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Full text of "A historia economica"

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A  HISTORIA  ECONÓMICA 


(HISTORIA  UNIVERSAL  DO   COMMERCIO 
E   DA  industria) 


VOLUME     VI 


DADE     CONTEMPORÂNEA 


OBRAS  DO  MESMO  AUCTOR 


Os  Réprobos  (poema)  —  Esgotado. 

O  Poema  do  Trabalho. 

A  Eleição   Camarária  do   Porto  e  a  politica   actual  do 
Palx  (1895). 

A    Historia   Económica    (Historia    universal    do  commercio  e  da 

industria).  Vol.  1  —  Edade  antiga. 
A   Historia   Económica   (Historia   universal   do  commercio  e  da 

industria).  Vol.  II  —  Edade  media. 
A    Historia    Económica    (Historia    universal    do  commercio  e  da 

industria).  Vol.  111  —  Edade  media. 
A    Historia   Económica    (Historia    universal    do  commercio   e  da 

industria).  Vol.  IV  —  Edade  moderna. 
A    Historia    Económica    (Historia   universal   do  commercio  e  da 

industria).  Vol.  V  —  Edade  moderna. 
A    Historia    Económica    (Historia    universal    do  commercio  e  da 

industria).  Vol.  VI  —  Edade  moderna. 

Na  Penitenciaria  (poemeto). 
Entre  o  Breviário  (poemeto). 

A    Lista    Civil,  discurso   proferido  na  Camará  dos  Deputados,  na 

sessão  de  6  de  julho  de  1908. 
A  Crise  Vinícola,  discursos  proferidos  na  Camará  dos  Deputados, 

nas  sessões  de  6  e  7  de  agosto  de  1908. 

Projectos  parlamentares. 

Novos  Projectos  Parlamentares. 

O  Poema  da  Vida. 

Comentário  ao  Código  Commercial  Portuguez.  Vol.   I. 

Comentário  ao  Código  Commercial  Portuguez.  Vol.  11 

O  Direito  Aéreo. 

O  Poema  da  Amargura. 

Hespantaa  e  Portugal  e  suas  afiinidades. 

O  Direito  Internacional. 


A  ENTRAR  NO  PRELO 

A    Historia   Económica    (Historia   universal  do    commercio  e  da 
industria).  Vol.  Vil.  —  Edade  contemporânea. 

O  Ramo  de  Oliveira  (romance). 


ADRIANO  ANTHERO 

Da  Academia  das  Sciencias  de  Lisboa 


A  HISTORIA  ECONÓMICA 


(historia  universal  do  commbrcio 
e  da  industria) 


VOLUME   VI 

EDADE  CONTEMPORÂNEA 

(EDIÇÃO    DO    AUCTOR) 


••••<*:;*::••••• 


1925 

IMPRENSA    MODERNA,  L. DA 

Rua  da  Fabrica,  80 

PORTO 


Com  paciência,  estudo,  canceira  e  grande  despeza 
de  livros,  que  temos  comprado,  e  grande  trabalho  sobre 
outros  livros,  que  temos  consultado,  devendo  notar-se  que 
as  nossas  bibliothecas  são  muito  deficientes  neste  género, 
temos  quasi  concluído  a  obra  que  emprehendemos  —  A 
HISTORIA  ECONÓMICA,  ou,  por  outro  titulo,  como  já 
explicámos  no  prologo  do  5°  volume,  A  HISTORIA  UNI- 
VERSAL DO  COMMERCIO  E  DA  INDUSTRIA. 

Este  volume  trata  da  Europa  no  século  XIX.  Ha-de 
seguir-se  o  7.°  e  ultimo  volume,  que  tratará  das  outras 
partes  do  mundo,  também  no  século  XIX.  E,  no  fim 
desse  outro  volume,  faremos  uma  ligeira  apreciação  da 
historia   económica   do   tempo   decorrido  no  século  XX. 

Vamos  separar,  por  isso,  o  estudo  do  século  XIX  do 
estudo  do  século  XX,  porque,  apesar  de  estar  correndo  o 
primeiro  quartel  deste  século  XX,  os  phenomenos  políti- 
cos, sociaes  e  económicos  que  nelle  se  teem  dado,  esta- 
belecem uma  corrente  tão  distincta  e  característica  em 
muitos  pontos,  e  tão  diversa  dos  tempos  anteriores  em 
tantos  factos,  que  nos  pareceu  de  melhor  methodo,  para 
a  mais  fácil  assimillação  da  historia  dos  dois  séculos,  o 
não  confundir  a  mistura  do  seu  estudo;  e  tanto  mais 
que,  nessa  ultima  parte,  havemos  de  seguir  mais  estri- 


ctamente  o  synchronismo,  de  que  falíamos  no  prologo 
do   /."  volume. 

Dissemos  então:  «Na  edade  antiga,  na  edade  media 
e  nos  tempos  modernos,  o  commercio  e  a  industria  não 
tinham  o  caracter  solidário  dos  tempos  contemporâneos. 
Cada  povo  labutava  como  a  crisálida  no  circulo  do  seu 
isolamento,  trabalhando  por  conta  exclusiva  dos  seus 
interesses,  e  tendo  apenas  uma  influencia  indirecta  sobre 
a  civilisação  geral. 

«E  certo  que,  afinal,  a  lei  providencial  da  historia 
apanhava,  como  num  órgão  universal,  essas  notas  sol- 
tas da  grande  orchestra  do  progresso,  e  ellas  chegavam, 
d  esse  modo,  a  vibrar  unisonas  no  coração  da  humani- 
dade. Mas,  em  todo  o  caso,  era  precisa  para  isso  uma 
elaboração  lenta  e  um  processo  a  posteriori, 

«Assim,  nessas  edades,  a  par  do  estudo  geral  de 
cada  época,  pode  e  deve  fazer-se  em  separado  o  estudo 
particular  de  cada  um  dos  povos  que  tiveram  então 
figura  predominante. 

«Mas,  na  edade  contemporânea,  o  commercio  e  a 
industria  tem  uma  corrente  cosmopolita,  solidaria  e 
indivisível,  que  faz  estremecer,  ao  mesmo  tempo,  como 
a  corda  magnética,  os  recantos  do  universo. 


«A  crise  da  Inglaterra,  por  exemplo,  actua  logo  no 
resto  do  mundo ;  a  destruição  dos  algodoeiros  nos  Esta- 
dos-Unidos  chega  logo  como  o  gulf-stream  aos  confins 
da  Europa.  E,  por  outro  lado,  se  em  qualquer  das 
épocas  anteriores,  os  povos  notáveis  pelo  commercio 
eram.  poucos,  e  eram  também  restrictos  os  factos  da  sua 
vida  económica,  na  edade  contemporânea,  quasi  todos 
os  paizes  tomaram  honrosamente  o  seu  logar  neste  fes- 
tim maravilhoso,  que  tem  por  candelabros  as  fornalhas 
das  officinas,  por  orchestra  os  sussurros  dos  volantes  e 
o  restrugir  das  machinas,  por  óleo  santo  o  suor  dos 
operários,  e  por  hóstia  consagrada  a  mercadoria;  de 
modo  que,  na  edade  contemporânea,  seria  inconveniente, 
quanto  ao  methodo,  e  incompetente,  quanto  ás  propor- 
ções do  nosso  trabalho,  examinar  isoladamente  cada 
uma  das  nações. 

«Por  isso,  ao  passo  que,  nas  outras  épocas,  have- 
mos de  tratar  da  historia  social  e  politica  de  cada  paiz 
commercial,  relacionada  com  a  sua  vida  económica,  de 
modo  a  combinar  o  methodo  analytico  e  o  synthetico, 
na  edade  contemporânea,  seguiremos  o  synchronismo 
compatível  com  a  natureza  deste  estudo.» 

E,   com  effeito,  a  separação  dos  phenomenos  politi- 


cos  e  económicos,  nas  edades  anteriores,  foi-se  transfor- 
mando, na  edade  contemporânea,  numa  correspondência 
mutua  e  cosmopolita  de  causas  e  de  ejfeitos. 

A  semelhança  de  uma  nova  e  grande  corrente  que 
trasborda  por  todas  as  costas,  o  movimento  de  cada 
paiz  foi  actuando  logo  nos  outros  povos ;  e  quasi  que,  ao 
mesmo  tempo,  surgiu  no  geral  dos  Estados  uma  fermen- 
tação análoga,  tanto  politicamente  como  economica- 
mente. 

Deu-se  até  n  este  per  iodo  uma  transformação  singu- 
lar na  historia  politica ;  porque,  anteriormente,  ella 
estava  subordinada,  regra  geral,  á  influencia  dos  im- 
perantes, e,  ao  contrario  d  isso,  nesta  edade,  foi-se 
subordinando  á  influencia  dos  povos. 

E,  no  movimento  económico,  deu-se  também  uma 
transformação  análoga ;  porque  o  desinvolvimento 
industrial  e  commercial  de  cada  paiz,  o  seu  progresso 
e  as  suas  innovações  não  ficaram,  regra  geral,  isoladas 
logo  nos  limites  de  cada  fronteira ;  antes,  por  uma 
transfusão  universal,  foram  actuar  immediatamente  nos 
outros  povos. 

E  accresce  que,  na  edade  contemporânea,  começa, 
por    assim    dizer,    também   sijnchronicamente,   o   estudo 


collectivo  da  humanidade,  em  vez  do  estudo  egoísta, 
singular  e  exclusivista  de  cada  nação,  como  acontecia 
nas  outras  edades. 

Mas,  apesar  de  tudo  o  que  deixamos  exposto,  pude- 
mos ainda  neste  volume  combinar  os  dois  systemas — o 
synchronico  e  o  analytico,  de  forma  que,  a  par  da 
apreciação  dos  phenomenos  e  factos  collectivos,  conse- 
guimos incluir  nas  extensas  paginas  d' este  livro  também 
o    estudo  especial  e  separado  de  cada  povo  europeu. 

Naturalmente,  não  haveria  proporção  rasoavel  de 
um  volume  só  que  pudesse  também  conter,  em  separado, 
o  estudo  dos  outros  differentes  povos  da  Ásia,  Africa, 
America  e  Oceania;  e  nem  todos  elles,  teem  ainda  uma 
vida  nacional  tão  característica  para  constituírem 
agrupamentos  económicos  bem  dístinctos. 

Por  isso,  em  relação  a  essas  outras  partes  do 
mundo,  não  poderemos  no  sétimo  volume  combinar  tão 
completamente  os  dois  systemas. 


A  HISTORIA  ECONÓMICA 


CAPITULO  I 

Ligeiro  esboço  da  historia  politica  geral  da  época 
contemporânea  até  o  fim  do  século  XIX 

Como  dissemos  no  prologo  do  1.°  volume,  a  expo- 
sição da  vida  politica  dos  differentes  povos  é  muito 
conveniente  para  o  estudo  da  historia  económica;  não 
só  porque  ella  explica,  e  até  determina  em  muitos  casos 
os  diversos  accidentes  do  commercio  e  da  industria, 
mas  também  fornece  referencias  chronologicas  para  a 
ligação  dos  acontecimentos.  E,  no  periodo  contempo- 
râneo, essa  exposição  é  ainda  mais  importante  que  nos 
outros  períodos,  porque  nelle  se  deram  grandes  trans- 
formações politicas  e  sociaes,  que  influiram  também 
mais  poderosamente  no  movimento  económico  de  todo 
o  mundo. 

Ora,  para  maior  destaque  d'essa  influencia,  convém 
subdividir  a  historia  politica  contemporânea  até  o  fim 
do  século  XIX,  de  que  trata  este  volume,  em  quatro 
épocas,  nas  quaes  as  correntes  dos  factos  foram  quasi 
determinadas  por  uma  causa  ou  causas  commus,  ou, 
pelo  menos,  similares. 

E,  assim,  temos  que  a  primeira  época  decorreu 
desde  a  revolução  franceza  até  á  queda  de  Napoleão, 
em  1814,  época  esta  em  que  predominaram  as  agi- 
tações   d'essa  revolução   e   as   luctas    napoleónicas.   A 


12  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


segunda  vai  desde  a  queda  de  Napoleão  até  á  revolu- 
ção de  julho  de  1830,  em  que  a  sociedade  foi  geral- 
mente abalada  pelas  luctas  da  liberdade  contra  o 
absolutismo.  A  terceira,  desde  1830  até  1848,  em  que 
a  revolução  de  julho  influiu  grandemente  no  movimento 
politico  da  Europa;  em  que  ficou  geralmente  assegurado 
o  systema  constitucional;  mas  em  que  despertaram 
varias  luctas  entre  os  próprios  liberaes,  e  a  fermenta- 
ção socialista  e  republicana  começou  a  agitar  differentes 
Estados.  A  quarta,  desde  1848  até  1870,  em  que  mais 
prevaleceu  também  a  forma  constitucional,  e  com  ella 
a  estratificação  mais  ordeira  e  pacifica  dos  povos ;  mas 
em  que,  por  outro  lado,  se  desinvolveu  muito  mais  a 
fermentação  socialista  e  republicana.  Finalmente,  a 
quinta  época  decorreu  desde  a  guerra  de  1870  da 
França  com  a  Prússia,  em  que  a  AUemanha  foi  unificada, 
a  França  desmembrada,  e  se  estabeleceu  na  Europa  o 
regimen  da  paz  armada,  continuando  mais  activa  a  fer- 
mentação socialista. 


A  primeira  época  principiou,  pois,  com  a  revolução 
franceza,  que  iniciou,  ao  mesmo  tempo,  uma  transforma- 
ção profunda  na  sociedade ;  porque,  então,  rompeu  tam- 
bém a  fermentação  activa  da  liberdade,  e  sobreveiu  uma 
conflagração  geral  na  Europa,  que  abalou  os  velhos 
preconceitos,  e  alluiu  completamente  o  mundo  antigo. 

As  ideias  da  Enciclopédia  tinham  alargado  os  hori- 
sontes  dos  espiritos,  n'um  sentido  mais  liberal,  e  como 
diz  Castellar,  tinham  educado  na  liberdade  as  gerações 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  13 


revolucionarias  \  O  ódio  contra  a  realeza  tinha  augrnen  - 
tado  successivamente  desde  Luiz  XV.  O  absolutismo  do 
rei  tornou-se  geralmente  repulsivo,  e  as  despezas  da 
corte  tornaram-se  também  odiosas. 

Com  effeito,  a  lista  civil  não  comprehendia  menos 
de  quatro  mil  pessoas.  A  rainha,  os  filhos  do  rei  e  seus 
irmãos,  suas  irmãs,  suas  cunhadas,  suas  tias  e  seu  primo, 
tinham,  cada  um  d'elles,  a  sua  casa  particular,  que  com- 
prehendia quasi  três  mil  pessoas.  Só  ao  serviço  da  rainha 
estavam  quinhentas. 

O  luxo  d'esta  corte  era  egualmente  desordenado. 
As  cavallariças  reaes  continham  quasi  mil  e  novecentos 
cavallos,  com  mais  de  duas  mil  carruagens ;  e  as  despe- 
zas d'este  serviço  montavam  cada  anno,  pela  moeda  de 
então,  a  sete  milhões  e  setecentas  mil  libras  ^.  O  ser- 
viço da  mesa,  mesmo  depois  que  Luiz  XVI  ordenou 
certas  economias,  custava  anualmente  dois  milhões  e 
novecentas  mil  libras.  E  os  creados  roubavam  escanda- 
losamente, e  enriqueciam  em  pouco  tempo. 

Em  vista  d'esta  desordem,  o  total  das  despezas  da 
casa  civil  e  militar  attingia,  em  1789,  trinta  e  três  milhões 
de  libras.  E  não  era  tudo,  porque  havia,  além  d'isso, 
presentes  feitos  pelo  rei,  pensões  concedidas  aos  corte- 
zãos,  aos  amigos  da  rainha,  a  certas  familias  privilegia- 
das, como,  por  exemplo,  á  de  Polignac,  cujos  membros 
partilhavam  setecentas  mil  libras,  por  anno,  e  cujas  rapi- 
nas indignavam  até  os  próprios  embaixadores  extran- 
geiros. 


1  Castellar.  Movimento  Republicano  da  Europa. 

2  A  libra  equivalia  a  um  franco. 


14  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


Sob  Luiz  XVI,  como  sob  Luiz  XV,  a  terrível  phrase  de 
Argenson  ficava  verdadeira:  A  côr te  é  o  tumulo  da  nação. 

E,  a  par  d'isto,  o  desgraçado  episodio  do  chamado 
collar  da  rainha  mais  desprestigiou  Maria  Antonieta  \ 

Por  outro  lado,  a  organisação  da  administração  pu- 
blica  produzia   também    um    grande  descontentamento. 


1  Esse  episodio  consistiu  no  seguinte:  Uns  poucos  de  ourives, 
de  Paris,  haviam  reunido,  com  grandes  despezas,  alg^uns  diamantes 
de  rara  belleza,  e  feito  com  elles  um  collar  que  pretendiam  vender 
por  uma  somma  então  equivalente,  pouco  mais  ou  menos,  a  300  con- 
tos da  nossa  moeda.  O  cardeal  de  Roham,  Esmoler-Mor  do  reino, 
estava  então  no  desag^rado  da  rainha  Maria  Antonieta,  e  a  condessa 
de  Zamothe,  que  era  intima  da  mesma  rainha,  persuadiu-o  de  que 
ella  dissiparia  as  suspeitas  que,  no  espirito  de  Maria  Antonieta,  se 
haviam  levantado  contra  o  cardeal,  e  encarregou-se  de  lhe  entregar 
a  justificação  escripta  do  prelado,  a  que  a  própria  condessa  respon- 
deu por  escripto,  fingindo  atrevidamente  uma  correspondência  entre 
a  rainha  e  o  cardeal.  Dahi  a  pouco,  disse-lhe  a  condessa  que  a  rainha 
desejava  muito  possuir  aquelle  collar,  que,  a  pouco  e  pouco,  iria  pa- 
gando com  o  producto  das  suas  economias,  mas  sem  que  o  rei  de 
nada  soubesse ;  e  que  estava  disposta  a  dar  uma  prova  de  regia  con- 
fiança ao  cardeal,  encarregando-o  da  respectiva  compra.  O  cardeal 
caiu  no  laço,  comprou-se  o  collar,  e  este  foi  entregue  á  condessa, 
que,  antes  disso,  lhe  prometeu  uma  conferencia  secreta  com  a  rai- 
nha, num  dos  bosques  do  jardim  de  Versalhes.  Uma  rapariga,  extre- 
mamente parecida  com  a  Soberana,  representou  este  pape!  com  tal 
perfeição,  protegida  pelo  escuro  da  noite,  que  o  prelado  se  persua- 
diu de  que  estava  effectivamente  com  Maria  Antonieta.  Chegado  o 
prazo  para  o  pagamento  da  primeira  prestação,  descobriu-se  o  en- 
redo. Os  ourives  queixaram-se  de  se  lhes  não  ter  pago,  e  Maria 
Antonieta,  indignada  de  se  haver  assim  abusado  do  seu  nome,  exi- 
giu uma  satisfação  publica. 

Instaurou-se,  então,  perante  o  parlamento  um  processo  de  que 
não  havia  exemplo  nos  fastos  judiciaes.  Mas,  entre  todos  os  accusa- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  15 


Assim,  os  pesos  e  medidas  variavam  de  província 
para  provincia,  e,  ás  vezes,  de  um  cantão  para  outro 
cantão,  apesar  das  medidas  anteriores  de  Luiz  XI  \ 

Nas  provindas,  chamadas  paizes  do  Estado  ^,  a  re- 
partição dos  impostos  era  feita  pelos  deputados  da  pro- 
vincia. Nas  províncias,  chamadas  paizes  de  eleição,  os 
impostos  eram  repartidos  directamente  pelos  agentes  do 
rei.  E  havia  sete  tarifas  differentes,  e  sete  grupos  diffe- 
rentes   de   territórios   para   a  gabella  (imposto  do  sal). 

Ao  sul  de  uma  linha  que  partia  de  Genebra  e  ia 
dar  á  embocadura  do  Charente,  isto  é,  nas  regiões  do 
Rhodano,  Dordogne  e  Garona,  todos  os  francezes  esta- 
vam sujeitos  ás  mesmas  leis  civis,  inspiradas  no  direito 
romano.  Era  o  paiz  do  direito  escripto.  Ao  contrario, 
ao  norte  d'essa  linha,  era  o  paiz  do  direito  costumeiro, 
que  constava  de  185  differentes  costumes,  isto  é,  185 
diversos  códigos. 

Havia  províncias,  onde  as  mercadorias  podiam  cir- 
cular livremente ;  e  outras,  cheias  de  alfandegas  interio- 
res, que  embaraçavam  o  transito,  e  com  variada  legis- 
lação e  differentes  regimens  de  umas  para  outras. 


dos,  só  a  condessa  de  Lamothe  é  que  foi  declarada  ré  e  condemnada 
a  prisão  perpetua,  depois  de  açoutada  e  marcada  nos  dois  hombros 
com  a  letra  V.,  inicial  a  voleure  (ladra),  sentença  que  fielmente  se 
cumpriu  n'esta  ultima  parte.  Comtudo,  a  condessa  evadiu-se  da  pri- 
são, e  refugfiou-se  na  Inglaterra,  onde,  debaixo  do  titulo  de  Memo- 
rias Justificativas,  publicou  uma  série  de  libellos  atrozes  contra 
Maria  Antonieta.  E  tudo  isto  desprestigiou  o  throno. 

1  A  Historia  Económica,  vol.  V,  pag.  11. 

2  A  partir  de  Luiz  VI,  as  províncias  de  França  foram  divididas 
em  províncias  que  faziam  parte  do  dominio  real,  ou  províncias  de 
eleição,  e  províncias  de  Estado. 


16  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  organisação  judiciaria  não  era  menos  complicada 
que  a  organisação  administrativa.  Havia  justiças  senho- 
riaes,  baliados  e  senescalias . 

As  justiças  senhoriaes  correspondiam  aos  tribunaes 
de  simples  policia  correccional.  O  juiz  julgava  os  pe- 
quenos delictos  —  injurias,  offensas  corporaes,  arruidos, 
embriaguez,  etc.  Os  baliados  e  senescalias  julgavam 
todas  as  questões  dos  direitos  feudaes.  Para  os  proces- 
sos relativos  a  impostos,  havia  os  tribunaes  de  ajudantes 
(aides).  E  os  parlamentos,  em  numero  de  doze,  eram, 
ao  mesmo  tempo,  tribunaes  de  primeira  instancia  e  de 
appelação. 

As  despezas  publicas  tornaram-se  enormes,  e  muito 
superiores  ás  receitas.  Os  impostos  indirectos  eram 
cobrados  pelos  rendeiros,  a  quem  o  rei  vendia  o  direito 
de  os  receberem;  e  elles,  na  cobrança,  praticavam  toda 
a  casta  de  abusos. 

A  organisação  social  era  também  desgraçada.  O 
clero  tinha  grandes  privilégios,  e  dispunha  de  fortunas 
consideráveis  e  de  enormes  rendimentos,  principalmente, 
o  clero  regular  e  o  alto  clero  secular.  A  nobreza,  que 
era  também  privilegiada,  possuia  egualmente  grandes 
fortunas,  e  exercia  quasi  todos  os  cargos  públicos  im- 
portantes e  rendosos ;  e  ambas  essas  classes  opprimiam 
gravemente  o  povo. 

O  terceiro  estado  é  que  não  era  privilegiado,  e 
constava  de  burguezes,  de  lavradores  e  de  artistas,  in- 
dustriaes  e  operários. 

A  primeira  d'essas  classes  comprehendia  todos  os 
que  não  trabalhavam  por  suas  mãos,  todos  os  homens 
de  profissões  liberaes,  professores,  médicos,  advogados, 
homens   de   lei,  notários,   escrivães,  procuradores,  que 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  17 

correspondiam  aos  actuaes  solicitadores,  homens  de  fi- 
nanças, desde  os  banqueiros  até  os  cobradores  de  im- 
postos, emfim,  os  grandes  commerciantes. 

Essa  classe  tinha  enriquecido  durante  o  século  XVIII ; 
mas  tinha  também  sido  directamente  attingida  pela  di- 
vida franceza,  pagam  ^  tos  irregulares  e  ameaças  de 
bancarôta,  nos  últimos  tempos.  E  nasceu  d'ahi  nos  bur- 
guezes  também  o  desejo  de  uma  transformação  politica, 
que  lhes  permittisse  vigiar  os  dinheiros  do  Estado  e 
participar  até  da  sua  administração.  Demais  a  mais,  os 
burguezes  eram  geralmente  instruidos.  Liam  Voltaire,  o 
demolidor,  e  Rousseau,  o  propagandista  da  theoria  da 
soberania  do  povo  e  do  apostolado  da  egualdade;  e 
estavam  imbuidos  d'essas  ideias.  E,  assim,  ao  passo  que 
desejavam  uma  reforma  politica,  desejavam  também 
uma  reforma  social. 

Os  lavradores,  em  geral,  eram  colonos,  jornaleiros 
ou  rendeiros.  Segundo  a  expressão  de  Richelieu,  cons- 
tituiam  as  mulas  do  Estado.  Todos  os  encargos  pesa- 
vam sobre  elles,  como  impostos  director,  no  importe 
de  mais  de  50  ^/q  do  seu  rendimento,  dízimos  á  egreja, 
direitos  feudaes,  o  chamado  champort  (direito  sobre 
certas  parcelas  de  trigo),  direitos  sobre  as  colhctas  em 
favor  do  proprietário,  e  direitos  banaes  ou  taxa^,  esta- 
belecidas sobre  o  uso  dos  fornos,  moinhos  e  lagares 
senhoriaes.  E,  quanto  á  terceira  classe,  os  artistas,  indus- 
triaes  e  operários,  além  de  estarem  comprimidos  nos  pri- 
vilégios da  nobreza  e  clero,  estavam  muito  descontentes 
com  o  regimen  das  corporações  ^,  que,  de  cada  vez,  se 


1     Sobre  este  regimen,  vide  A  Historia  Económica,  vol.  2.°,  pag. 
32,  e  vol.  5.°,  pag.  75. 

Volimx-  VI  2 


18  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


tornara  mais  exigente  e  mais  abusivo.  E  accrescia  que 
o  contracto  commercial  com  a  Inglaterra,  assignado  em 
26  de  setembro  de  1786,  de  que  já  falíamos  no  vol.  5.°, 
tinha,  pela  concorrência  d'aquelle  paiz,  arruinado  com- 
pletamente a  industria  franceza  \ 

E  para  cumulo  de  ruina  e  desgraça,  a  França  atra- 
vessava uma  terrível  crise  de  miséria  e  de  fome,  porque 
as  colheitas  anteriores  tinham  sido  muito  fracas,  o  pão 
estava  carissimo,  e,  por  toda  a  parte,  somente  se  viam 
mendicantes  esfomeados. 

Ora  todas  estas  causas  conjugadas  criaram  por 
todo  o  paiz,  apar  de  um  grande  descontentamento, 
uma  grande  fermentação  revolucionaria, 

N'este  estado  de  coisas,  estando  as  finanças  desgra- 
çadas, como  já  dissemos,  para  cuja  desgraça,  além  dos 
desperdícios  da  corte  e  da  má  administração  do  Go- 
verno, tinham  contribuído  as  guerras  com  a  Allemanha 
e  a  lucta  com  a  Inglaterra  nas  colónias  ",  Luiz  XVI  tentou 
levantar  o  paiz  d'essa  ruina  financeira.  Mas,  como  tam- 
bém já  dissemos  no  5,"  volume,  os  esforços  dos  seus 
ministros  tornaram-se  inefficazes. 

Com  esperança  de  um  remédio  salutar  para  tudo 
isto,  foram  convocados  os  Estados  Geraes,  que  se  re- 
uniram em  4  de  maio  de  1789  ',  d'onde  resultou  a  As- 
sembleia Nacional,  que  depois  tomou  o  nome  de  Assem- 
bleia Constituinte;  e  mais  ardente  se  tornou  a  excitação 
revolucionaria. 


A  Historia  Económica,  vol.  5.",  pag.  96. 
A  Historia  Económico,  vol.  5.°,  pag.  95. 


^     Os  Estados  Geraes  não  se  tinham  reunido  desde  1614. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  19 


Seguiu-se  a  tomada  da  Bastilha,  em  14  de  julho  de 
1789,  a  fugida  de  Luiz  XVI  de  Paris,  com  destino  ao 
estrangeiro,  a  sua  prisão  em  Varennes  e  a  sua  volta 
para  Paris,  a  Convenção  Nacional,  a  morte  do  rei  e  da 
rainha,  e  o  fim  da  realeza. 

Esta  revolução  franceza  trouxe  comsigo  a  guerra  da 
França  com  a  Áustria,  Prússia,  Hollanda  e  Nápoles 
colligadas;  uma  segunda  guerra  de  colligação  da  Ingla- 
terra, Áustria,  Prússia  e  Itália  contra  a  França;  e  a  in- 
vasão do  Egypto  e  Syria  por  Napoleão  Bonaparte.  Veiu 
depois  o  Directório,  de  que  fazia  parte  o  mesmo  Bona- 
parte (1795);  a  guerra  com  a  Itaha;  o  consulado  d'elle 
(1799-1804);  a  sua  proclamação  como  imperador  (1804- 
1814);  e  as  guerras  napoleónicas  contra  a  Áustria,  In- 
glaterra, Prússia,  Itália,  peninsula  ibérica  e  Rússia,  até 
que,  em  6  de  abril  de  1814,  aquelle  imperador  teve  de 
abdicar  em  seu  filho,  indo  residir,  por  accordo  das  na- 
ções, para  a  ilha  de  Elba. 

Depois,  em  30  de  maio  d'esse  anno,  fez-se  o  pri- 
meiro tratado  de  Paris,  em  que  foi  proclamado  rei  de 
França   Luiz   XVIIl  ^  E,  no  mesmo   anno,  reuniram-se 


1  N*este  período,  até  o  fim  do  século  XIX,  o  governo  da  França 
foi  constituido  da  seguinte  forma:  Luiz  XVI,  que  começou  a  reinar 
em  1774  e  foi  morto  em  1793;  a  primeira  republica:  Convenção  Nacio- 
nal, desde  21  de  setembro  de  1792  a  26  de  outubro  de  1795;  Directó- 
rio (27  de  outubro  de  1795  a  9  de  novembro  de  1799);  Consulado 
(1800  a  1804);  império  de  Napoleão  (1804  a  1814);  Luiz  XVIII  (1814 
a  1824);  Carlos  X  (1824  a  1830);  Luiz  Philippe  (1830  a  1883);  a  se- 
gunda republica  (1848  a  1852);  Luiz  Napoleão,  como  presidente  d'ella 
(1852);  o  mesmo  Luiz  Napoleão,  como  imperador,  sob  o  nome  de 
Napoleão  III,  (1852-1870).  A  terceira  republica,  sendo  presidentes 
Thiers  (1871);  Mac  Mahon  (1873);  Grevy  (1879);  Camot  (1887); 
Casimiro  Perier  (1899);  Félix  Faure  (1895);  Loubet  (1899). 


20  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


em  Vienna  os  imperadores,  os  reis  e  os  estadistas  mais 
importantes  da  Europa.  O  fim  d'essa  reunião,  conhecida 
na  historia  sob  o  nome  de  Congresso  de  Vienna,  foi  or- 
ganisar  de  uma  forma  definitiva  a  carta  da  Europa,  já 
tão  alterada  pelas  guerras  do  império,  e  restabelecer  um 
equilibrio  internacional  durável,  havendo,  comtudo,  no 
fundo  de  tudo  isso,  um  desejo  geral  de  enfraquecer  a 
França.  N'este  sentido,  foram-lhe  tiradas  ao  norte  muitas 
das  suas  fortalezas,  como  Philippeville,  Mariembourg, 
Bouillon,  Saerrelouis  e  Zandau.  Na  fronteira  oriental 
franceza,  Huningue  foi  desmantellada,  e  a  Sabóia  e 
Nice  foram  restituídas  ao  Piemonte.  A  Baviera  foi  en- 
grandecida com  o  Baixo  Palatinado.  A  Inglaterra,  além 
do  Hanover,  que  ella  conservou  até  1837,  conservou 
também  muitas  das  colónias  que  tinha  tirado  á  França, 
e  ficou  quasi  que  senhora  do  Mediteraneo  por  Gibral- 
tar e  Malta  e  pelo  protectorado  das  ilhas  Jonias. 
A  Rússia  arrogou-se  definitivamente  a  Lithuania,  o 
grão  ducado  de  Varsóvia,  erigido  em  reino,  e  a  Finlân- 
dia. A  Áustria  retomou  o  Tyrol,  a  Lombardia,  as  pro- 
víncias Illyricas  e  a  Dalmácia.  A  Prússia,  mais  encarni- 
çada ainda  que  as  outras  potencias  em  abaixar  a  França, 
estendeu-se  até  á  fronteira  septentrional  franceza,  pela 
acquisição  do  grão  ducado  do  Baixo  Rheno,  e  engran- 
deceu-se  com  uma  parte  da  Saxonia  e  da  Pomerania 
sueca  e  com  o  ducado  de  Posen. 

Os  Estados  secundários  também  tiveram  uma  larga 
parte  nas  modificações  territoriaes.  Assim,  a  Hollanda 
e  a  Bélgica,  reunidas,  formaram  o  reino  dos  Paizes 
Baixos.  A  Dinamarca  foi  privada  da  Noruega,  que  foi 
dada  á  Suécia;  mas,  em  compensação,  foi  augmentada 
com  o  ducado  de  Luxemburgo. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  21 


Criou-se  a  confederação  germânica  sobre  as  ruinas 
da  antiga  confederação  do  Rheno,  e  confiou-se  a  dire- 
cção dos  seus  negócios  a  uma  dieta  de  que  faziam 
parte  a  Áustria,  Prússia,  Dinamarca  e  Hollanda. 

A  Suissa  foi  engrandecida  com  mais  três  cantões, 
Génova,  Valais  e  Neufchatel,  e  coUocada  sob  a  neutra- 
lidade permanente  ^. 

A  Itália  soffreu  uma  alteração  completa,  pela  resti- 
tuição de  Piemonte  ao  rei  de  Sardenha  e  das  Legações 
á  Santa  Sé,  e  pela  criação  dos  ducados  de  Modena, 
Parma,  Toscana,  Lucca,  Massa  e  Garrara,  collocados 
quasi  exclusivamente  sob  a  influencia  da  Áustria,  já  se- 
nhora da  margem  esquerda  do  Pó  inferior. 

A  Cracóvia  foi  erigida  em  cidade  livre,  sob  o  prote- 
ctorado das  três  grandes  potencias  circumjacentes  — 
Rússia,  Prússia  e  Áustria,  como  para  attestar  ao  mundo 
a  antiga  existência  da  Polónia. 

Comtudo,  o  congresso  de  Vienna  não  se  limitou  nos 
seus  trabalhos  á  modificação  dos  territórios ;  porque 
adoptou  também  dois  grandes  principios,  que  merecem 
ser  assignalados— a  liberdade  de  navegação  dos  rios 
e  a  abolição  da  escravatura 

O  governo  dos  Bourbons,  descontentou  a  França. 
Tinha  sido  restaurado  no  intuito  de  governar  libe- 
ralmente; mas  não  aconteceu  isto,  porque  resusci- 
taram  com  elle  todos  os  erros  das  antigas  governações. 


1  Quer  dizer  que  não  podia  atacar  nenhum  outro  paiz,  nem 
ser  atacada  por  elle,  para  o  que  ficou  sob  a  garantia  das  nações  in- 
terventoras do  congresso. — Adriano  Anthero,  O  Direito  Internacio- 
nal, pag.  367. 


22  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Por  isso,  Napoleão,  ao  vêr  o  descontentamento  da 
França,  resolveu  tentar  novamente  a  fortuna;  e,  em 
1815,  desembarcou  no  gfolfo  de  S.  Juan,  seguindo  n'uma 
marcha  triunfal  até  Paris,  onde  assumiu  outra  vez  o 
poder. 

Este  facto  deu  logar  a  uma  nova  colligação  da  Eu- 
ropa contra  elle,  a  qual  teve  por  epilogfo,  n'esse  mesmo 
anno,  depois  de  um  governo  de  cem  dias,  a  batalha  de 
Waterloo,  em  que  Napoleão  foi  derrotado,  entregando-se 
em  seguida  á  confiança  da  Inglaterra,  que  o  desterrou 
para  a  ilha  de  Santa  Helena,  onde  falleceu,  em  1821  ^. 


2/  época.  Após  a  batalha  de  Waterloo,  Luiz  XVIII 
entrou  novamente  em  Paris,  e  governando  sempre  com 
tendências  absolutistas,  alienou  as  sympathias  do  povo. 

Por  sua  morte,  em  1824,  sucedeu-lhe  Carlos  X,  que 
seguiu  o  mesmo  systema,  até  que,  em  juího  de  1830, 
houve  uma  revolução  popular,  chamada  a  revolução  de 
julho,  que  o  depoz,  e  nomeou  em  seu  logar  Luiz  Filippe, 
da  casa  de  Orleans. 

N'este  intervallo,  em  1815,  o  imperador  Alexandre 


1     Raffy,    Repetitions  Ècrites  d'Histoire  Universelle,  —  Weber» 
Historia  Universal,  tradução  de  Delfim  de  Almeida. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  23 


da  Rússia  ^,  o  rei  Frederico  Guilherme  da  Prússia  "  e  o 
imperador  Francisco  José  da  Áustria  ^  celebraram  em 
Paris,  em  26  de  setembro  de  1815,  a  chamada  Santa 
Alliança,  á  qual  adheriram  todas  as  potencias  da  Eu- 
ropa, excepto  a  Inglaterra  e  o  Papa,  este  por  causa  da 
seu  exclusivismo  ortodoxo, 

Ahi,  os  três  soberanos  prometteram  governar  os 
seus  súbditos,  como  verdadeiros  pães  de  familia,  e  man- 
ter a  religião,  a  paz  e  a  justiça;  de  modo  que  se 
consideravam  membros  de  uma  só  religião  christã,  in- 
cumbidos pela  Providencia  de  dirigir  os  seus  gover- 
nados, como  se  todos  estes  fossem  também  membros  de 
uma  só  familia;  e  convidaram  as  demais  potencias  a 
adoptarem  os  mesmos  principios. 

Mas,  no  fundo  das  coisas,  a  Santa  Alliança  o  que 
mais  pretendia  era  converter  a  religião  em  vehiculo  da 
força  monarchica;  e  para  que  se  realisasse  um  tal  in- 
tuito, houve  ainda  differentes  congressos,  como  o  de 
Aix  la  Chapelle,  em  1818,  o  de  Troppeau,  em  1820,  o 


1  A  Rússia,  n'este  período  e  até  o  fim  do  século  XIX,  teve 
como  imperadores  Catharina  II  (1762-1796);  Paulo  I  (1796-1801); 
Alexandre  I  (1801-1856);  Nicolau  I  (1856-1855);  Alexandre  II  (1855- 
1881);  Alexandre  III  (1861-1894)  e  Nicolau  II,  depois  de  1894. 

2  A  Prússia  teve  como  g^overnantes  Frederico  Guilherme  II 
(1786-1797);  Frederico  Guilherme  III  (1797-1840);  Frederico  Gui- 
lherme IV  (1840-1861);  Guilherme  I  (1861-1871);  o  mesmo  Guilher- 
me V,  como  rei  da  Prússia  e  imperador  da  Allemanha,  sob  o  titulo 
de  Guilherme  I  (1871-1888);  Frederico  III  (1888);  Guilherme  II, 
desde  1888  em  diante. 

3  Na  Áustria  reinou  José  II  (1780-1790);  Leopoldo  II  (1790- 
1792);  Francisco  José  I  (1792-1806);  Francisco  1  (1806-1835);  Fer- 
nando I  (1835-1848);  Francisco  José  II,  desde  1848  em  diante. 


24  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


de  Laybach,  em  1821,  e  o  de  Vienna,  em  1821,  inspira- 
dos no  mesmo  pensamento. 

Com  a  Santa  AUiança,  as  ideias  reaccionárias  tive- 
ram uma  grande  protecção  dos  imperantes,  e  o  próprio 
papa  Pio  VI!  ^  resuscitou,  em  1914,  por  meio  de  uma 
bulia,  a  sociedade  jesuitica,  e  restabeleceu  também  ou- 
tra instituição  anachronica,  já  cahida  no  esquecimento, 
como  foi  a  ordem  de  Malta. 

Em  todo  o  caso,  a  minar  e  contrabalançar  essa 
reacção,  o  movimento  da  revolução  franceza  e  as  suas 
ideias  liberaes  fizeram  despertar  o  espirito  de  emanci- 
pação ou  liberdade  por  toda  a  parte;  e  d'ahi  se  origi- 
naram differentes  luctas  civis  em  todos  os  Estados  da 
Europa. 

Em  Portugal  "  esse  espirito  liberal  deu  logar  á  re- 
volução de  1920,  e  á  respectiva  constituição;  e,  depois 
d'isso,  á  lucta  entre  D.  Miguel,  que  representava  o 
absolutismo,  e  era  secundado  pelos  sectários  d'esse 
regimen,  e  D.  Pedro  IV,  que  havia  promulgado  a  carta 
constitucional  de  1826,  e  pugnava  pelo  systema  liberal: 
lucta  essa  que  terminou,  em  1834,  pela  derrota  do  mesmo 
D.  Miguel  na  batalha  da  Asseiceira. 


1  N'este  período  contemporâneo,  até  o  fim  do  século  XIX, 
houve  os  seguintes  papas:  Pio  VI  (1775-1800);  Pio  VII  (1800-1823); 
Leio  XII  (1823-1829);  Pio  Vlll  (1829-1831);  Gregório  XVI  (1831- 
1846);  Pio  IX  (1846-1878);  Leio  XIII  (1878-1903). 

2  Em  Portugal,  n'esta  edade  contemporânea,  até  o  fim  do  sé- 
culo XIX,  reinaram  D.  Maria  I  (1777-1786);  D.  Joio  VI,  como  regente 
(1786-1816)  e  como  rei  (1816-1826);  D.  Pedro  IV  (1826-1828);  D. 
Miguel  (1828-1834);  D.  Maria  II  (1834-1853);  D.  Pedro  V  (1853-1861); 
Lui7.  I  (1861-1889);  Carlos  I  (1889-1908). 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  25 


Em  Hespanha  \  o  movimento  popular  promulgou  a 
constituição  de  1812;  mas,  voltando  depois  a  coroa  ao 
systema  absoluto,  rebentou,  em  1820,  uma  revolução 
militar,  dimanada  dos  regimentos  reunidos  em  Cadiz, 
que  o  governo  mandara  embarcar  para  a  America  do 
Sul.  E  de  tal  modo  se  propagou  essa  revolução  que  o 
rei  Fernando  VII  foi  obrigado  a  jurar  a  constituição  de 
1812,  ao  que  depois  se  seguiu  uma  guerra  civil. 

Em  Nápoles,  Fernando  III,  rei  das  duas  Sicilias  ^,  foi 
obrigado  a  acceitar  a  constituição  hespanhola.  Aconte- 
ceu a  mesma  coisa  na  Sicilia,  depois  de  uma  lucta  vio- 
lenta. E,  no  Piemonte  ^,  deram-se  factos  análogos,  que 
obrigaram  o  rei  Victor  Manoel  I  a  abdicar  em  favor 
do  irmão  Carlos  Félix,  depois  de  ter  sido  egualmente 
proclamada  a  constituição. 


^  Na  Hespanha,  também  até  o  fim  do  século  XIX,  governaram 
Carlos  IV  (1788-1808);  José  Bonaparte  (1808-1814);  Fernando  VII 
(1814-1833);  Isabel  II  (1833-1868);  regência  de  Serrano  (1869-1870); 
Amadeu  de  Sabóia  (1870-1873);  Republica  (1873-1875);  Affonso  XII 
(1875-1885);  Affonso  XIII,  d'ahi  por  diante. 

2  Os  imperantes  de  Nápoles,  no  tempo  de  que  estamos  tra- 
tando e  até  á  unificação  da  Itália,  foram  Fernando  III  (1759-1805); 
José  Bonaparte  (1806-1808);  Joaquim  Murat  (1808-1815);  Fernando 
IV,  e  depois  o  I  do  reino  de  Nápoles  e  duas-Sicilias  (1815-1825); 
Francisco  I  (1825-1830);  Fernando  11  (1830-1859). 

Na  Sicilia,  Fernando  I  (1815-1825);  Francisco  I  (1825-1830);  Fer- 
nando II  (1830-1859);  Francisco  II  (1859-1860). 

3  No  Piemonte,  no  mesmo  tempo,  governaram  Victor  Amadeu 
III  (1773-1796);  Carlos  Manoel  IV  (1796-1802);  Victor  Manoel  I 
(1802-1821);  Carlos  Félix  (1821-1831);  Carlos  Alberto  (1831-1849); 
Victor  Manoel  II  (1849-1861).  E  na  Itália  unificada,  os  reis  Victor 
Manoel  II  (1861-1878);  Humberto  I  (1878-1900). 


26  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


Na  Allemanha,  ^  as  ideias  liberaes  fermentaram  tam- 
bém com  toda  a  força.  Mas  a  Prússia  pugnava  pela 
reacção;  e,  por  isso,  em  breve  ahi  se  organisaram  dois 
partidos  —  o  aristocrático,  reaccionário  e  conservador, 
e  o  liberal,  que  procurava  a  organisação  politica  sob 
uma  forma  democrática. 

O  governo  tentou  abafar  a  expansão  d'essa  corrente 
liberal  por  numerosas  prisões  e  proscripções.  Mesmo 
algumas  Universidades  foram  supprimidas;  oppoze- 
ram-se  sociedades  conservadoras  ás  sociedades  revolu- 
cionarias; e  foram  adoptadas  muitas  medidas  repressivas. 

Comtudo,  a  fermentação  liberal  não  passaria  do 
campo  dos  principios,  se  não  tivesse  apparecido  um 
incidente  que  mais  sobresaltou  o  Governo. 

Assim,  em  1817,  que  foi  um  anno  de  fome  intensa, 
(e  as  grandes   calamidades   augmentam  sempre   o  des- 


1     Já  vimos  os  imperantes  que  g^overnavam  na  Prússia. 
"Em  Saxe,  governavam  Frederico  Augusto  III,  como  eleitor  (1763- 
1806)  e  I  como  rei  (1806-1827);    António  I  (1827-1836);    Frederico 
Augusto  II  (1836-1854);  João  (1854-1873);  Alberto  (1873-1902). 

Na  Baviera,  Carlos  Theodoro,  como  duque  (1777-1799);  Maxi- 
miliano  José  I,  como  duque  (1799);  Maximiliano  José,  como  rei 
(1805-1825);  Luiz  I  (1825-1848);  Maximiliano  José  II  (1848-1864); 
Luiz  II  (1864-1886);  Othon  I  (1886);  regência  do  seu  tio  Leopoldo, 
d'ahi  por  diante. 

Em  Baden,  Carlos  Frederico,  duque  (1771-1806);  o  mesmo  Car- 
los Frederico  como  grão  duque  (1806-1811);  Carlos  (1811-1818); 
Luiz  I  (1818-1830);  Leopoldo  (1830-1852);  Luiz  II  (1852-1856);  Fre- 
derico I  (1856-1907). 

Em  Wurtenberg,  Frederico  I,  eleitor  (1797-1816),  o  mesmo  Fre- 
derico I  como  rei  (1816-1864);  Carlos  I  (1864-1891);  Guilherme  II 
depois  de  1891. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  21 


contentamento  do  povo),  celebrou-se,  com  grande  fer- 
vor, em  toda  a  Allemanha  protestante,  o  terceiro 
centenário  da  Reforma;  e  a  recordação  d'este  grande 
acontecimento  despertou  geral  enthusiasmo. 

Como  preludio  d'este  jubileu,  alguns  estudantes  e 
professores  novos  da  Universidade  de  Hesse,  em  me- 
moria da  batalha  de  Leipzig,  reuniram-se  em  Wurtenberg, 
próximo  de  Eirenach.  Pronunciaram-se  discursos  exal- 
tados; cantaram-se  canções  patrióticas;  e  queimaram-se 
differentes  livros,  em  que  se  preconisava  o  absolutismo 
e  a  reacção.  E  um  dos  jovens,  Carlos  Luiz  Sand,  con- 
cebeu o  criminoso  designio  de  matar  o  conselheiro  russo 
Augusto  Kotzebue,  que  era  tido  como  espião  e  traidor 
em  favor  da  Rússia;  e  que  tinha  attrahido  o  ódio  da 
mocidade  académica,  tanto  por  isso,  como  pelas  infor- 
mações que  dava  á  corte  da  Rússia,  relativamente  á 
Allemanha,  e  pelos  opúsculos  e  jornal  que  publicava, 
onde  defendia  a  realeza  e  os  privilégios  dos  nobres, 
censurando  asperamente  os  propósitos  reformadores  da 
mocidade. 

Effectivamente,  em  23  de  maio  de  1819,  Sand  vibrou 
em  Kotzebue  uma  punhalada  que  o  matou,  sendo,  por 
isso,  condemnado  á  morte. 

Ora,  esse  attentado,  ajuntando-se  ao  progresso 
d'aquella  corrente  liberal,  fez  que  tanto  o  governo  da 
Prússia  como  o  da  Áustria  se  assustassem  fortemente, 
e  mais  se  accentuassem  as  medidas  repressivas,  e  que 
a  lucta  dos  partidos  tomasse  um  aspecto  mais  hostil 
por  toda  a  Allemanha. 

Comtudo,  nem  todos  os  Estados  commungaram  no 
espirito  reaccionário  d'aquelles  dois. 

Assim,  em  1816,  o  grão  duque  de  Weimar,  o  mesmo 


28  A   HISTORIA  ECONÓMICA 


illustrado  príncipe  que  havia  abrilhantado  a  sua  corte 
com  as  glorias  da  litteratura  e  da  poesia,  dotava  o  seu 
paiz  com  uma  constituição. 

Dois  annos  depois,  Nassau  seguiu  o  mesmo  exem- 
plo, embora  menos  liberalmente.  No  Wurtenberg,  tam- 
bém, depois  de  grandes  luctas,  se  introduziu  o  systema 
representativo.  Em  1818,  foram  egualmente  dadas  cons- 
tituições á  Baviera  por  Maximiliano  José,  e  a  Bade  pelo 
grão  duque  Carlos.  Em  1820,  o  grão  ducado  de  Hesse- 
Darmstadt  obteve  também  uma  constituição  análoga  á 
dos  outros  Estados,  supposto  que  um  pouco  menos 
democrática. 

No  norte,  a  aristocracia  obstou  muito  tempo  á  in- 
trodução do  systema  representativo;  mas,  por  fim,  as 
-insurreições  populares  obrigaram  os  Governos  ás  exi- 
gências da  época;  e  foi  assim  que  no  Hanover  se 
instituiu  uma  assembleia  nacional,  baseada  n'uma  cons- 
tituição. 

E,  embora  essa  constituição  fosse  menos  liberal,  o 
descontentamento  do  povo,  que  se  manifestou  em  diffe- 
rentes  motins,  obrigou  o  duque  de  Cambridge  a  conce- 
der, com  permissão  da  Inglaterra,  uma  outra  mais 
liberal. 

Em  Brunsvk^ick,  foi  também,  depois  de  vários  movi- 
mentos, proclamada  uma  constituição  (1830). 

No  Meklemburgo,  onde  os  agricultores  ainda  eram 
servos,  e  a  burguezia  não  tinha  importância,  é  que, 
n'esta  2."*  época,  se  não  tornou  sensivel  a  expansão  li- 
beral; porque  a  representação  nacional  ficou  sempre 
composta  de  elementos  aristocráticos,  e  privada  do  po- 
der legislativo.  Mas,  já  na  Saxonia,  a  fermentação  libe- 
ral tornou-se  tão  activa  que  obrigou  o  rei  António  a 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  29' 


dar-lhe,  mais  tarde,  em   1836,   uma  constituição  egual- 
mente  liberal. 

No  eleitorado  de  Hesse,  em  1807,  foram  restaura- 
dos todos  os  privilégios  do  passado,  inclusivamente  o 
poder  feudal  e  a  antiga  organisação  communal.  Mas  o 
movimento  Jas  ideias  e  uma  revolução  popular  obriga- 
ram o  eleitor  Guilherme  I  a  dar  egualmente  ao  paiz 
uma  constituição  liberal. 

E  a  maior  parte  dos  outros  pequenos  Estados  da 
Allemanha  foram  também  dotados  com  o  systema  re- 
presentativo. 

Na  Inglaterra,  ás  luctas  napoleónicas,  succedeu  um 
grande  abatimento.  O  rei  Jorge  IV  ^  entregou-se  aos 
prazeres  e  divertimentos;  e,  tendo  na  sua  m.ocidade 
caminhado  de  harmonia  com  os  Wigs,  lançou-se  depois 
nos  braços  dos  Tories,  desattendendo  obsecadamente. 
as  reclamações  do  povo.  Nos  últimos  tempos  da  sua 
vida,  tornou-se  até  mysantropo,  e  viveu  retirado  e  soli- 
tário, occupando  então  o  logar  de  primeiro  ministro  o 
grande  estadista  Canning,  cu^os  principios  se  aproxi- 
mavam da  politica  dos  Wigs. 

N'esta  época,  os  Inglezes  alongaram  o  seu  império 
na  índia  com  as  conquistas  feitas  á  ^rança  e  HoUanda 
e  com  a  completa  submissão  dos  Naoabos,  que  tinham 
sido  considerados  até  então  como  alliados;  e,  depois, 
com  a  submissão  dos  Mahratas,  conseguiram  a  completa 
sujeição  de  toda  a  índia,  estendendo  assim  o  poder  bri- 
tânico desde  o  Indo  até  o  Irraouady  (1817),  em  mais  de  170 


1  Na  Inglaterra  governaram  até  o  fim  do  século  XIX  —  Jorge 
111(1760-1820);  Jorge  IV  (1820-1830);  Guilherme  IV  (1830-1837); 
Victoria  I  (1837-1900). 


30  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


milhões  de  habitantes.  E,  ainda  depois  de  longa  lucta, 
conseguiram  submetter  os  Sicks,  montanhezes  livres  e 
independentes,  que   até  ahi  não  puderam  ser  domados. 

Também  na  Grécia,  fermentaram  n'esta  época  as 
ideias  da  liberdade  e  da  emancipação. 

Assim,  em  1820,  houve  um  levantamento  contra  o 
domínio  da  Turquia,  commandado  por  Alexandre  Ypsi- 
lanti.  Esse  movimento  foi  abafado  pelos  Turcos,  que 
praticaram  então  as  mais  horrorosas  crueldades.  Mas, 
em  1821,  houve  outra  sublevação,  também  contra  a 
Turquia;  e,  em  1822,  a  Grécia  chegou  mesmo  a  consti- 
tuír-se  em  republica,  sob  a  direcção  de  Manvocordato 
e   Demetrius   Ypsilanti,  irmão   de   Alexandre   Ypsilanti. 

Ainda  então,  apesar  da  sympathia  da  Europa  e  do 
concurso  de  voluntários  que  accorreram  de  differentes 
paizes,  a  Grécia  não  pôde  resistir  ás  forças  da  Turquia, 
que  praticou  os  maiores  horrores  e  crueldades  sobre 
os  vencidos.  Mas,  tendo  depois  fallecido  o  impera- 
dor da  Rússia  Alexandre  I,  em  1825,  succedeu-lhe  seu 
irmão  Nicolau  I  (1825-1835),  que,  em  virtude  das  suas 
sympathias  pela  Grécia,  pôde  conjuntar  também  a  In- 
glaterra e  França  a  favor  d'ella.  E  essas  três  nações, 
depois  de  terem  desbaratado  a  armada  turca,  na  bata- 
lha de  Novarino  (1827),  obrigaram  a  Turquia  a  reco- 
nhecer a  independência  dos  Gregos  (1829),  cujas  pos- 
sessões foram  depois,  na  conferencia  de  Londres  de 
1832,  constituídas  pela  Morea,  Livadia,  uma  parte  da 
Thessalia  e  pelo  Negroponto  o  Ciciadas  \ 


^     Governaram,  desde  então,  até  o  fim  do  século,  Othon  I  (1832- 
1862),  e  George  1  (1863-1913). 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  31 


Mas  não  foi  somente  na  Europa  que,  nesta  1.^  época 
do  século  XIX,  fermentava  o  anceio  da  liberdade.  Na 
America  do  Norte,  já  no  século  anterior  se  dera  a 
emancipação  dos  Estados  Unidos,  e  com  ella  o  estabe- 
lecimento do  governo  republicano.  E  esse  exemplo,  jun- 
tamente com  a  diffusão  das  ideias  liberais  e  o  anceio 
da  emancipação,  que  é  outro  fermento  da  liberdade, 
levou  as  diíferentes  colónias  a  proclamarem  a  sua  inde- 
pendência das  respectivas  metrópoles. 

O  México  levantou-se  contra  a  Hespanha,  em  1812, 
commandado  pelo  creoulo  Iturbide;  e  o  vice-rei  foi 
obrigado  a  assignar  um  tratado  que  reconhecia  a  inde- 
pendência d'esse  Estado. 

Não  tendo  o  governo  hespanhol  ratificado  o  mesmo 
tratado,  o  congresso  mexicano,  votou  aquella  indepen- 
dência, e  elegeu  aquelle  Iturbide  como  imperador.  Mas 
essa  instituição  do  império  desgostou  os  antigos  realis- 
tas e  os  novos  republicanos,  o  que  deu  logar  a  que 
Iturbide  tivesse  de  renunciar  ao  trono;  e  o  México 
foi,  então,  convertido  em  republica  (1824),  com  uma 
constituição  moldada  na  dos  Estados  Unidos. 

Ainda  assim,  Iturbide,  animado  pelas  dissensões  in- 
testinas, tentou  restabelecer  o  império;  mas  foi  também 
infeliz  na  tentativa.  E,  sendo  derrotado  e  vencido,  foi 
afinal  fuzilado. 

As  provincias  da  América  Central,  fieis  á  Hespanha 
até  1821,  destacaram-se  também,  então,  da  metrópole,  e 
juntaram-se   ao  império  ephemero  de  Iturbide.    Só  em 


32  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


1824,  é  que  ellas  se  constituíram  em  confederação  de 
cinco  republicas,  cuja  reunião  se  tornou  completa  em 
1828. 

Quanto  á  vice-realeza  de  Hespanha  em  Buenos  Ay- 
res, em  1810,  sob  a  influencia  dos  acontecimentos  da 
Europa,  tanto  essa  colónia  como  Montevideu  e  o  Para- 
guay  expulsaram  os  vice-reis,  mas  só  proclamaram  a  sua 
independência,  em  1816.  E,  em  1817,  o  congresso  de 
Tucuman  occupou-se  da  constituição,  que  foi  promul- 
gada, só  em  1819. 

O  Chili  libertara-se  também,  em  1910,  para  recair 
novamente,  por  causa  da  rivalidade  dos  seus  chefes,  na 
sujeição  primitiva  (1914).  Mas,  em  1817,  tornou-se  a 
levantar,  e,  depois  de  uma  guerra  sangrenta,  pôde  al- 
cançar a  sua  independência,  em  1818. 

Em  1811,  Venezuella  proclamara  egualmente  a  sua 
independência.  Esse  primeiro  grito  foi  suffocado  sem 
difficuldade,  especialmente,  pelo  auxilio  do  clero;  mas  a 
insurreição  de  novo  se  ateou,  commandada  por  Bolivar, 
que,  sendo  nomeado  dictador,  organisou  uma  guerra 
terrVel  e  sem  quartel  contra  os  Hespanhoes,  que,  por 
seu  lado,  se  houveram  com  o  mesmo  fervor. 

Venezuella  e  a  Nova  Granada  reuniram-se,  então, 
por  um  tratado,  e  escolheram  Bolivar  por  generalíssimo 
do  exercito  colligado.  E,  no  congresso  de  Hangostura, 
as  duas  republicas  convencionaram  federar-se  n'um 
único  Estado,  denominado  —  Estados  Unidos  da  Colum- 
bia  (1819). 

Apesar  d'isso,  ainda  a  guerra  continuou  por  algum 
tempo,  até  que,  finalmente,  a  Columbia  conseguiu  a  sua 
independência,  em  1824,  nomeando  Bolivar  seu  presi- 
dente. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  33; 


Não  contente  em  libertar  a  Columbia,  esse  heroe 
quiz  também  ser  o  libertador  do  Peru.  Esta  colónia 
tinha-se  constituido  em  republica,  pelo  auxilio  de  um 
aventureiro  inglez,  o  almirante  Cochane.  A  lucta  das 
facções,  porém,  assumiu  tal  gravidade  que  os  realis- 
tas prepararam-se  para  restaurar  o  antigo  estado  de 
coisas. 

Foi,  então,  que  Bolivar  correu  em  auxilio  da  repu- 
blica ameaçada.  Os  Hespanhoes  foram  completamente 
derrotados  na  batalha  decisiva  de  Ayacucho  (1824); 
e  Bolivar  foi  proclamado  pelo  congresso  de  Lima  pro- 
tector perpetuo  do  Estado  que  elle  acabava  de  libertar. 

Quanto  ao  Equador,  formava  elle  trez  departamentos 
da  Columbia,  que  foram,  portanto,  comprehendidos  na 
emancipação  d'ella.  Mas,  em  1839,  seguindo  o  exemplo 
de  Venezuella,  declarou-se  independente,  sob  o  nome 
de  Republica  dei  Equador. 

Assim  das  antigas  colónias  a  Hespanha  só  conservou 
Cuba  e  Porto  Rico  ^ 

Quanto  ao  Brazil,  em  1818,  a  corte  portugueza, 
fugindo  da  invasão  franceza,  capitaneada  por  Junot, 
procurou  refugio  n'essa  colónia. 

Apesar  do  systema  absoluto  que  então  dominava  no 
Brazil,  a  presença  do  rei  e  do  Governo  teve  como  con- 
sequência o  augmento  de  regalias  para  essa  possessão 
portugueza,  modificando  de  um  modo  sensivel  as  suas 
relações  com  a  metrópole. 


1     America,   Historia   de   su  colonizacion,  dominacion  g  inde- 
pendência, por  Coroleu,  completada  por  Manoel  Aranda  y  Sanjuan. 
— Weber,  Historia  Universal,  traduzida  por  Delfim  de  Almeida. 
Volume  VI  3. 


34  A  HISTORIA  E  CONOMICA 


Com  effeito,  o  Brazil  deixou  de  constituir  uma  sim- 
ples colónia,  sendo  até  erig^ido  em  reino,  em  1815.  Mas 
isso  não  apagou  a  exaltação  dos  espiritos,  que  deseja- 
vam emancipal-o  completamente  da  metrópole. 

Em  1817,  rebentou  lá  uma  revolução  separatista, 
que  foi  abafada.  E,  depois  de  D.  João  VI  ter  vindo 
para  a  Europa,  em  1821,  deixando  na  America  o  seu 
filho  D.  Pedro,  com  instrucções  de  conservar  o  Brazil 
sempre  unido  á  coroa  portugueza,  ou.  se  isto  se  tornasse 
impossivel,  ao  menos,  de  o  salvar  para  a  dynastia  de 
Bragança,  levantaram-se  differentes  provincias,  procla- 
mando o  mesmo  D.  Pedro,  como  defensor  perpetuo  do 
Brazil,  em  março  de  1822.  E,  alguns  mezes  depois,  em 
outubro  do  mesmo  anno,  uma  assemblea  nacional  lhe 
conferiu  o  titulo  de  imperador  '. 

Este  outhorgou,  então,  em  1824,  uma  constituição 
liberal;  mas,  apesar  d'isso,  descontentou  os  Brazileiros, 
e,  em  1830,  teve  de  abdicar  em  seu  filho,  D.  Pedro  II, 
partindo  para  a  Europa,  a  defender  a  coroa  de  sua 
filha  D.  Maria  II. 


3.^  época.  Na  terceira  época  (1830-1848)  a  revolu- 
ção de  julho  influiu  grandemente  na  Europa,  no  sentido 


1  No  Brazil,  governaram  D.  João  VI,  como  regente  (1786-1816), 
e  como  rei  (1816-1821);  D.  Pedro  I,  como  regente  (1821-1822),  e 
como  imperador  (1822-1830);  D.  Pedro  II,  (1830-1889);  e  a  repu- 
blica, proclamada  em  1891  e  organisada  sob  o  nome  de  Republica 
fios  Estados  Unidos  do  Brazil,  depois  d'isso. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  35 

liberal.  Surgiram  contendas  entre  os  próprios  consti- 
tucionaes,  e  começaram  a  palpitar  fortemente  os  dese- 
jos da  republica,  e  a  levantar-se  também  fortemente  a 
fermentação  socialista. 

Na  França,  Luiz  Filippe  proclamou  uma  Carta 
Constitucional,  mais  liberal,  mas  em  que  predominava 
a  burguezia;  de  modo  que  somente  os  burgezes  é  que 
tiraram  proveito  da  revolução.  Isto  descontentou  o  povo 
e  a  nobreza,  e  deu  logar  a  que  os  motins  continuassem 
em  Paris,  e  que  uma  forte  opposição,  constituida  por 
antigos  legitimistas  e  por  bonapartistas  e  republicanos, 
principiasse  a  hostilizar  o  Governo. 

Sobretudo,  estes  últimos  fizeram-lhe  correr  os  maio- 
res perigos.  Organisados  em  sociedades  secretas,  levan- 
taram vários  movimentos  revolucionários  ou  varias 
insurreições,  como,  por  exemplo,  em  Lyon,  desde  1831 
a  1835,  e,  em  Paris,  em  1832  e  1834. 

Luiz  Filippe  respondeu  a  estas  insurreições,  com 
medidas  repressivas;  e,  entre  essas  agitações  e  conten- 
das da  liberdade  contra  a  oppressão,  se  passou  quasi 
inteiramente  a  vida  interior  do  reino. 

No  exterior,  a  conquista  de  Algéria,  já  começada  na 
época  anterior,  foi  definitivamente  acabada,  em  1841,  de- 
pois de  uma  lucta  renhida,  que  durou  sempre,  desde  1835. 

A  Bélgica,  em  1830,  no  mesmo  anno  em  que  se 
dava  a  revolução  de  julho,  revoltou-se  contra  a  Hol- 
landa;  e,  depois  de  uma  lucta  armada,  proclamou 
a  sua  independência,  em  13  de  novembro  do  mesmo 
anno. 

Apesar  d'isso,  a  Hollanda  continuou  as  hostilidades 
até  que,  em  1831,  pela  resistência  belga  e  pela  inter- 
venção da  França,  os  HoUandezes  tiveram  de  reconhe- 


36  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


cer  aquella  independência,  ficando  a  Bélgica  a  ser 
governada  pelo  rei  Leopoldo  I  ^. 

Na  Polónia,  a  29  de  novembro  de  1830,  levantou-se 
Varsóvia,  forçando  o  duque  Constantino,  irmão  do  czar, 
a  retirar-se,  e  proclamando  um  governo  provisório. 

Seguiu-se  uma  guerra  com  a  Rússia,  em  que  os  Po- 
lacos se  encheram  de  gloria,  até  que  foram  vencidos. 
Da  Polónia  livre  ficou  apenas  subsistindo  a  cidade  livre 
de  Cracóvia,  como  para  attestar  os  restos  independen- 
tes d'esse  paiz. 

Na  Suissa,  também  em  1830,  começou  a  levantar-se 
uma  agitação  contra  os  governos  aristocráticos,  no  can- 
tão de  Argovia,  agitação  essa  que  foi  ganhando  os  de 
Soleure,  Friburgo,  Zurich,  Saint-Gall,  Thurgovia,  Vaud, 
Berne,  Lucerne,  Shaffouse,  e,  sobretudo.  Bale.  Deu  isso 
em  resultado  a  revisão  de  varias  constituições  e  a  divi- 
são do  cantão  de  Bale,  por  virtude  de  uma  deplorável 
guerra  civil,  em  duas  partes  —  Bale-Ville  e  Bale-Cam- 
pagne. 

Ao  mesmo  tempo,  foi  confirmada  internacionalmente 
a  neutralidade  permanente  da  Suissa  "". 


1  Na  Bélgica,  até  o  fim  do  século  XIX,  governaram  os  reis, 
Leopoldo  1  Saxe-Coburgo-Gotha  (1831-1865);  Leopoldo  II  Saxe- 
Coburgo-Gotha  (1865-1909). 

Na  Hollanda,  também  n'este  período  contemporâneo,  até  o  fim 
do  século  XIX,  governaram:  Guilherme  V  (de  Orange)  (1751-1795); 
republica  Batava  (1795-1806);  Luiz  Bonaparte  (1806-1810);  Gui- 
lherme I  (de  Orange),  como  rei  dos  Paizes  Baixos  (1814-1831);  o 
mesmo  Guilherme  I,  como  rei  da  Hollanda,  (1831-1840);  Gui- 
lherme 11  (de  Orange),  (1840-1849);  Guilherme  III  (de  Orange), 
(1849-1890);  Wiihelmine  (de  Orange),  de  1890  em  diante. 

2  Adriano  Anthero,  O  Direito  Internacional,  pag.  367. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  37 


A  Alemanha  agitou-se  também,  desde  logo,  á  nova 
da  revolução  de  julho;  e  muitos  soberanos  tiveram  de 
dar,  também  desde  logo,  nova  constituição,  ou  mesmo 
de  renunciar  ao  trono. 

Assim,  o  duque  de  Brunswick  retirou-se  diante  de 
seu  irmão;  o  rei  da  Saxonia  retirou-se  também  do 
trono  diante  de  seu  sobrinho;  o  eleitor  de  Hesse  Cas- 
sei, diante  de  seu  filho,  que  depois  illudiu  todas  as  con- 
cessões que  tinha  feito ;  o  Hanover  e  a  Baviera  recebe- 
ram instituições  mais  liberaes.  E,  em  vista  de  tudo 
isso,  a  Dieta  de  Francfort  voltou  ás  medidas  repressivas 
de  1820,  annulando  as  constituições  que  tinham  sido 
novamente  concedidas,  e  reprimindo  severamente  as 
palavras,  discursos  e  tentativas  de  liberdade. 

A  revolução  de  julho  teve  egual  repercussão  na 
Itália.  Principalmente,  os  paizes  do  centro  abalaram-se 
desde  logo.  Os  soberanos  de  Parma,  Modena  e  Tos- 
cana foram  obrigados  a  recuar  ou  fugir  diante  do 
movimento  liberal.  As  Romagnes  insurgiram-se,  por 
sua  vez,  contra  o  soberano  pontífice,  Gregório  XVI  ^, 
que  se  achou,  assim,  reduzido  a  Roma. 

Em  1831,  os  delegados  de  todos  os  Estados  da 
peninsula  chegaram  até  a  reunir-se  em  Bolonha,  e  ahi 
constituíram  um  Governo  central.  Mas  tiveram  de  ceder 
perante  a  intervenção  da  Áustria,  e  de  modo  que  até 
os  reis  destituídos  foram  repostos  nos  seus  tronos;  e  a 
Itália  continuou  a  soffrer  a  oppressão  dos  Austríacos. 

A  revolução  de  julho  influiu  egualmente  na  Ingla- 
terra.   O  novo  rei  Guilherme  IV  (1830-1837)  já  se  tinha 


1     Foi  pontífice  desde  1831,  e  falleceu  em  1848.    Vide  pag.  24. 


38  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


aproximado  dos  Wigs;  e  as  eieições,  feitas  sob  s 
influencia  das  ideas  liberaes,  levaram  ao  poder  lord 
Grey,  que  teve  como  coUegas  lord  Russell  e  lord 
Brougham. 

Ora,  o  acto  principal  do  novo  ministério  foi  o  bill 
de  reforma,  votado,  em  5  de  julho  de  1832,  isto  é,  a 
reforma  das  eleições  do  Parlamento.  Até  então,  os  698 
deputados  eram  nomeados  em  numero  desegual  e  arbi- 
trário pelos  condados,  grandes  cidades,  villas,  portos 
de  mar,  universidades  de  Cambridge  e  Oxford,  Paiz  de 
Galles,  Escócia  e  Irlanda,  Mas  havia  um  tal  arbitrio 
n'estas  designações  que  muitas  cidades  importantes  só 
elegiam  um  deputado,  e  algumas  outras  não  elegiam 
nenhum,  emquanto  que  havia  muitas  villas,  que  eram 
propriedade  de  um  só  senhor,  e  este  dispunha  de  mui- 
tas cadeiras  no  parlamento.  E  até  471  deputados  esta- 
vam sob  a  influencia  directa  de  104  pares  e  de  121 
grandes  proprietários. 

Pela  reforma  de  John  Russell,  o  numero  de  villas 
eleitoras  foi  diminuido;  as  cidades  importantes  que  não 
tinham  representante  directo,  receberam  o  direito  de  o 
elegerem;  dez  libras  de  rendimento  davam  a  faculdade 
de  votar;  diminuiu  o  numero  de  deputados;  e  augmen- 
tou  o  numero  dos  eleitores. 

E  esta  reforma  foi  seguida  da  adopção  de  duas 
medidas  radicaes,  a  abolição  da  escravatura  dos  negros 
nas  colónias,  e  a  lei  sobre  os  pobres,  regulamentando  a 
taxa  que  havia  sido  estabelecida  pelo  Governo  a  seu 
favor,  de  modo  a  regular  a  percepção  dessa  taxa  e  o 
seu  emprego,  em  proveito  dos  enfermos  internados  nos 
hospicios  ou  casas  de  trabalho,  segundo  a  edade  e  as 
forças. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  39 

Em  1837,  a  rainha  Victoria  substituiu  Guilherme  IV. 
Pela  sua  ascenção  ao  trono,  o  Hanover  separou-se  da 
Inglaterra,  e  constituiu-se  em  reino  independente. 

No  seu  tempo,  a  índia,  que,  segundo  já  vimos,  estava 
inteiramente  submettida,  e  que  foi  approximada  da  Eu- 
ropa por  meio  de  uma  linha  directa  e  regular  de  com- 
municações  com  Londres,  atravez  do  Mar  Vermelho^ 
recebeu  uma  constituição,  que  ella  conservou  até  1855. 
De  modo  que,  por  essa  constituição,  havia  um  Gover- 
nador Geral  em  Bengala,  que,  por  seu  lado,  tinha  abaixo 
d'elle  as  presidências  de  Madrasta  e  Bombaim  e  o 
governo  de  Agra. 

Também  a  Inglaterra,  em  1838,  firmou  a  sua  influen- 
cia no  Afganistan,  de  que  os  Russos  a  queriam  privar. 
Conquistou,  depois  de  uma  guerra  violenta,  o  Sidney  e 
o  Pendjab,  que  foram  reunidos  ao  império  indiano,  e 
impoz  a  sua  suzerania  sobre  o  Belutchistan.  E  também 
n'esta  época,  teve  guerra  com  a  China,  por  causa  do 
celeste  império  ter  prohibido  a  importação  do  ópio,  de 
que  os  Inglezes  faziam  grande  consumo. 

Já  o  imperador  Kia-King,  que  reinou  desde  1795 
a  1820,  tinha  prohibido,  pela  primeira  vez,  essa  impor- 
tação ;  mas,  apezar  d'isso,  o  contrabando  conseguia 
introduzir  na  China  muitas  caixas  d'esse  narcótico.  De- 
pois, com  o  seu  successor,  Tao-Konang,  que  reinou 
desde  1820  a  1851,  aconteceu  a  mesma  coisa,  e,  em 
1839,  foram  ah  aprehendidas  22  mil  caixas  em  navios 
inglezes,  ancorados  em  Cantão. 

Seguiu-se,  por  isso,  a  guerra  entre  as  duas  poten- 
cias, que  terminou,  em  1844,  pelo  tratado  de  Nankin, 
ficando  por  elle  abertos  a  todos  e  quaesquer  navios, 
sem   distincção   de  nacionalidade,   os   cinco   portos   de 


40  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


'Cantão,  Amoy,  Fu-Tcheou-Fou,  Ning-Po  e  Shang-Hai; 
e  ainda  a  China  abandonou  aos  Inglezes  a  ilha  de 
Hong-Kong,  e  lhes  fez  outras  concessões  commer- 
ciaes. 

A  França,  também  no  mesmo  anno  de  1844,  além 
de  conseguir  as  concessões  mercantis  que  haviam 
sido  concedidas  á  Inglaterra,  obteve  mais  a  permissão 
dos  Chinezes  se  poderem  fazer  christãos,  o  reconheci- 
mento da  cruz  e  das  imagens  consagradas  como  signaes 
do  christianismo,  e  a  restituição  ao  culto  cathoHco 
das  egrejas  que  tinham  sido  convertidas  em  pagodes 
ou   em   edificios   públicos. 

Em  Portugal,  pela  victoria  de  D.  Pedro  IV  sobre 
D.  Miguel,  em  1834,  ficou  definitivamente  assente  o 
Governo  Constitucional.  Mas  despertou  então  a  riva- 
lidade entre  os  cabralistas  e  os  progressistas,  que  trouxe 
uma  agitação  permanente  até  1852,  e  deu  também  logar 
a  uma  guerra  civil  em  1846  e  1847. 

Em  Hespanha,  Fernando  VII  falleceu  em  1833,  de- 
pois de  ter  feito  reconhecer  como  rainha  sua  filha 
Izabel,  ainda  menor  (1834-1862),  nascida  do  seu  quarto 
casamento  com  Maria  Christina,  de  Nápoles,  que  foi 
proclamada  regente.  Mas  D.  Carlos,  irmão  do  fallecido, 
e  que  este,  n'um  momento  de  hesitação,  tinha  decla- 
rado rei,  reclamava  a  coroa  para  si,  apoiando-se  na 
lei  salica,  importada  na  peninsula  por  Filippe  V,  que 
prohibia  as  mulheres  de  subirem  ao  trono. 

Resultou  dahi  uma  guerra  civil  de  dez  annos  entre 
Christinos  e  Carlistas,  chamados  também  Apostólicos, 
por  causa  da  sua  dedicação  e  devoção  pelos  negócios 
da  Egreja:  guerra  que  terminou  pela  convenção  de  Ber- 
gara,  fugindo  D.  Carlos  para  França. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  41 


No  mesmo  tempo  da  guerra  carlista,  levantava-sef 
outra  g-uerra  civil  entre  os  partidários  da  rainha,  que 
seguiam  uma  politica  moderada,  e  os  que  pretendiam 
uma  politica  mais  rasgadamente  liberal.  Essa  guerra 
terminou,  em  1843,  pela  proclamação  da  maioridade  de 
Isabel,  podendo  depois  d'isso  o  governo  constitucio- 
nal funcionar  livremente. 

Nos  paizes  escandinavos,  (^)  também  se  fez  sentir  a 
fermentação  liberal,  porque  a  Dinamarca  teve  a  sua 
primeira  constituição  só  em  1849;  e  a  Suécia  e  Noruega, 


1  Quanto  aos  paizes  escandinavos,  até  1815  a  Noruega  perten- 
cia aos  reis  da  Dinamarca.  Depois  de  1815,  a  Dinamarca,  Suécia  e 
Noruega  formaram  trez  reinos  distinctos.  Mas  a  Suécia  e  Noruega 
tinham  um  rei  commum.  Todas  ellas  se  tornaram  no  século  XIX 
monarchias  constitucionaes;  a  Noruega,  porém,  logo  no  tempo 
da  união  (1915),  obrigou  o  rei  da  Suécia  a  aceitar  uma  constituição 
muito  liberal  para  a  época,  e,  no  fim  do  século,  obteve  o  sufrágio 
universal. 

A  Suécia  conservou  as  velhas  instituições  e  a  antiga  Dieta, 
dominada  pelos  nobres  e  clero.  Mas,  em  1865,  foi  ella  substituida 
por  um  parlamento  moderno,  eleito  pelo  suffragio  censuario. 

A  Dinamarca  teve  a  sua  primeira  constituição,  em  1849,  e  uma 
outra,  em  1866. 

Na  Suécia  e  Noruega,  n'este  período,  até  o  fim  do  século  XIX, 
reinaram  Gustavo  III  (Holstein  Gottorp)  (1771-1792);  Gustavo 
Adolfo  IV  (Holstein  Gottorp)  (1792-1809);  Carlos  XIII  (Holstein 
Gottorp)  (1809-1818);  Carios  XIV  (Bemadotte)  1818-1844);  Oscar  I 
(Bernadotte  (1844-1858);  Carlos  XV  (Bemadotte)  (1859-1872); 
Oscar  II  (Bernadotte)  1872-1907). 

Na  Dinamarca,  governaram  Chrisitiano  VII  (1766-1808);  Frede- 
rico VI  (1808-1839);  Christiano  VIII  (1839-1848);  Frederico  VII  (1848- 
1863);  Christiano  IX  (1863-1906). 


42  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


SÓ  no  tempo  de  Oscar  I,  obtiveram  também  differentes 
garantias  liberaes. 

Mesmo  na  Turquia,  o  imperador  Mahmoud  \  que,  á 
imitação  de  Pedro  Grande  da  Rússia,  quis  civilisar  brus- 
camente o  seu  paiz,  reorganisando  o  exercito,  formando 
e  instruindo  a  marinha,  fomentando  o  desinvolvimento 
do  commercio,  da  industria  e  da  agricultura,  embora 
com  o  monopólio  dos  productos  mais  lucrativos  em 
seu  favor,  e  promulgando  um  código,  em  que  se  esta- 
belecia a  egualdade  de  direitos  para  todos  os  cida- 
dãos, alargou  também  a  liberdade  dos  seus  súbditos. 
No  tempo  d'este  imperador,  até  as  modas  do  occidente 
da  Europa  acharam  bom  acolhimento  em  Constanti- 
nopla. 

Quatro  guerras  encheram  o  reinado  de  Mahmoud, 
a  saber:  contra  a  Rússia,  Servia,  Provincias  Danubia- 
nas  e  Egypto. 

A  guerra  contra  a  Rússia,  que  foi  a  primeira  d'ellas, 
terminou  pelo  tratado  de  Bucharest,  em  1812,  que  cedeu 
ao  czar  a  Besserabia  e  a  fronteira  de  Pruth. 

A  guerra  da  Servia  terminou,  em  1830,  com  a  inter- 
venção da  Rússia,  que  fez  reconhecer  o  principe  de 
Milosh  como  hospodar  hereditário,  mas  ficando  sujeito 
á  suzerania  nominal  do  czar,  e  obrigado  a  pagar-lhe 
um  tributo  annual. 


1  Na  Turquia,  n'este  período,  até  o  século  XIX,  governaram 
Selim  III  (1789-1807);  Mustapha  IV  (1807-1808);  Mahmoud  II 
(1808-1839);  Abd-Ul-Mendjid  (1839-1861):  Abd-Ul-Aziz  (1861-1876); 
Mourad  V  (1876-1876);  Abd-Ul-Hamid  II  (1876-1909). 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  43 


Em  todo  o  caso,  a  Servia  ficou  dependente  da 
Turquia,  e  considerada  nominalmente,  como  uma  parte 
do  império.  Só  alcançou  mais  tarde  a  sua  independência 
no  congresso  de  Berlim  de  1882,  em  que  foi  proclamada 
como  reino  autónomo,  sob  o  reinado  de  Milão  I  ^. 

Com  as  províncias  danubianas,  Moldávia  e  Valachia, 
aconteceu  a  mesma  coisa;  porque  também  acabou  a 
guerra  pela  intervenção  da  Rússia,  a  cuja  suzerania 
ficaram  sujeitas. 

No  Egypto,  no  principio  do  século  XIX,  governava 
o  vice-rei  Mehemet-Ali;  e  o  seu  dominio  estendia-se 
até  a  Arábia,  onde  elle  submetteu  os  Wabitas,  e  até  ás 
regiões  distantes  do  Nilo  superior. 

Seu  filho  Ibrahim,  incumbido  por  elle  de  submetter 
a  Syria,  apoderou-se  primeiramente  de  S.  João  de  Acre, 
e  bateu  em  seguida  o  exercito  da  Turquia,  no  desfila 
deiro  de  Beilan,  que  domina  a  Ásia  Menor. 

Penetrou  n'este  paiz,  e  marchou  sobre  Constanti- 
nopla. O  sultão  pediu  o  auxilio  dos  Russos,  que  lan- 
çaram cinco  mil  soldados  nas  costas  da  Ásia.  E,  então, 
pela  intervenção  das  potencias  occidentaes,  que  se 
temiam  do  augmento  do  poder  da  Rússia,  acabou  a 
guerra,  pelo  tratado  de  Kutaieh,  em  que  a  Turquia 
cedeu  ao  vice-rei  do  Egypto  o  districto  de  Adana, 
chave  da  Syria  e  os  quatro  pachalicks  d'este  paiz: 
Alep,  Damasco,  Tripoli  e  S.  João  de  Acre  (14  de  março 
de  1833).    E,  por  seu  lado,  a  Rússia  obteve  da  Turquia 


1  Os  reis  que  governaram  a  Servia  até  os  fim  do  século  XIX,. 
foram  Milão  I  (Obrenovitch)  (1882-1889),  e  Alexandre  I  (Obreno- 
vitch)  (1889-1903). 


44  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


a  obrigfação  de  abrir  livremente  o  Bosphoro,  que  até 
ahi  estava  fechado,  mesmo  para  as  potencias  accidentais. 

Mas  esse  tratado  não  chegou  a  ser  executado,  pela 
opposição  d'aquellas  potencias,  que  não  desejavam  que 
a  Rússia  podesse  tomar  assim  conta  do  Mediterrâneo. 

Ora,  o  sultão  Mahmoud  só  tinha  acceitado  cons- 
trangido a  vergonha  do  tratado  de  Kutaieh  (1833).  Pre- 
parou, por  isso,  a  desforra,  e,  em  1839,  invadiu  a  Syria. 
Mas  o  seu  exercito  foi  completamente  derrotado  por 
Ibrain»,  e  a  sua  frota  cahiu  também  nas  mãos  de  Mehe- 
met-Ali,    pela   traição    de  um  pachá  do  mesmo  sultão. 

Mahmoud  falleceu,  poucos  dias  depois,  succeden- 
do-lhe  seu  filho,  de  16  annos  de  edade,  Abd-Ul-Medjid 
(1839);  mas,  então  os  representantes  das  grandes  poten- 
cias, por  uma  nota  de  1839,  obrigaram-no  a  não  proce- 
der sem  o  concurso  d'ellas,  o  que  foi  talvez  a  salvação 
do  império  turco. 

Quanto  aos  Russos,  tinham  elles  augmentado  suces- 
sivamente o  seu  poder  na  Ásia.  Assim,  em  1799,  tinham- 
se  apoderado  da  Geórgia;  em  1801,  da  Gouria;  em  1803, 
da  Mingrelia;  em  1804,  da  Imerethia;  em  1813,  por 
cessão  da  Pérsia,  de  Chirvan  e  Dagestan,  quer  dizer, 
do  litoral  do  Mar  Caspio;  em  1828,  das  provincias  de 
Nakkitchevan  e  Erinan.  E  o  tratado  de  Tourkmanchai, 
que  fez  esta  ultima  concessão,  abandonou-lhes  também 
a  navegação  exclusiva  do  Mar  Caspio,  e  os  deixou  inge- 
rir, por  uma  das  clausulas,  nos  negócios  exteriores  da 
Pérsia.  Era  o  mesmo  que  abrir-lhes  não  somente  esse 
paiz,  mas  também  a  Ásia  Menor. 

Senhores  assim  da  vertente  meridional  do  Cáucaso, 
foram  depois  submettendo,  pouco  a  pouco,  as  terríveis 
populações    que    tinham    achado,    até   então   um   asylõ 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  45 


inviolável  nas  montanhas;  até  que,  depois  de  luctas 
encarniçadas,  completaram  a  sujeição  d'ellas,  em  1859. 
E  também  puderam  completar  a  dominação  dos  Khir- 
guises,  que  tinham  resistido  aos  imperadores  anteriores. 

* 
*  * 


4.^  época.  A  quarta  época  da  historia  politica  d'este 
período  decorreu,  como  já  dissemos,  depois  da  segunda 
republica  franceza,  até  á  guerra  da  França  com  a 
Allemanha,  em  1870. 

Essa  repubhca  pouco  tempo  durou.  Proclamada  em 
24  de  fevereiro  de  1848,  e  dirigida  primeiramente  por 
um  governo  provisório,  presidido  pelo  general  Cavai- 
gnac,  e  depois  por  Luiz  Napoleão,  desde  1  de  dezem- 
bro de  1848  a  2  de  Dezembro  de  1851,  foi  em  seguida 
submettida  á  dictadura  do  mesmo  Luiz  Napoleão,  até 
que,  em  2  de  dezembro  de  1852,  foi  restabelecido  o 
império  na  pessoa  delle. 

Mas,  apezar  de  durar  pouco  tempo,  influiu  também 
largamente  na  Europa. 

Assim,  na  Itália,  determinou,  desde  logo,  o  adianta- 
mento das  instituições  constitucionaes.  Já  depois  de 
uma  revolta  da  Sicilia,  o  rei  de  Nápoles,  Fernando  II, 
tinha  concedido  uma  constituição  liberal,  em  fevereiro 
de  1848,  e,  quatro  dias  depois,  o  Grão  Duque  de  Tos- 
cana fez  a  mesma  coisa. 

Por  seu  lado,  em  4  de  março,  o  rei  Carlos  Alberto 
outorgara  ao  Piemonte  a  constituição  que  elle  próprio 
tinha  promettido,  desde  alguns  annos ;  e  Pio  IX  promul- 


46  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


gava,  também  n'esse  anno,  uma  constituição  para  os 
Estados  pontificios.  E,  a  par  de  tudo  isso,  a  revolução 
geral  italiana  caminhava  a  grandes  passos,  tomando  um 
caracter  radical,  para  a  expulsão  dos  Austríacos  e  pro- 
clamação da  republica  unitária. 

Effectivamente,  em  breve  se  levantou  uma  insurrei- 
ção geral  contra  a  Áustria,  em  que  entraram  alguns  dos 
reis  da  peninsula,  commandados  por  Carlos  Alberto. 
Ma£,  tendo  este  sido  vencido  na  batalha  de  Novara, 
abdicou  em  seu  filho  Victor  Manoel  11,  que  se  apressou 
a  fazer  a  paz  com  os  Austriacos.  E  seguidamente  sucum- 
biram também  outros  Estados  e  cidades,  que  egualmente 
se  tinham  levantado  contra  a  Áustria. 

Apezar  d'isso,  o  movimento  republicano  despertou 
por  toda  a  parte.  Mesmo  em  Roma,  obrigou  o  papa 
Pio  IX,  que  se  receava  dos  republicanos,  a  refugiar-se 
em  Gaeta.  E,  estando  aquella  cidade,  assim  privada  de 
pontifice,  uma  assemblea  constituinte,  eleita  por  suffra- 
gio  universal,  em  6  de  fevereiro  de  1849,  o  destituiu 
do  poder  temporal,  e  proclamou  a  repubHca  democrá- 
tica, com  um  poder  executivo  de  seis  membros,  entre  os 
quaes  figurava  Mazzini,  que  em  breve  se  tornou  o  mais 
nfluente  do  Governo.  Então,  a  França  interveiu  com 
um  exercito,  que  occupou  Roma,  e  destituiu  o  governo 
republicano;  e,  alguns  mezes  depois,  aquelle  pontifice 
recolheu  novamente  á  capital. 

Apesar  do  desastre  de  Novara,  o  Piemonte,  ficara 
constitucional,  e  o  seu  novo  rei  Victor  Manoel  II  não 
quiz  revogar  um  estatuto  promulgado  por  elle  próprio. 

A  Áustria,  que  conservava  o  Governo  absoluto,  na 
parte  da  Itália  occupada  por  ella,  descontentou-se  com 
isso,   e   d'ahi   resultou  uma  indisposição  entre  os  dois 


EDADE"  CONTEMPORÂNEA  47 


paizes.  Então,  o  Piemonte,  receiando  um  ataque,  tra- 
tou de  se  preparar  militarmente;  a  Áustria  exigiu  o 
desarmamento ;  e,  não  accedendo  o  Piemonte,  seguiu-se 
a  guerra  da  Itália  de  1859,  na  qual  a  França  tomou 
também  parte,  a  favor  da  península. 

Os  Austríacos  foram  vencidos,  e  terminou  a  guerra 
pelo  armistício  de  Villa  Franca,  seguindo-se  a  paz  de 
Zurich,  no  mesmo  anno  de  1859. 

Por  essa  paz,  a  Lombardia  foi  cedida  ao  Piemonte, 
e  a  França  adquiriu  a  Sabóia  e  o  condado  de  Nice. 

Mas  não  ficaram  por  ahi  as  agitações  do  Piemonte 
e  da  península.  Victor  Manoel  11  tinha  repudiado,  em 
1859,  os  votos  de  annexação  da  Itália  Central ;  mas, 
em  1860,  resolveu  acceital-os,  e  realisar  essa  annexa- 
ção. Adquiriu,  assim,  desde  logo,  Parma,  Modena, 
Romagna  e  o  Grão  Ducado  de  Toscana. 

Nesse  mesmo  anno,  pelos  esforços  de  Garibaldi,  a 
Sicilia  foi  annexada  ao  rei  de  Nápoles,  Francisco  José  II. 
Mas  depois  o  mesmo  Garibaldi  tomou  essa  cidade,  e 
proclamou-se  dictador,  protestando  embora  a  sua  fide- 
lidade á  causa  da  Itália  e  de  Victor  Manoel  II. 

Então,  este  rei,  tomando  a  iniciativa  da  unificação 
de  toda  a  península,  invadiu  o  reino  napolitano  e  os  Esta- 
dos Pontífices;  e  em  13  de  Fevereiro  de  1861,  a  Itália 
inteira,  inclusivamente  o  património  de  S.  Pedro,  reco- 
nheceu o  mesmo  dominio. 

Victor  Manoel  foi,  então,  proclamado  rei  de  Itália; 
e  para  isso  muito  contribuíram  os  esforços  do  seu 
grande  ministro  Cavour,  que  pôde  conseguir  a  alliança 
estrangeira,  especialmente  a  franceza. 

Resultou  d'ahi  a  guerra  da  Áustria  com  a  França  e 
Itália,    que   terminou   pela   derrota   dos  Austríacos  nas 


48  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


batalhas  de  Magenta  e  Solferino,  sendo  o  i  mperador 
da  Áustria  obrigado  a  ceder  a  Venecia  a  Napol  eão  III, 
que,  depois  de  acabada  a  guerra,  a  restituiu  á  Itália. 

Na  AUemanha,  também  a  explosão  de  fevereiro  foi  se- 
guida de  novas  concessões  liberaes.  Apesar  d'isso,  o  par- 
tido democrático  pediu  a  revisão  do  pacto  federal  de  1815, 
em  vista  da  unidade  allemã;  e  para  esse  ef feito  reuniu-se 
em  Francfort  —  sobre  o  Mena,  um  parlamento  nacional, 
onde  o  archiduque  João  foi  nomeado  vigário  do  império; 
e  se  decretou  uma  bandeira  geral  germânica,  bem  como  se 
confeccionou  um  código  de  lei  para  todo  o  povo  allemão. 

O  império  foi  depois  deferido  ao  rei  da  Prússia. 

O  imperador  da  Áustria,  com  o  fundamento  de  que 
esta  assemblea  excedeu  os  seus  fins,  chamou  òs  seus 
delegados.  Muitos  outros  Estados  fizeram  a  mesma 
coisa  ;  e  com  isso  infiltrou-se  a  desordem  por  toda  a 
parte,  e  o  próprio  parlamento  foi  obrigado  a  dissol- 
ver-se.  Emfim,  a  2  de  Dezembro  de  1849,  o  archidu-^ 
que  João  abdicou  o  seu  titulo  de  vigário  do  império. 

Depois,  antes  que  viesse  a  restabelecer-se  a  grande 
Dieta,  o  que  só  teve  logar,  em  31  de  março  de  1851, 
houve  muitos  conflictos  interiores,  de  modo  que  pouco 
faltou,  para  que  a  AUemanha  se  dividisse  em  duas  —  a 
pequena  AUemanha,  agrupada  em  volta  da  Prússia,  e 
a  grande  AUemanha,  em  volta  da  Áustria.  E,  ao  mesma 
tempo,  houve  também  grandes  desordens  na  Prússia, 
até  que  Frederico  Guilherme  I  deu  uma  constituição 
aos  seus  Estados. 

Na  Áustria,  houve  ainda  mais  sérios  abalos;  porque 
este  vasto  império  era  constituido  por  diversas  raças, 
que  aspiravam,  desde  ha  muito,  a  formar  nacionalida- 
des distinctas. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  49 


E,  por  isso,  a  revolução  de  fevereiro  fez-se  ressentir 
não  somente  em  Vienna,  onde  o  ministério  Metternich 
cahiu  diante  de  uma  manifestação  dos  estudantes  (13 
de  março  1848);  mas  também  na  Itália  austriaca,  na 
Bohemia  e  na  Gallicia.  E  essas  perturbações  obriga- 
ram o  imperador  Fernando  IV  a  abdicar  em  seu  sobri- 
nho Francisco  José,  de  18  annos  de  edade  (2  de  abril 
de  1848),  que  promulgou  uma  constituição  nova  para 
todos  os  habitantes  do  império. 

A  Hungria  tinha  obtido  já  importantes  concessões, 
como  a  administração  distincta,  um  ministério  também 
distincto  do  da  Áustria,  e  a  reunião  de  uma  assemblea 
nacional  em  Buda-Pesth.  Mas  o  paiz  achou  um  inimigo 
ás  suas  portas,  e  quasi,  no  seu  seio,  o  ban  da  Croácia, 
Jellachick,  todo  dedicado  á  Áustria;  e  teve,  por  isso,  de 
recorrer  ás  armas  contra  elle.  E,  tendo  esse  ban  sido 
auxiliado  por  Francisco  José,  que  os  Húngaros  não 
queriam  reconhecer,  a  Áustria,  não  contente  com  as 
próprias  forças,  pediu  O  auxilio  dos  Russos. 

Então,  a  Hungria  foi  invadida  por  toda  a  parte. 
Kossuth,  nomeado  governador  geral  pelo  parlamento, 
fez  prodigios  de  valor ;  mas,  sendo  vencido,  teve  de 
retirar-se  do  seu  paiz,  que  ficou  exposto  ás  represálias 
dos  vencedores. 

Entretanto,  a  rivalidade  entre  a  Prússia  e  a  Áustria 
fazia  que  o  grande  ministro  de  Guilherme  II,  Bismark, 
sonhando  com  a  unidade  allemã  sob  a  preponderância 
da  Prússia,  fosse  preparando  tudo  caladamente  para  a 
lucta;  e  achou  occasião  propicia  na  complicação  da 
guerra  dos  ducados. 

Assim,  o  rei  da  Dinamarca  possuia  os  ducados  uni- 
dos de  Schieswig  e  de  Holstein,  e  este  ultimo  fazia  parte 

Volume  VI  4 


50  A    HISTORIA  ECONÓMICA 

da  confederação  allemã.  Em  1863,  tendo  o  rei  Frede- 
rico VII  fallecido,  o  marido  de  sua  sobrinha,  Chris- 
tiano  IX,  foi  reconhecido  rei  pela  Dinamarca.  Mas  os 
ducados  não  o  reconheceram,  antes  proclamaram  como 
tal  a  Frederico  de  Augustembourg  I,  e  recorreram  á 
Dieta  allemã,  para  sustentar,  como  sustentou,  essa 
nomeação. 

A  Áustria  e  Prússia  intervieram  por  sua  vez,  e  a 
Dinamarca  foi  vencida  e  obrigada  a  ceder-Ihes  o  Schles- 
wig  e  o  Holstein;  e,  na  administração  d'estes  Estados, 
sobrevieram  logo  complicações  entre  os  vencedores. 
D'ahi  surgiu  o  pretexto  que  Bismark  tomou  para  enviar 
tropas  ao  Holstein,  e,  como  consequência,  a  guerra 
com  a  Áustria. 

A  campanha  foi  rápida.  A  Áustria,  esmagada  em 
Sadowa,  teve  de  acceitar  o  tratado  de  Praga  (1886), 
donde  resultou  a  ruina  da  antiga  confederação  da  Alle- 
manha,  ficando,  então,  a  Áustria  excluida  também  da 
antiga  Allemanha;  a  passagem  d'esta  para  a  exclusiva 
dominação  da  Prússia;  a  enorme  extensão  do  poder 
prussiano,  que  annexou  a  si  o  Hannover,  Nassau, 
Hesse,  Francfort,  Schleswig  e  Holstein;  e  a  confede- 
ração do  Norte,  formada  por  todos  Estados  ao  norte 
do  Mena. 

Os  Estados  federaes  ficaram  autónomos;  mas  todos 
os  poderes  militares  e  diplomáticos  eram  confiados  a 
um  Governo  federal,  presidido  pelo  rei  da  Prússia,  que 
ficou  também  presidente  da  Confederação. 

Sadowa  marcou  o  fim  da  preponderância  franceza 
na  Europa. 

Também  a  revolução  de  fevereiro  se  fez  sentir  nos 
Principados  Danubianos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  51 


A  Moldávia  e  Valachia  estavam  sujeitas  ao  duplo 
protectorado  da  Rússia  e  Turquia.  E,  sobretudo,  o  jugo 
dos  Russos  era-lhes  muito  pesado.  Mas,  no  mesmo  anno 
de  1848,  levantou-se  também  lá  uma  revolução  liberal, 
que  obrigou  o  hospodar  de  Valachia  a  dar  uma  consti- 
tuição. Os  Russos,  para  abafarem  essa  revolução,  que 
desarranjava  todos  os  seus  projectos  da  preponderância 
sobre  o  Danúbio,  invadiram  os  Principados;  e  os  Tur- 
cos, para  contrabalançarem  a  influencia  dos  seus  vizi- 
nhos, mandaram  também  um  exercito. 

A  revolução  foi  vencida,  ficando  essas  províncias 
novamente  sujeitas  a  um  jugo,  ainda  mais  pesado,  da 
Russsia  e  Turquia  combinadas,  que,  também  de  com- 
binação nomearam  o  respectivo  hospodar.  Mas  o  im- 
perador Nicolau  da  Rússia,  attribuindo-se  uma  ideia 
exagerada  da  sua  força,  exigiu  da  Turquia  que  lhe 
delegasse  o  protectorado  effectivo  e  perpetuo  sobre 
todos  os  súbditos  gregos  do  império  turco,  em  numero 
quasi  de  onze  milhões,  o  que  lhe  daria  uma  grande 
influencia  no  mesmo  império.  E,  sendo  repellida  essa 
pretensão,  a  Rússia  invadiu  a  Moldávia.  Era  a  guerra. 
A  Turquia  pediu  o  auxilio  das  potencias  occidentaes; 
e,  então,  a  Inglaterra  e  a  França  uniram-se  a  ella  contra 
a  Rússia. 

O  primeiro  theatro  d'essa  guerra  foi  n'aquellas  Pro- 
víncias Danubianas,  onde  os  Russos  foram  vencidos 
(1854);  e,  pelo  tratado  de  paz  d'esse  anno,  a  Áustria, 
é  que  ficou  encarregada  da  guarda  d'ellas. 

A  Inglaterra  e  a  França  foram  depois  atacar  a 
Rússia  com  os  seus  navios  de  guerra,  no  Mar  Báltico. 
Bombardearam  Cronstadt,  Swealborg  e  Helslngfors; 
tomaram    Aland,    e    ao    mesmo   tempo   bloquearam   os 


52  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


portos  do  Mar  Branco ;  e  prosseguiram  as  hostilidades 
em  todos  os  mares,  no  Cáucaso  e  mesmo  em  Kamstcha- 
tka.  E,  alem  d'isto,  os  exércitos  alliados  resolveram 
fazer  a  guerra  dentro  da  própria  Rússia;  de  modo  que 
entraram  na  Crimeia,  e  tomaram  Sebastopol  (17  de  outu- 
bro de  1855),  seguindo-se  o  tratado  de  Pariz  de  1856, 
pelo  qual  a  Rússia  restitituiu  á  Turquia  as  praças  que 
lhe  havia  tomado. 

Quanto  ás  Provincias  Danubianas,  formando,  sob  o 
nome  de  Provincias  Unidas,  dois  Estados  distinctos, 
mas  com  uma  legislação  commum,  em  1859,  escolheram 
como  chefe  o  general  Couza,  ficando,  assim,  sujeitas  á 
Turquia.  Couza  tornou-se  odiado  pelo  seu  caracter 
despótico;  e,  por  isso,  uma  revolução  liberal  o  desti- 
tuiu, e  nomeou  em  seu  lugar  o  principe  Carlos  de 
Hoenzollem.  E,  então,  attendendo  á  sua  origem,  os 
mesmos  Estados  tomaram  o  nome  de  Romania,  e  Bu- 
carest  tornou-se  a  capital.  O  tratado  de  Berlim  (1878) 
constituiu  a  Romania  independente,  e  ajuntou-lhe  Do- 
broutcha,  em  troca  da  Besserrabia,  que  foi  dada  á 
Rússia. 

A  26  de  março  de  1881,  o  principe  Carlos  tomou 
o  titulo  de  Carlos  1,  rei  da  Romania. 

Aquella  guerra  da  Crimeia  levantou  também  as 
esperanças  da  Bulgária,  que  era  vassalla  da  Turquia,  e 
que  supportava  com  impaciência  o  jugo  mussulmano. 
A  menor  revolta  era  abafada  com  sangue;  as  hordas 
dos  Albanezes  pilhavam  e  queimavam  as  aldeias,  e 
matavam  as  mulheres  e  creanças;  e  os  Búlgaros,  ater- 
rados, emigravam  em  massa,  procurando  um  refugio 
nos  paizes  vizinhos.  Animados  secretamente  pela  Rússia, 
reclamaram  uma  constituição,  que  a  Porta  recusou.    Foi 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  53 


O  signal  de  um  levantamento  geral;  e  os  Romenos,  os 
Sérvios  e  os  Montenegrinos  fizeram,  então,  causa  com- 
mum  com  elles. 

A  conferencia  de  Constantinopla  tratou  de  regular 
a  situação  entre  o  sultão  e  aquellas  Provincias  Danu- 
bianas,  mas  em  vão.  E  a  Rússia  começou  as  hostilida- 
des, que  se  prorogaram  até  1877,  em  que  se  fez  o 
tratado  de  S.  Stefano,  logo  modificado  pelo  de  Berlim 
de  1878,  ficando  a  Bulgária,  ao  norte  dos  Balkans,  cons- 
tituida  em  principado  autónomo,  supposto  que  tributário 
do  sultão.  Podia  eleger  o  seu  principe,  mas  não  podia 
ter  nenhuma  fortaleza  no  seu  território. 

Ainda  assim,  embora  a  Bulgária  não  tivesse  obtido 
o  tornar-se  um  reino  independente,  constituiu-se  em 
monarchia  (1879);  e  a  coroa  foi  offerecida  ao  principe 
de  Battemberg  ^. 

O  Montenegro,  que  estava  sujeito  á  Rússia,  obteve 
egualmente  a  sua  independência  por  essa  campanha, 
em  que  entrou  com  as  outras  Provincias  Danubianas. 
E  a  sua  autonomia  foi  depois  também  confirmada  no 
congresso  de  Berlim  (1878),  ainda  com  o  augmento  de 
parte  de  Antivari  ^. 

Na  Polónia,  houve,  em  1864,  uma  insurreição  contra 
a  Rússia,  que  foi  duramente  reprimida,  a  ponto  de  que 
mesmo  a  lingua  polaca  foi  proscripta,  e  a  russa  tor- 
nou-se  a  lingua  official. 


1  Neste  período,  governaram  lá  os  reis  Alexandre  1  (Battem- 
berg)  (1879-1826),  e  Fernando  I  de  Saxe  Coburgo,  dahi  por  diante. 

2  Governaram  no  Montenegro,  até  o  fim  do  século  XIX,  Danilo, 
principe  (1852-1860),  e  Nicolau  1,  principe,  de  1860  em  diante,  e  que 
só  foi  proclamado  rei,  no  século  XX,  em  1910. 


54  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Vejamos  agora,  além  do  que  fica  exposto,  o  que 
se  passou  de  mais  importante  nas  outras  partes  do 
Mundo. 

A  Algéria  estava  já  unida  à  França  como  irmã. 
Restava  ainda,  porém,  submetter,  quasi  ás  portas  d'ella, 
o  território  dos  Kabilas,  considerado  inaccessivel;  e,  um 
pouco  mais  longe,  na  entrada  do  deserto,  os  oásis,  cuja 
posse  era  indispensável  aos  Francezes,  para  que  o  seu 
dominio  não  tivesse  intervallos.  Foi  essa  a  obra  dos 
seus  generaes,  desde  1850  a  1858. 

O  paiz  do  Senegal  estava  também,  desde  ha  muito, 
submettido  á  França;  mas,  em  1856  e  1860,  ella  pôde 
annexar  o  paiz  de  Oualo,  Toro,  Dimar  e  Damga. 

Mesmo  no  Extremo  Oriente,  o  Japão,  depois  de 
uma  revolução  violenta,  em  1868,  havia-se  organisado 
em  Estado  moderno.  Era  primeiramente  governado 
absolutamente,  constituindo  uma  monarchia  guerreira  e 
feudal.  O  povo  estava  dominado  pelos  senhores  ou  dai- 
mios,  rodeados  dos  seus  homens  de  armas,  os  samorais. 
Esta  nobreza  tinha  um  chefe  hereditário  —  o  shogun  ou 
taikoun,  que  era  o  verdadeiro  senhor  do  paiz. 

O  imperador  ou  mikado  só  tinha  conservado  uma 
auctoridade  religiosa. 

Como  os  imperadores  chinezes,  também  os  sho- 
guns,  primeiramente  tolerantes,  fecharam  depois  o 
Japão  completamente  aos  Europeus,  salvo  a  feitoria 
hollandeza  de  Desgima.  Mas,  em  1853,  os  Estados 
Unidos   quizeram   abrir   o  Japão  ao  seu  commercio,  e 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  55 


uma  esquadra  appareceu  diante  do  Jeddo,  que  forçou 
o  shogun  a  tratar  com  aquella  republica  (1854),  no 
sentido  de  lhe  abrir  alguns  portos.  Alguns  outros  Esta- 
dos se  apressaram  a  concluir  tratados  análogos;  e 
Nangasalci,  Kobé,  Yokoama  e  outros  foram  abertos  cio 
commercio  estrangeiro. 

Depois,  a  Inglaterra,  a  França  e  a  Rússia,  por  sua 
vez,  em  1858,  1860  e  1862,  obtiveram  ainda  outras 
vantagens  a  favor  dos  estrangeiros.  A  Rússia  conse- 
guiu até  a  parte  meridional  da  ilha  de  Saghalien,  cujo 
norte  já  lhe  pertencia.  E,  tendo  posteriormente  o 
Japão  cortado  as  garantias  que  havia  concedido,  o  almi- 
rante inglez  Kieper  bombardeou  Kagosimo,  em  1863,  e 
as  boas  relações  anteriores  foram  restabelecidas. 

A  par  de  tudo  isso,  houve  no  Japão  uma  guerra  civil 
demorada  (1858-1868).  E,  por  fim,  o  mikado  tornou-se 
único  senhor;  e,  sustentado  pela  maior  parte  dos  no- 
bres Japonezes,  resolveu  transformar  as  instituições  do 
Japão,  para   salvaguardar  a  sua  independência  (1868). 

O  antigo  regimen  feudal  foi  abolido.  Com  um 
admirável  poder  de  assimilação,  os  Japonezes  appro- 
priaram  as  instituições  da  Europa  moderna;  e,  esti- 
mulados por  um  patriotismo  ardente,  empenharam-se 
também  em  desinvolver  rapidamente  as  forças  militares 
do  paiz. 

Havia  sempre  uma  grande  rivalidade  entre  o  Japão 
e  a  China;  e  esta  rivalidade  fez  rebentar  mais  tarde 
entre  as  duas  nações  a  guerra  de  1895,  provocada  pela 
questão  da  Corea,  que  era  um  império  independente, 
mas  sobre  o  qual  os  dois  Estados  tinham  pretensões. 
E  já  issso  havia  produzido  numerosos  conflictos  entre 
elles. 


56  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Com  grande  surpresa  da  Europa,  o  Japão  ficou  rapi- 
damente e  completamente  vencedor;  e  a  China  teve  de 
assignar  o  desastroso  tratado  de  Simonoseki,  cedendo 
o  Porto  Arthur,  Formosa,  Pescadores,  etc.  ^. 

A  China,  despeitada  por  ter  de  abrir  os  seus  portos 
ao  commercio  do  mundo,  começou  a  tractar  mal  e  a  per- 
seguir os  estrangeiros,  especialmente  os  Inglezes  e  Fran- 
cezes;  e  d'ahi  se  originou  outra  guerra,  também  inten- 
tada pela  Inglaterra  e  França  contra  os  Chinezes,  que 
terminou  pela  paz  de  1866,  em  que  o  rio  Azul  e  seis 
novos   portos   foram   abertos   ao   commercio   universal. 

As  perseguições  da  Cochinchina  contra  os  Chris- 
tãos  e  o  despreso  das  reclamações  da  França,  que  se 
reputava  com  direitos  antigos  sobre  esse  paiz,  pois  que 
já  a  Turane  lhe  tinha  sido  cedida,  em  1787,  e  bem  assim 
a  practica  de  differentes  aggravos  contra  a  Hespanha, 
levaram  estas  duas  nações  a  declarar  guerra  áquelle 
Estado,  que  terminou  pelo  tratado  de  Saigon,  em  que 
a  Cochinchina  abandonou  á  França  as  três  provincias 
de  Saigon,  Bien-Hoa  e  Mytho,  e  abriu  os  portos  de 
Tonkin  ao  commercio  de  todas  as  nações. 


No  Novo  Mundo  rebentaram  também  differentes 
guerras  e  agitações. 

Assim,  nos  Estados  Unidos,  a  descoberta  das  minas 
de  ouro  na  parte  do  México  e  na  Califórnia,  annexados 


^     Ladislau  Batalha.  O  Japão  por  dentro. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  57 


á  confederação,  tornaram-se  uma  fonte  de  riqueza  con- 
siderável. Mas,  sob  esta  apparente  prosperidade,  occul- 
tavam-se  as  causas  de  uma  grande  discórdia  politica  e 
social.  Os  Estados  do  norte,  que  foram  os  primeiros 
colonisados  e  onde  preponderavam  quasi  exclusiva- 
mente os  industriaes,  commerciantes  e  marinheiros,  eram 
proteccionistas;  os  Estados  do  sul,  onde  preponderava 
a  agricultura,  eram  livres  cambistas.  Mas  a  questão 
principal  era  a  da  escravatura. 

No  norte,  a  maior  parte  dos  habitantes  repulsava 
a  escravidão,  e  por  isso  tinham  recebido  o  nome  de 
abolucionistas ;  emquanto  que  os  do  sul  reputavam  a 
escravatura  uma  instituição  necessária,  por  intenderem 
que  a  cultura  do  algodão  e  do  assucar  somente  era  pos- 
sível com  os  negros;  e,  também  por  isso,  foram  deno- 
minados esclavigistas.  Eram,  em  geral,  democratas,  e 
tinham  obtido  por  muito  tempo  a  maioria  nas  eleições 
presidenciaes. 

A  eleição,  em  1861,  do  presidente  Abrahan  Lincoln, 
que  tinha  opiniões  esclavigistas,  foi  o  signal  de  guerra 
entre  o  norte  e  sul,  chamada  guerra  da  Secessão.  Os 
americanos  do  sul  queriam  tornar-se  independentes  dos 
do  norte,  e  criarem,  por  isso,  uma  repubhca  também 
independente.  Os  outros,  pelo  contrario,  queriam  a 
federação  total,  e  não  a  separação. 

Esta  guerra,  depois  de  graves  desastres,  acabou, 
em  1865,  pela  victoria  dos  federalistas. 

O  México,  desde  que  se  libertara  da  Hespanha, 
n'essa  lucta  sangrenta  que  durou  desde  1810  a  1829, 
foi  sempre  victima  de  uma  continuada  anarquia;  e 
tendo  sido  eleito  presidente  o  indiano  Juarez,  em  1861, 
as   relações   com   a   Europa  tomaram  uma  feição  peri- 


58  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


gosa.  Juarez  chegou  mesmo  a  expulsar  os  representantes 
de  Hespanha  e  da  Santa  Sé;  a  prender  alguns  vice- 
consules  de  França;  e  a  exercer  actos  violentos  sobre 
os  próprios  Francezes  e  demais  estrangeiros. 

Por  isso,  a  França,  a  Inglaterra  e  a  Hespanha  decla- 
ram-lhe  guerra.  Mas,  depois  de  vários  incidentes,  foi 
feita  pelo  general  Prim,  commandante  dos  Hespanhoes, 
uma  convenção  com  Juarez.  E,  não  tendo  a  França 
annuido,  aquelle  general  retirou-se  com  os  seus  solda- 
dos, no  que  foi  acompanhado  pelos  Inglezes. 

Ainda  assim,  o  general  francez  pôde  vencer  os 
Mexicanos,  e  entrar  no  México.  O  paiz  pronunciou-se, 
então,  pelo  restabelecimento  do  Império,  com  Maximi- 
liano,  archiduque  da  Áustria,  e  genro  do  rei  da  Bélgica, 
indicado  pela  França.  Mas,  apezar  d  isso,  continuou  a 
lucta.  Os  Francezes  foram  obrigados  a  retirar.  As 
forças  imperiaes  do  México  foram  vencidas  pelas  forças 
republicanas,  protegidas  pelos  Estados  Unidos.  A  repu- 
blica foi  novamente  restabelecida;  Juarez  foi  também 
novamente  nomeado  presidente;  e  Maximiliano,  fusilado. 

No  Brazil,  onde  já  rebentara  uma  grande  revolução, 
na  provincia  de  S.  Paulo,  em  1842,  outra  em  Alagoas, 
em  1844,  e  ainda  outra  em  Pernambuco,  em  1848, 
houve,  em  1852,  guerra  com  o  general  Oribe,  que  se 
levantara  contra  a  republica  do  Uruguay,  e  devastava  as 
fronteiras  brazileiras;  e,  por  causa  d'isso,  também  com 
Buenos  Ayres.  Em  1864,  houve  ainda  outra  guerra  com 
o  Uruguay,  e,  desde  esse  mesmo  anno  a  1869,  com  o 
Paraguay,  que  era  commandado  pelo  presidente  Lopes, 
que  foi  vencido. 

No  Uruguay,  também  o  Brazil  teve  guerra  com  a 
republica  platina,  em  1864. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  59' 


* 
*  * 

5.*  época.  Esta  época  principia  com  a  guerra  entre 
a  França  e  a  Prússia. 

Em  6  de  julho  de  1870,  o  duque  de  Gramon,  minis- 
tro dos  negfocios  estrangeiros  em  França,  annunciava 
ao  corpo  legislativo  que  o  general  Prim,  primeiro  minis-- 
tro  de  Hespanha,  tinha  chamado  ao  trono  d'esse  paiz 
o  principe  Leopoldo  de  Hoenzolern,  e  que  este  prín- 
cipe o  tinha  acceitado,  com  pleno  consentimento  do 
chefe  da  sua  familia,  o  rei  Çuilherme  da  Prússia. 

A  França  viu  n'isto  uma  tentativa  de  reconstrucção 
do  antigo  império  de  Carlos  V,  e  o  desiquilibrio  da 
Europa,  com  prejuízo  d'ella.  Pediu,  por  isso,  a  renuncia 
do  pretendente  á  coroa,  o  que  promptamente  obteve ; 
mas  queria  também  que  o  imperador  Guilherme  se 
obrigasse  a  não  consentir  que,  de  futuro,  qualquer  prin- 
cipe da  sua  raça  fosse  chamado  a  reinar,  ao  mesmo 
tempo,  na  Hespanha  e  na  Allemanha,  ao  que  elle  se 
recusou.  Essa  recusa  pareceu  tão  grave  ao  ministério 
que  a  França  declarou  guerra  á  Prússia. 

Mas  tudo  isto,  afinal,  encobria  a  rivalidade  que 
havia  entre  as  duas  nações.  Ou  por  este  pretexto  ou 
por  outro  qualquer,  a  guerra,  mais  cedo  ou  mais  tarde, 
havia  de  estalar. 

Contava  a  França  com  a  desunião  da  Allemanha,  e 
talvez  com  a  intervenção  internacional  de  alguns 
paizes  da  Europa  em  favor  d'ella.  Mas  Bismark 
arrastou  todos  os  Allemães,  e,  assegurando  a  neutrali- 
dade europea,  deixou  a  França  isolada. 


60  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  resultado  da  guerra  foi  a  derrota  completa  dos 
Francezes,  e  a  deposição  de  Napoleão  III,  que,  em  seguida 
á  tomada  de  Sedan,  onde  elle  próprio  estava  encerrado 
com  um  exercito  de  130  mil  homens,  commandado  por 
Mac-Mahon,  se  entregou  á  confiança  da  Prússia;  e,  após,  a 
proclamação  da  republica  franceza,  a  capitulação  de 
Bazaine  com  a  praça  de  Metz,  onde  estava  também  cer- 
cado com  um  exercito  de  170  mil  soldados;  o  cerco  e 
tomada  de  Pariz;  e,  por  fim,  a  paz  de  Francfort  (1871), 
pela  qual  a  França  perdeu  a  Alsacia,  menos  Belfort, 
quasi  uma  quinta  parte  da  Lorena,  com  a  praça  de 
Metz  e  todo  o  material  de  guerra.  E  foi,  alem  d'isso, 
obrigada  a  dar  uma  forte  indemnisação. 

Depois  d'esta  guerra,  como  diz  Weber,  apparece- 
ram  á  luz  do  dia,  para  serem  acceitos  e  reconhecidos 
por  todos  os  Estados,  três  princípios  cheios  de  futuro: 
a  seria  participação  dos  povos  na  formação  e  organisa- 
ção  das  reformas  politicas  e  sociaes;  o  desinvolvimento 
da  noção  da  liberdade,  em  todos  os  dominios  da  vida 
publica,  desinvolvimento  esse  baseado  no  direito  com- 
mum  e  na  individualidade  nacional  e  pessoal ;  e  o  dever 
de  limitar  a  guerra  a  um  fim  completamente  definido, 
e  atenuar  os  effeitos  delia,  por  meio  de  convenções 
internacionais,  no  sentido  humanitário. 

Mas,  apezar  d'isso,  não  acabaram  as  luctas  exter- 
nas e  as  perturbações  internas  de  differentes  Estados. 
E,  coisa  também  fatal  para  a  vida  das  nações! — intro- 
duziu-se  em  alguns  d'elles  o  systema  da  paz  armada, 
com  receio  da  desforra  da  França  e  dos  abusos  da 
Allemanha. 

E,  comtudo,  nem  mesmo  assim,  acabaram  as  agita- 
ções! 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  61 


Na  Allemanha,  os  catholicos  e  socialistas  ag^ita- 
ram-se  contra  Bismark,  o  chanceller,  que  estava  gover- 
nando violentamente  os  Estados  prussianos,  e  queria 
reduzir  pela  força  os  seus  adversários. 

A  lucta  contra  os  catholicos  apaziguou-se  depois, 
pelos  esforços  de  Leão  XIII;  mas  a  dos  socialistas  tor- 
nou-se  cada  vez  mais  grave. 

Divididos  primeiramente  em  dois  grupos  —  os  de 
Lassale  e  os  de  Carlos  Marx,  tinham  tido  a  principio 
pouca  influencia;  mas  esta  engrossou  em  breve,  de 
modo  que,  em  1875,  os  dois  grupos  formaram  um  só 
partido,  sob  o  nome  de  democracia  social,  e  a  sua 
preponderância  nas  classes  operarias  tornou-se  muito 
grande  ^. 

Bismark  redobrou,  então,  de  violências;  mas  nada 
aproveitou,  porque  o  socialismo  augmentou  progressi- 
vamente, mesmo  no  numero  dos  seus  candidatos  ao 
parlamento.  E,  por  fim,  o  próprio  chanceller,  teve  de 
comprazer,  fazendo  votar  leis  socialistas,  como,  por 
exemplo,  a  de  seguros  para  os  trabalhadores,  no  caso 
de  doença,  enfermidade  e  velhice. 

Na  Áustria,  chegou  a  haver  conflictos  sangrentos 
entre  os  Austríacos  e  os  Tcheques,  que  pugnavam  pela 
sua  autonomia;  e,  mesmo  nos  outros  povos  d'esse  impé- 
rio, o  espirito  liberal  e  as  agitações  que  d'ahi  provieram, 
levaram  o  imperador  a  fazer,  em  1896,  uma  outra 
reforma  constitucional. 

Na  Hungria  houve  também  differentes  agitações, 
não  só  entre  os  Magyares  e  os  Croatas,  que  pretendiam 


Vide  capitulo  III. 


62  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


a  sua  autonomia,  mas  também  entre  os  próprios  Aus- 
triacos  e  os  Húngaros,  que  suspiravam  sempre  por  se 
verem  desannexados. 

Na  Rússia,  como  vimos,  Alexandre  II  inaugurou  o 
seu  governo  por  uma  aberta  de  medidas  liberaes;  mas, 
sendo  de  natureza  timida  e  fraca,  em  breve  se  deixou 
imbuir  pelos  sectários  do  absolutismo,  e  depressa  vol- 
tou ao  systema  terrorista  do  seu  antecessor  Nicolau  I. 

Então,  a  esse  systema  terrorista  do  governo  corres- 
pondeu o  terrorismo  revolucionário,  chamado  nihilismo. 
Os  descontentes,  principalmente,  jovens,  e,  sobretudo, 
estudantes  e  operários,  não  esperaram  as  reformas  paci- 
ficas, e  pretenderam  destruir  o  regimen  absoluto  pelo 
terror.  De  modo  que  muitos  altos  funccionarios  foram 
assassinados,  e  o  próprio  czar,  depois  de  ter  escapado 
a  dois  attentados,  foi  também  morto  por  uma  bombéi, 
em  1881. 

* 
*         * 


Examinemos  agora  as  outras  partes  do  mundo. 

A  França  tinha  levado,  como  já  vimos,  perto  de 
30  annos  a  conquistar  a  Algéria  (1830-1858).  Mas  a 
Algéria  é  apenas  a  parte  central  da  região  do  Altai  do 
Maghreb,  e  continua  a  este  pela  Tunísia,  e  a  oeste  por 
Marrocos.  A  França  devia,  por  isso,  tender  natural- 
mente para  estender  a  sua  influencia  sobre  estes  dois 
paizes. 

E,  com  effeito,  sob  o  pretexto  de  reprimir  as  pilha- 
gens dos  Kivas  e  Kroumirs,  um  exercito  francez  occupou 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  63 


a  Tunísia,  em  1881.  E  o  bey  teve  de  assignar  o  tratado 
de  Bardo,  que  estabeleceu  o  protectorado  francez. 

Também  a  França  quiz  occupar  uma  parte  de  Mar- 
rocos; mas  d'ahi  seguiram-se  complicações  internacio- 
naes,  que  só  terminaram  em  1906,  pela  conferencia  de 
Algeciras,  de  que  faltaremos  no  volume  seguinte. 

A  abertura  do  canal  de  Suez,  em  1869,  abriu  um 
outro  caminho  para  as  índias,  e  mais  curto;  e  as  expe- 
dições inglezas  viraram-se,  então,  para  o  Egypto. 

Até  ahi  a  influencia  franceza  é  que  tinha  dominado 
lá,  depois  de  Bonaparte;  mas,  desde  1868  até  1879,  as 
finanças  egypcias  desorganisaram-se  completamente;  e, 
por  isso,  os  governos  inglez  e  francez,  de  accordo  entre 
si,  impuzeram  ao  Egypto  dois  controleurs,  para  vigiarem 
essas  finanças,  ao  que  se  chamou  condomínio  franco- 
inglez  (1876).  E,  ao  mesmo  tempo,  foi  criada  uma 
commissão  internacional,  encarregada  de  assegurar  o 
pagamento  da  divida  egypcia. 

O  regimen  do  condomínio  não  durou,  porque  esta- 
lou no  Egypto  um  movimento  anti-europeu,  provocando 
uma  nova  crise  (1882).  E,  entretanto  que  o  governo 
francez  tratava  de  fazer  resolver  a  questão  egypcia, 
por  uma  nova  conferencia  nacional,  a  Inglaterra  operava 
com  rapidez  e  decisão;  e  para  isso,  pelo  facto  de  terem 
sido  mortos  alguns  Europeus  em  Alexandria,  as  tro- 
pas inglezas  occuparam  essa  cidade,  e  em  seguida 
o  canal  de  Suez  e  o  Cairo.  De  modo  que  o  Egypto 
ficou  na  realidade  um  protectorado  inglez,  debaixo  da 
occupação  ingleza.  Essa  occupação  do  Egypto  teve 
por  consequência  um  azedume  de  muitos  annos  entre  a 
França  e  a  Inglaterra.  A  França,  por  muitas  vezes, 
tentou  combinar  as  coisas  mais  rasoavelmente  para  ella, 


64  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


reabrindo  a  questão  do  Egypto;  mas,  por  fim,  obteve 
somente  a  neutralisação  do  canal  de  Suez,  em  caso  de 
guerra. 

E  não  foi  esta  a  única  desintelligencia  que  houve 
entre  os  dois  povos,  a  propósito  d'essa  região;  porque 
houve  outra  ainda,  por  causa  do  Sudão  egypcio. 

Este  paiz  tinha-se  tornado  independente  (1881-1885). 
O  governo  francez  enviou  para  o  Congo  a  missão  Mar- 
chand,  na  região  do  Alto  Nilo,  onde  ella  occupou 
Pachola  (1898).  Mas,  nessa  occasião,  um  exercito 
anglo-egypcio,  que  acabava  de  conquistar  o  Sudão, 
chegou  também  diante  de  Pachola,  á  qual  se  arrogava 
com  direito. 

Esteve,  por  isso,  a  rebentar  uma  nova  guerra  entre 
a  Inglaterra  e  a  Prança.  Mas,  afinal,  esta  cedeu ;  e,  pela 
convenção  de  1899,  abandonou  todo  o  Alto  Nilo  á 
influencia  ingleza. 

Quanto  ás  outras  regiões  africanas,  a  convenção  de 
Berlim  de  1885  reconheceu  o  Estado  independente  do 
Congo,  sob  a  soberania  do  rei  da  Bélgica,  e  determi- 
nou os  respectivos  limites. 

Depois  d'essa  convenção,  as  potencias  europeas 
apressaram-se  a  occupar  na  Africa  os  territórios  vagos; 
de  modo  que,  dentro  de  alguns  annós  (1885-1900),  todo 
o  continente  foi  partilhado  por  uma  serie  de  convenções 
diplomáticas.  E  a  Prança,  a  Inglaterra,  a  Allemanha  e 
a  Bélgica,  apar  dos  Portuguezes,  tornaram-se  as  prin- 
cipaes  potencias  africanas. 

Assim,  a  Prança,  das  suas  feitorias  do  Senegal  e 
da  Guiné  adiantou-se,  pouco  a  pouco,  até  á  bacia  do 
Niger,  destruindo  os  sultanatos  mussulmanos  de  Samory 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  65 


e  Rabah.  Conquistou  o  reino  negro  de  Dahomey, 
em  1892;  occupou  Tombuctu,  a  grande  cidade  do 
Sudão,  em  1894;  e  attingiu  as  margens  do  lago  Tchad, 
em  1898. 

Já  Brazza,  partindo  das  feitorias  de  Gabão,  anne- 
xara  pacificamente  os  territórios  do  Congo  francez 
(1875-1885),  annexação  que  se  prolongou  mais  tarde 
até  alem  do  Tchad,  pela  occupação  de  Ouadi.  E  ainda 
os  Francezes  adquiriram  também  ao  nascente  o  porto  de 
Djibut,  e  a  sudeste  conquistaram  aos  Hovas  a  grande 
ilha  do  Madagáscar. 

A  Inglaterra,  partindo  do  Cabo,  annexou  progressi- 
vamente a  Africa  austral  inteira.  Teve  de  luctar  contra 
os  indigenas  —  Cafres  e  Zulus,  e  contra  os  Boers.  Estes^ 
recuando  diante  dos  Inglezes,  fundaram  mais  ao  norte 
dois  Estados  livres  —  o  Estado  de  Orange  e  o  Transvaal. 
Mas  a  descoberta  das  minas  de  diamantes  e  de  ouro 
atraiu  a  essas  regiões  grande  numero  de  Inglezes,  que 
estabeleceram  logo  conflicto  com  os  Boers.  O  governo 
inglez  sustentou-os;  e,  após  uma  guerra  demorada 
(1899-1902),  que  foi  primeiramente  desastrosa  para  a 
Inglaterra,  esta  annexou  as  duas  republicas,  conservan- 
do-lhe,  comtudo,  a  sua  autonomia  ^. 

Cecil  Rhodes,  de  harmonia  com  a  expansão  ingleza 
na  Africa  austral,  fundou  em  1895  a  colónia  da  Rhode- 
sia,  na  bacia  do  Zambeze. 

Alem  de  tudo  isto,  a  Inglaterra  possue  também  uma 
parte  do  Sudão,  a  Nigricia  e  uma  parte  da  Africa  oriental. 


1     Estas  duas  republicas,   desde  1909,  formam  com  o  Natal  e 
Colónia  do  Cabo  um  vasto  Estado  Federal. 

Volume  VI  5 


56  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  Allemanha  occupou,  em  1882  e  1890,  muitos  terri- 
tórios, a  saber:  uma  vasta  região  ao  sudoeste,  —  o  Tog-o 
e  o  Cameron,  e  uma  parte  da  Africa  oriental.  E  enviou 
duas  expedições,  para  luctar  contra  os  indig-enas  revol- 
tados (guerra  dos  Herreros),  que  foram  afinal  ven- 
cidos. 

A  Itália  quiz  também  constituir  na  Africa  um  impé- 
rio colonial;  e,  para  isso,  tractou  de  se  estabelecer  na 
Abyssinia.  Mas,  sendo  derrotada  em  Adoua  (1896), 
teve  de  reconhecer  a  independência  do  Negus  abys- 
sinio,  Menelick;  e  apenas  conservou  alguns  territórios 
em  redor  de  Massouah  ^. 

Quanto  á  Ásia,  já  vimos  que,  em  1817,  a  Inglaterra 
completou  a  conquista  da  índia.  Mas  a  preoccupação 
constante  dos  Inglezes  foi  proteger  as  fronteiras  d'esse 
vasto  império,  estabelecendo  a  sua  influencia  sobre  os 
povos  visinhos. 

N'esse  sentido,  em  1889,  tomaram  debaixo  do  seu 
protectorado  o  Estado  de  Sikkim.  Em  1824,  tinham 
alcançado  o  porto  de  Singapura,  que  commanda  o 
estreito  de  Malaca,  e  annexaram  depois  os  Estados  vizi- 
nhos, que  formaram  os  Estabelecimentos  dos  Estreitos 
(Straits  Seetlemenis).  E,  tendo  a  rivalidade  da  França 
e  Inglaterra  levado  esses  dois  paizes  a  Sião,  reino  inde- 
pendente, entre  o  Annan  e  a  Birmânia,  uma  convenção 
de  1896  delimitou  as  zonas  de  influencia  das  duas  nações. 

Era  principalmente  ao  oeste  que  os  Inglezes  se  sen- 
tiam ameaçados;   porque  a  cercadura  montanhosa  que 


1     Em  1911,  a  Itália  obteve  Tripoli  e   os  principaes  portos  da 
costa.    Mas  esses  factos  não  pertencem  a  este  volume. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  67 


separa  a  índia  dos  platós  do  Iran  (Afganistan,  Belu- 
tchistan  e  Pérsia),  é  atravessada  por  muitas  brechas, 
por  onde  pôde  passar  a  invasão. 

Ora,  sobre  o  Iran,  ao  mesmo  tempo  que  os  Inglezes, 
adiantavam-se  também  os  Russos,  senhores  das  margens 
do  Caspio  e  conquistadores  do  Turkestan.  E  essa  rivali- 
dade anglo-russa,  na  Ásia  central,  esteve,  muitas  vezes, 
para  desencadear  a  guerra. 

Por  isso,  os  Inglezes  puzeram  o  khan  do  Belutchis- 
tan  debaixo  do  seu  protectorado.  Já  contra  o  emir  de 
Afganistan,  sustentado  secretamente  pelos  Russos, 
tinha  a  Inglaterra  enviado  numerosas  expedições,  algu- 
mas das  quaes  tiveram  um  fim  desastroso;  e  tanto  que, 
n'uma  d'ellas,  em  1812,  foram  mortos  17  mil  Inglezes. 
Mas,  em  1880,  depois  de  uma  guerra  de  dois  annos, 
esse  emir  foi  obrigado  a  acceitar  a  alliança  ingleza  e  a 
ceder  a  fronteira  scientifica,  isto  é,  o  accesso  dos  des- 
filadeiros que  levam  á  índia. 

Em  1885,  tendo  os  Russos  occupado  os  oásis  de 
Meru  e  Pendjeh,  no  caminho  do  Herat,  esteve  imminente 
uma  outra  guerra,  anglo-russa;  mas  o  conflicto  terminou 
pacificamente,  por  convenções  que  delimitaram  a  fron- 
teira russa-afaghan,  no  Turkestan  e  no  Pamir. 

Já  vimos  como  a  Rússia,  bloqueada  na  Europa,  tra- 
ctou  de  se  estender  na  Ásia.  E  as  suas  expedições  mili- 
tares continuaram  também  n'esta  época. 

Já  em  1866,  os  Russos  tinham  entrado  em  Samar- 
kand.  Em  1875,  entraram  em  Kiva;  em  1880-1881, 
tomaram  a  fortaleza  de  Turkmenes;  e  em  1884,  com 
a  occupação  de  Mery,  todo  o  Turkestan  se  tornou 
russo. 


68  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  construcção  do  caminho  de  ferro  transcaucasiano, 
de  que  fallaremos  no  capitulo  III,  foi  facilitando  a  con- 
quista e  a  colonisação. 

A  attitude  hostil  da  Inglaterra  forçou  os  Russos  a 
pararem  á  entrada  do  Afganistan,  mas  a  influencia 
d'estes  é  que  se  tornou  preponderante  na  Pérsia. 

Como  também  já  vimos,  os  Russos  foram  invadindo, 
pouco  a  pouco,  o  império  chinez,  para  se  approxima- 
rem  dos  mares  temperados. 

Assim,  os  Chinezes  foram  expulsos  primeiramente 
da  embocadura  do  Amur  (1852),  onde  foi  edificada 
Nicolaiewsk.  Depois,  em  1858-1860,  pelos  tratados  de 
Aigoun  e  de  Pekin,  tiveram  de  ceder  toda  a  costa, 
desde  Amur  até  á  Corea;  e  os  Russos  fundaram  na 
extremidade  meridional  d'esta  região  um  grande  porto 
de  guerra— Vladivostok.  Para  levarem  os  seus  sol- 
dados a  tão  grande  distancia,  construiram  á  pressa,  com 
dinheiro  francez,  os  8.000  kilometros  do  caminho  de 
ferro  transiberiano  (1897-1900).  Mas  Vladivostok  e 
Nicolaievsk  estavam  fechados  pelos  gelos  durante  o 
inverno;  e,  por  isso,  a  Rússia,  em  1898,  adquiriu  da 
China  uma  enseada  magnifica  e  livre,  á  entrada  do 
golfo  de  Petchili,  o  Porto  Arthur  \ 

Já  vimos  que  a  Cochinchina  em  1858  teve  de  ceder 
á  França  uma  parte  do  Delta  do  Mekong  com  o  porto 
Saigon  (1867).  O  rei  vizinho  de  Cambodje,  para  esca- 
par á  rivalidade  dos  Francezes,  collocou-se  logo  sob  o 


1     Pela  guerra  com  o  Japão  em  1904  e  1905,  a  Rússia  teve  de 
ceder  esse  porto  aos  Japonezes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  69 


protectorado  de  Sião  (1863);  e,  em  1867,  em  conse- 
quência dos  conflictos  com  os  Annamitas,  os  Francezes 
annexaram  três  novas  provincias  da  Cochinchina. 

Pensavam  elles  que  o  Mekong  podia  ser  uma  via 
de  penetração  na  China.  Mas  reconheceu-se  que  elle 
estava  erriçado  de  rápidos,  sendo,  por  isso,  uma  via 
muito  difficil;  e  que  havia  mais  ao  nascente  uma  outra 
bem  melhor — o  Sangkoi  ou  rio  Vermelho,  cujo  Delta 
forma  o  Tonkin. 

Alem  d'isso,  os  mandarins  annamitas  eram  hostis  aos 
Francezes,  e  o  Tonkin  era  percorrido  por  bandos  de 
guerreiros  chinezes,  chamados  pavilhões  negros,  o  que 
fez  suster  as  tentativas  da  França.  E,  então,  dois  fran- 
cezes, Dupesis  e  Garnier  conceberam  o  projecto  de 
conquistar  o  paiz;  e  sem  ordens  officiaes,  e  apenas  com 
um  punhado  de  homens,  apoderaram-se  audaciosamente 
do  Hanoi  e  de  todas  as  cidadellas  de  Tonkin. 

Desgraçadamente,  Garnier  foi  morto  pelos  pavilhões 
negros;  e  o  Governo  francez  teve  de  entregar  Tonkin 
aos  Annamitas  (1874),  contentando-se  com  a  liberdade 
commercial,  e  com  a  vaga  promessa  de  submissão  á 
França. 

Quando,  mais  tarde,  os  Francezes  quizeram  retomar  a 
politica  de  expansão  indo-chineza,  encontraram  maiores 
difficuldades,  porque  o  Annan  estava  ligado  á  China 
por  um  novo  tratado.  Em  1883,  pela  morte  do  com- 
mandante  Rivière,  que  fora  enviado  ao  Hanoi,  para 
proteger  os  Francezes,  a  França  mandou  uma  nova 
expedição,  que  bombardeou  Hué,  capital  do  Tonkin;  e, 
então,  o  imperador  dos  Annamitas  reconheceu  o  pro- 
tectorado francez,  e  entregou  Tonkin.  Mas  foi  preciso 
combater  em   seguida   a  China,  que  protestara  contra 


70  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


essa  entrega;  e,  só  depois  de  uma  lucta  por  mar  e 
por  terra,  é  que  ella,  n'esse  mesmo  anno  de  1885, 
pelo  tractado  de  Tien-Tsin,  abandonou  o  Tonlcin  á 
França. 

E  também,  depois  de  numerosos  conflictos  com  o 
Sião,  os  Francezes  estabeleceram  o  seu  protectorado 
sobre,  Laos  e  estenderam  a  sua  influencia  á  margem 
esquerda  do  Mekong  ^. 


1  Cezar  Cantu,  Historia  Universal,  traduzida  por  António 
Ennes.  —  Dr.  Jorge  Weber,  Historia  Universal,  traduzida  por  Delfim 
de  Almeida.  —  S.  Marcillac,  Manuel  dHistoire  Contemporaine. — 
Albert  Malet,  LEpoque  Contemporaine  et  Dixhuitieme  siècle  (Revo- 
lution  et  Empire). — Jules  Isaac,  Histoire  Contemporaine.  —  Raffy^ 
Repetitions  Ecrites  d' Histoire  Universelle. 


CAPITULO  II 
Explorações  e  Descobertas 

Priíicipaes   explorações  e  descobertas  na  Ásia,  Africa, 
America,  Oceauia  e  reg-iões  polares,  n'este  período. 

No  período  de  que  estamos  tractando,  o  mundo 
alargou-se  muitíssimo,  tanto  physícamente,  pelas  explo- 
rações e  descobertas,  como  também  moralmente,  pela 
evolução  social  e  intellectual.  Vejamos,  pois,  desde  já, 
quanto  ao  mundo  physíco,  as  principaes  d'essas  des- 
cobertas e  explorações. 

Começando  pela  Ásia  ^,  em  1801  a  1804,  Henrique 
Julío  Klaproth,  nascido  em  Berlim,  explorou  ao  serviço 
da  Rússia  parte  da  Sibéria,  e  d'ahi  passou  á  China, 
em  1806.  E,  n'uma  segunda  viagem,  explorou  também 
o  Cáucaso  e  a  Geórgia. 

O  allemão  Ulrico  Jasper  Seetzen,  em  1804  a  1811^ 
explorou  a  Syria  e  a  Palestina,  cuja  geografia  physíca 
não  estava  ainda  bem  estabelecida,  e  cujas  noções  eram 


1  Falíamos  das  explorações  da  Ásia.  Mas,  como  se  verá  no 
decorrer  d'este  estudo,  alguns  dos  seus  exploradores,  nas  respectivas 
expedições,  exploraram  e  visitaram  também  differentes  regiões  da 
Africa. 


72  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


ainda  extremamente  vagas.  Foi  o  primeiro  viajante 
europeu  que,  depois  de  Ludovino  Basthema  (1503), 
entrou  em  Meca.  Colheu  muitas  e  importantes  noticias 
sobre  as  regiões  que  percorreu,  e  falleceu  em  Saana, 
capital  de  Yemem,  em  1811. 

O  francez  Adriano  Dupré,  em  1807  e  1809,  percor- 
reu a  Pérsia,  e  publicou  um  livro  curioso  a  respeito 
d'essa  viagem. 

O  inglez  Luiz  Burchardt  ^  seguiu  as  pisadas  de 
Jasper  Seetzen,  tomando  o  nome  de  Ibralim-Ibn-Abdallh. 
Tinha  aprendido  a  lingua  árabe  em  Cambridge,  e  fez-se 
passar  por  um  indio  mussulmano. 

De  1809  a  1811,  residiu  em  Alep,  não  interrompendo 
os  seus  estudos  acerca  da  lingua  e  dos  costumes  syrios, 
senão  para  uma  excursão  de  seis  mezes  a  Damasco,  a 
Palmyra,  ao  Haouran  e  ás  cataratas.  E,  em  1813,  explo- 
rou as  margens  do  Nilo  na  Núbia,  e,  em  1814,  visitou 
Djeddale,  Meca  e  Medina. 

Em  1807,  o  Governo  de  Bengala  organisou  uma 
expedição  ás  fontes  de  Ganges,  composta  de  Web, 
Raper  e  Hearsay,  expedição  que,  em  1  de  abril  de  1808, 
chegou  a  Herduar. 

Também  em  1808,  a  Companhia  das  índias  enviou 
aos  emires  de  Sindhy  uma  embaixada,  composta  de 
Nicolau  Hankey  Smith,  Henny  Elis,  Roberto  Taylor  e 
Henrique  Pottinger,  sendo  a  escolta  commandada  pelo 
capitão  Carlos  Christie.  E  esta  embaixada  deu  em 
resultado  os  Inglezes  ficarem  conhecendo  melhor  um 
dos  seus  paizes  limitrofes. 


1     Luiz  Burchardt  nasceu  em  Lausanne,  mas  de  família  ingleza, 
e,  por  isso,  é  conhecido  como  inglez. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  73 


A  companhia,  muito  satisfeita  com  o  modo  como 
o  capitão  Christie  e  Henrique  Pottinger  procederam, 
confiou-lhes  outra  missão,  bem  mais  difficil,  a  saber: 
o  irem  por  terra  atravez  de  Belutchistan,  com  o  gene- 
ral Malcolim,  embaixador  da  Pérsia,  e  reunirem,  a 
respeito  d'este  vasto  e  extensíssimo  território,  dados 
mais  exactos  e  mais  completos  do  que  então  se  pos- 
suiam. 

E,  effectivamente,  elles  cumpriram  essa  missão,  por- 
que exploraram  o  Belutchistan  e  Afganistan,  fornecendo 
curiosas  noções  a  tal  respeito. 

Em  1808,  a  Inglaterra  enviou  uma  embaixada  ao 
rei  de  Cabul.  O  embaixador  escolhido  foi  Mounstuart 
Elphinstone,  que  deixou  uma  interessante  narrativa  da 
sua  missão,  e  muitas  informações  novas  acerca  desse 
paiz. 

Em  1812,  a  Companhia  determinou  também  a  via- 
gem de  Moorcroft  e  do  capitão  Harsay  ao  lago  Man- 
sarovar.  Tractava-se  desta  vez  de  trazer  um  rebanho 
de  cabras  de  Cachemira,  de  grandes  sedas,  cujo  pello 
servia  para  a  fabricação  d'esses  chalés  famosos  no 
mundo  inteiro;  e,  alem  d'isso,  de  desfazer  a  asserção 
dos  Indús  de  que  o  Ganges  tem  a  sua  origem  para  lá 
do  Himalaya,  no  lago  Mansarovar. 

Essa  missão  explorou  o  Himalaya  e  o  lago  Mansa- 
rovar, e  averiguou  que,  realmente,  o  Ganges  não  sahia 
d'esse  lago 

Em  1817,  Prazer,  também  inglez,  fez  uma  excur- 
são ao  Himalaya,  e  Hodgson  ás  nascentes  do  Ganges, 
colhendo  também  ambos  elles  noções  preciosas. 

Em  1808  e  1814,  John  Macdonald-Kinneir  percor- 
reu em  muitas  direcções  a  Ásia  Menor,  a  Arménia  e  o 


74  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Kurdistan;  e  Wiliam  Price,  na  mesma  época,  explorou 
a  Pérsia,  e  estudou  os  caracteres  cuneiformes. 

Em  1812,  Web  e  Moorcroft,  exploraram  também  o 
Himalaya.  E  Web  subiu  até  ao  Nitigrant,  a  collina  mais 
elevada  do  universo. 

Em  1819,  o  capitão  Sadler,  do  exercito  da  índia, 
atravessou  a  península  inteira  da  Arábia,  desde  o  porto 
de  El-Katif  ao  golfo  Pérsico,  e  até  Yambo,  no  Mar 
Vermelho.  Foi  o  primeiro  Europeu  que  fez  a  travessia 
da  Arábia. 

Em  1837,  o  allemão  bavaro  Heinrich  Shubert,  depois 
de  ter  percorrido  o  Egypto  inferior  e  a  peninsula  do 
Sinai,  penetrou  na  Terra  Santa,  e  dirigiu-se  com  uma 
pequena  caravana  árabe  a  El-Kalil,  o  antigo  Hebron. 

A  estrada  que  seguiu  não  fora  ainda  percorrida  por 
nenhum  europeu;  e  verificou  elle  que  o  lago  Asphaltit 
nunca  podia  despejar  no  Mar  Morto,  pela  razão  de  lhe 
ficar  em  nivel  muito  inferior,  pelo  menos,  seiscentos 
pés. 

Ao  mesmo  tempo,  o  estudo  physico  da  bacia  do 
Mar  Morto  era  completado  e  rectificado  por  dois  mis- 
sionários americanos,  Edward  Robinson  e  Eli  Smith. 
Mas  não  foi  só  essa  região,  tão  interessante  pelas 
recordações  que  evoca  em  todas  as  almas  christans, 
que  se  tornou  objecto  dos  estudos  dos  eruditos  e  dos 
viajantes.  Toda  a  Ásia  Menor  ia  em  breve  entregar-se 
á  curiosidade  do  mundo,  porque  os  viajantes  atraves- 
saram-na  em  todos  os  sentidos. 

Assim,  Eichwald,  em  1825  e  1826,  explorara  a 
margem  do  Mar  Caspio;  Perrot,  visitou  a  Arménia,  e 
Dubois  de  Montpéreux  percorreu  o  Cáucaso,  em  1839. 
Emfim,    o   allemão  Alexandre   de   Humbold,    graças   á 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  75. 


generosidade  do  imperador  Nicolau,  da  Rússia,  e  aju- 
dado de  outros  sábios,  completou,  na  parte  asiática 
russa  e  no  Ural,  as  observações  de  physica  geral  e  de 
geografia,  que  tão  corajosamente  fizera  já  no  Novo 
Mundo,  e  de  que  a  seu  tempo  fallaremos. 


* 
* 


Quanto  á  Africa  \  a  primeira  exploração  foi  ini- 
ciada por  Napoleão,  no  Egypto;  pois,  quando  invadiu 
esse  paiz,  rodeou-se  d'um  estado  maior  de  sábios  e  de 
artistas  distinctos,  para  o  estudarem  e  explorarem  devi- 
damente; e  essa  reunião  de  sábios  foi  que  primeiramente 
deu  uma  ideia  exacta  da  antiga  civilisação  do  Egypto. 
Mas  esta  iniciativa  de  Napoleão  ficou  depois  invali- 
dada; pois,  quando  elle  sacrificou  tudo  á  sua  paixão^ 
guerreira,  não  quiz  ouvir  fallar  mais  de  explorações,, 
viagens  ou  descobertas. 

Desde  1816  a  1824,  o  doutor  Oudney,  associado 
com  Clapperton  e  Denham,  todos  inglezes,  explorou 
o  Fezan,  no  paiz  dos  Tibus,  torneou  o  lago  Tchad, 
visitou  Kuka,  então  capital  do  Bornu,  e  as  principaes 
cidades  de  Bornu,  bem  como  o  paiz  de  Loggum  e 
Kano. 


1  Aconteceu  aqui  o  mesmo  que  já  expozemos,  quanto  á 
Ásia.  Muitos  exploradores  que  tiveram  principalmente  por  seu  pro- 
pósito explorar  regiões  africanóis,  exploraram  também  algnmas  re- 
giões de  outras  partes  do  mundo. 


76  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Clapperton,  voltando  á  Inglaterra,  preparou-se  para 
nova  expedição,  aggreg^ando  a  si  o  cirurgião  Dikson  e 
o  capitão  de  mar  e  guerra  Pearce,  e  também  o  cirur- 
gião de  marinha  Morrisson. 

Essa  expedição  chegou,  então,  a  Djannah;  e  ahi  mor- 
reram Pearce  e  Morrisson.  Mas  Clapperton  continuou 
na  expedição.  Demorou-se,  então,  em  Katunga,  onde 
residiu  algum  tempo.  Chegou  a  Bussa,  Demorou-se 
também  algum  tempo  em  Kulfa,  e  penetrou  por  fim  em 
Kano,  indo  morrer  a  Sokatu. 

O  seu  criado  Lander  continuou  as  explorações  no 
interior  da  Africa,  e  visitou  differentes  cidades  ou  re- 
giões como  Carto,  Gowgie,  Gatas,  Dandy,  Kulfa,  Bussa, 
Ouaoua  e  Badagry,  d'onde,  em  1828,  embarcou  para 
Londres. 

Em  1816,  o  francez  Mollien  tractou  de  pesquizar 
as  nascentes  dos  grandes  rios  do  Senegambia,  especial- 
mente do  Djoliba;  e  chegou  ás  nascentes  do  Gambia  e 
do  Rio  Grande,  e  depois  a  Timbu,  capital  de  Futa, 

Um  outro  explorador,  também  francez,  Renato  Cail- 
lié,  em  1816,  tractou  d'explorar  o  Senegal,  e  para  isso 
juntou-se  á  exploração  inglesa  do  major  Gray.  Mas  essa 
expedição  nada  aproveitou. 

Em  1827,  o  mesmo  Caillié  organisou  uma  nova 
expedição,  e  chegou  a  Tombuctu,  capital  do  Sudão,  e 
atravessou  a  Senegambia  até  Marrocos. 

O  inglez  Alexandre  Gordon  Laing  descobriu  a  fonte 
de  Djoliba.  Visitou  a  cidade  de  Ma-Boun;  bem  como 
as  fontes  do  Niger;    e,  afinal,  foi  morto  pelo  gentio. 

Ricardo  Lander  e  seu  irmão  John  Lander  chega- 
ram a  Katunga  e  a  Moussa,  onde  o  sultão  de  Borgu 
mandou  uma  escolta  ao  seu  encontro. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  77 


Chegaram  depois  a  Rabba,  na  ilha  da  Bibi,  que  é 
a  segunda  cidade  dos  Fellans,  e  ainda  depois  a  Sokatu, 
residência  do  rei.  Explorando  o  Niger,  a  que  os  indige- 
nas  chamavam  Djohba  ou  o  Kuara,  chegaram  também 
a  Egga. 

As  explorações  no  valle  do  Nilo  foram  egualmente 
objecto  de  assiduas  emprezas;  as  mais  importantes, 
porém,  foram  as  de  Frederico  Cailliaud,  Russeger  e 
Ruppel. 

Quanto  a  Frederico  Cailliaud,  francez,  fez  elle  a 
descoberta  em  Labarah  das  minas  de  esmeraldas,  men- 
cionadas pelos  auctores  árabes,  e  abandonadas  desde 
séculos;  encontrou  nas  escavações  da  montanha,  a  lâm- 
pada e  alavanca  e  as  cordas  e  instrumentos  que  tinham 
servido  para  a  exploração  d'essas  minas  pelos  operários 
de  Ptolomeu ;  e  descobriu  a  antiga  estrada  de  Coptos 
a  Berenice,  tão  importante  para  o  commercio  da  índia. 

Explorou  também  o  valle  do  Nilo,  levantando  mui- 
tas plantas,  desde  1819  a  1822;  e  visitou  muitos  oásis, 
onde  os  Europeus  até  então  tinham  ido. 

Algum  tempo  depois,  Eduardo  Ruppell  dedicou-se, 
durante  sete  ou  oito  annos,  á  exploração  da  Núbia,  do 
Sennaar,  do  Cordefan  e  da  Abyssinia ;  e,  em  1824,  subiu 
o  Nilo  Branco,  até  mais  de  sessenta  legoas  da  sua 
embocadura. 

Alem  d'isto,  o  naturalista  allemão,  José  Russegger, 
visitando  também,  desde  1830  a  1837,  a  parte  inferior 
do  curso  do  Bahr-el-Abiad  preludiava  com  essa  via- 
gem  official  os  grandes  e  profundos  conhecimentos  que 
Mehemet-Ali  ia  fazer  das  mesmas  regiões. 

A  expedição  do  Pleiad,  sob  a  direcção  do  Dr. 
Baíkie,  executada  de  julho  a  setembro  de  1854,  realisou 


"78  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


um  bom  reconhecimento  do  Kuara  inferior  e  do  seu 
grande  afluente,  o  Benué. 

Em  1849,  foi  confiada  pelo  governo  inglez  uma 
outra  expedição  a  James  Richardson,  que,  não  sendo 
homem  de  sciencia,  viu  a  necessidade  de  se  fazer  acom- 
panhar de  bons  exploradores.  E,  seguindo  o  conselho 
do  cavaleiro  Bunsen,  sábio  eminente,  que  occupava 
então  o  posto  de  embaixador  da  Prússia,  em  Londres, 
teve  de  pedil-os  á  Allemanha,  que  lhe  proporcionou  o 
Dr.  Overweg,  joven  naturalista  de  Hamburgo,  e  Hen- 
rique Barth,  seu  compatriota. 

Em  1850,  a  expedição  estava  reunida  em  Tripoli, 
prompta  a  entrar  no  Fezzan,  e  de  lá  nas  regiões  inte- 
riores. E  atravessou  o  paiz  de  Air  no  interior  do  Sahara, 
que  é  um  bello  e  grande  oásis  montanhoso  e  uma  ver- 
dadeira Suissa,  no  meio  do  deserto. 

Em  principio  de  1851,  Richardson  succumbiu  a  uma 
rápida  doença;  mas  esse  triste  acontecimento  não  enfra- 
queceu a  actividade  dos  dois  companheiros.  E,  n'esse 
mesmo  anno,  exploraram  elles  o  lago  Tchad  e  as  re- 
giões circumvisinhas  ao  S.  e  S.O.  Também  em  junho 
d'esse  anno,  Barth  foi  até  Adamâoua,  paiz  do  sul,  que 
é  atravessado  pelo  Benué,  rio  considerável,  que  se 
pode    considerar    como    um    braço    oriental    do    Kuara. 

Em  setembro  de  1852,  morreu  Overweg;  e  Barth, 
que  ficou  só,  fez  uma  longa  correria  no  O.,  explorando 
o   Sudão   ocidental,   que   Clapperton   já  tinha  visitado. 

Durante  mais  de  dois  annos,  o  ousado  viajante 
ficou  absolutamente  sequestrado  de  todas  as  noticias 
exteriores;  mas,  em  novembro  de  1854,  reappareceu 
em  Bornu,  tendo  estado  quasi  um  anno  em  Tombuctu. 
E  em   Bornu   encontrou  um  novo  companheiro,  que  a 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  79 


sociedade  geográfica  de  Londres  lhe  mandava  para 
substituir  Overweg.  Foi  Eduardo  Vogel,  seu  compa- 
triota, que  possuia  grandes  conhecimentos  de  historia 
natural,  e  que  tinha  a  pratica  de  observações  astro- 
nómicas. 

Vogel  chegou  a  Bornu,  em  1854;  e,  tendo  Barth 
deixado  essa  cidade,  em  1855,  ahi  ficou  elle  só,  por  sua 
vez.  Quiz  então  explorar  o  Sudão  oriental,  como  Barth 
tinha  feito  ao  occidental,  e  ir  a  Ouaday.  E  para  isso 
deixou  Kuka,  em  fevereiro  de  1856,  e  contornou  o  lago 
Tchad  pelo  sul,  para  subir  ao  N.O.,  com  direcção  a 
Ouaday.  Desde  este  momento,  porém,  não  houve  noti- 
cias d'elle. 

Em  1860,  organísou-se  em  Gotha  uma  larga  expe- 
dição, sob  a  direcção  de  M.  Heuglin,  que  já  tinha  uma 
longa  permanência  no  Sudão  egypcio.  E  todas  as  scien- 
cias  foram  representadas  n'esta  expedição,  que  devia  ir 
ao  mar  Vermelho,  pela  Alexandria  e  Suez,  e  do  mar 
Vermelho  a  Kharthum,  pelo  porto  de  Massâouah,  e  ás 
partes  pouco  conhecidas  da  Alta  Núbia,  que  confinam 
pelo  norte  com  a  Abyssinia.  De  Kharthum,  os  viajantes 
iriam  ao  Darfur  e  ao  Ouaday. 

Ao  mesmo  tempo,  um  viajante  isolado,  M.  Moritz 
de  Beurmann,  que  offerecera  expontaneamente  o  seu 
concurso  ao  convite  de  Gotha,  devia  ir  ao  encontro  de 
M.  Heuglin,  atravessando  o  Fezzan,  e  ganhando  o 
Bornu  para  seguir  d'ahi  ao  N.E.  para  o  Ouaday,  isto  é, 
tomando  o  mesmo  itenerario  que  Vogel  tinha  tomado. 

Beurmann  cahiu  sob  o  ferro  dos  assassinos,  como 
Vogel ;  e,  do  lado  do  Nilo,  a  expedição  principal  che- 
gou apenas  alem  de  Kharthum,  dissolvendo-se,  em  1862. 
Comtudo,  esta  expedição  allemã  não  foi  inútil  para  o 


80  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


adiantamento  da  geog^rafia  africanéi,  por  causa  dos 
trabalhos  preparatórios  que  produziu,  constatando  as 
noções  adquiridas  sobre  a  metade  oriental  da  Africa 
do  Norte,  e  bem  assim,  por  causa  dos  resultados  par- 
ciaes  que  teve,  relativamente  á  Núbia, 

Esta  região,  na  sua  parte  superior,  tinha  sido  visitada, 
em  1823,  também  por  Eduardo  Rijppel,  naturalista  alle- 
mão,  e,  em  1837  a  1838,  por  José  Russegger.  As  rela- 
ções que  este  explorador  deixou  da  sua  expedição  são 
excellentes;  e  Ruppel,  por  seu  lado,  reuniu  n'uma  serie 
de  noticias  a  collecção  de  seus  estudos  sobre  o  Don- 
golah,  Sennâar  e  Kordofan.  Foi  o  primeiro  Europeu 
que  viu  este  ultimo  paiz. 

A  origem  das  fontes  do  Nilo,  adormecida  desde 
muitos  annos,  tornou-se,  então,  uma  das  mais  ardentes 
questões  geográficas. 

Em  1840,  Mahomet-Ali,  o  reformador  do  Egypto, 
organisou  uma  expedição  para  explorar  essas  fontes. 
Sabe-se  hoje  que  o  Nilo  se  forma  em  Kharthum, 
pela  reunião  do  rio  Azul,  que  vem  do  coração  da 
Abyssinia,  e  do  rio  Branco,  reputado  pelos  indigenas 
como  o  ramo  principal.  Mas  esta  expedição,  depois 
de  ter  descoberto  o  Nilo  Branco,  não  pôde  subil-o 
em  todo  o  cucso,  por  causa  das  baixas  aguas.  Em 
todo  o  caso,  fundou  uma  missão  catholica  em  Gon- 
dokoro. 

De  1847  a  1852,  dois  jovens  missionários,  muito 
activos,  da  egreja  anglicana,  o  Dr.  Krapf  e  o  padre 
Rebmann  exploraram  as  paragens  da  Africa  tropical, 
que,  até  então,  defendidas  por  um  clima  perigoso  para 
os  Europeus,  e  pela  reputação  de  ferocidade  dos  povos 
do  interior,  era  uma  das  regiões  do  mundo  mais  com- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  81 


pletamente  ignoradas.  Alem  das  costas,  nada  se  conhe- 
cia; e  nenhum  viajante  tentara  ainda  atravessar  esta 
zona  temida. 

Entre  as  descobertas  dos  dois  activos  missionários, 
a  que  mais  retiniu  na  Europa,  foi  o  annuncio  de  dois 
picos,  cercados  de  neves  eternas,  a  320  kilometros, 
quasi  acima  da  costa,  e  não  longe  do  sul  do  equador. 

Este  facto  foi  depois  verificado,  em  1860  e  1861, 
pelo  barão  Decken,  viajante  allemão,  que  subiu  uma 
grande  parte  da  altura  do  Kilimandjaro,  e  cujas  explo- 
rações enriqueceram  a  carta  d'esta  região.  Mas  aquella 
noticia  produziu  ao  principio  taes  duvidas  e  sobresal- 
tos  na  Europa  que  a  Sociedade  de  Geografia  de 
Londres  elaborou  um  plano  explorador,  cuja  direcção 
confiou  a  Richard  Burton,  o  qual  associou  a  si  Speke. 

De  1857  a  1859,  esses  dois  exploradores  inglezes 
fizeram  uma  viagem  aos  grandes  lagos  da  Africa  aus- 
tral, e  descobriram  assim  o  Kazeh  ou  Tabora,  que  é  um 
dos  centros  mais  importantes  da  Africa  austral,  e  che- 
garam também  ao  lago  de  Tanganika  ou  Grande  Lago, 
que  os  árabes  chamam  Oudjidji  ou  Oudjiji,  do  nom.e  de 
uma  cidade  das  margens  orientaes.  Este  lago  é  pouco 
navegável  fora  da  costa,  por  causa  das  frequentes  tem- 
pestades que  levantam  a  agua,  muitas  vezes,  em  vagas 
de  quatro  metros  de  altura. 

Burton  achou-se  então  doente,  e,  não  pôde  seguir 
para  o  norte.  Seguiu,  por  isto,  somente  Speke,  e  des- 
cobriu mais  o  lago  Nyansa,  a  que  chamou  Victoria 
Nyansa. 

Com  um  novo  auxiliar,  o  capitão  Grant,  o  mesmo 
Speke  emprehendeu,  em  1860,  uma  segunda  expedição, 
para    proseguir    no   reconhecimento   do   lago   Victoria- 

Volume  VI  6 


82  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


Nyansa;  e  verificou,  assim,  que  esse  lago  estava  em 
communicação  directa  com  o  Nilo  Branco. 

Os  dois  viajantes,  em  fevereiro  de  1863,  encontraram, 
em  Gondokoro,  Samuel  Baker,  que  tinha  feito  a  sua 
exploração  pelos  altos  paizes  do  Nilo.  E,  partindo  os 
outros  dois  para  a  Europa,  Baker  continuou  com  sua 
joven  esposa  nas  explorações;  de  modo  que  chegou 
ao  lago,  já  assignalado  por  Speke,  sob  o  nome  de 
Luta-Nzighé,  que  elle  chamou  Alberto  Nyansa,  e  con- 
siderou como  a  segunda  fonte  do  Nilo. 

Em  1852,  Livingstone,  missionário  protestante  es- 
cossez,  emprehendeu  a  primeira  viagem  de  exploração. 
N'esta  primeira  viagem,  que  durou  de  1852  a  1856,  foi 
do  centro  do  continente  austral,  onde  chegou  pelo 
sul,  isto  é,  desde  o  Cabo  da  Boa  Esperança,  pelo  lago 
Ngami,  até  Lynianti;  e  de  lá  até  á  costa  Occidental,  a  10 
graus  de  latitude  sul. 

Na  segunda  expedição,  em  1858,  explorou  a  bacia 
do  Zambeze,  e,  sobretudo,  o  valle  do  rio  Chire, 
affluente  do  Zambeze;  e  chegou,  em  2  de  setembro 
de  1861,  ao  lago  Nyassa  ou  Maravi,  tão  grande  como 
o  Tanganika. 

A  terceira  e  ultima  viagem  foi  emprehendida,  em 
1865.  Independentemente  de  suas  vistas  philantropicas 
acerca  da  extincção  da  escravatura,  esta  viagem  teve 
por  objecto  a  exploração  de  todo  o  espaço  comprehen- 
dido  entre  o  delta  do  Zambeze  e  as  paragens  de 
Zanzibar,  e  também  o  complemento  da  exploração  do 
Nyassa  e  da  região  dos  grandes  lagos. 

Durante  quatro  annos,  não  houve  noticias  d'elle. 
A  sociedade  de  geografia  de  Londres  organisou,  pri- 
meiramente,  uma  expedição,  commandada  por  Young, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  83 


que  adquiriu  a  convicção  de  que  Livingstone  vivia 
ainda,  e  que  devia  estar  perto  do  sul  do  lago  Tanga- 
nika.  E  organisou  depois,  em  Londres,  em  1872,  uma 
outra  expedição  para  o  descobrir,  formada  por  dois 
officiaes  de  marinha  Dawson  e  Kenn,  e  por  Osvald 
Uvingstone,  filho  do  mesmo  illustre  explorador.  Esta 
expedição,  porém,  baldou-se  completamente. 

Henrique  Stanley,  repórter  de  um  jornal  americano,  o 
New-York- Herald,  foi,  então,  chamado  a  Pariz  pelo  seu 
director,  que  se  achava  lá;  e  esse  director  encarregou-o 
de  ir  descobrir  Livingstone.  E,  de  facto,  este  o  des- 
cobriu, encontrando-o  ao  pé  do  lago  Tanganika. 

O  Dr.  Schweinfurth,  de  origem  allemã,  embora  nas- 
cido em  Riga  (Rússia),  tentou  descobrir  pelo  norte  as 
origens  do  Nilo,  que  Livingstone  procurara  pelo  sul; 
e  n'essa  tentativa  estudou  as  regiões  que  ficam  acima 
de  Kharthum  e  os  povos  Nouèrs,  Dinkas,  Chilluks, 
Bongos,  Mittus,  Niams-Niams  e  Mombutus. 

Em  1869  a  1874,  o  Dr.  Nachtigal  visitou  as  regiões 
dos  Tibbus,  chamadas  Tibesti,  Kânen,  Borku,  e  outras 
do  interior. 

O  escossez  Cameron,  que  foi  também  em  procura 
de  Livingstone,  de  cuja  morte  teve  noticia  durante  a 
expedição,  foi  o  primeiro  europeu  que  pôde  conseguir 
atravessar,  de  um  lado  a  outro,  a  parte  equatorial  da 
Africa,  entre  o  5.°  e  o  IO.'*  graus  de  latitude  Sul.  Fez 
essa  travessia,  partindo  de  este  para  oeste,  e  recolheu 
muitas  e  valiosas  noções  para  a  geografia  d'essa 
época. 

M.  Alexandre  Marche,  e  o  seu  amigo  Marquez  de 
Compiegne,  foram  também  os  primeiros  que  tentaram 
subir  o  rio  Ogowai  ou  Ogôoue,  até  160  kilometros  da 


84  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


sua  embocadura.  E,  desde  1872  a  1874,  as  suas  viagens, 
que  duraram  dois  annos,  deram  noticias,  também  muito 
proveitosas  á  g-eografia. 

Depois,  em  1875,  uma  expedição,  composta  de  M.  M. 
Marche,  Brazza  e  Ballay,  subiu  egualmente  o  Ogôoue,  e 
penetrou  no  interior  da  Africa. 

Em  1874,  Stanley,  fez  uma  segunda  viagem,  também 
no  interior  da  Africa,  e  reconheceu  bem  o  lago  Tan- 
ganika  e  as  regiões  circumvizinhas. 

Houve  ainda  outras  expedições  ou  viagens  menos 
importantes,  como  a  de  Samuel  Baker,  Gordon,  Linant 
de  Bellefonds,  e  Heuglin  (Martin  Theodoro);  a  expedi- 
ção italiana  na  Africa  equatorial;  a  de  Durmaux-Duperé, 
de  Soleillet,  de  Largeau,  do  Dr.  Ervin,  de  Von  Bary,  de 
Bonnat,  e  do  allemão  Dr.  Lens. 

Serpa  Pinto,  portuguez,  fez  a  travessia  de  Angola  a 
Cafreria.  Capello  e  Ivens,  também  portuguezes,  explora- 
ram as  possessões  portuguezas  ultramarinas  de  Angola  e 
Moçambique.  E,  ainda  outro  portuguez.  Silva  Porto,  de 
1879  a  1890,  foi  de  costa  a  contra  costa,  de  Benguella  a 
Cabo  Delgado. 


Quanto  á  America,  no  principio  do  século  XIX,  o 
capitão  Meryweather  Lewis  e  o  tenente  Wiliam  Clarcke 
foram  encarregados  pelo  congresso  dos  Estados  Unidos 
de  reconhecer  o  Missouri,  desde  a  sua  foz  no  Mississip^ 
até  á  nascente,  e  atravessar  as  montanhas  Rochosasi 
pelo  caminho  mais  curto  e  mais  fácil,  que  puzesse  em 
communicação  o  golfo  do  México  e  o  Pacifico. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  85 

Em  14  de  Maio  de  1803,  deixaram  elles  o  Wood-Ri- 
ver,  que  se  lança  no  Mississipi  para  entrar  no  Missouri, 
e  foram  explorando  as  regiões  por  onde  passavam, 
assim  como  as  regiões  do  Yellow-Stone,  rio  quasi  tão 
grande  como  o  Missouri.  E  ainda  depois,  descendo 
pelo    rio   Colômbia,    exploraram   também    a   sua   bacia. 

Em  1807,  um  joven  official,  o  tenente  Zabulon 
Montgomery  Pike,  foi  encarregado  também  pelo  governo 
dos  Estados  Unidos  de  reconhecer  as  nascentes  do 
Mississipi;  e,  realmente,  explorou  não  só  essas  nascen- 
tes, mas  outras  muitas  regiões  d'esse  rio. 

Daniel  Wilians  Harmon,  associado  da  Companhia 
do  Noroeste,  explorou  os  lagos  Huron,  o  Superior, 
o  das  Chuvas,  o  dos  Bosques,  o  Monitoba,  Winnipeg, 
Athabasca  e  do  Grand  Urso,  e  chegou  ao  Oceano 
Pacifico. 

Em  1819,  o  major  Long  foi  incumbido  pelos  Estados 
Unidos  de  explorar  o  paiz  situado  entre  as  Montanhas 
Rochosas  e  reconhecer  o  curso  do  Missouri  e  dos  seus 
principaes  afluentes.  E  a  sua  expedição,  n'esse  mesmo 
anno,  reconheceu  effectivamente  aquelle  curso,  e  explo- 
rou muitas  d'aquellas  regiões. 

A  exploração  do  Mississipi,  abandonada  desde  a 
expedição  do  Montgomery  Pike,  foi  retomada,  em  1820, 
pelo  general  Cass,  que  explorou  parte  d'elle,  e  chegou 
ao  lago  Winnipeg. 

Em  1831,  Schoolcraft,  partindo  de  Santa  Maria, 
visitou  as  tribus  do  lago  Superior,  entrou  logo  no  rio 
de  S.  Luiz,  e  chegou  aos  lagos  Báculo,  Winnipeg,  Cass, 
Tascodiac,  Travers,  Marquette,  Lassalle,  Kubbakunna, 
Itasca  ou  da  Corça;  e  explorou  também  o  Mississipi, 
desde  o  nascente  até  á  Foz. 


86  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Enfim,  em  1831,  o  capitão  Wyeth  e  seu  irmão  explo- 
raram o  Oregon  e  a  parte  vizinha  das  montanhas 
RochosaSv-'i  Humeldt  fez  longa  permanência  na  America 
Central,  e  forneceu  informações  muito  importantes 
acerca  d'ella. 

è 

Quanto  á  America  do  Sul,  em  1815,  um  g-eneral 
prussiano,  o  principe  de  Wied-Neuwied,  em  compa- 
nhia dos  naturalistas  Freirciss  e  Sellow  fez  uma  viagem 
d'exploração,  nas  provincias  interiores  do  Brazil.  E, 
annos  depois,  o  naturalista  francez  Alcides  d'Orbigny, 
durante  oito  annos  consecutivos,  percorreu  o  Brazil,  o 
Urug-uay,  a  republica  Argentina,  a  Patagonia,  o  Chili, 
a  Bolivia  e  o  Peru. 


* 
* 


Na  Oceania,  no  principio  do  século  XIX,  um  dos 
maiores  colonisadores  de  que  a  Inglaterra  pôde  orgu- 
Ihar-se,  Stamfort  Raffles  explorou  Java,  e  deu  impor- 
tantes noticias  sobre  o  interior,  até  então  pouco  conhe- 
cido. Foi  também  o  primeiro  viajante  que  penetrou  no 
interior  da  Sumatra. 


* 

* 


Houve  egualmente  n'este  século  XIX,  differentes  via- 
gens de  circumnavegação,  como  a  dos  russos  Adão 
João  de  Krusenstern,  em  1803  a  1806;  Othon  Kotzebue, 
em  1815  e  1818;  Frederico  WiUiam  Beechey,  de  1825 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  87 


e  1827,  e  Lutké,  desde  1828  e  1829;  a  dos  Francezes 
Luís  Cláudio  de  Saulces  de  Freycinet,  desde  1817 
e  1821,  Duperrey  e  Dumont  de  Urville  acamaradados, 
desde  1822  a  1825,  BougainviUe,  de  1824  a  1826,  e 
outra  vez  Dumont  de  Urville,  de  1826  a  1829. 


Quanto  ás  expedições  polares,  no  principio  do 
século  XIX,  os  geógrafos  começaram  a  discutir  a  pos- 
sibilidade e  as  vantagens  de  uma  passagem,  condu- 
zindo dos  portos  da  Europa  aos  da  China,  pelo  norte 
da  America  e  estreito  de  Behring. 

Para  isso,  tractou-se  de  observar  as  mudanças 
imprevistas  que  as  estações  e  os  gelos  experimentam 
nos  mares  polares. 

Wiliam  Scoresby,  simples  baleeiro,  foi  o  primeiro 
que  assignalou  á  Europa  sabia  quaes  eram  essas  mudan- 
ças. No  estio  de  1816,  elle  pôde  aterrar  na  costa  orien- 
tal da  Goenlandia,  fechada  até  então  aos  navegadores 
modernos,  correr  as  costas  d'essa  região  em  muitos 
graus  de  latitude,  e  verificar  o  deslocamento  de  cinco 
a  seis  mil  legoas  quadradas  de  gelo. 

Em  vista  de  uma  memoria,  redigida  por  elle,  o  almi- 
rantado  inglez,  fez  partir  quatro  navios,  divididos  em 
duas  expedições,  que  deviam  operar  concorrentemente. 
A  primeira  tinha  por  fim  procurar  a  passagem  pela 
bahia  de  Baffin ;  e  a  segunda,  abrir  directamente  um 
caminho  pelo  estreito  de  Behring,  navegando  dire- 
ctamente para  o  norte  de  Spitzbergen. 


88  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Os  nomes  dos  commandantes  d'estes  quatro  navios 
teem  ficado  celebres.  Foram,  para  os  navios  destina- 
dos á  bahia  de  Baffin,  John  Ross  e  Edward  Parry,  e, 
para  a  expedição  no  Mar  Glacial,  David  Buchan  e  John 
Franklin. 

A  primeira  expedição  chegou  á  Goenlandia,  ao 
sitio,  onde,  nove  séculos  antes,  os  Scandinavos  tinham 
baptisado  essa  terra  com  o  nome  de  Terra  Verde 
(Groenlândia),  e  onde,  segundo  as  chronicas  irlan- 
dezas,  nos  séculos  X  a  XIV,  floresciam,  sob  a  tu- 
tella  dos  bispos  de  Cardar,  as  duzentas  aldeias  do 
Oster  e  Wester  Bydg,  povos  de  ricos  e  ousados  colo- 
nos, com  relações  com  a  mãe  pátria  e  com  as  cos- 
tas americanas.  Hoje  ha  apenas  simples  vestigios  de 
Cardar. 

As  expedições  ahi  communicaram  com  os  Esqui- 
mós. O  capitão  Ross  deu  a  esta  região  o  nome  de 
Hylands- Ar  diques,  e  seguiu  a  costa  na  direcção  de 
nordoeste,  entrando  no  estreito  Lancastre,  e  voltando 
em  seguida  para  Inglaterra. 

Houve  depois  a  expedição  de  Franklin  que,  em  1819, 
embarcou  em  direcção  á  bahia  de  Hudson.  Chegou 
apenas  ao  ponto  conhecido  pelo  cabo  de  Tarnagain,  e 
teve  de  voltar,  em  1822,  podendo,  depois  de  muitos 
perigos  e  incidentes,  chegar  á  Inglaterra. 

A  expedição  de  Parry,  depois  de  verificar  a  exis- 
tência dos  estreitos  do  Principe  Regente  e  de  Barrow, 
foi  levada  pelo  mar  para  as  ilhas  chamadas  hoje 
Archipelago  de  Parry,  onde  as  principaes  receberam 
d'este  navegador  os  nomes  de  Cornwallis,  Bathurst 
e  Melville.  Entre  ellas,  penetram  ao  norte  na  bacia 
polar,  muitos  canaes,  o  principal  dos  quaes  foi   bapti- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  89 


sado  com  o  nome  de  Wellington.  A  expedição  chegou 
depois  a  75°  de  latitude  norte,  logar  que  Parry  chamou 
Bushnan-Cove. 

Desde  1821-1823,  Parry,  acompanhado  do  capitão 
Lyon,  tentou  outra  expedição,  que  entrou  na  bahia  de 
Hudson.  Entrou  depois  também  no  estreito  de  Fox,  e 
dirig-iu-se,  costeando  pelo  este  e  norte  da  grande  ilha 
de  Southampton,  para  a  bahia  Repulsa.  Invernou  na 
ilha  de  Winter,  dobrou  depois  o  cabo  Penrhym,  a 
peninsula  Amiticki,  um  pequeno  grupo  de  ilhas  que 
designou   sob   o   nome  Ouglit,  e  tocou  a  ilha  Igloulik. 

Houve  uma  segunda  viagem  de  Franklin,  em  1825, 
na  qual  tocou  o  rio  Makensie,  e,  levado  pelas  suas 
aguas,  desceu  ao  mar  polar. 

Em  1827,  voltou  á  Inglaterra,  sem  ter  conseguido 
ultrapassar  o  circulo  polar.  O  mesmo  aconteceu  ao  seu 
antigo  logar-tenente  Beechey,  que  emprehendeu  tam- 
bém uma  viagem,  com  destino  ao  polo  artico. 

João  Ross  (1829-1833),  percorreu  de  novo  as  regiões 
boreaes,  descobriu  a  peninsula  Boothia  Félix  e  o  polo 
magnético,  e  tomou  posse  d'elle  em  nome  de  Gui- 
lherme IV. 

O  capitão  Back  (1833-1835)  descobriu  o  grande 
rio  de  Poisson ;  e,  entrando  nos  gelos,  explorou  uma 
parte  das  regiões  articas;  e  os  nomes  de  Corkburn, 
Beaufort,  Barrow  e  Richardson  que  rodeiam  o  nome 
real  de  Victoria,  dado  ao  promontório,  o  mais  notável 
d'estas  paragens,  tornaram-se  os  monumentos  mais  notá- 
veis da  passagem  d'elle. 

Mac  Clure,  em  1850,  descobriu  a  passagem  de 
NO.  do  Oceano  Atlântico  para  o  Pacifico,  pelas  zonas 
boreaes. 


90  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Em  1853,  Kane  chegou  até  80°  N.,  no  estreito  que 
que  fecha  o  Estado  de  Groenlândia;  e  Hayes,  na  mesma 
direcção,  adiantou-se  até  81", 35  N. 

A  passagem  do  NE.  (communicação  pelo  este  entre 
o  Atlântico  e  o  Pacifico)  tentou  também  muitos  explo- 
radores do  século  XIX. 

Assim,  uma  expedição  austriaca,  sob  o  commando 
de  Payer  e  Weyprecht,  descobriu  o  archipelago  Fran- 
cisco José,  alem  de  Spitzbergen.  Mas  á  expedição  de 
A.  E.  Nordenskjõld  é  que  estava  reservada  a  honra 
d'esta  longa  travessia,  no  navio  A  Vega. 

Essa  expedição  deixou  Tromsô,  em  21  de  julho 
de  1878;  dobrou  o  cabo  Tscheljuskin;  reconheceu  a 
embocadura  do  Lena;  e,  depois  de  vários  incidentes, 
penetrou  no  estreito  de  Behring.  A  passagem  de  NO. 
ficou  assim  realisada. 

Em  1879,  de  Long  fez  outra  expedição  no  navio 
Jeannete,  com  o  fim  de  encontrar  uma  via  navegável 
da  costa  americana  á  Sibéria,  e  de  explorar  especial- 
mente a  Terra  de  Wrangel.  N'este  sentido,  em  agosto 
d'esse  anno,  partiu  de  S.  Francisco.  Em  1881,  des- 
cobriu a  ilha  Jeannete,  a  ilha  Henriette,  e  a  ilha  de 
Bennet,  onde  falleceu  de  naufrágio,  a  13  de  junho 
de  1881. 

Em  consequência  d'este  desastre,  o  polo  norte  foi 
abandonado  por  alguns  annos.  Mas  foi  posto  nova- 
mente na  ordem  do  dia,  pela  expedição  do  norueguez 
Fridtjot  Nansen. 

Partiu  elle  da  Noruega  sobre  o  Fram,  em  julho 
de  1893,  com  o  fim  de  se  deixar  arrastar  pela  cor- 
rente polar,  que,  segundo  as  previsões,  devia  atravessar 
o  polo  e  ir  dar  á  Groenlândia  meridional. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  91' 


E  tendo-se-lhe  juntado  a  expedição  de  Joansen, 
dirigiu-se  para  o  extremo  norte  em  trenós,  a  partir  de 
14  de  março  de  1895,  e  attingiu  86",14'  N.  Depois,  os 
dois  exploradores  retiraram-se  para  a  terra  de  Francisco 
José,  e  invernaram  n'este  archipelago. 

A  7  de  agosto  de  1896,  ambos  elles  embarca- 
ram no  cabo  Flora,  a  bordo  do  Windward.  E  o 
Fram,  por  seu  lado,  em  outubro  de  1895,  attingiu 
uma  alta  latitude,  a  de  85°,57'  N. 

Por  esta  expedição,  verificou-se  um  vasto  desloca- 
mento dos  gelos  desde  as  ilhas  da  Nova  Sibéria  até  á 
Groenlândia  oriental.  A  expedição  de  Nansen  foi  a 
primeira  que  se  manteve  durante  um  anno  em  latitudes 
que  variavam  de  83°  a  86°,  e  os  dados  scientificos  que 
ella  recolheu,  são  de  grande  interesse.  As  sondagens,  mi- 
nuciosamente effectuadas,  demonstraram  que  o  Oceano 
glacial  constitue  uma  depressão  considerável  da  crosta 
terrestre. 

Jackson,  em  1895-1896,  explorou  também  a  terra  de 
Francisco  José. 

Andrée,  em  1897,  concebeu  o  projecto  de  ir  ao  polo 
em  balão.  E  deixou,  assim,  em  balão,  com  Frânkel  e 
Strindberg,  a  ilha  dos  Ursos;  mas  a  empreza  falhou,  e 
os  aeronautas  tiveram  um  fim  desgraçado. 

Em  1898,  Wellmann,  tentando  também  ir  ao  polo  em 
balão,  o  que  não  pôde  conseguir,  descobriu  muitas 
ilhas,  especialmente,  a  terra  do  Graham. 

Em  1899,  o  duque  dos  Abruzzos  deixou  a  No- 
ruega, sobre  a  Stella  Polare;  explorou  o  norte  da 
terra  de  Francisco  José;  e  invernou  na  terra  do  prín- 
cipe Rodolfo.  E  o  capitão  Cagni  adiantou-se  em  tre- 
nós até  86°,33. 


■92  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


* 
*  * 

Quanto  aos  mares  polares  no  sul,  em  1818,  Wiliam 
Smith,  vindo  de  Montevideu  para  Valparaiso,  descobriu 
as  Shetlands  do  sul,  terras  áridas  e  nuas,  alcatifadas  de 
neve,  mas  onde  se  repotreavam  immensos  rebanhos  de 
vitellas  marinhas,  que,  até  então,  se  não  tinham  encon- 
trado nos  mares  do  sul. 

Sabendo  isto,  os  baleeiros  apressaram-se  a  visitar 
essas  paragens;  e,  em  pouco  tempo,  se  fez  o  desco- 
brimento das  doze  ilhas  principaes  e  de  innumeraveis 
rochedos,    quasi    inteiramente   privados    de   vegetação. 

Dois  annos  depois,  Botwel  descobriu  as  Orcades 
meridionaes;  e,  depois,  na  mesma  latitude,  Palmer  e 
outros  baleeiros  entreviram  ou  julgaram  reconhecer 
as  terras  que  receberam  o  nome  de  Palmer  e  de 
Trindade. 

Em  1819,  o  capitão  Bellingshausen  e  o  tenente 
Lazarew,  ambos  russos,  reconheceram  a  Geórgia  meri- 
dional; e,  sete  dias  depois,  descobriram  a  sueste  uma 
ilha  vulcânica,  dando-lhe  o  nome  de  Traversay,  cuja 
posição  fixaram  a  52", 15  de  latitude  e  27  21,  de  longi- 
tude do  meridiano  de  Paris.  Depois  d'isso,  fizeram  no 
porto  de  Jakson  os  concertos  necessários,  e  foram 
direitos  ao  sul,  até  70". 

Ainda  Bellingshausen,  no  verão  de  1820,  descobriu 
nos  mares  oceânicos  17  ilhas  novas.  E,  tendo  voltado 
a  Fort  Jakson,  n'esse  mesmo  anno,  fez  nova  expedição; 
de  modo  que,  em  janeiro  de  1821,  chegou  a  70"  de 
latitude,  e  descobriu  uma  ilha  que  recebeu  o  nome  de 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  95 


Pedro  I,  a  terra  mais  meridional  que,  então,  se  conhe- 
cia; e  descobriu  também  uma  nova  terra,  que  foi  cha- 
mada a  Terra  de  Alexandre  II. 

Weddell,  inglez,  descobriu  o  archipelago  a  que  deu 
o  nome  de  Orcades  austraes,  e  internou-se  no  polo,. 
214  milhas  mais  longe  que  todos  os  seus  predecesso- 
res. Deu  também,  o  nome  de  Jorge  IV,  á  parte  do  mar 
austral  que  elle  explorou.  E  coisa  singular,  os  gelos 
tinham  diminuído  á  proporção  que  se  caminhava  mais 
para  o  sul ;  as  tempestades  e  os  nevoeiros  eram  conti- 
nuados ;  a  atmosphera  estava  constantemente  carregada 
de  uma  humidade  compacta;  e  o  mar  era  profundo  e 
aberto,  e  a  temperatura  singularmente  amena! 

Em  1830,  o  baleeiro  John  Biscoê,  inglez,  chegou 
até  68'',51  de  latitude  e  10"  de  longitude  oriental,  onde 
todos  os  indícios  mostravam  a  vizinhança  de  uma  grande 
terra.  Mas  o  gelo  prohibiu-lhes  o  continuarem  para  o 
sul;  e,  por  isso,  Biscoé  teve  de  proseguir  no  seu  caminho 
para  oeste,  approximando-se  do  circulo  polar.  Emfim, 
a  27  de  fevereiro  d'esse  anno,  viu  muito  distinctamente 
uma  terra  de  uma  extensão  considerável,  montanhosa  e 
coberta  de  neve,  a  que  poz  o  nome  de  Enderby,  não 
podendo  aportar  lá  por  estar  completamente  rodeada 
de  gelos. 

Depois,  a  66",27'  de  latitude  e  84°,10'  de  longitude, 
reconheceu  uma  ilha,  a  que  poz  o  nome  de  Adelaide. 

Controvérsias  animadíssimas  se  tinham  manifestado 
depois  d'esta  viagem,  acerca  da  existência  de  um  conti- 
nente austral,  e  da  possibilidade  de  navegar  para  alem  de 
uma  primeira  barreira  de  gelos,  possibilidade  já  demons- 
trada pelas  ilhas  descobertas.  Por  isso,  três  potencias 
resolveram,  na  mesma  época,  enviar  uma  expedição. 


«94  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  França  confiou  o  commando  da  sua  a  Dumont 
d'Urville,  a  Inglaterra  a  James  Boss,  e  os  Estados 
Unidos  ao  tenente  Carlos  Wilkes. 

Este  ultimo  reconheceu  a  terra  de  Palmer,  n'uma 
extensão  de  30  milhas,  até  ao  ponto  em  que  ella  vira 
para  S.E.,  ponto  a  que  deu  o  nome  de  Cabo  Hope. 
E  entrou  na  bahia  a  que  deu  o  nome  de  bahia  de 
Pinners. 

Ao  mesmo  tempo,  no  principio  de  1839,  Balleny 
concorria  com  o  seu  quinhão  para  o  reconhecimento 
das  terras  antarticas.  Tendo  partido  da  ilha  Campbell, 
ao  sul  da  Nova  Zelândia,  chegou  a  61°, 5^  de  latitude 
e  164'',25'  de  longitude,  a  O  do  meridiano  de  Pariz. 
Seguindo,  então,  o  seu  caminho  para  O,  reconheceu 
muitos  indicios-  de  vizinhança  de  terra,  e  descobriu  a 
sudoeste  uma  faxa  negra  que,  vista  ás  seis  horas  da 
tarde,  não  podia  deixar  de  ser  considerada  como  terra. 
Eram  três  ilhas  consideráveis,  das  quaes  a  mais  Occi- 
dental, a  mais  comprida,  recebeu  o  nome  de  Belleny. 
Mas  não  pôde  apportar  a  nenhuma  d'ellas,  por  causa 
do  gelo. 

Depois,  descobriu  também  outra  ilha,  a  que  poz  o 
nome  de  Sabrina. 

Em  1837,  partiu  também  Dumont  d'Urville  para  a 
sua  expedição.  Depois  de  ter  atravessado  varias  regiões 
de  gelos  soltos,  que  elle  foi  quebrando,  de  modo  a 
seguir  viagem,  as  corvetas  puderam  encontrar-se  de 
novo  n'um  mar  inteiramente  livre,  a  62",9'  de  latitude 
e  39°,22  de  longitude  O. 

No  parallelo  62'',57',  reconheceu  primeiramente  uma 
terra  baixa,  a  que  deu  o  nome  de  terra  de  Joinville; 
mais  adiante,  uma  grande  terra  montanhosa,  a  que  cha- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  95 


mou  Terra  de  Luiz  Fillipe;  e  entre  ellas,  no  meio  de 
uma  espécie  de  canal,  atulhado  de  gelos,  uma  ilha,  a 
que  deu  o  nome  de  Rosamel. 

Ainda  depois  disso,  reconheceu,  a  distancia  da  terra 
de  Luiz  Fillipe,  uma  ilha  que  recebeu  o  nome  de  Astrolábio. 

No  dia  seguinte,  fez-se  o  levantamento  d'uma  grande 
bahia  ou  antes  d'um  canal,  a  que  se  deu  o  nome  de 
canal  dOrleans,  entre  a  Terra  de  Luiz  Filippe  e  uma 
banda  alta  e  pedregosa,  que  devia  ser,  no  intender  de 
Urville,  o  começo  das  terras  da  Trindade,  traçadas  até 
então  muito  incorrectamente. 

Dando  ahi  como  terminada  essa  expedição,  veiu 
a  Batavia;  e,  em  1  de  janeiro  de  1840,  fez-se  de  vela 
para  uma  nova  expedição,  atravez  também  das  regiões 
antarticas. 

N'esta  expedição,  os  expedicionários  visitaram  uma 
nova  terra,  que  recebeu  o  nome  de  Adélia,  onde  des- 
embarcaram. 

Sabendo  que  os  Estados  Unidos  tinham  organisado 
em  mui  larga  escala  uma  outra  expedição  de  descober- 
tas, a  Inglaterra  sobresaltou-se,  e  debaixo  da  pressão  de 
sociedades  eruditas,  resolveu  enviar  também  uma  expe- 
dição sua  ás  regiões,  onde,  depois  de  Cook,  somente  se 
tinham  aventurado  os  capitães  Wedel  e  Biscoé. 

O  escolhido  para  essa  expedição  foi  James  Clark 
Ross,  que  era  sobrinho  do  famoso  James  Ross,  explo- 
rador da  bahia  de  Baffin. 

Assim,  dois  navios,  o  Erebus  e  o  Terror,  debaixo  do 
commando  d'elle  Ross  e  de  Crozier,  deixaram  a  Ingla- 
terra, em  29  de  setembro  de  1839. 

Em  1  de  janeiro  de  1841,  a  expedição  chegou  a  mais 
de  62",  e  atravessou  alli  o  circulo  polar. 


96  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  11  de  janeiro,  avistou-se  terra,  a  cem  milhas  pela 
proa  em  70",47'  de  latitude  sul  e  a  172",36'  de  longi- 
tude oeste.  Nunca  se  vira  terra  tão  meridional. 

Recebeu  ella  o  nome  de  Victoria,  e  uma  sua  cordi- 
lheira, o  nome  de  Cordilheira  do  Almirantado.  Havia 
ao  sueste  alg-umas  pequenas  ilhas,  de  que  Ross  tomou 
posse,  em  nome  da  Inglaterra. 

A  23  de  janeiro,  a  expedição  passou  para  diante 
de  74°  de  latitude,  a  mais  austral  que  até  então  se 
attingira. 

Descobriu  depois  uma  pequena  ilha  a  que  deu  o 
nome  de  Franklin,  situada  a  76'',8'  de  latitude  sul,  e 
a  168°,12'  de  longitude  E. 

Descobriu  a  montanha  vulcânica  onde  está  o  vulcão 
ErebuSy  nome  que  a  expedição  lhe  deu;  e  havia  tam- 
bém ahi  um  outro  vulcão  extincto,  que  recebeu  o  nome 
de  Terror. 

Agora,  para  se  avaliar  a  parte  que  cabe  a  cada 
um  d'esses  três  exploradores  das  regiões  do  sul, 
pode-se  dizer  que  d'Urville  foi  o  primeiro  a  reconhecer 
o  continente  antartico;  que  Wilkes  seguiu  as  costas 
d'esse  continente,  durante  mais  longo  espaço ;  emfim, 
que  Ross  visitou  a  sua  parte  mais  meridional  e  mais 
interessante. 

Em  1897,  o  belga  Adriano  de  Gerlache,  n'uma 
expedição  do  navio  A  Bélgica,  partindo  de  Anvers, 
explorou  os  canaes  de  Cockburn  e  do  Beagle,  e  parou 
em   Hushuaia. 

A  14  de  janeiro,  explorou  parte  da  bahia  de  Saint 
John  (ilha  dos  Estados)  e  o  cabo  ao  Sul;  em  21  de 
janeiro,  entrou  no  estreito  de  Brancfield;  explorou  a 
bahia    de    Hughes    (terra   de    Palmer) ;    descobriu    um 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  97 


estreito  que  atravessa  o  archipelago  de  Palmer,  (estreito 
de  Gerlache) ;  seguiu  para  o  S.O.;  divisou  a  terra  de 
Alexandre  I;  e  adiantou-se  até  71°,31'  S.  e  85°,16'  O. 
Depois  invernou  no  polo  sul.  O  navio,  apesar  de  blo- 
queado, attingiu,  ainda  assim,  em  31  de  maio,  71°,36'  S. 
Em  14  de  março  de  1899,  A  Bélgica  sahiu  dos  gelos,  e 
dirigiu-se  em  linha  recta  para  Punta-Arenas,  onde  che- 
gou a  28,  e  d'ahi  voltou  para  Anvers,  em  5  de  novembro 
de  1899. 

Borchgrevinck  (1898-1899)  invernou  no  cabo  Adare, 
e  adiantou-se  sobre  o  gelo  até  78°,34'.  Essa  expedição 
confirmou  os  resultados  metereologicos  da  expedição 
belga,  e  também  os  dados  de  J.  Ross  ^. 


1  Charles  Pergameni  —  Grands  Voyages  Polaires  —  J.  Verne, 
Os  Exploradores  do  Século  XIX,  traducção  de  Pinheiro  Chagas.  — 
A.  Hervé  e  F.  de  Lanoye,  Voyages  dans  les  Glaces.  —  Lannier,  La 
Geographie  Appliquée  A  La  Marine,  Au  Commerce,  A  La  Agricul- 
ture,  A  La  Statistique. 

Volume  VI  7 


CAPITULO  III 


Alargamento  do  mundo  moral,  pelas  muitas  descobertas  industriaes, 
e  pelo  progresso  das  sciencias,  artes  e  lettras.  —  Applicação  da 
electricidade  e  vapor.  —  Desinvolvimento  da  arte  naval.  —  Tele- 
grafia, chrono-photografia,  raios  X,  estereoscopia,  etherisação 
e  cloroformisação.  —  Novos  productos  industriaes  e  commer- 
ciaes,  e  abundância  dos  outros  já  existentes.  —  Augmento  dos 
jazigos  mineraes  e  exploração  dos  metaes  preciosos.  —  Desinvol- 
vimento crescente  nas  industrias  e  commercio.  —  Museus  indus- 
triaes e  commerciaes.  —  Exposições  universaes.  —  Unidades 
monetárias.  —  Socialismo.  —  Communicações  marítimas,  aquáti- 
cas, férreas,  terrestres  e  aéreas.  —  Isthmo  de  Suez.  —  Correntes 
marítimas.  —  Liberdade  dos  mares  e  d'alguns  estreitos  e  rios. 
—  Portos  francos.  —  Caminhos  de  ferro.  —  Estradas  carrossa- 
veis.  —  Communicações  aéreas. 


As  explorações  territoriaes  de  que  temos  tratado, 
e,  portanto,  ao  alargamento  do  mundo  physico,  tam- 
bém corresponderam,  n'este  período,  as  explorações 
scientificas,  industriaes  e  litterarias,  e,  sequentemente, 
o  alargamento  do  mundo  moral.  E  tudo  isso  produziu, 
geralmente,  um  progresso  enorme  nos  factores  econó- 
micos. 

Logo  em  1801,  os  sábios  mais  eminentes  francezes, 
como  Monge,  Conte,  Berthoiet,  Fourcroy,  Chaptal,  e  os 
principaes  industriaes  e  banqueiros,  fundaram  em  França 
a  Sociedade  para  a  animação  da  industria  nacional,  com 


100  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  fim  de  obterem  descobertas  úteis.  E  esta  sociedade 
provocou,  realmente,  varias  experiências  e  descobertas, 
e  propagou  a  instrucção  industrial,  distribuindo  até 
para  isso  varias  recompensas. 

A  seu  exemplo,  o  governo  francez  propoz  prémios 
pecuniários  para  o  aperfeiçoamento  das  maquinas.  E  foi, 
assim,  que  a  industria  dos  productos  chimicos  deveu  a 
Leblanc  e  a  Thénard  a  fabricação  da  soda,  do  sal 
amoniaco,  do  branco  de  alvaiade  e  do  aluminio ;  a 
Eduardo  Adam,  a  distillação  aperfeiçoada  do  álcool,  e  a 
Betholet,  o  branqueamento  pelo  chloro.  E  Filippe  Lebon 
inventou  a  thermolampada,  apparelho  que,  pela  distilla- 
ção da  madeira,  dava  ao  mesmo  tempo  calor  e  luz  ^. 

A  chimica  continuou  a  seguir  a  via  traçada  por 
Lavoisier.  Gay-Lussac,  Davy  e  Berzellius,  desinvolvendo 
essa  sciencia,  applicaram-se,  sobretudo,  ás  relações  do 
peso  e  do  volume  entre  compostos  e  componentes. 
Dalton  imaginou  a  theoria  atómica,  theoria  essa  que, 
depois  de  ter  encontrado  viva  resistencici,  acabou  por 
ser  adoptada  por  todos  os  chimicos,  como  sendo  o 
melhor  instrumento  do  trabalho. 

Pouco  a  pouco,  constituiu-se,  ao  lado  da  chimica 
mineral,  a  chimica  orgânica. 

Os  trabalhos  dos  allemães  Liebig  e  Hoffmann  e  dos 
francezes  Wurtz  e  Bertholet,  e  as  indagações  de  Saint 
Claire,  Derville,  Helmholtz,  trouxeram  a  criação  d'uma 
chimica-physica,  e  a  introducção  dos  methodos  da  phy- 
sica  na  chimica,  apar  de  innumeras  applicações  praticas. 


1     Paulo  Risson,   Histoire  Sommaire  du  Commerce.  —  Perigot, 
Histoire  du  Commerce  Français. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  101 

A  industria  dos  productos  chimicos  que  d'ahi  se 
derivou,  tomou  g-rande  incremento,  assim  como  a  chi- 
mica-agricola,  a  industria  de  matérias  colorantes,  a  dos 
productos  pharmaceuticos  e  dos  explosivos,  etc.  E  a 
technica  da  metallurgia  foi  também  transformada  pro- 
fundamente ^. 

Em  1834,  Gammet,  de  Lyon  descobriu  novas  tinturas, 
como  o  azul  celeste  factício. 

Perrot,  de  Rouen,  em  1839,  descobriu  um  processo 
para  variar  as  cores;  e  Lag-ier,  de  Avignon,  em  1844, 
descobriu  a  tintura  da  garancina:  descobertas  essas 
que  deram  logar  a  um  grande  numero  de  productos  de 
phantasia.  E  a  um  modesto  preparador  de  chimica  no 
lyceu  de  Lyão,  chamado  Vergouin,  se  deve  também  a 
descoberta  de  extrair  da  hulha  matérias  colorantes  ^. 

Apar  d'isso,  desde  1834,  o  cautchu  de  Guibal  e  de 
Rattier  começou  a  entrar  nos  tecidos  elásticos,  pela 
mistura  com  os  estofos.  E  a  sua  vulcanisação,  isto  é,  a 
mistura  com  o  enxofre,  tornou-o  mais  solido,  e  permit- 
tiu  applical-o  á  grande  industria. 

O  inglez  Elkington,  em  1840,  e  Ruelz,  em  1841, 
descobriram  o  doiramento  e  prateamento  galvânicos, 
donde  nasceu  o  prateamento  christofle. 

A  mechanica  fez  também  grandes  progressos.  Logo 
em  1802,  se  applicou  em  Mulhouse  o  vapor  á  fiação. 
A  maquina  de  tecer,  chamada  Jacquart,  inventada  por 
José  Maria  Jacquart,  no  principio  do  século  XIX,  facul- 


1  Jules  Isaac.  Histoire  Contemporaine. 

2  Blondel,  L'Essor  industriei  et  commercial  du  peuple  allemana 
pag.  85. 


102  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


tando  o  trabalho  dos  operários,  augmentou  singular- 
mente a  producção  da  seda  de  Lyão.  Ternaux  a  appli- 
cou  também  na  fabricação  dos  chalés  de  cachemira,  e 
foi  também  elle  que  introduziu  em  França  as  cabras  do 
Thibet.  Achard,  associado  com  Zenoir  Dufresne,  roubou 
á  Inglaterra  o  segredo  da  Mull-Jeny  \  espalhando-o  pela 
França.  E  data  egualmente  do  século  XIX  a  invenção  da 
maquina  de  costura,  que  uns  attribuem  ao  austriaco 
jose  Madesperger,  em  1825,  outros  ao  norte-ameri- 
cano  Elias  Howse,  em  1844,  e  outros  ao  brasileiro  Fran- 
cisco João  d'Azevedo,  de  Parayba,  em  1867. 

Oberkamp  criou  em  Jouy,  perto  de  Paris,  a  industria 
das  telas  pintadas,  que  se  espalharam  logo  em  Mulhouse 
e  em  toda  a  Alsacia. 

Mas  nada  ha  que  possa  comparar-se  aos  progressos 
da  electricidade  e  do  vapor. 

E'  antiga  a  descoberta  da  electricidade,  mas  as  suas 
applicações  é  que  são  do  século  XIX. 

Depois  do  allemão  Seebeck,  em  1818,  haver  desco- 
berto o  phenomeno  conhecido  por  Ef feito  de  Seebeck; 
Ampere,  em  1826  e  nos  annos  seguintes,  ter  estabele- 
cido a  theoria  do  electro-magnetismo,  descoberto  a 
eleciro-dynamica,  e  reconhecido  que,  sem  a  intervenção 
do  magnete,  as  correntes  eléctricas  exerciam  entre  si 
uma  acção  mutua;  e  Arago  haver  descoberto  também, 
em  1831,  a  sua  lei  de  inducção  electro-magnetica :  é 
que,  em  1833,  outro  sábio  allemão,  Gauss,  tirou  das 
descobertas  anteriores  o  telegrafo  eléctrico,  e,  dois 
annos  depois,  nos  Estados  Unidos,  foi  construído  por 


^     A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  688. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  103 


Morse  o  primeiro  apparelho  pratico:  apparelho  esse 
que,  juntamente  com  o  seu  alfabeto,  se  tornaram  do 
uso  universal.  E,  por  seu  lado,  quasi  ao  mesmo  tempo, 
o  francez  Breguel  fazia  egual  descoberta. 

Depois,  em  1853,  um  outro  francez,  empregado 
dos  telégrafos,  chamado  Bourseul,  inventou  o  telefone; 
mas  essa  invenção  só  foi  utilisada  mais  tarde,  em  1877, 
graças  ao  americano  Grahan  Bell,  que  a  aperfeiçoou  ^. 

Também  no  século  XIX,  se  inventaram  os  telégrafos 
de  translação,  que  consistiam  em  transportar  rapida- 
mente a  própria  correspondência.  Mas  o  transporte 
d'esta  correspondência  no  caminho  de  ferro  não  cons- 
titue  telegrafo  de  translação;  porque  não  attinge  a  velo- 
cidade sufficiente  para  assim  ser  considerado. 

Entre  esses  telégrafos  de  translação,  havia  a  consi- 
derar, em  primeiro  logar,  o  pneumático,  em  exploração 
nas  grandes  cidades,  e  que  foi  inaugurado  em  Inglaterra, 
em  1854.  Consistia  elle  em  transportar,  sob  a  acção  do 
ar  comprimido,  os  telegrammas   em  caixas  cylindricas. 


1  Luiz  Figuier,  Les  Merveilles  de  la  Sience,  vol.  I.  julio  Isaac, 
obr.  cit. 

A  descoberta  do  telefone  foi  devida,  como  dissemos,  a  Bour- 
seul, em  1855,  mas,  precedida  de  trabalhos  importantes,  a  tal  respeito, 
de  Page  e  La  Rive,  em  1837,  e  de  Froment,  em  1854. 

Já  no  século  XVIII,  em  1772,  um  joven  monge  de  Gauthey 
(França),  apresentou  á  Academia  de  Sciencias  de  Pariz,  por  inter- 
médio de  Condorcet,  um  systema  que  permittia  a  correspondência,  a 
grande  distancia,  por  meio  de  tubos  metálicos,  em  que  a  voz  se  pro- 
pagava. A  experiência  deu  bom  resultado;  mas  recuou-se,  em  face 
da  despeza  que  tal  systema  trazia.  Esse  telefone,  conhecido  por 
telefone  acústico,  é  ainda  empregado  para  a  correspondência  entre 
os  diversos  andares  de  uma  casa. 


104  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


introduzidas  em  tubos  metallicos,  cujo  diâmetro  não  exce- 
dia 75  millimetros.  Esse  modesto  systema  foi  limitado 
ao  uso  inter-urbano  das  grandes  cidades,  alliviando 
assim,  muito  a  exploração  da  telegrafia  eléctrica,  mais 
própria  para  as  communicações  a  grandes  distancias. 
Tinha,  porém,  o  inconveniente  do  seu  enorme  preço,  e, 
por  isso,  em  Portugal,  nada  houve  a  tal  respeito  \ 

O  telegrafo  sem  fios,  isto  é,  a  communicação  tele- 
gráfica, sem  o  emprego  de  fio  conductor,  baseado  na 
propagação  das  ondas  hertzianas,  que  se  prolongam 
atravez  do  espaço,  como  as  ondas  luminosas,  é  outra 
invenção  do  século  XIX.  Foi  Hughes  que,  em  1877, 
demonstrou  que  era  possivel  a  telegrafia  atravez  do 
espaço,  a  uma  distancia  superior  a  500  metros.  Mas 
os  trabalhos  de  Hertz  e  Branly  é  que  fundamentaram  o 
systema  da  telegrafia  sem  fios;  e,  mais  tarde,  os  tra- 
balhos do  inglez  William  Preece,  em  1884,  e  de  Edisson, 
em  1892,  e  ainda  os  do  mesmo  Branly  e  de  Marconi, 
em  1895,  vieram  completar  a  invenção  '. 

Em  1891,  applicou-se  também  a  electricidade  aos 
cabos   submarinos,    para   communicar   telegraficamente 


1  Luiz  Figuier,  obr.  cit.  —  Encgclopedia  Portugueza,  na  palavra 
Telegrapho. 

2  Encyclopedia  Portugueza,  na  palavra  Telegrapho. 

Desde  1793,  havia  em  França  e  n'outros  paizes  o  telegrafo 
aéreo,  inventado  por  Chappe,  e  que,  por  meio  de  signaes  feitos  no 
alto  de  um  mastro,  e  repetidos  de  poste  em  poste,  permittia  corres- 
ponder, dentro  de  alguns  minutos,  com  as  principaes  cidades.  Esse 
telegrafo,  porém,  desappareceu  totalmente  de  França,  em  1892,  e 
foi  \ambem  desapparecendo  dos  outros  paizes,  á  proporção  que  se 
ia  estabelecendo  a  rede  telegráfica. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  105 


O  pensamento  atravez  dos  mares,  sendo  o  mais  antigo 
d'elles  o  que  foi  submergido  entre  a  França  e  a  Ingla- 
terra. 

Também  no  século  XIX,  se  tractou  de  estabele- 
cer linhas  eléctricas  subterrâneas.  Isso,  porém,  não 
deu  resultado,  pela  carestia  d'ellas;  e  porque,  sendo 
revestidas  de  gutta-percha,  era  preciso  renoval-as  fre- 
quentemente; e,  sendo  metallicas,  alem  de  ficarem 
muito  caras,  em  pouco  tempo  se  deterioravam,  por 
se    acharem    debaixo    da    terra. 


Apar  de  tudo  isto,  a  força  motriz  da  electricidade, 
foi  applicada  também  ás  carruagens,  de  modo  que, 
em  1842,  foi  estabelecida  em  Nova  York  a  primeira 
linha  de  tramways,  pelo  francez  Loubet,  que,  regres- 
sando da  America,  obteve  a  concessão  de  outra  linha  de 
tramways  em  Pariz,  ao  longo  do  cães  de  Billy. 

Na  Inglaterra,  é  que  essa  invenção  appareceu  apenas 
em  1860;  mas,  depois  d'isso,  ao  passo  que  os  tramways 
progrediam  lentamente  em  França,  tomaram  grande 
incremento  n'aquelle  paiz  e  na  Bélgica,  e,  em  seguida, 
n'outras  nações. 

Alem  das  applicações  que  ficam  mencionadas,  a  ele- 
ctricidade, depois  dos  trabalhos  scientificos  de  Seebeck, 
em  1818,  CErsted,  em  1820,  Farady  até  1831,  Maxwell, 
Fleming,  Lenz,  Kelvin  e  von  Helmholtz  até  1848,  e, 
enfim.  Ampere,  Biot,  Savard,  Laplace,  Brandy,  Marconi, 


106  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Hertz  e  outros  mais,  trouxe  também  muitas  differentes 
applicações,  chimicas  e  thermicas,  scientificas,  judi- 
ciaes,  etc. 

São  exemplo  das  applicações  chimicas  a  producção 
electrolytica  do  sódio  e  da  soda  cáustica,  do  carboneto 
de  sódio,  do  oxigénio,  do  hydrogenio,  do  carboneto  de 
cálcio,  do  doiramento  e  prateamento,  do  cobreamento 
e  nikelagem,  e  dos  vários  productos  extrahidos  da  bet- 
terraba  ou  seus  resíduos,  de  que  adiante  fallaremos. 
E  são  exemplo  da  applicação  thermica  a  illuminação  e 
aquecimento. 

E  g-raças  aos  trabalhos  de  Raynaud,  Marey,  Dememy 
e  Lumière,  no  fim  do  século,  a  electricidade,  bem  enca- 
minhada, pôde  prestar  grandes  serviços  á  industria,  á 
geografia,  e  ás  sciencias. 

Serve  ella  também  á  astronomia,  para  fixar  as  lon- 
gitudes. Assim,  a  longitude  de  um  logar  é  marcada  pelo 
momento  em  que  o  sol  passa  no  meridiano  d'esse  logar; 
e,  por  isso,  o  telegrafo  eléctrico  fornece,  por  assim 
dizer,  um  meio  ideal  de  fixar  o  momento  d'essa  passa- 
gem. Basta  que  dois  observadores,  coUocados  em  dois 
pontos  differentes,  observem,  ao  mesmo  tempo,  a  hora 
n'um  bom  chronometro,  e  que  o  signal  do  momento  em 
que  é  necessário  notar  a  hora  do  relógio,  seja  dado  a 
estes  dois  observadores  pelo  telegrafo  eléctrico  ^. 

A  electricidade  tem  dado  egualmente  logar  a  faze- 
rem-se  muitas  observações  meteorológicas  importantes, 
pelo    conhecimento    do    barómetro    e    thermometro,    as 


1     Luiz  Figuier,  obr.  cit.  vol.  II. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  107 


quaes  ella  verifica,  apar  do  estado  do  ceu,  em  differentes 
cidades  e  logares.  E,  graças  a  esse  serviço,  a  appro- 
ximação  das  tempestades  é  assignalada  nos  portos 
do  mar. 

Nos  caminhos  de  ferro,  os  serviços  da  electri- 
cidade são  também  enormes,  para  dar  aviso  da  falta 
de  segurança  na  via  e  prevenir  o  encontro  dos 
trens,  etc. 

Pode  ser  posta  ao  proveito  da  medicina,  trans- 
mittindo  rapidamente  os  symptomas  do  mal,  e  podendo, 
assim,  um  medico  distante  indicar  logo  o  remédio,  ou 
ser  chamado  também  rapidamente. 

Pode,  por  meio  d'ella,  avisar-se  de  qualquer  parte  o 
hotel  onde  se  deseja  ir,  logo  que  o  comboio  chegue, 
de  modo  que  a  refeição  esteja  prompta,  e  se  evite  a 
demora  e,  portanto,  a  perda  de  tempo. 

Judicialmente,  pode  fazer-se,  por  meio  do  telegrafo, 
uma  procuração  forense,  ou  qualquer  aviso  ou  partici- 
pação que  evite  a  perda  d'algum  direito  ^. 

Pode  egualmente  obter-se  mais  promptamente  a  pri- 
são do  criminoso,  ou  prevenir-se  a  fugida  d'elle. 

Pode  também  prevenir-se  a  segurança  publica,  mesmo 
em  logares  distantes. 

No   commercio,   as   vantagens  da  electricidade  são 
também  enormes,  noticiando  rapidamente  os  preços  dos. 
differentes  mercados. 

E  ainda  ella  fornece  muitas  outras  applicações, 
egualmente   proveitosas. 


1     Luiz  Figuier,  obr.  cit.  vol.  II. 


108  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Quanto  ao  vapor,  já  Salomão  de  Caux,  em  1515, 
teve  a  ideia  de  aproveitar  a  pressão  do  vapor  de  agua 
para  motor  industrial.  Em  1663,  o  marquez  de  Worcester 
retomou  a  ideia  de  Salomão  de  Caux,  e  applicou-a, 
construindo  o  que  elle  chamou  uma  fonte  de  vapor,  para 
elevar  a  agua.  Em  1689,  Savery  inventava  um  appare- 
Iho,  chamado  bomba  a  vapor;  e  esta  maquina,  embora 
muito  imperfeita,  deu  logar,  na  Inglaterra,  a  numerosas 
applicações  na  industria  mineira  para  o  esgotamento  da 
agua.  E  tornou-se  mais  practicavel,  quando,  em  1705, 
dois  operários  —  Newcomen  e  Cauwley,  associados  com 
Savery,  e  baseando-se  na  descoberta  da  utilisação  do  va- 
por, feita  por  Papin,  em  1687,  pensaram  em  fazer  actuar 
esse  vapor  sobre  uma  das  faces  d'um  embolo  metallico, 
escorregando  por  attrito  no  interior  d'um  cylindro, 
emquanto  a  outra  face  d'esse  embolo  estava  em  relação 
directa  com  a  atmosphera.  Era,  em  summa,  a  criação  da 
maquina  a  vapor  de  effeito  simples,  que  não  devia  tar- 
dar, graças  ao  génio  de  Wat,  a  ser  transformada  em 
maquina  de  duplo  effeito,  e  receber,  então,  numerosas 
applicações. 

E,  realmente,  Fulton,  fundado  n'essa  invenção,  cons- 
truiu, em  1803,  o  primeiro  barco  a  vapor.  Em  1827, 
Seguin,  inventou  a  caldeira  tubular,  que  Stephenson,  um 
anno  depois,  applicou  á  sua  locomotiva  —  O  Foguete  ^. 


1     Cit.  Encyclopedia  Portugueza,  na  palavra  Vapor. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  109 


E  successivamente  a  utilisação  do  vapor,  e  o  aper- 
feiçoamento das  maquinas  próprias  para  o  seu  aprovei- 
tamento nos  diversos  ramos  da  industria,  obtiveram 
grande  progresso. 

Uma  das  mais  importantes  applicações  foi  a  dos 
caminhos  de  ferro,  barcos  a  vapor  e  submarinos. 

Já  antes  dos  caminhos  d£  ferro,  se  construiram  carris 
de  madeira,  e  mesmo  de  pedra.  Em  algumas  estradas 
antigas  da  Itália,  descobrem-se  ainda  hoje  duas  fachas 
de  pedras,  sensivelmente  paralellas,  o  que  parece  attes- 
tar  que  já  os  Romanos  empregavam  a  via  de  locomoção, 
que,  depois  de  passar  por  grandes  transformações,  rece- 
beu actualmente  um  dos  processos  mais  commodos  e 
mais  rápidos.  Fez-se  depois  uso  dos  carris  de  madeira. 
Ha  memoria  do  seu  emprego,  em  1676,  nas  minas 
carboniferas  de  New  Castle,  e  era  principalmente  nas 
explorações  minerias,  que  se  fazia  uso  d'elles. 

Estes  carris,  porém,  tinham  de  ser  abandonados  em 
breve  tempo;  já  pelo  facto  da  madeira  ser  de  pouca 
duração;  e  já  por  não  ter  a  flexibilidade  sufficiente, 
para  supportar  grandes  pesos,  nem  a  consistência  neces- 
sária para  oppor  á  tracção  dos  vehiculos.  E,  porisso, 
estes  defeitos  fizeram  lembrar  a  conveniência  de  reves- 
tir esses  carris  de  chapas  de  ferro. 

Depois,  em  1739,  foram  experimentados  os  car- 
ris de  ferro  fundido.  Mas  ainda  esses  carris,  apesar 
de  se  irem  propagando  successivamente,  eram  dema- 
siadamente frágeis,  para  supportarem  o  peso  dos  vehi- 
culos. Por  isso  mesmo,  succedeu-lhes,  também  no  prin- 
cipio do  século  XIX,  o  emprego  dos  carris  de  ferro 
forjado,  material  esse  que  depois  cedeu  o  seu  logar 
ao  aço. 


110  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

Ora,  em  1804,  adiantou-se  muito  a  construcção  dos 
caminhos  de  ferro  com  a  applicação  do  vapor,  como 
força  motriz.  Deve-se  uma  grande  parte  do  seu  aper- 
feiçoamento a  Blockelt;  e  Stephenson,  de  quem  já  falía- 
mos, construiu  a  primeira  locomotiva,  em  1817.  Mas 
tudo  isso  ficava  reduzido  a  pequenas  secções  de  minas 
ou  de  grandes  fabricas. 

Ainda  assim,  a  construcção  dos  caminhos  de  ferro 
encontrou,  primeiramente,  grandes  demoras  em  alguns 
paizes.  Mas,  depois  da  primeira  metade  do  século  XIX, 
graças  ao  desinvolvimento  da  metallurgia  e  das  inven- 
ções mechanicas,  tomou  grande  incremento. 

O  primeiro  paiz  que  os  emprehendeu,  foi  a  França, 
em  1823.  Seguiu-se,  em  1825,  a  Inglaterra,  que  explorou, 
então,  uma  linha  entre  Stekton  e  Darlington;  a  Áustria, 
em  1826,  a  Bélgica  e  Baviera,  em  1834,  a  Saxonia, 
em  1836,  a  Prússia  e  Sileria,  em  1837,  a  Dinamarca  e 
Suissa,  em  1848,  a  Suécia,  em  1849,  Portugal,  em  1853, 
a  Grécia  e  a  Turquia,  em  1857. 


» 


A  applicação  do  vapor  á  navegação  é  também  do 
principio  do  século  XIX.  Como  já  dissemos,  Fulton 
construiu  o  primeiro  barco  a  vapor,  em  1803.  Em  1819, 
teve  logar  a  primeira  travessia  do  Oceano.  E  propa- 
gou-se  depois  rapidamente  a  navegação  a  vapor,  de 
modo  que,  tornando-se  mais  e  mais  numerosa,  foi  sul- 
cando todos  os  mares. 


EDAOE  CONTEMPORÂNEA  m 

Também  Fulton,  como  egualmente  já  dissemos,  foi  o 
inventor  dos  barcos  submarinos;  e  até  chegou  a  offere- 
cer  um  d'elles  a  Napoleão,  que  regeitou  a  offerta,  por  não 
confiar  na  invenção.  Em  1815,  os  irmãos  Ccemis  conti- 
nuaram as  experiências  submarinas;  e,  em  1864,  um 
pequeno  navio,  construído  para  navegar  debaixo  d'agua, 
destruiu  o  Housatonic,  durante  a  guerra  da  separação 
dos  Estados  Unidos.  Vencedores  e  vencidos  morreram 
juntos ;  mas  a  experiência  foi  concludente. 

Desde  então,  não  se  interromperam  as  indagações. 
E  Zéde  e  Goubet,  em  França;  Holland,  na  America; 
Nordenfelt,  na  Allemanha;  Peral,  na  Hespanha;  Fontes 
Pereira  de  Mello,  em  Portugal;  Pullino,  na  Itália;  Apos- 
tolloff  e  Tempoff,  na  Rússia;  Mello  Marques  e  Jacintho 
Gomes,  no  Brazil,  foram  melhorando  e  aperfeiçoando  a 
invenção  \ 


Também  a  applicação  do  vapor  e  da  electricidade 
influiu  poderosamente  na  agricultura,  pela  fabricação 
das  differenfes  maquinas,  chamadas  locomoveis,  taes 
como  os  cultivadores,  as  ceifeiras,  as  debulhadoras,  as 
enfardadeiras,  as  trituradoras,  as  encelleiradeiras,  as 
locomotoras  ou  caminheiras,  as  maquinas  para  drena- 
gem, etc. 


Encyclopedia  Portugueza,  na  palavra  Submarino. 


112  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Os  Estados  Unidos  foram  os  primeiros  que  fabrica- 
ram esses  locomoveis.  As  regiões  immensas  e  os  espaços 
sem  limites  d'esse  paiz,  prestavam-se  a  isso;  e,  graças 
ao  espirito  industrial  e  activo  d'esse  povo,  desde  o 
principio  do  século  XIX,  a  agricultura  começou  a  exer- 
cer-se  no  solo  americano,  por  meio  d'esses  diversos  appa- 
relhos  mechanicos,  que  só  deixam  ao  trabalho  do  homem 
uma  pequena  parte.  A  maquina  a  vapor,  o  mais  econó- 
mico e  potente  de  todos  os  motores,  foi-se  applicando, 
por  isso,  nos  differentes  Estados,  as  operações  agricolas, 
e  ahi  prestou  importantes  serviços. 

A  Inglaterra,  onde  a  propriedade  estava  muito 
accumulada,  não  tardou  a  seguir  o  exemplo  dos  Esta- 
dos Unidos.  Na  França,  pela  divisão  da  propriedade, 
hesitou-se  a  principio  se  eram  convenientes  as  maqui- 
nas agricolas;  mas,  ainda  assim,  também  os  locomoveis 
tomaram  logo  enorme  incremento  em  alguns  departa- 
mentos do  norte. 

Principalmente,  depois  da  exposição  de  1851,  estas 
maquinas  foram-se  generalisando  por  tal  forma  que,  pelo 
menos,  nos  Estados  Unidos  e  nos  outros  paizes  mais 
adiantados,  todo  o  serviço  agricola  se  ia  fazendo  por 
locomoveis  ^. 

Tem-se  empregado  egualmente  os  locomoveis  nas 
fabricas,  nas  obras  publicas,  e  até  nas  ruas  mais  fre- 
quentadas das  cidades,  para  varredura,  para  esgotos, 
para  preparar  a  argamassa,  e  para  muitos  outros  mis- 
teres. 


1     Luiz  Figfuier,  obr.  cit.  vol.  I. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  UJ 


A  arte  naval  soffreu  também  uma  transformação- 
radical.  O  ferro  substituiu  a  madeira,  que,  alem  de  ser 
mais  pesada,  está  sujeita  á  destruição  dos  insectos ;  e 
começaram  a  estabelecer-se  porões  com  muitas  divi- 
sões, cujo  segredo  tinha  sido  revelado  por  Dodd, 
em  1808,  e  posto  em  pratica  por  C.  W.  Williams. 
A  substituição  das  penas  de  rodizio  pela  rosca  de 
Archimedes  (hélice)  de  16  pés  de  diâmetro,  inventada 
pelo  engenheiro  francez  Sauvage,  alliviou  o  navio  de 
um  peso  de  10  tonelladas ;  e,  dando-lhe  elegância  e 
commodidade,  facilitou  a  entrada  dos  canaes. 

Em  1816,  os  Estados  Unidos  inauguraram  a  primeira 
linha  de  paquetes,  em  communicação  directa  e  regular 
com  a  Gran  Bretanha;  em  1821,  inaugurou-se  outra 
linha  de  New  York  para  Livepool;  e,  pouco  tempo 
depois,  ainda  uma  outra,  de  New  York  para  Londres  e 
para  o  Havre.  E  a  Inglaterra,  por  sua  vez,  em  1823 
a  1837,  estabeleceu  linhas  regulares  de  Londres  para 
os  Estados  Unidos. 

Desde  então,  houve  aperfeiçoamentos  incessantes. 
E  a  velocidade  dos  navios,  as  dimensões  e  a  tonelagem 
augmentaram  successivamente. 

Alguns,  pela  forma  e  disposição  do  velame,  e 
também  pela  forma  afilada  da  frente  da  linha  de 
agua  e  da  rectaguarda,  tiveram  o  nome  de  clippers, 
do  inglez  to  clip  (cortar),  e  adquiriram  uma  grande 
velocidade. 


Volume  VI 


114  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Em  1820.  os  constructores  inglezes  substituíram  a 
madeira  pelo  ferro;  e,  desde  log"0,  começou  este  a  ser 
empregado  geralmente. 

Abriu-se,  então,  uma  nova  era  de  progresso  e  des- 
involvimento  na  construcção  naval.  A  diminuição  do 
peso,  ligeireza  e  a  superioridade  da  resistência,  as 
combinações  múltiplas  a  que  se  prestava  a  armação  do 
ferro,  e  a  possibilidade  de  dar  aos  navios  dimensões 
irrealisaveis  pela  madeira,  e  tudo  isso  junto  á  menor 
despeza  de  alimentação,  comparada  com  o  antigo  sys- 
tema  de  transportes,  fez  que  a  construcção  de  ferro 
prevalecesse  sobre  a  construcção  de  madeira,  como 
também  a  navegação  a  vapor  foi  preponderando  sobre 
a  navegação  á  vela. 

Mas,  apesar  das  vantagens  apreciáveis  que  dava  a 
applicação  do  vapor  á  navegação,  a  generalisação  do 
novo  transporte  por  mar  fez-se  com  lentidão  ;  e, 
até  1860,  a  marinha  de  vela  conservou  uma  importân- 
cia real  sobre  a  navegação  a  vapor,  devido  a  que  tam- 
bém ella  tinha  feito  grandes  e  rápidos  progressos,  nos 
últimos  25  annos. 

Assim,  no  fim  do  século  XVlll,  era  representada 
apenas  por  três  pesados  mastros  ou  por  brigues,  mal 
arranjados  e  de  dimensões  reduzidas,  que  levavam  qua- 
tro a  cinco  mezes,  para  irem  da  Europa  ao  Pacifico. 
Unicamente  os  Estados  Unidos,  sempre  alerta,  haviam 
tentado  introduzir  na  construcção  dos  seus  navios  de 
commercio  certos  melhoramentos  e  certa  regularidade 
no  seu  emprego.  Mas,  desde  os  primeiros  annos  do 
século  XIX,  fez-se  sentir  fortemente  o  progresso  da 
marinha  mercante,  e,  no  segundo  quartel  d'esse  século, 
foi  enorme  o  seu  adiantamento. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  115 


Ora,  a  evolução  maritima,  os  grandes  paquetes  e 
o  desinvolvimento  da  navegação  exigiam  engenheiros 
amadurecidos  pela  experiência  e  pelo  estudo,  conhe- 
cendo as  maquinas  até  nos  minimos  detalhes,  e  o 
seu  funcionamento  e  construcção ;  e  exigiram  tam- 
bém officiaes  instruidos,  sabendo  as  coisas  do  mar, 
as  leis  naturaes  que  influem  nas  marés,  nas  corren- 
tes, nos  ventos,  nas  monções,  bem  como  geografia, 
cosmografia,  oceanografia,  calculo  de  distancias,  lei- 
tura das  cartas,  legislação  aduaneira,  regulamentos  de 
portos,  etc. 

Maury,  em  1840,  constatou  que  a  circulação  da 
atmosphera  obedecia  a  leis,  geralmente  regulares,  ope- 
rando diversamente,  segundo  os  logares  e  épocas  do 
anno,  sobre  a  marcha  dos  navios;  e  levantou,  então,  a 
carta  dos  ventos  prováveis  para  cada  mar  e  para  cada 
estação.  Descobriu  também  as  correntes  maritimas,  de 
que  adiante  fallaremos.  E,  graças  a  elle,  desde  1848,  as 
suas  theorias,  postas  em  pratica,  abriram  uma  nova  era 
á  sciencia  náutica,  segundo  egualmente  veremos,  quando 
tratarmos  especialmente  das  correntes. 

Os  instrumentos  náuticos,  por  seu  lado,  soffreram 
profundas  modificações.  A  bússola  e  o  compasso,  que 
forneceram  um  novo  meio  de  orientação,  foram  postos 
ao  abrigo  das  oscillações  e  das  irregularidades  que 
anteriormente  falseavam,  muitas  vezes,  o  seu  emprego. 
O  antigo  astrolábio  e  a  sua  succedanea  —  a  arbelles- 
trella  foram  abandonados ;  e,  para  determinar  as  lati- 
tudes e  longitudes  foram  substituidos  aos  processos 
rudimentares  dos  dois  séculos  precedentes  alguns  ins- 
trumentos engenhosos  de  uma  precisão  minuciosa.  Aos 
octantes  e  sextantes  imperfeitos  de  Hadley  e  Fouchy, 


116  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


mesmo  depois  de  aperfeiçoados  pelo  professor  allemão 
Mayer,  succedeu  o  sextante  duplo  de  Rowland,  tornado 
cada  vez  mais  perfeito. 

Houve  differentes  conferencias  intemacionaes,  para 
determinar  os  sig^iaes  maritimos  e  a  sua  significação,  e 
para  regular  os  meios  de  prevenir  a  abalroação,  consi- 
gnar os  processos  de  illuminação  dos  navios,  estudar  e 
fixar  uma  medida  única  de  arqueação,  a  fim  de  evitar  os 
inconvenientes  da  variedade  de  systemas  no  commercio 
maritimo  internacional,  e  regular  também  os  direitos  de 
navegação  estabelecidos  pelos  differentes  paizes,  e 
examinar  e  aperfeiçoar  os  regulamentos  da  policia 
sanitária  e  quarentenas.  E  tudo  isso  redundou  egual- 
mente  em  proveito  da  navegação  *. 


Quanto  á  photografia,  embora  houvesse  trabalhos 
imperfeitos  anteriores,  pode  dizer-se  que,  pelo  menos,  o 
seu  complemento,  foi  também  do  século  XIX,  pelos 
esforços  de  Wedgwood,  em  1802,  Nicephoro  Niepce, 
em  1813  a  1826,  Luiz  Jacques  Mande  Daguerre  (1813 
a  1829),  Talbot,  Niepce  de  Saint  Victor,  Archer  e 
Fry  (1851)  e  Russel  (1861). 

E,  com  respeito  ás  cores  dos  corpos,  as  numerosas 
experiências  do  mesmo  Daguerre,  Edemond  Beequerel, 
Niepce  de  Saint  Victor,  Poitevin,  Carlos  Bennett,  Cros, 


1     Noel,  Historie  du  Commerce  du  Monde,  vol.  III. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  117 


Ducos  de  Hauron,  Gabriel  Lippmann,  e  dos  irmãos 
Lumières,  descobriram  o  meio  de  as  produzir. 

A  photografia,  alem  dos  grandes  serviços  que 
presta  ás  artes,  é  uma  ajuda  precisa  nas  mãos  dos  sábios; 
e  as  vantagens  dos  methodos  photograficos  são  muito 
apreciadas  na  astronomia,  metereologia  e  physica. 

Também  presta  serviços  ao  naturalista  e  ao  medico ; 
pois  que  a  micografia  permitte  fixar  a  imagem  dos  mais 
pequenos  bacillos. 

Emfim,  a  applicação  da  photografia  ás  artes  indus- 
triaes  dá  também  grandes  resultados,  como,  por  exem- 
plo, nos  vitraes,  nos  esmaltes  photograficos,  na  orna- 
mentação da  porcellana,  dos  metaes,  dos  estofos,  ate. 

A  chrono-photografia  ou  methodo  e  analyse  do 
movimento  pela  photografia,  é  também  do  século  XIX. 
A  primeira  applicação  foi  realisada,  embora  muito 
summariamente,  em  1865,  por  Onimus  e  Martins.  Depois, 
Jansen  e  Marly  aperfeiçoaram  essa  applicação. 

E  a  cinematografia,  que  é  constituida  também  por 
um  apparelho  chrono-photografico,  teve  egualmente 
origem  no  século  XIX,  e  foi  devida  a  Plateau,  Marey, 
Demery  e  Edisson. 

Os  raios  X  foram  descobertos,  em  1895,  pelo  physico 
Roentgen,  e  o  radio,  três  annos  mais  tarde,  por  Curie. 
E,  é  certo  que  a  radiografia  ou  photografia  pelos 
raios  X,  que  tem  uma  origem  de  energia  eléctrica, 
presta  grandes  serviços  á  medicina  e  á  cirurgia,  desco- 
brindo no  organismo  humano  um  corpo  estranho  ou 
uma  lesão  profunda,  e  tendo  ainda  outras  applicações 
úteis.  Demais,  o  estudo  dos  animaes  vivos  e  dos  mor- 
tos, mesmo  sem  dissecação,  tornou-se  possivel  pela 
radiografia.     Algumas    múmias    podem    revelar    a    sua 


118  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


natureza,  sem  estarem  abertas.  Podem  descobrir-se 
fraudes  pharmaceuticas  ou  industriaes,  sendo  as  subs- 
tancias diversamente  opacas  aos  raios  X.  E  esse  modo 
de  analyse  revela  ainda  a  carga  mineral  das  sedas  tin- 
gidas, a  differença  das  cores  dos  quadros  antigos  e 
modernos,  os  defeitos  nas  peças  metallicas,  ou  do  iso- 
lamento nos  cabos  eléctricos,  o  conteúdo  de  caixas 
suspeitas  ou  os  explosivos,  a  presença  dos  machos  ou 
fêmeas  nas  chrysalidas  dos  sirgos,  e  a  •  natureza  dos 
metaes  e  das  ligas,  etc. 

A  industria  faz  também  numerosas  applicações  das 
propriedades  dos  raios  X.  Assim,  a  transparência  de  cer- 
tos corpos  permitte  descobrir  as  falsificações  ou  imita- 
ções d'esses  corpos.  E  também  a  transparência  para  os 
raios  X,  do  carbonio  e  da  maior  parte  das  suas  combi- 
nações não  metallicas,  permitte  differençar  claramente 
o  diamante  das  suas  imitações.  E  a  mesma  cousa  acon- 
tece com  a  imitação  de  outras  pedras  preciosas. 

A  estereoscopia  ou  photografia  em  relevo,  que  se 
obtém,  collocando  n'um  estereoscópio  duas  radiografias 
idênticas,  foi  também  invenção  do  século  XIX  \ 

Também  nos  telescópios,  o  século  XIX  teve  o  mérito 
de  um  outro  invento;  porque,  supposto  fosse  antiga  a 
descoberta  telescópica,  em  todo  o  caso,  na  primeira 
metade  d'esse  século,  William  e  Herchel,  construiram 
telescópios  celebres,  o  maior  dos  quaes  tinha  uma  dis- 
tancia focal  de  12  metros,  e  ampliava  seis  mil  vezes. 
Lord  Ross,  excedeu  ainda  estas  gigantescas  dimensões. 


1     Luiz  Figuier,  obr.  cit.  vol.  III.  —  Encyclopedia  Poríugueza,  na 
palavra  Radiographia. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  119 


no  seu  Leviathan,  que  media  16'",76  de  comprimento,  e 
cujo  espelho  tinha  1™,83  de  abertura.  E  Faucault,  substi- 
tuindo os  espelhos  metallicos  pelos  parabólicos  de 
crystal  prateado,  realisou  ainda  um  outro  importante 
progresso. 

A  etherisação  ou  modo  de  anesthesiar,  foi  tam- 
bém uma  invenção  do  século  XIX,  devida  a  Jakson, 
em  1847.  Associou-se  elle  com  Morton,  para  explora- 
rem esta  descoberta ;  mas  o  chloroformio  não  tardou  a 
supplantar  o  ether,  graças  ás  pesquisas  de  Flourens, 
Bell  e  Simplon. 

E  mesmo  a  applicação  da  vaccina  contra  a  variola, 
pertenceu  ao  periodo  de  que  estamos  tratando;  porque 
as  primeiras  experiências  d'essa  applicação  foram  feitas 
na  Inglaterra  pelo  medico   Eduardo  Jenner,   em  1798. 

Cuvier,  no  principio  do  século  XIX,  formulou  as  leis 
de  anatomia  comparada,  e,  graças  a  estas  leis,  pôde 
constituir  a  paleontologia.  Os  trabalhos  de  Cuvier 
imprimiram  um  novo  desinvolvimento  aos  estudos  geo- 
lógicos, que,  em  seguida  puderam,  por  sua  vez,  consti- 
tuir-se  em  sciencia.  E  o  desinvolvimento  da  geologia 
aproveitou,  sobretudo,  á  industria  mineira,  que  forneceu 
aos  geólogos  preciosas  observações. 

Na  segunda  metade  do  século,  as  ideias  de  Darwin 
sobre  a  evolução  lenta  das  espécies,  cuja  theoria  foi 
chamada  transformismo,  deram  á  sciencia  uma  impulsão 
nova,  e  orientaram,  especialmente  os  naturalistas,  no 
estudo  dos  organismos  interiores. 

O  cirurgião  francez  Bichat,  contemporâneo  de 
Cuvier,  foi  o  fundador  da  physiologia.  Abandonando 
a  indagação  das  causas,  deu  o  exemplo  de  estudar  os 
phenomenos  vitaes  em  si  mesmo. 


120  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Aos  trabalhos  de  Bichat,  seguiram-se  as  descober- 
tas e  as  theorias  (theoria  cellular)  da  escola  allemã,  que 
levaram  a  constituir  em  sciencia  distincta  a  histologia 
ou  sciencia  dos  tecidos.  Mas  foi  Cláudio  Bernard,  que, 
também  no  meio  do  século,  pelas  suas  descobertas  e 
ensinamentos,  fez  dar  á  phisiolog-ia  progressos  decisivos. 
Com  «lie,  triunfou  o  methodo  experimental  das  sciencias 
physicas  e  chymicas.  E,  ao  mesmo  tempo  que  a  medi- 
cina era  transformada,  começou  a  estudar-se  a  acção 
dos  medicamentos,  com  uma  precisão  scientifica. 

Nos  fins  do  século,  um  sábio  francez  —  Pasteur,  fez 
novas  descobertas,  notáveis  por  ellas  próprias,  e  infi- 
nitamente benéficas  pelas  suas  applicações  praticas. 
Os  seus  trabalhos  sobre  os  micróbios  ou  bactérias  não 
só  modificaram  profundamente  as  concepções  physio- 
logicas,  mas  determinaram  também  immenso  progresso 
na  medicina  e  cirurgia,  pela  vaccinação  e  seroterapia, 
cura  do  carbúnculo  (1881),  da  raiva  (1885),  da  diphte- 
ria  (1894),  da  peste,  e  pelo  emprego  da  asepsia  e  anti- 
sepsia.  E,  em  todas  as  grandes  cidades  do  mundo,  teem 
sido  fundados  Institutos  Pasteur,  onde  os  sábios  traba- 
lham, na  procura  das  vaccinas  que  immunisam,  ou  dos 
soros  que  curam. 


A  este  movimento  extraordinário  nas  sciencias 
industriaes  e  nas  suas  applicações  úteis  correspondeu 
um  grande  movimento  em  outras  sciencias,  e  na  historia 
e  nas  lettras  e  artes  ornamentaes. 

Assim,  Ficte,  Shelling  e  Hegel  constituiram  gran- 
des   systemas    metaphysicos.    Kant  fez    uma    revolução 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  121 


nas  ideias,  ao  mesmo  tempo  que  a  Europa  occidental 
a  fazia  na  politica. 

Em  França,  Victor  Cousin,  nos  últimos  tempos  do 
primeiro  quartel  do  século  XIX,  e  durante  o  segundo 
quartel,  fundou  a  escola  do  electismo,  em  que  tractou  de 
combinar  as  ideias  de  Descartes,  com  as  da  escola 
escocesa  e  de  Kant. 

No  meiado  do  século,  surgiu  a  reacção  contra  a 
metaphysica,  nas  obras  de  Augusto  Conte,  Stuart  Mill, 
Littré,  Darwin  e  Spencer,  que  fundaram  a  philosofia 
moderna,  chamada  positiva,  ou  antes  a  nova  sciencia 
sociológica.  E  depois  veiu  a  influencia  da  philosofia 
allemã  de  Shopenhauer,  cuja  doutrina  leva  ao  pessi- 
mismo absoluto,  e  a  philosofia  de  Nietzeshe,  que  estu- 
dou o  modo  fugir  ao  pessimismo  de  Shopenhauer. 

Desinvolveu-se  muito  a  economia  politica  e  o  direito 
commercial  terrestre,  e  especialmente  o  marítimo,  que 
obteve  grande  progresso. 

A  historia  abandonou  a  phantasia  e  a  imaginação  e 
tomou  um  caracter  impessoal  e  uma  observação  posi- 
tiva com  Fustel,  Taine,  Renan,  Coulange  e  Alexandre 
Herculano. 

A  litteratura  soffreu  também  profundas  modifica- 
ções. 

Assim,  na  primeira  metade  do  século  XIX,  o  roman- 
tismo  ^   desbancou   o    antigo   classissismo.   Depois,   na 


1  O  romantismo,  segundo  Theophilo  Braga,  representava  a 
melancolia  e  o  desalento  do  espirito.  Dava  expressão  aos  senti- 
mentos que  se  compraziam  evocar  o  passado  que  elle  procurava  res- 
taurar   no    seu    antigo  domínio;    espalhava  os  protestos  de  revolta- 


122  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


segunda  metade,  ao  romantismo  em  decadência  succe- 
deu  o  realismo,  isto  é  o  cuidado  de  reproduzir  nas 
obras  a  realidade,  tal  qual  é,  e  o  gosto  de  uma  obser- 
vação exacta,  precisa  e  minuciosa.  Essa  escola  realista 
triunfou,  sobre  tudo,  no  romance  e  no  theatro. 

A  tendência  realista  fora  já  marcada  nas  obras  de 
Balsac ;  mas  foi  no  segundo  império  francez  que  appa- 
receu  o  typo  mais  perfeito'do  romance  realista,  na 
Madame  Bovary,  de  Gustavo  Flaubert  (1855),  que  vem 
a  ser  a  historia  da  vida  d'uma  pequena  burgueza  da 
provincia. 

Na  mesma  época,  o  drama  romântico  era  substi- 
tuido  pela  comedia  burgueza  de  Emilio  Augier  (Le 
Gendre  de  M.  Poirier,  1854)  e  de  Alexandre  Dumas 
filho  (Le  Demi  Monde,  1855). 

Foi  ainda  o  puro  realismo  que  depois  inspirou  os 
romances  de  Maupassant,  afilhado  e  discipulo  Flaubert 
(Une  Vie,  1883). 

Na  Inglaterra,  na  Rússia  e  nos  outros  paizes,  os 
maiores  romancistas  foram  também  realistas,  como 
George  EUiot,  Dostoiewsky,  Tourgueneff,  e  o  mais  popu- 
lar de  todos,  Tolstoy  (A  Guerre  et  a  Paz,  Anna  Kare- 
line),  cuja  influencia  moral  foi  grande  na  Rússia  e  em 
toda  a  Europa;  e,  em  Portugal,  Camillo  Castello  Branco^ 
Júlio  Diniz  e  Eça  de  Queiroz. 


dos,   génios   insubmissos ;  e  lisongeava   o  gosto  banal  de  uma  bur- 
guezia  cordata. 

E  nós  podemos  acrescentar  que  se  chamaram  também  d'essa 
escola  os  escriptores  que,  nos  princípios  do  século  XIX,  se  afastaram 
dos  auctores  clássicos  da  antiguidade.  —  Adriano  Anthero,  A  Hes- 
panha  e  Portugul  e  suas  affinidades. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  123' 


Do  realismo  e  das  tentativas  litterarias  de  Taine  deri- 
vou-se  o  naturalismo,  ou  a  litteratura  com  pretensões  a 
scientifica. 

A  influencia  de  Taine  foi  considerável,  nos  últimos 
30  annos  do  século :  philosofo,  critico,  historiador, 
espirito  vigoroso  e  systematico,  tentou  introduzir  na 
philosofia,  na  critica  e  na  historia,  o  methodo  experi- 
mental das  sciencias  naturaes,  e  demonstrou  que  os 
factos  humanos  são  determinados  pela  raça,  meio,  cir- 
cunstancias, occasião,  etc.  ( Philosophie  de  lart,  Littera- 
ture  anglaise  —  Origines  de   la  France   contemporaine). 

Foi  n'estes  methodos  pseudo  scientificos,  e  n'estas 
tentativas  naturalistas,  que  se  inspiraram  os  romances 
dos  irmãos  Goncourt,  e,  sobre  tudo,  de  Emilio  Zola 
(Histoire  naturelle  dune  famille  sous  le  second  Empire 
1872-1894). 

Um  outro  escriptor  que  exerceu  na  geração  con- 
temporonea  uma  influencia  comparável  á  de  Taine,  foi 
Renan,  também  philosofo  e  historiador.  No  ponto  de 
vista  puramente  litterario,  Renan  é  um  dos  escriptores 
mais  originaes  e  mais  puros  do  século  XIX ;  e  d'elle  se 
derivou  toda  uma  linha  de  escriptores  delicados  e 
engenhosos,  como  Anatole  France,  Jules  Lemaitre, 
Maurice   Barres. 

Mas,  na  diversidade  das  produções  litterarias  do 
século  XIX,  ha  ainda  outras  correntes  e  outras  influen- 
cias, que,  muitas  vezes,  se  entrecruzam. 

Assim,  veiu  o  romance  psycologico,  sendo  o  primeiro 
modelo  dado  por  Stendal,  com  o  Fromentin  (Domini- 
que,  1863),  e  depois  por  Paulo  Bourget. 

Mesmo  o  theatro  foi  renovado,  pela  influencia  do 
norueguez  Ibsen,   o  auctor  dramático  mais  notável  da 


124  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


século,  cujas  obras,  ao  mesmo  tempo  realistas  e 
symbolicas,  representam,  sobretudo,  o  individuo,  luc- 
tando  previamente  contra  os  preconceitos  e  contracção 
social. 

Na  poesia,  é  que  o  lyrismo  romântico  prevaleceu 
mais  tempo.  O  mestre  popular,  Victor  Hugo,  viveu  e 
reinou  até  1885;  e  o  grande  poeta  inglez  Tennysson, 
foi  também  um  romântico. 

No  entanto,  entre  1850  e  1860,  constituiu-se  uma 
escola  nova  de  poetas,  mais  impessoaes,  attendendo, 
sobretudo,  á  perfeição  da  forma.  Foi  a  escola  par- 
nassiana,  cujo  mestre  era  Leconte  de  Lisle  (Poèmes 
Antiques,  1858),  que  teve  por  discipulo  Heredia,  auctor 
de  admiráveis  sonetos  ( Les  Trophèes,  1893).  Depois  a 
forma  parnassiana  perdeu  também  de  moda,  e  a  poesia 
foi  tomando  formas  novas  mais  livres,  e  variadas  e  diver- 
sas como  a  natureza. 

Surgiu,  então,  a  escola  symholica  ^,  regeitando 
todas  as  formas  antigas.  O  seu  mestre  foi  um  poeta 
original  e  doente,  Verlaine  (Sagesse,  1881). 


l  O  symbolismo  consistia  em  exprimir  o  mundo  moral,  pela 
correspondência  do  mundo  phisico,  isto  é,  por  meio  de  representações, 
correspondências  ou  noções  physicas  (sgmbolos),  que  traduzissem 
bem  as  ideias  moraes.  Parallelamente,  os  symbolistas,  reivindicavam 
grande  liberdade  de  forma,  com  a  syntaxe,  com  o  vocabulário,  com 
a  rima  e  com  a  métrica.  O  seu  verso  livre,  cujo  comprimento  excede 
muitas  vezes  o  alexandrino,  distingue-se,  muitas  vezes,  difficilmente 
da  prosa. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  125 


O  movimento  artístico  correspondeu  ao  movimento 
litterario.  Teve  a  mesma  variedade,  as  mesmas  audá- 
cias, foi  dominado  pela  mesma  tendência  realista  —  a 
preocupação  de  reproduzir  a  natureza  com  exactidão 
e  sinceridade.  Estendeu-se  também,  mais  ou  menos,  a 
todas  as  nações;  mas  a  França  ficou  o  centro  artistico 
mais  activo,  e  o  paiz  das  livres  indagações  e  das  inicia- 
tivas originaes. 

Foi  na  pintura  que  as  novas  tendências  se  affirma- 
ram  mais  completamente.  A  pintura  histórica  passou 
ao  segundo  plano.  Os  pintores  representaram,  sobre- 
tudo, as  paisagens  e  as  scenas  dos  costumes  contem- 
porâneos. 

Assim,  na  França,  o  chefe  da  escola  realista  foi 
Courbet,  contemporâneo  de  Flaubert.  Na  mesma  época, 
a  pintura  franceza  contava  dois  illustres  paisagistas, 
Millet,  pintor  da  vida  rústica,  e  Gorot,  que  ministrou 
os  aspectos  mais  poéticos  da  natureza,  as  luzes  da 
manhã  subtis  e  doces  nas  arvores  e  na  agua.  Depois, 
o  realismo,  sob  a  influencia  de  Manet,  tornou-se  e 
impressionista  \  isto  é,  orientou-se  para  o  impressio- 
nismo, recorrendo  a  processos  novos  cada  vez  mais 
audaciosos,  para  exprimir  toda  a  vida  e  todo  o  brilho 


'  Os  impressionistas  propunham-se  representar  os  objectos, 
segundo  as  suas  impressões  pessoaes,  sem  se  preoccuparem  com  as 
regras  geralmente  admittidas. 


126  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


da  luz.  Os  chefes  da  escola  foram  Manet,  Sisley, 
Degas  e  Renoir,  Henri  Martin,  Benard,  etc.  Mas  os 
impressionistas  são  apenas  uma  escola,  no  meio  de 
muitas  outras,  e  os  maiores  pintores  do  fim  do  século. 
Puvis  de  Chavanncs,  pintor  de  frescos,  de  uma  compo- 
sição harmoniosa  e  de  uma  nobre  serenidade,  e  Car- 
rière,  cujas  obras  teem  uma  belleza  superior,  pela 
sciencia  do  modelado  e  profundeza  da  expressão,  não 
se  ligaram  a  nenhum  grupo. 

Na  Inglaterra,  as  obras  mais  originaes  são  as  dos 
Peraphaelitas,  assim  chamados,  porque  se  inspiravam  na 
pintura  do  século  XV,  anterior  a  Raphael ;  mas  houve, 
em  muitos  outros  paizes,  na  Allemanha,  na  Suissa,  na 
Noruega  e  na  Hespanha,  um  grande  numero  de  artistas 
de  talento  original. 

A  esculptura  evolucionou  também  para  o  realismo ; 
porém,  a  estatuária  clássica  conservou  partidários  fieis, 
que  obedeceram  sempre  ás  tradições  antigas. 

De  todas  as  artes,  a  architectura  foi  a  que  menos 
se  desprendeu  do  predominio  clássico.  Em  compensa- 
ção, houve,  no  fim  do  século,  um  verdadeiro  renasci- 
mento das  artes  decorativas;  e,  sob  influencias  diversas, 
formou-se  o  moderno  estylo  de  decoração,  que  mira  á 
simplicidade  e  naturalidade. 


Tantas  descobertas  e  tão  grande  progresso  nas 
sciencias  e  nas  artes,  apar  das  explorações  territoriaes 
e  dos  acontecimentos  poHticos,  não  podiam  deixar  de 
influir  poderosamente  nos  demais  factores  económicos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  127 


Effectivamente,  começando  pelos  productos,  já  o 
bloqueio  continental  fez  apparecer  muitos  productos 
novos.  E'  que  era  preciso  supprir  a  carência  que  resul- 
tava d'esse  bloqueio,  por  meio  de  novas  invenções ;  e 
Napoleão  foi  o  primeiro  a  despertar  a  iniciativa  parti- 
cular, com  prémios  destinados  aos  inventores. 

A  côr  da  cochenilha  foi  substituida  pela  côr  da 
garança  e  do  pastel;  o  café  do  cafezeiro,  pelo  café  de 
chicória ;  o  assucar  da  canna,  pelo  assucar  da  uva  e  da 
beterraba  \  E  d'este  assucar  de  beterraba  e  da  sua 
fabricação    surgiram    ainda   muitas   outras   substancias. 

Assim,  para  tirar  o  assucar,  preme-se  a  beterraba. 
Sai  d'ahi  o  sueco,  d'onde  se  faz  o  assucar.  Este  assu- 
car, sendo  bem  refinado,  assemelha-se  ao  das  Antilhas, 
e  o  residuo  que  a  pressão  deixa,  serve  ainda  para 
alimento  da  gado. 

Como  é  impossível  tirar  da  polpa  todo  o  liquido 
que  ella  contém,  é  também  impossível  tirar  do  liquido 
todo  o  assucar;  e  d'ahi  se  deriva  um  novo  residuo  que 
se  appelida  melaço. 

Este  melaço,  distillado,  dá  álcool,  e  depõe  um 
outro  residuo,  impróprio  para  a  distillação,  que  os 
franceses  chamam  vinasse.  A  chimica  apodera -se 
d'esta  substancia,  lança-a  n'um  forno,  onde  os  gazes 
que  ella  contém,  se  inflamam,  sob  a  influencia  do  calor 
de  um  outro  forno  adjacente  e  communicativo,  e  sai 
d'ahi   um   corpo    solido    negro,    mas   de   consistência   e 


1  Perigot,  obr.  cit.  O  assucar  de  beterraba  já  era  fabricado  na 
Sibéria,  ha  mais  d'um  século,  mas  em  quantidades  insufficentes. 
Risson,  obr.  citada. 


128  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


brilho  metallico  —  a  potassa  bruta.  Vende-se  ella  n'esse 
estado  para  as  saboarias,  e  a  que  se  não  vende  n'essa 
forma,  é  lixiviada,  de  maneira  a  dar  um  liquido  que  se 
concentra,  e  que  na  ebulição  dá  o  sulfato  de  potassa 
para  uso  dos  fabricantes  de  salitre  e  aluminio.  £,  depois 
de  arrefecido  este  liquido,  forma  ipso  facto  o  chloreto 
de  potássio,  que  se  emprega  também  na  fabricação  do 
salitre. 

Quando  se  lança  mão  d'este  ultimo  producto,  e  se 
separa  o  que  elle  contém  de  chloreto,  e  se  torna  a 
lançar  na  caldeira,  produz-se  na  ebulição  o  sal  de  soda, 
que  se  emprega  na  vidraria.  O  residuo,  também  depois 
de  arrefecido,  torna-se  a  levar  ao  fogo,  e  sai  de  lá 
potassa  pura,  servindo  para  uso  da  fabricação  do  crystal. 

E  este  Protheu  da  chimica  —  a  beterraba  acaba  por 
fim  em  potassa  bruta,  contendo  phosphato  e  carbo- 
nato de  cal,  que  serve  para  espalhar  nos  campos,  como 
estrume,  e  para  a  vidraria. 

Houve  também  de  novo  no  século  XIX,  a  produção 
da  soda,  devida  aos  trabalhos  de  Leblanc  e  Thernaud 
de  que  já  falíamos,  bem  como  do  sal  amoniaco  e  do 
branco  de  alvaiade;  a  distillação  aperfeiçoada  do  álcool 
e  do  chioro ;  a  produção  do  gaz  de  illuminação  ex- 
traido  da  hulha,  invenção  essa  devida  a  Minclen  (1804); 
a  de  muitos  productos  chimicos  e  pharmaceuticos ;  a 
descoberta  das  cores  tiradas  da  hulha;  a  dos  explosivos; 
a  dos  productos  das  industrias  alimentares,  como,  por 
exemplo,  conservas  e  carnes  congeladas;  a  das  indus- 
trias photograficas,  e  a  fabricação  do  aço,  pela  invenção 
do  inglez  Bessemer.  E,  finalmente,  surgiram  no  mercado 
muitos  outros  productos,  devidos  ao  maior  desinvolvi- 
mento  da  industria  e  ao  intercambio  internacional. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  129> 


Aug-mentaram  enormemente  os  metaes  preciosos, 
pela  exploração  das  minas  de  ouro  da  Rússia,  na  Sibé- 
ria, que  principiou  em  1820;  pela  das  minas  também 
de  ouro  de  Califórnia,  descobertas  em  1848,  que  em 
breve  desbancaram  mesmo  as  antigas  minas  de  Potosi; 
e,  depois  de  1851,  pelos  jazigos  auríferos  da  Austrália, 
também  muito  abundantes.  E  d'ahi  resultou  não  somente 
um  grande  elemento  de  matérias  primas  para  as  indus- 
trias preciosas,  mas  também  para  a  abundância  de 
numerário :  o  que  influiu  efficazmente  nos  preços  e  nos. 
mercados. 

E  Nobel  descobriu  a  dinamite. 


O  que  temos  exposto,  a  respeito  das  sciencias  e 
das  artes,  da  applicação  do  vapor  e  da  electricidade  e 
dos  productos,  mostra  já  quão  grande  serie  de  indus- 
trias se  criou  e  desinvolveu,  no  período  de  que  estamos 
tratando.  E  teríamos  de  encher  muitas  paginas,  se  men- 
cionássemos todas  aquellas  que  foram  descobertas  ou 
aperfeiçoadas. 

Mas,  ainda  assim,  vamos  fazer  especial  menção  de 
algumas  d'ellas. 

Uma  foi  a  industria  da  cortiça,  que  é  das  mais  cara- 
cterísticas ;  porque,  apesar  de  todas  as  indagações,  nunca 
se  conseguiu  fabricar  outra  matéria  que  possua  as  qua- 
lidades de  leveza,  elasticidade  e  incombustibilidade, 
próprias  d' esse  producto.    Elxperimentaram-se  todas  as 

Volume  VI  9 


130  A   HISTORIA  ECONÓMICA 


qualidades  de  substancias  leves  e  esponjosas,  mas 
nenhuma  correspondeu  ao  programma;  e,  por  isso,  os 
povos  que  possuem  a  cortiça,  ainda  conservarão  o 
monopólio  por  muito  tempo. 

Em  primeiro  logfar,  encontra-se  ella  na  França,  no 
departamento  dos  Pyrineus  Orientaes,  do  Var,  dos 
Alpes  Maritimos,  na  Córsega,  colónias  algerianas  e 
tunizianas;  e  vem  depois  Portugal,  Hespanha,  Itália, 
Áustria,  Grécia  e  Marrocos.  De  modo  que  a  cortiça  é 
uma  riqueza  do  Mediterrâneo. 

Desde  tempos  remotos,  a  única  applicação  d'este 
producto  era  a  das  rolhas.  E  o  corte  d'ellas,  por  mais 
bem  feito  que  seja,  fornece  muitos  residuos. 

Primeiramente  esses  residuos  eram  queimados,  e, 
como  a  cortiça  não  queima  bem,  constituiam  um  com- 
bustível de  má  qualidade,  por  forma  que,  para  se  tirar 
proveito  d'elles,  tornavam-se  necessários  combustores 
especiaes.  Felizmente,  porém,  criou-se  uma  outra  im- 
portante industria — a  da  apara  das  rolhas,  que,  por 
meio  de  processos  de  agglomeração,  não  somente  apro- 
veita os  restos,  mas  também  faz  com  elles  outros  diffe- 
rentes  productos,  que  possuem  qualidades  indispensá- 
veis para  muitos  empregos  especiaes,  e  até  para  se 
extrair  gaz  de  illuminação. 

As  rolhas  trabalham-se  facilmente  á  mão.  Porém 
inventaram-se  maquinas  engenhosas  que  abreviam  o 
trabalho,  e  dão  resultados  industriaes  satisfatórios. 

A  cortiça  agglomerada  é  um  isolador  notável  contra 
as  variações  da  temperatura. 

A  industria  frigorifera,  que  egualmente  foi  criada 
no  século  XIX,  emprega-a  também  com  bom  resultado; 
e  nada  se  encontra  melhor,  para  encher  as  duplas  pare- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  131 


des  isoladas  dos  entrepostos  dos  navios  frigoriferos  ou 
dos  wag-ons  refrigerantes. 

O  tijolo  de  cortiça  representa  um  papel  importante  na 
construcção,  para  estabelecer  paredes  muito  leves,  inso- 
noras,  e  que  guardam  muito  bem  o  equilibrio  thermico. 

Depois  de  alguns  ensaios,  que  não  foram  muito 
felizes,  porque  os  processos  de  agglomeração  não  esta- 
vam devidamente  aperfeiçoados,  esse  tijolo  de  cortiça, 
bem  fabricado,  tomou  o  seu  logar  entre  os  materiaes 
de  que  o  architeeto  e  engenheiro  podem  servir-se  com 
segurança  e  utilidade. 

O  pó  da  cortiça  está  reconhecido  como  excellente, 
para  fazer  em  caixas  ou  em  qualquer  outro  recipiente, 
o  acondicionamento  de  fructas  e  legumes  delicados,  ou 
que  se  quer  transportar  em  viagem  ou  navios. 

A  sua  preparação  necessitou  de  maiores  indagações 
do  que  se  poderia  suppor;  porque  não  é  fácil  pulverisar, 
até  o  ponto  que  se  deseja,  esta  matéria  de  uma  elastici- 
dade tão  perfeita  que  foge  á  ferramenta.  Mas  industrias 
especiaes  resolveram  o  problema. 

Uma  das  appHcações  mais  notáveis  dos  agglomera- 
dos  da  cortiça  é  o  linoleum,  vulgarmente  chamado  cor- 
ticite,  cujo  inicio  data  approximadamente  de  1870,  e  que 
tomou  muita  importância  na  construcção.  Apto  para 
evitar  a  humidade,  é  um  inimigo  da  poeira,  um  isolador 
thermico,  e  uma  substancia  própria  para  constituir  super- 
ficies  lisas  e  não  escorregadias.  Sendo,  como  é  plás- 
tico, permittindo  a  sua  applicação,  onde  se  quizer, 
o  linoleum.  assumiu  um  logar  industrial  e  commercial 
importante.  Vem  a  ser  uma  simples  mistura  de  cortiça 
em  pó,  óleo  de  linhaça,  goma  e  oca,  tudo  preparado 
segundo  a  respectiva  industria. 


132  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  potencia  motora  do  vapor  foi  sensivelmente 
augmentada  pela  invenção  de  Seguin,  na  caldeira  tubu- 
lar (1828),  a  que  já  nos  referimos.  Depois  usou-se  a 
força  motora  da  electricidade,  por  meio  das  maquinas 
dynamo-electricas  de  Gramman. 

Nos  últimos  annos  construiram-$e  também  motores 
a  petróleo.  Inventaram-se  também  outras  maquinas, 
cada  vez  mais  complicadas,  e  cada  vez  mais  potentes. 

A  agricultura,  como  já  notámos,  tornou-se  scienti- 
ficamente  industrial.  No  século  XVIII,  ella  conservava 
ainda  os  processos  rotineiros  da  meia  edade,  a  não  ser 
nos  paizes  novos  (Estados  Unidos);  e,  mesmo  a  força 
das  quedas  de  agua  e  do  vento  só  era  aproveitada  para 
os  moinhos.  Mas  depois  começou  o  trabalho  mecânico 
a  substituir-se  ao  trabalho  á  mão  ;  e  os  velhos  ins- 
trumentos tradicionaes  foram  sendo  também  substitui- 
dos  pela  charrua  a  vapor,  semeadoras  e  ceifeiras  mecâ- 
nicas, debulhadeiras,  maquinas  de  pisar  e  envasilhar  o 
vinho,  etc,  ^. 

Ao  mesmo  tempo  a  chymica  agrícola  forneceu  novos 
processos,  para  melhorar  os  terrenos  e  augmentar  o 
seu  rendimento,  por  meio  de  estrumes  chymicos,  taes 
como  phosfatos,  nitratos  de  potassa,  etc. 

E,  para  generalisar  as  praticas  scientificas,  funda- 
ram-se,  geralmente,  em  differentes  paizes,  institutos  agri- 
colas,  escolas  de  agricultura  e  quintas  modelos. 

Finalmente,  as  exposições  internacionaes,  que  tam- 
bém são  obra  do  século  XIX,  fornecendo  os  melhores 
modelos  industriaes,  e  mostrando  o  desinvolvimento  de 


1     Vide  pag.  111. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  133 


cada  nação,  serviram  de  exemplo  e  incitamento  aos  pai- 
zes  mais  atrazados,  e  fomentaram,  cada  vez  mais,  a  anciã 
do  progresso. 

Essas  exposições  internacionaes  foram:  em  1851,  em 
Londres;  1855,  em  Pariz;  1862,  em  Londres;  1865,  no 
Porto;  1867,  em  Pariz;  1871  a  1874,  em  Londres; 
1873,  em  Lyon;  1873,  em  Vienna;  1873,  em  Philadelphia; 
1878,  em  Pariz;  1879,  em  Sidney;  1880,  em  Melbourne; 
1883,  em  Amsterdam;  1885,  em  Antuérpia;  1885  e  1886, 
em  Nova  Orleans;  1888,  em  Barcelona;  1888,  em  Cope- 
nhague; 1888,  em  Bruxellas;  1889,  em  Pariz;  1893,  em 
Chicago;  1897,  em  Bruxellas;  1900,  em  Pariz. 

Com  tudo  isto,  as  industrias  manuaes  foram  decres- 
cendo, de  modo  que,  por  um  lado,  no  fim  do  século,  o 
trabalho  á  mão  quasi  que  somente  era  applicado  ás 
industrias  de  luxo ;  e  trabalhava-se  mais  barato.  E,  por 
outro  lado,  surgiu  a  grande  industria. 

E'  certo  que,  antes  do  século  XIX,  já  havia  algumas 
grandes  officinas,  conglobando  centenas  de  trabalha- 
dores. Mas  era  uma  excepção;  porque  o  regime  normal 
consistia  na  divisão  em  pequenas  officinas,  onde  o 
patrão  agrupava  alguns  artistas.  No  século  XIX,  pelo 
contrario,  a  officina  tornou-se  uma  excepção,  e  a 
fabrica  constituiu  a  regra  geral. 

Assim  se  fizeram,  sobretudo,  nas  regiões  hulheiras 
e  na  visinhança  das  grandes  quedas  de  agua,  enormes 
agglomerações  de  operários,  cujo  desinvolvimento  é 
um  dos  traços  mais  caracteristicos  do  século  XIX. 
E,  por  isso  mesmo,  a  população  operaria  foi  crescendo 
muito,  em  detrimento  da  população  rural. 

Pode,  assim,  dizer-se  que  os  caracteres  essenciaes 
da  industria  no  século  XIX,  sobretudo  depois  do  pri- 


134  A   HISTORIA  ECONÓMICA 


meiro  quartel,  se  resumem  em  que  a  grande  industria 
substituiu  a  pequena  industria,  e  foi  penetrada  pela 
sciencia;  de  modo  que  foram  as  preparações  dos  sábios 
que  incitaram  a  actividade  dos  industriaes. 

A  fabrica  saiu  do  laboratório,  e  substituiu  a  officina; 
e  ao  trabalho  de  mão  substituiu-se,  quanto  possivel,  o 
trabalho  mecânico.  A  maquina  substituiu  também  o 
homem.  Fabricaram-se  objectos  em  grande  quantidade 
e  baixo  preço.  E,  como  já  dissemos,  surgiu  enorme 
quantidade  de  industrias  novas. 


A  descoberta  ou  preparação  de  novos  productos,  o 
grande  desinvolvimento  industrial,  o  alargamento  do 
mundo  physico,  e  a  exploração  de  novas  regiões  ter- 
ritoriaes,  apar  do  enorme  alargamento  das  communi- 
cações,  de  que  adiante  fallaremos,  deram  também  logar 
a  um  grande  desinvolvimento  do  commercio. 

Os  commerciantes  não  se  limitaram  a  vender  no 
seu  paiz.  Procuraram  desembocadouros  em  todos  os 
povos  do  mundo.  O  commercio  exterior,  cuja  impor- 
tância é  uma  caracteristica  essencial  da  força  econó- 
mica dos  Estados,  tornou-se  também  a  condição  essen- 
cial da  vida  de  alguns  d'elles:  por  exemplo,  a  Inglaterra 
e  a  AUemanha,  que  só  encontraram  na  venda  dos  seus 
productos  o  dinheiro  necessário  para  a  sua  alimentação. 

Por  outro  lado,  os  preços  tenderam  a  tornar-se  uni- 
formes. Estabeleceram-se  bolsas  em  quasi  todos  os 
paizes,  e  museus  commerciaes  em  alguns  d'elles,  como, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  I35 


na  Belgfica,  onde  havia  amostras  dos  productos  de 
exportação  e  de  importação  e  dos  empacotamentos  e 
respectivos  aprestes ;  e  onde  as  respectivas  mesas 
davam  instrucções  completas,  quanto  á  procura  nos 
paizes  estrangeiros,  ao  curso  dos  câmbios,  taxas  adua- 
neiras e  telegráficas,  e  tarifas  de  transportes  por  terra 
e  por  mar  ^. 

As  companhias  de  seguros  terrestres  e  maritimas 
augmentaram  prodigiosamente,  dando  assim  ao  com- 
mercio  outras  tantas  garantias. 

Augmentou  egualmente  o  estabelecimento  dos  ban- 
cos, de  sociedades  anonymas,  de  associações  poderosas, 
sob  a  forma  de  trusts,  carteis  e  rings,  e  camarás  de 
compensação  ou  clearing-houses,  ampliando  com  issO' 
as  forças  económicas,  pela  expansão  do  credito,  ou 
pela  reunião  dos  esforços  individuaes  ^. 

Os  próprios  consulados  tiveram  também  por  missão 
especial  o  concorrerem  para  o  desinvolvimento  do 
commercio  do  seu  paiz;  e  criou-se  internacionalmente 
a  missão  de  agentes,  commissarios  commerciaes,  e  até 
de  conselheiros  commerciaes  junto  das  legações,  com 
o  mesmo  propósito  de  favorecerem  o  commercio  do 
respectivo  Estado  ^. 

Tornou-se  maior  a  approximação  das  nações,  e  com 
ella  o  intercambio  internacional.  E  as  exposições  de  que 
já  falíamos,  ao  passo  que  augmentavam  esse  intercam- 


1  Mareei  Dubois,  L'Europe,  la  Belgique. 

2  Adriano    Anthero.     Commentario    ao    Código    Commercial 
Portuguez,  vol.  I  pag.  154  e  seguintes. 

3  Noel,  obr.  cit.  vol.  III. 


136  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


bio,  forneciam  os  modelos  mais  aperfeiçoados,  e  desper- 
tavam também  o  desejo  das  transacções  internacionaes. 

O  dinheiro  unificou-se  em  cada  paiz,  havendo  uma 
única  moeda  embora  com  os  seus  múltiplos  ou  submul- 
tiplos,  e  acabando  com  isso  a  confusão  monetária  dos 
tempos  anteriores. 

Assim,  na  Allemanha,  a  unidade  monetária  era  o 
marco,  valendo  approximadamente  um  franco  e  24  cên- 
timos ;  e,  porisso,  reputando  o  franco  em  18  centavos 
ou  180  reis,  era  egual  a  22  centavos  e  três  milavos 
ou  233  reis  da  nossa  antiga  moeda.  Dividia-se  em 
100  phennigs. 

Na  republica  Argentina,  a  unidade  monetária  era  o 
peso,  que  se  dividia  em  cem  centavos,  com  o  valor 
nominal  de  cinco  francos  (=90  centavos  ou  900  reis 
da  nossa  antiga  moeda).  Nos  Estados  Unidos  da  Ame- 
rica do  Norte,  era  esse  peso  reputado  como  equivalente 
a  965  millessimos  do  dollar  ( ^  ^  80  centavos  e  três 
milavos  ou  893  reis  da  nossa  antiga  moeda). 

Na  Austria-Hungria,  a  unidade  monetária  da  pauta 
das  alfandegas  era  o  florim,  dividindo-se  em  100  kreu- 
izer,  e  valendo  2  francos  e  cincoenta  cêntimos  (  =  45 
centavos  ou  450  reis).  Mas  a  unidade  monetária  esta- 
belecida por  lei  de  1892,  posterior  á  da  pauta  das 
alfandegas,  era  a  coroa  ( --  18  centavos  e  sete  milavos 
ou  187  reis). 

Na  Bélgica,  a  unidade  monetária  era  o  franco,  divi- 
dindo-se em  100  cêntimos  (-18  centavos  ou  180  reis). 

No  Brazil,  a  unidade  monetária  era  mil  reis,  (  50 
centavos  e  cinco  milavos  ou  505  reis). 

No  Chile,  a  unidade  monetária  era  o  peso,  que  se 
dividia  em  100  centavos  (33  centavos  e  sete  milavos 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  137 


OU  337  reis).  Nos  Estados  Unidos  da  America  do 
Norte,  o  peso  chileno  era  reputado  em  365  millesimos 
do  dollar  (  =  33  centavos  e  oito  milavos  ou  338  reis). 

Na  China,  a  unidade  monetária  era  o  tael  {^=a  10 
maces  =  a  um  escudo  e  vinte  e  nove  centavos  e  seis 
milavos  ou  1$296  reis).  O  mace  dividia-se  em  10  conda- 
rins,  e  o  condarin  em  10  caches. 

No  Congo  (Estado  Livre),  a  unidade  monetária  era 
o  franco,  dividindose  também  em  100  cêntimos  (=a  18 
centavos  ou  a  180  reis). 

Na  Costa  Rica,  a  unidade  monetária  da  pauta  das 
alfandegas  era  o  peso  (prata),  que  se  dividia  em  100 
centavos,  com  o  valor  nominal  de  5  francos  (=^90  cen- 
tavos ou  900  reis).  Nas  estações  officiaes  dos  Esta- 
dos Unidos  da  America  do  Norte,  considerava-se  como 
unidade  monetária  da  Costa  Rica,  o  cólon  (ouro),  equi- 
valente a  465  millesimas  do  dollar  de  ouro  (  =  46  cen- 
tavos ou  460  reis). 

Na  Dinamarca,  a  moeda  referida  na  pauta  das 
alfandegas  era  o  rigsdaler,  que  se  dividia  em  96  skillings, 
e  valia  francos  2,78  (=50  centavos  e  4  milavos  ou  504 
reis).  A  moeda  nova  era  a  coroa  =  25  centavos  (ouro), 
que  se  dividia  em  100  ores,  e  valia  francos  1,39  (=25 
centavos  e  dois  milavos,  ou  250  reis).  A  lei  monetária 
de  23  de  maio  de  1873  fixou  a  proporção  entre  duas 
moedas  da  maneira  seguinte:  1  rigsdaler  =  a  duas 
coroas ;  48  skillings  =  1  coroa. 

No  Equador,  a  unidade  monetária  empregada  na 
pauta  das  alfandegas  era  o  sucre,  que  se  dividia  em  100 
centavos  e  valia  cinco  francos,  valor  nominal  ( =  90 
centavos  ou  900  reis).  No  Boletim  dei  Ministério  do 
Estado  VII,  980,  (Madrid,  1898),   menciona-se  a  piastra 


138  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


(prata),  como  tendo  curso  no  Equador  e  Guatemala,, 
com  o  valor  de  5  francos.  Nos  Consular  Reports  LVII, 
n.''  213,  pag.  17,  (Washington,  1898),  menciona-se  o 
peso  de  prata  com  a  unidade  monetária  do  Equador, 
com  valor  fluctuante,  que,  no  1."  trimestre  de  1898, 
oscillou  entre  409  e  434  millesimas  do  dollar  de  ouro 
(=37  centavos  e  8  milavos  e  39  centavos  e  2  milavos,  ou 
seja  í?37,8  e  í^39,2  respectivamente,  ou  378  reis  e  392  reis). 

Nos  Estados  Unidos  da  America  do  Norte,  a  uni- 
dade monetária  era  o  dollar,  que  se  dividia  em  100  cents, 
e  valia  5  francos  e  18  cêntimos  (  =  93  centavos  e  dois 
milavos  ou  932  reis).  A  casa  da  moeda  dos  Estados 
Unidos  reputava  mil  reis  de  Portugal,  (ouro),  equiva- 
lente a  um  dollar  e  oito  cents.  Segundo  esta  equivalên- 
cia, um  dollar  correspondia  a  92  centavos  e  6  milavos 
ou  926  reis. 

No  Haiti,  a  unidade  monetária  era  o  guide,  que  se 
dividia  em  100  cêntimos,  com  o  valor  nominal  de  cinco 
francos  ou  90  centavos  ou  900  reis.  A  casa  da  moeda 
dos  Estados  Unidos  reputava  um  guide  =z965  millesimas 
do  doUars  (ouro).  A  equivalência  sobre  esta  base  em 
ouro  portuguez  vem  a  ser  89  centavos  e  3  milavos  ou 
893  centavos  e  3  milavos  ou  893  reis. 

Na  Hespanha,  a  unidade  monetária  era  a  peseta 
(  =  a  um  franco,  18  centavos  ou  180  reis). 

Na  Inglaterra,  a  unidade  monetária  era  a  libra 
sterlina  (20  shillings,  equivalente  a  4  escudos  e  meio 
ou  4.S500  reis;  shilling  (12  dinheiros  ou  pences,  equiva- 
lente a  22  centavos  e  meio  ou  225  reis ;  dinheiro  ou 
penny  (4  forthings),  equivalente  a  18  milavos  e  75  cen- 
tésimos do  milavo  ou  18  reis;  forthing,  equivalente  a  4 
milavos  e  60  centésimas  do  milavo  ou  4  reis. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  139 


Na  Itália,  a  unidade  monetária  era  a  lira  (^=1  franco» 
ou  18  centavos  ou  180  reis). 

No  Japão,  a  unidade  monetária  era  o  yen  (ouro),^ 
equivalente  a  0,498  do  dollar  =  a  46  centavos  e  um 
milavo  ou  461  reis). 

No  México,  a  unidade  monetária  era  o  peso,  que  se 
dividia  em  100  centavos,  com  o  valor  nominal  de  cinco 
francos  (  =  90  centavos  ou  900  reis). 

Em  Marrocos,  a  unidade  monetária  era  o  real,  que 
valia  25  centésimos  da  peseta  hespanhola  ou  de  1  franco 
(  =  a  4  centavos  e  meio,  ou  45  reis). 

Nos  Paizes  Baixos,  a  unidade  monetária  era  o 
florim,  que  se  dividia  em  100  cents,  e  valia  aproxima- 
damente 2  francos  e  11  cêntimos  (  =  38  centavos  ou 
380  reis). 

No  Peru,  a  unidade  monetária  era  o  sol  (prata),  que 
se  dividia  em  100  centavos,  e  valia  nom.inalmente  5  fran- 
cos (90  centavos  ou  900  reis).  O  sol  de  prata  do  Peru 
tinha  curso  fluctuante,  de  modo  que,  no  fim  do  1.*^ 
semestre  de  1898,  era  reputado  pela  casa  da  moeda  dos 
Estados  Unidos  como  equivalente  a  418  millesimas  do 
dollar  (ouro  americano)  =38  centavos  e  7  milavos  ou 
387  reis. 

Em  Portugal,  a  unidade  monetária  era  o  real  com  os 
seus  múltiplos,  a  saber:  a  coroa  de  ouro,  do  valor  de 
lOSOOO  reis,  a  meia  coroa,  do  valor  de  58000  reis,  o 
quinto  de  coroa,  do  valor  de  2$000  reis,  e  o  decimo  de 
coroa,  do  valor  de  ISOOO  reis. 

Na  Rússia,  a  unidade  monetária,  desde  os  princi- 
pies de  1897,  era  o  rublo  ouro,  equivalente  a  772  mil- 
lesimas do  dollar  dos  Estados  Unidos  (  =  71  centavos 
e  4  milavos  ou   714  reis).  Dividia-se  em  100  kopecks. 


140  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Não  se  deve  confundir  com  o  rublo  papel,  que  tem  o 
valor  approximado  de  48  centavos  ou  480  reis. 

Na  Suécia  e  Noruega,  a  unidade  monetária  era  a 
coroa  (krona),  que  se  dividia  em  100  oeres,  e  valia 
approximadamente  1  franco  e  39  cêntimos  (  =  25  cen- 
tavos ou  250  reis). 

Na  Turquia,  a  unidade  monetária  era  a  piastra  de 
ouro,  equivalente  a  44  millesimas  do  dollar  dos  Estados 
Unidos  (  =  4  centavos  approximadamente  ou  40  reis). 
As  moedas  cunhadas  eram  de  25,  50,  100,  200  e  500 
piastras. 

No  Uruguay,  a  unidade  monetária  era  o  peso,  que 
se  dividia  em  100  centésimos,  e  valia  approximadamente 
5  francos  (  =  90  centavos  ou  900  reis)  \ 


Nas  próprias  classes  trabalhadoras,  operou-se  uma 
revolução,  porque  foi  abolida  a  escravatura. 

Os  congressos  de  Vienna  de  1815  não  ousaram 
estabelecer  essa  abolição,  e  apenas  formularam  o  voto 
<le  que  as  nações  alli  representadas  empregassem  para 
tão  humanitário  fim  os  seus  melhores  esforços. 

Coube  á  Inglaterra  a  iniciativa  da  perseguição  da 
escravatura,  arrogando  a  si  o  direito  de  visita  a  todos 
os  navios  que  julgasse  suspeitos  do  trafico  dos  negros. 


1     Adriano    Anthero.  —  Commentario   ao    Código    Commercial 
■Portuguez,  vol.  I,  pag.  595  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  141[ 

A  França  reconheceu  por  um  tratado  de  1831  tal 
direito,  que,  annos  depois,  em  1845,  se  viu  obrigada  a 
regularisar  por  outro  tratado  com  a  Inglaterra,  estabe- 
lecendo-se  um  cruzeiro  'de  navios  inglezes  e  francezes, 
nas  costas  occidentaes  e  orientaes  da  Africa,  para 
cohibir  o  trafico,  segundo  se  dizia,  feito  pelos  Portu- 
guezes. 

Já  em  1839,  as  camarás  britannicas  tinham  adoptado 
o  bill  de  lord  Palmerston,  dando  aos  navios  inglezes  a 
faculdade  de  capturarem  os  navios  portuguezes  que  se 
entregassem  ao  commercio  dos  negros,  ou  fossem  sus- 
peitos de  tal  commercio,  ficando  os  bens  e  pessoas  de 
bordo  sujeitas  á  jurisdicção  exclusiva  das  auctoridades 
de  Sua  Magestade  Britannica. 

O  tratado  de  1845  entre  a  França  e  a  Inglaterra  foi 
a  nova  edição  correcta  d'esse  bill. 

O  governo  portuguez  de  então  deu  ordem  ao  seu 
ministro,  barão  de  Moncorvo,  para  fazer  sentir  ao 
governo  inglez  que  reputava  como  iniquo  esse  direito 
de  visita,  embora  sob  um  pretexto  humanitário.  E  a 
Inglaterra,  no  mesmo  anno  de  1845,  por  uma  nota  de 
lord  Aberdeen,  deu-nos  amplas  satisfações  sobre  o  que 
nós  julgávamos  offensa  da  nossa  soberania. 

Concorreu  muito  para  isso  o  livro  de  Sá  da  Ban- 
deira « O  trafico  da  esa  avatura  e  o  bill  de  lord  Pal- 
merston», em  que  elle  desaggravou  Portugal  da  injus- 
tiça que  lhe  era  feita.  E  aquelle  tratado  de  1845  era 
tanto  mais  injusto  que,  já  em  1843,  tinha  havido  um 
tratado  entre  a  Inglaterra  e  Portugal,  em  que  as  duas 
potencias  consentiam  jnutuamente  na  visita  e  n'outros 
procedimentos  graves,  quanto  ás  embarcações  dos  dois 
paizes,    quando    estas    se  tornassem,    com   fundamenta 


142  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


rasoavel,  suspeitas  do  trafico ;  devendo,  em  todo  o 
caso,  estas  visitas  ser  exercidas  por  navios  do  Estado, 
auctorisados  expressamente  para  esse  fim. 

Os  Estados-Unidos  não  annuiram  ao  direito  da 
visita,  e,  por  causa  d'isso,  esteve  para  haver  um  con- 
flicto  com  a  Inglaterra,  em  1858.  Mas,  pela  abolição 
g-eral  da  escravatura,  acabou  a  contenda;  porque,  então, 
os  negreiros  ficaram  equiparados  aos  piratas. 

O  ultimo  paiz  que  a  aboliu,  foi  o  Brasil,  em  1889, 
devido  em  grande  parte  aos  esforços  de  Joaquim 
Nabuco  e  José  Patrocinio.  Mas,  de  facto,  ainda  ella 
persistiu  em  alguns  povos,  e  até  para  a  reprimir,  ha  a 
União  ou  Bureau  da  repressão  do  trafico  de  escravos, 
instituido,  em  execução  do  auto  geral  da  conferencia  de 
Bruxellas  de  2  de  julho  de  1890  \ 

* 
*  * 

Também  no  período  de  que  estamos  tractando,  o 
socialismo  foi  cada  vez  agindo  mais  fortemente,  e  per- 
turbando muito  o  andamento  regular  da  sociedade. 

Assim  como  no  mundo  physico,  ha  o  quadro  dos 
abysmos  e  das  alturas,  dos  valles  e  das  campinas,  e, 
apar  do  superficie  immensa  dos  mares,  ha  as  arestas  das 
rochas  e  as  cadeias  das  montanhas;  emfim,  como  no 
mundo  physico,  ha  uma  serie  continua  d'esses  phenome- 
nos  que  quebram  o  nivelamento  do  globo,  também  no 


1     Adriano  Anthero.  O  Direito  Internacional. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  I43 


mundo  moral  e  social,  ha  os  múltiplos  accidentes  que 
estabelecem  a  desigualdade  da  humanidade. 

O  proprietário  ao  pé  do  proletário,  o  rico  ao  pé 
dos  desherdados  de  bens  de  fortuna,  o  forte  ao  pé  do 
fraco,  o  homem  que  dispõe  de  aptidões  priveligiadas,  ao 
pé  do  destituído  de  habilitações,  o  trabalhador  ao  pé  do 
indolente,  o  protegido  ao  pé  do  desamparado,  em 
summa,  a  differença  de  condições  estabelecida  por 
toda  a  parte  constitue  outras  tantas  variantes,  que 
teem  feito,  desde  o  principio  do  mundo,  a  desegual- 
dade  das  classes  sociaes. 

E  esta  serie  de  desegualdades  tem  levantado  sem- 
pre ou  nos  espíritos  visionários  e  nos  indagadores, 
ou  nos  condoídos  de  alheios  infortúnios,  ou  nos  deses- 
perados da  vida  e  da  sorte,  repetidos  esforços,  pací- 
ficos, ou  violentos,  para  apagarem  essas  desegual- 
dades e  estabelecerem,  quanto  ser  possa,  o  nivelamento 
social. 

O  primeiro  systema  aventado  para  attingir  esse 
nivelamento  social,  devia  ter  sido  naturalmente  o  mais 
radical  e  menos  scientifico ;  já  porque  os  primeiros 
impulsos  da  humanidade  foram  indisciplinados  e  rudes;  e 
já  porque,  não  havendo  ainda  o  lastro  scientifico,  depois 
accumulado  pelas  gerações  posteriores,  não  havia  ele- 
mentos para  organisar,  desde  logo,  um  corpo  doutri- 
nário. 

Por  isso,  o  primeiro  systema  que  surgiu  na  humani- 
dade, foi  o  communismo  puro,  que  é  de  todos  o  mais 
radical,  e  que  pôde  definir-se  a  forma  de  nivelação 
social  pela  simples  communhão  de  bens.. 

Este  systema  dividiu-se  em  communismo  religioso, 
civil,  livre  ou  philosofico  e  absoluto,  conforme  devia  ser 


144  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


realísado  pela  Egreja,  pelo  Estado,  pela  simples  von- 
tade dos  cidadãos,  ou  pela  acção  combinada  do  Estado 
e  da  Egreja. 

A  primeira  espécie  de  communismo  —  o  religioso, 
também  chamado  theocratico,  no  caso  em  que  os  chefes 
da  religião  eram  os  imperantes,  existiu  primitivamente  no 
Egypto,  na  índia  e  n'outros  povos  antigos. 

Os  Judeus  proclamaram  também  essa  doutrina,  sob 
a  formula  de  que  toda  a  terra  é  de  Deus.  No  Êxodo, 
por  exemplo,  diz-se:  Obedecei  exactamente  á  minha  voz, 
e  guardai  a  minha  alliança:  toda  a  terra  me  pertence. 
No  Levitico,  acha-se  egualmente  o  seguinte  texto:  A 
terra  é  minha,  e  vós  sois  estrangeiros  e  colonos,  a  quem 
abrigo.  Nos  Psalmos,  encontra-se  também:  A  terra  é 
do  Senhor  com  tudo  o  que  ella  contem. 

Este  communismo  religioso  foi  também  estabelecido 
pelos  primeiros  christão  na  Egreja  de  Jerusalém,  depois 
da  morte  de  Christo. 

Os  Romanos,  commandados  por  Tito,  invadiram,  no 
anno  de  70,  a  Judea.  Tomaram  aquella  cidade,  queima- 
ram o  templo,  e  levaram  captivos  todos  os  christãos ; 
mas,  dez  annos  depois,  outra  communidade  semelhante 
foi  fundada  no  Egypto  por  S.  Marcos,  primeiro  bispo 
de  Alexandria,  e,  em  breve,  a  instituição  se  propagou 
por  toda  a  parte.  D'ahi  os  conventos  e  as  ordens  reli- 
giosas, que  obedeciam  aos  mesmos  princípios  do  com- 
munismo religioso. 

As  formas  ou  regras  principaes  d'essas  ordens  foram 
a  de  S.  Bazilio,  que  preponderou  no  Oriente,  e  as  de 
Santo  Agostinho  e  S.  Francisco  d'Assis,  que  se  espa- 
lharam por  todo  o  mundo  catholico.  Mas,  quaesquer 
que    fossem    as    variantes,    no   fundo   dominava,   como 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  145 


principio  superior,  o  communismo,  dos  bens,  regulada 
pelo  poder  religioso,  de  harmonia  com  a  proclamação 
da   Biblia  de  que  a  terra  pertence  unicamente  a  Deus. 

E,  se  é  certo  que  esse  principio  geral  não  obstava 
á  acquisição  dos  bens  pela  Egreja,  esta  acquisição  era 
no  presuposto  do  que  esta  distribuiria  pelos  pobres  e 
necessitados  os  seus  rendimentos,  segundo  a  egualdade 
pregada  pelos  evangelhos. 

As  ágapes  ou  jantares  communs  dos  christãos,  que 
tiveram  logar  nos  primeiros  tempos  do  christianismo^ 
foram  também  um  reflexo  d'este  systema  communista. 
E  a  administração  dos  Jesuitas  no  Paraguay,  já  nos  tem- 
pos da  historia  moderna,  foi  outra  pratica  d'elle. 


O  communismo  civil  foi  egualmente  pregado  e  exer- 
cido já  na  antiguidade. 

Na  Grécia,  Minos  estabeleceu-o  em  Creta.  A  legis- 
lação de  Lycurgo  inspirou-se  n'este  systema ;  e  foi 
assim  que,  tomando  todas  as  precauções  para  banir  o 
luxo  e  a  riqueza,  ella  consignava  a  partilha  das  terras 
e  a  meza  e  educação  commum.  Platão  e  Sócrates 
apostilisaram  egualmente  semelhante  systema.  E,  em 
Roma,  as  lutas  agrarias,  as  tentativas  dos  Grachos  e 
todas  as  perturbações  civis,  provenientes  da  desegual- 
dade  das  fortunas,  representaram  a  mesma  elaboração 
communista. 

Eguaes  ideias  fermentaram,  sob  o  esforço  de  diffe- 
rentes   propagandistas,  na  edade   media,  e  produziram 

Volume  VI  10 


146  A  HISTORIA    ECONÓMICA 


differentes  movimentos  revolucionários,  até  que  foram 
organizadas  em  corpo  de  doutrina  por  Thomaz  Morus, 
o  grande  chanceller  da  Inglaterra,  morto  sobre  o  cada- 
falso, e  um  dos  mais  eminentes  homens  do  seu  tempo, 
pela  sua  illustração  e  virtudes.  Esse  corpo  de  dou- 
trina teve  o  titulo  de  Utopia,  também  conhecido  por 
Livro  de  Ouro;  e  foi  publicado,  em  1516. 


* 
*  * 


O  communismo  livre  ou  philosofico,  já  pregado  tam- 
bém na  antiguidade,  foi  posto  em  pratica  no  principio 
do  século  XVI,  pela  seita  dos  Anabaptistas,  cujos  sectá- 
rios, ainda  n'este  periodo  contemporâneo,  existiam  na 
Allemanha,  Estados  Unidos,  Hollanda,  Alsacia  e  outras 
regiões. 

Esta  seita,  apesar  de  proscripta  com  a  pena  de 
morte,  na  Dieta  de  Spira,  em  1529,  chegou  a  tomar  á 
força,  em  1534,  Munster,  capital  da  Westephalia,  e  ahi 
poz  em  pratica  o  seu  systema;  até  que,  por  fim,  essa 
cidade  foi  retomada  pelas  forças  do  império,  e  foram 
exterminados  os  anabaptistas  que  estavam  dentro. 

D'ahi  por  diante,  parte  d'esta  seita  fundiu-se  na  dos 
irmãos  Moravos,  que  tinham  quasi  os  mesmos  principies 
reguladores. 

Pode  talvez  enfileirar-se  aqui  o  communismo  dos 
Mormons,  seita  fundada  por  José  Smith,  e  da  qual 
existiam  no  plató  dos  Estados  Unidos  que  fica  entre  as 
Rochosas  e  a  Cascata,  uns  200  a  300  sectários. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  147 


Finalmente,  o  communismo  absoluto,  a  saber,  o  que 
devia  exercer-se  pela  acção  combinada  do  Estado  e 
da  Egreja,  foi  pregado,  também  no  século  XVI,  por 
um  homem  de  génio  e  de  uma  actividade  extraordi- 
nária, o  calabrez  Campanella.  Segundo  elle,  o  com- 
munismo era  determinado  por  Deus;  e,  n'este  sentido, 
os  sacerdotes,  e,  portanto,  a  religião,  deviam  ser  os 
interpretes  da  vontade  divina,  e  o  Estado,  o  seu 
executor.  Destas  duas  forças  combinadas  é  que  devia 
resultar  esse  communismo  absoluto  ^. 


Como  acaba  de  ver-se,  no  communismo,  ha  como 
formula  geral  —  a  communhão  dos  bens,  operada  directa- 
mente, e  esta  communhão  fere  bruscamente  a  liberdade 
humana,  e  ataca  de  frente  a  desigualdade  das  fortunas ; 
e,  como  é  natural,  devia,  por  isso,  encontrar  por  toda 
a  parte  uma  opposição  e  reacção  immediatas.  Fez  isto 
que,  já  no  século  XVII,  se  começasse  a  debater  a 
questão  de  attingir  de  outra  forma  a  nivelação  social ;  e 
d'ahi  surgiu  o  socialismo,  que  pode  definir-se  o  systema 


1     Alfredo  Soudre,  Histoire  du  communisme. 


148  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


do  nivelamento  social  por  meios  indirectos,  e  que 
M.  Tougan-Baranowski  define  mais  longamente,  como 
sendo  a  ordem  social,  na  qual,  em  consequência  de 
eguaes  obrigações  e  eguaes  direitos  para  todos,  e  de 
todos  participarem  no  trabalho  e  terem  o  seu  quinhão  no 
gozo  dos  fructos  desse  trabalho,  a  exploração  duma 
parte  dos  membros  da  sociedade  por  outra,  se  torna 
inútil  \ 

Sobre  o  incêndio  da  revolução  franceza,  já  Mirabeau, 
Robespierre  e  Babeuf  apostilisaram  o  socialismo ;  e,. 
depois  d'isso,  até  o  fim  do  século  XIX,  quasi  todos  os 
visionários  que  se  perderam  no  platonismo  das  abstra- 
cções ideaes,  ou  os  doutrinários  convictos,  ou  os  deses- 
perados e  maus,  que  se  corroiam  na  inveja  das  fortunas, 
alheias,  fizeram  d'esse  systema  o  desabafo  dos  seus 
ideaes  e  da  sua  ingenuidade,  ou  a  expansão  da  sua 
doutrina,  ou  a  explosão  da  sua  inveja  e  do  seu  rancor. 

E  tanto  augmentou  o  desinvolvimento  do  socialismo 
que  chegou  a  constituir  um  systema  perfeito,  organi-^ 
zado  em  bases  e  prlncipios  definidos. 

E,  com  effeito,  em  primeiro  logar,  o  socialismo 
moderno  começa  por  considerar  viciosamente  organi- 
sada  a  sociedade  actual,  pelas  seguintes  razões : 

a)  O  capital  deve  ser  abolido,  com  o  fundamento- 
de  que  representa  a  exploração  do  trabalhador  pelo 
capitalista.  Como  antigamente,  o  explorador  explorava  o 
escravo,  assim,  na  doutrina  do  socialismo,  o  credor 
explora    o    devedor;   o   grande   industrial   e   dono   das. 


1     M.   Tougan-Baranowski.   Evolução   Histórica  do  Socialismo» 
Moderno,  traduzido  em  francez  por  Joseph  Schapiro. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  I49 


maquinas  explora  o  operário;  o  proprietário  do  solo 
•explora  os  trabalhadores ;  e  o  patrão  que  tem  grande 
■estabelecimento,  explora  os  seus  caixeiros  e  criados. 
Porisso,  é  necessário  que  o  capital  seja  commum. 

b)  O  principio  da  livre  concorrência,  como  remédio 
«económico,  é  falso.  Assim,  o  retalhista  não  pode  concor- 
rer com  o  commerciante  por  grosso.  O  pequeno  pro- 
prietário, que  não  dispõe  do  capital  e  instrumentos  de 
cultura,  não  pode  concorrer  com  aquelle  que  dispõe  de 
tudo  isso.  O  lavrador  que  só  tem  um  solo  secco  e  fraco 
e  de  mau  clima,  não  pode  também  concorrer  vantajosa- 
mente com  outro  que  tenha  por  si  melhores  condições. 

c)  Na  livre  concorrência,  não  ha  certeza  de  que  o 
g-rande  proprietário  ou  industrial  cumprirá  os  seus  deve- 
res sociaes.  Era  necessário  para  isso  que  elle  tratasse 
de  regular  a  producção,  segundo  o  consumo  social,  e 
de  produzir  a  quantidade  e  qualidade  de  mercadorias 
que  a  sociedade  demandasse. 

Ora,  sob  a  livre  concorrência,  a  empreza  ignora 
tudo,  inclusivamente  as  necessidades  das  sociedades  e 
a  producção  social.  Não  sabe  qual  a  quantidade  e  qua- 
lidade de  mercadorias  que  os  seus  concorrentes  produ- 
zem ;  e  é  obrigado,  porisso,  a  satisfazer  a  sua  fregue- 
zia  de  olhos  vendados.  D'ahi  resultam  as  crises,  as 
fallencias,  os  prejuisos,  etc. 

Por  outro  lado,  os  que  chegam  a  essa  posição  de 
emprezarios,  não  são,  geralmente,  os  mais  competentes ; 
e  d'ahi  resulta  um  outro  vicio  de  organisação  econó- 
mica—  a  inhabilidade  d'essas  empresas. 

Emfim,  a  retribuição  e  lucros  das  emprezas  não  são 
determinados  pela  utiUdade  d'ellas  e  da  sociedade,  em 
geral,   mas  pelo   capital   que   os  empresários  possuem. 


150  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


d)  A  antiga  ideia  de  valor,  como  dependente  só  da 
utilidade  e  raridade,  é  outra  ideia  falsa.  O  valor,  segundo 
alguns  socialistas,  por  exemplo,  Marx  depende  ou  por 
outra,  é  representado  apenas  pelo  trabalho  crystalisado ; 
pois  qualquer  producto  corresponde  apenas  ao  valor  do 
operário  que  o  produz,  junto  ao  demais  trabalho  crys- 
talisado nas  matérias  primas  e  nos  instrumentos,  ou  no 
capital,  que  foram  empregados  no  producto ;  e  isto,  sem 
levar  em  conta  os  elementos  naturaes,  que  devem  ser 
communs  a  toda  a  humanidade.  Ou,  pelo  menos,  segundo 
alguns  outros  socialistas,  como  por  exemplo,  M.  Tou- 
gan-Baranowski,  se  o  valor  não  depende  só  do  traba- 
lho crystalisado,  visto  que  pode  haver  elementos  natu- 
raes, como  o  solo  e  o  clima,  que  concorram  para  a 
criação  do  producto,  e  mesmo  para  a  sua  melhor 
qualidade,  esse  trabalho  vem  a  ser  o  elemento  substan- 
cial do  preço,  e,  portanto,  do  valor. 

e)  A  civilisação  está  cheia  de  vicios,  que  tornam 
insufficiente  a  riqueza  social,  e  que  muito  a  podiam 
augmentar.  Assim,  na  organisação  actual,  ha  um  grande 
numero   de  pessoas   que   são  improductivas,  taes  são : 

Os  parasitas  domésticos  que  abarcam  três  quartas 
partes  das  mulheres  das  cidades,  e  metade  das  mulheres 
dos  campos,  pela  absorpção  nos  trabalhos  do  menage 
e  complicação  domestica;  três  quartas  partes  das  crian- 
ças, plenamente  inúteis  nas  cidades  e  pouco  úteis  nos 
campos ;  e  ainda  três  quartas  partes  dos  criados,  cujo 
trabalho    produz   unicamente    uma  complicação   social. 

E  os  parasitas  sociaes,  taes  como : 

Exércitos  de  terra  e  mar,  que  teem  por  objecto  a 
destruição;  legiões  de  funccionarios  fiscaes ;  grande 
quantidade  de  manufactores,  reputados  úteis,  mas  que 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  151 


são  relativamente  improductivos,  pela  má  qualidade  dos 
objectos  fabricados;  muitos  mercadores  e  agentes 
commerciaes ;  dois  terços  dos  agentes  de  transportes 
por  terra  e  mar ;  os  que  descançam  por  lei  ou  por 
accidente,  ou  voluntariamente;  os  sofistas  e  controver- 
sistas,  que  enganam  ou  controvertem  a  verdade ;  os 
ociosos,  que  passam  a  vida  sem  fazerem  nada,  aos  quaes 
se  deve  ajuntar  os  criados  e  toda  a  gente  que  serve 
estes  ociosos ;  os  prisioneiros,  que  representam  uma 
classe  de  ociosidade  forçada;  tudo  que  está  em  rebe- 
lião aberta  contra  a  industria,  leis,  costumes  ou  moral 
como  as  loterias,  e  casas  de  jogo,  verdadeiros  venenos 
sociaes ;  os  cavalheiros  de  industria;  as  mulheres  publi- 
cas, mendigos,  ladrões,  etc;  os  agentes  de  criação 
negativa,  que  não  trabalham  para  satisfazer  as  necessi- 
dades naturaes  da  humanidade,  mas  para  satisfazer  as 
necessidades  criadas  pela  imperfeição  da  ordem  social 
actual.  Taes  são,  por  exemplo,  os  agentes  da  edificação 
d'um  muro  de  cerca;  os  da  desarvorisação  d'uma  flo- 
resta útil  ao  paiz,  porém  destruida  pela  rapacidade  do 
proprietário,  que  não  pensa  no  interesse  commum;  e  os 
da  fundação  de  muitas  emprezas  concorrentes,  onde 
uma  só  bastaria  para  as  necessidades  da  communidade. 

Em  segundo  logar,  a  sociedade  não  tira  todo  o 
proveito  possivel  de  alguns  operários  que  emprega  no 
trabalho  productivo.  Acontece  isso  também,  por  exem- 
plo, no  parcellamento  excessivo  de  propriedade  e  da 
industria,  em  que,  por  falta  de  instrumentos,  capitaes,^ 
estrumes,  drenagens,  o  rendimento  é  menor;  quando, 
pelo  contrario,  se  a  propriedade  e  a  industria  se  con- 
centrassem, o  rendimento  seria  maior. 


152  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


Em  terceiro  legar,  outro  viciamento  da  socie- 
dade está  na  falta  de  atractivos  no  trabalho.  Regra 
geral:  não  se  trabalha  senão  para  satisfazer  a  fome 
e  as  necessidades  naturaes,  e  ordinariamente  tra- 
balha-se  muito  mal.  Considera-se  o  trabalho  económico 
como  sendo  massador  e  desagradável,  e  que,  porisso,  pro- 
duz fadiga.  Não  aconteceria  isto,  havendo  gosto  e  amor 
pelo  trabalho,  como  se  dá  com  o  caçador,  que  acha  a 
caça  agradável,  e,  por  esse  motivo,  se  não  fatiga  com  ella. 

Finalmente,  o  único  laço  que  reúne  os  diversos 
domínios  económicos,  é  a  troca  regida  pela  concorrência 
sem  plano  algum  de  organisação  social.  Cada  qual  pensa 
unicamente  em  si,  sem  se  importar  dos  outros.  O  resultado 
é  a  guerra  encarniçada  entre  elles,  o  enriquecerem  uns  á 
custa  dos  outros,  e  a  ruina  das  empresas  desgraçadas, 
as  bancarrotas,  as  crises  industriaes  e  commerciaes,  etc. 

Ora  o  socialismo  do  século  XIX,  tende  a  remediar 
todos  esses  vicios,  ou  parte  d'elles,  por  meio  de  vários 
alvitres.  Esses  alvitres,  embora  assentem  numa  base 
commum,  como  veremos,  são  differentes,  conforme  os 
diversos  systemas,  e  mesmo,  conforme  os  diversos  socia- 
listas e  escriptores. 

Esses  systemas  podem  classificar-se  do  seguinte 
modo : 

Socialismo :  Communismo : 

Centralista ;  Centralista ; 

Corporativo ;  Corporativo ; 

Federativo  ;  Federativo ; 

Anárquico.  Anárquico. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  153 


No  socialismo  centralista  ou  o  collectivista,  elabo- 
rado principalmente  por  Saint  Simon,  todos  os  meios  de 
producção  devem  ser  concentrados  na  mão  do  Estado. 

A  disposição  d'esses  meios  de  producção  e  a  sua 
distribuição  por  todo  o  paiz  devem  ser  confiadas  a  um 
poder  central,  cuja  figura  corresponde,  no  governo  eco- 
nómico, á  do  governo  politico  moderno. 

A  este  poder  central  serão  ligadas  differentes  aucto- 
ridades  provinciaes,  que  estarão  em  contacto  com  os 
productores  e  consumidores.  O  conjuncto  formará  um 
systema  complexo  e  hierárquico,  de  auctoridades  econó- 
micas, subordinadas  umas  ás  outras.  As  auctoridades 
locaes  transmittirão  ao  poder  central  as  informações 
relativas  á  natureza  e  qualidade  dos  pedidos  sociaes;  e 
o  poder  central  repartirá  depois,  segundo  estes  pedi- 
dos, os  meios  de  producção  entre  as  auctoridades 
locaes;  e  estas,  por  seu  lado,  os  darão  aos  trabalhadores 
isolados,  ou  formando  grupos,  conforme  o  principio:  a 
cada  um,  segundo  a  sua  capacidade,  a  cada  capacidade, 
segundo  a  sua  obra. 

No  systema  de  Saint  Simon,  que  foi  o  primeiro  que 
estabeleceu  estas  bases,  a  reunião  dos  operários  consti- 
tuiauma  hierarquia,  onde  havia  empregados  superiores  e 
subalternos,  chefes  e  subordinados ;  e  o  Estado  tinha 
até  o  caracter  de  uma  communidade  religiosa. 

Segundo  Pecqueur,  a  distribuição  não  deve  ser  des- 
egual.    O    Estado   inquirirá   quaes   os    objectos    que   é 


154  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


necessário  adquirir  para  a  distribuição  corresponder  ás 
necessidades,  e  fixará  as  horas  para  cada  industria, 
segundo  as  difficuldades  e  inconvenientes  do  respectivo 
trabalho.  A  remuneração  deve  ser  a  mesma  para  cada 
operário,  desde  que  a  tarefa  normal  seja  conveniente- 
mente executada;    aliás  soffrerá  a  devida  reducção. 

Na  distribuição  do  salário,  hão-de  ter-se  em  conta  as 
despezas  do  Estado  com  a  sustentação  dos  velhos,  doen- 
tes e  crianças,  bem  como  a  dedução  de  uma  certa  parte, 
para  reconstruir  o  capital  social  e  para  outras  despezas. 
O  resto  é  repartido  em  partes  eguaes  pelos  operários. 
A  distribuição  é  feita  em  dinheiro.  A  usura  é  prohi- 
bida;  e  cada  um  pôde  dispor  do  seu  dinheiro,  ou  comprar 
outros  objectos  nos  depósitos  do  Estado,  que  executa, 
por  sua  própria  conta,  as  importações  e  exportações. 
Os  preços    são   fixados   também   pelo    mesmo   Estado. 

As  imprensas  também  do  Estado  estão  francas  para 
todos,  mas  qualquer  cidadão  tem  de  imprimir  á  sua  custa 
o  que  desejar.  A  educação  da  mocidade  está  a  cargo  do 
Estado,  tendo  ella  de  seguir  as  profissões  para  que 
mostre  maior  capacidade,  ou  que  o  Estado  julgar  mais 
convenientes. 

Roberto,  outro  sectário  d'este  systema,  preconisava 
também  a  desegualdade  da  remuneração,  intendendo 
que  devia  ser  feita  em  proporção  dos  productos  do 
trabalho. 

Os  Marxitas  vão  mais  longe  ainda,  porque  esten- 
dem a  organisação  económica  a  todas  as  nações. 

Assim,  a  sociedade  futura  equivalerá  a  uma  vasta 
associação,  correspondente  ao  Estado.  Esta  associação 
terá  certas  relações  económicas  com  as  associações 
análogas,    visto    que    nenhum    Estado    moderno    pode 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  155 


prescindir  da  importação  estrangeira.  Estas  relações 
entre  Estados  socialistas  independentes  não  podem 
ser  reguladas  por  qualquer  potencia  superior;  mas 
as  convenções  basilares  estabelecerão  o  equilibrio  entre 
a  importação  e  a  exportação,  de  modo  a  cada  Estado 
poder  pagar  com  os  seus  productos  o  que  tiver 
recebido. 

Os  Marxitas  inclinam-se  para  a  egual  remuneração 
de  todos  os  géneros  de  trabalho,  admittindo  apenas 
uma  excepção  a  favor  dos  trabalhos  menos  agradá- 
veis, e  são  partidários  acérrimos  do  trabalho  obri- 
gatório. 

N'este  systema  centralista,  os  membros  do  poder 
estão   sempre   sujeitos   á   fiscalisação    do   povo  livre  ^. 

Communismo  centralista  ou  collectivista.  —  O  socia- 
lismo centralista  não  admitte  a  uniformidade  do  con- 
sumo, e  concede  inteiramente  a  liberdade  de  cada 
cidadão  escolher  os  objectos  do  seu  consumo,  e  dispor 
d'elles,  nos  limites  fixados  pela  norma  do  seu  rendi- 
mento. 

Pelo  contrario,  o  communismo  centralista  estabelece 
a  uniformidade  de  consumo  até  no  vestuário,  salvas  as 
differenças  de  sexo,  edade  e  saúde,  e  de  outras 
condições  naturaes.  Mas  consigna  a  plena  liberdade 
d'esse  consumo,  podendo  cada  qual,  acabada  a  sua 
distribuição,  ir  buscar  ao  fundo  commum  o  mais  que 
desejar,  conforme  as  suas  necessidades. 


1     Bellamy,    no    seu  livro  Looking  Backward  (1888)  organisou 
um  plano  completo  da  sociedade,  conforme  o  socialismo  centralista. 


156  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Encontra-se  a  representação  typica  do  communismo 
•centralista  na  Içaria  de  Cabet,  cujo  plano  foi  inspirado 
directamente  pela  Utopia  de  Morus. 


Socialismo  corporativo.  —  O  representante  mais  notá- 
vel do  socialismo  corporativo  foi  Luis  Blanc.  Entre 
os  socialistas  posteriores  ha  como  adeptos  Jaurés  e 
Hertzka. 

O  socialismo  centralista  quer  concentrar  a  direcção 
de  toda  a  producção  social  nas  mãos  de  um  poder  cen- 
tral; o  socialismo  corporativo  quer,  pelo  contrario,  con- 
fiar o  poder  a  corporações  ou  associações  operarias, 
•chamadas  syndicatos  de  producção, 

Luis  Blanc,  para  conciliar  a  ingerência  do  Estado 
com  a  liberdade  de  iniciativa  particular,  intendia  que  o 
Estado  devia  reunir  na  sua  mão  todos  os  ramos  da 
producção  que  exigem  ou  admittem  uma  centralisação, 
taes  como,  os  seguros,  os  caminhos  de  ferro,  a  explo- 
ração mineira,  os  estabelecimentos  de  credito,  e  mesmo 
todo  o  commercio  grosso  e  de  retalho.  E,  estando, 
assim,  na  posse  d'estes  factores  económicos,  devia  pro- 
curar, pouco  a  pouco,  substituir  todas  as  empresas 
capitalistas  privadas  por  associações  operarias,  syndi- 
catos de  producção,  que  se  formariam  livremente,  e  ás 
quais  o  Estado  prestaria  o  seu  apoio. 

O  salário  n'estes  syndicatos  devia  ser,  nos  primeiros 
lempos,   egual  para   todos.   Mas  isto,  provisoriamente; 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  JSJ- 


porque,  depois,  a  equidade  pedia  que  o  trabalho  fosse 
proporcional  ás  forças  de  cada  um,  e  cada  qual  fosse 
remunerado,  conforme  as  suas  necessidades. 

Os  syndicatos  dirigiriam  a  producção  de  um  modo 
automono,  e  distribuiriam  e  repartiriam  peles  seus  mem- 
bros todos  os  bónus,  feita  a  dedução  da  parte  do  Estado. 

Communismo  corporativo.  —  O  communismo  corpo- 
rativo acceitando  os  demais  princípios  do  socialismo 
corporativo,  quer  a  communhão  dos  productos. 


Socialismo  federativo.  —  O  socialismo  federativo 
disting"ue-se  claramente  do  socialismo  centralista,  da 
mesma  forma  que  se  distingue  do  socialismo  corporativo. 

Assim,  o  socialismo  centralista  quer  uma  org-anisa- 
ção  total  da  harmonia  social,  representada  pelo  seu 
ideal  de  Estado,  e  mesmo  uma  organisação  mundial 
sob  essa  forma,  cujas  partes  concordem  perfeitamente 
entre  si.  Esse  Estado  pode  conciliar-se  com  uma  certa 
liberdade  de  organisações  locaes;  mas  esta  liberdade 
não  deve  exceder  certos  limites,  e  é  preciso  reconhecer 
a  supremacia  absoluta  de  um  poder  central. 

O  socialismo  federativo,  ao  contrario  regeita  a  reu- 
nião dos  diversos  grupos  socicJistas  n'um  todo  com- 
pleto, isto  é,  no  Estado  ou  poder  supremo. 

E  differe  também  do  socialismo  corporativo;  porque 
este  agrupa  os  membros  da  sociedade  em  corporações, 
segundo  as  profissões   e   géneros   de  trabalho  produ- 


158  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


ctivo,  emquanto  que  o  socialismo  federativo  pretende 
reunir  os  representantes  das  diversas  profissões  n'uma 
mesma  collectividade  económica. 

O  grupo  do  socialismo  federativo  é  a  communa 
socialista,  que  engloba,  tanto  quanto  possivel,  todos 
os  géneros  de  trabalho,"  e  produz,  por  seus  próprios 
esforços  e  meios,  a  maior  parte  dos  productos  que  os 
seus  membros  consomem. 

Tem  de  commum  com  o  socialismo  centralista  que 
cada  grupo  hade  estar  em  relações  estreitas  com  os 
outros,  e  não  pode  satisfazer  as  suas  necessidades  sem 
elles,  o  que  exige  um  poder  commum.  Mas,  por  outro 
lado,  o  socialismo  federativo  fracciona  a  sociedade 
n'uma  multidão  de  communas,  fracamente  ligadas  entre 
si,  sem  haver  necessidade  de  qualquer  poder  ou  enti- 
dade estranha  que  regule  superiormente  o  seu  regimen. 
E'  um  passo  para  a  anarquia. 

Entre  os  anteriores  representantes  do  systema  fede- 
rativo, deve  citar-se  Owen,  Thompson  e  Fourier;  e,  entre 
os  mais  modernos,  Duhring  e  Oppenheimer. 

Segundo  Owen,  que  é  tido  como  o  pae  do  socia- 
lismo inglez,  a  separação  entre  as  cidades  e  o  campo, 
e  a  agricultura  e  a  industria  desapparece.  Não  ha 
propriedade  particular,  quanto  aos  meios  de  producção, 
nem  quanto  aos  objectos  do  consumo;  porque  os  par- 
ticulares só  podem  dispor  d'elles  para  os  consumirem. 

Cada  qual  tem  de  habitar  no  edificio  central  da 
communa,  que  é  um  grande  palácio,  onde  cada  familia 
terá  o  seu  alojamento. 

As  differentes  communas  são  completamente  inde- 
pendentes umas  das  outras,  mas  devem  ligar-se  para 
executar  os  trabalhos  que  excedem  as  forças  de  uma  só. 


EDADE  CONTEMORANEA  159 


Thompson,  discípulo  de  Owen,  ajuntou  ao  plano  do 
mestre  a  criação  de  uma  orgfanisação  económica  superior 
á  communa,  para  o  caso  em  que  os  conflictos  ou  inte- 
resses d'ellas  exijam  a  sua  acção.  E  Fourier  intendia  que 
taes  communas  deviam  ser  constituídas  por  associações 
de  algumas  centenas  de  famílias  que  tivessem  uma  eco- 
nomia commum.  A  communa  assim  organísada  foi  cha- 
mada por  elle  phalange,  e  o  palácio  onde  os  membros 
d'ella  habitassem,  phalansterio.  Ahi,  todos  deviam  tra- 
balhar em  commum;  porém  cada  individuo  viveria  como 
quizesse,  também  em  commum  com  os  outros,  ou  com 
economia  separada.  As  cidades  deviam  desapparecer, 
para  serem  substituídas  pelos  palácios  da  phalang-e  em 
commum. 

Communismo  federativo.  —  O  communismo  federa- 
tivo, acceitando  também  o  principio  da  divisão  em  com- 
munas ou  phalang-es,  distingue-se  do  socialismo  federa- 
tivo, porque  estabelece  a  communidade  dos  productos 
do  trabalho,  da  mesma  forma  que  no  communismo 
centralista,  e  a  liberdade  de  consumo,  sem  ser  restrin- 
5'ida  pelo  bónus  do  trabalho. 


Socialismo  anárquico. — Para  os  anarquistas,  a  ordem 
social  e  ideal  não  será  realisada,  senão  quando  todo  o 
poder  do  homem  sobre  o  homem  for  expulso,  e  quando 
todos  os  homens  forem  egualmente  livres,  e  não  conhe- 


160  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


cerem  senhores.  A  livre  vontade  do  homem  deve  ser 
a  única  lei  da  sociedade  anárquica.  Porisso  cada  um 
deve   ter  a   liberdade  de  fazer  o  que  bem  lhe  parecer. 

Pôde  ter-se  como  o  primeiro  apostolo  dos  anarquistas 
modernos,  Godwin.  Depois  de  Godwin,  veiu  Prouhdon, 
que  considerou  também  a  associação  livre  dos  indivi- 
duos  como  única  forma  admissivel  da  collaboração 
social.  Porisso,  elle  regeitava  todas  as  formas  históricas 
do  Estado  e  todas  as  formas  do  Governo. 

A  ordem  social  anárquica  do  futuro  devia  ser  fun- 
dada unicamente  no  principio  da  livre  associação,  e 
seria  realisada  pela  adopção  das  transformações  pro- 
postas por  elle  Prouhdon,  sobre  a  situação  económica 
do  seu  tempo.  E,  entre  ellas:  a  adopção  do  systema  de 
credito  gratuito,  e  a  organisação  das  trocas  dos  produ- 
ctos  sem  o  intermédio  do  dinheiro. 

Prouhdon  era  contrario  ao  communismo,  e  queria 
assegurar  ao  individuo  o  fructo  do  seu  trabalho. 

Tolstoi  foi  também  anarquista;  mas  não  organisou 
nenhuma  theoria.  O  maior  anarquista,  pelo  talento, 
extensão  do  saber  e  poder  de  espirito,  foi  Kropotkine. 
Ao  contrario  de  Prouhdon,  regeitava  toda  a  proprie- 
dade privada  e  todo  o  direito  do  proprietário  ao  pro- 
ducto  do  seu  trabalho.  Regeitava  também  o  traba- 
lho obrigatório  e  forçado.  As  trocas  deviam  fazer-se 
livremente  e  por  necessidade  mutua,  sem  ser  por 
dinheiro. 

Communismo  anárquico.  —  Este  communismo  acceita 
as  bases  do  socialismo  anárquico,  mas  quer  que  o& 
bens  e  productos  sejam  communs. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  fgl 


Quanto  á  realisação  dos  ideaes  do  socialismo,  alguns, 
como  Thomas  Morus,  intendiam  que  se  podia  effectuar 
simplesmente  pela  vontade  do  principe  ou  imperante; 
outros,  como  Fourier,  pela  simples  evolução  ou  simples 
adherencia  das  classes  populares,  isto  é,  pela  propaga- 
ção pacifica  das  ideias ;  outros,  como  também  Fourier, 
pelo  estabelecimento  practico  de  communas  socialistas; 
outros,  como  Owen,  pelo  estabelecimento  d'essas  com- 
munas ou  phalanges,  junctamente  com  o  auxilio  do 
Estado;  outros,  como  Luis  Blanc,  Jaurés  e  Kautsky,  pelo 
estabelecimento  dos  syndicatos  de  producção;  outros, 
como  os  chartistas  ingflezes  e  Bronterre  Obvien,  pela 
simples  conquista  do  poder. 

Finalmente,  segundo  Carlos  Marx  e  Lassale,  seu 
discípulo,  e  Engels,  seu  collaborador,  a  tarefa  do  movi- 
mento socialista  também  consiste  na  conquista  do  poder 
politico  pelo  proletariado.  Attingido  este  fim,  o  proleta- 
riado aproveitar-se-ha  do  poder,  para  tornar  o  Estado 
proprietário  de  todos  os  meios  de  producção  que  per- 
tencem agora  aos  capitalistas.  E  isto,  pela  união  dos 
proletários  de  todos  os  paizes. 

Mas  para  os  Marxitas,  a  conquista  do  poder  politico 
é  um  fim,  ainda  muito  distcmte.  Segundo  elles,  o  pro- 
gramma  practico  importa  uma  serie  de  medidas,  também 
practicas,  correspondentes  aos  interesses  da  classe  ope- 
raria, e  que  são  outros  tantos  trabalhos  de  approxima- 
ção  para  a  rccJisação  da  ordem  socialista.    E  para  isso 

Volume  VI  11 


162  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


é  necessário  luctar  por  medidas  legislativas  e  outras  que, 
mesmo  nos  limites  da  economia  capitalista,  contribuam 
para  o  levantamento  social  do  proletariado  e  para  a 
introducção  progressiva  de  elementos  da  ordem  socia- 
lista futura. 

N'este  sentido,  segundo  os  mesmos  Marxitas,  o 
programma  actual  deve  ser:  imposto  fortemente  progres- 
sivo; abolição  das  heranças;  confiscação  dos  bens  de 
todos  os  emigrados  e  rebeldes;  centralisação  do  cre- 
dito nas  mãos  do  Estado,  por  meio  de  um  Banco 
Nacional,  constituído  por  capitães  do  Estado  e  com 
um  monopólio  exclusivo;  centralisação  das  industrias 
de  transporte  nas  mãos  do  Estado;  multiplicação  das 
manufacturas  nacionaes,  dos  instrumentos  nacionaes  de 
producção,  arroteamentos  e  melhoramentos  dos  terre- 
nos cultiváveis,  segundo  um  plano  collectivo;  trabalho 
obrigatório  para  todos;  organisação  de  exércitos  indus- 
triaes,  especialmente  em  relação  á  agricultura;  reunião 
da  agricultura  e  do  trabalho  industrial;  preparação  de 
todas  as  medidas  capazes  de  fazerem  desapparecer  pro- 
gressivamente a  differença  entre  a  cidade  e  o  campo; 
educação  publica  e  gratuita  de  todas  as  crianças;  abo- 
lição das  formas  actualmente  usadas  do  trabalho  das 
crianças  nas  fabricas;  reunião  da  educação  e  producção 
material;  expropriação  da  propriedade  territorial;  e  affe- 
ctação  do  rendimento  territorial  ás  despesas  do  Estado. 

Em  todo  o  caso,  os  partidos  socialista,  já  nos  últi- 
mos tempos  do  século  XIX,  interessavam-se  pouco  nas 
questões  que  diziam  respeito  á  realisação  immediata  da 
ordem  social. 

Preoccupavam-se,  principalmente,  de  luctar  pela  me- 
lhoria da  situação  da  classe  operaria  na  sociedade.    E  o 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  163 


movimento  socialista  dos  últimos  tempos,  comprehendia 
três  correntes  principaes:  a  lucta  politica  parlamentar, 
para  obter  leis  de  toda  a  natureza,  favoráveis  aos  operá- 
rios; o  movimento  syndical;  e  o  movimento  cooperativo, 
nas  suas  differentes  formas. 

Onde  os  municipios  estavam  orgfanisados  socialmente, 
havia  já  a  municipalisação  social,  e  essa  municipalisação 
entrava  egualmente  no  programma  socialista;  mas  tudo 
isto  não  dispensava  a  conquista  do  poder  pelo  pro- 
letariado. 

Os  socialistas  mais  modernos  do  século  XIX,  Marx, 
Eng-els,  Vanderveld  e  Kautsky,  assentavam  todos  nas 
mesmas  bases  essenciaes.  Mas  Kautsky  era  adversário 
da  confiscação  dos  meios  da  producção.  E  todos 
accentuavam  a  proclamação  de  Karl  Marx:  «Proletários 
de  todos  os  paizes,  uni-vos»,  que  era  o  fundamento  da 
Internacional  ^. 


A  natureza  e  proporções  d'esta  obra  não  permittem  a 
critica  e  apreciação  demorada  d'estas  doutrinas  socialis- 
tas. Mas,  para  que  o  leitores  não  julguem  que  as  perfilha- 


1     Wells,  Recent  Economic  Changes.  —  Karl  Marx,  Le  Capital. 

—  Emile  de  Zaveley,  Le  Socialisme  Contemporain.  —  M.  Paul  Leroy- 
Beaulien,  Collectivisme.    (Examen  critique  du  mouveau  socialisme). 

—  Alfredo  Soudre, //ísíoíVe  du  Communisme.  —  Catellar, //isíor/a  dei 
movimiento  republicano  en  Europa.  —  M.  Tougan-Baranowski,  Levo- 
lution  historique  du  socialisme  moderne,  traducção  franceza  de  Joseph 
Schapiro.  —  Bourdeau,  Le  socialisme  allemand  et  le  nihilisme  russe. 


164  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


mos  por  completo,  diremos  unicamente  que  o  socialismo 
contém  um  principio  justo  —  a  necessidade  moral  e 
social  de  melhorar  convenientemente  a  sorte  do  pro- 
letário, de  forma  que  não  seja  victima  da  exploração 
das  classes  capitalistas,  e  alcance  a  sua  independência 
politica,  tão  amplamente  como  qualquer  outro  cidadão, 
salvo  as  consequências  naturaes  e  logficas  que  se  deri- 
vam da  vida  e  fraqueza  de  cada  um. 

N'este  sentido,  devem  trabalhar  e  concorrer  para 
essa  tarefa  governantes  e  governados.  Mas  a  suppres- 
são  de  um  Governo  central,  a  collocação  de  todas  as 
fontes  de  producção  no  poder  directo  da  sociedade,  a 
repartição  forçada  dos  rendimentos,  e  distribuição  egual 
por  todos  os  operários,  a  abolição  da  propriedade  e 
das  heranças,  e,  em  summa,  tantas  outras  bases  em 
que  assentam  os  systemas  socialistas,  não  passam  de 
utopias,  cuja  realisação  traria  a  perturbação  da  ordem, 
da  disciplina  social,  da  justiça  e  da  moral,  e  a  des- 
truição do  estimulo  individual,  que  é  a  fonte  de  todas 
as  iniciativas  e  de  todas  as  grandes  obras  da  huma- 
nidade. 

O  mundo  ha-de  existir  sempre  com  os  seus  vicios, 
erros  e  crimes,  com  os  seus  egoismos  e  invejas,  com  a 
sua  indolência  e  perguiça,  com  os  seus  interesses  e 
abusos,  e  com  as  suas  fraquezas;  e  tudo  isto  destroe  o 
ideal  dos  socialistas. 

Por  isso  mesmo,  os  syndicatos  de  producção  de  Luis 
Blanc,  experimentados  em  1848,  não  deram  resultado. 

Em  todo  o  caso,  o  pensamento  syndicalista  das 
sociedades  modernas,  a  sua  união  universal,  a  lucta 
pacifica  pelo  alcance  do  poder  politico  e  pela  sociali- 
sação   dos   municípios,   mas  dentro  da  ordem,  e  ainda 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  165 


outros  princípios  socialistas,  sejam  ou  não  acceitaveis, 
são  meios  leg-itimos  dos  socialistas  quererem  attingir  o 
seu  ideal,  e  devem  ser  respeitados. 

* 
*  * 

As  communicações  tomaram  egualmente  um  grande 
desinvolvimento,  pela  applicação  da  força  motriz  do 
vapor  e  da  electricidade  tanto  ás  communicações  ter- 
restres como  ás  marítimas,  e  até  pela  realisação  de 
viagens  aéreas  e  construcção  practica  de  aeronaves  e 
hydro-aviões.  Na  própria  superfície  dos  mares,  pela 
descoberta  das  correntes  de  que  adiante  fallaremos, 
feita,  em  1845,  por  Maury,  se  verificaram  novos  ca- 
minhos. 

No  século  XVIII,  regra  geral,  eram  raros  e  demora- 
dos os  transportes,  e  difficeis  as  communicações.  A  rede 
das  estradas  estava  ainda  muito  pouco  desinvolvida, 
mesmo  em  França,  onde  ella  era  mais  cuidada  que  nos 
outros  paizes.  Havia  também  poucas  pontes  sobre  os 
grandes  rios ;  e,  geralmente,  passava-se  em  barcos.  As 
mercadorias  eram  transportadas  por  empresários,  em 
carros  de  duas  rodas.  Os  homens  viajavam  em  diligen- 
cias; e,  de  dez  em  dez  kilometros,  mais  ou  menos,  havia 
estações,  onde  se  mudavam  os  cavallos.  As  cartas  e 
correspondência  postal  eram  transportadas  também  em 
diligencias,  que  tinham  o  nome  de  malapostas,  e  que 
andavam  noite  e  dia. 

Depois,  como  já  dissemos,  vieram  os  caminhos  de 
ferro,  especialmente,  desde  1832  em  diante,  e,  na  segunda 


156  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

metade  do  século,  as  redes  férreas  e  eléctricas,  os  auto- 
móveis e  as  grandes  companhias  de  navegação  pro- 
pagaram-se  pelos  differentes  paizes  e,  até,  geralmente, 
abarcaram  o  globo  inteiro  em  todos  os  sentidos.  E,  no 
fim  do  século,  já  se  cruzavam  as  aeronaves,  e  começou 
a  prestar-se  a  este  novo  meio  de  conducção  todo  o 
cuidado  \ 

Alem  disso,  apar  das  linhas  férreas  nacionaes,  esta- 
beleceram-se  linhas  transcontinentaes,  que  mais  facili- 
taram as  communicações  geraes. 

Assim,  na  Europa,  formaram-se  nove  grandes  linhas 
férreas  transcontinentaes:  cinco  do  norte  para  o  sul,  e 
quatro  de  oeste  para  este. 

A  primeira,  do  norte  para  o  sul,  vem  da  Mancha 
ao  estreito  de  Gibraltar.  Atravessa  a  França  e  Hes- 
panha,  passando  por  Pariz,  Bordéus,  Madrid  e  Cadiz. 

A  segunda  vem  das  boccas  do  Rheno  ás  boccas  do 
Rhodano,  ou  de  Amsterdam  a  Marselha.  Atravessa  os 
Paizes  Baixos,  a  Bélgica  e  a  França,  passando  em  Rotter- 
dam,  Anvers,  Pariz,  Lyão  e  Marselha. 

A  terceira  vem  das  boccas  do  Elba  ao  mar  da  Sici- 
lia  e  ao  mar  Jonio,  ou  de  Hamburgo  a  Reggio  e 
Otranto.  Atravessa  a  AUemanha,  a  Suissa,  a  Itália;  e 
passa  por  Goethinge,  Cassei,  Francfort — sobre  o  Mena, 
Darmstadt,  Heidelberg,  Carlsruhe,  Rastadt,  Offem- 
burgo,  Bale,  Lucerna,  túnel  de  S.  Gothard,  Milão,  Pla- 
cencia,  Parma,  Modena,  Bolonha,  Ancona,  Bari,  Brin- 
disi  e  Otranto.  Ou,  quando  vae  a  Reggio,  então,  de 
Bolonha  segue  para  Florença,  Roma,  Nápoles  e  Reggio. 


1     Adriano  Anthero,  O  Direito  Aéreo. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  167 


A  quarta,  vem  do  Báltico  ao  Adriático,  de  Stettín 
a  Trieste,  por  Berlim,  Dresde,  Praga,  Gratz  e  Laybach. 

A  quinta  vem  do  Báltico  ao  mar  Negro,  por  S. 
Petersburgo,  Moscou,  Kharkoff;  e  vai  d'ahi  a  Odessa  e 
Taganrog. 

E  as  quatro  grandes  linhas  que  se  dirigem  de  oeste 
para  este  da  Europa,  são  as  seguintes : 

Primeira.  A  linha  da  Europa  septentrional,  de  Pariz 
a  S,  Petersburgo.  Atravessa  a  França,  Bélgica,  AUe- 
manha  e  Rússia.  Passa  por  S.  Quintin,  Liège,  Colónia, 
Koenisgsberg,  Kowno,  Vilna  e  S.  Petersburgo. 

Segunda.  A  linha  da  Europa  central  de  Pariz  a 
Moscou  e  á  fronteira  da  Ásia.  Passa  por  Strasburgo 
ou  Forbach,  Mayença,  Francfort,  Nuremberg,  Praga, 
Olmutz,  Dresde,  Breslau,  Varsóvia,  Smolensk,  Moscou 
e  Nijni-Novgorod. 

Pode-se  ir  também  por  esta  linha,  sem  interrupção, 
de  Lisboa  ou  de  Cadiz  a  Nijni-Novgorod,  passando 
por  Madrid,  Pariz,  Berlim  e  S.  Petersburgo. 

Terceira.  A  linha  de  Danúbio,  que  vai  de  Pariz  a 
Odessa.  E'  parallela  ao  curso  de  Danúbio,  e  passa  por 
Srasburgo,  Carlsruhe,  Stuttgart,  Augsburgo,  Munich, 
Salzburgo,  Vienna,  Pesth,  Temeswar,  Bazias,  Bucha- 
rest,  Galatz,  Jassy,  Kichenau  e  Bender.  Era  o  caminho 
mais  curto  para  ir  a  Constantinopla,  graças  á  navega- 
ção do  Danúbio  e  do  Mar  Negro. 

Quarta.  A  linha  da  Europa  Meridional,  ou  de  Bor- 
déus, Lyon,  Marselha  e  Constantinopla.  Parte  de  Bor- 
déus, e  passa  por  Tolosa,  Cette,  Marselha,  Lyon,  Monte- 
Cenis,  Turin,  Milão,  Veneza,  Trieste,  Agram,  Sisseck, 
Bosna-Serai,  Uskup,  Andrinopla,  e  chega  a  Constan- 
tinopla. 


168  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Na  Asia,  os  Russos  construíram  o  transcaucasico, 
destinado  a  juntar,  pelos  caminhos  de  ferro  da  índia 
ingleza,  a  Rússia  ao  golfo  de  Bengalla;  e,  em  1869,  lan- 
çaram, atravez  do  norte  asiático,  o  transiberiano,  com  o 
fim  de  ser  prolongado  até  o  mar  da  China,  como  já  foi 
no  século  XX.  Essa  linha  communica  com  a  linha  euro- 
peia, que  tem  o  seu  terminus  em  Nijni-Novgorod. 

Na  America,  a  primeira  linha  transcontinental  foi 
construida  nos  Estados  Unidos,  em  1861,  entre  New 
York  e  S.  Francisco;  e  logo  se  seguiram  outras  quatro 
linhas,  também  transcontinentaes,  sendo  uma  d'ellas  no 
Canadá,  que  põe  a  costa  do  Atlântico  a  quatro  dias  do 
Pacifico. 

E  a  America  do  sul  foi  atravessada  pelo  transan- 
dino  ^. 

A  rede  dos  caminhos  de  ferro  foi  completada  pelas 
linhas  de  navegação,  onde  os  serviços  de  transporte 
se  tornaram  tão  regulares,  como  por  terra. 

Assim,  em  1816,  os  Estados  Unidos  inauguraram  a 
primeira  linha  de  paquetes  regulares,  a  Black  Bali  Line, 
que  partia,  no  primeiro  dia  de  cada  mez,  de  New  York, 
para  Liverpool. 

Cinco  annos  depois,  em  1821,  estabeleceu-se  uma 
outra  linha,  a  Red  Star  Line,  a  21  de  cada  mez, 
também  entre  New  York  e  Liverpool.  Ainda  pouco 
depois,  a  Black  Bali  Line  organisou  uma  terceira  linha, 
que  partia,  a  16  de  cada  mez,  ao  passo  que  uma  quarta 


1     Bainier,  la  Geographie  appliquée  á  la  Marine,  au  Commerce, 
á  TAgricuIture,  á  Tlndustrie  et  Statistique  —  France. 


EDADE  CONTEMORANEA  169 


linha,  a  Smalow  Tail  Line,  organisava  também  uma 
partida  com  serviço  semanal,  entre  New  York  e  Liver- 
pool. E,  em  1836,  constituiu-se  mais  uma  nova  com- 
panhia de  corridas  com  o  nome  de  Dramatic  Line. 

Entretanto,  differentes  outras  linhas  se  foram  esta- 
belecendo simultaneamente  entre  New  York  e  o  Havre, 
de  uma  parte,  e  Londres,  da  outra. 

O  primeiro  serviço  para  o  Havre  foi  criado  em  1822. 
Depois,  um  segundo,  em  1823,  e  um  terceiro,  em  1832. 

Londres,  por  sua  vez,  viu  formar,  em  1823,  a  pri- 
meira companhia,  que  ligava  esse  porto  a  New  York;  e, 
em  1837,  uma  segunda  companhia  augmentava  grande- 
mente a  frota  da  sua  predecessora.  E,  em  seguida  e 
successivamente,  a  Allemanha,  Áustria,  Dinamarca  e 
alguns  outros  povos,  organisaram  as  suas  linhas,  ou 
pelo  menos,  os  seus  transportes  transatlânticos,  não 
somente  com  a  America,  mas  também  com  as  outras 
partes  do  mundo. 

Assim,  na  Inglaterra,  em  1833,  appareceu  a  Penin- 
sular and  Oriental  Line,  servindo  os  mares  do  extremo 
oriente  e  do  Mediterrâneo,  de  Falmouth  a  Alexandria, 
com  escala  por  Vigo,  Porto,  Lisboa,  Gibraltar  e  Cadiz. 
E  ainda  depois,  pelas  cartas  que  lhe  foram  concedidas, 
essa  linha  foi  obrigada  a  entreter  as  suas  carreiras 
entre  a  Inglaterra  e  a  índia. 

Fundaram-se  também  o  Cunard  e  a  Royal  Mail, 
em  1840,  a  Imman  Line,  em  1850,  a  Guion  Line, 
em  1866,  e  a  Wite  Star  Line,  em  1870. 

Em  França,  a  Compagnie  des  Messageries  Mariti- 
mes  (1851)  a  Compagnie  Générale  Transatlantique,  a 
Compagnie  des  Chargeurs  Reunis,  a  Compagnie  des 
Messageries  Nationales,    a   Compagnie  Havraise  Pénin- 


170  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


sulaire,  a  Compagnie  Fraissinet,  a  da  Navigation  Mixte, 
a  Societé  des  Transporta  Maritimes  à  Vapeur,  a  Com- 
pagnie des  Bateuax  à  Vapeur  du  Nord,  e  ainda  outras 
emprehenderam  também  respectivamente  as  viagens  por 
todo  o  globo. 

A  Allemanha,  embora  entrasse  muito  cedo  na  via 
das  grandes  emprezas  maritimas,  ficou  depois  estacio- 
naria, longos  annos;  e,  só  a  partir  de  1870,  é  que  tomou 
no  movimento  da  grande  navegação  uma  parte  succes- 
sivamente  crescente.  Na  occasião  em  que  tractava  de 
estabelecer  colónias  nas  diversas  partes  do  mundo,  e 
de  espalhar  os  seus  agentes  commerciaes  em  todas  as 
praças  de  commercio,  ella  queria  que  linhas  de  navega- 
ção regular  puzessem  Bremen  e  Hamburgo  em  com- 
municação  com  os  paizes  productores,  e  que  o  pavilhão 
allemão  se  mostrasse  em  todas  as  direcções. 

Em  1870,  já  contava  um  certo  numero  de  socieda- 
des, em  que  sobresaiam  as  companhias  Hamburg-Ame- 
ricanisch  e  Norddeutscher :  a  primeira,  criada,  em  1843, 
de  Hamburgo  para  os  Estados  Unidos,  e  a  Nord- 
deutscher, criada,  em  1857,  de  Bremen  para  Ne\\r  York; 
e  foi  estabelecendo  também  novas  Hnhas  para  Baltimore, 
Nova  Orleans,  Brazil  e  extremo  oriente. 

A  Áustria,  em  1836,  fundou  o  Lloyd  Austríaco,  que 
partia  de  Trieste  para  os  portos  austriacos  da  Illyria, 
Istria,  Hungria,  Dalmácia  e  Venecia,  e  que  depois  se 
reorganisou  com  o  nome  de  Lloyd  Austro-Hungaro. 

A  Itália  criou  também  a  Companhia  Geral  de  Nave- 
gação, e  a  Hespanha  a  Companhia  Espanhola  Transa- 
tlântica. 

No  Japão,  fundou-se,  em  1861,  a  Companhia  Mitsu- 
Bishi  (Os  três  diamantes),   e,   em  1882,  a  Companhia 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  17X 


Kioto  Unyu  Kaisha,  que  se  fundiu  com  a  primeira^ 
formando  a  Companhia  Nippon  Yusen  Kabushki  Kaisha. 
Emfim,  no  fim  do  século,  formou-se  também  a  Compa- 
nhia Osaka  Shosen  Kaisha,  que  entretinha  serviços 
regulares  com  a  China,  Formosa  e  Vladivostock  ^. 


Como  já  dissemos,  em  1845,  Maury  descobriu  as 
correntes  maritimas  que,  apar  da  sua  influencia  nas 
communicações  maritimas,  influíram  também  grande- 
mente no  commercio. 

Dividem-se  ellas  em  superficiaes  e  profundas,  geraes 
ou  constantes,  periódicas  e  temporárias. 

São  superficiaes  ou  profundas,  conforme  caminham 
á  superfície  ou  debaixo  das  aguas;  sendo  de  notar  que 
as  correntes  superficiaes  estão  bem  conhecidas  e  estu- 
dadas, mas  as  submarinas  são  ainda  quasí  totalmente 
ignoradas.  São  constantes  as  que  circulam  sobre  todo 
o  globo,  sem  nunca  afrouxarem  ou  pararem.  Periódicas,, 
aquellas  que,  submettidas  á  influencia  das  estações,  alter- 
nam, segundo  a  direcção  dos  ventos  a  que  devem  a  sua 
origem:  taes  são,  por  exemplo,  as  produzidas  pelas 
monções  da  índia.  Temporárias,  as  que  podem  manifes- 
tar-se  a  cada  momento  em  todos  os  logares  e  em  todas 
as  orientações;  de  modo  que  só  persistem,  em  quanto 
duram  os  ventos  irregulares   que  lhes  deram   origem. 


1     Noel,  obr.  cit.,  vol.  III. 


172  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Ha  também  no  mar  correntes  fluvio-maritimas,  que 
são  produzidas  pelo  desag^oamento  dos  g^randes  rios;  e, 
por  isto,  só  podem  existir  nas  embocaduras  d'elles,  taes 
como  o  Mississipi,  Orenoco,  Amazonas.  Por  exemplo, 
a  d'este  rio,  estende-se  a  mais  de  cem  leg^uíis  pelo  mar 
dentro,  e  pode  colher-se  agua  doce  n'uma  grande 
distancia  da  praia. 

Em  geral,  a  velocidade  das  correntes  excede  a  dos 
rios.  Nos  altos  mares,  mantem-se  a  três  ou  quatro  léguas 
por  hora. 

São  devidas  á  differença  da  temperatura  e  evapora- 
ção da  agua  no  equador,  e  á  desegualdade  do  sal  dos 
mares,  combinada  com  a  rotação  da  terra  e  com  a 
impulsão  dada  ás  aguas  superficiaes,  pela  força  dos 
ventos. 

Assim,  a  rotação  terrestre  produz  sob  o  Equador 
uma  corrente  de  este  para  oeste,  em  sentido  inverso  do 
jnovimento  da  terra;  porque  as  moléculas  da  agua  não 
obedecem  completamente,  como  a  parte  solida  do  globo, 
ao  movimento  de  oeste  para  este.  Por  isso,  estas  molé- 
culas ficam  retardadas,  e  formam,  então,  uma  corrente 
do  este,  que  vae  para  oeste,  e  que  se  chama  a  corrente 
equatorial.  Se  não  houvesse  continentes,  essa  corrente 
seria  regular  em  volta  do  globo,  mas  a  America  a  detém 
no  Atlântico,  assim  como  a  Ásia  no  Pacifico,  fazendo-a 
desviar. 

Por  outro  lado,  a  evaporação  no  equador  produz 
ahi  um  abaixamento  successivo  do  nivel  do  mar,  que, 
segundo  as  leis  do  equilibrio,  deve  ser  continuamente 
preenchido.  De  lá,  duas  grandes  correntes  polares  de 
agua  fria,  que  vem  dos  mares  polares  para  o  equador, 
ao  encontro  uma  da  outra. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  173 


E  O  movimento  d'estas  correntes  g-eraes,  equatorial  e 
polares,  determina,  como  veremos,  muitas  outras;  e,  entre 
essas,  três  correntes,  travessias  ou  retrogradas,  cada  qual 
em  cada  um  dos  oceanos,  Pacifico,  Indico  e  Atlântico. 

Examinemos,  por  sua  vez,  estas  diversas  correntes. 


Correntes  equatoriaes. — As  correntes  equatoriaes 
dão-se,  pois,  em  volta  do  equador,  do  este  para  oeste, 
ao  contrario  do  movimento  da  rotação  da  terra.  Dão-se 
no  Oceano  Pacifico,  entre  10°  e  20°  de  latitude  N.  e 
0°  e  20°  de  latitude  S.  E  entre  o  equador  e  o  10°  de 
latitude  N.,  ha  também  uma  contra- corrente  equatorial, 
de  oeste  para  este. 

No  mar  das  índias,  a  corrente  equatorial  dá-se  no 
parallelo  que  fica  entre  10°  e  20^*  de  latitude  S. 

E  no  mar  Atlântico,  dá-se  a  2  ^2  de  latitude  N.  até 
30°  de  latitude  suL 

Assim,  a  latitude  das  correntes  equatoriaes  não 
é  a  mesma  em  todos  os  mares. 


Grandes  correntes  polares. 

Correntes  do  polo  austral. — As  correntes  do  polo 
austral  afluem  ao  equador  em  todo  o  circuito  do  globo^ 
As  do  polo  boreal,,  não  podem  ir  senão  pelos  estreitos.. 


174  A  HISTORIA    ECONÓMICA 


As  do  polo  austral  formam  três  grandes  correntes, 
similhantes  a  três  grandes  rios,  que  entram  no  Grande 
Oceano,  no  mar  das  índias  e  no  Atlântico. 

Relativamente  á  corrente  do  Grande  Oceano,  as 
aguas  desembocam  em  75*^  a  140"  de  longitude  O. 
Essa  corrente  fria  marcha  para  o  norte  até  60°  de 
latitude  S.,  onde  vem  dar  ás  costas  occidentaes  da  Pa- 
tagonia;  e  ahi  divide-se  em  dois  braços  desiguaes,  por 
causa  dos  ventos  de  oeste,  que  sopram  com  violência 
na  passagem  do  cabo  de  Horn.  O  mais  pequeno  d'esses 
braços  dobra  o  cabo,  e  fintra  no  Atlântico.  O  principal 
sobe  ao  norte,  ao  longo  das  costas  do  Chili  e  do  Peru, 
e  forma  a  corrente  do  Peru  ou  Chiliana  ou  de  Hum- 
boldt,  cuja  profundidade  se  avalia  em  1.740  metros,  e 
cujas  aguas  são  mais  frias  que  as  do  oceano,  5  ou  6 
graus. 

Esta  corrente  Chiliana,  que  produz  uma  brisa  fresca 
no  Peru,  e  abaixa  a  temperatura  d'este  paiz,  chegéindo 
ás  ilhas  Gallapagos,  perto  do  equador,  junta-se  á  grande 
corrente  equatorial  do  suL,  que  atravessa  em  toda  a  sua 
largura  o  Oceano  Pacifico,  passando  pela  maior  parte 
entre  0°  e  20°  de  latitude  S. 

Chegando  ás  paragens  da  Austrália  e  do  Archipe- 
lago  da  Malásia,  encontra  uma  região  incompletamente 
fechada,  e  divide-se,  porisso,  em  três  braços. 

Um  passa  entre  a  Austrália  e  as  ilhas  de  Sonda, 
para  entrar  no  Oceano  Indico  e  fundir-se  na  corrente 
equatorial  d'este  mar. 

Outro  braço,  passa  entre  a  costa  oriental  da  Aus- 
trália e  a  Nova  Zelândia,  que  contorna.  E'  a  corrente  da 
Nova  Hollanda,  que,  depois  de  ter  tocado  50"  de  lati- 
tude S.,  percorre  de  O.  para  E.,  ao  longo  d'este  parai- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  175 


leio,  o  Oceano  Pacifico,  onde  se  confunde  com  a  cor- 
rente travessia  ou  retrograda  d'este  Oceano;  e,  por  160° 
de  longitude  oeste,  subdivide-se  em  dois  ramos:  o  do 
sul,  que  se  perde  na  corrente  de  Humboldt,  e  o  do 
norte  ou  corrente  de  Mentor. 

O  terceiro  braço,  o  mais  importante,  passa  ao  norte 
da  Nova  Guiné,  contorna  a  ilha  de  Borneo,  reflecte-se 
nas  costas  de  Sumatra  e  de  Java,  e  dirige-se  para  o 
N.  E.,  ao  longo  das  costas  da  China  e  Japão,  para 
formar  o  Gulf  Stream  do  Pacifico,  chamado  pelos  japo- 
nezes  Kuro-Siwo,  Tessan  ou  corrente  Negra,  por  causa 
da  côr  carregada  das  suas  aguas. 

Ao  norte  do  estreito  de  Sangar  ou  Matsmai,  esta  cor- 
rente afasta-se  das  costas,  e  encontraf  a  contra-corrente 
fria,  vinda  do  norte,  entre  esse  estreito  e  a  costa  de 
Yesso.  E'  nas  aguas  frias  d'esta  corrente  que  existem  as 
pescarias  da  China,  que  se  podem  comparar  ás  da  Ame- 
rica Septentrional.  O  limite  dessas  duas  correntes  é 
fácil  de  verificar,  pelo  calor  e  côr  das  aguas. 

A  40"  latitude  N.,  a  corrente  do  Japão  separa-se 
em  dois  braços.  Um  que  vai  para  o  norte,  até  ás  ilhas 
Aleutinas  e  estreito  de  Behring.  Os  habitantes  das 
Aleutinas,  que  não  possuem  nenhuma  espécie  de  arvo- 
res, não  teem,  para  construir  as  canoas  e  para  os  usos 
domésticos,  outra  madeira  alem  da  que  essa  corrente 
arrasta. 

O  outro  braço  vae  para  S.  E.,  e  toma  a  40°  a  costa 
do  N.  O.  da  America,  onde  se  reflecte.  Depois,  toma 
para  o  sul  uma  direcção  parallela  a  essa  costa;  e  deriva 
lentamente  para  a  corrente  equatorial  do  Pacifico,  a 
qual,  segundo  já  vimos,  atravessa  também  o  Oceano 
entre  10°  e  20"  de  latitude. 


176  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  corrente  do  Japão,  cuja  temperatura  é  de  30''» 
mas  que  só  tem  5"  a  6^  a  maior  que  o  mar,  adoça  o 
clima  da  parte  meridional  d'esta  região. 

O  trajecto  d'esta  corrente  é  notável  pelos  seus 
nevoeiros  e  tempestades,  e  torna  as  paragens  das  ilhas 
Aleutinas  tão  brumosas  como  as  da  Terra  Nova. 
Aquece  também  a  costa  occidental  da  America  do 
Norte,  a  Colômbia  Ingleza  e  a  Califórnia.  A  Colômbia 
Ingleza,  graças  a  tal  corrente,  pode  até  cultivar  o 
milho. 

As  duas  correntes  equatoriaes  do  Pacifico  são  sepa- 
radas, como  já  dissemos,  por  uma  contra-corrente 
equatorial,  dirigida  de  O.  para  E.,  comprehendida  entre 
o  equador  e  10°  de  latitude  N. 

No  meio  do  circuito,  acha -se  um  mar  de  Sargaços. 
Ha  também  outro  mar  de  Sargaços  no  Pacifico, 
entre  50°  a  60°,  parallelos  do  sul,  e  os  meridianos 
142°  a  180°. 

*  * 

A  corrente  do  mar  das  índias,  forma-se  na  parte 
oriental  d'este  mar,  entre  10"  e  20"  de  latitude  S,,  e  entre 
Java  e  a  Austrália.  E'  de  agua  quente,  e  dirige-se  de 
E.  para  O.;  mas,  em  vez  de  ser  situada  no  equador, 
acha-se  no  parallelo  20"  de  latitude  S.,  e  toma  o  nome 
de  corrente  equatorial. 

Divide-se  em  dois  braços,  a  70°  de  longitude  E. 
que  involvem  ao  N.  e  S.  a  ilha  de  Madagáscar. 

O  braço  NE.,  contorna  o  norte  d'esta  ilha,  e  forma 
a  corrente  de  Moçambique,  ^sia.  corrente  é  muito  forte 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  177 


entre  a  costa  d'Africa  e  Madag^ascar,  e  toma  o  nome 
de  corrente  das  Agulhas,  a  partir  do  Porto-Natal.  Con- 
torna a  colónia  do  Cabo,  sem  tocar  as  costas  ;  dirige-se 
para  o  cabo  da  Boa  Esperança;  e  entra  no  Atlântico^ 
seguindo  a  costa  occidental  da  Africa,  onde  se  confunde 
com  a  corrente  polar  sul  da  mesma  costa. 

O  segundo  braço  banha  as  ilhas  Mauricia  e  Reunião, 
e  vem  juntar-se  á  corrente  das  Agulhas,  na  altura 
do  32°  parallelo.  Esta  corrente  volta  para  traz,  a  partir 
do  20°  de  longitude,  seguindo  de  O.  para  E.  o  paral- 
lelo 40°,  sob  o  nome  de  contra  corrente  do  Cabo 
ou  corrente  travessia  ou  retrograda  do  Oceano  Indico, 
até  a  costa  da  Austrália,  que  percorre,  para  voltar 
depois   ao   seu   ponto   de   partida. 


A  corrente  polar  do  Atlântico  meridional  vem  do 
cabo  de  Horn,  e  atravessa  em  linha  recta  esse  Oceano, 
adiantando-se  até  o  Cabo  da  Boa  Esperança,  onde  se 
desdobra.  Um  braço  entra  no  mar  da  índia  por  39°,  a 
fim  de  formar  a  contra  corrente  do  Cabo,  de  que  já 
falíamos.  Outro  sobe  para  o  norte,  ao  longo  das  costas 
d'Africa  tomando  o  nome  de  corrente  polar  sul  da 
costa  de  Africa;  e,  chegando  ao  golfo  de  Guiné,  con- 
funde-se  com  a  corrente  equatorial,  e  corre  parallela- 
mente  ao  equador,  sem  exceder  o  parallelo  2  ^1^  de 
latitude  N. 

Tocando  a  22°  de  longitude,  lança  no  hemisfério 
norte  um  braço  considerável,  conhecido  por  braço  nor- 

Volume  VI  12 


178  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


deste  da  corrente  equatorial,  e  que  se  faz  sentir,  algumas 
vezes,  até  30°  de  latitude. 

Depois,  seg^uindo  o  caminho  O.,  chega  ao  cabo 
de  S.  Roque,  tendo  percorrido,  desde  a  costa  d'Africa 
até  esse  cabo,  2.500  milhas.  A  largura,  que  era  pri- 
meiro de  160  milhas,  cresce  até  360,  e  attinge  mesmo 
a  450. 

Perto  do  cabo  de  S.  Roque,  essa  corrente  divide-se 
em  dois  braços.  Um  dirige-se  para  o  sul,  parallela- 
mente  ao  Brazil  e  forma  a  corrente  do  Brazil.  Esta 
corrente,  um  pouco  ao  sul  do  trópico  de  Capricórnio, 
sob  40'^  de  longitude  O.,  subdivide-se  também  n'outros 
dois  braços.  O  mais  pequeno  continua  o  seu  caminho 
ao  sudoeste,  ao  longo  da  costa;  mas  o  outro  volta  a 
E.  aos  30°  de  latitude,  acaba  por  tocar  40°,  e  forma 
a  corrente  travessia  do  Oceano  Atlântico,  que  se  dirige 
ao  longo  d'este  parallelo. 

O  segundo  braço  da  corrente  equatorial,  que  forma 
a  corrente  principal,  sobe  um  pouco  para  o  norte,  e, 
seguindo  as  costas  da  Guyana,  toma  ahi  o  nome  de 
corrente  das  Guyanas,  correndo  ao  longo  da  costa  baixa 
d'ellas,  para  a  ilha  da  Trindade.  Nos  arredores  do 
equadbr,  é  atravessada  pela  corrente  do  Amazonas,  de 
cujo  encontro  resultam  grandes  turbilhões. 

Mais  longe,  recebe  as  aguas  do  Orenoco,  augmen- 
tando  com  isto  a  sua  velocidade.  Penetra  depois  no  mar 
das  Antilhas,  e  forma  a  corrente  do  mar  das  Antilhas. 
Uma  parte  passa  ao  norte  d'estas  ilhas.  A  outra  passa 
ao  sul,  contorna  o  Cabo  Catoche,  e  dá  volta  ao  golfo 
do  México,  sem  comtudo  se  approximar  das  costas,  ao 
longo  das  quaes  ha  correntes  variáveis,  dependentes 
dos  ventos.  N'este  transito,  a  temperatura  da  corrente 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  179 


eleva-se  a  27°  ou  29°.  Chegada  ás  costas  americanas, 
contorna-as,  inclinando-se  para  o  norte,  e  recebe  o  nome 
de  Gulf  Stream. 

Esta  corrente  (Gulf  Stream),  que  não  é  senão  a 
continuação  da  corrente  equatorial,  sai  do  golfo  pelo 
estreito  de  Bahama,  com  sessenta  kilometros  de  largura, 
similhante  a  um  rio  magestoso,  cuja  corrente  excede 
em  rapidez  a  do  Mississipi  e  do  Amazonas.  A  sua  velo- 
cidade toca  perto  de  sete  kilometros  por  hora,  apezar 
de  um  vento  do  norte  que  sopra  constantemente  n'estas 
paragens. 

Acha-se  reforçada  pelos  braços  derivados  da  cor- 
rente equatorial,  passando  ao  norte  das  Antilhas.  A  sua 
direcção  é  a  principio  de  S.O.  a  N.E.,  seguindo  um 
pouco  longe  das  costas  da  America,  de  que  é  separada 
por  uma  corrente  inversa  de  temperatura  muito  menos 
elevada.  A  partir  dos  Estados  Unidos,  corre  franca- 
mente para  E.,  passa  abaixo  da  Terra  Nova;  sobe  o 
parallelo  40"  de  latitude  N.;  transborda  de  alguma 
forma  sobre  o  Oceano ;  e  occupa  um  espaço  de  muitas 
mil  léguas  quadradas,  cobrindo  de  suas  aguas  quentes 
as  aguíis  frias  d'este  mar. 

Ao  norte  dos  Açores,  e  quasi  no  parallelo  da  Finis- 
terra, subdivide-se  em  quatro  braços.  Um,  primeiramente, 
sob  o  nome  de  corrente  polar  norte  da  Africa,  e  depois, 
sob  o  nome  de  corrente  Guiné  do  Norte,  vai  juntar-se  á 
corrente  equatorial  e  fechar  o  circuito.  As  aguas  d'esta 
corrente  polar  da  Africa  são,  na  altura  da  ilha  de  Cabo 
Verde,  mais  frias  4°  a  5°  que  as  aguas  adjacentes; 
mas  aquecem-se,  approximando-se  do  equador. 

O  segundo  braço  do  Gulf  Stream,  chamado  corrente 
da    costa    de   Portugal,    dirige-se    para    o    estreito    de 


180  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Gibraltar,  e  forma  a  corrente  que  leva  as  aguas  do 
Oceano  para  o  Mediterrâneo. 

O  terceiro  braço  penetra  no  golfo  de  Casconha,  na 
altura  de  46°  parallelo;  corre  quasi  que  ao  longo  da  costa 
de  Hespanha;  contorna  aquelle  golfo;  e  sobe  para  o 
norte,  ao  longo  da  costa  de  França,  para  retomar,  sob 
o  nome  de  corrente  de  Rennel,  uma  direcção  para  o 
N.O.  contraria  á  sua  direcção  primitiva. 

O  quarto  braço,  ou  braço  do  N.E.  do  Gulf  Stream 
é  o  mais  considerável.  E'  o  próprio  Gulf  Stream,  con- 
tinuando a  sua  carreira  na  direcção  primitiva.  Uma 
parte  contorna  a  Irlanda  e  a  Inglaterra,  para  descer 
pelo  canal  de  S.  Jorge  e  pelo  mar  do  Norte.  O  resto 
penetra  até  os  mares  polares,  involve  a  ilha  Feroé,  e 
passa  entre  a  Islândia  e  a  costa  da  Noruega,  cujo  clima 
adoça. 

Esta  grande  corrente  d'agua  quente  divide-se  em 
dois  braços  nas  alturas  da  Scandinavia.  Um  sobe  para 
Spitzberg,  cujo  clima  egualmente  adoça,  e  derrete  os 
gelos  que  rodeiam  esta  ilha.  Outro  penetra  no  oceano 
Glacial,  pelas  praias  da  Sibéria,  e  forma  a  corrente 
polar  árctica. 

As  aguas  do  Gulf  Stream  distinguem-se  das  aguas 
visinhas,  pela  sua  densidade  e  grau  de  sal,  côr  e  trans- 
parência. Até  ás  costas  da  Carolina,  são  de  azul  anil, 
emquanto  que  as  aguas  que  a  rodeiam,  são  verdes. 

Esta  corrente  arrasta  também  arvores,  troncos,  etc^ 
Levou  outr'ora  para  os  Açores  o  cadáver  de  um  pelle 
vermelha  e  os  restos  de  uma  piroga,  que  tiveram  certa 
influencia  nos  projectos  de  Colombo. 

Ha  n'ella,  durante  o  inverno,  nevoeiros  e  borrascas 
produzidas   pela  lucta  da  corrente  e  ventos  que  teem 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  181 


direcções  quasi  oppostas.  Mas,  se,  por  esse  lado,  é 
perigosa  aos  navios,  por  outro  lado,  em  algumas  par- 
tes, é  de  um  grande  soccorro  para  aquelles  que  as 
borrascas  de  neve  e  lufadas  violentas  de  vento  impedem 
de  fundear  nos  Estados  Unidos.  N'essas  circumstancias, 
pôde  o  Gulf  Stream,  ser  olhado  como  um  logar  de 
refugio. 

Os  ventos  de  oeste  que  percorrem  a  superficie 
da  corrente,  aquecem-se,  e  carregam-se  de  vapor. 
Assim,  graças  a  esta  corrente,  as  costas  occidentaes  da 
Europa  teem  uma  temperatura  relativamente  doce, 
emquanto  que  as  do  Lavrador  estão  presas  por  bar- 
reiras de  gelo. 

As  aguas  do  Gulf  Stream,  circulando,  assim,  no 
Atlântico,  tiram  o  calor  excessivo  ás  regiões  quentes, 
para  o  transportar  para  as  regiões  frias;  e  chamam  as 
correntes  frias  ao  Oceano  Glacial  Boreal,  para  temperar 
o  clima  ardente  dos  trópicos. 

E'  no  centro  da  grande  corrente  do  Oceano  Atlân- 
tico do  Norte  que  se  encontra  um  outro  espaço  immenso, 
conhecido  pelo  nome  de  mar  de  Sargaços  ou  varechs,  de 
que  já  falíamos. 


Correntes  do  Polo  Árctico.  —  Estas  correntes,  como 
dissemos,  não  podem  vir  senão  pelos  estreitos;  e  por 
isso  não  podem  ser  fortes  como  as  Austraes. 

As  três  saidas  do  polo  Boreal  são:  o  espaço  que 
ha  entre  a  Suécia  e  a  Islândia  e  entre  esta  e  a  Groen- 


182  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


landia;  a  saida  do  mar  de  Baffin  pelo  estreito  de  Davis; 
e  a  do  estreito  de  Behring.  E  de  cada  uma  d'estas  sai 
uma  corrente. 

Emquanto  á  primeira,  conhecida  por  corrente  árctica, 
desce  ella  ao  longo  da  costa  oriental  da  Groenlândia 
até  o  cabo  de  Farwel;  dobra  este  cabo,  e  sobe  ao  longo 
da  costa  occidental,  n'uma  direcção  opposta  á  da  cor- 
rente da  bahia  de  Hudson. 

Emquanto  á  segunda,  que  vem  do  mar  de  Baffin 
pelo  estreito  de  Davis,  reune-se  com  outra  da  bahia 
de  Hudson,  e  perde-se  no  Gulf  Stream,  a  45°  de 
latitude  N.  Mas  uma  parte  pequena  d'ella  desfia  ao 
longo  da  Terra  Nova,  e  segue  os  contornos  das 
costas  dos  Estados  Unidos,  que  refresca.  E'  provável 
que  os  bancos  da  Terra  Nova  se  tenham  formado 
no  encontro  d'esta  corrente  com  as  do  golfo,  pela 
accumulação  dos  restos  de  toda  a  sorte,  levados  pelas 
montanhas  de  gelo,  que  ahi  chegam  do  norte  d'estas 
paragens. 

Esta  corrente  fria  augmenta  o  rigor  do  clima  de 
N.E.  da  America  e  da  Groenlândia.  A  sua  existência  é 
verificada  pelo  transporte  de  gelos  que  se  accumulcim 
nas  paragens  da  Terra  Nova. 

Pelo  que  respeita  á  corrente  que  vem  pelo  estreito 
de  Behring,  já  vimos  que  se  derivava  de  lá  uma  contra 
corrente  fria  que  encontrava  a  de  Kuro-Siwo.  Entre- 
tanto, por  esse  estreito  de  Behring,  não  pode  passar 
grande  corrente;  já  pela  sua  estreiteza;  e  já  porque  a 
saida  é  contrabalançada  por  um  dos  braços  da  cor- 
rente Kuro-Siwo,  que  vai  para  as  Aleutinas  e  estreito 
de  Behring. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  183 


Existe  no  mar  das  Antilhas  uma  contra-corrente 
que  leva  as  aguas  do  ísthmo  de  Panamá  para  Vene- 
zuella. 

Ha  também  a  corrente  particular  da  bacia  de 
Hudson,    de   que    já    falíamos. 


* 
*  « 


No  Mediterrâneo  ha  duas  correntes:  uma  supe- 
rior com  velocidade  de  sete  milhas  por  hora,  a  não 
ser  entre  Ceuta  e  Gibraltar,  em  que  só  tem  duas 
milhas  e  meia,  que  vai  do  Oceano  para  o  Mediterrâ- 
neo; e  outra  inferior,  d'este  para  o  Oceano.  A  razão 
da  superior  é  a  grande  evaporação;  e  a  razão  da 
inferior  está  na  força  do  sal  com  que  fica  o  Mediter- 
râneo, pela  grande  evaporação  que  soffre,  o  qual  arrasta 
as  aguas. 

A  superior  percorre  o  Mediterrâneo,  aproximando-se 
mais  da  Africa  do  que  da  Hespanha,  e  dá  volta  á  bacia 
Occidental.  Um  braço  penetra  no  canal  de  Malta,  com  a 
velocidade  de  duas  milhas  por  hora  na  bacia  oriental ; 
segue  as  sinuosidades  da  costa,  passando  pelas  Syrtes, 
costas  do  Egypto  e  da  Syria ;  e  forma  um  vasto  circuito, 
que  vem  fechar-se  mesmo  no  canal  de  Malta. 


184  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


* 

* 


No  mar  Báltico,  ha  uma  corrente  á  superfície,  de 
ag-ua  pouco  salgada,  que  se  dirige  para  o  norte,  em- 
quanto  uma  contra-corrente  submarina  de  agua  salgada 
vai  do  mar  do  Norte  para  o  mar  Báltico. 

Ha  também  duas  correntes  eguaes  no  mar  Negro, 
em  relação  ao  Mediterrâneo. 

No  mar  Vermelho,  onde  a  evaporação  é  muito 
activa,  onde  chove  raras  vezes,  e  onde  não  vai  dar 
nenhum  rio,  uma  corrente  superior  leva  do  Oceano 
Indico  as  aguas  necessárias  para  compensar  essa  evapo- 
ração. E  outra  submarina  para  o  Oceano  Indico  vai 
restituir  a  este  mar  o  sal  correspondente. 


* 


As  correntes  periódicas  são  as  que  se  produzem  em 
certas  partes  do  anno,  para  desapparecerem  em  seguida, 
ou  reproduzirem-se  n'um  sentido  contrario.  São  sempre 
produzidas  pelos  ventos  periódicos.  Encontram-se,  so- 
bretudo, na  zona  do  Oceano  Indico,  onde  reinam  as 
monções,  no  mar  da  China,  numa  parte  do  Grande 
Oceano,  também  no  mar  Vermelho,  no  Golfo  Pérsico,  etc. 

No  golfo  do  Manar,  ha  uma  corrente  que  se  dirige 
para  o  norte,  de  maio  a  outubro,  e  para  o  S.O.,  de  outu- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  185 


bro  a  maio.  No  mar  da  China,  uma  corrente  vai  de 
S.O.  para  N.E.,  desde  15  de  maio  a  15  de  agosto,  e  em 
sentido  contrario,  de  outubro  a  abril. 


O  estudo  das  correntes  veiu  prestar  grandes  servi- 
ços ao  commercio  e  navegação,  abreviando  as  viagens. 
Assim  depois  que  Maury  levantou,  em  1860,  a  carta 
dos  ventos  e  correntes,  a  viagem  do  Rio  de  Janeiro  a 
New  York  por  navios  de  vela  foi  reduzida  de  40  ou  45 
dias  a  30  dias.  A  viagem  de  New  York  para  a  Califórnia 
exigia  a  media  de  180  dias.  Os  estudos  de  Maury  redu- 
ziram-na  a  135  dias;  e  hoje  as  clippers  fazem-na  em  100 
dias,  e,  algumas  vezes,  em  92.  E  de  Inglaterra  a  Sydney 
um  navio,  guiado  pelas  antigas  instrucções,  levava  125 
dias,  pelo  menos,  e  á  volta  o  mesmo  tempo,  o  que  prefazia 
250  dias.  Maury  mostrou  que  era  preciso  fazer  da  via- 
gem da  Austrália  uma  verdadeira  viagem  de  circumval- 
lação  do  globo,  isto  é,  dobrar  o  cabo  da  Boa  Esperança, 
vindo  da  Europa,  e  voltar  depois  pelo  cabo  de  Horn: 
e  a  somma  d'estas  duas  travessias  effectua-se  em  130 
dias  e  até  em  menos,  em  vez  d'aquelles  250. 

As  correntes  influem  egualmente  no  clima,  tornando 
mais  quentes  ou  mais  frias  as  costas  por  onde  passam, 
conforme  são  de  agua  quente  ou  de  agua  fria  ^. 


1     Bainíer,  La  Geographie  appliquée  à  la  Marine,  au  Commerce, 
à  L'Agriculture,  à  L' Industrie  et  à  La  Statistique  —  France. 


186  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Apar  do  movimento  dos  navios,  vapores  e  corren- 
tes, houve  outras  circumstancias  que  favoreceram  a 
navegação  maritima,  e,  portanto,  as  communicações. 

Uma  d'ellas,  foi  o  estabelecimento  de  faroes.  Antes 
do  século  XIX,  era-se  obrigado  a  reduzir  sensivel- 
mente a  duração  das  operações  para  a  navegação  de 
longo  curso,  e  de  as  limitar  para  a  cabotagem  á  dura- 
ção de  um  dia,  a  fim  de  evitar  os  perigos  da  marcha 
ao  longo  das  costas,  muitas  vezes  inhospitas.  Mas,  no 
século  XIX,  foram-se  estabelecendo  faroes  quasi  por 
toda  a  parte,  e  sobretudo,  em  França,  nos  Estados  Uni- 
dos, na  Itália,  na  HoUanda,  na  Inglaterra,  na  Hespanha 
e  na  Algéria.  E  mesmo  os  apparelhos  da  illuminação 
d'esses  faroes  foram  augmentando  de  intensidade,  com 
tanta  rapidez,  como  o  seu  numero  ia  crescendo. 

Já  em  1783,  o  engenheiro  Teulève  tinha  dado  mais 
intensidade  á  luz,  inventando  os  reflectores  parabólicos. 
Em  1822,  Augustin  Fresnel  descobriu  os  faroes  lenti- 
culares. Chance  introduziu  uma  innovação,  que  permittiu 
dirigir  para  o  horisonte  maritimo,  grande  quantidade  de 
raios  luminosos,  divergentes  do  lado  das  terras.  Depois 
a  luz,  que  até  ahi  fora  alimentada  com  azeite  mineral 
de  shisto,  passou  a  sel-o  por  azeite  de  colza;  e,  logo 
depois,  a  electricidade,  substituindo  o  azeite,  obrigou 
os  engenheiros  a  darem  aos  apparelhos  novas  disposi- 
ções. Emfim,  os  respectivos  edificios  foram  construidos 
de  propósito  para  terem  faroes,  e,  portanto,  mais  aper- 
feiçoadamente  e  mais  propriamente  para  esse  mister;  e, 
em  1863,  appareceram  os  faroes  metallicos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  187 


As  modificações  sobrevindas  á  estructura  e  dimen- 
são dos  navios,  e  o  desinvolvimento  da  navegação 
levavam  as  differentes  nações  a  preoccuparem-se  com  a 
construcção  de  estaleiros,  logares  ou  bacias  de  repara- 
ção; com  a  facilitação  do  accesso  nos  portos  e  prepara- 
ção também  de  portos  anteriores;  com  a  desobstrucção 
das  enseadas,  invadidas  por  areia  e  terra;  com  a  cons- 
trucção de  diques  e  molhes  do  mar;  com  a  disposição- 
das  bacias  marítimas  ou  fluviaes,  de  modo  a  multiplicar 
ou  tornar  mais  rápido  o  movimento  da  marinha;  assim 
como,  para  a  navegação  fluvial,  a  tractaram  de  dar  ás 
eclusas,  formas  e  disposições  mais  de  harmonia  com  o. 
material  da  navegação,  sempre  em  progresso. 

Para  visitar  e  reparar  os  navios,  os  engenheiros; 
inglezes  e  americanos  inventaram  as  docas  fluctuantes;: 
e  de  1830  a  1860  houve,  também  n'essa  parte,  progres- 
sos importantes. 

Emfim,  muitos  trabalhos  consideráveis  foram  exe- 
cutados em  muitos  portos,  para  os  desentupir  e  tornar 
mais  accessiveis.  E,  n'este  sentido,  por  toda  a  parte,  se 
fizeram  gigantescas  transformações,  contribuindo  para 
estimular  o  movimento  da  navegação  e  para  a  abertura 
de  desimbocadouros,  outr'ora  desconhecidos. 

Assim,  na  Inglaterra,  por  exemplo,  Londres,  Glasgow 
e  New  Castle  augmentaram  prodigiosamente  em  melho- 
ria e  movimento. 

Aconteceu   a  mesma  coisa  com  o  Havre,  Bordéus», 


"188  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Marselha,  Rotterdam  e  Amstterdam,  Hamburgo,  Génova; 
e  mesmo  fora  da  Europa,  com  alguns  portos  dos  Esta- 
dos Unidos  e  com  Hong-Kong,  Melboume,  Adelaide,  etc. 


Com  o  desinvolvimento  do  movimento  maritimo, 
levantou-se  de  novo  a  ideia  dos  portos  francos,  os  quaes 
outr'ora  tinham  dado  grande  resultado. 

Em  França,  a  criação  d'elles  remontava  a  Colbert,  que, 
por  uma  ordenança  de  1669,  dera  nascimento  aos  três 
primeiros;  e,  já  no  tempo  da  revolução,  existiam  quatro, 
a  saber:  em  Marselha,  Dunkerke,  Bayonna  e  Lorient, 
'Cuja  criação  remontava  a  Colbert.  E  estes  portos  tinham 
•contribuido  fortemente  para  o  progresso  commercial 
d'essas  cidades,  fazendo  o  officio  de  feiras  permanentes, 
abertas  a  todas  as  nações.  Esse  privilegio  de  portos  fran- 
cos foi  supprimido  no  tempo  da  primeira  republica,  pelo 
iundamento  de  que  augmentavam  o  contrabando;  porém, 
os  maus  effeitos  d'essa  suppressão  não  se  demoraram. 

Ainda  depois,  em  1814,  foi  novamente  concedido  a 
Marselha  o  privilegio  de  porto  franco,  mas  também  lhe 
foi  retirado,  em  1817,  por  não  ter  dado  grandes  resul- 
tados. Depois,  em  1880,  voltou-se  á  ideia  de  portos 
francos;  e,  foi  assim,  que,  ao  lado  das  docas  de  Londres, 
que  já  constituiam  portos  francos,  e  do  porto  de  Anvers, 
cujos  direitos  eram  muito  reduzidos,  se  constituiram  os 
portos  francos  de  Bremen,  Lubeck,  Hamburgo,  Kola,  (na 
Rússia),  Copenhague,  e,  nos  mares  da  índia,  Singapura  ^. 

1     Noel,  obr.  cit. 


EDADE  CONTEMORANEA  18^ 


Apar  de  tudo  isso,  a  abertura  do  isthmo  de  Suez 
produziu  uma  grande  revolução  marítima  e  commercial 
em  metade  do  globo,  com  a  comunicação  directa  do 
Mediterrâneo  para  o  mar  Vermelho. 

Já  nos  tempos  remotos,  os  soberanos  egypcios  ti- 
nham reconhecido  a  vantagem  inestimável  que  lhes  daria 
uma  passagem  por  agua  entre  o  mar  Vermelho  e  o  mar 
Interior.  E  certos  escriptores  attribuem  a  um  rei  do 
Egypto  da  16.^  dynastia,  em  2173  antes  de  Christo,  a 
primeira  tentativa  da  abertura  d'essa  passagem  para  o 
transito  das  mercadorias  do  oriente,  que  se  effectuava 
atravez  do  seu  território. 

Plinio  e  Strabão  attribuem  ao  grande  Sesostris,  que 
viveu  no  século  XVI  antes  da  nossa  era,  também  o  re- 
começo dos  trabalhos  para  essa  comunicação;  outros 
escriptores,  pelo  contrario,  o  attribuem  a  Nechau  II, 
filho  de  Psametico,  que  reinou  de  617  a  601  antes  de 
Christo.  Sendo  esses  trabalhos  interrompidos,  foram 
retomados  do  sexto  ao  quinto  século,  também  antes  da 
nossa  era,  no  curso  da  dominação  persa  no  Egypto, 
por  Dário,  que  os  acabou.  Mas  essa  via  navegável  não 
tinha  então  o  comprimento  e  importância  que  tem  o 
canal  actual.  Não  cortava  o  isthmo  em  toda  a  sua 
largura,  e  não  punha  Suez  em  communicação  directa 
com  Peluse. 

Os  açoreamentos  continuados  tornaram  lago  esse 
canal  impraticável,  e,  já  no  tempo  de  Cleópatra,  a  com- 


190  A   HISTORIA  ECONÓMICA 


municação  estava  interrompida  de  todo.  O  imperador 
Adriano,  em  125  da  nossa  era,  fel-o  abrir  de  novo, 
e,  assim  aberto,  recebeu  o  nome  de  Canal  de  Trajano. 
Os  serviços,  porém,  que  essa  obra  prestou,  foram  peque- 
nos, porque  brevemente  se  inutilisou. 

A  ultima  tentativa  de  reparação  foi  a  emprehen- 
dida,  em  639,  por  Amru,  em  nome  do  califa  Omar. 
Mas  o  canal  foi  definitivamente  destruido,  em  767, 
por  ordem  do  califa  Abu-Giaffar-el-Mansur,  para  esfo- 
mear Medina  revoltada;  e,  depois,  as  areias  do  deserto 
completaram  também  com  o  seu  tributo  essa  obra 
destruidora. 

Os  trabalhos  ficaram  abandonados,  durante  muito 
tempo;  e,  só  no  século  XVlll,  a  recordação  das  antigas 
tentativas  chamou  de  novo  alguns  espíritos  esclarecidos 
para  elles.  E,  então,  Argenson,  em  1738,  meditando 
sobre  a  decadência  do  império  ottomano,  cuidou  de  um 
canal  do  mar  de  Levante  ao  mar  Vermelho  que  perten- 
cesse em  commum  a  todo  o  mundo.  Mas  a  sua  ideia 
ficou  em  projecto. 

Os  estudos  foram  seriamente  retomados  durante  a 
expedição  de  Bonaparte  ao  Egypto,  que  até  levou  para 
lá  uma  expedição  de  engenheiros.  Mas,  com  a  vinda 
d'elle  para  a  Europa,  ficou  de  novo  prejudicada  a 
empreza. 

Só  em  1859,  havendo  Lesseps  conseguido  a  conces- 
são da  abertura  do  canal,  nas  condições  actuaes,  é  que 
este  foi  começado,  e  só,  em  1869,  foi  concluído. 

As  consequências  económicas  que  d'ahi  se  deriva- 
ram, foram  enormes. 

Reanimou-se  o  Mediterrâneo,  que  estava  quasi  redu- 
zido a  um  lago;  e  restituiu-se-lhe  grande  parte  da  acti- 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  191 


vidade  que  tinha  antes  da  descoberta  da  passagem 
pelo  Cabo.  Approximou-se  a  distancia  da  Europa  com 
o  extremo  Oriente.  Até  ahi  predominavam  os  navios  de 
vela,  nas  viagens  para  a  Ásia,  porque  o  percurso  era 
tão  grande  que  demandava  uma  porção  enorme  de  com- 
bustível e  de  mantimentos  e  sobre-excellentes :  o  que  não 
permittia  economicamente  aos  vapores  abordar  ao  Cabo 
da  Boa  Esperança  para  mercadorias  pesadas  e  de  pe- 
queno valor.  Mas,  com  o  encurtamento  da  distancia, 
foram  elles  que  predominaram  nas  idas  para  o  Oriente. 
As  viagens  pelo  Cabo  tornaram-se  por  isso  menos  fre- 
quentes, ao  passo  que  augmentaram  as  que  se  faziam 
por  aquelle  isthmo.  Tornaram-se  também  os  serviços 
marítimos  mais  numerosos.  Augmentaram  as  compa- 
nhias marítimas.  E  progrediu  enormemente  o  commer- 
cio   entre   os   dois   continentes. 


A  proclamação  da  liberdade  dos  mares,  favoreceu 
também  as  communicações  marítimas,  e  contribuiu  egual- 
egualmente  para  o  desínvolvímento  do  commercio. 

Vinha  de  longe  a  pretensão  de  differentes  Estados 
ao  domínio  dos  mares.  Em  1493,  o  papa  Alexandre  VI 
promulgou  a  celebre  bulia  que  reconhecia  a  soberania 
de  Castella  e  Aragão  nos  territórios  já  descobertos  por 
Christovão  Colombo  e  a  descobrir,  nas  regiões  situa- 
das ao  oeste  do  meridiano  que  passava  a  cem  legoas 
de  distancia  para  o  occidente  das  ilhas  de  Cabo  Verde; 


192  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


e  reconhecia  aos  Portug"uezes  o  domínio  da  parte  que 
ficava  ao  nascente.  E,  depois,  pelo  tractado  de  Tordesi- 
lhas, de  7  de  julho  de  1494,  foi  rectificado  o  meridiano 
de  separação  dos  dominios  portugfuezes  e  castelhanos, 
fazendo-o  passar  a  370  legoas  para  o  occidente  do 
archipelago  de  Cabo  Verde. 

Assim  como  a  Hespanha  e  Portugal  reclamavam  o 
dominio  d'esses  mares,  e,  portanto,  a  Hespanha  recla- 
mava também  o  dominio  do  Pacifico,  Génova  pretendia 
a  soberania  do  mar  da  Liguria;  Veneza,  a  do  mar 
Adriático,  e  até  havia  a  cerimonia  do  casamento  sym- 
bolico  dos  doges  com  esse  mar;  e  a  Turquia,  a  do 
mar  Negro. 

Os  reis  da  Dinamarca  e  Noruega  pretendiam  tam- 
bém o  dominio  exclusivo  dos  mares  dinamarquezes,  e 
ainda  no  século  XVII  se  reconhecia  o  seu  dominio  nos 
mares  da  Islândia  e  Groenlândia. 

Os  Inglezes  contentavam-se,  ainda  nos  tempos  que 
precederam  o  século  XVII,  em  chamar  seus  aos  mares 
que  cercam  a  Gran  Bretanha;  mas,  sob  Carlos  I  e 
Carlos  II,  já  pretendiam  o  dominio  de  todo  o  mar 
comprehendido  entre  a  mesma  Gran  Bretanha  e  os 
Estados  Unidos.  E  os  Hollandezes  quizeram  também 
arrogar-se  o  direito  exclusivo  sobre  a  passagem  do 
Cabo  da  Boa  Esperança. 

Nos  principios  do  século  XVII,  as  pretensões,  espe- 
cialmente, da  peninsula  ibérica  ao  dominio  dos  mares, 
prejudicavam  sensivelmente  o  commercio  hoUandez,  que- 
queria  expandir-se  e  desinvolver-se;  e,  então,  Hugo 
Gocio  publicou,  em  1608,  a  sua  obra  Maré  Liberam, 
em  que  proclamou  a  liberdade  dos  mares.  Esse  livro, 
causou  enorme  sensação  no  mundo  culto. 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  193 


Respondeu-lhe,  então,  o  portuguez  Serafim  de  Frei- 
tas, na  obra  De  Justo  Império  Lusitano,  defendendo  a 
nossa  soberania  maritima,  segundo  o  tratado  de  Tor- 
desilhas. E,  como  a  doutrina  de  Grocio  contrariava  tam- 
bém os  Inglezes,  que  mais  do  que  outro  qualquer  povo 
tendiam  a  dominar  o  mar,  Carlos  I  incumbiu  Selden  de 
combater  esssa  doutrina;  e,  por  isso,  este  publicou, 
em  1635,  o  seu  livro  Maré  Clausum,  em  que  só  con- 
cordava com  Grocio  n'uma  coisa,  a  saber,  que  eram 
condemnaveis  as  pretensões  dos  Portuguezes  e  Hes- 
panhoes  á  soberania  dos  mares.  De  resto,  sustentava 
que  os  mares  eram  tão  apropriáveis  como  a  terra,  e 
que  os  reis  da  Inglaterra  tinham  um  direito  incontes- 
tável ao  dominio  exclusivo  do  mar  Britânico.  Por  mar 
Britânico  intendia  elle  o  Oceano  septentrional  e  o 
Oceano  occidental,  n'uma  extensão  que,  por  um  lado, 
chegava  até  á  America,  e,  por  outro  lado,  excedia  a 
Groenlândia  e  a  Islândia,  para  ir  dar  a  regiões  ainda 
desconhecidas.  E  acrescentava  Seldem  que,  mesmo  até 
os  limites  onde  o  mar  perdia  o  nome  de  Britânico,  o 
rei  da  Inglaterra  possuía  sobre  um  e  outro  d'aquelles 
Oceanos  direitos  os  mais  extensos,  a  que  não  era  licito 
obstar. 

O  dictador  Cromwell  aproveitou-se  da  doutrina  do 
Maré  Clausum,  para  promulgar  o  acto  de  navegação 
de  1651,  que  procurava  aniquilar  o  commercio  hoUan- 
dez.  Welle  se  estipulava  que  nenhum  producto  do  solo 
ou  da  industria  da  Ásia,  Africa  ou  America  podia  ser 
importado  na  Inglaterra,  a  não  ser  em  navios  inglezes 
ou  das  colónias  de  propriedade  ingleza,  e  cuja  equipa- 
gem fosse  também  ingleza,  pelo  menos,  nas  trez  quartas 
partes.  E  as  próprias  mercadorias  da  Europa  só  podiam 

Volume  VI  13 


194  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


ser  importadas  na  Inglaterra  em  navios  ingflezes  ou  do 
paiz  da  producção:  o  que  especialmente  era  destinado 
a  prejudicar  a  Hollanda  ^. 

Com  o  andar  dos  tempos,  as  pretensões  acerca  da 
soberania  dos  mares  foram  decaindo,  mas,  ainda  assim, 
só  muito  tarde  é  que  a  doutrina  de  Grocio  recebeu  a 
consagração  do  direito  positivo. 

Ainda  em  1822,  a  Rússia  tentou  reivindicar  a  sobe- 
rania de  parte  do  Oceano  Pacifico,  ao  norte  de  51°  de 
latitude,  no  mar  de  Behring,  soberania  essa  que  lhe  não 
foi  reconhecida,  graças  á  intervenção  audaz  dos  Estados 
Unidos.  Mas,  posta  de  lado  a  propriedade  dos  mares, 
tentou-se  ainda  obter  indirectamente  esse  predomínio, 
regulando  a  navegação  com  preceitos  policiaes  e  im- 
posição de  taxas  tributarias  em  alguns  d'elles.  Isto 
equivalia  também  a  ter  o  dominio  dos  mares,  porque 
restringia  o  modo  como  elles  podem  ser  livremente 
aproveitados;  e,  assim,  também  essas  pretensões  foram 
repellidas  ". 

Ora  este  principio  da  liberdade  dos  mares  foi-se 
affirmando  altamente  depois  da  revolução  franceza;  e  o 
próprio  Governo  inglez,  a  partir  de  1855,  foi  reconhe- 
cendo publicamente  que  nenhuma  nação  tem  a  faculdade 
de  prohibir  ou  taxar  a  navegação  de  outro  paiz. 

Mesmo  quanto  aos  estreitos,  foram  também  abolidos 
os  direitos  que  oneravam  a  livre  passagem  por  alguns  d'el- 
les,  como  aconteceu  com  o  estreito  de  Sund  e  os  de  Beit. 


1  Calvo,  Le  droit  International  theorique  et  pratique.  —  Adriano 
Anthero,  A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  605. 

-  Adriano  Anthero,  O  Direito  internacional,  pag.  195  e  se- 
guintes. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  195 


A  Dinamarca  impoz,  durante  muitos  séculos,  impos- 
tos ou  taxas  de  passagem  sobre  todos  os  navios  mercan- 
tes que  atravessavam  esses  estreitos.  E  estes  impostos 
foram,  pela  primeira  vez,  fixados  e  reconhecidos  n'um 
tratado,  concluido,  em  1645,  entre  o  Governo  dinamar- 
quez  e  os  Estados  Gerais  das  Provincias  Unidas.  Foram 
depois  sanccionados  por  outras  nações,  especialmente, 
pela  França,  nos  tratados  de  1663  e  1762;  e,  por  fim, 
a  Dinamarca,  em  1857,  cedeu  d'esse  direito,  por 
16:456.945$10,  que  lhe  foram  pagos  por  differentes 
nações  da  Europa  e  pelos  Estados  Unidos. 

O  estreito  de  Bosphoro  ou  canal  de  Constantinopla, 
embora  sujeito  a  restricções,  quanto  aos  navios  de 
guerra,  tornou-se  também  livre,  quanto  aos  navios  mer- 
cantes, pelo  tratado  anglo-turco  de  1809,  e  pelas  con- 
venções internacionaes  de  1841,  1856  e  1871.  E  o 
estreito  de  Magalhães,  que  foi  objecto  de  contendas 
entre  o  ChiH  e  a  Republica  Argentina,  foi  neutralisado 
perpetuamente,  pelo  tratado  de  23  de  julho  de  1881, 
celebrado  entre  as  duas  republicas. 

Todavia,  se  o  alto  mar  e  alguns  estreitos  se  tornaram 
do  dominio  commum  de  todos  os  povos,  os  mares  ter- 
ritoriaes,  em  geral,  e  os  golfos  e  bahias  ficaram  legalmente 
submettidos  á  soberania  dos  Estados  cujas  costas  são 
banhadas  por  elles.  Mas  esta  soberania  tem  um  caracter 
mais  convencional  que  real.  Resulta  ella,  com  effeito, 
do  accordo  das  nações,  e  implica  apenas  uma  jurisdicção 
que  permitte  aos  Estados  costeiros  impor  aos  navios 
estrangeiros  que  abordam  ao  seu  território,  regulamentos 
fiscaes,  aduaneiros  e  de  policia,  quanto  ao  accesso, 
salvo  os  casos  determinados  por  convenções  interna- 
cionaes. 


196  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  systema  de  classificação  dos  navios,  geralmente 
adoptado,  favorecendo  também  a  navegação,  veiu  a 
favorecer  egualmente  as  communicações.  Essa  classifi- 
cação consiste  no  certificado  do  estado  da  segurança 
d'elles  e  da  sua  maior  ou  menor  resistência  para  a 
navegação,  passado  por  instituições  ou  corporações  pró- 
prias para  isso,  de  grande  respeitabilidade,  e  geralmente 
conhecidas  como  taes  no  commercio,  ou  garantidas 
officialmente  pelos  Governos:  o  que  serve,  principal- 
mente, para  melhor  regular  os  contractos  de  seguro. 

Foi,  em  1760,  que  se  criou  na  Inglaterra  a  primeira 
d'essas  instituições  —  o  Lloyd  Register.  Em  1825,  essa 
instituição  tomou-se  —  o  Lloyd  Register  of  British  and 
Foreign  Shipping,  que  foi  melhorada,  depois  disso, 
em  1834.  Pelo  modelo  inglez  formaram-se,  em  1828,  o 
Bureau  Veritas,  em  Paris;  em  1858,  o  Veritas  austríaco, 
em  Trieste;  em  1867,  o  Germanisher  Lloyd  Rostoch. 
E  em  1861,  formou-se  na  Itália,  o  Registro  Italiano;  e 
em  1881,  o  Veritas  Italiano,  em  Génova. 


A  cartografia  enriquecendo-se  de  documentos  aper- 
feiçoados e  de  elementos  preciosos,  também  favoreceu 
as  communicações.  Aos  roteiros  grosseiros,  incomple- 
tos e  rudimentares  da  Edade  Media,  e  mesmo  ás  cartais 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  197 


mais  bem  traçadas,  porém,  muitas  vezes,  inexactas,  dos 
séculos  XVII  e  XVIII,  foram  substituidas  cartas  náuticas, 
bem  desenhadas,  e  levantadas  scientificamente  e  mathe- 
maticamente,  indicando  a  profundidade  dos  mares,  as 
enseadas,  os  escolhos,  os  fundos  e  as  correntes. 


Ao  passo  que  se  construiam  vias  férreas  por  toda 
a  parte,  os  Governos  foram  utilisando  as  vias  de  agua 
de  que  dispunham,  para  ligar  entre  si  as  principaes 
artérias,  ou  tornando  os  rios  navegáveis,  ou  abrindo 
canaes,  e  ajuntando  assim  um  elemento  poderoso  de 
circulação  e  de  riqueza  a  favor  de  industrias  producto- 
ras  de  matérias  pesadas.  Os  estados  Unidos,  sobretudo, 
e,  na  Europa,  a  França  e  Allemanha  deram  á  canalisação 
um  desinvolvimento  enorme. 

Estabeleceu-se  também  a  livre  navegação  dos  gran- 
des rios.  Assim,  em  1815,  foi  estabelecida  a  livre  nave- 
gação do  Rheno,  e,  portanto,  a  abolição  das  antigas 
portagens,  que,  desde  tempos  immemoriaes,  embaraça- 
vam a  navegação  ^.  Houve  reclamações  da  Hollanda; 
mas  a  contenda  terminou  pela  convenção  de  Mayença, 
em  31  de  março  de  1831,  que  declarou  esse  rio  livre, 
desde  o  sitio  onde  tem  condições  de  navigabihdade 
até  o  mar,  compreendendo  o  Yssel  e  o  Vaal. 

A  navegação  do  Escalda,  largamente  debatida  desde 
o    principio    do    século    anterior,    foi    declarada    livre, 


1     Adriano  Anthero,  O  Direito  Internacional,  pag.  243. 


198  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


em  1835,  pela  separação  da  Bélgica  e  Hollanda,  ficando 
a  sua  navegação  debaixo  da  vigilância  d'essas  duas 
nações  marginaes.  Ainda  assim,  alguns  direitos  de  pas- 
sagem subsistiram  em  favor  da  Hollanda,  mas  acabaram, 
pelo  tratado  de  12  de  maio  de  1863,  que  ambas  essas 
nações  cellebraram. 

A  livre  navegação  do  Elba  foi  decretada,  em  1861. 
A  do  Danúbio  foi  proclamada  no  congresso  de  Paris 
de  1856;  a  do  Mississipi,  em  1820;  a  do  Uruguay, 
em  1851;  a  do  Paraguay  e  Panamá,  em  1853;  a  do 
S.  Lourenço,  em  1854 ;  e  a  do  Congo  e  Niger,  pela 
convenção  de  Berlim  de  26  de  fevereiro  de  1886. 

As  communicações  carrossaveis  tiveram  egualmente 
um  grande  desinvolvimento  no  século  XIX.  E,  logo  no 
fim  do  segundo  quartel  d'esse  século,  as  estradais  a 
macadam  se  propagaram  egualmente  ^. 

Finalmente,  a  navegação  aérea,  começou  também  a 
desinvolver-se  no  fim  do  periodo,  para  tomar  no  século 
actual  um  progresso  extraordinário  ^. 


1  Mac-Adam,  engenheiro  escocez,  passa  por  ser  o  introductor 
do  systema  de  empedramento,  que  tem  o  seu  nome.  Esse  empedra- 
mento  foi  introduzido  em  Paris,  em  1869,  e  propagou-se  depois  pela 
Europa.  Mas  já  um  antigo  empedramento  tinha  sido  usado  na 
França,  no  tempo  de  Luiz  XVI. 

2  Adriano  Anthero,  O  Direito  Aéreo. 


CAPITULO  IV 
França 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  França,  n'este  período.  —  Influen- 
cia da  revolução  franceza  e  das  guerras  napoleónicas  e  bloqueio 
continental  no  movimento  económico  da  França,  até  á  queda 
de  Napoleão.  — Invenções  que  houve  durante  esse  tempo,  de- 
terminadas, em  grande  parte,  pelo  mesmo  bloqueio.  — Prejuízos 
da  França,  por  causa  d'elle.  — Estado  do  paiz  e  regimen  res- 
trictivo  económico,  durante  a  restauração. —  Governo  de  julho, 
e  suas  tendências  liberaes,  e  promulgação  de  differentes 
medidas  n'este  sentido.  — Reacção  que  se  levantou  contra 
ellas,  e  como  o  Governo  teve  de  arripiar  caminho.  —  Reformas 
legislativas  que  fez.  Revolução  de  1848,  e  segunda  republica.— 
Socialismo  e  estabelecimentos  socialistas.  —  Descontentamento 
que  tudo  isso  produziu,  e  como  levou  á  proclamação  do  impe- 
rador Napoleão  III.  — Progresso  económico  da  França  durante 
esse  imperador.  —  Guerra  de  1870  com  a  Allemanha.  —  Procla- 
mação da  terceira  republica,  e  adiantamento  enorme  da  França 
até  o  fim  do  século  XIX.— Productos,  agricultura,  industria,  com- 
mercio  e  marinha.  —  Centros  económicos  principaes.  Commu- 
nicações. 

A  historia  politica  da  edade  contemporânea  abre 
também  com  a  revolução  franceza.  Já  falíamos  delia 
no  capitulo  I,  e,  porisso,  basta  dar  agora  uma  noticia 
chronologica  muito  resumida  dos  seus  principaes  acci- 
dentes. 


200  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Em  23  de  junho  de  1789,  abriu-se  a  Assembleia 
Constituinte,  a  que  se  seguiu  a  Assembleia  Legislativa 
(1  de  outubro  de  1791-21  de  setembro  de  1792). 
Depois,  veiu  a  Convenção  Nacional  (21  de  outubro 
de  1792-26  de  outubro  de  1795),  que  condemnou  á 
morte,  e  fez  decapitar  Luiz  XVI,  e  a  rainha  Maria 
Antonieta.  Seguiu -se  o  Directório  (27  de  outubro 
de  1795-9  de  novembro  de  1800).  Após  elle,  surgiu  o 
Consulado,  em  que  predominou  Bonaparte,  Consulado 
esse,  que  teve  como  consequência  a  elevação  do  mesmo 
Bonaparte  a  imperador,  sob  o  nome  de  Napoleão  I,  e 
cujo  Governo  se  passou  em  guerras  continuas  com 
quasi  toda  a  Europa. 

Em  1814,  foi  elle  vencido  na  batalha  de  Waterloo. 
e  a  França  voltou  ao  antigo  regimen  monárquico,  sob 
Luiz  XVIII,  que  reinou  até  1824. 

De  um  espirito  judicioso  e  cultivado,  esse  monarca 
tinha  sabido  apreciar  as  necessidades  da  França;  mas 
não  teve  força  para  luctar  contra  o  zelo  imprudente 
dos  seus  partidários,  que  desejavam  o  absolutismo;  e, 
porisso,  descontentou  a  nação,  e  teve  o  seu  reinado, 
sempre  mais  ou  menos  perturbado  por  agitações  libe- 
raes,  promovidas,  principalmente,  pelos  carbonários. 

A  Luiz  XVIII,  succedeu  Carlos  X  (1824-1830). 

Voltando  este  rei  abertamente  ás  ideias  reaccioná- 
rias, também  descontentou  profundamente  o  povo,  o  que 
deu  logar  á  revolução  de  julho  de  1830,  que  o  depoz, 
e  nomeou  Luiz  Filippe. 

No  tempo  de  Carlos  X,  teve  logar  a  guerra  da 
Turquia  contra  a  Grécia,  na  qual  os  Russos,  Inglezes  e 
Francezes  intervieram  a  favor  dos  Gregos,  que  obtive- 
ram a  sua  independência,  pela  paz  de  Andrinopla  (1829). 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  201 


Luiz  Filippe  (1830-1848)  era  de  ideias  liberaes,  e 
foi  bem  acceito  pelos  differentes  partidos,  que  concen- 
travam as  suas  esperanças  n'um  reg^imen  constitucional, 
como  o  da  Inglaterra. 

Segundo  já  vimos  no  capitulo  1,  essa  revolução  de 
julho,  trouxe  geralmente  um  levantamento  liberal  por 
toda  a  Europa ;  e,  mesmo  na  França,  houve  alguns 
movimentos  revolucionários. 

Assim,  em  Lyon,  em  1831,  rebentou  um  motim  de 
tecelões  de  seda,  que  se  encontravam  sem  trabalho,  e 
que  foi  reprimido  pelo  Governo,  sendo  depois  minis- 
trados alguns  soccorros  aos  operários.  Pela  morte  do 
ministro  Casimiro  Perier,  que  tinha  podido  conservar 
os  differentes  partidos  n'um  certo  equilibrio,  os  extre- 
mistas levantaram-se  em  Paris;  e  esse  levantamento  foi 
abafado  violentamente  pelo  Governo,  de  modo  que 
ficaram  mortos  800  dos  revolucionários. 

Na  Vendea,  houve  uma  revolução,  que  foi  egual- 
mente  reprimida.  Apar  d'isso,  as  doutrinas  socialistas 
começaram  a  espalhar -se  largamente  e  a  perturbar 
continuamente  a  sociedade  franceza.  E  a  taes  insurrei- 
ções e  movimentos  revolucionários,  juntaram-se  ainda 
frequentes  conspirações  contra  a  vida  do  rei,  que  pôde 
escapar-lhes;  bem  como  um  outro  movimento  dos  repre- 
sentantes do  império,  a  favor  de  Luiz  Bonaparte,  filho 
do  ex-rei  da  Hollanda,  também  Luiz  Bonaparte,  e  da 
rainha  Hortênsia. 

Foi  no  tempo  de  Luiz  Filippe  que  se  acabou  a 
conquista  da  Argélia  (1834-1847). 

A  anciã  liberal  do  povo,  não  contente  com  o  espi- 
rito acomodaticio  dos  ministros,  reclamou  medidas  mais 
rasgadas,  e  entre  ellas  o  suffragio  universal;   e,  tendo-se 


202  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  Governo  opposto,  foi  proclamada  a  segunda  repu- 
blica (1848-1852). 

Esta  republica,  tomando  um  caracter  todo  socialista, 
decretando  o  direito  ao  trabalho,  estabelecendo  até 
officinas  communs  por  conta  do  Estado,  e  produzindo 
uma  g^rande  penúria  geral  e  uma  grande  desordem  social, 
deu  logar  á  proclamação  do  império  e  á  nomeação 
de  Luiz  Bonaparte  como  imperador,  sob  o  nome  de 
Napoleão  111. 

O  império  viu-se  logo  involvido  n'uma  serie  de 
guerras,  que  deviam  precipitar  a  sua  queda. 

A  primeira  foi  contra  a  Rússia,  de  concerto  com  a 
Inglaterra  e  Piemonte  —  a  guerra  da  Crimeia  (1853-1855). 

A  segunda  foi  contra  a  Áustria,  também  de  concerto 
com  o  Piemonte,  em  que  ella  foi  vencida  na  batalha  de 
Solferino  e  perdeu  a  Lombardia,  que  foi  reunida  ao 
Piemonte;  havendo  a  França  obtido  Nice  e  Sabóia,  como 
preço  do  seu  concurso. 

Outra  guerra  foi  na  Syria.  Tendo  os  montanhezes  dru- 
sos matado  os  Maronistas  christãos,  a  França,  conforme, 
a  convenção  de  Paris  de  1856,  mandou  um  exercito 
lá,  que  pacificou  a  região,  e  garantiu  a  segurança  dos 
christãos. 

Houve  também  uma  expedição  muito  importante  na 
China.  Depois  do  tratado  de  Nankin,  feito  com  a  Ingla- 
terra, a  China  teve  de  abrir  cinco  portos  ao  commercio 
europeu  (1842),  Cantão,  Annoy,  Fou-Techeou-Fou, 
Ningpo  e  Shang-hai;  e  os  Francezes  obtiveram  ainda  o 
livre  exercicio  do  christianismo  no  celeste  império. 

Mas  os  Chinezes  não  observaram  depois  as  obriga- 
ções d'esse  tratado,  e  isso  levou  uma  frota  anglo-fran- 
ceza   a    apoderar-se    de   Cantão,  e  a  forçar  a  China  a 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  203 


assignar  um  novo  tratado,  em  Tien-Tsin.  Sendo,  porém, 
os  embaixadores  que  estavam  encarregados  de  o  rati- 
ficar, recebidos  a  tiros  de  canhão,  foi  este  o  signal  dé 
uma  guerra  maior  (1859),  em  que  a  China  teve  ainda  de 
assignar  mais  outro  novo  tratado  de  Tien-Tsin,  e  de 
pagar  uma  grossa  índemnisação. 

N'uma  guerra  com  o  imperador  de  Annan,  os  Fran- 
cezes  obtiveram  também  a  cedência  de  três  provincias, 
— Saigon,  Bien-hoa  e  Mytho. 

Entretanto,  um  francez  notável,  Lesseps,  começou 
a  abertura  do  isthmo  de  Suez  (1859),  de  que  já  falía- 
mos, cujos  trabalhos  acabaram  em  1869. 

Em  1863,  a  França  interveiu  no  México,  juntamente 
com  a  Inglaterra  e  Héspanha,  e,  por  intervenção  d'ella, 
foi  lá  collocado  como  imperador,  Maximiliano,  irmão 
do  imperador  da  Áustria.  Levantando-se,  porém,  os 
Mexicanos,  depois  d'isso,  contra  o  mesmo  imperador,  a 
Inglaterra  e  Héspanha  fizeram  retirar  as  suas  tropas; 
e  mais  tarde  Napoleão  mandou  também  retirar  o  exer- 
cito francez,  abandonando  Maximiliano,  que  foi,  então, 
fuzilado  pelos  Mexicanos  (1867). 

No  mesmo  anno  1867,  Garibaldi  tentou  uma  expe- 
dição contra  Roma,  que  os  Francezes  tinham  evacuado 
no  anno  anterior;  e  Luiz  Napoleão  enviou,  porisso, 
tropas  aos  Estados  Pontificios,  que  bateram  os  Garibal- 
dinos  e  os  demais  Italianos  que  se  lhes  tinham  reunido. 

Em  1870,  surgiu  a  guerra  com  a  Prússia,  da  qual 
já  falíamos  no  capitulo  I,  e  com  ella  a  derrota  da  França, 
a  deposição  de  Luiz  Napoleão  e  a  proclamação  da 
terceira  republica,  ainda  existente. 

No  tempo  d'esta  guerra,  e  quando  Paris  estava  cer- 
cada pelos  Prussianos,  deu-se  também  um  movimento 


204  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


grave  dentro  d'essa  mesma  cidade,  que  foi  o  levanta- 
mento revolucionário  chamado  a  Communa,  que,  depois 
de  muita  ruina  e  mortes  e  desordens,  foi  abafado  pelo 
Governo,  á  custa  de  muito  sangue. 

Acabada  a  guerra  de  1870,  a  França  gozou  de  paz 
no  interior ;  mas  houve  ainda  differentes  luctas  no 
exterior. 

Assim,  no  Tonkin,  onde  as  relações  commerciaes 
tinham  sido  travadas  pelos  piratas  chamados  Pavi- 
lhões Negros,  teve  a  França  de  mandar  um  exercito 
commandado  pelo  almirante  Courbet,  que  obrigou  a 
China  a  assignar  o  tratado  de  Tien-Tsin,  reconhe- 
cendo o  protectorado  francez  no  Tonkin.  Recome- 
çadas mais  tarde  as  hostilidades,  o  mesmo  Courbet 
accupou  Ke-Lung,  na  ilha  Formosa.  E,  ainda  depois 
d'isso,  a  França  pôde  reunir  sob  a  sua  administra- 
ção o  Annan,  Tonkin  e  Cochinchina,  sob  o  nome  de 
Indo-China. 

Na  Africa,  fundou  ella  estabelecimentos  prósperos  no 
Senegal,  no  Congo  e  em  Madagáscar;  e,  em  1896,  con- 
quistou o  Dahomey.  E,  tendo  surgido  um  conflicto 
entre  os  Francezes  e  o  soberano  dos  Hovas  de  Mada- 
gáscar, a  França  mandou  lá  duas  expedições,  uma, 
em  1885,  e  outra,  em  1894,  que  terminaram  por  tomar 
conta  de  toda  a  ilha,  e  collocal-a  sob  o  protectorado 
francez. 

Fora  das  guerras  de  conquista  que  resultaram  de 
todas  essas  luctas  e  expedições  coloniaes,  a  França 
gozou  sempre  de  paz,  depois  da  guerra  desastrosa 
de  1870,  e  reparou  economicamente  as  suas  per- 
das. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  205 


As  luctas  da  revolução  franceza,  e  depois  as  luctas 
napoleónicas  e  o  bloqueio  continental  perturbaram  o 
movimento  económico  da  França  até  1815.  Mas,  ainda 
assim,  houve  intervallos  que  fizeram  excepção  a  esse 
estado  geral. 

Assim,  no  Governo  do  primeiro  cônsul,  Napoleão 
Bonaparte,  a  paz  no  exterior  e  a  reparação  das  desor- 
dens no  interior,  permittindo  o  restabelecimento  das 
relações  com  os  povos  vizinhos,  e  chamando  o  movi- 
mento e  emprego  de  capitães  para  as  operações  agrí- 
colas e  industriaes  da  nação,  fez  renascer  a  confiança 
geral,  e  estimulou  o  desinvolvimento  económico. 

Pela  reconstituição  das  academias  e  sociedades 
scientificas,  que  os  Jacobinos,  no  seu  exaggero  pela 
egualdade  e  no  seu  ódio  a  toda  a  superioridade,  tinham 
supprimido,  reappareceram  os  trabalhos  dos  eruditos, 
e  com  elles  as  descobertas  que  deram  lugar  a  novas 
fontes  de  riqueza. 

A  chymica  applicada  tomou  uma  extensão  illimitada. 
O  chloro,  descoberto  pelo  allemão  Scheele,  foi  empre- 
gado por  BerthoUet  na  tinturaria  e  branqueamento  da 
roupa.  Prieur  conseguiu  fixar  o  verde  e  o  azul,  que, 
antes  da  sua  descoberta,  mudavam  ao  contacto  do  ar. 
Darracq  aperfeiçoou  a  fabricação  do  alcatrão.  De- 
rosne  serviu-se  do  carvão  para  descolorar.  Os  irmãos 
Gouin  deram  á  côr  da  garança  a  solidez  e  o  brilho 
da    cochenilha.    Leblanc   extraiu   a   soda  do  sal  miari- 


206  A   HISTORIA  ECONÓMICA 


nho,  e  provocou  a  criação,  em  Saint-Denis,  do  pri- 
meiro estabelecimento  destinado  a  fabrical-a.  Brichoz 
e  Leseur  livraram  a  França  da  tutella  da  Inglaterra 
e  da  HoUanda,  quanto  ao  fornecimento  do  alvaiade  e 
do  branco  de  chumbo.  Vauquelin  poz  em  circulação 
um  novo  metal  —  o  chromo,  e  Darcet  e  Decroos  expe- 
diram para  toda  a  Europa  os  sabões  de  ioilette,  que 
a  França  primeiramente  pedia  á  Inglaterra.  E,  gra- 
ças ás  descobertas  de  Brongniart  e  de  muitos  outros 
sábios  instruidos  na  sua  escola,  a  faiança,  a  louça 
de  barro  e  o  crystal  desinvolveram-se  e  aperfeiçoa- 
ram-se,  dando  alimento  a  uma  centena  de  fabricas, 
tanto  em  Paris  como  nas  provincias. 

Na  industria,  Velther  ajuntou  aos  productos  de  algo- 
dão já  existentes,  os  fustões,  as  cambraias  e  os  tulles. 
Charlieu  e  Morainville  inventaram  apparelhos  idênticos, 
o  primeiro  para  a  lã  e  o  segundo  para  o  linho.  Em  relo- 
joaria, houve  progressos  notáveis  sob  a  direcção  de  Bre- 
guet,  de  Pons,  de  Lepaute  e  de  Robin,  entretanto  que 
Rebours  e  Cauchois  dedicavam  os  seus  cuidados  á  cons- 
trucção  de  lunetas,  e  Jecker  á  dos  instrumentos  de  óptica. 

As  cordas  foram  melhoradas  pelo  duque  de  Roche- 
foucauld.  Conte  deu  á  industria  dos  lápis  um  desinvol- 
vimento  rápido,  que  lhe  permittiu  tirar  o  monopólio 
d*elles  á  Inglaterra.  Darcet  pae  e  Proust,  com  o  auxilio  do 
vapor,  reduziram  os  ossos  a  massa  liquida;  e  também  com 
os  ossos,  Darcet,  filho,  compunha  a  gelatina  em  folhas 
destinadas  ao  decalque  dos  desenhos.  Emfim,  Argand 
desinvolveu  a  illuminação,  introduzindo  uma  corrente 
de  ar  na  torcida  dos  candieiros,  entretanto  que  Zuinquet, 
Carcel  e  Bordier  entregaram  ao  consumo  novos  can- 
dieiros, ainda  mais  luminosos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  207 


O  desinvolvimento  da  França,  levantou  o  ciúme  dos 
Inglezes;  e,  quando  Napoleão,  em  1804,  começou  a 
promulgar  um  pauta,  cujos  direitos  affectavam  directa- 
mente a  Inglaterra,  esta  respondeu,  fechando  todos  os 
seus  portos  aos  navios  de  França;  sujeitando  também 
os  navios  das  potencias  neutraes  á  visita  dos  seus  cru- 
zadores,  a  ver  se  levavam  productos  francezes ;  e  deci- 
dindo que  as  contravenções  seriam  julgadas  e  punidas 
nos  portos  britânicos. 

Resultou  d'ahi  o  bloqueio  continental,  decretado  por 
Napoleão,  em  Berlim,  em  1806,  pelo  qual  eram  prohibi- 
das  todas  as  trocas  e  todas  as  communicações  com  a 
Inglaterra.  Esse  bloqueio  foi  imposto,  não  somente  á 
França,  mas  também  aos  paizes  alliados  ou  occupados 
pelos  exércitos  francezes,  taes  como  a  Hollanda,  a  Hes- 
panha,  Nápoles,  Áustria,  o  reino  da  Etruria,  a  Prússia, 
AUemanha  e  outros  Estados. 

Unicamente  a  Rússia  e  a  Suécia,  então  em  paz  com 
Napoleão,  é  que  representavam  o  principio  da  neutra- 
lidade; e,  ainda  assim,  o  imperador,  temendo  que  os 
navios  d'essas  potencias  servissem  ao  contrabando,  pro- 
mulgou em  Milão,  a  17  de  setembro  de  1807,  um  decreto, 
completando  as  disposições  precedentes,  e  determinando 
que  todo  o  navio,  qualquer  que  fosse  a  nação  a  que  per- 
tencesse, quando  tivesse  soffrido  a  visita  de  um  navio 
inglez,  ou  tivesse  effectuado  uma  viagem  á  Inglaterra, 
ou  mesmo  que  tivesse  soffrido  qualquer  imposição  do 
Governo  inglez,  seria  desnatar  alisado  e  considerado 
como  propriedade  ingleza,  e,  por  consequência,  como 
objecto  de  boa  presa.  E  isto  mesmo  se  daria  com 
todo  o  navio  expedido  dos  portos  inglezes  ou  colónias 
inglezas. 


208  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Esse  bloqueio  continental  causou  á  França  grandes 
prejuízos;  mas  causou  muitos  mais  á  Inglaterra,  ao 
passo  que  aproveitaram  com  elle  algumas  outras  nações 
da  Europa,  como  veremos. 

Com  effeito,  na  França,  a  falta  de  matérias  primas 
e  productos  industriaes,  que  até  então  eram  fornecidos 
pelos  Inglezes,  fez  despertar  a  fermentação  de  novos 
productos  e  novas  industrias,  como  já  vimos;  e  o 
augmento  do  commercio  continental  compensou  em  parte 
a  carência  do  commercio  maritimo.  As  próprias  neces- 
sidades da  vida  interior  e  a  diminuição  de  productos 
exteriores  que  resultaram  d'esse  bloqueio,  obrigaram  a 
maiores  exforços  para  a  sustentação  da  vida  nacional. 

Porisso,  a  agricultura  realisou  grandes  melhoramen- 
tos. O  vinho,  o  trigo  e  a  batata  cobriram  espaços 
maiores.  A  fiação  de  algodão  augmentou  as  suas  ma- 
quinas, e  melhorou  e  cresceu  consideravelmente.  Por 
outro  lado,  pelo  impulso  de  Napoleão,  que  tinha  decre- 
tado o  premio  de  um  milhão  de  francos  ao  artista  que 
inventasse  uma  maquina  capaz  de  fazer  para  o  linho 
aquillo  que  Arkwrigt  havia  feito  na  Inglaterra  para  o 
algodão  ^,  FiHppe  de  Girard,  dotava  a  França  de  uma 
admirável  maquina,  por  meio  da  qual  convertia  o  linho 
em  fios  da  maior  finura:  o  que  fez  também  augmentéu- 
muito  os  demais  productos  linheiros,  como  teias  ordi- 
nárias, teias  superiores  e  rendas.  As  sedas  e  pannos 
progrediram  egualmente. 

A  primeira  d'estas  industrias  tinha  quasi  dobrado, 
em  1812,  e  a  dos  pannos,  obrigando  a  imitar  as  maqui- 


1     Vide  vol.  IV,  pags.  82,  687  e  688. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  209 


nas  inglezas,  quanto  ao  aperfeiçoamento,  e  a  inventar 
novas  maquinas  para  a  frisadura,  tinha  também  melho- 
rado sensivelmente. 

A  suppressão  das  jurandas  e  mestrias  e  dos  regfula- 
mentos  relativos  á  fabricação  tinha  permittido  aos 
estabelecimentos  do  Elbeuf  e  Darnetal  fabricar  vinte 
qualidades  differentes  de  pannos,  em  vez  de  uma  só 
qualidade,    que    outr'ora    as    corporações    prescreviam. 

A  chymica,  devido  ao  génio  de  Lavoisier,  tinha 
podido  supprir  no  mercado  nacional  muitos  géneros  da 
índia  e  das  Antilhas,  que  as  leis  prohibitivas  do  império 
afastavam  dos  mercados  francezes.  A  descoberta  do 
acido  muriatico  pelo  sueco  Scheele,  e  o  seu  aperfei- 
çoamento por  Berthollet  e  Chaptal,  deram  á  fabricação 
do  papel  um  immenso  desinvolvimento.  Succedeu-se 
depois  a  composição  dos  ácidos  nitricos,  do  nitro-muria- 
tico,  do  amoniaco,  antes  d'isso  importado  do  Egypto,  do 
alun  artificial,  composto  por  Chaptal,  e  que,  substituindo 
vantajosamente  o  alun  de  minas,  deu  logar  a  um  grande 
commercio,  quasi  de  seis  milhões  de  francos  por  anno; 
e  bem  assim  a  composição  da  caparosa,  das  prepara- 
ções mercuriaes,  das  cores  consideradas  até  então  inen- 
contraveis,  a  não  ser  no  oriente,  e  do  anil  e  garança. 

A  arte  da  tinturaria,  que  não  passa  de  uma  serie  de 
operações  chymicas,  tinha  attingido  um  grau  de  perfei- 
ção muito  elevado,  entretanto  que  o  chymico  João 
Raymond  descobria  um  processo  para  fixar  na  seda  a 
côr  do  azul  da  Prússia,  superior  á  do  anil;  e,  augmen- 
tando  com  isso  o  valor  dos  productos  das  manufacturas 
de  Lyon,  fez  que  as  fabricas  de  impressão  sobre  as 
teias  de  Hnho  chegassem  a  dar  o  vermelho  da  garança 
sobre  o  algodão,  de  uma  beleza  rara.    E  a  tintura  do 

Volume  VI  14 


210  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


algodão,  que  era  apenas  conhecida  em  França  no 
momento  da  revolução,  estendia-se  a  todas  as  cores,  e 
até  dava  aos  tecidos  imitados  da  índia,  taes  como 
o  nankin,  as  nuances  que  tornam  tão  estimados  os 
estofos  d'esse  paiz. 

A  decomposição  do  sal  marinho  conduziu  á  des- 
coberta da  soda,  necessária  ás  saboarias,  vidrarias, 
branqueamentos  e  tinturarias. 

O  assucar  de  canna  deixara  de  ser  importado,  em 
consequência  do  bloqueio  dos  portos  pela  Inglaterra. 
Mas  o  assucar  da  beterraba  o  substituiu;  e  o  aperfeiçoa- 
mento dos  processos  empregados  foi  tal  que,  em  1811, 
um  chymico,  M.  Barruel,  offereceu  ao  imperador  alguns 
quintaes  d'esse  assucar  de  beterraba,  que  custava  a 
distinguir  do  assucar  de  canna. 

A  vidraria,  a  cerâmica,  a  curtimenta,  a  industria  das 
armas  e  do  ferro  desinvolveram-se  egualmente,  sob  a 
pressão  das  necessidades.  Baccarat  e  perto  de  duzentas 
vidrarias  de  toda  a  natureza  surgiram  vigorosas,  durante 
o  periodo  do  bloqueio  continental. 

E,  na  metallurgia,  os  progressos  excederam  os  de 
todas  as  outras  industrias;  de  modo  que,  em  1812,  o 
desinvolvimento  havia  augmentado  cinco  vezes  mais  que 
antes  da  revolução  ^. 

Apesar  de  tudo  isto,  a  França,  como  já  dissemos, 
soffreu  muito  com  o  bloqueio,  embora  não  fosse  tanto 
como  a  Inglaterra;  porque  esta,  perseguida  por  toda  a 
parte,  e  espiada  pelos  cruzadores  dos  Estados  ligados 
contra  ella,  que  repelliam  o  seu  commercio,  tomavam-lhe 


1     Noel,  obr.  cit. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  211 


OS  navios  e  queimavam-lhe  as  mercadorias,  assistia 
impotente  á  accumulação  dos  seus  stocks  industriaes  e 
commerciaes;  e  via  os  seus  mercados  sem  negocio 
e  os  seus  operário  sem  trabalho,  reduzidos  á  fome;  as 
suas  casas  commerciaes  desapparecerem  ás  centenas, 
em  fallencias  successivas;  e  a  miséria  lançar  o  espanto 
nas  suas  populações  desesperadas. 

Mas,  por  outro  lado,  tanto  a  França  como  os  paizes 
coUigados  não  tinham  livre  saida  para  os  seus  pro- 
ductos ;  e  a  exportação  dos  g-eneros  agrícolas,  de  que 
a  agricultura  franceza  quasi  que  tivera  o  monopólio, 
havia  soffrido  uma  grande  diminuição.  Falharam  os 
artigos  coloniaes,  e  a  marinha  ingleza  tinha  impedido 
o  commercio  ultramarino. 

Alem  d'isso,  para  prevenir  o  contrabando,  o  Governo 
francez  foi  obrigado  a  guarnecer  as  fronteiras  com  um 
exercito  aduaneiro,  cujo  custeio  era  muito  dispendioso, 
e  de  cada  vez  se  tornava  insufficiente,  pelo  desinvolvi- 
mento  crescente  do  mesmo  contrabando:  o  que  também 
inutiHsava  em  parte  aquelle  bloqueio  nos  seus  peiores 
effeitos  contra  a  Inglaterra  ^. 

E  a  tudo  isto,  que  já  enfraquecia  o  movimento 
económico  da  França,  ou,  pelo  menos,  impedia  o  vôo 
natural  de  tantas  descobertas,  as  guerras  successivas, 
que  roubavam  muitos  braços  á  agricultura,  ao  commer- 
cio e  á  industria,  exigiam  grandes  despesas  e  pesados 
impostos,  e  traziam  alterado  o  socego  interno,  que  é 
uma  das  condições  impreteriveis  de  todo  o  movimento 
económico. 


1     Noel,   obr.  cit. 


212  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  restauração  não  seguiu  a  politica  livre-cambista 
que  Turgot  tinha  querido  inaugurar,  e  que,  um  pouco 
mais  tarde,  a  Assembíea  Nacional  Constituinte  quiz 
também  adoptar.  E,  pelo  contrario,  esforçou-se  por 
defender  os  proprietários,  os  agricultores  e,  sobretudo, 
os  productores  do  trigo  contra  a  concorrência  dos 
géneros  estrangeiros.  Imitava,  assim,  os  conservadores 
inglezes,  que,  para  serem  agradáveis  aos  lords,  proprie- 
tários de  grandes  dominios,  estabeleceram  na  Inglaterra 
consideráveis  direitos  aduaneiros. 

N'este  sentido,  uma  primeira  lei  de  Luiz  XVIII  car- 
regou os  trigos  estrangeiros  do  direito  de  0,50  fr.  por 
quintal  (25  de  abril  de  1816),  o  que,  ainda  assim,  repre- 
sentava uma  taxa  muito  moderada.  Mas  logo  uma 
segunda  lei  estabeleceu  a  escala  movei,  que  augmentava 
e  diminuia  os  direitos,  conforme  a  colheita  era  melhor 
ou  peior  em  França  (16  de  julho  de  1819). 

Depois  de  ter  protegido  a  agricultura,  a  restauração 
quiz  dar  também  satisfação  ás  reclamações  dos  indus- 
triaes;  e,  porisso,  os  donos  das  forjas,  que  continuavam 
a  fazer  as  fundições  com  o  carvão  de  lenha,  e  que  não 
podiam  sustentar  a  concorrência  dos  altos  fornos  ingle- 
zes, obtiveram  um  direito  de  entrada,  que  foi  até  170 
por  cento.  E  todos  os  productos  estrangeiros  —  assuca- 
res,  couros,  sedas,  casimiras,  etc,  foram  egualmente 
onerados. 

A  consequência  d'aquellas  primeiras  medidas  foi  a 
carestia  extraordinária  do  preço  do  pão,  que  se  tornou 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  213 


mesmo  inabordável  para  uma  grande  classe  da  popula- 
ção. Mas  ellas  favoreceram  muito  a  cultura,  de  modo 
que  o  numero  dos  hectares  semeados  passou  de  quatro 
milhões,  em  1815,  para  cinco  milhões,  em  1830. 

O  commercio,  altamente  prejudicado  pelo  bloqueio 
continental,  levantou-se  naturalmente  alguma  coisa,  nos 
primeiros  annos  da  restauração,  graças  á  paz  da  nação. 

A  industria  desinvolveu-se  também,  mercê  dos  pro- 
gressos scientificos.  Affirmou-se  o  credito  do  Estado, 
e  o  regimen  fiscal  não  foi  aggravado. 

E,  assim,  o  Governo  chegou  a  estabelecer  a  ordem 
nas  finanças,  a  confiança  no  credito,  a  levantar  a  agri- 
cultura e  a  defender  a  industria  ^. 

Aconteceu,  porém,  depois  d'isso,  que  as  nações 
estrangeiras  usaram  de  represálias  aduaneiras  contra  a 
França,  estabelecendo  também  um  regimen  restrictivo, 
a  respeito  de  muitos  productos  francezes,  o  que  veiu 
por  fim  a  tornar  embaraçosa  a  expansão  económica  do 
paiz.  E,  para  que  esta  expansão  pudesse  alargar-se 
livremente,  era  necessário  que  a  nação  entrasse  também 
n'um  regimen  económico  de  liberdade,  o  que  não  acon- 
teceu. 


O  Governo  de  Julho,  que  succedeu  á  restauração, 
tinha  tendências  liberaes.  E,  apar  d'isso,  o  exemplo  da 
Allemanha,  organisando  o  Zolverein,  essa  vasta  sociedade 


1     J.  A.  Bernard,  Histoiíe  Contemporaine  de  1815  A  Nos  Jours. 


214  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


mercantil  que  uniu  os  Allemães  n'unia  associação  econó- 
mica liberal,  abolindo  as  alfandegas  interiores,  estabe- 
lecendo a  communhão  de  interesses,  e  alliviando  enor- 
memente os  encargos  aduaneiros,  da  qual  associação 
f aliaremos  no  capitulo  VI;  e,  também,  ao  mesmo  tempo, 
o  exemplo  da  Inglaterra,  que  passara,  então,  a  refazer  a 
sua  legislação  commercial  e  industrial  n'um  sentido  libe- 
ral: reflectiram-se  grandemente  não  somente  em  França, 
mas  por  toda  a  Europa.  N'este  sentido,  Luiz  Filippe 
algumas  medidas  livre-cambistas  abraçou,  e  alguns  im- 
postos aboliu.  Mas  a  opposição  do  próprio  parlamento, 
onde  preponderavam  os  conservadores,  e,  portanto,  os 
proteccionistas,  foi  tal  que  o  rei  teve  de  regressar  ás 
medidas  restrictivas. 

Em  todo  o  caso,  o  reinado  de  Luiz  Filippe  tornou-se 
pacifico  por  excellencia.  A  agricultura  foi  favorecida, 
e  o  commercio  e  a  industria  seguiram  o  movimento 
ascencional,  já  inaugurado  pela  restauração.  O  numero 
das  maquinas,  sempre  crescente,  deu  uma  expansão 
extraordinária  ás  artes  industriaes.  O  desinvolvimento 
das  estradas  e  dos  caminhos  de  ferro  augmentou  as 
communicações,  e  favoreceu  as  trocas.  Proseguiram 
com  actividade  os  trabalhos  públicos.  Introduziram-se 
grandes  adoçamentos  nas  penalidades.  Apagou-se  da 
legislação  criminal  a  pena  da  golilha,  e  a  mutilação  do 
punho  para  os  parricidas;  e  admittiu-se  o  beneficio  das 
attenuantes.  E  a  lei  de  1832,  que  obrigou  cada  com- 
muna  a  ter  uma  escola,  contribuiu  grandemente  para  a 
instrucção  popular. 

No  commercio,  é  que,  pelo  systema  protector,  o 
desinvolvimento  foi  menos  considerável  que  nos  outros 
factores  económicos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  215 

* 

Com  a  revolução  de  fevereiro  de  1848,  as  ideias  da 
livre  concorrência  e  livre  cambio,  que  iam  de  harmonia 
com  a  theoria  da  fraternidade  dos  povos,  proclamada 
pelos  socialistas,  circularam  com  mais  força  do  que 
nunca;  e,  ao  mesmo  tempo,  a  victoria  alcançada  na 
Inglaterra  a  favor  da  liberdade  dos  cereaes  ^  influiu 
também  sobre  a  propagação  d'essas  ideias. 

O  novo  Governo,  porém,  estava  em  más  condições 
para  corresponder  ás  esperanças  do  povo;  porque  era 
composto  mais  de  utopistas  e  revolucionários  de  profis- 
são que  de  homens  de  Estado.  E,  durante  os  quatro 
annos  que  esteve  no  poder,  não  fez  mais  que  agitar  o 
paiz,  irritar  os  camponezes,  pelo  lançamento  de  impostos 
pesados  e  impopulares,  e  pela  consolidação  arbitraria 
dos  fundos  que  estavam  nas  caixas  económicas,  e  ater- 
rar as  cidades,  proclamando  o  direito  ao  trabalho  em 
favor  do  operário,  perturbando  os  interesses,  e  impondo 
ao  Estado  a  obrigação  de  fornecer  meios  de  subsistên- 
cia aos  indigentes,  incapazes  e  enfermos.  E,  alem  disso, 
a  criação  de  ateliers  nacionaes,  decretada,  em  26  de 
fevereiro  de  1848,  sob  a  pressão  de  Luis  Blanc,  abriu 
o  caminho  ás  desordens  da  rua;  e  logo,  desde  o  fim 
d'abril  d'esse  anno,  mais  de  100  mil  homens  embriaga- 
dos, divididos  por  esquadras  e  sustentados  pelo  thesouro, 
constituiram  um  exercito  de  sediciosos,  que  ia  pôr  em 
perigo  a  sociedade  e  a  fortuna  publica. 


1     Vide  capitulo  V. 


216  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


E,  no  meio  de  tudo  isto,  a  assemblea  constituinte, 
composta  de  gfrandes  capitalistas  e  g^randes  industriaes, 
para  os  quaes  a  protecção  pautal  parecia  uma  necessi- 
dade de  existência,  não  alargou  as  restricções  aduaneiras 
do  commercio.  Na  assemblea  legislativa,  Saint  Beuve, 
fazendo-se  ecco  das  aspirações  livre-cambistas,  propoz  a 
abolição  d'essas  restricções.  Mas  essa  proposta,  com- 
batida fortemente  por  Thiers,  que  se  tornou  o  campeão 
inabalável  da  protecção  commercial,  foi  regeitada  por 
uma  grande  maioria. 


Todas  estas  circumstancias,  conjugadas  com  as  agi- 
tações socialistas  d'essa  segunda  republica,  travaram 
o  desinvolvimento  económico  da  França. 

A  situação  financeira  tinha-se  resentido  fortemente 
das  perturbações  de  fevereiro,  e  a  maior  parte  dos 
ramos  da  actividade  nacional  tinham  sido  profunda- 
mente abalados.  Stocks  consideráveis  de  mercadorias 
estavam  por  vender.  O  Governo  provisório  tinha  jul- 
gado que  faria  diminuir  a  accumulação,  fechando  os 
mercados  interiores  aos  productos  similares  estrangei- 
ros. E,  como  vimos,  a  assemblea  constituinte  e  legislativa 
persistiram  no  mesmo  systema. 

Tudo  isso  aggravou,  como  já  fizemos  sentir,  a  situa- 
ção económica,  e  prejudicou  o  desinvolvimento  commer- 
cial da  França  n'essa  época. 

Mas  tudo  mudou  com  o  império  de  Napoleão  III, 
que,  tendo  estado  na  Inglaterra,  onde  assistira  ás  luctas 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  217 


travadas  contra  o  systema  proteccionista,  e  á  victoria 
alcançada  pelos  livre-cambistas,  vinha  imbuido  d'essas 
ideias  liberaes. 

Porisso,  logo  se  mostrou  propenso  a  introduzir  na 
França  a  reforma  económica  da  Inglaterra. 

Começou  pela  promulgação  de  varias  medidas  livre- 
cambistas,  e  tentou  mesmo  abolir  todas  as  prohibições 
ainda  em  vigor.  Mas  encontrou  uma  opposição  tão 
grande,  e  tão  forte  alarme  nacional  se  levantou,  que 
teve  de  parar;  até  que,  por  fim,  pelo  tratado  commercial 
com  a  Inglaterra  de  23  de  janeiro  1860,  foi  estabelecido 
o  livre-cambio  entre  os  dois  paizes. 

Já  as  primeiras  medidas  liberaes  de  Napoleão  tinham 
feito  alargar  enormemente  o  movimento  económico  da 
França;  e  esse  tratado  deu-lhe  ainda  mais  amplo  vôo. 
E  d*elle  se  seguiu  também  a  generalisação  do  regimen 
de  convenções  commerciaes. 

Com  effeito,  esse  exemplo  dos  dois  paizes  que,  pelos 
seus  capitães,  industria  e  commercio,  tinham,  por  assim 
dizer,  alimentado  o  mundo  inteiro,  foi  promptamente 
seguido  por  muitos  outros.  A  primeira  convenção  fran- 
ceza  d'esse  género  foi  com  a  Bélgica,  em  1861.  Depois, 
com  o  Zolverein,  em  1862;  com  a  Itália,  em  1863;  e 
seguidamente  com  a  Suissa,  Suécia,  Noruega,  cidades 
hanseaticas,  Hespanha,  Paizes  Baixos  e  Áustria.  E  essas 
convenções,  estabelecendo  o  intercambio  mercantil,  fize- 
ram dar  ao  movimento  transaccional  da  França  um 
grande  adiantamento. 

As  industrias  alargaram-se  e  multiplicaram-se  por 
toda  a  parte;  e  apesar  dos  esforços  que  os  Francezes 
já  tinham  feito,  desde  1858  a  1861,  para  corresponderem 
ás  exigências  da  sua  clientella  interior  e  exterior,  che- 


218  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


garam  com  difficuldade  a  satisfazel-a.  No  interior,  a 
prosperidade  accusava  um  acréscimo  de  bem-estar  em 
todas  as  classes  da  sociedade;  e,  no  exterior,  as  trocas 
progrediam  com  uma  rapidez  superior  á  dos  periodos 
antecedentes. 

N'esta  marcha  ascencional,  todas  as  industrias,  sem 
excepção,  figuravam  com  honra.  A  exploração  e  expor- 
tação das  matérias  primas,  os  algodões,  as  lans,  os 
linhos,  as  sedas,  as  pelles  brutas  e  as  hulhas  consti- 
tuiam  artigos  principaes  do  commercio. 

A  industria  manufactora,  por  sua  vez,  metamor- 
foseou-se.  E  a  reforma  aduaneira,  sobrevindo  quasi 
simultaneamente  com  a  diffusão  das  maquinas  e  com  o 
aperfeiçoamento  das  sciencias  mecânicas,  tinha  feito 
nascer  no  dominio  da  producção  uma  organisação 
económica  nova,  que  teve  enorme  influencia  no  regi- 
men social. 

A  grande  industria  com  as  suas  gigantescas  fabricas, 
cujo  funccionamento  provocava  e  facilitava  as  agglome- 
rações  operarias,  e  abaixava  os  preços  da  mão  de  obra, 
dominou  geralmente. 

Sobretudo,  os  objectos  de  grande  consumo,  tinham 
tomado  um  vôo  rápido;  e,  entretanto  que  as  necessida- 
des interiores  achavam  no  abaixamento  dos  preços  um 
estimulo  para  o  augmento  das  compras,  a  exportação, 
criando  novos  desembocadouros  no  estrangeiro,  augmen- 
tava  também  consideravelmente. 

Resultados  análogos  se  patentearam  na  agricultura, 
apesar  de  que  as  legislações  anteriores  tinham  errada- 
mente profetisado  a  decadência  no  regimen  da  liberdade. 

A  viticultura  é  que  mais  se  distinguiu  n'essa  pros- 
peridade.   E    o    commercio   dos   vinhos   e   aguardentes 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  219 


tornou-se  também  muito  superior  ao  dos  annos  que 
precederam  a  liberdade  commercial.  Augmentou  eguaU 
mente  a  fabricação  do  assucar  nacional.  Finalmente,  a 
navegação,  os  transportes  e  o  trafico  maritimo  acompa- 
nharam esse  movimento  ascendente,  influindo  também, 
de  per  si,  no  progresso  dos  outros  factores. 


* 
* 


A  guerra  com  a  AUemanha,  de  1870,  abateu  provi- 
soriamente o  movimento  económico  da  França,  em  conse- 
quência dos  destroços  da  lucta  e  da  enorme  indemnisação 
que  os  Francezes  tiveram  de  pagar  aos  Allemães.  Mas, 
tendo  ella  sido  paga  em  breve  termo,  o  paiz  restabele- 
ceu-se  depressa;  e  até  o  fim  do  século  continuou  pro- 
gredindo, n'uma  grande  escala  ascendente. 

Para  se  ver  isso,  basta  comparar  os  seguintes  ele- 
mentos : 

A  França,  que,  em  1850,  só  colhia  75  milhões  de 
hectolitros  de  trigo,  no  fim  do  século,  produzia  108;  e  a 
superficie  arável,  que,  em  1870,  era  de  6:857.152  d'hecta- 
res,  no  fim  do  século,  era  de  6:986.628. 

A  cultura  da  batata  augmentou  também  prodigiosa- 
mente. E  a  beterraba  que,  em  1876,  occupava  529.000 
hectares,  em  1892,  occupava  já  615.000. 

A  cultura  de  algumas  outras  plantas  industriaes  e  a 
das  plantas  tinturiaes  é  que  diminuiu. 

Assim,  o  linho  e  o  cânhamo  foram  occupando  uma 
superficie  cada  vez  mais  restricta;  não  porque  o  solo 
francez  fosse  impróprio,  mas  porque  diminuiu  muito  o 


220  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


consumo,  depois  que  foram  decaindo  certas  industrias, 
como  a  fabricação  das  velas,  cordas  e  cabos;  e  porque, 
apar  d'isso,  o  commercio  exterior  importava  esses  géne- 
ros em  muito  boa  conta,  fazendo  impossivel  a  concor- 
rência da  producção  nacional. 

Quanto  aos  productos  tinturaes,  g^arança,  gauda,  pas- 
tel e  açafrão,  também  a  concorrência  irresistivel  dos  pro- 
ductos chymicos,  derivados  da  hulha  e  de  outras  substan- 
cias, bem  como  a  concorrência  das  matérias  tinturaes 
das  colónias,  prejudicou  egualmente  muito  essa  cultura. 

E,  com  relação  ás  plantas  oleosas,  cujas  sementes 
eram  empregadas  na  fabricação  dos  azeites  ou  dos  óleos, 
aconteceu  a  mesma  coisa;  pois  que,  por  um  lado,  o 
estrangeiro  importava  estas  sementes  em  grande  quan- 
tidade e  boa  conta  nos  mercados  francezes;  e,  por  outro 
lado,  o  consumo  dos  azeites  vegetaes  de  illuminação 
diminuirá  perante  os  progressos  do  óleo  mineral,  petró- 
leo, gaz   e  outros  productos,  que  dão  luz  mais  barata. 

E  com  a  colza  e  o  nabo  silvestre  aconteceu  também 
a  mesma  coisa  \ 


Sobre  os  productos  próprios  do  solo  francez,  remon- 
tamo-nos  ao  que  já  dissemos  no  volume  V,  paginas  97 
e  seguintes. 

E  quanto  ás  industrias,  d'este  periodo,  no  reino  mine- 
ral, a  producção  da  hulha  que,  em  1870  era  de  13:330.000 


^     Mareei  Dubois  e  J.  E.   Kergomard,  obr.  cit. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  221 


toneladas,  em  1893,  era  de  25:173.000.  A  producção  do 
ferro,  que,  em  1873,  era  de  3:051.000  toneladas,  em  1893, 
era  de  3:517.000;  e  análogo  prog-resso  se  deu  nos  outros 
mineraes.  E  a  fundição  dos  minérios  e  dos  metaes,  que, 
em  1870,  dava  1:381.000,  em  1893,  ascendia  a  2:003.000; 
sendo  a  fabricação  do  aço  a  que  mais  progressos  fez. 

Também  nas  outras  industrias  se  accentuou  egual 
adiantamento. 

Por  exemplo,  na  industria  derivada  dos  productos 
veg-etaes,  a  producção  do  assucar  de  beterraba  refi- 
nado augmentou,  de  modo  que  o  seu  consumo  era, 
em  1873,  de  259:717.427  kilogrammas,  e  em  1893, 
de  576:000.000. 

Em  todo  o  caso,  depois  que  a  França,  pela  guerra 
de  1870  com  a  Allemanha,  perdeu  as  minas  de  hulha 
do  Sarre,  aconteceu  que  os  concorrentes  d'ella,  pelo 
menos,  os  AUemães,  os  Belgas  e  os  Inglezes,  ficaram 
tendo  hulha  em  maior  abundância  e  mais  barata;  de 
maneira  que,  n'esse  ponto,  a  lucta  contra  a  concorrência 
metallurgica  dos  estrangeiros  tornou-se  difficil. 

E  não  foi,  somente  pela  falta  da  hulha,  que  a  indus- 
tria metallurgica  não  pôde  luctar  contra  os  estrangeiros. 
Accrescia  também  que  apenas  o  ferro  é  que  podia 
encontrar-se  em  quantidade  sufficiente  e  em  boa  conta; 
pois  o  cobre,  o  estanho  e  o  zinco,  etc,  eram  importa- 
dos de  fora.  E  vinham,  assim,  accumulados  de  dois  ónus 
que  tornavam  a  mercadoria  mais  pesada,  a  saber:  o 
ónus  que  provinha  do  lucro  dos  donos  d'esses  materiaes, 
e  o  dos  intermediários  ^. 


^     Mareei  Dubois  e  Kergomard,  obr.  cit. 


222  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Foi,  por  isso, que  a  França  voltou  ao  systema  pro- 
tector, pela  pauta  de  1892. 

Enumerar  todas  as  industrias  practicadas  em  mais 
de  150  mil  fabricas  e  manufacturas  da  França,  seria, 
como  expõe  E.  Reclus,  resumir  o  trabalho  humano.  E, 
como  também  diz  o  mesmo  auctor,  só  a  principal  fabri- 
cação—  a  das  matérias  textis  occupava  mais  de  dois 
milhões  de  operários.  Para  a  seda,  a  França  tinha  o 
primeiro  logar  entre  as  nações.  Para  as  lans,  pannos, 
tapetes  e  flanellas,  disputava  a  superioridade  á  Ingla- 
terra. Para  a  fiação  e  tecidos  de  algodão,  a  sua  pro- 
ducção,  cinco  vezes  mais  fraca  do  que  a  ingleza,  e 
mais  fraca  também  que  a  dos  Estados  Unidos,  preferia, 
pela  qualidade  dos  seus  tecidos,  a  todos  os  paizes  do 
continente,  e  mesmo  á  Inglaterra.  As  rendas  egua- 
lavam  em  valor  as  de  todos  os  outros  paizes.  Emfim, 
as  manufacturas  de  tecidos,  cânhamo,  juta,  e,  sobre- 
tudo, de  fibras  misturadas,  eram  também  muito  impor- 
tantes. 

Em  todo  o  caso,  uma  revista  geral  de  todas  as 
industrias  francezas,  especialmente,  na  ultima  época, 
isto  é,  desde  1870  até  o  fim  do  século,  leva  a  cons- 
tatar que  as  provincias  do  norte  e  nordeste  foram  as 
mais  activas.  No  departamento  do  Norte,  sobretudo, 
a  riqueza  hulheira  produziu  uma  agglomeração  de 
productos  de  toda  a  ordem.  Foi  a  zona  industrial 
por  excellencia.  Podem  também  citar-se,  especialmente, 
as  differentes  regiões  hulheiras  em  volta  do  macisso 
central. 

Tratando  dos  centros  principaes,  nós  veremos, 
então,  especificadamente,  a  expansão  da  industria  fran- 
ceza. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  223 


O  commercio  da  França,  absolutamente  fallando, 
augmentou  muito  n'este  século  XIX,  a  ponto  de  que 
ella  se  tornou  uma  das  primeiras  potencias  commer- 
ciaes  do  mundo.  No  fim  do  século,  só  tinha  acima 
de  si  a  Inglaterra,  a  Allemanha  e  os  Estados  Unidos; 
mas,  em  todo  o  caso,  foi  elle  diminuindo  alguma 
coisa  nos  últimos  annos.  E'  que  todos  os  vizinhos 
tratavam  de  se  tornar  cada  vez  mais  independen- 
tes dos  Francezes,  fabricando  tudo  o  que  lhes  era 
necessário,  imitando  mesmo  os  objectos  preparados 
em  França,  e  até  copiando-os  servilmente,  em  vez  de 
os  comprarem. 

E,  depois,  o  desinvolvimento  social  geral,  a  faci- 
lidade das  correspondências  e  a  abundância  de  infor- 
mações tornaram  cada  vez  menos  circunscriptas  as 
invenções,  e  menos  efficazes  os  processos  ingenhosos 
do  estylo  e  da  arte,  que  sempre  teem  honrado  a  indus- 
tria franceza. 

Assim,  desde  que  se  dava  qualquer  invenção,  tor- 
nava-se  logo  presa  de  todo  o  mundo;  e  o  privilegio  que 
resultava  da  marcha  distinctiva  de  cada  nação,  tornava-se 
também  matéria  indifferente.  De  modo  que  os  Estados 
mais  favorecidos  n'esta  lucta  ardente  foram  aquelles  que 
tinham  em  abundância  matérias  primas,  como  a  hulha 
e  os  metaes. 

Ora  os  Estados  Unidos  teem  o  sufficiente  para  si, 
e  concentravam-se  também  em  si  próprios,  repudiando 


224  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


por  meio  de  impostos  enormes,  os  objectos  de  fabrica- 
ção estrangeira.  A  Inglaterra  era  obrigada  a  pedir  fora 
alguns  productos,  especialmente,  objectos  de  alimenta- 
ção. Mas,  apesar  d'isto,  o  seu  império  colonial,  repar- 
tido por  todas  as  latitudes,  é  tão  independente  como 
os  Estados  Unidos,  e  possue  os  mesmos  elementos  de 
prosperidade  natural. 

A  Allemanha  deveu  a  prosperidade  crescente  da 
sua  industria  e  do  seu  commercio  aos  esforços  da  intel- 
ligencia  e  diplomacia,  e  tinha  também  grande  riqueza 
em  hulha  e  metaes.  E,  ao  passo  que  mais  se  enriqueceu 
com  as  bacias  hulheiras  do  Sarre,  que,  pela  paz  de 
Francfort  de  1871,  tirou  á  França,  esta  soffreu,  n'esse 
ponto,  um  grande  desastre. 

Por  tudo  isto,  é  que  a  França  apezar  de  occupar 
no  fim  do  século  o  quarto  logar  entre  os  grandes  paizes 
commerciaes  do  mundo,  tinha  sentido  uma  certa  dimi- 
nuição no  seu  movimento  mercantil. 

As  importações  consistiam,  principalmente,  em  maté- 
rias primas  necessárias  á  industria  (hulha,  sedas,  lans, 
algodões,  couros).  Os  objectos  alimentares  vinham 
em  seguida.  E  os  productos  fabricados  occupavam  a 
ultima  classe. 

Na  exportação,  pelo  contrario,  os  objectos  fabrica- 
dos occupavam  o  primeiro  logar,  e  a  exportação  dos 
géneros  alimentares  compensava  apenas  n'um  terço  os 
que  vinham  do  estrangeiro. 

Fazia  commercio  com  todo  o  mundo ;  mas  os  paizes 
com  quem  a  França  mais  relações  commerciaes  entreti- 
nha, eram  a  Gran  Bretanha,  a  Bélgica,  a  Allemanha,  os 
Estados  Unidos,  a  Hespanha,  Portugal,  a  Itália,  a  Repu- 
blica Argentina  e  a  Rússia. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  225 


Já  no  volume  V,  pag.  123  e  seguintes,  especificamos 
os  centros  económicos  principaes  da  França,  na  edade 
moderna.  Mas  como  o  tempo  traz  sempre  mudanças, 
vamos  também  especificar  os  principaes  n'este  periodo. 
E  mal  podem  elles  especificar-se,  porque  a  França,  n'esta 
edade  contemporânea,  constituiu  um  immenso  laborató- 
rio por  toda  a  parte  do  seu  paiz. 

Em  todo  o  caso,  devido  á  g-randeza  d'essa  nação  e 
á  influencia  que  ella  exercia  e  tem  exercido  em  Portugal, 
faremos  uma  exposição,  um  pouco  mais  larga  e  mais 
detalhada. 

Logo  no  sul  e  na  região  do  Garonne,  encontra-se 
Tolosa,  que,  já  no  século  XIX,  occupava  por  sua  popu- 
lação o  sexto  logar  entre  as  cidades  de  França.  E'  ahi 
que  se  vinham  interpor  todos  o  géneros  da  rica  planície 
garonnesa.  Sendo  a  primeira  cidade  commercial  do  sul, 
era  também  a  primeira  cidade  industrial,  tendo  fabricas 
de  moagem,  papellarias,  curtimenta,  tabacos,  amidone- 
ria,  serragens,  fundição,  fiação,  etc. 

Seguindo  para  o  norte,  destacava-se  a  cidade  de 
Bordéus.  O  porto  bastava  para  conter  mais  de  mil  navios; 
mas  nem  todos  encontravam  nas  bordas  do  cães  pro- 
fundidade de  agua  sufficiente  para  acostar  á  margem; 
d'onde  resultava  uma  perda  de  tempo  e  dinheiro  con- 
siderável, que  lhe  não  permittia  sustentar  a  concorrência 
com  outros  portos  de  melhores  condições.  Para  reme- 
diar este  inconveniente,  abriu-se  em  Bacalan,  a  jusante 

Volume  VI  15 


226  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


da  cidade,  uma  bacia  de  dez  hectares  de  superfície,  a 
cujo  cães,  n'um  comprimento  de  1.800  metros,  podiam 
ser  acostados  80  navios  collocados  dois  a  dois;  mas, 
infelizmente  essa  bacia,  cuja  profundidade,  segundo  as 
marés,  variava  de  6  metros  a  9  metros,  foi-se  obstruindo 
á  entrada  por  montões  de  vasa,  que  se  renovavam  á 
proporção  que  se  tiravam.  Não  entravam,  porisso,  lá 
navios  de  um  certo  calado,  e,  mesmo  nas  marés  altas,  os 
grandes  navios  não  podiam  sem  perigo  tocar  o  ancora- 
douro. Além  d'isto,  os  bancos  perigosos  do  Gironda 
retardavam,   muitas  vezes,  a  marcha  das  embarcações. 

Apesar,  porém,  d'estas  e  outras  desvantagens,  não 
contando  com  Paris,  era  o  terceiro  porto  de  França  no 
movimento  dos  navios,  e  o  quarto  no  valor  das  trocas. 
No  século  XVIII,  tinha  tido  o  primeiro  lugar. 

Era  ao  commercio  dos  vinhos,  principalmente,  que 
elle  devia  a  importância  considerável  que  Bordéus  alcan- 
çara no  commercio  do  mundo. 

No  golfo  de  Lyão,  Narbonna,  que  chegou  a  ter  no 
século  XIV  200  mil  habitantes,  estava  muito  decaida, 
porque  o  seu  porto  era  impróprio  para  navios  de  grande 
lotação.  Mas,  ainda  assim,  era  bastante  industrial;  e  o 
commercio  de  vinhos  tinha  feito  a  montante  uma  povoa- 
ção tão  industrial  como  a  própria  cidade. 

Beziers,  Pezenas  e  Cette  eram  também  muito  indus- 
triaes. 

Montpellier  não  tinha  uma  industria  tão  activa  como 
já  tivera;  mas,  ainda  assim,  tinha  grande  fabricação  de 
velas,  de  sabões  e  de  colchas  de  lã,  muito  apreciadas, 
sobretudo,  na  America.  Faltava-lhe,  porém,  um  porto 
de  mar.  Tem  porto  de  rio,  mas  esse  apenas  recebia 
barcas. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  227 


Nimes,  a  maior  cidade  mediterrânea,  depois  de 
Marselha  e  Toulon,  tinha  uma  grande  fabricação  de 
chalés,  tapetes,  estofos,  lenços  e  gravatas,  que  occupava 
milhares  de  operários.  Produzia,  sobretudo,  tapetes 
avelludados. 

Em  todo  o  caso,  a  sua  industria  estava  em  decadên- 
cia, pela  concorrência  da  America  e  dos  fabricantes 
de  Ambusson  e  Beauvais,  que  imitavam  muito  bem 
os  productos  de  que  Nimes  tivera  outr'ora  a  especia- 
lidade. 

Marselha,  era  a  metrópole  de  sul  rhodaniano,  e  o 
principal  mercado  de  todo  o  Mediterrâneo.  Possuía 
grandes  fabricas  metallurgicas,  onde  se  trabalhava  em 
mineraes  importados  da  Algéria,  Hespanha,  Itália  e  de 
outras  regiões  estrangeiras.  Para  o  tratamento  do 
chumbo  tinha  mais  importância  que  outra  qualquer 
cidade  de  França.  Moia  os  trigos  que  lhe  expediam 
os  portos  do  Oriente.  Transformava  em  productos 
manufacturados  as  sementes  oleosas  e  os  oleos  pro- 
vindos dos  portos  do  Levante,  da  Índia,  do  Senegal  e 
da  America  do  Sul.  Curtia  as  pelles  de  cabra,  compra- 
das em  todas  as  costas  do  Mediterrâneo.  Preparava  as 
massas  alimentares,  os  salgados  e  as  conservas  neces- 
sárias aos  marinheiros.  Por  uma  das  suas  principaes 
industrias,  a  dos  sabões,  Marselha,  desde  ha  mais  de 
um  século,  tinha  a  primeira  classe  no  mundo,  e  só  ella 
fornecia  mais  de  metade  do  sabão  que  se  fazia  em 
França.  Três  mil  operários  trabalhavam  nas  suas  ola- 
rias. Também  só  ella  preparava  mais  de  três  quartas 
partes  do  assucar  da  região.  Não  dava  á  marinha  o 
elemento  por  excellencia,  isto  é,  os  próprios  navios; 
mas,  se  fazia  construir  somente  pequenas  armações,  os 


228  A  HíSTORL\  ECONÓMICA 


seus  armadores  pediam  em  grande  parte  os  seus  navios 
aos  canteiros  de  Seyne  e  de  Ciotat,  que  são  verda- 
deiras succursaes  de  Marselha.  A  ribeira  de  Génova 
construia-lhe  também  um  numero  considerável  de  em- 
barcações. 

Pelo  movimento  do  porto  e  valor  das  suas  transa- 
cções, Marselha  era  o  primeiro  porto  da  França,  e  um 
dos  dez  ou  doze  mais  importantes  do  mundo. 

Aries  e  S.  Luiz,  que  era  o  terceiro  porto  mediter- 
râneo francez,  só  excedido  por  Marselha  e  Cette,  cons- 
tituiam  também  centros  importantes. 

Toulon  era  a  15.^  cidade  da  França,  pelo  numero 
dos  seus  habitantes;  mas,  como  cidade  essencialmente 
militar,  o  seu  movimento  económico  não  correspondia 
á  sua  grandesa. 

Tarascon  era  uma  das  cidades  francezas,  onde  o 
movimento  das  mercadorias  attingia  maiores  proporções. 

No  Jura,  na  bacia  do  Saone,  Besançon,  tanto  pela 
industria  de  relojoaria  d'ella  própria,  como  das  mon- 
tanhas e  aldeias  que  a  rodeiam,  tinha  tomado  uma 
importância  tal  que  fornecia  nove  decimas  dos  relógios 
vendidos  nos  mercados  francezes. 

Doubs  possuia  uma  escola  de  relojoaria;  e  era  também 
muito  industrial  em  varias  industrias. 

Morteaux  constituia  desde  o  meiado  do  século  XIX, 
o  centro  de  vastas  officinas.  Todas  as  aldeias  que  a 
rodeiam,  estavam  cheias  de  teares  e  de  fabricas. 

Montbélliaud  era  também  o  centro  natural  de  todo 
o  districto  manufactor  que  se  estendia  ao  norte,  no 
território  d^  Belfort  e  do  Alto  Saone.  Ahi  se  traba- 
lhava, sobretudo,  em  tecidos  de  estofos  e  fabricação 
de  artigos  de  relojoaria. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  229 


Chalons,  em  frente  da  qual  o  Saone  e  o  Doubs  já 
estão  reunidos,  onde  vem  dar  o  canal  do  centro,  via 
artificial  mais  importante  que  o  curso  das  aguas  natu- 
raes,  e  cujo  porto  está  muito  bem  situado  como  escala 
de  navegação  interior,  era  um  grande  interposto  de 
cereaes,  de  ferro  e  de  vinho.  Possuia  um  canteiro  de 
construcções,  e  fazia  grande  industria  e  commercio  de 
tannoaria  e  de  telha. 

No  departamento  do  Saone  e  Loire,  Creuzot  era  o 
grupo  de  estabelecimentos  industriaes  mais  considerá- 
vel que  existia  em  França.  Ha  dois  séculos,  uma  pobre 
cabana  de  carvoeiro  occupava  o  lugar  onde  hoje  se 
eleva  a  cidade.  Uma  fundição  de  canhões,  uma  vidra- 
ria e  algumas  officínas  metallurgicas  foram  fundadas 
lá,  antes  de  revolução  de  1789;  mas,  ainda  assim, 
Creuzot,  em  1837,  ainda  não  passava  de  uma  aldeia. 
Depois  é  que  engrandeceu  rapidamente.  Já  no  fim 
do  século  XIX,  era  uma  das  mais  importantes  cidades 
de  França;  e  o  seu  movimento  metallurgico  tornou-se 
tal  que  não  bastavam  a  hulha  e  ferro  da  região.  Impor- 
tava ainda  combustivel  das  outras  bacias  do  centro  da 
França  e  mineral  da  ilha  de  Elba  e  Algéria;  e,  em  volta, 
havia  muitas  aldeias,  convertidas  rapidamente  em  cida- 
des industriaes  como  Montecenis,  Montchanin,  Blanzy, 
Saint-Vallier. 

Lyon,  n'uma  situação  admirável;  porque  dois  gran- 
des rios  se  reúnem  lá,  e  duas  zonas  de  clima,  tendo 
cada  qual  uma  producção  differente,  se  confundem,  faci- 
litando um  grande  mercado  de  trocas,  tinha  uma  impor- 
tância capital,  mesmo  entre  todas  as  cidades  industriaes 
do  mundo.  Como  as  outras  grandes  cidades  industriaes 
da   França,   tinha  fabricas   de   toda   a  espécie.    Distin- 


230  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


guia-se  também  pela  construcção  de  maquinas,  fabri- 
cação de  productos  chymicos  e  manufactura  de  papeis 
pintados.  Mas  a  sua  grande  gloria  era  a  da  fabrica- 
ção da  seda.  Essa  industria,  em  que  Lyão  não  tinha 
rival,  veiu-lhe  da  Itália. 

No  plató  central  da  França,  Puy-en-Val  era  uma 
cidade  muito  commercial.  Antigamente  possuia  grande 
industria  e  commercio  de  rendas;  mas  isso  decaiu,  pela 
concorrência  de  outros  mercados.  E  ultimamente  a  fonte 
económica  mais  segura  era  a  venda  de  gado  bovino 
para  os  mercados  de  Marselha  e  Lyon,  e  a  de  machos 
para  os  Pyrineus. 

Roquefort  era  um  grande  centro  de  queijaria. 

Aubin,  Castres  e  Thoré  eram  muito  industriaes,  por 
causa  das  suas  minas  hulheiras. 

Clermont  possuia  muitas  e  importantes  fabricas  de 
massas  e  semola,  fornecendo  os  productos  d'este  género 
mais  apreciados  de  todo  o  mundo.  Os  seus  doces  e 
pasteis  de  damasco  eram  expedidos  até  para  as  cidades 
do  Levante. 

Clermont  trabalhava  diversamente  em  metaes,  ma- 
deiras e  fibras  textis.  Fabricava  os  mais  bellos  vitraes 
da  França,  e  fazia  um  grande  commercio  de  gado  e 
géneros  agricolas.  Pelos  caminhos  de  ferro  communi- 
cava  com  todas  as  regiões  da  França. 

Rion  era  também  muito  industrial  e  commercial. 

Perigot  criava  mais  porcos  do  que  todos  os  outros 
departamentos  do  centro.  Utilisava  as  suas  minas  de 
ferro  e  as  suas  pedreiras  inexgotaveis.  Tinha  diversas 
fabricas,  sobretudo,  para  a  fabricação  de  rails  e  papel; 
e  tinha  também  grande  abundância  e  commercio  de 
trufas. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  231 


Perigueux,  rodeada  de  arvores  fructeiras,  era  uma 
cidade  muito  industrial  por  sua  fabricação  de  carros, 
suas  fabricas  metallurgicas,  seus  pannos,  seus  moinhos 
e  suas  preparações  alimentares,  que  os  gastronomos 
celebravam.  E  era  também  um  cidade  muito  commer- 
cial,  g-raças  á  sua  posição  no  valle  de  Isle,  no  ponto 
do  cruzamento  de  duas  linhas  férreas  de  primeira 
ordem. 

Limoges,  a  cidade  mais  importante  de  toda  a  ver- 
tente Occidental  do  plató  granítico  da  França,  tinha 
feito  a  reputação  mundial  pela  cerâmica;  e,  sobretudo, 
pelos  esmaltes  applicados  em  metaes,  que  eram  muito 
apreciados  ^.  No  periodo  de  que  estamos  tratando,  uma 
centena  de  estabelecimentos  na  cidade  e  nos  arredores, 
com  muitos  milhares  de  operários,  occupava-se  uni- 
camente da  cerâmica,  da  fabricação  de  massas  alimen- 
tares e  da  pintura  de  porcellana,  cujos  productos  eram 
expedidos  para  todas  as  partes  do  mundo.  Em  todo  o 
caso,  a  hulha  faltava  na  região,  e  as  fabricas  eram 
obrigadas  a  pagar  muito  caro  o  combustível,  Limoges 
possuia  também  fiações  de  lã  e  algodão,  manufactu- 
ras de  estofos,  fabricando  especialmente  teias  finas  e 
papel. 

Limousin  era  também  distincta  na  fabricação  de 
porcellana,  papel  e  feltro. 

Montluçom  tinha  augmentado  rapidamente,  a  ponto 
de  se  tornar  a  cidade  principal  de  AUier,  embora  não 
seja  nem  fosse  capital ;  assim  como  Commentry,  cidade 
hulheira,  tinha  augmentado  egualmente. 


l     Vide  vol.  V,  pag.  135. 


232  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Vichy,  por  ser  estação  de  banhos  frequentada  por 
banhistas  de  todo  o  mundo,  tornou-se  uma  cidade 
cosmopolita,  o  que  produziu  um  grande  commercio 
interior. 

Saint  Etienne,  graças  á  sua  bacia  hulheira,  consti- 
tuía a  sétima  cidade  de  França.  Tinha  uma  enorme 
industria  de  fitas,  cuja  origem  remontava  ao  século  XVI. 
Outra  industria  muito  importante  era  a  dos  instrumentos 
de  guerra.  Trabalhava  também  enormemente,  e  com 
grande  perfeição,  tanto  nos  objectos  de  estofo,  como 
nos  de  ferro.  E  todos  os  arredores  de  Saint  Etienne 
tinham,  como  teem,  grandes  fabricas,  onde  utilisavam  a 
hulha  dos  seus  poços. 

Rouanne,  a  cidade  principal  da  região  do  Alto 
Loire,  gosava  também,  como  Saint  Etienne  de  uma 
grande  importância  no  comercio  e  na  industria,  ficando- 
Ihe,  contudo,  um  pouco  inferior. 

Na  região  de  Charente  e  Vendea,  Angouleme  cons- 
tituía um  grande  centro  económico.  Os  principaes  esta- 
belecimentos d'essa  cidade  e  arredores  eram  os  de 
papellaria;  e  uma  outra  industria  importante  consistia  na 
exploração  de  pedreiras,  cujas  rochas,  muito  fáceis  de 
serrar,  eram  de  uma  bellesa  especial.  O  Estado  possuia 
também  nos  arredores  de  Angouleme  vastas  fabricas 
militares. 

Cognac  era  uma  cidade  pequena,  mas  a  industria  e 
o  commercio  de  aguardente  era  enorme;  e  tornou-se 
o  entreposto  de  toda  a  aguardente  que  se  fabricava 
n'essa  região.  Mas  a  phyloxera  destruiu  parte  dos  seus 
vinhedos,  e,  por  isso,  nos  últimos  tempos  do  século 
passado,  os  proprietários  aproveitavam  as  sementes 
importadas  da  AUemanha,  e  preparavam  uma  aguardente 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  233 


inferior,  que  misturavam  áquella  outra  que  os  vinhedos 
produziam.  Utilisavam  também  uma  grande  quantidade 
das  aguardentes  de  Cognac  para  fabricação  do  vinho 
Champagne. 

Todos  os  vinhos  que  se  queimavam  nas  Charentes^ 
tinham  o  nome  de  cognacs,  e  eram  expedidos  com  esta 
designação  para  a  Inglaterra,  Allemanha,  Rússia  e 
outros  paizes,  e  mesmo  para  a  America. 

Na  bacia  do  Loire,  Nevers,  capital  do  departa- 
mento, occupando  uma  situação  das  mais  feHzes,  por- 
que está  situada  perto  da  confluência  do  Loire  e  do 
Allier,  em  face  da  parte  mais  larga  e  mais  fácil  da 
planície  onde  se  reúnem  os  dois  rios,  e  n'um  terraço 
exposto  aos  raios  do  sol,  era  muito  notável  pela  sua 
industria  de  faiança,  porcellanas  e  esmaltes,  a  qual 
tomou,  desde  os  últimos  tempos  do  século  XIX,  grande 
importância. 

Havia  ali  uma  fabrica  de  canhões  e  projécteis,  per- 
tencente ao  Estado,  que  foi,  também  nos  últimos  tempos 
do  século  XIX,  convertida  em  escola  de  caldeiria  e 
serralheria. 

Bourge  era  egualmente  muito  industrial. 

Orleans,  a  capital  do  Loiret,  constituia  uma  das 
principaes  cidades  históricas  da  França.  Edificada  na 
curva  de  Loire  a  mais  adiantada  para  o  norte,  no 
logar,  onde  as  communicações  são  as  mais  fáceis  com 
a  bacia  central  do  Sena,  Orleans,  tornou-se,  por  assim 
dizer,  o  complemento  de  Paris.  Occupava-se,  especial- 
mente, da  fabricação  de  lans;  mas  era  mais  importante 
por  seu  commercio  que  por  suas  manufacturas.  Seus 
viveiros  de  plantas  e  seus  jardins  expediam  arbustos  e 
flores  para  toda  a  parte  da  França. 


234  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


Mans  e  seus  arredores  tinham  uma  industria  muito 
considerável  na  fiação  e  tecidos  do  cânhamo,  fabricação 
de  papel,  cerâmica,  trabalho  do  ferro,  metallurgia, 
fabricação  de  intrumentos  agricolas  e  de  teias  e  outros 
estofos. 

Maine  possuia  também  muitas  fabricas  de  tecelagem 
e  fiação  de  algodão,  fornos  de  cal  e  grandes  moinhos 
de  cereaes. 

Nantes  era  um  dos  centros  mais  activos  do  commer- 
cio  e  industria  franceza.  Situada  no  logar  do  Loire  onde 
a  maré  pôde  levar  navios  de  um  calado  médio,  sem 
que  os  baixos  desvios  do  rio  os  forcem  a  frequentes 
mudanças  de  velas,  estava,  naturalmente  designada  para 
ser  o  entreposto  de  trocas  entre  o  commercio  maritimo 
e  o  tráfico  fluvial. 

Sendo  o  também  um  grande  entreposto  de  géneros 
coloniaes  para  toda  a  bacia  de  Loire,  Nantes  recebia, 
sobretudo,  assucar  que  as  suas  fabricas  refinavam,  e 
que,  em  grande  parte,  vendiam  á  Inglaterra;  e,  n'esta 
industria,  vinha  logo  depois  de  Paris  e  Marselha.  Possuia 
também  fabricas  de  metallurgia,  fundições  de  chumbo, 
ferro  e  cobre,  fabricas  de  óleos  e  de  sabão,  de  adubos 
chymicos,  de  construcções  maritimas  e  de  maquinas 
agricolas  e  industriaes.  Tinha  também  uma  grande 
manufactura  de  tabaco,  e  grandes  fabricas  de  conservas 
de  carne,  peixe  e  legumes. 

Os  canteiros,  estabelecidos  a  jusante  da  cidade,  na 
ilha  de  Prairie  du  Duc,  lançavam  cada  anno  muitos 
navios  nas  aguas  do  rio;  mas  esta  industria  havia  dimi- 
nuido  nos  últimos  tempos, 

S.  Nazaire  tinha  um  movimento  de  navegação  muito 
considerável.    Os  grandes  transatlânticos  das  Antilhas, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  235 


de  que  este  porto  era  o  ponto  de  partida,  e  outros 
mais  vapores  faziam  regularmente  escala  por  ahi.  Toda- 
via, o  verdadeiro  centro  de  commercio  era  sempre 
Nantes. 

Brest,  a  cidade  mais  populosa  da  Finisterra  e  de 
todo  o  littoral  francez  entre  o  Havre  e  Nantes,  era 
sobre  o  Oceano  o  que  Toulon  era  sobre  o  Mediterrâneo 
— o  grande  arsenal  de  França.  Graças  ao  mercado 
considerável  que  offerecia  aos  géneros  da  região,  Brest 
constituiu  uma  das  mais  importantes  enseadas  da  França. 
E  era  muito  considerável  o  commercio  que  lhe  provi- 
nha dos  vapores  transatlânticos. 

Rennes  tornou-se  também  importante,  pelo  seu  trá- 
fico. 

S.  Maio,  apesar  do  seu  porto  haver  sido  muito 
melhorado,  bem  como  Saint  Servan  não  tinham  já  uma 
actividade  comparável  áquella  que  tiveram  outVora; 
mas,  ainda  assim,  eram  portos  importantes. 

Os  Maluinos  armavam  para  a  pesca  da  Terra  Nova 
muitas  dezenas  de  navios,  e  faziam  grande  negocio  com 
as  ilhas  inglezas  da  Mancha~e  com  a  própria  Inglaterra. 
Os  géneros  alimentares  exportados  de  S.  Maio  eram 
em  grande  quantidade,  e  o  movimento  dos  viajantes  era 
extraordinário. 

Na  baixa  Normandia,  Alençon,  que  se  tornou  notá- 
vel na  historia  das  artes  e  do  luxo,  pela  manufactura 
das  rendas  de  França  ou  rendas  de  Alençon,  achava-se 
decaida  n'essa  industria,  que  estava  em  parte  deslocada; 
e  a  principal  importância  provinha-lhe  da  venda  dos 
potros.  A  pobreza  relativa  da  França  em  cavallos  dava, 
então,  um  valor  crescente  aos  soberbos  animaes  que 
vinham  de  Alençon  e  arredores. 


236  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  porto  de  Caen,  com  o  seu  ante-porto  de  Oustra- 
lian  era  muito  commercial. 

Honfleur,  porto  modesto,  hoje  muito  decaído,  tinha 
bastante  commercio. 

Na  bacia  do  Sena,  temos  de  começar  por  notar 
Troyes. 

Na  época  da  revolução  franceza,  a  tecelagem,  que 
era  a  especialidade  de  Troyes,  foi  quasi  abandonada, 
para  ser  substituída  pela  industria  de  barretes  e  bonés, 
que  tomou  cada  vez  mais  extensão,  de  década  em 
década.  Mas,  já  no  fim  do  século  XIX,  os  objectos  de 
lã  e  de  algodão  é  que  alimentavam  quasi  toda  a  expor- 
tação de  Troyes.  Possuia  também  fabricas  de  quei- 
jaria;  e,  nos  seus  arrabaldes,  havia  muitos  viveiros  de 
plantas  e  muitos  jardins,  cujos  productos  se  expediam 
para  toda  a  França. 

Epernay  constituía  um  dos  grandes  centros  do  com- 
mercio de  vinhos  de  Champagne,  como  acontecia  tam- 
bém com  Chalons. 

Reims  era  uma  cidade  muito  industrial.  Não  somente 
se  occupava  como  Epernay  e  Chalons  na  preparação  e 
expedição  do  vinho  de  Champagne,  mas  trabalhava, 
sobretudo,  na  fiação  e  tecellagem  das  lans,  principal- 
mente, da  flanella  e  tecidos  de  arras.  E,  segundo  as 
fluctuações  da  moda,  modificava  as  formas  e  qualidade 
dos  seus  estofos. 

Guise  tinha  muitas  fabricas,  e,  entre  ellas,  as  mais 
importantes  eram  de  caloriferos  e  panellas  esmaltadas. 

S.  Quentin  tinha  também  numerosas  fabricas  de  algo- 
dões, lans,  chalés  e  bordados,  officinas  de  construcção  e 
manufacturas  de  assucar  de  beterraba,  E  era  centro  de 
um  grande  districto  industrial,  que  se  liga  com  o  norte. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  237 


Em  Chantilly,  trabalhavam  mais  de  2.000  operários 
na  confecção  das  rendas. 

Beauvais  era  também  muito  industrial,  e  distinguia-se 
pela  fabricação  dos  tapetes,  equivalentes  aos  Gobelinos. 

Louviéres  e  Elbeuf  eram  egualmente  centros  muito 
industriaes,  onde  preponderava  a  fabricação  dos  pannos. 

Rouen,  por  quasi  todo  o  século  XIX,  esteve  muito 
ameaçada  no  seu  commercio;  não  só  porque  apenas 
podiam  subir  até  lá  os  navios  de  cabotag-em  de  um 
tirante  de  agua  menor  que  três  metros;  mas  também 
pela  rivalidade  do  Havre,  que  guardava  a  embocadura 
do  Sena,  e  procurava  tornar-se  o  entreposto  geral  de 
toda  a  bacia  d'esse  rio.  E  tudo  isto  havia  feito  diminuir 
notavelmente  o  tráfico  exterior  d'essa  cidade. 

Mas,  nos  últimos  tempos  d'aquelle  século,  Rouen  fez 
aprofundar  o  rio,  e  os  navios  de  um  tirante  de  seis 
metros  já  tocaram,  desde  então,  o  porto  sem  difficul- 
dade.  E  mesmo  os  de  tiragem  superior  acostavam  já 
no  cães  de  Rouen.  Esta  cidade  era  por  seu  commercio 
a  quinta  de  França. 

Escusamos  de  fallar  de  Paris.  Já  no  volume  V  tor- 
námos bem  sahente  a  sua  grandeza  e  a  sua  importância 
industrial  e  commercial,  na  edade  moderna.  E  ainda  ella 
augmentou  assombrosamente  na  edade  contemporânea. 
Basta  dizer  que  em  todos  os  géneros  se  tornou  uma  das 
prodigiosas  metrópoles  do  mundo. 

'  O  Havre  era  o  segundo  porto  da  França,  e  de 
grande  entrada  para  o  café,  cobre,  madeira,  lans,  pel- 
les,  trigo  e  hulha.  Expedia,  sobretudo,  tecidos  de  lã, 
algodão  e  artigos  de  Paris.  Era  também  muito  indus- 
trial. 

E'  digna  também  de  citar-se  Dieppe. 


238  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


No  norte  da  França  eram  bastantemente  industriaes 
Amiens  e  Bolonha.  Nesta  ultima  cidade,  havia  até  uma 
fabrica  de  pennas  d'aço,  a  mais  importante  de  toda  a 
França. 

Calais  formava  uma  cidade  dupla,  porque  era,  ao 
mesmo  tempo,  militar  e  muito  industrial. 

Arras  perdeu  a  industria  tradicional  dos  tapetes,  mas 
em  compensação  tornou-se  um  grande  mercado  europeu, 
quanto  a  cereaes. 

Valenciennes  perdeu  egualmente  a  sua  industria 
tradicional  de  rendas;  mas,  também  em  compensação, 
tinha  uma  fabricação  importante  de  cambraias  e  cam- 
braietas. 

Lille  era  egualmente  muito  industrial  em  quasi  todos 
os  géneros,  sobretudo,  nas  fiações  do  linho  e  do  algo- 
dão, e  na  fabricação  de  teias,  fitas  e  podões. 

Roubaix  e  Tourcoing  eram  egualmente  centros  indus- 
triaes importantes. 

Dunkerque  tornou-se,  pelas  obras  maritimas,  o  sexto 
porto  de  França.  Tinha  um  commercio  notável,  e  um 
grande  deposito  de  guano  e  de  nitrato  de  soda:  géneros 
esses  muito  importantes  para  as  necessidades  agrícolas 
da  região  do  norte. 

Na  bacia  de  Mosa  e  Mosella,  Charleville  era  tam- 
bém uma  cidade  de  grande  industria  e  commercio. 

Mirecourt  era  egualmente  importante,  especialmente, 
pela  sua  fabricação  de  cortumes,  violões,  órgãos  e 
outros  instrumentos  de  musica.  E,  nos  arredores,  milha- 
res de  operários  andavam  empregados  na  fabricação 
das  rendas. 

Finalmente,  N-ancy  era  outro  centro  muito  indus- 
trial. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  239 


Quanto  a  communicações,  os  caminhos  de  ferro 
estabeleceram  uma  rede  que  abrangia  todas  as  terras 
principaes.  As  estradas  tornaram-se  numerosas,  sobre- 
tudo, na  região  de  agricultura  e  industria  mais  intensa, 
como  era  no  norte  e  nordeste;  e,  depois  de  1866,  ten- 
deram a  tornar-se  principalmente  afluentes  das  vias 
férreas. 

O  melhoramento  e  construcção  de  canaes,  e  também 
o  melhoramento  dos  rios  navegáveis,  por  meio  da 
compostura  e  melhor  acondicionamento  dos  seus  leitos 
e  das  eclusas,  e  por  canaes  lateraes:  vias  navegáveis 
essas  que  podiam  luctar  contra  os  caminhos  de  ferro 
para  a  conducção  de  objectos  muito  pesados  e  sujeitos 
a  demora:  tudo  isso  tornou  a  França  um  dos  paizes  da 
Europa  mais  bem  fornecidos  de  communicações. 

O  movimento  da  navegação  resentiu-se  natural- 
mente do  progresso  geral. 

Assim,  os  navios  que,  nos  transportes  e  commercio  da 
França,  cooperavam  com  as  colónias  e  nações  estran- 
geiras, ou  que  serviam  a  grande  pesca,  só  de  1857  a 
1869,  cresceram  em  numero  de  40  para  100.  A  nave- 
gação a  vapor  desinvolveu-se  também  enormemente. 
E,  para  auxiliar  esse  movimento,  muitas  companhias  de 
navegação  se  formaram,  por  meio  de  capitães  particu- 
lares, ou  com  o  auxilio  do  Governo. 

Logo  em  1851,  se  fundou  em  Paris  a  companhia  da 
Messageries    para    os    portos    do    Mediterrâneo    e   mar 


240  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Negro,  e,  apar  d'ella,  differentes  empresas  se  foram 
formando,  como  por  exemplo,  a  Companhia  Geral 
Transatlântica,  para  o  commercio  entre  Havre,  America 
do  Norte  e  Antilhas,  e  outras  de  que  já  falíamos  a 
paginas  169  e  170  \ 


1  Noel,  Histoire  du  Commerce  du  Monde  vol.  III.  —  Piolet 
&  Bernard,  Histoire  Comtemporaine  de  181S  A  Nos  Jours.  — Marsillac, 
Manuel  d'Histoire  Contemporaine  de  la  Revolution  A  Nos  Jours. — 
A.  Amman  &  E.  C.  Courtan,  Le  Monde  Au  XIX  Siecle.  — Jules  Isacc, 
Histoire  Comtemporaine  (1819-1920)— AVbcri  Mallet-XVIII  Siecle. 
Revolution,  Empire  et  LEpoquc  Contemporaine.  —  Ch.  Perigot, //zs- 
toire  du  Commerce  Français.  —  Mareei  Dubois  et  Kergomard,  Précis 
de  Geographie  Econqmique. — E.  Reclus,  Nouvelle  Geographie  Uni- 
verselle,  La  Franca. 


CAPITULO  V 


A  Inglaterra 


Leve  esboço  da  historia  politica  da  Inglaterra,  n'este  período. — Retar- 
damento do  seu  movimento  económico  até  1815.  —  Causas  que 
o  produziram:  guerras  e  bloqueio  continental,  etc. —  Em  todo 
o  caso,  como  esse  bloqueio  obrigou  a  Inglaterra  a  desinvolver 
os  próprios  recursos.  —  Agitações  operarias,  por  causa  dos 
effeitos  produzidos  pela  introducção  das  maquinas,  e  espe- 
cialmente, das  maquinas  a  vapor,  na  diminuição  do  trabalho 
manual  e  na  baixa  dos  salários.  —  Plethora  dos  productos  fabri- 
cados durante  o  bloqueio,  por  causa  da  diminuição  da  exporta- 
ção.—Miséria  do  povo  que  d'ahi  resultou.  —  Luctas  entre  os 
livre-cambistas  e  proteccionistas,  desde  1815  até  1846.  —  Bills 
liberaes  de  Roberto  Peei,  a  respeito  da  importação  e  exportação, 
e  progresso  enorme  que  produziram.  —  Productos,  agricultura, 
industria,  commercio  e  marinha.  —  Centros  económicos  princi- 
paes.  —  Communicações. 


Quando  começou  a  revolução  franceza,  o  trono  da 
Inglaterra  estava  occupado  por  Jorge  III. 

Seguiu-se  a  guerra  com  a  França,  com  todos  os 
accidentes  do  bloqueio  continental:  guerra  essa,  em 
que  a  armada  franceza  foi  destroçada  por  Nelson,  pri- 
meiramente na  batalha  de  Abuckir,  em  1801,  e  depois 
na  de  Traf algar,  em  1805. 

Volume  VI  16 


242  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  rei  tornou-se  louco  e  cego,  em  1810;  e,  então,  seú 
filho,  também  chamado  Jorge,  é  que  exerceu  a  regência, 
sob  a  influencia  do  grande  ministro  Pitt,  continuando 
com  a  guerra  contra  Napoleão. 

Vencido  este,  em  1814,  na  batalha  de  Waterloo,  o 
congresso  de  Vienna  (1815)  consagrou  a  supremacia 
maritima  da  Inglaterra,  cujas  colónias  se  estendiam  por 
todo  o  mundo  \ 

Em  1820,  morreu  Jorge  111,  e  succedeu-lhe  aquelle 
filho,  sob  o  nome  de  Jorge  IV  (1820-1830). 

O  seu  ministro  Lord  Castlereagh,  que  succedera  a 
Pitt,  criou,  por  suas  exaggeradas  medidas  fiscaes,  o 
desgosto  do  povo;  e  a  opposição  que  se  levantou  por 
toda  a  parte,  o  levou  ao  suicídio.  O  grande  orador 
Lord  Canning,  que  lhe  succedeu,  tinha  ideias  mais 
rasgadas.  Favoreceu,  assim,  liberalmente  as  reformas 
económicas;  e,  apar  d'isto,  sustentou  a  emancipação  dos 
catholicos,  que  estavam  postos  de  lado,  e  reclamavam 
a  sua  independência  politica,  só  podendo  conseguil-a 
afinal,  já  no  governo  do  Duque  de  Welington  (1829). 

A  Inglaterra  interveiu,  em  1827,  a  favor  dos  Gregos, 
na  guerra  entre  elles  e  a  Turquia,  obrigando  esta  nação 
a  assignar  a  paz  de  Andrinopla  (1829),  em  que  foi 
proclamada  a  independência  da  Grécia. 

A  Jorge  IV  succedeu  Guilherme  IV  (1830-1837). 

A  reforma  eleitoral  foi  o  grande  acontecimento 
d'este  reinado  ".  Houve  uma  outra  reforma  importante, 
a  abolição  da  escravatura  em  todas  as  colónias  inglezas, 


1  Vol.  Ill,  pag.  256  e  257. 

2  Vide  pag.  38. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  243 


mediante  uma  indemnisação,  paga  pelo  Governo  aos 
antigos  proprietários.  E  avultaram  egualmente  as  medi- 
das promulgadas,  para  diminuir  o  pauperismo,  estabele- 
cendo-se  a  percepção  da  chamada  a  taxa  dos  pobres 
paga  por  cada  cidadão,  e  organisando-se  os  hospicios 
chamados  Workhouses,  onde  os  indigentes  eram  recebi- 
dos com  a  obrigação  do  trabalho  manual. 

A  Guilherme  IV  succedeu  sua  sobrinha,  a  rainha 
Victoria  (1837-1901). 

Houve,  em  1847  e  1848,  grande  agitação  na  Irlanda, 
que  reclamava  a  sua  independência,  tendo  á  frente  o 
grande  agitador  0'connell;  e  o  Governo  viu-se  obrigado 
a  reprimir  essa  agitação. 

Na  lucta  entre  a  Turquia  e  o  Egypto,  a  Inglaterra 
interveiu  juntamente  com  a  Rússia  a  favor  d'elle,  o  que 
obrigou  a  Turquia  a  assignar  o  tratado  de  Londres  (1840), 
pelo  qual  Mehemet-Ali  teve  de  evacuar  a  Syria,  e  assi- 
gnar também  no  anno  seguinte  (1841)  o  tratado  de 
Bosphoro,  que  fechava  o  estreito  dos  Dardanellos  á 
marinha  militar  de  todas  as  nações. 

Estabeleceu-se  á  força  no  Kabul.  Submetteu  o  Sind, 
reprimiu  as  incursões  dos  Silks.  Por  meio  da  guerra, 
chamada  do  ópio,  obrigou  a  China,  pelo  tratado  de 
Nankin,  a  ceder-lhe  Hong-Kong  e  abrir  ao  commercio 
estrangeiro  os  portos  de  Cantão,  Annoy,  Fou-Tchou-fou, 
Ning-po  e  Shang-Hai  (1842)  \ 

Em  1850,  dominou  uma  insurreição  que  se  levantou 
na  índia. 

Em  1854,  entrou  com  a  França  na  guerra  da  Crimeia 


1     Vide  pag.  46. 


244  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


contra  a  Rússia,  com  o  fim  de  proteger  o  império 
ottomano,  e  obrigou  os  Russos,  pela  paz  de  Paris 
de  1856,  a  desistir  das  suas  pretensões  contra  os 
Turcos  \ 

Fez  nova  guerra  á  China,  juntamente  com  a  França, 
em  1860,  para  obrigal-a  a  manter  as  concessões  ante- 
riores. Em  1879,  assenhoreou-se  do  Egypto,  onde  o 
Icediva  só  ficou  reinando  de  nome,  d'ahi  por  diante. 

Em  1884,  tentou  submetter  o  Sudão.  Mas  foi  infeliz 
n'essa  tentativa;  porque  o  paiz  levantou-se  em  massa, 
sob  a  direcção  de  um  chefe  fanático,  o  Mahdi  ou  pro- 
pheta,  que,  depois  de  ter  morto  o  general  inglez  Gordon, 
pôde  repellir  o  exercito  inglez. 

Também  a  Inglaterra  sustentou  na  Africa  do  Sul 
uma  campanha  contra  os  Zulus  ou  Boers,  para  se 
apoderar  do  Transwaal,  onde  elles  se  tinham  esta- 
belecido. N'essa  campanha,  foi  morto  o  principe  Na- 
poleão; e,  afinal,  os  Inglezes  tiveram  de  desistir  da 
empreza  (1885). 

A  Inglaterra  teve  também  guerra  com  o  Afghanistan, 
para  vingar  a  mortandade  que  estes  haviam  feito  dos 
soldados  inglezes  e  manter  a  segurança  do  império 
das  índias. 

Finalmente,  n'uma  ultima  guerra  contra  os  Boers, 
em  1899,  conseguiu  a  submissão  do  Transwaal,  que 
obteve  um  Governo  autónomo,  sob  o  protectorado  da 
Inglaterra,  com  a  faculdade  de  conservar  quasi  intei- 
ramente os  seus  direitos  politicos  e  civis. 


1     Vide  pag.  51  e  52. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  245 


* 
* 


O  movimento  económico  da  Inglaterra,  neste  periodo 
até  1815,  foi  retardado  por  differentes  causas. 

Em  primeiro  logar,  as  guerras  com  Napoleão  emba- 
raçaram esse  movimento.  Eram  necessários  para  a  lucta 
capitães  e  soldados,  e  foi  preciso  também  reformar  e 
augmentar  a  marinha;  e  tudo  isto  prejudicava  a  agri- 
cultura, a  industria  e  o  commercio.  Depois,  o  bloqueio 
continental,  que  se  derivou  d'essas  guerras,  interrom- 
pendo bruscamente  as  relações  mercantis  da  Gran  Bre- 
tanha com  a  Europa,  deu  um  golpe  rude  e  imprevisto 
no  movimento  económico  dos  Inglezes;  e  causou-lhes 
grandes  embaraços,  sobretudo,  nos  primeiros  annos. 

A  Inglaterra  foi-se  recuperando  alguma  coisa,  pela 
extensão  do  seu  commercio  colonial,  pelos  esforços  que 
fez  para  o  desinvolver,  e  pelo  contrabando  que,  não 
obstante  aquelle  bloqueio,  pôde  introduzir  grande  quan- 
tidade de  mercadorias  inglezas  na  Europa.  Mas,  ainda 
assim,  o  prejuizo  foi  muito  grande  ^. 

Também  a  Inglaterra,  nos  primeiros  tempos  do  blo- 
queio continentinental,  desinvolveu  mais  o  seu  com- 
mercio com  os  Estados  Unidos,  o  que  lhe  proporcionou 
uma  pequena  compensação  d'aquelle  prejuizo.  Mas  essa 
mesma  compensação  foi  acabando,  á  proporção  que 
os  Estados  Unidos  se  foram  approximando  mais  de 
França,  e,  com  o  pretexto  da  bandeira  neutral,  foram 
protegendo  Napoleão. 


1     Vide  capitulo  I  e  IV. 


246  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Apar  d'isso,  a  agitação  resultante  da  introducção 
das  maquinas  e  da  fixação  dos  salários  augmentou  a 
desordem  do  paiz. 

Já  mostrámos  no  IV  volume  d'esta  obra  que  a  inven- 
ção da  maquina  de  fiar  de  Arkwrigt,  no  século  XVIII, 
produziu  uma  grande  revolução  industrial  na  Ingla- 
terra ^;  e  a  applicação  do  vapor  trouxe  novos  metho- 
dos  de  industria  e  uma  grande  influencia  nos  salários, 
que  se  tornaram  mais  diminutos,  como  era  natural,  por 
ser  menor  o  trabalho  e  mais  dispensável  o  esforço 
manual. 

Já  isto  havia  produzido  uma  situação  convulsionaria 
das  classes  operarias,  entre  as  que  receiavam  a  intro- 
ducção das  maquinas  como  prejudicando  o  trabalho 
manual,  e  as  que  desejavam  a  plena  liberdade  na  ado- 
pção d'ellas,  como  garantia  do  progresso  da  industria. 

O  parlamento,  obrigado  a  conhecer  d'essa  diver- 
gência, optou  a  favor  da  liberdade  plena.  Mas,  apesar 
d'isso,  a  agitação  e  discussão  duravam,  ainda  em  1800; 
e  accrescia  que,  tendo  os  salários  baixado  muito,  os 
industriaes  queixavam-se  azedamente  dessa  baixa. 

Para  dirimir  semelhante  contenda,  o  Governo  publi- 
cou o  chamado  acto  de  arbitramento,  pelo  qual,  todas 
as  vezes  que  houvesse  contestação,  quanto  aos  salários 
de  qualquer  industria,  a  questão  podia  ser  sujeita  a  um 
arbitramento.  Mas  também  isso  não  deu  resultado.  Os 
preços  arbitrados  não  eram  mantidos,  e  a  agitação  con- 
tinuou. E,  em  1813,  houve  até  na  Escócia  um  movimento 
revolucionário,  em  que  tomaram  parte  40  mil  tecelões. 


1     Vol.  IV,  pag.  689. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  247 


Depois  de  grandes  debates,  prevaleceu  no  parla- 
mento a  doutrina  do  laissez  faire;  e,  porisso,  o  campo 
das  pretensões  e  discussões  a  tal  respeito  ficou  plena- 
mente livre,  entrando  os  operários  n'uma  vida  normal. 
O  mau  effeito,  porém,  d'essas  agitações  e  exaltações 
internas   fez-se   resentir  na   industria  e  no  commercio. 

Ora,  em  geral,  tudo  tem  prós  e  contras;  e  foi  tam- 
bém assim  que  o  bloqueio  obrigou  a  Inglaterra  a  desin- 
volver  os  seus  próprios  recursos,  e,  sequentemente,  a 
sua  agricultura.  Porisso,  começaram,  então,  a  cultivar-se 
muitos  terrenos  abandonados,  e  que  serviam  somente 
para  a  pastagem.  Introduziram-se  os  carneiros  merinos 
e  saxonios;  e  já  no  século  anterior,  a  Inglaterra  tinha 
introduzido  também  os  carneiros  da  índia  e  os  próprios 
merinos  na  Austrália,  que  só  vieram  a  dar  resultado  na 
primeira  e  segunda  década  do  século  XIX.  E,  alem 
d'isto,  por  meio  das  maquinas  de  toda  a  ordem,  foram-se 
desinvolvendo  todas  as  industrias,  de  modo  que,  ao  ter- 
minar o  bloqueio,  a  Gran  Bretanha  tinha  em  si  uma 
verdadeira  plethora  de  productos  fabricados. 

Em  todo  o  caso,  apesar  d'estas  pequenas  compen- 
sações, é  certo  que  os  outros  factos  já  mencionados 
tinham  prejudicado  muito  a  industria  e  exportação,  e, 
portanto,  o  commercio  da  Inglaterra. 


Em  1815,  estavam  acabadas  as  guerras  napoleónicas; 
e,  porisso,  os  productos  inglezes  não  estavam  sujeitos 
ao  bloqueio  continental.  Ao  mesmo  tempo,  a  marinha 
tinha-se  desinvolvido  enormemente.   Os  productos  mi- 


248  A  HISTORIA  ECONOMIC;^ 


neraes  haviam  crescido,  pela  descoberta  e  abundância 
de  jazigos  hulheiros,  tão  commodos  que  afloravam  á 
superficie  do  solo.  Tinha  augmentado  também  a  des- 
coberta e  exploração  dos  jazigos  de  ferro,  quasi  todos 
próximos  da  hulha;  e  tinha  crescido  egualmente  a  ex- 
ploração de  outros  mineraes.  E  tudo  isso,  junto  á  abun- 
dância de  matérias  primas  que  os  navios  inglezes  iam 
buscar  ás  suas  colónias,  e  ao  desinvolvimento  da  pro- 
ducção  da  lan  na  Austrália,  fazia  que  o  commercio  inte- 
rior não  desse  vasante  á  quantidade  e  aglomeração  de 
productos  fabricados:  tanto  mais  que  vinha  ainda  dos 
tempos  anteriores  a  plethora  de  que  já  falíamos. 

E,  acrescia  também  o  facto  do  commercio  estar 
embaraçado  pelo  systema  restrictivo,  que  provinha  ainda 
do  acio  da  navegação  de  Cromwel;  porque  os  outros 
paizes,  mais  desinvolvidos  que  no  tempo  desse  estadista, 
usavam  de  represálias,  que,  por  issso  mesmo,  eram  mais 
efficazes. 

A  própria  marinha,  que  tinha  tido  por  tanto  tempo 
a  supremacia  maritima,  sofria  uma  grande  concorrência 
dos  outros  paizes;  porque  todos  os  pavilhões  fluctuavam 
livremente  nos  mares.  E  essa  concorrência  era  tanto 
mais  sensivel  quanto  o  commercio  internacional  dimi- 
nuia  geralmente,  pela  influencia  das  leis  aduaneiras  que 
vigoravam  por  toda  a  parte. 

Todas  estas  circumstancias,  juntas  á  restricção  da 
livre  importação  dos  cereaes,  produziram  uma  profunda 
miséria,  a  ponto  do  governo  inglez  publicar  leis  que 
protegiam  a  pobreza,  e  provocar,  desde  1820,  uma  pe- 
tição do  alto  commercio  de  Londres  em  favor  do 
alargamento  do  regimen  protector.  E,  no  mesmo  sen- 
tido, se  levantou  a  opinião  publica  de  Inglaterra,  sendo 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  249 


até  um  membro  do  próprio  gabinete,  Huskisson,  que 
se  poz  á  frente  do  movimento.  Cheg-ou  mesmo  a 
constituir-se  uma  liga,  sob  a  direcção  de  Cobden,  que 
pugnava  pela  livre  importação  dos  cereaes. 

Mas  a  lucta  entre  os  livres  cambistas  e  os  pro- 
teccionistas durou  até  1846;  e,  então,  Roberto  Peei 
apresentou  ao  parlamento  um  projecto  que  visava  á 
reducção  gradual,  durante  três  annos,  dos  direitos  em 
vigor  sobre  os  cereaes,  e  á  sua  suppressão  completa,  a 
partir  de  1  de  janeiro  de  1849.  E  esse  projecto  foi 
convertido  em  lei,  n'esse  mesmo  anno. 

As  consequências  propicias  dessa  lei  foram  enormes, 
e  deram  um  golpe  mortal  sobre  todo  o  systema  econó- 
mico; de  modo  que,  desde  1846  a  1849,  continuados  bills 
reduziram  ou  supprimiram  os  decretos  estabelecidos 
sobre  a  importação  de  certo  numero  de  productos  desti- 
nados ao  commercio  interior  e  á  transformação  industrial. 

Os  decretos  sobre  matérias  primas  e  sobre  os 
objectos  de  primeira  necessidade  e  de  outros  artigos, 
que  produziam  para  o  fisco  um  rendimento  insignifi- 
cante, foram  abolidos;  e  da  mesma  forma  o  foram  os 
direitos  differenciaes,  de  que  a  marinha  mercante  não 
tinha  necessidade,  e  que  não  serviam  senão  para  levan- 
tar os  preços,  travar  o  commercio  e  limitar  o  consumo. 
Por  outro  lado,  os  artigos  de  grande  consumo  foram 
muito  alHviados;  e  uma  outra  lei  ordenou  a  retirada  dos. 
drazubacks,  tornados  inúteis,  pela  entrada  franca  de 
matérias  primas. 

Em  resumo,  todo  o  arsenal  aduaneiro  dos  tempos 
antigos  caiu  por  terra. 

O  acto  da  navegação  de  Cromwell  subsistia  ainda 
como  symbolo,  mas  tinha  levado  já  alterações  profun- 


250  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


das.  E  foi,  por  fim,  quasi  revogado  inteiramente  por 
um  bill  de  lord  João  Russell,  que  deu  ao  governo  a 
faculdade  de  tomar  medidas  restrictivas,  mas  somente 
contra  os  Estados  que  recusassem  á  marinha  ingleza  a 
reciprocidade  do  tratamento  que  a  legislação  nova  con- 
ferira a  todas  as  nações  estrangeiras. 

Então,  a  importação  e  exportação  cresceram  enor- 
memente; sobretudo,  a  importação  de  matérias  primas, 
como  algodão,  lans,  seda  grega  e  cadarço,  necessário 
para  muitas  manufacturas,  e  a  exportação  dos  productos 
transformados  por  essas  matérias  primas  e  da  hulha,  cujo 
emprego  estava  generalisado.  A  exploração  dos  mine- 
raes,  e,  com  ella,  a  metallurgia  tomou  grande  incremento. 
Aconteceu  a  mesma  coisa  com  a  marinha.  Augmentou  o 
rendimento  das  alfandegas,  e  diminuiu  a  divida  publica: 
dando  tudo  isso  um  grande  desmentido  ás  doutrinas  dos 
proteccionistas. 


Examinemos  agora  especialmente  os  factores  econó- 
micos próprios  da  época  de  que  estamos  tratando. 

O  solo  inglez  tem  uma  aptidão  agricola  pronunciada, 
graças  á  natureza  geológica  do  terreno  e  á  natureza 
.particular  do  clima. 

Os  cereaes  representavam  os  géneros  mais  cultiva- 
dos—  trigo,  cevada,  aveia  e  centeio,  conforme  a  varie- 
dade das  regiões  e  as  suas  condições  especiaes. 

Os  campos  occupados  com  essa  cultura  eram  cinco 
vezes  mais  vastos  que  os  de  França;  e  mais  vastos 
podiam  ser  ainda,  se   não   fosse  o  systema  da  grande 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  251 


propriedade  que  predominava  no  paiz,  e  os  grandes 
proprietários  preferirem  dedicar  á  criação  de  gado  o 
tempo  que  podiam  dedicar  á  cultura. 

Em  todo  o  caso,  os  productos  agricolas  augmenta- 
ram  muito,  devido  não  somente  ao  desinvolvimento  da 
agricultura,  como  também  ao  melhor  e  maior  aprovei- 
tamento dos  terrenos. 

E,  com  effeito,  no  século  anterior,  assim  como  na 
edade  media,  ainda  existiam  vastas  florestas;  e  de  tal 
modo  que,  por  exemplo,  os  paizes  de  Kent  e  de  Sussex 
faziam  as  fundições  com  o  calor  da  lenha.  Mas,  no 
século  XIX,  foram-se  ellas  devastando  e  cortando,  para 
darem  logar  á  cultura,  por  forma  que,  no  fim  do  mesmo 
século,  a  sua  superficie  total  estava  reduzida  a  4  por 
cento. 

Se  essa  cultura  occupasse  todas  as  terras  que  eram 
susceptiveis  d'ella,  a  Inglaterra  daria  largamente  com 
que  alimentar  toda  a  sua  população.  Mas,  como  já  dis- 
semos, a  preponderância  da  grande  propriedade  obstou 
ao  desinvolvimento  dos  campos  de  cereaes;  porque, 
embora  a  cultura  d'elles  fosse  tão  pratica  e  tão  hábil 
como  podia  ser,  os  proprietários  de  vastos  domínios 
empregavam  na  pastoreação,  principalmente,  por  toda 
a  Escócia  e  Irlanda,  milhares  de  hectares,  que  podiam 
dar  excellentes  ceifas.  Assim,  geralmente,  os  productos 
agricolas  só  chegavam  para  três  ou  quatro  meses  no 
anno. 

Preponderava  a  cevada,  por  causa  da  cerveja,  que 
era  tão  commum  na  Inglaterra  como  o  vinho  na  França. 
Depois,  a  aveia,  que  se  applicava  ao  wiskey,  e  servia 
também  para  forragem ;  e  em  seguida,  o  trigo.  O  cen- 
teio era  muito  pouco. 


252  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Foi  sempre  augmentando  muito  a  cultura  da  batata, 
que  tinha  tanta  importância  para  a  alimentação  do  povo 
inglez  como  o  pão  a  tinha  para  o  povo  francez. 

Não  havia  paiz  onde  a  horticultura  e  jardinagem 
fosse  mais  cuidada. 

As  fructas  não  encontravam  solo  muito  apropriado, 
a  não  ser  a  pêra,  maçã,  cerejas  e  cidra,  da  qual  havia 
muita  producção.  Porisso  poucos  fructos  se  cultivavam. 
A  uva,  só  em  estufas,  e  havia-as  de  20  hectares. 

A  cultura  das  plantas  textis,  linho  e  cânhamo,  dimi- 
nuiu muito,  pela  concorrência  dos  outros  paizes,  mais 
bem  dotados  n'esse  género.  Comtudo,  a  Irlanda  ficou 
sempre  grande  productora  do  linho. 

Nas  plantas  industriaes,  o  tabaco  diminuiu  muitís- 
simo, pela  concorrência  das  colónias.  Mas,  em  compen- 
sação, a  producção  do  lúpulo  tornou-se  enorme,  por 
causa  do  grande  consumo  da  cerveja;  e  tanto  mais  que 
encontrava  um  clima  apropriado,  pela  doçura  relativa  e 
pela  humidade. 

Os  productos  tinturiaes  desappareceram,  em  face 
dos  progressos  rápidos  das  tintas  chymicas. 

Cultivava-se  também  muito  o  zimbro  ou  junipero, 
cuja  baga  serve  para  o  gin,  espécie  de  aguardente,  que 
se  fabricava  em  grande  quantidade. 

Como  já  notámos,  a  Ilhas  Britânicas  estavam  antiga- 
mente muito  cheias  de  florestas. 

Quasi  toda  a  região  central  do  Tamisa,  do  Kent  e 
da  planicie  do  York  ao  Border  foram  cobertas  por  ellas. 
Quasi  todas  desappareceram  por  causa  dos  arrotea- 
mentos e  devastações;  mas  havia  ainda  muitas  im- 
portantes, especialmente,  no  Hampshire  e  no  Gloces- 
tershire. 


y 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  253 


A  Escócia  e  Irlanda  tinham  menos  florestas  que  a 
Ingflaterra.  Mas  havia  também  por  todo  o  paiz  muitos 
parques  de  lords,  que  formavam  pequenos  bosques. 

* 

*  * 

No  reino  animal,  a  Inglaterra  esmerou-se  em  dar 
a  cada  região  do  seu  paiz  os  animaes  que  melhor 
podiam  lá  prosperar,  e  até  de  modificar  as  raças  e  as 
qualidades  de  cada  uma,  conforme  as  necessidades  da 
agricultura  ou  do  consumo  e  commercio. 

Foi  assim  que  tornou  proverbiaes  os  cavallos  de 
Lincoln  e  de  York;  os  carneiros  Cheviots,  South-Downs, 
para  a  lan  e  os  Dilley  para  o  talho;  e,  no  gado  bovino, 
as  raças  Durham  e  Ayer. 

Augmentou  muito  o  desinvolvimento  da  caça,  e, 
principalmente,  da  pesca,  devendo  especialisar-se  entre 
os  peixes  do  rio  a  dos  salmões. 

Continuou  com  actividade  a  exploração  das  hulhei- 
ras,  exploração  relativamente  fácil,  porque,  segundo  já 
dissemos,  ellas  afloram  á  superficie  do  solo;  bem  como 
a  das  minas  de  ferro,  que,  regra  geral,  ficam  próxi- 
mas d'aquellas  outras;  e  também  as  de  estanho,  uma 
das  grandes  riquezas  da  Inglaterra,  que  vinha  já  dos 
tempos  antigos  ^;  e,  ainda  apar  d'isso,  a  exploração 
do  cobre,  chumbo  e  de  outros  mineraes:  o  que  tudo 
proporcionava  aos  Inglezes  uma  grande  quantidade  de 
productos  industriaes  metallurgicos. 


1     Vide  vol.  IV,  pag.  663. 


254  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


* 
*  * 


A  abundância  da  hulha  e  dos  outros  productos 
mineraes,  alhada  á  introducção  das  maquinas  e  ao 
génio  industrial  do  povo  inglez,  trouxe  um  progresso 
industrial  enormissimo. 

Sobretudo,  a  exploração  e  desinvolvimento  das 
industrias  metallurgicas  augmentou  de  tal  modo  que  o 
principal  centro — -Birmigham  só  tinha  como  rival  na 
Europa  os  centros  metallurgicos  da  Westephalia.  E,  no 
fim  do  século,  esse  ramo  occupava  milhões  de  operá- 
rios, e  exigia  a  força  motriz  de  dez  milhões  de  cavallos. 

As  industrias  de  productos  chymicos,  a  cerâmica, 
a  vidraria,  as  da  cerveja  e  álcool,  as  industrias  textis  e 
as  derivadas  da  madeira,  e  pôde  até  dizer-se  que  a 
totalidade  das  demais  industrias  acompanharam  o  desin- 
volvimento geral,  e  por  quasi  todas  as  terras  da  Gran 
Bretanha,  como  veremos  mais  detidamente,  quando  tra- 
tarmos dos  centros  económicos. 


O  commercio  desinvolveu-se  egualmente  muito. 

O  movimento  exterior  era  favorecido,  não  só  pelos 
muitos  tratados  commerciaes  que  a  Inglaterra  celebrou 
com  os  paizes  estrangeiros,  sobretudo,  depois  de  1860, 
como  também  por  differentes  outras  condições  que 
vamos  expor. 


EDA  DE  CONTEMPORÂNEA  255 


Assim,  a  Inglaterra,  juntamente  com  as  suas  colónias, 
formava  o  mais  vasto  dominio  que  tem  existido  \  onde 
havia  os  productos  mais  variados,  tanto  agricolas  como 
industriaes.  Compartilhava  de  todas  as  zonas  climato- 
lógicas de  um  e  outro  hemisfério.  Tinha  todos  os  cami- 
nhos e  todos  os  portos  do  tráfico  universal.  Havia 
tomado  a  dianteira  na  industria,  e  de  modo  que  podia 
produzir  muitissimo  e,  com  mais  barateza  que,  geral- 
mente, os  outros  paizes.  Dispunha  de  meios  de  trans- 
porte, superiores  aos  dos  seus  rivaes.  E  estava  situada 
no  centro  das  nações  continentaes,  e  próxima  dos  povos 
mais  ricos  e  mais  adiantados  e  da  melhor  clientella 
productora  e  consumidora,  mas  que  não  podiam  com- 
petir em  meios  de  transporte  com  ella. 

A  marinha  mercante  desinvolveu-se  também  muitis- 
simo, a  partir  dos  tratados  de  1860,  a  ponto  de  que, 
em  1880,  já  os  navios  a  vapor  tinham  duplicado  e  os 
steamers  quadruplicado.  E  a  frota  commercial,  dividida 
n'uma  cinquentena  de  grandes  companhias,  cada  uma 
das  quaes  possuia  dez  a  cem  navios  e  n'um  grande 
numero  de  pequenos  armadores,  avassalava  o  mundo 
inteiro. 

Tudo  isto  deu  aos  Inglezes  a  hegemonia  commercial 
no  século  XIX. 

Porisso,  os  productos  inglezes  forneciam  matérias 
primas  mesmo  á  França,  Bélgica,  e  á  própria  Allema- 
nha,  que  iam  prover-se  d'ellas,  especialmente,  nas 
docas   habilmente  fornecidas  de  Londres   e  Liverpool. 


1     Vol.  III,  pag.  256. 


256  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Acresceu  ainda  que  differentes  outros  paizes,  sem 
terem  as  condições  que  a  Inglaterra  tinha,  quando 
estabeleceu  o  livre-cambio,  trataram  de  imital-a  n'essa 
parte;  e,  até  por  esse  motivo,  foram  muito  prejudicados 
pela  concorrência  dos  Inglezes.  E,  quando  quizeram 
remediar  o  mal,  restringindo  a  importação,  já  era  tarde; 
porque  a  influencia  commercial  e  industrial  da  Ingla- 
terra tinha  tomado  a  dianteira,  de  forma  que  já  não 
puderam  banil-a  inteiramente.  E'  certo  que  alguma  coisa 
diminuiu,  então,  o  commercio  inglez;  mas  essa  dimi- 
nuição pouco  affectou  a  Inglaterra,  tal  era  a  expansão 
que  o  seu  tráfico  havia  tomado. 

Isto,  quanto  ao  commercio  externo. 

Pelo  que  respeita  ao  commercio  interior,  esse,  esti- 
mulado por  uma  grande  facilidade  de  comunicações  ^  e 
por  uma  considerável  cabotagem,  apar  do  desinvolvi- 
mento  do  commercio  exterior,  tornou-se  maior  do  que 
em  nenhum  outro  paiz  do  mundo. 

* 

*  * 

A  Inglaterra  exportava  muito  mais  do  que  impor- 
tava. A  exportação  consistia,  sobretudo,  em  productos 
manufacturados  e  matérias  primas. 

Vinham  em  primeito  logar  os  tecidos  e  fiados,  e 
depois  a  hulha  e  maquinas.  Os  objectos  de  alimentação, 


1     Sobre  communicações,  alem  do  que  exporemos  no  fim  d'este 
capitulo,  vide  vol.  VI,  pag.  714  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  257 


porém,  contavam-se  n'um  grau  minimo.  E,  n'essa  parte,  a 
França  e  os  Estados  Unidos  é  que,  principalmente, 
contribuiam  para  a  alimentação  da  população  britânica. 

Da  índia  vinham  trigo  e  outros  cereaes,  arroz,  chá^ 
café,  algodão,  juta  e  seda. 

A  França  mandava  alem  dos  géneros  alimentares,, 
como  cereaes,  farinhas,  gado,  manteiga,  ovos,  fructas, 
vinhos,  também  alguns  productos  industriaes  de  certas 
industrias,  que  em  França  estavam  mais  desinvolvidas 
que  na  Inglaterra,  por  exemplo,  os  da  seda.  Em  troca  o 
Reino  Unido  mandava-lhe  hulha,  metais  brutos,  maqui- 
nas, navios,  tecidos,  louças,  vidros;  e,  em  grau  menor^ 
objectos  industriaes,  e  até  matérias  primas,  como  linho» 
lan  e  cânhamo,  apesar  de  não  serem  de  origem  bri- 
tânica. 

A  Allemanha,  não  obstante  ser  também  rica  de 
hulha  e  ser  muito  industrial,  entretinha  com  a  Inglaterra 
relações  muito  activas,  mas  vendia  mais  do  que  com- 
prava. Expedia  gados,  géneros  agricolas,  lans,  madeira; 
e  comprava  nos  mercados  inglezes  algodão,  lan,  seda, 
chá,  café,  estofos,  maquinas,  navios,  etc.  A'  proporção, 
porém,  que,  pelo  decorrer  do  século  XIX,  a  Allemanha 
se  foi  desinvolvendo  industrialmente  e  a  sua  marinha 
augmentando,  as  trocas  entre  os  dois  paizes  foram 
diminuindo. 

A  Rússia  mandava  para  a  Inglaterra  cereaes,  madei- 
ras, obras  textis,  e  recebia  em  menor  quantidade  pro- 
ductos manufacturados. 

O  movimento  com  a  Dinamarca  era  muito  grande. 

Na  Ásia,  a  China  era  o  grande  mercado  de  chá 
para  os  Inglezes.  E  o  commercio  com  a  índia  era 
enorme. 

Volume   VI  17 


258  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  Inglaterra  fazia  também  grande  negocio  com  a 
Africa,  sobretudo,  com  o  Egypto,  Cabo,  Algéria  e 
Guiné,  vendendo  abundantemente  os  seus  productos 
em  troca  dos  africanos. 

Na  America,  depois  dos  Estados  Unidos,  eram  as 
colónias  inglezas  das  Antilhas,  o  Chili,  a  republica 
Argentina,  e,  principalmente,  o  Brazil,  onde  a  Inglaterra 
fazia  mais  negocio. 

Emfim,  o  grupo  oceânico  da  Austrália  e  Nova 
Zelândia  era  de  um  valor  inapreciável  para  o  tráfico 
da  metrópole.  Depois  da  índia,  constituia  elle  o  maior 
commercio  de  todo  o  império  colonial. 

Com  Portugal,  o  commercio  da  Inglaterra  era  tam- 
bém extraordinário,  como  veremos  detalhadamente  no 
capitulo  XXIII.  Pôde  dizer-se  que,  pelo  menos,  até  o 
primeiro  quartel  e  meio  do  século  XIX,  Portugal  não 
passou  de  uma  colónia  económica  dos  Inglezes. 


* 
* 


Mal  se  podem  especializar  os  centros  industriaes  e 
commerciaes  mais  importantes  da  Inglaterra,  mesmo  no 
século  XIX;  porque  ella  já  constituia  então  um  vasto 
laboratório  industrial  e  commercial,  que  abarcava  todos 
os  seus  domínios.  Mas,  ainda  assim,  apontaremos 
alguns  que  sobrelevavam  aos  demais  ^ 


1     Quanto  aos  centros  principaes  na  edade  moderna,  veja-se  o 
vol.  IV,  pag^.  704  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  259 


Começando  pelo  paiz  de  Galles  e  Monmouth,  a 
cidade  e  porto  de  Caernarvon  era  muito  importante 
como  porto  de  pesca  e  cabotagem;  e  tanto  que,  em 
1877,  foi  frequentado  por  2.844  navios,  na  somma  de 
280.685  toneladas;  e  o  seu  movimento  cresceu  ainda 
mais  até  o  fim  do  século.  Era  também  muito  rica  na 
exploração  das  pedreiras. 

Swansea  era,  como  ainda  hoje  é,  o  centro  do  mundo 
para  o  tratamento  do  cobre.  Os  navios  levavam  para  as 
suas  fundições,  não  somente  o  metal  do  Cornwall  e  de 
Anglesey,  mas  também  o  de  Cuba,  Chili,  Bolivia,  Lago 
Superior  e  Austrália  do  Sul.  Recebia  também  nas  suas 
fabricas  outros  mineraes,  para  os  purificar  e  transformar 
em  ligas  ou  fundir  em  barras. 

Ao  oriente  de  Swansea,  Cardiff,  o  decimo  ou  decimo 
segundo  porto  de  Inglaterra  na  importância,  e  porto  car- 
bonifero  por  excellencia,  era  também  muito  notável. 

Merthyr-Tydfil,  rival  de  Swansea  pela  população, 
cresceu  espantosamente,  devido  á  sua  industria  mineira. 

Na  peninsula  cómica,  Falmouth,  cujo  porto  pôde 
abrigar  frotas  inteiras,  tinha  um  grande  commercio. 

Towey,  que  tem  uma  enseada  accessivel  a  todos  os 
navios,  e  com  todos  os  ventos,  apesar  da  sua  deca- 
dência, com  relação  ao  tempo  antigo,  era  ainda  muito 
frequentado. 

Plimouth  reunida  já  no  século  XIX  a  Devenport  e  a 
Stonehouse,  tornou-se  a  cidade  mais  populosa  de  toda 
a  costa  meridional  da  Inglaterra;  e,  apesar  de  ser  uma 
cidade  essencialmente  militar,  tinha  grande  commercio 
e  industria. 

Na  bacia  do  Severn  e  golfo  de  Bristol,  havia  como 
centros  importantes  Dudley  e  Worcester. 


260  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


Bristol,  que,  nos  tempos  anteriores,  só  cedia  á  capi- 
tal, foi  destronada  d'essa  primazia  por  Liverpool;  mas 
era  ainda  um  dos  portos  mais  frequentados  da  Ingla- 
terra, e  estava  dotada  de  um  grande  movimento  indus- 
trial. 

Na  vertente  da  Mancha,  Southampton  tinha  grande 
industria  e  commercio,  bem  como  Plimouth,  apesar  de 
ser  uma  praça  de  guerra. 

Na  bacia  do  Tamisa,  Londres,  o  grande  empório  do 
mundo,  não  era  relativamente  a  primeira  cidade  indus- 
trial da  Inglaterra;  porque,  n'esse  ponto,  não  era  egual 
a  Manchester,  Birmingham,  Sheffield,  Leeds  e  Glasgow; 
mas  era-o,  absolutamente  fallando,  assim  como  era 
também  a  primeira,  pelas  transacções  e  movimento 
maritimo  \ 

Dover  era  outro  centro  muito  importante. 

Na  bacia  do  Wash,  Oxford  e  Cambridge  eram 
notáveis,  sobretudo,  pelas  suas  universidades. 

Na  bacia  de  Humber,  a  cidade  de  Birmingham 
occupava  já  um  dos  logares  mais  proeminentes  no 
movimento  industrial  e  commercial  do  mundo.  A  sua 
actividade  não  estava  concentrada  somente  nas  fabri- 
cas, onde  trabalhavam  milhares  de  operários;  compre- 
hendia  também  uma  multidão  de  pequenas  officinas. 
A  sua  primazia  consistia  nas  obras  metallurgicas.  Fabri- 
cavam-se  n'essa  cidade  objectos  de  metal  de  toda  a 
ordem,  canhões,  armas  e  maquinas  a  vapor,  ferramen- 
tas, jóias,  bronzes  preciosos,  Ídolos  chinezes,  etc.   Era 


Vide  vol.  IV,  pag.  704. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  261 


também  em  Birmingham  que  se  encontravam  as  maiores 
fabricas  do  mundo  para  a  electrolypia  dos  metaes  e 
para  a  fabricação  das  pennas  metallicas. 

Ao  norte  do  condado  de  Stafford,  havia  um  grupo 
de  cidades  industriaes  importantes  e,  entre  ellas,  Stoke- 
Upon-Trent,  Wedgwood  e  Hinton,  que  constituiam 
também  uma  região  de  fabricação  de  louças;  e  succe- 
diam-se  ainda  outras  cidades  muito  industriaes,  predo- 
minando entre  ellas  todas  a  de  Stafford. 

A  jusante  da  confluência  do  Trent  e  do  Tamisa, 
eleva-se  a  grande  cidade  do  Burton-Upon-Trent,  que 
era  outro  centro  industrial,  muito  importante,  sobretudo, 
para  a  cerveja. 

Leicester,  outra  cidade  muito  industrial,  tornou-se  o 
centro  principal  para  a  fabricação  de  carapuças. 

Sheffield,  admiravelmente  situada  na  confluência  de 
cinco  rios,  era  dos  grandes  empórios  da  industria 
ingleza.  A  sua  população,  quasi  que  centuplicou  entre 
1801  e  1871.  Já  nem  o  ferro  das  suas  minas  lhe  bas- 
tava; e,  porisso,  ella  mandava  buscar  ainda  o  da  Scan- 
dinavia. 

Leeds,  que,  já  no  século  XVIII,  era  a  quinta  cidade 
<ia  Inglaterra,  tornou-se  a  primeira  do  mundo,  como 
centro  da  fabricação  dos  pannos  e  teias.  Era  também 
muito  importante  na  fabricação  das  maquinas. 

Halifax  que,  depois  de  ter  sido  superior  a  Leeds, 
ousava  apenas  dizer-se  rival  d'ella,  tinha  grande  fabri- 
cação de  pannos,  sarjas,  tapetes  e  algodão. 

Brighouse,  Cleckheaton  e  Elland,  já  no  circulo  de 
attracção  de  Manchester,  eram  egualmente  muito  impor- 
tantes. 

Bradford  não  passava  de  uma  aldeia,  no  principio  do 


262  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


século  XIX,  e  foi  somente,  em  1822,  que  lá  se  estabele- 
ceu a  primeira  fabrica  a  vapor.  Mas,  já  nos  últimos  tem- 
pos do  mesmo  século,  tinha  um  grupo  de  fabricas  quasi 
sem  rival  para  a  fabricação  de  pannos  e  de  meias  de 
lan;  e,  nos  arredores  achava-se  Saltaire,  fabrica  modelo, 
onde  trabalhavam  ás  vezes  milhares  de  operários,  sobre- 
tudo, para  a  fabricação  de  alpaca.  Bradford  estava 
cercada  de  aldeias,  também  muito  industriaes. 

Hull  goza  na  costa  oriental  da  Inglaterra  de  uma 
situação  análoga  á  de  Liverpool  na  costa  occidental. 
Tem  até  maiores  vantagens;  porque,  pelo  estuário  do 
Humber,  encontra-se  na  saida  de  muitos  rios  navegá- 
veis, que  a  põem  em  communicação  fácil  com  toda  a 
região  central  da  Inglaterra.  Mas,  se  está  mais  bem 
coUocada  que  Liverpool  para  o  commercio  fluvial  e 
de  cabotagem,  é  menos  favorecida  para  o  tráfico  do 
mundo,  pois  que  olha  somente  para  a  Allemanha, 
Noruega  e  paizes  do  Báltico;  emquanto  que  Liverpool 
olha  não  só  para  a  Irlanda,  mas  também  para  a  Africa 
e  Novo  Mundo. 

Apesar  d'isso,  porém,  se  o  movimento  industrial  e 
commercial  do  Hull  não  chegava  ao  de  Liverpool,  era 
também  extraordinário. 

Na  bacia  do  Mersey  e  Ribble,  condados  de  Cherter 
e  Lancaster,  logo  na  parte  superior  do  Mersey,  encon- 
trava-se  a  cidade  também  do  mesmo  nome  —  Mersey, 
grande  centro  económico. 

Midlesborough,  apesar  de  ser  cidade  muito  mo- 
derna, já  no  fim  do  século,  tinha  um  grande  movimento 
económico. 

Manchester,  ainda  no  século  XVIII,  se  occupava  quasi 
exclusivamente  do  trabalho  sobre  lans.  Pelos  fins  do  mes- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  263 


mo  século,  ajuntou-Ihe  os  trabalhos  sobre  algodões; 
e,  no  século  XIX,  tornou-se,  sobretudo,  a  metrópole 
d'estas  mercadorias.  Centenas  de  fabricas,  sem  contar 
officinas  de  menor  importância,  apertavam -se  tanto 
na  cidade  como  nos  arredores  para  a  fiação  e  teci- 
dos de  algodão,  fabricação  dos  pannos  e  sedas,  bran- 
queamento, fundições,  moagem,  etc.  E,  ao  norte  de 
Manchester,  havia  também  uma  plêiade  de  cidades  ma- 
nufactoras. 

Liverpool  é  uma  cidade  relativamente  moderna,  mas 
que  prosperou  rapidamente.  Uma  das  razões  d'essa  pros- 
peridade consiste  em  ella  occupar  exactamente  o  centro 
geográfico  das  duas  ilhas  irmãs  —  a  Inglaterra,  propria- 
mente dita,  e  a  Irlanda,  e  estar  situada  á  borda  de 
bacias  hulheiras  que  se  tornaram  o  centro  das  manu- 
facturas do  mundo  inteiro.  E  esta  situação  central 
offerecia  uma  vantagem  para  o  commercio  estrangeiro, 
que  escolhera  Liverpool  como  entreposto;  porque  todas 
as  mercadorias  podiam  distribuir-se  facilmente  d'ahi  por 
toda  a  região.  O  seu  porto  pôde  conter  milhares  de 
navios,  e  disputava  a  Londres  a  primacia  commercial  do 
mundo. 

No  condado  de  Lancaster,  a  cidade  mais  notável  da 
região  era  Barrow-in-Furness. 

Situada  perto  da  ponta  meridional  da  peninsula 
cumbrienna,  o  seu  augmento  parecia  prodigioso.  Em 
1866,  o  logar  onde  hoje  está  essa  cidade,  só  tinha 
uma  casa,  e  no  porto  só  fluctuava  um  barco  de  pes- 
cador. Dez  annos  depois,  Barrow  era  já  uma  aldeia  im- 
portante; em  1874,  já  tinha  mais  de  quarenta  mil  habi- 
tantes ;  e  continuou  a  crescer,  por  forma  a  constituir  no 
dos  maiores  centros  económicos  da  Inglaterra. 


264  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Sunderland,  na  embocadura  do  Wear,  era  menos 
considerável  na  exportação  dos  carvões  da  região.  Mas 
as  vastas  docas  que  costeiam  o  mar,  estavam  cheias  de 
navios,  assim  como  o  próprio  rio,  em  todo  o  seu  curso 
inferior.  Depois  de  Londres  e  Liverpool  e  dos  portos 
do  Tyne  e  do  Wear,  possuía  mais  navios  que  outra 
qualquer  cidade  do  Reino  Unido. 

New  Castle  era  uma  das  grandes  aglomerações  de 
casas  e  fabricas  que  havia  na  Inglaterra.  O  movimento 
do  seu  porto  só  era  inferior  ao  de  Londres  e  Liverpool ; 
e,  pela  somma  da  sua  tonelagem,  tinha  mais  importân- 
cia que  Hamburgo,  Marselha  e  Anvers. 

A  cidade  de  Glasgow,  na  Escócia  meridional,  tor- 
nou-se  a  mais  populosa  da  Gran  Bretanha  depois  de 
Londres,  apesar  de  que,  em  1801,  não  tinha  ainda  mais 
que  oitenta  mil  habitantes.  Era,  sobretudo,  uma  cidade 
de  industria,  com  extrema  variedade  de  trabalhos. 
Occupava-se  da  fiação  de  algodão  como  Manchester, 
dos  pannos  como  Leed  e  Halifax,  da  juta  como  Dun- 
dee,  dos  navios  como  Middelsborough,  e  da  metallurgia, 
dos  vidros  e  das  louças  como  Birminghan  e  New  Cas- 
tle. E,  em  todos  estes  trabalhos,  era  uma  das  primei- 
ras. O  seu  commercio  estava  em  relação  com  a  sua 
industria.  E  acrescia,  para  augmentar  a  sua  importân- 
cia, que,  nos  seus  arredores,  havia  muitas  cidades  tam- 
bém manufactoras. 

Edimburgo  não  era  cidade  industrial,  nem  tinha 
preponderância  commercial,  senão  pela  producção  litte- 
raria  e  scientifica. 

Na  Escossia  septentrional,  que  era  muito  pouco 
habitada,  Dundee  tornou-se  a  cidade  mais  populosa 
d'essa  região,  e  a  primeira  para  a  fabricação  das  teias 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  265 


e  da  juta  e  cânhamo  de  Bengala,  não  somente  na 
Escossia,  mas  em  toda  a  Gran-Bretanha.  Tinha  gran- 
des canteiros  de  construcção  e  muitas  fabricas  de  curti- 
menta.  Fabricava  muita  marmellada  de  laranja,  e  entre- 
gava-se  intensamente  á  grande  pesca. 

Perth  e  Aberdeen  tinham  também  muito  commercio 
e  industria. 

Na  Irlanda,  Dublin  distinguia-se  pela  fabricação  das 
popelinas  e  cerveja.  Possuía  algumas  das  maiores  cer- 
vejarias do  Reino  Unido.  Nos  últimos  annos,  tomou  uma 
importância  extraordinária,  como  porto  de  provisão 
para  a  Inglaterra,  propriamente  dita,  para  onde  enviava 
gado  grosso,  porcos  e  géneros  agrícolas,  em  troca  de 
mercadorias  para  toda  a  Irlanda. 

Belfast  era  a  cidade  irlandeza  que  havia  crescido 
mais  rapidamente.  Em  1821,  só  tinha  27.000  habitantes, 
e,  no  fim  do  século,  a  sua  população  tinha  quintupli- 
cado. E  o  movimento  da  navegação  crescera  ainda  mais 
rapidamente.  A  industria  de  linho,  muito  antiga  no  paiz, 
é  que  principalmente  fez  a  prosperidade  de  Belfast,  e, 
entre  as  numerosas  fabricas  d'essa  cidade,  as  mais 
prosperas  eram,  realmente,  aquellas  onde  as  teias  são 
tecidas. 

Gallwai  era  muito  commerciante.  Limerik,  outrora 
a  terceira  cidade  do  reino  irlandez,  foi  perdendo  muito 
da  sua  importância;  mas,  ainda  assim,  no  fim  d'este 
periodo,  as  industrias  locaes  abarcavam  a  navega- 
ção, a  pesca,  a  salga  e  a  fiação  de  linho,  rendas  e 
luvas. 

Cork,  era,  no  fim  do  século,  também  um  centro 
muito  importante,  e  a  terceira  cidade  da  Irlanda;  e  tinha 
por  especialidade  a  fabricação  das  luvas. 


266  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


* 

* 


No  periodo  de  que  estamos  tratando,  nenhum  Es- 
tado, excepto  a  Bélgica,  augmentou  mais  as  communi- 
cações  do  que  a  Inglaterra,  por  meio  de  bellas  estradas 
em  todo  o  interior,  e  por  todas  as  saidas  da  cabotagem; 
e,  alem  d'isso,  recompoz  e  entreteve  com  todo  o  cuidado 
os  caminhos,  até  então  intransitáveis. 

No  fim  do  século,  o  Reino  Unido  contava  quasi 
25.000  kilometros  de  caminhos  vícinaes  e  de  longas  e 
boas  estradas. 

O  desinvolvimento  das  vias  férreas  foi  também 
enorme. 

Segundo  já  vimos  \  os  primeiros  caminhos  de  ferro 
na  Inglaterra  datam  de  1825,  em  que  foi  construída  a 
primeira  linha  de  Manchester  a  Liverpool;  e,  no  fim 
do  século,  o  desinvolvimento  das  vias  férreas  excedia 
32.000  kilometros. 

A  sua  repartição  é  que  era  das  mais  deseguaes. 
Assim,  no  centro  e  oeste  de  Inglaterra,  propriamente 
dita,  havia-se  ramificado  mais  a  rede.  Lancashire  e 
Sttafford  constituíam  as  regiões  mais  bem  servidas.  Em 
volta  de  Liverpool  e  Manchester,  a  com})licação  de  vias 
era  enorme.  Porém,  a  Escossia  e  Irlanda  estavam  muito 
menos  favorecidas. 


1      Vide  pag.  no. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  267 


Os  rios  e  canaes  foram  também  consideravelmente 
melhorados.  E,  apar  de  tudo  isto,  as  companhias  marí- 
timas de  que  já  falíamos  ^,  communicavam  a  Inglaterra 
com  todas  as  regiões  do  mundo  ^. 


1  Vide  pag.  169. 

2  W.  Cunningham,  The  Groath  of  English  Industry  and  Com- 
merce,  vol,  II  — Ianies;'íE.  Thorol  Rogers,  The  Industrial  and  Com- 
mercial  History  of  England,  vol.  II  — Noel,  obr.  cit.  —  M.  Z.  Lanier, 
L'Europe.  —  Mareei  Dubois  e  Kergomard,  ob.  cit.  —  E.  Reclus,  Nou- 
velle  Géographie  Universelle,  Europe  du  Nord-Ouest.  —  Henri  Cons, 
Précis  d'Histoire  du  Commerce.  —  Victor  Delville,  Manuel  de  Géo- 
graphie Commerciale.  —  Marsillac,  obr.  cit. 


CAPITULO  VI 
A  Allemanha 

Esboço  politico  da  Allemanha  no  século  XIX.  —  E,  quanto  ao  seu 
movimento  económico,  de  que  modo  o  bloqueio  continental  a 
favoreceu,  ao  contrario  do  que  succedeu  com  outros  paizes. — 
Como,  depois  da  queda  de  Napoleão,  a  Allemanha  soffreu  nova 
crise,  e  como  esta  crise  se  ag-gravou  com  a  legislação  proteccio- 
nista de  outros  povos.  —  Como  a  Allemanha  continha  em  si 
elementos  poderosos  para  a  lucta  económica.  —  Estabelecimento 
do  Zolverein  e  seus  principaes  eff eitos.  —  Como  a  guerra  com 
a  Áustria,  em  1866,  concorreu  também  para  o  adiantamento 
económico  da  Allemanha.  —  Seu  progresso  extraordinário  depois 
da  guerra  com  a  França  de  1870  e  1871.  —  Productos.  —  Agri- 
cultura.—  Industria  e  seu  grande  desinvolvimento.  —  Adianta- 
tamento  enorme  do  commercio.  —  Centros  económicos  principaes. 
—  Communicações. 

Napoleão  supprimiu  o  Santo  Império  Germânico,  e 
instituiu  a  Confederação  do  Rheno,  sob  o  seu  protecto- 
rado. Depois  da  queda  d'elle  (1815),  o  congresso  de 
Vienna  substituiu  áquella  Confederação  do  Rheno  a 
Confederação  Germânica,  sob  a  presidência  austríaca. 
Em  1848,  após  uma  revolução  que  rebentou  na  Áustria, 
a  Confederação  Germânica  foi  dissolvida;  e  o  parla- 
mento que  a  substituiu,  composto  de  representantes  de 
todos  os  Estados  confederados,  offereceu  a  coroa  impe- 


270  A   HISTORIA  ECONÓMICA 


rial  ao  rei  da  Prússia,  Frederico  Guilherme  IV,  que  a 
recusou,  tratando  apenas  de  criar  uma  união  parcial 
restricta  aos  Estados  septentrionaes. 

A  Áustria  fez  baldar  as  combinações  prussianas,  e 
restabeleceu  a  Confederação  Germânica,  em  1850,  pro- 
vocando com  isso  uma  rivalidade  entre  os  dois  Estados 
que  arrastou  a  Áustria  á  guerra  de  1866,  onde  foi  ven- 
cida pela  Prússia,  na  batalha  de  Sadowa.  A  Confedera- 
ção Germânica  foi,  então,  dissolvida;  e  a  AUemanha 
lhe  escapou,  para  se  sujeitar  ao  jugo  da  Prússia,  onde 
reinava  Guilherme  1,  que,  pela  guerra  com  a  França, 
em  1870,  acabou  de  firmar  a  supremacia  allemã,  e  foi 
proclamado  imperador  hereditário  da  AUemanha.  Suc- 
cedeu-lhe  o  filho  Frederico  111  (1888);  e  a  este  o  filho 
Guilherme  11,  que  se  esmerou  porfiadamente  em  fazer 
também  da  AUemanha  uma  potencia  colonial,  a  desin- 
volvel-a  por  toda  a  forma  sob  o  aspecto  económico,  e 
a  tornal-a  o  primeiro  Estado  militar  do  mundo. 


A  AUemanha  até  1815,  em  que  terminaram  as  guer- 
ras napoleónicas  e  a  agitação  da  Europa,  soffreu,  como 
em  geral  toda  esta,  os  desastres  dessas  guerras.  Mas  o 
bloqueio  continental,  ao  contrario  do  que  succedeu  nos 
outros  paizes,  em  vez  de  prejudicar  o  commercio  e 
industria  dos  Allemães,  favoreceu-os. 

E,  na  verdade,  antes  dessa  época,  a  industria  allemã, 
tão  florescente  na  edade  media  e  nos  primeiros  séculos 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  271 


da  edade  moderna,  não  tinha  cessado  de  defcair,  esma- 
gada pela  concorrência  da  Inglaterra,  que  alem  de  estar 
senhora  das  manufacturas  de  Portugal  \  graças  ás  con- 
cessões commerciaes  que  lhe  tinha  imposto,  exercia 
uma  preponderância  incontestada  em  quasi  todos  os 
outros  paizes  da  Europa. 

A  França  e  a  Hespanha,  pela  sua  situação  geográ- 
fica, pelas  suas  colónias  e  poderosa  marinha  mercante, 
haviam  podido  escapar  á  pressão  ingleza.  Mas  a  Alle- 
manha,  paralisada  em  todas  as  suas  acções,  pela  divisão 
do  território  e  pelo  numero  considerável  de  pequenos 
Estados  independentes,  devia  soffrer,  como  soffreu,  a 
concorrência  ruinosa  das  manufacturas  inglezas,  até  o 
dia  em  que  o  bloqueio,  excluindo  dos  fnercados  conti- 
nentaes  os  productos  da  Gran  Bretanha,  deu  momenta- 
neamente aos  Allemães  a  vida  e  a  prosperidade  que 
vieram  compensar,  economicamente  fallando,  os  desas- 
tres da  guerra. 

A  queda  de  Napoleão  foi  para  a  AUemanha  o  signal 
de  uma  nova  crise,  e  tanto  mais  que  a  Inglaterra,  por 
meio  das  suas  maquinas,  tinha  alargado  e  aperfeiçoado 
os  seus  productos,  e  conseguido  uma  barateza  maior; 
e  até  fabricava  os  algodões  de  forma  que  substituíam 
bem  as  teias  de  linho  estrangeiras,  dispensando  e  pre- 
judicando assim  os  linhos  da  Silezia.  E  o  mesmo  acon- 
tecia com  os  pannos  da  Baviera,  que  eram  prejudicados 
não  só  pela  concorrência  similar  dos  Inglezes,  mas 
também  pela  dos  Belgas. 


1     Vide  o  capitulo  XXIII  sobre  Portugal. 


272  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Demais  a  mais,  uma  nova  legfislação  restrictiva  na 
França  e  na  Bélgica  veiu  aggravar  a  situação.  E  a 
própria  Áustria,  com  o  fim  de  defender  as  respectivas 
industrias,  prohibiu  nas  suas  provincias  de  Veneza  e 
Lombardia  a  importação  dos  productos  estrangeiros,  e, 
especialmente,  das  teias  da  Suabia, 

Mas,  apesar  da  situação  dolorosa  a  que  taes  cir- 
cunstancias sujeitavam  a  AUemanha,  ella  continha  em 
si  elementos  importantes,  para  vencer  o  perigo.  Na 
fabricação  dos  tecidos  e  dos  cabedaes,  nas  obras  de 
aço,  cobre,  madeira  e  artefactos  de  palha,  os  seus 
artistas  haviam  guardado  a  antiga  reputação.  As  teias 
de  Lusacio,  de  Brunswick,  os  algodões,  pannos,  rendas, 
porcellanas,  faianças,  vidrarias  e  aços  da  Saxonia,  as 
refinações  de  Hamburgo,  as  obras  de  pau  de  Nurem- 
berg,  o  commercio  de  Leipzig,  e  o  movimento  econó- 
mico de  Munich,  Stuttgard,  Gotha,  Weimar,  Carlruhe, 
lena,  Dresde,  Gcetinger  e  Hanover  conservavam-lhe 
uma  importância  especial.  E  o  commercio  de  Ham- 
burgo rivalisava  ainda  com  o  das  maiores  praças  da 
Europa. 

Como  diz  Noel,  só  faltava  a  todos  estes  elementos 
alma  enérgica,  para  os  tornar  fecundos  e  dar-lhes  todo 
o  valor.  Foi  essa  a  obra  do  Zolverein,  cuja  iniciativa 
foi  tomada  pela  Prússia. 

Consistiu  elle  n'uma  grande  associação  económica 
de  toda  a  AUemanha,  em  que  foram  abolidas  as  alfan- 
degas interiores,  uniformisados  os  direitos  aduaneiros 
n'um  systema  amplamente  liberal,  reunindo  como  n  um 
feixe  todas  as  actividades  da  pátria  allemã.  E,  quanto 
aos  paizes  estrangeiros,  havia  egualmente  um  regimen 
aduaneiro,   fundado   no   principio   de   reciprocidade  ou 


EDADE  tONTEMPORANEA  273 


retorsão  ^,  até  que  esses  paizes  tivessem  adoptado  tam- 
bém o  principio  da  liberdade  do  commercio. 

Ainda  assim,  a  empresa  levou  tempo  a  concluir; 
porque,  primeiramente,  a  Allemanha  estava  dividida  em 
differentes  associações,  e  depois  é  que,  devido  aos 
esforços  da  Prússia  e  ao  talento  eminente  de  Frederico 
List,  que  organisou  a  respectiva  constituição  do  Zolve- 
rein,  se  foi  alargando  a  área  d'esta  collectividade. 

A  queda  dos  Bourbons  e  a  revolução  de  julho, 
espalhando  por  toda  a  parte  uma  nova  fermentação 
liberal,  como  já  vimos  ^,  veiu  ajudar  os  desejos  da 
Prússia,  porque  o  movimento  iíisurreccional  que  essa 
queda  tinha  produzido  além  do  Rheno,  havia  concorrido 
para  apertar  o  laço  federal  entre  as  differentes  cortes 
allemãs,  e  incitado  os  governantes  a  darem  aos  res- 
pectivos povos  penhores  de  solicitude,  favorecendo-lhes 
também  os  respectivos  interesses,  e  libertando  as  tran- 
sacções dos  embaraços  que  até  então  detinham  o  seu 
desinvolvimento. 

Demais  a  mais,  todas  as  associações  criadas  depois 
de  1819,  estando  repartidas  em  zonas  distinctas  parali- 
savam as  forças  que  podiam  resultar  da  cohesão.  Os 
resultados  com  que  ellas  tinham  contado,  não  cor- 
respondiam á  espectativa,  e  o  contrabando,  favorecido 
por  essa  mesma  fraqueza  de  acção,  coartava  muito  as 
vantagens  financeiras  e  commerciaes  que  se  tiveram 
em  vista. 


1     Sobre    retorsão,  Adriano  Anthero,  O  Direito  Internacional, 
pagf.  350  e  seguintes. 

"^     Vide  capitulo  III. 

Volume  VI  18 


274  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Por  isto,  essas  pequenas  associações  desejavam  sair 
do  seu  isolamento,  e  esse  espirito  publico  actuou  eg-ual- 
mente  nos  governantes.  E  foi  assim  que,  em  1  de 
janeiro  de  1834,  depois  de  quinze  annos  de  esforços  e 
experiências,  estava  fundado  e  organizado  o  Zolverein 
e  todas  as  associações  fundidas  n'elle.  Mesmo  alguns 
pequenos  Estados  que  estavam  na  espectativa,  adheri- 
ram  depois  promptamente.  A  própria  Áustria  adheriu 
também  em  1853,  devido  principalmente  aos  esforços 
do  seu  ministro  Brusk. 

O  primeiro  effeito  de  Zolverein,  foi  agrupar  em 
volta  da  Prússia,  que  devia  mais  tarde  tirar  d'isso  um 
proveito  considerável,  uma  população  de  33  milhões  de 
almas,  vivendo  sob  a  mesma  legislação  commercial  e 
submettida  á  mesma  regra,  no  respeitante  ás  relações 
económicas. 

O  segundo  effeito  foi  um  augmento  rápido  e  muito 
importante  das  trocas  da  Allemanha  com  as  outras 
nações,  coincidindo  isso  com  um  progresso  accen- 
tuado  em  todos  os  ramos  da  industria  manufactora 
do  paiz. 

A  guerra  com  a  Áustria,  em  1866,  e  a  derrota  dos 
Austriacos,  d'onde  resultou  a  preponderância  da  Prús- 
sia sobre  os  Estados  da  antiga  Confederação  Ger- 
mânica, concorreu  muito  para  o  progresso  económico 
da  Allemanha,  pela  iniciativa  da  própria  Prússia.  Mas, 
desde  1870,  após  a  guerra  com  a  França,  é  que  o 
progresso  dos  AUemães  foi  enorme  até  o  fim  do 
século  XIX. 

A  victoria  allemã  arrancou  á  França  duas  das  suas 
melhores  provincias,  a  Alsacia  e  a  Lorena,  onde  abun- 
davam grandes  jazigos  de  carvão  e  de  outras  matérias 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  275 


primas;  e  fez  do  rei  da  Prússia  o  imperador  da  Allema- 
nha.  Os  príncipes  do  sul,  entraram,  então,  na  confede- 
ração do  império;  e  a  Allemanha  saiu  de  tudo  isso 
poderosa  e  preponderante  na  Europa.  E,  embora  o  tra- 
tado de  Francfort,  que  acabou  aquella  guerra,  estabele- 
cesse theoricamente  um  regimen  de  paz,  porque  na  pratica 
era  o  regimen  de  paz  armada,  a  Europa  viveu,  desde  1871, 
na  ameaça  de  uma  nova  lucta;  e  a  Allemanha,  assim 
unida,  poderosa  e  preponderante,  cuidou  de  se  engran- 
decer também  economicamente,  o  que  pôde  conseguir 
de  uma  forma  quasi  maravilhosa.  O  próprio  Bismarck, 
nomeado  ministro  do  commercio,  proclamava  que,  de- 
pois das  victorias  militares,  queria  offertar  ao  paiz  as 
victorias  económicas.  E,  realmente,  a  partir  de  1871, 
o  novo  império  cobriu-se  de  officinas,  fabricas  e  ma- 
nufacturas  de   toda    a   ordem. 


Especializando  agora  os  factores  económicos,  e 
começando  pela  população,  o  império  allemão,  desde 
1872  até  o  fim  do  século,  augmentou  n'ella  12.300:000, 
isto  é,  quasi  30  por  cento,  de  modo  que,  em  1899, 
essa  população  era  de  55  milhões.  E,  sobretudo,  a 
população  operaria  cresceu  na  proporção  de  66  por 
cento  \ 


^     Georg-es     Blondel,     LEssor    Industriei    et    Commerciale    dii 
Peuple  Allemand. 


276  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Nos  últimos  vinte  annos,  duas  das  cidades  allemãs 
—  Manhein  e  Dusseldorf,  augmentaram  em  população 
100  por  cento;  oito  augmentaram  de  80  a  100  por  cento; 
quatorze,  de  58  a  80  por  cento;  quatro,  de  28  a  50  por 
cento.  E,  no  quadrilátero  de  65  kilometros,  entre  Munich, 
Gladbach,  Dortemunde,  Duisburg  e  Colónia,  a  população 
cresceu  80  por  cento.  Essen,  em  cinco  annos,  augmen- 
tou  32  mil  almas.  Dusseldorf,  em  vinte  annos,  mais  que 
dobrou. 


Já  no  volume  V,  pag.  199  e  seguintes,  dissemos 
quaes  os  productos  próprios  do  solo  allemão.  Ora  os 
productos  agrícolas  e,  portanto,  a  agricultura,  dimi- 
nuíram em  proveito  das  industrias  propriamente  ditas, 
que  chamavam  a  si  a  força  dos  trabalhadores.  Apenas 
a  beterraba,  por  causa  do  assucar,  augmentou  enorme- 
mente. Aconteceu  a  mesma  coisa  com  a  batata,  que 
era  a  compensação  da  pobreza  da  AUemanha  em  trigo. 
E  também  a  producção  do  cânhamo  e  linho,  outrora 
tão  copiosa,  era  ainda  assaz  activa  para  entreter  as 
respectivas  industrias  e  fornecer  também  um  pequeno 
saldo  á  exportação. 

As  florestas  estavam  muito  devastadas  no  fim  do 
século,  apesar  de  ser  ainda  grande  a  sua  superfície. 

A  criação  do  gado  era  muito  considerável;  porque 
a  AUemanha  não  podendo  offerecer  aos  cereaes  vastas 
superfícies  de  cultura,  em  compensação,  dedicava  a  essa 
criação  animal  a  parte  do  solo  rebelde  áquelle  outro 
emprego. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  277 


Quanto  ás  industrias  mineraes,  a  exploração  mineira, 
só  nas  quatro  bacias  principaes,  Ruhr,  Alta  Silezia, 
Saxe  e  Mosella,  n'uma  superfície  de  3.600  milhas  qua- 
dradas, cheg-ou  a  dar  uma  producção  annual  de  710 
milhões  de  marcos. 

A  producção  do  zinco,  do  cobre  e  chumbo  augmen- 
tou  egualmente;  e,  com  tudo  isto,  a  industria  mineira, 
sobretudo,  ao  pé  dos  jazigos  hulheiros,  deu  ás  maqui- 
nas, locomotivas  e  material  das  vias  férreas  de  toda  a 
espécie,  uma  impulsão  tão  considerável  que,  no  fim  do 
século,  havia  muitas  maquinas  que  somente  se  podiam 
procurar  na  Allemanha. 

Merece  especial  menção  a  casa  Krupp,  que  era  a 
primeira  casa  metallurgica  da  Allemanha.  Não  contente 
em  desinvolver  os  seus  estabelecimentos  de  Essen, 
esforçou-se  por  augmentar  a  producção,  tanto  pela 
compra  de  casas  rivaes,  por  exemplo  a  de  Pavezes  Me- 
tallurgicos  Gruson,  em  Magdeburgo,  como  annexando 
industrias  complementares,  e  ainda  fusionando-se  com 
o  canteiro  de  construcção  Vulcano  de  Stettin.  Comprou 
também  em  Kiel  um  vasto  canteiro  de  construcção, 
chamado  A  Germânia;  de  modo  que,  unindo  assim  uma 
fabrica  metallurgica  aos  canteiros  marítimos,  pôde  for- 
necer, ao  mesmo  tempo  que  o  material  ordinário  das 
construcções  navaes,  folhas  de  aço,  pavezes,  placas, 
couraças,  necessárias  aos  cruzadores  da  marinha  impe- 
rial, maquinas,  caldeiras,  peças  de  artilharia  e  seus 
projecteis.  Em  1899,  o  numero  de  pessoas  empregadas 
Ji'essa  casa  Krupp  era  de  41.750. 


278  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


As  industrias  de  electricidade  merecem  também 
menção  especial.  Os  centros  eram:  Meerane,  Plauen, 
perto  de  Dresde,  Meissen,  Milau,  Cofditz,  Dõbeln, 
Thõha,  Lugfo,  Waldemburgo,  etc;  e,  sobretudo,  Nurem- 
berg,  onde  a  fabricação  das  maquinas  eléctricas  era 
uma  das  principaes  industrias. 

A  industria  têxtil  foi  certamente  uma  das  mais  typi- 
cas  na  evolução  económica,  com  os  principaes  ele- 
mentos que  a  caracterisam,  como  são:  reducção  pro- 
gressiva da  mão  de  obra,  augmento  do  trabalho  das 
mulheres  e  dos  rapazes  e  raparigas,  substituição  das 
maquinas  ao  trabalho  humano,  e  desinvolvimento  enorme 
da  producção. 

A  industria  linheira  occupava  outr'ora  o  primeiro 
logar  nas  industrias  textis  da  Allemanha,  e  a  teia  fiada 
pelas  próprias  mãos  da  familia  era  o  vestuário  histórico 
dos  Allemães;  mas  a  industria  do  algodão  supplan- 
tou-a.  E'  que  esta  era  uma  industria  moderna,  favorá- 
vel ao  emprego  das  maquinas  e  á  geralisação  da  mer- 
cadoria. 

Por  toda  a  parte,  onde  essa  industria  se  estabeleceu, 
logo  attingiu  um  desinvolvimento  extraordinário,  ao 
mesmo  tempo  que  obteve  um  triunfo,  pela  grande  pro- 
ducção mecânica,  em  vista  das  vantagens  que  ella 
encerrava;  e  tudo  isso,  por  forma  a  sustentar  a  con- 
corrência nos  mercados  do  mundo.  E  ainda  a  annexa- 
ção  da  Alsacia  e  Lorena  fez  augmentar  mais  de  metade 
essa  mesma  industria  algodoeira. 

As  regiões  onde  ella  mais  se  desinvolveu,  foram  a 
Prússia  rhenana,  Silesia,  Saxe  e  Wurtemberg. 

O  progresso  de  semelhante  industria  foi  tal  que, 
em  1896,  dava  o  dobro  da  producção  de  1875.  Depois 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  279 


de  1896,  é  que  diminuiu  alguma  coisa,  em  consequência 
das  medidas  protectoras  dos  Estados  Unidos  e  de  outros 
paizes ;  e  essa  diminuição  fez-se  principalmente  sentir 
nos  fustões  e  outros  estofos  grosseiros  análogos. 

A  industria  dos  pannos,  das  sedas,  dos  velludos, 
e  das  rendas  desinvolveu-se  também  muitissimo.  E  a 
das  confecções  tomou  igualmente  um  grande  incre- 
mento, sendo  os  principaes  centros  Berlim,  Breslau 
e  Erfurt. 

As  industrias  chymicas  alcançaram  da  mesma  forma 
grande  progresso. 

Sabe-se  a  importância  que  tiveram  no  século  XIX 
as  industrias  colorantes.  Foi,  como  já  dissemos  \  a  um 
modesto  preparador  de  chymica  do  lyceu  de  Lyon,  cha- 
mado Vergouin,  que  pertenceu  o  mérito  da  descoberta 
de  extrair  da  hulha  as  matérias  colorantes;  mas  foram  os 
Allemães  que  tiraram  o  maior  proveito  d'ella.  Sobretudo, 
nos  últimos  tempos  do  século  XIX,  a  producção  aug- 
mentou,  cada  anno,  8  a  10  por  cento,  e  os  salários  dos 
operários  augmentaram  também  na  mesma  proporção : 
o  que  prova  a  prosperidade  d'essas  industrias. 

Em  todos  os  outros  ramos  das  industrias  chymicas 
dava-se  também  um  progresso  extraordinário.  Só  a 
grande  fabrica  da  Silesia,  em  Saarau,  ao  SO.  de  Bres- 
lau, entregava,  n'uma  proporção  sempre  crescente,  soda, 
potassa,  sal  de  Glauber,  chloro,  acido  sulfúrico,  amo- 
niaco,  etc.  Pode  dizer-se,  de  um  modo  geral,  que  para 
todas  as  grandes  industrias  chymicas,  a  Allemanha 
manteve  o  primeiro  logar  nos  mercados  do  mundo. 


1     Vide  pag.  101. 


280  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


Com  OS  productos  pharmaceuticos  dava-se  a  mesma 
coisa;  mas,  também  no  fim  do  século,  a  tarifa  americana 
prejudicou  bastantemente  essa  industria. 

Quanto  a  porcellanas,  faianças  e  vidrarias,  ao  lado 
das  manufacturas  do  Estado  em  Berlim  e  Meissen,  cujo 
fim  principal  era  o  conservar  as  tradições  artisticas, 
formou-se  uma  grande  quantidade  de  estabelecimentos 
livres,  para  sustentar  o  consumo  ordinário;  e  a  con- 
corrência entre  elles  obrigou-os  a  produzir  cada  vez 
melhor. 

Outr'ora,  o  publico  allemão  só  procurava  arti- 
gos de  bom  gosto  entre  os  productos  estrangeiros, 
e,  sobretudo,  francezes;  mas,  nos  últimos  tempos  do 
século  XIX,  a  porcellana  allemã  achava  já  por  toda  a 
parte  desembocadouros  vantajosos,  e  mesmo  na  pró- 
pria França. 

Quanto  aos  moveis,  brinquedos  de  crianças,  instru- 
mentos de  musica,  obtiveram  elles  egualmente  um 
grande  progresso,  a  ponto  de  se  exportarem  em  muita 
quantidade  para  a  Hollanda,  Suissa,  Servia,  Romania  e 
Bulgária,  e  até  para  a  America  do  Sul.  A  fabricação 
dos  brinquedos  de  crianças  e  bonecas,  só  no  districto 
consular  de  Leipzig,  ocupava,  no  fim  do  século,  trinta 
mil  operários  dos  dois  sexos. 

As  fabricas  dos  instrumentos  de  musica  tornaram-se 
também  prosperas.  E,  em  summa,  egual  prosperidade 
se  deu  em  todas  as  industrias  propriamente  ditas,  como 
a  do  papel,  do  cabedal,  livros,  encadernações,  etc.  Só 
nas  de  arte  e  luxo,  é  que  a  Allemanha  não  progrediu 
tão  vantajosamente,  embora  não  ficasse  estacionaria. 
N'essa  parte,  porém,  a  superioridade  da  França  foi  sem- 
pre evidente. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  281 


* 
* 


Quanto  ás  industrias  agricolas,  a  população  agri- 
cultora da  Allemanha,  desde  o  meado  do  século,  di- 
minuiu muito  em  proporção  da  população  das  outras 
industrias. 

No  meado  do  século,  ainda  ella  formava  65  por  cento 
da  população  total.  Em  1870,  era  já  de  metade;  no 
recenseamento  de  1882,  já  tinha  descido  a  42,5  por 
cento;  e  em  1895  só  era  de  18:501.307  \ 

Por  outro  lado,  até  o  meio  do  século  XIX,  a  Alle- 
manha tirava  do  seu  solo  todos  os  géneros  indispen- 
sáveis à  sua  subsistência,  e  apenas  pedia  ao  estrangeiro 
géneros  coloniaes  ou  produtos  análogos.  As  industrias 
textis  trabalhavam  também  quasi  exclusivamente  a  lan 
e  linho  indigena.  E  as  outras  industrias,  as  da  pedra, 
papel,  madeira,  cabedal,  e  mesmo  as  metallurgicas,  só 
tiravam  também  do  estrangeiro  uma  pequena  parte  das 
matérias  primas. 

Depois  de  1850,  porém,  e,  sobretudo,  depois  de 
1871,  mudaram-se  as  coisas.  A  importação  dos  pro- 
ductos  agricolas  de  toda  a  ordem  passou  para  a  pri- 
meira classe,  e  a  das  matérias  primas  que  o  paiz  não 
produzia,  vinha  em  segundo  logar. 


1     Georg-es  Blondel,  Elude  sur  les  populations  rurales  de  VAl- 
lemagne. 


282  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  Allemanha  precisou,  assim,  de  pedir  ao  estran- 
geiro não  só  muitos  cereaes,  mas  também  quantidades 
consideráveis  de  plantas  commerciaes,  flores,  legumes, 
e  mesmo  batatas;  e  era  egualmente  tributaria  do 
estrangeiro,  quanto  ao  gado.  A  própria  silvicultura, 
que  também  se  desinvolveu  muito  depois  de  1871, 
não  pôde  por  fim  acompanhar  o  consumo  sempre 
crescente  do  pau  de  toda  a  ordem;  e  a  necessidade 
da  madeira  de  marcenaria  augmentou  continuada- 
mente. 

Comtudo,  muitos  agricultores  trataram  zelosamente 
de  fazer  progredir  a  lavoira  e  de  industrialisal-a, 
aproveitando  algumas  das  invenções  scientificas  con- 
temporâneas. E  muitas  leitarias,  distillações  e  assu- 
cararias  se  multiplicaram  pelos  campos.  Sobretudo, 
as  assucararias  tomaram  enorme  incremento.  N'essa 
parte,  os  AUemães,  desbancaram  a  própria  França, 
que  até  1870  tinha  o  primeiro  logar  na  fabricação 
do  assucar  de  beterraba,  e  tornaram-se,  assim,  os 
primeiros  fabricantes  e  exportadores  d'esse  género. 
E,  apar  disso,  a  cervejaria  e  distilação  do  álcool  tor- 
naram-se também  muito  importantes. 


* 
* 


A  pesca,  sobretudo,  a  pesca  a  vapor,  fornecia  grande 
abundância  de  productos.  Em  1872,  formou-se  a  pri- 
meira sociedade  para  a  pesca  do  arenque;  e,  em  1898, 
a  frota  piscatória  era  já  de  118  vapores,  representando 
um  capital  de  15  milhões  de  marcos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  283 


Ao  grande  movimento  industrial  correspondeu  um 
movimento  commercial  ainda  maior. 

Assim,  o  commercio  interior  augmentou  enorme- 
mente, graças  também  ao  enorme  desinvolvimento  da 
industria  e  das  communicações,  de  que  em  breve  fallare- 
mos.  E  tudo  isso  influiu  no  commercio  externo ;  tanto 
mais  que  o  augmento  industrial  trazia  a  necessidade 
de  importação  de  matérias  primas  e  a  transfusão  de 
productos  industriaes  por  toda  a  parte. 

Augmentou  este  depois  de  1871  até  o  fim  do  século, 
60  por  cento ;  e,  n'este  movimento  ascendente,  era  a 
navegação  maritima  que  figurava  em  primeiro  logar. 
Só  essa  fornecia  66  por  cento  do  commercio  exterior, 
e,  sobretudo,  com  os  paizes  ultramarinos. 

Hamburgo,  por  exemplo,  que,  em  1871,  recebia 
apenas  três  a  quatro  mil  navios  por  anno,  cujo  total 
não  excedia  meio  milhão  de  toneladas,  no  fim  do 
século,  recebia  vinte  e  seis  mil  navios  por  anno,  de 
uma  tonelagem  superior  a  quinze  milhões.  O  commercio 
d'esse  porto  chegou  a  dominar  toda  a  Allemanha,  uma 
parte  da  Áustria,  os  paizes  scandinavos  e  todo  o  nor- 
deste da  Rússia;  e  o  seu  tráfico  representava  mais  de 
duas  partes  de  todo  o  tráfico  allemão. 

Para  esta  expansão  do  commercio  externo  contribuiu 
também  a  emigração.  Não  se  encontrava,  com  effeito, 
um  ponto  do  globo,  onde  os  negociantes  allemães  se 
não    tivessem    estabelecido;    e    eram    por    milhares   de 


284  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


cifras  as  sommas  introduzidas  por  elles  no  estran- 
geiro, e  confiadas  a  empresas,  também  na  maior  parte 
allemãs. 

A  cidade  de  Londres,  os  cães  de  Rotterdam,  de 
New  York,  de  Pernambuco,  de  Shangai,  etc,  abunda- 
vam de  Allemães.  Os  Inglezes,  apesar  de  tão  industriaes 
e  activos,  iam  estabelecer-se  unicamente  em  certos 
paizes;  os  Allemães,  porém,  estabeleciam-se  por  toda 
a  parte;  e  a  facilidade  com  que  se  adaptavam  a  qual- 
quer paiz,  era  prodigiosa. 

A  marinha  mercante,  que  tanto  auxilia  o  commercio, 
augmentou  muito,  principalmente,  a  que  estava  ligada 
ao  Mar  do  Norte,  como  augmentaram  egualmente  as 
construcções  maritimas. 

Os  principaes  canteiros  eram  os  de  Hamburgo, 
Stettin,  Kiel,  Flessing,  Rostock,  Dantzig,  Elbing,  Gees- 
temiinde,  Bremeshaven,  Wilhelmshaven  e  Vegesack.  Só 
a  Companhia  Norddentsher  Lloyd  chegou  a  ter  95  gran- 
des vapores  e  141  pequenos,  com  um  total  de  448.168 
toneladas. 

A  companhia  de  Hamburgo  Amenka  attingiu  85 
navios  de  alto  mar,  medindo  425.000  toneladas.  A 
Deutshe-Line  attingiu  também  18  grandes  navios,  e 
havia  ainda  muitas  outras  companhias,  também  impor- 
tantes, navegando  para  todos  os  portos  do  mundo. 
E  todas  ellas  eram  outras  tantas  artérias  de  commercio 
allemão. 

Para  desinvolver  mais  o  seu  tráfico,  a  AUemanha 
lançou-se  nas  emprezas  de  colonisação;  e,  se  taes  em- 
presas não  deram  todo  o  resultado  que  se  esperava, 
ainda  assim,  serviram,  cada  vez  mais  para  o  desinvolvi- 
mento  económico  dos  Allemães,  que  se  esforçaram  por 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  285 


fazer  valer  as  aptidões  colonisadoras  da  sua  raça,  bem 
como  a  facilidade  com  que  appropriavam  a  ling^ua  e  os 
costumes  dos  paizes  distantes. 

Esta  febre  colonisadora,  ateando-se,  desde  1880,  por 
meio  da  animação  do  Governo,  dada  aos  particulares 
ou  ás  companhias,  fez  que  a  politica  da  Allemanha 
criasse  colónias  do  império  com  subvenções  votadas 
pelo  Reichstag.  E,  sobretudo,  o  que  a  Allemanha  tinha 
em  vista,  não  eram  as  conquistas  militares  do  território 
de  taes  colónias,  mas  sim  assegurar  novas  facilidades  de 
compras  e  vendas. 

Criaram-se  até  sociedades  colonisadoras,  para  auxi- 
liarem esse  movimento.  E  os  próprios  missionários, 
estabelecendo-se  nessas  colónias,  e  mesmo  em  algumas 
dos  paizes  estrangeiros,  vieram  coadjuvar  semelhantes 
emprezas. 


Escusamos  de  especificar  os  paizes  com  que  a 
Allemanha  fazia  o  seu  commercio,  porque  pôde  dizer-se 
que  era  com  todo  o  mundo. 

Em  todo  o  caso,  a  Inglaterra  vinha  em  primeiro 
logar,  por  causa  dos  productos  coloniaes  de  que  a 
Allemanha  carecia;  depois,  a  America  do  Norte,  que  lhe 
fornecia  cereaes  e  algodão;  e,  em  seguida,  a  Rússia,  o 
Brazil  e  a  Austria-Hungria,  que  a  Allemanha  inundava 
dos  seus  productos  manufacturados,  a  França,  Algéria, 
Paizes  Baixos,  Suissa,  Itália,  etc. 

Importava,  principalmente,  matérias  textis,  cereaes, 
gado,  café,  géneros  coloniaes,  pelles  e  cabedaes,  algo- 
dão e  vinhos. 


286  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


E  exportava,  sobretudo,  tecidos,  assucar  de  beter- 
raba, ferro  em  obra  e  em  bruto,  zinco,  hulha,  maquinas, 
cores,  papel,  artigos  de  couro,  livros,  objectos  de  arte, 
artigos  de  madeira,  lan  fiada,  seda  bruta  e  lúpulo. 

* 

*  * 

A  propósito  das  industrias,  notámos  já  quasi  todos 
os  centros  económicos  mais  importantes.  Mas  vamos 
ainda  accrescentar  alguns  dados,  que  ampliam  o  que  já 
dissemos  ^. 

Na  Alsacia  e  no  alto  Rheno,  Mulhouse  era  muito 
importante,  e  tinha  um  cortejo  de  cidades  secundarias, 
que  eram  também  outros  centros  industriaes.  Continha 
muitas  fabricas  de  fiação  e  tecidos  de  algodão,  de 
cervejaria,  outras  de  construcção  maritima  e  diversas 
manufacturas,  etc;  e  era  também  uma  grande  potencia 
financeira  da  Europa.  Foi  em  Mulhouse  que  se  cons- 
truiu, em  1812,  a  primeira  maquina  a  vapor  da  Alsacia. 

No  baixo  Rheno,  havia  Strasburgo,  também  muito 
importante,  como  praça  militar;  mas  fracamente  desin- 
volvida  no  commercio  e  na  industria,  apesar  da  grande 
emigração  dos  Allemães  para  lá,  depois  que  essa  praça 
lhes  ficou  pertencendo  pela  guerra  de  1870. 

No  valle  do  Sarre,  havia  o  grande  centro  industrial 
de  Saarbriiken,  situado  no  meio  da  sua  rica  bacia 
hulheira. 


1     Quanto    aos    centros    mais    importantes    na  edade  moderna, 
veja-se  o  vol.  V,  pag.  295  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  287 


Metz  era  como  Strasburgo,  uma  cidade  militar, 
pouco  abundante,  por  isso  mesmo,  de  industria  e 
commercio. 

Na  Floresta  Negra,  a  grande  industria  era  ainda  a 
exploração  do  pau,  embora  em  muitas  partes  as  flores- 
tas estivessem  devastadas  e  substituidas  pela  agricul- 
tura. Havia  minas  muito  productivas,  mas  estavam 
quasi  abandonadas,  A  emigração  no  inverno  era  muito 
grande;  e  o  trabalho  favorito  dos  homens  da  montanha 
consistia  na  fabricação  de  relógios  de  pau  e  mesmo  de 
metal  branco.  Não  havia  ahi  grandes  centros  de  com- 
mercio; mas,  ainda  assim,  além  de  outras  cidades 
menos  importantes,  Friburgo  era  um  centro  industrial 
e  commercial  notável. 

Lautern,  a  principal  cidade  de  Palatinado,  estava 
cheia  de  fabricas  de  toda  a  espécie,  de  modo  que, 
apesar  de  ser  uma  cidade  antiga,  parecia  muito  mo- 
derna, por  estar  sempre  ennegrecida  pelo  fumo. 

Francfort,  coUocada  n'uma  bella  situação,  era  tam- 
bém muito  notável  por  seu  commercio  e  industria.  E 
distinguia-se  entre  todas  as  cidades  rhenanas,  pelo  trá- 
fico de  livros,  e  fabricação  de  caracteres  de  imprensa, 
em  que  vinha  logo  depois  de  Berlim  e  de  Leipzig. 

Colónia,  era  antes,  uma  cidade  de  guerra,  potente- 
mente fortificada,  do  que  um  grande  centro  industrial  e 
commercial. 

Aix-La-Chapelle  ppssuia  muitos  elementos  de  riqueza 
nas  suas  minas  de  carvão,  de  chumbo  e  zinco;  e  tinha 
também  muitas  fabricas  metallurgicas  e  de  alfinetes,  e, 
sobretudo,  de  pannos. 

Dusseldorf  era  egualmente  muito  industrial  e  com- 
mercial. 


288  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Solingen  estava  no  mesmo  caso,  e  era  o  centro 
principal  da  quinquilharia. 

Elberfeld  e  Barmen,  que  se  fundiam  num  amon- 
toado de  fabricas,  occupavam  já  um  espaço  de  8  kilo- 
metros.  E  a  sua  população  inteira  gravitava  em  volta 
das  fiações  de  seda,  algodão,  linho,  manufacturas  de 
fitas,  tinturarias,  fabricas  de  cores  e  outros  estabeleci- 
mentos industriaes. 

Essen  enfileirou-se  em  menos  de  um  século  no 
numero  das  grandes  cidades  da  Prússia,  e  cresceu  de 
anno  para  anno,  assim  como  as  suas  vizinhas  Altennes- 
sen,  Altendorf  e  Borbeck,  que,  ainda  bem  pouco  tempo 
antes,  não  passavam  de  aldeias.  Era  em  Essen  que 
estava  a  celebre  fabrica  de  Krupp,  que  entregava  á  Alle- 
manha  e  a  tantos  paizes  civilizados  os  seus  famosos 
canhões.  E,  comtudo,  os  canhões,  balas  e  as  carretas 
eram  uma  fraca  parte  dos  productos  da  immensa  fabrica; 
porque  o  movimento  d'ella,  em  toda  a  metallurgia,  era 
também  enorme,  segundo  já  vimos. 

Na  planície  da  Baviera  meridional,  Augsburgo,  por 
seus  capitães,  commandava  a  industria  de  uma  grande 
parte  da  Baviera,  e  possuia  as  melhores  tinturarias 
allemães  e  um  grande  numero  de  outros  estabeleci- 
mentos industriaes. 

Ratisbonne,  onde  a  navegação  do  Danúbio  é  muito 
mais  fácil  que  a  partir  das  cidades  a  montante,  tornou- 
se  um  logar  de  entreposto  e  de  trocas  muito  commer- 
cial,  favorecido  como  tal  pelas  vias  naturaes  que  lá  se 
cruzam. 

Munich,  que  engrandeceu  rapidamente,  occupava 
também  um  logar  notável  entre  os  grandes  centros  da 
industria  e  commercio. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  289 


Nuremberg-  era  egualmente  centro  industrial  e  mer- 
cantil muito  importante,  e  quasi  que  monopolisava  o 
commercio  dos  brinquedos  infantis,  fabricados  nas  cida- 
des da  Franconia,  e  depois  expedidos  para  todos  os 
paizes  do  mundo,  como  também  já  notámos. 

Em  Stein,  perto  do  Nuremberg,  estava  a  mais  cele- 
bre manufactura  de  lápis  do  mundo. 

As  cidades  mineiras  e  industriaes,  Bremen,  Hanover 
e  Brunswick,  atraiam  a  si  um  numero  de  habitantes^ 
cada  vez  mais  considerável,  sendo  todas  três  de  uma 
grande  importância  económica. 

Bremen  era  também  o  segundo  porto  da  Allema- 
nha.  Só  tinha  como  superior  Hamburgo.  Os  seus 
negociantes,  conhecidos  pelo  espirito  de  iniciativa, 
fundaram,  em  1827,  o  Nordeutsche  Lloyd,  e  expediam 
os  seus  navios  para  as  duas  Américas,  extremo  Oriente 
e  mares  do  Sul;  e  armavam  baHeiras  para  o  Oceano 
Antárctico.  Mas  era  com  os  Estados  Unidos  que  faziam 
o  seu  principal  negocio.  Em  1880,  a  sua  frota  com- 
mercial  constava  de  296  navios,  com  o  total  de  197.050 
toneladas. 

Leipzig  era  a  primeira  das  cidades  allemãs  no  com- 
mercio de  livros,  revistas  e  jornaes. 

Chemnitz  tinha  decuplicado  em  população,  desde  o 
principio  do  século  XIX  até  o  fim.  Era  a  Manchester 
allemã,  repleta  de  tecedores,  fabricantes  e  impressores 
de  estofos;  e  as  comunas  que  a  rodeiam,  compunham-se 
também  de  fabricas  e  casas  de  operários.  Constituía  a 
terceira  cidade  da  Saxonia,  onde  se  fabricavam  quasi 
todas  as  industrias  e  n'uma  grande  quantidade,  como 
tecidos,  botões,  passamanaria,  instrumentos  de  musica 
e  mathematica,  etc. 

Volume   VI  19 


290  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Magdeburgo  era  um  grande  entreposto  de  cereaes, 
de  beterrabas  e  de  outros  géneros  agrícolas,  e  o  prin- 
cipal mercado  de  assucar.  Havia  por  toda  a  parte  fabri- 
cas de  refinações  de  assucar  de  beterraba,  e  fabricas 
metallurgicas.  E  havia  egualmente  nos  arredores  muitas 
officinas  e  muitas  fabricas  de  fiação. 

Berlim,  a  capital  da  Prússia,  engrandeceu  enorme- 
mente, sobretudo,  depois  da  victoria  sobre  a  França. 
Sem  ter  especialidade  industrial,  como  Essen,  Elberfeld, 
Solingen,  Aix-la-Chapelle  ou  Chemnitz,  possuia,  com- 
tudo,  grandes  fabricas,  e  todas  as  industrias  estavam  lá 
representadas, 

Hamburgo,  de  que  já  falíamos,  com  o  seu  anteporto 
de  Cuxafen,  era  o  grande  empório  do  commercio  da 
AUemanha  e  um  dos  primeiros  do  mundo. 

Meissen,  na  margem  esquerda  do  Elba,  era  notável 
e  celebre  nas  artes  cerâmicas. 

Lubeck  foi  outr'ora  a  cidade  mais  commerciante  da 
Europa;  mas,  já  no  principio  do  século  XIX,  estava 
muito  decaida. 

Os  portos  de  Wismar,  Rostock  e  Breslau,  eram 
outros  centros  importantes  de  commercio. 

Kiel,  a  capital  de  Holstein,  era  também  muito  in- 
dustrial e  populosa. 

Dantzig,  apesar  de  estar  decaida  da  sua  enorme  im- 
portância antiga,  tinha  ainda  um  grande  commercio, 
sobretudo,  de  cereaes  e  madeira,  e  uma  grande  indus- 
tria de  pannos,  papel,  productos  chymicos,  distillação 
de  aguardente,  muito  famosa,  e  muitas  officinas,  ma- 
quinas, canteiros  de  toda  a  espécie,  etc. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  291 

* 

*  * 

Quanto  ás  communicações,  os  caminhos  de  ferro, 
obedecendo  a  um  plano  uniforme,  cruzavam-se  por  toda 
a  parte.  E  as  communicações  por  agua,  em  consequên- 
cia do  grande  movimento  que  attingiram,  tornaram-se 
também  muito  importantes.  E  tanto  mais  que  os  rios 
da  AUemanha  teem  a  vantagem  de  ser  mais  regulares, 
que  na  maior  parte  dos  outros  paizes. 

Foi  melhorado  o  Rheno,  entre  a  fronteira  suissa 
e  a  fronteira  hollandeza,  gastando-se  n'isso,  desde  1830 
a  1894,  a  somma  de  338:873.000  francos. 

O  Elba  tinha  uma  tiragem  de  agua  muito  fraca;  e  as 
brumas  e  os  gelos  contrariam,  durante  uma  grande 
parte  do  anno,  a  sua  embocadura.  Mas  nem  porisso  os 
Allemães  desanimaram,  antes  dispenderam  n'elle,  nos 
últimos  annos  do  século  XIX,  mais  de  8  milhões  de 
marcos;  e  estenderam  uma  cadeia  de  reboques  até  á 
fronteira  da  Bohemia.  Tornou-se,  assim,  navegável  em 
todo  o  seu  percurso,  que  não  é  inferior  a  720  kilome- 
tros;  e  tornou-se  também  tão  frequentado  que,  desde 
a  fronteira  austriaca,  circulavam  2:500.000  toneladas  de 
mercadorias.  E  este  movimento  augmentava  ainda  mais, 
á  proporção  que  se  aproximava  de  Hamburgo,  onde 
attingia  10  milhões  de  toneladas. 

O  Oder  foi  também  objecto  de  importantes  traba- 
lhos. E,  em  todas  as  grandes  cidades  da  AUemanha, 
criaram-se  sociedades  náuticas,  para  melhorarem  os 
cursos  fluviaes. 

Houve  egualmente  grande  cuidado,  quanto  aos  ca- 
naes.  Assim,  foi  acabado  o  de  Dortemund,  na  emboca- 


292  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


dura  do  Ems,  que  teve  por  fim  ligar  directamente  as 
regiões  industriaes  de  Westephalia  com  o  mar  do  Norte: 
o  que  permittiu  levar  em  boa  conta  os  productos  das 
minas  de  Westephalia,  hulha  e  ferro,  não  somente  aos 
portos  do  mar  do  Norte,  mas  também  pelo  canal  de 
Kiel  ao  do  mar  Báltico. 

Tentou-se  o  canal  do  centro,  destinado  a  ligar  o 
Rheno  com  o  Elba.  Tentou-se  egualmente  o  canal  de 
Finow  de  Stettin  a  Berlim.  E  abriu-se  o  canal  de  Kiel  '. 


1  Georges  Blondel,  LEssor  Industriei  et  commercial  da  Peuple 
Allemand  e  Etudes  sur  les  populations  rurales  de  lAllemagne — Mar- 
eei Dubois  et  Kergomard,  obr.  cit.  —  E.  Reclus,  obr.  cit.  —  Lannier, 
L'Europe  —  Bannier,  Cours  de  Geographie  Commercial  L'Europe. — 
Noel,  obr.  cit.  —  S.  Marsillac,  Manuel  d' Histoire  Comtemporaine. — 
Jules  Isaac,  Histoire  Contemporaine.  —  A.  Amann  e  E.  L.  Constan, 
Le  Monde  du  XIX  Siècle. 


CAPITULO  VII 
Áustria    e    Hungria 

Ligeiro  esboço  politico  da  Áustria  e  Hung-ria,  n'este  período.  —  Quanto 
á  parte  económica,  de  que  modo  o  império  austríaco  foi  pre- 
judicado, principalmente,  até  o  meiado  do  século,  e  ainda  depois, 
até  1866,  por  differentes  causas.  —  Como  tinha  no  seu  seio 
grandes  elementos  de  riqueza.  —  Como  progrediu  muito  depois 
d'isso.  —  Productos,  agricultura,  industría  e  commercio.  —  Cen- 
tros económicos  principaes.  —  Communicações. 

Leopoldo  II,  que  succedeu  a  José  II  (1790-1792), 
morreu,  quando  a  monarquia  dos  Hapsburgos  ia  repre- 
sentar uma  das  primeiras  figuras  na  colligação  europeia, 
formada  contra  a  revolução  franceza. 

Succedeu-lhe  Francisco  II  (1792-1835);  e  a  Áustria, 
entrando  de  facto  n'aquella  colligação,  foi  vencida  na 
Itália  por  Bonaparte,  perdendo,  pela  paz  de  Campo- 
Formio,  as  provincias  belgas,  o  Milanez  e  o  Mantuano, 
e  recebendo  como  indemnisação  os  despojos  de  Veneza. 

A  guerra  renovou-se,  em  1758,  e  terminou  pela  paz 
de  Luneville,  em  1801 ;  e,  emquanto  essa  paz  durou,  o 
imperador  da  Áustria  applicou-se  a  reanimar  a  agricul- 
tura, a  industria  e  o  commercio,  a  concertar  as  estra- 
das, a  centralisar  a  administração,  e  a  reorganisar  as 
finanças. 


294  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


Entrando  os  Austríacos  em  nova  colligação  contra 
a  França,  foram  vencidos  em  Ulm  e  Austerlitz  (1805); 
e,  perdendo  com  isso  varias  provincias,  viram  estabele- 
cer a  Confederação  do  Rheno,  sob  o  protectorado  de 
Napoleão,  sendo  Francisco  José  obrigado  a  renunciar 
á  dignidade  de  imperador  da  Allemanha.  Por  isso,  d'ali 
por  deante,  ficou  apenas  com  o  titulo  de  imperador  da 
Áustria,  sob  o  nome  de  Francisco  I. 

A  guerra  seguiu  ainda  com  differentes  intervallos  e 
alternativas  até  á  queda  de  Napoleão,  em  1814.  E,  em 
1815,  o  congresso  de  Vienna  reorganisou  o  território 
continental,  restituindo  á  Áustria  quasi  todas  as  pro- 
vincias perdidas,  e  entre  ellas  o  Milanez,  a  Venecia  e 
a  Illyria,  e  attribuindo  novamente  a  Francisco  José  o 
titulo  de  imperador  da  Allemanha,  com  a  presidência 
da  nova  Confederação  Germânica. 

A  este  monarca  succedeu  Fernando  I  (1835-1848). 
O  principe  de  Metternich,  ministro  dos  estrangeiros, 
que  já  dirigira  a  politica  de  Francisco  José,  e  prepon- 
derara também  na  politica  da  Europa,  continuou  a  re- 
presentar egual  papel  no  tempo  do  successor.  Todas  as 
aspirações  liberaes  foram  esmagadas;  e,  pela  annexação 
da  Cracóvia  e  seu  território,  foi  supprimido  o  ultimo 
vestigio  da  republica  da  Polónia. 

Em  todo  o  caso,  a  revolução  franceza  de  1848  re- 
percutiu-se  na  Áustria.  Allemães,  Magyares,  Slavos, 
Italianos  insurgiram-se,  e  romperam  bruscamente  o  feixe 
mal  atado  do  império.  Foi  o  exercito  que  salvou  a  dy- 
nastia  dos  Hapsburgos.  Mas  Francisco  José  I,  sobrinho 
e  successor  de  Fernando  1,  em  quem  elle  tinha  abdicado 
(1848),  viu-se  obrigado  a  dar,  em  1849,  uma  constituição 
liberal  ao  império,  embora  ella  nunca  fosse  applicada. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  295 


Surgiram,  ainda  depois  disso,  novas  insurreições  dos 
Italianos  contra  os  Austriacos,  e  dos  Sérvios,  Esclavões, 
Croatas  e  Saxões  contra  os  Mag-yares,  que  foram  cruel- 
mente abafadas  em  rios  de  sangue. 

Então,  a  Áustria,  cheia  de  orgulho  militar,  e  con- 
fiando n'um  exercito  de  600.000  homens,  forçou  a  Prús- 
sia a  evacuar  Hesse,  e  a  humilhar-se  na  Conferencia  de 
Olmutz  (1850). 

Em  1855,  teve  de  sustentar  uma  nova  guerra  contra 
a  Itália,  que  estava  alhada  com  a  França;  e  foi  vencida 
nas  batalhas  de  Magenta  e  Solferino,  em  que  o  Piemonte 
ganhou  a  Lombardia,  menos  Peschiera  e  Mantua. 

Em  1864,  surgiu  ainda  outra  guerra  com  a  Prússia 
e  Itália,  que  terminou  em  1866,  pela  derrota  dos  Aus- 
triacos em  Sadowa.  A  Áustria  perdeu  com  isso  o  qua- 
drilátero lombardo-veneziano  e  Veneza,  que  foi  cedida 
a  Napoleão  III,  o  qual  depois  a  entregou  a  Victor 
Manoel.  Teve  de  renunciar  a  favor  da  Prússia  aos 
direitos  sobre  o  Sleswig  e  Holstein,  e  deixar  que  a 
Allemanha  soffresse  uma  reorganisação  federativa,  pre- 
sididida  também  pela  Prússia,  e  de  que  os  Austriacos 
foram  excluidos. 

Em  1867,  inaugurou-se  com  a  Hungria  o  systema 
dualista  da  união  pessoal,  fortalecida  por  concessões 
liberaes,  que  satisfizeram  os  Magyares  e  Allemães  do 
império.  Mas  os  Tcheques,  Polacos  e  SIavos,  não  fica- 
ram contentes,  e  isso'  produziu  algumas  perturbações 
interiores. 

Depois  d'isso,  a  Áustria  e  Hungria  tiveram  uma 
paz  duradoira  até  o  fim  do  século,  sob  o  governo 
do  mesmo  Francisco  José  1,  que  durou  todo  esse 
tempo. 


2%  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Quanto  ao  movimento  económico,  a  Áustria  e  Hun- 
gria viram-se  embaraçadas,  sobretudo,  até  meiados 
do  século  XIX,  e  ainda  depois  d'isso,  até  1866,  por 
differentes  causas,  taes  foram:  as  luctas  napoleónicas 
até  1815,  com  todos  os  inconvenientes  da  guerra,  e 
com  a  enorme  inutilisação  de  braços  para  a  agricultura, 
industria  e  commercio;  as  varias  crises  financeiras  no 
interior,  algumas  d'ellas  provocadas  mesmo  pelo  ágio 
cambial  que  a  moeda  nacional  teve  de  soffrer  quasi 
sempre,  em  relação  ao  estrangeiro;  as  diversas  agita- 
ções no  interior;  e  também  as  differentes  guerras  no 
exterior,  de  que  já  falíamos. 

Todas  estas  causas  bastavam,  de  per  si,  para  entro- 
pecerem  o  movimento  económico.  Mas,  alem  disso,  a 
Áustria  e  Hungria,  sob  o  ponto  de  vista  etnográfico, 
tinham  grande  diversidade  de  população,  o  que  preju- 
dicava a  unidade  dos  esforços  para  o  bem  commum,  e 
enfraquecia  as  forças  vitaes  do  império. 

No  meio  d'essa  diversidade,  podiam  distinguir-se 
três  grandes  classes:  primeiramente,  os  AUemães  ao 
oeste;  depois,  os  Magyares  ao  nascente,  que  separa- 
vam os  Slavos  do  Norte  (Polacos,  Moravos  e  Tcheques) 
dos  Slavos  do  Sul  (Bósnios  Croatas,  Styrios,  etc);  e 
ainda  os  Slovenos,  Romenos,  Italianos,  Ladinos,  Tziga- 
nos,  e  outros  que  entravam  no  conjuncto  da  população. 

Mesmo  no  lado  religioso,  embora  preponderasse 
o  catholicismo,  havia  também  grande  diversidade  de 
crenças. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  297 


Demais  a  mais,  em  vista  das  solicitações  múltiplas 
e  encontradas  que  resultavam  do  dualismo  imperial, 
foi  por  muito  tempo  impossivel  assentar  n'um  ponto  de 
vista  determinado;  porque  as  provincias  cisleithanias, 
mais  industriaes  que  agricolas,  visavam,  sobretudo,  ao 
commercio  de  exportação  para  o  Mediterrâneo,  Levante 
e  Oriente.  E,  pelo  contrario,  a  Hungria,  grande  paiz 
agrícola,  tinha  mais  interesse  em  enviar  os  seus  géne- 
ros para  as  nações  excessivamente  povoadas  do  occi- 
dente. 

Por  outro  lado,  os  gravames  feudaes  e  as  servidões 
territoriaes  oneravam  a  agricultura. 

E  havia  uma  deplorável  repartição  do  solo,  porque 
vastos  dominios  eram  ainda  propriedade  de  mão  morta, 
e  outros  eram  tão  grandes  que  os  seus  possuidores  não 
os  tinham  nunca  percorrido.  Alguns  tinham  até  cente- 
nas de  kilometros  quadrados.  A  pequena  propriedade 
não  occupava  o  terço  do  território,  e  compunha-se, 
principalmente,  de  parcellas  muito  pouco  consideráveis; 
emquanto  que  a  propriedade  media,  onde  se  fazem  de 
ordinário  os  grandes  progressos,  é  que  estava  muito 
mal  representada. 

O  regimen  das  corporações,  mais  exagerado  ainda 
que  nos  outros  povos  da  Europa,  e  uma  legislação 
aduaneira,  muito  restricta,  aggravavam  também  o  mal. 
E  accrescia  uma  grande  falta  de  communicações;  por- 
que, apesar  do  desembocadouro  que  os  portos  do 
Adriático  offereciam  ao  commercio,  este  effectuava-se, 
na  maior  parte,  pela  via  terrestre,  e,  sobretudo,  pela 
Allemanha,  sempre  debaixo  do  regimen  aduaneiro  res- 
trictivo  dos  dois  paizes. 

Mesmo   as  sedas  da  Lombardia,  que  forneciam  um 


298  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


elemento  muito  importante  das  trocas,  não  procuravam 
a  via  marítima,  e  transitavam,  sobretudo,  pela  Suissa 
e  pela  Itália. 

A  principal  artéria  fluvial  do  império  era  o  Danúbio. 
Mas  este  rio,  embora  tivesse,  como  tem,  uma  vasta  rede 
de  afluentes  navegáveis  até  para  vapor,  e  permittisse  á 
Áustria  o  fazer  circular  numa  certa  medida  as  merca- 
dorias destinadas  á  exportação,  era  insufficiente  para 
facilitar  devidamente  o  progresso  commercial,  porque 
desaguava  num  mar  interior,  e  acabava,  nesta  época, 
n'um  paiz  ottomano ;  de  modo  que  não  fornecia  uma 
saida  maritima  inteiramente  livre. 

A  perda  da  Lombardia,  em  1859,  e  mais  tarde  a  de 
Veneza,  em  1866,  fez  também  perder  á  Áustria  a  liber- 
dade de  communicações  pelo  Mediterrâneo,  e  mais  a 
lançou  sobre  o  Danúbio,  que,  segundo  acabamos  de 
mostrar,  não  satisfazia  inteiramente  ás  condições  econó- 
micas de  que  o  império  precisava. 

Finalmente,  metade  dos  habitantes  da  Áustria  e  mais 
de  metade  dos  da  Hungria,  não  sabiam  ler  nem  escrever. 

Por  tudo  isto,  até  metade  do  século  XIX,  e  mesmo 
até  1866,  como  já  dissemos,  o  movimento  económico 
da  Áustria,  se  não  retrogradou,  foi  porque  o  progresso 
actua  sempre,  de  per  si,  até  nos  povos  menos  favoreci- 
dos. Mas,  em  todo  o  caso,  o  avanço  foi  demorado  e 
pequeno  ^ 

E  comtudo,  o  império  tinha  no  seu  seio  grandes 
elementos  de  riqueza,  e  poucas  regiões  ha  tão  favore- 
cidas sob  differentes  aspectos. 


1     Noel,  obr.  cit. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  299 


A  agricultura  dispunha  de  terrenos  excellentes.  E' 
certo  que  a  Áustria  e  Hungria  tinham  rochas  nuas, 
areias  errantes,  terras  saHnas,  steppes  que  nada  produ- 
ziam, e  pântanos  inúteis,  que  seria  possivel  conquistar, 
e  que  também  nada  produziam.  Achava-se  em  12  por 
cento  a  superficie  inculta ;  e  mesmo  em  alguns  valles  fér- 
teis dos  Carpathos,  podia-se  caminhar  dias  inteiros,  sem 
encontrar  uma  habitação. 

Mas  tinha  também  grandes  extensões  de  terra  negra 
tão  fecundas  como  o  Tchernozion  da  Rússia,  provinda, 
egualmente,  da  decomposição  continua  de  plantas,  du- 
rante milhares  de  séculos  ^. 

O  trigo  tinha  terras  muito  appropriadas,  taes  eram 
as  de  alluvião  da  Hungria  e  do  solo  bem  cultivado  da 
Moravia  e  Bohemia. 

O  centeio  encontrava  também  um  bom  terreno  nas 
regiões  frias  e  elevadas.  O  milho  tinha  o  seu  logar 
próprio  na  Hungria,  Croácia  e  Esclavonia.  O  arroz 
encontrava  nas  partes  baixas,  tantas  vezes  inundadas, 
da  Hungria  e  Banato  condições  excellentes  —  humi- 
dade intensa  e  estio  ardente,  como  lhe  convinha,  e 
segundo  o  dictado  geral,  pés  na  agua  e  cabeça  ao  sol. 
O  vinho  tinha,  como  tem,  na  Áustria  ie  Hungria  as 
melhores  aptidões  do  solo  e  do  clima;  e,  porisso,  tor- 
nou-se  uma  das  maiores  riquezas  do  império. 

E,  de  facto,  os  vinhos  da  Hungria,  entre  os  quaes 
o  tão  afamado  vinho  Tokay,  deviam  a  sua  qualidade  ás 
condições  do  solo  e  do  clima. 

As  cepas  eram  plantadas  sobre  os  terrenos  vulcani- 


1     Vol.  V,  pag.  447  e  448. 


300  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


COS,  que  se  desinvolvem  na  margem  direita  do  Theiss, 
quer  na  montanha,  quer  na  planície;  e,  durante  os 
mezes  ardentes  do  verão,  que  caracterisam  o  clima 
continental  da  Hungfria,  as  uvas  chegam  rapidamente 
á  madureza. 

A  Transilvania,  a  Styria,  a  Dalmácia,  o  Tyrol  meri- 
dional, a  Carinthia,  a  Carniola  e  a  Baixa  Áustria  teem 
por  egual  terrenos  próprios  para  o  vinho,  embora  infe- 
riormente áquelles  outros  da  Hungria. 

O  clima  do  sul  era  muito  conveniente  para  a  cultura 
da  amoreira.  A  Bohemia,  sobretudo,  muito  própria  para 
cultivação  do  lúpulo.  Finalmente,  climas  e  regiões  tão 
diversos,  prestavam-se  egualmente  á  abundância  e  varie- 
dade das  fructas. 

As  pastagens  eram  abundantes,  e  o  subsolo  encer- 
rava thesouros  mineraes,  também  muito  abundantes. 

Desde  o  meiado  do  século,  e,  principalmente,  desde 
1866,  tudo  mudou.  Contribuíram  para  isso  as  medidas 
liberaes  promulgadas,  em  1848,  aboHndo  as  imposições 
feudaes  e  as  servidões  territoriaes:  medidas  essas  que 
deram  grande  liberdade  á  agricultura,  e  com  ella  maior 
amplitude  ás  terras  cultiváveis.  E,  já  em  1857  e  1859, 
tão  sensível  se  tornou  o  progresso,  que  os  cereaes 
e  farinhas  deram,  pela  primeira  vez,  um  excedente 
do  consumo  a  favor  da  exportação.  E  na  Hungria, 
nos  últimos  tempos  do  século,  os  domínios  dos  nobres 
foram  divididos,  e  a  propriedade  dos  lavradores  foi 
augmentando,  á  proporção  que  augmentou  a  proprie- 
dade media. 

A  industria,  em  1854,  foi  libertada  da  servidão  do 
regímen  de  artes  e  officios,  e,  em  1856,  adoptou-se 
uma  legislação  aduaneira  mais  favorável.    E  tudo  isso, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  301 


com  a  entrada  da  Áustria  no  Zolverein  de  que  já 
falíamos  \  trouxe  uma  era  nova. 

Ora,  desde  então,  as  relações  commerciaes  torna- 
ram-se  mnito  grandes,  não  só  na  Europa,  mas  também 
no  Levante,  onde  algumas  das  industrias  puderam  con- 
correr com  as  similares  estrangeiras.  O  assucar  indigena 
tornou-se  objecto  de  uma  attenção  particular.  A  indus- 
tria mineira,  a  metallurgica,  a  têxtil  e  muitas  outras 
alcançaram  um  grande  progresso.  E  também  a  Áustria 
se  lançou  com  grande  actividade  no  desinvolvimento 
das  suas  communicações.  E,  se  a  guerra  com  a  Prússia, 
em  1864  e  1866,  causou  uma  perturbação  momentânea, 
a  velocidade  económica  estava  já  adquirida,  e  prestes 
retomou  o  seu  andamento. 

Então,  os  géneros  agrícolas  augmentaram  geral- 
mente ainda  mais,  e  em  grande  quantidade,  até  o  fim  do 
século.  O  assucar  indigena,  que  já  attingia  1:900.000 
quintaes  métricos,  continuou  crescendo  extensamente. 
Augmentou  egualmente  a  producção  da  batata,  e  mais 
cresceu  a  producção  dos  cereaes  e  das  farinhas.  A 
criação  dos  merinos,  introduzida  por  Maria  Thereza  ', 
tinha  sido  pouco  scientifica  até  o  meiado  do  século, 
consistindo  apenas  em  migração  de  bandos  enormes  de 
um  território  para  outro.  Mas  a  modificação  da  pro- 
priedade agrícola,  pelas  reformas  liberaes  que  ficam 
mencionadas,  fez  augmentar  as  terras  aproveitáveis;  e, 
á  proporção  que  as  esteppes  foram  rasgadas,  adapta- 
ram-se  á  criação  do  gado  ovino  os  processos  dos  paizes 
occidentaes. 


1  Vide  capitulo  VI. 

2  Vide  vol.  V,  pag.  200. 


302  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Apesar  d'isso,  a  quantidade  do  gado  ovino,  e,  por- 
tanto, a  lã  decresceu  bastante,  pela  concorrência  da 
Austrália,  como  aconteceu  por  toda  a  Europa, 

A  criação  do  gado  equídeo  foi  vivamente  animada 
pelo  Governo,  na  Hungria  e  Transilvania,  dotadas  de 
grandes  pastagens,  pertencentes  a  um  numero  limitado 
de  criadores,  que  dispunham  das  melhores  raças  da 
Europa.  N'essa  parte,  o  império  era  o  segundo  Estado 
europeu,  porque  vinha  logo  após  a  Rússia. 

O  gado  suino  e  caprino  teve  também  um  progresso 
correspondente. 

As  florestas  é  que  estavam  muito  diminuídas  em 
algumas  regiões. 

Assim,  as  de  Carso,  perto  de  Trieste,  foram  quei- 
madas e  devastadas  pelos  pastores  e  dentes  das  ca- 
bras, o  que  não  permittiu  que  se  renovassem.  E  as 
tentativas  feitas  nos  últimos  annos  do  século  para  con- 
seguir essa  renovação,  ficaram  infructiferas,  tanto  por 
faltar  a  terra  vegetal  que  a  tempestade  e  o  vento  haviam 
levado,  como  pela  incúria  dos  aldeões. 

As  montanhas  de  Dalmácia,  outrora  tão  arborisadas, 
estavam  quasi  nuas.  Acontecia  a  mesma  coisa  com  as 
planícies  da  Panonia,  também  outrora  muito  arbori- 
sadas. 

Demais,  os  indígenas  do  Tyrol,  exerciam  uma  grande 
industria  na  fabricação  de  vários  objectos,  de  pau  ou 
madeira,  que  expediam  para  os  mercados  distantes, 
como  bonecas,  brinquedos  de  crianças  e  ornamentos  de 
toda  a  ordem.  E  essa  industria  era  tão  activa  que  elles 
destruíram  nas  montanhas  a  espécie  de  pinheiros  que 
serviam  para  esses  trabalhos  de  esculptura,  madeira 
essa   que,   por   isso,    já  eram  obrigados  a  importar  do 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  303 


estrangeiro  com  grande  despeza.  Mas,  apesar  de  tudo 
isto,  as  florestas  ainda  occupavam  a  quarta  parte  da 
Áustria  e  Hungria;  e  as  montanhas  da  Croácia  ainda 
estavam  cheias  dos  mais  bellos  exemplares  da  Europa. 


A  industria  mineira  era  fraca  no  Tyrol;  mas,  nas 
outras  provincias,  tinha  grande  importância. 

Em  1854,  foi  promulgada  uma  lei  liberal  acerca  das 
minas,  que  punha  a  propriedade  d'ellas  sob  o  regi- 
men commum,  e  as  livrava  da  legislação  excepcional; 
e  esse  facto  deu  uma  forte  impulsão  á  exploração  mi- 
neira, e,  como  consequência,  á  industria  metallurgica,  ao 
mesmo  tempo  que  favoreceu  o  desinvolvimento  dos  ca- 
minhos de  ferro. 

Assim,  a  extracção  da  hulha  progrediu  muito,  e,  prin- 
cipalmente, nos  últimos  20  annos  do  século.  Mas,  apesar 
de  tudo,  não  pôde  satisfazer  ás  necessidades  do  consumo, 
concorrendo  também  para  isso  o  facto  da  Bohemia,  a 
grande  fornecedora  do  carvão,  occupar  uma  situação 
excêntrica,  longe  dos  portos  do  mar. 

Os  jazigos  de  ferro  eram  enormes  na  Styria  e  Ca- 
rinthia;  mas,  desgraçadamente,  essas  regiões  dos  Alpes 
eram  mal  providas  de  combustiveis.  Em  todo  o  caso,  a 
fabricação  do  ferro  e  as  industrias  que  d'elle  se  deri- 
vam, tomaram  um  grande  incremento. 

A  fabricação  do  aço  decaiu  muito,  depois  de  um 
desastre  financeiro  que  houve,  em  1873;  mas,  nos  últi- 
mos tempos,  retomou  novo  desinvolvimento.  A  produc- 


304  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


ção  do  cobre,  chumbo,  zinco  e  dos  metaes  preciosos  é 
que  era  pouco  activa,  e  occupava  poucos  operários; 
porque  a  fundição  do  ferro  e  do  aço  constituiam,  por 
excellencia,  as  industrias  metallicas. 

A  areia  dos  cursos  de  agua  da  Hungria  e  as  rochas 
da  Transilvania  e  Bohemia  continham  ouro  e  prata.  As 
minas  de  ouro  de  Fleurs,  perto  de  Gross  Glomekner, 
que,  ainda  nos  primeiros  tempos  do  século,  davam  dez 
a  quinze  kilogrammas  de  ouro  por  anno,  é  que,  em 
1876,  foram  definitivamente  abandonadas. 

Uma  das  industrias  já  tradicionaes  no  paiz,  a  da 
vidraria  e  cerâmica,  desinvolveu-se  também  muito  n'este 
século  XIX.  Pilsen  e  Eger,  ricas  em  hulha,  tornaram-se 
os  dois  centros  mais  notáveis  da  vidraria.  A  Hungria  e 
a  Styria  vieram  em  segundo  logar.  Foi  também  na 
Bohemia  que  se  estabeleceu  a  maior  parte  das  fabricas 
de  porcellana  em  Praga  e  Carlsbad;  e,  quanto  á  faiança, 
foi  principalmente  na  Hungria. 

O  império  era  uma  das  regiões  mais  ricas  de  sal 
gemma  e  sal  marinho.  No  sal  gemma,  a  Galicia,  com 
as  suas  minas  de  WieHcza,  tinha  até  o  primeiro  logar 
na  Europa. 

O  petróleo  é  muito  abundante  na  Galicia;  mas  a 
vizinhança  da  Rússia,  que  é  tão  rica  nesta  matéria,  e 
podia  importal-o  fácil  e  baratamente  na  Áustria  e  Hun- 
gria, pela  via  do  mar  Negro  e  do  Danúbio,  impediu  o 
desinvolvimento  da  exploração  dos  poços  d'aquella 
região. 

Em  compensação,  o  mercúrio,  tão  abundante  na 
Istria,  e  que  só  tinha  grande  concorrente  na  Hespanha, 
representava  um  enorme  valor  commercial. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  305 


O  commercio  da  Áustria  e  Hungria  não  collocavam 
estes  paizes  no  logar  que  elles  deviam  occupar  nos 
Estados  europeus. 

O  desinvolvimento  ainda  insufficiente  da  sua  indus- 
tria, relativamente  fallando,  a  difficuldade  de  unir  n'uma 
coordenada  expansão  nacional  tantos  povos  de  raças 
differentes,  como  já  fizemos  sentir,  os  interesses  oppos- 
tos  da  Cisleithania  e  Transleithania,  e  a  insufficiencia 
de  communicações,  de  que  adiante  fallaremos,  impedi- 
ram por  muito  tempo  que  o  trafico  progredisse  nos 
termos  devidos. 

Demais,  o  fraco  desinvolvimento  do  littoral,  possuído 
pela  Áustria  e  Hungria,  não  permittia  que  o  commercio 
maritimo  tomasse  uma  importância  egual  ao  das  outras 
nações.  Porisso,  as  trocas  por  mar  só  representavam  a 
quinta  parte  das  trocas  por  terra,  e  o  movimento  da 
navegação  desinvolveu-se  lentamente. 

A  nação  tratou  de  compensar  esses  inconvenientes, 
multiplicando  as  vias  de  communicação  para  os  portos 
do  Adriático,  por  meio  do  desinvolvimento  das  vias 
terrestres.  Mas,  apesar  d'isso,  Fiume  e  Trieste  não  pu- 
deram chamar  aos  seus  territórios  as  mercadorias  alle- 
mãs,  pela  maior  despeza  dos  transportes. 

A'  primeira  vista,  parece  que  o  commercio  interior 
devia  ser  muito  considerável;  pois  que  o  império  se 
compunha  de  duas  regiões  differentes,  como  já  dissemos, 
uma  adiantada  na  industria,  e  outr^,  sobretudo,  agricola, 
entre  as  quaes  regiões,  as  trocas  eram  necesarias.  Mas, 
por  um  lado,  o  sentimento  da  solidariedade  económica 

Volume  VI  20 


306  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


não  era  ainda  profundo,  e  o  antagonismo  das  raças 
restringia    as    relações   que    a   natureza   parecia   impor. 

Por  outro  lado,  a  mão  de  obra  das  riquezas  agríco- 
las e  das  riquezas  industriaes  era  insufficiente;  e,  como 
já  notamos,  o  systema  de  vias  de  communicação  era 
incompleto. 

Ainda  assim,  a  cabotagem  era  muito  activa,  sendo 
exercida  no  Adriático  pelos  súbditos  dálmatas  do  impé- 
rio. Spalato,  Zara,  Gravosa  e  Fiume  eram  os  principaes 
centros  d'essa  cabotagem. 

Quanto  ao  commercio  externo,  embora  o  império 
não  dispozesse  de  colónias,  em  todo  o  caso,  senhor  de 
uma  numerosa  marinha,  tentou  disputar  aos  grandes 
povos  marítimos  do  Occidente  os  mercados  do  Oriente 
e  do  Levante,  e  pôde  conseguir  uma  grande  parte  do 
seu  intento.  N'este  ponto,  se  houvesse  de  se  apreciar  a 
aptidão  marítima  da  Áustria  e  Hungria,  attendendo 
simplesmente  ás  qualidades  da  articulação  do  seu  litto- 
ral,  devia  até  suppor-se  que  o  império  estava  entre  os 
paizes  mais  favorecidos  da  Europa.  Mas  as  costas  da 
Istria  e  Dalmácia  estavam  em  relações  difficeis  com  as 
provincias  interiores  do  império,  e  o  Adriático  não  era 
austríaco  ou  húngaro  senão  de  um  modo  bem  factício. 
Apesar  d'isso,  á  força  de  engenho  na  construcção  das 
linhas  férreas  que  occupavam  a  zona  alpestre,  o  impé- 
rio tirou  d'esta  visinhança  do  mar  todo  o  partido  possí- 
vel; e  os  Istriotas  e  Dálmatas,  que  antigamente  só 
viviam  da  pesca,  tornaram-se  os  corredores  de  um 
commercio  marítimo  activo,  a  ponto  de  que  o  movi- 
mento dos  portos  aystríacos,  em  1891,  excedeu  nove 
milhões  de  toneladas,  tanto  de  entrada  como  de  saída. 
O    porto    de    Trieste,   sede    da   potente    companhia   do 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  307 


Lloyd  austríaco,  occupava  o  primeiro  logar.  Tinha  elle 
contra  si,  comparado  com  Génova  e  Marselha,  o  facto 
dos  caminhos  de  ferro  atravessarem  montanhas  e  terem 
grandes  rampas,  de  modo  que  os  transportes  soffriam 
uma  demora  relativamente  maior;  mas  estava  200  kilo- 
metros  mais  perto  do  canal  de  Suez  que  Génova,  e  ainda 
muito  mais  que  Marselha;  e,  devido  na  maior  parte  á 
grande  navegação  d'aquella  companhia,  o  seu  movi- 
mento era  muito  activo.  As  priricipaes  linhas  d'essa 
companhia  eram  Corfu,  Pireu,  Constantinopla,  Smyrna, 
Egypto  e  Índia. 

Dava-se  no  império,  sobretudo,  depois  do  meiado  do 
século,  um  phenomeno  que  é  raro  nos  paizes  de  pequena 
industria;  e  vem  a  ser  que  as  exportações  eram  superio- 
res ás  importações.  Provinha  isso  de  differentes  causas. 

Em  primeiro  logar,  a  fertilidade  das  regiões  agríco- 
las, taes  como  a  Hungria,  Galicia  e  Bohemia  compen- 
sava largamente  a  mediocridade  dos  paizes  montanhosos, 
de  modo  que  a  monarquia  podia  vender  cada  anno 
objectos  de  consumo  n'uma  somma  considerável. 

Em  segundo  logar,  embora  a  industria  não  estivesse 
muito  adiantada,  attendendo  á  grande  riqueza  mineral 
da  Áustria,  ainda  assim,  a  exportação  dos  productos 
manufacturados    excedia    bastantemente    a    importação. 

A  respeito  do  commercio,  vem  o  ponto  dizer  que 
os  Tyrolezes  faziam  a  volta  ao  mundo  como  cantores  e 
vendedores  de  tapetes  e  luvas.  Em  certas  aldeias,  que 
tinham  essa  especialidade  de  tráfico  tão  lucrativo,  só 
ficavam,  no  inverno,  mulheres,  crianças  e  velhos. 

Acontecia,  porisso,  que,  sendo  essa  região  do  Tyrol 
tão  productiva  que  não  cedia  á  fecundidade  mesmo  da 
Zelândia,  a  exploração  do  solo  Hmitava-se  a  essa  agri- 


308  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


cultura,  junta  ao  cuidado  dos  pastos.  Mas  os  indig^enas 
sabiam  em  muitos  logares  augmentar  os  seus  rendimen- 
tos, pela  fabricação  de  vários  objectos  que  expediam  para 
mercados  distantes,  como  bonecas  de  pau,  brinquedos 
de  criança  e  ornamentos  de  toda  a  espécie.  E  essa  indus- 
tria e  commercio  eram  muito  activos,  como  já  dissemos. 

Os  paizes  com  que  a  Áustria  fazia  mais  commercio, 
eram,  em  primeiro  logar,  com  a  AUemanha,  que  lhe 
pedia  mais  productos  do  que  vendia.  E  esta  diversidade 
de  trocas  explica-se  por  duas  razões. 

Por  um  lado,  a  Áustria  e  Hungria,  ricas  em  cereaes 
e  gado,  contribuiam  para  alimentar  os  paizes  pobres  e 
muito  povoados  da  AUemanha  do  sul  e  do  este.  E,  de 
facto,  a  Baviera,  a  Saxonia  e  a  Prússia  pediam-lhe 
parte  das  suas  subsistências. 

Por  outro  lado,  a  AUemanha  possuia  na  fronteira 
austro-hungara  duas  das  suas  mais  ricas  regiões  indus- 
triaes,  a  Silesia  e  a  Saxonia,  que  forneciam  productos 
que  a  Áustria  não  fabricava,  ou  que  fabricava  em 
pequena  quantidade,  por  exemplo,  tecidos  de  algodão, 
lan  e  seda.  E,  em  abono  de  tudo  isto,  a  Hgação  resul- 
tante do  Zolverein  intensificava  também  muito  as  rela- 
ções entre  os  dois  paizes. 

Mas,  a  partir  de  1884  em  diante,  verificou-se  que  as 
vendas  e  compras  da  AUemanha  diminuiram,  o  que  se 
explica  pelo  maior  desinvolvimento  industrial  da  Áustria 
e  Hungria. 

Vinham  depois  da  AUemanha  as  Ilhas  Britânicas,  que 
importavam  no  império  mais  objectos  manufacturados 
do  que  compravam.  Seguiam-se  a  Itália,  França,  Suécia, 
Rússia,  Principados  Danubianos;  e,  fora  da  Europa,  o 
Levante,  Estados  Unidos,  Brazil  e  Egypto. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  309 


As  importações  consistiam,  sobretudo,  em  algodão 
bruto,  algodão  fiado,  café,  pelles,  tecidos,  tabaco,  hulha 
e  maquinas. 

As  exportações,  principalmente,  em  cereaes,  assucar, 
pau  e  madeira,  artigos  de  couro,  gado,  ovos,  seda, 
objectos  de  vidraria,  papel  e  cerveja. 

* 
*  * 

Quanto  aos  centros  económicos  principaes,  a  cidade 
de  Vordenberg  era  conhecida  no  mundo  commercial 
pelas  suas  fundições,  em  que  se  empregava  o  ferro  de 
Erzegerb. 

Onnsbruck,  a  capital  do  Tyrol,  n'uma  situação  admi- 
rável para  o  commercio,  na  planície  dominadora  do 
Inn,  era  também  um  centro  importante  de  industria  e 
commercio. 

Linz  era  uma  das  cidades  mais  populosas  e  mais 
commerciaes,  e  o  entreposto  necessário  do  sal  de  Salze- 
burgo,  da  madeira  e  outros  productos  da  Bohemia. 

Vienna,  uma  das  cidades  mais  importantes  da  Eu- 
ropa e  uma  das  que  augmentou  com  mais  rapidez,  era 
também  uma  das  mais  sumptuosas  e  das  mais  bellas,  e 
a  maior  cidade  industrial  e  manufactora  da  Áustria  e 
Hungria.  Fabricava  quasi  a  decima  parte  dos  productos 
de  todo  o  império.  E,  entre  as  suas  diversas  industrias, 
distinguia-se  a  da  seda,  carruagens,  locomotivas,  ma- 
quinas de  toda  a  espécie,  pianos  e  outros  instrumentos 
de  musica,  compassos  e  mecanismo  de  precisão.  Os 
Viennenses  tinham  também  singular  gosto  para  os 
pequenos    objectos    de    arte    e    de    luxo.    Eram    muito 


310  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


hábeis  em  abrilhantar  os  papeis  e  estofos,  tornear  o 
pau  e  o  marfim  e  imprimir  lavores  nos  couros. 

O  porto  de  Trieste  era,  no  século  XIX,  o  empório  do 
Adriático  oriental;  e  o  caminho  de  ferro  que  o  ligou  a 
Vienna,  produziu  uma  verdadeira  revolução  no  movimento 
geral  do  seu  tráfico,  pois  que,  por  esta  via  do  Adriático, 
prolongou-se  ella,  por  assim  dizer,  até  o  coração  da  Eu- 
ropa. Tornou-se  o  primeiro  porto  da  Áustria  e  Hungria  e 
também  um  dos  primeiros  do  Mediterrâneo.  A  companhia 
do  Lloyd  austriaco,  uma  das  sociedades  que  possuem 
maior  numero  de  frotas  do  Mediterrâneo,  já  estava  ins- 
tallada  ao  sul  de  Trieste,  na  borda  do  golfo  de  Mugia. 

Trieste  conquistou  mesmo  sobre  Veneza  a  prepon- 
derância commercial. 

Fiume,  o  porto  húngaro,  tinha  muito  menos  impor- 
tância como  porto  que  Trieste.  Como  diz  E.  Reclus, 
não  era  o  espaço  que  faltava  aos  navios,  eram  os  na- 
vios que  faltavam  ao  porto;  mas  tinha  muitas  fabricas 
de  papelaria,  imagens,  descortição  de  arroz  e  de  amido, 
fabricação  de  moveis  e  outras,  e  muitos  canteiros  de 
construcção. 

Buda-Pesth  sobresaia,  pela  grande  moagem;  e  exer- 
ceu, alem  d'isso,  muitas  outras  industrias. 

Cracóvia,  a  antiga  capital  da  Polónia,  era  muito  in- 
dustrial e  commercial. 

Praga,  a  terceira  cidade  do  império,  era  também 
muito  industrial  e  commercial;  e  não  só  abundava  na 
fabricação  de  muitos  productos,  mas  tinha  também  os 
arredores  cheios  egualmente  de  fabricas,  e  com  a 
dupla  vantagem  de  se  acharem  perto  de  um  grande 
centro  de  consumo,  e  na  proximidade  de  minas  de  hulha 
que  lhe  forneciam  o  alimento  necessário. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  311 


Pilsen   era   também    muito   industrial    e   commercial. 

Carisbad,  a  primeira  estação  de  banhos  de  toda  a 
Europa,  e  que,  porisso,  na  estação  balnear  atrai  uma 
população  numerosissima,  tinha  uma  grande  industria, 
especialmente  de  rendas  e  porcellanas.  Estava  rodeada 
de  povoações  muito  industriaes,  e  fazia  um  grande  com- 
mercio    devido    também    áquella   população   fluctuante. 

Kadno,  a  cidade  que  occupa  o  meio  da  bacia 
hulheira,  possuia  os  maiores  estabelecimentos  metal- 
lurgicos  da  região. 

Troppeau  era  também  muito  industrial,  e,  sobretudo, 
na  fabricação  de  pannos. 


Quanto  a  communicações,  o  Danúbio  era  a  melhor 
via  de  navegação;  e  o"  império  fez  grandes  despezas 
para  reprimir  as  suas  divagações,  bem  como  as  mudan- 
ças do  leito  entre  Linz  e  a  saida  da  planicie  húngara. 
Trabalhou  mesmo  na  destruição  das  Portas  de  Ferro; 
e,  em  1896,  inaugurou  uma  canalisação,  que  permitte 
aos  navios  fluviaes  passar  essas  portas  sem  grande 
trabalho.  Mas,  em  todo  o  caso,  a  communicação  por 
essa  via  tinha  os  inconvenientes  que  já  expusemos. 

Os  cursos  de  agua  da  zona  alpestre  são  mais  fluctua- 
veis  que  navegáveis,  tal  é  o  caso  do  Adige,  que  car- 
regava trens  de  madeira,  com  destino  á  Itália. 

O  Inn  supporta  navios  a  vapor  de  fraca  tiragem  na 
sua  zona  inferior.  Só  nos  grandes  valles  longitudinaes, 
é  que  circulavam  os  rios  úteis  ao  tráfico. 

Estes  valles,  sobretudo,  os  do  Drava  e  os  do  Sava, 


312  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

\ 

tinham  a  vantagem  de  continuar  directamente  para  o 
Mediterrâneo.  Mas  esses  rios  ligam-se  ao  grupo  trans- 
lesthanio  na  maior  parte  do  seu  curso, 

A  Bohemia  é  sulcada  do  norte  ao  sul  por  uma 
grande  artéria  fluvial,  composta  do  Moldau  e  do  Elba; 
e  graças  aos  numerosos  trabalhos  de  barragem  e  de 
eclusas,  pôde  assegurar-se  a  sua  navegação,  a  partir  de 
Leitmeritz,  e,  alem  d'isso,  no  fim  do  século  estava-se 
estudando  o  projecto  de  um  canal  entre  o  Elba  e  o 
Danúbio. 

As  vias  carrossaveis  eram  consideráveis  nas  regiões 
occidentaes  do  império,  onde  a  industria  estava  mais 
desinvolvida;  mas  eram  apoucadas  nas  outras  regiões, 
e,  sobretudo,  na  Hungria. 

Os  caminhos  de  ferro  começaram  em  1837;  m.as  a 
actividade  da  construcção  só  começou  em  1860,  e,  desde 
1865  a  1874,  houve  mesmo  uma  verdadeira  febre  de 
construcções  que  trouxe  até  uma  grande  crise  financeira. 

Depois,  essa  febre  continuou,  de  modo  que  a  Áustria 
e  Hungria  encheram-se  de  vias  férreas,  principalmente, 
na  região  bohemia  do  Nordoeste,  Moravia  e  Silesia. 

Quatro  vias  atravessavam  os  paizes  montanhosos 
do  norte  da  Hungria  e  havia  muitas  outras  em  differen- 
tes  regiões  \ 


1     Noel,    obr.    cit.  —  Louis    Asseline,    Histoiíe    de    LAutriche. 

—  Daniel  Lévy,  LAutriche-Hongrie:  ses  constiíutions  el  ses  Natio- 
nalites.  —  E.  Reclus,  Nouvelle  Geogiaphie  Universelle,  LEurope 
Centrale,  L  'Autriche.  —  Onesine  Reclus,  La  Terre  à  Vol  d'Oiseau, 
Le  Conte  de  Medinen,  Les  Finances  d' Autriche.  —  Lanier,  LEurope. 

—  Bainnier,  Cours  de  Geographie  Commercial  dEurope.  —  S.  Marsil- 
lac,  obr.  cit.  —  A.  Amman  &  E.  C.  Courtan,  obr.  cit. 


CAPITULO  VIII 
A  Suissa 

Leve  esboço  politico  da  Suissa.  —  População.  —  Superf icie.  —  Situação 
commercial.  —  Como  a  falta  de  littoral  é  compensada  por  outras 
vantagens.  —  Como  pela  sua  situação  foi  neutralisada  perpetua- 
mente, em  1816.  —  Zonas  physicas  de  que  se  compõe.  —  Systema 
orographico  e  hydrographico,  e  belleza  e  variedade  de  íispectos 
que  d'ahi  se  derivam.  —  Como  tudo  isso  provoca  a  afluência  de 
estrangeiros  e  viajantes,  e  progresso  que  d'ahi  tem  resultado.  — 
Clima  e  vento  feún.  —  Riqueza  e  progresso  da  Suissa.  —  Pro- 
ductos,  agricultura,  industria  e  commercio.  —  Centros  económi- 
cos principaes.  —  Communicações. 

E'  a  primeira  vez  que,  no  decurso  d'esta  obra,  tra- 
tamos em  separado  da  Suissa;  e,  porisso,  á  imitação  do 
que  temos  feito  com  os  outros  povos,  nos  volumes  ante- 
cedentes, começaremos  por  consignar  um  leve  esboço 
da  sua  historia  politica,  mesmo  desde  tempos  anterio- 
res, e  por  dar  algumas  noções  também  sobre  os  facto- 
res económicos  da  sua  população,  situação,  aspecto  e 
clima:  tanto  mais  que  tudo  isso  influe,  como  veremos, 
no  seu  movimento  industrial  e  commercial. 

Até  1273,  a  Suissa  fazia  parte  do  império  allemão. 
Então,  Rodolpho  de  Hapsburgo,  descendente  de  uma 
familia  de  Argovia,  onde  elle  governava  em  nome  do 
imperador    Ricardo,    foi,    por    morte    d'este,    nomeado 


314  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


imperador,  graças  á  intervenção  do  papa  Gregório  X. 
Porém,  o  império  recaiu  n'uma  desordem  grande,  e 
algumas  povoações  sentiram  a  necessidade  de  se  allia- 
rem  entre  si  para  a  defeza  e  protecção  commum:  taes 
foram  as  do  valle  do  Uri,  as  de  Schwitz  e  os  monta- 
nheses do  Vallais,  que  mais  tarde  deviam,  formar  parte 
do  cantão  de  Unterwalden.  E  a  estes  cantões  foram-se 
juntando  outros  mais. 

Em  1351,  a  Áustria  entrou  em  guerra  com  a  Suissa, 
e  isso  deu  em  resultado  que,  em  1352,  já  havia  oito 
cantões  confederados.  Em  1353,  formou-se  a  confede- 
ração de  treze  cantões;  em  1803,  compoz-se  ella  de 
dezenove,  pela  nova  constituição  dada  por  Bonaparte, 
conhecida  na  historia  sob  o  nome  de  Acto  de  Mediação; 
e,  em  1815,  de  vinte  e  dois,  pelo  Pacto  Federal,  elabo- 
rado pela  assemblea  de  Zurich  e  acceito  pelo  congresso 
de  Vienna.  E  estes  cantões  foram,  então,  arredondados 
com  vários  territórios  da  raça  franceza,  italiana  e  allemã. 

Porisso  mesmo,  na  Suissa  fallam-se  diversas  linguas. 
A  allemã  é  usada  nos  negócios  geraes  da  Confedera- 
ção, e  é  fallada  por  69  por  cento  da  população  suissa. 
Falla-se  francez  nos  cantões  de  Genebra,  Vaud  e  So- 
leure.  E  o  italiano  é  a  linguagem  do  cantão  do  Tessino 
e  de  alguns  valles  dos  Grizões  e  do  Vallais. 

A  superficie  é  de  41.182  kilometros.  A  sua  popula- 
ção era  no  século  passado  de  3  milhões  aproximados, 
composta  de  Allemães,  Francezes,  Italianos,  Romanhos 
ou  Rhetes  ou  Rumandos,  Ladinos  e  Judeus. 

Quanto  á  sua  situação  commercial,  não  tem  littoral. 
No  século,  XIX  de  que  estamos  tractando,  só  havia  na 
Europa  um  outro  Estado,  a  Servia,  que  também  não 
tinha  littoral. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  31 5 


E,  por  outro  lado,  é  o  paiz  mais  montanhoso  da 
Europa.  E  isto  equivale,  em  certo  ponto,  a  uma  bar- 
reira de  transito,  apesar  de  que  os  próprios  Alpes 
na  Suissa  não  constituem  barreira  insuperável  entre  os 
paizes  do  norte  e  sul;  antes  são  profundamente  cor- 
tados por  valles,  que  do  centro  do  paiz  se  dirigem  em 
todos  os  sentidos,  e  offerecem  um  g-rande  numero  de 
passagens,  relativamente  fáceis.  Uma  d'ellas  até  presta 
accesso  a  uma  via  férrea  de  grande  importância,  de 
que  adiante  f aliaremos,  a  de  S.  Gothard. 

Estes  inconvenientes,  porém,  estão  compensados  por 
differentes  vantagens,  taes  são : 

1."  A  Suissa  está  no  centro  da  Europa,  entre  pai- 
zes muito  commerciaes,  e  communicando  facilmente  com 
elles.  Partilha  até  com  a  França  a  navegação  do  lago 
de  Genebra;  com  a'Allemanha,  a  do  lago  Constança  e 
a  do  Rheno;  com  a  Itália,  a  do  lago  Maior;  e  com  a 
Áustria  tem  a  communicação  do  rio  Inn. 

2.''  Aquelle  mesmo  facto  de  ser  muito  montanhosa 
e  as  montanhas  serem  muito  bellas  torna  a  situação 
económica  da  Suissa  mais  importante,  pela  grande  quan- 
tidade de  viajantes  que  atrai,  e  porque  esta  situação 
montanhosa  dá-lhe  muito  bellas  paysagens,  lagos,  gelei- 
ras, montes  de  neve,  etc,  que  são  outros  tantos  cha- 
marizes de  estrangeiros. 

3.^  A  sua  situação  central  dá-lhe  também  grande 
importância  militar,  embora  em  desproporção  com  a 
força  do  seu  exercito  e  pequenez  do  seu  território. 
Como  já  disse  um  escriptor  notável,  a  potencia  que  se  , 
apoderasse  da  Suissa,  poderia  fazer  desembarcar  á  von- 
tade os  seus  exércitos  no  theatro  das  operações,  ou 
pelo    Rhodano,    ou    pelo    Saona,    Pó    e    Danúbio.    De 


316  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Genebra,  poderia  marchar  sobre  Lyão.  De  Bale,  pode- 
ria descer  ao  valle  de  Saona,  passando  por  Belfort. 
De  Constança,  poderia  lançar-se  sobre  o  Danúbio. 
A  Itália  podia  ser  invadida  nas  suas  linhas  de  defeza 
contra  a  França.    E  a  Áustria  poderia  ser  tomada. 

Foi  exactamente  por  esta  situação  particular  que  as 
nações  reunidas  no  congresso  de  Vienna  de  1815  re- 
conheceram que  o  interesse  geral  da  Europa  exigia  que 
a  Suissa  fosse  declarada  em  neutralidade  permanente;  a 
saber,  que  não  possa  ser  guerreada  nem  guerrear  senão 
em  legitima  defesa  ^;  e  isto,  sob  a  sancção  d'aquellas 
potencias. 

Ora,  esta  neutralidade  permanente,  devida  a  uma 
tal  situação,  garantindo  uma  paz  também  permanente, 
e  abolindo  a  necessidade  de  exércitos,  pois  basta  a 
simples  força  policial,  é  mais  uma  outra  vantagem 
económica  d'este  paiz. 

Quanto  ao  aspecto,  a  Suissa  divide-se  em  quatro 
regiões. 

A  primeira,  ao  O.,  compõe-se  do  macisso  do  Jura, 
que  comprehende  parte  da  Suissa  occidental.  E,  na 
direcção  de  O.  para  NO.,  á  altura  de  250  a  350  metros, 
estende-se  uma  dilatada  e  ondulosa  planicie,  que  se 
chama  Hochebene,  e  que,  principiando  no  lago  de  Gene- 
bra, vae  terminar  no  Wasser-Scheide,  serie  de  collinas 
arborisadas,  situadas  entre  o  Rheno  e  o  Danúbio. 

A  segunda  região,  no  centro,  é  uma  alta  planicie 
de  250  metros  a  400,  regada  pelo  Aaar  e  seus  affluen- 
tes,  e  comprehendida  entre  o  Jura  e  os  Alpes. 


1      Adriano   Anthero,  O  Direito  Internacional,  pa^.  367. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  31 7 


A  terceira  região,  a  SE.,  é  uma  alta  terra  que  sus- 
tenta o  macisso  dos  Alpes.  Tem  a  nascente  o  planalto 
de  Engadine,  nas  fronteiras  do  Tyrol. 

A  quarta,  é  constituida  pelo  valle  do  Tessino,  ao 
sul,  que  partilha  já  do  clima  e  natureza  da  peninsula 
italiana. 

O  Jura  e  os  seus  montes  não  excedem  a  altitude 
de  1.766  metros.  Ainda  não  ha  geleiras  ahi,  mas  ha 
lagos  fundos  ou  cavernas,  onde  o  sol  nunca  entra,  e 
que  existem  cheias  de  neve. 

Nos  Alpes,  na  altitude  de  2.600  metros  aproxima- 
damente, é  que  se  encontram  neves  permanentes,  e 
geleiras,  que  descem  muito  abaixo  d'esta  altitude,  sendo 
raras  as  que  teem  menos  de  um  miriametro  de  extensão. 

Para  se  fazer  ideia  da  quantidade  de  gelo  que  con- 
tem uma  só  das  grandes  geleiras,  basta  saber  que  as 
ha  de  366  metros  de  espessura,  cobrindo  20  kilometros 
de  extensão.  O  numero  das  grandes  e  pequenas  gelei- 
ras anda  por  600,  e  a  superficie  que  ellas  occupam,  está 
calculada  em  209.609  hectares. 

Já  este  espectáculo  faz  uma  paysagem  encantadora. 
Mas,  alem  d'isso,  a  belleza  dos  Alpes,  especialmente 
dos  Bernezes,  é  muito  grande. 

Quanto  ao  systema  hydrographico,  o  nó  central 
d'aquelles  montes  da  Suissa  é  o  S.  Gothard;  e  d'ahi 
ou  dos  seus  arredores  saem  o  Rheno  com  seus  affluen- 
tes  —  o  Thur  e  o  Birse;  o  Rhodano  com  os  d'elle — ^Arve 
e  Doubs,  que  se  lhe  juntam  pelo  Saona;  o  Aaar  também 
com  os  seus  affluentes — Emen,  pequeno  Emen,  Saane  ou 
Sarina,  Thule,  Reuss  e  Linth,  que  ao  sair  do  lago  Zurich, 
toma  o  nome  de  Limmate;  o  Inn,  affluente  do  Danúbio; 
e  o  Tessino.  Mas  só  começam  a  ser  navegáveis,  no  mo- 


318  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


mento  de  deixarem  a  Suissa,  o  Rheno  para  o  norte,  em 
direcção  á  Allemanha,  o  Inn  para  E.,  em  direcção  ao 
Tyrol,  o  Rhodano  para  O.,  em  direcção  á  França,  e  o 
Tessino  para  o  sul,  em  direcção  á  Itália. 

Os  saltos  e  cachoeiras  que  os  rios  formam,  consti- 
tuem também  uma  das  bellezas  mais  pittorescas  da 
Suissa. 

Os  lagos  representam  o  mais  formoso  ornamento 
deste  paiz;  e  os  dois  maiores,  são  alimentados  também 
pelos  dois  maiores  rios  que  nascem  nos  Alpes.  Assim 
o  Rheno  mergulha  no  lago  de  Constança,  e  o  Rhodano 
no  de  Leman  ou  de  Genebra. 

Deve,  alem  destes  lagos,  notar-se  o  de  Wallenstatt, 
o  de  Zurich,  o  Zug,  o  dos  Quatro  Cantões  ou  Lucerna, 
o  Maior,  também  suisso  em  parte,  o  Neuchatel  e  o 
Brienne;  e  ainda  o  Brienze  e  o  Thun,  ligados  pelo 
Aaar,  o  Morat  ao  pé  do  Neuchatel,  e  o  Lugano,  no 
Tessino. 

A  Suissa  possue  differentes  canaes.  Os  mais  impor- 
tantes são  os  dois  de  Linth,  a  saber:  um  de  5  kilo- 
metros,  indo  de  Mollis  ao  lago  Wallenstatt,  e  o  outro 
de  16  kilometros  e  meio,  indo  do  lago  Wallenstatt 
ao  de  Zurich;  estando  ambos  elles,  em  todo  o  seu 
percurso,  encerrados  em  diques  de  2  metros  e  meio, 
e  servindo  para  drenar  todos  os  terrenos  pantano- 
sos da  planicie  que  se  estende  entre  Wesen  e  o  lago 
Zurich;  o  canal  do  Aaar,  entre  o  lago  de  Thun  e  a 
cidade  de  Berne;  os  canaes  que  communicam  o  lago 
Morat  (Friburgo)  com  o  lago  Neuchatel,  este  com  o 
lago  Bienne,  e  este  ultimo  com  o  Aaar;  e  o  canal  de 
Entre  Rochas,  destinado  a  reunir  o  lago  de  Neuchatel 
e  o  de  Genebra. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  319 


O  clima  é  geralmente  são.  A  distancia  egual  do 
polo  e  do  equador  deveria  tornai -o  muito  doce. 
A  elevação,  porém,  do  solo,  diminui  a  vantagem  da 
situação.  Reina  um  inverno  perpetuo  no  cume  dos 
Alpes,  e  todo  o  alto  paiz  é  coberto  de  neves,  desde 
outubro  a  maio.  Ainda  assim,  em  muitos  valles,  goza-se 
de  uma  temperatura  muito  mais  doce;  e  tanto  que  lá  se 
cultivam  tabaco,  figueiras,  oliveiras  e  vinho.  E  os  valles 
do  Tessino,  que  estão  expostos  ao  sul,  teem  uma  tem- 
peratura, ainda  mais  amena  que  a  da  Suissa  situada 
ao  norte. 

Ha  o  foehn  (feún)  ou  vento  do  sul,  que  é  uma  cor- 
rente de  ar  quente,  que  vem  do  Sahará,  e  que,  depois 
de  ter  assollado  com  o  nome  de  sinmn  a  Africa  do 
norte,  e  com  o  nome  de  sirocco  a  Itália,  chega  aos 
Alpes.  Na  primavera,  o  feún  eleva  a  temperatura  a 
30  e  35",  derrete  as  neves  dos  pastos  alpestres,  e  torna 
a  sua  exploração  fácil. 

Sem  o  feún,  dizem  os  habitantes  dos  Grizões:  nem 
o  bom  Deus  nem  o  sol  douro  podem  nada. 

Mas  este  vento,  quasi  sempre  tão  útil,  é  também  ter- 
rível, quando  sopra  em  tormenta.  Desgraçada  da  em- 
barcação que  se  exposer,  então,  na  superficie  dos  lagos 
a  toda  a  sua  fúria.  N'essa  occasião,  qualquer  lago, 
fervendo,  assemelha-se  a  uma  grande  cratera,  cheia  de 
fumo;  e  na  terra,  a  sua  violência  é  tão  grande  que  os 
camponezes  não  podem  accender  lume  nas  cabanas, 
emquanto  elle  dominar  a  região. 


320  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  clima  é  tão  irregular  que,  no  mesmo  dia,  se  expe- 
rimentam os  calores  insuportáveis  da  Hespanha  meri- 
dional e  o  frio  glacial  da  Laponia,  a  ponto  de  que, 
em  muitos  logares,  sobe  a  mais  31",  e,  noutros,  desce 
a  menos  31°. 

As  chuvas  são  muito  desegualmente  distribuidas. 
As  variações  da  temperatura  são  súbitas,  as  trovoadas 
frequentes  e  fortes,  e,  muitas  vezes,  acompanhadas  até 
de  saraiva.  Outr'ora,  eram  também  muito  frequentes 
n'este  paiz  os  tremores  de  terra. 


* 
* 


A  Suissa,  no  século  XIX,  era,  como  hoje,  muito 
pobre  em  productos  mineraes. 

Tinha  apenas  alguma  hulha  nos  cantões  de  Zug, 
S.  Gall  e  Lucerna;  alguma  antracite  e  linhite  em  Valais; 
e  algumas  minas  de  ferro  no  Jura  e  nos  Grizões. 

Era,  porém,  como  ainda  é,  muito  abundante  em 
pedras  de  toda  a  espécie  —  granito,  porphido,  már- 
more, alabastro,  ardósia,  pedra  mó  e  gesso.  Tinha 
grande  abundância  de  sal  nos  cantões  de  Argovia  e 
e  Vaud,  cujas  salinas  representavam  um  artigo  de  forte 
exploração.  E  havia  asphalto  no  cantão  de  Neuchatel, 
que  era  objecto  de  um  tráfico  importante.  As  aguas 
mineraes  constituiam,  como  actualmente  acontece,  uma 
das  grandes  riquezas  d'esse  paiz,  pela  attracção  de 
muitos  estrangeiros;  e,  entre  ellas,  as  de  Louèche,  no 
Valais,  S.  Maritz  e  Ragatz,  em  S.  Gall,  Vex,  no  Vaud, 
e  Baden,  na  Argovia,  tinham  uma  voga  prodigiosa. 


EDADE    CONTEMPORÂNEA  321 


Quanto  aos  productos  vegetaes,  o  solo  suisso  divi- 
de-se  em  cinco  zonas,  sob  o  aspecto  da  flora. 

A  primeira  zona  vai  até  550  metros  de  altitude. 
Prosperam  ahi  a  vinha,  a  amoreira,  e  o  castanheiro. 

A  segunda  zona  vai  de  550  metros  até  850.  Ha  cam- 
pos de  trigo,  bosques  de  carvalhos,  nogueiras  e  arvores 
de    fructa.    Esta   zona   é   muito   abundante   em   prados. 

A  terceira  zona  vai  até  1.300  metros,  ou  mesmo  1.800. 
E'  a  zona  chamada  dos  pinheiros.  Ha  ahi  também  muitos 
abetos,  plátanos,  bordos  e  muitos  prados. 

A  quarta  zona  vai  de  1.800  metros  a  2.150.  E'  a 
região  inferior  alpestre,  onde  apenas  se  encontra  herva, 
tojo,  betula  e  a  rosa  dos  Alpes,  e  onde  é  impossível 
qualquer  cultura.  Chega  até  o  limite  das  neves  eternas. 

Finalmente,  na  quinta  zona,  desde  2.150  metros  para 
cima,  ha  as  neves  eternas,  e  os  valles,  com  raras  exce- 
pções, transformados  em  geleiras.  Apenas,  em  muito 
poucos  logares  expostos  ao  sol,  se  encontra  musgo 
nas  pedras  das  montanhas  \ 

Nas  florestas,  havia  no  século  passado,  como  ainda 
ha,  faias,  laricios,  pinheiros  mansos  e  bravos,  abetos, 
cedros  dos  Alpes,  plátanos,  nogueiras,  carvalhos,  cas- 
tanheiros e  bétulas. 


1  Francis  Otwel  Adónis  e  C.  D.  Cunningham,  no  admirável 
livro  La  Confederation  Suisse,  dividem-na  só  em  três  zonas :  a  pri- 
meira até  700  metros;  a  região  montanhosa  até  1.290;  e  o  districto 
alpestre  até  2.280,  D'ahi  para  cima  cessa  toda  a  cuHura. 

Volume  VI  21 


322  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Essas  florestas  eram  muito  convenientes,  porque 
garantiam  as  avalanches  e  desabamentos.  Porisso,  o 
Governo  empregou  todos  os  esforços  para  a  sua  con- 
servação. Mas,  como  ellas  pertenciam,  na  maior  parte, 
a  particulares,  as  medidas  do  Governo  não  puderam 
ser  tão  efficazes,  como  era  mister.  E,  porisso,  as 
florestas  diminuiram  muito,  desde  o  principio  do  sé- 
culo XIX,  embora,  no  fim  delle,  ainda  cobrissem 
70.000   hectares. 

Assim,  a  Suissa  não  fornecia  a  madeira  precisa  para 
as  suas  necessidades  industriaes.  E  tanto  mais  que  as 
florestas  davam  logar  a  uma  grande  industria,  a  de 
esculptura,  bijuteria,  objectos  de  adorno,  etc,  prepa- 
ração de  chalets  de  madeira,  cujos  materiaes  já  fabri- 
cados se  exportavam  para  o  estrangeiro,  onde,  depois, 
eram  armados.  Precisava,  porisso,  de  pedir  madeira  aos 
paizes  estrangeiros. 

Relativamente  aos  productos  agrícolas,  a  agricul- 
tura estava  muito  desinvolvida,  onde  ella  era  possível, 
graças  ao  génio  dos  habitantes,  á  instrucção  geral  e 
especial,  espalhada  por  toda  a  parte,  e  ao  estimulo 
resultante  das  escolas  e  estabelecimentos  appropriados. 

Assim,  a  instrucção  geral  era  obrigatória,  mas  a 
serio.  As  escolas  eram  uma  das  grandes  predilecções 
dos  Suissos.  Ricos  e  pobres  as  frequentavam,  e  via-se 
o  rico  sentado  ao  pé  do  pobre,  sem  distincção.  Não 
havia  d'esses  rapazes  vagabundos,  que  não  frequentam 
as  aulas. 

Encontravam-se  em  muitas  cidades  jardins  de  infân- 
cia, onde  as  crianças  eram  mandadas,  desde  que  tinham 
quatro  ou  cinco  annos,  e  onde  começavam  a  estudar 
botânica  e  a  formar  o  atractivo  e  gosto  pelas  plantações. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  323 


Havia  muitas  escolas  de  agricultura.  Uma  de  viti- 
cultura em  Lausane;  uma  de  jardinagem  em  Genebra; 
e  escolas  de  leitaria  e  queijaria  em  Lornthal  e  em 
Fri  burgo. 

De  tempos  a  tempos,  faziam-se  conferencias  sobre 
viticultura,  horticultura,  tratamento  de  forragens  e  cria- 
ção de  gado;  e  havia  cursos  agricolas  em  differentes 
partes  do  paiz. 

E  o  génio  dos  habitantes  correspondia  á  iniciativa 
do  Governo  e  á  instrucção  geral  e  especial.  Rochedos, 
outr'ora  estéreis,  foram  cobertos  de  vinhas  e  pastos. 
A  charrua  traçou  sulcos  na  borda  de  precipicios  tão 
escarpados  que  custava  a  conceber  como  um  cavallo 
ou  um  boi  lá  podiam  subir. 

Comtudo,  as  terras  aráveis,  raras  e  mediocres,  só 
chegavam  a  dar  duas  sétimas  partes  do  que  era  pre- 
ciso para  a  alimentação  dos  Suissos,  embora  houvesse 
alguns  cantões  que  produziam  cereaes  bastantes  para 
elles. 

A  colheita  constava,  sobretudo,  de  trigo  espelta, 
aveia  e  centeio,  nas  terras  baixas  dos  cantões  de  Vaud, 
Berne,  Argovia  e  Thurgovia.  A  do  trigo  era  muito 
pequena.    Cultivava-se    milho    nos   Grizões    e   S.    Gall. 

Esta  pobreza  de  cereaes  era  supprida  pela  cultura 
da  batata,  que  constituia  uma  boa  parte  da  alimentação 
dos  camponezes. 

A  Suissa,  que  estava  dividida  como  a  França  em 
grande  numero  de  pequenas  propriedades,  desinvolveu 
muito  a  cultura  hortícola. 

Entre  as  culturas  arborescentes,  a  vinha  tinha  o  pri- 
meiro logar.  Principalmente,  em  volta  dos  lagos,  onde 
a  agua  adoça  o  clima,  é  que  havia  mais  vinho,  e,  nos 


324  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


cabeços  do  lago  Genebra  e  do  Neuchatel,  é  que  era 
cultivado  com  mais  cuidado.  O  Valais  e  S.  Gall  tam- 
bém produziam  bastante. 

Os  vinhos  de  pasto  mais  celebres  eram  os  do  lago 
Leman  ou  Genebra  e  Neuchatel. 

Uma  grande  parte  de  todos  os  vinhos  da  Suissa 
era  transformada  em  champagne,  que  ia  concorrer  nos 
Estados  Unidos  com  o  champagne  francez. 

As  arvores  fruteiras  implicavam  grande  cuidado  nos 
cantões  do  norte.  Havia  valles  inteiros  que  se  asseme- 
lhavam a  grandes  pomares.  Fazia-se  também  vinho  de 
fruta;  e  preparava-se  muita  fruta  secca  ;  e,  no  norte, 
muita  cidra  e  kirch. 

Nas  culturas  industriaes,  havia  algum  tabaco,  linho 
e  cânhamo.  O  absintho  crescia  naturalmente  no  Jura, 
e  dava  logar  a  uma  grande  industria  da  sua  bebida. 
Havia  também  alguma  colza,  que  se  aproveitava  para 
azeite. 

A  maior  riqueza  da  Suissa,  estava,  porém,  no  gado. 

Os  pastos  e  prados,  fora  da  alta  montanha,  eram 
communs  e  occupados  por  muitos  rebanhos,  que  anda- 
vam quasi  que  em  liberdade,  sob  a  conducção  de  um 
pequeno  numero  de  pastores,  durante  a  bella  estação. 
Desde  que  as  neves  se  derretiam,  os  animaes  de  toda 
uma  região  subiam  conjunctamente  aos  Alpes,  donde 
desciam  somente  com  a  apparição  das  primeiras  neves. 
E  os  productos  do  leite  e  queijo  eram  partilhados 
entre  os  proprietários,  depois  da  campanha.  Assim,  os 
rebanhos  iam  pastando,  segundo  as  estações,  nos  pra- 
dos dos  valles,  e  depois  nos  Alpes. 

Havia  grande  abundância  de  gado  grosso,  princi- 
palmente bovino.  Os  bois  pertenciam  a  duas  raças  —  a 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  325 


de  Schewitz,  escura,  de  talho  médio,  que  povoava, 
sobretudo,  as  montanhas;  e  a  do  Jura  ou  raça  de 
Abundância  ou  do  Friburgo,  que  é  malhada  e  habitava 
sobretudo  os  platós,  especialmente,  nos  cantões  do 
Berne  e  Friburgo. 

Os  cavallos  eram  fortes  e  bons,  mesmo  para  carro. 
As  cabras  eram  também  numerosas,  e  davam  um  leite 
excellente. 

Havia  muitas  abelhas  no  Valais,  que  produziam  mel 
afamado ;  e  muito  sirgo,  no  Tessino. 

A  caça,  que  primeiramente  teve  grande  impor- 
tância, diminuiu  muito,  pela  guerra  encarniçada,  feita 
aos  animaes  selvagens.  O  viado  e  cabrito  montez 
desappareceram.  Restava  ainda  a  camurça,  que  ten- 
dia também  a  extinguir-se;  e,  já  nos  últimos  tempos 
do  século  XIX,  somente  se  encontrava  nos  cantões 
dos  Grizões,  Appenzell  e  Valais.  Mas,  no  intuito  de 
obstar  á  completa  extincção  d'este  animal,  o  Go- 
verno, então,  só  permittiu  a  caça  d'ella  durante  trez 
ou  quatro  mezes,  o  que  preveniu  a  destruição  com- 
pleta. 

Também  já  raramente  se  encontrava,  desde  o  meiado 
do  século  passado,  a  cabra  alpestre  e  o  lobo.  Ainda 
havia,  porém,  ursos  nas  florestas  do  Jura. 

Em  compensação,  os  lagos  e  os  rios  forneciam  aos 
pescadores  um  tributo  abundante  de  peixes,  trutas,  etc. 
As  enguias  do  Tessino  eram  objecto  de  um  commercio 
considerável,  tanto  com  a  Lombardia,  como  nos  can- 
tões vizinhos.  Viam-se  também  vagões  inteiros  de 
caracoes  tomarem  o  caminho  da  Itália,  no  tempo  da 
quaresma. 


326  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Quanto  ás  industrias  mecânicas,  em  geral,  apesar 
de  faltarem  rriineraes  e  hulha,  eram  muito  activas,  pelo 
génio  dos  habitantes  e  instrucção  geral  e  especial  de 
que  já  falíamos;  pelas  muitas  quedas  de  agua,  que 
forneciam  motores  naturaes  e  eléctricos  ;  pelos  peque- 
nos impostos  de  importação  das  matérias  primas,  em 
consequência  da  liberdade  de  commercio,  de  que  adiante 
fallaremos;  pelo  baixo  preço  em  que  a  mão  de  obra 
ficava,  attenta  a  simplicidade  dos  costumes  e  a  falta 
de  luxo;  por  haver  muitas  vias  de  communicação;  pela 
liberdade  de  trabalho,  pois  não  havia  monopólios;  pela 
boa  legislação  industrial  e  commercial;  pelo  grande 
consumo  interno,  em  vista  da  aglomeração  de  estran- 
geiros e  viajantes ;  e,  finalmente,  porque  a  Suissa  podia 
supprir  facilmente  a  falta  da  hulha  e  do  ferro,  importan- 
do-os  da  Allemanha. 

O  próprio  trabalho  siderúrgico  tornou-se  importante. 
As  forjas  de  Liesstal  e  as  officinas  Shaffhouse  eram 
afamadas.  As  fabricas  de  maquinas  e  ferramentas  de 
Zurich,  Winterthur  e  Oerlikon  contavam-se  entre  as 
melhores  da  Europa.  E  Aarou  era  o  centro  de  uma 
importante  fabricação  de  canhões  e  cutellarias. 

A  relojoaria  era  muito  notável.  Datava  de  1587,  e, 
no  fim  do  século,  produzia  quasi  um  milhão  e  meio  de 
relógios.  E  dizemos  de  relógios,  porque,  relativamente 
ás  caixas  de  ouro,  como  a  Suissa  não  possui  esse 
metal,  já  no  século  XIX,  eram  principalmente  fabrica- 
das nos  Estados  Unidos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  327 


Na  preparação  de  caixas  de  musica,  Genebra  occu- 
pava  o  primeiro  logar  no  mundo.  E  exercia  outras  mais 
industrias  importantes,  como,  por  exemplo,  a  tecelagem. 

Havia  escolas  de  relojoaria,  em  Genebra,  Neuchatel, 
Chaux-de-Fonds,  Locle,  etc. 

Iam  muitas  máquinas  de  relógios  para  os  Estados 
Unidos,  onde  as  caixas,  pela  abundância  do  ouro,  fica- 
vam mais  baratas,  como  já  fizemos  ver.  Mas  esta  expor- 
tação foi  diminuindo,  nos  últimos  tempos  do  século  XIX, 
á  proporção  que  os  Estados  Unidos  se  foram  eman- 
cipado d'essa  importação,  pela  sua  própria  perícia  na 
relojoaria. 

Estava  muito  desinvolvida  a  cerâmica  e  a  faiança. 
E  os  centros  principaes  eram  Winterthur  e  Carouge. 
Muito  desinvolvida  também  a  industria  de  instrumentos 
de  precisão  (Genebra)  e  de  instrumentos  de  precisão 
(Glaris). 

As  mais  importantes,  porém,  de  todas  as  industrias 
eram  as  de  fiação  e  tecidos,  e,  sequentemente,  a  da 
respectiva  tinturaria.  Derivavam  da  tradição,  alem  das 
causas  que  temos  apontado.  E  a  principal  d'ellas  era  a 
do  algodão,  em  que  a  Suissa  rivalisava  com  a  própria 
Inglaterra  e  França,  e  cujos  centros  principaes  eram 
Berne,  Zurich,  S.  Gall  e  Appenzell. 

A  do  linho  era  também  muito  importante.  Berne, 
por  exemplo,   fabricava  até  muitas  teias  adamascadas. 

A  industria  da  seda,  que  datava  do  século  XVII, 
tomou-se  considerável  com  o  asilo  dado  aos  calvinistas 
francezes,  pela  revogação  do  edito  de  Nantes.  E  tanto 
se  desinvolveu  que,  no  ultimo  meiado  do  século  XIX, 
concorria  com  a  seda  de  Lyon.  Os  centros  principaes 
eram  Bale,  Zurich  e  Gall. 


328  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Os  trabalhos  de  lã  e  cânhamo  é  que  não  tinham 
grande  valor  industrial.  Occupavam  apenas  algum  dis- 
trictos  dos  cantões  de  Argovia  e  Thurgovia.  Mas,  ainda 
assim,  Bale  possuia  também  muitas  fabricas  de  lanifícios. 

Em  1835,  os  cantões,  afim  de  facilitarem  a  fabricação 
dos  tecidos,  supprimiram  todo  o  obstáculo  ás  transa- 
cções interiores,  estabelecendo  a  liberdade  de  com- 
mercio,  na  acepção  mais  completa.  E,  assim,  apesar  das 
difficuldades  de  accesso  que  a  sua  situação  geogra- 
phica  oppunha  ao  transporte  das  matérias  primas,  e, 
apesar  da  raridade  dos  capitães,  n'essa  época,  a  tecela- 
gem de  algodão  triunfou  plenamente;  e  as  manufacturas 
produziam  espécimens,  que  podiam  rivalisar  com  os 
melhores  da  Europa. 

Em  todo  o  caso,  os  inicios  foram  penosos.  Não 
podendo  nos  primeiros  annos  lutar  no  próprio  territó- 
rio com  os  algodões  inglezes  e  francezes,  a  Suissa 
esmerou-se  em  concentrar  os  seus  esforços  na  fabrica- 
ção de  certas  especialidades,  em  que  a  proximidade 
da  Itália  lhe  fazia  intervir,  tal  era  a  da  seda;  e  chegou 
a  despejal-a  em  praças  distantes  do  Oriente,  Extremo 
Oriente,  índia  e  America.  Mas  o  tempo,  a  perseve- 
rança e  o  progresso  das  maquinas,  a  poz  mais  tarde 
em  condições  de  concorrer,  mesmo  no  algodão,  com  os 
productos  similares  dos  paizes  vizinhos,  até  no  próprio 
território  d'elles,  e  tomar,  no  ponto  de  vista  industrial, 
um  logar  considerável, 

A  realisação  de  reformas  liberaes,  e  a  conclusão  de 
tratados  de  commercio  com  as  grandes  potencias  do 
continente,  e  com  os  Estados  Unidos,  desde  1848  a 
1868,  acabaram  por  dar  á  Suissa  ainda  maior  impulsão 
económica. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  329 


E  esta  impulsão  foi  encontrar  um  elemento  particu- 
larmente poderoso  de  progresso,  na  abertura  do  S.  Go- 
thard,  que,  reduzindo  as  distancias  que  separam  a 
Allemanha  da  Itália,  serviu  de  grande  via  de  penetra- 
ção e  de  transito  para  os  productos  destinados  ao 
Oriente,  e  substituiu,  n'uma  certa  medida,  para  os 
objectos  de  valor  e  para  os  viajantes,  o  transito  pela 
via  marítima. 

Ultimamente,  a  Suissa,  para  luctar  com  a  França, 
tratou  de  desinvolver  as  industrias  de  luxo.  E  para 
isso  criou  muitas  escolas  e  museus. 

Também  uma  das  industrias  mais  importantes  era 
a  dos  hotéis.  Havia  uma  escola  profissional  de  hote- 
leiros, frequentada  por  grande  número  de  alumnos, 
entre  os  quaes  figuravam  em  grande  proporção  os 
filhos  dos  proprietários  dos  1:593  hotéis  do  paiz. 

Essa  escola  estava  installada  no  Hotel  de  Inglaterra 
em  Onchy-Lausanne,  e  funcionava  desde  15  de  Outubro 
a  15  de  Abril.  Admittia  alumnos  internos  e  externos.  O 
internato  era  de  120  francos  por  mez.  O  programma  dos 
estudos  comprehendia  allemão,  francez,  inglez,  arithme- 
tica,  caligraphia,  geographia,  contabilidade,  conheci- 
mento dos  productos  comestíveis,  e  exercícios  práticos, 
taes  como  sobre  a  administração  de  cozinha,  modo  de 
servir  á  mesa,  etc. 

Além  disso,  ententendia-se  geralmente  que  o  hote- 
leiro devia  saber  muita  coisa,  e  ter  conhecimentos  muito 
variados.  Por  exemplo,  devia  visitar  as  adegas,  ouvir 
lições  theoricas  sobre  o  tratamento  dos  vinhos,  etc. 

Durante  o  inverno,  os  alumnos  iam  por  turno  servir 
os  jantares  de  mesa  redonda  do  Hotel  Beau  Birage,  e 
ahi    aprendiam    a    arte    difficil,    que    tanto  sangue   frio 


330  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


reclama  —  a  de  trinchar,  mudar  os  pratos  e  talheres 
sem  estrépito,  não  derramar  molho  sobre  o  fato  dos 
convivas,  etc.  \ 

E  também  a  industria  da  preparação  e  ensino  de  cria- 
das, destinadas  a  servir  na  Suissa  e  no  estrangeiro,  era 
importante.  Havia  até  uma  escola  de  serviçaes,  que 
durava  alguns  mezes. 


O  commercio  interno  e  externo  era  muito  con- 
siderável, devido  egualmente  ao  génio  dos  habitan- 
tes, á  sua  Índole  activa  e  ao  systema  liberal  d'esse 
commercio;  porque  não  havia  direitos  protectores,  e 
apenas  pequenos  impostos  fiscais  para  as  despezas 
dos  cantões. 

As  razões  que  levaram  a  Suissa  a  este  systema 
liberal,  eram  variadas. 

Primeiramente,  bloqueiada  pela  Europa,  convinha- 
Ihe  adquirir,  por  meio  de  uma  politica  aduaneira  liberal, 
a  hulha,  os  mineraes  e  os  demais  objectos  necessários 
á  sua  industria. 

Em  segundo  logar,  não  tendo  divida  publica,  e 
tendo  pequenas  despezas  orçamentaes,  não  precisava 
de  muitos  impostos. 

Em  terceiro  logar,  como  os  transportes  para  lá  eram 
por  terra,  não  se  tornava  tão  perigosa  a  concorrência 
dos  outros  paizes. 


1     Vide  o  jornal  A  Província  de  27  e  30  de  Setembro  de  1898. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  331 

E,  finalmente,  o  preço  dos  productos  era  relativa- 
mente menor;  porque  também  era  mais  barata  a  mão 
de  obra,  e  havia  a  gratuitidade  da  força  motriz  de 
quedas  de  agua. 

E,  além  de  tudo,  os  estrangeiros  que  viajavam  ou 
estacionavam  na  Suissa,  pelo  que  lá  consumiam  ou 
levavam  para  o  seu  paiz,  constituíam  outro  elemento 
poderoso  d'esse  commercio. 

A  importação  consistia,  principalmente,  em  cereaes 
e  farinhas,  algodão,  tecidos,  seda  (matéria  bruta),  ani- 
maes,  vinhos,  hulha,  ferro  e  metaes. 

E  a  exportação,  sobretudo,  em  sedas,  algodão,  reló- 
gios, vinhos,  queijo,  seda  em  fio,  algodão  também  em 
fio,  animaes,  leite,  pelles,  chapéus  de  palha,  bijuterias 
de  madeira,  materiaes  de  chalet,  absintho,  etc. 

Os  principaes  paizes  com  que  fazia  o  commercio, 
eram  Allemanha,  Inglaterra.  Áustria,  Hungria,  França, 
etc.  E,  fora  da  Europa,  os  Estados  Unidos  representavam 
o  paiz  que  mais  commercio  fazia  com  a  Suissa,  em  con- 
sequência do  grande  numero  de  Suissos  que  lá  estava. 


Quanto  aos  principaes  centros  económicos,  Gene- 
bra tornou-se  uma  das  cidades  mais  importantesdo  mundo, 
pela  instrucção.  As  suas  escolas,  que  eram  das  melho- 
res da  Europa,  e  a  sua  Universidade,  que  era  frequen- 
tada por  mais  de  500  estudantes,  e  entre  elles  200 
estrangeiros,  occupavam  e  occupam  um  logar  muito  hon- 
roso entre  as  escolas  e  as  Universidades  do  universo. 
E   a  Universidade  tinha  até  uma  coUecção  de  historia 


332  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


natural  muito  importante.  No  século  XIX,  esta  cidade 
dobrou  o  numero  dos  seus  habitantes;  mas  perdeu  em 
grande  parte  duas  das  principaes  industrias,  que  faziam 
a  sua  reputação  —  a  joialheria  e  relojoaria.  E'  que  a 
França  e  os  Estados  Unidos,  que  se  proviam  outr'ora 
de  relógios  nas  officinas  de  Genebra,  começaram  a 
supprir,  de  per  si,  o  próprio  consumo,  pelo  menos,  em 
relógios  ordinários;  e  muitas  das  fabricas  genebrezas 
ficaram  arruinadas. 

Apesar  d'isso,  como  cidade  industrial  e  commercial, 
tinha  immensos  recursos,  e  a  fabricação  de  relógios  era 
ainda  muito  importante. 

A  vizinhança  da  França  augmentava  também  muito 
a  sua  importância. 

Neuchatel  e  o  seu  districto,  eram,  apesar  do  que 
deixamos  dito,  o  centro  principal  da  industria  de  reló- 
gios do  mundo. 

Berne,  que  occupa  uma  bella  posição  commercial 
entre  o  valle  do  Rheno  e  o  do  Rhodano,  desgraçada- 
mente não  é  favorecida  pelo  clima,  porque  os  extremos 
do  calor  e  frio  são  maiores  ahi  que  nas  outras  cidades 
da  Suissa.  Em  todo  o  caso,  tinha  grandes  fabricas  de 
vitraes,  fornecidas  pelos  productos  das  suas  vastas 
pedreiras;  e  preponderava  nas  grandes  industrias  na- 
cionaes,  queijos  e  pannos  de  linho  e  de  lan. 

Bale  era  a  porta  commercial  da  Suissa,  do  lado  da 
Allemanha,  da  Alsacia  e  França  do  Norte;  assim  como 
Genebra,  sobre  o  Rhodano  é  a  porta  que  se  abre  á 
França  do  Sul.  A  industria  de  seda,  fitas,  productos 
chymicos  e  outras  mais  industrias,  alimentavam,  como 
teem  alimentado,  o  seu  commercio  com  o  estrangeiro. 
Era  também  uma  das  praças  da  Europa  onde  o  nego- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  333 


cio  monetário  tinha  feito  afluir  mais  capitães;  e,  como 
cidade  universitária,  possuia  grandes  thesouros  de  arte 
e  sciencia  e  um  curioso  museu. 

Lucerna  aproveitou  muito  com  a  abertura  do  tunnel 
de  S.  Gothard,  que  lhe  deu  uma  parte  do  commercio 
da  Allemanha  e  da  Itália. 

Zurich,  a  cidade  mais  populosa  da  Suissa,  tinha 
grande  industria  de  seda,  algodão  e  metaes.  As  suas 
maquinas  de  vapor  eram  expedidas  até  para  Inglaterra, 
Estados  Unidos  e  Brazil.  Tornava-se  também  muito 
notável  pelos  seus  estabelecimentos  scientificos. 

Depois  de  Zurich,  a  principal  cidade  do  cantão  era 
Winterthur.  Havia  poucas  cidades  da  Europa  que,  em 
numero  tão  pequeno  de  habitantes,  tivessem  tanta  fabrica 
de  ferramenta  industrial,  tantos  caminhos  de  ferro  e 
tantas  escolas  e  instituições  publicas. 


A  Suissa,  no  centro  do  continente,  está  na  passagem 
de  toda  a  Europa.  Mas,  por  causa  do  seu  relevo,  tem 
sido  difficil  estabelecer  as  communicações. 

Antes  dos  caminhos  de  ferro,  os  terrestres  represen- 
taram um  logar  muito  importante  no  commercio  deste 
paiz,  e  explicavam  em  grande  parte  o  seu  movimento 
commercial. 

Esses  caminhos  eram : 

O  do  monte  de  S.  Bernardo,  ainda  do  tempo  dos 
Romanos,  que  unia  o  Pó  ao  Rhodano,  por  uma  alta 
passagem  de  2.500  metros  de  altitude ;  e  o  caminho  que 
foi  obra  de  Bonaparte,  depois  da  batalha  de  Marengo. 


334  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  caminho  de  S.  Gothard,  o  mais  frequentado,  que 
junctava  os  valles  do  Tessino  ao  valle  do  Reuss. 

O  caminho  de  Simplon,  aberto  por  Napoleão  para 
approximar  Paris  de  Milão.  Corta  a  crista  alpestre  a 
200  metros,  pouco  mais  ou  menos.  Este  caminho  per- 
deu muito  da  sua  importância,  depois  da  abertura  do 
S.  Gothard. 

Havia  também  caminhos  carrossaveis  pelos  collos 
do    Bernardin,    do  Splugen,   da  Maloya   e    do    Bernina. 

A  Suissa  começou  os  caminhos  de  ferro,  em  1846; 
e,  nos  últimos  tempos  do  século,  possuia  já  uma  grande 
rede.  Assim,  communicava  já  com  a  Allemanha  por  8, 
com  a  França  por  5,  com  a  Áustria  por  1,  o  de  Alberg, 
com  a  Itália,  pelo  S.  Gothard. 

Esse  túnel  de  S.  Gothard  fez  diminuir  alguma  coisa 
o  transito  pela  França,  e  aproveitou,  sobretudo,  á  Alle- 
manha. 

No  interior  podiam  distinguir-se  as  seguintes  linhas: 

1.°  De  Bale  a  Schaffhouse,  Constança,  Coire  ou 
Alberg; 

2."     De  Bale  a  Zurich  e  a  Coire  ou  Alberg; 

3."     De  Bale  a  Berne,  Friburgo,  Lausanne,  Genebra; 

4.°     De  Bale  a  Neuchatel  e  Lausanne; 

5.°     De  Bale  a  Lucerna,  S.  Gothard  e  Bellinzona; 

6/'     De  Lausanne  a  Brigue; 

7.°     De  Neuchatel  a  Chaux-de-Fonds. 

Dos  seus  rios,  o  Rheno  é  navegável  na  Suissa.  Os 
outros  rios,  ou  não  são  navegáveis,  ou  teem  pontos 
pequenos  de  navegação. 

Os  seus  lagos  são  também  mais  próprios  para  diver- 
timento de  turistas  que  para  a  navegação,  a  não  serem 
os  de  Genebra  e  Constança. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  335 


O  de  Genebra  tem  7  kilometros  de  comprimento,  e 
4  a  13  de  largura;  e  os  seus  portos  suissos  e  francezes, 
Genebra,  Coppert,  Ouchy  (perto  de  Lausanne)  Vevey, 
Villeneuve,  Bouveret  (Suissa)  Evian  e  Thonon  (França) 
são  servidos  por  numerosos  vapores. 

Acontece  a  mesma  coisa  com  o  de  Constança,  onde 
o  porto  de  Romanshorn  fazia  grande  commercio  com 
a  AUemanha;  e  também  com  o  de  Zurich,  Lucerna  e 
Neuchatel. 


Vê-se,  em  conclusão,  que  este  paiz,  apesar  da  peque- 
nez do  seu  território  e  população,  tornou-se,  já  no 
século  XIX,  um  dos  principaes  da  Europa,  economica- 
mente fallando,  pela  sua  industria,  pelos  seus  produ- 
ctos  naturaes,  pela  intelligencia  com  que  soube  criar 
no  exterior  mercados  de  consumo,  sempre  crescente, 
pelo  espirito  liberal  das  suas  instituições,  previdência 
liberal  da  sua  legislação  aduaneira,  e  repugnância  que 
sempre  mostrou  por  toda  a  protecção  official  ^. 


1  Francis  Otwel  Adónis  e  C.  D.  Cunningham,  La  Confede- 
ration  Siiisse.  —  Noel,  obr.  cit.  —  Conner,  Commercial  Géography. — 
Mareei  Dubois  et  Kergomard,  Précis  de  Gtographie  Economique. — 
Delville,  obr.  cit.  —  Mareei  Dubois,  obr,  cit.  —  Richard  Cortambert, 
Geographie  Commercial  et  Industrielle  des  Cinq  Parfies  du  Monde. 
—  M.  L.  Lanier,  LEurope.  —  Bannier,  Cours  de  Geographie  Commer- 
cial, LEurope. — E.  Reclus,  Nouvelle  Geographie  Universelle.  LEu- 
rope Centrale.  —  Onesine  Reclus,  La  Terre  à  vol  d'Oiseau.  —  Piolet 
&  Bemard,  Histoire  Contemporaine  de  1815  A  Nos  Jours.  —  E.  C. 
Courtan,  Le  Monde  au  Siècle  A^/A'.  — Albert  Malet,  XVIII  Siècle. 
Revolution,  Empire  et  LEpoque  Contemporaine, 


CAPITULO  IX 
A  Bélgica 

Ligeiro  esboço  politico  da  Bélgica,  n'este  periodo.  —  Como,  ao  contra- 
rio do  que  geralmente  succedeu  nos  outros  paizes,  ella  aprovei- 
tou com  o  governo  de  Napoleão.  —  Como  o  congresso  de  Vienna 
de  1814,  reunindo  no  mesmo  sceptro  a  Bélgica  e  Hollanda,  deteve 
o  progresso  dos  Belgas  até  1825.  —  De  que  modo  a  Bélgica  entrou 
depois  n'uma  via  mais  satisfactoria  até  1830.  —  Como  posterior- 
mente, pela  separação  dos  dois  Estados,  ella  progrediu  enorme- 
mente até  o  fim  do  século.  —  Productos,  agricultura,  industria  e 
commercio.  —  Centros  económicos  principaes.  —  Communicações. 

A  Bélgica,  em  1714,  pelos  tratados  de  Rastadt  e 
de  Bale,  ficou  pertencendo  á  casa  da  Áustria. 

Em  1792,  a  França,  tendo  declarado  a  guerra  ao 
imperador  Francisco  II,  invadiu  a  Bélgica.  Em  1795, 
este  paiz  estava  totalmente  conquistado,  e,  em  1801, 
foi,  juntamente  com  a  Hollanda,  declarado  possessão 
franceza,  formando,  então,  nove  departamentos.  Mas, 
depois  da  queda  de  Napoleão,  em  1814,  pelo  congresso 
de  Vienna,  a  Bélgica,  também  juntamente  com  as  provin- 
cias  hollandezas,  foi  erigida  em  reino,  sob  o  nome  de 
reino  dos  Paizes  Baixos,  e  dado  a  Guilherme,  principe 
de  Orange-Nassau  (Guilherme  I).  Em  1830,  as  provín- 
cias hollandezas  e  as  provindas  belgas  separaram-se  de 

Volume  VI  22 


338  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


uma  forma  violenta,  e  guerrearam-se  encarniçadamente. 
Depois  de  longas  conferencias,  que  tiveram  logar  em 
Londres,  em  1831,  e,  graças  á  intervenção  da  França,  a 
Bélgica  foi  reconhecida  como  reino  independente,  sendo 
a  coroa  dada  a  Leopoldo  I,  principe  de  Saxe-Coburgo. 
Comtudo,  somente  depois  de  1839,  após  o  tratado  de 
paz  concluido  entre  a  Hollanda  e  a  Bélgica  e  a  par- 
tilha de  Luxemburgo  e  Limburgo  entre  as  duas  poten- 
cias, é  que  este  reino  foi  definitivamente  reconhecido 
por  todos  os  paizes. 

Gozou,  então,  de  paz  até  o  fim  do  século,  sob  o 
governo  do  mesmo  Leopoldo  I  (1831-1865),  e  de 
Leopoldo  II  (1865-1909),  que,  por  virtude  do  congresso 
de  Berlim  de  1884,  foi,  em  1885,  também  declarado  rei 
do  Estado  Independente  do  Congo. 


* 

* 


Já  dissemos  que,  regra  geral,  todos  os  paizes  da 
Europa,  durante  o  periodo  da  revolução  íranceza  e  das 
guerras  napoleónicas,  foram  mais  ou  menos  prejudica- 
dos no  seu  movimento  económico.  Mas  com  a  Bélgica 
deu-se  o  contrario. 

E,  com  effeito,  como  também  já  dissemos,  tanto  ella 
como  a  Hollanda  foram  incorporadas  por  Napoleão  no 
império  francez.  Mas  a  Bélgica,  pela  sua  vizinhança  da 
França  e  pela  affinidade  dos  habitantes  d'estes  dois 
paizes,  foi  objecto  de  cuidados  especiaes  do  imperador. 

Assim,  em  1807,  foram  inaugurados  os  trabalhos 
de  canalisação,  destinados  a  estabelecer  communicações 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  339 


mais  directas  entre  os  departamentos  belg-as  do  norte  e 
Paris,  junctando  o  Escalda  ao  Oise,  trabalhos  esses  que 
terminaram  em  1810.  Foram  reorg-anisadas  as  cama- 
rás de  commercio  que  já  existiam;  foi  augmentado  o 
numero  d'ellas  com  muitas  outras;  e  ainda  um  decreto 
lhes  ajuntou  o  estabelecimento  de  camarás  consultivas 
de  manufacturas,  fabricas,  artes  e  industrias,  nas  prin- 
cipaes  cidades  flamengas. 

O  porto  de  Anvers  tornou-se  egualmente  objecto 
de  grandes  melhoramentos,  que,  embora  tivessem  por 
intuito  principal  a  marinha  de  guerra,  favoreceram  tam- 
bém a  marinha  mercante.  E,  ao  mesmo  tempo,  cresceu 
muito  o  movimento  de  Ostende. 

Alem  d'isso,  no  momento  em  que  os  acontecimentos 
politicos  da  França  desviavam,  em  geral,  da  Europa 
central  a  corrente  mercantil,  a  Bélgica,  pelo  regimen 
liberal  das  suas  tarifas,  tinha  chamado  o  movimento 
económico  para  aquelle  porto  de  Anvers,  rejuvenescido 
e  augmentado  pelos  trabalhos  hydraulicos,  e  que  era 
servido  por  um  rio  profundo,  como  o  Escalda,  e  por 
numerosos  canaes.  Mesmo  uma  grande  parte  das  mer- 
cadorias francezas  destinadas  á  exportação  tomava  o 
caminho  do  seu  cães,  e  uma  grande  região  manufactora 
recebia  por  elle  as  suas  provisões. 

A  liberdade  dos  direitos  de  entrada  sobre  as  maté- 
rias alimentares  e  productos  de  consumo  assegurava 
ás  pessoas  uma  vida  commoda,  e  aos  productos  das 
manufacturas  e  minas  preços  tanto  mais  baratos  quanto, 
pela  densidade,  sempre  crescente,  da  população,  esses 
productos  se  offereciam  em  maior  numero. 

A  agricultura  era  das  mais  adiantadas  da  Europa;  e 
a  hulha  abundava  no  subsolo,  assim  como  abundava  o 


340  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


material  do  ferro  e  ao  alcance  delia.  E  tudo  isto  con- 
correu, n'esses  primeiros  quinze  annos  do  século,  para 
que   progredisse   o   movimento  económico  dos  Belgas. 

O  congresso  de  Vienna  de  1814,  reunindo  no  mesmo 
sceptro  a  Bélgica  e  Mollanda,  deteve  essa  marcha  ascen- 
dente, e  criaram  um  certo  antagonismo  entre  os  dois 
paizes,  que  tinham  interesses  contradictorios;  visto  que, 
estando  separados  pelas  crenças  religiosas  e  pelos  cos- 
tumes politicos,  não  o  estavam  menos  pelas  questões 
materiaes. 

Demais  a  mais,  os  Belgas,  naquelles  primeiros  quinze 
annos  do  século  XIX,  tinham-se  aproveitado  da  sua 
reunião  á  França  e  da  protecção  dos  Francezes,  para 
se  lançarem  em  numerosas  emprezas  que  reclamavam 
uma  protecção  aduaneira.  Os  Hollandezes,  pelo  con- 
trario, preoccupados  quasi  exclusivamente  dos  seus 
recu/sos  maritimos  e  coloniaes,  inclinavam-se  para  a 
reducção  dos  direitos  aduaneiros  e  para  a  liberdade 
commercial. 

Ora,  em  1814  e  1816,  as  potencias  alliadas  deitaram 
abaixo  a  legislação  aduaneira  restricta,  e  substituiram-na 
por  tarifas  muito  moderadas,  sem  darem  qualquer  satis- 
fação ou  compensação  ás  manufacturas  belgas;  e,  então, 
ficaram  estas  sem  defeza  contra  o  commercio  de  Ingla- 
terra, cujos  depósitos,  segundo  já  vimos  \  regorgita- 
vam  de  productos  manufacturados,  que  ella  não  tinha 
podido  despejar  nos  mercados  internacionaes,  durante 
o  bloqueio  continental. 

E  o   Governo   dos   Paizes  Baixos  tratou,  então,  de 


1     Vide  capitulo  V. 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  341 


prodig-alisar  toda  a  animação  á  pesca  e  navegação,  que 
eram  as  principaes  fontes  da  riqueza  neerlandeza,  des- 
prezando a  Bélgica. 

Por  tudo  isso,  Ostende  e  Anvers  decairam  rapida- 
mente da  sua  antiga  fortuna.  Basta  dizer  que  este 
segundo  porto  havia  recebido,  em  1815,  mais  de  três 
mil  navios,  e  só  registrou  999,  em  1817,  e  385, 
em   1818. 

Por  toda  a  parte,  o  descontentamento  tornou-se 
profundo,  a  ponto  de  que,  já  em  1816,  houve  scenas 
violentas  em  Gand,  onde  os  operários  queimaram  todas 
as  mercadorias  estrangeiras;  e  os  Estados  flamengos 
reclamaram  energicamente  mais  justiça  para  os  negó- 
cios da  Bélgica,  e  menos  parcialidade  para  os  da 
Hollanda. 

O  rei  Guilherme  tratou  de  dar  satisfação  aos  Bel- 
gas; e,  n'esse  sentido,  em  1822,  instituiu  uma  Sociedade 
Geral,  onde  os  negociantes,  que  estiveram  até  então  na 
dependência  do  banco  de  Amsterdam,  encontraram 
grande  auxilio.  E,  dois  annos  mais  tarde,  em  1824,  um 
tratado  com  a  Inglaterra  admittiu  reciprocamente  os 
negociantes  dos  dois  Estados  ao  commercio  das  res- 
pectivas colónias  do  archipelago  oriental  e  da  ilha  de 
Ceylão. 

Em  1825,  a  Bélgica  entrou  n'uma  via  mais  satisfacto- 
ria;  porque,  apar  da  Sociedade  Geral,  fundou-se  uma 
outra  sociedade  importante,  sob  o  nome  de  Maatshappy, 
que  contribuiu  também  grandemente  para  o  augmento 
das  fabricas  ou  manufacturas  e  para  o  movimento 
maritimo  do  porto  de  Anvers.  E  ainda  se  constituiram 
outras  vastas  associações,  que  desinvolveram  muito  a 
viação  e  canalisação. 


342  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  exploração  das  hulheiras  teve,  então,  uma  orgfa- 
nisação  regular.  Em  1827,  emprehendeu-se  o  canal  entre 
o  Mosa  e  Mosella.  Foi  aberto  á  navegação  o  de  Char- 
leroi  a  Bruxellas.  Realisou-se  o  canal  de  Gand  até  o 
mar;  e  foram  restaurados  os  de  Ypses  a  Nieuport  e 
de  Bruges  a  TEcluse  por  Damme.  E  de  tal  maneira  a 
Bélgica  progrediu  que,  em  1830,  já  podia  luctar  contra 
a  concorrência  das  nações  vizinhas. 

Foi,  então,  que  se  deu  a  separação  dos  dois 
paizes. 

Durante  os  dois  annos  posteriores,  a  Bélgica  teve 
de  soffrer  a  falta  ou  deficiência  de  alguns  mercados, 
onde  já  tinha  entrado,  e  cujo  monopólio  passou  para 
as  mãos  dos  Hollandezes.  Mas,  porisso  mesmo,  os 
Belgas  trataram  de  desinvolver  mais  as  suas  relações 
com  os  paizes  vizinhos,  e  também  de  melhorar  ainda 
mais  o  porto  de  Anvers,  que  elles  consideravam  como 
a  couçoeira  da  sua  grandeza  económica,  bem  como  de 
estabelecer  um  regimen  aduaneiro  muito  liberal.  E  de 
tal  modo  desinvolveram  a  viação  que,  em  1845,  já  a 
rede  das  vias  fefreas  do  Estado  ligava  as  principaes 
cidades,  ao  mesmo  tempo  que  se  diffundia  a  viação  ter- 
restre, e  a  canalisação  e  navegação  recebiam  impulso 
vigoroso. 

Sobreveiu  depois  a  guerra  da  França  com  a  Alle- 
manha,  que  não  fez  parar  a  ascenção  d'esse  movimento 
económico;  e,  desde  então,  até  ao  fim  do  século,  o 
progresso  foi  enorme.  Contribuiu  para  isso  a  paz  que 
a  Bélgica  gosou;  a  velocidade  já  adquirida;  o  génio 
activo  e  industrioso  dos  seus  habitantes;  a  larguesa  da 
sua  instrucção,  espalhada  por  todas  as  camadas  sociaes, 
e  o  desafogo  das  finanças  publicas.  E,  alem  dos  recur- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  343 


SOS  materiaes  de  que  já  falíamos,  o  Congo  Belga  come- 
çou a  apresentar-se  como  um  grande  recurso  para  a 
alimentação  do  commercio  e  para  escoamento  dos  pro- 
ductos  da  metrópole. 

Pode  affirmar-se  que,  n'esta  segunda  metade  do 
século,  nenhum  paiz  do  mundo  realisou  progressos  tão 
consideráveis. 


A  extracção  e  abundância  das  matérias  mineraes  de 
que  a  Bélgica  é  pródiga,  constituia  a  primeira  das  suas 
riquezas.  Vinha,  em  primeiro  logar,  a  hulha,  que  fornece 
um  enorme  jazigo  de  quasi  100  mil  hectares,  e  se  desin- 
volve  n'um  comprimento  de  180  kilometros,  com  uma 
largura  media  de  10  kilometros,  entre  as  hulheiras  fran- 
cezas  da  bacia  valencienna  e  as  explorações  da  região 
do  Rhur. 

Distinguiam-se  duas  bacias  de  valor  differente.  As 
camadas  mais  espessas  e  mais  fáceis  de  explorar,  e 
também  as  melhores,  estendiam-se  na  provincia  de 
Namur  e  no  Hainaut.  Mons  e  Charleroi  eram  os  gran- 
des centros  de  exploração  n'esta  zona. 

A  bacia  oriental  da  provincia  de  Liège,  embora 
desse  productos  menos  estimados  e  menos  abundantes, 
era  também  objecto  de  grande  exploração. 

A  producção  total  do  carvão,  que,  no  fim  do 
século  XIX,  se  elevava  a  21.250:000  toneladas,  excedia 
sensivelmente  o  consumo. 

Os  productos  metallurgicos  quasi  que  multiplicaram 


344  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


desde  1845.  Todas  as  forjas,  fundições,  ateliers  de 
construcção  mecânica,  fabricas  de  Cokerille  ^,  fabricas 
de  aço  de  Angleur,  forjas  de  Providence  contribuiam 
para  este  augmento ;  mas  á  sua  frente  achava-se  a 
Sociedad  da  Vieille  Moniagne,  cujo  nome  e  impor- 
tância cresceram  sempre  nos  últimos  três  quartos  do 
século. 

Tendo  ella  nascido  de  uma  concessão  dada  em  1806, 
pelo  governo  francez  a  um  chymico  de  Liège,  o  abbade 
Dory,  e  sendo  reconstituida  depois,  em  1837,  essa 
sociedade  tinha  por  objecto  a  exploração  das  minas  de 
calamina  da  Velha  Montanha,  antigo  paiz  de  Limburgo 
e  de  todas  as  outras  de  calamina,  blenda,  chumbo  e 
hulha  que  adquirisse,  bem  como  a  fabricação  de  zinco  e 
chumbo,  e  demais  operações  que  se  ligassem  á  explo- 
ração e  commercio  d'estes  mineraes. 

Até  1846,  a  existência  da  sociedade  era  ainda  mo- 
desta, e  as  fabricas  limitavam-se  a  satisfazer  as  exigên- 
cias das  regiões  vizinhas.  Mas,  desde  então,  ella  tomou 
enorme  incremento,  e  não  tardou  a  ter  um  logar  pre- 
ponderante na  Bélgica.  Para  se  ver  isto,  basta  notar 
que,  em  1837,  a  producção  do  zinco  era  apenas  de 
229:000  kilogrammas,  e,  em  1891,  excedia  19.418:000 
tonelladas. 

A  Bélgica  fornecia  também  muito  porfido,  már- 
more, ardósia  e  silex,  phosfato,  argilla  plástica  e  toda 
a   sorte  de   pyrites,  que  serviam   para  a  fabricação  do 


1  Cokerille  foi  quem  nos  princípios  do  século  XIX  introduziu 
em  Vervieres  a  maquina  de  fiar  a  lã,  pelo  que  esta  cidade  ficou 
sempre  um  grande  centro  de  lanificios. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  345 


acido  sulfúrico.  Mas  as  minas  mais  importantes  eram 
as  de  ferro. 

Esta  abundância  de  productos  mineraes  trouxe  com- 
sigo  um  g-rande  desinvolvimento  das  industrias  corres- 
pondentes. 

O  progresso  da  extracção  da  hulha  foi  grande 
depois  do  meiado  do  século,  embora  não  pudesse  com- 
parar-se  com  o  da  Allemanha.  As  minas  de  ferro  eram, 
como  já  notámos,  muito  abundantes  por  toda  a  parte  e, 
sobretudo,  no  Luxemburgo,  Hainaut  e  provincias  de 
Liège  e  Namur;  mas  a  extracção  só  era  verdadeiramente 
activa  na  vizinhança  das  hulheiras  do  Hainaut  e  Na- 
mur. O  cobre  e  o  chumbo  eram  pouco  explorados,  pela 
concorrência  das  minas  do  Novo  Mundo,  e  as  próprias 
minas  de  zinco  da  Vieille  Montagne,  nos  últimos  tem- 
pos do  século,  foram  egualmente  prejudicadas  por 
essa  concorrência  do  Novo  Mundo  e  de  outras  mais 
regiões. 

A  industria  das  pedras,  mármores,  ardósia,  grés, 
gesso,  porfido,  etc,  era  muito  importante.  Mas,  sobre- 
tudo, a  fabricação  de  maquinas  e  materiaes  de  cami- 
nhos de  ferro,  faianças,  porcellanas  e  productos  chymi- 
cos,  era  extraordinária. 

A  fabrica  de  Keramis,  fundada  em  1767,  produzia 
faianças  finas.  A  vidraria  muito  activa  em  Charleroi, 
Jumet,  Namur  e  Bruxellas,  e  ultimamente  representada 
pelo  estabelecimento  de  Saint  Lambert,  um  dos  mais 
importantes  da  Europa,  entretinha  n'uma  cifra  muito 
elevada  as  necessidades  do  paiz. 

Depois  de  1878,  foi  prohibido  o  fazer  trabalhar  nas 
minas  e  pedreiras  subterrâneas  rapazes  e  raparigas  que 
não  tivessem  attingido  12  e  13  annos. 


346  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

*  * 

E'  sabido  que  nem  todas  as  partes  da  Belg^ica  são 
egualmente  férteis.  A  Campina,  ao  norte,  tem  poucos 
terrenos  próprios  para  a  cultura,  porque  as  grandes 
florestas  e  pântanos  occupam  ahi  vastas  extensões. 
O  Condoz  é  árido  e  frio.  As  Ardennes,  entrecortadas 
também  de  florestas  e  pântanos,  são  pobres  de  cultura; 
mas  prestam-se  muito  á  criação  de  gado.  Porém,  a 
zona  costeira  dos  polders,  pacientemente  conquistada 
ao  mar,  é  de  uma  fertilidade  maravilhosa ;  e  a  Flandres 
e  Herbaya,  que  continuam  as  planicies  baixas  do  norte 
da  França,  são  também,  geralmente,  de  uma  grande 
riqueza  agrícola. 

Ora,  apesar  d'aquella  ingratidão  de  uma  extensa 
parte  do  solo,  os  terrenos  incultos  e  as  landes  foram 
successivamente  aproveitados;  e  a  agricultura,  sobre- 
tudo, desde  1870,  adiantou-se  de  tal  modo  que,  segundo 
diz  Delville,  em  nenhum  outro  paiz,  mesmo  n'aquelles 
que  eram  justamente  afamados,  por  exemplo  a  Lom- 
bardia e  Inglaterra,  o  progresso  agrícola  foi  mais 
considerável  *. 

Realmente,  a  Bélgica  era  o  paiz  mais  rico  da  Europa 
em  terras  laboráveis,  e  occupava  também  o  primeiro 
logar  na  cultura  dos  cereaes  e  farináceos.  As  plantas 
industriaes,  beterraba,  linho  colza  e  tabaco,  no  qual  a 
Bélgica  era  também  o  primeiro  paiz  da  Europa,  repre- 


1     Delville,  obr.  cit. 


EDADE  COMTENPORANEA  347 


sentavam  uma  importância  crescente  na  economia  agri- 
cola,  sem  fazerem  mal  á  producção  dos  cereaes,  g-raças 
á  exploração  dos  terrenos  vagos  e  ao  accrescimo  da 
cultura  intensiva. 

Quanto  aos  vinhedos,  recuaram,  assim  como  na 
França  e  Allemanha,  na  direcção  do  sul,  desde  que  as 
facilidades  de  communicações  permittiu  importar  com 
pequena  despesa  vinhos  dos  paizes  que  os  possuiam 
em  quantidades  consideráveis  e  em  qualidade  supe- 
rior. Demais  a  mais,  os  vinhos  belgas  não  eram  agra- 
dáveis. 

A  Bélgica  era,  como  a  Hollanda,  sua  vizinha,  a 
terra  promettida  da  horticultura  e  da  jardinagem  de 
luxo.  Em  nenhum  paiz  da  Europa,  os  jardins  horticolas 
occupavam  uma  extensão  relativa  tão  grande ;  e,  alem 
d'isso,  os  vastos  campos  laboráveis  podiam  ser  classi- 
ficados também  como  jardins,  pela  maneira  da  sua  cul- 
tura e  producção.  E  tal  era  o  gosto  da  jardinagem  que 
havia  innumeras  associações  floraes. 

Os  jardineiros  belgas  não  só  expediam  plantas  e 
flores  para  Inglaterra,  França,  Allemanha,  Rússia  e 
outros  paizes  da  Europa,  mas  até  para  o  Novo  Mundo, 
e  para  os  próprios  paizes  donde  tinham  vindo  os  ori- 
ginaes. 

A  Bélgica  tratava  egualmente  com  cuidado  da  cria- 
ção do  gado. 

Possuía  muitos  cavallos,  ao  contrario  do  que  podia 
suppor-se  de  um  paiz  onde  o  trabalho  se  fazia  á 
enchada,  por  causa  da  grande  divisão  da  propriedade; 
mas  a  razão  d'isso  estava  em  que  elles  se  tornavam 
indispensáveis  para  os  trabalhos  de  transporte  e  de 
industria. 


348  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


As  mulas  e  machos  eram  pouco  numerosos,  e  ia 
diminuindo  cada  vez  mais  o  numero  de  cabeças  de 
gado  ovino,  como  acontecia,  geralmente,  na  Europa,  em 
vista  da  concorrência  do  Novo  Mundo. 

* 

*  * 

Já  vimos  como  eram  importantes  as  industrias  mine- 
raes  e  metallurgicas,  , 

Nas  industrias  derivadas  do  reino  vegetal,  sobre- 
saíam  a  do  assucar  de  beterraba,  cerveja,  farinhas, 
massas  alimentares,  álcool  e  café  de  chicória. 

As  industrias  textis  de  linho,  algodão  e  lan  eram 
das  que  mais  avultavam.  E  a  de  rendas  e  palha  entran- 
çada era  também  muito  importante. 

* 

*  * 

Basta  attender  á  situação  central  da  Bélgica,  e  que 
está  rodeada  de  paizes  muito  commerciaes,  prestando- 
se,  porisso,  a  ser  um  corredor  da  passagem  de  diffe- 
rentes  povos,  e,  ao  mesmo  tempo,  ás  communicações 
naturaes  que  ella  contem,  apar  das  artificiaes  de  que 
já  falíamos,  e  tornaremos  a  fallar,  e  tudo  isso  conju- 
gado com  a  actividade  e  progresso  industrial  d'essa 
nação,  e  com  a  superabundância  de  algumas  matérias 
primas  e  de  productos  fabricados,  basta  attender,  dize- 
mos, para  tudo  isso,  para  se  ver  logo  que  o  commercio 
d'esse  paiz  devia  ser  muito  grande. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  349 


E  accresce  que  a  Bélgica  foi  um  dos  primeiros  Es- 
tados que  estabeleceu  a  liberdade  commercial  nas  suas 
relações  com  os  outros  paizes;  porque  nada  tinha  a  te- 
mer, abrindo  as  suas  fronteiras  aos  productos  similares, 
e  nem  precisava,  porisso,  de  recorrer  á  protecção  dos 
direitos  pautaes. 

Só  por  excepção,  é  que  ella  recorreu  a  esse  expe- 
diente pautal;  e,  então,  mesmo  com  direitos  prohibiti- 
vos,  como  quando  carregou  de  taxas  muifo  pesadas,  as 
uvas  francezas,  para  impedir  a  ruina  dos  horticultores 
que  se  entregavam  á  cultura  artificial  d'ellas. 

Demais  a  mais,  a  mão  de  obra  era  muito  barata.  E 
tudo  isso  devia  trazer,  realmente,  como  trouxe,  grande 
desinvolvimento  commercial. 

O  seu  commercio  exterior,  no  fim  do  século,  eleva- 
va-se  a  3  milhões  de  milhares  de  francos  por  anno.  A 
própria  Inglaterra  foi  relativamente  excedida  na  activi- 
dade mercantil  por  este  pequeno  povo. 

E  esse  commercio  exterior  era  também  facilitado 
pelo  Museu  Commercial,  estabelecido  em  Bruxellas, 
onde  havia  amostras  dos  productos  de  exportação  e 
importação  e  dos  empacotamentos  e  respectivos  apres- 
tes. As  mesas  e  direcções  d'esse  Museu  davam  todas 
as  instrucções,  quanto  aos  preços  nos  paizes  estrangei- 
ros, cursos  de  comboios,  taxas  de  alfandega  e  telégra- 
fos e  tarifas  de  transporte  por  terra  e  por  agua.  E  todos 
os  dias  era  publicado  um  boletim  publico,  onde  estavam 
tratadas  as  questões  industriaes  e  commerciaes. 

O  commercio  interior  e  de  transito,  devido  á 
densidade  da  população,  á  extensão  e  facilidade  das 
communicações,  ao  grande  movimento  de  passageiros 
e  mercadorias,  e  á  moderação  de  tarifas,  era  egualmente 


350  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


importante.  E  accresce  ainda  que  a  abertura  do  túnel 
e  caminho  de  ferro  de  S.  Gothard  e  os  grandes  traba- 
lhos executados  no  porto  de  Anvers  atrairam  para  esta 
praça  e  para  este  paiz  as  mercadorias  da  Itália,  Suissa, 
Allemanha  occidental  e  da  França  septentrional,  com 
destino  a  Hollanda,  e  até  os  productos  que  a  Inglaterra 
exportava  para  a  Itália,  Hungria  e  paizes  do  Levante. 

As  importações  comprehendiam  cereaes,  gados, 
fructas,  géneros  coloniaes,  vinhos,  aguardentes,  algumas 
matérias  primas  para  a  industria,  lan,  linho  e  cânhamo, 
seda  bruta,  madeira  e  lenha,  couros,  etc. 

A  exportação  consistia,  sobretudo,  em  hulha  e  coke, 
zinco,  artigos  de  ferro  trabalhado,  maquinas  e  ferra- 
mentas, pedras  talhadas  e  serradas,  espelhos  e  vidraria, 
tecidos  de  algodão,  de  linho  e  cânhamo. 

Era  com  a  França  que  a  Bélgica  fazia  o  principal 
commercio,  para  o  que  também  contribuía  a  vizinhança 
e  affinidade  dos  dois  paizes,  e  depois  com  a  Hollanda, 
sua  vizinha,  que  necessitava  de  muitos  productos  da 
Bélgica. 

Com  a  Inglaterra  e  Allemanha  as  relações  eram  me- 
nores, porque  esses  paizes  tinham  muitos  productos  e 
industrias  análogas. 

Fora  da  Europa,  os  Estados  Unidos  e  Brazil  e  as 
outras  republicas  da  America  do  Sul  eram  as  nações 
com  que  a  Bélgica  fazia  mais  commercio;  e,  desde  1884, 
com  o  Congo  belga,  com  o  qual,  de  anno  para  anno,  o 
tráfico  se  tornou  mais  considerável. 

Vê-se  assim  que,  tanto  no  commercio  como  na  in- 
dustria, este  pequeno  povo  alcançou  na  Europa  um  dos 
primeiros  logares.  Mas,  em  compensação,  os  Inglezes  e 
Hollandezes   é   que  dominavam  o  commercio  marítimo 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  351 


da  Bélgica,  porque  a  sua  marinha  mercante  foi  sempre 
muito  reduzida.  Ainda  no  fim  do  século,  não  passava 
ella  de  62  navios,  com  a  tonelagem  total  de  84:000 
toneladas. 

* 

*  * 

Quanto  aos  centros  principaes  \  começando  pelo 
sul,  Namur  tinha  uma  industria  activa  de  vidraria  e 
cutellaria,  e  continha  também  grandes  fabricas  e  esta- 
belecimentos metallurgicos. 

Charleroi,  graças  á  sua  riqueza  em  hulha,  era  muito 
industrial  e  commercial,  e  até  muito  superior  a  Namur. 
Expedia  os  seus  productos  para  todo  o  mundo.  Cons- 
tituia  um  centro  de  trabalhos  metallurgicos,  e  estava 
rodeada  de  outras  cidades  e  de  aldeias  numerosas, 
todas  também  muito  industriaes. 

Ardenne  era  outra  cidade  muito  industrial,  prepon- 
derando nas  industrias  de  papelaria,  de  faianças  e  de 
pedra. 

Liège,  a  metrópole  da  Bélgica  walonesa,  era  egual- 
mente  muito  industrial  e  commercial.  A  sua  principal 
fabricação  consistia  nas  armas.  Em  muitos  paizes  da 
Europa,  e,  sobretudo,  em  França,  quasi  todas  as  armas 
eram  de  fabricação  liegesa,  desde  1802.  O  Estado  belga 
possuia  n'essa  cidade  uma  fundição  de  canhões  e  armas 
de  guerra;   e  quasi  todos  os  governos  da  Europa  eram 


1     Sobre   os   centros   principaes   na   edade   moderna,   veja-se    o 
volume  IV,  pag.  583  e  seguintes. 


352  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


clientes  d'ella.  Um  dos  maiores  estabelecimentos  metal - 
lurgicos  da  Europa,  e  até  de  todo  o  mundo,  era  o  de 
Seranig,  fundado,  em  1817,  e  comparável  ao  de  Creusot 
e  á  fabrica  de  Krupp. 

Louvain,  apesar  de  muito  decaída  da  grandeza  antiga, 
tinha  ainda  muitas  fabricas  importantes,  sobretudo,  de 
cervejaria,  moagem  e  amido. 

Malines  estava  também  muito  decaida.  Fabricava 
ainda  as  rendas  afamadas,  e  trabalhava  os  couros  dou- 
rados, que  tão  espalhados  e  reputados  foram  na  Europa 
já  no  século  anterior,  assim  como  exercia  a  industria 
dos  tapetes  lá  introduzida,  e  produzia  bellos  gobelinos. 
Mas  isso  não  bastava  para  representar  a  sua  antiga 
importância,  nem  mesmo  para  constituir  um  grande 
centro  industrial.   As  suas  ruas  estavam  desertas. 

Bruxellas,  alem  da  importância  que  lhe  dava  o  facto 
de  ser  a  capital  do  reino,  tinha  uma  grande  industria, 
sobretudo,  em  objectos  de  arte  e  luxo;  e  a  sua  nume- 
rosa população,  junta  á  dos  arredores,  bem  como  a 
importância  que  lhe  provinha  da  sua  situação  central 
para  o  transito,  desinvolvia  incessantemente  o  seu  com- 
mercio. 

Mons,  outro  centro  hulheiro,  assim  como  Charleroi, 
era  também  muito  industrial  e  muito  importante. 

Estava  no  mesmo  caso  Tournay,  cuja  principal  indus- 
tria era  a  dos  botões  e  tapetes. 

Audernade  havia  perdido  a  sua  antiga  gloria. 

Gand  era  de  todas  as  cidades  da  Bélgica  aquella  para 
onde  os  caminhos  de  ferro  convergiam  em  maior  numero. 
Tornou-se,  porisso,  em  população,  a  terceira  cidade  do 
reino,  engrandecendo  de  anno  para  anno;  e  tomou 
pela  sua  industria  o  primeiro  logar.    Era  também  uma 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  353 


cidade  das  artes.  Os  principaes  estabelecimentos  de 
Gand  consistiam  na  fabricação  de  linho  e  algodão. 
Uma  das  suas  fiações — -a  de  Lys,  era  das  mais  vas- 
tas da  Europa.  Até  pôde  dizer-se  que  esta  cidade  se 
tornou  a  Manchester  da  Bélgica.  Tinha  também  um 
grande  commercio  maritimo;  e,  alem  de  tudo  isso, 
possuia  uma  industria  especial  na  cultura  das  plantas 
de  adorno. 

Anvers  era  o  terceiro  porto  do  continente.  Vinha 
logo  depois  de  Hamburgo  e  Marselha  ^.  Basta  isto 
para  patentear  o  seu  movimento  commercial.  Quanto 
á  industria,  referia-se  ella  quasi  unicamente  ás  coi- 
sas da  marinha  —  carregação,  reparação,  armação  de 
navios  e  entretenimento  de  equipagens,  embora  hou- 
vesse algumas  outras  industrias,  como  por  exemplo: 
a  refinação  de  assucar  e  a  dos  diamantes,  fabricas 
de  azeites,  de  cimento,  telha,  saboaria,  vellas,  bis- 
coitos, cigarros,  conservas  e  estabelecimentos  metal- 
lurgicos. 

Bruges  estava  muito  decaida  do  que  fora  anterior- 
mente. 

Ostende,  apesar  de  ser  o  terceiro  porto  da  Bélgica, 
estava  também  muito  decaido,  pela  concorrência  de 
Anvers  e  Flessing. 

Propering,  perto  da  fronteira  franceza,  era  uma 
cidade  muito  animada,  e  muito  conhecida  dos  cervejei- 
ros, por  causa  das  suas  cervejas  e  do  lúpulo. 


1  Eng".  Prost,  no  seu  livro  La  Belgique  Agricole  Industrielle  et 
Commerciale,  gradua  até  o  porto  de  Anvers  como  o  primeiro  da 
Europa  depois  de  Londres. 

Volume  VI  23 


354  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


Nieuport  estava  egualmente  muito  decaído  da  sua 
grandeza  antiga,  e  o  seu  porto  quasi  que  não  tinha 
senão  um  pequeno  numero  de  embarcações  de  pesca, 
e  também  quasi  que  não  tomava  nenhuma  parte  nas 
trocas  do  interior. 


Com  respeito  a  communicações,  um  systema  de 
canaes,  bem  regulado,  e  de  um  comprimento  de  860 
kilometros,  ligava  todos  os  rios,  de  modo  que  estes 
canaes  e  rios,  sulcando  o  paiz  em  todos  os  sentidos, 
tornaram-se  um  poderoso  auxilio  para  a  industria  e 
commercio;  e  a  Bélgica  tornou-se  também,  porisso,  um 
dos  paizes  da  Europa  mais  bem  acondicionados,  quanto 
a  vias  navegáveis.' 

Com  relação  a  caminhos  de  ferro,  em  1834,  no  pen- 
samento de  ligar  o  Escalda  e  o  Rheno,  sem  ser  pelo 
canal  do  Norte,  o  Governo  concebeu  o  pensamento  de 
constituir  uma  rede,  partindo  de  Anvers  e  indo  dar  á 
fronteira  prussiana,  na  direcção  de  Colónia.  Em  1835, 
teve  logar  a  inauguração  do  primeiro  caminho  de  ferro, 
estabelecido  entre  Malines  e  Bruxellas;  e,  dez  annos 
mais  tarde,  em  1845,  a  rede  do  Estado  ligava  as  cida- 
des mais  importantes  da  Bélgica.  E  a  iniciativa  do 
Estado  levou  até  differentes  sociedades  particulares  a 
pedirem  a  construcção  de  outros  caminhos  de  ferro, 
de  modo  que  elles  se  propagaram  por  toda  a  parte. 

Assim  se  construiu  a  rede  do  Norte,  que  vai  de 
Bruxellas  a  Anvers  por  Malines;  a  do  sul,  que  vai  de 
Bruxellas  entroncar  na  rede  franceza  do  Norte,  confi- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  355 


nante  com  a  província  de  Hainaut;  a  rede  do  Este, 
que  vai  de  Malines  a  Liège  e  á  Prússia  rhenana;  a  do 
Oeste,  de  Malines  a  Ostende,  por  Gand.  E,  com  as 
mais  linhas  intermédias,  infinitamente  ramificadas,  a 
Belg-ica,  em  relação  ao  numero  dos  seus  habitantes, 
era,  depois  da  Inglaterra,  o  paiz  mais  bem  provido 
n'esse  género.  Em  1892,  já  ella  explorava  4:727  kilo- 
metros. 

Em  1823  foi  adoptado,  pela  primeira  vez,  o  vapor 
á  navegação  ^. 


1  Noel,  obr.  cít.  — Piolet  &  Bernard,  Histoire  Contemporaine 
de  1815  A  Nos  Jours.  —  A.  Amman  et  Courtan,  Le  Monde  au  XIX 
5/èc/e.— Jules  Isaac,  Histoire  Contemporaine,  1819-1920.  — Alherí. 
Mallet,  XVIII Siècle,  Revolution,  Empire  et  LEpoque  Contemporaine. 
—  Eng.  Prost,  La  Belgique  Agricole,  Industrielle  et  Commerciai  — 
Patrie  Belgique.  —  Conner,  Commerciai  Geographg.  —  M.c"e  Ant. 
Gallet,  Abrége  de  IHistoire  de  la  Belgique  Commerciale  et  Indus- 
trielle.—M&rcel  Dubois  et  Kerg-omard,  Précis  de  Géographie  Econo- 
m/çue.  — Delville,  obr.  cit.  — Dubois,  obr.  cit.  — Richard  Cortambert, 
Géographie  Commerciai  et  Industrielle  de  Cinq  Parties  du  Monde. 
M.  L.  Lanier,  LEurope.  —  Bainier,  Cours  de  Géographie  Commer- 
ciai, L'Europe.  — Zeferino  Brandão,  Bélgica.  — E.  Reclus,  Nouvelle 
Géographie  Universelle,  Europe  Central,  Belgique. 


CAPITULO  X 
A  HoUanda 

Ligeiro  esboço  da  historia  politica  da  Hollanda  n'este  periodo.  — 
Como  o  bloqueio  continental  prejudicou  a  Hollanda,  não  somente 
porque  ella  não  encontrou  em  Napoleão  a  protecção  que  a 
Bélgica  teve,  mas,  também,  pela  guerra  que  a  Inglaterra  fez  á 
marinha  hollandeza.  —  Como  depois  que  a  Bélgica  foi  adjudicada 
á  Hollanda,  em  1815,  esta  explorou  a  Bélgica,  e  progrediu  muito 
economicamente.  —  Como,  apesar  de  ter  perdido  a  Bélgica, 
em  1830,  continuou  a  progredir  até  o  fim  do  século.  —  Pro- 
ductos,  agricultura,  industria,  commercio,  marinha.  —  Centros 
económicos  principaes.  —  Communicações. 

A  Hollanda,  depois  de  diversas  vicissitudes,  foi  con- 
quistada pelos  Francezes,  em  1795.  Tomou,  então,  o 
nome  de  Republica  Bafava,  e  foi  dividida  em  oito 
departamentos.  Esta  constituição,  porém,  durou  pouco 
tempo.  Em  1806,  a  Hollanda  foi  erigida  em  reino  hol- 
landez  em  favor  de  Luiz  Bonaparte,  e  dividida  em  onze 
departamentos.  Em  1810,  foi  reunida  ao  império  francez, 
formando  também  differentes  departamentos.  Em  1815, 
reunida  á  Bélgica,  formou  sob  o  nome  de  reino  dos 
Paizes  Baixos,  um  novo  Estado,  que  foi  dado  a  Guilherme 
de  Orange-Nassau  (Guilherme  1).  Tendo  uma  revolução 
violenta  separado  a  Bélgica  da  Hollanda,  em  1831,  vol- 


358  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


tou  esta  a  constituir  um  reino  privativo,  conservando 
officialmente,  apesar  de  muito  reduzida,  o  titulo  de 
Paizes  Baixos 

Depois  d'isso,  gozou  sempre  de  paz,  até  o  fim  do 
século,  sob  o  governo  do  mesmo  Guilherme  I,  que 
falleceu  em  1840,  e  em  seguida,  sob  Guilherme  II 
(1840-1849),  Guilherme  III  (1869-1890)  e  Winhelmine 
Orange,    depois    de    1890. 


A  Hollanda  até  1815  resentiu-se  muito  das  luctas 
napoleónicas,  e,  sequentemente,  do  bloqueio  continen- 
tal; e  tanto  mais  que  não  encontrou  em  Napoleão  a 
protecção  que  a  Bélgica  tinha  encontrado,  e  que 
a  fortuna  económica  hoUandeza,  dependia,  principal- 
mente, do  commercio  maritimo  ^. 

Como  já  vimos  no  volume  IV  desta  obra,  a  indus- 
tria dos  Paizes  Baixos  estava  decadente  no  fim  da 
edade  moderna;  e  o  commercio  maritimo  é  que  se  con- 
servava ainda  n'um  estado  florescente. 

Ora,  o  bloqueio  continental  affectou  principalmente 
esse  commercio,  pela  guerra  que  a  Inglaterra  fazia  aos 
navios  dos  paizes  que  n'elle  haviam  entrado,  e,  sobre- 
tudo, aos  paizes  dominados  pela  França.  E,  por  isso,  a 
Hollanda,  que  tinha,  então,  uma  industria  apoucada,  e 
vivia  principalmente  do  seu  commercio  maritimo  e  do 


1     A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  519. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  359 


seu  movimento  colonial,  necessariamente  devia  ser 
muito  prejudicada,  como  foi,  pela  interdicção  dos 
mares. 

Em  1815,  porém,  foi-lhe  adjudicada  a  Bélgica,  pelo 
congresso  de  Vienna;  e  o  governo  hollandez  explorou 
esse  paiz  em  proveito  próprio,  como  já  vimos.  E  então, 
o  augmento  do  território  que  lhe  proveiu  d'essa  adju- 
dicação, os  recursos  naturaes  que  a  Bélgica  possuia,  e 
os  effeitos  d'aquella  exploração,  contribuiram  muito 
para  o  progresso  económico  da  Hollanda. 

Em  1830,  separaram-se  de  novo  os  dois  Estados,  e 
a  Bélgica  constituiu-se  independente.  Mas,  apesar  do 
enfraquecimento  do  território  que  d'ahi  resultou,  e 
apesar  de  ter  diminuido  a  influencia  commercial  que  a 
Hollanda  tivera  na  época  moderna,  ainda  assim,  con- 
servou internacionalmente  uma  grande  importância  mer- 
cantil, devido  á  actividade  da  sua  população,  á  sua 
situação  geográfica  e  ao  valor  das  suas  colónias. 

Com  effeito,  o  seu  território  na  Europa  ficou  redu- 
zido, pelo  libertamento  da  Bélgica,  a  38:180  kilometros 
quadrados,  e  a  sua  população  a  3.400:000  habitantes. 
Mas  o  seu  dominio  colonial  nas  duas  Índias  e  na  costa 
Occidental  da  Africa  era  de  1.641:000  kilometros  qua- 
drados, três  vezes  a  superfície  da  França,  e  continha 
uma  população  de  perto  de  18  milhões.  E  isso  contri- 
buía em  grande  parte,  para  augmentar  a  sua  fortuna,  a 
sua  importância  politica,  e  o  seu  movimento  económico. 

Alem  d'isto,  desde  1830,  a  Hollanda  não  deixou  de 
melhorar  a  sua  organisação  maritima  e  as  suas  commu- 
nicações;  de  modo  que,  embora  estivesse  sulcada  de 
canaes  e  rios  navegáveis,  que  lhe  permittiam  transpor- 
tar em  condições  vantajosas  tanto  os  productos  nacio- 


360  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


naes  como  os  demais  que  os  povos  estrangeiros  n'ella 
interpunham,  dedicou-se  com  todo  o  cuidado,  não  só 
ao  melhoramento  d'essas  communicações  e  á  construc- 
ção  de  caminhos  carroçáveis,  mas  até  á  construcção 
das  vias  férreas,  que  inaugurou,  em  1837,  e  ao  augmento 
da  sua  marinha  mercante. 

Demais  a  mais,  a  partir  de  1835,  houve  uma  mu- 
dança notável  na  orientação  neerlandeza,  pela  intensifi- 
cação dos  seus  esforços  em  todos  os  ramos  económicos. 

Começando  pela  agricultura,  já  vimos  no  volume  IV 
que  os  HoUandezes  eram  afamados  pelo  seu  génio 
agricola,  a  ponto  de  serem  chamados  para  os  paizes 
estrangeiros,  afim  de  lá  formarem  e  cultivarem  herda- 
des, que  eram  conhecidas  por  hollanderias,  e  se  torna- 
vam distinctas  pelo  bom  methodo  da  cultura  ^. 

Esse  génio  agricola  continuou  na  edade  moderna  e 
nos  primeiros  tempos  do  século  XIX. 

Com  effeito,  a  reconquista  do  solo  roubado  pelo 
mar  e  a  transformação  dos  pântanos  em  terrenos  de 
cultura  foi  a  obra  capital  do  povo  neerlandez. 

De  1815  a  1865,  no  espaço  de  mar  de  45:000  hecta- 
res, um  território  egual  a  um  quadrado  de  21  kilome- 
tros  por  lado  foi  retomado  ás  aguas.  E  a  natu- 
reza ajudou  os  homens,  porque  as  alluviões  maritimas, 
misturadas  de  myriades  de  animalculos  e  de  outros 
detritos,  foram  elevando,  pouco  e  pouco,  as  praias 
vasosas. 

Demais,  em  1850,  havia  na  HoUanda  quasi  9:000 
moinhos  de  vento,  que  trabalhavam  no  esgotamento  dos 


1    Vol.  IV  pag.  510. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  361 


polders.  Milhares  d'estes  eng-enhos  serviram  ultima- 
mente para  outros  fins  industriaes,  e  para  favorecer  a 
cultura.  Mas,  por  meio  d'elles,  conseguiu-se  também  o 
aproveitamento  de  muitos  terrenos  pantanosos, 

A  maior  empreza  de  dessecamento  foi  a  do  lago  ou 
mar  de  Haarlen.  O  accrescimo  continuo  d'este  lago 
era  um  dos  mais  temiveis  perigos  da  Neerlandia,  e  de 
modo  que,  de  1506  a  1860,  o  augmento  médio  da  sua 
superficie  foi  de  mais  de  66:000  hectares  por  século, 
ou  440  por  anno.  Nas  tempestades,  por  mais  de  uma 
vez  ficou  reunido  ao  Zuiderze,  e  toda  a  peninsula  do 
norte  hollandez  estava  ameaçada  de  ser  separada  do 
continente,  ou  de  só  lhe  ficar  ligada  pelo  pedúnculo 
das  dunas. 

Em  1840,  a  HoUanda  tentou  a  obra  do  desseca- 
mento, diante  da  qual  recuava  ha  duzentos  annos ;  e, 
em  1879,  estava  completamente  enchuto  e  salubrisado 
o  leito  do  mesmo  lago. 

Tentou-se  egualmente  dessecar  o  Bierbosch  e  cortar 
por  um  enorme  dique  metade  de  Zuiderzee,  obra  já 
começada  nos  últimos  tempos  do  século  XVllI. 

Desde  aquella  época  de  1835,  por  um  trabalho 
persistente  e  judicioso,  em  cada  anno,  os  Hollandezes 
augmentaram  em  media  mil  hectares  do  terreno  apro- 
veitável, arrancando-o  ás  areias,  ás  turfeiras  e  ao  mar. 
Cresceu  também  muito  a  população,  que  colonisava  o 
próprio  paiz;  e,  como  consequência,  os  productos  agri- 
colas  principaes,  batata,  aveia,  cevada,  colza,  linho, 
garança  e  tabaco,  bem  como  a  criação  de  gado  augmen- 
taram também  grandemente. 

No  commercio,  aconteceu  a  mesma  coisa,  em  vista 
da    situação    geográfica   e   rede   de   communicações,  e, 


362  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


especialmente,  no  commercio  marítimo,  pelo  desinvolvi- 
mento  e  augmento  da  marinha. 

E,  para  mais  auxiliar  o  movimento  mercantil,  a 
HoUanda,  em  1840,  fez  um  tratado  com  a  França,  pelo 
qual,  adoçando  as  estipulações  marítimas  em  vigor, 
diminuiu  os  direitos  aduaneiros  de  muitas  mercadorias 
francezas;  e  também,  desde  1850  a  1855,  modificou,  em 
relação  á  Inglaterra,  as  principaes  restricções  que  vigo- 
ravam desde  1832.  E  tudo  isso,  com  a  paz  de  que  a 
HoUanda  gozava  e  com  a  liberdade  das  suas  tarifas  que 
atraíam  as  mercadorias  estrangeiras,  trouxe-lhe  até  o 
fim  do  século  também  um  progresso  económico  enorme. 


A  HoUanda  é  pouco  abundante  de  productos  mine- 
raes.  Ha  alguns  pequenos  jazigos  hulheiros  em  Lim- 
burgo,  que  não  podiam  dar  logar  a  uma  exploração 
profiqua,  e,  sobretudo,  pela  vizinhança  e  concorrência 
das  admiráveis  minas  da  Bélgica  e  das  províncias  rhe- 
nanas.  A  turfa,  que  se  retirava  do  grande  numero  de 
jazigos,  não  suppria  a  insufficiencia  da  hulha.  Gueldre 
e  Over-Yssel  forneciam  algumas  toneladas  de  ferro; 
mas  faltavam  os  outros  mineraes. 

E,  embora  as  colónias  hoUandezas  compensassem 
até  certo  ponto  a  pobreza  mineral  da  metrópole,  o 
transporte  dos  respectivos  productos  era  demorado  e 
custoso,  para  que  a  HoUanda  pudesse,  nesse  ponto, 
competir  com  aquelles  outros  paizes. 

Porisso,  é  bem  de  ver  que  a  industria  metallurgica 
da  HoUanda  devia  ser  muito  restricta. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  363 


Havia  apenas  excepção  para  a  preparação  de  dia- 
mantes e  rubins;  porque  a  Hollanda  tinha  muitos  nas 
suas  colónias ;  não  soffria,  n'essa  parte,  a  concorrência 
dos  paizes  vizinhos ;  e  tinha  também  a  velocidade 
adquirida,  por  ser  uma  das  suas  mais  antigas  industrias  ^. 


* 

* 


Quanto  á  agricultura  e  respectivos  productos,  a 
aptidão  agricola  da  Hollanda  era  muito  grande. 

B,  de  facto,  a  abundância  de  terrenos  gordos  das 
alluviões  cobrem  completamente  muitas  regiões,  e  for- 
mam por  toda  a  parte,  na  vizinhança  do  Rheno  e  Mosa, 
largas  bandas  de  uma  fertilidade  incomparável ;  e  os 
depósitos  d'esses  dois  grandes  rios  teem  enriquecido 
os  Paizes  Baixos,  como  o  Nilo  tem  feito  a  fortuna  do 
Egypto. 

As  regiões  completamente,  ou  quasi  completamente 
alluviaes,  são  as  provindas  de  Groningue,  Frisa  e  Guel- 
dre.  A  Hollanda,  a  Zelândia,  Drenth,  Over-Yssel  e 
Bravante  teem  um  solo  de  areias  terciárias,  muito 
menos  próprio  para  a  agricultura;  mas  os  districtos 
rhenanos  e  mosianos  quebram,  de  tempos  a  tempos,  a 
monotonia  d'essas  extensões  arenosas.  A  região  costeira 
dos  polders  é  também  de  uma  grande  fecundidade.  O  Bra- 
vante hollandez,  porém,  tem  a  sua  campina  innundada 
e  pantanosa;  e  o  Velube,  os  seus  terrenos  espinhosos. 


^     A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  510  e  seg-. 


364  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


Ora,  os  trabalhos  dos  hollandezes  que,  para  drenar, 
estrumar  e  cultivar  os  campos,  eram,  desde  a  edade 
media,  os  melhores  que  podia  haver,  continuaram  da 
mesma  forma,  n'esta  época. 

Os  productos  mais  abundantes  eram  as  batatas,  que 
occupavam  uma  boa  parte  dos  campos  arenosos;  os 
legumes,  que  eram  objecto  de  um  cuidado  meticuloso; 
as  flores  e,  sobretudo,  as  tulipas,  cujo  cuidado  e  cul- 
tura eram  tradicionaes  S  e  que  os  Hollandezes  levaram 
a  uma  grande  intensidade  scientifica. 

As  plantas  industriaes  perderam  terreno,  desde  que 
a  hulha  se  tornou  a  arbitra  industrial. 

A  cultura  do  linho,  outr'ora  tão  importante,  decres- 
ceu, pela  concorrência  da  Rússia,  d'onde  era  importado 
mais  barato,  e  também  pela  concorrência  dos  povos 
ricos  em  hulha  que  o  fabricavam  mais  em  conta.  Succe- 
deu  a  mesma  coisa  com  o  cânhamo. 

As  plantações  do  tabaco  prosperaram  muito  na 
província  de  Gueldre  e  Utrecht,  tanto  por  causa  do 
consumo  nacional,  como  pela  exportação. 

A  beterraba  não  encontrava  n'uma  latitude  tão 
elevada  o  calor  necessário ;  e  o  mesmo  acontecia 
com  o  lúpulo,  cuja  deficiência  representava  uma  grande 
lacuna  para  um  paiz  onde  a  cerveja  era  a  bebida 
nacional. 

A  cultura  da  colza  manteve-se  em  algumas  provín- 
cias, não    obstante  o  augmento  do  uso  do  petróleo    "'. 


1     Vide  vol.  IV,  cap.  XIII. 

-     Sobre  os  productos  da  Hollanda,  na  edade  moderna,  veja-se 
o  volume  IV,  pag.  510  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  365 


Mas,  apesar  do  labor  e  habilidade  dos  Hollandezes, 
o  espaço  que  elles  foram  podendo  dedicar  á  agricul- 
tura, os  cereaes  e  plantas  industriaes  e  arborescentes  eram 
restringidos  pelo  rigor  do  clima;  porque,  embora  a  vizi- 
nhança do  Oceano  modifique  profundamente  as  condi- 
ções da  situação  astronómica,  e  torne  mais  doce  aquelle 
clima,  deve  attender-se  a  que  a  Hollanda  está  na  lati- 
tude de  Lavrador,  e  tem  a  humidade  constante  dos 
seus  múltiplos  canaes  e  dos  seus  rios,  além  do  gelo  e 
neve  da  sua  temperatura, 

Effectivamente,  o  solo  pecca  por  excesso  de  humi- 
dade atmospherica.  Vizinho  do  mar,  e  baixo  e  regado 
por  dois  grandes  rios,  recolhe  as  aguas  drenadas  n'um 
vasto  dominio  hydrografico.  E,  entretanto  que  o  vento 
do  nordoeste  e  oeste  lhe  traz  abundantes  precipitações, 
o  Rheno  ajunta-lhe  o  contingente  das  correntes  de  uma 
parte  dos  Alpes  e  da  Allemanha  occidental,  ao  passo 
que  o  Mosa  as  leva  das  grandes  provincias  da  França 
e  da  Bélgica.  Chuvas  e  irrigações  pluviaes,  gelo  e  neve, 
sob  um  céu  onde  a  evaporação  é  pouco  activa,  com 
uma  temperatura  media  e  fria,  são,  na  verdade,  cir- 
cumstancias  que  prejudicam  a  capacidade  productiva 
do  terreno,  e  reduzem  as  condições  das  terras  culti- 
váveis. 

Em  compensação,  não  ha  paiz  mais  favorecido  para 
a  vegetação  dos  prados;  e,  porisso,  a  criação  do  gado 
era  a  riqueza  preponderante  da  agricultura.  A  Hollanda 
era  um  dos  paizes  que,  relativamente  á  sua  superficie, 
possuia  mais  gado  domestico ;  e  algumas  das  raças  dis- 
tinguiam-se  por  sua  qualidade  excellente. 

Nas  industrias  derivadas  do  reino  vegetal,  a  refina- 
ção do  assucar  de  canna,  cuja  importância  vinha  já  da 


366  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


edade  moderna  ^  continuou  activa.  Os  centros  predo- 
minantes eram  os  portos  de  Amsterdam  e  Rotterdam, 
onde  vinha  dar  a  matéria  prima  das  colónias.  A  dis- 
tillação  era  também  importante.  E  a  genebra  de  Sheri- 
dam,  anteporto  de  Rotterdam,  tinha  grande  apreço  em 
todo  o  mundo. 

A  industria  têxtil,  outr'ora  muito  importante,  não 
pôde  n'este  periodo,  pela  falta  de  hulha,  supportar  a 
concorrência  da  Inglaterra,  Bélgica,  AUemanha  e  França. 
Em  todo  o  caso,  mesmo  pela  abundância  da  lan,  não 
occupava  logar  despiciente. 

Apenas  a  industria  de  cordame,  pela  necessidade 
de  alimentar-  uma  marinha  poderosa,  é  que  sustentava 
com  vigor  a  vida  das  respectivas  fabricas. 

A  industria  maritima,  essa  continuou  tendo  toda 
a  grandeza  dos  tempos  anteriores;  e  os  canteiros  de 
Saardan,  Rotterdam  e  Amsterdam  foram  sempre,  tam- 
bém n'este  século  ^  enormes  centros  de  construcção, 
embora  empregassem  as  maquinas  e  materiaes  estran- 
geiros. 

Nas  industrias  derivadas  do  reino  animal,  a  fabri- 
cação da  margarina,  manteiga  e  queijos  tomou  grande 
incremento,  devido  também  ao  augmento  da  industria 
pecuária;  e  a  conserva  de  peixe  foi  objecto  de  um  con- 
siderável movimento  e  de  uma  grande  exportação.  A 
pesca  foi  continuando  também  as  tradições  gloriosas 
dos  tempos  anteriores  '. 


1  A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  517. 

2  A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  512. 

3  A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  512. 


EDADE  COMTENPORANEA  367 

* 

*  * 

O  reino  dos  Paizes  Baixos,  mediocre  na  industria, 
em  consequência  da  falta  de  hulha  e  da  concorrência 
dos  povos  vizinhos,  era  um  dos  mais  consideráveis 
Estados  commerciaes  da  Europa. 

Era  isso  devido  á  abundância  de  productos  coloniaes, 
á  grande  quantidade  de  productos  animaes,  mesmo  a 
alguns  productos  agricolas  que  mandava  para  as  regiões 
pobres  dos  reinos  vizinhos ;  á  falta  de  productos  indus- 
triaes  que  obrigava  os  Hollandezes  a  trocas  frequentes 
nos  paizes  estrangeiros ;  á  sua  grande  marinha  mercante, 
que  tornava  as  importações  mais  commodas  e  baratas, 
e  mais  lucrativas  as  relações  com  os  outros  povos ;  á 
sua  situação  central  e  própria  para  o  transito  que  cha- 
mava a  passagem  das  mercadorias;  e,  finalmente,  ao 
génio  activo  e  educação  de  marinheiros  dos  próprios 
habitantes. 

O  commercio  interior  que  a  multiplicação  de  vias 
de  comunicação,  sobretudo,  por  agua,  tornava  fácil,  era 
activado  por  duas  causas. 

Por  um  lado,  as  províncias  marítimas,  que  eram  tam- 
bém as  mais  ricas  em  agricultura  —  Frisa,  Hollanda  e 
Zelândia,  e,  depois  d'ellas,  o  Bravante  occidental,  contri- 
buíam para  a  alimentação  das  outras  províncias,  pelo 
envio  de  gado  e  mais  géneros  agrícolas  e  productos  de 
pesca  marítima. 

Por  outro  lado,  afluíam  dos  grandes  portos  para  as 
províncias  os  géneros  coloniaes,  assucar,  café,  chá  e 
espécies,  cujo  consumo  era  importante,  bem  como  os 
productos  industriaes,  importados  do  estrangeiro. 


368  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


As  importações  consistiam,  principalmente,  em  arti- 
gos alimentares,  cereaes,  farinhas,  hulha,  ferro  e  aço, 
matérias  textis,  matérias  primas  e  productos  fabricados. 

E  a  exportação  consistia,  sobretudo,  em  matérias 
alimentares  para  as  regiões  pobres  dos  paizes  vizinhos, 
ostras,  lan  e  tecidos  de  lan,  margarina,  manteiga, 
queijo,  assucar,  legumes,  papel,  couros,  flores  e  semen- 
tes de  flores. 

Os  principaes  paizes  com  os  quaes  era  feito  o  com- 
mercio,  vinham  a  ser  a  Allemanha,  Ilhas  Britânicas, 
Bélgica,  índias  neerlandezas.  Estados  Unidos,  Rússia, 
França,  Suécia  e  Noruega,  Hespanha  e  Brazil. 

* 
*  * 

Quanto  aos  centros  principaes  \  Maestricht,  na 
fronteira  meridional,  era  muito  industrial,  sobretudo,  na 
fabricação  do  vidro,  louças,  papeis,  pannos,  charutos 
e  bebidas.  Só  o  movimento  da  navegação  do  Mosa  e 
canal  de  Zuid-Willemsvaart,  que  vai  communicar  com 
Bois-le-Duc,  era  de  mais  de  17:000  embarcações  por 
anno,  excedendo  um  milhão  de  toneladas. 

Twenthe,  na  fronteira  allemã,  era  dos  maiores  cen- 
tros da  Hollanda  na  fiação  do  algodão. 

Tilburgo  tomou,  depois  do  meiado  do  século  XIX, 
uma  importância  enorme,  como  centro  principal  da  fa- 


1     Sobre   os    centros    principaes   na  edade    moderna,  veja-se  o 
vol.  IV,  pag.  521  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  369 


bricação  de  lanifícios.  Já  em  1879,  tinha  145  fabricas. 
A   sua   população  mais  que  treplicou  depois  de  1860. 

Bois-le-Duc  encerrava  também  fabricas  de  toda  a 
espécie. 

Breda  era  eg-ualmente  muito  industrial. 

Middelburgo  estava  consideravelmente  decaída  do 
que  foi  antigamente. 

Flessing  é  que  tinha  progredido  muito  na  industria  é 
commercio,  e  conquistado,  pelos  seus  trabalhos  hydráu- 
licos  e  correspondência  dos  caminhos  de  ferro,  uma 
parte  considerável  do  transporte  de  viajantes  e  merca- 
dorias entre  o  continente  e  a  Inglaterra. 

Nimegue  tinha  uma  importância,  cada  vez  mais  cres- 
cente, no  commercio  internacional  da  Allemanha  com  a 
HoUanda. 

Rotterdam,  porto  enormemente  commercíal  e  indus- 
trial, tinha  sobre  Amsterdam  a  vantagem  de  se  encontrar 
por  meio  dos  estuários  em  communicação  mais  directa 
com  o  mar  livre.  Importava,  sobretudo,  géneros  colo- 
níaes;  e,  em  troca,  expedia  productos  de  agricultura 
local,  gados  para  aHmentação  de  Londres,  e,  de  um  modo 
geral,  todas  as  mercadorias  pesadas,  que  vinham  pelos 
canaes  e  rios.  Mais  de  7.000  navios  de  uma  tonelagem 
excedente  a  25  milhões  faziam  o  movimento  d'esse  porto. 

O  commercio  de  Rotterdam  com  o  Congo  era  tam- 
bém muito  notável  depois,  de  1869.  Só  uma  sociedade 
neerlandeza  possuía  quarenta  e  quatro  escriptorios  n'essa 
parte  da  Africa,  e  importava  azeite  de  palma,  catchu, 
copal,  café,  algodão  e  outros  géneros. 

Delft  perdeu  a  maior  parte  da  sua  importância. 
Mesmo  a  fabricação  das  suas  louças  já  não  tinha  a 
importância  antiga. 

Volume  VI  24 


370  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Em  Leyde,  apesar  de  estar  também  decaida,  a 
industria  era  ainda  importante,  sobretudo,  nos  pannos 
e  colchas. 

Amsterdam,  três  vezes  mais  povoada  que  Haya,  era 
a  verdadeira  capital  do  reino.  A  sua  industria,  abar- 
cando quasi  todos  os  géneros,  comprehendia  principal- 
mente a  construcção  de  navios  e  refinação  do  assucar, 
preparação  de  cerveja  e  licores.  O  seu  commercio  era 
enorme. 

Haya,  a  capital  da  Hollanda,  que  cedia  em  popu- 
lação a  Amsterdam  e  Rotterdam,  tinha  o  movimento 
industrial  e  commercial  próprio  de  qualquer  capital; 
mas  era  também  muito  inferior,  n'esse  ponto,  não  somente 
áquellas  duas  cidades,  mas  a  outras  mais  do  reino. 


A  Hollanda  tinha  uma  grande  facilidade  de  com- 
municações  aquáticas,  pelos  seus  rios  e  pelos  canaes 
que  cortam  o  paiz  em  todos  os  sentidos.  Mas  essa 
riqueza  de  vias  navegáveis  tornava  difficil  o  estabeleci- 
mento das  vias  terrestres. 

Realmente,  sendo  o  seu  território  muito  baixo  ^  e  as 
inclinações  raras  e  muito  pequenas,  a  agua  cobre  os 
caminhos  a  cada  instante,  sob  a  forma  de  ribeiros,  rios, 
canaes  ou  pântanos.  E'  necessário  proteger  o  terreno 
contra  as  inundações,  e  atravessar,  por  meio  de  pontes 
compridas    e   dispendiosas,   as  correntes   que   embara- 


1     A  Historia  Económica,  vol.  III,  pag.  100. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  371 


çam  ou  impedem  a  passagem:  o  que  traz  uma  grande 
despeza,  não  só  para  os  caminhos  de  ferro,  como  para 
as  próprias  vias  carrossaveis. 

Demais  a  mais,  o  solo  é  de  tal  maneira  movediço 
nas  provincias  costeiras  que,  por  prudência,  se  deve 
renunciar  a  caminhos  de  ferro  de  grande  velocidade, 
cuja  trepidação  deformaria  as  vias. 

Apesar  disso,  a  Hollanda  não  podia  retrair-se  muito 
tempo  á  obrigação  de  construir  caminhos  de  ferro  que 
communicassem  com  os  paizes  vizinhos. 

Em  todo  o  caso  a  construcção  de  vias  férreas  começou 
mais  tarde  que  o  desinvolvimento  das  estradas  carrossa- 
veis, o  que  se  explica  também  pela  grande  commodidade 
dos  transportes  por  agua,  que  a  Hollanda  já  possuía. 

Ainda  em  1838,  os  Estados  Geraes  recusaram  con- 
ceder a  concessão  de  uma  linha  entre  Amsterdam  e 
Arnhem.  Só  em  1839,  é  que  principiou  a  construcção 
do  primeiro  caminho  de  ferro,  e  já  então  as  estradas 
carrossaveis,  feitas  e  calcetadas  a  tijolo,  haviam  tomado 
um  grande  desinvolvimento. 

Em  1860,  a  rede  dos  caminhos  de  ferro  estendia-se 
a  322  kilometros,  construídos  e  explorados  por  compa- 
nhias particulares;  e,  em  1870,  o  Estado,  por  sua  vez, 
contribuía  para  a  criação  de  novas  linhas  secundarias, 
concorrentemente  com  as  companhias  livres;  e  o  total 
das  linhas  férreas,  attingia,  então,  1.255  kilometros,  que 
se  elevou  quasi  ao  dobro,  em  1880. 

Assim,  os  Hollandezes  depressa  se  desforraram  da 
demora,  pela  brevidade  com  que  fizeram  progredir  as 
vias  férreas. 

As  duas  linhas  mais  importantes  foram  as  que  con- 
tinuaram   de    Rotterdam,    Amsterdam   e   Hélder    até    o 


372  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


caes  de  Flessingue,  e  as  duas  grandes  vias  allemães 
que  custeiam  o  Rheno. 

Uma  outra,  mais  meridional,  poz  em  relações  Colónia 
e  Hersingue  por  Venlo,  Tilburgo,  Breda,  Bergen  e 
Middelburgo.  Um  ramal  destacou-se  de  Breda  para 
Rotterdam  por  Dordecht,  e  um  outro  ramal  foi  formar 
a  continuação  da  linha  allemã  da  margem  direita  do 
Rheno,  passando  por  Yssel,  Arnhim  e  Utrecht,  a  qual, 
ramificando-se  também,  ganhou  Rotterdam,  Haya,  Leyde 
ou  seja  Amsterdam,  Haardem  e  Hélder.  E  havia  ainda 
as  duas  linhas  transversaes  de  Anvers  e  Rotterdam,  e 
de  Liège  ou  Bois-le-Duc,  Utrecht  e  Amsterdam. 

Comtudo,  a  exploração  das  linhas  férreas  da  Hol- 
landa  era  uma  das  menos  fructuosas  da  Europa,  o  que  se 
explica  facilmente  pela  concorrência  das  vias  navegáveis  ^. 

Essas  vias  navegáveis  eram,  realmente,  numerosas, 
e  estavam  em  óptimas  condições  para  transportes  e 
passageiros. 

Assim,  três  grandes  rios  atravessam  a  Hollanda,  en- 
grossados pelas  aguas  de  numerosos  afluentes,  e  estavam 
já  n'este  periodo  ligados  entre  si  por  um  grande  numero 
de   canaes.   São   elles   o   Rheno,  o  Escalda   e  o  Mosa, 

O  Rheno,  entrando  na  Hollanda,  divide-se  em  dois 
grandes  braços.  Um  d'elles,  o  Vaal,  á  esquerda,  vai-se 
junctar  ao  Mosa  no  porto  de  Santo  André,  e  depois  em 
Gorkum;  o  outro  braço  ou  Rheno  inferior,  á  direita, 
chama-se  Leeck.  D'este  braço  destaca-se  o  canal  Drusus, 
que  em  Doesburgo  se  une  ao  Yssel.  E'  o  velho  Rheno, 


1     Mareei    Dubois    et  Kerg^omard,    Prècis    de   Céographie    Eco- 
nomique. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  373 


que  passa  deante  de  Utrecht  e  Leyde,  e  se  engole  no 
mar,  ao  Norte  de  Haya  e  sul  de  Harlem.  Este  velho 
Rheno  nem  mesmo  teria  força  de  tocar  no  mar,  se, 
em  1806,  os  HoUandezes  lhe  não  fizessem  presente  de 
um  canal,  que  o  regularisou,  e  Ihe-permittiu  chegar  lá. 

Essa  obra  é  uma  das  mais  bellas  da  sciencia  hydrau- 
lica  hollandeza. 

O  Mosa,  atravessando  a  fronteira  belga  e  passando  em 
Maestricht,  divide-se  também  em  muitos  braços,  e  forma 
no  território  hollandez  um  dédalo  de  muitas  ilhas  e  canaes. 

O  Escalda  sai  também  do  território  belga,  e  divide-se 
egualmente  em  muitos  braços  principaes,  que,  nas  suas 
ramificações,   formam    as  numerosas  ilhas  da  Zelândia. 

E,  quanto  a  canaes,  nenhum  paiz  é  hoje,  e  era  já  no 
século  XIX,  mais  sulcado  d'elles  do  que  a  HoUanda,  e 
quasi  todos  navegáveis  para  navios  de  grande  tonellagem. 

Os  principaes  eram  o  canal  de  U  ou  Imuiden, 
inaugurado  em  1877,  que  liga  Amsterdam  com  o  mar 
do  Norte,  de  26  kilometros  de  comprido,  e  que  termina 
ao  sul  da  povoação  de  Wykaant-Zee.  Havia  e  ha  o 
antigo  canal  do  norte,  que  termina  em  Hélder,  pelo 
qual,  até  á  abertura  do  novo  canal,  os  navios  de  maior 
porte  chegavam  a  Amsterdam,  e  que  tem  80  kilometros 
de  comprimento,  42  metros  de  largura  e  7  de  profun- 
didade, e  passa  por  ser  o  mais  bello  da  Europa.  Maç, 
para  evitar  as  demoras  da  navegação,  pelas  quaes  o 
movimento  commercial  de  Rotterdam  estava  excedendo 
o  de  Amsterdam,  por  este  canal  já  não  bastar  aos 
navios  de  alta  capacidade,  é  que  se  fez  aquelle  outro 
de  U,  que  vai  ao  mar  do  Norte,  caminhando  para 
oeste.  E  mais:  o  canal  de  Rotterdam  a  Amsterdam 
por    Delft,   Leyde  e  Harlem;    o  canal  de  Zuiderzee  ao 


374  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Dollar,  composto  do  canal  de  Arlingen  e  Groningue  e 
do  canal  de  Winseshosen;  o  canal  de  Drenthe,  que  vai 
de  Groning-ue  junctar  o  Yssel,  por  Meppel ;  o  canal  de 
Terneuze  a  Gand;  o  canal  Guilherme  do  Sul,  que  liga 
Maestricht  a  Bois-Ie-Duc,  prevenindo  uma  grande  cir- 
cumvallação  do  Mosa.  E,  em  1892,  começou  a  abertura 
de  um  outro  grande  canal,  para  ligar  Amsterdam  com  o 
Rheno,  também  próprio  para  navios  de  grande  lotação. 
Ora  a  Hollanda,  ao  passo  que  tratou  de  desinvolver 
a  viação  férrea,  não  descuidou  o  melhoramento  d'esses 
canaes  e  dos  portos. 


Esta  somma  de  communicações  aquáticas  e  suscep- 
tiveis  da  navegação  a  vapor,  conjugada  com  o  augmento 
do  commercio  maritimo  e  com  a  importância  das  coló- 
nias, concorria  também  para  o  desinvolvimento  da  ma- 
rinha mercante  que,  no  fim  do  século  XIX,  constava  de 
447  navios  de  vela  e  150  de  vapor,  sommando  tudo 
828:000  toneladas  \ 


1  Noel,  obr.  cit.  —  M.  M.  Piolet  &  Bernard,  Histoire  Contempo- 
raine  de  1815  A  Nos  Jours.  —  Marsillac,  Manuel  de  Histoire  Contem- 
poraine  de  Ia  Revolution  A  Nos  Jours.  —  A.  Amman  et  E.  C.  Cour- 
tan,  Le  Monde  au  XIX  5ièc/e.  —  Jules  Isaac,  Histoire  Contemporaine, 
1819-1920.— Alhert  Malet,  XVÍIf  Siècle  Revolution,  Empire  et 
LEpoque  Contemporaine.  —  E.  Reclus,  obr.  cit.,  Europe  du  Nordouest. 

—  Onesine  Reclus,  La  Terre  à  vol  dOiseau.  —  Cortambert,  obr.  cit. 

—  Bainier,  obr.  cit. —  Ramalho  Ortigão,  A  Hollanda.  — Lanier,  obr. 
cit.  —  Conner,  Commercial  Geography.  —  Mareei  Dubois  et  Kergo- 
mard,  obr.  cit. 


CAPITULO  XI 
A  Dinamarca 


Leve  esboço  da  historia  politica  da  Dinamarca  n'este  período. — 
Como  ella  foi  também  prejudicada  pelo  bloqueio  continental. — 
Como  continuou  a  ser  prejudicada,  mesmo  depois  d'elle,  pelas 
guerras  em  que  andou  envolvida  até  1866.  —  Como  em  seguida 
progrediu  muito.  —  Productos;  deficiência  dos  mineraes;  em 
compensação,  grande  abundância  e  grande  capacidade  do  solo 
nos  productos  agrícolas.  —  Agricultura,  industria,  commercio, 
marinha.  —  Centros    económicos    principaes.  —  Communicações. 


No  principio  do  século  XIX,  a  Dinamarca  foi  arras- 
tada na  guerra  geral.  Guardando  uma  neutralidade 
agradável  á  França,  que,  pela  prohibição  do  commer- 
cio inglez,  favorecia  os  interesses  dinamarquezes,  teve 
de  sustentar,  no  mar  do  Norte  e  no  mar  Báltico,  uma 
lucta  encarniçada  contra  os  almirantes  inglezes  Parker 
e  Nelson.  As  hostilidades  só  terminaram  em  1807, 
sendo-lhe,  então,  restituidas  as  colónias  que  aquella 
nação  lhe  havia  tomado.  Mas,  logo  n'esse  mesmo  anno, 
viu-se  forçada  a  entrar  no  bloqueio  continental.  Porisso, 
a  frota  de  Inglaterra  bloqueiou  a  ilha  de  Seeland, 
incendiou  400  casas  da  capital,  e  matou  1:300 'pessoas; 
e,  tendo  Copenhague  capitulado,  os  vencedores  puze- 
ram  o  arsenal  a  saque,  e  levaram  91  vasos  da  frota 
dinamarqueza. 


376  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


Depois,  Frederico  VI,  proclamado  rei,  por  morte  de 
seu  pae  Christiano  VII  (1808-1839),  alliou-se  com  Napo- 
leão, e  declarou  guerra  á  Suécia;  e,  também  por  isto, 
em  seguida  á  batalha  de  Leipzig,  os  alliados  occupa- 
ram  o  Holstein  e  Schleswig. 

O  tratado  de  Kiel,  concluido  entre  a  Inglaterra  e 
Suécia  (1814),  fez  entrar  a  Dinamarca  na  colligação 
europeia;  e  os  tratados  de  Vienna  de  1815  restituiram- 
Ihe  o  Holstein,  e  deram-lhe  Lauenburgo,  mas  tiraram-Ihe 
a  Noruega,  que  foi  entregue  á  Suécia. 

A  Frederico  VI  succedeu  Christiano  VIII  (1839- 
1848}.  E  Frederico  Vil,  que  succedera  a  Christiano  VIU 
(1848-1863),  substituiu  ao  regimen  parlamentar  o  sys- 
tema  absoluto,  o  que  fez  estalar  uma  guerra  civil. 

O  tratado  de  Londres  de  1852,  garantido  por  diver- 
sas potencias,  manteve  de  novo  a  unidade  e  integri- 
dade da  Dinamarca;  mas  alterou  a  ordem  da  successão 
do  reino,  designando  como  herdeiro  presumptivo  de 
Frederico  VII,  o  genro  d'elle,  Christiano  —  Holstein- 
Gluksburgo;  e  isso  trouxe  novas  perturbações  nacionaes, 
até  que,  em  1863,  uma  patente  do  governo  dinamarquez 
separou  o  Holstein  do  Schleswig,  e  submetteu  o  pri- 
meiro d'esses  ducados  á  constituição  commum  do  reino. 

A  Frederico  VII  succedeu,  pois,  aquelle  Chris- 
tiano IX  (1863-1906). 

Em  1864,  a  Prússia,  auxiliada  pela  Áustria,  tomou 
o  Holstein,  Schleswig  e  Lauenburgo,  isto  é,  um  milhão 
de  homens  e  19.000  kilometros  quadrados;  d'onde  se 
derivou,  em  1866,  a  guerra  entre  aquelles  dois  Estados  \ 


1     Vide  capitulo  I,  pag.  50. 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  377 


Desde  ahi  até  ao  fim  do  século,  a  Dinamarca  gosou 
de  paz  e  tranquilidade. 

Por  tudo  isto,  involvida  em  tantas  guerras,  dissidên- 
cias e  perturbações,  mal  podia  ella  progredir  economi- 
camente, sem  que  viesse  o  estado  de  paz  e  de  repouso 
que  a  deixasse  resfolgar.  E  tanto  mais  que,  segundo 
vimos  no  volume  V,  já  no  século  XVIII,  se  encontrava 
decadente  do  seu  antigo  estado,  tão  florescente  como 
foi  no  commercio.  Mas,  em  compensação,  desde  o 
meiado  do  século  em  diante,  o  movimento  económico 
^lelhorou   consideravelmente,  como  vamos  demonstrar. 


Quanto  aos  productos,  mesmo  quando  esta  nação 
comprehendia  um  âmbito  maior,  tinha  pequena  capaci- 
dade para  os  mineraes,  e  poucos  podia  fornecer,  con- 
forme já  vimos  no  volume  V.  E,  reduzida  depois  em 
território,  como  ficou  desde  1864,  apenas  tinha  digno 
de  menção  um  módico  jazigo  de  hulha  em  Bornholm. 
Porém,  em  compensação,  era  um  paiz  agrícola  por  ex- 
cellencia,  e  a  agricultura  fazia  viver  directamente  três 
quartas  partes  da  população,  apesaf  de  que  o  terço 
do  paiz  se  compunha  de  landes,  pântanos  e  terras 
incultas. 

O  solo  arenoso,  com  uma  porção  variável  de  argilla, 
prestava-se  muito  á  cultura;  nenhuma  alteração  notá- 
vel aggravava  o  clima,  que  é  muito  doce  e  húmido;  e, 
embora  a  latitude  seja  mais  elevada  que  a  da  Hollanda, 
a   temperatura   não    é   tão  fria,  por  estar  a  Dinamarca 


378  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


banhada  de  mares  e  ser  ladeiada  de  um  braço  do  gulf- 
stream,  que  desce  ao  longo  das  costas  de  Noruega  ^. 

Todavia,  existia  um  contraste  notável  entre  as  ilhas, 
cuja  fertilidade  é  muito  grande,  e  o  oeste  da  Jutlandia 
ou  Jylland,  onde  a  proporção  das  terras  improductivas, 
turfeiras  e  landes  era  muito  considerável. 


Desde  aquella  data  de  1864,  os  Dinamarquezes  não 
pouparam  esforços  para  augmentar  a  capacidade  do  seu 
solo  e,  portanto,  os  seus  productos  agricolas. 

Para  o  desinvolvimento  da  agricultura,  contribuiram 
já  as  medidas  legislativas  promulgadas  nos  últimos 
tempos  do  século  XVIll,  que  foram  completadas  por 
outras,  publicadas  no  século  XIX,  operando  todas  ellas 
uma  transformação  completa  na  situação  dos  lavra- 
dores. 

Assim,  em  1791,  permittiu-se  a  todo  o  proprietário 
que  tivesse  terras  indivisas  com  outro  proprietário,  o 
poder  dividi-las,  acabando  com  isso  o  systema  de 
communidade,  que  então  predominava,  ao  mesmo  tempo 
que  se  estabeleceram  os  preceitos  tendentes  a  con- 
junctar  a  propriedade  extremamente  parcellada. 

Outra  ordenança  de  1799  aboliu  as  corveas,  mas 
essa  reforma  só  teve  rigoroso  cumprimento  desde  1856. 

Por  outro  lado,  uma  lei  de  1788  já  tinha  abolido  tam- 


1     Vide  capitulo  III,  pag.  180. 


EDADE  COMTENPORANEA  379 


bem  o  domicilio  forçado  dos  trabalhadores,  terminando 
com  isto  a  servidão  da  gleba.  No  meiado  do  século  XIX, 
estabeleceu-se  a  faculdade  de  alienar  os  bens  por  meio 
de  censo.  E  ainda  houve  outras  medidas  que  levantaram 
a  agricultura. 

Multiplicaram-se  os  canaes  de  drenagem ;  e,  por 
meio  de  arroteamentos  e  desbravamentos,  entregou-se 
ao  trabalho  humano  mais  da  quinta  parte  das  lan- 
des, e  adquiriu-se  sobre  os  lagos  e  pântanos  mais 
de  60:000  hectares.  De  modo  que,  nos  fins  do  século, 
só  era  improductiva  uma  quinta  parte  do  paiz,  e  a 
vegetação  florestal  tinha  cedido  extraordinariamente 
perante  a   cultura  scientifica. 

A  Dinamarca,  vizinha  de  dois  paizes  muito  bem 
providos  de  florestas,  não  tinha  grande  interesse  em 
conservar  ampla  extensão  de  bosques.  Mas,  ainda  assim, 
a  costa  oriental  da  Jutlandia,  das  ilhas  de  Fionia  e  de 
Seelandia,  ficaram  possuindo  bastantes  florestas  de 
carvalhos,  bétulas  e  faias,  que  eram  as  essências  mais 
communs. 

Os  cereaes  occupavam  o  maior  espaço  dos  terrenos 
agricolas.  A  aveia  tinha  o  primeiro  logar,  por  causa  do 
clima  e  da  natureza  do  solo,  e  Bornholm  e  Seelandia 
eram  os  seus  dominios  predilectos;  de  modo  que,  n'esta 
ultima  provincia,  havia  até  grandes  campinas  de  aveia, 
sem  solução  de  continuidade.  Mas  a  cultura  scientifica 
do  trigo  foi  fazendo  diminuir  essa  outra  de  aveia. 

A  cevada  era  também  cultivada  na  Seelandia  e  La- 
land.  O  centeio,  muito  empregado  na  alimentação,  era 
o  recurso  da  Jutlandia.  Havia  espalhado  por  differen- 
tes  partes  bastante  sarraceno,  e  produziani-se  muitas 
batatas. 


380  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Entre  as  plantas  industriaes,  figuravam  na  primeira 
linha  a  beterraba  e  o  lúpulo;  e  depois,  embora  em 
menor  importância,  a  colza,  o  linho  e  o  tabaco. 

Havia  muitas  arvores  fructeiras,  macieiras,  pereiras, 
ameixoeiras,  cerejeiras,  e  muitos  productos  hortícolas 
e  jardineiros.  Odense,  Fionia  e  Aarhus,  na  Jutlandia, 
tinham  até  a  velha  reputação  que  lhes  deram,  desde  o 
século  XVI,  os  jardineiros  frizões  estabelecidos  lá. 

A  criação  do  gado  contribuía  poderosamente,  com  a 
cultura  dos  cereaes,  para  a  prosperidade  da  Dinamarca. 

Os  pastos  e  os  prados,  que  são  alimentados  por 
uma  humidade  abundante,  recordavam  os  dos  hollan- 
dezes;  e,  porisso,  a  Dinamarca,  na  quantidade  do  gado 
bovino,  era,  como  a  Irlanda,  relativamente,  o  paiz  mais 
bem  provido  da  Europa,  figurando  entre  as  raças  me- 
lhores a  de  Thy,  boa  leiteira,  e  a  de  Jutland,  própria 
para  engorda  e  talho. 

Havia  muitos  cavallos,  fortes  e  grandes,  também  na 
Jutlandia,  e  pequenos,  mas  vigorosos,  da  raça  laalan- 
deza,  nas  ilhas.  A  coudelaria  real  de  Fredericksburgo 
velava  pela  conservação  das  raças  nacionaes. 

Havia  muitos  carneiros,  nos  districtos  pobres  da 
Jutlandia  occidental.  Depois  da  Inglaterra  e,  Hespanha, 
a  Dinamarca  era  o  paiz  que  relativamente  possuia  mais 
carneiros  na  Europa. 

Havia  egualmente  muitos  porcos,  nas  ricas  herdades 
das  ilhas  e  da  Jutlandia  oriental  ^. 

Como  os  Dinamarquezes  foram  sempre  excellentes 


1     Quanto    aos    productos    da    Dinamarca    na    edade    moderna, 
veja-se  o  volume  V,  pag.  299  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  381 


marinheiros,  entregavam-se  á  pesca;  e,  da  mesma  forma 
que  os  seus  vizinhos  da  Noruega,  pescavam  bacalhaus, 
arenques,  cavallas,  rodovalhos,  linguados,  etc.  Os  rios 
davam  salmões,  trutas  e  enguias.  As  ostras  dos  parques 
dinamarquezes  tinham  muito  apreço,  e  eram  expedidas 
em  grande  quantidade  para  Hamburgo  e  Berlim. 

Em  todo  o  caso,  a  pesca  não  contribuia  para  a 
prosperidade  geral  que  havia  no  paiz,  tanto  como  se 
poderia  suppor,  attendendo  á  extensão  das  costas  e 
abundância  da  vida  animal  no  mar.  E'  que  os  habitan- 
tes achavam  na  agricultura  um  modo  de  vida  mais  fácil 
do  que  na  pesca,  e  não  queriam  expor-se  ao  perigo  do 
mar,  indo  procurar  um  género  que  vendiam  por  baixo 
preço.  Por  outro  lado,  os  jovens  do  littoral,  preferiam 
engajar-se  em  viagens  de  longo  curso. 

Ainda  assim,  a  pesca  estava  muito  longe  de  ser  uma 
industria  desprezada,  sobretudo,  ao  longo  das  costas 
occidentaes,  onde  a  terra  não  fornecia  ao  lavrador  um 
rendimento  sufficiente,  e  onde  as  aguas  eram  muito 
ricas  em  peixe. 


A  Dinamarca  não  tinha,  como  ainda  não  tem,  con- 
dições industriaes. 

Conforme  já  dissemos,  possuía  apenas  um  mediocre 
jazigo  de  hulha  em  Bornholm,  e  faltavam-lhe  mineraes, 
como  a  natureza  geológica  do  solo  deixava  adivinhar. 
Faltavam-lhe  também  as  pedras.  Não  tinha  quedas  de 
agua  que  supprissem  a  hulha,  como  tinha  a  Suissa. 
Estava  n'uma  situação  exterior  á  Europa  e  excêntrica 


382  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


ás  grandes  vias.  Não  possuía  rios  navegáveis,  como,  por 
exemplo,  a  HoUanda.  E  os  únicos  grandes  elementos 
que,  n'estas  condições  desfavoráveis,  podiam  estimular 
a  industria,  eram  a  riqueza  agricola  e  a  actividade  mari- 
tima.  Porisso,  também,  as  industrias  principaes  vinham 
a  ser  aproximadamente  esses  dois  ramos,  a  que  se 
juntavam  os  misteres  domésticos  e  a  fabricação  pri- 
mitiva de  objectos  necessários  á  vida,  alimentação  e 
vestuário. 

N'estes  termos,  as  industrias  mineraes  e  metallurgi- 
cas  eram  quasi  nullas.  Ainda  assim,  havia,  sobretudo, 
em  Copenhague  e  Odense,  muitas  fundições,  fabricas 
de  construcções  de  maquinas  agrícolas  e  bastantes  ouri- 
vesarias, bijuterias  e  relojoarias. 

Em  Copenhague,  estava  também  estabelecido  um 
grande  canteiro  naval;  e  fabricavam-se  por  toda  a 
parte  muitos  tijolos  que,  nas  estradas  e  nas  edificações 
substituíam  a  pedra.  E  a  argilla  dava  também  logar  a 
grande  industria  de  telhas,  louça,  etc.  Jutlandia  e 
Bornholm  eram  até  afamadas  n'esse  ponto. 

A  agricultura,  como  já  vimos,  estava  n'um  estado 
prospero  e  d'ella  viviam  directamente  três  quartas 
partes  da  população.  Nos  cereaes,  o  centeio  e  cevada 
levaram  ainda  vantagem  sobre  a  cultura  do  trigo,  mas 
a  cultura  ia-se  modificando  em  favor  do  cereal  mais 
nobre. 

Nas  industrias  derivadas  do  reino  vegetal,  é  que  a 
Dinamarca  sobresaía. 

Assim,  havia  por  toda  a  parte  fabricas  de  distilla- 
ção,  de  preparação  de  assucar,  de  cerveja,  de  massas 
e  de  artigos  alimentares. 

Nas  industrias  derivadas  do  reino  animal,  havia  tam- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  383 


bem  muitas  fabricas  de  cortimento  e  luvas  e  prepara- 
ção de  pelles,  como  era  próprio  d'um  paiz  tão  rico  de 
animaes,  e  muitas  fabricas  de  conserva  de  peixe. 

Finalmente,  nas  industrias  maritimas,  alem  da  con- 
serva de  peixe,  fabricavam-se  engenhos  de  toda  a  ordem 
para  a  pesca. 


O  commercio  interior  era  pequeno,  porque  a  riqueza 
agrícola,  quasi  a  única  do  paiz,  estava  repartida  por 
todas  as  províncias,  e,  por  toda  a  parte,  era  mantida  a 
industria  rural.  No  entanto,  as  fabricas  de  Copenhague, 
de  Odense  e  doutras  cidades,  expediam  os  seus  pro- 
ductos  para  as  differentes  regiões  do  paiz. 

Já  não  acontecia  a  mesma  coisa  com  o  commercio 
exterior.  N'essa  parte,  em  relação  ao  numero  dos  habi- 
tantes, a  Dinamarca  fazia  até  uma  quantidade  de  trocas 
mais  considerável  que  a  maior  parte  das  nações  da 
Europa.  E,  durante  dez  annos,  desde  1866  a  1876,  o 
commercio  exterior  augmentou  quasi  metade,  sobre- 
tudo, na  importação,  e  continuou  a  progredir  conside- 
ravelmente d'ahi  por  diante. 

As  importações  principaes  consistiam  em  artigos  de 
metal,  hulha,  tecidos,  madeira,  vinho  e  aguardente,  e 
mesmo  em  géneros  coloniaes;  porque,  embora  as  coló- 
nias da  Dinamarca  fossem  vastas,  comprehendendo 
1.940:000  kilometros  quadrados,  as  três  ilhas  Santa 
Cruz,  S.  Thomaz  e  S.  João,  tinham  muito  pequena 
importância,  e  as  solidões  geladas  da  Groenlândia  e 
Islândia  não  prestavam  nenhuma  utilidade  á  metrópole. 


384  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


A  Dinamarca  importava  também  cereaes.  Outr'ora, 
em  vez  de  os  importar,  vendia  muitos  para  o  estran- 
geiro. Mas,  por  um  lado,  a  sua  população  cresceu  mais 
depressa  que  a  sua  producção ;  e,  por  outro  lado,  a 
agricultura  dinamarqueza  não  pôde  luctar  contra  a  dos 
grandes  paizes  productores  de  cereaes,  como  a  Rússia 
e  os  Estados-Unidos,  d'onde  vinha  o  trigo  que  se  con- 
sumia a  maior  na  Dinamarca. 

A  exportação  era  representada,  sobretudo,  em  gado, 
manteiga,  queijo,  peixe,  ovos  e  pelles,  alguns  productos 
agricolas,  e  mesmo  alguns  cereaes. 

A  Inglaterra  era  o  paiz  que  mais  commerciava  com 
os  Dinamarquezes.  Comprava  gados  e  alguns  productos 
agricolas,  e  vendia  hulha,  maquinas,  tecidos  e  géneros 
coloniaes;  mas,  ainda  assim,  tinha  uma  grande  rival  na 
Allemanha.  Vinham  em  segunda  linha,  a  Suécia,  Rússia, 
Hollanda  e  Bélgica. 


Quanto  aos  centros  principaes  \  Aalberg  fazia  um 
commercio  muito  activo;  mas  a  barra  do  seu  fjord  só 
permitte  a  entrada  ás  pequenas  embarcações. 

A  cidade  de  Skagen  constituía  o  logar  de  pesca 
mais  importante  da  Dinamarca.  Bacalhaus,  pescadas, 
rodovalhos  e  linguados  eram  capturados  aos  cardumes; 
e  assim,  Skagen,  com  a  sua  vizinha  Frederikshaven  eram 


1     Relativamente    aos    centros   principaes    na    edade    moderna, 
veja-se  o  vol.  V,  pag.  313  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  385 


continuadamente  visitadas  por  navios  viveiros,  que 
vinham  tomar  as  carregações  de  peixe  vivo,  para  o 
venderem  em  Copenhague  e  n'outras  cidades  dina- 
marquezas. 

Odense,  a  mais  antiga  cidade  da  Dinamarca,  era 
um  centro  importante  de  industria  e  commercio,  embo  a 
se  encontre  a  certa  distancia  do  mar,  e  só  com  elle  com- 
munique  por  um  canal  de  pequena  profundidade,  onde 
apenas  podem  entrar  navios  de  cinco  metros  de  calado. 
Graças,  porém,  a  um  caminho  de  ferro,  que  atraves- 
sava a  ilha  (Fionia),  Odense  enriqueceu-se  a  nascente, 
pelos  portos  de  embarque  de  Middelfart  e  de  Strib,  no 
pequeno  Belt. 

Copenhague  só  ella  encerrava  a  oitava  parte  da 
população  do  reino.  Era  uma  cidade  muito  poderosa 
no  commercio  e  nas  industrias,  possuindo  uma  enseada 
segura  e  um  vasto  porto  natural.  A  grande  industria 
de  toda  a  Dinamarca  estava  concentrada  na  sua  maior 
parte  em  Copenhague  e  nos  seus  arrabaldes.  Fundições, 
refinações,  fiações,  fabricas  de  porcellana  e  terra-cote, 
e  todas  as  fabricas  onde  se  preparam  armações  e  pro- 
visões de  navios,  cobriam  uma  vasta  extensão  de  ter- 
reno, na  vizinhança  do  porto  e  em  muitos  outros 
bairros. 

Mais  de  metade  do  commercio  tinha  por  mercado 
essa  capital;  e,  ainda  que  Copenhague  só  possuisse  a 
quarta  parte  da  frota  commercial  pertencente  á  Dina- 
marca, é  certo  que  mais  de  metade  do  negocio  do  reino 
se  fazia  no  seu  porto. 

Esta  cidade  foi  escolhida  como  sede  da  Companhia 
dos  Telégrafos  do  Norte,  que  possuia  perto  de  8:000 
kilometros   de   fio,   indo   da   Inglaterra  e  da  França  ao 

VoJume  VI  25 


386  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Japão,  atravez  da  Rússia  e  da  Sibéria,  o  que  também 
augmentava  a  importância  de  Copenhague. 

Elsenor  ou  Helsingor  está  no  ponto  da  juncção  entre 
os  dois  mares.  Os  reis  da  Dinamarca  tinham  tido  o 
cuidado  de  fortificar  a  situação  d'ella,  a  fim  de  receberem 
uma  portagem  sobre  os  navios  que  ali  passavam.  Ainda 
no  meiado  do  século  XIX,  todas  as  nações  commerciaes 
consentiam  em  pagar  esse  tributo,  e  os  navios  deviam 
parar  sob  o  canhão  de  Elsenor.  Em  1857,  porém,  os 
Estados  Unidos  recusaram -se  a  pagar  esse  direito 
humilhante;  e,  então,  uma  convenção  de  resgate  abo- 
liu definitivamente  a  portagem,  mediante  uma  somma 
de  87.345:000  francos,  pagável  por  dezasseis  nações, 
em  proporção  do  seu  commercio  ^. 

Roskilde,  que  foi  a  capital  e  a  cidade  mais  populosa 
da  Dinamarca,  antes  de  Copenhague,  devia  naturalmente 
perder,  como  perdeu,  a  sua  importância,  desde  que  as 
pequenas  embarcações,  em  que  navegavam  os  antigos 
dinamarquezes,  foram  substituidas  por  grandes  navios; 
pois  que  o  seu  fjord  está  obstruido  de  bancos  de  areia, 
e  somente  os  barcos  chatos  o  podem  subir  até  á  cidade. 


A  Dinamarca,  sendo,  como  é,  um  Estado  insular  e 
peninsular,  não  tinha  melhores  communicações  do  que 
o  mar,  cujos  golfos  e  estreitos  a  penetram  por  toda  a 


1     Adriano  Anthero,  O  Direito  Internacional,  pag.  211. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  387 


parte.  Isso,  porém,  não  bastava;  e  ella  empregou  tam- 
bém assíduos  cuidados  no  desinvolvimento  da  sua  via- 
ção, não  só  para  as  communicações  interiores,  como 
para  as  communicações  exteriores. 

Construiu  de  novo  muitos  caminhos  de  rodagem, 
calcetados  a  tijolo,  e  muitos  caminhos  de  ferro,  n'um 
grande  desinvolvimento,  relativamente  á  extensão  do 
paiz. 

Assim,  duas  grandes  linhas  férreas,  ligadas  á  rede 
do  Sleswig  e  da  AUemanha,  iam  dar  pelo  norte,  a  Fre- 
derikshavn,  servindo  as  duas  regiões  do  oeste  e  este 
da  Jutlandia.  Fionia  e  Laaland  eram  atravessadas,  cada 
uma,  por  outra  via  férrea.  Em  Seeland,  seis  linhas 
punham  Copenhague  em  communicação  com  os  pon- 
tos mais  importantes  da  ilha,  e,  sobretudo,  com  os 
logares  mais  próximos  da  Jutlandia,  Fionia,  Laaland  e 
Bornholm. 

A  importância  internacional  d'estas  linhas,  embora 
interrompidas  pela  travessia  dos  estreitos,  era  enorme, 
porque  a  rede  dinamarqueza  constituia  um  fragmento 
da  linha  de  Hamburgo  a  Christiania  e  a  Stokolmo, 
por  Gõteborg  ou  pelo  Pequeno  Belt,  Grande  Belt 
e  Sund. 

Eram  ellas,  porisso,  principalmente  importantes  para 
transportar  da  Europa  continental  á  Suécia,  e  vice- 
versa,  os  viajantes  desejosos  de  evitarem  longas  tra- 
vessias. Mas  as  mercadorias  aproveitavam  a  via  mais 
económica  do  mar,  quando  elle  estava  desimpedido 
dos  gelos. 

Com  effeito,  os  estreitos,  umas  vezes,  estão  desim- 
pedidos de  gelos  durante  o  anno;  mas,  outras  vezes, 
estão  fechados  dois  ou  três  mezes,  por  lagens  de  gelo, 


388  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


bastante  fortes,  para  impedirem  a  passagem.  Sobretudo, 
a  travessia  do  Grande  Belt  apresenta  muitas  difficulda- 
des  no  inverno,  quando  os  gelos  obstruem  os  estreitos; 
e  então,  os  barcos  empregados  no  transporte  dos  pas- 
sageiros eram  carregados  em  trenós  de  construcção 
especial  ^. 


1  Conner,  Commercial  Géography.  —  Mareei  Dubois,  Précis  de 
Géographie  Economique.  —  Delville,  obr.  eit.  —  Richard  Cortambert, 
Géographie  Commercial  et  fndustrielle  des  Cinq  Parties  du  Monde. — 
M.  L.  Lanier,  LEurope.  —  Bainier,  Cours  de  Géographie  Commercial, 
LEurope.  —  E.  Reclus,  Nouvelle  Géographie  Universelle,  LEurope 
du  Nordouesí.  —  H.  Weitamayer,  Le  Danemarke.  —  A.  Geffroy,  His- 
íoire  des  Etats  Scandinaves. 


CAPITULO  XII 

A  SCANDINAVIA 

I 

A  Suécia 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Suécia  n'este  período.  —  Como  a 
Suécia  até  1914  soffreu,  da  mesma  forma  que,  em  geral,  todos  os 
paizes  da  Europa,  com  o  bloqueio  continental.  —  Como,  depois 
de  restabelecida  a  paz,  a  Suécia  prog^rediu  muito,  conjuncta- 
mente  com  a  Noruega,  a  que  ficou  unida.  —  Como  o  governo  de 
Bernardotte  (Carlos  João  XIII)  contribuiu  para  isso.  —  Como 
este  libertou  a  industria  de  muitas  restricções.  —  Productos, 
devastação  das  florestas,  agricultura,  mau  regimen  da  proprie- 
dade, criação  de  gado.  Industria  e  commercio.  —  Centros  princi- 
paes.  —  Communicações. 

Quando  rebentou  a  revolução  franceza,  a  Noruega 
estava  unida  á  Dinamarca,  e  na  Suécia  reinava  Gus- 
tavo III,  que  tinha  restabelecido  o  poder  absoluto,  e 
feito  uma  alliança  com  os  Francezes,  que  lhe  cederam 
o  porto  de  Gothenburg-o  ou  Gõteborg,  em  troca  da  ilha 
de  S.  Bartholomeu,  nas  Antilhas. 

A  revolução  franceza,  porém,  approximou  esse  mo- 
narca do  partido  dos  reis,  quando  foi  assassinado  por 
um  chefe  da  nobreza,  que  tinha  sido  privado  por  elle 
dos  seus  privilégios. 


390  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Depois  d'uma  sabia  regência  do  duque  de  Sunder- 
mania,  que  tentou  fazer  entrar  a  Suécia  na  neutralidade, 
o  filho  de  Gustavo  III,  Gustavo  IV  (1796-1809),  inimigo 
irreconciliável  de  Bonaparte,  offereceu  aos  principes 
de  Bourbon  asylo  em  Kalmar,  e  entrou  em  todas  as 
intrigas  allemãs  contra  a  França,  offerecendo  até 
alguns  regimentos  aos  alliados. 

Depois  da  paz  de  Tilsit  (1807),  Napoleão  levou  a 
Rússia  e  Dinamarca  a  invadirem  a  Suécia;  e,  então, 
quando  os  Russos  já  estavam  a  trinta  léguas  de  Sto- 
kolmo,  os  Suecos,  indignados,  deposeram  o  rei.  O  velho 
duque  de  Sundermania  retomou  o  poder,  sob  o  nome 
de  Carlos  XIII,  e  salvou  a  Suécia,  apesar  de  ser  obri- 
gado a  ceder  á  Rússia  a  Finlândia,  Aland  e  uma  parte 
da  Botnia,  pelo  tratado  de  Frederikshavn  (1809). 

A  Dieta  elegeu  depois  rei  o  marechal  francez  Ber- 
nardotte,  principe  de  Ponte  Corvo  que,  apesar  de  sua 
origem  nacional,  em  1812  e  1813,  combateu  á  frente 
do  exercito  sueco  os  Francezes,  em  Gross  Beeren, 
Demewitz  e  Leipzig. 

Como  premio  d'este  auxilio,  os  alliados  tiraram  a 
Noruega  á  Dinamarca,  e  deram-n'a  á  Suécia,  ficando  a 
constituir  com  esta  uma  união  pessoal,  com  o  mesmo 
rei  da  Suécia  e  com  o  mesmo  ministro  dos  negócios 
estrangeiros  \  E  Bernardotte  foi  também  confirmado, 
na  realeza,  sob  o  nome  de  Carlos  João  XIV  (1812-1844). 

Não  obstante  as  difficuldades  que  a  Rússia  lhe  sus- 
citou e  a  desconfiança  dos  democratas  norueguezes, 
este  rei,  nos  vinte  e  seis  annos  do  seu  reinado,  realisou 
úteis  reformas  nas  finanças,  na  administração  publica. 


1     Adriano  Anthero.  O  Direito  Internacional,  pag.  367. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  391 


na  instrucção,  no  commercio,  nas  industrias,  artes, 
letras  e  communicações;  de  modo  que  todo  o  movi- 
mento social  tomou  um  grande  desinvolvimento. 

Succedeu-lhe  o  filho  Oscar  I  (1844-1859).  Despren- 
dido de  quaesquer  responsabilidades  para  com  as 
potencias  vizinhas,  deu  á  Suécia  uma  completa  inde- 
pendência politica,  rompendo  para  isso  com  a  própria 
Rússia;  e,  no  interior,  continuou  as  reformas  liberaes 
de  seu  pae,  abolindo  as  corporações  industriaes,  eman- 
cipando os  Judeus,  e  proclamando  a  plena  liberdade 
industrial  e  commercial. 

Carlos  XV  (1859-1872),  filho  de  Oscar  1,  reformou 
a  antiga  Dieta,  substituindo  um  parlamento,  composto 
de  duas  camarás,  á  velha  divisão  do  paiz  em  quatro 
ordens :  clero,  nobreza,  burguezia  e  agricultores ;  alar- 
gou os  direitos  de  suffragio;  fez  regular  n'um  sentido 
mais  moderno  diversas  questões  económicas  e  sociaes; 
e  mostrou-se  sempre  um  protector  esclarecido  das 
letras,  artes  e  sciencias. 

O  irmão  d'elle,  Oscar  II  (1872-1907),  mostrou-se 
como  os  predecessores  preoccupado,  primeiro  que  tudo, 
em  manter  a  paz  e  união  dos  seus  Estados ;  e  desin- 
volveu  também  sob  todas  as  formas  o  progresso  do 
seu  povo. 


Durante  os  primeiros  tempos  do  século  XIX,  a  Sué- 
cia e  Noruega,  submettidas  como  a  Dinamarca,  ás 
vicissitudes  da  enorme  lucta  que  assolava  a  Europa, 
soffreram    muito    com    o    bloqueio    continental;    e    até 


392  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


grande  numero  de  navios  foi  tomado  ou  embargado 
pelos  Inglezes.  Mas,  assegurada  a  paz,  os  dois  Estados 
scandinavos  retomaram  o  caminho  do  progresso. 

Já  o  governo  de  Carlos  João  XIV  (Bernardotte) 
contribuiu  muito  para  isso,  com  a  sua  iniciativa  e 
reformas;  e  a  velocidade  adquirida  n'esse  reinado  mais 
se  accentuou  depois  de  1846. 

Até  então,  apesar  d'aquella  iniciativa  e  d'aquellas 
reformas,  o  trabalho  industrial  estava  submettido  a 
grandes  restricções.  As  corporações  de  artes  e  officios, 
modeladas  pelas  associações  allemãs,  determinavam 
os  misteres  de  cada  operário,  e  só  permittiam  o  accesso 
em  condições  ás  vezes  draconianas.  Em  1846,  porém, 
foi  estabelecida  a  liberdade  industrial  e  commercial,  e, 
ainda  depois  d'essa  data,  uma  ordem  real  completou 
no  mesmo  sentido  as  prescripções  anteriores. 

A  consequência  de  tudo  isto  foi  augmentar  grande- 
mente o  numero  dos  estabelecimentos  manufactureiros 
nos  dois  reinos  da  Suécia  e  Noruega. 

Só  na  Suécia,  cresceu  elle  25  por  cento,  sem  levar 
em  conta  os  numerosos  pequenos  misteres  que  se  exer- 
ciam nos  domicílios  com  o  concurso  da  familia;  e  bem 
assim  os  trabalhos  das  minas,  pedreiras  e  outros  estabe- 
lecimentos da  mesma  natureza,  e  os  demais  ramos  da 
riqueza  nacional,  progrediram  egualmente. 

* 
*  * 

Já  vimos  no  volume  V  como  o  solo  da  Suécia  é  rico 
em  mineraes.  O  ferro,  que  se  encontra  nos  filões  das 
rochas  ou  nos  pântanos  e  lagos,  onde  tem  sido  rolado,  e 


EUADE  CONTEMPORÂNEA  393 


cujos  jazigos  estão  situados  n'uma  região  limitada,  d'um 
lado,  pelo  lago  Vennern,  e,  do  outro  lado,  pelo  littoral 
do  Gefle  e  de  Stokolmo,  é  uma  das  grandes  riquezas 
da  Suécia ;  e  de  tal  qualidade  que  os  paizes  industriaes, 
mesmo  os  que  possuem  muito  ferro,  o  procuram  com 
avidez,  sobretudo,  por  ser  muito  rico  em  manganez  e 
magnetes  para  a  producção  do  aço.  Alem  d'isso  havia 
outras,  massas  enormes  de  ferro,  que  poderiam  supprir 
durante  séculos  a  alimentação  de  todas  as  industrias 
siderúrgicas  da  Europa;  mas  essas  acham-se  principal- 
mente na  Laponia,  em  logares  de  accesso  difficil,  senão 
impossivel,  e  onde  falha  o  combustivel. 

Ora,  também  a  producção  do  ferro  cresceu  de  tal 
modo,  desde  1864,  que,  em  1870,  já  attingia  o  dobro, 
e  alimentava  uma  grande  parte  da  exportação. 

Só  as  minas  da  Delacardia  e  provincias  vizinhas 
forneciam  700:000  a  900:000  toneladas,  que  serviam 
para  fabricar  350:000  toneladas  de  metal  fundido  e 
reduzido  a  ferro,  o  qual  era  comprado,  sobretudo,  pelos 
Inglezes. 

A  Suécia  só  possue  algumas  bacias  hulheiras  nos 
arredores  de  Helsingborg,  na  Scania,  muito  insufficien- 
tes  para  a  sua  industria;  porque,  se  tivesse  mais  hulha, 
e  mesmo,  se  as  florestas  estivessem  na  vizinhança, 
immediata  dos  jazigos  mineiros,  e  também,  sobretudo, 
se  as  industrias  de  todos  os  paizes  não  empregassem 
processos  que  lhes  permittiam  tirar  todo  o  proveito 
dos  seus  mineraes  inclusivamente  de  qualidade  me- 
diocre,  a  producção  do  excellente  ferro  sueco  dobraria 
facilmente. 

Havia  muito  cobre  em  Falun,  mas  a  sua  exploração 
não  pôde  manter-se  em  concorrência  com  os  mineraes 


394  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


do  Novo  Mundo;  e,  porisso,  nos  últimos  tempos  do 
século  passado,  tinha  diminuído  muito. 

A  Suécia  possue  muitas  minas  de  zinco;  e  uma 
d'ellas  pertencente  á  sociedade  Belga  da  Vieille  Mon- 
tagne  ^,  estava,  como  está,  na  extremidade  septentrional 
do  lag-o  Vettern,  em  Ammeberg,  e  era,  como  ainda  é, 
muito  importante. 

O  chumbo,  o  nickel  e  a  hulha,  extraidos  n'uma 
pequena  quantidade  nos  arredores  do  Sund,  e  algum 
oiro,  prata  e  enxofre,  contribuíam  n'uma  parte  menor 
para  a  riqueza  mineral  da  Suécia.  Havia  também  mui- 
tas pedreiras  de  granito,  porfido  vermelho,  mármores, 
pedras  mós;  e  a  exploração  de  todos  esses  productos 
foi  egualmente  augmentando,  e  com  elles  o  desinvolvi- 
mento  progressivo  da  economia  geral. 


* 
* 


Como  productos  agrícolas,  alem  dos  cereaes,  taes 
como  aveia,  que  era  o  principal,  cevada,  centeio,  e 
também  algum  trigo  na  Scania,  a  Suécia  produzia  bas- 
tantes legumes  e  muita  batata,  que  era,  no  século  XIX, 
a  cultura  por  excellencia  d'esse  paíz. 

E,  nas  plantas  industriaes,  abundavam  o  lúpulo  e 
a  beterraba,  que  prosperava  muito  ao  sul  da  Scania, 
onde  crescia,  como  ainda  cresce,  com  uma  rapidez 
extraordinária. 


Vide  paf .  344. 


EDADE  COMTENPORANEA  395 


O  cânhamo  e  tabaco  prehenchiam  muito  pouco  ter- 
reno, mas  o  linho  era  cultivado  extremamente. 

Quanto  a  fructas,  havia  as  mesmas  que  na  Europa 
Occidental,  especialmente,  maçãs,  peras  e  cerejas.  A 
Scania  era  fértil  em  damascos  e  pecegfos,  e  mesmo  as 
uvas  amadureciam  rasoavelmente  nos  logares  bem  ex- 
postos. Havia  também  muitas  nogueiras. 

As  florestas  que,  antes  de  1850,  cobriam  42,8  por 
cento  da  terra  firme,  alem  de  2  milhões  de  hectares  da 
Laponia,  soffreram  tão  grande  exploração  e  devasta- 
mento,  em  virtude  do  emprego  exclusivo  da  lenha  para  o 
trabalho  das  minas,  que  teve  de  intervir  uma  legislação 
especial,  afim  de  prevenir  a  ruina.  Assim,  em  1875,  os 
proprietários  das  provincias  septentrionaes  foram  obri- 
gados a  respeitar,  d'ahi  por  diante,  os  fustes  que  tives- 
sem menos  de  25  centimetros  de  espessura  e  altura  de 
um  homem.  Na  ilha  de  Gotland,  prohibiu-se  até  comple- 
tamente a  exploração  de  lenha  ou  madeira  para  vender. 


No  ramo  animal,  a  Suécia  possuia  bastante  gado 
bovino  de  pequeno  talho,  cavallos  da  grande  raça  da 
Jutlandia,  na  parte  meridional,  e  também  cavallos  da 
raça  noruegueza,  mais  pequena,  mas  notável  pela  so- 
briedade, vigor  e  duração. 

Havia  muitos  carneiros,  embora  em  menor  numero 
que  na  Noruega,  e  d'uma  raça  mediocre ;  cabras,  que 
habitavam  as  montanhas  pobres  do  oeste,  e  grande 
quantidade   de  porcos,  sobretudo,   na  Delacardia  e   na 


396  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Gothia.  o  norte  da  península  de  Scandinavia  tinha 
como  bestas  de  carga  as  rennas  ou  rangifers. 

O  numero  de  todos  esses  animaes  foi  também  augmen- 
tando  successivamente,  durante  o  século  XIX,  e  a  criação 
realisou  progressos  correspondentes  aos  da  agricultura  ^ 

A  todos  estes  productos,  vinham  juhtar-se  os  da 
pesca  fluvial  e  costeira,  a  dos  lagos  e  a  marítima: 
pescas  essas  que  tinham  espécies  muito  variadas.  As 
mais  abundantes  eram  o  salmão,  o  arenque,  o  baca- 
lhau, as  trutas,  as  pescadas,  cavallas  e  anchovas;  e 
estas  espécies  eram  consumidas  no  respectivo  logar, 
ou  salgadas  para  a  exportação.  Em  todo  o  caso,  n'este 
género,  a  Suécia  era  muito  menos  fértil  que  a  Noruega, 
porque  o  Báltico  é  também  muito  menos  rico  n'esse 
ponto,  que  o  mar  do  Norte. 

Tem  de  se  accrescentar  ainda  a  pesca  no  mar  Gla- 
cial, das  phocas,  morsas,  tubarões  e  lagostas. 

A  dos  arenques  foi  outr'ora  importantíssima,  como 
já  dissemos  no  V  volume  '^.  Desappareceram  elles  das 
costas  suecas ;  voltaram  alguns  annos  depois ;  e  des- 
appareceram de  novo,  para  reapparecerem  em  1740, 
tornando  a  vir  em  1805,  para  tornarem  a  desapparecer 
ainda  em  grande  quantidade;  acrescendo  que  a  emi- 
gração era  sempre  muito  incerta  e  muito  frequente. 
Assim,  esta  pesca  do  arenque  foi  muito  abandonada. 
A  exportação,  que,  antes  d'isso,  era  de  300:000  tonela- 
das, desceu  logo  a  2:000;  e  ainda  os  arenques  do  mar 
Báltico  davam  um  certo  contingente  para  ella. 


1     Sobre    os    productos    na    edade    moderna,   veja-se  o  vol.  V, 
pag^.  356  e  seguintes. 

-     Veja-se  A  Historia  Económica,  vol.  V,  pag.  358. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  397 


A  agricultura  na  Scandinavia,  já  muito  em  progresso, 
no  primeiro  quartel  do  século  XIX,  viu  abrir-se  diante 
d'ella  uma  longa  perspectiva  de  melhoramentos,  graças 
á  extensão  considerável  de  terrenos  improductivos  que 
podiam  ser  aproveitados.  E'  certo  que  a  maior  parte 
da  peninsula  é  imprópria  para  a  charrua.  Lagos,  pân- 
tanos, rochedos,  montes  de  pedra,  neves  e  geleiras, 
cobrem  grandes  espaços;  e,  nas  regiões  septentrionaes, 
a  rudeza  do  clima  nem  mesmo  consente  a  permanência 
dos  lavradores  no  trabalho,  a  não  ser  em  alguns  loga- 
res  bem  abrigados,  onde,  ainda  assim,  os  abrolhos  e 
cardos  crescem  expontaneamente.  Mas  a  Suécia,  so- 
bretudo, depois  de  1830,  fez  grandes  esforços  para 
dominar  os  obstáculos  que  a  natureza  e  o  clima  lhe 
oppunham. 

Em  1835,  n'uma  população  de  2.871:000  habitantes, 
contavam-se  2.067:000  trabalhadores  ruraes,  e,  alem 
d'isso,  um  numero  considerável  de  proprietários  culti- 
vadores, pertencentes  a  outras  classes. 

A  cultura,  propriamente  dita,  só  cobria  uma  decima 
parte  do  solo,  diminuindo  gradualmente  do  sul  para  o 
norte,  desde  a  provincia  de  Malmõ,  onde  occupava 
quasi  dois  terços  do  território,  até  ás  solidões  da 
Laponia,  onde  alguns  pequenos  campos  nas  clareiras 
das  mattas  eram  as  simples  conquistas  da  lavoira.  Mas 
o  augmento  das  culturas  novas  na  peninsula  foi,  desde 
então,  de  40:000  hectares  por  anno,  conquistados  dire- 
ctamente ás  aguas,  pântanos  e  lagos.  Desde  1841-1876, 


398  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  Governo  contribuiu  para  o  enxugamento  de  198:000 
hectares ;  e,  alem  d'isso,  vastos  espaços  foram  conquis- 
tados pelos  particulares,  sem  intervenção  do  Estado. 
Ainda  assim,  no  fim  do  século,  o  terreno  aproveitável, 
não  fazendo  conta  das  pequenas  parcellas  situadas  nas 
cidades,  que  serviam  apenas  para  a  cultura  dos  legu- 
mes e  flores,  em  volta  das  habitações,  os  dominios  culti- 
váveis eram  só  de  300:000  hectares. 

A  agricultura  primitiva  do  paiz  não  conhecia  outro 
methodo  senão  o  das  queimas.  Incendiava-se  uma  parte 
das  florestas  ou  das  turfeiras,  e  a  semente  que  se  que- 
ria semear,  era  lançada  nas  cinzas.  Em  alguns  dos  dis- 
trictos  do  interior,  este  methodo  rudimentar  dos  antigos 
Lapões,  era  ainda  usado  nos  fins  do  século  XIX;  mas, 
apesar  d'isso,  no  geral  do  paiz,  a  agricultura  sueca 
tornou-se  uma  d'aquellas  que  se  distinguia  por  uma 
boa  rotação  de  afolhamentos,  applicação  dos  adu- 
bos, applicação  judiciosa  de  maquinas  e  melhora- 
mentos regulares.  E  a  Suécia,  que,  no  século  XVIII, 
importava  cereaes  estrangeiros,  já  no  ultimo  quartel 
do  século  XIX,  produzia  o  sufficiente  para  a  sua 
alimentação  e  commercio,  e  também  para  alimenta- 
ção dos  animaes  e  fabricação  da  aguardente;  e  ainda 
exportava  quantidades  consideráveis,  embora  impor- 
tasse também  em  menos  proporção,  farinha  de  centeio 
e  cevada. 

Em  geral,  na  Scandinavia,  e,  porisso,  também  na 
Suécia,  os  pequenos  proprietários  formavam  uma  grande 
proporção  dos  habitantes  dos  campos,  e  a  maior  parte 
dos  rendeiros  cultivavam  os  seus  dominios  temporários, 
sob  a  garantia  de  costumes  tradicionaes,  que  lhes  davam 
uma  real  independência.  Os  lavradores  não  tinham  sido 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  399 


servos,  como  na  maior  parte  da  Europa,  e  conservavam 
o  costume  de  adquirir  para  si  mesmos  a  sua  habitação 
e  algumas  terras. 

O  regimen  da  propriedade  é  que  era  mau;  porque, 
ainda  nos  fins  do  século  XIX,  os  dominios  communs 
constituiam  uma  grande  quantidade  em  toda  a  penín- 
sula. Os  terrenos  incultos,  os  pastos  da  montanha  e 
das  florestas  pertenciam,  na  maior  parte,  em  communi- 
dade,  a  uma  paroquia  e  até  a  mais  do  que  uma.  E,  em 
differentes  logares,  também  a  antiga  propriedade  colle- 
ctiva  foi  substituída  pela  distribuição  regular  das  terras 
entre  diversos  communistas,  durante  certo  numero  de 
annos,  passando  cada  quinhão  successivamente  para  os 
respectivos  societários. 

Até  aos  últimos  tempos  do  século  XIX,  dava-se 
também  uma  excessiva  fragmentação  nas  florestas, 
de  modo  que,  ás  vezes,  o  solo  pertencia  a  um  ou  mais 
proprietários,  as  arvores  a  outro  ou  outros;  e  mesmo 
uma  espécie  de  arvores  a  um,  e  outra  espécie  a  pro- 
prietário ou  proprietários  differentes.  Mas  essa  anomalia 
foi  remediada  por  uma  lei  dos  últimos  tempos. 

E  também,  desde  1827,  uma  lei,  que  depois  foi 
copiada  na  Allemanha  e  na  Áustria,  permittiu  aos  pro- 
prietários das  pequenas  parcellas  reclamarem  uma  nova 
distribuição  do  solo,  pelo  agrupamento  dos  pedaços 
dispersos.  O  dominio  melhorou  muito  depois  d'isso, 
em  favor  da  agricultura,  não  obstante  subsistir  ainda 
um  grande  parcellamento  da  propriedade. 

Apesar  da  devastação  das  florestas,  ainda  assim, 
era  enorme  a  importância  d'ellas,  na  economia  rural 
da  Scandinavia,  e  mesmo  na  industria  e  commercio. 

A    exportação    da   madeira  representava   a    metade 


400  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


das  vendas  totaes;  e  mais  de  500  serrarias,  que  rece- 
biam a  força  motriz  das  quedas  de  agua,  preparavam 
muitos  productos  florestaes,  como  taboas,  traves,  tra- 
vessas, esteios  para  as  minas,  peças  montadas,  portas, 
janellas,  toneis,  pipas,  moveis,  grandes  navios  de  vela, 
barcos  de  pesca,  casas  transportáveis,  parquets,  armá- 
rios grosseiros,  cofres  e  diversos  objectos  de  marcena- 
ria. E  muitos  d'esses  artigos,  especialmente  as  traves, 
taboas  e  travessas  de  minas,  eram  expedidos  do  golfo 
de  Botnia  e  de  Gothenburgo  para  o  Brazil,  Cabo  de 
Boa  Esperança,  Austrália  e  até  para  a  Nova  Guiné;  e, 
mais  de  metade  das  exportações  se  dirigiam  também 
para  a  Inglaterra. 

E  havia  ainda  uma  industria  importante  nas  regiões 
florestais  do  norte  —  a  fabricação  do  papel  de  embala- 
gem, por  meio  da  massa  de  madeira ;  e  fabricavam-se 
também  lá  muitos  fósforos  chymicos  e  de  pau. 


As  outras  industrias,  em  geral,  luctavam  com  a 
falta  de  hulha;  e,  alem  disso,  como  adiante  mostrare- 
mos, as  communicações  eram  muito  insufficientes,  e 
tanto  mais  que  as  vias  navegáveis  só  estão  livres,  perto 
de  7  mezes  no  anno. 

Como  acontece  também  com  a  Noruega,  os  Suecos 
teem  de  dividir  o  anno  em  duas  partes  bem  distinctas: 
uma,  a  da  bella  estação,  consagrada  á  exploração  e 
accumulação  dos  productos  naturaes  nos  armazéns;  e 
outra,  a  do  inverno,  destinada  á  exploração  por  mar 
dos  productos   armazenados.   E   também   essa  falta  de 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  401 


communicações,  esta  difficuldade  de  transportes  n'uma 
grande  parte  do  anno,  e  a  reclusão  da  vida  no  inverno, 
prejudicavam  o  movimento  industrial. 

A  industria  mineira  era  especialmente  embaraçada 
pela  falta  de  hulha.  Mas,  ainda  assim,  pelo  aproveita- 
mento da  lenha  nos  altos  fornos,  localisados  nas  regiões 
das  minas,  e  pela  facilidade  da  Suécia  receber  carvão 
do  estrangeiro,  a  fabricação  do  ferro  e  aço,  maquinas, 
quinquilherias,  pregps  e  alguns  outros  artigos,  tornou-se 
muito  importante. 

Motala  tinha  a  especialidade  da  fabricação  das 
maquinas;  Gefle  e  Stokolmo,  attraíam  naturalmente  as 
industrias  mecânicas,  necessárias  ás  construcções  marí- 
timas ;  e  também  Stokolmo  tinha  fabricas  importantes 
de  vidraria  e  faiança. 

Nas  industrias  textis,  as  mais  notáveis,  e  que  a 
Suécia  aprendera  do  estrangeiro,  eram  a  de  fiação  e 
tecidos  de  algodão.  A  de  pannos,  mais  antiga,  e  que 
tinha  começado  em  Jonkõping  e  Upsala,  nos  pri- 
meiros annos  do  século  XVll,  adquiriu  no  século  XIX, 
de  que  estamos  tratando,  uma  importância  grande;  mas, 
ainda  assim,  insufficiente  para  tecer  metade  dos  pannos 
de  que  o  paiz  precisava. 

Alguns  industriaes  occupavam-se  dos  tecidos  de 
linho,  cânhamo,  juta  e  seda.  A  industria  de  cordoaria, 
era  muito  grande,  como  era  natural  n'um  paiz  marítimo, 
n'aquellas  condições. 

A  industria  da  distillação  de  aguardente,  extraída 
dos  cereaes,  era  também  muito  grande.  Em  1855,  mais 
de  40:000  fabricas  forneciam  enormes  quantidades  de 
aguardente,  fora  a  distillação  particular  por  alambiques. 
Mas,   depois   d'uma   vintena   de  annos,  essa  distillação 

Volume  VI  26 


402  ^  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


foi  muito  vigiada  e  restringida  por  direitos  fiscaes,  e 
criaram-se  até  sociedades  particulares  com  o  exclusivo 
da  venda  da  aguardente,  e  com  a  condição  de  não 
tirarem  lucro  d'ella:  sociedades  essas  que,  por  seu  lado, 
trataram  de  combater  o  alcoolismo,  por  meio  d'este 
privilegio  e  de  outros  expedientes.  E  isso  diminuiu  as 
tabernas,  por  não  tirarem  tanto  lucro,  e,  sequentemente, 
diminuiu  também  a  distillação. 

Havia  algumas  cervejarias. 

A  abundância  de  gado  dava  logar  a  uma  grande 
industria  de  manteiga,  curtimenta  e  luvas. 

A  industria  da  pesca  tem  tido  uma  grande  impor- 
tância na  Scandinavia.  E  ainda  mais  que  a  agricultura, 
tem  concorrido  para  povoar  as  regiões  do  littoral;  de 
modo  que  os  districtos  do  norte  estariam  completamente 
desertos,  se  os  bancos  do  peixe  não  atraissem  a  floti- 
Iha  dos  pescadores.  Apesar  da  diminuição  de  que  já 
falíamos,  o  arenque  e  o  bacalhau  eram  os  artigos  mais 
importantes;  e  o  residuo  do  bacalhau  e  de  outros  pei- 
xes que  continham  muito  phosphato,  prestava  grande 
utilidade  para  a  estrumação  das  terras. 

Deve  observar-se  que,  na  Suécia,  as  industrias  fami- 
liares ou  domesticas  estavam  mais  desinvolvidas  do  que 
nas  outras  regiões  mais  povoadas  da  Europa,  não  só 
pelo  facto  dos  mercados  serem  muito  distantes  uns  dos 
outros,  mas  também  pelo  clima  e  deficiência  de  com- 
municações,  de  que  adiante  fallaremos. 


O  commercio  soffreu  de  todas  as  causas  que  pre- 
judicavam a  Suécia  e  a  Noruega. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  403 


Pobres  em  si  e  pouco  adiantados  no  progresso  indus- 
trial, esses  dois  paizes  estavam,  alem  d'isso,  n'uma  situa- 
ção económica  pouco  invejável,  por  estarem  fora  das 
grandes  vias  do  tráfico  internacional.  Não  tendo  também 
um  grande  valor  de  productos  internacionaes  a  exportar, 
apesar  do  volume  das  carregações  que  expediam,  só 
realisando,  pelo  facto  da  sua  industria  ser  mediocre,  fra- 
cos beneticios,  e  comprando  relativamente  poucas  mer- 
cadorias, o  commercio  d'esses  dois  Estados  era  limitado, 
geralmente,  a  alguns  objectos  de  primeira  necessidade. 

Demais  a  mais,  nenhuma  nação,  excepto  a  Rússia, 
está  mais  afastada  da  America;  nenhum  povo  da  Europa 
está  mais  distante  do  Mediterrâneo,  dos  mercados  do 
Levante  e  do  Extremo  Oriente;  e  nenhum  está  peior- 
mente  collocado  para  explorar  a  Africa. 

Porisso,  quasi  todo  o  commercio  da  Suécia,  salvo 
um  por  cento,  era  marítimo,  e  o  transporte  effectuava-se 
apenas  n'uma  proporção  de  metade  pela  marinha  sueca, 
principalmente  carregada  de  marcadorias  pesadas  e 
volumosas,  como  eram  os  metaes  e  a  madeira. 

Ainda  assim,  o  commercio  exterior  seguiu  n'uma 
carreira  ascendente,  desde  1860.  Estava  antes  d'isso 
restricto  a  algumas  expedições  de  trigo,  e,  sobretudo, 
de  ferro,  e  limitava-se,  desde  1820  a  1825,  a  uma  somma 
de  20:440  francos.  Em  1850,  já  era  de  104  milhões  e 
meio  de  francos;  em  1860,  excedia  234  milhões;  e, 
depois  d'esta  época,  em  virtude  do  regimen  convencio- 
nal inaugurado  pela  França  e  Inglaterra,  engrandeceu 
até  o  fim  do  século  mais  de  150  por  cento. 

Em  todo  o  caso,  o  commercio  da  Suécia  era  inferior 
ao  da  Noruega,  assim  como  a  sua  navegação  e  marinha 
lhe  eram  também  inferiores. 


404  A  HISTORIA   ECONÓMICA 


As  importações  consistiam,  principalmente,  em  hulha, 
objectos  manufacturados,  cereaes,  géneros  coloniaes, 
maquinas,  tecidos,  matérias  textis,  géneros  alimenticios; 
e  a  exportação  em  madeiras,  manteiga,  ferro,  papel, 
aveia,  peixes,  massa  de  madeira  e  phosphoros  de  pau 
e  chymicos, 

A  marinha  mercante  de  velas  e  vapor  da  Scaridinavia 
era  muito  importante,  de  modo  que  a  somma  das  duas 
marinhas,  com  os  barcos  de  pesca  e  cabotagem  e  longo 
curso,  estava  cotlocada  na  quinta  classe,  logo  abaixo  da 
Inglaterra,  Estados  Unidos,  França  e  Allemanha. 


* 

* 


Na  Suécia,  as  cidades  teem  mais  espaço  por  onde 
se  desinvolvam  que  na  Noruega.  Não  são  obrigadas  a 
agachar-se  ao  sopé  das  montanhas  ou  invadir  as  areias. 
As  casas,  separadas  umas  das  outras,  ao  menos  nos 
arrabaldes,  são  baixas,  e  são  de  uma  grande  limpeza, 
pintadas  de  amarello  ou  verde,  e,  a  maior  parte,  de 
vermelho  escuro,  com  uma  escada  exterior,  por  causa 
dos  incêndios  ^. 

A  cidade  principal  de  toda  a  vertente  virada  para 
o  Cattegat  é  Gõteborg  ou  Gothenburgo.  E'  a  segunda 
da  Suécia  e  a  terceira  da  península.  A  sua  fortuna  com- 
mercial  expHca-se  pela  situação.  Está  na  margem  de  um 


1     Sobre    os   centros   principaes    na  edade  moderna,  veja-se  o 
vol.  V,  pag.  378  e  seguintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  405 


rio  navegável  —  o  Gotha,  e  na  parte  inferior,  onde  as 
embarcações  podiam,  desde  o  meiado  do  século,  subir 
mesmo  os  rápidos  e  cataratas,  para  entrarem  no  lago 
Wenern.  Muitos  outros  logares  do  littoral  tinham  tam- 
bém a  vantagem  de  possuir  um  bom  porto;  mas  o  que 
distinguia  especialmente  Gothenburgo,  era  o  ser  etapa 
intermediaria  entre  a  porta  do  Báltico  e  o  golfo  da 
Noruega  meridional  e  entre  Copenhague  e  Christiania 
—  cruzamento  dos  caminhos  commerciaes:  o  que  tem 
feito  a  fortuna  de  Gothenburgo. 

E,  porisso,  esta  cidade,  ainda  que  relativamente 
moderna,  cresceu  rapidamente,  muito  mais  atè  que 
outras  cidades  antigas,  egualmente  favorecidas  pela 
natureza.  Se  era  inferior  á  capital  na  população,  era-lhe 
superior  no  commercio. 

Karlstad,  a  capital  da  província  de  Wernoland,  era 
também  muito  importante. 

Christiehamn,  situada  n'um  logar,  onde  um  rio  entra 
no  lago  Wenern,  e  forma  um  porto  accessivel  aos  navios, 
tomou  nos  últimos  tempos  um  rápido  desinvolvimento, 
graças  a  esse  porto,  ao  cruzamento  de  duas  linhas  fér- 
reas importantes,  a  ser  um  grande  mercado  que  provinha 
da  fabrica  de  Philipstad  e  das  minas  de  Persberg,  as  mais 
importantes  da  Suécia,  pela  quantidade  do  seu  mineral. 

Manestad  e  Lidkõping  eram  portos  muito  fre- 
quentados. 

Helsingfors  era  também  importante,  e  possuia  gran- 
des jazigos  de  conbustivel. 

Eram  egualmente  importantes  Landskrona,  Malmõ, 
que  se  tornou  a  terceira  cidade  da  Suécia,  Carlskrona, 
e  especialmente  Norrkõping,  o  grande  mercado  do 
norte,  como  Soder-Kõping  era  o  mercado  do  sul. 


406  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Essa  cidade  do  Norrkõping  é  denominada  orgulho- 
samente pelos  Suecos  —  a  Manchester  da  Scandinavia; 
e  tomou  tal  incremento  no  século  XIX  que,  já  em  1876, 
as  suas  33  fabricas  forneciam  os  dois  terços  de  todos 
os  panos  preparados  em  todo  o  reino.  Possuia  também 
muitos  estabelecimentos  para  a  fiação  e  tecelagem  dos 
algodões,  preparação  das  farinhas  e  refinação  do  assucar. 

Alem  d'isso,  os  seus  canteiros  entregavam  ao  Estado 
as  canhoneiras  e  navios-couraçados.  O  commercio  com 
os  estrangeiros  consistia,  sobretudo,  na  importação  de 
matérias  primas  e  hulha;  e  as  expedições,  em  aveia, 
madeira,  ferro,  phosphoros  e  mármore  das  pedreiras 
vizinhas. 

A  sul  havia  as  minas  de  A'tvodaberg,  que  rivalisaram 
na  importância  com  as  de  Falun,  e  onde  foram  abertas 
as  galerias  da  Suécia  mais  profundas;  mas  estavam 
abandonadas  já  na  ultima  vintena  do  século. 

Motala  era  também  um  centro  importante  de  fabri- 
cação,   mas   não   se   podia   comparar  com  Norrkõping.- 

Linkõping  e  Jonkõping  eram  outras  duas  cidades 
economicamente  notáveis,  sobretudo,  esta  ultima,  pelo 
trabalho  dos  mineraes  e  metaes.  Ahi  se  fabricavam 
maquinas,  armas  e  instrumentos  de  toda  a  ordem;  e  ao 
sul  estava  a  mais  famosa  fabrica  de  phosphoros  chymi- 
cos  do  mundo. 

Stokolmo,  a  capital,  era  a  cidade  mais  populosa. 

O  seu  porto  acha-se  fechado  pelos  gelos  durante  três 
mezes;  e,  porisso,  o  Governo  cuidou  em  estabelecer 
uma  enseada  exterior  em  Ninas,  no  littoral  mesmo  do 
Báltico,  e  que  reunisse  a  cidade  por  um  caminho  de  ferro, 
afim  de  abreviar  para  a  navegação  o  periodo  d'esse 
impedimento. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  407 


No  principio  de  1879,  os  engenheiros  puzeram  a 
primeira  mão  na  construcção  do  cães  e  nos  entrepostos, 
ao  nordeste  da  cidade,  afim  de  transformar  o  braço  de 
mar,  chamado  Silla  Wartan  n'um  g-rande  porto  de 
deposito  para  as  mercadorias  muito  pesadas,  pau,  ferro 
e  carvão. 

Stokolmo  não  se  contentou  de  communicar  com  o 
mar  por  três  canaes  naturaes,  que  serpenteiam  entre  a 
ilha  da  costa.  Abriu  também  o  canal  sinuoso  de  Sôder 
Telge  ou  Sodertelgfe,  que  reúne  directamente  o  fjord  de 
Hinmerojó  á  principal  bacia  do  lago  Malar.  Assim, 
os  navios  de  Stokolmo  podem  ganhar  o  mar,  singrando 
ao  oeste  para  o  canal,  tão  bem  como  deixando-se  ir  a 
este  pela  corrente.  Em  1879,  só  o  porto  de  Malar  era  já 
o  ponto  de  partida  de  97  itinerários  distinctos  para  os 
vapores. 

A  industria  de  Stokolmo  já  era  muito  activa,  e  com- 
prehendia  fabricas  de  toda  a  espécie,  fundições,  refina- 
ções, fiações,  vidraria,  faianças,  canteiros ;  e  na  vizi- 
nhança havia  uma  fabrica  de  porcellana  e  faiança  fina. 

Atraía  naturalmente,  como  Gefle,  as  industrias  me- 
cânicas necessárias  ás  construcções  navaes. 

O  commercio  d'essa  capital  era  muito  importante. 
A  frota  mercantil,  já  em  1875,  era  de  234  navios,  sendo 
165  vapores  da  força  de  6:080  cavallos. 

Upsala  possuia  as  grandes  riquezas  mineraes  de 
Dannemora. 

Arborga  e  Gefle  tinham  também  importância.  E  esta 
ultima  atraía  também,  naturalmente,  as  industrias  mecâ- 
nicas necessárias  ás  construcções  navaes. 

Falun  estava  cheia  de  fabricas,  graças  aos  jazigos 
de  cobre  que  se  encontram  nas  vizinhanças.  Estes  jazi- 


408  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


gos,  embora  de  um  valor  muito  desegual,  pois  que  cer- 
tas partes  conteem  apenas  duas  centésimas  de  metal 
puro,  emquanto  que  outros  conteem  uma  quinta  parte, 
faziam  a  riqueza  de  Falun,  ha  mais  de  cinco  séculos. 
Mas  a  producção  tinha  diminuido  sensivelmente,  nos 
últimos  annos  do  século  XIX,  como  aconteceu  também 
com  as  minas  de  Cornuailles,  na  Inglaterra,  por  não 
poderem  sustentar  a  concorrência  da  America  do  Sul  e 
da  Austrália. 

Wisby,  capital  de  Gotland,  supposto  que  decaida, 
fazia  ainda  um  commercio  considerável.  Os  seus  mari- 
nheiros entregavam-se  á  pesca,  e  as  suas  praias  atraíam 
no  verão  milhares  de  banhistas  do  continente  vizinho. 


Pelo  que  respeita  ás  communicações,  já  no  volume  V, 
falíamos  das  más  condições  naturaes  da  peninsula. 
A  única  região  verdadeiramente  rica  na  Suécia,  e  que 
podia  desejar  bons  meios  de  communicação,  era  a  parte 
central  e  meridional,  zona  de  agricultura  e  industria. 
Os  lagos  eram  muito  aproveitáveis,  mas  estavam  gela- 
dos sete  mezes  durante  o  anno.  O  canal  de  Goeta  ou 
Gothia  (Gce  Kanal),  de  que  já  falíamos  também  no 
volume  V,  recomeçado  em  1805  corta  a  peninsula 
ghotica  da  Suécia,  propriamente  dita,  passando  pelos 
grandes  lagos,  unindo  directamente  o  Báltico  ao  Skager- 
Rak,  isto  é,  ao  Mar  do  Norte,  e  dando  aos  portos  da 
Suécia  oriental  uma  saida  melhor  para  o  mar  aberto  do 
oeste.   Começa  elle  em  Soder-Kôping,  sobre  o  Báltico, 


tUADE  CONTEMPORÂNEA  409 


e  termina  em  Gothenburgo,  ao  norte  de  Kategat;  de 
modo  que  Gothenburgo  tornou-se  um  ponto  de  saida  da 
Suécia,  ao  mesmo  tempo  que  uma  etapa  do  caminho 
de  ferro  para  Christiania,  hoje  chamada  Oslo. 

As  estradas  eram  muito  insufficientes,  n'um  paiz 
onde  as  vias  navegáveis  só  estão  livres  sete  mezes  no 
anno.  N'esta  situação,  a  exploração  das  florestas  e  minas 
era  sensivelmente  prejudicada  pelo  mediocre  desinvol- 
vimento  d'essas  estradas.  No  norte,  nem  sequer  havia 
outra  estrada,  alem  da  de  Stokolmo  a  Haporando. 

Mas  as  vias  férreas,  apesar  da  sua  construcção  ter 
começado  só  em  1856,  já  no  fim  do  século,  abrangiam 
nos  dois  reinos  200  kilometros. 

E'  certo  que  esta  rede  era  muito  pequena,  em  relação 
aos  dois  Estados;  mas  deve  attender-se  a  que  o  solo 
verdadeiramente  explorável  e  de  algum  valor  econó- 
mico só  comprehende  a  Gothia,  na  Suécia  propriamente 
dita,  e  a  Noruega,  na  latitude  inferior  a  64".  Alem  d'isso, 
o  extremo  desinvolvimento  da  cabotagem  na  Noruega, 
nas  regiões  susceptíveis  de  uma  exploração  fructuosa, 
restringia  a  necessidade  de  communicações  por  estra- 
das e  vias  férreas.  Restava,  porisso,  prover  a  Suécia 
propriamente  dita,  cujas  riquezas  metallurgicas  e  indus- 
triaes  e  cuja  população  muito  densa  exigiam  todos  os 
meios  de  transporte.  Era  também  preciso  ligar  essa 
região,  excepcionalmente  favorecida,  ao  littoral  atlân- 
tico, atravez  dos  Alpes  scandinavos.  E  tudo  isso  foi 
esboçado  nos  seus  principaes  traços,  e  começado  no 
século  XIX. 

Assim,  a  Suécia  foi  sulcada  por  quatro  grandes  linhas 
que  de  Stokolmo  ganhavam  Malmõ,  Gothenburgo,  Chris- 
tiania, e  depois  Upsal.  Uma  outra  linha  junctava  Chris- 


410  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


tiania  a  Trondjem,  atravez  da  provinda  noruegueza  de 
Hamar;  e  havia  também  algumas  outras  pequenas  linhas 
na  Noruega. 

Em  todo  o  caso,  a  exploração  das  linhas  férreas  era 
muito  pouco  remunerada,  devido  á  concorrência  dos 
canaes  e  cabotagem  \ 


1  Mareei  Dubois  et  Kergomard,  obr.  cit.  —  E,  Reclus,  obr.  cit. 
—  Onesine  Reclus,  La  Terre  à  vol  d'Oiseau. —Conner,  Commercial 
Géography.  —  Richard  Cortambert,  Géogrophie  Commercial  et  Indus- 
trielle  des  Cinq  Parties  du  Monde.  — M.  L.  Lanier,  L'Europe.— 
Bainier,  Cours  de  Géogrophie  Commercial,  LEurope.  —  A.  Geffroy, 
Histoire  des  Etats  Scandinaves.  —  Leonie  Bernardini  Sjoestedt, 
Pages  Suédoises. 


CAPITULO  XIII 

A    SCANDINAVIA 

II 
Noruega 

Como  a  Noruega  seguiu  até  1815  politicamente  os  destinos  da  Dina- 
marca, e  de  que  modo  foi  prejudicada  pelo  bloqueio  conti- 
nental.—  Como,  unida,  em  1815,  á  Suécia  em  união  pessoal, 
seguiu  também  politicamente  os  destinos  d'ella  até  o  fim  do 
século  XIX. — Como,  desde  então,  foi  comprehendida  nos  esfor- 
ços communs  dos  reis  da  Suécia  para  o  desinvolvimento  e  pro- 
gresso dos  dois  Estados.  -  Como,  realmente,  a  Noruega  progre- 
diu muito  depois  d'isso.  —  Como,  sendo  menos  manufactureira 
que  a  Suécia,  e  dispondo  de  menor  solo  agricola,  se  dedicou 
especialmente  á  navegação  e  ás  industrias  marítimas.  —  N'este 
sentido,  como  o  seu  progresso  foi  enorme,  depois  de  1835;  e  de 
que  modo  realisou  trabalhos  importantes  na  illuminação  das 
costas,  e  augmentou  a  marinha  e  farolagem.  —  Productos,  agri- 
cultura, regimen  da  propriedade  e  aproveitamento  progressivo 
de  terras  incultas  e  pantanosas. —Industria,  commercio  e  mari- 
nha. —  Centros  principaes.  —  Communicações. 

A  Norueg-a,  até  1815,  andou  politicamente  unida  á 
Dinamarca,  tendo,  portanto,  egual  destino  politico ;  e, 
depois  de  1815,  esteve  até  o  fim  do  século  XIX  reunida 
á  Suécia,  cujo  destino  politico  egualmente  partilhou.  E 
já   vimos    como   foi  também   prejudicada  pelo  bloqueio 


412  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


continental,  tendo  tido  até  um  grande  numero  de  navios 
tomados  ou  embargados  pelos  Inglezes. 

Restabelecida  a  tranquilidade  na  Europa,  e  unido 
este  paiz  á  Suécia,  em  regimen  pessoal  ^  (1814  e  1815), 
foi  comprehendido  nos  esforços  communs  dos  reis  sue- 
cos para  o  desinvolvimento  económico  de  todas  as  pro- 
vincias.  Porém,  menos  manufactureira  que  a  Suécia,  e 
dispondo  de  menor  porção  de  solo  agrícola,  e,  absoluta- 
mente fallando,  de  menos  productos  mineraes,  dedicou-se 
especialmente    á  navegação    e   ás   industrias   maritimas. 

N'este  sentido,  fez,  desde  1855,  enormes  progressos 
na  marinha  mercante;  realisou  trabalhos  importantes 
parra  a  illuminação  das  costas;  e  criou  uma  seria  pilota- 
gem ao  longo  do  litoral. 

Em  1875,  a  Noruega  possuia  já  112  estações  de 
illuminação  e  farolagem,  sendo  99  entretidas  pelo  Es- 
tado, e  13  collocadas  e  entretidas  pelas  communas.  O 
seguro  marítimo  tinha-se  também  desinvolvido  muito. 
As  companhias  de  navegação,  que,  em  1865,  eram 
apenas  três,  segurando  550  navios,  tinham-se  multipH- 
cado,  de  modo  que,  em  1873,  já  se  contavam  13,  segu- 
rando 3:592  navios;  e  a  frota  noruega,  que  só  compre- 
hendia  n'aquella  data  2:272  navios,  e  entre  esses  apenas 
dois  steamers,  tudo  n'um  total  de  148:712  tonelladas, 
em  1870,  era  de  6:693  unidades  com  1.012:777  tonella- 
das, em  que  já  figuravam  118  vapores. 

A  maior  parte  d'esta  frota  era  occupada  na  pesca 
do  bacalhau,  salmão,  lagostas,  arenques,  phocas  e  outros 


1     Sobre  união  pessoal  e  real,  vide  Adriano  Anthero,  O  Direito 
Internacional,  pag.  14. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  413 


productos  maritimos,  e  no  transporte  da  madeira.  E  fora 
d'isso,  a  marinha  mercante  realisava  a  cabotagem  nas 
costas  do  paiz,  e  a  maior  parte  do  commercio  com  os 
povos  estrangeiros. 


Quanto  aos  productos  mineraes,  regulavam  elles  pelos 
da  Suécia,  com  a  differença  de  que  o  ferro,  e,  em  geral, 
os  outros  mineraes  eram  muito  menos  abundantes  na 
Noruega.  Em  compensação,  havia  muito  mais  zinco,  e 
era  explorado  pela  sociedade  belga  da  Vieille  Monta- 
gne,  proprietária  das  respectivas  minas,  assim  como, 
havici,  também  mais  prata  e  mais  cobre.  E'  na  Noruega 
que  ficam  as  minas  de  cobre  abundantissimas  de  Suei- 
telma,  que  teem  o  seu  desimbocadouro  pelo  lago  do 
fjord  de  Bodo. 

Quanto  aos  productos  agricolas,  existe  uma  grande 
differença  entre  os  dois  Estados.  A  Noruega,  por  estar 
mais  exposta  á  influencia  do  mar,  e  ser  banhada  por 
um  braço  do  gulf  stream,  que  desce  ao  longo  das 
costas,  tem,  na  respectiva  atitude,  um  clima  que  é  mais 
doce  e  humidade  maior;  e,  porisso,  é  relativamente 
mais  productiva  que  a  Suécia.  Mas  a  extensão  do  solo 
cultivável  é  muito  menor ;  e,  por  essa  razão,  é  antes  um 
paiz  de  criação  de  gado  que  de  cultura. 

As  espécies  dos  productos  agricolas  eram  eguaes  ás 
da  Suécia;  mas  a  quantidade  é  que  dif feria,  porque  a 
Suécia,  nos  maus  annos  quasi  que  suppria  o  seu  consumo, 
e  nos  bons  annos  podia  exportar;  emquanto  que  a 
Noruega  só  produzia  dois  terços  do  que  ella  consumia. 


414  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Relativamente  a  florestas,  havia  também  differença, 
porque  a  Suécia  era  muito  mais  rica,  e  o  seu  clima  convém 
melhor  ao  desinvolvimento  normal  das  camadas  lenho- 
sas. E'  de  lá  que  provinham  esses  pinheiros  magnificos, 
com  os  quaes  se  fabricavam  os  g-randes  mastros  dos 
navios  de  velas. 

Também  na  Noruega  foi  preciso  reprimir  o  abuso 
dó  corte  das  florestas  e,  pelas  mesmas  razões  que  na 
Suécia.  Ainda  assim,  nos  últimos  tempos  do  século  XIX, 
na  Noruega  meridional,  poucas  florestas  havia  dignas 
d'esse  nome,  pela  altura  das  arvores;  e  muitas  fabricas 
metallurgicas  foram  abandonadas,  por  faltar  o  combus- 
bustivel  para  a  fundição  do  ferro. 

No  reino  animal,  em  geral  correspondiam  as  condi- 
ções dos  dois  Estados,  apenas  com  algumas  differen- 
ças,  a  saber: 

Quanto  ao  gado  bovino,  nos  valles  do  Kjõlen  e  no 
littoral  da  Noruega,  manteve-se  sempre  uma  raça  cha- 
mada das  montanhas,  destituída  de  belleza,  de  pequena 
estatura  e  desprovida  de  cornos,  mas  de  uma  grande 
sobriedade,  contentando-se  com  qualquer  género  de 
forragem,  e  de  modo  que,  em  muitas  partes  da  Noruega, 
era  alimentada  até  com  peixes. 

Os  carneiros  eram  pequenos  e  de  uma  lã  grosseira, 
tendo  somente  pello  nas  pernas  e  cabeça,  e  ás  vezes 
na  cauda,  mas  de  uma  resistência  admirável.  Ao  longo 
das  costas  de  Stavanger,  e  mais  ao  norte  em  todas 
as  ilhas  do  littoral,  os  Norueguezes  deixavam  os  reba- 
nhos, mesmo  durante  o  inverno,  ao  vento,  ás  chuvas 
e  ás  neves;  e  estes  animaes  alimentavam-se  de  espi- 
nheiros e  algas  marítimas,  e  chegavam  á  primavera  sem 
morrerem. 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  415 


Os  eyders,  muito  raros  nos  fjords  meridionaes  da 
Norueg"a,  e  muito  communs  nos  archipelagos  de  Vester, 
Aaland  e  Lofoden,  constituiam  a  riqueza  principal  dos 
seus  habitantes.  E  eram  protegidos  contra  os  caçadores 
por  uma  lei  severa  de  1860.  A  alce  não  tinha  ainda 
desapparecido  de  todo. 

Quanto  ás  espécies  maritimas,  as  da  Noruega  eram 
eguaes  ás  da  Suécia;  e,  no  desapparecimento  dos  aren- 
ques os  dois  paizes  andavam  também  parallelos.  Mas,  a 
Suécia  era  muito  menos  rica  de  animaes  maritimos.  Em- 
quanto  a  Noruega  exportava  o  terço  da  sua  colheita,  na 
Suécia  pouco  sobejava  do  seu  consumo;  e  o  bacalhau, 
que  a  Noruega  pescava  nas  ilhas  de  Lofoden,  era  em  tanta 
abundância  que,  nos  bons  annos,  dava  quasi  o  dobro 
do  que  os  pescadores  francezes  tiravam  da  Terra  Nova. 

Os  pescadores  da  Noruega  atacavam  também  o 
esquallo  pelerm,  o  maior  peixe  que  habita  nos  mares 
da  Noruega,  tendo  quasi  12  a  15  metros  de  comprido, 
e  cujo  figado,  a  única  parte  procurada  por  elles,  dá 
7  hectolitros  de  azeite.  Mas  este  esquallo,  fugindo  aos 
pescadores,  quasi  que  tem  desapparecido  d'esses  mares. 

Os  navios  pertencentes  aos  armadores  de  Tronsbeg 
deixavam  também  o  golfo  de  Christiania,  para  irem 
aos  mares  boreaes  pescarem  a  phoca  e  a  baleia. 


Quanto  á  agricultura,  o  regimen  de  propriedade  era 
o  mesmo  de  que  já  falíamos,  tratando  da  Suécia.  Ainda 
em  1876,  perto  da  sétima  parte  do  solo  da  Noruega 
compunha-se   de   terras   de   communidade ;   e,  nos  dis- 


416  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


trictos  do  oeste,  entre  Lindernse  e  o  fjord  de  Trondhjem, 
a  media  d'estas  propriedades  occupava  as  três  decimas 
partes  d'essa  região,  não  obstante  desde  1827,  como  já 
dissemos,  se  ter  restringido  alguma  coisa  o  parcella- 
mento  das  terras. 

Alem  de  tudo  isto,  os  proprietários  da  Noruega 
conservavam  o  antigo  oldelsret,  ou  direito  allodial  de 
reentrar  na  posse  de  uma  propriedade  rural,  vendida 
por  elles,  pagando-a  pelo  preço  de  estimação,  e  não 
pelo  preço  d'essa  venda.  O  oldelsret  só  pertencia  ás 
familias  que  tivessem  gozado  da  propriedade,  ao  menos, 
por  vinte  annos,  e  perdiam  esse  direito,  quando  o  pré- 
dio tivesse  mudado  de  possuidor  por  três  annos. 

O  terreno,  como  já  dissemos,  era  geralmente  inapta- 
vel  á  agricultura. 

Não  entrando  em  conta  com  as  pequenas  parcellas 
situadas  nas  cidades,  servindo  apenas  para  a  cultura 
dos  legumes  e  flores,  em  volta  das  casas  de  habitação, 
os  dominios  cultiváveis,  propriamente  ditos,  eram  de 
150:000  hectares  na  Noruega;  e  na  Suécia,  eram,  como 
já  vimos,  de  300:000. 

Mas  os  Norueguezes  augmentaram  cada  vez  mais  o 
seu  fraco  território  agrícola  com  muitos  milhares  de 
hectares,  conquistados  aos  pântanos  e  fjords;  e,  apesar 
do  que  deixámos  dito,  em  todo  este  periodo,  a  agricul- 
tura constituiu  a  principal  industria,  occupando  as  três 
quartas  partes  da  população. 

Quanto  ás  outras  industrias,  nas  suas  linhas  geraes, 
correspondiam  ás  da  Suécia,  com  a  differença  que  o 
movimento  industrial  da  Noruega  era  menor,  porque  ella 
tinha  menos  ferro,  embora  recebesse  mais  facilmente  as 
hulhas  inglezas. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  417 


O  commercio  da  Noruega,  a  partir  de  1850,  adqui- 
riu um  rápido  incremento.  Outr'ora  estava  elle  depen- 
dente de  Hamburgo  e  Altona,  quanto  aos  productos 
manufacturados  e  géneros  coloniaes.  Desde  então, 
porém,  começou  ella  a  importar  directamente  os  géne- 
ros coloniaes  e  a  dirigir-se  á  Inglaterra  para  os  objectos 
que  não  podia  fabricar. 

A  revogação  do  acto  de  navegação,  a  parte  cada 
vez  mais  crescente  que  a  Noruega  tinha  tomado  no 
movimento  marítimo  entre  a  Inglaterra  e  os  Estados 
Unidos,  a  extensão  progressiva  das  suas  relações  com 
a  Rússia,  o  desinvolvimento  dos  capitães,  o  melhora- 
mento do  credito  do  paiz  e  a  liberdade  do  commercio, 
dada  por  uma  serie  de  leis,  em  1842  \  1857  e  1866, 
tinham  desinvolvido  as  faculdades  mercantis,  aberto  um 
desimbocadouro  á  industria  interior,  mesmo  á  domes- 
tica praticada  nos  campos,  e  dado  também  ao  principal 
instrumento  de  riqueza  nacional,  a  marinha,  uma  impor- 
tância crescente. 


1  Effectivamente,  o  commercio  até  1842  não  era  livre.  Nas 
cidades  commerciaes,  exig^ia-se,  para  ser  exercido,  um  exame  tam- 
bém commercial  e  a  obrigação  de  se  ter  estado  á  pratica  por  quatro 
annos  em  casa  de  um  negociante.  E,  nos  campos,  estava-se  sujeito  a 
uma  auctorisação  real.  N'essa  data  de  1842,  porém,  foi  decretada  a 
liberdade  commercial  nas  cidades,  a  não  ser  para  certos  funcciona- 
rios  e  para  certos  artistas  e  mulheres  solteiras  e  viuvas.  E  mesmo 
esta  excepção  acabou  em  1866. 

Volume  VI  27 


418  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Assim,  desde  1850  a  1870,  o  movimento  commer- 
cial  dobrou,  e  nos  annos  seguintes  teve  um  augmento 
médio  de  vinte  por  cento.  E  esse  movimento  commer- 
cial  era  muito  superior  ao  da  Suécia. 

Parallelamente  a  isso,  o  movimento  da  navegação, 
teve  também  um  augmento  prodigioso,  de  Inodo  que, 
guardadas  as  proporções,  este  paiz  era  dos  que  pos- 
suíam uma  frota  commercial  maior. 

A  importação  consistia,  principalmente,  em  cereaes, 
farinha,  géneros  agrícolas,  tecidos,  hulha,  matérias  míne- 
raes,  metaes  brutos  e  em  obra  e  objectos  fabricados. 
E  a  exportação  consistia,  sobretudo,  em  zinco,  pro- 
ductos  alimentares  animaes,  despojos  anímaes,  madeira 
em  bruto  e  em  obra,  gorduras,  óleos  e  alcatrão. 

Os  paizes  com  que,  principalmente,  se  fazia  o  com- 
mercio,  eram  a  Inglaterra,  Ailemanha,  Suécia  e  Dina- 
marca. E  todo  esse  commercio  effectuava-se,  também 
principalmente,  pelos  portos  de  Christiania,  Bergen, 
Dronthem,  Stavanger  e  Hammerfest. 


Quanto  aos  princípaes  centros  económicos,  a  pri- 
meira cidade  na  fronteira  meridional  era  Frederiksald. 
Occupa-se  principalmente  na  expedição  da  madeira 
levada  pelo  Tristedals-elv.  Acontecia  a  mesma  coisa 
com  as  cidades  Sarpsburgo  e  Moss. 

Quanto  a  Christiania,  hoje  chamada  Oslo,  a  bacia 
commercial  d'esta  capital  da  Noruega,  devia,  sobretudo, 
a  sua  importância  económica  á  fecundidade  das  terras 
que  a  cercam,  e  estarem  ellas  dispostas  em  forma  de 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  4] 9 


latadas,  de  modo  a  receberem  com  toda  a  força  os  raios 
solares.  Só  o  districto  de  Akhersus,  que  a  rodeia,  pro- 
duzia metade  dos  productos  agrícolas  do  reino,  e  esses 
productos  eram  todos  transportados  pelos  marinheiros 
de  Christiania. 

Alem  d'isso,  as  melhores  madeiras  da  Noruega  cres- 
ciam na  vertente  das  collinas  e  montanhas  que  olham 
para  o  fjord  d'essa  cidade,  e  era  também  lá  que  se 
encontravam    os   jazigos    de    mineral   mais    importantes. 

Christiania  estava  ligada  a  Stokolmo  por  uma  via 
natural,  que  passa  ao  norte  dos  grandes  lagos. 

Centro  de  industria  e  commercio,  era  enriquecida 
por  fiações,  construcções  maritimas  e  numerosas  distil- 
lações.  Pelo  valor  das  trocas,  constituía  o  mercado 
mais  animado  da  Noruega,  pelo  menos  na  importação ; 
porque,  na  exportação,  cedia  a  Bergen.  Serviços  de 
vapores  ligavam  Christiania  a  todas  as  cidades  do  litto- 
ral  scandinavo,  aos  grandes  portos  da  Europa  Occiden- 
tal, e  mesmo  a  New-York. 

Alem  d'isso,  um  serviço  de  caminhos  de  ferro,  que 
ia  junctar  Trondhjem  ao  norte,  Gefle  ao  nordeste,  Sto- 
kolmo a  este,  e  Gothenburgo  e  Malmõ,  ao  sul,  augmentou, 
de  anno  para  anno,  a  importância  de  Christiania,  quanto 
ao  seu  tráfico  mercantil.  A  sua  população,  que  era 
apenas  de  8:000  habitantes,  no  principio  do  século  XIX, 
mais  que  decuplicou  até  o  fim  do  mesmo  século,  augmen- 
tando,  assim,  mais  de  1:000  pessoas  por  anno. 

Todas  as  cidades  ao  sul  e  oeste  de  Christiania  eram 
também  centros  de  commercio,  exportando  para  o 
estrangeiro  madeira,  taboas  e  mineraes,  como,  por  exem- 
plo, Dramnen,  e  peixe  como  Stavanger.  As  velas  aper- 
tavam-se    á    entrada    dos    fjords;    os    navios   traçavam 


420  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


incessantemente  o  sulco  ao  long-o  das  margens;  e  a 
agua  estava  sempre  riscada  do  rastro  dos  vapores. 
Uma  espantosa  actividade  se  mostrava  em  todo  o  Ska- 
ger-Rack,  e,  alem  de  Liadenae  até  Stavanger.  Em  1876» 
as  frotas  commerciaes  dos  portos  norueguezes  de  Ska- 
ger-Rack  e  Stavanger  comprehendiam  mais  de  5:500 
unidades  com  1:270  toneladas,  servidos  por  mais  de 
46:000  homens  de  equipagem. 

Dramnen,  uma  das  grandes  cidades  da  Scandinavia, 
era  também  um  dos  portos  mais  activos  d'esta  região 
commerciante.  Possuia  mais  navios  que  a  própria  capital» 
embora  o  movimento  fosse  menor. 

A  industria  local  consistia,  sobretudo,  na  exportação 
de  madeira,  taboas  e  pranchas;  mas  os  negociantes  da 
cidade  tinham  sabido  aproveitar  as  riquezas  florestaes, 
para  as  expedirem,  sob  a  forma  de  moveis,  parquets  e 
ornamentos  diversos. 

Alem  d'isso,  Dramnen  era  o  porto  de  expedição 
para  a  cidade  mineira  de  Kongsberg  ou  Montanha  do 
Rei,  situada  ao  sudoeste  do  rio  Langen.  E,  embora  as 
respectivas  minas,  e  com  ellas  a  própria  cidade  de 
Kongsberg  estivessem  decaídas,  sempre  essa  expedição 
concorria  para  a  importância  de  Dramnen. 

Christiansand  era  uma  cidade  de  marinheiros  e 
calafates. 

Stavanger  era  uma  das  cidades  mais  commerciantes 
da   Noruega,  e  a  quarta,  pelo  numero  dos  habitantes. 

Bergen  excedia  muito  em  população  as  demais, 
alem  da  capital.  Foi  outr'ora  um  dos  mercados  mais 
frequentados  da  Hansa  ^. 


1     Vide  vol.  V,  pag.  320. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  421 


As  chuvas  muito  abundantes  afastavam  os  viajantes 
d'essa  cidade,  e  havia  sempre  muita  morfea,  devida  ao 
alimento  de  peixe  gordo,  nos  pescadores  do  httoral. 
Mas,  no  fim  do  século,  esse  mal  estava  muito  já  dimi- 
nuído, graças  ás  medidas  hygienicas  tomadas  pelo 
Governo. 

Trondhjem  era  muito  industrial,  e  em  volta  d'ella 
havia  também  muitas  cidades  industriaes,  que  aprovei- 
tavam a  força  motriz  da  agua.  Estão  n'essa  vizinhança 
as  cidades  mineiras  de  Rorõs  e  Tromsõ. 

Hammerfest,  Vardõ  e  Vadsõ  eram  estações  impor- 
tantes de  armamentos  marítimos,  d'onde  partiam  os 
navios  de  pesca  para  Spitzeberg  e  mares  polares. 


Quanto  ás  communicações,  já  mostrámos  em  que 
estado  estava  a  penuínsula  a  tal  respeito.  Só  temos 
a  acrescentar  que  a  cidade  de  Trondhjem  foi  esco- 
lhida como  ponto  termínus  da  linha  transversal  que 
une  a  Suécia  á  Noruega  atravez  dos  Alpes  scandi- 
navos. 

Bergen  e  Stavanger  estavam  mais  bem  situadas, 
para  servirem  de  gare  extrema  das  linhas,  conforme  a 
drenagem  das  regiões  ricas  da  península.  Estando  ellas 
mais  adiantadas  para  o  oeste,  poderiam  entreter  relações 
mais  fáceis  com  as  Ilhas  Britânicas  e  outros  paizes  de 
alem  mar.  Foi  preciso,  porém,  atravessar  os  montes 
Kjolen,    no    ponto    mais    estreito    e    mais   próximo    do 


422  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Atlântico;  porque,  se  tivesse  de  se  cortarem  os  montes 
mais  ao  sul,  as  difficuldades  seriam  muito  maiores;  e, 
alem  d'isso,  havia  todo  o  interesse  em  atravessar  as 
zonas  florestaes  do  norte  da  Suécia  e  dos  confins  meri- 
dionaes  da  Norlandia  \ 


1  Mareei  Dubois  et  Kergomard,  obr.  cit.  —  E.  Reclus,  obr.  cit., 
La  Scandinave  e  la  Russie.  —  Onesine  Reclus,  obr.  cit.  —  Conner, 
Commercial  Geography.  —  Richard  Cortambert,  obr.  cit.  —  Lannier, 
UEurope.  —  Bainier,  Cours  de  Géographie  Commercial,  LEurope. — 
A.  Geffroy,  Histoire  des  Etats  Scandinaves.  —  ^roc\\,  Le  royaume 
de  Norvège  et  Le  peuple  norvègien. 


CAPITULO  XIV 
A  Rússia 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Rússia  n'este  periodo.  —  Como 
a  Rússia  não  foi  tão  prejudicada  pelo  bloqueio  continental  e 
guerras  napoleónicas  conforme,  em  geral,  o  foram  os  outros  povos 
da  Europa.  —  Como  as  ideias  e  a  civilisação  da  revolução  fran- 
ceza  pouco  influíram  na  Rússia.  —  Como  ella,  depois  de  1915, 
tratou  de  utilisar  os  immensos  recursos  do  seu  solo,  e  como 
fez  progredir  o  seu  movimento  económico.  —  De  que  modo, 
após  a  guerra  da  Crimeia,  se  operou  uma  grande  transforma- 
ção económica  na  Rússia,  e  como  esta  procurou  na  Ásia  oriental 
os  mercados  que  não  pôde  obter  na  Europa.  — Como  também,  ao 
mesmo  tempo,  emprehendeu  importantes  reformas  económicas. 

—  Productos.  —  Agricultura,  mau  regimen  da  propriedade  e  mau 
aproveitamento  das  florestas.  —  Industria,  commercio  e  marinha. 

—  Centros  económicos  principaes.  —  Communicações. 

Quando  rebentou  a  revolução  franceza,  reinava  na 
Rússia  Paulo  I  (1796-1801),  principe  maníaco  e  bizarro, 
que  tudo  quiz  reformar,  e  tudo  perturbou. 

Sendo  primeiramente  adversário  d'essa  revolução, 
testemunhou  depois  a  Bonaparte  uma  affeição  e  uma 
admiração  sem  limites,  e  expulsou  Luiz  XVIII  de  Mil- 
tau.  Juntamente  com  a  Suécia,  Dinamarca  e  Prússia, 
renovou    contra   os   Inglezes  a  neutralidade   armada   % 


1     Adriano  Anthero —  O  Direito  Internacional,  cap.  X. 


424  A  HISTORIA    ECONÓMICA 


conhecida  por  Liga  dos  Neutros;  e  tinha  formado  com 
o  primeiro  cônsul  o  projecto  de  destruir  o  domínio 
inglez,  quando  foi  estrangulado  no  seu  leito  pelos 
nobres.  No  seu  reinado,  foi  a  Geórgia  cedida  á  Rússia. 

Seu  filho  Alexandre  1  (1801-1825)  seguiu  no  exte- 
rior uma  politica  nova.  Renunciou  á  Liga  dos  Neutros; 
reconciliou-se  com  Jorge  III  de  Inglaterra ;  e  entrou  em 
todas  as  coligações  contra  Napoleão.  Vencido  em  Aus- 
terlitz  (1805)  e  em  Eylau  e  Friedland  (1807),  fez  o  tra- 
tado de  Tilsit,  e  tornou-se  a  aliar  com  o  imperador. 

A  Finlândia  foi  o  preço  da  sua  cooperação  contra 
a  Suécia  (paz  de  Vienna  de  1809),  Foi-lhe  cedida  a  Bes- 
serrabia  pela  Turquia,  vencida  de  novo  (paz  de  Bukarest, 
de  1817).  A  guerra  da  Pérsia,  suscitada  pela  influencia 
franceza  (1806-1813),  trouxe  para  o  império  Chirvan, 
Karabagh  e  o  Talisch  (tratado  de  Goulistan). 

Os  tratados  de  1815  criaram,  na  maior  parte  dos 
antigos  territórios  polacos,  um  reino  da  Polónia,  dado 
ao  czar  e  dotado  de  uma  constituição  liberal,  que  foi 
governado  alguns  anos  por  um  vice-rei  e  por  uma  dieta. 
A'  influencia  de  Alexandre  II,  é  que  se  deveu  o  pacto 
mixto  da  Santa  Aliança,  a  qual  se  transformou  logo, 
sob  a  direcção  de  Metternich  e  da  Áustria,  n'uma  liga 
dos  soberanos  armados  contra  a  independência  dos 
povos  ^.  E  foi  também  no  governo  d'este  imperador 
que  a  Rússia  contribuiu  fortemente  para  a  influen- 
cia de  todos  os  congressos:  Aix-la-Chapelle  (1813), 
Carlsbad  e  Vienna  (1819),  Troppau  e  Laybach  (1820), 
Verona  (1822),  que  fizeram  a  politica  dos  reis  da  Eu- 


1     Vide  pag.  23. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  425 


ropa,  e  abafaram  numa  cega  repressão  as  reivindica- 
ções liberaes  e  os  movimentos  revolucionários. 

Internamente,  Alexandre  não  seguiu  uma  politica 
constante.  A  principio,  o  seu  reinado  foi  uma  época  de 
generosas  ideias  e  reformas  salutares :  taes  como  liber- 
dade de  circulação ;  adoçamento  da  censura ;  abolição 
da  chancelaria  secreta  e  da  inquisição  do  Estado;  pro- 
jectos da  emancipação  dos  servos  e  de  uma  constitui- 
ção politica  liberal ;  tolerância  para  os  Rascolniks  ^ ; 
substituição  dos  coUegios  de  Governo ;  organisação  da 
instrução  publica,  pela  divisão  do  império  em  seis  cir- 
culos  escolares,  etc:  planos  esses  generosos,  a  que  pre- 
sidiu o  ministro  Shevanski,  o  Twgot  moscovita.  Mas, 
com  essas  reformas,  o  ministro  concitou  contra  si  toda 
a  gente:  —  nobres,  proprietários,  funccionarios,  e  até  o 
povo,  que  se  queixava  do  peso  dos  impostos. 

A  nobreza  da  corte  accusou-o  de  traição,  e  conse- 
guiu perdel-o  aos  olhos  do  czar,  que  se  espantou  da 
grandeza  d'essas  reformas.  Por  isso,  foi  destituido  e 
banido. 

Uma  reacção  politica  e  universal  rebentou  depois 
sob  o  ministério  de  Araktcheef  —  o  instrumento  da  tyra- 
nia  de  Paulo  1,  o  inimigo  nato  de  todas  as  ideias  novas 
e  de  todo  o  pensamento  reformador,  e  o  apostolo  do 
poder  absoluto  e  da  obediência  passiva.  Alexandre, 
tornado   triste  e  desconfiado,  renunciou  ás  suas  ideias 


^  Os  Rascolniks  eram  dissidentes  russos,  que  consideravam 
como  contraria  á  verdadeira  fé  a  revisão  das  versões  da  Biblia  e 
reforma  da  lithurgia,  que  tiveram  por  auctor  o  patriarcha  Nilson, 
em  1654. 


426  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


liberaes;  e  a  opressão  do  gfoverno  provocou,  então,  a 
organisação  de  sociedades  secretas  em  Moscou,  S.  Pe- 
tersburgo,  Kief  e  Varsóvia.  Os  príncipes,  os  nobres,  os 
oficiaes,  os  soldados  e  a  plebe  adheriram  a  ellas,  e 
cobriram  todo  o  império  de  uma  rede  immensa,  que 
pôde  escapar  á  vig-ilancia  da  policia. 

O  segundo  irmão  de  Alexandre  II,  Nicolau  I,  que 
lhe  succedeu  (1825-1855),  inaugurou  o  seu  reinado  pela 
repressão  de  uma  conspiração  militar,  que  rebentou  na 
capital,  e  pela  guerra  contra  a  Pérsia  e  Turquia. 

A  Pérsia,  vencida  por  Paskievitch,  cedeu  as  provín- 
cias de  Erivan  e  de  Nakitchevan  (tratado  de  Tourk- 
mantchaí  de  1828);  e  a  Turquia,  depois  da  batalha  de 
Navarino,  abandonou,  pelo  tratado  de  Andrinopla,  o 
delta  danubiano  e  a  Geórgia  turca,  com  Anapa,  Poti 
e  Akhalkalaki. 

Para  assegurar  a  communicação  com  a  Ásia  meri- 
dional, pelas  duas  extremidades  do  Cáucaso  e  pelos 
cabos  intermediários,  Nicolau  devia  conquistal-o  em 
toda  a  sua  amplitude,  e  assim  o  tentou ;  mas  os  mon- 
tanhezes  Tcherkesses,  Abkases  e  Circassianos,  condu- 
zidos pelo  iman  Scharmyl,  que  fazia  ao  mesmo  tempo 
de  profeta  e  capitão,  e  pregava  ás  tribus  mussulma- 
nas  a  guerra  santa,  conservaram,  durante  25  annos, 
o  exercito  russo  em  cheque.  N'esta  guerra  de  surpre- 
zas  e  emboscadas,  e  no  meio  de  regiões  mal  conheci- 
das, os  Russos  tiveram  perdas  enormes.  Os  montanhe- 
zes  eram  sustentados  pelos  Inglezes,  que  lhes  forneciam 
armas  e  chefes. 

Do  lado  da  Pérsia,  a  influencia  moscovita  topou 
também  com  as  intrigas  e  armas  da  Inglaterra;  e  a 
Rússia   procurou,    então,  nas  steppes  do  mar  de  Arai, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  427 


sobre  o  território  de  Kiva,  um  outro  desimbocadouro 
para  a  índia.  E,  de  facto,  o  czar  de  Kiva,  depois  de 
uma  guerra  que  durou  muitos  annos,  foi  obrigado  a 
reconhecer  a  suzerania  dos  Russos,  em  1854. 

Na  Europa,  o  czar  foi,  durante  30  annos,  o  repre- 
sentante do  absolutismo  e  o  adversário  encarniçado  de 
todas  as  ideias  liberaes.  Tirou  aos  Polacos  os  seus  pri- 
vilégios, e  provocou  uma  insurreição  formidável,  que 
foi  abafada  com  sangue  (1831)  \  Testemunhou  ao  Go- 
verno de  Julho,  nascido  da  revolução  de  1830,  e  á 
França,  onde  os  Polacos  proscritos  achavam  uma  hos- 
pitalidade generosa,  uma  hostilidade  continua;  e  tratou 
mesmo  de  a  indispor  com  a  Europa.  Salvou  a  Áustria 
da  revolução  magiar,  em  1848,  e  poz  a  Hungria  aos 
pés  de  Francisco  José. 

Depois,  magoado  por  vêr  a  influencia  russa  suplan- 
tada no  Oriente  pela  da  França  no  protectorado  dos 
Logares  Santos,  e  isto  de  harmonia  com  a  Turquia, 
rompeu  com  Constantinopla,  e  preparou-se  para  liqui- 
dar em  seu  proveito  o  império  turco,  d'onde  resultou 
a  guerra  da  Crimeia. 

N'essa  guerra,  as  armadas  e  exércitos  francezes  e  in- 
glezes,  vindo  em  auxilio  da  Turquia,  venceram  os  Russos 
no  Báltico  e  Mar  Negro.  Sebastepol,  depois  de  uma  sabia 
e  heróica  defeza,  succumbiu  (3  de  setembro  de  1855). 
O  imperador  Nicolau  tinha  já  falecido  seis  mezes  antes, 
desanimado  pelos  revezes,  e  detestado  pelo  seu  povo. 


1  Fez  época  no  tempo  d'este  imperador  a  caça  violenta  aos 
Polacos,  aos  Judeus  e  aos  Catholicos  Romanos.  A  historia  impõe-lhe 
a  responsabilidade  de  200:000  victimas. 


428  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


Seu  filho  Alexandre  11  (1855-1881)  resignou-se  a 
acceitar  o  tratado  de  1856,  que  tirava  á  Rússia  asboc- 
cas  do  Danúbio,  a  Besserrabia  e  o  protectorado  exclu- 
sivo dos  Principados  Danubianos  e  dos  Christãos  do 
Oriente,  e  neutralisava  o  Mar  Negro,  e  o  fechava  aos 
navios  de  guerra  de  todas  as  nações.  Assim,  a  politica 
imprudente  de  Nicolau  tinha  prejudicado  a  obra  de 
dois  séculos  de  esforços  feUzes. 

Durante  14  annos,  a  Rússia  recolheu-se.  O  novo 
czar  fez-se  reformador.  Um  ar  de  liberalismo  passou, 
então,  no  paiz;  e  a  opinião  publica  levantou-se,  e  fez 
ouvir  uma  voz,  quasi  inteiramente  livre. 

As  mais  celebres  reformas  interiores  foram  a  aboli- 
ção da  servidão,  a  emancipação  dos  trabalhadores, 
decretada  por  um  ukase  de  1861,  que  os  libertava  da 
auctoridade  senhorial,  e  organisava  as  communas  (mirs); 
o  estabelecimento  do  jury  e  da  instrucção  judiciaria  em 
matéria  criminal;  os  tribunaes  de  appellação;  a  abolição 
dos  castigos  corporaes;  o  adoçamento  da  censura,  etc. 

Mas  o  czar  recusou  conceder  uma  constituição  á 
Polónia,  e,  por  isso,  houve  lá  novas  insurreições,  que 
foram  novamente  reprimidas.  De  modo  que  os  últimos 
restos  da  autonomia  polaca  foram  aniquilados;  o  paiz 
perdeu  as  suas  instituições  e  a  sua  lingua;  e  foi  desna- 
cionaHsado. 

Nos  annos  seguintes,  a  Rússia  sofreu  uma  transfor- 
mação rápida.  Construiu  caminhos  de  ferro  e  telégrafos; 
fundou  fabricas,  fiações  e  canteiros;  melhorou  a  agricul- 
tura; desinvolveu  o  commercio;  abriu  numerosas  escolas 
de  toda  a  ordem;  reformou  o  exercito,  etc. 

Em  1870,  o  governo  russo  mostrou-se  dedicado  á 
alliança    prussiana;    e    isolando    por    sua   diplomacia    a 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  429 


França  da  Europa,  obteve  por  esta  attitude,  tão  bené- 
vola para  a  Prússia  e  tão  funesta  para  os  Francezes,  a 
revisão  do  artigo  do  tratado  de  Paris,  que  limitava  as 
suas  forças  no  Mar  Negro.  Depois,  acabou  a  conquista 
no  Cáucaso;  proseguiu  nas  suas  expedições  armadas  no 
Turkestan;  annexou  Samarcanda  e  Khokand;  e  fez  de 
Bukhara  e  de  Kiva  paizes  vassallos  (1875). 

Na  outra  extremidade  da  Ásia,  o  general  Muravief 
tinha  assignado  em  1858,  com  a  corte  de  Pekin,  o  tra- 
tado de  Aigun,  que  cedia  á  Rússia  a  margem  direita 
do  rio  Amur,  e  o  littoral  maritimo;  e  o  Japão  abando- 
nou-lhe  também  a  ilha  de  Saghalien. 

Em  1877,  o  czar  interveiu  na  peninsula  dos  Balkans 
em  favor  das  populações  christãs,  revoltadas  contra  os 
Turcos,  e  o  sultão,  vencido,  assignou  o  tratado  de  San- 
Stefano,  e  mais  tarde  o  de  Berlim  (1878),  pelo  qual  a 
Rússia  recuperava  na  Europa  a  Besserrabia,  perdida  em 
1856,  e  adquiria  na  Ásia  os  territórios  de  Batum,  Ar- 
daham  e  de  Kars. 

Mas  as  reformas  realisadas  no  interior  não  tinham 
socegado  a  agitação  russa.  As  Universidades  eram  fo- 
cos de  reivindicações  politicas  e  sociaes.  Para  escapar 
á  vigilância  da  policia,  formaram-se  muitas  sociedades 
secretas;  e  a  seita  dos  nihilistas  organisou  na  sombra 
as  suas  conspirações.  E  a  13  de  maio  de  1881,  Alexan- 
dre n  caiu  debaixo  das  bombas  nihilistas,  em  S.  Peters- 
burgo. 

Sob  o  seu  filho  Alexandre  111  (1881-1894),  produ- 
ziu-se  uma  reacção  contra  a  introducção  das  instituições, 
costumes  e  modas  do  Occidente.  Os  Russos  trataram  de 
se  bastar  a  si  próprios;  e  o  partido  slavo  e  velho  russo 
tornou-se  o  mais  acreditado.  Em  todo  o  caso,  a  obra  da 


430  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


emancipação  dos  servos  foi  completada  por  uma  outra 
de  1887,  que  supprimiu  o  imposto  de  capitação,  a  par- 
tir de  um  de  junho  de  1887,  e  estabeleceu  a  egualdade 
dos  súbditos  russos  perante  o  fisco. 

A  politica  de  conquista  continuou  os  seus  progres- 
sos na  Ásia  occidental;  e  as  tropas  do  czar  occuparam 
Mery  (1885). 

Reinou  depois,  sem  accidentes  extraordinários,  Ni- 
colau II. 


A  Rússia  até  1815  soffreu  também  a  influencia 
nefasta  das  luctas  assombrosas  da  Republica  e  de 
Napoleão,  embora  em  menor  grau  que  a  maior  parte 
dos  paizes  da  Europa,  visto  que  estava  mais  longe  do 
theatro  da  guerra,  e  que  a  grandeza  do  seu  território-  e 
população  attenuavam  essa  influencia.  E,  alem  d'isso,  o 
seu  isolamento  económico  e  politico,  em  relação  áquel- 
les  outros  paizes,  tornavam  menos  sentido  o  embate 
social. 

Mesmo  a  invasão  do  paiz  por  Napoleão,  e  a  guerra 
tremenda  que  a  Rússia  soffreu  durante  essa  invasão,  não 
a  abalaram  tão  profundamente  como  ás  outras  nações, 
porque,  afinal,  a  grandeza  dos  seus  recursos  reparou 
mais  brevemente  as  ruinas. 

Mas,  por  outro  lado,  o  alargamento  da  civilisação  e 
a  transfusão  das  ideias  liberaes  e  sociaes  que  aquellas 
revoluções  produziam  em  quasi  todos  os  outros  Esta- 
dos, também  não  influíram  na  Rússia,  como  influíram 
no  geral  na  Europa. 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  431 


E'  que  os  Russos,  ainda  nos  primeiros  annos  do 
século  XIX,  tinham  uma  existência  primitiva.  O  pro- 
gresso mal  havia  penetrado  n'elles.  A  maior  parte 
vivia  do  seu  trabalho.  A  producção  agrícola  bastava  á 
sua  alimentação;  e  a  industria  era  constituída  apenas 
pela  fabricação  de  objectos  grosseiros,  destinados  ao 
consumo  local,  ou  a  serem  vendidos  nos  mercados 
interiores.  A  importação  intervinha  apenas  para  supprir 
alguns  productos  que  a  Rússia  não  podia  fabricar. 

Depois  de  1815,  porém,  o  governo  tratou  de  utili- 
sar  os  immensos  recursos  que  o  paiz  fornecia,  para 
favorecer  industrias  novas,  e  de  cohibir  por  tarifas, 
também  novas,  a  importação  dos  productos  dispen- 
sáveis. 

Em  1878,  o  numero  das  fábricas  tinha  crescido, 
de  modo  que  se  contavam  600  em  todo  o  império, 
empregando  300:000  operários ;  e  a  importação  dos 
artigos  manufacturados  já  se  achava  reduzida  a  uma 
quinta  parte  do  que  fora  em  1815. 

A  qualidade  dos  productos  é  que  se  conservava 
estacionaria. 

Depois  de  1828,  o  Governo  fundou  escolas  de  artes 
e  officios,  e  forneceu-lhes  materiaes;  de  modo  que, 
favoreceu  assim  o  desinvolvimento  da  produção  indus- 
trial. E,  já  em  1840,  as  manufacturas  tinham  entrado 
n'uma  via  de  progresso,  muito  apreciável,  apesar  da 
pequena  tendência  que  os  fabricantes  tinham  para 
melhorar  os  seus  instrumentos,  e  do  pequeno  cuidado 
e  fraca  pericia  do  pessoal  trabalhador. 

Já  se  constatava,  então,  a  existência  de  muitos  esta- 
belecimentos prósperos,  como  fabricas  de  vidro  e  por- 
celana,   em    S.   Petersburgo,   de   ferro    trabalhado,   em 


432  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


Tuia,  de  roupa  de  mesa,  em  Jaroslaw,  e  de  marroquim, 
em  Torgok.  O  marfim  era  trabalhado  em  Arkangel, 
com  muita  perfeição.  A  fiação  de  tecidos  estava  em 
grande  adiantamento.  A  curtimenta  conservava  a  sua 
antiga  reputação.  E,  nas  costas  do  mar,  havia  muitos 
estabelecimentos,  onde  se  preparava  com  successo  a 
coUa  do  peixe  e  o  caviar. 

Faltavam,  porém,  os  capitães.  Os  proprietários,  mal 
habituados  a  ver  os  proveitos  da  industria,  não  acudiam 
com  o  seu  dinheiro  a  qualquer  exploração  industrial, 
e  nem  mesmo  á  própria  agricultura.  E  o  Estado,  endi- 
vidado desde  a  guerra  napoleonica,  também  não  tinha 
recursos  para  isso ;  porque  os  recursos  interiores  mal 
chegavam  para  as  despesas  publicas,  e,  muito  menos, 
para  pagar  á  Hollanda  os  juros  do  capital  que  se  lhe 
devia. 

Depois  da  guerra  da  Crimeia,  operou-se  no  paiz 
uma  transformação  considerável.  O  tratado  de  Paris, 
que  prohibiu  á  Rússia  o  accesso  do  Bosphoro,  e  a 
encerrou  nos  estreitos  limites  do  mar  Negro,  tirou-lhe 
toda  a  esperança  de  criar  uma  via  commercial  no  Medi- 
terrâneo, e  por  meio  d'este  mar,  no  Oceano  Atlântico 
e  no  Oceano  Indico ;  mas  inspirou-lhe  a  ideia  de  diri- 
gir as  suas  vistas  para  a  Ásia  Oriental,  e  criar  n'essa 
parte  do  mundo  os  mercados  que  não  podia  obter  na 
Europa.  E,  d'este  modo,  o  império  russo  obedeceu  ás 
suas  tradicções  e  destinos;  porque,  já  desde  Pedro 
Grande,  todos  os  seus  successores  tinham  comprehen- 
dido  que  a  Rússia  precisava  para  o  seu  commercio 
os  desimbocadouros  que  somente  o  mar  lhe  podia  dar, 
e  que  a  posse  dos  portos  russos  sobre  o  Grande 
Oceano  era  uma  questão  de  vida  ou  de  morte. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  433 


Ao  mesmo  tempo,  a  Rússia  emprehendia  importan- 
tes reformas  na  agricultura,  industria  e  commercio, 
como  em  parte  já  fizemos  ver. 

E,  com  effeito,  em  1857,  o  imperador  Alexandre  II, 
correspondendo  ao  desejo  do  povo,  aboliu  a  servidão, 
abolição  essa  que  elle  ainda  tornou  mais  completa,  em 
1861,  1863  e  1876. 

Os  servos  da  gleba  foram  emancipados  e  conside- 
rados possuidores  duma  parte  das  terras  que  elles  cul- 
tivavam. Os  lavradores  dos  bens  da  coroa,  que  goza- 
vam d'uma  liberdade,  relativamente  maior  que  os  lavra- 
dores dos  proprietários  particulares,  receberam  lotes 
que  tinham  de  pagar  por  um  accrescimo  de  impostos, 
repartidos  n'um  certo  numero  de  annos.  E,  quanto  aos 
servos  dos  particulares,  que  não  passavam  de  escravos, 
a  lei  obrigou-os  a  pagar  directamente  ao  proprietário 
uma  quinta  parte  do  preço  dos  seus  lotes;  e,  se  não 
pudessem  libertar-se  imediatamente,  as  quatro  quintas 
partes  da  divida  restante  eram  pagas  pelo  Estado,  o 
qual  as  retomava,  por  sua  vez,  exigindo  ao  lavrador, 
durante  49  annos,  um  juro  de  6  por  cento  sobre  a 
somma  adiantada. 

Havia,  então,  na  Rússia,  23.000:000  de  servos,  sendo 
quasi  12.000:000  do  sexo  masculino;  mas,  já  no  1.°  de 
Janeiro  de  1879,  o  numero  das  familias  de  servos  que 
tinham .  assignado  os  seus  contractos  definitivos,  era 
de  8.370:000,  representando  quasi  20.000:000  de  indi- 
viduos.  Ainda  assim,  a  maior  parte  da  propriedade 
ficou  nas  mãos  do  Estado,  ou  das  communas,  ou  dos 
nobres. 

O  trabalho  da  Rússia,  não  só  na  agricultura,  mas 
também  na  industria  e  commercio,  fazia-se  pelas  formas 

Volume  VI  28 


434  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


antigas,  em  que  se  encontrava  a  influencia  também  das 
antigas  communidades.  Mas  foi,  sobretudo,  na  cultura 
do  solo,  onde  se  manteve  o  grupo  communal.  Este 
grupo  chamava-se  o  mir  na  Grande  Rússia,  kromada 
na  Pequena  Rússia;  e  ainda  havia  sob  outros  nomes 
uma  organisação  análoga  em  diferentes  provincias.  Con- 
sistia ella  em  o  território  estar  dividido  em  communi- 
dades, e  cada  uma  d'estas  ser  cultivada  por  muitas 
familias  em  commum,  sendo  os  productos  repartidos 
por  ellas  em  proporção  dos  seus  membros. 

Apezar  da  emancipação  dos  servos,  o  mir  foi  man- 
tido geralmente;  mas  foi-se  transformando,  pouco  e 
pouco,   para   ir  dando  logar   á  propriedade  particular. 

Essa  emancipação,  como  é  natural,  causou  a  principio 
uma  certa  perturbação  entre  os  proprietários;  porque 
muitos  delles  viviam  só  do  trabalho  dos  servos,  e  os 
instrumentos  agricolas  estavam  ainda  muito  pouco 
desenvolvidos,  de  modo  que  não  podia  dispensar-se 
um  grande  numero  de  trabalhadores.  Mas,  afinal,  veiu 
ella  a  dar  um  grande  impulso  ao  commercio  da  Rússia-, 
incitando,  pela  liberdade  dos  trabalhadores,  maior  esti- 
mulo e  interesse  pelo  trabalho  e  mais  activa  rivalidade 
e  competência  em  toda  a  serie  de  esforços. 

Portanto,  o  periodo  que  decorreu  depois  d'isso  até 
1871,  foi  um  dos  mais  prósperos  e  fecundos  da  Rússia. 
A'  iniciativa  do  povo  junctou-se,  então,  a  do  Governo 
que,  dispondo  d'uma  larga  paz,  empregou  os  seus 
esforços  para  abrir  para  o  nordeste  as^  communicações 
que  não  podia  abrir  para  o  oeste  e  sul. 

Assim,  primeiramente,  senhora  da  Sibéria,  adian- 
tou-se  methodicamente  para  a  China.  Desde  1855  a 
1858,    tirou    a    esta   potencia    a   margem   esquerda    do 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  435 

Amur;  depois  o  littoral  do  Pacifico  até  ás  fronteiras 
da  Coreia;  e,  pela  posse  de  Vladivostock,  tornou-se 
dominadora  do  Oriente. 

Em  seguida,  por  uma  serie  de  expedições  feitas  até 
1885,  apoderou-se  da  grande  planicie  de  Turkestan,  até 
próximo  dos  platós  occupados  pela  Pérsia  e  pelo 
Afghanistan;  e  approximou-se  das  regiões  florestaes  da 
índia,  levantando  com  isto  o  ciúme  de  Inglaterra,  e 
abrindo  uma  serie  de  conflictos,  rivalidades  de  influen- 
cia e  hostilidades  occultas  com  esta  nação. 

Por  toda  a  parte  onde  a  sua  denominação  se  esta- 
belecia, a  Rússia  atraía  a  amizade  das  raças  indíge- 
nas, pelo  respeito  das  suas  tradições  e  costumes,  pela 
animação  das  industrias  locaes  e  pelo  melhoramento 
dos  seus  organismos  económicos ;  e,  ao  mesmo  tempo, 
approximava-as  da  metrópole,  por  meio  de  vias  de 
penetração,  estradas,  caminhos  de  ferro  e  estações 
coloniaes.  E,  apar  d'isso,  dentro  do  paiz,  o  movimento 
económico  prosperou  também  muito  até  ao  fim  do  século. 


Já  no  volume  V,  alem  doutros  factores  económi- 
cos, examinamos  o  aspecto,  situação,  clima  e  natureza 
do  solo  da  Rússia,  na  edade  moderna.  Nada  temos  a 
acrescentar  agora  n'essa  parte ;  porque  as  condições 
naturaes,  como  é  evidente,  permaneceram  as  mesmas. 
Também  a  qualidade  dos  productos  na  edade  contem- 
porânea foi  a  mesma,  com  pequenas  modificações,  e, 
regra  geral,  só  variou  a  quantidade  e  o  desinvolvimento 
das  respectivas  industrias. 


436  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


No  meiado  do  século  XIX,  havia  já  grande  explora- 
ção de  mineraes.  Eram  quatro  as  principaes  bacias 
hulheiras. 

A  de  Donetz  era  a  mais  vasta,  e  remontava  a  1840; 
mas,  só  em  1870,  é  que  a  exploração  começou  a  ser 
feita  com  methodo;  e  o  verdadeiro  desinvolvimento 
dos  carvões  d'esta  região  apenas  principiou  em  1875. 
No  fim  do  século,  contavam-se  n'essa  bacia  192  minas; 
mas  desgraçadamente  ella  estava  muito  afastada  dos 
centros  metallurgicos. 

As  outras  bacias,  também  muito  abundantes,  porém 
muito  menos  exploradas,  eram  as  de  Moscou,  Polónia 
e  Ural. 

Comtudo,  apesar  d'essa  abundância,  pela  dificul- 
dade dos  transportes  e  imperfeição  dos  processos  da 
extracção,  as  hulhas  inglezas  chegavam  mais  baratas 
aos  mercados  russos. 

Havia  também  já  descoberta' uma  grande  abundân- 
cia de  turfa. 

Havia  egualmente  muito  ferro  nas  regiões  lacustres 
do  nordoeste,  especialmente  da  Finlândia,  que  fornecia 
excelente  mineral  magnético;  mas  o  imperador  reser- 
vava para  si  a  propriedade  das  minas  de  ferro  da 
Europa,  o  que  prejudicava  a  descoberta  e  exploração. 
Ainda  assim,  em  1897,  só  a  Rússia  europeia  forneceu 
3.900:000  toneladas. 

O  cobre  abundava,  de  forma  que  a  Rússia,  apesar 
de  empregar  esse  metal  muito  mais  que  os  outros  pai- 
zes  da  Europa,  ainda  o  exportava. 

Em  oiro,  em  1897,  o  rendimento  foi  de  perto  de 
40:000  kilogrammas;  e,  quanto  á  platina,  o  império  não 
tinha  rival  no  mundo. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  437 


No  Ural,  no  Cáucaso  e  na  Sibéria,  havia  também 
muitos  diamantes  e  pedras  preciosas. 

A  naphta  era  muito  abundante,  e  já  os  productos 
russos  luctavam  nos  mercados  da  Europa  contra  os 
productos  similares  da  America.  O  principal  centro  era 
na  península  de  Apecheron,  mas,  entre  o  mar  Caspio  e 
o  mar  Negro,  desinvolvia-se  uma  vasta  camada,  que 
passava  por  baixo  d'esses  mares.  E,  alem  do  districto 
de  Baku,  as  provincias  de  Tiflis,  de  Taman  e  Kertsh 
eram  ricas  em  petróleo.  Porisso,  a  Rússia  se  esmerava 
em  applicar  de  cada  vez  mais  esse  producto  ao  aqueci- 
mento das  maquinas  fixas  e  moveis,  locomotivas  e  á 
marinha. 

O  sal,  que  os  camponezes  russos  gastavam,  n'uma 
quantidade  considerável  para  as  conservas  e  para  o 
consumo  ordinário,  porque,  ás  vezes,  só  comiam  um 
pedaço  de  pão  com  sal,  produzia-se  de  muitas  formas 
^sal  gema,  que  provinha  dos  pântanos  salgados  e  das 
fontes  salinas,  sal  das  marinhas  do  mar,  e  sal  das  fa- 
bricas. 

Finalmente,  havia  grande  quantidade  de  mármores, 
porfidos,  ardósia  e  argilla  plástica,  de  que  se  fabrica- 
vam os  tijolos,  e  muito  âmbar  no  Báltico.  Na  Crimeia, 
colhia-se  espuma  do  mar  para  a  fabricação  dos  ca- 
chimbos. 

A  Finlândia  era,  como  já  dissemos,  um  paiz  rico  em 
ferro,  e  também  n'outros  jazigos  mineraes,  como  oiro, 
prata,  zinco  e  cobre.  Mas  faltavam-lhe  estradas;  o  rigor 
do  clima  não  permittia  a  exploração  d'estas  riquezas;  e 
as  pedreiras  de  mármore,  porfido  e  granito  só  eram 
exploradas  onde  as  rochas  abatidas  podiam  ser  carre- 
gadas immediatamente  sobre  os  navios. 


438  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


A  agricultura,  sobretudo,  desde  aquella  época  de 
1856,  desinvolveu-se  notavelmente;  e  algumas  regiões 
do  império  deveram-lhe  uma  transformação  completa  e 
um  rápido  augmento  de  valor. 

A  zona  de  terra  negra,  cuja  verdadeira  exploração 
data  do  principio  do  século  XIX,  era  d'uma  fertilidade 
assombrosa,  e  não  tinha,  como  ainda  não  tem,  necessi- 
dade de  estrume.  Era  também,  como  ainda  é,  um  dos 
grandes  armazéns  de  trigo  do  mundo.  A  sua  producção 
alimentava  a  densa  população  d'essa  região,  bem  como 
a  região  industrial,  que  produzia  poucos  cereaes,  e 
ainda  a  região  do  norte,  que  não  produzia  nenhum; 
e,  alem  d'isso,  dava  um  grande  contingente  para  a 
exportação.  Cultivava-se  egualmente  muito  trigo  na 
Crimeia. 

Em  todo  o  caso,  alem  das  perturbações  bruscas  do 
clima,  este  cereal  soffria  muito  do  emprego  dos  metho- 
dos  primitivos  e  defeituosos.  Emquanto  que  na  Ingla- 
terra se  obtinha  dezeseis  vezes  a  semente,  na  Rússia  o 
termo  médio  era  só  de  quatro  vezes.  Porisso,  a  explo- 
ração diminuiu  bastantemente,  depois  que  a  índia  e  os 
Estados-Unidos  aperfeiçoaram  os  methodos  de  cultura 
e  os  processos  de  concorrência;  mas,  ainda  assim,  abso- 
lutamente fallando,  a  abundância  era  muito  grande.  A 
maravilhosa  fertilidade  da  terra  e  o  clima,  que,  em  al- 
gumas semanas  de  um  sol  ardente,  faz  amadurecer  os 
grãos,  e  a  modicidade  dos  preços,  garantiam  á  Rússia, 
quando    não    fosse    a    faculdade   de   triunfar   d'aquelles 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  439 


paizes,  ao  menos,  a  de  luctar  com  armas  eguaes.  Só 
precisava  para  isso  de  melhorar  as  communicações  e 
os  processos  de  cultura.  E,  n'este  sentido,  e  com  grande 
incitamento  patriótico,  já  nos  últimos  tempos  do  sé- 
culo XIX,  ella  ganhara  o  perdido. 

O  centeio  cultivava-se  por  toda  a  parte,  e,  sobre- 
tudo, na  Polónia,  onde  a  cultura  era  mais  extensa.  E  a 
maior  resistência  d'este  cereal  ás  intempéries,  fazia  até 
que  a  sua  cultura  fosse  substituindo,  em  muitos  logares, 
a  do  trigo.  Demais  a  mais,  fornecia  a  parte  principal 
do  alimento  do  povo,  e  fazia-se  também  d'elle  aguar- 
dente e  uma  bebida  nacional,  chamada  quass;  de  modo 
que,  nos  últimos  vinte  annos,  a  sua  cultura  augmentou 
consideravelmente. 

A  aveia,  que  é  o  cereal  dos  paizes  pobres,  cultiva- 
va-se muito  ao  norte. 

O  milho  era  uma  das  grandes  riquezas  da  Besserrabia. 

A  Crimeia,  cujo  encanto  e  fertilidade  era  já  louvada 
pelos  antigos,  tinha  attraido,  depois  de  1856,  numero- 
sos capitães.  Nas  inclinações  doces  d'esta  península, 
regada  com  numerosos  cursos  de  agua,  havia  muitos 
cereaes;  e  a  qualidade  do  solo,  favorável  á  vinha,  per- 
mittiu  que  os  Russos  destinassem  vastas  extensões  á 
cultura  d'ella. 

Assim,  na  costa  do  sul  propagava-se  a  videira.  Esta 
cultura  provinha  de  muito  longe.  Já  os  Genovezes  e 
depois  os  Tártaros  a  desinvolveram.  E,  em  1855,  acha- 
va-se  ella  espalhada  nas  propriedades  de  muitos  gran- 
des senhores  russos,  que  tinham  feito  vir  um  grande 
numero  de  cepas  de  França,  Hespanha  e  Allemanha; 
de  modo  que  se  avaliava,  então,  em  5.000:000  o  numero 
de  cepas  plantadas  n'esta  região. 


440  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  imperador  Alexandre  I  criou  em  Margaratech  e 
Nikila  escolas  de  viticultura  e  ©enologia,  que  prestaram 
grandes  serviços.  Os  productos,  a  principio  mediocres, 
tomaram  depois  logar  no  commercio  estrangeiro,  e  de 
modo  que,  n'alguns  annos,  se  exportavam  duas  terças 
partes  da  producção,  e  n'uma  cifra  importante ;  havendo, 
já  desde  o  meiado  do  século,  edições  contrafeitas  dos 
melhores  vinhos  estrangeiros,  como  do  Lunel,  Riverates, 
Lacrima  Christi  e  Madeira,  as  quaes  não  ficavam  a  de- 
ver nada  aos  originaes.  Mas,  coisa  notável,  assim  mesmo, 
os  vinhos  fabricados  na  Crimeia  não  tinham  reputação 
em  S.  Petersburgo  e  Moscou ! 

A  Caucasia  produzia  também  muito  vinho;  mas  este 
foi  sempre  medíocre,  porque  os  vinhateiros  não  sabiam 
fabrical-o. 

A  batata  representava  um  papel  importante  na  ali- 
mentação do  povo  russo,  e  era  também  applicada  á 
distillação.  Porisso,  teve  ella  um  progresso  constante  \ 

Quanto  a  fructas,  a  sua  producção  era  contrariada, 
geralmente,  pelas  bruscas  mudanças  de  temperatura 
e  pela  volta  do  gelo ;  mas,  ainda  assim,  nas  regiões 
meridionaes  e  na  Transcaucasia,  havia  muitas  arvores 
fructiferas. 

Nas  plantas  industriaes,  deve  destacar-se,  em  pri- 
meiro logar,  a  beterraba,  que  fez  uma  verdadeira  re- 
volução económica  na  Rússia,  no  ultimo  quartel  do 
século  XIX,  modificando  o  solo  pelo  estrume,  mudando 
os  hábitos  e  antigos  processos  e  instrumentos  de  tra- 


1     Sobre    os   productos    na    edade    moderna   veja-se    o    vol.  V, 
pag.  460  e  segTiintes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  44I 


balho  e  cultura,  e  até  os  próprios  costumes,  transfor- 
mando a  criação  do  gado,  e  estimulando  a  extracção 
do  combustivel  mineral. 

E'  que  a  beterraba  industrial  precisa  d'uma  cultura 
intelligente;  e,  alem  da  extracção  do  assucar,  dá  logar 
a  differentes  residuos  que  são  muito  convenientes  para 
a  engorda  do  gado  e  para  differentes  industrias  ^,  cujo 
aproveitamento  é  muito  rendoso. 

Foi  assim  que  a  ambição  do  respectivo  lucro  trouxe 
o  amor  do  trabalho  e  da  industria,  e,  com  elle,  todas 
as  modificações  do  antigo  estado  social  de  que  acima 
falíamos. 

Demais  a  mais,  foi  preciso  abrir  communicações 
para  levar  a  hulha  ás  fabricas  e  exportar  o  assucar. 
A  cultura  cada  vez  se  foi  alargando  e  tomando  novos 
espaços;  e,  para  os  cultivar  com  proveito,  houve  neces- 
sidade de  procurar  as  maquinas  agricolas  mais  aperfei- 
çoadas. Com  tudo  isto,  surgiu  subitamente  a  cultura 
intensiva,  tão  atrasada  antes  d'isso ;  e  subitamente  a 
terra  augmentou  de  valor. 

Também,  porisso  mesmo,  no  ultimo  quartel  do 
século  XIX,  a  invasão  da  beterraba  foi-se  estendendo 
cada  vez  mais  pelas  terras  negras.  O  centro  principal 
d'essa  producção  era  Karkof,  e,  depois,  Kief;  e  Podolia 
e  Volkynia  é  que  possuiam  maiores  campos  de  beter- 
raba. Encontravam-se  ahi  plantações  de  1:000  a  2:000 
hectares. 

Havia  muito  linho  e  cânhamo.  A  Rússia  era,  como 
a  HoUanda,  o  Único  paiz  da  Europa  que  tinha  linho  em 


1     Vide  capitulo  III,  pag.  127. 


442  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


quantidade  superior  para  exportar;  e  a  sua  concorrên- 
cia foi  fazendo  que  a  França,  Inglaterra  e  Allemanha 
renunciassem,  pouco  a  pouco,  á  cultura  d'esta  planta. 
Em  todo  o  caso,  o  linho  russo  era  g-eralmente  de  qua- 
lidade mediocre. 

Cultivava-se  o  tabaco  em  bastante  quantidade;  mas, 
ainda  assim,  era  preciso  cobrir  o  consumo  por  grande 
importação  do  estrangeiro;  e  a  qualidade  e  valores  dos 
tabacos  nacionaes  deixavam  muito  a  desejar. 

Havia  também  muito  lúpulo. 

A  Transcaucasia  offerecia  excellentes  condições  para 
a  cultura  do  algodão,  nas  partes  baixas  do  littoral  e 
dos  vales.  Eram  também  muito  numerosas  ahi  as  amo- 
reiras ;  e  os  girasoes  de  Saratov  davam  um  óleo 
precioso. 

A  Rússia  era  verdadeiramente  rica  de  productos  flo- 
restaes.  Havia  no  norte  verdadeiras  florestas  virgens. 
Mas,  para  tentar  a  exploração,  faltavam  as  estradas  e 
as  vias  férreas;  e  não  havia  os  maravilhosos  fjords  da 
Noruega,  nos  quaes  se  faz  fluctuar  a  lenha  e  madeira 
até  ao  ponto  de  embarque;  nem  havia  torrentes  onde 
ella  podesse  também  fluctuar  até  o  seu  destino.  E, 
demais  a  mais,  o  periodo  da  congelação  das  aguas  e  a 
falta  da  articulação  das  costas  tornavam  as  vias  do 
transporte  mais  necessárias. 

As  espécies  mais  frequentes  eram,  geralmente,  o 
pinheiro  silvestre,  o  pinheiro  manso,  a  betula,  o  olmo, 
a  faia  preta  e  o  laricio.  Mas  o  Cáucaso  tinha  também 
magnificas  florestas  de  carvalho,  faia  e  buxo.  Era  ahi 
que  havia  a  exploração  mais  activa  e  mais  extensa; 
porque  também  se  encontravam,  apar  da  melhor  vege- 
tação,   as    condições    mais    convenientes    para   o   com- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  443 


mercio,  taes  como:  correntes  fluctuaveis,  vias  férreas  e 
vizinhança  de  um  mar,  sempre  livre  de  gelos,  na  parte 
meridional. 

O  regimen  e  aproveitamento  das  florestas  é  que  era 
mau.  Começava  o  defeito,  porque  metade  quasi  d'ellas 
pertencia  ao  Estado.  E,  depois,  essa  riqueza  era  des- 
truída por  toda  a  parte. 

Assim,  por  um  lado,  o  consumo  enorme  no  aqueci- 
mento d'uma  população  de  100.000:000  de  habitantes, 
durante  os  largos  mezes  do  inverno  continental,  exigia 
300.000:000  de  esteres.  Por  outro  lado,  a  maior  parte 
das  construções  era  feita  de  madeira.  Accrescia  tam- 
bém o  consumo  proveniente  da  enorme  frota  de  navios 
e  jangadas,  necessárias  á  navegação  e  flutuação  fluvial 
e  á  cabotagem.  As  fabricas  de  ferro  do  Ural  tra- 
tavam o  mineral  de  ferro  com  fogos  de  lenha.  Mui- 
tas refinações  de  assucar  da  Podolia  só  empregavam 
esse  combustivel,  e  os  fabricantes  de  potassa  faziam 
egualmente  um  grande  consumo  d'elle.  Demais  a 
mais,  era  preciso  alimentar  o  commercio  da  expor- 
tação, pelo  qual  a  madeira  constituia  um  excellente 
mercado. 

Tudo  isto  dava  logar  a  uma  grande  desarbori- 
sação  e  com  progressos  rápidos.  E,  nas  margens  do 
Volga,  essa  desarborisação  modificou  até  d'um  modo 
desfavorável  o  regimen  deste  rio,  tornando  as  cheias 
mais  bruscas  e  os  açodamentos  maiores  e  mais  fre- 
quentes. 

Ainda  assim,  nas  zonas  das  planicies  até  56  a  64" 
de  latitude,  as  plantações  accupavam  um  espaço  con- 
siderável; e  a  Polónia  e  Lithuania  tinham  também  mui- 
tas florestas. 


444  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  clima  da  Rússia  não  favorece  muito  a  criação  do 
g-ado,  porque  não  permitte  ter  os  animaes  ao  ar  livre, 
e  é  muito  abundante  de  neves  e  gelos.  Por  outro  lado, 
o  solo  não  estava  ainda  acommodado  a  este  género  de 
riqueza,  porque  as  steppes  substituiam  os  prados  natu- 
raes  e  artificiaes,  em  muitas  regiões,  e  a  irrigação  estava 
apenas  esboçada. 

Porisso,  a  criação  de  gado  na  Rússia  não  podia 
ser,  relativamente  fallando,  tão  grande  como  nos  paizes 
criadores ;  mas,  no  sentido  absoluto,  ella  tornou-se 
muito  importante,  e  tanto  que,  depois  dos  Estados 
Unidos,   era  o  paiz  que  mais  gado  tinha. 

Já  em  1870,  na  Rússia,  comprehendendo  a  Finlân- 
dia, viviam  960.000:000  de  animaes  domésticos,  e  este 
numero  ainda  augmentou  muito  mais  até  ao  fim  do 
século  XIX. 

A  raça  bovina  era  numerosa,  nas  provincias  meri- 
dionaes  comprehendidas  entre  o  Pruth  e  o  Ural,  onde 
a  vegetação  das  steppes  lhe  dava  uma  alimentação 
abundante,  e  entre  a  Esthonia  e  o  Ural. 

A  Finlândia  possuia  também  grande  numero  d'estes 
animaes.  Era  mesmo  um  dos  paizes  da  Europa  mais 
ricos  n'esse  género. 

As  regiões  centraes,  que  dispunham  de  poucos  pra- 
dos, e  não  colhiam  forragens,  criavam  muitos  cavallos; 
e  os  Cossacos  do  Dom  tinham  até  grandes  rebanhos 
d'elles,  criados  em  liberdade  nas  steppes. 

O  Governo  cuidava  muito  d'esta  criação,  que  con- 
siderava como  um  grande  elemento  da  força  militar;  e 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  445 


tinha  excellentes  coudelarias  tratando  de  melhorar  as 
raças  e  de  fazer  prosperar  as  grandes  feiras  de  cavallos. 
Demais  a  mais,  os  cavallos  eram  muito  necessários,  pelas 
poucas  e  más  estradas  carrossaveis  da  Rússia.  Os  car- 
neiros não  eram  muito  abundantes.  As  doenças  resul- 
tantes da  temperatura  (epizootias),  os  lobos  \  o  pouco 
cuidado  e  pericia  em  tratar  d'elles,  e  os  progressos  da 
pequena  cultura,  contribuiam  para  essa  deficiência. 

A  raça  da  Rússia  era  medíocre;  mas  o  Governo 
desinvolveu  a  propagação  dos  merinos. 

Os  porcos  eram  numerosos  na  Pequena  Rússia  e  na 
região  das  steppes.  Havia  uma  grande  abundância  de 
renas  ao  norte  e  na  Finlândia.  Havia  também  muitas 
abelhas  por  toda  a  Rússia,  e  sobretudo  na  Ukrania, 
onde  o  mel  tinha,  desde  muito  tempo,  substituído  o 
assucar  para  todos  os  usos.  Mas  a  industria  da  beter- 
raba fizera  diminuir  muito  a  apicultura  ^. 

A  criação  do  sirgo  começava  a  fazer  concorrência 
á  França  e  á  Itália. 

Finalmente,  os  cães  dos  trenós  eram  muito  abun- 
dantes e  muito  estimados. 

A  caça  e  a  pesca  constituíam  também  dois  impor- 
tantes recursos  da  Rússia.  Os  grandes  jejuns  da  religião 
e  quaresma  grega  davam  logar  ao  desinvolvimento  da 
industria  piscatória,  que  era  um  elemento  poderoso  de 


1  Os  lobos  faziam  na  Rússia  uma  terrivel  destruição.  Em 
numero  de  mais  de  200:000  devoraram,  em  1875,  180:000  cabeças 
de  gado  g^rosso,  600:000  carneiros,  100:000  cabras,  e  mais  de  150 
pessoas. 

2  Vide  vol.  V,  pags.  460  e  461. 


446  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


alimentação  do  paiz;  e  o  consumo  do  peixe  era  muito 
grande,  mesmo  durante  os  mezes  da  abstinência  vulgar, 
que  representam  um  terço  do  anno. 

No  mar  Branco,  armavam-se  muitos  navios  para  a 
pesca  do  bacalhau,  arenques,  salmões,  phocas,  ursos 
brancos,  etc, 

O  mar  de  Azof  era  d'uma  riqueza  prodigiosa,  e  o 
Caspio  era  ainda  mais  piscoso.  O  Estado  auxiliava 
muito  a  industria  piscatória ;  estabeleceu  até  uma  escola 
de  piscicultura  em  Nikolski,  governo  de  Novogorod;  e 
entregava  cada  anno  6:000  trutas  aos  lagos  e  rios  da 
Rússia. 

A  caça  dava  também  muitos  productos.  Só  nos 
últimos  dez  annos  do  século,  forneceu  ao  commercio 
mais  de  400:000  pelicas  por  anno. 


Quanto  ás  industrias  mineraes,  a  exploração  do 
minério  ainda  era  pouco  remuneradora,  no  principio 
do  século  XIX;  mas  as  minas  de  oiro  e  prata  da  Sibéria 
tornaram-se  mais  bem  exploradas,  e  porisso  mais  lucrati- 
vas desde  1830.  A  hulha,  apenas  explorada  desde  1827, 
solicitou  capitães  estrangeiros.  Em  1851,  havia  já  tra- 
balhos de  extracção  effectuados  com  proveito;  em  1863, 
as  bacias  hulheiras  forneciam  128:500  tonelladas  de 
carvão,  sendo  três  quartas  partes  só  da  bacia  de 
Donetz;  e,  em  1870,  a  producção  tinha  quintuplicado, 
attingindo  700:000  toneladas,  para  perfazer,  dez  annos 
depois,  4.000:000.  E  foi  augmentando  assim  até  ao  fim 
do  século. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  447 


As  minas  de  ferro  e  cobre  seguiram  uma  egual 
marcha  ascendente;  e,  em  geral,  augmentou  na  mesma 
proporção  a  extracção  dos  outros  mineraes, 

A  industria  petrolifera,  destinada  a  ser  uma  das 
grandes  riquezas  da  Rússia,  e  que  tinha  feito  a  sua 
apparição  em  1863,  na  região  de  Baku,  já,  em  1870, 
produzia  120.000:000  de  galões;  e,  desde  então,  adqui- 
riu uma  importância  tal  que  lutou  com  vantagem  contra 
os  productos  similares  dos  Estados  Unidos ;  e  foi  entre- 
gando   á   exportação   cifras,  cada  vez  mais  crescentes. 

Apezar  de  tudo,  as  industrias  metallurgicas  e  chy- 
micas  não  estavam  em  relação  com  a  abundância  dos 
mineraes :  o  que  em  parte  resultava  ainda  da  inexpe- 
riência da  fabricação,  e  da  grande  distancia  em  que  as 
-bacias  hulheiras  estavam  da  exploração  dos  outros 
mineraes. 

Ainda  assim,  a  fabricação  do  ferro  e  aço  foram  em 
constante  progresso.  As  fundições  e  forjas  estavam 
estabelecidas  na  vizinhança  dos  metaes,  Perm  e  Tuia 
eram  os  grandes  centros,  e,  fora  d'elles,  a  Polónia, 
Finlândia,  S.  Petersburgo,  Odessa,  Moscou,  Kaluga  e 
Nijni-Novogorod  tinham  algumas  fabricas.  Alem  de 
outros  artigos,  fabricavam-se  já  muitas  maquinas,  espe- 
cialmente agricolas,  cujos  serviços,  nos  últimos  tempos, 
os  camponios  russos  começavam  a  apreciar.  Apezar 
d'isso,  era  grande  a  importação  de  todo  o  género. 

Os  canteiros  de  Nicolaievsk,  Sebastepol  e  Odessa 
construiam  muitos  navios  e  vapores  de  ferro  e  aço. 
Tuia  fabricava  muitas  armas.  A  fundição  imperial 
Obukhof,  já  nos  últimos  tempos  do  século  XIX,  for- 
necia ao  exercito  e  marinha  artilharia,  até  então  com- 
prada no  estrangeiro. 


448  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  quinquilharia,  serralheria  e  pregaria,  cujos  pro- 
ductos  eram  objecto  d'um  enorme  consumo,  tinham  a 
sua  sede  nas  mesmas  cidades ;  mas  Tever  estava  na 
primeira  classe. 

Mesmo  nas  industrias  do  luxo,  naturalisadas  desde 
muitos  séculos,  a  Rússia  apezar  de  lhe  faltar  a  instrucção 
scientifica,  fez  grandes  progressos.  Moscou,  S.  Peters- 
burgo  e  Tiflis  tinham  ourivesarias  em  que  se  alliava  o 
gosto  do  desenho  com  a  finura  da  execução.  O  bronze, 
as  porcellanas  de  arte  da  manufactura  imperial  de 
S.  Petersburgo,  e  os  cristaes,  a  vidraria  e  os  mosaicos 
faziam  já  grande  honra  á  habilidade  dos  artistas  e 
engenheiros. 

O  reino  vegetal  dava  logar  a  industrias  muito  impor- 
tantes, como  a  serragem  da  madeira,  a  preparação  da 
gomma,  alcatrão  e  therebentina,  e  a  perfumaria.  Com 
a  casca  da  tilia,  fabricavam-se  tapetes,  sacos,  redes, 
cabos,  cordas,  e  até  coberturas  de  casas. 

Com  os  cereaes,  alem  da  moagem  que  tinha  por 
centro  Odessa,  a  grande  cidade  da  exportação  de  grãos 
e  farinhas,  fabricava-se  muita  aguardente. 

O  álcool  de  batatas  entrava  também  em  grande 
quantidade  no  alimento  dos  camponios;  e  era  na  Polónia 
e  em  Riga  onde  se  distillava  a  maior  parte  d'esse  álcool 
e  do  de  cereaes. 

Porisso,  a  preparação  da  aguardente  continuou  a  ser 
muito  grande,  como  fora  no  periodo  antecedente.  Essa 
industria  até  1817  esteve  em  monopólio  nas  mãos  do 
Estado.  Mas,  então,  o  imperador  Alexandre  1  permittiu 
a  fabricação  também  aos  particulares,  assim  como  a 
venda  a  retalho ;  e  somente  o  commercio  por  grosso 
continuou  nas  mãos  do  Estado.   Em  1825,  o  monopólio 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  449 


ficou  reduzido  á  distillação  e  venda  aos  particulares, 
segundo  os  preços  determinados  pelo  Governo ;  e  o 
abuso  da  aguardente,  e  com  elle  a  embriaguez,  foi  tão 
grande  que,  em  1844,  1845  e  1847,  teve  de  ser  repri- 
mida a  liberdade,  fixando-se  até  a  quantidade  máxima 
que  se  podia  vender  em  cada  taberna. 

Depois,  o  Estado  tornou  a  estabelecer  de  novo  o 
monopólio  e  outras  medidas  restrictivas,  mesmo  quanto 
á  venda,  contando  com  isso  diminuir  a  embriaguez; 
mas  pouco  obteve,  porque  o  abuso  da  bebida  pouco 
diminuiu.  • 

A  industria  mais  importante  era  a  do  assucar  da 
beterraba,  como  já  fizemos  sentir.  No  fim  do  século, 
havia  250  refinações,  repartidas  em  três  grupos,  os  da 
terra  negra.  Polónia  e  Finlândia,  e  governos  de  Karkov 
e  Kief. 

As  cervejarias  eram  também  muito  importantes,  e 
tanto  que,  nos  últimos  tempos,  a  Rússia  já  se  tinha 
libertado  do  tributo  que,  n'essa  parte,  pagava  á  Allema- 
nha,  pela  importação  da  cerveja  allemã. 

Das  industrias  textis,  a  algodoeira  tornou-se  a  mais 
importante.  Havia  começado,  em  1825;  e,  a  Rússia,  depois 
de  ter  sido  por  muito  tempo  tributaria  da  Inglaterra,  já 
em  1864,  principiou  a  exportar  4.000:000  de  rublos  dos 
seus  productos  textis.  Tornou-se  até  o  quarto  paiz 
n'este  género,  porque  vinha  depois  da  Inglaterrra, 
França  e  Allemanha;  e  os  tecidos  de  algodão  russo,  que 
primeiramente  eram  pouco  estimados  do  commercio, 
tornaram-se  depois  tão  bons  como  os  inglezes,  e  con- 
quistaram os  mercados  nacionaes,  onde,  então,  os  de 
Manchester  já  não  achavam  comprador.  Concorreu 
também  para  isso  o  consumo  da  Ásia. 

Volume  VI  29 


450  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Por  esse  grande  desinvolvimento  da  industria  algo- 
doeira, é  que  os  proprietários  russos  cuidaram  muito 
na  exploração  do  algodão,  ao  sul  do  império. 

Operou-se  também  um  grande  progresso  na  fabri- 
cação do  linho  e  do  cânhamo. 

A  Rússia  foi,  durante  o  século  XVIII  e  princípios  do 
século  XIX,  grande  exportadora  de  linho.  De  1820  a 
1875,  quasi  que  perdeu  a  clientella,  por  não  ter  melho- 
rado a  qualidade.  Mas,  depois  d'isso,  nos  últimos  tem- 
pos do  século  XIX,  não  contente  de  fornecer  linho  e 
cânhamo  ás  manufacturas  do  occ'  lente,  expedia  teias 
de  toda  a  qualidade  para  toda  a  parte,  em  concorrên- 
cia com  os  paizes  mais  notáveis  n'esta  industria.  Na 
Finlândia,  constibiiram-se  até  sociedades  linheiras,  para 
fornecer  o  consumo  aos  habitantes  do  paiz,  tirando 
da  Rússia  dois  terços  do  linho  que  fabricavam,  e 
favorecendo  também,  assim,  o  desinvolvimento  d'essa 
industria. 

A  dos  tecidos  de  lan  nunca  attingiu  a  importância 
que  devia  ter  n'um  paiz  frio  como  a  Rússia,  e  de  grande 
extensão  de  pastos  para  carneiros. 

No  entanto  Karkov,  Kerson,  Poltava,  Varsóvia  eram 
importantes  centros  de  lan ;  e,  alem  d'elies,  havia  em 
Niini-Novgorod  uma  feira  também  de  lan,  onde  vinham 
prover-se  os  AUemães,  que  a  revendiam  em  Leipzig, 
Stettin  e  Berlim. 

A    industria    de    seda    estava   pouco    desinvolvida. 

Na  região  do  sudeste,  comprehendida  entre  o  Ural  e 
o  Volga,  teciam-se  com  lans  de  camello  grossos  pannos, 
muito  estimados  dos  povos  nómadas,  e  que  eram  repu- 
tados de  primeira  qualidade  nos  mercados  da  Ásia 
Central. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  45I 


Nas  industrias  derivadas  do  reino  animal,  a  curti- 
menta  obteve  uma  grande  importância.  A  Rússia  con- 
tava, no  fim  do  século,  3:000  fabricas.  Os  couros  rus- 
sos, cujo  cheiro  particular  provém  do  óleo  da  betula 
neg-ra,  tinham,  como  ainda  teem,  uma  enorme  reputa- 
ção em  todos  os  mercados  da  Europa. 

Havia  muita  fabricação  de  estearina,  queijo  e  man- 
teiga. 

Do  cebo  dos  rebanhos  dos  carneiros  gordos  das 
esteppes  dos  Kirghis  fabricavam-se,  principalmente  em 
Odessa  e  Karkov,  velas,  cirios  e  sabões,  em  grande 
quantidade. 

Finalmente,  a  pesca  dava  logar  a  uma  enorme 
industria  de   conservas   de  peixe   salgado   e  de  caviar. 

Apesar  de  tudo  que  deixamos  dito,  a  industria 
transformadora  não  representava,  ainda  no  fim  dò  século, 
senão  uma  fraca  parte  do  trabalho  do  paiz,  e  estava 
quasi  toda  na  mão  dos  estrangeiros.  Nas  provincias 
bálticas,  predominava  a  industria  dos  AUemães.  Na  Fin- 
lândia, a  dos  Suecos.  A  fabricação  dos  espelhos  e 
vidros  estava  na  mão  dos  Belgas.  As  grandes  indus- 
trias metallurgicas  foram  criadas  pelos  Inglezes,  Fran- 
cezes  e  também  pelos  Belgas. 

As  principaes  industrias  do  império,  distillações  e 
cervejarias,  fabricas  de  óleos  e  cortumes,  perfumaria, 
papel,  estearina,  vidros,  fundições,  tecelagem,  dadas 
como  nacionaes,  eram,  na  maior  parte,  apenas  nacionali- 
zadas. As  fiações  de  seda  de  Girard,  por  exemplo,  eram 
francezas  e  davam  que  fazer  a  2:200  operários.  ,A  mais 
importante  fabrica  de  perfumes,  pertencia  ao  súbdito 
francez  Brocard.  Uma  sociedade  franceza  explorava  a 
latoaria.    Mesmo    as   grandes    obras    dos    caminhos   de 


452  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


ferro  particulares  eram  dirigidas  por  estrangeiros,  por 
que  a  engenharia  imperial  poucas  aptidões  mostrava. 
Em  summa,  por  toda  a  parte,  os  estrangeiros  predomi- 
navam. 

Quasi  todos  os  recursos  do  império  eram  lhe  dados 
pela  caça  e  pesca,  e  pela  cultura  do  solo,  especialmente 
nos  cereaes,  vinho  e  cânhamo,  e  pela  criação  do  gado. 
E  era  assim  que  a  Rússia  occupava  a  decima  classe  na 
exportação  dos  cereaes,  e  a  primeira  na  do  linho  e 
cânhamo. 


O  commercio  exterior,  foi  longo  tempo,  embaraçado 
pela  legislação  aduaneira,  e  pelos  direitos  elevados ; 
e,  alem  d'isto,  essa  legislação  variava,  conforme  a  sim- 
ples fantasia  da  auctòridade  suprema  ou  instabilidade 
da  politica. 

Em  1841,  foi  adoçado  o  regimen  fiscal  em  vigor, 
mas  só  com  respeito  ás  relações  da  Europa ;  e  as  con- 
sequências d'esse  adoçamento  foram  insignificantes. 

Demais  a  mais,  a  Polónia  e  a  Finlândia  ficaram 
separadas  por  uma  linha  de  alfandegas,  com  direitos 
tão  elevados  que  muito  prejudicavam  o  tráfico  d'estas 
regiões. 

Somente  em  1843,  é  que  se  realisaram  reformas 
importantes  n'essa  matéria,  e,  depois,  em  1850,  1857, 
1863  e  1864. 

Na  primeira  d'ellas,  estabeleceram-se  em  Arkangel 
S.  Petersburgo,  Cronstadt  e  Riga,  entrepostos,  destina- 
dos  a   facilitar   as  reexportações.  Na  segunda,  o  reino 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  453 


da  Polónia  foi  egualado  no  regimen  aduaneiro  ás  pro- 
vincias  russas.  Em  1857,  a  unificação  dos  direitos  foi 
applicada  a  todo  o  império,  salvo  a  Finlândia,  que  con- 
servou uma  organisação  aduaneira  distincta.  Em  1863, 
um  novo  ukase  reduziu  as  taxas  d'um  grande  numero 
de  artigos  exportados  por  mar.  No  anno  seguinte,  a 
maior  parte  dos  direitos  foi  supprimida,  e  essa  medida 
foi  também  generalisada  a  todas  as  fronteiras  exterio- 
res de  terra  e  mar  da  Rússia  europeia  e  á  Polónia 
e  provincias  transcaucasicas,  e  applicada  egualmente 
aos  portos  do  mar  Negro,  e  mesmo  á  alfandega  de 
Tiflis,  que  tinham  até  então  uma  tarifa  especial. 

Na  Ásia,  afim  de  facilitar  as  relações  mercantis  com 
os  novos  estabelecimentos  russos,  fundados  perto  do 
Amur,  um  outro  porto  de  commercio  foi  criado,  em 
1863,  nas  proximidades  d'este  rio,  em  Nicolaievsk, 
sobre  o  Oceano  Pacifico.  Estabeleceu-se  ahi  um  regi- 
men distincto  do  da  Rússia  europeia,  constituido  por 
tarifas  particulares.  A  franquia  commercial  com  o 
estrangeiro  era  mantida  em  Kamtschatka.  A  alfandega 
russa,  encarregada  de  vigiar  as  trocas  com  a  China, 
foi  transferida  em  1861  de  Kiachta  para  Irkutsk.  O 
regimen  da  importação  do  chá,  remodelado  inteira- 
mente, permittiu  a  importação  d'este  género  por  mar, 
a  partir  de  1862,  com  taxas  que  variavam,  conforme 
diziam  respeito  ás  alfandegas  de  terra  ou  aos  portos 
de  mar.  E,  emfim,  por  um  accordo  entre  o  gabinete  de 
S.  Petersburgo  e  o  de  Pekin,  as  prescripções  relativas 
ás  trocas  entre  os  dois  paizes  foram  adoptadas,  em  1862, 
por  uma  duração  de  trez  annos,  a  titulo  de  ensaio. 

E  já  precedentemente,  em  1852,  o  Governo  russo 
tinha    admittido    o    transito    para    as    provincias  trans- 


454  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


caucasicas  de  mercadorias  da  Europa  e  das  colónias, 
com  destino  á  Pérsia. 

O  reino  de  Alexandre  II  foi  o  ponto  de  partida  de  im- 
portantes progressos,  quanto  ao  commercio  estrangeiro. 

A  revisão  das  tarifas,  desde  1857  a  1862,  de  que 
acabámos  de  fallar;  a  construcção  dos  caminhos  de 
ferro;  a  fundação  de  um  banco  do  Estado;  a  criação 
de  numerosos  estabelecimentos  de  credito;  a  impulsão 
dada  á  agricultura  e  á  industria,  que  a  exploração  das 
minas  de  toda  a  espécie  e  a  descoberta  de  riquezas 
importantes  no  subsolo,  até  então  desconhecidas,  incita- 
vam de  toda  a  parte;  e,  emfim,  as  medidas  mais  liberaes 
na  ordem  administractiva  e  legislativa :  abriram  ao  com- 
mercio internacional  faculdades  novas,  que  provocaram 
o  seu  desinvolvimento. 

E,  apar  d'isso,  a  elevação  dos  direitos  pautaes  sobre 
a  importação  de  varias  mercadorias,  pelos  decretos 
de  1877,  1881,  1882,  1885,  1887,  1890  e  1891,  estimula- 
ram a  exploração  dos  recursos  naturaes,  e,  com  ella,  o 
augmento  dos  productos  da  exportação. 

O  commercio  interior  era  muito  importante;  já  por- 
que a  Rússia  queria  emancipar-se,  o  mais  possivel,  da 
influencia  dos  estrangeiros;  e  já  porque  era  natu- 
ral essa  emancipação,  em  vista  dos  citados  decretos 
proteccionistas.  Demais  a  mais,  estando  as  communi- 
cações  navegáveis  interrompidas,  e  o  solo  gelado  e 
coberto  de  neve,  n'uma  grande  parte  do  anno,  era 
preciso  nos  poucos  mezes  que  estavam  livres,  preparar 
os  géneros,  expedil-os,  compral-os  e  guardal-os;  e 
impunham-se,  porisso,  também  as  feiras. 

Havia  milhares  de  cidades  que  tinham  o  privilegio 
de  abrir  feiras;  mas  só  as  grandes  cidades  fizeram  uso 


EUADE  CONTEMPORÂNEA  455 


d'este  privilegio.  Entre  es-<^as,  sobresaíam  Moscou,  cen- 
tro do  commercio  da  reg-ião  industrial,  e  Nijni-Novg-o- 
rod,  também  grande  centro  mercantil  entre  a  Ásia  e  a 
Europa  e  que  era  o  maior  mercado  de  lans  e  a  maior 
feira  do  mundo,  onde  se  viam  Chinezes,  Bukharios, 
Persas,  índios,  etc.  Concorria  para  isso  a  sua  situação, 
na  convergência  duns  poucos  de  rios. 

Perm,  Poltava,  Kief,  Rostov  e  Kazan  tinham  também 
feiras  celebres.  Kazan  era  até  um  entreposto  de  grande 
valor  para  as  trocas  entre  a  Rússia  e  a  Sibéria.  Karcov 
era  o  entreposto  e  etapa  intermediaria  entre  Moscou 
e  Odessa. 

Não  obstante  a  importância  d'estas  feiras,  a  não 
serem  os  Allemães,  que  n'ellas  preponderavam,  os  outros 
povos  da  Europa  eram  quasi  nullos.  E,  apezar  de  tudo, 
tendiam  ellas  a  desapparecer,  por  causa  da  falta  de  com- 
mrnicações.  E  se  tanto  tempo  conservaram  a  sua  grande 
importância,  foi  devido  á  extensão  do  território  do 
império,  e  ao  clima,  que  obriga  os  Russos  a  fornece- 
rem-se  no  verão  para  todo  o  tempo  do  inverno.  Mesmo 
a  feira  de  Nijni-Novgorod  foi  nos  últimos  tempos 
diminuindo,  cada  anno,  à  proporção  que  se  iam  desin- 
volvendo  as  communicações  na  Sibéria.  E  já  ultima- 
mente era  Tiumen,  também  na  Sibéria,  que  detinha  a 
maior  parte  dos  negociantes  siberianos  e  chinezes. 

A  navegação  tinha  naturalmente  seguido  a  progres- 
são das  transacções  exteriores.  E,  se  o  numero  dos 
navios  que  frequentavam  os  portos  russos,  não  tinha 
auginentado  sensivelmente,  passando  desde  1856  a  1871 
de  6:820  a  8:610  navios,  com  entradas  e  sahidas,  a 
capacidade  e  tonellagem  das  embarcações  é  que  tinha 
quasi  duplicado. 


456  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

A  Companhia  Russa  de  Navegação  e  Commercio, 
fundada  em  1856,  constava,  no  fim  do  século,  de  77 
navios  a  vapor,  que  faziam  escala  de  S.  Petersburgo  a 
Odessa,  Constantinopla,  Grécia  e  Alexandria.  Havia 
também  uma  grande  linha  de  Odessa,  S.  Petersburgo 
e  Marselha,  e  uma  outra  para  as  escalas  do  Oceano 
Indico  e  extremo  oriente.  A  Frota  Voluntária,  criada 
por  subscripção,  desde  1876  a  1878,  era  administrada 
pelo  ministro  da  marinha,  e  servia,  sobretudo,  para 
assegurar  as  relações  permanentes  entre  a  Rússia  da 
Europa  e  as  provindas  do  Pacifico.  Em  1898,  já  compre- 
hendia  cinco  vapores.  E  havia  ainda  outras  companhias. 

Em  1899,  com  a  frota  finlandeza,  a  marinha  mer- 
cante havia  attingido  880:000  tonelladas,  de  modo  que 
tinha  assim  excedido  a  de  todos  os  paizes,  excepto  a 
Allemanha. 

A  Rússia  importava,  principalmente,  matérias  primas 
ou  productos  necessários  á  sua  industria,  estofos,  hulha, 
objectos  manufacturados  e  géneros  coloniaes. 

Ef^portava,  sobretudo,  madeira,  plantas  industriaes, 
pelliças  e  cereaes,  que  representavam  quasi  metade  de 
toda  a  exportação,  e  também  alguns  objectos  manufa- 
cturados. 

Depois  da  lenha  e  madeira,  mais  valioso  até  do  que 
alguns  dos  cereaes  cultivados  na  Rússia,  era  o  computo 
de  palha  e  feno  colhido,  enfardado  e  trazido  ao  com- 
mercio. Basta  dizer  que  andava  o  seu  importe  por 
286:000  contos  annuaes. 

A  Allemanha,  por  terra,  e  a  Inglaterra,  por  mar, 
eram   os   paizes   que  mais  objectos  tiravam  da  Rússia. 

Assim,  a  Allemanha  tirava  as  matérias  primas  ne- 
cessárias á   sua  industria,   e  cereaes;  e  fornecia  quasi  o 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  457 


mesmo  valor,  principalmente,  em  productos  manufactu- 
rados. A  Gran  Bretanha  comprava  muito  mais  do  que  ven- 
dia, e  carregava  a  maior  parte  dos  cereaes,  que  saíam  por 
Odessa,  e  muitos  objectos  de  alimentação.  Mas  as  tro- 
cas com  esses  Estados  tendiam  a  restringir-se,  á  pro- 
porção que  a  Rússia  desinvolvia  as  suas  industrias. 

A  França  comprava  na  Rússia  madeiras  e  cereaes, 
e  vendia  os  seus  vinhos,  as  suas  sedas,  e  um  certo 
numero  de  objectos  manufacturados. 

Entre  os  Estados  asiáticos,  a  China  era  o  paiz  que 
mais  trocava  com  a  Rússia.  Os  Estados  Unidos  da 
America  tinham  também  muitas  relações  com  ella,  e 
d'um   valor   reciproco. 


Tratando  dos  centros  económicos  principaes  que 
havia  na  Rússia,  no  século  XIX  \  e  começando  pela  Fin- 
lândia, eram  importantes  Tavastehus  e  Tornea.  Esta 
ultima  cidade  era  até  o  porto  dos  Lapões  onde  elles 
vinham  vender  peixe  e  linguas  de  renna. 

Uleaborg  era  muito  mais  importante  que  Tornea. 
Os  barcos,  que  desciam  o  Ulea,  traziam-lhe  uma  grande 
quantidade  de  resina  e  de  alcatrão;  e  muitos  trens  de 
madeira  vinham  fluctuar  no  seu  cães.  No  principio  do 
século  XIX,  esse   porto    era,    graças    á   exploração    das 


^     Sobre  os  centros   principaes,    na   edade   moderna,  veja-se  o 
vol.  V,  pagf.  498  e  seguintes. 


458  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


florestas,  o  mais  frequentado  de  toda  a  Finlândia; 
mas  os  portos  da  região  povoada  do  sul  desban- 
caram-no  depois,  na  actividade  do  commercio  que 
foram  exercendo. 

Abo,  a  segunda  cidade  da  Finlândia,  pelo  numero 
de  habitantes,  e  a  terceira,  pelo  commercio,  era  um  dos 
grandes  mercados  da  região.  Foi  também  dois  séculos, 
(1640  a  1827),  a  sede  da  Universidade  finlandeza;  mas, 
tendo  um  incêndio  devorado  os  edificios  escolares  e  a 
bibliotheca  de  40  mil  volumes,  essa  Universidade  foi 
transferida  para  Helsingfors. 

Helsingfors  era  não  só  a  principal,  mas  até  a  mais 
bela  cidade  da  Finlândia,  e  um  grande  centro  de  com- 
mercio. A  navegação  no  seu  porto  foi  muito  activa,  em 
todo  o  século  XIX,  mas  o  movimento  havia  diminuído 
muito  nos  últimos  tempos,  era  virtude  da  constru- 
cção  dos  caminhos  de  ferro  que  se  dirigiam  para  a 
ponta  de  Hangô,  isto  é,  para  o  promontório  angular 
da  Finlândia,  á  entrada  dos  dois  golfos,  onde  o 
mar  é  muito  mais  Hvre  de  gelos  que  no  porto  de 
Helsingfors  e  nos  outros  portos  do  littoral,  cujos  ca- 
naes  se  fecham  em  novembro  ou  dezembro,  para  se 
abrirem  somente  no  mez  de  maio.  Helsingfors  era  tam- 
bém o  mercado  principal  para  as  duas  cidades  do  interior, 
Tavastehus  e  Tammersfors  ou  Tampere,  que  se  podia 
chamar  por  hyperbole  a  Manchester  da  Finlândia. 

Wiborg  é  a  terceira  cidade  da  Finlândia  por  sua  po- 
pulação, a  segunda  por  seu  commercio,  e  também  a  pri- 
meira por  sua  navegação,  graças,  sobretudo,  á  visinhança 
de  S.  Petersburgo.  Mas  os  grandes  navios  tinham  de  pa- 
rar a  13  kilometros  ao  norte,  na  enseada  de  Transund. 

Nas   provincias  bálticas,  Revel   ou  Reval,  a  capital 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  459 


da  Esthonia,  que  é  'ima  cidade  privilegiada  pela  sua 
situação  commercial,  era  o  mais  útil  dos  oortos  que  a 
capital  da  Rússia  aproveitava  no  Báltico.  Graças  ao 
caminho  de  ferro  que  custeia  a  margem  meridional, 
S.  Petersbargo  podia  por  meio  d'elle  importar,  durante 
uma  parte  do  inverno,  as  mercadorias  que  os  gelos  deti- 
nham a  oeste  de  Kronstadt;  porque  os  navios  desem- 
barcavam essas  mercadorias  em  Revel,  ou  no  seu  annexo 
aduaneiro  Baltisch-Port,  enseada  mais  occidental,  ba- 
nhada por  um  mar  que  é  mais  aberto  e  está  mais 
tempo  livre  dos  gelos;  e,  assim,  podiam  seguir  depois 
para  S.  Petersburgo. 

O  porto  de  Revel  era  o  quinto  porto  do  império, 
pelo  valor  das  suas  trocas,  e  devia  também  uma  parte 
da  sua  importância  ao  facto  de  estar  precisamente  em 
tace  de  Helsingfors. 

Riga,  capital  da  provincia  baltíca,  n'uma  situação 
admirável,  era,  pela  população,  a  quinta  cidade  do  im- 
pério ;  e  o  seu  porto,  pelo  commercio,  era  o  terceiro. 
Vinha  logo  depois  S.  Petersburgo  e  Odessa,  apesar  de 
que  os  grandes  navios  não  podiam  entrar  em  plena 
carga  nas  bacias  do  Duina. 

O  porto  de  Libau  está  desembaraçado  de  gelos,  três 
semanas  antes  de  Riga,  e  seis  semanas  antes  de  S.  Pe- 
tersburgo; e  já  communicava  com  Vilna  por  um  cami- 
nho de  ferro.  Mas  a  barra  tem  pouca  profundidade,  e 
muda  muitas  vezes  de  posição  e  largura,  conforme  os 
ventos.  E  isto  explica  a  inferioridade  do  movimento 
d'esse  porto,  quanto  a  Riga  e  Revel. 

Ao  sul  de  Libau,  os  pescadores  recolhiam  nas  areias 
2:000  kilos  de  âmbar  amarello;  mas  já  o  não  encontra- 
vam para  o  norte. 


460  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


Na  Polónia,  Warta,  era  importante. 

Kalisz,  capital  da  província  do  mesmo  nome,  era 
muito  commercial,  e  possuía  muitas  manufacturas  de 
pannos. 

Lodz,  que,  em  1821,  era  uma  simples  aldeia,  já  no 
fim  do  século,  era  a  segunda  cidade  da  Polónia,  por  sua 
população  e  sua  industria,  estando  cheia  de  fabricas  de 
fiação  e  tecidos  de  algodão  e  de  pannos,  tinturarias  e 
outros  estabelecimentos  industríaes,  em  numero  de 
muitas  centenas.  Só  ella  fabricava  sete  oitavas  partes 
de  algodão  que  se  tecia  na  Polónia. 

Radom  e  Lublin  estavam  muito  decaídas. 

Varsóvia,  a  capital  da  Polónia,  estava  no  crusa- 
mento  dos  caminhos  europeus;  mas  não  tinha  ainda  ao 
serviço  do  seu  commercio  um  numero  sufficiente  de 
caminhos  de  ferro.  E,  alem  d'isso,  era  constantemente 
ameaçada  pelos  desgelos  do  Vistula.  Distinguia-se,  ainda 
assim,  pela  sua  actividade  industrial  e  commercial.  Fia- 
ções e  manufacturas  de  estofos,  fabricas  de  tabaco,  de 
distillação,  cervejarias,  curtímenta,  maquinas,  ferramen- 
tas, moveis,  pianos,  forneciam  annualmente  productos 
de  muitas  dezenas  de  milhões  de  francos.  E  uma  fabrica 
visinha,  Zyrardowska,  tinha  quasi  que  o  monopólio  da 
fabricação  da  roupa  de  mesa  na  Polónia. 

E,  quanto  ao  movimento  commercial,  pode-se  fazer 
ideia  d'elle,  attendendo  á  multidão  de  commerciantes 
Israelitas,  que  percorriam,  em  numero  de  cem  mil,  as 
ruas  de  Varsóvia.  De  todas  as  cidades  do  mundo  era 
onde  a  população  judaica  prefazía  maior  numero,  e  onde 
crescia  mais  rapidamente. 

Havia  ainda  na  Polónia  muitas  outras  cidades  im- 
portantes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  461 


Na  bacia  do  Neman  (Lithuania),  mas,  n'um  afluente 
lateral,  o  Viliya,  Vilna,  a  grande  cidade  também  da 
Lithuania,  estava  muito  decaída.  Pelo  contrario,  Kovno 
tinha  adquirido  uma  grande  importância. 

Vazma,  na  bacia  do  Dnieper,  era  muito  commercial, 
como  logar  de  passagem  frequente. 

Dorogobouj  era  menos  animada  commercialmente 
que  Vazma,  porém,  apezar  d'isso,  fazia  um  tráfico  muito 
considerável  de  géneros  agricolas. 

Smolensk,  occupando  um  vasto  espaço  nas  duas 
margens  do  Dnieper,  no  cruzamento  de  muitos  cami- 
nhos, e  especialmente  das  duas  vias  férreas  de  Riga  ao 
Ural  e  de  Varsóvia  a  Moscou,  era  um  dos  pontos  vitaes 
do  commercio  do  império. 

Vladimir  estava  muito  decaída. 

Jitomir,  na  Volynia,  fazia  um  commercio  importante, 
sobretudo,  em  cereaes. 

Bransk  era  outra  cidade  de  grande  commercio.  Os 
seus  mercadores  compravam  muitos  géneros  na  pro- 
víncia para  Moscou,  S.  Petersburgo  e  para  os  portos 
meridionaes  do  Báltico. 

Em  Kursk  uma  grande  cidade  russa,  três  caminhos 
de  ferro,  dirigindo-se  sobre  Kief,  Moscou  e  Karkov 
augmentavam  a  sua  importância  commercial. 

A  feira  de  Kursk  era  outr'ora  a  mais  frequentada 
da  Rússia.  Mas  o  centro  das  transacções  entre  a  região 
industrial  de  Moscovia  e  as  terras  agricolo-meridionaes 
deslocou-se  para  o  sul. 

No  governo  de  Tchernigov,  as  cidades  importantes 
de  Gloukhow,  Krolovetz  e  Konotop  eram  também  cen- 
tros económicos  notáveis;  e  a  primeira  d'ellas  tinha  até 
por  especialidade  ser  um  grande  mercado  de  cereaes. 


462  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


Tchernigov,  a  capital  do  Governo,  tinha  também 
grande  commercio  de  cereaes,  e  de  cânhamo  e  outros 
géneros. 

Nejin,  com  maior  população  que  Tchernigov,  tinha 
grande  industria  e  commercio  de  tabaco  e  grande  cul- 
tura local. 

Kief,  a  cidade  sancta  dos  Russos,  era,  como  ainda  é, 
uma  das  primeiras  cidades  do  mundo.  Tinha  grande 
industria  e  commercio ;  e  contribuia  muito  para  isso  a 
peregrinação  que  ali  faziam,  e  ainda  fazem,  todos  os 
annos,  diversos  romeiros,  no  total  de  300:000. 

Está  situada  no  meio  da  bacia  de  Dnieper,  onde 
todas  as  ramificações  superiores  lhe  trazem  as  suas 
aguas  e  o  seu  commercio. 

Soumi  era  uma  das  cidades  mais  commerciantes  da 
Ukrania. 

Poltava  engrandeceu  lentamente  até  o  meiado  do 
século  XIX.  Mas,  depois  d'isso,  progrediu  com  rapi- 
dez, quando  uma  feira  importante  foi  transferida  para 
lá,  e  vastos  espaços,  outrora  occupados  por  jardins,  se 
cobriram  de  construcções.  A  feira  onde  se  faziam,  e 
ainda  fazem,  pela  media,  trocas  no  valor  de  50  a  60 
milhões  de  francos,  era  frequentada,  sobret-.ido,  pelos 
negociantes  de  lan,  e  ahi  se  vendiam  também  muitos 
cavallos  para  as  tropas  das  bordas  do  Don. 

Os  Judeus  tinham  uma  grande  parte  da  industria 
e  commercio  de  Poltava  na  sua  mão,  e  os  colonos 
allemães  introduziram  lá  a  fabricação  dos  pannos  e  das 
colchas. 

A  industria  de  tecidos  tinha  tomado  também  uma 
certa  actividade  na  cidade  de  Kovelaki,  situada  a 
juzante  de  Poltava. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  463 


Yekaterinoslav,  cidade  moderna,  porque  foi  fundada 
por  Potenkin,  em  1784  \  tornou-se  logo,  durante  o 
século  XIX,  um  centro  de  bastante  importância. 

Kerson,  capital  de  um  dos  governos  mais  populosos 
da  Rússia,  era  bem  inferior  ao  commercio  de  Odessa; 
mas,  como  guardian  da  entrada  do  Dnieper,  não  podia 
deixar  de  reter  uma  parte  notável  das  trocas  da  Rússia 
meridional.  Todavia  a  barra,  as  ilhas  e  os  bancos  de 
areia  impediam  os  grandes  navios  de  subir  até  lá,  e 
tinham  elles  de  parar  a  10  kilom.etros  a  oeste  da 
cidade.  Fazia  um  grande  commercio  de  exportação, 
sobretudo,  de  madeira,  cereaes  e  couros ;  mas  uma 
grande  parte  do  seu  tráfico  consistia  em  expedições  de 
cabotagem  para  Odessa,  que,  por  seu  lado,  lhe  enviava 
mercadorias  estrangeiras. 

Nicolaiev,  a  Toulon  da  Rússia,  ainda  que  especial- 
mente dedicada  aos  trabalhos  militares,  tinha  também 
importância,  como  cidade  de  trocas  pacificas. 

Odessa,  o  grande  porto  commercial  da  Rússia  do 
sul,  não  está  situado  como  Kerson,  Nicolaiev  e  Otchakov 
perto  da  bocca  de  um  rio  que  dê  accesso  ao  interior  das 
terras.  Comtudo,  podia  ser  considerado  com  o  verda- 
deiro porto  do  Dnieper  e  Dniester  da  mesma  forma 
que  Marselha  o  é  do  Rhodano,  e  Veneza,  do  Pó.  As 
difficuldades  da  entrada  d'esses  dois  rios  teem  obrigado 
os  marinheiros  a  escolherem  como  lugar  de  rendez-vous 
um  ponto  do  littoral  de  mais  fácil  accesso ;  e  o  golfo  de 
Odessa  offerece  precisamente  as  condições  necessárias 
para  isso.  Os  vasos  podem  ancorar  ahi  sem  perigo;  e. 


^     A  Historia  Económica,  vol.  V,  pag.  434. 


464  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


pelos  caminhos  das  steppes,  os  commerciantes  vão  junctar 
sem  grande  custo  os  caminhos  que  bordam  aquelles  rios. 

Alem  d'isso,  de  toda  a  bacia  occidental  do  mar 
Negro,  o  golfo  de  Odessa  é  o  que  se  encontra  mais  no 
interior  das  terras.  E  é  precisamente  lá  que  a  costa 
muda  de  direcção  de  um  lado  para  o  sul  e  do  outro 
para  o  norte,  d'onde  resulta  que  as  vias  naturaes  do 
paiz  se  dirigem  em  maior  numero  para  Odessa  que 
para  outro  ponto  do  littoral.  Porisso,  a  importância 
d'esta  cidade  cresceu  rapidamente,  e,  sobretudo,  depois 
que  aos  privilégios  resultantes  da  posição  geográfica 
accresceram  os  dos  molhes,  entrepostos,  caminhos  de 
ferrro  e  as  relações  estabelecidas;  e  tudo  isso  já  no 
século  XIX.  E,  comtudo,  a  existência  d'essa  cidade  não 
datava  de  mais  de  um  século. 

Em  1880,  já  ella  tinha  800:000  habitantes.  Foi,  só 
em  1830,  que  Odessa  teve  a  sua  primeira  fabrica;  mas, 
no  fim  do  século,  já  possuia  fabricas  de  moagem  a  vapor 
e  de  saboarias,  tabacos,  distillação,  cervejaria,  salgação, 
e  canteiros  de  toda  a  espécie,  e  outras  manufacturas  e 
fabricas.  As  salinas  dos  arredores  forneciam  muito  sal. 

O  commercio  era  muito  grande.  O  principal  género 
de  exportação  consistia  nos  cereaes;  mas  Odessa  ex- 
portava também,  pelos  seus  três  portos,  quantidades 
consideráveis  de  lan,  cebo,  linho,  etc;  e  recebia  em 
troca  géneros  coloniaes,  objectos  manufacturados,  vi- 
nhos e  artigos  de  luxo,  etc. 

Na  região  dos  grandes  lagos,  Novgorod,  tão  po- 
derosa no  passado  ^,  estava  decaída  de  todo. 


1     Vide  vol.  V,  pag.  512. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  465 


S.  Petersburgo,  a  capital  da  Rússia,  depois  cha- 
mada Petrogrado,  era  a  primeira  cidade  manufactora 
do  império.  Alguns  grandes  estabelecimentos  perten- 
ciam ao  Estado;  mas  a  principal  actividade  estava 
sobretudo,  nas  fabricas  particulares,  de  construcção, 
de  fiação  de  estofos  de  lan  e  algodão,  cervejarias, 
distillações,  tabaco,  etc.  O  commercio  era  também 
muito  considerável.  EUa  constituia  já  a  quinta  cidade 
da  Europa  no  numero  dos  habitantes. 

Kronstadt  era  uma  cidade  militar. 

Na  vertente  do  Oceano  Glacial,  Kola  representava 
uma  grande  estancia  de  pesca. 

Vologda  era  muito  commercial.  Expedia  para  o 
baixo  Duina  linho,  aveia  e  outros  géneros,  e  para 
S.  Petersburgo,  manteiga,  ovos  e  teias. 

Arkangel  tomou  grande  importância  no  século  XVI, 
quando  os  navegadores  inglezes  fizeram  do  mar 
Branco  a  porta  da  communicação  de  Moscovia  com 
o  mundo  occidental;  mas  decaiu  depois  da  funda- 
ção de  S.  Petersburgo,  que  proporcionou  um  via  mais 
commoda  para  o  commercio  da  Rússia  com  o  resto  da 
Europa. 

Alem  d'isso,  Pedro  Grande  limitou  a  quantidade  de 
mercadorias  que  Arkangel  podia  exportar;  prohibiu  para 
lá  a  exportação  do  cânhamo,  linho,  cebo  e  de  mais 
de  um  terço  dos  outros  géneros  do  império;  e,  pelo 
chamamento  dos  marinheiros  e  negociantes  para  a  nova 
capital,  fez  diminuir  muito  a  importância  de  Arkangel. 
Apezar  d'isso,  a  situação  do  porto  d'essa  cidade,  na 
única  via  fluvial  de  um  immenso  território,  cuja  popu- 
lação espalhada,  como  era,  augmentava  rapidamente,, 
não  podia  deixar  de  dar  certa  actividade  a  esse  empo- 

Volume  VI  M 


466  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


rio  do  mar  Branco,  por  forma  que  elle  representava 
ainda  a  quarta  capital  do  império. 

Em  1844,  o  governador  geral  prohibiu  também  a 
fundação  de  um  banco  em  Arkangel,  o  que  lhe  preju- 
dicou egualmente  o  movimento  económico. 

Na  bacia  do  Volga  e  Ural,  Tver,  outrora  a  rival 
mais  poderosa  de  Moscou,  tem  a  vantagem  de  estar  si- 
tuada no  confluente  do  Teverfza,  que  desce  das  alturas 
do  norte  e  que,  desde  todo  o  tempo,  offereceu  um  ca- 
minho para  a  bacia  do  Neva  e  do  golfo  de  Finlândia. 
Os  géneros  deviam  outrora  ser  transportados  por  terra 
de  Tevertza  ao  Msta;  mas  um  canal  navegável  abrira, 
desde  ha  mais  de  um  século,  um  caminho  navegável 
desde  Tver  a  S.  Petersburgo.  E,  desde  então,  os  bar- 
cos, carregados  de  trigo  e  de  outros  géneros,  ahi  para- 
vam por  centenas  e  por  milhares,  durante  a  boa  esta- 
ção, como  acontecia  também  com  a  cidade  industrial  de 
Torgok,  situada  mais  abaixo  sobre  o  Tevertza. 

Avaliavam-se  em  quatro  mil  barcos  os  que  amarra- 
vam, cada  anno,  ao  cães  de  Tver.  Esta  cidade  era 
também  uma  das  mais  industriaes  que  se  encontravam 
no  norte  da  Rússia.  Possuia  numerosas  manufacturas, 
sobretudo,  de  fiação  de  algodão  e  bordadura  de 
couros. 

Ribinsk  é  a  segunda  etapa  commercial  do  Volga,  a 
juzante  do  Tver;  e  encontra-se  á  saida  de  dois  canaes 
que  fazem  communicar  o  Volga  com  S.  Petersburgo, 
um  pelo  Mologa,  e  outro  pelo  Cheksna  Bello  Ozero,  os 
dois  grandes  lagos  da  bacia  do  Neva.  Tinha  também 
um  movimento  enorme  de  barcos  e  de  industria  e  com- 
mercio;  e,  alem  de  outras,  uma  grande  manufactura  de 
cordas. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  467 


Yaroslav  era  também  centro  importante;  e  bem  assim 
Rostov,  onde  uma  das  principaes  industrias  era  a  pin- 
tura das  imagens  sagradas  sobre  o  esmalte,  por  ter  sido 
outrora  conceituada  como  cidade  santa. 

Na  bacia  do  Oka,  preponderava  Tuia.  Esta  cidade 
foi  escolhida,  em  1712,  por  Pedro  Grande,  para  receber 
a  principal  fabrica  de  armas  do  império ;  e  essa  fabrica, 
ainda  no  fim  do  século  XIX,  occupava  muitos  milhares 
de  operários,  fabricando  cada  anno  70:000  armas  de 
fogo,  alem  de  muitas  armas  brancas  e  instrumentos  de 
ferro  e  aço.  Tinha  também  fabricas  de  instrumentos  de 
mathematica,  e  de  maquinas  e  objectos  de  prata  e  ouro. 
Fornecia  200:000  samovares,  indispensáveis  a  toda  a 
familia  russa.  Era  a  Liège  da  Rússia.  As  fabricas  tinham 
a  vantagem  de  se  acharem  collocadas  ao  pé  de  vastas 
bacias  hulheiras. 

Moscou,  a  segunda  capital  da  Rússia,  que  occupa  o 
centro  geográfico,  onde  convergem  todos  os  caminhos, 
era  também  uma  capital  industrial.  Desde  o  meiado  do 
século  XIX,  contavam-se  lá  650  fabricas,  tendo  um 
conjunto  de  40:000  operários,  e  produzindo  uma  cen- 
tena de  milhões  de  francos.  Os  principaes  estabeleci- 
mentos industriaes  eram  de  fiação  e  tecidos  de  algodão 
e  de  tecidos  misturados,  tinturarias,  manufacturas  de 
lan  e  seda,  curtimenta  e  distillações. 

Koloma  era  muito  commercial. 

Razan  tinha  algumas  fabricas;  mas  era,  sobretudo, 
importante  como  cidade  de  commercio,  graças  ao  Oka, 
rio  que  decorre  á  distancia  de  dois  kilometros,  bem 
como  ao  caminho  de  ferro  de  Moscou  a  Saratov. 

Pavlovo  era  um  dos  grandes  centros  da  industria  de 
ferro.    Milhares    de    operários    fabricavam    lá    300    mil 


468  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


fechaduras  por  anno,  facas,  instrumentos  de  cirurgia  e 
ferramentas  de  toda  a  espécie  em  ferro,  aço  e  cobre. 

Vladimir  e  Suzdal  estavam  muito  decaídas. 

Ivanova  e  Choyo  eram  muito  industriaes. 

Nijni-Novogorod,  para  se  tornar  um  centro  muito 
importante  do  commercio,  bastava  a  feira  que  lá  se 
fazia  e  faz,  a  mais  importante  da  Rússia  e  do  mundo, 
feira  essa  nómada,  como  são  muitos  dos  povos  que  ahi 
vêem  traficar.  Era  frequentada  por  mais  de  100:000  pes- 
soas. O  principal  commercio  consistia  em  pannos  de 
algodão  e.lan.  Depois,  vinham  os  ferros,  as  pelles,  os 
couros  e  os  artigos  de  modas,  dando  logar  á  venda  de 
muitas  dezenas  de  milhões  de  francos.  As  carregações 
do  chá  chinez  eram  também  muito  consideráveis;  pois, 
ainda  nos  últimos  tempos  do  século  XIX,  regulavam  por 
1:000  caixas,  embora  tivessem  diminuído,  por  causa 
das  grandes  facilidades  que  apresentava  o  tráfico  por 
mar  de  Changai  e  Cantão  a  Odessa. 

Níjní-Novogorod  possuía  também  canteiros  de  cons- 
trucção  e  fabricas  metallurgícas. 

Na  bacia  media  do  Volga,  Kazan,  a  antiga  capital 
do  reino  dos  Tártaros,  que  succedeu  como  importante 
mercado  á  cidade  de  Bolgar,  tinha  um  grande  com- 
mercio. Situada  no  cruzamento  das  grandes  vias  da 
Sibéria,  do  Báltico  e  do  Caspio,  tratou  de  expedir 
as  mercadorias  n'essas  três  direcções,  sem  ser  por 
intermédio  de  Novogorod.  Quasi  metade  dos  habi- 
tantes de  Kazan  vivia  da  industria  e  do  tráfico.  Alem 
das  distillações  do  álcool,  a  cidade  tinha  fábricas  de 
pelles  de  marroquim,  que  preparavam  os  melhores  cou- 
ros, manufacturas  de  teias,  e  também  fabricas  de  vellas 
de  cebo  e  de  alluminio. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  469 


Perm  era  muito  metallurgica. 

No  Volga  inferior,  havia  cidades  populosas,  quasi 
todas  de  orig-em  moderna.  E  algumas  d'ellas,  mais  cedo 
ou  mais  tarde,  tomaram  logar  entre  os  maiores  centros 
económicos  da  Rússia,  como  foram  Simbirsk,  Samara, 
Sizran,  Saratov  e  Dubovka. 

Astrakan,  capital  do  vasto  Governo  das  steppes 
caspias,  a  cidade  commercial  das  boccas  do  Volga, 
não  tinha  a  categoria  que  devia  ter,  como  porto  de 
saida  de  uma  bacia  três  vezes  maior  que  a  França, 
e  povoada  de  50  milhões  de  habitantes.  Mesmo  a  cer- 
tos respeitos,  Astrakan  era  uma  cidade  decaída. 

Possuirá  outr'ora  o  monopólio  do  commercio  russo 
com  os  paizes  de  alem  Caspio.  Mas,  nos  últimos  tem- 
pos do  século  XIX,  os  caminhos  de  terra,  de  um  lado, 
por  Oremburgo,  e,  do  outro,  por  Tiflis,  eram  preferidos 
para  os  commerciantes  da  via  maritima,  e  as  barras 
perigosas  do  Volga  eram  cada  vez  mais  evitadas  pelo 
commercio  internacional. 

No  Governo  de  Oremburgo,  as  cidades  de  Orem- 
burgo e  Ural,  tornaram-se  muito  industriaes  e  commer- 
ciaes.    Uma  das  grandes  riquezas  era  a  do  sal. 

Voroneje  era  também  centro  importante. 

Karkov,  a  maior  cidade  da  região,  era  das  mais 
activas  da  Rússia  no  commercio  e  industria.  Concorriam 
ahi  80:000  commerciantes  de  todas  as  partes.  E  era 
também  uma  das  cidades  da  Rússia  que  se  tinha  posto 
á  frente  do  movimento  intellectual  do  império. 

Rostov  era  egualmente  uma  cidade  de  grande  com- 
mercio, onde  três  a  quatro  mil  navios  de  cabotagem 
vinham  cada  anno  carregar  cereaes,  linho,  lans,  cebo 
e    outros   géneros.    Comtudo,   tinha  a  desvantagem  de 


470  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


haver  uma.  parte  do  rio  Don,  onde  os  navios  não  podiam 
subir,  e  a  sua  jurisdicção  não  se  estender  á  entrada  do 
mesmo  rio,  que  pertencia  ao  território  dos  Cossacos, 
de  modo  que  ella  não  podia  emprehender  ahi  trabalhos 
de  drenagem, 

Taganrog,  em  cujo  porto,  no  tempo  de  Pedro 
Grande,  podiam  fluctuar  200  navios,  já  nos  últimos 
annos  do  século  XIX,  só  deixava  approximar-se  d'elle 
os  de  pequena  lotação.  Os  de  um  calado  de  cinco  a 
seis  metros  já  eram  obrigados  a  ancorar  a  15  kilome- 
tros  ao  largo ;  e  os  maiores  tinham  de  parar  mesmo 
a  40  kilometros  do  cães. 

Apezar  d'isso,  prosperou  rapidamente;  e  graças  ao 
seu  caminho  de  ferro,  é  o  porto  de  expedição  mais 
próximo  das  terras  negras  e  de  Karkov  e  do  Don. 

Na  Crimeia,  havia  como  centros  importantes  Sin- 
ferofol,   Sebastopol    e    Kertch. 


* 

* 


A  Rússia,  como  ainda  hoje  acontece,  tinha  más  con- 
dições locaes,  com  respeito  a  communicações  maritimas 
e  fluviaes.  Os  mares  exteriores,  que  são  o  Báltico  e  o 
mar  Negro,  tinham  as  avenidas  fechadas  na  mão  d'outros 
paizes.  E,  alem  d'isso,  os  povos  occidentaes  da  Europa 
esforçaram-se  por  lhe  impedirem  esses  mares. 

E,  quanto  a  rios,  o  mais  importante  é  o  Volga,  que 
é  navegável  para  vapores,  em  grande  parte  do  seu 
curso.  Mas,  infelizmente,  se  não  fem  cataractas,  tem 
muitos  bancos  de  areia. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  471 


No  mar  de  Azof,  o  Dom  tinha  navegação  difficil, 
por  ter  o  leito  pouco  profundo,  e  somente  servia 
para  barcos  chatos  no  estio.  Ainda  assim,  o  movimento 
de  barcos  era  grande,  porque  esse  rio  era  também  o 
grande  caminho  de  trigos,  cebos  e  fenos,  que  vinham 
do  interior,  e  se  dirigiam  para  os  portos  de  Rostov  e 
Taganrog. 

O  Dnieper,  um  dos  maiores  rios  da  Europa,  era, 
então,  como  ainda  hoje,  impraticável  em  muitos  pon- 
tos, por  causa  das  suas  cataractas  e  rápidos;  e  era-o, 
principalmente,  na  bacia  que  obstruía  a  sua  embocadura. 

O  Dniester  só  era  accessivel  a  barcos. 

O  Neva  gelava  todos  os  annos  durante  o  inverno 
até  Abril.  E  tal  era  o  contentamento  com  o  desgêlo 
que  havia,  então,  uma  festa  em  S.  Petersburgo. 

O  Duina  Meridional  é  também  difficilmente  navegá- 
vel, por  causa  dos  innumeraveis  escolhos  e  bancos  de 
areia,  que  o  obstruem.  E  o  Duina  do  Norte  está  quasi 
sempre  gelado. 

E,  alem  d'estes  rios,  estarem  gelados  n'uma  grande 
parte  do  anno,  havia  ainda  o  perigo  do  súbito  des- 
coalho. 

'  O  littoral  do  Oceano  Glacial  é  chato,  baixo  e  pan- 
tanoso, e  o  mar  está  gelado  também,  durante  nove  a 
dez  mezes  no  anno.  O  único  porto  importante  era 
Arkangel,  na  embocadura  do  Duina  do  Norte, 

As  costas  do  littoral  do  mar  Báltico  são  baixas, 
semeadas  de  ilhas,  ilhotas,  rochedos  e  baixos  fundos, 
que  tornam  a  approximação  difficil;  e  a  pequena  profun- 
didade só  consente  navios  de  pouca  lotação.  Esse  mar 
está  gelado  também,  quatro  ou  seis  mezes  no  anno ;  é 
muito  atreito  a  nevoeiros  cerrados  ;  e  a  entrada  do  golfo 


472  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


de  Riga  ou  Livonia  é  também  difficil,  porque  só  pode 
penetrar-se  n'elle  por  estreitos  muito  perig-osos. 

O  mar  Negro  é  também  mau  para  a  navegação, 
pelos  nevoeiros,  tempestades  súbitas  e  ventos  muito 
violentos.  Os  invernos  são  lá  também  muito  rigorosos; 
e  Odessa  e  o  estreito  de  Jenikale  gelam,  mais  ou  menos, 
todos  os  annos. 

O  mar  de  Azof  é  pouco  profundo,  e,  portanto,  só 
é  navegável  para  pequenos  navios;  e  gela  egualmente, 
mais  ou  menos,  todos  os  annos. 

Finalmente,  o  Caspio  é  da  mesma  forma  pouco  pro- 
fundo, muito  cheio  de  bancos  de  areia,  e,  porisso,  pouco 
navegável. 

Em  compensação,  a  Rússia  tinha,  como  ainda  tem, 
um  notável  systema  de  canaes,  que  punham  em  com- 
municação  os  diversos  mares  e  rios  do  império. 

Foi  sempre  muito  deficiente  de  estradas.  Servia-se 
dos  caminhos  que  a  própria  natureza  cavou.  A  pri- 
meira estrada  carrossavel  que  tal  nome  merecia,  foi 
construida  de  Moscou  a  S.  Petersburgo,  no  tempo  de 
Pedro  Grande.  Mas  nem  essa,  nem  outras  que  depois 
se  fizeram,  correspondiam  ás  necessidades  do  com- 
mercio,  por  terem  sido  traçadas  como  objectivas  de 
fiscalisação  e  estratégia.  Em  1896,  ainda  as  estra- 
das não  mediam  mais  do  que  12:800  kilometros  de 
extensão. 

O  território  não  se  prestava  ao  estabelecimento  de 
caminhos  de  ferro,  porque  era  preciso  fazer  muitas 
pontes  e  muitas  calçadas  nas  regiões  pantanosas,  a 
nordoeste  e  sudoeste. 

E,  porisso  e  por  má  poHtica  dos  imperadores,  a 
Rússia   repulsou   por   muito   tempo   a   construcção   das 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  473 


vias  férreas;  e  tanto  assim  que,  até  1843,  não  foi  aucto- 
risado  nenhum  caminho  de  ferro.  O  imperador  Nicolau, 
só  permittiu  a  construcção  da  via  férrea  de  S.  Peters- 
burgo  a  Moscou.  Mas  a  guerra  da  Crimeia  abriu  os 
olhos  aos  politicos  russos,  e,  porisso,  desde  1865  a  1880, 
foram  construidos  27:000  kilometros  na  Rússia,  1:600  na 
Finlândia,  e  1:100  no  Turkestan.  Depois,  pararam  as 
construcções,  por  circumstancias  financeiras,  e  porque 
a  despeza  com  as  vias  já  construidas  tinha  sido  enorme. 
Recomeçaram,  porém,  nos  últimos  tempos,  de  modo 
que,  no  fim  do  século,  já  passavam  de  50:000  kilo- 
metros. 

Entre  os  caminhos  de  ferro  avultavam  a  gigantesca 
linha  transiberiana,  que  atravessava  toda  a  Sibéria,  e  a 
transcaucasica,  que  atravessava  o  Cáucaso. 

Moscou  era  o  centro,  e  d'ahi  irradiavam  linhas  em 
todo  o  sentido  para  S.  Petersburgo,  Varsóvia,  Odessa 
e  Crimeia,  Vladikavkas,  Oremburgo,  Nijni-Novogorod, 
Perm,  lekaterinemburgo,  Jaroslav  e  Vologda. 

De  S.  Petersburgo  partia  a  linha  de  Finlândia;  e  de 
Perm,  uma  linha  atravessava  os  montes  Uraes,  e  ia 
acabar  em  Tiumen,  n'um  affluente  do  Irtych. 

A  linha  férrea  de  Rostov-Vladicaucaso  foi  prolon- 
gada até  Petronsk,  porto  ao  norte  do  Cáucaso,  sobre 
o  mar  Negro,  indo  dar  a  Ouzom-Ade,  sobre  a  costa 
oriental  do  Cáucaso,  terminas  do  caminho  de  ferro 
transcaspiano.  De  lá  atravessou  o  Caspio,  chegando  a 
Petrowik,  depois  a  Novorossisk,  pela  linha  férrea  do 
norte  do  Cáucaso,  passando  em  Vladicaucaso  e  Thi- 
koraikairo. 

Contrariamente  ao  que  succede  em  muitos  paizes, 
o   inverno   é   que   constitue    a   estação  dos  transportes 


474  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


por  terra.  As  camadas  de  neve,  endurecidas  por 
muitos  mezes,  prestam-se,  ainda  melhor  que  o  solo,  na 
estação  quente,  á  condução  de  carros,  carruagens  e 
trenós  \ 


1  Achille  Lestrelin,  Les  Paysans  Russes.  —  P.  Milioukov,  Essaies 
sur  IHistoire  de  la  Civilisation  Russe,  traducção  franceza  feita  por 
P.  Dramas  e  D.  Soskire.  —  Louis  Sharzynski,  L' Álcool  et  Son  His- 
toire  en  Russie.  —  Leroy  Beaulien,  LEmpire  des  Tzars  et  Les  Russes. 
—  Jando,  La  Russie.  —  Guenin,  La  Russie.  —  Noel,  obr.  cit.  —  Lanier, 
LEurope.  —  Chopin,  La  Russie.  —  Mareei  Dubois  et  Kergomard,  obr. 
cit.  —  J.  Machat,  Le  Dêveloppement  Economique  de  La  Russie. — 
E.  Reclus,  Nouvelle  Gèographie  Universelle,  LEurope,  La  Scandi- 
nave  et  La  Russie.  —  Ladissiau  Batalha,  A  Rússia  por  dentro. 


CAPITULO  XV 

A  península  dos  balkans 
I 

Turquia 

Leve  esboço  da  historia  politica  desta  peninsula,  e,  porisso  mesmo, 
também  da  Turquia,  n'este  período.  —  Aspecto.  —  Systema 
orográfico  e  hydrografico  e  clima  da  mesma  peninsula.  —  Turquia. 
—  Seu  atraso  económico.  —  Causas  que  influiram  n'isso.  —  Pro- 
ductos.  —  Mau  regimen  da  propriedade.  —  Agricultura.  —  Indus- 
tria e  commercio.  —  Centros  económicos  principaes.  —  Communi- 
cações. 

Quando  começou  este  período  da  historia  contem- 
porânea, a  Turquia  comprehendia  na  Europa  a  Romelia 
Oriental  e  Occidental,  a  Macedónia,  a  Albânia,  a  Gré- 
cia, o  Montenegro,  a  Servia,  a  Roménia,  a  Bósnia,  a 
Herzegovina,  a  Besserrabia,  o  Delta  do  Danúbio,  Creta 
e  suas  dependências  insulares;  e,  fora  da  Europa,  os 
territórios  de  Pati  e  de  Akhalzich,  Samos,  as  posses- 
sões da  Ásia  Menor,  o  vilayet  de  Tripoli,  o  Kedivato 
do  Egypto  e  Alger.  E  entrava,  alem  d'isso,  pelo  cora- 
ção da  Africa. 

E  também  no  principio  d'este  periodo,  já  a  Rússia 
se  tinha  tornado  inimiga  cega  e  hereditária  da  Turquia  \ 


1     Vide  vol.  V,  pag.  433. 


476  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


onde  então  reinava  Selin  III  (1739-1801);  e  as  prepo- 
tências russas  não  pararam  mais. 

O  tratado  de  Jassy  (1792),  imposto  pela  Rússia  a 
Selin  III,  installou  os  Russos  no  este  do  Dniester,  na 
Crimeia,  na  ilha  de  Taman,  e  na  provincia  de  Kuban. 
Os  abusos  e  a  desorganisação  do  império  eram,  então, 
grandes;  e  a  Porta  fez  esforços  tenazes,  para  reprimir 
esses  abusos,  reorganisar  o  exercito  á  moderna,  e  me- 
lhorar a  administração.  Mas  estes  esforços  nada  apro- 
veitaram; e,  pelo  contrario,  trouxeram  a  revolta  dos 
Janissaros  e  a  deposição  do  sultão  (1807). 

Seguiu-se  o  reinado  ephemero  de  Mustapha  IV 
(1807-1808). 

Depois,  Mahmud  II  (1808-1829)  retomou  activamente 
a  politica  de  Selin  III,  com  o  apoio  do  enérgico  vizir, 
Baraictar.  Mas  as  reformas  interiores  baldaram-se  tam- 
bém; e,  no  exterior,  as  desgraçadas  campanhas  de 
1810-1811  contra  a  Rússia,  forçaram-no  a  assignar 
o  tratado  de  Bukarest  (1812),  no  momento  em  que 
Napoleão  invadia  a  Rússia. 

A  Besserrabia,  em  virtude  d'esse  tratado,  tornou-se 
numa  provincia  russa. 

O  império  ottomano  estava,  então,  n'uma  desorga- 
nisação  completa. 

Os  pachás  revoltavam-se  nas  provincias,  e  os  Janis- 
saros, em  Constantinopla. 

A  Grécia  emancipou-se  (1827);  e  a  intervenção  das 
outras  potencias,  na  questão  hellenica,  trouxe  a  des- 
truição da  frota  turca  em  Navarino  (1827).  A  guerra 
santa,  emprehendida  por  Mahmud  contra  os  Russos,  no 
Danúbio  e  no  Cáucaso,  resultou  n'uma  vergonha  para 
o  sultão;  porque  foi  obrigado  a  acceitar  o  tratado  de 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  477 


Andrinopla  (1829),  que  lhe  custou  o  Delta  do  Danúbio, 
os  territórios  de  Poti  e  de  Alchalzich,  cedidos  ao  czar. 
Também  por  esse  tratado,  a  Grécia  foi  transformada 
eni  reino  independente,  e  a  Servia,  a  Valachia  e  a  Mol- 
dávia passaram  para  a  classe  de  provincias  autónomas, 
embora  unidas   ao   império   por    um   laço  muito  frag^il. 

Alguns  mezes  depois,  a  Porta  perdeu  ainda  Alger; 
e,  em  1833,  rebentava  entre  o  sultão  e  o  pachá  do 
Egypto  —  Mehemet-Ali  uma  lucta  que  ia  arrancar  á  Tur- 
quia um  novo  pedaço  das  suas  possessões  territoriaes. 

Depois,  o  tratado  de  Hunkiar  Skeessi,  concluido 
na  Rússia  (1833),  e  a  convenção  europeia  dos  estreitos 
(1840)   fechava   os   Dardanellos  ás  frotas  estrangeiras. 

Abdul  Medjid  (1838-1861),  logo  na  sua  subida  ao 
trono,  promulgou  o  famoso  hatti  cherif  do  Gulkhané, 
vasto  programma  de  reformas,  que  elle  se  propunha 
cumprir.  Por  esse  acto,  garantia  a  todos  os  súbditos  do 
império  a  vida,  a  honra  e  a  fortuna ;  estabelecia  um 
modo  uniforme  e  regular  de  imposto ;  regularisava  tam- 
bém o  serviço  militar;  suprimia  os  monopólios;  e  garan- 
tia a  propriedade,  a  justiça  dos  tribunaes  e  as  heran- 
ças. Mas  taes  promessas  ficaram,  na  maior  parte,  letra 
morta,  porque  o  trazimat  ou  organisação  respectiva 
foi  indefinidamente  adiada. 

A  discussão  internacional  levantada  acerca  do  pro- 
tectorado dos  logares  santos,  que  a  Turquia  reclamava, 
em  nome  dos  seus  interesses  anteriores,  trouxe  um 
novo  conflicto  com  a  Rússia.  Mas,  d'essa  vez,  a  França 
e  a  Inglaterra  fizeram  causa  commum  com  o  sultão,  e 
os  exércitos  russos  foram  vencidos  na  guerra  da  Cri- 
meia.  Sebastopol  foi  tomada  (1855) ;  e,  como  conse- 
quência, o  tratado  de  Paris  (1856)  aboliu  a  protecção 


478  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


da  Rússia  sobre  os  Principados  Danubianos;  entregou 
á  Turquia  as  boccas  do  Danúbio,  para  as  colocar  na 
vigilância  de  uma  comissão  europeia;  fechou  os  estreitos 
do  mar  Negro  aos  navios  de  guerra  de  todas  as  poten- 
cias; e  garantiu  a  integridade  do  império  ottomano. 

O  reino  de  Abdul-Aziz  (1861-1876)  foi  perturbado 
pelas  insurreições  do  Montenegro,  que  obteve  a  inde- 
pendência completa,  em  1862  e  1863,  ficando  apenas  a 
pagar  um  tributo  annual,  e  também  pelas  insurreições 
da  Servia  e  Creta.  E  as  prodigalidades  do  sultão  leva- 
ram o  Estado  á  bancarrota. 

Por  tudo  isso,  foi  elle  deposto  e  morto,  sucedendo- 
Ihe  Murad  V,  que  só  reinou,  desde  maio  d'esse  anno 
até  agosto. 

O  reinado  do  seu  irmão  e  successor  Abdul-Hamid  II 
(1876-1909)  abriu-se  no  meio  da  insurreição  das  pro- 
vincias  slavas.  A  Rússia  interveiu  de  novo  no  Danú- 
bio ;  e,  devido,  sobretudo,  ao  apoio  das  tropas  auxilia- 
res romenas,  os  exércitos  russos  tomaram  Plevna, 
apesar  da  heróica  resistência  de  Oman-Pachá ;  atra- 
vessaram os  Baikans;  e  marcharam  sobre  Constanti- 
nopla. 

A  Turquia,  vencida  na  Ásia,  como  na  Europa,  teve 
de  assignar  o  tratado  de  San  Stefano  (1878);  mas  a 
Europa  entendeu  que  elle  era  demasiadamente  vantajoso 
para  a  Rússia  e  para  os  seus  alliados,  e,  por  isso,  o 
congresso  de  Berlim,  também  de  1878,  reduziu  as  pre- 
tensões dos  vencedores. 

Ainda  assim,  abandonou-se,  então,  á  Rússia,  na 
Ásia,  Batum,  Ardahan  e  Kars,  e  na  Europa  a  Besserra- 
bia  romena  até  o  Pruth  e  o  Baixo  Danúbio.  A  Roménia 
recebeu,  em  troca,  o  Delta  do  Danúbio  e  a  pantanosa 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  479 


Dobrudja.  Cedeu-se  á  Áustria  a  ocupação  militar  da 
Bósnia,  da  Herzegovina  e  do  território  de  Lim,  o  porto 
de  Spizza,  no  Adriático,  e  a  ilha  do  Neu  Orsova.  Ao 
Montenegro,  o  porto  do  Antivari,  desimbocadouro  há 
muito  tempo  reclamado;  e,  em  1881,  ajuntou-se-lhe  o 
de  Dulcigno.  A  Servia  foi  libertada  do  tributo  annual 
que  pagava  á  Turquia;  e  foi  engrandecida  com  uma 
parte  da  velha  Servia,  com  a  fortaleza  de  Nisch  ou 
Nissa,  o  Leskovatz  e  Wranja.  A  Grécia  foi  augmentada 
com  a  provincia  da  ThessaHa.  Foi  reconhecida  formal- 
mente pela  Porta  a  independência  completa  da  Romé- 
nia, da  Servia  e  do  Montenegro.  A  Bulgária,  entre  o 
Danúbio  e  os  Balkans,  tornou-se  principado  tributário 
da  Turquia,  sob  o  governo  de  um  príncipe  estrangeiro. 
A  Romelia  Oriental,  comprehendendo  o  curso  supe- 
rior do  Maritza,  ao  norte  do  Rhodope  e  dos  montes 
Strandja,  foi  declarada  também  provincia  autónoma, 
sob  a  suzerania  da  Turquia.  Emfim,  a  ilha  de  Chypre 
foi  cedida  á  Inglaterra,  e  deu-se  á  França  a  suzerania 
sobre  a  regência  de  Tunis. 

A  Turquia  perdeu  por  estes  últimos  tratados 
196:622  kil.  e  4.504:500  habitantes. 

Em  1885,  produziu-se  no  Oriente  um  movimento 
inesperado.  Rasgando  o  tratado  de  Berlim,  a  Romelia 
Oriental,  de  accordo  com  a  Bulgária,  levantou-se  con- 
tra a  dominação  ottomana,  expulsou  de  Philippopuli  o 
governador  russo  Gravil-Pachá,  e  proclamou  a  união 
búlgara,  sob  a  mesma  bandeira  e  sob  um  principe 
único  —  Alexandre  de  Battemberg. 

Em  vista  d'este  conflicto  ameaçador,  a  Servia  e  a 
Grécia  tomaram  as  armas,  promptas  a  reclamar  o  seu 
quinhão    nos    novos    despojos    arrancados    á    Turquia, 


480  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


para  a  manutenção  do  equilíbrio  entre  os  pequenos 
Estados  da  peninsula. 

A  Servia  declarou  a  gfuerra  á  Bulgária,  e  foi  batida 
por  toda  a  parte.  Mas  a  Rússia,  para  se  desembaraçar 
do  principe  Battemberg,  que  tomava  a  serio  o  seu 
papel  de  chefe  de  Estado,  e  recusava  dobrar-se  ao 
jugo  moscovita,  suscitou  contra  elle  uma  conspiração 
militar,  que  o  depoz,  em  1886. 

Os  Búlgaros  novamente  o  proclamaram  depois 
d'isso ;  mas  a  hostilidade  da  Rússia  também  nova- 
mente o  afastou  do  poder.  Uma  regência  foi  installada 
em  Sofia;  e   a  questão  búlgara  ficou  pendente  sempre. 

Em  1897,  o  levantamento  de  Creta  contra  a  Tur- 
quia fez  rebentar  uma  nova  guerra  dos  Turcos  contra 
ella  e  contra  a  Grécia,  que  a  apoiava.  Edhem  occupou 
a  Thessalia,  e  os  Gregos,  batidos  por  toda  a  parte, 
puderam,  comtudo,  graças  á  intervenção  das  potencias, 
concluir  a  paz  em  condições  que  não  foram  muito 
desvantajosas. 


E'  a  primeira  vez  que,  n'esta  obra,  tratamos  espe- 
cialmente da  peninsula  dos  Balkans;  e,  por  isso,  antes 
de  examinarmos  também  especialmente  o  seu  movi- 
mento industrial  e  commercial,  julgamos  conveniente 
expor,  como  já  temos  feito  com  os  outros  paizes,  algu- 
mas noções  preliminares  e  geraes  a  toda  ella,  quanto  aos 
seus  factores  económicos  naturaes;  por  que  essas  noções 
auxiliarão  o  estudo  d'aquelle  movimento. 

Esta  peninsula  é  accidentada  pela  cadeia  monta- 
nhosa   dos   Balkans,   que  se   estendem   do  Timock    ao 


tDADE   CONTEMPORÂNEA  431 


mar  Negro,  n'um  comprimento  de  500  kilometros,  e 
que  separa  as  aguas  da  bacia  danubiana  búlgara  da 
vertente  do  archipelago  romeliota  e  turco. 

Essa  cadeia  é  formada  de  vastos  platós,  cobertos  de 
espessos  cerrados  de  abrolhos  e  tojos  e  de  magnificas 
florestas  de  pinheiros,  sobre  a  vertente  do  norte,  entre- 
tanto que  a  vertente  do  sul  é,  geralmente,  rochosa  e 
desnudada. 

Pode  bem  dividir-se  a  península  em  três  secções : 

l.*^  O  Balkan  occidental,  cujos  cumes  de  porfido, 
granito  e  gneiss  são  despidos  de  vegetação,  mas  cujas 
inclinações  meridionaes  estão  cobertas  de  carvalhos  e 
de  faias. 

2.^  O  Balkan  central,  o  mais  elevado  (1:700  a  2:330 
metros),  formado  de  rochas  cristalinas,  que  envia  ao 
norte  numerosos  contrafortes  para  Tirnovo,  Osman, 
Bazar  e  Chumla,  e  cujas  cadeias  meridionaes  encerram 
grandes  valles. 

3.*  O  Balkan  oriental,  o  menos  elevado  (600  a 
700  metros),  formado  por  camadas  de  greda,  que  se 
prolonga  a  este  de  Slivno  até  o  mar  Negro,  no  cabo 
Emineh.  Ao  sudeste,  liga-se  á  cadeia  granitica  dos 
montes  Strandja  (1:290  a  1:500  metros),  paralellos  ao 
mar  Negro,  e  que  se  prolongam  até  ás  portas  de 
Constantinopla. 

Os  principaes  rios  são  o  Danúbio,  o  Timock,  o  Lom, 
o  Isker,  o  Maritza,  o  Arda,  o  Vardar,  o  Arta  e  o  Drin. 

O  clima,  em  geral,  é  o  mediterrâneo ;  mas  infinita- 
mente variado,  segundo  as  diversas  regiões  e  macissos, 
platós,  planicies  e  littoral. 

Assim,  é  rude,  ao  norte,  nas  montanhas,  e  com  o 
vento  gelado  também  do  norte ;  e,  ao  sul,  nos  montes 

Volume  VI  31 


482  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


da  Thracia  e  da  Macedónia.  Muito  doce  na  vertente 
meridional  e  nos  valles  longitudinaes  dos  Balkans,  e 
nas  costas,  onde  as  chuvas  são  abundantes  no  inverno. 

Na  Roménia,  é  continental  em  todo  o  seu  rigor,  por 
forma  que  o  thermometro  marca  35  graus  positivos  no 
verão  e  30  abaixo  de  zero  no  inverno.  E'  que  os  ventos 
ahi  predominantes  são  os  do  nordeste,  que,  depois  de 
terem  atravessado  as  steppes  da  Rússia  meridional, 
vão,  ardentes  no  verão  e  gelados  no  inverno,  desimbo- 
car  nos  baixos  valles  do  Danúbio  e,  portanto,  nas  pla- 
nicies  da  Moldávia  e  Valachia. 

A   Servia  e  Bulgária  participam  ainda  d'este  clima. 

A  Grécia  tem,  geralmente,  um  clima  temperado. 


* 


A  Turquia  estava  muito  atrasada,  quando  começou 
o  periodo  de  que  estamos  tratando;  e  atrasada  conti- 
nuou por  todo  elle. 

Contribuiram  para  isso  varias  causas. 

Primeiramente,  o  atraso  que  já  vinha  dos  tempos 
anteriores ;  e  em  segundo  logar,  a  inércia  económica  da 
população. 

Alem  d'isso,  a  própria  diversidade  de  raças  prejudi- 
cava o  progresso.  Eram  Sérvios  contra  Albanezes; 
Búlgaros  contra  Gregos;  e  todos  contra  os  Turcos. 
E  estes,  senhores  d'estas  populações  diversas,  a  todas 
opprimiam;  e  a  sua  grande  arte  era  precisamente  oppor 
umas  ás  outras,  para  elles  reinarem  em  paz  em  cima 
dos  seus  conflictos. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  483 


Nem  podia  haver  progresso  n'um  império,  onde  o 
capricho  era  soberano. 

O  Padichah  ^  era  ao  mesmo  tempo  senhor  das  almas 
e  dos  corpos,  o  grande  juiz  e  pontifice  supremo.  Outr'ora, 
o  seu  poder  estava  praticamente  hmitado  pelo  dos  feu- 
datarios,  que,  muitas  vezes,  conseguiam  tornar-se  quasi 
que  independentes.  Mas,  depois  de  uma  revolta  dos 
janissaros,  que  foi  abafada,  o  sultão  nada  teve  a  temer 
dos  súbditos,  e  os  limites  da  sua  omnipotência  eram 
apenas  os  costumes,  as  tradições  dos  seus  antecesso- 
res e  os  interesses  dos  governos  europeus. 

Era  o  mais  absoluto  dos  monarcas.  A  sua  lista  civil, 
em  proporção  dos  rendimentos  do  paiz,  era  também  a 
maior  da  Europa.  Demais  a  mais,  tinha  instituido  por 
todo  o  império  um  orçamento  do  qual  attribuia  a  si 
próprio  quasi  uma  decima  parte;  e  ainda  tudo  isso  não 
era  sufficiente,  porque,  frequentes  vezes,  tinha  de  cobrir 
o  deficit  por  empréstimos,  a  juros  de  15  a  20  por  cento, 
aos  quaes  hypothecava  o  producto  dos  impostos  e  das 
alfandegas. 

O  trem  da  casa  do  sultão  e  da  familia  era  verda- 
deiramente desenfreado.  Existia  no  palácio  um  exercito, 
pelo  menos,  de  seiscentos  serviçaes  e  escravos  dos 
dois  sexos,  e  entre  elles  oitenta  cozinheiros. 

Alem  d'isso,  a  própria  domesticidade  era  rodeiada 
de  uma  turba  de  parasitas,  que  viviam  em  volta  do 
palácio,  e  que  se  alimentavam  das  cozinhas  imperiaes. 

Em  virtude  dos  seus  contractos,  os  fornecedores 
eram   obrigados   a   entregar,   cada   dia,   uma   média  de 


1     E'  o  titulo  que  toma  o  sultão  dos  ottomanos. 


484  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


1:200  carneiros.  E  a  importância  d'este  artigo  de  con- 
sumo permitte  ajuizar  a  enorme  somma  a  que  devia 
elevar-se  o  consumo  dos  outros  artigos.  A's  despezas 
correntes  accresciam  as  provenientes  da  construcção  dos 
palácios  e  kiosques,  a  compra  de  todas  as  bugiarias  do 
Oriente,  fabricadas  em  Paris,  a  das  coliecções  de  fan- 
tasia, e  as  prodigalidades  de  toda  a  ordem,  e  os  roubos 
e  delapidações  sem  fim. 

Os  ministros,  os  sábios  e  os  grandes  do  império 
faziam  por  imitar,  o  melhor  que  podiam,  o  seu  senhor, 
e  como  elle  excediam  os  limites  que  lhes  traçava 
um  orçamento  ficticio,  apezar  de  serem  muito  bem 
pagos ;  porque  estava  admittido  no  Oriente  que  as 
altas  dignidades  deviam  ser  realçadas  pelo  brilho  da 
fortuna  e  pelas  prodigalidades  do  luxo.  E  nada  se 
importavam  elles  com  os  trabalhos  úteis,  nem  restavam 
recursos  económicos  para  esses  trabalhos.  E,  quanto 
aos  empregados  inferiores,  esses  tinham  uns  ordenados 
irrisórios,  e  eram  muito  mal  pagos;  mas  estava  também 
admittido  que  se  podiam  indemnizar  na  multidão  das 
corveas  ou  impostos. 

Tudo  se  vendia  e,  sobretudo,  a  justiça.  O  estado 
das  finanças  era  lamentável;  os  empréstimos  faziam-se 
a  taxas  tão  exageradas,  e  a  desorganização  dos  serviços 
era  tão  completa  que,  algumas  vezes,  se  chegou  a  propor 
o  fazer  administrar  o  orçamento  ottomano  por  um  syn- 
dicato  de  potencias  europeias. 

N'um  tal  regimen,  a  agricultura  e  a  industria  só 
podiam  desinvolver-se  lentamente.  A  terra  não  faltava;  e, 
pelo  contrário,  vastas  extensões  de  solo,  o  mais  fecundo, 
estavam  de  pousio.  Ninguém  tratava  de  saber  a  quem 
pertenciam,  e  o  primeiro  que  viesse,  podia  apoderar-se 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  485 


d'ellas.  Mal  d'elle,  porém,  se  tirasse  proveito  da  cultura, 
e  tivesse  a  fantasia  de  enriquecer ;  porque,  então,  o  solo 
que  fabricava,  era  tido  como  fazendo  parte  das  terras 
pertencentes  ao  culto,  ou  qualquer  pachá  se  apoderava 
d'ellas,  fazendo  até  muitas  vezes,  bastonar  o  possuidor. 
Em  muitos  districtos,  era  mesmo  corrente  que  o  lavrador, 
o  mais  económico  e  o  mais  activo,  devia  limitar  a  sua 
colheita  ao  estrictamente  necessário;  e  não  se  gostava 
até  de  uma  ceifa  abundante,  porque  o  acréscimo  da 
producção  trazia  o  acréscimo  dos  impostos,  e  podia 
atrair  as  inquirições  suspeitosas  do  exactor. 

Da  mesma  forma,  nas  pequenas  cidades,  o  commer- 
ciante  cujos  negócios  estivessem  em  via  de  prosperidade, 
acautelava-se  de  mostrar  a  sua  riqueza,  e  fingia-se  todo 
humilde  e  todo  pequeno,  deixando  mesmo  a  sua  casa 
tomar  aspecto  de  miséria. 

A  fim  de  gozar  em  paz  da  sua  propriedade  territo- 
rial, as  familias  mussulmanas  tinham  em  grande  numero 
cedido  os  seus  direitos  de  dominio  ao  clero  ottomano. 
Ficavam  apenas  simples  usufructuarias,  mas  tinham  a 
vantagem  de  não  pagar  impostos;  porque,  tornadas 
d'este  modo  santas  as  suas  terras,  os  seus  descenden- 
tes podiam  gozar  dos  rendimentos  até  á  extincção  da 
familia. 

Essas  terras,  que  se  designavam  sob  o  nome  de 
vakoufs,  constituiam  talvez  o  terço  da  superficie  do 
território.  Nada  tinham  com  o  Estado,  e  tinham  também 
um  valor  insignificante  para  os  próprios  usufructuarios, 
rotineiros  fatalistas,  que  se  haviam  despojado  dos  seus 
titulos  de  propriedade,  exactamente  por  causa  da  sua 
falta  de  iniciativa.  E,  quando  assim  haviam  engrandecido 
os   domínios  do  clero,  a  maior  parte  d'esses  domínios 


486  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

ficavam  incultos.  Todo  o  peso  dos  impostos  recaía 
na  terra  trabalhada  pelos  desgraçados  christãos,  e 
ainda  o  total  d'estes  impostos  ia  augmentando,  á  pro- 
porção que  augmentava  também  a  extensão  dos  terre- 
nos vakoufs. 

A  tudo  isto  accrescia  ainda  que,  para  evitar  a  fraude, 
certos  collectores  de  dizimos  não  achavam  outro  modo 
mais  engenhoso  do  que  obrigar  os  cultivadores  a  amon- 
toar ao  longo  dos  campos  todo  o  producto  das  suas 
colheitas.  E,  emquanto  os  agentes  do  fisco  não  recebiam 
as  suas  gabellas,  era  preciso  que  os  montões  do  milho, 
arroz  e  trigo  ficassem  n'esses  campos,  expostos  ao  vento, 
á  chuva  e  ao  dente  dos  animaes;  de  modo  que,  muitas 
vezes,  quando  o  Governo  tinha  tirado  o  seu  dizimo,  já 
a  colheita  havia  perdido  m.etade  do  seu  valor. 

E,  comtudo,  tal  é  a  fertilidade  do  solo  sobre  as  duas 
vertentes  de  Hemus  na  Macedónia,  e  na  Thessalia,  que, 
apezar  da  falta  de  caminhos,  dos  abusos  do  fisco,  da 
usura  e  do  roubo  e  do  mais  que  temos  exposto,  a 
agricultura  entregava  ao  commercio  uma  grande  quan- 
tidade de  productos,  contribuindo  também  para  isto  o 
ser  a  agricultura  a  principal  occupação  dos  habitantes. 

O  miljjo  ou  trigo  da  Turquia  e  todos  os  cereaes 
eram  colhidos  com  abundância.  Os  valles  do  Karason 
e  Vardar  davam  algodão,  tabaco  e  drogas  tinturiaes. 
O  littoral  e  ilhas  forneciam  arroz,  vinho,  azeite  e 
laranjas.  O  vinho  era  também  abundante  no  valle  do 
Maritza.  As  amoreiras  estendiam-se  em  verdadeiras 
florestas   por  algumas  partes  da  Thracia  e  da  Romelia. 

Na  Albânia  e  Macedónia,  dominavam  os  cereaes 
pobres  como  centeio  e  sarraceno;  mas,  nos  valles  e 
terras  abrigadas,  havia  também  trigo  e  milho. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  487 


Na  Bósnia  e  Herzegovina,  a  agricultura  estava  tam- 
bém muito  atrasada. 

Ainda  nos  últimos  tempos  da  dominação  turca,  os 
mussulmanos  bósnios  possuiam  muito  mais  propriedades 
territoriaes   que  a  parte  proporcional  á  sua  população. 

O  solo  estava  dividido  ahi  em  spahiliks  ou  feudos 
mussulmanos,  que  se  transmittiam  segundo  os  usos 
siavos,  não  por  direito  do  mais  velho,  mas  indivisivel- 
mente  a  todos  os  membros  da  familia. 

Os  lavradores  christãos  eram  obrigados  a  trabalhar 
para  a  communidade  mussulmana,  já  não  como  servos, 
mas  como  jornaleiros,  e  por  mez  e  em  tarefas. 

Os  mais  felizes  tinham  uma  parte  nos  beneficios  da 
associação,  mas  haviam  de  supportar  proporcionalmente 
os  maiores  encargos;  e,  por  isso,  muitos  christãos 
fugiam  da  agricultura,  para  se  entregarem  ao  com- 
mercio. 

Assim,  quasi  todo  o  tráfico  mercantil  se  encontrava 
nas  mãos  dos  catholicos  gregos  e  romenos  da  Herze- 
govina e  de  seus  correligionários  estranhos  á  Áustria 
slava.  Os  judeus  hespanhoes,  agrupados  em  communi- 
dades  nas  cidades  principaes,  acostavam-se  também  ao 
negocio  e  aos  empréstimos  por  hypotheca. 

Mas,  em  despeito  das  boas  qualidades  do  povo,  que 
barbaria,  ignorância  e  fanatismo  subsistia  ao  mesmo 
tempo  nos  Christãos  e  Mahometanos ! 

A  falta  de  estradas  e  as  florestas  e  rochedos  das 
montanhas  conservavam-nos  afastados  de  toda  a  in- 
fluencia civilisadora,  e  a  slivovitza  (aguardente  de 
ameixa),  de  que  os  lavradores  bósnios  faziam  um 
grande  commercio,  contribuia  a  mantel-os  n'esse  estado 
de   embrutecimento.    Calcula-se   que   os   habitantes  da 


488  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Bósnia  e  Herzegovina  bebiam,  termo  médio,  130  litros 
cada  um,  d'essa  aguardente  por  anno. 


O  Governo  turco  era  muito  mais  respeitador  das 
arvores  que  os  paizes  orientaes  e  que  a  maior  parte  dos 
paizes  europeus ;  e,  porisso,  a  vegetação  florestal  era 
grande  na  Albânia  e  nas  partes  elevadas  das  outras 
regiões.  Mas  essa  riqueza  estava  quasi  desaproveitada, 
pela  falta  de  estradas  e  conimunicações. 

As  essências  mais  communs  eram  os  carvalhos, 
castanheiros,  nogueiras  e  freixos;  mas  a  exploração  limi- 
tava-se,  com  pequena  differença,  á  procura  do  enveloppe 
das  glandes  de  uma  espécie  de  carvalhos,  substancia 
essa  muito  empregada  na  tinturaria. 


* 
* 


Quanto  aos  productos  animaes,  a  seccura  do  clima, 
a  asperesa  das  regiões  montanhosas  e  a  inconstância 
das  correntes  de  agua,  impediram  sempre  a  criação  do 
gado  graúdo  nas  vertentes  do  mar  Jonio  e  do  Archi- 
pelago.  Os  bois  só  eram  empregados  nos  trabalhos  da 
cultura  e  no  transporte  dos  géneros  agricolas,  e  a 
carne  contribuia  muito  pouco  para  alimentar  a  popula- 
ção. Em  todo  o  caso,  tanto  essa  espécie,  como  a  dos 
buffalos,    criava-se  em  grande  quantidade  na  Romelia. 

Pelo  contrario,  as  condições  do  paiz  eram  favoráveis 
á  criação  do  gado  miúdo.  Havia  muitos  carneiros  tam- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  489 


bem  na  Romelia,  e  a  oeste,  na  região  dos  lagos  e  nas 
planicies  visinhas  do  Pindo.  Criavam-se  muitas  cabras 
em  todas  as  regiões  montanhosas,  A  Romelia  alimentava 
egualmente  bons  cavallos,  que  tinham  conservado  alguns 
dos  caracteres  da  raça  árabe.  E,  em  volta  de  Athos, 
eram  numerosos  os  cortiços  de  abelhas. 

Quanto  á  pesca,  os  Turcos  tiravam  grande  proveito 
da  pesca  das  sanguesugas  nos  pântanos  e  lagos,  e  das 
esponjas,  finas  e  grossas,  a  que  se  entregavam  em 
grande  numero,  no  Archipelago  e  nas  costas  da  Syria 
e  Berbéria. 


A  exploração  dos  mineraes  era  quasi  nulla,  por 
causa  das  restricções  do  Governo,  postas  á  sua  ex- 
tracção, e  pela  falta  de  communicações.  E,  comtudo, 
a  Turquia  era  abundante  em  hulha,  cobre,  chumbo, 
ferro  e  betume. 

A  bacia  hulheira  do  mar  Negro,  em  Erelch,  a  antiga 
Heraclea,  podia  bastar  por  mais  de  um  século  ás  neces- 
sidades da  navegação  interior  do  Mediterrâneo,  se 
fosse  explorada;  e  immensos  jazigos,  também  inexplo- 
rados, existiam  na  Albânia.  Acontecia  a  mesma  coisa 
com  o  ferro,  porque  também  na  Albânia  havia  muitos 
jazigos,  que  não  estavam  aproveitados.  O  chumbo 
argentifero  era  muito  abundante  na  região  do  Pelion 
e  de  Xanti,  mas  estava  egualmente  pouco  explorado. 
As  minas  do  cinabrio,  perto  de  Seres,  é  que  foram 
mais  bem  aproveitadas. 

Produzia-se  muito  sal  na  região  do  golfo  de  Salonica. 
E  o  Estado  é  que  fazia  explorar  os  pântanos  e  fontes 


490  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


salgadas,  perto  do  cabo  de  Panoni  e  Katerina,  embora 
muito  insufficientemente,  como,  em  geral,  acontece 
com  os  monopólios  do  Estado. 


Não  havia  na  Turquia  verdadeiramente  industria. 
Os  camponezes,  isolados  ou  reunidos  em  corporações, 
trabalhavam  num  pequeno  numero  de  matérias  primas 
necessárias  á  habitação,  ao  alojamento  e  ao  transporte. 

E,  alem  d'isso,  o  Tanzimat  ou  regulamento  que,  depois 
de  1839,  carregou  de  pesados  impostos  todos  os  ramos 
da  industria,  arruinou  uma  certa  ordem  de  misteres, 
outr'ora  prósperos  e  celebres,  como  foi  a  industria  dos 
estofos  de  seda.  A  Turquia  da  Europa  já  nem  traba- 
lhava toda  a  seda  que  produzia.  Era  em  Salonica  onde 
residia  o  maior  numero  dos  operários  d'esse  mister. 

Andrinopla  possuia  algumas  fabricas  de  curtimenta, 
de  pannos,  tapetes  e  lanificios.  Se  ajuntarmos  as  fabricas 
de  armas  de  Uskub  e  de  Prichtina,  cujos  productos  infe- 
riores iam  sendo  gradualmente  substituidos  pelos  simi- 
lares da  Gran  Bretanha,  França  e  Bélgica,  e  a  fabrica 
de  louça  de  Dardanellos,  teremos  a  lista  quasi  completa 
das  industrias  da  Turquia  da  Europa.  E  mesmo  essas 
poucas  eram,  geralmente,  exercidas  pelos  estrangeiros ; 
porque  os  Turcos  tomavam  uma  parte  minima  no  tra- 
balho que  se  produzia  no  seu  império,  tanto  em  relação 
á  industria,  como  ao  commercio. 

Differentes  causas  contribuiam  também  para  os 
tornar  menos  activos  que  os  representantes  das  outras 
nações. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  491 


Primeiramente,  era  entre  elles  que  se  recrutavam  os 
senhores  do  paiz;  e  a  sua  ambição  levava-os  natural- 
mente para  as  honras  e  para  os  prazeres  da  ociosidade. 
Por  desprezo  de  tudo  que  não  era  mahometano,  e  por 
incúria  e  ociosidade,  só  raramente  aprendiam  as  Hnguas 
estrangeiras,  de  modo  que  estavam  á  mercê  das  outras 
raças,  mais  ou  menos  polyglotas. 

Alem  d'isso,  a  lingua  turca  era  um  instrumento  diffi- 
cil,  para  se  manejar  utilmente,  por  causa  dos  diversos 
systemas  de  caractere^  que  se  empregam,  e  grande 
numero  de  palavras  árabes  que  se  encontram  na  lingua- 
gem litteraria. 

E  accrescia  ainda  que  a  fatalidade  que  o  Alcorão 
ensina  aos  Turcos,  tirava-lhes  toda  a  iniciativa;  por 
forma  que,  fora  da  rotina,  elles  nada  mais  sabiam  fazer. 

A  polygamia  e  a  escravidão  eram  também  para  elles 
duas  grandes  causas  da  desmoralisação,  que  é  sempre 
inimiga  do  trabalho.  E,  ainda  que  somente  os  ricos 
pudessem  ter  o  luxo  do  harém,  os  pobres  aprendiam, 
pelo  exemplo  dos  senhores,  a  não  respeitar  a  mulher,  a 
corromper-se  e  aviltar-se;  e  tomavam  também  parte 
n'esse  tráfico  de  carne  humana,  que  a  polygamia  neces- 
sita, e  que  affecta  as  faculdades  do  trabalho. 

* 

*  * 

Tudo  o  que  fica  exposto  resentia-se  no  commercio, 
como  já  fizemos  ver.  E,  porisso  mesmo,  depois  da 
construcção  dos  caminhos  de  ferro,  esse  commercio  era 
pequeno.   Os  cereaes,  lans,  pelles,  passas,  seda  bruta, 


492  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


as  madeiras  e  os  fructos  é  que  formavam  as  principaes 
carregações. 

Esse  commercio  estava,  principalmente,  na  mão  dos 
Gregos,  Arménios  e  Israelitas;  e,  graças  a  todos  estes, 
foi  augmentando  bastantemente  nos  portos  da  Turquia. 

Os  paizes  com  que  o  tráfico  principalmente  se  fazia, 
eram  a  Inglaterra,  França,  Áustria  e  Hungria,  Rússia, 
Bulgária  e  Itália. 

Ainda  assim,  Constantinopla  representava  um  dos 
portos  mais  activos  do  mundo;  porque  lá  se  estabeleciam 
e  estreitavam  as  relações  maritimas  da  Europa  Occiden- 
tal e  meridional  com  as  ricas  regiões,  tanto  europeias 
como  asiáticas  do  mar  Negro;  e  lá  passavam  as  enor- 
mes carregações  de  cereaes  dos  paizes  danubianos  e 
russos,  com  destino  aos  portos  do  occidente. 

Salonica,  embora  tivesse  um  movimento  dez  vezes 
menor,  era  também  um  porto  considerável,  por  ser  o 
logar  da  exportação  do  trigo,  cevada,  milho,  pelles, 
algodão  e  tabaco  da  Macedónia;  e  os  navios  inglezes, 
francezes  e  austríacos  levavam  lá  o  assucar,  café,  cou- 
ros e  licores. 

A  marinha  mercante  era  muito  pouco  importante, 
assim  como  a  cabotagem  e  vapor;  e  estavam  na  mão 
dos  estrangeiros. 

* 


Quanto  aos  centros  principaes,  já  falíamos  de  Cons- 
tantinopla, a  antiga  Bysancio  dos  Gregos  e  Romanos, 
a  Tzaganda  dos  Russos  da  meia  edade,  também  deno- 
minada   Stambul.    Era    uma  cidade   decaída,   cheia  de 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  493 


ruinas,  com  edifícios  baixos  e  ruas  estreitas  e  sujas,  onde 
vagueavam  innumeros  cães  e  muitos  porcos.  Mas  a  sua 
situação  é  admirável  e  a  sua  paysagem  é  deslumbrante. 

Edificada,  no  primeiro  quartel  do  século  VI,  por 
Constantino  o  Grande,  no  logar  da  antiga  Bysancif^, 
os  seus  alicerces  e  as  suas  construcções  foram  solidi- 
ficadas no  sangue  e  cadáveres  de  milhares  e  milhares 
de  escravos,  violentados  ao  trabalho,  como  aconteceu 
mais  tarde  com  a  edificação  de  S.  Petersburgo. 

Segundo  a  tradicção,  um  anjo  é  que  determinou 
áquelle  imperador  essa  situação;  e  o  fundador  e  seus 
successores  foram  attraindo  a  população  por  violências 
e  privilégios,  e  enriquecendo  a  cidade  com  os  despojos 
artísticos  de  Roma  e  da  Grécia. 

Aconteceu  com  ella  o  mesmo  que  succedeu  quanto 
á  Itália.  Todos  os  povos  a  cubicaram.  Porisso,  foi  cer- 
cada pelos  Persas,  Árabes,  Avaros,  Búlgaros  e  Russos. 
Os  próprios  christãos  da  quarta  cruzada  tão  tentadora 
a  acharam,  que  trataram  também  de  a  conquistar,  dei- 
xando, porisso,  de  ir  a  Jerusalém,  e  n'ella  fundaram  o 
chamado  império  latino  ^.  Retomada  por  Miguel  Paleo- 
logo,  na  segunda  metade  do  século  XIII,  caiu  depois, 
em  1433,  sob  o  jugo  de  Mahomet  II,  que  lá  estabeleceu 
a  sede  do  império  ottomano.  Mas,  apezar  d'isso,  os 
Russos  não  deixaram  de  cubicar  essa  cidade,  que  lhes 
asseguraria  uma  grande  importância  na  Europa;  e,  ainda 
no  século  XVIII,  foi  preciso  que  a  França,  Inglaterra  e 
Sardenha  lhes  contivessem  os  Ímpetos  e  a  cubica  ^. 


1  Vide  vol.  II,  pag.  46  e  145. 

2  Vide  vol.  V,  no  capitulo  da  Rússia. 


494  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


Foi  n'essa  cidade  que  se  recolheram  e  refugiaram 
os  restos  da  civilisação  gfrega  e  latina,  para  evitarem  a 
atrocidade  dos  bárbaros;  e  depois,  fugindo  á  conquista 
de  Mahomet,  se  espalharam  por  differentes  regiões  da 
Buropa,  como  tochas  reluzentes  das  épocas  antigas, 
produzindo  a  renascença  das  lettras  e  das  artes.  Recor- 
dando isso,  a  alma  dilata-se  pelo  respeito  e  veneração  da 
cadeia  providencial  que  prendeu  os  séculos  pretéritos 
aos  séculos  futuros,  n'um  elo  doirado  de  luz  e  de  pro- 
gresso, e  pela  admiração  dos  nomes  de  Petrarca,  Bocacio, 
Manoel  Chrysoloro,  Jorge  Hermonymo,  Cosme  de  Me- 
díeis, Marsilio,  Ticino,  Pico  de  Mirandola,  Reichilin,  e 
tantos  outros  clarões  d'essa  renascença,  que  abriram 
caminho  á  nova  civilisação. 

Quanto  á  situação  e  paysagem,  de  uma  das  maiores 
eminências,  via-se  de  um  lado  as  casas  de  Stambul,  as 
torres,  os  vastos  zimbórios  das  mesquitas  e  os  elegan- 
tes torreões,  guarnecidos  de  balcões,  elevarem-se  em 
amphitheatro  nas  sete  collinas  da  peninsula,  em  que  a 
cidade  foi  edificada.  Do  outro  lado  do  porto,  outras 
differentes  mesquitas  e  outras  torres,  entrevistas  atravez 
do  cordame  e  dos  mastros  empavesados,  estendiam-se 
pelas  collinas  coroadas  de  casas  e  palácios  no  bairro  de 
Pêra.  Ao  oriente,  a  costa  da  Ásia,  adiantando-se  n'um 
promontório,  egualmente  coroado  de  edificios,  jardins 
e  arvoredo,  com  os  bosques  da  Judeia,  abaixando-se  em 
tufos  de  flores  sobre  o  Bosphoro.  Alem,  Scutari,  a 
Constantinopla  asiática,  com  as  suas  casas  refulgentes 
e  o  seu  vasto  cemitério,  cheio  de  cyprestes,  a  contras- 
tarem, pela  côr  sombria  e  aveludada,  com  as  tintas  claras 
dos  sycomoros,  castanheiros  e  plátanos,  espalhados  nos 
arredores,  e  com  as  moitas  de  rosas  selvagens,  que  crés- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  495 


ciam  por  entre  as  fontes.  Mais  longe  a  Kadi-Kei, 
antig-a  Calcedonia  e  a  aldeia  de  Prinkipo,  sobre  uma 
das  ilhas  do  archipelago  dos  Principes,  fazendo  realçar, 
pela  verdura  da  sua  vegetação  e  amarellidão  das  suas 
rochas,  as  aguas  azues  do  mar  de  Mármore.  Finalmente, 
o  admirável  contorno  e  claridade  das  costas  da  Europa 
e  da  Ásia,  as  sinuosidade  e  belleza  de  Bosphoro  ou 
Corno  de  Ouro  e  do  golfo  de  Nicomedia;  e  a  esbater-se 
a  distancia,  acima  dos  valles  umbrosos,  a  massa  pyra- 
midal  do  Olympo  e  da  Bythinia,  quasi  sempre  cercados 
de  neve.  Tudo  isso  dava  á  paysagem  um  aspecto  mara- 
vilhoso e  phantastico. 

Esse  aspecto  augmentava  a  attracção  dos  estrangei- 
ros, e  até  dos  commerciantes  e  industriaes;  e  já  vimos 
como  o  commercio  era  importante. 

Galipoli,  a  Constantinopla  do  Hellesponto,  edificada 
na  extremidade  Occidental  do  mar  de  Mármore,  que  foi  a 
primeira  cidade  conquistada  pelos  Turcos  no  território 
da  Europa,  e  Andrinopla,  a  segunda  cidade  da  Turquia, 
eram  centros  de  alguma  importância,  especialmente 
Andrinopla. 

Já  falíamos  de  Salonica,  a  terceira  cidade,  que  era 
um  centro  notável. 

De  resto,  a  Turquia,  que  segundo  já  vimos,  era 
pouco  industrial  e  commercial,  tinha  também  poucos 
centros  económicos  importantes. 

Na  parte  hellenica,  mereciam  menção  especial 
Larissa  e  Rodosto.  Na  Albânia,  Prisrend,  Skodra 
(Scutari)  e  Janina,  que  concentravam  o  commercio 
interior,  e  Goritza,  ao  sul  do  lago  de  Okrida,  que  era 
também  um  logar  muito  frequentado,  graças  á  sua  situa- 
ção na  vertente  do  mar  Adriático  e  na  do  mar  Egeu. 


496  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


E  na  Bósnia,  a  sua  antiga  capital,  Serajevo  ou  Bosnia- 
Serai,  e  Travnik,  Banjaluka,  Zvornik,  que  vigiava  a 
fronteira  servia,  e  era  entreposto  para  os  dois  paizes 
limitrophes ;  Novibazar,  que  commerciava  muito  com  a 
Albânia;  Tuzla,  que  tinha  abundantes  minas  de  sal; 
Mostar,  e  Trebinjé,  que  importava  alguns  géneros  do 
littoral  dalmatico. 


Quanto  ás  vias  de  communicação,  mesmo  nos  últi- 
mos tempos  do  século  XIX,  eram  muito  pouco  nume- 
rosas e  muito  mal  tratadas. 

A  grande  artéria  carrossavel  era  o  caminho  de 
Constantinopla  a  Albânia  e  aos  confins  da  Servia,  e 
de  lá,  á  Bósnia. 

Depois  da  construcção  dos  caminhos  de  ferro, 
estabeleceram-se  novas  estradas  carrossaveis,  para  lhes 
servirem  de  afluentes;  mas,  ainda  assim,  essas  estradas 
somente  serviam  uma  zona  de  poucos  kilometros,  á 
direita  e  á  esquerda  das  vias  férreas.  E  estas  mesmas 
vias,  nos  últimos  tempos  do  século  XIX,  não  exce- 
diam 1:812  kilometros,  comprehendendo  a  Romelia 
Oriental. 

Só  depois  de  muitas  resistências  e  difficuldades, 
é  que  se  fez  uma  combinação  com  os  caminhos  de 
ferro  sérvios  e  búlgaros ;  porque  os  homens  de  Estado 
ottomano  temiam  a  cohesão  com  os  visinhos,  cujas 
intenções  lhes  eram  suspeitas;  e  tanto  mais  que  os 
caminhos  de  ferro  construídos  em  território  turco,  mas 
internacionalmente  relacionados,  não  podiam  deixar  de 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  497 


favorecer  o  commercio  allemão  e  enriquecer,  portanto, 
os  inimigos  mais  perigosos  do  império  ottomano  e  dos 
outros  povos  da  peninsula. 

E  esta  falta  de  communicações  terrestres  mais  grave 
se  tornava,  pela  deficiência  das  aquáticas ;  porque  a 
Turquia  não  tinha  canaes,  e  dos  seus  rios,  só  o  Drin  é 
navegável  numa  certa  extensão.  O  Maritza  apenas  o  é 
desde  Andrinopla.  E  o  Vardar,  por  ser  muito  lodoso, 
é  também  muito  pouco  navegável.  Alem  d'isto,  esses 
rios  são  muito  inconstantes  de  inclinação  e  volume,  para 
poderem  ser  utilisados  de  uma  forma  normal  ^. 


1  E.  Reclus,  Nouvelle  Gèographie  Universelle,  Europe  Meri- 
dional, La  Turquie.  —  Onesine  Reclus,  obr.  cit.  —  Mareei  Dubois  et 
Kergomard,  Prècis  de  Gèographie  Economique.  —  hamer  L  Europe. 
—  Ami  Boué,  La  Turquie  dEurope,  Fanshawe  Tozer,  Researches  in 
the  Higlands  of  Turkeij.  —  Raoul  Bourdier  et  Leonard  Chodzho, 
Histoire  de  Turquie. 

Volume  VI  32 


CAPITULO  XVI 

A  península  dos  balkans 

II 

Bulgária  e  Romelia 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Bulgária  e  Romelia,  depois  que 
se  tornaram  independentes  da  Turquia.  —  Agricultura ;  pro- 
ductos  agricolas  e  regimen  da  propriedade.- — Florestas  e  legis- 
lação protectora  d'ellas.  —  Industria.  —  Commercio.  —  Centros 
económicos  principaes.  —  Communicações. 

Como  vimos,  a  Bulgária  foi  constituída,  em  1879, 
pelo  tratado  de  Berlim,  em  Principado  vassallo  do 
Estado  ottomano,  sob  o  reinado  de  Alexandre  l  Bat- 
temberg-  (1879-1886),  mas,  dotado  de  facto,  de  uma 
verdadeira  independência.  E,  em  1886,  a  Romelia  Orien- 
tal, que  o  mesmo  tratado  de  Berlim  tinha  organisado 
em  provincia  autónoma  e  tributaria  da  Porta,  renun- 
ciou á  sua  existência  própria,  para  se  fundir  n'aquelle 
Principado  búlgaro,  augmentando-o,  por  isso,  em  quasi 
um  terço  de  população  e  superficie.  Reinou,  então,  Fer- 
nando I  (1886-1909),  tendo  succedido  a  Alexandre  I,  que 
fora  deposto. 

As  condições  geraes  da  natureza  económica  deste 
Estado  são,  geralmente,  as  mesmas  da  peninsula  dos 
Balkans,  de  que  já  falíamos;  e  foram  também  equiva- 
lentes os  factores  industriaes  e  commerciaes,  até  que 
elle  pôde  emancipar-se  da  Turquia. 


500  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Chamamos,  por  isso,  a  attenção  dos  leitores  para  o 
que  já  expuzemos,  em  relação  a  toda  a  peninsula,  e  só 
notaremos  a  maior  o  seguinte : 

Até  1878,  em  que  se  constituiu  o  Principado,  era 
enorme  na  Romelia  a  cultura  das  rosas  e  a  fabricação 
das  suas  essências.  Entre  as  123  aldeias  da  Thracia 
Oriental  que  se  entregavam  a  essa  cultura,  42  perten- 
ciam ao  valle  de  Kezanlik,  e  só  ahi  se  fabricava  a 
metade  dos  1:650  Icilos  de  essências  que  o  Oriente 
produzia.  Depois  das  rosas,  o  tabaco  era  o  producto 
que  dava  mais  rendimento. 

Havia  na  Bulgária,  como  no  resto  da  peninsula, 
muito  trigo,  que  era  o  cereal  mais  importante,  e  muito 
centeio,  que  era  destinado  á  alimentação  das  classes 
ruraes,  sobretudo,  nas  montanhas. 

A  cevada  era  empregada  no  alimento  dos  cavallos, 
e  era  também  exportada  para  as  cervejarias  inglezas  e 
allemãs.  O  milho  dava-se  abundantemente  nos  valles  e 
nas  regiões  meridionaes,  e  era  exportado  para  a  Tur- 
quia ou  utilisado  na  destillação  do  álcool,  cujos  resi- 
duos  serviam  para  engordar  o  gado. 

Quanto  ao  vinho  e  arvores  fructiferas,  nada  temos 
a  acrescentar  ao  que  já  dissemos,  com  relação  á  Tur- 
quia. Muito  poucos  fructos  e  muito  pouco  vinho.  Havia 
também  muito  pouco  linho  e  sezamo. 

E  a  industria,  commercio  e  communicações,  estava 
tudo  muito  reduzido. 


Depois    da    constituição    do   Principado,    embora   a 
natureza  do  solo,  e,    portanto,    os   productos    naturaes 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  501 


fossem  os  mesmos,  deu-se  uma  grande  transformação 
no  estado  económico  do  paiz. 

Assim,  antes  disso,  havia  muitos  grandes  dominios 
ou  latifúndios,  que  estavam  na  mão  dos  proprietários 
turcos;  mas  os  Mussulmanos  foram  emigrando,  também 
em  grande  numero,  e  os  camponezes  foram  adqui- 
rindo por  baixo  preço  as  terras  que  podiam  cultivar. 
E,  com  isto,  o  regimen  geral  do  solo  tornou-se  na 
pequena  propriedade. 

As  florestas  búlgaras  que,  antes  da  independência, 
cobriam  quasi  metade  do  Principado,  é  que  principia- 
ram a  ser  destruídas  tão  rapidamente  e  nesciamente, 
que  foi  preciso  uma  legislação  protectora,  para  as 
reconstituir.  E  entre  as  essências  de  que  já  falíamos, 
tratando  especialmente  da  Turquia,  as  nogueiras  for- 
neciam matéria  prima  abundante  para  os  marceneiros 
da  Áustria. 

A  criação  do  gado  foi  objecto  de  cuidados  intelli- 
gentes  e  proveitosos,  que  melhoraram  a  qualidade  das 
raças. 


A  industria  é  que,  mesmo  depois  da  emancipação 
do  paiz,  não  tomou  grande  desinvolvimento ;  já  pela 
falta  de  capitães;  já  porque  a  mocidade  se  dedicava, 
de  preferencia,  ás  occupações  liberaes ;  e  já  porque  os 
estrangeiros,  mais  bem  providos  de  capitães  e  habilita- 
ções, não  se  animavam  a  valorisar  as  riquezas  da  natu- 
reza, que  o  Governo  desejava  antes  reservar  para  os 
nacionaes ;  e  também  porque  o  desinvolvimento  que  as 


502  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


communicações  tomaram,  facilitou  a  importação  dos 
productos  estrangeiros,  que  eram  mais  baratos. 

Em  todo  o  caso,  a  industria  do  sirgo  tornou-se  uma 
das  principaes  riquezas  da  Bulgária.  Os  criadores  fran- 
cezes,  nos  últimos  50  annos  do  século,  vinham  prover-se 
das  sementes  ao  valle  de  Kezanlik.  Depois  essa  indus- 
tria foi  quasi  abandonada,  em  consequência  das  doenças 
do  mesmo  sirgo,  e  só  retomou  o  seu  desinvolvimento 
nos  últimos  annos,  quando  as  descobertas  de  Pasteur 
lhe  deram  a  segurança. 

A  fiação  e  tecelagem  de  lan  occupava  um  grande 
numero  de  estabelecimentos,  quasi  todos  situados  nas 
pequenas  cidades  encostadas  aos  Balkans,  onde  as 
quedas  de  agua  forneciam  a  força  motriz,  como  Slivno, 
Karlovo,  Kalofer,  na  Romelia  oriental ;  e  Gabrova,  Se- 
velievo  e  Tirnova,  na  Bulgária. 

Quanto  ás  industrias  mineraes,  a  única  exploração 
que  existia,  mesmo  no  fim  do  século,  era  o  do  carvão 
de  terra,  que  tinha  jazigos  abundantes. 


O  commercio  dependia  estreitamente  da  agricul- 
tura. Se  as  colheitas  eram  abundantes  e  o  preço  elevado, 
a  exportação  dos  cereaes  fazia  afluir  o  dinheiro  dos 
estrangeiros,  e  a  importação  tomava  um  grande  incre- 
mento. No  caso  contrario,  o  consumo  restringia-se  por 
toda  a  parte. 

Esse  commercio  desinvolveu-se  bastantemente  com 
as  communicações  férreas.  E  os  principaes  paizes  com 
que  elle  se  fazia,  eram  a  Áustria,  a  França  e  a  Inglaterra. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  503 


Os  centros  principaes  eram  Chumla,  Rustchuk, 
Monastir  ou  Bitolia.  Nich  ou  Nissa,  a  sentinella,  collo- 
cada  na  fronteira  da  Servia,  n'um  afluente  do  Morava ; 
Sofia,  antiga  Sardica,  a  capital  do  Estado,  situada 
sobre  o  Ysker  danubiano ;  Bazardjik,  ou  o  mercado 
impropriamente  designado  pelo  nome  de  Tatar-Bazar- 
djik;  e  a  bella  Philippopuli,  que  domina  o  curso  do 
Maritza. 


Quanto  a  communicações,  já  dissemos  o  estado 
geral  das  communicações  da  Turquia.  Mas,  com  res- 
peito á  Bulgária,  na  ultima  quadra  do  século,  três 
grandes  linhas  férreas  a  atravessavam,  a  saber: 

1/  A  linha  de  Vienna  a  Constantinopla,  n'um 
comprimento  de  370  kilometros,  passando  por  Sofia, 
Philippopuli  e  o  valle  do  Maritza; 

2.^  A  linha  que,  do  occidente  da  Europa  passa  por 
Bucarest,  Rustchuk  e  Varna,  e  vai  dar  ao  mar  Negro ; 

A  3/  destacava-se  da  grande  linha  de  Sofia-Cons- 
tantinopla  e  Tirnova-Seymen ;  ia  servir  o  porto  de 
Bugas,  e  que  estava  a  ser  completado  por  duas  outras 
novas  linhas,  que,  atravez  dos  Balkans,  tinham  de  ligar 
Sofia  e  Philippopuli  ao  valle  do  Danuhio  \ 


'  E.  Reclus,  obr.  cit. — Mareei  Dubois  et  Kergomard,  obr.  cit.- 
Lanier,  VEurope.  —  Piolet  &  Bernard,  Histoire  Contemporaine.  - 
Albert  Malet,  obr.  cit.,  e  os  auctores  já  citados,  quanto  á  Turquia. 


CAPITULO  XVIÍ 

A  PENÍNSULA  DOS  BALKANS 

III 

A  Roménia 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Roménia  n'este  periodo.  — 
Aspecto,  orografia,  hydrografia  e  clima.  —  Excellentes  condi- 
ções agricolas  da  Roménia,  e  como  o  clima  as  prejudicava  e 
a  desarborisação  mais  aggravava  os  inconvenientes  do  clima. 
—  Agricultura;  preponderância  dos  cereaes;  má  organisação 
e  mau  regimen  da  propriedade;  e  de  que  modo  uma  lei 
de  1862  modificou  esse  regimen.  —  Florestas.  —  Criação  ani- 
mal. —  Industria.  —  Commercio.  —  Centros  económicos  princi- 
paes.  —  Communicações. 

Os  Romenos  provém  de  uma  grande  colónia  latina. 

Tendo  fundado  no  século  XVI  os  dois  Principados 
distinctos  da  Valachia  e  da  Moldávia,  ambos  estes 
foram  depois  obrigados  pela  Porta  a  pagar-lhe  um 
tributo  annual,  guardando,  comtudo,  a  sua  indepen- 
dência e  o  direito  de  elegerem  os  seus  soberanos. 

Em  1816,  os  Turcos  occuparam  as  fortalezas  rome- 
nas, suprimiram  o  governo  dos  hospedares  ou  sobera- 
nos indigenas,  e  confiaram  a  administração  de  toda  a 
Roménia  aos  Gregos  de  Phanar,  os  mais  vis  e  os  mais 
'  corrompidos  funccionarios  da  Porta. 

O  periodo  phanariota  tornou-se  o  mais  vergonhoso 
e  o  mais  lamentável  da  historia  dos  Romenos. 


506  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

O  paiz  foi  entregue  impunemente  ás  exacções  sem  freio, 
e  arrastado  nas  arbitrariedades  e  desordens  da  Turquia. 

Em  1829,  depois  da  guerra  dos  Russos  e  dos  Tur- 
cos, a  Roménia  foi  occupada  pelos  exércitos  da  Rússia 
(1829-1834);  mas,  pelo  tratado  de  Andrinopla,  recupe- 
rou o  direito  de  eleger  os  seus  hospedares  vitalicios, 
embora  sob  o  protectorado  da  Rússia. 

Em  1848,  proclamou-se  a  republica  em  Bucarest, 
mas  os  exércitos  Russos  e  Turcos  abafaram  o  movi- 
mento no  seu  inicio ;  e  o  tratado  do  Balta-Liman  (1849) 
entregou  ao  sultão  a  nomeação  dos  hospedares. 

A  guerra  da  Crimeia  foi  favorável  aos  Principados 
romenos,  dando-lhes  a  Besserrabia;  e,  em  1859,  effe- 
ctuou-se  a  conjuncção  dos  dois  Principados,  sob  o 
governo  do  princepe  Couza.  Mas,  entrando  este  prin- 
cepe  no  campo  das  reformas,  uma  conspiração  militar 
de  1866  o  forçou  a  abdicar  e  exilar-se. 

Foi,  então,  proclamado  um  princepe  extrangeiro, 
Carlos  I  de  Hoensolern-Sgmaringen,  da  família  real 
da  Prússia,  que  ainda  reinava  no  fim  do  século  XIX. 
E,  em  1878,  depois  de  uma  guerra  da  Rússia  e  Turquia, 
foi  proclamada  de  novo  e  definitivamente  a  indepen- 
dência da  Roménia,  também  sob  o  mesmo  rei  Carlos  I, 
que  reinou  pacificamente    até  o  fim  do  mesmo  século. 


Quanto  ao  relevo,  a  Roménia,  physicamente,  é  uma 
continuação  da  Rússia. 

Assim,  partindo  dos  cumes  das  montanhas  que  for- 
mam a  fronteira  do  lado  da  Transilvania,  encontram-se 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  507 


tres  zonas  successivas:  a  das  montanhas,  muito  estreita 
na  Valachia  e  mais  larga  na  Moldávia,  sem,  comtudo, 
se  estender  a  uma  grande  distancia  dos  cumes;  a  zona 
das  coUinas  medias ;  e,  emfim,  a  planicie,  quasi  hori- 
sontal,  que  occupa  a  maior  parte  do  paiz,  e  se  estende 
até  o  Danúbio  e  Pruth. 

O  Danúbio  separa  a  Roménia  da  Bulgária,  num 
comprimento  de  125  legoas.  Corre  ahi  lentamente,  divi- 
dido em  muitos  braços,  num  leito  largo,  obstruído  de 
ilhas  e  de  bancos  de  areia,  entre  as  margens  pantanosas 
da  planicie  romena  e  os  terraços  rochosos  e  escarpa- 
dos do  plató  búlgaro. 

Tem  como  afluentes  o  Sulina  e  o  Pruth,  navegável 
em  grande  percurso,  o  Oltu  ou  Aluta,  navegável  em 
pequena  parte,  e  outros  afluentes  ou  antes  torrentes, 
que  descem  do  plató  transylvanio  meridional  e  dos 
Carpathos,  e  que  não  são  navegáveis. 

E,  quanto  ao  clima,  embora  a  Roménia  tenha  uma  lati- 
tude relativamente  meridional,  o  paiz,  largamente  aberto 
aos  ventos  continentaes  do  nordeste,  está  submettido 
aos  extremos  de  temperaturas  muito  violentas. 


A  Roménia  é  excellentemente  dotada  de  condições 
agrícolas;  porque  as  montanhas  podem,  por  uma  explo- 
ração racional,  fornecer  grande  proveito  das  suas  flo- 
restas magnificas. 

As  collinas  são  revestidas  de  uma  terra  amarella 
de   notável  fertilidade,  e  as  planicies  são   formadas  de 


508  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


uma  terra  negra,  também  de  uma  fertilidade  prover- 
bial; mas  esse  clima,  pelo  seu  caracter  continental 
muito  accentuado,  não  permitte  uma  grande  variedade 
de  culturas.  Porque  a  Roménia  está  largamente  aberta 
aos  ventos  frios  das  steppes,  que  sopram  durante 
cinco  mezes,  fazendo  seccar  tudo  na  sua  passagem,  e 
aos  ventos  quentes  do  estio,  que,  muitas  vezes,  abra- 
zam  também  as  colheitas. 

A  par  d'ísso,  no  século  XIX,  a  desarborisação  sem 
regra  nem  medida  mais  aggravava  os  perigos  d'este 
flagello,  e  faltava  também  um  systema  racional  de  irri- 
gação que  pudesse  .atenuar  no  estio  os  inconvenientes 
d'aquelles  ventos. 

A  cultura  dos  cereaes  predominava  sobre  todas  as 
outras.  A  porção  mais  vasta  e  melhor  das  planicies 
estava  occupada  por  elles;  mas  os  processos  eram 
ainda  primitivos.  A  agricultura  dos  Romenos  represen- 
tava um  dom  do  Danúbio,  como  a  do  Egypto  é  do 
Nilo ;  mas  os  trabalhos  romenos  estavam  mais  atrasa- 
dos que  os  dos  Egypcios.  E,  alem  d'isso,  a  organisação 
social  e  o  regimen  da  propriedade  foram  por  muito 
tempo  desgraçados. 

Assim,  a  nação  romena  estava  ainda  no  periodo  de 
transição  entre  a  edade  feudal  e  a  época  moderna.  As 
revoluções  de  1848,  mais  importantes  talvez  na  Europa 
danubiana  do  que  o  foram  na  França  e  na  Itália,  fize- 
ram abalar  o  antigo  regimen,  mas  não  o  destruiram. 
Ainda  em  1856,  os  camponezes  moldavos  e  valachios 
eram  servos  da  gleba.  Sem  direitos,  nem  segurança 
pessoal,  e  quasi  sem  familia,  e  á  mercê  dos  caprichos 
alheios,  os  desgraçados  passavam  a  sua  existência 
a   cultivar   a   terra   dos   senhores   ou   dos  conventos,  e 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  509 


viviam  em  lodosas  cabanas,  que  muitas  vezes  mal  se 
disting-uiam  das  charnecas,  e  em  montões  de  imundicie. 
Os  donos  do  solo  e  dos  seus  habitantes  eram  somente 
quasi  cinco  a  seis  mil  boyardos  ^,  descendentes  dos 
antigos  bravos,  ou  tornados  nobres  á  custa  do  dinheiro ; 
e  entre  elles  próprios  havia  uma  grande  deseg^ualdade. 
Na  maior  parte,  eram  apenas  pequenos  proprietários, 
entretanto  que  setenta  feudatarios  na  Valachia  e  tresen- 
tos  na  Moldávia  partilhavam  com  os  mosteiros  quasi 
todo  o  território. 

Um  tal  estado  social  devia  ter  por  consequência 
uma  grande  desmoralisação,  tanto  nos  senhores,  como 
nos  servos.  Os  nobres,  possuidores  do  solo,  fugiam 
das  suas  terras,  á  vista  do  soffrimento  dos  servos  que 
os  incommodava,  e  iam  viver  ao  longe,  na  prodigali- 
dade e  devassidão,  dispendendo  no  luxo,  na  prostitui- 
ção e  nas  mesas  do  jogo  das  cidades  occidentaes,  o 
dinheiro  que  os  intendentes,  geralmente  gregos,  lhes 
enviavam,  depois  de  terem  tirado  largamente  a  sua  parte. 

Quanto  á  massa  sujeita  da  população,  era,  geral- 
mente, preguiçosa,  porque  a  terra,  aliás  tão  fecunda, 
não  lhe  pertencia.  Era  desconfiada  e  mentirosa,  porque 
a  astúcia  e  a  mentira  são  as  armas  do  escravo.  E  era 
ignorante  e  supersticiosa,  porque  toda  a  educação  lhe 
tinha  sido  dada  por  um  clero,  também  ignorante  e 
fanático. 

Os  seus  popes  "'  eram,  ao  mesmo  tempo,  mágicos, 
e  curavam  as  doenças  por  encantamentos  e  filtros  sagra- 


1     Os  boyardos  eram  os  nobres  do  reino. 
-     Sacerdotes  do  rito  grego. 


510  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


dos.  E,  quanto  aos  monges,  uns  d'elles,  grandes  pro- 
prietários e  possuidores  da  sexta  parte  das  terras  da 
Roménia,  eram  boyardos  de  toga,  não  menos  cruéis  e 
prepotentes  que  os  senhores  temporaes.  Os  outros  não 
passavam  também  de  servos,  tendo  trocado  a  escravi- 
dão pela  mendicidade. 

Uma  lei  de  1862,  mais  ou  menos  bem  applicada, 
durante  os  annos  seguintes,  entregou  a  cada  chefe  de 
familia  agricola  uma  parte  dos  terrenos  que  elle  culti- 
vava, variando  de  3  a  27  hectares.  E,  depois  d'essa 
época,  os  lavradores,  tornados  livres,  foram  ganhando 
sensivelmente  em  dignidade  e  amor  ao  trabalho ;  a 
agricultura  e  producção  começaram  a  augmentar  pro- 
digiosamente ;  e  os  bons  methodos  de  cultura  domina- 
ram também,  pouco  a  pouco,  os  pequenos  proprietá- 
rios. Havia,  porém,  muitos  terrenos  incultos. 

Seria  fácil  fazer  da  Roménia  um  jardim  de  tanta 
riqueza  como  a  planicie  lombarda,  saneando  a  região, 
pelo  enchugamento  dos  pântanos  e  pela  drenagem  das 
aguas,  corrigindo  os  rios  por  meio  de  diques,  captando 
uma  parte  das  águas  supérfluas  e  distribuindo-as  em 
canaes  de  irrigação,  e  restituindo  á  cultura  grande  parte 
dos  terrenos  improductivos.  Mas,  ainda  no  fim  do 
século  XIX,  regulavam  estes  por  2.600:000  hectares. 

As  culturas  arborescentes,  que  demandam  cuidados 
mais  delicados,  estavam  menos  espalhadas.  Ainda  assim, 
as  arvores  fructiferas  eram  numerosas  ao  pé  dos  Car- 
pathos,  sobretudo,  as  ameixoeiras. 

Nas  plantas  industriaes,  só  o  cânhamo  era  abun- 
dante. Tentou-se  introduzir  a  beterraba,  mas,  pela  falta 
de  um  bom  systema  de  irrigação,  pelos  longos  perío- 
dos   de    seccura    do    anno,    e   pela   falta   de    hulha,    as 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  511 


fabricas  de  assucar  não  puderam  sustentar  a  concor- 
rência dos  productos  similares  dos  outros  paizes  assu- 
careiros. 

As  florestas  eram  muito  abundantes,  apezar  das 
imprudências  dos  habitantes,  que  obrigaram  o  Governo 
a  fazer  parar  por  algum  tempo  toda  a  sorte  de  explora- 
ção. Ainda  se  estendiam  nos  Carpathos  vastos  macissos 
de  pinheiros  mansos  e  bravos  e  de  faias,  quasi  inabordá- 
veis por  falta  de  vias  de  communicação;  e,  na  planicie, 
havia  bosques  de  carvalhos.  Mas,  geralmente,  as  flores- 
tas eram  muito  deficientes. 

A  criação  do  gado  fazia-se  sem  cuidado  e  sem 
methodo.  Havia  poucos  estábulos.  Os  animais  ficavam 
em  redis  descobertos  e  expostos,  frequentes  vezes,  a 
frios  muito  rigorosos.  Os  bons  pastos  eram  em  pequeno 
numero,  excepto  nos  baixos  valles.  Os  animais  domés- 
ticos em  regra,  só  pastavam  pastos  seccos,  que  convi- 
nham, sobretudo,  aos  de  lan  fina,  e  que  eram  muito 
abundantes,  sobretudo,  na  Moldávia.  A  Valachia  tinha 
muitos  porcos. 


A  pesca  era  uma  riqueza  dos  Romenos.  Os  habi- 
tantes das  costas  do  Danúbio  salgavam  e  expediam  em 
abundância  os  peixes  que  se  encontravam  em  grande 
quantidade  n'este  rio  e  nos  lagos  vizinhos,  e  prepara- 
vam o  caviar,  que  os  grandes  esturjões  lhes  proporcio- 
navam. 

Quanto  ás  outras  industrias,  a  Roménia,  paiz  essen- 
cialmente agricola,  explorava  somente  as  riquezas  for- 


512  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


necidas  espontaneamente  pela  natureza.  As  veias  de 
metaes  diversos,  tão  numerosos  nos  Carpathos,  como 
o  chumbo,  o  ferro,  as  pedras  de  construcção,  a  arg-illa 
plástica  e  mesmo  o  ouro,  eram  muito  pouco  explora- 
das. Somente  as  veias  de  petróleo  tinham  uma  explo- 
ração mais  prolifica;  e  já  em  1875  produziam  175:000 
hectolitros  de  azeite  mineral.  E  também  as  salinas,  que 
estavam  sujeitas  ao  monopólio  do  Estado,  e  cuja  explo- 
ração era  feita  pelo  Governo  com  operários  livres  ou 
condem.nados,  foram  successivamente  augmentando  em 
producção.  De  resto,  quasi  que  não  havia  verdadeira 
industria. 

O  paiz  era  essencialmente  agfricola.  As  moendas, 
distillações,  algumas  fabricas  de  papel,  de  assucar,  de 
pannos  de  lan  e  de  objectos  domésticos  e  grosseiros, 
e  de  instrumentos  de  cultura,  eram  os  únicos  estabele- 
cimentos onde  se  reunia  um  certo  numero  de  operá- 
rios. Em  todo  o  caso,  nos  últimos  tempos  do  século  XIX, 
a  Roménia  empregou  todos  os  esforços  para  desinvol- 
ver  a  industria  e  aproveitar  as  suas  riquezas  naturaes, 
e  começou  a  manifestar-se  já  um  considerável  progresso, 
n'esse  ponto. 


A  riqueza  agricola  da  Roménia  e  a  presença  do 
Danúbio  deram  sempre  logar  a  um  commercio  activo. 
E  esse  commercio  augmentou  muito  depois  de  1871, 
em  que  principiou  a  construcção  e  desinvolvimento 
das  vias  férreas.  Antes  disso,  o  Danúbio  era  a  única 
porta   aberta   ao   grande  movimento  das  trocas.  Quasi 


EUADE  CONTEMPORÂNEA  513 


todas  as  mercadorias  eram  interpostas  no  porto  de 
Galatz,  situado  precisamente  no  angulo  do  rio  onde 
iam  converg-ir  pelo  Sereth  os  principaes  caminhos  da 
Valachia  e  Moldávia.  O  Pruth,  que  os  vapores,  depois 
de  1861,  subiam  até  uma  pequena  distancia  ao  norte 
de  Jassy,  prestava  também  grandes  serviços  aos  expe- 
didores de  géneros,  e  o  Brititza  e  outros  rios  que 
descem  dos  Carpathos,  eram  grandes  vehiculos  dos 
transportes  de  lenha  e  madeira.  Mas  faltava  uma  rede 
bem  organisada  de  vias  de  communicação  terrestre, 
porque  os  caminhos  eram  difficeis  de  construir  n'este 
paiz,  cortado  de  correntes  de  água,  sobretudo,  na  zona 
das  planicies,  que  são  as  que  mais  concorrem  para  ali- 
mentar o  tráfico. 

E,  de  facto,  as  terras  argillosas  e  molles  desfa- 
ziam-se  facilmente ;  e,  para  construir  estradas  perma- 
nentes, seria  necessário,  como  na  Hollanda,  empregar 
tijolos  duramente  cosidos,  e  supprir  assim  a  falta  de 
elementos  resistentes. 

A  cada  momento,  impunha-se  a  construcção  de 
pontes,  e  pode  bem  calcular-se  quanto  custariam  essas 
obras  de  arte. 

Mas,  sem  prejuizo  dos  serviços  que  aquelles  rios 
continuavam  a  prestar  á  Roménia  e,  sobretudo,  o  Danú- 
bio, que  ficou  sempre  valendo  mais  que  milhares  de 
kilometros  de  via  férrea,  os  caminhos  de  ferro  deram 
outras  saídas  para  o  exterior,  e,  portanto,  ampliaram  o 
desinvolvimento  commercial. 

Por  essa  viação  férrea,  e  por  Jassy,  Bukovina 
e  Delta  do  Danúbio,  o  paiz  ligou-se  á  Polónia,  á 
Allemanha  do  Norte  e  ás  costas  do  Báltico.  Pela  linha 
de  Jassy  e  Pruth  ficou  ligado  a  Odessa,  ao  Mar  Negro 

Volume  VI  33 


514  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


e  a  todas  as  linhas  da  Rússia.  Pela  ponte  de  Guirgin,  que 
tem  cinco  kilometros  de  largura  de  uma  margem  á  outra 
do  Danúbio,  e  pelo  caminho  do  Varna,  as  planícies  da 
Valachia  ficaram  em  communicação  directa  com  o  mar  Ne- 
gro. Além  d'isso,  outras  linhas  férreas  junctavam,  atravez 
dos  Carpathos,  os  altos  valles  transilvanicos  ás  planícies 
da  Hungria;  e  havia  ainda  varias  ramificações  interiores. 

Até  1883,  o  commercio  com  o  estrangeiro  era  muito 
liberal.  Mas,  então,  a  Roménia  cuidou  de  se  proteger, 
como  represália  ás  medidas  proteccionistas  tomadas 
pelos  Estados  agricolas,  Hungria  e  França,  contra  a 
importação  dos  cereaes  romenos.  E  isso  não  prejudicou 
a  exportação;  porque  a  maior  parte  do  commercio 
passou  a  fazer-se  com  a  Inglaterra,  Allemanha,  Bélgica 
e  Suissa,  paizes  esses,  onde  a  agricultura  não  era  a 
fonte  predominante  da  riqueza  nacional. 

A  importação  consistia,  sobretudo,  em  produtos  agrí- 
colas, cereaes,  fructos,  animaes  e  productos  alimentares 
também  de  animaes.  Só  os  cereaes,  nos  últimos  annos 
do  século,  representavam  25-28  7o  ^^^  exportações. 

As  importações  mais  consideráveis  eram  as  das 
matérias  textis,  tecidos,  metaes  em  bruto  e  trabalhados, 
pelles  e  couros  brutos,  e  combustiveis. 

Os  paizes  com  que  a  Roménia  fazia  o  principal 
commercio,  eram  a  Gran-Bretanha,  Áustria,  Hungria, 
Allemanha,  França,  Turquia  e  Bulgária,  Rússia,  Bélgica, 
Itália,  Grécia  e  Suissa. 

* 


Relativamente    aos    principaes   centros  económicos, 
Bucarest,    a   capital   da    Valachia    e    da   união  romena, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  515 


contava-se  entre  as  grandes  cidades  da  Europa.  Depois 
de  Constantinopla  e  Pesth,  era  a  cidade  mais  populosa 
de  toda  a  parte  sudeste  do  continente.  Dava-se  a  si 
própria  o  nome  de  Paris  do  oriente. 

Ainda  no  meiado  do  século  XIX,  era  apenas  uma 
collecção  de  aldeias,  muito  pittorescas  por  causa  das 
suas  torres  e  zimbórios,  que  brilhavam  no  meio  de 
bosques  de  verdura.  Mas,  graças  á  influencia  da  popu- 
lação e  accrescimo  do  commercio  e  riqueza,  transfor- 
mou-se  rapidamente  n'uma  grande  cidade,  cheia  de 
bellas  ruas,  grandes  hotéis,  praças  muito  animadas  e 
de  grande  commercio  e  bastante  industria. 

A  cidade  de  Jassy,  que  foi  a  capital  da  Moldávia, 
depois  de  Sutchava  ter  sido  annexada  á  Áustria, 
occupa  uma  situação  menos  central  que  Bucarest;  mas 
a  fertilidade  dos  seus  campos,  a  vizinhança  de  Pruth  e 
da  Rússia,  á  qual  serve  de  entreposto,  a  sua  posição 
sobre  o  grande  caminho  commercial  que  reúne  o  mar 
Báltico  ao  mar  Negro,  fizeram  que  essa  cidade  augmen- 
tasse  muito  de  população,  e  se  tornasse  florescente. 

Botochani,  ao  norte  da  Moldávia,  era  uma  cidade 
de  transito  para  a  Polónia  e  Gallicia ;  e  Foltichiani  estava 
no  mesmo  caso,  e  tinha  feiras  muito  frequentadas. 

O  commercio  fez  também  engrandecer  as  cidades 
de  Danúbio :  Vilkov,  o  grande  mercado  de  peixe  e  de 
caviar ;  Kila,  a  antiga  Achilleia,  ou  cidade  de  Achilles ; 
Reni ;  Galatz,  que  se  diz  ter  sido  uma  antiga  colónia 
dos  Gaiatas,  e  que  era  já  uma  grande  cidade  commer- 
cial do  Baixo  Danúbio,  e  se  tornou  a  sede  da  commis- 
são  europeia  das  embocaduras  ^;  Braila,  outrora  pobre 


1     Adriano  Anthero,  O  Direito  internacional,  pag.  245. 


516  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


aldeia,  quando  era  uma  simples  fortaleza  turca,  e  que  se 
tornou  depois  cidade  importante  por  suas  moendas. 

Todas  estas  cidades,  situadas  sobre  o  Danúbio, 
eram  verdadeiros  portos  do  mar  Negro  e  entrepostos, 
onde  vinham  armazenar-se  os  géneros  agrícolas,  e, 
sobretudo,  os  cereaes  vendidos  para  o  estrangeiro. 

Giurgiu  e  San  Giorgio  dos  Genovezes,  era  o  porto 
de  Bucarest  no  Danúbio.  Turnu-Severino  era  o  porto 
da  entrada  da  Valachia,  a  juzante  dos  grandes  desfila- 
deiros do  rio;  Craiova,  Pitesti,  Ploesti,  Buzeu,  Tocsani, 
que  se  elevavam  á  salda  dos  altos  valles  da  Transyl- 
vanla;  Alexandria,  cidade  nova,  edificada  no  melo  das 
planícies,  que  se  estendem  de  Bucharest  a  Oito,  e 
grande  entreposto  de  productos  agrícolas :  eram  todas 
cidades  importantes  pelo  seu  commerclo. 


Quanto  ás  communlcações,  já  a  propósito  do  com- 
merclo falíamos  n'ellas,  e  para  ahi  remettemos  os 
sectores  \ 


1  E.  Reclus,  obr.  cit.,  Nouvelle  Geographie  Universelle,  VEu- 
rope  Meridionale. —hanier,  obr.  cit. — Mareei  Dubois  &  Kergomard, 
obr.  eit.  —  Onosine  Reelus,  La  Ter/e  à  Vol  dOisean.  —  Vaillant,  /a 
Roumanie.  —  Fr.  Danie.  la  Roíimanie  Contemporaine. 


CAPITULO  XVIII 

A  península  dos  balkans 

IV 
Servia 

Leve  esboço  da  história  politica  da  Servia,  neste  periodo.  —  Aspecto 
e  relevo  do  solo.  —  Agricultura;  como  esta  preencheu  quasi 
unicamente  a  actividade  económica  da  Servia;  regimen  da 
propriedade  que  favoreceu  a  agricultura;  af fluência  de  estrangei- 
ros que  também  a  favorecem.  — Productos  e  seu  augmento,  nos 
últimos  tempos  do  século  XIX.  —  Florestas  e  respeito  dos  Sérvios 
pela  conservação  d'ellas.  —  Apezar  d'isso  e  das  leis  que  a  favo- 
receram, sua  devastação.  —  Criação  animal.  —  Industria.  —  Com- 
mercio.  —  Centros  principaes.  —  Communicações. 

Quando  começou  o  periodo  que  estamos  tratando, 
a  Servia  tinha  estado,  havia  três  séculos,  sujeita  ao 
império  da  Turquia. 

Levantou-se  em  1804  contra  ella,  sob  o  commando  de 
Kara-Georges ;  e,  após  dez  annos  de  uma  guerra  encar- 
niçada, pôde,  com  o  auxilio  dos  Russos,  expulsar  os 
Turcos  do  seu  território.  Mas  a  Rússia  abandonou  depois 
a  Servia;  e  assim,  pelo  tratado  de  Bucarest  (1812),  ella 
caiu  novamente  no  jugo  ottomano. 

Em  1815,  um  pastor  enérgico,  Miloch-Obrenovitch, 
animado  pela  Rússia,  chegou  a  tornar  o  seu  paiz  inde- 
pendente, embora  sob  a  soberania  da  Porta,  e  foi  pro- 
clamado princepe  hereditário,  em  1827. 


518  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


Divisões  intestinas  fizeram  destituir  Miloch  (1839) ; 
e,  depois  de  um  reinado  ephemero  de  Milan,  seu  filho 
mais  velho,  foi  egualmente  destituido  o  segundo  filho  cha- 
mado Miguel  (1842).  E,  os  Sérvios  elegeram  em  logar 
d'elle  Alexandre  Georwitch,  neto  de  Kara-Georges. 

Em  1856,  o  tratado  de  Paris  declarou  que  as  immu- 
nidades  e  privilégios  concedidos  á  Servia  ficavam,  d'ahi 
por  diante,  coUocados  sob  a  garantia  coUectiva  das 
potencias. 

Dois  annos  depois,  o  princepe  Alexandre  recusou 
invocar  a  assembleia  nacional,  provocando  com  isso 
uma  nova  revolução,  que  o  depoz ;  e,  então,  os  Sérvios 
chamaram  outra  vez  ao  poder  o  velho  pastor  Miloch, 
proclamando  o  governo  hereditário  na  familia  d'elle. 

Miloch  falleceu,  em  1860,  e  succedeu-lhe  aquelle  seu 
filho  Miguel,  que  obrigou  todos  os  Mussulmanos  a 
abandonarem  a  Servia,  e  que  foi  assassinado  em  1868. 

Succedeu-lhe  o  sobrinho  Milan  Ovrenovitch. 

Em  1876,  a  insurreição  da  Bósnia  e  Herzegovina 
arrastou  os  Sérvios  a  uma  nova  guerra  contra  os 
Turcos;  e  tendo  sido  vencidos,  solicitaram  o  auxilio  dos 
Russos,  que  os  tinha  induzido  á  revolta.  Então,  os  Rus- 
sos invadiram  a  Bulgária,  e  bateram  os  exércitos  do 
Sultão. 

O  tratado  de  Berlim  de  1872  rompeu  os  últimos 
laços  que  prendiam  a  Servia  á  Turquia ;  assegurou  defi- 
nitivamente a  independência  do  principado  sérvio;  e 
augmentou  o  seu  território  de  11:000  kilometros  a 
367:000  habitantes. 

Quando,  em  1876,  se  deu  aquella  insurreição,  da  Bós- 
nia e  Herzegovina  contra  a  Áustria,  o  princepe  Milan  impoz 
aos  seus  súbditos  a  neutralidade;  e  o  gabinete  austro- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  519 


húngaro,  grato  por  este  serviço,  favoreceu  a  erecção  da 
Servia  em  reino,  e  reconheceu,  antes  de  todas  as  outras 
potencias,  o  novo  rei  Milan  I  (1887-1889). 

Milan  I,  inquieto  pelo  engrandecimento  da  Bulgária, 
que  acabava  de  se  junctar  á  RomeHa,  declarou-lhe 
guerra,  e  foi  vencido. 

Esta  guerra,  junctamente  com  o  seu  divorcio  da  rainha 
Nathalia  Stourdza,  tornou  o  rei  impopular;  e,  porisso, 
foi  elle  obrigado  a  abdicar  em  seu  filho  Alexandre  I 
(1889-1903). 

* 
*         *■ 

As  ramificações  dos  Balkans  cobrem  toda  a  Servia, 
e  fazem  frente  no  Danúbio  aos  Carpathos  do  Bonato, 
constituindo  um  planalto,  que  é  formado  de  altas 
cadeias  montanhosas,  cheias  de  florestas,  e  sulcadas 
pelos  profundos  cortes  de  Morava  e  seus  afluentes. 

O  clima  é  o  mesmo  da  AUemanha  meridional, 
sujeito  a  mudanças  bruscas,  desde  41"  no  estio,  a  16^ 
no  inverno. 

Por  isso  as  condições  do  solo  e  clima  eram  favorá- 
veis para  a  agricultura.  Mas,  tendo-se  dado  o  caso  da 
Servia  andar  até  1876,  mais  ou  menos  agitada  pelas 
luctas  intestinas,  e  quasi  sempre  sujeita  ao  domínio  dos 
Turcos  e  da  Rússia,  estando,  demais  a  mais,  destituída 
de  communicações,  como  veremos,  e  sob  a  dependência 
e  concorrência  industrial  de  dois  grandes  Estados  —  a 
Áustria  e  Hungria,  é  concludente  que  o  seu  desinvol- 
vimento  económico  devia  ser  insignificante.  E,  real- 
mente, achava-se  limitado  quasi  exclusivamente  á  agri- 
cultura. 


520  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Mas,  n'essa  parte,  o  regimen  da  propriedade  favore- 
cia o  desinvolvimento ;  porque,  embora  houvesse  também 
divisão  do  solo  em  communidades  familiares  que  pos- 
suiam  e  cultivavam  em  commum  o  terreno  que  lhes 
pertencia,  havia  muitos  proprietários  que  constituiam 
a  pequena  propriedade. 

Alem  d'isso,  depois  da  guerra  da  independência, 
vastos  terrenos  saqueados  se  encontravam  sem  dono; 
e  o  governo  sérvio  teve  a  boa  ideia  de  os  offerecer 
gratuitamente  aos  agricultores  romenos  que  se  obri- 
gassem a  cultival-os. 

Multidões  de  Valachios  appressaram-se,  então,  a 
acceitar  essa  offerta,  fugindo  ao  regulamento  orgânico, 
pelo  qual  a  sua  pátria  os  condemnava  a  uma  verda- 
deira escravidão;  e  repovoaram  logo  em  grande  multi- 
dão as  aldeias  abandonadas,  dando  aos  campos  o 
adorno  das  suas  ceifas. 

Laboriosos,  económicos  e  com  familia,  foram  adqui- 
rindo meios  de  fortuna;  e  algumas  até  das  novas  coló- 
nias passaram  o  rio  Morava.  E  da  mesma  forma  que  no 
Bonato  e  nas  outras  regiões  da  Servia  do  sul,  um 
grande  numero  de  aldeias  se  tornaram  romenas. 

Os  Romenos  emigrados  punham  mais  zelo  em  ins- 
truir os  seus  filhos;  e,  nos  seus  districtos,  as  escolas 
eram  duas  vezes  mais  numerosas  que  no  resto  da 
Servia,  embora  o  ensino  se  fizesse  em  lingua  slava. 
E  isso  influia  egualmente  no  desinvolvimento  do 
paiz. 

Concorreram  também  á  Servia  milhares  de  Slavos, 
vindos  da  Hungria  e  Slavia,  para  escaparem  ao  governo 
dos  Magiares  e  fazerem  parte  da  nação  independente. 
E  mesmo  os  colonos  búlgaros,  atraidos  pela  liberdade 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  Õ21 


servia,  vieram  estabelecer-se  fora  das  fronteiras  turcas, 
nos  valles  do  Timock  e  do  Morava. 

A  população  augmentou,  assim,  depois  da  indepen- 
dência, com  o  excedente  dos  nascimentos  do  paiz  e 
com  essa  emigração,  vinte  mil  pessoas  por  anno. 
E  este  augmento  de  população  contribuiu  egualmente 
para  a  expansão  da  vida  agrícola. 

Mas,  apezar  de  tudo,  ainda  no  ultimo  quartel  do 
século  XIX,  só  estava  cultivada  uma  oitava  parte  do 
solo  da  Servia,  e  quasi  por  toda  a  parte,  a  exploração 
era  das  mais  barbaras.  A  não  ser  nos  valles  mais  férteis 
como  no  baixo  Timock,  um  pousio  annual  succedia  a 
cada  colheita.  E,  sem  os  mercenários  que  vinham  cada 
anno  fazer  os  trabalhos  d'essa  colheita  nos  campos  da 
Servia,  os  habitantes  mal  teriam  com  que  se  ahmentar. 

Nos  últimos  tempos  do  século,  as  coisas  foram 
mudando.  Já  havia  muito  milho,  trigo,  cevada  e  legu- 
mes. A  cultura  da  vinha  formava  um  dos  rendimentos 
mais  importantes  da  população,  tanto  mais  que  a 
videira  encontrava  por  toda  a  parte  condições  espe- 
ciaes  de  terreno  e  clima.  Especialmente,  o  solo  calcário 
dos  cabeços  do  sul,  prestava-se  maravilhosamente  ao 
desinvolvimento  d'essa  cultura.  E  os  Sérvios  trataram 
de  fazer  vir  da  França  as  melhores  espécies  e  de 
aperfeiçoar  os  seus  processos  de  viticultura  e  vinifi- 
cação. 

Nas  arvores  fructiferas,  convém  especificar  as  amei- 
xoeiras, cujos  fructos  eram  um  artigo  importante  do 
commercio.  Não  só  havia  muitos  pomares  d'ellas,  mas 
até  verdadeiras  florestas.  E  as  ameixas  eram  vendidas 
em  quantidade  enorme  aos  estrangeiros,  e  applicadas 
também  para  a  fabricação  da  aguardente. 


522  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


As  nogueiras  eram  abundantes.  As  macieiras  e 
pereiras  é  que  não  prosperavam  n'aquelle  ceu. 

Nas  plantas  industriaes,  havia  o  linho  e  o  cânhamo 
em  abundância. 

* 

Antigamente,  a  Servia  era  uma  das  regiões  mais 
cheias  de  florestas  da  Europa.  Todos  os  montes  se 
achavam  revestidos  de  carvalhos.  Quem  mata  uma 
arvore,  mata  um  sérvio,  dizia  um  velho  provérbio,  que 
datava  certamente  do  tempo  em  que  os  rayas  ou  servos 
opprimidos,  se  refugiavam  nas  florestas  ou  nas  santas 
arvores  que  lhes  serviam  de  templo. 

Mas  esqueceu-se  o  provérbio;  e,  até  1876,  foi  grande 
a  desarborisação  em  vários  districtos  das  montanhas, 
devido  á  queima  que  os  pastores  faziam  de  muitas 
arvores,  para  alimentar  o  fogo  nocturno,  á  destruição 
feita  pelo  povo  sem  ordem  nem  regulamento,  e  ao 
dente  das  cabras  e  porcos,  dois  grandes  inimigos  da 
vegetação,  que  roiam  as  plantas  novas  e  tenras,  devo- 
ravam  as  folhas,  e  escavavam  e  descobriam  as  raizes. 

Ultimamente,  algumas  leis  protegeram  as  florestas; 
mas  essas  leis,  raramente  applicadas  pelas  communas, 
quasi  que  ficaram  sem  effeito. 

Em  alguns  districtos,  era-se  já  obrigado  a  importar 
lenha  e  madeira  da  Bósnia.  Em  todo  o  caso,  nos  outros 
districtos,  ficou  ainda  grande  abundância  de  lenha  e 
madeira,  e  especialmente  de  carvalhos. 

Havia  ainda  no  principio  do  século,  muitos  animaes 
selvagens,    ursos,    lobos,    sabujos  e  camurças ;  mas,  no 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  523 


fim  do  século,  estavam  elles  quasi  destruídos,  devido 
aos  caçadores,  e  também,  em  parte,  á  devastação  das 
florestas.  Os  pântanos  regorgitavam  de  sanguesugas, 
como  na  Turquia. 

Quanto  aos  animais  domésticos,  a  Servia  era  o  paiz 
da  Europa  que  relativamente  alimentava  mais  carneiros. 

Os  porcos,  de  excelente  raça,  eram  exportados  em 
grande  numero.  Os  bois  e  búfalos,  muito  abundantes 
até  1870,  soffreram  uma  grande  diminuição  depois 
d'isso. 

Antes  das  relações  com  a  China  e  Japão,  criava-se 
muito  sirgo ;  mas  por  um  lado,  essas  relações  fizeram 
pela  concorrência  acabar  com  a  industria  da  seda  na 
Servia,  e,  portanto,  com  a  criação  do  sirgo;  e,  por 
outro  lado,  sobreveiu  a  doença  d'este  verme. 


* 
* 


A  industria  estava  ainda  na  infância,  apezar  das 
boas  condições  naturaes.  Os  estabelecimentos  indus- 
triaes  que  existiam,  eram,  geralmente,  propriedade  dos 
capitalistas  estrangeiros.  Mesmo  no  fim  do  século,  os 
Sérvios  somente  exerciam  um  pequeno  numero  de  indus- 
trias alimentares  e  domesticas. 

A  Servia  possuia  minas  de  ferro,  cobre,  chumbo  e 
mesmo  de  prata;  e  não  faltava  a  hulha,  para  pôr  em 
pratica  todas  essas  riquezas.  Mas  tudo  isto  era  quasi 
totalmente  improductivo,  por  falta  de  exploração. 

De  mais  a  mais,  a  Servia  tinha  o  grande  mal  de 
desprezar  todos  os  trabalhos  manuaes  que  não  fossem 


524  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


de  agricultura.  Apenas,  como  já  dissemos,  os  Búlgaros 
lá  estabelecidos  é  que  exerciam  alguma  industria,  e  só 
Belgrado  é  que  representava  um  centro  industrial  impor- 
tante. 


O  commercio  era  também  muito  pequeno. 

A  Servia  exportava  principalmente  porcos  mal  engor- 
dados, que  eram  expedidos  por  milhares  para  a  AUe- 
manha.  A  venda  d'este  producto  constituía  o  principal 
rendimento  dos  lavradores.  Mas  vendiam  também  outros 
gados,  fructos,  madeiras,  e,  nos  últimos  tempos  do 
século,  alguns  cereaes. 

Compravam  tendas  e  diversos  productos  manufactu- 
rados. 

As  trocas  fazíam-se  principalmente  com  a  Allemanha, 
Hungria,  Inglaterra  e  França. 


Quanto  aos  centros  principaes,  havia  Belgrado,  a 
capital,  a  antiga  Singidunum  dos  Romanos  e  Alba 
Graeca  de  meia  edade,  que  se  transformara  numa  bella 
cidade  industrial  e  commercial,  depois  da  independência 
da  Servia;  e  era  um  entreposto  commercial  necessário 
entre  o  occidente  e  oriente ;  Chabatz  sobre  o  Sava,  que, 
segundo  diziam  os  habitantes,  se  tornou  um  pequeno 
Paris ;  Pozareratz  sobre  o  Danúbio,  celebre  na  historia 
pelo  tratado  do  mesmo  nome ;  Semederevo  (Semendria), 
donde  partiu  o  signal  da  independência. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  525 


Quanto  a  communicações,  estavam  ainda  muito 
incompletas. 

As  estradas  eram  muito  imperfeitas  e  muito  raras. 
Mas,  nos  últimos  tempos  do  século,  os  caminhos  de  ferro 
é  que  representavam  uma  figura  internacional  conside- 
rável;  porque  a  linha  servia  era  a  passagem  da  grande 
via  que  ia  do  occidente  a  Constantinopla  e  Salonica, 
E,  alem  d'isso,  havia  outras,  sendo  as  principaes  de 
Belgrado  a  Nissa,  Vranja,  e  Tzaribod ;  e  a  do  Sme- 
derevo  e  Plana. 

Por  temor  dos  Turcos,  os  Sérvios  tinham-se  opposto 
sempre  a  deixar  construir  no  seu  território  uma  linha 
que  ligasse  Philoppopuli  ao  caminho  húngaro,  mas  a 
construcção  d'essa  linha  foi-lhes  imposta  no  congresso 
de  BerHm  de  1872. 

Quanto  ás  communicações  fluviais,  o  Danúbio,  de 
Belgrado  (no  confluente  do  Sava),  a  Negotin  (no  con- 
fluente do  Timock),  pertence  por  sua  margem  direita  á 
Servia.  O  Sava,  saindo  da  Bósnia,  passa  diante  da  forta- 
leza serva  de  Schabatz  e  reune-se  ao  Danúbio  entre 
Semlim  e  Belgrado,  formando  a  grande  Ilha  da  Guerra. 
Os  afluentes  do  Sava  sérvio  são  o  Drina,  o  Tara  e  o 
Kolubara. 

O  Danúbio  recebe  também  o  rio  sérvio  por  exce- 
lência —  o  Morava  sérvio,  o  Morava  búlgaro  e  o 
Timock. 

Antigamente,  o  Morava  sérvio  era  navegável  na  maior 
parte  do  seu  curso,  e  numerosas  embarcações  do  com- 


526  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


mercio  o  subiam  e  desciam  em  qualquer  das  estações. 
Mas,  no  ultimo  quartel  do  século  XIX,  o  volume  das 
suas  aguas  era  muito  irregular  para  que  se  pudesse 
organisar  um  serviço  de  barcagens  regular.  E,  em  parte, 
era  isso  devido  á  desarborisação  das  montanhas  da 
Servia. 


CAPITULO  XIX 

A  península  dos  balkans 

V 
Montenegro 

Leve  esboço  da  historia  politica  do  Montenegro,  n'este  periodo.  — 
Como  primeiramente  eram  occupados  os  pastos  e  florestas  das 
montanhas.  —  Incursões  dos  montanhezes  nos  valles  para  colhe- 
rem os  comestíveis  á  mão  armada.  —  Como  tudo  isso  mudou, 
pela  intervenção  da  Europa. — Productos.  —  Ag-ricultura. —  In- 
dustria.—  Commercio.     Centros     principaes.  —  Communicações. 

Como  já  vimos,  o  Montenegro,  no  principio  do 
periodo  de  que  estamos  tratando,  estava  ainda  sujeito 
á  Turquia.  Mas,  depois  de  uma  guerra  tenaz,  que, 
embora  tivesse  differentes  intervallos,  durou  desde  1815 
até  1852,  pôde  obter  então  a  sua  independência,  sob  o 
Governo  do  princepe  Danilo  (1852-1860). 

Este  princepe  foi  assassinado,  e  substituido  n'esse 
mesmo  anno  pelo  seu  sobrinho  Nikolo  (Nicolau  I),  que 
ainda  era  vivo  e  governara  no  fim  do  século.  E  a  lucta 
com  a  Turquia  continuou  até  que,  no  congresso  de  Ber- 
lim (1878),  foi  assegurada  a  independência  do  Monte- 
negro. 


O  relevo  e  aspecto  assemelha-se  a  um  enorme  pas- 
tel de  cera  cheio  de  milhares  de  alveloas,  ou  um  tecido 


528  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


de  milhares  de  cellulas:  tanto  as  montanhas  são  conti- 
nuadas e  cheias  de  pequenos  valles  ou  pequenas  cavi- 
dades. 

O  Montenegro  tem  apenas  um  rio  navegável,  o 
Tsernoievitja,  que  se  lança  no  nordoeste  do  lago  Scutari. 

O  clima  é  muito  rigoroso  no  inverno,  e  muito  doce 

no  estio. 

* 


Antes  da  invasão  dos  Osmanlis,  as  altas  bacias  do 
Montenegro  não  eram  ainda  habitadas.  Os  pastores  e 
bandidos  eram  as  únicas  pessoas  que  percorriam  os 
pastos  e  as  florestas.  Mas,  para  evitar  a  escravidão,  os 
habitantes  dos  valles  inferiores  tiveram  de  refugiar-se 
no  meio  das  rochas  elevadas,  sob  o  áspero  clima  das 
alturas,  e  de  prover  á  vida,  pela  cultura,  criação  do 
gado  e,  muitas  vezes,  até  pelo  roubo. 

Não  podendo  a  exploração  barbara  de  um  solo  de 
pequenos  recursos  proporcionar  aos  Montenegrinos 
senão  fracos  recursos,  muitas  vezes,  a  necessidade 
tomava  a  proporção  de  verdadeira  fome. 

Numerosos  fugitivos  da  Bósnia,  escapados  ao  jugo 
mussulmano,  augmentavam  ainda  a  miséria,  parcellando 
extremamente  os  terrenos  cultivados;  porque  o  regi- 
men da  propriedade  do  Montenegro  era,  então,  o  das 
communidades,  e  foi  preciso  dividir  por  esses  fugitivos 
o  solo  em  propriedades  particulares  de  innumeraveis 
parcellas.  Os  pastos,  porém,  continuavam  communs 
segundo  o  velho  costume  sérvio. 

As  incursões  nos  valles  limitrofes  tornavam-se 
também  uma  necessidade.  Muitas  vezes,  os  Sérvios  só 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  529 


podiam  escolher  entre  o  morrer  de  fome,  ou  nos  cam- 
pos de  batalha,  em  resultado  d'essas  incursões  annuaes. 
E,  porisso,  estas  mesmas  incursões,  até  que  a  Europa 
lhes  poz  termo,  não  passavam  de  colheitas  á  mão  armada. 

Mas,  depois  que  a  Europa  se  intrometeu  nas  conten- 
das dos  Montenegrinos  e  Turcos,  as  fronteiras  do  Mon- 
tenegro foram  precisamente  limitadas ;  e,  já  no  ultimo 
quartel  do  século,  estava  garantida  a  segurança  das 
pessoas  e  das  propriedades.  Os  habitantes  das  mon- 
tanhas vinham  intender-se  com  os  das  planicies,  para 
trocarem  os  seus  bons  officios;  e  estes  levavam  no  verão 
os  seus  gados  aos  altos  pastos,  emquanto  que,  no  inverno 
os  pastores  das  montanhas  desciam  para  os  valles;  e  uns 
e  outros  eram  bem  acolhidos. 

Data  desde  então  o  progresso  do  Montenegro. 


* 
* 


O  solo  prestava-se  mal  á  cultura,  e  exigia  um  labor 
enérgico.  Os  campos  divididos  até  o  infinito,  como  já 
notámos,  muito  irregulares,  suspensos,  por  assim  dizer, 
nos  flancos  das  montanhas,  e  sustentados  por  muros  de 
supporte,  davam  cevada,  aveia,  milho  e  batatas,  que 
eram  as  únicas  plantas  que  o  terreno  permittia  semear 
com  successo,  Mas,  graças  ao  trabalho  da  população,  o 
Montenegro,  nos  últimos  tempos  do  século,  já  produzia 
o  bastante  para  alimentar  os  seus  habitantes  e  até  para 
fornecer  subsistências  á  cidade  vizinha  de  Cattaro. 

As  vinhas  do  Tzernitz  produziam  vinhos  excelentes, 
mas  que,  por  falta  de  utensilios  e  caves,  os  habitantes 
não  podiam  guardar. 

Volume  VI  34 


530  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  solo  era  também  muito  próprio  para  a  cultura  do 
tabaco. 

As  florestas  eram  immensas;  mas  estavam  por  explo- 
rar. Os  pastos,  que  eram  abundantes,  alimentavam 
excellentes  cavallos,  éguas,  porcos,  bois,  vaccas,  cabras 
e  carneiros. 

Cada  anno,  100  mil  cabeças  de  gado  miúdo  eram 
abatidas,  salgadas,  defumadas,  e  exportadas,  sob  o  nome 
de  castradina,  para  todos  os  portos  do  Adriático,  da 
mesma  forma  que  rebanhos  consideráveis  de  leitões  e  de 
porcos.  E  grande  quantidade  da  carne  d'elles,  também 
salgada  ou  defumada,  era  egualmente  exportada  para  o 
estrangeiro. 

Emfim,  os  cortiços  de  abelhas  davam  muito  mel> 
que  era  expedido  para  as  provincias  ottomanas  vizi- 
nhas, ou  empregado  na  fabricação  d'um  hydromel,  de 
muito  boa  qualidade. 

Todos  os  rios  e  o  lago  Scutari  forneciam  peixes 
excellentes  e,  entre  estes,  trutas  que  pesavam  muitos 
kilos ;  peixes  esses,  que  eram  também  seccos  e  defuma- 
dos, e  expedidos  para  a  Itália  e  Delmacia. 

A  industria,  salvo  a  agricola,  era  nuUa.  Concorria 
para  isso  a  modéstia  em  que  os  Sérvios  viviam,  pois 
que  não  tinham  luxo  nenhum,  a  não  ser  no  vestuário; 
os  poucos  recursos  industriaes  do  paiz;  e  a  emigração 
do  povo. 

Como  os  seus  vizinhos  da  Albânia,  os  trabalhado- 
res tinham  por  habito  emigrar,  para  irem  nas  grandes 
cidades  estrangeiras,  procurar  os  proventos  que  o  seu 
paiz  lhes  não  proporcionava.  Contavam-se  milhares 
d'esses  emigrados  só  em  Constantinopla,  onde  exer- 
ciam  os  misteres  de  carregadores,  manufactores  jardi- 


EUADE   CONTEMPORÂNEA  53] 


neiros,  e  outros  officios,  vivendo  em  boa  intelligencia 
com  os  Turcos,  seus  inimigos  hereditários.  E  havia 
ainda  muitos  outros  emigrados,  espalhados  por  outras 
cidades. 


Quanto  ao  commercio,  o  Montenegro  fornecia  Trieste 
e  Veneza  de  carnes  seccas  de  cabra  e  carneiro,  que 
a  marinha  procurava  para  as  suas  provisões.  Expedia 
também  para  o  estrangeiro  mais  de  duzentas  mil  cabe- 
ças de  gado  miúdo,  uma  grande  quantidade  de  carne 
de  porco  salgada  ou  defumada  e  leitões ;  assim  como 
pelles,  gorduras,  peixe  salgado,  queijo,  mel,  sumagre  e 
pó  insecticida. 

As  exportações  annuaes  eram  avaliadas  em  mais  de 
um  milhão  de  francos. 

Os  Montenegrinos  compravam  aos  negociantes  de 
Trieste  e  Cattaro  uma  aguardente  detestável,  de  que 
faziam  uso  frequente,  e  pólvora,  armas,  ferramenta, 
taboas,  algodão  e  pannos  necessários  para  o  comple- 
mento de  um  vestuário  dispendioso,  único  luxo  d'elles. 


Os  centros  principaes  eram :  Cetigne,  a  capital, 
intermediaria  do  -commercio  entre  o  lago  Scutari,  Rieka 
e  Cattaro ;  Rieka,  antiga  capital,  celebre  por  suas  pes- 
carias;  Niegoche,  berço  da  casa  reinante;  Niksitch, 
praça  forte;  Podgorita,  Antivari  e  Dulcigne. 


532  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


As  communicações  eram  deficientissimas.  Só  havia 
um  rio  navegável,  o  Tsernoievitja,  um  grande  lago 
também  navegável,  o  Scutari,  que  tinha  por  emissário 
o  Bojana  albanez ;  e  apenas  um  bom  caminho  carros- 
savel  de  Cetigne  a  Cattaro  ^. 


1  E.  Reclus,  Nouvelle  Geogiaphie  Universelle  UEurope  Meri- 
dionale.  —  Lanier,  LEurope. — ^Marsillac,  Manuel  d' Historie  Contem- 
poraine. —  Boulongne,  Le  Montenegro,  le  pays  et  ses  habitants. 


A  península  dos  balkans 

CAPITULO  XX 

VI 

Grécia 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Grécia,  n'este  periodo.— Aspecto, 
relevo,  clima,  orografia  e  hydrografia.  —  Como  a  Grécia  n'este 
periodo  formou  um  contraste  com  os  outros  paizes  dos  Balkans. 
— Productos.— Agricultura. — Industria. — Commercio  e  marinha. 
— Centros  económicos  principaes.  —  Communicações. 

No  fim  do  século  XVIII,  a  Grécia,  então  sujeita  á 
Porta  ottomana,  voltou  os  olhos  para  a  Rússia  que  a 
cornmunidade  de  religião,  e,  mais  ainda,  os  projectos 
do  czar  sobre  Constantinopla,  designavam  como  a  pro- 
tectora natural.  E,  por  essa  protecção,  o  tratado  de 
Jassy,  em  1792,  deu  aos  marinheiros  gregos  o  direito 
de  navegarem  livremente  sob  o  pavilhão  russo,  e  pre- 
parou o  dia  do  grande  levantamento. 

De  facto,  desde  então,  as  casas  gregas,  estabeleci- 
das no  Mediterrâneo,  desinvoiveram  o  seu  commercio, 
engrandeceram  a  sua  fortuna,  e  fundaram  ou  melhora- 
ram as  escolas  gregas,  que  deviam  reanimar,  em  toda  a 
península,  e  até  no  seio  da  capital  turca,  o  sentimento 
extincto  da  nacionalidade  e  da  independência.  A  revo- 
lução franceza  reaccendeu  também  este  sentimento  da 
liberdade.   E  Rhiga  de  Pheres,  da  Thessalia,  compoz,  á 


534  A     HISTORIA    ECONÓMICA 


imitação  da  Marselheza,  o  canto  de  guerra  da  Grécia,  e 
formou  o  plano  de  uma  revolução.  Preso  pelos  Austria- 
cos,  em  Belgrado,  foi  morto,  em  1798.  Mas,  no  anno 
seguinte,  as  ilhas  Jonias  emanciparam-se ;  e  a  França,  a 
Rússia  e  a  Inglaterra  garantiram  successivamente  a 
sua  autonomia  sob  o  protectorado  d'essas  nações,  até 
que,  em  1864,  as  mesmas  ilhas  fizeram  parte  integrante 
da  Grécia  livre. 

As  guerras  dos  Turcos  e  Gregos  é  que  foram  per- 
manentes; e,  em  1814,  formou-se  em  Odessa  uma 
sociedade  revolucionaria,  chamada  Ketairia  Amigável, 
que  abarcou  logo  todas  as  cidades  gregas  da  Europa 
oriental,  as  provindas  costeiras  do  Danúbio,  e  o  littoral 
hellenico  do  Archipelago.  Todos  os  Gregos  tomaram 
as  armas.  As  grandes  familias  das  ilhas  offereceram  os 
seus  milhões  aos  patriotas.  Os  deputados  das  cidades 
reuniram-se  em  Epidauro,  proclamaram  a  independên- 
cia da  Grécia,  e  votaram  uma  constituição.  O  heroismo 
dos  combatentes,  as  expedições  maravilhosas  dos  mari- 
nheiros, as  atrocidades  commetidas  pelos  Turcos,  a 
devastação  da  Morea  pelo  pachá  do  Egypto,  Ibrahin,  e 
a  admirável  defeza  de  Missolonghi  e  a  sua  destruição, 
commoveram  profundamente  a  Europa,  não  obstante  o 
abandono  da  Rússia  e  a  má  vontade  da  Áustria. 

Os  liberaes  tornaram-se  por  toda  a  parte  Philhelle- 
nos.  A  França  foi  a  primeira  a  secundar  a  emancipação 
da  Grécia;  e  a  opinião  publica  pronunciou-se  com 
enthusiasmo  pelos  opprimidos.  Poetas,  artistas,  solda- 
dos e  capitalistas  offereceram  o  seu  generoso  concurso 
á  obra  da  emancipação.  Os  povos  na  Suissa,  na  Ingla- 
terra e  na  Allemanha,  também  manifestaram  a  sua  sim- 
pathia;   e    as   nações   cederam   por   fim    a  esta  pressão 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  535 


irresistível,  no  momento  em  que  os  Gregos,  esgotados 
n'uma  lucta  desegual,  e  depois  de  sete  annos  de  uma 
resistência  heróica,  iam  succumbir. 

A  triplice  alliança,  assignada  em  Londres  entre  a 
Inglaterra,  a  França  e  a  Rússia  para  a  pacificação  da 
Grécia,  decidiu  o  reconhecimento  da  nacionaHdade 
hellenica ;  e  a  destruição  da  frota  turca  em  Navarino, 
pelo  ataque  combinado  das  três  frotas  alhadas,  apar 
da  expedição  franceza  de  1827  que  expulsou  do  Pelo- 
poneso  o  exercito  de  Ibrahin,  asseguraram  a  salvação 
dos  Hellenos. 

A  Grécia  estava  arruinada,  mas  estava  livre.  E  o 
tratado  de  Andrinopla  confirmou  a  sua  independência, 
embora  lhe  assignasse  umas  fronteiras  estreitas ;  por- 
que a  Porta  conservou  Creta  e  a  Thessalia  do  sul  e  o 
Epiro  meridional,  as  duas  províncias  mais  férteis  e 
industriaes,  regadas  do  sangue  dos  Hellenos. 

A  coroa  da  Grécia  foi,  então,  offerecida,  em  1828, 
pelas  três  potencias  a  Leopoldo  de  Saxe  Coburgo, 
mais  tarde  rei  dos  Belgas;  e,  tendo  elle  regeitado,  foi 
proposto  Othon  (1832-1862),  segundo  filho  do  rei  da 
Baviera,  campeão  ardente  do  Hellenismo,  que  acceitou. 
Este  rei  levou  com  elle  um  grande  numero  dos  seus 
companheiros,  confiando-lhes  os  cargos  mais  impor- 
tantes do  reino ;  e  com  isso  o  descontentamento  dos 
Gregos  foi  tão  grande,  que  elle  teve  de  despedir  a 
própria  familia  (1843)  e  sujeitar-se  a  uma  nova  consti- 
tuição, que  estabelecia  um  suffragio  quasi  universal. 
Por  fim,  sendo  accusado  de  pouco  patriotismo,  levan- 
tou-se,  em  1862,  uma  revolução  contra  elle,  que  o 
depoz  do  trono,  è  pronunciou  também  a  deposição  da 
sua  familia. 


536  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Depois  de  um  interregno  de  oito  mezes,  durante  o 
qual  a  coroa  foi  offerecida  successivamente  a  muitos 
principes,  a  assembleia  nacional  elegeu  por  unanimi- 
dade o  segundo  filho  do  rei  Dinamarquez,  que  tomou 
o  nome  de  George  I  (1863-1913). 

A  Inglaterra  consentiu  em  renunciar  a  favor  d'elle 
ás  ilhas  Jonias  que  o  novo  monarca  reuniu  ao  seu 
reino,  como  um  alegre  dom  da  sua  subida  ao  trono. 

Tendo-se  a  ilha  de  Creta  levantado  contra  a  Tur- 
quia (1860-1868),  esteve  a  ponto  de  estalar  uma  nova 
guerra  entre  os  Gregos  e  Turcos;  mas  a  intervenção 
das  outras  potencias  pôde  evital-a. 

De  1868  a  1878,  a  Grécia  mostrou-se  mais  calma; 
e,  quando  os  plenipotenciários  da  Europa  se  reunfram 
em  Berlim,  para  regularem  as  questões  territoriaes  dos 
Balkans,  o  embaixador  da  França  tomou  a  iniciativa  de 
um  pedido  de  engrandecimento  para  a  Grécia.  E,  então, 
uma  nova  configuração  de  fronteiras  foi  traçada  do 
lado  do  norte,  comprehendendo  a  Thessalia  do  sul,  o 
Epiro  meridional,  as  cidades  de  Peveza,  Janina,  Metzoro 
e  Larissa.  Era  o  terceiro  engrandecimento  obtido  pelos 
Gregos,  depois  da  sua  emancipação.  Mas,  ainda  assim, 
as  suas  ambições  não  ficaram  satisfeitas,  e  sempre, 
n'este  periodo  de  que  estamos  tratando,  elles  sonharam 
enriquecer-se  com  os  despojos  da  Turquia,  inclusiva- 
mente adquirir  Constantinopla,  a  capital  que,  durante 
doze  séculos,  foi  a  sede  do  império  grego  e  o  foco  da 
civilisação  hellenica. 

Em  consequência  d'estas  acquisições,  a  Grécia  veiu 
a  comprehender  no  século  XIX  cinco  partes,  a  saber: 
1.*,  a  região  do  Pindo,  Epiro  e  Thessalia;  2.%  a  Hellade, 
com   a  ilha  de  Eubea  ou  de  Negroponto;  3.%  o  Pelo- 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  537 


poneso  ou  a  península  de  Morea;  4.",  as  ilhas  do  mar 
Egeu  ou  Ciciadas;  5.*,  as  ilhas  Jonias. 


Todo  o  continente  grego  é  atravessado  pela  cadeia 
hellenica — -uma  continuação  do  Pindo,  que  o  percorre  do 
norte  a  sul.  Essa  cadeia  passa  pelo  isthmo  de  Corintho, 
e  termina  por  dois  ramos  principaes  nos  cabos  de 
Mallea  e  Matapan.  Alem  d'estes  ramos  principaes,  ha 
também  um,  que  termina  sobre  o  cabo  Gallo;  outro  que. 
vai  para  este  findar  na  Argolida;  e  ainda  outro  para 
oeste,  que  vai  dar  ás  planicies  da  Achaia.  E,  entre  a 
cadeia  que  vai  dar  ao  cabo  Gallo  e  a  que  vai  dar  ao 
cabo  Matapan,  fica  o  plató  da  Arcádia. 

Poucos  paizes  são  tão  cortados  de  golfos  e  tão 
cheios  de  pequenas  penínsulas;  de  modo  que  o  traço 
característico  de  todas  as  regiões  é  o  fraccionamento 
do  solo  em  bacias  estreitas,  isoladas  umas  das  outras 
por  macissos  e  platós  de  formas  irregulares. 

Esta  configuração  physica  da  Grécia  explica  até 
o  desinvolvimento  independente  das  suas  nacionali- 
dades e  a  rivalidade  das  suas  republicas  na  antigui- 
dade. 

Não  tem  rios  navegáveis.  A  maior  parte  das  corren- 
tes são  alimentadas  no  inverno  pelas  chuvas  e  pelas 
neves,  e  estão  seccas  no  verão,  ou  perdidas  em  cavi- 
dades subterrâneas.  Mas  as  aguas  da  chuva,  recolhidas, 
nas  vertentes  das  montanhas,  saltam,  no  sopé  d'ellas, 
em  fontes  abundantes. 


538  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  variedade  de  climas  é  muito  grande.  Ao  norte, 
nas  montanhas  do  Etolia.  o  clima  é  o  da  Rurona  cen- 
tral. Ao  sul  e  este,  nas  peninsulas  e  nas  ilhas,  é  o  da 
zona  tropical.  Na  Attica  e  na  Beócia,  os  invernos  são 
frios,  e  os  estios  ardentes,  de  forma  que  a  temperatura 
sobe  a  30'^  e  mesmo  a  40°.  O  outomno  e  a  primavera 
são  chuvosos,  o  verão  muito  secco ;  as  neves  muito 
abundantes  nas  montanhas,  desde  outubro  a  abril,  mas 
não  são  perpetuas. 


A  Grécia,  n'este  periodo,  estava  em  completo  con- 
traste com  a  maior  parte  dos  Estados  da  peninsula  dos 
Balkans.  Os  Turcos,  Bulg-aros  e  Romenos  habitavam 
paizes  admiravelmente  favorecidos  pela  natureza,  e  não 
tinham  sabido  tirar  partido  d'elles.  Os  Gregos,  pelo 
contrario,  habitavam  em  paiz  de  fertilidade  medíocre, 
onde  os  recursos  mineraes  eram  também  insufficientes 
para  o  desinvolvimento  de  uma  grande  industria;  e, 
apesar  d'isto,  souberam  tirar  das  articulações  maritimas 
da  peninsula  a  compensação  de  um  solo  rochoso  e 
pouco  profundo,  O  mar  consolou-os  sempre  das  más 
provas  do  seu  território.  E'  lá  que  elles  adquiriram  a 
habilidade  e  audácia  no  commercio ;  e  isso  fez  a  sua 
fortuna  politica  e  mercantil,  e  determinou  essa  intelli- 
gencia  maravilhosa  do  negocio,  que,  relativamente  ao 
numero  dos  habitantes,  os  collocou  na  primeira  ciasse 
dos  povos  da  Europa  oriental. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  539 


A  Grécia  não  tinha  hulha,  e,  embora  abundasse 
n'outros  mineraes,  a  maior  parte  d'elles  estava  por 
explorar  desde  1861,  em  que  foi  promulgada  uma  lei 
de  minas,  e  começou  a  desinvolver-se  a  respectiva  indus- 
tria; mas,  ainda  assim,  a  extracção  só  foi  activa  d'ahi 
por  diante  em  alguns  districtos.  Os  jazigos  de  chumbo 
argentifero  de  Laurium  tornaram-se  então  objecto 
d'uma  exploração  fructuosa.  Em  Sanium,  nas  ilhas  de 
Seriphos  e  de  Siphnos,  havia  também  alguns  jazigos  do 
mesmo  mineral,  mas  sem  exploração.  O  Pentelico,  Hy- 
meto  e  Paras  abundavam  de  mármore,  mas  também 
pouco  explorado.  Havia  mnito  enxofre  em  Milo  e  na 
Eubea.  As  salinas  eram  muifo  numerosas,  e  davam 
muito  sal;  mas  o  Estado  tinha  o  monopólio  d'elle. 

Havia  também  minas  de  ferro,  de  manganez,  de 
linhite,  de  petróleo,  de  alunite,  de  kaolim,  e  ainda  de 
outros  mineraes,  mas  quasi  por  explorar. 


A  agricultura  estava  pouco  desinvolvida,  por  causa 
das  condições  da  geologia,  clima,  relevo  do  paiz,  falta 
de  braços  e  ignorância  geral.  E,  demais  a  mais,  falta- 
vam também  os  caminhos  por  toda  a  parte. 

Havia  regiões  mais  bem  tratadas,  como  a  Thessalia, 
a    Beócia,    a    Messenia,    a   Ellida  e  as  ilhas,  sobretudo, 


40  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Eubea  e  Corfu.  Mas,  ainda  assim,  duas  partes  do  ter- 
reno de  toda  a  Grécia  achavam-se  abandonadas.  Por 
isso,  as  culturas  alimentares  estavam  longe  de  supprir 
as  necessidades  da  população. 

Os  cereaes  (milho,  trigo,  cevada,  centeio,  aveia), 
occupavam  uma  área  restricta. 

Na  Attica  havia,  sobretudo,  a  cevada  que  se 
empregava  principalmente  na  alimentação  do  gado.  A 
Messenia  e  Ellida  tinha  bons  campos  de  milho  e  trigo. 
A  aveia  era  muito  mais  rara;  e  o  centeio  muito  pouco 
cultivado. 

As  culturas  horticolas  tinham  uma  grande  importân- 
cia. Nos  jardins  bem  cultivados  dos  arredores  das 
cidades  e  dos  campos  e  ilhas  em  particular,  colhiam-se 
muitos  tomates,  beringellas,  melões  e  melancias.  Nos 
fins  do  século  XIX,  começava-se  também  a  cultivar  as 
batatas  em  algumas  provincias. 

As  culturas  arborescentes  é  que  representavam  uma 
grande  riqueza  do  paiz ;  e  tanto  mais  que  as  terras 
cultiváveis  da  Grécia  prestavam-se  admiravelmente  á 
producção  dos  vinhos,  fructas  e  plantas  industriaes, 
como  o  algodão,  garança  e  tabaco. 

Especialmente,  a  vinha  era  uma  das  fortunas  carac- 
teristicas  do  solo  grego.  E  a  devastação  da  philoxera 
em  França,  bem  como  os  progressos  constantes  da 
fabricação  das  passas,  animavam  vivamente  a  cultura 
hellenica. 

Assim,  a  producção  dos  vinhos  attingia  no  fim  do 
século  três  milhões  de  hectolitros;  e,  apar  d'isso,  a 
maior  parte  das  uvas  era  transformada  em  passas,  para 
a  exportação.  Mas  os  vinhos  conservavam-se  com  diffi- 
culdade,    com   excepção    de   alguns  privilegiados.  Para 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  541 


OS  conservar  addicionava-se-lhes,  muitas  vezes,  resina, 
o  que  lhes  dava  um  sabor  desagradável,  como  já  se 
fazia  no  tempo  antigo  '. 

A  cultura  da  oliveira,  tão  prospera,  foi  singular- 
mente restringida  durante  a  dominação  da  Turquia,  que 
punia  as  revoltas,  cortando  as  oliveiras.  Mas,  desde  que 
a  Grécia  se  libertou,  reconquistou  essa  riqueza ;  de 
modo  que,  não  havendo  mais  de  dois  milhões  de  arvo- 
res quando  acabou  a  guerra  da  independência,  já  em 
1870,  se  contavam  sete  milhões  e  meio;  e,  em  1875, 
12  milhões. 

Mas,  se  a  cultura  augmentava  rapidamente,  os  pro- 
gressos da  fabricação  do  azeite  eram  menos  satis- 
factorios. 

Os  Gregos  comiam  uma  grande  quantidade  de  azei- 
tonas. Se  nós,  os  Occidentaes,  estamos  habituados  a 
considerar  a  oliveira  só  pelo  azeite,  os  Orientaes  vêem 
no  fructo  d'ella  um  dos  seus  melhores  alimentos. 

As  figueiras,  laranjeiras,  limoeiros  e  amendoeiras 
abundavam  no  Peloponeso,  e  davam  fructos  estimados. 
As  amendoeiras  abundavam  também  nas  ilhas.  Quanto 
ás  outras  arvores  fructiferas,  prosperavam  muito  menos, 
e  davam  fructos  medíocres. 

Nas  culturas  industriaes,  figuravam  a  amoreira,  o 
tabaco  e  o  linho.  Este  ia  em  decadência,  pela  concor- 
rência dos  outros  paizes ;  mas  o  tabaco  tinha  augmen- 
tado  muito  no  fim  do  século,  e  era  de  muito  boa 
qualidade;  assim  como  ia  augmentando  a  cultura  da 
amoreira. 


í     Adriano  Anthero.  A  Historia  Económica,  vol.  I  pag.  289. 


542  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


Pode  dizer-se  que  a  principal  riqueza  agrícola  da 
Grécia  consistia  no  producto  das  vides  e  oliveiras. 

As  florestas  tinham  uma  superficie  muito  restricta, 
porque  eram  destruídas  por  toda  a  parte  pelos  pastores, 
que  lhes  lançavam  o  fogo,  para  dar  logar  ás  terras  de 
pastagem.  E  esta  ©bra  de  destruição  nem  sequer  parou 
em  face  das  leis  muito  rigorosas  que  a  prohibiram,  e 
dos  esforços  muito  enérgicos  do  Governo  para  a  cohi- 
bir,  pela  difficuldade  d'essa  tarefa,  n'um  paiz  cortado 
de  montanhas,  como  a  Grécia. 

Um  dos  productos  que  se  explorava  nessas  flores- 
tas em  grande  quantidade,  era  a  casca  de  bolota 
(vallonée)  aproveitável  para  a  tinturaria,  como  aconte- 
cia na  Turquia. 

* 

*  * 

A  criação  do  gado  estava  muito  pouco  desinvolvida. 
O  gado  grosso  a  que  faltavam  pastos,  não  existia,  por 
assim  dizer,  antes  da  annexação  da  Thessalia.  As  pro- 
víncias do  oeste,  Messenia,  Ellida,  Acarnania  e  ilhas 
Jonias,  só  contavam  ao  todo  100:000  cabeças  de  gado 
bovino,  e  toda  a  Grécia  só  tinha  90:000  cavallos.  Em 
compensação,  alimentavam-se  mais  de  100:000  asnos  e 
mulas,  animaes  excellentes  para  os  transportes  dos 
paizes  montanhosos. 

Os  carneiros  e  cabras,  fáceis  de  criar  em  paizes  de 
montanhas,  é  que  eram  muito  numerosos,  e  contribuíam 
grandemente  para  a  alimentação  dos  Gregos. 

A  pesca  era  uma  industria  muito  desinvolvida  em 
todas   as    costas   da  Grécia  continental  e  insular.  E  os 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  543 


Gregos  iam  ainda  pescar  as  esponjas  nas  costas  da 
Syria,  Ásia  Menor,  e  até  na  Tripolitana  e  Cyrenaica. 
A  apanha  das  sanguesugas  nos  pântanos  da  Livadia, 
constituía  também  um  rendimento  importante. 

Os  Gregos  eram  muito  bons  caçadores,  e  a  caça 
fornecia  uma  grande  quantidade  do  alimento  da  popu- 
lação. 


A  industria,  em  geral,  estava  muito  atrazada, 
apesar  das  condições  favoráveis  da  Grécia;  e  só  nos 
últimos  tempos  do  século  XIX  é  que  principiou  a  levan- 
tar-se. 

Com  effeito,  o  paiz  não  tinha  hulha;  mas,  como  já 
vimos,  tinha  muitas  outras  substancias  mineraes,  que  só 
demandavam  boa  exploração ;  e,  pela  vizinhança  do 
mar  e  recorte  das  costas  gregas,  que  mais  aproximavel 
o  tornava,  podia  supprir-se  facilmente  essa  falta  de 
hulha,  e  alcançar,  pela  importação,  quaesquer  outras 
matérias  primas,  a  preço  barato. 

Só  o  chumbo  argentifero  de  Laurium  é  que  tinha 
uma  grande  exploração,  como  também  já  vimos.  E  a 
fundição  de  Ergastiria,  que  tinha  a  sua  sede  também 
em  Laurium,  era  uma  das  maiores  do  mundo. 

A  metallurgia  estava  representada  apenas  por  alguns 
estabelecimentos  de  reparação  de  navios  em  Syra,  no 
Pireu  e  em  Salamina,  onde  se  installara  o  arsenal  de 
marinha  de  guerra.  E  havia  também  canteiros  de  cons- 
trucção  de  navios  de  vela  e  barcos  de  pesca  em  Syra, 
Pireu,  Nauplias,  Patras  e  Corfu. 


544  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


As  industrias  textis  apenas  tomaram  um  certo  desin- 
volvimento  no  Pireu,  onde  havia  muitas  fabricas  de 
tecidos  baratos;  e,  entre  estes,  certos  estofos  de  seda, 
cujo  segredo  os  Greg-os  tinham  sabido  conservar. 


A  Grécia  devia  a  influencia  que  exercia  no  Oriente, 
e  a  sua  classe  elevada  entre  os  Estados  civilisados  da 
Europa  ao  seu  génio  commercial. 

O  seu  commercio  era,  realmente,  muito  importante. 
Em  todo  o  Archipelago,  e  mesmo  em  todos  os  paizes 
orientaes,  os  negociantes  gregos  faziam  a  maior  parte 
das  trocas ;  e  eram  os  principaes  commerciantes  do 
Levante,  onde  todas  as  cidades  continham  uma  aristo- 
cracia commercial  de  origem  hellenica. 

A  marinha  mercante  era  muito  considerável.  Supe- 
rior á  da  immensa  Rússia,  egualava  quasi  a  da  Áustria, 
e  excedia  dez  vezes  a  da  Bélgica.  E  ainda  acrescia  que 
a  maior  parte  dos  navios  que  içavam  o  pavilhão  turco^ 
pertenciam  a  marinheiros  gregos. 

A  cabotagem  hellenica  obtinha  também  grandes 
vantagens,  pelas  relações  entre  os  portos  do  mar  Jonio 
e  do  Archipelago. 

Os  portos  do  Pireu  e  o  de  Cyra,  nas  Ciciadas,  e  o 
de  Volvo,  na  ThessaUa,  eram  dos  mais  activos  do  Medi- 
terrâneo Oriental. 

A  população  maritima,  que  habitava  as  costas, 
n'uma  extensão  de  3:000  kilometros,  podia  fornecer 
30:000  homens  de  equipagem. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  545 


A  Grécia  importava  cereaes,  assucar,  géneros  colo- 
niaes,  gados,  tecidos,  lans  e  algodões  baratos.  E  expor- 
tava metaes,  passas,  azeite  de  oliveira,  fructas,  casulos 
de  seda  e  tabacos. 

Os  paizes  principaes  com  que  fazia  esse  commercio, 
eram  a  Inglaterra,  França,  Rússia,  Turquia,  Egypto, 
Áustria,  Hungria  e  Allemanha. 


Quanto  aos  centros  económicos  mais  importantes, 
na  Hellade  occidental,  somente  havia  movimento  com- 
mercial  em  algumas  localidades  privilegiadas  da  borda 
do  mar,  taes  como  Missolonghi,  /íltoHko,  Salona, 
Galaxidi. 

Esta  ultima  cidade,  situada  á  borda  da  bahia  do 
Pleri.tos,  era  antes  da  independência,  o  canteiro  mais 
activo  do  golfo  de  Corintho. 

A  cidade  de  Naupacta,  chamada  Lepanto  pelos 
Italianos,  só  tinha  importância  estratégica  por  causa  da 
sua  posição  na  vizinhança  da  entrada  do  estreito  de 
Lepanto. 

Athenas,  a  capital,  engrandecida  na  planicie,  e  unida 
nos  últimos  tempos  ao  Pireu  por  um  caminho  de  ferro 
retomou  uma  importância  das  mais  consideráveis ;  e 
tornou-se  cidade  maritima,  como  nos  dias  da  sua  gran- 
deza antiga,  em  que,  por  seu  triplice  mercado  e  suas 
pernas,  apoiadas  no  mar,  ella  formava  um  só  mesmo 
organismo  com  os  dois  portos  do  Píreu  e  de  Phalera. 

Thebas,  na  Grécia  oriental,  Lauriao  e  Livadia, 
tinham  também  uma  certa  importância. 

Volume  VI  35 


546  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Corintho,  situada  á  entrada  do  Peloponeso,  entre  os 
dois  mares,  tomou  antigamente  o  primeiro  logar  entre 
as  cidades  gregas;  não  só  por  sua  importância,  seu 
amor  da  arte  e  seu  zelo  pelo  liberdade,  mas  também 
pela  riqueza  dos  seus  habitantes  e  pela  cifra  da  sua 
população,  pois  chegou  a  ter  300  mil  habitantes,  mais 
do  que  Athenas,  cuja  população  regulava  por  180  mil  \ 
Mesmo  depois  de  ter  sido  arrasada  pelos  Romanos, 
retomou  a  sua  importância;  mas  em  seguida  foi 
saqueada,  tantas  vezes,  que  perdeu  todo  o  commercio. 

Não  passava  de  uma  aldeia  miserável,  quando  um 
tremor  de  terra  a  arruinou,  em  1858.  Foi  reconstruida,  a 
sete  kilometros  de  distancia,  nas  margens  do  mesmo 
golfo,  a  que  dera  o  seu  nome.  E  somente  a  abertura  do 
canal,  em  1893,  lhe  começou  a  dar  nova  e  grande 
importância;  porque  os  caminhos  de  ferro  de  Marselha 
a  Trieste,  Smyrna  e  Constantinopla  vieram  dar  um 
grande  movimento  ao  seu  porto, 

Tripolitza  tinha  também  uma  certa  importância. 

Patras  no  Peloponeso,  á  entrada  do  mesmo  golfo 
de  Corintho  e  no  desembocadouro  das  planicies  mais 
férteis  da  costa  occidental,  também  tinha  já  um  trafico 
importante  com  a  Inglaterra  e  outros  paizes  da  Europa. 

As  outras  cidades  das  provincias  eram  mercados 
secundários. 


Nos  últimos  tempos  do  século  XIX,  os  Gregos  mul- 
tiplicaram os  caminhos,  e  construiram  uma  rede  de  vias 

1-    Adriano  Anthero.  Megaclés,  págf.  38. 


EDA  DE  CONTEMPORÂNEA  547 


férreas.  Mas,  ainda  assim,  as  estradas  carrossaveis  eram 
poucas  e  más,  não  somente  por  causa  dos  obstáculos 
que  os  rochedos  e  as  montanhas  oppunham,  mas  tam- 
bém por  causa  da  indolência  dos  habitantes,  a  quem 
bastava  o  mar. 

Quanto  aos  caminhos  de  ferro,  um  primeiro  commu- 
nicou  Athenas  com  o  porto  do  Pireu;  e  depois  d'isso, 
foi  essa  capital  reunida  também  por  vias  férreas  a  Patra 
e  a  Nauplia.  E,  no  fim  do  século,  estava-se  estudando 
a  ligação  das  vias  férreas  gregas  com  as  da  Europa 
por  Volo  e  Salonica. 

Em  todo  o  caso,  o  mar  é  que  ficou  sendo  o  cami- 
nho por  excellencia,  da  Grécia.  Era  elle  o  principal 
elemento  do  povo  hellenico  e  o  theatro  da  sua  activi- 
dade ;  e,  por  isso,  também  os  Gregos  se  esmeraram 
em  melhorar  os  elementos  do  tráfico  maritimo. 

O  canal  de  Corintho,  solemnemente  aberto  em  1893, 
evitou  aos  navios  vindos  de  Marselha,  Génova,  Brindizi 
e  Trieste  a  volta  do  Peloponeso  ^. 


1  E.  Reclus,  obr.  cit.  —  L'Europe  Meridionelle,  La  Grece.  One- 
sine  Reclus,  obr.  cit.  Mareei  Dubois  et  Kergomard,  Précis  de  Geo- 
graphie  Economique.  —  Lanier,  LEurope.  —  Bainier,  LEiírope.  — 
Leake,  Traveis  in  Northens  Greece.  —  Beulé,  Etudes  sur  le  Péle- 
ponnése. 


CAPITULO  XXI 
A  Itália 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Itália,  n'este  período.  —  Como  a 
sua  historia  económica,  nos  primeiros  tempos  d'elle,  se  confun- 
diu com  a  dos  grandes  Estados  a  que  esteve  sujeita.  —  Seu 
grande  desinvolvimento  desde  1860,  em  que  houve  a  união 
territorial.  —  Como,  então,  um  dos  primeiros  cuidados  do  Go- 
verno foi  desinvolver  as  communicações.  —  Grande  progresso, 
nos  últimos  tempos  do  periodo.  —  Grande  riqueza  do  solo  ita- 
liano, e  como  não  foi  devidamente  aproveitada  por  muito  tempo. 
—  Productos.  —  Agricultura.  —  Industria.  —  Commercio-  —  Mari- 
nha.—  Centros  económicos  principais.  —  Communicações. 

Quando  rebentou  a  revolução  francesa,  os  sobera- 
nos da  península  italiana  entraram  nas  colligações  da 
Europa  contra  a  França;  e,  em  consequência  disto, 
Championet  tomou  Nápoles;  Bonaparte  derrotou  seis 
exércitos  piemontezes  ou  austríacos;  e  o  tratado  do 
Campo  Formo  (1797)  criou  a  republica  cisalpina,  for- 
mada do  Milanez,  de  Valtelina,  de  uma  parte  dos 
Estados  Venezianos  e  dos  Estados  da  Egreja.  O  resto 
do  território  de  Veneza  foi  abandonado  á  Áustria;  e  o 
directório  organizou,  sob  o  modelo  da  republica  fran- 
cesa (1798-1799),  as  republicas  liguriana,  romana  e 
parthenopeana,  que  tiveram  uma  duração  ephemera. 

Em  1806,  Napoleão,  tornado  imperador,  fez  da 
republica  cisalpina,  então,  engrandecida,  um  reino,  á 
frente  do  qual  poz  o  seu  enteado  Eugénio  Beauharnais; 


550  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


erigiu  Lucques  e  Piombino  em  ducado  em  favor  de 
uma  de  suas  irmans;  e  destronou  o  rei  de  Nápoles, 
dando  a  coroa  d'eUe,  primeiramente,  a  seu  irmão  José 
Bonaparte  (1806)  e,  depois,  a  seu  cunhado  Murat  (1808). 

Os  ducados  de  Parma,  Placencia  e  Toscana  foram 
reunidos  ao  império  francez,  e  as  ultimas  provincias 
papaes  foram  annexadas  ao  reino  de  Itália. 

Toda  a  peninsula  ficou,  então,  sob  a  denominação 
directa  ou  indirecta  de  Napoleão. 

Com  os  exércitos  francezes,  os  principios  de  egual- 
dade  e  liberdade  civil  atravessaram  os  Alpes,  e  a 
leg-islação,  anteriormente  despótica,  rotineira  e  semi- 
barbara,  tornou-se  mais  regular;  estabeleceu -se  também 
a  uniformidade  e  egualdade  nas  finanças  e  nos  impos- 
tos; organisou-se  a  instrucção  publica;  a  Universidade 
de  Pavia,  as  academias  e  collegios  de  Piemonte  foram 
reabertos  e  dotados;  foram  construidas  magnificas 
estradas  de  Arezzo  a  Rimini,  de  Florença  a  Bolonha, 
de  Sienne  a  Perusa;  e,  sobretudo,  foram  traçados  os 
grandes  caminhos  militares  dos  Alpes,  atravez  do  Sim- 
plon  e  do  monte  de  Génova  e  Tende. 

Acabou-se  a  cathedral  de  Milão,  e  construiram-se 
bellos  monumentos,  como  signaes  exteriores  de  uma 
nova  renascença. 

Mas  a  Itália  soffria,  por  se  ver  humilde  satellite  da 
França;  e  os  seus  soberanos  achavam  muito  pesado  o 
despotismo  do  imperador,  que  não  admittia  nenhuma 
opposição  á  sua  vontade,  e  que  talhava,  segundo  a  sua 
fantasia,  nos  reinos  vassallos,  feudos  para  os  seus  gene- 
raes  e  agentes. 

Por  isso,  nas  Calabrias  e  nas  gargantas  selvagens 
dos  Apeninos,  armaram-se  os  camponezes,  commanda- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  551 


dos  por  audaciosos  e  ferozes  bandidos,  e  fizeram  ás 
tropas  francezas  uma  guerra  de  extermínio.  No  seio  das 
cidades,  organisou-se  também,  em  nome  da  independên- 
cia nacional,  a  liga  dos  carbonários;  e  o  papa  Pio  Vil, 
despojado  e  ultrajado  por  Napoleão,  prestou  aos  revol- 
tosos a  sua  auctoridade  moral. 

Com  a  queda  de  Napoleão,  os  dois  reis  da  Itália, 
Murat  e  Eugénio  foram  expulsos;  e  o  tratado  de  Paris 
de  1815  entregou  á  Áustria  a  Itália  do  norte,  desde  o 
Pó  até  o  Tessino.  O  papa  reentrou  nos  seus  Estados. 
O  rei  do  Piemonte,  Victor  Manoel,  recuperou  também 
os  seus  Estados.  A  ex-imperatriz  Maria  Luiza  tornou-se 
duqueza  de  Parma,  Placencia  e  Guestalla.  O  gran-duque 
Fernando  foi  reconduzido  no  Governo  da  Toscana,  e  o 
rei  Fernando  IV,  no  reino  de  Nápoles;  e,  por  ordem 
d'elle,  Murat,  agarrado  no  Pizzo,  depois  de  uma  tenta- 
tiva aventurosa,  foi  impiedosamente  fusilado. 

Assim,  nada  restou  das  conquistas  francezas.  As 
ideias  da  revolução  foram  apagadas,  e  o  regimen  abso- 
luto foi  restabelecido  por  toda  a  parte. 

No  entanto,  contra  o  despotismo  que  d'ahi  se 
seguiu,  organisou-se  uma  conspiração  geral,  e  levan- 
tou-se  em  Nápoles  uma  revolução,  que  expulsou  Fer- 
nando II,  e  poz  no  trono  seu  irmão,  o  príncipe  Carlos 
Alberto,  do  Piemonte. 

As  victorías  dos  Austríacos  em  Rieti  e  Novara, 
desfizeram  outra  vez  as  esperanças  dos  Italianos.  As 
tentativas  de  insurreição  foram  seguidas  de  reacções 
sangrentas;  e  o  cadafalso,  o  exilio  e  o  cárcere,  duro  e 
perpetuo,  no  forte  de  Spielberg,  foram  os  castigos  dos 
patriotas,  entre  os  quaes  figuraram  Maroncelli  e  Silvio 
Pellico. 


552  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  revolução  franceza  de  1830  teve  também  o  seu 
rebate  na  península,  fazendo  rebentar,  embora  inutil- 
mente, sedições  em  Bolonha,  Modena  e  Parma.  As 
grandes  nações  pediram  a  Gregório  XVI  reformas 
politicas  e  administrativas  urgentes;  mas  em  vão,  por- 
que o  Governo  romano  e  Fernando  II,  rei  de  Nápoles, 
redobraram  de  vigor  e  multiplicaram  as  sentenças  de 
morte,  das  galés,  do  exilio  e  da  prisão. 

Comtudo,  os  duques  de  Toscana  e  Lucques  mostra- 
ram-se  mais  humanos  e  mais  compassivos;  e  o  rei  do 
Piemonte,  Carlos  Alberto,  manifestou-se  ainda  mais 
liberal,  e  continuou  a  preparar  os  destinos  da  sua 
família. 

Em  1848,  coUocou-se  elle  outra  vez  á  frente  da 
liga  italiana;  mas  foi  vencido  em  Custozza,  nesse 
mesmo  anno,  e  em  Novara,  em  1849. 

Veneza  fez,  durante  17  mezes,  diante  dos  seus 
canaes  e  das  suas  lagunas,  uma  resistência  heróica  aos 
exércitos  austríacos ;  mas,  por  fim,  teve  de  capitular. 
E,  em  vista  d'essa  capitulação,  que  destruía  as  espe- 
ranças da  Itália,  Carlos  Alberto  abdicou  em  seu  filho 
Victor  Manoel  II,  a  quem  os  Austríacos  deixaram  a 
integridade  do  seu  território,  ímpondo-lhe,  porém,  uma 
contribuição  de  guerra  de  75  milhões  de  francos. 

Todos  os  soberanos  depostos  foram  de  novo  rein- 
tegrados; o  exercito  francez  reabriu  a  Pio  IX  as  portas 
de  Roma;  e  a  maior  parte  dos  príncepes  rasgou  as 
constituições  promulgadas  lia  sua  ausência. 

Ora  o  rei  de  Piemonte  não  se  junctou  a  esta  reacção 
geral.  Pelo  contrario,  inaugurou  nos  seus  Estados  um 
regimen  liberal,  e  deu  ao  povo  uma  constituição,  mo- 
delada pela  constituição  franceza  de  1830.  Cavur,  eco- 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  553 


nomista  eminente,  politico  de  vistas  largas  e  liberaes, 
homem  de  Estado,  astuto  e  ousado,  foi  nomeado  pre- 
sidente do  conselho;  e,  para  levantar  o  Piemonte  da 
deshonra  de  Novara,  offereceu-se  a  concorrer  com 
a  França,  Inglaterra  e  Turquia  á  guerra  da  Crimeia 
contra  os  Russos.  E,  n'esse  sentido,  enviou  effectiva- 
mente  um  exercito  de  15:000  homens;  e  o  Piemonte 
obteve,  assim,  a  garantia  pelas  potencias  alhadas  da 
independência  do  território  sardo. 

Gavur  conseguiu,  então,  pela  sua  habilidade  diplo" 
matica,  fazer  interessar  a  Europa  na  sorte  da  Itália;  e 
os  Italianos  puzeram,  desde  logo,  a  sua  esperança  na 
politica  do  grande  homem  de  Estado  piemontez,  que 
fallava  em  nome  de  toda  a  península.  O  Piemonte  tor- 
nou-se  a  nova  pátria  de  todos  os  emigrados  e  o  refu- 
gio das  letras  italianas  e  das  esperanças  patrióticas;  e 
toda  a  Itália  habituou-se,  pouco  a  pouco,  ao  projecto 
da  monarquia  italiana,  sob  o  sceptro  de  Victor  Manoel. 

Mas  a  peninsula  nada  podia  fazer,  de  per  si,  e  por 
isso,  Cavur  procurou-lhe  uma  alhada  potente  e  gene- 
rosa, e  encontrou-a  na  França.  Numa  entrevista  entre 
elle  e  Napoleão  III,  a  guerra  contra  a  Áustria  foi  deci- 
dida em  principio.  Esta,  inquieta,  lançou  as  suas  guar- 
das avançadas  no  território,  e  intimou  o  Piemonte  a 
desarmar;  e,  com  a  recusa  deste,  foi  declarada  a 
guerra. 

Um  exercito  de  100  mil  francezes  juntou-se  a  40  mil 
piemonteses,  e  os  Austriacos  foram  vencidos  em  Ma- 
genta e  Sulferino  (1859). 

A  Itália  adquiriu  com  isto  a  Lombardia  e  a  sua 
independência.  Depois,  Parma  e  Modena  votaram  a  sua 
annexação    com  o  Piemonte.  Cavur  fez,   então,  procla- 


554  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


mar  o  reino  italiano  pelo  parlamento  de  Turin,  e  a 
cedência  de  Savoia  e  Nice  á  França,  pelo  tratado  tam- 
bém de  Turin  de  1860. 

As  manifestações  em  favor  da  unidade  italiana 
expandiam-se  por  toda  a  parte;  e  Pio  IX  e  o  rei  de 
Nápoles,  Francisco  II,  tentaram  inutilmente  reprimil-as. 
A'  frente  de  um  exercito  de  voluntários,  Garibaldi 
occupou  a  Sicilia  e  Nápoles,  e  derrotou  Francisco  II, 
emquanto  o  exercito  piemontez  batia  em  Castelfidardo 
os  soldados  pontifícios,  commandados  pelo  valente 
Lamoriciere. 

As  populações,  consultadas,  votaram  por  grande 
maioridade  a  sua  annexação  ao  novo  reino  de  Itália. 
Victor  Manoel  e  Garibaldi  fizeram  em  seguida  uma 
entrada  triunfal  em  Nápoles,  onde  as  aclamações  triun- 
faes  saudaram,  ao  mesmo  tempo,  o  rei  e  o  general 
libertador.  E  o  novo  parlamento,  composto  de  deputa- 
dos piemontezes,  lombardos,  toscanos,  ombrios,  napoli- 
tanos e  sicilianos,  votou  unanimemente  a  unidade  da 
Itália. 

Todavia,  esta  unidade  estava  ainda  incompleta,  Itália 
fatta,  mas  non  compiuta,  dizia  o  rei. 

Em  1866,  quando  rebentou  a  guerra  entre  a  Prússia 
e  a  Áustria,  a  Itália  alliou-se  com  Prússia ;  e,  apesar  de 
ser  vencida  pela  Áustria  por  terra,  em  Custozza,  e  por 
mar,  em  Lissa,  obteve  a  Venecia,  graças  ao  apoio  dos 
Prussianos,  vencedores  de  Sadowa. 

A  capital  do  reino  foi  transportada,  então,  para 
Florença.  Restava  resolver  a  difficil  questão  de  Roma. 
A  França  defendia  o  poder  temporal  da  Santa  Sé,  e 
tinha  obtido  do  Governo  italiano,  pela  convenção  de 
1864,    a    garantia    dos    Estados    da    Egreja.   Em    1880, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  555 


porém,  a  guerra  franco-allemã  offereceu  a  occasião 
que  o  rei  esperava.  As  tropas  francezas  foram  chama- 
das á  França,  e  o  papa  ficou  desarmado.  Então,  a  22 
de  setembro,  o  exercito  italiano  occupou  Roma.  O 
papa  retirou-se  para  o  Vaticano,  e  considerou-se 
como  prisioneiro  da  Itália. 

A  unidade  italiana  estava  completa.  Roma  foi  pro- 
clamada como  capital,  e  o  parlamento  votou,  em  1871, 
a  lei  chamada  das  garantias,  que  regulou  as  relações  da 
Santa  Sé  e  da  Itália  '. 

Victor  Manoel  morreu  em  1878  e  succedeu-lhe  o 
filho  Humberto  I,  que  falleceu  em  1900. 


A  historia  económica  da  Itália  durante  a  primeira 
metade  d'este  período,  e  na  parte  dominada  pelos  gran- 
des Estados  a  que  esteve  sujeita,  confunde-se  com  a 
d'elles.  E,  no  resto,  dividida  politicamente  n'uma  infini- 
dade de  parcellas,  reinos  ou  ducados  de  pequena 
amplitude,  e  separados  uns  dos  outros  por  fronteiras 
aduaneiras,  que  prejudicavam  a  sua  extensão  e  fecha- 
vam, muitas  vezes,  todas  as  saidas,  e  tendo  também, 
muitas  vezes,  interesses  oppostos,  segundo  as  suas 
allianças  ou  a  sua  situação  geográfica,  entretinha  com 
os  paizes  vizinhos  um  commercio  extremamente  difficil, 
mnito    diminuto,    e   quasi    que   reduzido  aos  productos 


1     Adriano    Anthero.  —  O    Direito    Internacional,    pag.    21     e 
seg^uintes. 


556  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


agrícolas.  Só  o  Piemonte  e  o  Milanez,  e  n'uma  certa 
medida,  a  Toscana,  por  causa  da  proximidade  da  França 
e  dos  mercados  centraes  da  Europa,  e  pelo  génio  da 
sua  população  laboriosa  e  intelligente,  havia  chegado 
a  criar  uma  industria  florescente,  que  tinha  um  logar 
honroso  no  tráfico  mundial. 

Assim,  o  verdadeiro  desinvolvimento  da  Itália  só 
data  de  1860,  em  que  se  deu  a  união  territorial;  por- 
que, então,  por  um  lado,  a  abolição  das  alfandegas 
internas  e  o  libertamente  dos  embaraços  locaes  que  se 
oppunham  á  expansão  da  industria  e  commercio,  abri- 
ram um  livre  accesso  ao  mar,  e  produziram  uma  trans- 
fusão dos  productos  por  todo  o  paiz,  apar  de  uma 
facilidade  maior  na  importação  das  matérias  primas. 

E,  por  outro  lado,  um  dos  primeiros  cuidados  do 
Governo  italiano  foi,  também  então,  o  de  abrir  com- 
municações  entre  as  principaes  cidades,  e  fazer  desap- 
parecer,  neste  ponto,  as  desiguldades  que  existiam 
entre  as  antigas  divisões  territoriaes. 

No  norte  e  centro  até  Tronto,  existiam  já  grandes 
estradas,  geralmente  bem  tratadas  e  conservadas  á 
custa  dos  differentes  Estados,  e  um  grande  numero  de 
caminhos,  construídos  e  conservados  á  custa  das  pro- 
víncias e  communas.  Sem  ser  perfeita  a  viação  nestas 
regiões,  era  sufficiente  para  as  necessidades  da  popu- 
lação. E  a  Sardenha  possuia  também  excelientes  estradas. 

Mas,  no  sul,  as  condições  de  viabilidade  eram  muito 
differentes.  Emquanto  que,  em  redor  de  Nápoles,  os 
caminhos  eram  tratados  e  conservados  com  cuidado,  o 
interior  carecia  de  meios  de  communicação. 

Os  Abruzzos  e  a  Calábria,  com  excepção  das 
grandes   vias    chamadas   consulares,    e   de  alguns  raros 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  557 


caminhos,  nos  arredores  de  Bari  e  de  Otranto,  de  que 
as  províncias  tratavam,  estavam  completamente  isola- 
dos das  províncias  vizinhas;  e,  na  Sicília,  era  quasi 
impossível  circular.  Mas,  com  a  integridade  politica  da 
península,  as  leis  obrigaram  as  províncias  a  construir 
e  tratar  as  estradas  que  as  reunissem  entre  si,  ao  passo 
que  o  Estado  se  obrigava  também  a  construir  e  tratar 
as  estradas  nacionaes  e  as  grandes  vias  de  communi- 
cação  com  o  exterior,  e,  assim  também  com  os  dos 
Alpes  e  dos  Apeninos.  E,  assim,  já  em  1863,  a  Itália 
possuía  22:433  kilometros  de  estradas  nacionaes  e  pro- 
vínciaes,  ou  seja  3:509  por  myriametro  quadrado;  e,  já 
em  1878,  a  viabilidade  geral  se  compunha  de  1.112:000 
kilometros  quadrados  de  estradas  de  toda  a  ordem. 

Apar  d'ísto,  a  Itália  tratou  de  desinvolver  muito  os 
caminhos  de  ferro.  Estava  ella  muito  atrazada  n'este 
ponto,  devido  principalmente  á  divisão  excessiva  do 
território,  que  obstava  ao  estabelecimento  de  uma  rede 
geral,  de  harmonia  com  a  configuração  geográfica  com 
as  necessidades  do  tráfico,  e  as  diffículdades  de  atraves- 
sar a  lombada  montanhosa,  que  separa  as  duas  ver- 
tentes da  península.  Mas  o  Governo  também  tratou 
seriamente  d'esse  objecto. 

Depois,  asseguradas  as  communicações  interiores,  e 
facilitada  a  actividade  agrícola,  industrial  e  commercial 
do  paiz,  o  Governo  tratou  egualmente  de  facilitar 
desimbocadouros  ao  tráfico  internacional,  fazendo  tra- 
balhos marítimos  importantes,  como  estabelecimento 
de  faroes,  reparação  e  escavação  de  portos,  criação 
de  canteiros,  etc. 

Com  tudo  isto,  a  Itália,  unificada  desde  os  Alpes 
ao    Adriático,    lançou-se,    em    1871,    corajosamente   na 


558  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


obra  da  sua  organisação  ;  e,  em  alguns  annos,  a  fisio- 
nomia do  paiz  ficou  transformada,  de  modo  que  todos 
os  ramos  da  sua  actividade  tiveram  um  desinvolvimento 
enorme.  Mesmo  os  embaraços  financeiros,  que  não 
tinham  cessado  de  a  penalisar  no  passado,  haviam  já 
desapparecido  no  fim  do  século. 


Apesar  d'isso,  a  Itália  não  tirava  da  immensa  riqueza 
do  seu  solo  os  recursos  que  podia  tirar;  nem  a  sua 
industria  adquiriu  o  desinvolvimento  correspondente 
aos  esforços  do  Governo  e  á  abundância  das  matérias 
primas. 

E'  certo  que  lhe  faltava  a  hulha.  Na  classe  dos 
combustíveis  mineraes,  só  podiam  citar-se  as  linhites 
da  Toscana  e  as  turfas  também  da  Toscana  e  da  zona 
alpestre  do  Piemonte  e  Lombardia,  cuja  extracção 
estava  ainda  na  infância.  Mas  bem  podia  ter  supprido 
a  falta  do  mineral  por  meio  da  hulha  branca  ou  pela 
importação  do  combustivel  estrangeiro,  para  fazer 
adiantar  as  industrias  derivadas  do  reino  mineral.  E,  ao 
contrario  d'isso,  toda  ella  estava  quasi  no  estado 
infantil. 

Havia  mui  vastas  e  ricas  minas  de  ferro  nas  ilhas 
de  Elba  e  Sardenha;  e,  alem  d'essas  regiões,  havia 
também  ferro  em  muitos  valles  alpestres.  Mas  todos 
esses   jazigos  não  eram  explorados,  como  podiam  ser. 

A  ilha  de  Elba  possuía  um  dos  maiores  e  mais  pro- 
digiosos depósitos  de  mineral  de  ferro  que  ha  no 
mundo. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  559 


Etruscos,  Phenicíos  e  Romanos,  tinham  successiva- 
mente  escavado  ahi  os  jazigos  de  Rio-Alte  e  Rio-Ma- 
rina,  que  poderiam  fornecer  um  milhão  de  toneladas  de 
mineral  por  anno,  durante  vinte  séculos ;  e  a  calamite  ou 
pedra  imen  entrava  n'uma  grande  proporção  num  dos 
jazigos. 

E,  se  mesmo  esses  jazigos  de  ferro  não  eram  explo- 
rados, como  podiam  e  deviam  ser,  os  outros  metaes  é 
que  eram  muito  pouco  e  muito  mal  explorados.  Apro- 
veitava-se  algum  cobre  na  Venecia  e  na  Toscana,  que 
era  exportado  para  Swansea,  algum  nickel  no  Piemonte, 
zinco  na  Sardenha  e  mercúrio  na  Toscana.  Havia  tam- 
bém na  Sardenha,  na  Toscana  e  no  valle  de  Aoste, 
bons  jazigos  de  chumbo  argentifero ;  e  ao  pé  dos  Alpes, 
no  Monte  Branco,  havia  um  grande  jazigo  de  ouro, 
onde,  no  tempo  dos  Romanos,  trabalhavam  cinco  mil 
escravos.  Nos  lagoni  (pequenos  lagos),  collocados  entre 
a  Pomerania  e  a  Massa  maritima,  encontravam-se  os 
frumachi  ou  soffiani,  que  forneciam  a  maior  parte  de 
bórax  empregado  na  industria  da  Europa  ^. 

Mas,  como  acontecia  com  os  outros  mineraes,  tira- 
va-se  de  tudo  isso  pequeno  resultado. 

Pelo  contrario,  os  muitos  pântanos  salgados  que 
havia  e  ha  na  Itália,  eram  objecto  de  grande  explora- 
ção ;  e  essa  exploração  desinvolveu-se  grandemente, 
sobretudo,  nos  últimos  trinta  annos  do  século  XIX. 

Na  Sicilia,  havia  também  muito  sal  gema  e  coral, 
que  eram  egualmente  muito  explorados. 


t      O   acido  bórax  é  empregado  como  fundente  na  metalluroria  e 
é  também  para  obter  o  esmalte  na  faiança  e  porcellana. 


560  ^  HISTORIA  ECONÓMICA 


Da  mesma  forma,  as  pedreiras  ditalia,  que  são 
muito  ricas,  eram  objecto  de  grande  exploração  e  com- 
mercio ;  e  citavam-se  entre  os  mais  bellos  mármores  do 
mundo  os  dos  Alpes  Apuanos,  de  Massa  e  de  Garrara. 

A  exploração  d'essas  mármores  era  feita  proficien- 
temente e  com  muito  cuidado,  e  por  artistas  que  exer- 
ciam no  próprio  local  o  mister  de  esculptores  e  mode- 
ladores,  e  preparavam  ao  mesmo  tempo  os  mozaicos  e 
os  objectos  de  um  certo  valor  industrial  e  artístico. 

E  também  a  Toscana,  o  Piemonte,  a  Liguria  e  o 
Bergamesco  exploravam  com  grande  proveito  os  már- 
mores venados  de  differentes  cores. 

A  pedra  pomes  das  ilhas  Lipari,  o  alabastro  de 
Livorno  e  de  Volterra,  a  terra  de  Siènne  (Toscana),  o 
kaolim  da  ilha  do  Elba,  e  as  granadas  e  esmeraldas  da 
mesma  ilha,  constituíam  outros  artigos  de  um  commer- 
cio  importante. 

O  enxofre  era  também  uma  das  grandes  riquezas 
da  Itália,  sobretudo,  na  região  do  Etna,  na  Sicília,  e 
perto  do  Vesúvio. 


A  Itália  encerra  muitas  zonas  de  uma  fertilidade 
assombrosa;  mas  os  processos  de  cultura  estavam  ainda 
muito  atrazados  em  differentes  províncias. 

Havia  três  zonas  differentes  e  três  systemas  de 
exploração  diversa. 

Na  Lombardia,  o  solo  estava  dividido  n'um  grande 
numero  de  propriedades,  e  a  cultura  era  muito  pros- 
pera, devido,  sobretudo,  ao  bom  regímen  das  aguas 
de   irrigação.    Esta   zona   estendia-se   desde   a  base  do 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  561 


Monte  Cenis,  ao  oeste,  até  o  mar  Adriático  a  este,  na 
Lombardia  e  Venecia;  e,  do  norte  a  sul,  do  sopé  dos 
Alpes  á  base  septentrional  dos  Apeninos.  O  Pó  e  seus 
afluentes  regam  este  rico  dominio  de  planícies,  um  dos 
mais  povoados  da  Europa. 

Este  mesmo  systema  de  cultura,  sabia  e  intensa,  era 
applicado  a  todas  as  planicies  da  peninsula  que  tivessem 
um  certo  desinvolvimento. 

N'essa  zona,  era  difficil  avaliar  a  prodigiosa  quanti- 
dade do  trabalho,  representado  pela  rede  de  canaes  de 
irrigação,  entretenimento  de  diques,  fossos,  caminhos, 
egualação  da  superficie  dos  campos  e  transformação 
de  todas  as  inclinações  cultivadas  das  montanhas.  Os 
enormes  desaterros  que  foi  preciso  fazer  para  a  cons- 
trucção  de  caminhos  de  ferro,  são  pequena  coisa  em 
comparação  dos  degraus  de  cultura  que  os  lavradores 
estabeleceram,  como  escada  de  gigantes,  no  contorno  de 
todas  as  collinas  e  na  base  de  quasi  todos  os  montes 
que  rodeiam  o  valle  do  Pó. 

N'esta  primeira  zona,  não  havia  espaço  perdido.  O 
milho,  o  arroz,  os  cereaes,  as  culturas  alimentares  de 
toda  a  ordem,  jardins,  pomares  e  hortas,  succediam-se 
sem  interrupção. 

O  segundo  systema  era  o  da  cultura  em  terraços, 
applicada  nas  regiões  montanhosas  de  toda  a  Itália.  As 
riquezas  vegetaes  consistiam  em  vinhas,  figueiras,  laran- 
jeiras, limoeiros  e  oliveiras. 

A  terceira  zona  comprehendia  as  altas  montanhas  e 
os  districtos  pantanosos  e  as  maremmas. 

Esses  pântanos  estendiam-se  nas  margens  e  ao 
longo  de  certos  rios,  especialmente  no  Amo.  Antiga- 
mente   constituíam    elles    boas    terras    de    cultura;    e 

Volume  VI  36 


562  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


mesmo  as  planícies  de  Roma  foram  outrora  mais  ale- 
gres e  salubres  que  no  século  passado. 

Mas,  apesar  dos  progressos  da  Itália,  desde  1866, 
ou  antes  desde  1870,  e  apesar  da  maravilhosa  fertilidade 
do  solo,  a  agricultura  estava,  em  geral,  muito  atrasada. 
Os  campos  mais  próprios  para  os  productos  do  solo, 
algumas  vezes  até  na  própria  Lombardia,  ainda  nos 
fins  do  século  XIX,  tinham  um  aspecto  miserável,  ao 
mesmo  tempo  que  abundavam  por  toda  a  parte  as 
casas  arruinadas.  E  esta  miséria  mais  augmentava,  nas 
regiões  do  centro  e  do  sul,  onde  o  solo  era  mais  impró- 
prio, e  os  habitantes  se  alimentavam  só  do  pão  de 
milho  ou  de  milho  cosido  (polenta)  ou  de  castanhas. 

E'  que  a  população  agricola  era  formada,  nas  quatro 
quintas  partes,  de  rendeiros;  e  a  grande  maioria  dos 
proprietários  italianos  vivia  dos  seus  rendimentos  nas 
cidades,  longe  das  suas  propriedades.  Sem  fallar  da 
exportação  dos  seus  capitães,  que  eram  a  consequên- 
cia d'este  regimen,  acontecia  que,  por  um  lado,  o  pro- 
prietário não  vivia  nas  suas  terras,  nem  se  interessava 
por  ellas;  considerava-as  apenas  como  um  capital,  cujos 
juros  ia  recebendo,  e  não  tratava  de  fazer  melhora- 
mentos que  augmentassem  o  valor  do  solo. 

Por  outro  lado,  os  cultivadores  também  não  faziam 
bemfeitorias  nem  melhoramentos,  antes  só  tratavam  de 
explorar  os  proprietários,  e  de  ir  cultivando  a  terra  sem 
grandes  despesas,  e,  portanto,  sem  poderem  tirar 
grande  rendimento  d'ella. 

Em  summa,  havia  o  antigo  absentismo,  que  tão  pre- 
judicial foi  á  economia  romana. 

A  sorte  dos  pequenos  proprietários  não  era  melhor 
que  a  dos  trabalhadores.  Os  das  regiões  montanhosas 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  563 


morriam  de  fome,  se  não  podiam  recorrer  á  emigração 
temporária  para  as  planicies,  onde  trabalhavam  como 
operários  nomados,  ou  para  as  cidades  e  para  o  estran- 
geiro, onde  se  entregavam  a  differentes  misteres.  Acon- 
tecia mesmo  que,  de  setembro  a  outubro,  milhares  de 
Italianos  se  embarcavam  para  fazer  a  colheita  de  trigo 
na  Argentina,  e  voltavam  depois  para  fazer  também  a 
colheita  de  trigo  na  Itália  ^  E  essa  emigração  tomou 
as  proporções  de  um  verdadeiro  êxodo,  nos  últimos 
tempos  do  século  XIX. 

Para  dar  á  propriedade  territorial  a  situação  que 
ella  podia  pretender,  era  também  necessária  a  realiza- 
ção de  varias  reformas,  com  a  introducção  dos  instru- 
mentos agricolas  aperfeiçoados,  extensão  das  irrigações, 
rearborisação,  augmento  e  melhoramento  de  gado,  e 
sobretudo  adopção  de  uma  cultura  racional. 

Um  outro  mal  de  que  soffria  a  agricultura,  era  a 
falta  de  capitães  nos  proprietários,  e  os  juros  excessi- 
vos que  dahi  resultavam.  Mesmo  na  região  do  Pó,  a 
necessidade  de  entreter  a  canalisação  mais  necessários 
tornavam  os  capitães.  E  ainda  acresciam  os  pesados 
impostos  que  oneravam  a  propriedade. 

Em  toda  a  parte  onde  a  terra  era  agricultada, 
cobria-se  de  ricas  ceifas,  mas  nem  todas  as  partes  do 
solo  eram  cultivadas.  Restavam  ainda  grandes  extensões 
pantanosas  e  insalubres  como  as  maremmas,  as  lagoas 
Pontinas,  a  campina  ou  campanha  de  Roma,  onde  se 
estavam  emprehendendo  com  resultado  importantes  tra- 
balhos de  enchugamento,  saneamento  e  aproveitamento. 


1     Lltalie  Economique  (1895-1896). 


564  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


As  principaes  producções  da  Itália  eram  os  cereaes, 
o  vinho  e  o  azeite.  O  milho,  cultivado  por  toda  a  parte, 
occupava  grandes  espaços  nas  provincias  da  Lombar- 
dia e  Toscana.  As  lagunas  do  Pó  estavam  transforma- 
das em  arrosaes,  e  a  Itália  era  o  paiz  da  Europa  que 
produzia  mais  arroz.  A  colheita  do  trigo  era  insuffi- 
ciente  para  a  alimentação  do  povo ;  e  os  outros  cereaes, 
cevada,  centeio  e  aveia  davam  também  um  rendimento 
diminuto. 

A  Sicilia,  que  antigamente  constituia  o  celleiro  dos 
Romanos,  pela  producção  dos  cereaes,  já  o  não  era  no 
século  XIX;  e  tinha  maior  importância  pela  plantação 
dos  seus  jardins,  vinhas,  laranjeiras  e  pomares.  A  prin- 
cipal producção  era  a  das  laranjas,  que  dava  á  Sicilia 
um  rendimento  enorme.  Contava-se  por  milhões  de 
francos  os  fructos  que  ella  exportava  para  a  Europa, 
especialmente,  para  a  Inglaterra  e  para  os  Estados- 
Unidos. 

Como  paiz  vinicola,  a  Itália  era  também  um  dos 
mais  importantes  da  Europa. 

A  Sicilia,  Apúlia,  Calábria  e  Sardenha,  cultivavam 
bastantemente  o  algodão ;  e  o  linho  e  cânhamo  occu- 
pavam  grandes  extensões  no  Piemonte,  Lombardia  e 
Venecia. 

A  cultura  do  tabaco,  limitada  pelas  restricções  do 
monopólio,  era  insufficiente.  Mas  a  da  beterraba  e  do 
lúpulo,  que  encontravam  um  clima  muito  favorável, 
estava  em  progresso,  e  a  da  amoreira  achava-se  muito 
espalhada  por  toda  a  parte. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  565 


Quanto  ás  arvores  fructiferas,  no  norte  e  centro 
cultivavam-se  os  fructos  das  zonas  temperadas,  e  no 
sul  os  da  zona  tropical,  como  figueiras,  romanzeiras, 
açofeifeiras,  limoeiros,  limeiras  e  laranjeiras.  As  laran- 
jeiras, limoeiros  e  suas  variedades  formavam,  na  Sicilia, 
na  região  napolitana  e  na  Sardenha,  verdadeiros  bos- 
ques. 

As  florestas  representavam  apenas  12  por  cento  da 
superficie  total.  Os  dentes  do  gado  e  os  machados 
ignorantes  tinham-nas  destruído  por  toda  a  parte,  mas 
principalmente  no  sul.  Cada  individuo  cortava  á  von- 
tade, para  fazer  potassa  e  carvão,  que  exportava.  Mas, 
nos  últimos  tempos  do  século  XIX,  o  Governo  estava 
favorecendo  muito  a  renovação  das  florestas. 

A  criação  de  gado  era  muito  importante  e,  sobretudo, 
nos  últimos  annos  do  século  XIX,  o  augmento  da  cria- 
ção foi  notável.  E'  que  muitos  proprietários  dos  latifún- 
dios, desanimados  pela  cultura,  transformaram  as  pro- 
priedades em  pastos. 

Comtudo,  nem  toda  a  Itália  era  favorável  ao  desin- 
volvimento  dos  rebanhos.  Havia  um  contraste  notável 
entre  a  parte  continental,  o  valle  do  Pó  e  a  região 
peninsular.  Ao  norte,  graças  á  humidade  do  clima  e 
abundância  das  aguas  de  irrigação,  podiam-se  entreter 
bellos  prados  e  alimentar  grande  abundância  de  gado 
grosso.  Pelo  contrario,  a  peninsula  muitas  vezes  áspera 
e  rochosa,  mal  provida  de  rios,  e  esses  mediocres,  só 
podia,  com  excepção  das  maremmas  e  de  algumas  zonas 
de  pastos  das  montanhas,  criar  gado  miúdo. 

Por  isso,  ao  norte  era  grande  o  numero  de  animaes 
de  cornos.  Os  cavallos  eram  pouco  numerosos  por 
toda    a    parte.    Havia    muitas    cabras    nas    montanhas. 


566  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Muitos  porcos,  sobretudo,  na  Napolitana,  nas  Roma- 
gnes  e  Apenino  Romano.  Os  carneiros  iam  diminuindo, 
como  geralmente  acontecia  em  toda  a  parte  da  Europa. 
Muitas  abelhas,  cujo  mel  e  cera  constituiam  uma  grande 
fonte  de  riqueza  no  Piemonte. 

A  pesca  era  uma  occupação  para  grande  parte  da 
população  costeira,  e  uma  outra  fonte  importante  de 
rendimento. 

As  costas  da  Itália  eram  muito  piscosas.  Torna- 
ram-se  também  muito  notáveis  as  pescarias  das  lagu- 
nas de  Comachio,  onde  os  pescadores  prefaziam  um 
numero  de  muitos  milhares.  E  a  Sicilia  era  egualmente 
muito  piscosa,  e,  especialmente,  muito  abundante  de 
atum. 


Quanto  ás  industrias,  na  parte  mineral,  já  vimos 
que  a  Itália  carecia  ainda  de  muito  desinvolvimento. 
Em  todo  o  caso,  o  Governo,  nos  últimos  tempos  do 
século  XIX,  animou  poderosamente  a  metallurgia ;  e 
grandes  estabelecimentos,  providos  de  todas  as  innova- 
çÕes  modernas,  bem  como  uma  fabrica  de  canhões, 
foram  criados  em  Castellamare,  Nas  bellas  fabricas  de 
San  Pier  d'Arena,  perto  de  Génova,  fabricava-se  todo 
o  material  de  caminhos  de  ferro,  locomotivas,  raíls,  etc, 
e  maquinas  para  a  industria  e  para  os  navios. 

Em  Sestri,  perto  de  Génova,  e  em  Veneza,  é  que 
havia  os  maiores  canteiros  de  marinha  de  guerra.  Milão 
e  Brescia,  em  estabelecimentos  mais  modestos,  fabrica- 
vam objectos  de  caldeireiro  e  quinquilharias.  Puzíoles, 
no   golfo   de  Baia,  que  reunia  muitas  industrias  metal- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  557 


lurgicas,  era  uma  pequena  Creusot;  e  Temi,  na  Ombria, 
era  o  estabelecimento  mais  activo  da  peninsula.  Piom- 
bino  em  face  da  ilha  de  Elba,  fabricava  aços  esti- 
mados. 

Nas  industrias  textis,  a  Itália,  apesar  dos  progressos 
realisados  nos  últimos  annos  do  século,  era  ainda  tri- 
butaria do  estrangeiro.  Até  na  producção  da  seda, 
ficava  no  sexto  logar  da  Europa,  depois  da  França, 
Inglaterra,  Allemanha,  Áustria  e  Suissa ;  e  Milão  come- 
çava a  tornar-se  uma  rival  seria  de  Lyon.  Só  na  cria- 
ção do  sirgo,  é  que  a  peninsula  ficava  no  primeiro 
logar. 

Mas,  apesar  de  tudo  isso,  tanto  na  industria  agrícola, 
como  nas  industrias  metallurgicas  e  nas  textis,  o  movi- 
mento industrial  da  Itália  occupava  um  dos  últimos 
Jogares  da  Europa.  E  esse  atrazo  não  era  devido 
somente  á  falta  da  hulha.  O  exemplo  da  Suissa  mostra 
que  esse  obstáculo  não  é  inexcedivel.  Mas,  como  já 
fizemos  ver,  o  peso  dos  impostos  contribuia  também 
para  esse  atrazo. 

Nas  industrias  de  luxo  e  arte  e  nas  industrias  ali- 
mentares, é  que  a  Itália  já  tinha  um  logar  muito  impor- 
tante na  Europa;  e,  nos  últimos  tempos  do  século  XIX, 
manifestou-se  por  toda  a  península  um  movimento  serio 
para  a  maior  intensificação  d'essas  industrias. 

Os  productos  mais  estimados  eram  os  mozaicos  de 
Florença,  Veneza  e  Roma;  as  terras-cotes,  majolícas  e 
porcellanas  de  Veneza,  Toscana  e  Milanez;  os  vasos 
de  forma  grega  e  etrusca,  fabricados  em  Nápoles;  os 
espelhos,  vidros  finos  e  grossos,  e  avellorios  de  Veneza 
e   de   Murano ;    e    as  bijuterias  de  coraes,  em  que  tra^ 


568  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


balhavam  milhares  de  operários,  em  Nápoles,  Génova, 
Livorno  e  Terra-del-Greco,  e  cujos  braceletes  e  colares 
eram  exportados   até  para  a  China,  Japão  e  America. 

A  fabricação  de  massas  alimentares  e  de  aletria,  occu- 
pava  também  milhares  de  operários  na  reg^ião  napoli- 
tana, e  contava  mais  de  100  fabricas  na  Lig^uria  e  na 
Sicília. 

Era  também  muito  importante  a  fabricação  de  sabão, 
de  artigos  culinários  e  carne  salgada,  e  a  de  chapéus  de 
palha. 

Assim,  pode  dizer-se,  em  resumo,  que  a  industria, 
propriamente  dita,  comprehendia  todas  as  especialida- 
des do  trabalho  moderno,  desde  a  fabricação  dos  alfi- 
netes até  a  das  locomotivas  e  dos  grandes  navios; 
mas  só  tinha  proeminência  em  certos  artigos  de  luxo, 
e  em  certas  preparações  culinárias,  massas  e  carnes 
salgadas. 

A  industria  da  seda  tornou-se  ultimamente  de  uma 
grande  actividade.  Milão,  como  já  dissemos,  conver- 
teu-se  em  rival  perigosa  para  Lyon ;  a  fabricação  da 
seda  em  obra  adquiriu  alli  grande  progresso;  e  os  seus 
productos  eram  muito  procurados  na  Suissa  e  Alle- 
manha.  As  fabricas  de  lanificios  contavam-se  por  cen- 
tenas, sobretudo,  nas  provincias  de  Novara  e  Biella. 
As  do  algodão  tomaram  também  um  grande  incremento; 
mas  eram  inferiores  ás  de  Hespanha,  e  não  occupa- 
vam  a  decima  parte  dos  fusos  que  a  França  possuia. 
O  linho  e  cânhamo  fabricavam-se  apenas  domestica- 
mente. 

Mas  fora  da  fiação  dos  pannos,  a  grande  industria 
manufactora,  com  as  suas  grandes  fabricas,  que  são 
outras  cidades,  e  com  a  sua  multidão  de  maquinas  em 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  569 


movimento,  estava  ainda  fracamente  representada  na 
Itália  do  norte;  e,  a  não  ser  em  Nápoles,  era  inteira- 
mente desconhecida  na  Itália  do  sul. 


* 
* 


O  commercio  triplicou  depois  da  unidade  politica, 
devido  não  somente  ao  génio  italiano,  mas  também  á 
abertura  das  communicações,  como  já  fizemos  sentir, 
e  ao  desinvolvimento  da  marinha. 

Mas,  apesar  do  progresso  commercial  da  Itália  ser 
muito  grande  nos  últimos  tempos  do  século  XIX,  tinha 
ainda  muito  que  andar,  em  proporção  de  algumas  outras 
nações  europeias.  Na  sua  actividade  mercantil,  a  Itália 
era  excedida  não  só  pela  Inglaterra,  França,  Allemanha, 
Áustria  Hungria  e  Rússia,  mas  até  por  alguns  paizes 
de  pequena  extensão,  como  a  Bélgica  e  Hollanda. 

Em  todo  o  caso,  pouco  tempo  antes  dos  fins  do 
século  XIX,  os  navios  italianos  não  se  aventuravam  alem 
de  Gibraltar;  e  ultimamente  já  tomavam  o  caminho  dos 
Estados  Unidos  e  da  America,  e  até  substituíam  os 
navios  americanos  no  commercio  internacional,  E  já 
os  commerciantes,  enviados  pela  cidade  de  Génova, 
exploravam  a  Nova  Guiné,  as  Molucas  e  os  archipe- 
lagos  vizinhos,  para  descobrirem  novos  mercados. 

Como  dissemos,  influiram  poderosamente  no  desin- 
volvimento do  commercio,  a  marinha  e  as  communica- 
ções de  que  já  falíamos,  e  de  que  adiante  fallaremos 
de  novo. 

Quanto  á  marinha,  a  mercante,  era  uma  das  mais 
importantes  da  Europa. 


570  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Até  O  ultimo  quartel  do  século  XIX,  essa  marinha 
tinha  limitado  a  sua  acção  ao  Meditertaneo ;  mas  entrou 
depois  também  em  relações  com  os  paizes  ultramari- 
nos, como  já  notámos.  E,  n'este  sentido,  o  Governo 
concedeu  prémios,  para  animar  a  navegação. 

Embora,  porém,  a  frota  mercantil  fosse  muito  impor- 
tante, porque  somente  cedia  á  das  Ilhas  Britânicas, 
Estados  Unidos,  Allemanha  e  França,  e  ainda  que 
tivesse  um  enorme  pessoal  de  marinheiros  e  pescado- 
res, quasi  em  numero  de  200  mil  indivíduos,  a  Itália 
achava-se  muito  longe  de  ter  uma  actividade  commer- 
cial  em  relação  com  o  seu  pessoal  e  tonelagem. 

A  não  ser  em  Génova,  as  immensas  ferramentas  de 
navegação  só  serviam  para  a  pequena  pesca  e  para  o 
tráfico  de  cabotagem  mediterrânea.  Os  navios  que  se 
aventuravam  em  pleno  Oceano,  eram  relativamente  pouco 
numerosos.  Ainda  em  1865,  o  pavilhão  italiano  se  não 
tinha  mostrado  no  Oceano  Pacifico;  e,  em  1876,  ainda 
raramente  se  tinha  visto  nos  mares  do  Oriente. 

O  numero  dos  vapores  era  também  diminuto,  o  que 
egualmente  diminuia  a  importância  do  commercio  do 
mar  largo. 

Os  principaes  objectos  de  exportação  eram  o  vinho, 
o  azeite,  as  laranjas  e  limões,  arroz,  seda,  enxofre, 
objectos  artisticos,  amêndoas,  gados  e  ovos. 

E  a  importação  consistia  principalmente  em  cereaes, 
café,  peixe  salgado,  assucar,  algodão  grego,  pelles  bru- 
tas, hulha  e  mesmo  ferro  e  aço,  tecidos,  queijo  e  manteiga. 

Os  principaes  paizes  com  que  a  Itália  fazia  o  seu 
commercio,  eram  a  Inglaterra,  Áustria,  França,  Romé- 
nia e  Allemanha. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  57I 


Quanto  aos  centros  económicos,  as  novas  commu- 
nicações  influíram  muito  n'elles,  e  produziram  grandes 
alterações,  com  respeito  á  época  anterior. 

Assim,  Turin,  no  alto  Pó,  onde  convergiram  todos 
os  caminhos  que  atravessavam  os  Alpes,  desde  o  mas- 
siço  do  Monte  Branco  á  raiz  dos  Apeninos,  era,  por 
sua  situação,  um  dos  pontos  vitaes  do  tráfico  europeu, 
e  tornou-se  o  centro  natural  do  commercio  do  alto  valle 
do  Pó  até  o  Tessino. 

Milão,  onde  vinham  dar  os  sete  grandes  caminhos 
alpestres  do  Simplon,  S,  Gothard,  Bernardin,  Splugen, 
Julier,  Maloya  e  Stelvio,  era  egualmente  um  empório 
necessário.  Esta  cidade,  por  sua  população,  comprehen- 
dendo  as  aldeias,  só  era  inferior  a  Nápoles.  Por  seu 
commercio,  ficava  logo  depois  de  Génova.  Por  sua  indus- 
tria, egualava  estas  duas  cidades.  E,  pelo  seu  movi- 
mento scientifico  e  litterario,  era  a  primeira  das  cidades, 
entre  os  Alpes  e  o  mar  da  Sicilia. 

Bolonha,  que  os  pântanos  e  leito  do  Pó,  dificeis  de 
atravessar,  separavam  outrora  dos  Alpes,  mas  que  os 
caminhos  de  ferro  ligaram,  nos  últimos  tempos  do 
século,  a  todos  os  collos  do  heriíyciclo  das  montanhas, 
tornou-se  também  muito  importante;  porque  era  lá  que 
vinham  reunir-se  as  linhas  de  Vienna,  Paris,  Marselha 
e  Nápoles. 

Sem  a  criação  dos  caminhos,  o  valle  do  Pó  não 
teria  na  Europa  a  importância  que  possuia.  A  alta 
muralha  eliptica  dos  Alpes  separava-o  completamente 
da  França,  da  Suissa,  da  Allemanha,  emquanto  que  ao 


572  A   HISTORIA   ECONÓMICA 


sul,  O  muro  menos  elevado  dos  Apeninos  tornava  as 
comunicações  difficeis  com  os  valles  do  Tigre  e  do 
Arno.  O  paiz  só  estava  aberto  do  lado  do  Adriático. 

Mas  a  construcção  das  estradas  carroçáveis  e  dos 
caminhos  de  ferro  mudou  tudo  isso ;  e  a  Itália  do  norte 
tornou-se  para  o  commercio  da  Europa  um  dos  princi- 
paes  centros  de  attracção.  Por  Veneza,  tinha  o  Adriá- 
tico. Pela  via  férrea  dos  Apeninos,  tinha  Génova, 
Savona,  o  golfo  de  Spezia  e  o  mar  Thyrreno.  Comman- 
dava  ao  mesmo  tempo  os  dois  mares  que  banham  a  Itália. 
E  os  caminhos  de  ferro  de  Modane  e  os  de  Bremen  e 
Semering  faziam  convergir  para  a  baixa  Lombardia 
uma  parte  das  trocas  da  França,  da  Allemanha  e  da 
Áustria. 

E  outras  linhas  da  grande  rede  europeia,  descendo 
de  Pontebba,  do  S.  Gothard,  do  monte  de  Genebra  e 
do  coUo  do  Tende,  iam  unir-se  como  ao  centro  de  uma 
zona  immensa,  nas  cidades  florescentes  do  valle  do  Pó. 

E,  na  descida  de  cada  um  dos  collos,  assim  como 
na  saida  dos  atalhos  dos  Apeninos,  encontravam-se 
muitas  cidades  e  etapas,  como  Mondovi,  a  triplice 
cidade  edificada  sobre  três  cabeços;  Coni,  muito  bem 
collocada  no  seu  terraço  triangular  entre  Stura  e  Gesso; 
Saluzzo,  Pignerol  (Pinerelo),  Susa,  porta  italiana  do 
monte  Cenis;  Aoste,  Bielle,  tão  rica  em  manufacturas 
de  lan ;  e,  no  alto  Piemonte,  Fossano,  Savigliano  e  Car- 
magnola,  onde  vem  dar  os  quatro  principaes  caminhos 
dos  Apeninos.  No  Piemonte  oriental,  Novara,  Vercelli 
e  Casale,  antiga  capital  de  Monferrat. 

Ao  sul  do  massiço  das  collinas  de  Turin  havia  Ale- 
xandria, centro  de  convergência  de  oito  linhas  do  cami- 
nho de  ferro,   e,   portanto,   uma  das   cidades   da   Itália 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  573 


onde  se  operava  um  dos  maiores  movimentos  de  passa- 
gem, Aosti,  celebre  por  seus  vinhos  espumosos,  Acqui, 
Como,  Monza,  Pavia,  Cremona  e  Bergamo. 

Veneza,  outr'ora  a  rainha  do  Adriático,  estava  muito 
decaida  commercialmente. 

Génova  era  o  ponto  mais  activo  da  Itália.  Embora 
o  seu  movimento  fosse  inferior  ao  de  Marselha,  os 
armadores  possuiam  metade  da  frota  commercial  da 
Itália,  e  as  três  quartas  partes  dos  seus  navios. 

Para  o  vaivém  das  embarcações  de  vela  e  vapores 
que  frequentavam  a  praça  de  Génova,  e  que  se  encon- 
travam ahi,  ás  vezes,  em  numero  de  700,  sem  contar 
milhares  de  outras  naus  pequenas,  o  porto  cuja  super- 
ficie  tinha  mais  de  130  hectares,  já  não  era  grande,  e, 
sobretudo,  não  era  sufficientemente  abrigado. 

Uma  quarta  parte  da  sua  superficie  estava  garan- 
tida dos  ventos,  mas  era  precisamente  a  menos  pro- 
funda. Seria  preciso  duplicar  a  extensão  e  tornal-a 
muito  mais  segura,  pela  construcção  de  um  contra- 
vagas  que  separasse  do  alto  mar  a  vasta  superficie  de 
uma  enseada  exterior. 

Génova  era  também  uma  cidade  muito  industrial,  que 
tinha,  alem  dos  seus  canteiros,  muitas  fabricas  de  massas 
alimentares,  papeis,  sedas,  velludos,  sabões,  azeites, 
metaes,  louças,  flores  artificiaes  e  outros  adornos. 

A  oeste,  San  Pier  d' Arena  (Sampierdarena)  tor- 
nou-se  uma  verdadeira  cidade  industrial.  E  Cornigliano, 
Rivarolo,  Sestridi  Ponente,  que  possuia  os  maiores 
canteiros  da  Itália,  mesmo  do  Mediterrâneo,  Pegli  e 
Voltri  eram  também  cidades  populosas,  tendo  muitas 
fiações  e  fundições,  ligando-se  umas  ás  outras,  de  modo 
a  formarem  um  verdadeiro  formigueiro  humano. 


574  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Spezia,  porto  militar,  bordado  de  arsenaes  e  can- 
teiros, não  tinha  grande  movimento  commercial;  por- 
que, embora  offereça  um  abrigo  seguro,  não  estava 
ainda  ligado  com  os  povos  de  alem  dos  Apeninos  por 
vias  férreas,  e  não  tinha  outros  productos  a  expedir, 
alem  dos  que  provinham  dos  ricos  valles  dos  seus 
arredores. 

Florença,  uma  das  maiores  cidades  de  Itália,  era 
também  muito  industrial.  Tinha  muitas  fabricas  de  seda 
e  lanificios,  mosaicos,  porcellanas,  pedras  duras,  ateliers 
de  chapéus  de  palha  e  de  outros  objectos  que  deman- 
dam gosto  e  habilidade  de  mãos. 

Pisa  estava  inteiramente  decaida,  pela  completa 
obstrucção  do  seu  porto. 

Livorno  ficou  herdeira  de  Pisa,  e  os  seus  navios 
não  deixaram  de  seguir  as  mesmas  escalas  para  os 
portos  do  Levante,  desimbocadouro  natural  das  ricas 
bacias  da  Toscana.  Constituía  ura  mercado  muito  mais 
activo  do  que  a  forma  do  littoral  poderia  fazer  suppor. 
Em  1872,  era  até  o  segundo  porto  da  ItaHa.  Só  depois 
d'isso,  é  que  Nápoles  se  lhe  tornou  superior. 

No  valle  do  Tibre,  Roma,  a  capital  da  Itália,  des- 
provida de  porto,  e  com  os  campos  dos  arredores  cheios 
de  miasmas  deletérios,  era  uma  das  grandes  cidades, 
mas  destituída  de  industria  e  commercio,  a  não  ser 
no  que  é  relativamente  natural  a  um  centro  de  grande 
população. 

Pescara,  que  servia  de  intermédio  entre  Romã  e 
Ancona,  era  um  importante  centro  económico,  tendo 
por  especialidade  o  commercio  das  sedas. 

Ancona  era  uma  das  três  cidades  mais  commer- 
ciantes  da  costa  occidental  d'Italia,  e  a  oitava  de  todo 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  575 


O  littoral  da  península.  Vinha  depois  de  Veneza,  e  dis- 
putava a  proeminência  a  Brindizi. 

A  velha  Tarento,  o  grande  porto  antigo,  estava 
abandonada  pelos  navios,  o  que  permittiu  ás  hervas  e 
lichens  dos  pântanos  estenderem  os  seus  tapetes  sobre 
as  ruinas  de  Sybaris,  outrora  a  primeira  cidade  da 
peninsula. 

Nápoles,  o  centro  mais  populoso  da  Itália,  onde 
accorriam  pessoas  de  todo  o  paiz  e  de  todo  o  mundo, 
para  se  divertirem  e  gozarem,  tomou  também  uma 
grande  parte  no  movimento  industrial  italiano.  Fabri- 
cava massas  alimentares,  pannos,  sedas  chamadas 
Groz  de  Nápoles,  vidros,  porcellanas,  instrumentos  de 
musica,  flores  artificiaes,  objectos  de  adorno,  e  tudo  o 
que  se  relacionava  com  as  necessidades  e  usos  de  uma 
grande  cidade. 

Nenhuma  outra  do  Mediterrâneo  tinha  operários 
mais  hábeis  como  polidores  de  coral. 

Era  também  dos  arredores  de  Nápoles,  da  graciosa 
Sorrento,  que  provinham  essas  caixas,  para  jóias  e 
outros  objectos  de  pau  de  palmeira,  graciosamente  tra- 
balhados. 

Nápoles,  com  o  seu  bello  porto,  devia  ser  também 
uma  grande  cidade  de  commercio.  Comtudo  o  seu 
porto  vinha  depois  de  Génova;  e,  ainda  no  penúltimo 
quartel  do  século,  era  excedido  por  Livorno  e  Messina. 
E'  que  Nápoles  não  era  como  esta  ultima  um  logar  de 
etapa  forçada  para  os  navios,  e  não  tinha  como  Génova 
e  Livorno  regiões  de  grande  extensão  a  servirem-na; 
pois,  a  pequena  distancia  d'ella,  ao  norte,  ao  oeste  e  ao 
sul,  começam  os  macissos  irregulares  dos  Apeninos, 
que  nenhuma  via  férrea  atravessava  em  toda  a  largura 


576  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


do  mar  Thyrreno  ao  Adriático.  E  nem  sequer  estava 
lig-ada  por  qualquer  linha  férrea  ao  golfo  de  Tarento. 

Castellamare  di  Stabia  possuía  os  canteiros  de  cons- 
trucção  mais  activos  da  Itália,  depois  do  littoral  geno- 
vez  e  do  Spezia. 

Gaeta  era  um  dos  portos  mais  requestado  da  Itália 
para  a  cabotagem  e  pesca. 

Na  vertente  meridional  do  Adriático,  os  centros 
económicos  importantes  eram  mais  numerosos  e  mais 
activos. 

Foggia,  onde  convergiam  quatro  caminhos  de  ferro 
e  muitas  estradas,  constituia  um  grande  mercado  de  géne- 
ros. Não  pela  população,  mas  pela  riqueza,  tornou-se  a 
segunda  cidade  de  toda  a  Napolitania.  Tinha  como 
satellites  San  Severo,  Cerignola  e  Lucera ;  mas  ainda 
assim  a  todas  faltavam  desimbocadouros  directos  para 
o  mar,  e  estavam  rodeadas  de  maremmas.  A  bonifica- 
ção d'estas  maremmas  era  uma  das  obras  urgentes  a 
fazer. 

Brindizi,  que,  por  duas  vezes,  no  tempo  dos  Roma- 
nos e  no  tempo  das  cruzadas,  foi  uma  das  grandes 
etapas  da  passagem  entre  a  Europa  occidental  e  o 
Oriente,  começou  a  retomar  essa  figura  intermediaria 
no  commercio  do  mundo.  Bastava  para  isso  estar  situada 
á  entrada  do  Adriático,  e  o  seu  porto  ser  um  dos  me- 
lhores do  Mediterrâneo,  e  sua  bahia  excellente. 

A  nova  Tarento  adquiriu  uma  certa  importância  no 
commercio  de  cabotagem,  depois  da  abertura  do  cami- 
nho de  ferro  de  Bari;  mas  a  sua  industria,  á  excepção 
da  pesca  de  peixe,  das  ostras  e  do  sal,  era  quasi  nuUa. 

Na  Sicilia,  Palermo,  a  capital  só  estava,  quanto  á 
população,   abaixo  de  Nápoles,  Milão  e  Roma;  porém, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  577 


no  commercio,  já  ficava  muito  abaixo  dos  dois  portos 
occidentaes  da  ilha — Trapani  e  Massala,  e  também  muito 
abaixo  de  Messina,  que  é  a  cidade  central  do  Mediterrâ- 
neo, e  que  dispunha  de  um  porto  muito  profundo  e  muito 
abrigado,  e  era  uma  etapa  dos  vapores  que  serviam 
o  commercio  maritimo  entre  os  paizes  da  Europa  Occi- 
dental e  os  do  Levante. 

Catanea  era,  da  mesma  forma  que  Messina,  uma 
cidade  de  grande  prosperidade  commercial. 

Syracusa,  a  cidade  potente  de  outr'ora,  não  passava 
de  um  estendal  de  ruinas. 

Na  Sardenha,  Cagliari  e  a  sua  rival  Sassari,  eram  os 
centros  mais  importantes. 


* 
* 


Já  falíamos  das  communicações,  e  vimos  como  as 
estradas  eram  bastas  no  norte  e  deficientes  no  resto  da 
peninsula. 

Effectivamente,  no  interior,  a  rede  das  estradas  era 
muito  cerrada  no  Piemonte,  Lombardia  e  Venecia,  isto 
é,  no  valle  do  Pó  e  do  Adige.  Mas,  na  Itália  peninsu- 
lar, dividida  pelos  Apeninos  e  pelos  contrafortes  que 
elles  projectam  em  muitos  repartimei)tos  distinctos, 
eram  difficeis  as  relações  de  umas  provincias  para  as 
outras  no  mesmo  mar,  e  de  uma  vertente  para  a  outra, 
atravez  desses  montes.  E  essa  falta  de  communicações 
era  a  causa  principal  da  miséria  que  havia  nos  campos, 
visto  que,  não  podendo  os  productos  do  solo  ser  expor- 
tados, eram  consumidos  no  local  ou  vendidos  por  baixo 

Volume  VI  37 


578  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


preço.  Só  havia  excepção,  quando  podiam  transportar-se 
facilmente  para  um  ponto  da  costa,  porque  o  caminho  do 
mar  era  o  mais  conveniente,  por  ser  o  mais  económico. 

E  também  as  communicações  por  agua,  rios  nave- 
gáveis e  canaes  só  eram  praticáveis  na  Itália  septen- 
trional. 

Mas,  por  um  lado,  os  caminhos  de  ferro  internacio- 
naes,  pela  abertura  dos  Alpes  em  muitos  pontos  da 
fronteira,  como  o  do  Monte  Cenis  (1850-1870),  o  de 
S.  Gothard,  Simplon,  Brenner  e  Semering,  vieram  dar 
grande  vantagem  ao  commercio  italiano. 

Depois  que  esses  túneis  foram  abertos,  os  portos 
da  Itália  no  Mediterrâneo  e  no  Adriático  tornaram-se 
entrepostos  dos  productos  da  Europa  central  e  Occi- 
dental, destinados  ao  Oriente  e  extremo  Oriente.  As 
mercadorias  que  transitavam  outr'ora  pela  França,  che- 
gavam pelo  S.  Gothard,  que  era  também  o  centro  das 
relações  entre  Anvers,  Bremen  e  Hamburgo  ao  norte, 
e  Génova  e  Brindizi  ao  sul. 

Os  productos  da  Allemanha  central  e  meridional 
afluíam  pelo  collo  do  Bremen,  e  os  de  França,  pelos 
caminhos  do  Comiche  e  Monte  Cenis. 

Por  outro  lado,  abriram-se  grandes  caminhos  car- 
rossaveis  atravez  dos  Apeninos;  e,  alem  desses,  cinco 
vias  férreas  os  atravessaram,  a  saber:  entre  Turim  e 
Savona,  Milão  e  Génova,  Bolonha  e  Florença,  Ancona 
e  Roma,  Nápoles  e  Foggia;  e  ainda  outras  linhas,  adian- 
tando-se  de  uma  parte  e  outra,  vinham  juntar-se  pro- 
ximamente nas  galerias  subterrâneas  ou  collos  das 
montanhas. 

O  caminho  de  ferro  que  costeia  as  praias  do  Adriá- 
tico,   de    Rimini    a   Brindizi   e   Otranto  e  que   faz  parte 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  579 


da  linha  commercial  de  Londres,  Suez  e  Bombaim,  pro- 
duziu também  uma  grande  mudança  na  geografia  da 
peninsula. 

Até  então,  a  costa  occidental  de  Itália,  que  possuia 
o  Arno,  o  Tibre,  o  Gagliano,  e  cujo  littoral  tem  o  pri- 
vilegio dos  golfos,  portos  e  archipelagos,  era  a  metade 
viva  da  peninsula,  propriamente  dita.  Era  lá  que  se 
encontravam  os  grandes  mercados,  as  cidades  opulen- 
tas, os  centros  de  civilização  e  os  rendez-voíis  para  os 
estrangeiros.  Mas  essa  via  férrea  mudou  inteiramente  o 
eixo  do  commercio  para  a  parte  oriental. 

As  cidades  principaes,  ainda  não  estavam  criadas, 
mas  tinham  já  um  dos  caminhos  principaes  do  antigo 
mundo,  e  milhares  de  viajantes  que  davam  volta  á  terra, 
passavam  por  lá  ^. 


1  Noel,  obr.  cit.  —  M.  M.  Piolet  &  Bernard,  Histoire  Contem- 
poraine  de  1815  á  Nos  Jours.  —  Marsillac,  obr.  cit.  —  Jules  Isaac, 
Histoire  Contemporaine  1819-1820.  —  Albert  Malet,  obr.  cit.  —  E. 
Reclus,  Nouvelle  Geographie  Universelle  LEurope  Meridionelle. — 
Bannier,  obr.  cit.  —  Lanier,  LEurope.  —  Corner,  Commercial  Geogra- 
phy.  Le  Italie  Economique.  —  Marmochi,  descrizione  ditalie. —  Taine, 
Voyage  en  Italie. 


CAPITULO  XXII 
A  Hespanha 

Leve  esboço  da  sua  historia  politica  n'este  periodo.  —  Modificações 
importantes  que  se  haviam  produzido  na  Hespanha,  no  fim  do 
século  XVIII,  pela  promulgação  de  medidas  liberaes,  quanto  ao 
commercio  e  industria.  —  Esforços  de  Carlos  III  e  Carlos  IV, 
n'este   sentido.  —  Desinvolvimento  económico   resultante    d'isso. 

—  Abalo  que  a  Hespanha  experimentou  com  a  revolução  fran- 
ceza,  a  qual  fez  deter  o  vôo  que  a  politica,  melhor  avisada,  acabava 
de  lhe  imprimir.  —  Como  as  guerras  que  d'alli  provieram,  preju- 
dicaram enormemente  o  paiz.  —  Como  aos  effeitos  d'essas  guer- 
ras acresceram  os  vicios  da  administração  interior  e  a  insur- 
reição geral  das  colónias. — Desinvolvimento  posterior,  no  reinado 
de  Isabel  II.  —  Era  de  renovação  e  progresso,  desde  1848  a 
1862.  —  Proclamação  da  republica;  decadência  e  desordem  com- 
pleta, nos  dois  anos  que  ella  durou. — Como,  ainda  depois  de  res- 
tabelecida a  monarquia,  a  guerra  carlista  continuou  perturbando 
a  Hespanha  até  1876. —  Como  a  Hespanha  retomou  d'ahi  por 
diante  o  progresso  económico,  apenas  com  o  intervallo  passa- 
geiro do  levantamento  de  Cuba  e  da  guerra  com  os  Estados 
Unidos.  —  Productos.  —  Agricultura.  —  Industria.  —  Commercio. 

—  Centros  económicos  principaes.  —  Communicações. 

Quando  sobreveiu  a  revolução  franceza,  reinava  em 
Hespanha  Carlos  IV  (1788-1809). 

O  seu  antecessor,  Carlos  III,  tinha  beneficiado  o  paiz, 
pela  sua  iniciativa  económica,  pelo  seu  cuidado  a  favor 
da  administração  publica,  pelo  seu  amor  ao  desinvolvi- 


582  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


mento  das  cominunicações,  e  pelo  interesse  que  mostrou 
pelas  colónias.  \ 

Sucedeu-lhe  o  filho  Carlos  IV,  que,  no  principio  do 
reinado,  se  inspirou  nas  mesmas  ideias,  mas  depois  dei- 
xou decair  as  instituições  esboçadas  por  seu  pae;  e, 
sob  a  influencia  nefasta  do  favorito  Godoi,  todos  os 
antigos  abusos  reappareceram.  E,  demais  a  mais,  a 
g-uerra  com  a  republica  franceza  lançou  a  desordem  nas 
finanças,  e  custou  ao  reino  a  possessão  de  S.  Domingos. 

Seguiram-se  as  guerras  napoleónicas  (1808-1814), 
em  que  a  Hespanha  retomou  o  seu  antigo  enthusiasmo, 
embora  fosse  muito  prejudicada  por  ellas,  como,  em 
geral,  toda  a  Europa,  Durante  esse  periodo,  houve  a 
promulgação  da  constituição  de  1912,  que  terminou 
com  o  regimen  absoluto  da  nação. 

Em  1808,  o  rei  Carlos  IV  abdicou  em  seu  filho 
Fernando  VII,  que  reinou  desde  1808  a  1833;  e  a  Hes- 
panha liberal  teve  ainda  de  luctar  contra  as  violências 
e  abusos  d'esse  rei,  que  a  Santa  alliança  secundou,  e 
que  Luiz  XVIII,  rei  de  França,  manteve  contra  as  cortes 
hespanholas. 

A  longa  opressão  que  a  metrópole  tinha  feito  pesar 
sobre  as  opulentas  colónias  da  America,  provocou  no 
novo  mundo  hespanhol  uma  insurreição  geral,  desde 
1810  a  1825,  dando  em  resultado  romperem  ellas  o  laço 
que  as  ligava  á  metrópole,  e  constituirem-se  em  republi- 
cas independentes. 

No  reinado  de  Isabel  II  (1833-1868),  em  cuja  meno- 
ridade foi  regente  sua  mãe  Christina  até  1843,  apesar 


^     A  Historia  Económica,  vol.  V  pag.  367. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  583 


de  haver  differentes  pronunciamentos,  apar  da  guerra 
civil  dos  Carlistas  e  das  dictaduras  passageiras,  que 
agitaram  o  paiz,  a  Hespanha  progrediu  muito.  Mas,  em 
1862,  essa  rainha  foi  deposta  por  uma  combinação 
de  progressistas  e  republicanos,  e  a  regência  foi  con- 
fiada ao  marechal  Serrano,  á  espera  da  escolha  de 
um  rei. 

A  candidatura  do  duque  de  Montpensier,  filho  de 
Luiz  Filippe,  foi  afastada  por  Napoleão ;  e  a  do  prin- 
cepe  de  Hohenzolern  foi  o  pretexto  da  terrivel  guerra 
entre  a  França  e  a  Prússia.  O  general  Prim  que,  segundo 
se  diz,  tinha  sonhado  colocar  na  sua  cabeça  a  coroa  de 
S.  Fernando,  teve  de  se  contentar  com  a  simples  figura 
de  medianeiro  de  reis;  e,  n'esse  sentido,  fez  chamar  o 
princepe  Amadeu  de  Sabóia,  filho  do  rei  de  Itália, 
Victor  Manoel. 

Este  monarca  governou  a  Hespanha,  durante  dois 
annos  (1871-1873),  nas  condições  as  mais  difficeis,  ás 
mãos  com  a  guerra  civil,  insurreições  locais,  revolta  de 
Cuba  e  grandes  embaraços  financeiros.  Mas  cumpriu 
com  fidelidade  os  seus  deveres  de  rei  constitucional, 
embora  fosse  impotente  para  conciliar  as  simpathias 
da  nação  e  fazer  esquecer  a  sua  qualidade  de  estran- 
geiro. Por  isso,  renunciou  lealmente  a  coroa. 

Foi,  então,  proclamada  a  republica;  e  as  cortes  inves- 
tiram da  dictadura  o  chefe  do  partido  republicano  Emilio 
Castelar,  que  energicamente  combateu  e  venceu  a  insur- 
reição do  sul,  e  resignou,  afinal,  as  suas  funcções, 
em  1874. 

Um  golpe  militar  do  general  Pavia  fez  passar  o 
poder  para  as  mãos  do  general  Serrano ;  e,  no  anno 
seguinte,  o  partido  constitucial  ,  secundado  pelos  chefes 


584  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


do  exercito,  chamou  ao  trono  o  princepe  Affonso  XII, 
filho  mais  velho  da  rainha  Isabel  (1875-1886). 

Então,  as  operações  militares  contra  os  Carlistas 
foram  continuadas  com  vigor;  e  a  guerra  terminou,  em 
1876,  pela  fugida  do  pretendente  D.  Carlos  para  o  ter- 
ritório francez.  O  regimen  parlamentar  foi  restabelecido; 
e  começou  a  correr  uma  era  de  paz,  que  permittiu  á 
Hespanha  a  reparação  das  suas  forças  e  o  novo  empre- 
hendimento   das   reformas,    tantas  vezes  interrompidas. 

Sucedeu-lhe  Affonso  XIII,  ainda  menor.  Sua  mãe, 
Maria  Christina,  tomou  a  regência  com  firmeza.  Teve 
de  luctar  ao  mesmo  tempo  contra  os  Carlistas  e  repu- 
blicanos; e  o  partido  anarquista  começou  também  a 
fazer-se  conhecer  por  differentes  attentados,  que  aterra- 
ram a  população.  E,  se  no  interior,  a  situação  era  diffi- 
cil,  não  o  era  menos  no  exterior:  porque  a  Hespanha 
teve  de  luctar  contra  os  Marroquinos,  que  haviam  morto 
uma  divisão  hespanhola.  Cuba,  patrocinada  pelos  Esta- 
dos Unidos,  levantou-se  também  por  sua  vez  contra  a 
metrópole,  e  obteve  a  independência.  As  Filippinas 
alcançaram  egualmente  a  sua  libertação.  E,  por  fim,  a 
regente,  que  mostrou  sempre  a  maior  coragem,  no  meio 
d'estas  complicações  politicas,  entregou  as  redias  do 
governo  a  seu  filho,  que  foi  declarado  de  maior  edade, 
em  1902. 


No  fim  do  século  XVlll,  tinham-se  produzido  modi- 
ficações importantes  na  Hespanha.  Haviam-se  promul- 
gado medidas  liberaes,  para  desembaraçar  a  industria 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  585 


dos  seus  tropeços  e  deixar  mais  liberdade  aos  fabri- 
cantes, até  então  submettidos  a  regulamentos  minucio- 
sos e  vexatórios,  por  causa  das  dimensões,  do  peso  e 
da  maneira  de  fabricar  os  productos.  Haviam-se  cohi- 
bido  os  abusos,  ainda  numerosos  do  regimen  corpora- 
tivo. E  constituiram-se  nas  grandes  cidades  differentes 
sociedades,  para  criar  escolas  technicas,  de  fiação  e 
desenho,  e  fabricação  de  maquinas  a  vapor. 

Carlos  111  e  Carlos  IV  fizeram  grandes  esforços  para 
estabelecer  e  animar,  mesmo  com  grande  despesa, 
muitas  manufacturas  de  tecidos  finos  e  de  tecidos  de 
lan,  cujos  encargos  eram  pesados  para  o  thesouro,  mas 
que  davam  á  industria  particular  modelos  de  que  ella 
podia  servir-se  com  proveito. 

A  metallurgia,  construcção  de  navios  e  seus  apres- 
tes, as  manufacturas  de  tecelagem,  de  algodão,  de  seda 
e  pannos,  cânhamo,  linho,  fitas,  rendas,  botões  e  curti- 
mentas,  entraram  n'uma  via  de  progresso.  Aconteceu  a 
mesma  coisa  com  a  agricultura.  Tinham  sido  melhora- 
das as  relações  com  os  índios  e  com  muitos  paizes 
estrangeiros.  E,  em  summa,  como  já  notámos  no  vo- 
lume IV  d'esta  obra,  a  Hespanha,  muito  decaida  antes 
de  Filippe  V,  entrara  nos  reinados  posteriores  n'um 
caminho  de  franco  desinvolvimento  económico. 

Mas,  com  o  abalo  da  revolução  francesa  e  guerras 
napoleónicas,  o  paiz  experimentou  uma  repercussão 
profunda,  que  fez  parar  o  vôo  que  uma  politica, 
melhor  avisada,  acabava  de  lhe  imprimir.  Então,  as 
guerras  que  teve  de  sustentar,  alastraram  de  ruinas  o 
paiz  inteiro,  e  prejudicaram  toda  a  expansão  econó- 
mica; e,  alem  disto,  os  vicios  da  administração  interior 
augmentaram  o  mal. 


586  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


Acabadas  essas  guerras,  as  luctas  internas  não  dei- 
xavam levantar  o  movimento  industrial  e  commercial  da 
nação;  e,  como  já  vimos,  ainda  ella  teve  de  soffrer  as 
violências  e  abusos  de  Fernando  Vil  e  a  guerra  da 
insurreição  geral  das  colónias,  de  1810  a  1827. 

Depois  d'isso,  no  reinado  de  Izabel  II,  as  reformas 
liberaes,  apar  do  despertamento  do  paiz,  trouxeram  um 
periodo  de  grande  desinvolvimento  económico. 

Assim,  antes  de  1848,  a  agricultura  tinha  caido 
novamente  n'um  marasmo.  As  terras  a  monte  haviam-se 
reproduzido  por  toda  a  parte,  aggravando  a  miséria  da 
população,  e  os  melhores  terrenos,  na  maior  parte  das 
provincias,  ficavam  de  pousio  durante  um  ou  mais 
annos.  Com  excepção  das  provincias  bascas,  dos  arre- 
dores de  Valência,  de  Murcia,  de  Saragoça  e  Granada, 
e  das  margens  do  Tejo,  Guadiana  e  Guadalquivir,  rega- 
das pelas  aguas  d'estes  rios,  e  cujas  veigas  e  huertas 
davam  colheitas  abundantes,  os  habitantes  das  outras 
regiões  viviam  pobremente,  e  eram  apenas  na  propor- 
ção de  32  e  ás  vezes  12  por  kilometro  quadrado. 

O  commercio  de  importação  estava  reduzido  a  150 
milhões  de  francos  ;  e  o  de  exportação  a  129  milhões. 
As  estradas  eram  poucas,  e  mal  entretidas;  as  commu- 
nicações  eram  quasi  nullas,  e  os  transportes  muito 
custosos.  E  a  Hespanha  ainda  não  possuia  senão  uma 
linha  férrea  de  28  kilometros,  ligando  Barcellona  a 
Mataro.  A  própria  Cuba  tinha  tomado  a  prioridade 
n'esse  género,  construindo,  em  1838,  um  caminho  de 
ferro,  desde  Havana  a  Guinas. 

Mas,  desde  1848  a  1868,  surgiu  uma  era  de  reno- 
vação e  progresso  por  toda  a  nação.  Graças  aos  capi- 
tães  importantes   que   a   França   e   Inglaterra  enviaram 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  587 


para  Hespanha,  onde  uma  remuneração  vantajosa  os 
solicitava  de  toda  a  parte,  constituiram-se  differentes 
sociedades  financeiras,  para  explorar  as  minas,  fornecer 
g-az  ás  grandes  cidades,  dar  nova  impulsão  á  industria, 
permittir  ao  Governo  mudar  o  banco  de  S.  Fernando 
em  banco  nacional,  destinado  a  ramificar-se  por  todo  o 
reino,  bem  como  a  criar  uma  rede  telegráfica  e  lançar 
a  base  de  uma  grande  rede  de  vias  férreas. 

Desde  então,  houve  um  adiantamento  notável  no 
progresso  económico,  de  modo  que  a  agricultura  melho- 
rou, e,  sobretudo,  a  viticultura  e  vinicultura.  A  industria 
propriamente  dita,  achava-se  n'um  atrazo  ainda  maior 
que  a  agricultura,  porque  o  povo,  por  menos  desinvol- 
vida  que  ella  estivesse,  preferia  sempre  os  misteres 
agricolas ;  mas,  desde  então,  e,  sobretudo,  desde  1850, 
uma  corrente  geral  se  manifestou  em  favor  das  empre- 
sas industriaes.  Os  capitães  estrangeiros,  e  mesmo  os 
locaes  procuraram  um  emprego  remuneratório,  tanto 
na  extracção  dos  mineraes,  cada  vez  mais  procurados 
pelos  grandes  Estados  da  Europa,  como  também  na 
transformação  directa  das  riquezas  do  paiz. 

As  agitações  interiores,  mesmo  depois  de  Isabel  II 
até  á  proclamação  da  republica,  fizeram  retardar  alguma 
coisa  a  ascensão  do  movimento  económico,  e  também, 
depois  d'isso,  os  dois  annos  de  republica  trouxeram  uma 
desordem  completa,  apar  de  uma  grande  immoralidade 
de  costumes.  Não  se  respeitava  a  propriedade  parti- 
cular, e,  em  muitas  partes,  nem  mesmo  a  vida  dos 
cidadãos.  Milhares  de  pessoas  emigravam  para  França 
e  Portugal,  abandonando  as  suas  casas,  o  seu  tráfico  e 
haveres,  contentes  ainda  por  terem  salvado  a  vida  e 
a  honra. 


588  ^  HISTORIA  ECONÓMICA 


Como  nos  tempos  mais  desgraçados  da  monarquia, 
viam-se  os  campos  desertos,  as  terras  incultas,  as  offi- 
cinas  abandonadas.  E,  ainda  peior  do  que  isso,  viam-se 
também  as  campinas  incendiadas,  e  o  fogo  posto  a 
devorar  extensas  e  ricas  searas  e  famosos  arboredos. 
Só  em  Granada  houve  mais  de  20  mil  oliveiras  queima- 
das. O  roubo  tomou  vastas  proporções,  até  então  des- 
conhecidas. A  pretexto  de  cantonalidades,  decretaram-se 
impostos  forçados  aos  ricos;  e  todos  aqueles  que  dese- 
i  avam  salvar  a  sua  casa,  pagavam  a  dinheiro  o  privilegio 
dessa  conservação. 

De  Carthagena  chegou  mesmo  a  sair,  por  mais  de 
uma  vez,  o  general  Contreras,  á  frente  de  forças  milita- 
res ou  de  marinha  cantonal,  a  roubar  populações  intei- 
ras, que  eram  tomadas  de  assalto  ou  bombardeadas, 
quando  não  faziam  prompto  sacrifício  de  alguns  milhões 
de  pesetas.  Os  saques,  mortes  e  fusilamentos  encheram 
a  Hespanha  de  horror,  perturbando  tudo  isto  o  paci- 
fico desinvolvimento  dos  factores  económicos. 

E,  ainda  depois  de  restabelecida  a  monarquia,  a 
guerra  carlista  continuou  a  perturbar  a  Hespanha  até 
1876,  em  que  terminou.  Só  depois,  é  que  a  nação 
pôde  retomar  francamente  o  progresso  industrial  e  com- 
mercial 

Houve  apenas  um  embaraço  passageiro,  por  occa- 
sião  do  levantamento  de  Guba  e  da  guerra  com  os 
Estados  Unidos;  mas,  depois  da  perda  de  Cuba  e  das 
Filippinas,  a  Hespanha  concentrou-se  nos  seus  próprios 
recursos,  e,  penitenciando-se  dos  erros  passados,  adqui- 
riu um  grande  desinvolvimento. 


EUADE  CONTEMPORÂNEA  589 


Examinemos  agora  detalhadamente  os  principaes 
factores  económicos. 

Quanto  ao  reino  mineral,  a  Hespanha  é  muito  favo- 
recida n'esse  género ;  e,  como  é  sabido,  já  ella  cons- 
tituia  uma  das  grandes  riquezas  do  império  romano. 
Assim,  tem  abundância  de  hulha  nas  provincias  das 
Astúrias.  Leon,  Castella  a  Velha,  Córdova  e  Sevilha. 
Ha  muita  linhite  na  Andaluzia  oriental  e  em  Murcia; 
muitas  minas  de  ferro  na  Biscaia,  Almeria,  Oviedo  e, 
Málaga;  e  nas  provincias  de  Toledo,  Cidade  Real  e 
Estremadura,  ha  mesmo  centenas  de  legoas  quadradas, 
tingidas  de  vermelho  escuro  pelos  fragmentos  de  mi- 
neraes  de  ferro  que  juncam  o  solo.  Mas  a  exploração 
de  todas  essas  minas  de  ferro  era  pequena  e  difficil, 
pela  falta  de  communicações  e  carência  de  combus- 
tivel.  E,  perto  de  Marbella,  nas  costas  do  Mediterrâneo, 
entre  Málaga  e  Gibraltar,  existe  um  grande  jazigo  de 
mineral  magnético,  que  era  empregado  nos  grandes  fo- 
gos de  coke  e  antracite  de  Málaga  e  Marbella. 

Havia  muito  cobre  em  Velcano,  S.  Miguel,  em  Eviden- 
cia e  Huelva,  onde  está  a  famosa  mina  de  Huelva,  capaz 
de  fornecer  de  cobre  por  muito  tempo  o  mundo  inteiro. 

Uma  das  maiores  riquezas  de  Hespanha  é  o  chumbo 
argentifero  na  província  de  Zamora,  em  Oviedo,  perto 
de  Barcelona,  na  província  de  laen  e  na  Andaluzia, 
onde  ha  poucas  montanhas  que  o  não  contenham,  e  em 
Murcia.  E,  em  mercúrio,  as  minas  de  Almaden  são  as 
mais  abundantes  da  Europa.  Ha  também  muito  mercúrio 
em  Almadenego. 


590  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  Hespanha  abunda  egualmente  em  metaes  precio- 
sos. E  poucos  paizes  teem  tanta  quantidade  de  sal, 
que  se  encontra  nos  pântanos  salg-ados,  nas  minas  de 
sal  gema  e  nas  marinhas  do  mar. 

Havia  muito  mármore,  pedras  de  construcção,  kao- 
lino  e  argila  plástica. 

Mas  os  hespanhoes  não  tiravam  das  suas  riquezas 
mineraes  todo  o  proveito  que  podiam  tirar,  por  falta  de 
comunicações  e  de  capitães.  As  sociedades  constituidas 
por  capitalistas  francezes,  belgas,  inglezes  e  allemães,  é 
que  davam  grande  actividade  á  extracção  dos  mineraes. 

O  trabalho  do  ferro  era  executado  em  dois  centros 
principaes :  a  norte,  nas  provincias  bascas  e  nas  Astú- 
rias, e  a  sul  na  Andaluzia. 

Barcellona  constituia  um  grande  centro  das  indus- 
trias mecânicas  e  chymicas  e  da  fabricação  de  materiaes 
de  caminho  de  ferro.  Pamplona  tinha  vastas  officinas 
de  maquinas  agricolas.  A  vidraria  da  Granja  era  muito 
importante.  A  cerâmica  estava  muito  desinvolvida  em 
Madrid,  Sevilha  e  Barcellona.  E  era  ainda  tradicional 
a  fabricação  das  laminas  de  Toledo,  onde  se  fabrica- 
vam também  outros  artefactos  metallicos. 

Mas,  como  acontecia  na  extracção  dos  mineraes,  a 
industria  mettallurgica  deixava  muito  a  desejar,  por 
falta  de  capitães  e  de  communicações. 


A  agricultura  estava  muito  atrazada  até  1840.  Contri- 
buia  também  para  isso  a  falta  de  população,  e  mesmo 
a  abundância  de  terrenos  de  mão  morta. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  591 


Assim,  em  1820,  os  conventos  de  Hespanha  eram 
2:280.  Os  clérigos,  monges  e  frades  118:000,  e  comtudo 
a  população  era  somente  de  cerca  de  doze  milhões. 
Mesmo  em  1859,  em  que  apenas  havia  conventos  apenas 
para  as  missões,  e  em  que  os  monges  clérigos,  e  frades 
não  chegavam  a  30  mil,*  a  população  de  Hespanha  não 
se  elevava  a  mais  de  16  milhões. 

Mas,  desde  então  a  1868,  os  agricultores,  assegu- 
rados pelos  trabalhos  de  viação,  que,  desde  aquella 
data,  começou  a  desinvolver-se,  e,  assim,  pelos  cami- 
nhos de  ferro,  que  aproximavam  os  centros  do  consumo, 
principiaram  a  preoccupar-se  do  gosto  e  necessidades 
das  populações  estrangeiras,  que  elles  deviam  satisfazer 
desde  então.  Os  vinhos  mais  bem  tratados  deram  pro- 
ductos  mais  apreciados,  para  cujo  alojamento  e  con- 
servação os  viticultores  se  resolveram  a  substituir  por 
toneis  ou  pipas  os  odres  de  pelle  alcatroada  que,  desde 
longos  tenipos,  haviam  sido  empregados,  e  que  davam 
ao  vinho  um  gosto  detestável,  afastando,  por  isso,  a 
clientella  estrangeira. 

E,  em  certas  regiões,  os  alqueives  e  culturas  rudi- 
mentares foram  substituidos  por  culturas  mais  judi- 
ciosas. 

Ainda  assim,  mesmo  no  fim  do  século,  as  terras 
incultas  occupavam  quasi  a  quinta  parte  da  superfí- 
cie total.  Eram  situadas  no  plató  de  Castella,  princi- 
palmente na  Mancha  e  na  Extremadura.  Mas,  toda  a 
costa  do  Mediterrâneo,  graças  aos  trabalhos  que  na 
maior  parte  remontavam  ao  tempo  dos  Mouros,  estava 
transformada  em  jardim,  d'uma  fertilidade  incompará- 
vel. Poucas  regiões  havia  na  Europa  tão  ricas  como 
as  huertas  de  Valência,  Murcia  e  Andaluzia. 


592  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Os  cereaes  occupavam,  na  Hespanha,  quasi  onze 
milhões  de  hectéires ;  e  era  o  trigo  que  representava 
metade  da  concorrência  total.  Vinham  depois  o  milho, 
centeio,  cevada  e  arroz. 

Nas  plantas  lenhosas,  o  vinho  era  a  primeira  das 
riquezas  agrícolas ;  e,  para  augmentar  a  sua  força  alcoó- 
lica, os  Hespanhoes  fabricavam,  e  importavam  uma 
grande  quantidade  de  álcool. 

Nos  últimos  tempos,  porém,  do  século  XIX,  a  pro- 
ducção  do  vinho  diminuiu  muito,  por  causa  da  philoxera, 
que  devastou  o  norte  e  sul ;  e  também  a  Catalunha  foi 
attingida  gravemente.  As  vinhas  situadas  nos  cabeços 
morreram.  As  da  Andaluzia  soffreram  muito,  e  Málaga 
perdeu  mais  de  metade  dos  seus  vinhedos. 

A  cultura  das  arvores  fructiferas  era,  para  os  culti- 
vadores das  provindas  banhadas  pelo  Mediterrâneo, 
uma  fonte  de  rendimentos  consideráveis,  sobretudo, 
desde  que  o  valor  dos  fructos  foi  augmentando  pela 
facilidade  de  os  transportar  bem  conservados  para 
mais  longe  do  que  outr'ora. 

As  laranjeiras  tomaram  grande  desinvolvimento  na 
província  de  Valência.  Algumas  cidades  d'esta  pro- 
víncia, outr'ora  miseráveis,  como  Carcagente,  Villareal, 
Burriana,  Aleira,  Gandia  e  Alberique,  deveram  a  sua 
prosperidade  a  esta  cultura. 

A  Hespanha  produzia  também  muita  laranja  azeda, 
que  era  expedida  para  a  Hollanda,  com  destino  á  fabri- 
cação do  curaçau. 

Havia  muitos  limões,  cidras,  figos  e  romans.  A 
província  de  Valença,  perto  de  Elche  e  de  Alicante, 
prestava-se  muito  á  cultura  de  palmeiras,  que  davam 
tâmaras  excellentes.  Havia,  alem  d'isso,  as  plantas  dos 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  593 


climas  frios  ou  temperados,  como  o  linho  e  canhamo,^ 
tabaco  e  beterraba.  Cultivavam-se  egfualmente  plantas 
próprias  da  zona  mediterrânea,  como  açafrão  e  garança^ 
embora  tivessem  perdido  a  importância.  A  amoreira, 
sobreiro,  oliveira  e  alcaçuz  encontravam  condições  de 
clima  das  mais  favoráveis  nas  províncias  do  este,  sudeste 
e  sul.  Emfim,  havia,  principalmente  na  Andaluzia,  algu- 
mas culturas  tropicaes  —  algodão,  arachides,  cafezeiro  e 
canna  de  assucar. 

As  inclinações  de  Albacete  e  Murcia,  cheias  de  sol, 
produziam  também  muito  esparto,  que  servia  para  a 
fabricação  de  uma  grande  quantidade  de  objectos,  como 
sandálias,  esteiras  e  cestos.  Segundo  Plinio,  no  tempo 
dos  Romanos,  utilisavam-se  estas  plantas  para  todos  os 
usos  domésticos,  taes  como  cestos,  moveis,  sapatos  e 
fatos;  e  até  o  fogo  do  lar  era  alimentado  por  ellas. 
Depois  do  meiado  do  século  passado,  este  vegetal, 
assim  como  a  alfa  da  Algéria,  tornou-se  também  muito 
precioso,  por  causa  da  resistência  da  fibra.  Os  Inglezes 
faziam  grande  uso  d'elle  para  a  fabricação  do  papel  e 
para  a  trama  de  tapetes  e  outros  tecidos;  mas,  tendo 
a  exportação  começado  em  1856,  os  Hespanhoes  puze- 
ram  tal  afan  em  satisfazer  as  encommendas,  que  as  col- 
linas  e  planícies  do  esparto  principiaram  em  pouco  tempo 
a  ficar  despojadas.  Em  muitos  districtos,  faziam-se  até 
duas  colheitas  annuaes,  afim  de  aproveitar  o  augmento 
do  preço,  que  se  elevou  ao  quádruplo,  no  espaço  de 
alguns  annos.  E  não  se  cuidou,  depois,  de  augmentar 
proporcionalmente  a  cultura;  porque  é  preciso  esperar 
oito  a  quinze  annos  para  que  as  folhas  tenham  uma 
fibra  apreciável. 

Quanto  a  florestas,  o  solo  da  Hespanha  foi,  como 

Volume  VI  38 


594  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  de  tantos  outros  paizes,  desarborisado  sem  medida. 
Demais  a  mais,  as  esteppes  do  plató  central  da  Man- 
cha e  Leão  são,  por  sua  natureza,  impróprios  para  o 
crescimento  das  arvores;  e,  mesmo  fora  d'essas  esteppes, 
as  arvores  só  prosperam  tendo  condições  de  exposição 
excepcional.  As  verdadeiras  regiões  das  florestas  eram 
as  do  norte,  provincias  bascas,  Astúrias  e  Galliza;  mas, 
ao  sul,  havia  muitos  sobreiros,  cujos  productos  eram 
tão  estimados  como  os  da  Africa. 


Por  causa  do  seu  clima  secco,  a  Hespanha,  que 
não  tem  pastagens,  também  não  podia  ter  muito  gado 
grosso.  Comtudo,  a  Galliza,  Astúrias  e  Navarra,  onde 
os  ventos  húmidos  do  Atlântico  favorecem  a  vegetação 
herbácea,  tinham  muitos  animaes  bovinos.  E  os  criado- 
res haviam  aperfeiçoado  as  raças,  pelo  cruzamento  com 
espécies  vindas  de  França  e  d'lnglaterra.  Nas  outras 
provincias,  a  espécie  bovina  era  pouco  numerosa. 

A  Andaluzia  criava  muito  bons  cavallos,  que  provi- 
nham da  raça  árabe.  A  feira  de  Sevilha  constituía  uma 
das  mais  consideráveis  da  Europa,  com  respeito  ao 
commercio  d'esse  gado.  Os  asnos  e  as  mulas  eram  os 
animaes  de  carga  mais  empregados,  e  havia-os  em  grande 
numero.  A  raça  ovina,  á  qual  convinha  a  zona  dos  pas- 
tos seccos  e  a  zona  mediterrânea,  era  também  muito 
abundante.  A  Hespanha  constituía  n'esse  ponto,  e  pelos 
seus  merinos,  o  paiz  mais  rico  da  Europa;  e  as  suas 
lans  eram  também  das  mais  estimadas. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  595 


A  extensão  tão  considerável  de  pastos  fez  até  da 
industria  pastoril  o  trabalho  por  excellencia  de  numero- 
sas populações  das  Castellas;  e,  por  uma  derivação 
natural,  a  criação  dos  carneiros  e  merinos  e  do  gado 
grosso  augmentou  a  superficie  dos  pastos,  á  custa  das 
florestas  e  das  terras  de  cultura. 

Certas  regiões  das  duas  Castellas  prestam-se  admi- 
ravelmente á  producção  dos  cereaes  e  dão  colheitas 
medias  de  grande  abundância.  Tal  é,  na  bacia  do  Douro, 
a  Tierra  de  Campos,  onde  corre  o  Carrion  e  o  Pisuerga, 
que  fertilisam  por  sua  capillaridade  as  aguas  de  uma 
esteira  subterrânea,  que  se  estende  a  pequena  profun- 
didade abaixo  da  superficie.  Taes  são  também  a  meza 
do  Ocana  e  outros  districtos  das  altas  bacias  do  Tejo 
e  Guadiana,  cuja  seccura  é  só  apparente,  pois  que  são 
alimentadas  por  uma  certa  humidade  occulta.  Nos  ter- 
renos áridos  e  pedregosos,  a  vinha,  cultivada  com  intel- 
ligencia,  poderia  dar  productos  especiaes.  Mesmo  dei- 
xada quasi  unicamente  aos  cuidados  da  mãe  benéfica,  a 
natureza,  poderia  fornecer  aos  lavradores  vinhos  de 
qualidade  superior.  Podia  dizer-se  outro  tanto  da  oli- 
veira, riqueza  dos  campos  de  Colatrava. 

A  agricultura,  pois,  auxiliada  por  um  trabalho  de 
restauração,  offerecia  aos  habitantes  das  Castellas  van- 
tagens seguras.  Mas  a  preguiça  do  corpo  e  do  espirito, 
a  preponderância  da  rotina,  a  persistência  dos  costumes 
feudaes,  mais  ou  menos  modificados,  e,  algumas  vezes, 
também  a  desanimação  produzida  pelas  seccas,  demora- 
das, mantiveram  as  velhas  praticas  da  vida  nómada;  e 
vastas  extensões  de  terras  excelentes,  ás  quaes  centenas 
de  milhares  de  trabalhadores  poderiam  pedir  a  sua 
subsistência,  eram  utilisadas  somente  como  simples  pas- 


596  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


tagens.  Durante  uma  estação,  achavam-se  animadas 
pelos  rebanhos;  mas  depois,  até  o  anno  seguinte,  não 
passavam  de  tristes  solidões. 

Para  se  alimentar  a  maior  parte  dos  rebanhos  meri- 
nos, composto  cada  um  de  10  mil  animaes,  que  se  divi- 
diam em  grupos  de  1.000  a  1.200,  os  pastores  tinham 
de  atravessar  quasi  metade  da  Hespanha.  Um  maioral, 
assistido  de  uns  tantos  rabardanes,  que  tinham  rebanhos 
distinctos,  dirigia  este  bando  de  cabeças,  de  etapa  em 
etapa.  E  cada  rabardane  commandava  por  sua  vez  um 
pequeno  grupo  de  subordinados. 

No  principio  de  abril,  os  merinos  abandonavam  os 
seus  pastos  de  Andaluzia,  da  Mancha,  ou  da  Estrema- 
dura, para  subirem  ao  norte,  seguindo  uma  longa  zona 
atravez  do  paiz.  Depois  de  setembro,  a  viagem  recome- 
çava de  novo,  e  os  rebanhos  retomavam  o  antigo 
caminho. 

Da  mesma  forma,  como  paiz  montanhoso,  a  Hespa- 
nha criava  muitas  cabras,  cuja  carne  entrava  em  grande 
parte  com  a  de  carneiro  no  alimento  dos  camponezes. 


* 
*  * 


Quanto  á  industria,  enfraqueceu  ella,  em  geral,  até 
o  meiado  do  século  XIX.  E  Sevilha,  Toledo,  Segóvia, 
Valladolid  e  Córdova,  cidades  industriaes,  que,  em  tem- 
pos anteriores,  eram  nesse  ponto  afamadas  no  mundo 
inteiro,  tornaram-se  cidades  mortas.  Mas,  então,  deu-se 
como  já  vimos,  um  accordamento  notável,  pela  imi- 
gração de  capitães  e  operários  estrangeiros.  E  operou-se, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  597 


ao  mesmo  tempo,  uma  nova  distribuição  de  trabalho, 
porque  as  provincias  banhadas  pelo  Mediterrâneo,  que 
eram  as  mais  povoadas,  e  onde  a  mão  de  obra  era  a 
mais  barata,  bem  como  as  do  nordeste  e  extremo  sul, 
Navarra,  Astúrias  e  Andaluzia,  ricas  em  hulha  e  mine- 
raes,  concentraram  em  si  todo  o  esforço  industrial.  A 
zona  dos  platós,  onde  faltavam  desimbocadouros  fáceis, 
e  onde  a  população  era  rara,  é  que  estava  muito  defi- 
ciente. 

Com  respeito  ás  industrias  mineral  e  metallurgicas, 
já  atraz  apontámos  o  que  de  mais  notável  havia  nesse 
género. 

As  textis  eram  as  mais  importantes.  Barcelona  tor- 
nou-se  a  primeira  cidade  algodoeira  da  Hespanha. 
Málaga  e  Motril  fiavam  e  teciam  todo  o  algodão  da 
Andaluzia.  E,  em  1870,  essa  industria  algodoeira  tinha 
chegado  a  um  tal  estado  de  prosperidade  que  lhe  per- 
mittiu  concorrer,  desde  então,  nos  mercados  interiores 
com  os  productos  estrangeiros. 

A  industria  dos  lanifícios,  uma  das  mais  antigas  da 
península,  e  que  dispunha  de  tão  abundante  e  boa  lan 
hespanhola,  era  também  muito  importante.  A  de  seda 
era  egualmente  notável  nas  provincias  do  sul,  onde  se 
produzia  a  seda  bruta  —  Valência,  Murcia,  Andaluzia  e 
Barcellona;  e  esta,  na  qualidade  de  metrópole  das  indus- 
trias textis,  exercia  uma  atracção  natural  nesse  género. 
E  também  n'essas  cidades  se  fabricavam  as  rendas  e  as 
mantilhas  que  as  hespanholas  traçam  com  tanta  elegância. 

A  curtimenta,  moagem,  fabricação  das  rolhas,  a  pre- 
paração do  esparto,  do  azeite  e  do  chocolate  eram 
industrias  secundarias,  estabelecidas,  sobretudo,  nas 
provincias  mediterrâneas. 


598  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


O  commercio  exterior  tomou  também  um  grande 
desinvolvimento,  a  partir  de  1850.  Em  1864,  esse  desin- 
volvimento  foi  interrompido  momentaneamente  por  cri- 
ses financeiras  interiores;  mas  logo  a  volta  da  paz 
reanimou  o  movimento. 

Aos  dois  grande  paizes,  Inglaterra  e  França,  que, 
havia  mais  de  um  século,  partilhavam  a  maior  parte  das 
operações  das  trocas  hespanholas,  tinha  vindo  juntar-se 
a  Allemanha.  A  Prússia,  e  depois  os  portos  de  Bremen 
Lubeck  e  Hamburgo,  figuravam  n'uma  grande  quantidade 
de  transacções;  e,  em  poucos  annos,  a  Allemanha,  espa- 
lhando os  seus  caixeiros  viajantes  por  todas  as  provín- 
cias, não  tardou  a  tornar-se  adversaria  terrível  d'aquel- 
les  outros  povos,  e  a  tirar-lhes  uma  parte  da  clientella, 
quintuplicando  a  cifra  das  suas  transacções. 

Em  todo  o  caso,  o  commercio  interior  e  exterior 
resentiram-se  sempre  da  modicidade  e  insufficiencia  das 
communicações. 

Os  caminhos  de  ferro  não  tinham  a  extensão  que 
havia  nas  outras  regiões  da  Europa;  e  esta  inferioridade, 
alem  de  prejudicar  a  circulação,  deixava  improductivas 
e  sem  emprego  numerosas  riquezas  naturaes  e  agríco- 
las, e  obstava  também  ao  accrescimo  da  população. 

Por  outro  lado,  seria  preciso  manter  uma  grande 
marinha  mercante  para  o  commercio  de  cabotagem ; 
e  tanto  mais  quanto  as  costas  hespanholas  são  muito 
extensas,  e  as  communicações  com  o  interior  eram 
defeituosas   e   insufficientes.  E,  comtudo,  apesar  de  se 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  599 


terem  realisado  notáveis  reformas  nessa  marinha  mer- 
cante, ainda  ella  deixava  muito  a  desejar. 

A  exportação  constava  principalmente  dos  productos 
do  solo,  vinhos,  cereaes,  lans,  fructas  (laranjas,  limões 
passas),  azeite,  seda  grega,  mineraes  de  cobre,  chumbo, 
ferro  e  mercúrio,  teias,  estofos,  quinquilharias,  biju- 
terias. 

E  a  importação  consistia  também  principalmente  em 
productos  coloniaes,  tecidos  de  algodão,  de  lan  e  seda, 
metaes  em  obra,  artigos  da  moda,  hulha,  madeira, 
maquinas  e  aguardente.  Sendo  certo  que  as  importa- 
ções excediam  muito  as  exportações. 

Como  já  notámos,  na  Europa,  era  com  a  França, 
Inglaterra  e  Allemanha  que  a  Hespanha  fazia  mais 
commercio.  E,  fora  da  Europa,  com  os  Estados  Unidos, 
Brazil,  Argentina,  Cuba  e  resto  das  Antilhas. 


Quanto  aos  centros  económicos  principaes,  come- 
çando pelas  duas  Castellas,  Leão,  Astorga  e  Burgos, 
outr'ora  muito  importantes,  estavam  muito  decaidos,  no 
século  XIX.  Mas  Palencia  devia  certa  prosperidade 
económica  á  sua  situação,  no  meio  de  valles  férteis  e 
de  muitos  caminhos  commerciaes. 

Valladolid  tinha  bastante  animação,  todavia,  muito 
menos  que  no  tempo  em  que  era  povoada  dos  Árabes. 
Possuia  innumerosas  fabricas,  fundadas  pelos  Catalães, 
e  estava,  como  ainda  está,  cheia  de  monumentos  curiosos. 
Ahi  se  mostrava  a  casa  onde  morreu  Colombo,  aquella 


600  A  HISTORIA   ECONÓMICA 


onde  viveu  Cervantes,  e  a  rica  fachada  do  convento  de 
S.  Paulo,  onde  residiu  Tarquemada,  que  se  diz  ter 
pronunciado  mais  de  cem  mil  condemnações  e  feito 
morrer  oito  mil  heréticos  pelo  ferro  e  pelo  fogo. 

Seg-ovia  e  Ávila  tinham  alguma  industria. 

Toledo,  a  cidade  tão  celebre  na  fabricação  das  armas 
brancas,  estava  muito  decaida.  Os  próprios  ateliers  par- 
ticulares de  armas  foram  substituídos  por  uma  fabrica 
<lo  Estado,  e  as  laminas  precisavam  até  de  levar  uma 
estampilha  official. 

Badajoz,  em  face  da  fortaleza  portugueza  d'Elvas, 
era  intermediaria  do  commercio  entre  as  duas  nações. 

Madrid,  a  capital  de  Hespanha,  distanciava-se  muito 
das  outras  cidades,  mesmo  pelo  seu  trabalho  industrial 
e  commercial. 

Na  Andaluzia,  os  magníficos  jardins  de  Sevilha,  de 
San  Lucar,  de  Carmona  e  de  Utrera,  os  pomares  e 
vinhedos  de  Málaga  e  de  outras  cidades  entregavam 
ao  commercio  uma  quantidade  considerável  de  fructos. 
Ricas  colheitas  de  cereaes  faziam  também  d'essa  pro- 
víncia um  dos  principaes  celleiros  da  Europa.  Mas  os 
vinhos  eram  a  única  producção  hespanhola  que  tinha 
uma  grande  importância  económica  no  commercio  do 
mundo. 

A  industria  propriamente  dita,  que  era  tão  flores- 
cente nas  edades  mouriscas,  em  que  as  sedas,  os  pannos 
e  os  couros  da  Andaluzia  tinham  uma  reputação  euro- 
peia, e  em  que  somente  as  fabricas  de  Sevilha  estavam 
povoadas  de  mais  de  100  mil  operários,  era,  no  século 
XIX,  apenas  uma  sombra  do  que  fora.  Unicamente  o  tra- 
balho das  minas  tinha  retomado  uma  parte  do  seu 
antigo  valor. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  601 


Ainda  assim,  Sevilha,  graças  ao  seu  bello  rio,  o 
Guadalquivir,  que  lhe  permitte  livres  communicações 
com  o  litoral  do  mar,  readquiriu  muita  importância 
como  cidade  industrial.  Possuia  fabricas  de  faiança, 
manufacturas  de  seda  e  de  estofos  de  toda  a  ordem  e 
de  tecidos  de  ouro  e  prata  que,  em  todo  o  caso,  não 
podiam  sustentar  a  concorrência  com  o  estrangeiro.  O 
monopólio  commercial  de  que  gosara  outr'ora,  o  seu 
porto,  á  custa  das  outras  cidades  de  Hespanha  \  teve 
as  consequências  inevitáveis  que  todo  o  privilegio 
arrasta  comsigo.  Não  permittiu  durante  elle  a  iniciativa 
industrial  desinvolver-se ;  e  quando  veio  o  momento  de 
agir  nas  condições  de  egualdade,  a  situação  económica 
tinha-se  convertido  n'um  desastre. 

O  centro  mais  activo  de  commercio  entre  Sevilha  e 
Cadiz  era  Jerez  de  la  Frontera,  notabilissimo,  especial- 
mente pelo  seu  commercio  de  vinhos,  afamados  em 
toda  a  Europa. 

Cadiz,  o  grande  porto  hespanhol,  cuja  bacia  está 
muito  bem  defendida  dos  ventos,  não  só  representa  um 
porto  de  commercio  muito  importante,  mas  está  rodeada 
também  de  outros  portos,  cidades  e  aldeias,  formando 
uma  grande  cidade  maritima. 

Almeria,  que  foi  outr'ora  rival  de  Cadiz,  estava 
muito  decaida. 

Málaga,  era  a  cidade  mais  commercial  da  Andalu- 
zia. O  seu  porto  é  muito  vasto  e  bom,  e  os  seus  cam- 
pos muito  férteis.  Fazia  um  grande  commercio  de 
vinhos,  laranjas,  fructas  de  toda  a  espécie,  e,  sobretudo, 


1     A  Historia  Económica,  vol.  IV  pag.  385. 


502  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

de  passas.  E  tinha  também  para  alimentar  o  seu  tráfico 
muitos  estabelecimentos  industriaes,  especialmente,  fun- 
dições e  grandes  fabricas  de  assucar  de  canna. 

Os  portos  de  Marbella  e  d'Estepona,  na  costa  medi- 
terrânea de  Andaluzia,  e  do  outro  lado  do  promontório 
da  Europa,  a  linda  cidade  de  Algecira  tomavam  uma 
grande  parte  no  commercio  interlope. 

Murcia  e  Carthagena  estavam  muito  decaidas  da 
sua  grandeza  passada. 

Alicante  era  muito  mais  activa,  graças  á  fecundidade 
das  huertas  que  a  rodeiam,  e  ao  caminho  de  ferro  que 
a  reunia  directamente  a  Madrid.  Agrupava  em  volta  do 
seu  cães  uma  multidão  de  pequenos  navios,  emquanto 
que  outros  navios  maiores  ancoravam  ao  largo,  por 
causa  da  falta  de  profundidade,  e  para  estarem  prom- 
ptos  a  fugir,  quando  se  annunciasse  a  tempestade.  Era 
proverbial  a  sua  grande  exportação  de  passas. 

Valência,  centro  das  grandes  huertas  de  Jucar  e  do 
Guadalquivir,  e  de  outras  cidades,  como  Jativa,  Carca- 
gente,  Aleira,  Algemesi  era  muito  notável. 

Liria,  era  a  4.^  cidade  de  Hespanha  por  sua  popu- 
lação, e  a  l."*  pela  belleza  das  suas  culturas,  e  tinha 
muito  commercio  e  industria.  As  producções  dos  tró- 
picos misturavam-se  lá  com  as  arvores  da  Europa.  O 
seu  porto  artificial  rivalisava  com  o  de  Cadiz.  Fabricava 
especialmente  mantas  de  que  se  serviam  os  lavradores 
da  região,  estofos  de  lan  e  de  seda,  faianças  e  azulejos, 
que  serviam  para  o  revestimento  exterior  das  casas. 

Saragoça  occupa  uma  situação  natural  das  mais  feli- 
zes. Está  quasi  no  meio  geométrico  da  planicie  de 
Aragão,  na  confluência  do  Ebro  e  de  dois  dos  seus  tri- 
butários, e  no  cruzamento  de  todas  as  vias  naturaes  da 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  603 


região.  E  essa  situação  dava-lhe  um  grande  movimento 
commercial  e  industrial. 

Calatayud  era  a  segunda  cidade  do  Aragão,  na 
importância  commercial. 

Na  Catalunha,  Lerida  era  a  intermediaria  do  com- 
mercio  entre  Saragoça  e  Barcellona. 

Tortosa,  a  ultima  cidade  banhada  pelo  Ebro,  antes 
d'este  se  perder  no  Mediterrâneo,  era  também  uma 
etapa  do  commercio  entre  Valência  e  Barcellona.  Se 
tivesse  um  bom  porto,  devia  tornar-se  muito  florescente, 
em  vista  dessa  situação.  Mas  os  golfos  lodosos  que  se 
abriam  dos  dois  lados  do  Delta  e  do  Ebro,  eram  pouco 
apropriados  ao  estabelecimento  de  calhetas  e  molhes 
para  a  troca  de  mercadorias. 

Tarragona,  que,  no  tempo  dos  Romanos,  chegou  a 
ter  a  população  de  um  milhão  de  pessoas,  estava  muito 
decaida;  mas,  em  compensação,  o  seu  pequeno  movi- 
mento industrial  e  commercial  completava-se  pela  cidade 
manufactura  de  Réus,  que  engrandeceu  muito  rapida- 
mente, desde  o  principio  do  século  XIX. 

Barcellona  era  a  cidade  mais  industrial  e  commercial 
da  peninsula.  Málaga,  que  vinha  depois  d'ella,  não  tinha 
metade  do  movimento  catalão. 

Bilbau,  a  grande  cidade  das  provincias  bascas,  tinha 
também  um  porto  grandemente  animado.  Entregue  desde 
muito  tempo  ao  commercio  com  as  colónias  do  Novo 
Mundo,  era  o  desimbocadouro  natural  da  farinha  de 
Castella.  E,  embora  despida  dos  privilégios  que  teve  na 
edade  moderna,  ainda  assim,  rivaUsava  na  importância 
commercial  com  Valência,  Santander  e  Cadiz ;  e,  graças 
ás  minas  importantes  dos  arredores,  era  o  terceiro  porto 
d'Hespanha,  pela  somma  de  transacções. 


604  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


S.  Sebastião,  ao  mesmo  tempo  uma  praça  de  guerra 
e  porto  de  tráfico,  era  muito  commercial. 

Tolosa,  a  capital  de  Guipuscoa,  estava  rodeada  de 
manufacturas,  que  a  tornavam  muito  industrial. 

Santander,  como  desimbocadouro  natural  das  Cas- 
tellas,  gosava  de  um  verdadeiro  monopólio  commercial 
para  a  exportação  das  farinhas  de  Valladolid,  Falência, 
Leon  e  outras  regiões.  Recebia  também  de  Cuba  e 
Porto  Rico  uma  grande  quantidade  de  géneros  colo- 
niaes,  de  que  alimentava  o  centro  da  Hespanha ;  e  os 
seus  commerciantes,  tanto  indigenas  como  estrangeiros, 
estavam  em  relações  constantes  com  a  França,  Ingla- 
terra, Hamburgo  e  Scandinavia.  Disputava  a  Bilbau, 
Valência  e  Cadiz  o  terceiro  logar,  como  cidade  de  tro- 
cas com  o  exterior. 

Na  extremidade  superior  da  sua  bahia  havia  cantei- 
ros de  construcção,  embora  muito  decadentes,  e  o 
Governo  empregava  a  sua  actividade,  sobretudo,  na 
fabricação  de  cigarros  e  charutos. 

Ferrol,  era  um  porto  militar  com  pequena  importân- 
cia commercial. 

A  Corunha,  pelo  contrario,  embora  fosse  também 
um  porto  militar,  o  seu  commercio,  a  pesca  e  mesmo  a 
sua  industria  occupavam  um  grande  numero  de  habi- 
tantes. 

Vigo  e  Bayona,  apesar  das  suas  grandes  e  bellas 
bahias,  não  passavam  de  uns  portos  de  cabotagem  e 
pesca. 

No  centro  da  Gallisa,  havia  Lugo,  Orense,  Tuy  e 
S.  Thiago,  a  capital  d'essa  provincia;  mas  todas  ellas 
tinham  pequeno  movimento  industrial  e  commercial. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  605 


As  vias  de  communicação  terrestre  progrediram 
demoradamente.  Ainda  em  1880,  o  governo  reconhecia 
que,  proporcionalmente  aos  outros  paizes,  os  kilometros 
de  estradas  carroçáveis  eram  muito  reduzidos. 

E  que  também  as  communicações  terrestres  eram 
extremamente  difficeis,  por  causa  do  relevo  do  paiz, 
formado  de  altas  e  rigidas  montanhas,  raramente  corta- 
das de  aberturas.  De  modo  que  as  provincias,  achavam- 
se,  assim,  isoladas  umas  das  outras,  donde  também  resul- 
tou essa  antiga  tendência  d'ellas  para  a  sua  independência, 
e  a  fisionomia  particular  dos  habitantes,  differentes  de 
umas  regiões  para  as  outras. 

Demais  a  mais,  a  Hespanha.está  separada  da  França 
pela  cadeia  dos  Piryneus,  que  é  difficil  de  atravessar;  e 
fechada  pelo  mar,  na  extremidade  sudoeste  do  conti- 
nente, está  fora  das  grandes  vias  continentaes  que  sul- 
cam a  Europa.  Accresce  ainda  que  a  Inglaterra  tomou- 
Ihe  Gibraltar,  isto  é,  a  chave  do  Mediterrâneo,  que  abria 
a  via  do  Suez ;  e  Portugal,  senhor  de  Lisboa  e  Porto, 
possue  dois  dos  melhores  portos  da  península  sobre  o 
Atlântico.  Os  Hespanhoes  estão  assim  isolados  de  todas 
as  partes. 

Quanto  a  vias  férreas,  entretanto  que  os  caminhos 
de  ferro  tinham  sido  inaugurados  na  Inglaterra  em  1830, 
nos  Estados  Unidos  em  1831,  em  França  em  1832,  na 
Bélgica  em  1835,  na  Allemanha  e  Rússia,  e  até  em  Cuba, 
em  1838,  e  na  Itália  em  1839,  a  Hespanha,  ainda  em 
1848,  só  tinha  um  único  em  exploração  —  o  de  Barcel- 


606  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


lona  a  Mataro,  n'unia  extensão  de  28  kilometros.  Em 
1851,  inaugurava-se  a  linha  de  Madrid  a  Aranjuez ;  mas 
as  guerras  civis  e  as  desordens  da  administração  quasi 
que  fizeram  parar  os  trabalhos,  que  só  recuperaram 
certa  actividade  em  1858 ;  e,  só  depois  d'isso,  ate  1862  é 
que  a  construcção  da  rede  férrea  continuou  muito  dili- 
gentemente. Desde  então,  a  Hespanha  foi  atravessada 
em  todas  as  direcções,  de  sul  a  norte  e  de  este  a  oeste;  e 
Madrid  tornou-se  o  centro  d'essa  rede  que  d'ahi  tocava 
os  principaes  portos.  E  também  uma  linha  cruzava  ao 
longo  do  Mediterrâneo,  partindo  de  Valência,  ganhando 
Barcellona  e  atravessando  a  Catalunha. 

A  Hespanha  communicava  com  Portugal  por  quatro 
Hnhas,  e  com  a  França  por  duas. 

As  communicações  aquáticas  interiores  eram  também 
muito  deficientes,  porque  o  Douro,  Tejo  e  Guadiana 
não  são  navegáveis  na  Hespanha,  nem  mesmo  para 
barcos.  O  Ebro,  cujo  curso  inferior  estava  completa- 
mente açoriado,  só  era  navegável  na  Catalunha,  graças 
a  um  canal  lateral.  E  apenas  o  Guadalquivir  é  que  era 
navegável  mesmo  para  navios  até  Sevilha. 


M.  M.  Piolet  &  3ernard,  Histoire  Confemporaine  dè  1815  A  Nos 
Jours. —  Marsillac,  Manuel  d' Histoire  Contemporaine  de  la  Revolution 
A  Nos  Jours.  — A.  Amman  &  E.  C.  Courtan,  Le  Monde  Au  XIX 
Siècle. —  Jule  Isaac.  Histoire  Contemporaine,  1819-1920.  —  Albert 
Malet,  XVIII  Siècle,  Revolution,  Empire  et  lEpoque  Contemporaine. 

—  Noel,  obr.  cit.  vol.  III.  —  E.  Reclus  Nouvelle  Gèografie  Universelle, 
L'Europe  Meridionelle,  L'Espagne.  —  Mareei  Dubois  et  Kergomard, 
Precis  de  Gèografie  Economique.  —  M.  L.  Lanier,  UEurope.  — 
Modesto  Lafuente,  Historia  General  de  Espana,  continuada  por 
Don  Juan  Valera.  —  Fernando  Garrido,  UEspagne  Contemporaine. 

—  Ed.  Quinet,  Mes  Vacances  En  Espagne. 


CAPITULO   XXIII 
Portugal 

Leve  esboço  da  sua  historia  politica,  n'este  periodo.  — Reacção  que 
houve  contra  as  medidas  do  Marquez  de  Pombal,  nos  fins  do 
século  XVIll.  —  Guerras  napoleónicas  e  prejuizos  que  trouxeram 
a  Portugal. — Tratado  commercial  com  a  Inglaterra  de  26  de 
fevereiro  de  1910,  e  ruina  industrial  e  commercial  que  d'ahi 
resultou  para  o  paiz.  —  Como,  além  d'isso,  as  guerras  e 
luctas  civis,  desde  1820  a  1834,  mais  augmentaram  a  ruina.  — 
Como  a  nação  começou  a  prosperar  depois  d'isso. — Influencia 
das  leis  de  Mousinho  da  Silveira.  —  Administração  do  ministro 
Passos  Manoel.  —  Vantagem  que  proveiu  de  ter  acabado,  em 
1836,  o  tratado  com  a  Inglaterra.  —  Periodo  agitado  de  dissen- 
sões e  luctas  politicas,  desde  1841  a  1852.  —  Subida  do  partido 
regenerador  ao  poder,  e  como  fez  progredir  o  paiz.  Levanta- 
tamento  militar  do  duque  de  Saldanha,  em  1870. — Tranquilidade 
que  se  seguiu  até  o  fim  do  século  XIX;  e  como  os  Governos 
que  se  alternaram,  contribuiram  para  o  progresso  económico. — 
Productos.  —  Agricultura.  Industria.  Commercio. — ^  Centros  eco- 
nómicos principaes.  —  Communicações. 

Quando  surg^iu  a  revolução  francesa,  reinava  em 
Portugal  a  rainha  D.  Maria  I;  mas,  tendo-se  ella  tor- 
nado mentalmente  incapaz,  assumiu  a  regência  o  filho 
D.  João  VI,  em  1792. 

As  ideias  d'aquella  revolução  iam-se  espalhando 
também  em  Portugal;  e,  com  a  narração  das  atrocida- 
des praticadas  em  França,  demais  a  mais,  avolumadas 
pela  tradição  fantasiosa,  aconteceu  que  o  regente 
lhes    ganhasse    horror,    e    começasse    a    perseguir    os 


608  A  HISTORIA   ECONÓMICA 


sectários  ou  admiradores  dessas  ideias.  E  encontrou 
para  isso  um  poderoso  auxiliar  em  Pina  Manique,  inten- 
dente da  policia,  que  empregou  toda  a  ordem  de  pres- 
sões e  abusos,  e  mesmo  de  crueldades,  contra  aquelles 
que  não  commungavam  no  credo  do  despotismo. 

D.  João  VI,  alem  de  combater  d'este  modo  as 
ideias  da  revolução  francesa,  julgou  do  seu  dever 
entrar  na  guerra  geral  contra  a  França;  e,  n'esse  sen- 
tido, forneceu  á  Hespanha,  então  em  lucta  com  os 
Franceses,  um  contingente,  que  militou  com  bravura 
nos  Piryneus  orientaes,  desde  1792  a  1795. 

Tendo,  depois  d'isso,  a  Hespanha  feito  a  paz  com 
a  França,  e  estando  planeada  entre  essas  duas  nações 
a  divisão  de  Portugal,  teve  o  Governo  de  pedir  urgen- 
temente o  auxilio  da  Inglaterra,  para  impedir  a  invasão 
projectada. 

Em  1800,  Napoleão  quiz  negociar  uma  alliança  com 
Portugal,  com  a  condição  dos  Portugueses  abandona- 
rem a  alliança  inglesa,  abrirem  os  portos  á  França, 
fechando-os  á  Inglaterra,  concederem  certos  favores 
commerciaes  aos  Franceses,  consentirem  o  alargamento 
da  Guyana  francesa  até  o  Amazonas,  cederem  também 
uma  parte  do  paiz  á  Hespanha  até  se  haver  dos  Ingle- 
ses as  ilhas  da  Trindade  e  Maiorca,  e  pagarem,  alem 
d'isso,  uma  grande  contribuição  em  dinheiro. 

O  Princepe  regente  regeitou  esta  proposta,  e  segui- 
ram-se,  por  isso,  a  guerra  com  a  Hespanha,  as  inva- 
sões francesas  e  as  luctas  napoleónicas. 

Essas  invasões  foram  as  seguintes: 

Em  1807,  Junot  invadiu  Portugal,  e  entrou  em 
Lisboa,  a  30  de  novembro  d'esse  anno.  D.  João  VI  foi, 
por  isso,  obrigado  a  abandonar  o  paiz  e  refugiar-se  no 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  609 


Brazil  com  quasi  toda  a  familia  real,  ficando  o  reino  a 
ser  g-overnado  por  uma  regência. 

Junot,  sendo  depois  derrotado  pelos  Portugueses, 
com  o  auxilio  dos  Ingleses,  na  batalha  do  Vimieiro  de 
21  de  agosto  de  1808,  teve  de  evacuar  promptamente 
o  nosso  território. 

No  anno  seguinte,  Soult  invadiu  também  Portugal 
pelo  norte,  e  pôde  tomar  a  cidade  do  Porto;  mas  foi 
logo  repellido  e  obrigado  a  voltar  para  a  França. 

Finalmente,  em  1810,  Massena  fez  outra  invasão ;  e, 
tendo  sido  vencido  na  batalha  do  Bussaco,  e  detido 
após  isso  defronte  das  linhas  de  Torres  Vedras,  foi 
também  expulso  do  reino,  em  1811. 

Terminadas  as  guerras  peninsulares,  e  tendo  a  rainha 
D.  Maria  I  fallecido,  em  1816,  foi  D.  João  VI  procla- 
mado, n'esse  mesmo  anno,  rei  de  Portugal,  do  Brazil  e 
dos  Algarves.  Entretanto,  os  Ingleses  é  que  mandavam 
em  Portugal;  e  isso  fez  que,  em  1820,  se  levantasse  um 
movimento  revolucionário  contra  elles  e  contra  a  regên- 
cia existente:  movimento  esse  que  nomeou  uma  nova 
regência,  e  convocou  cortes  constituintes,  em  que  foi 
approvada  depois  a  constituição  de  1822. 

Em  face  d'isso,  D.  João  VI  embarcou  para  Portugal 
em  26  de  abril  de  1821,  deixando  como  regente  no 
Brazil  o  seu  filho  mais  velho  D.  Pedro.  E,  em  1822,  o 
Brazil  declarou-se  independente,  nomeando  imperador 
esse  mesmo  D.  Pedro,  que  outhorgou  aos  Brazileiros 
uma  constituição  parlamentar  e  democrática. 

Em  1823,  houve  em  Portugal  um  pronunciamento 
isto  é,  uma  sublevação  militar,  contra  a  constituição  de 
1822;  e  D.  João  VI  aproveitou-se  d'isso,  para  a  revogar, 
como  revogou,  e  nomear  o  conde  de  Palmella  seu  pri- 

Volume  VI  39 


610  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


meiro  ministro,  com  instrucções  de  elaborar  uma  outra 
constituição  parlamentar,  que,  embora  liberal,  fosse 
mais  moderada. 

Por  fallecimento  de  D.  João  VI,  em  1826,  dois  par- 
tidos disputaram  o  poder,  o  dos  Miguelistas,  que  pre- 
tendiam como  rei  a  D.  Miguel,  filho  mais  novo  d'aquelle 
D.  João  VI ;  e  o  dos  constitucionaes,  que  desejavam 
D.  Pedro,  e  eram  assim  chamados,  em  vista  da  consti- 
tuição que,  n'esse  mesmo  anno,  elle  havia  dado  aos 
Portugueses. 

D.  Miguel  foi  proclamado  rei,  em  1828;  e  D.  Pedro, 
tendo  abdicado  de  imperador  do  Brazil,  em  1831,  voltou 
para  Portugal,  a  fim  de  reivindicar  a  coroa  portuguesa 
em  favor  de  sua  filha  D.  Maria  da  Gloria,  na  qual  a 
tinha  também  abdicado,  seguindo-se  depois  a  guerra 
civil  entre  os  dois  partidos. 

Essa  guerra  civil  durou,  desde  18  de  Julho  de  1832, 
em  que  D.  Pedro  desembarcou  no  Porto,  até  26  de 
maio  de  1834,  em  que  o  partido  miguelista,  derrotado 
pela  ultima  vez,  na  batalha  da  Asseiceira,  teve  de 
capitular. 

Ficou  D.  Pedro  governando  como  regente,  na  meno- 
ridade de  sua  filha;  e,  tendo  fallecido,  em  21  de 
setembro  de  1834,  começou  esta  a  reinar,  então,  sob  o 
nome  de  D.  Maria  II  (1834-1853),  junctando  aos  enér- 
gicos predicados  de  rainha  as  nobilíssimas  qualidades 
de  mulher. 

O  seu  reinado  foi  agitado  constantemente  pela  lucta 
vivíssima  dos  partidos  constitucionaes,  pelas  perturba- 
ções dos  Miguelistas,  e  pelas  guerras  civis  de  1846, 
1847  e  1851.  Mas,  apesar  d'isso,  devido  ao  impulso  de 
alguns   ministros,  como,  por  exemplo,  Manoel  da  Silva 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  611 


Passos,  conhecido  geralmente  por  Passos  Manoel,  e 
Costa  Cabral,  foi  o  paiz  despertando  sensivelmente  da 
ruina,  onde  tão  nefastamente  o  haviam  lançado  as 
guerras,  o  tratado  com  a  Inglaterra  e  as  commoções 
politicas  do  tempo  anterior. 

D.  Maria  II  fallecèu,  em  1853 ;  e  o  seu  viuvo  D.  Fer- 
nando assumiu  a  regência  até  á  maioridade  do  filho 
mais  velho  D.  Pedro  V,  que  foi  proclamado,  em  1855, 
e  fallecèu,  em  1861. 

O  tempo  que,  então,  succedeu  ao  tempestuoso  rei- 
nado de  D.  Maria  II,  marcou  um  periodo  de  prosperi- 
dade material  para  Portugal. 

Renasceu  a  agricultura,  e  renasceram  as  industrias. 
Produziu-se  um  desinvolvimento  notável  na  litteratura 
e  na  historia ;  e  despertou  grandemente  a  iniciativa  das 
forças  vivas  da  nação. 

No  reinado  de  D.  Pedro  V,  o  único  acontecimento 
politico  de  alguma  importância  foi  a  questão  do  navio 
francez  Charles  e  George.  Este  navio  andava  no  tráfico 
da  escravatura,  em  frente  da  costa  de  Africa,  e  foi 
apresado  pela  auctoridade  portuguesa  de  Moçambique ; 
e,  de  harmonia  com  as  leis  e  tratados  para  a  suppres- 
são  d'aquelle  tráfico,  o  commandante  Roussel  foi  con- 
demnado  a  dois  annos  de  prisão.  O  imperador  Napo- 
leão III  mandou,  então,  uma  esquadra  ao  Tejo,  a  reclamar 
aquelle  navio,  apar  de  uma  grande  indemnisação,  que 
Portugal  foi  obrigado  a  pagar.  Mas  a  nódoa  d'essa 
injustiça  e  d'essa  arbitrariedade  ficou  sempre  carre- 
gando sobre  a  França. 

D.  Pedro  V,  que  revelou  durante  o  seu  reinado 
uma  intelligencia  superior,  e  acompanhava  todos  os 
negócios    do   Estado,   com   um    critério   extraordinário, 


612  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


revelando  também  em  tudo  o  mais  ardente  desejo  de 
fazer  a  sua  pátria  rica  e  feliz,  falleceu,  em  11  de  novem- 
bro de  1861  \ 

Succedeu-lhe  o  irmão  D.  Luiz  I  (1861-1889).  Du- 
rante o  seu  reinado,  houve  uma  paz  octaviana,  pertur- 
bada apenas  por  alguns  motins  insignificantes,  até  1870; 
e,  n'esse  anno,  por  um  levantamento  militar  do  duque 
de  Saldanha,  que  levou  o  rei  a  demittir  o  ministério  do 
duque  de  Loulé,  o  qual  então  presidia  aos  destinos  do 
Estado,  e  a  nomear  o  mesmo  Saldanha  presidente  do 
conselho,  que,  apesar  disso,  apenas  se  conservou  no 
poder,  durante  quatro  mezes. 

Este  rei  seguiu  á  risca  o  dictado  de  que  o  rei  reina, 
mas  não  governa;  porque  nunca  se  ingeriu  na  acção 
dos  seus  ministros,  cujos  presidentes,  por  exemplo,  o 
duque  de  Ávila,  Fontes  Pereira  de  Mello,  Anselmo 
José  Braancamp  e  José  Luciano  de  Castro,  foram 
homens  de  grande  tacto  politico;  e,  porisso,  continua- 
ram a  estratificar  a  paz  e  a  contribuir  efficazmente  para 
o  progresso  do  paiz. 

Sucedeu-lhe  o  filho  D.  Carlos  l  (1889-1908),  que, 
dotado  de  grandes  qualidades  de  homem  e  de  rei,  as 
demonstrou,  principalmente,  nos  últimos  tempos  do  seu 
reinado,  e  que  mais  tarde,  já  depois  do  periodo  de 
que  estamos  tratando,  foi  assassinado,  em  2  de  feve- 
reiro de  1908.  Mas  essa  parte  da  historia  já  não  per- 
tence a  este  livro. 

Em  todo  o  caso,  mesmo  no  século  XIX,  tornou-se 
elle  respeitado  no  exterior,  pelas  suas  excelscis  quali- 


1     Júlio  de  Vilhena,  D.  Pedro  V  e  o  seu  reinado. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  613 


dades  de  homem,  de  rei  e  diplomata;  pela  visita  dos 
chefes  das  nações  estrangeiras,  que  soube  promover;  e 
pela  instrucção,  merecimento  e  distincção  que  revelou 
nas  suas  viagens.  E,  no  interior,  não  só  por  essas  qua- 
lidades, como  pela  sua  bondade  e  intelligencía,  e  pelos 
esforços  que  empregou  sempre  no  sentido  de  que  o 
paiz  se  levantasse,  e  sobres  aisse  no  mundo  civilizado. 

* 
*         * 

A  reacção  do  fim  do  século  XVIII  contra  as  medi- 
das do  Marquez  de  Pombal  e  a  agitação  da  revolução 
francesa,  que  perturbou  toda  a  Europa,  e  se  fez  tam- 
bém sentir  em  Portugal,  já  tinham  feito  recuar  o  avanço 
que  o  movimento  económico  havia  adquirido  no  governo 
d'aquelle  estadista;  e  as  guerras  de  Napoleão  conti- 
nuaram a  decadência. 

Depois,  surgiu  o  tratado  de  commercio  e  navegação 
com  a  Inglaterra  de  26  de  fevereiro  de  1810.  Por  esse 
tratado,  que  se  destinava  a  ser  perpetuo,  estabeleceu-se 
uma  reciprocidade  absoluta  de  commercio  entre  os 
dois  paizes,  com  a  mesma  reciprocidade  de  impostos, 
direitos,  privilégios,  immunidades  e  favores,  até  mesmo 
quanto  à  importação. 

Os  respectivos  soberanos,  por  si  e  successores, 
obrigaram-se  a  não  fazer  nenhuma  regulação  prejudi- 
cial ao  commercio  dos  vassallos,  que  fosse  de  encontro 
ao  estipulado  n'esse  tratado. 

Os  Ingleses  podiam  comprar  e  possuir  bens  de  raiz 
ou  estabelecer-se  com  lojas  em  Portugal  e  viajar  a  seu 


614  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


bel-prazer ;  ao  passo  que  aos  Portugueses  na  Ingla- 
terra se  não  permittia  nenhuma  d'estas  coisas,  pelo 
regimen  que  lá  estava,  então,  vigorando,  onde  até,  para 
desembarcar,  era  precisa  uma  licença. 

O  commercio  dos  Ingleses  não  podia  ser  attingido 
por  qualquer  monopólio,  privilegio  ou  contracto.  Podiam 
elles  ter  juizes  especiaes  para  todas  as  causas  que 
fossem  levadas  perante  esses  juizes  por  vassalos  britâ- 
nicos. E  prohibiu-se  até  que  alguma  outra  potencia 
pudesse  ter  feitorias  ou  corporação  de  negociantes, 
nos  dominios  portugueses,  emquanto  se  não  estabele- 
cessem lá  feitorias  inglesas. 

Acabou  então  quasi  absolutamente  a  industria  por- 
tuguesa, que  não  pôde  luctar  com  a  concorrência  da 
Inglaterra. 

Já  estavam  fechados  os  portos  do  commercio,  des- 
truídos os  principaes  estabelecimentos  industriaes,  inter- 
rompidas as  communicações  com  as  provincias  ultra- 
marinas, e  dispersa  a  população  operaria  por  causa  da 
primeira  invasão  francesa;  e  a  industria  havia  entrado 
n'um  período  de  decadência,  que  mais  se  accentuou 
ainda  com  as  invasões  seguintes.  Mas  esse  tratado 
confirmativo  e  ampliativo  do  de  Methuen  ^consumou  a 
ruina. 

O  próprio  Governo  tanto  reconheceu  as  consequên- 
cias desastrosas  d'elle  que,  em  7  de  março  do  mesmo 
anno,  publicou  uma  carta  regia,  dirigida  ao  clero, 
nobreza   e   povo,   annunciando  grandes  melhoramentos 


1     Sobre  o  tratado  de  Methuen,  vide  vol.  IV,  pag.  287  a  288. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  615 


na  agricultai  a,  que  compensariam  o  damno  que  pudesse 
trazer  o  tratado  de  commercio  com  a  Gran-Breta- 
nha. 

Mas,  apesar  d'essa  carta  regia,  nem  mesmo  a  agri- 
cultura se  levantou  da  sua  ruina.  E  tal  foi  a  decadência 
posterior  que,  ainda  em  1820  o  Governo  foi  obrigado 
a  confessar  a  situação  horrorosa  e  pungente  de  Portu- 
gal, no  officio  que,  em  2  de  junho,  enviou  a  D.  João  VI 
para  o  Brazil,  no  qual  descrevendo  a  situação  angus- 
tiosa do  thesouro  dizia:  «que  a  agricultura  estava  pouco 
adiantada  pelos  immensos  gravames  que  pesavam  sobre 
os  lavradores  ;  que  a  mina  mais  útil  da  agricultura,  que 
era  a  do  vinho,  se  achava  em  decadência  pela  aber- 
tura dos  portos  do  Brazil  aos  vinhos  de  todas  as  nações, 
pela  introdução  do  vinho  de  Hespanha  na  Inglaterra,  e 
pelo  favor  que  esta  nação  tinha  dado  aos  vinhos  do 
Cabo  da  Boa  Esperança;  que  a  nossa  industria  se 
tinha  paralisado  consideravelmente,  com  a  livre  entrada 
em  Portugal  e  no  Brazil  da  mão  de  obra  inglesa,  com 
cujos  preços  a  nossa  nação  não  podia  competir;  que  o 
commercio  decairá  extraordinariamente,  não  só  pela 
concorrência  de  todas  as  nações  maritimas,  a  quem  o 
paiz  frequentara  a  liberdade  dos  mares,  e  mais  que 
tudo  pela  perda  que  nos  tinham  causado  os  navios 
insurgentes,  ou  seja  apresando  os  navios  ou  obrigando 
os  negociantes  a  segurar  os  seus  cabedaes  com  pré- 
mios exorbitantes,  com  que  as  fazendas  não  podiam ; 
sendo  muito  para  receiar,  se  as  coisas  assim  continuas- 
sem, que  desapparecesse  brevemente  do  mar  a  ban- 
deira portuguesa ;  que  para  o  Brazil  ia  annualmente 
uma  porção  considerável  das  rendas  d'este  reino,  bas- 
tando a  importância  dos  bens  patrimoniaes  da  coroa  e 


^16  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


ordens  pertencentes  aos  fidalgos,  que  faltava  aqui  na 
circulação  interior,  e  nos  ia  empobrecendo  continua- 
mente ^.» 

Diz  Oliveira  Martins:  «Quando  Napoleão  caiu,  e 
voltou  a  paz,  deu-se  o  balanço  á  fortuna  portuguesa. 
Era  um  sudário  de  misérias  e  solidão.  De  1807  a  1814, 
a  população  baixara  de  meio  milhão,  um  quarto  do 
que  fora.  Não  havia  quem  trabalhasse.  Beresford  fizera 
soldados  todos  os  que  não  eram  frades,  nem  desem- 
bargadores, nem  cónegos  ou  capellães,  cantores  ou 
castrados.  Não  havia  nem  cultura  nem  industria,  nem 
gado,  nem  pesca.  De  cada  200  recrutas,  ás  vezes  só 
duas  sabiam  ler.  Até  o  principio  do  século,  com  uma 
população  de  um  quarto  a  maior,  bastava  importar  por 
anno  dez  milhões  de  cruzados  de  trigo ;  agora  neces- 
sitavam-se  quarenta  e  mais  e  vinte  e  três  de  bacalhau, 
n'um  paiz  que  é  uma  facha  marítima  piscosa.  A  des- 
graça crescia  de  anno  para  anno.  O  século  XIX  era 
muito  peior  que  XVÍII.  Em  Lisboa  e  Porto,  tinham 
entrado  menos  416  navios,  e  tinham  saido  menos  238. 
As  importações  de  fora  baixaram  de  49  a  37  milhões. 
As  exportações  de  42  a  26.  Para  o  Brazil,  em  XVIIl, 
tinham  ido  20  milhões  de  géneros;  em  XIX,  iam  só  16; 
tinham  vindo  24  milhões,  vinham  19  apenas.  No  con- 
gresso (1821)  lamentava  o  ministro,  ainda  sectário  do 
equilíbrio  pombalino,  que  o  deficit  total  do  balanço  do 
commercio  portuguez  fosse  de  20  milhões  de  cruzados. 
As  finanças  arruinadas  reproduziam  o  estado  da  indus- 


1     Historia  de  Portugal,  por  Henrique  Schoefer,  continuada  por 
José  Agostinho,  vol.  VI,  pag.  502.  ^ 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  617 


tria  e  o  commercio.  Custava  a  casa  real  por  anno  apesar 
do  rei  estar  ausente,  260  contos ;  e  só  por  si  as  caval- 
lariças  absorviam  80.  O  commissariado  consumia  mais 
de  1.200  contos;  e,  ao  mesmo  tempo  que  os  operários 
das  fabricas  de  Portalegre  e  Covilhã  pediam  esmola, 
o  deficit  do  orçamento  annual  chegava  a  2.000  contos  ^.» 
E  o  inquérito  industrial  de  1814  verificou  que,  em 
34  comarcas,  havia  511  fabricas,  das  quaes  7  estavam 
fechadas,  240  em  estado  decadente,  e  somente  134  em 
estado  progressivo,  figurando  entre  estas  as  de  cortu- 
mes  de  Guimarães  e  Bragança,  a  de  papel  de  Lousã,  a 
de  chapéus  da  Covilhã,  a  de  vidros  da  Marinha  Grande, 
e  a  de  ferrarias  de  Thomar.  Nada  se  ficou  sabendo 
por  esse  inquérito  acerca  do  trabalho  industrial,  nem 
da  importância  dos  capitães,  valor  dos  productos  e 
numero  dos  operários.  Mas,  apesar  da  insufficiencia 
das  investigações,  os  factos  e  números  apurados  bas- 
tavam para  se  conhecer  que  a  obra  do  Marquez  de 
Pombal  recebera  um  rude  golpe  com  as  invasões  fran- 
cezas  e  com  o  tratado  de  1910  ^. 


1  Oliveira  Martins,  Historia  de  Portugal,  6."  edição,  vol.  II, 
pag.  250. 

■2  Não  obstante  o  lastimoso  estado  económico  do  paiz,  houve 
ainda  assim,  desde  a  revolução  francesa  até  1820,  quanto  ao  fomento, 
as  seguintes  providencias  legislativas,  que  pouco  produziram:  o  de- 
creto de  7  de  maio  de  1794,  que  prorogou  por  mais  dez  annos  o 
privilegio  da  fabrica  de  vidros  junto  a  Leiria;  o  alvará  de  16  de 
outubro  de  1794,  que  prorogou  também  por  mais  dez  annos  a  Com- 
panhia das  Reaes  Pescarias  do  Algarve;  o  alvará  de  27  de  abril  de 
1797,  que  favoreceu  as  fabricas  de  fiação  e  tecelagem  de  algodão;  o 
alvará  de  7  de  outubro  de  1799,  que  prorogou  por  outros  dez  annos 
o   privilegio   da  fabrica  de  vidros  junto  a  Leiria;  o  alvará  de  6  de 


618  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


De  1820  á  1834,  em  consequência  das  perturbações 
politicas  e  guerras  civis,  o  estado  económico  de  Portu- 
gal também  não  podia  progredir.  Mas,  terminada  a 
revolução  liberal,  as  medidas  do  ministro  de  D.  Pedro, 
Mousinho  da  Silveira,  de  que  adiante  fallaremos,  influí- 
ram eficazmente  no  movimento  económico.  E,  sendo 
depois  ministro  do  reino  Manoel  da  Silva  Passos,  esse 
notável    estadista,     adoptou    providencias    legislativas. 


janeiro  de  1802,  que  confirmou  as  condições  da  Real  Companhia  do 
Novo  Estabelecimento  para  as  fiações  e  tecidos  de  seda,  estabele- 
cendo também  prémios,  para  animar  a  cultura  das  amoreiras  e  a 
industria  da  seda;  o  decreto  de  27  de  fevereiro  do  mesmo  anno, 
que  isentou  de  cizas  as  lans  que  se  vendessem  para  as  fabricas  do 
reino;  outro  decreto  do  mesmo  anno,  que  isentou  de  direitos  a 
entrada  de  matérias  destinadas  para  as  fabricas;  a  carta  regia  de  1 
de  julho  de  1802,  que  promoveu  a  plantação  de  pinhaes  nas  praias 
do  mar;  o  decreto  de  15  de  julho  de  1802,  que  mandou  levantar 
uma  fabrica  de  papel  em  Alemquer;  o  alvará  de  21  de  setembro  de 
1802,  sobre  a  melhor  qualidade,  preços  e  reputação  dos  vinhos  do 
Douro;  o  decreto  de  10  de  abril  de  1804,  que  concedia  a  isenção  da 
contribuição  que  tinha  sido  imposta  aos  chapéus  grossos  da  fabrica 
nacional,  e  os  libertou  dos  mesmos  direitos  nas  alfandegas  ultrama- 
rinas; o  decreto  de  11  de  abril  de  1804,  que  providenciou  sobre  a 
cultura  da  vargem  grande  de  Thomar;  outro  da  mesma  data,  sobre 
a  cultura  de  Vallongo,  termo  de  Ourem;  o  alvará  de  27  de  novem- 
bro de  1804,  favorecendo  a  agricultura  e  herdades  do  Alemtejo;  <> 
alvará  de  24  de  janeiro  de  1805,  que  concedeu  vários  privilégios  á 
fabrica  de  papel  e  tinturaria  da  Quinta  de  Sá;  o  alvará  de  15  de 
abril  de  1807,  que  trata  do  estabelecimento  de  uma  fabrica  de 
vidros  na  Chã  de  Linhares,  perto  do  Gerez;  o  alvará  de  28  de  abril 
de  1809,  que  concedeu  certas  isenções  de  direitos  de  importação  ás 
matérias  primas  nacionaes  e  de  construcção  de  navios ;  e  o  alvará  de 
23  de  fevereiro  de  1816,  que  prohibiu  a  importação  dos  tecidos  de 
seda. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  619" 


accentuadamente  protectoras  da  industria  nacional,  taes 
como :  a  criação  de  conservatórias  de  artes  e  officios 
em  Lisboa  e  no  Porto,  e  lançamento  das  bases  para  o 
ensino  profissional  de  todo  o  paiz,  e  muitas  outras,  que 
indirectamente  converg-iam  ao  mesmo  fim,  avultando 
entre  essas  a  pauta  alfandegaria,  criada  em  10  de 
janeiro  de  1837. 

E  tudo  isso,  apar  de  outras  medidas,  tendentes  a 
desinvolver  a  agricultura  e  as  communicações,  estimu- 
lou e  promoveu  o  desinvolvimento  económico  do 
paiz  \ 

E  também  influiu  para  o  progresso  económico  o 
ter  terminado,  em  3  de  abril  de  1836,  o  ruinoso  tratado 
de  commercio  com  a  Inglaterra  de  21  de  fevereiro  de 
1810,  de  que  já  falíamos. 

Em  8  de  julho  de  1842,  foi  assignado  um  novo  tra- 
tado de  commercio  com  esse  paiz,  que  pouco  ou  nada 
influiu  na  industria  nacional.  O  que,  porém,  influiu  pode- 
rosamente n'ella,  foram  as  providencias  adoptadas  pelo 
ministro  Costa  Cabral,  mais  tarde  conde  de  Thomar, 
com  o  fim  de  ampliar  as  decretadas  por  Passos  Manoel, 
acerca  do  ensino  profissional,  e  desinvolver  a  viação 
publica  ". 


1  Para  honra  cl'esse  ministro,  convém  também  lembrar  que 
aboliu  as  touradas,  divertimento  bárbaro,  impróprio  de  um  povo 
civilisado,  pelo  decreto  de  19  de  setembro  de  1836;  e  que  se  lembrou 
de  tornar  o  Cavado  navegável  desde  Espozende  até  Barcellos, 
annunciando  a  adjudicação  das  obras  precisas  para  isso,  pela  porta- 
ria de  18  de  janeiro  de  1837. 

-  Avultaram  n'essa  época  a  lei  de  26  de  julho  de  1843,  que  lan- 
çou um  imposto  de  capitação  a  favor  das  estradas;  o  decreto  de  13 


620  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Seguiu-se  o  período  agitado  por  discussões  e  luctas 
politicas,  desde  1841  a  1851,  que  tolheu  a  tranquilidade 
publica,  e  sequentemente  o  progresso  da  agricultura, 
do  commercio  e  da  industria.  Mas,  então,  subiu  ao 
poder  o  chamado  ministério  regenerador,  presidido 
pelo  duque  de  Saldanha,  em  que  entrou  o  grande  esta- 
dista Fontes  Pereira  de  Mello,  ministério  esse  que  teve 
por  timbre  conciliar  os  partidos  e  abrir  a  era  dos 
grandes  melhoramentos  materiaes,  coincidindo  o  im- 
pulso da  viação  ordinária  e  accelerada  com  a  criação 
do  ministério  das  Obras  Publicas,  Conselho  Geral  do 
Commercio,  Agricultura  e  Manufactura,  Instituto  Indus- 
trial de  Lisboa  e  Escola  Industrial,  e  Repartição  de 
Manufacturas,  a  qual,  pelo  decreto  de  20  de  agosto  de 
1853,  ficou  encarregada  do  seguinte: 

1.°  Preparação  das  leis,  decretos  e  regulamentos 
relativos  a  artes  e  officios ; 

1.P     Conservatória  de  artes  e  officios ; 

3.°     Escolas  industriaes ; 

4.0     Sociedades   promotoras   da  industria  nacional; 

5.*^     Policia  industrial; 

6.**     Privilégios  por  novos  inventos; 

1 P  Exposições  publicas  de  productos  de  novas 
industrias ; 


de  ag-osto  de  1844,  acerca  das  obras  da  barra  do  Douro;  o  decreto 
de  8  de  outubro  do  mesmo  anno,  que  tratou  de  melhoramentos  da 
viação  publica;  a  lei  de  13  de  abril  de  1845,  que  providenciou  tam- 
bém sobre  melhoramentos  da  viação  publica;  a  providencia  e  annun- 
cio  de  18  de  outubro  d'esse  anno  para  a  construcção  de  caminhos 
de  ferro,  por  meio  da  concessão  de  privilégios. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  621 


8."     Estatística  industrial  ^. 

O  partido  regenerador  caiu  nos  princípios  de  Junho 
de  1856.  Seg-uiu-se  o  partido  chamado  histórico,  presi- 
dido pelo  duque  de  Loulé,  que  também  não  descurou 
o  fomento,  e  principalmente  a  viação  publica;  e,  desde 
então,  até  o  fim  do  século  XIX,  com  excepção  de  uns 


1  Alem  dessas  medidas  de  fomento,  houve  também,  na  vigên- 
cia d'esse  governo,  as  seguintes: 

O  decreto  de  6  de  maio  de  1852,  abrindo  concurso  para  a  cons- 
trucção  do  caminho  de  ferro  de  Lisboa  á  fronteira  de  Hespanha;  o 
decreto  de  30  de  agosto  do  mesmo  anno,  auctorisando  o  Governo  a 
construir  um  caminho  de  ferro  que,  partindo  do  Porto,  fosse  entron- 
car na  linha  férrea  que  devia  seguir  de  Lisboa  á  fronteira;  o  decreto 
de  17  de  jaheiro  de  1853,  regulando  a  lei  de  21  de  julho  de  1852, 
sobre  os  melhoramentos  da  barra  de  Vianna  e  construcção  de  uma 
nova  ponte  sobre  o  rio  Lima;  o  decreto  de  26  de  outubro  de  1853, 
promovendo  o  arroteamento  dos  terrenos  incultos  ou  libertos;  o 
decreto  de  20  de  julho  de  1854  e  respectivo  regulamento,  desinvol- 
vendo  as  disposições  do  decreto  de  14  de  outubro  de  1852  sobre 
celleiros,  montepios  agricolas  e  Montes  de  piedade;  a  lei  de  7  de 
agosto  de  1854,  que  auctorisou  certas  obras  na  barra  de  Aveiro;  a 
portaria  de  12  de  setembro  do  mesmo  anno,  que  mandou  coUocar 
um  farol  no  cabo  Mondego;  a  portaria  de  30  d'esse  mez  de  setem- 
bro, mandando  annunciar  o  concurso  para  o  serviço  de  maias  postas 
diárias  entre  o  Carregado  e  Coimbra;  o  contracto  também  de  30  de 
setembro,  relativo  ás  condições  da  construcção  de  um  caminho  de 
ferro  entre  Lisboa  e  Cintra;  a  portaria  de  3  de  janeiro  de  1855, 
relativamente  ao  caminho  de  ferro  de  Lisboa  ao  Porto;  a  lei  de  16 
de  julho  do  mesmo  anno,  auctorisando  o  Governo  a  fazer  começar  o 
caminho  de  ferro  no  cães  dos  Soldados;  e  portaria  de  agosto,  tam- 
bém de  1855,  mandando  construir  por  administração  o  farol  do 
Mondego;  a  portaria  de  23  de  agosto  do  mesmo  anno,  approvando  a 
construcção  e  directriz  da  linha  telegráfica  entre  Lisboa  e  Cintra ;  e 
a  providencia  de  29  de  agosto,  annunciando  o  concurso  da  navega- 
ção a  vapor  entre  Lisboa  e  Açores. 


622  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


pequenos  tumultos  ao  norte  do  paiz,  em  1862  e  1863, 
applacados  quasi  log-o,  sem  derramamento  de  sangue, 
e  o  levantamento  militar  do  duque  de  Saldanha,  em 
1870,  de  que  já  falíamos,  Portugal  gosou  sempre  de 
paz  e  tranquillidade,  e  viu  desinvolver  o  progresso 
económico  em  todos  os  ramos  do  fomento  nacional. 
De  modo  que  a  agricultura,  o  commercio  e  a  industira 
progrediram  muito,  e  manteve-se  a  ordem  publica  sem 
violência,  e  a  liberdade  sem  excesso. 

Em  setembro  de  1871,  foi  chamado  de  novo  ao 
poder  o  partido  regenerador,  já  presidido  por  Fontes 
Pereira  de  Mello,  que  se  manteve  até  3  de  maio  de 
1877,  e  continuou  a  desinvolver  o  fomento  nacional  \ 

Esse  ministério  foi  substituido  por  outro,  em  1877; 
mas  voltou  ao  poder  em  1878,  para  cair  novamente 
em  1879  K 


1  São  d'esse  periodo  o  decreto  de  1  de  fevereiro  de  1872, 
concedendo  a  construcção  e  exploração  de  um  caminho  de  ferro  do 
Barreiro  a  Mexoalheira;  a  lei  de  14  de  maio  de  1873,  mandando 
proceder  á  construcção  do  caminho  de  ferro  do  Porto  á  fronteira 
galleg-a;  a  portaria  de  20  de  abril  de  1875,  auctorisando  a  cons- 
trucção de  um  caminho  de  ferro  em  Lourenço  Marques;  a  lei  de  12 
de  fevereiro  de  1876,  que  approvou  o  contracto  de  navegação  a 
vapor  para  o  Algarve;  a  lei  de  16  d'esse  mez,  que  approvou  o  con- 
tracto para  a  construcção  de  um  cães,  docas  e  caminho  de  ferro 
marginal  do  Tejo;  a  lei  de  12  de  abril  do  mesmo  anno,  que  aucto- 
risou  a  construcção  do  caminho  de  ferro  de  Lourenço  Marques;  e 
a  lei  de  20  também  d'esse  mez  de  abril,  que  approvou  o  contracto  de 
navegação  a  vapor  para  as  ilhas. 

2  Foi  d'esse  mesmo  Governo  o  decreto  de  16  de  abril  de  1879, 
que  concedeu  a  construcção  de  um  caminho  de  ferro  de  Bougado  a 
Guimarães. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  623 


Foi  então  substituído  pelo  chamado  partido  pro- 
gressista, que  representava  a  fusão  do  antigo  partido 
histórico  com  o  partido  reformista,  presidido  pela  esta- 
dista Anselmo  Braancamp,  que  só  durou  até  os  fins  de 
março  de  1881 ;  e,  no  pouco  tempo  que  esteve  no 
poder,  velou  egualmente  pelo  fomento  nacional  \ 

Em  11  de  novembro  de  1881,  Fontes  formava  outra 
vez  ministério,  que  durou  até  19  de  fevereiro  de  1886  -. 

Segfuiu-se  o  ministério  progressista,  presidido  pelo 
também  notável  estadista  José  Luciano  de  Castro,  que 
governou,  desde  20  de  fevereiro  de  1886  até  14  de 
janeiro  de  1890.  Fez  parte  d'esse  ministério,  como  mi- 
nistro das  obras  publicas,  Emygdio  Navarro,  e  a  sua 
administração  sobresaiu  de  tal  forma  que  pode  dizer-se, 
sem    depreciação    para    nenhum    dos   outros   ministros, 


1  São  d'essa  época  a  lei  de  30  março  de  1880,  que  approvou  o 
contracto  da  construcção  do  caminho  de  ferro  da  Pampilhosa  á  Fi- 
g-ueira;  e  a  lei  de  3  de  junho  do  mesmo  anno,  que  auctorisou  a  cons- 
trucção do  caminho  de  ferro  do  Douro  ao  Pinhão  e  Barca  de  Alva. 

2  São  d'esta  época  as  seguintes  medidas:  o  decreto  de  2  de 
agosto  de  1883,  que  abriu  concurso  para  a  construcção  do  caminho 
de  ferro  da  Beira  Baixa;  o  decreto  de  28  de  setembro  do  mesmo 
anno,  que  abriu  concurso  para  a  construcção  do  caminho  de  ferro 
de  Mirandella;  a  permissão  da  cultura  do  tabaco  no  Douro,  decre- 
tada em  1884;  o  decreto  de  7  de  março  de  1885,  que  abriu  concurso 
para  a  navegação  a  vapor  na  Sado,  entre  Setúbal  e  Alcácer;  o  con- 
tracto provisório  de  9  d'esse  mez  para  a  construcção  de  uma  doca  de 
abrigo  na  enseada  do  Funchal;  o  decreto  de  16  de  julho  do  mesmo 
anno,  que  estabeleceu  providencias  acerca  das  obras  do  porto  de 
Lisboa;  a  lei  de  29  de  julho  também  de  1885,  que  approvou  o  con- 
tracto definitivo  para  a  construcção  do  caminho  de  ferro  de  Viseu;  e 
outro  da  mesma  data  para  a  construcção  das  obras  do  porto  do 
Funchal. 


624  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


que    o   nome   d'elle   constitue,   n'esse    ponto,   uma   das 

maiores  glorias  de  Portugal,  e  um  dos  propulsores  de 

mais  largas  vistas  do  movimento  económico  da  nação  ^. 

Emygdio  Navarro  deixou  de  ser  ministro  em  março 


1  São  d'esse  ministro,  em  1886:  o  decreto  de  2  de  outubro, 
estabelecendo  a  circunscripção  hydraulica  do  reino;  a  portaria  de 
9  de  outubro,  providenciando  acerca  de  cumprimento  das  leis  da 
agricultura  e  pecuária;  o  decreto  de  28  de  outubro,  criando  bilhetes 
postaes;  o  decreto  de  18  de  novembro,  mandando  orgfanizar  a  carta 
agricola  do  reino;  o  decreto  de  2  de  dezembro,  approvando  o  plano 
de  ensino  agricola  e  veterinário;  o  decreto  de  9  de  dezembro,  con- 
tendo instrucções  para  a  cobrança  pelo  correio  de  recibos,  letras  e 
obrigações;  outro  decreto  da  mesma  data,  que  approvou  o  plano 
dos  serviços  agricolas;  outro  também  d'essa  data,  que  abriu  con- 
curso para  as  obras  do  porto  de  Lisboa ;  e  o  decreto  de  30  de 
dezembro,  que  reformou  os  Institutos  Industríaes  e  Commerciaes  de 
Lisboa  e  Porto. 

Em  1887,  o  decreto  de  27  de  janeiro,  que  continha  e  approvava 
as  instrucções  para  os  serviços  postaes;  o  decreto  de  3  de  fevereiro, 
que  criou  o  Conselho  Superior  do  Commercio  e  da  Industria;  o 
decreto  de  24  de  fevereiro,  que  regulou  a  fiscalização  das  estradas 
municipaes  pelas  juntas  geraes  do  districto  e  pela  direcção  das  obras 
publicas;  o  decreto  de  22  de  abril,  que  approvou  e  contem  o  plano 
para  a  Escola  Agricola  de  Coimbra;  a  portaria  de  28  d'esse  mez, 
que  estabeleceu  as  clausulas  para  as  empreitadas  geraes  de  obras 
publicas;  a  portaria  de  23  de  maio,  que  approvou  o  projecto  da 
construcção  do  caminho  de  ferro  da  Beira  Baixa  entre  Alpedrinha  e 
Fundão;  o  decreto  de  30  de  junho,  que  criou  uma  escola  pratica  de 
viticultura  na  Bairrada;  outro  da  mesma  data,  que  criou  também 
uma  escola  egual  em  Torres  Vedras;  a  lei  de  21  de  julho,  que  aucto- 
risou  um  subsidio  para  a  navegação  a  vapor  no  rio  Sado ;  outro  da 
mesma  data,  que  auctorisou  a  conclusão  dos  portos  artificiaes  de 
Ponta  Delgada  e  Horta,  por  meio  de  empreitadas  geraes;  o  decreto 
de  4  de  agosto,  que  approvou  as  instrucções  para  o  serviço  da  posta 
rural;    o  decreto  de  17  de  novembro,  que  criou  uma  escola  pratica 


EDADE   CONTEMPORÂNEA  625 


de  1889,  e  o  partido  progressista  caiu  em  14  de  janeiro 
de  1890,  como  já  dissemos.  Alternaram-se  ainda  depois 
d'isso  no  poder,  até  o  fim  do  século,  o  partido  regene- 
rador   e    progressista.    As    rivalidades    partidárias   e    a 


de  agricultura  em  Portalegre;  o  decreto  de  24  de  novembro,  que 
criou  uma  estação  ampelo-phyloxerica  do  norte;  a  portaria  da  mesma 
data,  que  estabeleceu  na  quinta  da  Vacaria,  próximo  da  Regoa,  a 
estação  phyloxerica  do  norte ;  a  portaria  de  3  de  dezembro,  que  deu 
instrucções  para  o  recenseamento  ag-ricola  pecuário. 

Em  1888:  o  decreto  de  3  de  fevereiro,  que  approvou  e  contem 
os  regulamentos  das  escolas  industriaes;  a  lei  de  3  de  junho,  que 
criou  uma  escola  industrial  na  Covilhã;  outra  da  mesma  data,  que 
criou  outra  escola  industrial  em  Alcântara;  outra  lei,  também  da 
mesma  data,  que  criou  outra  escola  industrial  no  Porto;  outra  de 
egual  data,  que  criou  escolas  de  desenho  industrial  em  Bragança, 
Faro,  Figueira  da  Foz,  Leiria,  Setúbal,  Vianna  do  Castello  e  Villa 
Real;  o  decreto  de  18  de  julho,  criando  uma  escola  pratica  de  lacti- 
cinios,  no  concelho  de  Castello  de  Paiva;  outro  decreto  da  mesma 
data,  criando  uma  escola  pratica  de  agricultura,  nos  subúrbios  de 
Santarém;  outro  da  mesma  data,  criando  uma  escola  fructuaria  na 
quinta  região  agronómica ;  a  portaria  de  10  de  agosto,  providen- 
ciando acerca  da  instrucção  para  tirocinio  dos  alumnos  do  quadro 
dos  correios  e  telégrafos;  e  o  decreto  de  27  de  dezembro,  que  appro- 
vou e  contem  o  regulamento  dos  serviços  florestaes  da  Serra  da 
Estrella. 

Em  1889:  o  decreto  de  3  de  janeiro,  que  contem  o  plano  dos 
serviços  zootechnicos;  o  decreto  de  10  de  janeiro,  que  criou  uma 
escola  industria!  em  Braga;  outro  da  mesma  data,  criando  uma  outra 
escola  industrial  em  Coimbra ;  outro  da  mesma  data,  addicionando  o 
ensino  de  francez  á  escola  Faria  Guimarães,  do  Porto;  outro  da 
mesma  data,  criando  escolas  de  desenho  industrial  no  Funchal  e 
Mattosinhos;  o  decreto  de  16  de  fevereiro,  que  approvou  e  contem  o 
regulamento  para  o  hospital  veterinário  de  Lisboa,  criado  por  de- 
creto de  22  de  dezembro  de  1887;  e  o  decreto  de  21  de  dezembro 
que  approvou  e  contem  o  regulamento  da  policia  das  estradas. 

Volume  VI  10 


■626  A   HISTORIA  ECONÓMICA 


agitação  republicana  fizeram  que  os  governos  se  pre- 
occupassem  mais  da  politica  do  que  das  artes  úteis  da 
nação;  mas  esta,  por  sua  iniciativa  expontânea,  conti- 
nuou a  desinvolver-se;  e  no  fim  do  século,  a  agricul- 
tura, o  commercio  e  a  industria  tinham  adquirido  um 
grande  progresso,  como  vamos  ver  na  apreciação  deta- 
lhada dos  differentes  factores  económicos. 

Em  geral,  não  podiamos  competir  com  a  industria 
estrangeira,  mas  havia  alguns  productos  que  sustenta- 
vam essa  competência.  Já  se  exercia  a  maior  parte  das 
industrias  que  havia  pela  Europa,  e  já  Portugal  occu- 
pava,  no  festim  da  civilisação,  um  logar  que  o  não 
deshonrava.  N'este  sentido,  o  inquérito  industrial  de 
1881,  verificou  haver  em  todo  o  paiz  entre  fabricas  e 
officinas  agrupadas,  3:776. 

* 

*  * 

Passemos  agora  a  examinar  especialmente  os  diffe- 
rentes factores  económicos. 

Quanto  a  productos  mineraes,  havia  a  região  carbo- 
nifera  de  Leiria,  do  Cabo  Mondego,  do  Bussaco,  do 
Douro  e  do  Azeitão;  mas  de  todos  esses  jazigos,  no 
correr  do  século,  só  estiveram  em  exploração  activa  a 
região  do  Mondego,  as  minas  do  Pejão,  no  concelho  de 
Castello  de  Paiva,  junto  ao  rio  Douro  ;  as  de  S.  Pedro 
da  Cova,  no  concelho  de  Gondomar,  que  faziam  também 
parte  da  região  carbonifera  do  Douro.  E,  nos  últimos 
tempos,  havia  também  alguma  exploração  na  região  de 
Leiria. 

Havia  muitos  jazigos  de  ferro,  sobretudo,  em  Trás- 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  627 


os-Montes,  nas  serras  de  Roboredo,  Carvalhal,  Carva- 
lhosa, Carvalhosinha  e  Meira;  mas  estavam  inexplorados. 

Havia  também  grande  abundância  de  cobre,  sobre- 
tudo, nas  minas  de  Barrancos,  Almodovar,  Tinoca, 
Aljustrel  e  S.  Domingos,  no  Algarve. 

Todas  estas  minas  estavam,  mais  ou  menos,  em 
exploração;  mas  a  de  S.  Domingos,  pela  riqueza  e 
extrema  abundância  do  seu  minério  e  dos  seus  muitos 
capitães,  era  aquella  cuja  exploração  tinha  sido  mais 
continuada  e  dado  maiores  lucros. 

Havia  as  regiões  plombiferas  do  Caima,  onde  exis- 
tiam as  minas  do  Braçal,  Malhada,  Casal  da  Mó  e 
outras;  a  região  do  Douro,  onde  estavam  os  jazigos  de 
Adorigo,  no  concelho  de  Taboaço,  Gondarem  e  Várzea 
de  Travões;  a  zona  de  S.  Miguel  de  Acha,  no  concelho 
de  Idanha-a-Nova;  e  ainda  outros  jazigos  menos  impor- 
tantes, em  Tras-os-Montes,  Douro  e  Alemtejo. 

As  minas  d'este  minério  tiveram  um  periodo  de 
grande  lavra,  ao  qual  succedeu  um  quasi  abandono 
total;  mas  algumas  retomaram,  nos  últimos  tempos  do 
século  XIX,  o  seu  trabalho. 

Havia  estanho  na  provincia  de  Tras-os-Montes,  junto 
a  Bragança;  no  Marão,  e  nas  serras  da  Estrella  e  Cara- 
mulo; mas  sem  exploração,  embora  houvesse  indicios 
d'esses  jazigos  terem  sidos  explorados  em  épocas 
remotas. 

Havia  também  minas  de  antimonio,  na  bacia  do 
Douro,  desde  Vallongo  até  Castello  de  Paiva.  Este 
minério  encontra-se  associado  ao  quartzo,  constituindo, 
assim,  um  dos  mais  ricos  jazigos  da  Europa;  mas  a  sua 
exploração  foi  intermittente,  pela  má  direcção  das  com- 
panhias exploradoras  e  falta  de  capitães. 


628  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Havia  também  no  Alemtejo  uma  facha  de  mang-anez 
de  40  kilometros  de  extensão,  desde  Alcácer  do  Sal  até 
á  margem  do  Chanca,  continuando  ainda  para  Hespa- 
nha.  E  encontrava-se  também  muito  manganez  em 
Idanha-a-Nova  e  Anadia  ^. 

Portugal  possue  uma  grande  quantidade  de  mármo- 
res, notáveis  também  pela  variedade  dos  seus  desenhos, 
pela  firmeza  das  suas  tintas  e  finura  do  seu  contexto. 

Os  principaes  jazigos  ou  pedreiras  de  mármore 
existiam  nos  concelhos  de  Vimioso  e  Mirandella ;  no 
districto  de  Coimbra,  em  vários  concelhos  desde  Pena- 
cova até  á  Figueira  da  Foz,  bem  como  na  serra  do 
Bussaco;  em  Chão  de  Maçans,  districto  de  Santarém, 
donde  saiu  o  mármore  para  a  construcção  da  cathedral 
de  Madrid ;  e,  no  districto  de  Lisboa,  em  Pêro  Pinheiro, 
Cintra,  e  na  Arrábida,  onde  havia  uma  variedade, 
muito  apreciada  no  estrangeiro,  chamada  brechia  de 
Portugal  ou  mozaico  da  Arrábida. 

E  também,  na  província  do  Alemtejo,  districto  de 
Beja,  se  encontravam  mármores,  em  Ficalho,  Alvito, 
Moura,  etc, ;  no  districto  de  Portalegre,  em  Castello  de 
Vide,  Elvas,  Ponte  do  Sôr,  etc;  e  na  provincia  do 
Algarve,  nos  concelhos  de  Loulé,  Faro,  Silves,  Porti- 
mão, etc. 

E  todos  estes  jazigos  tinham  grande  exploração. 

Havia  por  muita  parte  argilla,  para  fabricar  louça,  e 
kaolino,  para  fabricar  porcellana;  muita  abundância  de 


'  Apontamentos  de  Geographia  Económica  de  Portugal,  colhi- 
dos na  aula  do  Dr.  José  Aug^usto  de  Lemos  Peixoto,  por  F.  A. 
Gomes. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  6i9 


schisto,  granito  e  gesso ;  muito  amianto,  na  serra  de 
Portel;  e  também  grande  abundância  de  wofrano  no 
norte  do  paiz  *, 


Quanto  a  productos  agricolas,  constituíam  elles  a 
principal  fonte  da  prosperidade  do  paiz,  e,  sobretudo,  o 
vinho.  Ainda  assim,  as  terras  eram  mal  aproveitadas,  e 
havia  muitos  terrenos  próprios  para  a  cultura,  que 
estavam  desperdiçados,  e  muitos  montes  susceptíveis 
de  arborisação,  que  estavam  nus,  ou,  quando  muito, 
reduzidos  a  charnecas  ^. 

A  cultura  dos  cereaes,  em  todo  o  caso,  augmentou 
progressivamente,  de  modo  que,  no  fim  do  século,  a 
do  milho  attingia  8.000:000  de  hectolitros;  a  do  trigo 
augmentou  também,  embora,  pelo  augmento  da  popu- 
lação   e    do    consumo  também  augmentasse  a  importa- 


1  Citados  apontamentos. 

2  Ainda  nos  fins  do  século,  em  1891,  a  repartição  do  terreno 
era  a  seg^uinte:  vinhedos,  2,2  por  cento;  arvores  fructiferas,  7,2; 
cereaes,  12,3;  legumes,  2,7;  pastos,  26,7;  florestas,  2,9;  improducti- 
vos,  45,8.  Mareei  Dubois  e  Kergomard,  Précis  de  Geographie  Eco- 
nomique. 

Segundo  Anselmo  de  Andrade,  no  seu  livro  A  Terra,  a  per- 
centagem das  terras  incultas  era,  na  Bélgica,  de  8  por  cento,  na 
Allemanha  9,  na  França  11,  na  Áustria  Hungria  12,  na  Itália  19,  nas 
Ilhas  Britânicas  20,  na  HoUanda  21,  na  Hespanha  25,  na  Suissa  29, 
na  Roménia  30,  na  Rússia,  31,  na  Dinamarca  34,  na  Grécia  39,  na 
Suécia  49,  e  na  Noruega  71. 


630  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


ção  ^;  e  cultivava-se  centeio  nas  terras  pobres;  bastante 
cevada,  que,  embora  se  produza  nos  terrenos  pobres, 
prefere  os  terrenos  gordos  e  pouco  húmidos;  e  havia 
muito  arroz  em  vários  terrenos  alagadiços  e  panta- 
nosos. 

Nas  plantas  textis,  o  linho,  que  outr'ora  se  cultivava 
extensamente  em  Portugal,  diminuiu  muito,  em  conse- 
quência dos  tecidos  de  algodão ;  e  a  producção  do 
cânhamo  era  insignificante. 

Entre  os  vegetaes  lenhosos,  comprehendendo  as 
arvores  de  fructo,  como  as  pereiras,  macieiras,  laran- 
jeiras, limoeiros,  figueiras,  pecegueiros,  damasqueiros, 
amendoeiras,  as  videiras  de  que  já  falíamos,  oliveiras, 
alfarrobeiras,  castanheiros  e  sobreiros,  os  mais  impor- 
tantes eram  a  videira,  o  castanheiro,  a  oliveira,  a  alfar- 
robeira, a  laranjeira,  a  amendoeira  e  o  sobreiro. 

A  videira,  que  constituía  a  principal  riqueza  do  paiz» 
dava  logar  a  três  qualidades  de  vinho :  o  verde,  o  ma- 
duro de  mesa  e  de  pasto,  e  o  vinho  fino  ou  generoso. 

O  vinho  verde,  que  deve  o  seu  nome  á  incompleta 
maturação  da  uva,  tinha  como  sendo  as  suas  melhores 
quahdades,  as  de  Monsão,  Arcos  de  Val-de-Vez,  região 
de  Basto,  Amarante  e  Livração. 

As  principaes  qualidades  de  vinho  maduro  eram  as 
de  Valle  de  Oura,  Valpassos,  Bragança,  Bairrada,  Valle 
do    Dão,    Fundão,    Penamacor,    Figueiró    dos   Vinhos, 


1  Anselmo  de  Andrade,  no  seu  livro  A  Terra,  calcula  que,  de 
1876  a  1885,  a  importação  do  trigo  foi  de  855  milhões  de  kilogram- 
mas     ou     85   -y  milhões  por  anno;  e  de  1886  a   1895,  foi  de  1:145 

milhões  ou  114  y  por  anno. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA 


631 


Torres  Novas,  Cartaxo,  Arruda,  Bucellas,  Carcavellos, 
Collares,  Torres  Vedras,  Borba,  Redondo,  Vidigueira, 
Cuba,  Beja,  Fuzeta  e  Portimão. 

O  vinho  generoso,  conhecido  no  estrangeiro  por 
vinho  do  Porto,  produzia-se  na  região  do  Alto  Douro. 

A  producção  do  vinho  cresceu  enormemente  depois 
do  meiado  do  século.  Provincias  que  primeiramente 
não  produziam  vinho,  como,  por  exemplo,  o  Alemtejo, 
cobriram-se  nos  últimos  tempos  de  vinhas,  cuja  pro- 
ducção era  extraordinária.  No  Minho,  o  vinho  verde 
estendeu-se  a  todos  os  recantos,  e  o  Douro  recupe- 
rou-se  dos  estragos  do  oídium,  phyloxera  e  mildio. 


Quanto   a   productos   animaes,   a   estatistica  do  sé- 
culo XIX,  deu  o  seguinte: 


Numero  de 

Valor  total 

Valor  médio 

Divisão  por 

cabeças 

Escudos 

por  cabeça 

kílometro 

Raça  bovina  .  . 

625:000 

16.000:000$00 

30S00 

5,8 

Raça  suina  .  .  . 

1.000:000 

7.000:000$00 

7$00 

— 

Raça  ovina  .  .  . 

3.000:000 

2.700:000$00 

900$00 

— 

Raça  cavallar    . 

88:000 

2.500:000$00 

29S00 

0,88 

Raça  muar  .  .  . 

51:000 

150:000S00 

30$00 

0,56 

Raça  caprina .  . 

1.000:000 

700:000$00 

5$00 

1,53 

Raça  azimina    . 

138:000 

— 

— 

— 

E  algumas  raças  eram  muito  boas,  como  a  de  Alter, 
no  gado  cavallar,  a  raça  merino  no  gado  ovino,  a  raça 


632  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


barrozã  no  gado  bovino,  muito  boa  para  o  trabalho  e 
producção  do  leite,  bem  como  a  raça  minhota,  que  é 
também  muito  boa  para  o  trabalho,  producção  do  leite 
e  para  a  engorda.  Mas,  em  todo  o  caso,  as  nossas 
raças  leiteiras  ficavam,  n'esse  ponto,  muito  abaixo 
das  boas  raças  estrangeiras,  e  nada  se  fez  para  as 
apurar. 

Só,  em  1863,  é  que  se  pensou,  pela  primeira  vez, 
em  aperfeiçoar  as  nossas  raças  de  leite.  O  Governo 
mandou  vir  da  Inglaterra  para  a  quinta  regional  de 
Cintra  quatro  vaccas  e  um  touro  da  raça  Alderney. 
Fizeram-se,  então,  alguns  cruzamentos;  mas  os  produc- 
tos  obtidos  espalharam-se  quasi  todos  pelo  sul  do 
paiz,  quando  deviam  ser  levados  para  o  norte.  E,  havendo 
sido  mal  cuidados,  e  cruzados  a  torto  e  a  direito  com 
todos  os  sangues,  soffrendo  a  influencia  de  um  clima 
opposto  á  aptidão  que  se  queria  desinvolver,  perde- 
ram-se  quasi  totalmente;  de  modo  que  foi  de  nenhum 
valor  o  resultado  que  se  obteve.  Depois  d'isso,  nada  se 
fez  officialmente  para  apurar  as  raças  de  leite.  Apenas 
um  ou  outro  proprietário,  conhecendo  de  longe  as 
excellentes  qualidades  leitiginosas  de  certas  variedades 
estrangeiras,  importou  alguns  exemplares  da  Mancha, 
da  Bretanha  e  de  outras  regiões,  fazendo-as  cruzar  com 
differentes  typos  da  nossa  raça. 

Em  todo  o  caso,  a  fabricação  da  manteiga  tornou-se 
uma  industria  importante,  a  ponto  de  acabar  com  a 
importação  estrangeira. 

A  raça  turina  não  é  muito  boa  para  essa  fabrica- 
ção, por  dar  um  leite  muito  butiroso,  que  não  convém 
empregar  na  manteiga;  mas  a  raça  jarmella  é  muito 
boa  para  isso. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  633 

Não  se  exportava  manteig-a;  mas,  desde  1885  em 
diante,  já  se  exportava  algum  queijo,  27:500  kilos  termo 
médio,  para  a  Hespanha,  Brazil  e  possessões  portu- 
guesas ^. 


Quanto  ás  industrias,  começando  pelas  mineraes,  a 
carta  regia  de  18  de  março  de  1801,  dirigida  ao  reitor 
da  Universidade  de  Coimbra,  abriu  o  primeiro  período 
da  attenção  official  d'este  importante  assumpto,  no 
periodo   que   estamos  examinando. 

O  Princepe  regente  reconheceu  a  necessidade  de 
criar  uma  intendência  que  tivesse  a  seu  cargo  a  casa 
da  moeda  e  as  minas.  E  foi  nomeado  intendente  José 
Bonifácio  de  Andrade,  que  era  formado  em  Direito  e 
Filosofia  pela  mesma  Universidade. 

Em  1827,  foi  extincta  essa  intendência  geral  de 
minas.  Depois  "  Passos  Manoel,  em  1836,  seguiu  o 
systema  de  conceder  apenas  o  usufructo  do  terreno  da 
mina  por  certo  tempo,  onde,  por  isso,  o  concessionário 
não  podia  radicar  os  seus  plenos  interesses  á  desco- 
berta e  exploração;  visto  que  a  concessão  não  abran- 
gia a  propriedade  do  terreno,  e  era  por  um  periodo 
limitado. 

Veiu  posteriormente  a  lei  de  minas  de  1850,  que, 
em  attenção  ás  circumstancias  do  nosso  paiz,  continha 
muitas  condições  inexequíveis  e  outras  insufficientes.  E, 


1  Adolfo  H.  Baptista  Ramires,  As  industrias  de  Leite. 

2  Revista  Commercial,  vol.  I. 


634  A    HISTORIA    ECONÓMICA 


por  fim,  a  legislação  de  1852,  que  regulou  até  o  fim  do 
século,  é  que  deu  plenas  garantias  ao  descobridor  e 
explorador,  distinguindo  os  trabalhos  de  investigação 
das  minas  em  trabalhos  de  pesquiza  e  trabalhos  de 
exploração,  ao  mesmo  tempo  que  attendeu  aos  direitos 
e  interesses  do  proprietário  do  solo.  E,  ao  passo  que 
concedeu  ao  descobridor  e  explorador  o  dominio  do 
terreno  da  respectiva  mina,  impoz-lhe  certos  deveres, 
para  prevenir  o  abandono  e  os  interesses  de  terceiro. 

Por  isso  mesmo,  a  exploração  mineira  cresceu  gran- 
demente depois  d'essa  data.  Assim,  em  1852,  apenas 
existiam  em  exploração  activa  as  minas  do  Braçal  e 
S.  Pedro  da  Cova;  e,  em  1867,  existiam  já  265  minas 
de  cobre,  chumbo,  estanho,  antimonio,  manganez,  ferro, 
antracite  e  linhite :  45  em  Tras-os-Montes ;  56  na  Beira; 
31  na  Extremadura;  133  no  Alemtejo  e  Algarve,  O 
numero  de  mineiros  empregados  era  de  4:500,  e  o 
valor  de  todas  as  minas  era  de  28  milhões  de  escudos, 
approximadamente  ^. 

Sobretudo,  desde  1863  a  1868,  o  numero  das  con- 
cessões pedidas  foi  enorme. 

Em  todo  o  caso,  á  exploração  posterior  não  corres- 
pondeu a  essa  febre  de  concessões;  porque,  no  fim  do 
século,  alem  das  minas  que  já  apontámos  a  paginas  626  e 
627,  só  estavam  em  exploração  activa  as  minas  de  antra- 
cite do  Pejão;  as  minas  de  antimonio  da  Tapada  e  Palhei- 
rinhos;  a  de  sulfureto  de  antimonio  da  mina  de  Montalto; 
a  mina  de  chumbo  do  Braçal;  as  de  wolfrano  dos 
jazigos  de  Panasqueira  e  Cabeço  de  Peão ;  e  as  abun- 


1     Citada  Revista  Commercial. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  635 


dantes  minas  do  Cabo  de  S.  Domingos.  A  mina  de 
prata  de  S.  Martinho  de  Auguenda,  no  concelho  de 
Miranda  do  Douro,  que  em  tempos  fora  explorada  por 
uma  companhia  importante,  foi  abandonada,  no  fim  do 
século  XVIII,  para  em  1900  continuar  a  ser  explorada 
por  uma  companhia  belga  \ 

A  exploração  do  mármore  era  muito  activa  em 
todos  os  jazigos. 

A  pesca,  outra  industria  extractiva,  fornecia  grande 
riqueza  ao  paiz.  Lisboa,  que  era,  e  é  também  o  primeiro 
porto  n'esse  género,  armava  muitas  embarcações,  não 
só  para  a  pesca  fluvial,  como  para  a  pesca  do  alto 
mar  e  longinqua ;  e  d'essas  embarcações,  cujo  numero 
attingiu  150,  algumas  eram  empregadas  na  pesca  do 
bacalhau  nos  bancos  da  Terra  Nova.  E,  no  Porto, 
acontecia  a  mesma  coisa. 

Essa  industria  era,  nos  fins  do  século,  exercida  no 
nosso  paiz  por  cerca  de  trinta  mil  individuos,  e  o  valor 
annual  regulava  por  30  mil  contos  '. 


* 
*  * 


A  agricultura  estava  muito  atrazada  até  1834,  por 
que,  a  par  das  guerras,  que  roubaram  os  braços  á 
lavoira  e  á  industria,  e  das  perturbações  politicas,  que 
alteravam  a  ordem  publica  e  prejudicavam  o  socego  e 
bem  estar  da  nação,  uma  grande  parte  da  propriedade 


^     Citados  apontamentos. 
2     Citados  apontamentos. 


636  A   HISTORIA    ECONÓMICA 


estava  amortisada  na  mão  dos  nobres,  por  meio  de 
vínculos  e  morgados  ou  doações  reg-ias,  ou  na  mão  dos 
conventos  e  outras  corporações,  e  oneradas  geralmente 
com  foros  e  laudemios  pesados,  pensões,  quotas,  cen- 
sos, rações  certas  e  incertas,  jugadas,  teigas  de  Abra- 
hão,  luctuosa  e  outras  prestações.  Os  foraes,  dados  a 
muitas  terras,  também  cohibiam,  muitas  vezes,  a  liber- 
dade do  solo,  e  continham  imposições,  frequentemente 
vexatórias.  E,  alem  d'isto,  o  systema  politico  absoluto 
coarctava  a  iniciativa  do  proletário  ou  trabalhador. 

O  primeiro  passo  em  favor  da  agricultura  foi  o 
alvará  de  27  de  novembro  de  1804,  que,  de  harmonia 
com  os  alvarás  anteriores  de  21  de  maio  de  1764,  1  de 
de  junho  de  1765  e  20  de  junho  de  1774,  concedia  aos 
rendeiros  garantias  de  conservação  nas  herdades,  em 
troca  das  bemfeitorias  e  amanhos  que  n'ellas  fizessem. 
Mas  esse  alvará  praticamente  pouco  deu. 

Vieram  depois  os  decretos  de  Mousinho  da  Silveira; 
e  esses  é  que,  de  facto,  favoreceram  a  agricultura.  O 
de  4  de  abril  de  1832  facilitou  a  extincção  dos  vincu- 
los,  e  removeu  todas  as  difficuldades  dos  aforamentos; 
e  o  de  13  de  agosto  do  mesmo  anno,  que  revogou 
e  cassou  todas  as  doações  por  titulo  genérico,  feitas 
pelos  reis  a  qualquer  individuo  ou  corporação,  extin- 
guiu a  maior  parte  d'aquelles  ónus  e  foraes,  e  tornou 
aHenaveis  as  terras  incultas  dos  bens  da  coroa.  Depois, 
a  lei  de  22  de  junho  de  1846,  confirmando  aquellas 
leis  de  1832,  extinguiu  também  todos  os  direitos  banaes, 
todos  os  serviços  pessoaes,  os  direitos  reaes  e  os  tri- 
butos e  impostos  que  não  tivessem  a  natureza  de  pen- 
sões censiticas,  emphyteuticas  ou  subcensiticas  e  sub- 
emphyteuticas. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  637 


Vieram  mais  as  leis  de  30  de  julho  de  1860  e  19 
de  maio  de  1863,  que  aboliram  os  morgados;  e  essa 
abolição,  comprehendendo  a  dos  chamados  vinculos 
e  capellas,  contribuiu  também  para  a  liberdade  das 
terras,  e,  sequentemente,  para  o  adiantamento  da  agri- 
cultura ^. 


Quanto  ás  outras  industrias,  a  do  tabaco  foi  a  mais 
lucrativa  de  todas  ellas,  e  constituia  uma  das  princi- 
paes  fontes  de  riqueza  do  paiz.  Foi  ella  exercida  por 
vários  modos.  Até  1865,  constituiu  um  monopólio,  que 
enriqueceu  muita  gente.  De  1865  a  1888,  estabeleceu-se 
o  systema  de  liberdade;  de  1888  a  1890,  foi  adminis- 
trada pelo  Estado;  e,  d'ahi  por  deante,  voltou-se  ao 
systema  do  monopólio. 

Nas  industrias  textis,  antigamente  a  do  linho  era 
muito  extensa  no  paiz,  porque  todos  os  tecidos  brancos 
eram  de  linho,  sendo  os  districtos,  onde  principalmente 
se  cultivava  o  milho,  aquelles  onde  também  se  produ- 
zia o   linho ;  e   era,  geralmente,  uma  industria  exercida 


1  Alexandre  Herculano  no  Estudo  sobre  Vinculos,  publicado 
no  volume  IV  dos  seus  Opúsculos,  e  Anselmo  de  Andrade,  no  livro 
A  Terra,  pag.  108,  dizem  que  essa  abolição  pouco  ou  nada  concor- 
reu para  o  aproveitamento  da  terra.  Mas  basta  attender  á  grande 
extensão  e  numero  de  morgados  e  vinculos  que  havia,  na  sua  maior 
parte  arruinados,  cujos  donos,  em  geral,  precisavam  de  os  alienar,  e 
que,  de  facto,  se  foram  libertando  delles  pouco  e  pouco,  para  se 
induzir  que  aquella  medida  bastante  beneficio  devia  produzir, 
como,  realmente,  produziu. 


638  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


na  maior  parte  das  casas  dos  lavradores.  Mas,  com  o 
apparecimento  do  algodão,  decaiu  muito.  Ainda  assim, 
Guimarães  foi  sempre  um  centro  importante  da  fabri- 
cação d'esse  artigo,  cujos  tecidos  tinham  grande  repu- 
tação, e  eram  muito  apreciados,  porque  imitavam  as 
melhores  bretanhas  estrangeiras. 

A  industria  do  algodão  tornou-se  uma  das  mais 
prosperas  e,  por  assim  dizer,  avassalou  todas  as  outras 
similares. 

A  dos  lanificios,  que  é  a  industria  mais  antiga  do 
paiz,  e  que  principiou  por  ser  uma  occupação  caseira, 
como  a  do  linho,  para  mais  tarde  se  converter  em  ver- 
dadeiras fabricas,  adquiriu  grande  desinvolvimento.  Só 
no  districto  de  Castello  Branco,  nos  últimos  tempos  do 
século  XIX,  havia  73  fabricas,  entre  as  quaes  prepon- 
deravam as  da  Covilhã;  no  da  Guarda  44;  no  de  Leiria 
11;  no  de  Lisboa  8;  e  no  do  Porto  7. 

A  industria  de  seda,  também  uma  das  mais  antigas 
do  paiz,  e  que  chegou  a  ser  uma  das  mais  prosperas, 
soffreu  grande  abalo  com  a  invasão  francesa,  que  des- 
truiu uma  grande  parte  das  fabricas.  Em  1892,  tentou-se 
novamente  reanimar  a  criação  do  sirgo,  e  com  ella  a 
industria  sericola;  mas  a  doença  do  sirgo  e  a  concor- 
rência do  algodão  e  da  seda  estrangeira  prejudicaram 
muito  essa  industria,  que  entrou,  por  isso,  em  grande 
decadência. 

As  industrias  metallurgicas  estavam  muito  atrazadas. 
Não  havia  os  altos  fornos  que  pudessem  dar  ao  ferro 
todas  as  formas  possiveis.  Mas  o  que  se  fabricava  no 
paiz,  era  tão  bom  como  o  estrangeiro. 

Em  todo  o  caso,  já  no  Porto  e  Lisboa,  se  fabrica- 
vam  grandes  maquinas,  objectos  do  caminho  de  ferro, 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  639 


e  todos  OS  artig"OS  de  pregaria,  ferraria  e  cutellaria. 
E  a  cidade  de  Guimarães  era,  até  por  tradição,  espe- 
cialista em  artigos  de  cutellaria. 

A  ourivesaria  de  ouro  e  prata,  foi  sempre  uma 
arte  admiravelmente  cultivada  em  Portugal.  Essa  Arte 
Famosa,  como  lhe  chama  Laurindo  da  Costa,  conti- 
nuou a  sua  tradição  gloriosa,  sobretudo  no  Porto, 
Lisboa,  Guimarães  e  Gondomar,  como  provam  muitas 
obras  primas  feitas  no  século  XIX,  por  insignes  artis- 
tas \  N'este  género,  eram  também  distinctas  as  fili- 
granas ". 

Tinham  também  progredido  muito  a  industria  de 
cortiça,  de  cortumes,  da  moagem,  da  distillação  do 
vinho,  a  do  papel,  da  saboaria,  da  cerâmica,  da  vidra- 
ria e  typografia  'K 


O  commercio  decadente  até  1852,  como  em  geral 
tudo  o  mais,  augmentou  grandemente  depois  d'isso. 
Era  principalmente  com  a  Gran-Bretanha,  França,  Bél- 
gica, Hollanda  e  Brazil  que  elle  se  fazia;  e  nos  últimos 
tempos,  a  AUemanha  tomou  também  uma  figura  pre- 
ponderante, e  desinvolveram-se  as  relações  com  Marro- 
cos e  Turquia. 

Os  Estados   Unidos   faziam  egualmente  um  grande 


1  Laurindo  Costa.  Uma  Arte  Famosa  -  e  Artistas  Portug-ueses. 

2  Laurindo  Costa.  Artistas  Portugueses. 

3  Citados  apontamentos. 


640 


A  HISTORIA  ECONÓMICA 


commercio  com  Portugal,  concorrendo  também  em 
grande  escala  com  os  productos  similares  da  Europa  ^. 

A  Hespanha,  apesar  da  vizinhança,  fazia  relativa- 
mente pequeno  commercio  com  Portugal,  porque  os 
productos  eram  quasi  os  mesmos ;  e  os  conflictos  de 
interesses  eram  muito  grandes. 

Em  1891  o  detalhe  do  commercio  era,  em  francos, 
em  resumo,  o  seguinte : 


IMPORTAÇÃO 


Cereaes  . 
Géneros  coloniaes 
Algodões 
Tecidos  . 
Maquinas  . 
Ferro  .  . 
Hulha  .     . 


28.000:000 
22.696:000 
14.900:000 
13.900:000 
13,800:000 
12.500:000 
12.200KX)0 


EXPORTAÇÃO 


Vinhos  . 
Cortiça. 
Peixes  . 
Cobre    . 


56.600:000 
15.500:000 
7.900:000 
5.784:000  2 


Quanto  aos  centros  económicos,  Lisboa  a  capital, 
cidade  do  mármore  e  granito  e  rainha  do  Oceano, 
como  lhe  chamou  Alexandre  Herculano,  ainda  no  pri- 
meiro quartel  do  século  XIX,  segundo  Oliveira  Mar- 
tins: «tinha  nas  ruas  focos  de  imundicie  decomposta 
ou    ambulante    e  viva.   Os   bandos    de    frades,   com   o 


1     Anselmo  de  Andrade,  A  Terra,  pag.  70.  — Noel,  obr.  citada. 
—  Mareei  Dubois  e  Kergomard,  obr.  citada. 

'^     Mareei  Dubois  et  Kergomard,  obr.  citada. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  641 


habito  gorduroso ;  os  cães,  roendo  ossos  no  lixo  amon- 
toado junto  das  casas ;  as  carcassas  de  animaes  mortos, 
apodrecendo  ao  sol;  e  os  rebanhos  de  mendigos,  cha- 
gados, a  esmolar,  davam  um  aspecto  repugnante  a  toda 
a  cidade. 

«De  noite,  corriam  em  direcção  das  praias  as  figu- 
ras esguias  das  pretas,  com  o  alto  caneco  de  barro  á 
cabeça,  a  vasar  no  rio  as  sentinas  das  casas;  e  o  tran- 
seunte, tropeçando  nos  monturos,  com  o  olhar  fito  na 
luz  mortiça  do  lampeão  distante,  recebia  as  duches 
das  janellas.  De  dia,  a  essas  janellas,  adornadas  de 
craveiros  e  mangericos,  viam-se  as  mulheres  mal  vesti- 
das, catando-se  ou  namorando ;  e  psiu !  psiu !  chama- 
vam o  aguadeiro;  ou  a  saloia  de  botas  e  carapuça, 
montada  n'um  burro,  vendendo  hortaliça.  Os  gaiatos 
assobiavam;  as  meninas  vinham  pôr  ao  ar  o  macaco  ou 
o  papagaio,  inevitável  de  todas  as  casas.  Os  pretos  e 
pretas  pullulavam  nas  praças.  Passavam  em  grupos, 
correndo  para  a  missa,  as  mulheres,  como  monos,  no 
seu  capote  negro,  escondendo  todas  as  formas,  e  com 
o  lenço  de  cassa  branca,  espetado  como  o  bico  de  um 
pássaro  virado  para  as  costas ;  e,  ao  passar  diante  dos 
numerosos  santos  de  azulejo,  pintados  e  collados  nas 
paredes  das  casas,  com  uma  candeia  superior,  persi- 
gnavam-se,  murmurando  resas  com  devoção.  Os  frades 
surgiam  por  toda  a  parte.  Saiam  mesmo  das  viellas 
mais  afamadas  e  das  travessas  frequentadas  pelos  gal- 
legos,  com  a  cabeça  rapada  e  nua,  nos  seus  trajos 
pardos;  e,  por  baixo  da  capa,  n'alguns  d'elles,  por 
exemplo  nos  trinos,  o  habito  e  escapulário  branco  com 
a  cruz  azul  encarnada.  Quando  era  meio  dia,  tocavam 
os  sinos  das  egrejas  ás  Ave-Marias,  e  todos  paravam  e 

Volume  VI  -11 


642  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


se  descobriam,  interrompendo  as  conversas  e  resando. 
Quando  na  rua  passava  o  Viatico,  os  homens  paravam 
também,  ajoelhavam,  batiam  nos  peitos;  as  segfes  esta- 
cionavam no  seu  rodar  saltitante  e  rápido ;  descia  o 
boleeiro  de  jaleca  e  botas  altas  com  esporas  collossaes 
de  latão ;  e,  por  entre  a  gente,  passavam  os  irmãos  nas 
suas  opas  vermelhas,  segurando  o  pallio  dourado,  sob 
o  qual  ia  o  padre  gravemente,  com  o  vaso  das  parti- 
culas,  andando  ao  toque  da  campainha  fúnebre,  ao  som 
do  Bemdito. 

« Um  curioso  traço  de  Lisboa  eram  as  suas  ruinas : 
o  rasto  do  grande  terramoto.  Ruinas  de  edificios  caí- 
dos, ruinas  de  obras  por  acabar.  A  Patriarchal  jazia 
também  por  terra,  e,  por  meio  das  suas  ruinas,  levan- 
tavam-se  os  alicerces  esboroados  do  novo  Erário;  e, 
entre  os  montões  de  pedra  abandonados,  matavam-se 
os  porcos  para  a  cidade.  S.  Francisco  ficara  por  ter- 
minar; e  sobre  as  lages  dispersas  e  já  comidas  pelo 
tempo,  havia  cômoros  de  entulhos,  onde  viçava  a  relva, 
e  pastavam  as  cabras,  no  meio  do  lixo  immundo,  que 
ahi  vinha  vasar-se  de  toda  a  parte  e  de  toda  a  espécie ; 
porque  as  obras  eram  a  sentina  dos  transeuntes  do 
bairro.  Ao  lado  do  monturo,  ficava  a  capella,  com 
outro  monturo  de  pobres  piolhosos  e  sentados,  a  esmo- 
lar nos  degraus,  e  aglomeração  de  frades,  contratando 
ás  portas  as  missas,  os  enterros;  e  ainda  com  mon- 
turo final  de  mortos  sobre  o  pavimento  da  egreja,  por 
cujas  fendas  saiam  exhalações  pútridas  ^. » 


'     Oliveira   Martins,   Portugal  Contemporâneo,  vol.  II,  pag.  21 
23. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  643 


Mas  logo,  com  o  estabelecimento  do  regimen  liberal, 
se  entrou  a  olhar  com  attenção  para  a  limpeza,  embel- 
lezamento  e  progresso  da  cidade.  Já  o  edital  de  2  de 
janeiro  de  1834  prohibiu  que  no  Rocio  se  junctas- 
sem  vendilhões  de  diversos  géneros  e  adellos;  e,  em 
1836,  foram  demolidos  differentes  casebres  que  lá 
havia. 

Também  em  1836,  foi  o  nome  do  Rocio  mudado 
para  Praça  de  D.  Pedro,  e  em  seguida  rodeado  de 
bellos  prédios. 

Em  1879,  começou-se  a  nova  Avenida  da  Liberdade, 
e  até  o  fim  do  século,  não  cessaram  os  esforços  das 
vereações  e  do  Governo  a  favor  d'aquelle  progresso  e 
belleza  \ 

Pela  sua  admirável  situação  geográfica  e  topográ- 
fica, Lisboa  era  já  uma  das  principaes  cidades  do  mundo 
e  das  capitães  da  Europa.  Tinha  sido  na  edade  moderna 
um  dos  principaes  empórios  commerciaes  do  Universo  "; 
e,  no  século  XIX,  se  não  conquistou  todo  o  perdido, 
readquiriu  grande  movimento  commercial  e  industrial. 
O  seu  estuário  forma  um  porto  capaz  de  abrigar  todas 
as  esquadras  do  mundo  '. 

Já  falíamos  d'essa  cidade,  relativamente  á  sua  capa- 
cidade piscatória  e  ao  grande  numero  das  suas  arma- 
ções, mesmo  para  a  pesca  longinqua.  E  o  seu  movi- 
mento industrial  era  também  muito  grande  em  quasi 
todos  os  géneros. 


1  Júlio  de  Castilho,  Lisboa  Antiga. 

2  Adriano  Anthero,  A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  327  e 
328. 

3  António  Correia,  As  cidades  de  Portugal. 


544  A    HISTORIA  ECONÓMICA 


Setúbal,  está  também  n'uma  admirável  situação  topo- 
gráfica, abrigada  ao  fundo  de  uma  amplissima  bahia,  for- 
mada pela  foz  do  Sado.  E,  escalando-se  as  eminências 
circumvizinhas,  ha  numerosos  pontos,  para  se  gozarem 
deslumbrantes  panoramas.  Já  no  século  XIX,  devido  á 
sua  admirável  situação,  era  um  grande  centro  de  com- 
mercio  e  industria;  e  maior  desinvolvimento  económico 
teria  ainda  a  sua  barra,  se  a  não  obstruíssem  numa 
parte  as  areias  accumuladas  pelo  rio  e  pelos  ventos  que 
sopram  continuadamente.  As  suas  salinas  são  famosas 
e  importantes,  havendo  attingido  já  226:000  moios  de 
sal  a  exportar  annualmente;  e  as  suas  laranjas  teem 
reputação  mundial  e  uma  grande  exportação. 

O  Porto,  a  segunda  cidade  de  Portugal,  já  tinha, 
nos  fins  do  século  passado,  uma  população  superior  a 
200:000  habitantes.  A  sua  barra  era  muito  concorrida, 
e  muito  mais  o  seria  pelos  principaes  pavilhões  do 
globo,  se  a  não  obstruíssem  em  grande  parte  as  areias: 
o  que  motivou  a  construcção  do  porto  artificial  de 
Leixões,  que,  apesar  do  ser  regularmente  concorrido, 
não  satisfez  as  aspirações  dos  Portuenses,  nem  com- 
pensou as  enormes  despesas  que  elle  occasionou.  Por 
isso  mesmo,  já  no  fim  do  século,  se  tratou  de  o  am- 
pliar e  collocar  em  melhores  condições,  obra  essa  que, 
depois,  foi  começada  no  século  XX,  como  a  seu  tempo 
veremos. 

A  cidade  e  arredores  estavam  cheias  de  fabricas  e 
officinas  de  todo  o  género,  abarcando  todas  as  indus- 
trias ;  e  o  seu  commercio,  não  só  com  o  interior,  mas  tam- 
bém com  as  colónias  e  paizes  estrangeiros,  era  enorme, 
não  obstante  o  defeito  da  barra  e  do  porto  de  Leixões. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  645 


Esta  cidade  dispunha  também  de  grande  numero  de 
barcos  para  a  pesca  das  costas,  e  de  algumas  armações 
para   a   pesca   longínqua   do  bacalhau  da  Terra  Nova. 

Braga,  no  coração  do  Minho,  era  a  3."  ou  4.'' 
cidade  do  paiz.  E  dizemos  a  3.^  ou  4.^,  porque  também 
Coimbra,  e  mesmo  Évora,  tinha  pretensão  a  ser  a  3.-' 
Era  um  grande  centro  industrial,  onde  se  desinvolviam 
e  completavam  umas  ás  outras  muitas  industrias,  com 
indiscutível  vantagem  e  reconhecida  primazia,  ao  lado 
das  cidades  mais  laboriosas  e  industriaes  do  paiz. 
Desde  a  fabricação  dos  chapéus  até  a  manipulação 
dos  pregos,  poucas  eram  as  industrias  que  a  cidade  de 
Braga  não  produzisse,  na  mais  progressiva  escala  e 
mais  perfeito  acabamento.  Especificaremos  como  das 
mais  importantes  que  lá  se  exerciam,  as  de  saboaria, 
perfumaria,  serração  de  madeira,  moagem  de  cereaes, 
fiação  e  tecelagem,  fundição  de  sinos,  fabrica  de  pregos 
e  tachas,  única  no  paiz,  marcenaria  e  esculptura,  obra 
de  talha,  mobiliário,  esculptura  religiosa  e  industria  de 
metaes.  E  algumas  d'estas  industrias,  por  exemplo,  a  de 
chapéus,  tinha  grande  reputação  em  todo  o  Portugal. 
Essa  de  chapéus  era  até  objecto  de  grande  exportação 
para  a  America  e  para  a  Ásia. 

Ha  nos  arrabaldes  o  santuário  do  Bom  Jesus  do 
Monte,  que  augmentava  a  importância  da  cidade,  pelas 
bellas  paisagens  que  de  lá  se  disfructam,  das  mais 
bellas  da  Europa,  e  pela  concorrência  enorme  de  nacio- 
naes  e  estrangeiros  que  demandavam  esse  local,  afim 
de  passarem  a  estação  calmosa,  de  maio  a  setembro,  ou 
para  se  alegrarem  e  distraírem,  ou  ainda  como  estação 
de  repouso. 


646  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


Este  santuário,  que  é  também,  como  obra  de  arte, 
dos  mais  bellos  da  Europa,  começou  a  ser  edifi- 
cado, em  1  de  junho  de  1784,  foi  concluido  a  20  de 
setembro  de  1811,  e  inaugurado  em  10  de  agosto 
de  1857. 

Braga  abunda  egualmente  em  monumentos  religiosos, 
que  lhe  justificaram  o  nome  de  Roma  portuguesa  ou 
Jerusalém  do  occidente. 

Guimarães,  que  foi  a  primeira  capital  de  Portugal, 
era  notável  também  pela  grande  industria  que  a  animava, 
e  que,  principalmente,  consistia  na  de  cortumes,  cutel- 
laria  e  fiação.  O  linho  de  Guimarães  era  apreciado  em 
todo  o  paiz  e  no  estrangeiro.  O  commercio  d'esta 
cidade  era  egualmente  activo;  e  ahi  se  reahzava  aos 
sabbados  a  feira  semanal  mais  importante  de  todas  as 
feiras  do  Minho. 

Vianna  do  Castello,  na  foz  do  rio  Lima,  uma  das 
mais  formosas  cidades  de  Portugal,  pela  sua  situação  e 
arredores  e  pela  belleza  e  encantamento  d'aquelle  rio, 
progrediu  muito  no  século  passado ;  e  mais  progrediria, 
se  o  seu  porto,  de  pequeno  calado,  não  fosse  inacessi- 
vel  ás  grandes  embarcações.  E,  embora  tivesse  já  uma 
pequena  doca,  também  essa  não  aproveitava  para  os 
grandes  navios. 

Coimbra,  a  rainha  do  Mondego,  era  notabilissima 
pela  sua  Universidade,  pela  beleza  dos  seus  arredores, 
e  tradições  românticas  da  morte  e  amores  de  D.  Ignez, 
tão  sublimemente  cantados  por  Camões,  e  morte  de 
D.  Maria  Telles. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  647 


Apar  d'isso,  a  cidade  tinha  também  bastante  indus- 
tria, e  entre  essa,  a  de  palitos  de  que  já  falíamos  no 
volume  IV  ^;  e  estava  cheia  de  estabelecimentos  com- 
merciaes. 

Figueira  da  Foz.  O  seu  porto,  cujas  obras  consu- 
miram grandes  sommas  ao  Estado,  só  era  accessivel  ás 
embarcações  de  pequeno  calado,  por  causa  das  areias 
que  se  accumulam  na  foz  do  Mondego.  Ha  uma  doca 
de  abrigo,  que  também  servia  indevidamente  de  escoa- 
douro aos  esgotos,  mas  que  também  não  admittia  gran- 
des embarcações. 

Por  estar  no  encontro  de  uma  região  muito  pro- 
ductora,  e  virem  também  desembocar  no  mar,  pelo 
Mondego,  os  productos  de  Coimbra  e  seus  arredores 
e  o  vinho  da  região  do  Dão,  o  porto  era  muito  com- 
mercial.  E,  no  tempo  dos  banhos,  a  cidade  era  grande- 
mente concorrida  de  nacionaes  e  Hespanhoes,  o  que 
a  tornava  muito  animada,  n'essa  época, 

Thomar,  notável  artisticamente  pelo  seu  bello  monu- 
mento do  convento  de  Christo,  que  foi  sede  dos  Tem- 
plários, era  muito  industrial.  No  fim  do  século,  tinha 
12  fabricas  de  fiação  e  tecidos  em  laboração,  moagens 
e  papel. 

Vizeu  era,  sobretudo,  uma  cidade  commercial,  porque 
a  funcção  mercantil  é  que  preponderava  na  sua  vida 
económica.  Para  isso  contribuia  a  sua  feira  anual,  cha- 


1     A  Historia  Económica,  vol.  IV,  pag.  285. 


648  A    HISTORIA   ECONÓMICA 


mada  feira  franca,  na  seg"unda  quinzena  de  setembro, 
uma  das  mais  importantes,  ou  talvez  a  mais  impor- 
tante do  paiz,  e  o  estar  no  cruzamento  de  muitas  vias 
de  communicação  e  no  centro  de  regiões  feracissimas. 
Ainda  assim,  nas  industrias,  sobresaia  a  das  olarias 
e  havia  também,  ou  na  cidade  ou  nos  arredores,  indus- 
trias de  fundição  de  estanho,  tecidos  de  linho  e  lã, 
rendas,  bordados,  canastras  e  cestos,  tamancaria,  etc, 
embora  em  grau  Hmitado,  e,  no  geral,  domesticamente  \ 

A  industria  de  calçado,  especialmente  a  de  taman- 
cos era  muito  importante,  e  constituia  um  artigo  de 
grande  exportação  para  todo  o  paiz  e  até  para  a  Africa. 
E  era  também  notável  o  commercio  que  se  fazia  da  loiça 
de  barro  preto  ou  loiça  preta  de  Molélos,  concelho  de 
Tondella,  onde  ella  era  e  é  fabricada.  E'  antiquissima 
essa  industria  e  o  seu  commercio,  espalhando,  desde  ha 
muitos  séculos,  os  seus  productos  por  todo  o  paiz  e  por 
varias  provincias  de  Hespanha. 

Apesar  dos  processos  serem  os  primitivos,  essa 
loiça  é  muito  curiosa,  e,  particularmente,  as  chamadas 
cantarinhas  do  engano,  que  são  muito  elegantes. 

Vizeu  tinha  também  a  vantagem  de  ser  a  capital  do 
districto  do  seu  nome,  que  abrange  a  província  da  Beira 
Alta,  e  que  é  muito  productivo  e  industrial,  e  mesmo 
commercial.  E  o  movimento  económico  de  todo  o  dis- 
tricto, pela  ordem  natural  das  coisas,  refluia  também 
para  essa  capital. 

Assim,  havia  por  differentes  concelhos  grande  abun- 
dância de  vinho  e  dos  três  typos,  distribuídos  conforme 


1     Amorim  Sivão  —  Vizeu. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  649 


as  diversas  regiões  —  o  vinho  generoso,  o  verde  e  o 
maduro.  Havia  muito  milho,  batatas,  azeite,  madeira  e 
fructas.  Nesta  ultima  parte,  a  pomicultura,  mesmo  nos 
arredores  da  cidade,  tomou  um  grande  desinvolvimento, 
nos  últimos  tempos  do  século  XIX. 

Havia  muitas  minas  em  exploração  também  pelo 
districto,  especialmente,  de  wolfranio,  estanho  e  urânio. 
Havia  egualmente,  pelos  differentes  concelhos,  grande 
industria  de  serração  de  madeira,  moagens,  cerâmica, 
malha,  papel,  cestinhos  de  verga,  que  rivalisavam  até  com 
os  da  Madeira,  tapetes,  vidraria  e  engorda  de  gado. 

Covilhã,  a  Manchester  portugueza,  era  uma  cidade 
toda  industrial.  Da  sua  população,  superior  a  20  mil 
habitantes,  mais  de  metade  era  composta  de  operários 
e  famílias  das  suas  oitenta  fabricas  de  tecelagem,  fia- 
ção e  ultimações. 

Guarda,  ao  norte,  era  bastante  industrial  nos  lanificios. 

Évora,  a  capital  do  Alemtejo,  colocada  no  meio 
d'essa  província,  e,  como  tal,  n'um  centro  muito  fértil, 
tinha  uma  industria  e  commercio  importantíssimos,  pela 
quantidade  e  qualidade  da  producção.  Alem  dos  géne- 
ros communs  a  todo  paiz,  salientavam-se,  como  ramos 
de  actividade  commercial  e  industrial,  mais  próprios 
d'essa  cidade,  os  seguintes:  azeites,  utensilagem  agrí- 
cola, cortiças,  cortumes,  mobília  moderna  e  regional, 
panificação,  farinação  e  vinhos. 

Portalegre,  também  no  Alemtejo,  era  muit  notável 
pela    sua    industria   antiquíssima,  tendo,  especialmente, 


650  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


fabricas  de  rolhas,  lanifícios,  alpercatas,  moagens,  pani- 
ficação e  energia  eléctrica. 

Na  província  do  Algarve,  Faro,  a  sua  capital,  era 
muito  industrial  na  fabricação  de  aguardente,  na  con- 
serva de  peixe,  especialmente  de  atum  e  sardinha;  e 
muito  commercial,  não  somente  n'essa  conserva,  mas 
também  em  figos,  passas  de  uvas,  vinho,  amêndoas, 
azeite,  alfarrobas,  laranja,  sumagre,  açafrão,  ovos,  mel 
sal,  aguardente,  cortiça,  obras  de  palma  e  esparto. 

Lagos,  que  tem  uma  bahia  excellente,  na  qual  se 
podem  abrigar  todas  as  esquadras  do  mundo,  sendo, 
muito  visitada  por  navios  de  guerra,  era  muito  indus- 
trial e  commercial.  E  acontecia  com  a  sua  industria  e 
commercio  o  que  se  dava  com  todas  as  localidades 
marítimas  do  Algarve,  em  maior  ou  menor  escala. 
Vinha  a  ser  a  pesca  da  sardinha  e  atum,  cujos  pro- 
ductos  eram,  sobretudo,  vendidos  ás  fabricas  de 
Villa  Real  de  Santo  António,  para  serem  preparados 
em  latas  e  remettidos  para  o  estrangeiro.  Mas  havia 
em  Lagos  maior  movimento  do  que  noutra  qualquer 
povoação  algarvia,  mesmo  quando  a  sua  bahia  não  era 
visitada  por  navios  de  guerra. 

Villa  Real  de  Santo  António  era  o  primeiro  porto  do 
Algarve,  sob  o  ponto  de  vista  commercial,  por  afluírem 
lá,  cada  anno,  muitos  navios  estrangeiros,  que  vinham 
carregar  a  pyrite  de  cobre  das  minas  de  S.  Domingos. 
E  tinha  muitas  fabricas  de  aguardente  e  álcool  e  con- 
serva de  peixe,  especialmente  de  atum  e  sardinha,  de  que 
fazia  também  um  grande  commercio. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  651 


Tavira  está  situada  nas  duas  margens  do  rio  Asseca 
ou  Secca.  Só  nas  marés  vivas,  é  que  as  pequenas 
embarcações  podem  aproximar-se  da  cidade,  devido 
á  insignificância  da  corrente  fluvial  e  ás  areias  que 
obstruiram  a  pequena  foz,  quasi  por  completo,  e  o  seu 
desaguadouro  por  espaço  de  três  léguas.  Ainda  assim, 
tinha  também  bastantes  armações  de  sardinha  e  uma 
fabrica  de  moagem. 

Silves,  situada  na  margem  direita  do  rio  Arade, 
também  conhecido  pelo  nome  de  Silves  e  Draga  e 
Portimão,  tinha  uma  grande  industria  de  fabricação  de 
rolhas. 

Nas  ilhas  adjacentes,  o  Funchal  era  muito  impor- 
tante pelo  seu  porto,  pela  sua  belleza  e  aspecto  e 
belleza  da  ilha,  pela  producção  dos  arredores,  e  pelo 
seu  commercio  e  industria,  e  até  pela  salubridade  do 
clima,  que  atraía  muitos  viajantes  e  doentes. 

Como  porto  commercial,  o  numero  das  embarca- 
ções que  entravam  annualmente  n'elle,  com  a  respec- 
tiva lotação,  era  o  dobro  das  que  entravam  no  Porto  e 
Leixões,  e  quasi  metade  das  que  entravam  em  Lisboa. 
E  a  sua  industria  era  também  importante  na  fabricação 
do  álcool,  construcção  de  cadeiras,  mobilia  de  verga  e 
bordados,  cuja  perfeição  era  uma  especialidade  da  ilha. 

E,  nos  Açores,  Ponta  Delgada  era  a  quinta  cidade 
em  população. 

N'esse  ponto,  só  era  inferior  a  Lisboa,  Porto,  Braga 
e  Funchal.  E  era  também  muito  importante,  pela  sua 
belleza,  producção,  commercio  e  industria.  O  principal 


652  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


objecto  dessa  industria  era  o  álcool;  e  esse  álcool, 
junto  com  as  laranjas  e  os  ananazes,  produzidos  na 
ilha  e  com  o  chá,  constituíam  também  os  principaes 
objectos  do  seu  commercio.  O  progresso  da  cidade,  no 
século  passado,  depois  de  1847,  foi  muito  notável,  e, 
sobretudo,  até  1877. 

Temos  fallado  nas  principaes  cidades,  como  sendo 
também  os  principaes  centros  económicos.  Mas  ha 
ainda  uma  villa,  que  é  de  pequena  extensão  e  popula- 
ção, mas  que,  na  industria  e,  portanto,  no  seu  commer- 
cio, tem  uma  grande  importância.  E  S.  João  da  Madeira. 

N'esta  parte,  devemos  a  um  cavalheiro  de  lá,  o  Sr. 
A.  J.  Oliveira  Júnior,  informações  curiosas,  que  repro- 
duzimos textualmente. 

Referem-se  ellas  ao  anno  de  1924-1925.  Mas  o 
movimento  industrial  d'essa  villa  era  já  grande,  nos 
últimos  tempos  do  século  XIX. 

«Alem  dos  ramos  de  trabalho  ennunciados  no  mappa 
que  segue,  ha  outros  mais  que,  embora  de  modesta  impor- 
tância, são  todavia  auxiliares  das  prosperidades  locaes, 
como  seja:  —  a  fabricação  de  manteiga,  que  é  aqui 
muito  antiga;  uma  fabrica  de  chalés;  uma  fabrica  de 
artigos  de  piassaba;  uma  "typografia,  e  também  em 
montagem,  uma  fundição  e  serralheria  mecânica  que,  a 
avaliar  pela  grandeza  das  suas  installações,  promette 
ser  importante. 

«Taes  são  as  informações  que  me  foram  fornecidas 
pelas  diversas  partes  interessadas ;  e,  embora  eu  não 
possa  assegurar  que  sejam  de  rigorosa  exactidão,  suppo- 
nho-as  todavia  não  muito  longe  da  verdade.» 


EDADE  CONTEMPORÂNEA 


653 


S.  João  da  Madeira  e  a  sua  industria 

Mappa  demonstrativo  do  movimento  industrial  em  1924-1925 


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ARTIGOS  QUE  SE 
FABRICAM 

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Producção 

annual 

em    unidades 

producção 

annual  em 

escudos 

Chapelaria   de  pêlo  (1) 

11 

317 

117 

56 

335 

485.000 

13:580.000^ 

»    lã  (2)   .    . 

12 

79 

18 

— 

— 

62.000 

l:116.000jJOO 

»     palha  (3)  . 

6 

21 

35 

7 

— 

135.000 

2:520.000^00 

Bonés  (4) 

9 

— 

42 

4 

— 

128.000 

640.000^ 

Sapataria  (5) 

26 

307 

67 

73 

— 

79.260  pares 

5:944.500^ 

Tamancaria  (6)     .     .     .     . 

8 

80 

14 

12 

— 

150.000      » 

1:200.000^ 

Velas  stearicas  (7)  .     .     . 

5 

16 

9 

— 

— 

28:000  caixas 

l:400.000íkX) 

Serração  mecânica  (8) 

3 

40 

- 

20 

60 

— 

600.000^ 

Carpintaria  mecânica  (9)  . 

1 

30 

— 

10 

20 

— 

150.000^ 

Quanto   a   communicações,    a  viação  ordinária  teve 
um   grande  progresso,  principalmente  depois  de  1852, 


(1)  Iniciada  em  1891.  E  o  primeiro  centro  chapeleiro  do  paiz. 

(2)  Teve  o  seu  periodo  áureo  no  século  XIX;  porem,  devido  ao  progresso 
da  sua  congénere  (chapéus  de  pêlo)  tem  decaido.  Foi  a  industria-mãe  e  chegou  a 
ter,  talvez  o  triplo  da  producção  actual.  Nada  está  escrito  que  esclareça  a  data  do 
seu   inicio,  mas  é  provável  que  date  do  século  XVII  ou  começo  do  século  XVIII. 

(3)  Iniciada  em  1908,  tem  progredido. 

(4)  Iniciada  em  1910,  tem  progredido. 

(5)  Iniciada  em  1910,  progrediu  muito  durante  a  guerra. 

(6)  Iniciada  em  1910,  tem  progredido. 

(7)  E  de  todos,  o  ramo  de  trabalho  mais  novo   n'esta  villa. 

(8)  A  primeira  foi  montada  ahi  por  volta  de  1915.  Ao  incremento  que  a 
serração  mecânica  attingiu  durante  a  guerra,  succedeu  a  terrível  crise  que  tanto  a 
tem  atrofiado.  E  uma  das  principaes  victimas. 

(9)  Ha  apenas  uma  fabrica,  annexa  a  uma  das  serrações  e  foi  creada 
em  1922. 


654  A.   HISTORIA   ECONÓMICA 


como  já  vimos,  pela  exposição  das  differentes  leis  e 
decretos  sobre   esse    ponto,   que    também    já    citámos. 

Na  viação  accelerada,  os  nossos  caminhos  de 
ferro  começaram  somente  em  1852,  sendo  Portugal 
o   penúltimo    Estado    da   Europa,   como  já  notámos  ^. 

A  primeira  linha  que  se  construiu,  foi  a  do  Leste,  de 
Lisboa  a  Hespanha,  seguindo-se  a  do  Norte,  que,  par- 
tindo do  Entroncamento,  vai  dar  ao  Porto.  Em  seguida, 
a  do  Sul  e  Sueste,  cujo  primeiro  lanço  foi  do  Barreiro 
ás  Vendas  Novas,  com  ramal  para  Setúbal. 

E  foram-se  depois  construindo  successivamente  dif- 
ferentes linhas,  tanto  do  Estado,  como  de  companhias; 
de  modo  que,  já  no  ultimo  quartel  do  século,  havia  as 
seguintes  linhas: 

Exploradas  pelo  Estado: 

Linha  do  Sul  e  Sueste 

Do  Barreiro  a  Pinhal  Novo,  a  Casa  Branca,  a  Beja, 
a  Tunes,  a  Villa  Real  de  Santo  António,  com  os  seguin- 
tes ramais:  de  Pinhal  Novo  a  Setúbal,  de  Pinhal  Novo 
a  Aldeia  Gallega,  de  Casa  Branca  a  Évora,  de  Casa 
Branca  a  Extremoz,  de  Casa  Branca  a  Villa  Viçosa, 
de  Évora  a  Mora,  de  Beja  a  Moura,  e  de  Tunes  a 
Portimão. 

Linha  do  Douro 

Do  Porto  a  Ermezinde,  á  Régua,  a  Tua,  á  Barca 
d'Alva,  á  fronteira. 


1     Capitulo  3.",  p&g.  110. 


EDADE  CONTEMPORÂNEA  655 

Linha  do  Minho 

Do  Porto  á  Trofa,  a  Nine,  a  Braga,  a  Vianna,  a 
Valença,  á  fronteira. 

Campanhã  a  Alfandega  do  Porto. 
Livração  a  Amarante. 
Régua  a  Vidago. 
Pocinho  a  Carviçães. 

Caminhos  de  ferro  explorados  por  Companhias: 

Linha  do  Norte 

Lisboa  a  Setil,  Santarém,  Entroncamento,  Alfarel- 
los,  Coimbra,  Pampilhosa,  Aveiro,  Espinho  e  Porto 
(S.  Bento). 

Linha  do  Oeste 

Lisboa  a  Cacem,  Torres  Vedras,  Caldas  da  Rainha, 
Leiria,  Amieira  e  Figueira  da  Foz. 

Linha  de  Leste 

Lisboa  a  Abrantes,  Torres  das  Vargens,  Portalegre, 
Elvas  e  Badajoz. 

Linha  da  Beira  Baixa 

Lisboa  a  Castello  Branco,  Covilhã  e  Guarda. 

Linhas  das  Vendas  Novas 

Lisboa  a  Setil,  a  Vendas  Novas,  Louzã,  Cascaes  e 
Cintra. 


656  A  HISTORIA  ECONÓMICA 

Os  ramaes  são: 

Alfarellos  á  Figueira,  Torres  das  Vargens  a  Marvão, 
e  Torres  das  Vargens  a  Valência  de  Alcântara. 

Linha  da  Beira  Alta 

Figueira  á  Pampilhosa,  Pampilhosa  a  Luso — Bussaco,^ 
a  Santa  Combadão,  Guarda,  Villar  Formoso. 

De  via  reduzida 

Linha  de  Guimarães  a  Trofa  e  a  Fafe. 
Linha  do  Porto  á  Povoa  e  Famalicão. 
Porto    á    Senhora    da  Hora,   a   Custoias,   Mindello,. 
Villa  do  Conde,  Povoa  de  Varzim,  Famalicão. 

Companhia  Nacional  dos  Caminhos  de  Ferro 
Tua  a  Mirandella  e  Bragança. 

Ramal  de  Vizeu 

Santa  Combadão  a  Tondella  e  Vizeu. 

Valle  do  Vouga 

Espinho,  Oliveira  d'Azemeis,  Albergaria-a- Velha  e 
Aveiro. 

Mina  de  S.  Domingos 
Pomarão  á  Mina. 


RECAPITULAÇÀO 


Temos  visto,  n'uma  ligeira  synthese,  o  movimento 
politico  g-eral  do  mundo,  especialmente  da  Europa, 
desde  a  revolução  franceza  até  ao  fim  do  século  XIX. 

Temos  visto  egualmente  o  movimento  scientifico  e 
literário  da  Europa  no  mesmo  periodo,  como  elemento 
influente  na  historia  económica  d'esse  continente. 

E,  finalmente,  apar  de  uma  noticia  cosmopolita 
geral  do  seu  movimento  económico,  estudamos,  n'essa 
parte,  cada  um  dos  differentes  paizes  da  Europa.  E 
vimos  que,  realmente,  ao  século  XIX  correspondeu  a 
denominação  do  século  das  luzes,  por  que,  geralmente, 
é  conhecido. 

Como  notámos,  n'essa  retorta  immensa  do  progresso 
e  civilização,  e  n'uma  conquista  de  esforços  sem  limites 
e  de  rivalidades  sem  medida,  a  Europa  ergueu-se,  mais 
heroicamente  ainda  que  o  Anteu  da  fabula,  contra  a 
montanha  dos  preconceitos  que  restavam  ainda  da 
edade  moderna;  e  estabeleceu  na  ara  santa  do  seu 
patriotismo  a  estrella  brilhante  da  liberdade. 

A  revolução  franceza,  onde  explodiu,  embora  n'um 
rio  de  sangue  e  n'um  montão  de  cadáveres,  a  indigna- 
ção do  povo,  represada  há  tantos  séculos,  alumiou  o 
mundo  inteiro;  e  a  propagação  das  suas  ideias  foi  quei- 
mando as  azas  dos  morcegos  do  despotismo. 

Volume  VI  12 


658  A  HISTORIA  ECONÓMICA 


A  esse  clarão  surgiu  a  iniciativa  dos  sábios  e  artis- 
tas, que  transformou  o  mundo  artistico  e  industrial. 

O  commercio,  que  representa  uma  transfusão  reci- 
proca no  viver  dos  povos,  erg-ueu-se,  também  livre  e 
independente,  firmado  nos  grandes  tentaculos  da  agri- 
cultura e  da  industria. 

A  marinha,  como  uma  das  irmans  gémeas  d'elle, 
deu-lhe  novos  horisontes ;  e  o  vapor  e  a  electricidade, 
até  então  escondidos  na  terra,  forjaram  a  tradicional 
alavanca  de  Archimedes,  para  poderem  revolver  o  mundo 
inteiro.  E,  por  toda  a  banda,  como  se  fosse  uma  seiva 
infinita  do  progresso,  rebentara  uma  nova  fermentação 
de  descobertas  e  melhoramentos. 

Nos  últimos  tempos  do  século,  mesmo  politicamente, 
o  ceu  azul  da  liberdade,  com  pequenas  excepções, 
alcançara  já  todos  os  recantos ;  e  o  cadinho  immenso 
da  civilização  do  universo  continuava  trabalhando, 
cada  vez  mais  proficientemente  na  perfectibilidade. 

Já  se  esboçavam  os  aviões;  já  circulavam  os  auto- 
móveis; e  a  electricidade  estava  anunciando  novas  des- 
cobertas e  novas  aplicações. 

Veremos  no  próximo  volume  a  eclosão  enorme  de 
tudo  isso,  e  como  o  Novo  Mundo  correspondeu  aos 
progressos  da  Europa. 

N'esse  volume,  teremos  também  occasião  de  exami- 
nar as  transformações  extraordinárias  e  os  incidentes 
prodigiosos  que  surgiram  no  século  XX. 


FIM    DO    SEXTO    VOLUME 


índice 


CAPITULO   I 

Lig^eiro  esboço  da  historia  politica  geral  da  época  contempo- 
rânea até  o  fim  do  século  XIX 11 

CAPITULO  II 

Explorações  e  Descobertas 

Principaes  explorações  e  descobertas  na  Ásia,  Africa,  Ame- 
rica, Oceania  e  reg-iões  polares,  n'este  periodo       ...  71 

CAPITULO  111 

Alargamento  do  mundo  moral,  pelas  muitas  descobertas  indus- 
triaes,  e  pelo  progresso  das  sciencias,  artes  e  lettras.  — 
Applicação  da  electricidade  e  vapor.  —  Desinvolvimento 
da  arte  naval.  —  Telegrafia,  chrono-photografia,  raios  X, 
estereoscopia,  etherisação  e  cloroformisação. — Novos  pro- 
ductos  industriaes  e  commerciaes,  e  abundância  dos 
outros  já  existentes.  —  Augmento  dos  jazigos  mineraes 
e  exploração  dos  metaes  preciosos.  —  Desinvolvimento 
crescente  nas  industrias  e  commercio.  —  Museus  indus- 
triaes e  commerciaes.  —  Exposições  universaes.  —  Unida- 
des monetárias. — Socialismo. — Communicações  marítimas, 
aquáticas,  férreas,  terrestres  e  aéreas. — Isthmo  de  Suez. 
— Correntes  marítimas. — Liberdade  dos  mares  e  d'alguns 
estreitos  e  rios.  —  Portos  francos.  —  Caminhos  de  ferro. 
—  Estradas  carrossaveis.  —  Communicações  aéreas      .  99 


660  índice 

CAPITULO    IV 

FRANÇA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  França,  n'este  periodo. — 
Influencia  da  revolução  franceza  e  das  guerras  napoleó- 
nicas e  bloqueio  continental  no  movimento  económico  da 
França,  até  á  queda  de  Napoleão. —  Invenções  que  houve 
durante  esse  tempo,  deteiminadas.  em  grande  parte, 
pelo  mesmo  bloqueio.  —  Prejuízos  da  França,  por  causa 
d'elle.  —  Estado  do  paiz  e  regimen  restrictivo  económico, 
durante  a  restauração.  —  Governo  de  julho,  e  suas  ten- 
dências liberaes,  e  promulgação  de  differentes  medidas 
n'este  sentido.  —  Reacção  que  se  levantou  contra  ellas,  e 
como  o  Governo  teve  de  arripiar  caminho.  —  Reformas 
legislativas  que  fez.  Revolução  de  1848,  e  segunda  repu- 
blica.—  Socialismo  e  estabelecimentos  socialistas.  —  Des- 
contentamento que  tudo  isso  produziu,  e  como  levou  á 
proclamação  do  imperador  Napoleão  III.  -Progresso  eco- 
nómico da  França  durante  esse  imperador.  —  Guerra  de 
1870  com  a  Allemanha.  —  Proclamação  da  terceira  repu- 
blica, e  adiantamento  enorme  da  França  até  o  fim  do 
século  XíX.  —  Productos,  agricultura,  industria,  commer- 
cio  e  marinha.  —  Centros  económicos  principaes.  —  Com- 
municações 

CAPITULO   V 
INGLATEBBA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Inglaterra,  neste  periodo. 

—  Retardamento  do  seu  movimento  económico  até  1815. 

—  Causas  que  o  produziram:  guerras  e  bloqueio  conti- 
nental, etc.  —  Em  todo  o  Cciso,  como  esse  bloqueio  obri- 
gou a  Inglaterra  a  desinvolver  os  próprios  recursos.  — 
Agitações  operarias,  por  causa  dos  effeitos  produzidos 
pela  introducção  das  maquinas,  e  especialmente,  das  ma- 
quinas a  vapor,  na  diminuição  do  trabalho  manual  e  na 
baixa  dos  salários.  —  Plethora  dos  productos  fabricados 
durante  o  bloqueio,  por  cansa  da  diminuição  da  exporta- 


Pa?. 


199 


índice  661 


Pa?. 


ção. — Miséria  do  povo  que  d'ahi  resultou.  —  Luctas  entre 
os  iivre-cambistas  e  proteccionistas,  desde  1815  a  1846. 
Bills  liberaes  de  Roberfo  Peei,  a  respeito  da  importação 
e  exportação,  e  progresso  enorme  que  produziram.  — 
Productos,    agricultura,  industria,  commercio  e  marinha. 

—  Centros  económicos  principaes.  —  Communicações        .        241 

CAPITULO   VI 

ALLEMANHA 

Esboço  politico  da  Allemanha  no  século  XIX.  —  E,  quanto  ao 
seu  movimento  económico,  de  que  modo  o  bloqueio  con- 
tinental a  favoreceu,  ao  contrario  do  que  succedeu  com 
outros  paizes.  —  Como,  depois  da  queda  de  Napoleão  a 
Allemanha  soffreu  nova  crise,  e  como  ssta  crise  se  aggra- 
vou  com  a  legislação  proteccionista  de  outros  povos.  — 
Como  a  Allemanha  continha  em  si  elementos  poderosos 
para  a  lucta  económica.  —  Estabelecimenta  do  Zolverein 
e  seus  principaes  ef feitos.  —  Como  a  guerra  com  a  Áus- 
tria, em  1866,  concorreu  também  para  o  adiantamento 
económico  da  Allemanha.  —  Seu  progresso  extraordinário 
depois  da  guerra  com  a  França  de  1870  a  1871.  —  Pro- 
ductos.—  Agricultura.  —  ludustria  e  seu  grande  desinvol- 
vimento.  —  Adiantamento  enorme  do  commercio. —  Cen- 
tros económicos  principaes,  —  Communicações       .      .      .        269 

CAPITULO    VII 

ÁUSTRIA   E    HUNGRIA 

Ligeiro  esboço  politico  da  Áustria  e  Hungria,  n'este  período. 

—  Quanto  á  parte  económica,  de  que  modo  o  império 
austríaco  foi  prejudicado,  principalmente,  até  o  meiado 
do  século,  e  ainda  depois,  até  1866,  por  differentes  cau- 
sas.—  Como  tinha  no  seu  seio  grandes  elementos  de 
riqueza.  —  Como  progrediu  muito  depois  d'isso.  —  Pro- 
ductos, agricultura,  industria  e  commercio.  —  Centros 
económicos  principaes.  —  Communicações 293 


662  índice 

CAPITULO  VIII 

A   SUISSA 


Pag-. 


Leve  esboço  politico  da  Suissa.  —  População.  —  Superficie. — 
Situação  commercial.  —  Como  a  falta  de  littoral  é  com- 
pensada por  outras  vantag-ens.  —  Como  pela  sua  situação 
foi  neutralizada  perpetuamente,  em  1816. — Zonas  physi- 
cas  de  que  se  compõe.  —  Systema  orographico  e  hydro- 
graphico,  e  belleza  e  variedade  de  aspectos  que  d'ahi  se 
derivam. — Como  tudo  isso  provoca  a  afluência  de  estran- 
geiros e  viajantes,  e  progresso  que  d'ahi  tem  resultado. 

—  Clima  e  vento  feún.  —  Riqueza  e  progresso  da  Suissa. 

—  Productos,  agricultura,  industria  e  commercio.  —  Cen- 
tros económicos  principaes. —  Communicações       .       .  313 

CAPITULO    IX 

BÉLGICA 

Ligeiro  esboço  politico  da  Bélgica,  n'este  periodo.  —  Como, 
ao  contrario  do  que  geralmente  succedeu  nos  outros 
paizes,  ella  aproveitou  com  o  governo  de  Napoleão.  - 
Como  o  congresso  de  Vienna  de  1815,  reunindo  no 
mesmo  sceptro  a  Bélgica  e  Hollanda,  deteve  o  progresso 
dos  Belgas  até  1825.  —  De  que  modo  a  Bélgica  entrou 
depois  n'uma  via  mais  satisfacteria  até  1830.  Como 
posteriormente,  pela  separação  dos  dois  Estados,  ella 
progrediu  enormemente  até  o  fim  do  século. — Productos, 
agricultura,  industria  e  commercio. — Centros  económicos 
principaes.  —  Communicações 337 

CAPITULO  X 

HOLLANDA 

Ligeiro  esboço  da  historia  politica  da  Hollanda  n'este  periodo. 

—  Como  o  bloqueio  continental  prejudicou  a  Hollanda, 
não  sómeute  porque  ella  não  encontrou  em  Napoleão  a 
protecção  que  a  Bélgica  teve,  mas,  também,  pela  guerra 
que  a  Inglaterra  fez  á  marinha  HoUandeza. — Como  depois 


ÍNDICE  663 


Pag:. 


que  a  Belg-ica  foi  adjudicada  á  HoUanda,  em  1815,  esta 
explorou  a  Bélgica,  e  progrediu  muito  economicamente. 

—  Como,  apesar  de  ter  perdido  a  Bélgica,  ^m  1830,  con- 
tinuou a  progredir  até  o  fim  do  século.  —  Productos, 
agricultura,  industria,  commercio,  marinha.  —  Centros 
económicos  principaes.  —  Communicações 357 

CAPITULO    XI 
DINAMABCA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Dinamarca  n'este  periodo. 

—  Como  ella  foi  também  prejudicada  pelo  bloqueio  con- 
tinental. —  Como  continuou  a  ser  prejudicada,  mesmo 
depois  d'elle,  pelas  guerras  em  que  andou  involvida  até 
1866.  —  Como  em  seguida  progrediu  muito.  —  Productos: 
deficiência  dos  mineraes;  em  compensação,  grande  abun- 
dância e  grande  capacidade  do  solo  nos  productos  agrí- 
colas. —  Agricultura,  industria,  commercio,  marinha.  — 
Centros  económicos  principaes. — Communicações        .  375 

CAPITULO    XII  . 
Scandlnavia 


SDECIA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Suécia  n'este  periodo.  — 
Como  a  Suécia  até  1914  soffreu,  da  mesma  forma  que, 
em  geral,  todos  os  paizes  da  Europa,  com  o  bloqueio 
continental.  —  Como,  depois  de  restabelecida  a  paz,  a 
Suécia  progrediu  muito,  conjunctamente  com  a  Noruega, 
e  que  ficou  unida.  —  Como  o  governo  de  Bernardotte 
(Carlos  João  XIII)  contribuiu  para  isso.  —  Como  este 
libertou  a  industria  de  muitas  restricções.  —  Productos, 
devastação  das  florestas,  agricultura,  mau  regimen  da 
propriedade,  criação  de  gado.  Industria  e  commercio.  — 
Centros  principaes. —Communicações 389 


664  índice 

CAPITULO  XIII 

Scandinavla 

II 
NOBDEGA 


Pae. 


Como  a  Noruega  seguiu  até  1815  politicamente  os  destinos 
da  Dinamarca,  e  de  que  modo  foi  prejudicada  pelo  blo- 
queio continental.  —  Como,  unida,  em  1815,  á  Suécia  em 
união  pessoal,  seguiu  também  politicamente  os  destinos 
d'ella  até  o  fim  do  século  XIX.  —  Como,  desde  então,  foi 
comprehendida  nos  esforços  communs  dos  reis  da  Suécia 
para  o  desinvolvimento  e  progresso  dos  dois  Estados.  — 
Como,  realmente,  a  Noruega  progrediu  muito  depois 
d'isso. — Como,  sendo  menos  manufactureira  que  a  Suécia, 
e  dispondo  de  menor  solo  agrícola,  se  dedicou  especial- 
mente á  navegação  e  ás  industrias  marítimas.  —  N'este 
sentido,  como  o  seu  progresso  foi  enorme,  depois  de 
1835;  e  de  que  modo  realisou  trabalhos  importantes  na 
illuminação  das  costas,  e  augmentou  a  marinha  e  farola- 
gem.  —  Productos,  agricultura,  regimen  da  propriedade  e 
aproveitamento  progressivo  de  terras  incultas  e  pantano- 
sas.—  Industria,  commercio  e  marinha.  —  Centros  princi- 
paes.  —  Communicações    .       .       .      .      • 411 

CAPITULO   XIV 

RÚSSIA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Rússia  neste  período. — 
Como  a  Rússia  não  foi  tão  prejudicada  pelo  bloqueio 
continental  e  guerras  napoleónicas  conforme,  em  geral,  o 
foram  os  outros  povos  da  Europa.  —  Gomo  as  ideias  e  a 
cívílísação  da  revolução  franceza  pouco  influíram  na 
Rússia.  —  Como  ella,  depois  de  1915,  tratou  de  utilisar 
os  immensos  recursos  do  seu  solo,  e  como  fez  progredir 
o  seu  movimento  económico. —  De  que  modo,  após  a 
guerra  da  Crimeia,  se  operou  uma  grande  transformação 
económica    na    Rússia,    e    como    esta   procurou    na   Ásia 


índice  665 


oriental  os  mercados  que  não  pôde  obter  na  Europa. — 
Como  também,  ao  mesmo  tempo,  emprehendeu  impor- 
tantes reformas  económicas.  —  Productos.  —  Agricultura, 
mau  regimen  do  propriedade  e  mau  aproveitamento  das 
florestas.  —  Industria,  commercio  e  marinha.  —  Centros 
económicos  principaes.  —  Communi  cações 423 


CAPITULO    XV 

A  Península  dos  Balkans 

I 
TURQUIA 

Leve  esbòco  da  historia  politica  d'esta  peninsula,  e,  porisso 
mesmo,  também  da  Turquia,  n'este  periodo. — Aspecto. — 
Systema  orográfico  e  hydrografico  e  clima  da  mesma 
peninsula.  —  Turquia.  —  Seu  atraso  económico.  —  Causas 
que  influiram  n'isso.  —  Productos. —Mau  regimen  da  pro- 
priedade.—  Agricultura.  —  Industria  e  commercio. —  Cen- 
tros económicos  principaes.  ^  Communicações       .       .      .        475 

CAPITULO   XVI 

A  Península  dos  Balkans 

II 
BULGÁRIA   E  ROMELIA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Bulgária  e  Romelia,  depois 
que  sa  tornaram  independentes  da  Turquia.  —  Agricul- 
tura; productos  agricolas  e  regimen  da  propriedade. — 
Florestas  e  legislação  protectora  delias- — Industria. — 
Commercio.  —  Centros  económicos  principaes.  —  Commu- 
nicações 499 


666  índice 


CAPITULO  XVII 


A  Península  dos  Balkans 


III 


A  ROMÉNIA 


Pa?. 


Leve  esboço  da  historia  politica  da  Roménia  n'este  periodo. 
— Aspecto,  orografia,  hydrografia  e  clima. — Excellentes 
condições  agrícolas  da  Roménia,  e  como  o  clima  as  pre- 
judicava e  a  desarborisação  mais  aggravava  os  inconve- 
nientes do  clima  —  Agricultura;  preponderância  dos  ce- 
reaes;  má  org^anisação  e  mau  regimen  da  propriedade;  e 
de  que  modo  uma  lei  de  1862  modificou  esse  regimen. — 
Florestas.  —  Criação  animal.  —  Industria.  —  Commercio  — 
Centros  económicos  principaes.  —  Communicações      .      .        505 


CAPITULO    XVIII 
IV 

A  Península  dos  Balkans 
SERVIA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Servia,  n'este  periodo. — 
Aspecto  e  relevo  do  solo.  —  Agricultura:  como  esta  pre- 
encheu quasi  unicamente  a  actividade  económica  da  Ser- 
via; regimen  da  propriedade  que  favoreceu  a  agricultura; 
affluencia  de  estrangeiros  que  também  a  favoreceu. — 
Productos  e  seu  augmento,  nos  últimos  tempos  do  século 
XIX.  —  Florestas  e  respeito  dos  Sérvios  pela  conservação 
d'ellas.  —  Apesar  d'isso  e  das  leis  que  as  favoreceram,  sua 
devastação.  —  Criação  animal.  —  Industria.  —  Commercio. 
—  Centros  principaes. — Communicações 516 


índice  667 


CAPITULO  XIX 

A  Península  doa  Balkans 

V 

MONTENEGRO 

Pag:. 
Leve  esboço  da  historia  politica  do  Montenegro  n'este  pe- 
ríodo.—  Como  primeiramente  eram  occupados  os  pastos 
e  florestas  das  montanhas.  —  Incursões  dos  montanhezes 
nos  valles  para  colherem  os  comestiveis  á  mão  armada." 
—  Como  tudo  isso  mudou,  pela  intervenção  da  Europa  — 
Productos.  —  Agricultura  —  Industria.  —  Commercio  — 
Centros  principaes  —  Communicações 527 

CAPITULO    XX 

A  Península  dos  Balkans 

VI 

GBECIA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Grécia,  n'este  periodo.  — 
Aspecto,  relevo,  clima,  orografia  e  hydrografia  — Como  a 
Grécia  n'este  periodo  formou  um  contraste  com  os  outros 
paizes  dos  Balkans-  —  Productos. — Agricultura  — Indus- 
tria.— Commercio  e  marinha. — Centros  económicos  prin- 
cipaes —  Communicações 533 

CAPITULO  XXI 

ITAUA 

Leve  esboço  da  historia  politica  da  Itália,  neste  periodo.  — 
Como  a  sua  historia  económica,  nos  primeiros  tempos 
d'elle,    se   confundiu  com  a  dos  grandes  Estados  a  que 


668  'NDICE 


esteve  sujeita- — Seu  grande  desinvolvimento  desde  1860, 
em  que  houve  a  união  territorial. —  Como,  então,  um  dos 
primeiros  cuidados  do  Governo  foi  desinvolver  as  com- 
municações.  —  Grande  progresso,  nos  últimos  tempos 
do  período. —  Grande  riqueza  do  solo  italiano,  e  como 
não  foi  devidamente  aproveitada  por  muito  tempo.  — 
Productos.  —  Agricultura.  —  Industria.  —  Commercio.  — 
Marínha  — Centros  económicos  principaes.  —  Communi- 
cações     


CAPITULO  XXI 

HESPANHA 

Leve  esboço  da  sua  historia  politica  n'este  periodo.  —  Modifi- 
cações importantes  que  se  haviam  produzido  na  Hespa- 
nha,  no  fim  do  século  XVIII,  pela  promulgação  de  medidas 
liberaes,  quanto  ao  commercio  e  industria. —  Esforços  de 
Carlos  III  e  Carlos  IV,  n'este  sentido  —  Desinvolvimento 
económico  resultante  d'isso  —  Abalo  que  a  Hespanha 
experimentou  com  a  revolução  franceza,  a  qual  fez  deter 
o  vôo  que  a  politica,  melhor  avisada,  acabava  de  lhe 
imprimir.  —  Como  as  gue  que  d'alli  provieram,  prejudica- 
ram enormemente  o  paiz.  —  Como  aos  ef feitos  d'essas 
guerras  acresceram  os  vicios  da  administração  interior  e 
a  insurreição  geral  das  colónias.  —  Desinvolvimento  pos- 
terior, no  reinado  de  Isabel  II. —  Era  de  renovação  e  pro- 
gresso, desde  1848  a  1862. —  Proclamação  da  republica; 
decadência  e  desordem  completa,  nos  dois  annos  que 
ella  durou.  —  Como,  ainda  depois  de  restabelecida  a  mo- 
narquia, a  guerra  carlista  continuou  perturbando  a  Hes- 
panha até  1876.  —  Como  a  Hespanha  retomou  dahi  por 
diante  o  progresso  económico,  apenas  com  o  intervallo 
passageiro  do  levantamento  de  Cuba  e  da  guerra  com  os 
Estados  Unidos.  —  Productos.  --Agricultura. —  Industria 
—  Commercio.  —  Centros  económicos  principaes.  —  Com- 
municações  . 


549 


581 


ÍNDICE  669 


CAPITULO   XXIII 


PORTUGAL 


Pag:. 


Leve  esboço  da  sua  historia  politica,  n'este  periodo. — Reacção 
que  houve  contra  as  medidas  do  Marquez  de  Pombal, 
nos  fins  do  século  XVIII.  —  Guerras  napoleónicas  e  pre- 
juizos  que  trouxeram  a  Portugal.  —  Tratado  commercial 
com  a  Inglaterra  de  26  de  fevereiro  de  1910,  e  ruina 
industrial  e  commercial  que  dahi  resultou  para  o  paiz. — 
Como,  além  d'isso,  as  guerras  e  luctas  civis,  desde  1820 
a  1834,  mais  augmentaram  a  ruina.  —  Como  a  nação 
começou  a  prosperar  depois  d'isso. — Influencia  das  leis 
de  Mousinho  da  Silveira- — Administração  do  ministro 
Passos  Manoel.  —  Vantagem  que  proveiu  de  ter  acabado, 
em  1836,  o  tratado  com  a  Inglaterra.  —  Periodo  agitado 
de  dissensões  e  luctas  politicas,  desde  1841  a  1852. — 
Subida  do  partido  regenerador  ao  poder,  e  como  fez 
progredir  o  paiz.  —  Levantamento  militar  do  duque  de 
Saldanha,  em  1870.— Tranquilidade  que  seguiu  até  o  fim 
século  XIX;  e  como  os  Governos  que  se  alternaram,  con- 
tribuiram  para  o  progresso  económico.  —  Productos.  — 
Agricultura-  Industria.  Commercio. —  Centros  económicos 
principaes-  —  Communicaçôes 607 

Recapitulação 657 


ERRATAS  PRINCIPAES 


Paginas 

Linhas 

Onde   se   lê 

Deve   ler-se 

19 

28 

(1830  a  1833) 

(1830  a  1848) 

20 

10 

Zandau 

Landau 

41 

9 

porque  a  Dinamarca 

mas,  ainda  assin^ 
marca 

50 

16 

(1886) 

(1866), 

54 

27 

Desgina 

Desima 

84 

26 

Rochosasi 

Rochosas 

94 

2 

James  Boss 

James  Ross 

99 

23 

Bertholet 

BerthoUet 

100 

11 

Bertholet 

Berthollet 

100 

25 

Bertholet 

Berthollet 

128 

20 

Thernaud 

Thénard 

249 

18 

decretos 

direitos 

293 

17 

1758 

1798 

294 

14 

Francisco  José 

Francisco  I 

294 

19 

Francisco  José 

Francisco  I 

315 

30 

desembarcar 

desembocar 

337 

4 

1814 

1815 

337 

17 

1814 

1815 

372 

8 

Arnhdrm 

Arnhem 

372 

10 

Haarder 

Haarlen 

518 

11 

invocar 

convocar 

524 

12 

tendas 

tecidos 

600 

2 

Tarquemada 

Torquemada 

Di 


i 


w^m