multo  zelozo  pelo  bem  do 
ferviço,  muito  auílero  no  Teu  moio 
de  governar,  naó  podia  foírer  o  ca- 
ceio da  liberdade  ,  principalmente  nas, 

.per- 


D09    PoRTUGUEZES,    LlV.    VI.      I0£ 

peílbas  di  ilhetas.   Lio  era   baftante  pa-  ■ ■ 

ri  lhe  criar  tantos   inimigos  monaes  ,  Akk.   de 
e  injuílos  columniadores,  que  naó  cef-    J.   C. 
fando   de   eferever   á  Corte   contra    ei-    1513. 
le  ,  procuravaõ  defvanecer  as   aceuza- 
çoens  ,  que   elle  poderia  fazer    contra 
elles ,    tornando-o    a  elle  meimo   iuí- 


peito   por  outras  aceuzaçoes  armadas  , 

e   provadas   pela  pluralidade    de  teílc-    , 

1  1        jii  r  r  •     -         d  albu- 

munhas  daquelias  que  le  conipirao  pa- 


e   provadas   pela  pluralidade    de  teílc 

munhas  da 

ra  o  mal.  -        - 

Do  numero  deílss  últimos,  cujacCKE 
memoria  nao  devia  exiítir  ,  era  Lraí- 
par  Pereira  Secretario  das  índias.  Era 
eíle  hum  homem  perigozo  ,  máo  ef- 
pirito  ,  e  da  efpecie  dos  que  diz  o 
o  provérbio  ,  que  fó  querem  pefear  em 
agua  turva :  próprio  para  fazer  a  per- 
fonagem  de  criminozo  ,  de  aceuzador  , 
de  teílemunha,  e  de  Juiz  tudo  junta- 
mente. O  Vice-Rei  D.  Francifco  d  Al- 
meida tinha  tido  provas  do  feu  cara- 
cter preverfo  ,  e  Albuquerque  foi  a 
fua  viclima.  Pereira  tinha  vindo  a 
Portugal  ,  onde  tinha  adquirido  a  con- 
fidencia cTElRei ,  e  muito  credito  dos 
feus  Miniftros.  Tinha  apoiado  bem  os 
artigos  fecretos  5  que  tinha  eferito  con- 
tra Albuquerque  ,  e  ElRci  fe  tinha  dei- 
xado perfuadir ,  que  tudo  o  que  eile 
General  tinha  feiío  de  bem  era  coi- 
N  ii  tra- 


Io6*  HlSTORIA    DOS    DESCOBRIMENTOS 

-* trar  o   ao  feu  ferviço  ,  particularmente 

Ann.   de  na  tomada  de   Goa  ,    e  lhe  tinha  en- 
J.    C.      viado  ordem   para   a  reitituir   ao  Idal- 
T  ..J2       caó  ,  depois  de  ter  com  tudo  poílo  o 
negocio    em  deliberação  no   feu  Con- 
d.    ma-  fexho-    Albuquerque  tinha  recebido  ef- 
KOELREita  orjem  peia3   trotas,    que   chegarão 
de  Portugal  depois   do   feu   retorno  cie 
affonso  Malaca.    Porém   elle   a  tinha    pruden- 
d  albu-    temente  difimulado    nas   circunftancias 
qvERqvr.  em  cpC  tu<j0    fe  temia  nefta  Cidade  7 
cover-    peja  viflnhariça    de   Roftomocaó  ,  que 
kadok.     eftava    ainda    Senhor    de  Benaitanm. 
Gafpar   Pereira   tendo   voltado   das  ín- 
dias  com   a  mefma  ordem   ,  então  o 
Governador    deo    parte    ao    Coníeiho 
das    cartas    da    Corte.    Felizmente    íe 
acharão  ahi   baftantes   peiíoas  bem   in- 
tencionadas ,  para  que  a  negativa  ven- 
ceííe  ,  e  Goa  foífe  confervada. 

No  mefmo  tempo  que  os  calum- 
niadores  d'Albuquerque  fizerió  tantos 
esforços  para  deítruirem  a  fua  obra  , 
trabalharão  a  fepara-lo  por  outro  ca- 
minho ,  fazendo  continuas  inftancias  £ 
Gorte  ,  para  atrahir  "as  forças  da  ín- 
dia para  o  mar  Roxo,  na  efperança , 
cpie  iífo  fó  arruinaria  o  feu  Governo  : 
aiKm  como  eiie  tinha  penfado  ,  acon- 
teceo  na  repartição  que  foi  feita  em 
favor  de  Jor^e  d'Aguiar  ,  a  quem  Le- 
mos 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.      VI.     1  $J 

mos   tinha   fuccedido.    Albuquerque    o  

fenro  bem  ,  e  comprehendia  ainda  me-  Ann.   de 
lhor,   que    ifto    era  arruinar    os  nego-     ].  C. 
cios   do  leu  Príncipe  debaixo   do  eípe-    ir  ia, 
ciczo   pretexto    do  bem.    Por   ifto   he 
que  eu    me   convenço  ,   que    tomando    D' 
como  homem    hábil  todas    as  medidas  KOEL  REI 
que  convinhaó  para  parecer  entrar  nas 
viftas  d'E!Rei   íeu    Senhor ,    e  d'uma  *,r^MO 
Corte   enganada    por  relações   infiéis  ,  D  ALBU" 
naó   fe   admirou    que    podeíTe    parecer  QUER0-U5 
que   ellas  naó    eraó   praticáveis. 

No-feu  retorno  da  viagem  do  NAD0R* 
mar  Roxo  ,  o  General  achou  que  os 
feus  envejozos  tinhaó  ainda  trabalhado 
para  malograrem  todos  os  feus  proje- 
clc?.  Tin  ao  perfuadido  aos  Reis  de 
Cochim,  e  Cananor  ,  que  a  paz  feita 
com  o  Samorim  hia  arruinar  o  com- 
mercio  deli  es  ,  porque  ella  deílruhia 
o  feu.  Era  com  o  mefmo  eipirito 
que  tinhaó  fublevados  eftes  Príncipes 
contra  a  empreza  de  Malaca.  Com  ef- 
feito  perdiaó  muito  huns  ,  e  outros  , 
porque  os  Portuguezes  lendo  ienho- 
res  deita  Cidade  ahi  tomavaó  os  géne- 
ros na  primeira  maó  ,  e  partiaó  da 
Cidade  em  direitura  para  Portugal,  em 
lugar  que  dantes  todos  os  géneros  vi- 
nhaó  parar  de  Malaca  no  Indoftan.  Ef- 
tes Príncipes  pofto  que  inimigos  do  Sa- 

mo- 


lo8    HiSTORIA    DOS    DE3COERIMENT05 

morim  ,  tinhaõ   achado  o  meio  de  per- 

Ann.    de  turbar   ioda   a   ííia   Corre,  para   o  im- 
J.   C.      pedir  de  concluir  ,  e  de   cumprir   a  pa- 
is 14.    lavra  que   tinha   dado  ao  Governador, 
de   aílinar  hum  terreno    para   conítruir 
^'    XA~  huma    Çidadella.    O  Velho    Samorim 
3nOEL  KE1  era  morto.  Líle  era  Naubeadarim,  que 
lhe   tinha   íuccedido  :   c  efíe  Príncipe, 
AFFOÍ"b°  taó  amado  ccmo  era  dos  Pcrtuguezes, 
d  aleu-    achava   tantos   obítaculos  na    fua  pro- 
querque  ^r-a   Qortç    pelas    intrigas   dos  pertur- 
govek-     [,aí|ores  ^   que    na5    fa^a    que  partido 
ííador.     toma{Te>    q  que   fervia   por  huma;:par- 
re   a  animar  eftes  Principes  ,   e   a  fuf- 
pender  pela  outra  ,  era  a  noticia   que 
Gafpar  Pereira  tinha  affectado  efpalhar 
quando  chegou ,  de  que  vinha  novo  Go- 
vernador ,   que   teria  idéas  todas  dife- 
rentes,   e  que  era  precizo  attender  ao 
bem   publico. 

Além  deitas  praticas  ,  que  Albu- 
querque fabia  quaíl  todas  ,  teve  ain- 
da avizos  fecretos  d'uma  carta  cheia 
de  crimes  ,  que  António  Real  efcre- 
veo  a  ElRei  contra  elle  por  folicita- 
çoés  de  Gafpar  Pereira,  que  occulta- 
men:e  andava  de  caza  em  caza  para 
a  fazer  aílignar.  O  Governador  teve 
meios  de  alcançar  huma  copia  :  al- 
guns dos  culpados  confefTaraõ  tudo  , 
c  pedirão  perdaõ.  A  carta  foi  pro- 
pelia 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    Vi.     I  00 

pofta   em   pleno  Con Telho  ,   e  Pereira  -- 

convencido.    O  parecer    do    Ccnfelho  Akk.  de 
foi   que  Albuquerque   cnviaífe  Pereira     ].  C. 
attauo  de   pés,  e  maós  para  Portugal,     i^fA. 
e   fora  bem    feito.    Por-em    contentou- 
fe  d*etiviar  huma   iuítificaçaó  aíhgnada    D*    MA~ 
pelo   mefmo   Confelho  ,  ou   fofle   por  N0EL  REI 
temer  o   credito   que  Pereira  tinha   na 
Corte,   ou   por  lhe  parecer  que   efían-  AFFOKS<> 
do  os  Réos  auzentes  lhes   fariaó  mais  D  ALLU_ 
facilmente  os  feus  proccííos.  quer  que 

Com  tudo  elle  negociou  também  gover- 
com  o  ncvo  Samorim,  que  efte  Prin- NAD0R# 
cipe  deitou  fera  dos  feus  Efèados  os 
Mouros  ,  que  fe  oppunhaò  á  paz  ,  deo 
o  lugar  para  a  Fortaleza  que  fe  de- 
sejava ,  íez-fe  tributário  de  Portugal  , 
cedeo  metade  dos  feus  direitos  da  en- 
trada ,  forneceo  os  mater-aes ,  e  a 
gente  necelíaria  para  conftruir  a  Cida- 
«iella ;  e  naõ  fe  contentando  que  efte 
tratado  foííe  nííignado  pelo  Governa- 
dor, enviou  hum  Embaixador  a  El- 
Rei  de  Portugal  cheio  de  ricos  pre- 
zemos, a  fim  que  elle  ratiíicaíTe  por 
fi  mefmo  efta  paz  que  elle  merecia  , 
dizia  elle  ;  porque  fendo  fó  Prínci- 
pe Je  Calecut ,  o  havia  fempre  favo- 
recido, e  que  neíla  conficeraçaò  vi- 
nha renunciar  a  amizade  do  Calife  , 
fechar    a  entrada  de    feus    portos  aos 

vaíTa- 


200  Historia  dos  Dr.scoBiu mento»: 

• vaffallos   deite  Príncipe  ,  e  a  todas  as 

Akk.    de  vantagens   que   diíío  poderia   tirar. 

].  C.  Os  Reis  de  Canancr,  e   Cochira 

151 4.    convieraó     igualmente  ,  depois   que  a- 

partaraó     de  fi  os  perturbadores  ,  que 

r*    MA"  lhe   introduzido  mas  idéas.    «Albuquer- 

KOEL  REI  j  r  •  W- 

que   os   capacitou  cos  léus   intereííes  , 

e  os   virou    de  modo   ,    que    fe   mof- 

AFFOKso  lr,jra^    fatisfeitos   da   lua    conducla  3  e 

r>  albu-    e||es   me|*mos    ftzera5  fuas   pazes  com 

^       Y      o   àamcrim. 

gover-  q  Qovernac{or  tratou  também  com 

wador.     QS   j^ejs   ^   ]\Tar(|nga  a   0  idaicaó   e   0 

Rei  de  Cambaia  >  em  confirmação  do 
que  Te  havia  começado  entre  elles. 
Obteve  particularmente  deíle  ultimo 
licença  para  fazer  huma  Fortaleza  em 
Diu  ,  com  a  condição  que  lhe  daria 
a  mefma  vantagem  em  Malaca.  Me- 
lique  Jaz  tinha  lempre  moítrado  con- 
correr para  eíta  Fortaleza  ,  obrigando 
os  Portuguezes  a  que  requereíTem  im- 
mediatamente  ao  Rei  de  Cambaia  , 
que  era  o  Senhor ,  para  lha  conceder. 
Porém  trabalhava  oceultamente  com 
eíte  Príncipe  ,  e  empregava  os  meios 
mais  fortes  para  diíTo  o  retirar.  O 
JVÍeiiquc  Gupi  3 que  lhe  era  igualmen- 
te agradável  5  e  que  por  efta  rszaõ 
era  /eu  inimigo  ,  o  fez  em  fim  con- 
fentir  míTo.    He  verdade    que   fe  naó 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VI.      201 

efTeituou   por  entaó  ;    porque  Melique ■ 

Jaz   fez  tantos  esforços  occultamentc ,  Ann.  de 
que  o  Rei   mudou  de  parecer  3  e  Me-    J.  C. 
Jique   Gupi   defcahio   muito    do   gran-    1^14. 
de  favor    em   que  citava    para   com  o 

,x  L  x  D.      ma- 

Mou  arca. 

Todas   eftas  vantages   deraõ  a  Al-  K0EL  REl 
buquerque   tanto  gcíto ,  como  as  intri- 
cas dos   fediciozos  ,  que  tinhaó   traba-  AFFONSO 
íhado  para  as  impedir  ,  o  haviaó  affli-  D  ALBU" 
gido.    Efta   alegria  foi  ainda  augmen-  QUERQUE 
rada  por   Fernando   Peres   d'Andrade  ,  GOVLR" 
que   tinha    chegado  neílas    circunítan- NAD0R# 
cias ,   pata  obter  a   permiíTaõ    de  vol- 
tar para  Portugal ,  trazia  a  goítoza  no- 
tia  aa  infigne   vicloria  ,  que   tinha   al- 
cançado    contra    Pate-Onuz   no   porto 
de  Malaca. 

Com  tudo  eíla  Cidade  peníòu  fer 
tirada  aos  Portuguezes  d'uma  manei- 
ra muito  fmgular  ,  e  com  pouca  def— 
peza.  Mahmud  vendo  que  iodas  as 
fuás  forças  ,  e  as  dos  feus  alliados 
naó  eraó  fufficientes  para  o  reftabele- 
cerem ,  recorreo  cá  indullria.  Tinha  na 
fua  Corte  ■  hum  Mouro  Bengala  de 
Naçaõ  ,  chamado  Tuam  Maxelis  no 
qual  confiava  muito.  Ajuílou  com  el- 
le  o  projedto  da  fua  traição ,  e  traçou 
o  plano  íobre  o  do  antigo  Zopiro  Ba- 
bilónio.   Fingio  cahir-lhe  da  graça  ef- 

te 


202  Historia  dos  Descobrimentos 

te   valido  ,  lança-o  do  pé   de   fi  ,    fuf- 

Ann.  decita-lhe  accuzaçoés  ,  como  fe  cJle  hou- 
J.   C.    veíTe   procedido   mal   na   adminiítraçaõ 
15 14.     ^a  fua  ^eai  fazenda,  da-lhe    infinitos 
defgoílos  fucceííivos  ,  e  todos  grandes  , 
D#    MA~  de  modo  quenaõ  faltou  len.iõ  fazer-lhe 
koel  re:  0  feu  proceffo ,  e  íazelo  matar  n'um  ca- 
dafalfo.  Ninguém   ignorava  eíte  revez 
affonso  ja  fonuna  em  Malaca  ,  onde  ninguém 
r>  albv-    penfava    que    foíTe    fingimento.     Com 
querque  luc|0    Maxeíis  achou    meio   de    fe  ef- 
covER-     capar>    Rctugiou-fc     em   caza    de  Bri- 
*abor.     ro  ?    qUe   0  recebeo   c'os  braços   aber- 
tos. Coiro   era  efperto  ,  e   fe  moífrou 
mui  10  afeiçoado  aos  Portuguezes ,  pa- 
ra fe  vingar  da  ingratidão   do  feu  Prín- 
cipe ,  iníinuou-le    logo  no  coração   do 
Governador,  c   de  Pedro  PeíToa,   que 
era  feitor  ,    de   modo  que  tinha  entra- 
da   franca    na    Cidndella  ,    e  ahi  tra- 
zia huma    guarda    que  lhe  haviaó   da- 
do para   fua   fegurança.    Hum   dia  na 
iorça  do  calor ,  Maxelis  tendo  difpof- 
to  os  feus  ,  concertado  com  Tuam  Co- 
lafcar  ,  que   era  hum    dos    Chefes  dos 
Mouros  o  mais    viíinho   da   Cidadella  , 
entra   na  praça  como  coftumava  ,  dei- 
xa a   fua  gente   á  porta  ,  vai   ao  quar- 
to do  Feitor  5  que  achou  deitado  para 
dormir  a  feita  :  chega- fe  a  elle  ,  fala- 
lhe  ,  e  quando   elle  menos  o  cuidava  , 

o  fe- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.     VI.    20$ 

o   fere  mortalmente  com  hum   cris  ,  e 

corre  logo  pêra   introduzir  os   feus.  O  Akk.  de 
Fekor  ,   ainda  que   entre  agonias,  te-    J.  C. 
ve  muito  accordo  para  fechar  a  porta,    1514. 
c  chamar  ás  armas ,  e  no  mefmo  tem- 
po   cahio     morto.    A    çuarda     correo 

r  n  i  NOEL  REI 

ao  eítrondo  ;   tomou   as  portas  ,  antes 
que  Maxelis    fe    fizeíTe  delias   íenhor. 
Naó   daó   quartel   aos  Mouros  que  ef-  -*Ff0-so 
tavaó    eípalhados  pelo    Forte.    Maxe-D  ALBU" 
lis  mefmo  cahio  trafpaííado  combaten-QVERQUE 
do  como  defefperado ,    e  pagou   a  fua  GOVER" 
perfídia  com   o   leu  fangue,  infeliz  na  KAD0R' 
execução  de  hum  projeclo    bem  ajuf- 
rado  }  e   bem  feguido.    Mahmud,  que 
diílo  foi   logo  avizado  ,  tirou   difto    fó 
pezar  ,   e  confuzaó  ,  e  fe  vio*  pouco  a 
pouco  obrigado  a  pedir  huma  paz  ,  que 
eílava   rezoluto  a  naó  guardar  fem  fer 
obrigado   pela  precizaó  ,    e  que  fe  lhe 
naó   concedeo   fe  naó    por  huma  efpe- 
cie  de  neceííídade. 

Malaca  vio  pouco  depois  duas 
fcenas  cruéis  no  ceio  da  paz  ,  que  te- 
ve nefta  alguma  coifa  de  mais  efpan- 
tozo  ,  que  os  horrores  da  guerra.  Eis- 
aqui  a  occaíiaó.  O  Rei  de  Cambaia  , 
genro  de  Mahmud  ,  e  cunhado  de 
Aladin  ,  defgoítczo  deites  dois  Prín- 
cipes, fe  tinha  feparado  dos  feus  in- 
tereíles ,  pouco  depois    da  tomada    da 

Cida- 


GOVER- 
NADOR. 


204  Historia  dos   DescotírimenH«s 

Cidade  ,  para   fazer  ali  rança   c'os   Por^ 

Ann.  •  e  fcuguezes.    Tinha    enviado    léus    Em- 

J.  C.     baixadorcs   a   Albuquerque ,    tinha  de- 

1514.     P°'s  conferido   com  elle  ,  e  fe    tinhaô 

ajuftaJ.o,    o  que   foi   depois  canza  dos 

T>'    MA~  dois  íucceíTos  hmeílos  que  vou  aconrar. 

koel  kei  ^T<1    aiitribuiçaó   dos     empregos  , 

que   foi  feita  logo  depois   que   os  Por- 

affonso  tuguezes   tomaraõ  poífe    de     Malaca  , 

d  albu-    Nínachetu   tinha  tfdo    o   de   Bandará, 

^c^QUEque   era   o   mais  confideravel  de  todos. 

Elle   o   merecia  ,  como   j;í  diffe  ,   pela 

fua   probidade  ,  c  pelos  feus  ferviçcs : 

naõ    podíaó   íançar-lhe  em  rollo   maií 

que  o  leu  nafcimento  ,  porem  ifto  mef- 

mo    tinha   hum  grande   obftacuio  ,  por 

naó   haver   no  mundo  nada  de   que  os 

índios    fejaó    mais  zelozos  ,    que   das 

prerrogativas   das   fuás  Caíras.  Os   das 

Í>rincipaes  naó  podendo  fofrer  verem- 
e  fuornitidos  a  hum  homem  d 'uma 
Caíla  inferior  á  fua  ,  fizeraó  fentir  a 
Albuquerque  efte  inconveniente  ,  que 
hia  apartar  de  Malaca  toda  Nobreza 
dos  índios  Idolatras.  Com  tudo  efte 
General  naó  ouzando  entaó  tirar  o 
emprego  de  Bandará  a  Ninachetn  por 
cauza  d'uma  certa  decência  ,  conten- 
tou -fe  com  prometer  ao  Rei  de  Cam- 
par ,  que  o  meteria  de  poífe  d  efte  em- 
prego  3    quando    as   circunftancias  do 

tem- 


DOS    PoRTUGUEZE?   ,    LlV.    VI.      10$ 

tempo   lho    permirilTcm.    Com    effeito 

dois  annos   depois  ,  tencio  enviado  Jor-  Akk.   de 

ge   d'Albuquerque   para  fubítituir  Bri-    j#  ç 

to,  que    tinha    acabado    o  íeu   tempo    i^j.i. 

no   Governo  de  Malaca  ,  lhe   ordenou 

que    defapofiáííe    Ninachetu    ,    e    que     D*  MA" 

pozeflc  em  feti  lugar  o   Rei  de   Cam-  N0EL  KEt 

par. 

Jorge    d' Albuquerque     naó    tinha  ^ro^° 
ainda  checado  ,  quando   penfou  em  dar  v  ALtL" 

'  n  •  C       OUE3LOUB 

execução  a  elte  negocio,  e  para  ta-  c 
sact  mais  honra  a  efte  Príncipe  ,  lhe  OOVLR" 
enviou  Jorge  Botelho  feguido  de  al-í*ADClU 
furnas  embarcações  a  remos  para  o 
receberem  ,  e  o  conduzirem  a  Malaca. 
O  Rei  de  Campar  eftava  entaó  fina- 
do na  fua  Capital  pelo  Rei  de  Lin- 
da ,  vaííallo  de  Mahmud  ,  e  o  execu- 
tor das  luas  vinganças.  Eífe  tinha  hu- 
ma  frota  de  6o  velas  ,  e  o  Rei  de 
Campar  via-fe  quaíl  redufido  pela  fo- 
me ás  ultimas  neceílldades.  Ignoravaó 
a  fua  fituaçaó  em  Malaca  ;  porém 
Botelho  tendo  noticia  dã  fua  derro- 
ta ,  e  tendo  mandado  bufcar  reforço , 
besbaratou  a  trota  inimiga  ,  livrou  o 
Príncipe  íitiado  ,  e  o  conduzio  para 
Malaca,  onde  foi  recebido  em  trium- 
fo ,  e  metido   de  poííe  do  emprego  de 

irá. 

Ninachetu    recebeo  eíle   golpe  cia 

for- 


206"  Historia  dos  Descobrimentos 

foruna  ,  e  da  ingratidão  como  heroe  In- 

Ann.  dedio,   e  rezoluto   de  dar   hum  cfpetacu- 
J.  C.    Jo  íimilhante  ao  que  Calano   deo  n'ou- 
1514,     lro    tempo    á   Grécia    no    reinado   de 
Alexandre  Magno  ,  expedia :ulo   mui- 
to ordinário   nas  índias  ,  porém  muito 

KOEL  REI  t-,  r         « 

novo  para  os   Portuguezes.    tez  pre- 
parar numa  fogueira  de  lenha  de  òan- 

AFFONSO*!    1  j         °       • 

dalos  ,   e  dos  mais   preciozos   aromas. 
D  Tendo  depois   convidado  todos  os   feus 

x       v     amigos,  ahi  íe  aprezentou  no  dia  de- 
terminado em   fua    companhia,  e  em 

NADOR.  11  r 

prezença  de   todo  o  povo. 

Onde  de  ar  tranquilo  ,  e  com  ad- 
mirável defafombramento  fez  pouco 
depois  efte  diicuríb.  „  Os  Portuguezes 
„  me  haviaõ  honrado  com  o  emprego 
3,  de  Bandará.  Nelle  entrei  fem  o  ter 
3,  cubicado  ,  exercitei-o  fem  entereTe  , 
„  mais  para  utilidade  delles ,  do  que  pa- 
3,  ra  á  minha  3  e  naó  me  íica  pezar 
3,  de  o  deixar.  Mal  por  elles  fomen- 
33  te  fe  em  mo  tirar  recompeníaõ  a 
33  minha  virtude  ,  aííím  como  punem 
3,  os  crimes  \  e  íe  naó  fabem  dimnguir 
„  que  o  que  fe  empenha  por  hum  era- 
3,  prego  ,  o  merece  menos  que  o  que 
3,  naó  o  dezejou.  Saiba  Albuquerque 
3,  hoje  ,  e  com  elle  todos  os  Por- 
5,  tuguezes  ,  que  faltando  ao  reconhe- 
3,  cimento  a  meu  refpeito  >   elles  po- 

„dem 


TiOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VI.    2C7 

„  dem   fazermc    a   afronta   cie  me  de 

„  fapoíTar  ,  fem   por   huma  mancha  na  Anu.  de 
„  minha  gloria ;  e  que  elies  bem  com-    J.  C. 

„  prehendem  que  aquelle  ,  que  íacrirl-    1514. 
,,  ca  as  riquezas,   as  dignidades  ,  a  fua 
„  me  ima  vida    a  lua  honra,    nao   era 

j         r        -d  /l         L  ««  NOEL   REI 

„  capaz  de  facnficar  cita  honra  ao 
„  amor  das  dignidades ,  das  riquezas,  e 
,,  da  vida.   Minha  alma  he  innocente  ,   , 

5'  .  .r.  r  n         C  D  ALBU- 

,,  e  vai  punficar-íe  neíte   ro£o ,   como 

55  r  f      ■  n     '  QUEKQUE 

„  o  oiro  na  torja  ,  para  voar  ao  autor  x 
,,  da  fua  origem.  Vós  ,  Senhores  do 
„  mundo  ,  que  he  voila  obra  ,  L)eo- 
„  zes  immortaes  ,  que  os  homens  naó 
33  podem  enganar  ,  e  que  difpençais 
„  as  recompenças ,  e  as  penas  fegun- 
5,  do  o  merecimento  ,  recebeime  na  voi- 
,3  fa  gloria  ;  fazei  juftiça  á  minha  in- 
3,  nocencia ,  e  vingai-me  da  ingrati- 
3,  daó.  „  Dito  ifto  ,  lançou-fe  na  fo- 
gueira 3  onde  logo   íoi   conlumido. 

O  Rei  de  Campar  exerceo  por 
algum  tempo  o  ofHcio  de  Bandará  com 
dignidade  ,  e  com  tanta  inteireza  , 
e  fidelidade  como  Ninachetu.  A  Cida- 
de ientio  o  feu  Governo  :  fez-fe  mui- 
to florecente,  e  frequentada  dos  Gen- 
tios 3  e  Mouros  3  que  vinhaó  atrahidos 
pela  eftimaçaó  de  fuás  virrades.  Mah- 
mud  ,  antigamente  Rei  de  Malaca , 
que  chamaremos  daqui  em  diante  Rei 

de 


2o8  Historia  dos  Descobrimentos 

de  Bintam  ,  onde  fe  tinha  eftabeiccido 

Ânn.  de  depois  de  ter  expulfado  o   que  era  le- 
J.  C.     gitimo  Senhor  ,  naó  pôde    íotrer    eíta 
profperidade.   Determinou   de  o  perder 
514'    procurando   fazelo   lufpeito  ,   como   fe 
p.    ma-  tiveflfe  entretido  com  elle  intelligencias 
koel  rei  fecretas  -   e   o  alcançou  com   muita  de- 
licadeza.    Jorge   d'Abuquerque     muito 
affonso  crédulo  ,   e  confiando  muito  de  fimpli- 
d'albu-    ces  apparencias  ,  que   fizeraó  fortes  iffc- 
querque  preíloés  fobre  o  leu  efpirito   fufpeito- 
gover-    zo,  fez   prender  cite   Rei  innocente, 
kador.     fezlhe    fazer  feu   proceíío    formal  ,  e 
eíte   infeliz   Príncipe  ,  condenado   por 
prezumpçoés  mais  que   por  provas  ,  te- 
ve  a   infelicidade   de  perder  a  cabeça 
fobre   hum  cadafalço   pela   maó  do  al- 
goz.   A    crueldade   barbara   deita  exe-  ' 
cuçaó    fanguinoza  em  huma  períona- 
gem    d'íta  ordem  ,    e  que   fabiaó  naó 
ler  culpado.  ,  revoltando  todos  os  es- 
píritos ,  defpertou  a  lembrança  do  pa£- 
íado  ,  a  morte  de  Ninachetu  ,  e  o  íup- 
plicio  de  Utemutis  ,    a  Cidade  fe   fez 
dezena  ,  e  o   nome  Portuguez  fe  fez 
execravel. 

Ainda  que  a  expedição  do  mar 
E.oxo  naó  fez  grande  honra  a  Albu- 
querque, havia  com  tudo  feito  huma 
terrível  impreflaó  fobre  todos  os  povo> 
deíh  vifinhança  ,  e  particularmente  na 

Cor- 


DOS    PORTUGUEZES,    LiV.    VI.    20^ 

Corte  de  Calife.   Porque    eíle  Princi . 

pe  que   no  principio   tinha  feito   pou-  Ann.   de 
co  cazo   da  tentativa   íbbre   Adem,   e    J.  C. 
tinha  feito   refponder  ao  Cheque,  que    1^14 
Jhe  tinha  enviado  a  pedir  foccorro,  e 
de  quem  naó   citava  contente  „  Que    D*   MA~ 
„  defendeííe  os  feus  Eílados   como  po-NOEL  REI 
3,  deffe  ,  que  elle  faberia  prover  na  fe- 
3,  gurança  dos   feus.  „   Com  tudo  tan-  AFFONSa 
to   que   foube  que  a  frota   Portugueza  D  ALKU" 
tinha  entrado  no  mar  Roxo  ,  teve  tan-  Q-uerQue 
to  medo    com  a  noticia   que  fe  efpa-  COvER" 
lhou  no  mefmo  tempo,   de  que  devia  NAD0R% 
vir  outra  frota   dos  Príncipes  Chriitaõs 
.pelo  Mediterrâneo   da  parte  d' Alexan- 
dria ,   que   fe  confiderou    entaõ   como 
perdido.  No  Cairo  já  movido  pelo  fup- 
plicio    de  tres   principaes    cabeças   do 
Eílado  ,    tudo  foi   preit.es   a  huma  fub- 
levaçaó  geral ,  e  neíta  occafiaó  o  Emir 
<jue  commandava  em  Alepo  fe  revol- 
tou ,  e   fez  declarar  a  Cidade   a  favor 
do    Rei  da    Pedia   ;    de  forte   que  o 
Calife  ,  tanto  que  vio  o   perigo   hum 
pouco     apertado   ,    penfou   feriamente 
em   tomar  medidas  para  guardar  o  mar 
Roxo  ,  e  pôr   os   feus  Eítados  em  fe- 
gurança  daquella  parte. 

ElRei  D.   Manoel  ,  fendo  aviza- 
do   pelas    correfpondencias    que  tinha 
no   Levante  ,    enviou  novas  ordens   a 
Tom.  II,  O  Albu- 


210  Historia  dos  Descobrimento^ 

"    '     ■    ■  Albuquerque  para  tornar  fobre  Adem, 
Ann.  de  deixandolhe    com   tudo     a   efeolha  de 
j.  C.    pôr    em    deliberação  ,    fe    feria    me- 
1515.     lh°r   cahir  fobre   Ormuz.    O  Embaixa- 
dor que  o   Rei  d'Ormuz   tinha  envia- 
~  do   a   Portugal,     era    hum    Seciliano  , 
*,0ELRMque  criado  de   tenra   idade  cuftara-lhe 
taó  pouco  a  fazer- fe  Mufulmano,  que 
'A/FOÍiSO  naõ     tinha   de     Chriftaó     mais   que   o 
d  albl-    [)aptifmo#    Eftando  em   Lisboa  tornou 
^uerque  ^   fcii^AQ    de   feus  pais  ?    c  tomou   o 
covlr-     nome  <]e  ISJicoláo  Ferreira  ,  que  ElRei 
jjador.     2]1C  ^eo>  Jendo-lhe  a  mudança   de  re- 
ligião   mudado  feus  intercíTes  ,    e  in** 
clinaçoés  ,  tinha    inclinado   muito   El- 
Rei  a   atlegurar-fe   d'Ormuz ,    perfua- 
dindo-o  que  naó   fe  deixa-fe   prevenir 
pelo   Sofi ,   que  cubicava  efta  praça  ,  e 
ElRei  abalado  dos  feus  peníamentos  o 
havia   enviado   a   Albuquerque   com  as 
ordens   de   que  faiei. 

O  General  tendo  aprontado  a  fua 
frota  ,  que  era  de  27  velas  de  diver- 
los  portes,  e  em  que  tinha  i$50O 
Portuguezes  ,  e  790  Malabares  ,  ou 
Canarins ,  fez  Confeíhè  á  vifta  de  Goa 
no  navio  de  Vicente  d'Albuquerque 
em  que  hia  j  e  além  dos  feus  Capi- 
tães chamou  o  Governador  da  Cida- 
della  de  Goa  ,  e  "Nicoláo  Ferreira.  Os 
pareceres  foraó  muito  diiFerentes  fobre 

as 


dos  Portugueses,  Liv.  VI.  211 
ias  duas  expedições  :  porem  tendo  fal-  « 

lido  Ferreira  ,  a  affirmativa  foi  para  Or-  Ann.  de 
muz  ,  para  onde  logo  virou  a  proa.        J.  C. 
Albuquerque  eílimou  ifto  mais  que      iriç 
tudo,  havia  muito  tempo  que   clle  cor- 
reria a  eíta  praça  ,   e  depois  que  elle    D*    MA~ 
foi  obrigado  a   abandonala   pela   recla-  N0EL  RE| 
maçaó  dos  léus  Capitães  ,  tinha   guar- 
dado o  juramento  que  havia  feito  de  A*FOKS<* 
naó  fazer  a  barba,  em  quanto  fe  naó  D  ALEU" 
vingaíTe  defta  Cidade,  que  fe  tinha  vif-  <*UE*<^« 
to   conquiítar  com   tanta  frouxidão.   Os  GOVER" 
Reis  d'Ormuz  naó  tinhaó  nunca  que-  NAD0R» 
rido   entregar    a  Cidadella   que  Albu- 
querque tinha   começado  ,  nem  conce- 
der aos  Portuguezes  huma  Feitoria  na 
Cidade  ,  nem  ainda  reítituir  os  effeitos 

?[ue  tinhaó  fido  tomados  :  mas  como 
cm  o  commercio  das  índias ,  a  lua 
Cidade  eftava  abfolutamcnte  arruina- 
da ,  e  que  elles  naó  o  poiiaó  fazer 
fem  os  paííaportes  do  Governador^ ;  a 
fua  politica  os  tinha  obrigado  a  pagar 
á  Coroa  de  Portugal  o  tributo  annual 
a  que  fe  haviaó  obrigado.  Tinhaó  com 
tudo  procurado  fazelo  diminuir ,  e  cf- 
te  era  o  motivo  porque  tinhaó  envia- 
do feu  Embaixador  á   Portugal. 

A   íace    dos  negócios  tinha  mu* 
dado  em  Ormuz.  Coje-Atar  tinha  mor- 
rido   numa    velhice     honroza.     Rais 
O  ii  Nor- 


212  Historia  dos  Descobrimentos 

i Nordin  ,   que  lhe  fuccedcra  no  miniíle- 

Ann.  de  rio  ,  tinha   feito  empeçonhar  Sufadin  , 
].  C.     para  pôr   em  feu   lugar,  em  defprezo 
i<ic.    ^os  i eus  dois  filhos,  Torun-Cha  irmaõ 
defte  Principe.    Para  mais  fortalecer  a 
d.   ma-  çuí     auftQjtâaée  ,    Nordin   tinha   feito 
jcoEi.nEiv;r  daPerfia   tres  fobrinhos   feus   ,  dos 
quaes  o  ultimo  chamado   Rais-Hamed, 
AFi  okso  nomern  je  taicnto  ,  e  determinado  to- 
d  albu-    mou  pOUCO  a  pouco  huma  tal  auclorida- 
ÇVER.qvç  <|e  ^  que  fe  fez  fenhor  da  peíloa  do  Rei. 
GovtR-    ^orj|n  enganado   nas  fuás  efperanças  , 
K4DQR.    nao  fomente   na5  tinha  credito  algum, 
mas  eítava  bem  como  prezioneiro   em 
fua    caza    com    feus    dois    filhos.     O 
hábil    Hamed    obrava  tudo    difpotica- 
mente.  Pertendem  que   o  feu  defignio 
era  de    entregar    o  Reino  a   Sofi   If- 
mael.    Dacordo    com    eítc    Principe , 
que    zelava  muito   a  Seita   d'Hali ,  ti- 
nha já  feito  tomar  a  Torun-Cha  o  Tur- 
bante encarnado  ,  que  Ifmael  enviava 
>elos    feus    Embaixadores    a   todos  os 
Príncipes  Mufulmanos   da  índia  ,  e  da 
Arábia  ,    para   os   unir    aos  feus  inte- 
reíles   pela  religião. 

Hamed  tinha  também  trazido  a 
Ormuz  a  fua  família  ,  que  faziaó  mais 
Àt  ietecerttas  peflbas.  Pouco  a  pouco  in- 
troduzia tropas  da  Perfia  em  Ormuz,  e 
na  fua  viíinhança.  E  ic   ainda  naó  ti* 

nhi 


l 


MA- 

:l  rei 


DOS   PoRTUGUEZÍS  ,    LlV.    VI.    21$ 

fvha  feito  morrer  Torun-Cha ,  era  pro « 

vavelmente    porque    naõ    eitava    tudo  Ann.   àc 
ainda  prompto    para  a  revolução  que    J.  C. 
elle  meditava.  ici  ~. 

Hamed   naó  deixava   de  continuar 
a  pagar    o  tributo  á   Coroa    de  Portu-    D# 
gal  ;    porém    tinha   refuzado    entregar  * 
a  Cidadella,   que  o  General  de  novo 
lhe    tinha   feito    requerer    por    Pedro  AFF0NSC> 
D'Albuquerque  ,  que  tinha    enviado  á  D  ALBU" 
cruiar  as  Coíbs  d' Adem  ,    e   do  Gol-  <^Rf?uB 
fo   Pcrfico  ;    de  forte   que  todas    eílas  GOVER" 
coifas  juntas,  determinarão   o  Confe-  NAD0R»  I 
lho   a  preferir  a   empreza  de   Ormuz  , 
que  teria  fido  difícil  tirar  das  maós  de 
Ifmael  ,    fe  tivelfe    entrado    na  poííc 
della.^ 

Tendo  a  frota  ancorado  de  fronte 
de  Ormuz  ,  e  falvando  o  Palácio  do 
Rei  com  toda  fua  artilheria  ,  Albu- 
querque communicou  as  íuas  intenções 
a  efta  Corte,  e  depois  d'aigumas  idas  , 
e  vindas  ,  o  Rei  o  meteo  de  poiTe  da 
Cidadella  ,  que  fe  apreííou  a  conclui- 
la  :  aílignou-lhe  algumas  cazas  da  Ci- 
dade ,  para  ahi  eftabelecer  feus  quar- 
téis ,  e  fez  arvorar  fobre  feu  Palácio 
a  Bandeira  de  Portugal.  Hamed  que 
era  o  Governador  ,  conferiria  em  tudo 
por  medo.  A'  vifta  da  frota  havia 
com  tudo  diminuído    a  fua  àutorida- 

de, 


214  Historia  dos  Descobrimentos 
í  de  ,  e  fez  conceber  ao  Rei  ,ea  Nor* 

ÍInn.  de  din  a  efperança   de  fahirem  da  efcravi- 
J.  C.    daõ.    O   íufpeitozo    Minifterio    eftava 
.   .        muito  duvidozo  ,   e  naõ  permitia  que 
ninguém    fallaíTe    ao  General   Portu- 
d,    ma-  gues  ?  ou  a  qualquer  que  vieííe  da  fua 
soel  rei  parte  9  fenaó  em  prezença  d'um  de  feus 
irmaós  ,  que  lhe  iervia  de  eípia.  Com 
-affonso  tut|0   lsTordin  fez  faber  a  Albuquerque, 
d  albu-    que  0   Rei,  e  elle  teriaó  muito   gof- 
QUERquE  t0  que  ei[e  os   tirajJe  da  opreííaõ. 
co ver-  ]sr0  temp0  em  que  as  coifas  eíla- 

Kapor.  Vtl5  nefte  eílado,  havia  em  Ormuz  hum 
enviado  de  Ifmael ,  que  efperava  oc- 
cafiaõ  favorável  para  paliar  á  índia  , 
ç  hir  encontrar  Albuquerque  ,  a  quem 
fe  dirigia  da  parte  de  feu  Senhor 
para  bufcar  a  fua  amizade ,  e  a  d'El- 
Rei  de  Portugal.  Efte  Principc  defde 
a  idade  de  oito  annos  ate  vinte  ,  que 
podia  ter  entaõ  tinha  conquiftado  mui- 
tas Províncias  ,  e  tinha  augmentado 
a  fua  Monarquia  ,  que  emparelhava 
cem  a  do  Gram  Senhor  ,  e  do  Calife. 
A  eítimaçaó  que  elle  fazia  do  verda- 
deiro merecimento  ,  tendo  elle  muito, 
o  tinha  feito  procurar  Albuquerque  ha- 
via muito  tempo  ,  e  eíla  paixaó  fe 
havia  augmentado  pelas  bellas  acções 
c[ue  Albuquerque  havia  feito  depois. 
Como  os  grandes  homens  fe  eítimaõ 

mu- 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VI,    2í$ 

mutuamente  ,  Albuquerque  naõ  deze- • 

java   menos     travar   amizade    com  If-  Atro,   dç 
mael  ,  de  que   efperava    tirar   grandes     J.  C. 
vantagens.  15K. 

A  idea  lifongeira,  que  trazia  com- 
igo huma   tal  petição  da  parte  do  So-    D*    MA~ 
fi,  fez   que  Albuquerque   deííe   a  efta  MOEL  REl 
Embaixada  toda  a  pompa  ,   que  ella  po- 
deria   ter   nas   Cortes    mais   brilhantes  A)FFON5° 
da  Europa.  Tudo  fe  paliou  com  pom-  D  ALBL* 
pa  ,  e   magnificência  ,    e   fe  terminou  QUERQU£ 
todavia   com  fimplices   teilemunhos  de  GOvER~ 
eflimaçaõ   leni  concluir  nada  3  ao  me-  NAD0R«  f 
nos  que  fe  faiba  ;  porem  o  General  def- 
pedindo     o  Embaixador    o   fez   acom- 
panhar á  Corte  de  ífmael  por  Fernan- 
do Gomes  de  Lemos  ,  que  foi  carre- 
fado  de  prezentes  de  eftimaçaó  ,  ed'um 
eliííimo   projeclo   daliança  ,  que   po- 
deria  produzir  coifas    grandes  ,  fe   po- 
defie  ter  fido  feguido  por  quem  o  ha- 
via concebido. 

Entre  tanto  Hamcd  ,  e  Albuquer- 
que bufeavaó  mutuamente  deftruir-fe , 
e  attentavaó  na  vida  hum  do  outro, 
Albuquerque  audorizado  com  o  que  o 
Rei  lhe  tinha  mandado  dizer  ,  achou 
primeiro  os  meios  do  que  o  feu  adverfa- 
rio,  poílo  que  efte  fuppos  confeguilo 
pela  mefma  via.  O  General  fez  final- 
«;en:e  propor  huma  pratica  com  o  Rei. 

Ha- 


2l6  Historia  dos  Descobrimentos' 

Hamcd  quiz  que   íílo  folfe  em  humà 
Ann.  de  tenda   feita   de  penfado   de  fronte  do 
J.   C.     Palácio,  onde  pretendia   lograr  o   feu 
ir\r,    intento.    O  General  teimou  que  foffe 
iílo    na    Cidadella.    Hamed    confiando 
v'    MA~  de  o  confeguir  lá  mefmo  ,  confentio  nif-, 
jíoel  rei  zo    Regujara5  0  ceremonial ,  e  as  con- 
dições  deita  vifita.    A  principal  deitas 
AJFFOKSo  condições  era  ,    que  das  duas    partes 
d  albu-  na£  haveriaó  armas  ,  condição  que  ne- 
t^uERquEn|lum  fos  ^0«s  par^Jog  queria  obfer- 

COVER-      var> 

Iíador.  çom  effeito  no  dia  feguinte  Albu- 

querque tendo  tomado  todas  as  fuás  me- 
didas 3  e  também  Hamed,  Hamed  entrou 
primeiro.  Formaraõ-lhe  queixa  fobre 
as  fuás  armas  ,  ao  mefmo  tempo  que 
clle  fe  queixava  juítamente  do  mef- 
mo ;  e  como  elle  começava  a  enfadar- 
fe ,  foi  trafpafíado  de  muitas  feridas. 
O  Rei  que  veio  depois ,  ficou  fufpen- 
íb ,  e  temendo  ao  mefmo  tempo  ;  po- 
rém logo  fe  foccegou.  Os  irmaós  de 
Hamed  ,  e  os  feus  guardas  ,  a  quem 
tinhaó  fechado  as  portas  ,  as  quizeraõ 
abrir.  As  tropas  Portuguezas  ,  que  ef- 
tavaó  de  fora  ,  e  que  tinhaó  ordem  , 
acodiraõ.  O  povo  hia  tomar  parti- 
do ,  fem  faber  fe  o  Rei  eítava  mor- 
to :  mas  a  prezença  deite  Principe 
que    fe    lhe    moftrou    duma    janela 

o 


DOS    PoRTUGl?EZES,   LlV.    VI.    llj 

O     foccegou.     Entretanto    os     irmãos j 

de    Hamed    ganharão    o    Palácio    do  Ànn.  ds 
Rei  ,    que  era   a    principal    Fortaleza    j.  C. 
da  Cidade  ,    e   ahi    fe  entrincheirarão.     \cirm 
Eítava  entaó  em  Ormuz  hum  OíRcial 
do  Sofi,  que  acompanhava  o  Enviado    D*    MA" 
da  Perfia,    de  que  temos    fallado  ,  eK0ELREI 
que   occultamente  devia  apoiar  os  de- 
lignios  de  Hamed.  Albuquerque  o  man-  AfFONSÍ> 
dou  bufcar  ,  e  lhe  mandou   dizer,  que  D  AIBU" 
foflc  dizer  aos    irmaós  deite    pérfido  ,  ****W 
que  fe  elles  naó  fahifiem  logo  do   Pa-  GOVER" 
lacio  ,  elle  naó  faria  quartel  a  ninguém.  KAD0R» 
Eíla  ameaça  produzio  efFeito  ,  abando- 
raó  o  Palácio,  e  pouco  depois  toda  a 
família    deíle  Miniftro    foi    banida   do 
Eftado ,  com  pena  de   morte.   Publica- 
rão   no   mefmo   tempo   huma  prohibi- 
çaó   com  a    mefma  pena  de  trazer  ar- 
mas de   noite  ,  ou  de  dia  ;  e  eíla  pro- 
hibiçaõ  ,  que  defarmou  o  povo  ,  reíli- 
tuhio   a  tranquilidade. 

PaíTado  eíte  tempo  o  Rei  ,  e  a 
General  fe  viraó  com  mais  liberdade  , 
e  Albuquerque  pareceo  tela  dado  a  ef- 
te  Principe  ,  que  naó  cabia  em  fi  de 
goílo  de  fe  ver  Rei  ,  quando  nunca 
o  tinha  fido.  O  General  naó  fe  em- 
baraçava nos  negócios  do  Governo  , 
porem  eflencialmente  tomou  tacs  me- 
didas ,  que  Ormus  nunca  pôde  lacudir 
o  jugo  que  elie  lhe  poz.  Hum 


21o  Historia  dos  Descobrimentos 

■  Hum  rumor  que  fe  efpalhou  entaõ 

Ank.    de  de  que  vinha  huma  frota  ao  Calife  fo- 
J.  C.    bre  Ormuz,  foi  a  principal  cauza.  Naó 
1515.   *"e  Poc^e  determinar  quem    foííe  o   au- 
tor ;    fe  foraó    os  Miniílros   do   Rei  , 
v'     MA"que   fe   tiveííem  agoniado   com  a  par- 
*0ELREitida    de    Albuquerque,    ou     fe    fofie 
o  mefmo  Albuquerque,  que   o  íizeíTe 
•\1'ÍONSO  efpalhar  com  o  diílgnio  de  fazer  o  que 
D  albu-    |ez    a  e^.e    refpe|to<    q    que  qUCr   que 

v  '  ^  folie,  acreditando  eita  noticia,  que  nao 
covEk-  tjnjia  nenhuma  probabilidade ,  enviou 
kador.  D.  Garcia  de  fronha  pedir  da  fua 
parte  toda  a  artilheria  do  Palácio  ,  e  da 
Cidade ,  com  o  pretexto  que  tinha  pre- 
cizaó  da  fua  ,  para  hir  na  vanguarda 
deita  frota,  e  naó  podia  deixar  a  Ci- 
dadella  fem  armas.  Nordin  prometeo 
tudo  no  princio  ;  mas  tendo-fe  depois 
arrependido  da  fua  facilidade  ,  quiz-fe 
retratar.  D.  Garcia  ,  que  tinha  ordem 
fecreta  de  a  tirar  por  força ,  fe  lha  ne- 
gaíTem ,  lhe  tirou  todo  o  pretexto  de 
dilações, dizendo  que  naó  partiria,  fem 
que  a  artilheria  folie  dada ,  como  foi 
com  erTeito. 

Albuquerque  acabou  de  fegurar 
efte  eftado  á  Coroa  de  Portugal ,  por 
hum  lance  muito  efpantozo.  Porque 
fez  também ,  com  o  pretexto  de  que 
podsriaõ  nafcer  perturbações  no  Reino 

por 


DOS   PoRTUGTJEZES  ,   LlV.    VI.    2l£ 

por  cauza    da  multidão   dos  Príncipes • 

de  fangue  dos  Reis  de  Ormuz  a  quem  Ann.   de 
tinhaó    cegado   ,    para     os   feparar  do      ].  C. 
Throno  ,  porém  que  tinhaó  mulheres ,     iric. 
e  filhos  ,  ae  que  fe  poderiaó  prevalecer 
contra  o  Rei -reinante  ,  elle   fez  que     D'    MA" 
lhe  entregaííem    eíles  Príncipes  ,  que  KOEL  REI 
eraó  quinze  ,    e  os   enviou  para   Goa 
com   as  fuás    famílias    na  efquadra  de  AFF0NS<> 
Garcia  de  Noronha  3  a  rim  de  os  ter  D  ALBU" 
ahi    bem   guardados.    E     quando   elle  «^e*^* 
mefmo  partio  d'Ormuz ,  ordenou  a  Pe-  GOVER* 
dro  de  Albuquerque  ,  que  deixou  Go-  NAD0R« 
vernador    da   Cidadeila  ,    que  fe   aífe- 
nhoreaííe  dos  dois  filhos  de  Zeifadim, 
a  fim  de  ter  o  Rei  enfreado  com  eíles 
dois  moços  Príncipes ,  que  eraó  os  le- 
gítimos herdeiros  da  Coroa. 

Com  ifto  governava  de  modo  o 
Rei  ,  que  efte  Príncipe ,  que  lhe  cha- 
mava leu  Pai  5  parecia  fer-lhe  obriga- 
do em  todas  as  acções  :  e  continha 
tanto  os  Portuguezes  ,  que  naó  havia 
hum  que  oufaíle  fazer-lhe  o  menor  in- 
fulto  ,  ou  que  o  fizeíTe  fem  que  foííe 
punido.  Houveraó  ahi  fere  que  deferta- 
raó  ,  e  paliarão  para  os  Árabes..  O 
General  os  fez  feguir  ,  e  para  iífo  fe 
fervio  de  Raes  Nordin  :  foraó  apanha- 
dos ,  e  por  fentença  do  Juiz  foraó 
queimados  vivos  no  meímo  batel  ,  em 

que 


220  Historia  ©os  Descobrimentos 

1  que  tinhaó  fugido  ,  excepto  dois  ,  que 

flbw.  de  tendo   feito  algum  ferviço   no  infeliz 
J.  C.     fucceííò  de  Calecut,  onde   foi  o  Ma- 
l5i<\     rechal  ,  merecerão  que  lhe  commutaf- 
_  fem  a  fua  pena    pela  de  galez.    Eíti 
fevcndade  ,  que  continha  todos  no  feu 
koelrei  (jever  ^  augmentava  a  eítimaçaó  do  Ge- 
neral ,  e  o  pôz  em  tal  reputação ,  que 

AFFONSO  fV  r  -n--  r    l         r 

os   Duques  ,  ou  rnncipes  vninhos   le 

D  ALBU-  rr       '  r  J 

apieíiarao    a  procurar  a  lua  amizade  , 
QUERquE  Qu  pQr  £  vindo  pelloalmente  faudalo  3 
ou  pelos    principaes    OíHciaes    da  fua 
IiAD0R-    Cora. 

Entre  tanto  cahio  doente  :  huma 
indigeílaó  cauzada  pelos  feus  contínuos 
trabalhos  o  abateo  tanto  em  taõ  pou- 
co tempo  ,  que  fez  feu  teftamento  , 
e  recebeo  todos  os  Sacramentos  como 
para  morrer.  Hum  pequeno  alivio  que 
teve  na  moieftia  o  obrigou  a  embar- 
car-fe  para  tornar  a  Goa.  Taõ  fecre- 
tamente  o  fez  ,  que  deo  cauza  a  que 
o  íuppozeíTem  morto  ;  o  que  com  tudo 
foi  defvanecido  por  aquelles  que  o  Rei 
mandou  em  feu  alcance  para  da  lua 
parte  lhe  levarem   refrefeos. 

Apenas  fahio  do  Golfo  quando 
appareceo  huma  pequena  embarcação 
de  Mouros  vinda  de  Diu  ,  que  lhe  tra- 
zia cartas.  Huma  era  dum  Mouro  , 
chamado  Cid-Alle3  e  outra  d'um  Em- 

baixa- 


t>cs  Portugueses  ,  Liv.  VI.    221 

baixador  do  Sofi  junto  do  Rei  de  Cam-  ■■ 
baia.    A   primeira  lhe  dizia  que  Lopo  Anu*  de 
Soares  d'Âlbergaria    tinha  chegado  ás     J.  C. 
índias  com    \i  navios,    e   vinha  para     \z\c% 
lhe  fueceder  em  Governador :  que  Dio- 
go Mendes   de   Yafconcellos   vinha  go-    D'       ■* 
vernar  em  Cochim,  Diogo  Pereira  pa-  K0ELREl 
ra  Feitor ,    e   que  EIRei   tinha    aííim 
difpoAo    de  muitos  poftos.    Acrcfcen-  A,FFONs« 
rava  que  Melique  Jaz  eftava   taó  mor-  D  ALBU" 
tificado  da  fua  revocaçaó ,  que  naó  ti- QLER(^uS 
nha    tido  animo    de  lhe   eícrever.    O  GCKLR~ 
Embaixador  de  Ifmael  lhe  dezia  qua-  NAD0K» 
íi  o   mefmo  ,    e   procurava  azedar-lhe 
o   animo   com    a   ingratidão    com   que 
recompençavaõ  os  feus  ferviços  ,  e  lhe 
ofTerecia  hum   azilo   junto   de  feu  Se- 
nhor, com  todos  os  bens  ,  e   todas  as 
honras   de   que  era  digno. 

Albuquerque  no  eftado  em  que 
eftava  ,  naó  podia  exprimentar  hum 
revez  taó  pouco  merecido  ,  e  cípera- 
do.  Sufpeniò  com  a  vifta  do  trium- 
ío  dos  feus  inimigos  ,  e  do  progreiTo 
que  tinhaó  feito  no  efpirito  do  Rei  , 
naó  pode  evitar  os  teítemunhos  da 
fua  admiração.  ,,  Que  2  gritou  ,  Soares 
„  Governador  das  índias  <  Vafconcel- 
„  los  ,  e  Diogo  Pereira  que  fiz  paliar 
„  a  Portugal  como  criminozos  ,  re- 
„  conduzida  cç-ra  honra  \  Eu  incorro 

55  n9 


222   Historia  dos  Descobrimentos 

—  „  no  ódio  dos  homens    pelo  amor  dò 

Ann.  de  55  Rei  ,    e    na  d if graça    do    Rei  pelo 

].  C.     „  amor  dos    homens  ?    A'    fepultura  , 

f-éfé.,    )j  infeliz  velho,    he  tempo,    á  fepul- 

„  tura.  „    Repeno   muitas   vezes     eftas 

d.    ma-  u|r[mas   palavras  penetrado  da  mais  vi- 

koelre»  va    ^or^    Qom  tU£}0    depois    que    efta 

primeira  impreííaó   paíTou  ,   moftrou-fe 

affokso  mâjg   focegac|0  9    e  íe  rezolveo    a  ef- 

i>  albu-    crever  aÈlRei.  O  que  fez  neftes  ter- 

querque  mos>  ^    Senhor  ,    eícrevo   efta  ultima 

gover-    ^  Carta    a  y   alteza    com    huma  an- 

wador.     5j  guftia  ,  que  para  mim  he  hum   final 

„  certo  da  minha  morte  próxima.  Te- 

5?nho   hum  filho  no  Reino ,  rogo  que 

5,  o  façais   grande  á  proporção   de  meus 

5,  ferviços  6  e  eu   lhe  ordeno    de  volo 

3,  requerer   lubpena  d'incorrer    na   mi- 

5,  nha   maldição.    Naó  vos    digo    nada 

„  das   índias  ,   ellas  vos   fallaraó  afTas  , 

„  affim  por  ii  ,    como  por  mim.  „ 

Fez  depois  queimar  as  cartas  que 
os  Mouros  do  Indoftan  efereviaó  a  Teus 
correfpondentes  d'Ormuz  ,  advirtindo- 
os  que  naó  entregaííem  a  Cidadella 
aos  Portuguezes  ,  que  o  Governador 
era  depofto  ;  e  que  tinha  vindo  hum 
novo  bem  diferente  de  íeu  predecef- 
íor  ,  e  que  feria  muito  mais  favorável 
aos  feus  negócios.  Depois  difto  naó 
cuidou  mais  que    na  lua  falvaçaó  ,  e 

quan* 


t>OS    PoKTUGUEZES  ,    LlV.    VI.     22J 

quando  foi  perto  de  Goa  ,  mandou  buf-  * 

car  o  Vigário   Geral  ,  e  o  Medico.  O  Ann.    de 
mal  tinha-fe  adianrado  muito  para  que     3-  C. 
eíle  podeffe  ahi  fazer  proveito.  O  Vi-     x  -x  _ 
gario  Geral  lhe  adminiílrou  os  últimos 
Sacramentos  ,  que  elle   recebeo  nova-    D*    MA" 
mente  com  fentimentos  de  muito  gran-  N0EL  REl 
de  piedade.    Sendo  paífada  quafi    toda 
efta  noite  em  exercícios  de  Religião  ,  affonso 
deo    a   fua   alma   a  Deos  hum  pouco  D  ALBU" 
antes  do  dia  i6de  Dezembro  de  1515  °-UEi^ue 
aos  63  annos  de  fua  idade  ,  dos  quaes  G0VER" 
os  últimos  dez  tinha  paliado  nas  In-  NAD0R* 
dias. 

Seu  corpo  foi  levado  a  Goa  ,  e 
fepultado  na  Igreja  de  N.  Senhara  do 
-Monte  ,  que  elle  tinha  fundado.  As 
exéquias  que  lhe  fizeraó  foraõ  magni- 
ficas ,  e  durarão  quafi  hum  mez.  Po- 
rém o  faufto  da  pompa  lúgubre  deíla 
folemnidade  lhe  roi  menos  honrozo  ; 
que  o  luclo  univerial  em  que  efta  Ci- 
dade fe  fcpultou  ?  e  as  lagrimas  que 
derramarão  fem  diftinçaõ  Chriítaos  , 
Mufulmanos  5  e  Gentios  ,  cada  hum 
dos  quaes  cria  perder  nelle  feu  pai  , 
ou  feu  amparo.  Mais  de  50  annos  de- 
pois 3  feus  ollos  foraó  tresiadados  para 
Portugal  ,  onde  lhes  fizeraó  também 
grandes   honras. 

A   fua  caza   procedia  dos    filhos 

nata- 


224  Historia  dos  Descobrimentos 

naturaes   dos   Reis  de  Portugal  ,  cujo 

A:-::,   de  fangue    foi    honrado    nelle   como   nos 

J.  C.     ieus  Príncipes  legítimos.  Era  o  fegun» 

jr\c.     do   filho  de   Gonçalo   d'Albuquerque  , 

Senhor  de  Villa  Verde,  e  de  D.Leo- 

d.    ma-  nor  ^e  ]yjeneze3  ,    f^i^    L\Q   prjmeiro 

koll  rei  ç;onc|e   d'Atouguia.    Na  fua   mocidade 
tinha  fido   eíiribeiro   mór   d'E!Rei  D. 

A"°r-°  ]oaò    1L  '    ,e   fe   havia    femPre   diílin~ 
D  ALBL"    guido  j  porém   a  fua  fortuna   o   efpe- 

^ERQLE  rava  nas  índias  ,  onde  devia  fazer-lhe 
GDV£f~  ganhar  o  nome  de  Grande  ,  e  polo 
ijadoa.  a  par  dos  Conquiíladores  mais  celebres. 
Era  de  figura  mediocre ,  mas  bem 
proporcionado  ,  tinha  o  ar  do  femblan- 
te  agradável ,  o  nariz  aquilino  ,  e  hum 
pouco  comprido  ,  o  ar  nobre  ,  e  ma- 
geítozo.  A  velhice  o  fez  ainda  mais  ve- 
nerável pola  extrema  brancura  dos  feus 
cabelos,  e  d'uma  barba  taó  comprida  , 
que  a  podia  atar  á  fua  cintura.  No 
.governo  parecia  grave  ,  e  fevero , 
e  na  cólera  terrivcl  ;  fora  difto  era 
engraçado  ,  divertido ,  e  amável.  Ti- 
nha cultivado  o  feu  efpirito  nas  bellas 
letras.  Falava  de  repente  com  graça, 
e  eicrevia  ainda  melhor.  Temperava 
fempre  o  feu  difcurfo  com  alguns  bons 
ditos ,  e  affeclava  iílo  particularmente 
quando  fallava  com  auctoridade  a  fim  de 
corre^ir  o  que  o  leu  ar  muito  fevero 
linha  de  arrogante,  A 


DOS    FoRTUGUEZES,    LlV.    VI.     22£ 

A  rectidão  ,  a   iuftica  ,  e  o  amor 


do  bem  publico  formavaó  propriarnen-  Ann.   de 
te  o  feu  caracter.  Era   fevero   frequcn-    J.    C. 

temente  até  á  crueldade  ,   avaro  pelos     j.j. 
intereííes  d'ElRei  ,    inflexível  no   que      » 
era  do  ferviço  ,  e  da  difciplina  militar,      D*  MAr 
porém  taó  afeiçoado  no  mefmo  tempo  a  N0EL  REI 
procurar  o  bem  de  cada  hum ,  que  dei- 
te comporto  de  qualidades  auíteras,  e  AFFOXSO 
oificiozas  ,    rezukava  huma   idéa  geral  D  ALEU" 
que  o   fazia  amável   daquelies  mefmos  QLERQUE 

Í[ue  aborreciaó  a  fua  fevendade  excef-  GOVER" 
iva.  Sua  rigida  equidade  ,  tinha  fei-  KAD0R* 
to  huma  grande  impreílaó  ,  que  de- 
pois da  fua  morte  os  Gentios  ,  e  os 
Mouros  hiaó  offerecer  votos  ao  leu  tu- 
mulo, para  lhe  pedirem  juíliça  contra 
a  tyrannia  de  alguns  que  lhe  fuccede- 
raó  no  emprego ,  fem  lhe  lucceder  nas 
virtudes.  Em  quanto  vivo  ,  o  feu  rigor 
lhe  fez  grandes  inimigos  ,  e  lhe  cau- 
zou  muitos  difgoftos  ;  porém  a  facili- 
dade com  que  voltava  a  relpeito  deiles  , 
e  os  defculpava  áquelies  mefmos  que 
o  exortavao  a  fe  vingar  ,  naõ  fervio 
pouco  a  elevar  a  fua  gloria. 

Na    guerra    foi    verdadeiramente 
grande  pela  nobreza  de  feus  projectos  ,    . 
pela  prudência  com  que  es  conduzia  ,  e 
o  vigor  com  que  os  executava.  No  con« 
íelho ,  e  na  acçaó  parecia  haver  nel-  ' 
Tom.  II.  P  le 


226    Historia  dos  Descobrimentos 

le  dois  homens   inteiramente  differen- 

Ann.   de  tes.  Num  dia  de  batalha  era  Capitão  de 
J.  C.     tal  forte  ?    que  todo  parecia  íoldado  , 
,-j-      indo  pelejar,  e  expondo-fe  como  hum 
moço   perdido.    Muitas   vezes  lhe  de- 
D*   MA~  raõ  reprehençoés  inúteis ,   e  na  acçaõ 
yOELREi  de  Benaftarim  Diogo  Mendes  de  Vaí- 
concellos  ,    pofto   que  defgoítozo  del- 
affonso  ^e     £-Q-  0£rigac}0  a  advirtilo  de  que  ei- 
r>  albu-    ]q  çe  expunha  com  muita  temeridade, 
cerque  Sem    £azer  mjuft;ça    aos   maiores  Ca- 
gover-     pjtaés  J0  fcu  tempo  ,  naó  houve   ne- 
hador.     nhum  que   tiveííe  reputação    mais  di- 
latada   que    a  fua  nas    três   partes  do 
mundo  ,  Europa  ,  Africa ,  e  Afia.  Com 
tudo  ifto    era  feliz  ,   o  que   fez  dizer 
a  EiRei  Fernando  o  Catholico  fallan- 
do     ao  Embaixador    de  D.   Manoel  , 
que  elle   fe  admirava    que  EIRei    feu 
genro   tiveííe  penfado  em  o  retirar  das 
índias ;  porém  D.  Manoel  o  fez  pela 
mefma  politica  que  tinha  obrigado  ao 
rnefmo  D.   Fernando  a  retirar  o  gran- 
de  Capitão   Gonçalo    de  Córdova  do 
Reino  de  Nápoles.   Albuquerque  tinha 
pedido  Goa  a  titulo  de   Ducado  3  e  foi 
fobre  efta  petição ,  que  feus  invejozos 
.    acabarão  de  o   fazer  fufpeito. 

Três  Remos  conquiftados  ,  mui- 
tas Fortalezas  edificadas  ,  a  paz  efla- 
beliçida  em  todas  as  panes  da  índia  y 

mui- 


DOS   PoRTUGUEZES  ,   LlV.    VI.       Hj 

muitos  Reis  vencidos   ,    feitos    tribu-  ■ 
tarios ,   ou   aluados  ,    foraõ   obra  fua  ,  Ann.  de 
de  que  naõ  teve  outra  recompença  mais     J.  C. 
que  o  pezar  dum  defagrado  ,  que  o  fez    1515-, 
morrer  lá  mefino  ,  onHe   tinha   come- 
çado a  fazer-fe  heroe.   EIRei  D.  Ma-     D'   MA" 

x        1  1  1  NOEL  REI 

noel   conheceo  com  tudo    o  erro   que 

fez  ,  porém  muito  tarde  ,  e  fem  lhe  fa- 

•  Vi •       r  i  r       •    1  •   j  affonso 

zer  juttiça  ioore  os  íeus  calummadores.    , 

O  que  fez  he  ,  que  verdadeiramente  D  -AlLSU" 
tomou  cuidado  do  filho  ,  que  lhe  ti- 
nha  recommendado.  Fez-lhe  deixar  o  G(MER~ 
nome  de  Braz,  para  tomar  o  deAf-K  R* 
fonfo.  Cázou-o  depois  com  Maria  de 
Noronha  fua  parenta,  filha  do  Con?.e 
de  Linhares  ,  e  de  Joana  da  Silva 
filha  do  primeiro  Conde  de  Portale- 
gre. E  lhe  faria  grandes  mercês  , 
como  o  tinha  prometido  ao  Conde  de 
Linhares  feu  fogro  \  mas  depois  da 
morte  d'ElRei  D.  Manoel  ,  Afíbnlb 
perfuadio-fe  ,  que  ignoravaó  no  reinado 
feguinte  as  promeiTas  que  lhe  tinhao 
feito  ,  como  tinhaó  eíquecido  os  fer- 
viços  de  feu  Pai.  Aíiim  os  heroes 
fó  devem  ellimar  a  gloria  que  eter- 
niza fuás  beilas  acçoês  ,  gloria  que  a 
inveja  pode  efcurecer  por  algum  tem- 
po ,  mas  de  que  o  mefmo  tempo  os 
faz   fempre  triumfar. 

Albuquerque  dezejou  que  alguém 
P  li  pcdef- 


228       HlST.    DOS    DeSC."    DOS    PoRT? 

podeííe   efcrever    fua  hiftoria  ,  elle  o 

Akn.   de  podia  fazer,    como  Cezar    efcreveo  a 
J.  C.    lua.    Seus  trabalhos   o   impedirão  ;  po- 
j    j        rem  feu  filho  o  fuprio.  Kc  feu  filho  que 
publicou  os   Commentarios  ,  que   nós 
d.   ma-  temos    do  feu  nome.    Neiles  ha  hum 
KOEL  REI  grande   amor  da   verdade,  grande  mo- 
deração ,    muita  prudência    para  com 
affonso  os  inimig0S   de  feu  Pai  ,  e  tanta   mo- 
d  albu-    deília  na  relação  das  acçoés  deííeHe- 
quERquE  r^e  ^  que  fe  pode  dizer  ,  que    o  retra- 
gover-    t0  que  faZj  bem  longe  de  o  exceder , 
nador.     he  muito   inferior  ao  feu  original» 

Fim  do  Livro  Sexto. 


HIS- 


229 


W^áéêÊM^^; 


VWW< 


3>2$ 

HISTORIA 

DOS 

DESCOBRIMENTOS, 

ECONCLUISTAS 

DOS 

PORTUGUEZES, 

NO  NOVO  MUNDO. 


LIVRO.  VII. 


Akn.   de 

Gloria  da  Naçaõ  Portugueza    J.  C. 

voava  com  a  fama  por  todas     iri^. 

as    partes    do   mundo  ,    em 

quanto    Portugal    le    enchia    D*    MA" 
das    riquezas     do   Oriente   ,    e   que    a  N0EL  REI 
Europa   abro  os  olhos  admirados,  e  in-    lopo 
vejozos    fobre   a  fua   profperidade.  D.  soares 

:cl  pacifico  fobre  feu  Throno  go-  d'alber- 
zava   o  lifongeiro  prazer  do  grande  no-  garia 
me  3    que  lhe  dilatavaó  ate    o  fim  do  gover- 

Uni-    nadou. 


230  Historia  dos  Descobrimentos 

— - —  Uni  ver  íò  feus  Capitães    pelos  fens   a- 

Ann.  de  contecimerxtos  ,  trabalhos  ,  e  conquií- 

].  C.    tas   ,    e   elle   recolhia    fem    fadiga  os 

thefouros  immeníos  ,  que  eraò  o  fru- 

"  ■      «fio  das   incompreheníiveis  fadigas  que 

d.   ma-  elles  tinhaò  ibírido  ,  e  dos  perigos  fem 

KOELREifini  que  ha  vi  ao  corrido. 

Eíte  Principe  prudente ,  e  fempre 
topo      zelozo  da  Religião  fe  fez  claro,  e  famozo 
soares     por  fuás  vantagens  na   Santa  Sé  como 
d'alber-  Principe  Chriftaó.  Affonfo  Rei  de  Congo 
caria      lhe  tinha   enviado  o  Principe  Henrique 
go ver-    feu  filho  ,  com  numeroza  mocidade  com- 
kador.    poíla  dos  filhos  dos  principaes  Senho- 
res da  fua    Corte.    ElRei  D.   Manoel 
lhes  fez  dar  a  educação  ,  que  convinha 
ás  fuás    qualidades  ,    e  os   fez  paliar 
depois  a  Roma  ,  onde  viraõ  com  ex- 
trema fatisfaçaõ  eílas  premiífas  da  Bar- 
baria, virem  dos  limites  da  Africa  re- 
conhecer o   Vigário   de  Jesus  ChriíTo, 
e  exporem  como  a  feus  olhos  as  pro- 
vas dos  progreílbs  que   fazia  a  Fe. 

Pouco  tempo  depois  D.  Manoel 
quiz  fazer  também  em  Roma  appara- 
to  doutra  force  de  bens,  fazendo  hu- 
ma  efpecie  de  obfequio  ao  Soberano 
Pontífice,  que  entaõ  era  Leaó  X.  das 
premiífas  das  riquezas  do  Oriente. 
Trfbó  da  Cunha  foi  o  Miniítro  deita 
Embaixada ,  e  conduzio  comfigo  três 

de 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    2^1 

de  Teus  filhos,  dos  quaes  hum  toi  de 

pois   Governador   General    das  índias.  Ann.  de 
Segundo    as    relações  que    nos   reílaõ     ].  C. 
daqueile    tempo,    foi    efta    huma  das     i~jr. 
Embaixadas  mais   efplendidas  que  ain- 
da   appareceo    neíta  Capital  do   mun-    D*    MA~ 
do.    A'   magnificência    da   entrada  do  NOEL  REi 
Embaixador   nada  faltou  ,  porém   nada 
igualou  a  bclleza  dos  prezentes.  Con-    LOPO 
ííftia    em    todos     os   ornamentos    que  S°ARES 
convém   á  peííoa  do  Papa  ,   e  á  deco-  D  ALKER* 
raçaó  de  léus  altares  ,  quando  faz  Pon-  GARlA 
ttfical.    Iíto   tudo  bordado    de   oiro  ,  e  GOVER" 
prata  ,     taó   carregado  de  pérolas   ,  e  KAD0R* 
pedras  preciozas  ,    que  cubriaó   tudo  : 
taõ  ricamente   trabalhados,  que  o  fei- 
tio excedia  d' algum  modo  a  matéria. 
Os    olhos    dos    Romanos    ficarão    en- 
candeados  ;  porém  o  que  lhes  naó  deo 
menos  gofto  ,    foi  huma  Panthera  ,  e 
hum  Elefante.    O  Elefante  enfinado  , 
fe  proílrou  três   vezes  diante  do   Vi- 
gário   de    Jesus    Chrifto   ,    e  divertio 
depois   a  Corte  molhando   os  expecla- 
dores  com  agua  que  tinha  tomado  na 
fila  tromba.  A  Panthera  deítra  na  caf- 
fa  cítrangolou   alguns   animaes    a  que 
a    íoltaraó.   EIRei    de  Portugal     quiz 
tombem  dar  aos  Romanos  o  expeéta- 
culo  do  combate  d'um  Elefante ,  e  hum 
Renocerente  ;    porém    o  Renoceronte 

naó 


gari  a 

COVER- 


2$l  Historia  dos  Descobrimentos 

naõ  pôde  chegar   a  Roma,   e  morreo 

Ann.  de  fobre  as    Coitas   de  Génova. 

J.  C.  Em  quanto  todo  o  Mundo  aplau- 

j  -j  -     dia  eíle   Pincipe  afortunado  ,  elle  mef- 

mo   preparava   o   tumulo  ,  onde   devia 

d.    ma-  fepUitar   com  Albuquerque  o  mais  belo 

KOEL  REI  da       fua     ^lo^a  ^     e      ^     ^     fua     Naça5# 

Arrependeo-fe  he  verdade  ,  de  lhe  ter 
lopo       enviado   hum   fucceíTòr ,   e   efcreveo   a 

soares     soare3  limitando  feu  Governo  de   Co- 
L~  chim    a   Malaca  ,   e   deixando   o   mais 
a   Albuquerque  ,  como   fe  vé  na  carta 
deite  Princepe  copiada   nos  Cdmenta- 

ííador.  rjos  ^e{ie  grande  homem.  Outros  di- 
zem que  efcreveo  a  Albuquerque  pedin- 
do-lhe  ,  que  efcolhefíe  huma  praça  nas 
índias  a  feu  goílo  onde  feria  indepen- 
dente do  Governador,  com  promeífa, 
que  tanto  que  Soares  expiraííe  ,  lhe- 
aaria  o  Governo  com  o  titulo  e  as 
honras  de  Vice-Rei.  Porém  o  tiro  efta- 
va  dado  3  e  o  mal  naõ  tinha  remédio. 
Chegado  Soares  a  Cochim  ,  fez  o  que 
algumas  vezes  fazem  as  peííbas  que 
entraó  em  emprego  por  refpcko  de 
feus  predecelTores  ,  a  que  naõ  crem 
fuccecíer  ,  fe  os  naõ  deítruirem  á  elles 
e  as  fuás  obras;  em  que  íaó  aprova- 
dos commurnente  peios  fubal  ternos,  que 
mudando  de  incercíTe  como  de  orr-ieiro, 
ou   naó  tem  outro    merecimento  que 

o 


dos  Portugueses  ?  Liv.  VII.  233 

o     de  fazer    corte    a    hum   que    vem 

de     novo    ,    ou    eclipfaó    o    mereci- Akn.  de 

mento  que  tem  pondo-íe  da  parte  dos  ].   C. 
iníipidos  Aduladores.   Vizitou   as   pra-    i^ir, 
ças  ,   em   tudo   fez  mudanças,   meteo 
em   differentes  poílos   creaturas   luas  ;     D*   MA" 
caííou  e  perfegoio   todas    as  de  Albu-K0EL  REl 
querque  ,  deftruhio  todas  as  luas  ideias, 
tomou     íiílemas     inteiramente   contra-    LOFO 
rios  ,    e  apiicou-fe    particularmente     a  SOARES 
difgoílar  com  mios   modos   D.    Garcia  DALBER- 
de    Noronha  ,   a    quem  feu   tio   havia  GARlA 
feito     partir    primeiro     para   Ccchim  ,  gover- 
permitindo-lhe     tornar  para   Portugal. ÍÍADOR* 
-Em  huzna   palavra  fez  tudo   de  novo , 
julgando   fem    duvida  que   fazia  bem. 
Porém    logo   conhecerão    a  differença 
que   havia    d'homem    a     homem.    Os 
inimigos  dos  Portuguezes  cobrarão   a- 
nirno  3   feus   amigos    efmcreceraõ  ,  os 
Reis   de  Canancr ,  de  Caiicut,  e  Co- 
chim 3   particularmente    efte  -  ultimo   , 
perderão     com  elle    a  confiança    que 
tinhaó  em  Albuquerque ,  a  quem  eles 
naõ   fabiaó  recuzar  nada.  Os    mefmos 
Portuguezes     parecerão     degenerar;    e 
aquelles  que  até  entaõ  tinhaó  fido  He- 
roes  ,   naõ   parecerão   muito   mais   que 
Mercadores  ,  ou  Piratas.   Naõ  he   iílo 
porque  Soares  naõ  tlvefle   leu  mereci- 
mento 3    porém  podia    ter  muito   ,  e 

fer 


Am 

3. 

1515. 

D.      KA- 


LOPO 
SOARES 
i/ALBER 
GA  RI  A 
GOVER- 
NADOR. 


234    Historia  dos  Descobrimentos 

fer  muito  inferior  a  Albuquerque.  As  in- 

.  cie  felicidades ,  c  difgraças  que  acontecerão 
C.  á  profia  ,  fizerao  conhecer  bem  o  pa- 
ralíelo  pelo  feu  ^contraíte;  a  fortuna 
muitas  vezes  fe  intereíTa  na  repu- 
tação dos  homens  grandes  ,  e  elip- 
El  fando  de  ordinário  fuás  belas  quali- 
dades ,  ou  fazendo  brilhar  as  mediocres  , 
legendo  lhe  agrada  fervilos  bem  ou 
mal.  Por  efta  razaó  fempre  differaó 
que  os  grandes  talentos  naó  baftao 
fó  aos  que  govemaõ  ;  mas  que  he 
precizo  também  attender  fe  faó  felices 
na   efeolha  que  fazem    das   pefíbas. 

Havia  ja  alguns  annos  que  amea- 
çavaõ  os  Portuguezes  com  huma  frota 
do  Caliphe  ,  porem  todo  o  rumor 
que  fe  divulgava  3  fe  defvanecia  de- 
pois ,  e  nada  apparecia.  Com  efFeito  , 
ibíTe  porque  cite  Prmcepe  tiveffe  muitos 
outros  negócios  ,  ou  porque  fe  defgoí- 
taííe  cio  infelis  fucceíTò  cia  fua  primei- 
ra tentativa  9  parecia  dormir  fobre  feus 
entereííes.  Duas  couzas  o  defpertarao 
deite  profundo  fono.  A  primeira  foi 
a  induftria  de  Emir-Hocem.  A  fegun- 
da  o  medo  que  lhe  caufou  a  frota 
Portugueza  entrada  no  mar  Roxo  com- 
mandada  por  Albuquerque.  Hocem  fen- 
do desbaratado  por  Almeida  ,  naó  oufou 
mais  tornar  ao  Cairo  3  com  medo  de  pa- 
gar 


COS   PoRTVGUEZES,   LlV.   VII.     2$Ç 

gar  com  a  cabeça  as  faltas  da  fua  má  for 

tuna.  Os  Príncipes  Mufulmanos  naquel-ANN.  de 
les  tempos  naó  perdoavaó  a  feus  Ge-     J.  C. 
neraes  infelices.  Porem  como   efte  era    1515. 
hum   antigo  Cortezaó ,    rezolveo  con- 
graçar-fc  com  o  feu  Principe  irritado  3    D*    MA- 
por  algum  ferviço  importante,  que  o  KOEL  RE1 
podefíe    ajudar  a  entrar    no  feu    vali- 
mento.  Nefta   idéa  tendo  conferido  as    LOPO 
fuás  viílas   com  o  Rei    de   Cambaia  ,  S?ARES 
e  Melique-Jaz  ,   recolheo  os    fragmen-  D  ALBER* 
tos  da  lua  armada,    e  fe  retirou  para  GARIA 
Gidda  ,    ou   ]udda  ,    como   os   Portu-  GOVER" 
guezes    a  chamaó.    Eíla    Cidade    que NAD0R» 
eíiá  íltuada  fobre   a  Coita  da  Arábia 
a  21  gráo   ,   e  meio   de  Latitude    do 
Norte ,    ainda    que  antiga  ,    e  muito 
beila    pelos  feus  edifícios  ,    naó  tinha 
outro  merecimento ,    que  ler  frequen- 
tada pelos  Perigrinos ,  que  hiaõ  a  Me- 
ca ,  donde  difta  huma  jornada.  O  ter- 
ritório he   eíteril ;  a  agua  ahi   fe  paga 
muito  cara  ,  porque  vem  de  muito  lon- 
ge em  beíías  de  carga.  Naó   tinha  el- 
la  entaó  muros  alguns  ,  e  eftava  fujei- 
ta   ás  invazoés   dos   Beduains   Árabes, 
que  a  infeftavaõ  com  os  feus  roubos. 
Kocem  determinado   a  fe  eílabele- 
cer  alli  ,  fez  faber  aos  habitantes  ,  para 
lhe  captar  a  benevolência  ,   que  queria 
ficar    entre  ellçs  >    para    os  defender 

da 


irOEL  REI 


FADOR. 


27,6  Historia  dos  Descobrimentos 

da   pilhagem  dos   Árabes  ,  que  vinhaõ 

A:::,  de  cativalos  até  ás   fuás  cazas.    Porém  no 
].  C.     mefmo   tempo  efcreveo   ao  Calife  ou- 
15 15.     rros  motivos  que   elle   lábia  dever   fu- 
_  gerir.  „  Começava  a  fua  carta  expon- 
do   duma   maneira  dilicada    a  infe- 
licidade da   lua  deílruiçáõ  ,    que  at- 
^  tribuia  aos  peccados  dos  Mufulmanos, 
Í"°!ÍL-     ■>'  e    '^  indignação  do   feu  grande  Pro- 
feta.   D'ahi  pníTando   aos   progreííos 
„  extraordinários  3  que  os  Portuguezes 
GARIA     „  tinhaó   feito    nas    índias ,    contra  a 
„  esforço     de   todas    as   Potencias     da 
Afia  5    fupunha    que   a   fua  principal 
mira  era  aíTenhorearem-fe  do   fepuí- 
cro  de  Mahomet ,  para  confeguirem 
dos   Maho metanos  os  mefmos  tribu- 
?,  tos    que    elies  mefmos   lucravaó    do 
35  .Santo  Sepulcro ,  e  dos  Chriílaós  que 
33  o   vifitavaõ.  „  Naó   fe  enganava  em 
hum     fentido  ;    porque    he   certo   que 
,  Albuquerque  zelczo   contra   o  Alcorão 
quanto  pode  fer  ,  tinha  ideado  deítruir 
>>A?ca  3    e  Medina   ,    fem    lhe    deixar 
pedra  febre    pedra  ;  e    defpojalas  dos 
thezouros  que   tem  ;    e  tena   executa- 
do efte  projeclo  ,  fe  tivefle  vivido.  El- 
le o  havia  tentado  no  principio  eftan- 
do  no  mar  Roxo  5  quando   fez  derro- 
ta por    Guidda  ,    porém    os  ventos  o 
deíviaraõ.    Iílo  naó  lhe   fez  perder  de 


dos  Portugueses  ,  Liv.  VII.  237 

vifta   eíla  rezoiuçaó ,  que  julgou  poder 

eífcctuar    quando    fofie  Senhor    d'Or-  Ann.  de 
muz  ,    e  de   alguns    outros   poítos  no     J.  C. 
Golfo   Perfico  ,  e  no   Yemen ,    donde    151^. 
pertendia     enviar   por   terra  gente   de- 
terminada   a  tomalas    numa   volta  de       '      ** 
maó.„  Hocem  reprefentava  logo  como  NOEL  ÁEl 
„  hum  meio  eíficaz  de  fe  oppor  á  em- 
„  preza    delles  ,    a  idéa    que  nnha   de  .  LOl° 
,,  fortificar  Gidda,  que  fe^uraria  o  Se-    °-ARES 

D  ALEER- 


yy  pulcro  de  Mahomet  contra  as  armas 
3,  dos  Chriftaós,  e  faria  também  o  Ca-  GARIA 
3,  life  Senhor  do  mar   Roxo.,,  co\er- 

Aproveitou  o  artificio  d'Hocem.  r,AD0ÍU 
Cativado  o  Calife  por  cite  zelo  appa- 
tente  de  Religião  ,  e  pelo  entereífe 
pefibal  que  alli  tinha  ,  o  foccorrep  com 
gente  ,  e  dinheiro  :  ordenou-lhe  que 
cercaíTe  Gidda  com  muros  ,  e  nella  fun- 
daíle  huma  boa  Cidadella  ,  a  fim  de 
conter  os  habitantes  íujeitos  ;  o  que 
fez.  Porém  como  o  temor  ,  que  o  Ca- 
life teve  da  frota  de  Albuquerque  ,  e 
do>  progreíTos  defte  Conquiílador  ,  fez 
ainda  maior  imprelTaó  ,  pençou  feria- 
mente  a  fazer  huma  nova  frota  para 
ás  índias.  Fez  o  corte  das  madeiras 
em  Afia  ,  como  na  primeira  vez.  E  ain- 
da que  o  Bali  o  Portu^uez  da  Ordem 
de  S.  Joaõ  de  Jeru falem  defbaratou 
também  eíla  frota  no  Mediterrâneo  ,  e 

me- 


238  Historia  dos  Descobrimentos 

: meteo   féis  navios   no  fundo,  e  tomou 

Ann.  de  finco ,  falvou    muita  madeira   de  conf- 

J.  C     truçaó,  com  que  fez  em  Suez  27  em- 

l5l5*    DarcaÇ°^s5  galioés  ,  galeras  ,  fuftas  ,   e 

gelvas  ,  nas  quaes   trabalharão  diligen- 

D*    MA"tiiTimamente. 

HOEl  REI  ^    fofça    defte    trabalho    Raj3  So. 

limaó  ,    Corfario   celebre  ,    chegou    a 
lofo^    Alexandria  ,   para    lhe  offerecer  féus 
soares     ferviç0S>    £ra    hum  homem  de  nafci- 
d  alber-  mento    humilde  ,  natural  de  Mytikre 
GARIA      nas   Ilhas    do   Archipelago.    Tinha  fi- 
gover-    £j0    nQ  principi0  pirata  ,    e  adquirido 
nador.    alguma    reputação ;   porem  as  queixas 
que  os  Turcos    mefmo   fizeraõ  contra 
elle  á  Porta,  havendo-o  feito  incorrer 
na    indignação  deita.  Corte,  veio  cru- 
zar nas  Coftas  d'Italia,  e  Sicília  ,  onde 
tendo    feito    prezas    confideraveis     fe 
pôz     em  eftado    de   fe    fazer    receber 
pelo  Calife,   com  tanta  mais    eftima- 
çaó  ,    por    fe  aprezentar    em  melhor 
Fortuna. 

Com  effeito  Sultão  Sampfon  o 
recebeo  como  hum  homem  ,  que  lhe 
era  enviado  do  Ceo  neftas  circunítan- 
cias ,  e  logo  o  nomeou  General  da  fro- 
ta ,  que  tinha  feito  apparelhar  em  Suez. 
E  lhe  deo  Ho~em  para  Tenente  Ge- 
neral  ,  com  ordem  de  o  hir  tomar  a 
Gidda  3  e  de  hirem  juntos  a  Adem  pa- 
ra 


DOS   PoRTUGUEZES  ,   LlV.    VIL    2}p 

ta  o  tomarem  ,    e  fe  naó  o  podeííem 

confeguir ,  que  foffem   conftruir   huma  Akn.  de 
Fortaleza  na  Ilha  de  Camarão  ,  onde    J.   C. 
fabia  que  os  Poituguezes  tinhaó    ten-    l^l^m 
tado  fazer  huma. 

Solimaó  executou  a  fua  commif-    D*    MA~ 
faõ  com  a  maior  fidelidade  ,  e  promp-  NOEL  REI 
tidaõ    que  lhe  foi  poifivel  ,   e  foi  a- 
prezentar-fe  defronte  d' Adem.    O  Rei  LOPO 
cfAdem  prevenido  da  chegada  da  fro-  S?AR;:3 
ta  Mufulmana  3  e  naó  podendo  duvi-  D  ALBKR* 
dar  das  más  intenções  do  Calife  ,  com  GAR1A 
quem  eftava  mal  ,    tinha  pofto  a   Ci-  GOvER~ 
dade    em   defença.    Tinha    tirado    de  NADOR« 
Elach  ,  e  doutras  praças  dos  feus  Ei- 
rados ,  poderozos  foccorros  de  tropas  , 
e  munições  ,  que  havia  enviado  a  Emir 
Amirjam  para  poder  fuítentar  hum  íl- 
tio.  Solimaó  vendo  o  pouco   cazo  que 
fizeraó  da   fua  lubmiíTaó  ,  bateo   a  pra- 
ça com  furor  y  fez   huma  grande  bre- 
cha ,  e  tomando-a  d'afTaíto  5   entrou  na 
Cidade.  Porém  perdeo  ahi  tanta  gente  , 

Í[ue  admirado  cl  uma  taõ  vigoroza  re- 
íftencia  ,  fe  retirou ,  e  foi  para  Cama- 
rão para  alli  começar  a  Cidadella 
que  tinha  ordem  de   fundar. 

A  moleíla  vivenda  deita  Ilha  3 
onde  a  fome  ,  e  a  cede  naó  podiaõ 
tardar  em  fe  fazerem  fentir,  junta  a 
hum  trabalho  defagradavel  3  e  oppoíto 

ao 


240  Historia  dos  Descobrimento» 

—  ao   feu   gemo  a£tivo ,  e  atrevido,  teu- 

Ann.  dedo-Ihe     defagradado  ,  deixou    Hocem 
J.  C.    continuar  a  obra  d'uma  praça,  de  que 
1516".  °  Calife  lhe  havia  deilinado  o  Gover- 
no ,  e   paíTb;i  com  a  melhor  pp.rre  das 

D.       MA-  ?  r  1   •        r       1 

tropas  a   terra  firme  ,  para    hir   lenho- 
0EL  KE1  rear  a  Cidade  de   Seibit ,  que  tomou. 
Neíle  tempo  checou    a  noticia   a 
çL0P°      Camarão,    que   o  Caíife   tinha   paíía- 
soares    ^o  ^  5yrja  na  te{j.a  d'um  poderozo  exer- 
£>  ALBER-c-t0  contra  Selim  Emperador  dos  Tur- 
g^ria     CQ3  ^   e  qae  Q  t^1|ia  desbaratado   junto 
gover-  ^'Alep  em  batalha   campal ,   e   alli  ti- 
nador.    n|m    perdid0  a  vida.    Poíto   que  difto 
naó  houveíTe  mais  que  hum  rumor  íur- 
do,  e   incerto,  Hocem  que   eílava  pi- 
cado de  lhe  terem    preferido   Solimaó 
no   Commando   General  ,  diíto  fe  ler- 
vio  paraíeduziras  tropas  que  tinha  com- 
figo.    Naó  faltarão  razoes  ,   nem  meos 
para    perfuadir   a  gente    oprimida  ;  de 
íbrte    que    todos    dacordo   deixarão   a 
liha  ,  e  fe  retirarão   a  Gidda.  Solimaõ 
que  diílo  foi   logo  fabedor   ,  para   alli 
correo    da   fua   parte.    Hocem  lhe  fe- 
chou  as  portas.   Eílavaõ  para  recorrer 
.  á  força  d'uma  ,   e  d'outra  parte ,  quan- 
do Muphti  de  Meca  tranfporrado  do  ze- 
lo de  Religião ,  e  horrorizado  dos  dam- 
nos   que  hia  cauzar  eíla   guerra  civil  , 
acudio  a  Gidda  y  e  terminou  as  diíFe- 


DOS    PORTVGUEZES,    LlV.    VII.    I4Í 

tenças  dos  dois  compitidores.   Hocem 

foi 'a  victima  dcfta  ralça    paz,  poÍIoAnn.  de 

que  delia  defconriaífe.    Solimaó  íe  ap-    J.  C. 
poderou  da  fua  peífoa  com  o  pretexto    j^kJ. 
de  o  enviar  ao   Calife   para  o  fenten- 
cear  ,  e  o  fez  deitar   fecretamente  no     D*^  MA~ 
mar  com  huma  pedra  ao  pefcoço.  Os  K0El-  REl 
rumores  da   morte   de   Sampfom,  ten- 
ág-[c  verificado  depois,  Solimaó  fe  de-    L0PO 
clarou  por  Selim  ,  e  difto   fez   ferviço  b°ARES 
para   com  o  Sultão,  que  tendo  no  an-  D  AUER* 
no  feguinte  acabado  de  deíiruir  o  Im-  GARlA 
perio   dos  Mameius,  pagou   a  Solimaó  G0VER~ 
o  que  tinha  feito  ,  e  reconheceo  feus  NAD0R* 
fervi  cos. 

EIRei  D.  Manoel  ,  que  tinha  ti- 
do noticias  certas  dos  novos  preparos  , 
que  o  Calife  fazia  em  Suez  para  eita 
frota,  de  que  acabo  de  fallar  ,  havia 
também  enviado  novas  ordens  ao  Go- 
vernador ,  e  poderozos  reforços  para 
hir  combatela.  Soares  tinha  fido  iní- 
truido  d'outra  parte  por  D.  Alexo  de 
Menezes  ,  que  havia  invernado  em  Or- 
muz ,  duma  parte  das  coifas  ,  que  eu  a- 
cabo  de  contar  ;de  forte  que  fem  perder 
tempo  ,  fe  meteo  ao  mar.  A  fua  fro- 
ta comporta  de  47  navios ,  era  a  mais 
belia  ,  e  a  mais  numeroza  que  03  Por- 
tuguezes  tinhaó  tido  neílcs  mares.  A 
ffcolha  dos  feus  Capitães  era  de  gen- 
Tom.  II,  Q.  te 


24-  Historia  dos  Descobrimentos 

te  valeroza  ,    e  diílincTa  ;    porém  com 

Aní:.  c!c  tudo   multo  interiores    áquelles   velhos 

J.  C.     QjRciaes,  que  tinhaõ  fervido  com   Al- 

icigi    meida  .  c  com  Albuquerque,  e  que  o 

dif^oílo  do  novo  Governo  tinha  obri- 

D*    KA"  §a<*°  a  pa'^ar  Pela  niaior  parre   defeon- 

1',0ElKt!re!itcs    para   Portugal    com  D.  Garcia 

de  Noronha. 

Entrando  no  porto  d'Adem  ,  Soa- 
soares     res  fa|vou    a  Cidade   com    toda  a   fua 
d  aleer-  art;jhcrja  ?    e   com    grande  numero  de 
caria      iníirumeatofi  ,    e   trombetas  ,    que  ehj- 
cevER-    rQU    pert:0   tje  juas   horas.    A   Cidade 
nador.     nao   reipondeo   ás   falvas   ,   o  que   ad- 
mirou   o   Governador  ,    e   começou  a 
embaraçalo    ;    porque    ellc   naõ     tinha 
vontade  de  attacar  a  praça.  Pouco  tem- 
p.0  depois  fe  certificou ,  vendo  vir  hum 
efe?  ler  a  íeu  bordo  com  huma  bandei- 
ra branca  em  final  de  paz.    A  brecha 
que   Solimaó  tinha  feito,  naó   tinha  fi- 
do reparada.   Amirjam    em  attençaõ  á 
neceílidade  em  que  fe  achava,  enviou 
trei   peffoas  das  riais   notáveis  da  Ci- 
dade  para  levarem    as   chaves  ao  Go- 
vernador ,  dizendo-lhe.,,  Que  elle  fe  re- 
,,  conhecia  por  vaílallo  cTElRei  de  Por- 
3,  tugal,  e  deixava  a  Cidade  á  fua  dif- 
5>  cripçaó  :  que  haveria  feito  o  mefmo  , 
„  quando  Albuquerque  alli  fe  aprezen- 
?,  tou  ;   fe  cfte  General  muito  auílero 

naó 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VIL    245 

naõ    tiveííe  lo^o  revoltado  todos  os 


„  habitantes    contra  elle  ,    e   infpirado  Ann.  de 
„  hum  temor,  que  os  obrigou  a  ie  po-    J.  C. 
„rem  em  defenfaó.  „      m  l     ^ 

Nunca  houve  occaíiao  melnor  pa- 
ra tomar  Adem,  e  nelia  conílruir  hu-    D*    MA" 
ma  Fortaleza:  e  até  o  ultimo  moço  da  k°elRei 
frota  ,    naó   havia   quem   julgaífe   que 
naõ  a  deixariaó  efcapar.  Soares  fó  pen-    LOPO 
íou  d'outro  modo  ,   e  nem    ie  dignou  soares 
de  convocar    Confelho    ibbre  a  conju-  D  albeR* 
clura  prezente.  Fez  refponder  ao  Emir,  GARIA 
que  elle  rezervava  a  íua  boa  vontade  GOvER" 
para  á  volta ,  que  era  obrigado   a   hir  nador» 
buícar  a  frota  do  Sultaõ   para  a  com- 
bater ,    que  lhe  pedia  fomente  alguns 
Pilotos  ,   e  mantimentos    que  pagaria 
bem.  O  Emir  naó  cabendo  em  fi  com 
goílo  deita  repoíta  ,   que  nunca   tinha 
oufado  efperar  ,  e   efperando  fó   o  fe- 
liz   momento    da  partida   deita   frota  3 
fez   quanto  pôde  para   a  apreffar  ,  en- 
viando-lhe   quanto  lhe  pediaó  ,    e   ifto 
com  muitas   attençoês ,  que  Soares  ce- 
go tomou  diíio  accafiaõ  de  fe   applau- 
dir   da   enormidade  do  feu  erro. 

Levando  ancora  oito  dias  depois , 
fez  derrota  para  o  mar  Roxo  ,  e  cui- 
dou morrer  no  eítreito  ,  por  querer 
andar  de  noite.  Huma  tempeftade  ,  que 
fe  levantou,  maltratou  muito  a  íua  Iro- 
QL  ii  -  *a  * 


244   Historia  dos  Descobrimentos 
tá  ,  e  a  pôz  em  grande   perigo.  Efca- 


[os 


ÍÍADOR. 


Ann.   degou   delia    com  a   perda    de    hum 
J.  C.      feus   navios  ,  que  eíbindo  raó  carr  _ 
isió'.     ^°  das  prezas,  que  tinha  feito  ,  foi  ao 
findo  :  digna  recompença    òa  avareza 
D'    MA"do    Capitão,  que  teve  a  mefma  forte. 
*otL  REI  que  feus  theícroros. 

Depois  d'outras  muitas  difgraças  a 
L0P0      frota   fe  aprezentou  defronte  de  Gidda. 
soar  s     q   meJ;0   mtcntou    affugentar   todos  os 
**  ALFiHR~  habitantes.    Solimaó    os   aíTegurou.   A 
caria      pjndencia    do  General   Portuguez    os 
goviir-    rranquiiizou    ainda  mais  :    he  verdade 
que    o  porto     era    de  difícil    acceííò , 
que    fó   lhe  podiaó    chegar    por   hum 
canal   torcido ,    que    eftava  fortificado 
com  alguns  reduetos ,  e  algumas  bata- 
rias.  Soares  intentou  empenhar-fe  allu 
Em    quanio   elle  perde   o   tempo    em 
irrezoluçoés,  Solimaó,    que  conheeeo 
que  tinha    negocio  ,    lhe  enviou  pro- 
por hum  dezaho   fó  por  fó.  Soares  te- 
ve a  prudência  de   naó  aceitar.   Seria 
bem  ,  fe  tiveíTe  oufado  enprehender  to- 
mar a  Cidade ,  e  queimar  a  frota  do  Ca- 
life ,  como  podia,  e  que  todos  os  Of- 
fkiaes,  que  bramiaó  de   cólera,  e  ver- 
gonha, o  pediaó  ;  porém  naó  tendo  po- 
dido  tomar  ifto  fobre  fi ,  vendo-fe  in- 
fultado  de  todos    os  modos  pelos   ini- 
migos ,    e  naó  podendo  rebater  as  in- 


DOS    PoRTVGUEÍES  ,    LlV.    VII.     24$ 

jurias  dos  fcus ,  de  que  a  maior  parte > 

niorriaó  de  cede  ,  fez-fe  á  vela  para  á  Ank.  de 
Ilha   de  Camarão.  J.  C. 

Experimentou  lá  novas  anguílias.      irio\ 
Tendo  tugido   os  habitantes  ,    a  penas 
pôde     alcançar    alguns  viveres    duma    D* 
Ilha  vifinha,  onde   alguns  dos  fcus  fo-  N0ELREI 
raõ   tomados    por  traição  5  e   enviados 
a   Solimaó.    Por   falta  de   comodidades     LOPC\ 
para  acabar   a  Cidadella ,  que   os   Ma-  S0ARES 
meluz  tinhaó  já  bem  adiantada  ,  o  Ge-  D  ALBER" 
peral  a  deftruio.    A   pefte  ,  fome,  ce-  GARlA 
de   faziaó  entre  tanto  furiozas  deftrui-  GOvER" 
çoés    na   fua   gente   ,    as   tempeílades  KAD0R- 
tendo-lhe  também  feito  perder  alguns 
navios  ,  e  as  nações  das  duas  herdas  co 
mar    Roxo   eftando    como    conjuradas 
para  lhe  negarem  toda  a  forte  de  foc- 
corro  ,    tornou     a  pafíar  o  eilreito  de 
Babelmandei  ,  e   fei  cahir   fobre   Zei- 
la  na  Coíla  d'Africa. 

Eíla  Cidade  muito  povoada  ,  era 
toda  aberta  ,  e  fem  defeníTaó  ,  porem 
como  ahi  tinhaó  em  pouco  o  Gene- 
ral ,  do  qual  fábiaõ  todos  os  deíaftres , 
o  defprezo  deo  valor  aos  fcus  habi- 
tantes ,  que  tendo  feito  fahir  mulhe- 
res 5  e  as  bocas  inúteis  ,  para  as  pôr 
cm  feguro  no  centro  das  terras  ,  fe 
armarão  ,  e  fizeraó  hum  bom  appara- 
to    fobre    a  praia.    A  necellidade   fez 

com 


LOPO 
SOARES 
D*ALBER 
CARIA 
COVER- 
?í-ADOR. 


246"  Historia  dos  Descobrimentos 
— —  com  que  fe  rezolveíTem  a  defembarcar. 
Ann.  de  Os  inimigos  fe  admirarão  pouco  ,  e  re- 
J.  C.  prehendendo  aos  Portuguezes  a  fira- 
1516.  queza  que  tinhaõ  moílrado  emGidda, 
os  iníultavaõ,  prometendo-lhes  que 
elíe  lhes  faria  melhor  acolhimento  , 
E1  do  que  lhes  tinha  feito  Solimaõ.  A 
vanguarda  ,  e  o  corpo  de  batalha  ti- 
nhaõ já  poík>  pé  em  terra  ,  e  fe  im- 
pacientavaó  furiozamente  das  demoras 
do  General  ,  que  conduzia  a  reta- 
guarda. O  difgofto  das  fuás  dilações 
por  huma  parte  3  e  a  injuria  dos  in- 
fultos  dos  inimigos  pela  outra ,  eítimu- 
lando-o  na  fria  obrigação  ,  todos  de 
acordo  cahiraõ  fobre  eíles  habitantes 
bazofios  ,  que  mal  fuítentaraó  a  apof- 
ra.  Apenas  fizeraó  alguma  reííílencia. 
Ganharaõ-lhes  a  Cidade  ,  entrarão  por 
huma  porta  ,  e  fahiraó  pela  outra  ,  an- 
tes que  o  General ,  que  procedia  com 
muito  vagar  ,  tiveíle  cfefembarcado. 
Foííe  zombaria  ou  naó  3  Simaõ  d'Andra- 
de  lhe  enviou  dizer ,  que  fe  apreífa-fc  , 
que  podia  vir  com  toda  a  confiança  , 
e  naó  acharia  quem  lhe  fizeííe  cara. 
O  cumprimento  naó  agradou  muito  a 
Soares  5  e  moílrou-fe  muito  picado  , 
que  lhe  tirafferh  a  gloria  que  devia 
ganhar  nefta  acçaõ. 

A   Cidade  Yoi    faqueada    tomarão 

alli 


DOS  PoRTUGUr.ZES  ,    LlV.    VIT.     247 

alli  algumas    provizoés  ,    mas  poucas. 

O  Governador    fez  lançar  fogo   a  to-  Ann.   cie 
do  o  refto  ,  cfperando  provcr-fe  abun-    J.    C. 
dantemènte  de  tudo  em  Adem,  a  onde    i^ió. 
tornou    cheio    d'aquella   confiança  com 
que   tinha    partido.    Porem  naò  era  já 
tempo  lo  hábil   Amirjam  tinha-ie  a- N0EL  REl 
proveitado    do    feu    erro  ,   e  tinha-fe 
fortificado  o  melhor  que  pôde.  As  bre-    L  P 
chás     efhvaó    reparadas  ,    as  muralhas  SOARES 
guarnecidas    darrelharia  ,    e  a  Cidade  D  ALEER- 
cheia  de  boa  foidadefea    preftes  a  de-  GARI.\ 
fendela    bem.    Aifim   naõ    tendo  mais  GmiR~ 
nada   que  temer  dum  homem 3  que  ti-  :sAD0R# 
nha  logo   perdido    toda  a   fua  eítima- 
çaõ,  e  que   no    eílado   cm  que   fe   a- 
prezentava  ,   era  mais    capaz  de   exci- 
tar a  compaixão ,  que  ao  terror  5  negou- 
lhe  até   efta  mefma   compaixão  3  naó 
quiz   coníentir  que    o   fòrnecefíem  de 
viveres  ,  e   apenas    permitio  ,  que   po- 
deíTc    fazer  aguada,   que  lha  fez  pagai 
muito   cara.    Nefta   extremidade  5  Soa- 
res  confuzo  ,    e   redufido  a   hurna  cf- 
pecie    de  deíefperaçaõ    voltou   íbbre  a 
Cofta  d'Ainca  para  á  Cidade    de  Bor- 
bora  ;  porém    encontrando   calmas  ,  fe 
vio   obrigado    pelo  primeiro    vento    à 
ganhar   Ormuz  ,    e  de    lá   as    índias  , 
tendo  perdido  também  na  derrota  hu- 
ma  parte  da  fua  frota  3    que  as  tem- 

pefta- 


248  Historia  dos  Descobrimentos 

peitados   deítroçaraó  ,  fem    ter  recolhi- 

Ann.   de  do    d'um    armamento    taó   formidável 

].   C.     outro  fruclo  ,  mais  que  a  injuria  de  na6 

I-16.     ter  abfolutamente  executado   nada  do 

que  EIRei  lhe  havia  ordenado  ,  e  ter 

d.   MA"  perdido    por  fua  culpa  duas   das   me- 

noel  rei  JjjQfçg  occazioens ,  que  a  fortuna  lhe 

poude  aprezentar. 

lop°n  Quafi    fempre   huma    infelicidade 

soares     ^  feguida  cToutra.  Em  quanto  Soares 

3D  aleer-  çfay^  0CCUpad0  da  fua  triíte  expedi- 

caria      çg-  ^   penfou   Goa  tornar   ao   feu   pri- 

cover-    meiro    Senhor  pela   falta  do   feu   Go- 

tiAD0R'    vernador  ,  D.    Gutierres  de  Monrroi  , 

homem     de    qualidades  ,    e    próximo 

parente  do   General ,   com  quem  tinha 

vindo  ás  índias  provido  por  EIRei  do 

Governo    deita    praça.    Exaqui    a    o- 

ccaziaõ.    Fernando  Caldeira  que  tinha 

fido  pagem  de  Albuquerque  3  fe  havia 

eítabelecido  em  Goa  com  a  protecção 

dcíte    General ,   e   ahi   eítava  cazado. 

Foi    pouco  depois  aceuzado   á   Corte 

de   ter  fido  traidor  ,   naó  poupando  a- 

migos   nem  inimigos  ,    e  foi  tranfpor- 

tado    a  Portugal    carregado  de  ferros. 

Como  era  homem  de  juizo  ,  defendeo- 

fc  também ,    que  foi  abíoluto  ,  e  ref- 

tituido    com   honra.    Tornou    a    paíTar 

com  Soares  ,  e  fe  embarcou   no  navio 

que  commandava  Monrroi.  Eítando  ef- 

te 


MA- 
NOEL REI 


D  ALBER- 
GARIA 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.   VII.    240 

te  em  Goa  tinha  galanteado   a  mulher 

de  Caldeira,  e  na  derrota,  foíTc  por- Ànn.  de 
que  Caldeira  alli  defcubrilTe  entaó   ai-     J.  C. 
guma  coifa,    ou  que    a  lembrança  do     iri6\ 
paffado  fizefTe  nafcer  idéas    defagrada- 
veis  ,    tiveraó  razoes    taõ   fortes  ,  que 
Caldeira  deixando  a  frota  em  Moçam- 
bique ,  paflbu    a  Goa   noutra  pequena 
embarcação.     Tendo  chegado    alli  ,  e    LOFO 
tendo  tido  novas   luzes  febre    as  fuás  S?A 
fufpeitas  ,  cortou  a  cara  ,  e  as  couchas 
a  Henrique    de  Toro  ,  que  tinha  fido 
o  medianeiro   das  intrigas  de  Monrroi.  GOVI-R 
Defconfiando   depois   da  paixão ,  e  da  N'AD0R 
vingança  deite ,   numa  praça  onde  el- 
.le  era  o  Governador  ,  e  vendo-fe  d'ou- 
tra    parte    fem    protecção    pela  morte 
d' Albuquerque,  retirou-fe  aPondá,  pra- 
ça do  Idalcaó,  e  conduzio  fua  mulher, 
e  todos  os  feus  bens.    Ancoítan  ,  que 
alli   governava  pelo  Idalcaó  ,  Cabendo 
que  elle  era  valente  ,    o  recebeo  com 
goíto ,  e  travou  amizade  logo  com  elle. 
D.   Gutierres   obrigado    pelo    leu 
amor,  e   dezejo  de  fe  vingar  ,  irritou- 
fe  muito  com  a  retirada   de  Caldeira  , 
e  por  diverfos  correios   naó  ceHava  de 
foliei tar  Ancoítan  para  lhe  remeter  ef* 
te  dezertor,  para  o  caftigar.    Ancoítan 
que    tinha  probidade,  naó   quiz  nunca 
attender  ás  fuás  propofiçoés  ,  e  fe  of- 

feri* 


GARI  A 
GOVER- 
NADOR* 


25O  Historia   dos  Descobrimentos 

■ fendeo   de  que    o  quizcífem  obrigar  a 

SÉLmn.   de  violar    o    direito   da    hofpitaiidade  ,  e 

J.  C.    d'aziio  ,  o  qual  devia  fer  inviolável  nas 
15 16.     terras  de  feu  Senhor.  Naõ  aproveitan- 
do eílas  negociações  ,    Monrroi  fobor- 
1  r  nou  hum  Português  chamado  Joaó  Go- 
moel  rei  mçs    ^ara    aifa^nar    Caldeira.    Gomes 

aceitou  a  commiíTaõ  ,  e1  foi  eílabeie- 
cer-fe  a  Pondá.  Caldeira  que  o  co- 
soares  nviecja  0  recebeo  cos  braços  abertos, 
v"  deo-lhe  hum  quarto  da  fua  caza ,  in- 
troduzio-o  com  Ancoílan  ,  e  lhe  con- 
íeguiú  o  feu  agrado.  Alguns  dias  de- 
pois montando  Ancoílan  a  cavalio  ,  e 
hindo  paífear.  com  elles  fora  da  Cida- 
de ,  ringio  Gomes  ter  que  fatiar  em 
particular  com  Caldeira ;  e  o  apartou 
num  pouco ,  e  mata-o  á  viíla  rnefrao 
d' Ancoílan,  e  em  defpique  dos  dois.  An- 
coílan irritado  ,  maiidou-lhe  no  alcance, 
c  iem  outra  forma  de  proceífo  ,lhe  cor- 
tou a  cabeça,  logo  que  lho  aprezen- 
.taraó. 

Mais  irritado  ainda  contra  Ancof- 
tan  ,  do  que  tinha  fido  contra  Caldei- 
ra ,  Monrroi  fentia  ainda  hum  dezejo 
mais  violento  de  fe  vingar  ,  e  naô  o 
podendo  fazer  com  honra  ,  quiz  exe- 
cutalo  por  huma  traição.  A  fim  de 
melhor  emcubrir  o  leu  dcíignio  com  as 
apparencias  d5um  fioiplez  diyertim ci- 
to , 


DOS    PoRTUGUEZEÇ,    LlV.    Vil.    2$I 

to ,  preparou-fe  para  dar  htimas   cava 

lhadas  ,   canas  i    e  outros   efpeclaculos  Akn.   de 
pela  Feita  de  Pentecoíles.  Para  o  que    J.   C. 
convidou  toda   a  moei  Jade  da  Cidade,    j^i^, 
e  dos  fuburbios,  affim  Porraguezes  co- 
mo  Mouros,    e  Gentios,  e  com   eíte    D*    WAm 
pretexto  ,  exercitou  por   muito  tempo  !;0EL  REI 
a  fua  cavallaria    a   fazer  diveríbs  mo- 
vimentos, logo 
No  dia  mefmo  de  Pentecoítes  fo-  S°ARES 
bre   a   tarde  ,    fem  dizer   nada  do  feu  D  ALEER- 
projecto  ,    tomou  8o  cavallos  ,  70  ar-  CARIA 
cabuzeiros    Portuguezes  ,    e   perto  de  GOvER- 
quinhentos,  ou   ieiscentos  Malabares,  NADOR-* 
que  conduzio    até  ao  Paço    de  Benaf- 
tarim  ,    onde    checarão    á   entrada    da 
noite.    Tendo-lhe  lá  declarado  os  léus 
intentos  ,    achou     alguma    difHculdade 
nas    pefíòas   de  probidade  ,    aos   quaes 
eíta  trahiçaõ  nao  agradou  ;  porem  ten- 
do entrepoílo  a   autoridade   d'EíRei  3 
pretextando-a  com  o  bem  do  ferviço  ,  os 
íez  partir  na  mefma  noite  para  Pondá  , 
depois  de  haver  empenhado  Joaó  Ma- 
chado, para  deixar  o    governo  do  par- 
tido a  feu  irmaõ  D.  Fernando  de  Monr- 
roi.   Machado  mais   experimentado   do 
que  eíte  ,  lhe   acon Telhou  ,  que    f 
raiTe  hum  desfiladeiro  para  aííegurar  a 
fua  retirada  ;  o   que   ene   fez.    Porém 
D.  Fernando  naõ  foi  taõ  dócil  ao  con- 

fe- 


CO  VER 
2NAD0R. 


25I  Historia  dos  Descobrimentos 

felho ,   que   lhe  deo  de    fazer  o  atta- 

Ann.   de  que  da   noite ,  era  quando  todos  efta- 

J.  C.     vaó  fepultados  no   fono.    Quiz  efperar 

i~i6.     °  ^*a  c^aro3  °  (lue  tendo-o  feito  def- 

cubrir,   Ancoílan   paffou   para  á  outra 

d.    ma-  parre  c|0   r|0  com  as  fuas  tr0pas  5  e  a 

*ÍOEí-  REI  maior  parte    dos  moradores  ,  com  que 
fez  hum  corpo.    Os   Porcuguezes  tcn- 
•LOPO      do  entrado    em  Pondá    alli  paíTaraó  á 
soares    ejpacja  tucj0  0  que  acharão;  porém  o  feu 
x>  aluer-  cõmmandante    perdendo    a    efperança 
^"*R^      de  deílruir    o  batalhão  quadrado  ,  que 
eílava  d'além  da  ponte  ,    e  conhecen- 
do o  erro   que  tinha  cometido ,    man- 
dou dizer  a  Machado  ,  que  fe  retiraííe 
com  a  fua  infantaria  ,    e  que  elle  hia 
fazer  o  mefmo  com  a  cavalhria,  com 
a  qual   elle  o  defenderia. 

Ancoílan ,  tomando  eíla  retirada 
como  huma  fugida ,  paíTa  a  ponte :  dá 
íbbre  D.  Fernando  ,  e  faz  chover  fo- 
Lre  elle  huma  taó  grande  quantidade 
de  flexas  ,  que  o  pôz  em  deíordem  ,  e 
o  fez  cahir  fobre  a  fua  Infantaria  , 
que  foi  ainda  mais  perturbada ,  e  fe 
poz  em  derrota.  Peior  foi  ainda  quan- 
do chegarão  ao  desfiladeiro  :  aqueiies 
Que  o  deviaó  guardar  ,  tendo-o  aban- 
donado para  terem  parte  no  faque 
da  Cidade  de  Pondá ,  naõ  deixou  Án- 
coftan  de  o  oceupar  ,  e  aproveitando- 

fe 


DOS    PoRTUGVEZES,    LlV.    VII.    2$$ 

fe   da   vantagem  do  lugar ,    metco  os  ■ 

fugitivos  cm   hum  taó  grande   aperto,  Ann.   de 
que  naó  foi  mais  que  huma  carniceria.    J.   C. 
Machado  ,    para    dar  lugar   a  D.  Fcr-    1516. 
nando  de   fe  efeapar ,  fez-fe  firme  por    p 
ateum   tempo  ,    e  mataraó-no    depois    ^"      * 

,  c  r   •  J-     •  J  i  NOEL   REI 

de  ter  feito  prodígios  de  valor  ,  para 
naó  cahir  nas  maós  dos  inimigos.  Se 
elles  tivciTem.  querido  ,  quafi  ninguém 
efeaparia   deite    partido.    Com  tudo  ti-    / 

K     .  J        r       IT  '    D  ALEER- 

verao  lugar  de  le  liíongcarem  :  ficarão 
firtcoenta  Portuguezes  na  praça  ;  hou- 
veraó  27  prezos ,  e  mais  de  cem  In- 
dios  mortos  ,  ou  prizioneiros.    D.  Fer-  * 

nando  de  Monrroi  falvando-fe  com  tra- 
balho ,  e  com  muito  pouco  fequito  , 
chegou  a  Benaftarim,  onde  D.  Guttie- 
res  o  efpcráva  ,  foccegado  feu  eípiri- 
to  do  goíto  da  vingança  ,  que  jul- 
gou tomar  de  Ancoítan  ,  e  naó  atten- 
dendo  a  nada  menos  ,  que  á  fahi- 
dad'um  taó  triíte  acontecimento. 

Aconteceo  mais.  Ancoffcam  fober- 
bo  da  lua  vicloria  y  e  indignado  def- 
ta  complicação  de  perfídias  d'um  fó 
homem  ,  deípachou  logo  para  o  Uai- 
caó  ^  a  lhe  dar  conta  do  que  fe  tinha 
paííado  ,  defpertando-lhe  a  efperanç  1 
de  fe  fazer  Senhor  de  Goa  5  que  a 
infracção  da  paz  lhe  dava  direito  de 
attacar  ,  e  que  eftando  bem  debilita- 
da 


GARIA 

COVER- 


254  Historia  dos  Descobrimentos 

da  pela  perda  que  acabava  de  experimen-* 

Ann.   detar,  cheia  de   triíleza  ,  e  medo,  faria 

J.  C'    taó  pouca  reíiíleiícia,  que   naõ  eftando 

ir 16.     aparelhada  para   fufter  hum   fitio,  naõ 

poderia  Ter  íoccorrida  ,  por  eílarem  na, 

d.  entrada    do  inverno.    O    Idalcaó   tinha 

KOEL    KEI  £eitQ    Jiuma     tregoa    com     0   J^e:  ^e  ]^a]> 

íingà.    Âproveitou-fe    da    conjuntura , 
lopo       e  £ez  partjr    Surolarim  com    fmeo   mil 

soakes     cava]ios  ^    e  vmtc   e  feis    mj|  homens 
l~de  pé.    Sendo  ifto  junto  a  Ancoftan  , 
oceupou   todos  os  portos    da  terra  fir- 
me.   Na   verdade  naõ    pôde  chegar  a 

*~4DOR.  entrar  na  jjj^  .  p0réin  fechou-lhe  tam- 
bém todas  as  paíTagcns  ,  que  Goa  a- 
pertada  peia  fome  eítava  na  precizaô 
cie  fe  render,  a  naõ  ferem  os  foccor- 
ros  que  ihe  trouxeraó  Joaõ  da  Silvei- 
ra ,  que  tinha  invemado  em  Quilca  , 
Rafael  Pereílrello  que  voltava  de  Ma- 
laca, e  António  de  Saldanha  que  vi- 
nha efle  anno  de  Portugal  com  hu- 
ma  efquadra  de  íeis  navios.  Que  cri- 
mes naõ  comete  hum  homem  empre- 
gado que  naó  teme  fer  punido  !  E 
quam  dignos  de  compaixão  faó  os 
Reis  ,  fe  os  naõ  conhecem  ,  ou  fe  naó 
tem   força   para  os   caíligar. 

A  avareza  ,  e  a  concorrência  de 
dois  competidores ,  pozeraó  Malaca  nos 
mefmos  nicos  em    que  Goa  fe  tinha, 

vifto 


J50S    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    "\rIT.    2$£ 

vifto    reduzida   por   hum  louco   amor.  — > — — — 
Jorge  de  Brito  ,  que  íuccedeo  a  Jorge  Ank.   de 
d'Aibuquerque  em  lugar  de  foccegar  os     J.  C. 
ânimos,  que  o  íupplicio  do  Rei  de  Cam-    jri6# 
par  havia   aili   cauzado  ,  naó  fez   mais 
que    irritalos   peia    Tua    mdiícriçaó.    A    D*     MA~ 
Corte  mal  informada  lhe  hia  dando  or-  KOEL  REI 
dens ,  que  Jorge  d'Àlbuquerque  lhe  a- 
eonfelhou  que   naó   íeguiíle  3  prevendo    LOPO 
os    inconvenientes   que  lhe    acontece-  S°ARES 
riaó.  Eiras   ordens   pretenciaó  aos  Am-  D  ALBER"' 
bar  ages  ,    e  Balfates  ,  que  fe  chama-  GARlA 
vaõ  os  eícravos    do  Rei.    Eíta    gente  COvEa» 
era    fuftentada    pelo    Fifco.     Eraó    fó  NAD0R* 
obrigados  a  certos  trabalhos ;  fora  dif- 
fo   os  deixavaõ  viver  em  paz  com  as 
fuás   famílias  5    com    fuás   mulheres  ,  e 
filhos.   Brito  feguindo  as  fuás  initruc- 
çoens ,  lhes  diminuio   os  foldos  ,  e  os 
fez  verdadeiramente   eferavos   ,   repar- 
tindo-os    entre    os     Portuguezes.    No 
mefmo    tempo  intentou    meter  Portu- 
guezes em  todos  os  Juncos  ,  e  navios 
que    aberdavaõ  á  Malaca,    para  faze- 
rem  commercio.   Eítes    odiozos  difig- 
nios  diílados  por   numa  infaciavel   cu- 
bica ,  e  contra  todas  as  regras  da  pru- 
dência ,    reduzirão   a  Cidade    a  huma 
total   folidaó  9   e  a   fez    padecer  mui- 
to.  Em  vaó  quiz  Brito  corregir  o  que 
tinha  feito  ,  naó  o  pôde  conieguír ,  e 
nefte  difgoftg  morreu.  Sua 


2$6  Historia  dos  Descobrimentos 

—  Sua  morte   foi   feguida  cTuma  caJ 

Akn.  de  lamidadade    para     efta   pobre    Cidade. 
J.  C.     Eftando    para   morrer    nomeou    Nuno 
\c\6t     Vaz  Pereira  5    para   governar    em  leu 
lugar.    Pereira     fe  tinha  apoderado  da 
d.    ma-  c^icladella  ,  onde  fe  confervava  em  vir- 
koel  rei  rijc  je£a  nomeaçaõ  5    e  também  das 
ordens    da   Corce.    António   Pacheco  , 
lopo      qlie  era   Capitão    do  Porto  ,  e  Gene- 
soaf.es     r;^   fo    mar  nefi.as  paragens ,    preten- 
d  aí.ber-  (]eo  ^ue    |jie  pertenceffe    o  governo  , 
gari  a       Q  çc  va[eo  t]a  ordem  que  o  grande  Al- 
gover-     buquerque   tinha    eflabelicido   ,  fubíli- 
kaeor.    tuincj0    Fernando    Peres   d' Andrade   a 
Rui   de  Brito    Patalim  ,  fuppofto  que 
eíte  faltaífc  fobre  ifto  3  os  Portuguezes 
fe   dividirão  em  duas  facções.    Pache- 
co ,  que   queria   evitar   as  occaíioês  das 
vias   de  faclo  ,    fe   retirou   com  a  fua 
frota  para  huma  pequena  Ilha  vifinha. 
Hum  dia  3  que  Pacheco  tinha  vindo  a 
Malaca  para  ouvir   MiíTa  ,  bem  acom- 
panhado 3  Pereira  appareceo  ao  poftigo 
cia  Fortaleza,  chamou-o,  e  moílròu  que- 
rer entrar    em  ajuíte  por    via  de  lou- 
vados.   Pacheco    fubio    na  boa  fé ,    e 
foi     apanhado   com    alguns    dos     feus 
partidifhs.    Efta  violência  acendeo    os 
ânimos  ,    e   augmentou  o   fogo  da  di- 
vizaó.    O  Rei  de  Bintam  aproveitou- 
fe    delia.    Fez    avançar    hum    corpo 


DOS    PoUTTGUÈZE?,    LlV.    VII.    Isrf 

tk   tropas    hum   Raja   ,    que  eírava   a 

feu  ferviço  ,    chamado  Cerebige  ,  que  Ank.  de 
tinha  adquirido   muita   reputação  entre     J.  C. 
os   feus.  Efte   veio  acampar- fe  a  finco     1516, 
legoas  de  Malaca   na  entrada    do   Rio 
Muar.  Fortificou-fe  de  modo   alli ,  que 
naó    poderão   lança-lo    fora.    Dahi   fa- 
zendo coríbs  por  mar  e   terra  3  incom- 
modou  de   modo   a   Cidade  ,    que   ne-    LOPO 
nhum   navio   oufava  apparecer  ;  o   que'',' 
com  o   tempo    teiia  abatido    eíla   pra-  °  ALBER* 
ça   ,    fe  huma    Providencia    particular  t,AK1A 
naó  tiveííe  velado   fobre  es   Portugue-  GOVER* 
zes  ,    d'alguma  forte  ,  a  pezar    delles  NAIX0R»-- 
mefmos. 

A  conduéía  deites  naó  era  me- 
lhor por  todo  a  parte  ;  como  fe  a  mor- 
te d'Aíbuquerque  tiveííe  efpalhado  en- 
tre eiies  hum  efpirito  de  loucura  ,  e 
que  fe  ajuílaífem  para  trabalharem  em 
íe  deítruirem :  de/  forte  que  encorren- 
do  ao  mefmo  t^mpo  no  defprezo  ,  c 
indignação  dos/Gentios  ,  e  Mouros  5 
pareciao  que  lhes  infpiravaó  valor  , 
para  fe  fablev^rem  contra  elles.  Ena 
Baticala  houveraó  27  mor  los  em  hum 
levantamento.  Em  Cochim  outros  fin- 
co ,  que  tinhaó  hido  á  caça  na  terra 
firme  ,  riveraó  a  mefma  forte.  Pouco 
faltou, que  naó  ãíIãcinaiTêm  em  Coulaó 
todos  os  que  ali  fe  achavaó.  Heytot 
Tom.  II,  R  Ro^. 


258  Historia  dos  Descobrimentos 

Rodrigues,    que  ahi  tinha  fido   envia"" 

Ann.  de  do  ,  para  procurar  a    licença  para    fe 

J.  C.     conílruir    numa    Cidadella  ,    evitou  o 

l<i6.     §°lpe  Pe^as    ordens  feveras    que    deo 

para  ninguém  fahir  ,  e  de  eílarem  íem- 

D'  MA"  pre  acautelados.  Quinze   fuftat  de  Me- 

líOEL  rei  {[que  jaz  correra5  foSre  Joaó   de  Monr- 

roi  ,    que  cruzava   fobre  as  Coftas  de 

Cambaia.    Hum  Portuguez     arrenega- 


soares     jQ   conc]uzia  a  empreza  ,    e  lhes   fez 
d  alber-  naj-cer  a  efperança  de  o  tomarem  :  a 
garia      vont:a<Je  nao  lhes  faltou  ;  porém  Monr- 
cover-    rQ-  os  desbaratou.  Contraverteraó  ,  cm 
vadok.    ocjj0    a  Albuquerque  ,    as    principaes 
condições    do    tratado   ,    pelo    qual  o 
Rei  das  Maldivas  bfe  havia  feito   vaf- 
fallo    d'E!Rei  de  Portugal  ,    e  aliena- 
rão   o  efpirito    deite  Príncipe.    Final- 
mente  os  Reis  de  Pegu  ,   e  de  Ben- 
gala   por    íl   meímos    fe  retirarão    da 
aliança  dos  Portuguezes. 

Era  tempo  que  o  Governador 
General  volt alte  da  fua  expedição  pa- 
ra remediar  todos  eíles  males  ,  e  foi 
logo  a  que  fe  applicou.  He  verdade 
que  quando  chegou  teve  alguns  dií- 
goftos ,  que  flzeraó  huma  diverfaó  no 
feu  efpirito.  A  Corte  quartava  ,  e  li- 
mitava a  fua  autoridade.  Porque  alem 
de  nomear  todos  os  Governos  ,  que 
cftavaó  antes  no  arbítrio  do  General, 

■    en- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIF.    2^0 

envio     também    Fernando    cT  Alcáçova — = 

por   Intendente   da   fazenda  e   direitos  Àhk.    de 
cTElRei ,  e  tinha  dado  huma  comiiTaõ     J.    C. 
particular  a  António  de  Saldanha  ,  para    1516". 
cruzar  íbbre  toda   a  coita  da    Arábia , 
com  poderes  muito  amplos ,  aííignando-      '    MA~ 
lhe   hum   confideravel   numero   de   na-  NOEL  REl 
vios.  Soares  teve  difto  muito  difgoito. 
Porém  depois  ,  como  hum  Governador 

/-'         1     r  l  r  •         SOARES 

Geral   le   reconhece  ter  iempre   a  pnn-    , 
cipal     aucloridade    na    maó    ,    e    que  D  A^BEK" 
neita  diftancia  naó  faltaó  preteítos,  nem     A*-!A 
cores    para   interpretar,  ou  fui  pender  ('Ú^ER~ 
as    ordens   da     Corte  ,    Soares    tanto  í,ADOR# 
fez  ,   aílim   por  fi  ,  como   pelos   feus  , 
que   difgoftozo   Alcáçova ,  tornou  para 
Portugal   neíte   mefmo    anno     com  os 
navios  de  tranfporte.    As   queixas  que 
fez  produzirão  feu  erTeito  ,  e   fe  fize- 
raó   fentir    a   feus    adverfanos    no   feu 
retorno.    Porque    d'enta5   fe   eítabeie- 
»ceo  o  coílume  de  mandar  citar  os  Go- 
vernadores  perante  o  Tribunal   da  Fa- 
zenda   Real   para    aili    darem    conta. 
Naó   deixou  com  tudo  de   achar  meios 
occuitos  para    efcapar   depois  ao  rigor 
deite    Tribunal.    "No    que    refpeita     a 
António    de   Saldanha    ,  foi    obrigado 
a  conte. ntar-fe  com  huma  efquadra  me- 
díocre ,  com  a  qual  naó  fez  outra  coi- 
ia  mais,    que  tratar  a  Cidade  de  Eor- 
R  ii  bo- 


GARIA 

GÕVER- 

ttADOR. 


l6o  Historia  dos  Descobrimentos 

r bora   cio  mefmo  modo  que   tinha  fido 

ÀNN.   de a  de  Zeila. 
j.  C.  Soares   defpachou  depois  D,  Alei- 

1516.  xo  de  Menezes  para  Malaca ,  a  quem 
deo  três  navios  ,  com  ordens  d'ahi  ef- 
tabelecer  Governador  Affoníb  Lopes 
íh)el  rei  ^  (30fj-a  ?  e  Duarte  de  Mello  em  Ge- 
neral domar,  e  de  fazer  paliar  Duar- 
te  Coelho  a  Siam  ,  a  fim  d  ahi  reno- 

50  ARES  ,.  r>     •  v     ■ 

.  ,  ?   var  a  aliança    com   o  Kei  ,  e   obrigar 

efte  Príncipe  a  mandar  feus  navios  a 
Malaca  ,  para  animar  o  commercio 
deita  Cidade.  Enviou  também  Ma- 
noel de  Lacerda  a  Diu ,  D.  Triítaó 
de  Menezes  ás  Molucas  ,  e  D.  Joaó 
da  Silveira  ás  Maldivas  ,  donde  devia 
paliar  a  Bengala,  e  de  lá  tornar  á 
Ilha  de  Ceilão  ,  fobre  a  qual  o  Go- 
vernador tinha  intentos. 

D.  Aleixo  de  Menezes  fatisfcs 
bem  a  fua  commiíTaó.  Nuno  Vaz  Pe- 
reira era  morto  ,  e  tinhaó-fe  alevantado  * 
dois  novoi  Competidores,  mais  aííiduos 
ainda  do  que  os  primeiros ;  de  forte 
que  d  ambas  as  partes  era  prccizo  ef- 
tar  prevenido  :  tanto  ,  que  o  Rei  de 
Bintam  aproveitando-íe  delias  difcor- 
dias  ,  tinha  formado  hum  novo  cam- 
po fobre  o  rio  Muar  ,  para  aproveitar 
o  de  Cerebige  ,  e  inteirava  de  moda 
«Malaca ,    que  a    tinha    como    finada. 

Me- 


DO?    POPTVGTJEZES  ^    LlV.    VTI.    l6i 

Menezes   teve  trabalho  para   tranquili -r 

zar    os   Portuguezes.    Naó  era    efte   o  A: :n.  de 
tempo  de  punir   os  culpados  ,  conten-     ].  C. 
tou-fe  de  foltar  Pacheco,  e  os  outros     iç\6. 
prezioneiros  ,  e  de  ordenar  a  lmns ,  e 
outros  ,    que  efqueceííem    as    injurias     D'    * 
paliadas.    Coelho,  que  Menezes  envio  NOEL  RE* 
a  Siam  ,    fegundo   as  ordens    que   ahi 
havia  executar,  confeguio  perfeitamenr    TOPO~ 
te    a  lua   negociação  ,  e   na   lua  reti-  ^ares 
rada  foi  devedor  a  huma   tempeftade  ,  D  ALB1:R~ 
d'outra  boa  fortuna  que  naó  procurava.  GA*IA 
Porque    fendo  deitado    fobre   as  terras  GCnEH~ 
do  Rei    de  Pam  ,    genro  de  Mahmud  KAD0R- ■ 
Rei   de  Bintam  ,  que  eftava  mal  com 
feu  fogro,  efte- Príncipe  recebeo  Coelho 
com  todas   as   demonftraçoés  poffiveis 
d'amizade  ,    e  fe   fez   vaíTallo  de  Por- 
tugal ,  obrigando-fe  a  pagar   hum  va- 
zo d'oiro  dum  certo  pezo  por   tributo 
annual. 

Fernam  Peres  d' Andrade  tendo 
chegado  entretanto  das  partes  da  Chi- 
na ,  onde  tinha  fido  enviado  ,  como 
diremos  noutro  lugar,  Malaca  fc  achou 
hum  pouco  aliviada  ,  e  o  Rei  de  Bin- 
tam muito  deftruido.  Porém  efte  Prín- 
cipe recorrendo  a  feus  artifícios  ordi- 
nários ,  moitreu  querer  paz,  e  fez  pro- 
pofiçoês  ,  de  que  fe  naó  queria  fervir 
fe  naó  para  entreter  >  fabenco  bem  que 

An- 


GARI  A 
GOVER- 
NADOR. 


161  Historia  dos  Descobrimentos 

'"  Andrade ,  e   Menezes  naõ  fariaõ  longa 

Ann.   de  refidencia  em  Malaca.  Com  efFeiío  eí- 

].  C.     tes  dois  OfHciaes  ,  que  artfiaó  em  deze- 

içi6.     j°s  ^e  voltar   para  Portugal,  quizeraõ 

a   penas   começar    huma    negociação  , 

de   que  deviaó   mandar   a  concluzaõ  ao 

KOEL  REI  r^       1  j  •  r 

Governador  ,    e  partirão  o   mais  prei- 
tes    que    poderão   ,    trazendo   configo 
quafi  todas  as   forças   de   Malaca. 
soares  ■  Enta5    Q  Re|    de  Binram  tjrand0 

l"  a  mafcara  ,  appareceo  diante  da  Ci- 
dade taó  innopinadamente  ,  que  Cof- 
ta  ,  que  efperarva  a  concluzaõ  da  paz, 
cuidou  que  o  timavaõ  com  a  praça  nos 
primeiros  momentos  do  afiai tò.  A  frota 
inimiga  compoíta  de  85  embarcações 
das  chamadas  Lancharas ,  e  Calaluzes3 
appareceo  primeiramente  no  porto ,  e 
lançou  fogo  a  dois  navios  mercantes  , 
e  a  huma  galera  ,  que  naõ  poderão 
foccorrer  ,  por  cauza  de  citar  na  bai- 
xa mar.  Havia  em  Malaca  fó  70  Por- 
tuguezes  ,  a  maior  parte  doentes.  O 
medo  lhes  fez  paííar  a  febre.  Todos 
fe  armarão  para  correr  ao  porto  \  po- 
rém no  tempo  que  para  ahi  correrão  , 
o  exercito  do  Rei  de  Bintam  appa- 
receo da  outra  parte.  Foi  huma  efpe- 
cie  de  milagre  ,  que  neíle  momento 
de  perturbação  naõ  foííe  a  Cidade  to- 
mada.   Mas    a  pezar   da  defordem  rn- 

fepa- 


D.       MA- 
NOEL  REI 

LOPO 

SOARES 

d'alfer- 

GARIA 
GOVER- 
NADOR. 


TOS     PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    lé^ 

feparavel   deftes  attaques  innopinados  , 

índios,    e  Pcrtuguezes  ,    fizeraõ  tam-  Ann.  de 
bem  o  feu  dever,  que  o  Rei  de  Bin-     J.  C 
tam  ,  tendo-fe  enregelado  perto  de  20     1516. 
dias  diante  da   praça ,    foi  obrigado   a 
retirar-íe  para   o   íeu  campo  de  Muar , 
limitando-fe  ,  como   d'antes  ,    a  evitar 
os  viveres  aos  fitiados. 

Por  efte  meio  pode  fer  tivefíe  con- 
feguido  fazer  cahir  a  Cidade  ,  fem  hu- 
ma  acçaó  ,  que  d'um  hofpede  lhe  fez 
hum  inimigo  ,  do  qual  recebeo  de- 
pois hum  damno  ,  que  lhe  fez  perder 
hum  dos  feus  dois  campos.  Tinna  to- 
mado hum  Java  homem  rico  ,  e  po- 
derozo  ,  que  vinha  eílabelecer-fe  em 
Malaca  com  toda  a  fua  família  ,  efte 
Java  tinha  huma  mulher  muito  bella  , 
de  que  o  Rei  fe  apaixonou  ,  e  foi 
correfpondido.  O  Java  fe  eííimulou 
logo  da  affronta  que  lhe  era  feita,  e 
cheio  de  dezejo  de  fe  vingar  ,  paíTa 
fecretamente  a  Malaca ,  poem-fe  a  ref- 
ta  d'um  corpo  de  Portuguezes ,  fuften- 
tado  da  parte  do  mar  por  Duarte  de 
Mello ,  atraca  o  primeiro  campo  de 
Mahmud  ,  e  o  tomou  ;  infeliz  com 
tudo  na  fua  vingança  porque  alli  foi 
morto. 

D.  Jcaó   da  Silveira    foi   feliz   na 
fua  viagem  ás  Maldivas.  O  Governa- 
dor 


GARI  A 
GOVER- 
NADOR. 


264.  Historia  dos  Descobrimentos 

— ■ dor    o  dezejava  com  paixaõ  ,  para   ò 

Ar::,  de  que  tinha  muitos  motivos.    Elias  Ilhas 

J.   C.    compõem   hum    Archipelago  de  fronte 

1516Y    da  peninfula   da  índia  á  quem  do  Gan- 

_  ges ,  quafi  a  70  legoas  da  Coita,  do  Ma- 

'D'    MA   labar.    Os   Árabes   as    contaõ  por  mi- 

KOEL  REI   ,1     •  •  , 

lheiros  ,    a  maior  parte   de   pouca  ex- 
tençaó,  e   feparadas  humas  das  outras 

LOPO  J  r  -r 

por  canaes  muito  pequenos.  1  em-nas 
s  res  reparticj0  em  treze  partes,  que  os  In.- 
L"  dios  chamaó  Atcllons  ,  e  que  fe 
dividem  por  muis  largos  braços  de 
mar.  Todos  fe  perfuacíem  3  que  cilas; 
flzeraó  n'outro  tempo ,  com  a  Ilha  de 
Ceilão  3  parte  do  continente  5  e  que 
foraõ  feparadas  por  alguma  violenta 
revolução  fuecedida  na  terra.  O  que 
poderia  favorecer  eíla  opinião  he3  que 
fe  ve  ainda  no  mar  grande  numero 
de  coqueiros.  Os  fruclos  que  as  tem- 
peílades  arrancão  ,  e  que  vem  á  fu- 
preficie  d'agua  ,  faó  muito  procu- 
rados ,  e  fe  vendem  bem  ,  porque 
os  eílimaó  como  hum  antídoto  taó  ef- 
flcaz  ,  como  o  bezoartico.  Os  coquei- 
ros que  creíTem  nas  índias  3  faó  a 
maior  riqueza  do  paiz.  He  de  todas 
as  arvores  a  que  tem  mais  uzos  ,  af- 
fim  como  os  antigos  efereveraõ  do  Lo- 
tos y  e  da  planta  Papyros.  O  princi- 
pal de  todos  he  3  que  fornece  o  Cai- 
ro , 


MA- 


1503    PORTUGUEZES  ,    L\V.    VII.    léf 

ro  ,  dandolhe   matéria   para  ás   cordas. =2? 

Ella    confiíte    nos  fios    que    le   achaó  Ann.  de 
entre    a   primeira  cafca  ,     e    o  craneo,     ].  C. 
ou  corpo  lignozo    do  coco.    Efta  ma-    jri6\ 
teria    ne    taó    abundante    ,    que    tem 
para  fornecer    com  factura   a  Afia  ,   e 
Africa,  e  para  dar  parte  á  Europa.  O  N0EL  RE 
paiz  produz  além   difto    diverfas   qua- 
lidades de  frucfos.  Tem   minas  d'oiro ,    LOpo 
c  prata  5    pedras    preciozas   ,    conchas  SOA 
que    fervem     de    pequena  moeda    nas  D  ALEER" 
índias.  Acha-fe   também  quantidade  de  GAR1A 
Âmbar  de  toda   a   efpecie  nas  Coíhs.  G0VER" 
Eíhs   Ilhas    reconheciaó    hum  Sobera-  NAD0R' 
no  ,   o  qual  fazia   a  fua  refidencia   em 
ívíále  ,  Capital  ,  que  dá  o  nome  a  to- 
das as   outras. 

Qusndo  os  Mouros  negociantes 
das  índias  fe  viraó  expoftos  aos  cor- 
fos  dos  Portuguezes,  que  pertenderaó 
logo  fer  os  únicos  Senhores  do  mar  , 
abandonarão  as  Coitas  ,  e  tomando 
mais  ao  largo  ,  a  fim  de  lhes  efcapa- 
rem,  faziaó  derrota  pelas  Maldivas, 
e  de  lá  hiao  carregar  á  Malaca ,  á 
Sumatra  ,  nas  outras  Ilhas  da  Sunda, 
e  em  todas  as  paragens  cnde  os  Por- 
tuguezes naõ  eítavaó  ainda  eftabelici- 
dos.  D.  Franciíco  cí'Almeida  fendo  dií- 
to  inílruido ,  enviou  D.  Lourenço  feu 
filho  para  defcobrir  eftas  Ilhas  ,  com 
...  ■  -;  ordem- 


LOPO 

SOARES 
D  ALBER 
CARIA 
GOVER- 
NADOR . 


26*6*   Historia  dos  Descobrimentos 

ordem    de  cruzar  fobre    efta  paragem. 

<Ann.  de  Aílim    D.   Lourenço    d'Almeida  roi  o 
J.   C     primeiro  dos  Portuguezes  queahifoi: 
15 16.     com    tuc^°    pofto  que  alguns   Autores 
aifirmaó  ,  que   elle  thi   naó    abordou  , 
D*    MA~  e  ou   foíTe  por    fe    defviar  ,    ou   por 
1  que    os  ventos    lhe  foliem  contrários  , 
defcobrio    fó    a  Ilha  de  Coilaó  ,   de 
que  tomou    poííe    em  nome    d'ElRei 
de  Portugal ,   tendo  ancorado  no  por- 
to de  Gália,  e  feito  hum  tratado  d' a- 
liança  com  o   Rei. 

O  que  reinava  entaó  nas  Maldi- 
vas ,  tinha  hum  competidor ,  que  pof- 
fuia  algumas  deitas  Ilhas,  e  tomava 
também  o  titulo  de  Rei.  Era  efte  hum 
Mouro  de  Cambaia  chamado  Mama- 
le, eílabelecido  no  Malabar,  e  ami- 
go dos  Portuguezes.  F0i  eíle  o  mo- 
tivo que  chegou  feu  Competidor  a 
procurar  a  aliança  deites  ,  e  volunta- 
tariamente  fe  fez  tributário  da  Coroa 
de  Portugal  ,  com  a  condição  que 
obrigaria  Mamale  a  renunciar  ás  fuás 
pretençoés.  Mamale  o  fez  em  confi- 
deraçaó  a  Albuquerque  ;  porém  os 
inimigos  deite  grande  homem,  tendo 
zombado  da  fua  condescendência  ,  quiz 
tornar  entrar  nos  feus  direitos  ,  a- 
poyado  mefmo  pelos  Portuguezes,  o 
que  defgoítou  muito  o  Rei  das  Maldi- 
vas. Com 


COS    PoRTUGVEZES  ,    LlV.    VII.    l6j 

Com  tudo  fobre  as    inítrucçoés  , — 

que  Albuquerque   tinha  dado  aCofta,ANN.  de 
deitas     Iltías   ,    e    das    vantagens   que     J.  C. 
d'ellas  poderia  tirar  EIRei  ,  D.  Manoel     j  «^ 
deo    ordem    a  òoares    que    dirigiffe  o 
animo  deite  Príncipe  ,  e  formaííe  hum    D*    MA" 
eílabelicimento    folido   nos   feus  Efta-NOELRE1 
dos.    Em    confequencia    deitas    ordens 
he  ,  que  Soares  tinha  defpachado  Sil-    LOPO 
veira.    Como   eíte    tinha  em   fuás  inf-  S°ARES 
trucçoés  ordem  para  prometer   ao   Rei  D  ALBER~ 
toda  a  fatisfaçaõ ,  que  podeffe  dezejar,  GARIA 
obteve  também   quanto  quiz.  gover- 

Era   no  mefmo    tempo    ordenado  NAD0R# 
a  Silveira  ,   que  deífe   caça  aos  navios 
que  tomavaó  cila   derrota   do  largo ,  e 
principalmente   a    hum   Mouro    Guza- 
rate  chamado  Aile-Cam  ,  que  tinha  fe- 
te  embarcações  a  remos ,  com  as  quaes 
devia  comboyar  féis   navios    de   Cam- 
baia 3  e   impedir    que  naó  trouxeflem 
ás  feitorias  Portuguezas    o    Cairo  ,  ou 
eíla   matéria  para  cordas  que  fe   carre- 
ga  nas    Maldivas.    Silveira    bem    deo 
caça    a  Ale-Cam  ;    porem   eíte  ,    que 
conhecia  perfeitamente    o  laberinto  de 
todas  eítas  Ilhas ,  lhe  efeapou  fempre  , 
canfou-lhe  a  paciência  ,  e  o  obrigou  a 
hir-fe   fem  ter   feito  outra   coifa  ,  que 
tomar  dois  navios,  que  vinhaõ  de  Ben- 
gala ,  e  que  envio  a  Cochim. 


%6S  Historia  dos  -  DescobstmentoS 
A  preza  deftes  dois  navios  ,    f{ 


'Ann.  de  cauza    de   fer    taó  mal    fuccedido    nó» 
J.-C.     Reino   de  Bengala,    como  o  tinha  íi- 
!-l7     do  bem  na  Corte   do  Rei  das   Maldi- 
vas.   Os  navios   que   Silveira  tinha  to- 
_d.    ma-  mâ(|0  pertenciaó    ao  cunhado  do   Go- 
?0ELREl  vemador    de    Chatigan  ,    Cidade    do 
Reino  de  Bengala,    onde  Silveira   foi 
LOPO       ancorar.    Hum    moço   deites   navios  a 
soares     penas.  pôz   pé   em  terra  ,  declarou   fer 
D.ALBER~  Silveira  quem  os  tinha  tomado,  e  que 
caria      e^e  ^  e  tocjos   os  <ja   fua  cometi va  era'5 
cqver-    làdfoens   ,  e    velhacos.    O    que    mais 
k-\PQr.     certificou  eíla  opinião  ,  foi  a  maneira 
com  que  Silveira  fe  comportou   a  ref- 
peito   de  Joaõ   Coelho  ,    que    Fernam 
Peres    d'Andrade   enviara  á  Cofta    de 
Bengala     em   nome  d'ElRei   de    Por- 
tugal ,    de   quem  paliava   por    Embai- 
xador.   Porque  tendo  Coelho   inocen- 
temente hido  a  bordo  do  nivio  de  Sil- 
veira j    eíle  ,  que  queria  ter    a  honra 
d'efta  Embaixada ,  reteve   Coelho  pri- 
zioneiro.  O   Governador  de   Chatigan 
que  amava  Coelho  ,  e  que  naó  podia 
duvidar  ,  que  elle  naó   tiveííe  hido   lá 
em  nome    d'E!Rei    de  Portugal ,  naõ 
pôde    deixar  de  concluir    defta  deten- 
ça^ ,    de    que    era    com   eíreito  hum 
pirata  ,    Portuguez     na  verdade  ,   mas 
que  o  medo  de  fer  punido  por  algum 

cri- 


LOPO 

ARES 

d'alber- 


1)0S    PoRTUGUEZES  ,  LlV.    VII.    26*9 

crime  peio  Governador  General ,  o  ha — - 

via  obrigado    a  tomar    efte   expedien-  Akn.  de 
te  j  de  forte  que  tendo   toda   a  Cida-     J-  C 
de  fublevado  contra   elle  ,  teve  muito     151-7. 
que    fofrer ,    aíKm   pela    fome .  como 

71  xi  j  D.     MA* 

por  cauza  dos  moradores  ,  por   todo  o 
inverno ,  que  rói  obrigado  a  paliar  nei- 
ta  enfeada.  Coelho  ,  dando-fe-lhe  a  li- 
berdade ,  ordenou  hum  pouco  os   feus 
negócios  ,  imas    o  ódio   que  tinhaó  á- 
quelle ,   fez   com  que  lhe  urdhTem  hu- 
ma  traição  ,  em  que   fizeraõ  entrar  o  GARlA 
Rei    d'Árracan.    Silveira    lhe   efcapou  GOvER* 
felifmente.    Gom  tudo   vendo    o   pou-NA 
co  que  adiantava  ,  e  perdia  o  feu  tem* 
po,  parcio  para  fe  hir    ajuntar    com  o 
General  na  Ilha  de  Ceiíaó,  onde  des- 
via   eftar  oceupado   a    conílruir   huma 
Cidadella  ,    cujo  Governo    tinha  Soa- 
res  promitido  dar  a  Silveira. 

Ceilaó  era  hum  grande  objecto 
para  os  Portuguezes  :  e  Coita  tinha 
também  dado  as  ordens  prefixas  ao 
Governador  para  ahi  fe  eílabelecer  , 
e  fundar  huma  Fortaleza.  A  Ilha  que 
he  duma  forma  quafi  oval,  e  coloca- 
da defronte  do  Cabo  Comorim  para  a 
ponta   da  Peninfula  d'aquem  do  Gan- 

J;es  ,  tem   quaíi  70  legoas  de   compri- 
o   ,  e    perco  de  50  de  largo.    Pare- 
ce que  a  natureza  a  fizera  para  recreio, 

e  el- 


270  Historia' dos  Descobrimentos 
v        T  e  ella  ainda  hoje  conferva    com  que 
?h'c    e  autorizar  a  opinião  dos   fcus  morado- 
J*  S*     res,  que   crem  3  que  lá  era  o   Paraizo 
I5X^-     terreítre.    O  Teu    ar  he  muito   faõ  5  e 
d.    ma-  a  terra  por   extremo   fértil.    As    arvo- 
KOELREires    de  canella   difundem  hum   cheiro 
dos   mais    fuaes  ,  que  fe    fentc    bem 
lopo      longe   no  mar  ,   e  a  annuncia  antes  que 
soares     a  vejaõ.    As   arvores  de  que  a  tiraó, 
D'ALBER-as  larangeiras,  e  cidreiras  formaó  bof- 
garia      quês   efpeflbs  ,  e  preciozos ,  fem  pre- 
gover-    cizarem    de  cultura.    Tem  muitas   pe- 
kador.    dras    preciozas.    Tem    minas     d'oÍTO , 
prata,  e  outros  metaes.   Pefcaó  fobre 
as    fuás   coitas    muito    bellas   pérolas. 
Os  Elefantes  faõ  mais  fermozos ,  e  mais 
dóceis   ,    do   que    em  nenhuma    outra 
parte   das  índias.    Os  Ilheos   profeííaó 
pela  maior  parte  a  Religião  antiga  do 
paiz  ,    tal  como  lha  enfinaó  os  Brach- 
manes.     Tem    particularmente     huma 
pura  veneração  a  hum  monte  ,  que  fe 
eleva  no  melo    da  Ilha  ,  que  os  Por- 
tugueses chamarão  Pico  d' Adam.  Vef- 
fe  fobre    o  feu   cume   huma    ou    dua3 
pegadas ,  que  os  Ilheos  dizem  ler  dos 
pés  do   primeiro  homem.   Pretendem, 
que   lá   he  que  elle   foi  xreado  ,  c  que 
foi   fepultado    com    fua  efpoza  ,    íob 
duas    pedras   fepulchraes  ,    que   ainda 
alli  fe  defcobrem  ,    pelo  que  referem 

ai- 


DOS  PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    Ijí 

alguns  Autores.    Pofto  que  efte  mon-  ■ 

te  feja  extraordinariamente  efcarpado ,  Akk.  de 

e  que    fe  naó   fubá   fem    atraveííarem    J.   C. 

horrorozos  precipícios   ,     e     contínuos    \r\%t 

perigos  de  morte  ,  os  devotos  do  paiz  , 

c  principalmente    os  Jogues    por  eile    D*    MA" 

fazem    frequentes   perigrinaçoés  ,  para  NOEL  REl 

fatisfazerem    á  fua    devoção.    A  Ilha 

era  dividida  em  nove   Reinos,  de  que    LOPO 

o  principal  era  o  de  Colombo  ,   onde  S°ARES 

o  General  tinha  ordem  de  hir.  D  ALBER~ 

Soares  tinha  invernado  em  Co-  CARIA 
chim  ,  para  fazer  os  preparos  da  fua  GOvER- 
cxpediçaó  ,  no  que  trabalhou  com  KAD°R» 
muito  mais  ardor  ,  por  ter  fabido  ,  que 
lhe  enviavaõ  hum  fucceíTor,  intentou 
<pe  a  fua  vinda  o  naó  furpreendefie  , 
e  lhe  arrebataííe  huma  pequena  glo- 
ria ,  de  que  tinha  muita  precizaõ  ,  pa- 
ra reparar  hum  pouco  íuas  difgraças 
paíTadas.  Partio  em  fim  perto  do  mea- 
do de  Setembro  com  huma  frota  de 
17  navios  ,  fete  para  oito  centos  Por- 
tuguezes  ,  muitos  Naires  de  Cochim  , 
e  algumas  tropas  Malabares.  Com 
brevidade  chegou  á  vifta  de  Coilaó  , 
e  aportou  á  Galle  ,  onde  os  ventos 
contrários  o  demorarão  quafi  hum  mez. 
Donde  fazendo-fe  á  vela  para  Colom- 
bo j  na  eftrada  vio  huma  pequena  ba- 
cha  que  formava  hum  beliilimo  por- 
to, 


GAR1A 

GOVER- 
NADOR. 


272   Historia"  dos- Descobrimentos 

^~ to  ,  na  qual    fe  lançava    hum  rio   qiiç 

íAnn-  ^e  vinha  cias  terras.    Demorou-fe  alli ,  rer 
J.  C.     zoluto     a    edificar    a    Fortaleza    nefte 
1518.    fitÍP-    Defpachou    logo  para    o  Rei   a 
pcdir-lhe  licença.    Eíte  Principe  afias 
-j   '     '""antevia    os   inconvenientes  deita  peti- 
•  L  çaó  ,  que  foi   bem    combatida   no  feu 

Confelho.  Porém  refleclindo  nas  van- 
tagens que  o  Rei  de  Cochim  tinha 
tirado   da  fua  alliança   com  os   Poriu- 

D  ALBER-  ,  •     T     1  o 

guezes,  pelo  meio  dos  quaes  eltava 
rico  ,  e  poderozo  de  muko  pequeno 
Principe  que  era  ,  captivado  além  dif- 
íb  pelos  prezentes  y  e  boas  palavras 
do  Enviado  do  Governador  9  conce- 
deo  tudo  com  a  melhor  graça  do» 
mundo.  Porém  os  Mouros  eltrangei- 
ios  ,  que  fe  achavaò  nos  feus  portos  5 
lendo  trabalhado  para  fazerem  mudar 
efta  rezoluçaõ  ,  naó  fomente  o  Rei 
fe'retra£k>u  ;  mas  fez  ainda  tanta  di- 
ligencia para  fe  pôr  em  defeza  ,  que 
Soares  achou  no  outro  dia  huma  ef- 
pecie  de  entrincheiramento  feito  no  lu- 
gar onde  queria  fundar,  e  battaiias 
preparadas  que  começarão  a  atirar-lhe. 
Menos  admirado  ,  que  indignado» 
da  ligeireza  do  Principe  ,  que  lhe  fal- 
tava á  palavra  ,  naó  duvidou  de  o  at- 
racar ,  e  depois  de  alguma  reílítencia 
forçou,  o  entrincheiramento   onde  per- 

deo 


DOS    FoRTUGUEZES,    LlV.    VII.    1"J^ 

deo   alguns  dos  íeus  ,  e   entre  outros — 

Veriífimo    Pacheco.   Porém     a    perda  Ann.  de 
dos    inimigos    foi    mais   confideravel.     J.  C. 
Determinado    a  edificar  a  fua  Forca-    1^3^ 
leza    com  beneplácito  ,  ou   fem  elie  , 
o  Governador   tez  abrir  hum  foíío  fo-    D#    MA~ 
bre  huma  das  pontas  da  Bahia,  e  ie-  K0EL  RKI 
vantou   daquem    hum  muro  de   pedra 
para     cobrir    os     gaftadores.    O    Rei    LOPO 
vendo  o  muro  levantado  ,  e  defcorfoa-  s °f  AR ES 
do    pela  primeira  defgraça  ,  enviou   a  D  ALBER" 
dar   defculpas ,  e  requerer  que  fe    fe-  GARIA 
guraííe  a  negociação.    Soares   confen- GOVER- 
tio   niffo   ;  porém  acrecentou   que  era  NADQR« 
juílo  ,  que  em  caftigo  da  traição  que 
lhe  tinha  feito  ,  fe  fizeífe  vaítallo  da 
Coroa    de   Portugal  ,  e  pagaíle    hum 
tributo   annual  >  d'huma  certa  quanti- 
dade  de    Canela  ,  de  Elephantes  ,  e 
de  pedras  preciozas  encravadas  em  fcus 
anéis.    Em  tudo    confentio   :  a  Cida- 
delia    fe  fez   com    huma    grande    di- 
ligencia, fornecendo  o  Rei  os  OfRciaes, 
e  os   materiaes.    Soares   tendo  dado  o 
Governo  a  Silveira  ,  e  deixando  Antó- 
nio de  Miranda  para  commandar  nefta 
paragem  ,  tornou     a  partir  para    Co- 
chim  ,  onde  achando  Dioço  Lopes  de 
Siqueira    feu   fucccíTor ,    lne   entregou 
o  Governo  da  índias  ,  e  fe  fez  á  ve- 
la para  Portugal ,  onde  chegou  em  Ja- 
Tom.  II.  S  nei- 


274  Historia  dos   Descobrimento* 

neirc  de   1519  mais  rico  dos  bens  que 

An?;,   de  trazia  do   novo   Mundo  ,  que    de   glo- 
J.    C.    ria   que  ahi  tiveiTe   adquirido. 
j^Tg  Diogo  Lopes  de  Siqueira  que  íuo 

cedeo    a     Soares   ,     naó     tendo     me- 
d.    ?íA-jkor   fortuna    do  que   clie  ,   naó  teve 
koel  rei  tarn-jcm   n:íAà   em   que   0  reprehender. 
Proveo  logo  nos  difrerentes   governos, 
piòGo    fegando   as   ordens   que  tinha  da  Cor- 
lopes  de  te  ^  expedio   os   navios   de   carga   para 
siqtJEi-    Q   Reino  5  e  reparcio  os  que  deviaó  fi- 
ra  ao-    cir   nà  índia   ,  legundo  o  para  que  os 
verna-    ciftinava.    António    de   Saldanha   teve 
dor.         ordem   de   hir    cruíàr   fobre   as    Coíhs 
da   Arábia,    em  quanto  o  General   fe 
preparava  a  hir  lá  reparar  as   faltas  de 
leu  predeceflòr.    Chriitovaó  de  Sa  ,  e 
Chriítovaó  de   Souza  com  íiias   eíqua- 
rlras   deviaõ  vigiar  ibbre   as   Coitas  de 
Diu  ,    e   de  Dabul  ,    contra    as    ruftas 
deíias  duas  praças.   Aíronfo  de  Mene- 
zes  foi  enviado  a   Baticalá  ,    cujo  Se- 
nhor rcJrufãvâ  o  tributo  ordinário.  Joaó 
Gomes  Cheira-Dinhciro  parrío   para  ás 
Maldivas  ,  com  ordem  de   fundar  alli, 
fegundo  o  tratado  leito  ,  huma  Feito- 
ria  cnle    íervíflê   de   Fortaleza.    Heitor 
Rodrigues   foi  continuando  no  leu  poí- 
rò  da  Coularn,  para   executar  a   com- 
.5,  que  tinha   tido   de   Soares ,  d* 
ahi    fundar  huma   Cidadelia.    António 

Cor- 


DOS   PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    Ijf 

Corrêa  chamado  para  hir  com  Embai • 

xada  á   Corre    do  Pegu  ,   devia  con-  Ann.  de 
duzir    hum  foccorro     a  Malaca,   e  Si-     J.  C. 
maó     d' Andrade   com  huma    efquadra    1^18. 
de  finco    navios    foi   deítinado  para  a 

rf-»L  D.     MA* 

China. 

A   expedição  de  António  de  Sal-  NOEL  REI 
danha   fe  contentou  com  algumas  pre- 
zas.   Menezes ,  obteve  o  que  quiz  em    DIOGO 
Baticalá  ,  porque  felismente  o  Gover-LOPES  DE 
nador    General  indo  a  Goa  ,    chegou  SI0-UEI~ 
quaíl  no  meímo  tempo  ,  que  elle ,  de-  KA  GO" 
fronte  deita  praça.  Chriítovaó  de  Souza  VERNA* 
perdeo   hum  dos  feus   navios,  que   foiDOR* 
defpedaçado  :  as  fuftas  de  Dabul  lhe  to- 
marão outro  carregado  de  effeitos  para 
EIRei   de  Portugal  ,  e  elle  mefmo  ten- 
do  defembarcado  ,  foi  taò   maltratado, 
que   teve  todos  os  incommodos  poíílveis 
para  fe  tornar  a  embarcar.  Joaó  Gomes 
tendo   chegado    ás   Maldivas   fundou  a 
lua  Feitoria  ,   onde   ficou  com  15  ho- 
mens fomente  para  alli  ter  a  adminif- 
traçaó   da   fazenda  ;    porem    em  lugar 
de    fe    portar  niíío     com    prudência   , 
tendo-fe  tornado  hum  pequeno  tyranno, 
e   feguindo    o   feu   génio    arrebatado  , 
e  foberbo  ,  foblevcu  contra  fi  os  Mou- 
ros  eífrangeiros  ,    que    o  matarão  ,  e 
deílruiraó- todos  os    íeus.   Heitor   Ro- 
drigues teve  muito  trabalho   para  con- 
$  ii  fe- 


VERNA 
DOR 


Tj6  Historia  dos  Descobrimentos 

»  feguir  os   fcus  fins.   Ninguém  confen- 

Ann.  de  tia  que  elle  conílruhTe  hum  Forre.  Da 

J.  C.     fua  parte  fingia   querer  fó  hum  arma- 

ici8.    zem  í  porém   os  fundamentos  que  elle 

deitava   o  trahiaõ   a  feu  pezar  :  entaõ 

D#    MA~elle    fe  vio  muitas  vezes    nos  termos 

*-oELREide  fer    degola<j0#    Como    a  Rainha  o 

afudava  ,    e  o   favorecia  contra   o  pa- 
diogo    recer  ^o  ^-eu  confej[h0  5   e  de  todo  o 
lopes  de  j-çu   pOVO  _  p^z  a   fua  0bra  em  cftado 
si  que  i-    je  p0jer  {"er  aperfeiçoada  fem  temor. 
ra  GO-    yant0  ^ue  cneg0U    a  efte  eílado,  fuf- 
citou    as  dividas  antigas  ,  com  o   qua 
alienou  o  efpirito    da  Rainha   que  as 
tinha  fatisfeito  em  cêntuplo.  Eíla  Prin- 
ceza    fe  arrependeo   muito  tarde   dos 
ferviços  que  lhe  havia  feito  ,  e  expe- 
rimentou  o  que  lhe  tinhaó  dito  mui- 
tas vezes  ,  que  ella   mefma  trabalhava 
para  fe  fubmeter  ao  jugo.   As  tenta- 
tivas que   fez    para   o    iacudir ,   foraõ 
inúteis,  e  foi  obrigada  a  pedir  a  paz, 
depois  de  a  ter  rompido. 

Simaó  d'Andrade  dettruio  na  Chi- 
na tudo  o  que  feu  irmaó  ,  que  lá  ti- 
nha eftado  antes  delle,  havia  feito  de 
bom.  Depois  da  tomada  de  Malaca  , 
nada  era  mais  conveniente  aos  Por- 
tuguezes  ,  que  fazerem-fe  conhecer  no 
grande  Império  dos  Chinos  ,  eítabe- 
Jecer  alli  huma  boa  cçrrefpondencia  , 
e  commerciar.  Tem 


DOS    PoRTUGUEEES  ,   LlV.    VII.    IjJ 

Tem    apparecido     prezentemetitc 


tantas  hiítorias  ,  e  relações  do  Eflado  Ann.  de 
deita  grande  Monarquia-,  taõ  refpeita-     ].  C. 
vel  pela   íua  antiguidade  ,    pela  longa     j^i8. 
ferie,  e  mageftade  de  feus  Emperado- 
res  ,  a  prudência  do  feu  Governo  po-    D*    MA" 
lítico  ,  a   extençaó  ,  o  numero  ,  a  ter-  N0ELREl 
tilidade  das  fuás  Províncias  ,  que  com- 
prehendem  hum  paiz  taõ  grande  como    DloGO 
a  Europa,  a  multidão  infinita  de  feus  L0PEt>  DE 
povos  ,  a  beleza    de  fuás  Cidades ,  e  SI(^UEl" 
edifícios,    o  caracter  culto,    e  polido  RA  GO~ 
de  feus   moradores  ,    a  variedade  das  vERNA" 
artes,  e  Sciencias  que  alli  florecem , D0R* 
as     riquezas     immenfas    que      tem  y 
o  frudo     da  indultei  ,    da   arte,  ou 
das    vantagens   da  natureza ,    que   fe- 
ria fuperfluo  fazer  huma  digreífaó   inú- 
til ,    para  dar     a   conhecer     coifa   que 
hoje  quafi  ninguém  ignora.  Aílim  en- 
viando   o  meo  leitor    a  eílas  mefmas 
relações  ,  deixo  tudo  o  que  pertence  á 
Religião,  Coftumes  ,  e  Governo  ,  e  ás 
outras    noticias   deite    Império  ,    cuja 
defcripçaó    me  apartaria   muito  ,    para 
vir  ao  que  he  precizamente  da  minha 
hiítoria. 

Os  primeiros  Chinezes  ,  que  os 
Portuguezes  viraó  ,  foraó  os  que  Dio- 
go Lopes  de  Siqueira  achou  no  por- 
to de  Malaca ,  ae  quem  recebeo  toda 

a  for- 


278  Historia  dos  Descobrimentos 
-        — a  forte   de  civilidades  ,    e  bons   con- 
Ann.  de  felhos  ,  como  ja  difle.    O    grande  Al- 
J.  C.    buque,que   ahi   tornou   a  encontrar  ou- 
1518.    tros,  quando  veio  para  tomar  efta  Ci- 
dade ,    e   achou   naquelles  os   meímos 
modos  atraòtivos  ,    que  o  obrigarão  a 
1  rei  travar  am[zac}e  com  elles.  Eíle  General 
que  tinha   hum  grande  dcfeernimento , 
concebeo  huma  alta  idéa  d'uma  Naçaó, 
xopes  de  a  ^e  £azja  e{^imar  at£  nos  medres 

q  1-  íjlos  navios,  e  nas  equipagens  compoítas 
de  gente  humilde,  cujo  miniíterio  naõ 
x,ri,a-  £Q  ajufta  fempre  com  as  civilidades. 
Fez-lhes  faber  na  fua  partida  ,  que 
quando  fofle  fenhor  da  praça ,  teria 
exceffivo  goílo  de  que  os  Chinezes 
a  quizeííem  frequentar ,  e  elles  lho 
prometerão  na  fua  partida,  porem  a 
guerra ,  que  alli  fempre  tinha  conti- 
nuado depois  ,  os  tinha  apartado  com 
as   outras  Naçoens. 

Sobre  iíto  a  Corte  de  Portugal  , 
determinou  enviar  huma  eftjuadra  á  Chi- 
na para  conduzir  hum  Embaixador. 
A  efquadra  compoíla  de  nove  navios 
era  commandada  por  Fernam  Peres 
d'Andrade ,  que  alli  fe  achou  no  pri- 
meiro anno  do  governo  de  Lopo  Soa- 
les  d' Albergaria.  Quando  Peres  che- 
gou ás  Ilhas  vifmhas  de  Catitaõ ,  o 
Mandarim  General  do  mar  veio  com 

as 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    l*]*) 

as  fuás  embarcaçoens  diante  dellc  com 

o  efpirito  de  dcfconfiança,   une   devia  Ar.:,,   de 
cauzar    a    primeira     viíla    dos    navios     J.    C 
Portuguezes.    Peres  naó    deo   idéa  de      j-^. 
fe  pôr  cm  defeza  ,    e  fe   portou    em 
tudo    com     muita     prudência.    Tendo    D*    MA~ 
chegado     a  Çantaó    algum    tempo  tie-^OELRE» 
pois,  deo  parte  aos  Mandarins  do  mo- 
tivo  da    íua    vinda   ,    confiou-íhes     o    DlOGO 
Embaixador,  e  fete   pcííoas  da  íua  co- LGPES  DE 
mitiva  ,    aturando   todo    o  ceremoniai  SI0-LEI" 
ordinário   nacuelle  paiz.    E   depois  de  RA  c0" 
quatorze  mezes   de  demora  ,  nos  quacs  v.e.rna- 
íez    vifitar    as   Cidades   marítimas  por  DOR*  . 
Jorge     Mafcarenhas  ,     que   a   iifo   en- 
viou.   Procurou   tomar    por    fí  mefmo 
todo  o  conhecimento  que  pode  do  paiz 
fem  defprezar  Teus  entereítes  peííoaes  , 
e   fe   difpoz    á  voltar.    Porem  antes  de 
fe   fazer  á  vela  ,  fez  publicar   nos  por- 
tos de  Cantaó  ,  Tamaó  ,  e   Nanto  on- 
de   fe    tinha   demorado   ,    que    fe    aili 
houvciTe  alguém  que  tiveífe  motivo  pa- 
ra  fe  queixar  d*algum,   Portuguez  po- 
deria   vir    livremente   para   receber  fa- 
tisfaçaó ,    e  pelo  efpiendor    de   huma 
ta5  belia  acçaó ,  deixou  efta  fabia  Na- 
ção cheia  de  huma  alta  idea  d'elle  ,  e 
de   todos   os  vafíallos  d'ElRei  de  Por- 
tugal.   O  feu  retorno  a  Malaca  foi   de 
grande  foccorro   para   a  Cidade.    P af- 
iara- 


18o  Historia  dos  Descobrimentos 

• fando  de  lá  para  o  Indoítan  ,  voltou 

Ann.  de  para  á  Europa  ,  onde  chegou  felismente 

J.  C.    com  grande  contentamento  de  EIRei  D. 

J518.  Manoel  3  que  naò  podia  fatisfazer-fe  de 
ouvir  as  relações  .  que  lhe  fez  da  fua 

D*   MA~  viagem. 

JÍOELREL  Com      tuc|0     Q    Embaixac}or     Th0- 

maz  Peres    foi  conduzido    a  Pekim , 
diogo    com  t0£jas    as   ftonras   que    fazem  aos 
xopes  de  ^ini^ros    <jos    maiores    Reis.    A   lua 
siçuei-    viagem  de  Cantão  a  Pekim  foi  de  qua- 
*a  Go-    trQ   mezeSe   Xudo   eftava  nas   mais  fa- 
ilrna-    voravejs  ciifpofiçoés    para  confeguir  a 
V0R'         a  lua  negociação.   O  Emperador  tinha 
concebido    muita   eftimaçaõ    dos  Por- 
tuguezes  >  cujo  nome  fe  tinha  efpalha- 
do    por    toda  a   Afia.    O  Enviado   do 
Rei  de  Bintam,  que  tinha  hido  pedir 
foccorro  contra  elles ,   em  vaõ  fe  ef- 
forçava  para  os  deftruir.  Porem  Simaó 
d' Andrade  naó  tinha   inteiramente  che- 
gado com  a  fua  efquadra  á  Ilha  de  Ta- 
maõ ,  por  que  tomando  huma  condu&a 
toda  oppoíta  á  de   feu  irmaó  ,  e  cren- 
do tratar  com  os  Chinezes,  como  com 
os  Cafres  do  Cabo  de  Boa  Efperança, 
começou    a    deitar     os    fundamentos 
duma  Fortaleza  na  Ilha,    armar    bat- 
tarias  ,  difpor  fentinellas  ,  correr  fobre 
os    navios    mercantes  ,    filhar    os  que 
vinhaõ  da  índia  fem  paífaporte  do  Go- 
verna- 


DOS    FoRTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    28 1 

vernador ,  e  tirar-lhe  a  força  o  dinheiro.  

Dando  confequentemente  carreira  livre  Ann.  de 
para  tudo  o  que  a  libertinagem  tem  de     J.C. 
mais  defenfreado:  elle,  e  os  ieus  infulta-     ICIQ 
raó   os   Chinos  como   a  inimigos  ,   rou- 
bando as  filhas  das  cazas,  fazendo  ef-    D*    MA" 
cravas    as   peffoas    livres  ,    e    vivendo  NOEL  REI 
n'uma  diííoluçaó   igualmente  injurioza 
á  noíía  Santa  Religião  ,  e  á  honra  da    d1°go 
fua  Naçaó  ;   de  forte  que  tendo   irrita-  LOi>ES  de 
tio,  e  efcandalizado  eítes  povos  mode-  s,QU£i- 
rados,  e  judiciozos  ,  tudo  fe  armou  pa-  RA  G0" 
ra  os  deftruir.  Naó  poderão  evitar  o  fe-  VERNA>- 
rem  tomados,  e  tratados  como  ladroes  ,  D0R* 
c  piratas  ;  porém  huma  borrafca  deci- 
pando   a  frota  Chineza,  lhe  deo  tempo 
a  fe  efcaparem.  Thomaz  Peres  ,  e  os  da 
fua  comitiva  pagarão  pelos  culpados  , 
e   fofreraó   a  pena  que  lhes  era  devi- 
da. Tendo  chegado  á  Corte  ,  á  noticia 
deita     defordem    confideraraó-nos    fo- 
mente  como   efpioés.    Foraó  recondu- 
zidos  a  Cantaô  ,  onde   confumidos  de 
difgoftos  ,  e  trifteza ,  Peres  ,  e  os  da 
fua  comitiva   morrerão   mizeravelmen- 
te.   O  que   foi    mais    deplorável   ,  he 
que    a  Naçaó  Portugueza   ficcu  defa- 
creditada    d' eíta  má    conduta   ,    e   foi 
como    banida    da  China  ,    que  lhe  fe- 
chou  as  fuás  portas  por  huma  longa 
ferie  de  annos. 


282    Historia  dos  Descobrimentos 

Simaõ    d'Andrade   eílava   raõ  de- 

Ann.  de  zcjozo  de  hir  á  China  para  fazer  efta 
J.  C.  bela  manobra  ,  que  paliando  por  Ma- 
151 8.  laca  na°  lhe  deixou  foccorro  algum  , 
_  pcfto  que  a  Cidade  fempre  opprimida 


KOEL  REI 


tinha  muito  grand 


^i 


Corrêa   indo  ao  Re 


e  precizaó.  António 
.eino  de  Peeu  ,  naõ 


KA  GO- 
VERNA- 
DOR. 


fez    o  mefmo.    Achou  a  praça    rcdu- 
Dl°         zida     a    muito     grandes     neceííidades. 

LOPES  DE  Tt  •  "  1.  1  j> 

inuma  mui  pequena  medida  d  arros 
cuftava  hum  cruzado  ,  naó  fe  dizia 
Mifia  ,  por  falta  de  vinho  ;  as  vias  ef- 
tavaõ  fechadas  a  todos  os  foccorros  pelos 
contrários  ;  os  inimigos  fe  lhe  aprezen- 
tavaó  frequentes  vezes,  fem  que  os  Por- 
tuguczes  oufaiTem  fahir  para  llies  dar  em 
fima  ;  o  Governador  eilava  morrendo  , 
e  huma  parte  da  guarnição  doente. 
Os  três  navios  que  Corrêa  tinha  leva- 
do alegrarão  mais  hum  pouco  a  Ci- 
dade. Naó  obftante  o  foccorro ,  Cor- 
rêa por  dois  mezes  naó  teve  peque- 
no embaraço  em  refiítir  aos  frequen- 
tes aííaltos  dos  inimigos  ,  que  esperta- 
dos pela  mefma  chegada  do  reforço , 
fe  fizeraó  taó  importunos  ,  que  Cor- 
rêa ,  por  quem  tudo  fe  movia  ,  naõ 
comia ,  nem  dormia  fem  eílar  armado  , 
fatigado  fem  defcançar  o  corpo  ,  nem  o 
efpirito.  Finalmente  os  inimigos  can- 
çaraõ  3  e   fe  reciraraó   para  mais  lo  n- 


DOS    PoRTVGUEZES  ,    LtV.    VIL    2&$ 

se ,  o   que  o   facilitou    a  fcguir  a  Tua 

derrota  para  hir  para  onde    era  deftí-  Axk.  de 
nado.  ].  C. 

Do    porto    de   Pedir,    onde   Cor-     1510. 
rea  foi  tomar  carga ,  fe  tranfportou  ao 
de   Martabam,    donde  enviou  á  Cofia    D* 
do   Pegu  duas  ou  três  peilbas  em   leu  h0ELREl 
nome  ,   para    dar  parte    da  fua  vinda. 
O  Rei  do  Pegu   era  entaó  hum  pode-     DIOGO 
rofiílimo  Príncipe  ,    que  tinha   muitos  L0PEb  DE 
outros  por  Teus  tributários.    O   Rei  de  bI(^VE1" 
Siam  ,  e  elle  occupavaó  toda  a  penin-  KA  G0~ 
fula    d' além   do   Ganges.  As    fuás  for-  VERNA" 
ças  ,    e    a    fua    vifinhança    os    faziaõ  D0R* 
iempre      inimigos.     Os    povos    deíles 
dois   Príncipes     fe    aíiimilhavaõ   muito 
na    fua    Religião   ,  coftumes  ,  e    in- 
clinações. 

O  Rei  do  Pegu  agradando-fe  dos 
motivos  da  Embaixada  ,  deípachou  os 
Enviados  de  Corrêa  ,  e  fez  partir  com 
elles  o  Rolin  da  Corte  ,  que  he  o 
Chefe  da  Religião  do  paiz  ,  e  hum 
dos  principaes  Miniftros  d'Eílado,  pa- 
ra hir  regular  as  condições  do  trata- 
do. Depois  que  fe  aiuíhraõ  ,  e  que 
tratarão  de  o  ratificar  ,  o  Rolin ,  e  o 
Miniilro  do  Rei  jurarão  com  muita 
ceremonia  fobre  os  livros  da  fua  Re- 
ligião. Corrêa,  que  tinha  feiro  tomar 
huma  fobrepelis  ao  Capelão  do  íeu  na- 
vio , 


284  Historia  dos  Descobrimentos 
■   '    '      vio  ,  para  dar  também    alguma  digní- 
Ann.  de  ^adc    ao  ^eu  juramento  ,  ou   por  nao 
J.  C.     fe    contentar    com    o    breviário   defte 
Capelão,  que  eftava  muito  mal  trata- 
*  ^'    do,  ou  porque  períuadido  como  máo  ca- 
d.    ma-  fuífta,  que  nao  devia  guardar  ré  aos  que 
NOEL  rei  naó  cra5  (j0  grémio  da  verdadeira  Re- 
ligião, e  que  naó  quizeííe  profanar  os 
diogo    livros  fantos  com  hum  juramento  ,  que 
iopes  de  eftava    determinado    a    naõ    guardar  , 
siquEi-    fe   na5  em  qUanto    convieíTe    a   feus 
ra  Go-    negócios ,    mandou    trazer    hum  livro 
verna-     de   canções,   e   trovas  ,  fobre    o  qual 
dor.  diíTe    tudo    o     que    quiz.     O    acazo 

com  tudo  fazendo  abrir  fobre  eílas 
palavras  da  Efcritura,  vaidade  das  vai- 
dades ,  e  tudo  be  vaidade  ,  foi  pene- 
trado d'um  interino  horror ,  e  lentio 
hum  jufto  efcrupulo  da  profanação 
que  tinha  feito  ,  o  que  teria  fem  du- 
vida efcandalizado  os  mefmos  pagaós  , 
fe  elles  comprehendeíTem  efte  dolo.  Fei- 
to por  efte  modo  o  tratado ,  e  regu- 
lado o  commercio  a  contento  dos  con- 
traclantes  ,  Corrêa  fe  fez  á  vela  ,  e 
voltou  a  Malaca  acompanhado  de  mui- 
tos Juncos  carregados  de  viveres  ,  e 
provizoens  ,  que  trouxeraõ  para  alli 
a  abundância. 

Garcia    de    Sá   tinha    chegado  a 
efta  Cidade   na  auzencia    de  Corrêa , 

e  de- 


VEKNA- 
DOR« 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VII.    28$ 

e  depois  da  fua  partida  para  o  Reino — 

de  Pegu.    Pelos  intereíles  peííoaes  de  Akb.   de 
Diogo    Lopes  de  Siqueira  He  que   alli     ],  C. 
viera.    Porem  Coita,  que  eílava  fem-     151  o. 
pre  doente,   lhe   entregou  o  Governo 
da  praça   para  hir   morrer   a   Cochim. 
Manmud  eftava  fempre   acampado  fo- 
bre  o   Rio   Muar  ,   cuja  viílnhança   ti- 
nha  também  fempre  a  Cidade  inquie-  , 

ta.  Com  a  vinda  de  Corrêa  reíblve-  L  PE*  _ 
raó  livrar-fe  deite  embaraço.  Corrêa  ,  ' 
e  Mello  commandaraõ  o  partido.  Por 
fortes  que  foííem  os  entrincheiramen- 
tos  ,  e  obílaculos  que  o  inimigo  tinha 
pofto  por  todo  o  comprimento  do 
Kio,  tudo  foi  deírruido.  Os  Portugue- 
zes  feguindo  fua  vicloria ,  vaô  ate  ao 
Pagode  onde  eftava  o  quartel  do  Rei. 
Tinha  já  fahido ,  e  metido  fuás  tro- 
pas em  batalha  com  feus  -Elefantes. 
Parecia  dever  pelejar  como  homem  de 
valor,  no  moao  com  que  fez  jogara 
fua  artilheria,  e  que  luas  tropas  pa- 
redão animadas.  Porem  efte  brio  mu- 
dado fubitamente  em  hum  terror  pâ- 
nico, vio-fe  abandonado  dos  feus  por 
huma  vergonhoza  fugida  ,  e  obrigado  a 
deixar  todas  as  fuás  bagagens  em  pre- 
za ao  vencedor ,  e  retirar-fe  a  Bin- 
tam  pata  ahi  efperar  melhor  fortuna. 
Os  Reis  d' Achem,  ePacem,  ain- 
da 


286  Historia  dos  Descobrimentos 

■ — i da  que  alliados  dos  Portuguezes,  apro- 

Ann.  de  veitando-fe  do  eftado  d'afflicçaõ  em  que 

J.  C.     eftava   Malaca ,   fe  tinhaó   comportado 

151  o.     mal  a  refpeito  delles.   Eíte  ultimo   em 

particular  ,    debaixo    naõ     íei    de    que 

pretextos,  tinha  faqueado  a  feitoria  d'el- 

KOEL  REI  f  J  ,  l  r     c  n. 

les  ,    e   no  tumulto   que    fe  fez   neíta 
occaíiaó,  houveraó  2<;  mortos,  e  mui- 

DIOGO  i  j  J     n  J 

tos    maltratados  ,  e  poítos  em  pnzao. 
lopes  de  Qarcja    jg    ^    vendo-fe    hum    pouco 
siQXTEir     maj^   aQ  largo  ,  depois  Je  desbaratado 
ra  GO-    Q  j^e-  ^e  gmtam  ^  julgou   convenien- 
verna-     te  ino^rar-ihe  entaõ  o  leu  reffentimen- 
J)0R*         to.    Deo  commiíTaõ  a  Manoel  Pache- 
co ,    que   era   hum  pouco    cnterefTado 
na  vingança,  de  feu  irmaó  António,  que 
era  do  numero  dos  que  elles  tinhaó  feito 
prizioneiros.    Ainda  que  Pacheco   naõ 
tinha   mais   que   hum    fó  navio  ,    com 
tudo    o   temor    que   infpirou   roi   tal  , 
que  naõ  fomente  apartou  deftes  quar- 
téis todos  os  navios  eftrangeiros  ;  mas 
nem    ainda    hum    barco     de    peícador 
o u fava   apparecer. 

Os  inimigos  oufando  attacar  o 
navio ,  fe  contentarão  de  faber  as  oc- 
cafioés  em  que  Pacheco  enviava  a  fua 
chaiúpa  á  terra.  Occorreo  huma  taõ 
favorável ,  que  parecia  que  efta  cha- 
lupa naõ  poderia  efcapar.  Tinhaífe  a- 
diantado  pelo   rio  de    Jacoparim  para 

hir 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIL    l8j 

hir    fazer  aguada.    Tendo-a    percebido 

os   inimigos  ,  chegarão  ás  duas   praias  Akk.   de 
do  rio  ,  e  começaó  a   atirar  huma  chu-    J.   C. 
va    de    flexas  ,    em  quanto    preparaó    ^io. 
com  a  mais  poffivcl  prontidão  três  lan- 
chas ,    cada  numa    com    150   homens."   D*   MA" 
Na  chalupa  fó  eftavaó  finco ,  aífás  oc-  *OELREI 
cupados    em   fe   defenderem  c'os  fetis 
efcudos   dos    tiros   que    lhe  lançavaó.    DIOGO 
O  vento  ,  e   a  maré  lhes  eraó  contra-  LOPES  DE 
rios,  e  favoráveis   aos    inimigos.  Eíles  Sl(^UEl~ 
finco  valcrozos  neíta   extremidade ,  to-  RA  G0" 
maraó   o  único  partido  ,  que  podia  inf-  VERNA" 
pirar-lhes  o  valor,  que   era  morrer  fa- D0R% 
zendo  os  últimos  esforços  de  valentes. 
Tanto  que  o  primeiro  batel,  que  com- 
mandava  o   Raja  Sudamicin  chegou  á 
chalupa  ,  hum    dos  finco  homens  for- 
te ,  e  robufto  o  agarrou ,  e  os    outros 
quatro   tomando  o  nome  de  Jezus  por 
voz  de  guerra  ,  entraõ  de  falto  ,  e  com 
as  lanças   paílaó   todo    o  que     fe  lhes 
aprezenta  ,    tendo-os  feguido    o  quin- 
to ,    e   fazendo   igualmente  o  feu   de- 
ver, 05  inimigos  admirados  fe  confun- 
dem, cahem  huns  fobre  outros,  e  em  fim 
fe  lançaó  á  agua   a  pezar    dos   esfor- 
ços   de    Sudamicin  ,    que    obrigado  a 
imitalos  ,    de    raiva  ,    e    defefperaçaõ 
naõ  ceifou  de  ferir  ,  ou  matar  os  (eus 
que  lhe  cahiraó  d  maó3  fenaó  depois 

que 


288  Historia   dos  Descobrimento* 

?ue   fe  afogou.    As  duas    lanchas  que 
eguiaó  ,  defanimadas   pela  infelicidade 
J.  C.     da   primeira  ,  fe  pozeraó  em  fugida  á 
leio.     viíta  de  finco  homens  enfraquecidos  do 
trabalho  ,    e    do   fangue     que  perdiaõ 
"  pelas    feridas  ;     e  deixando-lhes    aííim 
líoELREI  numa    plena   vicloria  ,    pozeraó  o  feu 
Rei  na  precizaó   de  pedir  paz. 
diogo  q    Qovernacjor  General    partindo 

loi-es  de  para  Ljskoa  com  nove  navios,  tinha  fei- 
mquei-  to  numa  feliz,  viagem  ,  conduzindo 
RA  GO~  configo  toda  a  fua  frota  ás  índias. 
verna-  -j^t0  ann0  feguinte  EIRei  fez  partir 
D0R'-  outra  de  14  velas  ,  commandada  por 
]orge  d'Albuquerquc  ,  que  levava  Pro- 
vizoés  da  Corte  para  fer  fegunda  vez 
Governador  de  Malaca.  O  deílino  def- 
ta  fegunda  frota  foi  inteiramente  de- 
plorável. Separando-a  huma  tormenta 
no  mar  Atlântico  ,  hum  deites  navios 
tornou  para  Lisboa.  Outro  commanda- 
do  por  num  Efpanhol  de  grande  nome, 
mas  em  quem  a  fua  conduzia  moítrou 
hum  juizo  pouco  faõ  ,  naõ  podendo 
dobrar  o  Cabo  de  Boa  Efperança , 
defcahio  ao  Brafil ,  onde  os  Salvagens 
lhe  matarão  até  70  homens  da  fua  equi- 
pagem. O  Capitão  naõ  fe  entrifteceo 
com  eíla  perda  ;  porque  pondo-fe  fu- 
perior  aos  Portuguezes,  que  elle  de- 
íarmou  de  accordo  com  os  feus  Caf- 

tilha- 


cos  PoRTUGuazES ,  Liv.  VII.  289 
tilhanos  ,  fe  fez  pirata ,  e  morreo  de-  < 

pois   miferavelmenre.    Outro  comman-  An?.-,  de 
dado    por  Manoel   de    Souza  ,    tendo    ].  C. 
perdido    o   Capitão  ,    Piloto  ,  e   muita     1^20. 
parte  dos   feus  ,  perto  das   Ilhas    vifí- 
nhas  a  Quiloa,  pela  traição  dos  Ilheos  ,   D*    MA- 
o  navio   defgovernado    fe    foi   efpeda-NOELREI 
çar  fobre   a  praia  ,  onde   os   Mouros 
matarão    tudo    o   que     lhe   cahio     nas    DI0GO 
maõs  ,  á  excepção  dum  moço  de  que  L0PES  DE 
o   Rei  da  Ilha  de  Zanzibar,  fez  pre-Sl*UEI" 
zente     ao    Rei    de    Mombaça.    Nove RA  G0~ 
mais   deitas    embarcações   abordarão  a  VERNAC 
Moçambique,  onde  foraõ   obrigados  aD0R,t 
invernar  com  Jorge  d'Albubuerque  feu 
General.   Só  quatro  chegarão  neíle  an-. 
no  á  índia. 

Efta  frota  trazia  hum  novo  Inten* 
dente  da  Fazenda  ,  que  era  o  Doutor 
Pedro  Nunes  ,  que  ElRei  enviava  pa- 
ra o  lugar  de  Alcáçova  ,  que  Soa- 
res tinha  maltratado  muito.  Numes  foi 
exempto  da  jurifdicçaó  do  Governador 
General.  Além  do  governo  da  fazenda  , 
tinha  também  o  da  politica,  e  da  juítiça. 
ElRei  lhe  havia  ailignado  20  homens 
para  fua  guarda  ,  grandes  foldos  ,  e 
privilégios  coníideraveis  ,  por  cuja 
iazaõ  o  Governador  General  fe  acha- 
va quafi   limitado  ao   militar  fomente» 

Siqueira  3    que  tinha    invernada 
Tom,  IL  %  tíef- 


VER  NA 
DOR 


20Ò  Historia  dos  Descobrimentos 

neíte   anno  em  Cochim  para  fazer  os 

A:::,  de  preparativos    da    íua  viagem    do    mar 
j.  C.     Roxo.    Sabendo   pelos    quatro  navios 
1520.    411C  tinhaõ  chegado  á  índia,  o  arma- 
mento que  EiRei  tinha  feito  para  en- 
d.    ha-  tregar   a   Jorge  d/Alhuquerque  ,  defpa- 
r.oELREi  ^^  }iuma  embarcação  para   Moçam- 
bique ,  para  dar  ordem  a  eíle  ,  de  vir 
DK)GO    efperalo  junto  ao  Cabo   deRoíalgate: 
lopes  de  e  nQ  caZQ  (,uc  t[veffe    j^  pafíado,  de 
situei-    Q  ^r  encontrar   ro  mar  Roxo  5  e  de 
o  feguir  até  Gidda.   Porém  os  navios 
que  commandava  ,   fendo  quaíi  rodos 
navios  de  carga  ,  alguns  Capitães ,  que 
tinhaó  fuás  commiífoés  para  outra  par- 
te  ,    e   naó    eraó  obrigados    a    Jervir 
nefta    forte  d'expediçoés  ,  naó  quize- 
raó  obedecer.  Parecendo  juítas  fuás  iní- 
tancias ,  foi  determinado  ,  que  dos  no- 
ve navios  que  commandava  Albuquer- 
que ,   quatro   paífariaó   em   direitura  á. 
índia  com  o  Intendente,  e  que  os  ou- 
tros  finco  hiriaó  com  Albuquerque  ao 
encontro    do    Governador.    Porem  Si- 
queira tendo   já    entrado  no  mar  Ro- 
xo ,    os    Capitães  naó  quizeraó    ainda 
obedecer  ;  e  Albuquerque  tendo  toma- 
do auto  da  fua  recufaçaó  ,   fez   derro- 
ta para  Ormuz  ,  e  foi  obrigado  a  apor- 
tar a  Calaiate.    Onde    tendo-fe  deixa- 
do   perfuadir   per  Duarte  Mendes   de 

yafcon- 


dOs  Portuguezes  ,  Liv.*  VIL   2oí 

Vafconcellos  de  fazer  prizioneiro  oP.ci 

Zabadim  Governador  delia  praça  ,  íe-  Ann«   cie 
gundo   as  ordens  fecretas,  que  Mendes    J.    C. 
tinha  do  Rei  meímo  d'Ormuz  ,  o  ne-     Ir,0i 
gocio    foi  taó   mal  dirigido  ,    que   naó 
poderão  confeguir    a  lua  tentativa,  e      D'   MAr 
ahi  morrerão   20  Portuguezes  ,  e  mais  K0JÍL  REl 
de  50  feridos  ,   ZabadLm  tendo   perdi- 
do   íó  três    dos    feus  ,  adquirio   tanta    DIOGO 
honra  nefte  encontro  ,  quaó  pouca  os  LOPES  DE 
Portuguezes.  siquei- 

■Siqueira  tinha  em  fim  partido  deí-  RA  G0~ 
de  o  mez  de  Fevereiro  com  huma  V3S*NAr 
nota  de  24  velas  ,  e  de  três  mii  ho-  D0K" 
mens  de  tropas,  dos  quaes  eraõ  i^Boo 
Portuguezes  ,  para  íe  unir  á  partida 
do  mar  Roxa  :  empreza  tantas  vezes 
recomendada  pela  Corte ,  tantas  vezes 
tentada  ,  e  fempre  infeliz.  Deitou  lo- 
go para  o  Cabo  de  Guardam ,  fugin- 
do da  Coita  d' Adem,  que  parecia  naó 
querer  tocar.  Sua  viagem  roi  promp- 
ta  até  o  Cabo  ,  onde  chegou  quaíi 
taó  de  preíTa  como  as  curvetas ,  as  quaes 
tinha  leito  hir  diante  para  baterem  ci- 
te mar ,  e  procurar  faber  noticias  dos 
Rumes,  que  dezejava  tomar  cie  repente, 
Tinha  ordenado  a  eftas  curvetas,  que 
deífem  de  paíTagem  caça  aos  navios  , 
que  cnccntraíTem  ;  a  fim  de  que  crendo 
ter  fó  *quatro  ,  ou  finco  embarca- 
T  'ú  çoés 


202  Historia  dos  Descobrimentos 

- — çoés    á  cara  ,   os    inimigos    tomatíerrt 

Akk.  cie  confiança  5   e  cahifeth  no  engano.  Al- 
J.  C.     guns   cias    fe  pafTaraó ,    fem  que  lhes 
i  -20.    aconteceífe    coifa    confideravel  ,    mais 
do   que   tomar  numa  pequena    aldeã  , 
D#    MA~  onde    naõ   ficara    mais    do    que  liuma 
koel  rei  ygjka  ^   a   quem   obrigarão   a  procurar- 
lhes  agua  de  que  rínhaõ  grande  necefli- 
Dloco    dade,  em  reconhecimento  de  naõ  que- 
Lopes  de  rerem  lançar  fogo   á  povoação.  Paliou 
siquEi"    depois    á  Coibi  da  Arábia    por  baixo 
ra  Go-    3'Âciém  ,   e  foi  dar  fobre  hum  pene- 
verka-    c|0   oncJe   o  feu  navio  fe  partio  ,  e  pe- 
D0R*        recco.  D'ahi  tendo  entrado  no  Eftrei- 
to  ,   foube  pelas  prezas  que   fez,  que 
tinhaõ  vindo  de  Gidda  féis  galeras  Tur- 
cas ,    e     Iq)5C0    homens   de  reforço: 
que  as  intenções  da  Porta  eraõ  de  to- 
mar Zeibit,  e  marchar  depois   contra 
Adem.    Sobre  iílo  houve  Confelho  ,  e 
expôz  as   ordens   que  tinha  ,  que  con- 
íiítiaó  ern  marchar   contra   a   frota   do 
Sultão  ,  ou   a  naõ  poder,  procurar  to- 
mar al^úm    conhecimento    das   terras 
do  Preftc  Joaõ  ,  abordar    a  ellas   ,    c 
deitar   cm  terra    o  Embaixador ,    que 
tinha  vindo  a  Portugal  da  parte   defte 
Príncipe,  e  aquelle  que  ElKei  D.Ma- 
noel lhe  enviava. 

Tendo   o    Confelho  votado  fobre 
v  primeiro  partido  ,    tomarão  o  Cabo 

fo- 


DOS    FoRTUGUEZESj    LlV.    VII.     20} 

fobre   Gidda  ,  porém   começando  a  lo- ' 

prar  os    ventos  Nortes  ,  e   fendo  du-ANN,   de 
ravcis   neíta  cefaõ  ,  o  temor   que  hou-    I.    C. 
ve    de  experimentar    as  mefrnas    dif-   1520. 

fracas   ,     que   tinhaó    acontecido     aos 
ois    precedentes    Governadores  ,    fez  „OELREI 
que     depois   de    terem  lutado    alguns    - 
dias    inutilmente,   fcíTem    obrigados   a    BlOGO 
tomar    o  fegundo  partido  ,    e   a  fazer 
derrota    para    á  Ilha    de  Macuá  ,  que  r 

i  1    •     -  i-      3      t»   r  SiQUci- 

descubrirao  em   dia  de  raícoa  ,   e  on- 
de  ancorarão  no  outro  dia  dez  d* Abril.  rFRN,.^ 
Os   moradores    a   tinhaó  abandonado,  * 

crendo,  que  a  frota  de  que  tinhaó  ti- 
do noticia  por  huma  geiva  ,  era  a 
dos   Turcos ,  cujo   tratamento  temiaó  , 

Í>oílo  que  Mahometanos  também  ;  de 
orte  que  o  General  'foi  obrigado  a 
fazer  avançar  alguns  brigantins  para 
tomar  lingoa.  Hum  deites  brigantins 
defcobrindo  de  muito  perto  a  terra  , 
veio  hum  pequeno  batel  a  bordo  , 
conduzido  por  três  homens,  queren- 
do reconhecido  os  Portuguezes ,  falta- 
rão no  brigantim  com  grandes  de- 
monílraçoés  de  alegria  ,  moftrando  nu- 
ma Carta  ,   e  hum  anel  que  traziaó. 

Eítes  homens  eraó  enviados  pe- 
lo Governador  de  Arquico  ,  Cidade 
logeita  ao  Imperador  efa  Ethiopia  ,  e 
porio    confiáeravel.     A    Carta    eferita 

em 


2^4  H-storia  dos   Descobrimentos 
— — —em  Árabe  teftemunhava  „    O  goílo  in- 
Ann;   de  „  finito  que  elle   tinha  de  ver  cm  fim 
j.  C.    _,,  cumpridas  fuás  antigas  Profecias ,  que 
leio.     55  lhes  annunciavaó  que  verlaò  hum  dia 
„  fobre  Tuas  terras  Chriflaõs  d'um  po- 
D<   MA"„  derozo   Reino  do  Occidente  >  que  fe 
KOEL  RE1  „  deviaõ  unir  por  amizade,    e  interef- 
35  fes   com    elle  ,   como  elies    o   efta- 
diogo    ^  va5  ;^  peja  ^  ^ue  profe{fava5.  Que 
to^Es  de  ^  Q    Rd  David   feu   Senhor   naó  fuf- 
lojjei-    ^  pirava   fenaó  per  efta  uniaó,  pela  ef- 
yj  perança   que  tinha  concebido  ,    que 
„  eiJa  íerviria  para  deftraiçaó  da  Seita 
„  de  Mafoma  :  Que  lhe  tinha   dado   as 
?5  ordens   as  mais  precizas  para  os  re- 
3,  ceber    bem   quando    apparecefíem  : 
„  Que    hia    dar  parte  ao   Barnages   , 
33  Governador  da  Provincia  ,  delta  boa 
3,  fortuna  :  Que  entre  tanto  elle  roga- 
33  va    ao  General  5  que    quizeíTe     per- 
mitir aos  habitantes  da  Ilha  de  Ma- 
çuá  3    que  voltaííem  para    fuás    Gi- 
zas ,  e    "de  os   confiderar    ainda   que 


PA     GO 

VERNA" 

DOR. 


53 
M 

3,  foíTem  Mahometanos  ,  como  vaífalíos 
33  do  Emperador  dos  Abexins.  „ 

A  leitura  deíla  Carta  encheo  os 
'Portuguezes  de  confolaçaõ.  Siqueira 
principaJ mente  ,  que  fe  conílderou  co- 
mo o  homem  mais  afortunado  por  ter 
feito  cíle  defeubrimento ,  naó  podia 
exprimir,  nem  conter  c  gofro  que  fen- 

tia. 


D.     MA- 
NOEL REI 


DIOGO 
LOPEi   DE 


DOS    PoRTVGUEZES  ,    LW«    Vil.    205» 

tia.     Refpondeo     ao     Governador    o  

mais  agradecido  que  pôde  ;  e  deo-  a  Ann.  de 
feus  Enviados  huma  bandeira  com  J.  C. 
huma  Cruz  como  a  da  Ordem  de  l  _20# 
Chrifto  ,  para  lhe  fervir  de  protecção. 
Eíle  Eftendarte  taó  refpeitavei  da 
noíTa  Religião  ,  apenas  foi  vifto 
pelos  habitantes  da  Cidade  d' Ar- 
quico  ,  logo  todos  correrão  de  tro- 
pel ,  como  em  procifíaõ  ,  com  o  Go- 
vernador na  frente  para  o  receber  ,  SI(^UEl" 
c  o  trouxeraõ  depois  cantando-  Hym-  RA  GO~ 
nos,  e  Pfalmos  até  fe»  Palácio,  íb-  vERKA" 
bre  o   qual  o   fez  arvorar.  D0R* 

Tendo  havido  mútuos  prezentes  , 
e  eílabelecido  maior  fegurança  de  am- 
bas as  partes  ,  os  que  vieraõ  faJiar 
da  parte  de  Governador  d'Arquico  pro- 
curarão noticias  d'um  certo  Embaixa- 
dor, que  o  Ernperador  da  Ethiopia  tinha 
enviado  ás  índias  para  o  fazer  pafTar 
de  lá  a  Portugal.  Era  eíle  o  que  ef- 
tava  na  frota  ,  e  que  tinhaó  occulta- 
do  pelas  razoes  que  eu  vou  á  dizer  :  po- 
rém hc  precizo  ,  que  eu  tome  dum 
pouco   mais   longe  a   fua  hiftoria. 

Nós  temos  viílo  até  aqui  os  cui- 
dados infinitos  que  tinhaó  tido  os  Reis 
D.  ]oaó  II.  e  D.  Manoel  ,  para  defcu- 
brir  as  terras  dum  Príncipe  Chriftaõ  , 
conhecido  na  Europa    defde  o  tempo 

da"s 


KA  GO- 
VERNA- 
DOR. 


"içá  Historia  cos  Descobrimentos 

'  das   Cruzadas  ,  pelo   nome  de  Preíte 

Ank.  de Joaó,  e  as  diferentes  peíToas  que  tinhaó 

J.  C.    enviado  por  diverfas  derrotas  para  del- 

ic2i.     *e  terem  algum  conhecimento.  Os  feus 

cuidados  tiaó  foraó  d' algum  modo  innu- 

d.  MA-te|s^   e  nos  remos  notado,  que   pelos 

*0ELREl  indícios  que  lhes  haviaõ  dado,  era  ef- 

te  o  Emperador  dos  Abexins  ,  ou   da 

diogo    £tnicpia   aita#  pecjro   ^   Covilhã  hum 

10PESDEdos  primeiros,  que  tinhaó  fido  envia- 
siQuEi-  ^os  a  e^te  defcobrimento  ,  tinha  che- 
gado á  Corre  deite  Principe  onde  nós 
o  deixamos.  Aquelles  que  depois  ten- 
tarão hir  lá  pelo  Senegal,  naó  o  con- 
íeguiraó  por  artificio  dos  mefmos  Por- 
tuguezes.  Os  que  foraó  pelo  Egypto  , 
€  peia  Coita  do  Zamguebar  ,  toraó 
os  mais  felices ,  principalmente  os  três 
que  Triftaó  da  Cunha  tinha  defem- 
barcado  em  Quiloa  ,  e  que  ArTonfo 
d  Albuquerque  fez  faltar  á  terra  perto 
do   Cabo   Guardafu. 

Pedro  da  Covilhã  tinha  íido 
muito  bem  recebido  do  Empera- 
dor Efcandcr  ,  ou  Alexandre  que  rei- 
nava entaó.  Éíle  Principe  vendo  as 
fuás  cartas  de  crença  o  tratou  muito 
bem  ,  e  concebeo  grandes  efperanças 
fobre  a  aliança  que  lhe  era  propof- 
ta.  Porem  a  morte  levando-o  na 
fior  de  íua  idade  3    feu  irmaó  Nahu  , 

que 


50S    PoRTVGUEZES,    LlV.    Vil.    lyl 

que  lhe    fuccedeo  ,   fe  achou   ter  ou-     ■■ 
tros   penfamentos   y    e   por  hum  prin-Ain».   de 
cipio   de  Politica  ,  ordinário  neíla   Mc-    J.  C. 
narquia ,    tirou     a  Pedro     da    Covilhã    i^zi. 
toda     a   efperança    de   poder  tornar  á 
fua   pátria  ;   de    maneira  que   Covilhã    D*    MA" 
tomando  partido  da  neceííidade  ,   fe  ca-  NOEL  REt 
zou  ,   e  naó  peníou  mais   que  em  aca- 
bar os  feus  dias   nefle  deftêrro.  Sendo    DTOGO 
morro   Nahu   pouco   tempo    depois   de LOPES  DC 
íeu  irmaó  ,   David   feu  filho  ainda  me-  SlfiUEI~ 
nino  ,  íubio   ao  Throno   na   tutella  da  PvA  G0~ 
Emperatriz  Helena  fua  Mãi.  ver na- 

Efta  Princeza  que  tinha  muito D0R» 
juizo  ,  e  valor  ,  emendou  os  erros  de 
Efcander  com  todo  o  goilo,  por  faber 
pela  voz  publica  as  grandes  coifas  que 
os  Portuguezes  tinhaõ  feito  nas  ín- 
dias ;  de  forte  que  ella  reíoiveo  ref- 
ponder  á  Embaixada  d'E!Rei  de  Por- 
tugal. Naó  pôz  ella  os  olhos  em  Pe- 
dro da  Covilhã  ,  do  retorno  do  qual 
fe  naó  podia  aífegurar  ;  porem  efeo- 
Iheo  hum  Chriftaó  chamado  MattheuSj 
Arménio  de  Naçaó  ,  que  tinha  aííiili- 
do  muito  tempo  no  Cairo  .  e  feito 
muitas  viagens  á  Ethiopia  ,  de  quem 
fe  havia  fervido  em  muitas  negocia- 
ções ,  e  que  por  iíTo  havia  merecido 
a  fua  confidencia.  A's  Cartas  de  Cren- 
ça   ajuntou    hum    Santo   Lenho     em 

hum 


2pB  Historía  dos  Descobrimentos 

hum  relicário  d'oiro  ,    de    que  fazia 

Ann.  de  prezenre   a  EIRei   de  Portugal.  £)eo- 

J.  C.     lhe  depois  por  companheiro    da  Em- 

1521.     baixada  hum  moço  Abexim  ,  homem 

nobre,    e  os  fez  pafTar    ambos  fecre- 

"  tamente  ás  índias ,   onde  deviaó  pedir 

koel  rei  aQ    Qovernajor    huma    pafTagem  para 


DIOGO 


Portugal 


t»c 


Affonfo  d' Albuquerque  ,    que  ef- 
lopes  de  tava    enta-    fervindo  ,    tirou   o    Em- 
S10.UEI-    baixador  das  maôs  do  Tanadar  de  Da- 
RA  ao-    ^1  ^    ^lie  Q   ^nha  como    em  prizaõ. 
verka-     Pez -lhe  todas  as  honras  na  Cidade  de 
S>0K'        Goa  ,  e  o  fez  paíTar  a  Cochim  ,  como 
í  í  diffe  5  para  o  fazer  embarcar  no  me- 
lhor navio  ,  que  ouvefTe  de  partir  neíle 
me  imo   anuo  para  Portugal.   Porém  o 
Embaixador    naõ  tendo  nada    de  res- 
peitável   mais    do  que    o  feu  próprio 
merecimento  ,    coiía    pouco   conheci- 
da em  hum  eitrangeiro  ,  e  pouco  ef- 
timada  daquelles  ,  que  naõ  fazem  cazo 
fe  na5  d'um  certo   eítrondo  ,  que   fe 
naõ   via    nelle  ,   os    inimigos  d' Albu- 
querque ,  aquelles  mefmos  que  tinhaó 
mais  auctoridade    em  Cochim,   o  ttaH 
taraó  como  hum  impoftor  ,  e  lhe  fize- 
ra5   toda    a   qualidade   d'aíírontas  ,  as 
quaes    augmentaraó    ainda    os     Capi- 
tães Bernardim  Freire ,  e  Francifco  Pe- 
reira Peftana ,  pelo  que  fofFreo  muito, 

na 


DIOGO 

PES   DE 


SOS   PoRTUCUEZES  ,    LlV.    VII.     l$<) 

na  viagem  ,  e  particularmente  em  Mo-  — 

çambique.  Ann.   de 

D.  Manoel  ,  que  diílo  foi  infor-    J.  C. 
mado  ainda  antes  que  chegaííem  ,   in-    Ir>i. 
dignou-fe  tanto   diíto  y  que  enviou  ao 
encontro   deães   dois   Capitães   para  os    D*    MA~ 
meterem  á  ferros ,  e  o>  transportarem  N0EL  REl 
depois  para  ás  cadèas  de  Lisboa,  on 
de  expiarão     por  muito   tempo   a   lua    u 
culpa  ,    e  d'onde    naó   fahiraó   fe   naó  LO 
pelas   repetidas  inftancias  do  Embaixa-  *IQU 
dor  ,   que   tinhaõ  maltratado.    No   que  RA  G0" 
toca  ao  Embaixador  El  Rei  lhe  fez  to-  VERNA* 
das   as   honras  que   merecia   a  Ma  gel-  DOR* 
tade  do  Monarca  que  o  enviara  ,  e  de 
quem    qIIq   tinha   procurado   o   conhe- 
cimento  com  tanta   paixaó.  Depois  de 
fe  demorar   alguns   mezes  D.   Manoel 
o   fez     tornar  para    ás   índias   com   o 
moço  Abexim ,  e  o  fez  acompanhar  por 
hum  novo  Embaixador  ,  que  enviava 
elle  mefmo  á  Corte  da  Éthiopia  ,  dan- 
do ordem    a  Soares   5  que    era  entaó 
Governador   ,   de  os   conduzir  peífoal- 
mente  na  frota ,  que  devia  conduzir  pa- 
ra o   mar  Roxo  ,   e  de  os  dezembar- 
car  onde  podeífe  nas   terras   dos  Abe- 
xins. 

ElRei  teílemunhava  quanta  pai- 
xaó tinha  por  efte  negocio  ,  e  a  gran- 
de opinião  que  dolÍQ  tinha  concebido  , 

pe- 


^oo  UstôrÍa  dos  Descobrimentos? 

pela  efcolha    da  peflba  ,  que   chamour 

Annt.  de  para  efta  Embaixada.   Era  eíle  Duar- 

J.  C.     te  Galvaõ  ,    depois  de    fe  ter  diftin- 

ic2i.    guido    nas  guerras    de  Africa  ,    tinha 

commandado  os  corpos  de  tropas  auxi- 

d.    ma-  ijares  ^    que   £iRei  de  Portugal   havia 

K0ELREl  enviado    aos  Principes    feus   alliados  , 
e   fe  havia  ainda  feito  mais  recommen- 
diogo    javej_  peios  importantes  negócios  ,  que 
tratara    com   grande  polnica  na   maior 
siquci-    parte  ^as    cortes  dos  maiores  Princi- 
ka  GO-    pes   ja  £uropa  ?  e  que   eftando  entaó 
verna-     em  ]luma  idade   muito   adiantada  ,  de- 
P0R"         via  admirar-fe  muito  de  fe  ver  encar- 
regado  duma  commiíTaõ  para  o  fim  do 
mundo  ,  que  tinha  mais  ar  duma  aven- 
tura ,  que  de  huma  Embaixada.   Com 
tudo  o  zelo  ,  e  o  efpirito  de  Religião  lha 
fizcraõ  aceitar  com  goílo  ,  na  efperança 
de  neiia  procurar  a  gloria  de  Dcos.  Po- 
rem como   Soares  na  fua  empreza  do 
mar  Roxo,  naó  executou  nada  de  quan- 
to El  Rei  lhe  tinha  ordenado  ,  Galvão 
rr.orreo   por   caufa  das   fadigas  ,  e   fo- 
me   que  lofreo     na  Ilha     de    Cama- 
rão ,   á  vifta ,  para  aílim  dizer ,  da  de 
Maçui  ,     naó   lhe    faltando   mais   que 
dois   p.iíTos    para   entrar   no   porto   taõ 
dezejado.    Galvaõ  era  hum    fanto  ;  b 
naufrágio   de  Jorge  feu  filho ,  que   elle 
vio  c'os  olhos  do  efpirito  3  e  que  el- 
le 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.  VII.    30f 

le  declarou  quando  morreo ,  augmen «. 

tou   muito   a  opinião  ,   que  tinhaó   de  Ann.   de 
fua  virtude  ,  quando  o  lucceíío  juíti-    J.  C. 
ficou   a  verdade  da   profecia.  j_2I 

O    Embaixador    Mattheus    tendo 
tornado    ás   índias    com    Soares   ,  foi    D*    MA" 
obrigado   d'alli   efperar   até    á   expedi- NOEL  REl 
çaó  de  Siqueira  ,  que   fe  embarcou  de 
novo   com  Hodrigo  de  Lima  ,  que  D.    DlOGO 
Manoel  fubftituira  a  Galvaó.  Em  to-  L0?ES  DE 
do  eíle  entervalo  naó  foi  maltratado  ,  S,£UE1~ 
como   o  tinha  fido  por  feus  primeiros  RA  G0~ 
perfeguidores  ,  tinha  com  tudo  o  dif-  VERNA~ 
gofto    de  fe    ver    em    pouca    eftima- D0K% 
çaó  y  e  peio  menos   fuípeito   a  huma 
infinidade  de  gente  3  que    o  coníide- 
deravaõ     como   hum   impoítor  3    hum 
vagabundo  ,  e  hum  efpiaó. 

Porém  quando  o  aprezentaraó  a 
cftes  Abexins  ,  que  por  elle  procura- 
rão ,  o  momento  defte  reconhecimen- 
to fez  chorar  a  todos.  Eíta  boa  gen- 
te fe  proftrou  logo  beijando-lhe  a 
maó  ,  e  chamando-lhe  muitas  veze^ 
Abba  Mattheus  3  que  quer  dizer,  Pai 
Mattheus.  Eíte  venerável  velho ,  cho- 
rando elle  mefmo  de  goífo  ,  e  de  ter- 
nura ,  e  banhando  a  íua  branca  barba 
c'o  feu  pranto,  abraçando-os  em  tor- 
no de  fi ,  defprezando  fuás  penas  paf- 
íadas ,  e  as  immenfas  fadigas  de  dez 

an- 


i:OíiL  R.E1 


302    Historia  dos  Descobrimentos 

— - -■ annos      fucceffivos     ,    ciava     publica- 

Akn.  demente     graças     a     Deos    5     de     que 
].   C    tendo   fò  propofto    a  lua    floria  ,   íe 
1521.    havia  dignado   d'abençoar    Teus  traba* 
lhos  ,  unindo  de  tamanha  diftancia  duas 
taõ   poderozas  Nações  ,  para  o   bem , 
e  augmento   da    Religião.    Suas  pala- 
vras ,    e  o  ar  com  que  as  dizia  ,  to- 
diogo    cava5  vivamente    o   coração   de  todos 
xorEs  de03    ^ue  e^ava5  prezentes  ,   principais 
si  que  1-    mente    ^os   Portuguezes    a  quem  eíle 
ka  gc-    expedaculo  reprehendia  vivamente   as 
verna-    injurias  que  ine  tinhaó  feito  padecer. 
E0R'  Efperavaó   o  Barnagues  ,  ou  Go- 

vernador General  da  Provinda  ,  que 
he  huma  das  primeiras  peílòas  do  Rei- 
no, d'ordinario  hum  próximo  parente 
do  Emperador  ,  e  elle  meímo  Rei 
do  Reino  de  Figre-Mahon.  Neile  in- 
tervallo  Siqueira  tomou  conhecimento 
da  Ilha  de  Maçuá  ,  fez  purificar  hu- 
ma das  fuás  Mefquitas  ,  que  conver- 
teo  em  Capella  de  NL  Senhora  da  Con- 
ceição ,  onde  celebrarão  os  Santos  Myf- 
terios.  Pedro  Gomes  ,  Prefidente  do 
Ccnfelho  das  índias  d  outra  parte  com 
o  Em.baixador  Mattheus  ,  foraó  vifi- 
rar  hum  celebre  Moíleiro  da  Ordem 
de  Santo  António  ,  chamado  de  Jesus  , 
ou  da  Vifaõ  ,  onde  receberão  toda  a 
forte  de  abençoes  dá  pane  dos  feus  Pve- 
Jieiozos.  Final- 


DOS    PORTUGUEZES,    LlV.    VII.    3O3 

Finalmente  o  Barnagues  chegou 


Louveraõ  logo  algumas  difficuldades,  por  Ann.   de 
cauza  do  ceremonial  da  fua   audiência     J.   C. 
para  o  General.    Regularão  com  tudo    1^21. 
que  fe  faria  num  vafto  campo  ,  onde 
eftariaõ    três  cadeiras   ,  huma  para  o    D*    MAm 
Barnagues  ,    a  fegunda  para    o  Gene-  *OEL  REl 
ral ,  e  terceira  para  o  Embaixador  Mat- 
theus.   O   Barnagues   chegou    aili  com    D1°GO 
dois   mil  homens  de  pé  ,  e  duzentos  LOlLS  VB 
cavallos.  Siqueira  conduzio   fó  jÉÍÒO  ho-  s,çt,E1" 
mens   ,  que  difpôz   em  bela    ordem  ,  RA  o0 
e  fe  adiantou  fomente  na  frente  de  60.  VERKA"* 
Depois    d'alguns    cumprimcrKos  ,  que  D0R* 
foraó  feguidos  de  mútuos  prezentes ,  o 
General  entregou  ao  Barnagues  os  dois 
Embaixadores  ,  e  a  fua  cometiva.  Fal- 
laraõ  depois  no  projecto  de  fundar  hu- 
ma Forteíeza  em  Maçuá,   ou  na  Ilha 
de  Camarão  ,    fobre  o  que  fe  naó  po- 
de concluir  nada   de  repente.   Em  rim 
jurarão  de  parte  a  parte  huma  efpecie 
d'alliança  fobre  os  Santos  Evangelhos  , 
e  cada  hum  fe  retirou  para   fua  parte. 
Os    Embaixadores    Mattheus  ,  e 
Rodrigo  de  Lima  foraó  entregados   ao 
Governador  d'Arquico  ,   que  os   devia 
Fazer  conduzir  á  Corte,  para  onde  os 
deixaremos  ir  ,  para  feguirmos  Siquei- 
ra ,   que  fe  pôz   em    caminho  para  ás 
índias.   O  retorno    deite  General  naó 

te- 


304  Historia  dos  Descobrimento? 

-" teve    nada   memorável    até   ao    Golfo 

Ann.   deIJeríico,  a   naó  ler    o  eftrago  que  fez 

J-  C.     na  Ilha  de  Deloca  ,    que   achou  aban- 

152 1.     donada,  e  perdeo   ainda  hum  dos   ieus 

navios     commandado    por     Jeronymo 

D.       MA-    j        „  ,~  ~    ,     •      r  ,  ■,' 

de  Souza.    Lm    Calaiate  achou   Jor^e 
d  Albuquerque  a  quem  deixou   0U0- 


DlOGO 


RA    GO- 
VERNA 
SOR. 


verno  da  íua  frota  ,  para  hir  elle  mef- 
mo  com  as  pequenas  embarcações  in- 

X-OIES  DE  ^\     x  J         1  • 

vernar  a  Ormuz,  donde  partio  no  mez 
l?1^"  ^'Agcílo  para  tornar  para  olndoftam, 
fem  ter  feito  mais  nada,  que  feus  pre- 
deceíTores  ,  cem  todo  eíie  poderozo  ar- 
mamento ,  a  naó  íe  contar  por  algu- 
ma coifa  o  que  fez  em  Arquico  ,  o 
que  teria  feito  huma  íimplez  galera  , 
taóbem  como  elle  com  toda  fua  frota. 
Na  auzencia  de  Siqueira ,  o  Rei 
cie  Narfinga  ,  e  o  Idalcaó  tiveraó  guer- 
ra. O  primeiro  a  declarou  ,  e  rompeo 
a  tregoa  que  tinha  feito.  Tinha  para 
iíío  muito  fortes  motivos.  O  Idalcaõ 
dava  hum  afilo  a  todos  os  fugitivos 
contra  as  leis  eítabciicidas  entre  elles ; 
porem  como  a  queixa  podia  ler  ílludida 
por  ralças  cores  ,  o  Rei  de  Narímga 
querendo  ter  hum  pretexto  mais  plau- 
fivel  ,  uzou  deíle  eitratagema.  Enviou 
a  Goa  hum  Mouro  ,  chamado  Cid- 
Mercar  para  comprar  cavallos  ,  deo- 
lhe  groíla  forniria  de  dinheiro  3  e  cartas 

pa- 


DOS    PoRTVGUEZES  ,    LlV.    VII.    30^ 

para    o   Governador.   Como  o  Mouro 

devia  paflar   pelas    terras    do  Idalcaó  ;  Ann.  de 
porque  o  negocio  naó  era  ooculto  ,  nem     J.  C. 
o  devia   Ter  fegundo    as   intenções   de    i^2i. 
quem  o  enviava  ,  foubeo  o  Idalcaó  ,  e 
fez   mil   agrados  a  Mercar  ,  como  pa- 
ra honrar   nelle   o    langue    de    Maro-NOELREI 
ma  ,    e   o  turbante  verde ,   e  leparan- 
do-o  do  ferviço   do  Rei   de  Narfinga,    Dl0GO 
o    fez    Commandante    de    huma    das  L0PEb  DE 
fuás  praças,  onde  o  fez  depois   matar  SI(^LEI~ 
fecretamente  ,  e  roubou   íeus   thezou-  RA  GO~ 
ros.    O  Rei    de  Narfinga  ,   que    naó  vERNA~ 
eíperava  mais  que  efte  momento,  pôz  D  R* 
em   pé  hum    exercito    fimilhanre     em 
numero    ao    de  Xerxes  ,    e  foi  fitiar 
Rachol  ,  praça  forte  que  o  Idalcaó  lhe 
tinha  tomado.  Pondo-íe   o  Idalcaó  em 
movimento  para  fazer  levantar  o  fido, 
perdeo   a  batalha  ,   na  qual  40  Portu- 
guezes  arrenegados   fe  deixarão  matar 
por  defenderem  hum  dos  Generaes  do 
Idalcaó  ,  que  foi  feito  prifioneiro.  De- 
pois defta  vi&oria  ,  Rachol  foi  obriga- 
a   render-fe    ao    vencedor    pela  deter- 
minação d'outros  20  Portuguezes  ,  que 
ferviaó     no   exercito  do  Rei    de  Nar- 
íinga ,   cujo   Chefe  fe  chamava  Chrif- 

i  tovaó  de  Figueiredo :   tendo  feito   ma- 
ior imprelTaó  eftes  20  homens  fobre  os 

i  fitiados  ,  do  que  efta  multidão  innume- 
Tom.  II.  V  u«. 


$o6  Historia  dos  Descobrimentos 

-a ravel   de  bárbaros  vicloriozos  ,  contra 

Atro.    de  os    quaes    eíiavaó  determinados    a  fe 
J.  C.     defender. 

j   2I  O  Idalcaó  reduzido  a  huma  ver- 

gonhoza  retirada  experimentou   novas 
d.    MA-3ifgraças   da  fortuna.    Os  Gines,  que 
koel  rei  £^  huma  caíla  de  índios  eftabeiecidos 
nas  terras  marítimas,  antes  que  os  Mou- 
dioco    ros  os   tiverem   expulfado   ,    vendo  o 
lopes  de  jdalcaõ    oceupado    com    efta    guerra  , 
siquei-    ^efeeraõ    do  monte    de  Gate  em  nu- 
ra  Go-    mero   je   8<&ooo  homens  ,  e  fe    apo- 
verna-    deraraõ  duma  parte  da  terra  firme  nos 
dor.-       fuburbios  de  Goa.   O  Tanadar  do  Idal- 
caó querendo   converter    em   feu   pro- 
veito   o  que  tinha    em  feu    poder  do 
produto  cias  fuás  rendas ,  avizou  promp- 
tamente   a  Rui   de  Mello  Governador 
de  Goa  ,  da  irrupção  dos  Gines ,  per- 
fuadindo-o    que    íó  delle    dependia  o 
apoderar-fe  das  Alfandegas  da  terra  fir- 
me ,  e  que  o  Idalcaó    dezejaria  antes 
que    ellas  eftiveffem  em  poder   delle  , 
do  -que  ho  dos   feus   vaífallos  rebeldes. 
Mello   póz    o  negocio   em  Confelho  : 
o  cazo  tinha  fácil  decizaó.    Os  Gines 
eraó  alliados  ,  e  eíiavaó  em  paz  com 
o  Idalcaó  ;  porém   a  cubica  tendo   a- 
chado  pretextos  para  illudir    os  trata- 
dos ,  e  a  ié  dos  juramentos  ,  cubiçoza- 
mente  fe  aproveitarão  deita  occaíiaó, 

t 


DOS    PoRTtJGUEZES  ,    LlV.    VII.    3O7 

e  Rui  de  Mello  Jufarte  foi  enviado  pe 

lo   Governador    feu  tio    contra  os   Gí-Ann.   de 
nes   na  frente  de  fere,  ou  oito  centos     ].  G. 
homens.  Naó  fe  achando  eítcs  em  ef-      i^zi. 
tado    de  contraftar  com    os  Portugue- 
zes  ,  lhes   abandonarão   o   território  de    D^    UAr 
Goa,  e  paliarão  mais  longe.  O  Tana-1,0*11"  REI 
dar    aplaudindo   a     fua    perfídia   ,   fez 
paííar     fecretamente    groíías     í ornas   á    DIOGO 
Goa  ,  para  onde   fe   retirou  para  eílar  LOi>ES  DE 
feguro,    forem  Deos   vingador  da  má  M'2UEI" 
fé  ,  permite  que  ella  naó  utilize  a  nin-  RA  ^co' 
guera.    A   traição   do   Idalcaõ  lhe   cuf-VERÍ,A~ 
tou   caro  pelas  perdas  que  fez.    A  do  D0K% 
Rei    de  Narílnga  lhe   aproveitou   pou- 
co ,   porque   perdeo   pouco  tempo   de- 
pois  a  Cidade   de  Racho!  ,  que   tinha 
lido   objeclo   da  infracção    da  paz.    O 
pérfido  rendeiro  querendo  retirar  o  di- 
nheiro de  feu  Senhor,  que   elie  tinha 
em  depofito  ,  o  amigo  Português  ,  de 
quem    o  confiou  ,  negou  a  divida  ,   o 
que  póz  o  Tanadar  em  taó  grande  fu- 
ror ,   que  endoudeceo.   O  infiel  depofi- 
tario   naó   gozou   do   feu  roubo  ,   e   da 
lua  falfidade  :  huma  morre  precepita* 
da  o  levou   poucos  dias  depois.   Finai* 
mente    os  Portuguezes    perderão  tarri* 
bem   as  Alfandegas  ,   que   linliaó   tifft* 
do   com  mais   facilidade,  que  juftiça. 
Os  Portuguezes  ti  verão  então  ho- 
V  li  ma 


308   Historia  dos  Descobrimentos 

——ma  occafiaó  de  fazerem  ainda  melhor 
Akn.   de  os   feus  negócios   n'outra   parte,    com 
J.C.     a  apparcncia    da  equidade  ,   e   da   de- 
i<2i.     fenÇa  ^°  direito  dos  pupillos  ;  eu  naó 
fei    com  tudo   fe   o  fundamento  delta 
D*    MA~  equidade    he  bem    folido.    No  tempo 
koel  rei  que   Affonfo   d'AIbuquerque   foi  tomar 
Malaca,   fazendo-fe   encontradiço  com 
DIOGO    hum  Junco  ,  que  naõ  pôde  tomar,  por- 
lopes  de  que  tocjos  os  que  eftavaó  dentro  fe  acha- 
stqirci-    va^  determinados   a  morrer  ,' antes  do 
KA  GO~    que  fe  deixarem  tomar  por  viva  força. 
ver  na-     Quando  porém  defcoríoava  de  o  con- 
dor.         feguir  ,   vieraô   de  livre  vontade  fazer 
propofiçoés  ,   e  rogar  efte   grande   ho- 
mem   para  tomar   em  protecção    hum 
Rei  infeliz  expulfado  de   feus  Eítados 
por   hum   injufto  ufurpador.    Era   efte 
Sultão  Zeinal  ,    que   tinha  fido  defpo- 
jado  do  Reino   de  Pacem.    Albuquer- 
que aceitou  com   gofto   a  propoílçaõ  9 
e  conduíio    efte  Príncipe    a    Malaca , 
refoluto   de  fe  fervir  delle   para   bem 
de  feus  negócios ,  depois  da  tomada  da 
Cidade.  Zeinal  vendo  que  efte  Gene- 
ral lhe  tinha   faltado  na   primeira  ex- 
periência achou   meio  de    fe  efcapar , 
e   paíTar   para    o  campo    de   Mahmud. 
Sendo  a  Cidade  tomada  voltou  ainda 
«i  Albuquerque  ;  porém  perfentindo  que 
Albuquerque  o  conduíia  para  o  Indof- 

tan, 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV^    VII.    3O9 

cari ,  e  que  o  foccorro  que  lhe  prome — ^ 

tiaó  podia  demorar-fe ,    tornou   a  paf-  Ann.  de 
far  ainda    para    o  campo    inimigo  ,  e    J.  C. 
íeguio  a  fortuna  de  Mahmud  deipoja-     jrzi. 
do  de  feus  Eftados  como  elle. 

Os  Reis  da  Ilha  de  Sumarra  eraó     D*    MA* 
de  tal  modo  dependentes    do  capricho  N0EL  REI# 
dos    feus  vaíTallos  3  que   era   coifa  ef- 
pantoza,  haver  quem  o  quizeffe  fer.   O    DIOGO 
menor  fanático  alli  cauzava  hum   arroi-  LOPES  DE 
do   popular  ,    e    tanto    que    hum   inf-  SIQUE1" 
pirado   tinha    pronunciado    no    feu  en-  RA  GO~ 
tuziafmo  ,  morra  o  Rei  ,  eftava   efte  VERKA'5 
fentenciado  de  morte,  era  degolado ,  e  D0Rl 
matavaõ   todos   os  que  eraó   feus   apai- 
xonados, fem   encontrar   da  parte  dcl- 
les    a  menor    refiítencia.   Deíle  modo 
tinhaó  matado  muitos  em  Pacem  ,  quan- 
do Zeinal  ajudado  das  tropas  de  Mali- 
mud   recuperou  o  Throno  cie  feus  pais. 
O  ultimo   Rei  que    Zeinal  defpojou  , 
deixou    hum  filho  de   quafi    12  anhos 
de    idade.    O    Molona  ,    ou  chefe  da 
Religião    faívando  efte  menino  o  con- 
duíio   ao  Indoftan  para   implorar  o  foc- 
corro dos  Portuguezes ,    e  metello  na 
protecção  do  Governador  General ,  of- 
íerecendo  fazerem-no  a  elle ,  e  ao  feu 
Remo  tributários  de  Portugal  ,  e   que 
daria  lugar   para  fazer  huma    Fortale- 
za em  Pacem.  Sendo  aceitado  efte  par- 
tido y 


5 10  Historia    dos  Descobrimentos 

■  tido  ,    Jorge  cTAlbuquerque  3  que  hia 

Ann.  c.2  tomar  pofle    cio  Governo    de  Malaca  , 
J.   C.    foi  encarregado  da  commiffaó  de  refti- 
i^í.     tuir  cfte  Príncipe  á  poííe  dos  feus  Ei- 
rados. 

Ainda  que  Sultão  naõ  recebeo  os 
ícgel  rei  foccorros  de  Mahmud,  que   de  propo- 
ílto    o  havia    feito  feu    genro    para  o 
dioco     obrigar  mais ,  fe  naó  com  ar.  condições 
lo:  es  de  jc  rc  rerv:r  delíe  contra  os  Portugue- 
moueí-     zes  ?  com  tU£|0  eiqe  principe  mudando 
km  Go-    ^  entcreííes  com  a  íua   boa   fortuna  , 
verna-    nPt5  ddejava  outra    coifa  mais   que  a 
por.         aliiançâ    delies.    E   porque    no  tempo 
de  revolução    o  feitor  que  eílava    em 
Pacem  ,   tinha   fugido  pelo  temor  que 
teve  deile  ,  do  que  fe  difgoftou  mui- 
to   ,    mandou    rogar    ao    Governador 
de  Malaca  ,    que  lhe   mandaífe    algum 
com    quem    podeíTe    faltar  nos    negó- 
cios ,    o    que    foi  feito.    Porém  a  paz 
naó  durou  pela  imprudencra  de  Diogo 
Vaz  ,    que    lhe  foi  enviado.   Efte  ho- 
mem  infclente  ,  tendo  perdido  muitas 
vezes  o  reípeito  devido  a  eíle  Princi- 
cipe,   foi  a  victima  da  indignação  dos 
feus    Cortezaôs  ,   que     o   apunhalarão 
com    alguns  dos  feus,    fem   para  iíTo 
efperarem  ordem. 

Jorge    d 'Albuquerque  tendo-fe   a- 
prezentado  no  porto  de  Pacem  com  o 

feu 


DOS   PORTUGUEZES  ,   LlV.    VII.    3II 

fcu  pupillo  Zeinal ,  para  ferenar  a  tem — 

peftade ,  ofFereceo  todas  aquellas  con-  Akn.  de 
diçoés  ,    e    as    mefmas     vantagens   ,    ].      C. 
que  os  Portuguezes  podiaõ  efperar  da-      \rn. 
cuelle  de  quem  tinhaó  tomado  a  de- 
tença.   Albuquerque  naó   quiz  atender    D*    MA" 
a  coifa  alguma  ,  e  fe  difpoz  a  uzar  de  N0EL  REi 
força    deícuberta.    Zeinal   ,     temendo 
as   alterações   populares,  íe  tinha   for-    DI0G0 
tificado  em  hum  campo  fora  da  Cida-  LOPES  D1 
de  com  hum  dobrado  cerco.    As  tro-  SI(^utl" 
pas  Portuguezas   de  hum  lado  com  as  RA  G< 
do  Rei  d'Áuru   do  outro  ,  o  attacaraó ,  vERNA~ 
e  o  tomarão.  Zeinal  combatendo  com  V0K* 
valor    alli  o   matarão.    O   Principc  .pu- 
pilo naó   tendo  competidor  ,  foi   refti- 
tuido  ao  Throno.  Os  Portuguezes  hm- 
daraó  a  fua  Fortaleza  ,    e  fe  aprovei- 
tarão de  muitos  defpojos. 

No  mefmo  dia  que  Albuquerque 
ganhou  eíla  formoza  vicloria,  os  Portu- 
guezes  receberão  pouco  depois  huma 
perda  confideravel  ,  que  fervio  de  def- 
conto.  Jorge  de  Brito  tinha  paílado 
neíie  anno  de  Portugal  para  ás  ín- 
dias ,  commandando  liuma  efquadra  de 
nove  navios.  Tendo  chegado  a  Co- 
chim  5  foi  defpachado  peio  Governa- 
dor General  para  ás  Malucas  ,  para 
onde  eílava  -deítinado  com  hum  a  ef- 
quadra   de  fete  navios.   Pouco  depois 

par- 


RA  GO- 
VERNA- 
DOR. 


512  Historia  dos  Descobrimentos 

■  ■  parrio  Jorge  d'Albuquerque ,    em  cuja 

Ann.  deconferva    naõ  pôde  hir.     Aportando   a 

J.  C.    Achem  ,  hum  Portuguez  chamado  ]oaó 

1521.     de  Borba,    veio  a    Teu   bordo   para  o 

faudar.  Efte  homem  depois  de  ter  nau- 

^~  frasrado  ,    e  lutado  por   nove  dias   em 

ttOEL  REI  1  *.  ri  C 

hum    pequeno   eícaler  ,    contra  a  to- 
me  ,  ventos,  e  ondas,  tinha   arriba- 
do a  Achem,  onde  tinha  fido   recolhi- 
lo       de  {jo    p£|o  ^ej    ^a  maneira   mais  afável 

do  mundo.  Borba  reconheceo  mal  os 
favores  deite  Príncipe  ;  porque  tanto 
que  chegou  a  bordo ,  períuadio  Brito  ; 
que  fe  apoderaííe  d'um  Pagode  ,  di- 
zendo-lhe  ,  que  nelle  acharia  riquezas 
immenfas.  E  a  fim  de  o  animar  a  ef~ 
ta  acçaó  ,  lhe  fingio  que  o  Rei  d' Achem 
tinha  aproveitado  as  relíquias  do  nau- 
frágio aum  dos  feus  navios,  e  feito 
morrer  os  Portuguezes  ,  que  dclle  fe 
tinhaõ  falvado.  Brito  ,  enganado  pola 
efperança  deitas  riquezas,  que  cria  já 
poíluir,  enviou  fazer  propoíiçoés  mui- 
to extraordinárias  ao  Rei  ,  que  lhe 
refpondeo  com  tudo  de  modo  que  fa- 
t  is  fana  todo  o  homem  ,  que  foíTe  per- 
fil adi  do'  de  que  era  dotado  de  razaó. 
Brito  receou  no  mefmo  tempo  o  foc- 
corro  d'outro  navio  Portuguez ,  que  fe 
achava  no  porto,  com  o  pretexto  de 
naó    fer  da    fua    efquadra  3    e   muito 

mais 


COS   PoRTVGVE2E5,    LlV.    VII.    $1$ 

imais  para  naõ   fcr   obrigado  a  lhe  dar —• 

parte  no  roubo  do   Pagode.  Ann.  de 

Determinado    em  attacar    a  Cida-     .'•  C- 
de,  mandou  zz  homens  para  o  defembar-     1 52 1 . 
que ,  os  Capitães  na  frente  delles  nas    d      m^ 
fuás  chalupas  á  excepção  de  Francif- ^  ^ 
co  Godinz ,  que  os  ieguia  com  a  lua  tui- 
ta   onde  eftava  a  artilheria  ,    e   os  ar-    DlOGO 
cabuzeiros  em  numero  de  70.    Tendo-  LOpES  DE 
fe    as    chalupas    adiantado  ,    porque  a    10TJEI_ 
fuíla    naõ   podia    andar    tanto   ,  Brito         „n 
quiz    elperalla  ,  porque    ella  trazia  as  VERNA, 
luas  principaes  forças  ,  que  devia  além      R* 
difíb  defender  ,  e  favorecer  o  defembar- 
que  ;   porém  hum  vento  de  terra  ,  que 
engroífava  as  aguas  da  embocadura  do 
rio  ,  dando-lhe   muito   trabalho  ,   e  al- 
guns   falconetes  ,    que    atiravaó  d'um 
pequeno    baluarte   viílnho  ,  os  feus  o 
confrangerão    a  ferrar   a  praia   ,     e  a 
defembarcar.    O  que  levava    a  bandei- 
ra de  Brito  ,  tendo-fe  atordoado  á  for- 
ça de  vinho  para  ter  mais  animo  ,  par- 
tio  defmandadamente  ,    tanto  que  poz 
pc  em  terra  fem  efperar  ordem.   Brito 
c'os  feus  gritos  3  fez  quanto  pôde  pa- 
ra o   demorar ,   e  os  aventureiros   que 
o  feguiraó  ;  mas  eílando   todos   furaos 
á  fua  voz,  e  o  numero  delles  engrof- 
fando    cada    vez   mais    ,     elle   mel  mo 
foi  arraftado  contra  leu  goílo.  Naõ  eí- 

tive- 


$14  Historia  dos  Descobrimentos 

tivcraõ  muito  tempo  que  naõ  cahiflen* 

Ann.  de  fobre  hum  corpo  de  mil  homens  con- 
J.  C     duzido    pelo    Rei    em    peílòa.    Como 
1521,    os  Portuguezes  naó  tinhaó  configo  os 
m  Teus   arcabuzeiros   ,    foraó  logo  debai- 
xo.   O   Alferes  autor  da  difsraça  com- 

JíOELREt  n-  1       r  •      *         1 

mum  teve  o  caítigo  da  lua  imprudên- 
cia .  fendo    o  primeiro   que    matarão. 

DIOGO     1  j      t»  •     r  l  ^ 

Jorge    de  Bnto  3    e  outros   três  Capi- 

DE  taés  da  fua  frota  tiveraó  a  mefma  for- 

siquei-    ^    Gafpar  Fernandes,  bom  OíHcial, 

A       "    chegando-fe   muito    a    hum    Elefante 
Vjirna-     para    o  paflpar   com    a    fua  iança  ^  efte 

R*  animal  o  tomou  na  tromba  ,  e  o  ar- 
remeçou  taó  alto  que  cahio  morto. 
Pondo-fe  o  reíto  em  fugida  ,  Louren- 
ço  Coutinho  3  hum  dos  Capitães  que 
vinha  unir-fe  ao  groíTo ,  e  fazia  como 
o  corpo  de  rezerva  ,  vendo  efta  deC~ 
truiçaó  ,  fe  deitou  a  fugir  ,  em  vez 
de  efperar  para  fuíler  os  fugitivos.  O 
que  <kndo  animo  aos  inimigos  ,  fica- 
rão 70  Portuguezes  mortos  nefta  ver- 
gonhoza  retirada.  Só  dois  ,  a  faber 
Luiz  Rapozo  ,  e  Pedro  Vellozo  ,  cu- 
jos nomes  merecem  fer  immortaes  , 
repararão  a  honra  da  fua  Naçaó.  Ef- 
tando  preíles  a  fe  embarcarem ,  e  naõ 
vendo  o  feu  General,  determinaraó-fe 
a  hirem-no.  bufcar  ,  e  o  reconduzi- 
rem ,  ou  morrerem  com  elle  \  e  de- 
pois 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    $I£- 

pois   de  fazerem  prodígios  de    valor  , j- 

morrerão    trafpaiTados.    O    Capitão    da  Ann.   de 
fuíla    julgando   pelo   eflrondo    que  ti-    J-    Ca- 
nhão travado  peleja,  fez  quanto  pôde    i^zi. 
para  abordar    ;    mas    encalhando   ,  foi     D         _ 
obrigado    a   eíperar  a  preiamar  ,  ,Para  N0EL  Kei 
fe    deíencalhar.    Depois  deita  inteiici-  i% 
dade  tendo  todos  ganhado  a  fua  frota    DIQGO 
como  poderão  ,  fe  íizeraõ  á  vela  para  . 

Pedir,  onde  António  de  Brito  ,  que  fe  s      EI_ 

achou  neíte  porto  ,  foi   eleito  General     ^ 

,      f.  .,-,-  '  "t-  m   •    ra  co- 

em virtude  duma  commiflao  d Ellvei 3 

1  1      r  VERNA- 

que  achou  nos  papeis  de  íeu  irmão  ,  a 
quem  era  fubftkuido.  Do  porto  de  Pedir 
foraõ  ao  de  Pacem ,  onde  achando  Jor- 
ge d  Albuquerque  preltes  a  partir  ,  to 
dos  juntos  íe  fizeraó  á  veia  para  Malaca. 
Tendo  Albuquerque  tomado  pof- 
fe  do  governo  ,  e  achando  taõ  boa 
companhia  ,  quiz  aílignaiar  os  princi- 
pies indo  expulfar  Mahmud  da  Ilha 
de  Bintam.  Haviaó-lhe  feito  a  em- 
preza  fácil,  e  elle  confiava  muito  em 
18  navios  ,  cue  levava  a  efta  expedi- 
ção, e  6co  homens  de  boas  tropas.  , 
Porém  tendo  deixado  de  levar  com 
figo  efeadas  ,  por  lhe  fegúrarem  que 
naõ  teria  preciz^õ  ,  fez  inúteis  esfor- 
ços contra  hum  b  ■■■;•■.  f ò  ,  que  Lac- 
zamana  defendeo  taó  vigorozaraente  , 
que  Albuquerque   tendo  neiie  perdido 

mui- 


316*  Historia   dos  Descobrimentos 

a muita  gente,  perdendo  também  a  ef4 

Ank.   deperança  de  o  tomar,  fe   tornou  a  em- 

J.  C.    barcar  pouco  airozo  ,  para  tomar  a  Ma" 

152 1.     laca-  António  de  Brito  com  a  fua  ef- 

quadra  tendo-fe  feparado  deile  para  fe- 
d.     ma-í  .  r       ,         r    ,    ,T  ,        r    , 

guirem  lua  derrota    as  Malucas  ,  Lac- 

KOEL  REI  D  .      j    ,/,.       ,  n      J- 

zamana  que  o  vio  debilitado  por  eíta  di- 
vizaõ  de  forças,  o  feguio  logo  com  15 
lancharas  armadas  ,  de  taó  perto ,  que 

LOPES  DE  ,,        '  j     ^ 

entrou   com  elle   no   porto  ,  onde  to- 
siquei-  t    .         .         ,r     ^.,     e. 

mou     o    brigannm     de     Gil    Simão   , 

que  alli  o  matarão  com  todos  os  que 
o   derendiao. 

Neíte  mefmo  tempo,  os  Portu- 
guezes  fe  acharão  reduzidos  a  huma 
grande  extremidade  na  Ilha  de  Cei- 
lão. Lopo  de  Brito  ,  que  tinha  fuc- 
cedido  a  D.  Joaõ  da  Silveira  no  Go- 
verno da  Fortaleza  ,  que  Soares  tinha 
fundado  ,  emprehendeo  acrefcentala  , 
e  para  efte  eíFeito  levou  com  figo 
hum  reforço  de  Toldados  ,  e  de  traba- 
lhadores. Os  Chingules ,  que  faõ  os  No- 
bres do  paiz  ,  o  acharão  muito  máo, 
c  fe  queixarão  altamente  como  de 
huma  infracção  feita  ao  tratado ,  e  de 
huma  tentativa  arrifcada  para  lhes  opri- 
mir a  liberdade.  Fora  fem  duvida  pru- 
dência fufpender  huma  obra  ,  contra 
a  qual  todos  pareciaó  que  fe  revolta- 
vao.  Porém  Lopo  defprezando  os  ru- 
mo- 


DOS    PoRTVGUEZES ,    LlV.    VII.    }  lj 

mores  populares    teve  mais   animo  ,  e m*ç 

determinação    em   feguir  feu  trabalho.  Amk.   de 
Tendo-fe  neíta  occafiaó  irritado  os  ani-    J.  C. 
mos,    atiçando  os  Mouros  o  fogo   da    j^i. 
divizaõ  ,  como  coítumavaó  ,  fe  enter- 
rompeo    o    commercio     da    Fortaleza    D*    MA" 
com  a  Cidade  ,    de  modo  que   a  fo- M0EL  PE1 
me  fe  íentio  brevemente  alli.  Adian- 
tou-fe    mais    a    ouzadia    dos  habitan-    DlOGO 
tes  ,  porque  fe  achavaó  alguns  Portu-  LC*ES  DE 
guezes    defgarrados  os  iníultavaõ  ,  e  SIÇUEI" 
maltratavaó.  '  RA  G0~ 

Lopo  de  Brito  diílimulou  eíles VERNA" 
infultos,  pode  fer  mais  do  que  deve-D0R* 
ra  >  porém  animado  depois  pelas  mur- 
murações dos  feus  ,  que  tachando-lhe 
a  fua  muita  paciência ,  acuzavaõ  o  feu 
valor  ,  paííou  duma  vez  a  outro  ex- 
tremo fem  prever  as  confequencias. 
Porque   hum    dia,   no  tempo    do  re- 

Eouzo  ,  e  do  grande  calor ,  tendo  fa- 
ido  do  feu  forte  com  150  homens  , 
entrou  na  Cidade  de  Columbo  .  onde 
nada  menos  fe  efperava,  que  eíía  hof- 
tilidade  ,  alli  levou  hum  tal  medo, 
que  no  efpanto  d'uma  irrupção  taó  fu- 
bita ,  cada  hum  dos  habitantes  fó  cui- 
dou em  fugir.  Porém  depois  reunidos 
fora  da  Cidade  ^  e  pafTado  elte  pri- 
meiro momento  de  terror,  attrahidos 
pelo  amor  de  fuás  mulheres  ,  e  filhos , 

torna- 


318  Historia  dos  Descobrimentos 

tomarão    a  entrar  com  furor.    O  efpe- 

Ann.  de  claculo   deitas  mulheres  ,  c  filhos   que 
J.  C.     Brito  íe  tinha  contentado  de  fazer  pren- 
i<2i.     ^er  ,  augmentando  também  a  fua  ani- 
moíidade,  os  Portuguezes  foraó  obri- 
D*    MA"  ^ados    a  retirar-fe  ,   com   mais    de  30 
koel  rei  kridos  ?  recolheraó-fe   á  fua  Fortaleza 
com  trabalho,  e  pode  fer  que  naõ  :on- 
diogo    fegu,;ífem  entrar  nella  ,  fe   o  fogo 
loi'es  de  gri[0  tinha  prudentemente  feito   lançai* 
siQUEi-    ^s  caza3  fa  rua  principal,  naó  caozaf- 
RA  G0~    fc  diverfaó,  e  facilitaífe  a  retirada. 
verna-  TsJaõ  foi  iílo  mais  do  que  os  prin-» 

D0R*  cipios  dos  feus  males.  A  indignação 
que  cauzou  em  toda  a  Ilha  huma  irup- 
çaó  arrebatada ,  e  taó  pouco  disfarça- 
da a  fublevou  toda  inteira.  Naó  hou- 
ve quem  fe  naó  quiZeííe  armar  para  os 
deítruir  „  diziaó  ,  de  indianos  piratas  , 
3,  que  tendo  fido  recebidos  com  huma- 
3,  n idade  ,  naó  fe  contenta vaó  de  fe 
3,  fazerem  fenhorcs  do  paiz ,  e  do  com- 
5,  mercio  ,  para  o  fazerem  fó  fcgundo 
j,  as  leis  que  lhes  aprouve  prefcre- 
3,  ver  ,  mas  pareciaó  ainda  cubiçozos  do 
3,  fangue  de  quem  os  hofpedou ,  em- 
3,  pregavaõ  para  o  derramar  as  mais 
3.  vergonhozas  traições  ,  moílravaó-fe 
_,,  inimigos  com  as  armas  na  mao , 
3,  fem  motivo  ,  e  alguma  denuncia- 
33  çaõ  de  guerra  3  e  deílas  formalida- 
des 


DOS  PORTUGUEZES  ,    LlV.    VII.    $Ip 

-,,  des  que  os  povos  mais  bárbaros  tem • 

?,  coílume   de    guardar.  33    De   repente  Ank.   de 
ahi  Te  acharão  mais  de  20^    homens    J.    C. 
juntos,  em  que  o  furor  augmentando    j^i. 
b  valor  natural  deites  Ilheos  ,  lhes  fez 
tomar  as  medidas  as  mais  eíRcazes  pa-    D*    MA" 
ra  afíegurar  a  fua    juíta   vingança.    A  hOEL  REI 
Fortaleza  foi  fitiada   em  forma.  Os  ini- 
migos a  cercarão  da  parte  da  terra  por    DIOGO 
linha ,  e  reductos  ,    aos  quaes  ajunta-  LOPES  DE 
raó  dois  cavalleiros  ,  donde  a  artilhe- SIQUE1~ 
ria  dominando  a  praça,  dco  lugar  por  RA  G0~ 
finco  mezes  inteiros  a  Brito  de  fe  ar-  VERNA~ 
repender  da    fua    imprudente  fahida ,  D°R* 
e  aos  feus  de  o  obrigarem  a  ido. 

Dc[de  os  princípios  do  fitio ,  Bri- 
to tinha  dado  avizo  a  Cochim  do 
aperto  que  o  efperava  ;  mas  como 
o  General  tinha  defprovido  todas  as 
praças  do  Indoílan ,  para  a  grande  em- 
preza  de  que  vamos  fallar  ,  naó  lhe 
poderão  enviar  mais  que  50  homens 
em  huma  galera ,  commandada  por  An- 
tónio de  Lemos ,  que  gaitou  muito 
tempo  a  lá  chegar  por  cauza  do  inverno. 

Com  a  chegada  defte  fraco  foc- 
corro  ,  conhecendo  Brito  que  naó  de- 
via efperar  outro  ,  fegundo  a  fua  de- 
fefperaçaó  ,  e  refolvendo  arrifcar  tudo 
em  huma  acçaõ  deciziva  ,  de  fazer 
levantar  o  fitio   dos   inimigos ,  ou   de 

mor- 


VER  NA 
DOR. 


320  Historia  dos  Descobrimentos 

* morrer  como  valerozo  ,  antes  que  dei- 

Akn.  dexar-fe  confumir pela  fome,  e  as  outras 

J.  C.     difgraças    que    íaó    confequencias    dos 

1521.     longos  imos. 

^     „■  Ordenou  a  Lemos  ,    que  cheeaf- 

„T  ,1T    le   a   lua    galera    o  mais    que    podei- 

KOEL  REI   r  °.       ,      .  1.     .     T 

le   aos    entnncneiramcntos    inimigos  , 

_    e  que  os  vareialíe    toda  a  noite.    Ef- 
diogo         ^  •         v  n 

ta    manobra    chamou    a    eíta  parte  a 
LOPES  de  ,         r  .  /r    r 

attençao    dos    íitiantes  ,    aíiim   como 

o  tiniu  eíperado  ,  defde  o  principio  do 
RA    GO-     j.     c       •    -  •     ri     • 

dia  legumte  ,    attacou  os  entnncheira- 

mentos  da  parte  oppoíla  na  frente  de 
300  homens  com  tanta  impetuofidade, 
que  os  que  os  defendiaõ  ,  tomados  do 
repente  ,  os  defempararaõ  para  fe  re- 
tirar para  á  Cidade.  Porém  como  a 
rnultictaó  dos  inimigos  era  fem  nume- 
ro em  comparação  dos  Portuguezes  , 
e  que  além  diilo  naõ  lhe  faltava  gen- 
te hábil  na  arte  da  guerra  ,  reuniraõ- 
fe,  fizeraó  hum  corpo  de  150  cavai- 
los,  e  25  Elefantes,  fuitentados  por 
huma  eípecie  de  batalhão  quadrado  , 
e  tornarão  em  boa  ordem  para  os  en- 
trincheiramentos,  que  acabavaõ  de  per- 
der. Brito  ,  que  tinha  já  fahido  em 
feguimento  delles  ,  vendo-os  vir  naõ 
fe  admirou ,  e  tendo  ajunrado  os  feus 
béfteiros ,  lhes  ordenou  que  fizeíTem  a 
íua  defearga  fobre  03  Elefantes.  Elles 

o 


DOS    PoRTUGUEZES,    LíV.    VII.      }2t 

o  fizeraó    com   tanta  deftreza  ,  e  feli — 

cidade,  que  eftes  animaes   efpantados,  Ann.   de 
e  irritados  pelas  fuás  feridas,  voltando    3.    C. 
fobre  os   feus  ,  desbaratando  homens,    1^21. 
e  cavallos   ,    caufaraó   fobre  o  campo 
huma    deílruiçaó    taó   eeral,    que     os 
Portuguezes  nao  achando  ninguém  que 
lhe  fizeífe   cara  ,  entrarão  com  os  tu- 

Sitivos  confufamente  na   Cidade ,  e  os 
r  •     j  •  '     '    1  1     r  LOrES  DE 

perfiguirao  ainda  mais   ate  a  hum  bol- 

que  de  palmeiras  ,  onde  Brito  temendo   I(^UEI" 

que  os  feus   fe  demandaffem  ,  naó  jul-    A  G0~ 

sou    útil    obrigalos   mais  ,    e  mandou  VERNA~ 

&  /  •       ib  '  DOR, 

tocar  a  retirada. 

A  paz  foi  o  fruclo  d'uma  taó  be- 
la vicloria.  Porque  o  Rei  do  Colom- 
bo indignado  porque  os  Mouros ,  que 
o  tinhao  movido  a  efta  guerra ,  tinhao 
fido  os  primeiros  a  fugir ,  e  além  diífo 
enfadado  das  perdas  que  tinha  tida 
nefta  ocçaó,  e  no  fitio,  fe  reconci- 
liou de  boa  fé  com  os  Porcuguezes  , 
e  viveo  depois  com  elles  em  boa  ar- 
mo n  ia. 

D.  Manoel  defejava  com  paixão 
ter  huma  Fortaleza  em  Diu.  Tinha 
ordenado  iílo  muitas  vezes  aos  Gover- 
nadores das  índias.  Porém  Meliqtie 
Jaz  os  havia  fempre  illudido  com  a 
fu  efperteza.  EIRei  enfadado  dos  feus 
artifícios  tinha  em  fim  ordenado  a  Si- 
Tom.  II.  X  quei* 


322  Historia  dos  Descobrimentos 

ws queira  que  fizeííe  de  modo,  que  alcan- 

Ann.  deçaííe  o  confentimento  por  bem,  ou  por 
].  C.     mal.    Alli   havia   logo   huma   modifica- 
1*21.    Çaó  a  efta   ordem;  porque  EIRei  que- 
_  rendo  poupar  as   luas  tropas  dezejava 
.d.    ma  que  i^o    ^e  £ze|]*e  ^e  modo  ,  que   naõ 
jvoel  rei  empregaffe   inteiramente   a   força,  que 
eíla  naó  fizeííe  mais  que  ajudar  á  af- 
diogo    tuc|a  ^  e  a  ijiduftria.  Com   tudo  depois 
jxpes  de  ^£o    eí;a  moc^£caça5    foi  tirac|a  ?  e  a 
siçuei-    orjem  f0i  enviada  pura  ,    e  íimplez  : 
RA  G°"    (lue  ^e  Melique  Jaz  naó  confentilTe  na 
VE.RKA-    petiçaó  9  qUe  de  novo  lhe  requereíTem  , 
1)0  R'        lhe   declaraíTem    guerra.    El  Rei   eftava 
taó  perfuadido  ,   de   que  o  negocio  fe- 
ria  fácil  ,    que  havia  feito    partir  Fer- 
nando   de  Beja  com   as  provizoés  de 
Governador  da  nova  Fortaleza. 

Siqueira,  que  recebeo  eílas  ordens 
em  Ormuz  no  retorno  da  fua  expedi- 
ção do  mar  Roxo  ,  as  confervcu  em 
degredo  ,  e  foi  na  paííagem  ancorar 
defronte  de  Diu  ,  bem  determinado  a 
aproveitar  a  occafiaõ ,  f e  a  achaíle  favo- 
rável. Foi  illudido  na  refpofta  como 
dantes.  Eile  bem  o  efperava  ,  mas  dif- 
finvulou.  O  Feitor  Português  o  tinha 
avifado  de  que  a  praça  eftava  muito 
bem  munida  ,  para  que  elle  podeíTe  li- 
zcngçar-fe  de  a  tomar,  no  eítado  cm 
que  elle  fe  achava  ,  de  forte  que  com 

errei- 


D.       MA- 
NOEL REI 


DOS    PoRTIÍGUEZES  ,    LlV.      VII.    22$ 

eftcito     naó    fe  achando     afíaz    forte  , 

continuou  fua  derrota  até  Cochim ,  pa-  Ann.   de 
ra  alJi    hir  fazer  maiores  preparativos.     J.   G. 

Jaz,  que  era  bem   fervido  de  e(-    !-2i. 
pias    a  quem    pagava   bem ,    foi   logo 
aviíado  cios  movimentos    de  Governa- 
dor ,    de  que    era  próprio  que    tiveíTe 
alguma    defconliança.    Para  melhor  íe 
aííegurar,   enviou    a  Cochim  hum  Of-    D!OGO 
ikial  3    fem   que    moítraííe    outra   ten-  :L0PES  D 
çaó  ,  que  a  de  condufir  alguns  prezen-  SI^LEI~ 
tes  da  lua  parte  ao  General  ,  que  con-  RA  GO~ 
tinuando  a   uiffimular  ,  os  recebeo  mui-  VERNA" 
ro  bem  ,  e  moítrou    fempre   ao  Olfi-  D0R" 
ciai  muita  eí&maçaó  por  leu   Senhor, 
e  hum   grande  déíejo  de  viver  em  boa 
correípondencia   com  elle.    Porem   era 
impoflivél  cue  eCtc  homem ,  vendo  hu- 
tna  frota   de  mais  de  8o  velas  ,   a  mais 
bela    que  os  Portuguezes   nunca   tive- 
raó  ,  naó   fufpeitalTe  algum  grande  do 
ílgnio  ,  c  que  o  Melique   naó  conclu ti- 
le dilTo,  que  eíte  diíignio  o  reípeitava. 
Siqueira   partindo    de    Cochim    trouxe 
o  Qííicial   até  Goa  ;  porém  lá   elle  fe 
efeapou  ,    e    foi  dar   avizo    de   tudo  a 
feu    Senhor. 

Jaz  ,    que   fe  naó  queria    achar   á 
chegada    da  frota  ,    partio  logo  para  á 
Corte  de  Cambaia  5  deixando   na  pra- 
ça Melique   Saca   feu  filho  3  bem  i:if- 
X  u  trai- 


324    Historia  dos  Descobrimentos 

truido  de  tudo    o  que   devia    dizer,   e 

Ann.  de  com   elle  hum  valente  Capitão  charna- 
J.  C.    do  Aga-Mahmud  ,    homem   de  valor  , 
ic2i.    e  ^e    confelho   ,    que  podia   fervir  de 
tudo  em  precizaó.    Siqueira  tendo  an- 
D*    MA~  corado  na  enfeada  com  elta   frota  for- 
noELRKi  inj^yei  ?  enviou  logo  faudar  o   moço 
Melique  y    para  lhe  dar  avifo    da   fua 
Diogo     chegai  ^   on  para  melhor  dizer  9    da 
lopes  de  fua    paflàgcm.    Seu   defignio   era  ,  di- 
siquEi-    zia  e||e  ^  ^e  j^  a  Ormuz  ,  onde  a  fua 
ra  Go-    prezença  era  neceffaria;    mas  que  lhe 
■verna-    rogava  ao  niefmo  tempo  ,  que  quizeffe 
dor.         cfTedruar    o   que    lhe  tinha  prometido 
tantas  vezes  ,  de  lhe  aíftgnar  hum  lu- 
gar  para  fundar  huma  Fortaleza.    Sa- 
ca 3    que  por    percauçaó    tinha    feito 
prender  todos   os   Portuguezes   difper- 
íos  pela  Cidade  ,    a  fim  de   que  elles 
naó  communicaífem  com  o  feu  Gene- 
ral ,    naó   duvidou  de  praticar    cara  á 
cara    com  elle  ,    tomando    as  percau- 
çoés  que   convinhaó    á  fua  legurança. 
Neíla  pratica  ,    que   foi  cheia  de 
civilidade,,    Excufou-fe    elle  por  naõ 
„  poder  conceder    o  que    lhe  pediaó  , 
5,  íem  a  permiíTaó  de  feu  Pai  ,  que  elle 
„  mefmo  tinha  niíTo    a  melhor  vonta- 
3,  de  ,    e  naó   tinha    ido  peíToalmente 
5,  á   Corte  mais  que  a  fim  de  obrigar 
„  q  Rei  a  conceder  eíla  graça  ,  á  qual 

„  cite 


DOS    P0RTUGUEZES3    Livi      VII.     ^Iç 

„  eíle  Príncipe  tinha  huma   oppofiçaó 

3,  invencível.  „    Tendo    Siqueira    feito  Akn.   de 

iníkncia  para  falar  ao   menos  aos  Por-    J.  C. 

tuguezes  que  eítavaó  na  praça.  O  mo-    i*2i. 

ço  Melique   refpondeo  :  „    Que  devia 

,,  eftar  muito  defeançado  íobre  o  efta-    D*    MA~ 

„  do  delles  ,    que  eftavaó  livres  ,  con-  NOEL  RE* 

55  tentes ,    e  que  gozavaó    de  todas   as 

„  vantagens   auma    boa   correfponden-    D1°GO 

„  cia  :    Qae   a  petição    que    lhe   fazia  LOl'ES  DE 

„  de  lhos  aprezentar  ,  lhe   era  injurio-  SI(^UEI" 

„  za    por   moftrar   huma    defeontiança  RA  GO~ 

„  que  fazia  á  fua  civilidade  :  Que  elle  VERKA" 

3,  naó  os  aprezentava  em  quanto  a  fro-  D0R* 

5,  ta  naó   partiííe ,    com   medo   de   que 

3,  naó  pareceffe  ,  que  fe  defconíiava  da 

3,  fua  íinceridade  3   ou   que  elle  mefmo 

3,  o  fazia  por  puílillanimidade,.  e  por 

3,  medo.  3, 

Sobre  eftas  coifas  houve  o  Go- 
vernador muitos  confelhos  com  os  feus 
Capitães.  A  maior  parte  tinhaó  fuás 
commiííoés  para  portos  ,  onde  efpera- 
vaó  enriquecer-fe  ,  e  fervias  de  má 
vontade  em  huma  empreza  ,.  onde  *íè 
naó  ganhava  nada.  Alíim  a  maior 
parte  votou,  que  a  praça  fendo  tam- 
bém fortificada  como  eiíava  ,  era  hu- 
ma temeridade  emprehender  o  attaca- 
la.  Além  diíío  apoiando  as  rafoens  de 
Melique  ,  concluirão  que  feria  ajuntar 

a  ia- 


RA    GO- 
VERNA 
DOR. 


^16    ITstoria  bos  Descobrimento*. 

a  injuftiça  e  imprudência  ,  porque  com 

Ann.  Je  eífeiro  naõ  pertencia  3  nem  a  teu  Pai , 
J.  C.  nem  a  elle  ,  que  lhe  naó  deilem  a  fa- 
ic2i.    tisfaçaõ  que  elle  pedia. 

Os  Toldados  íempre  anirnozos ,  que 
D*    MA~naõ  perr.er.dem  mais  ,  que   fer  condufi- 
koel  rei  ^os  ^  apenag  fufpeitaraó  eíia  determina- 
ção   do  Confelho  ,  bramindo    de  ver- 
dtogo    gçj-iha  3     e   de    cólera  ,    naõ   fe   ouvia 

LOPES   DEma|s     ^ue    V,lima     yoz     em     tocJa    a    frota, 

si  que i-  ^ue  taxanc[0  0  General  de  cobarde  , 
e  poltrão  ,  lançavaó-lhe  em  rofto  a 
gloria  da  Naçaõ  abatida  na  perda  de f- 
ta  occaíiaó,  a  mais  bela  que  podia  ha- 
ver y  e  que  naõ  achariaó  mais.  O  que 
foi  peior  alguns  dias  depois  :  vindo  o 
Feitor  á  bordo  pela  permiíTaõ  que  o 
General  tinha  alcançado,  dando  reféns  , 
e  tomando  por  diverfas  vezes  caixões 
d'ouro  ,  e  de  prata  ,  que  eraõ  os  íeus 
efTeitos  ,  que  falvava  da  jufta  aprehen- 
faõ  duma  guerra  que  previa  ,  diziaõ 
claramente  que  o  General  vendia  a 
Naçaõ  ,  e  os  entereíTcs  d'ElRei  por 
boa  moeda  corrente.  Os  Capitães  da 
frota  fallando  no  publico  d'um  modo 
diíterente  do  que  o  tinhaó  feito  no 
Confelho  ,  approvavaõ  eftes  infolen- 
tes  difcuríbs  ;  mas  que  fó  tinhaó  mui-- 
to  fundamento  apparente.  Siqueira  que 
o  íoube  tendo-os  revocado  ao  Con- 
r  feihoj 


nas  Portuguezes  ,  Liv.  Vil.  327 
felho  ,  dando-lhes  rcprehençoés   muito  —  ■-■-!- 
acres,  que  elles   mereciaó    bem,    lhesÀNN.  de 
fez  dar  de   novo  feu  voto  por  efcrito.    J.  C. 
Aííignaraõ  tudo  o  que  elle  quiz  ,  prom-    \*2~i. 
ptos  também  a  fazer  proteítaçoés  con- 
tra íi.    Deite  modo  o  General  julgan-     D*  MA~ 
do-ie  feguro   a  refpeito  da  Corte  por 1,0EL  REl 
efta  percauçaó ,  reiblveo    de  profeguir 

r\  +.  r        DIOGO 

lua    derrota   para  Ormus  :    erro  conii- 
deravel  ,  que  todos   os   Chefes   devem  LOPE^DE 
examinar   ,    havendo    conjunturas     emsl(^lEl" 
que  os  Governadores  devem  tomar  lo-  RA  G0" 
bre    fi  os  acontecimentos  ,    principal- vERNA" 
mente  quando  tem  ordens  precizas  que  D0R" 
os   favorecem  ,    fem   o  que  perdendo 
a  occaziaó    de  boas    acçoés  ,    perdem 
também  a  fua  reputação,  naõ  obftante 
as  apparencias  de  prudência  ,  com  que 
íuppoem  cubrilla,    e  com  a   reputação 
delles  a   confiança  das  tropas  ,  a  quem 
he  difícil  de  impor. 

Em  fim- tendo  feito  faber  a  Me- 
lique  Saca  a  determinação  que  tinha 
de  continuar  fua  derrota  ,  o  fez  rogar 
que  quizeffe  bem  facilitar  a  Rui  Fer- 
nandes a  viagem  da  Corte  de  CiufflH 
baia  ,  onde  o  enviou  para  coucluír 
efte  negocio.  Saca  livre  'duma  'extre- 
ma inquietação ,  prometeo  tudo  ,  e  deí- 
de  logo  fez  levar,  á  frota  toda  a  forte 
de  refrefeos.  Siqueira  expedio  pata  Co- 

chim 


328  Historia  dos  Descobrimentos 

— = chim    D.  Aleixo    de    Menezes  ,  quô 

Ann.   cie  devia  commandar  na  índia  em  auzert- 
J.  C.     cia  do  General  ,   e  com  elle  }  fez  par- 
1521.    tir  Jorge  d'Albuquerque  ,    e  Jorge  de 
Brito   para    onde    eftavaõ  deftinados   , 
MA~  de  que  já  falíamos  5  c  vimos   os  fuc- 
cefTos.  Com  elles  partirão  tambcm  Cou- 
tinho ,   e  Pereftrello  deíhnados  para  á 


tfOEL 


r>iOGO    Qj1jna  ?  e  os  outros  que  deviaõ  com- 

xopes  de  mancjar  os   navios  Je  carga    de  retor- 

siquEI"    no   para   Portugal  ;     o   que   fazia  por 

RA  G        tudo  o  numero    de  20  Capitães    mais 

verna-    mercíUj0res  que  foldados   :    mas   pode 

fer  também  que  tivefTem  fido  mais  fol- 

dos  que  mercadores  ,  fe  o  General  ti- 

veíTe  amado  mais  a  fua  gloria  ,  que  o 

feit  enterefTe.    Ifto  he  o  que  he  difícil 

de  dezatar. 

Finalmente  o  General  ,  fazendo- 
f e  á  vela  para  Ormuz  ,  deixou  Fer- 
nando de  Beja  ,  e  Pedro  d'Utel  com 
íeus  navios,  os  dois  irmaôs  Nuno  Fer- 
nandes ,  e  Manoel  de  Macedo  com  fuás 
caravellas  ,  com  o  pretexto  de  carre- 
garem algumas  provizoés  ;  mas  com 
ordem  fecreta  á  Beja  de  tirar  logo 
todos  os  Portuguezes  que  eftavaó  em 
Diu  ,  eno  cazo  que  a  negociação  de 
Rui  Fernandes  nao  tiveffe  effeito ,  que 
declaraffe  logo  a  guerra  Outro  erro 
muito  grande:  porque  fe  elle  nao  ti- 
nha 


ÒDS    PoRTUGUEZES  ,    LlV^    VIL    $2p 

ftha  ouzado  declaralla  elle  mefmo  ,  tcn-  ■ 

do  huma  taó   bela  occaziaó  3  e  huma  Ann.  de 
frota  taó  formidável  5  parecia  bem  pou-   ].    C. 
co  prudente  fazer    eita  declaração  taó    \ci\. 
fora  de  propofito  ,  e  com  taó  poucas 
forças. 


Alguns   annos  depois  EIRei  d'Or- 


NOEL REI 


muz  naó  pagava  exactamente  o  tribu- 
to que    devia    á  Coroa    de  Portugal ,    DlOGO 

j    r1  i  r  i-     •       •      r      j       LOPES  DE 

deículpava-íe  com  a  diminuição  dos 
feus  rendimentos  ,  e  tinha  alguma  razaó.  SI<^UEI~ 
As  Ilhas  de  Baharem  ,  e  de  Catife  no  RA  G0" 
Golfo  Perfico  eraó  do  domínio  deite  VERNA" 
Príncipe.  A  pefca  das  Pérolas  que  alli  D0R* 
fe  faz  naó  he  taó  abundante ,  como  a 
das  índias  ;  mas  as  Pérolas  ahi  tem 
huma  fombra  mais  bela ,  e  faó  de  me- 
lhor qualidade.  Eftas  Ilhas  que  faziaõ 
huma  parte  confideravel  da  riqueza 
defte  Príncipe  ,  lhe  foraó  tiradas  por 
hum  dos  feus  vaííallos  chamado  Mo- 
crim  ,  Rei  de  Lazah  ,  e  genro  do  Chec 
de  Meca ,  que  fez  fublevar  Baharem 
em  feu  favor  ,  no  mefmo  tempo  que 
Hamed  feu  fobrinho  fez  o  mefmo  em 
Catife.  O  defprezo  que  conceberão 
ambos  de  hum  Rei ,  que  fe  tinha  fei- 
to tributário  d'um  punhado  de  eftran- 
geiros  ,  auctorizando-lhes  a  revolta  , 
Foi  também  o  motivo  que  o  Rei  To- 
run-Cha  fez  valer  na  prezença  do  Ge- 
ne- 


350  Historia  dos  Descobrimentos 

nerai    para  o  ajudar  a   fubmèter  eftes 

Ann\  de  vaíTalos  rebellados  ,  ou  para  naó  eílra- 

J.  C.     nhar  que   elle  naó   pagaííe  hum  tribu-? 

1521.     t0  5  cuj°  pezo  excedia  as  fuás  forças. 

O   General   perfuadio-fe    das    fuás   ra- 

MA"  zoes  com  melhor  vontade ,  porque  Mo- 

KOEL  REI        •  "    r  1       1      1-  r 

cnm   nao  le  contentando  da  lua  uíur- 
paçaõ  ,   entretinha   huma   pequena  fro- 

DiOGO      r    T  •  \-        it\ 

ta  ,  que  arruinava  o  commercio  d  Or- 
lopes  de  mus  ^  tomando  todas  as  embarcações 
siqi^Ei-  que  virma5  da  Baçorá  ,  e  das  outras 
*A  G(*    partes  do  Golfo. 

\erna-  Como    o   negocio    era    urgente  , 

D0R"  Siqueira  mandou  para  efta  expedição 
António  Corrêa  com  7  tuítas ,  e  400 
Portuguezes  ,  que  deviaó  fer  feguidos 
da  frota  de  Torun-Cha  compofta  de 
perto  de  200  embarcações  pequenas  , 
conduzidas  por  Rais  Seraf  feu  primei- 
ro Miniílro.  Huma  violenta  tempeíta- 
de  dividindo-os  ,  Corrêa  foi  obrigado 
a  efpcrar  alguns  dias  fobre  fuás  anco- 
ras á  viila  de  Baharem ,  para  fe  dar  tem- 
po de  fe  ajuntarem  áquelles  que  po- 
deriaõ  vir  unir-fe-lhe.  Mocrim  fe  a- 
proveitou  defta  dilação  ,  para  fe  fortifi- 
car cada  vez  mais.'  Tinha  I2<^  ho- 
mens de  tropas  ,  300  beíteiros  de  flexa 
Perfianos  ,  e  20  befteiros-  de  befta. 
Corrêa  defembarcou-  foccegadamente  ; 
porém  como  elle  defconfiava  das  tro-> 

pas 


DOS    PoR-TUGUEZES  ,    LlV.    VII.     33  I 

pas  Armuziannas  ,    ordenou    a  Seraf ,  ■ 

que  rlzeífe  o   atraque  dum  lado  ,  que  Ann.   de 
eile  fe   obrigava   a   combater  o   outro.    ].    C, 
O  que    quiz   efeolher  partido    fecundo    1^21. 
os  acontecimentos  ,  fobio   a  hum  alto 
para  daiii  íe  determinar  íegundo  o  fuc-     D*   MA" 
.ceíío.    DVatra    parte    os     Portuguezes  NOEL  REI 
poftos  em  movimento  ,   Ayres  Corrêa, 
irmaó   de  António  guiando  a  vanguar-  D10GO 
da  compofta  de  70  homens ,  pela  maior  LOPES  DE 
parte   gente   diítincra  ,   deixou-fe   hum  SIQUEI~ 
pouco   levar  da  vivacidade   do  íeu  ani-  RA  G0" 
mo:    e  feguindo    o   methodo    que   os^ERNA^ 
Portuguezes   entaó   rinhaõ    de   comba-  D0R* 
ter   fem   ordem  ,   arrebatados  pelo   íeu 
impeto,  deo    íobre  os   inimigos  de  fú- 
ria com  os  ieus  ,  que  tendo-fe  deman- 
dado   para   fazerem   cara    à   multidão  , 
foraó  mui   maltratados  ,    fendo   muitos 
feridos  ,   e  principalmente   Ayres    Cor- 
rêa que   foi  ferido  cem  muitas ■  flexas  , 
e   o    teriaó  matado  ,    a  naó  fer  o  ioc- 
corro  d'alguns  valcrozos  ,  que  o  rodea- 
rão   para     o  defenderem.    Sobrevindo 
António    com  o  corpo  de    batalha  pal- 
iou   a   diante    fem  íe   deter  ,   naó   lhe 
obílando    o    triíle   eílado    em   que   via 
feu    irmaó.    Os  entrincheiramentos  ini- 
migos  foraó  ganhados  ;   porém  foi  lo- 
go precizo  abandonallcs  ,  e  ceder  á  for- 
çê  ,  e  ao   valor  de  Mocnm  ,  que  com- 
bateu- 


l\l  Historia  dos  Descobrimentos- 

11  batendo  na  frente    dos  feus  ,  naó  fe 

Ann.  de  intimidou  ,    ainda  que  debaixo    delle 

J.  C.     lhe  matarão  dois  ,   ou  rres  cavallos  ,  c 

leu.  na°  defcanfou  fe  naó  depois  de  recha- 
çar os  Portuguezes  já  vicloriozos. 

d.    ma-  q  exceflfv0   ca|or  do  dia  obrigan- 

koel  rei  j0  os   ^0>s  pjjj^Qg  a  fazer  huma  ef- 

pecie  de  tregoa  para  refpirarem  ,  cada 
diogo    Jium    çujJqu    nos    feus    feridos.    ft|as 

loíes  de  dQ[c3Lnçanâo  hum  pouco,  António  Cor- 
siquEi-  rea  t0rnancjo  ao  porto  ,  o  combate 
ra  Go-  çQ  renovou  com  mais  furor.  A  viclo- 
verna-  ria  efteve  muito  tempo  duvidoza,  em 
D0R*  quanto  Mocrim  pôde  animar  as  rropas 
com  a  fua  prezença  ;  porém  receben- 
do hum  tiro  ,  de  que  morreo  três  dias 
depois  ,  foi  obrigado  a  mandar-fe  le- 
yar  para  fora  da  refrega  ,  entaó  os 
feus  enfraquecerão  ,  e  fe  pozeraó  em 
fugida.  Seraf  ociozo  até  entaó  ,  fe  a- 
preííou  para  vir  tomar  parte  no  def- 
pojo  ,  antes  que  na  viaoria.  Corrêa 
ciiíiimulando  o  que  naó  podia  punir  , 
o  deixou  fatisfazer  hum  pouco  á  fua 
cubica ,  e  o  mandou  em  feguimento 
dos  fugitivos  que  bufcavaó  o  Reino 
de  Lafah.  Seraf  os  alcançou  ,  e  vol- 
tou com  a  cabeça  de  Mocrim  ,  que 
fendo  embalfamada  ,  foi  enviada  ao 
Rei  d'Ormuz.  Efte  Príncipe  eílimou 
muito  ifto  ,    e  a  fez  colecar  em  hum 

monu- 


DOS    FoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIL    $$$ 

monumento  que  erigio  na  fua  Capital  * 

com  huma  infcripçaó  em  lingoa  Per-  Ann.  de 
fiana,  e  traduzida  na  Portugueza^  pa-  J.  C. 
ra  ímmortalizar  a   gloria  deita  Naçaó.      1521. 

Tendo   fubmetido    Corrêa  as  duas 
Ilhas    de  Baharem  ,    e  de     Catife  ,  e 
tendo    alli  deixado    Seraf  ,    tornou   a 
Ormuz  ,    onde  foi   igualmente  recebi- 
do   do   Rei ,    e  do    General  ,    como 
merecia   fer.    Por    fer  ifto  verdadeira- 
mente huma   bela  acçaõ  d'armas  ,   que    I(^UEl~ 
lhe  fez  dar  o  fobrenome  de  Baharem, 
ao  qual    EIRei  de  Portugal    concedeo  v 
depois    hum    novo     final   de   honra   ,         - 
permitindo-lhe    ajuntar    huma    cabeça 
de  Rei  ao  antigo    brazaó    das  armas 
da  fua  caza. 

O  Governador  cubiçozo  de  tor- 
nar á  índia ,  tendo  licença  d'ElRei  , 
fe  fez  á  vela ,  e  veio  apparecer  dian- 
te de  Diu  ,  fazendo  fempre  cara  de 
profeguir  o  projeclo  de  conírruir  alli 
huma  Fortaleza.  As  coifas  tinhaõ  alli 
mudado  bem  de  face,  e  teve  entaõ 
motivo  para  fe  arrepender  do  paíTado. 
Rui  Fernandes  tinha  vindo  da  fua 
Embaixada  fem  ter  confeguido  nada. 
Fernando  de  Beja  tinha  declarado  guer- 
ra em  todas  as  fornaas  ,  e  tinha  cor- 
rido fobre  alguns  navios  de  Cambaia , 
que  tinha  tomado  ;  mas  efte  dezafio 

lhe 


334  Historia  dos  Descobrimentos 

■ lhe    cuítou  caro.    As   fuílas    de   Meli- 

•Ann.    de  que  Jaz  ,  commandadas  por  Aga  Mah- 

J.   C.    mud,  lhe  cahiraó   em  {ima  ,  e   achan- 

1521.    do    &  &*   pequena    efquadra    feparada 

em  hum  tempo  de  bonança  ,  Mahmud 

"achando   feus  navios   hum   atras  do  ou- 

KOEL   REI 

tro  ,  03  attacou  com  tanto  vigor ,  que 
meteo  a  pique  Pedro  d'Ute!.,  e  mal  tra- 
tou de  modo  a  Caravela  de  Nuno 
Fernandes  de  Macedo,  e  o  Galiaó  de 
SíQlei-  pernancj0  de  Beja,  que  teriaõ  tido  a 
Go-  merma  corte  fe  Utel  ,  fe  hum  vento 
ixeico   ,    terminando    a     calma  ,    nao 

DOR.  1     •  a  r 

obrigara  Aga  a  retirar-le. 

Beja  reparando-íe  hum  pouco  no 
porro  de  Chaul  ,  veio  á  prezenra  de 
Sequeira  fegundo  as  ordens  que  tinha. 
•Encontrou-o  na  altura  de  Diu  ,  e  lhe 
deo  eílas  triftes  noticias  ,  que  o  afligi- 
rão por  extremo.  O  General  julgou 
remediar  tudo  ,  tomando  difignio  de 
fundar  em  Madrefaba  ,  finco  legoas 
abaixo  de  Diu.  Porém  além  de  Me- 
lique  Jaz  ,  que  alli  tinha  tido  fortu- 
na ,  ter  fortificado  eíle  poílo  ,  foi 
também  impedido  por  outro  aconteci- 
mento. Os  Mouros  duma  embarca- 
ção que  tinha  tomado  ,  e  que  tinha 
feito  paílar  para  á  de  Ayres  Corrêa 
feu  -irmaó  ,  onde  eftavaÕ  todas  as  coi- 
fas neceííarias  para  eíta  Fortaleza ,  naõ 

poden- 


RA     GO- 
VERNA- 


DOS    PoRTUGUEZES ,    LlV.    VIL    3$£ 

podendo    fofrer  o    captiveiro    deitarão 

fogo  á  pólvora  ,  e  íizeraó  voar  o  na-  Ann.  de 
vio  5  embaraçando-fe  pouco  de  morrer,     J.  C. 
com  tanto  que  fizefícm  morrer  com  fi-      ir>[. 
go  aquelles ,  que   confideravaó  feus  in- 
juftos  opreíTores.    Deite    modo    fervio    D*    MA" 
pouco    a   Ayres   Corrêa    ter   ganhado  N0EL  REI 
muita  gloria   em  Baharem  ,   e  lhe  te- 
ria fido  mais   vantajozo  morrer  no  cam-    DlOGO 
po  da  batalha  ,  do  que  íbbreviver  pou-  L0PES  DE 
cos  dias  para  ter  hum  taó  trifte  fim.    s,(iUE1~ 
O    General  naò    podendo  confe- B 

fuir  o  íeu  projeclo ,  mudou  também 
e  penfamento  ,  e  refolveo  fundar  a  D0R" 
Fortaleza  em  Chaul.  Nizamaluco  con- 
íentio  niíío  ,  e  lhe  adiantou  mefmo  a 
execução.  Devia  tirar  d'ahi  muitas  van- 
tagens ,  e  com  iílo  tinha  a  doce  fa- 
tisfaçaó  de  fazer  defpeito  a  Melique 
Jaz ,  com  quem  eftava  actualmente  em 
guerra.  Siqueira  aproveitou-fe  da  oc- 
caziaó  com  goílo  .,  e  apreíTou  a  obra 
com  todo  o  feu  poder,  porque  foube 
entaó  da  chegada  do  feu  fucceííor.  A 
Fortaleza  foi  fundada  meia  legoa  dif- 
tante  da  Cidade  na  embocadura  d» 
rio  da  parte  do  Norte  ,  e  em  pouco 
tempo  fe  pôz  em  eirado  de  fer  leva- 
da á  fua  inteira  perfeição  5  fem  temer 
nada  da  parte  dos  inimigos  ,  os  quaes 
eítavaõ    ainda    embargados   por  huma 

obra 


3 $6  Historia  dos  Descobrimentos 

■ obra  avançada  que  defendia  os  trabar 

Ann.   de  lhadores. 

J.   C.  EÍU  Fortaleza,  que  criaó,   dever 

j-2i.     arruinar    abfolutamente    o    commercio 

de  Cambaia  ,  era  muito  prejudicial  aos 

D*    MA"  intereíTes  de  Melioue  Jaz  ,   para  que 

noel  rei  e||e  na-  fizeffe  todos  os  feus  esforços 

para    a  impedir.    Aga  Mahmud   infati- 
diogo    gave[  nos    feus  corfos   favorecia    tam- 
x.orEs  de  gem  ^uas  intenç0és  f  qUe  naó  deixava 
siquei-    paf]"ar  alguma    occaíiaó    de   attacar  os 
PvA  G0~    Portuguezes.   Meteo    logo    a  pique  o 
terna-    navi0  (je  pec]ro  da  Silva  de  Menezes  , 
D0R"         que  voltava  d'Ormuz ,    e  eilava  pref- 
tes  a  entrar  na  barra   de  Chaul  ;  fem 
que  D.  Aleixo  de  Menezes  ,   que  ti- 
nha vindo  de  Cochim  ,  e  que  por  or- 
dem do  Governador    hia  a    encontra- 
lo  ,    lhe    podeíTe  dar   algum  foccorro , 
por   cauza    da  calma    que    encontrou, 
Soberbo   com  efta  acçaó  o  Aga,  con- 
tinuou ainda  mais  de  20  dias  fuccelli- 
vos    a  affrontar  as  duas    galeras  ,  que 
commandava  Fernando  de  Mendonça, 
c  D.  Jorge    de  Menezes  ,    aproveitan- 
do-fe  também  do  vento  ,  e  dos  mares  , 
porque    D.   Aleixo    de  Menezes    naó 
lhe   podia  fazer  nada  ,  e  porque   elle 
varejava  á  fua  vontade  as  duas   galeras 
fobre  as  quaes  a  fua  artilheria  levava 
fempre  vantagem. 

Siquei- 


dos  Portuguezes  ,  Liv.  VII.  337 

Siqueira  que   le  achava  lá  no  eí- 

íreito,    e   a  quem   efta  pequena   guer-  Ank.   de 
ra   naó    dava    muita   honra ,    fentindo    J.    C. 
fua  aucloridade   pouco  refpeitada,    de-    içzi. 
pois     que    íabiaó    que     tinha    já    fuc- 
ceííor   ,   defe  lozo   além  difto  do   tem-     D'     IA- 

1  •  \J      1  •  J        •     '   NOEL  REI 

po  da   partida  dos  navios  ,  que  deviao 
traze-lo  a  Portugal ,  íe  diipoz  a  partir 
para   Cochim  ,    deixando  Henrique   de    D 
Menezes    feu   fobrinho   para  comman- LOiES  DSr 
dar  no  Forte  de  Chaul  ,   e  Fernando  de  5l(iUEI~ 
Beja  para  General    do  mar  com  dois  KA  GO~ 
galioês  ,    trcs  galeras,    huma  fufta ,  e'SERNA" 
hum   bargantim ,  com  o  que  eílava  em  D0R* 
eftado   de  fazer  cara   a  Aga. 

Apenas  o  General  entrou  no  mar 
o  vento  lhe  efcaceou ,  e  fe  vio  obri- 
gado a  ancorar  diíiante  hum  tiro  de 
çanhaõ  do  íkio  onde  eílava  Fernando 
de  Beja  com  a  fua  pequena  frota.  Fa- 
vorecendo a  calma  a  confiança  de  Alah- 
mud  ,  efteve  eíle  logo  a  braços  com 
Beja  á  viíta  do  General  ,  a  quem  hum 
vento  ,  que  fe  ievantou  da  terra  ,  im- 
pedio  de  fazer  o  menor  movimen- 
to em  favor  dos  feus.  Todo  o  ef- 
forço  do  combate  cahio  logo  fobre  a 
galera  de  André  de  Souza  ,  que  foi 
muito  maltratada  pela  anilharia  ,  até 
que  D.  Jorge  de  Menezes  chegou  em 
leu  foccorro  ,  e  fez  retirar  hum  pou- 
Tom.  II.  Y  ca 


338  Historia  dos  Descobrimentos 

co  as  fuílas  de  Aga ,  onde  cauzou   al- 

An-n.   de  guma    defordem.    Fernando   de   Beja, 

J.  C.     que   rinha    paífado    do  feu  galiaõ  para 

1521.     a  galera  de  Fernando   de  Mendonça, 

fobrevindo  com  rres   chalupas  bem  ar- 

d.    ma-  macjas  ^  e  num  efcaie]-5  os  inimigos  fe 

KOfcL  RE1  pozeraó    em   fugida,  naó   obftante  os 
esforços  de  Aga,  que  fez  quanro  pô- 
DlOGO    de  para  os  reter. 

Porém  cnfurecendo-o  ainda  mais  a 

siquei-    vergonha  defta  fugida,  voltou  no  outro 

K  G0~    dia  com  maior  furor.  E  como  naò  achou 

verna-    majs  £Q   ^ue   as   ^uas  ga}eras  5  porque 

13 0R'  André  tinha  tido  ordem  de  hir  appa- 
recer  ao  Governador  com  a  má  equi- 
pagem em  que  os  inimigos  o  haviaõ 
deixado  ,  Aga  teve  mais  vantagem  , 
e  o  combate  foi  mais  cruento  ,  que 
no  dia  precedente.  Aga  fe  lançou  á 
galera  de  D.  Jorge  de  Menezes  ,  pa- 
ra ií  qual  Fernando  de  Beja  havia  paf- 
fado.  Beja  combatendo  valerozamen- 
te  alli  o  matarão  rodeado  dos  feus  , 
que  pela  maior  parte  foraó  feridos  : 
a  galera  ficou  crivada  pelo  continuo 
fogo  do  inimigo.  D.  Jorge  de  Me- 
nezes longe  de  fe  afíuftar  animando 
o  valor  dos  feus  ,  fez  huma  taó  bela 
manobra  ,  que  os  inimigos  intimida- 
dos ,  faraó  os  primeiros  a  retirar-fe 
com  grande  admiração  de  todo  o  po- 
vo , 


nos  Portuguezes  ,  Liv.  VII.  §39 

vo  ,  que   fobre  a   praia  era  expefiador — 

do  combate.  D.  Jorge  todo  altivo  deita  Ann.  de 
retirada  ancorou  >  como  para  dizer  que     J.  C. 
era   lenhor  do   campo    da  batalha  ,   e     ^21. 
fez  empavezar  a  fua  galera  para  anun- 
ciar a  victoria.    Porem   de  tarde  com    D-    MA" 
Jufam  ,  foi  dar  conta   ao  General   das  N0EL  Rcl 
perdas  que  tinha  tido  ,    e  da  terrível 
íituaçaó    em  que  a  artilheria    do  ini-    DI^GO 
migo   tinha   poílo    a   fua  galera  ,    que  LOi>ES  DE 
inteiramente  eftava  incapaz   de  fervir.  sl0-UEl" 
Beja  foi  muito  chorado  ,  e  na  verda-  RA  G0~ 
de  o  merecia  fer.   António   Corrêa  foi  VERNA~ 
deixado   em    feu   lugar   até    á  chegada D0F- 
de  D.   Luiz    de  Menezes  ,    irmão  do 
novo  Governador  General  ,  que  tinha 
provizoés   de  General  do  mar.  Siquei- 
ra tendo  depois  partido  para  Cochim, 
achou   ahi   D.   Duarte    cie  Menezes  já 
de  pode   da  Fortaleza  ,    e   apoderado 
do  Governo  ,    fem   outra   formalidade 
mais  do  que  algumas  demonftraçoés  de 
civilidade  ,  que  naó   íignificavaõ  nada„ 
Depois  do   que  Siqueira  partio  com  os 
navios   de   carga  para  Portugal ,  para 
onde  dizem  havia  já  enviado  muito  di- 
nheiro antes  de  vir.  Accufaõ-no  com  ef- 
feito,  leja  verdade,  ou  inveja,  de  naó  fe 
ter  defeuidado,  e  de  ter  feito  melhor  os 
íeus  negócios ,  q  os  d*ElRei  feu  Senhor. 
Fim  do  feúmQ  Livro. 

Y  ii  UlSz 


340 


HISTORIA 

DOS 

DESCOBRIMENTOS, 

E  CONQUISTAS 

DOS 

PORTUGUEZES, 

NO  NOVO  MUNDO. 


LIVRO    VIII. 


Ann.  de 
J.  C. 

1521. 


Morte  d'ElRei  D.  Manoel , 
que  foi  no  fim  do  anno  de 
1521  fubmergio  Portugal  em 
oao  — — —  profunda  trilteza  na  maior 
111.  REi.f°rÇa  das  fuás  profperidades  :  huma 
moleília  de  nove  aias  o  lançou  na 
d.  duar- fepuitura  aos  53  annos  de  fua  idade, 
te  de  e  no  principio  do  27  do  feu  reinado. 
menezes  Naõ  foi  fem  razaó  que  lhe  chamarão 
co ver-  o  filho  da  fortuna,  tendo  chegado  á 
iíador.  .  Co- 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    }4* 

Coroa  ,  donde  parecia   apartado   pelos 

Príncipes  que  o   precediaó  ,  e  tendo-o  Ann.  de 
levantado     depois    ao    ponto    o    mais     ].  C. 
brilhante    de   íeu   efplendor.    A   perda      1^21. 
do   rilho    da  íua    primeira   mulher  lhe 
tez   faltar    efta   celebre   fucceííaó  ,  que    D,JOA 
cauzou    depois    a    elevação    da     caza  III#    REI* 
d'Auftria  ;   porém  elle    teve   com  que 
fe  coniolar  pelos  feus  defcubrimentos,  D*  DL*R" 
e   conquiílas   no  novo  Mundo.    S'elle  1E    DE 
foi  o   rilho  da  fortuna  ,   naó  o  foi  cer-  MEinEZES 
tamente  d'uma  fortuna  cega.  Efte  Prin-  G0%EK~ 
cipe   tinha    verdadeiramente    as   quali- NAD  R" 
dades  heróicas  ,    que   formaó   03  gran- 
des   homens  ;    e   o   íeu    Reino   ,  que 
elle   \ca    florecer  por  tantos     modos  y 
gozou   todas  as  vantagens  ,    que  pode 
procurar  hum  Rei  ,  que  he  digno  de 
o  fer.    D.   Joaó  III.   leu  filho   de  ida- 
de  de  20  annos  fubio  ao   Throno  de- 
pois delle  ,  e  ie  moítrava  herdeiro  de 
luas   virtudes  ,     principalmente   do   eí- 
p-.rito  de  Religião  ,  que   lhe  grangeoir 
v  apelido   de  Piadozo. 

D.  Duarte  de  Menezes  naó  tinha 
ainda  tomado  poíTe  do  feu  governo, 
quando  morreo  EIRei  :  naó  entrou 
neíle  fe  naó  no  mez  de  Fevereiro  òo 
anno  feguinte  :  porem  a  noticia  delia 
morte  16  chegou  ás  índias  ,  quafi  no 
meio  deíle   meímo  anno  ;  aonde  naó 

dei- 


111.     REI 


342  Historia    dos  Descoerimentos 

• —  deixou  de  levar  alguma  mudança   nas 

Ann.  de  fortunas   3     aííim     como     de  ordinário 

3.  C     acontece    na  mudança   de  Senhor.    O 

1522.     Governador  principalmente    fe  pertur- 

-  bou   com  ella  .  porque  fentia  bem  eme 

D.  JOÃO         i,         Jf  r        L   r  •       •     1       x    • 

o  grande  favor  que  leu  pai  tinha  ti- 
do d'ElRei  defunto  ,  de  quem  era 
Mordomo    Mcr  ,    naó     fe  confervaria 

D.  DUAR-  xt 

com  o  novo  Monarca. 

No   principio  fe   havia   apoderado 

MENEZES     j/~.  l  i  -        1        c    c\ 

do  doverno  por  via  de  tacto  ,  como 
gover-  tornem  qlie  CGnta  fobre  o  feu  credi- 
te ador.    t0>    q   primeir0    a<a0   que   fez  cja  fua 

jurisdição  3  foi  d  enviar  a  Chaul  feu 
irmaó  D.  Luiz  de  Menezes  ,  e  de  ti- 
rar o  Governo  ctefta  Praça  a  Henri- 
que de  Menezes  fobrinho  de  Siquei- 
ra ,  para  o  dar  a  Simaó  d'Andrade. 
Muitas  pe-íTbas  fe  offenderaò  com 
efte  difpotifmo  d  autoridade  ,  que  fa- 
zia huma  afronta  a  feu  predeceííor  , 
tanto  mais  que  efte  tinha  autoridade 
de  nomear  hum  Governador,  ate  que 
a  Corte  niffo  proveíTe.  D.  Duarte 
corou  a  fua  conducra  ,  dizendo  que 
nefte  empre-go  fe.precizava  de  hum 
homem  de  reputação  ,  como  era  Si- 
maó d'Andrade  ,  que  além  diffo  fe 
©fferecia  a  armar  ,  e  fuftentar  á  fua 
eufta  féis  galeras  do  numero  de  do- 
ze ,    que  o  General    queria  por   no 

mar 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    $4} 

mar  contra  as  furtas   de  Mellque  Jaz. j 

Porém  a  verdadeira  razaõ    era  por  ler  Ann.   de 
pobre   o  íbbrinho    de  Siqueira  ;    pelo     J.C. 
contrario  Simaó  d'Andrade  ,   que  íe  ti-    g*»i. 
nha  enriquecido  muito  na  Tua  viagem 
da    China  ,   e   que   havia  prometido  a    D*  j0a0 
D.   Duarte  de  efpofar   huma  filha  na-  1U-  REU 
rural,   que  elle   tinha   em  Portugal. 

Os   Portuguezes    de  Chaul    efta- D; DUAR" 
vaó  fempre   opprimidos.  Aga  Mahmud  TE   DE 
a  quem  a  retirada  de  Siqueira   fez  mais  MENEZE5 
valente  ,   tinha  ido  aprezentar-fe  á  bar-  COVER~ 
ra  com  as  fuftas  ,  para    obrigar  Anto-  NADOR" 
nio   Corrêa  a  expor-fc   a   huma  acçac. 
Elle     o  varejou   com  muita    valentia. 
Corrêa,  por  falta  de  munições  ,   fe  poz 
na   defeníiva     atirando     mui   devagar  , 
por  naó   extinguir   as   poucas   que   lhe 
reítavaõ.   Aga  tendo  tomado  ainda  mai^ 
confiança  ,    intentou    tomar     hum   dos 
reduclos    que  defendiaó    a  entrada  da 
barra.    A   iíTo  tinha  fido   folicitado  por 
hum   dos    mais   confideraveís    Mouros 
de     Chaul    ,    que     chamavaõ    também 
Mahmud.    Pedro   Vaz   ,    antigo   Orli- 
cial   ,    que   tinha   fervido    em  Itália  , 
commandava    no  redueto  ,    onde   naõ 
tinha   mais  que  trinta  homens.  O  Aga 
poz   a  fua   gente  em  terra  ,  que  eraó 
300   voluntários  ,  quaii     todos   peíToas 
qualificadas  ,    fem  que   os  do  reduclo 

os 


344  Historia  dos  Descobrimentos 

os  podeffem     perceber.    Aquelles   ten- 

Ann.  de  do-íe  efeondido   a  traz  d'uma  eminen- 

J.  C.     cia,  que   dominava   o  reducro  ,  pclcja- 

1521.    mó  logo,  que  poderão  fer  defeubertos. 

•  A    accaó    foi   das   mais    vivas.    Pedro 

D.   JOÃO  ^r  J  n  -li      •  C 

\  az,e  os  meítres  artilheiros  rorao  mor- 
K  '  '  tos  :  os   outros  Te  defenderão  com  to- 
do o   valor  que   fe  pode   imaginar  ,  e 
l"  depois   da  acçaó  acharão   que  tinha  no 


feu  broquel   até  27  flexas.    Fora   pre- 

GOVER- 


cizado  a  ceder  á  força  ,  fe  Corrêa  lhe 
naó  tivefie  enviado  60  homens  em 
kador.  (|ojs  bateis  J3em  armados  ,  que  divi- 
dirão da  fua  forte  em  feu  favor.  O 
Aga  admirado  da  morte  dos  dois  Che- 
fes defte  partido  ,  e  de  quafi  90  ho- 
mens eftendidos  na  praça  ,  tomou  o 
partido  de  fe  retirar.  O  traidor  Mah- 
mud,  crendo  que  ignora vaó  a  fua  per- 
fídia ,  enviou  felicitar  Corrêa  deita  vi- 
cloria,  e  lhe  fez  levar  refrefeos.  Cor- 
rêa por  refpofta.  lhe  enviou  as  cabeças 
dos  feus  Deputados  ,  e  fez  pendurar- 
Ihes  os  corpos  nas  vergas  dos  feus 
navios. 

D.  Luiz  de  Menezes  chegou  du- 
rante efte  tempo  :  Corrêa  ,  coroado 
d'uma  no;a  gloria  por  efta  nova  van- 
tagem ,  lhe  entregou  o  governo  da 
frota  ,  c  foi  ainda  a  tempo  de  fe  em- 
barcar com  Siqueira  feu  tio  ,  nos  na- 
vios 


TE     DE 

MENEZES 


P03    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.     2,4£ 

vios  de  carga.  Melique  Jaz  fabendo  da 

chegada  de  Menezes,  e  temendo  ain-ANN.#de 

da  mais  Simaó  d'Andrade  ,    que  tinha     3-   C. 

já  chegado    a  Chaul  ,    havia    obrigado    1^22. 

na  íua  derrota    a  Cidade  de  Dabul   a 

iL  j  1  •„  d.  JOÃO 

lhe  entregar  duas    galeras  inimigas  ,  e 

a  pagar  hum    tributo   annual  a   Coroa 

de  Portugal ,  chamou  o  Aga  ,  e  as  Tuas 

r    n  °      '      ,  1  &  D.   DUAR- 

fuítis  ,  e  enviou  pedir  paz  ao  novo 
Governador  ,  defculpando-fe  do  paíla- 
do  com  a  má  conduta  de  Siqueira  feu 
predeceífor.  D.  Duarte  lha  concedeo 
de  melhor  vontade,  do  que  fe  fufci-NAD 
taiTe  huma  nova  guerra  ,  cujas  confe- 
quencias   tinha   razaó  de   temer. 

Houve  ainda  aqui  hum  effeito  da 
cubica  coberto  com  as  apparencias  do 
bem  Publico.  O  Rei  d'Ormuz  naó 
pagando  ,  e  nem  podendo  pagar  o 
tributo  pela  diminuição  das  íuas  ren- 
das ,  como  já  diífemos  ,  alguns  parti- 
culares avizaraó  á  Corre  de  Portugal, 
que  ifto  era  pela  má  adminiítraçaõ 
das  rendas  deite  Príncipe  ,  o  qual  era 
roubado  pelos  Míniftros  que  o  gover- 
navaõ.  Ainda  que  huma  das  condi- 
ções do  tratado  ,  que  tinhaó  feito  com 
elle  ,  foi  que  naó  íe  embaraçariaó  com 
os  negócios  do  feu  Governo  ,  com 
tudo  o  cazo  tendo  fido  propofto  em 
Portugal  aos  Doutores  ,  todos  refpon- 

de- 


34^    Historia  dos  Descobrimentos 

— -. deraõ  unanimemente  y  que  fendo  o  Rei- 

An^.  de  no  de  Ormuz  tributado  á  Coroa ,  El- 
J.  C.  Rei  de  Ponugai  era  abíbiutamente  o 
irzz.     Senhor  dos  Eilados  deite  Príncipe. 

Sobre  efta  divifaõ  D.  Manoel  en- 
d.  joao  vjQU  or(jens   ao  Governador  General  , 
iii.   KEI- que  pozeíTe   Portuguezes  em  todas  as» 
alfandegas  do  Reino  de  Ormuz ,  como 
d.  duar-  fe  QS  porcuguezes   eftando    huma  vez 
TE   DE      neftas  alfandegas  ,   naó   podeííem  rou- 
menezes   j5ar  Q   principe)  aíílm  como   o  tinhaõ 
>ver-    £ejtQ  os  Qj^ciaes  Árabes  ,  ou  Perfis  , 
kadok.    qUC  aj|-  cftava5  Jantes  já,  que  rouba- 
vaõ   também  o  mefmo   Rei  de  Portu- 
gal. Eftando   Siqueira  em  Ormuz  exe- 
cutou as  ordens    d'ElRei   feu  Senhor 
contra  o  feu  próprio   fentimento.  Ifto 
tinha   grandes   dificuldades  ;   porém  co- 
mo  Toran-Cha  Rei   d'Ormus  precifa- 
va  entaõ   do  foccorro    dos    Portugue- 
zes,  para  tornar  a  conquiftar  as  Ilhas 
de  Baharem  ,    e   de  Catife  ,    tomou  o 
partido  de  diííimular  ,  e  de  fubmeter- 
ie.    A   diílimulaçaõ  fervio    fó  de  aug- 
nientar  o  mal  ,  porque  depois   da  par- 
tida de  Siqueira  ©s  novos  Feitores  da 
Alfandega  naó  deixarão    de  dar  mui- 
tos motivos  de  queixa :  por  outra  par- 
te os  Miniftros  do  Rei  d'Ormuz  achan- 
do  occafiaõ  de    o  irritarem   exceífiva- 
mente,   efte    Príncipe    d*acordo    com 

el- 


DOS    P0.RTUGIJEZES  ,    LlV.    VIII.     \4J 

elles ,  tomou  a  reíoluçaó  de  fazer  aí-  ■ r— • 

facinar   todos    os  Porruguezes  ,    n'um  Ann.   de 
mefmo    dia  ,    e  á  mefma   hora,     em    J.  C. 
toda  a   extençaó   dos   feus  Eítados.        1522. 
O    negocio     foi   conduzido     com  - 

r        °-  ,  -r    •  T,  D.   3  O  AO 

muito   íezredo ,  e  artihcio.  Porque  pa- 

n  r        ■  rir-        m»     REI 

ra  melhor  conseguirem  o  ieu  aeíignio, 
e    para    enfraquecerem    os    Portueue- 

r       J-       -  ít  1      J        C  D.DUAR- 

zes  ,  períuadirao     a  Manoel  de  Souza 
Tavares  ,  que  commandava  fobre  efta 

r^     O.  £   íT  J     „   MENEZES 

Coita  ,  que  roííe  ao  encontro  dos 
Nautaques ,  ou  Baloches  ,  corfarios  Ara-  G(M 
bes ,  os  quaes  infeítavaó  eíles  mares  NAD0F" 
no  tempo  da  monção.  Apenas  Sou- 
za partio  arrebentou  a  conjuração  pe- 
lo attaque  de  dois  navios  ,  que  relta- 
vaó  no  porto.  O  fos;o  que  lançarão 
ao  primeiro  ,  foi  o  fmal  de  aiTacina- 
rem  os  Porraguezes.  Aili  morrerão 
12c  ,  fem  filiar  dos  efcravos  de  am- 
bos os  fexos  ,  em  Ormuz  ,  Curiate  , 
Soar  ,  Baharem  ,  e  n'outras  partes.- 
Rui  Boto  mais  fel  is  do  que  os  outros 
na  infelicidade  commum  ,  acabou  por 
hum  gloriozo  martyrio  em  Babarem, 
tendo  eftimado  mais  fofrer  todas  as 
forres  de  tormentos  ,  que  renunciar 
a  íua  Religião  para  abraçar  a  lei  ac- 
Mahomet.  Só  o  Governador  de  Maf- 
cate  naó  quiz  executar  as  ordens  fan- 
guinarias   do  feu  Príncipe  0  e  avizou  a 

Ma- 


D.  DUAR 
TE    DE 
MENEZES 
G  OVE  II- 
J.ADOK. 


348   Historia  dos  Descobrimentos 

— Manoel  de  Souza  Tavares  de  tudo  o 

Ann.  de  que  fe  urdia  ,    o   que  logo  o  obrigou 
J.  C.    a  retroceder. 

1522.  D.  Garcia    Coutinho  Governador 

d  JOA.5  ^a  fortaleza  d'Ormuz  ,  antevendo  bem 

.,.'   «       °iue  °  menor  mal  que  tinha  para   te- 
iii.    rei.  ^  *    r  ,  * 

mer  ,  era  a  tome  ,  e  lede  em  quanto 

duraífe  hum  fítio  difícil  a  fupportar  , 
com  a  pouca  gente  que  tinha  efeapa- 
do  ao  aflacinio,  fez  partir  com  preíía 
huma  caravela,  para  avizar  o  Gover- 
nador General  do  eílado  em  que  fe 
achava.  Com  tudo  Souza  fe  apreíTa- 
va  para  tornar  a  Ormuz.  Huma  tem- 
peftade  o  feparou  de  Triílam  Vaz  ,  que 
no  leu  paráo  paííou  pelo  meio  da  frota 
dos  inimigos  ,  compofta  de  mais  de  160 
Tcrradas ,  de  que  naó  recebeo  damno 
algum  ,  ou  foffe  por  naó  fer  percebido 
ou  por  ter  a  felicidade  de  fofrer  todo  o 
fogo  deites,  fem  receber  prejuízo.  Ma- 
noel de  Souza  tendo  depois  ancorado 
na  diílancia  de  duas  legoas  da  Cidade  , 
o  perigo  a  que  Coutinho  o  vio  cx- 
pofto  ,  fez  com  que  elle  fe  determi- 
naííe  a  enviar  à  fua  prezença  Triftam 
Vaz  ,  que  teve  também  o  valor  de 
paíTar  pelo  meio  da  frota  inimiga  pa- 
ra hir  ter  com  elle.  Torun-Cha  en- 
colerizado com  a  fraqueza  dos  feus  , 
que    naó   oufavaó  abordalo ,    fez    pôr 

dian- 


dos  Portugueses  ,  Liv.  VIII.  $49 

diante    de  fi   fobre  duas   mezas    duas- 

bacias.    Huma  eftava  cheia  d'oiro  ,  e  Ann.  de 
n  outra    de  jóias ,  e  adornos    de  mu-    J.  C. 
lhcres  para   excitar-lbes   o  valor    com    ^22. 
eira  viita  ,  que  era  o  fimbolo  de  du- 
plicada recompença.    Com  effeito  efta 
vifta  animando  os  brios  dos  mais  ira-    ■  ■"    RET# 
cos  ,  toda  efta   frota  fe  póz   em  mo- 
vimento.   Naó  obftante  todos  os  íeus  D*  DUAR" 
esforços  ,   os  dois  navios  abrirão  paf- 1 E  DE 
kgem  ,   e  vierao    colocar-fe  no   por- ' 
to  ,   debaixo    do   fogo    da  Fortaleza  ;  GOvER~ 
porem  taó  cheios  de  ílexas,  que  efta-KAD0R" 
vaó  cobertos  delias  ,  de  modo  que  ti- 
veraó    de  que  fazer  fogo    por  muitos 
dias. 

A  Fortaleza  tendo  fido  depois  at- 
tacada  da  parte  da  terra  por  dois  me- 
zes  fucceííivos  ,  porem  fem  muito  ef- 
feito ,  Torun-Cha  irritado  por  huma 
parte  contra  os  Miniílros  ,  que  o  ti- 
nhaó  metido  nefte  máo  negocio  5  e  te- 
mendo pela  outra  ainda  mais  o  caíli- 
go  devido  á  fua  traição  ,  tomou  a  mais 
extranha  refoluçaó  do  mundo  ,  que  foi 
deixar  a  Cidade  d'Ormuz  ,  e  nir  ef- 
tabelecer-fe  na  Ilha  de  Queixome , 
que  diila  dalli  fó  três  legoas  ,  e  tem  15 
de  longo  ,  no  feguimeuto  da  terra  da 
Coita  de  Carmania.  Para  o  que  pu- 
blicou hum  çdick)  com  pena  de  mor- 
te 


$$0  Historia   dos  Descobrimemtos 

• te  a  cada  hum   dos   feus   vaííallos  pa- 

A;n.  de  ra   fe  embarcarem    com  todos  os  íeus 

j.  C.    bens  para  o  feguirem.    Pofto  que  elta 

1522.     determinação    extravagante    encheo   á 

-  Cidade  de  difgofto  ,  foi  obedecido.  Os 

OrKciaes  ,    que   deixou    para    fazerem 
111.   rei.  r  j       r 

executar    as  luas    ordens   ,  encanara® 

também  o  Governador  da  Fortaleza  , 
d.  DUAR"que  naó  conheceo  o  diíignio  do  Prín- 
cipe ,  íe  naó  quando  o  mal  naó  tinha 
MEhEZEs  remec||0  ^  e  que  v[0  toja  a  Cidade  em 
go\er-  f0g0#  Entaó  temendo  algumas  filadas, 
hADOR.  e  na£  0llfanc}0  enviar  alguém  para  fa- 
ber  o  que  íe  paíTava ,  eíía  Cidade  fo- 
berba  pela  beleza  dos  feus  edifícios  , 
eíteve  á  defcripçaó  das  chamas  ,  que  a 
<Jeftruiraó  em  quatro  dias  •,  e  quatro 
-noites.  Efpeclaculo  digno  de  compai- 
xão, e  capaz  de  arrancar  lagrimas.  Os 
Portuguezes  perdido  ò  medo  quaíl  no 
fim  deíle  incêndio  ,  efperaraó  ainda  a- 
char  nelle  de  que  latisrazer  á  fua  cubi- 
ca,  e  fe  lançarão  por  entre  as  chamas 
para  a  contentar.  Porém  tiradas  al- 
gumas provizoens  de  boca,  que  naó 
foraó  inúteis ,  naó  acharão  mais  do  que 
cinzas  ,  e  carvaó. 

Torun-Cha  tornou  a  fí,  naó  po- 
dia deixar  de  fe  arrepender  do  mal  que 
tinha  feito  a  fi  meímo.  Além  dos  in- 
commodos   ordinários    a  todo   o  novo 

côa- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    $$1 

eítabelecimento  ,  bem  de  preíTa  fe  vio 

reduzido  na   Tua   Ilha  á   todas    as   mi-  Anw.  de 
zerias,  que  fofriaó  os  Portuguezes  em     J.  C. 
quanto    durou    o    cerco.   Porém  eftes     1*22. 
foraó    os  primeiros  a   foccorrelo.    D. 
Garcia  Coutinho,  tendo  interefles  pef-    D*  J0AO 
foaes  que  ajuílar   com  efte  Príncipe,  '"•   REI# 
entrou  com  elle  em  fecreta  correfpon- 
dencia  ,  e  lhe  deo  todas    as   iníinua-  D#  DUAR- 
çoés  necelíarias  tocante  á  maneira  com  TE  DE 
que  le  devia    comportar    para  fazer  a  MENEZEs 
íua  paz  com  Joaó  Rodrigues  de  Noro-  GOvER- 
nha  ,  que  vinha  para  lhe  fucceder  no  NADOR» 
Governo  da  Fortaleza  ,  e  que  efpera- 
vaó   todos  os  dias.    Pouco    depois  D- 
Gonçalo   Coutinho  primo  de  D.  Gar- 
cia  ainda  fez   pior  ;    porque  tendo   fi- 
do defpachado  por    D.  Luiz    de  Me- 
nezes ,  para   annunciar  da   fua  parte  o 
foccorro  ,    que  elle   condufia  em  pef- 
iba ,  foi  carregar-fe  de  provifoés  a  Maf- 
care,  e  as  foi  vender  ao  Rei  Torun- 
Cha  a  Queixome  ò  antes  de  hir  a  Or- 
muz ,  onde  a  fua  chegada  naõ  deixou 
de  cauzar  muita  alegria.  Efta  prevari- 
cação fez   muito  prejuízo   a  EIRei  de 
Portugal  ;    porem    he  aííim  que  quaíi 
fempre  os   Reis   faõ  fervidos  por  vaf- 
faios   enterefleiros. 

Com  tudo  Torun-Cha  naõ  tardou 
em  fer  a-  vicfrrrm  da  ambição ,   e  da 

divi- 


$çl  Historia  dos  Descobrimentos 

divifaó    dos   feus.    Rais   Seraf   zelof» 

Ann.   de  da  autoridade  que  tinha  tomado' Mah- 

J.    C.     mu d  Mcrad  ,    de   quem    o   Rei   via  a 

is 22.      mulher     com  muita  privança  ,    e   que 

^  com  o  favor   deite  fraco  Príncipe  ,  ti- 

A    nha  tomado   quafi  toda  a  auctoridade, 

nu      Ei# £ez  apQo-ar  0   jf^e|  íccretamente  ,  e  puz 

fobre  o  Throno   em   feu  lus;ar  a  Cha- 

p-DUAR"Pat-Çha  Mahmud  ,  hum  dos  filhos  do 

TE  DE      defunto  Rei    Ceifadim.    Morad  ,    que 

MENEZES  i  1  J  •        J     n  ' 

conheceo  bem  depois  delta  acção  que 
co\ek-  ^ra  e||e  na^  havia  outra  falvaçaõ  fai 
Í,ADCR*  naó  na  fugida,  abandonou  a  parte  ao 
feu  concorrente  ,  o  qual  fe  vio  com 
hum  Rei  pupilo  fó  Senhor  do  Eira- 
do ,  como  o  havia  fido  feu  pai  Nor- 
dim  depois  da  morte  do  Rei  Hamed. 
D.  Luiz  de  Menezes  fabendo  na 
fua  derrota  huma  parte  deitas  coifas  y 
e  o  íim  trafico  delia  revolução  ,  foi 
ancorar  defronte  da  Ilha  de  Quei- 
xome.  Seus  Capitães  eraõ  de  pare- 
cer que  ellea  deítruiíTe  bem,  como 
o  podia  fazer  facilmente  ,  porém  D. 
Luiz  temendo  a  defefperaçaó  de  Se- 
raf, que  fazia  femblante  de  fugir  com 
o  Rei  para  o  interior  das  terras  ,  e 
conhecendo  de  que  importância  era 
obrigar  eíte  príncipe  a  tornar  para  Or- 
muz ,  defprezou  os  pareceres  dos  feus 
Oificiaes  3    e  nem    lequer   fe  dignou 

ena- 


aos  Portuguezes  ,  Liv.  VIII.  555 

chamar   a   Confelho.    Com  tudo  cieíc 

jou    bem  caufar  alguma    defordem   no  Ank.  de 
Governo  deíla  Corte,  por   má  vonta-    J.  C. 
de  í  Seraf  ,  que  lhe  era  odiozo ,  e  de    1^22. 
quem   temia  igualmente   os   artifícios  , 
e   as  defconfianças.    Para    efte   effeito   D*  JOAO 
folicitou   dois  Cheques  vifínhos,   etri-llI#    REU 
butarios    do  Rei  d'Ormuz   ,    que   lhe 
prometerão  logo  de  excitar  algum  mo-  D*  DUAR" 
vimento  ,  e   depois   lhe   faltarão  ápa-TE  DE 
lavra.    A   negociação   com  tudo   corria  MENEZES 
feu   curfo   entre  Seraf,  e   elle.   Final-  GOVEK" 
mente  regularão  ,  que   o  Rei  tornaria  NAD0R» 
para   Ormuz  ,   e  que  pagaria  d'alli  em 
diante   15c?)    íeraíins   agoiro    de   tribu- 
to ,  e  que  leria  compenfado  todo  o  pre- 
juízo  que  tinha    fido  feito   aos  Portu- 
guezes ;    porém   que  eítes   tirariaó    os 
OfRciaes ,   que  tinhaó   nas  alfandegas  , 
e  naó    fe   embaraçariaó   mais    com  os 
negocio:   do   Governo. 

Aíhgnado  o  tratado  ,  Cha-Mah- 
mud  enviou  prezentes  de  conílderaçaõ 
em  jóias  ,  e  peças  prcdozas  para  £1- 
Rei ,  e  a  Rainha  de  Portugal,  para  o 
Governador  das  índias  ,  e  para  D. 
Luiz.  Porem  D.  Luiz  em  toda  a  fua 
condueta  ,  moílrou  hum  defentcreíTe 
digno  de  admiração.  He  verdade  que  el- 
le  naó  oufou  recufar  o  prefente  do 
Rei  d'Ormuz  ,  porém  naò    o  quiz  re- 

Tom  II.  Z  ce- 


354  Historia  dos  Descobrimento? 
ceber  para  ÍI  ,  e  o  fez  ajuntar  ao  pre- 


Ann.  de  fente    dcítinado  para    á   Corte  de  Por 

].  C.     tugal.     Eu   eítou     perfuadido   que   D. 

leu,     Luiz  feguio  nifto  os   fentimentos  que 

-  lhe  infpirava  a  nobrefa  do  fcu  fmgue. 

d.  joao  £u  cre-0  com  tuc|0  ^ue  g^.es  fenrimen- 

ih.  re  .  tQS  foraó  ^um  pouco  defpertados  nelle 

por  huma    carta   que   elle   recebco  de 

b.  DUAR-Ignacio    de  Bulhões    feitor    d'Ormuz. 

•ie  de     -p^e  jlomem  que  |iavja  {[do  criado  em 

MENEZES    cafa       d()     prior      d()      Crat0     paj      ^     ^ 

go ver-  \^UIZ  ?  ufancj0  da  íiucloridade  que  com- 
kador.  mummcnte  tomaó  os  antigos  crea- 
dos  acreditados  ,  lhe  efcrcvco  huma 
carta,  que  chegou  primeiro  que  elle, 
c  na  qual  lhe  dizia  com  huma  liber- 
dade nunca  affás  louvada,  que  os  Mi- 
niftros  dos  Reis  dOmuz  eraó  pelfoas 
a  quem  os  maiores  crimes  naó  cuíla- 
raó  nada  ,  porque  eftavaõ  na  poííc  de 
<áS  lavar  com  o  feu  dinheiro.  Porém 
que  conhecendo  o  fcu  modo  de  obrar, 
©tilava  liíbngear-fe  de  que  elle  naó 
quereria  manchar  o  feu  fangue  ,  nem  o 
feu  nalcimento  obrando  como  os  ou- 
tros. Eira  carta  fez  o  feu  efteito  em 
D.  Luiz  mais  do  que  em  D.Duarte  feu 
irmaõ  ,  que  quando  elle  veio  depois 
á  Ormuz  ,  deo  fufpeitas  de  que  tinha 
feguido  outras  máximas  ,  o  que  irri- 
tou por  modo  D.  Luiz  ,  que  (Quebran- 
do com  elle  ,  fe  feparou.   '  D. 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIÍÍ.     ^5 

D.  Luiz  com  tudo  me  parece  que - 

ofufcou    o   bem    que   tinha   feito    por  Ann.  de 
huma   parte  ,    com   a  traição    que   tez     ].  C. 
pela    outra.    Porque     antevendo    bem    ^22. 
que  Seraf  naó  cumpria   o  principal  ar- 
tigo do  tratado  ,  que  era  de  recondu-    D*  J0"° 
fir  o  Rei  para  Ormuz ,  entrou   em  ne-  H1,  KE1' 
gociaçaõ     fecreta   com  Rais-Cha-Miíir 
parente   de   Seraf,    aquelle   mefmo  de  D-  DUAR" 
quem  Seraf  fe  tinha   fervido   para  afo-  TE    DE 
gar  o  Rei   Torun-Cha.    Prometeo-lhe  meí:ezes 
íazello  Xabandar  d  "Ormuz  ,  fe  elle  qui-  GOVER~ 
zeííe  aíTacinar  Seraf,  e  Rais  Sabadim ,  naímírí 
em  cujas   maós  refidia   toda    a  auctori- 
dade   do  moço    Rei.    Cha-Mifir   efcu- 
tou  a  propofiçaõ  ;  porém  naõ  podendo 
executar   o  negocio   em   quanto  a  fro- 
ta Portugueza   eftava    no   porto  ,  por 
ca«fa   das  cautelas    que    tornava   Seraf 
para  á  fua  confervaçaó  ,   naó  pode  em- 
penhar-fe  em  quanto  o  tempo  lhe  naó 
deíTe  comodidade.  Ifto  obrigou  D.  1 
a  tornar  para  ás    índias,  onde  períua- 
dio  o  Governador  feu  irmaó  a  ftír  pef- 
loalmente    a  Ormus ,    para  aili  con fu- 
mar o   qne  fò  havia  delineado  ,  c  po   - 
co  depois  elle  mefmo  fe  expèdío  para 
o  mar   Roxo. 

Cha-AIiíir  cumprio  a  palavra.  Tan- 
to que  Seraf,  e  Sabadim  viraó  que   a 
frota  fe  partira.,  julgaraó-fe  em  líber- 
Zii  dv 


$56  Historia  dos  Descobrimentos 

dade  ,  e  naó  tiveraõ  tanta   cautela  nas 

A:;-,  de  fuás  pefíòas.  Entaó  Cha-Miílr  aprovei- 
J.  C.     tando-íe    da    occaíláó  ,    foi    aíTacinar 
i^iB.      Sabadim,  que  foi  o  primeiro  que  cahio 
„  nos  [cus  laços.  Seraf  intimidou-fe  tan- 
d.  joao  to  djfl-Q  com    a  primeira    noticia   que 
uu   REi.reve5  c^ue  çG  fajvou  de  cafa  em  caía, 
como  hum  homem   que  vai   fugindo  á 
■u^DUAR~juíliça.  Com  tudo   tornando  a   íi ,  vol- 
te   de      tou  par>1  fua  cafa,  fez  carregar  os  feus 
menezes  thefouro3  em  huma  Terrado,  ,    po-los 
gover-    em  feguro,  foi  atrevidamente  falvar-fe 
h«ABOR.     entre  as  maòs  dos  Portuguezes,  e  to- 
mou a  Fortaleza  delles  por  afilo.  Cha- 
Milir  ficando  Senhor  da  Corte  pela  re- 
tirada de  Seraf,  fez  cfcrever  a  Noro- 
nha ,   Governador  da  Fortaleza    d'Or- 
muz ,  em  nome    do  Rei ,  e  feu  ,  para 
prender  Seraf  como  culpado  d'uma  lon- 
ga ferie  de  crimes  ,  dos  quaes  lhe  en- 
viava a  liíta.    Inftruia-o   depois   de  tu- 
do o  que    fe   tinha   paliado     entre  D. 
Luiz  ,  e  tile.  Seraf  foi  retido  por  cau- 
J«i   dcíhs  cartas,    e  conjVituido  prefio- 
neiro  na  torre  ,  a  ifto  fe  feguio  a  vin- 
da  do  Rei  para   Ormuz.    Porem  Seraf 
laó  culpado  como  era   achou   meio  de 
fazer  a  fuà  caufa  boa.  Noronha  fe  fez 
mefmp  o  ien  maior  partidifta  ,   e  quan- 
do   1).  Duarte    de  Menezes   chegou, 
Noronha  o  ©brigou  a  ver  fecrecamen- 

te 


DOS    PoRTUGlfE^EE  ,    LlV.    VIII.    $57 

te  o  ícu  prcíioneiro  ,  com  o  que  elle  « 

conciuio  o  reftabelece-lo  em    todas  as  A&N.rdè 
fuás   honras  ,    alcançando    200$    fera-     j.  C. 
fins,  de  que   daria  logo  metade  ,   eo     1^22. 
reilo  a   paiiar   em   diverfos   termos  ,  e 

r    °       1  ■,  ■       .•/  D.   JOÃO 

o  augmento   do    tributo    annual   ate  a 
60&  ferafins.  Peio   enorme  que  o  Ef-  ll" 
tado    naó    podia  lupportar    no  Teu  ef- 
plendor,    e  que  muito   menos  o  podia     '      * 
íofrer    naquella    occafiaó  ,    que   eífava  rE 
eígotado  ,  e   arruinado.    Porem   o  pro-  itE 
prio    do  entereíle  he   cegar.    Por    efte   GOA 
modo  Seraf,  o  inimigo  mortal  dos  Por-  CsAJ*eaí 
tuguezes  ,  foi  reftabelecido   pelos  Por- 
tuguezes  mefmo ,  e  Cha-Milir ,  que  os 
tinha  fervido ,  foi  obrigado  com  as  fuás 
creaturas  a  prover  na  lua  faívaçaó  pe- 
lo meio  da  fuga. 

D.  Luiz  de  Menezes  tornando 
d 'Ormuz  ás  índias  ,  perdeo  hum  do> 
feus  navios  pelo  máo  tempo.  Era  com- 
mandado  por  Duarte  d'Ataide  ,que  nel- 
le  morreo  com  feu  filho ,  e  D.  Garcia 
Coutinho  y  a  quem  Noronha  tinha  fuc- 
cedido  no  Governo  d'Ormuz.  D.  Duar- 
te de  Menezes  fazendo  derrota  para. 
efta  mefma  Cidade ,  perdeo  huma  das 
fuás  galeras  por  hum  accidente  ,  de  que 
elie  naó  foi  a  caula  ,  porém  que  o- 
íufcou  muito  a  íua  gloria  ,  e  a  da  fim 
Naçaó.  Sebaftiaõ ,  e  Luiz  de  Noro- 
nha 


$5%  Historia   dos  Descobrimentos 

nha  ambos    irmãos  ,    e  commandando 

Ank.  de  cada  hum   hnma   galera,   citando  dian- 
L  C.     te  da   frota   do   General  ,    deraó    caffa 
1522.    a    kum  navio  de  Reiner  ,  Cidade    do 
-  Golfo     de      Cambaia    ,     que    voltava 
do  Reino    de   Pegu   carregado     de  ri- 
quezas ,    e  fe  achava  na   paífagem   de 
Diu  ,  para  onde  moítrava   hir.  Os  dois 


d.  duar- 


írmaós  chegando-fe  a  elle  ,   o  varejarão 


1E  DE  com  a  lua  artilheria  até  á  entrada  da 
Menezes  n0;te  ^  contentando-fe  entaõ  de  o  te- 
co ver-  rem  ,|  vj^  ^  e  ajT"encancj0  toma-lo  no 
isador.  outro  jja>  q  navj0  eítava  taó  criva- 
do ,  que  corria  rez  d'agua.  Os  que  eíta- 
vaó  dentro  fentindo  o  perigo  ,  falva- 
raõ-fc  por  hum  eftratagema  dos  mais 
attrevidos.  EUcs  fizeraó  encoítar  o  feu 
navio  a  huma  das  galeras  em  que  fe 
ouvia  menos  eftrepito  ,  pela  verga  fe 
efeorregaó  para  dentro  ,  e  logo  ás  pe- 
dradas ,  e  com  flexas  encoítaraó  os  Por- 
tuguezes  á  poupa  ,  que  fem  fazerem 
a  menor  refiítencia  ,  fe  lançarão  ao 
mar  para  ganharem  a  galera  de  Luiz 
de  Noronha.  Teidc  eíte  recolhido  hu- 
ma parte  deites  infelices  ,  entre  os 
qnaes  eítava  feu  irmaõ  ,  poderá  facil- 
mente recuperar  a  galera  perdida,  po- 
rém faltei1 -lhe  a  lembrança  ,ou  o  va- 
lor. Os  Mouros  mais  altivos  com  ef- 
ta  prefa ,  do  que  aííictos   com  a  perda 

do 


DOS    PORTUGVEZES  ,    LlV.    VIII.    ^Q 

cio   feu  navio  ,   condufem  a  fua  prefa 

a   Diu  ,    onde   Meliquc    Saca   fazendo  Ank.  de 
trofeo   deita    vantagem   ,    quiz   que  a     J.  C. 
galera    foíle  metida    em  hum  arfenal  ,      x    ,  t 
como  hum  monumento   eterno  da   fua 
gloria  ,  mcftrando   efta  galera  a  todos   D*  JOAO 
os  eftrangeiros  ,  a  quem  perfuadia  que  uu  REI* 
ella   tinha  fido  tomada  pelos  fuás   tuf- 
tas.    Concebeo    além    diílo   tanto   áef-  D-  DUAR~ 
prezo     a   refpeito    do   Genernl   ,    que Tr-   DE 
àtide    entaó   começou    os    feus     cor-  msnezes 
íbs  ,     e  piratagens.    O    Melique    ]az  (,ÒVF-R" 
feu  pai  tinha    morrido   alguns   tempos  fiAD0R* 
antes  ;   homem    digno   de    viver  para 
íempre  na  hiftoria  pela  rara  prudência , 
que    o  fez    taóbem  negociar   todos  os 
tempos  com  os  Portuguezes  ,   que  fez 
fempre   com  elles  a  guerra  ,   ou   a  paz 
a.  feu  proveito  ,   e   foube  merecer-lhes 
eítimaçaó ,  logrando-os  fempre. 

Os  negócios  fentiaó  por  outra 
parte  a  fraqueza  do  Governo,  O  ídal- 
caó  ,  que  tinha  feito  a  fua  paz  com 
o  Rei  de  Narfínga  ,  tornou  a  entrar 
pouco  a  pouco  na  poííe  das  alfande- 
gas da  terra  firme  ,  de  que  os  Portu- 
guezes fe  rinhaó  aííenhoreado.  Fran- 
cifco  Pereira  Peftana  Governador  de 
Goa  ,  pofto  que  muito  bom  OífTcial 
naó  o  pode  impedir,  fem embargo  de 
algumas  pequenas  vantagens  ,  que  te- 
ve 


3^0  Historia  dos  Descobrimentos 

ve  em  diíferentes  occafioés.   Porém  o 

Anu.  de  que   alli  caufou  maior  incomodo,    foi  , 

J.  C.    que  a  duração  deite  homem  fez   defer- 

i<22.    tar   ^e  ^oa  mu'ras  famílias  ,  que   efti- 

,  máraó  antes   hir  eítabelecer-fe     neutra 

D*JOAO  parte   do  que  viver   debaixo    das   fuás 

in.    rei.  0i;cjcns>     q   Governador    General  naó 

ignorava  as  queixas  que  faziaó  contra 

r.DUAR-pe^.ara  .  p0rém  qHc  fechava   os  ouvi- 

T£  DE  dos  aos  gritos  do  povo  ,  comprado  pe- 
wenezes  |os  prefentes?  e  bons  regalos  que  Pef- 
gover-    tana  ^ç  j^vja   fejro> 

IiAD0R'  De  todos  os  OíHciaes  que   tinhaó 

tido  commiííoés  da  Corte  para  hir  á 
China  ,  e  que  todos  fufpiravaó  por 
eíla  viagem,  na  efperança  dos  immen- 
fos  lucros ,  que  alli  podiaó  fazer  ,  e  de 
que  tinhaó  exemplo  em  Pereítrello  ,  e 
nos  dois  Andrades  ,  Duarte  deixou  fó 
partir  Martinho  Affonfo  de  Mello  Cou- 
tinho com  huma  efquadra  de  quatro 
navios  ,  de  que  dois  outros  irmãos  de 
Coutinho  ,  e  Pedro  Homem  eraõ  os 
Capitães.  Martinho  Affonfo  tendo  che- 
gai» a  Malaca  ,  pode  tanto  com  os 
íeus  rogos  ,  e  com  os  de  Jorge  d'Al- 
buquerque  ,  que  Duarte  Coelho  ,  e 
Ambroíio  do  Rego  fe  ajuntarão  a  cll& 
para  eíla  viagem  ,  para  á  qual  naó  ti- 
nhaó inclinação.  Coelho  ,  que  tinha 
tido  parte  nas  extravagâncias  de  Simaõ 

d'An- 


DOS    PoKTliGUEZES,    LlV.    VIII.    $6t 

ti 'Andrade  ,  naõ   ignorava  1  que  pon-  — ~» 

to   os   Chinezes   eftavaõ  irritados  ;  co-A:  :\   de 
nhecendo  bem   a  má  recepção   que  eí-    3-  C. 
les  deviaó  fazer-lhes.    Com  effcito  Io-    1^22. 
go   que   elles  appareccraõ  ,  o   Manda- 
rim  guarda-cofta  tendo   aviíado  á  Can-    D'  ,0A° 
taó  da  chegada  delles  ,  recebeo  ordem  tl1'    KEr* 
dos  primeiros  Magiítrados  de  os  perfe- 
guir  á  ferro  ,  e  á  fogo  ,  de   naõ  efcu-D"  DVAR" 
tar  propofiçaó   alguma   da  parte  delles  ,1E  DE 
e  de  fazer  os  últimos  esforços  para  os  ME:rz: : 
deílruir.   Mello   que  fó  tinha  no  cora- GOvER~ 
çaó  o  travar  a  boa  correfpondencia  entre  KAD0R* 
as  duas   Naçoés  ,  fofreo  todo  o   esfor- 
ço da   frota   Chincza   fem    refponder  3 
e  fe  indignou  contra  Ambrofio   do  Re- 
go ,  que   naõ  tendo  tanta  paciência  fi- 
zera jogar  a  fua  artilheria   com  baltan- 
te  eftrago  dos  navios ,  que  íe  lhe  tinhaó 
aproximado    muito.   Porem  vendo   de- 
pois que  a  paciência  naõ  lhe  fervia  de 
nada  ,    Mello  naõ   teve   mais    do   que 
ardor  para  íe  vingar. 

Os  feus  Capitães  naõ  julgarão  fer 
útil  ajudar-lhe  o  valor  ,  e  foi  elle 
obrigado  a  penfar  na  retirada  ;  o  que 
fe  naõ  pode  fazer  taó  promptamente  , 
e  taó  a  propoílto  ,  como  fe  defejav.i. 
Perdco  alguma  da  fua  gente  em  hunu 
aguada.  Por  cumulo  de  difgraca  ,  o 
navio  de  leu  irmaó  Dioco  fe  percleo  pe- 

1        L 


MENEZES 

G.OVER- 

2ÍAD0R. 


$6*2  Historia  dos  Descobrimentos 
: — —lo  fogo  que  faltou  na  pólvora.   O  de 
Ann.  de  Pedro  Homem    foi  tomado  pelos  ini- 
].  G.    migos.   Mello   mefmo  teve  muito  tra- 
1522.    balho  para  fe  falvar  com  o  refto ,  dei- 
*  xando   aos  Chinezes  com  o   goíto  de 
d.  joao  o  naverem  p0ft0  em  fugida  5  e  tle  fe 
111.  rei.  aproveitarem  ^qs  feus  defpojos  ,  e  de 
fazerem  muitos  preíioneiros ,  dos  quaes 
v'  DUAR"  morrerão   alguns   de  fome    nas  prifoés 
de  Gantaõ.  Elles  evitarão  em  eíta  mor- 
te  a  fentença  do  Imperador  ,  que   os 
condenava  a  ferem  efquartejados ,  co- 
mo efpias  y  e  como  ladroes.    Sobre  o 
que,  diz   hum  Autor  Portuguez  ,  que 
os   Chinezes  lhes  fafiaõ  menor  injuítiça 
fobre  o  fegundo  artigo  ,  do  que  Ibbre 
o  primeiro.    Houveraõ    25  que    expe- 
rimentarão   o   rigor    defta    cruel    íen- 
tença. 

No  feu  retorno  ,  Mello  quiz  dar 
huma  viíla  d'olhos  cá  Fortaleza  de  Pa- 
cem  ,  para  ver  fe  lhe  poderia  fervir 
d* alguma  utilidade.  O  fucceíío  moítrou 
quanto  efta  idéa  era  faudavel.  Depois 
da  morte  de  Jorge  de  Brito  ,  o  Rei 
d' Achem  foberbo  com  a  fua  vi&oria  • 
naó  tinha  ainda  depofto  as  armas  , 
e  fe  tinha  aíTenhoreado  dos  Reinos  de 
Pedir  ,  e  d'Aia.  Tendo  depois  entra- 
do no  Reino  de  Pacem  ,  alli  fez  hu- 
ma conquiíla  tanto  mais  fácil  3.  por  fer 

o 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    $6$ 

o   Rei   trahido  pelos  íeus  próprios  vaf- 

falos  ;  e  por   muita   felicidade  fe  pôde  Ann.   de 
falvar  ,  fem  fe  ter  podido  valer  do  foc-    j    q 
corro  que  lhe   davao   os   Portuguezes ,    1^2?. 
que  vendo-fe    eftes  mefmos   trahidos  , 
alli  perderão    55   dos  feus  ,  e  entre  ou-    D*  J0A0 
tros  o   feú   Chefe   D.   Manoel  Henri-'11*    REU 
quês ,  irmaó  de   André  Governador  da 
Fortaleza.  O   Rei  d'Achcm  mais  altivo  D*  DUAR" 
com    efta   victoria ,  mandou    citar  efte  TE   DE 
para  entregar    a  praça  ,  que  fez  inveí-  MENEZES 
tir  logo  ,  que  recufou  entrega-la.    Nef-  G°VLR" 
tas  circunftancias    he  auc  appareceo  a  NAD0K« 
frota  de  Mello  Coutinho ,  cuja  fó  vil- 
ta  fez  levantar  o   cerco. 

Porém  Mello  tendo  continuado  a 
fua  derrota  para  ás  índias  ,  os  Poitu- 
guezes  fe  acharão  novamente  emba- 
raçados. André  Henriques  pedia  foc- 
corro  a  Rafael  Pereftrello  ,  que  efta- 
va  em  Chatigam  no  Reino  de  Ben- 
gala. O  OíHcial  que  Pereftrello  en- 
viou ,  fe  fez  traidor.  Faltando  os  foc- 
corros  defte  ,  ^Henriques  recorreo  ao 
Governador  General  ,  que  "lhe  enviou 
Lopo  d' Azevedo  para  lhe  fueceder  , 
allim  como  o  mefmo  Henriques  lho 
tinha  pedido,  Razoes  peífoaes  d'ente- 
reííe  tendo  impedido  a  Henriques  de 
lhe  entregar  o  governo  da  praça  , 
Azevedo  íe  retirou  como  tinha  vindo. 

D. 


5^4  Historia  dos  Descobrimentos 
— —  D.  André  Henriques  naò  deixava 

Ann.  de  de  fe  defender  bem ,  e  tinha  tido  três 
|    q      vantagens   aííás   confideraveis    ;  porém 
a  inquietação  em  que  eftava  por  caufa 
1512'    dos  feus  eíFeitos  ,  que  elle  temia  per- 
d.  joaó  der ,    e  a  inveja    de  os  pôr  em  fegu- 
iii.   REi.ro,  tendo   tomado  o  feu  principal  cui- 
dado ,  embarcou-fe  ,  e  deixou  no  feu 
d.  duar-  lugar  Ayres   Coelho  feu  parente  ,  que 
te  de      aceitou  a  commiiíaõ  como  homem  va- 
menezes  lerofo.   Henriques    fazendo-le    á    vela 
gover-    para  ás  índias  ,  achou  no  feu  caminho 
ícADOR.     Sebaítiaõ  de   Souza,   e  Martinho  Cor- 
rêa ,   que  hiaó  carregar    ás   ilhas    de 
Banda.    O  primeiro  tinha  tido    ordem 
para  hir  conltruir  huma    Fortaleza  na 
Ilha   de   S.  Lourenço  ,    ou  de  Mada- 
gafcar    no  porto  de  Matatane ,    e  nnõ 
o  podendo  confeguir,  porque  o   nav;o 
que  levava    os  materiaes  ,    tinha  fido 
ieparado    delle  por    huma  tempeltade, 
Henriques  tendo-lhes   dito  o  eftado  em 
que  cile  tinha  deixado  a  Fortaleza  de 
Pacem  ,    cílcs   julgarão    ferem  obriga- 
dos    a   hirém   foccorreia   ,    em  quan- 
to o  Governador  delia  mefma  praça  , 
cego  pela  fuaambiçaõ,  trabalhava  por 
le  apartar  delia..  Porem  elle  trabalha- 
va   por   le   apartar  delia.    Os    ventos 
contrários   o  obrigarão  a   ceder. 

O  Rei  a  Achem  poílo  que  admi-. 

ra- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.    $6$ 

rado   da   chegada  deite  foccorro  ,  com • 

tudo  mais  fe  animou  a  fazer  os  últimos  Ann.  de 
esforços    para  tomar  a  praça.    Fez-Jhe     J.  C. 
plantar  a  efcalada  huma  noite.  Tinha     1^22. 
8$  homens  ,  muitos  Elefantes  ,  e  lhe 
fez   applicar  mais  de  708  efcadas.  Os    D*  JOAO 
Portuguezes  fe   defenderão  como   he-  m*    REI* 
roes  ,  e  obrigarão  os  inimigos   a  reti- 
rar-fe  com  perda  de  2$  mortos.    Ha-  Dt  DUAR" 
via  350   Portuguezes   no  forte,  e  vi- TE   DE 
veres   para    muitos    mezes.    Com  iílo  MEiNEZES 
quem   fe  perfuadiria  que  eítes  valero-  GOvER" 
los,  que  acabavaó  de  fe  aílignalar  por  NAD0R* 
huma   acçaó  capaz  de  os  immortaliíar, 
tomaíTem  logo  a  refoluçaõ  mais  fraca, 
e  mais    infenfata  do   mundo.    Porque 
tendo   concluido  todos ,  que  o  forte  naó 
podia    confervar-fe   ,   determinarão  fa- 
zelo    arrazar.    Porém  como  cada  hum 
cuidava   mais  em  falvar   feus   bens  do 
que  em  outra  coifa  ,  o  negocio  foi  taõ 
mal  executado ,   como    concebido.    O 
fogo    que  elles  lançarão  na    retirada, 
foi  logo  apagado    pelos  inimigos.   As 
minas  naó    puderaõ  rebentar.    As  pe- 
ças que  tinhaó  carregado  para  as  faze- 
rem arrebentar,  naó  pegarão  fogo ,  nem 
fizeraó  efFeito  algum.   A  perturbação  , 
o  medo  ,    a  precipitação    deites   fracos 
fugitivos,  eraó  taes ,  que  elles  fe  mc- 
tiaó    na  agua  até    o  pefcolTo   para  fc. 

embar- 


$66  Historia  dos  Descobrimentos 

embarcarem,  conftrangidos  pelos  Ilheos, 

Akk,   de  que  atiravaó  fobre  elias  nuvens  de  fie» 
].  C.     xas ,    e  os   iniultavaó    com    horríveis 
jciz       alaridos,  reprehendendo-lhes  o  feu  ter- 
"*   v  ,  ror  pânico.    Bem  longe   finalmente  de 
d.  joao  tcrem    tempo    para   falvarem   os    íeus 
ih,    rei  ^çftÇj  p0r   caQfe  di   fua   funefh  cobar- 
dia ,   a  penas   o  tiveraó   para  falvarem 
D.DUAR-as   fua3   v]jas  ^  picando  inceífantemen- 
te  de      te  as   amarras  dos  navios. 
MENEZES  Ainda  elles  naó  tinhaõ  bem  acabado 

go ver-  en^a  indigna  acçaó  ,  de  que  eílavaó  já  ar- 
kador.  rependidos  ,  quando  para  augmenrarem 
a  ília  defefperaçaó  ,  viraò  apparecer 
o  foccorro  do  Rei  cTAuru  ,  que  conf- 
tava  de  4$  homens ,  e  de  30  lancha? 
cheias  de  todas  as  caílas  de  pro- 
vifoês.  Pouco  depois  elles  encontra- 
rão logo  Azevedo  ,  que  condufia  tam- 
bém hum  novo  retorço  de  Malaca.  Po- 
rém o  erro  eftava  feito  ,  e  o  mal  naó 
tinha  remédio.  Os  Portuguezes  per- 
derão para  lempre  a  Ilha  de  Sumatra. 
O  Rei  d'Auru  eíteve  também  expulfa- 
do  por  hum  tempo  do  feu  Reino  ,  e 
obrigado  a  hir  procurar  hum  aílilo  á 
Malaca  ,  onde  eílavaó  já  os  Reis  de 
Pedir ,  e  de  Pacem ,  onde  alguns  aca- 
barão alli  os  feus  dias  ,  depois  de  ex- 
perimentarem os  rigores  d'uma  extre- 
ma pobreza. 

Jor- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV,    VIII.    367 

Jorge  d'Albuquerque   Governador : 

de  Malaca,  depois  da  difgraça  queti-ANN.  de 
nha  tido   no  attaque  de  Bintam,  fuf-     J.  C. 
tentava   mal    a  alta    reputação   que  o      \czz. 
grande  Affbnío  tinha  feito  ao  feu   no-, 
me.    He  verdade  que  a  principal  cau-    D*  j0a° 
fa  era  por  falta  de  fortuna  ,  e  naó  do  lIU    KEI# 
feu   valor.    D.    Sancho   Henriques  feu 
genro,  que  era  General  do  mar  nef- D,DUAR" 
tes  diítriclos  ,  tendo  hido    por  lua  or-  TE  DE 
dem    attacar    a  frota    de  Mahmud  no  me*ezes. 
rio  Muar  ,  levantou-fe  huma  borrafca  cover- 
de  furiofo   vento,   que  levando  humaNAD0IU 
parte   das  fuás  lanchas  para    entre  os 
inimigos  ,  pareceo  ter-fe  ajufbdo  com 
elles  para  lhas  entregar  nas  fuás  maós. 
Depois  da  tempeftade  D.  Sancho ,  por 
lium  máo  confelho,  tendo  enviado  Ma- 
tioel  de  Berredo  na  lua  gaíiota  ,  e  Fran- 
ciico  Fogaça  em  huma  lancha  á  occupar 
a  entrada  do  rio,  os  inimigos  os  in- 
veftiraõ  ,   e  pofto   que  os  Portuguezes 
fe  derendefTem  com  o  feu   coítumado 
valor,  foraó   finalmente  vencidos  pela 
multidão  ;  de  force  que  deita  pequena 
frota,  fó  Duarte  Coelho,    e  o  Gene- 
ral ,  apenas  fe  poderão  lalvar  em  Ma- 
laca, d'onde  eíte  foi  morrer  pouco  de- 
pois no  Reino  de  Pam. 

O  Rei  de  Pam,  que  tinha  deixa- 
do o  parado  de  Mahmud  ,  Rei  de  Bin- 
tam , 


TE     DE 

MLNEZES 
GOVER- 
NADOR, 


3^3    HVtoria  dos  Descobrimentos 

rr. t<irn  3    para   fe  entregar   ao.   Portugue- 

Ann.    dezes ,  tinha  de  novo  contra:l.ido  allian- 

J.  C.    ça  com  clie.  Huma  das  principaes  con- 

1522.    oiçoés    do  fen  tratado,    foi  que   elles 

-  confervariaõ    eíla    alliança    muito   em 

D.  JOÃO  ri  n     •      1        -n» 

legredo  ,  e  que  o  Rei  de  Pam  ,  con- 
'  tinuando  a  moítrar-fe  amigo  dos  Por- 
tuguezes,  lhes  faria  occultnmentc  to- 
l~do  o  mal  que  podcífe.  Eíle  pérfido 
Principe  lhe  cumprio  fielmente  a  pa- 
lavra. António  de  Pina  foi  o  primeiro 
que  cahio  no>  laços  ,  e  foi  tomado 
com  o  Junco  que  elle  commandava. 
O  Rei  de  Pam  enviou  Pina  com  os 
feus  a  Mahmud  ,  que  tendo  feito  ef- 
íorços  inúteis  para  lhes  fazer  abjurar 
a  lua  Religião  ,  os  fez  atar  á  boca 
duma  peça  ,  e  voar  defpedaçados. 
André  de  Brito  ,  que  o  Governador 
General  havia  mandado  traficar  áquel- 
les  quartéis  para  os  feus  intereffes  par- 
ticulares ,  tendo  hido  abordar  a  elle 
mefmo  porto  ,  alli  morreo  com  12 
Portuguezes ,  que  tinha  no  feu  navio  , 
e  foraó  todos  mortos  exceptuando  hum 
irmão  de  Brito  ,  que  tendo  feito 
tudo  quanto  fe  pode  efperar  da  for- 
ça ,  e  do  valor  d'um  homem  ,  prefe- 
rio  antes  deitar-fe  á  a°;ua  com  hum 
pezo  ,  que  atou  logo  aos  pcs ,  e  afo- 
^ar-ie  3  que.  cahir  vivo  naus  mas  dei- 
ta 


fcOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    360 

tes  traidores  >  ou  deixar-lhes    a   gloria í 

de  o  matarem.  D.  Sancho  Henriques  Akn.  de 
ignorando  todas  eftas  traições  ,  veio  ].  C.j 
também  entregar-fe  á  crueldade.  O  Rei  1^22. 
para  melhor  o  enganar  ,  o  enviou  lo- 
go faudar  ,  e  lhe  fez  levar  refrefcos.  Dt  JOAO 
Repetio  depois  as  attençoês  ,  e  os ll"  REI" 
preíentes  ,    quando  foube    a  qualidade 

1  1  •  D     DUAR* 

de  quem    commandava    o  navio  ;  po- 
rém  apenas   D.  Sancho   ancorou   ,  vio  TE  DE 
cahir    fobre    fi  duas  lanchas    do    Rei  , MENEZES 
com  30  de  Lac-zamana  General  da  fro-  GOvER" 
ta  do   Rei   de   Bintam  ,   o   qual  tinha  NAD0R* 
chegado  na  vefpera  ,  efe  tinha  efcon- 
ciido  no  rio.    D.  Sancho    fó   tinha  30 
homens     e    aííentando    que    era    im- 
poííível   ,  poderem    falvar-fe ,    exhor- 
tou-os   a  que    morreííem    com  valor. 
Com    efFeito  morrerão  todos  ,    depois 
de  terem  feito  tudo  o  que  fe  pode  de- 
fejar  das   peíToas  mais  refolutas. 

A  traição  produfía  o  mefmo  ef- 
feito  na  ilha  de  Java  ,  onde  foraó  tam- 
bém alguns  Portuçuezes  afTacinados. 
Depois  de  tantas  difgraças  fuccedidas 
humas  fobre  outras  na  vifmhança  de 
Malaca  ,  efta  Cidade  fe  vio  em  tor- 
mento ,  e  fepultada  em  confternaçaõ. 
Eftava  cercada  de  inimigos  conjurados 
para  á  deítruirem.  Ninguém  oufav* 
ievar-lhe  viveres,  e  ella  experimen- 
Tom.  II,  Aa  tava 


37O  Historia  dos  Descobrimentos 

• rava  todos    os  rigores  da  neceííidade. 

Ank.   cie  Obrigada    a  manaaJos  bufcar,  era   en- 

]•    C.    taõ   neceflítada    a  defpojar-fe  dos  íbo 

1523.    corros ,  que   a  podiaò   defender.  E  em 

a    -  quanto     aquelles  ,    que    ella    enviava , 

hiao  cahir   nos  laços   que  lhes   eítavao 

III.     RU.  ,  r  7    11      *  n 

armados  ,    ncava   eLa   expoita  aos   ín- 
fultos.  Lac-zamana  ,  que  naó  ignorava 

D.  DUAR-  ,        j  r  íT    l 

nada  do  que  le  paliava  ,   e   que  como 
hábil  General    fe  aproveitava  de  todas 

MENEZES  r     -  •  J 

as  occalioes  ,  teve  o  atrevimento  de 
vir  queimar  o  navio  de  òimao  d  A- 
breu  no  porto  mefmo  de  Malaca ,  on- 
de o  Governador  o  vio  queimar ,  fem 
lhe  poder  valer.  Efte  mefmo  Gene- 
ral tomou  também  duas  caravelas  da 
efquadra  de  D.  Garcia  Henriques,  que  . 
Albuquerque  tinha  enviado  contra  elle 
á  entrada  do  rio  Muar.  Finalmente  o 
Rei  de  Bintam  fez  inveftir  a  Cidade 
por  mar  ,  e  terra.  Lac-zamana  ,  que 
commandava  no  mar,  tinha  20çJ)  no- 
mens  na  fua  frota.  Hum  Portuguez 
arrenegado  commandava  o  exercito  , 
que  era  de  16$  homens.  Tiveraó  a  Ci- 
dade bloqueada  por  efpaço  de  hum 
mez  ;  e  pofto  que  alli  naó  houveíTem 
mais  do  que  80  Portuguezes  effecli- 
vos  com  os  naturaes  do  paiz  ,  os  ini- 
migos naó  fizcraó  grandes  progreíTos  , 
por  caiifa  da  vigoroia  refiftencia  que 
acharão.  Lou- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    37I     ' 

Louvarão  muito  Albuquerque ,  que  em 

rocio  o  rempo  animou   íempre  os  ieus  Ank.   cie 
pela    íua  liberalidade  ,  e  cuidado   para     J.  C. 
com   os  pobres  ,  e  doentes,  e   pela  íua      1522. 
urbanidade,   que   lhe    adquirio    os  co- 
rações  de   todos;    Eíte  Governador  ti- 
nha defpachado  para  Cochim,  para  re-  Ul" 
prefentar  ao  General    á  triíle  fituaçaó 
em  que  fe   achava.  Porém   como  o  ef-  D*  DUAR" 
pirito  de  entereíle  naó  morre  no  meio  TE  D 
das  maiores  calamidades  ,  elle  lhes  pe-  MEKEZES 
dio  o  Governo    das  Molucas   para   D.  GOVER~ 
Sancho   Henriques  feu  genro  ,  ou   pa-  NADOR- 
ra  D.   Garcia   Henriques  feu  cunhado, 
na     fuppofiçaó   que    D.  Sancho     íofíe 
morto  ,  como  haviaó   graves  fufpeitas. 
D.  Duarte    de  Menezes  fez  logo  par- 
tir fcte   navios   para  Malaca  ,   condufi- 
dos  por  Martinho   AfFonfo  de   Souza. 
Depois   do  que   elle  mefmo  partio  pa- 
ra   hir  invernar    a  Ormuz  ,    e  receber 
o  refto   dos  pagamentos   ,    que    tinha 
ajudado   com  Seraf.    D,  Luiz   de  Me- 
nezes   ficou    em  Cochim    para    com- 
mandar    nas  índias  ,    na   auzencia    do 
General. 

Tendo  Souza  chegado  á  Mala- 
ca ,  naõ  fomente  confeguio  para  efta 
Cidade  afrligida  mais  algum  alivio  , 
e  facilidade  para  íubílítir  ,  porém  a 
vingou  ainda  de  muitos  darrmos  ,  que 
Aa  ii  os 


7^1    Historia  dos  Descobrimento* 

os  feus  inimigos  lhe  haviaõ  feito  pa- 

Ann.   dedecer.    Jorge    d' Albuquerque     tendo-o 

J.    C.     metido  de  poííe  do  Generalado  do  mar, 

icii,     lhe  ordenou   que   foíTe  occupar   a  em- 

-  bocadura   do  rio  Muar  com  finco   na- 

D.  JOÃO  vjos  .     e||e    ajjj      fe     confervou     tres     me- 

iií.    REi.zes^  nQS  quaes  Lac-zamana  naô  oufou 
fahir  ,   e  naõ  podendo   nenhum  navio 
D*  DrAR~eít.rangeiro  levar  alli  mantimentos ,  ou 
te  de      mercadorias  ,  Bintam   teve  a   lua  vez 
mknezes  nos  rjg0res   ^a  neceíTidade.  Sendo  Sou- 
gover-   za  obrigado   pela   intempérie   a  deixar 
nador.    e^e  p0jnt0  9  f0i  vifitar  o  Rei  de  Pam  pa- 
ra   punir    as  fuás   perfídias.    Queimou 
nos  feus  portos  os  Juncos  deite  Prín- 
cipe ,  e  os  dos  negociantes  das   Ilhas 
de    Java  que  alli  íe  achavaó.    Contaó 
que   alli  rizera  morrer  ate  6<fo  pefíoas , 
e   que  cativara   tantos   outros,  que  ca- 
da Portuguez   tinha  pelo    menos  féis. 
Souza  tendo  d'aili  hido  á  Patane  ,  fez 
hurna    execução    ainda  mais  violenta  : 
porque    alem     de  muitos    Juncos  que 
tomou  ,  ou  que  queimou  ,  lançou  tam- 
bém  fogo  no  do   Rei  de  Patane,  que 
citando   auzente  ,   voltava  para  foccor- 
rer  a  fuá  Cidade.    Eíle  Principe  infe- 
lis   rendo-fe    deitado    á   agoa    para  fc 
1  alvar  á  nado  ,    foi   mono  com  todos 
os   da   lua  embarcação.    Os   moradores 
de   Patane   atemorizados  ,    falvaraó-ie 

nas 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.      $7$ 

nas    terras.    Naó  achando    Souza  com  ■■ 

quem  combateffe,  deftnihio  toda  a  Ci- Ann.  de 
dade,   e  de  modo  que  ficou  ío  o  chaõ,     J.  C. 
e  tornou     para  Malaca  5  contente  das      içi* 
fuás     façanhas,    pofto    que    ío   foífem 
pequenos   acontecimentos  ,  que  pouco    D*  JOAO 
decidiaò.  iI!-    RE'- 

D.  Gracia  Henriques  ,  para  quem 
Jorge    d'Albuquerque    tinha    pedido   o  D*  DUAR" 
Governo  das  Malucas  ,  tinba  alli  feito  TE   DE 
já    huma    viagem  ;  porem  antes  de  o  MEKEZES 
feguirmos    niito,  nos    he  precizo  ver  GOVER~ 
o    citado    em  que    eítavaó    as   coifas  ,  KAD0*' 
Por  refpeito  á  eíhs  Ilhas  ,  que  faziaó 
hum  grande  objecto  para  os  Portugue- 
zes  ,  e  que   na  Europa  haviaó   de   fer 
huma  femente  de  divifaó  entre  as  Co- 
roas de  Portugal  ,  e  de  Cattella. 

As  Ilhas  de  Banda ,  e  as  Ilhas 
Molucas  fituadas  perto  da  linha  equi- 
nocial no  Oceano  das  índias  5  faõ  do 
numero  das  que  chamaõ  da  Sunda  , 
e  fe  reduzem  fegundo  as  antigas  rela- 
ções ao  numero  de  2C  ;  finco  debai- 
xo do  nome  de  Banda  ,  que  he  a  prin- 
cipal ;  e  outras  finco  debaixo  do  no- 
me genérico  de  Molucas.  Elias  fe  dif- 
tinguem  das  outras  Ilhas  deíle  archi- 
pelago  alíim  pela  fua  pequenhez  , 
porque  a  maior  naó  tem  mais  de 
íeis  legoas    de   circuito  , .  como  pela 

fingu- 


374  Historia  dos  Descobrimentos 

(insularidade    do  fruto   que  ellas  pro- 

Ann.  de  duíem ,  e  lhes  dá   todo  o   valor ,  por- 

J.  C.     que     fò  lá    unicamente    fe  acha.     As 

Ic2?.     Ilhas  de  Banda  faõ  as  únicas ,  que  daó 

-  as  nozes  mufcadas  e  a  fua  flor.  As  Mo- 

d.  joao  iucas  fa5  igualmente  as  únicas  que  daó 

lu-    REI'o  cravo   da   índia. 

A  arvore  que   dá   a  noz  mufca- 
d.  duar-  ja   affeme|ha.fe   muito    a  hu-ma  perei- 

TE  DE  ra  ,  e  o  feu  fruto  a  hum  peflego.  Eíle 
menezes  fruto  ^e  viftofijfimo  quando  eílá  fazo- 
cover-  na(j0  ^  peja  variedade  das  fuás  cores. 
sador.  Qpan^o  0  põem  a  fecar ,  elle  fe  abre  , 
e  lança  certas  pequenas  pclinhas  fi- 
nas ,  que  faó  a  flor  ,  debaixo  da  qual 
fe  acha  a  noz  mufcuda  3  que  he  co- 
mo o  caroço  deíle  fruto.  A  arvore 
que  produz  o  cravo  da  índia  ,  he  qua- 
11  do  mefmo  tamanho  dá  que  produz 
a  noz  mulcada.  Aííemelha-fe  hum  pou- 
co mais  ao  loureiro  ,  e  a  fua  folha  á 
da  oliveira:  o  feu  fruto  vem  em  ra- 
malhetes ,  eílá  fempre  verde  na  arvo- 
vore :  e  depois  fe  pinta  de  vermelho  , 
e  finalmente  fe  faz  tal  como  no  16 
trazem.  Em  o  colhendo,  a  arvore  fi- 
ca de  modo  cançada  ,  que  naõ  torna 
a  dar  fruto  ,  fe  naó  depois  de  defcan- 
çar   hum  anno. 

Os  povos  dcílas  Ilhas  tem  fó  pro- 
priamente  eíte   fcutví  que    faz    o    feu 

com- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    37£ 

commercio.    O  Sagu  ,    que  he  a  me * 

dula  d'uma  arvore,  lhes  ferve  para  fa-  A nn.   de 
zerem  o  Teu  pam  ,  como  a  raiz  de  maji-     J.  C. 
dioca  na  America  Meridional.  No  mais     1^22. 
quando  os  Portuguezes   rizeraó  o  leu 
defcubrimento  ,  eraó  eíles  huma   efpe-    D*  J0AO 
cie  de   falvagens ,    que  coriheciaó  che- m*    RE*U 
fes ,   a  quem  prodigalizavam    o   nome 
de   Reis  ;   porem  que  ío  tinhaó   huma  D*  DUAR* 
aucloridade  muito  dependente  dos  feus  TE  DE 
vaííallos.  Sua  Religião  antiga  era  hum  MENEZES 
Paganifmo  muito  bruto,  de  que  fegun-  GOVER~ 
do  as  apparcncias  ,   confervaraõ   ainda  NADOR» 
as  fuperíliçoés  com    o  Mahometifmo , 
que  havia  pouco  tempo  tinhaó  recebido. 

António  d'Abreu  ,  que  o  grande 
Albuquerque  enviou  para  defeubrir  ef- 
tas  Ilhas ,  naó  pôde  ganhar  pela  con- 
trariedade dos  ventos  fe  naó  a  Ilha 
d'Amboine  ,  que  fica  perto  dalli ,  e 
tornou  para  Malaca.  Voltou  depois 
para  ás  Ilhas  de  Banda,  e  achando 
alli  a  fua  carga  de  cravo  ,  naó  teve 
precizaó  de  hir  ás  Mohicas  ,  onde  nao 
poderia  tomar  nada  ,  por  eítar  carrega- 
do ,  e  íe  fez  á  vela  para  ás  índias* 
Donde  pondo-fe  em  derrota  para  tor- 
nar para  Portugal  na  efquadra  de  Fer^ 
nam  Peres  d' Andrade  que  voltava 
da  China  ,  morreo  no   caminho. 

Francifcp  Serram  ,  que  era  da  ef- 

qua- 


III.      REI. 
D. DUAR 


376  Historia  dos  Descobrimentos 

■  quadra  d' Amónio  d' Abreu   na   fua  pri- 

Ann.  de  meira  viagem   das  Molucas  ,    delle  fe 
J.   C.     feparou  por   huma  tempeítade  ,   e  foi 
1^2?      naufragar  fobre  as  Ilhas  de  Lucopim* 
*  „  de  modo  porém    que  perdendo   alli   o 
joao  corpQ    j0  navi0  9    falvou   toda    a    fua 
gente.     Pouco   entereííe    fe  confegue- 
ria  ,  porque  a  Ilha  era  deferta.    Hum 
cafo  iíngular  dirigido   pela  providencia 
te  de      f0j  a  fua  facção.  Os   Ilheos  vifinhos 
menezes  ten(j0  fido  teítemunhas  do  feu  naufra- 
cover-    gj0j   yieraõ  para  fe  aproveitarem   dos 
ííador.    fcus  defpojos  ;    Serraõ  que  percebeo 
iílo  ,  meteo-fe  n  uma  embufeada  5  dei- 
xou-os  defembarcar ,  e   fe  fez   fenhor 
dos  feus  bateis.  Eftes  furprendidos  pe- 
dirão mifericordia  ;  e  por  final ,  ou  por 
outro   modo  ,    lhe  perfuadiraõ   que  fc 
elle  quizeííe  tornallos  a  embarcar  ,  el- 
les   o  condufiriaó  a  lugar  onde  elle  fe- 
ria   bem    recebido.    Serraõ    fe  deixou 
perfuadir  pela  neceííidade  em  que  elle 
mefmo  fe  achava ,  e  com  tudo  naõ  fe 
fiou   deites   Ilheos   fem  cautela.   Elles 
lhe  compriraó  a  palavra  ,  e  o  condufi- 
raó   á  Amboine  ,  onde  lhe  fizeraó  to- 
da a   forte  de  agrados ,  e  bom  acolhi- 
mento. 

Os  habitantes  deita  Ilha  eftavaõ 
em  guerra  com  os  da  Ilha  de  Bato- 
chim  ,  e  elles  a  fizeraó  com  vantagem 

por 


DOS  PORTUGUEZES  ,    LlV.     VIU.    $jf 

por   caufa  da  ajuda  de  Serrão  ,  e  dos  -^ — — < 
feus.  O  eco  que  fe  efpalhou  pelas  Mo-  Ann.  de 
hicas  ,    onde  os  Portuguezes    eraó  já     J.  C. 
conhecidos    pelos   cuidados   que    tinha     x<2*. 
tido  o  grande  Albuquerque  dalii  enviar        *   '  '„ 
hum   Malaio    negociante   de  Malaca  j  D-  JOAO 
para    aplanar    os   caminhos  a  António  ,n*    REI* 
d' Abreu.    Tendo   a   fuá  reputação  ad- 
quirido   hum  novo  luir.ro    pela  noticia  D*  DUAR" 
defte   fuccelTo   da   guerra    cTAmboine  ,  TE  DE 
os  Reis  de  Ternate  ,  e  de  Tidor  am-  MENEZES 
bos    á  profla  procura vaó    chamar  para  G°VER~ 
fi  eftes   eítrangeiros.    Boleife  Rei    de  NAD0R» 
Ternate   mais  deligente  venceo  o  feu 
rival  y  e   os  chamou  para  fr.    Francifco 
Serraó ,  e  os   feus  foraó  por   cite  mo- 
do os  primeiros  Portuguezes   que  che- 
carão ás  Molucas.  António  de  Miran- 
da de  Azevedo  ,    e  Triftaõ  de  Mene- 
zes ,   foraó   alli    enviados    depois.    Os 
dois  Reis  os  felicitarão  para  que  conf- 
truiffem  hum   Forte  cada  humfobre  o 
feu    terreno  ,    por  preferencia    ao  do 
outro  ,  confederando   eíle    Forte  como 
hum    penhor  feguro     da  fuperioridade 
que  elles  tomariaó  fobrç  feus  vifinhos. 
Porem  eítes  julgarão    arrafoado  demo- 
rar   efta    obra  por    algumas   rafoês   de 
Í)olitica ,  de  que   eu  creio   que   a  mais 
blida  era ,  que  elles  tinhaó  feiro   hu-  ' 
ma   boa  carregação  >   e  que  defejavaõ 

an- 


378  Historia  dos  Descobrimentos 

antes  hirem-lhe  procurar  os  lucros  ,  d<> 

Ann.  de  que  penfar  em  edificar. 
J.  C.  António  de  Brito,  que  tinha  fuc- 

1522.    cedido  a  feu   irmaó  D.   Garcia  que  a 
-   Corte  enviou    ás  Moiucas    com  pro- 
d.  joao  vjf0gS  je   Governador  ,  partio  ,  como 
111.   rei.  w  ^Q  ^    ^a  II Ka   de   Bintam    depois 
da  tentativa  infelis  ,    que   Jorge  d'Al- 
D,DUAR"buquerque  tinha   feito  fobre  èfta  Ilha 
TE   DE      de  Java  ,   donde  foi  depois  á   de  Ban- 
menezes  ^    Ac|10U  #    jy    Garcia  Henriques, 
gover-    ^ue   jorge    d'Albuquerque    alli    havia 
SADO*,    enviado  por   fua   conta.    D.  Garcia  ef- 
pantou   Brito    com   a  noticia    que  lhe 
deo    de  que  tinhaõ  chegado  ás   Moiu- 
cas dois  navios   da  Coroa  de  Caílelia , 
que   alli  tinhaó   tomado  carga  ?  e  par- 
tido ,   deixando  doze   homens  em   Ti- 
bor  ,  onde  elles  tinhaõ  eílabeiecido  hu- 
ma  efpecie  de  feitoria.    Julgando   Bri- 
to que    a  coifa    era  de   grande   confe- 
quencia  para    á  Coroa    de   Portugal  , 
convidou   Henriques   para  o  feguir  ,  e 
para  ajuntar   as  fuás   forças  ,   que   po- 
de fer  que  foliem  neceffarias  para  ex- 
puliar  os  Caftelhanos.  Pofto  que   efta 
propoílçaó    defordena-fe    os     negócios 
de  Henriques  ,    naó  deixou    elie  de  a 
aceitar  ,    preferindo  como   fiel  vaífallo 
os  enterefles  do  feu  Príncipe,  aos  feus 
particulares. 

A 


dos  PorTuguezes  j  Liv.  VIII.  3-9 

A    noticia    era  certa  ,  e    eifaqui ■* 

o  que    a   occafionou.   Francifco  »Serraó  *»KN«  cie 
extremamente     unido     por      amizade      !•  C* 
com  Fernando   de  Magalhães  ,  lhe  ef-      1522,. 
creveo    á   Portugal    o    íeu   novo   dei-    D   J0A£ 
cubrimento   ,    do  que    lhe     fazia     hu-   ./ 
ma  bela  relação  ,  exhortando-o  a  que 
foíTe    alli    ter    com    elie ,  e    feguran- 
do-lhe    que  o   leu    trabalho   feria   bem..' 
recomueníado.    Magalhães     citava   en-  MEKEZES 
taó     defgoítozo   com    a    Corte.    Elíc  G 0\EP_ 
tinha  fervido  bem    na  Aftrica  ,   e   nas  " 

índias  ,  e  pretendia  que  EIRei  lhe 
augmentaffe  2CO  réis  por  mez  ,  cer- 
tas moradias  ,  que  a  Corte  de  Por- 
tugal cílava  no  coftume  de  pagar,  e  que 
tinhaó  lugar  de  alimentos  ,  e  que  os 
Reis  davaó  antigamente  áquelles  ,  que 
era 5  do  eftado  da  fua  cafa.  Eftas  mo- 
radias poíto  que  muito  módicas  ,  en- 
tereffavaó  mais  que  tudo  a  Nobreza  , 
que  fazia  confiílir  huma  parte  da  fua 
honra  ,  e  da  fua  gloria  em  ter  maior 
ou  menor  moradia.  D.  Manoel  que 
eftava  prevenido  contra  Magalhães 
por  alguma  falfa  iníormr.caó  ,  lhe  re- 
eufou  a  petição;  iíto  o  oífendeo  uõ 
vivamente ,  que  elle  paffou  ao  fervi- 
ço  da  Coroa  de  Caftclia  com  alguns 
outros  defeontentes ,  reíblvido  a  vin- 
gar-fe  de  hum  reputo  awe  coníidera» 
va  como  huma  arronta.  El- 


580  Historia  dos  Descobrimentos 

Elle  naõ  achou  melhor  meio  que 

Ann.  de  a  propofiçaó    que    fez    ao  Imperador 

J.  C.    Carlos  V. ,  de  nir  tomar  poffe  em  feu 

1522.    nome  das  Ilhas  Molucas,  que  elle  pre- 

-  tendia   eftarem  no  deftriclo    que  per- 

d.    joao  tencja   a  Hefpanha  ,  em  confequencia 

ih.    REi.ja  doaçaó  dos    Soberanos   Pontífices, 

e  da  divifaó  que  elles  tinhaó  feito  em 
d.  duar.  favQr  das   Coroas  de  Caftdla  9  e  Por. 

TE  DE  tugal  ,  quando  eftas  duas  Potencias, 
menezes  repaj-tirao  entre  fi  o  novo  Mundo 
G  VER"  quafi  no  mefmo  tempo  em  que  ellas 
ííador.  começara5  adefcubrillo.  Magalhães  fun- 
dou as  fuás  razoes  nas  dum  Mathe- 
matico  ,  chamado  Faleiro  ,  que  tinha 
condufido  com  figo.  O  Imperador , 
que  tratava  entaó  o  cafamento  de  fua 
irmã  D.  Leonor  com  ElRei  D.  Ma- 
noel, naó  fe  inclinava. muito  a  favo- 
recer a  propofiçaó  de  Magalhães  :  po- 
rem o  ieu  Confelho  pelo  contrario  a 
recebeo  com  muita  ambição.  O  Em- 
baixador de  Portugal  fez  tudo  quan- 
to pôde  para  evitar  o  golpe  j  fallou 
fortemente  aos  Miniftros  ,  e  intentou 
comprar  Magalhães  com  grandes  pro- 
metas ;  porém  naó  adiantando  nada 
por  efta  parte,  avifou  diito  á  fua  Cor- 
te. Com  eíla  noticia  ficarão  coníler- 
nados  i  e  fobre  iflo  fizeraó  confelhos  fo- 
bre  c©nfelhos.    Hum  Senhor  dos  mais 

acre- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.    38I 

acreditados   alli  votou ,  que  fó  íe  po~ 


DUAR- 
TE    DE 
EKEZES 


deria  evitar  efte  damno  chamando  Ma-^Aim,  de 
galhaés  por  grandes  dadivas  ,  ou  fazen-     J.  C. 
do-o  aííacinar.    Nem  huma,  nem  ou-     1522. 
tra  coifa   fe  fez  ,    e  Magalhães   tendo 
feito  feu  tratado  com  a   Corte  de  Caf-    D*  JOAO 
tella  ,    partio   de  Sevilha   no  fim  do  nu   ] 
anno    de  1519    com  finco    navios,  e 
hum    poder  mui  difpotico  de  vida  ,  e 
morte    fobre  todos  os  que  eílavaó  de-  T 
baixo    das  fuás  ordens.    Eraó  em  nu-  M 
mero  25O  homens,  entre  os  quaes  ha-  GCKER~ 
via    30  Portuguezes.    Huma  das  con-  NAD0R- 
diçoés  com   tudo  do  tratado ,    foi  que 
elle  tomaria    o  feu  caminho  pelo  Oc- 
cidente ,  e  fe  apartaria  da  derrota  or- 
dinária, que  os  Portuguezes  tinhaó  pa- 
ra hir  ás   índias  ,  aflím  como  tinha  fi- 
do já  regulado  entre  as   duas   Coroas. 
Magalhães  tirou  direito  ao  Brafil  , 
e  feguincio  fempre  a  Cofta,  chegou  á 
ponta  mais  meridional  da  America  ,  on- 
de  fe  acha  hum  montaó  de  Ilhas ,  que 
alli   formão  diverfos  canaes  ,  nas  quaes 
fe  embaraçou.  Porém,  como  no  defco- 
brimento    das  terras   novas   ,  a  incer- 
teza em  que  fe  eíti  fobre  o  termo   , 
a   ignorância  dos  mefmos  lugares  on- 
de fe  achaó  ,    trazem  ao  efpirito   in- 
quietaçoens  ,  e  imaginaçoens  maiores, 
que  o  comprimento  da  viagem  ,  e  as 

difR- 


ifil  Historia   dos  Descobrímemtos 

difficuldadcs    preí entes  crecem  fempre 

Ann.  de  nas  almas  viz  ,  e   tímidas,  Magalhães 

J.  C.    teve   incríveis    trabalhos    para  vencer. 

i<zz.     O3     rigorefos  frios  ,  e  o     medo     dos 

-  povos     gigantefeos  ,  e    bárbaros     que 

D*  J  A    achou   ,  toraõ     os   menores.    As     rre- 

111.   rei.  ^uentes     conjuraçoens   feitas   contra   a 

lua    vida,  era  o   que  tinha  mais   para 

d.  duar-  temerí    j±  fua   fjrmefa   d'alma    venceo 

TE   DE      tudo.    Algumas  execuçoens  fanguino- 
Mir.HEZEs   ^s  ^ue  |ez  a  temp0  ^  infpiraraó  maior 
gover-    terror  ?  fo  que  as  tantafmas  de  medo, 
kador.     ^ue    caufava5  a   clivifaõ  na  lua    frota. 
Finalmente  depois   de  ter  perdido  dois 
navios  ,  dos  quaes  hum  naufragou   de 
modo  porém  que  tudo  fe  falvou  ,  á   ex- 
cepção do  corpo  da  embarcação,  e  o  ou- 
tro tornou  para  Hefpanha  ,  elíe  defem- 
bocou    no   mnr  do  Sul  pelo  famofo  ef- 
treito  ,  que  depois   tomou   o   feu   no- 
me ,  e  o  fará   immortal. 

Elle  correo  ainda  1^500.  legoas 
fegundo  a  íua  eílimaçaó  tirando  para 
o  Equador  para  bufear  as  Molucas. 
Tendo-fe  elevado  algum  tanto  mais  , 
perdeo  o  que  procurava  ,  e  voltou  pa- 
ra ancorar  em  hnma  Ilha  chamada 
Zubo  ,  a  dez  gráos  de  latitude  do  Nor- 
te. Aili  foi  beliiíimaniente  recebido 
j>elos  Ilheos  ,  cujo  Rei  com  toda  a 
íua  familia  ,  e  pane  dos  léus  vaífal- 

los 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    38^ 

los    fe  fizeraõ    baptifar  ,  antes   ainda 
de    poderem  conhecer  que  coufa    era  Akn.   de 
o  Baptiímo.    Efte  Príncipe,  que  efta-     J.  C. 
va  em  guerra  com  os  feus  vifmhos  ,    1^2^. 
os  habitantes   da  Ilha  de   Mathan  ,  fe 
fervio  com  vantagem  de  Magalhães ,  e    D"  J° 
dos   feus.    Elle  desbaratou  duas  vezes  IM,RFU 
os  inimigos;  porém  no  terceiro  encontro 
Magalhães  tendo  cahido  em  hum  laço,  D' DUAR™ 
alli  morreo  com  huma  parte  dos  feus.  r 
Trifte    fim  para  hum    homem    d'eíte  MENEZES 
merecimento.  gover- 

Depois  d'eíte  defaftre  o  Rei  ven-  NAD0R- 
eido  ajuftando-fe  com  o  vencedor  , 
naó  fez  mais  cafo  da  Religião  que  pro- 
feífara  ,  nem  das  leis  da  hofpitalidade, 
nem  dos  ferviços  que  havia  recebido 
dos  feus  hofpedes.  Tendo  tirado  á 
terra  huns  vinte  por  caufa  de  hum  fef- 
tim ,  os  fez  aííacinar  exceptuando  hum 
fó  chamado  Joaõ  Serrão,  do  qual  in- 
tentou poder  fevir-fe  para  fazer  huma 
traição  aos  outros  ,  que  tratavaó  do 
íeu  refgate.  A  má  fé  deíles  llheos 
tendo-fe  manifeflado  muito  ,  o  in- 
felis  Serrão  ahi  foi  deixado.  Os  ou- 
tros reduíidos  ao  numero  de  180  ho- 
mens ,  tendo  queimado  o  corpo  de 
hum  dos  feus  navios  ,  fizeraó-fe  á  ve- 
la com  os  dois ,  que  lhe  reftavaõ  ,  e 
depois  de  terem  por  muito  tempo  er- 
ra- 


KA DOR. 


384  Historia  dos  Descobrimentos 

— ratio  ,  chegarão   em    fim  ás  Molucas  3 

Ann.  deonde    Almanfor  Rei  de  Tidor  os   xer 

].  C.    cebeo  com  todo  o  contentamento  pof- 

i$2*.    íivel.    Tendo-fe  aíli    refeito   hum  po- 

-uco,  e  carregados  do  que  poderão   tra- 

d.  JQAOzer  ^e  mcrcacjoriíls  J0  pajz  5  com  tar^ 

111.  REi.tl  maior  facilidade  por  os  Portugue- 
zes  eftarem  entaó  auzentes  ,  fe  fize- 
f*DUAR"raó  á  vela  para  Hefpanha  no  mez  de 
te  de  J3ezembr0  cie  1521.  deixando  em  Ti- 
menezes  jof  G3   I2  jlomen3  .  ^e  que  ja  faiamos. 

António  de  Britto  tendo  ido  abor- 
dar á  Tidor  para  fe  apoderar  logo 
dos  Hefpanhoes  ,  naó  achou  alli  ne- 
nhuma dificuldade  da  parte  d'elles  , 
nem  da  de  Almanfor  ,  que  fe  achou 
com  tudo  hum  pouco  furprendido  ,  e 
começando  a  fazer  bafe  fobre  os  Caf- 
telhanos  ,  cfperava  poder-fe  mudar  dos 
Portuguezes  ,  nos  quaes  tinha  experi- 
mentado ferem  mais  inclinados  para 
Boleife   do  que  para  elle. 

Brito  ufou  alli  muito  bem  com 
os  Hefpanhoes  ,  e  ainda  que  lançou 
mão  de  todos  os  feus  erfeitos  ,  os  fez 
com  tudo  regíftar.  Dos  dois  navios 
que  reílavaó  da  frota  de  Magalhães  , 
hum  veio  bufear  a  fua  protecção.  Ef- 
te  que  devia  fazer  a  derrota  para  hir 
bufear  as  Antilhas  ,  depois  de  ter  lu- 
tado dois  mezes  com  os  ventos  ,  fe 

vi« 


DOS    PoRTVGUEZES  ,    LlV.    VIII.     385; 

vio    obrigado  a   defcahir  ás  Molucas  , 

poílo  que   foííc  diftantc  delias  mais  de  Ann.   de 

800.  legoas  ,  fazendo  agoa,  que  quatro    J.  C. 

bombas    naó    podiaó    ef^otar.    Abati-    152:. 

dos  com   miferias  ,  e  fadigas  ,  fizeraó  - 

,.  r>  .  r  L-    p  L  d.  JOÃO 

pedir  a  Brito  ,  que   labiao  ter   che^a- 

*\  ■       cr ■      *■  '      J    11  III.      KEI 

do  ,  que  tiveile   compaixão   delles   ,  e 
que  lhes   enviaííe   ioccorro.  Brito   lhes 

*       .  1  ,  r      r  D.  DUAR- 

enviou   numa   caravela  com  rerreicos  , 

e  ancoras.    A  caravela  era  feguida  de  TE   D 

muitas  caracoras  ,  ou  grandes  embarca- MENEZES 

P r 1  GOVER- 

çoens  a  remos ,  conduliias  por  gente 
do  paiz.  D.  Garcia  Henriques  alli  foi  NAD0K* 
também  com  ordem  de  fazer  quanto 
podeíTe  para  falvar  a  embarcação ;  po- 
rém eíie  naó  a  pôde  impedir  de  dar 
á  Coita,  e  de  naufragar.  No  tocante 
aos  homens  ,  que  eílavaó  mais  mortos 
do  que  vivos,  tiveraó  alli  tao  grande 
cuidado,  como  fe  eiles  foííem  Pcrtu- 
guezes.  Hum  fò  que  o  era  na  verda- 
de ,  e  que  íe  tinha  unido  em  Tidor 
aos  Caíleihanos  cortarao-ihe  a  cabe- 
ça ,  como  culpado  de  traição.  Os  ou- 
tros tendo  fido  contduíidos  ás  índias  , 
foraó  conduíidos  a  Portugal ,  donde  fc 
paííaraó  para  Hefpanha. 

O  íeguado  navio,  chamado  a  Vi- 
storia ,  que  tinha  governado  direito  fo- 
bre  o  Cabo   de  Boa  Efperança  ,  abor- 
dou ás  llli?^  de  Cabo   Verde  ;  o  Go- 
Tem,  II.  Bb  ver- 


$86  Hi vi oki a    dos  Descobrimentos 

*■ vernador    o   fez  reter  ,  e  meter   toda 

Akn.  de  a  equipagem  em  prifaó  ,  onde  muitos 

].  C     morrerão    de    miíeria.   Os  que    fobre 

152  *».     viverão    a  efta  difgraça  ,    tendo    fida 

s.    . . '    ,-  depois    foltos  ,  e  fendo-lhes   entregue 

D. JOÃO        r  •  "  'o       mi 

o     navio   ,  vierao  aportar   a  Sevilha  , 
1    .   rei.  on(|e  en^e  navj0    conftderado  como  Iiu-- 


D.DUAR 
TE  -DE 


GOVER- 

I.ADOR 


ma  maravilha  do   mundo   ,  por   fer  o 
primeiro  que   alli  tinha  feito  o  grro-, 
foi  pofto  n'hum  arfenal  ,  para  fer  con^ 
^1^ES  fervado  ,  e  moftrado  á   pofteridade. 

Carlos  V.  a  quem  efte  defcobri- 
mento  caufou  hum  gofto  exceflivo,  en-» 
tfifteeeo-fe  com  a  morte  de  Magalhães, 
que  elle  teria  dignamente  recom- 
penfado.  Joaõ  Sebaííiaõ  Cano  natural 
de  Bifcaia ,  que  tinha  reconduzido  o  na- 
vio, recebeo  grandes  honras  do  Impera- 
dor ,  e  por  armas  hum  globo  terreftre 
com  eítas  palavras  em  torno,  Primíts  me 
circtímdeJijít.  Com  tudo  efte  defcobri- 
rtiento  defpertou  o  ciúme  ,  e  a  pre- 
tençao  das  duas  Cortes  ,  fuftentando 
cada  huma  ,  que  as  Molucas  eftavaó  no 
fcu  "deftriclo.  Fizeraó  muitas  confe- 
rencias de  Jurifconfultos  ,  de  Mathe- 
maticos  ,  e  de  Marítimos  ,  fem  deci- 
direm nada.  Por  fim  as  queftoés  fe  a- 
commodaraó  depois  de  terem  fido  mui- 
to tempo  debatidas  na  Europa  com  a 
pena  ,  e  «as  Molucas   com  a  cfpada* 


Ann.  de 

J.  c. 

1523.^ 

D.  JOAÕ 

DOS    PoRTUGUEZÊS  ,    LlV,    VIII.     ifíj 

Boleife  Rei  de  Tem  ate  _,  e  Fran- 
cifco   Serraó   eftavaó     mortos    quando  ^ 
Brito    chegou  ás  Molucas.    Efte  Prin- 
cepe  ,  que    fora    fempre     apaixonado 
dos    Portuguezes    lhes   deo     a  ultima 
prova    da    fua   affeiçaó  quando  eftava 
para    morrer  ;  porque    elle   naó    tinha  iití   rei. 
nada  íobre   o   coração  como   recomen- 
dar á  Tua  efpofa  ,  que  elle  deixava  tu-  d.  duar- 
tora  dos  feus  filhos  ,  e  dos  quaes  o  que  te   de 
o    fuccedia  tinha   fò  fete  annos   ,  que  menezes 
fe   confervaíTe  fempre   unida  á    Coroa  gover- 
de    Portugal    cuja  protecção   feguraria  kador. 
a  fua  cafa.   As  ultimas  vontades  defte 
Principe   tinhaó   feito    impreíTaó   fobre 
o   coração   da  Rainha  ,  e  dos    Gover- 
nadores da  fua   Corte.    E  com  effeito 
os  Portuguezes  tinhaó   achado  até  en- 
tão   em  Ternate   todas   as   demonftra- 
çoens  d'hum  amor  cordial  ,  e   fincero. 

Se  Brito  tiveííe  feguido  as  or- 
dens cheias  de  prudência  ,  que  o  gran- 
de AfFoníb  d' Albuquerque  tinha  dado 
a  António  dJ Abreu  quando  o  enviou 
ás  Molucas ,  e  fe  elle  tiveííe  remediar 
do  os  CFros  de  Martinho  ArTonfo  de 
Mello  Ju farte  ,  que  pelos  feus  capri- 
chos ,  fuás  altivefas  ,  e  fua  ambição 
tinha  fubievado  toda  a  Ilha  de  Ban- 
da ,  onde  teria  morrido  ,  a  naó  fer  o 
foccorro  que  lhe  deraó  Sónaó  de  Sou- 
Bb  u  fa  , 


388  Historia  d-os  Descobrimento^ 
-  fa   ,  e  Martim  Correia  ,    elle  teria  íT- 


Ank.  dedo    o  Senhor  de   todas    eítas   Ilhas   , 

J.  C.    das  cjuaes  todos   os   coraçoens  lhe  eraó 

j.2,      affectos  ,  e  teria  evitado  muitas  infe- 

:>*  ,  licidades  cuja  caufa  naó  fe  pode  atri- 
d.    joao  bujr  çe  nao  a  ej[e  mc[m0t 

111.    kli.  "Nos  princípios  a  Rainha  de  Ter- 

nate   ,  c  o  Rei   de  Tidor   naó  tiveraõ 
.n.  duar- oulra  aníbiçaó  que   a   de   o  grangear  : 
■i  e   de      fc  ni(^0   nonve  alguma  contrariedade  , 
Menezes  e   aigum  motivo  de  difgofto  ,  foi  por- 
cOver-    que     ej]es  difbutaraó    vivamente  qual 
i.adcp..     teria    a   felicidade   de  ter  a    Fortaleza 
nas    Tuas   terras   ;  e  que    Brito  tendo 
preferido  o  porto  de  Ternate ,  Alman- 
for   Rei  de  Tidor  foi  taó  mortificado 
de   fe  ver  privado  delia  ,  como  os  de 
Ternate    tiveraõ  verdadeira    fatisfaçaõ 
de  terem  a  preferencia.  Almanfor  coín 
tudo  pofto  que  penalilado  interiormen- 
te ,  naó  delconfiava  d'iík>  ,  e  era  fá- 
cil a  Brito   confervar  a   tranquilidade, 
fe   tiveííe   fabido   conduzir-fe. 

Sendo  a  Rainha  de  Ternate  a  filha 
d' Almanfor  ,  temeo  Brito  que  cila 
Princefà  d'acordo  com  feu  pai  ,  naó 
cntralíe  pelo  decurfo  dos  tempos  noi 
movimentos  que  elle  poderia  caufar  , 
fe  fe  refentiffe  do  defprefo  que  lhe  ti- 
nhaó  feito  ,  ou  fe  elle  caufaííe  in- 
veja   aos    Caitelhanos  de  tornarem    a 

Ti- 


»0S  Pc-RTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    389 

Tidor  ,  como  elles  lho  haviaó  promi — 

tido.    Neíta  idéa  elle  fe  unio  eftreita-  Ann.  de 
mente  com  Cachil  d'Aroes  ,  hum  dos     J.  C. 
filhos     naturaes    de  Boleife  moço   ar-    lci^. 
dente  ,  e  animoíb  ,  amigo  por  extte- 
mo   dos   Portuguezes ,   porem  que  de-    D*  JOAO 
baixo  das  apparencias  cTamifade,  cobria  !11,    REI* 
buma  grande   ambição  ,  e  ambos   uni- 
dos ,  trabalharão   pata  fazerem   tirar  a  D*  DUAR" 
Regência   á  Rainha.  Com   toda  a  íur-  TE  DE 
prela   que  lhe   caufou  a  propoíiçaó  que  MENEZES 
lhe  fizeraó    para   a  deixar  ,  ella   com  GOVER" 
tudo    efteve   por   iíTo  ,  confentio    que  KAD0R» 
Cachil  d'Aroes   governafíe  em   feu  lu- 
gar ,  e   obrigou  meímo  os  grandes   do 
Eílado   a  que  o  aprovaflem.  A   Rainha 
com   tudo   naõ  deixou  de  fentir,  como 
também  os  Governadores  o   golpe  que 
lhe    tinhaó   dado.    Porém    Almanfory 
a  quem  o  entereííe  da   fua  filha   toca- 
va mais  vivamente ,  foi  d'iíto  mais  vi- 
vamente penetrado. 

Cachil  MamolL  ,  outro  filho  na- 
tural de  Boleife  ,  que  em  vida  de  feu 
Í>ai  tinha  fido  deíterrado  ,  e  fe  con- 
ervava  na  Jlha  de  Gilolo  ,  irritado  por- 
que Cachil  d'Aroes  feu  irmaó  fe  oppu- 
nha  á  fua  revocaçaó  ,  tomou  o  par- 
tido dos  defeontentes  ,  trabalhou  oc- 
cultamente  a  eílimular  o  animo  da 
Rainha  3  e  dos  feus  parti Jiftas.    Pre- 

ten- 


3<P0  Historia  dos  Descobrimentos 

— rendem  mefmo  que  elle  vieífe  de  noi- 

Ann.  de  te    a  Ternate    para  procurar    o   matar 
J.  C.     feu  irmaõ.  Ou   naó  fofie  mais  que  hu- 
j-22^    ma    pura  fupofiçaõ  o    difignio    d'efte 
i   aííacinio  ,  ou   com    effeito   elle  o  u- 
d.  joao  ve{íe     formad0  s     Cachil    d'Aroes     o 
ni.    REI*  rufpeirou   ,  de    modo  ,  que    determi- 
nou   prevenilo  ,    e  que  os    Portugue- 
d.  DUAR-zes  Q  ajucJaírem  ;  Cachil  Mamoll  apa- 
te   de      receo  aíTacinado  junto  da  Fortaleza. 
menezes  £^a    morte  ^    ^e    que   facilmente 

gover-  p0Cjiaõ  fufpeitar  os  autores  3  tendo 
vadok.  ajnc}a  majs  foffocado  os  ânimos  ,  a 
Rainha  temendo-íe  ,  tomou  a  refolu- 
çaó  de  fe  retirar  para  feu  Pai  com 
os  Principes  feus  filhos ,  ifto  teria  fei- 
to de  Ternate  huma  folidaó.  Pode 
fer  que  lhe  infpiraííem  eíle  parecer 
para  fazerem  o  que  depois  fizeraó.  O 
que  quer  que  fone  ,  Brito  unido  com 
Cachil  d'Aroes  intentou  tirar  o  Rei , 
e  os  feus  irmãos  ,  e  metellos  na  For- 
taleza. Sabendo-o  a  Rainha  ,  teve 
tempo  de  fe  falvar  nas  montanhas ,  e  de 
fe  retirar  para  Tidor ,  deixando  feus 
filhos  em  poder  dos  feus  arrebatado- 
res ,  que  iriaó  ter  lugar  de  fe  felicita- 
rem aefte  fucceilo.  Com  o  noticia  que 
o  povo  teve  da  retenção  do  Rei  ,  e 
dos  Principes  ,  fe  moveo  ;  porém  o 
Cachil  d'Aroes  ,   e  Brito    o   apafigua- 

raõ 


itos  Pqrtuouezeç  ,  Liv.  VIII.  301 

*aó  j    fenv  com  tudo   curarem  a  chaga — *. 

que  tinhaó  feito  totlos   eíles  golpes  de  Ann,  de 
altivez.   ...  ].  C. 

;    Neíle  mefmo  tempo  ,  algumas  em-    j  -2-">. 
barcaçoésda  Ilha  de  Banda  tendo  ido 
cártegar  a  Tidor  ,  pretendeo  Brito  que    D*  J0A0 
Banda -como  fugeita  á  Ternate,  fó  cie-  IU*    REU 
viaó  :vir   bufcar  carga    cá  Ternate.  Elle 
queixou-fe  a  Almanior :  e  tendo-íhe  ref-  D*  dl:ar" 
pondidõ   eír.e   Príncipe   cue  os  tornalle  TE   DE 
te quifeíle   ,    Brito   o   tez    íem  duvi-  ME*;EZES 
dar.  p  O   Rei  ,    e   o  povo    fe  irritarão  GOvE*~ 
ao  ultimo-  ponto.    Neíta   mefma  occa- KAD0K* 
liaó  houveraó  alguns  Portuguezes  mor- 
tos.   Brito    em  vez  dYbrir    os  olhos  , 
fez  pedir  com  foberba  que  lhe  entre- 
gaííem  os  autores  deites  aílacinios.  Al- 
manfor  lhe  entregou  alguns.  Brito  naõ 
fe  per fu adio   que  foííem    eíTes   os  cul- 
pados ;  porem  que  eraó  miferaveis  que 
tinhaó  merecido  a  morte  ,  e   dos  quaes 
o   Rei  tinha  vontade   de  Te  desfazer. 

Com  tantos  motivos  de  rompimen- 
to,, a  guerra  naõ  fe  declarava  ,  e  os 
Tidorianos.  ficavaó  quietos;  porém  iík> 
mefmo  dava  fufpeita.  Maiores  eraó  as 
òffenfas  ,  e  mais  fufpeitavaó  do  myf- 
terio  no  "filencio  d'uma  paciência  can- 
çada  e  levada  ao  fim.  Porém  como  hu- 
m&  guerra  aberta  pareceo  menos,  pre- 
judicial" do  que  as  traições  que  inten- 
ta- 


TE    DE 

MENEZES 

GOVER- 

hADOR. 


392  Historia  dos  Descobrimentos 

■     '         tavaó    maquinar  ,  Brito   ,    e  o  Gachil 
Ann.   de  d'Aroes  a   flzeraó  determinar  por   hum 

J.   C.     bando     que  publicarão  ,  pelo    qual  o 

j-22.     primeiro   fe  obrigava  a  dar  huma  pe- 
.  ça  de   panno  fino  á  qualquer  que  lhe 

d.  joao  trox£fl-e  a  cabeça  dum  Tidoriano.  Pof- 
iii.  R»-t0  que  a  maior  parte  dos  habitantes 
de  Ternate  eftiveiTcm  taó  irritados  co- 
'"  mo  os  de  Tidor ,  o  enterefíe  com  tudo, 
que  pode  fempre  muito  fobre  almas 
viz,  os  animou  de  modo  ,  que  em 
pouco  tempo  foi  obrigado  Brito  a  def- 
tribuir  mais  de  600  peças  de  panno, 
em  que  eu  creio  que  ellc  teve  pezar 
de  fe  ver  taòbem   fervido. 

A  dilíimulaçaó  naó  podia  ter  mais 
lugar  depois  de  taó  terríveis  actos  de 
hoííilidade.  A  guerra  fe  fez  de  veras , 
e  os  principios  foraó  favoráveis  a  Al-» 
manfor.  Os  Portuguezes  foraó  mal  di- 
rigidos em  três  ou  quatro  encontros. 
Brito  arrependeo-fe  cos  feus  primei- 
ros procedimentos  ,  e  teria  penfado 
folicitar  huma  paz  que  elle  mefmo  ti- 
nha duvidado  ,  fe  Cachil  d'Aroes  lhe 
naó  tiveííe  animado  o  feu  valor  aba- 
tido. Martinho  Corrêa ,  e  o  Cachil 
tomando  pouco  depois  a  Cidade  de 
IVIariaquc  antiga  Capital  do  Reino  de 
Tidor  ,  e  os  Tidorianos  tendo  alli  per- 
dido muita  gente  ,  Almanfor  fentia  da 

mef- 


DOS    POltTVGVEZES  ,    LtV.    VIII.    $0$ 

me  ima  forre  o  pezo  da   guerra  ,  e  pe 

tiio   a  paz.  Brito   a  quem  eite   fuccef-  Ann.   de 
ío  rinha  te:  to  pafíar  cTuma  cxtremida-    3-    C. 
de  á  outra  ,  lha  recufou,   e  Almanfor    15*2. 
naó  a  pode  alcançar  fe   naó  do  fuece-  - 

r  ^     rr>    ■  D.  JOÃO 

ior  ce  Brito  ,  e  com  mui   auras  con- 

v  '  III.      REI. 

diçoes. 

O  Eftado  das  índias  cedia  huma 
cabeça    que  podeíTe    alli   por    em  boa    * 
ordem  os  negócios    da  Coroa.    Como 
EIRei    D.  Jcaó  III.    naó  tinha  ainda  ******* 
enviado   ninguém  para  governar,  quiz  GOWR' 
honrar-fe  com  a  cícolha  ,  que  fez.  PÓz  KAD0R- 
os  olhos   para  iflb  fobre  o  Almirante , 
o   celebre  Vafco  da  Gama  ,  Conde  da 
Vidigueira  ,    que   tendo    elle  primeiro  D*  VASCO 
defeuberto  as  índias,   naó  tinhaó  feito VA  GA" 
cafo    delle   no    reinado     precedente   , MA  VI' 
pofto    que    pareceíTe    merecer   melhor  CE"REf* 
do   que  ninguém  fer  alli  enviado,  pa-     1524* 
ra  polTuir  bens  ,  e   honras.    EIRei  lhe 
deo  titulo   de  Vice-Rei  ,    huma  frota 
de  16    navios  ,  e   3^    toldados  ,    com 
que  partio  em   10  de   Abril  de    1524. 

Além  da  infelicidade  que  elle  te- 
ve de  perder  no  caminho  o  navio  de 
Francifco  de  Brito ,  e  a  caravella  de 
Chriitovaó  Rofado  ,  que  perecerão  no 
mar  largo  ,  e  o  navio  de  Fernando 
Monrroi  que  naufragou  nos  baixos  de 
Melinde  3   porém  de  que   fe  uivou  a 

equi- 


394  Historia  dos  Descobrimentos 

— equipagem  ,  lhe  aconteceo    hum  acci* 

Akn.  de  dente  muito    extraordinário  ,    que  pôz 

J.-  C.      toda  a  frota  n'um  grande  movimento* 

1524.     F°i   eiTi  huma  fexta  feira  fete  de  Se- 

d.  jo\ó  tem^ro  -depois  das  oito  horas  danoite 

..."  ....   clue  eftando  no  mar  de  Cambaia  l  com 

iir..    rei.  i*  r  r  J , 

hum  tempo  fereno ,  e  fem  que  o  ve.n* 
d   v\scQ  t0  re^ra^"eí  todos  os  navios,  em  lu- 
gar   da  inclinação  coftumada  nas   cal* 

DA     GA-       °  r         -  T      1  - 

_  mas;  torao  agitados  tao  vivamente,.© 
CF-RE  por  hum  modo  taó  irregular,  que  .car- 
da hum  julgou  tocar  fobre  hum  bai- 
xo, e  achar-fe  ná  fua  ultima  hora. 
A  inopinada  perturbação  que  caufou 
eíle  movimento ,  junto  com  os  horro- 
res da  noite,  e  a  ignorância  do  que 
fe  paíTava  nos  outros  navios  ,  produ- 
fio  logo  huma  extrema  confufao.  Fi- 
zeraõ-  final  d'hunia  embarcação  a'  òu- 
/-:-  tts  para  pedir  -  foccorro*  Hum  corre 
á  fonda  ,  o  outro  á  bomba  ,  muitos 
ás  "manobras.  Os  mais  medrofos  agar- 
rarão tudo  a  quê  fe  podiaó  aíFeírar  , 
e  o  conílderaraõ  como  a  ultima  pran- 
cha no  naufrágio.  O  General/  naó  foi 
também  izento  do  medo  aporem  fi- 
nalmente .  tendo  advinhado  a  verdadei- 
ra càuia  d'efte  movimento  fin guiar  , 
animou  toda  a  fua  gente  com- huma 
éfpccie  de  vangloria.  „  Coragem  , 
5,  nieus  filhos  >  dufe  elle  5 ;  a  terra  das 

,,  In- 


»0S    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.    39£ 

a,  índias  treme   ,  he     ifto    hum    bom        ■ 
3,  agouro   ,  ella  tem  medo  de   nós.  „  Ann.   de 
A   tranquilidade  feguio-fe  logo  ao  tu-    ].  C. 
multo.   Houve  fó  hum  homem  que  dei-    1^24. 
tando-fe  ao  mar  ,  alli  fe  perdeo   pelo 
exceííivo  dezejo  de  fe  íalvar. 

Delta   infelicidade   refukou    gran- m*   *EU 
de    bem  para  muitos   outros.    Porque 
como    o  terremotu  durou   muito  tem-  D*  VASc0 
po,  o   medo   fez   huma  revolução   nos  DA  GA" 
doentes  tal  ,  que  a  fcvre  pafTou  a  rodos ,  MA  V1 
e    os    poz  em  pé   como  por  milagre.  CE"REI» 

Outro  acci3ente  ainda  mais  ra- 
ro neftas  paragens  fe  feguio  logo 
ao  primeiro  ;  porque  fem  vento  ,  e 
fem  nuvem  foraó  inundados  por 
huma  chuva  taó  copiofa  ,  que  pa- 
recia hum  annuncio  d'hum  fegun- 
do  diluvio.  Ella  durou  pouco  ;  po- 
rém o  goílo  que  t.veraõ  de  fe  verem 
livres  d'ambos  os  perigos  5  foi  fegui- 
do  d'hum  novo  embaraço.  O  Gene- 
ral tinha  mandado  dar  huma  vifta  d* 
olhos  a  Diu  ,  e  tinha  ordenado  ao 
piloto  da  barra  ,  que  governaííe  para 
eíti  Cidade-.  Deviaó  vella  em  três 
dias  3  porem  como  paíTaraó  mais  de 
féis  fem  a  poderem  deícubrir  ,  entaõ 
fem  reflectirem,  que  ellc  tinha  feito 
mudar  a  ordem  ,  e  feiro  governar  fo- 
bre  outro  rumo ,  que  ojs  apartou  ,  a  lem- 

bran- 


3p6  Historia  fios  Descobrimento» 
•■■'  branca  dos  dois   accidentes  que   acaba-? 

Ann.  de  vaó  de  acontecer-lhes  ,  deo  matéria  a 
J.  C.    novas    efpeculaçoens  ,  e  a  novos  te- 
1524.    mores,  fundados   fobre  as  predicçoens 
,  cios  Aílrologos  ,  que   tinhao  annuncia- 
r>.  joao  jQ  qUe  nen\e  mefmo  anno  achando-fe 
ih.   rei.  tocjos    os   pianetas  em    conjunção   no 
ílgno  Pifeis ,  haveriaó   dilúvios   prodi- 
d.  vasco  gj0fos  ?  e  revoluçoens  efpantofas  nas 
da    ga-    terras  tparirimas.  Eftas  predicçoens  ti- 
MA  V1"     nhaó   feito  tanto  eftrondo   na  Europa, 
CE"?E1,     3ue  mu^tas     gentes    dando-lhe  excef- 
íiva    fé  ,  tinhaó  já  tomado  fuás   pre- 
cauçoens  ,  e  feito  armazéns   fobre  as 
altas     montanhas   para  fe  alli  refugia- 
rem como  em  hum   feguro  azylo.  Os 
noffos   Argonautas  depois  do   que  lhe 
tinha  acontecido  ,  criaò  já  que  a   ín- 
dia  eftava  fubmergida    no    fundo   das 
aguas   ;  porem  clles    fòraõ  agradavel- 
mente   tirados   âo   cuidado    pelo  mef- 
mo piloto  ,  que  tendo  explicado  a  cau- 
ía    do  erro  d'elles   ,  os    certificou   de 
que  no  outro  dia  veriaó  ou  Baçaim  , 
ou  Chauí.    Com  effeito  elles  foraó  an- 
corar no  dia   feguinte  no  porto  d'eíla 
ultima   Cidade. 

O  Vice-Rei  começou  logo  por 
entrar  nas  honras  ,  a  nas  funções  do 
feu  emprego.  Entre  as  ordens,  que 
deo  j  huma  das  principaes  foi ,  que  ic. 

o 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    $£7 

o    Governador    General  ,   que  eftava 

ainda  em  Ormuz ,  vieíTe    alli  aprefen-  Ann.  de 
tar-fe ,  lhe    naó  permitiíTem    que    de-     J.  C. 
ícmbarcaííe.  PaíTando   a  Goa  ,  recebeo      j_24> 
as  queixas    que  lhe  fizeraõ    contra  o 
Governador   Francifco    Pereira    Peita-    D'  jOAO 
na,  e o  tratou  com  o  meímo  rigor  de  1U*    RE,# 
que  tinha  efte  mefmo  ufado  a  refpei- 
to  dos   outros.   De  Goa  pondo-fe  em  D'  VASCo 
derrota  para  Cochim  ,    fez    retroceder  DA  GA~ 
o  caminho  a  D.    Luiz   de  Menezes  ,  MA  vl~ 
que    encontrou  hindo  receber    feu   ir-  CE"KEIé 
maó  ,  e  lhe  ordenou  que  o  feguiíTe. 

Porem  Vafco  da  Gama  pareceo 
naó  ter  hido  ás  índias  fe  naó  para 
lá  morrer ,  como  fe  tiveííe  fido  do  feu 
deílino  vir  aprender  que  era  mor- 
tal neíle  novo  Mundo  ,  cujo  defeo- 
brimento  naó  podia  immortalizar  mais 
que  o  feu  nome.  Foi  na  verdade  hu- 
ma  perda  ;  elle  amava  a  juftiça  ,  e 
começava  já  a.  comportar- fe  alli  mui- 
to bem  }  para  reftabelecer  a  boa  or- 
dem ,  c  a  gloria  da  fua  Naçaõ.  A  lem- 
brança do  que  tinha  feito  nas  fuás 
primeiras  viagens  ,  tinha  dado  áelle 
numa  alta  idea.  Os  Mouros  principal- 
mente o  temiaó  em  extremo ,  e  fen- 
do já  menos  atrevidos  ,  a  aprehenfaô 
fò  que  delle  tinhaó  ,  parecia  reduzilos 
a-oí  termos  da  fua  obrisacaó, 

D. 


3^8    HfSTOIWA    Í»OS    DeSCOBRíMÉNTO* 

•*-* D.  Vaico  da  Gama  era   de  eíhtu- 

Akn.  dera   medíocre    ;    porém    pouco     deiem- 
J.  C.     baraçado    por    íer    muito   gordo.    Seu 
x_24     femblante  corado,  e  inriammado.    Ti- 
\  nha   o  parecer    terrível   na  cólera.    O 
d.    joao  Çç9    f0g0    0    jevava    algumas     vezes 
ih.  rei.  mujt0    ionge  ?    e   paliava    os    limites 
d'uma  juíla  íeveridaae  no  modo  ,  e  na. 
d.  vascq  precepitaçaó  com  que  punia.  No  mais 
da  ga-     únna  a|ma  grande  ,   e  capaz  de  gran- 
ma  vi-      ^çg  co[fa3#    Os  obííaculos  ,   e   as  dirK- 
ce-k£i.     cuUades  fó  ferviaó  de  mais   o  anima- 
rem.   O  defcubrimento   das  índias  fez 
o  feu   maior  luftre  ,    porém  pode   fer 
que  feja  mais  .admirável  de  ter  n  numa 
idade  avançada   facriricado    o  feu   dcf- 
canço   á  vontade  do  feu  Príncipe ,  que 
pareceo  dezejar  que  elle  para   aíli  tor- 
naíTe.    Seu   corpo  ficou  dcpofitado  em 
Cochim  até  o  anno  de  15^8  ,  que  feu 
filho  Pedro    da   Silva   teve    a    licença 
de  o   trani "portar  para  Portugal  ,  onde 
EIRei   lhe    fez    dar    as  maiores   hon- 
ras ,  que   ainda  ie  fizeraó  á  huma  pef- 
foa  particular,  e  que  naó  era  de  fangue 
Real.  O   que  alli   ha  de  fingular  ,  he 
que    á    caía  d'Albuquerque    naó   pôde 
alcançar  le  naó  muito  tempo  depois  a 
mefma  graça  para  o  corpo  do   grande 
Affònfo.    Também  lhe   fizeraó    honras 
muito   inferiores ,  como   fe  foile  mais 

glo- 


DOS"  PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIIT.    $09 

gloriofo   defcubrir   as  índias  ■,    do   que  ■■■ 

conquiftall-as."   He  verdade    fe  nós    a-  Awn.   de 
creditarmos    niíío    o  autor    dos   Com-      ].  C. 
mentarios  deite   grande  homem,    que     i^zci 
a  razaó.  porque  fe  precizou  tanto  tem- 
po para  ter  efta  permiíTaó  ,  foi  por  cau-    D-;J°A0 
ia  da  paixão  dos  habitantes   de  Goa  ,  ní*  *EI* 
o  porque    fe  naó    pôde  aicanfar  ,    fe 
nao.por  virtude    duma  Bulia   do   Pa~D*  VASCO 
pa  y.  a  qual  fulminava  grandes  excom-  DA  GA~ 
munhoés   contra  os   que  a    ifío  fe  op-  MA  vl~ 
pofeííem.    E  a   fer  aííim  ,    huma  pai- tE~REI' 
xaó  taõ  confideravel  he  ainda  mais  hon- 
roza  para  Affbnfo ,  do  que  as  mais  fo- 
berbas    pompas  fúnebres ,   e  os  pane- 
gy ricos    mais  eloquentes    dos  maiores 
Oradores. 

Parecia  que  a  Corte  tinha  pre- 
viílo  a  morte  próxima  do  Vice-Rei. 
Porque  attendendo  por  huma  parte  aos 
feus  annos  ;  e  ás  íuas  infirmidades ,  e 
por  outra  aos  inconvenientes ,  que  po- 
diaó  nafcer  em  paiz  taò  diftante,  na  ' 
cazo  de  morrer  o  Governador ,  eftabele- 
ceo  ella  neíla  occafiaõ  ,  e  que  depois 
ie  praticou  fempre  ,  o  que  chamaó 
Succeffbcns  ,  o  que  fe  faz  por  eíle  mo- 
do. EIRei  de  tempo  em  tempo  en- 
via ás  índias  cartas  fechadas  com  o 
fello  da  Coroa  até  numero  de  quatro  , 
ou  fmco  y   em  ca*la  huma    das  quaes 

achaô 


MA     VI- 
CE-REI. 


400  Historia   cos  Descobrimentos 

- achaó    o   nome  cio  fugeito  ,  que    de- 

Ann.  deve    tomar  o  Governo  depois  da  mor- 

J.  C.     te  do  que  eftá  no  emprego.  Eftas  car- 

1525.    tas  trazem  a   infcripçaó   da   primeira, 

-  fecunda  ,    terceira  íucceiTaó  ,  &c.  A  - 

D.  JOÃO    .  °  r  '  ir 

ngamente  ficavao  em  depoíito  na  mao 

do   Intendente   da  Fazenda    Real   ,  e 

hoje  ficaó   na  do  Arcebifpo   de  Goa  , 

d.  VASCOque  na5  pOC]e  aDr;r  ?    fe  na5   na   pre_ 

íenfa  das  peflbas  determinadas  peli 
Corte  ,  e  fegundo  a  ordem  da  infcrip- 
çaó ,  de  forte  que  fó  podem  abrir  a 
iegunda  no  cafo  de  ter  fido  inútil  a 
primeira  ,  e  aiUm  nas  outras. 

O  Vice-Rei  D.  Vafco  da  Gama 
levava  com  figo  as  primeiras  carris, 
e  conduíla  na  fua  frora  fem  o  faber, 
os  que  eílavaó  defti  nados  para  feus 
iucceflfores  ,  e  alguns  dos  quaes  fizerao 
depois   eit-ranhas  fcenas. 

Sendo    aberta  a  primeira    fuecef- 
faõ  ,  moilrou  o    nome   de  D.   Henri- 
d.  HEN-que    de  Menezes,   filho   de   Fernando 
RiquE      de    Menezes  ,    de    alcunha  o  Roxo  , 
DEMEKE-que    tinha   vindo   ás    índias   com   pre- 
zes    Go-vifoens   de  Governador   d'Ormuz.  Po- 
ver ka-    rim   Fernando   deMonrroi,  que  tinha 
por.         as   do  Governo  de  Goa  ,    rendo  nau- 
fragado nes  baixos  de  Melinde  ,  e  ef- 
r.ando  auzente  ,  o  Vice-Rei  tinha  mu- 
dado   o  deílino  de  Menezes,  e  o  ha- 
via 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    401 

via   fubítituido   a  Monrroi  no  Governo 

deita  praça  que  tirou  a  Peítana.    Lo-  Ann.  de 
po   Vaz  de  Sampaio  ,  Governador  de     J.  C. 
Cochim  ,  que   o   Vice-Rei  moribundo      1525-, 
tinha  eftabelicido   em  feu  lugar  ,  e  re- 
vertido   de  toda  a  Tua  auetoridade  até  D*    JOAO 
que  aqueile  a  quem  a  fueceflaó  decla-  nu    KEI 
raíTe  folie  em  eirado  de  tomar  poíle  do 
Governo  ,  procedeo   muito  bem  a  ref-  D#  HEN" 
peito  de   D.  Henrique.  Defpachou  lo-  RI<^UE 
go    para  Goa  a  dar-lhe  avifo  da  fua  DE  ME> 
promoção,  e  lhe  enviou  huma  efcol-  neZes 
ta  fará  o  condufir  á   Cochim.  g.over- 

D.  Duarte  ,  e  D.  Luiz  de  Me- NAD0R* 
nezes ,  que  eílavaó  ainda  em  Cochim, 
emiferaó  aproveitar-fe  da  conjuntura 
da  moleítia  ,  e  da  morte  do  Vice-Rei, 
para  fazerem  durar  o  feu  Governo, 
tiles  tinhaõ  feu  partido  na  Cidade  , 
e  tudo  alli  caminhava  á  huma  fediçaõ 
aberta  ;  porém  D.  Duarte  naó  tendo 
nunca  tido  a  liberdade  de  pôr  pé  em 
terra  ,  e  D.  Luiz  tendo  tido  ordem 
de  tornar  para  bordo  ,  Sampaio  con- 
teve também  todos  os  léus  partidiítas 
na  fua  obrigação  ,  que  eítes  dois  Se- 
nhores foraó  obrigados  a  partir  con- 
tra fua  vontade  ,  com  tanta  infelicida- 
de para  ambos  ,  que  D.  Luiz  perdeo- 
fe  ,  fem  que  fe  íoubeíTe  mais  onde  , 
nem  como  j  e  D.  Duarte  tendo  che- 
Tom.  II.  Ce  ea- 


D.    HEK 


1E     ML 

í-t.zes 

<iOVER 


402  Historia  dos  Descobrimentos 

— : .  gado   á   Portugal  ,  alli    morreo  á  vifta* 

Ákk.   de  do  porto. 

J.  C.  D.  Henrique  recebeo  a  noticia  da 

j.,         fua  elevação  ,  com   aquella  indiferen- 

.  ça,    que    he    a   prova  d'hum   coração 

d.  joao  f*em  ambjçtlQ.    £ra   eíle  hum  homem 

111.  rei  c]a  ya(Je  d'Ouro  ,  e  do  antigo  tem- 
po ,  que  contente  com  a  fua  virtu- 
de y  com  a  fua  probidade,  com  a  no- 
breza dos  feus  ferviços  ,  amava  an-« 
tes  merecer  as  honras  do  quepofluil? 
las  ;  e  que  pifando  aos  pés  todas  as 
idéas  da  paixaó  ,  e  do  entereífe  ,  co- 

nador.  mo  indignas  d'um  efpirito  vam  ,  pre- 
zando pouco  empregos  ,  que  os  ou-: 
tros  fó  procuravaó  com  tanto  ardor  , 
porque  achavaó  nelles  huma  ampla 
comodidade  para  fatisfazerem  á  to- 
das as  fiías  fraquezas.  As  fuás  primei- 
ras acçoens  foraó  provas  da  fua  equi- 
dade, da  fuamodcítia,  e  da  fua  ap- 
plicacaó  ás  fuás  obrigaçoens.  Porque 
ellc  disfarçou  de  baixo  de  diverfos  pre- 
textos para  naõ  chegar  á  Cochim  an- 
tes da  partida  de  D.  Duarte  ,  e  de  D. 
Luiz  de  Menezes  feus  próximos  pa- 
rentes ,  ò  naõ  dar  aos  enterelTes  do 
fangué  o  que  a  juftiça  do  Vicc-Rei 
lhes  havia  recuzado.  Prohibio  depois 
abfòfyítàmente  que  lhe  deífem  o  tra* 
ramenio   de   Senrioria  _,  e  que  lhe  fi- 

jref- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.    40$ 

zeííem  as  honras   coftumadas  á  entra-  ■ 

da    dos    Governadores   ,    debaixo    do  Akn.  de 
pretexto  de   que   eraó  pouco  decentes     ].  C. 
nas  circunftancias  do  luto   pela   morte     \czr, 
do  Vice-Rei  ,  o  que  depois  fervio  de  "  ^ 

re^ra.    E  em  fim  entreçou-fe  todo  ao    D-  J0A0 
bem    publico. 

Depois    da  morte  do  grande  Al- 
buquerque ,  a  attençaõ  que  tinhaõ  tido  D*  HEN~ 
os  que  lhe  tinhaó  íuecedido  aos   feus  Rl(^UE 
entereííes  particulares  ,  antes  que    ao  DE  ME" 

.  r    \T7fS 

bem  commum  ,    e  o   pouco    que  eí-  ***»■ 

timavaó  luas  peiToas ,  tinha  auclorifa-  GOVER" 
do  huma  multidão  de  Corfarios  ,  JVIou-  NAD0R* 
tos  ,  e  Gentios  ,  que  infeílavaõ  por 
modo  eíles  mares  ,  que  os  navios  da 
Coroa  fó  podiaó  fahir  em  frota.  D. 
He.irique  tinha  começado  a  fentir  d'if- 
10  a  injuria,  eo  prejuízo,  lo^o  que 
tomou  polTe  do  Governo  de  Goa  ; 
porque  paííava  todos  os  dias  á  viftà 
d'eíta  Cidade  quantidade  deites  pira- 
tas ,  e  de  navios  mercantes  ,  que  hiaõ 
de  baixo  de  fua  efeolta  ,  fem  lhe  po- 
derem fazer  nada. 

O  Vice-Rei  tinha  começado  a  dar 
ordens  muito  precifas  para  alimpar  as 
coifas  de  todos  eftes  ladroens.  Chrif- 
tovaõ  de  So^fa  tinha  deioaratado  por 
duas  occafíoens  hum  dos  mais  famo- 
fos  Chefe?  d'elles  ,  chamado  Cutial  , 
Ce  ii  <jue  . 


404    HiSTOiuA  dos  Descobrimentos 

— que  o  tinha   attacado  com  4  paráos  , 

#nn.  de  e  depois  com  80.    Vicente  Sodrc  en-. 

].  C.    viado  também  com  huma  efquadra  de- 

jrjjr,    4    navios  ás    Maldivas   ,  deu    cada  a 

\  Mamale  ,  Mouro     o  mais    acreditada 

p«    joao  ja   jncjja  i  e  que  fe  intitulava  Rei  das 

11 1.  rei.  \jaidivas  ,  como  já  diíTe.    Tomou-lhe 

duas  Fuftas  ,  e  o  fez  higir  com  qua- 

D.  hen-  trQ  GUtras    até    Cananor  ,    onde    naõ 

U0-UE      tardou     em  pagar  aos    Portuguezes  a. 
uf  me-     pena  ^ue  jj^g  era  devida  5  pe|0  ma]  que 
kezes      jjies   j.^^  £eitQj  porque  D,  Henrique 
cevER-    tend0   chegado   alli  pouco  depois  ,   s 
ív^DtíK'    tendo-o     achado   prefioneiro    na  Gida-, 
delia  ,  onde  o  Rei  de  Cananor ,  que 
fe  comunicava  fccretamente  com  elle 
o    tinha  feito  meter  para  dar  alguma, 
rnoítra    de  fatisfaçaó  ao  Vice-Rei*  D, 
Vafco  da  Gama ,  lhe  fez  fazer  o  feu 
proceíTo  fem  dilação  ,  e  o   fez  enfor- 
car, antes  que  o  Rei  de   Cananor  o 
podeíTe  repetir.  ■   - 

D.  Henrique  antes  de  chegar  a 
Cananor  tinha  já  confeguido  algumas 
vantagens  fobre  os  piratas  ,  por  meio 
de  Jorge  de  Melo  leu  Sobrinho ,  que 
desbaratou  também  Cutial  em  huma 
occaíiaó  ,  e  n'outra  deftruio  36  paráos 
fahidos  de  Diu.  D.  Henrique  em  pef- 
foa  decipou  na  fua  derrota  50.  paráos  , 
que  dlc  encontrou  brigando  com  D. 
1  ]or- 


»OS    PORTUGUEZKS  ,    LlV.    VIII.    40^ 

Jorge  de  Menezes  ,  que  tendo  fó  hum 

Galiaõ    eftava  bem   embaraçado   para  Ann...  de 
fe  defender.  O  General  enviou  depois     ].  C. 
Heitor  da  Silveira   a  requerimento   do     \ciz. 
Rei  de  Cananor  para  a  nacente  do  rio         JQ4~ 
que  parta  por  diante  defta  Cidade  ,  pa-      '     RE 
ra  deftruir   algumas   povoacoens  ,  on- 
de  muitos   d' cites   piratas  íe  acolhiaó  ,       _ 
e    viviaó   em    huma  efpecie  de  inde-  '  * 
pendência-;  o  que  fez  Silveira  com  mui-        ^ 
ra  felicidade.  Chriftovaó  de  Brito  caf-  NEZES 
rigou     igualmente   os    de   Dabul.    He        r£_ 
verdade     que   alli  o   matarão    :  porérn  ,.„_„ 

r  c   -  r    i  i         i>  NADO*. 

a  lua  morte  toi  compeníada  pela  d 
hum  grande  numero  de  inimigos  ,  e 
do  feu  Chefe  v  que  fendo  apanhado, 
c.  levado  ^á  Goa  ahi  morreo  das  fuás 
feridas  ,  e  tendo  a  vantagem  de  morrer 
Chriítaó. 

O  fupplicio  de  Mamale  intimidou 
todos  os  Mouros  do  Indoítam  ,  que 
julgando  do  Governador  pelo  defen- 
tereííe  que  tinha  molhado  ,  recufan- 
do  confiantemente  as  ímmenfas  fom- 
mas  offerecidas  pelo  feu  reigate  ,  co- 
nhecerão por  iffo  o  que  elles  mefmos 
deviaó  entender.  A  feveridade  que 
ufavaó  com  os  que  eraó  apanhados  , 
naõ  fervio  pouco  para  remediar  a  de- 
fordem.  Porque  os  navios  dos  Por- 
ruguezes    victoriofos  quando  voltavas 


111.  REI 

D.  HEN- 
RIQUE 
DÉ  ME- 
KEZF.S 
GOVER- 
NADOR. 


406  Historia  dos  Descobrimento? 

— — —  cTeítes  combates ,  em  lugar  de  Flamu- 

Akn.  delas  ,  e    Pavefes   naó    aprefentavaõ  de 

J.  C.    longe  fe  naó  os  corpos  deites   infeli- 

i<2<,    ces  pendurados  das  vergas,  e  as   fuás 

-  cabeças  polias  em  fileira  iobre  es  bor- 

l0  dos.    Os  que  trafiaó  vivos  3    largavaõ- 

nos    aos  rapaíes    que   fe  recreavaó  de 

os   matar  ás  pedradas. 

Ifto  propriamente  era  huma  pe- 
quena guerra  ,  logo  fe  levantou  huma 
mais  confideravel^  que  o  mefmo  Go- 
vernador foi  obrigado  a  começar.  Nau- 
beadarim  que  tinha  fempre  eílado  uni- 
do aos  Portuguezes  por  inclinação  , 
e  por  eítima  ,  naõ  tinha  tido  por  mui- 
to tempo  o  Sceptro  de  Calicut.  O  Sa- 
morim  ,  que  lhe  tinha  fuecedido  ,  naõ 
tendo  os  mefmos  fentimentos ,  e  en- 
tregando-fe  aos  confelhos  dos  Mou- 
ros ,  fe  tinha  picado  em  muitas  oc- 
cafioés  contra  D.  Joaõ  de  Lima  ,  Go- 
vernador da  Fortaleza  de  Calecut.  E 
ou  porque  os  Portuguezes  eítiveiTem 
muito  etefeuidados  dos  feus  direitos  , 
e  das  fuás  pretençoês  ,  ou  porque  os 
índios  aproveitando-fe.  da  fraqueza  do 
Governo  lhe  fizeíTem  velhacarias ,  as 
coifas  tinhaó  chegado  a  ponto  ,  que 
tinhaó  havido  já  muitas  hoftilidades , 
que  fe  aproximavaõ  muito  a  hum  rom- 
pimento   aberto.   O  Samorim  ,  acom- 

mo- 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LtV.    VIII.    4O7 

modando-fe  com  hum  eílado  indecifo , 

que  naó   era  nem   paz  nem  guerra  ,  ti-  Assn,   dç 
nha  enviado   hum  Embaixador   ao   no-     J.    C. 
vo   Governador    para   o  enganar   ,  fa-     !«<. 
zendo.propofiçoés  d'hum  a|uíle,  que  el- 
le  naó   obfervaria    fe   naó    em  quanto  D*    JOAO 
lhe   achaííe  entereíTe  ,  na  efperança  da  m*  REt* 
•occafiaó   em  que  elle    podeiTe  dar  al- 
gum  grande  golpe.    D.   Henrique  na-  D*  HFÍ'~ 
ruralmente  inimigo  da  perfídia  ,  e  bem  U1QU5: 
determinado    interiormente    á    caftigar M  ME~ 
efte  Príncipe,  divertio  o  leu  Embaixa-  NEZES 
dor    com  boas  efperanças  ,  até  que  eí-  govf.r- 
le   fe  pôz  em  eftado  de  lhe  enfinar  por  ^a-Por» 
hum  golpe  eítrondozo ,  de  que  maneira 
queria   obri-gaio  a  viver  com  elle. 

Tendo  em  fim  defpedido  o  Em- 
baixador com  boas  palavras ,  e  com 
promelTa  de  que  em  pouco  tempo  iria 
vifitar  feu  Senhor  ,  partio  com  huma 
armada  de  50  velas  de  toda  a  efpccie , 
e  de  2<è  homens  de  defembarque  , 
com  que  foi  cahir  fobre  Panane  ,  hu- 
ma das  principaes  praças  do  Samo- 
rim  ,  bem  provida  de  -gente  ,  e  dar- 
tilheria ,  debaixo  da  condueta  d'um 
Portuguez  arrenegado.  D.  Hennque 
naó  tendo  alcançado  a  fatisfaçaó  que 
pedia  ,  pôz  as  fuás  tropas  em  terra  , 
e  dividindo-as  em  três  corpos  ,  de 
que  Pedro  de  Mafcarenhas,  e  D.  Si- 
mão 


KEZF.S 
GOVER- 
NADOR. 


408  Historia  dos  Descobrimentos 

maò  de  Menezes  commandavaõ  os  dois 

Ann.  de  primeiros  ,  e    o    General    o  terceiro  , 

J.  C.    attacou  a  praça ,  tomou-a  ,  e  deftruio-a, 

í<z<.    fó  com  perda  de  poucas    peíTòas  ,  e  de 

-  quafi  50  feridos.    O   numero  dos  mor- 

d.  JOAOtQS  £Qj  mu[t0  confideravel  da  parte  dos 

111.    R£U  inimigOS ;   acharão  entre  elles  o  corpo 

do  arrenegado  ;  porém  taó  desfigurado 

d.  wên-  no  parecer     que  tiveraó  trabalho   para 

*1<^TE      o  reconhecer. 

No  dia  feguinte ,  o  Governador 
foi  aprefentar-fe  de  fronte  de  Calecut., 
queimou  grande  numero  de  navios  no 
porto  ,  em  quanto  por  fua  ordem  D* 
Joaó  de  Lima  tendo  feito  huma  forti- 
da  ,  lançou  fogo  aos  fuburbios  da  Ci- 
dade. Dalli  D.  Henrique  tendo  refor- 
çado a  gunrniçaó  da  Fortaleza  d'ho- 
mcns  ,  e  de  munições ,  paííou  até  á 
Couletta  a  féis  legoas  para  fima  de 
Calecut. 

Efta  praça  aíTentada  fobre  o  porto 
em  amikheatro ,  era  taó  forte  pela  ar^ 
te  ,  e  pela  natureza  ,  pela  quantidade 
de  artilheria  -,  e  pelo  numero  dos 
inimigos  ,  que  o  confelho  do  Gene- 
ral julgou  logo  ,  que  ella  era  incon- 
quiftavel  ,  e  que  era  temeridade  in- 
tentar attacalla.  Ifio  era  baftante  pa- 
ra D.  Henrique  ,  fe  elle  quifeíTe  fó 
jufiificar  huma  retirada  por  efcrituras ; 

Po- 


DOS    PõRTUGUEZES  ,    LlV.     VIII.    4O9 

■porém    como  era  hum    homem  eíte ,  ■ • 

que  olhava   para  o  entereííe  do  Rei  5  Ann.  de 
e  gloria  da  lua  Naçaô  ,  primeiro  que     J.  C. 
para    á  fua  própria,    que   elle    tinha      1525. 
muito  bem  eítabeiecida  por  muitas  bel- 
las  acçoés  em  Africa  ,  quando  foi  Ca-   p*  JOAO 
pitaó  de  Tangere  ,,fallou  taó  fortemen-  ll,i    REi* 
te ,  que  redufio  todos   os   pareceres  ao 
íeu ,  e  decidio  pelo  attaque.   Sobre  o  D*  KE>?' 
que  ,  tendo  regulado  a  diípoílçaó  ,  deo  Kl0-UE 
hum  corpo  de  400  homens  a  D.   Si-  DE  ME" 
maó    de  Menezes  ,    e  condufio  outro  *EZES 
de  i<àcoo  ,  deixando  ao  refto  da  frota  GoVER" 
a  commiííaõ    de  defbaratar  a  dos  ini-  KAI)0R* 
migos    que   eftava  no   porto.    O  fumo 
da   artilheria    das    duas   armadas   favo- 
receo  o   defembarque.  Combatiaó  com 
extremado  valor  d'ambas  as  partes.  Os 
Mouros  ,    que  fe  tinhaõ    facrificado  á 
morte ,  todos  fe  fizeraó  matar ,  o  ref- 
to   fugio.  Efta   acçaó  cuítou  fó  14  ho- 
mens aos  Portueuezes  5  lem   fallar  dos 
feridos.    Tiverao   com  que  fe  confolar 
na   prefa.    Trezentas    c  feíTenta  peças 
de    canhaó ,    innumeraveis   arcabuzes , 
e   efpingardas  ,  53    embarcações  carre- 
gadas ,  muitas  riquezas  achadas  na  '^ra- 
ça ,    foraó  a  prefa  do  vencedor.    De- 
raó  por  defpojo    as   chammas  a  Cida- 
de ,   e   o  reíto   das  embarcações.  Def- 
pois    diíto  D.  Henrique  contente   da 

fua 


410  Historia  dos  Descobrimentos 

fua  expedição,  fez-fe  á  vela  para  Ca- 

Ann.  de  nanor  ,  e  de  lá  para  Cochim. 
J.  C  Em  vez  deftes  golpes  de  valor  fa^ 

j -2-#    zerem    entrar  em  fi    o  Samorim  ,  lo 
.  ferviaõ  de  o   irritar  mais  ;  porém  para 
d.    joao  fegurar    melhor  a  fua  vingança  ,  jul- 
jii.  rei.  gQU  jçygj  rCcorrer  a  diííimulaçaó  ,  e 
enviou  ao  Governador   General   huma 
x>.  hek-    pefl-oa    ^e  confiança  para    fazer  algu- 
p^que      mas    pr0p0fíç0ens  de  paz  ,  a  fim  de 
DE  ME"     que  .á   fombra  d'efte  tratado  o  Gene- 
kbzbs       ra|    na-   penfatfe  mais   em  reforçar  a 
cover-    guarnição  da  Fortaleza  ,  que  efte  Prin- 
i.ador.     c]pe   e^aVa  já  refoluto  de  a  íitiar  no 
inverno    em  que   eíiavaó  para  entrar. 
O   General  naó  eftava  longe  da  paz  , 
porque  tinha  na  idça  hum  defignio  de 
maior  importância  :   aflím  tendo-a  ca- 
pitulado com  muito  duras   condiçoens 
para  o  Samorim  ,  as  quaes   o  feu  En- 
viado acceitou  facilmente ,  eftc  Enviado 
partio    com  o   tratado  que   o  Príncipe 
devia  aíKgnar.  Porem  como  tudo  fó  era 
fingimento    da  fua   parte  ,  defáe   efte 
principio  tomou  as   luas  medidas  para 
íitiar  a  Fortaleza. 

Mandou  logo  n<fo.  homens  ,  de- 
baixo da  conduàa  d'hum  Siciliano  ar- 
renegado ,  hábil  engenheiro  para  o 
tempo  que  tinha  fervido  ás  ordens 
de    Solimaó  na    tomada    de  Rhodes. 

Ef- 


DOS    PoRTfGUEZFS,   LlV.    VIII.    411 

Elle  tinha  ordem  de  fazer  linhas ,  e  de  ..  ■■... — i 
cercar  a  Fortaleza  da  parte  da  terra  3  Ann.  4e 
e  como  cila  eftava  fobre  huma  lingoa    J.  C. 
avançada  para  o   mar  ,  elle  abraçava    \ciç. 
iodo    o  terreno  por    huma  efpecie  de 
obra  em   cornos,    terminada  em  cada  v'  J0AO 
ponta  por  hum  baluarte  ou   baftiaó   ,  liI*    REU 
d'onde  o  canhão  batia  de  perto  o  com- 
primento das   Coitas.    O  leu  foíío  era  D-  HEN" 
de    2$  pés   de  largo   ,  feu    terrapleno  R,(2UE 
da  outra   parte  tinha  8  ,  ou  10  ,  e  era  Dt  ME" 
fortificado  com   quatro,  ou    5  redutos  KE2ES 
entre  os   baftioens.    D.  Joaó  de  Lima  C0VER* 
fez   tudo  quanto  pôde  para  impedir  o  nador. 
progreflb  d'eíla  obra.    Fez  muitas   for- 
tidas    a  tempo.    Servio-fe  com  vanta- 
gem de  algumas  caías  ,  que  eftavaó  de- 
fronte da  Fortaleza  ,  o  que  lhe  ferviaó 
de  armazéns.    Porém   naõ  tendo  mais 
que    300  homens   ,  dos  quaes  perdeo 
50  nellas  fortidas   ,  naõ  pôde  impedir 
que  os   inimigos  ,  infinitamente  iupe- 
riores  pela  multidão   dos   feus   comba- 
tentes, e  dos  feus  gaítadores  ,  naõ  con- 
dufilem   a  obra   á  Tua  perfeição.   O  que 
elle   fez  também  com  muita  prudência 
para  coníervar  a  comunicação  do  mar, 
ioi   condufir  hum  caminho  bem  cober- 
to de  gabioens  ,  e  fortificado  por  mo- 
do  de  couraça, ,  o  que  foi  depois  a  fua. 
falvaçaõ.    Com  tudo    como  as  Cofias 

eraó 


412  Historia  dos  Descobrimentos 

—  eraó  muito  altas,  que  o  mar  batia  alli 

Ann.  dequafi  fempre  com  muita  violência ,  que 

J.  C.    naó  havia  porto,  porém  fomente  algumas 

j -2r.   enfeadas  muito  más  ,  os  foccorroseraó 

\  tanto  mais  difíceis  ,  por  naó  poderem 

r>,JOA0  chegar   alli  fe  naó  em  mui  pequenas 

ih.    rei.  cmbarcaçoens ,  e  fomente  com  tempo 

de  bonança. 
d;  hen-  q    5iciiiano    tendo    aperfeiçoado 

RI0-UE       as  Tuas  linhas ,  e  as  fuás  obras,  con- 
de.  w e-.    £aya  tanro    em  tomar    a  praça  f    quc 

*EZES  naó  duvidou  em  fazer  vir  o  Samo- 
cd ver-  rjm  cm  peffoa#  Vindo  efte  Principe 
kador.  ao  Campo  com  hum  exercito  de  90^; 
homens  ,  começarão  logo  as  batarias 
a  jogar.  Se  eftas  batarias  tiveííem  fi- 
do bem  fervidas  ,  a  praça  naó  podia 
confervar-fe  muito  tempo.  Porque  alem 
da  fuaartilheria  numerofa,  tinhaó  peças 
que  levavaó  bombas,  ou  balas  de  dois 
pés  de  diâmetro.  Faltava-lhes  fó  a  ar- 
te. Os  Portuguezes  pelo  contrario  fer- 
viaó  muito  bem  a  lua.  Porém  o  ef- 
rrago  que  ella  podia  fazer  era  pou- 
co fenfivel  ,  porque  as  perdas  dos  ini- 
migos craó  de  pouco  momento  ,  em 
razaó  do  feu   grande  numero. 

D.  Henrique  tendo  recebido  a  no- 
ticia do  íitio,  enviou  logo  dois  na- 
vios commandados  por  Chriftovaõ  ]u- 
íarre  3  e  Duarte  da  Fon  feca  ,  para  dei- 

ta-J 


DOS    PoRTVGVFZES,    LlV.    VIII.    41 3 

tarem  na  praça  140  homens  de  refor- — — — 
ço  com  munições.  Jufarte  chegou  pri-  Akk,  de 
meiro  ,  e  ancorou  muito  perto  da  For-     J.  C. 
taleza.   Fonfeca  detido  pelas  calmas  ,    1525. 
foi    obrigado    a  ancorar    hum    pouco 
mais  longe.  Efte  foccorro  era  taõ  pou-    D*  jOAO 
co  coníideravel ,  que  D.   Joaõ  de  Li-  UI*  REI* 
ma  naó  queria  que  elle  tentaiTe  o  defem- 
barque.  Com  tudo  Jufarte,  a  quem  naó  D*  HEN' 
faltava  valor ,  de  oitenta  homens  que  R  ^UE 
tinha  ,    metendo   35  na   fua   chalupa  ,  DE  ME" 
arriícou  o   tiro ,  e  procurou   ganhar  o  NEZES 
iim  da  couraça  ,  porem  a  força  d'agua  GOvER* 
tendo-o  levado  mais  longe ,   teve  alli  NAD0R"  - 
hum  combate  dos   mais  afperos.    Eíte 
pequeno   foccorro  entrou  finalmente  na 
praça ,    tendo  fó    perdido  quatro   ho- 
mens, com  Manoel  Cerniche,  que  ten- 
do voltado    para  falvar  hum   dos  feus 
amigos  ,    recebeo    alli  tantas    feridas  , 
que.   morreo     pouco     depois.    Fonfeca 
tendo    tido  prohjbiçaõ    de  Lima  para 
tentar  a  meíma  coifa  ,  tornou  por  fua. 
ordem  para  Cochim  para  pedir  hum  foc- 
corro mais  confideravel.  Empreza  mais 
dimcil  pelo  rigor  da  cezaó  ,  que  naó 
era   a   de  paíTar   á  travez    do  inimigos 
mais  para  temer ,    do  que  a  violência 
dos  Tyíoens. 

O  fitio    fe  apertava    fempre  com 
muito  vigor    da  parte    dos   inimigos , 

que 


414  Historia  dos  Descobrimento^ 
———que    empregavaõ    tudo    para    tomar  a 
Ann.  de  praça  antes  do  fim  do  inverno.  Os  fi- 
][#  Qm     tiados    naó   fe  defendiaó    com    menor 
y        valor ;  e  certamente  alli  fe  fizeraõ  ac- 
* .'  m  çoês  taò  belas  como  nos  cercos   mais 
d.  joao  memoráveis.    D.   Joaó  de  Lima  alli  fe 
ih.   rei.  portou  como  Toldado,  e  como  Gapitaõ. 
Era  perfeitamente   auxiliado   por  fcus 
r.  hen-    irmaós  ,     e   por   feus   fobrinhos  ,    que 
RiquE      alli  Te  deítinguiraó.  As  granadas,  que 
de  me-     até   entaó  fò  tinhaó   fervido  nos  com- 
ííezes       bates   de  mar,  e  que  foraó  entaó  pof- 
cover-    tas  em   ufo  pela  primeira  vez  nos  fi- 
hadqr.     tios  ,  íizeraó  maravilhas.    O   ponto  ef- 
fencial   era  refrefear    a  praça  3  ó  que 
foi  fácil   pelas   diligencias  do    Gover- 
nador General  ,  e   porque  os  inimigos 
naó  tinhaó  armada.  António  da  Silva  , 
Heitor  da  Silveira  ,  e  Francifeo  Perei- 
ra   Pcífcana    levaraó-lhe    em     diferen- 
tes tempos  foccorros ,  que  o  Samorim 
naó    pôde  impedir.    Finalmente  quan- 
do chegou  a  primavera  ,  o  mefmo  Ge- 
neral  veio   em  pdToa   com  huma   fro- 
ta J:C  20  veias  ,  e   1^500  homens   de 
boa  tropa. 

Cj  inimigos  á  vifta  da  frota  Por- 
tugueza  fe  aprefentaraó  fobre  a  praia 
em  raó  boa  ordem,  e  em  taó  grande 
numero  ,  que  a  maior  parte  dos  Ca- 
pitães ,    e  dos   Qfficiacs   lhe  tomáraó 

ai- 


DOS    PORTUGUEZFS  ,    LlV.    VIU.    41^ 

algum  medo  ,  e  o   moílraraõ  no  Con : — 

felho ,   onde  o  General  os  achou  qua-  Ann.  de 
{]  todos    oppoftos  ao  difignio    que  el-     J.  C 
le    tinha     de    fazer    levantar    o   cer-    1^25-. 
co.  O  General ,  que  tinha  ordens  pa- 
ra naó  hir  contra    o  feu  Confelho  o    D*  JOAO 
ajuntou    muitas  vezes,  fem    o  poder  1,u    REI* 
dobrar  para  o  feu  parecer  ,  ifto  o  obri- 
gou   a    confervar-íe    alguns    dias    em  D*  HEN" 
innacçaó.  Como  elle  também  naó  que-  R1QUE 
ria  retratar-fe  ,  recorreo  ao  arteficio  ,  e  DE  ME~ 
empenhou    fecretamente    D.  Joaó    de'í;E2ES 
Lima  para  attacar    o  baluarte   dos  ini-  GOVER" 
migos  ,  que  eftavaó    no  fim   da  meia  KAD0IU 
lua    da  parte    do   meio    dia.    O   avifo 
foi  enviado  a  Lima  por  hum   mergu- 
lhador   que  levava  huma  carta  numa 
bola  de  cera.    O  attaque    do  baluarte 
fe  fez  á  yifta  da  frota  com  muita  fe- 
licidade.   D.  Henrique    louvou    muito 
a  acçaó  ,    e  depois    concluindo    que 
com  pouca  gente  fe  podia  vencer  hu- 
ma multidão  de  bárbaros,  declarou  ao 
Confelho  ,  que  elle  mefmo  eftava  re- 
foluio  a  attacar  com  todas  as  fuás  for- 
ças ;  e   por   efta   declaração  reunio  to- 
dos   os  votos  ,  que  até   entaó  lhe  ti- 
nhaó   fido  contrários. 

D.  Henrique  mandou  dar  os  pa- 
rabéns á  Lima  da  bela  acçaé  que  ti- 
nir; feiro  ?  ç  faber  delle   em  que   par- 


1525. 


D.  HEN- 
RIQUE 
DE  ME- 
NEZES 

COVER- 
NASQR. 


416  Histoíua   dòs  Descobrimentos 

1   ■  te  poderia   mais  facilmente  defembar- 

Ann.  de  car.  Eíte    lhe  refpondco    por  D.  Jor- 
J.  C.    ge    de    Lima   ,    que  quiz    hir    á  fro- 
ta em    hum  pequeno    Datei  condufxdo 
por  hum  fó   marinheiro.    O   batel   foi 
T>'  IOA0  metido     á  pique  pelos  inimigos   ;  po- 
iii.    REi-r(;rn  p_)t   Jor^e  achou  meio   de  fe  ial- 
var,    e  tenoo   ganhado  a   Capitania  á 
nado  ,  inítruio   de  tudo  o   General. 

Sobre  iílo  tendo  D.  Henrique 
feito  avançar  os  íeus  navios  o  mais 
perto  da  terra,  que  lhe  foi  poflível  , 
limpou  muito  bem  a  praia  com  a  fua 
artilheria  ,  e  os  inimigos  naó  oufan- 
do  a.  apparecer  ,  fez  deitar  em  duas 
noites  lucceííivas  na  Fortaleza  1 50  ho- 
mens por  cada  vez  fem  obftaculo  al- 
gum. O  Samorim  naó  o  ignorou  ,  nem 
ie  entriíleceo  ,  perfuadindo-fe  que  o 
General  naó  ouíando  entrar  em  hu- 
ma  acçaó  com  elie,  fe  contentaria  de 
fornecer  a  Fortaleza  de  gente  ,  e  de 
provífoés  ,  depois  do  que  fe  retiraria^ 
o  que  naó  lhe  tirava  a  efperança  que 
tinha  de  fe  aiTeiihorear  delia  :  porém 
clle  fe  enganou  na  fua  efperança. 

Porque  algum  tempo  antes  do  dia, 
na  mefma  noite  em  que  o  fegundo  íoc- 
corro  tinha  cnrrado  ,  D.Henrique  tendo 
ajuítado  com  Lima  todos,  os  finae?  ,. 
defcmbarcou  nas  chalupas    com   todas 

as 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    4I7 

as   tropas  de  defembarque ,  vogando  a 

remos  furdos  para   naó   fer  perfentido.  Anu.  de 
Lima  no  meímo  tempo    fez  attacar  as     J.  C. 
linhas  dos  inimigos  por  Heitor  da  Sil-    1525-, 
veira  ,  e    Fernando   de     Moraes    por 
hum    lado   ;  e   elle  mefmo  deo  o  aí-   D'  J0^0 
falto     pelo    outro    com   muito    vigor.  m*   RE  * 
Os  que  eílavaó  nas  trincheiras  as  aban- 
donarão com  muita  precipitação  ;  po-  D*  HEN" 
rém    ellas   foraó   logo    foccoridas  por  R,QUF- 
outros  que  defceraó  aos  folíos ,  e  que  DE  ME" 
crendo  que  encontrariaó  poucos   como  NEZES 
nas  fortidas   ordinárias  ,  lifongeavaó-ie  GOVER" 
de  concluir   logo   tudo.    Com  ifto    D.  NAD0R* 
Henrique  defembarcou    focegadamente 
ao  fom   de  trombetas  ,  e   inítromentos 
bélicos.    D.  Jorge  de  Menezes ,  e  D. 
Jorge  Tello  de  Menezes  ,  tendo-fe  es- 
condido    nos    foílbs     cada    hum    com 
60    homens   ,  deitarão  quantidade    de 
granadas  ,    que    caularaó    perturbação 
entre   os   inimigos.    Pouco   depois  ,   o 
General  tendo  também  penetrado  com 
o   corpo  de   tropas   que  commandava  , 
naó    houve   mais  do  que   huma   eílra- 
nha    confufaò    entre    os   fitiantes.    Os 
Portuguezes  como  lobos   famintos   en- 
trados em  hum  curral ,  naó  faziaó  mais 
que  matar.  Admirou    D.  Jorge  de  Me- 
nefes  ,  que  depois  de    ter   feito  acço- 
ens  prodigiofas  com  hum  montante  , 
Tom.  II.  Dd  lan- 


418  Historia  dos  Dfsc obrimentos 

lãnçando-le  ao  forte  da  peleja  para  fal- 

Ank.  cie  var  hum  dos  feus ,  que  ie  tinha  empe- 

J.  C.    nhado  muito  ,  o   livrou  ,  e  recebendo 

K-:<_    hum    golpe  que  lhe   eírropeou  a  maó 

-direita,  naó  ce.Tou  com   a  efquerda  de 
d.  joao  i    i  r     j       j»         11 

.    combater   ,   com    a    elpada     d  aquelle 

mie   elie  tinha  taõ  nobremente   foccor- 

rido. 

•Em  ím  os -inimigos  depois  de  te- 

*'^LF     acm  perdi  do   ;<&   homens  ,  abanJona- 

**"  jtãò     as  iuas  trincheiras  para   Te   falva- 

**^rs      rem   na  Cidade  ,  e   n'hum   bofeme  de 

Govf-K-    pa{meiras    que  {ke-    ficava  vifinno   ,  c 

ííado*.     ÒM<^e    Q  (^eneraj  naõ   q^  „ue  os  fe. 

guiffeitj.  F-fta  vicloria  foi  numa  das 
mais  jbefas  que  fe  ganhou  na  índia. 
Tendtvfe  divulgado  o  ecco  até  à  Por- 
ta. Solimaõ  ,  que  alli  reinava  entaõ  , 
fe  encheo  de  pafmo  5  e  de  admiração, 
peia  alta  idéa  que  tinha  das  forças  do 
Samorím  ,  e  pela  comparação  que  fa- 
zia do  pequeno  numero  dos  Portu- 
guézes  com  a  inumerável  multidão  dos 
inimigos   que"  eíles   tinhaó  á  tefta. 

Quafi  todos  os  Reis  tributários  do 
Sátnorim  rctirando-fe  para  os  feus  do- 
mínios depois  d'efta  acçaõ  ,  efte  Prín- 
cipe achon-fe  muito  embaraçado  ,  re- 
mendo principalmente  muito  que  o 
vencedor  fTzéíTe  cortar  o  boíque  de 
palmeiras  ,  que  íicava  junto  da  Cidade. 

Além 


DOS    PoRTUGUEZSS  ,    LlV-    VIII.    4I9 

Além  da  perda   que  ifto  lhe  teria  cau-  — — 

fado  ,    como    he   nas    índias     o   final  Ann.    J.e 
mais  eftrondozo  d'huma  vicloria  ,  te-     J.  C. 
ria  ifto  fido   para  elle  a  mais  cruel  a f-      t-2c 
fronta    que    poderia  receber.    Agitado  . 

d'efta  inquietação  ,  fez  comque  vieflfe       ••KAO 
Cojc-Bequi  ,  que  defde  a  entrada   dos111,    KEK 
Portuguezes   nas   índias   fe    tinha   de- 
clarado   á  favor  d'elles  ,  e  lhes  tinha  D'  HEN- 
fido    fempre  feu  fiel    amigo.    Prome-  RlQUE 
teo-lhe   de  o   fazer  Chabandar  de  Ca-  DE  ME~ 
lecut  ,  fe  elle  podeflfe  fomente  alcan-  KEZES 
çar-lhe  quatro  aias  de  tregoa  para  po-  GOVER" 
der  fallar    da  paz.,  Coje-Bequi    fe   ef- NAD0R# 
cufou   pela  fua  velhice,  e  pedio   o  car- 
go  para  hum  dos  feus  filhos  ,   no  cafo 
que  alcancaffe  o  negocio  •,  porém  o  Sa- 
morim  prevenindo  eíle  acontecimento  , 
lho  deo  logo  ,  teftemunhando   aíHrn  o 
quanto   amaua   a  paz. 

A  tregoa  foi  facilmente  concedida 
cm  atenção  ao  medianeiro  ;  naó  foi  o 
mefmo  a  refpeito  da  paz.  As  expe- 
dições que  propunha  o  General  eraõ 
duras  por  extremo  ,  e  o  Samorim  as 
naó  podia  acceitar  fem  deshonra.  O 
artigo  de  todos  ,  que  mais  o  incom- 
modava  ,  era  o  requerer-lhe  o  Gene- 
ial  que  lhe  entregaíTc   Arei  de  Porca. 

Eíle    Senhor  era  vifinho  ,   e  tri- 
butário do  Samorim,  tinha  fempre  (o* 
■  Dd  ii  gui- 


D.  HEN- 


PE  ME- 
NEZES 
GOVER- 
NADOR. 


420   Iístoria  dos  Descobrimentos 

guido   o  partido  dos  Portuguezes  con-» 

Ann.  detra    o  entereííe    do   feu  Príncipe.    No 

J.   C.    negocio  de  Coulete  D.  Henrique   ten- 

j-2c.    d°   percebido  que  fe  confervava  ocio- 

-  zo  ,    efperando  mais  pela  occaíiaó  de 

d.  joao  j^  ao  faque  ?  çJq  qUC  procurar  ter  par. 

l*  te  na  acçaó  ,  mandou  que  para  o  acor- 
darem lhe  atiraííem  huma  pequena  pe- 
ça de  campanha  ,  que  lhe  quebrou 
^lQy^  numa  perna.  O  Arei  irritado  d'hum 
proceder  taó  oíFenfivo  ,  virou  a  caiacaa 
tez  a  fua  paz  com  o  Samorim  ,  e  pro- 
curou depois  as  occafioens  de  fe  vin- 
gar ,  como  fez  em  quanto  durou  ef- 
te  fitio  \  e  pouco  depois  contra  Jorge 
d'Albuquerque  ,  que  lendo  relevado  do 
feu  governo  de  Malaca  ,  e  voltando 
fó  em  hum  Junco  ,  foi  attacado  por 
25  Catures  condufidos  pelo  Arei  em 
peíToa  ;  porém  Albuquerque  o  tra- 
tou taó  mal  ,  que  o  obrigou  a  reti- 
rar-fe  com  perda  de  mais  de  300.  ho- 
mens. 

Naõ  fe  podendo  concluir  a  paz 
amigavelmente  ,  D.  Henrique  que  fa- 
zia pouco  cafo  do  Samorim,  do  qual 
naõ  tinha  precifaõ  ,  e  que  havia  rece- 
bido ordens  da  Corte  para  deftruir  as 
fortalezas  de  Calecut  ,  de  Pacem,  c 
de  Ceilão  como  inúteis  5  tomou  o  par* 
jidg  de  as  executar ;  fçz  defpejar  a  pra* 


POS    PoRTUGUEZES ,   LlV.    VIII.    42 1 

ça ,  fez  mina-la  bem,  e  fe"fez  avela. —— 
O     Samorim   ,  e  a  lua  Corte   a  ^ucm  Ann.    de 
naõ  pôde  occultar   os   preparos  dnuma     J.  C. 
partida  que  parecia  fugida  ,  eílavaó  em     iczc. 
admiração   ,   e    naó   podendo  compre- 
hender   qual  foííe  o    fruclo  d'huma  taó 

11  •  rv  t>      '  III.     REI  • 

bela     viítoria.    rorem     tanto   que   vi- 
rão que  tinhaó  aparelhado  ,  e  que  a  fro- 
ta  tomava  o  larso  ,  e  que   naó  podiaó 
duvidar   mais  ,  então  a  Fortaleza  aban-      v 
donada  ,  fe  encheo  em  hum  inflame  de  " 

Índios  curiofos  ,  e  cubiçozos  dos  quaes 
parte   para    fe   aífezurar  do   faclo ,  par- 

°  -  ri         NADOR. 

te  para  roubar  ,  entrararao  por  todas 
as  partes  á  montaõ.  Porém  naó  ti- 
veraó  muito  tempo  para  fe  felicita- 
rem de  fe  verem  fenhores  delia.  Jo- 
gando as  minas  com  horrivel  ruido  , 
a  fizeraó  arrazar  quafi  toda  inteira,  e 
fepultaraõ  efta  multidão  de  miferaveis 
debaixo  das  ruinas.  O  Samorim  de- 
fefperado  ,  naó  fabendo  em  quem  fe 
vingaífe  ,  defcarregou  toda  a  fua  ira 
fobre  o  infelis  Coje-Bequi  ,  a  quem 
fez  cortar  a  cabeça  ,  imputando-lhe 
ter  fido  hum  obftaculo  da  paz.  Os  fi- 
lhos defte  infelis  velho  ,  que  o  feu 
zelo  pelos  Portuguezes  faziaó  dignos 
de  melhor  fim  ,  fe  retirarão  para  Ca- 
nanor  ,  onde  a  penfaó  que  a  Corte 
de  Portugal  dava  a  feu  Pai ,  lhes  foi 

con- 


4t2  Historia  dos  Descobrimentos 

continuada  ,    e   os   ajudou   a  viver. 

Ann.   de  O    vicloriozo    D.    Henrique    naõ 

J.  C.     defcanfou  fobre  as  fuás  victorias.  Sem- 
i*2<.    Pre  occupado   unicamente  do   bem  do 
,  Eílado     punha  todos    os  feus  di-ívelos 
d.  joao  i  confervar    a  paz    onde    a  havia  ,  e 
REI    a  preparar-fe  eíRcazmente   a  fazer  guer- 
.  ra  aonde    era  precizo.    Principalmente 
d.  hen-    aftla  maior  attençaó  era  conter  os  feus 
bique      OrHciaes,  pôr  limites  ás   fuás  rapinas, 
ee  me-     e  :rijunciçíls>  Moílrou  bem  quaes    eraõ 
lsEZíS       os   feus   fentimenro3    fobre     eít,e  pon- 
gover-    tQ  depois  Jq   negocio  de  Coulete.  Por- 
kador.    que   tencj0   recebido   hum  expreffo  que 
o  Rei  d'Ormus  ,   e  Rui  Seraph  tinhaõ 
defpachado    ao  Vice-Rei  D.  Vafco  da 
Gama  3  para  fe  queixarem  das   tiranias 
que  contra  elles   exercitara  D.  Duarte 
de  Menezes  no  tempo  do  feu  Gover- 
no, e  que  exercitava  ainda  D.  Diogo 
.,de    Mello     Governador   da    Fortaleza 
d'Ormuz  ,  D.  Henrique  a   quem  o  En- 
viado  entregou  as   cartas  do  feu  Prín- 
cipe ,   efereveo  a  Mello   com  hum  mo- 
do decente  na  verdade.  „  pedindo-lhe 
3,   em   nome  d'E!Rei   de    Portugal  ,  e 
„  no   leu  que  fizeííe  ceifar  '  as  queixas . 
3,  fazendo  elle  mefmo  ceífar  as, fuás  ex- 
5,  torfoens  j  porem  ajuntando  que  fe  el- 
„  le    naõ  tinha  reípeito  ás    fuás  roga-» 
„  tivas   ,  fe  veria  obrigado    aílim  mo- 


DOS    PORTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    42£ 

55  ço    como  era  ,  a  enfmar  prudência  ' 

„  ás   íuas  cans.  „  E  a  fim  de  que  Mel-  Ann.  de 
lo  naó  fe   iervilte  u*huma  carta  que  ei-     J.   C. 
le  podia  tet  occulta  ,  avifou  de  tudo  o     1515. 
que  lhe  efcrevia  ao  Rei  d'Ormuz ,  e 
a  òeraph.    hnviou   no    mcimo   tempo 

1         r  \     j-  j.>\  11       iu.     kei. 

ordem  ao  Auditor  d  Ormuz  ,  que  lhe 
remcteíTe    em  ferros    hum   confidente 


D.    ht:i> 


de  Mello  ,  d  eíla  elpeac  d  homens ,  de 
que  os  Governadores  cubiçozos   aehao 

íempre  bom  numero,  que  carretão  de  E **E 
todas  as  iniquidades  de  que  ejles  mcí- 
mos  faó  os  autores  ,  e  nas  qim€3  naó 
querem  apparecer.  Eífei  icvcr  idade  que 
naó  foi  ignorada,  contribui©  muito  pa- 
ra   reft.abeleccr  a  boa  ordem. 

Depois  do  negocio  de  Calecut  D. 
Henrique  tornando  á  Cochim  ,  come- 
çou fazer  novos  preparativos  para  hum 
grande  difignio  que  revolvia  na  men- 
te ;  mas  de  que  ninguém  podia  pe- 
netrar o  fejredo.  Com  .Atudo  fez  di- 
verfas  expediçoens  para  differentes  par- 
tes. Partio  depois  elle  mefmo  para 
Goa  ,  d'onde  tinha  reioívido  hir  in- 
vernar á  Mafcate.  De  Goa  fez  partir 
Heitor  da  Silveira  com  quatro  navios, 
com  apparencia  de  hir  buícar  D.  Ro- 
drigo de  Lima  ,  que  havia  6  arinos  que 
citava  na  Corte  do  imperador  da  Eviio- 
pia  ;  porém  occultamente  lhe  ordenou 

que 


4^4  Historia  dos  Descobrimentos 

,NNp      Que   o  eíperaííe  no  Cabo   do  Guarda- 

•!  fií    até   quaíi    ao    fim    de  Março   5  no 

1525.    qual    tempo  elle  poderia  deitar   até  á 

r>.  joaÓ  Una  de  Malaca  ,  fe  até   entaó  o  naõ 

111.   rei.  tiveíTe  encontrado. 

Como  a   Corte  de  Portugal  tinha 
d.  HEN-    fundado    grandes    efperanças    fobre   a 
ri  que       uniaó  das    fuás  forças   com  as  do  Im- 
de  me-    perador  da  Ethiopia  para  fe  fervir  em 
kezes       beneficio   do   Chriílianifmo  ,  contra  as 
cover-    Potencias    Mufulmanas     da    Africa  , 
kador.    e    ^e  ^a   5  os    Governadores   tinhaò 
fempre  tido  ordens  muito  apertadas  de 
trabalharem  para  facilitar  o  retorno  de 
D.  Rodrigo  de  Lima.  Em  confequen- 
cia    d'eílas  ordens  D.  Duarte  de  Me- 
nezes tinha  enviado  Teu  irmaó  D.  Luis 
com    huma  frota  de  o  navios  para  o 
mar    Roxo.    D.  Luis  na   fua  derrota 
faqueou     a   Cidade     de    Xael   fobre  a 
Cofia    da  Arábia   ,  queimou    algumas 
embarcaçoens  inimigas  ,  varejou  a  Ci- 
dade   d* Adem  ,  e    tendo    hido    até  á 
Ilha  de  Maçua  fem  que  encontraííe  D. 
Rodrigo  de  Lima  ,  efcreveo-lhe  huma 
carta  ,  na   qual  lhe   fixava   hum    tem- 
po dentro  do  que  o  efperaria.    Porém 
tendo-fe    paflado   elle  termo   fem  que 
clic  apareceíTe  3  D.  Luis  tornou   para 
ás  índias  ,  fem   haver  recolhido   fruto 
algum  da  fua  viagem. 

D. 


KEZKS 
GOVER- 
NADO!'.. 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    4l£ 

D.    Vafco  da  Gama  ,    no   tempo  ■ 

em     que  morreo  ,  fazia    os   preparari-  Ank.   de 
vos  duma    frota  coniideravel  que  que-     J«  C. 
ria  fizer   commandar  por  feu  filho  D.     1525. 

Eítevaó  da  Gama.  Lopo  de  Sampaio  de-  - 

.      ,  1     ur     o   •      /  d.  joao 

pois  da  morte  do  \  ice-ivei  ,  íem  mu- 
dar o  deílino  deita  frota  ,  que  devia 
hir  bufear  D.  Rodrigo  de  Lima  ,  mu- 
dando de  General  ,  cortou  o  numero  dos  D* 
navios  ,  e  deo  o  governo  delia  a  An-  Rl^ 
tonio  de  Miranda.  D.  Henrique  vin- 
do a  Cochim  para  tomar  poííe  do  feu 
Governo  ,  tendo  encontrado  Miranda 
na  fua  der  ota ,  lhe  tirou  os  navios  da 
fua  eiquadra  ,  e  fó  lhe  deixou  huma 
Caravela  ,  com  ordem  também  de  fe 
ajuntar  a  4  navios,  que  tinha  manda- 
do crufar  íbbre  a  Coita  de  Cambaia  , 
para  obfervar  duas  embarcações  que 
deviaó  fahir  de  Diu  carregadas  de  ma- 
deiras de  conítxuçaó  para  fervTiço  dos 
Turcos  que  eilavaó  em  Gidda.  Miran- 
da crufou  vantajozamente  para  o  ef- 
treito  de  Meca  ,  fem  hir  mais  longe. 
Heitor  da  Silveira  fez  melhor,  faqueou 
a  Cidade  de  Dofar  ,  fubmeteo  as  Ilhas 
de  Dalaca  ,  e  Maçua  ,  e  lhes  impôs 
hum  ttibuto  ,  e  em  fim  trouxe  hum 
novo  Embaixador  do  Imperador  de 
Ethiopia  ,  com  D.  Rodrigo  de  Lima  , 
e  Francifco  Alves ,  de  que  he  precizo 

en- 


426*  Historia  dos  Descobrimentos 

entre  tanto  que  eu  diga  os   fucceííos, 

Ann.   de  depois    que  eu   tiver  dado   huma   idéa 

J.    C.     geral  ,  e  abreviada  da  peííoa  ,  dos  Ef- 

i52<.     tados  ,  e  dos  vaííallos  d'eíte  Príncipe, 

-  menos  conhecido  que  procurado  ,  de- 

D-TOAO  baixo     do   nome    fuppofto    de    Prcfte 

III,        REI.    ir  -  l  l 

João. 

Ninguém  duvida  ,  creio   eu  ,  h®- 

V.    HEN-       je    ^  e^e     nome     ^e    prej[}e    ou     I>a. 

RiquE      t|re    joa^    ^a    fundado    fobre   huma 

de-  me      etymoiogia    conhecida ,  que  nos   vem 

dos    tempos  das   cruzadas   ,  e   fe  for- 

gover-     mou   ^a  j^a  p0pU]ar  ^  que  havia  hum 

,0R*  grande  Monarca  do  Oriente  ,  que  fe 
chamava  Joaó,  e  era  Padre  da  Lei  de 
Jelus  Chriíto  ,  da  qual  elle  ,  c  os  feus 
vatTallos  faziaõ  huma  profiífaõ  aberta. 
Que  o  Chriftianifmo  tinha  fido  efpa- 
lhado  por  toda  a  grande  Afia  ,  e  até 
ao  Império  da  China ,  ifto  parece  cer- 
to pelos  veíligios  ,  que  ainda  hoje  ie 
achaõ  ,  ainda  que  naó  hajaó  provado 
que  tenha  fido  a  Religião  dominante, 
e  geral  d'algum  Eirado  em  particular. 
Que  tenha  havido  igualmente  na  gran- 
de Afia  hum  poderofo  Príncipe  Chrií- 
taó  ,  ifto  parece  igualmente  feguro. 
Os  Soberanos  Pontirices  ,  e  os  Prín- 
cipes Crufados  tiveraó  com  clle  algu- 
mas relaçoens ,  muitas  infrneti  feras.  Os 
que  lhe  vforaó  enviados ,  fizeraõ  rela- 

ço- 


DOS    PoRfUGTJEZES,    Lllg.    VIII.    ^ÍJ 

çocns  taó  pouco  exaétas  ,  que   íó  ierr  ■ 

vem    para  nos  pôr  em  conruzaó   ,  de  Akn.   de 
íorre  que   he  difícil  hoje  ,  cu  meimo     J-  C. 
imppíTivcl   dizer  ao  jufto  onde  eraó   os     1525. 
feus  Eftados.    No  tempo  do   primeiro 
cerco  de  Damitta ,  que  foi  tomada,  por    D- JOAO 
Joaó  Brienne  ,  fe  elpalhou   o  rumor  ,  iiU    KEI* 
de  que   o  Principe   que  reinava  entaõ, 
chamado  David  ,  vinha  na  frente  d'hum  D* 
poderofo  exercito   em  foccorro  das  en-  KiQy£ 
ieadas  ,  em  quanto   a  Rainha   de  Jor-  DE  ME" 
gia    fe  difpunha    a   entrar    por  outra  NEZES 
parte  na  Paleítina,  o  que  obrigou  Cor-  GoVER" 
radim  ,     e  Seraph   y  que     acodiraó    á  NAD0R' 
foccorrer    Meledim   Suitaó   do  Egipto 
feu    irmaó   ,  p:.ri   tornar  prontamente 
para  os   feus  Eífodos  para  ie   oppor   a 
eftas  duas  Potencias.  Porém  David  naõ 
lhe  -euftou  pouco     a    deienderíe.'  Os 
Tártaros  o  desbaratarão  ,  e  defapoffaraõ, 
ao  menos   d\Huma   parte  dos   íeus  Ef- 
tados,. ou  das  fuás  conquiítas.  No  fe- 
culo   treze -perto  do  anno  1240  houve 
ainda,  hum .-aedes  Príncipes",  que  opri- 
mido   pelos     Tártaros    fucceílores    de 
Gentchifcan  na   Tártara   Occidental   , 
recorreo  ás   Potencias  da  Europa.  De- 
pois   daquelle    tempo  achaó-fe  muito 
poucos  viftigiòs. 

Com    tudo     como   a    idéa    defte 
Príncipe  ,  poílo  que  confufa  ,  era  mui- 
to 


1.11.     REI 


D.    HEK- 


GOVER 
I.ADOR 


428  Historia  dos  Descobrimentos 

' to  viva  no   tempo  dos  primeiros  def- 

Ann.  de  cubrimentos  dos  Portuguezes  ,  depois 
J.  C.     dos    esforços   que   os   Reis   D.   Joaõ , 
is2<.     e  £)•  Manoel  tinhaõ   feito  para  o  def- 
*  cubrirem  ,  períuadiraó-fe ,  naô   fem  al- 
0  gum    fundamento  que    o  Preíte   Joaõ 
era  o  Imperador  da  Ethiopia ,  a  quem 
deraó    também   os   nomes  de     grande 
Negus  ,   e  de  Rei   dos  Abexins.    He 
RI<2UE       precifo   conceder  que   todos  os   fignaes 
de  me-     fe  affemjihavaõ.  Os  nomes  d'eftes  Prin- 
KEZES       cipes    tirados   do  Teíkmento  velho  , 
a  Mageftade  d'eítes  Monarchas,  que  ref- 
peitavaó    como   huma  efpécie    de  .Di- 
vindade ,  as    crufes  que   clles     faziaó 
levar  diante  de  fi ,  a  Religião  Chrif- 
tá  corrompida  pelos  erros   dos  Nefto- 
rianos  ,  e  dos  Jacobitas  ,  Scc.  Só    alli 
ha  a  diferença  dos  Eirados  d'hum  ,  que 
fuppoem  terem  fido  muito  remotos  na 
grande  Tartaria  ou  na  índia  ,  em  lu- 
gar   que  os   do   outro   íaó    na  Africa. 
Eu    creio   em  fim  ,  que    fem  fe 
apartar   muito   da   verdade   (  o   que  fó 
dou    como  huma  fimples  conjeclura  ) 
podem  dizer  ,  que  efte   era  o   mefmo 
Monarcha,  que  era  Imperador  da  Ethio- 
pia ,  e  que  tinha  feito  na  Afia   gran- 
des conquiftas  ,  que  elle  tinha  podido 
dilatar  até  á  índia ,   e   á   Tartaria   ,  e 
que  por  huma  deÓas  revoluçoens  da 

for- 


3D0S    FoRTUGUEZES  3    LlV.    VIII.    42p 

fortuna  ,  de  que  ha  infinitos  exemplos,  

teria  fido  rechaíTado  até  nos  feus  Efta-  Ann.  de 
dos   hereditários   ,  com   tanta  facilida-      J.  C. 
de,  quanta  elle  tinha  tido  em  fe  dilatar,   1525. 
para  os   paizes  mais  apartados.  n   ~ 

*  ~     t  •       j         r    1  •  J  D.  JOÃO 

O  Império  dos  Ethiopes  pode  an- 
dar a  par  com  todas  as  outras  Naçoens 
pelas  fabulas  da  fua  antiguidade  ;  mas 
atravez  do  que  fe  pode  defenredar  da 
fabula  ,  parece  confiante  principalmen-   lI<*VE 

«  1  iTT  1  DE    ME" 

te  pelo  teltemunho  de  Heródoto ,  que 
he  hum  dos  mais  antigos  ,  e  maiores  KEZE 
Impérios  do  Mundo.  Era  certamente  GQ,VER" 
muito  mais  extenfo  do  que  he  hoje:  NAD0R% 
e  eu  creio  que  he  demonítrado  ,  que 
as  Arábias  ,  que  tem  igualmente  to- 
mado os  nomes  de  índia  ,  e  de  Ethio- 
pia  ,  foraó  antigamente ,  e  muito  tem- 
po do  feu  dominio.  Sendo  aílim  ,  naó 
fera  maravilha  ,  que  hum  Príncipe  , 
que  tinha  hum  taõ  grande  Império 
na  Afia ,  tenha  podido  fazer  os  progref- 
fos  d'hum  Conquiftador  rápido  \  e  íofri- 
do  depois  na  fua  peiToa ,  ou  na  de  feus 
fucceííòres  os  reveles  d'huma  fortuna 
pouco  eílavel ,  quando  fe  trata  de  con- 
íervar  E  fiados  taõ  extenfos  ,  e  pela 
maior  parte  novamente  conquiftados. 
O  que  eu  figo  pode  fer  confirma- 
do por  numa  carta  do  Gram  Senhor 
de  Rhodesj    que  eferevendo  a  ElRei 

de 


430  Historia  dos  Descobrimentos 

~T  7*  de   França   Carlos    VII.  diz   expreíTa- 

TK'r      mente  .  que   o   Imperador  da  Ethiopia 

**  **'     era  o  /verdadeiro  Pretle-Joaõ.     A  mef- 

1525.     ma  carra    que   o   Papa  Alexandre  III. 

d.  joaó  efereveo    a  hum   Rei    da  índia    Cha- 

211.  rei.    mado  Joaó  ,    caracteriza  baftantemente 

o  Imperador  da   Ethiopia.  Aílim  antes 

d.  hen-    dos  defcobrimentos   dos   Portuguezes  , 

ri  que-      Haviaõ  já   noticias   muito  confideraveis 

PE  ME_     do  Rei  dos  Abexins ,    e   huma  efpe- 

kezes       Cie    de  perfuafaó    de  que   elie    era  o 

go  ver-    Preíle-Joaó. 

uadqr.  Heródoto   cjue  já   citei,  e  os   ou-| 

rros  de  antiguidade  protana  nos  repre- 
fentaó  os  Ethyopes  ,  como  hum  dos 
primeiros  povos  do  Mundo,  iguaes  , 
ou  anteriores  meimo  aos  primeiros 
Egypcios.  Os  Ethiopes  d'hoje  dizem 
fer  deícendentes  de  Haback  neto  de 
Noé  ,  donde  íe  formou  o  nome  d'A- 
b  a  ília  ,  e  por  corrupção  d'Abyífínia. 
Depois  daquclle  tempo  contaó  huma 
larga  ferie  de  Reis ,  cujos  faftos  nos 
parecem  fabulas  ,  ou  porque  com  elias 
tenhaô  engroflado  os  feus  annaes  ,  af- 
íím  como  o  fizeraõ  todos  os  outros 
povos ,  ou  porque  depois  de  tantos  fe- 
culos  tem  para  nós  hum  ar  de  novi- 
dade ,  une  nós  naó  podemos  ajuítar 
com  as  noíías  preocupações.  Entre  as 
fuás  épocas  tern  duas  muito  celebres, 

a 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VILT.    4}  I 

a  que   he   difícil  negar  alguma  crença. 

A   primeira  he   aquella  da   Rainha    de  Anu.  de 
Sabá.     A     fegunda   he    a  da   Rainha      J.  C. 
Candace.  i-ç2c. 

A  primeira  que  elles  chamaõ  Ma- 
ueda  ,  teve  ,  dizem   elles  ,  hum  filho    D'  J0AC 
e  Salomão  chamado   David,  ou  Me-  IM|    KK[' 
nilehek,    donde  defcenderaô  todos  os 
feus   Reis    por  huma    longa    ferie  de  D*  HEN" 
feculos  ,  naó  fem  alguma   interrupção,  Rl(2UE 
depois     da  qual    tornarão     a   íubir   ao  DE  ME~ 
Tnrono  ,   que  efta  família   occupa  ain-  NEZES 
da  hoje.  O  que   fez  com  que  David,  G0VER" 
que    Reinava    no   tempo    cfElRei    D.  K*-eoR« 
Manoel,    tomaiíe   cites  títulos.  „  Da- 
„  vid   amado    de   Dcos  ,    columna  da 
„  fé  ,  do  fangue  ,  e  da  linha  de  Judá  , 
5,  filho   de  David ,    filho  de  Salomão , 
„  filho  da   columna   de  Siaó  ,  filho  da 
,;  femente   de  Jacob  ,  filho   da  maó  de 
Maria  ,     filho  de   Nahu    pela  carne. 
Imperador  da  grande  ,   e  alta  Ethya- 
pia,  e  de  todos  os  Reinos  feus  de- 
pendentes. ,, 

Pretendem  que  Menilehek  tendo 
fido  enviado  a  feu  pai  ,  fora  rnitruido 
na  Religião  dos  Hebreos  ,  que  tornan- 
do aos  feus  Eftados  com  hum  grande 
Padre  filho  de  Sadoc,  e  i2ç&  homens, 
mil  tomados  de  cada  tnbu  ,  fe  es- 
tabelecerão na  Eihyopia  :  que  depois 

dei- 


432  Historia  dos  Descobrimentos 
lelle    a  Ginecocracia  antiga    fora  mu- 


tv 


Ann.  dedada,  fuecedendo    os   filhos   dos  Reis 

J.C.     no  Throno    contra   a  lei   immemorial  , 

152c.    ^uz    eftabelecia    a   fucceíTaó    na  linha 

-  das   filhas.  Com   tudo   cuílame   a  com- 

d.  joa'   previcncjer   a  ferje  Jqs  tempos  moílran- 

111.    rei.  j0_nos    p^ainnas  miúto    celebres  entre 

elles  ,  donde  eu  concluiria  facilmente  , 

que  elles  tem   ainda  huma   efpecie  de 

B IOUE  A-  -i  r        *>    A 

*  Ginecocracia   tal  como   le  ve   em   am- 

D£  Mc       bas    as  índias  ,   alíim  como    eu  ja  ex- 
pliquei no  meu  livro  dos  coftumes  dos 

GOVER-        \  ■  n         ic  m 

Americanos  ,  com  eíta  direrença  nao 
ííador.  menos  qUe  fe  p0cle  fazer,  que  depois 
daquclle  tempo  os  Reis  fe  cazavaó  nas 
fuás  mefmas  famílias  ,  o  que  terá  mais 
facilmente  confervado  a  defeendencia 
pela  multiplicidade  das  gerações  no 
mcfmo  fangue.  De  lá  he  que  tem  ain- 
da confervado  muitos  ufos  do  Judaif- 
mo  ,  entre  os  quaes  fe  naó  deve  por 
a  Circumcifaó  que  elles  tinhaó  antes, 
aííim  como  Heródoto  o  certifica  ,  e 
que  he  ufada  pelo  fexo  que  naó  era 
entre   os  Judeos. 

Candace  ,  que  forma  a  fegunda 
época,  he  aquella  Rainha  celebre,  de 
que  S.  Filippe  Diácono  baptizou  o 
Eunuco,  e  iie  duma ,  e  da  outra  que 
elles  receberão  a  Religião  Chriíláa. 
Pertendem  que  efte  nome  3  Candace, 

fe- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.     4^ 

hoje   hum  nome  genérico  ,  que  fe  da- 

va   a  todas  as  fuás  Rainhas,  comoda-ANN.    de 

vaó   o   de    Faraó   a  todos  os  Reis    do     J.    C. 

Egypro.       ^  ^  I525. 

Isnoraõ-fe   os  limites   da  Etyopia 

antiga.    He  quaíi  certo  que  ella  íe  ex- 

ít  ■  '    J-Lrr  i        J  III.     REI. 

tendia  ,  aiiim  como  ja  dilie  ,  pelas  duas 
Arábias.  Ifto  he  o  que  fe  pode  con- 
jecturar da  natureza  mefmo  dos  prefen- 
tes  que  a  Rainha  de  Saba  trouxe  á  Sa- 
lomão. As  Cidades  de  Saback  ,  e  d' A- 
suma,  cujas  ruinas  fe  vem  ainda  na" 
alta  Ethyopia,  podiaó  fer  as  Capitães 
do  Império  ;  mas  pode-le  concluir  pe- 
las grandes  riquezas  que  julgarão  cá 
Rainha  de  Saba,  que  ella  tinha  hum 
Império  muito  extenlo. 

A  Ethyopia  d'Africa  era  limita- 
da ,  pouco  antes  que  os  Portugue- 
zes  alli  abcrdaíTem  ,  ao  Septentriaó 
pelo  Egypto  ,  e  pela  Núbia  ,  ao 
Oriente  pelo  mar  Roxo ,  e  a  Cofta  de 
Zanguebar,  ao  meio  dia  pelo  Mono- 
metapa  ,  e  ao  Occidente  pelo  paiz 
-dos  Negros.  Porém  quando  os  Portu- 
guezes  aili  entrarão  ,  os  Muíulmanos 
fe  tinhaó  apoderado  de  todas  as  pra- 
ças marítimas  ,  exceptuando  Arquico  5 
eme  nunca  tiveraõ  ;  e  no  centro  das  ter- 
ras muitos  povos  bárbaros ,  e  os  Gal- 
les  em  particular  ,  fe  tem  Icvan- 
Tom.  II.  Ee  ta- 


4^4    Historia  dos  Descobrimentos 

-tado  ,     e   feito    como    independentes. 

Ann.   de  O    Imperador   d'Ethyopia   era  eo- 

].  C.     mo   hum  ídolo  ,    que   os  feus    vaííal- 
içie      'os  niefmos  ,   e  principalmente   os   ef- 
'  -  trangeiros    naó   viaó     quafi    nunca  ;  a 
D,JOAO  maior     graça  que   elle  fazia    aos  Reis 
in.    REl<  rributarios  era  de  lhes  apreíentar  a  fua 
maõ ,  ou  o  feu  pé  para  o  beijarem,  de 
d.  «cu-    ]õ?[KO  c]e  num  vèo  que   o  occuitava  aos 
ri^ujç      ç€us  0]nos>  qs  Portuguezes   o  familia- 
de  íie-     rj7<ara5  hum  pouco  mais,  de  forte  que 
KEZEs       |j0je    çc  mopcra  5  e  naó  fegue    mais   a 
goví.Pv-    etiqueta    rigorofa    do   ccremonial    dos 
nador.     primeiros  tempos.    Traz   huma    touca 
particular    coberta  de  tecido    d'ouro  , 
e  prata  ,  e  adereííada  com  algumas  pe-  y 
rolas.  Tem  de  ordinário  na  maõ   huma 
pequena  Cruz  ,  que  he  o   fimbolo   da 
Ordem  de  Diácono  ,   que  elle  recebe 
fempre    para  commungar  debaixo  das 
duas  efpecies ,    e   entrar    no  Sanclua- 
rio  ,  o  que  naó  podem  fazer  os  leigos. 
Efte  Príncipe  naó  tem  morada  fi- 
xa. A   Capital  do  feu  Império  he  hu- 
ma  Cidade  ambulante  ,   e  propriamen- 
te hum    campo     de  quaíl   40  para  50 
mil  homens  de  guerra  ,  os  dois   terços 
ce  Infantaria,    e  o  reíto    de   Cavalla- 
ria.    Além  diilo  elle  tem   mais  o   du- 
plo ,  ou  triplo  de  outras  peffoas  do  fel* 
viço  para   confervaeaó  do  campo.  To- 
dos 


DOS   PoRTUGUEZES  ,     LlV.     VIII.    A^S 

dos  moraó  em  barracas  ,•  a  mefma  Igre- 

ja,   e  o  Palácio   do  Imperador.   Porém  An n.  de 
a  ordem  he  taó  bela,  que  naõ  ha  Ci-     J.   C. 
dade  mais  bem  governada,  e  com  me-      1525. 
lhor    policia.    Os   Abexins    naõ    íabem 
o  que  íaó  Cidades  muradas.  Elles  tem  D 
por  principio  ,  que   a  força  d'uma  pra- 
ça coníiíte  no  valor ,  e  na  multidão  dos 
homens  ,  e  naõ  em  baílioés  ,  e  parapei-  D* 
tos.   Tem  com   tudo  quantidade   de  Al-  RI"U 
deas  afoitadas  em  planices  immenfas  ,  DE 

c  -il    r       cc  •  -cl    nezes 

e  que  razem  maravilho  lo  errei  to  a  viíta 
pela  íua  proximidade  apparente.  As  luas 
cafas  íaó  fó  de  madeira  ,  e  tem  fó  NAD0R* 
hum  andar.  Em  cada  Província  naó 
ha  mais  do  que  fó  huma  cafa  de  pe- 
dra ,  que  he  a  caia  da  Juftiça  ,  onde 
ninguém  pode  entrar  na  auíencia  do 
Governador,  ainda  que  eUa  efteja  fem- 
prc  aberta.  O  Padre  Paez  Jefuita  ten- 
do edificado  huma  caía  de  muitos 
andares  para  lhe  fervir  de  habitação, 
e  de  Igreja  ,  efta  cafa  foi  pela  íua 
fineularidade  hum  objecto  de  curioíi- 
dade  para  todo  o  paiz.  Iílo  naõ  era 
aílim  nos  primeiros  tempos.  Achaó-íe 
na  Ethyopia  minas  de  Cidades  fober- 
bas  ,  e  de  edifícios  magnificos  ,  que 
dizem  fer  da  primeira  antiguidade.  Eu 
eílou  perfuadido  que  eíla  Tua  politica 
de  habitar  fempre  cm  tendas  ,  he  que 
Ee  ii  tem 


4]6  Historia  dos  Descobrimentos 

tem  abatido    o  poder  deite   Príncipe  , 

Ann.   de  e  o   que   confirma   a  conjectura  que  eu 
I    ç       tenho  ,  de  que  eile  poderia  n'outro  tem- 
\'~2r.     po  íer  poderoío  ,  e  ter  eílendiclo  o  feu 
,  domínio    muito  longe  pela  Afia  ,    fem 
D-  JOA0  que  aili  reíte  difto  algum  veftigio. 
ih.    rei.  ^  Ethyopia    he  hum    paiz  cheio 

de    montanhas  d'uma  exceíliva  altura, 
v.  hen-    e   muito   agrCftes  ,    porém  as  planices 
RI<2UE       faó  fermozas,  e  muito  férteis.  O  que 
de  he-     tcm   jc  nia]s  curiofo  5  íaõ  as  nafcentes 
do  Nilo  ,   taó  procuradas ,  e  ta5  defco- 
coyi.r-    ujjççjjj^g   c]a  antiguidade    profana.    Os 
jcador.     Jefui^as     as  defcubriraó     viajando    na 
comitiva    do    imperador.     O   Grande 
Albuquerque  tinha  ,    fegundo    dizem  , 
formado   o  projecto  ,  de   concerto   com 
q  Imperador,  de  mudar  o  curfo  deite  rio5 
.  c    de   o  lazer  deíaguar  no  mar  Roxo. 
Ifto   teria     feito  morrer  todo  o  Egyp- 
to    ,    que     naó    recebe   outras    aguas 
mais  ,    íe  naó  as   do   Nilo ,  taó  cele- 
brado,   pela  fecundidade  que  alli   lhe 
leva.    Porem  aífirmaó  que  efte  proje- 
cio  he  abfolutamente  impoílivel  na  fua 
execução  ;  mas   ainda   fendo   quiméri- 
co ,  he  belo   o   telo  con  ebido  ,  e   faz 
honra   ás  ideas  deile  grande   homem, 

Os  Abexins  faó  muito  fuperfticio- 

fos  :  a  fua  Re!ig;aó  ,   ainda  que  Chrif- 

■  táa ,  corrompida  peias  herezias  de  Nef- 

to- 


E    Mi> 

EZES 


DOS     PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    4^7 

tório  ,  e  de  Diofcoro  ,  he  além  d  iito : — 

miílurada   de  Judaifmo  ,  e  de  Paganif-  Ann.   de 
mo  3  e  da  infatuaçaó  das   advinhaçoés.    J.  C. 
Tem  huma    ordem    Hierarchica   rodos     1^25. 
os  gráos   do   Sacerdócio ,   até   ao  Abu- 
na,    que  he   o   Biípo    da  Corte,  e   o    D*  JO*v 
único   de  todo  o  Império.    Eíle    Abu-111*  HLI* 
na  ,    he  enviado  peio   Patriarca    Scif- 
matico   d' Alexandria  ,  que    elies   reco-  D*  HE 
nhecem    por    Soberano    Paftor.     Tem  R|Q^ 
além   diílo   huma  quantidade   prodígio-  D" 
fa   de  Monjes  ,  que  alli   fe.introduíiraó  * 
antigamente  pelo  Egypto  ,    e   de   que  GOVI 
a  maior  parte  leguem  a  regra  de  Santo  NAD0R 
António.  Todos  tanto  feculares,  como 
regulares ,  aíFeclaó  huma  grande  auto- 
ridade, e  íaó   muito    abílinentes.  Com 
tudo  iíto   faó    muito   ignorantes  ,  pou- 
co  verfados   nas  matérias  Theologicas , 
obftinados  ,     e    preocupados    das   fuás 
falias  opiniões  ,  como  íe  naó  pode   ex- 
preffar,   principalmente   os   Ecclefiafti- 
cos ,     e    Reli  gi  o  Tos  :   e   como   o   povo 
lhes    tem    muito   grande    refpeito   ,  e 
faó   em   grande  numero  ,   porque  o  íeu 
eftado   os   livra   d'uma   efpecie    de   ef- 
cravidaõ,   e   que   o   mefmo   Imperador 
tem   alguma   forte   de   dependência   do 
Abu  na,  por  efte   motivo    fe  tem  feito 
a   converfaó   deites    povos   muito   difí- 
cil ,  e  eigocado  em  yaôs  esforços  todos 

os 


438  Historia  dos  Descobrimentos 

os  trabalhos  dos   Miílíonarios   que  tem 

An?:,    de  cultivado  eíla  vinha  infrutífera. 

].   C.  Tornemos    entre  tanto  á   viagem 

1525-.      ^e  D.  Rodrigo  de  Lima,  que  Siquei- 

x  ra   tinha    entregado     ao   Barnagais  ,   e 

ao  Governador  d' A  rquí  co ,  com   as   13 

peíFoas    da    lua   comitiva  ,   antes   que 

partifle  do  porto   de  Maçua.    Pondo-fe 

eíles  em  marcha  ,  para  hirem   á  Corte 

do   Imperador,   perderão  nos  primeiros 

dias  o  bom  Embaixador   Mattheus  ,  que 

morreo  no  Moíleiro  de  Bifan  com  gran- 


iu.   REI 

D.    HEN- 
BIQUE 
DE     ME- 


GOVEK- 
KADOR, 


^l 


des  fentimentos  de  piedade  ,  e  d'uma 
doce  confolaçaó,  na  elperança  das  gran- 
des recompenças  que  teriaó  fuás  fadi- 
fas  pelo  bem  efpirkual  ,  e  temporal 
a  Ethyopia,  pela  uniaó  de  dois  gran- 
des Principes  ,  que  podiaó  para  ifíò 
concorrer.  A  morte  defte  fanto  ho- 
mem foi  huma  perda  para  os  Portu- 
guezes ,  a  quem  faltava  na  maior  ne- 
ceííidade.  Porque  além  de  que  lhes  te- 
ria fervido  d  interprete  fieí  ,  tinha  tido 
muito  credito  fobre  o  cfpirito  de  D. 
Rodrigo,  para  lhe  fazer  conhecer  a 
razaõ  em  muitas  occaficés  ,  cm  que 
cIIq   excedeo  todos   os  limites. 

Bem  diferente  do  Embaixador  Gal- 
vão ,     que  a  Corte    tinha  enviado  ,   e 
que  morreo   na  Ilha  de  Camarão  ,  D. 
, Rodrigo   de  Lima,  em    lugar  da  pru- 

den- 


DOS    PoRTUGUEZES,    LlV.    VIII.    430- 

dencia,     da  experiência,   e   da  fagaci 

dade  ,   que   Galvão  tinha  moítrado  em  Ann.   de 
ranças   negociações  ,    e   intereiTes    nas      J.  C. 
principaes  Cortes  da  Europa  ,  ío  tinha     i~ic. 
huma   mocidade  imprudente,  hum  ge-  .. 

nio  arrebatado,  e  incivil,  altivezas  ex-    D'  JOAO 
travagantes,  ideas  quiméricas ,  e  huma  H1,    REI* 
impaciência    exceífiva,  que    lhe  cau fa- 
raó  muitos  difgoítos  ,   íem   o   corrigir,  D*  HEK~ 
e  embaraçando-o    igualmente   com   os  Rl(lVE 
Abexins,   e  es  feus  mefmos.  DE  :'1E~ 

Depois  de  muitas  fadigas,   e  def- NEZI:s 
goftos  do  viagens,  tmalmeníe  chegou  C*>VE*T 
Lima    á  Corte    com    a   íua    com!  L0R' 

Quiz  o  Imperador  dar-ihe  audie- 
com  huma  mageífade  ,  e  ma^uiu 
cia  ,  cuja  deícrpçaó  ,  que  deo  o  1  l- 
dre  Franciíco  Alvares  Capelão  da  Em- 
baixada, o  qual  eícreveo  a  hiítoria  del- 
ia, faz  baítantemente  ver  a  grandeza 
deíle  Príncipe.  Ke  verdade  que  tem 
pretendido  depois  ,  que  em  todo  eíte 
preparo  ,  havia  huma  oítentaçaõ  ex- 
traordinária coníorme  á  vaidade  deita 
Nação  ,  cujo  fm  era  entaó  engrande- 
cer os  objectos  na  prelença  deites  es- 
trangeiros ,  para  lhes  fazer  eftimar  mui- 
to a  íua  aliança.  O  Embaixador  foi 
chamado  muitas  vezes  com  a  rneíma 
pompa  ate  aos  pés  do  Tlirono  ,  fera 
nunca  ver  a  peíiòa  do  Monarca  3  o  que 

lhe 


440  Historia  dos  Descobrimentos 

lhe     deo   muito   difgofto :    e  eu    creio 

Ann.  de  que    iílo    foi  em  parte  para  o  caftigar 

J.   C.    cios   Teus  furores ,  e  da  pouca   modeftia 

1525-.     ^a  fua   conducta  ,  pelo  que  lhe  retarda- 

-  rrió   a  sraca  que  elle  deíeiava  com  tan- 

D.      JOÃO  : ^c  iL         r  -     r  c 

ta   paixão    ,    e  que   lhe    fizerao   lorrer 

111  'RFIt  • 

num     ceremonial    inteiramente   novo, 
e  que    o  abatia   muito. 
r>.  hen-  ^ra  primeim  audiência,  D.  Rodri- 

*iQUE       g0   offereceo  feus  prefentes  ,  que  con- 
de  me-     ^^.ja5   em   numa  eípada  ,     e   num  pu- 
nhal  ricamente  guarnecidos ,  huma  cou- 
gover-    x2spL )  todas  as  armas   defenfivas ,  duas 
kador.    pequenas  peças  dç  canhão  de  bronze, 
balas     proporcionadas     ao    calibre    das 
duas    peças  ,  dois   barris    de  pólvora  , 
quatro   peças  de  tapeçaria  da  melhor, 
haiTi-orgaó  ,  e  hum  mappa  do  mundo  ,  a 
que  o  Embaixador  ajuntou  quatro  facos 
de   pimenta  ,    que   elle   tinha   para  Teu 
ufo.  Eíle  prefente  ,  que   pode  fer  que 
foííe  bem   recebido  ,  o  foi  muito  mal, 
porque  os  domefticos  do  defunto  Em- 
baixador   Mattheus    tinhaõ  feito  faber 
ao  Imperador  ,  que  naó  era  elle  o  pre- 
fente   que  lhe   tinha   mandado    EIRei 
de     Portugal.     Eíle    accidente    caulou 
também   a  D.  Rodrigo    novas  mortifi- 
cações, e  foi  obrigado  a  conceder  pa- 
ra  adoçar  o  efpirito  do   Príncipe  ,  que 
era  verdade,  que  o  prefente  d/EÍRei  ci- 
tava 


NADOR, 


dos  Portugueses  ,  Liv.  VIII.  44  r 

rava    ainda   cm  poder  do   Governador 

General    das   índias,    e  que  leria  en-  Ann»  da 

viado  fielmente  d  íua  Síageftade  ,  po-     ].  C. 

rem  que    o   General   tiaõ   tinha  nunca      \rzc. 

efperado    aportar  em    Maçua  ,  que    o 

havia   feito   íó    por   huma   cfpecie  d\i-    D"  jOAO 

calo  ,    e   que    elle   tinha    fuprido    por  lu*    Rtl' 

eíte  preiente,  que  elle     da  lua    parte 

fazia  ,  ao  que   citava   em  Goa  ,  tendo  D*  HE"'" 

affima  neccííidade  ,  e  a  conjuntura  dos  Rl°-UE 

tempos    difpoíto   das    coifas  como  elle  D£  ME> 

naó  efperava.  E  cu  o  Imperador  fe  fa-  NEzr-s 

tisfizefle  com  eftas  rafoés  ,  ou  naó,  moí-  GOvER" 

trou  com  tudo  que  defprefava  o  prefen- 

te  ,    e   o  fez  diflribuir    pelos   pobres  , 

e   pelas    Igrejas. 

Em  fim  depois  de  ter  canfado  a 
uaciencia  de  D.  Rodrigo  por  mais 
a  hum  mez  ,  correo  o  vèo  que  ihe  oc- 
cultava  a  peííoa  do  Príncipe:  Appa- 
receo  affentado  fobre  hum  Throno  al- 
to ,  com  a  Coroa  na  cabeça  ,  c  o  roi- 
to  meio  coberto  com  huma  garça ,  que 
hum  pagem  abaixava  ,  c  levantava  de 
de  tempo  em  tempo.  Parecia  ter  pouco 
mais  de  20  annos ,  e  tinha  muito  boro 
agrado  ,  ainda  que  moreno  como  íaõ 
o;  Abexins.  A  audiência  foi  de  mer- 
cês ,  e  o  Imperador  certificou  a  íatis- 
façaõ  que  tinha  de  entrar  era  aliança 
com  ElRci  de  Portugal  3   aquém  per* 

mi- 


DE  ME 
KEZES 
GO  VER 


442  Historia  dos   Descobrimentos 

1 mitio  desde  logo  fundar  Fortalezas  em 

Ann.  de  Maçua  ,  e  Suaquem  ,eem  Zeila ,  pro- 
J.  C.  metendo  ajudallo  ,  para  a  funda  çaõ  , 
jrzc.     com    homens,    viveres  ,    dinheiro,   e 

,  materiaes. 
d.  joao  Depois  diílo,  o  Imperador  fe  mof- 

íii.  rei.  trou  mujtas  veZes  ,  fem  eíle  fafto  que 
o  cercava,  .e  com  mais  familiaridade 
d.  hen-  y-0  ^  e  converfou  muitas  vezes  em 
KI(^UE  particular  com  o  Padre  Francifco  Al- 
vares lobre  os  negócios  da  Religião. 
Quiz-lhe  ver  dizer  Miíía  conforme  o 
Rito  Latino  ,  e  lhe  afíiítio  com  toda 
iíador.  a  fua  corte.  Moítrou-fe  edificado  das 
ceremonias  da  Igreja  Romana  ,  e  con- 
cebeo  no  mefmo  tempo  nu  ma  aita 
idéa  de  Alvares  ,  que  adquirio  a  re- 
putação de  hum  fanto.  Os  Portugue- 
zes  tiveraõ  da  fua  parte  a  fatisfaçaõ 
de  verem  Pêro  da  Covilháa  ,  que 
naó  podia  conter  a  alegria  de  encon- 
trar os  feus  nacionaes  ,  e  ao  mefmo 
tempo  derramava  muitas  lagrimas 
com  a  lembrança  da  fua  pátria  ,  que 
naó  devia  ver  mais  por  caufa  da  fua 
grande  idade  ,  e  das  obrigações  que 
tinha  tomado. 

O  Imperador  forneceo  fempre  com 
abundância  a  fultentaçaõ  do  Embaixa- 
dor ,  e  dos  feus  que  feguiaõ  a  Corte 
nas   diferentes  marchas   que   elie   fez  , 

e 


DOS    PoRTUGUEZES  ,    LlV.    VIII.    44} 

e   de    que   Alvares   nos    deixou  huma 

relação  magnifica.  Ann.  de 

Defde  a  primeira   diítribuiçaõ  que     J.   C. 
fe  fez   por   ordem  do   Imperador  ,  Li-    i~2*, 
ma,  que  julgou  que  tudo  era  para  fi , 
reparrio    pouco     com    os    da    ília  co-    D*  JOAO 
raitiva  ;    o   que  efeandalizou  de   modo  nI*   REK 
Jorge   cie  Abreu  ,   e   Lopo   da  Gama  , 
que    chegarão    ás  palavras   mais    inju-  D*  HEI>" 
riozas ,  c  às  acções,  em  prefença  mel- RI^LE 
mo   dos  primeiros  Mililitros  do  Impe-  DE  ME~ 
rador  ,  que  ficarão  mito  efeandalizados,  NEZES 
e   relatarão    tudo  a  eílc  Príncipe.  gover- 

Eíle  procedimento  taó  indecente  KAD0F-» 
em  hum  homem  rcveftido  de  caracter, 
foi  fuíteiitado  por  outro  ainda  pior. 
Porque  tendo-fe  o  Imperador  empi- 
nhado  duas  vezes  para  os  reconciliar  , 
e  fazer  ceiTar  o  eícandalo  ,  nunca  D. 
Rodrigo  quiz  admitir  reconciliação  al- 
guma ,  de  forte  que  na  comitiva  do 
Imperador  foi  obrigado  a  tomar  elle 
meimo  as  medidas  convenientes  para 
evitar  maiores  arroliioi. 

Em  fim  D.  Rodrigo  tendo  tido 
fua  audiência  de  deípedida  ,  e  tendo- 
fe  pofto  em  caminho  ,  o  Imperador  3 
que  o  fez  acompanhar  pelo  íeu  Mor- 
domo mor  ,  e  por  outro  dos  grandes 
Senhores  da  fua  Corte  ,  que  devia  fer 
também  da  viagem  9  lhe   Fez  dizer  por 

eiles  , 


444-  Historia  dos  Descobrimentos 

elles ,  que  queria  abfolutamente  ,  que 

Ann.  de  elíe  Te  reconciliaíTe  com  Abreu.  Para  ifto 
J.  C.    fe  precizaraó  muitas  conferencias.  Com 
1525.     tu"°   confeguio-fe   a  paz.  Abraçaraõ-fe 
-  finalmente ,  mas  defcle  entaõ  fe  quize- 
D*  JOAO  raó    cada   vez    pior.     D.    Rodrigo  or- 
111.  rei.    j£nou  ao  feu  deipenfeiro  que  naó  def- 
fe   viveres  a   Abreu.  De  balde  o  Mor- 
d.  HEN-    domo    mor    jne  nioílrou   a  fem   razaó 
que    fazia  ,  e  preílftio   proíiadamente  , 
ME~     e  Abreu  mais   irritado  que  nunca ,  re- 
kezes       f0iveo   fazeios    dar  por   força  ,  e   che- 
GOV.ER-    gou     ^    aCç0gS    ainda   mais    moleftas  , 
kador.    fem    ^ue  Q   garnagafs    em  peííoa   po- 
deífe  moderar  as  violências  deites  dois 
homens.  ífto    indignou   por   modo  eíte 
Príncipe  ,  que  depois  de  lhes  ter  tira- 
do  as  cartas  ,  e   o  prefente  que  o  Im- 
perador  enviava   a^ElRei  de  Portugal, 
os   fez    rccondufir   para    á   Corte  para 
alli   os   fazer  caftigar. 

Os  negócios  fe  acommodaraó  hum 
pouco  na  Corte ,  ao  menos  cm  quan- 
to ás  apparencias.  Com  tudo  D.  Ro- 
drigo recebeo  as  cartas  que  lhe  efcre- 
veo  D.  Luiz  de  Menezes  ,  que  tinha 
vindo  á  Malaca  para  o  reter,  e  naó 
o  achando  ,  lhe  aííinalou  hum  dia  até 
o  qual  o  efperaria.  Por  eítas  mefmas 
cartas  o  avilava  da  morte  d'E!Rei  D. 
Manoel,  de  que  o  Imperador  moílrou 

.uurn, 


DOS    PoRTUGUEZES,    LíV.    VIII.    44$ 

Jium  grande  fentimento  ;  pelo  que  orde 

nou   hum  jejum   rigorofo   de  três   dias  Ann.  de 
fucceílivos,  dentro  dos   quaes  todas  as    J.  C. 
logeas  fe   fecharão,   Naó   íe  comprava     1525. 
nem  vendia  nenhuma  das  coifas  mais 
neceííarias   para   á  vida.    Depois  deite      '  JOA 
luto  ,  ao  qual  íuccedeo  o  acontecimen-  lVÍ  RET* 
to  de  faberem   que    D.  Manoel  eítava 
fubftiruido  na  peííoa  d5ElRei   D.  Joaó    D*  HEN" 
Iíí.  feu  filho,  foi  Lima  defpedido  de  RIQUE, 
novo;  porem  tendo  paífado  o  dia  que  DE  MENE~ 
lhe   havia  fido  prefcrito  ,   foi  obrigado  ZE: 
a  voltar    fobre   feus  paííbs  ,    e   tornar  VERNA" 
á  prelença   do  Imperador  ,    que ,  com  D0R# 
o   favor    dos   prefentes   que    D.   Luiz 
lhe  tinha   deixado   no    porto    de  Ma- 
çua  ,  o  recebeo   completamente    bem. 
Em  fim  depois    de  féis  annos   de 
aííiíleneia    na  Ethyopia,    D.   Rodrigo 
teve    do  Imperador  fua    audiência   de 
licença  ,  '  que   o   fez    acompanhar    por 
hum  Embaixador  que  enviava  a  EIRei 
de  Portugal.  Heitor  da  Silveira   os  re- 
colheo  no  porto  de   Maçua ,  donde  os 
conduíio  para  ás  índias.    De  lá  fe  em- 
barcarão   para   Lisboa    onde    chegarão 
felismente.  EIRei  D.  Joaó  III.  os  re- 
cebeo    em  Coimbra    cem    honras   ex- 
traordinárias ,  'e  fez    hir  recebelos   ao 
caminho    todos   os   Prelados  ,    e  Titu- 
los   que  alli   tinha   na   fua    Corte. 

El- 


IJ.      KEI. 


D.    HEN- 


444      HxsT.  dos  Desc.  dos  Port. 

EIRei  tendo     enviado   depois   D. 

Ann.  de  Martinho  de  Portugal  íeu  fobrinho  com 

].    C.     Embaixada  ao   Papa  Clemememe  VII. 

j-2-».  Alvares  feguio  cite  Príncipe  tendo 
*  também   o  caracter  de  Embaixador  do 

D.  JO/.O  T  J  i»r»    i  •  n 

Imperador  d  Ethyopéa  ,  e  em  cita  qua- 
lidade teve  a  honra  de  praticar  com 
Sua  Santidade,  que  fe  achava  em  Bo- 
lonha ,  onde  devia  coroar  o  Impera- 
Rlt^\  dor  Carlos  V.  A  aíTemblea  era  das 
mais  au guitas  ;  e  fe  Alvares  teve  a 
íatisfaçaõ  de  apparecer  nella  com  hum 
caracter  muito  Superior  á  fua  primeira 
fortuna  ,  o  Soberano  Pontífice  naó  a  te- 
ve menos  de  receber  as  cartas  ,  que 
elle  lhe  apreíentou  da  'parte  d'hum 
Príncipe  ,  de  eme  havia  na  Europa  hu- 
ma  idéa  bem  íupperior  ao  que  elle  na 
verdade  era  ,  que  lhe  dava  titules  ma- 
gnifico s,  e  o  hí o n geava  cem  a  efpe- 
rança  de  fazer  entrar  o  feu  Império 
nos  fentiraemos  de  furniiTaó  á  Igreja 
Romana. 

Fim  do  Livro  oitiavQ  ,  c  do  Tomo 

jcyjllldo.  '• 


KEZES 
GOVER- 
NADOR. 


Ani 

T 


;