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Full text of "Historia insulana das ilhas a Portugal sugeitas no oceano occidental, composta pelo padre Antonio Cordeiro .."

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HISTORIA  INSULANA 


HISTORIA 

I]\SULA]\A 

DAS 

ILHAS  A  PORTUGAL  SUOEITAS 

iNO  OCEANO  OCCIDENTAL 
COMPOSTA  PELO 

PADRE  ANTONIO  CORDEIRO 

DA  COMPAXHIA  DE  JESl'S 

INSl'LANO  TAMBEM  DA  ILIIA  TERCEiaA,  E  EM  IDADE  0E  7G  ANNOS. 

PARA  CONFinMACAO  DOS  BONS  COSTCMES,  ASSIM  MORAES, 

C«»M(>  SOBI'.ENATIKAES,  DOS  XOBBES  AXTEPASSADOS  INSIXANOS,  XOS  PRESENTES 

E  KLTIROS  DESCEXDEXTES  SEUS,  E  SO  PARA  A  SALVACAO 

DE  SIAS  ALMAS,  E  MAIOR  GLORIA  DE  DEOS. 


VOI.lJMIi;  1 


LISBOA 
TYP.  DO  PANORAMA -^MZ  do  Arco  do  Bandeira— 1  li 

M  DCCC  LIVI. 


4-2.S13 
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lèéó 


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PROLOGO  AO  NOBRE  LEITOR 


Depois  de  ter  composto  a  FilosoOa  inteira,  que  dictei  na  Universi- 
<1ade  de  Coimbra,  ha  quarenta  annos,  desde  676  até  680,  e  a  Theologia 
Escolaslica,  que  na  mesma  Universidade  li,  até  o  anno  de  696,  e  a  Mo- 
ral  Theologia,  que  ensinei  na  dita  Universidade  ;  e  depois  dos  dous  to- 
inos  que  compuz  de  Resohi(oes  Theojuristicas  em  quatro  annos  seguin- 
tes  na  Prìmacial  Curia  de  Braga,  e  em  os  seffuintes  oito  na  Curia  do 
Porlo,  e  jà  quasi  nove  em  està  Regia  Corte  de  Lisboa,  fui  obrigado  a 
Indo  dar  à  imprensa  por  N.  M.  R.  P.  Michael  Angelo  Tamburino,  Pre- 
posito  Cerai  de  toda  a  Companhia  de  Jesus;  e  por  mais  que  me  escusei 
iv)r  minha  incapacidade  e  idade,  nao  tive  outro  remedio,  senao  (comò 
Religioso)  obedecer,  e  està  seja  a  desculpa,  que  ao  nobre  Leitor  pe^o, 
me  admitta.  Vejo  porém  me  dirao,  que  ainda  que  eu  sahisse  com  os 
ciuco  tomos  referidos  (da  Filosofia,  Theologia  Escolastica,  e  Moral,  e 
coro  OS  dous  Theojuristicos)  parece  temeridade  o  sahir  com  este  sexto 
tomo  da  Historia,  e  historia  vulgar  e  Insulana;  porque  com  vulgar  his- 
toria  deveria  sahir  um  secular,  e  d'ella  muito  erudito,  e  nao  hum  Reli- 
gioso,  e  com  historia  Insulana,  hum  que  Insulano  nao  fosse,  para  ser 
menos  suspeito.  Mas.a  estas  duas  duvidas  respondo,  que  se  de  historia 
nao  houvesse  Authores  Religiosos,  nem  das  mesmas  Religioes  haveria 
llistoriadores,  e  ficaria  privada  a  Christandade  da  Historia  mais  util  ;  e 
senao  fosse  Insulano  o  que  Hisloria  Insulana  compuzesse,  jà  por  isso 
raesmo  nào  seria  entao  menos,  mas  muito  mais  suspeito,  por  escrever 
o  que  deveria  ignorar  mais,  pois  mais  sabe  cada  hum,  ou  deve  saber, 
(la  propria  casa,  do  que  da  alhea,  de  oulra  sorte  nao  se  darla  credito 
aos  Reinoes,  Hisloriadores  de  seus  proprios  Reinos,  mas  aos  de  Reinos 
alheios,  de  que  nem  tanta  nolicia,  ou  experiencia  lem. 

Deixados  com  ludo  jà  os  apontados  molivos,  que  a  compòr  a  Histo- 
ria presente  me  moverào,  o  principal  foi,  e  ainda  he,  fata  que  haja  guem 
n  ella  me  emende;  porque  havendo  muito  mais  de  trezentos  annos  que 
as  Ilhas  de  que  tralamos,  se  descobrirào,  e  povoarao;  e  tendo  sahido 
d  ellas  sugeitos  muito  eminentes,  nao  so  nas  armas,  governos,  enasle- 
tras,  mas  (o  que  a  ludo  vence)  em  a  Calhohca  Fé,  e  sanlidade;  com  tudo 
ainda  nào  houve  alégora,  quem  sahisse  com  historia  d'estas  ilhas,  mas 


so  de  huma,  ou  de  outra  apontamentos  alguns,  e  esses  muito  diminufos^ 
e  menos  examinados,  e  ainda  fabulosos,  vendidos  por  verdadeiros;  com 
razao  logo  repito,  que  o  principal  motivo  de  me  arrojar  a  compòr  liis- 
loria  tal,  foi  para  que  haja  guem  fCella  me  emende,  e  entao  saia  perfeita, 
e  a  mais  util  n3o  so  a  racional  vida,  nobre  e  bumana,  mas  à  Christàa  e 
Catholica,  que  he  o  ultimo  firn  da  tal  historìa. 

E  se  alguem  reparar  de  se  tratar  nesta  historia  de  muitas  Genealo- 
gias,  repare  tambem  que,  quando  he  necessario  tfatar  d'ellas,  até  a  mes- 
ma  Sagrada  Escritura  em  o  seu  velho  e  novo  Testamento,  o  faz  tao  dif- 
fusamente, comò  vemos  :  darò  està  que  para  saber  quem  forao  os  des- 
cubridores,  e  povoadores  primeiros  de  huma  nova  terra,  de  forca  se  ha 
de  dizer  de  quem  elles  descendiao,  e  quem  descende  d  elles»  e  se  mais 
se  reparar,  achar-se-ha,  que  se  nao  diz  cousa  de  que  alguem  possa  sen- 
tir-se,  mas  a  nobreza  e  virtude  dos  ascendentes,  pSra  que  os  descen- 
dentes  as  imitem,  e  se  lembrem  dos  Christaos  brios  que  devem  obser- 
var  ;  e  a  que  nao  devem  desestimar  os  outros,  que  so  querem  ser  con- 
tados  por  netos  de  quem  nunca  os  chamou;  e  de  quem  forào  chamados, 
e  iograo  suas  riquezas,  nem  os  appellidos  querem. 

Porém  disto  mesmo  alguns  dirlo,  que  o  n5o  deve  examinar  pessoa 
Religiosa  ;  e  na  verdade  assim  he,  quando  n3o  he  necessario  :  mas  nao 
he  assim,  quando  necessario  o  he,  comò  o  faz  a  mesma  Igreja  Catholica, 
a  Inquisi(;3o  do  Santo  Officio,  e  as  Religioes  mais  puras,  que  nao  sendo 
necessario,  nunca  se  mettem  n'isso,  e  sendo-o,  o  nio  fazem,  so  por  nao 
publicar  defeitos  alguns  alheios,  e  menos  por  Ih'os  impor  (que  isso  he 
so  de  gente  soberba,  ambiciosa  e  ociosa)  ;  mas  por  se  conservarem  na 
limpeza  e  nobreza,  os  que  a  tem,  e  isto  com  a  verdade  pura,  e  nao  com 
a  infernal  emularlo.  E  porque  a  verdade  ordinariamente  se  nao  acha  em 
a  presente  materia,  sen5o  em  os  sugeitos  de  mais  annos,  de  mais  lifao 
de  livros,  e  de  Religiosa  consciencia,  pode  o  nobre  Leitor  dar-se  por 
seguro,  que  nao  acharà  n'esta  Historia  cousa,  de  que  seu  Author  duvi- 
dasse  ser  verdade  ;  e  se  està  com  eflfeito  faltar  em  cousa  alguma,  para 
isso  (terceira  vez  o  repito)  que  a  compuz,  para  que  haja  quem  a  emende. 


Vale. 


PROTESTAgAO  CATHOLICA  E  POLITICA 

0  Religioso  Author  d'està  Historia,  corno  sempre  firme  e  fiel  Calho- 
lico  Romano,  confessa  e  protesta,  que  o  senlido,  com  qiie  em  alguns 
lugares  d'ella  chama  Santos,  e  ainda  Marlyres  a  alguns  sugeitos  de  in- 
signe fama  de  virtudes,  nem  foi,  nem  he  outro  mais,  que  explicar  a 
commua  opiniao  que  ha  de  suas  vidas  e  mortes  :  pois  declaral-os  por 
Sanlos,  ou  por  Martyres,  so  à  Santa  Madre  Igreja  Catholica  Romana  per- 
tence,  e  assim  o  confessa  o  Author. 

Declaro  mais,  que,  quando  em  algumas  partes  d'este  livro  representa 
ao  Serenissimo  Rei,  e  Senhor  nosso  algum  outro  genero  de  governo,  po- 
litico, ou  militar,  de  mar  e  terra,  he  so  huma  humilde  proposta,  que  os 
soberanos  Princepes  estimao  ouvir  a  seus  vassallos,  que  sempre  devem 
eslar  promptos  a  ouvir,  e  aceitar  as  leis  de  seus  soberanos. 


Vistas  as  infofmacées,  pode-Se  itnprimir  o  livro  intitulado,  Historfa 
Insnlana,  e  impresso  tornare  para  se  conferir,  e  dar  licenca  que  corra. 
Lisboa  23  de  Dezembro  de  1716. 

Basse     Monieiro     Ribeiro    Rocha     Fr.  Rodrigo  Lancastre     Guerreiro. 


DO  ORDINARIO 

Concedemos  licenga,  para  que  se  possa  imprimir  o  livro,  Ilistoria 
Insulana,  e  impresso  tornare  para  se  conferir,  e  darmos  licenza  que 
corra,  e  sem  ella  nao  correrà.  Lisboa  30  de  Dezembro  de  1716. 

M.  Bispo  de  Tagaste. 

DO  PAgo 

Sexhor 

Vi  por  ordem  de  V.  Magestade,  a  Historia  Insulana,  que  tem  composto 
0  Padre  Antonio  Cordeiro  da  Companhia  de  Jesus.  Dos  elogios,  cora  que 
loda  a  sorte  de  Escritores  celebrou  està  Religi^o  Sagrada,  a  quem  suas 
heroicas  empresas  fizerào  verdadeiramente  a  Primogenita  da  Igreja,  or- 
denou  o  Padre  Christovao  Comes  bum  proporcionado  volume,  porém 
de  todos  OS  gloriosos  titulos,  que  n'aquelle  livro  se  achao  dados  à  Com- 
panhia de  Jesus,  nenhum  me  parece  tao  proprio  comò  o  do  Sol.  Ile  o 
Sol  aqnelle  Pianeta  Principe,  cuja  substancia  he  a  fonte  dos  res[)lando- 
res.  Pelo  beneficio  dos  seus  effeitos  se  conserva  o  mundo,  e  a  elle  se 
Ihe  deve  a  preciosa  producgao  dos  metaes,  que  sao  flihos  dos  seus  raios. 
Depois  de  illustrar  hum  emisferio,  para  que  nào  haja  parte  do  mundo, 
que  nao  sinta  por  experiencia  a  benegnidade  dos  seus  influxos,  quando 
parece  que  acaba  no  Ocddente,  cometa  outra  nova  vida  em  ulilidade  dos 
Antipodas.  até  que  comò  Feniz  das  luzes  torna  a  nascer  do  seu  mcsmo 
Occaso.  Nao  se  Ihe  podem  extinguir  as  chamas,  porque  sao  maiores  do 
que  todo  o  impeto  dos  ventos,  e  do  que  todo  o  pezo  de  hum  diluvio. 
Os  eclìpses  sao  embara^o  da  nossa  vista,  nào  sào  defeito  do  seu  fogo; 
lie  constante  no  seu  curso,  inalteravel  no  seu  circulo,  e  ou  seja  no  ber- 
co,  ou  seja  no  tumulo,  sempre  he  o  mesmo  na  diflerenca  das  estayocs, 
na  successao  dos  tempos,  e  no  giro  dos  seculos.  Todasestas  proprieda- 
des  venera,  e  admira  o  mundo  na  Sagrada  Companhia  de  Jesus,  porque 
ella  desde  a  sua  fundacào  foi  a  oflìcina  de  todas  as  sciencias  de  tal  sorte 
declaradas  e  reduzidas  a  methodo,  que  podemos  dizer,  que  parecerào 
seus  filhos  OS  seus  inventores.  Assim  o  dizem  com  geral  acclamacào  as 
Kscriluras  expliradas  por  Lorino,  e  por  A  Lapide,  as  Historias  Rihiicas 
de  Saliano,  e  de  Cordono,  aTheologia  Especulativa  de  Soares,  e  de  Vas- 


lì 

t|Qes,  ^  Polemica  de  Bellarmino,  e  de  ValenC^i,  a  Moral  de  Molma,  e  de 
Sanchcs,  a  Ascetica  de  Alvares  de  Paz,  e  de  la  Puente,  a  Historia  Ec- 
clesiastica de  Bollando,  e  de  Popebrochio,  a  Profana  de  MafTeo;  e  de 
Strada,  a  Filosofia  de  Fonseca,  e  de  Oviedo,  as  Mathematicas  de  Clau- 
dio, e  de  Des  Ghales,  de  maneira  que  se  conhece  com  evidencia  o  grande 
fur.damento,  com  que  no  dia  17  de  Agosto  do  anno  de  1716  disse  no 
pulpito  da  Casa  de  Sao  Roque  a  estrella  de  maior  grandeza  da  minha 
Sagrada  Congrega^ao,  que  se  n3o  podia  discorrer  solidamente  em  qual- 
qner  genero  de  letras  sem  os  resplandores  d'este  Sol  prodigioso.  Pela 
religiosa  efBcacia  d'estes  valerosos  soldados  todos  os  dias  eslamos  vendo 
destruidos  os  monstros  das  heresias  com  tanta  gloria  da  Igreja,  corno 
lerror  do  Inferno,  de  que  resulta  conservar-se  a  pureza  da  verdadeira 
Religiao,  e  verem-se  arrastradas  pelo  magestoso  carro  da  Divindade  as 
Ursas  do  Septenlriao,  confundidas  as  impiedades  de  Luthero,  as  blasfe- 
mias  de  Calvino,  e  as  loucuras  de  Zuinglio.  Como  se  nao  bastasse  ao 
seu  zelo,  ver-se  defendido  em  Alemanha  o  rebanbo  de  Pedro  pelos  vi- 
gilantes latidos  de  bum  Canisio,  entrarlo  os  raios  deste  mystico  Sol  a 
doutrinar  a  barbaridade  do  novo  mundo  com  os  milagres  de  bum  Joseph 
de  Ancbieta,  a  salvar  aos  Abexins  das  superstigoes  de  Nestorio  pela  pru- 
dencia  de  bum  André  de  Oviedo,  e  dando  liberdade  é  impaciencia  d'a- 
quelle  fogo,  que  herdarao  do  ardente  espirito  do  seu  Patriarcha  Santo 
Ignacìo,  fizerao  correr  a  moeda  do  Evangelho  no  Beino  antipoda  de  Or- 
rooz  pelas  maos  de  bum  Gaspar  Barzeo,  e  seguirem-se  os  Canones  da 
verdade  etema  pela  doutrina  de  Marcello  Francisco  Mastrilhi,  e  de  Ro- 
dolfo Acqnaviva,  illustrando  com  Patriarcbas  a  Ethiopia,  com  Mestres 
aos  Doutores  da  China,  e  com  Apostolos  as  Ilhas  do  Japao.  Por  està 
causa  nao  póde  extinguir  ao  Sol  da  Companb«a  a  actividade  do  seu  ar- 
der a  conjarada  malicia  de  tantos  Tyrannos,  que  se  apostarào  para  a  sua 
destruic^o  em  obsequio  dos  seus  idolos;  mas  de  todos  esles  edipses, 
que  Ihe  causar3o  as  nuvens  da  infidelidade,  e  da  inveja  da  sua  grande- 
za, Dio  se  colheo  outro  fruto,  senao  sahir  excessivamente  luminoso  a 
pezar  do  odio,  e  da  barbaridade,  coroando-se  com  as  palmas  de  infini- 
tos  Martyres,  que  ferlilizarao  aquellas  searas  Evangelicas  com  as  vitorio- 
sas  correntes  do  seu  sangue.  Nao  ofTendem  a  este  Sol  as  nuvens,  que 
se  Ihe  oppoem,  porque,  comò  a  luz  das  sciencias,  e  das  virtudes  Ihe  he 
naturai,  pouco  importào  as  contradigoes  dos  que  cegào  com  as  suas  lu- 
zes,  pois  confusos,  e  desenganados  de  o  nao  poderem  offuscar,  por  si 
inesmo  sedesvanecem.  Todas  estas  prerogalivas  vejo,  Senhor,  recopiladas 
no  Padre  Antonio  Cordeiro,  que  comò  raio  procedido  d'aquelle  Sol  dis- 
rorreo  por  todo  este  Reirjo,  allumiando  com  a  sua  doutrina  as  Universi- 
dades  de  Coimbra,  e  de  Evora,  os  Estudos  de  Braga,  de  Lisboa,  do 
Porto,  e  OS  da  sua  Patria  a  famosa  Ilha  de  Angra,  e  nao  satisfeito  de 
Ihe  revelar  as  sciencias  com  sublilissimas  novidndes.  comerou  a  vjda  de 
Apostolo  nas  fervorosas  Missoes  de  Viseu,  de  Pinhel,  de  Torres  Novas, 


HISTOMi 

INSULINA  LUSITANA 

lAWVLO  PRIHEIRO 

DA   CllEACÀO,   OU  PRINCIPIO  DAS  ILHAS  OCCIDENTAES,   TOCANTES 
À  MO.NAKCIIU  PORTUGUEZA. 

CAPITOLO  I 

Das  varias  opinides,  que  houce  em  està  materia. 

i  Primeira  opiniSo  de  muitos  Toi,  qnc  todas  as  Ilhas  que  hojc  lia 
no  ninr  Oceano  Occidental,  forao  em  seu  principio  partes  da  terra  firme 
•la  Europa,  e  Africa,  parte3  contigiias  eom  ella,  sem  entre  ellas.  e  a  ter- 
ra firme  haver  entao  mar  Oceano  algum,  corno  agora  vemos  que  ha;  e 
que  as  Ilhas  Terceiras,  vulgarmente  ch^adas  dos  Acores,  se  continna- 
vào  com  a  terra  da  Villa  de  Cintra,  e  por  està  com  a  serra  da  Estrella, 
(pie  em  CJnlra  vem  acabar,  e  amhas  sao  serras  bem  celcbres  em  Porta-' 
jral:  e  que  as  Ilhas  do  Porto  Santo,  e  Madeira  erao  contiguas  coro  a  ser» 
ra  de  Monchique  do  Beino  dos  Algarves;  e  até  das  ilhas  chamadas  Cana- 
rias,  sente  està  opiniao  que  se  continuavao  com  Africa,  e  erao  parte 
d'ella;  e  milito  mais  sente  o  mesmo  das  Ilhas  chamadas  de  Cabo  Verde. 

i  Funda-se  està  opiniao,  em  que  de  outra  sorte  ficariao  fundadas 
no  ar,  e  nao  poderiao  sustentarrse,  corno  vemos  sustentarem-se  até  ago- 
ra. E  con(ìrma-se,  porque  vemos  que  quem  das  Ilhas  Terceiras  navega 
a  Portugal,  vai  ordinariamente  demandar  a  Rocha  de  Cintra,  comò  cada 
parte  vai  naturalmente  buscar  ao  seu  todo:  logo  d'este  todo  erao  aquel- 
ias  Ilhas  parte,  e  nHo  mediava  de  antes  o  Oceano.  Està  opiniao  refere  o 
Doutor  Gaspar  Fructuoso,  varao  na  virtude  e  letras  veneravel,  de  que 
em  seu  lugar  faremos  a  bem  devida  memoria,  e  refere-a  no  seu  tomo 
maouscrìpto  lib.  i.  cap.  27,  cujo  originai  està  no  Collegio  da  Companbia 


16  HISTORIA  INSIXANA 

de  Jesus  da  Cidade  de  Ponla  Delgada  da  liha  de  Sao  Miguel,  qne  vi  com 
atlencao,  e  todo  fielmente  copiei. 

3  Parece  porém  nao  ler  fundamenlo,  mais  que  imag'mario,  està  opi- 
niao,  porque  para  que  as  Ilhas  nSo  ficassem  fundadas  no  ar,  mas  pudes- 
Sem  sustentar-se,  nao  he  necessario  continuarem-se,  a  ollios  vjstos,  com 
aignroa  outra  terra  firme  sem  mediar  mar  algum;  pois  basta  conlinua- 
rem-se  em  o  seu  proprio,  e  terreno  fundo  do  mar,  do  qual  fundo  so- 
bera acima  sobre  esse  mar  vastissimo,  em  o  meio  do  qual  ficao  feilas 
Ilhas,  e  mais  firmes,  de  algum  modo,  do  que  a  chamada  terra  firmi}; 
porquo.  assim  corno  a  terra,  que  nao  tem  por  cima  mar,  tem  comturlo 
allos  montes,  e  entre  si  mui  distantes  com  profundissimos  valles,  som 
que  por  isso  os  montes  fiquem  fundados  no  ar,  mas  em  suas  proprias 
raizes  mais  lìrmados,  e  exemptos,  do  que  os  infcriores  valles:  assira  tam- 
bem  a  terra,  que  tem  por  cima  de  si  ao  vasto  mar,  (pois  nào  ha  mar, 
que  nao  tentia  por  baixo  de  si  a  terra,  e  mais  ou  menos  a  baixo)  là  se 
divide  tambem  em  seus  valles  mais  profundos,  e  em  seus  montes  tao  al- 
tos,  que  sahem  sobre  o  mar,  e  alguns  sobre  as  nuvens,  e  formào  em 
cima  as  Ilhas,  de  que  algumas  sao  tao  grandes,  que  excedem  a  muilas 
que  chamào  terras  lìrmes;  comò  ainda  se  duvida,  se  a  America,  ou  o  Bra- 
zìl  he  terra  firme,  ou  Ilha;  e  Ilhas  sabemos  que  sao  Inglaterra,  Escocia, 
e  Irlanda,  e  oulras  ainda  maiores. 

4  E  quanto  a  confirmaQào  ^acima  opposta,  de  quo,  quem  vera  das 
Ilhas  Terceiras  para  Portugal,  vem  sempre  buscar  a  Rocha  de  Cinlra, 
comò  cada  parte  ao  seu  todo:  rasào  he  està  indigna  de  allegar-sc;  pois 
he  argumentar  das  obras  da  natureza  para  as  da  liberdade  humana.  e 
esla  costuma  ir  buscar  a  parte  aonde  tem  o  iiegocio  a  que  vai;  e  a  na- 
tureza sempre  vai,  e  necessariamente  demandar  o  seu  centro:  e  assira 
comò  seria  muito  aereo  dizer  que  as  ditas  Ilhas  Terceiras  sao  parie  do 
Inglaterra,  de  Franca,  de  Hollanda,  do  Maranhao,  de  Angola,  ou  do  Bra- 
zil,  porque  a  estas  partes  se  vai  das  ditas  Ilhas  muito  amiudadaraenlc; 
assira  parece  dizer  aereo,  que,  porque  das  Ilhas  Terceiras  se  vera  buscar 
a  Rocha  de  Cintra,  por  isso  d'està  s5o  parte.  Nao  ha  pois  que  Iratar  de 
tal  opiniao. 

5  A  segunda  opiniSo  he  tomada  ex  Dialog.  Platonis,  deThymeo,  e 
Elysio,  in  princip.  aonde  diz  que  havia  jà  nove  mil  annos,  qus  os  Allie- 
nienses  tinhào  vencido,  e  subjugado  o  bellicoso  povo  da  liba  Atlanta,  e 
que  houvera  està  antigamente  no  Oceano  Atlantico,  de  Africa  para  o  Poen- 


uv.  I  cap.  I  17 

te;  e  que  os  Reis  da  Atlanta  erao  tao  poderosos,  qne  vencerao  aos  Reis 
de  Hespanha,  e  senhorearao  grande  parte  d'ella:  e  no  colloquio  que  in- 
titaloQ  tambem  Atlanta,  dìz  d^esta  Ilha  cousas  admiraveis.  Donde  infe- 
rirao  alguns,  com  o  mesmo  Platao,  que  pois  a  Atlanta  era  maior  que 
Africa,  e  Asia  juntas,  estendendo-se  desde  Cadiz,  ou  boca  do  Estreito  atè 
às  que  boje  chamao  Indias  de  Castella,  ou  Antilhas,  e  até  às  grandes 
Ilhas  chamadas  Isabella,  ou  S.  Domingos,  (que  tem  de  comprinaento  cen- 
to e  cincoenta  legoas,  e  de  largura  quarenta)  e  a  Ilha  que  boje  cbamao 
de  S.  Joao,  e  outras  varias  Ilhas;  inferirao,  que  a  tal  Atlanta  occupava 
a  maior  parte  de  todo  o  Oceano,  e  que  entre  ella,  e  Hespanha  nao  ha- 
vla  mar  algum;  accrescentando,  que  a  Atlanta  se  sobvertera  com  as  ira- 
mensas  aguas  que  por  ella  corriào,  e  com  os  fataes  incendios,  e  terre- 
molos,  que  dos  mineraes  de  cobre.  enxofre,  salitre,  pedra  hume,  arre- 
bentarao  de  tal  sorte,  que  todo  o  seu  vastissimo  lugar  ficou  feito  bum 
mar  apaulado,  sem  em  muitos  annos  se  poder  por  elle  navegar;  até  que 
com  0  tempo  se  purificou  a  lagoa  tao  fatai,  e  ficou  bum  Oceano  Occi- 
dental, e  navegavel,  e  n'elle  muilas  Ilhas,  comò  reliquias  da  Atlanta,  de 
que  humas  sao  as  sobreditas  Terceiras. 

6  Confirmao  este  juizo  com  muitos,  e  mui  varios  exemplos,  tirados 
de  Antonio  Galvao  no  seu  tralado  de  diversos  dcscobrimentos,  porque 
nao  póde  negar-se  que  bouve  jà  em  outros  tempos  muitas  terras,  Ilhas, 
Cabos,  e  Angras,  ou  Enseadas,  que  desflzerao  as  aguas,  e  apartarao  hu- 
mas das  outras,  pela  pugna  naturai  da  bumidade  da  agua  com  a  secu- 
ra  da  terra;  e  assim  dìzem  muitos,  que  junto  a  Cadiz  bouve  as  Ilhas  cha- 
madas Frodisias,  multo  povoadas;  e  que  a  mesma  Uba  de  Cadiz  era  an- 
tigamente  continuada  pom  Hespanha,  e  que  de  Hespanha  a  Ceuta  se  con- 
tinuava a  terra  Arme,  e  se  passava  por  terra;  a  Uba  de  Serdenha  com 
Corsega,  a  de  Sicilia  com  Italia,  Negroponte  com  a  Grecia;  e  conforme  a 
Plinio  lib.  2  cap.  87  e  100,  antigamente  se  formarao  de  novo  as  Ilhas 
de  Delos,  e  Rhodes;  e  a  buma  o  mar  cortou  da  terra,  comò  a  Sicilia  da 
Italia,  a  Chipre  da  Siria;  e  outras  a  mesma  terra  firme  livrou  do  mar  pa- 
ra si:  semelhantemente  pois  podemos  dizer  com  fundamento,  que  as  Ilhas 
Terceiras,  ou  forao  partes  da  Atlanta,  ou  de  Portugal  forào  cortadas. 


éOL.  i 


18  HISTORIA  INSULANA 

CAPITULO  li 
Da  fabulosa  Ilha  Atlanta. 

7  D*esta  scgunda  opiniao,  comò  de  huma  mais  larga  explica^ao  da 
primeira,  e  confirmacao,  se  póde  dizer  ser  mais  falsa  ainda,  pois  ordi- 
nariamente huma  mentirà  so  com  outra  se  conQrma;  e  ainda  que  a  au- 
thoridade  de  Platao  he  muito  grande  no  que  prova  com  a  razao,  e  me- 
reca  credito  de  ter  ouvido  o  que  conta  que  ouvio,  nenhum  credito  me- 
rece  quera  Ih'o  disse,  pois  sao  factos,  que  sem  se  provarem,  nao  se  crem; 
maiormente  quando  seus  fundamentos  ou  sao  manifestamente  falsos,  ou 
sonhos  aereos,  e  contra  o  commum  sentir  dos  mais  Historiadores.  Va- 
mos  pois  aos  fundamentos. 

8  0  primeiro  fundamento  de  Platao  he,  liaver  bm  seu  tempo  ja  no- 
ve mil  annos  que  os  Athenienses  tinhao  vencido  aos  moradores  da  Ilha 
Atlanta;  e  isto  he  tao  falso,  que  se  falla  de  annos  solares  de  doze  mezes 
cada  hum,  nem  ainda  hoje  ha  tantos  annos  que  Deos  creou  o  Ceo,  e  a 
terra;  e  se  suppoem  que  o  mundo  dura  ab  seterno,  corno  parece  suppoz 
depois  seu  discipulo  Aristoteles,  he  huma  quasi  heresia,  que  se  nao  pó- 
de dizer;  se  porém  falla  de  annos  Egypcios,  ou  lunares,  d'estes  nao  con- 
tcm  mais  nove  mil,  que  setecentos  e  ciiicoenta  annos  solares;  e  comò 
Platao  floreceo  quatroccntos  e  cincoenta  annos  antes  da  vinda  de  Chris- 
to,  que  juntos  com  os  ditos  730  fazem  mil  e  duzentos  annos  solares  an- 
tes do  nascimento  do  Uedemptor,  segue-se  que  temerariamente  disserào 
a  Platao,  fsem  escrita  historia  alguma,  ou  outra  prova)  que  750  annos 
antes,  tinhao  ja  os  Athenienses  vencido  a  Atlanta,  pois  nem  testemuiihas 
vivas  podiiio  ja  cntaò  ter  de  750  annos  antepassados;  e  abaixo  veremos 
que  1200  annos  antes  da  vinda  de  Christo,  nao  tinlia  havido  tal  Atlan- 
ta, mas  0  Oceano  immediato  sempre  a  Ilcspanha. 

9  0  scgundo  fundamento  he,  contar  Platao  da  Atlanta,  que  estive- 
rà antigamente  n'esle  nesso  Oceano,  lanf^da  desde  a  boca  do  Estreito, 
6u  de  Cadiz  atò  ós  Indias  de  Castella,  ou  Anlilhas,  e  que  era  maior 
que  Africa,  e  Asia  junlas;  e  que  entro  ella,  e  Ilespanha  nao  havia  mar 
algum;  mas  que,  por  se  sobverter  com  aguas,  e  incendios,  dcixara  o  seu 
vastissimo  lugar  feito  hum  paùl,  e  por  muitos  annos  innavegavel,  ale  que 
com  elles  purificado,  ficou  feito  o  Oceano  Occfdental  que  hoje  temos.  Ao 
que  se  responde,  que  com  muita  razao  a  liistoria  se  comparou  a  pintu- 


LIV.   1  GAP.  Il  19 

ra,  pois  0  11  istoriar  sera  fundamento,  he  pinlar  comò  querer;  e  quanto 
sem  fundamento  se  diga  o  sobredito. 

10  Mostra-se  primeiro;  porque  implica,  e  repugna  cx)m  a  razao,  ter 
estado  a  Atlanta  n'esle  nosso  Oceano,  e  com  tudo  ser  maior  que  Africa, 
e  Asia  juntas;  pois  (corno  consta  por  experiencias)  de  Portugal  a  Goa  vao 
cinco  mil  legoas,  e  de  Goa  a  China  vao  mais  de  mil,  e  duzentas;  e  sabe 
Deos  quantas  vao  ainda  atè  o  Qm  da  firme  Asia;  e  por  experiencia  tam- 
bem  consta,  que  este  Oceano  lodo  nao  tem  tantas  legoas;  pois  ainda  que 
a  Atlanta  nao  corresse  desta  sorte,  de  Occidente  a  Oriente,  (o  que  he 
conlra  o  mesrao  Platào)  mas  corresse  de  nosso  Norte  ao  Sul,  ainda  por 
es  a  via  nao  he  maior  o  Oceano,  desde  o  nosso  Norte,  e  Pòlo  Arctico  até 
a  terra  Austral  além  do  Estreito  de  Magalhaes  da  parte  do  Pòlo  Antar- 
tico: Ingo  se  a  Atlanta  era  maior  que  Africa,  e  Asia  juntas,  e  o  nosso 
Oceano  he  muito  menor  que  ellas,  repugna  ter  estado  tal  Atlanta  no  dito 
Oceano,  salvo  se  disserem  que  estava  no  mais  vasto,  e  alto  ar,  e  ficarà 
sua  opiniao  verdadeiramente  aerea. 

11  Mostra-se  segundo;  porque  tambem  contra  a  razao  naturai  he, 
que  estando  a  dita  Atlanta  pegada  com  Hespanha,  som  haver  mar  entre 
melo;  e  estando  Hespanha,  e  Europa  com  Asia,  e  Africa  pegadas,  que 
comtndo  ainda  a  tal  Atlanta  fosse  liha;  porque  Ilha  he  aquella  terra,  que 
por  loda  a  parte  he  cercada  de  agua:  «  se  a  Atlanta  pegava  com  Asia,  e 
Africa,  bem  se  segue  que  nao  era  Ilha:  e  sendo  maior  que  as  duas  jun- 
tas, e  nao  sendo  estas  (comò  consta)  em  si  llhas,  menos  o  podia  ser  a 
tal  Atlanta:  e  se  o  mar  destruhio  huma  tal,  e  tanto  maior  parte  que  Afri- 
ca, e  Asia,  com  maior  facilidade  deslruiria  alguma  d'e^las,  que  era  tan- 
to menor  que  a  Atlanta:  logo  cousa  he  evidente,,  que  Atlanta  tal  nunca 
houve  em  este  nosso  Oceano;  e  quo  as  nossas  Ilhas  delle  nunca  forao 
partes  de  tal  Atlanta.  E  se  quizerem  dizer,  que  posto  que  a  Atlanta  pe- 
gasse  com  Hespanha,  pegava  comtudo  por  tam  menor  distancia,  ou  por 
lingua  de  terra  tao  pequena,  que  a  ficava  fazendo  peninsula,  id  est,  pe- 
ne insula,  e  porisso  ainda  com  rasao  a  tal  Atlanta  se  chamava  Ilha:  con- 
tra isto  està,  que  ainda  (comò  dizem)  a  dita  Atlanta  em  si  era  maior  quo 
Africa,  e  Asia  juntas;  e  se  estas  sendo  menores,  ainda  nao  sào  Ilhas.  me- 
nos 0  podia  ser  a  tal  Atlanta  maior. 

12  Mostra-se  terceiro:  porque  dizer  Platao,  ut  supra,  que  os  Reis, 
e  povos  de  Atlanta  (por  està  estar  pegada  com  Hespanha)  vencerao  os 
Beis  de  Hespanha,  e  senhorcarao  grande  parte  d^ella,  etc,  ho  falsidade 


20  IIISTORIA  l:\SULANA 

evidente,  que  comò  verdade  creo  Platao,  e  (cuidando  ser  tal)  a  escre- 
veo.  Prova-se,  porque  das  historias  mais  antigas,  e  geraes  do  mundo,  e 
em  especialidade  de  Hespanba,  sabemos  dos  Reis  todos  que  n^elIa  hou- 
ve  até  hoje,  desde  o  diluvio  de  Noe;  e  de  nenhum  delles  conta  Aulhor 
algum  (mas  so  o  sonhou  Platao)  que  fosse  vencido  de  moradores  da  Atlan- 
ta, nem  que  com  estes  tivesse  guerras,  nem  ainda  das  taes  guerras  ha 
historia  alguma,  havendo-a  de  muitas  outras  guerras:  logo  so  sonhada 
he,  e  nao  verdadeifa,  tao  chimerica  Atlanta  de  Platao. 

CAPITULO  III 

Dos  primeiros  Reis  de  Hespanha,  e  Portugal. 

13  Sabemos  pois  que  aos  1636  annos  solares  da  creagao  do  mundo, 
em  que  acabou  a  primeira  idade  d'elle  com  o  diluvio  de  Noe,  reparlk) 
este  0  Mundo  aos  tres  seus  filhos,  Sem,  Gham,  e  Japhet,  dando  Asia  a 
Sem,  e  a  Cham  a  Africa,  deo  Europa  a  Japhet,  que  antes  de  vir  para  el- 
la, feve  ainda  là  na  Armenia  bum  quinto  Albo,  chamado  Thubal,  que  es- 
colbeo  para  sua  babitafao  a  mais  occidental,  e  ultima  parte  da  Europa, 
que  se  cbamou  depois  Hespanba;  e  comò  Deos  entao  a  cada  bum  con- 
cedia  copiosa  descendencia  para  reparagao  do  Universo,  entrou  Thubal 
jà  com  muilos  descendcntes  pelo  mar  mediterraneo  alò  cbegar  ao  Estrei- 
to  de  Gibraltar,  e  desembocar  por  elle  em  o  vasto  Oceano,  visto  o  qual, 
e  nao  querendo  ver-se  em  oulro  diluvio  corno  Japhet  seu  pai,  e  seu  avo 
Noè  se  tinbào  \45to,  voltou  sobre  a  mao  direita,  costeando  por  mar  sem- 
pre a  terra,  e  veio  a  dar  em  a  foz  de  bum  vistoso,  e  bem  espraiado  rio, 
e  aqui,  saitando  em  terra,  fundou  n'ella  buma  povoa^ao,  a  que  cbamou 
Cethubala,  que  quer  dizer,  Ajuntamento,  ou  Povoacuo  de  Thubal,  Villa 
hoje  celebre,  e  celeberrimo  porto,  seis  legoas  da  Real  Cidade  de  Lisboa. 
Està  Cetuval  porém  foi  a  ordenada  Republica  primeira  que  bouve  em  to- 
da  a  Hespanha,  de  que  foi  o  primeiro  Bei  Thubal,  aos  143  annos  do  di- 
luvio, e  aòs  1801  da  creacao  do  mundo,  e  21G1  antes  da  vinda  de  Chris- 
to  Senhor  nosso:  e  reinou  Thubal  133  annos,  e  faleceo  aos  300  depois 
do  diluvio,  e  foi  sepultado  no  promontorio,  ou  Cabo  de  S.  Vicente:  ten- 
do sempre  observado  a  lei  da  Natureza  de  bum  so  Deos,  e  a  lingua  He- 
brea,  e  deixando  jà  povoada  muita  parte  de  Hespanba,  e  muito  mais  a 
està  sua  primeira,  que  depois  se  cbamou  a  Lusitania. 


LIV.  I  GAP,  III  21 

14  A  este  primeiro  Rei  Thubal  succecleo  no  Rcino  de  toda  Hespa- 
Dha  sea  filho  Hibéro,  n'ella  jà  nascido,  que  Ilibéro  se  chamou,  por  no 
mesmo  tempo  ter  vindo  da  Hibéria  da  Asia  a  Ilespanha  o  Gigante  Nem- 
broth,  sbando  primo  de  Hibéro,  e  neto  de  Cam,  e  bisneto  de  Noè:  o 
qual  Gigante  deu  tambem  o  nome  ao  rio  Ebro,  e  foi  chamado  Saturno: 
corno  tambem  chamarao  a  seu  bisavó  Noe,  per  ser  Saturno  nome  quo 
daTio  aos  primeiros  Fundadoros,  e  ser  Nerabroth  fundador  de  rauilos 
povos  em  a  mais  Hespanha:  comò  aos  flibos  dos  fundadores  chamavao 
Joves,  ou  Jupiter  a  cada  bum,  e  as  filhas  cbamavao  Junos,  e  aos  netos 
Hercules:  e  assim  fìngirao  os  Poetas  muitas  fabulas:  mas  nao  obstanle 
vir  Nembroth  com  varias  companhias  de  gente,  e  serem  bem  recebidos 
de  Thubal,  sempre  este  foi  o  Rei  absoluto  de  Ilespanba,  e  depois  d'elle 
sea  filbo  Hibero,  de  quem  Hespanha  se  chamou  Hiberia:  e  foi  este  Rei 
0  primeiro  inveutor  da  pescarla,  e  reinando  trinta  e  tres  annos,  faleceo 
aos  333  depois  do  diluvio  universal. 

lo  A  este  segundo  Rei  de  Hespanha  Hibéro  succedeo  seu  filho  Idu- 
beda,  ou  Jubalda,  em  cujo  tempo  morreo  em  Italia  seu  tresavò  Noè,  de 
900  annos  de  idade:  e  Hespanha  se  hia  povoando  muito,  e  multo  mais 
por  Cantabria,  e  o  que  hoje  chamao  Castella,  e  reinando  66  annos  Idu- 
béda,  morreo  aos  iOO  depois  do  diluvio,  e  aos  1905  antes  da  vinda  de 
Christo.  A  Idubéda  succedeo  por  quarto  Rei  de  Hespanha  seu  filho  Bri- 
go, que  por  mais  affeigoado  aos  Lusitanos,  ihes  fundou  muitas  Cidades, 
qoe  tomavao  o  sob renome  de  Briga,  corno  a  Cidade  de  Lagos  no  Algar- 
ve  se  cbamou  Lagobriga,  a  de  Coimbra  Conimbriga,  e  em  grande  parte 
de  Hespaoha  veio  o  nome  Briga  a  significar  o  mesmo  que  Cidade:  e  os- 
te Briga  foi  o  que  mandou  povoar  Hibernia,  que  de  outro  Hespanhol, 
chamado  Hiberno,  seu  descobridor  primeiro,  tinha  jà  tomado  o  nome 
de  Hibernia.  Reinou  Brigo  51  annos,  e  seu  filho  Tago  foi  quinto  Rei  de 
Hespanha,  e  deo  o  nome  ao  celebjado  rio  Tejo:  e  em  trinta  annos,  que 
reinou,  mandou  povoar  Berberia  em  Africa,  Fenicia,  e  Albania  em  a  Asia. 
Succedeo-lhe  em  sexto  Rei  de  Hespanha  seu  filho  Belo,  (chamado  por 
sobrenome  Tardelano)  e  d'elle  toda  Hespanha  tomou  o  nome  de  Beli- 
ca,  que  fìcou  a  que  hoje  chamao  Andaluzia,  e  ao  rio  Belis,  que  passa 
{K)r  Sevilha,  e  a  que  hoje  chamao  Guadalquibir,  nome  Arabigo,  que  quer 
dizer  Rio  Grande.  Reinou  pouco  mais  de  trinta  annos,  morreo  aos  2167 
da  creagao  do  mundo,  511  depois  do  diluvio,  17U0  antes  do  nascimen- 
to de  Christo:  e  n'este  Rei  Boto,  sexto  Rei  de  Hespanha,  e  de  Noe  neto 


24  IIISTORIA  INSULANA 

tassem  a  seu  filho  Hispalo,  e  foi  o  undecimo  Rei  de  loda  ella,  e  gover- 
nando-a  so  qualorze  annos,  Ihe  saccedeo  seu  filho  Hispano,  ou  Hispao, 
annos  604  do  diluvio,  1702  antes  do  nascimento  de  Chrislo,  e  22G0  des- 
de  a  creafao  do  mundo,  e  fundou  lantos  povos  governando,  que  d'este 
Hispano,  e  do  pai  Ilispalo  tomou  todo  o  seu  Reìno  o  nome  de  Hespa- 
nha,  e  de  Hespanhoes  os  moradores,  do  nome  do  seu  Rei  duodecimo 
Hispano:  reinou  trinta  e  bum  annos,  e  morreo  sem  deixar  fìlhos;  o  que 
sabendo  em  Italia  seu  avo  Hercules,  deixou  Italia  para  vir  succeder  a  seu 
neto,  e  reinar  em  Pórtugal,  e  Hcspanha,  e  n'ella  teve  ainda  o  sceptro 
vinte  annos,  e  morreo  jà  velho,  no  de  G56  depois  do  diluvio,  2312  da 
creacao  do  mundo,  e  1670  antes  do  nascimento  de  Cbristo;  foienterra- 
do  ém  Cadiz;  e  dos  Gentios  que  vinbao  à  sua  sepultura  em  romaria,  foi 
adorado  por  Deos,  e  Ihe  chamarao  os  Antigos  Apollo  Egypciano;  e  por 
suas  grandes  obras  tomàrao  muitos  depois  o  nome  de  Hercules,  de  que 
0  mais  celebre  foi  o  Grego  Hercules  Alceo,  filho  de  Amphitrion,  a  quem 
attribuirao  muitas  das  grandes  obras  d'este  nosso  decimo  terceiro  Rei 
Hercules. 

20  Por  decimo  quarto  Rei  de  Pórtugal  e  Hespanha  nomeou  Hercu- 
les, antes  de  morrer,  a  hum  irmio,  ou  parente  seu,  cbamado  Hespero, 

\  famoso^  Capit3o,  que  comsigo  tioba  trazido  de  Italia;  e  este  foi  o  que  a 
Hespanha  deu  o  nome  de  Kesperia,  ou  Hesperida;  porém  comò  d  este 
Hespero  soubesse  hum  irmao  seu,  por  nome  Atlante  Italo,  que  era  pou- 
co  aflfeicoado  aos  Porluguezes,  e  Andaluzes,  com  huns,  e  oulros  veio  de 
Italia  a  ajuntar-se,  e  em  varias  batalhas  despojou  do  Reino  a  Hespero, 
que  para  Italia  se  voltou  fugindo,  tendo  reinado  sómente  onze  annos  em 
Hespanha,  que  come^ou  Atlante  a  governar,  sendo  d'ella  o  Rei  decimo- 
quinto, e  0  mais  amigo  dos  Portuguezes,  e  tanto,  que  em  Pórtugal  vi- 
via  ordinariamente,  e  d'ahi  governava  toda  Hespanha. 

CAPITULO  V 

Do  decimo-quinto  Rei  de  Hespanha  Atlante;  fundamento 
da  fabulosa  llha  Atlanta. 

21  E  aquì  descubro  eu  o  fundamento  que  teve  PlatSo  para  dizer, 
que  OS  Reis  da  Uba  Atlanta  vencerSo  aos  Reis  de  Hespanha,  e  senhorea- 
rao  grande  parte  d'ella;  porque  corno  este  Bei  Atlante  de  Italia  veio  por 


LIV.  I  CAP.  V  25 

mar  a  Porlugal,  e  em  varias  batalhas,  ajudado  dos  Portuguezes,  venceo 
lolalmente,  e  despojou  ao  Rei  de  llespanha  llcspero,  Allanla,  cuidarao 
ser  este  Atlante:  e  p6r  vir  com  niuitas  gentes  por  mar,  ao  tal  Atlante 
chainarao  liha  Atlanta,  e  dos  que  coni  elle  vieiào,  cuidarao  ser  da  liha 
Atlanta  moradores,  e  d'aqui  inferirao  que  os  Reis,  e  moradores  da  liba 
Atlanta  venferào  aos  Ileis  de  Hespanha,  e  corno  a  Italia,  entao  mais  por 
mar  do  que  por  terra,  se  coramunicava  com  llespanha,  sendo  que  tam- 
bem  por  terra  se  comraunica:  d'aqui  tambem  levantarao,  que  a  liba 
Atlanta,  sendo  Uba,  pegava  tambem  com  llespanha;  e  porque  Platao,  e 
OS  seos  nab  sabiao  ainda  a  largura,  e  comprimento  do  Oceano,  por  isso 
nelle  cuidarao  ter  estado  a  Allanla,  que  muito  maior  fingiào  do  que  na 
verdade  be  o  Oceano:  e  emflm,  comò  jà  em  tempo  de  Platao  se  sabia 
nao  haver  ja  tal  Atlanta  no  Oceano,  resolverao,  e  disserao,  que  tinha  si- 
de do  mar,  e  de  suas  proprias  aguas,  submergida  quasi  toda;  e  eis-aqui 
porque  cuidarao  alguns  depois,  que  as  Ilhas  do  Oceano  sào  reliquias  dei- 
xadas  da  Atlanta,  sendo  tudo  pura  falsidade  levantada  nos  pés  do  nosso 
Atlante. 

22  A  este  decimo-quinto  Rei  de  Hespanha  Atlante  cbamavao  de  an- 
les  Kilim,  e  depois,  sobre  Atlante,  Ihe  chamarào  Italo;  porque,  comò  os 
Gregos  aos  bezerros  das  vaccas  chamem  Italos,  e  Atlante  entao  fosse  se- 
nhor  de  muitos  gados,  que  efao  as  riquezas  d'aquelles  tempos,  e  d'aquel- 
las  terras,  por  isso  a  este  Atlante  chamavao  por  sobrenome  Italo,  e  ain- 
da à  mesma  terra  que  mais  abundante  era  de  gados,  e  bezerros,  comò 
ainda  hoje  be,  chamarào  Italia,  e  Ihe  conGrmou  tal  nome  o  mesmo  Atlan- 
te Italo,  quando  depois  vollou,  comò  veremos,  a  governal-a.  Estando 
pois  era  Italia  llespero,  e  Atlante  em  Porlugal,  e  sabendo  este  que  Hes- 
pero  fiù  hia  fazendo  senlior  de  toda  Italia,  e  que  Ihe  chamava  Hesperia 
a  grande,  para  distincào  da  nossa  Hesperia,  ou  Hespanha,  (sendo  està 
muiUj  maior  do  que  Italia,  pois  a  nossa  llespanha  tem  quasi  trezentas 
legoas  de  comprimento,  e  Italia  tem  so  2S5,  no  largo  tem  Italia  250,  e 
su  102  no  mais  largo,  e  Hespanha  tem  de  largo  250  legoas,  e  G30  de 
circunferencia,  pouco  mais  ou  menos,  fallando  sempre,  e  igualmente  de 
l^oas  de  quatro  milhas  cada  buma,  ao  modo  Hespanhol)  determinou-se 
Atlante  voltar  a  Italia,  e  fazer  guerra  a  Hespero;  mas  este  vcndo-o  là,  e 
com  malta  soldadesca  Portugueza,  lego  veio  bumilde  sogeitar-se  Ihe,  e 
flKHTeo  d'abi  a  poucos  dias,  e  Atlante  entao  casou  a  Electra,  sua  Alba 
Portagueza,  com  Saturno  fiibo  de  Hespero,  e  os  màndou  povoar,  e  go- 


2(>  HISTOUIA  INSULANA 

vernar  certa  parte  junlo  aos  montes  Alpes,  e  ficouse  Atlante  senhor  de 
loda  Italia.  , 

23    Tinlia  Atlante  levado  de  Portugal  comsigó  (além  da  Portugneza 
Electra  sua  filha)  a  oatra  Portugneza  filha,  chamada  Roma:  e  corno  vio, 
que  està  gostava  mais  de  tratar  com  os  Portuguezes,  seus  naturaes,  que 
Atlante  de  Portugal  tinha  levado,  deo-os  por  vassallos  à  dita  filha  Roma, 
e  Ihes  fundou  huma  povoacao  em  o  monte  Capitolino  de  Italia,  e  Ihe 
deo  0  nome  da  dita  filha,  chamando  à  Povoacao  Roma,  de  que  a  filha 
Portugueza  ficou  feila  senhora;  e  esle  lugar  he  aquelle,  que  depois  Ro- 
raulo,  e  Remo,  celeberrimos  irmaos,  reedificàrao,  e  accrescentarao,  e  he 
hoje  a  famosa  Roma,  que  depois  foi  cabeca  do  mundo  todo,  assento  de 
seus  Emperadores,  e  hoje  de  toda  a  Igrcja  Catholica  he  a  cabeQa,  e  Cor- 
to primo  fundada,  e  povoada  pela  Nagào  Portugueza,  posto  que  depois 
reedificada  pelos  dous  irmaos  Romulo,  e  Remo.  Nem  pareca  nova  està 
sentenza,  pois  muitos  Authores  dizem  que  antes  de  Romulo,  e  Remo  era 
fundada  jà  Roma,  e  se  chamava  Valencia,  outros,  que  fora  fundada  por 
huma  neta  de  Eneas,  filha  de  Ascanio,  que  tinha  por  nome  Roma,  outros 
que  por  alguns  Gregos,  que  alli  vierao  depois  de  tomada  Troya;  e  ou- 
tros, que  pela  Portugueza  Roma,  filha  do  dito  Atlante,  nascida,  e  crea- 
da  em  Portugal,  comò  se  póde  ver  no  tom.  i  da  Monarchia  Lusitana,  lib.  i 
cap.  10,  e  se  de  Constantinopla  dizem  muitos,  com  Garibay,  lib.  ni 
cap.  6,  que  nao  foi  fundada,  mas  so  reedificada  por  Constanlino;  e  que 
tambera  Lisboa  foi  so  reedificada,  e  nao  fundada  primo  por  Ulysses,  nao 
he  multo  que  se  negue  ter  sido  Roma  fundada  pelos  dous  Romulo,  e 
Remo,  quando  tao  nobre  principio  Ihe  damos,  comò  huma  Princeza  Por- 
tugueza, filha  do  grande  Rei  de  toda  Hespanha  Atlante:  de  quem  se  fin- 
gem  Poetas  que  sustentàra  ao  Ceo  sobre  seus  hombros,  com  verdade 
nós  diremos  que  a  Roma,  comò  a  cabeca  do  Ceo  da  Igreja  Catholica,  fun- 
dou a  filha  de  Atlante,  e  n'isso  mais  mostrou  ser  huma  Real  Portugue- 
za, e  Roma  bum  Regio  parto  Portuguez. 

CAPITOLO  VI 

Dos  seguintes  Reis  de  Hespanha  descendentes  de  Atlante. 

24    Antes  porém  que  Atlante  voltasse  de  Portugal  para  Italia,  além 
das  duas  filhas  Roma,  e  Electra;  tinha  mais  bum  fillio,  aìnda  do  pou- 


LIV.  I  GAP.  VI  27 

ca  idade,  chamado  Sicóro;  e  fazendo-o  primeiro  acclamar  Rei  de  loda 
a  Hespanha,  se  foi  acudir  a  Italia,  e  n'alia,  pela  dita  Portugueza,  fi- 
Iha  sua  Roma,  fez  primo  fundar  a  Imperiai  Koma  aos  678.  annos  depois 
do  difnvio,  2334  da  creagao  do  mundo,  1628  antes  do  nascimento  de 
Christo.  Deixo  as  varias  fabulas  que  d'este  Atlante  fingirào  os  Poelas,  por 
continuar  com  os  antigos  Reis  de  Hespanha  para  o  intento  d^  liisloria. 

25  Decimo-sexto  Rei  de  Hespanha  ficou  feito  filho  de  Atlante,  e 
reinando  quareota  annos,  por  este  tempo  nasceo  là  em  Egypto  o  Patriar- 
cha  Moysés;  e  cà  em,  Portugal,  onde  principalmente  Sicóro  residia,  nas- 
ceo hum  seu  filho  chamado  Sicàno,  que  (morto  o  pai)  ficou  decimo-se- 
plimo  Rei  de  loda  Hespanha,  e  com  reinar  trinta  e  hum  annos,  nào  teve 
em  Hespanha  guerras,  comò  nem  seu  pai  Sicóro  as  tinha:  mas  porque 
os  Portuguezes,  que  tinhao  fundado  Roma,  erao  perseguidos  là  dos  Abo- 
rigenes,  e  Enotrios,  comarcaos  do  libre,  Sicàno  Ihes  mandou  de  cà,  de 
Portuguezes,  e  Andaluzes,  lai  soccorro,  e  apos  este,  foi  o  mesmo  Rei 
Sicàno  com  tal  exercito,  que  comò  famoso  Capitao  venceo,  e  de  lodo 
deslruhio,  nao  so  aos  Enotrios,  e  Aborigenes,  mas  aos  Giganles  Cyclo- 
pas,  e  Lelrigones,  que  roubavao  a  Uba  Trinacria,  (assim  chamada  entSo 
por  eslar  formada  em  tres  quinas)  que  agradecida  ao  Portuguez  Sicàno, 
sea  Restaurador,  d'elle  se  chamou  Sicania,  nome  que  o  tempo  mudou 
em  Sicilia,  e  he  hoje  a  famosa  Hha  d'este  nome,  nao  so  restaurada  pe- 
los  Portuguezes,  mas  por  muitos  d'elles,  que  niella  ficàrao,  novamente 
habitada.  Dos  Cyclopas,  (por  serem  os  primeiros  que  fabricarao  ferro, 
e  broDze,  e  armas  d'elles)  fabulizarao  os  antigos,  que  tinhao  em  o  meio 
da  testa  hum  so  olho;  que  erao  os  proprios  ministros  de  Vulcano,  Deos 
do  fogo;  e  que  faziào  os  raios,  com  que  à  terra  atirava  Jupiter,  quando 
irado.  Dos  Letrigones  se  diz  que  erao  povos  tao  ferozes,  o  indomitos, 
que  cornilo  carne  humana,  e  comò  muito  valentes,  e  huns  publicos  la- 
droes,  summamente  todos  os  temiào,  e  d'elles  fingiao  muitas  fabulas.  E 
a  todos  estes  comtudo  venceo,  e  desbaratou  o  Portuguez  Rei  Sicàno  com 
OS  seus  Portuguezes,  e  Andaluzes;  e  deixando  Roma,  e  Italia  jà  liber- 
lada,  e  pacifica,  se  voltou  a  Portugal  com  alguma  parte  de  seu  Iriun- 
fante  exercito,  até'que  cà  morreo,  tendo  (comò  jà  dissemos)  reinado 
triota  e  bum  annos. 

26  A  este  Rei  decimo-septimo  Sicàno  se  seguio  Siceleo,  seu  filho, 
e  foi  o  decimo-oitavo  Rei  de  Hespanha,  quando  jà  em  Italia  reinava  Ja- 
zio  filho  da  Portugueza  Electra,  irm3o  do  Rei  Sicàro  avo  do  dito  Sice- 


28  HISTORIA  JNSILANA 

k'O  ;  e  porque  a  este  Jazìo  queria  seu  irmao  DardaDO  despojal-o  do 
Keìno  de  Italia,  pedio  Jazio  soccorro  ao  nosso  Rei  Siceleo,  qae  pas- 
sando logo  a  Italia  com  poderoso  exercilo  fez  amigos  entra  si  aos  deus 
irmaos,  seus  tios;  mas  o  Dardano  malandò  pouco  depois  ao  indio  Ja- 
zio à  traìcao,  e  voltando  com  muitos  Aborìgenes  a  dar  batalha  a  Sier- 
ico seu  sobrìnho,  foi  deste  tao  vencido,  que  fugìndo  nao  parou  senao 
na  Asia,  e  n'esta  fundou  huma  Cidade,  que  delle  tomou  o  nome  de 
Dardania;  e  de  bum  neto  de  Dardano,  por  nome  Trovo,  se  diamou 
Troya,  e  de  Ilo  filho  de  Trovo  se  denominou  //iiim,  o  qua!  Ilo  foi  pai 
de  Laomedonte,  e  avo  de  Priamo  ;  e  até  de  bum  genro  de  Dardano, 
cbamado  Teucro,  tomou  a  dita  Cìdade  tambem  o  nome  de  Tenaria:  e 
està  he  aquella  Troya  laraentada  por  Eneas,  e  seu  Poeta  Virgilio;  se 
bem  póde  ainda  gloriar-se  de  ter  sido  fundafao  de  bum  braco  Portu- 
guez,  qual  era  Dardano,  fìllio  de  Elcctra,  nascida  em  Portugal,  e  filha 
do  sobredito  nosso  Atlante  :  que  se  Uoma  foi  fundada  por  huma  tal 
Portugueza,  que  Ilio  deo  seu  nome;  Troya  pelo  fllho  de  outra  Portugue- 
za  Electra,  irma  de  Roma,  foi  fundada,  corno  partos  do  Atlante  Portu- 
gal. Foi  a  fundacao  de  Troya  pelos  annos  de  1509  antes  da  vinda  de 
Christo.  Ficando  pois  Siceléo  senlior  absoluto  de  Italia,  deo  d'ella  toda 
0  governo  a  Coribantho  seu  primo,  filho  do  jà  morto  Jazio,  e  depois  de 
alcangadas  as  vitorias  d'aquelics  rebellados  Aborigenes,  em  Italia  mor- 
Tiso  0  Rei  Siceh^,  deixando  declarado  Rei  de  toda  a  Ilespanha  a  Luso, 
seu  filho,  que  com  os  mais  se  veio  logo  para  Portugal. 

CAPITULO  VII 

Do  Rei  Luso,  e  sua  Lusitana  descendencia, 

27  Rei  decimo-nono  de  Ilespanha  foi  o  dito  Luso,  e  comefou  a  reinar 
pelos  ditos  annos  do  1309  antes  da  vinda  de  Christo,  e  foi  tao  celebrada 
sua  vinda  pelos  Portuguezes,  que  o  coroarao  solemnemente  no  celebre  tem- 
pio de  Hercules,  no  Cabo  que  hoje  chamào  de  S.  Vicente;  e  tao  affei- 
(joado  so  raostrou  aos  Portuguezes.  e  Ihos  fundou  tcrras,  e  povoagoes 
tantas,  que  os  mais  povos  de  Ilespanha  comegarao  a  chamar  aos  Portu- 
guezes Lusitanos,  e  às  terras  d'estes  Lusitania,  nome  que  até  hoje  con- 
senao,  assim  a  terra,  comò  os  moradores  d'ella;  ainda  que  alguns  di- 
zem  que  do  dito  Lusd,  e  do  rio  Ana,  (que  he  o  Betis,  ou  Guadiana,  que 


Liv.  I  CAP.  vn  29 

era  mourisca  lingua  he  rio  Ana)  tomou  està  Provincia  o  nome  de  Lusi- 
tana; outros,  que  de  Lisias  tomou  o  nome,  e  os  moradores  de  Lusitanos. 

28  0  certo  he  que  a  antiga  Lusitania  comprehendia  as  Cidades  do 
Badajoz,  Albuqnerque,  Merida,  Guadalupe,  Talaveira,  Alcantara,  Placen- 
aa,  Samora,  Avila,  Ciudad  Rodrigo,  Salamanca,  e  outros  muitos  lugares 
d  aqaella  parte  de  Castella,  que  chamao  Estremadura;  e  ainda  loda  Ga- 
liza,  corno  diz  o  Agiologio  Lusitano  tom.  i.  Iloje  porém  a  Lusitania  com- 
prehende  nào  so  o  Reino  de  Portugal,  mas  tambem  o  dos  Algarves,  e 
por  outras  parles  se  Ihe  accrescentarao  a  Provincia  de  Entre  Douro,  e 
Minho,  que  era  da  Galiza  antiga,  e  a  Provincia  de  Tras  os  Montes,  que. 
era  do  Reino  de  Leao,  e  a  Provincia  Tarragonense,  e  outros  lugares  da 
Provincia  Belica,  ou  Andaluzia,  que  Portugal  hoje  tem  alem  do  Guadia- 
na;  e  por  isso  todas  eslas  terias,  e  seus  moradores  conservao  o  nome 
de  Lusitania,  e  Lusitanos. 

29  Jaz  pois  a  Lusitania  na  ultima,  e  melhor  parte  de  Hespanha, 
janlo  30  Oceano,  em  33  gràos  de  altura,  e  acaba  em  42  e  bum  quinto; 
tem  hoje  de  comprimento  91  legoas,  da  ponla  do  Cabo  de  Sào  Vicente 
para  o  Norie  ale  a  foz  do  rio  Minho;  de  mais  largo  tem  trinta  e  oito  le- 
goas, da  Rocha  de  Cintra  ale  a  Villa  de  Alegrete!;  em  oulra  parte  tem 
trinta  e  cinco,  da  barra  de  Villa  do  Conde  ale  a  Cidade  de  Miranda  ;  e 
por  oulra  parte  tem  vinte  e  seis  legoas  de  largo,  da  foz  do  Guadiana 
ale  0  Cabo  de  S.  Vicente:  em  circumferencia  tem  mfls  de  duzentas  e 
noventa  e  huma  legoas,  (fallando  sempre  de  legoas  de  quatro  milhaS,  e 
nao  menores.)  Do  mais  de  Portugal,  das  Provincias,  grandezas,  e  Nobre- 
zas  que  conlém,  e  das  Monarchias  que  tem  ultraraarinas,  e  a  si  sugei- 
las,  comò  o  mundo  novo  em  o  Brasil,  no  Maranhào,  em  Angola,  e  Ethio- 
pia  a  Alta,  e  em  todo  o  Oriente,  desde  Goa  ale  a  China;  razao  de  ser 
nào  so  huma  das  melhores  parles  de  Europa,  mas  tambem  da  melhor 
d'ellas,  de  Hespanha  a  cabega,  por  ser  quasi  loda  llespanha  hup)  Certao 
de  Portugal,  e  esle  ter  os  melhores  portos  d'ella,  aonde  entravao,  habi- 
lavao,  e  sahiao  os  Reis  d'ella;  nào  he  possivel  fallar  de  ludo  isto,  mas 
so  nos  convem  tornarmos  a  seguinle  successao  dos  nossos  Reis,  para  o 
intento  que  levamos. 

30  A  Luso  pois,  (de  Hespanha  o  decimo  nono  Rei)  succedeo  Siculo 
seo  filho  no  anno  de  1476  antes  da  vinda  de  Christo,  830  depois  do  di- 
luvio, e  2486  da  creacao  do  mundo.  Esle  Sìculo  imitando  a  seu  avo  Si- 
oeieo,  foi  tambem  de  Portugal  com  grande  Armada,  e  exercito  a  Italia, 


30  flISTOniA  INSULANA 

e  fez  qne  os  Aborigenes  rcslituissem  a  Roma,  e  a  scus  Ilespanhoes,  e 
Portuguezes  quanto  Ihes  tinhao  roubado,  e  indo  logo  a  Trinaòria,  ou  Si- 
cilia, em  batalha  acabou  de  desiruir  aos  Giganles,  que  infestavao  aquella 
Uba,  que  tendo  tornado  do  nosso  Siceleo  o  nome  Sicilia,  d'esle  Siculo  o 
conflrmou  em  Sicnlia,  ou  corno  de  antes,  Sicilia;  e  tanto  se  alargarao  os 
Portuguezes,  e  mais  Hespanhoes  por  Roma,  qiie  aquella  terra  se  chamou, 
Latium,  cousa  larga;  e  os  Toetas  fingirao  chamar-se  Lnlium,  do  verbo, 
Lateo,  que  significa  eslar  escondido;  porque  (conio  fabulizao)  n'aquella 
terra  se  tinha  escondido  o  Deos  Saturno  fugindo  de  seu  filho  Jupiler, 
que  0  vinba  perseguindo;  ao  que  alludio  Ovidio  I  Faslor-ìhì:  Dieta  quo- 
que est  Latium  terra,  latente  Deo:  e  Virgilio  no  8  da  Eneida  ibi  Latium- 
que  vocari  Maluit,  bis  quoniam  laluisset  in  oris.  Nome  que  depois  se 
estendeo  a  toda  Italia.  E  reinando  Siculo  sessenta  annos,  morreo  em  firn 
sem  deixar  fillio  algum,  e  n'elle  se  acabou  a  descendencia  do  famoso 

Luso. 

CAPITULO  Vili 

Dos  Inlerregnos  que  houve  em  a  Lvsilania. 

Vendo-se  os  Lusitanos  sem  do  seu  Luso  terem  descendentc,  nao  qui- 
zerao  de  puro  sentimento  eleger  mais  Rei  algum,  e  comegarao  a  se  go- 
vernar em  liberdade  aos  1416  annos  antes  da  vinda  de  Cbristo,  e  aos 
890  do  diluviof  porém  toda  a  mais  Hespanba,  passados  dous  annos,  eie- 
geo  por  seu  Rei  bum  Capi  tao  Africano,  chamado  Testa,  e  por  sobreno- 
me  Tritao,  que  reinou  na  mais  Ilespanha  sdenta  e  quatro  annos;  e  Ibe 
succedeo  Romo,  seu  lilho,  na  opiniào  de  alguns.  No  anno  pois  duodeci- 
mo do  reinado  d'esle  Romo,  por  medo  dos  Andaluzes  entrou  em  Anda- 
luzia  com  grande  exercilo  de  Gregos  o  Capitào  Bacho,  de  quera  fingirao 
OS  Poetas  muitas  fabulas,  que  de  outros  do  mesmo  nome  se  diziao:  esle 
pois  de  Andaluzia  quiz  por  vezes  entrar  em  Portiigal,  e  nào  podendo 
vencer  ao  valor  Porluguez,  usou  de  tal  ardii,  que  a  bum  filho  seu  poz 
por  nome  Lysias,  e  Ibe  mandou  que  o  mais  que  pudesse,  imitasse  as 
acgoes  de  Luso,  e  inventou  que  seu  filho  Lysias  tinha  a  alma  de  Lu- 
so, e  que  separada  do  corpo  se  passara  para  o  de  Lysias,  e  seu 
nome  e  acQoes  a  demonstravam;  e  comò  a  demonstravao;  e  comò  Ba- 
cho sabia  que  os  Portuguezes  entao  criao  na  transmigrafao  das  almas, 
-facilmente  tudo  Ihes  fez  crer,  e  logo  elegerao  a  Lysias  por  seu  Rei,  e 
nSo  so  Lusitanos  de  Luso»  mas  de  Lysias  Lusitanos  se  comerarao  a  cba- 


LIV.  I  CAI*.  Vili  31- 

mar,  e  a  seu  Reino  Lysilania;  e  este  he  o  senlido,  em  qiie  se  devo  ex- 
por  a  Oliava  vinte  e  huma  do  canto  terceiro  de  Camoes,  e  de  outros 
qae  em  materia  fallarao  variamenle.  E  conseguido  este  engano,  se  vol- 
toa  0  astuto  Bacho  para  Italia,  e  na  sua  Lysitania  ficou  Ly.>ias,  sendo  o 
seu  vigesimo  primeiro  Rei,  e  igovernando  alguns  annos  morreo  sem  dcs- 
cendencia,  e  tornarao  os  Lusitanos  &  sua  liberdade,  sem  querorem  ad- 
mittir  a  outro  Rei. 

32  Tinha  em  a  mais  llespanha  succedìdo  ao  seu  Rei  Romo  El-Rei 
Palatuo,  e  contra  este  indo  com  hum  exercito  de  Pòrluguezes  o  Portu- 
guez  Capilào  Licinio,  o  venceo  de  tal  sorte  em  bataiha,  quo  Ihe  tirou  o 
Reino,  e  o  fez  sahir  fugindo  de  llespanha;  mas  com  os  sous  Portugue- 
guezes  se  houve  tao  ingratamente,  que  5iabendo-o  Palatuo  so  voltou  a 
Portugal,  aonde  no  mesmo  tempo  aporlou  com  mais  soldados  o  famo- 
so Hercules  Alceo,  ou  Thobano,  e  juntos  ambos  com  o  portuguez  exer- 
cito derao  balalha  a  Licinio,  (a  quem  chamavào  Caco),  e  jiinto  ao  Gua- 
diana  o  vencerao,  e  obrigarào  a  ir  fugindo  para  Italia;  e  ainda  que  Palatuo 
ficou  restituido  ao  mais  Reino  de  Hespanha,  nunca  os  Pòrluguezes  o 
quizerào  por  seu  Rei,  mas  seconservaraoemsuaamadanberdade;eatéo 
mesmo  Hercules  se  foi  logo  para  Italia,  onde  era  Rei  Evandro,  e  encon- 
Irando-se  la  com  Licinio  Caco,  o  milou,  e  d'aqui  se  levanlaiao  as  fabu- 
las  enlre  Caco  e  Hercules,  que  Virgilio  loca  em  sua  Eneida  lib.  3,  e  o 
fingir-se  de  Caco  sor  fillio  de  Vulcano,  por  ser  Caco  o  primeiro,  queem 
llespanha  inventou  fazerem-se  armas  de  ferro. 

33  Mas  he  tal  a  ambigao  de  governar  nos  homens,  que  hum  mes- 
mo Portuguez  tirou  aos  seus  Pòrluguezes  sua  am'ida  liberdade,  so  por 
virser  Rei  d  elles.  Era  este  homem  muilo  rico,  e  morador  quasi  sempre  em 
0  campo;  succedeo  ver,  e  observar  por  muitas  vezes,  que  abelhas  Ih'as 
ealravao,  e  sahiao  no  tronco  aberlo  de  huma  arvore,  e  indo  curioso  so 
a  ver  o  que  alli  buscavào,  achou  huns  favos  de  mei  dentro  formados, 
(cousa  ale  ali  nunca  vista,  nem  sabida  em  Hespanha)  e  vendo  logo, 
e  provando  o  dulcissimo  iicor  que  os  favos  linhao,  se  fez  nao  so  in- 
venlor,  mas  prodigioso  x\uthor  do  mei,  e  o  dava  a  provar,  comò  hum 
manna  vindo  do  Geo  ;  e  tanto  se  fez  respeilar,  e  venerar,  dos  Porlu- 
goezes,  que  dentro  de  pouco  tempo  o  elegerao  por  seu  Rei;  e  d'ahi  a 
oilo  annos  (morto  Eritrèo,  que  no  mais  Reino  de  Hespanha  succedeo 
a  Palatuo,  seu  pai)  tambem  por  seu  Rei  de  Hespanha  o  elegeo,  e  sendo 
no  nome  Gorgoris,  ficou  corno  sobrenome  o  de  Mellifluo;  mas  porque  a 


32  1  USTORIA  INSULANA 

Lusilania  so  de  liuma  vez  esleve  oitenta  e  oito  annos,  e  de  outra  vez 
alguns  oulros,  governando-se  era  sua  liberdade,  por  suas  leìs,  e  sem 
Rei,  è  n'estes  interregnos  leve  ainda  seus  Reis  loda  a  mais  Hespanha, 
(que  forao  Testa,  Tritào,  Homo,  Pulatxw,  e  Eritrèo)  por  isso  0  Mellifluo 
Gorgoris  foi  de  Portugal  o  Rei  vigesinìo  segundo,  e  o  vigesimo  quinto 
de  Hespanha  loda;  e  governando  setenla  e  sete  annos  morreo  aos  1227 
depois  do  diluvio;  e  aos  1079  anles  do  nascimento  de  Christo  Ssnhor  ros- 
so. E  por  estes  tempos  dizem  succòdeo  a  fundagao  de  Cartago  na  costa 
de  Africa,  tres  legoas  alraz  de  onde  està  a  Cidade  de  Tunes,  a  qual  Car- 
thago  fundarao  dous  Capitaes  da  Piienicia,  naturaes  de  Tiro,  chamados 
Zaro,  e  Quarquedon.  Item  succedeo  a  destruigào  de  Troya  aos  2787  da 
crea^ao  do  mundo,  1131  do  diluvio,  e  M75  antes  da  vinda  de  Christo, 
e  334  annos  depois  de  fundada  pelo  grande  Bardano. 

CAPITULO  IX 

Da  fundaQào  de  Lisboa  em  tempo  do  Malli/luo  Rei  Gorgoris, 
e  de  Utisses  e  do  Rei  Abidis  fundador  de  Santarem. 

34  N'este  mesmo  reinado  de  Gorgoris,  dizem  muitos  que  da  des- 
truicao  de  Troya,  e  da  sua  liha  no  mar  Jonio,  Itaca,  veio  hum  Rei  se» 
Ulisses  langado  ao  Mediterraneo,  e  entrando  pelo  Estreito  de  Gibraltar 
no  Oceano,  e  dobrando  sobre  a  costa  Lusitana,  veio  a  dar  sobre  a  gran- 
de foz  do  rio  Tejo,  e  entrando  por  ella  fundou  pouco  adianle  huma  Ci- 
dade, à  qual  de  seu  nome  poz  o  nome  de  Ulyssea  ou  Ulyssipo,  e  niella 
ficou  por  seu  primeiro  Governador;  o  que  sabendo  o  Rei  da  Lusilania 
Gorgoris,  e  acudindo  a  lanfar  fora  de  seu  Reino  quem  sem  licenC'a  sua 
enlràra  n'elle,  de  lai- sorte  o  aplacou  Ulysses,  que  Gorgoris  nao  so  Ihe 
deu  licenca  para  a  fundagao  da  Cidade  que  tinha  comecado,  mas  reliran- 
do-se  com  o  exercito  mandou  huma  filha  sua  a  Ulysses  para  casar  com 
elle,  e  outras  muitas  Lusitanas  para  casarem  com  os  Gregos  :  e  està 
Princesa,  filha  do  Rei  Gorgoris,  he  aquella,  a  quem  chama  Homéro  a 
Nympha  Calipso;  e  a  quem,  debaixo  do  nome  de  casta  Penèlope,  escre- 
vendo  a  seu  marido  Ulysses,  compoz  Ovidio  a  epistola  ao  principio  das 
suas  Heróidas.  Mas  porque  sahindo,  das  de  Ulysses,  algumas  nàos  de 
Gregos  a  roubar  as  costas  dos  Lusitanos,  estes  se  levanlarao  con  tra  aquelles 
com  tal  impelo,  que  tornando  a  embarcar  Ulysses  com  muitos  dos  seus 


LIV.  I  CAI>.  IX  33 

Grcgos,  se  vollou  a  sua  Grecia,  sena  se  atrever  a  ter  guerra  com  solda- 
dos  Purluguezes  ;  o  qiie  ainda  que  Gorgoris  estiraou  muito,  por  ver  jii 
quieta  a  sua  Lusitania,  muitu  com  ludo  seiUio  pela  ausencia  da  fìllia  ;  e 
por  isso  assentou  logo  paz  perpetua  com  os  Gregos,  que  ficarào  eai  a 
nova  Ulyssea,  que  hoje  he  a  fatai  Cidade  de  Lisboa,  fundada  em  il8(), 
anles  da  vinda  de  Clirislo. 

33  Outros,  de  Lisboa  dizem,  que  nao  foi  Ulysses  seu  primeiro  fun- 
dador  ;  e  que  nem  tal  Ulysses  veio  alguma  bora  ao  Oceano,  nem  do  Me- 
diterraneo passou  (comò  se  colbe  de-Homero  em  a  sua  Odissèa  de  Ulys- 
ses ;)  e  ainda  'accrescentào  muilos,  que  tal  Ulysses  nao  houve  em  o  muu- 
do,  e  que  ilomero  nao  compuzera  mais  que  buma  pintada  idèa,  ouexeni- 
piar  de  bum  perfeito  Heroe;  ou  Capilao,  corno  faziào  Poelas,  e  Filosofos 
geulios.  E  assim  dizem,  que  quando  Tbubal,  nelo  de  Noè,  veio  depois 
do  diluvio,  e  fundou  Cetuval.  com  elle  veio  tambem  Eliza  seu  sobrinbo, 
e  de  Noè  bisneto,  e  que  no  mesmo  tempo  fundou  a  dita  Lisboa,  cba- 
mando-lbe  Elizon,  ou  Elisboon,  (que  quer  dizer,  babitagào  de  Eliza)  o 
que  provao  dos  taes  nomes  que  leve  Lisboa  ao  principio  ;  e  de  bum  ce- 
lebre rio  na  Arcadia,  cbamado,  Elizo,  ou  Elizon,  ou  Elisboon  ;  e  que 
deste  Eliza  tomarao  o  nome  os campos  Elysios,  e  antigos  povos  Luzòes, 
e  ainda  a  mesma  Lusitania,  porque  a  este  Eliza,  primeiro  que  a  algum 
oulro,  chamarào  os  Antigos  Luso,  e  Lisias,  e  companbeiros  de  Bacbo, 
por  lerem  acompanhado  a  Noè,  seu  bisavò,  a  quem  por  ser  o  primeiro 
que  plantou  vìnha,  denominavao  Bacbo,  assim  corno  ao  dito  Eliza  cba- 
marào  tambem  Pboroneo,  do  Pronietbeo,  por  ser  o  primeiro  invenlor 
do  fogo  ;  e  este  be  oulro  novo  sentido  da  oilava  21  do  canto  3  de  Ca- 
moes;  o  que  ludo  póde  ver-se  no  Arcebispo  D.  Rodrigo  da  Cunha,  na 
Ecclesiastica  historia  de  Lisboa,  i.  part.  cap.  2  .e  3. 

36  Conciliao  porèm  estas  sentencas  muìtos  outros  aflìrmando,  quo 
quando  Tbubal  fundou  Cetuval,  fundou  primo  Eliza  a  Lisboa,  e  d'elle  to- 
mou  OS  nomes  de  Elizon,  Elisboon,  ou  Elisbona,  mas  que  tambem  na 
verdade  fai  depoìs  reediGcada,  e  augmentada,  por  yiysses,  e  que  d  este 
se  cbaiDOu  Ulyssea,  Ulyssipo,  ou  Ulyssipolis;  pois  estes  sao  tambem  os 
Domes  que  desde  o  antigo  conserva  a  tradi^So  de  Uiyssipo  em  ialim»  e 
ou  com  a  ielra,  U,  ou  com  a  letra  0,  ao  principio,  depois  com  a  tetra  1, 
e  com  y,  e  dous  ss  adiante,  ou  com  bum  so,  que  de  todos  estes  modos 
se  acha  escrito  tal  nome,  e  no  Portuguez  idioma,  se  diz  sempre  Lisboa; 
com  que  ambas  as  ditas  opinioes  ficSo  assim  conciliadas.  E  se  alguem 

VOL.  I  3 


34  HISTORIA  INSULANA 

aqui  quìzesse  a  perfetta  descripgào  d*esta  cidade»  qncreria  nlSo  so  coasa 
que  he  fora  do  nosso  intento,  e  que  por  muitos  he  jà  principiada,  e  por 
nenhum  completa  ;  mas  que  tambem  quereria  a  hum  incomprehensivel 
comprehender,  e  recopilar  orbém  in  orbe^  corno  n'esta  Cidade  estamos 
vendo  sempre,  e  comprehendendo  nunca.  Vamos  pois  adiante  com  o  in- 
tento. 

37  Ao  dito  Gorgorls  pois,  Rei  vigesimo  segando  da  nossa  Lusita- 
nia,  e  o  vigesimo  quinto  da  Ilespanha  toda,  se  seguio  no  Beino  Abidis 
seu  fliho,  a  quem,  alem  de  muitas  fabulas,  que  Ihe  attribuirao  os  Poetas» 
com  verdade  se  Ihe  attribue  o  invento  de  lavrar,  e  cultivar  a  terra,  pian- 
tar arvores,  e  fazer  enxertos;  e  em  especial  a  fundagSo  da  grande,  e 
Ueal  Villa  de  Santarem,  situada  quatorze  legoas  de  Lisboa  sobre  o  Tejo, 
e  primeiro  se  cbamou  Abidis,  e  depois  Scalabis,  ou  Scala  Abtdis^  ou 
Scalabicastro,  e  tandem  se  chamou  Santa  Iria,  e  cormpto  vocabulo  Santa* 
rem,  de  cujas  grandezas  n3o  podemos  por  bora  mais  dizer,  mas  so  que 
foi  Abidis  0  ultimo  dos  antigos  Reis  de  Portugal,  e  Uespanha,  porque 
com  reiuar  trinta  e  sinco  annos,  morreo  sem  deixar  Glhos,  aos  10i6 
annos  antes  da  vioda  de  Cbristo  Senhor  dosso. 

CAPITULO  X 

Das  longas  esterilidedes:  tempestades^  e  incendios  de  Hespanha^  e  vinda 
a  ella  dòs  CtllaSy  e  tnUras  na^es,  e  fundofào  de  Vizeu. 

38  N'este  tempo  comecou  tal  secca,  e  esterilidade  em  toda  a  Iles- 
panha, qtie  em  vinte  e  seis  annos  continuos  nSo  chovco  n'ella  nem  huma 
gotta  de  agoa  (outros  dizem  que  por  multo  menos  annos)  e  o  certo  lie 
que  durou  por  tantos,  que  toda  Hespanha  fìcou  abraznda,  sem  fonte 
alguma  perenne;  lodos  os  gados  morrerao  à  fome,  e  sede,  e  os  mora- 
dorus  se  forSo  buscar  outras  tenras  em  que  podossem  viv^,  e  nos  ca* 
minhos  morrìSo  os  mais  d'elles  ;  e  particularmente  em  Portugal  se  des- 
povoou  de  lodo  a  Provincia  do  Alem-Tejo,  e  o  Beino  do  Algarve,  conno 
terras  mais  visinhas  aos  ardores  do  Sol,  e  melo  dia  ;  e  entSo  se  acabou 
a  antiga  Corte  de  Cetuval  ;  e  so  nos  frescós,  e  altos  cumes  da  Serra  da 
Estrella,  e  em  algomas  terras  de  Entre  Douro,  e  Minho,  e  Galiza,  fica- 
r3o  alguns  moradores.  A  l3o  fatai  secca  se  seguirlo  ventos  tempesluo* 
SOS,  que  nem  deixavio  em  pé  edificio,  ou  arvore;  até  que  a  ira  do  Ce« 


LIV.  I  GAP.  X  35 

se  applacoa,  e  tiverao  firn  estes  seus  castigos  ;  e  os  que  tinbao  escapada 
em  as  alturas,  ou  em  as  terras  estranbas,  tornarao  a  vir  outra  vez  para 
suas  patrias,  e  as  acbavao  t2o  ermas,  e  desertas,  que  de  novo  as  torna- 
vao  a  povoar,  exceplas  por  mais  annos  as  terras  do  Alcm-Tejo,  e  Algar- 
ve,  onde  o  castigo  do  Geo  fora  maior. 

39  Cono  està  occasìao  vierao  de  outras  Provincias  a  Hespanba  nnui- 
tas  diversas  Na^oes  a  reediQcal-a.  A  Portugal  vierSo  huns  Francezes  dia- 
mados  Celtas  ;  e  entrando  pelo  Beino  do  Algarve  junto  a  Tavìla,  ou  Ta- 
\ira,  passai^o  ao  Alem-Tejo,  e  fuodarao  a  celebre  Cidade  de  Elvas,  Cor- 
te ao  depois  das  armas  Lusitanas,  e  tbeatro  das  vitorìas  que  Portugal 
alcancou  de  toda  Flespanba;  e  nao  so  do  Alem-Tejo,  e  Algarve»  nias  tam- 
bem  na  Provincia  de  Àquem-Tejo,  que  boje  cbamao  Estremadura,  fun- 
dàrjo  OS  ditos  Celtas  muitas  povoacoes  ;  e  até  passando  o  Guadiana  se 
communicarao  com  os  Hibéros  até  o  Guadalquibir,  e  d'aqui  Ibes  veio  o 
nome  de  Celtiberos  ;  porem  da  mais  Lusitania  nao  forao  restauradores 
esips  Celtas,  porque  em  Lisboa  fìcarao  descendentes  ainda  dos  seus  Gre- 
gos,  que  vierao  com  Ulysses;  nas  Provincias  da  Beira,  e  Traz  os  Montes 
OS  que  se  tinbao  salvado  na  Serra  da  Estrella;  e  Entfe  Douro»  e  Minbo 
OS  Gregos,  que  viei'ao  àquellas  partes  com  Diomedes, 

40  Cbegados  os  923  annos  ante^  da  vinda  de  Cbristo,  succedeo  em 
Hespanba  o  fatai  incendio  dos  montes  Pirineos,  que  a  dividem  de  Franca 
nos  qua^s,  em  suas  vastas  brenbas,  e  em  seus  antigos  matos,  por  des- 
cuido  de  buns  pasteres,  se  pegou  fogo,  e  incendio  tal,  que  durou  por 
muitos  mezes  continuos,  e  aìnda  muito  longe  se  sentilo  as  labaredas,  e 
de  tal  sorte  abrazou  até  a  mesma  terra,  montes,  e  pedreirji^,  que  os 
antigos  metaes  n  ella  gerados  se  derreterSo,  e  formarao  grapdes  rios 
perennemente  correntes,  até  de  ouro,  e  prata  ;  e  a  està  fama  logo  com 
a  ambicào  da  prata,  e  ouro,  conrxirrerao  da  Pbenicia  embarca^oes,  que 
por  mercadortas  mui  commuas  se  carregavSlo  de  ouro,  e  tanta  prata, 
que  d^esta  fazi3o  até  as  andioras,  por  nao  terem  jà  onde  a  levar;  e  bum 
dos  mais  ambiciosos  foi  Sichéo,  mando  da  famosa  Bainha  Dido,  que  em 
taotas  rìqaezas  levou  para  si  a  morte,  que  refere  Virgilio  ^m  sua  Eneì- 
da.  Mas  OS  Piienices  tornando,  jà  bydropicos  de  ouro,  e  pondo  em  a  Illia 
de  Cadiz  seu  assente,  para  por  Andaluzia  entrarem  à  caca  do  ouro,  fo- 
no tao  acometidos  dos  Celiiberos  ji  feitos  Lusitanos,  que  x^enddes,  e 
bigidos  deixarao  de  todo  Hespanba. 

41  Pouco  depois  pelo^  annos  de  758  antes  da  vinda  de  Cbristo^ 


36  HISTORIA  INSULANA 

foi  Roma  edìficada,  e  accrescentada  pelo  seu  Romulo,  e  Remo,  873  an- 
iios  depois  de  primo  fundada  pelos  Porluguezes,  corno  jà  dissemos^  e  a 
llespanha  concorriao  Nagoes  tao  varias,  e  tanto  mais  ambiciosas  de  ri- 
quezas,  do  que,  de  a  povoarem,  que  ale  bum  Nabuchodonosor  de  Ba- 
bylonia  veio,  e  chegou  junto  a  Toledo,  anno  581  anles  da  vinda  de 
Christo;  mas  ajuntando-se  logo  os  Plienices  de  Cadiz,  e  Andaluzia  com 
OS  Portugaezes  Geltas,  e  Lusitanos,  envestirSo  a  Nabucho,  e  aos  Judeos 
que  trazia,  e  a  todos  langarao  fora  da  llespanha.  Quebrando  porém  de- 
pois OS  Porluguezes  com  os  Phenices  sobre  o  soldo,  Ihes  tomarao  loda 
iVndaluzia  ale  o  Guadalquibir,  e  ale  junto  de  Cadiz  ;  e  vindo  enlao  de 
Carlhago  muilos  Africanos  em  soccorro  dos  Phenices  que  em  Cadiz  tinhao 
fjcado,  conlra  estes  mesmos  se  levantarao  os  que  vinhao  a  soccorrel-os, 
e  se  flcarao  com  a  llha  donde  flngindo  pazes  com  os  Porluguezes  Tur- 
detanos  de  Andaluzia,  se  forao  mettendo,  e  fundando  alguns  lugares  em 
llespanha,  e  comegou  Carlhago  4'esla  sorte  a  senhorear  parte  da  Hes- 
panha  em  o  anno  de  509  anles  da  vinda  de  Christo  Senhor  nosso. 

42  Nao  muilo  depois  mandou  Carlhago  por  Capilao  de  Cadiz,  e 
dos  Africanos  que  entravao  por  Hespanha,  ao  famoso  Annibal,  o  qual 
por  favorecer  aos  Andaluzes,  chegou  a  tal  balalba  com  os  Porluguezes, 
que  com  vir  no  meio  d'ella  huma  grande  lempeslade,  durou  a  balaiha 
lodo  bum  dia,  e  de  huma,  e  oulra  parte  morrerao  oitenta  mil  homens, 
sem  a  Victoria  se  determinar;  mas  deve -se  conceder  aos  Portiéguezes, 
pois  seu  braQO  matou  n'ella  ao  grande  AnnibaI;  e  na  manhàa  do  outro 
dia  se  retirarSo  ambos  os  exercitos,  e  aléos  Portuguezes  Turdelanos,  que 
andavao  em  Andaluzia,  se  recolherao  à  sua  patria  Portugai,  deixando  a 
Andaluzia  o  nome  de  Provincia  de  Turdelana.  No  anno  de  501  anles  de 
Christo,  OS  jà  nossos  Cellas  Lusitanos  derao  com  huns  barbaros,  que 
entre  Cetuval,  e  o  Tejo  tinh3o  escapado  da  acima  dita  destruicao  de 
llespanha,  e  ainda  qoe  nos  costumes  er^o  barbaros,  erao  do  illustre 
sangue  dos  Chaldeos,  (que  comsìgo  ThubaI  linha  trazido)  e  tambem  erao 
dos  Turdulos  antigos,  e  n3o  podendo  estes  so  resistir  ao  valor  dos  jà 
Lusitanos  Cettas,  fugirào-lbe,  e  nào  pararao  ale  passarem  o  Tejo,  e  o 
Mondego,  e  pararem  no  districto  em  que  hoje  està  a  Cidade,  e  Bispado 
de  Vizeu  em  o  CertSo  da  Provincia  da  Beira,  nSo  muilo  longe  da  Serra 
da  Estrella,  e  là  multiplicarao  estes  tanto,  que  d'elles  se  povoou  a  Bei- 
la loda;  de  cujos  mpradores  nao  he  pequeno  louvor,  o  serem  os  mais 
antigos,  e  verdadeiros  Portuguezes  ém  o  sangue. 


UV.  I  GAP.  XI  37 

CAPITULO  XI 

Da  tinda  dos  Carlhagineses  a  Portugal^   e  dos  Laconicos  Gregos; 
funduQào  de  Braga^  Coimbra,  Aoeiro,   e  Lagos, 

43  Ghegado  yi  o  anno  de  43 i  antes  da  vìnda  de  Christo,  chegou 
tambenu  de  Cartbago  huma  Armada  de  Africanos  à  foz  do  rio  Douro 
junlo  ao  Porto,  e  alli  fez  tao  miseravel  naufragio,  que  escapando  d'elle 
0  Capitao  Himilioré  se  tornou  iogo  para  Africa  ;  mas  os  mais  soldados 
Africanos,  contentando-se  da  terra,  pedirao  aos  moradores  Gregos,  Ihes 
concedessem  lugar  aonde  fundassem  huma  Gidade  a  seu  modo,  e  que  el- 
les  so  governassem  por  suas  leis,  e  ritos  Africanos,  e  fosse  exempta 
de  todo  0  tributo:  tudo  Ihes  concederuo  os  moradores;  e  escolhendo 
silio  pela  terra  dentro  fundarao  a  Cidade  celeberrima  de  Braga,  oito  Ic- 
goas  além  donde  tinhao  naufragado,  e  em  o  mesmo  lugar,  onde  hoje 
Braga  està;  derao-llie  este  nome  em  memoria  de  bum  rio  cbamado  Bra- 
cada,  ou  Br^gada,  que  corre  pelas  terras  de  Cartliago,  ao  qual  depois 
OS  Mouros,  e  os  Turcos  cliamarao  Magéreda:  e  està  parece  foi  a  funda- 
Cào  de  Braga;  nao  obstante  outros  dizerem  que  a  fundarao  os  Gregos, 
1150  annos  antes  da  vinda  do  Salvador,  e  trinta  so  dopois  dafundagao 
de  Lisboa  por  Ulysses,  e  outros  aflirmarem  que  a  fundarao  Egypcio^,  e 
mnitos,  qne  huns  Francezes  Gellas,  chamados  entao  Bracatos,  ou  Bra- 
caros,  296  annos  antes  da  vinda  de  Ghristo,  e  que,  porque  estes  Gallos 
Celtas  se  forao  misturando  com  os  Gregos  d'aquella  terra,  veio  està  a 
chamar-se  Gailogrecia,  e  (andando  o  tempo)  Galiza;  nome  que  em  vcr- 
dade  teve  loda  a  terra  d'Entra  Douro  e  Mìnho.  Seguia-se  agora  descre- 
ver  està  Augusta  Cidade,  mas  comò  nem  a  Beai  Lisboa  descrevemos, 
nào  be  bem  que  o  fagamos  a  està  Braga  Augusta,  por  n3o  dilalarmos 
mais  0  intento  a  que  vamos. 

44  Trinta  e  bum  annos  depois  de  os  Africanos  chegarem,  e  funda- 
rem  a  Braga,  chegou  o  de  403  antes  da  vinda  de  Christo,  em  que  bou- 
ve  taes  terremotos  em  Ilespanba,  e  tanto  maiores  em  as  terras  mariti- 
mas,  que  até  as  mesmas  feras  vinbSo  dos  matos  metter-se  entra  as  gen- 
tes,  feìtas  com  o  medo  mansas  :  e  no  anno  de  372  antes  de  nascido  o 
Salvador,  cbegirSo  i  nossa  Lusitania,  ao  porto  da  Alca^ar  do  Sai,  qua- 
tro  naos  Gregas,  vindas  da  Peloponneso,  a  com  gentas  da  Provincia  La- 
conica, que  enfodadas  jà  das  guerras  das  suas  terras»  vinbSo  buscar  ou- 


38  HISTOIUA  EVSULANA 

Iras,  em  que  passassem  a  vida  mais  pacifica,  enire  as  quaes  gentes  vi* 
nhào  buns  povos  cliamados  Colimbrìos,  e  indo-se  os  outros  asseiitar  sua 
morada  em  o  Alem-Tejo,  entre  os  Turdetanos,  e  Celtas  que  là  viviào, 
OS  Gregos  Laconicos  Colimbrios,  sem  desembarcarem  navegarao  costean- 
do  a  Lusitania»  ale  darem  em  a  foz  do  rio  Munda,  ou  Mondego,  pelo 
qual  entrando  acima  fundàrao  buma  Gìdade,  a  que  chamar3o  Golimbria, 
e  com  pouca  mudan^a  ao  depois  se  chamou  sempre  Goimbra,  que  sinco 
legoas  do  mar  està  fundada,  posto  que  alguns  accrescentao,  fora  funda- 
(la  primeiro  em  bum  lugar  mais  baixo,  que  cbam9o  Gondeixa  a  velba,  e 
que  ao  dépois  se  mudàra  para  o  lugar  eminente  aonde  hoje  està,  e  se 
a  brevidade  que  levamos  o  permittisse,  d'està  inclita  Coimbra,  d*esta 
Corte  de  alguns  Reis  de  Portugal,  desta  Universidade  que  compete  com 
ai  maiores  do  Universo,  e  com  mysterio  fundada  por  Laconicos,  e  Gre- 
yos,  por  em  si  conter,  laconicamente  recopiladas,  as  letras  da  antiga 
Grecia,  e  até  da  lingua  Grega  ter  em  si  buma  Regia  Cadeìra  ;  d'està 
iiunca  acabariamos,  se  quizessemos  locar  suas  grandezas. 

45  Fundada  assim  Coimbra  aos  372  annos  antes  da  vinda  de  Cbris- 
to,  passarSo  alguns  dos  Gregos  adiante,  com  muitos  outros  Geltas,  e 
chegando  a  bum  bom  porto,  aonde  hoje  està  a  excellente  Villa  de  Aveì- 
j'o,  com  0  primeiro  nome  de  Talabrica,  ou  Talabriga,  que  no  nome  de 
Aveiro  com  o  tempo  se  mudou  ;  be  a  Villa  tao  grande,  que  excede  à 
muilas  Gidades,  be  de  grande  commercio  maritimo,  pelo  multo  bom  sa» 
que  alli  se  faz,  e  multa  louca  que  lavra,  e  a  melhor,  e  mais  certa  pes- 
carla; além  dos  mantimentos  que  Ihe  vem  da  Provincia  da  Beira,  don- 
de, póde  ser,  tomasse  depoìs  o  nome  de  Aveiro,  que  come^ou  em  o  In* 
laute  D.  Jorge.  lilbo  d'el-Rei  D.  Joao  II  de  Portugal:  e  islo  baste  dizer 
d'està  Villa  excellentissima. 

40  Chegado  adiante  o  anno  de  347  antes  da  vinda  de  Cbristo,  e  o 
de  3615  da  creac3o  do  mundo,  estando  o  Capi  tao  Bohodes  de  Cartbago 
em  Andatuzìa,  e  fingindo  familiaridade  com  os  nossos  Portuguezes  do 
Algarve,  se  passou  a  este  Reino  com  capa  de  mercancìa,  e  com  licenca 
d'elle  fundou  buma  Povoa^o,  que  intitulou  Lacobrlga,  e  hoje  he  a  Ci- 
dade  de  Lagos,  cabe^a  d'aqueìle  Rerno,  ainda  que  pela  peste,  que  ha 
mais  de  sesàenta  annos  padeceo,  ficou  muito  dimlnuida  ;  mas  lem  babià, 
e  porto  capacissimo.  È  n'este  tempo,  dizem,  florei^eo  o  grande  Alexan* 
dre  Magiu).  I).?pois,  tambem  cota  capa  deamizade,  se  veio'tambem  met- 
ter oa  Lusitatìhi  b  CapitSo  Hìaheital,  Cartbaginez,  e  aioda  mais  depois,  do 


Liv  I  GAP.  xn  39 

anno  de  230  antes  ile  Christo  nascido,  veiooutro  Carlhaginez,  Harailcar,  e 
enlrando  em  Lisboa  com  prelexto  de  huma  romaria  pruniettida  ao  tem- 
pio de  Minena  que  em  Lisboa  estava,  nella  se  easou  com  a  filha  de 
iiiun  Cidadào  nobilissimo,  e  riquissimo,  e  deixando  pazes  assentadas 
eulre  a  Lusitania,  e  Carthago,  se  voltou  a  Africa  r/)m  a  sua  Losilania,  e 
em  luima  das  Ilhas  Baleares,  chamada  a  Coelhcira,  nascco  deste  matrimo- 
nio 0  famoso,  celebre,  e  verdadeiro  Lusitano  AnnibaI,  terror  dos  mesmos 
lìomanos,  e  gloria  dos  Portuguezes,  que  nasceo  no  anno  de  2i5  antes 
de  nascer  Christo  bera  nosso,  com  o  qual  AnnibaI  os  Portuguezes  derao 
grandes  batallias  aos  Romanos;  corno  tambem  os  Portuguezes  de  Braga, 
e  d'Eulrc  Douro,  e  Minho  vencerao  aos  liomanos  muitas  vezes,  com  ou- 
tm  Capitào  seu  naturai,  chamado  Afric<ino.  a  cujo  exemplo  fizerao  tam- 
l)em  o  raesmo  os  Portuguezes  de  Lisboa  com  bum  seu  Capilao  Ulisbo- 
Dense,  E  aos  lsi>2  annos  antes  da  vinda  de  Christo  foi  Carlhago  cercada, 
destruida,  e  queimada  pelo  grande  Scipiao,  e  seus  Romanos,  e  de  tal 
sorte,  que  desasele  dias,  e  desasete  noites  esteve  ardendo  ;  e  tendo  seis 
legoas  de  circuito,  e  setecentas  mil  pessoas,  cincoenta  mil  somente 
escaparao  dentro  do  grande  Castello,  que  em  si  tinlia. 

CAPITULO  XII 

Da  oiWa  dos  Romanos  a  Hespanha,  e  victori'ts  que  d'elle  conseguio 
0  maior  Poriuguei  e  Principe  Vinato^  ali  morrer  so  por  trai^So. 

47  Passado  o  anno  de  200  antes  da  vinda  de  Christo,  e  vindo  a 
ilespanha  os  Romanos  para  a  conquistarem,  e  entrando  pela  Provincia 
(la  Andaluzta,  comecarao  a  fazer  muitas  eotradas  nas  terras  da  Lusitania, 
querendo-a  conquistar  sem  mais  direìto,  ou  justi^a  para  isso  que  a  in- 
gratidlio  com  que  pagavSo  os  beneficios  antigos,  e  fataes  soccorros,  que 
dos  Portuguezes  tinliào  recebido  Boma,  e  loda  Italia  ;  e  tantos  estragos 
feziao,  tantas  crueldadps,  e  traic5es,  que  os  verdadeiros,  e  antigos  Por- 
tuguezes da  Serra  da  Gstrella  n5o  podendo  jà  sofrel-os  se  resolverao  a 
buscar,  e  destruir  aos  Romanos,  e  ajuramentando-se  com  bum  seu  va- 
kroso  Poriiiguez  (nascido  n'aquelia  parte  onde  hoje.  està  Vizeu,  em  a 
Provincia  da  Beira)  assentarci  lodos  em  andar  sempre  a  caca  dos  Roma- 
in»s,  até  os  lancarem  fora  de  toda  a  Lusitania:  e  de  tal  sorte  tornarlo 
esia  empreza»  e  em  taes  emboscadas  se  mettiSo,  que  sabindo  d'ellas, 


40  HISTORIA  INSUIANA 

Ihes  nao  escapava  Romano  qne,  nao  passassero  ao  fio  da  espada,  e  até  em 
as  lerras  occupadas  dos  Uomanos,  tao  furiosamente  davao  de  repente, 
que  totalmente  a  todos  destruhiìio;  e  vendo  que  em  Andaluzia  andava 
j:i  por  Capitào  dos  Romanos  o  Pretor  Sergio  Galba,  arordar3o  aquelles 
Portugnezes  em  eleger  lambem  seii  Capitào,  qne  a  todos  os  governasse, 
e  Ihe  obedecessem  todos  corno  a  :>e\ì  General,  e  ainda  comò  a  seu  Rei, 
e  com  efteito  elegerao  ao  dito  valeroso  Portuguez,  que  primeiro  os  ti- 
nha  convocado,  e  a  quem  jà  tinhào  visto  obrar  corno  insigne  Capitao. 
Este  pois  se  chamava  Virialo,  (que  até  de  insigne  varao  tinha  o  nome) 
nascido,  comò  dissemos,  em  Vizeu,  pelos  annos  de  200  antes  de  Chris- 
to  nascer,  e  andando  ja  em  qnarenta  de  idade,  quando  foi  eleito  Capitào, 
ou  Rei  dos  Portugnezes,  e  jà  dos  Romanos  era  tao  temido,  que  so  era 
ausencia,  e  de  palavra  se  vingavào  d'elle  os  Romanos,  chamando-lhe  la- 
drao,  salteador.  e  Capitao  de  ladroes;  comò  se  o  defender  a  anliga,  e 
propria  patria,  nao  fosse  acQào  nobilissima,  e  honeslissima  ;  e  pelo  con- 
trario 0  invadir  a  terra,  e  patria  alheia,  niio  fosse  buma  infame  ladroice, 
comò  bem  notou  o  douto  Brito  em  a  Monarchia  Lusitana  lib.  2  cap.  8. 

48  0  ceno  be,  que  contra  tal  Viriato  nunca  se  atreveo  a  sabir  o 
Romano  Pretor  Sergio  Galba,  e  succedendo-lbe  no  anno  de  147  antes 
da  vinda  de  Cbristo,  o  segundo  Pretor  Romano  Cayo  Vetilio,  e  vindo 
logo  buscar  a  Viriato  com  mais  de  dez  mil  Romanos,  e  outros  muitos 
Andaluzes,  Viriato  em  buma  emboscada  o  esperou,  e  com  tal  valor  o 
accommetteo,  que  a  qualro  mil  dos  Romanos  degollou,  e  a  muiros 
raais  Andaluzes  ;  e  do  Pretor  Vetilio  buns  dizem  qi^e  alli  morreo,  e  ou- 
tros, que  entao  foi  preso  pelo  grande  Viriato:  mas  comò  escapou  fugin- 
do  0  Tenente  Questor,  este  ten-.eiro,  e  Romano  Capitao  velo  depois  com 
cinco  mil  Celtiberos,  e  seis  mil  Romanos,  e  ofiferecendo  em  campo  aber- 
lo buma  batalha  campai  a  Viriato,  este  o  venceo  de  tal  sorte,  que  com 
Vida  so  escapoa  Questor  fugindo  em  bum  cavallo. 

49  Quarto  Capitao  Romano  tinha  vindo  a  Castella  Gayo  Plaucio, 
raas  Viriato  jà  com  Portuguez  exercito  forraado,  entrou  tanto  pelo  Rei- 
no  de  Toledo,  que  chegou  quasi  às  portas  de  Madrid,  assolando  ludo 
quanto  achava,  até  que  sabindo-lbe  Plaucio  com  dez  mil  homens  de  pé, 
e  1300  de  cavallo,  ^e  em  tempo  ao  que  os  Portugnezes  andavào  distan- 
fes  saqucando  a  terra,  Viriato  dando  mostras  de  aceitar  a  batalha,  de 
repente,  e  à  vista  do  inimigo  se  relirou  com  tal  pressa,  que  em  poucas 
horas  se  na\)  vi3o  bum  ao  outro  exercito  ;  de  que  irritado  Plaucio,  man-. 


uv.  I  GAP.  xn  41 

don  quatro  mìl  dos  seiis  que  o  detivessem  até  elle  chegar,  e  Viriato 
orilào  virando  com  a  mesma  pressa  sobre  aquelles  qiiatro  mil,  e  dego- 
landcvos  a  lodos,  com  tal  pressa  volton  a  Porlugal,  que,  quando  Plaucio 
chegou,  jà  nao  achou  mais  que  os  campos  cheios  de  sangue  dos  Roma- 
nos,  e  se  retirou  assombrado  ignalraenle  do  esforfo,  que  do  ardii  de 
Viriato.  Ajuntando  comludo  novas  gentes,  veio  Plaucio  buscar  a  Viriato. 
ale  jiinto  a  Evora,  que  do  alto  de  bum  monte,  aonde  com  seu  exercito 
eslava,  desceo  sobre  Plaucio,  e  Ibe  deo  tao  porfiada  batalba,  que  venci- 
dos  tandem  os  Romanos.  so  poucos  de  cavallo,  e  fugindo  com  Plaucio 
escaparào,  e  se  forao  metter  nas  mais  fortes  pra?as  da  Andaluzia  ;  e  se 
liersuadiào  todos  que  Viriato  se  farla  absoluto  senhor  de  toda  Hespanha; 
e  ainda  pnssaria  a  conquistar  a  mesma  Roma,  e  sugeitar  toda  a  Italia  ao 
braco  Portuguez;  e  temendo  isto, 

50  Quinto  Capitào  veio  entao  de  Roma  o  Pretor  Claudio  Unimano 
com  a  mais,  e  melhor  gente  de  toda  Italia:  mas  o  grande  Viriato,  anno 
de  146  antesde  vir  ao  mundo  Chrislo,  o  foi  logo em  o  mesmo  mez desafiar 
dentro  a  suas  terras,  e  dando  Ibe  batalba,  que  durando  duvidosa,  e  san- 
guinolenta muilas  horas,  cedeo  finalmente  a  Viriato  de  tal  sorte,  que  de 
tmlo  0  grande  exercito  Romano  se  livrou  so  Claudio  fugindo;  e  os  des- 
lìojos  forào  laes,  que  com  elles  n3o  podiao  jà  mover-se  os  Portuguezes; 
e  Viriato  contentando-se  com  as  insignias  Romanas,  as  collocou  nos  mon- 
tes  mais  altos  de  Portugal,  entre  arcos  triunfaes  de  suas  victorias. 

51  Sexlo  Capilao,  vindo  entào  de  Roma,  Cayo  Negidio,  Pretor  da 
nllerior  Hespanba,  enlrou  em  Portugal  pela  Provincia  da  Beira  até  jun- 
to  a  Vizeu,  e  com  bum  exercito  de  gente  innumeravel;  acodio  logo  Vi- 
riato a  sua  propria  patria,  e  acbando  ao  Negidio  enlrincbeirado,  o  cercou 
e  a  fome  o  obrigou  a  dar  batalba;  mas  vendo  que  seu  partido  era  mul- 
to inferior,  e  separando  mctade  dos  seos  Portuguezes  em  cillada,  com 
a  oulra  rijamente  commetteo  ao  inimigo,  que  cuidando  ter  so  a  Viriato 
era  huma  parte,  onde  o  queria  vencer,  de  repente  pela  oulra  foi  tao 
fortemente  corametlido  dos  Lusilanos  Viriatos,  que  de  tao  grande  exer- 
cito Negidio  Si)  escapou,  e  à  unha  de  cavallo,  deixando  os  seus  suas  rì- 
quezas,  e  os  Estandartes  Romanos  em  as  maos  dos  Portuguezes. 

5:2  Septimo,  Capitilo  de  Roma  veio  logo,  no  anno  de  145  antes  de 
Chrislo  nascido,  o  Pretor  Cayo  Lelio;  mas  este  prudentemete  fugio  sem- 
pre de  dar  batalba  a  Viriato,  porem  a  muitos  lugares  de  Castella  que 
estavao  pelos  Romanos,  Viriato  destruio,  e  assoloa  livremente,  e  era  tal 


42  HiSTORlA  INSULANA 

0  valor  dos  Portuguezes,  que  trezentos  d'estes  encontrandose  com  dez 
Diil  Homanos,  com  morte  de  so  60  Portugiiezes  matarao  a  trezentos  e 
viute  dos  Romanos,  e  aos  mais  puzeruo  em  vergontiosa  fugida,  e  assim 
o  confessa  Garibay  live  vi  cap.  9,  de  sua  historia:  e  o  que  mais  he,  que 
inuitos  Romanos  juntos.  encoutrando  no  caminlio  a  lium  Portuguez,  e  jà 
forido,  e  commettendo-o  todos,  o  Portuguez  pelejou  com  tal  valor,  que 
malandò  dos  Romanos  ao  primeiro,  voltarao  os  mais  as  costas,  e  fugi- 
rao. 

53  Oitavo  pois  Capìtao  contra  o  nosso  Viriato  mandou  Roma  enUio, 
no  anno  143  antes  de  vir  Clirislo  ao  mundo,  nào  jà  so  Prelor  algum, 
mas  em  pessoa  a  bum  Consul,  Fabio  Emiliano,  que  tinha  vencido  o 
Reino  de  Macedonia,  e  era  irmao  de  Scipiao  o  menor  que  destruhio  a 
Carthago,  e  comsigo  trouxe  este  Fabio  quinze  mil  Romanos  de  pé,  e 
dous  mil  de  cavallo  ;  e  comtudo  em  cbegando  a  Hespanha,  foì  Viriato 
logo  buscal-o,  e  desafìal-o;  mas  era  tal  sua  fama  là  em  Roma,  que  nem 
com  tao  grande  exercito  se  atreveo  Fabio  a  aceitar  bataiha  com  Viriato, 
e  este,  deslruindo  entao  os  campos,  rendeo  duas  Cidades,  que  estavao 
presidìadas  de  Romanos,  e  deixou  n^ellas  presidios  Portuguezes,  e  ató 
ao  grande  exercito  do  Consul  que,  eslava  entrincheirado,  llie  tomou  Vi- 
riato huns  comboys,  e  Ihe  degolou  muitos  Romanos,  sem  comtudo  o 
Consul  se  atrever  a  saiiir  a  pelejar  com  Viriato,  até  que  passados  alguns 
niezes,  e  jàem  o  de  Setembro,  e  em  huma  noile  escura,  no  meio  d'ella  era 
])onlo,  desalojou  Fabio  de  repente,  e  andando  a  loda  a  pressa  duas  mi- 
Ilias,  deu  subitamente  com  Viriato,  que  posto  estava  ainda  em  véla,  comò 
sempre,  quasi  lodo  seu  exercito  eslava  no  primeiro  somno,  e  comtudo 
Viriato,  Ctìm  os  que  puderao  imilal-o,  receberao  a  bataiha,  e  a  susten- 
tarào  grande  parte  ainda  do  dia,  e  até  que  vendo  bcm  que  seus  solda- 
dos  enlrarào  na  bataiha,  e  pelejavào  sem  ordem,  e  que  ale  a  fortuna 
eslava  jà  de  Viriato  invejosa,  retirou-se  com  os  seus  este  Leao  ao  allo 
de  bum  monte,  deixando  a  Fabio  com  so  as  armas  de  alguns  soldados 
mortos,  e  coro  a  n5o  pouca  gloria  de  ter  feilo  reliiar  a  bum  Poiluguez 
Viriato,  que  com  isso  se  deo  por  satisfeilo. 

54  Nono  Capilao  por  Roma,  e  successor  de  Fabio,  veio  o  Prelor 
Pompilio,  DO  anno  de  142  antes  de  ao  mundo  vir  Christo;  com  quem 
Viriato'assenlou  pazesi  largaudo*lhe  as  pracas  que  a  Roma  linha  tornado 
em  Andaluzia,  e  se  recolheo  a  descansar  em  sua  patria  a  Reira:  e  pas- 
sados alguns  dias  de  retiro,  eis-que  salie  o  retirado  Lobo  Viriato  com 


UT.  I  GAP.  xn  43 

€xercito  grande  que  ajnntou,  e  entrando  pela  parte  que  boje  chamao 
Kibacoa  em  Castella,  e  a  tempo  qne  cono  secreto  aviso  de  Viriato,  ontras 
nacoes  Hespanholas  entravao  tambem  por  outras  partes,  e  em  nenhuma 
ficava  Uomano  algum  com  vida.  Attonito  Pompilio  salilo  com  poderoso 
exercilo  em  demanda  de  Viriato,  mas  d'este  foi  t3o  vencido  em  bataiha, 
qae  morrerao  niella  todos  os  qiie  n*eila  entrarlo,  excepto  o  dito  Pompi- 
lio, que  com  mui  poucos  fugindo  escapou;  e  Viriato  seguio  com  tal  ani- 
mo a  vitoria,  que  todas  as  terras  dos  Romanos  a  que  elle  chegou,  e  ain- 
da às  que  se  Ihe  entregav3o,  a  todas  passou  ao  fio  da  espada,  até  que 
enTadado  ]a  de  degollar  Romanos,  se  voltou  para  a  sua  Lusitania;  e  tal 
terror  meteo  nas  nacoes  onde  chegou  està  ac(ào,  que  Hespanha  quasi 
loda  se  deo  por  libertada  dos  Romanos;  que  so  ouvirem  o  nome  de  Vi- 
nato, llies  era  grande  terror. 

55  Decimo,  Capitao  Romano  veio,  em  141  antes  de  Christo,  contra 
0  insigne  Lusitano  Viriato,  Quinto  Pompeo,  nomeado  Pretor  de  Hespa- 
nha, e  comò  jà  Viriato  trazia  em  seu  exercito  muita  soldadesca  estran- 
geira,  sem  d'ella  se  acautelar,  comò  sempre  he  bem,  por  isso  dando  ba- 
talha  Pompeo  a  Vinato  junto  à  Cidade  de  Evora,  e  sendo  excessivamente 
0  exercito  do  inimigo  muito  mais  numeroso  que  o  nosso,  por  culpa  dos 
estrangeiros  (que,  quando  menos  se  cuida.  sao  infìeis)  foi  forgado  a  Vi- 
riato retirar-se  com  os  mais  dos  Portuguezes,  e  com  estes  so,  passados 
poucos  dias,  voltou  sobre  os  Romanos  com  tal  impeto,  que  os  venceo 
totalmente,  e  destruhio  matando-Ilies  quatro  mil  de  pé,  e  mais  de  qui- 
nbentos  de  cavallo,  trazcndo  vinte  e  sete  cativos  Estandartes  dos  de  Ro* 
fìia,  e  nao  satisfeilo  ainda  com  isto,  entrou  l(%o  em  Andaluzia,  e  rendeo 
a  forga  de  armas  a  antiga  Cidade  Utica,  presidiada  eniao  pelos  Romanos, 
de  que  em  Roma  pasmados  mandarao. 

56  Undecimo  Capitao  contra  o  invencivet  Viriato,  que  foi  Quinto 
Fabio  Maximo  Serviliano,  Consul  de  pouoo  eleitu  com  Lucio  Metello  Cai* 
vo,  e  trouxe  comsigo  Serviliano  dezoito  mil  de  pé,  e  mil  e  seiscentos 
de  cavallo,  e  em  cliegando  a  Hespanha,  Ihe  mandou  hum  dos  Reis  da 
Africa  dez  encastellados  Elefantes,  e  cavallos  Numidas  trezentos,  e  es- 
tando n*este  tempo  Viriato  em  Portugal,  Serviliano  Ihe  tomou  com  tal 
poder  algumas  pracas  da  Fronteira,  e  ainda  com  boa  resistencia,  e  ca- 
pilulacoes  muito  honradas;  mas  comò  Serviliano  Ih'as  nao  guardasse  de- 
pois, antes  a  quinhentos  Portuguezes  matasse  a  sangue  frio,  sahio  logo 
Viriato  coQtra  o  falsario  Romano,  e  Ibe  apresentou  bataiha;  porém  ob- 


44  HISTORIA  INSULANA 

servando  que  os  nossos  cavallos  Portuguezes  nao  podiao  aturar  os  Eie- 
fantes  armados,  vollou  com  os  Portuguezes  em  fugida  tao  apressada, 
que  vendo  ja  ao  inimigo  afastado  bem  dos  Elefantes,  volton  entào  sobre 
elle,  e  o  venceo  tao  fatalmente,  que  Ihe  degollou  a  3600,  fugiudo  Ser- 
viliano  com  os  que  puderao,  seguindo-o,  escapar. 

57  Este  mesmo  Capitao  Serviliano  ficou  sendo  Pretor  o  anno  se- 
guinte  de  139,  antes  de  Christo,  e  por  se  vingar  de  Viriato  poz-llie  cer- 
co a  buraa  praga  importante;  mas  acudio  tanto,  e  logo  Viriato,  que  quasi 
som  0  sentirem  os  Romanos  se  metteo  dentro  da  praca  com  muitos  Por- 
tng[uezes,  e  sahindo  d'ella  logo  ao  outro  dia,  com  cavallaria,  e  ìnfantaria 
formada,  rompeo,  e  deslruhio  de  tal  sorte  aos  Romanos,  que  os  Tez  re- 
colher  ao  alto  de  bum  monte,  do  qual  nao  bavia  outra  sabida  senao  a 
por  onde  tinbao  entrado,  e  tomando-lbe  està  os  apertou  tanto,  que  so 
por  piedade  os  nao  passou  todos  à  espada,  mas  aceitando-lbes  tregoas, 
oderecidas  em  nome  da  Republica  Romana,  e  multo  à  vontade  da  Lusi- 
lania  nossa,  deixou-os  Viriato,  e  se  velo  a  Portugal. 

58  Duodecimo  Capitao  em  flm,  e  no  anno  de  138,  antes  de  Cbrislo 
nascido,  veio  de  Roma  outro  Consul  novo,  cbamado  Quinto  ServilioSci- 
piao,  irmao  do  antecedente  Serviliano,  e  em  seu  lugar;  este  pois  que- 
brando  logo,  sem  aviso,  ou  causa  alguma,  as  tregoas  assentadas  com 
seu  irmao,  entrou  pela  Lusitania  com  exercito  armado  ;  o  que  sabendo 
Viriato  Ibe  destruhio  logo  varias  terras  dos  Romanos,  e  Ibe  inviou  tres 
Embaixadores,  (e  infaustamente  todos  tres  erao  Estrangeiros,  de  que  j;i 
se  nao  devera  conflar)  a  Ibe  lerobrar  as  pazes  assentadas,  e  ou  dar  a 
causa  de  as  quebrar,  ou  assental-as  de  novo  :  cbamavao-se  os  Estrangei- 
ros Dictalion,  Minuro,  e  Hulaces;  a  estes  pois  sobornou,  e  venceo  o  sem- 
pre infame,  e  falsario  Servilio,  e  com  taes  promessas,  que  tornando  es- 
les  para  dar  a  reposta  da  Embaixada  ao  inviclo  Viriato,  o  forSo  buscar 
lodos  tres  no  melo  da  alta  noile,  e  acbando-o  dormindo,  (porém,  comò 
sempre,  armado,  e  deitado  em  a  terra  fria,  tendo  por  cabeceira  o  seu 
escudo),  bum,  que  nome  nSo  merece,  bum  d*estes  tres  vilissimos,  e 
abominaveis  traidores,  levantando  a  espada,  degollou  de  bum  golpe  a 
cabeca  do  maior  Capitao,  que  entào  tinba  o  mundo,  e  fugindo  logo  todos 
tres,  nao  pararao  senSo  em  o  seu  centro  de  traicJ3es,  o  falso  Consul 
Servilio. 

59  Deixo  0  eterno  sentimento  que  mostrarao  os  Portuguezes  da 
morte  d'oste  seu  Pnncipe»  e  mais  verdadeiro  Rei,  e  as  exequias  fataes 


Liv.  I  GAP.  xni  45 

que  Ibe  fizer3o,  a  bum  vcncedor  sempre,  e  successivamente  de  dozo 
Capitaes  Romanos,  e  em  muitas  mais  batalhas  trìanfante,  e  restaurador 
de  teda  Ilcspanba  ;  pois  o  douto  Garibay  (com  ser  nào  Portuguez)  con- 
fessa, que  este  grande  Capitao  fez  em  a  guerra  mais,  e  maiores  faca- 
nbas  que  outro  Hespanhol  algum,  e  que  por  muitos  annos,  foi  sempre 
de  Romanos  vencedor  desde  a  Lusilania  até  os  Pyrineos,  passando  T(  jo, 
e  Ebro,  e  sempre  triunfador  ;  e  até  o  Historiador  Romano  Floro  em  o 
seu  lib.  I,  cap.  17,  diz  estas  formacs  palavras  :  Lusilanus  Virìatus  erexit, 
DuXy  aique  Imperaior;  et  {si  fortuna  cessisset)  Hispanice  Romulus.  E  ac- 
crescenta  qje  morreo  de  tal  traigao,  ibi  :  Ut  videretur  aliter  vinci  non 
poiuisse,  eie.,  e  dito  isto  nào  ha  mais  que  dizer. 

CAPITOLO  XIII 

Das  mais  gnerras  de  Portugnly  e  do  seti  grande  Sertorio, 
vencedor  de  lodo  o  poder  Romano. 

60  Morto  0  grande  Viriato,  succedeo-lhe  no  governo  outro,  so  no 
Dascimento,  (nao  no  valor),  Portuguez  ;  porque  em  fim  foi  vencido  dos 
Romaoos,  que  por  se  temerem  ainda  dos  soldados  Portuguezes,  os  di- 
vidirao  por  fora  de  Portugal,  e  no  anno  136,  antes  da  vinda  de  Christo, 
$d  apoderarao  das  principaes  Cidades,  e  povps  da  Lusitania,  exccpta  a 
Provincia  d'entra  Douro  e  Minho,  aonde  por  vezes  forao  vencidos  os  Ro- 
maoos,  até  pelas  mulheres  Portuguezas,  que  pelejavao  nao  menos  que 
OS  maridos:  assim  Decio  Bruto,  que  de  Roma  tinha  vindo  por  Pretor  da 
Lusitania,  foi  dos  Bracharenses  vencido  em  batalha  no  seguinte  anno  de 
135,  e  voltando  Decio  Bruto  para  Roma  no  anno  de  130,  pelos  tumul- 
to3  graudes,  que  là  entao  bavia,  nem  voltarlo  a  Portugal  tantos  Pretores 
de  Roma,  nem  os  que  voltarlo,  tiverSo  guerras  dignas  de  memoria. 

61  Cbegado  porém  o  anno  de  80,  antes  da  vinda  de  Cbristo,  deo 
Deos  a  Portugal  bum  digno  successor  de  Viriato,  que  foi  o  grande  Ser- 
torio,  com  a  occasi2o  seguinte.  Era  naturai  Sortono  de  Italia,  nascido 
de  pais  honestos  entre  os  povos  Sabinos,  e  depois  de  se  fazer  nas  letras 
sabio,  se  deo  às  armas  tanto,  que  foi  mandado  de  Roma  por  Pretor  a 
Franca,  aonde  venceo  muitas  batalhas,  e  n*eitas  perdeo  bum  olbo,  qual 
ootro  Felippe  Rei  de  Macedonia,  Antigono,  e  Annibal;  e  em  as  guerras 
de  Roma  entre  Sylla,  e  Mario,  seguio  Sertorìo  a  Mario  centra  Sylla,  e 


48  HISTOniÀ  INSULANA 

se  unir  com  Metello,  e  ambos,  centra  os  Portuguezes  dobrarao  entào  a 
guerra:  mas  a  Sertorio  tambem  se  Ihe  veio  ajuntar  bum  Capitao  Italiano 
cbamado  Marco  Perpéna  com  mais  trinta  companbias  de  soidados  ve- 
teranos;  e  eslando  os  Poituguezes  cercando  em  Valenza  a  buma  antiga 
Cidade  chamada  Lauróna,  e  acudindo-lhe  Pompeo,  Sertorio,  e  os  Portu- 
guezes 0  acommetterao  em  tal  cillada,  que  ihe  matou  dez  mi!  homens, 
e  com  pressa  se  retirou  Pompeo,  e  Sertorio  (que  comsigo  jà  trazia  scis 
mil  de  pé,  e  dous  mil  de  cavallo),  rendeo  a  dita  Cidade,  e  a  destrubio:' 
e  recolbido  Pompeo  a  Aragao,  Sertorio  se  recolheo  a  Evora,  e  entào  de 
furtes  muros  cercou  toda  a  Cidade,  e  em  bum  so,  e  grande  cano,  por 
ciina  de  Tataes  arcos,  metteo  copiosa  agua  dentro  da  Cidade,  obra  que 
tanto  depois  restaurou  El-Rei  D.  Joào  III. 

G8  Anno  de  75  antes  de  Cbristo,  sahio  por  buma  parte  Pompeo, 
e  Metello  pela  outra,  cada  bum  com  seu  exercito;  e  sabindo  Sertorio  a 
Pompeo,  Ibe  deu  tao  forte  batalba,  que  nào  so  Ibe  deslruio  ao  exercito, 
mas  ao  mesmo  Pompeo  ferio,  que  fugindo  Ihe  escapou:  e  logo  indo  em 
busca  de  Metello,  taes  encontros  teve  com  elle,  que,  posto  que  Ibe  ma- 
tou muita  gente,  e  buma  vez  o  ferìo,  Metello  comtudo  por  seu  brago,  e 
experiencia  de  velbo,  a  si  sempre,  e  aos  seus  bvrou  melbor  que  Pom- 
peo, até  que  o  deixou  Sertorio,  e  se  voltou  a  Evora.  Mas  nào  contente 
ainda  com  taes  victorias  Sertorio,  mandou  aprestar  logo  buma  Armada 
Portugueza,  e  com  ella  entrando  o  Mediterraneo  tomou  os  soccorros,  que 
vinbào  de  Roma  para  Ilespanba,  e  nào  deixando  porto  inimigo,  (|ue  nào 
roubasse,  nem  inimiga  nào  que  nào  vencesse,  poz  a  Metello,  e  Pompeo 
em  tal  estado,  que  Metello  sem  ter  jà  que  corner,  nem  que  gastar,  se 
retirou  a  Franga  a  refazer-se  ;  e  Pompeo  indo  a  metter-se  no  Certào  mais 
seguro  que  acbou,  d'abi  avisou  a  Roma  Ihe  acudissem  logo,  senào  que- 
rià(j  cedo  ver  a  Sertorio  em  Roma  :  e  assim  vindo  soccorro  a  Pompeo, 
e  voltando  jà  de  Franga  reforgado,  tornou  a  gueri-a  a  accender-se. 

G9  E  comò  ausente  ainda  -Sertorio,  Herculeo,  que  licara  em  seu 
lugar,  viesse  a  batalba  com  Probo  Emiliano,  Capitào  de  Roma,  e  levan- 
do Herculeo  menos  gente,  e  ainda  nào  tao  exercitada,  comtudo  Hercu- 
leo, e  seus  Portuguezes  vencerào  tanto  a  Probo,  que  até  a  este  mesmo 
tirarào  a  vida,  ganbarào  onze  Estandartes  dos  Romanos,  e  comsigo  trouxe- 
rào  lanlos  despojos  de  armas,  e  cavallos,  que  ficou  està  Victoria  multo 
illustre.  Mas  Herculeo,  soberbo  com  o  successo,  Toi  tao  temerario  bus- 
car a  Metello,  que  jà  tinba  o  seu  partido  excessivo,  e  acomettendo-o  foi 


LIV.  I  CAP.  XIII  40 

Tendilo  d'elle,  e  fugindo  se  veio  a  Sertorio  que  ja  linha  descmbarcado; 
e  aste  consolando  a  Herculeo,  e  mandando-o  conduzir  gente  de  novo, 
sahio  logo  com  a  sua  em  busca  de  Metello  que  andava  j«i  em  Catalunha, 
quando  eis  que  de  repente  enconlra  em  o  camìnho  com  a  maior  parte 
do  esercito  de  Metello,  que  cativos,  e  despojos  levava  ja  por  novas  da 
Victoria  a  Pompeo,  e  tao  subitamente  n  elles  dea  o  fatai  Sertorio,  que 
em  breve  os  despojou  de  tudo,  e  aos  Romanos  das  vidas,  e  voitou-se. 

70  Porem  nSo  podendo  jà  a  fortuna  com  tantas  victorias  de  Serto- 
rio,  come(^a  a  voltar  a  roda  centra  elle,  e  persuadindo-o  se  ajuntasse 
com  seos  Capitaes  Perpena,  e  Uerculeo,  e  fosse  buscar  Metello  ao  Bei- 
no de  Valenza,  achou  com  elle  a  Pompeo,  e  juntos  dous  fataes  exercitos 
em  bum  so,  e  o  poder  Romano  de  Imma  parte,  e  o  Portuguez  da  mitra, 
e  iogo,  sem  esperar  mais,  Sertorio  commetteo  ao  inimigo,  e  so  travou 
a  bataiha  mais  borrenda  que  tinha  visto  o  mondo,  e  depois  de  durar 
por  multo  tempo,  com  successos  multo  varios  de  huma,  e  nutra  parte, 
finalmente  o  invejoso  fado  fez  que  ficasse  Sertorio  buma  vez  vencido, 
mas  ainda  de  tal  sorte,  e  tanto  a  custa  do  inimigo,  que  d'cste,  entre  do 
pé,  e  dp  cavallo  morrerao  alli  oito  mil  liomens,  e  dos  nossos,  entre  mor- 
tos,  presos,  e  feridos,  fallarao  mil  e  seiscentos  de  cavallo,  e  cince  niìl 
de  pé;  mas  em  flm  ficou  o  campo  pelo  inimigo,  e  se  retirou  Sertorio, 
Dio  menos  constante  n'esta  adversa,  do  que  em  tantas,  e  tao  prosperas 
iortonas,  e  a  Cidade  de  Valenza,  que  por  Sertorio  eslava,  se  rendeo  ao 
ìoimigo.  E  nunca  tanto  em  Ilespanlia,  e  ainda  em  Roma,  se  celebrou  Vi- 
ctoria, quanto  està,  por  verem  niella  vencidos  Portuguezes,  cousa  pouco 
^'ezes  vista  no  mondo. 

71  Retirado  pois  Sertorio,  e  sabendo  que  Pompeo  o  vinlia  ainda 
buscar,  marcliou  logo  para  elle  com  o  seu  ja  recolliido,  e  rcformado 
esercito;  e  acbando  a  Pompeo  sobre  Placencia,  o  fez  levanlar  o  cerco, 
e  aceitar  bataiha,  e  n'ella  o  venceo  tao  fortemente,  que  fez  fugir  a  Pom- 
peo, e  Sertorio  ficou  senhor  do  campo,  e  de  todos  os  despojos;  e  nào 
satisfeito  ainda,  foi  buscar  logo  a  Metello,  que  cstava  cercando  a  Cala- 
borra;  e  assim  comò  cbeguu,  o  acommetteo,  matou-lhe  tres  mìI  soldados 
velhos,  e  o  fez  ir  fugindo  a  valer-se  de  bum  posto  inaccessi vcl  e  Sertorio 
voltando  a  Galaborra  a  confirmou  em  sua  obediencia,  corno  de  antes  es- 
tava 

72  Depois  estando  Fluesca  cercada  por  ambos  juntos,  por  Metello, 
e  Pompeo,  e  acodindo-lbc  Sertorio,  foi  em  buma  madrugada  tao  subita- 

VOL.  I  4 


30  llISTOniA  INSLLANA 

mente  acommellirlo,  que  obrigado  se  metteo  era  a  Cidade,  e  com  me-  ^ 
nos  credito  de  seu  v^lor,  mas  ainda  com  quasi  nenhuma  perda  deseu 
Portugiiez  exercito.  D*aqui  tornando  porem  occasiao  algims  Romanos 
quo  andavao  com  Scrtorio,  julgando  que  esle  jii  nao  podia  conservar-se, 
e  querendo  congracar-so  com  a  sua  Roma,  tratarao  com  Pcrpena  a  abo- 
minavel  traifao  de  matarem  a  Sertorio,  conjurando-se  a  isso>  para  recu- 
perarem  a  grac^  de  seu  povo  Romano.  Teve  noticia  Sertorio,  e  queìxan- 
do-se  aos  Portuguezes  de  sua  guarda,  estes  em  ouvindo  tal,  com  tal  Tu- 
ria  derao  logo  nos  Romanos,  (que  com  elles  andav3o)  que  degollarao  a 
muitos,  e  todos  fariao  o  mesmo,  se  o  proprio  Sertorio  Hies  nao  fosse  à 
mao,  e  OS  impedisse;  mas  ainda  assim  quasi  todos  os  traidores  perece- 
rao,  cxcepto  o  falso  Perpcna,  de  quem  nem  a  Sertorio,  nem  a  outrerik 
subio  ao  pensamento  tal  traiQ3o;  porem  este  buscando  outros  Romanos, 
com  elles  lornou  a  macliinar  a  morte  de  Sertorio,  e  se  conjurar3o  em 
lìngirem  Imma  nova  de  outra  Victoria  repentina,  e  para  a  festejarem 
mais,  irem  jantar  com  Sertorio;  e  quando  Perpena  derramasse  bum  copo 
pela  mesa,  atravessassera  a  Sertorio  a  punhaladas. 

73  Derao  pois  a  nova  da  Qngida  Victoria  a  Sertorio,  e  o  convidarao 
a  jantar  para  a  festejarem  mais,  aceilo  Sertorio,  (contra  a  senlenfa  do 
Portuguez  Poeta,  que  disse:  «Porquo  nunca  louvarei  Capìtao  que  disse, 
Nao  cuideiì  e  pondo  se  todos  a  jantar,  comegou  Perpena  a  soltar-se  em 
palavras  pouco  honcstas,  quaes  sabia  que  desagradavao  multo  a  Serto- 
rio,  e  que  o  reprehenderia  d'ellas;  mas  este  escandalisado  de  ouvir  tal, 
se  encostou  sobre  a  mesa,  e  cobrindo-se  com  o  Real  sago  militar,  signi- 
ficando assim  quo  nao  gostava  tal  ouvir,  entao  Perpena  perfido  fez  o 
Sinai  dado,  derramando  o  copo;  e  no  mesmo  ponto  bum  dos  iraidores 
romanos  atravessou  a  Serlorio  com  bum  punbai,  e  outros  juntamente 
com  vinte  e  buma  punhaladas;  e  deixando-o  envoltoem  seu  proprio  san- 
gue, fugirao  todos  jiintos,  temendo,  que  se  o  sabiao  os  Portuguezes, 
vingariào  sua  morte.  Mas  sabendo-o  depois  os  Portuguezes,  recolhcndo 
logo  0  corpo  morto,  o  levarào  fora  da  Cidade,  e  tao  Reaes  exequias  Ilio 
flzerao  ao  modo  entao  gentilico,  e  com  sentimento  tal,  que  a  vista  de 
tal  morto  se  matarào  a  si  proprios.  nao  so  muitos  soldados  Portugue- 
zes, mas  esquadroes  d'clles  inteiros,  e  as  cinzas  de  tal  Heroe  trouxerao 
a  Cidade  de  Evora,  aonde  Ihe  derào  Regia  sepultura,  Icvanlando-lhe  co-* 
lumnas,  e  memorias  immortaes.  Entre  os  papeis  se  acbou  o  testamento 
fello  por  Scilorio;  e  n'olio  se  vio  deixava  por  trcu  universal  berdeiro  ao 


LIV.  I  GAP.  XI V*^  51 

falso  amigo  Perpcna.  0  quo  visto,  se  dobrou  era  lodos  o  scnliracnto  da 
morte  de  hum  Principe  tao  liei  a  seu  proprio  vassallo,  e  da  infldelidade 
de  hum  tao  traidor  vassallo  para  coni  seu  mesrao,  e  tal  Principe. 

71    Foi  Sertorio,  Romano  segando  o  nascimento,  porem  segando  o 
aflecto,  e  profissao  foi  connaluralizado  em  Porlugal,  e  casado  na  Lusi- 
tania  Corte  de  Evora  com  Portugueza  illustre,  posto  que  nao  deixou  fi- 
Ihos  ;  e  pode  ser  problema,  se  foi  mais  affeicoado  aos  Portugnezes,  se 
OS  Portuguezes  a  elle.  0  certo  he  que  nem  elle  diminuhio  jamais  o 
amor  que  tinha  aos  Portuguezes,  nem  estés  o  que  a  Sertorio  tinfiiio, 
pois  aiites  de  os  Uomanos  o  matarem,  vingar3o  os  Portuguezes  sua  mor- 
te; e  achando-o  morto  depois,  o  honrarao  com  exequias  Ueaes,  e  suas 
cinzas  trouxerao  a  sua  Corte  de  Evora,  e  Ihe  derao  Regia  scpultura, 
aonde  com  o  seu  Senado  esperarao  o  que  fariao  Metello,  e  Pompeo  ; 
mas  estes  vendo  quo  o  traidor  Perpena  com  so  outros  Hespanhoes,  mas 
sem  Portuguez  algum,  estava  ji;  ambos  o  acommellerao,  e  vencendo-o 
facilmente,  o  prenderiSo,  e  o  malarao,  em  vingan^a  de  os  privar  de  (quan- 
do 0  nao  vencesscm,  corno  nunca  venceriao)  ao  menos  pelejarem   com 
lium  Sertorio,  e  com  seu  Portuguez  fatai  exercito  :  e  deixando  a  hum 
Affranio  por  seu  Capitao  em  Hespanha,  ambos,  Metello,  e  Pompeo,  se 
relirarao  a  Roma  anno  de  G9,  tendo  a  morte  de  Sertorio  succedido  anno 
de  71,  antes  da  vinda  de  Christo. 

CAPITOLO  XIV 

Da  vinda  de  JiiUo  Cenar  conlra  Portugal. 

73  A  té  0  anno  de  63  nao  liouve  guerras  outras  em  .Hespanha,  e 
Portugal,  porque  o  Portuguez  exercito,  nao  vendo  jà  a  inimigo  competente 
a  quem  ir  buscar,  elegerao  o  descanso  das  guerras  passadas;  porém  os 
mais  antigos  Portuguezes  da  Serra  da  Estrclja,  de  repente  sahirao  com 
tal  impeto  sobre  as  terras  a  Roma  obedìentes,  que  a  toda  a  Hespanha 
pozerao  em  grande  rovella,  e  a  Roma  obrigarao  a  mandar  logo  sobre 
Portugal  0  grande  Julio  Cesar,  Pretor  de  Roma,  fillio  de  Lucio  Cesar,  e 
por  aqui  descendente  de  Julio  Ascanio  Rei  de  Alba,  e  fillio  do  grande 
Eoeas,,  donde  veio  a  familia  dos  Julios  :  mas  a  mài  de  Julio  Cesar  foi 
Aurelia,  filha  de  Cayo  Cotta  descendente  de  Anco  Marcio,  quarto  dos 
Beis  de  Roma:  e  porque  o  tal  Julio  Cesar  nasceo  no  mez  Quintil,  (que 
era  desdc  Marco  o  quinto  mcz)  i)or  isso  o  mez  Quintil  se  cliamou  Julio 


52  inSTORIA  INSILANA 

ou  Julho:  e  Gasando  JuUo  Cesar  com  Cornelia  filha  do  Censul  Cina,  teve 
por  filha  a  Julia,  que  casou  com  o  Pompeo  de  que  acimn  tratamos. 

76  Corria  o  anno  de  59  antes  da  vinda  de  Christo,  quando  o  tal 
Julìo  Cesar  cntrou,  bem  a  sua  custa,  em  Portugal,  e  envestindo  a  Serra, 
e  Serranos  da  Eslrella,  foi  muilas  vezes  por  elles  robatido  com  morte 
de  multa  gente,  até  que,  nao  pelo  brago,  mas  por  ardii  militar  venceo 
aos  tacs  Portuguezes,  e  pacificando  a  maior  parte  da  Lusitania,  deixan- 
do  n'ella  por  Prelor  a  Tuberon,  se  voltou  a  Roma,  onde  no  anno  se- 
guinte  foi  eloito  Consut  com  Marco  Calphurnio  Bibulo  :  mas  tornando  a 
Lusitania  a  fazer  guerra  aos  Romanos,  e  vindo  a  acudir-lhes  buns  Le- 
gados  de  Pompeo,  em  quanto  elle  nuo  vinha,  e  langando  entretanto  fora 
de  Roma  a  Pompeo  o  mesmo  seu  sogro  Jnlio  Cesar,  e  cada  bum  d'es- 
tes  procurando  ter  por  si  a  Lusitania,  e  toda  flespanba,  o  Cesar  se 
adiantou,  entrou  em  Ilespanha,  venceo  aos  Legados  de  Pompeo,  tornou 
a  pacificar  a  Lusitania,  e  deixando  nella  por  Pretor  a  Quinto  Cassio 
Longuinho,  se  tornou  a  Roma  anno  44  antes  de  Christo  nascer,  tempo 
cm  que  na  Lusitania  succederuo  terremotos  tao  fataes,  comò  yi  os  tinha 
havido  no  anno  de  63,  e  taes  successos,  e  entradas  do  mar  pela  terra 
dentro,  qne  muita  terra  anliga  occupou  de  novo,  e  a  outra  muita  nova 
descobrio,  onde  nunca  imngìnarào  a  haveria. 

77  Voltado  a  Roma  Julio  Cesar  perseguio  tanto  a  Pompeo  que  em 
Grecia  o  foi  achar,  o  o  venceo,  e  o  fez  ir  a  valer-se  de  Plolomeo  Rei  de 
Egypto,  e  esle  infiolmonte  deo  a  morte  a  Pompeo;  e  os  dous  filhos  fu- 
girSo  para  Africa,  e  dalli  para  Ilespanha,  e  ficando  em  Cordova  Scxlo 
Pompeo,  e  Cneo  Pompeo  em  Seviiha,  procuràr5o,  com  bum  bom  soc- 
corro de  Portuguezes,  vingar-se  dos  Legados  de  Julio  Cesar,  e  os  \en- 
cerao;  mas  voltando  a  Portugal  o  Cesar,  e  vencendo  a  Cneo  Pompeo, 
por  tralcio  de  bum  criado  deste  o  malou;  e  vindo  o  Sexto  Pompeo  In- 
go contra  Cesar,  se  fez  forte  em  Seviiha;  Cesar  se  veio  a  Portugal,  e  com 
benignidade,  mercés,  e  titulos,  em  chegando  a  Beja  mandou  Embaixa- 
dores  de  paz,  e  amizade  a  muitas  Cidades  Lusitanas,  e  recebendo  d*ellas 
tambem  Embaixadores,  estes  Ihe  renderao  vassallagem,  e  a  Beja  deo  o 
titulo  de  Pax  Julia,  e  de  Colonia  Romana;  e  passando  a  Evora,  e  con- 
firmou  em  o  titulo  de  Mimicipio  Romano,  e  taes  favores  Ihe  fez,  que 
d*aqui  tomou  o  nome  do  LihemlHas  Julia;  e  logo  veio  render-se-lhe  o 
Reino  do  Algarve,  e  Cesar  fez  a  Mertola  Municipio  Latino,  e  a  chamou 
Julia  ìUrtilis,  Dc  Evora  cheguu  Cesar  a  Santarcm,  inlitulou-o  Colonia 


LIV.  I  GAP.  XY 


53 


Romana,  e  clia;nou-lhc  Julium  Prasidinm;  e  passando  a  Lisboa,  d'ella 
foi  bem  recebido,  e  concedeo  o  ser  Municipio  dos  Cidad3os  Romanos, 
(cousa  qne  em  a  Lusitania  nao  leve  Cidade  outra  alguma,  posto  qne  às 
Colonias  Unhao  ainda  por  mais  nobres)  e  Mie  chamou  Felicitas  Julia;  e 
sem  entrar  mais  por  Portngal,  se  vollou  Julio  Cesar  de  Lisboa  para  Ro- 
ma, onde  entao  se  iutitulou  Eraperador  do  ninndo;  mas  dentro  de  tres 
annos  se  Ihe  acal)oii  o  Imperio,  morrcndo  alravessado  com  vinte  e  tres 
punhaladas,  às  maos  de  Bruto,  e  Cassio,  e  outros  sessenla  Romanos  Se- 
nadores,  e  diante  de  huma  estalua  do  grande  Pompeo  sea  inimigo,  em 
i3  de  Marm,  anno  42  antes  da  vinda  de  Christo. 

CAPlfuLO  XV 

Do  prÌHciiìio  do  Imperio  ile  Julio  Cesar^  e  uniào  com  Portngtd 
ale  a  tiuda  de  Christo,  Senhor,  e  Salvador  nosso. 

78  Morto  Julio  Cesar,  cr»mecou  em  Roma  a  governar  o  Triunvirato 
de  Ottaviano,  (sobrjpho  de  Julio  Ce<;ar)  e  de  Marco  Antonio,  e  do  Con- 
sul  Marco  Lepido;  e  com  esla  occasiao,  e  chamamento  de  Roma  foi  Sex- 
Io  Pompeo  a  ella  su  por  vingar  a  morie  de  seu  pai»  e  seu  irmao:  mas  son- 
do 0  seu  exercito  deltalianos  sómente,  foi  emfim  vcncido  por  Oclaviano: 
e  por  Marco  Antonio  foi  preso,  e  morto,  e  acabou  entao  a  geragao  dos 
Pompeos.  E  entrando  logo  no  mesmo  Triumvirato  a  discordia.  Marco  Le- 
pido foi  lanfado  fora  d'elle,  por  querer  matar  a  Octaviano,  e  pouco  de- 
pois fez  esle  guerra  a  Marco  Antonio;  e  estc  a  si  proprio  se  matou,  por 
Ibe  dizerem  ser  morta  a  sua  amnda  Cleopatra,  a  qual  (sendo  ainda  viva, 
e  sabendo  i  morie  de  Marco  Antonio)  a  si  propria  se  tirou  a  vida,  e  fi- 
cou  Octaviano  absoluto  Emperador.  E  acabou  em  Roma  nào  so  o  gover- 
no de  Consules,  mas  o  do  Triumvirato;  e  mudado  o  nome  Octaviano, 
se  comecou  a  chamar  Augusto  Cesar. 

79  Citegado  o  anno  de  28  antes  de  vir  Giiristo  ao  mundo,  e  estan- 
do quieta  a  Lusitania,  os  de  Gali/^  entrarào  pelas  terras  (|ue  erao  sogei- 
tas  a  Braga,  e  està  se  persuadio  que  tinhao  sido  chamados,  e  ajudados 
pelos  naturaes,  e  comarcaos  da  Cidade  do  Porto,  e  vencendo  Braga  fa- 
cilmeDte  aos  que  tinhao  vindo  de  Galiza,  declarou  guerra  contra  o  Por- 
to, e  corno  esie  cbamasse  em  seu  favor  aos  Romanos  que  andavao  em 
Hespanha,  entre  os  qqaes  se  achava  jà  o  Emperador  Augusto  Cesar,  com 


54  HI4T0RIA  INSILANA 

osta  occasiao  enirarao  a  primeira  vez  os  Romanos  na  Provìncia  d'Entre 
Douro  0  Minho,  e  se  accendeo  mais  a  guerra  de  Braga  contra  o  Porlo: 
mas  corno  da  parte  de  Braga  até  as  mulhcres  pelejavào  mais  que  os  ho- 
mens,  depois  de  varias  batnlhas,  e  victorias,  que  os  de  Braga  alcancarao 
dos  do  Porto,  Augusto  emfim  compoz  eslas  Cidades  com  paclos  mui  ven- 
tajosos  de  Braga  sobre  o  Porto,  e  a  Braga  concedeo  o  tilulo  de  Colonia 
Romana,  e  de  se  cliamar  Augusta:  e  d'aqui  sempre  flcou  alguma  antipa- 
tliia  entro  estas  duas  Cidades  de  Braga,  e  Porto. 

80  E  porque  Augusto  Cesar  por  algura  tempo  se  deleve  em  Tarra- 
gona  de  llespanha,  duas  cousas  n'eila  fez,  com  que  a  si  se  fez  mais  ce- 
lebre: primeira  foi,  mudar  o  modo  do  coniar  os  annos,  porque  se  antes 
se  dizia  v.  gr.  (succedeo  islo  tantos  annos  depois  da  creacao  do  mun- 
do:  ou,  tantos  depois  do  diluvio,  ou,  depois  da  Fundacao  de  Roma,  eie.) 
mandou  que  d'ahi  por  diante  se  dissesse,  (tantos  annos  da  Era  de  Ce- 
sar:) e  porque  trinta  e  oito  annos  anles  do  nascimento  de  Christo  ven- 
ceo  este  Augusto  Cesar  a  seu  compelidor  Marco  Antonio,  mandou  quo 
d'aquelle  anno  por  diantc  se  contassem  de  novo  modo  os  annos,  dizen- 
do-se  sórnente  assim,  (Era  de  Cesar,  tantos  annoij  querendo  que  nera 
seus  annos  todos  ficasscm  em  memoria,  senao  os  em  que  acabàra  de 
vencer  seus  inimigos,  e  assim  quem  aos  annos  do  nascimento  de  Christo 
Senlìor  nosso  accrescentar  trinta  e  oito,  farà  justamente  os  annos  da  Era 
de  Cesar;  e  pelo  contrario  quem  d'està  tirar  'óS  annos,  justamente  acer- 
larA  OS  annos  do  nascimento  de  Christo;  cousa  muito  necessaria  para 
bem  se  enlendereni  os  tempos^das  datas,  ou  assignaturas  de  escrituras 
antigas.  Mas  comò  o  mesmo  Cesar,  so  dous  annos  antes  do  nascimento 
de  Christo  se  tornou  de  Hespanha  para  Roma,  e  aìnda  n'esles  dous  an- 
nos acabàrao  seus  exercitos  de  vencer  por  là  os  Alemaes,  Armenìos,  e 
Parthos;  e  por  cà  acabàrao  de  sugeitar  de  lodo  a  llespanha,  e  apaziguar 
a  Portugal  na  sua  Provincia  ultima  d'Entre-  Douro  e  Minho;  com  mais 
razao  querendo  o  dito  Cesar  que  a  conta  de  seus  annos  comefasse  des- 
de  quando  acabou  de  vencer  seus  inimigos,  houvera  de  comefal-a  desde 
que  acabou  de  vencer  a  Portugal,  que  foi  a  ultima  corea  de  todas  suas 
victorias.  Porém  n'isto  mesmo  ainda,  e  muito  ao  depoìs  venceo  Hespa- 
nha ao  dito  Cosar,  que  deixando  a  era  d'esle  no  contar,  comegou  em  o 
Beino  de  Aragao,  e  logo  no  de  Castella,  a  contar  os  annos,  desde  so  o 
nascimento  de  Christo  Salvador  nosso,  anno  mil  e  qualroccntos  e  quin- 


LIV.    I    CAP.   XM  5o 

ze,  e  a  «sta  Divina  conta  lomou  a  Coma  de  Porlugal,  rcinando  o  inviclo 
Rei  D.  Joao  I. 

8i  Ullinfiamcntc  alTectou  esle  Augusto  celebrar-se  com  o  edicto,  qiie 
referc  o  sagrado  Evangellio,  qiie  se  tornasse  a  rol,  e  se  iTialriculassc  lo- 
da o  mundo,  corno  se  lodo  estivesse  dehaixo  de  seu  imperio  Romano; 
mas  ignorava  que  cnlilo  (aos  3%2  annos  da  creacuo  do  mundo,  230G 
do  diluvio  de  Noè,  em  o  Reino  de  Judéa,  em  a  ditosa  Cidade  de  Be- 
tlilem,  aos  25  dias  de  Dczembro)  o  verdadeiro,  e  Divino  Emperador  de 
ludo  o  que  Deos  omnipotente  creou,  e  creara;  nasceo  feito  homem  por 
virtude  do  Espirilo  Divino,  e  da  sempre  immaculada  e  sacralissima  Yir- 
gem  Maria,  Senhora  nossa,  na  qaal  o  Verbo  Divino,  segunda  pessoa  da 
Santissima  Trindade,  e  Unigenito  Filho  do  mesmo  Padre  Eterno  se  unio 
i  nossa  humana  natureza,  e  tao  ineflavel  composto  fjcou  sendo,  junta- 
mente  Deos»  e  Homem,  e  em  quanto  Homem  sem  Pai,  porém  com  a  ver- 
dadeira,  e  humana  Mai,  e  em  quanto  Deos  sem  Mài,  e  s6  com  seo  Eter- 
no Pai;  e  foi  unicamente  o  que  ti-ouxe  a  verdadeira  paz  ao  mundo  todo, 
e  na  Cruz  (em  que  morreo  por  nos  remir  do  cativeiro  das  culpas)  a  ver- 
dadeira Victoria  de  todas  nossas  guerras. 

CAPITULO  XVI 

Conclusdo  do  principio  das  Ilhas. 

82  Supposto  assim  o  brevissimo  compendio  dos  Reis,  e  guerras  qiie 
hoave  em  Uespanha,  e  Portugal,  desde  o  diluvio  de  Noè  ale  o  ineflavel 
nascimento  de  Christo  Salvador  nosso  ;  conclue-se  primo,  que  nem  as 
Ilbas  do  Oceano  forao  alguma  bora  parles  da  terra  Firme,  nem  no  Oceano 
boove  a  fabulosa  Uba  Atlanta,  pegada  com  Àfrica,  e  Ilespanba,  mas  im- 
mediato a  estas  correo  sempre  o  Oceano,  nem  (o  que  mais  falsamente 
se  oppanha)  nem  Reis  alguns  de  He^[)anha,  ou  Portugal  forao  jd  mais 
invadidos,  e  muito  menos  vencidos  em  batalbas  pelos  Reis,  que  na  Atlanta 
se  sappoem  terem  reinado,  nove  mil  annos  antes  de  Platuo,  porque,  se 
se  fallava  de  annos  Solares,  consta  que  muitos  menos  tinba  o  mundo 
desde  sua  creacao,  e  se  Plalao  fallava  de  annos  de  quatro  mezes,  (corno 
em  algum  tempo  se  conlavao  em  o  Egypto)  ainda  vinhào  a  ser  tres  mil 
annos  de  doze  mezes,  e  nem  tantos  havia  que  tinba  succedido  o  diluvio 
de  Noe;  e  se  fallava  de  annos  Lunares,  em  nove  mil  de  Lunares  nao  ha 


56  HISTOIUA  INSULANA 

mais  que  setecentos  e  cincoenta  de  doze  mezes,  quo  com  qualrocenlos 
e  cincoenla  (quc  de  Platao  corriào  atè  a  vìnda  de  Chrìsto)  faziiio  mil  e 
duzcntos  antcs  da  vinda  do  Rcdemptor;  tempo  em  que  noticia  nao  liavia 
da  tal  Atlanta  em  Hespantia,  e  Lusìtania,  e  nem  nesla  havia  Reis  entao» 
e  logo  se  llie  seguio  oRei  Gorgoris  Mellifluo,  corno  vimos  acima  no  cap^S. 

83  Conclue-se  pois  segundo,  que  o  verdadeiro  principio,  e  creasse 
das  Ilhas,  que  estao  no  Oceano,  he  o«que  se  colhe  da  Sagrada  Escritu- 
ra,  Genes.  i,  aonde  creando  Deos  em  o  primeiro  dia  o  Geo,,  a  terra,  e 
a  luz;  e  no  segundo  dia  o  Firmamento  no  meio  das  aguas,  e  chamando 
ao  Firmamento  Geo,  entao  no  terceiro  dia  mandou  que  as  aguas,  que 
estavao  debaixo  do  Geo,  se  ajunlassem  em  hum  lugar,  e  apparecesse 
secco  todo  0  lugar  que  deixavao,  e  a  este  lugar,  deixado  secco,  pozDeos 
por  nome  Terra,  e  às  aguas  separadas  chamou  Mares,  e  porque  a  natu- 
reza  do  elemento  da  agua  he  buscar  sempre  da  terra  os  valles  mais  pro- 
fundos,  a  estes  se  recolherao  as  aguas;  e  corno  sobre  os  valles  se  levan- 
tava  a  terra  em  vastìssimas  alturas,  e  d'estas  erùo  muitas  unidas  humas 
com  outras,  e  com  menores  valles  entre  si,  outras  alturas  porém  erào 
entre  si  separadas  com  mais  prorundos  valles  intermedios,  a  estes  tam- 
bem  as  aguas  occuparao,  tanto  em  circumferencia  das  suas  proprias  al- 
turas. que  fìcarào  sendo  Ilhas;  porém  as  outras  alturas  mais  unidas  en- 
tre si  com  valles  menos  profundos,  fìcarào  sendo  a  que  chamao  terra 
firme.  E  ainda  que  o  sagrado  Texto  diz  que  mandara  Deos  se  ajuntas- 
sem  as  aguas  em  hum  lugar,  (Congregentur  aqucB  in  locum  unum)^  nem 
por  isso  quer  dizer,  que  aquelle  lugar  fosse  hum  so  por  identidade,  mas 
que  fosse  hum  per  continuativa  uniào,  corno  em  effeito  vemos,  que  o 
Oceano  Occidental  com  o  Orientai  se  une,  e  continua  o  Mediterraneo 
com  0  Atlantico,  e  assim  os  outros  mares. 

84  D*este  mesmo  modo  pois,  com  que  comecarao  as  Ilhas  em  o 
principio  do  mundo,  tambem  d'este  mesmo  modo  tornarao  a  comecar,  de- 
pois do  diluvio  de  Noè,  e  persistem  ainda  hoje:  e  Oca  mais  manifesta  a  fa- 
bula d'aquella  liba  Atlantica,  a  uniao  d'ella  com  Hespanha,  e  Africa,  os 
fingidos  Reis  que  tinha,  as  imaginadas  guerras  que  Azera,  e  que  vence- 
ra,  e  a  sua  fabulosa  destrui^ao,  deixando  ao  Oceano  feito  hum  fatai  paul, 
cu  apaulada  lagoa,  que  depois  n'este  Oceano  se  convertesse  outra  vez; 
pois  isto  so  s5o  sonhos,  que  a  Platao  occorrerao,  ou  Ihe  disserao;  pois 
de  tal  nao  trata  historia  outra  alguma,  havendo  tantas  de  antiguidades 
do  mundo,  assim  de  antes  do  diluvio,  comò  ainda  mais  depois  d'elle. 


IJV.  I  GAP.  XVI  37 

85  E  se  alguem  perguntór,  quando  antcs  do  diinvio,  ou  depois 
d'elle  forao  algumas  Uhas  povoadas  :  ao  tempo  antes  do  diluvio  dirSo 
alguns  que  o  Paraiso  terreal  foi  a  primeira  lllia  feila  por  Deos  nesso 
Senhor,  e  povoada  por  Adào,  e  Eva  lego  no  principio  do  mundo;  e  que 
parece  que  assim  se  colhe  da  Sagrada  Escritura,  aonde  se  diz,  que  tendo 
Deos  separado  as  aguas  em  hum  lugar,  e  descuberto  a  terra,  que  cba- 
matnos  terra  firme,  (Genes.  i,  n.  9.)  accrescenta  cap.  %  n.  8,  que  jà 
desde  o  principio  linha  Deos  plantado  o  Paraiso,  e  que  nelle  poz  o ho- 
mem  que  creara:  Plantucerat  autem  Dominus  Deus  paradisum  à  prin» 
eipiOj  in  ^uo  posuit  hominem,  quem  formaverat,  eie.  LogO  esle  Paraiso, 
que  d'antes,  e  desde  o  principio  tinha  Deos  plantado,  era  terra  diversa 
d*aquella  terra  firme,  que  Deos  apartou  das  aguas  ;  logo  era  alguma 
liha  das  aguas  cercada,  pois  o  mesmo  texto  accrescenta,  num.  15,  que 
da  terra  tomou  Deos  ao  homem,  e  o  poz  no  Paraiso  ;  e  num.  23,  con- 
clue,  que  do  Paraiso  Qeos  tirou  depois  ao  liomem,  e  o  tornou  a  por  na 
terra,  de  que  o  formara  :  Et  immisit  eum  Dominio  de  paradiso,  ut  ope» 
raretnr  terram  de  qua  sumptus  est  :  logo  està  terra  era  a  firme,  e  o  Pa- 
raiso era  huma  liha  por  so  Deos  formada  a  principio,  e  por  Adao  primo 
habitada:  mas  iste  nao  toca  a  historiador,  senuo  aos  sagrados  Exposito- 
res,  aonde  se.  pode  ver:  pois  d'està  sorte  parece  comecar3o  logo  as  Ilhas 
€om  a  creacao  do  mundo. 

80  E  quanto  ao  tempo  depois  do  diluvio,  coherentemente  outros 
dirio,  que,  assim  corno  o  Paraiso  terreal  Tei  a  primeira  Uba  antes  dodi- 
lavk),  assim  depois  deste  a  primeira  Uba  foi  a  arca  de  Noè,  em  que  os 
viventes  escapar3o  do  diluvio,  comò  escapao  do  mar  os  navegantes  re- 
colbeDdo-se  a  Ilhas,  que  para  esse  firn  tambem  Deos  as  creou,  E  que 
assim  corno  o  mar,  separando-se  da  terra  firme,  deixou  nao  so  a  Uba  do 
Paraiso  intacta,  mas  a  outras  muitas  Ilhas,  de  que  nao  faz  mencao  a 
Sagrada  Escritura  :  assim  tambem  as  aguas  do  diluvio  univorsal  deixa- 
rio,  além  da  sua  Uba,  ou  arca  de  Noè,  a  outras  muitas  Ilhas,  quando 
se  recolherau,  e  cessarao  as  aguas  do  diluvio  ;  e  d'estas  Ilhas  nao  dire- 
iDos  DOS  agora,  mas  sómente  de  algumas,  quando,  e  por  quem  se  man- 
teo  descobrir,  e  povoar;  e  por  quem  se  descobrirao,  e  povoarao. 

FIM  DO  LIVRO  l'RIMKIHO. 


INSULINA  LUSITANA 


DAS  ILHÀS  CHAMADAS  CANARIAS,  E  DAS  DE  CAHO  VERDE. 

CAPITULO  I 

Do  principal  deseobridor  de  llhas,  e  de  occuUas  Urras  firmeSf 
0  Serenissimo  Infante  D.  Ilenrique. 

{  Sendo  decimo  Rei  de  Portugal  Dom  Joao  I,  do  nome,  e  casado  com 
a  Infante  D.  Felippa,  neta  dei-Rei  D.  Duarte  III,  de  Inglaterra,  e  filba 
(Io  Infante  D.  Joào  Duque  de  Alancastre,  e  de  sua  mulher  Branca,  ber* 
deira  do  Ducado,  dos  qnaes  nasceo  Ilenrique,  Duque  do  Alancastre,  e 
depois  Rei  de  Inglaterra  :  teve  o  dito  liei  D.  Joao  I,  da  tal  Rainha  D. 
Felippa,  depois  do  Infante  D.  Duarte,  qua  Ihe  succedeo  no  Reino,  e  do 
Infante  D.  Fedro,  Duque  deCoimbra,  teve  ao  nosso  Infante  D.  Henrique, 
Doque  de  Vizeu,  Mestre  da  Ordem  de  Ghristo,  senhor  de  Lagos,  e  Sa- 
gres  no  Aigarve,  cujos  irmaos  mais  mocos  forao  D.  Isabel,  que  casou 
com  Fetippe  Uuque  de  Borgonha,  e  Conde  do  Flandres,  e  D.  Joao  Mes- 
tre de  Santiago,  e  pai  de  D.  Isabel,  que  casou  com  D.  Joao,  Rei  segmido 
do  nome,  de  Castella  :  e  antes  de  ser  Rei,  e  ter  os  ditos  filhos  legitimos, 
tinha  jé  o  nosso  D.  Joao  o  I,  de  huma  D.  Ignez,  que  ao  depois  foi  Cosa- 
meodadeìra  de  Santos,  a  bum  fìllio  por  nome  D.  Affonso,  que  casou  com 
D.  Brites,  fitba  unica,  e  herdeira  do  grande  Condestavel  U.  Nuoo  Alvrez 
Pereira,  e  foi  o  primeiro  dos  Serenissimos  Duques  de  Braganca,  «ijya 
fllha  D.  Isabel  casou  com  seu  tio  o  Infante  D.  Joao,  Mestre  de  Santiago, 
de  que  nasceo  D.  Isabel,  Rainha  de  Castella,  e  D.  Brites,  que  casou  com 
sea  primo  o  Infante  D.  Fernando,  fìllio  d'el-Rei  D.  Duarte,  e  irmao  de 
D.  Alfonso  V. 


(50  HISTORIA  INSULANA 

2  Nascco  pois  o  nosso  Infante  D.  Ilenrique  em  a  Cidade  do  Porto 
a  4  de  Marco  de  1394,  na  quarta  feira  de  Cinza;  n'ellc  competirao  as 
virludes  de  luim  grande  Principe  com  as  de  perfeitissimo  Calholico.  Nos 
primeiros  annos  se  deo  tanto  as  letras,  que  além  de  bom  latino,  sahio 
lumi  insigne  Mathemalico,  e  singular  Cosmographp,  e  so  por  melhor 
contemplar  cm  as  estrellas  do  Geo,  escolheo  para  sua  especial  habitai^o 
a  mais  alta  montanha  no  Cabo  de  S.  Vicente,  onde  poucas  vezes  chove, 
raramente  o  Geo  se  turba,  e  sua  serenidade  se  ve  ordinariamente  pa- 
tentissima,  e  d'aqui,  e  de  antigos  escriptos  que  ajuntou,  e  observacoes 
que  fazia,  veio  a  alcanc^F,  que  pela  parte  do  meio  dia  se  podia  nayegar 
a  India  Orientai,  e  que  na  demanda  d*este  descobrimento  se  descobrì- 
riào  muitas,  e  varias  Ilhas,  que  no  nosso  Oceano,  e  em  outros  roares 
mostrava  o  Geo  que  havia  ;  e  tanto  se  afTeiQOOu  ao  estudo  das  letras,  e 
a  todos  OS  que  a  ellas  se  entregavao,  que  até  seu  proprio  palacìo  que 
em  Lisboa  tinha,  o  deo  para  nelle  se  formarem  estudos  novos,  em  que 
as  letras,  e  sciencias  se  ensinassem,  e  aprendessem. 

3  A  tao  grande  estudiosidade  ajuntou  este  verdadeiro  Principe  tao 
grande  applicando  a  nobilissima  arte  da  Gavallaria  em  a  terra,  enavega- 
Cao  por  mar,  que  dos  maiores  pilotos  era  elle  o  maior  Mestre,  e  dos 
mais  déstros  homens  de  cavallo  era  Principe  destrìssimo,  comò  adverte 
Joao  de  Barros,  i.  part.  cap.  17,  e  veremos  largamente  n'esta  obra;  e 
d'aqui  lUe  veio  a  este  Infante  aceitar  o  perpetuo  governo  do  Reìno  do 
Algarve,  por  alli  Ihe  vir  a  melhor  eavallaria  que  havia  em  Africa,  e  d*alli 
mais  facilmente  mandar  embarcacoes  a  descobrimentos  que  intentavat.  A 
estas  moraes,  e  regias  virtudes  ajuntou  tao  Beai  liberalidade  em  premiar 
servigos,  tao  inflexivel  justiga  em  distinguir  huns  dos  outros,  e  castigar 
a  culpados,  que  ao  seu  palacio,  e  ao  seu  servilo  acudiao  os  melhorcs 
fidalgos,  e  seguiao  a  pessoa  de  tal  Principe  em  os  maiores  couflictos, 
e  Ihe  dcfendiao  os  póstos,  e  as  pragas  com  toda  a  fidelidade,  e  valor, 
sabendo  terem  todos  nao  so  pontual  a  paga,  mas  seguro  o  premio  e 
augmento. 

4  Competirao  pois  tanto  n'este  Principe  as  virtudes  naturaes,  e 
muito  proprias  de  seu  alto  estado,  com  as  sobrenaturaes  da  alma  para, 
e  Catholica,  que  nao  so  nunca  admittio  fallar-se-lhe  em  casamento,  mas 
(com  viver  setenta  annos)  foi  tao  puro,  e  exemplar  em  seus  costumos, 
que  morreo  virgem  purissimo;  e  na  verdade  a  quem  tao  bem  occapado 
andava  sempre,  e  em  taes  yìllades  moraes  se  exercitava,  nSo  costuma 


LIV.   II  CAP.  I  CI 

Deos  Taltar  com  sobrenaturaes  auxìlios,  para  cooseguir  lambcm  as  vir- 
tades  mais  Di\  inas  ;  que  a  quem  nunca  està  ocioso,  mas  sempre  bem 
occupado,  nera  o  proprio  demonio  se  atreve  a  tenlar.  A  pureza  pois 
ajunlou  este  Catliolico  Infante  tao  Divina  Fé,  Esperanca.  e  Charidade, 
(|ue  pela  Defensao  da  Fé  se  poz  fronteiro  perpetuo  no  Algarve  conlra 
teda  a  perQdia  Maliometana  de  Africa;  e  ainda  (corno  em  seu  lugar  v(- 
remos)  foi  expòr  a  propria  vida  pela  Fé  nas  Catliolicas  pracas  cpie  jà  ti- 
lìhamos  entre  os  mesmos  Maliometonos;  e  com  descobrir  tantas  Ilbas,  e 
tio  Dovas  terras  firmes,  nas  cm  que  liavia  genles,  fez  logo  [)régar  a  Fé 
Catholica»  e  povoar  de  Calbolicos  as  que  estavao  despovoadas.  A  cbari- 
dade  (ainda  com  o  proximo,  quanto  mais  com  Deos)  mostrou  coni  elTeito 
maitas  vezes  em  arriscar  a  propria  vida  por  salvar  a  de  seus  vassallo^v 
nos  encontros  que  a  seu  tempo  veremos  teve  com  os  Mouros;  e  no  mo- 
te, oa  divisa  que  tinba  em  suas  reaes  armas,  em  as  quaes  se  lia,  «Von- 
lade  de  bem  fazer.» 

5  Com  està  tao  real,  e  ajustada  vida  adquirio  tanto  poder  em  està 
Monarchia  Lusitana,  que  qualquer  intento  que  emprendia,  acabava  ;  e 
a^im  OS  Reis,  seu  pai,  irmào,  e  sobrinho,  d  elle  confìarào  sempre  nao 
so  0  perpetuo  governo  do  Reino  do  Algarve,  porta  de  Africa  para  Iles- 
paoha,  mas  tambem  a  grande  administra^ao,  e  Mestrado  de  toda  a  Or- 
dem  Uililar  de  Christo,  e  suas  muitas,  e  muito  grandes  terras,  Com- 
iDendas,  e  datas,  com  que  vinlia  a  ser  Imm  segundo  Rei  de  toda  a  Mo- 
narchia Lusitana  ;  e  até  o  mesmo  Papa  Eugenio  IV  Ihe  deo  sua  propria 
authorìdade  para  reformar  a  Ordem  de  Christo;  julgando,  e  com  razao, 
qoe  tao  ajustado  Principe,  ainda  que  secular,  de  Kegulares  podia  ser 
Beformador  perfeito,  comò  de  facto  o  foi;  e  entre  as  grandes  datas  qne 
i  Ordem  de  Christo  deo,  foi,  fundar-lhe  huma  rica  Ermida  junto  ao  Tejo, 
quasi  legna  de  Lisboa  com  a  invocagào  de  N.  Senbora  de  Bethlem,  (d'on- 
de tornea  o  nome  a  alta  torre,  ou  Castello,  que  dentro  do  mesmo  rio 
se  levantou  depois  defronte  da  dita  Ermida)  e  para  està  mandou  vir  do 
Convento  de  Tomar  Deligiosos  Militares,  que  servissem  a  Senbora  de 
Bethlem,  e  recolhessem,  e  hospedassem  os  que,  vindo  em  nàos  de  fora, 
alli  parassem  ;  para  o  que  Ihes  doou  rendas  copiosas,  e  com  so  huma 
liissa  cada  Sabbado  por  sua  alma  ;  'tanta  era  a  devogao  com  a  Virgem 
Mii  d  este  grande  Principe,  e  tanta  a  charidade  com  os  proxiaiog|,| 
cìalmente  navegantes. 

6  Està  Ermida  porém,  e  suas  rendas  tirou  da  Ordem  ^ 


m  a  Yirgem 


62  IIISTOKIA  INSILANA 

El-Bei  D.  M«nnocI,  sobrinho  do  dito  Infante  D.  Ilenrique,  e  cm  lugar 
d'ella  deo  a  Ordem  a  Igreja  de  nossa  Senliora  da  Conceicao,  que  està 
fora  de  Lisboa,  e  linlia  sido  de  anles  synagoga  dos  Judeos,  quando  ainda 
se  nao  tinhao  convertido;  e  na  Ermida  de  Bclhlcm  fundou  bum  magnifico 
Convento  aos  Ueligiosos  de  Sao  Ilieronyrao;  e  porqueo  dito  Rei  morreo 
anles  de  o  acabar,  deixou  que  seu  corpo  se  d{?positasse  na  Ermida  velha 
de  Bejblem,  e  depois  cm  se  acabando  a  regia  fgreja  nova,  para  ella  se 
trasudasse  o  dito  seu  corpo  ;  e  que  seu  successor,  e  fillio  El-Rei  D. 
JoHo  III,  acabasse  a  Igreja,  e  Convento,  corno  ludo  acabou,  e  com  tal 
magnificencia,  que  foi  depois  sepultura  de  outros  Keis:  d'onde  podemos 
dizer  que  ao  grande  Infanle  I).  Ilenrique  deve  conbeccr  tambem  por  seu* 
Fundador  primeiro  o  magnifico  Convento  de  Belblem;  e  a  dita  Conceicao 
Ulyssiponense  da  Ordem  de  Cbrislo. 

7  Cliegou  finalmente  a  morte  a  este,  na  fama,  immorlal  Principe, 
em  1463  a  ireze  de  Novembro,  dia  cm  quo  ao  depois  veio  a  celebrar-se 
a  festa  de  outro  illustre  Principe  o  Santo  Stanislao  Kostka,  Polaco,  da 
Companhia  de  Jesus,  e  o  transito  do  Santo,  cbamado  Homobonus,  pro- 
curador  insigne  da  pobrcza,  e  bem  commum  ;  para  se  nos  ensinar  que 
0  nosso  Principe  Ilenrique  nao  so  foi  Religioso,  e  Santo  Principe,  mas 
verdadeiramenle  bomem  em  ludo  pio,  e  bom.  Morreo  pois  de  idade  de 
quasi  setenta  annos.  De  seu  lestamenlo  se  diz  que  deixou  a  conquista, 
e  descobrimento  de  novas  terras  A  Coroa  real,5que  entao  tinlia  seu  so- 
brinho D.  Afl'onso  V,  e  porque  tinha  adoptado  por  fillio  a  seu  sobrinho 
0  Infante  D.  Fernando,  quo  era  casado  com  D.  Briles,  sobriiilia  tambem 
do  mesnfK)  D.  IIenri(|ue,  e  filha  do  Infante  D.  Joao,  ao  dito  D.  Fernando 
deixou  0  Mestrado  da  Ordem  de  Christo,  e  com  elle  as  Ilhas  da^Madeira, 
de  Cabo  Verde,  e  das  Terceiras;  e  ludo  (corno  diz  Damiao  de  Goes)  con- 
firmou  El-Rei;  e  por  morte  do  dito  I).  Fernando  passou  ludo  ao  Infante 
D.  Diego,  (a  quem  matou  El-Rei  D.  Joao. II),  e  deste  D.  Diego  passou 
tudo  ao  Infante  D.  ManocI,  que  depois  succedeo  no  Reino  a  seu  cunliado 
U.  JoSo  0  II,  mas  tudo  o  dito  Rei  D.  Manoel  encorporou  depois  na  Co- 
roa, d'onde  nunca  mais  salilo. 

8  Faleceo  no  seu  Reino  do  Algarve,  em  a  Villa  de  Sagres,  e  d'ahi 
foi  seu  corpo  trasladado  para  a  Villh  da  Bataiha,  e  n  ella  jaz  em  aquelle 
real  Tempio,  que  seu  pai  D.  Joao  o  I  edificou;  sua  sepultura  està  junta 
à  do  pai,  comò  as  dos  mais  Infanles  seus  irmaos:  porèm  a  do  nosso  D. 
Ilenrique  està  dourada,  e  lem  por  divisa  duas  bolsas,  e  lelras  tambem 


LIV.  II  GAP.  II  63 

doifradas,  porque  por  sua  industria  se  descolrio  tambem  a  Mina,  do  que 

vioba  muito  ouro  a  Portugal.  EmAm  que  a  cste  grande  Inrante  D.  Hen- 

rique  parece  nao  deve  menos  a  Coroa  de  Portugal,  do  que  ao  grande 

Conde  D.  llenrique,  tronco  dos  Reis  d'està  Corea,  e  seu  exemplar,  nao 

menos  em  o  nome,  qae  nas  obras  :  porque  com  suas  virtudes  admira- 

veìs,  com  suas  Uivinas  letras,  (ou  revelacoes  Divinas,  na  opiniao  de  mui- 

ti)s)  e  com  seu  braco  ìnvencivel  sugeitou  mais  Reinos  é  Coroa  de  Tortu- 

gal,  do  qoe  nesle  o  outro  llenrique  terras  :  fez  converter  mais  Gcntios, 

do  que  o  outro  venceo  Mouros,  e  se  o  primeiro  llenrique,  so  por  dila* 

lar  a  Fé  de  Christo  obrou  tanto,  tudo  o  que  o  nesso  segundo  empren- 

deo,  e  descobrio,  é  Ordem  de  Christo  o  sugeitou  :  com  que  ficou  csla 

Ordem  tendo  bum  tao  vasto  Imperio,  que  nao  se  assignarà  outra  cm  o 

mando  que  o  tcnha  mais  dilatado.  Tanta  se  deve  a  tal  Principe. 

9  Mas  comò  quem  mais  Ihe  deva,  suo  as  llhas,  de  que  em  especial 
se  compoem  està  historia,  para  a  qua!  so  tocamos  està  noticia  prcambu- 
la,  e  brevissima,  pois  sua  vida  requerc  penna  mais  subida,  e  ampia,  ra- 
tìo,  lic  continuemos  com  os  mais  presupposlos  a  està  obra. 

CAPITULO  II 

Do  anlùjo^  e  ftel  llialoriador  das  Ilitns,  o  Reverendo^ 
e  Veneraeel  Doulor  Gasjwr  Fruclnoòo. 

10  Em  a  Cidade  de  Punta  Delgada  da  liba  de  S.  Miguel,  em  o  an- 
no do  nascimento  de  Christo  Senlior  nosso  de  1S2t2,  nasceo  o  Uoutor 
Gaspar  Fructuoso;  seuì  pais  erào  Cidadàos  da  dita  Cidade,  e  nao  so  do 
sangue  limpissimo,  mas  ricos,  e  muito  nobres.  Desde  o  primeiro  uso  da 
razao  deo  logo  mostras  de  muito  devoto  à  Virgem  Senhora  nossa,  e  era 
de  tao  boa  indole,  e  mansidao,  que  a  todos  levava  os  olhos  sua  grande 
iDclinacao  i  virlude;  come^ando  a  esludar  Grammatica,  foi  logo  conhe- 
ddo  nao  su  do  Mestre,  e  mais  condiscipulos,  mas  da  nobreza  da  terra, 
por  sogeito  que  ao  depois  viria  a  ser  bum  grande  homem  em  santida- 
de,  e  lettras;  mas,  comò  ainda  em  este  tempo  se  davao  de  sesmaria  as 
descubertas  terras  daquella  nova  Ilha,  e  aos  pais  do  estudante  se  tinbao 
dado  muitas  que  elles  mandavao  lavrar,  e  cultivar,  ordenàrao  ao  seu  Gas- 
par,  fosse  em  os  dìas  de  semana  de  manhS  assìstir  aos  homens,  que  cui- 
livavào  as  terras,  para  que  o  (ìzesssm  com  cuidado;  poròm  a  applicagào 


Gì  HISTORIA  LNSULANA 

do  filho  era  lai  aos  seus  livrìnhos,  que  indo  a  vigiar  os  trabalhadores, 
pegavà  lego  dos  livros  de  tal  sorte  que  nao  despegava  dgBiles;  e  aclian-' 
do-o  assiin  o  pai  por  muitas  vezes,  e  aos  seus  trabathadores  descuìdados 
do  trabalhOj  enradado  repreliendeo  asperameute'aó  Gibo,  e  Ihe  disse  que 
ji  que  DUO  prestava  para  lavrador,  elle  o  mandaria  fora  de  sua  patria  a 
cstudar  às  Universidades  ;  e  com  efleito  depois  de  pouco  tempo  embar- 
cou  0  filho  para  Porlugal,  donde  o  mandou  a  Salamanca,  e  n'eUa  Ihe 
mandou  assistir  com  mezada  nobre,  e  que  estudasse;  donde.se  segifio, 
que  ch^gando  o  filho  d'ahi  a  annos  a  ser  Vigano  da  Parochial  da  Villa 
da  Ribeira  Grande:  e  fazendo  hum  rico  frontal  para  o  Aitar  mór,  man. 
dou  por  nelle  o  seguirne  quasi  enigma,  qoe  representava  em  o  panno 
do  meio  do  frontal,  da  parte  do  Evangelho,  hum  Ugurado  arado,  de  bor- 
dado  de  euro,  e  por  baixo  d  elle  huma  letra  que  dizia:  «Se  soubera», 
e  da  parte  da  Epistola  hum  semelhanlemente  figurado  livro,  e  por  baixo 
d'elle  outra  letra  que  dizia:  «Nao  soubera»;  e  isto  vio,  e  reparou,  ha 
quasi  cincoenta  annos,  quem  agora  isto  escreve.  Ohi  se  hoje  os  pais  en- 
tendessem  bem  este  enigma,  e  melhor  o  praticassem,  nao  dando  estado 
a  seus  filhos  contra  a  licita  inclinacuo,  e  vontade  d'elles,  quanto  maiores 
augmontos,  e  credilos  de  suas  casas  Ihes  resultariaol 

11  Chegando  pois  o  maucebo  a  Salamanca,  e  jà  perfeilo  Latino,  co- 
mecou,  e  acabou  de  estudar  Filosofia,  com  tao  exceliente  engenbo,  pe* 
netragao  tao  profonda,  que  foi  niella  nao  so  graduado,  mas  venerado  de 
todos;  e  vendo-se  jà  chegado  a  idade  de  podòr-se  ordenar  de  Sacerdo- 
te» se  voltou  à  sua  liha  para  tornar  as  Ordens,  e  todo  se  dedicar  a  Deos, 
e  à  sua  Igreja.  Chegado  a  liha,  repararao  todos  vir  nào  so  tao  sabio  com 
os  estudos,  mas  tambem  tao  exemplar  em  os  coslumes,  que  n3o  so  Ihe 
derao  todas  as  Ordens  Sacras  com  geral  applauso,  mas  de  todos  os  es- 
tados  concorriao  muitos  a  pedir-lhe  conselho,  e  communicar  com  elle 
suas  consciencias,  e  com  isto  fez  jà  entao  grande  abaio,  e  mudanga  nos 
que  0  tratavao.  Mas  vendo  que  Ihe  fallava  ainda  a  perfeila  Theologia,  e 
Mofal,  (por  mais  que  tivesse  jà  de  Theologia  mystica). 

12  Yoltou-se  da  sua  liha  a  Salamanca,  por  se  aperfei^oar  em  tao  . 
maiores  sciencias;  e  sendo  n'ellas  seu  Meslre  o  Doulissimo  Fr.  Domin- 
gos  de  Soto,  da  Sagrada  Ordem  de  Sao  Domiugos,  taes  progressos  fez 
em  toda  a  Theologia,  e  tanto  o  respeitava  o  dito  seu  grsinde  Mestre,  que 
em  Ihe  perguntando  tal  discipulo  alguma  duvida,  coslumava  o  Mestre 
pcdir  tempo  para  a  ver,  e  satisfazer-lhe.  0  procedim^cnlo  nos  coslumcs. 


LIV.   II  GAP.  U  65 

e  0  exemplo  da  vida  que  fazia  esle  sujeìto,  era  tal,  com  ser  ainda  mau- 
cebo,  e  cursante  aìnda,  que  com  n'aquella  celebre  Universidade  lìaver 
Uotos,  e  tao  insìgnes  talentos  ein  virlude,  e  ietras,  todos  veneravao  ao 
dito  Fructuoso,  e  concorriao  a  elle  por  conselho,  e  todos  d'elle  tiravào, 
aioda  mais  que  do  nome,  grande  fruclo;  e  assìm  conclubio  os  seus  es- 
tudos,  graduado  Doutor  nào  so  nas  Artes,  mas  em  toda  a  Tbeologia. 

13    De  tal  Doutor  correo  tanta  fama  d^  sciencia,  e  santidade,  que 
cbegaodo  ao  Bispo  D.  Juliao,  em  cuja  Diocesi  està  Braganga,  para  ella  o 
pedio  com  muila  instancia,  e  por  conselbo  de  seu  Mestre  Soto  veio  o 
Doutor  para  Braganga,  a  foi  singular  aiivìo  para  o  Bispo  no  governo  do 
Bispado.  £  porque  jà  em  Salamanca  tinba  enlrado  a  ainda  nova  entao 
Relìgiao  da  Companhia  de  Jesus,  cujo  Collegio  tinba  ido  a  fondar  o  Pa- 
dre Miguel  de  Torres,  com  este  teve  o  Doutor  grande  familiaridade,  o 
tal  coDceìto  formou  da  Companbia,  que  d  ella  disse  ao  dito  Padre  mui* 
tas  cousas,  que  ao  depois  se  virao  terem  sido  profecias;  e  comò  tambem 
em  BragauQa  bavia  ja  Collegio  da  Companbia,  cujo  Reitor  era  o  Padre 
bui  Vicente,  esteve  o  Doutor  algum  tempo  em  Braganca,  lendo  alterna- 
tivamente Casos  com  os  Padres  da  Companbia,  e  tendo  jà  no  Bispado 
BeDeDcios,  que  passavao  de  mil  cruzados  de  renda  cada  anno;  com  tu- 
do  deiiando  entao  D.  Juliao  o  Bispado,  e  morrendo  D.  Jorge  Bispo  das 
Ubas  Terceiras,  a  quem  succedeo  D.  Manoel  de  Almada,  que  ainda  es- 
tava em  Lisboa,  este  se  empeobou  tanto  em  levar  comsigo  para  as  di  tas 
llhas  ao  Doutor,  que  o  mesmo  Bispo,  e  muitos  nobres  d'ellas,  que  na 
dita  Corte  estavao,  escreverao  todos  ao  Doutor,  pedindo-lbe  se  viesse 
para  a  sua  Uba,  e  Ihe  maudàrao  as  cartas  por  bum  seu  sobrinbo,  para 
mais  0  persuadirem. 

li  0  Doutor  Fructuoso  vendo  isto,  e  persuadindo-se  ser  maior  ser- 
vilo de  Deos  voltar  à  sua  Uba.  se  foi  logo  ver  com  o  seu  novo  Bispo  D. 
Àatouio  Piuheiro,  (que  tinba  succedido  a  D.  Juliao)  e  renunciando  em 
suas  maos  os  Beneficios  que  tinba,  sem  tirar  pensao  alguma,  conseguio 
delle  licenza,  (que  multo  sentido  a  deo)  e  se  veio  a  Lisboa  ao  Bispo  D. 
Ihnoei;  e  vendo  este,  e  observando,  na  sciencia,  e  virlude  do  Doutor, 
que  sua  preseiH;a  accrescentava,  e  em  nada  dimìnubio  a  sua  tao  grande 
lama,  tratou  com  elle,  e  com  o  Rei,  que  aquelle  Doutor  fosse  o  Bispo 
de  Angra,  e  que  elle  D.  Manoel  se  flcaria  em  Lisboa;  mas  nem  o  Rei 
pode  acabar  com  o  Doutor  que  aceitasse,  (tanta  era  a  sua  virlude,  tao 
youca  a  sua  ambicao)  e  porque  estava  entio  vaga  a  Parocbial  Igreja  da 
\ot.  1  5 


66  HISTORIA  INSLLAXA 

Villa  da  Ribeira  Grande  em  S.  Miguel,  està  aceitou  o  Dontor,  com  ^er 
de  menos  renda,  do  que  era  a  dos  BeneHcios  qiie  renunciàra:  instou-lhe 
entao  o  Bispo,  que  ao  menos,  em  quanto  elle  Bispo  n2o  hia  para  o  Bis- 
pado,  aceitasse  d'elle  o  governo,  e  o  avjsasse  de  todo  o  que  importas- 
se. Respondeo-lhe  o  Doulor,  que  o  bom  governo  de  qne  mais  necessi- 
tava 0  seu  Bispado,  era  de  haver  n'elle  CoIIegios  da  Companbia  de  Je- 
sus; que  tratasse  disto,  e  descansasse  entao. 

15  Chegado  à  sua  liha  de  S.  Miguel,  foi  n'ella  recebido  o  Doutor 
Gaspar  Fructuoso  corno  bum  Pai  da  Patria,  e  todos  com  elle  communi- 
cavao  snas  consciencias,  tomavSo  seus  conselhos,  e  venerarao  suas  ra- 
ras  virtodes,  e  comecou  logo  a  ser  o  Director  espirilnal,  o  Mestre, e  Con- 
fessor d'aquelle  grande  espirito  da  Vcneraveì  Beata  Margarida  de  Cha- 
\es,  naturai  da  Cidade  de  Fonia  Delgada,  e  n'ella  tida,  e  vencrada  por 
Santa:  cuja  vida,  e  obras  maravilhosas  veremos  em  sai  lugar;  e  ambns 
estes  dous  sugeitos  rogàrao  tanto  a  Deos  puzesse  n'aquellas  Ilhas  CoIIe- 
gios da  Companhia,  e  tanto  persùadir3o  aos  mais  pios,  e  nobres  Cida- 
daos  0  procurassem  assira,  que  o  Serenissimo  Rei  D.  SebastHo  fundoti 
logo  0  Collegio  de  Angra  na  Uba  Terceira,  e  desta  comecarao  a  ir  Pa- 
dres  em  Missao  a  liha  de  S.  Miguel,  até  que  n'esta  tambem,  pelos  mai» 
devotos  moradores  d'ella  se  fundou  o  Collegio  que  boje  tem,  e  que  via 
comecar  o  mesmo  Doutor  Fructuoso,  e  com  tao  estraordinario  gozo  seu, 
que  vendo-o  dizia  publicamente,  e  em  voz  alta,  iVunc  àimiitU  sertum 
tutm  Domine,  etc,  E  assim  podemos  dizer  que  ao  kIo,  e  oragoes  d'estc 
grande  servo  de  Deos,  e  da  sua  confessada  a  Beata  Margarida  de  Cha- 
ves  se  deve  a  fundacao  do  Collègio  da  Companhia  de  Jesus  da  Uba  de 
S.  Miguel. 

16  Em  cbegando  este  Doutor  a  tomar  posse  da  sua  Igreja  da  Ri- 
beira Grande,  (que  da  Cidade  de  Penta  Delgada  dista  so  tres  legoas)  co- 
mecou logo  a  tratar  da  dita  Igreja,  e  em  sua  vida  tanto  a  augmentou  de 
ricos  ornamentos,  e  preciosas  pefas,  qoe  todos  diziao  que  jà  nao  paro- 
eia  sen5o  buma  Igreja  de  Padres  da  Companhia.  Do  pulpito  elle  era  o 
Prégador  continuo;  e  com  ser  zeloso,  e  no  reprehender  severo,  cada  vez 
concorrilo  mais  ouvintes  a  ouvil-o,  e  da  Cidade  o  perseguSo  muitas  vo- 
zes  que  Ibes  fosse  là  pregar,  e  ninguem  j4  mais  se  sentio  queixoso  d'el- 
le, pela  virlude,  e  exemplo  que  n'elfe  admìravao  todos.  No  administrar 
dos  Sacramentos  era  t3o  indefeclivel,  que  n'isso,  quanto  podia,  aliviava 
multo  aos  seus  Curas.  Tendo  gastado  loda  a  manb3  em  confessar,  dizer 


Liv.  n  CAP.  II  07 

ITtssa»  pregar,  e  dar  a  CommunIi3o,  e  vindo  jà  depois  do  meio  dia  para 
casa  a  hospedar  pessoas  graves  que  esperavSo  por  elle,  e  estando  todos 
pondo-se  à  mesa,  chegou  a  porta  hnma  veiha,  pedindo-lhe  que  a  fosse 
confessar,  porque  viera  ja  tarde;  pedio  muìto  aos  liospedes  que  jantas- 
sem,  e  nào  esperassem  por  elle,  e  sem  tornar  bocado>  o  nao  podérSo  de- 
ter,  e  se  foi  para  a  Igreja. 

17  Mas  quem  poderà  recopilar  d'este  admiravel  Var5o  suas  virlu- 
des?  As  Theologicas,  Fé,  Esperanpa,  e  Charidade,  n'elle  estavao  tanto  de 
assento,  quanto  em  tlio  sabio,  e  tao  subido  Tbeologo;  pois  perguntando 
por  vezes,  porque  mais  se  applicàra  à  Theologia,  do  que  a  outras  scien- 
cias,  costumava  responder,  que  por  melhor  se  salvar;  e  assim  pela  gran- 
de Tbeologia  que  alc^ncou,  e  frequencia  que  tinha  de  toda  a  Sagrada  Es- 
critura,  nunca  em  materias  de  Fé  teve  nem  a  minima  duvida;  antesou- 
vìndo  ser  falecido  o  Padre  Gonzalo  do  Rego  da  Companhia  de  Jesus,  na- 
turai da  mesma  Uba  de  S.  Miguel,  e  que  tinba  estudado  em  Salamanca, 
companheiro  do  Doutor,  e  a  este,  passando  por  Evora,  o  tratou  singu- 
Ivmente;  ouvindo  pois  ser  falecido  o  dito  Padre,  disse  advertidamente, 
qoe  nao  onsaria  encommendalo  a  Deos,  mas  Ihe  pediria  o  encommen- 
dasse  ao  Senbor,  porque  sabia  ser  bum  grande  Santo,  e  por  tal  julgado 
na  Provincia  da  Companbia:  e  ouvindo  o  martyrio  que  o  Francez  Jaquez 
Sona,  herege,  dera  ao  Santo  Padre  Ignacio  de  Azevedo,  e  a  todos  seus 
companheiros,  e  comò  S.  Pio  V,  Pontiflce  entao  da  Igreja,  mandàra  que 
por  elles  se  nao  dissessem  Missas;  perguntada  a  razao  ao  Doutor  res- 
pondeo, que  quem  roga  pelo  Martyr,  faz  injuria  ao  martyrio,  e  que  a 
laes  Santos  Martyres  baviamos  nós  rogar,  que  elles  rogassero  por  nós. 
E  de  tao  grande  Tbeologo  me  persuado  eu,  que  estas  resolu^oes  nSo  fo- 
no senao  revelagóes  Divinas,  e  partos  da  grande  Fé  de  bum  tao  Santo 
Doutor. 

18  Pois  de  sua  Divina  Esperanca  as  provas  s3o,  a  continua  instan- 
cia,  com  qoe  a  Deos,  e  ainda  aos  Reis,  e  aos  Bispos,  pedio  houvesse 
nas  Ilhas  Collegios  da  Companbia,  e  o  conseguio,  e  vio  em  sua  vida:  e 
tambem  a  conGanca  com  que  estando  em  Salamanca,  e  correndo  bum 
anno  totalmente  estetil,  e  faminto,  sem  Ibe  cbegarem  a  elle,  nem  aos 
seas  dous  companbeiros,  os  annuaes  provimentos  das  suas  Ilbas,  e  ven- 
do-se  jà  em  quasi  extrema  necessìdade,  e  por  outra  via  requeridos  pela 
paga  do  que  tinbao  tomado  fiado,  o  Santo  Doutor  os  exbortou  a  espe- 
rarem  em  Deos,  e  se  recolbeo  a  seu  estudo;  e  passadas  poucas  boras 


68  raSTORIA  INSULANA 

chamàrao  o  Doutor  &  porta,  e  Ihe  enlregàrao  hum  copioso  presente  de 
maDtimentos,  nao  se  Ihe  dizendo  mais  do  que,  que  huroa  sua  devota  es- 
piritual Ihe  mandava  o  tal  soccoito:  pasraàrSo  os  comtpanbeiros,  e  o  Dou- 
tor gravemente  os  reprehendeo  de  sua  pouca  esperan^a  na  misericordia 
Divina;  e  tirando  logo  o  necessario  para  aquetla  noite,  mandou  tudo  a 
mais  repartidamente  aos  outros  necessitados  Academicos,  sem  reservar 
cousa  alguma  para  o  outro  dia,  em  que  de  repente  Deos  Ihes  acudio  coni 
0  largo  provimento,  que  das  suas  Ilhas  Ihes  tinha  fallado. 

19  E  jà  d'aqui  se  ve  quao  ardente  Charidade  teria  para  com  Deos, 
e  com  0  proximo,  sugeito  a  quem  Deos  amava  tanto.  Em  dia  que  o  vul- 
go chama  dos  finados,  veio  da  sua  Igreja  tanto  pao  de  ofTertas  para  ca- 
sa de  seu  Parocho  o  Doutor,  que  à  fama  concorreo  grande  numero  de 
pobres,  e  maior  ainda  de  meninos,  dizendo,  (corno  costumao)  pao  por 
Deos,  etc,  e  pondo-se  o  Doutor  per  si  mesmo  a  repartir-Ihes  o  pao, 
chegou  a  dar-lhes  o  proprio  que  tinha  para  jantar,  e  a  flcar  sem  pao  a 
mesa,  e  casa;  o  que  vendo  hum  seu  cunhado,  nobre  bospede,  enfadada 
disse,  que  muitos  d'aquelles  o  enganavao,  e  nao  erao  pobres;  e  respon- 
deo 0  Doutor:  «Federa  por  amor  de  Deos,  se  me  enganao,  deixai-me  en- 
ganar  por  amor  de  Deos:  e  assira  n'este,  corao  era  semelhantes  casus, 
0  soccorria  Deos  logo.  E  chegando  outras  vezes  a  dizer-lhe  muitos,  pa- 
ra que  dava  tudo  por  amor  de  Deos,  pois  podia  adoecer,  e  nao  ter  com 
que  curar-se,  respondia,  acceso  em  o  amor  de  Deos,  maravilhosas  dou- 
trinas,  e  concluhia:  «Se  adoecer,  e  nao  ti  ver  com  que  curar- me,  vende- 
rei OS  livros;  e  se  estes  n3o  bastarem,  irei  para  o  Hospital;  e  se  là  me 
iiào  quizerem  recolher,  nao  o  saberà  El-Rei:  e  continuava  entào,  tudo 
dando,  e  so  por  amor  de  Deos,  e  charidade  com  o  proximo:  mas  huma, 
e  outra  charidade  mostrava  ainda  mais,  quando  sabendo  que  alguns  pi- 
ra tas  Francezes  tinhao  entrado,  e  roubado  a  liha  da  Madeira,  persuadio 
à  Misericordia  de  S.  Miguel,  que  pelas  casas  dos  ricos  tirassem  esmola 
de  dinheiro,  e  o  mandassem  à  Misericordia  da  Madeira,  para  acudir  ao» 
mais  roubados  pobres;  e  acorapanhando  o  mesmo  Doutor  os  que  tiravao 
a  esmola,  tirou  maior  soraraa  de  dinheiro,  com  que  fez  logo  acodir  a 
roubada  liba:  a  tSo  longe  se  estendia  a  ardente  charidade  d*este  amante 
de  Deos. 

20  Nera  so  com  às  esmolas  corporaes  que  aos  pobres  fazia,  mos- 
trava este  servo  de  Deos  o  amor  que  a  Deos  ììtAiol,  mas  muito,  e  mul- 
to mais  s3o  as  espirìtuaes  esmolas.  A  pessoas  que  aodavSo  em  peccado 


Liv.  n  GAP.  n  69 

apartava  d'elle;  as  que  andavSo  em  odio,  punha  em  paz  reconcìliando-as 
entre  sì,  e  com  tal  valentìa  de  espirito,  que  todos  se  Ihe  rendiao;  a  to- 
dos  dava  o  melhor  conseiho,  sem  se  negar  a  alguem  que  Ih'o  pedìsse;  por 
quasi  qaarenla  aauos  prégou  milhares  de  vezes  n'aquella  liha,  e  sempre  com 
grande  fructo,  estranhando  vicìos,  e  encommendando  virtudes;  e  comtu- 
do  nunca  repetia  a  mesma  prégagao,  e  ordinariamente  a  nao  escrevia  se- 
nao  depois  de  a  ter  prégado;  e  antes  so  com  Deos,  e  com  a  Sagrada 
Escrìtura  consultava  as  suas  prégagoes,  e  por  isso  n'ellas  provava  o  que 
dizia,  nao  so  com  exceilentes,  e  sempre  diversos  passos,  mas  com  subi- 
dissimos  conceitos:  donde  jà  se  ve  o  muito  que  exercitava  a  cada  huma, 
e  todas  as  obras  de  misericordia,  espirituaes,  e  corporaes. 

21  Nas  mais  virtudes  moraes  foi  tao  insigne,  que  para  as  consevar 
sempre  todas,  se  fundou  na  humildade,  e  dasapego  das  cousas  d'este 
mundo,  com  que  largou  as  rendas  dos  primeiros  Beneficios,  sem  nem 
d'elles  reservar  congrua  alguma,  com  que  regeitou  Bispado.  e  governo, 
e  se  coDtentou  com  so  aquelia  Vigairaria,  sem  jà  mais  admittir  ascenso 
d'ella,  e  so  n'ella  se  conservou  ale  a  morte,  por  melhor  a  Deos, .  e  ao 
proximo  servir.  A  humildade  ajuntou,  desde  o  primeiro  uso  da  rasao, 
a  devocao  da  Virgem  M3i  de  Deos,  de  qoem  a  Virgem  Senhora  nossa 
Ihe  alcancou  tal  pureza  vìrginal  em  toda  a  vida,  que  com  correr,  e  man- 
cebo,  tantas  terras,  nao  so  nunca  perdeo  a  virginal  pureza,  mas  à  guar- 
da d'ella  se  excitavao  todos  os  que  olhavao  para  elle,  e  elle  a  conservou 
com  a  continua  estudiosidade,  sem  à  occiosidade  dar  alguma  bora, 
lugar,  e  muito  em  especial  com  a  rigorosa  penitencia,  e  paciencia  inven- 
civeU  porque  por  sua  morte  Ihe  acharSo  cilicios  de  diversas  castas,  e 
asperas  disciplnas,  jejuava  tres  dias  no  semana,  quartas,  sestas,  e  sab- 
bados,  e  na  Quaresma  as  sestas  a  p3o,  e  agua,  e  com  ser  de  colica  mui- 
to acbacado,  so  depois  de  veiho  poderao  acabar  com  elle  beber  vinho, 
e  ainda  o  nSo  bebia  se  n3o  com  tres  partes  de  agua,  e  quando  a  colica 
mais  0  apertava,  e  tanto  que  pela  testa  se  estava  vendo  correr  o  suor 
em  fios.  Dio  se  Ihe  ouvia  outra  cousa  mais  que  invocar  a  paixao  de 
Chrìsto,  e  0  Santìssimo  nome  de  Jesus,  e  com  està  paciencia,  e  peniten- 
cia conservou  tantas,  e  tao  admiraveis  virtudes,  que  seria  nunca  acabaV 
qoerer  aqui  recopìlal-as  tadas. 

22  Tendo  pois  jà  este  servo  de  Deos  quasi  setenta  annos  de  idade, 
(desde  1522  em  que  nasceo,  até  dia  do  Apostolo  S.  Bartholomeu  do 
aooo  de  1591)  parece  teve  revelacào  de  sua  ditosa  morte,  porque  ainda 


70  HISTORIA  INSULANA 

indisposto,  andava  ainda  de  pé,  e  indo  de  manhaa  a  sua  Igreja,  disse 
Missa  com  a  pausa,  e  devogao  que  n'elle  se  observava  sempre,  e  reco- 
lliehdo-se  a  casa  jà  em  o  firn  da  manhaa,  logo  em  comecando  a  tarde 
rezou  Vesperas,  e  Completas,  e  acabadas  ellas  pedio,  e  recebeo  a  Santa 
Ungao'  e  invocando  os  santissimos,  e  devotissimos  nomes  de  Jesus,  e 
de  Maria,  entregou  em  suas  maos  aquelle  ditoso  espirito.  Sabida  sua 
morte,  foi,  nao  so  n*aquella  Villa  da  Ribeira  Grande,  mas  em  toda  a 
grande  liba  de  S.  Miguel,  tao  cborada,  e  sentida,  que  todos  clamavao, 
Ihes  faltara  a  columna  de  toda  aquella  terra,  e  de  todos  o  seu  Mestre,  e 
Pai  universal.  Acudirao  logo  o  Illustrissimo  Bispo,  o  M.  Reverendo  seu 
Visilador,  e  com  elles  toda  a  mais  nobreza  Ecclesiastica,  e  secular,  e 
depositando  o  defunto  na  sua  mesma  Igreja,  que  he  de  nossa  Senhora 
da  Estrella,  acìma  dos  degràos  da  Capella  mór,  ao^pé  do  Aitar  Ibe  pu- 
zerao  huma  nobre  campa  com  seu  letreiro  que  diz: 

Aqui  jaz  o  Doutor  Gaspar  Fructuoso,  que  foi 
Vigario,  e  Prégador  d'està  Igreja,  vere  Va- 
rao  Apostolico,  insigne  em  letras,  e  virtude. 

Compendioso  Epitafiio,  mas  multo  mysterioso,  e  merecido;  porque  a 
substancia  de  bum  Var3o  Apostolico  he  a  virtude,  e  letras,  que  n'este 
compendio  de  tal  vida  se  tem  bem  manlfeslado  ;  e  ainda  que  das  letras 
se  diz  estarem  acima  das  Estrellas,  Sapiens  dominabitur  ustris)  e  aqui 
aos  pés  de  huma  Estrella;  (titulo  da  sua  Igreja)  he,  que  ficando  o  cor- 
po aos  pés  da  Estrella  da  terra,  sobre  as  estrellas  do  Geo  subio  a  alma, 
levando  por  humilde  o  lugar,  que  por  soberbo  perdeo  bum  Lucifer  :  e 
com  razao  se  inlitula,  ainda  depois  de  morto,  (  Vere  Varao  Apostolico) 
porque  aos  segundos  Apostolos,  aos  Padres  da  Companhia  de  Jesus,  em 
Vida  sectìpre  amou,  e  estimou  tanto,  que,  bem  comò  o  Santo  Velho  Si- 
meao,  em  vendo  no  Tempio  a  J3sus,  nao  quiz  ver  mais  n*esta  vida,  e  se 
parilo  para  a  ontra,  dlzendo  o  seu  Nunc  dimiitis  :  assira  este  nosso,  ver- 
dadeiramente  Fructuoso  velho,  em  vendo  aos  seus  Jesuitas,  aos  Padres 
da  Companhia,  de  assento  n'aquella  liha,  pouco  depois  se  partio  para  a 
Berna venturanca,  nao  esperando  oulra  maior  em  esla  vida,  e  cumprindo 
sua  promessa,  de  em  islo  vendo,  dizer  o  Nunc  dimittis;  o  ainda  nàode 
todo  se  auscntou  dos  seus  tao  amados  Padres  da  Companhia  ;  porque 
alem  de  Ihes  deixar  a  livraria  que  tinha,  de  mais  de  qualrocentos  volu- 


U\\  II  GAP.  HI  7i 

mes  ìmpressos,  e  dezaseìs  manuscritns  de  sua  Thcologia,  e  sua  propria 
ietra  ;  d  e;ita  tamheiB  Ihe  deixou  huin  grande  tomo,  cliamado  couiinum- 
luenle,  Descobri mento  das  Illias;  e  a  que  elle  intitulou,  Saiulades  da 
terra  ;  e  Ilie  hia  ajunlando  outro,  a  que  chamnvào  Saudades  do  Geo  :  e 
^  OS  livros,  que  bum  Auttior  compoe,  sào  os  tìliìos  da  sua  alma,  que 
^eiupre  sào  niuito  amados,  e  a  ahna  aonde  aùia,  costuma  estar  muitu 
mais  do  que  aoude  auima  ;  bem  podemus  dizer,  que  nem  de  lodo  se 
ausenluu  dos'seus  Padres  da  Companbia  este  Yarào  Apostolico,  pois 
llies  deixou  suxi  alma,  e  muito  especialmente  em  bum  tal  seu  livro,  que 
a  Omipauiiia  lem,  e  guarda,  corno  reliquia  sua,  e  de  siugular  estima  :  e 
com  baver  jà  1^3  annos,  que  morreo  Varào  tao  santo,  em  1591,  e  ba- 
ver  ja  |>eiau  de  duy.entos  que  nasceo,  em  15:^2,  aìnda  agradecida  està 
sua  (k)mi)anJìia  de  Jesus,  Ibe  offerece  este  reconbeci mento,  e  publicagào 
de  sua  santa  vida,  e  5<'ibedoria  singular;  que  póde  Deus  ainda,  e  ca  na 
teira,  cajionizar  alguma  bora,  corno  piamente  cremos  cauouizou  em  o 
Ct'O. 

CAPITULO  III 

Das  Ilkas  chamudas  hoje  as  Canarius. 

23  Com  niuita  razno,  e  nao  sem  algum  mysterio,  comcfon  seu  li- 
vro  0  Veneravel  Doutor  Gaspar  Fructuoso,  por  queixas  da  verdade,  a 
quem  costuma  a  fama  muitas  vezes  enconlrar,  porquo  bc  lai  a  verdade 
deste  sabio  Doutor,  que  se  por  ella  comega,  be  portjue  com  tal  verdade 
falla  sempre,  que  com  ella  ninguem  póde  enconlrar  o  que  elle  afìirma, 
e  assiiD  seguindo  està  bistoria  sempre  no  que  d  elle  tìraremos,  e  mnn 
era  bum  apice  fallando  à  pura,  e  una  verdade,  em  o  muito  que  de  novo 
ajunlareraos  aqui,  de  proposi  o  passaraos  em  o  livro  d'este  Doutoi*  os 
seus  oito  Capitulos  primeiros,  que  das  ditas  queixas  Iralao,  e  i)assamos 
ao  nono,  do  descobrimento  das  Canarìas,  que  pois  foi  o  primeiro  de 
Ilhas  jiesle  Oceano  Occidental,  tambem  deve  ser  primeiro  na  Historia: 
e  jhjnine  por  algiira  tempo,  e  de  algum  modo  forao  sugeitas  à  Corea  de 
l*>rlugal.  corno  veremos,  por  isso  ainda  as  meltemos  entre  as  Ilbas  Lu- 
sitaiias;  mas  com  maior  brevidade,  pelo  menor  commercio  que  com  ellas 
lioje  lumos. 

ii  Canarias  pois  se  dizem  boje  as  Ilbas,  que  antigamente  se  dizifio 
FurLunulad,  ou  bemafortunadas  ;  sao  por  todas  doze  em  numero,  posto 


72  msToniA  insulana 

qiie  enfi  nigiimas  cnrtas  nauticns  so  se  apont3o  onze,  sem  contarem  a  qne 
rhamao  liha  do  Inferno,  correm  de  Leste  a  Oeste,  assentadas  em  28  graos 
da  parte  do  Norte,  distao  de  Hespanha  200  legoas,  e  a  que  està  niais 
pento  da  costa  de  Africa,  treze  legoas  sómente  dista  d'ella,  e  do  Cabo 
que  chamao  Bojador,  mas  outras  Ilhas  distao  dezasete  legoas.  Os  nomes 
lioje  proprios,  e  as  mais  nomeadas  d'estas  Ilhas,  sao  os  seguintes  :  Forte 
Ventura,  Lancerote,  Gram  Canaria,  Tenerife,  Palma,  liha  jìo  Ferro,  Go- 
racyra  ;  as  outras  ciuco  Ilhas  sao  de  raenos  nome,  e  de  todas  he  tal  a 
vizinhanfa  de  humas  com  as  outras,  que  algumas  so  distao  nove  legoas 
entre  si  ;  e  entre  a  Gomeyra,  e  Forte  Ventura  ha  so  hum  quarto  de  le- 
poa  de  mar;  e  ainda  assim  houve  mulher  na  Gomeira,  que  sabendo  que 
seu  filho  hia  em  Forte  Ventura  condemnado  jà  a  morrer»  ella  sem  espe- 
rar barco,  e  com  sua  provisao  para  livrar  ao  filho  se  arrojou  ao  mar,  e 
nàdando  chegou  é  liha,  e  o  livrou,  dando-lhe  melhores  azas  a  està  mai 
0  amor,  que  o  temor  a  algims  corardes  homens. 

25  Sobre  quem,  e  quando  descobrio  a  estas  Ilhas,  ha  varìas  opi- 
DJoes.  0  primeiro  descobrimenlo  se  attribue  a  bum  Capitao  Carthaginez 
chamado  Hannon,  que  em  o  anno  de  440,  antes  da  vinda  de  Christo, 
sahindo  de  Andaluzia  com  naval  Armada  sobre  a  costa  de  Africa,  e  Gui- 
né,  casualmente  foi  dar  com  a  vista  nas  Canarias,  e  d'ellas  nao  teve  mais 
que  so  a  vista  de  fora,  e  a  demarcafao  que  fez,  e  em  1784  annos  se- 
guintes, se  nao  tornarlo  a  buscar  as  ditas  Ilhas,  até  que  chegado  o  anno 
4344  depoìs  da  vinda  de  Christo  Senhor  nosso,  e  reinando  jà  em  Aragao 
D.  Fedro  IV,  quiz  Dom  Luis  de  Lacerda,  neto  de  D.  Joao  de  Lacerda, 
ir  nao  so  a  descobrir.  mas  tambem  a  conquistar  as  taes  Canarias,  e  pe- 
dio  ao  dito  Rei  ajuda  para  isso  :  mas  parece  que  nao  teve  Bffeito  està 
empreza.  Depois,  reinando  em  Castella  D.  Henrique  III,  jà  no  anno  -de 
1393  ou  (segundo  outros)  no  de  1405,  sahirlo  de  Franca  alguns  Fran- 
cezes,  e  de  Castella  muitos  Biscainhos,  e  Andaluzes,  e  com  a  Armada 
tornarao  em  demanda  das  Canarias,  e  nao  so  as  descobrirao,  mas  cati- 
varao  n'ellas  cento  e  cincoenta  pessoas,  que  trouxei*5o  a  Hespanha,  e 
Franca,  e  ficou  sendo  este  o  segundo  descobrimento  d'estas  Ilhas. 

26  0  terceiro  descobridor  das  Canarias,  vendo-se  jà  os  naturaes 
d'ellas,  se  accendeo  mais  em  seu  alcance;  e  logo  no  anno  de  1417,  go- 
vernando em  Castella  a  Rainha  D.  Calbarina,  viuva  do  Rei  D.  Henrique 
III,  e  mai  do  Principe  D.  Joao  o  II,  se  resolveo,  (por  ser  hum  grande 
fidalgo,  Almirante  de  Franca,  que  com  multa  gente  tinha  bem  servido 


Liv.  n  GAP  IV  73 

em  guerra  à  Goroa  de  Castella,  e  se  chamava  Massen,  ou  Ruben  de  Bar- 
camonte)  se  resolveo  a  pedir  i  Rainba  Regente  a  conquista  das  taes  Uhas 
com  0  titulo  de  Rei  das  Canarias,  e  com  a  successSo  para  bum  sobrinho 
seu  por  nome  Mossen  Mossen  Jo3o  Betencurt;  e  tudo  a  dita  Rainba  Ihe 
coQcedeo,  e  ainda  o  ajudou  a  tao  gloriosa  empreza. 

27  Prepararao  logo  os  dona  nomeados  Reis,  primeiro,  e  segundo 
das  Canarias,  hnma  grande  Armada  em  Seviiha,  e  animosos  partirlo  i 
conquista;  mas  corno  a  Gram  Canaria  tinha  dentro  em  si  mais  de  dez  mil 
lìofflens  de  peleja,  naturaes  seus,  que  brava,  e  barbaramente  a  derendi3o, 
nanca  os  dous  Reis  invasores  a  poderSo  conquistar;  porém  conquistarSo 
logo  a  Uba  que  chamao  Ferro,  e  per  fabula  Inferno;  e  depois  d*esta,  a  que 
se  intitula  Forte  Ventura;  e  em  terceiro  lugar  a  que  chamao  Lancerete, 
e  Desta  liba  fìzerao  os  novos  Reis  forte  Castello,  e  de  todas  tres  com- 
merciavao  com  Hespanha,  mandando-lhe  escravos  muitos,  multa  coura- 
ma,  mei,  cera,  ursella,  e  multo  Ago,  e  sangue  de  dragao.  E  neste  tempo 
faltou  d'estes  dous  Reis,  Barcamontes  Betencores,  o  primeiro,  e  tio  do 
segundo,  e  huns  dizem  que  a  falta  foi,  porque  comò  valoroso  morreo 
em  aquellas  guerras  ;  e  outros  que,  por  se  passar  a  Franga,  a  buscar 
maior  soccorro  com  que  tornar  i  conquista;  mas  o  certo  be  (diz  o  nesso 
Fructuoso)  que  de  algum  d'estes  modos  morreo  o  primeiro  Rei,  e  Ihe 
succedeo  na  Coroa  o  dito  sobrinho  Betencurt,  a  quem  o  tio  a  deixou. 

28  Continuou  este  segundo  Rei  a  conquista,  e  com  soccorro  de  al- 
guns  Castelhanos  conquistou  a  quarta  liha,  chamada  Gomeyra,  e  ficou  jà 
Rei  de  quatro  Ilhas  ;  mas  sentindo  entao  mais  a  falta  do  valeroso  tio,  e 
soccorros  que  esperara,  e  vendo  que  Ihe  restav3o  por  conquistar  oifo 
lihas,  e  entro  ellas  a  principal,  que  era  a  Gram  Canaria,  cabeca  das  ou- 
tras  todas,  e  de  maior  numero  de  gente,  e  mais  bellicosa,  assentou  com* 
sigo,  que  jà  nao  era  possivel  sustentar-se  em  seu  reinado,  e  comegou  a 
traiar  a  qnero  venderia  o  que  jé  tinha  conquistado,  e  para  que  parte  pas- 
sarla; e  d'està  resolugao  veremos  o  efieito  no  eapitulo  seguinte. 

CAPITULO  IV 

Do  direilo  adquirido  por  Portngal  às  Canariai^ 

29  Tendo  sido  as  Canarias  primeira  vez  descubertas  antes  da  vin- 
da  de  Chrìsto;  segunda  vez  depois  duella  nos  annos  de  1*193,  ou  1405, 


74  mSTORlA  INSULANA 

e  terceira  vez  no  de  1417,  pelos  seus  Reis  Bctencores;  e  a  Ilha  da  Ma- 
deira tendo  sido  descuberta,  e  povoada  em  1420,  e  correndo  logo  gran- 
de fama  d'ella,  està  moveo  finalmente  ao  sobredito  segundo  Rei  das  Ca- 
narias  a  vender  as  qualro,  em  que  reìnava,  ao  nosso  Lusitano,  e  Sere- 
nissimo Infante  D.  Uenrique,  de  que  ao  principio  tralainos,  e  de  facto 
llias  vendeo  por  certas  fazendas,  que  o  Infante  Itie  deo  uà  dita  Ilha  da 
Madeira,  para  onde  (e  para  perto)  o  dito  Rei  de  Canarias  se  mudou,  e 
jà  emlim  sem  reinado,  e  na  Madeira  ficou,  e  dura  ainda  boje  a  descen- 
dencia  dos  Bentecores.  corno  em  seu  lugar  veremos. 

30  Estando  jà  pois  o  Infante,  com  litulo  de  compra,  e  venda,  fei- 
to  senhor  das  Canarias,  expedio  logo  Armada,  que  comiuistasse  d  elias 
as  que  fattavao  ainda  por  render,  e  enviou  a  U.  Fernando  de  Castro  por 
Capitào  mór  da  Armada  Portugueza:  mas  nào  foi  Deos  servido  dar-lbes 
boni  successo,  porque  investindo  logo  a  Gram  Canaria,  tao  forte,  e  por- 
liadamente  forao  rebatidos  d  ella,  que  se  retìrarao,  e  muito  destruidos 
Yoitarào  ao  Infante,  que  desgostado  de  tal  successo,  e  considerando  que 
Castella  dora  o  reinado  d'aquellas  Ilhas  aos  Bctencores;  e  que  estes  coni 
ajuda  de  Castella  tinliao  conquislado  as  qualro  Ilhas,  eslas  quatro,  e  o 
direito  às  mais  largou  liberalmente,  corno  Principe,  à  Coroa  de  (Castel- 
la; e  disto  trata  Joào  de  Barros  part.  i  lib.  i  cap.  22.  Castelhanos  ha 
que  dizem,  que  o  segundo  Rei  de  Canarias  BeleniX)r,  primeiro  que  ao 
iiosso  Infante,  as  tinha  de  antes  vendidu  a  hum  Pedro  Barba  de  Caui- 
jjoij,  vizinho  de  Seviiha,  e  este  a  hum  lìdaigo  tambem  de  Seviiha,  Fer- 
uào  Feres,  que  por  demaiida  de  preferente  as  tirara  ao  Infanto  por  sen- 
tenga  do  Papa  Eugenio  IV,  e  assira  os  dosc^Midenles  do  dito  Fernào  Pe- 
res  as  livevao,  até  que  o  Catholico  Rei  D.  Fernando  V,  de  Castella  coni 
grande  Armada  investio  até  a  Gram  Canaria,  unindo-se  com  liiim  do 
dous  Reis  d'ella,  e  voncendo  ao  outro,  e  ultimamente  tirando-a  a  ani- 
Los. 

31  Consta  porera,  que  de  Portugal  levando  D.  Marlinho  Conde  du 
Atouguia,  a  Rainha  I).  Joanna,  (ilha  d  ol-Rei  1).  Duarte  de  Portugal,  por 
inulher  de  flenrique  IV  de  Castella,  d  este  alcan^ou  doai;ào  das  dilas 
Illias  Canarias,  e  as  vendeo  depois  ao  Marquoz  U.  Pcdro  de  Menoz<»s, 
primeiro  do  nome,  o  qua!  tambem  as  vendeo  ao  Inrante  D.  Fernaiulu, 
irmào  dei-Rei  D.  Alfonso  V,  e  o  Infante  niauduu  h.go  tornar  posse d  el- 
ias pcHo  Portuguez  Diogo  da  Silva,  que  dejwis  f:>i  o  primeiro  Conde  de 
Portalegre:  mas  porque  vindo  logo  de  Caslella  u  Cavalluiiu  Fernào  Peres, 


uv.  II  CAP.  V  75 

oa  de  Peraza,  e  mostrando  corno  tìnha  comprado  muito  de  antes  as  taes 
Uhas  ao  segundo  Rei  d*ellas  Betencor,  e  com  todas  as  licencas  do  prì« 
meìro  Rei  seu  tio,  e  dos  Reis  proprios  de  Castella,  tambem  o  dito  In- 
fante D.  Fernando  as  largou  logo  ao  Cavalleiro  Peraza,  de  quem  as  her- 
doa  sua  filha  D.  Ignez  de  Peraza,  mulher  de  D.  Garcia  de  Herrera,  fi* 
dalgo  Castelhano  ;  dos  quaes  (alem  de  outros  filbos)  nasceo  D.  Maria 
de  Ayala,  que  cason  com  o  sobredito  Diogo  da  Silva,  primeiro  Conde 
de  Portalegre;  e  porque  das  ditas  lihas  a  Gomeira,  e  a  do  Ferro  ficarao 
em  morgado,  e  Condado  ao  irmSo  D.  Guilherme  de  Peraza,  partirao-se 
as  outras  doas  Ilhas,  (Lancerote,  e  Forte  Ventura)  e  coube  a  D.  Jouo 
da  Silva,  segundo  Conde  de  Portalegre,  pela  dita  sua  mai,  renda  de  mais 
de  trezentos  mil  réis  cada  anno,  que  se  se  cobrao  ainda,  sabel  o-ba  quem 
iiie  toca. 

32  E  temos  dado  a  razSo  de  'metermos  n'esta  historìa  Insulana  as 
Ilhas  Canarias,  que  est3o  hoje  em  a  Coroa  Castelhana,  por  a  Lusitania 
ai  ter  possuido  jà  tantas  vezes,  e  com  os  referìdos  titulos,  e  ainda  hoje 
ter  algum  direito  a  ellas;  e  multo  mais  por  assim  as  metter  na  sua  ilis- 
toria  0  Doutor  Fructuoso,  a  quem  seguimos,  e  de  cuja  verdade,  e  anti- 
guidade  devemos  todos  fiar-nos,  ao  menos  segundo  aquelle  tempo  em 
qua  escreveo;  que  hoje  muitas  cousas  poderao  '}&  estar  muito  mudadas; 
0  que  sabendo-o  o  nós,  advertiremos,  e  neste  sentido  vamos  com  a 
bistoria  por  diante. 

CAPITOLO  V 

Da  grandevif  e  qualidades  das  qualro  Canarias, 
que  primeiro  se  descobriiào. 

33  A  primeira  liha  conquìstada  das  Canarias  foi  a  que  chamao  I!ha 
do  Ferro;  Ite  tao  pequena  que  tem  so  legoa  e  mela  de  comprido,  e  està 
doze  legoas  ao  Poente  da  liha  da  Palma,  e  corre  de  Sueste  a  Noroeste 
com  trps  legoas  e  meia  de  circuito.  Tem  bum  so  lugar,  hoje  Villa  cha^ 
mada  Lbanos,  ou  Chaos,  e  aos  vizinhos  chamao  os  Ferreuhos;  e  da  mui* 
il  pedra  que  tem,  assim  no  interior,  corno  nas  rochas,  e  costas  do  mar 
parece  toda  escorias  de  ferro,  até  na  cor,  e  se  afDrma  que  se  rabricuu 
ji  nella  ferro,  e  daqui  Ihe  velo  o  nome:  nem  rio,  nem  fonte,  ou  pofo 
ttfm;  porem  junto  do  lugar,  em  huma  fajà,  ou  valle,  (aoiule  o  vento  iiAo 
cliega  seoao  brando)  està  huma  graude  arvore,  subre  a  (inai  ludos  os 


76  HISTORIÀ  INSULANÀ 

dias,  e  multo  mais  de  manha  se  assenta  huma  nevoa,  ou  nuvem  branca, 
que  pelas  folhss  da  arvore  destilla  tanta,  e  t3o  boa  agua  doce,  e  se  fór- 
ma d  ella  bum  t3o  grande  tanque  em  baìxo,  que  d'ella  bebem  nào  so  os 
animaes,  mas  a  gente  da  tal  liha  :  tanta  he  do  Creador  a  providencia 
que  lem  de  suas  creaturas,  e  tanta  a  piedade  d'aquella  arvore,  e  nuvem 
em  que  o  Divino  tomou  nossa  humana  natureza,  que  assim  acudia  a  es- 
tes  lìomens.  0  material  da  arvore  nem  os  mesmos  naturaes  o  conheciao, 
e  so  a  viao  estar  sempre  em  o  mesmo  ser,  sem  jamais  envelhecer,  nem 
crescer,  oiì  diminuir;  antes  com  as  mesmas  folhas,  e  tao  verdes  sempre 
corno  dantes. 

3i  Depois  porem,  que  entrarSo  n'esta  Uba  os  Castelbanos,  fizerao 
tao  grande  tanque  ao  redor  da  dita  arvore,  que  leva  tres  mil  pipas  de 
agua,  e  Ihe  chamao  a  Agua  Santa,  e  à  arvore  a  Santa  Arvore;  e  a  todo 
fecbarno  de  tal  sorte,  que  so  pelas  Justi^as  se  reparte,  tres,  ou  quatro 
vezes  cada  semana:  prudentemente  comtudo  se  fabricarao  depois  cister- 
nas  varias  n'esta  Uba,  em  que  recolhem  multa  agua,  de  que  tambem  se 
provem:  a  dita  Santa  Arvore  quizerao  sempre  muitos  conbecer,  e  so  vierSo  a 
ajuizar,  que  se  parece  com  aquella,  que  em  outras  partes  cbamSo  Til:  e 
eu  dissera,  que  por  este  nome  ter  tres  letras,  e  n'isso  ser  emblema  da 
Santissima  Trindade,  que  se  em  està  tivermos  a  Divina  virtude  da  Es- 
peranca/  nem  nos  fallare  jamais  a  fundamental  arvore  da  Fé,  nem  a  so* 
bernna  agua  da  Charidade  Divina.  0  contrato  da  terra  be  de  13,  queijos, 
breu.  cevada,  muito  gado  miudo,  e  muitos  porcos. 

35  A  segunda  lllia  conquistada  foi  a  que  chamarao  Forte  Ventura, 
por  se  achar  n'ella  hiima  escritura  que  dizia;  que  por  Forte  Ventura 
fora  povoada:  e  na  verdade  ventura  grande  foi,  porque  lem  mais  de  de- 
zoito  legoas  de  comprimenlo,  e  quarenta  em  circuito:  e  com  so  quatro 
povoncoes  ter  entao  dentro  em  3i,  tinha  comtudo  tres  Reis,  ou  Regulos: 
mas  por  nlio  haver  na  Uba  arvores,  de  que  os  naturaes  flzessem  armas, 
foi  mais  facilmente  conquistada.  Das  suas  quatro  povoa^óes  a  primeira 
se  chamava  a  Villa,  a  segunda  Oliva,  a  terceira  o  Porto,  e  a  quarta  o 
Curralcjo.  De  gado  miudo  ha  muito  nesta  Illia,  e  tambem  muitos  carne- 
lòs.  Foi  conquistada  dia  de  S.  Filippe,  e  Siinliago,  e  d'estes  Santos  he 
a  invocacao  da  Igreja  principali  e  o  commercio  entao  era  lodo  com  a 
liha  da  Madeira,  por  Ihe  ficar  perto:  e  loda  a  inimizade  era  com  a  vizi- 
nba  Berberia,  em  que  faziào  assaltos,  e  de  que  traziao  prezas,  mas  com 


LIV.  II  €AP.  V  77 

a  entrada  dos  Catholicos  (adverle  Fructuoso)  havia  jà  n'esla  Ilha  algun» 
Fidalgos,  de  appelidos,  Perdomos,  Sàvedras,  etc. 

36  A  terceira  Ilha  que  se  conquistou,  foi  a  que  se  chama  Lancerò 
te,  e  de  bum  seu  principal  Rei  tomoa  esle  Dome:  he  quasi  taiianha  co- 
rno a  dita  Forte  Ventura,  e  està  d'ella  a  Oesnoroeste,  e  muilo  perlo.  Di- 
zem  que  foi  conquistada  tambem  por  hum  nobre  Porluguez,  chamada 
Nudo  Ferreira,  que  servia  enlao  aos  Reis  Catholicos,  e  era  parente  do* 
Coodes  de  Castanheira  em  Por-tugal.  He  Ilha  em  grande  parte  infructi- 
fera:  tem  so  duas  povoacoes,  huma  he  a  Villa,  outra  se  chama  Paria* 
e  nao  so  foi  faci!  de  conquistar,  mas  os  naturaes  se  aparenlarao  muito 
eom  OS  Castelhauos:  tem  buma  Igreja  Parochial,  è  duas  ou  tres  Ermidas- 
GoDde  d'ella  he  hum  D.  Agostinho  Herrera,  de  quem  be  o  multo  sai  que 
ali  se  fai.  Duas  vezes  a  saquear3o  ji  os  Mouros  :  e  comtudo  ha  n'ella 
algons  Fidalgos,  Perdomos,  Cifuentes,  Herreras,  Sàvedras,  e  Betencores, 

37  A  quarta  Ilha,  que  o  segundo  Bei  dos  Betencores  conquistou, 
00  mandoQ  conquistar  por  hum  Joao  Macbim,  e  D.  Diego  de  Àyala,  foi 
a  chamada  Gomeira:  e  custou  t3o  pouco  a  conquistar,  que  aos  conquis- 
tadon^  receberao  os  naturaes  com  bailes.  Cbamar-se  Gomeira  (  dizem 
buDs)  foi  por  se  chamar  assim  a  filba  do  Rei  que  tinha  a  Ilha  :  outros 
dizem,  quo  por  as  arvores  d'eila  langarem  todas  goma.  Tem  de  compri- 
mente doze  legoas,  e  quatro  de  largo,  e  he  de  figuara  evada  :  dista  da 
Uba  do  Ferro  nove  legoas,  da  Palma  outras  nove,  e  cince  do  Tenarìfe^ 
(aliando  de  terra  a  terra.  Tem  està  Uba  buma  so  fonte,  mas  muitos  po- 
{os  de  agua  dece,  e  boa:  dà  muito  pao,  multo  vinho,  e  muito  queijo,  e 
uio  so  muito  gado,  e  muitos  veados,  mas  dà  a  melbor  urzella,  que  se 
leva  para  Fiandres:  e  tinha  entao  tambem  tres  engenhos  de  assucar,  e 
taota  besta  de  albarda,  que  (afQrma  o  bem  Fructuoso)  que  indo  alli  dar 
roubado  bum  Gaspar  Borges,  artifice,  Ibe  offerecerào  lego  casamento, 
promettende-lbe  em  dote;  alem  de  dinbeiro,  e  bens,  de  raiz,  cincoenla 
asnos  de  carga;  e  qoe  respondera  lego  e  artifìce:  «Se  eu  tal  Qzesse,  se- 
riamos  entao  cincoenta  e  bum.  E  nSo  Ibe  fallarao  mais  em  tal  materia. 
Tem  mais  a  Uba  huma  boa,  e  nebre  Igreja  Parochial  da  Assump^o  da 
Seohora,  e  bum  Convento  de  Franciscanes,  e  cince  Ermidas,  e  tao  bom 
porto,  que  até  eQt3e  se  nàe  tinha  n'elle  perdido  navio  algum:  mas  fora 
da  Villa,  per  teda  a  Uba  nao  baverìa  mais  que  sessenta  moradores. 


78  HISTOMA  INSCUNA 

CAPITULO  VI 

Da  Gram  Canaria,  e  mais  llhas  suas. 
t 

38  A  quinta  Illia  conquìstada  dizemos  ter  sido  a  Gram  Canaria, 
porqne  ainda  que  o  Doutor  Fructuoso,  lib.  |  cap.  i%  diz  que  foi  a 
terceira  que  se  conquistou,  seguio  aqui  està  opinilo,  tendo  atraz  se- 
guido  a  contraria,  de  que  os  Reis  Betencores  nSo  conquistarao  a  Gram 
Canaria,  mas  so  as  quatro  acima  apontadas;  e  por  irmos  coherentes,  di- 
zemos ter  sido  està  a  quinta  conquistada.  E  confìrma-se,  porque  depoìs 
de  0  segundo  Rei  Betencort  vender  ao  nosso  Infante  Dom  Henrique  o 
dìreito  todo  que  tinha  ds  Canarias,  ainda  o  dito  Infante  mandou  Armada 
Portugueza  conquistar  a  Gram  Canaria,  e  ainda  mais  depois  a  conquis- 
tarao OS  Reis  de  Castella  :  logo  està  he  a  verdade. 

39  He  pois  a  Gram  Canaria,  na  figura,  liha  redonda,  e  de  quarenta 
legoas  em  circuito;  fica  ao  Sudoeste  de  Lancerote,  e  Forte  Ventura,  das 
quaes  dista  vinte  legoas,  e  he  terra  alta.  Chama-se  Canaria,  nUo  tanto 
pelos  passaros  Canarios,  que  tambem  n'elia  se  d3o,  quanto  pelos  mui- 
tos  càes  que  se  acharao  nella,  brancos,  e  malhados,  sobre  mui  ferozes, 
e  tao  grandes,  que  excedem  a  grandes  lobos,  e  por  isso  Ihe  chamarao 
a  Canaria,  e  a  Gram  Canaria  ;  sendo  que  tem  tantas  outras  grandezas, 
(corno  \eremos  logo)  que  jìor  ellas  Ihe  vem  bem  o  titulo  de  Grande. 
Tinha  de  antes  ciuco,  ou  seis  Reis,  que  unidos  a  defendiao,  e  por  isso 
cu^^tou  tanto  a  conquistar,  que  so  por  se  dividirem  entre  si,  por  isso 
forào  por  partes  conquistados,  e  despojados  todos;  que  de  antes  nSo  ti- 
nha sido  de  Cossarios  entrada»  por  mais  vezes  que  foi  acometida,  e  dos 
de  Berberia  vizìnhos,  e  barbaros;  mas  he  tao  fortifìcada  loda  a  Ilha,  e  a 
gente  tao  bellicosa,  que  n3o  cedia  a  outra  alguma. 

40  No  militar,  e  politico  he  a  cabega  das  outras  llhas  Canarias,  e 
nesta  reside  o  Governador,  que  tem  jurisdifao  de  baralo,  e  entello,  posto 
que  a  mesma  tem  cada  Governador  das  outras  principaes  llhas,  no  que 
toca  ao  criminal;  e  para  o  que  toca  ao  civel,  tem  o  Tribunal,  e  Audìen- 
cia  Real,  com  Desembargo  de  tres  Ouvidores  seculares,  e  Regente,  aon- 
de vào  iinalizar  as  causas  das  outras  llhas,  etc.  No  Ecclesiastico  he  a 
unica  Diecese,  e  Bispado  de  todas  as  ditas  llhas,  posto  dizerem  alguns 
que  a  Cadeira  Episcopal  estiverà  algum  tempo  em  Lancerote,  ou  na  Pal- 
ma. Na  mesma  Carlos  V,  fez  por  Tribunal  do  S.  OfQcio»  com  os  neces- 


Liv.  n  CAP.  VI  79 

sarios  Minìstros,  e  officiaes.  Alétn  da  sua  Sé,  tein  mais  duas  IgrejasPa- 
rochines,  e  bum  Convento  de  Religiosos  Franciscanos,  outro  de  Domi- 
nicos.  e  algumas  Ermìdas.  0  Bispado  chega  a  mais  de  sete  mil  cruzados 
de  renda;  o  Inquisidor  a  dous  contos  de  reis;  o  Deao  a  mil  e  quinlienlos 
cnizados.  A  unica  Cidade  de  loda  a  liha  se  thama  Santa  Anna,  e  consta 
de  tres  mil  vizinhos;  e  por  ser  a  liha  conquistada  em  o  dia  de  S.  Anna, 
tomou  seu  nome  a  Cidade. 

41  Dnas  legoas  da  Cidade  para  o  Sul  està  huma  nobre  Villa,  e  de 
quinhentos  vizinhos,  onde  ha  tres  engenhos  de  assucar,  e  se  chamaTeN 
de.  que  tambem  ahnnda  de  algodao  :  de  Telde  sé  vai  i  Guia,  Villa  qne 
^aml)em  com  engenhos  se  occupa;  e  adìante  da  Guia  se  seguem  Gnimar, 
e  Arucas,  d'onde  dizem  que  he  tal  o  assucar,  que  ao  melhor  da  Madei- 
ra se  jguala  :  em  flm  que  de  assucar  havja  em  loda  a  Gram  Canaria 
vinte  e  qualro  engenhos,  e  cada  hum  de  seis,  e  de  sete  mil  arrobas  de 
assucar:  se  hoje  ha  mais,  on  menos,  là  o  saberao;  corno  se  ha  nella  ain- 
da tantos  mercadores  comò  havia  ent3o,  de  quarenta,  e  cincoenta  mil 
cruzados  para  cima;  que  hoje  he  mais  celebre  em  admiraveis  vinhos,  e 
antigamente  em  camelos,  e  ainda  em  os  fructos  he  tao  tempora,  que  de 
meado  Abril  para  dianle  ha  jà  nvas  maduras.  figos.  meloes,  etc,  e  tudo 
tao  sazonado  comò  em  Hespanha  o  sSo  pelo  Estio,  e  Outono:  o  que  pa- 
rece  provém  do  pouco,  e  poucas  vezes  que  chove  em  està  liba,  e  p<»r 
isso  nìlo  he  mais  povoada:  e  pela  parte  do  Sudoeste  ha  grandes  Tebres, 
pela  multa  vizìnhan^a  da  ardente  Berberia. 

42  A  sex  la  Uba  das  Canarias,  por  (na  opiniao  mais  provavel)  em 
sexto  lugar  ser  conquistada,  he  chamada  Tenerife:  dista  trinta  legoas  de 
Lancerote,  e  Forte  Ventura,  e  quinze  legoas  da  Gram  Canaria:  corre  de 
Leste  a  Oeste  com  quinze  legoas  de  comprimento,  porém  de  largo  com 
seis  em  bumas  partes,  e  oito  em  outras,  e  dez  legoas  em  alguns  biga- 
res:  e  com  ser  toda  a  Uba  muito  alta,  he  altissima  no  melo,  aonde  teni 
hom  Pico  chamado  Teyde,  tao  exc€ssivamente  ievantadot  que  de  sessenta 
legoas  ao  mar  se  està  vendo,  e  se  afTirma  ser  mais  alto  ainda  que  o  da 
liha  ctiamada  do  Fico  :  e  com,  em  o  mais  do  anno»  estar  pelas  neves 
muito  alvo,  lem  comtudo  tal  vulcao  pela  banda  do  sul,  Sueste,  e  Su- 
doeste, que  sempre  està  lan^ando  fumo;  e  bem  mostra  està  Uba  que  em 
muitos  tractos  ardeo  mais  que  as  outras  Ilhas,  e  parece  que  em  sua 
primeira  povoa^ao  forSo  por  vezes,  em  diversos  tempos,  e  lugares,  lan- 
fando-Uie  alguns  casaes  de  genies»  e  que  cada  povoacao  destas  separa- 


80  HISTORIA  tXSULANA 

das  fazia  seu  ReÌDO  à  parte,  e  tinha  seu  particuìar  Rei,  e  assim  havia 
nella  nove  Reis,  que  ordinariamente  andavao  em  guerras  entre  si,  e  por 
isso  erào  guerreiros  muìto  destros,  e  forao  os  mais  custosos  de  conquis* 
tar;  e  tambem  por  isso  d'estes  he  quo  se  tirarào  mais  cativos. 

43  Ha  n'estallha  doze,  ou  treze  povoa^oes,  cuja  cabega  he  a  Ci' 
dade  da  Alagoa,  que  lem  dous  mil  visinhos,  e  duas  Igrejas  Parochiaes, 
das  quaes  huma  he  da  Senhora  da  Gonceigao,  e  outra  de  Sao  Christo- 
vao,  em  cujo  dia  se  conquistou  a  Uba:  tem  mais  tres  Conventos  de  Re* 
ligiosos,  Dominicos,  Àgostinbos,  e  Franciscanos,  e  bum  Convento  de 
Freiras  de  Santa  Clara,  que  està  fora  da  Cidade;  desta  para  o  Ceste, 
quatro  legoas,  estava  a  Villa  chamada  Orotava,  de  trezentos  visinhos,  que 
colhem  multo  pao,  vinho,  e  assucar.  Em  outra  Villa  chamada  Icade,  de 
duzentos  visinhos,  se  faz  vidro,  de  que  muito  levào  para  fora,  por  ser 
multo  rìjo.  Nove  legoas  da  Cidade,  de  banda  do  Norie,  està  a  Villa  cha* 
mada  Guarachico,  povo  de  quinbentos  visinhos,  que  lavrao  muito  vinho, 
e  muito  assucar,  que  vai  para  Castella,  Flandres,  e  Inglaterra;  e  ha  n'es- 
ta  Villa  bum  Mosteiro  de  S.  Francisco,  de  cuja  Capella  mór  (com  ser  to- 
da  de  madeira  bem  lavrada,  e  ser  grande)  dizem  ser  toda  feita  de  bum 
so  pào;  e  a  quem  vir  a  grandeza  excessiva  dos  pinheiros  que  ha  n'aquel. 
ia  terra,  nào  pareceré  incrivel;  e  na  mesma  Villa  ha  lavradores  de  vinte 
até  trinta  mil  cruzados  de  renda  de  suas  lavouras,  e  de  engenhos  pro- 
prìos  de  assucar.  Da  banda  do  Sul  està  bum  lugar  chamado  Àdexe,  don- 
de a  familia  dos  Pintos  tem  dous  engenhos  de  assucar,  que  nos  seis  me- 
zes  da  safra  moem  oito  e  nove  mil  arrobas,  e  tem  quatro  legoas  de  ca- 
naveaes. 

44  He  geralmente  està  liba  muito  fertil,  até  de  pàos  de  multa  es- 
tima, e  cheirosos,  muito  abundante  de  mei,  vinho,  e  assucar,  e  so  de 
especiarias,  e  azeite  he  fatta,  mas  nao  de  pescado  em  todo  seu  circuilo^ 
n'ella  se  fabricào  muito»  panos,  sedas,  e  linhos;  tem  muitas,  e  frescas 
aguas  doces  com  que  se  rega  toda,  e  he  muito  salutifera,  e  de  bons  ares, 
e  n  ella  se  dào  muilos»  e  bons  ginetes  mouriscos,  e  assim  nunca  tinha 
sido  entrada,  nem  saqueada  de  ìnimigos;  e  sobre  tudo  he  de  tao  bom 
governo,  que  duella  para  fora  se  nao  póde  levar  dinheiro  algum,  senào 
empregado  nas  drogas  da  terra,  com  o  que  nao  so  he  muito  rica,  mas 
enriquece  aos  Estrangeiros,  que  a  ella  vao  commerciar. 

45  Septima  conquista  da  Uba  he  a  que  chamào  Palma,  pelas  mui- 
las  palmèiras,  que  ha  niella,  e  carregadas  de  tamaras;  esti  treze  legoas 


LIVRO  II  CAP.  VI  8i 

ao  Noroeste  de  Tenerife,  e  da  Madeira  sesseola;  tem  dezoìlo  de  compri- 
tnento,  dezasete  de  largura.  Ttnha  de  antes  qiiatro  Reis,  e  as  mulheres 
erào  tanto  mais  varonis  do  que  os  homens,  que  ellas  em  a  conquista  pe- 
lejarao  até  nào  poder  mais,  e  a  maior  parte  dos  maridos  se  metterao  eni 
suas  covas  até  morrerem  a  Tome,  mas  ja  lioje  as  mulheres  sao  muilo 
polidas,  e  os  liomeiis  sao  os  mais  guerreiros  de  todas  aqueilas  lihas,  ten- 
do sido  de  antes  mui  Taceis  de  conquistar.  A  terra  be  multo  alta,  e  cai- 
mosa;  a  povoagào  sua  principal  se  cliamava  de  antes  Àpuron,  porém  Car- 
los V  a  fez  Cidade,  e  Ihe  deu  por  nome  S.  Miguel  de  Santa  Cruz  da  Pal- 
ma, e  passa  de  dous  mil  visinhos.  Os  naluraes  da  Uba  contao,  que  an- 
tes, e  depois  d'ella  conquistada,  caiiìào  do  Ceo  no  alto  cume  da  Uba  huns 
corno  confeilos,  muito  alvos,  e  miudos,  que  davao  nao  so  sustento,  mas 
grande  confurto,  a  quem  os  comia,  e  que  os  coziao  muito  cedo,  e  no 
mesnio  dia  os  coinìào,  e  que  Uies  cliamavào  Graca  do  Ceo,  e  manna  de 
grande  cbeiro;  mas  que  tanto  que  na  Uba  bouve  trato  de  mercadorias,  de^- 
a[>pareceo,  e  nào'cabio  mais  aquelle  manjar  do  Ceo.  Repare  bem  o  Leitoi . 
4G    Quasi  loda  està  liba,  exceplas  algumas  terras  de  assucar,  està 
pUntada  de  vinbos  pelo  Sul,  e  pelo  iNorte,  tanto  assim,  que  dà  ciuco,  o 
sejs  mil  pipas  ao  dizimo,  e  o  termo  da  Cidade  duas  mil,  com  que  ren- 
de de  direilos,  de  entradas,  e  sabidas  na  Alfandega,  trinta  mil  cruza- 
dos.  0  rendiinente  do  pào  be  tao  abundante,  que  buma  /anega  de  se- 
meadura  dà  cento  e  dez,  e  mais.  No  meio  da  Uba  està  a  Cidade  coni 
deus  Coflveutos  de  Dominicos,  e  Franciscanos;  e  sendo  que  de  antes  nao 
era  forliiicada,  e  por jsso  foi  entiada,  saqueada,  e  queimada  por  Fran- 
cezes  Lutberanos,  a  "ii  de  Julbo  de  1553,  e  pelo  Pé  de  Pào,  e  Jacques 
Sona:  comtudo  em  os  primeiros  dez  annos  foi  restaurada  de  forte,  e  de 
novo  tao  fortificada,  que  nào  so  està  mais  lustrosa,  e  popolosa,  mas  de 
tudo  ioexpngnavel. 

47  Ha  Desta  liba  fataes  madeiras  de  pinheiraes,  e bumas  a  que  cba- 
mao  Tea,  que  dào  o  bi^u,  e  corno  em  este,  assim  em  taes  madeiras  so 
atea  o  fogo.  Ha  outras  arvores  que  d3o  almecega:  e  outras  cbamadas 
Dragoeiras,  corno  alias  paUnas,  que  feridos  d3o  bum  q.ue  parece  sangue, 
e  qua  lego  se  coalba,  e  be  o  Drago  medicioal,  e  que  mal  derretido  com 
poQca  queotura  tira  das  armas  uotadas  iQda  a  ferrugem:  e  s3o  arvores 
ddezas  de  se  cortarem.  Fìnabnente  os  ares  d'està  Uba  sao  t3o  sadios, 
qne  Dunca  n'eila  bouve  peste,  nem  ptisisicas»  nem  parlesias,  nem  ainda 
tempestades  até  oc  Inverno;  mas  algumas  oevoas»  que  pelas  manbas  sao 

VOL.  I  6 


82  HISTORIA  INSCLANA 

niedicinaes,  e  so  de  tarde  nocivas,  por  nao  Icrem  viracao  do  mar:  e  naa 
bó  de  Castella,  e  suas  Indias,  mas  de  nact)es  estrangeiras,  he  a  mais  bus- 
cada  esla  Palma;  porém  a  melhor  palma  Ihe  levaifio  quarcnla  Ik^Iigiosos 
da  Companliia  de  Jesus,  que  indo  a  pregar  a  Fé  Catholica  em  o  Brasil, 
l)ouco  de  antes  descuberlo:  pela  Fé,  e  u  vista  d'està  liha  forao  lodos 
quarenta  marlyrizados  pelo  dito  Cossario  herege  Jacques  Soria,  e  sera 
uste  levar  da  liha  a  palma,  desta,  e  d'ella  levàrao a  do  raartyrio  os  qua- 
lenla  para  o  Geo,  sendo  o  seu  valeroso  Capilfio,  o  illustrissimo  Padre  D. 
Ignacio  de  Azevedo,  mais  illustre  ainda  pela  morte,  ou  sangue  de  seu 
inarlyrio,  do  que  pelo  illustre  sangue  herdado:  mas  està  materia  pedo 
mais  alla,  e  subida  pi3una,  e  assim  vamos  contiiiuundo  com  a  humilde 
liossa  desta  historia. 

CAPITULO  VII 

Conclue-se  em  tjeral  com  a  notìcia  dns  Cannrias. 

48  Dos  primeiros  povoadores  das  Conarias  se  nao  sabe  quem  fosse 
ao  certo;  o  certo  he  que  ncm  Gentios,  nem  Mahometanos,  nem  Mouros, 
ou  Turcos  forao;  porque  os  que  as  habitavào,  quando  forao  conquisladas 
por  Calliulicos,  nao  adoravao  mais  que  a  bum  so  Deos,  e  por  isso  re- 
ceberSo  com  facihdade  a  Fé  Catholica;  e  por  so  alguns  outros  usos  bar- 
baros  se  costuma  dizer  que  erào  Gentios.  Que  nunca  fossem  Mahoiiie- 
lanos,  e  menos  Mooros,  ou  Turcos,  consta  de  terem  sido  povoadas  es- 
tas  Ilhas  niuitos  secnlos  antes  de  haver  no  mundo  Turcos.  ou  Monros, 
ou  ainda  Mahometanos;  e  de-semjìre  as  Canaiias  terem  guerra  com  a 
mais visinha  Africa,  e  so  de  alguma  dellas,  e  em  algum  tempo  anligo 
muitas  pessoas  em  Africa  casavao,  e  licarao  parlicipando  do  sangue  Afri- 
cano: mas  OS  mais  so  de  entre  si  se  propagavao,  e  dijpois  de  conqnista- 
dos  se  aparenlàrao  mais  com  os  Calholicos  conquistadores,  e  tanto,  quo 
jà  hoje  nem  ha  d'aquelles  antigos  a  que  chamavSo  Gentios,  que  nào  li- 
nhao  outra  Fé,  ou  oulra  lei  mais  do  que  crer  em  hum  su  Deos,  donde 
se  segue  qae  nem  Judeus  forao  alguma  bora,  mas  so  seguiao  a  substan- 
eia  da  primeira  lei  da  natureza,  e  do  primeiro  uso  da  razao,  que  trou- 
xerao  ou  dos  Hebreos  mais  «ntigos,  ou  dos  primeiros  povoadores  da 
Africa,  e  Carthago,  comò  acima  jà  tocàmos. 

49  Hoje  porém  n'estas  Ilbas  commummente  sao  ja  todqs  Catholi^ 
cos,  sem  rasao  alguma  de  Idolatras,  e  menos  de  Hereges>  e  so  pela  vi- 


Liv.  n  CAI»,  vn  83 

sìnl«n^a  parlìcìpao  algutna  cousa  de  Africanos  com  cores  meìo  morenas 
em  muitos  dos  nainraes,  e  ordinariamente  de  eslatura  alta,  e  tao  puros 
nos  cost'.imes,  que  da  sanlidade  d  estas  Ilhas  so  aponto  o  niaior  porten- 
to, 0  Thainnaturpo  em  milagres,  o  prodigioso  Apostolo  do  Brasil,  o 
^^rande,  e  Veneravel  Padre  Joseph  de  Anchiela,  naturai  d'eslas  Canarias, 
e  Religioso  professo  da  Companhia  de  Jesus,  e  desta  o  segundo Xavier: 
|ìo)s  ja  da  sua  Canoniza^ao  se  tcm  em  Roma  tratado  muìto,  e  de  sua  sua- 
vissima  vida«  e  morte  se  tem  composto  tanto,  e  por  tSo  subidas  penas, 
que  sÀ)  da  Santa  Madre  Igreja  esperamos  por-se  a  coroa  a  i3o  admiravel 
santidnde,  corno  todos  venerao  em  bum  Anchiela,  de  quem  està  limita- 
da  penna  n3o  piide  voar  a  ser  elogiadora» 

50  Gcralmente  o  dima  das  Canarias  he  lai,  que  nem  chove  n'elias 
muìto,  nem  muitas  vezes,  e  o  maior  dia  n'ellas  n3o  passa  de  treze  Iìo- 
ras,  nem  de  treze  a  maior  noite.  Em  nenhuma  d'estas  Ilhas  ha  blchos 
peconlientos,  e  nem  aìnda  rans  ha,  senao  em  buma  alagoa  da  Uba  quo 
cliamao  a  Gomeira;  sendo  que  de  gados  sao  multo  abundantes,  e  ainda 
de  cavallos,  e  camelos;  e  comtudo  niio  bavia  ao  principio  entre  elles  ar- 
mas  de  ferro,  ou  de  fogo,  mas  de  pào  semente,  com  que  so  brigavao, 
e  fòrtemente.  De  aves  ha  muitas,  de  que  as  mais  pequenas,  e  que  me- 
l!ior  cantao,  chamadas  Canarios,  derao,  corno  dizem,  o  nome  i  Gram 
Canaria,  e  està  a  todas  as  mais  Ilhas.  Dos  fructos  da  terra  ha  os  mais, 
e  05  melhores  comò  vhnos,  excepto  azeite;  e  batatas  so  as  ha  na  Go- 
meira, e  Palma,  duas  d'estas  Ilhas,  mas  em  o  seu  mar  de  todas  ha  de 
ham  peixe  abundancia:  d'onde  vem  serem  ordinariamente  tao  sà'iias  es- 
tas Ilhas,  que  nunca  bouve  peste  n*ellas,  nem  mu'ta  outra  casta  de  doen- 
C^s,  e  assim  sSo  terras  salutiferas:  e  atc  salinas  ha  em  Forte  Ventura, 
e  Lancerete,  de  que  sabe  mnito  sai,  e  se  provém  as  mais  Ilhas. 

51  Particulares  datas  n  estas  Ilhas  tiverao  alguns  fidalgos  pobres, 
qne  hoje  s3o  ricos  Titulares.\ assim  tem  os  Condes  de  Lancerete  n  està 
liha,  e  uà  de  Forte  Ventura:  e  os  Condes  da  Ayala  em  a  Gomeira,  e 
Ferro,  e  em  outras  outros;  mas  a  Gram  Canaria,  Tenerife,  e  Palma,  em 
loda  a  alguem  outrem  est3o  sugeitas,  senao  so  à  Rea!  Coroa  de  Castel- 
la. Advirta  o  Lettor  porém,  que  o  que  d*estas  Canarias  flca  dito,  he  so 
Imm  compendio  puro,  e  verdadeiro  do  que  em  seu  antigo  estylo,  e  em 
seu  tempo,  diz  o  Doutor  Gaspar  Fructuoso  em  seu  citado  livro;  que  em 
0  tempo  de  boje  pòde  ser  estcjao  mudadas  muitas  cousas,  que  aqui  nem 
se  DegSo,  nem  se  alQrmao. 


84  HISTORIA  INSULANA 

CAPITOLO  Vili 
Breu  noticia  da$  Ilhas  de  Calo  Verde ^  t  $eu  clima. 

52  Se  pouco  dissemos  das  nobres  IlhasF  Canarias,  ironos  poderemos 
dizer  das  de  Cabo  Verde,  assim  pelo  pouco  que  d'ellas  druem  os  antigoi 
Chronistas,  Barros,  e  Goes,  corno  por  o  Doutor  Fructuoso  locar  so  est» 
malerìa  no  lib.  i  de  &ua  Historìa  cap.  21,  e  passar  logo  no  cap.  22  ao 
descobrioiento  das  Antilhas,  ou  Indias  Occidentaes,  que  extende  ale  o 
cap.  26,  e  ja  em  o  cap.  27  tralar  das  opinioes  que  houte  do  principio 
das  Occidentaes  Hhas  Lusitanas^  corno  dissenios  jà  no  [ib.  i,  pelo  que 
compendiemos  agora,  e  com  menos  confusao,  o  que  pudermos  alcan^ar 
d'estas  nossa^  Ilhas  chamadas  de  Cabo  Verde. 

53  0  que  se  diz  hoje  Cabo  Verde,  se  dizia  anligimente  Cabo  Asi- 
nario,  e  aindaque  o  Carthaginez  Danon  (que  comò  acima  dissemos  Toi  o 
primeiro  que  vio  as  Canarias)  leve  juntamente  enlao  vista  d'aste  Cabo, 
e  so  com  a  vista  se  ficou  ;  de  pois  comtudo  em  o  anno  de  1443  (Jà  go- 
vernando El-Rei  D.  Alfonso  V  em  Portugal)  bum  Kscudeiro  seu,  cbamado 
Dinis  Fernandez,  morador  na  Corte  de  Lisboa,  rfco,  e  it  honrados  fei- 
tos^  movido  com  favorcs,  e  mercés  pelo  dito  misso  Infante  D.  Henrìque, 
fui  de  seu  mandado,  em  bum  so  navio,  desQubrir  da  co^  de  Africa  o 
mais  que  pudesse;  e  partiodo  com  e£feito,  e  passando  o  rio  Canaga,  que 
divide  OS  Mouros  dos  Jaiofos,  e  està  em  a  altura  de  qu'rnze  graos  e  meio 
da  parte  do  Norie,  tomou  hinna  Almadia  de  quatro  negros;  e  dando  maì:^ 
adiante  com  bum  Cabo,  que  Africa  lanca  alli  fora  contra  o  Poente,  e  re- 
presenèando-se-lbe  com  verdura  grande,  Ifee  chamou  o  Cabo  Verde,  sen- 
do  de  antes  cbamado  Asinario  ;  e  boje  este  Cabo  Verde  he  de  Africa  o 
mais  celebre  Cabo,  que  està  no  Oceano  Occidental,  em  altura  de  qua- 
torze  gràos  e  bum  ter^o;  e  porque  o  descubridor  Dmis  Fernandez  expe- 
rimentou  aqui  bravo  temporal,  nao  passou  mais  adiante,  mas  sahiudo 
em  homa  Ilhela  muiU>  vizioha  ao  Cabo,  fez  grande  matan^a  em  cabrai, 
com  as  quaes,  e  com  os  oegros  se  toHou  a  Portugai,  onde  foi  bem  re- 
cebido  do  Seal  Infente,  nao  so  pelas  novas  que  trazia,  mas  lambem  por 
aquelle»  bomens  fiegroa,  que  foraa  es  primeifo»  que  rai  Portugai  se 
virao. 

54  Correo  io|^  tanto  a  fama  do  novo  Cabo  Terde,  ji  pelos  Porto- 
guezes  descuberlo,  e  que  bavia  Ilhas  )uato  a  eUe^  que  de  Genova  vierio 


uv.  II  GAP.  vin  85 

^  Porliigal  tres  navìos,  e  por  Cabos  d'elles  tres  Genovezes  nobres,  An- 
tonio de  Noie,  e  hom  seu  irniao,  e  hum  seu  sobrinho,  e  offerecendo-se 
ao  ROSSO  Infìinle  para  irem  descnbrir  as  Ilhas  de  Cabo  Verde,  e  dando- 
Ihes  0  Infante  por  gaia,  e  Cabo  seu  a  hum  Vicente  de  Lagos,  Porlugnez, 
e  a  hum  Luis  de  Cademusto,  Veneziano,  os  mandou  descubrir  as  dilas 
I!has  era  o  anno  de  1413,  e  este  parece  o  verdadeiro  descubrimento  de 
Ines  Ilhas,  corno  se  colhe.  das  Chronicas  de  Barros,  e  de  Goes,  e  da  do 
Principe  D.  Joao,  <jue  depois  foi  o  grande  Rei  Dom  Joao  o  II  de  Porlii- 
fal;  pois  ja  no  anno  de  14G0,  fez  seu  pai  El-Rei  D.  Alfonso  V  doagao 
das  Ilhas  de  Cabo  Verde,  e  das  Terceiras  ao  Infante  D.  Fernando  seu 
irmao  ;  d  onde  se  segue  que  as  de  Cabo  Verde  jà  erSo  descuberlas,  e 
primeiro  que  as  Terceiras,  e  nos  annos  sobreditos,  comò  se  vera  no  des- 
ctìbrimenlo  das  Terceiras. 

55  A  primeira  liha  qne  acliarao  os  ditos  descubridores,  chamarao- 
Ihe  a  Boa  Vista,  mas  ainda  melUor  nome  Ihe  derao  Ioga  depois,  chaman- 
do-Uie  Santiago  ;  a  segunda  a  Maya;  e  i  terceira  S.  Felippe,  ou  liha  do 
frigo;  por  todas  tres  descubrirera  em  o  primeiro  de  Maio,  dia  dos  ditos 
dous  Apostolos:  e  passando  logo  o  rio  Rtia,  ou  Caramanca,  chegar3o  alò 
t>  Cabo  Vermelho,  e  delle  se  voltarào  a  Portugal.  E  porque  estas  Ilhas 
de  Cabo  Verde  sao  onze,  os  nomes  das  outras  oilo  sao,  o  da  quarta  S. 
Chrislovao,  quinta  a  do  Sul,  scxta  a  Brava,  septima  S.  Nicolao,  oilava 
S.  Vicente,  nona,  Razabranca,jdecima,.S.  Luzia,  undecima  S.  Antonio,, 
on  S.  Anlao,  comò  (d'estes  nomes,  e  da  ordem  com  que  vao)  consta 
da  doacio  Real,  que  El-Reì  D.  Jo3o  II  fez  ao  Duquede  Beja  D.  Manoel, 
Rei  que  Ihe  succedeo. 

56  Eslao  todas  estas  Ilhas  arrumadas  desde  quatorze  gràos  e  melo 
até  dezoilo,  ficando-lhe  o  Cabo  Verde  em  quatorze  graos,  e  hum  terco, 
conforme  a  Ptolomeu.  A  Uba  de  Santiago  està  Ireste  a  Oeste  do  dito 
Cabo  norenta  e  ciuco  legoas,  em  quinze  grios  e  meio;  e  conforme  a  ou- 
tras carias.  eni  quatorzf^  e  meio.  A  Maya  està  de  Santiago  a  Leste  doze 
tegoas.  A  de  S.  Felippe  està  ao  Sul  de  Santiago  treze  legoas  e  meia, 
tamhem  era  quatorze  gràos  e  meio.  A  Brava  està  ciuco  legoas,  Leste 
Oeste  de  S.  Felippe.  Entre  Santiago,  e  a  Maya  ha  hum  Baixo  em  quinze 
gràos  e  meio.  ciuco  legoas  de  Santiago  ;  e  a  Norte  desta  Santiago,  em 
dezaseis  gràos  e  dous  tercos,  esQo  dous  Baìxios  ruins.  Suo  Nicolao  està 
trinta  legoas  de  Santiago  ao  Oeste,  em  dezasete  gràos,  e  ao  Oeste  de  S. 
Kifioiao,  se'ì&  legoas,  està  S.  Luzia  em  dezaseis  graos,  e  bum  tergo;  e  ao 


86  HISTORIA  INStlAXA 

Sul  d  estas  duas  Ilhas  estuo  dous  Ilheos  de  grande  pescaria.  S.  Vicente 
està  ao  Oeste  de  S.  Luzia  cìnco  legoas,  em  dezasete  grùos  e  meìo  esfor- 
fad«)S.  S.  Antonio  està  ao  Oeste  de  Suo  Vicente  em  dezoita  gràosy  me- 
uos  bum  quarto,  e  entre  estas  os  Canaes  suo  muito  limpos. 

CAPITOLO  iX 

Qnalidades  da$  princìpaes  Ilbas  Ae  Cabo  Verde. 

57  A  lilla  de  Santiago,  cabeca  das  onze  de  Cabo  Verde,  corre  de 
Norte  a  Sul,  e  tem  dezoito  legoas  de  comprido:  a  Cidade  se  intìtuia 
tarribem  de  Santiago,  e  consta  de  duzentos  vizinbos,  e  pelo  meio  a  corta 
huma  ribeira;  be  a  cabeca  do  Bispado  das  outras  suas  Itbas,  cono  Bispo, 
e  Catbedral.  Por  està  Uba  v3o  as  n«nos  de  Castella  para  as  saas  Indias, 
assim  corno  as  da  India  Orientai  de  Portugal  vem  pela  Terceira,  e  por 
a  de  Santiago  vao  as  de  Portugal  para  Angola,  Gutnè,  Congo,  e  outras 
partes.  Tem  muitos  gatos  de  algalia,  e  tambem  infìnidade  de  Bugios, 
muitas  galinbas,  e  gulipavos.  De  fructos  da  terra  dà  muito  assucnr,  de 
que  se  faz  muita  conserva,  mas  nao  chega  ao  da  Madeira;  nem  dà  trigo 
algum;  mas  tanto  milbo  branco,  grosso,  e  mìudo,  que  carregao  navios 
para  fora;  dà  muita  fructa  de  espinbo,  muitas  peras,  ffgos  e  n>eloes,  e 
todo  0  anno  uvas,  jà  em  agra(o,  jà  que  comecao  a  alimpar,  e  jà  madu- 
ras;  feijoes,  e  aboboras  de  muitas  castas.  Ila  nella  muitas  arvores,  corno 
maceiras,  que  dao  buns  bugalhos,  dos  quaes  abertos  tirao  muito  algo- 
dao.  Oa  tambem  muitas  bananeiras,  cujos  iìgos  paitidos  ao  travez,  em 
cada  talbada  mostrao  a  figura  de  bum  Cructfixo,  ou  Cinz,  e  dizem  que 
d'aquelles  era  o  fructo  vedado  do  Paraiso  terreal.  0  mais  veremos  abaixo. 

58  A  Uba  de  S  FiUppe  se  cliama  taml)em  Uba  tlo  fogo,  porque  da 
bum  altissimo  pico  seu  salie  continuamente  tanto  fogo,  e  às  vezes  deità 
de  fogo  taes  ribeiras,  que  esfriadas  se  converl^m  em  cinzas,  e  pedra  pò- 
mes,  (corno  dizem)  e  vao  dar  ao  mar;  e  em  tempo  sereno,  e  de  noìte 
ebega  a  ver^se  este  fbgo  de  quinze  legoas  ao  mar;  e  até  a  mais  alta  niN 
vem  de  fumaca,  que  sobre  seu  cume  fórma  este  pico,  ebega  a  ver-se  de 
mais  de  vinte  legoas  ao  longe,  quando  o  tempo  eslà  sereno,  e  o  Ceo  lim* 
pò:  deste  pico  dizem  ser  tao  alto,  que  por  liiilui  iniagmaria,  desde  o 
baixo  langada  ao  ponto  correspendente  a  sua  altura,  tem  tres  legoas,  quo 
em  Hespanba  conlém  doze  aulba^  e  nao  obstaate  tal  altui^,  e  tal  fi^ 


LIV.  Il  CAP.  IX  87 

d'esla,  e  dislnr  so  sete  Icgoas  d'ella  a  oulra  Ilha  que  cham5o  Brava,  se- 
lf aiinos  csleve  esla  encuberta  depois  de  descuberta  a  oulra  de  tanto 
f.»«(o,  e  altura;  e  assim  dizem  que  excede  esle  Vulcano  de  fogo  ao  furio- 
so ilas  Indias  <le  Castella,  ao  bravo  da  India  Orientai,  e  ao  tremendo  de 
Sicilia,  coin  todus  serem  Kinns  espanlosos. 

59  Da  Ilha  de  S.  Antonio  se  diz  constar  de«oito  legoas  pouco  mais, 
on  menos:  e  do  mesmo  tamanho  he  a  Ilha  de  S.  Luzia;  e  assim  està,  co- 
rno a  Ilha  Brava,  e  a  do  Sai,  e  a  da  Boa  Vista,  sào  dos  herdeiros  de  D. 
Mariinlio  de  (fastello  Branco,  diz  o  Doutor  Fructuoso;  mas  que  a  de  S. 
Antonio  ei*a  de  hum  lidalgo  de  Evora  Gonzalo  de  Sousa,  genro  de  Ber- 
nardino de  lavora,  Reposteiro  mór;  porém  que  a  de  S.  Vicente  era  do 
Condi^  de  Portalegre,  Mordomo  mór  d'el-Rei. 

GO  Em  algumas  d  estas  Ilhas  sahe  ambar,  e  muito,  corno  na  Ilha 
Brava,  na  de  S.  Lnzia.  na  do  Sol.  e  da  Boa  Vista:  e  por  estas  Ilhas  vinha 
a  Porliigal  bastante  o:To.  por  commercio  que  tinh'io  a^n  Cabo  Verde; 
lioje  porém  vem  ja  tanto  ouro  das  novas  minas  do  riquis«imo  Brasil,  que 
vin(h)  a  Pori.igal  corre  polo  mtmdn  lodo.  Ale  corvos  brancos  ha  n'estas 
Illia<,  que  parev.e  fui tàiào  a  cor  aos  homens;  tem  grande  diversidade  de 
aves:  iunumeraveis  pombas,  mas  tambem  lagarlos  verdes  que  as  comem; 
rolas  miiitas,  e  ad(^ns,  e  dìo-se  as  fructas  quasi  todas  de  Portugal,  e  ex- 
cellcnlissima  horfalira,  e  t/ida  a  casla  de  legumes,  grande  copia  de  algo- 
dOo,  muitis.  e  ligi'iris-siinos  c^vallos,  egoas,  e  outras  bestas  de  servigo, 
e  rauilo,  e  bora  pescado  em  quasi  todas  as  Ilhas;  vacarla  de  numero  e.\- 
cessivo,  e  maior  numero  de  cabras. 

61  E  com  tudo  nao  sem  fondamento  ainda  dura  a  ma  fama  de  nao 
serera  sadias  estas  Ilhas  para  os  que  vao  para  la  de  Portugal;  porque 
t(Klas  cstao  debaixo  da  Zona  torrida,  e  nao  dào  trigo  aìgum;  nem  n'ellas 
olmvc  mais  que  qualro  mczes  do  anno,  Junho,  Juiho,  Agosto,  e  Seplem- 
bro:  e  em  lodo  o  mais  tempo,  nem  de  dia,  nem  de  noite,  nem  ainda  de 
madnigada  cahe  orvaiho  algum,  ou  algum  sereno,  que  faga  humedecer 
Imma  foiba  de  pa|)el  deixada  fora  ao  ar:  e  na  principal  Uba  Santiago  he 
1*50  nocivo  0  pcscado,  que  causa  muila  esquinencia,  e  camaras  de  san- 
f\uK  e  ainda  assim  o  bom  Doutor  Fructuoso,  que  confessa  tudo  islo,  per- 
si.^le  em  aflirmar  serem  muito  sadias  estas  Ilhas,  e  que  suas  doengas 
vem  da  inlomperanca  no  comer,  e  proceder  dos  que  là  vao;  e  que  os 
que  sào  regrados,  e  continenles  vivem  muito  n'ellas. 

Gì    O  certo  porém  he,  que  para  us  que  vao  de  fora  he  o  clima  mul- 


90  HISTORIA  IXSULANA 

ao  descubrimcnto  das  Canarias,  sabendo  dos  intentos  com  quc  o  Infante 
D.  Ilenrique  de  Portugal  qiieria  descubrir  novas  llhas  no  Oceano,  Ihe 
viera  dar  nolicias  da  Uha  do  Porlo  Santo,  e  qne  pelos  sinaes  deste  Cas- 
lelhano  mandara  enlào  o  dito  Infante  a  Uarlholonieu  Pereslrello,  e  a  Joào 
Gontalves  Zargo,  e  a  Tristao  Vaz  Teixeira,  a  descubrir  a  U\ì  Uba,  e  que 
esles  tres  a  descubrirào. 

3  Accrescenlao  outros,  qne  o  Infante  D.  Ilenriqne,  vindo  do  cerco 
de  Ceyla,  desejoso  de  augmentar  a  Ordein  MiliUir  de  Christo,  inandou 
por  deierrainafào  sua  descubrir  a  costa  de  Africa,  desdeojà  descuberlo 
Cabo  de  Nàin,  até  o  Cabo  Bojador,  sessenta  legoas  adiante  do  de  Nam, 
d'onde  nunca  poderao  passar  os  exploradores:  e  quc  visto  isto,  se  offe- 
recerao  ao  dito  Infante  dous  nobres,  e  esforrados  Cavalleiros  de  sua  ca- 
sa, Joao  Gongalves  Zargo  de  alcunlia,  e  Trislao  Vaz  Teixeira,  para  irem 
a  descubrir  a  dita  cosUi  de  Bcrberia,  e  Guinù;  e  qne  o  Infante  Ibes  dera 
liuma  barca,  (que  assirn  chamavào  entào  aos  navius  pequenos,  corno  ain- 
da  boje  na  Inijja  Orientai  a  grandes  naos)  coni  ordeni  (pie  cbegnssom  ao 
Cabo  de  Mojador,  e  delle  ao  diante  fossein  descubrindo  o  (pie  acbas- 
sein:  e  (jue  a  estes  Cavalleiros  deu  tal  lempcstade,  anles  de  cbegareni  :\ 
costa  de  Africa,-  (junto  a  qual  entào  se  navegava  sóuiente)  que  seni  s;«- 
ber  aonde  estavào,  e  pelo  navio  ser  pe<|ueno  correrao  grave  perigo  de 
alTundir-se,  e  invocando  os  Santos  do  Ceo,  se  Ibes  descubrio  bunia  ihna 
liba,  a  qual  por  isso  clianwrào  Porto  Santo,  e  vendo-a,  demarcandn-a, 
e  noiando-a  estar  tolalmeiite  deserta  de  gente,  se  vukarào  ao  Infante 
coni  as  ditas  iiovas. 

4  Logo  se  llie  olTerecerik)  muitos  para  a  irem  povoar,  e  entre  elles 
(diz  0  doutor  Fructuoso)  buma  pessoa  nolaveK  a  saber,  Barlbolameu 
Perestrullo,  lidalgo  da  casa  de  D.  Joào,  Princii)e.  innào  do  nosso  Infante 
D.  ilenri(pie  :  e  esle  niandou  logo  aprestar,  e  dar  tres  navios,  hiun  ao 
(libi  PeresU'ello,  outro  a  Jnào  Gonvalves  Zargo,  e  ontro  a  Tristào  Vaz 
Teixeira:  mas  porque  o  tìdalgo  Perestrello,  entre  o  mais  ({ue  levava  para 
està  povoacao,  levou  Uunbem  buina  a)elba,  cpie  parindo  no  mar,  fui  lan- 
C^ida  na  Iliia  com  os  QUios,  e  multiplicou  t^into«  que  nào  se  piantava,  ou 
semeava  cousa,  que  os  coelbos  nào  roessem:  de  ijue  (l(\sgoslado  o  Peres- 
trello se  voltou  a  Portugal,  deixando  a  Joào  Gonralves,  e  a  TrisIào  Vaz 
na  dita  Uba,  corno  adiante  veremos. 

o  0  certo  pois  lie,  que  (dado  S(»jno  verdadeìras  as  (hias  oiiiniòj^s 
acima,  e  succedessem  aos  annos  de  1417,  atti  1419),  o  cerio  inique  no 


Liv  HI  ckp.  n  9i 

anno  de  1420,  Jo3a  Gongalves  2^rgo,  e  Tristao  Vaz  Toixeira.  da  casa  do 
uosso  Infante  D.  Henrique,  e  por  ordern  d'elle  sahii^aa  de  Lagos  a  as- 
saltear  as  Canarias,  e  que  indo,  e  voltando  coin  grandes  lormentas,  per- 
liidos  forao  dar  em  huma  Iliia,  e  por  niella  se  salvarenv,  IIh3  chamarOo 
a  lilla  do  Porto  Santo,  e  d*ella  tornarao  com  taes  novas  a(.>  Infante  D. 
Henrique,  que  alegre  com  tal  descubrimento  d'està  primeiraliha  de  Porlo 
Santo,  deo  logo  d'ella  a  Capitania  a  Barlholonieu  Perestrello,  tìdalgo  da 
casa  do  Infante  D.  Joao,  irmào  do  dito  D.  Henrique;  e  com  o  dito  Po- 
resirello  mandou  tambem  para  a  dita  Illia  os  dous  primeiros  descuhri- 
dores  d'ella  Joao  Goncalves,  e  Tristao  Vaz,  que  era  bum  navio  cliegarào 
de  Lagos  a  Porlo  Santo  em  o  anno  de  14^1,  e  nella  estiverào  dous  an- 
nos,  DOS  quaes  andava  o  navio  trazendo  novas  da  Uba  a  Lagos,  e  levan- 
do mantimentos  de  Lagos,  a  liba,  ató  que  o  Capitao  Perestrello,  enfa- 
dado  d'aquella  quasi  praga  de  coelbos,  se  voltou  a  Portugal,  deixando 
ìà  OS  dous  companlìeiros,  e  os  mais  que  com  elle  tinbào  ido;  e  que  de- 
pois, comò  diremos,  descubrirao  a  Madeira. 

6  Està  pois  parece  a  mais  provavel. opinino  dos  descubridores,  e 
primeiros  povoadores  da  liba  de  Porlo  Santo,  (iorque  ainda  (|ue  fosso 
vista  priioeiro,  e  visitcìda  de  Francezes,  e  Castelbanos  que  andavao  em 
demanda  das  Canarias,  fui  depois  nao  so  vista,  e  vi:^ilada,  mas  descu- 
berla  loda,  e  babitada  por  mandado  do  Infante  D.  I]enrì(|ue,  e  pelos  so- 
breditos  Portuguezes;  sem  que  obste  a  variedade  sobredita,  |iois  com  a 
diversidade,  e  distin^ao  dos  tempos  se  concordào  as  opinióes  diveisas. 

CAPITULO  II 

Do  silio,  qmaUdades^  e  povoapùes  de  Porlo  Sanlo. 

7  Està  a  Uba  de  Porto  Santo  em  quasi  trinta  e  tres  gvios  de  altu- 
ra da  parte  do  Norie,  cento  e  quarenla  legoas  de  Lisboa»  1!2  da  Madei- 
ra, de  terra  a  terra,  e  20  de  porlo  a  porlo;  seu  comprimenlo  corre  de 
Nonleste  a  Sudueste,  por  quasi  quatro  legoas,  e  sempre  Ci)m  legr)a  e 
meia  de  largura,  e  de  circunferencia  mais  de  oilo,  com  varias  j)onlas,  e 
eiiseadas.  Quasi  no  meio  da  Uba  se  levanla  bufu  (>ico,  alto,  e  redonib^ 
e  em  sima  com  terreiro,  e  casas,  em  que  em  tempo  de  gueri-as  coni 
Castella  se  rocolbi3o  da  liba,  e  por  isso  Ilio  cbamao  o  Vko  di»  T^aslclK 
e  uà  venlade  lem  subida  tao  trabalbosa,  que  os  de  cima  se  iiudem  du- 


tA  mSTOHIÀ  ÌNSULANX 

compniilieìro  craqoelles  dous  primeiros  inx'efirtores  d*est3i  liha,  por  re- 
solver fica  ainda,  porque  mais  ao  Perestrelics  do  que  a  algum  dos  on- 
Iros  dons  se  de©  a  llha.  Do  Doulor  Frncttìoso  parece  coliegir-se,  que  a 
Perestrello  fez  o  ìnrante  primeiro  Doijatario  d'esla  primeira  liha  des^^jjj 
lierta,  por  denotar  assim,  que  PerestreUo  era,  por  seu  sangue,  e  suas 
obras,  da  primeira  fidalguia,  e  em  o  premio  merecia  ser  primeiro.  e  por 
isso  d'elle  dix  o  cilado  Historiador,  nao  somenle  ser  huma  nolavei  pessoa, 
iiem  so  ser  Malgo  da  casa  do  Infante  D.  Itenrique,  mas  laml)em  da  ca- 
sa do  Serenissimo  Infante  D,  Joao,  que  do  Infante  D.  Henrique  era  irmao. 

13  Tomos  |)ois  que  o  primeiro  Donatario,  e  da  primeira  liha  des- 
i«!jLMla  foi  Barlholomeu  Perestrello,  por  ser  huma  estrella  da  nobreza, 
e  fidalguia,  além  de  o  mereccr  por  suas  obras:  e  assira  està  Capitania 
Doiialaria  Hie  confirmoii  El-Rei  Dom  JoHo  o  I,  e  Ih'a  deo  de  juro  para 
s(nis  fillìos,  e  desccndentes  por  linlia  direjtn»  e  mascufina.  Era  este  pri- 
meiitì  Ca[)ilao  casiKlo  com  Bealriz  Furtada  de  Mendonca,  (que  nera  no- 
bilissimas  mulheres  usavao  de  Dom,  ainda  entao,  com  a  fucìlidade  que 
hoje  mulheres  muito  ordinarias):  deste  matrimonio  nascerSk)  so  tres  fi- 
Ih;»s:  a  primeira  foi  Catìiarina  Furtada,  que  casou  com  Mem  Rodriguez 
<te  Vnsconcellos,  do  Canisso  da  liha  da  Madeira;  a  segunda  foi  Izeu  Pe- 
lasi rolla,  que  casnu  com  Pedro  Correa  Capitao  da  Illia  da  Graciosa;  ler- 
iiv'u'iì  filila  foi  Beatriz  Furtada. 

1  ì  Supervivco  este  primeiro  CnpilHo  A  sua  mullier  primeira,  e  ca- 
snu segunda  vcz  com  Isabol  Moni/,  irma  de  Garcia  Moniz,  e  de  D.  Chris- 
tovào  Moniz,  Bispo  de  annel,  Carmoiila,  e  d'està  segunda  mulher  hou- 
ve  so  a  Barfiìolnmeu  PereslrcHo,  segutido  do  nome,  que,  morlo  o  pai, 
Ficou  aiuda  menino;  e  entao  a  mai,  nào  querendo  raorar  mais  no  Porlo 
Salilo,  liouve  alvara  d'el-Uei,  e  vendeo  a  Capitania  ao  sobredito  Pedro 
Cornea  senlior  da  Graciosa,  e  genro  do  primeiro  Perestrello,  e  llfa  ven- 
deo, assim  conio  o  marido  a  possuira,  por  pre^n  de  trezentos  mil  rèis 
em  dJnheiro,  e  iriiita  mil  réis  de  juro,  cujo  capital  todo  ainda  nSo  che- 
ga  a  dous  mil  cruzmios,  (tanta  era  a  barateza  d'aquelles  tempos,  ou  t3o 
pouco  nclles  era  o  dinheiro).  Govemou  Pedro  Correa,  comò  segundo 
Capitao  Donatario,  a  Porto  Santo,  até  que  seu  Cunhado,  sondo  jà  de  ida- 
de,  e  vindo  jà  de  Àfrica,  de  servir  a  EMtei,  poz  demanda  ao  cunhado 
Pedro  Correa,  e  se  julgou  por  nulla  assim  a  iicen^a  d'EI-Rei,  comò  a 
M^nda  feita,  e  que  se  descontasse  ao  comprador  o  prefo  cftie  dera,  pela 
renda  que  rccebera. 


LIV.  Ili  GAP.  Ili  95 

15  Foi  sepundo  Capilao  Donatario  de  Porlo  Santo  (por  nnllamen- 
te  0  lor  siilo  Pedro  Correa)  Barlholomeu  Perestrello,  segando  do  nome, 
€  El-Hei  o  confirmou  na  casa,  conio  tinha  confirmado  a  seu  pai;  e  ca- 
roli coin  Guiomar  Teixeira,  fdlia  do  primeiro  Capitao  de  Macliieo  em  a 
Madeira,  Tristao  Vaz  Teixeira,  e  honve  d'ella  bum  so  filho,  Bariliolnmeu 
Perestrello,  terceiro  do  nom(5.  qiie  casou  com  Aldonsa  Delgada,  filha  de 
Garcia  Uodriguez  da  Camera;  poréra  comò  o  marido  malou  està  sua  mu- 
Itier,  e  rom  dispensa  casou  com  sua  prima  D.  Soinnda,  irma  do  dito  Ca- 
pitao ila  Machico:  e  da  [)rimeira  llie  tiiiha  tìcado  hum  fìllio,  Toi  este. 

16  0  tei-ceiro  CapilOo  de  Porlo  Santo,  chamado  Garcia  Perestrello; 
Méin  do  (]ual  leve  o  pai  da  dila  sua  segunda  mulher  os  fìllios  seguin- 
les:  0  primeiro,  Manoel  Perestrello,  que  nunca  casou,  e  foi  varao  de  gran- 
te  viriudes;  segundo,  Ilieronyino  Prrcstrello,  que  casou  com  D.  Elvi- 
n,  ima  de  Chrij>lovao  Martins  de  Grinao,  e  de  alcunha  o  Pervi;  tercei- 
rn,  D.  Krancisca  Perestrella,  mullier  de  Joao  Rodriguez  Calassa  no  mes- 
mo  Porlo  Santo;  e  lodos  estes  fillios  da  segunda  mulher  forao,  em  pena 
ilo  [wi  ter  dado  a  morte  a  primeira  mulher,  forao  no  livramento  do  pai 
1»Ij?;h1os  iwr  baslanlos.  e  foi  a  casa  ao  primeiro  fdho  Garcia  Perestrello, 
<|iie  casou  com  huma  filha  de  Diogo  Taveira,  Desemhargador,  e  C(Tre- 
gtMJor  do  Fimchal,  e  d  ella  houvc  primeiro,  Diogo  Soares  Perestrello; 
JHìjfuiKlo.  AmlM'osio  Perestrello,  que  foi  Frade  Carmelita  ;  terceiro,  e 
quarto,  duas  tìlhas,  que  forao  Freiras  na  Annunciada  de  Lisboa.  Mas 
conio  esle  Garcia  l^erestrello  (seguindo  a  seu  pai)  matou  tambem  sua 
pnipria  mulher,  e  foi  degollado  por  sentenra,  e  por  diligencias  do  De- 
wliargador  seu  sngro,  ainda  em  vida  do  pai.  que  morreo  em  Aljezur 
'lo  Al«fnrve  com  sessenla  annos  de  ìdade,  e  vinte  e  tres  do  governo  da 
liha,  tornarao  os  filhos  de  D.  Solanda  a  pertender  a  casa  de  Porto  San- 
lo,  fazen<lo-se  julgar  cm  Homa  por  legilimos  filhos  :  jKirém  cegando  o 
niJiis  volilo;  e  falecendo  o  mais  moco,  cessou  a  demanda,  e  o  Desembar- 
gador  conseguio  dei-Rei  a  casa  de  Porto  Santo  para  o  nelo  Diogo  Soa- 
IV8  Perestrello,  que  jà  estava  de  posse  d'ella. 

17  Quarto  Capitilo  Diogo  Soares  Perestrello,  casoo  com  D.  Joanna 
de  Castro,  mulher  muito  princi|)al  do  mesmo  Porto  Santo,  e  d'ella  leve 
OS  filhos  s^uintes:  primeiro,  Diogo  Perestrello;  segando,  Manoel  Soa- 
res, que  fcisou  com  D.  Maria  Loba;  terceiro,  André  Soares;  e  em  quar- 
to lugar  t8ve  a  D.  Joanna  <le  Castro,  que  casou  no  Canisso  da  Uba  da 


tS  H19T0IUA  tNSL'LANA 

Madeira;  e  morto  este  (|uarto  Capitao  Dingo  Soares  Perestrello,  Ibe  sac- 
C4^(leo  na  casa  seu  pritneiro  fillio  Diogo  Perestrello,  segundo  do  nome. 

18  Deste  quinto  Capitao  Diogo  Perestrello,  s^undo  do  nome,  dì;^ 
0  Doutor  Fructiioso  que  em  seu  tempo  goveinava«  e  era  bom  Capitao, 
blando,  e  de  boas  partes,  e  artes,  e  casado  na  Calhela  da  Madeira;  e 
que  casura  com  D.  Maria,  filha  de  Gaspar  Ilomem,  fidalgo/morador  uà 
dila  Villa  da  Calheta,  aonde  o  dito  Capilào  seti  genro  residia  o  mais  do 
tempo,  por  a  mulber  nao  querer  residir  no  Porto  Santo;  porém  que  to- 
dos  OS  annos,  no  verao,  hia  este  quinto  Capitao  residir  na  sua  llha,  e 
\alerosamente  a  defendia  dos  Cossarios  Francezes»  pondo-se  na  prava, 
(qiie  tem  quasi  tres  legoas  de  are^l)  e  impedindo-llies  a  entrada,  atè  de 
dentro  de  covas  feitas  na  area,  e  com  tal  valor,  que  nunca,  eslando  es- 
te  Capitao  na  lllia,*  foi  ella  tomada  de  Francezes,  tendo  sido  tres  veze:$ 
sa<iueada,  quando  tal  Capitao  estava  ausente. 

19  Finalmente  foi  està  Uba  de  Porto  Santo  nao  so  descuberta  pò- 
los  Porluguezes,  sem  ter  sido  antes  povoada  de  algucm  oulrem;  e  nào 
isó  povoada  pela  maior  nobreza  de  seus  ìllustres  Capitàes  Perestreilos, 
cuja  de:^cendencia  cùnda  hoje  dura,  mas  ainda  os  mais  povoadores  neni 
forào  de  delinquentes  de  cadeas,  nem  de  degradados  por  seus  crimes, 
nem  de  Judeos,  ou  inrecta  outra  na^^o,  seuao  de  Portuguezes  limi)os,  e 
nobres,  pois  (comò  diz-  o  citado  Fructuoso)  foi  povoada  esla  Iliia  de  gen- 
te (idaiga,  e  nobre,  comò  Perestrellos,  Calassas,  Pinas,  Vasconcellu.s, 
Mendes,  Vieiras,  Castros,  Nunes,  Pestanas,  e  que  se  aparentàrao  logo 
com  a  melUor  nobreza  das  outras  Ilbas,  comò  veremos. 

CAPITULO  IV 

Do  pri metro  casual^  e  $0  paretai  descubrimento  da  celeberrima  Ilha 

da  Madeira. 

20  Reinando  em  Portugal  D.  Jo3o  o  I,  e  ainda  em  loglaterra  D. 
Doarte  III,  do  nome,  havia  nella  hum  nobre  Cavallelro  Inglez  de  alcii- 
nba  chamado  o  Iklachim,  que  quereodo  casar  com  huma  nobre  Dama 
Anna  Àrfet,  e  nUo  querendo  d'esu  os  parentes,  se  resolverao  ambos  a 
passar  a  Franca,  que  Unha  guerras  eolio  com  Inglaterra;  e  com  tal  pres- 
sa 0  Qzerao,  que  embarcando-se  em  hum  navio  que  partia  de  Bristol, 
uem  esperando  pelo  PiiotOi  se  eatregarSo  ao  mar  :  eis  (jue  sobrevindo- 


Liv.  m  CAP  IV  97 

Ihe  huma  forte  lempeslade,  e  nao'tendo  Piloto  que  o  governasse,  per- 
ii idos  por  alguDs  dias,  forao.  sem  saber  por  onde  hiao,  dar  em  huma 
poDta  de  terra,  e  em  huma  fresca  ribeira,  que  allì  da  terra  sahia  ao  mar; 
0  que  vendo  a  Dama  Arfet,  pedio  ao  seu  Machìm  que  ao  menos  por 
deus  dias  a  desembarcasse  allì,  para  se  desenjoar;  e  assim  o  fez  Machim 
com  outros  Geis  amigos  que  p  acompanhavao,  mas  na  terceira  noite  tor- 
nou  tal  tempestade,  que  o  navio  desappareceo,  e  os  que  ficarao  em  ter- 
ra, se  derao  por  mais  perdidos  do  queo  navio  no  mar;  e  à  Dama  Ar- 
fet  deo  tal  accidente,  que  sem  dizer  mais  palavra  alguma,  dentro  de 
tres  dias  expirou. 

21  Vendo  Machim  tal  successo,  enterrou  alli  mesmo  a  defunta,  e 
pondo-lhe  de  pedra  huma  campa  em  cima,  e  hum  Crucifixo  que  comsi- 
ga  trouxera  a  defunta,  levanlou  mais  sobre  ella  huma  grande  Cruz  de 
pào,  com  hum  letreiro  em  lalim,  que  continha  o  successo,  e  pedia  aos 
Chrìstaos  que  em  alguma  bora  allì  fossem,  fizessem  em  aquolle  lugar 
Imma  Igreja  da  invocapao  de  Christo  Senhor  nesso  ;  e  voltando-se  logo 
a(«  companheiros,  Ihes  rogou  instantemente,  que  coro  as  roupas,  e  pe- 
cas  que  alli  estavao,  e  aves  que  podiao  tornar,  se  fossem  seguindo  a 
ventura,  que  elle  alli  ficaria  até  morrer,  acompanhando  aquella  sepultu- 
ra:  mas  nao  querendo  deixal-o  os  amigos  fidelissimos,  e  ficando-se  com 
elle,  foì  tal  o  sentimento  de  Machim^  que  de  pura  dor  da  morte  de  tal 
esposa,  morreo  ao  quinto  dia:  o  que  vendo  os  companheiros  Ihe  abrirào 
sepultura  junto  a  da  defunta,  e  cnterrando-o  niella,  Ihe  puzerao  em  cima 
outra  grande  Cruz  de  pào,  e  n'ella  escreverao  o  flm  do  lastimoso  suc- 
cesso. 

ìì  Executada  esla  obra  de  tanta  piedade,  se  resolverao  entao  os 
pasraados  companheiros  de  Machim  a  deixarem  a  terra,  que  viao  brava, 
e  deserta,  e  se  entregarera  ao  mar:  e  com  effeito  em  o  batel  que  tinha 
ficado  do  navio:  ou  (corno  dizem  outros)  em  huma  canoa  que  fizerao  do 
tronco  de  huma  grande  arvore,  se  metterao  todos,  e  deixando  a  Ilha, 
forao  em  poucos  dias  dar  na  costa  de  Berberia,  aonde,  sendo  cativos, 
forao  todos  levados  a  iMarrocos:  eis  que  acharao  elli  todos  aquelles  pri- 
meiros  companheiros,  que  com  a  tempestade  tinhao  no  navio  deixado  a 
Ilha,  e  pelo  mesmo  rumo  do  batel  tinhao  entrado  na  mesma  Barberia, 
e  levados  cativos  àquella  mesma  Corte  de  Marrocos  ;  e  vendo-se  todos 
jantos,  e  de  huma,  e  outra  parte  referindo-se  os  successos,  reparemos 
corno  aqui  so  ajuntou  com  o  cativeiro  a'Iiberdade. 

VX)L.   I  7 


98  HISTOHIA  INSILALA 

T 

23  Presonle  se  achou  a  representafao  d'esla  tragedia  hum  Piloto 
Castelliano,  e  tambem  alli  cativo,  por  nome  Joao  de  Amores,  (em  os 
quaes  a  tragedia  comccara)  e  inrorniando-se  com  loda  a  attencao  dos 
ventos  que  trouxerao  com  a  primeira  tempestade  de  Bristol  de  Inglaler- 
ra  a  nova  Illia,  e  os  dias  quo  gastarao  ale  dar  n'ella,  fez  conceito  pru- 
dente, e  curioso  da  altura  em  que  devia  eslar  a  Ilha.  e  comsìgo  conser- 
vou  cste  soy:redo,  até  que  resgatado  este  Piloto,  e  navegando  jà  de  Ber- 
beria  para  sua  Castella,  e  Andaluzia,  que  entao  com  Porlugal  andava  em 
guerras,  foi  cativado  no  mar  por  hum  navio  Portuguez,  cujo  Capilao  era 
Joao  Gonfalves  Zarco,  que  andava  correndo  a  costa  do  nosso  Reìno  do 
Algarve:  e  querendo  o  Piloto  ganliar  a  gra^a  do  Capitilo,  Ihe  communì- 
cou  ludo  quanto  tinha  alcanjadoda  nova  Ilha,  e  comò  so  podia  descobrir, 
e  povoar:  e  era  ouvindo  isto  o  Capitao,  voltou  kigo  com  o  Piloto  a  ter- 
ra, e  0  levou  ao  nosso  Infante  D.  Ilenrique,  e  remettendo-os  este  do 
Algarve  a  Lisboa  a  seu  pai  el-Rei  D.  Joao  o  I,  veio  logo  tambem  o  mes- 
mo  Infame,  e  conseguio  do  pai  dar,  comò  deu,  logo  hum  navio  a  Joao 
Gonfalves  Zarco,  e  ordem  que  com  o  tal  Piloto  fosse  logo  descubrir  a 
nova  Ilha:  e  rom  cfTeito  parlirao  do  Algarve  em  a  entrada  de  Junho  de 
1419,  e  forào  dama  Ilha  de  Porto  Santo,  que  jà  anles  se  tinha  descu- 
berla,  e  a  governava  seu  primeiro  Donatario  Barlholomeu  Perestrello, 
corno  ja'disseraos. 

CAPITULO  V 

Do  descnhrmenlo  de  (oda  a  Ulta  da  Madeira  feito  for  ordem 
do  Infante  I).  Ilenrique. 

24  Quando  este  navio  chegou  a  Porto  Santo,  jà  entre  os  navegan- 
tes  era  fama  publica  que  do  Porlo  Santo  se  via  a  poucas  legoas  hum  ne- 
grume  tal,  e  tao  niedonho,  e  perpetuo,  qne  ninguera  se  atrevia  a  che- 
gar  a  elle,  e  todos.os  mareantes  se  aHastavao  dalli;  e  huns  diziao  eslar 
alli  0  abysmo,  e  outros  a  boca  do  Inferno,  e  que  aquelle  negrume  era 
0  fumo  da  fornalha  infornai,  ctc,  e  comò  o  Capitao  Joao  Goncalves,  e  o 
Piloto  (]astelhano  estavao  no  Porlo  Santo  observando  ludo  isto,  e  virao 
que  nem  nos  quarleiróes  das  Luas  se  desfazia  o  negrume  espantoso,  nem 
se  alreviao  a  ir  examinal-o,  até  que  por  voto  do  Piloto,  com  que  con- 
cordava 0  Capit3o  somente,  sahirao  de  Porto  Santo  em  hum  navio  c^m 
alguns  barcos,  tres  horas  antes  de  sahir  o  Sol,  e  jà  junto  ao  mcio  dia 


I 


uv.  m  CAP.  Y  99 

cliegarao  àquella  medonha  escuridade,  que  cada  vez  Ihe  parecid  tanto 
mais  horrenda,  quanto  mais  perto  d'ella  a  observavao,  e  sem  distingiii- 
rem  ainda  terra,  mas  sómente  ouvindo  horrendos  estouros,  e  roncos  do 
mar,  com  que  todos  bradavao  ao  Capìtao,  e  Piloto  se  voltassero,  e  nao 
se  meltessera  em  tao  mortai  abysroo. 

25    Porera  o  animoso  Capi  tao,  e  seu  Piloto  investindo  aquella  escu- 
ridao,  lanc^rào  seus  baleis  fora,  e  n'elles  a  bum  Antonio  Gago,  (varao 
nobre,  dos  Gagos  do  Algarve)  e  a  Gonzalo  Ayres  seu  amigo,  com  ordem 
que  fossem  robocando  o  navio  junto  àquclle  nevoeiro,  e  por  onde  ouvis- 
sem  mais  bater  o  mar:  e  a  pouco  espago  andado  viram  por  entre  a  ne- 
toa  a  huns  altos  picos,  sem  distinguirem  ainda  que  era  terra;  e  logo  mais 
adiante  virao  o  mar  mais  claro,  e  huma  ponla  de  terra,  sem  aindà  ere- 
rem  que  0  era;  e  porque  o  navio  se  charaava  S.  LourenQo,  entao  o  Ca- 
pitào  bradoti,  (Oh  S.  Lourenfo  chega)  e  a  està  entao  flcou  por  nome, 
ApoDta  de  S.  Lourengo  ;  e  passando  està  para  a  banda  do  Sul,  onde  jà 
anevoa  nào  descia  tanto  ao  mar,  virao»  e  conhecer3o  a  terra,  levantan- 
do  allos  gritos  de  alegria;  e  vendo  huma  seguinte  praia,  fermosa,  e  es- 
pacosa,  alli  lanfarào  ferro  com  folias,  e  cantares,  e  por  ser  jà  tarde  fl- 
zerSo  alli  noi  te.  sem  alguem  sahir  a  terra. 

26  Ao  amanhecer  do  outro  dia  foi  ao  batel  hum  Ruy  Paes  com  or- 
to do  Capilao  Joào  Goncalves.  que  observasse  o  sitio,  e  disposigao  da 
terra,  e  Ihe  trouxesse  as  novas  do  que  achasse;  e  este  Ruy  Paes  foi  o 
primeiro  Portuguez,  que  na  Ilha  da  Madeira  poz  o  pé:  indo  pois,  e  nao 
Nendo  desembarcar  na  praia,  pelo  arvoredo  que  ale  o  mar  chegava, 
epàos  que  huma  grande  ribeira  alli  trazia,  foi  o  Paes  para  o  Nascente 
desembarcar  em  hunscalhàos,  posto  a  que  chamao  ainda  hoje  o  desembar- 
cadouro,  e  aonde  os  Inglezes  tinhao  desembarcado  de  antes,  e  vendo  ser 
a  terra  muito  agradavel  com  varios  prados,  e  grandes  arvoredos,  e  ob- 
servando  alguns  cortados,  e  rasto  de  gente  por  entre  elles,  foi  dar  nas 
sepalturas,  Cruzcs,  e  letreiros  dos  falecidos  Anna,  e  seu  Machim;  e  com 
estas  novas  se  tornou  ao  Capitao,  e  seu  navio. 

fi  Entao  a  dous  de  Juiho  de  1419,  desembarcou  do  navio  o  Capi- 
Bo  Zarco,  e  com  elle  dous  Sacerdotes,  e  alguns  dos  nobres  que  vinhào, 
e  desembarcados  todos  no  lugar  das  sepulturas,  derao  as  gragas  a  Deos 
por  Ihes  descubrir  aquella  nova  terra,  e  fazendo  benzer  agua,  na  terra 
^  forao  lancando,  e  tomando  posse  d'ella  em  nome  do  mesmo  Deos  ;  e 
sbando  huma  casa  formada  dentro  do  grande  tronco  de  huma  ancore, 


100  ^  inSTORIA  INSULANV 

alli  prepararao  aitar,  fizerao  celebrar  Missa,  e  no  firn  d'ella  responso  de 
dofuntos  sobre  as  duas  sepulUiras  de  Anna  Arfef,  e  Machim;  e  ludo  era 
0  dia  (la  Visilagao  de  S.  Isabf.l  a  dous  de  Julho;  e  n'este  raesmo  lugar 
se  fundoii  depais  Imma  Igreja  a  Christo  dedicada:  e  entrando  logo  algun^ 
pelo  arvoredo,  e  ribeira  acima,  a  ver  se  encontravao  alguns  bichos,  cu 
animaes  ferozes,  nao  acharào  cousa  vìva,  senio  muitas,  e  mui  diversas 
aves  que  se  Ihes  vinliao  às  maos;  o  que  vendo,  colherao  avcs,  e  lenha, 
e  terra  de  varios  poslos,  com  outros  varios  sinaes,  e  em  as  barcas  se 
voltarao  ao  navio. 

28  Logo  ao  outro  dia  tres  de  Jiilho,  o  Capitio,  e  Piloto  Castelhano 
se  metterao  em  bum  batel,  e  outros  nobres  em  outro,  a  que  governava 
bum  Alvaro  Affonso,  e  assira  forào  correndo  a  costa  junto  a  ella,  e  ob- 
servando  as  pontas,  praias,  ribeiras,  e  fontes  de  boas  aguas  ;  e  porque 
huma  salila  de  bum  seixo,  se  Ibe  poz  por  nome  Porto  do  Soixo;  e  por- 
que em  outra  praia  mais  abaixo  acharào  huns  pàos  derrubados  com  o 
vento,  mandou  o  Capitao  fazer  d'elles  buma  Cruz,  e  arvoral-a  alli  mes- 
rao,  e  ficou  ao  tal  lugar  por  nome  Santa  Cruz,  que  foi  depois  nobre 
Villa  da  Capitania  de  Macbico.  Cbegando  mais  abaixo  a  buma  grande,  e 
alta  ponla,  que  a  terra  alti  faz  ao  mar,  virào  innumeraveis  aves  que  se 
Ibes  vinliào  por  s  )bre  as  cabcg.ìs,  e  remos,  que  por  nome  Ihe  ficou 
Ponta  do  Garajao,  tres  para  quatro  legoas  de  Macbico  para  o  Occidente. 
D'està  ponta  duas  legoas  adiante,  se  ve  oulra  ponta,  que  com  a  priraei- 
ra  faz  enseada,  rauito  aprazivel,  raza  com  o  mar,  e  de  arvoredo  muilo 
uniforme,  sobre  o  qual  se  deixavào  ver  os  cedros  entao  altissimos.  Logo 
entro  as  duas  pontas  acharào  huma  ribeira,  e  Ihe  chamarao  a  ribeira  de 
Gonzalo  Ayres,  por  niella  desembarcar  este  nobre  bomem,  e  ir  ver  se 
achava  animaes  ferozes,  e  so  aves  achar. 

29  Uepararao  logo  em  bum  valle,  que  faz  aquella  bahia  entre  as 
duas  pontas,  e  porque  o  virào  cubiirto  de  seixos  sera  arvoredo  algum, 
cheio  so  de  funchos,  e  por  entre  ^Mes  vindo  tres  ribeiras,  chamarào  a 
este  posto  o  Funchal,  quo  depois  foi,  e  h  )je  he  a  nobre  Cidade  d'esla 
Uba;  no  cabo  da  qual  estào  dous  Ilheos  onde  passarào  a  noite,  (com  as 
aves  que  tomavao)  mas  dormindo  nns  baleis:  pela  moiihà  i)assarào  à  se- 
gunda  ponta,  que  tinhao  observado,  e  por  arvorarem  n  ella  huma  Cruz, 
Ihe  ficou  por  nome  Aponta  da  Cruz;  e  logo  dobrando  a  ponta  derào  com 
huma  fermosa  praia,  e  Ihe  chamarào  a  praia  fermosa.  Mais  adiante  virào 
entrar  no  mar  huma  grande  ribeira,  a  qual  querendo  passar  a  vào  huns 


LIV.   U(  GAP.  V  101 

mancebos  de  Lagos,  d'ella  forao  tao  arrebalados  quo  se  Ihes  nao  acii- 
dira  0  batel,  perigariào  niella,  e  por  isso  Ilio  charaarào  a  ribeira  dos  Ac- 
corridos.  e  passando-a  virao  diias  ponlas,  que  da  Illia  entravao  no  mar, 
e  entre  ellas  buina  grande  lapa,  ou  camera  de  pedra,  e  rocha  viva,  onde 
entrando  os  baleis,  tantos  lobos  marinhos  virào  nella,  que  Uie  chamarao 
Camera  de  lobos,  e  se  recrearao  malandò  a  muilos;  e  até  o  Capitào  Joao 
Gongalves  Zarco  d'aqui  tomou  o  chamar-se  Joào  Gongalves  da  Camera, 
corno  abaixo  veremos;  e  porque  logo  se  seguio  a  ponla  d'onde  linhao 
comefado  està  volta,  que  derào  pela  costa  a  toda  a  liha,  por  isso  à  pon- 
la cbamarào  Ponla  do  Girào,  e  desta  com  a  noile  se  recolherao  ao  Illieo 
donde  linbào  comefado  aquella  volta,  e  cm  a  manbà  se  recolherOo  todos 
ao  seu  navio. 

30  Voltados  logo  em  o  outro  dia  para  Porlugal,  e  chegados  a  Lis- 
boa com  taes  novas,  e  sinaes  da  nova  liha,  tanto  o  festejarao  os  Sere- 
nissimos  Senliores  Ilei,  e  nosso  Infante,  pai,  e  lìllio,  que  mandarao  fazer 
logo  procissoes  publicas  de  accao  de  gragas  a  Deos,  derao  nome  à  nova 
terra  de  Illia  da  Madeira,  pela  muita  de  que  eslava  cuberta;  e  el-Rei  to- 
mou por  fidalgo  da  sua  casa  ao  descubridor  Joào  Gonfalves,  e  Ibe  con- 
firmou  0  appellido  de  Joào  Gongalves  da  Camera,  e  Ibe  deu  por  armas 
Imm  Escudo  em  campo  verde,  e  nelle  Imma  torre  de  homenagem,  com 
Imma  Cruz  de  ouro,  e  dous  lobos  marinhos  encostados  a  torre  com  pa- 
quife,  e  folhagens  vermelbas,  e  verdes,  e  por  timbro  outro  lobo  meiri- 
nho,  assenlado  em  cima  do  patiuife;  e  demais  llie  fez  el-Hei  merce  de 
Capiiào  Donatario  da  jurisdicgào  do  Funchal,  que  he  jurisdicgào  de  me- 
dile da  dila  liha,  e  de  juro,  e  berdndo  para  elle,  e  seus  successores:  e 
assim  este  di  toso  Capitào  ficou  sendo  o  chefir,  e  primeiro  tronco  das  il- 
lustres  familias  dos  Cameras,  lào  extendidas,  e  augmenladas,  comò 
adiante  veremos. 

31  Logo  no  anno  seguinte,  em  Maio  de  1450,  derào  os  ditos  Prin- 
cipes  a  inleira  Capilania  da  liha  de  I*orto  Santo  a  Bartholomeu  Percs- 
Irello,  que  jà  de  anles  era  fidalgo  da  casa  do  nosso  Infante  D.  Ilenrique; 
e  a  segunda  Capilania  Donataria  da  Madeira,  tambcin  de  juro,  e  berda- 
de,  e  chamada  de  Machico,  comò  a  outra  do  Fuuchal,  cada  buma  do 
meia  Uba  da  Madeyra,  derào  os  mesmos  Princi|)es  a  Trislào  Vaz  Teixei- 
ra,  Cavalleiro  da  casa  do  Infante,  e  por  antonomasia  chamado  commum- 
menle  o  Trislào,  de  cuja  illustre  ascendencin,  e  descendencia  em  seu 
logar  Irataremos;  e  aos  tres  Capitàes  se  derào  tres  navios;  e  dos  histo- 


102  HISTOniÀ  INSULANA 

riadores,  huns  discorrem,  que  os  dous  vinhao  debaixo  da  bandeira  de 
Joao  Gongalves  da  Camera;  outros  que  cada  bum  dos  Ires  vinha  exem- 
pto  do  outro,  corno  exeraplos  vinhao  nas  Capitanias,  e  jurisdifoes;  e  as- 
sim  cada  historiador  falla  confórme  a  sua  aifeicao;  sobre  o  que  se  podem 
ver  Joao  de  Barros  no  principio  da  primeira  Decada,  Antonio  Gal vao  no 
tratado  dos  descubrimentos. 

32  0  certo  he  que  El-Rei  deo  ampia  licenza  a  loda  a  pessoa  que 
quizesse  embarcar-se  entao,  e  ir  povoar  as  duas  Ilhas,  de  Porlo  Santo, 
e  Madeira,  e  especialmente  aos  homiziados,  e  condemnados  que  bouves- 
se  em  as  cadeas  do  Reino;  e  que  os  tres  Capitaes  nao  quizerao  levar  cul- 
pado  algum  por  causa  da  Fé  Divina,  ou  de  trai^ao,  ou  de  ladroice;  e 
demais  levarlo  dìversas  castas  de  animaes  domesticos,  e  gados.  E  tam* 
bem  he  certo  que  todos  forao  dar  direitamenle  na  Uba  de  Porto  Santo, 
da  banda  de  Leste,  e  em  hum  porto,  chamado  o  Porto  dos  Frades,  por 
huns  Franciscanos  derrotados  terem  ido  alli  dar;  e  desembarcando  os 
tres  navios,  o  Capitao  Perestrello  escolheo  de  gentes,  e  animaes  os  que 
quiz,  e  OS  mais  com  os  outros  Capìtles  se  passarlo  brevemente  a  Ma* 
deira.  E  emQm  he  certo  que  o  Capitao  do  Funchal  Joao  Gon^lves  da 
Camera  levava  comsigo  jà  sua  mulher  Constanga  Rodriguez  de  Àlmeida, 
e  tres  filhos  duella,  aiada  menores,  Joao  Gon^alves,  Helena,  e  Beatriz, 

CAPITOLO  VI 

Do  terceiro  descubrimento  do  interior  da  Ilha  da  Madeira,  e  da  diviselo 
das  jurisdifòis  dos  suas  Capitanias,  especialmente  da  do  Funchal. 

33  Deixado  o  Donatario  Bartholomeu  Perestrello  na  sua  Capitania  de 
Porto  Santo,  partirlo  os  dous  Donalarios  para  a  Madeira,  e  a  entrarlo 
pelo  porto  de  Macliim,  donde  tomou  o  nome  està  Capitania  de  Machico; 
e  logo  ambos  levantarlo  (confórme  a  petiflo  do  Inglez  alli  sepultado)  a 
Igreja  da  invocaflo  de  Chrislo.  ficando  a  Capella  mór  sobre  a  sepultura 
do  Machim;  e  porque  a  primeira  Missa  que  nella  se  celebrju,  foi  no  dia 
da  Visilacao  de  Santa  Isabel,  ficou  sendo  està  Igreja  Casa  da  Misericor* 
dia,  e  a  primeira  Igreja,  que  houve  em  toda  a  Ilha;  e  aqui  poz  o  Capi- 
no Tristlo  Vaz  a  cabe(;a,  ou  corte  de  sua  Capitania,  corno  o  outro  Ca- 
pitlo  Jolo  Gonfalves  a  poz  em  o  Funchal,  para  onde  se  foi  logo. 

34  Chegando  este  Capitao  ao  Funchal,  fez  levantar  huma  Igreja  ao 


LIV.  Ili  CAP.  Yl  403 

Nascimento  da  Yirgem  Senhora,  e  por  haver  alli  muito  calliao  junto  ao 
mar,  Ihe  ficou  o  Ululo  de  nòssa  Senhora  do  Calhao;  mas  pDrqiie  d'alli 
para  dentro  da  liha  era  tanto,  e  tao  alto  o  arvoredo,  que  m?m  podia  cor- 
tar-se.  nem  por  elle  abrir-se  carainho,  mandoii  o  Capilào  por-ine  o  fo- 
go, que  achando  tanta  materia  e  tao  disposta,  se  ateou  tao  bravemente, 
que  sete  annos  conlinuos  ardeo  no  vallo  o  fogo,  e  nào  so  polas  arvo- 
ras  de  cima,  e  muito  mais  por  baixo  d  ellas,  em  infìnita  cahida,  e  sec- 
ca lenba,  mas  tambem  por  baixo  da  mesma  terra  andava  lavrando 
cruel  fogo  pelos  subterraneos  troncos  sem  se  poder  apagar,  o  tal  foi 
aquelle  incendio,  que  as  gentes  por  Ihe  escaparem,  se  tornavao  da 
terra  para  o  mar,  a  salvar-se  em  os  navìos;  até  que  amainando  o  fo- 
go na  costa  mais  junta  ao  mar,  fez  segunda  morada  o  Capilào  em  lium 
alto  que  ficava  sobre  o  Funchal,  e  para  defesa  d'està  segunda  rasa  fun- 
doa  defronte  d'ella  huma  Igreja  à  Conceigao  da  Seuhora,  que  a  respeito 
de  nutra  se  chamou  nossa  Senhora  de  Cima;  e  n'esta  fundou  depois  o 
segundoCapitàoJoaoGoncalves  tambem  bum  Convento  de  Freiras  Fran- 
ciscanas,  e  da  Observancia,  tao  magnifico,  illustre,  e  observantc,  corno 
qualquer  dos  grandes  de  Portugal. 

35  •  A  primeira  Capitoa  Constanga  Rodriguezde  Almeida,  corno  pes- 
soa  de  grande  virlude,  e  muito  devota,  fundou,  nas  casas  que  sou  ma- 
ndo 0  primeiro  Capilào  levantara  para  si,  fundou  huma  Igreja  à  glorio- 
sa Virgem,  e  Martyr  Santa  Catbarina,  e  junto  a  està  Igreja  muitas  ou- 
tras  casas  para  viverem  pobres  merceeiras,  que  servissem  a  dita  Igreja 
de  Santa  Calharina,  e  Ihes  deixou  esmola  competente  a  scu  sustento;  e 
0  Capilào  seu  marido  aos  Frades  de  s.  Francisco,  que  comsigo  trouxc, 
e  aos  que  achou  derrotados,  e  com  elle  vieiào  de  Porlo  Santo,  fundou- 
Iheshum  Hospicìo,,  e  huma  Igreja  de  S.  Joào  Baptisla  pela  ribeira  aci-r 
ma;  mas  depois  se  mudarào  estes  Frades  para  dentro  da  Villa,* aonde 
lM)Ìe  eslào  defronte  de  Santa  Calharina  alem  da  ribeira,  e  he  jà  bum 
gravissimo  Convento  de  cincoenta  Frades,  e  de  grande  observancia,  exera- 
plo,  e  muitas  leiras.  : 

36  El-Uei,  e  o  nesso  Infante  D.  Henrique  tinhào  cada  mez  aviso  da  fe- 
licidade,  abundancia,  e  frescura  d'està  Uba  da  Madeira,  e  ihe  mandavào 
Mvios  cera  loda  a  casta  de  gados.  e  animaes  domesticos,  e  sementes  dos 
frutos  necessarios,  e  ludo  frutilìcava  tanto  que  de  cada  alqueire  de  tri- 
go  semeado  colhiào  ao  menos  sessenla;  e  as  vacas,  marnando  ainda,  ja 
parilo.  E  0  Infanto  sabendo  das  muitas  aguas,  o  ribeiras  que  havia  na 


104  msroiiiA  insulana 

dita  liha,  providentìssimamente  mandou  buscar  a  Sicilia  plantas  de  canas 
de  assucar,  e  Mestres  de  o  fazerem,  para  o  mandar  fazer  na  liha;  e  tal 
effeilo  leve,  e  coin  tal  successo,  que  o  assucar  da  Madeira  he  o  melhor 
que  se  sabe  haver  no  mundo,  e  lem  enriquecido  a  muitos  mercadores, 
assim  forasteiros,  corno  naturaes  da  liba  :  cuja  madeira  era  tanta,  tao 
grande,  e  tao  boa,  e  loda  scrrada  com  engenhos  de  agua»  especialmente 
da  parie  do  Norie  d'està  Uba,  que  d'està  madeira  se  coraegarao  em  Por- 
tugal  a  fazer  navios  grandes,  de  gavea,  o  castello  de  avanle,  nao  ha  vendo 
de  anles  mais  que  Caravelas  do  Alvarvc,  e  Barineis  em  Lisboa,  pois  nao 
linhao  ainda  entào  para  onde  navegar  mais:  e  assim  parece  se  confirma 
0  erro  de  se  lancar  fogo  em  o  principio  a  tanta  madeira,  que  podia  Ira- 
zer-se  a  Portugal,  e  escusar  esle  de  a  mandar  vir  de  oulros  Reinos  para 
fazer  la  navios  graades;  e  ale  na  dita  liba  se  sente  jà  falla  de  madeira, 
pela  muita  que  se  gasla  nos  engenhos  do  assucar,  e  por  isso  até  d'estes 
ha  jà  menos. 

•  37  Passados  os  primeiros  dias,  em  que  cada  Capitilo  se  accommo- 
dou  na  cabega  de  sua  Capitania,  ambos  entào  se  ajunlarào  para  corre- 
rem  a  Uba,  e  repartirem  iguahnente  (confórme  a  ordem  expressa  do  In- 
fante) OS  termos  dajurisdicàodecadahum:  para  islo  prepararao  gente  de 
pé,  e  de  cavallo,  para  por  terra  irem  abrindo  caminhos  eslreitos,  mas 
sempre  perto  do  mnr;  e  barcos  que  junto  a  costa  sempre  hiao,  para  que, 
quando  fosse  necessario,  a  elles  se  recoUiessem  os  Capitaes.  Do  Funchal 
pois  partirao  por  terra  os  Capitaes  com  os  de  pé,  e  de  cavallo,  e  che- 
gando  a  bum  alto  que  està  sobre  Camera  de  Lobos,  tra^ou  logo  aUi  o 
Capitao  do  Funchal  huma  Igreja  dedicada  ao  Esprrilo  Santo,  e  outra 
em  humas  altas  serras  mais  abaixo,  com  a  invocacao  da  Santa  Cruz  ;  e 
tomou  estes  altos  para  si,  e  seus  herdeiros.  E  logo  mettendo-se  os  Ca- 
pitaes em  OS  bateis,  forao  adianle  pela  costa  do  mar,  e  a  mais  gente  por 
terra;  mas  estes  com  perigos  a  cada  passo,  por  ser  a  llha  d'aqui  para 
baixo  multo  fragosa,  de  rochas  alias,  profundas  ribeiras,  e  asperrìmos 
caminhos;  e  so  depois  de  muitos  dias  passarao  tres  legoas  adianle  até 
huma  furiosa  ribeira,  aonde  os  Capitaes  em  lerYa,  e  os  bateis  na  agua 
OS  estavao  esperando,  e  aqui  ficou  o  nome  de  Hibeira  Brava,  que  he 
hoje  bum  dos  melhores  lugares  da  llha,  e  he  huma  quasi  quinta  da  Ci- 
dade,  corno  dizem  ser  Sicilia  de  Italia. 

38    Aqui  se  lomarao  os  Capitaes  a  metter  em  os  bateis,  e  indo  lui- 
ma  legoa  adianle  virao  huma  ponta  da  terra,  que  entrava  no  mar,  e  nos 


Liv.  IH  CAF.  vr  103 

vieiros  de  sua  alta  rocha  figurava  ao  longe  lumi  Sol,  e  a  Ponta  do  Sol 
a  inlilularao  ;  e  o  Capilào  do  Funchal  iracou  logo  aqui  mesmo  huma 
Villa,  que  foi  a  primeira  de  sua  jurisdiirào,  o  se  fundou  depois;  £  n'esle 
porto  eslà  huma  tao  grande  fazenda,  que  o  dito  Capitao  a  tomou  para 
seus  filhos,  e  hoje  nenhum  a  tem,  por  so  dividir,  e  vender,  sondo  quo 
houve  anno,  em  qiie  deo  vinte  mil  arrobas  de  assucar,  e  chama-se  a 
Lombada.   Pouco  adiante,  em  huma  ladeira,  Irarou  o  Capitao  do  Fun- 
chal huma  Igreja  do  Apostolo  Santiago;  e  nuo  podendo  jà  passar  por 
terra  com  o  fogo  que  andava  ateado,  todos  se  melterao  em  o  mar,  e 
passadas  duas  legoas  derào  em  deserabarcadouro,  a  que  chamarao  Ca- 
Ihela,  sobre  a  qual  tomou  o  Capitao  para  seu  fillio,  Joao  Gonfalves  da 
Camera,  huma  Lombada  grande,  e  logo  para  o  Poente  tomou  outra  para 
sua  fllha  Beatriz  Gongalves,  e  mais  adiante  outra  para  a  mesma  filha;  e 
era  bum  alto  de  boa  vista  de  mar,  e  terra  iracou  a  Igreja  de  nossa  Se- 
'  nhora  da  Estrella,  que  muito  encommendou  a  seus  tìlhos.  E  logo  mais 
abaixo,  junto  a  huma  fermosa  ribeira,  se  fundou  depois  a  Villa  da  Ca- 
Ihela,  que  veio  a  ser  o  illustre  titulo  do  Conde  Simao  Goncalves  da  Ca- 
mera. 

39  Da  Calheta  passarao  os  Capitaes  a  ultima  ponta,  e  por  hum 
Pargo  que  acharao  n'ella,  Ihe  derao  por  nome  a  Fonia  do  Pargo;  e  aqui 
vira  a  liha  para  o  Norie  duas,  ou  tres  legoas  até  outra  ponta,  que  o  Ca- 
pilào de  Xlachico,  sera  o  do  Funchal,  foi  descubrir,  e  por  isso  se  cha- 
fflou  Ponta  do  Tiistao,  a  qual  jaz  ao  Noroeste,  e  aqui  se  dividem  as  Ca- 
pilanias,  e  se  reparte  a  liha  d'està  ponta  de  Noroeste  da  banda  do  Norie 
€Ootra  0  Sucste  da  banda  do  Sul,  aonde  se  fixou  hum  póo  de  oliveira, 
qae  deo  nome  a  estoutra  ponta,  e  para  marco,  e  divisa  das  Capitanias  o 
mandou  de  Portugal  o  Infante  D.  Henrique;  e  està  ponta  da  oliveira,  e 
0  sea  lugar  chamado  Canisso,  he  o  firn  da  jurisdiccao  de  Machico,  e  o 
principio  da  jurisdic^ao  do  Funchal,  ludo  confórme  ao  regimcnto  do  In- 
fante D.  Henrique;  e  assira  os  Capitaes  ambos  da  Pontado  Pargo  se  tor- 
Barao  ao  Funchal,  e  aqui  se  apartarào,  cada  hum  para  a  sua  Capitania, 
ficando  Joao  Gongalves  com  quatorze  legoas  da  banda  do  Sul,  que  he  o 
melhor  da  liha,  e  tres  da  banda  do  Norie;  e  ficando  com  o  mais  Tristao 
Vaz  Teixeira. 


/^ 


106  lUSTOniA  LNSL'LANA 

CAPITULO  VII 

Do  interior  da  Capilania  do  Fnnchal,  e  desia  sua  Cidade, 
e  seu  sitio, 

40  Nào  Sem  razao,  da  Ilha  de  que  tralamos,  diz  o  DoulorFrucluoso 
iiv.  n  cap.  13,  que  nao  se  houvera  chamar  lUia  da  Madeira,  mas  Uba 
das  pedras,  por  ser  lodo  o  seu  interior  cheio  de  rochas,  e  montes,  em 
valles  despenhados  com  infìnitos  caìhàos.  Jaz  no  Oceano  Occidental  està 
liha  da  Madeira,  na  altura  de  trinta  e  dous  graos  e  dous  termos,  na  parte 
do  polo  Septenlrional  ;  fica  distante  do  Quantim  em  Africa,  cento  e  dez 
legoas,  do  Leste  da  Illia  ao  dito  Cabo  de  Quantim;  das  Canarias  sessenta 
legoas;  de  Portugal  cento  e  cincoenla  ;  das  Ilhas  Torceiras  quasi  o  mes- 
mo.  Na  sua  figura  lie  huma  pyramide  deitada,  que  corre  de  Leste  a 
Oeste,  em  comprimento  de  quasi  dezasele  legoas,  e  em  largura  de  qua- 
tro,  e  na  base  de  seìs  legoas,  que  tem  da  parte  do  Occidente  na  ponta 
do  Pargo;  e  o  cume  da  pyramide  tem  na  parte  do  Orienle  na  ponta  de 
Sao  Lourengo  para  onde  està  liba  vai  sempre  estreitando. 

41  Àqui,  da  banda  do  Sul  faz  buma  bahia  de  quasi  ciuco  legoas  de 
largo,  desde  a  ponta  de  Sào  Lourengo  até  outra  ponta,  entre  as  quaes, 
Sem  mais  temor  que  com  tcmpestade  levantarem  ancbora,  podem  an- 
chorar  os  navios  que  quizerem.  Da  ponta  de  S.  Lourengo  para  o  Occi- 
dente, huma  legoa,  està  o  lugar  cbamado  Canissal,  de  so  quinze  mora- 
dores,  com  ser  terra  raza,  e  de  pao;  e  vai  por  diante  a  Capitania  de 
Macbico,  do  que  ao  dopois  Iralaremos;  porém  dentro  da  sobredita  maior 
baliia,  desde  a  ponta  do  Garajào  até  outra  chamada  de  S.  Cruz,  vai  ou- 
tra mais  recolhida  bahia,  de  legoa  e  meia  de  entrada,  dentro  da  qual, 
desde  o  Corpo  Santo  até  S.  Lazaro,  se  estende  a  Cidade  do  Funchal  por 
quarto  de  legoa  com  seu  porto  de  calhào  miudo,  e  area,  tao  cursado  a 
seus  tempos  em  carregar,  e  descarregar  navios,  que  tem  sua  semelhan- 
ga  com  Lisboa,  e  està  situada  a  Cidade  em  terra  chà,  e  entro  duas  ri- 
beiras,  huma  da  parte  do  Nascente  com  a  Freguesia  de  nossa  Senhora 
do  Calhào,  ainda  fora  dos  muros  da  Cidade,  e  com  as  Ermidas  de  S. 
Fedro,  e  S.  Joao  que  estao  da  parte  do  Poente,  e  a  outra  ribeira,  cha- 
mada de  Santa  Luzia,  por  vir  de  bum  monte,  cm  que  est<i  a  Ermida 
d  està  Santa. 

42  Pelo  meio  da  Cidade  corre  esla  ribeii^a  tao  caudaJosa,  que  com 


ijv.  HI  cAF.  vn 


107 


ella,  e  dentro  da  Cìdade  moem  varios  engenhos  de  assucar,  e  moihhos 
com  pedras  alvas,  e  se  regao  horlas,  e  jardins,  e  loda  a  Cidade  se  alim- 
pa,  e  pela  tal  ribeira  acima  se  recollieni  cada  anno  qualrocenlas  pipas 
de  rico  vinho,  e  muilas  frulas.  E  com  ludo  a  Cidade  està  murada,  e  lem 
huma  Fortaleza  ao  principio,  na  ribeira  de  nossa  Senhora  do  Calhào,  qua 
chamào  a  Fortaleza  nova,  e  da  oulra  parte  outra  Fortaleza,  quc  chamao 
a  veiha,  e  com  boa  artelharia  para  o  mar,  e  para  a  terra,  e  aqui  tem  o 
Capitao  sua  morada,  que  ainda  fica  fora  do  muro  da  Cidade,  mas  com 
tres  portas  no  muro  para  o  mar,  e  outras  tres  para  a  terra,  com  vigias. 
Perto  da  porla  principal  do  mar  està  a  casa  da  Alfandega,  fecliada,  e 
murada  de  cantarla,  por  terra,  e  por  mar,  que  chega  a  bpter  n'ella,  e 
lem  dentro  regias  officinas. 

43  A  principal  rua  d'està  Cidade,  e  dos  muros  para  dentro,  he  a 
dos  homens  mercadores,  Portuguezes,  Inglezes,  Francezes,  e  Flamengos, 
em  cujo  principio,  junto  a  Senhora  do  Calhào,  està  a  praca,  nào  multo 
espafosa,  mas  fermosa,  com  casaria  nol)re  a  roda,  e  pelourinho  de  jaspe, 
d'onde  sahe  a  maior  rua  da  Cidade,  onde  o  Bispo  tem  o  sen  Pago  com 
prdira,  e  aonde  està  o  Collegio  de  Sao  Bartholomeu  da  Companhia  de 
Jesus,  defronte  do  qual  morava  D.  Maria,  viuva  de  Duarte  Mendes  de 
Vasconcellos,  fidalgo,  em  ricas  casas,  com  engenlio  de  assucar,  e  loda  a 
febrica d'elle:  e  logo  està  a  Sé,  com  torre  muilo  alta,  e  loda  de  canta- 
ria,  coruchèo  de  azulejo,  relogio  que  se  houve  dnas  legoas  quando  loca 
a  rebate,  e  abaixo  muitos,  e  bons  sinos  :  tem  a  porta  principal  para  o 
Poente,  dentro  varias  Capellas,  e  nove  Allares,  e  no  arco  da  Capella  mór 
para  dentro  tem  o  coro,  bem  ornado,  e  nos  pulpilos  do  cruzeiro  se  di- 
tm  a  Epistola,  e  Evangelho.  Tem  mais  (além  do  perfeilo  Collegio  da 
Companhia  de  Jesus,  e  sua  rica  Igreja)  bum  grande  Convento  de  S.  Fran- 
cisco da  Observancia,  com  fermosa  Igreja  de  oito  Capellas,  fora  o  Aliar 
mór,  grande  cerca,  e  cincoenta  Heligiosos,  cujo  Guardiao  he  Commissa- 
rio, cu  Custodio  de  loda  a  Ilha,  sugeito  porém  ao  seu  Provincial  dePor- 
Uigal.  E  nesta  rua  que  vai  da  Sé  para  os  Franciscanos,  nao  ha  (dizFru- 
cluoso  lib.  16  cap.  16),  mais  casaria  secular,  que  a  de  Joao  Dornellas, 
e  a  de  Antonio  Barradas,  homens  multo  principacs  ;  o  mais  ludo  sao 
horlas. 

44  Ha  mais  nesta  Cidade  bum  Convento  de  Freiras  de  Santa  Clara, 
Franciscanas,  de  grandes  rendas,  e  maiores  virtudes,  e  de  sessenta  Frei- 
ras de  véo  proto  ;  fica  sobre  huma  rocha  muilo  forte,  e  com  boa  vista 


10«  IIISTOUJA  IXSULANA 

para  o  mar,  mas  aao  para  a  terra,  por  razao  dos  altos  muros,  e  com 
pequena  cerca  ;  scii  vizinho  era  Francisco  Goncalves  da  Camera,  tic  do 
Conde  Capitào,  por  cuja  morte  ficou  governando  a  Capitania.  Do  meio 
d'està  ma,  chamada  de  S.  Francisco,  sahe.outra,  em  que  mora  André 
de  Betencor,  fidalgo  dos  maiores  da  liha,  e  morgado,  fliho  de  Francisco 
de  Betencor,  e  de  D.  Maria,  e  mora  em  humas  grandes  casas,  ou  Pa^os 
defronte  da  Igreja  de  S.  Pedro,  que  he  o  firn  da  Cidade,  da  parte  do 
Poente.  Na  rua  que  cliamao  de  S.  Maria,  mora  Antonio  Ferreira,  Conta- 
dor  da  Cidade,  e  Francisco  de  Medeiros  fidalgo,  e  D.  Maria,  mulher  de 
Antonio  de  Aguiar,  fidalgo;  e  na  rua  da  Diaria  mora  Mem  Dornellas,  fi- 
dalgo grande,  corno  em  palavras  formaes  diz  o  jà  citado  Frucluoso. 

45  Outras  muitas  ruas  tem  està  Cidade,  que  todas  estao  calgadas 
de  pedra  miuda,  com  que  chovendo  fica  muito  lavada,  e  limpa.  Tem  mais 
huma  grandiosa  Misericordia,  porque  muito  rica,  e  muito  caritativa.  Foi 
0  Funchal  sempre  Villa  até  o  anno  de  1308,  em  que  El-Rei  D.  Manoel  a 
fez  Cidade,  por  ter  sido  senhor  da  dita  Illia  antes  de  ser  Hei:  e  llie  ac- 
crescenton  muitos  privilegios,  eassininao  pagào  direilos  dosmantimen- 
los,  mas  com  paclo  de  pagarem  o  quinto  dos  assucares;  e  logo  o  mesmo 
Rei  Ihe  mandou  fazer  huma  Alfandega  Beai,  e  huma  illustre  Sé,  que  ain- 
daque  nào  muito  grande,  he  a  mais  Lem  acabada  do  Beino  de  Porlugal, 
e  tem  deus  Curas,  e  duas  Freguesias  mais  em  a  Cidade,  que  toda  consta 
de  dous  mil  vizinhos,  porque  muito  de  seu  maior  sitio  se  occupa  em 
abegoarias,  de  assucar,  vinho,  hortas,  e  jardins,  que  a  fazem  nat)  so  mais 
estendida,  mas  mais  rica,  mais  fresca,  e  aprasivel. 

4G  Nao  obstante  termos  dito  d'està  liha  da  Madeira,  ser  o  seu  Cer- 
ta© interior  tao  fi'agoso,  montuoso,  e  cheio  depedras,  que  apenas  se  cul- 
tivao  d'ella  duas  de  dez  partes;  porque  commummente  nao  ha  nella  terra 
cha,  senao  a  bocados;  e  de  terra  massapez,  preta,  e  ruiva,  que  chamao 
saloes;  sào  comtudo  tao  frutiferos,  que  cada  salao  d'estes  vai  outro  tanto 
ouro;  e  assim  tem  muitos,  e  excellentcs  pomares,  particuiarmenle  de  fruta 
de  espinho;  dà  tanta  noz,  e  castanha,  que  vai  a  quatro  vinlens  o  alquei- 
re.  Amendoa  da  muita,  e  tambem  tanto  sumagre,  quo  moido  se  embarca 
para  fura;  e  dando  ordinariamente  tanto  vinho,  da  trigo  tao  pouco,  que 
se  de  fora  Ihe  nào  forem,  ao  menos  dez  mil  moios,  passarà  mal.  Dà  po- 
rém  muita,  e  excellente  hortaliga,  de  alfaces,  e  couves  Murcianas,  mas 
estas  nao  espigao  là,  e  de  fura  Ihe  ha  de  ir  semente  todos  os  annos.  Tem 
preciosos  jardins,  e  liervas  tao  odoriferas,  que  aflìrmào  os  mareantes, 


LIV.  Ili  CAI».  VII  ìi)\) 

que  mais  de  dez  legoas  ao  mar  deità  està  Illia  de  si  Imma  fraj^'rancia,  e 
cheiro  tao  confortativo,  e  suave,  que  em  grande  parte  alimenta  aos  quo 
0  percebem. 

47  Comtudo  ainda  no  interior  d'està  Capilania  do  Funchal  ha  al- 
puns  póslos  rendosos,  e  lugares  bons;  porque  bum  quarto  de  legoa  da 
Cidade  para  o  Occidente  corre  a  ribeira  dos  Acorridos  com  largura  de 
bum  tiro  de  arcabuz,  e  tanta  agua,  que  parece  bum  boni  rio:  e  de  Ci- 
merà de  Lobos  vcm  pela  agua  abaixo  a  madeira  corlada  em  os  monles, 
e  com  marcas  de  seus  donos  assinada  até  o  mar,  onde  a  colhem;  às  ve- 
zes  com  a  furia  das  aguas  se  perde  pelo  mar  dentro;  e  outro  quarto  de 
legoa  adianle  està  o  lugar  de  Camera  de  Lobos  com  duzentos  vizlnlios 
em  Imma  so  rua,  e  a  Igreja  no  fim  com  dous  Engenlios  de  assucar  de 
(lous  bons  fidalgos,  bum  por  nome  Antonio  Correa,  outro  Duarle  Men- 
(les  de  Vasconccllos;  e  logo  para  o  Norte,  dous  liros  de  bésla,  està  hum. 
Convento  Franciscano,  cbamado  S.  Bernardino,  com  oito  Heligiosos,  e 
lìuma  Fregucsia  de  nossa  Senhora  do  Rosario  com  Irinta  visinhos,  e 
moilos  pomares,  vinbas,  etc.  e  ao  Occidente  da  mesma  Camera  de  Lo- 
bos està  a  Lombada  da  Caldeira,  por  ter  huma  grande  cova  dentro,  que 
he  dos  berd^iros  de  Antonio  Correa,  gente  muito  principal. 

48  Huma  legoa  adiante  do  Cambra  de  Lobos  està  a  grande  quinta 
de  Luis  de  Noronba,  com  Engenbo,  casarias,  Capellào,  (comò  tem  as 
mais  das  outras  quinlas)  e  com  pomares,  vinbas,  bortas,  etc.  o  d'ahi 
raeia  legoa  para  o  Occidente,  està  o  Campanario,  lugar  de  cem  vizinlios, 
e  Imma  legoa  adiante  o  lugar  de  Ribeira  Brava,  que  por  ahi  corre,  e 
lem  Irezentos  vizinbos,  com  muitos  pomares  de  castanha,  e  nozes,  e  bom 
pjrlo,  que  jà  pertendeo  por  vezes  ser  Villa;  e  adiante  meia  legoa  se- 
gue-se  a  Ribeira  de  Tabua  com  trinta  fogos,  e  d'aqui  sao  gente  nobrc: 
e  a  outra  meia  legoa  se  segue  a  Lombada  de  Joào  Esmeraldo,  Genovez, 
e  tao  rica,  que  jà  chegou  a  dar  no  anno  vinte  mil  arrobas  de  assucar, 
e  foi  a  maior  casa  da  Uba,  e  toda  bcrdou  seu  filho  Chrislovao  Esmeral- 
do, que  tinlia  oitenta  Escravos,  e  além  de  lìngenhos,  casarias,  e  Igreja, 
andava  em  a  Cidade  com  oito  bonrados  bomens  por  criados,  e  com  tao 
grande  fausto,  que  com  o  Capitilo  do  Funchal  competia  sobre  quem  ha- 
via  ser  o  Provedor  da  Alfandega  Real.  0  Joao  Esmeraldo  foi  casado  com 
hama  senhora  cbamada  Agueda  de  Abreu.  filha  de  Joao  Fernandez,  se- 
nhor  da  Lomba  do  Arco,  e  irmao  de  Confalo  Fernandez,  marido  de 
I).  Joanna  de  Sa,  Camareira  mór  da  Rainba. 


M2  lIISTOniA  INSULANA 

S.  Vicente,  com  duzenlos  e  cincoenta  vizinbos;  e  tres  legoas  d'esle  oa- 
tro  liigar,  a  que  chamlio  o  Seixal,  com  vinte  vizinhos;  e  meia  legoa 
adianle  fica  o  liigar  da  Magdalena,  que  consta  de  trinta  vizinhos,  e  està 
pela  terra  dentro  cni  a  ponta  do  Trislào,  aonde  se  dividem  as  duas  Ca- 
pitanias  Donalarias  da  iMadeira,  e  donde  vae  a  liha  virando  para  o  Sul, 
e  fazendo  a  ponta  de  sua  figura  de  piramide  deitada,  com  tres  legoas 
mais  até  a  Ponta  do  Pargo,  aonde  acaba  a  liha;  posto  que  em  alguraas 
cartas  de  marear  a  trazem  com  a  figura  de  Imma  follia  de  Memo. 

CAPITULO  IX 

Dos  Capitùes  Donatarios  de  Machico. 

53  A  Capilania  de  Macbico  (conforme  a  Fructuoso  liv.  2.  cap.  20.) 
lem  da  parte  do  Sul  quasi  qualro  legoas  de  comprimento,  e  quatorze 
da  parte  do  Norte;  he  de  multo  arvoredo,  e  tanta  madeira,  que  vai 
d'està  Capitania  para  a  outra;  e  da  muito  trigo  no  seu  Norte.  De  assu- 
car  0  primeiro  que  se  fez  em  loda  a  liha  forilo  treze  arrobas  era  Mach!- 
co,  e  vendeo-se  a  arroha  a  ciuco  cruzados.  De  Candia  mandou  vir  o  Se- 
renissimo Infante  D.  Ilenrique  a  Malvazia,  e  n'esta  jurisdicfào  de  Ma- 
cbico pegou  melhor  esle  vinbo  do  que  em  alguma  outra  parte  de  loda 
a  Uba.  Segue-se  agora  dizermos  quanlos  Capitàes  Donatarios  lem  Udo, 
de  quao  illustre  sangue,  e  de  quanto  mais  illustres  obras. 

54  0  primeiro  Capitào  foi  Tristào  Yaz  Teixeira,  que  pela  singular 
cavallaria,  nobreza,  e  obras,  foi  sempre  cbamado  o  Tristào,  sem  usar  de 
outro  appellido,  e  El-Hei  Ihe  dco  por  armas  buma  ave  Feniz,  que  he 
singularissima  entre  as  aves;  e  elle  mesmo  em  seu  testamento  se  nomea 
sómente  Tristao,  porém  seus  descendentes  ajuntarao  à  Feniz  no  escudo 
huma  Cruz,  e  huma  fior  de  Liz,  armas  dos  Teixeiras,  e  assim  se  vem 
Iioje  esculpidas  no  arco  da  Capella  de  Sao  Joao  Baptista  na  Igreja  maior 
de  Macbico  d'estes  Capitàes.  Foi  casado  com  buma  fidalga,  que  devia 
ler  com  elle  algum  parentesco,  pois  se  cbamava  Branca  Teixeira.  e  pro- 
cedia  da  illustrissima  casa  de  Villa  Beai;  e  deste  matrimonio  nascerao 
quatro  filbos,  e  oito  filbas.  Dos  v.iroes  o  primeiro  foi  Tristao  Teixeira, 
e  segundo  Capitao,  de  que  fallaremos. 

55  0  segundo  foi  Henrique  Teixeira,  muito  rico  em  Macbico,  que 
casou  com  Beatriz  Yaz  Ferreira,  e  della  teve  por  filbos  a  Joao  Teixeira 


L1V.  Ili  GAP.  IX  113 

0  Velbo,  a  Fedro  Teixeira,  e  a  Henrique  Teixeira;  ilem  aiMaria  Teixei- 
ra  mulher  de  Joào  de  Abreu,  a  Brites  Teixeira,  rnulher  de  Joào  do  Re- 
go,  Cavaiieiro  do  Aigarve.  0  terceiro  iiliio  deste  primeiro  Capitao  fui 
Joào  Teixeìi*a,  que  casou  com  Felippa  de  Mendoga  Furtada,  de  que  nas- 
ceo  outro  Joào  Teixeira,  e  Trislao  de  Mendoca,  etc.  D.  Solanda  mulher 
do  terceiro  Capi  tao  de  Porto  Santo,  e  D.  Felippa  de  Meodo^a,  mulher 
de  Diogo  Moiiiz  Barreto,  e  outras  duas  tillias  mais,  que  morrerào  soltei- 

135. 

56    Oreste  mesmo  primeiro  Capitao  o  quarto  filho  foi  Lanzarote 
Teixeira,  grande  Cavaiieiro,  que  casou  com  Brites  de  Goes,  de  que  tevc 
a  Antouio  Teixeira,  morador  detraz  da  iiha,  e  a  Francisco  de  Goes,  e 
Lanzarote  Teixeira  de  Gaula;  e  teve  mais  por  lilhas  a  D.  Joanna,  mu- 
lher de  Vasco  Marlins  Moniz,  e  a  D.  Catharina,  mulher  de  Garcia  do 
Caoissal,  e  a  Judith  de  Goes,  que  casou  no  Aigarve,  e  a  Helena  de  Goes, 
que  casou  coiu  Fernào  Nunes  de  Gaula,  e  a  Anna  de  Goes,  mulher  de 
Goofalo  Pinto,  e  Iria  de  Goes,  mulher  de  seu  primo  Joào  Teixeira.  Das 
uilo  filhas  deste  primeiro  Capitao  de  iMachico,  a  primeira  foi  Tristou 
Teiieira,  que  casou  com'  hum  (ìdalgo  Genovez,  Micer  Joào;  segunda, 
kabel  Teixeira,  mulher  de  Joào  Fernaiidez  de  Lardello;  terceira.  Brites 
TeLxeira,  solteira  ainda  entào;  quarta,  Catharina  Teixeira,  mulher  de 
Gaspar  Jilendes  de  Vasconcellos;  quinta,  Guimar  Teixeira,  mulher  do 
seguudo  Capitao  do. Porto  Santo;  sexta,  Solanda  Teixeira;  septima,  ou- 
tra  Catharina  Teixeira,  que  casou  em  Lisboa  com  bum  fidalgo;  oìtava, 
Aona  Teixeira.  Faleceo  este  primeiro  Capitao  em  Silves  do  Algaive, 
aoiHle  tJHha  ido  a  negocio,  e  faleceo  de  oitenta  annos  de  ìdade,  tendo 
ja  goveruado  cincoenta. 

57  0  se^undo  Capitao  de  Machico  Tristao  Teixeira,  por  suas  pren- 
das  foi  chamado  a  Lisboa,  e  muito  estimado  das  Damas  de  Palacio,  e  em 
eOeito  casou  com  Guimar  de  Lordelo,  Dama  da  excellente  Senhora,  de 
que  Dasceràa,  prinieiro  filbo  tamb(^m  Tristao  Teixeira,  de  que  abaixo;  se*- 
guodo,  Gutteire  Teixeira,  que  casou  com  buma  filba  de  Antao  Alvares 
de  Santa  Cruz;  terceira,  Imma  iìiha  D.  Violante  Tei.\eira,  que  casou  coni 
kAù  Rodriguez  Negrào,  iitho  de  Garcia  Rodriguez  da  Camerdi  que  viu- 
^udo  casou  segunda  vez  com  Vasco  Marlins  Barreto,  filho  de  Vasco 
Marlins  Moniz.  *      .      • 

38  Viuvo  este  segundo  Capitao  casou  outra  vez  com  D.  Alda  Men- 
des,  ì!  ma  do  Bispo  que  era  entào  da  Guarda,  mas  morreo  sem  deixax* 

\0L.  i  8 


1 1  i  HISTOntA  INSrLANA 

fllhos  deste  segundo;  e  jaz  sepultado  na  Capello  de  Sao  Joao  Baulista 
(la  Igreja  maior  de  Macluco,  que  elle  mesmo  tinha  mandado  fazer  para 
sepnltura  dos  CapitSes  Donalarios  d'aquella  Capitania,  e  com  Missa  quo- 
tidiana, de  que  ficou  depois  por  administrador  hum  seu  descendente, 
por  nome  Trislao  Castanho. 

59  0  terceiro  CapitSo  Donatario  de  Machico  foi  Tristao  Teixeira,  se- 
f,'undo  do  nome,  que  por  Rcar  governando  em  huma  ausencia  do  pai,  se 
intilulon  Goverdador,  e  casou  com  Grimaneza  Cabrai,  filha  de  Diogo  (]a- 
I»ral,  e  sobrinha  do  Capitao  do  Funchal,  e  d'ella  liouveos  Tillios  seguin- 
ics.  Primeiro,  Diogo  Teixeira,  de  que  abaixo  fallaremos;  segundo,  1).  Ma- 
ria Cabrai,  mulher  de  Cbirio  Catanho,  (irmao  de  Rafael  Catanlu),  e  do 
{«'rederico  Catanbo,  Capitao  da  guarda  de  Francisco  Rei  de  Franc-a)  de 
que  bouve  a  Hieronymo  Catanho;  terceiro,  Catbarina  Teixeira,  que  mor- 
reo  nioca;  quarto,  Manoel  Teixeira;  quinto,  outra  irmi!  que  morreo  Frei- 
ra  no  Funchal.  Morreo  este  terceiro  Capitao,  e  jaz  sepultado  na  Capel- 
la  de  seu  pai,  e  seus  avós. 

60  0  quarto  Capit3o  foi  o  dito  Diogo  Teixeira,  e  casou  com  D.  An- 
gela C^tanha,  filha  de  Rafael  Catanho,  de  que  teve  duas  fìlhas;  primei- 
ra,  D.  Margarida,  que  casou  com  Antonio  Vieira,  Meirinlio  da  jurisdic(;ro 
de  fachiro;  segunda,  D.  Maria,  ainda  menina.  El-Rei  D.  Joao  IH  tiroii 
cste  quarto  Capitilo  do  governo  por  mente  capto;  e  este  morreo  em  1310, 
e  jaz  na  Capella  de  seu  pai,  e  avós,  e  por  sua  morte,  nao  deixando  li- 
Iho  varao,  nem  iimao,  passou  a  casa  à  Coroa. 

61  Quinto  Capitao  de  Machico  foi  Antonio  da  Silveira,  a  qiiem  El- 
Rei  D.  JoSo  III  deo  està  Capitania  no  segjinte  anno  de  1511.  Tinha  sido 
(Sto  Antonio  da  Silveira,  por  seus  servifos,  Capitao  na  India,  e  em  154'., 
vendeo  esla  Capitania,  com  licenc^i  d'el-Rei,  ao  Conde  de  Vimineo  Doni 
Alfonso  de  Portugal,  que  ficou  em  Africa  com  El-Rei  D.  Sebnsliao,  e 
veiideo-llì'a  a  retro  por  seis  annos  em  preco  de  trinta  e  ciuco  mil  cru- 
zados,  e  morreo  sem  remir  a  Capitania,  no  anno  de  1552,  e  com  ella  se 
licou  0  Conde  de  Vimioso  que  a  governava. 

62  0  sexto  CapitSo  de  Machico  foi  o  dito  Conde  de  Vimioso,  de- 
IMìis  do  qual  passou  a  seu  fillio  o  Conde  D.  Francisco,  ,que  morreo  na 
iiafalha  defronie  da  liba  de  S.  Miguel,  corno  em  seu  lugar  diremos:  e  as- 
sim  tornou  està  Capitania  para  a  Coroa,  e  ja  em  tal  eslado,  que,  exc4)p- 
tas  poucos  pcssoas,  nSo  havia  n'ella  jà  quem  pudesse  sustentar  commo- 


UV.  in  GAP.  IX  113 

damate  hum  cavallo.  Assim  acabSo  as  casas^  em  sahindo  dos  proprios» 
e  verdadeiros  senhores  dellas. 

63  0  Oliavo  Capitao  de  Machico  foi  Trisl3o  Vaz  da  Veiga,  que  por 
sangue  era  fìllio  de  Manoel  Cabrai,  e  de  Antonia  de  Lemos,  e  neto  por 
seu  pai  de  Diogo  Cabrai,  e  de  Bealriz  Gongalves  da  Camera,  filha  mais 
veiha  do  prìmeiro  Capilio  do  Funchal  Joào  Gon^alves  Zargo;  e  por  sua 
mai  Antonia  de  Lemos  era  o  dito  TrislSo  Vaz  da  Veiga  da  casa  da  Tro- 
ia, e  da  dos  Taveiras,  e  bisneto  de  Nuno  Gon^alves  de  LeSo,  Chanceller 
mór  d>l-Rei  D.  Joao  II,  em  cuja  Clironica  se  faz  menc3o  d'elle;  e  por 
outra  parte  vinha  a  dita  Antonia  de  Lemos  de  hum  fidalgo  chamado  Luis 
Pires  de  Buarcos,  on  Buacos,  fìdalgo  do  tempo  d'el-Hei  D.  Alfonso  V.  a 
(|uem  Servio  nas  guerras  contra  Castella,  e  era  senlior  de  alguns  tugares 
ria  terra  de  Coirobra,  e  de  sangue  Alemao;  e  emfìm  era  o  dito  Tristào 
Vaz  da  Veiga,  por  linha  roasculina,  dos  Veigas,  Tidalgos  bem  conhecidos 
era  Lisboa  no  tempo  dei-Rei  D.  Jo3o  I,  e  jà  antes  de  Portugal  ser Bei- 
no erao  illustres,  e  mais  ha  de  oitocentos  annos  havia  em  Castella  illus- 
ires  Veigas,  donde  procedera  os  de  PorlugaL 

Ci    Deste oitavo  Capitao  trata  Fructuoso  no  lib.  ii,  desde  o  cap.  21 
ale  0  cap.  2G,  e  refere  suas  obras,  e  fa^anbas.  Foi  moco  fidalgo  d'el- 
Rei  D.  Jo3o  III,  e  de  dezaseis  annos  foi  para  a  India  em  1532,  e  là  Ser- 
vio mnitos  annos  à  Goroa  de  Portugal,  até  na  China,  e  Japao,  e  no  cer- 
co de  Malaca,  de  que  era  CapitSo,  e  teve  os  primeiros  postos,  e  alcan- 
rou  gnmdes  vitorias,  e  emfim  se  voltou  a  Portugal,  e  Filippe  tondo  va- 
ga està  Gapitania  de  Machico,  Ihe  fez  mercé  d  ella,  e  sobre  a  fazenda 
Real  tomou  cem  mìl  rèis,  que  d'ella  se  pagav3o,  e  sobre  Ih'a  dar  toda 
livre,  Ihe  deo  mais  huma  Commenda  de  duzentos  mil  réis  de  renda,  tu- 
lio em  23  de  Feverciro  de  1382,  e  em  19  de  Novembro  de  1385,  (por 
5er  jà  morto  o  Conde  Jo5o  Gonfalves)  mandou  o  mesmo  Rei  ao  nosso 
Tristao  Vaz  da  Veiga  por  General  da  guerra  de  toda  a  Uba,  e  por  Alcai- 
(1«5  mur  da  Fortaleza  do  FunchnL  coin  o  que  nao  so  a  Gapitania  de  Ma- 
chico tomou  logo  ao  seu  aniìgo,  e  inaior  lustre,  mas  tambem  toda  a 
iUia,  e  se  defendeo  dos  inimigos;  e  em  138U  tinha  huma  gale  de  deza- 
i>eie  remos  por  banda,  com  sua  esfera  de  bronze,  e  huma  fragala  mais, 
qiie  por  banda  lancava  doze  remos,  e  tudo  mandou  fazer  este  Capitao 
coin  0  dinheiro  da  Imposicao  ({ue  EI-Rei  Ihe  concedeo  para  fortiGca^oes, 
e  toda  a  costa  da  Uba  andava  entao  iimpa. 
63    Em  1590  tinlia  este  Capit3o  cincoenta  e  tres  $mos,  era  allo. 


116  HlSTORIA  mSCLANA 

espadaudo,  e  bem  proporcfonado,  e  de  barba  Portugueza,  e  meia  bran* 
ca;  tinha  grande,  e  rica  casa,  Imm  Vedor,  dous  Escudeiros,  cinco  pa- 
gens,  e  doze  escravos:  tinha  muita  renda  em  Lisboa,  e  alguma  em  Ar- 
ronclies,  e  quarenta  moios  de  trigo  na  Uba  Graciosa,  que  eram  parte  de 
seu  patrimonio;  alèm  do  habito  de  Chrìsto  com  duzentos  mil  réis  de  ten- 
i;a  até  vagar  Commenda,  e  novecentos  mil  réis  da  renda  da  Capitania  de 
Macbico,  e  qaatrocentos  mil  réis  de  General  da  guerra.  E  além  das  ar* 
mas  dos  Cabraes,  e  Lemos,  tem  as  dos  Veigas,  que  sao,  bum  Escudo 
de  ouro,  e  azul,  no  quarto  de  euro  de  cima  bmna  Aguia  cinzenta  com 
as  azas  abertas;  e  no  segundo  quarto  tres  flores  de  Liz  de  ouro  em  cam- 
po azul,  e  em  triangulo;  no  terceiro  quarto  da  parte  de  baixo  tem  as 
mesmas  flores  de  ouro  em  azul;.  e  no  ultimo  quarto  outra  Aguia  comò 
a  primeira  ;  elmo  com  guarni^ao  de  ouro  por  baixo;  paquife  de  ouro, 
vermelbo,  e  verde,  com  dous  penacbos  azuis,  e  bum  branco  em  o  meio; 
e  por  Umbre  buma  Aguia  comò  as  outras. 

66  Teve  este  Capitao  muitos  irmaos  legitimos:  primeiro,  Diogo  Vaz 
da  Veiga,  que  militou  em  Arzilla,  e  morreo  eleilo  Capìtào  de  Tangere; 
segundo,  Lourengo  da  Veiga,  de  grarides  servi^os,  que  faleceo  sendo  Go- 
vernador  no  Brasil  em  tempo  de  Filippo  II,  e  deixou  seis  filhos^eduas 
filhas;  Fernao  da  Veiga,  que  depois  de  ir  à  India  duas  vezes,  morreo  sol- 
teiro  em  Lisboa:  Domingos  da  Veiga  que  na  India  morreo  servindo:  Ma- 
noel  Cabrai  da  Veiga,  e  Sebasliao  Vaz  da  Veiga,  que  tambem  na  India 
morrerao:  e  Luiz  da  Veiga  Religioso;  ilem  D.  Maria,  mulher  de  Joào  Ta* 
veira,  e  D.  FeUppa,  mulher  de  Diogo  das  Povoas,  Provedor  da  Alfaude- 
ga  de  Lisboa. 

67  Terceiro  irmao  do  Capilio  Tristào  Vaz  da  Veiga  foi  Ltiis  da  Vei- 
ga, que  morreo  no  celebrado  cerco  de  Ormuz.  Quarto  foi  oditoTristao 
que  nunca  casou;  quinto,  Hieronymo  da  Ve^a^  que  faleceo  em  Goa  de- 
pois de  feitos  grandes  servigos;  sexto,  Simào  da  Veiga,  famoso  soldado, 
e  Capitao  mór  de  Armadas,  que  morreo  em  Africa  na  botallia  dei-Rei 
D.  Sebastiao;  septimo,  Gaspar  da  Veiga,  que  sendo  ferido  no  cerco  oe 
Mazagào,  foi  depois  morrer  na  India;  oitavo  foi  D.  Brizida  Cabrai,  mu- 
Uier  de  Francisco  Boteiho  de  Andrade,  Guarda  mór  do  Infante  Dom  Luiz, 
e  teve  por  filho  a  Diogo  Botelbo  de  Andrade,  que  tambem  morra)  na 
balallia  d'el-Rei  D.  Sebastiao  em  Africa. 

G8  Finalmente  està  Capitania  de  Macbico  na  Madeira,  ainda  que  nao 
tem  Cidade,  corno  tem  nella  a  Capitania  do  Fuoclial»  lem  conUodo, 


UT.  m  GAP.  X  M7 

^\èm  de  nobilissima  Villa,  e  Cabega  de  Machico,  de  quasi  seis  centos  vi- 
sinhos,  tem  demais  a  nobreza  de  sangue,  e  fidalgos  de  geracao  l3o  an- 
ligos,  qne  nao  sem  rasao  se  prezao  de  serem  a  gema  da  fidalguìa  de 
loda  a  liha,  comò  conta  Fructuoso  no  lib.  ii  cap.  15,  e  ainda  demais  tèm 
a  nobilissima  Villa  de  Santa  Cruz  com  oitccentos  visinhos  junto  ao  mar, 
t  com  bom  porto,  e  t3o  melhor  terreno,  do  primeiro  assucar,  e  da  pri- 
meira  malvazia,  e  das  primeiras,  e  mais  frescas  frutas,  que  até  em  Por- 
togal  nao  sao  aigumas  Cidades,  maiores,  ou  mais  nobres  que  està  Villa, 
e  qoe  està  Capitania;  e  seus  Donatarìos  forSo  tambem  Gondes  comò  os 
do  Funchal,  e  sabido  he  quaes  hoje  o  sao,  e  o  poderao  mostrar  os  Ex- 
cellentìssimos  Gondes  de  Vimìoso. 

CAPITULO  X 

Do  primeiro  Capitdo  Donatario  do  Funchal  em  a  iJadeira. 

69  Cora  muita  razao  o  doulo,  e  sempre  veneravel  Fructuoso  intro- 
dnz  està  materia  em  o  seu  liv.  2.  cap.  3.  advertindo,  que  comò  todos 
OS  homeos  procederlo  do  mesmo  pai,  e  mai,  Adam,  e  Beva,  claro  gsI«1 
qoe  nenhum  nasceo  fidalgo  de  seu  primeiro  principio,  nem  com  o  pri- 
^leffio  da  fidalguìa;  mas  a  cada  bum  depois  Ilio  derào  suas  obras,  ou 
^  seus  antepassados;  pu  a  acei tacilo  de  seu  soberano  Principe^  que  com 
eUa  Ihe  deo  a  fidaiguia,  corno  a  Abel  a  derào  suas  gratas  obras,  e  o  acei- 
tal-a$  Deos,  e  a  Caim  a  tiraruo  suas  ingratidues  rusticas;  a  Sem,  e  Ja- 
pheth  0  respeito  guardado  ao  pai  Noe,  e  fez  servo  vii  a  Cham  o  perdido 
respeito  ao  mesmo  pai;  e  emfim  a  ambi{So  tirou  a  primazia  a  Esaù,  e 
a  temperanca  de  Jacob  a  alcan^u  com  a  bengSo  de  seu  pai  Isaac;  e  sem- 
pre crescer<i  mais  a  fidalguìa,  que  comeca  em  obras  proprias,  para  os 
^ns  descendentes,  do  que  a  que  so  se  jacta  das  dos  aspendentes,  jfi 
alheas. 

70  Dos  pais  pois,  e  ascendentes  de  Joao  Gonpilves  Zargo,  primei* 
roCapitSo  do  Funchal,  nào  ha  certeza  alguma;  porém  de  suas  obras 
In  meraorias  iliustres,  porque  se  dìz,  que  estando  o  nosso  Infante  D. 
Henriqiie  no  cerco  de  Tangere^  n'elle  se  acliou  Joao  Gongalves,  e  pe  • 
l^jou  valerosamehtc,  que  o  mesmo  Infante  o  armou  Cavalléiro.  Mais  so 
dìz,  que  desafiando  iium  Mouro  a  quem  da  dita  praga  se  atrevesse  a 
pelejar  com  elio,  e  que  sahiado  successivamente  tres,  e  Qcando  todos  em 


120  mSTORIA  TNSUfANA 

qiie  elle  mesmo  tinha  man4ado  tizev  para  scu  jnzigo,  e  dos  mais  sens 
descendentes. 

CAPITOLO  XI 

Do  segando  Donatario^  e  CapHào  do  Furichal. 

76  Joao  Goncaives  da  Camera,  chamado  o  da  Porrinha,  (por  costu- 
mar trazer  huam  pào  na  mào),  filho  mais  velho  do  insigne  Zargo,  siicce- 
deo  ao  pai  na  Capitania,  e  governo  do  Punchal,  e  foi  t3o  grande  Caval- 
leiro,  e  em  armas  tao  conhecido,  espccialmenle  em  Arzilla,  e  em  Ceula 
de  Africa,  que  casou  com  D.  Maria  de  Noronha,  Riha  de  Joao  Henriques, 
que  era  fiIho  de  D.  Dingo  Henriques,  Conde  de  Gijon,  e  filho  naturai 
dei-Rei  de  Castella  D.  Henrique;  e  da  dita  bisneta  d'esle  Kei  houve  os 
Jilhos  seguintes  :  primeiro,  Joao  Goncalves  da  Camera,  que  morreo  mo- 
ro; segundo,  Simào  Gon^ahes  da  Camera,  que  foi  depois  o  terceiro  Ca- 
]»itao;  terceiro,  Pedro  Góncalves  da  Camera,  que  casou  com  D.  Joanna 
(le  Sé,  filha  de  Joao  Fogassa:  e  da  Camareira  mór  da  R^inha  D.  Catha- 
rina,  mulber  dei-Rei  D.  Joao  III,  da  qual  D.  Joanna  houve  a  Antonio 
iionfalves  da  Camera,  Monteiro  mór  dei-Rei  D.  Sebustrào,  e  a  Joào  Fo- 
gassa, que  morreo  solteiro;  e  a  Pedro  Gonralves  da  Camera,  que  chama- 
v3o  0  PorrSo  ;  e  a  tres  filhas,  que  forao  Freiras  no  Fnnchal,  das  quaes 
vierao  duas  reformar  o  Mosteiro  da  Esperanc^  em  Lisboa,  aonde  Imma 
d'ellas  foi  muitos  annos  continuos  Abbadessa. 

77  0  quarto  filho  d'este  segundo  Capil3o  foi  Manoel  de  Noronha, 
que  casou,  primeira  vez,  com  D.  Beatriz  de  Menezes,  neta  do  Conde  D. 
1  Quarte,  e  d'este  casamento  nasceo  Antonio  de  Noronha,  que  casou  em 
Castella,  a  D.  Maria  que  casou  com  D.  Simao  de  Casleibranco.  Casou  se- 
gunda  vez  o  dito  Manoel  de  Noronha  com  D.  Maria  de  Taide,  fliha  do 
senhor  da  Ericeira,  e  deste  casamento  nascerao  Luis  de  Noronha,  Com- 
mendador  de  S.  ChristovSo  de  Nogueira,  acima  do  Douro  :  e  D.  Anna, 
mulher  de  Pedro  Affonso  de  Aguiar,  e  nascerao  mais  seis  filhas,  D.  Joan- 
na, D.  Cecilia,  D.  Elvira,  D.  Bartoieza,  Dona  Constanca,  e  D.  Antonia. 
Este  pois  Manoel  de  Noronha,  quarto  filho  do  segundo  Capilao,  comò 
{(rande  soldado,  é  sua  custa  foi  da  Madeira  soccorrer  a  ^afìm,  e  com  elle* 
forao  outros  fldalgos  da  mesma  Madeira,  corno  Joao  Dornellas.  esforfado 
Cavalleiro,  e  de  grande  nome,  e  fama  entre  os  Mouros,  e  que  de  humi 
sahida  trouxe  em  o  peito  Luma  lan^.ada,  e  era  casado  na  Madeira;  e  foi 


lìv.  m  GAP.  XI  121 

famhem  Henrìque  de  Belencor,  fidalgo  qne  là  o  fez  grandemente,  e  o 
<.apiino  da  prac^  era  enlao  Nnno  Fernandes  de  laide. 

78     Ho  mesmo  sogundo  Capilao,  além  dos  sobreditos  qnatro  filhos, 
nasrerrio  mais  as  filhas  segninles:  primeira,  D.  Felippa  deNoronha,  mn- 
V\(tr  de  Henriqiìc  Ilenriqnes,  senhor  das  Alcacovas,  de  qne  houve  a  D. 
Fernando  Henriqiies,  e  a  D.  André  Henriques,  e  a  Dom  Joao  Oenriques, 
que  ficou  na  liha,  e  foi  pai  de  D.  Alfonso  Ilenriqnes.  Segnnda  filha  foi 
ì).  Mecia  de  Noronha.  mnllier  de  D.  Martinho  de  Casteibranco,  Conde 
de  Villa-Nova  de  Portimao,  de  que  nasceo  D.  Francisco  de  Casteibranco, 
Imrdeiro  da  casa,  e  Camareiro  mór  dei-Rei  D.  Joao  III,  e  f).  AfTonso  de 
TK-islelbranco,  Meirinho  mór,  e  I).  Jo?[o  de  Casteibranco,  e  D.  Antonio 
de  Casteibranco,  Deao  de  Usboa,  e  D.  Maria  de  Noronha,  mulher  de 
Ilora  Nuno  Alvarez  Pereira,  frmao  do  Marqnez  de  Villa  Real,  e  a  mulher 
(le  Joao  Bodrignez  de  Si.  Alcaide  mór  do  Porlo;  e  a  mulher  de  D.  Ro- 
tingo  de  Sa,  Alcaide  mór  de  Moin-a  ;  e  a  mulher  de  D.  Rodrigo  de  Sa, 
Alcaide  mór  de  Mmira;  e  a  mulher  do  pai  de  Alonso  Peres  Pantoja.  Ter- 
<*eini  filha  do  dito  segnndft  CapitSo  se  chanfiou,  corno  a  mai,  D.  Maria 
ile  Noronha,  e  casou  com  o  Marichal,  e  d'etles  nasceo  o  Marichal  Femao 
€onlinho,  que  morreo  na  India;  e  a  mulher  de  D.  Luis  da  Silveira,  Conde 
ila  Sorteiha,  e  outra  que  morreo  Dama  do  Paco.  Quarta  filha  do  mesmò 
J^pmdo  Capil3o  foi  D.  Conslanga  de  Noronha,  que  nunca  casou.  Quinta 
foi  D.  Isabel,  primeira  Abbadessa  do  Ftmchal.  Sexla,  D.  Elvira,  e  sepli- 
ma  D.  Joanna,  ambas  Freiras.  Citava,  huma  que  morreo  menina;  e  ulti- 
mamente leve  bum  filho  naturai,  e  legltimado,  Garda  da  Camera,  pai 
de  Joao  Goncalves  da  Camera,  de  Santa  Cinz  de  Machìco. 

79  Fez  este  segundo  Capilào  o  Mosleiro  das  Freiras  de  Santa  Cla- 
ra, acima  do  Funclml,  em  a  Igreja  de  nossa  Senhora  da  Conceic?lo,  para 
recrrfhimento  de  suas  filhas,  e  das  de  bomens  principaes;  e  comerando-o 
em  1492,  jà  em  1497,  veio  da  Conceicao  de  Beja  a*  Alba  D.  Isabel  com 
qualro  Freiras  mais  para  o  novo  Convento.  Foi  este  segundo  Capit3o  do 
FunchaL  espeiho  de  bons  Capilaes  em  valor,  e  christandade.  Morreo  no 
Fuudial  a  0  de  Marco  de  1301,  e  de  87  annos,  tendo  governado  34. 


i22  tnSTOlUA  INSULANA 

CAPITULO  XII 
Do  terceiro  CapUào^  ckamado  o  M/iynifigo, 

80  SimSo  Goncalves  da  Camera,  segiindo  fillio  (por  falecer  cedo  o 
priiìieiro)  se  seguio  na  casa  ao  [kiì  Juao  Gorigalves  da  Camera,  o  da  l'or- 
rìnha»  e  no  mesmu  anno  fui  contirmado  em  lerceiro  Capilao  do  Funcluil 
por  Cl-Hei  D.  Manoei.  Chamario  liie  o  Magnilia)»  porque  nunca  algiiem 
Ihe  pedio  cousa,  que  elle,  podendo,  a  nao  desse.  Foi  Ulo  dado  a  guer- 
ra, em  honra  de  Deos,  e  da  Coroa,  c<3ntra  Mouros,  que  nove  vezes  pas- 
sou  a  Africa,  e  à  sua  custa  levava  muila  geiH^,  e  bons  soccorros,  »lém 
de  outra  gente,  (|ue  da  mais  nobre  tambeai  Ina,  corno  o  jà  noiueado 
Joao  Dornellas,  e  achar-se  com  o  Duque  de  I)ragan(a  na  tomada  de  Aza- 
itìor;  e  n'estas  idas  a  Africa  gaslou  tanto  este,  com  rasao  cliamad(>  Ma- 
gnifico Capit3o,  que  morrendo  achou  ter  gaslado  mais  de  oilenla  m.l 
cruzados,  de  que  seus  herdeiros  pagarao  ainda  ciiK*oenla.  E  por  servi- 
Cos  tao  grandes  El-itei  Dom  Manoei,  em  o  akno  de  1508,  fez  Cidade  a 
Villa  do  Funclial;  confirmou  os  foraes,  e  lìberdades,  (|ue  Ei-Bei  D  Af- 
funso  V.  tiniia  dado  à  dita  Villa,  e  Ihe  accre^^centou  oulros  que  hoje  lem. 
rom  que  nao  i)aga  direitos  de  mantimentos  alguns,  mais  que  o  direito 
do  quinto  do  assucar.  E  o  mesnio  Key  à  sua  cusla  Ihe  fez  a  Iteal  Aifaa- 
dega.  e  a  Sé  Episcopal,  corno  abaixo  dìremos. 

81  Casou  este  terceiro  Capitào  com  I).  Joanna,  filha  de  Dom  Con- 
cilio de  Caslelbrana),  Governador  de  Lisboa,  senhor  de  Villa  iNova  do 
Porliniao,  da  qual  houve  os  filhos  seguinlos.  Primeiro,  Jjoao  Goncalves 
da  Camera,  que  logo  Ihe  succedeo.  Segundo,  Manoei  de  Noronha,  Bis- 
jio  celebre  de  Lamego,  e  Camareiro  do  secreto  do  Papa  Leào  X.  Tercei- 
]  0,  Joào  Kodriguez  de  Noronha,  c|ue  casou  com  D.  Is;d)el  de  xVbreu,  ti- 
lUa  de  Joao  Fernandez  do  Arco  na  mesma  Madeira,  de  que  nao  houve 
lilhos,  e  foi  Capilao  de  Ormuz  em  tempo  do  Governadoi*  D.  Duarle  de 
Menezes.  Quarto,  D.  Felippa  de  Noronha,  mulher  de  D.  Duarle  de  Me- 
nezes,  fillio  herdeiro  de  1).  Joào  de  Menezes,  chamado  o  Coijde  ViUn, 
imr  ser  Coride  de  Tarouca,  Prior  do  Grato,  e  Capilao  de  Tangere,  Coiii- 
inendador  de  Coimbra,  e  Mordomo-niór  dei-Ilei  I).  Vinnoel,  de  (jue  hou- 
ve a  D.  Joao  de  .\Jeni.»zes,  Capilao  de  ijn^^'ere,  e  a  I).  Pedro  de  Mone- 

R'S. 

8i     Viuvou  da  (liM  priineiia  nuillior  este  terceiro  (/ipilào,  e  t:jsou 


uv.  IH  GAP.  unì  123 

segonda  vez  com  D-  Isabel  da  Silva,  fillia  de  Dom  Joao  de  Xtmì&r  Re- 
gedor  da  Jusli(a,  e  fillio  iierdeiro  do  Conde  de  Tarouca,  e  da  casa  de 
Àtougiiìa,  e  0  neto  d'este  foi  Conde  de  Atougiiia,  chamado  Joào  Gor>- 
Calves.  Do  segundo  inalrimonio  d'este  terceiro  Capitao  nascerao  e^iiès  lì- 
llìos.  Priineiro,  Joao  Gongalves  de  Ataide,  qne  morreo  solleiro.  Segan- 
do, Luis  Gon^^alves  de  Ataide,  senhor  da  liha  deserta,  e  casado  com 
D.  Violante  da  Silva,  filila  de  Francisco  Carneyro,  Secretario  d'el-Rey, 
de  qae  nasceo  Joao  Gon^alves  de  Ataide,  e  Martini  Gon(;ìlves.  Terceiro, 
Xres  filhas,  D.  Brites,  D.  Isabel,  e  D.  Maria,  Freiras  no  Funchal.  Quar- 
ta), bum  fillio  naturai,  Francisco  Gongalves  da  Camera,  grande  Cavallei- 
ro,  e  soldado  do  liabito  de  Christo  com  ten^a,  e  depois  Capitao  General 
de  guerra  na  Illia,  e  casado,  e  tem  tìllios. 

83  Por  indisposivoes  renunciou  o  governo  esle  terceiro  Capitao  no 
anno  de  1528,  em  seu  fillio  morgado,  e  se  foi  para  Matozinhos  do  Por- 
to em  Portugal,  onde  viveo  retirado,  e  em  1530.  faleceo,  e  depois  se 
trasladàrào  seus  ossos  para  a  Capella  de  Santa  Clara  do  Funchal,  jazi- 
gode  seu  pai,  e  avo.  Por  si^  morte  levou  Luis  Gongalves  de  Ataide, 
iilbo  da  segunda  mulher,  a  Uba  deserta,  que  tambem  era  do  morgado; 
inas  por  ter  sido  promettida  em  arras  a  sua  mai,  porisso  a  levou;  e 
rende  bum  anno  por  outro  duzentos  mil  reìs.  D  este  terceiro  Capitao  do 
Fuodial  trata  mais  largamente  Fructuoso,  e  de  suas  idas  a  Africa,  no 
liv.  2.  desde  o  cap.  32.  atè  36. 

CAPITOLO  XIII 

Do  quarto  CapUào  JoSo  Gon^alves  da  Camera,  Itrceiro  do  nome. 

8i  Seguio  este  Capitao  os  illustres  passos,  e  beroicas  obras  de  seu 
pai,  levando  varios  soccorros  aos  Portuguezes  que  conquistavao  praras 
<^Qi  Africa,  e  especialmente  ao  Serenissimo  Duque  de  Bragan^a,  (pio  aii- 
diH'a  em  Uio  Real  empreza,  e  tao  Catbolica:  do  que  tudo  trata  larga- 
utente  0  nosso  citado  Fructuoso  liv.  2.  cap.  37  e  38. 

8ò  Foi  este  Capitao  casado  com  D.  Leonor  de  Vilbena,  fillia  do 
bionde  Prior  D.  Joao  de  Menezes,  e  d'ella  bouve  os  fillios  seguinles. 
l'rìaieiro,  Sim3o  Goncalves  da  Camera,  seu  successor.  Segundo,  Luis 
GoiM;alves  da  Camera,  Padre  da  Companbia  de  Jesus,  multo  estimado 
Jescu  proprio  Fundador  S.  Ignacio,  e  multo  valido  de  grandes,  e  so- 


I2i  HISTORIA  INSULANA 

beranos  Principes.  Terceiro,  Fernao  Goncalves  da  Camera,  que  matarSo 
OS  Mouros  em  Tangere.  Quarto,  Marlim  Gonfalves  da  Camera,  Clerigo, 
Donlor,  e  Tlieologo  em  Coimbra,  e  grande  Privado  d'el-Rei  D.  Sebas- 
tiao.  Quinto,  Rui  Goncalves  da  Camera,  celebre,  e  famoso  Capit3o  da 
India  em  Ormuz.  Sexto,  D.  Isabel  de  Vilhena,  que  cason  com  o  aftni- 
ranle  de  Portugal  D.  Lopo  de  Azevedo,  de  que  nascerlo  o  Almirante 
D.  Antonio  de  Azevedo,  e  D.  Jo3o  de  Azevedo. 

86  Faleceo  este  quarto  Capit3o  no  Fnnchal  de  47  annos  de  idade, 
e  dizem  que  de  peste,  em  o  anno  de  i536,  jaz  sepultado  com  seu  pai, 
e  avós  na  sua  Capella  mór  das  Freiras  de  Santa  Clara;  e  com  morrer 
tiio  ceJo^  fez  na  guerra  acc5es  mui  gloriosas,  que  largamente  refere  o 
citado  Fructuoso  no  cap.  37  e  38  do  liv.  2  de  sua  Historia. 

CAPITULO  XIV 

Do  quinto  Ctipitàfl  do  Funchaly  e  primeiro  conde  da  Calketa. 

87  Simao  Goncalves  da  Camera  em  vida  do  quarto  CapitSo  seu  pai, 
no  anno  de  1533,  foi  soccorrer  a  Villa  de  Santa  Cruz  do  Cabo  de  Gué, 
e  com  tal  valor,  que  fez  que  os  Mouros  deixassem  o  cerco.  Em  1537, 
e  tendo  ainda  s6  vinte  e  quatro  para  vinte  e  ciuco  annos  de  idade,  foi 
confìrraado  na  Capitania  do  Funchal  por  El-Rei  D.  Joao  111,  e  logo  em 
1538,  0  casou  o  mesmo  Rei  com  D.  Isabel  de  Mendoga,  filha  de  D.  Ro- 
(Irijro  de  Mendo?a,  senhor  de  Moro  em  Castella,  a  qual  tinha  vindo  a 
Portugal  por  Dama  da  Rainha  I).  Catharina,  e  deo-lhe  El-Rei  em  doto 
oilenta  mil  cruzados  em  juros,  dinheiro  e  offlcios.  Em  1542,  velo  este 
quinto  Capilào  com  sua  mulher  para  a  Madeira,  trazendo  jii  o  primeiro 
liiho  seu  JoSo  Goncalves  da  Camera,  depois  na  liha  teve  o  segundo;  Rui 
Dias  da  Camera,  grande  soldado  em  Africa;  terceiro,  D.  Aldonsa  de  ^len* 
(loco,  que  casou  com  D.  Joao  Mascarenhas,  CapilSo  dos  Ginetes;  quarto, 
I).  Leonor  de  Mendoca,  mulher  de  D.  Jo35o  de  Almeida,  Alcaide  mór  do 
Abrantes.  Teve  mais  lilhas  legitimas  a  D.  Joanna,  e  D.  Ignes,  Freyras 
no  Funchal:  e  por  filhos  naluraes  a  Fernao  Gonc^ilves  da  Camera,  estii- 
dante  em  Coimbra;  e  a  Pedro  Goncalves  da  Camera,  que  em  Coimbra 
inorreo,  sendo  tamhem  esludante;  e  com  toda  està  casa  voltou  este  Ca- 
pitno  para  Portugal,  e  ficou  na  liha  governando  seu  tio  Francisco  Gon- 
calves da  Camera. 


uv.  MI  CAP.  XIV  125 

88    Governando  pois  este  Francisco  Goncalves,  e  pi  eni  o  anno  de 

1366,  a  2  ou  3  de  Oulubro  (diz  o  nosso  Frucluoso  no  ilv.  2,  cap.  44, 

43,  40  e  47),  chegarao  a  Madeira  Ires  navios  de  guerra,  Cossario^^, 

Fraucezes  Lulheranos,  qua  biào  para  a  Mina,  e  sentindo-se  jà  faltos  dt» 

gado  para  seu  suslento,  se  resolverào  ein  o  ir  buscar  a  lerra,  e  pam 

iiso  na  praia  fermosa,  buma  legoa  do  FunebaU  langarain  amiados  niil 

soldados,  ou,  conio  oulros  dizem,  oitocentos,  deixando  os  do  niariliuK^ 

^'overno  nos  navios:  vendo  islo  os  da  Cìdade  acudirao  a  cavallo,  e  seni 

impedirem  o  passo  aos  inimigos,  se  puzerOo  a  observar  quem  erao,  e  o 

que  faziao,  e  por  os  verem  armados  Ibes  Tugiùo;  e  sabeudo  os  ininiigo:5 

qae  a  Cidade  linba  menos  de  dous  mil  vizinbos,  e  aquelles  de  cavalk) 

Ihes  fugiào,  resolularaenle  os  seguirao,  e  in\eslirao  a  Cidade,  aonde  o 

coufiado  Francisco  Gongalves  com  jà  poucos,  por  Ibe  fugiiem  os  mais, 

fez  alguma  resistencia,  e  logo  se  recolbeo  à  Forlaleza;  e  os  Francozes 

lamarido  Hvreniente  a  Cidade,  que  estava  jà  deserta,  commetterao  a  For- « 

laleza,  que  tinba  Irezentos  bomens  dentro,  e  muitas  raulberes  graves,  OjP 

a  lonaarào  facilmente,  e  degollarào  quasi  todos,  e  forao  acbar  ao  Gover- 

uador  Francisco  Gongalves  entre  as  mulberes,  e  so  por  rogos  d'ellas  es- 

capou  com  vida. 

89  Sabendo  isto  os  da  oulcp  Capitania  de  Macbico,  e  Santa  Cruz, 
acudirao  logo  para  dar  subre  os  Francezes,  pararào  raeia  legoa  defionle 
da  Cidade,  por  Ibes  vir  aviso  do  Capitilo  prezo  Fiancisco  Goncalves,  que 
liào  coinmeltessem  aos  Francezes,  porque  o  matarìào  a  elle,  e  a  sua  niu* 
llier,  e  que  os  Francezes  se  queriào  ir  logo;  e  comtudo  quinze  dias  es- 
tiverao  na  Cidade,  scm  damno  seu  algum,  roubando  e  saqueando  gran- 
des  thesouros.  Morreo-Ibcs  comtudo  o  seu  Capilào  Francoz,  por  dar  bu- 
ina baia  em  buma  pedra,  e  desta  buma  lasca  dar  na  perna  ao  Francez, 
^  oào  fazer  este  cura  alguma,  e  Ibe  sobrevirem  berpes,  e  morrer:  e  di- 
2iio  ser  bum  Conde,  ou  irmào  de  bum  Conde.  Passidos  os  quinze  dias 
se  forào  esles  hereges,  nao  so  saqueando,  e  levando  tndo,  e  mais  de 
liam  milbrio  de  ouro,  mas  deixando  deslruidas  as  Igrejas,  e  Imagens. 

90  De  tudo  tinba  ido  aviso  a  Lisboa  por  diligencìa  da  Villa  de  Santa 
Cruz  de  Macbico,  e  por  mais  depressa  que  de  Lisboa  sabrrào  oito  Ga- 
kùcs,  e  por  General  Sebasliào  de  Sa,  o  do  Porlo,  e  dianle  d'elles  Joào 
Gorifalves  da  Camera,  fìlbo  do  Capitào  Donatario  Simao  Gongalves  com 
inais  dous  navios,  e  muitos  parentes,  e  amigos,  nenhuns  cbegarào  \à  se- 
tiào  dous  dias>depois  de  partidos  os  Francezes,  e  com  a  detenga  que  li- 


126  HtSTORIA  INSULANA 

zerao  em  terra,  com  qae  ainda  mais  a  destruirao,  partirSo  ja  tarde  em 
l^usca  dos  Francezes,  e  jà  os  nSo  poderUo  encontrar;  e  ainda  que  por 
tal  successo  forao  depois  em  Lisboa  alguns  culpados,  comtudo  so  Fran- 
cisco de  Porres,  fidalgo,  fìllio  do  Capitao  Donatario  do  Fayal»  Toi  sen- 
tonciado  a  degollar,  e  a  sentenza  se  mudou  em  so  degredo  para  o  Bra- 
ZÌI;  e  depois  veio  a  mon*er  na  Illia  Terceira  por  sentenza  capital  do  Mar- 
quez  de  Santa  Cruz  em  o  anno  de  1383; 

91  0  que  fica  dito  d*esta  desgra^a  do  Funclial,  he  em  sobstancia 
totalmente  o  mesmo  que  o  cìtado  Fructuoso  rerere  extensamcnte  no  seu 
liv.  %  cap.  4i,  46,  4fi  e  47,  sem  se  Ihe  addir,  nem  discorrer  mais  so- 
hre  tal  successo.  E  no  cap.  48,  accrescenta  o  seguinte  quasi  por  formacs 
palavras. 

92  Com  0  sobredito  morgado  Joao  Gon^alves  da  Camera  tinliHo  idj 
no  soccorro  dous  Padres  da  Companliia  de  Jesus,  enviados  pela  Provin- 
cia de  Porlugal,  e  forao  os  primeiros  que  d'està  Religiao  entrarlo  n'a- 
quL'Ila  Illia,  e  pelo  esemplo,  prégacao,  e  devogao  dos- taesi\idres  ?e  mo- 
vtM)  o  povo  a  p(Hlir  a  El-Kei  Ihe  concedesse,  e  fundasse  bum  Collegi  ) 
d'flh's  no  FuncbaI;  e  no  anno  de  I?i70,  na  Quaresma  forao  seisd'estes 
llL'Iigiosos,  a  saber,  Reilor  Sianoci  de  Siqueira,  Prefeito  Pedro  Quares- 
nia,  e  o  Padre  Belcbior  de  Oliveira,  e  mais  tres  IrmSos.  a  quem  o  Rei 
deo  de  renda  cada  anno  seiscenlos  mil  reis,  com  os  (juaes,  e  com  rtu- 
iras  esniolas,  em  1578,  acal)ou  de  fazer  bum  Collegio  o  segundo  Reilor 
Pedro  Rodrtguez,  de  multa  virtude,  e  erudi^ao:  e  lìmdou  bum  magnili* 
co  Tempio,  em  que  prégao,  confessao,  liizeui  doutrinas,  e  ensinao  Tb«!- 
\\Y^\\\  mora!,  lalim,  e  Rhetorioa,  envolto  tudo  com  os  bons  coslumes,  o 
virliides,  de  que  suo  singtilar  exemplo  aonde  quer  que  se  achao.  Na) 
sei  qual  d'eslas  anisas  foi  maior  para  a  liba,  se  o  que  perdeo  com  os 
(^ossarios,  se  o  que  ganliou  com  estes  Religiosos.  Ob  bemaventurada  e 
mais  que  diiosa  perda! 

91]  El-Rci  D.  Sebasliao,  em  1576,  fez  a  esle  quinto  Capiiao  Simao 
Gon(;alves  da  Camera,  pelos  seus  s*rvifos,  e  de  seus  avós,  Conde  da 
Callida,  Villa  da  mesma  Madeira,  na  mesma  Cjipitania  do  FuncbaI,  e  Ihe 
doo  OS  oiricios  do  dito  Condado,  concedendo-lbe  que  os  officiaes  se  cba- 
massem,  em  lodos  os  autos,  escriluras,  termos,  e  mandados  publicos 
com  esfas  palavras,  (pelo  Conde  nosso  senbor.  e  por  seu  liiho  berdein), 
depois  que  for  servido  leval-o  desta  vida),  e  p(»rquc  no  FuncbaI  bavia 
vinte  e  bum  Tabelliaes  do  Judicial,  e  oito  das  Nolas,  e  seis  EsquereJ»>- 


LIV.  Ilf  CAP.  XV  127 

rp5,  ordonon  el-Rcì  D.  Uenrique  em  1570,  que  fossem  dez  Escriviies  do 
JudìciaL  qiiatro  Notarìos,  e  tres  Esqueredores,  e  em  satisfagào  do  qiie 
desmerabvou  de  datas  ao  Conde,'lhc  deo  mais  os  doiis  oflìcios  de  Escri- 
vàes  dos  Orfaos,  e  o  do  Meiriiilio  da  terra,  e  o  de  Escrivao  da  AIìdoU- 
caria,  e  UmIos  os  do  Jiidicial  d'està  sua  jnrisdìcv3o.  Tinha  o  Conde  boiìs 
qualro  contos  de  renda,  em  dinheiro  tiido,  porque  ale  a  renda  dos  moi- 
nhos  se  Ihe  paga  em  dinheiro,  e  nclo  em  trigo. 

94  Pclos  seiis  vassallos  se  inlilnlava  assim  :  0  Conde  Simao  Gon- 
ptlves  da  Camera,  do  Consellio*d'el-Rei  N.  Senhor,  Capitao,  e  Gover- 
nador  da  Jusiica  na  liha  da  Madeira,  e  na  jurisdicfSo  do  Fimch  il,  Védor 
(le  sua  Hizenda  em  toda  a  dita  liha,  e  na  de  Porlo  Santo,  e  senhor  das 
Illias  deserlas,  eie.  El-Kei  llié  punha  sempre  nascartas,  Dom,  elle  niin- 
ca  0  qniz,  nem  qiir»  seus  fillios  o  livessem  ;  morreo  a  4  de  Margo  (U 
1580,  de  idade  de  68  annos,  e  de  governo  44,  fol  enterrado  ond.> 
seus  antepassados  na  Capella  de  S.  Clara. 

CAPITULO  XV 

Do  sesto  Capildo  do  Funchnl^  e  seijnndo  Conde  da  Culhrta 

93  Joao  Goncalves  da  Camera,  filho  do  quinto  Capilào  do  Fiincltal, 
e  piimpiro  Conde  de  Calliela,  succedeo  a  seu  pai  em  sexlo  Capitao,  o 
«irimilo  (k)i)de:  cjisou  com  I).  Maria  de  Alemcaslro,  filha  de  D.  Luis  do 
Atamaslro,  neto  d'el-IV'i  I).  Joau  II,  e  (segundo  dizem)  d'el-Kei  Chiov), 
'iu  (:iij(|ni!o,  de  Graiiada;  e  por  morie  de  seu  |)ai  mostrando  as  palcn- 
ttsijiH»  linha  del-Uei  l).  Schastiao,  que  o  (i/era  priineiro  Conde  de  C.i- 
Iìm'Iìi,  fai  cofilirmado  em  sogundo  Conde:  mas  dalli  a  pouco  feridn  dii 
|»»'^le  em  Almeirim,  semlo  de  m:i;ia  idade,  e  deixando  hum  so  fiIho  lior- 
<Wn),  menino  ainda  de  seis  mezes,  chamado  Simao  Gonr;alves  da  Came- 
ra. Depoi.s  mcltendo-se  na  posse  d'esles  Keinos  Filippe  II.  mandou  à 
lilla  ila  Madeira  por  Caj)irao  mór,  e  G*)veniador  d'ella  o  Deserabarga- 
rt'H"  Jiirio  LeiUìo,  e  |X)r  Capilào  mór  da  guerra  a  I).  xMTonso  Ferreira, 
t'jimle  de  Lanccrole,  e  senhor  de  Forle  Venlura:  e  no  anno  de  I58i, 
f-M  Anlonio  (iirvallia!  à  Cidade  do  Funchal  com  treicentos  homens  a  sua 
ciisb.  para  im|>edir  o  desembarcarem  os  Francezes  com  o  senhor  1). 
Antiinio:  n'este  eslado  ficou  cntao  a  Madeira. 

96    Isto  he  (diz  Frucluoso  cap.  50)  o  que  soube  por  muitas,  e  di- 


1 28  HISTORU.  INSUL ANA 

versas  inrormacoes  de  muitas  pessoas  da  Madeira,  e  de  outras  partes,  e 
de  muitos,  e  varios  papeis  que  vi,  e  li,  e  especialinente  do  que  compoz 
0  Conego  Ilieronymo  Dias  Lei  te,  da  niesma  Madeira;  o  qual  tiroa 
0  que  compoz,  de  bum  caderno  de  tres  folhas  de  papel,  que  anda 
uos  Escritorios  dos  sobredilos  Capilaes,  sobre  o  descubrimeDlo  da  Ma- 
deira, feito  por  Gongalo  Ayres  Ferreira,  (cujo  originai  cometa  com  es- 
tas  palavras:  Chegamos  a  està  Illia,  a  que  puzemos  o  nome  de  Madeira) 
que  veio  por  companheiro  do  Zarco  a  deseubril-a ,  o  traslado  do  qual 
mandou  o  seguudo  Conde,  e  sexto  Capitao  Joao  Goncalves  da  Camera  ao 
di  io  Conego;  e  este  da  sua  letra  llie  accrescentou  ao  pé,  Que  o  tal  Gon- 
zalo Ayres  Ferreira  era  criado  do  Zarco;  porem  cbegando  isto  à  nolicia 
dos  descendentes  do  tal  Gonzalo  Ayres  da  Madeira,  (que  sao  a  mais  il- 
lustre, e  grande  gera^ao  d'ella)  mostrarlo  ao  dito  Conego  bum  antigo 
Alvarù  do  Infante  D.  Ilenrique,  feito  em  1430,  em  que  cliama  a  Gonco* 
lo  Ayres  companbeìro  do  Zargo.  em  que  se  continha  o  rilbamenlo  do  Ud 
Concaio  Ayres  :  e  este  foi  (accrescenta  Fructuoso)  o  primeiro  liomera 
que  na  Madeira  leve  fillios,  e  ao  primeiro  chamou  Adào,  e  ao  segmulo 
Eva,  d'onde  procede  a  gera^ào  chamada,  da  Casla  grande  da  Madeira, 
que  vcm  da  grande  casa  de  Drumoudo,  e  dos  Reìs  da  Escocia,  e  d'onde 
l)rocedem  os  Ferreiras  da  Illia  de  S.  Miguel.  Assim  aciiba  com  a  Hislo- 
ria  da  Madeira  o  verdadeiro,  e  douto  Fructuoso  no  tim  do  liv.  u  cap. 
r>0,  mas  porqne  no  mesmo  livro  mette  (corno  costuma)  em  di  versas  par- 
tes  outras  materias  que  aqui  tinUSo  o  seu  logar,  pede  a  bistorìa  que  as 
ponlianios  aqui. 

CAPITULO  XVI 

Do  principio y  e  augmetUo  do  Estado  Ecclmastico 
em  a  Madeira, 

97  Os  primeiros  Sacerdotes  queentrarao  na  Uba  da  Madeira,  forilo 
sem  duvida  da  sempre  veneravel,  e  Sarafìca.  Ordem  de  S.  Francisco  ;  e 
nao  sem  fundamenlo  se  podem  cbamar  os  primeiros  dcscubridoms  Ec* 
clesìaticos,  nao  so  d  està  Uba  mas  da  de  Porto  Sauto,  porque  os  primei- 
roa  que«naufragantes  a  liabitarào  alguns  dias,  forào  os  Heligiosos  Frau- 
ciscanos,*  que  nella  com  bum  naufragio  forao  dar,  e  que  com  os  primei- 
ros descubridores  da  Madeira  se  passarao  a  ella,  e  outros  dous  Frades 
Franciscanos,  que  o  primeiro  Capitao  do  Funcbal  levou  comsigo  de  Por- 


Liv.  in  CAP.  XVI  129 

tagal  pnn  a  Mailoira,  e  d'esles  Religiosos  devia  ser  aijuelle  que  benzeo 
a«,'aa.  e  com  ella  beuta  abendirooii  as  Il!ias,  e  foi  o  priiiieiro  que  nelia 
disse  Missa,  e  o  Responso  sobre  a  sepultura  dos  desposados  Inglezes 
eiii  Alachico,  comò  tiido  em  seu  lugar  fica  jà  dito;  e  comò  costuiiiào  scr 
esles  Seralìcos  Ueligiosos  os  priaieiros  eia  o  servigo  de  Deos,  e  do  prò- 
ximo. 

98    Porem  o  Ilio  Calljolico,  corno  em  ludo  ditoso  Joao  Gonfalvo.-. 
ZaKgo,  logo  que  fuudoa  a  Villa  do  Funclial,   e  vio  nào  liiilia  aiiida  S;i- 
cerdoles  seculares  ooui  jurisdicgào  l^arodnal,  escreveo  ao  Infaale  D  llon- 
lique,  pediudo  que  lli'os  mandasse,  e  o  luraute,  corno  Alestre  da  Ordeiij 
ile  CUrislo,  ordenou  a  D.  Frei  Podio  Vaz,  Prior  enlào  de  Tliomar,  qn- 
provcsse  aquuila  falta;  e  o  diio  I^rior  l'einetteo  logo  à  Madeira  bum  Saci  ;- 
date  com  litulo  de  Vigano,  e  outros  com  titulo  de  Beueficiados;  e  •!<» 
inesina  sorte  proveo  com  outros  seaielbaates  a  Villa  do  Macliico.  Sabti.- 
do  (listo  0  Sispo  de  Tangere,  sem  mais  licenfa  dei-Rei,  impetrou  li.i 
l*a|wi  luun  Breve  paia  aaaexar  a  lllia  da  Madeira  ao  Bispado  de  Tanj^i  - 
re;  0  que  subendo  a  Infaale  D.  Biites,  (comò  Tutora  do  Duque  seu  i. 
llw;  Mostre  da  Ordem  de  Cliristo)  passou  logo  provisao  em  o  anno  de 
il72,  ao  Capitao  do  Fuaclial,  que  uem  a  tal  Bispo  coasentissem  i.a 
lilla,  uem  o  povo  Ibe  obedecesse;  e  juatamente  com  està  veio  outra  p:t  - 
visào  do  dito  D.  Prior  de  Thoaiar,  aolificaado  ao  povo,  que  ao  lai  Di- 
po lìm  obcdecesse,  e  que  cedo  el-Kei  crearia  Bispado  proprio  na  IÌUa 
rta  Madeira;  e  o  mesaìo  escreveo  ao  Vigario  de  Machico,  cliamado  Jofn 
Garcia,  que  fui  o  pi'iiaeiro.  De  ludo  isto,  e  das  dilas  provisoes,  e  exo- 
cufào  d'ellas,  coasla  do  Toaibo  da  Camara  do  Funchal,  aonde  estao. 

99  Pouco  depois  em  o  anno  de  1508,  raandou  o  Coaveato  doTbo- 
Qiar  à  Illg  da  Madeira  bum  1).  Joao  Lobo,  Bispo  de  anel,  e  foi  o  pri- 
loeiro  Bispo  que  aa  liba  ealrou,  cbrismou,  e  deu  Ordeas.  Cbegadu  o 
anoo  de  i514  e  decreto  do  Suaimo  -Poatifice  Leao  X,  feito  aos  12  de 
iunho,  foi  por  el-Bei  D.  Maaoel  ao  mesmo  anno  creada  a  Cidade  do 
Funchal,  e  nomeado  por  seu  primeiro  Bispo  proprietario  D.  Diogo  Pi  • 
nheiro,  Vigario  que  tiaba  sido  de  Tbomar;  e  com  elle  se  crearào,  e  coa- 
firmarao  quatro  Digaidades,  e  doze  Coaegos;  e  depois  a  supplicagao  do 
B.sj)o  se  crcon  de  aovo  a  digaidade  de  Meslre-escola.  Nuaca  o  Bispa 
Wnlieiro  foi  a  Uba,  por  em  Portugal  ser  occupado  em  o  servilo,  e  ne- 
ffms  do  Rei,  e  de  lodo  o  Ueiao  ;  mas  maadou  bum  Bispo  l).  Duar- 

VOL.  I  9 


130  IllSTOniA  INSULANA 

te,  e  luim  Provìsor,  e  Vigario  Geral,  e  assim  governou  o  dito  Bispo  doze 
;mnos,  e  fiileceo  no.de  1506. 

100  Segiiindo-se  logo  na  Monarchia  de  Portugal  el-Rei  D.  Joao  III, 
('  vendo  qne  tinliao  descuberlas  oiilras  novas  terras  iillramarinas,  fez, , 
com  approvafao  do  Summo  Pontifice.  a  D.  Martinho  de  Porlugal  (qua 
era  parente  do  Rei)  Arcebispo  da  Madeira,  e  do  que  de  novo  era  des- 
culierto;  mas  lanibcm  este  Arcebispo  nunca  foi  a  liba,  e  so  a  ella  man- 
(lou  bum  Bispo,  chamado  D.  Ambrosio,  qne  indo,  cbrismando,  e  dando 
Ordens  na  Uba,  d'ella  voltoli  a  Portugal  dentro  de  bum  anno,  de  1539 
])ara  loiO,  e  o  novo  Arcebispo  deu  Constituicocs  &  Madeira,  tomadas 
(le  oulros  Bispados:  aos  Concgos  concedeo  tres  raezes  de  estatulo,  seus 
^meios  dias  de  barbas,  e  oiitros  dias  de  bospedes,  e  de  lavagens  de  so- 
l)repeHizcs,  etc.  e  ainda  ncsle  tempo  nao  tinba  cada  Conego  de  annual 
]-enda  mais  que  doze  mil  réis  c^ida  anno;  e  morreo  esle  unico  Arcebispo 
eni  I5i7,  sem  jàmais  sabir  de  Portugal. 

iOl  Em  1548,  veio  hum  Bispo  das  Canarias  a  Madeira,  e  com  li- 
(•enea  exercitou  n'ella  o  officio  de  cbrismar,  e  de  dar  Ordens,  e  logo  pc> 
los  annos  de  1550,  pedio  el-Rei  D.  Joao  III  ao  Papa,  fizesse  Bispados 
dislinclos  nas  ultramarinas  parles  descuberlas,  por  serem  tao  dislanles 
rntre  si;  e  que  ficasse  a  Madeira  cOm  a  de  Porlo  Santo,  e  o  vizinho  Cas- 
tello de  Arguim  em  Africa,  sendo  bum  so  Bispado;  conu)  jà  o  erao  as 
Illias  dos  Acores,  e  S.  Tbomé,  e  India;  e  que  seu  Melropolilano  fosse  o 
Arcebispo  de  Lisboa:  e  ludo  o  assim  pedido  concedeo  o  Papa,  e  foi  feito 
IJispo  da  Madeira  D.  Gaspar,  da  Heligiao  da  Graga  de  Santo  Agoslinbo: 
mas  nem  este  foi  à  Uba,  e  so  là  mandou  hum  Provisor  seu,  e  foi  pro- 
niovido  a  Bispo  de  Leiria,  e  dabi  a  Bispo  Conde  em  Coimbra:  e  para 
Bispo  do  Tuncbal  foi  D.  Jorge  de  Lemos,  Frade  f>ominico,  a  foi  o  pri- 
ineiro  pispo  proprietario  que  la  residio,  e  acbando  que  a  Cidade  do 
riinobal  nao  tinba  mais  Parocbias  que  a  mesma  Sé,  erigio  mais  dentro 
(la  Cidade  duas  Freguezias,  a  de  N.  Senbora  do  (-albào,  e  a  de  S,  Fe- 
dro, e  na  da  Sé  poz  dous  Curas:  e  em  1559  renunciou  o  Bispado,  e 
Ihe  succedeo  D.  Fernando  de  lavora,  Dominico  tambem,  e  brevemenle 
largou  0  Bispado,  e  foi  posto  nelle  D.  Ilieronymo  Barrelo,  Clerigo  se- 
ciilar  em  1573,  irm3o  dos  nobres  Barretos  do  Porto,  e  fillio  de  bum  ir- 
mao  do  Reverendissimo  Padre  Joao  Nunes  Barrelo,  da  Companliia  de 
Jesus,  Palriarcha  da  Ethiopia:  e  este  D.  Ilieronymo  foi  o  que. fez  ad 
Consti luigoes  Synodaes  da  Madeira  em  1578,  porque  se  governa  o  Bis- 


LIV.  Ili  CAP.  XVIl'  131 

pado,  conforme  ao  Concilio  Tridentino:  e  depois  foi  proraovldo  a  Bispo 
do  Algarve:  e  na  Madeira  Ihe  succedeo  D.  Luiz  de  Figiieiredo,  e  Lemos, 
qae  era  OeSo  da  Sé  de  Angra,  de  quem  em  seu  lugar  trataremos  maivS 
largamente* 

GAPITULO  XVII 

Conclue-se  com  a  Itka  da  Madeira^  DeserlaSy  e  onlras. 

102  Restava  dizer  do  governo  civii,  e  politico  da  Illia  da  Madeira, 
0  qaal  he  sabido,  e  muito  semelhante  ao  de  Portugai,  porque  alem  do 
Capitao  Donatario,  que  ha  muilos  annos  nao  assiste  na  Capitania  do  Fun- 
dial,  mas  em  Portugai,  e  na  liha  poem  el-Rei  Governadur  triennial  :  e 
alem  do  Ouvidor,  (se  o  Donatario  o  qiier  ter  distincto  de  si)  e  alem  do 
tommum  governo  do  Senado  da  Camara,  tem  Juiz  de  fora,  e  sobre  elio 
Corregedor  com  beca  de  Desembargador  do  Porto  com  posse  lomada,  e 
determinada  alcada,  e  passando  della  vem  de  direito  as  causas  a  Lisboa 
aos  Desembargadores  dos  Aggravos,  aonde  finalizao  na  fórma  costuma- 
da:  e  alem  de  tudo  isto  tem  o  governo  da  fazenda  Real,  com  Provedor 
que  he  Regio  officio,  Contador,  Juiz  da  Alfandega  (e  outros  officiaes,  e 
tudo  immediato  ao  Conselho  Real  da  fazenda  em  Lisboa;  e  de  toda  a 
Gdade  do  Funchal,  e  ainda  da  Capitania  de  Macbico,  he  tao  lustroso  o 
(rato,  corno  do  sangue  a  nobreza,  sondo  que  a  abundancia  de  fruclos  ju 
Qio he  tanta,  comò  nem  he  tanto^o  assucar,  posto  que  delle  se  facao 
tanlas  conservas  ainda,  e  tao  varias  especies  de  doces,  que  até  se  carré- 
gio  para  fora  comò  preciosa  droga,  e  rendosa,  mas  a  principal  de  todas 
he  a  dos  muitos,  e  excellenles  vinhos,  que  para  as  nacoes  estrangeiras, 
6  para  0  Brazil,  e  Angola  està  indo  continuamente,  e  enriquece  muito 
todaallha. 
I  103  Outras  Ilhas  demais  ha  junto  à  da  Madeira,  qde  cliamSo  De* 
I  ^ertas;  hama  he,  a  que  (depois  de  estar  jà  na  Madeira)  o  felicissimo  Joào 
Gno^alves  Zargo,  observou  haver  distante  so  seis  legoas;  e  mandando-a 
descubrir,  e  achando  que  era  de  rochas,  e  sem  agua  doce  dentro,  a  nuo 
Ottodou  logo  povoar,  mas  so  Ihe  mandou  laudar  algum  gado  grosso,  e 
^Igumas  aves,  que  multiplicarao  logo,  e  flcou  cliamando-se  a  liha  Deser- 
ta; tem  duas  legoas  de  comprimonto,  e  hum  terco  de  largura  ;  tem  jà 
pistores,  e  hum  Feitor,  e  sua  Ermida,  aonde  hum  Clerigo  Ihes  diz  M  is- 
sa: e  ji  tem  agua,  posto  que  salobra,  e  alguma  cevada,  e  trigo  dà,  aiu- 


132  HrSTOIWA  INSULANA 

da  que  pouco,  mas  muilo  gado,  e  nao  lem  coellio,  nem  rato  algom,  he 
por  natureza  inconquislavel,  por  ser  tao  cercada  de  continuadas,  e  al- 
tisssimas  rochas,  que  se  nao  podem  subir  senào  por  tal  carréiro,  que 
dous  pastores  deitando  a  rodar  penedos  de  cima,  levao  com  dles  abai- 
xo  quanto  cncontrao,  corno  ja  de  facto  succedeo  a  muitos  Inglezes,  que 
querilio  ir  buscar  gado.  Erao  senhores  d'està  Ilha  os  Capilaes  doFunchal, 
mas  este  senhorio  passou  d'elles  brevemente  a  Luiz  Gonfalves  de  Atai- 
de,  e  chega  a  render  duzentos  mil  réis  cada  anno. 

104  D'està  primeira  Ilha  deserta,  e  so  bum  terfo  de.legoa  de  cora- 
primento,  està  outra  deserta  Itba,  que  tem  so  buma  legoa  de  compi- 
mento, e  ainda  menos  de  largo;  e  por  isso  lambem  a  nik)  povoarào,  e 
so  llie  deitarao  cabras,  que  a  ella  vao  buscar  com  càes.  A  terceira  liha 
deserta,  ou  Ilhéo  (que  cbamao  o  Ilbeo  Cbam)  jaz  entre  a  primeira  de- 
serta, e  a  Madeira,  e  de  so  meia  legoa  de  tamanbo,  porém  de  roebas 
alto,  e  em  cima  plano,  mas  por  amor  dos  ventos  se  nao  semea;  e  d'isUi 
quatro  legoas  da  Madeira,  e  so  meia  legna  da  maior  deserta,  por  cujo 
respeito  estas  tres  Illias  se  cbamao  Desertas,  comò  do  nome  da  Uba  Ter- 
ceira se  cbamao  Ilbas  Terceiras,  as  mais  Ilbas  dos  Afores,  corno  diz  Fru- 
ctuoso  liv.  Il  cap.  51,  e  ao  Capitao  do  FuncbaI  pertenciào  estas  tres  De- 
sertas, por  elltj  as  descubrir,  posto  que  hoje  nem  todas  fhe  pertenfao. 

105  Ultimamente  trinta  legoas  da  Madeira  para  o  Sul,  e  indo  para 
as  Canarìas,  estao  duas  Ilbotas  mais,  a  que  cbamao  as  Sakagens,  coni 
distancla  de  tres  legoas  entre  si,  e  l^ima  lem  meia  legua  de  terra,  e  a 
outra  i)Ouco  mais,  a  maior  tem  algum  gado,  e  ambas  senbor  Casielba- 
no  de,quem  sao,  porque  ambas  devem  entrar  no  numero  das  doze  Ca- 
narias,  de  que  no  liv.  ii  jà  Iratamos,  e  trata  o  Historiador  Barros)  por 
serem  descuberlas  por  Castelbanos  todas  doze.  E  assim  conclue-se  que? 
na  altura  da  Madeira  s3o  sinco  as  Ilbas,  que  debaixo  do  dominio  de  Por- 
tugal  est3o,  e*  que  pela  ordem  de  seu  descnbrimenlo  s3o,  primeira  Por- 
lo Santo,  segunda  Madeira,  terceira,  quarta,  e  quinta,  as  tres  clìamadas 
Desertas,  e  com  estas  acaba  Fructuoso  o  seu  livro  segundo,  e  he  jà  tem- 
po que  passemos  com  està  nossa  llistoria  Lusitana  lusulana  a  dos  liba» 
dos  Agores,  ou  Terceiras. 


FIM  DO  i.lVaO  TEl;CEl[U). 


niSTORIA 

INSULANA  LUSITANA 

lilVRO  aUARTO 

DA  ILHA  DB  S.\NTA  MAfìlA,  Ql'E  DAS  NOVE  DOS  ACORES,  FOI  A  PIUMEIRA 
QUE  SE  DSSCUBIIIO- 

CAPITULO  I 

FnudamenioJt  qiie  havia  pnra  se  hnscarem  as  ditas  Itlias,  e  das  formiijas 
qn€  primeiro  apparecerào. 

1  Em  0  anno  de  1428  do  Nascimento  de  Cliristo  Senhor  nosso  (con- 
forme a  Frucluoso  em  o  sen  liv,  3)  indo  o  Infante  D.  Pcdro  de  Portngal 
'1  Inirhierra,  Frango,  Alcmanha,  Jerusalem,  eie,  e  voltando  a  Italia,  Uo- 
D»,  e  Veneza.  descubrio,  e  comsigo  ironxe  luim  Mappa,  em  que  estava 
ji  lodo  0  amhito  da  terra,  e  jà  o  Estreilo,  (que  depois  se  chamou  dt3 
Magalbàes)  a  qne  chamavao  Cola  do  Dragao,  e  o  CatK)  de  Boa  Esperan- 
%  e  à  fronteìra  de  Africa  :  e  Antonio  Galvao  conta,  que  Francisco  do 
Soasa  Tavares  Ihe  dissera,  que  em  1328  Ihe  mostrara  o  Infante  D.  Fer- 
nando entro  Mappa  acliado  no  Cartono  de  Alcobapi,  feito  liavia  mais  de 
cento  e  setenta  annos,  que  continba  loda  a  navegafao  da  India,  com  o 
^-ahfi  de  Boa  Esperanca,  e  devia  ser  o  que  o  Infante  D,  Fedro  comsigo 
linha  irazido  ;  e  de  tal  Mappa  se  devia  valer  o  nosso  descubridor  o  In- 
btrte  D.  Ilenrique,  e  das  noticias  havidas  dos  Venezianos,  para  mandar 
fazcr  OS  descubrimenlos  d'cstas  novas  Ilhas-  - 

2  Outros  porém  vendo  o  quao  remotas  esl5o  de  toda  a  terra  firme 
^stas  Ilhas  dos  Afores,  e  que  nera  ainda  no  dito  Mappa  antigo  vinliao 
assentadas  laes  Ilhas,  e  advertindo  juntamente  na  ajustada,  e  santa  vida 
do  Infante  1).  nenri<]ue,  comò  ao  principio  d'està  historia  contamos, 
3Ì«iz3o,  e  nem  scm  fundaniento,  quo  o  devoto  Infante  teve  alguma  re- 
^clapìo,  ou  inspirarào  Divina,  em  que,  com  a  constancia  que  veiemos, 


I3i  IlISTOniA  INSULANA 

perscverou  em  mandar  dcscubrir  taes  Ilhas.  E  na  vertade  se  (coma  di- 
zem  OS  Tl)eoIogos)  Déos  especialmenle  concorreo,  ainda  com  Genlios, 
I)ara  serem  primeiros  inveiitores  de  artes  naluraes,  comò  com  Ilippo- 
crates,  e  Galeno  para  a  invenfao  da  Medicina,  com  Apelles  para  af  da 
Pintura,  com  Plalao,  e  Àristotdespara  a  da  natura)  FilosoTia,  dando  Hies 
jìaturaes  auxilios,  mas  muito  poderosos,  para  descubrirem,  e  enssinareni 
nquoHas  artes  em  bem  commum,  nao  sera  de  admirar,  se  concorresse 
k'om  0  nosso  Infante  para  afcanfar,  e  descubrir  as  mais  remolas  Illias, 
para  commum  bem  do  mundo,  e  especial  dos  navegantes.  Mas  fosse  por 
i.nde  fosse  alcanfada  tal  noticia,  a  certo  he  que 

3  Reinando  em  Portugal  o  invicto  Rei  D.  Joao  I,  mandou  o  Infante 
I).  Henrique,  da  Villa  de  Sagres  no  Algarve,  bum  grande  Cavalleiro,  (de 
(•uè  logo  failarcmos)  com  ordem  que  navegasse  direitamente  ao  Poente, 
it  descubrisse  a  primeira  liba,  tomasse  duella  nolicias,  e  Ihas  trouxesse. 
Kavegou  prosperamente  o  arentureiro,  e  em  poucos  dias  de  viagem,  deo 
com  a  vista  em  huns  penedos,  que  vio  sobrelevantados  era  o  mar,  e  ob- 
i^ervando  que  erao  pequenos  para  Ilbas  babitaveis,  e  que  junlo  a  elles, 
V  entre  elles  (por  se  encarreirarem  muitos)  fervìa- continuamente  o  mar, 
jioz-lbes  por  nome  Formigas,  e  observou  que  estavào  em  Irinta  e  sete 
gràos  e  melo  de  altura,  da  parte  do  Norte  Septentrional,  e  que  conti- 
r:uavao  em  direilura  de  Nordesle  a  Subsudoeste,  e  em  comprimento  do 
tiro  de  buma  bcsta,  e  com  largura  do  vinte  covados,  ou  sessenta  pal- 
mos,  i)Ouco  mais,  ou  menos;  e  em  buma  ponta  tinba  bum  penedo,  que 
5>obre  a  agua  sabia  comò  buma  casa  de  sobrado;  e  na  oulra  ponta  tinba 
«nitro  semelbante  penedo,  mas  menos  levantado  sobre  o  mar,  comò  bu- 
ina casa  terreira;  e  os  que  biao  no  meio  d'està  carreira  de  penedos,  erao 
variamente  mais  baixos,  e  alguns  afa^^tados  dos  outros,  mas  tao  pouco, 
qwe  por  entre  elles  podia  so  passar  bum  barco  de  pescar. 

4  E  com  elTeito  biao  da  Uba  mais  vizinba  barcos  a  pescar  al(i,  e 
apanbavào  multo  peixe,  até  escolares,  e  grande  multidao  de  marisco;  e 
no  maior  penedo  de  buma  das  pontas  tinbao  tal  abrigada  naturai,  que 
se  podiào  recolber  niella  vinte  barcos;  e  succederà  jà,  que  eslando  os 
pescadores  em  a  terra,  ou  pedra  do  tal  penedo  grande,  e  ceando,  viera 
por  vezes  alli,  ao  faro  do  comer,  bum  lobo  marinho,  e  tao  grande  coma 
bum  grande  bezerro,  e  junto  à  pedra  comia  o  que  Ibe  lancavao  os  pes- 
cadores, e  por  temerem  cabir,  Ihe  nao  lancavao  o  arpéo.  e  o  matav^o. 
£  d'este  maior  penedo,  buma  Jegoa  ao  Sueste,  se  observavào  outn» 


LIV.  IV  CAP.  II  135 

formigns,  e  Innlo  mais  pcrigosas,  quanto  menos  dcscubertas,  porque, 
(juaiulo  <)  mar  eslava  mais  clieio,  aintla  enlào  iiào  vencia  eslas  segunilas 
fnniiijjas,  mais  que  sete,  ou  oilo  palmos;  e  quando  vazava  o  mar,  ainda 
a*  uài>  (Ifsculiriàu  b^in,  e  crào  ao  modo  de  eiras  de  terra  postas  ei;i 
Iriangido  :  e  cada  Imma,  se  fora  de  terra,  e  nào  de  pedra,  levaria  lumi 
ah|;ieire  de  semcadnra,  e  eulre  estas  eiras  de  pedra  passava  algum  mar, 
e  fiindo,  mas  peritoso. 

5  Oliservado  ludo  isto  no  anno  de  1431  se  persuadirao  os  envia- 
di>s  Jesoubridores,  que  nào  liavia  mais  liha  do  que  aipiellas  Formigas, 
e  Iriiles  se  voltiirao.  e  derao  de  ludo  ao  Infante  nolicia,  e  Guidando  que 
0  Infante  dt»sislisse  do  intento,  ou  se  desse  por  mal  servido,  elle  pelo 
coulrario  se  connrmou  tanto,  ou  nas  revelaroes,  ou  nas  adquiridas  no- 
ticias,  que  linha,  que  logo  era  o  anno  soguinte  d^  1432  toi-nou  a  man- 
giar i»s  mesmos  descubridores  das  Formigas  a  descubrir  as  Ilhas  quo» 
IKjrlo  tl'ellas  eslaNào;  e  pò. que  jà  be  tempo  de  dar  noticia  de  quem  (ìì\uì 
ir>Ws  insignes  sugeilos,  (jue  de  antes  a  primeira  vez,  e  segunda  vez 
«i'^ni,  loj  nai'ào  a  doscubril  as,  vejamoi  o. 

CAPITULO  II 

Quem  forSo^  e  de  que  (jitalidade  os  primeiros  descubridores  da  Ilha 
chamada  Saula  Maria. 

G  Houve  era  Portugal  (diz  o  nosso  Fructuoso  liv.  4  cap.  3)  bum 
Ugo  cbamado  Martini  Goncalves  de  Travassos,  casado  coni  Imma  ri- 
salga, cujo  nome  era  Catliarina  Dias  de  Mello,  de  que  teve  dous  lìllios; 
primeiro,  Xuno  Martins  de  Travassos,  tao  abalizado  fidalgo,  e  de  tanta 
valia  no  Beino,  que  teve  por  seu  pagera  a  bum  Fernao  Uodriguez  Pe- 
rora, que  depois  deo  por  parenle  aos  Pereiras,  e  veio  a  ser  amo  da  \\r 
6ule  Duqueza  D.  Brites,  mài  dei-Rei  D.  Manoel,  e  Ibe  creou  os  Infanlos. 
Osejiundo  fillio  do  dito  Martim  Gonfalves  de  Travassos,  fui  Diogo  Con- 
falves  de  Travassos,  que  casou  eom  DonaViolanta  Cabrai,  lìlbade  outr«» 
li«lalgo  era  Portugal,  cbamado  Fernao  Velbo,  e  de  §ua  mulber  D.  Ilaria 
Alvres  Cabrai/  filba  do  Alcalde  mór  de  Belmonte,  cbefc  dos  antigos  jì- 
«lalgos  Oibraes  :  da  qual  D.  Violante  Cabrai,  e  de  Diogo  Goncalves  de 
Travaj^stis  nascerào  Rui  Velbo  de  Mellt»,  Eslribeiro  mór  del  Rei  D.  JoIiuII, 
e  l*edru  Velbo  de  Travassos,  e  Nuno  Velbo  Cabrai,  ou  de  Travassos.  Do 


136  IIISTOniA  TXSrLANA 

ifjesmo  Fcrnao  Vi»lIio,  e  D.  Maria  Alvres  Cabrai  nasrcn  ontra  Riha,  lì- 
Titroja  Voiho  Cabrai,  que  casoii  coro  oulro  fidalgo,  N.  Soares,  de  fjne 
iiasceo  Jorio  Soares  de  Albergaria:  e  assim  esla  D.  Tareja,  comò  a  oulrn 
inTìà  D.  Violante  Cabrai,  er?.o  inniis  inleiras,  e  b'jjìlimas,  nào  so  rie  Al- 
varo Velbo,  que  ficoii  cm  PortwgjH,  mas  lambem  de  Goufalo  YelUo  Ca- 
lerai, cbamado  o  Famoso,  de  que  ajjfora  Iralaremos. 

7  Cbamava-se  esle  famoso  fidaljjo,  nao  so  Gonfalo,  mas  Frei  Gon- 
r  do  Velbo  Cabrai,  porqne  era  Commeridador  do  Castello  de  AbnonroU 
i;!ic  està  sobre  o  Tejo  acima  da  Villa  rie  Tancos:  e  Brifo  na  Monarchia 
lAisilana  liv.  ,3,  rap.  14,  diz  que  anligamenle  houve  buma  Cidade  cba- 
)  lad.ì  Mòro,  aonde  ag[ora  esla  o  dito  CastiHIo-  de  Almoiirol.  fundado  em 
tjrrecìfe  mellido  pelas  a<,Mias  da  Tejo,  qne  com  suas  correnles  o  rerca, 
r  Taz  Uba,  para  onde  vào  em  barcos,  e  no  verao  be  Imma  das  alegres 
Jjabilafoes  «jue  ba,  e  de  iirande  paswitempo.  E  era  o  mesmo  fìdalgo  lam- 
I»^m  senbor  de  varios  higares,  corno  das  Pias,  no  termo  «le  Tbomar,  e 
•le  Bezelga,  e  Cardiga,  e  sobre  tudo  muilo  privado  del-Kei  D.  AfTonso  V, 
V  do  posso  Infante  D.  Ilenriqne. 

8  Tal  fìdalgo,  corno  este,  escolbeo  pois  o  Infante  para  o  primeiro 
desoubrimenlo  das  Ilhas  dos  Ahmvs,  quando  descubrio  asFormigas  em 
<13I,  e  ao  mesmo  niandou  no  anno  seguinle  de  li32,  a  descnbrìr  .is 
Ilhas,  e  com  breve,  e  |)ros[)era  viagem  deo  o  dito  fìdalgo  com  buma 
l!ha  em  quinze  de  Agosto,  dia  de  N.  Senliora  da  Assiimprào,  sentìo  cu- 
llo jà  0  quadragesimo  nono  anno  do  Reinado  dei-Rei  D.  Joao  1.  tendo 
n  mesmo  Rei,  e  na  vespora  de  oulro  semelhante  dia  da  Assumpcào  da 
Senhora,  vencido  a  El-Rei  de  Castella  em  batalba  no  campo  de  s.  Jorge, 
rcima  do  lugar,  aonde  depoìs  se  edificou  o  Mosleiro  da  Batalba.  que  ti-' 
liba  succedido  em  o  anno  de  l'WS,  e  por  isso  o  rlìlo  descubridor  da 
liha  ihe  poz  por  nome.  Santa  Maria;  e  no  mesmo  anno  de  l4tW  nasceo 
vm  Portugal  o  Serenissimo  Infante  D.  AOonso,  fillio  dei-Rei  I).  Duarle, 
e  neto  do  que  ainda  reinava.D.  Joao  1. 

9  0  descuhridor,  e  Commendador  Frei  Confalo  Velbo  Cabrai  des- 
embarcou  na  liba  pela  parte  de  Oesle,  em  buma  pequena  praia.  que 
rbamurao  dos  Lobos,  e  ilo  ('nbreslarde,  por  o  parererem  assim  as  pon- 
las  de  tal  praia:  e  a(|ifi  se  fundou  depois  a  primeira  povoarao,  junto  a 
buma  rìbeira.  que  lodo  o  anno  corre:  logo  foì  o Commendador  corn»ntlo 
a  liba  loda  a  roda,  parie  por  terra,  e  i»arlo  por  mar,  prr  a  maileira  «la 
terra  nào  dar  lugar  a  mais;  e  touiadas  as  noticias,  niedidaS:.  e  ^inaes  da 


Liv.  IV  CAP.  m  137 

tr»m,  vollarao  lodos  para  Portngal:  e  flanrlo  conta  rio  Uvh  ao  Infante, 
fi.-on  este  tao  alopre,  qiie  Ingo  mandon  deifar  garlo  enfi  a  liha,  e  come- 
nid  jnniameiìle  a  proparar  a  povoarao  inleira  d'ella:  e  Ingo  fez  merré 
t'.'  Capiiào  Oonafario  ria  dila  liha  de  Sanla  Maria  ao  dilo  Commondador 
i'rvi  Goiiralo  Vellio  Cabrai:  e  llie  concedeo  mais  o  poder  levar,  jìara  po- 
>  Mrern  a  dila  Illia,  nào  so  os  que  qiiizessem  com  elio  ir,  de  seus  pa- 
Miles.  amijjns,  e  eonheoidns,  mas  da  mesma  Real  casa  d'elle  Infante:  e 
lissitn  qnasi  tros  armos  aridon  este  Commendador,  e  primeiro  Capitao  de 
S.nita  Maria  ajimiando  tao  grande'  nobrcza  para  Irazcr  comsigo,  que  o 
veracissimo,  e  enidilo  Fructiiosn  no  seii  liv.  in  cap.  li,  (e  o  continua  no  4) 
nizdos  dilos  primeiros  povoadores  eslas  palavras  formaes,  ibi:  «Todos 
fcao  do  ronselho  dos  Heis,  e  muito  privados,  e  dos  mais  honradns  fi- 
(lal;,'os,  que  bouve  n'aqnelle  tempo:  o  que  ludo  vi  por  papms  aulbenti- 
ri)s  eni  fóima  devida  pelas  jnslicas;  e  assim  foi,  e  bc  fama  commua  en- 
Ire  OS  antigos,  e  modernos.» 

10  Mas  porque  o  ciiado  Frurtu^so  he  dilTusissimo  em  seu  estylo, 
V  om  Genealogias  exlonsissimo:  e  com  ludo  serve  muito  tal  materia  pa- 
ri OS  descendenies  atlenderem  Is  virtu<les  de  seus  ascendenles,  e  os 
itnilaivm.  e  ainda  v(Tem  aos  vicios,  e  castigos  d'elles,  e  os  fugirem:  e 
l:iiu!)om  para  nào  screm  pombas  covardissimas  arpielles  que  descendein 
ih  generr)sas  Agnias;  por  isso  convém  recopilarmos  o  superfluo,  e  nào 
«leixarmos  o  ulil,  e  ajunlar  com  a  clareza  a  brevidade,  nao  nos  fazendo 
cscuros  por  sor  breves:  mas  accrescentando  o  quo  de  oiitros  Ilistoria- 
(1  «rcs,  e  de  papeis  autlientiros.  e  tradigoes  sempre  observadas,  puder- 
mos  uesla  materia,  aìnda(iue  com  traballio,  alcancar;  seja  pois. 

CAPITULO  III 

Da  nscenderìcia^  e  (ìrscfvdenna  dos  potoadores 
da  sobredila  liha. 

il  0  dito  desrnbridor  de  Santa  Maria  Frei  Concaio  Velbo  Cabrai, 
Ciminendador  de  Almourol  tla  Ordem  de  Chrislo,  e  senlior  dos  lugares 
das  Pias,  Bezelga,  e  <:ardiga,  ora  fillio  do  grande  fidalgo  Fernao  Velbo, 
e  de  sua  logilima  mulber  I).  Maria  Alvares  Cabrai,  e  por  esla  mai  era* 
Mo  do  senbor  da  aniiga.  e  illustre  casa  de  Belmonte,  chefe  dos  Ca- 
line:;; porém  corno  ainda  enlào  nào  podiao  ca^ar  cs  Commendadoi'es 


ih 


HlStOni.V  iNì^ULANA 


professns  ila  Orilem  de  Chrislo,  nuo  leve  Frei  Gonrnlo  descenflencia  al- 
t;uina,  e  assiin  so  Iralarenios  dos  irinàos  que  Une,  ponine  aléin  do  pri- 
iiieiro  irmao  Alvaro  Vellio  que  ficou  em  Porlusal,  leve  mais  irinfis,  D. 
Tareja  Vellia  Cabrai,  mài  do  segiiiido  Capilao  Donatario  de  Sanla  .Maria 
f;  S.  Miguel,  de  que  abaixo  fallaremos:  ilem  D.  Leonor  Velha,  que  ca- 
sou  com  Fernào  Vaz  Pacheco,  corno  em  ì>ìì[ì  lugnr  diremo;^. 

12  A  terceira  irmà  pois  do  descuhridor  Frei  Gonzalo  foi  D.  Violan- 
te (librai,  que  casou  com  Dingo  GonC'dves  de  Travassos.  lìdalgo  que  era 
Vodor,  e  Escrivao  da  pnridade  do  Infante  i).  Pedro,  fìlbo  del-Uei  D. 
Joào,  (a  (luem  ajudou  a  tomar  (lenta  em  Africa)  e  do  (-onsellio  d'el-Uei 
D.  AlTonso  V,  do  cujos  filhos  tambem  ì^oi  Aio,  e  Padrinbo;  e  esle  Dingo 
Gonfalves  de  Travassos  era  fillio  de  Marlim  Goncalves  de  Travassos,  e  de 
D.  Calharina  Dias  de  Mello,  e  ambos  da  grande  lìdalguia  de  IN)rtugal: 
«la  (|ual  D.  Violante,  e  Diogo  Goncalves  de  Travassos  nasceo  Hny  Vellio 
de  Mello,  Eslribeiro  mùr  d'el-Uei  D.  Joao  II,  e  a  esic  sobrinbo  de  Frei 
Gonzalo  forào  a  Commenda  de  Almourol,  e  as  terras  quo  o  tio  linha:  e 
j)or  morrer  o  sobrinbo  sem  filbos,  d'elle  passarào  a  Commenda,  e  as 
terras  a  D.  Xuno  Manoel,  quo  depois  foi  Conde  do  Uedondo. 

13  Nasceo  mais  desta  D.  Violante,  irmà  de  Frei  Gonv^il^^  e  do  di- 
Io  seu  marido  Diogo  Goncalves  de  Travassos,  nasceo  Pedro  Velbo  do 
Travassos,  do  qnal  casado  Ilcarao  varios  lìlbos,  e  liibas,  e  netos,  nào  so 
rm  Santa  Maria,  mas  tambem  na  Uba  de  Sào  Miguel.  Ilem  nasceo  da 
dita  D.  Violante,  e  Diogo  Goncalves  de  Travassos,  Niuio  Velbo  de  Tra- 
>assos,  ou  Cabrai,  qne  casou  com  Imma  fidalga  cbamada  Africanes,  (de 
que  abaixo  fallaremos)  e  deste  matrimonio  nasceo  D.  Grimaneza  Alon- 
so de  Mello,  qne  depois  casou  com  Lourenco  Anes  de  Sa  Leonardes,  br- 
inem  dos  mais  nobres  da  Uba  Terceira  na  Villa  de  S.  Scbastiào;  e  deste 
casamento  nasceo  Nuno  Lourenco  Velbo  (Cabrai,  (pie  casou  duas  v(»/.rs, 
ambas  nobre,  e  limpamenle,  de  quem  nasceo  Haltbasar  Velbo  Cabrai, 
que  casou  com  Maria  Manoel  de  Cbaves,  pais  de  Manoel  Cabrai  de  Mel- 
lo, que  com  so  Ordens  raenores  foi  Conego  do  Funcbal  em  a  Madeira, 
depois  Conego  de  Angra  na  Terceira,  e  logo  Arcediago,  Vignrio  Cerai, 
lYovisor,  e  Commissario  <la  (bilia  da  Cruzada,  e  qtit3  sendn  moco  ti-ve 
bum  fillio  de  mulber  nobre,  e  limpa,  cli.iinad.»  IkM-nardo  Cabrai  de  Mol-~ 
lo,  Cidadùo  de  Angro,  e  que  aìuihi  tJSii  desn'fnbnria. 

14  OuJro  irinrjo  te\o  o  dilo  Niirio  Ldiireiin.»  Vcibn  Ca!»ra!.  qne  se 
fliamava  Sebiislirio  yiniws  Velilo  Cjì.IuI,  ij'.c  «'as«.t:  coiu  Dona  Maria  de 


Liv-  IV  GAP.  m  139 

Almeida,  de  que  nascco  D.  Ignoz  Nunes  Veiho,  coiti  quctn  casou  Miffiiel 
c!e  Figueiredo  de  Lcmos,  de  que  nascerào  D.  Luiz  de  Figiujrn^do  de  Le- 
mos,  ((|ue  de  Deào  da  liha  Terceira  Toi  para  illustre  liispo  da  liha  da 
Madeira)  e  D.  Mecia  de  Lemos,  que  casou  corn  André  de  Sousa,  fiiho 
de  Joao  Soares,  terceiro  Donatario  de  Santa  Maria.  K  do  mesnio  Nuno 
Lourenfo  Vellio  nasceo  tanfibem  llieronvma  Nunes  Vellio,  que  foi  qiiar- 
ta  avo  do  septimo  Gapitao  Donatario  de  S.  Maria,  Braz  Soares  de  S(ju- 
sa,  e  de  seus  irmaos,  corno  veremos.  Nasceo  mais  do  mesmo  Nuno  Luu- 
renfo  Veiho  hum  Diogo  Velho,  que  la  ficou  em  Santa  Maria:  e  huni  Ma- 
thias  Nunes  Velho  Cabrai,  pcssoa  nnuito  principal,  e  que  lirou  iiislru- 
nienlos  de  sua  fidalguia,  e  casou  com  Maria  Simóes,  de  que  deixou  (ì- 
Kk)s,  e  viveo  na  sua  quinta  da  flor  da  Rosa  em  Santa  Maria. 

15  A  outra  irmù  do  descubridor  Frei  Confalo  Velho  foi  D.  Tareja 
Velho  Cabrai,  que  era  casada  com  o  primeiro  N,  Soares  de  Albergarla, 
(ie  que  nasceo  Joao  Soares  da  Albergarla,  que  casou  com  D.  Branca  de 
Scusa,  Dama  da  Rainlia,  e  fdiia  de  Joào  de  Sousa  Falcào,  fìdalgo  da  ca- 
sa (i  ei-Rei,  e  de  D.  Maria  de  Ahnada.  prima  com  irmà  do  Conde  de 
AbrancJies:  e  este  foi  o  segundo  Capit^o  de  Santa  Maria,  e  Sao  Miguel, 
corno  al)3Ìxo  se  vera;  e  teve  por  fìlhos,  nào  so  a  l^edro  Soares  que  mor- 
reo  na  India,  e  a  D.  Maria  que  casou  em  Portugal,  e  a  D.  Violante,  que 
casou,  e  nao  teve  Dlhos,  mas  tambem  teve  a  Joao  Soares,  de  Sousa,  ler- 
otiro  Rapitao  de  Santa  Maria,  que  casou  a  primeira  vez  com  D.  Guimar 
da  Conila,  flllia  de  Francisco  da  Cunha  (ie  Albuquerque,  e  de  D.  Brites 
da  Camera,  irmsi  do  quarto  Capitao  de  Sao  Miguel;  e  segunda  vez  casou 
Cora  D.  Jurdoa  Faleira,  fillia  de  Fernào  Vaz,  QIho  de  Joào  Vaz  das  Vir- 
tudes,  e  de  Anna  de  Rezende. 

16  Do  primeiro  matrimonio  nasceo  Fedro  Soares  de  Sousa,  quar- 
ta» Capitio  de  Santa  Maria,  casado  com  Dona  Brites  de  Moraes  da  liha 
da  Madeira:  e  do  mesmo  primeiro  matrimonio  nasceo  tambem  Nuno  da 
Canlìa  de  Sousa,  que  casou  com  D.  Francisco  Ferreira,  e  d'esles  nasceo 
Joao  Soares  de  Sousa,  que  casou  em  Santa  Maria  com  Dona  Felippa  da 
Conha,  dos  x|uaes  nasceo  Manoel  da  Camera  de  Albuquerque,  com  quem 
Cisoa  D.  Marqueza  de  Menezes;  e  destes  nasceo  Joao  Soares  de  Sousa, 
«  a'^ou  com  D.  Anna  de  Mello,  viuva  do  sexto  Capitào  Pedro  Soares  de 
Sousa;  ilas  (juaes  na;*ceo  Antonio  Soares  de  Sousa,  que  ainda  vive  ciisa- 
do  t>m  Ponta  Deigada  com  t).  Antonia,  jà  viuva,  e  de  que  tem  lìlhos. 

il    De  I^cdro  Soares  de  Sousa,  quarto  Capitào  de  Santa  Maria,  e  dà 


l  IO  inSTOniA  INSl'LANA 

dita  sna  mnllier  D.  Britos  rie  Moraes  nasceo  o  quinto  dito  Capìtao  Brn» 
Soai'os  (!e  Sousa,  qiic  rasoii  c/)m  h,  Dorolliea  de  Mollo,  Tilha  de  Joào 
Nnries  Velhn,  e  de  I)  Maria  da  r.amora:  e  o  dilri  quinto  Capilao  era  Com- 
inundador  (U  S.  Pcdro  do  Sul  em  Poftnpral.  D'este  pois  nasceo  o  sexlo 
(lapitào  Pi'dro  Soaro*?  de  Soiisa,  qne  casoii  sogunda  voz  com  D.  Anna 
(h  Mi'.llo,  ft  (ri\sl(?ì  matriinonio  nascer)  o  septimo  Capitao  Bras  Soares  dt^ 
Sousa,  fìda!«{0  d;i  Casa  de  S  Magc'stade,  e  casado.  0  dilo  scxto  (Capilao 
IVulro  Soares  linha  sido  casado  primiMra  voz  com  l>.  Victoria  da  Costa, 
do  (|ue  liouve  hum  (ll!io  cliamado  Bras  Soares.  Commendador.  de  Santa 
Maria,  mas  morroo  nas  guerras  do  BrasiL  e  so  Imm  fillio  naturai  dei- 
xou:  e  lamhem  teve  o  dilo  soxlo  Capilao  dous  filìios  bastardns.  hum 
chamado  I.ouronm  Soares  de  Sousa,  fidatilo  (ìlhado,  e  de  grandes  ser- 
vicos.  e  a  haslarda  I).  Ifrncz,  que  ficou  na  lllia  de  S.  Maria. 

18  Com  0  dilo  primeii'o  descubridor  Frei  Concaio  Veiho  Cabrai 
veio  mais  à  liba  de  Santa  Maria  bum  nobre  Gonzalo  Annes,  que  por  Ilio 
iiiorrerem  os  muilos  flllios  ale  alli  nascidos,  e  nascendo-lbe  ainda  Imma 
fìlha,  se  resolvoo  a  por-lbe  nome,  que  até  alli  ninguem  tivesse,  e  assim 
Ihe  cbamou  Africa;  e  ponfuc  e  sobrenomc  d'elle  era  Annes,  ficou  a  filba 
chamando-se  Africa  Annes,  e  vulgarmente  a  cbamavao  Africanes.  Morto 
pois  0  pai,  ou  (corno  outros  dizem)  voltando  da  Uba  para  Portugal,  por 
buma  morte  que  fizera  na  Uba,  alli  deixou  a  filba  encommendada  ao  seu 
grande  amigo,  companbeiro,  e  talvez  parente,  o  illustre  Frei  Concaio; 
e  oste  logo  deo  a  (bla  Africanes  por  mulber  a  bum  George  Velbo,  ipie 
ora  tambem  dos  mais  nohres,  e  primr^iros  povoadores  gue  vierao  li  liha, 
e  d'oste  casamento  pmcedorao  os  chamados  de  sobrenome  Jorgos,  con- 
ferme ao  eslylo  anttgo  dos  descendentes  tomarem  por  sobrenomes  os 
iiomes  (bìs  ascondenles.  .Morto  Jorge  Velbo,  casou  Africanes  segunda  vez 
com  bum  sobrinbo  do  sobredito  Frei  Concaio  Velbo,  que  se  cliamava 
Nufìo  Velbo;  e  «leste  segimdo  marido,  e  de  Africanes  nascerHo  Duarle 
Nimos  Velilo,  (de  que  bouve  mais  descendencia)  e  Grimanoza  AiTnnso  de 
Mollo,  que  casou  com  aquclle  nobre  LouronfO  Annes  da  Illia  Terceira,  e 
d'eslos  nasceo  Ignes  Nunes  Velbo,  que  casou  com  Miguel  de  Figueircdo 
<io  I.emos.  que  fijrào  pais  do  illustre  Bispo  do  Funchal  D.  Luis  de  Fi- 
gueiredo  de  Lomos. 

15)  D'eslos  Figueiredos  rofore  o  douto  Frucfuoso,  que  dando  hum 
aniigo  Bei  de  Porlugal  bat:il!ia  a  iuimigos,  pelojarao  de  tal  sorte  d<ms 
nobros  iriunos,  que  quebradas  as  espadas,  arremcttorào  logo  a  humus 


LIV.  IV  GAP.  Ili  141 

figiieiras  que  viao,  e  tirando  dellas  forles  paos,  loniarao  aos  iiiiini[,^os, 
e  OS  doslruirao  de  sorte,  que  aeabada  a  balallia,  a  ambos  chanion  El« 
liei,  e  dando  a  hum  o  appellido  de  Fìgiieiredo,  ao  outro  per{j^iJiitou  (pie 
appellido  queria:  este  respondeo,  (pie  sua  lama  llie  bastava,  e  (|ue  ella 
soaria;  e  desde  entào  llie  dianiarao  Soares;  e  que  o  entào.  Uei  lizeni  se- 
ulior  de  Albergarla  a  este  scgundo  irmao,  e  os  seus  descenderiles  so 
diainarao,  Soares  de  Albergarla;  e  estes  sào  os  legitiinos  J^oares,  (]ue 
bem  poderào  cbamar-se,  Soares  de  Albergarla;  e  estes  sao  os  legiiiinus 
Soares,  que  boia  poderào  cbainar-sc,  Soares  de  Flgueiredo. 

HO    De  laes  Tigueiredos  era  o  anligo,  e  illustre  Bispo  de  Vizeu  D. 
Gonyalo  de  Figueircdo,  quo  teve  bum  (ìlbo,  e  tres  lilhas;  o  lilbo  se  ciia- 
mou  Fernào  Goiicalvcs  de  Figueiredo,  que  casou  coro  Maria  Uias,  (pevS- 
soa  muito  prlncipal)  e  destes  nasceo  Dingo  Soares  de  Albergarla,  do 
que  nao  fìcarao  fllbos,  e  foi  Aio  dei-Rei  D.  Joao.  Nasceo  mais  do  dllo 
Feniuo  Gongalves,  Fernào  Soares  de  Albergarla,  que  casou  com  D.  Isa- 
bel  de  Mello,  filila  de  Estevào  Soares,  de  que  nasceo  D.  Brites,  mullier 
de  Affonso  de  Slqueira,  e  ama  da  excellente  senliora;  e  outra  D.  Isabel 
de  Alello,  raulber  de  Antao  Comes  de  Abreu,  e  outra  D.  Briles,  muilier  de 
Diego  de  Mendonca,  Alcalde  mór  de  Moura,  e  Isabel  Soares,  mullier  de  Vas- 
co Carvallio,  e  D.  Briolonja,  mullier  de  Joào  Gomes  da  Silva,  seiiiior  da  Clia- 
niusca.  De  D.  Briles,  e  Diogo  de  Mendonga  nasceo  D.  Margarida,  mu- 
Iher  de  Jorge  de  Mello,  Monteiro  mór,  D.  Joanna  de  Mendonga,  segunda 
mullier  do  Duijue  de  Braganga,  e  Pech^o  de  Mendoga,  Alcalde  mór  de 
Moura,  e  Antonio  de  Mendoga,  e  Cbiistovao  de  Mendoga.  As  tres  lilbas 
do  sobredito  Bispo  de  Vizeu  foruo  Ignes  Gongalves  de  Figueiredo,  Ma- 
ria Gongalves  de  Figueiredo,  e  Brites  Gongalves  de  Figueiredo;  e  todas 
casarào,  e  tiverào  multa  descendencla;  da  primelra  descendeo  Gongalo 
de  Figueiredo,  pai  do  Conde  de  MaiiaHa:  e  da  segunda  nasceo  Ayres 
Gongalves  de  Figueiredo,  senlior  das  terras  de  Freigedo,  e  Alcalde  mór 
de  Gaya.  Da  terceira  nasceo  Tareja  de  Figueiredo,  mai  de  Fernào  de 
Figueiredo,  que  casou  com  Meda  de  Lemos,  e  forOo  pais  de  Miguel  da 
Fiiroelredo  de  Lemos,  que  velo  à  Uba  de  Santa  Maria,  e  nella  casou 
com  Ignes  Nunes  Vellio,  Olba  de  Sebastiao  Nunes  Velbo,  de  que  acima 
se  fallou  ja. 

21  Casou  terceira  vez  a  sobredita,  e  nobre  Africanes  com  Pcdrca- 
nes  de  Alpoim,  homem  eslrangeiro,  mas  nol)re,  e  dello  teve  aliida  a  Bui 
Femandes  de  Alpoim,  que  morrco  sem  desceudoncia,  e  a  Estevao  Pires 


ii2  HISTORIA  INSULANA 

de  xVlpoim,  e  Guilhelma  Fernandes  de  Alpoim;  e  d'estes  vem  os  Alpoins 
de  S.  Miguel,  e  da  Terceira.  E  està  he  a  substancia  verdadeira  do  que 
dilTusametite  traz  o  nosso  Fructuoso,  e  consta  de  outros  papeis  autlien- 
ticos  que  se  ^^xamìnarao.  E  n'este  mesmo  seu  liv.  3.  cap.  3  e  4«  traz 
Fructuoso  as  armas,  e  brazoes  dos  Velhos,  Cabraes,  Mellos,  Soares»  e 
outros,  que  lie  escusado  referìl-os  aqui. 

CAPITULO  IV 
Da  altura,  podo^^es,  o  ferlilidade  da  Ilha  de  Santa  Maria. 

22  Jaza  dita  Uba  neste  nosso  Oceano  em  trinta  e  sete  graos  da  parte 
do  Norie  Septenlrional,  e  corresponde  direitamenledeLesteaOestecoin 
0  Cabo  de  S.  Vicente,  e  este  Cabo  com  ella  de  Oeste  a  Leste,  em  dis- 
tnncia  de  duzentas  e  clncoenta  legoas.  Ao  Norie  de  Santa  Maria  Ihe  fica 
a  pouta  cbninnda  de  Nordeste  da  Ilha  de  Suo  5figuel,  de  cuja  Gìdade,  e 
porto,  ao  de  Santa  Maria,  ha  vinte  legoas,  e  do  de  Villa  franca  dezaseis; 
poréni  so  doze  de  terra  a  terra.  Commuinmenle  se  dizia  ter  pouco  mais 
de  Ires  legoas  de  comprido,  e  nào  chegar  a  duas  de  largo;  mas  exami- 
nada  a  vcrdade  em  o  anno  de  106G,  se  achou  ter  quasi  ciuco  legoas  de 
comprido,  e  de  largo  quasi  tres,  e  nove  de  redondo;  he  de  figura  ova- 
da,  e  corre  de  Leste  a  Oeste.  Da  parte  do  Oriente  d'ella  lem  huma  ponta 
baixa  alò  o  mar,  e  n'este  bum  Ilheo  redondo,  e  allo,  mas  pequeno,  a 
<|ue  chamùo  o  Castellete;  e  comecando  d'aqui  com  a  testa  em  o  Oeste, 
aornle  chamào  Lagoinhas  da  parte  do  Norie,  e  da  parte  do  Sul  chamHo 
Monte  Cordo. 

i.'J  Do  Castellete  pois,  por  està  parte  do  Sul,  meia  legoa,  esUi  ou- 
tro  Ilheo  maior,  a  que  chamaò  o  Castello,  onde  se  abrigao  navios,  e  tem 
seu  porto  para  os  bateis  embarcarem  os  vinhos,  que  por  alli  se  dao 
multo  bons.  Adiante  do  Castello  està  bum  porto  de  pescadores,  que  cha- 
mào Calheta;  e  huma  legoa  adiante  està  huma  ponta  chamada  Malbusca, 
rocha  alta,  e  medonha;  mas  bum  tiro  de  pedra  mais  além  se  segue  hu- 
ma liijà  com  moradoi-es  pertencentes  a  Freguezia,  e  lugar  do  Espirito 
Santo,  que  estil  meia  legoa  pela  terra  dentro.  Da  roclìa  Malbusca,  mela 
legoa,  vai  oulra  rocha,  a  que  chamao  Ruyva,  tao  alta,  e  tao  ingreme, 
(]ue  calìindo  de  cima  agua,  ainda  que  seja  pouca,  sem  locar  na  rocha, 
chega  a  bai\o.  Mais  adiante  se  segue  huma  prata  de  area^  e  para  dea- 


LIV.  IV  CAP.  IV  143 

tro  huma  .Vlden  de  qiiinze  vizinhos,  com  a  celebre  Ermida  de  N  Senho- 
ra  dos  Hemedios,  de  muitos  miiagres  em  enfermos;  e  por  loda  a  Ermi- 
da, huin  Uro  de  bésla  do  mar»  sahe  Imma  fonte  de  agua  salobra,  aondo 
s«  lem  lavado  muitos  enfermos,  e  conrado  saude,  pelo  que  Ihe  chamao 
a  runtc  de  N.  Senhora.  Està  mais  adiante  Inim  areal,  que  chamao  a  Prai* 
nha,  para  dentro  da  qnal  vao  muitas  ladeiras  com  vinhas,  e  ponco  dis- 
tmles  outras  vìnhas  cliamadas  o  Figueiral;  acìma  das  quaes  em  iìuma 
njclia  se  tira  pcdra,  de  (jue  se  faz  muita  cai;  e  tambem  se  tirao  pedras 
(le  manuore,  de  qne  se  fazem  mós,  cousa  que  nao  ha  nas  outras  Ilhas. 

21  Andando  mais  dous  tiros  de  arcabuz,  e  enlre  duas  viiihas,  eslfio 
duas  furnas  taes,  que  a  huma  se  nào  acha  o  fim,  mas  com  candeas  ac- 
cesa» se  lira  d'ella  hum  barro  cinzenlo,  tao  macio,-  e  tao  fino,  corno  sa- 
1)30,  e  serve  para  lavar  panno,  e  tirar  qualquer  nodoa  d'elle,  posto  ao 
Sol,  porque  chupa  a  nodoa,  e  o  deixa  puro,  e  limpo  d'ella.  Seguc-sj 
mais  a(Jiante  a  ponta  chamada  de  iMarvào;  e  logo  Imma  bahia  para  a 
parie  do  Occidente;  e  depois  d'ella  sahe  huma  ribeira  tao  grande,  que 
fom  ella  moem  oito  moinhos;  e  aqui  eslà  hum  areal,  e  portOr  que  clia- 
mào  0  Porlo  Veiho  e  adiante  outro  que  chamao  o  Porto  Novo,  com  duas 
ribeiras  que  lambcm  sahem  ao  mar;  e  enlre  esles  dous  portos  eslà  huma 
siilmla  para  hum  allo,  aonde  està  a  Villa  do  Porlo,  cabefa  de  toda  està 
liha,  [>ara  a  banfla  do  Sudoesle. 

25  Tem  esla  nobre  Villa,  sobre  a  rocha  para  o  mar,  Imma  Ermida 
de  N.  Senhora  da  Conceicao,  que  he  a  primeira  casa  que  se  vé,de  fora. 
Tem  a  Igreja  Malriz  da  Hha,  coni  hum  Vigano,  bum  Cura,  e  quatro  Be- 
neliciados,  hum  Organista,  hum  Thesoureiro,  e  quasi  quatrocentos  vizi- 
nhos, e  mais  de  mil  e  selecenlas  pessoas  de  Communhiio;  e  pela  liba 
lem  mais  tres  Freguezias  menos  principaes,  que  sao,  a  de  S5o  Pedro 
com  Vigario,  e  Cura,  e  mais  de  trezenlas  pessoas  de  Communhao  ;  a 
do  Esiiirilo  Santo  tambem  com  Vigario,  e  Cura,  e  quatrocentas  pes- 
soas de  Communhao  a  de  Sanla  Barbara  com  Vigario,  e  pessoas  de  Com- 
mmiliào  a  duzcntas  e  cincoenta.  Tem  mais  a  dita  Villa  tres  mas  gran- 
des,  que  sahinilo  de  adro  da  Igi'eja  Malriz  vào  parar  ao  mar,  com  mui- 
tas rua:>  travessas,  e  se  continua  ale  a  Ermida  de  Santo  Antao,  que  eslà 
pela  terra  dentro.  0  Orago  da  Igreja  principal  he  N.  Senhora  da  Assum- 
PC^K).  e  0  Padroeiro  da  Igreja  da  liba  he  Sào  Malhias.  Ha  na  Villa  Casa 
da  Sanla  Misericordia  com  boa  renda  lìxa  de  moìos  de  trigo  cada  anno; 
^  0  Senado  da  Camera  com  igual  n^nda;  Mestre  de  latim»  e  Prégador 


144  inSTOUlA  INSUIANA  ^ 

coni  ,lres  moios  de  trige  de  renda,  e  dez  mil  ròis  em  dinheiro;  e  Inim 
ConvoMto  de  Freiras,  qiie  daiUes  nao  erao  professas,  furidado  pelo  Re- 
verendo Clerigo  Fernando  de  Andrade,  coni  dezoilo  moios  de  renda  de 
Iri^'o  cada  anno  para  quinze  Freiras;  e  sol)re  ludo  lem,  aléin  de  Cleri- 
gos  seculares,  liuni  Convenlo  de  Religiosos  Franciscanos,  que  sào  de  beiu 
esi)iritual  nao  so  para  esla  Villa,  mas  para  loda  a  Illia. 

2G  A  defeza  desta  Villa,  e  de  loda  a  Illia,  era  de  anles  pouca,  sen- 
do  que  lem  huma  legoa  de  postos  por  onde  podia  ser  enlrada,  e  o  fui 
enlào  Ires  vezes,  de  iMouros,  Inglezes,  e  Francezes;  mas  depois  se  Ihe 
fizerào  no  Caslello  da  praia  dous  Forles'com  qualorze  pecas,  e  adianie 
lunn  Forte  com  algumas:  na  Villa  do^is  Forles  com  sete  pe(,as:  na  ponia 
de  Mai'vào,  e  no  Figueiral,  e  na  Trainila  oulros  Forles  com  sua  arlellia- 
ria:  o  que  ludo  nao  so  manda  o  Governador,  e  Capilào  Donatario,  (co- 
rno abaixo  veremos)  mas  immedialamenle  lumi  Capilào  de  arlelliaria  com 
Irinta  Arlillieiros,  além  do  Capilào  mor,  olDciaes,  e  gente  de  ordenan- 
Va:  que  quanto  pelas  mais  parles  da  lllia,  he  por  nalureza  inconquìsla- 
vel,  haveudo  alguem  que  das  roclias  so  com  pedras  a  defenda. 

il  Ao  redor  desia  Villa,  pela  lerra  dentro,  ludo  sào  terras de  Iri- 
go,  e  loda  a  Illia  he  lào  abundanle  de  agua,  que  so  a  dita  Villa  lem  mais 
de  quarenla  e  cinco  fonles,  que  correm  lodo  o  anno,  e  algumas  g!*ar.des, 
e  fermosas:  na  Freguezia  de  N.  Senhora  da  Sen-a  ha  oiilras  lant^is.  e  na 
de  Santa  Barbara  vinte  e  Ires  fonles,  e  pela  rocha  a  roda  da  Illia  sào 
innumeraveis,  e  todas  de  boa,  e  doce  agua:  a  genie  nào  so  da  Villa, 
mas  de  loda  a  Iliia,  he  da  ascendenza  que  jà  vinijs,  onde  ainda  ha  miii- 
los  nobres,  e  fidalgos,  e  d'esles  quasi  lodoi  sào  de  estalura  allos,  pro- 
porcionados,  e  de  presenta  grave,  e  grandes  espiri los,  e  tao  presum- 
pluosos,  que  he  pequena  a  terra  para  nobreza  lauta;  e  por  isso  sào  mui 
inclinados  a  ca(;a,  e  pescarla:  e  assim  se  conservào  huns  com  oulros,  e. 
raramente  jà  hoje  casào  fora,  ou  admillem  de  fora  casamenlos. 
^  28  Hum  quarto  de  legoa  da  Villa,  indo  pelo  Sul,  està  no  mar  hum 
Ilheo,  com  terra  por  cima,  de  quatro  alqueires  de  semeadura,  mas  com 
tanto  Garajào,  que  quem  la  quer  ir,  traz  quatrocenlos,  ou  quinhenlos 
ovos  d'elles,  e  tao  bons  corno  os  melbores  de  galinhas;  porém  deve  ir 
com  a  cabega  bem  cuberta,  para  nao  vir  sem  orelhas,  porque  so  a  eslas 
arreraetleni  fortemente.  Pela  terra  se  segue  adiante  a  Ponla  do  Cabres- 
tante,  e  adiante  mais  a  Praia  de  Lobos,  e  logo  huma  Ermida  chamada 
4os  Anjos,  mais  de  legoa  do  sobredilo  Ilheo;  e  pouco  depois  se  segue  o 


LIV.   IV  CAP.  V  145 

Uonte  Cordo,  e  adiante  huma  rocha  tao  ìogreme,  e  tao  alta,  quo  nin- 
goem  com  huma  besta  chegari  de  baixo  à  superficie  da  rocha;  e  com- 
todo  he  de  notar  que  no  mais  alto  de  cima  sahe  huma  perpetua  fonte 
de  agna,  e  da  grossura  do  punho  de  hum  homem  sera  haver  era  toda 
1  Uba  terra  alguma  mais  alta  do  que  està:  e  ainda  ih  mais  de  notar, 
qoe  por  baixo  da  dita  fonte,  e  rocha  vai  huma  tao  grande  fuma,  ou  con- 
cavìdadc,  que  entra  meìa  legoa  pela  Ilha  dentro,  e  a  fonte  sahe  por  ci- 
ma: e  aqui  vai  dando  volta  &  Ilha  para  o  Nordeste.  Na  rocha  poréra  se 
apaoha  muita  urzella,  que  he  comò  musgo  do  mar,  e  de  cor  cinzenta, 
e  tal  Unta  azul  deità  de  si,  e  tao  fina,  que  vence  à  que  se  lira  do  Pastel, 
posto  qne  da  urzella  dasCanariasdizem  que  ainda  he  melhor.  Mais  adianle 
segoem-se  as  Fajans,  a  que  chamào  Lagoinhas,  de  baixo  das  quaes  està 
oalra  fuma  junto  ao  mar,  d'onde  pescadores  de  S.  Miguel  vir3o  huma 
i^ez  sahir  doze  lobos  marinhos,  comò  em  alcatéa,  e  alli  os  pescadores  os 
vinhio  perseguir,  e  notarao,  que  antes  dos  taes  lobos  se  recolherem  a 
saa  furna,  levantavao  as  cebecas,  a  ver  se  apparecia  algum.  Aqui  faz  a 
liba  testa,  e  firn  da  banda  do  Sul. 

CAPITOLO  V 

Do  tracio  do  Norte,  e  seu  interior  da  Ilha,  e  singularitlades  d'ella, 

29  Voltando  pela  banda  do  Norie,  e  Nordeste,  oulra  vcz  alò  onde 
comefamos,  està,  dous  tiros  de  bésla  pela  terra  dentro,  a  Freguezia,  e 
logar  de  Sanla  Barbara,  que  passa  de  quarcnla  vizinhos,  e  duzentas  e 
dncoenta  almas  de  Communhao;  e  adiante,  mais  de  moia  legoa,  està  a 
Ponta  do  Alvaro  Pires  de  Lemos,  aonde  hum  genro  seo  vendeo  terra 
boa,  e  de  hum  moio  de  semeadura,  por  quatro  mil  e  setecentos  reis, 
seodo  que  no  anno  de  1568,  (com  ser  armo  esteril)  deo  a  dita  terra 
qoinze  moios  de  trigo.  Mais  adiante  estao  humas  fajas  com  vìnha,  aonde 
nao  ha  (diz  Fructuoso)  alqueìre  de  terra  de  vinha  que  nao  de  huma  pi- 
pa de  vinho,  e  mais;  d'ahi  a  mais  de  legoa  se  segue  a  Ponta  de  S.  Lou- 
renco,  aonde  de  huma  alla  rocha  abaixo  sahe  huma  ribeira  e  chega  ao 
mar  sem  tocar  na  rocha,  e  n'ella  està  a  Ermida  de  S.  Lourenco.  Depois 
se  té  0  Ilhéo  chamado  do  Romeiro,  com  dcz  alqueires  de  terra,  e  her- 
^  em  cima,  e  em  baixo  huma  tao  comprida  fuma,  quo  parece  atraves- 
»  0  llhèo;  a  boca  he  de  altura  de  trcs  lancas,  e  dentro  tcm  muitas  fur- 
vot.  I  10 


146  IMSTORIA  INSULANA 

has,  caminhos,  reiretes,  ludo  de  pedra  aspera,  e  que  parece  engessada, 
e  de  agua  feita  pedra,  que  de  cima  vern  ein  gollas,  e  corno  cera  se  coa- 
Iha,  se  congela  corno  vidro,  e  imiita  fica  no  ar  depeiidurada.  corno  re- 
gelo. Oli  neve;  ou  conio  tochas,  e  cirios  quo  se  vào  fazendo,  algumas  tao 
compridas  qnUr  chegam  abaixo,  ficarido  oiitras  periduradas  em  o  ar,  e 
brancas  corno  alabastro:  e  tendo  o  pavimento  lunna  lagcm,  as  gottas  que 
cahem  n'ella  se  levanlao  em  outras  tochas;  ontras  (icào  em  figura  de 
confeitos;  o  parece  està  fuma,  ou  casa  de  cerieiro,  ou  de  confeitciro,  ou 
Oratorio  de  cera  bem  ornado. 

30  Quasi  rneia  legoa  adiantc  da  tal  Fuma  està  huma  Ennida  de 
Santo  Antonio,  aonde  linlia  estado  a  primeira  FreguivJa  de  Nossa  Senho- 
ra  da  Purilica^ao,  e  succedco,  que  quorendo-a  mudar,  botarao  sortes,  a 
que  Santo  ficaria  a  Igreja,  e  saliio  a  sorte  a  Santo  Antonio,  ^  porisso 
mais  adianle  està  a  dita  Fregnezia  cliamada  de  Santo  Antonio,  e  com 
raais  de  com  vizinhos.  E  ainda  mais  de  logoa  adianle,  està  o  Castellcle, 
d'onde  comecàmos  o  circulo  d'està  liha;  mas  ainda  pelo  mais  interior 
d'ella  tcm  varios  moradores,  e  higares,  posto  quo  menores,  e  bum  sin- 
gular  posto,  a  que  chamilo  o  Ahnngro,  por  so  dar  alli.  Toda  esla  liha 
està  tao  (irmada  em  podra  viva,  que  a  niaior  altura  do  terra,  commum- 
mente  nao  passa  de  dez  palmos;  d'onde  vein  que  raramente  ha  n'osta 
liha  tremor  do  terra,  e  se  alguma  vez  treme,  he  tremor  pequeno,  e 
brando:  e  ainda  quando  a  Iliia  de  S.  .Mii^^iiol  teve  tremores  Titaes,  algu- 
ma cousn,  mas  mui  pouco  so  sentirlo  n'esla  liba:  porisso  tambcm,  ain- 
da que  teni  multa  lenlia  para  o  gasto,  para  obras  de  madeira  nào  teni 
multa,  por  nao  ter  terra  profunda  d'onde  saia. 

31  Em  algumas  partes  a  terra  que  tem  he  tudo  barro  vermeiho,  o 
esteril  para  fruto;  porùm  para  loufa  he  excellenle,  e  da  tal  loufa  ver- 
melha  se  prove  a  dita  liba,  e  dà  provimento  d'ella  a  S.  Miguel,  e  ainda 
a  Uba  Terceira:  mas  em  todas  as  mais  parles  a  loiia  he  tao  frutifera, 
que  bum  grao  de  Irigo  laura  cento,  e  conio  e  doz  espigas,  nào  passan- 
do em  outras  terras  de  quarenta  ao  mais:  e  o  trigo  l>c  tao  perfeilo,  que 
sempre  vai  mais  que  o  das  outras  Ilhas,  e  faz  pouco  custo  em  mondas, 
e  leva  menos  semente:  e  o  mesmo  se  experimenta  na  cevada.  Tem  muilo 
gado  està  Uba,  e  lodo  multo  mais  gordo  que  o  das  outras,  especial- 
mente 0  vacum,  e  de  carneiros,  e  ovelhas,  pelo  multo,  e  nielbor  pasto 
que  em  si  lem,  e  por  isso  grande  copia  de  lacticinios,  e  queijcs  osm> 
biores  das  mais  Ilhas,  Vinho  tem,  som  necessitar  de  fora:  teda  a  casta 


LIV.  IV  CAP.  V  147 

de  boa  hortaliga,  e  tao  grande  alguma,  que  ha  r#baos  de  tres  palme  s 
em  roda,  e  nabos  corno  bolijas;  e  os  melhores  meloes,  posto  que  de 
poaca  dura.  Pescado  tem  mnito,  mas  algura  d'elle  he  menos  gostoso;  e 
deaves  so  Ihe  faltao  perdì7.es,  e  codornizcs;  quo  de  coelhos  lem  tantos, 
qae  davao  a  Ires  por  hum  vintem;  e  tem  milito  bons  foroes,  e  caes  de 
cap.  Era  firn  he  tao  barata  a  terra,  que  d'ella  a  que  levava  hum  moio 
de  trigo  de  scmeadura,  se  vendia  no  anno  de  loOO,  a  dous  mil  reis  só- 
menle,  havendo  jà  porto  de  oitenta  annos  que  era  povoada  a  Ilha, 

3i  Uouve  n'esta  Ilha  huma  moga  solleira,  tao  desobediente  a  sua 
mài,  que  em  està  charaando,  ou  perguntando  alguma  cousa,  nem  hia, 
nem  respondia;  e  com  isto  tanto  exasperou  a  mai,  que  perdida  a  pa- 
cieocia,  levantando  a  mao,  e  voz  ao  Geo  Ihe  lanfou  por  maldigao,  que 
filhos  viesse  a  ter,  que  aincla  que  quizessem,  nao  podessem  responder- 
Ihe:  vaio  tempo  em  que  casou  a  moga  com  hum  Affonso  de  Carvalho,  e 
leve  d'elle  dous  filhos,  e  huma  filha,  e  todos  tres  totalmente  forao  mu- 
dos;  e  assim  castigou  Deos  em  estes  netos  a  desobediencia  da  mài,  e  a 
impaciencia  da  avo. 

33  Outro  homem  houve  na  mesma  Ilha,  chamado  Joào  Vaz  Melao, 
qoe  tinha  lai  virtude  de  curar  enfermos,  que  porisso  Ihe  chau^arào,  o 
Joào  Vjjz  das  Virludes;  esle  sem  ser  Medico,  nem  ainda  Cirurgiao,  ti- 
nha buma  grande  casa  preparada  so  para  curar  enfermos,  ainda  de  ou- 
tras  Ilhas,  e  so  por  amor  de  Deos  curava  a  todos,  particularmenle  de 
torceduras,  pernas  quebradas,  e  semclhantes  achaques,  e  outros  muilo 
diversos,  com  tal  successo,  que  nem  enfermo  algum  Ihe  morreo,  quan- 
do 0  curava,  nem  ferida  alguma  Ihe  parecia  incuravel,  e  ordinariamente 
so  com  azeite,  e  hervas  fazia  as  suas  curas.  Aflìrma-se,  que  nao  haven- 
do entìo  na  Uba  azeite  algum,  e  querendo  elle  curar  huns  enfermos  vin- 
dos  de  outras  Uhas,  huma  sua  filha  Ihe  respondeo,  que  a  jarra  do  azeite, 
ja  nenlìum  tinha:  e  porfiando  o  velho  pai  que  fosse  buscar  o  azeite;  e 
pelo  contrario  a  filha  affirmando  que  vinha  de  ver  a  jarra,  e  nenhum 
azeite  estava  niella,  replicou  o  pai:  Hora  torna  la  com  a  graga  de  Deos, 
qoe  a  jarra  tem  azeite,  e  nao  sejas  desconfiada.  Foi  a  filha,  e  achou  a 
jarra  cheia  de  azeite. 

3i  Forao  taes,  e  tantas  as  prodigiosas  curas  d*este  Joao  Vaz  das 
Virtodes,  quo  succedendo  ir  a  Lisboa,  era  jà  tal  a  fama  de  suas  curas, 
qoe  vendo-o  là,  o  chamarào  para  curar  a  El-Rei  D.  Manoel,  e  com  tal 
successo,  e  Ho  brevemente  o  curou,  que  o  raesmo  Rei  Ihe  disse  que  pe- 


148  IIISTOIUA  INSULANA 

disse.  E  0  comedido»  velilo  obrigado  llie  pedio  liuraas  cabecadas  de  ter- 
ra, que  na  liha  estavao  por  dar,  e  todas  nao  levarìao  mais  de  vinte  moios 
de  semeadura,  dos  quaes  cada  bum  valia  entao  a  dous  mil  reis  sómen- 
te;  e  coni  isto  se  contentoii  o  bom  veiho,  sendo  quo  se  pedisse  todas  as 
terras  que  na  Ilha  ainda  estavao  por  dar.  todas  Ih'as  daria  o  Rei,  e  os  fi- 
Ihos  do  velilo  ficarilio  remediados.  Mais  se  affirma  de  tao  virtuoso  ho- 
mem,  que  costumando  fazer-se  era  aquella  Uba  pelo  Espirito  Santo  bum 
Bodo  comraum  para  a  pobreza  que  vcin  de  fora,  e  succedendo  faltar  a 
carne,  mandou  o  devoto  vcllio  tirar  do  seu  gado  varios  carneiros,  que 
deo  logo,  e  se  malarilo,  e  coinerao  em  o  Bodo:  cis  qne  ao  outro  dia  se 
acharao  em  o  gado  do  tal  bomcni  tantos  carneiros,  quantos  estav3o  d'an- 
tes.  e  enlre  elles  repararao,  que  andavào  tantos  com  os  signaes  nas  gar- 
gantas,  por  onde  tinhao  sido  degollados,  quantos  se  levarao  para  aquella 
festa  do  Espirito  Santo,  que  das  tres  pessoas  da  Santissima  Trindade  he 
tao  poderoso,  comò  o  Padre  Eterno,  e  comò  o  Divino  FiUio, 

33  Finalmente  se  affirma,  que  d'este  prodigioso  Joao  Vaz  das  Vir- 
tudes  ficou  comò  por  beranca  tal  virtude  de  curar  em  seus  filbos,  netos, 
e  bisnetos,  que  parece  milagrosa:  o  certo  be  que,  ou  por  sobrenatural 
auxilio,  ou  ainda  por  auxilio  naturai,  (de  que  tratamos  na  nossa  Tbeo- 
logia  Escolastica,  na  materia  da  Graca,  e  Auxilios)  póde  Deos  conceder 
a  buma  pessoa,  e  a  seus  taes  descendeutes,  a  virtude  curativa  de  sarar 
a  outros  enfermos  para  bem  communi  de  oulros,  e  muito  mais  em  no- 
vas  povoacoes,  aonde  nao  ba  outros  Medicos,  ncm  nolicia  de  outras  rae- 
dicinas  applicaveis;  e  nem  scr  isso  prova  de  Santidade  da  pessoa  que 
lem  tal  virtude,  nem  ser  em  tal  pessoa,  ou  familia  milagre  rigoroso,  mas 
naturai  Providencia  Divina;  e  qual  d'eslas  causas  fosse,  Deos  o  sabe: 
que  quanto  o  serem  verdadeiros  os  factos  acima  refcridos,  parece  indu- 
bitavel,  'pois  bc  tradii:ao  antiga,  e  sempre  commua  de  toda  aquella  Uba, 
e  OS  casos  acima  referidos  traz  por  verdadeiros  Fructuoso,  liv.  3, 
cap.  9,  e  10. 

CAPITULO  VI 

Do  primeiro  Capitdo  Donatario  da  Ilha  de  Santa  Maria, 

3G  0  primeiro  Capitao  foi  (comò  acima  jà  tocàmos)  o  muito  illus- 
tre, 0  famoso  fidalgo  Frei  Gonzalo  Velbo  Cabrai,  Commendador  de  AI- 
raourol  da  Ordem  de  Cbristo,  e  senbor  das  terras  do  Pias,  Bezelga,  e 


LIY.  IV  CAP.  VI  149 

Cardiga,  na  jarisdiccao  de  Tliomar^  chamava-se  por  antonomasia  o  Fa- 
moso, pelas  famosas  acQoes  qiie  obrou,  acompanhando  aos  Reis  de  Por- 
tagal  Da  conquista  de  Africa;  porque  os  Commendadores  professos  da 
Ordem  de  Christo,  ainda  entao  nao  casavao,  e  el-Rei  D.  Manoel  foi  o  pri- 
mciro  que  Jhes  alcangou  dispensa  para  casarem:  Frei  Gonzalo  (que  an- 
tes  florecera)  nunca  casou;  e  comò  descabrio  a  liha  de  S.  Miguel,  dire- 
mos  abaixo  tralando  d'ella;  consta  porém  que  a  ambas  governou  com 
tanto  valor,  prudencia,  e  brandura,  que  de  todos  foi  sempre  muito  obe- 
decido,  e  amado. 

37  Depois  vendo-se  ja  veiho  o  dito  Fr.  Confalo,  e  que  comsigo  li- 
oba  trazido  para  a  Illia  a  dous  sobrinbos,  aìnda  meninos,  Nuno  Velha  de 
Travassos,  e  Fedro  Velho  de  Travassas,  fillios  ambos  d'aquelle  grande 
Odalgo  Diogo  Gonfalves  de  Travassos,  e  da  irma  d'elle  Capitao  D.  Vio- 
lante Cabrai,  e  que  ambos  erao  ja  liomens  capazes,  e  multa  aptos  para 
governar,  resolveo-se  voltar  a  Lisboa,  corno  voliou,  e  pedio  ao  Infante 
D.  Heorique  Ibe  confirmasse  a  renuncia  que  queria  fazer  das  duas  Capi- 
taoias  das  Ilbas  de  Santa  Maria,  e  Sào  Miguel  nos  ditos  dous  seus  sobri- 
nbos; porém  corno  na  casa  do  Infante  tinha  Qcado  outro  sobrinlio  do  Frei 
Gonfajo,  GIho  de  outra  sua  irma  D.  Taroja  Velbo  Cabrai,  e  do  fidalgo 
da  casa  dos  Soares  de  Albergarla;  e  eslc  sobiintio  tinha  feito  grandcs 
senricos  ao  Infante,  que  o  estimava  muito,  e  inclinava  para  elle,  o  mes- 
mo  foi  saber  isto  Frei  Gonzalo,  que  renunciar  as  Capitanias  ambas  no 
sobriaho  Joao  Soares  de  Albergarla,  e  aos  mais  sobrinbos  repartir  a 
GommeDda,  e  senhorios  de  terras  que  mais  tinha,  e  tudo  approvou  o  In- 
bnte  com  especial  agrado,  e  confirmou-  por  carta  patente  que  veremos, 

38  A  este  primeiro  Capitao  Donatario  das  Ilhas  de  S.  Maria,  e  S. 
Uiguel  passou  o  Infante  o  Alvarà  seguinte,  que  traz  Fructuoso  no  seu 
liv.  ni  cap.  12,  e  diz  assim  no  seu  antigo  modo  de  fallar: 

iEq  0  Infante  D.  Ilenrique,  Duque  de  Vizeu,  senhor  da  Covilba,  etc, 
©andò  a  vùs  Fr^  Confalo  Velho,  raeu  Cavalleyro,  e  Capitao  por  mim  em 
minbas  Ilhas  de  Santa  Maria,  e  Sào  Miguel  dos  A^ores,  que  tenhais  està 
mancyra  suso  escrita,  acerca  da  justica,  e  feitos  civeys.  Vós  mandareys 
aos  Joizes  das  terras,  que  oufào  as  Partes  que  em  litigio  forem,  e  as 
maDdem  vir  perante  si,  e  Ihes  fagao  cumprimenlo  de  direiLo;  e  se  das 
sentencas.que  os  Juizes  derem,  quizerem  appellar,  appellempara  vós,  e 
WìsconGrmareis  as  sentengas  dos  Jiiizes,  ou  as  corregey,  qual  virdes  que 


150  Ill.'^TOlUA  INSULANA 

he  direyto;  e  se  de  vossa  senlenca  clles  quizercm  appellar,  vós  Ihcs  nao 
recebercis  as  appcllagoes,  nem  Ihes  dareis,  salvo  estromento  de  aggra- 
vo, ou  carta  lestimunhavel  para  mim  com  vossa  reposla:  e  eu  entào  de- 
nunciarey  o  quo  vir  que  he  direyto,  e  vosmandarey  o  qiic  fafais:  porém 
vós  nao  deixeis  de  mandar  executar  as  ditas  sentenfas,  posto  que  com 
OS  estromentos,  ou  cartas  testimunhaveis  a  mim  venhao.  E  se  for  em  fey- 
to  crime,  em  que  algum.  ou  alguma  fa^ao  o  que  nao  devera,  e  merecao 
pena  de  justifa,  vós  manday  prender,  e  apenar  em  dinheyro,  e  degradar 
para  onde  vos  prouver,  e  agoutar  manday  aquelles  que  o  mereccm,  sem 
dardes  para  mim  appellacao.  E  se  for  feyto  tao  crime,  perque  merecao 
morte,  ou  talliamento  de  membro,  vós  mandareys  aos  Juizes  que  dem  a 
seijtenca,  e  o  julguem,  e  da  sentenfa  que  derem,  appellarào  por  parte 
da  justica,  e  inviarao  a  mim  a  appellacào,  e  de  mim  irà  'i  casa  d*el-Rei 
meu  Senhor,  e  eu  vos  enviarey  a  denunciacao  que  de  là  vier.  Outrosi  avi- 
sareys  aos  moradores  d'essas  Ilhas,  que  nao  vao  com  nenlium  aggravos, 
nem  appellafoes,  nem  estromentos,  nem  cartas  testimunhaveis  a  outra 
justica,  senào  a  mini,  ou  a  meus  Ouvidores,  por  que  a  jurisdicfao  loda 
he  minha,  civel,  e  crime,  e  de  mim  irao  as  appellacóes  das  mortes  dos 
homens,  e  talhamentos  dos  membros  a  casa  d'el-Rei  meu  Senhor,  por 
que  vós,  nem  oulro  algum  Capitào,  nao  lem  poder  de  malar,  nem  de 
mandar  talhar  membro:  e  nos  outros  casos  vós  tende  a  maneyra  suso- 
dita:  e  quem  quer  que  o  contrario  fizer,  e  em  eslo  usurpar  minha  ju- 
risdiccao,  pagarà  por  cada  vez,  e  cada  bum,  mil  réis  para  minha  Chan- 
cellaria.  E  outrosi  se  o  Tabelliao  de  si  errar  em  seu  officio  por  falsida- 
de,vósosuspendereysdo  officio,  e  me  fareis  a  saberoerro,  comò  he,  e 
vos  eu  mandarey  a  maneyra  que  tenhais.  E  outrosi  sereis  avisado,  que 
se  a  essa  Uba  forem  Diego  Lopes,  e  Rodrigo  de  Bayona,  sem  vos  mos- 
trarem  minha  liccnca,  que  os  prendays,  e  tenhays  bem  prezos,  até  m'o 
fazeres  a  saber,  e  vos  mandar  comò  fagais,  e  m'os  enviem  prezos  a  mi- 
nha cadea.  E  quanto  he  a  inquiricao  que  me  cà  enviastes,  vós  vede  là 
0  feito,  e  0  determinay,  comò  virdes  que  he  direyto,  cumprindo  lodo  as* 
sim,  e  pela  guiza,  que  por  mim  he  mandado,  sem  nel-o  pordes  outra 
briga,  nem  embargo,  porque  assira  he  rainha  mercé.  Feyto  em  minha 
Villa  de  Lagos  a  dezanove  dias  de  Maio.  Joao  de  Gorizo  o  fez,  anno  do 
Nascimento  do  Senhor  de  mil  e  quatrocentos  e  setenla.»  Atéqui  o  Alva- 
rà  do  Infame. 


LIV.  IV  GAP.  VII  Ì31 

39  Renunciadas  pois  as  Capilanias  pelo  primeiro  Capilao  Frei  Conca- 
io, deteve-se  este  tanto  em  Portugal,  quo  là  morreo  sem  tornar  às  Ilhas; 
e  jaz  na  sua  capella  da  Igreja  Matriz  de  N.  Senhora  da  Assumpfao  da 
Mila  do  Porto. 

CAPITOLO  VII 

Do  segando  Capitdo  da  dita  Ilhal 

40  Joào  Soares  de  Albergarla,  de  cuja  fidalgiiia  jà  fallàmos,  foi  o 
sobrioho,  em  qucm  o  primeiro  desciibridor,  e  Capilao  de  ambas  as  Ilhas, 
de  Santa  Maria,  e  Suo  Miguel,  Frei  Concaio  Velho  Cabrai  renunciou  coro 
effeito  ambas  as  ditas  Capilanias;  e  a  caria  de  confirmacao  traz  Fructuo- 
soliv.  3  cap.  13^,  com  as  antigas  palavras,  ibi: 

41  tEu  a  Infante  Dona  Bealriz,  Tnlora,  e  Curadora  do  Duque  meu 
Dlho  Dom  Diogo,  fago  saber  a  qnanlos  està  minha  virem,  e  o  conheci- 
mento  d'ella  perlencer,  que  eu  dou  carrego  a  Joao  Soares,  Cavalleyro 
da  sua  casa,  na  Uba  do  Sanla  Maria,  que  elle  seja  o  Capilao  em  ella,  as- 
sira, e  pela  que  o  he  em  sua  liba  da  Madeyra  Joao  Concalves,  e  que  el- 
le a  mantenha  pelò  dito  Senhor  era  juslica,  e  em  direyto;  e  morrendo 
elle,  a  mim  me  praz,  que  seu  filho,  primeyro,  ou  segundo,  tenha  este 
carrego,  por  a  guiza  susodila,  e  assim  de  descendente  em  descendente 
porlmha  direyta;  e  sendo  em  tal  idade  o  dito  seu  lìiho,  que  a  nao  pos- 
sa reger,  que  o  dito  Senhor,  ou  seus  herdeyros  porào  alli  quem  a  reja, 
até  qua  elle  seja  em  idade  para  rcger.  Iiem  me  praz,  que  elles  tenhao 
d'està  terra  a  jurisdiccào  pelo  dito  Senhor,  meu  filho,  do  civel,  e  cri- 
me, reservando  morte,  ou  talhamento  de  membro,  que  por  appellacao 
\enha  para  o  dito  Senhor;  porém  sob  embargo  da  dita  jurisdiccào  me 
praz,  que  os  mandados  todos  do  dito  Senhor,  e  correycao,  sejao  ahi 
cumpridos,  assim  corno  cousa  propria.  Outrosi  me  praz  que  o  dito  Joao 
Soares  haja  para  si  todos  os  moinhos  que  houver  em  està  Uba,  de  que 
assim  Ihe  dou  carrego,  e  que  ninguem  faca  ahi  moinhos  senào  elle,  ou 
qaem  a  elle  prouver;  e  em  isto  se  nao  entenderà  mó,  que  a  fafa  quem 
qoizer,  nao  moendo  outrem  em  ella,  e  nao  faca  ahi  atafona.  Item  me 
praz,  que  todos  os  fornos  de  pào,  em  que  ouver  poya,  sejao  seus;  e  po- 
rém nao  embargue,  quem  quizer  fazer  fornalha  para  seu  pao,  que  o  fa- 
^  e  nao  para  outro  nenhum.  Item  me  praz,  que  tendo  elle  sai  para 


132  IIISTOniA  LVSULANA 

vender,  o  nao  possa  alii  vender  outrem,  dando-lho  a  razao  de  meyo  real 
de  prata  o  alqueyre,  e  mais  nao;  e  quando  o  nao  tiver,  que  o  vendao  os 
da  liha  à  sua  vontade  aie  que  elle  o  tenha.  Outrosi  me  praz  que  de  lo- 
do 0  que  houver  de  renda  o  dito  Senhor  em  a  dita  liha,  elle  haja  de 
dez  hum;  e  o  que  o  dito  Senhor  ha  de  haver  na  dita  Ilha,  he  conteudo 
no  forai,  que  para  elle  mandey  fazcr:  e  por  està  guiza  me  praz,  que  ha- 
ja està  renda  seu  filfio,  ou  outro  seu  descendente  por  linha  direyta,  que 
0  dito  carrego  tiver.  Itera  me  praz  que  possa  dar  per  suascarlas  a  ter- 
ra d'està  liha,  forra  pelo  forai  da  dita  liha,  a  quem  Ihe  parecer,  com  tal 
condigao  que  aquelle,  a  quem  der  a  dita  terra,  a  aprbveyte  cinco  annos; 
e  nao  a  aproveytando,  que  a  possa  dar  a  outrem;  e  depois  que  aprovey- 
tada  fòr,  se  a  deyxar  por  aproveytar  até  outros  cinco  annos,  que  por  isso 
mesmo  a  possa  dar  a  outrem:  e  isto  nao  embargue  ao  dito  Senhor,  quo 
se  houver  terra  por  aprove)'tar,  que  nao  seja  dada,  que  a  possa  dar  a 
quem  sua  mercé  fòr;  e  assira  me  praz  que  as  de  o  seu  Glbo,  ou  her- 
de}T0S  descendentes,  que  o  dito  carrego  liverem.  E  mais  me  praz  que 
OS  vìsinhos  possao  vender  suas  herdades  aproveytadas  a  quem  Ihe  aprou- 
ver;  e  se  quizerera  ir  de  urna  Ilha  para  outra,  que  se  vao,  sera  Ihe  pp- 
rera  nenhum  erabargo.  E  se  Qzer  maleficio  algum  homem  em  cada  buma 
das  Ilhas,  que  mereca  ser  agoutado,  e  fugir  para  outra  Ilha,  que  seja  en- 
tregue  onde  lem  o  maleficio,  se  requerido  for,  e  pedir  ser  prezo,  para 
se  fazer  d'elle  cumprimento  de  direyto.  Outrosi  me  praz  que  os  mora- 
dores  da  liba  se  aproveytem  dos  gados  bravos  que  niella  andarem,  se- 
gundo  Ihe  ordenarà  o  dito  Joào  Soares,  e  os  que  depois  d'elle  por  o 
dito  Senhor,  e  por  seus  herdeyros  o  carrego  tiverem,  resalvando  os  ga- 
dos que  andarem  nos  Irhéos,  cu  outro  lugar  cerrado,  que  o  senhorio  o 
lance:  e  isso  mesmo  me  praz,  que  os  gados  mansos  pasclo  assira  em 
buma  parte,  corno  em  outra,  trazcndo-os  à  mao,  que  nao  fa^ao  damnof  e 
se  0  fizerem,  que  o  pague  seu  dono.  Feyto  era  a  Cidade  de  Evora  a  do- 
ze  de  Màyo.  Alva[;eanes  a  fez,  anno  de  nesso  Senhor  Jesu  Cbristo  de 
mil  e  quatrocentos  e  setenta  e  quatro.  A  qual  carta  vista  por  mira,  eu 
a  confirmo,  e  bei  por  confirraada,  assira,  e  pela  raaneyra  que  era  ella  be 
conteudo,  sem  outro  erabargo  que  buns  e  outros  a  ella  ponbao.  Dada 
em  a  Villa  de  Torres  Vedras,  a  24  de  Junho,  anno  do  Nascimento  de 
nosso  Senhor  Jesu  Cbristo  de  mil  e  quatrocentos  e  noventa  e  dous.»  Até* 
qui  a  carta  da  Infante  e  do  Duque  seu  filbo. 


LIV.  IV  GAP  VII  153 

42  Veìo  este  segundo  Capilao  das  Ilhas  de  Santa  Maria,  e  S.  Mi- 
guel, veio  de  Porlugal  jà  casado  com  D.  Beatriz  Godiz,  de  competente 
oobreza,  e  com  hum  sobrinho  chamado  Felippe  Soares,  e  jà  lambem  ca- 
sado com  Constanca  da  Grela:  fez  seu  ordinario  assento,  e  residencia  em 
Santa  Maria,  por  ser  entao  mais  povoada,  e  de  tanta  nobreza,  corno  jà 
vimos,  e  Da  Ilha  do  Sao  Miguel  exercitava  a  sua  jurisdic^ào,  visitando-a 
moitas  vezes,  mas  porque  a  dita  sua  mulher  adoeceo,  e  em  Santa  Maria, 
e  Sao  Miguel  faltavao  Medicos,  com  a  doente  se  embarcou,  e  a  foi  curar 
a  Madeira,  mas  là  da  doen^a,  e  abaio  da  viagem  brevemente  faleceo,  pò- 
rem  foi  t3o  estimado  do  primeiro  Capitao  do  Funchal  Joao  Gonealves 
Zai^o,  e  de  seu  lerceiro  fillio  Rui  Gongalves  da  Camera,  que  por  Ihes 
agradecer  a  hospedagem,  e  pelos  grandes  gastos  que  fizera  em  a  ida,  e 
oa  cura,  e  morte  da  mulber,  e  na  vinda  que  bavia  de  fazer,  se  resolveo 
em  vender  a  Capitania  de  Sao  Miguel  ao  dito  Bui  Gongalves,  filho  do 
Capitao  Joào  Gon^alves,  e  fìcar-se  com  a  Capitania  de  Santa  Maria,  e  ven- 
deo-lbe  tao  barata  a  de  Sao  Miguel,  comò  veremos,  e  admiraremos,  quan« 
da  tratarmos  d'està  Uba;  e  tudo  foi  approvado,  e  confirmado  pelas  pes* 
soas  reaes. 

43  Jà  viuvo  pois  0  segundo  Capitao  de  Santa  Maria,  e  sem  filho 
herdeiro,  voltou  da  Madeira  a  Lisboa,  e  El-Rei  logo  o  casou  com  D. 
Branca  de  Sousa,  fillid  de  Joao  de  Sousa  Falcào,  fidalgo  da  casa  dei-Rei, 
qoe  residia  em  Alter  do  Cbao,  e  era  parente  muito  chegado  do  Bar3o 
Tdho,  e  do  famoso  Poeta  Cbristovao  Falcào,  que  fez  a  celebre  Ecloga, 
diamada  (Cristal)  das  primeiras  syllabas  de  seu  nome,  e  por  sua  mai  era 
a  dita  D.  Branca  Qlha  de  D.  Mecìa  de  Almada,  prima  com  irma  do  Con- 
de  de  Abrantes.  Foi  celebrado  este  casamento  em  Lisboa  a  20  de  Ja- 
nho  de  1492.  Vier3o  os^dous  casados  para  a  sua  Uba  de  Santa  Maria, 
e  viverSo  casados  sete  annos,  e  liverao  os  filhos  seguintes  ;  primeiro, 
Jo3k)  Soares  de  Sousa,  terceiro  Capitao;  segundo,  Fedro  Soares  de  Sou- 
sa, qoe  faleceo  na  India  ;  terceiro,  D.  Maria,  que  casou  nobremente  no 
Keioo  com  bum  Feitor  dei-Rei,  chamado  Jo3o  Femandez,  de  que  nasceo 
<Hitra  filha,  que  casou  com  bum  fidalgo  cbamado  D.  Joao;  quarto,  D. 
Violante,  que  casando  com  bum  Tidalgo  Castelhano  das  Indias,  morrer3o 
^Qìbos  sem  deixarem  berdeiros. 

44  Faleceo  emfim  este  illustre  Capitao  Jouo  Soares  de  Sousa,  de  mais 
dooitenta  annos  de  idade,  em  a  dita  Uba  de  Santa  Maria,  e  com  grande 
nome,  e  exemplo  de  virtudes.  Foi  valente  Capitao,  e  tao  animoso,  quo 


154  HISTORIA  INSÙ  LANA 

comraettendo-0  huma  vez,  e  de  repente  quarenta  homens  armados,  (qua 
de  hama  nào  Castelhana  tinhao,  sena  poder  prever-se,  saltado  em  terra)* 
ette  lancando  a  dous  de  huma  rocba  em  baixo,  fez  tornar  os  mais  aos 
barcos,  em  que  tinhao  vindo  a  terra:  e  em  outra  occasiao,  com  so  bum 
negro  seu,  e  quatro  bomens  brancos,  pelejou  tres  dias  com  bum  navio 
de  Caslelhanos,  ale  que  desfalecidos  os  cinco  Portuguezes  de  pelejar, 
forao  prezos,  e  levados  a  Castella,  e  o  valente  Capilao  se  resgatou,  e 
voltou  à  sua  liba,  e  oito  dias  depois  se  ajustarao  as  pazes  enlre  D.  Af- 
fonso  V  Rei  de  Portugal,  e  D.  Fernando  Rei  de  Castella,  anno  USO. 

CAPITOLO  Vili 

Do  terceirù  Capitào  de  Santa  Maria, 

45  Foi  terceiro  Capitào  de  Santa  Maria  Joao  Soares  de  Sousa,  filho 
do  segundo  Capitào  Joao  Soares  de  Albergarla,  casou  com  Dona  Guimar 
da  Cunha,  da  liba  de  Sao  Miguel,  filba  de  Francisco  da  Cunba,  e  de  D. 
Brites  da  Camera,  a  qual  era  filba  naturai  de  Rui  Goncalves  da  Camera, 
terceiro  Capitào  de  Sao  Miguel,  e  neta  de  Joao  Goncalves  Zargo,  Capi- 
tao  primeiro  do  Funcbal  :  e  o  Francisco  da  Cunbà  era  filbo  de  Pedro  de 
Albuquerque,  (primo  de  Aflfonso  de  Albuquerque  Govemador  da  India) 
e  de  sua  mulber  D.  Guimar  da  Cunha,  prima  de  Nuno  da  Cunha,  que 
tambem  foi  Governador  da  India,  aonde  o  dito  Francisco  da  Cunha  foi 
duas  vezes  Capitào  mór  de  nàos;  e  finalmente  veio  a  viver  em  Villa  Fran- 
ca de  Sao  Miguel,  na  Ponta  da  Garca;  e  por  ter  gastado  no  servilo  dei- 
Rei  ludo  0  que  tinha,  foi  requerer  a  Lisboa  a  EURei  D.  Jo3o  II,  e  (co- 
rno conta  Garcia  de  Rezende  cap.  211)  achou  Francisco  de  Albuquerque 
ao  dito  Rei  n9o  s6  doente,  mas  jà  s6  duas  horas  antes  de  expirar  ;  e 
cbegou  comtudo  a  fallar-lbe,  e  pedìr-lhe,  que  pelas  cinco  Chagas  de 
Cbristo  Ibe  flzesse  alguma  mercé,  porque  era  fidalgo,  e  multo  pobre;  e 
0  Rei  ouvindo  iste,  Ibe  fez  passar  logo,  e  com  multa  pressa,  mercé  de 
trinta  mil  réis  de  tenca,  e  a  assinou,  e  de  palavra  Ibe  disse,  que  tomasse 
a  prata  que  na  casa  estava,  que  nSo  tinha  jà  que  Ihe  dar;  e  sahido  o  fi- 
dalgo, disse  0  Rei  entre  as  agonias  da  morte  aos  que  alli  eslavào  :  e  là 
agora  posso  descubrir  iste  :  Nunca  em  minha  vida  me  pedirao  cousa  d 
honra  das  cinco  Chagas  de  Cbristo,  que  nao  fizesse.»  Oh  devotissimo 
Rei! 


LIV.  IV  CAP.  Vili  155 

46  D'esle  tcrceiro  Capitao,  e  da  tal  D.  Guìmar  da  Cunha  nasceo 
I%dro  Soares  de  Sousa,  quarto  Capitao,  de  quem  abaixo  fallaremos;  se- 
gundo  nasceo  Manoel  de  Sousa,  que  por  fazer  huma  morte,  se  ausenlou, 
e  andou  trinta  e  cinco  annos  por  Italia,  e  Franfa,  e  em  grandes  guer- 
ras,  e  voltando  jà  a  sua  liha,  deo  com  Cossarios  Francezes,  que  em  o 
raesmo  lugar,  onde  tinha  morto  ao  outro,  o  matarao  a  elle,  que  de  tan- 
los  pisrigos  tinha,  para  tal  exemplo,  escapado.  Terceiro,  nasceo  Nuno  da 
Cunha,  homem  de  muila  virtude,  brando,  e  pacifico,  que  casou  com  D. 
Francisca,  filha  de  lium  nobre,  e  rico  homem,  chamado  Sebastiao  Luis, 
da  Cidade  de  Ponta  Delgada,  pai  de  Hieronymo  Luis,  homem  principal 
da  mesma  Cidade;  da  qual  D.  Francisca  houve  Nuno  da  Cunha  hum  filbo 
Joao  Soares,  corno  o  Capitao  seu  avo,  o  qual  sendo  de  lenra  idade,  e 
estando  em  huma  janella  raza,  que  nao  tinha  ainda  grades,  por  serem  as 
casas  feitas  de  novo,  e  passando  para  hum  enfermo  o  Santissimo  Sacra- 
mento, querendo  o  menino  ver  a  gente,  e  campainha  que  hia  tangendo, 
cablo  com  a  cabega  para  baixo,  e  dando  nas  pedras  da  calcada,  sendo  a 
altura  grande,  nao  morreo,  e  so  Ihe  ficou  hum  geito  em  hum  olho  ;  o 
que  todos  julgarao  por  milagre,  que  parece  o  guarda  o  Senhor,  para 
d'elle  fazer  hum  grande  Santo,  comò  està  mostrando  seu  proceder,  que 
he  agora  de  quinze  annos,  diz  Fructuoso  liv.  3,  cap.  14. 

47  Quarto  nasceo  D.  Joanna,  que  casou  com  Heitor  Gonfalves  Mi- 
nhoto,  lao  rico,  que  se  mais  vivera,  acabara  de  comprar  toda  a  liba;  e 
d'estes  houve  muita  descendencia  ;  primo  D.  Guiomar,  mulher  de  Joap 
d'Arruda,  filho  de  Fedro  da  Costa,  de  Villa  Franca;  secundo  D.  Bran- 
ca, mulher  de  Fernao  Monteyro  de  Gamboa,  de  que  nasceo  D.  Felippa 
aiada  solteira  entao;  tertió  Francisco  da  Cunha,  que  herdou  do  pai  muita 
rìqoeza,  e  casou  com  huma  fìdalga  da  Madeira,  de  que  houve  filhos,  mas 
vivendo  depois  estragadamente  em  Santa  Maria,  soube  em  fim  arrepen- 
der-se,  e  indo-se  com  loda  a  sua  casa  para  a  Madeira,  là  se  recolheo  a 
fazer  penitencia  em  huma  fuma  de  huma  rocha  do  mar,  e  alli  em  certas 
horas  colhendo  algum  peixe,  d'elle  tomava  para  sustentar  a  vida,  e  o 
mais  punha  sobre  os  penedos,  àonde  o  vinhao  buscar  mocos  da  terra,  e 
allideixav5o  pedagos  de  pao,  com  que  o  penitente,  indo-os  depois  bus- 
car, se  sustentava;  e  porque  os  mogos  tinhao  reparado  em  tal  penitente, 
6  Ibe  queriao  fallar;  e  saber  quem  era,  elle  se  escondia  de  humas  em 
oatras  furnas,  e  penedos,  de  tal  sorte,  que  sete  para  oito  annos  viveo 
D'est»  penitencia,  sem  jamais  fallar  a  pessoa  alguma,  e  alli  mesmo  mor- 


156  HISTOUIA  INSULANA 

reo  com  fama  de  santidade;  tendo,  antes  de  se  ir  para  tal  deserto,  casado 
lionradameDte  na  Madeira  a  tres  filhas  que  levou,  e  casadas  as  deixoii 
com  0  que  ainda  levara,  sem  d'elle  poderem  saber  mais. 

48  Morta  a  dita  primeira  mulher  do  terceiro  Capi  tao  de  Santa  Ma- 
ria,  segunda  vez  casou  este  com  D.  Jurdoa  Faleira,  filha  de  Fern3o  Vaz 
Faleiro,  e  de  Felippa  de  Rezende  da  mesma  Ilha,  e  d'ella  teve  ainda  os 
filbos  seguintes;.  primo  Gonzalo  Veiho,  que  morreo  mo^o  pò  mar,  indo 
para  Lisboa;  secundO  Alvaro  de  Sousa,  que  casou  com  D.  Isabel,  filba 
de  Àmador  Vaz  Faleiro,  da  qual  teve  huma  fiIha  D.  Jurdoa;  (eriio  Rui 
de  Sousa,  que  morreo  na  India  em  huma  batalba;  quarto  André  de  Sou- 
sa, que  casou  com  D.  Mecia,  irm3  do  Bispo  do  Funchal  D.  Luis  de  Fi- 
gueiredo  de  Lemos;  quinto  Migual  Soares,  que  casou  com  D.  Antonia, 
neta  de  Anna  de  Andrade,  viuva  de  Concaio  Fernandes;  sexto  Belcbior 
de  Sousa,  que  tambem  casou  com  D.  Maria,  filha  do  Bacbarel  Joao  de 
Avelar.  Terceira  vez  casou  (morta  a  segunda  mulher)  o  dito  terceiro  Ca- 
pitao  com  D.  Maria,  filba  de  Nuno  Fernandes  Velho,  e  ainda  d'ella  teve 
estes  filhos;  D.  Branca,  e  outra  menina,  que  morrerao  ambas;  item  An- 
tonio Soares,  que  ha  pouco  foi  para  a  India,  e  Jo2o  Soares,  enfermo  ìn- 
curavel.  Teve  mais  este  Capitao  muitos  filhos  naturaes,  e  com  os  legiti- 
mos,  teve  por  todos  vinte  e  qualro  filhos. 

49  Era  este  terceiro  Capitao  bum  homem  muito  alto,  grosso,  e  ani- 
moso, magnifico  fidalgo,  e  tao  liberal,  e  esmoler,  que  d'isso  parece  mor- 
reo pobre,  mas  na  verdade  rico  de  muitas  virludes:  nao  arrendava  as 
suas  terras  a  bum  so,  mas  repartidamente  a  muitos,  para  remediar  a  to- 
dos; e  0  rendeiro  que  Ihe  devia  meio  moio  de  trigo,  se  era  pobre,  com 
bum  saco  de  trigo  Ihe  pagava;  sendo  senhor  dos  moinhos,  quasi  que 
por  senhorio  o  n3o  conheciSo,  e  cada  bum  Ihe  pagava  o  que  queria,  o 
mandou  citar  a  alguem  por  divida;  antes  em  bum  anno  de  fome.man- 
dou  langar  pregSo,  que  quem  Ihe  tomasse  ovelha,  ou  carneiro  de  seu 
gado,  Ihe  tornasse  a  pelle,  e  a  la,  e  o  mais  Ihe  perdoava:  sobre  tanta 
charidade,  e  liberalidade,  na  justi^a  era  tao  recto,  que  sem  ser  letrado, 
nunca  deo  sentenza,  que  na  Relagao  se  revogasse,  ou  mudasse;  e  até 
em  a  arte  Nautica  foi  insigne.  Finalmente  havendo  sido  travesso  em  sua 
mocidade,  morreo  comò  muito  bom  Christao,  e  com  muitos  sinaes  de 
predestinado,  e  em  idade  de  setenta  e  tresannos,  a  2  de  Janeiro  do  anno 
de  1571.  Foi  sepultado  na  Capella  mór  da  Matriz  da  dita  Uba,  junto  à 
porta  da  Sacristia,  aonde  estavao  sepultadas  suas  duas  primeiras  mulberes. 


LIV.  IV  CAP.  IX  157 

CAPITULO  IX 

Do  quarto  Cupilào  da  llha  de  Snnla  Mario. 

50  Conlinuou-sc  esla  Capitania  por  liriha  varonil.  e  legilima  sem- 
pre, era  Fedro  Soares  de  Sousa,  quarto  Capilào,  e  fillio  do  terceiro  ; 
morto  seu  pai,  foi  confirmado  na  Capitania,  e  casou  (tendo-se  creado 
na  Corte)  com  D.  Briles  de  Moraes,  da  llha  da  Madeira,  fìlha  de  Joao  de 
Moraes,  da  mesma  llha,  e  oriundo  do  termo  de  Vizeu;  dos  Moraes,  Gou- 
veas,  e  Azevedos  de  Portugal;  e  a  mài  se  chamava  Calharina  Femandes 
Tavares,  dos  Tavarcs,  e  Teixeiras  moradorcs  em  Santa  Cruz,  da  Capi- 
tania, e  Capitaes  de  Macliico  cm  a  Madeira,  de  que  là  tratamos  jà  mais 
propriamente. 

51  Foi  este  quarto  Capitilo  imilador  nas  virtudes  do  dito  terceiro 
Capilao  seu  pai  ;  e  sua  mulher  foi  igualmente  imiladora  d'elle,  porque 
ambos  erao  tao  virtuosos,  que  d'elles  nunca  liouve  aggravo,  oj  escan- 
dalo; erao  tao  charilativos,  e  liberaes  com  os  pobres,  que  nenhura  hia  a 
sua  casa,  que  o  nao  amparassem,  e  perisse  de  todos  erao  mùi  amados, 
e  obedecidos:  erao  tao  devotos,  espiritu^es,  e  amìgos  de  Deos,  que  mo- 
raado  em  o  paco  da  sua  quinta,  meia  legoa  da  Matriz  da  Villa  do  Por- 
to, nunca  comtudo  perdeo  elle  Missa;  arites  além  dos  dias  Santos  de 
guarda,  nos  outros  tinha  por  devocao  perpetua  ir  tres  vezes  cada  sema- 
oa  oavir  Missa;  que  ainda  entao  nào  teimavào  tantos  fidalgos  por  ter  Missa 
em  casa,  nem  ainda  para  as  mulheres,  e  multo  menos  para  si. 

52  Nasceo  d'este  quarto  Capitao,  e  de  sua  mulher,  frimó  Joao  Soa- 
res de  Sousa,  que  seguindo  a  virtude  de  seus  pais,  e  nao  a  vaidade  da 
Corte  de  Portugal,  onde  andava,  se  metieo  Religioso  em  S.  Hieronymo 
no  Convento  de  Burgos  em  Castella,  aonde  procedeo  com  singular  exem- 
pio,  e  augmento  de  virtudes.  Secundó  nasceo  d'eiles  Bras  Soares  de 
Albuqoerque,  que  se  seguio  na  casa,  comò  abaixo  diremos.  Tertio  nas- 
ceo Henrique  de  Sousa,  que  faleceo  mofo  em  a  Corte  de  Lisboa.  Quarto 
Antonio  Soares,  que  morreo  nas  Indias  de  Castella.  Quinto  nasceo  huma 
filha,  Anna  de  Sào  Joao,  que  se  fez  Religiosa  no  Convento  da  Esperanpa 
de  Penta  Delgada  na  llha  de  S.  Miguel;  e  ultimamente  teve  este  Capitao 
huma  filha  naturai,  chamada  Concordia  dos  Anjos,  que  tambem  metteo 

jiosa  com  a  sobredita  irma  paterna. 

53  A  este  quarto  Capitao  de  Santa  Maria,  e  fdho  segundo  do  ter- 


1()2  HISTORIA  1N8UUNA 

foi  Commendador  de  Snnta  Maria,  e  militou  até  morrer  nas  giierras  do 
Hrasil:  e  so  deixou  huma  filha  naturai,  que  casou  com  Manoel  Pereira 
ile  Castro,  Secretario  da  Mesa  da  Consciencia,  que  depois  se  desquilou 
«ralla:  e  deixou  mais  oulra  filha  naturai,  por  nome  D.  Marina,  (ou  Ma- 
rianna) que  morreo  solteira. 

63  Teve  mais  esle  sexto  Capita©  Fedro  Soares  de  Sousa  por  filhos 
l»astardos,  a  Lourenfo  Soares  de  Sousa,  que  foi  homem  de  grandes  ser- 
\  icos  feitos  a  S.  Magestade,  que  por  isso  o  fez  fidalgo  de  sua  casa:  mas 
so  (leixju  descendoncia,  nao  o  sei.  Item  teve  por  filha  bastarda  a  huma 
I).  Ignes,  que  na  dita  Ilha  vivia  ainda  solteira,  quando  morreo  o  nosso 
Fructuoso;  e  assim  nao  havendo  ainda  entao  doscendente  algum  varao,  e 
legilimo  do  tal  sexto  Capitao  Fedro  Soares,  que  herdasse  a  Capitania. 

6i  Segunda  vez  casou  este  sexto  Capitao  com  Dona  Anna  de  Mel- 
lo,  fidalga  de  igual  nobreza,  e  limpeza;  e  d'este  matrimonio  nasceo  D. 
Dorothéa,  que  escolheo  o  estado  de  Religiosa,  e  entrou,  e  professou  a 
Rogra  de  S.  Francisco  no  Serafico  Convento  da  Esperanca  da  Cidade  de 
Ponta  Delgada  da  liba  de  Sào  Miguel;  e  emfim  nasceo  d'este  mosmo  se- 
gundo  matrimonio  do  tal  sexto  Capitilo  bum  filho  varao,  que  se  chamou 
Bras  Soares  de  Sousa,  comò  sou  avo  paterno. 

CAPITOLO  XII 

Do  Reptimo  Capilào  Bras  Soares  de  Sousa. 

65  A  este  septimo  Capitan  (comò  tambem  a  seu  pai)  ja  nao  cbegon 
com  sua  Vida,  ainda  que  larga,  o  nosso  Doutor  veiho  Fructuoso:  e  por 
isso  d'estes  sexto,  e  septimo  Capitàes  nao  dizemns  mais:  e  so  sabemos 
(|ue  pelos  senbores  Reis  de  Portugal  foi  confirmado  nao  so  na  Capita- 
nia, mas  tambem  no  foro,  que  na  casa  Rea!  tinbao  seus  multo  illuslres 
avós:  porque  nao  so  era  filbo  legilimo  do  sexto  Donatario,  mas  primei- 
ro  neto  do  quinto,  segundo  neto  do  quarto,  terceiro  neto  do  quarto,  ter- 
ceiro  neto  do  Donatario  terceiro,  quarto  neto  do  segundo  Donatario  Jo3o 
Soares  de  Albergarla,  e  quinto  neto  da  legitima  irma  D.  Tareja  Velba 
Cabrai,  irm3  (digo)  do  grande,  e  Regular  Frey  Confalo  Veiho  Cabrai, 
da  Ordem  de  Christo,  Commendador  de  Almourol,  Senhor  de  muitos 
lugares,  comò  Pias,  Bezelga,  e  Cardiga,  privado  dos  Reis  de  Portugal^ 
e  do  nosso  Infante  D.  Heirique,  e  primeiro  descubridor,  e  Capitao  Do- 


uv.  IV  cxp.  XII  i63 

Botano  de  ximbas  as  Ilhas  de  Santa  Maria,  e  S3o  Miguel,  e  tao  illustre 
vario  he  o  que  fica  sendo  quasi  quinto  avo  legai  do  dito  septìmo  Capi- 
lo, e  este  sendo  seu  quinto  neto  legai,  e  legitimo  seu  sexto  sobri- 
ubo. 

66  Porém  para  desengano  d'està  setnpre>  e  t5o  mudavel  vida,  consta 
qoe  0  dito  septimo  Capiiao  foi  o  ultimo  que  teve  a  dita  Capitania,  e  qne 
està  de  tal  casa  se  passou  a  outras  diversas,  no  tempo  em  que  Castella 
eotrou  em  a  Corca  de  Portugsl;  e  se  porque  està  Uba  nao  seguio  em  a 
Ragia  demanda  a  Portugal,  mas  a  Castella,  Ihe  deo  Castella  tal  paga,  s6 
OS  jyizos  Divjnos«  que  sempre  sao  inscrutaveis,  o  poderao  saber;  que 
OQtrem  so  podere  dizer,  que  nSo  devia  Castella  tirar  à  tal  casa  a  sua  Ca- 
pitaria, porque  ainda  que  o  septimo  Capitao  nao  deixasse  Albo  varao  le- 
gitimo, com  tudo  durava  entao,  e  dura  ainda  a  baronìa  legitima  dos  pri- 
neiros  Capitaes  da  dita  liba,  que  tanto  merecerao  n3o  se  ihes  tirar  a 
Capitania  da  liha  que  elles  descubrlrao,  povoarao,  ennobrecerSlo,  e  de- 
teoderdo  tanto  com  as  fazendas,  e  vidas.  Porque. 

G7  He  de  saber  que  do  terceiro  Capitilo  Donatario  da  Uba  de  Santa 
Varia,  Joao  Soares  de  Sousa,  e  de  sua  primeira  mulber  Dona  Guimar  da 
Cunha,  nao  so  nasceo  o  quarto  Capitao  Fedro  Soares  de  Sousa,  mas  na<- 
ceo  tambem  ^eu  legitimo  irmao  Nuno  da  Cunha  de  Sousa,  qne  casca 
CMn  D.  Francisca  Ferreira;  e  d'estes  nasceo  Joao  Soares  de  Sousa,  que 
casca  com  D.  Felippa  da  Cunba,  que  forao  pais  de  Manoel  da  Camera 
de  Albuquerque,  que  casou  com  D.  Marqueza  de  Menezes;  e  d'estes  nas- 
ceo Jo9o  Soares  de  Sousa,  que  casou  com  D.  Anna  de  Mollo;  e  ultima- 
mente d*estes  nasceo  Antonio  Soares  de  Sousa,  que  ainda  boje  vive  ca- 
sado  com  huma  conhecida,  e  bem  nobre,  e  limpa  fìdalga,  de  que  falla- 
remos  em  seu  lugar. 

G8  Em  este  pois,  que  por  legitima  baronia  he  terceiro  neto  de  bum 
inteiro,  e  legitimo  irmào  do  quarto  Cupitao  de  Santa  Maria,  e  quarto  neto 
do  terceiro  Capitao,  n'este  he  que  se  devia  continuar  a  Capitania  de  tao 
tt)bre,  e  fìdalga  gera(ao,  especialmente  tendo-se  conservado  em  igual 
oobreza,  e  limpeza;  ao  que  podia  mover  muito  que  a  mesma  mai  do 
septiiQo  Capitao  Bras  Soares  de  Sousa,  D.  Maria  de  Mollo,  enviuvando 
do  sexto  Capitao  Fedro  Soares  de  Sousa,  casou  segunda  vez  com  Joao 
Soares  do  Sousa,  de  quo  nasceo  o  sobredito  Antonio  Soares  de  Sousa 
boje  vìvo,  e  irm3o  materno  do  sobredito  Capitao  ultimo,  que  jà  por  ba- 
n)Qia,  e  legitimi;  descendia  do  terceiro  Capitao;  mas  emfim  assim  quer 


164  HISTOIUA  iNSULAfCA 

Deos  que  vejaaios  a  instabilidade  das  nobrezas,  e  graadezas  d*esla  vida, 
para  que  dos  uào  fiemos  d'ellas,  e  tralemos  das  da  outra. 

CAPITOLO  XIII 

Dos  Commendadores  da  Ilha  de  Santa  Maria. 

69  Em  todas  as  Ilhas  os  dizìmos  sao  da  ordem  de  Christo,  e  or* 
dinariaaieDte  sao  dos  Reis  de  Pjrlugal,  corno  Mestres,  e  AdministradO' 
res  da  dita  Ordem,  com  obrigacao  porém  de  darem  o  delerminado  e  ne- 
cessario para  os  Minislros,  e  servilo  da  Igreja;  e  EI-Rer  manda  arrendar 
OS  taes  dizimos  a  queAi  mais  lan^a  n'elles  €om  a  dita  obrigacào;  e  assim 
se  observou  por  algum  tempo  na  ItLa  de  Santa  Maria,  ale  que  EMlei 
deo  sómcnte  vOS  dizimos  d  està  Ilha  em  parlkular  Commenda;  porque  os 
direilos  Reaes  de  enlradas,  nunca  os  Reis  os  derao,  nem  os  lem  senhor 
algum  no  Reino,  corno  nota  Frucluoso  lìv.  3,  cap.  22,  mas  ainda  d  es- 
tes,  e  dos  dizimos  de  sempre  a  redizima  aos  Cipit^es  Donatarios. 

70  0  primeiro  Commendador  pois  de  nossa  Senhora  da  Assum- 
pcao  da  Ilha  de  S.  Maria  (que  assim  se  intitula  esla  Commenda)  Toi  D. 
Luis  Coutinbo,  filho  do  Conde  de  Marìalva,  e  irmào  do  ultimo  Conde, 
que  casou  a  filha  com  o  infante  D.  Fernando  ìrmao  d*El-Rei  D.  Joao  Uh 
que  morrerao  sem  descendentes,  e  passou  o  Condado  a  Coroa,  aiuda 
que  se  Ibe  fez  demanda,  e  algumas  cousas  se  Iho  tirarao.  Casou  es*o 
primeiro  Commendador  D.  Luis  Coutinbo  com  Dona  Leonor  de  Menda- 
iiha,  filha  de  bum  Alcaide-mór,  fìdaigo  illustre,  e  nasceo  dos  taes  casa- 
dos  D.  Francisco  Coutinbo,  (de  quem  logo  fallaremos)  e  Dona  Joanna 
Coutinha,  e  Dona  Maria  Coutinha;  porém  o  tal  primeiro  Commendador 
Ibi  por  Capitào-mór  de  nàos  a  India,  e  foi  a  Saboya  com  a  Infante,  e  ent 
fim  faleceo  de  morte  subita. 

71  0  segundo  Commendador  foi  D.  Francisco  Coutinlio  fiIho  do 
primeiro  Commendador,  por  cuja  morte  ficou  a  viuva  D.  Leonor  de  Vi- 
Ihena  administrando  a  Commenda  pela  menoridade  de  Dom  Francisco 
seu  filho,  e  foi  tao  santa  senhora,  e  tao  esmoier,  que  bavendo  geral  fo- 
nie em  Lisboa,  mandava  por  à  porta  taboleiros  de  pào  para  os  pobre^, 
e  dava  muitas  esmolas  particulares,  e  a  Religiosos:  e  dizem  que  mila- 
grosamente  se  Ihe  augmenlava  em  casa  tudo.  Morta  pois  està  Senhora^ 
casou  D.  Francisco  com  huma  iima  do  Barào  de  Alvito  D.  Rodrigo  Lo* 


UT.  IV  GAP.  xin  165 

ho,  chamada  Dona  Felippa  de  Vilhena:  e  dous  ìrmSos  d'està  casarao 
(D.  Felippe  Lobo,  Trinchante-mòr  d'EURei,  que  ao  depois  foi  à  Mina,  e 
oatro  irmao  que  ao  depois  foi  pagem  do  arremecao)  com  duas  JrmSs 
<le  D.  Francisco  Coutinho,  que  er3o  D.  Joanna,  e  D.  Maria. 

72  Teve  cste  segando  Commendadop  Dom  Francisco  Coutinho  de 
sua  mulher  D.  Felippa  cimx)  filhos,  e  duas  filhas:  primeiro,  D.  Francis- 
co, Commendador,  corno  diremos  abaixo:  segando,  D.  Fedro,  terceiro, 
n.  Concaio,  quarto,  D-  Bernardo;  quinto,  D.  Hieronymo:  dns  duas  fi- 
lhas, buma  era  D.  Antonia  de  Vilhena,  que  foi  Freira  em  Santa  Clara 
de  Santarem;  a  outra  D.  Joanna,  que  casou  com  Dom  Miguel  de  Noro- 
nha,  filho  sogundo  de  D.  Alfonso  de  Noronha,  irmao  do  Marquez  de 
Villa  lleal  D.  Fedro,  fiIho  do  Marquez  D.  Fernando;  e  o  dito  Dom  Mi- 
irnel  de  Noronha  leve  outro  irmao  chamado  Dom  Jorge  de  Noronha,  que 
rason  com  Oona  Isabcl,  filha  de  Antao  Martins  da  Camera,  CapitSo  Do- 
natilo da  Capitania  da  Praia  da  Ilha  Terceira,  mulher  de  grande  virtù- 
(ie:  e  a  mai  do  mcsmo  Dom  Miguel  de  Noronha  era  Dona  Maria  de  Sa. 
(Oli  Di^ca)  cnja  filha  casou  com  o  filho  mais  velho  do  Conde  ^e  Tentu- 
gnl.  e  ella  morreo  do  primeiro  parto  sem  herdeiros.  Ita  Fructuoso  liv.  3, 
cap.  2i,  oil  fincm. 

7.3  Este  mesmo  segundo  Commendador  foi  homem  de  grandes  par- 
les,  e  artes  liberaes,  e  grande  Cavalleiro  ;  achou-se  com  o  Infante  D. 
Luis  na  tomada  de  Tunes,  e  foi  multo  valido  do  Senhor  D.  Antonio,  fi- 
llio do  Infante.  Em  hum  dia  estando  El-Rei  comendo,  se  veio  a  fallar  em 
Imm  negro  do  dito  D.  Francisco  Coutinho,  o  qual  estava  prezo,  e  o  man- 
daviio  desorelhar  por  ladrào,  e  querendo  D.  Francisco  comprar-lhe  as 
orelhas,  tanto  se  Ihe  pedio  por  ellas,  que  D.  Francisco  desislio  da  com- 
pra, e  reparando  outro  fìdalgo  em  as  «ao  comprar,  disse  para  El-Rci  : 
«Senhor,  he  multo  dinheiro  para  carne  tao  ruim.»  E  o  Rei  ouvlndo  o 
diio  mandou  soltar  logo  o  negro.  Tir^ha  esste  D.  Francisco  grande  fausto 
em  seu  Vrato,  nem  se  servia  senao  com  Escudoiros  nobres,  e  faleceo  em 
i8  de  Outubro  de  1565. 

71  0  terceiro  Commendador  de  Santa  Maria  foi  D.  Luis  Coutinho, 
filho  mais  velho  do  sohredilo  segundo  Commendador:  sendo  de  vinte  e 
nnco  annos,  fez-lhe  mercé  da  Commenda  El-Rei  D.  Sebastiao  polo  Alvaré 
sei^ijinle. 

73  «Dom  Sebastiao  por  graca  de  Deos  Rei  de  Portugal,  e  dos  Al- 


166  HISTORU  mSCLANA 

garves  d*àquem»  e  d*aléat  mar»  em  Africa  sef4ior  de  Gutné,  NavegscS^'» 
Commercio  de  Etbiopi»,  Arabia,  Persia,  e  da  India,  etc.  Fa^o  saber  aos 
que  està  minba  carta  virem,  que  por  parte  de  D.  Luis  Coutinho,  fidalgo 
de  minha  casa,  e  Cavalleiro  da  Ordem  de  Chrìsto,  filho  de  D.  Francisco 
Coutinho  que  Deos  baja,  me  foi  apresentado  bum  Alvaro  de  lembran^a 
dei-Rei  meu  Senhor,  e  avo,  que  santa  gbria  baja,  por  elle  assinado,  per 
que  Ihe  aprouve  de  por  falecimento  do  dito  D.  Francisco  fazer  mer(é  a 
seu  Qlbo  mais  velbo,  que  por  sua  morte  fic^isse,  da  Commenda  de  nossa 
Senhora  da  Assumpc3o  da  Uba  de  Santa  Maria,  que  o  dito  D.  Franeisco 
tinba,  corno  he  declarado  no  dito  Àtvarà,  de  queo  traslado  he  o  seguiate: 

76  cEu  El-Rei  fa^o  saber  aos  que  este  meu  Alvarà  virem,  qoe  ha* 
vendo  respeito  aos  ser\'ic.os  que  me  tem  feilo  D.  Francisco  CoutinlK),  fi- 
dalgo de  minba  casa,  e  aos  que  espero  que  ao  diante  me  faca,  bei  por 
bem,  e  me  praz,  de  por  seu  falecimento  fazer  mercé  a  seu  filbo  mais 
velbo,  que  por  sua  morte  ficar,  da  Commenda  de  Santa  Maria  da  As- 
sumpcSo  da  Uba  de  Santa  Maria  das  Ilbas  dos  Agores,  que  elle  D.  Fran- 
cisco bora  tem,  e  para  sua  guarda,  e  minba  lembranga  Ihe  maudei  dar 
este  Alvarà  por  mim  assinado,  o  qual  quero  que  se  cumpra,  e  guardo 
inteiramente,  corno  se  fora  carta  feita  em  meu  nome,  passàda  pela  Cban- 
cellaria,  posto  que  por  ella  duo  passe,  sem  embargo  da  Ordenagao  do 
segundo  livro  titulo  vinte,  que  dispoem  o  contrario  André  Soares  o  fez 
em  Lisboa  a  vinte  e  ciuco  de  Septembro  de  mil  e  quinlientos  e  cincoeiN 
ta.  Pedindo-me  o  dito  D.  Luis  Coutinho  que  por  quanto  o  dito  seu  pai 
era  falecido,  e  elle  ser  o  fillio  mais  velbo  que  por  seu  falecimento  fica- 
ra,  segundo  fez  certo  por  eertidiio  de  justifìcagao  do  Doutor  Antonio  Vaz 
de  Castellobranco,  Juiz  dos  meus  feytos  da  fazenda,  e  das  JustiGcacoes 
d'ella,  a  quem  vinha,  e  pertencia  a  dita  Commenda,  conforme  ao  dito 
Alvarà  de  lembran^a,  bouvesse  por  bem  de  Ihe  mandar  passar  carta  era 
fórma  d'elle.  E  visto  seu  requerimento,  e  o  dito  Alvarà,  bavendo  respey- 
to  aos  servigos  do  dito  seu  pay,  e  aos  que  espero  que  elle  D.  Luis  à 
dita  Ordem,  e  a  mim  fafa,  Hei  por  bem,  e  me  praz,  de  Ihe  fazer  mer- 
cé, em  Commenda  com  o  babito  d'ella,  dos  dizimos  da  terca  da  diti 
Uba  de  Santa  Maria,  e  a  dizima  do  pescado,  que  antrgamente  se  arreca- 
dava  pelos  ofDciaes  dosReys  passados  para  sua  fazenda;  e  assira  a  vin- 
tena  do  Pastel  da  dita  Uba  de  Santa  Maria,  e  dos  dous  Ilheos  que  estio 
jdnlo  d'ella  no  mar»  bum  que  se  cbama  de  S.  Lourengo,  que  està  detrai 


LIV.  IV  GAP.  XIII  167 

da  liha,  e  onlro  qne  està  dcfronte  da  Illia;  dos  quaes  Ilheos  hey  por 
Itein  qiie  o  dito  U.  Luis  se  possa  aproveylar  no  que  Ihe  bein  vier,  seni 
dulles  pagar direylos  alguns,  e  por  està  presente  carta  lli'os  conto,  e  bei 
por  coulados:  e  Ihe  fago  isso  mesmo  doagao,  e  mercé  da  dizinia  do  Pas- 
UìL  que  saliir  da  dita  Illia  para  fora  do  Reyno,  que  anda  coin  adita  Com- 
menda, comò  tudo  à  dita  Ordem,  e  a  mim  pertence,  e  pertencer  póde, 
|K)r  qual(|uer  maneira  que  seja,  e  corno  tinlia.  e  possuhia  o  dito  D.  Fran- 
cisco scu  pay  pela  carta  que  da  dita  Commenda  Ihe  foy  passada,  porque 
de  lodo  Taco,  por  està  doagào,  mercé  ao  dito  D.  Luis  com  o  habito  da 
diia  Urdem  corno  dito  he;  com  tal  declaragao,  que  elle  sera  obrigado  a 
|)agar  a  sua  custa  os  mantimentos,  e  ordenados  do  Vigario,  e  Clerigos, 
li  Tliesoureyro,  e  quaesquér  outras  Ordinarias  de  Officiaes  Ecclesiasticos 
da  dita  liha,  e  dar  o  Irigo  necessario  para  farinha  para  as  hostias,  e  o  vi- 
nho,  vélas,  e  candeas  de  ciTa  para  o  servilo  da  Igreja  da  dita  liba,  cada 
>ez  que  para  isso  for  pedido:  e  por  tanto  mando  ao  Capitao  da  dita  Uba 
eao  sea  Ouvidor,  Juizes,  e  Ollìciaes  da  dita  Camera,  e  povo  d'ella,  que 
liajik)  ao  dito  D.Luis  porCommendador  da  dita  Comarca,  comò  o  era  o 
dito  D.  Francisco  seu  pay;  e  ao  Conlador  da  minha  fazenda  na  Contado- 
ria  da  Uba  de  S.  Miguel,  que  Ibe  de  a  posse  d'ella:  e  assim  mando  ao 
Almoxarife,  ou  Recebedor  do  Almoxarifado  da  Uba  de  S.  Miguel  que 
liora  he,  e  pelo  tem[)o  for,  que  Ihe  deyxe  baver,  e  arrec^dar  a  si,  ou 
por  quera  ibe  aprouver,  o  rendimento  da  dita  Commenda,  que  confor- 
me està  carta  Ibe  pertencer  baver;  e  isto  desde  o  dia  do  falecimento  do 
dito  seu  pai  em  dianlo,  na  maneyra  sobredita;  e  cumprào,  e  guardem,  e 
fa?ào  inteyramente  cumprir,  e  guardar  està  minha  carta,  que  por  firme- 
za  Ihe  mandey  dar,  assinada,  e  seliada  com  o  sello  da  dita  Ordem,  a 
qual  se  registarà  no  livro  do  registo  da  dita  Contadoria,  para  se  ver,  o 
saber  comò  tenbo  feyto  està  mercé  ao  dito  D.  Luiz;  e  ao  assinar  d'ella 
se  rompa  o  dito  Alvari  de  lembranga  acima  trasladado.  Dada  em  Lisboa 
aos  27  de  Junbo.  Gaspar  de  Magalhaes  a  fez,  anno  do  Nascimento  de 
nosso  Senbor  Jesu  Christo  de  1537.  Sebastiao  da  Costa  a  fez  escrevèr. 
E  darlbe-ha  posse  da  dita  Commenda  Fedro  Henriques,  Contador  da  Or- 
dem de  nosso  Senhor  Jesu  Christo;  posto  que  acima  diga  que  Ih'a  de  o 
Contador  de  minha  fazenda  da  Uba;  a  qual  darà  por  si,  ou  por  sua  com- 
tnissào,  cada  vez  que  para  isso  for  pedida.»  A  qual  carta  està  assinada 
pelo  Cardeal  Infante. 


DISTORIA 
IN8ULANA  LUSITANA 

E.IVRO  9Uli\TO 

DA   ILHA  DE  S.  MIGUEL. 

CAPITULO  I 

Do  primeiro  descubrimento  da  liha  di  Sào  Miguel, 
e  seus  descubridores, 

I  Quizerao  dizer  alguns,  que  pelos  annos  de  1370,  do  Nascimento  de 
Clirjsto,  selenta  annos  antes  de  ser  descnberta  pelos  Portngnezes  a  liha 
de  Sào  Miguel,  dera  com  ella  hmu  Gregu,  que  tendo  em  Cadiz  huma 
tormenta,  d'ella  levado  foi  dar  em  esla  liha,  e  vendo-a,  a  quiz  povoar, 
^  peilir,  e  para  isso  a  quiz  experimentar,  e  vollou,  e  lancou  n  ella  muito 
gado:  mas  que  lodo  morrera  logo  niella,  e  por  isso  desislira  de  a  [)e- 
dir,  e  povoar,  e  Ocara  corno  de  antes  encuberla:  e  por  fundaniento  lo- 
mào,  que  quando  muito  depois  se  descubrio,  se  acliou,  onde  hoje  he  a 
Villa  da  Alagoa,  muila  ossada  de  gados,  especialmente  de  carneiros,  e 
que  assim  puzerao  iquelle  posto,  o  Porlo  dos  Carneiros  :  mas  islo  (diz 
Fructuoso  lìv.  4,  cap.  1.)  he  huma  mera  fabula,  e  eu  julgo  se  levantou 
de  que  descuberla  a  liha  de  Santa  Maria,  manduu  o  Infante  D.  Ilenri- 
que  muitas  cgoas,  que  lancassem  nella,  e  tal  tempeslade  deo  no  navio, 
^  que  hiào  as  e^^oas,  (e  là  jà  junlo  a  estas  duas  Ilhas)  (|ue  por  esca- 
parera  os  Naveganles,  lancarDo  as  egoas  ao  mar,  e  daqui  chaniarào  ao 
tal  mar,  o  Val,  ou  Valle  das  Egoas:  e  corno  a  ossada  d'eslas  podia  lan- 
Cap  0  mar  àquella  parie  mais  proxima  da  liba  de  Sào  Miguel,*  esle  po- 
to ser  0  fundamcnlo  da  fabula  subjedita. 


172  HISTCmU  IXSULANA  . 

2  0  certo  he  que  eslando  jà  descuberla,  e  povoada  a  Illra  de  Santa 
Maria,  e  fngindo  hum  negro  a  seii  senhor  para  a  mais  alta  serra  que 
tom  da  banda  do  Norie,  doze  legoas  da  aléli  encuberta  S.  Miguel,  e  an- 
dando lìiim  darò  dia  à  enea  para  corner,  reparou  em  o  que  via,  e  descn- 
Jjrio  ser  onlra  muilo  maior  Hha,  e  voltando  mm  a  nova  ao  senhor,  para  por 
ella  alcnnfar  o  perdilo  da  sua  fugida,  o  dito  senhor,  e  outros,  seguran- 
do-se  da  nova,  derào  dVlla  logo  parte  ao  Infante,  que  achou  concordar 
a  nova  com  a  nolicia  dos  Mappas  antiquissimos,  qne  o  Infame  là  com- 
sigo  linha.  K  este  negro  dizem  ser  o  primeiro  homem  quo  descubrio,  e 
vio  a  liha  de  Sào  Miguel:  que  assim  por  infirmes  meios  descobre  l>eos 
iTìuitas  vezes  o  que  os  horacns  mais  fortes  por  seus  meios  nào  desco- 
brem.  , 

3  Ouvida  pelo  Infante  a  dila  nova,  e  achando-se  com  elle  là  entao 
0  famoso  desnibridor  de  Santa  Maria  Krei  Gongalo  Velho,  lornou  o  In- 
fante a  mandal-o  que  ilescuhrisse  tambem  està  segunda  liha,  e  vindo,  e 
voltando  ao  Infante  sem  a  poder  descubrir,  o  Principe  entao  Ihc  adver- 
tio.  que  tinha  passado  por  entre  o  Ilhco,  e  a  terra;  e  deste  dito  tirarao 
alguns  que  o  dito  descobridor  com  seu  navio  passara  por  entre  a  Uba 
de  S.  Miguel,  e  o  Ilheo  que  chamao  de  Villa  Franca,  sem  dar  fé  da 
liha,  (cousa  que,  corno  veremos,  era  naturalmente  impossivel;)  e  o  In- 
fante queria  dizer  sómenle,  que  tinhao  andado  entre  huma,  e  outra  Ilha, 
e  por  a  de  Sào  Miguel  ser  quatro  vezes  maior  que  a  de  Santa  Maria, 
por  isso  a  està  chaniou  Ilheo,  e  Terra  à  outra;  que  quanto  do  Ilheo  de 
Villa  Franca  nom  d'elle  os  descubridores  derào  noticia  ao  Infante. 

4  Segunda  vez  pois  o  Infante  mandou  que  o  illustre  Fr.  Concaio 
voltasse  a  descubrir  a  liha;  e  ainda  aqui  fabulizào.  que  chegando  ao  so- 
))redìto  Ilheo  de  Villa  Franca,  quo  està  quasi  pegado  com  a  Ilha)  aìnda 
està  se  nào  via,  e  so  se  ouviao  sahir  d'ella  grandes  grilos,  que  àizifìo: 
«Nossa  he  està  Ilha,  nossa  he:»  e  que  pareciào  serem  vozes  dos  demo- 
nios,  que  na  ilha  andavao.  Mas  deixadas  eslas  fabulas,  a  verdade  ho, 
que  vindo  desta  segunda  vez  o  diloso  Frei  Confato  Velho  Cabrai, 
e  pondo  a  popa  no  Norie  da  Ilha  de  Santa  Maria,  foi  dar  direitainenle 
na  Ilha  que  luiscava  em  oilo  de  Maio  do  anno  de  1444  dia  da  Appari- 
Cfio  de  S.  Miguel  o  Aujo:  e  assim  o  descubridor  Ihe  chamou  logo  Ilha 
de  S.  JligueL  governando  entào  jà  em  Portugal  o  Infante  D  Pedro,  li- 
Iho,  del- Rei  1).  Joào  I.  e  irmao  d'el-Hei  D.  Duarte,  que  tambem  jàera 
falecido,  e  tiniia  deixado  de  so  seis  annos  a  D.  Allonso  V,  aquemodi:  > 


LIV.  V  GAP.  I  i73 

D.  Pedro  sea  tio  entregou  o  governo  do  Aeino  em  1448,  e  aqui  chama« 
liu  eulào  a  estas  duas  Ilhas,  de  Santa  Maria,  e  S.  Miguel,  Ilbas  ùo3 
Afores,  ou  por  se  verem  alguns  nella»  que  de  fora  vinliào,  ou  por  nel- 
las  haver  muitos  bilhafres,  que  no  pilliar  se  parecem  com  os  A(ores;  e 
d  estas  duas  Ilbas  vulgannente  passou  o  dito  nome  às  outras  sete  Illias, 
que  depois  se  descubrirào,  chamando-se  todas,  Ilbas  dos  À(ores,  e  ul- 
timaaiente  Ilbas  Terceiras,  corno  em  seu  legar  verenios. 

5  A  primeira  parte  de  S.  Miguel  em  que  f^iltarao  os  descubridores 
da  liba»  foi,  onde  cbamarao  a  Povoagao  velba,  e  tornando  lego  ranios  de 
arvores.  pombos,  caix3o  de  terra,  e  outros  sinaes  de  nova  Uba,  voltarao 
kvando  tudo  ao  Infante,  o  qual  logo  fez  mercé  ao  illustre  Frei  Concaio 
YeUio  Cabrai  da  Capitania  Donataria  de  S.  Miguel  tambem,  comò  Ihe 
tioba  ja  feito  da  Capitania  da  Uba  de  Santa  Maria,  e  ficou  Capitao  de 
ambas,  tendo  a  outros  dado  so  metade  de  buma  Uba,  comò  na  Madeira, 
iiepartindo-a  em  a  Capitania  de  Funchal,  e  de  Macbico.  Tanta  maior  es- 
timagao  fazia  aquelle  Principe  deste  Capitao,  que  de  outros. 

6  Tinhao  flcado  na  liha»  e  em  aquella  chamada  Povoa^ao  velha, 
bDDs  Cavalleiros  naturaes  de  Africa,  que  o  Infante  de  là  tìnba  trazido,  e 
e  maudado  ao  principio,  nao  para  povoarem,  mas  para  experimentarem 
a  terra  d'aqueila  nova  Uba;  e  estes  que  assim  ficarào,  tal  arroido,  bra- 
mido,  estrondos,  e  terremotos  sentirao  na  tal  Iliia,  por  mais  de  anno 
que  ficarào  n'ella  até  voltarem  os  Povoadores  Portuguezes  com  o  nova 
Donatario  da  Uba,  que  os  dìtos  Àfricanos  se  resolviao  em  desempararem 
a  Uba  peios  borrendos  tremores,  que  nella  experimentavao,  e  com  efl'ei- 
to  a  desemparariao,  se  Ibes  tivesse  navio  em  que  podessem  embarcar- 
se:  e  succedendo  entretanto  que  bum  d'elles  andando  alguns  passos  pelu 
terra  dentro  acbou  bum  bomem  morto,  deo  ^arte  logo  aos  mais  ;  e  al- 
voro(ados  se  baveria  gentio  no  Certao  da  Uba,  derao  com  oulro  bomem, 
e  0  prenderao,  e  este  posto  a  tonnento  confessou,  ter  viudo  da  Uba  de 
Santa  Maria  com  bum  seu  amigo,  e  a  mulber  él'este,  com  a  qual  elle 
vivo  tinba  adulterado,  e  i)elo  nao  castigarem  em  Santa  Maria,  se  vietào 
lodos  tres  para  aquella  Uba  deserta,  e  que  elle,  por  ficar  com  a  mulher, 
matara  o  marido,  que  era  aquelle  morto;  e  em  ouvindo  isto  o  Mourisco 
que  0  Infante  tinba  mandado  por  maioral,  e  Juiz  dos  outros  Mouriscos, 
Sem  inquirir  mais  cousa  alguma  sentenciou  que  logo  enforcassem  o  ma- 
tador, e  querendo  este  que  Ihe  ouvissem  sua  defeza,  perguutara  o  Juiz, 


171  HtSTOHlÀ  INSULANX 

que  pena  se  dax^a  em  Portugal,  a  quem  commettia  adulterio;  e  respon» 
<lendo-se-Ihe  qae  EI-Rei  o  mandava  enforcar,  o  Juiz  logo,  sem  querer, 
nem  do  <;alpado,  inquirìr  mais  coosa  alguma»  a  final  sentenciou  dìzendo 
t5Stas  palarv*ras  :  Forcarle^  Forcarti^  e  depoU  iirarte  inquirieiotie.  E  no 
mesmo  ponto  arrebatarao  o  Multerò,  e  o  eoforcarSki.  Isto  o  que  em  breve 
se  collie  4e  Fructuoso  liw  4  «ap.  2« 

CAnTDLO  II 

Do  melkor  descnbrimenlo^  t  descripfào  da  llka  de  Sào  Miguet. 

7  Passado  barn  anno«  pouco  mais,  por  mandado  do  Infante  foì  do 
Algarve  outra  vez  o  primeiro  GapitSo  de  Sao  Miguel  Frei  Gonzalo  a  pò* 
voar  a  dita  Uba  oom  muitos,  e  muilo  nobres  Povoadores  Portuguezes, 
<de  que  trataremos  em  seu  Ingar)  e  com  gados,  aves,  trìgo,  lego- 
mes  para  povoarem,  e  semearem,  e  com  o  mesmo  Piloto,  com  que 
a  prìmeira  vez  viera,  qne  tinha  bem  observado,  e  demàrcado  a  Illiat 
chegando  porém  à  sua  vista,  reparou  que  a  Ilha  que  observara,  tinha 
bum  muito  alto  pico  na  ponta  do  Oriente,  e  outro  na  do  Occidente  ;  d 
qnc  a  Uba  que  via,  nSo  tinha  mais  que  bum  so  pico  da  banda  do  Oriente 
sohredilo,  e  da  banda  do  Occidente  era  raza;  Uem  reparou  que  u'aquelle 
mar  achava  grande  numero  de  solta  pedra  pomes,  que  encontrax-a  sobre 
a  agua,  e  da  mesma  sorte  muitas  arvores;  e  que  isto  denotava  nao  ser 
aqnella  a  Ilha  que  deixara* 

8  E  nùo  ol>stante  isto,  animando-se  a  entral-a,  foi  dar  no  mesmo 
posto  d  onde  tinha  sahido,  na  Povoa^ao  veiha,  que  foi  a  primeira,  que 
lìouve  nesta  Illia,  e  alli  acabarao  de  entender,  que  o  pico  que  faltava  da 
banda  do  Occidente,  tinha  em  o  anno  antecedente  voado  ao  ar,  e  c^hira 
espalhado  em  o  mar,  «om  pedras,  terra,  e  arvores,  pelo  repentino,  e 
furiosissimo  fogo,  que  do  fundo  da  terra  rebentou,  e  causou  os  terre* 
motos,  medos,  e  estrondos,  que  os  que  tinh3o  flcado  em  a  outra  banda 
da  Ilha,  experimentarao;  e  no  posto,  aonde  o  grande  pico  estiverà,  fica- 
rao  sete  profundos,  e  planos  valles,  a  que  d  alli  por  diante  cbamarSo 
Sete  Cidades:  e  àquella  Occidental  ponta  da  Uba  chamarào,  a  Ponta  dos 
Itfosteiros,  por  o  parecerem  as  formadas  sete  concavidades:  e  he  està  a 


LiY.  V  CAP.  m  175 

onica  vez  que  siibterraneos  fogos,  e  taes  tremores  de  terra,  ediQcarao 
(iidades.  costumando  destruil-as,  e  arrazai-as. 

9  Foi  està  segimda  virìda  dos  descubridores,  e  povoadores  Portn- 
gueze^  da  liha  de  S.  Miguel  em  o  anno  de  1445  do  Nascimento  de 
(telo,  a  29  de  Seplembro,  dia  da  Dedicacao  de  Sao  Miguel  o  Ànjo, 
tendi)  jà  sido  a  primeìra  vinda,  e  appari^ao  da  tal  liha  em  dia  da  Appa- 
ricio  do  mcsmo  Sao  Miguel  a  oito  de  Maio  do  anno  antecedente  de  1444, 
que  parece  quiz  Deos  denotar,  que  se  atéli  andavao  diabos  n'aquella 
liha,  veio  o  Ànjo  Sao  Miguel  langal-os  d'ella,  corno  em  o  principio  do 
murulo  laiicou  do  Geo  aos  diabos  ;  e  que  se  de  todo  o  genero  humano 
lium  Divino  Guardamór,  bum  S.  Miguel  o  Anjo,  quiz  ser  d'està  Uba  seu 
esppcial  Anjo  da  Guarda  ;  vejao  agora  là  os  moradores  d'ella,  quanto 
devem  comò  Anjos  proceder,  ou  seguir  a  S.  Miguel,  lanfando  fora  de 
si  0  peior  diabo  do  peccado,  e  quanto  devem  celebrar  a  bum  seu  tao 
grande  Anjo. 

IO  Confirmados  pois  os 'povoadores  Portuguezes  d'està  Uba  no  no- 
me de  Sao  .Miguel  que  Ihe  impuzeròo,  fundarao  logo  segunda  povoacao, 
deixando  aos  Mouriscos  a  primeira  em  que  estavao  sùs,  e  separados, 
sera  OS  Portuguezes  se  aparenlarem  com  elles,  nera  elles  com  os  Porlu- 
piezes,  ale  que  os  taes  Mouriscos  cbegarào  emfim  a  extinguir-se,  e  li- 
cario  povoando  està  Uba  os  Portuguezes  sómente,  que  foram  logo  ao 
principio  de  Portugal,  e  da  Uba  de  Santa  Maria,  e  ale  da  Uba  da  Ma- 
^in,  Em  contar  qucm  erào  estes  povoadores,  de  quem  descendiào,  e 
que  descendencias  tiverào,  gasta  o  erudito  Frucluoso  em  o  seu  liv.  4, 
dpjMle  0  cap.  3.  até  o  cap.  38,  em  perpetuas  genealogias,  cuja  subslan- 
cia «'wnente  em  seu  liigar  recopilaremos,  comò  muilas  vezes  faz  a  Sagra- 
da  Esi'.rifura,  para  nem  fallarmos  ao  que  deve  servir  a  cada  bum  para 
imitar  a  seus  grandes.  e  bons  antepassados,  e  nSo  seguir  aos  màos;  e 
e  para  inloleraveis  \m  sabirmos  com  repetidas,  e  idenlicas  bistorias;  e 
^im  descuberta  a  liba,  demos  a  piena  noticia  d'ella  toda. 

CAPITOLO  IH 

Descnpcdo  geral  de  Sào  Miguel^  e  parlicular  da  banda  do  Sul. 

i\    Ao  Norie  de  Santa  Maria  està  a  Uba  de  Sao  Miguel,  e  ao  Sul 
desia  fica  a  oulra,  doze  legoas  de  terra  a  terra;  mas  be  tao  huipda  a 


176  HISTORIA  INSULANA 

(le  S.  Miguel,  e  lancava  de  si  tantos  vapores,  qua  sem  esla  se  descabrir, 
esteve  a  de  Santa  Maria  doze  annos  descuberta;  porém  rogado  o  aniigo 
arvoredo^  (ìcou  tao  sugeita  a  ventos»  que  estes  Ihe  fazem  graade  damno, 
e  a  tem  ja  tornado  menos  fertil  do  que  dantes  era:  corre  de  Leste  a 
Oeste,  e  faz  buma  ponta  para  o  Nordeste,  e  outra  para  o  Noroesle,  e 
tem  de  comprido  dezoito  legoas,  mas  nào  he  mais  larga  que  duas  le- 
goas  e  meia,  e  no  meio  huma  so  legoa,  da  Resaca  do  Sul  em  a  Villa 
da  Alagóa,  até  o  Habo  de  Peixe  da  banda  do  Norte,  com  via  t3o  raza 
aqui,  que  aos  Navegaotes  parece  conlinuarem-se  os  dous  montes,  e  se- 
rem  duas  Ilbas,  e  nJo  huma  so.  Com  o  morrò  do  Nordeste  fica  por  li- 
nha  direita  duzentas  e  cincoenta  legoas  de  Cetuval;  e  o  dito  morrò  he 
bum  tao  alto  Pico,  que  os  Navegantes  que  vom  do  Oriente,  o  divisao 
trinla  legoas  ao  mar:  e  geralmente  consta  està  Uba  de  buma  Cidade, 
cincx)  Viilas,  e  vinte  e  dous  lugares,  trinta  Freguezias,  mais  de  cem  Sa- 
cerdotes  seculares,  dos  quaes  sào  Vigarios  trinta,  nove  Curas,  e  qua- 
renta  e  dous  Beneficiados,  e  juntas  as  Ig'rejas  com  as  Ermidas,  todas 
sào  noventa  e  sete.  Dos  Religiosos,  e  Religiosas  em  particular  diii^mos. 

li  Da  parte  de  Leste  cometa  està  Uha  wm  a  Povoa^ào  cbamada 
Nordeste,  que  ao  principio  era  bum  lugar,  e  da  jurisdicfào  de  Villa  Fran- 
ca, (corno  diz  Damiao  de  Goes,  iv  part.,  cap.  ult.)  e  El-Rei  D.  Manoet 
em  Lisboa  a  18  de  Julbo  de  1514,  o  fez  Villa,  e  tem  duzentos  e  cin- 
coenta e  nove  vìzinbos,  corno  se  mostrou  no  anno  de  16G6,  e  buma  so 
Freguezia  da  invocagao  de  Sao  Jorge,  com  Vigario,  Cura,  e  tres  Bene- 
llciados;  he  terra  de  creagues  de  gados,  madeira  de  cedro,  pouco  \i- 
nho,  costa  ingreme,  e  segura  de  inimigos,  e  com  bateis  por  mar  se  coni- 
munica  com  as  mais  partes  da  liba;  e  tem  o  seu  porto  distante  bum 
quarto  de  legoa  para  o  Sul;  e  vào  là  embarcagoes  a  buscar  trigo;  e  so 
bum  lugar  mais,  chamado  S.  Pedro,  tem  por  seu  termo  està  Villa,  e 
adiante  buma  Ermida  de  nossa  Senhora  de  Nazareth;  e  mela  legoa  mais 
adiante  estào  as  chamadas  Prainhas,  que  entre  si  tem  buma  grande  ba- 
bia  de  area,  e  logo  a  ponta  de  terra  que  se  cbama  Topo,  com  o  dito 
morrò,  ou  alto  Pico  do  Nordeste;  e  d'ahi  a  huma  legoa  vai  virando  a 
Uba  para  o  Nordeste,  e  se  continua  em  rocba  talhada,  e  alta  com  duas 
ribeìras,  das  quaes  huma  se  cbama  Agua  Retorta,  outra  a  Ribeira  do 
Arco,  porque  o  fez  na  terra  para  sabir  ao  mar. 

13  D'aqui  para  o  Sul  corre  a  costa,  e  buma  legoa  depois  està  a 
mai%pilta  rocba  que  ba  em  toda  a  liba,  e  se  cbama  a  do  BodC;  por  d  el« 


LIV.  V  CAP.  Ili  m 

b  whir  hum;  e  correndo  para  Noroesle  dous  liros  de  escopeta,  vai  dar 
eoa  liuto  lugar  charnado  Fayal,  por  ter  tanla  Faya,  que  Ihe  deo  o  nome; 
està  enire  duas  ponlas,  que  llie  fazeni  liuma  bahia  coni  bom  porlo,  a 
que  salie  hmna  ribeira,  pela  qual  entra  do  mar  multo  pescado:  ha  n'este 
lugar  uuiila  fonte,  muito  arvoredo,  boa  fruta,  especialmenle  de  espinho, 
e  US  mellioros  limoes  que  lia  em  loda  a  liha,  no  tamanlio,  e  no  gumo: 
as  terras  que  lem  por  cima  das  dìtas  rociias,  de  huma.  e  outra  parte, 
sào algumas  de  tiigo,  e  paslel,  e  o  mais  de  crea^oes  de  gados,  vacum, 
e  cabrum,  e  em  partes  porcos  montezes,  e  pombos  torquazes;  e  porque 
(la  Villa  do  Nordeste  dista  j:i  tres  legoas  este  lugar  do  Fayal,  por  isso 
he  (lo  termo  jà  de  Villa  Franca:  e  coin  o  lugar  ser  de  pouco  mais  de 
quareula  vizinhos,  lie  de  gente  tao  limpa,  e  tao  nobre,  que  d'elle  por 
vezes  toma  Villa  Franca  hoinens  para  o  seu  governo,  ricos,  e  aparen- 
lados  com  loda  a  lllia:  a  FregiitvJa  deste  lugar  he  de  nossa  Senhora  da 
Craya:  a  gejite  nubre  he  dos  Velhos,  e  Cabraes,  descendenles  da  Ilha 
de  Santa  Maria. 

i4  Iluma  legoa  do  Fayal  està  a  Povoacao  vciha,  (que  foi  a  primei- 
ra  desta  Ilha,  e  habitada  algum  tempo  dos  sobreditos  Mouriscos,  comò 
e  foi  Hespanha,  Italia,  e  oulras  Provincias)  lugar  grande  e  de  so  puros, 
e  liiupos  Porlugiiezes;  do  qual  diz  Fiuctuoso  liv.  3,  cap.  39,  que  em 
sea  tempo  linha  cento  e^tres  vizinhos;  e  eu  na  inquirigào  de  1666,  aclui 
(jiie  wnsiava  de  duzentos  e  vinte  e  tres  vizinhos:  tem  no  meio  a  sua 
Freguezia  nossa  Senhora  dos  Anjos  com  Vigario,  e  Cura,  a  qual  man- 
duu  fazer  Joào  d  Arruda,  e  seus  lilhos  homens  fidalgos;  tem  mais  a  Er- 
Uìida  de  Santa  Barbara,  que  foi  a  primeira  Igreja,  e  em  que  se  disse  a 
jirimeira  Missa  n'osta  Ilha.  Està  oste  lugar  em  fresco  valle,  com  nove 
fuutes,  e  quairo  libeiras,  que  se  ajuntào  em  huma,  chamada  entào  a 
Grande,  que  ùs  vezes  leva  tanla  agua,  comò  hum  grande  rio;  e  tanta 
ttadeira.  e  penedia,  que  faz  borrendo  cstrondo;  ha  por  equi  muìtas  aves, 
e  poinbos  torquazes,  muita  fruta  de  espinho,  e  figos  brejafotes,  e  vinhas 
em  lena  lavradia,  (cousa  rara  em  eslas  Ilhas)  e  ludo  o  quo  aqui  se  dii, 
h  0  inelhor  de  loda  a  Ilha.  Pelo  incendio  das  furnas  (que  em  seu  lugar 
IMìiporemos)  foi  esla  terra,  distante  lumia  legoa,  cuberla  de  ciiiza,  e  pe- 
dra  |K)!nes,  mais  de  ciuco  paimos  de  alto,  mas  pouco  depois  se  culli- 
vou  Como  de  anles,  e  melhor  ainda. 

13  Pouco  adiante,  jiela  costa  do  Sul,  està  hum  posto,  que  chamao 
oFonriirho.  por  parecer  fazerem-o  as  pedras,  defrontc  das  qunes,  hum 

VOL.  1  li 


178  HISTORIA  ÌNSULANA 

tiro  de  pedra  ao  mar,  sahe  n'este,  e  do  fundo  d'elle,  sahe,  dez  palmas 
acima,  tal  fonte  de  agua  doce,  que  nuo  so  se  toma  doce  em  cima,  mas 
doce  se  tira  do  fundo  do  mar,  em  tres  borbulhoens  de  dez  palmos  de 
triangolo;  e  nao  he  cousa  nova,  pois  sabemos,  que  o  AIpl>eo,  metten- 
do-se no  centro  da  terra  em  Grecia,  vem  sahir  cem  legoas  adiante  na 
fonte  de  Aretusa  jnnto  a  Saragoga  de  Sicilia,  e  traz  aqui  o  que  là  no 
principio  llie  deilarao:  e  o  Guadiana  em  Hespanlia,  depois  de  se  metter 
por  baixo  da  terra  oilo  legoas,  sahe  tanto  depois  fora  da  terra,  resus- 
citado  rio:  e  era  Italia  o  Pado  (por  outro  nome  Eridano)  sahe  semellian- 
temente,  onde  fingem  cahira  Faetonte:  e  o  Eufrates,  enterrando-se  prì- 
nieiro,  resuscita  ao  depois  sobre  a  terra,  he  o  diamado  Nilo:  e  assim 
nao  ha  que  pasmar  de  que  se  na  Ilha  de  Santa  Maria,  com  suas  impe- 
ne!raveis  rochas,  e  subterranea  abundancia  de  aguas  doces,  se  rebaleS' 
so  d'esfas  para  o  mais  baixo  da  terra  algum  rio,  viesse  a  sahir  aqui,  em 
so  doze  legoas  de  distancia,  e  onde  so  duas  braras  de  agua  salgada 
nchou,  para  afaslar,  e  vcncer.  Mais  póde  ser  de  adrairar,  que  das  ditas 
tres  fontcs,  nao  s()  da  grossura,  e  altura  de  huma  lanfa  vengao  duas  ao 
mar.  e  mui^o  mais  a  terceira;  mas  que  da  rocha  saiao.  e  em  direito  do 
sobredilo  Forninho,  oulras  tres  fontes  junlas,  e  que  duas  d'ellas  sejao 
de  agua  doce,  e  a  terceira  de  vinagrc,  ou  quasi  lai. 

1()  Duas  legoas  da  sobredila  Povoapio  està  a  Penta  da  Garf^i,  que 
por  assim  o  par(»cer,  Ihe  derào  esle  nome;  e  ahi  mesmo  bum  legar  cha- 
inndo  da  Piedade,  por  ser  desta  invecacao  a  sua  Igreja,  quo  fiindou  em 
terra  sua  bum  nobre  varao  Lopcanes  de  Araujo:  tem  està  FregueziJi 
quasi  cem  vizinhos  com  seu  Vigario,  e  he  da  jurisdiccao  de  Villa  Fran- 
ca, mas  tem  poucas  aguas,  e  poucas  frutas;  porém  muito  bom  trigo,  o 
paslel.  D'aqui  mais  huma  legoa,  e  pelo  mesmo  Sul,  correa  Ri l)eira  Sec- 
ca, (que  so  no  nome  o  he)  e  aqui  està  bum  Engenho  de  assucar,  que 
fnndou  o  sobredito  Lopeanes  de  Aranjo,  e  depois  houverao  este  Engt;- 
nho  OS  filhos  de  Sebastiao  de  Castro,  e  o  houverao  de  bum  Gabriel  Coe- 
Iho;  e  agora  (diz  Fructuoso  no  seu  tempo)  o  tem  Diogo  Leite,  (fidafgr», 
de  que  em  seu  lugar  faremos  mencao)  por  falecimento  de  Manoel  de 
Castro,  e  Antonio  de  Castro,  e  nao  sei  se  ha  ainda  la)  Engenho  de  as- 
snrar,  porque  oulros  que  havia  em  Sào  Miguel,  jà  acabarSo  comò  at^ 
barào  muitos  dos  muilos  mais  que  liavia  em  a  Madeira. 


LIV.  V  CAP.  IV  179 

CAPITULO  IV 

Da  antigOy  e  nobre  Villa  Franca  de  Sào  Miguel,  Agua  de  Pdo, 

e  Alagoa. 

17  Da  sobredila  Ribeira  Secca,  e  seu  Engenho  de  assucar,  come- 
00  OS  ricos  Orredores  da  celeberrima  Villa  Franca  do  Campo;  cha- 
raa-sc  do  Campo,  por  ser  situada  em  bum  quasi  razo  com  o  mar;  cha- 
nia-se  Franca,  porque  d'esde  seu  principio  comecou  com  franqueza,  e 
liberdade  de  pagar  ella  direitos;  e  Villa  se  chama,  por  nao  so  ser  fella 
lai  pelos  Reis  de  Portngal,  mas  ser  a  primeira  de  loda  a  Uba,  e  ter  o 
primeìro  lugar,  e  fallar  primciro,  quando  se  juntao  as  Cameras  da  Uba 
loda;  e  logo  em  seu  principio  se  edificou  de  sorte,  que  jà  enlao  pare- 
cia  huma  pequena  Corte,  com  illustres  Capitaes,  fidalguia,  e  nobreza 
qoe  se  extendeo  por  loda  a  Uba,  de  que  foi  o  seminario,  origem,  cabe- 
a  e  ra3i,  corno  confessa  o  mesmo  Fructuoso  liv.  4,  cap.  40,  e  ainda 
que  ?eio  tempo,  em  que  se  arruinou,  (corno  em  seu  lugar  veremos)  se 
edificoo  comtudo,  e  tao  nobremente,  que  aos  nobres  d'ella  concederào 
nossos  Reis  os  mesmos  privilegios  que  lem  os  Cidadàos  do  Porlo  em 
Portugal,  além  de  Ihe  confìrmar  lodos  os  que  de  antes  lìnba. 

18  Tem  està  Villa  sabidas  excellenles,  com  ricos  pomares,  e  ren- 
dosas  qainlas,  e  dentro  lem  muito  nobres,  e  grossos  contratadores  df^ 
Ingo,  pasleU  e  assucar:  tem  duas  Freguezias;  a  Matriz  he  dedicada  ao 
Anjo  S3o  Miguel,  Orago  de  loda  a  Uba,  e  consta  de  quinbentos  e  quin- 
»  vizinhos;  a  outra  Freguezia  be  da  invoca?ao  de  Sao  Pedro  Apostolo, 
e  coDtém  duzentos  fogos,  ou  vizinbos,  e  a  Villa  loda  passa  de  setecen- 
tos,  a  que  algumas  Cidades  de  Porlugal  nao  cbegào.  A  Malriz  tem  oito 
Beneliciados,  Vigario,  Cura,  eie.  corno  lambem  lem  a  outra  Freguezia 
deS.  Pedro;  tem  boa  casa  da  Santa  Misericordia,  e  dous  Conventos  mais, 
tam  de  Religiosos  Franciscanns,  e  nutro  de  Beligiosas  de  Santa*Clara, 
e  seis  Ermidas,  Sào  Joao  Baplisla,  Santa  Catharina,  N.  Senbora  do  Des- 
terrò,  Corpo  Sanlo.  Sao  Pedro,  e  Sanlo  Amaro.  Do  Mosteiro  de  Freiras 
dizem  que  foi  o  primeiro  de  lodas  as  Ilbas,  e  he  da  invocac^o  de  Santo 
André,  e  de  cincoenta  Religiosas,  e  trinta  servas,  e  de  abundanle  ren- 
da, e  por  isso  mnito  observanle;  o  dos  Religiosos  lem  menos  sugcitos, 
e  nao  menos  exemplares,  e  be  dedicado  a  nossa  Senbora  do  Rosario,  e 
por provisao  dei-Rei  lem  o  pulpito  da  Villa. 


180  HISTORIA  INSULANA 

19  He  governaila  està  Villa  pelo  seu  Senado  da  Camera,  set»  tnv 
bres  Juizes  Ordinarios,  Almotaceis,  etc.  e  na  milicia  tem  seu  Capitao-mòr, 
e  tres  Companhias  de  duzentos  bomens  cada  huma,  com  seas  Capitaes, 
quo  sempre  sao  dos  mais  nobres,  dos  quaes  foi  o  primeiro  Capitào  Pe- 
dro  da  Costa,  e  seu  Alferes  Jorge  Furtado;  o  segando  foi  Pedro  Rodri- 
guez  Cordeiro,  cujo  gerirò  foi  o  seu  Alferes  Gaspar  de  Gouvea;  e  n'esla 
Villa,  para  a  segurar  na  sugeicào  a  Felippe  II  de  Castella,  poz  o  Mar- 
quez  de  Santa  Cruz  setecentos  soldados  de  presidio,  que  durou  pouco; 
mas  per  si  a  Villa  està  forlifìcada  da  banda  do  mar,  e  eom  portas  fc- 
cbadas,  e  tem  para  o  mar  bum  Forte  com  boa  artelbarìa,  mas  n3o  sei 
que  tenba  soldadesca  paga,  senào  de  ordenanca»  e  a  seus  tempos,  e  so- 
bre  tudo  o  da  milicia,  o  Capitilo  Donatario  be  o  que  governa  em  loda  a 
Ilha. 

20  Defronte  d'està  Villa,  e  bum  tiro  s()  de  berso,  està  bom  Ilhéo, 
qne  levaria  tres  moios  de  semeadura,  se  se  semeasse:  e  tem  Imma  bo- 
ta, feita  por  arte,  por  onde  cabom  navios  de  scssenla  toneladas,  e  den- 
tro mar  capaz  de  vinte  navios,  mas  so  qual.ro  nadarào  nelle,  e  por  bai- 
xo  tem  tambem  fendas  naluraes  abertas,  por  onde  Ibe  entra  tambem 
agua  do  mar,  e  com  tal  furia,  que  se  metle  dentro  do  llbéo,  que  se  veni 
alguns  pedagos  de  pàos,  e  de  navios  perdidos:  ao  rcdor  d'este  IIIr»o,  q 
oiìlvG  elle,  e  a  terra  ha  bom  anclìoradouro,  e  serve  o  Ilhéo  muilo  para 
boas  pescarias;  serviria  tambem  de  mellior  Forlaleza,  comò  a  do  Bugio 
era  a  entrada  do  Tejo.  Emfim  tem  Villa  Franca  nove  Logares,  ou  Aldeas 
mais  que  estao  debaixo  do  seu  governo,  ciuco  da  banda  do  Norte,  e  da 
banda  do  Sul  qualro. 

21  Segue-se  a  Villa  Franca,  e  pelo  mesrao  Sul  para  o  Poente  duas 
legoas,  a  Villa  de  Agua  de  Wo,  nome  que  d'esde  o  mar  Ihe  derao  os 
])iiineiros  descubridores  da  Uba,  porque  vendo  cahir  uma  ribeirade  bum 
•Mio,  e  a  prumo  a  um  baixo,  pareceo  a  muilos  ser  anligo,  e  grajid« 
l)ào,  (jiie  de  baixo  chegava  ao  mais  alla;  e  a  outros  pareceo  que  em 
;tgua,  qne  do  alto  vinha  precipituda  ao  baixo,  e  ;ichando  logo  scr  assim, 
vhamarao  àquella  agua,  Agua  de  Pào,  e  esle  mesmo  nome  derao  a  Vil- 
la, que  alli  depois  se  edilìcou;  està  a  Villa  edilìcada  em  bum  valle,  e 
lem  a  ribeira  secca  da  parte  do  Occidente,  e  da  parie  do  Oriervle;  a  ri- 
l)fìira  do  paul,  a  quem  bum  allo  pico  toma  a  vista  do  mar:  he  Villa  bem 
]irovida  de  lenlia,  e  frulas;  tem  duzentos  e  cincoenta  fogos,  ou  vizinbos, 
Vigai  il);  e  qualro  Bciiyflciados,  Tbcsourciro,  e  Cura,  tcui  mais  tres  Et- 


LIV,  V  CAP,  IV  181 

nidas,  hiima  da  Trindade,  feita  por  huma  Beota  cliamada  Margarida  Af- 
fooso;  outra  de  nossa  Senliora  do  Rosario,  e  a  terceira  de  Sao  Fedro, 
Ja  parte  do  Poenle.  Era  està  Villa  de  antes  hum  lugar  de  Villa  Franca, 
e  em  28  de  Juliio  de  1505,  foi  feita  Villa  por  El-Kei  D.  Manoei,  com 
meia  legoa  de  termo  ao  redor,  e  està  junta  a  bum  pico  grande  chama- 
do  0  da  Figiieira. 

22  Abaixo  hum  tiro  de  berso  està  o  porto  d'està  Villa,  chamado 
Val  de  Cabassos,  porqiie  quando  os  descubridores  da  liba  alli  chegarào, 
repararao  estar  a  terra  cuberta  de  humas  grandes  flores  brancas,  que 
<Hn  verdade  erao  da  *erva  qne  chamSo  Legacao,  e  pareceo-lhes  serem  flo- 
res de  oabassas,  ou  cabassos,  e  por  isso  chamarao  àqnelle  porto.  Porto 
(le  Val  de  Cabassos.  He  pois  porto  bom,  e  facilmente  defensavel  ale  com 
pedras  de  cima;  e  lie  fortificado  com  baluarte,  e  cavas.  Junto  a  estè  por- 
to està  huma  Ermida  da  Concei(ao  da  Virgem  Senliora,  e  d'està  dizem 
qoe  fola  primeira,  que  da  dita  invocagSo  lionve  em  aquella  Uba,  e  que 
aqui  comecou  o  priraeiro  Mosteiro  de  Fneiras,  que  bouve  em  todas  as 
Ilhas;  que  para  as  Religiosas  serem,  comò  devem  ser,  immaculadas,  pela 
inunaculada  Conceicào  d?  Virgem  Senhora  nossa  haviao  comecar.  Ha  tao 
nnbre  gente  n'esta  Villa,  que  d'ella  forao  muitos  bomens  à  sua  custa  a 
Africa,  e  là  forao  Armados  Cavalleiros,  e  tomàrao  aos  Mouros  Benaha- 
mad,  iugar  junto  a  Arzilla;  e  em  1321  tomarao  para  està  sua  Villa. 

23  Por  està  costa  do  Sul,  de  Occidente  a  Poente,  e  legoa  e  meia 
depois  da  Villa  de  Agua  de  Pào,  està  a  chamada  Villa  da  Alagoa  por  hu- 
ma que  leve  de  agua  nativa  defronte  da  porta  da  Uba  principal,  onde 
depois  se  formou  terra  lavradia.  Fez  Villa  a  este  Lugar  EI-Rei  D.  Joao 
lUem  11  de  Abrii  de  1522.  A  Igreja  .Matriz  be  da  Invoca^ao  da  Santa 
Cruz,  com  duzentos  e  vinte  e  sete  fogos,  ou  visinhos.  A  segunda  Fre- 
ffkm  se  chama  do  Porto  dos  Cameiros,  (por  os  terem  alli  ian^ado  os 
ivmieiros  descubridores  que  os  traziao)  e  consta  de  duzentos  e  dezaseis 
nsDhos;  e  a  Villa  de  quatrocentos  e  quarenta  e  tres»  corno  constou  pe- 
1<«  roes  do  anno  de  1666.  Tem  mais  està  Villa  da  Alagoa  tres  Ermidas, 
prìaeira  de  S^o  Sebastiao.  segunda  de  N.  Senhora  do  Rosario,  terceira 
4o  EspiriU)  Santo;  e  acima  da  Villa  hum  quarto  de  legoa,  està  a  Ermida 
de  N.  Senhora  dos  Remedios,  de  muitos  milagres,  e  grande  romagem, 
af^  pé  de  hiira  monte  chamado  o  Vulcao.  A  Klatriz  da  Villa  tem  Vigario, 
ÌMim  Cura,  e  quatro  Beneficiados.  0  termo  d'està  Villa  be  de  trigo,  e 


1S2  IIISTORIA  IXSCLÀNA 

pastel,  e  muitos,  e  bons  vinhos;  e  além  de  ludo  ista  se  carregSo  aqof 
OS  frutos  da  Villa  de  Ribeìra  Grande,  e  seu  termo. 

24  Adiante  mais,  cousa  de  huma  legoa,  e  jà  da  urisdic^o  da  Cida- 
de,  està  o  lugar  de  S.  Roqae,  por  ter  deste  Santo  a  sua  Igreja,  com  Vi- 
gario,  e  Cura,  e  cento  e  vinte  e  seis  vistnhos,  e  a  pouco  espago  se  segue 
huma  Ermida  da  Santa  Magdaiena,  de  mui  frequente  romagem;  e  depois 
logo  a  forca  da  Cidade,  e  defronte  d'ella,  bum  tiro  de  besta  ao  mar,  està 
lium  Ilhéo,  que  por  representar  a  bum  cao  em  a  figura  que  faz,  deo 
aquelle  tracto,  e  lugar  de  Sao  Roque,  o  vulgar  nome  de  Lugar  de  Bos- 
to  de  Cao.  E  ba  por  aqui  tantas  vinfias,  que  (comò  diz  Fructuoso)  d'el- 
las  se  recolhe  cada  anno  mais  do  mil  pipas  de  vinbo.  E  queixa-se  o  dito 
Author,  que  valendo  de  antes  buma  pipa  de  vinbo  dous  até  tres  cruza- 
dos,  valla  jé  em  seu  tempo  tres  atè  quatro  mil  réis.  Pela  terra  dentro 
tambem  bum  quarto  de  legoa  da  Cidade,  esté  o  lugar  da  Faja,  com  Frò- 
guezia  de  nossa  Senbora  dos  Anjos,  (que  de  antes  tinba  estado  em  oo- 
tro  lugar  mais  acima)  e  com  Vigario,  e  trinta  e  seis  visinbos,  e  perlo 
buma  Ermida  da  EncarnacHo. 

CAPITULO  V 

Da  Cidade  de  Ponta  Delgada. 

25  Descuberta  a  Uba  de  Sao  Migue!,  e  povoada  em  1444,  e  em 
liiS,  esteve  quasi  cincoenta  annos  até  o  de  1499^  sem  ter  dentro  de  si 
outra  cabeca.  ou  governo,  senao  a  sobredita  Villa  Franca  do  Campo,  e 
Ponta  Delgada  Ibe  obedecia,  comò  bum  semente  lugar  seu,  sem  baver 
outra  Villa  em  toda  a  Uba;  mas  corno  no  dito  lugar  de  Ponta  Delgada 
bavia  tambem  multa  nobreza,  e  fidalguia,  a  quem  cuslava  jà  muito  re- 
correr, e  obedecer  is  ordens  de  Villa  Franca,  e  entro  buns,  e  outros  hou- 
vesse  algumas  brigas,  quando  biào  a  Villa  Franca,  os  de  Ponta  Delgada 
mandàrao  secretamente  a  Lisboa  bum  Fernao  Jorge  Velho,  fillio  de  Jor- 
ge  VeHiO,  e  de  Africanes,  a  alcanfar  que  Ponta  Delgada  fosse  Villa,  e 
nao  obedecesse  a  Villa  Franca,  e  diz  Fructuoso  que  dentro  de  bum  mez 
Ponta  Delgada  veio  feita  Villa  por  el-Rei  D.  Manoel  em  4499,  servindo 
de  Capitào  Donatario  Pedro  Rodriguez  da  Camera,  pela  ausencia  de  sea 
irmllo  Ruy  Gongalves  da  Camera,  que  eslava  em  Lisboa;  e  por  mais  em- 
bargos  que  Villa  Franca  poz  a  està  rcsolugào,  nunca  se  Ibe  deferto»  ao- 


LtV.  V  GAP»  V  183 

te.<  0  mesmo  Rei  D.  Manoei  em  Abrantes  a  29  de  Maio  de  1507,  e  em 
|>ei-gamiiiho  Rea!  confìrniou  Poiila  Delgada  em  Villa;  e  depois  Ei-Kei  D. 
Juno  IH  a  levaDtou  a  Cidade,  de  seu  motu  proprio  a  2  de  Abrìl  de  15i6, 
e  d'a<|ui  fìcou  sempre  alguma  opposirao  entre  Villa  Franca,  e  Poiila  DeU 
yada.  que  ale  em  os  rapa^es  dura  quando  se  eiicontrào:  e  assim  fui  Fon- 
ia Uelgada,  quasi  cìncoenla  annos,  lium  puro  l^ugar  sugeito  a  Villa  Fran- 
ca: e  quasi  quarenta  e  sete  annos  Villa  livre  sobre  si,  e  tem  jà  148  aii- 
nos  de  Cidade,  ale  o  presente  anno  de  1714. 

26  Por  eslar  esla  Cidade  junto  a  Imma  delgada  ponta,  que  do  in- 
terior da  Uba,  e  do  biscouto  miudo  vai  quasi  raza  ao  mar,  porisso  se 
cluuna  Ponta  Delgada;  sendo  que  à  dita  ponla  cliamarào  jà  Santa  Clara, 
|ior  lìuma  Ermida  que  alli  tem  da  mesma  Santa.  Està  assenlada  a  Cida- 
de junio  ao  mar,  e  em  plano,  sem  subidas,  ou  descidas  de  multa  con- 
sidera^au;  de  comprido,  à  beira  mar,  occupa  quasi  bum  quarto  de  ìq- 
g^ia,  e  no  mais  largo  do  meio,  o  tiro  de  buma  escopeta;  tem  varias  ruas, 
torreiiles  do  Norie  a  Sul,  a  outras  atravessadas;  no  aimo  de  1060  linba 
pek)s  roes  dos  Parocbos  mil  e  seiscentos  e  vinte  e  tres  visinbos;  a  casa- 
ria  de  nobres  be  tambem  nobrc,  mas  em  nenbuma  rua  be  uniforme, 
por  se  melterem  casas  terreas  entro  sobradadas;  tem  os  Donalarios  biim 
itmito  Dobre  Pa(o  com  jardim  dentro,  e  no  meio  da  Cidade;  tem  sobre 
0  porlo  buma  boa  Fortaleza  com  Irinla  pegas  de  hronze,  e  buma  de  mais 
de  viale  palmos  de  com|)rimento;  nào  tinba  gente  paga  de  guarnicào, 
loas  de  ordenanca  em  guarnicào  sempre,  e  seu  CapilOo  com  boas  casas 
I»ra  elle,  graneis,  e  casa  de  polvora,  e  de  municocs  de  guerra,  e  Ei- 
ffiida  de  Sào  Braz;  tem  poco  de  agua  de  servilo  para  a  gente,  e  aleni 
i'\&so  cisterna,  que  leva  mil  e  duzentas  pipas  de  agua;  nao  tem  cava  a 
roda,  e  parece  ser  tudo  pedra  viva.  Hoje  dizem  que  tem  jà  soldadesca 
paga. 

27  0  porto  desta  Cidade  he  tao  aborto,  que  da  porta  de  Santa  Cla- 
ra ale  a  ponta  que  chamào  da  Gale,  vào  tres  legoas  de  enseada,  sem 
abrigo  algum  para  os  navios,  mais  que  fazer-se  à  véla  com  qualquer  tem- 
pestade,  estejao  carregando,  ou  descarregando,  com  que  succede  às  ve- 
as  levantarem,  sem  lornarem.  A  xVlfandega  esteve  sempre  em  Villa  Fran- 
ca, ale  que  (comò  veremos)  se  subverteo  a  Villa,  e  ainda  que  se  reedi- 
ficou.  mudou-se  comtudo  a  Alfandega  para  a  Cidade,  e  niella  tem  nobre 
assento,  com  seu  Juiz,  que  cbamào  Juiz  do  mar,  e  be  posto  nobilissimo, 
de  que  ale  o  mesmo  Donataiio  depende,  e  so  ao  Provedor  da  fazeuda 


184  IlISTOniA  msvLANA 

Real  da  liha  Terceira  csW  sngeito;  e  tcm  Cenfador  da  Alfandoga,  Pei- 
tor,  e  outros  minislros  inferiores. 

28  A  Cidade  se  governa  pelo  sen  Senado  da  Camera,  qne  de  antoìi 
constava  de  dons  Juizes  Ordinarins  doa  mais  nobres  da  Cidade,  e  tsen  ter- 
mo, ((jue  he  so  de  Imma  legoa)  e  ha  miiilos  annos  se  tirarào,  e  se  poz 
em  liigar  d*elles  Jiiiz  de  fora,  qne  serve  tambem  de  Correg(tdor  da  liha 
de  Santa  Maria,  e  de  Jniz  dos  Residnos  em  toda  a  liha  de  S!So  Miguel: 
d'este  Juiz  de  fora  se  recorrc  ao  Onvidor  do  Capitao  Donatario,  »e  lem 
Ouvidor  distincto;  e  se  o  nao  lem,  ao  mei^mo  Capitao;  porém  se  o  Cor- 
regedor  vai  a  Sao  Miguel  em  correicao,  cessa  a  Ouvidoria.  e  s6  ao  Cor- 
regedor  se  recorre  do  Jniz  de  fora.  Tem  mais  o  dito  Senado  da  Camera 
Ines  Vereadores,  hum  Procnrador,  e  bum  Escrivìlo  da  Camera,  e  bum 
Thesonreiro,  e  todos  sao  Cidadàos  nobres,  e  quatro  Ministros  do  povo, 
<?  da  Cidade  dous  Almotaceis  cada  tres  mezes,  além  dos  mais  Escrivaes, 
Tabelli5es,  Alcaides,  eie,  e  tem  pra^a  bastante  perlo  do  mar,  e  seu  Pe- 
lourinho,  cadea,  e  ludo  o  mais  necessario. 

29  Quanto  ao  Ecclesiastico  secular  tem  Ponta  Delgada  tres  Fregiie- 
zias:  a  Matriz  he  de  Sao  Sebasliao,  he  Igreja  grande,  e  de  tres  naves, 
tem  Vigario,  Thesoureiro,  e  Cura,  e  dez  Beneficiados,  e  seu  Mestre  da 
Capella:  e  ha  n'esla  Freguezia  quatro  Ermidas,  de  S.  Braz,  das  Chagas, 
de  Corpo  Santo,  e  da  Trìndade.  A  segunda  Freguezia  he  a  de  S3o  Pe- 
dro,  que  tem  Vigario,  Cura,  e  oilo  Beneficiados,  e  ires  Ermidas,  buma 
da  Madre  de  Deos,  outra  de  Suo  Confalo,  e  outra  da  Natividade,  com  a 
devola  Confraria  dos  Pretos.  A  terceira  Freguezia  he  a  de  Santa  Clara, 
com  Vigario,  e  Cura,  e  tem  Imma  Ermida  da  invocacao  da  Piedade.  Alcm 
d'esles  Ecclesiasticos  ha  muitos  outros  Clerigos  extravaganles,  e  a  lodo 
este  estado  Ecclesiastico  governa  hum  Ecclesiastico  Ouvidor,  poslo  pelo 
IJispo  de  Angra,  aonde  so  se  recorre  em  todas  as  causas  Ecclesiaslicas, 
c|uando  o  dito  Bispo  nao  està  visitando  Siio  Miguel,  ou  nao  manda  Li  seu 
Visiiador.  Ila  mais  em  Ponta  Delgada  buma  Santa  Casa  de  Misericordia 
com  0  seu  costumado  governo  de  Provedor,  Mesa,  eie,  da  qual  diz  Fru- 
ctuoso  liv.  4  cap.  43,  que  n9o  he  tao  rica  de  edificios  morlos,  corno  he 
riquissima  de  coracoes  vivos,  e  accesos  em  muita  charidade. 

30  Quanto  ao  eslado  Religioso  he  n'esla  Cidade  copioso,  e  de  mul- 
to fruto,  e  exemplo.  Tem  bum  Convento  da  observancia  de  S3o  Fran- 
cisco, e  da  invocacao  da  Conceicào  da  Senhora,  que  consta  de  mais  de 
Irinta  Keligiosos,  e  tem  seu  Nuviciado,  e  por  provisào  Ueal  o  pulpito  de 


LIV.  V  GAP.  V  185 

S.  Sebnstìiìo,  e  devotissima  Irmandade  de  Terceiros,  e  Terceiras  seciila- 
ros.  Tem  ontro  Convento  de  Religiosas  Eremitas  de  Santo  Agostinho, 
rliamados  Gracianos,  qne  sem  ser  multo  copioso,  comò  se  o  fosse,  tra- 
inila em  a  vjnha  do  Senhor,  comò  Religiào  em  ludo  milito  exemplar. 
Tem  mais  hnm  Collegio  da  HeligiAo  da  Companhia  de  Jesus,  que  ordi- 
pnriamente  tem  doze  Religiosos  ao  menos,  com  paleo  de  Estudos,  e  seu 
fieilor,  Prereilo,  Lente  de  Moral,  e  ontro  de  Rhetorica.  outro  de  Lalim: 
e  OS  mais  sào  Prcgadores,  Confessores,  e  muitas  vezes  Missionarios,  nao 
sipnrtoda  a  liha  de  S.  Miguel,  mas  jà  lambem  algumas  vezes  pela 
liha  de  Sanici  Maria,  com  aqnelle  Apostolico  zelo,  que  costumào  Religio- 
sa rhomados  Apostolos:  e  he  de  notar  qne  este  Collegio  nem  por  El- 
Ilei  he  fimdado,  nem  por  algum  outro  fundador  parlicular,  com  orde- 
nwlo  aignm  pani  o  sustenlo  dos  Religiosos,  nem  esles  o  Iev3o  por  ensi- 
nir.  pregar,  confessar,  e  aconselhar,  e  multo  menos  por  missas,  que  nao 
rlizera  por  esmola,  mas  sómenle  comecou  com  parliculares  esmolas  das 
mais  devotas  pessoas  d'està  Cidade,  por  qucm  faz  os  mesmos  sacrifi- 
fins,  e  ora^oes,  qne  farla  por  aquelle  que  fosse  seu  total,  e  especial  Fun- 
dador. Poréra  corno  este  Collegio  velo  de  Angra,  e  os  Conventos  de  SOo 
Kramjisco,  e  da  Gra^a  vierìlo  lambem  dos  seus  principaes  da  Uba  Ter- 
ceira,  por  isso  là,  e  nao  aqui,  nos  delereraos  mais. 

31  Nem  so  varoes  Religiosos,  mas  lambem  Religiosas  observantis- 
siraas  ha  n'esta  Cidade,  das  quaes  o  primeiro  Convento  be  o  de  N.  Se- 
Rtwra  da  Esperanca,  fundado  por  D.  Felippa  Coutinba,  mulher  do  Ca- 
pilo Ruy  Gonfalves  da  Camera,  segundo  do  nome,  onde  ambos  tem  sua 
.sepoltura,  e  fimdado  para  vinte  ciuco  Religiosas  de  véo  preto,  e  ciuco 
Novifas  (e  bojo  he  de  muitas  mais  Religiosas)  e  debaixo  da  obediencla 
dos  l'relados  de  Sao  Francisco.  0  segundo  Convento  he  o  de  Santo  An- 
dré, feito,  e  dotado  pelo  nobre,  e  pio  Cidadao  Diogo  Vaz  Carreiro  para 
^inle  e  seis  professas.  e  lambem  ciuco  Novicas,  da  Regra  de  Santa  Cla- 
r^.  e  da  obediencia  do  Ordinario.  0  terceiro  Convento  he  de  Sao  Joao, 
cwno  0  de  Santo  André,  fundado  por  0  quarto 

Convento  se  comecon  ha  cincoenta  annos,  com  titulo  da  Conceicao,  e 
Hreve  do  Papa  para  cincoenta  Religiosas,  das  quaes  entrassem  com  Ao- 
t»^  Irinla  e  nove,  e  dez  noraearà  o  Padroeiro  das  parentas  nobres,  e  po- 
hrRs  do  Fundador,  e  bum  lugar  livre  para  huma  fìlba  do  Padroeiro,  e 
wnderà  obediencia  ao  Ordinario:  seu  Fundador  foi  o  M.  Rever.  Fran- 
cisco de  Andrade,  e  Albuquerque,  nobre,  e  rico  Clerigo  da  dita  Cidade, 


186  litSTOMA  INSULANA 

qiie  conheci  niiiito  bera.  Aléna  d'esles  Conventos  de  verdadeiras  ReligiO* 
sas,  lem  està  incsina  Cìdade  varìos  RecolliìiueiUos,  e  lodos  sào  necessa- 
rios. 

m  Ha  mais  n'esta  Cidade  multa  nohreza,  e  fìdal^^uia,  que  ao  prin- 
cipio tinliào  seus  fóros,  e  filliamentos  tirados,  mas  comò  estavào  Torà  ja 
de  Lisboa,  e  tinliào  datas  copiosas  de  terras,  d'ellas  Iratavao,  e  Taziào 
pouco  caso  de  tirar  oros;  fazendo  mais  caso  de  ser  fìdalgos  de  geracàu 
])or  seus  anligos  brazoes,  e  ricos,  do  que  ser  somente  fìdalgos  de  livru, 
e  na  verdade  pobres,  comò  sào  muilos  no  Keino  de  Forlugal,  e  ainda 
uà  Corte,  e  miseravelmenle  pobres:  e  por  isso  bavia  bomens  multo  ri- 
cos,  corno  bum  Gaspar  do  Uego  Baidaya,  que  tinba  Irezentos,  e  sessen- 
ta  e  seis  moios  de  renda  do  trigo  cada  anno,  fora  rendas,  e  fóros  ì\ó 
outro  genero;  e  o  mèsmo,  e  mais,  leve  seu  liiho  Francisco  do  Kego  do 
Sa,  cbamado  o  Grào  Capitao,  de  que  em  seu  iugar  tralaremos  mais.  Mas 
tambem  n'esta  Cìdade  o  trato,  ainda  dos  mais  nobres,  era  antìgamente  do 
tao  pouco  fausto,  que  so  tratavào  de  ter  bons  cavalios,  boas  armas.  os 
criados  necessarios  para  as  lavouras;  e  o  seu  vestir  era  tao  commum,  e 
ordinario,  que  todos  por  meias  de  seda  usavao  so  de  botas,  e  para  es- 
tas  aflìnna  Fructuoso,  que  nào  consentiào  so  castrassem  os  carneirijs, 
por  screm  dos  nào  castrados  as  pelles  de  mais  dura,  e  mais  fortes  paia 
botas;  e  assiin  se  tratavào  mais  corno  nobres,  e  ricos  lavradores  farlos, 
do  que  corno  Cavalbeiros  fantasticos,  e  famintos. 

33  Confessa  mais  Fructuoso,  que  n'esta  Cidade,  e  seu  termo  ba 
poucas  carnes  para  tanta  gente,  e  que  a  mais  d'ella  se  mantem  com  pcs- 
cado  a  maior  parte  do  tempo,  e  que  de  pescado  ha  muito;  mas  isto  de- 
ve entender-se  de  gente  ordinaria;  e  pobre,  e  de  alguma  rira,  e  avarei:- 
ta,  porque  |)ara  a  gente  nobre,  e  prudente,  ainda  que  o  carneiro  ite  ruiu), 
por  nào  caslrado,  ha  bastante,  e  boa  vaca,  e  lanla  caca  de  coelhos,  cu- 
doniizes,  e  pordizes,  que  estas  valem  a  trinla  léis,  codornizes  a  ires,  e 
quatro  por  hum  vintem,  e  a  vintem  os  coelhos.  Ila  n'esta  Cidade  a  mi*- 
llior  agua  que  ha  em  toda  a  liha;  mas  he  tao  pouca,  qne  nem  moinlios 
de  agua  lem,  senào  d'ahi  tres  legoas  em  Uibeira  Grande,  ou  nào  miMitis 
longe,  em  Agua  de  Pào;  nem  a  roupa  se  lava  senào  junto  a  borda  do 
mar,  e  em  mare  vazia,  com  alguma  agua  solobra  ipie  ali  sahe,  e  couìlu- 
do  ao  redor  da  Cidade,  e  ainda  dentro  della;  ha  muilos  poniares,  e jar- 
dins,  e  amila,  e  exa»llente  horlalira  ;  e  com  islo  passemos  da  (adade. 


LIV.  V  GAP.  VI  187 

CAPITULO  VI 

CofUinua  a  descripfdo,  especialmenie  ao  Norie  da  Ilha 
de  S,  Miguel. 

34  Da  Cidade  de  Ponta  Deigada,  pelo  Sul,  e  para  o  Poente,  ineia 
legna  da  Cidade,  està  bum  lugar  chamado  o  Lugar  da  Relva,  pela  mul- 
ta que  ali  havia  de  aiites,  e  agora  asta  o  Lugar,  e  juDto  d'elle  a  quinta 
de  bum  Joao  Rodriguez  Ferreira^  de  quem  diz  Fructuoso  liv.  4  cap. 
4i)  que  descendia  dos  Reis  de  Escocia,  e  da  grande  casa  de  Drumond, 
e  que  era  bomem  grande  Cavalleiro,  e  de  grandes  forcas,  e  valenlia.  0 
lugar  he  de  nossa  Senbora  das  Neves,  e  Freguezia  que  lem  Vigario,  e 
eeoto  e  trinta  sete  viziuhos.  Meia  legna  adiante  està  o  porlo  cbamado 
dos  bateis,  por  baixo  do  lugar  das  Feteiras,  pelo  rouito  fèto  que  alli  ha- 
via, cuja  Freguezia  he  de  Santa  Luzia,  coni  Vigario,  e  noventa  e  dous 
visinbos;  e  huma  boa  Igreja  de  N.  Senbora  de  Guadalupe,  que  inandou 
fazer  o  generoso  fidalgo  Jorge Camello  da  Costa  Colombreiro,  casado  com 
D.  Margarida,  filba  de  Fedro  Pactieco,  e  ali  moravào  estes  Tidalgos.  Ti*es 
quartos  de  legoa  adiante,  e  pela  terra  dentro  dous  tiros  de  espingarda, 
està  0  lugar  daCandelaria  com  Igreja  da  Purificacào  de  N.  Senbora,  com 
Yìgario,  e  quarenta  e  bum  visinbos;  e  d^abi  meia  legoa  està  a  Ermida 
de  N.  S^bora  do  Soccorro;  e  outra  meia  legua  mais  adiante  està  o  Lu- 
gar de  S.  Sebastiao,  com  Vigano,  e  sessenta  e  oito  fogos. 

35  Segue*se  bem  perto  logo  o  Pico  cbamado  das  Gamarinbas,  (por 
ter  as  arvores  que  as  dao)  a  que  tambem  chamao  o  Pico  das  Ferrarias, 
por  parecer  ferro  o  biscouto  que  d'elle  corre,  e  se  suppoem  ha  ver  aiti 
Vieiros  de  enxofre;  salitre,  marqueziia,  e  ferro;  e  ao  pè  do  tal  Pico  da 
banda  do  Leste,  sabe  huma  ribeìra,  em  que  póde  moer  buma  azenha,  e 
comtudo  he  de  agua  tao  quente,  que  sómente  n  ella  se  peiào  leìtoes,  e 
se  coze  peixe,  até  que  se  cobre  com  a  mare  cbeia.  E  aos  ires  de  Juiho 
de  1638  succedeo  (caso  efpantoso  !)  que  defronte  do  tal  Pico,  para  a 
parte  do  Sul,  aos  tres  quartos  de  legoa  pelo  mar  dentro,  nelle  arreben- 
tou,  e  sahio,  desde  o  fundo  do  mar,  tal  fogo,  que  lanciava  quantidado 
de  area  negra,  e  aita,  que  vcnceria  a  tres  alias  loiTes,  postas  huma  so- 
bre  oulra,  e  o  fumo  se  via  sobre  as  nuvens  ;  e  cabindo  a  dita  area  fez 
bum  lllieo  tal  sobre  o  mar,  que  so  por  cima,  e  so  quando  veio  a  pri- 
meiraMnveroada,  se  diminuio,  e  airida  deixou  aiU  bum  baixo  tao  peri- 


188  IIISTOniA  INSIXANA 

poso,  corno  grnnde:  e  o  fogo  qiie  o  cansoii,  duron,  sahindo  sempre  fu- 
rioso, por  tres  scmanas  inteiras.  D'ostas  Ferrarias  pois,  dous  liros  de 
l>ésta  adianle,  està  a  ponla  quo  chamao  os  Escalvados,  e  aqui  acaba  a 
liha  pela  parte  do  Sul  ale  o  Poenle,  ou  Oeste,  e  conieca  a  dobrar  para 
o  Noroesle.  e  Norte. 

3G  Tornando  agora  a  comecar  da  ponta  do  Nordeste  ontra  vez,  e 
jA  pela  banda  do  Norie;  nao  ha  d'esla  banda  porto  algum,  senao  so  para 
Iinfeis,  e  porisso  o  qne  enfi  nnvjos  se  ha  de  embarcar,  vai  por  terra  do 
Norie  |)ara  o  Sul,  porenfi  pouco  mais  de  diias  legoas  pela  estreileza  da 
Ilha.  Da  Villa  pois  de  Nordeste  pelo  Norte  legoa  e  meia,  està  o  lugar  de 
S.  Pedro  com  fgrcja  deste  Apostolo,  e  seu  Vigano,  com  cento  e  dons 
A  isinhos.  e  comraiimente  se  chama  o  Nordeste  pequeno,  em  comparacao 
da  \nila  antecedente.  Deste  Nordeste  pequeno,  huma  legoa  adiante,  cor- 
re huma  Lomha,  chamada  Algaravia,  por  ter  sido  de  hum  marido,  « 
iTìulher,  ambos  vindo  do  Algarve;  por  cuja  morte  veio  està  terra  ao  po- 
(ler  de  Anlao  Rodriguez  da  Camara,  e  d'esle  a  seus  herdeiros.  Meia  le- 
gna adiante  està  o  Topo  de  Pedro  Rodriguez  da  Camera,  e  logo  perlo 
0  Lugar  de  nossa  Senhora  da  Grafa,  chamado  a  Achada  Grande,  com 
Igreja,  e  seu  Vigario,  e  trinta  e  dous  vizinhos.  Segiiem-se  adiante  varias 
ribeiras,  e  entre  ellas  huma  que  chamSo  da  Salga,  ou  por  alli  dar  à  cos- 
ta hum  navio,  que  de  sai  hia  carregado;  ou  por  se  fazer  alli  salga  da 
Dontaria  que  no  interior  tracto  se  cacava;  e  aqui  chamao  a  Acbadinha, 
em  comparacao  da  dita  Achada  Grande;  e  assim  Achada,  comò  Achadi- 
nha  signifìcao  terra  cha;  e  aqui  està  o  Lugar  de  N.  Senhora  do  Rosa- 
rio, com  Vigario,  e  quarenta  e  tres  vizinhos. 

37  Pouco  adiante  està  a  ponta  chamada  dos  Fenais  da  Maya,  (para 
distìnfao  dos  da  Cidade)  e  a  Freguezia  he  dos  Reis  Magos.  com  Viga- 
rio, e  setenta  e  dous  vizinhos,  gente  nobre,  e  rica.  Logo  se  segue  o  Lu- 
gar da  Maya,  que  tomou  o  nome  de  o  comecar  huma  mul.her,  chamada 
Ignes  Maya,  e  lem  pouco  adiante  seus  moinhos  ;  he  Lugar  que  tem  as 
ruas  inteiras  de  casas  de  teiha,  quando  em  outras  Villas,  e  até  na  Cida-' 
de  ha  muitas  casas  cubertas  de  pallia,  sendo  que  a  teIha  se  faz  n'este 
]\jgar  da  Maya;  e  ainda  que  dantes  tinha  setenta  e  oito  fogos,  ou  vizi- 
nhos, (cx)mo  aflìrma  Fructuoso  liv.  iv  cap.  45)  jà  em  28  de  Juiho  do 
anno  de  1606  achei  que  tinha  duzentos  e  cincoenta  vizinhos,  e  porisso 
por  vezes  pertendeo  ser  Villa,  mostrando  ter  gente  nobre,  e  estar  mul- 
to longe  de  Ribeira  Grande,  em  cujo  termo  fica:  a  Freguezia  he  do  Es- 


LIV.  V  CAP.  VII  189 

pìrito  Santo,  lem  Vigario,  e  tinha  Beneficiado  qiie  se  llie  lirou  para  Ri- 
beira  Gi*ande;  e  lem  mais  cinco  Ennidas,  diias  de  N.  Senlìora  do  Uos;h 
rio,  huma  de  S.  Sebasliao,  outra  de  S.  Fedro,  e  outra  de  Santa  Catha- 
rina. 

38    Segue-se  mais  adiante  a  ponla  de  S.  Bras,  por  ter  huma  Ermi- 
da  deste  Santo,  e  ainda  mais  adiante  eslà  o  Lugar  de  Torto  Fermoso, 
coro  Parocliia  de  N.  Senhora  da  Grata,  e  sen  Vigario,  e  cem  viziniios, 
corno  pessoalmente  examinei:.e  tambem  teve  Beneliciado,  mas  nuidun- 
se  para  S.  Fedro  da  Cidade.  Nesle  Lugar  moravào  os  Pachecos,  anliga, 
e  nobre  geragao;  e  em  buma  ponta  diante  do  Lugar  eslà  bum  morgailo 
de  trinta  moios  de  trigo  juntos,  e  de  renda  cada  anno,  que  be  burnii 
parte  da  grande  casa  dos  Bruns,  e  Frias,  de  que  fallaremos  eni  sen  lu- 
gar. Mais  adiante  se  segue  o  Porto  de  Santa  Iria,  de  que  se  servia  de 
aotes  a  Villa  da  Kibeira  Grande;  e  d'aqui  para  dentro  da  teira,  pouco 
espago,  està  a  Erraida  de  S.  Salvador,  (que  era  do  celebre  (idalgo,  e  ce- 
leberrimo compositor  D.  Francisco  Manoel  de  Mello),  e  isto  junto  às  ca- 
sasde  Calharina  Ferreira,  mulber  de  Antao  Rodriguez  da  Camera.  Adian- 
te logo  està  a  Ribeirinba,  (pai-a  distincgao  da  Ribeira,  que  dista  ainda 
lium  quarto  de  legoa  para  o  Pocnte)  de  boas  aguas,  ebem  avizinhada  de 
tanta  gente,  que  podera  ser  Freguezia  à  parte,  e  be  so  arrebalde  da  Ri- 
beira Grande,  e  aqui  tinba  a  sua  quinta  Bui  Gago  da  Camera,  parente 
coohecido  do  Conde  Capi  tao  da  Uba. 

CAPITOLO  VII 

Da  famosa  Villa  da  Ribeira  Grande,  e  mais  Lfiyares  do  Norie, 

3;J  A  nobre  Villa  cbamada  Ribeira  Grande  tomou  o  nome  de  bum.i 
grande  ribeira,  que  jà  boje  a  corta  pelo  me  io,  sendo  que  ale  o  ajmo  de 
1513  nào  tinba  para  a  parte  do  Poente  mais  que  duas  casas  aleni  da 
ribeira,  onde  boje  be  a  maior  |)arte  da  Villa:  està  situada  quasi  no  muiv) 
(Ja  banda  do  Norte)  ila  Uba,  em  buma  grande  babia  ao  pé  de  buma 
^rra;  era.de  anles  Lugar  da  jurisdiccio  de  Villa  Francai;  porem  em  4 
rteAgoslo  de  1307.  El-Rci  D.  Manoel,  eslando  em  Abrantes,  a  fez  Villa 
com  huma  legoa  de  termo  ao  rcdor.  Nào  tinba  de  anles  mais  que  buma 
'^iFregiiezia:  mas  no  anno  do  1377  o  Bispo  de  Angra  t).  Gaspar  de 
Faiia  aeou  no  ancbuldo  d'osla  Villa,  cbamado  Ribiira  Secca,  cieou  se- 


1!)0  HlSTORIA  INSULANA 

gunda  Fregiiczìa  d'està  Villa  com  a  invòcacao  de  S.  PeJro.  A  Matriz  pois 
se  intitula,  Nossa  Senhora  da  Purificac5o,  ou  Nossa  Senhora  da  Estrella, 
por  (ìcar  da  parte  da  estrella  do  Norte;  e  n'esla  Igreja  gastou  lambem 
muito  0  bom  fidalgo  Fedro  Rodrignez  da  Camera;  e  ainda  està  Matrix 
com  Ihe  separarem  a  nova  Fregiiezia  de  S.  Pedro,  ainda  flcon  com  mil 
e  diizenlos  e  onze  vizinhos,  comò  Jichei  ter  no  anno  de  4666,  e  ctiega 
a  milito  mais  de  mil  e  trezentos  com  a  dita  segunda  Freguezia. 

40  Tem  a  dita  Matriz  Vigario,  doiis  Curas,  e  dez  Beneficiados,  e 
bum  Thesoureiro,  bum  Organista,  e  Mestre  de  Capella,  alerà  de  Mestre 
de  Lalim  qne  na  Villa  ba  com  ordenado  annua!  de  dois  moios  de  trigo, 
e  oito  mil  réis  em  dinbeiro.  Da  Dedicafìio,  e  sagracao  d  està  Igreja  Ira- 
ta 0  Agiologio  Lusitano  tom  2,  a  ÌS  de  Margo:  està  situada  em  bum 
allo,  e  da  sua  enlrada  se  està  vendo  a  maior  parte  da  Villa,  muitos  cam- 
pos,  vallos,  montes  e  o  vasto  mar.  Da  riqneza  de  pecas,  ornamentos,  e 
accio  d'està  Igreja  basta  dizer  que  foi  d'ella  muitos  annos  sen  douto,  e 
santo  Vigario,  e  Prcgador,  o  Veneravel  Doutor  Gaspar  Fructuoso,  cuja 
Vida  aponlamos  no  liv.  ii  cap.  2.  Dentro  d  està  Matriz  ba  mnitas  Ermi- 
ih:>,  a  sabcr,  N.  Senbora  do  Rosario,  Santa  Lnzia,  Santo  André,  S.  Se- 
iKistiào,  N.  Senbora  da  Conceifuo  ;  N.  Sentjora  da  Consola^ao,  (que  h9 
<l().s  nobros  Colombreiros)  N.  Senbora  da  Charidade,  que  era  da  mul- 
to nobrc  Julia  Taveira;  e  N.  Senbora  de  bum  Francisco  Tavares  Ilomem. 
E  ninila  na  segunda  Freguezia  da  Ribeira  Secca,  (por  so  correr  no  in- 
vorno)  qr.c  passa  de  duzenlos  e  quarenla  vizinbos,  ainda  haoutra  Ermi- 
da  (In  irivocarao  da  .Madre  de  Deos. 

U  De  Religiosos  lem  està  Villa  bum  bom  Convento  da  Observan- 
cia  de  S  Francisco,  que  he  muito  ohservanle,  e  exemplar;  tem  mais  o 
Mosioiro  de  Jesus  de  Religiosas  de  Santa  Clara,  e  da  Regra,  e  obedien- 
cia  de  S.  Francisco;  fundou-o  em  suas  proprias  casas  Pedro  Rodrigues 
ih  Camera  com  sua  mulher  D.  Maria  de  Betencor  no  anno  de  4545,  e 
depois  0  augmentou  muilo  seu  filho  Ilenrique  de  Betencor  e  Sa  ;  e  ba 
nelle  Noviciudo  de  dez  Novigas  ao  mcnos,  e  muitas  Religiosas  de  véo 
preto,  e  he  muito  necessario,  e  ainda  ulil  cada  bum  d'estes  Convento^ 
em  buma  Villa  tao  grande.  De  vfòw  ba  mais  n'esta  Villa  buma  li^-ao;  e 
cadeira  de  Tbeologia  Moral,  que  desde  anles  do  Advento  até  passar  a 
Pasohoa,  vai  aquella  Villa  Icr  bum  Padre  da  Companbia  de  Jesus,  do 
Collegio  de  Ponta  Delgada,  e  assiste  n'esla  Villa  o  dito  tempo  cx)m  ou- 
tro  seu  companbèiro  Religioso,  por  obrigafao  de  bum  legado  que  dei- 


LIV.  V  CAP.  VII  191 

xon  liura  devoto  Clerigo,  e  Reverendo  Padre.  E  demais  fazem  os  Padres 
lodo  0  tempo  que  là  eslào,  prégj^óes,  doulririas,  e  confissoes  de  saos; 
eenfemios,  alem  das  resolucues,  e  continuos  conselhos;  e  là  vejao  os 
zelosos  de  tao  grande  Villa,  se  llics  convem  mais,  que  ao  menos  tres 
Heligiosos  da  Com|)anljia  residao  là  todo  o  anno,  e  em  todo  exercitem 
seus  ministerìos,  e  leào  tambem  o  Latim  para  mellior  criagao  da  moci- 
(lade,  eie. 

42  Ha  mais  n'osta  Villa,  e  jnnto  da  prnfa  d'ella,  huma  Igreja,  de 
anles  inlilulada  do  Espirito  Santo,  na  qual  com  licenfa  dei-Rei,  e  Dulia 
Apostolica  se  institulìio  a  Irmandade,  e  casa  da  Santa  Misericordia,  e  seii 
Hosiritiil  junlo  para  enfermos  desempnrados,  e  o  Orago  de  Uido  he  o  de 
Santa  Maria;  tem  Capellao  mór,  e  trcs  Capellaes  mais,  e  doiis  meios  Ca- 
p.fcs;  e  jà  ha  cincoeiita-annos  qne  es«a  Misericordia,  e  seu  Hospital  li- 
nlia  vinte  e  sois  moios  de  Irigo  de  renda  cada  anno,  e  dezaseis  mil  reis 
'•m  dinlieiro,  e  que  cada  Irmào  de  entraila  dava  tres  mil  rois,  e  jà  hoje 
ti.'rà  multo  maior  renda,  conforme  a  experiencia  de  muitos  tesladores 
que  se  fiarào,  e  com  rnzao,  da  pontualidade,  e  verdade  com  que  nas  Mi- 
sericordias  se  cumprem  os  lègados. 

43  0  govt*rno  d'està  Villa  (desde  que  o  he,  ha  duzentos  e  sete  annos) 
foi sempre  corno  o  das  mais  Villas,  com  seu  Snnado  de  Camera,  Jui2'\s  Or» 
dinarios,  Vercadores,  e  lodos  os  mais  Ministros  da  politica;  na  milicia  o 
>euCapitMO  mór,  e  muitos  Capitaes  mais  com  multo  numerosas  Compa- 
nfe,  0  assim  os  Capitaes,  conio  os  Alferes  erào  os  de  melhor  nohrrzn, 
Como  (le  facto  forHo  Rui  Cago  da  Camera,  Capitao  de  huma  Comp.mhia, 
e  seu  primo  Antonio  de  Sa  por  seu  Alferes,  até  que  Rui  Cago  foi  eleito 
^^ipilìio  mór,  e  0  dito  Alferes  em  Capitao,  conforme  a  regra  do  Ascenso 
qne  se  ohs**rva  na  milicia  ;  mas  a  nobreza  maior  que  tem  jà  ha  muitos 
annos  osta  Villa,  he  ser  o  titulo  dos  oxcellentes  Condes  de  Ribeira  Gran- 
de, que  por  isso  a  d(»vem  eslimar  mais;  pois  se  sao  de  loda  a  Uba  Ca- 
pilàes  Generaes,  so  d'esla  Villa  sao  Condes;  e  assim  a  devem  defender, 
favo!v.cor,  e  augmentar,  comò  a  cousa  mais  particularmente  sua:  e  muito 
n^'ùs  por  nesta  Villa  estarem  os  moinhos  mais  cammuns  de  loda  a  liha, 
'Ip  que  0  Conde.  por  Capitao  Donatario,  tem  trezentos  e  cincoenta  moios 
rte  renda  cada  anno,  porque  sao  seis  os  moinhos,  e  cada  bum  tem  duas 
Nns,  e  delles  os  melbores  moom  sete  moios  em  vinte  e  qualro  horas; 
®iK)de  moleiros  que  levr^o,  e  Irazem  o  pilo,  tem  mais  de  cincoenta,  e 


192  HISTOniA  LNSULANA 

cada  hum  anda  com  duas  besUs  de  carga,  e  levao  a  dez  reìs  por  cada 
alqueire  de  carreto. 

4i  Ile  muilo  Tarla  esla  Villa  de  pao,  carne,  e  legumes;  e  sòde  fa- 
vas  cliega  a  rccollier  quali'ocentos  moios,  e  vende  mais  de  duzenUis  ;  e 
de  linlio  recolhe  mais  de  cince  mil  pedras,  e  porque  passào  de  mìl  oi 
teares  de  linlio  n'esla  Villa,  vende  ainda  Ires  mil  pedras;  mas  corno  do 
porto  de  Santa  Iria  so  usa  para  hateis,  por  ser  a  costa  brava,  leni  por 
sentenc^  Ileal,  o  servir-se  do  porto  da  Àlagoa,  aonde  manda,  e  carre^<i 
quanto  vai  para  fora  da  tal  Illia;  d'onde  vem  que,  ainda  que  em  Uibcii'<i 
Grande  ha  multa  nobreza,  grandes  morgados,  e  os  nobres  se  tralao  coiui: 
tai's;  comtudo  a  gente  de  servigo  ganlia  (anto,  que  a  respeito  do  meno:! 
(jue  cstes  gastào,  suo  mais  ricos,  do  que  aquelles  que  em  seu  tralo,  ca- 
valhs,  armas,  e  criados  gastao  ainda  mais  do  que  tem,  especialmentfi 
Cepijis  que  a  grande  ribeira  d'està  Villa,  com  enclientes  llie  levou  ruas 
ì:iteirasde  sobrados,  e  ale  as  pontes  de  pedra,  e  aos  nobres,  e  Vicoi 
loci;u  0  refazrl-as.  Finalmente  lie  esla  Villa  maisJiue  farta  deagua  doce, 
0  (le  seu  nascimento  perfeitìssima;  mas  até  nesle  nao  he  jà  tao  perfeìla, 
pelos  novos  incendios  que  ao  perto  se  levantarào,  corno  em  seu  lugar 
veicinos. 

45  Continuando  pois  o  Norie  d'està  Illia,  està  de  Ribeira  Grande 
para  o  Poente,  dous  tergos  de  legoa,  o  Lugar  cbamado  Uabo  de  Peixe, 
nunie  (|ue  se  llie  impoz,  ou  de  o  parecer  assim  na  ponta  que  faz  ao  mar; 
ou  (lonio  diz  Frucluoso  liv.  4  cap.  47)  por  alli  se  acharhum  tao  de.^- 
conht'cido,  e  grande  peixe,  e  com  tal  cauda,  que  os  Mouros  (que  no 
detcubrimenlo  da  Illia  vierào  a  cortar  o  niato  della,  e  h>go  se  reparli- 
rào  a  sei'vir  p^'la  Ilha)  pendurarào  a  dita  cauda  do  peixe  em  lugar 
allo,  e  pjM'gunlados  d'ondii  vinhao ,  quando  vinliào  d'este  Lugar, 
respundcrào:  «De  Itabo  de  Peixe.»  Mas  a  Igntja  deste  Lugar  he  da  ìn- 
vocagào  do  lioni  Jesus,  e  tem  Vigario,  e  de  anles  tinha  Beneficiados, 
que  se  mudarào  para  Riboira  Grande,  e  consta  de  duzenlos  e  vinte  t: 
quatro  vizinhos,  e  duas  Ermidas  mais,  Imma  de  N.  Senliora,  (que  Uu 
anles  era  a  Parochia)  e  oulr-a  de  Sào  Sebasliào  no  dm  do  Lugar  para  e 
Poenle;  e  lem  e^le  Lugar  hinna  fennosa  bahia,  da  qual  à  Villa  d'Alagoa, 
da  parie  do  Sul,  he  o  mais  eslreilo  da  lllia,  e  o  mais  razo,  com  huuu 
so  logoa  de  leira,  e  jà  desde  !libi;ira  Grande  até  a  lai  bahia  he  hum  cori- 
linuado  areal,  e  falto  de  agua;  e  ainda  o  Lugar  lem  so  pógos  de  agua 
salobra,  mas  he  abundanlc  de  tudo  o  mais,  e  de  nuiila,  e  excellunle  ca- 


UV.  V  6AP.  VII  193 

(I.  E  lego  hum  terco  de  legoa  adiante,  està  bum  morrò,  e  huma  muilo 
rendusa,  e  grande  quinta,  com  sua  Ermida  de  S.  Pedro,  tudo  do  antigo 
hcome  Dias  Uaposo,  pai  de  Barao  Jacome  Raposo,  e  avo  de  Àyres  Ja- 
come  Raposo,  que  alli  morarao,  e  Iie  casa  tao  nobre,  e  poderosa,  que 
be (las  mais  ricas  desta  liba,  se  para  ella  tornar  seu  senbor  Ayres  Ja- 
come Correa  (diz  o  nosso  Fructuoso.) 

46  Mais  adianle  de  Rabo  de  Peixe  est«i  o  Lugar  dos  Fenaes,  (do 
maito  feno  que  ba  alli)  cuja  Igreja  be  N.  Senbora  da  Luz,  e  tambem  tem 
duzentos  e  vinte  e  quatro  vizinbos,  com  seu  Vigario,  e  Cura,  e  tinba  do 
aiiles  hum  Beneficiado,  que  foi  para  SOo  Pedro  da  Cidade;  fem  esle  Lu- 
gar niuila  abundanoia  de  carnes,  de  cagas,  de  perdizes,  e  muilo  bom 
pescatlo,  mas  a  agua  lociì  de  salobra,  e  porque  d'ahi  adianle,  meya  le- 
goa, podem  inimigos  desembarcar;  para  os  impedir,  mandou  o  Capilào 
Kogo  Lopes  de  Espinosa  levanlar  alli  bum  forte  muro:  oli  se  a  este  Ca- 
pilào, tao  zeloso  do  bem  communi,  imitaSwsem  outros,  comò  estaria  està 
liha  nào  so  bem  povoada,  mas  segura  I  Aos  Fenaes  se  segue  hum  bis- 
^ulal  de  malo,  a  que  cbamào  as  Capellas,  ou  por  alli  as  fazerem  pelo 
Sào  Joào,  ou  por  cbamarem  Capellas  as  vaccas  malbadas  que  alli  andao. 
Adianle  mais  sahe  ao  mar  buma  pequena  ponta  da  terra,  aonde  està  o 
L^ar  de  Santo  Antonio,  por  d'este  Santo  ser  a  Parocbial  Igreja  ;  e  no 
firn  do  Lugar  està  a  Ermida  de  N.  Senbora  do  Rosario,  que  mandou  fa- 
^  0  Dobre,  e  poderoso  Alvaro  Lopes  da  Costa,  de  quem  foi  aquella 
l^rra;  e  outra  Ermida  da  Madre  de  Deos  està  no  principio  do  Lugar,  o 
qual  disia  legoa  e  meia  dos  Fenaes,  e  tem  cento  e  cincoenta  e  dous  vi- 
siiihos,  com  Vigario,  e  Cura,  ou  Beneficiado,  e  jà  be  do  termo  da  Cida- 
de: e  meia  legoa  mais  adiante  està  outra  Ermida  de  S.  Barbara,  e  de 
JDuila  romagem. 

47  Passada  mais  buina  legoa,  e  sobre  buma  ponta  grossa  da  babia 
^la  0  lugar  cbamado  Bretanba,  (ou  por  assim  cbamarem  os  antigos  u 
qualquer  terra  alla;  ou  por  alli  ter  sua  fazenda  bum  Bretao)  e  tem  Pa- 
fochia  de  N.  Senbora  da  Ajuda,  com  Vigario,  e  setenta  e  oito  visinbos. 
I)ous  tercos  mais  de  legoa  està  o  lugar  dos  Mosteiros  em  buma  faja  de 
l^rra  lào  boa  que  dà  o  melbor  trigo  da  liba,  de  que  se  faz  pao  sem  tu- 
fo, corno  em  algumas  parles  de  Portugal:  a  Parocbia  he  de  N.  Senbora 
da  ConceigHo,  e  tem  selenla  visinbos  com  seu  Vigario;  cbama-se  Mostei- 
r*>s,  pruque  bum  tiro  de  bésta  ao  mar  tem  diante  de  si  quatro  Ilbéos 
cum  jin)[)orcao  ciilrc  si  lai,  que  repiesentào  quatro  Mosteiros  edificados 

vOL.  I  13 


194  HISTOBIA  INSULANA 

no  mar:  e  tamberh  porqoe  alli  pela  costa,  e  ponta  Rnyva,  até  os  Escal- 
vados estao  taes  conravidades,  que  outros  tantos  Mosteìros  representao; 
V.  lem  porto  de  batèìs,  que  dos  muitos  ventos  se  abrigào  com  os  Ilheos: 
e  logo,  bum  tiro  de  bèsla,  fica  a  ponta  Riiyva,  por  assim  o  parecer  na 
cor;  e  ninis  adiante  logo  a  ponta  dos  Escalvados,  que  por  està  parte  he 
0  firn  da  liha  para  o  Poente. 

48  Por  toda  està  Costa  do  Norte,  e  Sul  da  Uba  de  S.  Miguel,  ba 
mnitos,  e  mui  seguros  pesqueiros,  e  póstos  de  pescar,  e  o  melhor  pei- 
xe  sempre  he  o  que  se  toma  da  banda  do  Norte;  e  de  ambas  as  partes 
o  mnrisco  he  multo,  e  excellente,  e  o  melbor  be  o  que  cbamào  Cracas, 
V  em  Latim  Umbelicvs  marinus,  por  o  parecerem;  e  no  gosto,  e  sabor 
d'elle  vencem  às  Ostras,  ameijoas,  e  a  lodo  o  outro  raarisco.  Os  Caran- 
gnejos,  e  em  particular  os  que  cbamUo  Mouriscos,  sao  os  melbores  que 
lin,  por  mais  delicados,  limpos,  e  creados  n3o  em  lodo,  mas  em  lizos, 
e  lavados  penedos,  e  por  isso  sao  comò  os  Ginetes  de  Alrica  mais  ligei- 
los.  Ila  tambem  muitos  camaroes,  lapas,  buzios,  eie,  poréra  as  lagos- 
tns  (e  nào  so  n'esta,  mas  em  todas  as  Ilhas  dos  Afores)  sao  as  melbo- 
res, e  maiores  das  que  se  acbào  em  qualquer  outra  parte. 

CAPITOLO  Vili 

Do  interior  da  Ilha,  sevs  fogos,  e  tremores. 

49  Irata  do  interior  da  liha  de  S.  Miguel  o  Doutor  Fructuoso,  b*v. 
4  rap.  48,  e  diz  que  em  seu  comprimento  be  hum  espinhaQo,  lodo  mon- 
tuoso, e  descalvado  jà,  ou  descubcrto;  sendo  que  em  seu  descubrimeo- 
to  eslava  toda  a  Uba  cuberla  de  espesso,  e  allo  arvoredo.  Nos  lugare^ 
oonde  nao  chegou  a  pedra  pomes,  e  cinxeiro,  lem  lM)ns  pastos  de  boa, 
e  varia  lierva,  e  grande  cfeaeào  de  gado,  e  de  carne  mais  gostosa,  co- 
rno he  sempre  a  de  pastos  descuberlos  ao  SoL  e  as  rezes  lem  mais  for- 
ca, e  sofrem  mais  trabalbo:  e  comò  n'esta  liha  o  pasto  be  multo  bumi> 
do,  e  verde,  he  por  isso  desgostoso  o  canieiro,  que  he  mais  buinido;  9 
mui  gostoso  0  cabrilo,  e  cabra;  e  assim  no  acougue  se  corta  chit>arro 
em  AbriI,  Maio,  e  Junho.  Anligamenle  aqui  se  matavrio  chibarros  wiia- 
dos,  por  ser  melhor  a  carne;  mas  porque  a  pelle  dos  castrados  he  mais 
delgada,  e  de  menos  dura,  e  na  liha  de  Si5o  Miguel  em  os  primeiros  du- 
zentos  annos  nao  bavia  homem  que  nào  trouxesse  botas,  anlcs  queriàa 


LIV.  V  CAP.  MU  195 

ttelhor  pelle  para  calcar,  que  melhor  carne  para  corner;  e  tanto  era  o 
(rado  n*esta  liha,  que  a  corner,  e  calgar,  ludo  acudja:  e  corno  jà  ha  mais 
de  cincoenta  annos  se  calca,  e  veste  mais  politicamente  na  tal  liha,  jà  do 
botas  se  nao  usa  tanto,  comò  nem  tambem  do  carneiro,  e  de  o  castrar, 
corno  experìmentei  ha  cincoenta  annos. 

hO  Das  Celebris  Fumas  da  liha  de  Sào  Miguel  derao  jà  noticia  al- 
pns  Aallìores:  Agiologio  Lusitano  tom.  2,  a  4 1  de  Abril:  e  dos  Eremi- 
ta das  ditas  Fumas  fallou  Frei  Diogo  da  Madre  de  Deos,  e  o  Padre  Mn- 
iM)ei  da  Consolacao;  item  o  Padre  Frei  JoSo  de  Suo  Dento,  Eremita  da 
Sma  d'Ossa  trat.  do  ultimo  Vulcao  de  fogo,  que  rebentou  na  Ilha  de  Sào 
Miguel  anno  1652,  e  o  nosso  Doutor  Fructuoso  liv.  4  cap.  49.  Mas  por- 
qùe  no  anno  de  1664  para  65  vi,  e  observei  com  meus  olhos  na  mos- 
ma  Ilha  as  ditas  Fumas,  ha  cincoenta  annos,  por  isso  nao  so  do  que  di- 
zem  OS  citados  Authores,  nem  so  do  que  là  ouvi,  mas  do  que  com  os 
olhos  vi,  "e  examinei,  recopilarei  o  principal  que  puder. 
,  51  Fornas  chamao  n'esta  Ilha  a  huma  vasta,  e  profunda  concavi- 
dade,  que  no  meio  de  seu  comprimento  faz  a  terra  em  figura  ovada,  com 
circDito  de  mais  de  duas  legoas,  e  huma  de  comprimento;  e  moia  legoa 
de  largo  vao,  em  cima  ^ntrc  as  rochas,  e  outra  quasi  meia  legoa  de  lar- 
gura em  0  profundo  valle,  mas  tao  profondo,  que  a  quem  a  ella  chega, 
6  qaer  olhar  para  o  Ceo,  d'este  Ihe  parece  nao  ve  jà  se  nao  huma  c^r- 
i^ra  de  cavallo  mui  comprida,  por  terem  de  altura  as  rochas  do  huma. 
6  OQtra  banda,  mais  de  meia  legoa  a  prumo;  e  o  peior  he,  que  por  mais 
^  a  arte  abrìo  caminlio  pela  parte  do  Oriente  da  banda  do  Sul,  ainda 
1»  tal,  que  descer  por  elle  a  cavallo,  sera  peccado  mortai,  pelos  mor- 
bes  precipicios  a  que  evidentemente  se  exporà,  comò  dictarao  jà  lentos 
de  Moral;  e  aìnda  as  bestas  de  carga  nao  vao  com  ella  abaixo,  mas  S(3 
ll»e8  tira  logo  ao  principio  da  descida,  e  as  cargas  se  sobrepoem  em  ta- 
Iwas,  e  estas  a  cordas,  per  que  os  vao  <5nviando  até  abaixo,  mas  gente 
loda  a  pé,  e  atraz  de  bestas,  e  cargas,  comò  vi  descer  a  cavalleiros  fa- 
>Mos;  e  ainda  que  tem  aberto  outro  caminho  da  banda  do  Norte,  a  quo 
dtìmSo  Pé  de  Porco,  ainda  este  segnndo  he  mais  ingreme,  e  peior  que 
0  primeiro,  e  so  para  rusticos  fragueiros. 

52  S3o  comtudo  estes  dous  caniinhos  tao  apraziveis,  delicìosos,  o 
KHitns  em  ludo  o  mais,  que  a  vista  he  dos  melhores,  e  mais  altos  ar- 
voredos,  e  cedros  altissimos,  habitado  tudo  de  tao  innnracraveis,  e  no- 
^  castas  de  aves,  que  nunca  os  olhos  ficao  satisfeitos  de  tal  ver;  e 


196  IirSTORIA  INSULANA 

menos  os  ouvidos  da  celeste  consonancia,  e  barmonia  de  humas  suavi9- 
simas,  e  novas  musicab;  e  até  o  mesmo  olfaclo  se  sente  arrebatado  dot 
odoriferos  balitos  que  sobem  de  bervas  preciosissimas,  e  vistosissimas 
flores,  que  povoào  este  tracio  onde  eslào  taes  caminhos:  mas  outros  que 
se  quizerao  buscar  por  oulras  parles,  se  achou  serena,  e  pararem  na 
vordadeira  represenlacao  das  furnas,  e  cavernas  do  profundo  infernu; 
porque  logo  no  descubrimento  da  Uba,  e  na  priineira  povoafao  velba, 
reparando  bum  devoto  Clerigo  em  bumas  linguas  de  fogo,  e  Tumacns  que 
sobre  a  terra  via  ao  longe,  animoso  se  atrevia  a  ir  com  bum  companbei- 
ro  examinar  o  que  via;  vio  comò  meia  legoa  de  i*ocba  precipilada  ao  furi- 
do,  e  tao  medonba,  e  de  malo  tao  envolto  em  fogo,  e  fumo,  que  nào 
descubrio  por  onde  poder  passar  àvqnle,  e  se  voltou  para  a  sua  anligt 
povoagao;  e  coniando  a  muilos  o  que  cbegàra  a  ver,  outros  se  resolve- 
rao  com  elle  tornarem  a  examinar  aquelie  abismo,  de  que  o  dito  (Meri^ 
go  tinba  sido  o  descubridor  primeiro,  o  com  efleilo,  indo,  e  andaìMlo  duas 
legoas  pela  parte  do  Oriente,  derao  em  buma  Encumeada  de  Garami- 
nbaes,  pela  muita  que  em  toda  ella  bavia,  e  rompendo  algum  caminbo 
com  grande  traballìo,  e  perigo,  descerao  meia  U^goa  de  rocba  ingreme 
abaixo,  e  examinando  o  que  poderào,  se  vollòrào  por  balizas,  ou  i>or 
mareos,  que  tinbao  deixado  para  isso,  e  contarao  o  que  se  segue,  e  que 
virao. 

53  Virao  pois,  e  acbarao  em  baixo  bum  valle  de  mais  de  meia  Itv 
goa  de  comprido,  de  largo  quasi  outia  meia,  e  ao  [)é  da  descida  buma 
ribeira  de  claras,  e  frescas  aguas,  e  em  pouca  distancia  bum  ribeiro  de 
claras,  e  frescas  aguas,  e  em  pouca  dislancia  bum  ribeiro  de  agua  que 
sendo  fria,  parecia  verde,  vermelha,  dourada,  e  ferrugenta,  segundo  os 
diversos  fundos,  ou  laslros  que  embaixo  tinba;  e  logo  mais  adiante  pa- 
ra 0  Sul  virao  duas  abertas  furnas  grandes,  com  estreila,  mas  andavel, 
pedreira  viva  entro  si;  das  quaes  furnas  a  primcira,  que  fica  da  parte  do 
Occidente,  be  a  mais  alta,  de  agua  clara.  mas  tao quenle,  que  nella  met- 
tendo dentro  leitoes,  cabras,  e  porcos  grandes,  e  tirando-os  logo,  sabem 
jà  pellados  todos,  e  em  mais  tempo,  vem  cozidos;  e  de  peixe  se  tira  si> 
a  espinba;  e  se  estuo  ouvindo  sempre  lums  eslrondos  mui  tremendo:*; 
no  meio  della  a  agua  fervendo  acima,  dois  covados  de  altura,  de  gros- 
suia  duas  pipas  furiosas;  a  segunda  fuma  be  conio  a  dita  primeira,  b 
nào  menos  eslrondosa,  e  medonba.  Da  agua,  ou  polme  de  arnbas  ciinc 
bum  canal  até  oulras  duas  furnas  para  a  parlu  do  Norie,  quo  sào  muìio 


L1V.  V  GAP  Vili  197 

Bìiis  largas,  e  de.agua  mais  medonha,  e  fervendo  sempre,  e  mais  turva. 
Mais  adianle  estava  Ingo  hum  liorrendo,  e  grande  oiho  aberlo  ha  terra, 
qiie  estava  sempre  fumegando  fumo  espesso;  e  a  elle  vizinha  huma  cal- 
«leira  fervendo,  por  tanlos  olhos,  tanto,  e  l3o  cinzenlo  polme,  e  figuran- 
do em  cima  tantos  circuios,  coroas,  e  cabe^as  calvas,  que  ihes  chamao 
as  Coroas  dos  Frades, 

51  Logo  mais  adiante  estava  liuma  tao  funda  cova,  on  fuma,  qne 
se  julga  ser  a  mais  tremenda  de  todas,  porque  ainda  acima  de  si  lan- 
fava  bum  tao  furioso  borbulliao,  e  de  polme  cinzento,  e  escuro,  que  so- 
line a  cova  subia  quatro  covados,  e  em  grossura  de  Ires  pipas,  e  polo 
««Irondo  se  cliama  a  Fuma  dos  Ferreiros,  e  parece  ser  a  cova,  ou  a  for- 
ja  do  fabuloso  Vulcano,  Junto  d'ella,  lui  cousa  de  sessenta  annos,  se  abrio 
oulra  cova  menor  cora  Ires  olUos  do  roasmo  polme,  cor  e  fervura.  E  lo- 
po  em  buma  grula  da  parte  do  Oriente  se  ve  Imm  grande  olho  de  agun, 
»|»e  fene,  e  sobe  ao  ar  bum  covado,  com  ser  da  grossura  de  hum  quar- 
to de  tonel:  e  aqui  se  ajuntao  as  aguas  das  fumas  antecedentes,  e  for- 
.ntìo  Imma  ribeira  quente,  que  para  o  Sul  se  vai  juntar  com  outra  quen- 
tft.  e  outra  fria,  e  enconli-ando-se  mais  com  putras  ribeiras  frias,  vao  to- 
das, juntas  em  huma,  sahir  ao  mar  do  Sul,  com  realidade,  e  nome  ain- 
da de  Uilieira  quente,  e  cada  vez  mais  quente. 

55  Entre  as  ditas  furnas,  e  a  dita  grnta  est<i  hum  outeiro  de  ter- 
J^i  qne  se  póde  chamar  de  furtacores,  porque  todas,  e  milito  vivas,  ns 
representa  em  diversas  partes;  e  se  diz  ser  todo  de  enxofre  mistura<lo 
^oiQ  branda,  e  molle  pedra  branca;  e  dalli  huns  levao  multo  enxofre,  e 
^  scrvem  d  elle  assim  comò  o  achao;  outros  o  apurao  fervendo-o  a  fo- 
Vfìf  e  deitando-o  derretido  em  seus  canudos  de  cana,  com  que  fica  tao 
l^erfeito,  e  formoso  corno  o  mais  fino  que  de  fora  vem;  e  por  mais  que 
^  tire  da  terrena  superfìcie  d  aquelle  outeiro  quente,  logo  no  mesmo 
Ingar  se  torna  a  achar  exhalada  da  terra,  e  vaporada.  Junto  da  sobre- 
dita  ribeira  quente,  da  banda  do  Sul  para  a  parte  do  Poente,  està  huma 
pequpna  caldeira,  e  fen-endo  de  tal  sorte,  que  passando  por  ella  Imma 
<^pre  corrente  ribeira  fria,  fica  sempre  ainda  fervendo,  e  tao  quente 
^0  de  antes:  e  daqui  se  tira  muita  pedra  hume,  e  de  bom  rendi- 
inenlo.  Das  sobredilas  furnas  para  Leste,  com  inclinafào  para  o  Sul,  es- 
tà fuma  fervendo  polme  cinzento,  e  aqui  cliamao  o  Tambor,  porque  pro- 
priamente 0  arremcda  era  seu  estrondo,  comò  oulras  que  parecem  dis- 


198  IIISTORIÀ  INSULANA 

parar  artelharia,  arcabuzaria  outras,  e  outras  tocao  trombetas;  tal  he  em 
baixo,  a  batalha  de  huns  com  outros  melaes,  e  elementos  oppostos. 

56  Ilum  tiro  de  arcabuz  das  furnas  para  o  Occidente  està  a  terra 
aberta  em  varias  bocas,  e  ao  redor  algumas  covas,  d'onde  sahem  tanto» 
fumos,  e  de  taes  fedores,  que  brutos  que  alii  cheguem»  e  se  detenhao, 
aves  que  por  cima  pouzem  em  alguma  arvore,  em  breve  espago  cahem, 
e  morrem;  e  so  os  caens,  se  Ihes  cortao  as  oreliias,  por  eilas  lahcSo  a 
pe<^aha,  que  pelos  narizes  receberào;  e  desta  qualidade  ha  alguns  pe- 
quenos  campos  pela  ribefra  quente  abaixo,  e  a  tudo  isto  charnSo  os  fu- 
mos,  e  fedores;  porém  tem-se  observado,  que  pessoa  humana  nao  re* 
cebe  mal  algum  de  taes  fedores,  se  em  nenlium  dtssies  se  detem  mais 
de  huma  bora;  e  se  por  mais  se  detem,  dao-ltie  vomitos,  desmaios  e  ac- 
cidentes;  e  tirando-a  logo  para  fora,  torna  em  si,  e  para  tudo.  Pouco  es- 
pago  adiante  satie  no  baixo  da  rocha  cbamada  (Pé  de  Porco)  huma  grande 
ribeira  de  tao  Clara,  sàdia,  e  fresca  agua,  que  dizem  ser  a  melbor  qiìe 
ila  em  toda  a  Uba,  e  comtudo  vai  fervendo  pelos  fundos-  mineraes,  que 
corre,  e  assim  Ihe  cbamào,  Bibeira  que  ferve;  mas  n'esta  bum  pouco  mais 
abaixo,  se  mette  outra  agua  que  sabe  a  ferro;  e  por  isso  quem  quer  a 
perfeita  agua  d'aquella  ribeira,  deve-a  tornar  mais  acima,  junto  i  roeba 
d  onde  salie,  e  aonde  està  feita  a  fabrica  da  pedra  hume,  que  fez  bum 
Joào  de  Torres,  Mestre  d'ella. 

57  Da  Ribeira  que  serve,  pouco  espaco  para  o  Poente,  està  ja  hu- 
ma Ermida  de  N.  Senhora  da  ConsoiagQo,  e  jà  de  muita  romagem,  fei- 
ta, e  fabricada  por  bum  nobre  varào  Balthezar  de  Brum  da  Silveira,  que 
depois  foi  para  Castella,  e  là  morreo,  e  era  tio  Capitào  mór  Manoel  de 
Brum  e  Frias,  da  Ribeira  Grande,  Padroeiro  de  dous  Conventos  de  Frei- 
ras  de  Ponte  Delgada.  nobilissima  pessoa,  de  quem  a  seu  temi)o  falla- 
remos;  e  perto  desta  Ermida  nasce  a  Ribeira  quente,  e  turva,  a  quem 
tempera  logo  outra  mui  fria,  ficando  a  Ermida  no  meio  ;  e  na  ribeira 
comi)osla  de  ambas,  se  curao  muitas  pessoas  de  varias  enfermidades,  e 
muito  mais  de  sarna,  tomando  banhos  alli;  e  so  Ihe  fallao  ofllcinas,  e 
editicios,  para  podercm  igualar-se  às  celebres  Caldas  da  Rainha  junto  a 
Obidos,  e  vencerem  as  outras  junto  de  Bouzella  em  Porlugal. 

58  Està  mais  tres  tiros  de  bésla  da  sobredila  Ermida,  huma  ala* 
goa,  cujo  circuito  chega  a  huma  legoa,  e  loda  de  agua  docc,  e  comtuda 
por  vezes  se  ve  vazar,  e  encher  corno  o  mar,  e  no  verào  seccar-sc  parte 


LIV.  V  GAP.  Vili  199 

Al  dita  alaffoa:  e  para  a  parie  das  fiirnas,  por  baixo  da  rocha,  e  encu- 
nmada  (fraride.  e  por  cima  de  hum  ter<;o  eslào  uiiida  gualro,  ou  cinai 
funias  fervendo,  e  rinnegando,  corno  as  sobreditas.  Dizeiii  qtie  do  loda  a 
temi  ao  redor  da  alagoa,  se  pode  fazer  caparrosa  se  liouver  Mestre  qu(5 
a  saiba  fazer,  corno  jà  se  fez  de  alguina  terra  da  (pie  està  entre  as  fur- 
nas.  Finalmente  dizem  que  este  fatai  valle,  e  tao  profondo,  e  especiai- 
inente  a  [)arte  aonde  ticaruo  tantas  fiirnas,  devia  ser  de  anles  alguma 
grande  montanlia,  a  quem  a  furia  do  fogo,  e  mineraes  sublerranei^s,  reben* 
tarMlulevantaraoaosai*es,  epartefoidar  no  mar,  adonde  se  submergio,  e 
prie  formoli  oiilros  dos  qiie  se  vem  n'esta  Uba.  E  conformando- me  eu 
com  este  parecer,  so  accresòento,  que  ba  quasi  cincoenla  annos,  que 
liido  0  que  d  ellas  està  dito,  vi,  observei,  e  apontei,  conio  em  u  idado 
entio  mancebo,  curioso,  e  desejoso  de  saber,  e  jà  enlao  coni  nove  an< 
DOS  de  Religioso,  e  Mestre  jà  de  Hbetorica;  e  confesso  que  tndo  o  so- 
Im^ìIo  he  pura  verdade,  de  que  sou  testimunba  ocular,  e  ludo  concoi- 
dactim  0  qua  o  douto,  e  lidelissimo  Fructuoso  diz.  Mas  devc-se  muito 
3dvmir,  que,  corno  o  tempo  tuda  muda,  muilas  cousiis  |)oderào  estar 
J3  boje  mudadas,  corno  eu  jà  entào  achei  mudadas  muilas;  e  com  islo 
vaiQos  à  segtmda,  e  fresca  parte  d'esle  fatai  valle. 

59  Da  grande  legoa  que  vimos,  e  que  occupa  o  fatai  valle,  em  que 
ss  referidas  furnas,  nem  lodo  elle  he  d  ellas;  mas  quasi  meia  legoa,  co- 
loe^ndo  o  dito  valle  do  Norie  d  elle  para  o  Sul;  e  mar,  tanto  lem  de 
boni  paraiso,  quanto  a  oulra  maior  parte  lem  de  medonho  inferno;  e  as 
^  difliciliissimas  descidas  que  aponlàmos,  de  cima  para  tal  valle,  coni 
'^tio  as  descrevemos  a  lodo  o  sentido  deliciosas,  porque  ambas  vem  a 
dar  em  a  primeìra  quasi  meia  legoa,  que  se  pode  cliamar  valle  de  de- 
teites.  Parece-me  pois  este  valle  lodo,  e  tao  profondi»,  bum  muilo  alto, 
^  grande  Galeao,  langado  de  Norie  ao  Sul,  que  com  sua  alta  popa  para 
*  terra  em  o  Norie,  de  ingreme  rocha  altissima,  e  com  iguaes  coslados 
^  semelhantes  rochedos,  desce  algum  tanto  ao  convez  dilalado  peb 
^'ente,  e  Poente,  ale  ir  dar  com  a  proa  em  o  Sul,  e  vasto  mar;  mas 
^  tal  dessemellian^a,  que  nem  mastros,  nem  jà  sobrado  algum  leni 
de  bum  a  outro  costado,  porque  corno  se  Ihe  pegou  o  fogo  no  paiol  da 
Polvora  que  tinha  desde  o  convez  inira  a  proa,  voou  lodo  o  alto  iute- 
^.  Beando  so  a  forte,  comprida,  e  grossa  quiiha  com  as  suas  fortissi- 
^  paredes  dos  coslados:  porém  comò  o  incendio  d  este  fatai  Galcào 
^  levaulou  da  polvora,  e  mineraes  que  eslavào  no  paloi  debaixu  da  sua 


200  m-^ToniA  rcsrr.AXA 

]ìroa,  e  convez.  por  isso  nrini  ficoii  aiiirta  a  liorronda  fonte  rio  fopo  com 
1:intos  regatos  delle,  qnantas  fnrnas  vinios  jà;  e  o  liigar  onde  a  casa  do 
l'irne,  e  a  Camera  Real,  e  o  Castello  de  popa  tinliao  estado.  fìcou  tan- 
to sem  fogo  finalmenle,  qne  com  o  tempo  se  fez  hiim  paraiso,  (corno 
j^t^ora  veremosì  mas  paraiso  da  terra,  e  d'este  mondo,  d'onde  sem  jà 
siibida,  mas  com  descida  semj)re,  se  vai  facilimamente  àquellas  furnas 
do  inferno. 

60  He  pois  està  primeira  parte  de  tao  profimdo  valle,  he  hnma 
(piasi  meia  legoa  de  terrai,  e  corno  posta  em  quadro,  bom  quasi  a  mesma 
l 'goa  de  distancia  entro  os  lados.  e  perto  de  dnas  legoas  em  roda;  c/)rta 
#'sle  quadro  hum  amenissimo  rio  do  frosqnissima  agua  doce,  e  salutifera, 
Ji'jra  oulras  muilas  font<^s,  e  regatos.  que  fazeiH  o  ar  mui  sadio,  e  de 
Jiella  virafào:  tem  muitas  arvore^s  fructiferas,  muilos  prados  deleitosos, 
jnuila  variedade  de  lienas,  sem  alguma  ser  nociva,  e  lantas,  e  tao  di- 
>ersas  flores,  que  sào  continua  recreavào  da  vista:  as  aves  sao  innume- 
raveis;  e  muitas  nao  conhecidas,  e  oiitras  de  inaudita,  e  grata  musica; 
V  animai  nenhum  que  possa  fazer  mal:  seanis,  e  hortas  commummente 
?s  nao  tem,  por  nao  ter  quem  as  culiive,  poìsnemmoradoresci)ntinuos. 
uom  Freguezia  alguma  ha  lA  em  baixo,  pclas  descidàs  diflìceis,  e  subi- 
das  mais  diflìcultosas:  e  comtudo  ainda  algimia  gente  nobre  tem  là  seus 
pastores,  ou  quinteiros,  e  alguma  habiwfào,  aonde  possao  estar  quando 
la  vào. 

61  0  principal  qne  rende  està  bella  parte  de  tal  valle,  he  mei,  e 
cera,  de  sorte  que  até  os  Padres  da  Companhia  de  Jesus  lem  atli  col- 
yneal  tao  grande,  que  cada  anno  Ihes  dà  hum  quarto,  ou  meia  pipa  de 
jncl,  e  alguns  annos  pipa  inleira,  e  mais  de  pipa,  e  a  cera  correspon- 
dente;  e  assim  cera,  corno  o  mei.  excede  na  perfeic-ào  ao  do  qualquer 
oiitra  parte,  por  tambem  as  hervas,  as  flores,  e  as  aguas  excedeivm 
niuìto  a  todas  as  desia  Illia;  e  so  à  fiibrica  d>.ste  mei,  e  cera,  he  que 
vai  abaixo  gente  de  traballio;  e  em  arcas,  e  quartolas,  poslas  sobre  gran- 
des,  e  forles  taboes,  que  por  cordas  vao  arrastando  homens  adiante,  he 
que  tudo  0  sobredito  sobe  acima  do  rochedo  do  Oriente,  pelo  caminho 
quo  acima  descrevemos:  que  se  houvera  bom  caminho  de  sahir  de  tal 
l>i  ofundidade  a  t^o  elevada  altura,  cultivar-se-hia  o  fertilissimo  valle:  e 
s<.Mis  frutos,  e  até  as  excellentes,  e  preciosas  madeiras  que  ha  n'elle,  se 
aprov(Mlarino:  e  concorreiiào  moradores,  e  seria  habilarlio  m\\\U)  appe- 
teoida;  e  là  lem  os  Padres  nao  so  casa  sulTicieute,  mas  Ermida  para  se 


L!V.  V  GAP.  IX  201 

im  Misj^n  p/aqiielles  dias,  em  que  là  vao,  e  mandao  fabricar,  e  reco- 
\\n  0  sobrodilo. 

Ci  Voja-se  apnra  là,  se  rom  razno  chamamos  Paraiso  a  està  pri- 
«ipira  parie  d'oste  valle,  e  Inrorno  à  segunda:  e  qnào  facilmente,  do  que 
osie  mimdo  cliaina  Paiaiso,  se  vai  sem  snbida,  mas  com  descida  sem- 
pre an  hif»Tno:  e  quanto  he  difficnlloso  dos  mais  aitos  postos  deste  miin- 
«lorliPjjar  ao  Paraiso,  ainda  da  terra,  quanto  mais  ao  do  Geo.  r.onside- 
r.'-s»  hem  este  conflado  de  Inferno,  e  Paraiso:  està  recopiiacao  dos  qua- 
tro  Novissimos  do  honiem,  juntos  lodos:  pois  so  meditando  n'esla  vjda, 
OS  tres  primeiros  de  Morte,  Juizo  e  Inferno,  cheparemos  ao  quarto  do 
THeste  Paraiso.  E  assim  apontada  tao  grande  meditafào,  vamos  conti- 
nuando a  H  istoria. 

CAPITULO  IX 

De  oulras  Furnas,  Fotjns,  e  Tremores  d'està  Ilha^  e  em  especial 
de  Villa  Franca, 

fi3  Mela  logoa  além  da  grande  Villa  de  Ribeira  Grande,  e  rauito 
>ntr»s  de  se  chegar  às  Furnas  acima  relatadas,  està  buma  pequena  con- 
fflvidade  de  so  sers  alqueires  de  terra,  ou  de  semeadura,  (quenas  Ilhas 
h**  0  mesmoì  d  onde  jà  se  tirou  muita  pedra  bume,  e  està  cercada  de 
li'imas  que!iradas,  on  rochas  mais  pequenas,  e  mais  facilmente  permea- 
V''is  \\eh  parte  do  Poente,  e  porrjue  tem  taml)em  dentro  algumas  cai- 
<l'iras,  e  furnas  de  fogo,  mas  muito  menos  em  numero  das  outras  jà 
<l'*sfri[)tas.  por  isso  Fructuoso  liv.  4,  cap.  50.  a  estas  de  que  tratanios, 
ri«m.i  as  Furnas  pequenas,  e  às  outras  as  Furnas  grandes:  senao  ((ui- 
''Tmos  chamar-lhes  a  estas  o  Purgatorio,  e  às  outras  o  Inferno.  A  es- 
I'»  vi  en  fambem.  ba  quasi  cincoenta  annos,  e  parece  que  algum  tanto 
jà  miidadas  do  que  scriao  de  antes;  do  que  vi  pois,  e  apontei,  e  do  quo 
fi.  dÌRo  0  seguirne. 

61  Entrando  pois  n'eslas  furnas  pela  parte  do  Poente,  està  logo 
l"ima  alagoa,  ou  fuma  maior  que  lodas  as  acima  rcferidas,  mas  de  cin- 
gilo potme.  e  que  sempre  està  fervendo:  e  logo  para  a  parte  do  Orien- 
K  dez  ou  doze  palmos.  corre  bum  grande  ribeiro  de  agua  darà,  e  fria, 
''WS que  correndo  ferve,  e  fervendo  corre:  seguem-se  algumascaldeiras,  que 
N  de  largo  quinze,  e  vinte  palmos  cada  buma,  e  de  comprido  trinta: 
Jiwis  para  o  Oriente  se  estào  vendo  quatro  olheiros  peijnenos,  dos  quaes 


202  HISTORIA  INSL'LANA 

sào  Ires  de  ngua  darà,  e  huin  de  aRiia  cinzenla,  e  medonlia:  e  om  pou- 
ca  dislancia  outros  de  agua  clara«  doce,  e  fria.  e  p(»r  todo  esle  espaco 
sahein  oiitros  muitos  olhos  de  furioso  fiimo.  queiitura,  e  cheìro  tao  mào, 
que  se  por  cima  passao  algiinrias  aves,  cahem  al):^ìxo  e  inorrein.  Ksla 
terra  loda  he  de  pedra  hume.  corno  tal  cin/enta,  o  clieiro  he  de  enxo- 
fre,  e  logo  abaixo  da  superlicie  de  pedra  hnme,  he  tudu  [)edrcira  dura;  e 
mais  acima  ria  fralda  jà  da  serra,  eslào  nulras  caldeirasL  perpetua,  e  me- 
doiiliameiite  fumegando.  Da  grande,  chamada  Sete  Cidades.  de  que  aqni 
torna  a  fallar  Fructuoso,  ja  failamos,  e  nein  n'eilas  ja  se  ve  fogo  algum, 
nem  sinaes  delle. 

63  0  fatai  tremor  de  terra  que  sul)verteo  Villa  Francai,  conia  Fru- 
ctuoso liv.  4,  cap.  69,  70,  e  71,  a  suhslancia  pois  he.  Sendo  Bui  Gon- 
ralves  da  Camera,  o  quinto  Donatario  da  lliia  <le  Sao  Miguel,  e  cori-en- 
do  0  anno  de  15i2,  eni  o  mez  de  Outnbro  tinha  vindo  à  dit^  llha.  pcu* 
oulra  secreta  causa,  Frei  Antonio  de  Toledo,  irniào  do  Arcebispo  da  Uì\ 
Cidade,  e  parente  bein  chrgado  do  duque  de  Alva,  e  Religioso  da  Sa- 
gra<la  Ordem  de  Sào  Doinirigos,  e  fazendo  ollicio  de  Prègador  Aposto- 
lico, exhortava  à  penilencia  de  peccados,  afììrniando  que  por  elles  esta- 
va para  vir  àquella  llha  hum  grande  castigo,  e  indo  de  hmta  Dclgada 
aonde  pregava,  a  pregar  o  mesino  em  Villa  Franca,  chegado  o  dia  21 
do  dito  mez,  foi  jà  Iarde  à  |)orla  do  Ouvidor  Kcclesiaslico,  dizendo  que- 
rer  rallarihe;  e  mandando-lhe  dizer  o  Ouvidor  (|ue  ao  outro  dia  Ihe  fal- 
larla, respondeo  o  Frei  Ad'onso,  (pie  pjKliTJa  ser  (|ue  ao  outro  ilia  jà  elle 
Ouvidor  nào  polleria  fallar-llie;  e  retirou-se  da  Villa  o  dito  iVégador:  e 
jà  alguns  dias  anies  pelas  mas  andavfio  os  meninos  ijronosticainlo  o  cas- 
tigo, e  claramenle  no  dia  vespera  d'elle  diziào  os  taes  innocentes:  «An»a- 
iihà  havemos  mcurer  todos,  e  esla  Villa  se  liadealagar  »  U  os  inaicMts 
nà)  cnMido  ainda,  dizìào  barbaramente:  «Dizioni  (pict  nos  havemos  ile  ahi- 
gar  està  n«)ite,  [Jois  c^^emos  bcm,  e  UKureremos  farl(»s.»  Algims  porèiu 
(ou)  |)rudenle,  e  Chrislào  temor  se  retirarào  da  Villa,  quan<lo  outros 
bem  acaso  vierào  entào  de  novo  |)ara  ella.  0  Capitào  Donalaric»,  tpie  na 
Villa  eslava,  se  sahio  para  hnina  quinta  tivs  h^goas,  e  so  por  cium»* 
d  elle,  o  foi  a  muiher  seguìmlo.  e  hum  (iliio  ainda  pequeno,  chamado 
iManoel  da  Camera,  por  nào  quererem  loval-o,  obrigado  das  saudades  da 
mài,  a  foi  seguindo  a  pé,  até  (jue  os  pais  o  mamlarào  tornar  a  cavallo 
por  hum  Kscudeiro  (pie  os  acompanliava. 

60    Chegada  pois  a  uoile  dos  21  paia  os  2i  de  Oalubio  de  1322, 


UVRO  V  CAPr  IX  20$ 

no  quarto  dia  da  lua,  em  huma  quarta  feira,  diias  horas  antes  do  ama- 
iihecer,  estando  o  Ceo  ainda  estrellado,  e  serenissimo  o  tt^inpo,  sem  ha* 
ver  bafo  de  vento,  qne  entào  era  de  lavante,  e  sem  preceder  outro  si- 
ual  da  terra,  ou  do  Ceo,  eis  que  de  repente  dà  hum  tremor  na  terra  tao 
espatUoso,  e  impetuoso,  que  a-  hum  grande  monte,  e  serra,  que  pela 
parte  do  Norte  estava  acima  da  Villa,  sohre  ella  o  langou  coni  tao  hor- 
rendos  penedos,  tanta  terra,  e  tanto  lodo,  que  em  espago  de  hum  Cre- 
do Gcoii  submergi^a  a  Villa,  e  nem  altos  edificios,  nem  sumptuosos  Tem- 
plos,  nem  d^onde  tinhao  estado,  se  vio.jà  pela  manha,  e  pelos  i)oucos 
que  se  tinhào  retirado,  e  escapado.  Ào  primeiro  terremoto  que  isto  fez, 
OQ  desfez,  se  seguio  logo  outro  pelo  dito  espa^o,  ainda  que  mais  mode- 
rado,  e  a  boras  de  Terga  outro  multo  espantoso,  e  o  quarto  terremoto 
ao  meio  dia,  e  é  vespera  o  qi^o. 

67    Da  rìbeira  para  a  parte  do  Oriente,  onde  tinha  estado  a  nobre 
Villa,  tudo  com  ella  jazia  alta,  e  profundamente  enlerrado,  e  razo  por 
cima  tudo:  para  a  parte  do  Foente  tinha  a  Villa  bum  perjueno  arrahalde 
com  algumas  casas,  a  que  o  terreno  diluvio  nao  chegou,  por  se  ter  a 
elle  recolhido  o  seu  Nué  Frei  Affonso  de  Toledo,  que  n'esta  occasiào, 
corno  de  antes,  andava  pregando;  e  clamando,  Penitencia,  Fenitencia,  a 
set«nla  pessoas,  que  com  elle  oscaparào,  e  andavào  em  prantodesfeito, 
e  desfeitas.  0  primeiro  ediQcio  que  tìcour  totalmente  enterrado,  foi  o 
Convento  de  Sào  Francisco,  por  ficar  mais  perto  da  serra  que  correo,  e 
delle  so  tres  Frades  escaparào,  que,  sem  saberem  conu),  a  terra  impe- 
tuosa OS  levou,  e  foi  pdr  salvos  em  huma  parte  abaixo  da  Villa,  aonde 
agora  està  o  Convento  das  Freiras;  corno  tambem  huma  Negra  sobre  a 
ttm  foi  levada  ao  mar,  e  langada  em  hum  baleU  que  là  andava  des- 
aouirrado,  e  de  dia,  e  de  terra  fui  visto  com  a  Negra  dentro,  e  buscado 
6  trazido  para  terra.  Tambem  escaparào  os  prezos  da  cadea,  por  se  llies 
^rem  as  portas  com  o  primeiro  tremor,  e  estarem  acordados:  e  ale 
>o  fflesmo  mar  queria  enterrar  o  diluvio  da  terra:  mas  ao  longo  dello 
Ui6  escaparào  duas  casas,  humas  de  hum  Bui  Vaz,  de  dois  forles  so- 
^os;  outras  de  hum  Joào  de  Outeiro,  honiem  dos  mais  ricos  d  esla 
lilla,  e  sogro  de  D.  Gilianes  da  Costa.  0  lugar  do  monte,  ou  serra  que 
cuH'eo  sobre  a  Villa,  de  quo  distava  hum  quarto  de  legoa,  tìcou  todo 
tólu  poline  de  sabao,  e  pedra  pomes,  e  o  maior  penedo  com  innunie- 
ravfis  oulros,  corno  furiosas  balas,  passarao  arrazando  ludo,  o  so  para- 


2f)l  nisToniA  insulana 

no  no  mnr.  som  fnzer  damno  algiim  a  quatro,  ou  cince  navios,  qiie  no 
jiorU)  oslavào,  e  a  pento  em  terra. 

68  A  Imma  innnndagao  de  terra,  qne  vio  ver  correndo  Imma  mu- 
liier,  fiiRìa  està,  e  niio  podendo  jà  escapar-Ihe,  se  pt*gon  a  urna  iahoa, 
<?  assini  lalioji,  conio  mullier  levun  a  iniindavào  da  terra  ao  mar,  e  d'este 
\no  dar  à  costa  em  hum  calhao,  e  d'elle  depois  tirada  se  salvou  a  lai 
mulher.  Da  carna  em  qne  eslavào  dons  casadog.  Negro,  e  Negra,  se  le- 
vnnlou  0  Negro  fugindo  ao  diinvio,  e  foi  colhido,  e  morto:  e  a  Negra. 
sinìì  acordar,  na  cama  Toi  levada  pelos  ares.  e  posta  si  l)orda  do  mar, 
dcoi'dou  entiìo,  e  siinlindo  agna,  e  lodo,  cnidon  logo  que  chovia,  mas 
vendo  mais  o  que  era,  e  aonde  eslava,  airaslando-se  por  cima  do  lodo 
J4ara  a  terra  dura  se  salvou.  Onlra  Negra,  qnerendo  escapar,  se  fìegoii 
a  Imma  figueira,  porém  està  com  a  Ne(|^.  foi  arrebalado  indo,  dar  no 
mar,  e  indo  gente  de  terra  a  bnscal-a.  enlao  so  largou  a  figueira;  e  em 
terra  conlou  qne  no  mar  vira  a  seu  proprio  senhor,  e  a  dous  Frades, 
dndarem  envollos  em  l(xlo,  lodando  coni  mar,  e  terra.  Hum  Comes 
Fernandes,  homem  nobre,  oilo  dias  antes  d'este  fatai  terremoto  se  linba 
cmbarciido  do  porto  da  dita  Villa  Franca  para  a  liba  da  Madeira,  e  no 
mcsmo  tempo,  em  que  succedeo  este  terremoto  na  Uba  de  Sao  Miguel, 
^ìnfirao  os  naveganles  tremer  o  mar,  e  o  navio  em  que  hiao;  e  repa- 
nudo  no  tempo,  sem  poderem  julgar  qne  fosse  aquillo;  em  chegando  A 
Madeira,  onvirào  dizei  <]ue  era  perdida  a  Uba  de  S9o  Miguel;  erindo-se 
d'elles  de  tal  dito,  cbegou  a  noiicia  do  successo  em  poucos  dias,  e  en- 
tenderào  que  a  ma  nova  nDo  sómente  be  quasi  sempre  certa,  mas  de  al- 
gnm  modo  be  adivinbada  sempre. 

69  Acabado  em  Villa  Franca  o  lamentavei  terremoto,  e  diluvio,  aco- 
dio  a  gente  qne  estava  em  montes,  e  quintas,  e  o  Capitao  Donatario, 
(que  avisado  do  successo  veio  logo)  e  Iqdos  cbegando  a  vista  do  posto 
onde  a  Villa  estiverà,  nem  signal  d'ella  ja  viào,  e  menos  cada  hum  de 
suas  proprias  casas,  familias,  ,e  riquczas;  e  tanto  que.  de  pasmados*  e 
attonitos,  tornarao  em  si.  a  brados  de  Frei  AfTonso  de  Toledo,  buns  to- 
marào  logo  por  Parodila  sua  a  Krmida  de  Santa  Calbarina,  quo  no  ar- 
rabalde  esciipàra;  outros  logo  comecarao  a  edificar  Imma  Ermida  à  Se- 
nbora  do  Bosario,  mais  com  perpetuns  correntes  de  lagrimas  de  seus 
ollios,  que  com  oulra  alguma  agua,  e  a  està  Ermida  tiverào  por  Paro- 
dila 'sua  alguns  dias;  e  os  mais  com  o  Capitùo,  antes  de  procurarem  des- 


LIV.  V  CAP.  IX  205 

enterrar  cada  hum  suas  euterradas  casas,  forao  por  cima  de  ludo  i\& 
posto  correspondenle  à  siibterrada  Maliiz  do  Arclianjo  Sào  Miguel,  e 
descubrindo-se  einfim,  e  achando-a  deiTubada  coni  alguina  gente  denti  o 
morta,  e  acudindo  ao  Sacrario,  o  acharào  ainda  cerrado,  e  o  cofre  tani- 
l)ein,  mas  a  fechadura  d'este  aberla,  e  della  hnnia  pequena  lasquinlia 
fora,  e  no  cofre  nenliuma  fórma. 

70  Sentidissiinos  lodos  ajuisarào,  que  Anjos  do  Geo  tiniìào  liradiì 
ao  Santissimo,  e  levado  para  o  outro  Sacrario  mais  vizinbo,  que  era  o 
de  Agua  de  Pào:  e  este  juizo  confirmào  com  o  dito  de  bum  Fernào  Va- 
utiegas  Caslelhano,  e  outras  pessoas  do  intacto  arrabalde,  que  ailìrma- 
rio  terem  visto  levanlar-se  do  lugar  da  Malriz  huma  erande  claridade,  e 
que  lego  tambem  ajuizarào,  ser  aquella  claridade  Imma  procissuo  de  An- 
jos, que  levavào  o  Santissimo  para  algum  outro  Sacrario;  e  accrescen- 
lào,  que  huma  Constanca  Viccnle,  vtuva  de  Joào  Pires,  ouvira  no  mes- 
mo  tempo  procissào  taf,  que  Ibe  pareceo  levarem  o  Senhor  a  algum  en- 
ftrao  com  campainha,  etc.  E  estes  ditos  refere  i^rucluoso,  sem  dizer 
niais  sobre  elles.  Porém  comò  a  dila  Igreja  era  grande,  e  nova,  porisso 
OS  mais  \izinhos  que  poderao,  se  recolberào  a  ella;  pùde  serque  algum 
Ikmo  Christào  (fosso  ou  nào  fosse  Sacerdote)  vendo  comecar  a  Igreja,  a 
^'Mr,  e  a  cabir,  acodisse  ao  Sacrario,  e  rompendo  com  a  pressa  o  co- 
fre, da  que  quebrou  a  lasca,  commungasse  o  Sacramento  em  tal  caso,  e 
finalmente  ahi  morresse  comò  os  mais:  pois  os  Anjos  uHo  era  necessa- 
rio quebrar  lasca  do  cofre  para  tirarem  delle  ao  Santissimo,  nem  mais 
difficii  Ihes  era  levar  o  Sacramento  a  mais  distante  lugar,  que  ao  mais 
viziriho,  e  menos  a  Igreja  de  Agua  de  Pào,  que  tambem  cahio  com  o 
niesmo  terremoto;  e  os  ditos  daquellas  {)essoas  sào  considera^oes  pias, 
se  he  qnè  eslào  enlOo  acordadas,  e  em  vigia. 

71  Logo  come(?ou  a  cava  por  muilo  em  cima  das  casas  d'aquella 
grande  Villa,  e  nas  nobres  casas  do  Capitao  Donatario  nenbuma  pessoa 
viva  se  acbou,  tendo-Ibe  licado  n'ellas  varios  (llbos,  huma  irmà,  e  muiia 
uulra  familia;  porém  em  algumas  outras  casas  se  acbou  gente  alguma 
ainda  viva.  NdS  casas  de  bum  Genovez  Agostinbo  lmi)erial,  furOo  aclia- 
dos,  elle,  e  sua  mulher,  Aldonsa  Jacome,  em  huma  sala  ambos  vivos,  e 
era  oulras  suas  cameras  a  mais  gente  de  casa,  morta  loda.  Hum  moro 
chamado  Adam,  acliarào  debaixo  de  huma  casa,  e  viveo  ainda  muilos 
annos,  e  servindo  sempre  a  Misericordia;  corno  tambem  se  acbou  ainiia 
vÌNO  buia  Joac  Curdeiro,  que  depoia  fui  muilos  «uuius  Bencliciadu  ^a 


200  WISTORIA  INSriANA 

In^rejn  de  S.  Sehastiao  de  Ponta  Delgada.  E  dous  dias  depoìs  do  tal  di- 
luvio, indo  lìum  fìlho  pelo  alto,  em  cujo  fundo  fìcava  a  casa  de  seu  pai* 
por  esle  clainou  tao  altamente,  que  ouvio  o  pai,  e  este  clamou  tanto 
polo  fillio,  qne  cax'atìdo-se  o  tirarao,  e  viveo  ainda  muitos  annos.  E  sem 
sor  necessario  cavar,  foi  achada  urna  menina  de  tres  annos  em  cima  de 
linm  monte  de  lodo,  sentada  sobre  liiimas  taboas,  e  brincando  com  pa- 
Ihiniias. 

72  Nove  dias  jà  depois  d'està  fatai  subversao,  indo  huma  procissao 
jK)r  cima  d'onde  estiverà  a  subvertida  Villa,  ouvirao-se  huns  gritos,  e 
<lamores  do  fundo  da  terra,  e  cavando-se  alli  logo  a  toda  a  pressa,  de- 
rào.  ja  depois  de  grande  cava,  com  o  sobrado  de  huma  lagea,  e  abrin- 
flo-o  salìirào  tres  homens,  naturaes  de  Guimaraes,  Marcos  Pires,  e  Ni- 
f olao  Pìrcs,  irmaos,  e  hnm  qne  de  antes  era  jà  morador  alli;  vinhao  jà 
(jiiasi  mìrrhados,  sem  figura  de  homens.  e  postos  de  joelhos,  e  pasma- 
<los,  com  as  maos  levantadas  ao  Ceo  nao  cessavao  de  dar  grac^s  a  Deos; 
I».  olliando  para  o  ('.apitao  Donatario,  a  quem  por  vezes  chamavao:  f  Se- 
iihor,  Senlu)r»,  Ihcs  disse  o  Capitilo:  «Nao  me  chameis  senhor,  qne  Sfi- 
nhor  so  Deos  o  Iie.»  Perguntados  logo,  comò  tanto  ainda  viverao  debai- 
M)  da  terra,  e  qne  pensamentas  tinhao,  responderao,  que  humas  vezes 
cuidavao  qne  o  mondo  se  acabara,  oulras  qué  aquillo  fora  desastre,  qne 
so  sobixì  ellos  viera;  e  que  em  (ìm  de  pasmados  nào  sabiao  qua  cuidas- 
$iem  ;  e  que  nos  nove  dias  comiao  so  de  bum  pouco  de  biscouto,  que 
acaso  tìDliHo  là,  e  bebiào  de  lìum  vinho,  que  estava  tornado  jà  vinagre, 
o  [)nra  molar  a  sede  se  valiào  de  algumas  gottas  de  agua,  que  cahiao  da 
lena  supcrior  que  os  subterrara  ;  mas  que  o  seu  maìor  tormento  fora 
iiinn  homem,  que  ao  terceiro  dia,  de  pasmado  Ibes  morreo,  e  de  seia 
dias  molto  o  linhao  entre  si. 

73  Ouvindo  isto  notarao  as  presentes,  e  repararao  que  bum  d'estes 
bomens  trazia  bum  saquinho  ainda  comsigo,  e  n'elle  trinta  mii  reis,  e 
que  todos  tres  diziao  que  nunca  mais  tornariao  a  tal  terra,  e  assim  logo 
se  embarcarào  para  Portugal,  mas  ao  depois  se  reparou.  que  em  o  anno 
seguinle  forar)  esles  os  primeiros  que  de  Portugal  voltarao  àquella  mes- 
ma  liba,  e  ao  mesmo  porto.  A  que  nao  obrigara  a  ambi^ao  !  E  a  quan* 
tos  nem  abre  os  olbos  seu  castigo  !  Huma  Felippa  Goncalves  foi  tirada 
de  debaixo  de  huma  casa,  viva  ainda,  porém  tao  pasmada,  e  attonita* 
que  fallando  de  antes»  e  beni,  vivendo  depois  cincoenta  annos,  nunca 


L1V.  V  GAP.  VX  207 

mnis  fnlloii,  e  tendo  oind»  perreito  o  jnizo,  respondia  a  proposito  estas 
palavras  somcnte:  «Sim,  Nao»,  sem  poder  pronunciar  outra  palavra. 

74    Sobre  o  luf^ar  onde  a  Villa  estiverà,  durou  a  cava  hum  anno,  e 
a  ella  levavào  caes  do  c^i^n,  e  fila,  sem  terem  comido,  para  apontarcnì 
aonde  llie  desse  o  faro  de  algnma  carne  Inimana,  para  aili  cavarem  os 
homens,  e  christamenle  enterrarem  os  mortos:  e  feito  assim,  acharao 
muitos  mortos,  quando  ja  snhiào  pelas  portas,  a  muitos  mais  nas  suas 
ramas,  e  a  oiHros  indo  jil  para  a  sua  Matriz  de  S.  Miguel  o  Anjo,  e  nesta 
a  muitos  outros,  e  homens  houve  a  quem  acharào  era  o  meio  da  porta- 
ila  da  sua  casa,  e  posto  j;l  a  cavallo  cora  huma  lanca  na  mao,  e  esporas 
i':n  OS  pés,  sem  poder  malar  a  morte,  que  primeiro  o  matou  assim  a 
elle,  conservando-lhc  a  postura  a  inundafào  da  terra  que  o  cercou.  E 
Toì  multa  a  gerite  que  se  achou  em  vàos  ainda  livres  de  suas  casas,  mas 
inorios  de  pasmo,  e  à  fomc,  e  algnns  ainda  expirando.  Os  mortos  se 
onterravao  piamente  no  destricto  onde  de  antes  estiverà  a  Matriz  da 
Villa,  e  seus  adros,  e  comò  a  Villa  Franca  linha  vindo  entao  multa  gente 
<le  fora  com  navios,  e  multa  da  mesma  liha,  e  ainda  na  mesma  noite«  a 
iiftgoriar,  finalmente  se  achou  que  a  gente  que  faltava,  passava  de  ciuco 
wil  pessoas.  maiores,  e  menores,  e  muitos  mais  seriìlo,  se  muitns  nào 
tivessem  sahìdo  às  colli(3Ìtas  de  suas  quintns,  e  a  negocios  de  outros  lu- 
pares  da  liha:  e  tambem  scrino  menos  os  que  perigassem,  se  o  tremor, 
e  diluvio. acontecesse  de  dia,  e  nao  pouco  depois  da  mela  noite. 

75  0  que  tamhem  de  riquezas  se  perdeo,  foi  muìto,  de  que  algu- 
mas  se  acharao  ainda  &  borda  do  mar,  e  muitas  na  fatai  cava,  mas  por 
Riais  qne  se  elegeo  depositario  do  dinheiro  que  se  achava,  ainda  muitns 
*l«e  de  antes  erào  pohres,  sahirJio  d'aqui  ricos,  outros  com  muitas  p^o- 
jwdades  que  herdarào,  mas-dos  mais  fai  a  perda  mui  goral,  e  muito 
pranele.  Porém  a  maior  que  faltou  na  Villa,  foi  huma  Imagem  da  Virgem 
SenlM)ra  nossa,  de  vulto,  que  parecia  de  ciuco  annos,  e  indo  sobre  o 
fliliivio  de  teira  ao  mar,  e  passado  quasi  hum  anno,  appareceo  em  bu- 
ina praia  de  area  branca,  da  liha  do  Tenerife,  (huma  das  Canarias)  da 
P^  do  Sul,  e  achando-a  huns  pcscadores,  que  do  Norte  da  dita  liba 
tiiihao  vindo  alli  pescar,  e  levando-a  comsigo  para  o  seu  Norte  a  Guarà- 
duco,  onde  hi3o  vender  o  peixe,  e  erahi  querendo  ir  a  Oroliva,  Fregne- 
zin  dos  ditos  pescadores,  e  n'clla  collocar  a  sua  achada  Imagem,  nimca 
(por  mais  que  remavào)  poderao  sahir  com  a  Imagem  da  Freguezia  de 
Guaraciiico:  e  dando  conta  de  tudo  ao  Parocho,  e  ao  povo,  Ibes  entro- 


208  HISTOÌRIA  INSCLAIVA 

guiTio  a  Imngcm,  quc  com  solemrie  procissao  foi  posta  no  aliar  mór  da 
Fi  ri^uezia,  e  Igreja  de  Sanla  Anna  ;  e  succedendo  depois  ir  li  genie  da 
dila  Villa  Franca,  por  sinaes  certos  que  linhao,  contiecerào  a  Imageiu, 
puhlìcarào  mais o  caso, e  se  augmentou  muilo  a  dcvociio  desta  SiMiIiora. 
78  K  porque  a  primeira  cousa  que  se  fez,  logo  era  entrando  o  dia 
dcpuis  da  tremenda  noile  do  terremoto,  e  diluvio,  foi  a  nova  Ermida  da 
Vii  gein  Senhora  do  Rosario,  (comò  jà  dissemosj  todos  lizerao  enlào  volo 
à  Senhora,  de  em  todas  as  quartas  feiras  de  noite,  ou  de  madrugadd, 
ii'eri)  àquella  Senhora  em  procissao,  e  ac^ào  de  gragas;  o  que  prudenie- 
inenle  se  commutou  em  irem  huma  vez  todos  os  annos  com  procissio 
s.'>ieniiie,  e  Missa.  0  que  tudo  sabendo  El-Uei  de  Porlugal,  concedeo  topi 
taiilus  i)rivilegios,  favores,  e  exenip^Ges  aos  moi-adores  que  fìcaiào  da 
dila  Villa  Franca,  e  a  tornassem  a  reedilic^r  seni  se  irem  a  oulias  lerras, 
e  aiuda  aos  que  de  novo  fossem  viver  n'ella,  que  dentro  de  poucos  au- 
nos,  e  no  lugar  do  arrabalde  que  escapou,  da  outra  banda  da  ribena 
paia  0  Poente,  se  ievanlou  a  mesma,  e  tanto  outra  Villa  Frane;»,  (jue  a 
exceileo,  e  excede  nos  edificios,  commercio,  povo,  riqueza,  e  nobreza, 
que  concorreo  para  ella,  com  que  està  segunda  Villa  Franca  vence  muilu 
à  primeira,  e  logra  privilegios,  e  fóros  muilo  maiores,  e  maior  religiào 
aiijda,  e  piedade. 

CAWTULO  X 

Das  oittras  partes  a  que  chegon  o  Terremoto  de  Villa  Franca. 

77  Huma  legoa  de  Villa  Franca  para  o  Nascente  se  Ievanlou  bum 
gj-ande  monlào  de  terra  tao  furioso,  que  levou  diante  (juanto  aciiava, 
ale  de  gado,  e  casaes  inleiros,  e  duns  mulheres  levou  ao  mar,  e  malnu 
trinla  pessoas.  Mais  adiante  onde  chamào  o  Lonral,  se  Ievanlou  oulia 
terra,  e  levou  hmn  casal  com  a  gente  delle.  Na  Ribeira  Clui,  entreViiia 
Franca,  e  Agua  de  Pào,  cahio  hum  casal,  e  morrerào  quatro  pessoas, 
0  mesmo  suca^deo  em  Ponla  Delgada,  (que  ainJa  enlào  era  Villa)  e  o 
mesmo  na  d'Alagoa.  Dentro  em  Ribeira  Grande  nada  houve,  mas  pi.r 
fora  cahii'ào  algumas  casas.  Em  a  Villa  de  Nordesle  cahirào  a  Igreja  M;:- 
triz  de  S.  Joào,  e  muilas  casas,  ainda  casas  de  campo,  e  de  Aldeas,  i> 
da  parie  do  Sul,  e  do  Nordesle,  correo  muila  terra,  e  com  tal  furia» 
que  pareciao  balas  de  bombardes. 

16    No  lonuo  dos  Fonaes  da  Maya,  e  no  da  mesma  Maya,  correrào 


LIV.  V  CAP.  X  209 

as  coroas  de  quatro  montes,  ou  picos,  com  altura  de  huma  lanca  de  ter- 
ra, e  com  tal  impeto,  que  nao  so  muitas  terras  até  ao  mar,  mas  levarao 
curraes  iuteiros  de  gados,  e  os  moinhos  da  xUaya,  e  algumas  casas  com 
quaranta  pessoas,  e  as  rochas  que  estavao  juntas  ao  mar,  quebrarao  ;  o 
nao  so  OS  picos  ficarào  tao  fatalmente  tosquìados;  e  (comò  se  diz)  des- 
calvados,  mas  os  campos  por  onde  bla  a  tosquiada,  e  furiosa  terra,  fi- 
carào sem  mato  algum,  tendo-o  de  antes,  e  sem  madeira  da  multa  qut^ 
de  antes  tinbào,  e  por  muilo  tempo  infructiferos,  posto  que  o  tornarlo 
)à  a  ser;  e  comtudo,  por  mais  fondo  que  se  lavre  terra,  a  madeira  quo 
de  antes  estava  debaixo,  ainda  nao  apparece.  Na  mesma  Maya  fìcou  de- 
bailo  da  terra,  em  bum  v^o,  buma  mài  com  bum  seu  fiiho  Frade,  e  ji 
de  Missa;  este  a  confessou,  e  animou  a  sodrer  com  pacìencia  o  castigo 
da  mao  de  Deos,  e  d'abi  a  cinco  dias  forao  acbados  ambos,  e  tirados 
vivos,  e  vivi'nio  ainda  muiios  annos. 

79  Em  algumas  partes,  comò  nas  descriptas  Furnas,  arrebentou  a 
terra,  e  de  tal  profundidade,  que  sobre  si  levou  todas  as  arvores,  sen- 
do  muitas  as  que  tinba,  e  as  foi  collocar  muito  longe;  n'ellas  se  vio  ir 
dìante  buma  Faia,  comò  General  d'aquelle  exercito  de  arvores,  que  pelo 
ar  se  via,  e  vendo-se  depois  o  lugar  onde  pouzarao,  acbou-se  estarem  as 
arvores  na  mesma  ordem,  em  que  estavào  de  antes.  E  comò  nenbuma 
terra  salilo  do  centro  d'ella,  pois  nenbum  sinal,  ou  buraco  aberto  deixou 
(1  isso;  mas  so  se  sacudio  aquella  codea  de  terra,  (mais  ou  menos  alla) 
qoe  sobre  as  fundamentaes  pedreiras  dos  valles,  e  montes  assentava, 
d'aqui  se  infere  que  os  dilos  terremotos,  nao  tanto  forSo  de  fogo  sub- 
tórraneo,  (que  nao  appareceo  em  Villa  Franca,  nem  em  outras  muitas 
parles)  mas  foi  a  conversao,  que  em  o  mais  baixo  da  terra  se  fez  da  de- 
loasiada  bumidade  em  ar,  e  vento  mais  demasiado,  que  nao  acbando 
por  onde  sabir  ao  seu  centro,  que  be  sobre  a  terra,  entao  furiosamente 
^tirou  com  a  que  em  cima  Ibe  impedia  a  sabida,  e  com  os  calbéos  mais 
sollos,  e  amoviveis;  e  entre  a  tal  terra  postos,  e  por  isso  impelilo  tudo 
nSo  tanto  para  o  lugar  superior  acima,  (que  este  vinb^o  buscar  o  ar,  o 
^eoto  impellentes)  quanto  para  os  lados,  ou  ilbargas,  que  Ibe  deixasseui 
Hvre  a  furiosa  sabida  para  onde  assim  sabiao.  Sobre  isto  se  póde  ver  a 
FilosoGa  que  imprimimos  jà,  nos  Fisicos  naturaes,  na  materia  de  ven- 
tos,  terremotos,  etc. 

80    Caso  be  mais  ponderavel,  que  estando  na  sobredita  Maia  os  fi- 
ibos  de  bum  Luis  Fernandez  da  Costa,  junto  da  ribeira  cbamada  do 

VOL.  I  14 


210  mSTORIA  INSULANA 

Preto,  e  honi  Alfaiate  com  elles,  chamado  o  Rebello,  em  huma  casa  ter- 
reira  debaixo  de  outra  sobradada,  e  estando  jà  dormindo  alta  noite,  ca- 
blo com  0  diluvio  repentino  a  Torre  sobre  o  sobrado,  em  o  qual  estava 
bum  d^aquelles  filhos,  chamado  Belcbior  da  Costa,  moco  de  dezoito  an- 
nos,  e  estando  huma  Imagem  da  Sacratissima  Virgem  posta  em  huma 
parede,  de  repente  se  achou  fora  da  cama  o  mancebo,  posta  em  a  rua, 
e  com  a  dita  Imagem  da  Senhora  em  suas  maos,  e  so  com  huma  leve 
ferida  na  magS  do  rosto»  e  os  que  estavSo  debaixo  do  sobrado,  todos 
tambem  escaparao  sem  ferida;  e  o  Alfaiate  Rebello  tanto  medo,  e*pas- 
mo  concebeo,  que  sem  comer  nem  beber,  ficou  sempre  a  tremer  por 
muìtos  dias,  até  que  assim  expirou.  Oh  que  devota  medìtac3o  d'este,  e 
semelbantes  casos  jà  acima  referidos  podemos  todos  tomar,  para  nos 
valcrmos  sempre  do  matemal  patrocinio  ;  com  que  a  Mai  de  misericor- 
dia, a  purissima  Senhora  M3i  de  Deos,  sempre  aoode  a  seus  devotos,  e 
se  poem  nas  m3os  d'aquelles,  que  se  entregao  nas  suas  m3os,  e  se  dei- 
t3o  a  seus  sagrados  pés. 

81  Deixo  outros  particulares,  e  identicos  prodigios  que  n'esta  Ilha 
entSo  acontecerlio,  e  muito  mais  o  ditatado  Romance,  qae  é  dita  fatai 
Tragedia  se  compoz  logo  ent3o,  e  em  estylo  antigo,  e  singelo,  que  co- 
meta: cEm  Villa  Franca  do  Campo,  Que  de  nobre  precedia,  Na  Uba  de 
S.  Miguel,  A  quantas  Yillas  havia,  etc.  E  com  taes  consoantes  procede, 
e  chega  quasi  a  quatrocentos  versinhos  do  que  faz  men^ao  o  citado  Agio- 
logie Lusitano.  E  tambem  deixo  as  festas  de  cavallo,  que  para  ali\iar  a 
tao  affligìda  gente,  fez  pouco  depois  em  Villa  Franca  o  Capitao  Dona- 
tario, que  em  outro  lugar  virao  melbor. 

CAPITULO  XI 

Da  peste  que  suecedeo  ao  Terremoto^  e  incendios  que  a  elle 
succederlo. 

82  Encadeados  andSo  muitas  vezes  os  males  em  està  vida,  e  assim 
mal  tinh9o  parado  na  Ilha  de  S.  Miguel  os  tremores  de  terra  em  o  an- 
no de  1522,  quando  no  de  23  entrou  logo  n'ella  a  peste:  e  ainda  mais 
encadea  a  Divina  Mai  de  misericordia  os  favores  que  nos  faz,  porque 
tendo  jà  acudido,  e  tanto  quanto  vimos,  aos  terremotos  passados,  toma 
agora  a  acudir  à  imminente  peste,  pois  junto  a  Villa  de  Nordeste  andan* 


LIV.  V  GAP.  XI  211 

do  hum  pastorinho  guardando  o  seu  gado,  vio  diante  de  si  huma  mu« 
ther  vestida  de  branco,  e  entre  duas  cortinas  levantada  em  o  ar,  e  ado- 
rando-a  o  pastorinho,  por  Ihe  parecer  a  Virgem  N.  Senhora,  ella  o  cha- 
moa,  e  Ihe  mandou,  voltasse  à  Villa,  e  dissesse  aos  que  encontrassc, 
qae  em  a  seguinte  quarta  feira  alli  viessem,  e  achariao  alli  junlas  seto 
Crozes;  e  que  no  caminho  encontraria  huma  bicha  com  a  boca  aberta 
para  elle,  mas  que  sem  temor  passasse,  porque  aquella  era  a  peste  que 
vinha  à  Villa  de  Ponta  Delgada,  e  que  aos  de  Nordeste  Ihes  dissesse, 
que  alli  onde  achassem  as  Gruzes,  Ihes  levantassem  huma  Gasa  com  a 
ÌQyoca0o  de  Nossa  Senhora  do  Franto,  porque  ella  rogarla  a  seu  Filho 
indo  pelo  povo  todo;  e  ao  pastorinho  accrescentou  que  Ihe  trouxesso 
hom  cordSo,  em  que  Ihe  faria  huns  nós,  para  por  elles  Ihe  resar  o  seu 
Rosario;  e  a  mesma  Senhora,  voltando  o  pastorinho  com  o  cordào,  niel- 
la com  sàas  maos  santissimas  fez  os  ditos  nós,  e  encommendou  ao  mogo, 
qoe  a  teda  a  mais  gente  desse  os  taes  nós  a  beijar.  0  certo  he,  que  lu- 
do assim  se  achou  no  determinado  tempo;  e  que  a  Ermida  se  fez  logo 
com  a  dita  invocac3o,  e  he  de  grande  romagem,  e  n'ella  tem  a  Senhora 
obrado  muitos  milagres;  e  que  assim  encadeou  com  os  beneficios,  em  o 
tempo  dos  tremores,  os  que  quer  fazer  agora  na  occasiao  d'està  peste. 
83    No  dito  anno  pois  de  1523,  a  quatro  de  Julho,  tendo  vindo  da 
Bha  da  Madeira,  havia  perto  de  hum  anno,  a  caixa  fechada  de  hum  Joao 
ABòDso,  0  Secco  de  alcunha,  e  chegando  elle  ao  depois  nos  ditos  qua- 
tro de  Julho»  e  abrindo  a  sua  caixa,  deo  de  repente  tal  peste  junto  da 
Igreja  de  S3o  Fedro  em  Fonta  Delgada,  que  durou  na  dita  Villa  oito  an- 
DOS,  até  0  mez  de  Maio  de  1531,  e  conhecida  logo,  muita  gente  desem- 
paroQ  a  Villa;  porque  ainda  que  cessava  algumas  vezes,  logo  tornava  a 
>tear-se  tSo  mortai  contagio:  e  dentro  de  tres  annos,  no  de  1526,  indo 
OQtro  Jo3o  Affonso,  de  alcunha  o  Cabreiro,  de  Ponta  Delgada  é  Ribeira 
GnoMle,  comsigo  levou  a  peste  a  estoutra  Villa  em  huma  manta  que  levava 
de  PdDta  Delgada;  porque  o  mesmo  foi  deitar-se  niella  huma  negra,  que 
^tar  a  morte  sobre  si;  e  logo  tambem,morrer3o  dous  filhos  do  dito 
AfloDso,  e  de  vinte  de  Fevereiro  até  Marco  morrer3o  na  dita  Villa,  e  do 
PMe,  cento  e  setenta  pessoas;  e  as  outras  despejar3o  a  Villa,  desteiha* 
fio  as  casas»  e  a  Villa  se  tornou  hum  Ervacal,  que  so  com  gados,  que 
coiaessem  a  herva,  tornou  a  parecer  que  tinha  side  Villa,  e  se  tornou 
>  povoar»  mas  faltando-lhe  jà  mais  de  mil  pessoas  levadas  da  peste,  que 
^  Ponta  Delgada  continuoa  ainda  até  1531,  e  Ihe  levou  passante  de 


ili  HlSTORIA  INSULANA 

duas  mil  pessoas,  fora  muitos  Mouros,  que  de  Africa,  e  do  Algan^e  tf- 
iiliao  à  liba  trazido  os  naturaes  d'ella,  e  por  a  verem  jà  com  menos 
t;ente,  e  elles  Mouros  serem  tantos,  que  iìiMo  ordido  treìgào  de  se  le- 
vaDtarem  com  a  liha,  e  colbidos,  forao  quasi  todos  mortos:  para  que 
aprendao  os  Christuos,  nao  se  servirem  de  Mouros;  pois  nuDca  de  iaiiel 
Mouro  bom  Chrislao. 

84  Dos  anlec^dentes  terremotos,  e  da  referida  peste  tirou  a  Virgem 
Senbora  Mai  de  Deos  tao  grande  fruto,  e  bem  communi  da  Uba  de  Sao 
Miguel,  qual  foi  o  principio  de  Coaventos  de  Freiras  Religiosissimas  ; 
porque  a  bum  pobre  Cavalleiro  Jorge  da  Mota,  de  Villa  Franca,  que  do 
diluvio  tinba  escapado  na  sua  quinta,  d'ella  em  buma  noite  Ibe  fugio  hu- 
ma  filba  jà  mulher,  com  quatro  irmàs  mais  pequenas,  e  caininbando  de 
noite,  nao  pararao  senào  em  buma  Ermida  da  Virgem  ?enlu»ra  da  Con- 
ceigao,  aonde  cbamao  Val  de  Cabassos,  junlo  à  Villa  de  Agua  de  Pao;  o 
persistirao  tao  constantes  em  largar  o  mundo,  e  fazer  penitencìa,  que 
nem  o  dito  seu  pai,  nem  Justigas  Ecclesiaslicas,  e  seculares,  nem  o  mes- 
mo  Capitao  Donatario  as  poderao  persuadir  ao  cx}ntrario;  e  ainda  as  pe* 
quenas,  tornando  com  o  pai,  voltarao  logo  a  metter-se  com  a  irma  na 
clausura  em  que  se  tinbao  recolbido.  Cbamava-se  de  antes  a  mais  velba 
Petronilba  da  Ck)st3,  e  logo  se  cbamou  Maria  de  Jesus,  e  buma  sua  vir- 
tuosa Companbeira  Isabel  AfTonso,  que  tinba  vindo  das  partes  de  Bra- 
ga; as  quatro  irmas  pequenas  se  diziào  Guiomar  da  Cruz,  Catbarina  de 
Sao  Joao,  Maria  de  Santa  Clara,  e  Anna  de  Suo  Miguel,  e  estas  seis  fo- 
rao as  primeiras  Freiras,  na  vida  de  rigorosa  penitencia,  e  eslreilissima 
pobreza,  da  primeira  Regra  de  S.  Clara,  em  que  entao  ficarao. 

85  Passados  dous  mezes,  vierào  de  Villa  Franca  duas  principaes, 
e  .ricas  donzellas,  filhas  de  Joao  d'Arruda  da  Costa,  e  sem  elle  o  saber, 
se  metlerao,  e  ficarào  no  Conveniinho  de  Nossa  Senbora  da  Conceifio, 
nao  obstante  ter  o  pai  casado  por  cartas  a  buma  das  filhas  com  pessoa 
gravissima,  que  cada  dia  esperava  de  Portugal,  e  nunca  as  poderào  apar- 
tar  d'aquella  Virgem  Senbora  da  Conceifào:  e  logo  comecarao  a  vir  tan- 
las  outras  para  aquella  Casa,  que  o  Capitào  Donatario  se  fez  seu  Pa- 
droeiro,  Ibes  fez  casas,  e  ofTicinas,  e  Ibcs  conseguio  Bulla  de  Homa  codì 
lodos  OS  privilegios  de  verdadeirasReligiosas;  eassimestiveraoalliquajii 
dez  annos,  até  que  por  estaiem  junto  ao  mar,  e  expostas  a  Cossarios 
Friìncezes,  se  repartirào  d'alli,  e  parte  forao  fuiidar  o  Mosteiro  de  Santo 
André  em  Villa  Franca;  e  a  oiitra  parie  multo  depois,  no  anno  de  13i0^ 


LIV.  V  GAP.  XI  213 

em  23  de  Abrii,  se  mudou  para  Ponta  Delgada,  e  Ibes  fundou  Convento 
D.  Felippa  Coutinho  debaixo  da  invocafao  da  Esperanfa,  e  Regra  de 
Santa  Clara;  e  por  Confundadoras  vierao  tambem  da  Uba  Terceira,  da 
Villa  de  Sao  Sebastiao^  duas  irmas,  Maria  da  Madre  de  Deos,  e  Isabel 
dos  Arcanjos.  Tanto  fruto  tìrou  a  Mài  de  Deos  dos  castigos  dados  com 
terremotos,  e  pefste. 

86  Gompendiemos  corno  tambem  pudermos,  a  incompendiavel  nar- 
rafao  de  outros  terremotos,  e  incendios  d'està  Uba,  qiie  o  Doutor  Fru- 
ctuoso  vastissimamente  faz  em  o  mesmo  liv.  4,  cap.  82,  até  o  cap.  90. 
Em  0  anno  pois  de  1563,  a  25  de  Junho,  em  buma  sesta  feira,  à  buma 
bora  depois  da  meìa  noite  comecou  de  repente  a  tremer  a  terra  em  a 
mesma  sobredita  Villa  Franca,  e  até  pela  manha,  em  quatro  boras,  tre- 
meo  mais  de  quarenta  vezes,  e  continuarao  os  tremores  todo  o  sabbado, 
e  Domingo  até  vesperas,  e  tSo  furiosa,  e  medonhamente,  que  tornando 
a  repetir  os  tremores  às  Ave  Marias,  buns  desemparar3o  a  Villa  para  a 
Virgem  Senbora  da  Piedade  na  Ponta  da  Garca,  buma  legoa  da  Villa;  ou- 
tros para  a  Cidade  jà  de  Ponta  Delgada;  e  outros  se  embarcarao  nos 
narios  que  andav3o  levantados,  e  nem  pais  de  Qlbos,  nem  maridos  de 
molheres  se  lembravao,  valendo-se,  apartados,  dos  navios,  a  que  pri- 
ineiro  cbegavao,  dos  quaes  alguns  for5o  dar  derrotados  na  Madeira. 

87  ••  Os  que  da  Uba,  e  Villa  tinbao  ido  para  a  Ponta  da  Garca,  do 
caminho  se  voltàrao  para  a  Villa,  por  vir  sobre  elles  do  Geo  buma  es- 
pantosa  nuvem,  e  jà  de  conbecido  fogo,  e  fuzilando  raios  tao  continua- 
mente, que  debaixo  da  tal  nuvem  paràr3o  os  fieis,  e  clamando  pela  Vir- 
SBm  Sacratìssima  com  a  sua  Ladainba,  (caso  milagroso!)  em  cbegando  a 
Wiecar  a  Ladainba  da  Senbora,  e  dizendo  as  palavras,  Sancta  Maria, 
Ora  prò  noW*,  se  levantou  a  nuvem  de  fogo,  e  se  foi  para  o  Norte,  dei- 
taodo  de  si  tantos,  e  tao  espantosos  relampagos,  que  a  gente  ficou  ca- 
llida em  terra;  e  logo  veio  outra  nuvem  altissima,  que  com  langar  de  si 
^nta  cinza  quente.  e  d  ella  formadas  tantas  pedras,  e  tSo  grandes,  que 
%mas  pareciio  grandes  bolas,  e  bum  diluvio  mais  do  Inferno,  que  do 
Ceo:  comtudo  aìnda  que  escaldou,  e  ferie  a  muitos,  a  ninguem,  por  be- 
neficio da  invocada  Virgem,  a  ninguem  matou,  nem  ferie  de  sorte  que 
n«C5essilasse  de  cura.  Passadas  as  ditas  nuvens,  se  seguirao  logo  outras , 
^^  huma  de  cinza  tao  quente,  que  nem  nas  m3os  se  podia  tolerar:  e 
<Hitra  de  cinza,  e  polme  tao  frio,  que  enregelou  a  todos:  e  logo  come- 
?^u  a  chover  terra  comò  pimenta  em  seus  grSos  formada;  e  todos  affip- 


214  HISTORU  mSULANA 

inar3o,  buns  verem  eDtSo  a  Virgem  Sacratissima  em  o  ar  rogando  pelns 
peccadores;  outros  verem  a  mesa  da  Dtvioa  Cea  com  o  Santissimo  Sa- 
cramento niella:  e  outros  ao  Espirilo  Santo  em  figura  de  huma  resplan- 
decente  Pomba:  tantos  advogados  sempre  diante  do  Tribunal  do  Eterna 
Padre,  queira  Deos  que  mere^amos,  nos  nao  faltem.  Durou  està  mortai 
tribulacao  desde  os'  25  de  Junho  até  os  29  por  todo  o  dia,  e  noite  de 
Sao  Fedro,  e  comtudo  nem  casa  alguma  cahio,  nem  morreo  pessoa  al- 
guma.  Assim  mortifica  Deos,  e  vivifica. 

88  Nas  mais  partes  da  Uba  ainda  durarlo  mais  os  espantosos  ter- 
remotos,  fogos,  diluvios,  e  castigos,  pois  durarlo  até  5  e  6  de  Julbo, 
donde  foi  tanta  cinza  ao  mar,  e  com  ella  tantos  gados,  e  tantas  madei- 
ras,  que  bumas  Caravelas  que  vinb3o  de  Alfama  de  Lisboa,  e  de  Vianna 
do  Minbo,  oitenta  legoas  antes  de  cbegar  a  està  Uba,  Ibe  cbovia  cinza, 
e  com  pés  a  langavao  fora,  e  com  tudo  o  sobredito  se  vi3o  impedidos  a 
navegar,  e  usav3o  de  varas  para  passarem  bum  quarto  de  legoa,  cbeio 
tudo  de  pedra  pomes  em  altura  de  oito  palmos.  Na  Villa  de  Nordeste,  e 
seu  termo  cabir3o  muitas  Igrejas,  mas  nao  a  Ermida  da  Senbora  do  Pranto, 
sobre  a  qual  se  vio  a  mesma  Virgem  Senbora  com  manto  preto,  e  ao  sea 
aitar  nada  cbegou,  sobrepujando  multo  a  innundac^o  de  terra  ao  redor 
d'elle,  e  multo  mais  sobre  o  telbado,  sem  que  comtudo  elle  cabisse.  E 
vindo  sete  liomens  em  romana  a  està  Se  nbora  do  Pranto,  ao  v<filtar,  e 
passar  de  buma  ribeira,  sendo  melo  dia,  se  Ihes  tomou  noite  escura,  e 
clamando  à  Senbora  que  Ibes  valesse,  de  repente  a  cada  bum  sobre  o 
bordao  se  Ibes  poz  buma  tal  luz,  que  passarao  sem  perigo. 

89  Na  Villa  de  Ribeira  grande  for3o  ainda  mais  tremendos  os  suc- 
cessos,  porque  comò  a  serra,  ou  monte  de  Vulc5o,  que  be  o  maior  de 
loda  a  Uba,  inclina  mais  para  Ribeira  Grande,  do  que  para  Villa  Franca, 
e  d'este  Vulcao  be  que  queria  sabir  o  fogo,  por  isso  em  a  Villa  de  Ri- 
beira Grande  se  sentiào  taes  abalos,  que  parecia  andar  aquella  Villa  corno 
barca  sobre  o  mar,  e  mar  mais  de  fogo,  que  de  agua.  E  quasi  todas  as 
casas  cabirSo,  e  as  que  ficarao  em  pé,  todas  se  abrirao;  e  em  fim  arre- 
bentou  0  fogo  arrancando  o  monte  Vulcao,  e  com  tal  furia,  que  pedras, 
ainda  maiores  que  casas  ìnteiras,  langou  duas  legoas  ao  longe;  e  fez  tre- 
mer  tambem  a  Ilha  Terceira,  trinla  legoas  distante,  e  nao  so  alli  cboveo 
cinza,  mas  ainda  em  Portugal,  e  especialmente  em  Braga.  Seccarao-se 
as  fontes,  e  ribeiras  de  agua,  e  pela  ribeira  do  Salto  corria  ribeira  de 
/ogo  ao  mar;  e  no  mais  alto  ar  andavao  arvores  inleiras,  que  pareciào 


LIY.  V  GAP.  XI  215 

demonios  ardendo  em  fogo.  Com  o  fogo  dos  mineraes  do  centro  reben- 
toa  tambem  o  Pico  do  Sapateiro,  perto  da  mesma  ribeira,  e  rebentan- 
do  em  dous  de  JuUio,  correo  ribeira  de  fogo  ao  mar  por  tres  dias,  e 
tres  noites. 

90  0  Convento  de  Jesus  de  Freiras  Franciscanas  (que  em  1536  ti- 
nliao  foodado  em  Ribeira  Grande  Fedro  Rodriguez  da  Camera,  e  sua  mu- 
Iber  D.  Margarida  de  Betencor)  espiritualmente  vierao  fundar  duas  Re- 
ligiosas  do  Convento  de  Jesus  da  Villa  da  Praia  da  Uba  Terceira,  D. 
Joanna  da  Cruz,  e  D.  Catharina  de  Jesus,  que  passados  quatro  annos 
passarao  para  o  seu  Convento  da  Praia.  Este  Convento  pois  com  os  di- 
tos  terremotos,  e  incendios  se  arruinou;  e  as  Religiosas  se  passarao  a 
Rabo  de  Peixe,  e  d'aqui  ao  Mosteìro  da  Esperan^a  da  Cidade,  e  logo  a 
Immas  casas  de  Dona  Margarida  Travassos  Cabrai,  viuva  de  Jorge  Nu- 
nes  Botdho,  e  depois  a  outras  casas;  e  Diogo  Vaz  Carreiro  Uies  ofTere- 
ceo  0  Convento  de  Santo  André,  que  elle  acabava  entao  de  levantar,  e 
furao  as  primeiras  Freiras  que  entrarao  no  tal  Convento;  mas  reediQcan- 
do-se  0  seu  arruiuado  Convento,  tornarlo  para  Ribeira  Grande. 

91  Em  a  Cidade  de  Ponta  Delgada,  no  mesmo  anno  de  1563,  e 
mez  de  Junho,  em  dia  de  Sào  Joao  Baptista,  comegou  a  tremer  a  terra 
braodameute  até  28  do  dito  mez,  em  que  ao  Sol  posto  comegarao  maio- 
res  qae  nunca  os  terremotos,  abalos,  e  estrondos  até  o  primeiro  de  Ju- 
liK),  e  se  vio  ter  sahido  do  seu  lugar  o  grande  monte  Vulcào  até  o  mais 
alto  ar,  e  estar  feito  buma  borrendissima  boca  do  Inferno,  e  este  ter-se 
IHissado  do  centi*o  da  terra  mais  profundo  para  a  regiao  do  ar  mais  alta, 
^  estar  jà  ameagando  a  ultima,  e  universal  ruina  a  toda  a  terra;  e  o  mes* 
iQo  estarem  armando  outros  picos  da  terra  arremessados,  e  no  ar  sus- 
leotados  pelo  fogo,  com  borrendas,  estrondosas,  e  infernaes  batalhos  en- 
(re  si,  feita  de  todas  o  alvo  a  negra  terra;  e  entào  tornando  em  si  a  ago- 
Qizaote  Cidade  do  mortai  pasmo,  em  que  estava,  e  acudindo  ao  amparo 
^3  veDcedora  do  Inferno,  a  immaculada  Conceigao  da  Virgem  sempre  pu- 
rissima, 0  mesmo  foi  sahir  està  Senhora  em  procissao,  que  pararem  os 
terremotos,  sem  se  sentirem  mais  em  a  Cidade,  e  toda  està  se  ver,  de 
^brazada,  e  sepultada,  que  se  imagìnava  jà,  restituida  a  vida  pela  Mai 
do Aulhor  della. 

9i  Destruido  pela  veneedora  Virgem  da  Conceigao  aquelle  aereo  In- 
ferno, e  lancado  pelo  ar  até  o  mar,  os  efifeitos  que  deixou,  forao  primei- 
ro, que  cessarao  as  aguas  todas  xom  que  se  moia  o  pao;  e  he  multo  de 


216  HiSToniA  iNsrrjiNA 

rotar,  que  no  mesmo  tempo  om  que  o  Capitao  Donatario,  para  Ihe  ren- 
clerem  mais  os  moinhos,  tìnlia  por  sentenca  que  alcan(ou  mandado  que- 
brar  as  parlicniares  atófonns  todas,  no  mesmo  tempo  a  agua  se  seccou, 
e  OS  moinhos  com  ella.  E  quando  quinze  dias  depois  tomou  a  correr  a 
;ìfiu2i,  vinha  cheia  de  cinza,  e  pedra  pomes:  e  em  o  pico  chamado  das 
Berlengsfs,  se  seccou  huma  grande  alagoa.  Segundo  efieito  foi,  que  n  es- 
tà liha,  por  Irinta  dias  a  fio,  nunca  se  tomou  a  ver  Sol  perfeitamente 
claro,  mas  impedido  sempre  de  obscuras,  e  assombrosas  nuvens:  e  d'es- 
te  segundo  effeìto  foi  causa  o  terceiro  efleito,  que  foi  tanta  a  cinza,  e  le- 
vissima  pedra  pomes,  que  pela  ribcira  da  Praia,  da  banda  do  Sul,  cor- 
njo  de  tal  sorte  pelo  mar  dentro,  que  fez  n'elle  bum  grande  campo,  e 
«nreal,  e  vai  agora  caminlio  commum  de  pé  por  onde  de  antes  andav3o 
OS  navios;  a  profondar  valles  igualou  com  suas  rocbas;  encravou  o  Lu- 
gar  de  Porto  formoso;  ao  da  Maia  cubrio  de  sorte  que  jà  nem  parecia 
ter  estado  alli;  mas  a  Villa  Franca  nào  chegou,  parando  bum  quarto  de 
legoa  antes  da  Villa. 

93  Pelo  mesmo  tempo  quiz  Deos  corresse  o  vento  do  Poente,  onde 
fic3o  as  outras  Illias  vizinhas,  senào  seriao  alagadas,  e  por  isso  cincoenta 
legoas  d'està  Uba  para  o  Nascente,  encontrarao  navegantes  bum  tao  gran- 
de taboleiro  de  terra,  e  com  tanto  fundo,  que  ainda  conservava  levan- 
tadas  muitas  arvores  em  si;  e  outros  taboleiros  virào  de  mais  de  legoa 
de  largo,  e  de  maior  comprimenlo;  e  bouve  navio  que  ató  Lisboa  cbe- 
gou,  lancado  ós  pàs  a  cinza  fóro:  e  em  firn  ale  em  Coimbra,  e  em  Bra- 
t;a  cboveo  entao  cinza.  Os  Lugares  dos  montes  que  voarao,  ficarao  con- 
tavidades,  e  furnas  profundissimas,  porque  atraz  dos  altos  montes  que 
l)or  cima  da  Uba  eslavào,  voou  o  multo  mais  que  enchia  as  ditas  con- 
ravidades;  e  de  curiosos  qne  enlao  as  quizerao  ver,  bum  Aflonso  Pires 
Ji)i  tao  temerario,  que  là  mesmo  expirou:  outros  correrao  grandes  peri- 
f(os,  e  se  vollarao.  A  perda  na  Uba  foi  tanta,  que  so  no  termo  de  Ponta 
Jìelgada  se  perdeilio  tres  mil  moios  de  novidadc,  e  a  terga  parte  das 
tiMTas  frucliferas  ficou  perdida  por  alguns  annos;  e  toda  a  perda  causa- 
da  por  cste  terremoto,  e  incendio  se  avaliou  entao  em  trezenlos  mil  cru- 
zados. 

94  Algumas  terras,  que  ficarao  cubertas  de  cinza,  e  lodo,  e  pedra 
l'omt'S,  e  em  pouco  n\enos  de  tres  palmos,  e  fizerao  codea,  ficarao  na- 
turalmente irremediaveis;  as  outras  porém  se  remede5o  facilmente.  Vi- 
via  enluo  em  Villa  Ti  anca  bum  Manoel  Vieira,  filbo  de  Feruào  Viei- 


Liv.  V  GAP.  xn  217 

n,  e  nelo  de  Pedro  Vieira,  (innSo  de  Violante,  segimda  mulher  de 
Pi'dreaoes  do  Canto  na  liha  Terceira)  e  bìsoeto  de  Duarte  Galvao,  cu- 
y\  fiJho  dito  Fedro  Vieira,  deìxando  o  pai  era  Lisboa,  se  veio  casa- 
ro para  està  liha,  e  tornando  depois  para  Lisboa  em  tempo  d'el-Rei 
I).  AiTonso  V,  foi  por  este  enviado  Embaixador  a  Castella,  fldalgo,  e  ho- 
inem  de  muito  saber;  e  voltando  de  Castella,  por  ser  principal  tornou 
a  està  Illia,  e  levou  para  Lisboa  a  mulher  que  niella  tinha  deixado,  mas 
ainda  ce  dei^tou  fìihos,  e  flihas,  hum  dos  quaes  era  o  dito  Femao  Viei- 
ra, qae  viveo  na  Villa  d'Alagoa,  homem  principal,  e  abastado,  casado 
com  Heva  Lopes,  filha  de  Alvaro  de  VulcSo,  e  de  Mecia  AfTonso,  da  ge- 
ncào  dos  Madiados  da  liha  Terceira,  (que  tambem  sHo  fìdalgosì  cujo 
dito  filho  Manoel  Vieira  foi  primeira  vez  casado  com  M6r  da  Ponte,  fi- 
lila de  Sebastiao  Alfonso,  nobre  morador  do  Lugar  do  Fajlil,  e  de  Cons- 
tmca  Rafael,  fidalga  do  Tronco  dos  Colombreiros:  e  segunda  vez  he  agora 
casado  (diz  Pructuoso  liv.  4,  cap.  90  e  91)  com  Petroniiha  de  Braga, 
(liba  de  Antonio  de  Braga,  e  de  Francisca  Fea,  de  Ribeira  Grande.  Este 
]iOìs  Manoel  Vieira,  por  ser  homem  poderoso,  bem  entendido,  e  muito 
amigo  do  Capitao  Donatario  Manoel  da  Camera,  alcancon  d'el-Rei,  e  em 
1566  tirou  quantas  aguas  pode  ajuntar,  e  fazendo  grandes  levadas  pelas 
t^rras,  e  por  junto  a  ellas,  e  com  pouco  mais  trabalho,  deo  com  toda  a 
cinza  levadica,  e  com  toda  a  pedra  pomes  em  o  mar,  e  com  està  arte, 
<!e  que  aqni  fui  elle  o  primeiro  inventor,  alimpou  de  sorte  as  terras,  que 
9s  restituhio  a  todo  o  seu  ser,  e  fertilidade  antiga;  imitando-o  logo  ou- 
tros  muitos»  conseguir3o  o  mesmo:  e  ficou  a  liha  restaurada  da  parte 
do  Norte,  e  se  isto  nao  fizera,  se  despovoaria. 

CAPITULO  XII 

Dos  TerremoioSf  e  Incendios  mais  modemos. 

93  Quasi  quarenta  annos  depois  da  santa  morte  do  Doutor  Gaspar 
Fnictuoso,  residia  em  o  Collegio  da  Companhia  de  Jesus  da  Cidade  de 
l'onta  Delgada  o  Padre  Hanoel  Gon^alves  da  mesma  Companhia,  que  era 
ham  dos  bons  Prégadores  do  dito  Collegio»  e  morreo  depois  de  Reitor 
de  Braga;  a  este  Padre  ordenou  a  santa  Obediencia,  que  pois  estava  Va 
no  tempo  do  terremoto,  e  incendio  seguinte,  apontasse  em  summa  o  sue- 


218  nisTontA  insulana 

cesso  d'elle;  e  porque  juntamente  o  Capìt3o  Donatario,  que  entJio  era  o 
ultimo  Conde  de  Villa  Franca  D.  Rodrigo  da  Camera,  Unha  pedido  ao 
mesmo  Padre  huma  piena  Relagio  do  dito  successo,  e  o  Padre  a  com- 
poz,  e  entregou  ao  dito  Conde  em  muìtas  folhas  de  papel,  e  d'ella  tirou 
Imma  summa,  que  se  ajuntou  ao  livro  do  dito  Fructuoso,  por  isso  so 
a  substancia  desta  summa  referìremos  aqui. 

96  Em  0  anno  do  Nascimento  de  Chrìsto  Senhor  dosso  de  4630, 
em  0  segundo  dia  do  mez  de  Septembro,  em  huma  segunda  feira  vinte 
e  cinco  da  lua,  às  nove  para  as  dez  da  noite,  estando  o  tempo  sereno, 
e  quieto,  de  repente  come^ou  a  terra  a  tremer  tao  forte,  e  conlinuameih 
te,  que  o  relogìo  da  Matriz,  com  ser  sino  bem  grande,  por  si  mesmo  se 
locava  comò  a  subito  rebate  de  inimigos  queentravaoaCidade;eagente 
experimentando  serem  falaes  terremotos;  toda  desemparou  as  propria^ 
c'asas,  temendo  a  ruina  a  todas,  e  pelo  campo  andava,  e  se  nao  dava 
ainda  por  segura.  temendo  que  ale  a  terra  Ihe  fallasse,  e  so  enchia 
OS  ares  de  clamores,  pedindo  todus  a  Deos  misericordia:  durou  seni 
parar  tal  terremoto  quatro  horas  depois  d'ella  :  eis  que  n'este  ponto 
com  horrendos  estouros,  e  eslrondos,  e  Iremores  mais  horriveis,  arre- 
bentou  a  terra  de  improviso,  e  lanQou  de  si,  ale  o  mais  alto  ar,  tSo  es- 
pantoso  incendio,  e  tao  medonho,  que  lodos,  e  em  toda  a  parte  jà  cui- 
davao  o  tinhao  sobre  si,  e  os  lanibia  a  lodos  abrazando-os. 

97  Os  que  poróm  mais  ao  longe  (comò  em  a  Cidade)  Ihe  ficavSo, 
tornando  jà  mais  em  si,  advertirSo,  e  virào  ultimamente,  que  o  furioso 
incendio  no  mais  alto  ar  continha  muitas,  e  muito  grandes  arvores,  e 
involvia  em  si  a  muilos  gados  de  toda  a  sorte,  e  grandeza,  e  que  sahìa 
de  bum  valle,  ou  alagoa  secca,  nao  muito  longe  das  mais  antigas  furnas, 
e  duas  legoas  de  Villa  Franca;  item,  que  na  manlià  de  quarta  feira,  qua* 
Irò  de  Septembro,  comcgou  hum  tal  diluvio  de  cinza  em  toda  a  liha, 
que  nas  mais  partes  chegava  a  dez,  e  doze  palmos  de  altura,  e  em  ou* 
tras  a  vinte,  e  a  trinta,  sublerrando  casas  ale  os  telliados;  e  depois  se 
soube  que  chegou  a  cinza  nào  su  a  liha  de  Santa  Maria,  mais  de  diize 
legoas  distante,  mas  tambem  i  liba  Terceira,  distante  trinta  legoas»  e 
com  tal  pasmo  db  lodos,  que  na  Terceira  tkou  a(|uelle  anno  por  anto- 
nomasia chamado,  o  Anno  da  cinza  ;  e  ainda  hoje  ha  gente  na  Terceira 
que  se  lembra  d  està  cinza.  a)m  ter  succedido  ha  oilenta  e  quatro  an- 
nos.  E  0  que  mais  he,  que  alò  na  Uba  das  Flores,  e  na  do  Corvo,  que 


uv.  V  GAP.  xn  2(9 

disQo  de  S3o  Miguel  mais  de  sessenta  legoas,  até  li  cbegou  a  ciDza,  e 
li  ctìoveo  com  assembro  dos  seus  moradores. 

98    Sahio  em  outros  fatalissìmos  effeitos  este  tal  terremoto,  e  incen- 
dio, porque  n*aquelle  valle,  ou  alagoa  secca,  aonde  arrebentou,  apanhou 
varia  gente,  que  andava  parte  guardando  gado,  parte  recolbendo  baga  de 
louro,  (de  que  n^aquella  Uba  fazem  azeite  para  as  candeas  do  servilo  or- 
dJDarìo,  e  para  isto  he  bastante  azeite)  e  d'està  gente  se  achou  faltarem 
cento  e  noventa  e  bum  sugeìtos,  que  do  incendio,  e  terremoto  flcarào 
qneimados,  e  subterrados.  De  dous  Lugares  inteiros  (a  saber,  Ponta  da 
Garca,  huma  le^oa  das  Furnas,  e  a  PovoagSo,  duas  legoas  distante)  as 
casas,  e  as  Igrejas  arrazou;  e  abrindo-se  depois,  quando  se  pode  fòzer, 
ciminho  para  acudìr-se  a  bum  Sacrario,  cavando,  se  achou  bum  pedalo 
do  tecto  da  Igreja  ainda  em  pé,  e  debaiio  o  Sacrario  do  Santìssimo  ;  e 
reparoQ-se,  que  huma  Imagem  de  vulto  do  Menino  Jesus,  que  de  antes 
esUva  no  retabolo,  a  acbar3o  fora  d'elle,  e  em  pé  sobre  o  Sacrario,  com 
'  tal  sito,  e  apparencia,  ()ue  se  via  estar  defendendo-o;  e  abrindo  o  Sacra- 
rio, e  custodia  de  dentro,  acharSo  o  Sacnimento  intacto.  Oh  testimunho 
iiiialiivel  d*este  mysterio  da  Fé!  Oh,  conven(3o-se  evidentemente  os  ainda 
eegos  hereges  que  o  neglo  i  Em  certa  parte  das  furnas  mais  antigas  vi- 
viio  em  communidade  buns  Ermitaes  penitentes,  e  devotos,  que  sentin- 
do  OS  tremores,  e  temendo  os  incendios,  todos  logo  acudir3o  ao  Santis- 
simo, que  em  Sacrario  tinh3o,  e  sabindo-se  com  elle  jà  por  baixo  de  in- 
ceodio  altissimo  livrarSo  ao  Senhor,  e  pelo  mesmo  Senhor  forào  sem 
Ngo  livres;  e  por  outra  parte  indo  tugindo  outra  gente,  clamou  huma 
^  pessoa  pela  Virgem  do  Rosario,  e  so  està  escapou,  perecendo  as 
ouÌ8  todas,  que  nem  ao  Santissimo,  nem  i  Santissima  Virgem  acudirao. 
90    Em  Villa  Franca,  que  està  duas  legoas  das  Furnas,  for3o  tam- 
bem  taes  os  terremotos,  que  cabindo  algumas  casas,  de  sessenta  Freiras 
(qoe  0  seu  Convento  tinha)  so  quatro,  ou  ciuco  ficarao,  por  serem  ja 
^dhas,  e  as  mais  todas  juntas  se  sabir3o,  e  vierSo  metter  no  Convento 
da  Esperanca  da  Cidade.  Na  quinta  feira,  ciuco  de  Septembro,  por  todo 
0  dia,  e  em  toda  a  liba,  se  escureceo  de  tal  sorte  o  Ceo,  que  o  dia  foi 
todo  Doite  escura  ;  e  tendo  feito  o  Collegio  da  Companhia  de  Jesus  em 
lodos  os  dias  antecedentes,  na  sua  Igreja,  as  Ladainhas  dos  Santos,  de- 
pois  da  primeira  Missa,  com  todas  as  preces  da  Igreja,  e  sempre  com 
prégagao  do  pulpito,  em  jejuns  ate  de  pao,  e  agua  passava  os  dias,  e  na 
iQesa  estava  sempre  bum  prato  de  cinza  da  que  estava  cabindo  do  Ceo» 


220  «ISTORIA  INSULANA 

fora  ontras  pcnitcncias  de  ciiicios,  e  disciplinas  nas  costas  na  dita  quinta 
fi3ira  sahio  o  dito  Collegio  pela  Cidade  com  buina  procissao  na  ordem 
seguinle  :  Às  onze  horas  para  o  melo  dia  (que  enlSio  parerla  meia  noile) 
lììào  diante  meninos  em  grande  numero,  e  todos  com  as  insignias  da 
])enilencia,  e  no  meio  d'elles  bum  andor  com  o  Menino  Jesus  vestido  de 
liicto,  e  cahmdo-lhe  entào  de  cima  a  cinza  que  entao  chovia.  Seguia-se 
logo  a  Confraria  dos  Officiaes  da  terra  ;  e  logo  a  dos  Estudantes  com  a 
sua  Imagem  da  Yirgem  Senhora,  e  ludo  de  lucto;  e  se  conclubia  a  pro- 
cissao com  bum  palio  preto,  e  o  santo,  e  sacratissimo  Lenbo  da  Cruz 
de  Christo  debaixo  do  palio,  com  os  Padres  do  Collegio  com  innumera- 
veis  lumes,  e  gente  innurneravel,  entoando  sempre  o  Psalmo  de  Miserere 
mei  Deus.  E  corrida  a  Cidade  se  recolbeo  outra  vez  à  sua  Igreja,  e  aca- 
bou  com  prégacao,  cujo  tbcma  foi  o  da  Divina  Sapiencia,  e  da  Yirgem 
Sacratissima,  Cum  eo  eram  cnncta  componens;  e  se  affirma  nSo  Bear  pes- 
soa  em  toda  a  Uba,  que  entao  se  nao  confessasse. 

100  Em  0  Domingo  seguirne,  oito  de  Septembro,  se  abrìrSo  na 
Igreja  do  Collegio  os  Santuarios  das  Reliquias^  com  a  Rainba  de  todos 
OS  Santos  no  meio  de  todas,  e  a  letra  que  dizia.  Et  in  pleniiudine  San- 
ctorum  detentio  mea,  sobre  que  tambem  foi  a  prégacao  d'este  dia.  E  he 
inuito  de  notar,  e  agradecer  a  Deos,  e  i  Yirgem  sacratissima,  qae  com 
ainda  ent^o  durarem  os  terremotos  todo  o  mez  de  Setembro  até  a  en- 
trada  de  Outubro,  com  tudo  desde  este  Domingo  por  diante,  e  jé  desde 
a  quinta  feira  da  procissao,  nSo  forao  jà  sen3o  mui  tenues,  e  brandos, 
nem  se  tevantou  incendio  mais  algum,  nem  se  sabe  perecesse  mais  algu- 
ma  casa,  ou  pessoa,  e  so  d'ahi  a  annos  com  algum  tremor  de  terra  ar- 
rebentou  o  IMco,  cbamado  de  Jo3o  Ramos,  bum  quarto  de  legoa  da  Ci- 
dade para  o  Norte,  e  fez  buma  pequena  boca  em  cima,  por  onde  sempre 
està  lancando.fogo  moderado,  comò  se  ve  em  outras  muitas  partes  d'està 
llha:  e  dizem  que  està  be  a  naturai  seguranga  que  jà  tem,  porque  pare- 
cendo  ser  toda  està  Uba  em  seu  centro  bum  continuado  Etbna  de  fogo» 
tantas  cbaminés  tem  jà,  e  tSo  naturaes,  que  jà  nao  necessita  de  abrir 
hocas,  nem  de  abaiar  a  terra,  para  as  abrir,  pois  tem  jà  tantas,  e  tac^ 
graiides,  e  sempre  abertas. 


LIV.  V  CAP.  XIII  mi 

CAPITULO  XIII 

Des  primeiros  tres  Capitàes  Donatarios  da  Ilha  de  S.  Miguel^ 

Gonfolo  Velho  Cabrai^  Joào  Soares  de  Albergarla,  e  Rui  GonQohes 

da  Camera. 

101  0  Primeiro  Ca^itao  Donatario  da  Ilha  de  Sao  Miguel  foi  (coma 
vimosjà  no  liv.  4,  cap.  3,)  aquelle  grande  fldalgo  Frei  Gongalo  Velho 
Cabrai,  cuja  illustre  ascendenza  jà  acima  propuzemos,  e  a  transversai 
descendencia  dasirmas  que  teve;  pois  nao  teve  propria  descendencia,  por, 
aléna  de  ser  de  varias  terras  senlior,  ser  demais  Comraendador  da  Or- 
dem  de  Christo,  cujos  Commendadores  ainda  entao  nao  casavao;  e  so  iìa 
nove  teve  a  singular  excellencia  de  ser  juntamente  Donatario  de  duas 
flbas  inteiras,  quando  de  Imma  so,  o  Porto  Santo,  o  foi  o  fidalgo  Pe- 
reslrello,  corno  dissemos  no  liv.  3,  cap.  1,  e  nem  o  Capilao  Joào  Gon- 
(alves  Zargo  o  foi  de  toda  a  Madeira,  mas  de  so  ametade  d'ella,  comò 
da  oulra  metade  o  grande  Tristào  Teixeira;  porém  o  famoso  Fr.  Gonzalo, 
deambas  as  duas  Ilbas  de  Santa  iMaria,  e  Sào  Miguel,  foi  inteira,  e  jun- 
taniente  seu  primeiro  Capitào,  e  Donatario. 

102  0  segundo  Capitào  da  Ilha  de  $ào  Miguel  foi  Joào  Soares  de 
Albergarla,  sobrinho  do  primeiro  Capitào,  e  filho  de  Imma  irma  d'elio 
D.  Tareja  Velha  Cabrai,  qne  era  casada  com  outro  Soares  de  Alber- 
garla, tao  grande,  e  antigo  fidalgo,  que  com  renunciar  n'este  segan- 
do ambas  as  Ilhas  o  primeiro  Capitào,  ainda  nem  para  si,  nem  para 
seos  direitos  successores  quiz  usar  dos  illustres  appellidos  de  Velhos, 
Cabraes,  etc.  mas  conservar  o  dos  famosos  Soares,  e  so  ajuntar-lhe  o 
dos  Sousas,  aonde  segunda  vez  casou.  Governando  pois  este  segundo 
Capilao  Joao  Soares  de  Albergarla,  e  adoecendo-lhe  sua  primeira  mu- 
Iber,  a  levou  a  cural-a  a  Ilha  da  Madeira,  e  raorrendo-lhe  là,  foi  a  Lis- 
Ih»,  aonde  El-Rei  vendo-o  viuvo,  o  casou  logo  com  huma  Dama  do  Pa- 
co, D.  Branca  de  Sousa,  filha  de  Joào  de  Sousa  Falcào,  e  de  D.  Moria 
de  Alraada,  prima  coirmà  do  que  entào  era  Conde  de  Abranches;  e  d*a- 
P  veio  ajuntarem  os  Capitàes  de  Santa  Maria  o  appellido  de  Sousas  ao 
seuauiigo  de  Soares,  podendo  ajuntar  Ihe  os  appellidos  de  Velhos,  e 
^^braes.  em  memoria  do  tio  Confalo  Velho  Cabrai,  que  descubrio  as 
Ulìas,  e  n'elles  ambas  as  renunciou. 


222  mSTOBIA  mSCLANA 

103  Com  a  dita  occasiSo  da  doenca,  e  morie  de  sua  primeìra  mti- 
Iher,  e  muito  mais  pela  pouca  ambigao,  e  grande  virtude  d'este  segundo  Ca- 
pitao  de  ambas  as  Ilhas;  e  quercndo  agradecer  ao  GapiQo  do  Funchal, 
e  a  seu  terceiro  filho  Rui  GoD^alves  da  Camera»  a  grande  hospedagem 
que  Ihe  fizerao  em  a  Madeira,  se  resolveo  a  vender  ao  dito  Rui  Gon- 
(^Ives  a  inteira  Capitania  da  liba  de  S3o  Miguel,  e  em  pre^o  tSo  barato, 
que  affirma  Fructuoso  liv.  4,  cap.  66,  que  Ih'a  vendeo  por  oitocentos 
mil  réis  em  dinheiro  de  contado,  e  quatro  mil  arrobas  de  assucar;  as 
quaes  ainda  que  entao  valessem  a  tres  mil  e  duzentos  réis  a  arroba,  e 
a  tostao  0  arratel,  ainda  o  capital  preco  da  venda  nSo  passava  de  tnota 
mil  cruzados,  ou  de  trinta  e  dois  mil,  com  os  oitocentos  mil  réis  em  di- 
nheiro, sendo  que  nao  muito  menos  rende  cada  anno  ao  CapitSo  Dona- 
tario a  Capitania  vendida.  Porém  nao  ha  que  admirar,  porque  ainda  en- 
tao a  Capitania  era  de  muito,  e  muito  menos  rendimento  do  que  he  boje; 
e  com  OS  terremotos,  e  incendios  da  liha  de  S3o  Miguel,  até  ella  mesma 
era  ainda  entao  mui  contingente,  e  por  isso  o  seu  mesmo  segundo  Ca- 
pi tao  quiz  antes  vender  a  Capitania  de  Sao  Miguel,  do  que  a  da  Uba  de 
Santa  Maria,  e  so  com  està  se  quiz  entao  ficar;  e  a  venda  emfim  a  con- 
firmou  pela  m3o  Real  da  Infante  Dona  Beatriz,  que  do  Reino  era  entio 
Regente,  em  Evora  a  10  de  Marco  de  1474,  e  em  nome  dei-Rei  D.  Af- 
fonso  V. 

104  0  terceiro  Capitao  pois,  e  jà  so  da  Uba  de  S2o  Miguel  foi  o 
dito  Rui  Gon^alves  da  Camera,  que  logo  entSo  velo  para  S3o  Miguel; 
veio  porém  jà  casado  com  Dona  Maria  de  Betencor,  Alba  de  Nossen  Solo 
de  Betencor,  que  tinha  sido  segundo  Rei  das  Canarias,  e  succedido  n'eN 
las  ao  primairo  Rei  seu  tio,  (comò  jà  dissemos  liv.  2,  cap.  3,  e  4)  mas 
d'està  Senhora  Franceza  nao  teve  filho  algum  Rui  Goncalves,  e  por  isso 
com  ella  fez  partilhas  em  vida  de  ambos,  e  ella  flcou  com  cento  e  cin- 
coenta  mil  réis  de  foro  cada  anno,  e  trinta  tambem  de  foro  em  Ribeini 
Grande  e  outras  fazendas  de  tal  renda,  que  tudo  junto  em  cada  anno 
rendia  dous  mil  cruzados;  e  entSo  ella  mandou  vir  da  Madeira  bum  sten 
sobrinbo  legitimo,  por  nome  Gaspar  de  Betencor,  e  instituio  morgado 
n'elle;  e  nem  ainda  em  vida  do  marìdo  consentio  que  llie  cbamassem 
Capitoa,  nem  ella  se  intitnlava  senSo  so  D.  Maria:  deixou  em  seu  testa- 
mento ao  Conselho  de  Villa  Franca  dois  moios  de  terra,  jà  limpa,  e  fhi- 
ctifera,  com  condigao  que  os  gados  que  viessem  de  caminbo,  podessem 
dormir  em  a  tal  terra  buma  noite,  e  mais  nao:  mandou  fazer  no  Fon- 


LIV.  V  GAP.  XIII  223 

M  da  Madeira,  na  Igreja  de  S3o  Francisco  à  mio  direita  do  Crazeiro, 
hama  Gapella,  e  que  a  ella  levassem  os  seus  ossos:  foi  enterrada  na  Ca- 
pella-mór  da  Matriz  do  Archanjo  Sào  Miguel  em  Villa  Franca,  muito  an- 
ies  de  se  subverter,  porque  entao  là  residia  o  Governo  da  liha  loda. 

105  Ficou  pois  este  terceiro  Capitào,  das  partilhas,  com  a  Capita- 
yini,  que  rendia  ainda  tao  pouco,  qne  para  flcar  igualado  com  o  sobre- 

^  dito  que  a  mulher  levou,  coube  ainda  ao  Capitao  bum  quarto  da  fazen* 
da,  que  cham3o  Ribeira  de  agua  de  mei  em  a  Madeira.  Vierao  da  Ma- 
deira com  este  terceiro  Capitao  (além  de  outros  homens  honrados)  tres 
seos  filhos,  e  huma  fllha,  todos  naturaes,  e  reconhecidos  do  dito  seu 
pai;  de  que  se  seguio  copiosa  descendencia,  comò  veremos  agora;  reser- 
vaiuk)  porém  sempre  o  que  Ihe  "succedeo  na  Capitania,  para  seu  lugar 
abaixo. 

106  Antao  Rodriguez  da  Camera  foi  o  segundo  Albo  naturai  que  da 
Madeira  veio  com  este  terceiro  Captt3o;  Servio  a  El-Rei  em  Africa  al- 
gnns  annos  à  sua  custa,  e  sahio  tao  grande  Cavalleiro,  que  em  buma  oc- 
casi3o  indo  elle  com  muitos  a  cavallo  cortejando  a  El-Rei  D.  Manoel,  que 
a  cavallo  bia  tambem  pela  Corte  de  Lisboa,  e  succedendo  passar  bum 
Indio  por  diante  com  bum  Elefante  que  levava  a  mostrar,  todos  os  ca- 
vallos,  até  o  do  mesmo  Rei  se  alterarlo  com  tal  vista,  e  ftigirao,  e  ca- 
hirio  alguns  Cavalleiros;  mas  Antao  Rodriguez  de  tal  sorte  govemou  o 
seQ  cavallo,  que  envestindo  ao  Elefante,  fez  que  seu  cavallo  puzesse  a 
bota  sobre  a  anca  do  Elefante,  e  dando-lbe  com  e  tercado  huma  leve  es- 
padeirada,  se  voltou  para  El-Rei,  dizendo  que  nada  era  aquillo;  e  man- 
dando El-Rei  logo  a  seu  Estribeìro-mór,  que  tal  cavallo  comprasse  a  lo- 
do 0  preco  a  Antao  Rodriguez,  este  logo  o  offereceo,  mas  dado  sim,  e 
por  prefo  algum  nao;  e  nem  vindo  El-Rei  em  tal,  nem  querendo  ven- 
del-o  Antao  Rodriguez,  voltou  este  com  o  cavallo  para  a  liba  d'onde  o 
Inha  levado,  ensinado  jà  por  elle,  e  de  sorte,  que  em  ouvindo  o  tal  ca- 
dilo algum  repique  de  sinos,  ninguem  o  podia  ter  em  estrebaria,  até 
iDontado  sabir  della. 

107  Antes  de  casar  este  Antao  Rodriguez  da  Camera,  das  terrai 
406  0  pai  Ibe  deo,  e  de  outras  que  comprou  instituio  bum  morgado  de 

y  cem  rouios  de  renda,  e  voltando  a  Lisboa  casou  com  D.  Catbarina  Pe- 
reira, fidalga  Dama  da  Duqueza  de  Braganca,  e  tornando  com  ella  pa- 
ra Sao  Miguel,  della  bouve  dous  filbos  legitimos,  Rui  Pereira  da  Ca- 
ldera, e  D.  Mecia  Pereira;  e  voltando  depois  a  curar-se  ao  reioo,  fale- 


224  uiSToniA  insulana 

ceo  em  Vianna  de  Caminha,  aonde  esU  enterrado;  e  a  mulher  D.  Catha* 
rina  tornou  viuva  para  Lisboa,  e  viveo  ainda  quarenta  annos,  e  morreo 
de  oitenta:  seu  fillio  Rui  Pereira,  depois  de  servir  em  Africa  fui  despa- 
cliado  para  a  India  por  Capilao  de  Sofala,  e  arribando  a  Lisboa»  morreo 
ahi  solteiro. 

108  A  este  Rui  Pereira  da  Camera  succedeo  em  o  mor^ado  sua 
irma  D.  Mecia  Pereira,  que  casou  coro  D.  Goraes  de  Mello,  (fillio  de 
Diogo  de  Mello,  e  D.  Maria  Manoel,  e  d  estes  nasceo  tambem  D.  Calha- 
rina  de  Noronha,  mulher  de  Simào  Ribeiro,  Comraendador  e  Alcaide 
mór  de  Pombal,  e  da  D.  Anna  Pereira,  e  D.  Leonor  Manoel,  entao  ain- 
da solteiras)  do  qual  D.  Gomes  de  Mello,  e  da  morgada  D.  Mecia  nas- 
ceo D.  Maria  Manoel,  Dama  da  Princé^a  mài  d  El-Rei  D.  Sebasliào  que 
coin  ella  foi  para  Castella,  nasceo  mais  D.  Rodrigo  de  Mello,  que  casou 
coni  Dona  Antonia  de  Vilhena,  filha  de  Pedro  de  Tubar,  e  de  D.  Brites 
da  Silva,  e  morreo  em  Africa  na  batalba  d*El-Rei  D.  Sebastiào;  nasceo 
tambem  e  ficou  coni  o  morgado  Dom  Francisco  Manoel,  que  vindo  da 
Iiulia  casou  com  Dona  Ursula  da  Silva,  filha  de  Francisco  Carvaiho  Es- 
crivao  da  Casa  da  India.  Tinha  o  dito  Antào  Rodriguez,  antes  de  casai , 
duas  fi!has  naturaes;  primeira,  Guimar  da  Camera,  de  quem  nasceo  Rui 
Cago  da  Camera;  segunda,  Maria  da  Camera,  de  que  nasceo  Joao  Xunes 
da  Camera,  Vigano,  e  Ouvidor  da  Ilha  de  S.  Maria,  e  irmao  tambem  do 
D.  Dorothéa,  mulher  do  illustre  Capitao  Donatario  Bràs  Soares  de  Scu- 
sa, da  dita  Iliia  de  Santa  Maria.  As  armas  do  sobredito  Antào  Rodrigue/. 
da  Camera  trazem  accrescentadas  às  dos  Cameras,  dous  puxavanles  ao 
pé  da  torre,  em  sinal  de  sempre  irem  avante,  assim  na  paz,  comò  na 
guerra. 

109  0  terceiro  seu  filho  naturai,  que  com  este  Capitao  Rui  Goi.- 
Calves  da  Camera,  veio  da  Madeira,  foi  Pedro  Rodriguez  da  Camera,  ,^e 
tido,  dizem,  de  huma  mulher  nobre,  da  geragào  dos  Albernazes)  c<isou 
com  D.  Margarida  de  Betencor,  filha  de  Gaspar  de  Betencor,  de  quo 
nascerào  os  fillios  seguintes:  primeiro,  Joào  Rodriguez  da  Camera,  quo 
casou  com  D.  Helena,  filha  do  Contador  Martim  Vaz  de  Bulhào.  da  qual 
nasceo  huma  D.  Joanna,  que  faleceo  soiteira.  Andando  pois  em  Afrita 
este  Joào  Rodriguez  da  Camera  com  outro  irmào  seu  Manoel  da  Came- 
ra, com  quem  andava  mal,  e  vendo-o  ir  caplivo  jà  dos  Mouros,  arremo- 
tendo  com  a  lanca  enrestada  ao  Mouro,  que  o  levava,  e  pegando  ao  ir- 
mào por  bum  braco  o  poz  nas  ancas  do  cavallo,  a  entrando  ambus  li- 


Liv.  V  GAP.  xm  225 

Tres  pela  nossa  prega,  disse  entao  o  resgatado  ao  ir^o  estas  palavras: 
'Pois  irmao  corno  Gcamos?»  Respondeo-lhe  Joao  Rodriguez:  «Como  d'an- 
tes:>  E  El-Rei  o  despachou  com  urna  Commenda  de  mais  de  cem  mil 
reis  na  Beira,  ao  pé  da  Serra  da  Estrella,  em  Esirinta;  aonde  estando 
ji  perto  da  morte,  casou  com  D.  Gatliarina,  de  que  teve  estes  filbos: 
Rai  Gon^alves  da  Camera  que  morreo  solteiro,  com  vinte  annos  de  ser- 
vicos  na  India;  Item,  Bernardim  da  Camera,  valente  soldado,  e  grande 
Cavalleiro,  que  casou  na  Villa  de  Nordeste.  Item,  Apollinario  da  Came- 
ra, que  ficou  em  Africa  na  jornada  d'El-ttei  D.  Sebasliào.  Teve  mais  este 
Joào  Rodriguez  da  Camera,  tres  QUias:  primeira,  D.  Guimar,  que  mor- 
feo indo  para  Dama  da  Emperalriz:  segunda,  D.  Brites,  que  com  bum 
grande  e  poderoso  fidalgo  està  casada  em  Castella:  terceira,  D.  Marga- 
rìda,  casada  com  Pedro  Rodriguez  de  Sousa»  filbo  de  Balthezar  Rodri- 
goez  de  Santa  Clara,  onde  morreo  sem  filhos. 

110  Do  mesmo  Fedro  Rodriguez  da  Camera  o  segundo  (Ubo  e  ne- 
to  d  este  Capitao  Rui  Gon^alves  da  Camera,  foi  o  sobredito  Manoel  da 
Camera,  que .  deixando  so  bum  fillio  naturai,  morreo  solteiro  na  India. 
0  lerceiro,nfimào  da  Camera  grande  Astrologo,  morreo  solteiro  em  Lis- 
boa. 0  quarto,  Henrique  de  Betencor  e  Sa,  morou  em  Ribeira  Grande, 
andou  multo  tempo  em  a  Corte,  e  casou  com  D.  Simoa,  filba  de  Bal- 
tliezar  Vaz  de  Sousa,  e  de  Leonor  Manoel,  e  teve  estes  filbos,  Rui  Con* 
calves  da  Camera,  que  casou  com  U.  Luiza  (filba  de  Hieronymo  Jorge« 
e  de  Bealriz  de  Viveiros)  de  que  leve  tres  filbas  no  Mosteiro  de  Jesus 
(je  Bibeira  Grande,  e  era  fidalgo  de  magnifica  condi^ao,  e  de  grande 
charidade:  teve  mais  a  Uanoel  da  Camera  que  dispensado  casou  com  sua 
pareDta  D.  Maria,  (filba  de  Rui  Cago  da  Camera,  e  de  Isabel  Botelba) 
de  que  bouve  filbo,  e  fijba;  teve  tambem  o  dito  Henrique  de  Betencor 
e  Sa,  a  Henrique  da  Camera,  que  morreo  na  India;  e  Francisco  de  Sa» 
que  faleceo  solteiro;  e  a  sete  filbas,  das  quaes  falecerao  tres  solteiras,  e 
outras  tres  no  Mosteiro  sobredito  jà  professas;  e  so  a  septima,  cbamada 
D.  Margarida,  casou  com  Cbristovào  Dias,  nobre,  e  rico  da  Cidade  de 
Penta  Delgada. 

1 11  Do  dito  Pedro  Rodriguez  da  Camera  o  quinto  fiibo  foi  Anto- 
nio de  Sa,  que  faleceo  solteiro;  corno  tombem  faleceo  solteiro  o  sexto  fi- 
lbo Luis  Goncalves  da  Camera.  0  septimo  foi  Dona  Francisca,  que  ca-» 
soa  com  D.  Antonio  de  Sousa,  viuvo,  fidalgo  porèra  dos  Sousas  do  Rei- 
no,  e  muitos  annos  Vereador  da  Cidade  de  Lisboa,  e  Pedro  Rodrigue» 

\0L.  i  15 


226  BISTORTA  INSULANA 

da  Camera  Ihe  dé^em  dote  cincoenta  moios  de  renda  junlo  a  Ribeira 
Grande,  que  com  o  mais  passava  entao  de  dez  mil  cruzados;  e  conten- 
tou-se  D.  Antonio  de  Sousa,  sendo  ìrmao  do  Conde  de  Prado,  e  D.  Ma- 
ria de  lavora,  mnlher  de  Pedralves  Carvalho,  Cnpitao  de  Alcacer  Se- 
giier:  de  outra  primeira  mùlher  tìnha  jà  D.  Antonio  de  Sousa  a  D.  Mar- 
tinlio  de  Sousa,  e  a  D.  Jorge  de  Sousa,  que  duas  vezes  for5o  por  Capi- 
taes  de  nios  à  India;  e  da  segunda  mulher  D.  Francisca  leve  alnda  a 
Dom  Fedro  de  Sousa  Commendador  da  Ordem  de  Christo,  e  muito  pri- 
vado  d'El-Rei  D.  Joao  III,  e  a  D.  Joào  de  Sousa,  e  ambos  estes  irmaos 
falp.cerao  solteiros:  mas  o  terceiro  irmao  Dom  Dias  de  Sousfi  casou  no 
Beino,  e  teve  fllhos,  e  filhas,  e  a  dita  fazenda  cà  n'esta  Ilha.  E  com  ter 
tantos  fillìos  o  dito  Fedro  Rodriguez  da  Camera,  ainda  foi  tao  pio,  e  es- 
moler,  que  fundou  o  Convento  das  Freiras  de  Jesus  de  Ribeira  Grande 
com  dezoito  moios  de  renda  cada  anno,  e  trinta  mil  reis  de  juro  per- 
petuo; e  deo  multa  renda  ao  Hespital,  e  accrescentou  a  Matriz  da  dita 
Villa,  e  Ihe  deo  bum  rico  Pontificai,  e  outro  à  Igreja  da  Maya,  e  foi 
Locotenente  do  Capil3o  Donatario  Rui  Gonc<ilves  seu  sobrinlio,  em  cuja 
ausencia  governou  sete  annos  com  multa  paz,  justifa,  exemglo,  e  sem- 
pre bom  nome;  e  sua  mulher  D.  Maria  de  Belencor  faleceo  vinte  annos 
depois  d'elle,  e  com  grande  fama  de  multa  virtude. 

112  0  dito  terceiro  Capilao  Rui  Gongalves  da  Camera  teve  mai» 
huma  filha,  tambcm  naturai,  que  casou  com  bum  fidalgo  Francisco  da 
Cnnha,  dos  Cunhas  do  Reino:  cste  appellido  ganhou  hum  antigo  Alferes, 
que  andando  com  a  bandeira  em  huma  batalha,  e  vendo  que  o  Inimigo  hi% 
vencendo,  metteo  a  bandeira  em  a  fenda  de  huma  grande  pedra,  acu- 
nhando-a  com  outras,  e  investindo  aos  inimigos,  com  tal  valor  pelejou, 
que  recuperou  a  viteria  jà  quasi  perdida,  e  vilorioso  se  voltou;  e  entao 
vendo  o  seu  Capitào  ao  seu  Alferes  comsigo,  e  sem  bandeira,  e  pei^un- 
tando  por  ella  respondeo,  «Bem  àcunhada  a  deixei;»  o  que  sabendo  o 
Rei,  entre  outras  mercès  que  fez  ao  tal  Alferes,  Ihe  concedeo  de  mais, 
que  elle,  e  seus  descendentes  se  appellidassem  «Cunhas.»  Do  dito  poi» 
Francisco  da  Cunha,  e  da  dita  sua  mulher  nasceo  D.  Guimar  da  Cunba, 
que  casou  mm  Joao  Soares,  terceiro  Capilao  Donatario  da  Ilha  de  Sant.i 
Maria,  e  segundo  do  nome;  e  assim  flcarao  liados  os  Capitaes  Donatario» 
d'estas  duas  Ilhas. 

113  Era  este  terceiro  Capitao  de  Sao  Miguel  Rui  Goncalves  da  Ca- 
mera, homem  alto,  e  grosso  de  corpo»  discreto  porém,  e  mui  solicìlo 


LIV.  V  CAP.  XIV  227 

«Il  Fazer  povoar,  e  cultivar  a  terra,  ao  qae  pessoalmente  sahia  visitan- 
tlo-a,  ou  a  cavallo,  ou  em  huma  mula  ;  e  assim  elle  repartio  a  major 
parie  das  terras  d'està  com  o  pacto,  ou  titulo  de  sesmaria,  a  saber,  de 
qaeem  cinco,  ou  seis  annos,  quem  se  entregava  da  terra,  aalimpasse,'e 
fizesse  fructifera,  e  livesse  n'ella  algum  genero  de  casa,  ou  cafua,  e  cur- 
ral;  e  nao  o  fazendo  assim,  poderia  o  Capitào  tirar-lhe  a  terra,  e  dal-a 
a  OQtro;  e  isto  significa  a  palavra  sesmaria  ;  outros  dizem  que  a  pala- 
vra  he,  cseemaria,i  dirivada  da  Italiana,  cseemo,  ou  seemato,t  qne 
<pier  dizer  divisào,  ou  cortadura;  e  que  tambem  he  palavra  dirivada  dtr 
estoutra  palavra,  «ssisma,»  que  significa  o  mesmo.  Governou  esle  Capi- 
no vinte  e  bum  annos  para  vinte  e  dous,  desde  o  firn  de  1474,  até  o 
de  1497,  em  que  fez  seu  testamento,  e  por  seu  herdeiro,  e  testaraen- 
teìro  noroeou  ao  seu  filho  mais  veiho  Joao  Rodriguez  da  Camera  ;  e  a 
mais  fazenda  que  pode,  separou  para  sua  alma,  e  para  pagar  a  quem 
bevesse.  Foi  sepultado  na  mesma  sepultura  eni  que  sua  mulher  D.  Ma- 
ria de  Betencor,  e  ao  dito  seu  Albo  mandou  que  bouvesse  licenga  d'el- 
Rei  para  se  enterrar  tambem  na  mesma  Capella  mór  da  Matriz  de  Villa 
Franca.  Pouco  antes  que  morresse,  correo  fama  que  vinbao  Castelbanos 
^e  a  Uba;  e  fazendo-se  logo  alardo  geral  de  toda  a  Uba,  para  se  sa- 
ber as  armàs  que  n'ella  bavia,  nào  se  acbarào  mais  que  cento  e  setenta 
laD(as  de  costa,  e  trìnta  e  seis  Gebanotes;  e  com  isto  que  tiverao  ainda 
por  innito,  se  derao  por  contentes  para  se  defenderem;  tal  era  entao  o 
seu  brafo,  e  o  seu  valor. 

CAPITULO  XIV 

Do  quarto  Capitào  Joào  Rodriguez,  ou  Joào  Gorifalves  da  Camera. 

114  Quarto  Capitào  Donatario  da  Uba  de  Sao  Miguel  foi  o  primeiro 
filho  qwe  tìcou  do  sobredito  terceiro  Capitào  ;  porque  ainda  este  ter- 
tóro  Dao  teve  filbo  algum  legitimo,  legitimoucomtudo  por  El-Rei  o  pri- 
B^iro  filho  dos  naturaes  que  leve,  e  conseguio  licenca  para  Ibe  succe- 
der na  Capitania,  e  casa.  Nasceo  Joao  Rodriguez  da  Camera  ainda  na 
iiha  da  Madeira,  d'onde  veio  com  o  pai  para  està  Uba;  mancebo  ainda 
iQditoa  em  Africa  alguns  annos,  e  voltando  a  Lisboa  casou  em  vida  do 
pai  com  D.  Ignes  da  Silveira,  Dama  do  Pa^o,  à  qual  El-Rei  D.  Joao  II,  ti- 
^  feito  mercé  de  dezaseis  mil  réis  de  ten^a  em  sua  vida,  e  pagos  n'esta 
libi,  para  onde  depois  veio  com  o  dito  seu  marìdo:  tiverSo  filhos:  o  pri- 


228  ntSTORIA  LNStJLANA 

meiro,  Rui  GoD^alves  da  Camera,  de  que  abaixo  fallaremos  ;  segun(f(^^ 
Joao  de  Mello,  que  sendo  tooco  leve  de  buma  Maria  Dias  bum  flibo,  por 
uome  Rui  de  Mello,  que  casou  na  India,  e  o  pai  cà,  jà  reformado  se  meU 
teo  Religioso  em  Alcoba?a;  terceiro,  Dtogo  Nunes,  que  foi  desposada 
com  D.  Maria  fìlha  de  Joao  de  Outeiro,  e  de  Guimar  Raposa,  viuva  de 
Rui  Yaz  Gago  do  Trato;  e  sendo  mo^o  de  pouca  idade,  sem  fazer  vid» 
com  a  esposa,  se  foi  a  Portugal,  e  d'ahi  a  Africa,  e  là  o  matarao.  Quarta 
liiho  foi  Garda  de  Mello;  e  logo  tres  fillias,  D.  Joanna,  D.  Brites,  e  D. 
CStharìna. 

'  li5  Governando  este  quarto  Capjt3o  veio  buma  Armada  de  Cas- 
tella, que  entao  trazia  guerra  com  Portugal;  e  vendo  o  Captt3o  a  pouca 
gente,  e  poucas  armas  que  bavia  de  peleja,  usou  d'este  ardid,  ou  es- 
tratagema;  mandou  logo  por  na  praia  onde  o  inimigo  podia  lan^r  gen- 
te, em  fileira  singela  os  verdadeiros  soldados  armados  com  Tortes  langas, 
e  assim  chegavao  a  toda  a  frente  da  praia;  e  logo  por  detraz  dobrou 
tantas  fileiras  de  mo^os,  e  tantas  mais  atraz  de  mulheres,  e  com  Qngi- 
das  lanQas  de  altas  canas  nas  maos;  que  querendo  desembarcar  o  inimi- 
go, e  vendo  tal  exercito  na  praia,  dosistio  do  intento,  e  largando  as  ve- 
las  se  voltou,  e  flcou  a  Uba  livre  pela  disposi^ao  de  bum  Capitao  sabio, 
e  experimentado. 

116  Jà  em  vida  de  seu  pai,  que  estava  em  Lisboa,  tinha  este  Ca- 
pitao  governado  a  Uba  por  provisao  do  Grao  Mestre,  ou  Governador  da 
Ordem  de  Cliristo,  o  Duque  de  Beja  entào,  que  ao  depois  foi  Rei  D.  Ma- 
iioel;  e  he  de  se  ponderar  a  tal  Provisao  que  diz  assim: 

117  tEu  0  Duque  vos  fafo  saber  a  vós  Juizes,  Officiaes,  Fidalgos^ 
Cavalleyros,  Escudeyros,  e  homcns  bons,  e  povo  da  minha  Uba  de  Sào 
Miguel,  que  a  mim  disse  Rui  Gongalves  da  Camera,  fidalgo  de  minba 
Casa,  e  do  Consclbo  del  Rey  meu  Senhor,  e  Capitao  por  mercé  da  dita^ 
Uba,  comò  elle  deyxàra'em  seu  cargo  de  Capitao  a  Joao  Rodriguez  dasr 
Camera,  fidalgo  da  minba  casa,  seu  filho;  daqualcousaamimmeapraz  ^ 
por  sintir  delle  que  he  tal,  que  usarà  do  dito  cargo  assim  comò  pen— 
tence  ao  servilo  del  Rey  meu  Senhor,  e  meu,  e  bem  da  justifa;  peLo 
qual  vos  rogo,  e  encomendo,  e  mando  a  todos  em  geral,  e  a  cada  bu«3i 
em  especial,  que  obedecais  ao  dito  Joao  Rodriguez  em  todas  as  cousas, 
que  ao  cargo  da  dita  Capitania  pertencerem,  assim  tam  cumpridamente^ 
corno  farieis  ao  dito  Rui  Gongalves  seu  pay^  se  là  estivesse,  e  de  direyfc^ 


LIT.  V  CAP.  ^v  229 

soìs  obrìgados  a  fazer.  0  que  de  him,  e  outro  assim  cumprirdes,  vo  lo 
agradecerey,  e  terey  em  servilo:  do  contrario  (o  que  de  vós  nao  espe- 
ro) me  desprezaria,  e  tornarla  a  isso,  conoio  fosse  raz3o.  E  por  este 
mando  ao  dito  Joao  Rodriguez,  que  no  dar  das  terras  ten}ia  està  ma- 
nevra,  <^nvem  a  saber,  que  as  qua  forem  dadas,  nao  Ihes  de  espaco, 
nem  Ibes  buia  com  ellas;  nem  de  terra  alguma  de  novo  a  homens,  que 
tiverem  terras  na  dita  liha;  e  sómente  darà  das  terras  maninhas  àquei- 
Ids  que  tei  ras  nao  tiverem,  assim  aos  moradores  da  dita  Uha,  comò 
iqueiles  que  de  novo  vieram  a  ella  viver.  E  qualquer  cousa  que  elle, 
acerca  do  que  dito  he,  fizer  em  contrario,  mando  que  nao  seja  valiosa. 
Feyta  em  Santarem  a  25  de  Dezembro.  Joao  Cordovìl  o  fez  em  1487.» 

118  Depois  deo  este  Gapit3o  muitas  terras  de  sesmaria  a  alguns 
tìomens  princìpaes,  que  em  seu  tempo  vierao  para  està  liha,  mas  adoe- 
ceodo,  e  indo  curar-se  a  Lisboa,  faleceoléemoannodel50!2,  eficousua 
mullier  tres  annos  mais  na  Uha,  até  que  seu  filho  Bui  Gongalyes  veio  da 
Corte  com  sua  mulher  a  tomar  posse  da  Capitania,  comò  abaixo  dire- 
inos;  e  a  mai  se  resolveo  a  tornar  para  Lisboa  com  o  quarto  lilbo  Gar- 
da de  Mello,  e  com  as  tres  filhas  acima  ditas  ;  porém  (oh  fado  inevita- 
^el,  oh  ineicrutaveis  juizos  Divinos,  oh  casos  lastimosissimos!)  em  huma 
caravela  se  embarcou  mai,  filho,  e  tres  filhas,  ha  quasi  duzentos  e  trinta 
iannos,  e  nem  de  taes  pessoas,  nem  de  toda  a  mais  gente  da  caravela, 
nem  d'està  em  parte  alguma  houve  até  hoje  noticia,  e  parece  que  o  mar 
so  a  póde  dar. 

119  Era  este  Capitao  Joao  Rodriguez  da  Camera  (diz  Fructuoso, 
liv.  4,  cap.  67,)  grande  Cavalleiro,  muito  discreto,  e  tao  benigno,  hu- 
niilde,  e  cortes,  que  a  muitos  fidalgos  de  Portugai  affeicoava  a  irem  vi- 
^er  com  elle  na  liha  ;  porém  governou  tao  poucos  annos,  morreo  tSo 
<^o,  e  tal  morte  tiverlo  sua  mulher,  seu  filho,  e  as  tres  filhas,  que  pa^ 
J^ece,  que  quao  venturoso  fui  seu  pai,  (comò  jà  vimos)  tao  pouco  ventu- 
^^  este  Ibi,  com  ser  seu  filho. 

CAPITOLO  XV 

Do  quinto  Cofildo  Bui  Gon^lves  da  Camtra^  seguudo  do  nome. 

120  Este  quinto  Capit3o,  quando  o  quarto,  e  pai  seu  faleceo  na 


230  HISTeRfA  INSULÀNA 

Corte  de  Lisboa,  eslava  là  tambem  com  elle,  e  por  nao  ter  ainda  i  ida- 
de  competente,  govemou  por  elle  em  a  Uha  seu  tio  Pedix)  Rodriguez 
da  Camera  até  o  anno  de  1504,  mas  em  vida  ainda  do  pai  tinha  jà  ca- 
sado  este  Rui  Goncaives  da  Camera  com  D.  Felippa  Coutinho,  filha  de 
Lopo  Affonso  Coutìnho  irmlo  do  Conde  de  Marialva,  (e  do  Gonde  de 
Borba,  que  depois  foi  Conde  do  Redondo)  cuja  fflba  do  tal  CoDde 
de  Marialva  casou  com  o  Infante  D.  Fernando,  Gllio  d'eKRei  D.  Ma- 
noel,  e  irm3o  d*el-Rei  D.  Joào  III.  D'este  antigo  appellido,  Cautinbo, 
comò  do  dos  Cunhas  aciraa  tocàmos,  se  diz  vir  antigameiìte  do  caso 
seguinte.  Em  buma  bataiha  indo-a  jà  perdendo  os  de  buma  parte,  o  seu 
valeroso  Alferes,  nao  obstante  a  bandeira  que  apertou  bem  comsigo,  se 
metteo  tambem  no  mais  arduo  da  bataiha,  e  pelejou  de  tal  sorte,  e  a 
seu  exemplo  os  mais,  que  por  sua  parte  se  declarou  a  vitorìa;  mas  ao 
valeroso  Alferes  tinb3o  aperlado  tanto  os  contrarios  por  Ibe  tornar  a 
bandeira,  e  o  Alferes  tanto  mais  pela  conservar,  que  com  Ibe  levarem  a 
espada  ambas  as  mSos,  nunca  Ihe  poderao  levar  a  bandeira,  até  que  os 
seus  }à  vitoriosos  Ibe  acudirao,  e  o  Alferes  se  reeotbeo  sem  as  mlos, 
mas  com  a  bandeira;  e  perguntando  entao  com  que  guardàra  a  bandeira 
tendo  perdido  as  maos,  respondeo:  «Com  os  cotiniios  dos  bra^os  a  guar- 
dei.»  0  que  sabendo  o  Rei,  depois  de  api*emiar  ao  tal  Alferes,  determi- 
nou  que  dalli  por  diante  se  cliamasse,  «Cotinlio,i  de  sobrenome:  e  o' 
vulgo,  nao  sem  mysterio,  mudou  este  appellido  de  «Cotinhos,  era  Cou- 
linbos,»  porque  o  famoso  Alferes,  dos  cotos  de  seus  bragos  fez  invio- 
laveis  Coutos  da  bandeira. 

121  Era  està  D.  Felippa,  Dama  da  Excellente  Serrfiora,  quando  ca- 
sou com  0  Capitào  Rui  Goncalves  da  Camera;  o  qual  com  ella  veio  a 
està  Uba  tornar  posse  em  o  anno  de  1504,  e  govemou  alguns  annos; 
mas  nao  Ihe  faltarao  logo  aggravados,  homens  nobres,  Cavalleiros,  e  Q- 
dalgos,  que  por  causa  (diz  Fructuoso  liv,  4,  cap.  68,)  de  desapparece- 
rem  humas  escrituras,  por  causa  de  mulheres,  ou  por  se  recolberera 
bomiziados  em  sua  casa,  centra  o  dito  Capitào  propuzerao  a  El-Rei  ca^ 
pitulos,  e  foi  mandado  ir  emprazado  a  Corte,  e  com  elle  forao  rauitos 
seus  amigos  em  o  anno  de  1510,  e  todos  em  chogando  a  Corte,  forào 
logo  com  0  mesmo  Capitào  mandados  para  Africa,  a  Tangere,  e  d'ahi 
forào  por  ordem  d  el-Rei  soccorrer  Arzilla  cercada  de  Mouros,  e  erio 
quarenta  de  cavallo,  e  cincoenla  bésteiros,  e  alguns  de  pé,  os  que  com 
0  Capitào  forào  d'està  Uha,  e  là  andarào  em  Àfrica  o  anno  inteìro  de 


uv.  V  CAI».  XV  231 

18 IO,  e  fizerao  fainosas  cavalgadas,  e  là  forao  arnaados  Cavalleiros;  e  pa- 
rece  que  se  equivocou  Damiao  de  Goes  uà  Clironica  d'el-Kei  D.  Manoel, 
3  part.  cap.  3>  onde  isto  poem  nos  anrios  de  1309,  SIO,  e  511,  e  tu- 
du  attribue  ao  primeiro  Kui  Goricalves  da  Camera,  corno  tambem  diz  a 
lieia^o  dos  Capitàes  da  Madeira;  sendo  que  o  primeiro  Bui  Goncalves 
da  Camera,  e  aiuda  seu  Filiio  Joao  Rodriguez  da  Camera,  jà  ambos  erao 
eiilao  mortos;  e  a  equivoca^ào  de  Goes,  e  d^aquella  Rela^ào  da  Madei- 
ra, esteve  em  ambos  estes,  terceiro,  e  quinto  Capitao  de  Sao  Miguel, 
se  diamarem  do  mesmo  nome  Itui  Goncalves  da  Camera,  e  por  isso  se 
attribuirem  as  acQoes  de  bum  ao  outro  ;  e  assim  o  sente  o  citado,  e 
douto  Frucluoso. 

122  0  certo  he,  que  ainda  nao  obstantes  taes  servjQOS,  voltando 
de  Africa  este  nosso  quinto  Capitao,  ainda  pelos  capitulos  que  se  tinhao 
dado  contra  elle,  sahio  contra  elle  sentenza,  per  que  foi  privado  da  ju- 
risdicc^o,  e  Capitania  de  S.  Miguel,  e  sem  ella  andou  na  Corte  este  se- 
guiido  Rui  Goncalves  da  Camera  seis  annos,  até  que  pela  amizade  que 
coalrahio  com  o  Wonteiro  mór  George  de  Mello,  grande  privado  dei-Rei» 
e  por  contralarem  enlre  si,  ique  se  se  restituisse  a  jurisdicfào,  e  Capi- 
taoia  de  Sào  Miguel  ao  dito  Rui  Gongalves,  casaria  o  fliho  deste  com 
D.  Joanna  de  Mendofa,  filha  do  Monteiro  mór;  este  em  breve  tempo  tu- 
doconseguio,  e  se  cumprio  tudo;  e  no  anno  de  1317,  voilou  jà  resti- 
iuido  à  Capitania,  e  Uba  Bui  Goncalves  da  Camera,  com  grandes  festas 
de  seus  amigos;  mas  aos  que  o  tinhao  capitulado,  vierào  tambem  cartas 
Beaes,  para  que  o  dito  Capitao  nem  com  elles,  nem  com  suas  cousas 
podesse  mais  entender  ;  e  nos  antecedeutes  sete  annos  tinha  governado 
a  Capitania  seu  grande,  e  prudente  tio  Fedro  Rodriguez  da  Camera. 

123  Depois  de  tantos  desgostos,  de  seu  emprazamonto,  privacào 
de  sua  casa,  e  falaes  gaslos  de  Africa,  e  Lisboa,  Ihe  sobreveio  o  irifaus- 
tissirao  da  subversào  de  Villa  Franca,  e  deseslrada-  morie  de  seus  filhos, 
e  irmà,  porque  tendo  de  sua  mulher  tres  fllhos  legitimos,  Simào  Gon- 
calves da  Camera,  Manoel  da  Camera,  e  Joao  de  Sousa,  e  duas  legilimas 
lìllias  D.  Hieronyma,  e  D.  Guimar,  e  bum  fillio  naturai  Miguel  da  Sil- 
veira;  so  Manoel  da  Camera  Ihe  ficou  vivo,  tendo-lhe  falecido  de  antes 
0  primeiro,  e  acabando-lhe  os  mais  em  Villa  Franca,  enterrados,  ou  sub- 
Uìfrados  vivos,  com  demais  huma  irmà  d'este  mesmo  Capitao,  comò  ja 
largamente  referimos  :  com  esles  desgostos  pois,  e  com  jà  sessenta  annos 
Aj  idade,  e  ba^endo  trinta  e  tres  que  entiara  a  governar,  succedeo  que 


S32  ìnSTORIA  INSULANA 

em  hama  qnarla  feira  20  de  Oulubro  de  1535.  indo  depois  de  janlar  a 
descansar  hiim  pouco  em  seu  leito,  e  vindo  sua  mulher  jà  a  competen- 
tes  horas  despertal-o,  sem  ter  dado  sinal  algunì  de  si  o  achou  morto. 

124  Porém  tinha  tanto  de  antes  lidado  com  a  morte,  e  preparado- 
se  para  ella,  que  tinha  onze  annos  antes  feito  jà  seu  testamento  em  20 
de  Janeiro  de  1524,  tinha  nomeado  a  mulher  por  sua  Testamenteira,  e 
por  herdeiro  seu  a  seu  unico  ftlho  Manoel  da  Camera;  tinha  deixado 
muitas  esmolas,  e  obras  pias,  e  que  de  sua  ter^a  se  resgatassem  cada 
anno  dous  cativos  de  terra  de  Mouros,  os  mais  dtesemparados,  além  de 
muitas  JMissas  que  mandou  se  dissesem  por  sua  alma  ;  è  jà  em  Ponta 
Delgada  tinha,  com  zelo  do  bem  commum,  e  da  pobreza,  mandado  fazer 
muitas  atafonas  junto  a  S§o  Francisco,  e  abaixo  da  Parochia  de  S30  Pe- 
dro;  e  tinha  determinado  se  sepultasse  seu  corpo  na  Capella  mór  de  S3o 
Francisco,  e  assim  se  cxecutou:  com  que  prudentemente  se  pode  jnlgar, 
que  quem  tanto  em  vida  se  preparou  para  a  morte,  ainda  que  a  ieve 
subita,  nao  a  teve  improvisa,  que  he  a  de  que  Deos  nos  livre. 

125  Ficou  D.  Felippa  sua  mulher,  cuja  vida  foi  de  muito  exemplo 
sempre,  de  muita  oracào,  e  de  grande  charidade,  e  especialmente  dada 
a  compor  disconlias:  fez  da  sua  terca  a  maior  parte  do  Convento  das 
Freiras  da  Esperanga  em  Pjnta  Delgada,  em  terra  que  para  elle  derSo 
Fernando  de  Quenlal,  e  sua  mulher,  e  n'este  Convento  recolheo  as  Frei- 
ras que  se  vierào  da  Villa  dAlagoa,  e  junto  ao  mesmo  Convento  fez  hn- 
mas  casas,  em  que  viuva  se  recolheo,  e  que  por  sua  morte  deixou  at> 
mesmo  Convento  ;  por  seu  Testamenteiro  deixou  ao  sexto  Capilao  sea 
filho,  e  trasladou  os  ossos  do  marìdo  para  a  Capella  mór  do  tal  Mostei- 
ro,  e  n'elta,  e  em  o  habito  de  Santa  Clara  se  mandou  enterrar,  e  assim 
se  exoculou  em  looi,  em  que  faleceo,  sendo  jà  de  idade  de  oitenta 
annos. 

CAPITOLO  XVI 

Do  sexto  Capitào  Manoel  da  Camera^  primeiro  do  nomee 

126  A  seu  Pai  Rui  Concai ves  da  Camera,  segundo  do  nome,  sue- 
cedco  seu  nilio  Manoel  da  Camera,  primeiro  do  nome:  sendo  jà  de  sei» 
annos  o  vio  hum  grande  letrado,  que  passava  por  alli  de  Indias  de  Cas* 
Iella,  e  pergiintando  que  menino  era  aquelle,  accrescentou,  que  ainda 
que  tinha  irmàos  mais  velhos,  ha  via  ser  mui  rico,  e  grande  senhor  ài 


LTV.  y  GAP.  X7I  233 

jwrìsdìccSo,  mns  que  primeiro  havia  ser  cativo,  e  passar  grande  Iraba- 
Iho,  e  turto  assira  succedeo,  corno  veremos.  Depois,  por  seu  pai  o  ter 
osado  sem  elle  enl3o  vir  n'isso,  e  por  ver  hum  Galeao  que  linha  feito 
se«i  pai  em  o  Porlo  dos  Carneiros,  e  commiinicando  seus  inlenlos  cont 
0  Piloto,  e  com  alguns  nobres  amigos  da  terra,  cora  elles  se  embarcou 
ìK)  Galeno,  d«ixando  o  pai  sangrado  dezaseis  vezes,  e  sera  noticia  do  ca- 
so, e  indo  o  Galeao  desgarrado  à  Madeira,  e  d'ahi  a  Mazagao,  nesta  prn- 
ca  0  hospedoii  o  Capilao  d'ella  Antonio  Leite,  tio  do  Padre  Antonio 
Uile  da  Corapanhia  de  Jesus,  que  ficava  era  o  Collegio  de  Sao  Miguel, 
1^0  o  vaio  buscar  D.  Affonso  de  Castellobranco,  seu  parente,  e  fillio  do 
ftmde  de  Villa  Nova,  e  com  gente  de  cavallo  o  levou  para  ^afim,  e  jii 
Qìristovao  Soares  tinha  vindo  era  huraa  caravela  da  liha  a  buscal-o,  e 
de  Lisboa  tarabera  hura  Joao  de  Mello  cora  ordera  del  Rei  para  Ufo  le- 
>*ar,  e  logo  chegou  carta  dei-Rei  que  o  chamava  &  sua  real  presenta. 

127  Nao  pode  jà  alfazer  Manoel  da  Caraera,  velo  buscar  aEl-hei  a 
Porliigal,  e  a  Alconchete,  aonde  entao  estava,  e  El-Rei  o  fez  casar  logo 
«Hn  a  desposada  filha  do  Monteiro  mór  D.  Joanna  de  Mendofa;  e  vindo 
«lepois  a  El-Rei  nova  que  o  Xarife  tinha  cercado  a  Villa  de  Cabo  de  Gué, 
njandou  là  Manoel  da  Camera  cora  gente,  e  cora  promessa  de  logo  Ihe 
ir  soccorro  ;  foi  Manoel  da  Caraera,  entrou  na  Villa,  defendeo-a  quatro 
Jnezes,  até  que  sera  Ihe  vir  soccorro  algura,  mortos  os  raais  dos  solda- 
dos,  entupida  a  cava,  batidos  os  rauros,  e  arrazados,  e  queiraado  o  bn- 
'narie  da  polvora,  com  alguns  duzentos  horaens  entrarao  a  praga  os  Mou- 
»*os,  e  a  tomarao,  e  cativarao  a  Manoel  da  Caraera;  e  tres  dias  depois 
<^egou  entao  0  soccorro  proraettido.  Anno,  e  meio  esteve  prezo  erahn- 
ma  masraorra,  e  sempre  cora  braga  ao  pé,  até  que  por  seu  resgate  deo 
^"inte  mil  cruzados,'e  El-Rei  dous  Mouros  que  cà  tinha,  aléra  de  oulr;as 
I^eitas,  e  entao  o  Xarife  o  deixou  vir,  e  Ihe  deo  huraa  tao  rica  alcatifa, 
^  ficou  em  està  casa  por  meraoria  a  seus  herdeiros. 

128  El-Rei,  em  chegando  Manoel  da  Camera,  o  fazia  Conde  da  Vil- 
^  d  Alagoa,  e  por  nao  acceitar  està  mercé,  Ih'a  fez  dos  dizimos  do  pes- 
<^o  da  llha,  e  de  sessenta  raoios  de  renda  para  sempre,  nas  terras  dos 
proprios  que  el-Rei  tinha  na  Relva,  termo  da  Cidade;  Uem,  Ihe  concedeo 
^  dar  todos  os  oflìcios  da  Cidade  a  quem  quizesse,  até  o  de  Escrivjio 
<b  Camera,  e  Orfaos.  sem  outra  confirmagao,  e  sera  Chancellaria,  tiran- 
do OS  olficios  de  sua  Real  fazcnda:  e  sobre  ludo  Ihe  fez  raercé  de  cons- 
^luir,  e  por  o  morgado  desta  Capitania  de  S.  Miguel,  fora  da  lei  Men- 


234  HISTOUIÀ  INSULANÀ 

tal,  qiie  he  hiima  das  maiores  merces  que  el-Rei  faz  a  vassallo  seu.  E  as- 
silli se  vio  cumprida  a  profecia  d'aquelle  acima  dilo  Indialico  lelrado. 

Ii9  Em  quanto  vìveo  o  pai,  nao  tornou  o  Capitio  Manoei  da  Ca- 
mera a  està  liha,  e  tornando,  morto  o  pai,  a  tornar  posse,  brevemente 
voltou  para  Lisboa.  Porem  vendo  el-Rei  que  os  Lutheranos  andavào  mui- 
to  insolentes,  ordenou  que  se  fizessem  Fortalezas  em  as  Illias,  e  que  os 
Capilaes  d'eltasresidissemcada  bum  em  sua  Capitania;  e  assim  no  Gm  de 
Dezembro  de  1552  tornou  Manoei  da  Camera  para  a  liba  de  S.  Miguel, 
e  com  elle  veìo  o  Doutor  Manoei  Alvarez  Cabrai,  que  na  mesma  liba  tinha 
sido  Corregedor,  que  trouxe  muitas  armas,  e  ordem  para  fazer  bum 
langamento  de  trinta  e  tres  mìl  cruzados  (avaliando  primeìro  todas  as 
fazendas,  e  a  Alfandega  dei-Rei)  para  se  pagar  a  artelbarìa  que  ei-Rei 
mandava,  e  se  comegar  buma  Forlaleza:  para  a  tragar  velo  bum  Isidoro 
de  Almeida,  Malbematico  queentao  compunba  de  Forliricagoes,  e  bum  ir- 
mao  seu  Ignacio  de  Gouvea,  e  por  primeiro  Sargento  mòr  veio  bum  Joào 
Fernandez  de  Grada. 

130  Correndo  entao  o  Capit3o  a  Uba  toda,  Tez  por  ordem  dei-Rei 
companbias,  e  OlQciaes  d'ellas,  os  mais  nobi*es  em  cada  Villa,  em  Pon- 
ta  Delgada  fez  quatro  Capitàes,  Jorge  Nunes  Botelbo,  Gaspar  do  Rego, 
Mencio  de  Vasconcellos;  e  Alvaro  Velbo,  e  Ibes  deu  Alferes,  e  Sargentos. 
Em  Ribeira  Grande  fez  tres  Capitàes,  bui  Gago  da  Camera,  Joao  Tava- 
res,  e  Gaspar  do  Monte,  com  suas  companbias  de  duzenlos  e  cincoenta 
bomens  de  cada  buma;  e  em  Rabo  de  Peixe.  termo  da  Ribeira  Grande, 
fez  Capitào  a  Fernao  de  Anes,  e  isto  ludo  fez  em  Junho  de  534,  e  assim 
durou  alò  571,  em  que  se  mudarao  estes  Capitàes.  e  se  poz  por  Capi- 
tào mór  em  Hibeira  Grande  a  Ruy  Gago  da  Camera  ;  e  voltando  onlao 
Manoei  da  Camera  ao  Reino,  tornou  para  està  Illia  [)or  ordem  d*ol-Ue'', 
com  seu  (Ubo  D.  Ruy  Goncalves  da  Camera  jà  casado,  e  foi  a  [Himeira  sez 
que  cà  veio:  e  ambos  aqui  esliverào  oito  anuos.  Ao  Sargenlo  mór  pa- 
gava el-Rei  do  tributo  dos  dous  por  cento  das  sabidas;  de|)0is  Ibe  man- 
dou  pagar  das  iraposigoes  das  Villas;  e  mais  depois  forào  iladas  aos  pti- 
vos  as  (liias  iniposigoes,  dando  os  povos  porem,  do  segundo  lancaiuento 
onze  mi!  cruzados;  o  que  fez  l'ernào  Cabrai  Provedor  da  fazenda,  e  jis- 
sim  se  julgou  no  Reino,  (|ue  das  imposiroes  se  nao  pagasse  mais  ao  Sar- 
geiito  mór;  e  terceiro  infn;amei]lo  se  frz  tainhem  por  Duarle  Borges  dt? 
Baniboa,  Provedor  da  fazcnda,  e  em  tempo  do  mesmo  Capitào  Donata- 


LIV.  V  GAP.  XVI  23JJ 

rio;  e  comegou  a  Forlaleza  Manoel  Machado>  naturai  da  Ilha,  e  seu  pri- 
meiro  Mestre  de  obras. 

131  Teve  este  sexto  Capitao  cìdco  filhas,  e  bum  fillio  de  sua  legi- 
tima  muiber,  d'este  filho  chamado  Uuy  Gongalves  da  Camera,  terceiro 
do  nome,  corno  succedeo  na  Capitania  ao  pai,  e  foi  o  primeiro  Conde, 
d'elle  se  tratarà,  quando  se  tralar  do  septimo  Capitao  Donatario  de  S. 
Miguel.  A  primeira  tilha  foi  D.  Felippa  de  Mendoga,  que  casou  com  D. 
Fernando  de  Castro,  Albo  de  D.  Diogo  de  Castro,  Àlcaide  mór  de  Evo. 
ra,  Capitao,  e  senbor  de  Àlegrete,  e  Conde  de  Basto.  À  segunda  filila 
U.  Hieronyma  de  Mendoca  quizerao  seus  pais  casar,  quando  ella  ja  ti- 
iiba  quarenta  annos,  e'  ella  Ibes  respondeo,  que  pois  suas  irmàs  erao 
Freiras  pobres,  queria  ella  ser  Freira  rica  ;  para  Ibes  acudir  a  elias  :  e 
assim  acompanbou  sempre  a  seus  pais  aie  ambos  morrerem,  e  ficou  por 
cabe(^  de  Casal,  ale  cbegar  da  Uba  seu  irmào,  e  Ibe  caberem  a  ella  qua- 
renta mil  cruzados;  e  foi  sempre  de  tal  vida,  que  so  Ibe  fallava  o  veo 
prato,  para  ser  buma  perfeila  e  santa  Religiosa,  e  corno  tal  nunca  se 
chamou;  nem  assinou  senào,  Hieronyma  das  Cbagas,  era  multo  dada  a 
jejuns,  cilicios,  disciplinas,  e  oragào;  fez  seu  testamento,  e  mandou  que 
a  eoterrassem  no  babito  de  S.  Francisco,  e  na  Capella  mór  de  sua  Igre- 
ja,  que  era  de  seu  pai;  deixou  ciuco  annaes  perpetuos  de  Missas,  e  que 
ciuco  criadas  suas,  Terceiras  honradas,  ouvissem  as  taes  Mis^ds  sem[)re, 
e  que  a  boras  de  Vesperas  fossem  encommendar  sua  alma  a  Deos,  e  as 
de  seus  pais;  e  que  a  cada  buma  das  taes  ciuco  mulberes  se  Ibe  dessem 
cada  anno  vinte  e  cinco  mil  réis  de  ordenado,  e  nomeou  para  sua  Tes- 
lameDteira  a  Casa  da  Misericordia  de  Lisboa,  e  Ibe  deixou  ludo  o  mais 
remanecenle  de  sua  fazenda,  para  pagar  aquelles  cinco  ordenados,  e  prò- 
^er  n'elles  gente  virtuosa,  e  assim  viveo,  e  morreo  fidalga  com  commua 
opiniào  de  santa. 

132  A  terceira  filba  foi  D.  Margarida,  Freira  na  Madre  de  Deos  em 
Xabregas:  a  quarta  D.  Joanna  de  Mcndoga,  Freira  em  Santa  Clara  de 
(timbra,  a  quinta  Soror  Isabel,  Freira  em  Jesus  de  Celuval,  senbora 
<|06jà  ca  fora  era  de  rara  abslinencia,  e  penilencia.  Sua  mài  D.  Joanna 
nooca  foi  a  Uba,  por  nao  passar  o  mar,  poreni  a  sua  doutrina,  e  exem- 
pio  de  virtude  devem  as  (ìlbas  a  multa  que  alc^n(ar3o,  e  o  Capitao  a 
•toa  morte  que  teve,  porque  ainda  que  em  Lisboa,  em  bum  Domingo  às 
W)ve  horas  do  dia,  querendo  ir  a  Missa,  Ibe  deu  bum  accidente  de  par- 
ila, ou  de  ar,  que  Ibe  tomou  a  parte  diretta,  e  para  ella  Ibe  inctinou 


230  HISTOBIA  INSULANA 

a  boca,  e  tiron  a  falla,  nao  Ihe  tirou  o  juizo,  com  que  viveo  ainda  cine/) 
(lias,  recebeo  todos  os  Sacramcntos,  e  faleceo  corno  piissimo  Christ3o  : 
deixou  era  hnm  breve  testamento  ao  Riho  Riiy  Gon^alves  da  Camera 
por  seu  herdciro,  e  Testamenteiro,  de  sua  terfa  deixou  trezenlos  mil  rèis 
para  tres  ofGcios  por  sua  alma  :  mandou  que  o  enterrassem  no  habito 
de  S  Francisco,  e  qiie  aos  Religìosos  por  cada  hnm  dos  tres  Oflìcios 
Ihes  dessero  cincoenta  cnizados,  e  bum  nuDio  de  trigo,  e  huma  pipa  de 
vinho:  e  na  sua  Freguezia  mandou  fazer  oulros  tres  Offlcios  com  dez  mi! 
reis  de  esmola  cada  bum  ;  mas  qne  o  enterrassem  os  Religiosos  de  S. 
Francisco,  sem  pompa,  em  bum  alaude,  se  nao  cbamasse  fìdalgo  algum 
e  so  seus  crtados  o  acompanhassem,  e  ludo  assim  se  fez,  e  foi  enterra- 
do  na  dita  sua  Capella,  aonde  estav^  entorrada  sua  mulher. 

133  Tendo  nascido  este  Gapitao  em  1504,  falleceo  em  13  de  mar- 
?o  de  1578,  sendo  jà  de  74  annos  de  idade,  dos  quaes  per  si,  e  por 
seu  fìlho  governou  quarenta  e  tres  annos  a  Capitania.  Era  t3o  benigno, 
e  misericordioso  para  com  sous  devedores,  que  nunca  os  quiz  vexar;  era 
grandioso  em  obras,  comò  bem  se  ve  na  sua  Capella,  que  comecon  a 
fazer  no  Mo^leiro  de  S.  Francisco  da  Cidade  em  Lisboa,  era  emflm  mul- 
to hnmilde,  muìto  affavel  para  todos,  e  para  ninguem  avaro  de  cortezia, 
virlude  moral,  que  assim  a  tivessem  todos  os  senhores  que  govemao, 
ile  todos  seus  subditos  serico  mais  obedecidos,  e  nunca  expcrimentariao 
ìnsolencia  alguma. 

CAPITULO  XVII 

De  alijuns  homens  famosos,  e  familiax  que  vierào  povoar 
a  Ilha  de  Sào  Miguel. 

134  Insuperavel  materia  aqui  tomou  o  Doutor  Fructuoso,  e  depois 
d'elle  0  Padre  Antonio  Leite  da  Companhia  de  Jesus,  (que  no  seu  Col- 
legio de  Sao  Miguel  esteve  muitos  annos)  em  quererem  explicar  Genea- 
logias  antigas,  que  tanto  mais  se  impilerò,  quanto  se  explicao  mais,  co- 
mò se  ve  era  os  mais  dos  Nobiliarios  antigos,  e  ainda  na  fonte  d'elles  to* 
dos,  no  alto  Conde  D.  Pedro,  Infante  de  Portugal,  fillio  d'el-Rei  Dom 
Dinis,  e  bonra  de  toda  Hespanha,  a  quem  addio  suas  Glossas  o  illustre 
Marquez  de  Monte  Bello,  e  lìdelissimo  sempre  Portuguez,  D.  Feliz  Ua*- 
chado:  pelo  que  resoluto  quasi  estive  a  passar  totalmente  tal  materia; 
onas  comò  vejo  a  Sagrada  Escritura  clieia  de  Genealogias,  nSo  so  em  o 


Liv.  V  GAP.  x?n  UT.  I  237 

Testamento  velbo,  mas  tambem  no  Novo,  nos  sagrados  Evangeli^tas;  er 
corno  0  mesmo  Deos  nos  manda  por  hum  Santo  Isaias,  que  attendamo:$> 
ipedra,  de  que  fonK)S  cortados,  e  à  cova  de  qucsahimos,  Isai.  51,  num.  1. 
Que  consideremos  bem  nossos  maiores,  corno  verte  o  doutissimo  Padn^ 
Jtfarianna;  e  Sào  Paulo  so  prohìba  tralar  de  Genealogias,  de  que  so  nas- 
(mk  contendas,  e  que  sao  vas,  e  ìnuteis,  corno  a  Tìmolbeo  escreve, 
Epist  2  cap.  1  num.  3.  e  corno  emfìm  todo  o  extremo,  em  materias 
moraes,  he  ordinariamef^te  vicioso,  por  isso  me  resolvi  a  nem  tralar  tan- 
to d  ellas,  que  fique  mundana,  e  va,  ou  fantastica  bisloria,  nem  tao  pou- 
00  as  tocar,  que  falte  à  fidelidade  dos  Religiosos,  e  Catliolicos  Doulores 
a  que  sigo,  e  ao  fruto  que  devem  tirar  os  descendentes.  dos  exemplos 
de  seus  antepassados,  imitando  os  bons,  e  dos  «naos  fugindo  sempre. 
Recopilemos  o  multo,  e  o  melbor  que  se  diz  d'islo,  reduzindo  a  tìlulos 
de  algumas  Genealogìas,  o  que  d'ellas  póde  ser  de  maior  utilidade,  e 
iinita^ao  commua. 

TITULO  I 

Dos  Velhos,  Cabraes,  Mellos,  e  Travassos,  Soares  de  Albergarla^ 

e  Sùusas. 

133  Jà  d'estas  familias  tratamos  no  liv.  4  cap.  2,  e  3,  e  no  liv.  5 
cap.  1,  e  as  mais  das  casas  nobres  d'estas  duas  Ilhas  de  Santa  Maria,  e 
Sic  Miguel  se  acharào  ligadas  com  as  ditas  primeiras  familia.^:  e  o  mes- 
ino  consta  dos  Soares  de  Albergarla,  e  Sousas;  porque  o  primeiro  clia- 
inado  Soares  traz  o  nosso  Conde  D.  Fedro  fol.  133,  de  que  nasceo  I). 
^'iro,  pai  do  D.  Ufo  Soares  Belfazer,  de  que  nasceo  Ufo  Ufes  Soares, 
Govemador  da  Beira,  Conde  de  Vizeu,  Vieira,  e  terra  de  Basto,  do  quaf 
nasceo  Santa  Senhorinha,  que  morreo  em  972.  Monja  de  Sào  Itento;  e 
•ogo  esles  mesmos  Soares  se  cliamarao  de  Scusa,  dos  quaes  o  primein> 
fol  D.  Egas  Gomes  de  Sousa,  bisneto  do  Conde  D.  Gocoy,  irmào  da  dita 
Santa  Senhorinha,  e  por  nascer  na  terra  do  rio  Sousa,  e  a  conquistar 
w  Mouros,  tomou  de  Sousa  o  appellido,  comò  dos  mesmos  Soares,  e 
de  outra  terra  loraarao  o  nome  de  Soares  de  Albergarla;  e  d'estes  Sou- 
sas, que  de  anles  erao  Soares,  veio  depois  Dom  Mem  Garda  de  Sousa, 
^  que  nascerao  duas  filhas,  huma  foi  D.  Constanfa  Mendes  de  Sousa, 
da  q«al  veio  està  linha  de  Sousas  até  Ilenrique  de  Sousa.  primeiro  Con- 
^  de  Miranda,  de  que  nasceo  Diogo  Lopes  de  Sousa,  segundo  Conde^ 


238  KISTORIA  INSULAI9A 

€  d'este  0  primcìro  Marqaez  de  Arronches,  e  seu  Irmaro  o  Cardeal  D*  Luis 
de  Sousa,  Arcebispo  de  Lisboa,  e  Capellao  mór  d'el-Rei  D.  Fedro  IL  A 
outra  filha  deDom  Mem  Garda  de  Sousa  foi  D.  Maria  Mendes  de  Sou- 
sa,  qiie  casou  com  Dom  Louren^o  Soares  Valladares,  de  que  nasceo  D. 
I^es  Lourenco  de  Sousa,  que  casou  oom  Martim  Affouso,  chamado  o 
Cliichorro,  flllio  d'el-Rei  D.  Affonso  III  de  Portugal,  e  assim  continuoa 
està  segunda  linha  de  Sousas  ale  Femao  de  Sousa,  senhor  de  Gouvea, 
que  casou  com  D.  Felippa  de  Mei  lo,  e  seu  neto  Femao  de  Sousa  Go- 
vernador  de  Angola,  e  pai  de  D«  Diogo  de  Sousa,  Arcebispo  de  Evora, 
e  Thomé  de  Sousa,  Alcaide  mór  de  Villa  Vi(osa,  de  que  nasceo  o  Arce- 
bispo de  Braga,  e  depois  de  Lisboa,  e  seu  irm3o  FernSo^de  Sousa,  pai 
de  Thomé  de  Sousa,  Ctnde  de  Redondo.  E  d'estas  iUuslres  familias  bas- 
ta està  breve  noticia. 

136  Dos  Melios  so  advirto,  que  o  primeiro  d'este  appellido  foi  D. 
Mcm  Soares  de  Mello,  (comò  se  ve  no  Conde  D.  Fedro  Ut.  45)  filho  de 
D.  Soeiro  Reymondo,  de  Riba  de  Vizella;  o  qual  Mello  era  casado  confi 
D.  Tareja  Affonso  Gatta,  filha  de  Affonso  Pires  Gatto,  filho  de  Fedro  Nu- 
nes  Velho,  que  era  filho  de  Nuno  Soares  Velho,  (assim  se  ligarao  sem- 
pre entre  si  estas  familias:)  de  Mem  Soares  de  Mello,  nasceo  Affonso 
Mendes  de  Mello,  que  casou  com  Dona  Ignez  Vasques  da  Cunha,  e  d'es- 
tes  nasceo  Martim  Affonso  de  Mello,  casado  com  D.  Marinha  Vasques, 
filha  de  Eslevao  Soares  o  Velho,  senljor  de  Albergaria;  (e  d'aqui  veio  o 
appellido  de  Soares  de  Albergaria)  do  tal  Martim  Affonso  de  Mello  nas- 
ceo outro  do  mesmo  nome,  senhor  da  Villa  de  Mello,  de  que  houve  mais 
descendentes:  do  primeiro  Martim  Affonso  de  Mello  nasceo  mais  Vasco 
Martins  de  Mello,  Guarda  mór  d'el-Reì  D.  Fernando,  e  Alcaide  mór  de 
Evora,'  que  primeira  vez  casou  com  Teresa  Correa,  filha  de  Goncalo  Co- 
mes de  Azevedo  Correa,  de  que  nasceo  Gonzalo  Vaz  de  Mello,  avo 
de  Fedro  Vaz  de  Mello  Conde  da  Ataiaya,  e  pai  de  D.  Leonor  de  Mello, 
que  casou  com  D.  Alvaro  de  Ataide,  filho  de  D.  Alvaro  Gonc^lves  de 
Atayde,  primeiro  Conde  de  Atouguia. 

437  Do  mesmo  Vasco  Martins  de  Mello,  e  de  sua  segunda  mulher 
D.  Maria  Affonso  de  Brito  nasceo  outro  Martim  Affonso  de  Mello,  Guar- 
da mór  dei-Rei  Dom  Jo3o  I,  e  Alcaide  mór  de  Evora,  e  Olivenca,  que 
casou  primeiro  com  D.  Brites  Pimentel,  filha  de  Joao  Affonso  Pimentei, 
primeiro  Conde  de  Benaiyente;  e  do  tal  primeiro  matrimonio  nasceo  ou- 
tro Martim  Affonso  de  Metlo,  de  que  nasceo  D.  Rodrigo  de  Mello,  Conde 


Liv.  V  m.  i  239 

de  Olivenca,  e  d'este  nasceo  D.  Felippa  de  Mello,  que  casou  com  D.  Al- 
varo de  Braganc^,  fillio  do  segando  Duque,  e  nelo  do  primeiro  Infante 
D.  AITonso,  filho  dei-Rei  D.  Joao  I  ;  e  do  dito  D.  Alvaro  nasceo  D.  Ro- 
drigo de  Mello,  primeiro  Marquez  de  Ferreira,  e  d'este  nasceo  D.  Fran- 
cisco de  Mello,  segundo  Marquez,  que  casou  com  D.  Eugenia,  filha  do 
Duque  de  Braganca  D.  Jayme;  e  d'este  D.  Francisco  de  Mello,  segundo 
Marquez,  nasceo  D.  Alvaro,  lerceiro  Marquez,  que  foi  pai  de  D.  Fran- 
cisco de  Mello,  quarto  Marquez,  de  que  nasceo  D.  Nuno  Alvar'ez  Pereira 
de  Mello,  quinto  Marquez  de  Ferreira,  e  primeiro  Duque  do  Cadaval, 
que  casou  tres  vezes;  primeira  com  liuma  filha  do  Conde  de  Odemira, 
de  que  Ihe  ficou  Imma  filha,  a  quem  o  Duque  herdou,  por  Ihe  morrer 
pupilla:  segunda  vez  casou  com  huma  Princesa  da  Casa  de  Lorena,  de 
que  Ihe  ficou  outra  filha,  que  casou  com  o  Marquez  de  Fontes:  lerceira 
vez  cnsou  com  huma  sobrinlia  dei-Rei  de  Franca,  de  que  o  primeiro  fi- 
lho casou  com  a  Infante  a  Senhora  D.  Luiza,  filha  dei-Rei  D.  Pedro  II 
de  Portugal,  de  que  nao  teve  filhos,  e  morrendo,  casou  o  segundo  filho 
0  Duque  D.  Jayme  com  a  viuva  de  seu  irmao,  e  tambem  nào  tem  filhos 
d'ella. 

i'ÌS  Do  sobredito  D.  Alvaro  de  Bragan(;a,  tronco  dos  Marquezes  de 
•  Ferreira,  e  Duqnes  do  Cadaval,  nascerao  mais  varias  filhas,  huma  das 
qiiaes  cason  com  D.  Francisco  de  Portugnl,  primeiro  Conde  do  Vimioso, 
de  que  nasceo  o  segundo  Conde  D.  Afl'onso  de  Portugal  ;  e  outra  filha 
do  dito  D.  Alvaro  casou  com  o  Infante  D.  Jorge  de  Lancastro,  filho  dei- 
Rei  I).  Joao  II,  e  primeiro  Duque  de  Aveiro,  de  que  nasceo  o  segundo 
Duipie  D.  Joao  de  Lancastro,  e  deste  o  terceiro  Duque  D.  Alvaro,  de 
qne  nasceo  o  quarto  Duqne  de  Aveiro,  e  d'este  o  quinto  Duque  D  Ray- 
«inndo,  que  foi  para  Castella,  e  morreo  sem  descendencia,  e  Ihe  succe- 
deo  no  Ducado,  por  sexlo  Du(|ue  de  Aveiro,  D.  Pedro  de  Lancastro,  ir- 
rogo legiiimo  do  quarto  Duque,  e  Inquisidor  Cerai,  Arc«bispo  de  Lisboa, 
cnia  legitima  irma  casou  com  o  Conde  de  Portalegre,  de  que  nasceo  D. 
Joào  (la  Silva,  Marquez  de  Gouvea,  e  D.  Frei  Alvaro,  Bispo  Conde  de 
Coimbra,  e  D   Juliana  de  Lancastro  Condessa  de  S.  Cruz. 

139  Nasceo  mais  do  sobredito  Martim  Afibnso  de  Mello,  (av6  d'a- 
Wlle  Conde  de  Olivenga  D.  Rodrigo  de  Mello)  e  de  sua  segunda  mu- 
fiep  D.  Briolanja  de  Sousa,  nasceo,  digo,  Joao  de  Mello,  Copeiro  mór 
del- Rei  D.  AfTonso  V,  e  Alcaide  mór  de  Serpa,  de  que  nasceo  primeiro 
0  Porleiro  mór  Alcaide  mór  de  Serpa  ;  segundo,  o  Monleiro  mór  Jorge 


140  HISTORIA  INSITLANA 

de  Mello,  que  casou  C(Hn  D.  Margarida  de  Mendoga,  Glha  de  Diega  de 
Mendo^a,  Àlcaide  mór  deMourSo,  eirmao  da  segunda  mulher  doDuque 
de  Bi  aganga  D.  Jayme;  e  etn  terceiro  lugar  Dasceo  D.  Leonor  de  Mello» 
que  casou  com  Nudo  Barre to,  Alcalde  mór  de  Faro,  e  destes  oasceob. 
Isabel,  que  casou  com  D.  Alvaro  de  Castro  o  do  Torrao,  dosquaes  nas- 
ceo  D.  Leonor  de  Castro»  que  seudo  Dama  da  Emperatrìz  D.  IsabeU  e 
doEmperador  Carlos  V,  casou  com  o  Duque  de  Gandia,  que  viuvo  d'ella 
professou  a  Beligilio  da  Companliia  de  Jesus,  e  D'ella  morreo  santissima- 
mente, e  foi  terceiro  Geral  d'ella,  e  he  Santo  canonizado  S.  Franciscfl 
de  Borja,  de  que  descendem  muitos  Principes. 

140  Item,  nasceo  do  dito  Joào  de  Mello,  Copeiro  mór  d*el-Rei  D. 
AfTonso  Y,  nasceo  Garda  de  Mello,  Akaide  mór  de  Serpa,  e  deste  nas- 
ceo D.  Jorge  de  Mello,  que  depois  se  fez  Ecclesiastico,  e  foi  Abbade  de 
Alcoba(;a,  eBispo  da  Guarda,  de  quem  foi  fìllio  D.Antonio  de  Mello,  qoe 
casou  com  D.  Joanna  da  Silva,  sua  prima;  e  destes  nasceo  D.  Jorge  ufi 
Mello,  que  casou  com  D.  Maria  da  Cunha,  Qlha  de  Cliristovao  de  Meila^ 
Porteiro  mór  del- Rei  D.  Joao  III,  de  que  nasceo  D.  Antonio  de  Melk), 
do  Consellio  dei-Rei  por  Portugal  em  Madrid,  que  casou  com  D.  Fraii* 
cisca  lleiiriques,  e  d'estes  nasceo  D.  Jorge  de  Mello,  que  com  oMarqnez 
de  Ferreira  acclamou  em  Evora  a  El-Rei  D.  Joào  IV,  levando  a  Bandei- 
ra,  e  foi  Mordomo  da  Rainlia  D.  Luiza;  e  casou  com  D.  Margarida  de 
lavora,  fillia  de  Pedro  Guedes,  Estribeiro  mór,  Governador  da  Casa  da 
Porto,  e  senlior  de  Morsa;  e  este  teve  os  lìlhos  segninles:  D.  Joseph  dti 
Mello,  que  depois  de  militar  em  Alem-Tejo,  e  indo  beni  de^pachado  para 
a  India,  na  viagem  se  mctteo  Religioso  da  Conipanhia  de  Jesus,  aoa<ltì 
depois  morreo  coni  opiniào  de  Santo;  item,  D.  Joào  de  Mello,  que  depoii 
de  Bispo  d'Elvas,  e  de  Vizeu,  morreo  Bispo  Conde  de  (^oimbra  com  fa- 
ma conslante  de  grande  esmoler,  e  de  exemplarissimas  virtudes  ;  item, 
D.  Pedro  de  Mello,  Governador  do  Maranhào,  que  deixou  por  filhos  le- 
gitimos  a  U.  Antonio  de  Mello»  casado  com  D.  Joanna  de  Mendoca  inua 
do  Estribeiro  mór,  e  senhor  de  Mursa;  Luis  Guedes  de  Miranda  e  Li- 
ma, fillio  de  Peilro  Guedes,  Estribeiro  mór  del-Uei  D.  Joào  IV,  erde 
D.  Maria  de  Meiidofa,  irmà  de  Luis  de  Mendoga  Viso-Rei  da  India;  e  a 
D.  Francisco  de  Mello  casado  na  Beira  ;  e  a  0.  Luis  Joseph  de  Me 
Maltez;  e  a  U.  Joseph  de  Mello,  Ecclesiastia),  da  Junta  dosTres  Est 


LIVRO  V  TIT.  II  241 

TITOLO  II 

Dos  Cameras,  e  Betencores. 

Ut  Assim  corno  vimos  jà  no  liv.  3  a  illustre  famllia  dos  Cameras 
multiplicada  nao  so  em  a  Capitania  do  Funchal,  mas  tambem  na  de  Ma- 
chia), e  na  da  Uba  de  Porto  Santo;  assim  agora  a  veremos  extendida 
Dio  so  por  toda  a  Uba  de  Sao  Miguel,  mas  tambem  pela  de  Santa  Ma- 
ria, e  mais  Ilbas;  que  se  os  Reis  soberanos  se  nao  desprezao  de  se  ser- 
w  em  seus  Reinos  de  seus  proprios  parcntes,  e  comò  a  taes  os  tratao, 
e  nomeao,  menos  devem  desprezar-se  os  Capitaes  de  se  servirem  de  seus 
parentes,  e  comò  a  taes  os  tratarem;  quando  até  com  vassallas  suas  ca- 
savio  os  Reis  antigamente,  e  entao  melhor  conservavao  em  sua  nacao 
seus  Reinos,  e  os  livravao  de  serem  conquistados  de  outros  Reis:  e  por 
isso  perguntando  bum  dos  Capitaes  de  Sio  Miguel,  de  quem  se  bavia 
servir  na  dita  Uba  em  occasioes  de  guerra,  respondeo,  que  de  seus  pa- 
rentes, de  que  a  Uba  estava  cbeia. 

142  Vejamos  pois  agora  està  verdade.  Certo  be,  que  o  terceiro  Ca- 
pitào  de  Sao  Miguel  Rui  Goncalves  da  Camera,  (sendo  legitìmo  filbo  do 
primeiro  Capi  tao  do  Funcbal  Joao  Gongalvcs  da  Camera  o  Zargo)  com- 
tndo  nem  Qlbo  algum  legitimo,  nem  legitima  filha  leve:  mas  illegilimos 
leve  muitos:  além  do  primeiro,  Joao  Rodriguez  da  Camera,  que  em  quar- 
to Capitao  Ibe  succedeo,  teve  por  segundo  filbo,  Antao  Rodriguez  da 
Camera,  que  casou  com  Dona  Catbarina  Ferreira,  Dama  da  Duqueza  de 
Bragaoca,  e  d'este  segundo  Albo  n3o  so  nasceo  Rui  Pereira  da  Camera, 
<pie  morreo  solteiro,  mas  tambem  D.  Mecia,  que  ficou  com  bom  mor- 
gado  em  Ribeira  Grande,  e  abi  casou  com  D.  Comes  de  Mello,  Albo  de 
D.  Diego  de  Mello,  e  de  D.  Maria  Manoel:  e  d'estes  nasceo  D.  Francis- 
co Manoel,  que  voltando  da  India  succedeo  no  morgado,  e  casou  com 
buma  filba  do  nobre  Francisco  Carneiro  em  Sao  Miguel,  de  que  ficarao 
fflbos:  nasceo  mais  Dom  Manoel  de  Noronba,  morto  sem  fillios  em  Afri- 
ca, e  D.  Rodrigo  de  Mello,  que  tambem  sem  filbos,  e  em  Africa  morreo 
oabatalba  d'el-Rei  D.  Sebastiao,  e  D.  Maria  Manoel,  Dama  da  mai  do 
loesmo  Rei  D.  Sebastiao,  com  a  qual  foi  para  Castella. 

143  Do  mesmo  Antao  Rodriguez  da  Camera  nasceo  D.  Maria  da 
Camera,  que  casou  com  Joao  Nunes  Velbo,  filbo  de  Duarte  Nunes  Velbo, 
do  qual  casamento  bouve  a  descendencia  em  Sao  Miguel,  e  em  Santa 

VOL.  1  IG 


242  lIISTOniA  INSULA.NA 

Maria,  que  acima  so]  vio  jà:  nasceo  mais  D.  Guimar  da  Camera,  qne  ca- 
sou  com  Paulo  Cago,  do  quo  nas^,eo  Ruy  Cago  da  Camera,  que  casou 
com  D.  Isabel,  ou  Francisca  de  Oliveira,  de  qne  nasceo  oiilro,  e  tercei- 
ro  Ruy  Cago  da  Camera,  que  casou  com  I).  Anna  de  Bctcncor,  filha  de 
Braz  Barbosa:  e  d'cstos  nasceo  Concaio  da  Camera,  Alferos  mór,  e  D. 
Barlìara  da  Camera,  quo  casou  com  o  Licenciado  Duarle  Ncym3o;  e  do 
sobredito  [)rimeiro  lUiy  Cago  da  Camera  nasceo  tambem  Paulo  Cago  da 
Camera,  quo  casou  com  D.  Isabel  do  Medoiros,  filha  de  Hieronymo  de 
Araujo,  fidalgo  de  Villa  Franca;  dos  quaos  nasceo  Pedro  Cago  da  Ca- 
mera, que  casou  com  Maria  da  Costa,  (Uba  do  Antonio  da  Costa,  de  Ri- 
beira  Grande:  e  do  mesmo  Paulo  Gago  nasceo  mais  Hieronymo  de  Arau- 
jo da  Camera,  que  casou  com  huma  filha  de  Luiz  Leìte,  de  Ponta  Del- 
gada:  e  d'esles  nasceo  Manoel  da  Camera,  que  c^asou  com  Margarida  Ca- 
brai, e  forao  pais  de  oulro  Manoel  da  Camera,  (que  casou  com  Isabel  Co- 
bes)  e  de  Maria  Leite,  que  casou  com  Manoel  Pereira  da  Sìlvoira,  nobre 
Cidadao  de  Ponta  Delgada,  irmao  do  Padre  Joao  Pereira  da  Companhia 
de  Jesus,  e  fillios  ambos  de  outro  Cidadao  Antonio  Pereira  d'jElvas,  e 
de  sua  legitima  mulher  Apollonia  da  Silveira. 

144  0  mesmo  torcoiro  Capitilo  Rui  Gonc^-ìlvcs  da  Camera  le^'e  por 
tcrceiro  fillio  a  Podro  Rodrigucz  da  Camera,  que  casou  com  D.  Maria 
de  Betencor  e  Sa,  de  que  (fura  ciuco  (juc  morreifio  soltoiros)  nasceo  Ilen- 
rique  de  Betencor  e  Sa,  que  casou  com  I>.  Simoa,  filila  de  Ballhezar  Vaz 
de  Sousa,  e  de  Dona  Leonor  Manuel  em  Uibeira  Grande,  dos  quaes  nas- 
ceo Manoel  da  Camera,  (pie  casou  com  D.  Maria,  fdlia  de  Ruy  Gago,  e 
liverao  fillios:  nasceo  mais  Ruy  Gonralvos  da  Camera,  que  casou  com  D. 
Luiza,  filha  de  Hieronymo  Jorge,  e  de  I).  Brites  de  Viveiros,  de  que 
nasceo  Simao  da  Camera,  que  casou  com  I),  Cecilia  Ramalha,  filha  de 
Francisco  Ramalho,  e  de  Leonor  Nota,  de  que  nasceo  Valentim  da  C-a- 
mera, que  casou  com  D.  Joanna  de  Sa,  filha  de  Simao  Lopes,  e  de  D. 
Maria  de  S.ì,  dos  quaes  nasceo  huma  unica  filha  D.  Maria,  que  casou 
porém  duas  vezes:  primeira,  com  Manoel  Rcbello  de  Castel lobranco,  fi- 
llio do  Capitao  Ballhezar  Rebello  de  Sousa;  e  segunda  vez  com  André 
da  Ponte,  fillio  de  Bartholomeu  do  Quental,  e  de  Meliciana  Qiiental,  e 
de  anihos  estcs  maridos  teve  a  dita  I).  Maria  filhos;  ilem,  nasceo  do  di- 
to Simao  da  Camera,  segundo  filho  Manoel  da  Camera,  Sargento  mór, 
que  casou  coni  D.  Maria  Coulinha,  filha  de  Joao  de  Frias,  e  de  D.  Bri- 
tes IVreira,  liiha  de  D.  Joao  Pereira,  nolo  do  Conde  da  Feira:  nasceo 


Liv.  V  TU.  n  243 

mais  do  sobredito  Simao  da  Camera,  outro  tcrceiro  fillio  do  mesmo  no- 
me, e  quarto  filho  Rodrigo  da  Camera,  e  ambos  estes  deixarào  filhos  em 
Ribeira  Grande. 

145    Do  mesmo  Pedro  Rodriguez  da  Camera,  lerceiro  filho  do  ler- 
ceiro  Capitao  Donatario  Rni  Gonfalves  da  Camera,  nasceo  mais  Joao  Ro- 
driguez da  Camera,  que  morou  na  Acbada  Grande,  e  era  Commendador 
de  Estrinta  na  Serra  da  Eslrella,  o  casoii  duas  vezes;  primeira  com  D. 
Mena,  fillia  do  Contador  Martim  Vaz  de  Bulliao;  segunda  vez  casou 
com  D.  Catharina  na  dita  Serra  da  Estrella,  e  d'este  segando  matrimo- 
nio ainda  que  houve  filhos,  nHo  ficou  d'ellos  descendencia;  poròm  dopri- 
meìro  matrimonio  nasceo  Rcrnardim  da  Camera,  que  casou  na  Villa  de 
Nordeste,  com  D.  Luzia  Brandoa,  filila  de  Manoel  Dias  Brandào,  e  de  An- 
na Alfonso,  e  d'estes  nasceo  Dona  Maria  da  Camera,  que  casou  a  pri- 
meira vez  com  Antonio  de  Brum  da  Silveira,  e  seus  filhos  nao  deixarào 
descendencia;  e  a  segunda  com  Antonio  Borges  da  Costa,  de  que  nas- 
ceo Duarte  Borges  da  Camera,  que  casou  com  Dona  Maria  de  ^rias,  de 
qne  nao  houve  filhos;  e  nasceo  mais  D.  Maria  da  Camera,  que  casou 
com  Gaspar  de  Medeiros  de  Sousa,  dos  quaes  nasceo  Gaspar  de  Medei- 
ro8  da  Camera,  que  casou  com  D.  Maria,  filha  de  Miguel  Lopes,  e  de 
D.  babel  do  Canto;  e  erafim  do  dito  Pedro  Rodriguez  da  Camera  nas- 
ceo tambem  D.  Francisca,  quo  casou  cm  Lisboa  com  D.  Antonio  de 
Soosa,  irm3o  do  Conde  do  Prado,  de  que  nasceo  Dom  Dinis  de  Sousa, 
com  filhos  li  no  Beino,  e  a  fazenda  cà  em  Sao  Miguel. 

146  Nasceo  mais  do  mesmo  tcrceiro  Capitao  Ruy  Gonfalves  da  Ca- 
mera, D.  Brites  da  Camera,  que  casou  com  Francisco  da  Cunha  e  Albu- 
qoerque  tinha  chegado  da  India,  emuitorico,  ed'estes  nasceo  D.  Guimar 
di  Conila,  que  casou  com  o  terceiro  Capitao  Donatario  de  Santa  Maria 
Wo  Soares  de  Sousa,  corno  jà  se  vio  no  liv  iv,  cap.  8  do  terceiro  Ca- 
piBo  Donatario  da  dita  Rha,  e  da  muita  descendencia  que  d'elle  houve, 
blinda  ha.  E  està  he  a  copiosa  descendencia  que  da  illustre  familia  dos 
(^ras  ficou  em  estas  Uhas,  porque  n'ellas  nao  sei  que  dos  seguintes 
CipltSes  Cameras  ficasse  alguma  outra  descendencia  nas  dilas  duas  Ilhas, 
alTofllhas  Freiras  que  em  S.  Miguel  cntrarao,  e  morrereo  muitas,  e 
com  nao  menores  rcsplandoi^es  de  virtudes,  que  de  seu  illustre 


i46    Da  illustre  familia  dos  Betcncores  descubrimos  o  seu  tronco 
^  liv.  II  cap.  3,  ondo  vimos,  que  bum  grande  Ahnirante  de  Franca  foi 


344  HISTORIA  INSULANA 

0  prìmeiro  Gatbolico  que  conquistoo  tres  Ilbas  nas  Canarias,  anno  de 
1417,  e  foi  legìUmo  Rei  das  taes  Ganarìas,  e  se  cbamava  Mussen,  ou 
Ruben»  de  Barcamonte,  e  por  sua  morte  ibe  saccedeo  na  Coroa  seo  so- 
brìnbo  Hossen  Jo3o  de  Betencourt,  oa  Betencor,  que  conquistoo  a  quar- 
ta Uba  das  Canarias,  e  por  nio  poder  conquistar  a  principale  cbamada 
a  Gram  Csinaria,  vendeo  as  quatro  que  tinba  ao  nesso  Serenissimo  In- 
fante D.  Hen(ique  por  certas  Tazendas,  e  rendas  que  Ibe  deo  na  flba  da 
Madeira,  (quo  jk  depois  das  Qanarias  se  tinba  descoberto)  e  para  ella 
jé  sem  0  Reinado  se  mudou  o  dito  Betencoort,  segundo  Rei  das  Cana- 
rias, (de  cuja  deseendencia  agora  tratamos)  Filba  legitima  d*este  segun- 
do Rei  das  Canarias  era  Di  Maria  de  Betencor;  que  com  elle  tinba  ido 
de  Franca  para  ellas,  e  vindo  d*ellas  para  a  Madeira,  casoa  com  Boy 
Goncalves  da  Camera,  filbò  legitimo  do  prìmeiro  Capitao  do  FuncbaI,  e 
que  foi  0  terceiro  CapitSo  de  S.  Miguel,  mas  porque  d*esle  matrimonio 
nio  bouve  deseendencia  alguma,  e  a  varonia  dos  Betencores  se  continuou 
e  dura  ainda,  de  bum  legitimo  irmSo  da  dita  D.  Maria,  e  estas  duas  ìl- 
lustres  familias  de  Cameras,  e  Betencores  comecario  logo  tio  Uadas  por 
isso  as  ajuntamos  aqui. 

148  Do  tal  pois  segundo  Rei  das  Canarias  Mossen  Jo3o  de  Beten- 
cor, nascerio  Mici  Maciot  de  Betencor,  e  a  dita  D.  Maria  de  Betencor, 
mulber  do  terceiro  CapitSo  da  Uba  de  S.  Miguel,  e  ambos  nascidos  ain- 
da em  Franca  de  mulber  com  quem  U  tinba  casado  o  dito  s^undo  Rei 
das  Canarias,  comò  tambem  de  Franca  tinba  vindo  ji  casado  o  tal  irmSo 
da  dita  D.  Maria.  De  Mici  Maciot  de  Betencor  nasceo  na  Madeira  Gas- 
par  de  Betencor,  que  casou  com  D.  Guimar  de  Sa,  Dama  do  Beai  Paco 
de  Portugal,  filba  de  Henrique  de  Sé,  do  Porto,  de  que  descendem  os 
illustres  Marquezes  de  Fqntes,  e  prima  coirmi  de  D.  Violante  Condeca 
da  Castanbeira,  e  este  Gaspar  de  Betencor  foi  o  sobrinbo,  que  a  tia  D. 
Maria  cbamou  para  S.  Miguel,  e  fez  morgado  n'elle,  por  n3o  ter  Tilbos 
de  seu  marido  Buy  Goncalves  da  Camera,  terceiro  Capitio  Donatario  de 
S.  Miguel. 

149  D*este  pois  Henrique  de  Betencor  nasceo  o  primeiro  6Ibo  va- 
rio Jo3o  de  Betencor  e  Sé,  que  casou  em  S.  Uiguel  com  Guimar  Gon- 
calves, filba  de  Concaio  Vaz,  o  moco  chamado  o  Andrinbo,  e  de  boma 
filba  de  Fedro  Cordeiro,  da  famìlia  dos  Cordeiros,  de  que  Irataremos 
em  seu  lugar  abaixo;  e  do  tal  Joio  de  Betencor  e  Si  nasceo  primeiro  fi- 
^ho  Francisco  de  Betencor  e  Sa,  senbor  das  Saboarias  da  Madeira,  pan 


LIV.  V  TIT.  II  245 

onde  tinba  voltado  de  S.  Miguel,  casado  jà  com  D.  Maria  da  Costa  e 
Medeiros,  fiiba  de  Diogo  Alfonso  Colombreiro;  e  d*estas  familias  abaixo 
bilaremos.  Do  tal  Francisco  de  Betencor  nasceo  André  de  Betencor  e 
Si»  quo  casou  com  D.  Isabel  de  Aguiar,  grande  fidalga  da  Madeira,  fi- 
iba de  Bay  Dias  de  Aguiar,  e  de  D.  Francisca  de  Abreu  ;  e  do  tal  An- 
dré de  Betencor,  e  da  dita  sua  mulber  nascerlo  primeiro  Francisco  de 
Betencor,  segundo,  Buy  Dias  de  Aguiar,  e  ambos  morrerao  sem  flibos, 
e  snccedeo  na  casa  o  terceiro  filbo  Gaspar  de  Betencor  e  Sé,  a  quem 
logitimamente  succedeo  seu  Albo  Francisco  de  Betencourt  e  Sé,  que  ca- 
sca com  D.  Anna  de  Aguiar,  dos  quaes  nasceo  D.  Gaspar  de  Betencurt, 
moco  fidalgo  da  Gasa  Beai,  que  casou  com  D.  Margarida  de  Miranda,  e 
d*estes  nascerSo  primeiro  D.  Manoel  de  Sé,  que  se  fez  Clerigo,  e  assim 
norreo,  segundo  D.  Bartbolomeo  de  Sé,  que  casou  e  morreo  sem  filbos, 
terceiro  D.  Francisco  de  Betencurt  e  Sé,  que  foi  Beligioso  professo  da 
Companbia  de  Jesus,  e  morreo  pregando  em  S.  Boque  de  Lisboa  com 
grande  exemplo  de  virtudes,  e  de  por  servir  a  Deos;  desprezar  a  gran- 
de casa  de  seus  pais,  e  foro  que  tinba  na  Casa  Beai,  conforme  ao  de 
seos  pais,  e  avós;  e  ultimamente  se  seguio  na  casa  D.  Bernardo  de  Be- 
tencurt e  Sé,  que  ainda  eslé  solteiro;  e  por  varonia,  sempre  legitima,  e 
ijlostre,  be  oitavo  neto  do  segundo  Rei  das  Canarias  Betencurt. 

ISO  Muitas  outras,  e  muito  nobres  familias  samrao  da  dita  linha 
dos  laes  Betencores,  que  se  tem  tocado,  e  tocar3o  em  seus  lugares,  por- 
qae  do  primeiro  Gaspar  de  Betencor,  neto  do  dito  Bei  das  Canarias, 
nasceo  tambem  Henrique  de  Belencor,  fidalgo  da  casa  d*el-Rei  D.  Ma- 
noel, cujas  filbas  casario  assim  em  Lisboa,  comò  em  Castella,  com  D. 
Abaro  de  Luna,  fillio  de  D.  Fedro  de  Gusm3o  ;  comò  tambem  em  S. 
Vigoel  com  os  Barbosas  Silvas,  e  com  os  Gagos  da  Camera.  Nasceo  mais 
Gaspar  de  Perdomo,  que  casou  com  Brites  Velba,  dos  primeiros  Yelhos 
OAraes;  do  qual  casamento  nasceo  D.  Simoa,  que  casou  com  D.  Jo3o 
hnm,  bisneto  do  Conde  da  Feira,  aonde  depois  casario  os  Frias.  Item 
nasceo  D.  Margarida  Betencor,  que  casou  com  Fedro  Rodriguez  da  Ca- 
n^,  comò  vimos  em  os  Cameras.  E  emfìm  nasceo  D.  Guimar  de  Sé, 
qoe  casoQ  com  Antonio  Zuzarte  de  Mello,  fidalgo  de  Evora;  de  que  hou- 
^  illostre  descendencia.  £  d'aquelle  Joao  de  Betencor,  Bisneto  do  dito 
Bei  das  Canarias,  nasceo  Sim3o  de  Betencor,  pai  de  Antonio  de  Sé,  que 
casco  com  D.  Felippa  Pacheca,  filha  de  Fedro  Pacheco,  e  neta  do  pri- 
ntóro  Antao  Pacbcco;  mais  nasceo  D.  Margarida  de  Sé,  que  casou  com 


246  IlISTOUU  INSl'LANA 

Gaspar  do  Rogo  Baldaxa,  do  quo  descedem  os  Regos.  E  emfim  d'aquel- 
le  André  de  Betencurt,  quarto  nelo  do  sobredito  Rei,  nasceo  D.  Maria 
de  Agiiiar,  que  casou  com  Manoel  Alvares  Ilomem,  de  que  nasceo  Fran- 
cisco de  Betencor,  que  casoa  com  D.  Maria  Rebella  ;  e  d'esles  nasceo 
Joao  Borges  de  Betencor,  que  casou  coro  D.  Calharina  da  Camera,  fdha 
de  Ruy  Cago  da  Camera,  e  de  D.  Anna  de  Betencor. 


*  TITULO  in 
Dos  GagoSy  Raposos,  Ponles,  Dicudos,  Correas,  Pachecos, 

151  De Beja  velo  para  S.  Miguel,  no  principio  do  descubrimenlo  d'es- 
tà Uba,  bum  conbecido  fidalgo,  cbamado  Rui  Vaz  Cago  por  alcunha  o  do 
Irato,  pelo  grande  contrato  que  tinba  com  o  Beino;  veio  jà  casado,  com 
huma  fidalga,  cbamada  Catbarina  Comes  Raposa,  e  era  filbo  de  Louren- 
CO  Anes  Cago,  fidalgo  tambem  de  Beja,  e  irmao  de  Eslevao  Rodrìguez 
Cago,  pai  de  Luis  Cago,  que  com  o  primo  Rui  Vaz  Cago  veio  para  està 
liba,  e  d'estes  dous  primos  veremos  com  dislincgao  a  desccndencia.  Luis 
Cago  casou  na  Uba  com  Branca  Affonso  da  Costa,  fidalga  dos  Colom- 
brciros:  era  Capitao  em  Ribeira  Grande,  e  tao  rico  jà,  que  a  cada  buma 
das  muitas  filbas  que  leve,  deo  em  dote  vinte  moios  do  trigo  de  renda 
cada  anno,  quo  boje  rendem,  e  valem  dobrado:  d'elle  nasceo  Paulo  Ca- 
go, que  casou  com  Guimar  da  Camera,  filba  do  Anllio  Rodriguez  da  Ca- 
mera, de  que  ja  acima  Iralàmos:  e  d'este  Paulo  Cago  nasceo  Rui  Cago 
da  Camera,  Capilao-mór  de  Ribeira  Grande,  do  que  nascilo  oulro  Rui 
Cago  da  Camera,  de  que  nascerào  Gouralo  da  Camera,  Alferes-raór,  e 
D.  Catbarina,  casada  com  Joao  Ror[.:o$  de  Bolencor,  e  oulra  filba  casada 
com  Sebasliao  Borges  da  Silva,  Lealdador  mór;  e  dos  desta  linba  de 
Luis  Cago,  e  Branca  Afi*onso  bouve  mais  desccndenlcs  quo  deixo. 

152  Do  outro  primo  Rui  Vaz  Cago,  e  de  sua  mulber  Catbarina 
Comes  Raposa  nasceo  primcira  filba  Isabel  Rodriguez  Raposa,  que  ca- 
sou com  bum  N.  de  Abreu,  fidalgo  do  Reino,  cuja  filba  Anna  dcAbreu 
casou  com  Pedro  de  Azurar,  Estribeiro-mór  do  Senbor  Dom  Jorge,  Du- 
que  de  Aveiro.  Segunda  filba  foi  1).  Mccia,  ou  Maria  Raposa,  que  casou 
com  Estevào  Nunes  de  Atouguia  em  Porlugal,  de  quo  nasceo  D.  Catba- 
rina, que  casou  com  D.  Diogo  de  Sousa,  Vice-Rei  do  Algarve,  a  qùem 


LIV.  V  TIT.  Ili  247 

pela  mii  ficou  um  morgado  de  cento  e^trinta  e  oìto  moios  de  trigo  de 
rada  cada  anno  cm  a  liha,  e  d'cste  D.  Diego  nascco  D.  Maria  de  No- 
ronba,  que  casou  com  o  Conde  da  Castanheira,  de  que  nasceo  o  Conde 
D.  Ioao  de  Ataide.  Terceira  filila  de  Rui  Yaz  Cago,  e  de  Catharìna  Co- 
mes Raposa  foi  Brites  Rodriguez  Raposa,  que  casou  com  Jacoine  Dias 
Correa,  Cidadao  do  Porto:  dos  quaes  nasceo  Jurdao  Jacome  Raposo,  quo 
primeira  vez  casou  com  Francisca  Rodriguez  Cordeira,  filha  de  Jo3o  Ro- 
driguez Cordeiro,  Feitor  da  Fazenda  Real:  e  segunda  vez  com  Margari- 
da  da  Ponte,  fiIha  de  Pedro  da  Ponte  o  Veiho,  de  Villa  Franca,  e  do  prl- 
meiro  matrimonio  nasceo;[Sebasliao  Jacome  Correa,  que  casou  com  Ignez 
da  Ponte,  fiIha  de  Pcdro  da  Ponic  Raposo,  quo  casou  com  Maria  Car- 
neira,  fillia  de  Antonio  Ricado  Carneiro,  fidalgo  de  Villa  de  Conde,  de 
que  nasceo  Manoel  liaposo  Dicudo,  quo  casou  primeira  vez  com  D,  An- 
na de  Vasconcellos  Lcile,  e  segunda  vez  com  Anna  de  Mcdeiros,  filila 
de  André  Dias,  fillio  de  Gaspar  Dias,  e  d'oste  IManocI  Baposo  nasceo  Pe- 
dro da  Ponte  Bicudo,  que  casou  com  D.  Isabel  Boteiha  de  Sampaio,  de 
?TO  nasceo  Manoel  Raposo  Correa  Bicudo,  e  outros  fillios  e  filhas  Frei- 
ras. 

153  Do  sobredito  Joao  Jacome  Raposo  nasceo  mais  Andrò  Jacome, 
pai  de  Pedro  Jacome,  de  que  nascco  oulro  Pedro  Jacome  Raposo,  que 
por  preferente  tirou  bum  morgado  da  Uba  a  bum  Conde  de  Lisboa.  E 
de  Jacome  Dias  Correa,  e  Beatriz  Rodriguez  Raposa  nasceo  tambem 
D.  Isaliel  Correa,  que  casou  com  Joao  da  Silva  do  Canto,  fidalgo  de  An- 
gra,  de  quo  fallaromos  cm  seu  lugar;  e  nasceo  mais  Barilo  Jacome  Rapo- 
so, que  casou  coni  Calbarina  Simoa,  filba  de  Martim  Simao,  do  lugar 
dos  Altares  da  Uba  Terceira,  de  que  nascco  Ayres  Jacome,  que  casou 
com  Maria  do  Conto,  filba  de  Bras  do  Conto,  de  Angra,  de  que  (além 
de  ires  filb'as  Frciras  na  Esperanca  da  mosma  Angra)  nasceo  Fcrnao 
Correa  de  Sousa,  quo  casou  com  D.  Bornarda  de  Lacerda,  e  d'estes  nas- 
cerao  varios  filbos,  que  morrerao  sem  dosccndencia,  e  D.  Maria  Clara, 
casada  em  Lisboa  com  Julio  Cesar,  e  D.  Teresa,  casada  com  Ileitor  Men- 
des,  e  ambas  tambem  sem  filbos. 

15i  Nasceo  mais  de  Jacome  Dias  Correa,  e  de  Beatriz  Rodrigues 
Raposa,  Calbarina  Comes  Raposa,  quo  casou  com  Manoel  Vaz  Pacbeco, 
fidalgo  de  Villa  Franca,  fillio  de  Tbomé  Vaz  Pacbeco,  e  nolo  de  Pedro 
^'^  Pacbeco,  que  veio  de  Portugal  casada:  da  dita  pois  Caliiarina  Comes 
Raposa,  e  de  Manoel  Vaz  Pacbeco  nasioo  Francisco  l'aibeco  Raposo, 


250  lIISTOnU  INSULANA 

na  India;  e  terceiro  filho  do  primeiro  Pedro  Botclho  foi  Diogo  Botelho. 
cujo  (ìllìo  Francisco  Botellio  foi  Embaixador  a  Saboya;  e  o  filho  d'esU 
foi  lambem  Diogo  Bolelho,  e  Governador  do  Brasil,  que  foi  pai  de  Nane 
Àivarez  Botelho,  celebre  em  guerras  na  India,  per  que  foi  Conde  o  filbc 
D.  Francisco  Bolelho. 

158  Do  primeiro  Gonzalo  Vaz  Botelho  nasceo  jà  na  liha  de  Sanb 
Maria  Nuno  Gon^alves  Botelho,  que  na  mesma  liba  casou  nobremonte, 
e  d'elle  nasceo  Jorge  Nunes  Botelho,  que  casou  com  Margartda  Travassos, 
e  d'estes  nasceo  outro  Nuno  Goncalves  Botelho,  que  casou  com  Isabel  di 
Macedo,  fldalga  dos  Capitaes  da  Ilha  do  Fayal,  de  que  nasceo  Fernao  d( 
Macedo,  fìdalgo  filhado,'  que  casou  em  Villa  Franca  de  S.  Miguel  eoa) 
D.  Barbara  d'Arruda,  e  liverao  por  filho  a  Francisco  d'Arruda,  fidalgc 
filhado  em  Villa  Franca.  Nasceo  mais  do  dito  Gonzalo  Vaz  Bolelho,  ou- 
tro do  mesmo  nome,  chamado  de  Alcunlia  o  Andrinho,  que  casou  com 
huma  filha  de  Pedro  Gordeiro,  de  que  nasceo  a  fìlha  que  casou  com  N. 
de  Macedo,  fidalgo,  irmao  do  segundo  Capillio  do  Fa}'al,  e  do  tal  casa- 
mento nasceo  Briles  de  Macedo,  que  casou  com  Gaspar  ilomem  da  Costa; 
e  do  mesmo  Andrinho  nasceo  outra  filha  Guimar  Goncalvcs  Bolelba,  qae 
casou  com  Joao  de  Betcncor  e  Sé,  fidalgo. 

159  Item,  do  mesmo  primeiro  Gonzalo  Vaz  Botelho  nasceo  Joao  Gon- 
Calves  Bolelho,  que  casou  com  Isabel  Dias  da  Costa,  de  que  nasceo  Jo3o 
d'Arruda  da  Costa,  que  casou  com  Calharina  Favella,  filha  de  Joao  Fa- 
vella, fidalgo  da  Ilha  da  Madeira,  e  de  Bcalriz  Coelha,  Dama  do  Pac-o 
d'el-Rei  D,  AffonsoV,  e  deste  Joao  d'Arruda  nasceo  Amador  da  Costa,  pai 
de  iManoel  da  Costa,  Cidadao  de  Ponta  Delgada,  e  de  Isabel  Dias  da  Costa 
que  casou  com  Antonio  Borges,  filho  de  Balthezar  Rebello,  e  de  Guimar 
Borges  ;  do  qnal  Antonio  Borges  nasceo  Duartc  Borges  da  Costa,  que 
casou  com  e  d'esics  nasceo  Antonio  Borges, 
que  casou  com  D.  Maria  da  Camera,  cujo  filho  Duarte  Borges  da  Came- 
ra, casado  com  I).  Maria  de  Frias,  nìio  leve  descendcntes,  mas  seu  tio, 
irmSo  legitimo  de  seu  pai,  loi  o  Padre  Gonzalo  de  Arez,  daCompanhia 
de  Jesus,  santo,  e  sabio,  boni  Prégador,  muito  humilde,  e  exemplar, 
que  foi  Reitor  de  Angra,  e  Reitor  por  vezes  de  Ponta  Delgada  sua  pa- 
tria. Nasceo  mais  do  sobrcdilo  Joao  d'Arruda  da  Costa  Bealriz  da  Costa, 
que  casou  com  Manoel  do  Porto,  Cidadao  vindo  do  Porto,  de  que  nas- 
ceo outro  Joao  d'Arruda  da  Costa,  deste  oulro  Manoel  do  Porlo,  que 


LIV.   V  TIT.  IV  231 

foi  pai  de  Maria  d'Arruda,  casada  com  Manoel  de  Mcdeiros,  fdho  de 
Gaspar  Dias. 

160    De  Nuno  Gongalves  Botelho>  fillio  do  primeiro  Gonralo  Vaz 
Boteiho,  nasceo  mais  Diego  Nuiics  Botelho,  Conlador  da  Fazcnda  Rcal, 
e  Cavalleiro  da  Ordem  de  Christo,  que  cason  com  Isabel  Tavaros,  fìlha 
de  Rui  Tavares  o  VelIio;  e  d'eslcs  nasceo  Jorge  Nunes  Bolclho.  que  ca- 
soa  com  Hieronyma  Lopes  Moniz,  filha  de  Alvaro  Lopcs,  e  de  Maria  Mo- 
nii,  e  d'este  Botelho  nasceo  D,  Catliarina  Bololha,  miillicr  de  Jacome 
Leite  de  Vasconcellos,  fidalgo  filhado  de  quo  a[)aixo  fallaremos.  Do  ou- 
tro  Jorge  Nunes  Bolclho,  filho  do  sohrcdifo  Nuno  Gonfalvos,  nasceo 
homa  filha,  que  casou  com  Fcrnao  Correa  de  Sousa,  fidalgo  que  veio 
da  Madeira;  e  outra  filha  D.  Boqueza,  quo  casou  com  Francisco  do  Ro- 
go de  Sa,  chamado  o  Grao  Capillio,  de. que  nlio  ficarao  descendenles, 
porém  do  cunhado  Nuno  Gongalves  Bolellio,  segundo  do  nome,  nasceo 
mais  Fedro  Botelho,  que  casou  Leonor  Vaz  na  Villa  da  Praia  da  liha 
Tcrceira;  item,  nasceo  Ilieronymo  Botelho,  quo  casou  na  Ilha  de  Santa 
Maria  com  Guimar  Faleira;  e  d'esles  nasceo  André  Goiigalves  de  S.  Payo, 
que  casou  com  Maria  Paclieca,  filha  de  Antao  Pacheco;  e  d'esles  nasce- 
rio  Antonio  de  S.  Payo,  quo  casou  em  Ribcira  Grande:  e  Dona  Maria, 
que  casou  com  Francisco  de  Belencor  e  Sa  na  Cidade,  e  D.  Isabel  Bo- 
telha,  que  casou  com  Perirò  da  Ponte  Bicudo,  morgado  em  Ribeira  Gran- 
de; 0  do  dito  André  Gonfalves  de  Sào  Payo,  !c)i  lambcm  inteiro,  e  legi- 
tifflo  irmao  Confalo  Vaz  Bolclho,  e  outros  que  liverao  multa  descenden- 
cia  na  Ilha,  Brasil,  India,  eie. 

161  Da  anliga  familia  dos  Leilcs  concordao  os  mais  dos  Ilistoria- 
^ores,  que  vem  de  Francezcs,  (juo  por  sercm  muilo  alvos  se  chamarao 
J^ìles,  e  que  vierao  a  Portugal,  e  ajudarao  a  tor.ìnr  Lisboa  aos  Mou- 
fos.  0  cerio  he  que  nem.  lodos  os  Francezes  se  chamao  Leites,  e  que 
conaludo  se  suppoem  virem  de  Franra,  e  quo  de  l'ranga  tem  os  Leites 
'sLizes  nas  suas  Armas,  com  varias  divisas  conforme  as  varias  familias, 
^^  qoe  se  aparentarao.  Dizem  pois  que  o  primeiro  que  se  acha  d'està 
laniilia,  foi  Alvaro  Anes  Leite,  e  que  era  senhor  de  Calvos,  e  Basto  em 
Entre  Douro  e  Minho;  e  na  vcrdade  entro  Douro  e  Minho,  no  termo  do 
'^rto,  se  conserva  ainda  està  familia  com  nobreza,  e  fidalguia  muito 
conhecida;  porque  do  dito  Alvaro  Anes  Leite  nascerào  tres  filhos,  dos 
quaes  0  terceiro  foi  Alvaro  Leite,  fidalgo  jà,  e  senhor  do  morgado  de 
Oaebranloes  era  Gaya,  a  pò  piena,  junlo  ao  Porlo,  em  lompf)  d'El  Rei, 


254  IUSTÌJrIA  INSULANA 

tos  privilegìos,  e  ludo  depois  confirmarSo,  assim  o  Papa  Alexandre  VI, 
corno  El-Rei  Dom  Manoel  de  Porlugal. 

166  Da  dita  Aldonsa  Leite,  e  do  Doulor  Joao  Rodriguez  de  Ama- 
rai nascerao  Ires  filhoi:  Diogo  Leile  de  Amarai,  que  casou  com  D.  Ma- 
ria Pereira  de  Vasconcellos,  flilia  de  Jacome  Rodriguez  de  Vasconcellos 
de  Alvarenga,  e  d'eiles  nasceo  Diogo  Leitc  de  Azevedo,  Ddalgo  filhado 
nos  livros  d'El-Uei,  do  liabito  de  Chrislo,  e  o  primeiro  d'esla  famìlia 
que  de  Porlugal  veio  a  Ilha  de  Sao  Miguel,  e  era  Villa  Franca  casoa  com 
D.  Helena  de  Castro,  filha  de  Sebastiao  de  Castro,  e  irma  de  Manoel  de 
Castro,  ambos  irraaos  multo  ricos,  e  que  tinhao  vindo  do  Porto:  e  dos 
taes  Diogo  Leite  de  Azevedo,  e  D.  Helena  nasceo  Jacome  Leite  de  Vas- 
concellos, fidalgo  filhado,  que  casou  com  D.  Catliarina  Botelha,  (comò  jà 
dìssemos  nos  Botellios)  e  d'elles  nasceo  Diogo  Leile  Botelho  de  Vascon- 
cellos, fidalgo  filhado,  e  que  com  gente  à  sua  custa  foi  servir  a  El-Rei 
D.  Joao  0  IV  na  conquista  do  Castello  de  Angra,  e  leve  por  isso  o  ha- 
bilo  de  Christo  com  tonfa,  e  em  Angra  casou  com  D.  Maria  do  Canto, 
fidalga  dos  Cantos  da  Ilha  Terceira,  comò  em  seu  lugar  diremos;  e  d'este 
matrimorno  nasceo  em  Sao  Miguel  Jacome  Leite  Botelho  de  Vasconcel- 
los, que  teve  mais  irmaos,  Clerigos,  Religiosos,  e  Freìras,  e  elle  leve 
lambem  o  habito  de  Christo,  e  tambem  casou  em  Angra  com  D.  Maria 
de  Mollo  e  Silva,  filha  de  Luis  Coelho  Pereira,  e  de  D.  Isab'el  de  Mollo, 
de  que  tralaremos,  quando  da  Ilha  Terceira,  e  de  Luis  Diogo  Leite,  fi- 
Iho  morgado  do  ilito  Jacome  Leite,  e  quo  nasceo  jà  em  Angra,  e  là  tam- 
bem ficou,  e  casou  com  huma  filha  do  grande  morgado,  e  fidalgo  Joao 
de  Teve  de  Vasconcellos,  da  qual  tem  jà  muitos  filhos. 

•167  0  segundo  fillio  da  dita  Aldonsa  Leite  foi  Vasco  Leite,  que  ca- 
sou com  Maria  Correa,  filha  de  Martim  Correa  no  Porto;  e  d'oste  casa- 
mento nascerao  Diogo  Leite,  pai  de  I).  Briles  Leite,  casada  com  Manoel 
de  Moura,  de  que  nasceo  I).  Joanna  Leite,  raulher  de  Francisco  Pinto 
Ilennquos,  fillio  do  Alvaro  Pinto,  senhor  das  honras  de  Paramos;  e  do 
mesmo  Vasco  Leile  nasceo  mais  I).  Francisca,  que  casou  com  o  Doulor 
Francisco  Ferreira,  Desembargador  do  Porto,  pais  de  oulra  Aldonsa  Lei- 
te,  casada  no  Porto  com  Francisco  Vieira  da  Silva,  de  que  nasceo  Anto- 
nio Leite  de  Amarai.  0  lerceiro  fillio  da  primeira  chamada  Aldonsa  Lei- 
te,  e  do  Doutor  JoSo  Rodriguez  de  Amarai  foi  Briolanja  Leite,  que  ca- 
sou com  Duarte  Tavares,  de  que  nasceo  Diogo  Tavares  casado  no  Porto 
com  Maria  do  Couto,  e  d'estes  nasceriio  Manoel  Leite,  pai  de  Marlim 


LIV.  V  TiT.  IV  255 

Leìle,  Matheos  Leite,  e  Diogo  Leite;  e  do  dito  Dii^o  Tavarcs,  e  Maria 
do  Coulo  nasceo  D.  Antonia,  qnc  cason  com  Simào  Ribeiro  Pessoa,  qne 
forao  pais  de  D.  Maria  Leite  de  Vasconcellos. 

168  Dos  Araaraes  acima  liados  cora  os  sobreditos  fidalgos  Lcites, 
so  brevissimamente  trata  o  erudito  Padre  Leilc,  scndo  quo  (corno  do 
acima  vimos)  a  varonia,  ou  linha  masculina  dos  taes  Lcites  he  d^aquelle 
loao  Rodrignez  de  Amarai,  que  casou  com  a  primeira  Aldonsa  Leite,  de 
(fUò  se  continuou  a  varonia  até  o  sobredito  fidalgo  Luis  Diogo  Leite; 
mas  jé  he  cousa  muito  usada  nomearem-se  muitas  f^imìiias  pelos  appel- 
lidos  das  linhas  femininas,  sendo  diversos  os  da  hnha  masculina,  ou  por 
«sim  serem  obrigados  com  as  condicoes  de  alguns  morgados;  ou  com 
oatro  algum  affecto,  e  titulo;  certo  he  porém  qua  os  Amaraes  suo  fami- 
iii  muito  anliga,  e  muito  nobre,  e  muito  multiplicada  em  Portugal,  es- 
peciaimente  Da  Provincia  da  Bclra,  e  em  Vizeu,  d'ondo  foi  para  S.'  Mi- 
goel  0  Doulor  Jorge  de  Amarai  e  Vasconcellos,  e  na  Ilha  casou  com 
D.  Brìtes  de  Medeiros. 

169  D'este  matrimonio  nascerao  o  Padre  Francisco  de  Amarai  da 
Gompanhia  de  Jesus,  a  quem  antes  de  fazer  a  Profissào  do  quarto  voto 
veìa  pela  dita  sua  mai  bum  bom  morgado  na  Ilha,  de  cuja  renda  Tun- 
doQ  0  dito  Padre  a  Capella  de  Santo  Ignacio  com  boa  renda  fìxa  que 
para  ella  comprou,  e  fez  ouiras  grandcs  obras  pias,  e  esmolas  quo  em 
sea  testamento  deixou;  e  foi  lìio  exemplar,  quo  por  nao  largar  a  Beli- 
&o,  ncm  deixar  de  fazer  niella  a  ultima  profìssao  solomno,  largou  o 
niorgado  a  quem  por  sua  morte  pertencia,  e  na  Religiao  morreó  sabio, 
e  santo;  e  da  mesma  sorte,  e  na  mesma  Companhia  de  Jesus  morreo 
ouiro  seu  irmao,  o  Padre  Christovao  de  Amarai:  e  da  mesma  familia  de 
Amaraes»  posto  que  de  outras  linhas,  morrerao  na  Companhia  o  Padre 
Prancisco  de  Amarai,  Valido,  e  Prégador  d'El-Rei  D.  Aflonso  VI,  e  o  Pa- 
dre Fedro  de  Amarai,  grande  Lente  da  Sagrada  Escritura  no  Collegio 
de  Coimbra,  que  compoz  hum  tomo  sobre  a  Magnificat,  e  o  imprimio, 
e  foi  celebre,  e  incansavel  Prégador,  e  passou  muito  de  no  venta  annos 
de  idade,  e  n'ella  estava  ainda  compondo  Sermoes  para  imprimir:  e  em- 
&n  0  Padre  Miguel  de  Amarai,  que. sendo  jà  Doutor,  e  Mestre  em  Ar- 
te Da  Universidado  de  Coimbra,  se  metteo  na  Companhia;  pedio,  e  foi 
P>ra  a  India  a  pregar  ao  Gentio,  e  tornando  depois  de  muitos  annos  a 
Portogal,  sem  querer  n'elle  ficar,  voltou  com  muitos  outros  Religiosos 
da  Companlìia,  e  na  India  morreo  com  constante  opiniuo  de  Santo,  e  ver- 


256  HISTOniA  INSULÀNA 

dadeiro  Apostolo.  E  assim  nao  so  no  sangue,  mas  muito  mais  nas  vir- 
tudes,  illustre  a  familia  dos  Àmaraes. 

170  A  illustre  familia  dos  Vasconcellos,  quanto  ao  appellkla  oq  no- 
me, deduzem  muitos  de  bum  Castelhano  Rei,  que  mandando  bum  fidai- 
go  para  certa  terra,  e  vendo  que  bia  de  ma  vontade,  por  deìxar  buma 
senhora,  a  que  andava  affeigoado,  Ihe  disse  cntao  o  Rei,  «Vaz-con-zellos», 
querendo  dizer  que  bia  com  ciumes;  e  o  fidalgo  ent3o  tomou  o  sobre- 
nome  de  Vasconcellos.  Quanto  porém  ao  sangue,  os  Nobìliarios  dedu- 
zem OS  Vasconcellos,  e  por  linba  direita,  de  Requeredo  Rei  dos  Godos; 
e  0  primeiro  que  se  acba  com  tal  appetlido,  be  bum  D.  JoSo  Pires  de 
Vasconcellos,  em  tempo  de  D.  Sancbo  II,  e  D.  Affonso  III,  Beis  de  Por- 
tugal,  e  foi  casado  com  a  Condeca  D.  Maria  Soares  Goelba,  de  que  oa&- 
ceo  D.  Rodrigo  Anes  de  Vasconcellos,  que  casou  com  D.  Elvira  de  Scu- 
sa, neta  de  Martim  Cbicborro,  filbo  d*El-Rei  Dom  Affonso  II,  e  do  tal 
casamento  nascerao  tantos  filhos,  e  filbas,  que  d^elles  procedem  as  mais 
das  casas  grandes  de  Portugal,  e  a  dos  senbores  de  Alvarenga,  d'onde 
buma  filba  casou  em  Vizeu,  e  se  unirSo  os  Vasconcellos  com  os  Àma- 
raes, comò  vimos  jà  na  linba  dos  Leiles;  e  dos  mesmos  sobreditos  Vas- 
concellos, era  aquelle  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  que  foi  casar  i 
Madeira  com  D.  Helena  da  Camera,  filba  do  primeiro  CapitSo  do  Fun- 
cbal,  e  d  elles  nasceo  outro  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  que  foi  ca- 
sar a  Uba  Terceira,  aonde  se  ajuntarao  os  Teves,  e  Vasconcellos,  e  com 
ambos  agora  oulra  vez  os  Leites,  comò  veremos  depois  nas  familias  da 
Terceira',  Graciosa,  etc. 

TITULO  V 

Dos  MedeiroSy  Araujos,  Borges,  Sonsas,  Rebellos,  Dias. 

171  0  muito  nobre  Rui  Yaz  de  Medeiros,  de  Ponte  de  Lima,  e  6ui- 
maraes,  foi  com  os  primeiros  povoadores  para  a  Uba  da  Madeira,  e  niella 
casou  oom  Anna  Gongalves  de  MendoQa,  dos  nobilissimos  Mendo^as  Fur- 
tados,  e  d'abi  com  o  terceiro  Capit3o  de  S3o  Miguel  Rui  Goo^alves  da 
Camera  passarao  para  S.  Miguel,  e  q'esta  Uba  tiverao  os  filbos  seguìntes: 
primeiro,  Vasco  de  Medeiros,  que  casou  na  Villa  da  Alagoa  com  Catlia- 
rina  da  Ponte,  com  a  qual  deixando  bum  Albo  Amador  de  Medeiros,  sa 
foi  com  mais  dous  tìllios  servir  a  El-Rei  em  Africa;  e  foi  tao  ditoso,  quo 
sendo  cativo  dos  Mouros,  foi  d'elles  emQm  martyrizado  pela  Fé;  seguo- 


LIV.  V  TIT.  V  257 

do,  Rafael  de  Medeiros,  que  casou  na  liha  de  Santa  Maria  com  huma  fi* 
Iha  de  Antao  Rodriguez  Carneìro,  e  de  Anna  da  Costa,  de  que  riasceo 
Ilaria  de  Medeiros,  miilher  de  Antonio  Camello  Pereira,  Qlho  de  outro 
AdIooIo  Camello,  e  forào  pais  de  D.  Catliarina,  que  casou  com  Duarto 
de  Meodoca,  Fidalgo  conhecido,  de  que  Ucou  huma  (ìllia;  e  foruo  tambem 
pais  de  Gaspar  Camello,  que  teve  muita  descendencia:  terceiro,  Joào  Vaz 
de  Medeiros,  que  casou  com  Isabel  de  Frias,  filha  de  Uui  de  Frias,  dos 
qoaes  nasceo  outro  Rui  Vaz  de  Medeiros,  Cavalleiro  do  tiabito  deChris- 
to:  quarto,  JordàiT Vaz  de  Medeiros,  casado,  e  com  filhos,  em  Villa  Fran- 
ca: quinto,  huma  filha,  que  casou  com  Digo  Alfonso  Colomtirciro,  de  que 
Basceo  D.  Maria  da  Costa  e  Medeiros,  mulher  de  Francisco  de  Belencor 
e  Si,  que  voltou  para  a  Madeira:  sexto,  Guimar  Rodriguez  de  Medeiros, 
de  que  logo  fallaremos:  seplimo,  Maria  de  Medeiros,  que  casou  com  Ro- 
drigo Alvarez,  lìiho  de  Alvaro  Lopes  do  Vulcao. 

ìli  Com  a  dita  familia  dos  Medeiros,  e  pela  dita  sobredita  Guimar 
Bodriguez  de  Medeiros,  sexla  fiiha  de  liui  Vaz  de  Medeiros,  se  ajunla- 
fio  OS  anligos,  e  illustres  Araujos.  de  que  se  tratar  quizessemos,  ainda 
r«topilando,  seria  nunca  acabar.  0  primeiro  pois  chamado  Araujo  (con- 
forme ao  Conde  D.  Fedro  tit.  5G  |  8)  foi  Payo  Rodriguez  de  Araujo,  e 
tomou  tal  appellido  dos  Araus,  ou  Araùs,  dos  quaes  descendia,  e  que  o 
tempo  verteo  em  Araujos,  e  com  ser  casado  com  D.  Brites  Velho  de 
Castro,  sempre  seus  descendcntes  conservarao  o  appellido  de  Araujos; 
e  assim  foi  pai  de  Vasco  Rodriguez  de  Araujo,  senhor  de  Araujo,  Lin- 
dozo,  e  outras  tirras;  e  foi  primeiro  avo  de  Concaio  Rodriguez  de  Arau- 
jo, e  segundo  avo  de  Pedreanes  de  Araujo,  e  terceiro  avo  de  outro  Payo 
ftodriguez  de  Araujo,  Embaixador  dei-Rei  Dom  Joao  I.  a  Castella  ;  e 
quarlo  avo  de  Alvaro  Rodriguez  de  Araujo,  Commendador  de  Rio  Frio, 
6  senhor  das  outras  tcrras;  e  quarlo  avo  tambem  de  terceiro  Payo  Ro- 
driguez de  Araujo,  que  casou  com  D.  Aldonsa,  filha  de  Pedro  Comes  de 
Abreu,  senhor  de  Regalados  ;  e  quinto  av6  de  D.  Margarida  de  Abreu, 
qoe  casou  com  D.  Rodiigo  Sotomayor,  fìllio  do  Conde  de  Caminha  Pe- 
dralves  Sotomayor. 

173  Desles  pois  tao  illustres  Araujos  era Lopeanes  de  Araujo,  que 
^0  tao  principal  varao  de  Entre  Douro  e  Minho,  e  de  Vianna,  veio 
pva  Sào  Miguel  em  1306,.  e  casou  com  a  sobredita  Guimar  Rodriguez 
de  Medeiros,  e  tiverao  cinco  filhos  :  primeiro.  Maria  de  Araujo,  qùe  ca- 
^  com  Antonio  Furtado  em  Villa  Franca,  de  que  nasceo  Lopeanes 

VOL.  I  17 


238  HISTOniA  INSrLANA 

Fnrtado,  marido  de  Ignes  Correa,  filha  de  Gonfalo  Correa;  e  nasceo  mm 
Leonor  de  Medeiros,  mulher  de  Fernào  Vaz  Pachilo:  segundo,  Brites  de 
Medeiros,  mulher  de  Joao  da  Mota  na  mesraa  Villa  Franca,  qu«  era  filho 
de  Jorge  da  Mota,  de  que  nascerao  Joào  de  Medeiros,  e  Miguel  Bolellio, 
(|uc  casou  com  Solanda  Cordeira,  filha  de  Joao  Rodriguez  Cordeiro:  ter- 
reiro,  Miguel  Lopes  de  Araujo,  que  casou  com  Catharina  da  Costa,  filha 
de  Gaspar  Pires  o  Veiho,  e  d'elles  nascerao  Francisco  de  Araujo  casndo 
ein  Lisboa,  e  Manoel  de  Medeiros,  e  Maria  de  Medeiros,  que  casou  com 
Manoel  Rehello,  fillio  de  Ballhezar  Rebello:  quarto,  Hieronymo  de  Arau- 
jo, que  casou  com  Anna  Pacheca,  filha  de  Manoel  Vaz  Pacheco,  e  de  Ca- 
tharina  Comes  Raposa,  dos  quaes  nascerao  Gaspar  de  Araujo,  e  Antonio 
de  Araujo,  e  Francisco  de  Araujo,  e  Isahel  de  Medeiros,  que  casou  com 
Paulo  Cago  da  Camera,  filho  de  Rui  Cago:  quinto,  Francisca  de  Medei- 
ros, que  casou  com  o  Bacharel  Jurista  Joao  Gonfalves,  a  que  alguns  cha- 
mao  Jolio  Goncalves  Ramaiho,  que  da  serra  de  S.  Gonzalo  de  Amarante 
tinha  vindo  para  esl^i  liha  de  Sao  Miguel;  e  d'elles  nascerao  D.  Brites 
de  Medeiros,  que  casou  com  o  Doutor  Jorge  de  Amarai  e  Vasconcellos, 
([ue  de  Portugal  tinha  ido  a  Ilha,  e  forào  pais  dos  Padres  Francisco  de 
Amarai,  e  Christovao  de  Amarai,  da  Companhia  de  Jesus,  e  do  Doutor 
Joào  de  Amarai  e  Vasconcellos,  e  de  Gregorio  de  Amarai,  e  de  huma 
T).  Joanna,  Freira  em  Cellas  de  Coimbra.  De  todos  os  sobreditos  Me- 
deiros, e  Araujos  houve  lantos  mais  descendenles,  que  toda  a  Ilha  de  S. 
Miguel  està  chela  d'elles. 

174    Dos  Borges  Sousas  Rebellos  de  Slio  Miguel,  o  que  se  alcanca 
he,  que  houve  na  dita  Ilha  bum  Pedro  Borges  de  Sousa,  que  para  ella 
tinha  ido  de  Portugal,  e  foi  pai  de  Duarte  Borges,  e  av6  de  Antonio  Bor- 
ges, que  era  feilor  da  Fazenda  Real  em  Sào  Migtiel,  e  ftdalgo;  deste 
Antonio  Borges  nasceo  Clara  Borges,  que  ires  vczes  casou  em  Pr^rtugaU 
e  com  fidalgos,  e  là  deixou  descendentes,  de  quo  alguns  forno  para  .-« 
India,  aonde  tambem  morrerao  irmaos  da  dita  Clara  Borges,  chainado^S' 
Pedro  Borges,  e  Hieronymo  Borges:  nasceo  mais  do  dito  Antonio  Bor^ei*  , 
Duarte  Borges  de  Gamboa,  de  quem  se  sabe  que  foi  Provedoi*  da  Fazer*  - 
da  nas  Ilhas,  e  depois  Thesoureiro  mòrdo  Beino,  e  Cavalleiro  do  habilo 
de  Christo  com  teiifa ;  e  deste  nasceo  Antonio  Borges,  que  ficou  e^^n 
Africa  na  bataiha  dei-Rei  D.  Sebastiao,  e  estivo  ficou  la  outro  seu  rm^Tio 
chamado  Vasco  da  Fonseca  Coutinho,  a  quem  fugindo  do  cativeiro    cfó 
Africa  dee  El-Rei  D.  Henrique  o  habito  de  Christo  com  tenfa;  e  outro 


L!V.  V  GAP.  V  239 

frmao  d  esles  Francisco  Borges  de  Sousa  foì  Inquisìdor  da  Mesa  grande 
da  Inquisi(ao  da  India  ;  e  todos  estes  forao  terceiros  netos  do  primeìro 
Pedro  Borges  de  Sousa. 

175    Nasceo  mais  do  fidalgo  Antonio  Borges,  Guimar  Borges,  qne 
casou  com  Balthezar  Rebello,  Àimoxarire  da  Fazenda  Real,  e  Lealdador 
mór  dos  pasleis,  de  quem  nascerao  tres  filhos:  primeiro,  Antonio  Bor- 
ges, qoe  casou  com  Isabel  Dias,  e  depois  com  Beatriz  Castanha,  filha  de 
Fedro  Castanho;  e  do  tal  Antonio  Borges  nasceo  Duarte.  Borges  da  Cos- 
ta, que  casou  com  Maria  de  Sao  Payo,  filha  de  Manoel  Cordeiro  de  Sào 
Favo  Benevides,  e  de  Meda  Nunes  de  Arez,  filha  do  Licenciado  Gongalo 
Nanes  de  Arez,  e  da  filha  do  Almoxarife  de  Angra;  e  do  tal  Duarte  Bor- 
ges da  Costa  nascerao  os  dous  Padres  da  Companhia,  Padre  Joao  Bor- 
ges, e  Padre  Gonzalo  de  Arez,  e  Antonio  Borges,  que  casou  com  D. 
Maria  da  Camera,  que  for3o  pais  de  Duarte  Borges  da  Camera,  Jniz  da 
Alfandega,  ou  do  mar  comò  là  dizem,  que  casou  com  D.  Maria  deFrias, 
emorrerao  sera  deixar  dcscendencia.  Segundo  filho  de  Balthezar  Rebel- 
lo, e  de  Guimar  Borges  foi  Manoel  Rebello,  que  conscrvou  o  appellido 
de  sua  nobre  varonia,  e  casou  com  Maria  de  Medeiros,  filha  de  Miguel 
Lopes,  da  Villa  de  Agua  de  Pào  ;  e  d'estes  nasceo  Francisco  Rebello, 
chamado  o  Senador,  assim  por  sua  nobreza,  comò  por  grandes  talentos: 
de  que  nasceo  huma  niha,  e  Balthezar  Rebello,  (comò  seu  visavò)  e  ca- 
soncom  hama  filha  de  Francisco  Soares  de  Mello,  Capitao  mór  da  Villa 
daAlagoa.  Terceiro  filho  do  dito  Balthezar  Rebello  foi  Pedro  Borges, 
?ne  casou  com  Anna  de  Medeiros,  e  por  aqui  se  metteo  na  familia  dos 
Jorges  e  Dias,  de  que  agora  tralaremos. 

176  Os  Jorges  de  appellido  comegarao  do  muito  nobre  Jorge  Velho, 
qne  casou  com  a  igualmente  nobre  Africa  Anes,  ou  Africanes,  (de  quo 
Iratamos  jà  quando  dos  illustres Velhos  da  Ilha  de  Santa  Maria);  deslcs 
>i«3cerao,  e  descenderao  muitos,  que  por  sobrenoine  tomarao  o  appetti- 
lo Joi^e,  (comò  sabem  todos  os  que  alguma  cousa.  sabem  de  Genealo- 
P^):  nasceo  pois  Fernào  Jorge,  quo  foi  o  que  Irouxe  o  Alvarà  de  Villa 
*  Ponta  Delgada,  quando  no  principio  era  so  lugar  sugeito  a  Villa  Frau- 
Q;  nasceo  mais  Pedro  Jorge,  e  foi  pai  de  Catharina  Jorge,  mai  de  Diogo 
^tt  Carreiro,  que  fundou  o  Convento  das  Freiras  de  S. 
^^  Penta  Delgada  ;  e  lambem  foi  pai  de  Hieronymo  Jorge,  que  casou 
luìina  filha  D.  Luiza  com  Rui  Gongalves  da  Camera,  pai  de  Simao  da 
ditterà,  de  que  nascerao  outros  muitos  Cameras.  Nasceo  tambem  do 


i 


260  HISTORIA  LNSCLANA 

]>riineiro  Jorge  Yelho,  Ignes  Alfonso,  que  casou  em  SmVat  Maria  oont 
Jorge  da  Fonte,  e  leve  por  Qlbos  a  Alvaro  da  Fonte,  Joào  da  Fonte,  e 
Adam  da  Fonte,  e  todos  tres  Cavalleiros  da  Ordem  de  Chrìsto.  E  nas^ 
ceo  entfim  o  filbo  mais  vellio  Joao  Jorge,  que  prìmeira  vez  casou  coro 
Catharìna  Martins,  vinda  de  Beja,  na  Villa  de  Agiia  de  Pao,  e  segunda 
vez  com  Beatriz  Vieente,  vinda  do  Algarve. 

177  Da  prìmeira  malher  nasceo  Feroao  Jorge,  qiie  casou  em  Agua 
de  Pào  com  Isabel  Vieira,  fìiha  de  Fedro  Vieira;  e  oulro  Joao  Jorge  nas- 
ceo da  segunda  mulber,  que  casou  com  Izeu  da  Costa,  e  d*estes  ambos 
irmàos  houve  muila  descendencia  ;  ìtem,  nasceo  da  prìmeira  mulher, 
Ignes  Jorge,  que  casou  com  Fernao  Gii  Jaques,  ndalgo  de  Lagos  no  Al- 
garve, e  Isabt.1  Jorge,  que  casou  com  Vasco  Mcente  Raposo,  tambem  do 
Algarve;  nasceo  mais  da  segunda  mullier.  Maria  Jorge,  que  casou  com 
Gaspar  Pìres  Cavalleiro,  filbo  de  Pedralves  Preto.  fidjrigo,  e  de  sua  mu- 
llier  Catharìna  Luis,  e  d'estes  nasceo  outra  Catharìna  Luis,  que  casou 
com  Miguel  Lopes  de  Araujo,  filbo  de  Lopeanesde  Araujo,  e  de  Guimar 
Kodrlguez  de  Medeiros,  de  quem  nos  Medeiros  failamus  jà;  e  desta  Ca- 
tharina  Luis,  e  de  Miguel  Lopes  de  Araujo  i>asceo  Anua>  de  Medeiros, 
que  casou  com  Gaspar  Dias,  e  d'estes  Dias  agora  tratarenK)s,  pois  da 
familia  dos  Jorges  basta  jà  o  sobredito. 

178  Com  a  grande  fama  da  fertilidade,  e  riqueza  da  Uba  de  Sào 
Miguel,  e  multo  mais  em  o  primeiro  seculo  depois  de  descul>erta,  biào 
de  Portugal  continuamente  muitos,  e  buns  a  commerciar,  e  a  voltar,  ou- 
iros  com  casa,  e  familia  mudada,  e  la  ficavOo  povoando;  entre  estes  foi 
lium  chamado  Manoel  Dias,  que  fez  em  Ponta  Delgada,  seu  assento,  e 
tao  bem  soube  negociar,  particularmente  com  os  Ir^Mezes  que  biào  là 
àquella  liba,  que  nella  se  casou  com  Margarida  Fernandez,-  mulber  no- 
bre,  irma  de  Isabel  Fernandez,  casada  com  Antonio  Mendes  Pereira,  e 
filbas  ambas  de  Francisco  Fernandez,  pois  deste  teni  ainda  lioje  liunia 
terca  avinculada  bum  terceiro  neto  do  tal  Manoel  Dias  :  e  este  enrique- 
ceo  tanto,  que  bum  seu  filho,  chamado  Christovao  Dias  casou  coni  tal 

*  fidalga  comò  D.  Alargarida  de  Sa,  filha  de  Henrique  de  Belencor  e  Sa, 
de  Ilibeira  Grande,  neto  do  primeiro  Bui  Goncahes  da  Camera,  terceiro 
Capitao  Donatario  da  Ilha;  e  do  dito  Manoel  Dias,  outro  filbo  foi  Gaspar 
Dias,  que  tal  sociedade  assenlou  com  buns  ricos  contratadores  Inglezes^ 
que  embarcando-se  buma  vez  com  elles,  e  morrendo-lhe  os  socios  uo 
mar,  ficou  berdando  d'elles  loda  a  riqueza  que  Icvavào,  e  se  voltou  para 


UV.  V  TIT.  V  261 

a  Hha,  mais  rìco  qne  pai,  e  irmao;  e  sendo  jà  Ci Jadao  de  Ponta  Delga- 
da,  ra^ou  com  aquella  fidalga  Anna  de  Medeiros,  desceadente  dos  Me- 
Jèims,  Jorges,  e  Araajos. 

179  D'este  pois  Gaspar  Dias,  €  da  dita  sua  multier  nascerao  os  fi- 
Ihos  segnintes:  primeiro,  André  Dias,  que  casou  com  Margarida  Pache- 
<a,  filha  de  Antào  Paclieco,  e  de  Ignes  Ferreira,  de  que  nasceo  Gaspar 
deMadeiros,  primeiro  do  nome,  que  casou  com  D.  Maria  da  Camera, 
da  illustre  familia  dos  Cameras,  fiIha  de  Antonio  Borges,  e  de  outra  D 
Maria  da  Camera,  da  Villa  de  Nordesta,  e  tiverao  por  filho  a  Gaspar  de 
Hedeiros  da  Camera,  segundo  do  nome,  e  casado  com 

Nascerao  mais  do  dito  André  Dias  tres  fillios, 
Anlao  Pacheco-  pai  de  André  da  Ponte,  por  ser  sua  ra3i  fi!ha  de  Pedro 
da  Ponte  Raposo;  item  Joao  de  Sousa  Pacheco,  que  casou  com  D.  Ma- 
rianna de  Paria-,  item  Anna  de  Medeiros.  que*  casou  primeir a  vez  com 
Manoel  Raposo,  e  segunda  vez  com  Jo3o  de  Mello  d'Arruda,  de  que  nas- 
<%ri0  Jordao  Jacome  Raposo,  e  André  Dias  de  Araujo,  e  D.  Marianna 
lapnsa.  Segundo  filho  de  Gaspar  Dias  foi  Miguel  Lopes  de  Araujo,  ca- 
^^do  com  Francisca  de  Oliveira,  filha  de  Estevao  de  Oliveira,  e  de  Ignes 
Manoel,  fìUfta  de  Manoel  Pavào,  que  de  Portugal  se  mudou  para  està 
^'ha.  Terceiro  filho  foi  Manoel  de  Medeiros,  que  casou  cora  D.  Maria 
^'Arruda,  de  que  nasceo  outro  Manoel  de  Medeiros,  fidalgo  filhado,  que 
^^soa  cora  D.  Feliciana  de  Andrade,  e  forao  pais  de  Antonio  de  Medei- 
'^,  Cavaileiro  do  habito  de  Christo,  e  mogo  fidalgo,  casado  com  D.  Ma- 
^a  Coutinho. 

180  Quarto  filho  de  Gaspar  Dias  foi  Anna  de  Medeiros,  casada  com 
*^edro  Borges  de  Sousa,  filho  de  Ballhezar  Rebello  de  que  nascerao  Fe- 
••ppc  Borges  de  Sousa.  grave  Ecclesiastico,  e  Frei  Gaspar  da  Boa  Nova, 
*^ranciscano,  e  Miguel  Lopes  de  Araujo,  que  casou  com  D.  Isabeldo 
^anto,  dos  Cantos  fidalgos  da  liha  Terceira;  e  deste  matrimonio  nasceo 
^  *.  Antonia,  que  casou  com  seu  primo  Pedro  Borges  de  Sousa,  de  quem 
^*Sovou  ainda  moca,  e  casou  segunda  vez,  e  teve  filhos.  Nasceo  mais  do 
'^«bredito  Pedro  Borges,  e  de  Anna  de  Medeiros  Agostinho  Borges  de 
^oiisa,  Provedor  da  Fazenda  Beai  de  todas  as  Ilhas  Terceiras,  que  ca- 
^t)u  com  I).  Maria  de  Bet(».nc^r,  filha  do  Doulor  Antonio  Ferreira  de  Be- 
^encor,  naturai  de  Villa  de  Agua  de  Pào,  e  Provedor  tambem  das  ditas 

;      lllias,  de  cnjo  matrimonio  nascerao  os  filhos  seguintes. 

I  181    Vicenle  Borges  de  Sousa,  que  foi  bom  Jurista  na  Universidade 


262  lilSTORIA  INSULANA 

de  Goimbra,  e  seodo  do  primeiro  provimento  Juiz  de  fora  A*e^9,  largaci 
a  Jndicatura,  e  se  veio  para  a  Uba  acudìr  a  demandas  de  bum  seu  bona 
iDorgado,  e  depoìs  casou  com  a  filha  de  bum  nobre  CidadSo  Antonio 
Pereira  dElvas  na mesma Cidade  de  Penta  Delgada.  Segando  Pedro Bor- 
ges de  Sousa,  o  que  casou  com  a  sobredita  prima  U.  Antonia.  Outro 
filbo  foi  Antonio  de  Betencor,  Jurista  tambem,  e  Juiz  de  fora  de  Ponta 
Delgada,  por  ser  jà  nascido  em  Angra  da  Uba  Terceira,  e  morreo  sem 
fìlbos;  e  buma  irrnS  sua  D.  Anna  Zimbron,  assim  cbamada,  por  n*ella 
nomear  sua  tia  D.  Anna  Ferreira  de  Betencor  o  morgado,  que  seu  ma- 
ndo D.  Alonso  Zimbron,  fidalgo  Castelbano,  e  marido  da  dita  D.  Anna 
Ferreira  Ibe  deixara;  e  porque  a  dita  D.  Anna  Zimbron  de  seu  marido 
Francisco  Pacbeco  de  Lacerda  nao  teve  filhos,  foi  a  morgado  nomeado 
em  outro  seu  irm3o,  de  que  agora  trataremos,  e  foi  este. 

18:2    Agostinho  Borges  de  Sousa,  segundo  nome,  Provedor  da  Fa- 
zenda  Rea!  de  todas  as  ditas  Ilbas,  Cavalleiro  professo  da  Ordem  de 
Christo,  fidalgo  fiibado,  com  grande  ten^a,  da  casa  de  S.  Magestade,  e 
Familiar  do  Santo  Officio  da  Corte  de  Lisboa,  que  tinba  estudado  direi- 
to  em  Coimbra,  e  foi  nao  so  n'elie  prudentissimo,  mas  o  maior  Ministro 
dei-Bei  que  tiveruo  as  Ilbas  ;  porque  so  o  oflicio  be  verdadeiramente 
Regio,  e  sem  escrupulo  muito  rendoso,  e  de  quem  até  os  Bispos,  Go- 
vernadores,  e  Donatarios  dependem,  e  ainda  muitos  Grandes  de  Porlu- 
gal  que  aceitao  tcn^as,  ou  consìgnaQoes  na  Fazenda  Rea!  daquellas lUias; 
e  emfìm  be  n'eilas  corno  bum  Yédor  da  Fazenda  Real,  que  fazenda  seu 
officio  comò  deve,  entào  tem  tambem  grandes  inimigos,  cohk)  teve  o  dito 
Agostinbo  Borges;  casou  porémìllustrementecom  buma  fìlba  de  Vital  di> 
Betencor,  e  Yasconcellos,  bum  dos  mais  illustres,  e  antigos  fìdalgos  da 
Cidade  de  Angra;  e  teve  d'ella  por  filbo  a  Zimbron  de  Betencor,  quo 
berdou  a  grande  casa  do  pai,  mas  nao  o  Regio  cargo,  por  nao  sofrer  os 
encargos,  que  o  magnanimo  pai  sofreo. 

183    Porque  chegou  a  tanto  a  inveja,  (de  que  nem  escapao  sobera- 
nos  Principes,  nem  os  Sanlos  mais  justificados)  que  ao  sobredito  Gaspar 
Dias,  visavò  materno  do  dito  Agostinbo  Borges;  com  evidente,  e  notoria 
temeridade,  e  Hilsidade  levantarao  que  tinha  raga  de  Cbrislao  novo,   <^ 
sem  mais  fondamento  que  o  terem  o  dito  Gaspar  Dias,  e  seu  irma^^ 
Christovào  Dias,  e  o  pai  de  ambos  Jlanoel  Dias,  terem  vindo  de  Par— 
tugal  a  liba  de  S.  Miguel,  e  n'olia  terem  contralo  muito  opulento,  co- 
mò se  0  contratar  nao  fosse  de  Clirislàos  vellios  tambem,  e  de  fidat- 


Liv.  V  UT.  VI  263 

gos,  e  Principes;  mas  ludo  jà  totalmente  se  achou  ser  evidontemeni 
le  faUo  por  oxpclissimas  devassas  juridicas,  e  por  dobradas  senlengas 
da  Rea!  mào  do  Serenissimo  Rei  D.  Joào  IV,  e  nllimamente  pelo  exac- 
ti:^inM)  Tribunal  da  Santa  Inquisicao,  que  ao  dito  Agoslinho  Borges  li- 
rou  as  inquirì(;oes,  e  acliou  ser  jimpissimo  de  toda  a  raga,  e  o  admittio 
em  seu  Santo  OIQcio;  e  està  he  a  pura  verdade,  que  nào  so  dìgo,  mas 
^uto  assim  ser. 

TITULO  VI 

Dos  BarbosaSy  Silms,  Tavnres^  Novaes,  Quentaes^ 
FariaSy  Machados. 

184  Pelo  tempo  dei-Rei  D.  Alfonso  V,  era  fidalgo  de  sua  rasa  Ru 
.  Esleves  Barbosa;  oriundo  de  Entre  Douro  e  Minho,  e  casado  com  Felip- 

pa  da  Silva,  illustre  fidalga,  e  irma  do  famoso  Silva,  Regedor  de  Lisboa, 
de  quem  descendem  tantas  casas  litulares  d'està  Coroa  de  Portngal.  Do 
dito  casamento,  além  de  outros  fìlhos  nasceo  Rui  Lopes  Barbosa  da  Sil- 
va, que  casou  com  Branca  Gongalves  de  Miranda,  e  com  ella  veio  para 
a  llha  de  S.  Miguel  em  tempo  de  seu  terceiro  C.apitào  Donatario  Ruy 
Gontalves  da  Camera,  primeiro  do  nome;  do  tal  Ruy  Lopes  Barbosa  foi 
primeiro  filho  outro  Ruy  I^opes  Barbosa,  que  casou  com  Guimar  Fer- 
nandez  Tavares,  filha  de  Fernando  Anes  Tavares,  do  tal  casamento  nas- 
ceo Francisco  Barbosa,  que  cason  a  primeira  vez,  e  nao  leve  filhos,  a 
segunda  casou  com  Isatiei  de  Miranda  na  Uba  de  Santa  Maria,  e  teve 
della  a  Hercules  Barbosa  da  Silva,  que  casou  com  Isabel  Ferreira,  filha 
de  Fernào  Lourento,  e  de  Leonor  Ftìrreira,  filha  de  Gaspar  Ferreira, 
Lealdador  mór  dos  pasteis,  do  tal  Hercules  nasceo  Bras  Barbosa  da  Sil- 
^a»  Lealdador,  e  Alferes  mór  em  Ponta  Delgada,  que  casou  com  D.  Ca- 
Iharina  de  Belencor,  de  que  nasceo  D.  Anna  de  Betencor,  que  casou 
com  Ruy  Cago  da  Camera,  e  d'cstes  nasceo  D.  Calharina  da  Camera, 
casada  com  Joao  Borges  de  Betencor. 

185  E  ainda  que  pela  dita  via  està  ja  a  familia  dos  Barbosas  em 
"nha  feminina,  comtudo  o  primeiro  Luis  Lopes  Barbosa  leve  outro  filho, 
^bastiào  Barbosa  da  Silva,  que  casou  com  Isabel  Nunes  Botelha,  de  que 
'^sceo  Heitor  Barbosa  da  Silva,  fidalgo  que  casou  com  Guimar  Pacheca, 
filha  de  Fernao  Vaz  Pacheco,  e|de  Isabel  Nunes,  de  que  nasceo  Nuno  Bar- 
l^^i  que  da  segunda  mulher  Anna  Jacome,  filha  de  Jurdao  Jacome  Ra- 


264  TiisTonu  insulana 

poso,  do  Villa  Franca,  leve  onlros  filhos,  e  do  dito  Heilor  Barbosa  nas- 
cf»o  mais  oulro  irmao  chamado  Pcdro  Barbosa,  que  casou  com  Maria  de 
Medciros,  de  que  lambem  leve  fillios,  e  assim  là  se  veja  agora  aonde 
està  ainda  a  varonia  dos  Barbosas;  qne  linbas  femininas  lem  oulras  mui- 
las  ainda,  assim  de  Irmàs  do  mesmo  Heilor  Barbosa,  que  casarào,  e  li- 
verao  filhos,  corno  lambem  por  huma  filba  do  segundo  Ruy  Lopes  Bar- 
bosa, de  qucm  nasceo  mais  Isabel  Barbosa,  que  casou  com  o  fidalgo 
Antonio  Borges,  filho  de  Duarle  Borges,  e  nelo  de  Fedro  Borges  de  Sou- 
asa,  corno  jà  fica  largamcnle  dito  no  antecedente  lil.  v.  Alem  de  que  Her- 
cules Barbosa  (nelo  do  sobredilo  segundo  Ruy  Lopes  Barbosa)  nao  so 
leve  varias  irmas  casadas,  mas  tamliem  oiUro  seu  irmao  chamado  Duar- 
te  Barbosa,  de  que  talve^  ficaria  ouira  voronia  dos  Barbosas.  Islo  posto 
dos  Barbosas  Silvas,  vamos  jà  aos  Tavares. 

186  Fernao  Tavares  (que  tinba  dtms  irmaos  fidalgos  da  casa  do 
descubridor  o  Infante  l>.  H^nrique,  e  era  dos  Tavares  oriundos  de  Por- 
lalegre,  e  Aveiro)  leve  por  primeiro  fillio  a  Ferniio  de  Anes  Tavares, 
que  era  primo  coirmào  de  Simào  de  Sousa  Tavares,  Alcaide  mór  de 
Aveiro,  e  pai  de  Francisco  Tavares  de  Sousa,  lambem  de  Aveiro  Alcal- 
de mór,  e  famoso  na  India:  este  pois  Ferrìào  de  Anes  Tavares,  com  fa- 
vor do  dito  Infante  se  foi  para  a  Madeira  por  huma  morto,  que  se  llie 
imputava,  e  na  Madeira  casou  com  Isabel  Goncalves  de  Moraes,  dos 
muilos  nobres,  e  antigos  Moraes  de  Braganra,  e  com  a  dita  mulher  s«^ 
mudou  para  S.  Miguel  em  companhia  do  primeiro  Huy  Gonfalves  da 
Camera,  terceiro  Donatario  de  S.  Miguel;  da  tal  mulher  leve  muilos  fi- 
lhos, e  fìlhas. 

187  0  primeiro  filho  foi  Ruy  Tavares,  Cavallciro  de  Africa  que  om 
S.  Miguel  casou  com  Leonor  AJTonso,  filha  de  Francisco  Enes,  nobre  rao- 
rador  de  Ribeira  Grande,  e  deste  matrimonio  nasceo,  primeiro,  Joào 
Tavares,  que  casou  com  Luzia  Goncalves,  filha  de  Joao  Goncalves  da 
Yarzea,  que  forào  pais  de  Ballhesar  Tavares,  casado  com  Oitharina  de 
Figueiredo,  filha  de  Lopo  Dias,  Cavalleiro  do  habito  de  Santiago,  e  de 
Guimar  Alvaroz:  e  este  Ballhezar  levou  o  morgado  do  avo,  e  deixou  por 
filhos  a  Leonel  Tavares,  e  Ballhesar  Tavares:  tambem  leve  muilos  irmàos, 
(lios  dos  ditos  dous;  Ruy  Tavares,  que  casou  primcira  vez  no  Porto,  e 
leve  (ìlhos,  e  segunda  vez  em  Vianna,  e  morreo  Corregedor  em  Ponte 
de  Lima:  oulro  irmao  foi  Gaspar  Tavares,  que  casou  em  Uabo  de  Peix<»; 
e  oulro  Manoel  Tavares,  que  no  mesmo  Rabo  de  Peixe  casou,  e  dtjixou 


LIV.  V  TIT.  VI  2C5 

filhos;  e  oalro  ainda  foì  Belchior  Tavares,  casado  com  Iiuma  filha  de  Jo3o 
Cabnl  de  Vulcao,  de  que  nasceo  huma  filha,  qiie  casoii  com  Manoel  de 
Vngn:  e  as  irmàs  forao,  Catharina  Tavares,  casada  com  o  Licenciado  Mi- 
guel Pereira,  fidalgo  de  Vianna  e  pais  de  Isahel  Pereira,  casada  com 
Antonio  Machado,  da  Cidade,  e  de  Susanna  Pereira,  casada  com  Miguel 
Vaclieco,  e  com  filhos:  e  aoulra  irma  foi  Maria  Tavares,  que  casou  com 
f.ypriano  da  Ponte  em  Villa  l'ranca. 

488    Do  primeiro  Ruy  Tavares  nasceo  segundo,  Balthezar  Tavares, 
qne  casou  na  Cidade  de  Ponta  Delgada  com  Maria  Cabrai,  filha  de  Sebas- 
tilo  Velbo  Cabrai,  e  dos  ditos  nasceo  Daniel  Tavares,  pai  de  Francisco 
Tavares  Homem,  que  foi  pai  de  Ruy  Tavares,  que  casou  com  huma  Ir- 
ma (le  Manoel  de  Brum  e  Frias:  e  do  mesmo  Balthezar  Tavares  nasceo 
timbcm  Joao  Cabrai,  que  casou  em  Ribeira  Grande  com  Catharina  Jor- 
pe,  filha  de  Jorge  Goncalves,  do  habito  de  Santiago,  e  liverao  filhos.  Nas- 
m  terceiro  Garcia  Tavares,  e  quarto  Joao  Rodriguez  Tavares,  e  ambos 
forào,  e  morrerào  famosos  na  India,  e  quinto  nascerao  mais  trcs  filhas, 
Isabel  Tavares,  Maria  Tavares,  e  Francisca  Tavares,  e  todas  tres  casarao 
na  Illia,  e  tiverao  filhos. 

189  0  segundo  filho  do  primeiro  Fernao  de  Anes  Tavares  foi  Hen- 
riqne  Tavares,  Cavalleirp  era  Africa,  que  casou  na  Illia,  e  »eve  por  filho 
«  Liiis  Tavares,  Cavalleiro  Fidalgo,  que  casou  com  Isabel  Vaz,  filha  de 
Nro  Vaz,  Lealdador  mór  dos  pnsteis  ;  e  do  tal  Luis  Tavares  nasceo 
'Jenriqne  Tavares,  que  casou  em  Sanlarem  com  Leonor  da  Paz,  de  que 
<eve filhos;  e  Pedro  Vaz  Tavares,  que  na  Uba  casou;  e  teve  filhos:  e 
^'e^n^lo  Tavares,  e  Francisco  Tavares  ;  e  quatro  filhas  mais  do  mesmo 
'A  Tavaras,  e  de  lodos  houve  na  Uba  descendencia. 

190  0  terceiro  filho  do  dito  Fernào  de  Anes  Tavares  foi  Concaio 
Tavares,  Cavalleiro  de  Africa,  que  casou  com  Isabel  Correa,  filha  de  Mar- 
lin» Anes  Fnrtiido,  e  de  Solanda  Lopes,  e  d'elles  nasceo  o  Padre  Duar- 
^  Tavares,  da  Companhia  de  Jesus,  que  morreo  na  India  servindo  em 
'•nm  Hospital  com  fama,  e  exemplo  de  Santo;  nasceo  mais  o  Licenciado 
Antonio  Tavares,  Juiz  de  fora  de  Tavira,  e  casado  com  Branca  da  Silva, 
f'Iha  de  bum  fidalgo  chamado  Sebasti5o  Barbosa  da  Silva;  e  do  tal  ca- 
^menlo  nascerao  o  Capitao  Gonzalo  Tavares  da  Silva,  quo  casoii  na  Ci- 
vade de  Ponta  Delgada,  e  deixou  filhos;  e  seu  irmao  Joao  da  Silva,  que 
^«ìbenfì  casou,  e  deixou  descendentes;  e  dos  ditos  dous  irraaos  houve 
^inda  oiais  huma  irma  Joanna  Tavares,  que  casou  com  Sebastìào  Jorge 


266  HISTOMA  I^SILANA 

Formigo,  do  habito  de  Santiago,  de  que  fìcoa  tnuita  descendencia  em 
Ribeira  Grande. 

i91  Quarto  fìlbo  do  mesmo  Femao  de  Anes  Tavares  fui  Guimar 
Fernandez  Tavares,  que  casou  coni  Huì  Lopes  Barbosa,  fìdalgo  que  dVU 
la  houve  muitos  filbos.  Quinto  fui  Felippa  Tavares,  que  casou  còm  Luis 
Pires  Gabea.  de  que  ficarào  em  Pouta  Delgada,  e  em  Villa  Franca  mui- 
tos descendentes  cliamados  Cabeas.  Sexto  Tilho  foi  Anna  Tavares,  que  ca- 
sou com  Antonio  Carneiro,  Cidadào  do  Porto,  prinu)  coiruiao  de  outro 
Antonio  Carneiro,  Secrelario  del-Kei,  e  pai  de  Pedro  de  Alcaceva,  So- 
crelario  tambem  d el-Rei;  deste  casamento  nascerao  dous  fìllios  cegos, 
Frei  Antonio  Carneiro,  Franciscano,  e  Miguel  Tavares,  que  sendo  cei^n 
se  formou  Doutor  em  Medicina;  mas  tambom  nasceo  Simoa  Tavares,  qtie 
casou  com  Antonio  Lopes,  fìllio  de  Alvaro  Lopes,  nobre  Cavalleiro;  e  di 
tal  casamento  nasceo  Francisca  Carueira,  que  casou  com  Bartholomeu  de 
Amarai,  de  que  ficarno  Tillios,  Amaraes  da  Beira,  e  Carneiros  do  Porto. 

idi  Dos  Novaes  Coutinhos,  e  dos  Quentaes  Senoes  trala  o  Condc 
D.  Pedro  tit.  65,  e  a  Chronica  d*el-Kei  U.  Mauoel.  Houve  pois  bum  gran- 
de fidalgo  chamado  Vasco  Fernandez  de  Mendofa  Coulinlio,  senbor  do 
Coutim,  e  de  outras  terras,  que  teve  os  fìllios  seguintes:  primeiro,  de 
quo  Ingo  fallaremos:  segundo,  Lopo  Aflbnso  Novaes  Coutinlio,  de  que 
casado  nascco  Bui  Lopes  Coutinlio  em  Li.^ioa.  e  D.  Felippa  Couliiiba, 
que  casou  com  o  quinto  Capilào  de  Sào  Miguel  Buy  Gongiilves  da  Ca- 
mera, Segundo  do  nome;  e  D.  Ignes  Serra:  lerceiro  fillio  foi  o  Gìnde  de 
Marialva,  que  casou  a  fìllia  unica  com  o  Infante  D.  Fernando,  irinfio  d  el- 
Rei  D.  Joao  IH,  e  o  Conde  de  Borba,  depoìs  Conde  do  Redondo.  0  pri- 
meiro fillio  pois  do  diti)  Vasco  Fernandes  foi  Francisco  Botellio  de  No- 
vaes Quental,  (que  por  Quental,  e  Novaes,  e  parcce  que  pela  mai  des- 
cendia  da  illustre  fidalguia  de  Franca,  e  foi  o  primeiro  que  em  Pertugal 
usou  dos  ditos  appellidos);  deste  nasa*o  D.  Maria  de  Novaes  Quental, 
Dama  da  Bainlia  mulber  d  el-Bei  D.  AiTunso  V  de  Portugal,  e  d  abi  c;;- 
soii  com  Ambrosio  Alvarez  Homem  de  Vasconcellos,  fìllio  de  Pedralves 
flomem,  e  de  Dona  Margarida  Mendes  de  Vasamcellus,  irmà do  Capìtùi 
de  Macliico  da  Madeira;  e  foi  para  a  illia  Terceira  o  dito  Ambrosio  Al- 
varez Ilomem  com  a  diUi  sua  mulher  e  com  datas  de  tecras,  e  o  officio 
de  Memposteiro  mór  de  Cativos  em  todas  as  Illias. 

193  Desta  D.  Maria  de  Novaes,  e  do  dito  Ambrosio  Alvai-pz  IIo- 
mem  de  Vasconccllus  ^grandes  lìdalgos)  fui  primeiro  fìlbo  Pedro  de  Nu-       , 


uv,  y  TiT.  VI  26T 

vaes,  que  casOu  em  Suo  Miguel  com  Beatriz  Botclha,  fìlTta  de  Antao  Gon- 
(alves  Botelho,  e  neta  de  GoDcialo  Vaz,  o  Grande,  e  por  provisao  ReaL 
(dì  Locotenente  do  DoDatario,  e  deo  muitas  terras  de  sesmaria;  e  d'elles 
oasceo  Joào  Serrao  de  Novaes,  que  casou  com  BeaLrìz  Lopes,  filila  de 
Lopo  Dias»  na  Praia  da  Terceira;  dos  quaes  foi  filho  Miguel  Serr3o,  que 
casou  0)01  Isabel  Nunes,  filha  de  ftlanoel  Galvao,  e  de  Catharina  Nunes, 
e  oasceo  d'elles  (aiém  de  outros  filhos)  huma  filha,  que  casou  com  Ma- 
noel  da  Fonseca  (fìdalgo  horaem  da  Terceira);  do  diro  Joao  Serrao  do 
Novaes  nasceo  tambem  Manoel  Serrilo,  que  casou  com  Isabel  Gongal- 
ves,  e  Catharina  de  Novaes,  que  casou  eom  Bartholomeu  Boteiho,  varào 
fidalgo,  e  Isabel  Serra,  que  casou  em  Villa  Franca  com  Manoel  da 
Ponte. 

194  Nascerao  mais  do  dito  Fedro  de  Novaes,  primeiramente  André 
de  Novaes,  Capi  tao  das  Galés  de  Carlos  V,  e  Francisco  de  Novaes,  quo 
caaoa  com  Joanna  Ferreira  de  Drumond  na  liha  da  Madeira,  descenden- 
te da  Rainha  de  Escocia  0.  Bella;  item,  Margarida  de  Novaes,  que  casou 
em  Villa  Franca,  e  della  nasceo  Joao  de  Novaes,  que  casou  com  Maria 
Jorge,  filha  de  Jorge  Affonso,  do  Nordeste,  de  que  bouve  filhos;  e  final- 
mente nasceo  do  mesmo  Fedro  de  Novaes,  Antonio  de  Quental,  que  ca- 
sou com  Isabel  Cardosa,  fidalga  de  Lisboa. 

195  Da  sobredita  D.  Maria  de  Novaes  nascerao  (além  do  dito  filho 
Fedro  de  Novaes)  Fernao  de  Quental,  que  casou  com  Margarida  de  Ma- 
tos,  filba  de  Joao  da  Castanheira,  fidalgo  que  veio  de  Fortugal,  e  deo  o 
nome  a  hum  pico  acima  da  Cidade  de  Fonta  Delgada;  e  d  esHes  foi  filho 
ÀUonso  de  Matos,  que  primeira  vez  casou  com  Guimar  Galvoa,  filha  de 
Fernao  Gon(^lves;  e  segunda  vez  casou  com  Beatriz  Cabeceiras,  filha  de 
Bartlmlomeu  Rodriguez  da  Serra;  e  da  primeira  mulher  teve  n  Sebastìào 
de  MalQs,  e  outros  filhos.  Item,  Toi  pai  de  Fernao  Quenta  1,  e  Hieronymo 
Quental,  que  casou  com  huma  filha  de  Pedro  Jorge,  de  que  nasceo  Ma- 
ria Quental,  que  casou  com  Ballhezar  Gongalves,  filho  de  Gongalo  Anes 
Itamires;  e  Isabol  Quental,  que  casou  com  Salvador  Goucalves,  filho  tam- 
bem do  dito  Gonzalo  Anes  Ramires..  Nasceo  mais  do  sobredito  Fernao 
de  Quental  Isabel  de  Quental,  que  casou  em  Villa  Franca  com  André  de 
Ponte  de  Sousa.  Da  sobredita  l).  Maria  de  Novaes  nasceo  mais  Louren- 
co  de  Quental,  que  viveo  em  Portugal,  e  d'elle  procedem  os  Novaes,  e 
Quentaes  do  dito  Beino;  item,  nasceo  D.  Violante  de  Novaes,  que  da  Uba 
Terceira  fui  para  Dama  da  Rainha,  e  monco  solteira;  e  emfim  nasceo 


2G6  HISTORIA  INSCLANA 

Formigo,  do  habito  de  Santiago,  de  que  fìcou  inulta  descendencia  enì 
Ribeii'a  Grande. 

191  Quarto  filho  do  mesmo  Fernao  de  Anes  Tavarcs  fui  Guimar 
Fernandez  Tavares,  que  casou  coni  Itui  Lo|)es  Barbosa,  fidalgo  que  dVU 
la  houve  muitos  nilios.  Quinto  Toi  Felippa  Tavares,  que  c^isou  cono  Luis 
Pires  Gabea,  de  que  ficarào  eni  Ponta  Delgada,  e  em  Villa  Franca  mui- 
tos descendentes  chainados  Cabeas.  Sexto  FiIho  foi  Anna  Tavares,  que  ca- 
sou com  Antonio  Carneiro,  Cidadào  do  Porto,  prinu)  coirmao  de  outro 
Antonio  Carneiro,  Secretarlo  d'el-Hei,  e  pai  de  Pedro  de  Akuiceva,  So- 
crelario  tambem  d'el-Rei;  deste  casamento  nascerao  dous  filhos  cegos, 
Frei  Antonio  lìarneiro,  Franciscano,  e  Mi}(uel  Tavares,  que  sendo  ce^o 
se  Tormou  Doutor  ein  Medicina;  mas  tambem  nasceo  Simoa  Tavares,  que 
casou  com  Antonio  Lopes,  filho  de  Alvaro  Lopes,  nobre  Cavalleii-o;  e  d?) 
tal  casamento  nasceo  Francisca  Carneira,  que  casou  com  Bartholomeu  de 
Amarai,  de  que  ficarào  fillios,  Amaraes  da  Beira,  e  Carneiros  do  PorU». 

192  Dos  Novaes  Coutinhos,  e  dos  Quenlaes  Serróes  trala  o  Condo 
D.  Pedro  tit.  63,  e  a  Clironica  d'el-Uei  U.  Manoel.  Houve  pois  huin  gran- 
de fidalgo  chamado  Vasco  Fernandez  de  Moiidoga  Coulinho,  senhor  de 
(ìoutim,  e  de  outras  terras,  que  teve  os  filhos  seguintes:  primeiro,  do 
que  logo  fallaremos:  segundo,  Lopo  AlTonso  Novaes  Coulinho,  de  que 
casado  nasceO  Bui  Lopes  Coulinho  em  Lisi)oa.  e  D.  Felippa  Coutinha, 
que  casou  com  o  quinto  Capilào  de  Sao  Miguel  Uuy  Gongidves  da  (Mi- 
niera, segundo  do  nome;  e  D.  Ignes  Serra:  terceiro  filho  foi  o  Ginde  do 
Marialva,  que  casou  a  lìlha  unica  com  o  Infante  D.  Fernando,  irniao  del- 
Rei  D.  Joào  IH,  e  o  Conde  de  Borba,  depois  Conde  do  Bedondo.  0  pri- 
meiro filho  pois  do  dito  Vasco  Fernandcs  foi  Francisco  Boteiho  de  No- 
vaes Quental,  (que  por  Quenlal,  e  Novaes,  e  parcce  que  pela  mài  des- 
cendia  da  illustre  fidalguia  de  Franca,  e  foi  o  primeiro  que  em  Perlugal 
usou  dos  ditos  appellidos):  deste  nasceo  D.  Maria  de  Novaes  Quental, 
Dama  da  Bainha  mulhor  dei-Bei  D.  AlTonso  V  de  Portugal,  e  d  ahi  ca- 
sou com  Ambrosio  Alvarez  flomem  de  Vascx)ncellos,  filho  de  Pedralves 
Homeni,  e  de  Dona  Jlargarida  Mendes  de  Vasconcellos,  irnià  do  Capila.') 
de  Machico  da  Madeira;  e  foi  para  a  liha  Terceira  o  dito  And)rosio  Al- 
varez Homem  com  a  dita  sua  mulher  e  com  dalas  de  leu'as,  e  o  officio 
de  Meniposteiro  mór  de  Calivos  em  todas  as  Ilhas. 

193  Desta  D.  Maria  de  Novaes,  e  do  dito  Ambiosio  Alvarez  Ho- 
mem de  Vasconcellos  ^grandes  lidalgos)  foi  primeiro  fillio  Pedro  de  Nu* 


Liv,  y  TiT.  VI  26T 

vaes»  qne  casóu  em  Suo  Miguel  com  Beatrìz  Botclha,  fìllia  de  Antao  Gon- 
Calves  Boielho,  e  neta  de  Gonzalo  Vaz,  o  Grande,  e  por  provisao  Beai 
Ibi  Locotenente  do  Donatario,  e  deo  mujlas  terras  de  sesmaria;  e  d  etles 
nasceo  Joao  Serrao  de  Novaes,  que  casou  com  Beatriz  Lopes,  filha  de 
Lopo  Dias,  na  Praia  da  Tercetra;  dos  quaes  Toi  fìllio  Miguel  SerrSo,  que 
casou  com  Isabel  Nunes,  filha  de  Manoel  Galvao,  e  de  Catharina  Nunes, 
e  nasceo  delles  (além  de  outros  fillios)  huma  filha,  que  casou  com  Ma- 
noel  da  Fonseca  (fìdalgo  homem  da  Terceira);  do  dito  Joào  Serrao  do 
Novaes  nasceo  tambem  Manoel  Serrao,  que  casou  com  Isabel  Goncal- 
ves,  e  Catharina  de  Novaes,  que  casou  eoin  Bartholomeu  Boteiho,  varào 
fidalgo,  e  Isabel  Serra,  que  casou  em  Villa  Franca  com  IManoel  da 
Ponte. 

i94  Nascerlo  mais  do  dito  Pedro  de  Novaes,  primeiramente  André 
de  Novaes,  Capitào  das  Galés  de  Carlos  V,  e  Francisco  de  Novaes,  quo 
casou  com  Joanna  Ferreira  de  Drumond  na  liha  da  Madeira,  descenden- 
te da  Rainha  de  Escocia  D.  Bella;  ìtem,  Margarida  de  Novaes,  que  casou 
em  Villa  Franca,  e  della  nasceo  Joào  de  Novaes,  que  casou  com  Maria 
lorge,  filha  de  Jorge  Alfonso,  do  Nordeste,  de  que  houve  filhos;  e  final- 
mente nasceo  do  mesmo  Pedro  de  Novaes,  Antonio  de  Quenlal,  que  ca- 
sou com  Isabel  Cardosa,  fidalga  de  Lisboa. 

195  Da  sobredita  D.  Maria  de  Novaes  nascerao  (além  do  dito  fillio 
Pedro  de  Novaes)  Fernao  de  Quentai,  que  casou  com  Margarida  de  Ma- 
tos,  filha  de  Joào  da  Caslanheira,  fidalgo  que  veio  de  Porlugal,  e  deo  o 
nome  a  hum  pico  acima  da  Cidade  de  Ponla  Delgada;  e  d  e^^tes  foi  fillio 
AfloQso  de  Matos,  que  primeira  vez  casou  com  Guimar  Galvoa,  filha  de 
Femào  Goncalves;  e  segunda  vez  casou  com  Beatriz  Cabeceiras,  filha  de 
Barlliolomeu  Bodriguez  da  Serra;  e  da  primeira  mulher  teve  a  Sebastiào 
deMalos,  e  outros  filhos.  Item,  Toi  pai  de  Fernào  Quenta  1,  e  Hieronymo 
Oocnlal,  que  casou  com  huma  filha  de  Pedro  Jorge,  de  que  nasceo  Ma- 
ria Quental,  que  casou  com  Balthezar  Gon^alves,  filho  de  Gongalo  Anes 
ftaniires;  e  Isabel  Quental,  que  casou  com  Salvador  Goncalves,  filho  tam- 
1*09  ilo  dito  Gonzalo  Anes  Ramires.. Nasceo  mais  do  sohredito  Fernào 
de  Quental  Isabel  de  Quental,  que  casou  em  Villa  Franca  com  André  de 
Ponte  de  Sousa.  Da  sobredita  D.  Maria  de  Novaes  nasceo  mais  Loureu- 
Co ile  Quental,  que  viveo  em  Portugal,  e  delie  procedein  os  Novaes,  d 
Quenlaes  do  dito  Beino;  item,  nasceo  D.  Violante  de  Novaes,  qne  da  liha 
Teic<ìira  fui  para  Dama  da  Bainlia,  e  monco  soUeira;  e  emfim  nasceo 


270  HISTOWA  INSriANX 

fio  dito  scu  Pondador,  corno  Ibes  merece,  pois  n3o  sei  que  sahissetn 
iiinda  com  sua  vida. 

200  Dos  Machados,  e  Farias  de  Sao  Miguel  muito  havia  que  dizer, 
porqne  por  .Machados  descendem  de  hum  Gaspar  Machado,  e  de  scu  lì- 
Ilio  Joào  Machado  Cannona,  naturaes  de  Barcellos  de  Entre  Donro  e 
Minho.  e  da  illustre  ramilia  dos  Machados  de  Montebello,  grande  senhor 
(le  muitas  lerras,  de  que  trataremos  quando  dos  Machados  da  liha  Ter- 
ceira.  Dos  Farias  diz  o  Doutor  Fructuoso  liv.  4,  cap.  54,  que  llies  veio 
i'ste  appellido  de  hum  antigo  ascendente  seu,  que  obrando  huma  grande 
fafaiìha,  e  ouvindo-a  o  Rei  perguntou  quem  a  fizera;  e  noracanrto-se-lhe 
;ì  pessoa,  jà  famosa,  accrescentou  o  Rei,  e  Esse,  faria;t  e  d'aqui  tomoli 
o  ohrador  de  faranhas,  e  todos  seiis  descendentes,  o  appellido  de  Farla. 
Vejrio  agora  là  que  illustres  obras  faz  quem  se  intitula  Faria.  Do  dito  pois 
Fernào  Machado,  e  de  seu  fillio  Joao  Machado  ficarao  tres  filhos,  a  sa- 
l)or,  Gaspar  Machado  de  Faria,  Abbadc  rico  em  Villa  de  Conde,  qne 
morreo  no  anno  de  4637,  e  deixou  por  seu  herdeiro  a  hum  seu  primo 
Manoel  Machado  de  Miranda,  fìdalgo  da  casa  de  S.  Magestade*  Outro  fi- 
llio foi  Francisco  Machado,  que  casou  com  Ignes  de  Barros  em  Barcel- 
los; e  0  outro  filho  foi  Antonio  Lopes  de  Faria,  que  de  vinte  annos  foi 
para  a  Ulta  de  Sào  Miguel,  e  là  casou  com  D.  Maria  Pimentel  na  Villa 
<ln  Alagoa  a^m  cem  moios  de  renda  de  dote,  e  morreo  pclos  annos  de 
1GW).  D'esle  matrimonio  nasceo  Antonio  de  Faria  Maya,  que  huraa  vez 
casou  com  D.  Margarida  Nunes,  outra  com  D.  Luiza  do  Canto,  irma  de 
I).  Maria  do  Canto,  m«lher  de  Diogo  Leite  Boteiho,  fidalgo  bem  conhe- 
gdo,  e  cllas  ambas  Fidalgas  da  liha  Terceira;  e  d  oste  Antonio  de  Faria 
Maya  nasceo  Francisco  Machado  de  Faria,  quo  casou,  e  tem  maitos  fi- 
llios.  e  he  huma  das  prìncipaes,  e  ricas  casas  de  Ponta  Delgada.  Mas 
vanios  por  diaiae  com  a  bistoria. 

CAWTULO  XVIII 

Das  rendas,  on  riquezas,  feriilidade^  e  frutos  d'està  Ilha, 

201  Assim  comò  no  Capitulo  antecedente,  e  seus  scis  litulosreco- 
pilàmos  parte  do  muito  que  o  Doutor  Fructuoso  traz  das  Geragoes  d'a- 
qrn»lles  que  descubririlo,  e  povoarào  a  liba  de  Sào  Miguel,  e  muito  mais 
deixamos,  que  vira  mais  propriamente  na  bistoria  das  x)utras  Ilhas  ;  as* 


LTVRO  V  CAP.  xvin  271 

«ìm  tambera  agora  recopilaremos  o  muito  mais  que  diz,  ecom  excessiva 
iDiudeza,  das  materias  apontadas  n'este  Capitalo,  qne  elle  Iraz  no  liv.  4, 
e  em  dez  Capitulos,  desde  o  51,  ale  60,  por  nera  fallar  a  substancia, 
nem  lambem  usar  mal  da  paciencia  do  curioso  Leitor. 

204    Ha  cento  e  vinte  annos  rendia  a  Illia  de  Sao  Miguel  para  El- 
Rei,  do  dizimo  do  trigo,  mil  e  duzento8  moios  cada  anno,  e  em  muilos 
annos  jà  mil  e  quinhentos  :  do  dizimo  do  vinho  cada  anno  quinhentas 
Vipas;  e  muito  de  outros  muitos  Trutos,  fora  a  renda  incerta  do  paslel, 
edo  qne  chamào  miuyas,  e  a  grande,  a  dinheiro,  das  entradas,  e  sahi- 
<las  na  Alfandega;  e  isto  sem  se  cultivar  mais  que  a  terfa  parte  desta 
llha.  Rende  ao  Donatario  Conde  de  Ribeira  Grande,  assira  da  redizima, 
que  dos  frutos  da  terrra,  e  direitos  da  Alfandega  Ihe  dà  El-Rei,  corno 
(los  moinhos  de  toda  a  llha.  e  do  mteiro  dizimo  do  pescado,  ervagens, 
«saboaria,  e  de  outras  rendas  que  la  tem,  e  ainda  na  Uba  da  Madeira, 
rende  Ihe  ludo  licitaraente  trinla  rail  cnizados  cada  anno,  e  rauito  mais 
eslando  là  :  licitaraente  digo,  porque  houve  jà  ascendente  seu,  que  es- 
tando na  llha  abarcava  tddo  o  navio  que  vinha,  comprava-lhe  as  fazen- 
'las  que  trazia,  e  d  ellas  fazia  estanque  na  terra,  e  as  punlia  a  vender 
em  logeas  de  caixeiros  seus,  e  Ihes  punha  os  precos  qne  qucria;  e  para 
pagar  aos  navios  contratava  cora  os  Conventos  de  Freiras,  e  homens  ri- 
i'os  da  terra,  tomando-lhes  os  seus  trigos,  e  obrigando-se  a  Ihos  dar  ja 
inoidos  em  farinhas  nos  moinhos;  porém  comò  os  Conventos,  e  ricos  nào 
inandav3o  trigo  ao  moinho,  e  so  mandavao  buscar  farinha,  e  està  a  nào 
Nia  haver  no  moinho,  seni  ter  ido  a  elle  trigo  de  que  se  fizesse,  co- 
llido este  engano,  se  levantou  tal  motim  em  toda  a  llha,  que  correo 
grande  perigo  nào  so  a  casa,  mas  ainda  a  familia,  e  a  pessoa  do  tal  Do- 
natario, se  logo  nlio  mandasse  por  muitos  barcos  buscar  trigo  às  outras 
"has.  e  melel-o  nos  moinhos:  e  comtudo  foi  mandado  tirar  da  llha  para 
Porliìgal  0  tal  Capitao  Donatario.  Veja  cada  hum  comò  se  ha. 

203  Alcm  das  grandes  rendas  d'el-Rei,  e  dos  Donatarios.  ha  homons 
15o  ricos  nesta  llha,  que  fora  outras  grandes  rendas  a  dinheiro,  Rui  Vaz  Ga- 
P^fchamado  o  do  Irato)  chegou  a  ter  mil  e  Irezentos  moios  de  trigo  do 
i'<?nda.  cada  anno.  Ayres  Jacome  Correa  teve  quatrocentos  moios  de  renda 
6  seiscentos  mil  réis  cada  anno  na  Terceira  em  dote  de  sua  mulher,  e 
outras  varias  rendas;  e  jà  seu  pai  Bar5o  Jacome  Raposo  tinha  duzentos 
n^oios  de  renda;  e  irezenfos  moios  de  renda  tinha  Jacome  Dias  Correa. 
^^m  do  Hego  Baldaia  chegou  a  quatrocentos  moios  de  renda;  e  o  mes- 


/ 


272  HISTORIA  INSULANA 

mo  leve  seu  filho  Francisco  do  Rego  de  Sa»  chamado  o  Grao  CnpiUk)^ 
Antonio  de  Bruin  (de  cuja  nobreza  Irataremos  em  seu  lugar)  tintia  de 
renda  annuale  e  (ixa  n*esla  Ilha  tres  mil  cruzados,  e  dous  mil  cruzado:^ 
de  renda  em  outras  Illias,  e  lanlas  fazendas  mais,  que  cliegava  a  perlo 
de  trezenlos  mil  cruzados  de  seu.  Gonzalo  Vaz,  o  Grande,  leve  duzen- 
tos  moios  de  renda;  e  o  mesmo  leve  seu  fillio  Gongalo  Vaz  Bolelho.  Af- 
fonso  Bodriguez  Cabea  leve  de  renda  quatrocentos  moios,  mas  porque 
fui  Bendeiro  d'el-Bei»  lodos  Ih'os  levou.  Boa  sera  a  lembranga  d  eslu 
caso. 

20 i  Fedro  AITonso  Colombreiro  tinha  cento  e  vinte  moios  de  ren- 
da; cem  moios  Antonio  Lopes  de  Paria  na  Villa  da  Alagoa,  fora  outras 
grandes  rendas.  AITonso  Anes  dos  Mosteiros  veio  de  Fortugal,  e  levo 
cento  e  cincoenla  moios  de  renda.  Gaspar  Dias,  o  genro  de  Miguel  Lo- 
pes de  Araujo,  teve  duzentos  moios,  e  mais  de  quinze  mil  cruzados  em 
movcis,  e  nào  menos  seu  irmao  Cliristovào  Dias.  Manoel  Pires  de  Alma- 
da,  fidaigo  da  casa  de  S.  iMagestade,  teve  multa  Tazenda,  e  muitos  fillios, 
dos  quaes  bum  foì  o  Padre  Gonzalo  do  Uego,  da  Comiianbia  ^de  Jesus, 
e  muilo  santo,  e  lelrado.  Finalmente  concine  Fructuoso,  qucjà  n'aquelle 
tempo  OS  Conlratadores  da  liba  de  Sao  Miguel  negociavao  cada  anno  em 
trezenlos  mil  cuuzados,  e  que  biào  àquella  liba  cada  anno  cousa  de  vinte 
e  cince  naos  Inglezas,  e  tanta  a  verdade  dos  da  terra,  que  nem  dez  es- 
crituras  se  fazìào,  nem  se  queixava  alguem,  e  as  letras  que  se  passavào, 
se  cumpriào  ponlualmente.  E  eu  digo  que  queira  Deos  que  sempre  as- 
sim  seja. 

205  Da  fertilidade  d'està  Uba  be  grande  prova,  que  nao  se  semea 
nella  às  folbas,  corno  em  o  Alem-Tejo,  e  em  outras  terras  de  Portugal, 
mas  a  mesuia  terra  se  semca  cada  anno,  e  de  trigo,  e  porque  oste  se 
nào  torna  a  semear,  senao  seis  mezes  depois  de  se  collier  o  antecedente 
ti'igu,  ainda  n'estes  seis  mezes  se  torna  a  semear  a  mesma  terra  de  va- 
rios  legumes,  e  em  Janeiro,  e  Fevereiro  outra  vez  de  trigo,  que  desde 
Junbo  ale  Agosto  se  recolbe,  e  rendia  tanto  no  principio,  que  dava  a 
sessenla  por  bum,  e  ainda  boje  a  vinte  por  bum  rende  ordinariamente, 
recolhendo  vinte  moios  de  trigo  quem  semeou  bum  so  molo,  e  cbamao 
moie  de  terra,  a  que  leva  bum  so  molo  de  semeadura,  e  alqueire  de 
terra,  a  que  leva  de  semeadura  bum  so  alqueire,  e  este  modo  de  fallar 
passou  d'aqui  aos  mais  campos,  de  bortas,  de  pomares,  de  vinbas,  de 
paslos,  e  aiuda  de  matos,  dizendo-se  que  Ticio  tem  dez  alqueires  de  pò- 


LIV.  V  CAP.  XVM  273 

mar,  ham  quarteiro  de  terra  de  hortas,  meio  moio  de  vinha,  hum  moio 
de  malo,  etc. 

206    As  terras,  ou  campos  nos  principios  da  Ilha  pelos  Capit^es 
Donatarios  se  reparliao  de  graga  aos  povoadores,  ao  que  chamavao  dar 
de  sesfharia,  (nome  que  vem  da  palavra  ItalìaDa,  «Semo,»  que  significa 
dividir,  desbastar)  porque  Ih'as  davào,  para  em  os  primeiros  cinco  an- 
Dos  as  porem  cultivaveis,  e  se  ficarem  com  ellas  para  sempre,  ou,  se  as 
nao  fizessem  capazes  de  cultura,  as  perdessero,  e  se  dessem  a  outrem, 
e  a  islo  he  que  vinhao  dos  mais  nobres  de  Portugal  a  povoar  as  Ilhas, 
e  por  isso  os  que  depois  vendiào  algumas  de  suas  terras,  as  vendiào 
l5o  baratas,  que  hum  Fedro  Anes,  sapnteiro,  em  a  Villa  de  Nordesle 
comprou  hum  moio  de  terra  por  huns  sapatos  de  vaca,  (que  entao  va- 
liio  li  tres  vintens:)  e  hum  Adam  da  Silva  huma  lomba  de  terra,  quo 
reodia  mais  de  dez  moios  de  trìgo  cada  anno,  por  cuidar  que  Ib'a  com- 
/  pravao  bem,  a  vendeo  por  qualro  carneiros,  e  huma  viola.  Hum  padraslo 
de  Fedro  Teixeira,  e  de  Antlio  Teixcira,  em  Villa  Franca,  vendeo  humas 
terras  juntas  à  ribeira  do  Salto  de  hibeira  Grande,  por  huma  casinha  de 
telha,  e  terreira  em  Villa  Franca.  Fernao  Alfonso,  avo  materno  de  Fran- 
cisco Pires  Rocha  que  hoje  vive,  (diz  Fructuoso)  e  governa  em  Ribeira 
firande,  comprou  a  hum  Fedro  Aflfonso,  escudeiro  do  Conde  de  Mon- 
santo, cinco  moios  de  terra,  juntos  a  ribeira  da  dita  Villa,  que  hoje  va- 
lem  muitos  mil  cruzados,  e  os  comprou  por  cinco  mil  réis,  comò  consta 
da  escritura  breve,  e  muito  authentica,  feita  em  pergaminho.  A  hum  Af- 
fcoso  Anes  da  Ribeira  Grande  davao  tres  moios  de  terra,  no  posto  cha- 
roado  Pico  do  Ermo,  por  cinco  mil  réis,  e  dous  moios  de  terra  no  mor- 
rò de  Ribeira  Grande,  por  outros  cinco  mil  réis,  e  n5o  os  quiz  comprar, 
por  ser  jà  rico,  e  Ihe  parecerem  muito  caros. 

207  De  tal  barateza  de  terras  de  trigo  se  seguio  valer  o  trigo  t3o 
b^to.  qne  hum  Fedro  Anes,  morador  na  Ribeirinha,  comprou  a  Luis 
Cago,  avo  de  Rui  Gago  da  Camera,  oito  moios  de  trigo  por  tres  mil  e 
dieentoa-  réis,  e  em  pastel  pagos;  e  este  mesmo  Fedro  Anes  deo  seis 
^Iqoeires  de  trigo  por  huns  sapatos  brancos  para  huni  seu  criado,  os 
floaes  valiao  entSo  trinta  réis  sómente:  e  hum  Francisco  Anes,  sendo 
coTKlemnado  em  hum  tostao  para  o  Alcaide,  por  elle  Ihe  deo  hum  moio 
de  trigo.  No  anno  de  1500  e  mais  annos  adìante,  valeo  o  trigo  a  qua- 
tro  réis  o  alqueire  ;  e  vendendo  hum  Affonso  Anes  de  Ribeira  Grande 
^pttlro  moios  de  trigo,  o  comprador,  por  nSo  ter  dinbeiro  prompto, 

VCL.  I  18 


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274  HISTORIA  INSULANA 

Itie  deo  em  paga  a  espada,  e  se  embarcou,  e  o  vendedor  deo  a  espada 
por  bum  loslao,  e  se  deo  a  si  por  muito  bem  pago.  Depois  no  anno 
«le  1507  valia  o  trigo  a  cinco  réis  o  alqueire,  e  bum  mercador  de  Lagos 
do  Algarve,  sobejando-lbe  da  carga  do  navio  dons  mois  de  trigo,  os 
(lava  por  duas  gaUinbas,  e  dous  frangos  qiie  biao  a  vender,  e  nacf  qni- 
2;erao  dar-lb  os,  e  deixou  o  trigo  a  bum  seu  cunbado.  Em  1508  Fer- 
nando Alvarez  de  Ribeira  Grande  disse  à  mullier  que  se  alegrasse,  pois 
tiiilia  muilo  trigo  para  vender,  porque  Ibe  trazia  nova  de  Villa  Franca, 
i|ue  jà  0  trigo  valia  a  seis  tosloes  o  moio. 

208  Luis  Goncalves,  sapateiro  na  Ribeira  Grande,  pedio  a  bum 
Gongalo  Pires  meio  moio  de  trigo  por  buraas  botas,  qne  enl3o  valiao 
«'ito.  ou  nove  vintens;  e  a  outro  bomem,  por  Ib'o  rogar  muito,  aceitoii 
uutro  meio  moio  por  outras  botas.  E  por  bumas  botas  de  cordovao  deo 
lium  moio  de  trigo,  e  tres  couros  de  vacca  postos  na  Villa  da  Alagoa 
lium  Fernao  Alvarez  de  Ribeira  Grande.  E  desta  mesma  Villa  bum  Pe- 
(Iro  Vaz,  valendo  entao  os  sapatos  a  dous  vintens,  mandou  por  Jium 
\inlem  em  dinbeiro,  e  pelo  nutro  vintera  quatr-o  alqueires  de  trigo,  e 
ainda  o  sapateiro  Luis  Goncalves  se  queixava  de  mal  pago.  E  outro 
Fernao  Alvarez,  av6  do  Padre  Baltbezar  Goncalves,  Beneficiado  em  Ri- 
beira Grande,  iiào  quiz  dar  bum  barrete  vermeiho,  que  trouxera  de 
1/isboa,  por  dous  moios  de  trigo.  Mas  que  muito;  se  bum  Joao  Martìns, 
de  alcunba  o  Calcafrades,  vendeo  dez  para  doze  moios  de  terra,  ondo 
chamao  Agua  rctorta,  a  Jo3o  AfTonso  o  velbo  do  lugar  do  Faial,  e  tb'os 
vendeo  por  pano  de  Londres  azul  para  bum  gabào;  e  as  taes  terras  de- 
rào  muito  trigo,  e  paslel?  E  por  nove  moios  de  trigo  comprou  bum  no- 
bre  bum  capuz  de  do.  E  bum  Lopo  Goncalves  de  Ribeira  Grande,  nao 
tendo  onde  jà  recolher  o  trigo  das  eiras,  rogou  ao  Vigario  de  Mibeira 
Grande  Freì  Affonso,  que  na  Estac5o  da  Missa  avisasse.  que  quem  qui- 
zesse  trigo,  fosse  buscar  quanto  quizesse  a  casa  do  dito  bomem,  e  so 
duas  pessoas  forSo  là,  sendo  o  povo  de  mais  de  mil  vizinbos. 

209  Tal  fertilidade  de  terra  até  no  nascer  do  mesmo  trigo  se  es- 
tava vendo,  porque  se  acbou  buma  espiga  de  trigo  com  sessenta  filhas 
ao  pé;  e  em  0  quintal  do  Beneficiado  Joao  Soares  da  Costa,  da  Igreja 
de  S5o  Sebastiao  de  Ponta  Delgada,  se  acbou  bum  pé  de  trigo,  em  qua 
se  contarao  mil  e  trinta  gr5os,  e  de  outros  pés,  bum  tinba  trezentos, 
outro  quinbentos  graos;  e  ainda  em  1665  quem  isto  esci'eve,  vio  que 
sobre  a  paiha  do  trigo,  as  espigas  d'elle  tinbao  oito  e  nove  ordens,  oa 


Liv.  V  GAP.  x\m  273 

rihira  de  graos  de  trigo,  e  havia  à  roda  algumas  de  dez  ordens  de  graoJ5. 

E  barn  Manoel  de  Almeida,  homem  principal  do  lugar  de  Fanaes,  em 

terra  junta  ^  Ermida  de  Nossa  Senhora  d'Ajiida,  achou  cm  sua  seara 

tara  pé  de  trigo  com  cento  e  setenta  espigas,  e  n'ellas  so  quatro  do 

qnatro  ordens  de  grUos,  as  mais  de  sete  ale  doze  ordens;  a  raiz  d'este 

pè  era  t3o  grossa  corno  a  barriga  da  perna  de  hnm  homem,  e  a  rama 

figurava  hnma  gavella;  e  por  isso  este  pendurou  na  Igreja  da  Freguezia. 

ale  qae  da  espiga  a  espiga  o  levarao  os  dcvolos  da  Senhora,  e  isto  se  vio  em 

canno  de  4369  e  da  Ilha  de  Santa  Maria  trouxe Manoel Fernandez, En- 

qaeredor  de  Villa  Franca,  huma  espiga  de  trigo  com  qiiatorze  ordens 

d'elle,  e  jà  n3o  ha  que  admirar  de  hum  Rni  Tavares,  de  Ribeira  Grande, 

semeando  junto  à  sua  eira  dczoito  alqneires  de  trigo,  recolher  d'elles  vinto 

noios;  e  era  rauitas  partes  correspondia  a  terra  com  sessenta  moios  a 

ham  de  semente  ;  e  nao  se  fazia  o  pao  senao  do  oiho  da  farinha,  e  o 

mais  se  nao  aproveitava;  e  no  anno  de  1580  chegou  a  dar  està  Ilha  de- 

ajitomil  moios  de  trigo,  com  ficar  muito  perdido em  as eiras,  pois  nem 

ale  lodo  Outubro  poder  recolher-se  lodo.  E  no  seguinte  anno  de  ISSI 

ainda  houve  mais  trigo;  e  de  cenleio  nenhum  caso  se  fazia,  senao  para 

dar  ao  gado,  e  fazer  da  palha  enxergoes. 

210  _  Porém  comò  o  tempo  ludo  gasla,  parece  que  tambem  foi  gas- 
Undo  a  grande,  fertilidade  da  mesma  terra,  quo  jà  dà  menos  trigo  do 
<ine  d'antes,  e  fez  crescer  d'elle  o  prefo;  de  sorte  que  jà  no  anno  d(», 
'530  chegou  a  valer  a  tres  mil  réis  o  moiq;  e  no  anno  de  15G1  chegou 
ii  a  soìs  mil  réis,  e  no  de  4380  e  84  tornou  a  tres  mil  réis  o  molo,  e 
no  de  83  a  sete  mil  e  duzentos  cada  molo  ;  e  emfìm  hum  anno  por  ou- 
Ito  se  suppoem  jà  hoje  valer  hum  moio  de  trigo  oito  mil  réis;  ter  mil 
nuzados  de  renda,  quem  de  renda  lem  cincoenla  moios,  e  a  està  pro- 
porlo qnera  mais  renda  lem  de  moios,  e  a  causa  nao  he  so  o  serem     / 
jS  as  lerras  menos  ferteis,  mas  tambem  o  mulliplicar  a  gente  muito  em  ^ 
as  Ilhas,  e  gastar  là  mais,  e  o  mandar  muito  trigo  a  Portugal,  ao  Al-/ 
PKe,  a  Africa,  à  Madeira,  ao  Brasil  em  farinhas  jà;  e  haver  jà  là  mais 
dinbeiro  do  que  em  os  principios  havia,  e  jà  faustos,  e  gastos  mui  su-  S 
periluos,  em  busca  dos  quaes  mandào  para  fora  o  trigo,  e  por  isso  Ihes  ^ 
falla  a  mesma  terra,  por  castigo  Divino  de  peccados. 

244  N3o  he  comtudo,  de  so  trigo,  a  fertilidade  d*estallha,  porque 
lambem  nas  carnes  de  loda  a  casta  he  tao  fertil,  que  lan^ados  gados 
•^dla,  moltiplicarao  de  modo,  que  em  muitos  aonos  nao  bouve  a^ougue 


276  HtSTORIA  INSULANA 

na  liba,  mas  cada  bum  mandava  matar  a  vacca,  e  cameiro  qae  qaeriar 
e  a  melbor  carne  tornava  para  sua  casa,  deixando  de  graca  a  mais  a 
quem  levar  a  quìzesse,  e  nem  de  cabecas,  nem  miudos  faziSo  caso  en- 
tào;  e  quando,  passados  alguns  annos,  cbegou  a  vacca,  e  cameiro  a 
por-se  em  pre^o  de  tantos  seitis,  e  quando  a  real  se  vendia  o  arratel,  e 
0  gado  sem  custar  prego  algum  se  hia  buscar  ao  mato;  mas  custavSo  os 
porcos  a  tomar,  por  se  terem  feito  bravos,  e  se  bia  em  montana  a  el- 
les,  até  que  se  domestìcarao;  e  toda  està  casta  de  carne  be  tao  boa,  que 
a  vacca  be  corno  a  de  entre  Douro,  e  Minbo;  os  porcos  corno  os  da  Bei- 
ra,  e  melbores  por  se  susteniarem  com  junsa,  e  leite;  e  be  a  carne  tao 
cxcellente,  e  barala,  que  leitoes  bons,  e  gordos  valiào  aDtiganaente  a  dez 
icis,  e  quando  multo,  a  vintem,  e  boje  valem  a  tostao,  e  mais;  e  bum 
porco  de  chiqueiro,  e  de  Ires  annos  valla  bum  cruzado,  e  jà  agora  vale 
tres  ou  quatro  mil  réis,  e  mais;  e  erao  de  antes  tao  gordos,  que  da  sua 
mantelga  dava  bum  porco  doze  canadas;  mas  ao  diante  valeo  tudo  tanto 
mais,  que  por  carestia  se  refere  vendem-se  vinte  vaccaa  grandes,  e  jà 
prenbes,  por  vinte  cruzados. 

212  Nem  suo  menos  as  cames  de  aves  de  penna,  porque  além  de 
algumas  bravas  que  se  acbarao  na  terra,  vierao  gallinbas  de  toda  a  cas- 
ta, e  multìplicarao  tanto,  que  se  davao  trinta  ovos  por  dez  reis,  e  pelo 
mesmo  prego  buma  gallinba,  e  por  quatro  reis  bum  frango;  e  com  ovo» 
jugavao  OS  rapazes  as  suas  laranjadas;  e  de  Guiné  vierao  no  principio 
gallinlias  de  outra  casta,  mais  pequenas,  e  de  maiores  pennas,  e  no  cor- 
rer mais  ligeiras,  ainda  que  no  voar  mais  tardas,  e  os  ovos  que  punhao, 
erào  pardos,  e  quasi  pretos,  sendo  ellas  em  muita  parte  de  cor  branca, 
e  cinzenta,  e  a  estas  cacarao  tanto  que  as  desingarOo.  Pombas,  e  pom- 
bos  se  acbarao  tantos  n'esta  Ilha,  e  de  tao  varias  castas,  e  tao  confiados 
que  vendo  de  novo  gente,  se  Ihe  vinbao  por  nas  cabegas,  em  os  hom- 
bros,  e  nas  maos,  e  por  mais  que  as  apanbavào,  cada  vez  se  vinbao  en- 
tregar  mais,  sem  sabereni  acautelar-se,  por  nao  terem  ainda  visto  gen- 
te;  d  onde  veio,  que  corno  os  de  Portugal,  indo  àquelia  liba,  com  qual- 
quer  cousa  enganavao  aos  primeiros  Ilhéos,  e  liies  levavao  por  ella  os 
mais  ricos  frutos  que  da  terra  tinhao,  em  comparacào  de  sua  malicia, 
charaavao  àquelles  Ilhéos,  pombas  na  candura;  e  ob  prouvera  a  Deos  qua 
ainda  boje  assira  fossem! 

213  Das  outras  aves  ba  tantas,  que  de  humas  que  cbamao  Eslapa- 
gados,  na  praia  de  Villa  Franca  cagadores  tomarào  a  dez  mil;  e  de  oo- 


Liv.  V  CAP.  xviii  277 

Iras  ^  que  cham3o  Parddlhas,  tres  cacadores  em  huma  noite  matarao  sete 
mil  e  seiscentas,  e  outras  vezes  em  carros  as  traziao:  e  corno  estas  Par- 
delbas  sao  pretas  corno  corvos,  e  de  corpo  tao  pezado  corno  palas,  e  bico 
de  Gaviào  com  que  pilhao  o  peixe  de  que  vivem,  das  pennas  se  enchiao 
OS  colclìoes,  a  pe'ie  se  derretia  corno  toucinbo,  e  della»  e  do  corpo  lo- 
do (se  Ihes  tapao  a  boca  quando  as  apanhtto)  se  tira  tanto  azeìte,  que 
cada  dez  Pardelbas  davao  ordinariamente  buma  Canada,  e  os  cai^dores 
d  ellas  em  voltando  pareciao  lagareiros  de  azeite.  Em  Àfrica  ba  ainda 
d'estas  aves,  no  inverno  até  Margo,  no  mais  tempo  nao  aturao  a  maior 
queotura,  e  em  S.  Miguel  as  desincarao  os  foroes.  Em  alguns  tempos  se 
vem  na  dita  Andorinbas:  de  fora  Ibe  vem  Falcoes,  Conos,  Afores,  pa- 
las bravas,  e  ba  muitos  linlilboes,  algumas  alveloas,  loulinegros,  cana- 
rios  poucos  n*esta  Uba:  mas  innumeraveis  meiros,  e  muitos  de  cor  bran- 
ca, e  de  regalada  musica. 

214  Rolas  fez  trazer  à  Uba  bum  dos  Capilaes  Donatarios:  oulro  fez 
levar  perdizes,  e  multiplicarào  tanto,  que  jà  biao  sendo  praga,  e  s3o  lan- 
tas  ainda,  que  ordinariamente  valem  a  trinta  réis,  e  por  muitas  dizem 
alguns,  que  de  Portugal  là  vao,  que  nao  sao  tao  boas,  e  na  verdade  nao 
sio  tao  preciosas;  visto  serem  tao  baratas:  o  certo  be  que  da  Uba  veni 
a  Lisboa  grandes  barris  cbeios  d'ellas,  e  que  sao  as  melbores  de  Lis- 
boa, por  Ibe  virem  dadas.  Codornizes  s3o  lantas  na  tal  Uba,  que  ordi- 
oariamente  dao  quatro,  e  mais  por  bum  vintem,  e  sao  comò  pequenos 
perdigolos,  e  ainda  mais  sadias,  que  cozidas  fazem  buma  exceliente,  e 
temperada  cea  com  bum  vintem,  comò  com  este  tambem  a  faz  bum  coc- 
IIk)  assado,  e  com  pouco  mais  custo  buma  perdiz,  ou  bom  frango:  que 
quanto  o  carneiro  nao  be  demasiado  na  Uba  de  S.  Miguel.  Mas  das  co- 
dornizes ba  menos  em  Portugal,  e  nenbumas  em  muitas  partes  d'elle. 
Deixo  as  mais  castas  de  carnes,  comò  de  patos,  perùs,  cabritos,  borre- 
gos,  e  loda  a  casta  de  lacticinìos,  e  baratissimos. 

2i5  0  peixe  be  tanto  em  està  Uba,  que  de  loda  a  casta  o  matavao, 
tomando-o  à  m9o,  e  a  borda  do  mar  sem  anzol,  e  até  aos  porcos  engor- 
davao  com  peixe,  e  ninguem  o  queria  ji  salgado.  Os  peìxes  que  cbamao 
Cavallas  erao  tantos  comò  as  sardinbas,  onde  ba  muitas,  e  assim  davao 
seis^Cavallas  ao  real,  e  sardinbas  aos  cestos,  e  noventa  gorazes  por  bum 
viuffim,  e  ale  dos  pargos  nao  se  aproveitavao  senao  das  ventrecbas;  e 
Bem  do  mais  regalado  peixe,  que  cbamao  Bicudas,  faziao  muito  caso;  e 


278  HISTOniA  INSULANA 

chegou  lempo  que  nem  às  ceas  comiao  senaQ|galIirriias,  frangos,  coeRies» 
cabritos,  borregos,  aves,  etc. 

216  Do  vitibo  se  Dao  fazem  n'esta  Uba  vinbas,  (corno  nem  nas  ov- 
tras  Ilbas)  senào  em  campos  de  biscooto,  que  da  terra  com  o  fogo  fot 
formado,  e  assim  se  admirao  todos  moito  de  ouvìr  dizer,  ìsg  cavao  as 
vinbas,  porque  as  nao  ba  aonde  a  terra  se  póde  cavar  ou  lavrar,  e  dar 
trìgo,  ou  outras  searas;  e  nao  fazem  mais  que  piantar  as  vinhas  entre  o 
biscouto,  pedras,  e  lagens,  podar  as  vides,  mondal-as  das  silvas,  e  erva 
ìnimiga,  e  vindimar  as  uvas  estendidas  sobre  as  iagens;  e  em  maitas 
partes  he  assim  o  vinbo  exceliente,  posto  que  o  nao  seja  tanto  n'esta 
]|ha,  por  mais  bumida,  e  do  Sol  menos  ferida;  e  tempo  boore  em  quo 
lium  Jorge  Gon^alves  Cavaileìro,  morador  em  Ribetra  Grande,  mandou 
com  0  vinbo  da  terra  amassar  a  cai  para  bumas  casas  que  fazia;  poréni 
na  verdade  foi  excesso,  porque  desta  Uba  o  vìnho  he  bom,  e  cliega  a 
dar  d*cile  ciuco  mit  pipas,  e  da  Madeira  ihe  vem  mais  exceliente,  e  vale 
dobrado. 

217  Das  terras  lavradias  nao  so  se  occupao  em  o  trigo  as  mais  d'eU 
las,  mas  tambem  em  lìnho«  e  tanto,  que  ainda  vai  para  as  outras  Ilbas, 
para  o  Brasi!,  e  para  Portugal;  aonde  Ibe  levantao  que  he  de  menos  du- 
ra, e  curado  com  sTgua  salgada;  sendo  que  Ribeira  Grande,  que  he  a 
mai  do  linbo,  he  cbeia  de  ribeiras  de  agua  doce,  onde  o  linbo  se  cura; 
e  0  certo  be  que  o  que  da  Uba  vem  de  mimo,  e  sem  pre(o,  mas  dado 
a  Portugal,  be  n*este  o  n\ais  perfeilo,  e  estimado  linbo,  (corno  se  ve  nas 
ricas  Àlvas,  penteadores  preciosos,  sobrepeiizes,  linbas.  botoes  admìra- 
veis)  e  so  0  que  vem  a  vender,  padece  a  nota  de  ser  de  meuos  dura» 
porque  custa  mais. 

218  Outras  terras  se  semeao  de  pastel,  que  he  huma  erv^  vinda 
de  Tolosa,  e  seméada  da  bum  genero  de  alfaces,  cujas  fulbas  se  seguo 
primeira,  segunda,  e  terceira  vez^  (e  mais  nao,  porque  jà  nào  serven) 
para  o  seu  firn:)  as  foihas  segadas  se  moem  em  Engenhos,  e  a  massa 
nioida  se  poem  em  taboleiros  feila  em  bolos,  que  na  figura  parecem  pùes» 
ou  pasteis,  de  que  touiàrao  o  nome,  e  bem  escorrida  se  eoa  ao  Sol,  e 
seca  a  metem  em  togeas  ladrilbadas,  a  cada  dez  quinlaes  de  pezo  d'ella 
Ibe  deitao  huma  pipa  de  agua,  para  que  ganiie  cator,  virando  a  ao  me- 
nos cada  dous  dias,  e  quasi  feila  em  [mj,  se  vende  aos  quintaes  d^ezi>, 
e  no  principio  custava  dous  tosloes  cada  (luintai  até  passar  muito  de 


/^ 


Liv.  V  GAP.  xvni  279 

dous  mil  reis;  e  de  Inglaterra,  Hollanda,  e  ale  de  Sevilha  vinh3o  navios 
a  canx'gar  de  pastel,  por  meUior  com  elle  pegarem  as  tintas  nos  pau- 
1105.  e  cspe<:ialmente  a  cor  preta.  0  que  sabendo  CURei  fez  conirato  coni 
OS  inoradores  da  Ilha,  de  Ihes  dar  Engenlios  proinplos  para  moerem  :) 
pastel,  e  a  Cosla  segura  de  Cossarìos,  e  Ihe  pagariào,  além  do  dizimt},    ^ 
a  vintcna,  e  se  Ihe  puzerao  Officiaos  Reaes,  cujo  principal  se  inlilulavn 
Lealdador  dos  pasleis;  mas  porque  os  Offlciaes  Heaes  brevemente  faltii- 
rào  com  os  Engenhos,  para  si  os  fizerao  os  lavradores,  e  comludo  fiCJt-  ^ 
rio  5empre  pagando  o  dizimo,  e  vinlena  a  El-liei,  e  El-Rei  aos  Ollìciaes   y 
OS  seus  salarios:  porém  Deos  Nosso  Senhor  dispoz  que  fallasse  o  con- 
trato  do» pasleis,  e  que  os  Eslrangeiros  para  as  linlas  se  remediasseiu 
la  de  outro  modo,  e  jà  hoje  he  pouco,  ou  ncnhum  esle  coiilrato,  por- 
que  (corno  la  dizem)  «Quien  lodo  lo  quiere,  lodo  lo  pierde.» 

219  Em  higar  pois  do  sobredilo  pastel  enlrou  n'estas  Ilhas  o  mi- 
Ibo,  mas  tao  mal  aceilo,  que  nem  os  oflìciaes,  nem  ainda  os  escravos 
queriào  corner  pào  delle,  nem  ainda  de  mistura  com  o  trigo;  e  ha  mt- 
nos  de  sessenla  annos,  o  pouco  que  semeavào,  so  o  gaslavào  em  assai, 
lenras  ainda,  as  macarocas,  e  comer  o  milho  assado  por  novidade;  di- 
IHiis  a  exemplo  de  Porlugal,  e  oulros  Reinos,  vierao  a  fazer  farinha  do 
milho,  e  mislurado  com  algum  Irigo  corner  o  pao  delle,  que  jà  hoje  ho 
là  tambern  suslenlo  de  muila  pobreza,  e  muito  mais  em  annos,  em  quii 
liouve  menos  trigo.  Mas  lem-se  experimcnlado  que  assim  corno  o  pas- 
cei purificava,  e  ajudava  as  terras,  e  de  sorte  as  estercava,  que  o  trigo 
^meado  depois  do  pasl^el,  sahia  mais,  e  melhor;  assim  pelo  contrario  o 
millK)  grosso  com  a  sua  grande,  e  maci^^i  cana,  e  seu  grado,  e  muilo 
8i'iH>,  attenua,  e  enfraquece  as  terras  das  Ilhas,  e  as  torna  menos  fer- 
tós,  e  se  nao  dà  depois  delle,  nem  tanto,  nem  tao  bom  trigo. 

220  0  treraogo  porém,  jà  d'esde  o  anno  de  1350,  hum  Barào  Fer- 
'^ikIcz,  morador  enlre  os  Mosteiros,  e  Brelanha  de  SOo  Miguel,  foi  o 
Primeiro  que  o  semeou  ao  redor  da  seara  de  trigo,  junto  aos  caminhos 
^m  carreiros;  e  depois  sem';ou  de  tremofos  per  si  sós  hum  alqueire  do 
^«Ta;  e  advertindo  que  depois  o  trigo  semeado  na  terra  que  linha  sid) 
^^  tremocos,  sahia  melhor,  mais  limpo,  e  mais,  para  isto  comefarào  x 
"^r delle  no  lugar  de  Santo  Antonio;  e  achou  se  que  com  suas  raizes, 
^  ramas  (que  qgando  muito  chega  à  cintura  de  hum  homem)  esterca  a 
^fra,  e  com  sua  sombra  Ihe  faz  tanto  l>em,  que  debaixo  delle  nao  nas- 
^  lierva  ma,  antes  a  desin^a  das  mas  hervas.  porque,  corno  dos  legu* 


/ 


280  HISTORIA  INSULANA 

mes  he  o  mais  grosseirOi  dos  peiores,  e  mais  grossos  hamores  da  ter- 
ra é  que  se  cria,  e  por  isso  a  pui^a,  e  deixa  tanto  melhor,  que  se  de^ 
])Ois  do  tremolo  no  anno  seguinte  semeào  a  terra  de  pastel.  e  depois 
(le  trigo;  e  ainda,  se  no  mesmo  anno  semeào  tremolo  em  Outubro*  e  o 
cortao  em  Janeiro,  e  lavrào  sobre  elle  a  terra,  e  semeào  o  trigo,  da  en- 
tào  novidade  excellente;  além  de  que  o  tremolo  se  ado(^  em  agua  do- 
ce,  e  se  come  sem  Tarlar,  ou  enfastiar,  e  vai  a  quarenta  reis  o  alqueire, 
e  algum  se  embarca  para  fora;  e  ale  a  palba  be  para  os  fornos  lenha 
boa,  e  vai  a  carrada  a  dous  lostoes;  e  emlìm  arremeda  ao  Girasol,  para 

0  Sol  sempre  inclinando  com  suas  follias,  e  hastes. 

y  221  Com  OS  Contratadores  que  vinbào  de  fora  a  liba,  vinbao  muitas  ve- 
zes  frutos  de  novo,  e  se  plantavao  na  terra,  e  assim  vindo  buns  de  homa 
jiao  de  Indias  de  Castella,  e  pousando  em  casa  de  bum  Sebastiao  Pires, 
derao-lhe  humas  batalas,  de  que  a  mulher  plantou  algumas,  e  com  vì- 

1  em  jà  murcbas,  nascerao  comtudo,  e  se  multìplicar3o  de  sorte,  que  em 
iiavios  vào  muitas  para  fora,  e  na  terra  servem  jà  aos  pobres  de  sus- 
lento,  e  aos  ricos  de  regalo,  feilas  em  caixas  de  doce  a  que  cbamào  ba- 
tatada,  sao  bumas  raizes  que  se  eslendem  por  baixo  da  terra,  de  meio 
palmo,  de  palmo,  e  de  mais,  em  comprimento,  e  grossura  de  bum  bra- 
go bumano,  com  casca  delgada,  e  lodo  o  àmego  doce,  e  sem  dissabor 
algum;  a  rama  sabe  delgada  sobre  a  terra  com  folbas  comò  as  da  iiera, 
e  plantao-se  em  canteiros  Teitos  a  enxada  debaixo  da  terra;  assadas  ao 
lume  sao  excellentes,  e  multo  sàdias,  e  multo  melbores  que  os  Inbames, 
(a  que  cbamào  cocos)  os  quaes  sào  mais  rus^ticos,  e  saliem  em  follias 
mais  alias  sobre  a  terra,  comò  escudos,  ou  adargas:  e  que  os  mimosus 
se  comem  cuzidos,  e  sào  bons,  e  saluiiferos:  ba  d'elles  muitos,  e  mal 
cullivados,  que  picào  algum  tanto  na  garganta,  e  so  pobres  usào  del- 
]es,  e  sustentào  corno  pào:  e  nem  dos  Inbames,  nem  das  batatas  ba  em 
Portugal,  por  mais  que  alguns  queirào,  que  jà  cà  as  virào,  mas  enga- 
uào-se. 

222  De  an'ores  de  fruto  so  nao  ba  na  Uba  de  S.  Miguel  cereijas, 
e  ginjas;  e  ainda  que  ba  oliveiras,  nunca  d'ellas  se  fez  azeite  algum,  as- 
sim por  poucas.  a  que  o  ar  do  mar  consome,  comò  por  Ihe  ir  de  Por- 
tugal,  de  todas  as  outras  frulas  de  Portugal  ba  là:  e  muilas  sao  melho* 
res,  comò  loda  a  frula  de  espìnlio,  e  loda  a  casla  de^magàs,  e  maiores 
do  que  em  Portugal,  e  muilas  de  muita  dura:  e  algumas  que  sao  prò- 
prias  do  Brasil,  corno  cauas  de  assucar,  flgos,  bauauas,  eie,  que  quauto 


LIV.  V  CAP.  XIX  28  i 

dos  outros  figos,  duas  vezes  em  o  anno  sahem  varias  flgueiras  com 
elles  e  perfeilos,  corno  coro  perfcitas  rosas,  e  cravos  era  o  inverno, 
e  de  toila  a  hortalica  em  lodo  o  anno:  tal  he  d'aquellas  terras  a  fertili- 
dada,  a  qiie  ajnda  multo  o  nunca  haver  grandes  calmas  no  verao,  nem 
frios  grandes  no  inverno,  nem  passarem  muilos  tempos  em  que  deìxe 
de  chover,  e  serepi  Ilhas  fundadas  em  fundamentos  igneos,  e  conser\'a- 
rem  sempre  igual  calido,  e  humido:  e  por  isso  até  com  os  frutos  pro- 
prìos  de  algum  tempo,  se  anticipao  a  elle,  com  albiquorques,  damascos, 
e  alperelies,  e  infìnidade  excellente  de  amoras  d'esde  Maio  por  dtante, 
com  uvas  em  todo  Juiho,  e  vinho  novo  a  vender  no  mez  de  Agosto,  e 
assiro  lodos  os  mais  frutos.  ^ 

223  De  lenlia,  e  arvoredos  duella,  se  achou  tanto  em  Sao  Miguel,  e 
Qo  basta,  e  alta,  que  além  de  por  cima  d'ella  fazerem  em  o  principio  as 
tslradas,  scm  poderem  rompel-a  por  baixo;  até  canas  se  achavSo  de  tan- 
ta grossura,  que  faziao  cangas,  timoes,  e  arados  d*ellas,  e  nao  erao  as 
nuiis  grossas;  e  comò  do  M  aluco  se  afflrma  haver  là  canas  mui  altas,  e 
de  cinco  palmos  de  grossura,  e  cheias  de  tanta  agua,  que  cada  huma  le- 
^a  huma  pipa;  e  de  agua  tao  doce,  e  excellente,  que  d>lla  bebem  os 
Reìs;  assim  affirmava  bum  bomem,  e  homem  verdadeiro,  que  em  Pon- 
ta  Delgada  (sendo  ainda  bum  lugar)  vira  (onde  entao  estava  o  pelouri- 
fìho,  e  defronte  da  cadea)  vira  ainda  buma  malva,  que  sendo  multo  al- 
ta, er-a  da  grossura  de  buma  pipa:  que  grossura,  e  altura  pois  teriao  ou- 
^n»  pàos?  E  com  tudo,  com  a  entrada  do  assucar,  e  Engenbos  delle  na 
"ha,  e  com  ella  ser  estreita,  e  ter  t3o  grandes,  e  profundos  valles,  que 
d'elles  se  nao  podia  irazer  para  fora  a  lenba,  tanta  se  gaslou,  que  fui 
^bem  causa  de  se  tirarem  os  ditos  Engenbos,  e  de  jà  boje  na  Uba  ser 
<^tosa  a  ienba. 

CAPltULO  XIX 

^  ra/ffi/ia,  t  destreza  da  gente  d'està  Ilha,  e  do  muito  que  se  vive  nella, 
e  dos  monstroSf  que  nella  se  virào. 

224  l)*esta  materia  trata  Fructuoso  em  quatro  capitulos,  desde  60 
'te  64  do  seu  liv.  4,  o  principal  tocaremos.  Em  os  principios  da  Uba 
^  niella  os  bomens  t9o  dados  à  montarla,  e  exercitados  nella,  que 
^iD  0  exercicio,  e  continuo,  e  forte  mantimenlo  adquirirao  forgas,  e  des- 
^ezas  estupendas,  A  bum  Fedro  Ribeiro,  e  de  Bibeira  Grande,  inves- 


282  mSTORlA  INSULANA 

tindo  hama  vacca  brava,  e  dando-lhe  por  dianle  huin  furioso  encontrSto, 
ou  focinhada,  elle  immovel  persislindo  saliio  n  eslas  palavras.  tTal  sois 
vós  0  vacca?  pois  comò  a  buina  cabra  vos  bei  de  ordeiibart,e  lan^ando- 
Ibe  a  mao  a  buma  perna  deo  com  a  vacca  em  terra,  e  a  subjugou  do- 
baixo  de  seus  joelbos  coai  tal  forca,  que  quieta  a  ordenbou.  conio  se  fos- 
se buma  cabra,  sem  ella  mais  se  atrever  a  olbar  para  elle:  e  a  buoi  lou- 
10,  a  que  ninguem  se  atrevia  a  apparecer,  com  deslreza  ganhando-lbe  a 
volta,  e  lan^ando-lbe  a  forte  mao  a  cauda,  Ibe  deo  tal  paiicada  em  o  es- 
pinba^^o,  que  derreado  cabio,  e  para  nunliuma  cousa  mais  prestou.  K 
com  este  bomem  ser  grande  de  corpo,  com  suas  maos  levantava  buina 
ancliora  grande  de  navio,  e  a  punba  a  seus  peitos.  E  indo  emfim  a  Afri- 
ca com  0  Capitao  Donatario  Manoel  da  Camera  na  occasìao  da  tomada 
da  Villa,  e  Cabo  de  Gué,  tomou  este  bum  montante,  e  sabindo  aos  Mou- 
ros  matou  tantos,  e  fez  tal  serra  de  morlos,  que  nao  podiào  jà  cbegar- 
Ibe  OS  vivos;  e  acometendo  muitos  mais  à  roda,  depoìs  que  cansou  do 
matar  u'elles»  se  deitou  no  cbao,  dizendo  estas  palavras:  «0'  caes  comei- 
me  agora»,  e  alli  o  maliirào  entào. 

223  Ilum  Joào  Lopes,  que  morava  nos  Mosleiros,  foi  bomem  d:^ 
laes  forcas,  que  andando  na  debniba  coni  buma  cobra  de  gado,  e  \kv 
se  tirar  acaso  o  tamociro  do  mourào.  comegando  a  ir  cabindo  para  a  par- 
te de  buma  rocba  despenbada,  elle  pegando  na  rèz  (]ue  andava  no  mou- 
rào, e  fazendo  fincapò,  teve  mào  em  todu  o  gado,  que  se  bla  jà  despi^- 
nliando,  e  so  duas  rezes  se  alTogarào,  ainda  da  parte  de  cima,  iicandii 
as  mais  todas  vivas;  mas  que  muito,  se  este  bomem,  indo  por  qualquer 
ladeira  com  o  seu  c^irro,  e  bois,  se  bum  d'elles  se  sahìa.  e  cabia  cansa- 
do  jà  da  canga:  elle  o  tornava  em  seus  bra^os,  comò  se  fosse  buma  onc- 
Iha,  e  0  levava  à  canga  oulra  vez?  e  a  qualquer  oulro  boi.  pegando-Ihe 
polo  pé,  ou  pelo  corno,  o  fazia  eslar'quedo;  e  para  casa,  e  de  longe  It- 
vava  hum  boi  morto  às  coslas,  a)mo  se  levasse  buma  cabra:  e  cai  hu- 
ma  occasiào  tomou  sobre  suas  C(»slas  bum  quarleiro  de  trigo  em  deus 
i^acvos  grandes.  e  buma  tarrafii  clieia  de  peixe,  e  tudo  levou  caminiu) 
dti  huina  legoa  para  sua  casa;  e  o  inesmo  faziao  outros  bomens,  es|f 
ciahnente  seu  (ilbo,  Joào  Lopes  Meirinbo:  e  até  lumia  sua  fllba.  Maria 
Lo|)cs,  com  ser  mulbcr  de  Manoel  de  Oliveira,  bomem  rico,  e  nobn», 
diesando  a  liiuaa  mó  de  atafoiìa,  (que  dlGlcìlmente  moviào  dous  boiiu'ns 
e  ineltendo-lbe  o  bra^o  pelo  olbo  da  mó,  a  levanlava,  e  punba  onde  (|uo- 
ria. 


uv.  ▼  CAF.  XIX  983 

226    Balthezar  Rodriguez  de  Sousa  de  Santa  Clara,  de  Ponta  Del* 
gada,  era  bomem  tSo  valente,  que  pegando  com  huina  mao  pela  ponla 
a  bum  touro,  e  com  a  outra  pelo  queixo»  o  derrubava  em  terra;  encon- 
trando  buma  vez  dous  homens  na  rua,  e  a  espada  brigando,  lan^ou-se  a 
bum  grande  cao,  que  bia  passando,  e  pegando-lbe  em  buma  perna,  com 
elle  em  o  ar,  por  nùo  levar  espada,  se  metteo  entre  as  espadas  dos  que 
pelfjavao,  e  esgriraiu  de  tal  sorte,  que  os  contendores  pasmados  de  tal 
liomem,  se  apariarao  entre  si,  e  do  bomem  multo  mais;  ao  qual  dìzen- 
do-ibe  bum  seu  escravo,  e  mouro  buma  vez,  que  o  nao  bavia  acoutar, 
arremeteo  a  elle,  e  tomando-llie  a  barriga  com  as  màos,  de  tal  sorte  Ih  a 
abrìo,  que  Ibe  comegarào  logo  a  sabir  as  tripas  envoltas  em  muito  san- 
gue. Este  mesmo  bomem,  em  langando  a  mao  a  bum  poldro  Turìoso,  o 
fazia  parar,  sem  bolir  mais:  a  hum  grande  cao  de  fila,  feita  aposta,  o 
partio  cerceamente  pelo  lombo  com  buma  cutilada;  e  com  oulra,  pelo 
loeio,  totalmente  dividiu  a  bum  grande  porco  pendurado:  encontrando  a 
lium  almocreve  que  derrubava  buma  parede  para  passar  bum  jumento, 
pegaodo  d'este,  o  lanfou,  comò  pela,  da  outra  banda;  virào-o  por  vezes 
quebrar  entre  as  maos  duas  ferraduras  junlas;  e  com  as  màos  levaiilar 
liuma  pipa  cbeia  de  vinho,  e  pelos  peiitens;  vindo  buma  egoa  callida  cui 
Imma  funda  ribeira,  e  a  seis  bomens  juntos  sem  a  poderem  tirar,  clic- 
Rou  elle,  e  fmcando  os  pus,  pegou  pela  cabefa  a  egoa,  e  a  lanfou  da  ou- 
^■a  parte,  cbamando  aos  bomens  borregos:  e  o  mesino  fez  outra  vez  a 
lium  seu  cavai iu,  Treado,  e  sellado;  e  as  mesmas  forgas  tinbuo,  seu  pai, 
^'u  irmao,  e  dous  seus  filtios. 

,  227  E  ainda  mais  celebrado  caso  foi,  que  levando  o  Onvjdor.  e 
Dìuiia  gente  com  elle,  a  Fedro  Rod;iguez  pri*z  ,  irniào  do  sobredilo 
BalUiezar  Itodriguez,  salilo  esio  com  capa,  e  espada,  e  tirou  a  loddS  o 
f^m  das  màos,  pelejando  mais  de  buma  bora,  e  tornando  o  irinào  a 
e«lregar-se  a  prizao,  o  irmào  Ballhesar  segunda  vez  ìWo  tornou  a  tirar; 
^  vendo-se  ja  ferido  o  Ouvidor,  grilou  da  parie  dei-Bei  que  prendesseni 
Quelle  bomem;  e  com  serem  mais  de  dnzentos  os  da  parie  da  jusliga, 
'iuiica  0  poderào  prender,  e  o  deixarào.  Querelou  entào  o  Ouvidur  da 
'«riila  recebida;  e  defendendo-se  o  Ballbezar  Uodriguez,  ser  a  ferida  lào 
P<iqi:cna,  e  elle  bomem  de  lanlas  forgas,  que  nào  podia  ser  cbogar  a  al- 
K^ein  com  sua  espada,  e  tao  pequena  fenda  impr  imir,  e  qiie  o  niesnio 
Ouvidor  fora  o  que  se  ferirà  nas  guardas  da  sua  espada;  e  euifim  assim 
^  julgou.  Eis-que  cstaudo  janlaado  o  cbamado  feridor,  Ihe  dorào  aviso 


284  HISTORIA  INSULÀNA 

qiie  vinha  o  Ouvìdor  com  muita  gente  armada  a  prendel-o:  e  pergun- 
lando  elle  se  virihao  jà  perto,  e  respondendo-se-lhe  que  vinhao  ainda 
longe,  continuou  o  jantar  com  grao  socego;  mas  tornando  quem  Uie  dis- 
se que  jà  vinha  perto  a  gente  a  prendel-o,  levantando-se  entao,  tomou  a 
lanca,  e  adarga,  e  montando  a  cavallo,  Ities  sahio  ao  encontro,  e  vendo 
mais  de  cem  lìomens  que  vinhao  com  o  Ouvidor  a  huma  carreira  de  ca- 
vallo, metteo  elle  as  pernas  ao  seu,  com  a  lart^a  enrestada.  e  bradando: 
a  Afasia,  afastao,  todos  logo  se  afastarao,  e  passou  livre,  ficando  attoni- 
tos  todos. 

2:f8  0  Casco,  de  alcunlia,  mancebo  morador  em  a  Bretanba,  e  que 
levava  aos  hombros  vinte  alqueires  de  trigo,  vendo  em  Ribeira  Grande 
ir  fugindo  huma  noviiha,  e  muito  brava,  som  querer  entrar  na  cobra  da 
debuiha,  elle  arremefando-se  a  ella,  e  pegando-lhe  pclos  pés,  e  pelas  • 
maos,  a  trouxe  comò  huma  oveiha,  e  a  metteo  em  a  cobra:  bum  filho 
d'esle,  ausentando-se-lhe  hum  furioso  boi,  lanQOu-lhe  a  raao  com  tal  for- 
(a  a  huma  punta,  que  Ih  a  arrancou  do  lugar  onde  estava;  outra  vez  em 
a  ponta  de  Ribeira  Grande,  inveslindo-o  hum  touro,  que  vinha  fugindo 
do  corro  saltando  os  palanques,  elle  com  tal  forga  Ihe  langou  huma  mao 
à  cauda,  e  outra  à  perna,  que  o  derrubou,  e  acudindo  mais  gente  b  le- 
varao  para  o  corro.  Vive  ainda  este  homem,  e  com  ser  velho,  lem  falaes 
forcas  ainda,  (diz  aqui  o  Fructuoso  cap.  G2).  E  outros  homens  havia 
n'esta  liha,  que  langando  huma  mao  à  ponta  de  hum  bravo  touro,  e  lo- 
go outra  m3o  a  barba,  o  estendiào  em  terra. 

229  Christovào  Luiz,  fìlho  de  Fedro  Luiz,  da  Villa  de  Agua  de  Pào, 
foi  tao  forte  cavalleiro,  que  a  cavallo  langava  hum  dardo  tao  longe  com 
a  mHo,  comò  huma  bésta  lanca  huma  setta,  e  ainda  mais.  Antonio  de 
Sa,  fillio  de  Joao  de  Betencor,  e  de  D.  Guimar  de  Sa,  da  Cidade  de 
Ponta  Delgada,  era  tao  valente  homem,  que  em  Africa,  no  cerco  de  Ca- 
bo  de  Guù,  saindo  a  desafio  com  hum  valente  Mouro,  (que  desaflava  aoi- 
Christaos)  arremetendo  a  elle,  o  arrancou,  e  lancando-o  sobre  seus  altos^ 
hombros,  ainda  que  Ihe  deo  n^elles  huma  fcrida  grande,  Ihe  subjugo^i 
as  maos,  e  o  nao  largou,  mas  vivo  o  trouxe,  e  entregou  ao  Capilao.  '^ 
este  mesmo  Sa  sobre  as  duas  palmas  das  m3os  levantava  do  chSo     9 
quaesquer  dous  homens;  e  firmando-se  em  pé  apostava  com  qualqac»r 
iiomem,  que  Ihe  desse  com  huma  tranca  em  as  curvas  com  quanta  for- 
ca pudesse,  que  ainda  0  nào  farìa  curvar;  e  assim  succedia. 

230  Gaspar  Vaz,  parente  de  Baltbezar  Vaz  de  Sousa,  (ambos  de  Bi* 


uv.  V  CAP.  XIX  285 

beira  Grande)  seDdo  Capitao  de  huma  Companhia  em  goerras  de  Italia, 
bntos  Estandartes  tomou  aos  Monros  huma  vez,  que  a  bandeira  Real 
eom  as  mouriscas  armas  mandou  à  Ribeìra  Grande  a  seu  pai,  e  por  mili- 
to tempo  andou  Da  Villa  até  se  romper,  por  a  nao  guardarem  ce  com  a 
estimacao  devida.  A  Gaspar  Homem  da  Costa  forao  desafiar  em  Vill.t 
Franca  bum  Vianez,  e  outro  Algaravio,  e  saindo-lhes  elle  so,  sómente 
ferio  a  ambos,  e  os  deixou  ir  curar-se:  porém  curados  elles,  e  eslando 
jà  para  se  embarcarem,  tornarlo  com  ontros  muitos  a  buscar  ao  mes- 
mo  Gaspar  Homem  para  se  vingarera  d'elle,  e  este  sahindo-lhes  ao  en- 
contro  com  capa,  e  espada  feita,  nenhum  se  atreveo  ao  accometer,  e 
elle  OS  foi  acompanhando,  e  voltando,  Ihes  mandou  bum  bom  mimo  pa- 
ra 0  mar. 

231  Belchior  BaMaya,  nobre  filho  de  Gongalo  do  Rego,  foi  homem 
de  tio  grandes  partes,  corno  se  vera.  Na  Cavallaria  foi  tao  destro,  quo 
andando  com  Carlos  V,  e  vindo  com  elle  a  Hespanha,  nunca  achou  quem 
0  vencesse  em  armas  de  pé  e  de  cavallo,  a  dous  cavallos  saltava  do 
hom  salto  sem  tocar  com  o  pé  em  algum  d'elles,  e  pondo  so  huma  raao 
em  0  primeiro.  Correndo  à  espora  flta,  langava  tao  longe  huma  vara  do 
doze  palmos,  quanto  huma  bésta  deità  bum  virote,  e  huma  vez  na  car- 
reira  do  cavallo  despedio  com  tal  forga  huma  cana,  que  ficou  em  a  anca 
do  cavallo,  e  se  tomou  à  sella  dentro  da  carreira.  Na  Cidade  de  Evora 
poz  publico  cartel  de  desafio,  e  nenhum  o  veflfceo,  nem  a  pé,  nem  a  ca- 
vallo. Foi  t3o  grande  jugador  de  pela,  que  nao  achou  em  Hespanha  quem 
0  ignalasse,  senSo  bum  chamado  o  Pranchas,  e  jugando  com  o  Infanto 
D<  Luis,  acabado  o  jogo,  com  huma  pequena  corrida  saltou  a  corda  por 
ciiQa,  sem  se  ouvir  o  cascavel,  e  o  Infante  Ihe  mandou  dar  vinte  mil  réis, 
<lQe  n'aquelle  tempo  era  data  grande.  Yeio  depois  a  Uba,  e  ensinou  a 
^paohar  do  chao  laranjas,  correndo  a  cavallo.  A  mais  grossa  ferradura 
<|Q^rava  entro  as  maos;  em  cujas  palmas  pondo  a  dous  homens,  os  le- 
'^va,  comò  pélas,  vinte  passos.  Na  praga  de  Ponta  Delgada  vendo  huma 
^  pipa,  ou  bum  quarto  de  tonel  cheio  de  agua  o  tomou  nas  maos,  e 
DO  ar  0  poz  a  boca,  e  bebeo  pelo  baloque,  comò  por  bum  pucaro  de 
^.  Por  vezes  dando  huma  palmada  em  a  anca  de  bum  ginete  cor- 
PBodo  0  nao  pode  alcangar  até  o  firn  da  carreira:  e  vendo  a  bum  caval- 
leiro  em  Evora  correr  em  pé  sobre  hum  cavallo,  correo  elle  outra  car- 
.  ^h  coro  huma  lanca  na  mao,  e  pelo  coto  applicada  ao  nariz;  e  n5o  po^ 
deodo  fazer  tal  o  competidor,  Ibe  respondeo,  tFique  huma  pela  outra:» 


i 


2S6  mSTORIA  INSULANA 

e  corria  a  cavallo  cono  duas  lancas  nas  maos,  e  o  freìo  em  a  boca.  E 
<|narenta  e  cinco  pés  saltava  em  tres  saltos;  e  quarenta  e  sete  pés  além, 
lan(^va  huma  barra  de  vinte  e  cinco  arrateis.  Desafìado  a  huma  iuta, 
mandou  que  Ihe  atassem  o  brago  esquerdo  a  huma  coxa,  e  alado  d'esia 
sorte  derrubou  a  qiiatro  homens;  e  iiivestido  de  bum  touro,  Ihe  deo  tal 
rutilada  em  huma  coxa,  que  logo  o  jarretou.  Seria  nunca  acabar,  contar 
todas  as  faganhas  tle  tal  homem. 

232  Alguns  Algaravios,  indo  à  Uba  buscar  trigo,  procurarao  por 
homens  luctadores,  para  experimentar  forfas,  e  encaminhados  logo  ao 
bigar  dos  Fenaes,  era  demanda  de  bum  luctador  celebre,  e  indo  là  o 
mais  valente  Algaravio,  e  dando  com  hum  homem,  que  falquejava  ma- 
4leira  para  Imma  grande  casa,  e  sem  o  conhecer,  Ihe  perguntoa  por 
tnquelle  luctador;  (sendo  este  o  mesmo  que  o  outro  demandava)  e  ouvin- 
do-o  0  falqnejador,  lanfou  a  m5o  a  ponta  de  hum  grande  caibro,  e  me- 
iieando-o  no  ar  corno  a  huma  varinha,  com  ella  apontou  para  huma  casa, 
e  respondendo-lhe,  disse:  «N'aquella  casa  mora  esse  homem.»  0  que 
vendo  o  Algaravio,  acudio  dizendo:  «V.  M.  deve  ser  a  quem  eu  busca- 
va, e  nao  tenho  que  ver  mais,  nem  que  mais  experimentar;»  e  attonito 
se  foi. 

233  No  mesmo  liv.  4  cap.  62  de  Fructuoso,  em  prova  dos  bons 
Tìpes,  e  bora  dima  da  Uba  de  Sào  Miguel,  se  conta  de  huma  Maria  An- 
nes  mulher  de  Joao  Moreno,  que  morreo  de  108  annos,  e  com  trinta 
4lescen(lenles  seus  a  cabeccira,  e  deixando  jà  multos  tresnetos.  E  que  em 
Hibeira  Grande  houve  huma  Igncs  Gongalves,  e  Calbarina  Gongalves  sua 
liRìa,  casada  com  Fernando  Alvarez  o  pequeno;  e  que  a  filha  era  de  cenm 
annos,  e  a  mai  tao  velha,  que  tornou  a  ser  menina,  e  chamava  mai  A 
filba,  e  so  comia  papa,  e  andava  de  gatinhas  :  mas  que  na  mesma  Villa 
bonve  tambem  huma  Barlholeza  Francisca,  filha  de  Joao  Franco,  a  qual 
tendo  cento  e  dez  annos,  andava  pelas  ruas  sem  bordao,  e  com  todos  os 
dentes,  e  toda  a  sua  vista,  e  bom  juizo  ainda,  e  que  sem  tudo  isto,  e 
com  bordao  andava  huma  sua  filha  alraz  d'ella  :  e  que  hum  homem,  de 
oflìcio  pombeiro,  e  de  mais  de  cem  annos  de  idade,  andava  a  pé,  e  era 
hum  so  dia,  caminho  de  oito  legoas;  e  muitos  com  suas  mulheres  viviao 
casados  setenta  annos,  e  mais.  E  quem  isto  escreve,  estando  na  dita  liha 
em  0  anno  de  1665,  soube  do  Cura,  e  Vigario  de  Porto  Fermoso,  qne 
liavia  quatro  annos  nao  morrera  n*aquelle  lugar  (com  ser  grande)  pessoa 
alguma  mais  que  hum  Anginho  ;  e  n'elie  havia  muitas  pessoas  de  mais 


uv.  V  CAP.  XIX  287 

de  cem  annos;  e  lium  discipulo  tive  eu  li,  qiie  sobre  ambos  os  pais,  ti- 
nha  ainda  todos  os  quatro  avós  vivos,  ba  cincoenta  annos. 

i34  Bcalriz  Fernandez,  na  Villa  da'Alagoa,  morreo  de  cento  e  vinte 
e  dous  annos,  e  sua  (ìiha  Ignes  Annes  de  cento  e  dez;  e  hunoi  Fedro  Af- 
fmso  (de  alcunha  o  das  barbas)  morreo  de  cento  e  vinte  ;  e  outro  de 
c«m  annos  ;  hia  no  verao  segar  ainda  corno  de  antes  Maria  Gonfalvcs, 
(le  niogo  Pires  seu  marido  que  tinha  vindo  de  Portugal,  teve  quatro  fi- 
llias,  e  bum  filbo,  e  d'esles  filhos  teve  netos,  bisnetos,  e  tresnetos  tan- 
tos»  qiic  chegoii  a  contar  cento  e  dous,  e  Ihe  assistirào  à  morte  noventa 
<*  seie.  e  faloceo  de  mais  de  cera  annos.  Outra  Maria  Goncalves,  mai  de 
Luis  Galv^o,  de  Ponta  Delgada,  sabendo  que  a  justifa  hia  jà  a  hnma 
qninla  a  prender-lhe  o  tal  fill»o,  de  repente  se  vestio  em  traje  de  bomem, 
f"  ninnlaiulo  em  bum  cavallo  com  adarga,  e  lanca,  passou  a  justir^i,  che- 
pou  a  quinta,  distante  lium  quarto  de  legoa,  e  dando  aviso,  cavallo,  e 
••»nnas  ao  filho,  o  salvou,  e  tirando  a  jusli(ja  devassa  de  quem  dera  tal 
J>viso,  sahio  ella  dizendo,  que  nao  culpassem  a  outrem,  que  ella  fora, 
^mo  mài,  salvar  a  seu  fillio  ;  e  contra  ella  se  nlo  pror^deo,  e  morreo 
«le  cento,  e  tantos  annos,  som  parecer  tinha  tantos.  He  porém  de  repa- 
'ar,  que  nesta  liha  (corno  reparei  ostando  n'ella)  vivcm  multo,  e  muito 
niais  as  mulheres,  que  os  homens;  a  causa  Dcos  a  sabe. 

tM    Monstros  de  toda  a  casta  se  virao  sempre  na  tal  Ilha.  Em  o 
3nno  de  1350,  no  termo  de  Ponta  Delgada  nasceo  bum  bezerro  com 
duas  cahecas,  em  tudo  perfeitas,  e  so  pegadas  Imma  à  outra,  ainda  que 
<^^m  Imma  so  oreiha  cada  Imma  ;  porém  com  duas  gargantas,  qnalro 
^Hios,  duas  bocas,  e  morrendo  foi  aberto,  e  Ihe  acharao  dous  buchos 
denim.  Em  1K80  no  primeiro  de  Dczembro  nasceo  em  Ribeira  Grafide 
^«irn  leilao  ruivo  corno  a  mai,  e  com  todos  os  sinaes  d'ella,  a  saber, 
<^'>»n  huma  oreiha  foicada,  e  outra  levada  da  arreigada  até  a  ponta,  sem 
^illerenca  alguma  (la  mài,  que  hum  anno  anles  fora  assim  assinalada. 
&n  Villa  Franca  se  achou  hum  ordinario  ovo  de  gallinha,  e  dentro  delle 
onim  ovo  mais  pequeno,  mas  com  casca  dura,  gema,  e  darà,  comò  os 
^Uros  ovos.  No  lugar  da  Achadinha  se  achou  hum  leìtao  com  dous  cor- 
P^  perfeitos,  e  huma  so  cahefa.  Em  Villa  Franca,  a  6  de  Agosto  de 
'381  nasceo  hum  pintào  com  oito  pernas,  e  viveo  coro  ellas,  mas  andava 
c^m  as  primeiras  duas,  e  arrastava  tres  por  cada  banda.  Em29  de  Sep- 
aro de  1383  sahìo  em  Ribeira  Grande  hum  pint5o  da  casca,  e  logo 
'%o  batendo  as  azinlias,  cantou  tres  vezes  dentro  da  casa»  e  tao  alto. 


i 


S88  HISTOMA  INSTLAKA 

que  0  ouviao  na  ma.  Pelo  mesmo  tempo  na  Villa  de  Agaa  de  Paa  v!t:i 
hum  hoinem,  que  sendo  casado«  e  com  fiihos,  e  barbas  do  rosto,  de  seus 
peìtos  dava  de  marnar,  e  tanto  leite,  comò  huma  mulher  qne  cria. 

236  E  nem  so  da  terra,  mas  tambem  do  mar,  se  virao  n'esta  lliia 
monstros  notaveis,  especialmente  da  parte  do  Norte,  aoode  por  vezcs 
tem  dado  baleas,  em  Rabo  de  Peixe,  por  ser  porto  aonde  se  achào  mizi* 
tas  Tavas  do  mar,  corner  de  que  as  baleas  goslào  muito.  e  comtado  nunca 
d'ellas  se  achou  ambar.  Em  1537  na  ponta  de  Sao  Bras,  enlre  Porti  i 
Fermoso,  e  Maya,  sahio  hum  tao  grande  peixe,  que  sem  ser  baiea,  tini. a 
quarenta  e  dous  covados  de  comprido,  oito  de  largo,  e  quinze  paInK'S 
de  alto  ;  e  da  ponta  da  boca  até  a  gueira,  tinha  vinte  e  cinco  palmos  : 
pela  boca,  se  a  abrira,  poderia  entrar  buma  jnnta  de  bois  com  o  sou 
carro:  achou-se  em  mare  vazia  de  huma  grande  tormenta:  da  cabe^a  ati> 
o  rabo  tinha  taes  cintas  pela  banda  de  cima,  que  por  elias  subiao  os  hin 
m^jis  a  elle,  comò  se  sobe  a  hum  navio:  e  comtudo  nem  espinha.  nem 
osso  algum  se  Ihe  achou.  No  prìmeiro  dia  andarao  cem  homens  com  ma- 
chados  a  cortar  n'elle;  no  segundo  dia  cento  e  cincoenta:  e  todos  junla- 
mente,  huns  de  huma  banda,  outros  da  outra.  outros  de  cima,  e  sem 
se  estorvarem:  a  primeira  parte  por  onde  o  arrombarao,  foi  o  arcalx^u- 
(0,  d'onde  logo  sahio  tanto  azeite,  e  tao  bom,  que  encheria  tres  pipas, 
e  em  dando  na  agua  se  coalhou  de  sorte,  que  o  apanliavao  em  paes  co- 
ma de  manteiga.  D'este  peixe  se  fez  rauito  azeite,  e  tao  bom.  que  nrrj 
so  servia  para  a  candea,  mas  para  curar  sama«  frialdades,  etc,  tinha  uni 
modo  de  osso  junto  do  pescoso,  e  outro  junto  là  à  rabadiiha,  e  ludo  se 
derrelia  em  azeite.  Os  nervos  erao  tao  rijos,  qoe  depois  com  elles  ar- 
rastavao  troncos,  traziao  os  bois,  e  bestas  prezas,  sem  jàmais  quebra- 
rem.  Nào  se  conheceo  tal  peixe,  posto  que  aiguns  diziao  chamar-se  Ti-e- 
boiha,  porém  hum  homem  de  fora,  que  muito  tempo  estiverà  em  Guiné, 
disse  que  era  Espadarte,  e  que  em  Guiné.  vira  muito?. 

237  Em  158ii,  a  10  de  Junho,  da  parte  do  Sul,  e  da  povoa^ao  ve- 
Iha  até  a  Cidado,  se  vio  no  mar  huma  travada  bataiha  de  tr^  grandes 
peixes,  por  espaco  de  quatro,  cu  cinco  dias,  no  Gm  dosquaesdousbar- 
cos  de  Villa  Franca  encontrarào  com  hum  dos  peixes  morto,  e  chamando 
mais  bateis  o  trouxarao  com  rordas  para  terra.  Era  o  tal  peixe  de  no- 
venta  palmos  de  comprido,  dezoito  de  lar^o,  e  outros  tantos  de  alio;  e 
tambem,  comò  navio,  tinha  cintas  ao  comprido;  cabeca  de  quinze  pal- 
mos, e  de  outros  quinze  o  rabo;  em  lugar  de  guelras  tinha  ao  redor  da 


\ 


u\.  V  GAP.  XX  289 

cabeca,  corno  laboas  de  ferro,  com  cabellos  corno  sedas  em  as  pontas  ; 
era  tao  seco,  que  so  se  Ihe  tirou  bum  quarto  de  azeite,  pouco  mais,  mas 
melhor  do  que  o  da  baiea;  e  o  peixe  na  cor  era  lodo  negro:  disserào 
alguDs  que  era  peixe  Mulo,  que  nas  Indias  de  Castella  virào  muitos,  e 
que  OS  que  o  matarao,  erào  peixes  Espadas,  de  que  vinba  muito  atra- 
vessado  pela  barrìga.  Outro  peixe  tinha  sabido  a  liba  corno  bum  balea- 
U);  e  coDclubio-se  ser  o  peixe  cbamado  Boto. 

CAPITOLO  XX 

Da  Veneravel  Madre  Margarida  de  Chaves,  tida  commummente 
por  Santa,  e  milagrosa. 

238  Dos  primeiros  que  forao  a  povoar  a  Uba  de  S3o  Miguel,  era 
hom  Affonso  Annes  dos  Mosteiros,  bomem  muito  nobre,  e  Cavalleiro 
professo  do  babito  de  Sao  Lazaro,  que  era  Ordem  Militar,  e  nobilissima 
enlào;  morou  em  Ponta  Deigada,  sendo  ainda  Villa,  e  morreo  jà  muito 
velho  em  o  anno  de  1340,  sabre  nobre  era  tao  rico,  que  tinba  cento  e 
cincoenta  moios  de  trigo  de  renda  cada  anno,  além  de  outras  muitas  fa- 
wndas,  e  rendas.  Fez  buma  rica,  e  bem  lavrada  Capeila  na  Misericor- 
dia de  Ponta  Delgada,  e  da  invocacao  de  Suo  Joao  Baplìsta,  e  niella  està 
sepultado  em  buma  sepultura  alla  de  pedra  negra  com  buma  Missa  quo- 
Udiana;  e  para  Capeila,  e  Missas  deixou  trinta  moios  de  renda  cada  an- 
iK);  deixou  mais  o  sitio  em  que  se  fundou  o  Hospital,  e  renda  para  bu- 
atta cama,  e  sostento  de  bum  pobre.  Foi  casado  com  Catbarina  Enes, 
nìullier  de  nobreza  igual  a  elle,  e  d'ella  leve  buma  unica  fiiba  chaihada 
Maria  Afifonso,  que  siiccedeo  no  morgado,  que  fundou  o  pai,  e  casou  com 
hum  nobre  Varào,  que  veio  da  Uba  da  Madeira,  de  sobrenome,  (Cbaves) 
^ ki  0  primeiro  deste  appellido  que  houve  em  S.  Miguel. 

239  D'està  Maria  Ailonso,  e  do  Cbaves  seumaridonasceoMattbeos 
fernandez,  que  casou  com  BritesUodriguez  de  Cbaves,  vinda  tambem  da 
Madeira,  e  este  succedeo  no  morgado  do  avo;  e  ao  dito  Maltheos  Fer- 
J»ndez  succedeo  seu  filho  Manoel  de  Oliveira,  pai  de  Sebastiao  de  Te- 
^e,  que  em|)enhou  o  morgado,  comò  fez  tambem  seu  filho  JoaoBotelho, 
^jo  filbo  Felippe  Botellio  tambem  o  empenbou,  cada  bum  em  sua  vida: 
^*^  mesmos  Mattbeos  Fernandez,  e  Brites  Rodriguez  de  Cbaves  nasceo 

>>^  Catbarina  Femaudez,  que  casuu  com  Francisco  Gon^^ives,  e  d'estes 
VOL.  i  i9 


y 


290  HISTORIA  INSULANA 

nasrcrao  Margarid.i  do  Ghaves.  qne  cason  com  Belchior  da  Cosfa  Ponte, 
p  Maria  de  Camide  mai  de  Francisco  Aflfonso;  e  do  me$n\o  Maltheos 
Fernandez,  e  de  Brites  Rodrignez  Chaves  nasceo  tambem  Maria  Rodri- 
gnez  de  Cliaves,  qne  cas^ju  primeiro  em  Angra  com  Gaspar  de  Espinosa, 
Castclhano,  e  Cabo  de  guerra  do  Castello  de  Angra.  e  d  este  matrimo- 
nio nasceo  a  Madre  Jo.anna  da  Cruz,  Riìligiosa  grave  do  Convento  de  S3o 
Cioncalo;  e  nasceo  mafs  D.  Salvador  de  Espinosa,  qne  por  snas  grandes 
partes  foi  Capellao  da  Capella  Real  de  Madrid  em  tempo  de  Felippe  IV, 
e  là  morrei)  ha  mais  de  quarenfa  annos. 

240  Da  sobredita  Maria  Alfonso  nasceo  mais  Anna  Fernandez,  qua 
casou  com  Fernao  Carneiro,  dosquaes  descendeo  Anna  de  Teves:  e  d'està 
nasceo  Anna  Carneira,  mai  do  Clorigo  Manoel  Nicolao.  Nasceo  mais  da 
mesma  Maria  Affonso  huma  filha  Magdalena  Fernandez,  que  casou  com 
AITonso  Enes  de  Chaves,  que  da  Madeira  veio  tambem;  e  d'estes  nasce- 
rrio  seis  filhos,  primeiro,  AntSo  de  Chaves,  que  morreo  nas  Indias  de 
Castella,  segundo,  Gaspar  de  Chaves,  de  que  nasceo  Manoel  de  Chaves. 
que  foi  pai  de  outro  Gaspar  de  Chaves,  e  .este  de  outro  Manoel  de  Cha- 
ves Benavides,  terceiro,  Luis  de  Chaves,  de  que  nasceo  BalUiezar  do 
Rego,  pai  de  Anna  de  Chaves,  m3i  de  Joiio  de  Chaves,  quarto,  Leonor 
de  Chaves,  m3ì  de  Francisco  Affonso  de  Chaves,  Vigario  de  Ribeira  Gran- 
de, e  de  Anna  de  Chaves,  que  casou  com  Thomas  de  Torres,  de  que 
nasceo  D.  Margarida,  mulher  de  Ignacio  da  Costa,  que  forSo  pais  de 
Francisco  Affonso  de  Chaves,  e  de  Martinho  da  Costa,  quinto  Barbara 
de  Chaves,  que  nunca  casou,  e  foi  sempre  pessoa  de  grande  virtiide,  e 
gerarao. 

241  Em  sexto  lugar  nascilo  de  Magdalena  Fernandez,  e  de  Affonso 
Enes  de  Chaves  a  Veneravel,  prodigiosa,  e  beatissima  Margarida  de  (-ha- 
ves,  da  qnal  contamos  os  sobreditos  parentes,  que  pudemos  descobrir- 
Ihe;  pois  de  bum  parente  sanlo  se  ha  de  fazer  mais  caso  que  de  mil 
parentescos  de  Hdalgos,  e  por  isso  digamos  ainda  o  marido,  e  descen- 
dentes  d'està  bemaventurada,  e  logo  referiremos  sua  santissima  vida. 
Seus  ricos,  e  nobres  pais  casarSo  a  està  sua  fìlha  com  bum  fldalgo  quo 
veio  de  Portugal,  chamado  Antonio  Jorge  Correa,  CidadSo  do  Porto,  ir- 
melo de  Jacome  Dìas  Correa,  de  que  jà  tratamos,  e  trataremos  aìnda  en 
seu  lugar,  pois  d'elle  procedem  os  principaes  Odaigos,  e  mais  ricos  d^ 
todas  as  llhas  Terceiras.  Teve  de  seu  marido  està  grande  Heroina  hui 
fllho,  que  Ihe  morreo  estudando  em  Coimbra,  e  jà  com  fama  de 


LIV.  V  GAP.  XX  291 

virtude,  e  commua  opiniao  de  Santo;  outro  chamado  Manoel  Jorge  Cor- 
rea de  Sousa,  tambem  formado  era  Canones,  e  Conego  de  Santarem  on- 
de morreo,  e  na  liha  deixou  instituida  huma  rica,  e  nobre  Capella,  so- 
bre  qua  sempre  ha  muitas  demandas  de  parentes  a  ella  oppositores,  e 
tambem  teve  outro  filho  Padre  da  Companhia  de  Jesus,  e  huma  filha 
Maria  da  Trindade,  Freira  no  Convento  de  Santo  André  de  Ponta  Del- 
gada,  e  todos  estes  filhos  procederào  sempre  com  tanta  virtude,  qiie 
mostravao  serem  filhos  de  hùma  mài  santa,  e  de  sua  santidade  toquc- 
mos  agora  alguma  cousa. 

242  Nasceo  està  beata  Margarida  de  Chaves  (que  este  he  o  titulo, 
perqae  he  commummente  nomeada)  em  o  anno  de  4545,  de  t3o  nobres, 
rìcos,  e  virtuosos  pais,  que  desde  a  infancìa  a  instituirao  em  singulares 
Tìriudes,  e  ella  em  chetando  à  idade  competente,  e  so  por  obedecer-lhes 
aceitoa  o  estado  de  casada  que  Ihe  derSo,  sendo  de  idade  de  quatorzo 
aoQOS,  em  4529,  e  he  muito  de  notar,  que  dando-lhe  Deos  ciuco  filhos, 
«  de  tSo  rico,  e  nobre  marido,  que  depois  de  nascido  o  ultimo  morreo, 
a  nenhnm  deo  ella  o  estado  de  matrimonio,  mas  morto  o  primeiro  ain-t 
da  estadanté,  e  fazendo  a  dous  Clerigos,  ao  quarlo  metteo  Religioso  em 
a  Companhia  de  Jesus,  e  a  filha  metteo  Religiosa  em  o  observante  Con- 
ato de  Santo  André  de  Ponta  Delgada;  mostrando  bem  com  isto,  quo 
8ó  por  obediencia  aceitara  o  estado  de  casada,  e  que  mais  queria  as  vir* 
todes  por  descendencia  de  sua  nobre  casa,  do  que  muitos  humanos  des- 
^iendeotes,  e  assim  morto  o  marido,  se  metteo  logo  na  terceìra  Ordcm 
da  Penitencia  do  Serafico  Padre  S.  Francisco,  sendo  ainda  de  idade  do 
^te  e  seis  annos,  dos  quaes  foi  casada  doze. 

243  N'esle  estado  de  viuva  Terceira  Penitente  viveo  trìnta  e  quatro 
^0008  està  Religiosissima  pessoa,  e  tao  dada  à  penitencia,  que  em  lugar 
<b8  gaias  que  em  vida  de  seu  nobre  marido  era  obrigada  a  trazer,  tra- 
^  eoQtinuament^,  debaixo  do  honesto  habito  de  Terceira,  asperos  cili* 
^  e  nem  as  noites  dormia  em  cama,  mas  no  puro  sobrado  da  casa 
com  ham  madeiro  por  cabeceìra,  e  o  mais  da  noite  passava  em  orac3o, 
^  repetidas  disciplinas,  doze  annos  jejuou  todos  os  dias,  excepto  os  Do- 
^^àoqp^  sem  tomar  consoada  alguma,  todas  as  Sestas  feiras  a  p3o,  e 
^a,  e  da  mesma  sorte  todas  as  Quaresmas,  e  chegou  a  passar  huma 
^rz  semana  Santa  desde  a  Dominga  de  Ramos  até  a  da  Paschoa,  sem 
^<>Q)ar  corner  algum,  e  tendo  sido  tlo  rica,  e  nSo  faltando  aos  filhos  com 
^0  0  necessario,  confórme  a  suas  pessoas,  ofBcios,  e  ausencias,  tudo 


/ 


^ 


292  HISTORIA  LXSULAXA 

0  mais  qoe  podìa,  reparlia  em  esmolas.  Frequentava  os  Sacramentos  da 
PeniteDcia,  e  sagrada  CommuDhào,  e  para  isso  tiuLa  bum  Confessor  ordL 
narìo,que  era  0  Reverendo  Pddre  BrasSoares,  Cierigo,  bom  Moralista,  e 
de  notorias  virtudes,  e  para  se  aconseihar,  esegurar,  econfessar-setam- 
bem,  recorria  sempre  ao  grande,  e  viiiuosissimo  Tlieologo  o  Doutor 
Gaspar  Fructuoso,  e  aos  Padres  da  Compauhia  de  Jesus,  quando  biàa 
àquella  liha  em  mlssoes,  por  nao  haver  niella  ainda  Collegio  da  Compa- 
uhia, comò  depois  houve,  e  ha. 

244  Continuava  tanto  a  ora^ao,  que  parecia  viver  sómente  de  orar, 
enaoracaoselhecommunicavatanto  Deos,  que  afBrma  o  citado  Fructuo- 
so  liv.  4,  cap.  95,  que  o  que  dividido  communica  Deos  a  muitos  Santos, 
junto  0  communicou  a  està  sua  devota,  e  comtudo,  quando  algumas  ve- 
zes  0  Senhor  suspendia  o  dar-ihe  na  oracao  consoia^oes  mais  sensi  veis, 
entao  ella  perseverava  mais  orando,  e  tao  transformada,  e  coufòrme  coiu 
seu  Deos,  corno  quando  recebia  do  Senhor  os  maiores  bencficios,  aiiida 
exteriores,  porque  nem  sabia,  nem  queria  buscar  a  Deos  por  interesse^ 
proprios,  mas  so  por  Ihe  cumprir  sua  Divina  vontade,  e  por  isso  quan- 
do mais  se  sentia  elevada  em  o  Senhor,  entào  a  si  propria  se  morlifì- 
cava  mais,  confundindo-se  em  o  profundo  de  sua  indignidade,  e  baixe- 
za,  juntamente  corno  Martha  rctirando-se,  e  comò  Maria,  nunca  apartan- 
do-se  de  seu  Deos. 

213  Àssim  chegou  a  lograr  as  virtudes  Theologaes  em  tSo  subido 
grào,  que  da  virtude  da  Fé  Divina  afGrmarào  o  grande  Tbeologo  Fru- 
ctuoso,  e  0  douto,  e  devoto  Clerigo  Bras  Soares,  que  quando  a  confes- 
savao,  ou  fallavào  de  Deos  com  està  Santa,  taes  cousas  Ihe  ouviao  da 
Santissima  Trindade,  da  Divina  Eucharistia,  e  do  amor  Divino,  e  mais 
mysterios  da  Fé,  e  com  tacs  palavras,  tao  novas  compara^óes,  tanto  Ter- 
vor,  e  firmeza,  que  Ihes  parecia  ter  està  creatura  por  Mestre  ao  Espirita 
Santo,  e  fallar  nella,  e  que  na  sua  oracào  se  Ihe  revelara  ludo,  corno 
se  tudo  vira  com  seus  olhos,  e  que  tanto  se  ajustava  com  a  Sagrada  Es- 
critura,  que  mostrava  tinha  d'ella  sciencia  infusa.  Na  Esperanca  a  acha- 
vào  tao  firme,  e  tao  regulada,  que  estando  em  oracao,  e  sendo  arreba- 
tada  em  espirito  ao  Ceo,  e  vendo  aos  Còros  dos  Aojos,  e  aos  mais  Bem- 
avenlurados,  a  estes,  e  aos  Anjos  tudo  era  perguntar-lhes,  Ànjos,  e 
Santos  do  Ceo,  aonde  està  o  meu  Deos,  e  meu  Senhor?  que  aqui  su  atì- 
rava  sua  esperanga,  e  nada  do  mais  ihe  satìsfazia:  e  de  muitas  illustra- 
(óes  que  tinha,  sempre  turava  hum  restio  de  todo  o  que  Deos  nào  era» 


Liv.  V  OAP.  XX  293 

t  hnma  perpetua  forno,  e  saiidade  de  Deos,  e  tao  intenso  odio  de  toda 
a  culpa,  qne  assent^nv?io  comsigo  os  dous  citados  siigeìtos,  que  tal  al- 
ma conio  aqoella,  jà  em  està  vida  cstava  confirmada  em  a  Divina  grara. 
2i6    Na  Charidade,  e  amor  Divino  foi  tao  excellcnle  està  santa  al- 
ma, qiie  representando-se-ltìe  ver  a  Christo  Senhor  nosso,  ainda  se  nao 
flava  seu  amor  por  satisfeìlo,  mas  logo,  corno  por  huma  ohscnridade, 
«era  n'efla  parar,  hia  infinitamente  adianlcem  busca  da  Divindnde,  unico 
fim,  e  final  ohjeto  de  seu  purissimo  amor;  e  a  hnmanidade  de  Christo 
puramente  a  excitava  a  se  accender  mais  no  amor  Divino,  e  mais  Ihe 
agradecer  o  humilhar-fe  a  lomal-a  e  a  està  agradecer  cada  vez  mais  o 
ranito  que  se  tìumilliou  a  padecer  por  nós,  até  morrer  em  huma  Cruz 
por  nos  salvar:  e  d'aqni  lii-ava  pirra  si  a  profunda  humildade,  em  qne 
Iv>x^o  fundamento  de  todas  as  mais  virtudes,  da  devo<;5o  admiravel  de 
Deos,  do  Senhor  Sacramentado,  dos  Anjos,  e  Santos  todos,  e  da  abne- 
pfJio  continua  de  si  mesma,  e  perpetua  mortificacao  :  de  quo  se  qui- 
«essemos  tralar,  seria  niinca  acabar;  pois  até  ir  d'està  vida  para  o  Ceo  alma 
Ife  santa,  com*  ter  lido  larga  vida,  auguientou  sempre  as  virtudes  sobre- 
ditas,  e  o  mesmo  Deos  manifestou  tanto  sua  gloria,  corno  agora  veremos. 
247    A  inda  em  vida  desta  sua  serva  obrou  Deos  por  ella  tao  gran- 
des  maravilhas,  que  o  Doutor  Fructuoso  affirmou,  que  nao  ousava  rogar 
«  Deos  por  «Ila,  aimta  em  seus  sacrificios,  vistos  taes  prodigios,  quaes 
I^teos  por  ella  obrara;  mas  que  rogava  a  Deos  que  se  lembrasse  d'elle 
pelos  merQcimentos  de  tal  Santa:  e  nao  refere  comtudo,  e  em  particu- 
•s^r,  OS  prodigiosos  casos,  por  n^o  estarem  ainda  declarados  por  mila- 
P^  pela  Romana,  e  Catholica  Igreja;  diz  porém  que  o  Doutissimo  Pa- 
dre Francisco  de  Araujo,  indo  em  missao  do  Collegio  da  Companhia  do 
^ns  da  Ilha  Tercoira  a  S'io  Miguel,  e  fallando  muitasvezes  a  està  Santa 
^v,i,  e  ouvindo  fallar  d'ella,  e  de  suas  maravilhas,  nao  so  jnlgava,  e 
feia  qne  era  Sr^nla,  mas  que  era,  e  Ihe  chamava  tPassiva  Divina;»  naò 
^  pelo  que  padecern  pelo  amor  de  Deos,  de  persegui(;i5es,  e  contradi- 
C5es  do  mundo,  nem  so  pelo  que  em  si  mesma  exercitara  de  penilen- 
^^s  continuas;  mas  especialmente  pelas  grandes,  e  admiraveis  obras  quo 
^^s  iK)sso  Senhor  por  està  Santa  obrara,  ainda  cni  vida  della,  corno 
l^rhnma  sua  «Passiva  Divina.» 

2i8'  T'il  devorào  tinha  ao  Santissimo  Sacramento,  que  nao  so  com- 
"^'"Jjjava  ranito  frequentemente,  por  mandado  dos  Confessores,  mas  es- 
ondo na  Igreja  nao  sahia  d'olia  em  quanto  houvesse  Missas;  e  quando  o  Sa- 


y 


291  HISTORU  LNSULANA 

cerdote  commungava  realmente,  tambem  ella  espiritualmenle  coimnmi- 
gava,  e  (cousa  rara  !)  sentia  em  sua  bocca  o  sabor  dos  accidentes  Eu'-* 
cbaristicos,  e  em  sua  alma  os  effeìtos  de  buma  real»  e  perfeit»  Commu* 
lihao;  e  assim  foi  a  que  entSo  intruduzio  na  Uba  a  frequencìa  da  Con** 
fissao  e  Communbao;  e  tal  familiaridade  tinha  com  o  Senbor  Sacrami- 
tado,  que  affirmou  a  seu  Confessor,  que  se  Ibe  mostrassem  muìtas  hos- 
tias,  das  quaes  bumas  estivessem  consagradas,  oulras  d3o,  conbeceria 
e  assioarìa  quaes  erao,  e  quaes  d3o  erao  as  consagradas  ?  Da  Virgem 
nossa  Senbora  era  tao  devota,  que  tomando-a  por  valia,  para  que  Deos 
]he  revelasse  quando  bavia  morrer,  e  Ihe  alcau^asse  que  fosse  em  dia 
de  alguma  festa  /da  Senbora,  fol-Ibe revelado que  dalli  a  tres annos  mor- 
reria;  e  assim  succedeo,  tres  annos  depois,  e  no  dia  do  Nascimento  da 
Virgem  Santissima,  em  8  de  Setembro,  com  està  nova  satiio  da  orac3a 
tao  alegre,  que  admirada  a  (Uba  Ibe  perguntou,  que  alegria  era  aqueila.  Res- 
])ondeo  que  era  o  saber  jà,  quando  bavia  morrer,  Nao  sei  de  que  mais 
me  admire,  se  de  tal  desapego  d'està  vida,  se  de  tal  saudade,  e  tao  fir- 
me esperauQa  da  eterna  gloria.  Em  vida  teve  o  dom  de  profecia,  e  com 
4^1e  avisou  buma  vez  de  lium  perigoso  lago  que  o  demonio  bavia  armar 
m  seu  Confessor,  e  o  livrou  d'elle;  e  o  mesmo  Confessor,  e  a  filha  d'està 
Santa,  testiQcarSo  que,  quando  actuaimcnte  tinbao  tentagoes  secretas  em 
suas  almas,  a  Santa  as  conbecia  e  sem  d'ellas  Ibe  darem  sinal  algum, 
ella  acodia  logo,  e  Ibes  dava  os  remedios  para  as  vencerem.  Saniaquem 
tinha  occultos  livros  profanos,  e  quem  d'elles  usava  mal,  e  mandando  a 
Lisboa  comprar  grande  numero  de  livros  espirìtuaes,  e  diversos,  bia-se 
ter  com  os  que  tinbao  os  profanos,  e  pedia  Ih'os  emprestados,  deixan- 
do-lbes  OS  devotos,  que  mais  Ibe  tinbao  custado.  e  em  os  tendo  os  quei- 
mava,  e  quando  Ihos  tomavao  a  pedir,  respoodia,  que  se  tinbao  quei- 
inado,  que  em  seu  lugar  Ibes  dava  os  que  Ibes  tinha  deixado,  e  desta 
sorte  extinguio  a  maitos  livros  profanos,  e  obviou  muitos  peccadus. 
Vivendo  ainda  em  S.  Miguel  està  serva  de  Deus;  outra  pessoa  tentada 
do  Demonio  em  entra  liha.  Ina  jà  andando  em  busca  do  seu  peccado, 
eis-que  de  repente  Ihe  apparece  diante  a  dita  serva  de  Deos,  (qùe  os- 
tava em  outra  Ilha,  e  a  quem  o  peccador  conliecia  d'antcs  muito  bem) 
0  Ihe  disse  estas  palavras:  «0  la  nao  teines  a  Deos?»  e  com  isto  so  pas- 
mado  0  peccador,  desiste  do  peccado,  volta  para  sua  casa,  e  faz  peni- 
tencia  d  elle.  Oh  quantos  milagres  vao  em  esle  juntos  !  mas  por  bruvi* 
dade  deixemos  outros  muitos. 


uv.  V  GAP.  XX  295 

2ii>    Vendo  eiiìfiin  està  Rei  serva  de  Deos,  que  se  Ihe  chegava  o 
re\elado  tempo  de  sahir  d'està  vida  para  a  OJtra,  e  advertindo,  que  por 
Mia  morte  se  acliairiao  os  instrumentos  de  suas  morlifìca^es,  e  peniteu- 
cia:  a  iodos  de  tal  sorte  os  desfez,  que  nao  pudessein  acliar-se,  nem  por 
seus  proprìos  lillios,  e  a  estes  lembrava  muilas  vezes.  que  mais  querìa 
vei  OS  liumildes,  do  que  em  postos,  e  dignìdades  grandes.  Oli  exemplos 
iaros  de  humìldadet  desta  Ihe  uascia  o  grande  amor  i  virtude  da  pò- 
lireza,  e  aos  pobres  e  assim  dizìa,  que  se  nao  tivera  fillios,  nuda  reser- 
varia  em  casa,  que  em  huma  mortaUia  de  esmola  a  enlerrariào;  e  sem- 
pre que  via  às  suas  portas  muitos  pobres,  se  alegrava  entao  multo,  e  a 
todos  soccorria;  e  demais  mandava  sal)er  de  todos  os  forasteiros  pobres 
e  iHHirndos,  e  occultamente  llies  mandava  esmolas  grandes;  e  huma  vez 
passando  pela  sua  porta   para  a  cadea  hum  pobre  por  dividas,  podio  a 
jisti^a,  Ibe  disst^ssem  que  dividas  erao  aquellas,  e  sabendoo  as  pagou 
tudas,  e  d'alti  voluju  o  prezo  para  sua  casa;  e  porque  costumava  corner 
i  mesa  com  algumas  .  mulhercs  pobres,  em  as  vendo  mal  vestidas,  se 
tirava  seus  vestidos,  e  Ih'os  dava,  e  por  vezes  os  tirou  a  sua  propria 
llllia,  e  OS  deo  as  pobres.  E  tanto  se  agradava  Deos  d  estas  esmolas, 
que  muilas  vezes  Ihe  crescia  o  trigo  em  seus  celleiros,  o  pao  cozido  nas 
aitas,  e  em  suas  proprias  màos  tudo  o  mais  que  repartia  aos  pobres:  e 
liuma  vez  que  querendolhe  huma  pobre  lallar,  respondeo  que  nao  po- 
tila, disto  iogo  tanlo  se  arrependeo,  que  iogo  a  foi  buscar  a  sua  casa 
^  Ibe  pedio  perdào,  e  Ihe  deo  a  esmola  que  queria,  e  nunca  mais  a  pò- 
l>re  a  negou. 

230  Chegado  pois  o  dia  do  Nascimento  da  Virgem  Mai  de  Deos, 
em  oito  de  setembro  de  1573  tendo  està  Santa  Matrona  sessenta  annos 
<le  idade,  e  recebendo  està  pura  alma  todos  os  Sncramentos  da  Igreja, 
^m  dar  sinal  algum  de  sua  proxima  morte,  espirou,  e  se  foi  com  a  Vir- 
gem Sacratissima  a  renascer  a  Bemaventuranga;  porem  a  gloria  desta 
liuinilde  alma,  que  ella  queria  tao  encuberta,  descubria  o  mesmo  Deos 
<^  taes  prodigios,  que  so  com  agua  tocada  em  huma  sua  reliquia,  e 
'•ebendu-a  em  S.  Miguel  hum  Rui  Gon^alves,  e  na  Universidade  de  Coim- 
^^  Imma  Dona  Isabel,  sobrinha  do  Doutor  Gaspar  Barreto,  Reitor  do 
^•ollegio  de  S.  Fedro,  estando  arabos  jà  ungidos,  e  para  Iogo  espirar, 
c^n  Ihe  fazendo  levar  a  dita  agua,  de  repente  tornàrao  em  si,  abrirao 
^^olhos,  e  ficarao  saos  de  lodo.  Em  S.  .Miguel  havia  huma  casada,  Pe- 
^iiilha  Pereira,  que  desde  seu  nascimento  nunca  teve  o  terceho  sen- 


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206  HT^OniA  INSULANA 

t'nlo  do  clìpirnr,  o  huma  sua  criada  estava  morlalTìente  enfenna!  tron- 
?:erào  pan  a  criada  a  agoa  lo':ada  na  reliquia  da  Santa:  e  verido-a  a 
qiie  carecia  do  scnlido,  Ioìto  o  leve  perfidilo:  e  bet)eiido-a  a  criada,  fi- 
fou  de  repente  sàa.  Era  Villa  Kratica  da  mesma  liha  de  S.  Miguel  huma 
?laria  Francisca,  sanguinaria  antiira,  e  oiitra  d  >  mesnfio  nome  e  doente, 
que  por  incuravel  jà  a  tinhao  deixado  os  Medicos.  era  cada  huraa  tie- 
hendo  a  dita  agua,  saràrào  perfeilamente.  Em  Coimbra,  no  Collegio  da 
Tompanhia  de  Jesus,  bum  Padre  Jorio  Baptisla,  qoe  havia  doze  annos 
padqcia  raorlaes  accidentes  do  cor^ào,  e  melancolia,  behendo  duas,  ou 
tres  gottas  da  dita  agua,  nào  si>  livrmi  logo  do  mais  forte  accidente, 
mas  nunca  mais  Ihe  tornarlo,  com  viver  ainda  muitos  annos.  No  mesmo 
rK)llegio,  e  da  mesma  mortai  dr>f  nc;i,  chegarào  doiis.  ambos  jà  ungidos 
?s  purtas  da  morte  :  nào  occorrpo  darem  a  agua  ao  que  ainda  nao  era 
Sacerdote,  e  morreo  ;  derao-a  ao  Sacerdote,  e  ae  ^guiiite  dia  se  levan- 
1'^  bom,  e  sao,  Deixo  outras  maravHha*.  rpn»  se  podem  ver  na  recopi- 
Inda  Vida  d'està  Santa  impressa  em  lingoa  Castelbana,  cujo  titulo  he 
(Breve  Compendio  de  la  vitla  santa  do  la  Venerable  Matrona  Margarida 
de  Chaves.  de  gloriosa  memoria).  E  eu  a  tenho  em  roeu  poder. 

231  Depois  do  falecimfuto  d'erta  Santa  (diz  o  nosso  Fnictuoso)  a 
manifestou  Deos  por  tal  com  muitos  milagres  grandes,  e  de  diversas 
castas,  que  fez  niio  somente  nesta  liha,  mas  em  l'ortugal;  no  Arcebis- 
padado  de  Evora,  no  Bispado  de  Miranda,  e  Braganca,  e  no  de  Coimbra, 
aonde  os  Padres  da  Companhia  de  Josus  levarao  suas  Reliifuias  ;  de  liì 
sorte,  que  o  Reverendissimo,  e  illustre  Cabido  da  Sé  de  Coimbra  commel- 
teo  ao  Reverendissimo  Doutor  Frei  Antonio  de  S.  Domingos,  Lente  de 
Prima  de  Theologia  na  dira  Universidade,  o  tirar  summario  dos  miJaga»s, 
e  dar  seu  juizo  sobre  elles:  e  o  tirou,  e  julgou,  nào  so  que  os  tinha  por 
"»  erdndeiros  milagres,  mas  que  a  pessoa  era  santa.  Seguio-se  a  isto  man- 
dar 0  illustrissimo  Senhor  D.  Manoel  de  Gouvea,  seu  Bìspo  de  Angra, 
tirar  nutro  summario  na  Uba  de  S.  Miguel  dos  taes  milagres,  que  sen- 
do-lhe  apresenlados  em  a  Cidade  de  Angra,  os  fez  ler  por  duas  vezes 
dianle  de  Letrados.  Theologos,  e  Prégadores,  alguns  Canonistas,  e  cada 
luim  per  si,  e  lodns.  sem  descrepar  algum,  dis^serào  que  a  vida  fon 
santa,  e  (jue  as  cousas  que  nosso  Senlwr  fizera  por  sua  intercessao,  assim 
em  Vida,  corno  depois  da  morte,  erao  milagres,  e  por  tnes  os  tinhào;  e 
se  devia  escrever  a  sua  Santidade.  è  a  sua  Mageslade,  para  que  favore- 
cessem  esle  ni?gocio  em  Roma,  e  que  a  sua  sepultura  se  devia  ter  res- 


L1V.  V  GAP.  XXT  297 

prllo,  e  arntnTnonto.  e  fazor-Ihe  niguraa  diflerenca  das  outras;  etc.  0  que 
fonsiilonrido  o  dito  Senhor  Bispo,  jiilgou  a  vida  por  santa,  e  approvou 
OS  nìila^Tes,  e  mandou  que  jS  sepultiira  aonde  està  o  corpo  da  santa, 
S'  tivess(»  resf)eito,  e  acatamento,  e  ao  redor  d'ella  se  pozesse  hirnia  gra- 
de,  e  sr>l)re  islo  escrevco  S.  Sanlìdade,  a  eIRei,  e  ao  Cardeal,  etc. 

ibi  A  {lì  pois  de  Junho  do  anno  de  4387,  por  ordem  do  Senhor 
Bispo,  estaiulo  pn^sente  o  Chantre  da  Sé  de  Angra,  e  seu  Vigano  Geral, 
t' cnm  milita  solernnidade,  e  musicas  de  Psalmos,  se  Irausferirno  os  Os- 
iris desta  Sanla,  fecliados  na  mesma  arca  em  que  estavào,  para  a  Ca- 
l'Clla  raór,  e  os  lovarào  debaixo  de  hum  palio  de  borcado,  cujas  varas 
li'vaviio  Sacerdotes,  e  o  Conde  D.  Ruy  Gon^alves  da  Camera,  I).  Francisco 
S'io  nilio,  0  Doulor  (lilianes  da  Silveira  Juiz  de  fora,  o  Capilao  Alexan- 
<'re,  e  o  Capitào  Antonio  da  Silveira,  e  foi  muilo  para  louvar  a  grande 
davixirio  de  Uìiio  o  [h)vo,  e  a  grande  cova  que  se  fez  em  sua  sepultura, 
^M  tirarem  detla  terra,  que  levavào  por  reliquias,  e  com  que  Deos  fez 
iniiitos  milagres  em  louvor  da  Sanla.  0  que  demais  sei  he,  (comò  quem 
In  cincfxmta  annos  est^jve  lendo  em  està  liha)  que  nella  he  venernda,  e 
i'ivncada  està  illustre  Iléroina,  comò  se  fora  jà  canouisadi,  e  commu- 
Kipnle  se  chama  a  Heata  Margarida  de  Chavos,  e  nao  posso  deixar  de 
<*slranhar,  de  q«ie  huma  Iltia  tao  fica,  c>om  tao  ricos  Uonatarios,  e  tao 
'''cos  parentes  desta  Santa,  que  nao  fizessem  até  agora  maiores  diligon- 
^'as  por  sua  canonizarjao,  porque  certo  estou  que  se  as  fizerem,  terem 
'^^lla  Padroeira  singular,  e  medianeira  com.  Deos,  para  livrar  loda  a  liha 
^'•^  lerremntos,  e  inceudios  desta  vida,  e  n'ella  enriquecer  a  liha  mais, 
^  Oesviar  as  al  mas  dos  incendios  da  outra  vida,  e  melel-as  era  a  Bema- 
^^niuranga. 

CAPITULO  XXI 

Da  fundarào  do  Collegio  da  Companhia  de  Jesus  em  Punta  Delyada 

de  S,  ilùjuel. 

5K53  Depois  da  admiravel  vida  da  hemavenlurada  Margarida  deCha- 
^'•^s,  bem  se  se^'ue  a  fundacao  do  Collogio  da  Companhia  de  Jesus  de  S. 

'•«Hel,  pois  por  sua  iiilorcessào,  e  pela  do  Doulor  Gaspar  Frnctuoso, 
*•*'  radicalmonle  fundado.  Sondo  ja  fundado  hovia  annos  o  Colle^rio  de 
-■^nj^ra  da  Illia  Terceira.  e  sondo  sou  Ueitor  o  Padre  Luis  de  Vasmncol- 
*'>5^.  oste  marHhni  oin  miss.ìo  a  liha  do  S.  Miguel  o  Padre  Podro  Comes, 

^^c  de  nacHo  era  Andaluz,  creado  porem,  e  reccbido  na  Companhia  em 


296  HISTOniA,  INSULANA 

pririiigal,  e  o  mandou  no  anno  de  1570,  e  foì  tal  o  e^^emplo  de  vìrfade, 
e  leiras,  que  o  Padre  deu  n^iqiiella  Illia.  que  aos  inoradores  detta  im 
accendeo  em  descjos  de  terein  alti  seiaelhantes  Padres,  depois  delle  veic 
do  oiesmo  Collegio  de  Angra  o  Padre  Pedro  Freire,  qiie  foi  o  priineiru 
que  em  missao  tainbem  foi  à  liha  de  Sanla  Maria,  e  a  aiiilKi^  estas  Illia$ 
com  sua  prégagao,  e  muilo  mais  com  sua  rara  modeslia,  e  granile  exem- 
pio de  Vida  augnientou  multo  a  todos  no  amor,  e  devo(^o  de  taes  Re- 
ligiosos.  0  que  sabendo  o  Collegio  de  Angra,  mandou  em  terceiro  lu- 
gar  por  Missionario  a  S.  Miguel  o  Padre  Simao  Fernandez,  nairiral  dti 
Gouvea  na  Provincia  da  Beira,  e  Prégador  de  mutto  nome  em  Parlugal. 

2o  i  Junlos  estes  tres  Padres  se  i^ecoltiiao  na  casa  da  Santa  misericordia, 
e  nella  os  sostentava  hum  nobre  Cidadào,  cliamado  Joào  Lopes  Henri- 
ques,  naturai  do  Porto,  e  morador  em  Ponta  Delgada,  que  tinlia  doui^ 
irmaos  na  Companhia  em  a  Provincia  de  Castella,  cbamados  os  Padrt» 
llenriques,  la  muito  coriliocidus,  e  estimados;  da  Misericordia  sahiàotM 
tres  Padres  a  pregar,  doutrinar,  confessar,  e  excrcitar  tantas  obras  de 
misericordia,  e  com  tal  exemplo,  que  o  mesmo  Joào  Lopes  Uenriqusd 
foi  0  prìmeiro  que  concorreo  para  se  fundar  Collegio  da  Compaiiliia  em 
iNinta  Delgada;  porque  nào  sendo  casado,  nem  tendo  alguui  ln'rdeii'o 
liccessario.  logo  euì  sua  vìda«  para  se  come^ar  a  fundar  alli  Collegio  da 
Companhia,  deu  pia,  e  liberalmente  doze  lixos  moios  de  renda,  e  com 
t.ii  prudencia,  e  zelo,  que  com  procuragHo  da  Companhia  (ìcon  cobi'au- 
(lo,  e  emprtgando  os  rendimentos  d  elles  em  propriedadcs,  corno  fez,  e 
^lo  ainda  hoje  as  lerras.  e  (|uinta  chamada  a  Fajà:  e  depois  deu  mais 
OS  primeiros  ornamcntos  de  toda  a  sorte  para  comporem  Igrx'ja,  e  seu 
bobrinho  Sinìào  Lo|)es  ajudou  taiubem  com  varias  esmolas 

ilili  Tralou-se  logo  do  silio  em  que  se  fundaria  o  Collegio,  e  logo 
se  assentou  no  em  que  hoje  esla  boin,  e  sailio,  e  li\re  de  monte  algwm 
;i  roda,  denti'o  aiiida  da  Cidade,  mas  da  |)arle  do  Norie  para  a  terra,  e 
V  ì\ì\  boa  vista  vindo  para  o  mar:  e  logo  htim  nobre  Cidadào,  chaiu^do 
Manoel  da  Costa,  irmào  da  avo  paterna  dos  Padres  Gongalo  de  Arez,  e 
imi  Borges  da  Companliia  de  Jesus.  Ilihos  de  Duarle  Borges  da  Costa, 
(leo.  para  se  fuiidar  o  Collegio  |)arte  do  siilo  em  que  eslà,  e  huinas  ca- 
has  que  alli  linha,  que  forào  o  nascimento,  e  principio  do  dilo  Collegio: 
foi  islo  em  lempo,  em  (jue  o  Padre  Siuiào  Fernandez  era  Superior  da 
Iiesid(;ncia:  e  assim  se  dtìve  chamar  dos  da  Companliia  o  prìmeiro  Fun- 
dador  do  lai  Collegio,  corno  l!ie  chama  o  Catalogo  dos  bciureitoros  J'el- 


uv.  V  GAP.  xxr  999 

le,  a  quem  em  Janeiro  de  1591,  dco  a  Camera  de  Ponta  Delgada  a  pos^ 
se  do  tal  (Collegio,  que  s6  com  Ululo  de  Residencia  ficou  ainda:  e  por- 
que  ao  Padre  Simao  Fernandez  succedeo  ein  Supcrior  o  Padre  Fernan- 
do Guerreiro,  e  poz  a  obra  mais  em  torma,  e  por  isso  chainào  primei- 
TO  Superior  alguns  ao  dito  Padre  Guerreiro,  que  era  naturai  de  Alem- 
Tejo,  de  Almodovar,  e  depojs  em  Portugal  fui  Secretarlo  da  Provincia, 
Vice  proposito  de  Sao  Roque,  de  grande  prudencta,  e  observancia,  res- 
l)eitado  dos  Prelados,  e  Senbores  do  Beino,  e  o  que  compoz  as  Cartas 
Amiuaes  do  Oriente,  e  em  S.  Roque  faleceo. 

2S6  No  principio  de  Novembro  de  1392,  se  abrio  o  fondamento  ao 
Collegio,  e  Igreja  onde  ainda  hoje  estd,  e  para  isso  veio  da  Matriz  de 
S.  Sebastiao  huma  procissào  gravissima,  e  com  ella  o  Governador  Con- 
talo Vaz  Coutinlio,  que  tomaiìdo  huma  enxada  na  mao  foi  o  |>rimeiro  que  ca- 
vando abrio  oalicerce  do  Collegio  e  Igreja,  e  com  elle  o  Reverendo  Yignrio 
dalhtriz  Sebastiao  Ferreiralan^araoambos  a  primeira  pedra  de  tal  obra, 
e  d'esde  entào  com  comodar  o  inverno,  nunca  choveo  agua  que  impe- 
disse 0  traballìo  ale  Fevereiro  do  anno  de  1393,  em  cujo  ullimo  dia 
^''io  outra  soicmne  procissào  da  Igreja  iMalriz,  cujo  Vigario  trouxe  o  San- 
lissimo,  e  o  collocou  na  nova  Igreja.  Com  a  procissào  veio  o  senado  da 
t^uaera,  e  o  dito  Goveniador,  que  ajudou  a  primeira  .Missa  rezada,  dita 
lieto  Padre  Superior  Guerreiro;  e  a  segunda  fui  cantada  pelo  sobredilo 
Vigario  da  Malriz,  com  boa  musica,  e  o  tlvangelho  cantou  o  Vigario  de 
^nta  Clara  Pedro  de  Brum,  o  a  Epistola  o  Beneliciado  da  Malriz  Ro<|ue 
<i)ellio,  p(»ss<^)a  gravissima,  e  prégou  o  mesmo  Superior  Padre  Guerrei- 
'<>•  E  por  assim  ao  Collegio,  conio  à  Igreja  se  terem  abertos  os  alicer- 
<'C8  em  0  primeiro  de  Novembro,  por  isso  a  Igreja,  e  Colk»gio  lioou  o 
tóalu  de  Collegio  de  todos  os  Sanlos,  para  que  se  lembrem  de  serem 
Sanlos,  lodos  seus  habiladores. 

237  No  mesmo  tempo  comecou  logo  a  Confraria  dos  Esludantes 
^'Hn  0  litulo  de  Nossa  Senhora  da  Consolagào,  que  em  breve  se  mudou 
fw  Nossa  Senhora  da  Victoria;  e  posto  que  esteve  alguns  annos  sem 
farla  de  uniào  à  primeira  Congregagào  de  Roma,  e  sem  Eslaiulos,  com- 
l'^do  em  5  de  JuHio  de  1CÌ7,  o  Padre  Antonio  Carneiro,  Sujjerior  entào, 
"«alcanfou  ludo  de  Roma.  E  jà  em  1391,  jiara  o  novo  Collegicu  e  seu 
^lio  deo  Francisco  de  lledovaiho  oilo  alqueires  de  terra  que  alti  tinha, 
^  Ijum  llies  accresicntou  Leonor  Dias;  e  o  Licenciado  Joào  Moreira  huns 
*^^0j>  de  huaias  casas  junlas  a  Portarla,  que  logo  se  dcrrubaiào;  e  ou- 


300  HTSTOniA  TXSULANÀ 

tros  concorrerao  com  boas  esmolas,  corno  Gaspar  Dìas,  e  sua  miillìei 
Anna  de  Medeìros  com  dez  nfìoios  de  C4iK  tros  arrohas  de  ferro,  e  dna* 
jìipas  de  vinho,  e  qnatorze  tomos  de  Theologia  para  a  livraria:  e  o  gran- 
fie Dontor  Gaspar  Frnctiioso  Ihe  deo  loda  a  sua  livraria,  e  outros  bens 
<1e  ffrande  conta,  conno  jà  dissemos  em  sua  vida. 

258  0  s*»gundo  Siiperior  (depois  do  Padre  Gnerreiro)  foi  o  Padn 
Jacoine  da  Ponte,  pessoa  nitiilo  prave,  e  muito  grande  Religioso,  em  cujr 
tf»rupo  deo  1).  Briles  para  a  Sacristia  boas  esnfiolas,  e  qnalrocenlos  mi 
réis  em  dinheiro  para  o  Collegio:  e  HieronymoGoncalvesde  Araiijo  de< 
<*enlo  e  Irinta  mi)  reis  para  o  Collegio  em  pastel:  e  Alvaro  da  Costa  dei 
lìnma  tiilha  com  seu  qnintal  na  enlrada  da  ma  do  Mestre  Gaspar,  e  hiin 
ralix  de  prala.  e  cìneoenta  mil  reis  em  dinheiro.  NSo  se  apontoii  d'ond( 
ora  naturai  este  Superior,  nem  o  tempo  em  que  entrou  por  Superior 
mas  so  qiie  sendo-o  ainda,  faleceo,  e  com  geral  sentimento  de  todos. 

259  Terceiro  Superior  foi  o  Padre  Luis  Pinheiro,  naturai  de  Avei 
ro,  e  comecou  em  Jullio  de  1506,  e  acahou  em  Fevereiro  de  1600  e  voi 
t-,mdo  ao  Reino  foi  cxìmpanheiro  do  Provincial  muitos  annos,  Visitado 
das  llhas,  e  Procurador  na  Corte,  aonde  imprimio  a  Historia  do  JajySi 
om  lingua  Hespanhola.  E  em  seu  tempo  tambem  se  derao  varias  esmo 
las  ao  novo  Collegio,  e  bum  grave  Sacerdote  Joao  Soares  deixoa  ham; 
terra  de  imporlancia,  que  se  metteo  na  cerca  do  Collegio. 

2G0  0  quarto  Superior  foi  o  Padre  Scbastiiio  Macbado,  naturai  d 
Serpa,  e  entrando  em  IP02,  foi  pouco  depois  promovido  a  Reitor  d 
Angra:  foi  grande  Prégador,  e  emfim  morreo  em  Evora.  Quinto  Supe 
rior  foi  0  Padre  Confalo  Simoes,  naturai  da  Louzàa;  comefou  em  Jane! 
ro  de  1603  e  acabou  em  Nov'embro  de  1604,  foi  muitos  annos  Mestre  d 
Noviros,  e  em  Coimbra  faleceo  com  fama  de  Santo.  Sexto  Superior  ff 
0  Padre  Mathias  de  Sii,  naturai  de  Braga:  entrou  em  Seplembro  de  1604 
acabou  em  1606,  indo  promovido  a  Reitor  de  Angra;  cujo  triennio  ara 
Itado  foi  feito  Vice-provincial  dns  llhas,  e  as  visitou  comò  tal,  e  voIlM 
do  para  Portugal,  foi  logo  Preposilo  de  Villa  Vifosa,  e  duns  vezes  Rei 
tor  de  Sanlarem,  e  ullimameiile  Roitor  de  Coimbra,  sugeito  de  grand 
prudencia,  e  sciencia  de  governo,  e  exceliente  Prégador.  Septimo  Supc 
rior  foi  0  Padre  Miguel  (ìodinlio.  naturai  de  Evora,  que  entrou  em  Jii 
Vm)  de  1606,  e  em  Julho  acabou  de  1610,  e  tornando  a  Poitugal  fc 
Mestre  de  Noviros  em  Evora,  depois  Reitor  do  A'gnrve,  e  de  lortah 
gre,  Vice-Reilor  da  Puriflcaflio  de  Evora,  Yisilador  das  llhas,  e  Reit< 


LIV.  V  CAP.  XXI  301 

de  Santarem,  onde  faleceo;  e  em  seu  tempo  Bras  AITonso  Raposo,  e  sua 
mullier  Calharina  de  Frias  deixàrào  ao  CoUegio  de  S.  Miguel  ciuco  al- 
queìres  de  vinlia,  e  dpìs  inoìos,  e  melo  de  reuda  de  trigo. 

261  Citavo  Superior  foi  o  Padre  Antonio  Gon(;alves,  naturai  de  Al- 
Vito»  e  come^ando  em  Jullio  de  ICIO  acabou  em  Maio  de  i614,  tiiiiiii 
lido  dous  cursos  de  Filosofia,  e  muitos  aunos  Moral,  e  corno  lelrado 
grande,  era  muito  consultado:  e  em  seu  tempo  deo  Ignacio  de  M(illo  es- 
mola de  cincoenla  e  Umtos  mi!  réis  ao  Collegio.  Nono  superior  foi  o  Padre 
Manoel  Vieira,  naturai  de  Arrayolos,  e  cumegando  em  Maio  de  1014  foi 
logo  em  Julho  promovido  a  Iteytor  de  Angra:  foi  depois  por  vez«s  Vi- 
ce-Reytor  da  Purificafao,  e  indo  e  visitar  a  Algarve,  trouxe  de  là  doen- 
ta  de  que  morreu  em  Evora,  com  fama  constante  de  grande  virtude.  De- 
cimo Superior  foi  o  Padre  Antonio  Dias,  naturai  de  Coimbra,  comecoii 
em  Julho  de  1614,  e  acabou  em  Outubro  de  1616,  era  Prégndor  insi- 
gne, e  de  exceliente  voz:  murou  a  cerca  do  Collegio  pela  parte  de  cima, 
que  he  cerca  boa,  e  grande:  mas  sendo  Superior  morreo,  e  està  sepul- 
t^do  na  Capella  mór.  As  Religiòes,  e  Cleresia  vierao  fazer  suas  exequias 
sumptuosaraente,  lendo-as  elle  feito  na  morte  do  M.  Bever.  Padre  iie- 
wl  da  Conipanlna  Claudio  Aquaviva,  na  mesma  Igreja  com  Ega  levanta- 
«Ja.  e  ornada  de  muitos  lumes:  cousa  que  foi  tao  approvada  em  Uouja, 
qoe  logo  se  fez  decreto  de  assim  se  fazerem  as  exequias  dos  tìeraes  da 
Companhia  quando  falecerem. 

262  Undccimo  Superior  foi  o  Padre  Felippe  Dias,  naturai  de  ?.1a- 
t^  na  Beira:  governou  desde  Outubro  de  1616  até  Abril  de  1618,  ten- 
do vindo  de  Ueitor  de  Angra,  para  onde  tornando  morreo  là.  Duodeci- 
n»  foi  0  Padre  Roque  de  Abreu,  naturai  de  Lisboa,  conicfou  em  Abril 
^  1618,  e  em  27  de  Marco  de  1620  faleceo,  sendo  Superior:  porém 
^  seu  tempo  deo  o  Lianiciado  Antonio  de  Frias  novenla  e  tanlos  niil 
f^s  ao  Collegio:  e  Isabel  Luiz  Ihe  deixou  trinta  alqueires  de  renda  fìxa: 
®  0  illustrissimo  Conde  Capitao  D.  Manoel  da  Camera  deo  huma  alani- 
Na  de  prala,  que  custou  entào  cento  e  quarenta  mil  rcis,  e  huma  Cos- 
cia de  prata  dourada,  e  huin  pucaro  de  prata  para  o  iavatorio,  e  por 
outras  vezes  deo  dinheiro,  trigo,  vinho,  taboado,  e  por  sua  morie  dei- 
^nu  hum  legado  de  oito  mil  cruzados  em  dinheiro;  e  tal  alfccto  tinha  ii 
'-'^mpanhia,  que  desejou  multo  entrar  nella:  e  o  faria  emtim,  se  a  mor- 
fe  0  nSo  impedisse.  Decimo  lercio  Su[)erior  foi  o  Padre  Manoel  Nunes, 
^tai'al  de  Nìza:  veio  de  Ueitor  de  .Vngra,  entrou  n'esle  Superiurado  eia 


302  BÌSTOniÀ  INSCLANA 

Maio  de  IG20,  e  sjihio  era  Septembro  de  1621,  tendo  sido  em  Coimbra 
Mestre  insigne  de  Grego,  e  Hebreo. 

2G3  Decimo  quarto  Superior  foi  o  Padre  Antonio  Leite,  naturai  de 
Lisboa,  entrou  em  Septembro  de  1G2I,  e  em  seu  tempo  deo  D.  Catharina 
Rotelba,  mulber  de  Jacome  Leite  de  Vasconcellos,  jà  viuva»  huma  capa 
de  Asperges  de  téla  branca.  E  porque  alélli  se  nSo  lia  no  Collegio  mais 
que  Moral,  ciijo  primeiro  Mestre  foi  o  Padre  Manoel  Secco,  n'esle  tem- 
po se  metteo  a  primeira  classe  de  Latim,  e  depois  logo  a  segunda,  a 
€sta  segunda  metteo  a  Companbia  de  pura  graga,  sem  para  sostento  do 
Mestre  se  Ibe  dar  congrua  alguma:  e  a  primeira  metteo  com  algumas  es- 
molas  temporaes,  e  nao  perpetuas  para  perpetuo  Mestre:  e  assim  deo  o 
dito  Jacome  Leite,  e  sua  mulber  cumprio  por  sua  morte,  dezoito  mil 
réis  em  seis  annos,  para  sustento  do  dito  Mestre  da  primeira.  Hieronr- 
mo  Goncalves  de  Araujo  deo  bum  raoio  de  renda  a  retro;  SebastiSo  Luis 
Lobo,  e  Manoel  de  Araujo  derào  dous  moios  em  quatro  annos:  o  Capi- 
tao  Raltbezar  Rebollo  de  Sousa,  e  Hanool  da  Costa  derSo  em  quatro  an- 
nos bum  moio:  Pedro  Borges  de  Sousa  deo  por  buma  vez  doze  mil  réis, 
«  0  Capitào  SimJio  da  Camera  de  Sa  meio  moio  de  Irigo  por  quatro  an- 
nos: e  0  CapitSo  Antonio  Borges  da  Costa  bum  quarteiro  tambem  por 
quatro  ^nnos:  e  Manoel  de  Figueiredo  tres  quarteiros:  e  Catbarina  de 
Araujo,  mulber  do  Licenciado  Jo3o  Moreira  bum  moio  em  dous  annos: 
do  que  tudo  bem  se  ve  o  desejo,  e  zelo  que  tinbUo  taes  Cidadaos  de  que 
OS  Mcstres  de  seus  fillios  fosscm  da  Companbia  de  Jesus,  e  o  agradecì- 
inento  que  està  teve  em  Ibes  porem  cadciras  perpetuas  sem  perpetua 
congrua  para  os  Mestres  dellas,  nem  ainda  para  as  idas,  e  vindas  de  Por- 
tugal,  pois  até  o  Lente  de  Theologia  Moral  nao  teve  congrua  delermina- 
da,  nem  a  tem  o  di  primeira,  e  o  da  segunda  teve  alguma,  mas  so  por 
algum  tempo:  que  ns  esmolas  dH  fundaciào  for3o  para  prégarem,  confes- 
sarem,  fazerem  missoes,  comò  faziao  os  primeiros  que  alli  vierSo,  e  as 
tres  cadeiras  metteo  sem  congrua  a  Companbia. 

261  Decimo  quinto  Superior  foi  o  Padre  Antonio  Carneìro,  naturak. 
de  Lislwa,  e  governou  desde  Outubro  de  1623  até  Novembro  de  1627^ 
e  vindo  faleceo  depois  no  Collegio  do  Porto.  Em  seu  tempo,  e  com  di — 
nbeiro  do  Illustrissimo  Conde  Capitao  0.  Manoel  da  Camera,  se  corik.* 
prou  a  Quinta  da  Grimaneza,  e  suas  terras,  e  vinbas.  Erigio  se  a  Corm.- 
fraria  dos  Oificiaes  de  Ponta  Delgada,  com  a  invocagao  de  Nossa  Senhc::>' 
ra  da  Vida,  contra  os  incendios  da  liba,  e  veio  em  procissao  da  Igre  j^ 


\ 


L!V.   V  GAP.  XXI  303 

Matriz  com  loda  a  solemnidade,  e'  festa,  presentes  o  Reverendo  Padre 
Doutor  Luiz  Brandao,  o  illuslrissimo  Bispo  de  Angra  D.  Fedro  da  Cos- 
ta, e  o  seu  Reverendo  Chandre  Sebastiao  Machado,  e  o  illustrissimo  Se- 
nlior  Conde  Capit3o  l>.  Rodrigo  da  Camera  com  a  Senhora  Condessa 
Dona  Maria  de  Paro,  e  prégavào.  E  tinha  vindo  de  Portugal  a  Imagem, 
feita  là,  e  se  coliocou  no  aitar  em  %i  do  Juiho  de  1625,  cuja  Irmanda- 
ile  Ihe  donrou  logo  o  retabolo,  e  é  imitagào  os  Estudantes  dourarào  tam- 
bero  o  seu;  e  a  irmandade  dos  Ofliciaes,  na  primeira  sexta  feira  da  Si- 
mana  Santa  comecou  logo  a  fazer  a  procissào  do  Enterro,  com  o  Senhor 
morto  que  tem  dentro  do  seu  aitar.  No  mesmo  tempo,  e  no  mesmo  lugcir 
se  deo  princìpio  ao  Collegio  novo,  ou  à  obra  reforrnada  em  43  de  Sep- 
\embro  de  16i5,  presente  o  Padre  Visìtador  Luiz  Brandao;  mas  paroii 
depois  a  obra. 

265    Decimo-sexto  Superior  foi  o  Padre  Diogo  Luiz,  naturai  de  AU 

palhào*  que  comecou  em  1027  e  acabou  em  1631,  fui  depois  Mestre  de 

Novijos  em  Evora,  e  Reitor  do  Porto,  e  Bispo  eleito  do  Japào,  e  homem 

de  grandes  partes,  e  talentos;  em  seu  tempo  se  repartio  o  andar  de  bai- 

xo  do  Collegio  em  Refeitorio,  e  cozinha;  e  Manoel  de  Andrade,  casado 

com  Maria  Alvarez  de  Aguiar,  deo  cem  cruzados,  que  se  gastarao  em 

omamentos  da  Igreja;  e  a  viuva  sua  mulhcr  deo  outras  esmolas.  Insti- 

lulii«-se  a  Confraria  de  Santo  Ignacio  por  devo^ao  do  Governador,  e  Ca- 

pilào  General  da  lllia  D.  Rodrigo  Lobo  da  Silveira,  naturai  da  Uba  Ter- 

f^Jira,  e  neto  do  Funilador  do  Convento  de  Sào  Confalo  de  Angra,  fi- 

^«■^Igo  de  grandes  partes,  e  sempre  bcm  aceito  em  Sao  Miguel:  elle  pois 

'^  qiie  se  fundasse  a  dita  Confraria,  e  que  os  Governadores  fossem  os 

^1»  Juizes,  Mordomos  os  Capilfies,  e  Escrivaès  os  Alferes,  e  os  Sargen- 

^  fossero  OS  Procuradores,  e  Thesoureiros;  e  mandou  fazer  do  Santo 

^*ong  relratos,  bum  de  soldado,  outro  de  Religioso,  e  Ihe  fez  buma  so- 

■^Hine  prociss3o,  e  festa,  e  outra  quando  veio  a  confirmacao  de  Roma; 

^  ido  para  Portugal  o  tal  Governador,  entSo  o  Padre  Luiz  Lopes  desfez 

^  Confraria,  por  razoes  que  teve  para  isso;  mas  succederao  logo  os  ter- 

**^int»ios  do  anno  de  1630. 

206  Decimo-seplimo  foi  o  Padre  Sim9o  de  Araujo,  naturai  deCoim- 
*^*^  que  comecou  em  2  de  Setembro  de  163  ^  até  13  de  Fevereiro  de 
*Q36,  e  em  1632  concedeo  e  Reverendissims  Padre  Geral  à  Camera  de 
^««ila  Delgada  por  seu  Padroeiro  o  Santo  Xavier,  por  Bulla  de  perga- 
^^^àsàio  que  està  no  Collegio,  e  se  contìrmou  em  1658i  e  a  Camera  fez 


304  IIISTOIIIA  INSrUNA 

assento  de  assistir  é  festa  do  Santo,  e  dar  cada  anno  cinco  mil  rcìs  psr^ 
ra  a  tal  festa,  e  de  ficarem  serviudo  na  Confraria  os  Otiìciacs  da  Carne*' 
ra  que  tinliào  acabado.  Em  tempo  deste  Superior  se  acabou  o  Cuiredor 
grande  de  cima,  e  o  pequeno  que  acabava  na  varanda,  com  o  jo^^o  dir 
truque  junto  a  ella;  e  o  illustrissimo  Senhor  D.  Joào  Pimenta  de  Abreii, 
com  0  multo  Beverendo  Arcediago  Manoel  Cabrai  de  Mollo,  e  com  INjh- 
tiOcal,  e  solemnidade  grande  benzeo  os  Corredores  de  cima,  e  de  bai- 
xo,  e  no  firn  da  mantià  praticou.  e  ficou  no  Collegio  até  a  tarde,  em  que 
se  virào  os  Altares,  e  arma^oes,  e  se  lerào  as  Poesias;  e  depois  s^tliirào 
0  Padre  Manoel  Monteiro  por  Imma  parte  da  Uba,  e  por  outra  outro 
Padre,  e  correrao  a  liba  em  missao  Apostolica.  E  no  mesmo  tempo  se 
deo  de  esmola  para  a  Igreja  buma  alcatira  grande,  e  outra  pequcna,  e  a 
cadeira  das  praticas,  e  outra  esmola  com  que  se  fez  a  bandeira  das  dou- 
trinas;  e  o  Reverendo  Manoel  Fernandez,  Vigario  de  Sao  Pedro  de  Vil- 
la Franca,  deixou  ao  Collegio  dois  moios  de  renda  perpetua;  e  deo  Ires 
moios  por  buma  vez  à  Sacristia,  tendo  jà  dado  esmolas  de  importancia 
em  sua  vida.  E  vindo  por  Visitador  o  Padre  Diogo  Pereira,  (depois  Ad 
ter  sido  Lente  de  Tlieologia)  alcancou  de  N.  Rever.  Padre  Geral,  que  os 
Superiores  do  Collegio  de  Ponta  Delgada  fossem  dali  por  diante  Ueilo- 
res  com  patente  de  Roma;  e  logo  o  Licenciado  Ruy  Pereira  de  Amarai, 
Irmao  da  Companbia,  fez  as  novas  duas  Classes,  de  Primeira,  e  Seguuda. 

CAPITOLO  XXII 

Dos  Reitores  do  Collegio  de  iodos  os  Sanlos 
de  Ponta  Delyada. 

207    Tendo  sido  cste  Collegio  sómente  buma  residencia  do  Real  Col- 
legio de  Àngra  |)or  quarenla  e  cinco  annos,  desde  o  de  1591  até  o  <lg=* 
IGuO,  entào  em  13  de  Fevereiro  veio  por  seu  primeiro  Reitor  com  pcà^  — 
tenie  de  Roma,  o  Padre  Luiz  Lopes,  naturai  da  Vidigueira  em  Alèm-Ti  :=?- 
jo,  e  0  foi  ale  12  de  Junbo  de  1039.  Em  seu  tempo,  a  3  de  Julbo  A. e 
1038  tremeo  a  terra,  especialmente  em  Sao  Joao  dos  Ginetes,  defroii  t^ 
do  qual  silio,  e  buma  Icgoa  ao  mar,  e  no  meio  delle,  e  de  repente,  ukt- 
rebcnlou  do  fundo  lai  fogo  sobre  o  mar,  que  sobre  elle  fez  bum  tai 
Ilbeo  de  cinza,  terra,  e  pedra  pomes,  que  durou  muitos  dias,  e  noiLe>v 
e  matou  grande  copia  de  peixes;  e  se  uà  terra  tivera  arrebentado,  loda 


LIV.  V  GAP.  XXII  305 

a  consumiria.  Acudio  pois  o  novo  Padre  Ueitor  com  liuma  mìssao  ao  tal 
logar  para  animar,  e  consolar  a  gente;  e  outra  missào  de  Padres  nìan- 
dou  pela  Uba  toda. 

268    Porém  era  3  de  Novembre  de  1637  tinha  mandado  El-Rei  de 
Castella  langar  tacs,  e  tuo  novos  tributos  na  liba,  qne  amotinado,  e  ar- 
mado  0  povo,  ao  estrondo  do  sino  do  Rebate,  acudio  tanto,  e  cora  tal 
furia  à  praga,  que  arremetendo  logo  à  Audiencìa,  Ibe  puzeruo  fogo  às 
portas,  e  assentos,  e  sobrc  a  casa  da  Camera  lancarao  tantas  pedras,  que 
o  Governador  Nuno  Pereira  Freire,  e  o  Juiz  de  fora,  com  os  mais  da 
Govcmanca,  (que  dentro  eslavao)  correrao  perigo  de  vida.  Acudirao  eu- 
tao  com  Cruz  algada  o  dito  Padre  Ueitor»  e  seu  Collegio,  e  outros  Ec- 
ctesiasticos,  e  trazendo  para  o  Collegio  os  sobreditos  do  Governo,  os  li* 
vrarik)  da  morte,  e  aquìetarao  o  motim.  N'este  mosmo  Rcitorado  o  Re- 
^ereodo  Cbantre  de  Angra  Sebastiao  Macbado  deo  vinte  mil  réis  de  es- 
mola ao  Collegio  para  o  Sacrario'  da  Igreja,  e  de  outras  esmolas  se  fize- 
rio  D*ella  varios  ornamentos,  e  se  fizerao  dous  sinos  novos;  e  o  Collegio 
oomprou  a  vinha  nova,  que  foi  de  Cosme  Sarmento;  e  fez  nas  Furnas  a 
Casa,  e  Oratorio  para  quando  li  v3o  os  Padres:  e  em  1636  deixou  Uie- 
roDymo  Goncalves  de  Araujo  cem  mil  réis  para  ajuda  do  retabolo  do  Ai- 
tar mór  da  Igreja  nova. 

260  Chegado  o  mez  de  Julbo  de  1639  passou  por  Sao  Miguel  o 
Mestre  de  Campo  D.  Diogo  Lobo  da  Silveira,  naturai  de  Angra,  que  bia 
para  o  Brasil,  e  com  elle  bia  por  Visitador  do  Brasil  o  Padre  Pedro  de 
Moura,  que  levou  por  seu  companheiro,  ou  Secretarlo  o  Padre  Luiz  Lo- 
pes,  que  acabava  de  ser  Beitor;  do  Brasil  voltou  o  dito  Padre  Luiz  Lo- 
P6S  para  Portugal,  e  nao  so  foi  Preposito  de  Villa- Vigosa,  mas  cb^ou  a 
^  Provincial  da  Provincia  de  Portugal,  e  depois  Reitor  do  Collegio  de 
^nìbra,  e  sempre  varao  multo  regular,  e  exemplar,  e  de  grande  dom 
^  bom  governo,  que  venerei  sempre  sendo  seu  subdito,  ba  mais  de 
cìocoenta  annos. 

270  0  segundo  Reitor  de  Sao  Miguel  foi  o  Padre  Antonio  da  Ro- 
^  naturai  de  Alvaiazere:  teve  o  governo  desde  12  de  Julbo  de  1620 
'te  3  de  Fevereiro  de  1643.  Em  seu  tempo  cbegou  a  felìz  nova  da  Real 
AodamacSo  do  Invicto  Restaurador  da  Monarcbia  Lusitana,  o  Senbor  Rei 
^-  l(Ao  0  IV,  e  foi  logo  recebida  com  repiques,  e  luminarias  geraes,  que 
^orario  por  muitos  dias,  e  com  o  Senbor  exposto  na  Igreja  do  Collegio 
^  0  prìmeìro  de  Maio  de  16&1,  e  aos  cince  fez  o  Collegio  procissao  de 
VOLI  20 


306  IIISTOUIA  IXSIJLANA 

accSo  de  gracas»  com  a  Irmandade  de  Nossa  Scnhora  da  Vida»  com  mai- 
tas  flguras,  e  Anjos,  e  diante  os  meninos  da  escola,  todos  bem  vestidos, 
e  com  capellas  de  flores  nas  cabegas,  e  triunfantes  palmas  em  asm3os. 
N'este  Reitorado  se  ac^rescentou  multo  o  Santuario  da  Igreja,  e  se  com- 
prarao  os  orgaos  ao  Convento  da  Esperanga,  para  o  que  concorreo  Fran- 
cisco de  Moraes  Ilomem  com  esmola  de  trinta  cruzados;  e  Maria  Nunes, 
mulher  de  Joseph  Femandez  Pereira,  dcixou  ao  Collegio  sessenta  mil 
rèis  de  esmola;  e  o  dito  Reitor  fez  as  casas,  e  cistemas  da  Faja  para  as 
Quintas  ordinarias;  comprou  mais  Ires  alqueires  de  vìnha  junta  é  qae  jj 
tinhSo  em  Bethlem,  e  huma  morada  de  casas  na  cidade,  etc. 

271  Terceiro  Reitor  foi  o  Padre  Diogo  Pereira,  naturai  de  Viana  de 
Alem-Tejo;  comegou  a  3  de  Fevereiro  de  1643,  e  acabou  em  13  de  Sep- 
tembro  de  1646.  N'este  Reitorado  se  fez  huma  Missao  por  toda  a  IIIu 
que  durou  dou  mczes,  com  grande  fruto  das  almas;  comprarSo-àe  mais 
cinco  alqueires  de  vinha  em  Bethlem;  fez-se  o  Retabolo  novo  da  Capella 
mór  com  esmolas  da  Camera,  e  do  Provedor  da  fazenda  Beai  de  todas 
as  llhas  Agostinho  Borges  de  Sousa.  Antonio  Marques  de  Oliveira,  e  saa 
liiulher  D.  Gulmar  Ferreira  derùo  quarenta  e  tantos  mil  rèis  em  dinhei- 
ro,  e  as  duas  Imagens  do  Santo  Borja,  e  Santa  Teresa  de  Jesns  :  e 
D.  Catliarina  Bolelha,  e  sua  nora  I).  Maria  do  Canto,  e  a  irma  d'està, 
D.  Luiza  derao  outras  varias  esmolas:  e  hum  Cidadao  de  Angra,  Luis 
Coelho  Pereira,  mandou  trinta  mil  réis  ao  Padre  Antonio  de  Abreu  Pro- 
curador  d'este  Collegio,  com  que  fez  a  interior  Capella  d'elle:  pagar3o- 
se  n*este  tempo  mais  de  quatrocentos  mil  réis  em  dividas;  fizer3o-se  at 
exequias  de  nesso  M.  Kever.  Padre  Cerai  Mucio  com  grande  solemnrda- 
de,  e'o  Rever.  Vigarìo,  e  Beneficiados  da  Matriz,  e  disse  a  Missa  o  VK 
siiador  da  Companhia  o  Padre  Gaspar  de  Gouvea,  e  ainda  se  comprarlo 
as  terras,  que  forSo  de  Cosme  Sarmento:  reslaurou-se  a  Confrarìa  do 
Santo  Xavier  a  inslancia  de  seu  grande  devoto  o  Licenciàdo  Bui  Pereira 
de  Amarai,  Juiz  dos  ausentes,  e  Escrivào  da  Camera,  com  a  qual  fei 
que  se  tornasse  ao  Santo  por  terceiro  Padroeiro  da  Cidade,  ficando  os 
primeiros  SiHo  Scbastìao,  e  Santo  André,  e  que  a  Camera  viesse  no  ttl 
dia  em  procissao  à  Igreja  do  Collegio. 

272  Quarto  Reitor  foi  o  Padre  Joao  Freire.  E  porque  o  Padre  Hai 
noci  Goncalves  que  aponlou  os  sobrcditos  Superiores,  e  Reilores,  paro 
no  sobredito  terceiro  Reitor,  e  n3o  achei  mais  apontamentos  dos  outras 
por  isso  d'este  quarto  Rcilor  nao  digo  mais;  e  servirà  islo  de  aviso  pai 


LIV.   V  GAP.  XXII  307 

haver  quem  aponte  o  digno  de  se  apontar.  0  quinto  Reitor  foi  o  Padre 
Maooel  Alvarez,  naturai  d'Àrruda,  que  parece  entrou  pelos  annos  de 
1653»  e  tambem  em  seu  tempo  mandoo  missao  peKi  Uba  de  deus  Pa- 
dres,  comò  he  proprio  da  Companhia. 

273  Sexto  Reilor  foi  o  Padre  Concaio  de  Arcz,  que  achei  jà  Reitor 

DO  anno  de  4664,  era  naturai  da  mesma  Cidade  de  Ponta  Delgada,  e  da 

melbor  nobreza  d'ella,  e  a  cujos  ascendentes,  e  parentes  deve  muito  o 

tal  Collegio,  assìm  em  sua  fundagào,  corno  na  continuacao,  e  augmento 

d*elle;  mas  a  elle  deve  muito  mais  a  Companhia,  pela  grande  virtude^ 

letras,  prèdica  com  que  a  Iionrou;  porque  na  virtudo  era  exemplarissimQ 

nas  letras  foi  excellente  Moralista;  e  tinlia  grande  voto  nas  materias  de 

mora!  ;  e  na  prèdica  era  bem  ouvido«  e  com  grande  atten^ao  pelo  que 

dìzia»  posto  som  forcas  para  aturar  muitas  tarefas  de  Àdventos,  e  Qua- 

resmas.  No  ultimo  dia  de  seu  triennio  cliegou  licenza  para  se  come^ar 

Igreja  nova,  e  poucas  horas  antes  de  acabar,  e  ja  de  noite,  mandou  logo 

abrìr  os  ajicerse»,  cousa  que  alguns  Ihe  eslranharuo,  devendo-se-lhe  lou- 

var  0  zelo  que  n'isso  tinha;  porém  vindo  entao  por  Visilador  o  Vene- 

nvel  Padre  Manoel  Fernandez,  de  quem  faremos  a  devida  mencao  em 

seu  lugar»  seguio-se  o  Reitor  seguinte. 

274  Septimo  Reitor  foi  o  Padre  Manoel  Gonp^ves,  naturai  de  perto 
deCoimbra,  para  levantar  a  Igreja  nova  sahio  o  dilo  Reitor  com  o  seu 
Padre  Procurador,  e  com  o  Governador  Luis  Veiho  pelas  mas  da  Cida- 
de, pedindo  esmola,  e  tambem  se  pedio  em  Ribeira  Grande,  e  em  Villa 
Franca,  e  n'este  tempo  vierao  os  qiialro  castigaes  de  prato  do  Aitar  mór, 
e  0  prato,  e  jarro  de  agua  às  màos,  com  dinheiro  dado  de  esmolas  à 
Sacrislia,  e  logo  foi  o  Padre  Pedro  Leilao  com  outro  Padre  companheiro 
^  raissao  pela  Rha.  por  espaco,  de  bum  mez,  e  a  Camera  da  Cidade 
i  iostancia  do  Licenciado  Rui  Pereira  de  Amarai,  e  para  a  festa  do  Santo 
Xavier,  in  perpeiuum,  deo  bum  pedalo  de  terra  ao  Collegio,  e  isto  be 
0  que  se  sabe  d*este  septimo  Reitor,  que  ao  depois  foi  Reitor  de  Bi*aga» 
^  zeloso  da  observancia,  e  morreo  na  Residencia  de  Nossa  Senhora  da 
^pa,  entre  o  Bispado  de  Lamego,  e  de  Yizen. 

275  Oitavo  Reitor  foi  o  Padre  Mestre  Joao  de  Sousa,  naturai  tam- 
de  junto  a  Coimbra,  que  vindo  por  Visitador  das  Ilhas,  e  para  flcar 

por  Reitor  de  Àngra,  aporlando  primeiro  em  S.  Miguel,  escolheo  antes 
®  Bear  Reitor  alli,  tinha  lido  Curso  em  Braga,  e  sido  Prefeilo  das  Es- 
^las  mcnores  de  Coimbra,  e  n'ellas  por  muilos  annos  Lente  da  Sagra- 


308  lllSTOniA  IXSULANA 

da  Escritura,  onde  foi  Mestre.  Era  excellentissimo  Prégador,  Humanista 
singular,  e  multo  copioso  in  dicendo,  e  tanto  eoi  os  singularìssimos  con- 
ceitos,  quo  de  caha  Sermao  seu  se  podiao  fazer  muitos  Sermoes ,  e  jà 
quasi  todo  branco,  e  estes  erào  os  Reitores  que  entao  se  niandavao  para 
as  Ilhas,  d  onde  vindo  prégou  em  Coimbra  com  geral  aceitacSo,  e  foi 
promovido  a  Reitor  de  Braga,  aonde  faleceo  sendo  Reitor,  e  com  gran- 
de cxemplo,  especialmente  de  grande  humildade,  que  he  o  timbra  dos 
Letrados  da  Companhia,  serem  humildes,  e  assim  acabado  o  Reitorado 
de  S3o  Miguel  sem  Ihe  ter  chegado  successor,  ficou  por  Reitor  o  sobre- 
dito  Padre  Gonzalo  de  Arez,  que  com  seu  zelo  reedificou  as  aulas  da 
Primeira,  e  do  Moral.  e  as  casas  novas  que  se  seguiao  no  canto  do  ter- 
reiro  da  Igreja,  e  tirou  quatrocentos  mil  réis,  de  que  o  Collegio  pagava 
cambio  em  Lisboa. 

276  Nono  Reitor  foi  o  Padre  ManoelSoares,  naturai  da  Provincia  da 
Beira,  enlrou  em  2  de  Junho  de  4665,  e  tinba  jà  sido  Prefeito  d3  grande 
pateo  de  Braga,  e  em  Sao  Miguel  foi  tambem  meu  Reitor,  era  muito 
prudente,  manso,  e  pacifico,  e  de  muito  bom  exemplo,  e  assim  vindo 
da  liba  foi  Reitor  de  Braganga,  e  depois  Reitor  do  Porto,  e  emfim  Se* 
cretario  da  Provincia,  e  em  todos  os  governos  se  houvc  cum  grande 
aceitagao,  e  muito  exemplo  de  virtude,  e  em  espccial  de  paciencia,  e  de 
nenhum  genero  de  vinganga,  até  que  morreo  com  o  mesmo  exemplo. 
Dos  mais. Reitores  deste  Collegio nuo tenho noticia, dal-a-ha  quema tiver. 

CAPITULO  XXIII 

De  outro  terremoto,  e  fogo  que  liouve  em  S.  Miguel. 

277  Em  huma  Relacao  mannscrita  pelo  Reverendo  Antonio  Fernan- 
dez  Francisco,  Vìgario  na  Villa  dWlagoa,  e  testimuntia  de  vista,  achei  o 
que  recopiladamenle  agora  digo.  Em  bum  Sabbado  a  12  de  Outubro  de 
1652,  antemanbàa  comegou  a  tremer  a  terra  conlinuadamente  até  os  19 
do  dito  mez,  e  com  tao  fortes  abalos,  que  na  Villa  d'Alagoa,  e  om  par — 
ticular  na  Fregnezia  de  Santa  Cruz  cahirao  sesscnta  casas,  e  nenhuma» 
na  de  Nossa  Senliora  do  Rosario,  e  so  ficou  abalada  sua  Igreja,  corno  a^ 
mais  das  ontras  casas,  e  o  Convento  dos  Capuchos,  e  comtudo  nao  mor-— 
reo  pessoa  alguma.  As  Freiras  de  Ribeira  Grande  se  sahirao  do  Gonver»- 
to,  bem  acompanhadas  do  Ecclesiastico,  e  Nobreza,  e  cstiverao  quatro 


Liv.  V  GAP.  xxni  3{K) 

dìas  fora,  até  se  tornarem  a  recolher;  e  os  seculares  largavao  snas  casas, 
com  ludo  0  que  linham  n'ellas,  e  so  andavào  em  piocissòes,  e  confissòes 
pelos  eampos,  atéque  no  Sabbado  19  ao  Sol  posto,  quando  loclos  cuida- 
tao  estar  jà  livres,  de  repente  rebentou  o  Pico  chamado  do  Payo,  e  o  seu 
Tizinibo  chamado  de  Joao  Ramos,  e  coni  tal  furia  de  fogo»  que  o  vizinho 
lagar  de  S3o  Boque  se  despovoou  todo,  e  os  Parochos  levarao  o  Santis- 
simo para  a  Cidade,  legoa  boa  de  fogo,  e  com  ser  de  noite  jà  todos  dei- 
xario  as  casas,  e  até  as  Freiras  queri3o  deixar  os  Gonventos,  se  as  nSo 
impedissem  os  Religiosos,  e  Nobreza  ;  e  na  Villa  d'Alagoa,  que  menos 
de  l^oa  estava  do  fogo,  todos  se  ausentavao,  e  so  os  Parochos,  e  o  Ca- 
pitlo  mór  Antonio  de  Varia  Maya,  tiverSo  mao  em  muita  gente,  pondo 
figìas  por  toda  a  noite,  advertindo  para  que  parte  tornava  o  fogo,^para 
Ihe  fugirem  a  tempo,  mas  o  fogo  era  tal,  que  subindo  da  terra  ao  Geo, 
parecia  descer  d'elle  em  nuvens  de  fogo  toda  a  noite,  e  no  scguinte  dia 
erao  taes  os  estrondos  da  horrivel  pedraria  que  os  montes  de  si  lanca- 
HOy  e  tal  diluvio  de  cinza,  quente,  negra,  e  medonha,  que  nao  so  casas, 
qoiatas,  e  cercas,  mas  ainda  muitas  terras  se  perderao,  e  tornarao  in- 
froctireras,  e  pcior  seria,  se  nao  fora  o  vento  norte  e  rijo,  que  laudava 
ao  mar  vizinho  do  Sul  aquelles  grandes  diluvios  de  cinza,  e  fogo. 

278  Quasi  dezaseis  dias  depois  hi3o  aventureiros  ver  os  lugares  do 
fogo,  e  acbarao  que  o  Pico  de  Joao  Kamos  so  abrira  huma  tal  chaminé 
W  cima,  que  ainda  hojc  lanca  fumo,  e  fogo,  porém  que  o  vizinho  Pico 
<tamado  do  Payo,  de  tal  sorte  arrebentou,  que  fazendo  outros  dous  pi- 
^  corno  elle,  do  que  do  centro  langou  acima,  ficou  elle  tao  inteiro,  e 
^to  corno  de  antes,  e  foi  misericordia  Divina,  que  as  grandes,  e  innu- 
D^raveis  pedras  que  o  fogo  levava  acima,  nenhuma  cahio  senao  a  prumo, 
fonnando  montes  novos  junlos  ao  do  Payo.  Tambem  se  reparou,  que 
hum  Hieronymo  Goncalves  de  Aranjo  (homem  pio,  bom  Christao,  e  muito 
^si&oler)  tinha,  muitos  annos  antes,  levado  às  costas  ao  alto  do  Pico  de 
^  Ramos  huma  grande  Gruz,  e  a  tinha  em  cima  d  elle  collocado,  e  jà 
por  isso  0  fogo  tomou  o  caminho  do  monte  do  Payo  vizinho,  e  nao  do 
^0  Joào  Ramos,  sendo  que  d'cste  se  diz,  que  jà  antes  da  Ilhadescuher- 
^»  tinha  em  cima  aberla  a  diamine  do  fogo,  que  Ihe  lapou  a  Gruz,  para 
^  d3o  lancar  maior.  D'està  sorte  parou  este  successo,  seni  morte  que  se 
^ba  de  pessoa  alguma,  mas  com  destruic^So  de  terras. 

279  Tambem  em  18.  de  Oulubro  de  1656  pelas  duas  horas  dama- 
^'^gada  houve  muitos  terremotos,  e  no  dia  seguinte  pelas  sete  horas  da 


310  inSTORIA  INSULANA 

tarde  liouve  hum  tao  vebemente,  qoe  fez  abaiar  os  edificios,  e  a  geob 
desemparar  as  suas  casas,  e  confessarem-se  os  mais  em  dia  de  Saob 
Iria/  e  com  isso  parou  tudo,  que  o  remedio  dos  castigos  d'està  vida  h 
a  emenda  n'eila  dos  peccados. 

280  Resta  vermos»  qne  se  acha  no  antigo  tombo  da  Camera  de  PoDb 
Delgada,  aonde  a  fol.  107  estao  os  privilegios  da  Cidade  do  Porto,  e  s< 
deciarlo  miudamente  os  concedidos  aos  antigos  Infanc5es,  e  todos  » 
coQcedem  aos  Cidad3os  de  Ponta  Delgada,  por  Felippe  II,  em  o  anno  d( 
1583.  E  a  fol.  172  està  o  privilegio  Rea),  para  que  os  Tbesoureiros  d; 
Camera  de  Ponta  Delgada  que  sahirem  no  pelouro,  gozem  os  mesmo) 
privilegios  que  os  Juizes,  e  Yereadores,  comò  jà  de  antes  ostava  conce 
dido  à  Villa  de  Villa  Franca.  A  fol.  327  estao  os  privilegios  dos  Fami< 
liares  do  Santo  Officio:  e  a  fol.  432  estao  tambem  os  privilegios  dos  Of 
ficiaes  da  Bulla  da  S.  Cruzada. 

281  E  porque  alguns  Capilaes  Donatarios  excedi3o  os  poderes  d€ 
sua  jurìsdicao,  por  isso  a  fol.  159  e  167  declara  El-Rei,  comò,  conc& 
der-se  ao  Capitao  de  huma  Illia  em  suas  doacoes  a  jurisdicao  do  civel, 
e  crime,  nao  he  fazel-o  Governador  da  Justi^a  por  El-Rei,  e  que  neobn- 
ma  posse,  ainda  immemorial,  vai  centra  a  jurisdigao  Real.  E  que  nem  ( 
tal  CapitSo,  nem  os  mais  Capitaes  das  Ilbas  nao  erào  senbores  dasllhai 
mas  Capitaes  semente,  que  be  officio  de  Governador:  e  assim  a  fol.  13 
està  a  provisao  de  Felippe  Segundo  de  1584,  em  que  mandou  queima 
assim  comò  estava  cerrada,  huma  eleicuo  de  pelouro  da  Camera,  que 
Capitao  da  Uba  tinha  feito  em  falla  do  Corregcdor,  e  a  este  se  mam 
que  com  o  Juiz  de  fora  a  faga,  e  ao  Corregedor  se  avisa  que  venb 
tempo  da  Terceira  para  a  fazer  em  Sào  Miguel  :  era  entao  Correge 
Christovao  Soarcs  de  Albergnria.  E  assim  tambem  se  ve  julgado  a 
150  ató  167,  nao  poder  o  Capitao  fazer  as  eleigàes,  e  pelouros.  E  9 
217  està  a  sentenza  de  Felippe  II,  dada  em  608  para  nao  poder  o  C 
Capitao  embarcar  seu  pao  sem  licenza  da  Camera,  e  para  nao  quebr 
posturas,  e  acordaos  feilos  na  Camera.  E  a  fol.  251  ale  258  estao  e 
sentencas  havidas  pela  Camera  contra  o  Ouvidor  do  Conde  Capii? 
materia  de  jurìsdicoes. 

282  E  he  ainda  tao  grande  a  jurisdigao  dos  ditos  Capitaes  das 
que  no  civd,  e  ale  quantia  de  quinze  mil  rcis,  (nao  contando  as 
sentenceao  a  final,  sem  appellafao,  nem  aggravo;  salvo  allegando 
condemnada  alguma  nuUidadc,  porque  enlào  darà  carlas  testimi 


LIV.  V  GAP.  XXIII  3H 

com  0  leor  de  todos  os  autos,  para  se  ver  pelos  Desembargadores,  e  so 
fazer  o  que  for  justiga.  E  no  crime  podem  degradar  por  dez  annos  para 
alèm,  a  qualquer  pessoa,  e  agoutar  a  quem  fòr  de  qualidade  em  que 
caibio  OS  agoutes,  e  os  casos  taes,  que  Ihes  devao  ser  dadas  scmclhan* 
tes  penas;  e  em  penas  de  diiiheiro  até  a  algada  de  quinze  mil  réis,  sem 
dos  ditos  Capilaes  haver  appellagao,  nem  aggravo.  Mas  sendo  condem- 
nados  em  maior  pena,  ou  degredo,  ou  em  degredo  para  as  Ilhas  de  S. 
Tbomé,  do  Prìncipe,  e  de  Santa  Helena,  ou  em  talhamento  de  membro, 
00  morte  naturai,  darlio  appellagao,  e  aggravo  à  parte,  e  se  està  nao 
appellar,  appellarao  por  parte  da  justiga.  E  darao  carta  de  seguro  de 
todos  OS  crimes,  de  qualquer  qualidade  que  sejao.  E  quando  algumas 
pessoas  forem  mandadas  metter  a  tormento  pelos  ditos  Capitacs,  ou  seus 
Ouvidores,  se  deve  receber  appellagao  às  Partes,  ou  appellar  por  parte 
da  jostiga. 

283  E  quando  algumas  pessoas  se  chamarem  às  Ordens,  e  se  prò- 
DQodar  que  devem  ser  remetidas  a  ellas,  appellarao  por  parte  da  justi- 
(il  00  receberao  a  appellagao  interposta,  posto  que  os  casos  caibao  na 
3l{ada,  e  pronunciando  que  nao  remettem  a  pessoa,  entao  nao  serao 
obrìgados  a  appellar  por  parte  da  justiga,  porque  se  a  Parte  appellar, 
WiìtTìo  appellagao,  posto  que  o  caso  caiba  em  sua  algada.  E  quando 
9is  Partes  se  chamarem  i  immunidade  da  Igreja,  os  ditos  Gapitaes,  e 
Governadores  terao  n'isso  a  maneira  que  pelas  Ordenag5es  he  mandado 
qoe  tenhSo  os  Corregedoi*es  das  Comarcas.  E  isto  se  guardare  assim, 
^  embargo  de  quaesqucr  provisoes  que  os  ditos  Gapitaes  tenhSo  em 
cootrario,  por  mim  conflrmadas,  etc.  Assim  se  le  a  fol.  310  em  carta 
Beai  de  16  de  Maio  de  1620. 

284  Conclue-se  pois  com  as  noticias  d'està  grande,  rica,  e  nobre 
Uia  de  Sao  Miguel,  por  nSo  ter  eu  mais  noticias  que  d'ella  possa  dar, 
ooomtado  ainda  vir3o  muitas  nas  historias  que  se  seguem  das  outras 
Otts,  aonde  m^lhor  cahirem,  queira  Deos  que  haja  quem  continue  està 
obra  para  gloria  de  Deos. 


il  FIM  DO  PRIMEIRO  VOLUME. 

^1 


INDICE 


DOS 

CAPITUIAMi  QCJE  SE  COMTKH  NT  ESTE  VOLIJIIIE 

LIVRO  I 

Da  ereagào  das  Ilhas  Occidentaes,  tocantes  d  Monarchia  Poriugueza. 

Pag. 

Cap.  I  Das  varias  opinioes  que  houve  na  materia 15 

Gap.  II  Da  fabulosa  liha  Atlantica 18 

Gap.  Ili  Dos  primeiros  Reis  de  Ilespanha,  e  Portugal 20 

Gap.  IV  Dos  que  metterao  a  idolatria  em  Ilespanba,  e  da  primeira 

batalba,  que  bouve  n'ella 22 

Gap.  V  Do  decimo  quinto  Rei  de  Ilespanha  Atlante;  fundamento  da 

fabulosa  Uba  Atlanta 24 

Gap.  vi  Dos  seguintes  Reis  de  Hespanha  descendentes  de  Atlante.    26 

Gap.  vu  Do  Rei  Luso,  e  sua  Lusitana  descendencia 28 

Gap.  vui  Dos  interregnos  que  bouve  em  a  Lusitania 30 

Gap.  IX  Da  fundacao  de  Lisboa  em  tempo  do  Mellifluo  Rei  Gorgo- 

ris,  e  de  Ulisses  e  do  Rei  Abidis  fundador  de  Santarem ...    32 
Gap.  X  Das  longas  esterilidades:  tempestades,  e  incendios  de  Hes- 
panba,  e  vinda  a  ella  dos  Celtas,  e  outras  nagóes,  e  fundagao  de 

Vizeu 34 

Gap.  XI  Da  vinda  dos  Cartbagineses  a  Portugal,  e  dos  Laconicos 

Gregos;  fundagao  de  Braga,  Coimbra,  Aveiro,  e  Lagos    ...    37 
Gap.  xn  Da  vinda  dos  Romaoos  a  Hespanba,  e  victorias  que  d'elle 
ooDseguio  0  maior  Portuguez,  e  Principe  Yiriato,  até  morrer  so 

portraic3o  . 39 

Gap.  xm  Das  mais  guerras  de  Portugal,  e  do  seu  grande  Sertorio, 

vencedor  de  todo  o  poder  Romano 45 

Gap.  XIV  Da  vinda  ^e  Julio  Gesar  contra  Portugal 51 

Gap.  XV  Do  principio  do  Imperio  de  Julio  Cesar,  e  uniao  com  Por- 
tugal até  à  vinda  de  Christo  Senbor,  e  Salvador  nosso.    ...    53 

Cap.  XVI  Conclusao  do  principio  das  Ilbas 55 

VOI.  I  21 


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DOS  CAPITULOS  D'ESTE  VOLUME  315 

Pag. 

CXp.  XV  Do  sexto  Capitlo  do  Funchal,  e  segundo  conde  de  Calheta  127 
G^^p.  XVI  Do  principio  e  augmento  do  Estado  Ecclesiastico  em  a  Ma* 

deira 128 

C^^bJ».  xvu  Conclue-se  com  a  liba  da  Madeira,  Desertas,  e  outras.  .  131 

LIVRO  IV 

Da  lìha  de  Santa  Maria^  que  das  nove  dos  Assores,  foi  a  primeira 
que  se  descuhrio. 


\ 


IP.  I  Do  fundamento  que  havia  para  se  buscarem  as  ditas  Ilhas,  e 

das  formigas  que  primeiro  apparecerao 133 

kv.  II  Quem  forao,  e  de  que  qualidade  os  primeiros  descubrido- 

res  da  liba  cbamada  Santa  Maria 135 

CIlju».  m  Da  ascendencia,  e  descendencia  dos  povoadores  da  sobre- 

dita  Uba 137 

CH^AP.  IV  Da  altura,  povoa^oes,  e  fertilidade  da  Uba  de  Santa  Maria.  142 
C2^P.  V  Do  tracto  do  Norie,  e  seu  interior  da  Uba,  e  singularidades  ' 

d'ella 145 

CIjiP.  Vi  Do  primeiro  Capi  tao  Donatario  da  liba  de  Santa  Maria.    .  148 

^Cj^P.  VII  Do  segundo  Capitao  da  dita  Uba 151 

CijkP.  VIII  Do  terceiro  Capitao  de  Santa  Maria 154 

CSap  IX  Do  quarto  Capitao  da  Uba  de  Santa  Maria 157 

Oap,  X  Do  quinto  Capitao  da  liba  de  Santa  Maria 158 

C^AP.  XI  Do  sexto  Capitao  da  Uba  de  Santa  Maria 161 

Cap.  xn  Do  septimo  Capitao  Bras  Soares  de  Sousa 162 

CIap.  xin  Dos  Commendadores  da  liba  de  Santa  Maria 164 

C^P.  XIV  Conclue-se  com  a  Uba  de  Santa  Maria,  e  suas  prerogati- 
vas 168 

LIVHO  V 

Da  Ilha  de  S.  Miguel. 

Cap.  I  Do  primeiro  descubrimento  da  Uba  de  S.  Miguel  e  seus 

descubridores 171 

^^.  u  Do  raelhor  descubrimento,  e  descripgao  da  liba  de  S.  Mi- 

gael 174 

^1*.  in  Descripfao  geral  de  S.  Miguel,  e  particular  da  banda  do 

Sul 175 

^1*.  IV  Da  antiga  e  nobre  Villa  Franca  de  S.  Miguel,  Agua  de  Pào, 

e  Alagoa 179 

^Ai^.  V  Da  Cidade  de  Fonia  Delgada 182 

« 


316  INDICE 

Gap.  vi  Gontinaa  a  descripcio,  especiaUneote  ao  Norte  da  Uba  de 

S.  Miguel 187 

Gap.  vii  Da  famosa  Villa  da  Ribeira  Grande,  e  mais  logares  do  Nor- 
ie  189 

Gap.  vhi  Do  interior  da  liba,  seus  fogos,  e  tremores 194 

Gap.  IX  De  outras  Furnas,  Fogos,  e  Tremores  d'està  Dha,  e  em  es- 
pecial de  Villa  Franca 20! 

Gap.  X  Das  outras  partes  a  que  chegou  o  terremoto  de  Villa  Fran- 
ca  208 

Gap  XI  Da  peste  que  succedeo  ao  Terremoto,  e  incendìos  qua  a 

elle  succederlo 210 

Gap.  XII  Dos  Terremotos,  e  incendios  mais  modemos    ....  217 
Gap.  xnt  Dos  prìmeiros  tres  Gapitaes  Donatarios  da  liba  de  S.  Mi- 
guel   221 

Gap.  XIV  Do  quarto  Capilao  Joao  Rodrigues,  ou  Joao  Gongalves  da 

Gamera 227 

Gap  XV  Do  quinto  Gapitao  Ruy  Gongalves  da  Gamera,  segundo  do 

nome 229 

Gap.  XVI  Do  sexto  Gapitao  Manoel  da  Gamera.  primeiro  do  nome .  232 
Gap.  XVII  De  alguns  homens  famosos,  e  familias  que  vieiio  povoar 

a  Uba  de  S.  Miguel 236 

TiT.  I  Dos  Velbos,  Gabraes,  Mellos,  e  Travassos,  Soares  de  Alber- 
garla, e  Sousas 237 

TiT.  II  Dos  Gameras,  e  Betencores 241 

TiT.  ni  Dos  Gagos,  Raposos,  Pontes,  Bicudos,  Gorreas,  Pacbecos  .  246 

TiT.  IV  Dos  Botelbos,  Leites,  Amaraes,  Vasconcellos 249 

TiT.  V  Dos  Medeiros,  Araujos,  Borges,  Sousas,  Rebelios,  Dias  .    .  256 
TiT  VI  Dos  Barbosas,  Silvas,  Tavares,  Novaes,  Quentaes,  Farias,  Ma- 

chados i 263 

Gap.  xviii  Das  rendas,  ou  riquezas,  fertilidade,  e  frutos  d'està  flha.  270 
Gap.  XIX  Da  valentia,  edestrezadagented'estallba,e  do  multo  que 

se  vive  n'ella,  e  dos  monstros,  que  niella  se  virao 281 

Gap.  XX  Da  Veneravel  Hargarida  de  Gbaves,  tida  commumente  por 

Santa,  e  milagrosa 289 

Gap.  XXI  Da  fundacao  do  GoUegio  da  Gompanbia  de  Jesus  em  S. 

Miguel .  297 

Gap.  XXII  Dos  Reitores  do  GoUegio  de  todos  os  Santos  de  Penta 

Delgada .'304 

Gap.  xxiu  De  outro  terremoto,  e  fogo,  que  bouve  em  S.  Miguel  .  308 


HISTORTA  INSULM^ 


HISTORIA 

I]\SULA]\A 

DAS 

aHAS  A  PORTUGAL  SiiGEITAS 

NO  OCEANO  OCCIDENTAL 
COIPOSTJt  PELO 

PADRE  ANTONIO  CORDEIRO 

DA  COMPAimiA  DE  JESUS 

INSALANO  TAMBEM  DA  ILHA  TERCEIRA,  E  EM  IDADE  DE  76  ANNOS. 

PARA  CONPIRMA^lO  DOS  BONS  GOSTDMES,  ASSIM  MORAES, 
COMO  SOBHENATDRAES,  DOS  NOBRES  ANTEPASSADOS  INSULANOS,  NOS  PRESRNTKS 
,       E  FUTUROS  DESCENDENTES  SEUS,  B  SO  PARA  A  SALVAgÀO 
DE  SUAS  ALMAS,  E  MAIOR  GLORIA  DE  DEOS. 


VOLUME  II 


LISBOA 
TYP.  DO  PANonAMA-  Bua  do  Arco  do  Bandeira— H2 

M  DCCC  LXVI. 


UISTORIA 
IN8ULANA  LUSITANA 

I.1VRO  SEXTO 

DA  ILHA  TERCEIRA,  CABKCA  DAS  TICRCKIHAS. 

Do  descubrim^nto,  nomes,  e  Armas  da  Ilha  Ttrceira, 

I     Supposto  ser  a  primeira  das  Ilhas  Terceiras,  que  se  desciihrio, 

^  Hhn  de  Santa  Maria,  e  a  segunda  a  Ilha  de  Sao  Miguel,  (n3o  obstante 

^•^niìr  0  contrario  Damilo  de  Goes  na  sua  Chronica,  sobre  que  tambem  Go  - 

^•^xeanes  de  Zurara  na  Chronica  mór  do  Reino,  e  dei-Rei  D.  Joào  ol), 

'*3o  he  facii  averiguar,  quenni,  uem  quando  descubrisse  primeiro  a  Ilha 

^♦^''ceira,  porqiie,  supposto  tambem  que  as  Canarias  (jà  antes  povoadas 

'^*^  Barbaros)  forao  descubertas  pelos  Reis  Betencoresem  o  anno  do  Nas- 

^'^ento  de  Christo  1417,  e  as  Ilhas  de  Cabo  Verde  forao  por  Portngno- 

^^^  descufierras  muito  depois  em  1443,  e  muito  mais  em  1445,  da 

'■ha  do  Porto  Santo  consta  ter  sido  propriemènte  descuberta,  e  jà  antes, 

^^n  1417  por  Joao  Gongalves  Zargo,  e  Tristao  Vaz  Teixeira  até  1419,  e 

^^^  n'este  mesmo  anno  se  descubrio  pelo  dito  Zargo  a  Madeira,  e  a 

'ha  de  Santa  Maria  descubrio  o  illustre  Confalo  Velho  Cabrai  em  U3^, 

^  ^^ahi  a  doze  annos,  em  1444  se  descubrio  a  Ilha  de  S.  Miguel,  nao 

^^HcordUo  comtiido  os  Authores,  em  por  quem,  e  quando  foi  descuberta 

'Hìa  Terceira. 

a    Consta  poróm  que  pouco  dopois  de  descuberta  a  Ilha  do  S.  Mi- 

^*^^l,  se  descubrio  a  Ilha  Terceira;  porque  tendo  sido  descnbcrla  a  de 

^^o  MifrntU  em  liil,  ja  em  I WO  o  Infante  D.  Henriqiie  fez  Coplirio  Do- 

^^-ario  da  Torc<Mra  ao  fidal^^o  Flamengo  Jacome  de  Hruges,  por  e-ì^lar 


6  HISTORIA  INSULANA 

erma,  e  inbabitada,  e  elle  a  querer  povoar,  (corno  veremos  abaixo 
dila  doagao),  e  corno  tambem  consta  que  foi  descuberta,  nào  antes,  ii 
depois  de  descuberia  a  de  Sao  Miguel,  pois  foi  no  descubrimento  a  t( 
ceira;  segue-se  que  se  descubrio  epa  algum  d'aquelles  etneo  para  s 
nnnos,  desde  44  aie  50,  e  corno  neste  de  50  jà  bavia  alguns  annos  q 
estava  descubcrta,  mas  erma,  e  inbabitada,  conclue-se  ter  sido  descub 
ta  pelos  annos  de  1445  pouco  mais  ou  menos,  perto  de  doiYS  annos  < 
pois  de  descuberta  S.  Miguel,  quatorze  de  descuberta  S.  Maria,  e  25  ( 
pois  de  descuberta  a  Madeiia.  Do  dia  que  se  descubrio,  consla  que 
em  dia  festivo,  e  especialmente  dedtcado  a  Christo  Salvador  nosso,  p 
por  isso  se  chama  liba  de  Jesu  Christo,  e  tem  por  Armas  bum  Cbri 
crucificado,  e  a  Sé  se  denomina:  A  S.  Sé  do  Salvador»  posto  que  o  < 
Lido  tem  por  Armas,  e  seu  sello  a  bum  Menino  Jesus;  d'onde  bons 
zem  que  o  dia  foi  o  primeiro  de  Janeiro,  da  Circumcisào  de  Cluisto,  ( 
tros  que  o  dia  da  festa  do  Corpo  de  Deos;  e  o  mais  provavel  pare 
que  foi  0  da^quinla  feira  da  Semana  Santa,  em  que  foi  instiluido  o  S; 
tissimo  Sacramento,  e  comegou  a  Paixao  do  Salvador. 

3  Maior  duvida  he,  quem  foi  o  primeiro  que  descubrio  a  Uba  T 
ceira  ;  porque  dizerem  alguns,  que  foi  o  mesmo  descubridor  de  Sai 
Maria,  e  S3o  Miguel,  o  illustre  Còmmendador  Frei  Concaio  Velbo  Cabi 
lie  so  consìderacao,  e  que  parece  menos  crivel,  pois  se  o  fosse,  tamb 
seria  o  primeiro  Donatario  d'ella,  e  a  ella  irla  alguma  bora,  e  fariao  m 
Cào  d'isso  OS  Authores,  que  d'estas  lllias  tratarào,  corno  Guedes,  Go 
Barros,  Fructuoso,  e  oulros.  E  dizer-se  que  o  foi  o  fidalgo  Flarnen 
Jacome  de  Bruges,  tambem  nao  he  crivel,  pois  nem  o  Infante  D.  Heo 
que  na  doagao  que  Ihe  fez,  nem  elle  mesmo  na  petig3o  que  llie  fez,  al 
gao  tal,  devendo-o  allegar,  antes  o  mesmo  Bruges  confessa  estar  jà  ba 
tempo  descuberta,  e  ainda  deserta,  e  inbabitada  a  dita  Ilha.  Pelo  que 
meu  parecer  he,  que  corno  as  Ilhas  de  Gabo  Verde  se  descubrirao  i 
1543,  e  a  vinda  d'ellas  para  Porlugal,  e  ida  d'esle  para  ellas,  be  pi 
rumo  da  Terceira;  e  comò  està  foi  descuberta  pelo  Norie,  i)ara  onde 
cao  além,  as  de  Cabo  Verde,  he  de  crer  que  d'estas,  vindo  navio  pj 
Portugal,  deo  no  Norte  da  Terceira,  e  por  aspero  o  deixarào,  contenti 
do-se  coni  Irazer  as  novas  ao  Infante;  e  que  por  nao  sereni  homens  ( 
I)azes  de  llies  entregar  a  nova  Illia,  e  andar  enlào  occupado  com  as  e 
iras  da  Madeira,  e  de  Santa  Maria,  e  S.  Miguel,  dilatou  a  povoagào 
Terceira  para  pessoa  capaz  que  a  pedisse.  E  nào  ha  quo  admirar,  de  q 


UV.  VI  GAP.  II  7 

escolhendo  Christo,  para  em  lodo  o  mando  plantarem  a  Fé  Catholica, 
hoineng  de  ineiios  nome,  liuns  pesoadores,  quizesse  que  huns  mareantes 
foi^in  OS  que  descubrissem  a  liha  Terceira  ;  pois  tambem  quiz  que  a 
Madeira  fosse  primeiro  descuberta  por  hum  Inglez  Madiim,  e  a  do  Porlo 
Santo  por  huns  pobres  Franciscanos  naufragantes,  e  a  Iltia  de  Sào  Mi- 
guel por  hum  negro,  que  primeiro  a  vio  desde  a  Uba  de  Santa  Maria, 
corno  jà  disisemos. 

4  Quanto  ao  nome  da  Terceira,  tocàmos  acima  jà  por  vezes,  e  nao 
ba  duvida  quo  Ihe  ficou  tal  nome,  de  entre  as  mais  Ilbas,  que  tambem 
se  chanaào  dos  Assores,  ter  sido  a  terceiia  que  se  descubrio,  depois  de 
àmia  Maria,  e  Sao  Miguel.  E  quanto  a  todas  as  nove  dos  Assores  se  cha- 
maiem  tambem  Ilbas  Terceiras,  nenhuma  duvida  ha  que  assim  se  chamào 
lodas,  ale  em  algumas  Doagoes  reaes;  mas  a  razao  nao  he,  (comò  alguns 
quizerào  dizer)  por  nos  descubrimentos  das  Ilhas  deste  Oceano  sereni 
esta^  descubertas  em  terceiro  lugar,  pois  isto  he  manifestamente  falso, 
\m  primeiro  se  descubrirào  as  Canarias,  as  de  Cabo  Verde,  as  da  Ma- 
deira, e  em  quarto  lugar  estas;  e  caso  negado  que  nao  contem  por  Ilhas 
de  Portugal  as  Canarias,  nem  por  isso  as  de  Cabo  Verde,  ou  as  da  Ma- 
deira, se  chamao  as  segundas  ;  logo  nem  estas  por  isso  se  chamao  as 
Terceiras  :  a  verdade  pois  he  que  d'està  Terceira  he,  que  de  Terceiras 
lomarào  as  demais  o  nome;  e  com  razao,  por  ser  (comò  veremos)  a  ca- 
be^  de  todas,  e  mais  frequentada,  a  que  mais  acodem  todas  as  nacoes, 
e  a  que  recoiTem  as  outras  todas,  comò  de  sua  cabeca  (Napoles)  tomoa 
0  seu  Reino  o  nome,  e  semelhantemente  outros  muitos,  e  até  da  sua  Ci- 
dade  do  Porto  tomou  Portugal  o  nome;  e  jà  por  isso  nem  a  Uba  de  Santa 
Maria,  e  Sao  Miguel  forao  chamadas  Terceiras,  senao  depois  de  descu- 
berta, e  povoada  està  por  antonomasia  a  Terceira. 

CAPITULO  II 

Do  primeiro  Donatario,  e  Povoadores  de  loda  a  Ilha. 

5  D  està  materia  tratao  Comes  de  Zurara,  Chronista-mór  do  Bei- 
no, e  Goes,  e  Barros,  e  Guedes,  e  o  nesso  Fructuoso,  liv.  6,  cap.  1,  e 
no  cap.  7,  traz  o  primeiro  provimento  que  o  Infante  D.  Henrique  fez  de 
primeiro  Capitào  Donatario  da  Uba  Terceira,  em  21  de  Mar^^o  de  1450, 
cujo  inteiro,  e  formai  traslado,  be  o  seguinte: 


8  HÌSTOrWA  INSITANA 

6  t  En  0  Infante  D.  Henrique,  Regedor,  e  Govornador  da  Ordera 
de  Cavallafìa  de  N.  Senhor  Jesus  Christo,  Duque  de  Vizeu,  e  senhorda 
Covilhàa,  fago  saber  aos.que  esla  minha  carta  virem,  qua  Jacome  de  Bru-f 
pes,  meu  servidor,  naturai  do  Condado  de  Flandes,  veio  a  mira,  e  me 
disse,  que  por  quanto  desde  ab  initio,  e  memoria  dos  homens,  se  nào 
sabiao  as  Ilhas  dos  Assores  sob  outro  aggressor  senhorio,  salvo  roeu. 
iiem  a  Uba  de  Jesu  Christo,  terceira  das  ditas  Ilhas,  a  nlo.souberao  pò- 
Toada  de  nenhuma  gente  que  alégora  fosse  no  mundo,  e  ao  presente 
rslava  erma,  e  inhabitada;  que  me  pedia  por  mercé  que  por  quanto  elle 
a  queria  povoar,  que  Ihe  fizesse  della  mercé,  e  Ihe  desse  minha  Beai 
authoridade  para  elio,  comò  senhor  das  Ilhas.  E  eu  vendo  o  que  me  asW 
sim  pedia,  ser  servifo  de  Deos,  e  bera,  e  proveìto  da  dita  Ordem,  q]ie- 
rendo-lne  fazer  graca,  e  mercé,  me  apraz  de  Iho  oulorgar,  comò  ma  elle 
I)edio.  E  tenho  por  bem,  e  me  apraz  que  elle  a  povoe  de  qualquer  gente 
(lue  Ihe  a  elle  aprouver,  que  seja  da  Fé  Catholica,  e  santa  de  N.  Senhor 
Jesu  Christo,  e  por  ser  causa  da  primeira  povoagao  da  dita  liba,  haja  o 
dizimo  de  todos  os  dizimos,  que  a  ordem  de  Christo  houver,  para  sem- 
pre, e  aquelles  que  de  sua  geragao  descenderem,  e  tenha  a  Capitania,  e 
povernanra  da  dita  Ilha,  comò  a  tem  por  mim  Joao  Gongalves  Znrco  na 
liba  da  Madeira,  na  parte  do  Funcbal;  e  Trislao  na  parte  de  Machico,  e 
Pereslrelo  nn  Porto  Santo,  meus  Cavalleyros;  e  depois  delle  a  qualquer 
pessoa  que  da  geragào  delle  descender:  e  a  hajno  assim  pela  guiza  que 
^  estos  Cavalloyros  a  tenlio  dada,  e  qwe  da  dita  Ordem  n  hào:  e  quero 
que  elle  tenha  todo  o  meu  pode'r,  e  regimento  de  justica  na  dita  Ilha, 
flssiin  no  civel  corno  no  crime,  salvo  que  vonhào  por  apivllacào  de  ante 
e{\e  OS  feytos  de  morles  do  homens,  e  talhaoiento  de  m(3mbros,  qne  re- 
f alvo  pnra  mim,  e  para  mayor  alf;nda,  assim  comò  nas  ditas  Ilhas  da  Ma- 
df:'yra.  e  Porto  Santo.  E  me  apraz,  por  algnns  serviros  qne  do  dito  Ja- 
rorn:»  de  Bruges  tenho  recebido,  por  quanto  me  disse  que  elle  nào  ti- 
ijlia  iilhos  legitimos,  e  somente  duas  (ilhas  de  Sancha  Ilodriguez  sua 
l'ìuln  T,  que,  se  elle  nào  houver  filhos  varoes  da  dita  sua  mulher,  que, 
a  sua  filba  mayor  liaja  a  dita  Capitania,  e  os  que  de  sua  geragào  dcs- 
candi'vem,  e  nao  havondo  sua  filha  mayor  fdhos,  Imvemos  por  bem  que 
,-ì  filha  segunda,  que  depois  da  morte  da  primeira  ficar,  possa  haver  a 
dita  C;ipitania  para  filhos,  e  filhas,  netos,  p  descendentes,  e  a^cendentes, 
nue  (his  ditas  descenderem,  com  aqucllas  liberdades,  e  poderes,  que  aos 
ditos  Capilàes  tenho  dadas,  porque  assira  o  sinto  por  servilo  de  Deos, 


Liv.  VI  CAP.  n  9 

p  accrescentnmento  da  Santa  Fé  Calholica,  e  meu,  pelo  dito  Jacome  de 
Bruges  povoar  a  dita  liha  t3o  longe  da  terra  firme,  bem  duzentas  e  ses- 
s*}nia  legoas  do  mar  Oceano;  a  qual  liha  se  nunra  sonbe  povoada  de 
nenhnma  gente  que  no  ranndo  fosse  atégora:  e  rogo  aos  Mestres,  e  Go- 
vemadores  da  dita  Ordem  que  depois  de  mim  vierem,  que  fafSo  dar,  e 
pngar  30  dito  Jacome  de  Bmges,  e  seus  herdeyros,  que  d^Ile  descende- 
rem,  a  dita  dizima  do  dizirao,  que  a  dita  Ordem  na  dita  liha  houver, 
corno  llie  por  mim  he  dada,  e  outorgada,  e  n^o  consintao  Ihe  ser  fello 
nbre  elle  nenlium  aggravo:  e  pe(;o  por  mercé  a  EIRey  meo  Senhor,  e 
sobrinbo,  e  aos  Reys  que  delle  vierem,  qne  ao  dito  Jacome  de  Bruges. 
e  aos  herdeyros  que  delle  descenderem,  fafSo  pagar  o  dito  dizimo  à 
tlita  Ordem  do  que  na  dila  liha  se  houver,  e  que  Ihe  fac3o  pagar  a  dita 
«lizima  do  dito  dizimo  aos  Mestres,  ou  Governadores  da  dita  Ordem,  co- 
mò Ihe  por  mim  he  dado,  e  outorgado  para  sempre,  em  todo  Ihe  faca 
t  T,  e  tenha  a  dila  mercé,  que  Ihe  por  mim  he  feyta.  E  por  seguranfa 
l!»e  mandey  ser  feyta  està  minha  carta,  assignada  por  minha  m3o,  e  sel- 
Mz  do  sello  de  minhas  armas.  Feyta  em  a  cidade  de  Silves,  a  2  dias 
rio  mez  de  Marco.  Pedro  Lonrenco  a  fez  anno  do  Nascimento  de  nosso 
Senhor  Jesu  Christo  de  mil  e  qualrocentos  e  cincoenta  annos.» 

7  0  dito  Jacome  de  Bruges,  a  quem  se  fez  t5o  Beai  mercé,  n3o  so 
era  Cavalleiao  do  servilo  do  Infante,  e  naturai  do  Condado  de  Flandres, 
mas  tao  hom  fidalgo,  e  tao  conhecido  jà  em  Portngal,  que  cà  casou  com 
Iniraa  fidalga  portugueza,  Dama  da  Senhora  Infante  D.  Brìtes,  e  a  Da- 
ma se  chamava  Sancha  Rodrignez  de  Arca;  e  juntaraente  era  t3o  rico,  e 
rw)  Calholico.  que  flou  d  elle  o  povoar  a  liha,  levar  bons  povoadoares, 
<*  ir  para  ella,  tudo  à  sua  cusla,  o  que  nao  fez  outro  algum  Descubridor 
I^onatario;  e  por  isso  mercé  maior  que  a  algum  outro,  pois  Ihe  conce- 
rteo  a  Caprtania  nao  so  para  elle,  e  para  o  tìiho  var3o  mais  veiho  que 
rt'elle  Scasse,  mas  tambem  para  a  fliha  maior,  em  caso  que  nao  tivesse 
(ilho  var5o,  e  para  seus  descendenles,  sem  excep?3o  alguma,  exceptuan- 
<1o  d  esde  jà  entSo  a  successao  d'està  casa  da  lei  mental  do  Beino;  cousa 
(pie  se  nao  concedeo  a  outro  algum  Capltao,  senSo  depois  de  muitos  an- 
ws,  e  do  niuilo  anliga  [)osse,  e  de  muitos  repetidos  servifos. 

8  E  quanto  ao  que  diz  a  Doagao,  que  a  liha  Terceira  està  bem  du- 
sentas  ^  sessenta  legoas  pelo  mar  Oceano  dentro,  e  assim  se  suppunha 
eoiao;  porém  hoje  dizem  alguus,  que  està  de  Portugal  Irezentas  e  dez 


LIV.   VI  GAP.  II  II 

se  soube  d'elle:  e  accrescentarao  alguns  que  o  Diogo  de  Teve  o  raandoii 
matar,  por  se  levantar  coni  a  Capitania:  e  com  elTuito  se  levauloii  In^o 
coin  Imma  serra  chamada  de  Sariliago,  que  o  Capitao  Bruges  linlia  f^ 
mado  para  si,  e  rende  até  quatrocentos  nioios  de  Irigo  cada  anno. 

i  1  Succedeo  depois  ir  Diogo  de  Teve  a  Lisboa,  e  ser  la  prezo  por 
culpas  le  commeltidas,  e  enlao  a  Dama  mulher  do  Bruges,  se  foi  quei- 
xar  a  El-Rei  de  que  Diogo  de  Teve  llie  malóra  seu  marido,  e  requerer- 
Ihe  0  mandasse  notificar  que  desse  conta  d'elle:  e  assim  o  fez  El-Kei, 
e  à  prizào  ihe  mandou  dizer,  que  dentro  de  dez  dias  desse  copia  do  Ca- 
pitao Bruges,  ou  aonde  estava,  vivo  ou  morto,  sob  pena  de  mandar  fa- 
zer  justi(a  d'elle  Teve;  e  tanta  pena  tomou  o  fidalgo  Teve  desta  Real 
nolificacao,  que  ao  sexto  dia  morreo.  E  assim  nào  apparecendo  o  Cnpi- 
t3o  Bruges,  a  viuva  fidalga  sua  mulher  cdsou  a  mais  vellia  iillia  Antonia 
Dias  de  Arce  com  bum  tìdalgo  inglez,  chamado  Duarte  Paim,  Coinnien- 
daUor  da  Ordem  de  Santiago,  e  filbo  de  outro  fidalgo  Inglez,  por  nome 
Tiiomés  Elim  Paim,  que  tinba  vindo  a  Portugal  por  Secretano  da  Itai- 
Dba  Dona  Felippa  de  Lajìca^ro,  mulher  d'EI-Uei  D^Joao  J,  e  o  tal  Duarto 
Paim  comecando  a  demanda  com  os  possuidores  da  Capilanfa  da  Tèìcei- 
rat  morreo,  e  contìnuou-a  bum  filho  seu,  chamado  Diogo  Taim,  e  por 
se  nao  acbar  a  propria  Doagào  feita  a  Jacome  de  Bruges,  (que  dizem 
lh*a  furlarSo,  e  queimarao)  foi  excluido  Diogo  Faim  do  direito  que  tinlia 
i  tal  Capitania. 

12    Estando  pois  vaga  a  Capitania  da  Terceira  pela  falla  do  primei- 
ro  Capitao  Jacome  de  Bruges,  succedeo  aportarem  a  Terceira  dous  fìdaU 
gos,  que  vinbào  da  terra  do  bacalhào,  que  por  mandado  d'el-Rei  de  Por- 
tugal tìnbao  ido  descubrir,  bum  se  cbamava  Joao  Vaz  Cortereal,  e  o  ou- 
tro Alvaro  Martins  Homem,  e  informando-se  da  terra,  Ihes  contentou 
tanto,  que  em  chegando  a  Portugal,  a  pedirào  de  mercé  por  seus  ser- 
vitosi e  por  ser  entao  j<i  morto  o  nosso  Infante  Dom  Henrique,  e  Ihe 
Ut  succedido  no  governo  da  Ordem  de  Christo  o  Infante  D.  Fernando, 
dequem  era  ji  viuva  a  Infante  D.  Brites,  e  por  isso  Tutora,  e  Curado- 
n  de  seu  filbo  menor  o  Duque  D.  Diogo,  fez  està  Infante  mercè  aos 
dous  fidalgos  pertendentes  da  Capitania  da  Terceira,  repartindo-a  entro 
uniios  em  duas  Capitanias,  buma  de  Angra,  outra  da  Praia,  corno  a  da 
Madeira  em  Imma  do  Funchal,  outra  de  Machico.  E  porque  a  Doafao  da 
Capitania  da  Prava,  dada  a  Alvaro  Marlins  Ilomem,  deve  estar  no  tom- 
^  da  Camera  da  dita  Praya;  e  a  de  Joao  Yaz  Cortereal  està,  e  vi  no  li- 


12  HISTORIA  INSULANA 

vro  anligo  do  lombo  da  Camera  de  Angra  fol.  213,  e  n'ella  se  faz  men- 
LAO  da  Doafno  feita  a  Alvaro  Marlins  Ilomem,  por  isso  ììo  seu  anligo  es- 
T}io  pouho  aqui  a  Doa^ào  feita  ao  dito  Corlereal  Capitao  de  Angra. 

43  «Eu  a  Infante  D.  Brites,  Tutor,  e  Curador  do  Senhor  Daque 
meu  filho,  eie,  fago  saher  a  quantos  està  minha  carta  virem,  qiie  ha- 
vendo  eu  por  informa':5o  eslar  vaga  a  Capitanìa  da  liha  Terceira  de  Je- 
sus Christo,  do  dito  Senhor  meu  filho,  por  se  aflìrmar  ser  morto  Jaco- 
ine  de  Bruges  que  até  agora  a  teve.  do  qual  ha  mnyto  tempo  que  algti- 
tna  nova  se  nao  ha,  posto  que  jà  por  muytas  vezes  mandey  a  sua  mii- 
Iher,  que  a  verdade  delo  soubesse,  e  me  certificasse;  e  assìnaodollìe  pa- 
ra elo  tempo  de  hnm  anno,  e  depois  mais,  ao  qual  em  alguma  maney- 

.  ra  em  todas  as  diligencias  que  disso  fizesse,  nào  troaxo  delo  certidao 
alguma;  pelo  que  havendo  por  certo  o  que  assira  me  he  dito,  esgaar- 
dando  o  damno  que  he,  a  dita  Uba  estar  assim  sem  Capitao  que  haja  de 
reger,  e  manter  em  direito,  e  jnsti^a  pelo  dito  Senhor,  e  comò  em  ella 
pela  causa  se  fazem  muytas  consas  que  s3o  pouco  servigio  de  Deos,  e  do 
dito  Senhor  meu  filho;  determiney  prover  a  elo  por  descargo  de  minha 
consciencia,  e  servilo  do  dito  Senhor.  E  considerando  eu  de  outra  parte 
OS  servi^os  que  Joao  Vaz  Cortereal,  fidalgo  da  casa  do  dito  Senhor  men 
filho,  tem  feyto  ao  Infante  meu  Senhor,  seu  padre  que  Deos  haja,  e  de- 
pois  a  mìm,  e  a  elle,  confiando  em  a  sua  bondade,  e  lealdade,  e  vendo 
a  sua  disposicao,  a  qual  he  para  a  poder  servir  o  dito  Senhor,  e  manter 
seu  direyto,  e  justiga,  em  galardao  dos  ditos  servigos  Ihe  fiz  mercé  da 
Capitania  da  liha  Terceyra,  assim  comò  a  tìnha  o  dito  Jacome  de  Bru- 
ges, e  Ihe  mandey  delo  dar  sua  carU  ante  desta.  E  por  quanto  a  dita 
Uba  n3o  era  partida  entre  a  dito  Jacome  de  Bruges,  e  Alvaro  Martins: 
e  parte  pela  Rybeira  Secca,  que  he  àquem  da  Ribeyra  de  Frey  Joao,  fi- 

.  i-ando  està  da  parte  de  Angra:  e  da  dita  Ribeyra  Secca  pela  ametade  da 
dita  liha  até  a  outra  banda,  corno  se  vay  de  Sueste  a  Noroeste,  e  parti- 
da a  dita  Uba  pela  mesma  maneira,  mandei  ao  dito  Jo3o  Yaz  qoe  esco- 
Ihesse,  e  escolheo  da  parte  de  Angra,  e  leyxou  da  parte  da  Praya,  em 
que  p  dita  Jacome  de  Bruges  tinha  feyto  seu  assento,  e  a  mim  aproave 
delo,  e  Ihe  hey  por  feyta  a  mercé  da  dita  parte,  por  qoe  da  outra  man- 
dey dar  sua  carta  ao  dito  Alvaro  Martins. 

14  E  me  apraz,  que  o  dito  JoSo  Vaz  tenha  pelo  dito  Senhor  a  dita 
parte,  que  mantenha  por  elle  em  justiga,  e  em  dyreito,  e  quq  morrendo 


UV.  VI  GAP.  U  •OS 

elle,  isso  mesmo  fique  a  seu  primeiro,  e  scgiindo;  se  tal  Tor,  quo  tenh.i 
o  carrego  pela  guiza  susodita,  e  assim  de  descendente  enfi  descendente 
pela  linha  direi ta:  e  scndo  em  tal  idade  o  dito  seu  iìiiio  (]ue  nào  possa 
r^er,  o  dito  senhor,  e  seus  lierdeyros  porao  hi  quera  a  reja,  até  qiie  elle 
seja  em  idade  para  reger.  Uem  me  apraz,  que  elle  tenha  na  sobredita 
Uba  a  jurisdigao,  pelo  dito  senhor  meu  fillio  em  seu  nome,  do  civel,  o 
crime,  resalvando  morte,  ou  talhamento  de  membro,  quo  d.isto  tal  ve- 
nUa  perante  o  dito  senhor;  porém  sera  embargo  da  dita  jurisdicgào,  a 
mim  apraz,  que  todos  meus  mandados,  e  correygao  sejao  hi  cumpridos, 
assim  corno  cousa  propria  do  dito  senhor.  Outrosi  me  apraz,  que  o  dit(j 
Jo3o  Vaz  haja  para  si  todos  os  moinhos  de  pao  queliouver  na  dita  liha, 
de  que  assira  Ilìe  dou  carrego,  e  que  ninguem  nao  faga  ahi  moinhos,  s»')- 
mente  elo,  e  quem  Uie  aprouver,  e  isto  nào  se  entenda  em  mó  de  bra- 
so, que  a  faga  quem  quizer,  nao  moendo  a  outrem,  uem  atafonas  nào 
ieoba  outrem,  sómente  elo,  e  a  quem  Ihe  aprouver. 

15  Itemy  me  apraz,  que  haja  todas  as  serras  de  agua  que  se  ahi 
fiiérem,  de  cada  huma  hum  marco  de  prata,  ou  em  cada  hum  anno  seu 
cerio  valor,  ou  duas  taboas  cada  semana,  das  que  hi  costumarem  ser- 
rar, pagando  porém  ao  dito  senhor  o  dizimo  de  todas  as  serras  ditas,  e 
segUQdo  pagào  das  outras  cousas,  quando  serrar  a  dita  serra.  Esto  haji 
tambem  o  dito  Joào  Vaz  de  qualquer  moinho  que  se  ahi  lizer,  tirando 
'ieyros de  ferrarias,  ou  outros  raetaes.  Uem,  me  praz,  que  todos  os  foi- 
JK^s  de  pom,  em  que  houver  poya,  sejao  seus,  porém  nào  embargue 
fluem'  quizer  fazer  fornalhas  para  seu  pom,  que  as  fata,  e  nào  para  ou- 
^  nenhum.  Item,  me  praz,  que  tendo  elle  sai  para  vender,  o  nào  possa 
^nder  outrem,  sómente  elle,  dando  a  elle  a  razao  de  meyo  real  o  al- 
Vieiyre,  ou  sua  direita  valla,  e  mais  nao,  e  quando  o  nào  tiver,  que  os 
da  dita  lilla  o  possao  vender  a  vontade,  até  que  elle  o  tenha.  Outrosi 
BW  praz,  que  de  todo  o  que  o  dito  senhor  meu  filho  houver  de  renda 
^  a  dita  liha,  que  elle  haja  de  dez  hum,  de  todas  suas  rendas,  e  di- 
i^s,  que  se  contém  em  o  forai,  que  para  elo  mandei  fazer. 

16  E  por  està  guiza,  que  haja  està  renda  seu  filho,  ou  outro  des- 
iente por  linha  direyta  que  o  dito  carrego  tiver.  Uem,  me  praz,  quo' 
<^le  possa  dar  por  suas  cartas  a  terra  da  dita  Ilha,  forra  pelo  forai,  a 
Vtóm  Ihe  aprouver,  com  tal  condigao  que,  ao  que  der,  a  terra  aproveyle 
*lé  cinco  annos,  e  nào  a  aproveytando,  que  a  possa  dar  a  outrem,  e  de* 
pois  qiie  aproveytada  for,  e  a  leixar  por  aproveylar  até  outros  cinco  au* 


Il  HISmiUA  INSULANA 

nos,  que  isso  mesmo  a  possa  dar.  E  isto  nem  embargue  ao  dito  senhor, 
se  houver  terra  para  aproveitar  que  nao  seja  dada,  que  elle  a  possa  dar 
^a  quem  sua  mercé  for  ;  e  assini  me  praz  que  a  de  seu  filho,  ou  her* 
flcyros  descendenles,  que  o  dito  carrego  liver.  Unn^  me  praz  que  os  vi- 
zinhos  possao  vender  suas  herdades  aproveitadas  a  quem  Ihe  parecer. 
Outrosi  me  apraz,  que  os  gados  bravos  possao  matar  os  vizinhos  da  dita 
liha,  sem  haver  ahi  contradefeza,  nem  Kcenca  do  dito  Capitio,  resalvan- 
do algum  lugar  cerrado  em  que  o  langa  seu  dono  :  e  isso  mesmo  me 
opraz,  que  os  gados  mansos  pascem  por  toda  a  liha,  trazendo-os  com  ' 
guarda,  que  nao  fa^ao  damno;  e  se  o  fizerem,  que  o  paguem  a  seu  do- 
no, e  as  coymas  segundo  a  postura  do  Concelho. 

47  E  por  està  minha  carta  peco  ao  dito  senhor  meu  filho,  que  pra- 
zendo  a  Deos  que  em  idade  for,  Ihe  confirme,  e  haja  por  boa,  e  assim 
0  fafìio  seus  Iwrdeyros,  e  successores,  quando  a  elles  vierem,  por  quanto 
ila  dita  Capitania  Ihe  fiz  mercé  pela  maneita  em  toda  sobredila,  com  sa* 
tisfacao,  e  contentamento  do  muito  servilo  que  tem  feyto,  comò  dito  he. 
E  em  testemuniK)  de  verdade  Ihe  mandey  dar  esti  minha  carta,  assinada, 
e  sellada  de  meu  sello.  Dada  em  a  Cidade  de  Evora  a  dous  dìas  do  mez 
de  Ahril.  Rodrigo  Alvarez  a  fez,  anno  do  Nascimento  de  nosso  Senhor 
Jesus  Christo  de  mil  e  quatrocentos  e  sesseota  e  quatro.* 

CAPITULO  III 

Dos  CapUàes  Donalarios  dt  so  a  Capitania  da  Praia^ 
da  Uh  a  Terceira, 

48  Alvaro  Martins  Homem  nao  era  de  menos  qualidade,  e  fidalguia 
que  seu  companheiro  Joao  Vaz  Cortereal,  pois  igualmenlea  ambos  tinha 
El-Rei  mandado  a  descubrir  a  terra  do  bacalhao,  e  d'ella  vindo  ambos 
juntos  aportarao  na  nova  liha  Terceir^,  e  de  a  verem  vaga  com  a  morte 
de  seu  primeiro  Donatario,  ambos  a  forao  pedir  por  seus  servigos  a  El- 
Rei;  e  por  se  nao  antepor  algum  dos  dous  ao  oiUro,  se  Ihes  repartio  a 
liha  em  duas  iguaes  Capitanias  pelos  dous  igualmente  pertendentes,  e 
com  meritos  iguaes  ;  e  repartida  a  Ilha,  escolheo  Joao  Vaz  Cortereal  a 
Capitania  de  Angra,  e  Alvaro  Martins  Homem  se  ficou  com  a  Capitania 
da  Praia,  em  que  o  Donatario  da  Ilha  tinha  no  principio  posto  seu  as« 
sento,  e  a  tinha  mais  cultivada.  Deste  pois  primeiro  Capitao  da  Praia, 


LIV.  VI  GAP.  Ili  15 

qiie  fldnlgn  fosse  suo  mullier,  niio  dizem  os  Historiadores,  mas  siippoem- 
M  qne  seria  de  ignal  qualidade  a  tal  marido;  e  so  dizem  (refere  Fru- 
ctuoso  liv.  6.  cap»  8,)  que  vivendo  com  sua  mulber  na  Praia,  faltou  de 
Portugal  embarcac^o  para  a  Terceira,  mais  de  oito  annos,  e  em  (oda 
(ila  sa  sinto  multo  està  falla,  e  especialmente  no  vestir,  que  de  comer 
jà  havia  multo  grande  abundancia  na  Uba* 

19  De  Alvaro  Martìns  Homem,  e  de  sua  mulber  nasceo  AntJio 

Marlìns  Homem,  que  succedeo  ao  pai  em  Capit3o  Donatario  da  Praia, 

(sem  sabermos  quando  o  pai  morreo;)  casou  porém  este  Antrio  Martins 

com  Isabel  Domellas  da  Camera,  filba  de  Pedralves  da  Camera  irmao  do 

^.apitao  do  FuncbaI  da  Madeira,  comò  se  ve  a  margem  do  cilado  Fru- 

Liooso,  que  in  corpore  faz  a  dita  Isabel  Dornellas  naturai  da  mesma  Uba 

Terceira,  e  pode  ser  que  fosse  jà  nascida  na  Terceira,  e  do  sobredito 

Pedralves  da  Camera,  que  da  Madeira  teria  ido  para  a  Terceira  com  o 

primeiro  C?.pitao  d'ella  Jacome  de  Bruges,  comò  o  Teve,  etc.  e  assim 

^  aparentavOo  entao  os  Capitaes  de  bumas  Ilbas  com  os  das  outrns.  corno 

^mos  DOS  das  Canarias  com  os  da  Madeira  os  d*esta  osde  Sao  Miguel,  e 

fom  estes  os  de  Santa  Maria,  para  nenhuns  terem  que  notar  aos  outros 

^  qualidade  do  sangue.  Morou  este  Capitao  sempre  na  sua  Villa  da 

^*Riia.  e  tambem  delle  nao  sabemos,  nem  o  dia,  nem  o  anno  em  que 

'norreo;  mas  sabemos  que  de  sua  mulber  Isabel  Dornellas  da  Camera 

leve  0  primeiro  legitimo  fillio  seu  successor,  que  foi. 

20  Alvaro  Martins  da  Camera,  quarto  Capitao  da  Praia,  contando 
^  Bruges  por  primeiro:  casou  este  quarto  Capitao  com  D.  Briles  de  No- 
^nlia,  tambem  fidalga  da  Madeira.  0  segundo  filho  de  Ant3o  Martins 
'•ornem  foi  Domingos  Ilomem,  que  casou  com  Rosa  de  Macedo,  filba  de 
^^'  de  Ulra  Capitao  Donatario  da  Uba  do  Favai;  e  d'este  casamento  nns- 
^erao,  Manocl  Homem  que  morreo  na  India  servindo  a  el-Ilei,  e  duas  fi- 
*has  Freiras  no  Mosteiro  das  Cliagas  da  mesma  Praia,  que  o  mesmo  seu 
pai  Domingos  Homem  tinba  edificado.  0  terceiro  filho  do  dito  Antao 
^hrlins  foi  Pedralves  da  Camera,  comò  o  avo  materno,  e  se  fez  Clerigo, 
^  Theologo,  e  foi  Vigario  da  Matriz  da  Praia. 

21  Nasceo  mais  do  mesmo  Antao  Martins  Ilomem,  e  de  sua  mu- 
*f>er  Isabel  Dornellas  da  Camera,  nasceo  Catharina  da  Camera,  que  ca- 
^>n  com  bum  fidalgo  chamado  Diogo  Paim,  viavo  jà  de  Branca  da  Ca- 
''^era.  tia  da  dita  Catharina,  e  Irma  da  sobredita  Isabel  Domellas;  do 
4^1  casamento  nasceo  Antonio  Paim,  com  Merita  Evangeiba,  e  forao  pais 


16  insToiiiA  ins(;l.v.na 

de  Duarte  Paini,  qiie  casoii  com  Dona  Bernarda  fdha  de  Paulo  Ferreira, 
do  que  nao  ficou  lilho  algiim  (diz  Fructuuso)  no  mesmo  tempo  vivo.  0 
segundo  lilho  de  Dìogo  Paiin,  e  de  Catlìarina  da  Camera  Ibi  ilieronymo 
Paim,  que  casou  com  liuma  liiha  de  Joào  de  leve  o  mogo,  da  qual  hou« 
ve  lilhos,  e  lilbas,  e  bum  Mauoel  da  Camera,  que  em  tempo  de  Fruciuo- 
so  era  Vigario  de  Nossa  Senhora  da  Penna,  das  Fontainlias. 

22  Do  dito  pois  quarto  Capitào  Alvaro  Martins  da  Camera,  e  de  D. 
Brìtes  de  Noronlia,  o  primeiro  fìllio  foi  Antao  Martius  da  Camera,  de 
que  abaixo  fallaremos.  0  segundo  foi  Luiz  Martins.  que  morreo  sem  des- 
ceiidencia  servindo  a  el-Rei  na  India.  0  terceiro  foi  Antonio  de  Noronlia, 
quo  tambcm  na  India  Servio,  e  là  casou,  e  teve  (ilbos,  e  filhas.  0  quar- 
to fui  Braz  de  Noronba,  que  primeiro  foi  Frade  Franciscauo  da  Obser- 
vaiicia,  e  depois  por  Bulla  Apostolica  foi  Cunugo  Ilegrante  no  Mosteiro 
de  Càrqucre  em  Portugal,  e  emfim  se  foi  para  o  Brasil.  Em  quinto,  sex- 
to,  e  scplimo  lugar  nascerao  tres  filbas,  D.  Brianda,  D.  Ignez,  e  D.  Fran- 
cisca,  e  todas  tres  forào  Religiosas  no  iMosteiro  de  Jesus  da  Praia,  e  de 
tanta  virtude,  que  duas  d'ellas  forao  Abbadessas  muito  tempo;  e  viu- 
vando  a  mài  D,  Brites  ile  Noronba,  ao  mesmo  Mosteiro  das  filbas  se  re- 
colbeo,  e  depois  de  niuitos  annos  morreo  nelle  santamente. 

23  Quinto  Capitao  da  Praia,  e  fìlbo  do. quarto  foi  o  dito  Anlao  Mar- 
lins  da  Camera;  casou  com  D.  Joanna,  Dama  da  senhora  D.  Isabel,  mu- 
Iber  do  infante  D.  Duarte,  Cibo  d'el-Rei  D.  Manoel,  e  bavendo  d'est*» 
casamento  outros  filbos  que  falecerao  mofos,  superviverào  tres  filbas, 
das  quaes  buma  casou  com  D.  Jorge  de  Noronba  em  Lisboa,  e  nao  te- 
ve descendencia;  outra  chamada  Clemencia.  nunca  quiz  casar,  por  mais 
quo  el-Rei  Ihe  dotava  a  Capitania;  e  a  terceira  D.  Felippa  se  metteo  Re- 
ligiosa em  Portugal.  Obrigou  el-Rei  ao  pai  que  viesse  residir  na  sua  Ca- 
pitania, e  vindo  sem  a  mulber  faleceo  na  Praia,  e  sem  successor  varai/. 
E  tanto  caso  ainda  fazia  el-Rei  d'està  casa  da  Praia,  que  tornou  a  offe- 
recer  a  Capitania  a  D.  Clemencia,  e  a  casava  com  bum  grande  fidaigo, 
e  tornou  ella  a  persistir  em  nao  casar,  e  se  ficou  assim  com  a  irmi  ca- 
sada  quo  nao  tinba  descendencia. 

24  Vaga  assim  a  Capitania,  dizem  que  el-Rei  D.  Henrique  deo  pa- 
lavra  d'ella  a  D.  Leoniz,  filbo  do  Conde  da  Feira  por  grandes  servijos 
na  liidia,  e  na  Africa  em  Ceila:  poróm  morto  là  D.  Leoniz  pedio  o  Con- 
de &.\  i-.'ira  a  dita  Capitania  para  bum  seu  irniDo  naturai,  D.  Jorge  Pe- 
reir.       ;■•  \/'u\  retirado  lia  lllia  iIl*  Sào  Miguel;  e  tendo  palavra  da  ser- 


UV.  VI  CAP.  IV  17 

lentia  d'ella  por  tres  annos,  tambem  dìzem  qiie  D'este  tempo  chegou  da 
lodia  o  inii3o  do  ultimo  Capit9o,  chamado  Antonio  de  Noronha,  e  em 
paga  de  seQ9|ipervi(os  pedio  a  dita  Capitanìa,  e  nao  obstante  a  palavra 
dada,  el-Rei  Ih'a  deo  a  este  Antonio  de  Noronha,  por  ser  irmao  do  Ca- 
pìlSo  morto,  e  descendente  dos  passados:  mas  deo-llf  a  el-Bei  com  con- 
dita de  mandar  lego  vir  da  India  sua  mulher,  e  fllhos,  e  ir  com  elles 
residir  na  Gapitania:  e  pouco  depois  morreo  em  Lisboa,  e  de  peste,  o 
dito  Antonio  de  Noronha,  de  cuja  mulher,  e  flibos  nao  acho  mais  noti- 
di:  porém  n'este  tempo  os  da  Praia  pedirao  a  el-Rei  quem  os  gover- 
nasse, e  Ihe  propuzerao  bum  muito  nobre,  e  rico  varao,  da  mesma  Uba 
Terceira,  e  da  antiga  familia  dos  Pamplonas,  e  dizem  que  governou  a 
Capilania  alguns  annos,  até  que  el-Rei  Felippe  II  a  proveo  em  D.  Cbris- 
WSo  de  Moura,  comò  veremos  abaiio. 

CAPITOLO  IV 

Dos  Capitàes  de  Angra,  Cortereaes^  da  Terceira. 

25  D'està  celebre  familia  dos  Cortereaes  trataremos  mais,  quando 
ibaixo  tratarmos  das  familias,  que  forilo  povoar  a  Uba  Terceira:  por  ho- 
n  80  diremos  os  que  forao  da  Terceira,  e  da  parte  de  Angra,  seus  Ca- 
pHies  Donatarios,  depois  de  Jacome  de  Bruges  o  ter  sido  de  toda  a 
Uba  Terceira:  por  cuja  morte  se  repartio  a  Uba  em  duas  Capitanias,  bu- 
ina chamada  da  Praia,  por  està  Villa  ser  a  sua  Corte,  ou  cabega:  outra 
diamada  de  Angra,  por  ser  està  Cidadc  sua  cabega,  e  Corte:  e  porque 
'imos  ji  OS  Capitàes  que  na  Praia  succederao  ao  Bruges:  dos  que  Ibe 
^WcederSo  em  Angra  digamos  agora  o  necessario, 

26  0  segundo  Capitao  Donatario  de  Angra,  depois  do  primeiro 
ViB  de  toda  a  Uba  o  era,  foi  Joao  Vaz  da  Costa  Corte  real,  (comò  jà 
^'ùaos  acima)  porque  vindo  com  o  outro  Capitao  da  Praia  Alvaro  Mar- 
lin llomem,  este  trouxe  o  poder  de  repartir  a  Uba  em  duas  iguaes 
hrtes,  ou  Capitanias  ;  e  o  Corte  real  trouxe  poder  escolber  das  duas 
l^itanias,  e  partes  qual  quizesse;  e  dizem  que  Alvaro  Martins  Ilomem 
fnaginando  que  o  Cortereal  escolberia  a  parte  da  Praia,  por  baver  n'ella 
i^  meihores  terras,  e  jà  cultivadas,  e  mais  povoadas,  fez  de  sorte  a  par- 
^Iba,  que  flcou  muito  maior  a  parte  de  Angra,  e  a  osta  entao  por  isso 
inosmo  escolheo  o  Cortereal;  sobre  que  ao  depois  entre  os  successores 

VOL.  Il  2 


i8  IIISTORIÀ  INSILANA 

de  hum  e  outro  liouve  tal  demanda,  que  durou  vinte  annos,  e  per  sen- 
tenga  final  se  tornou  de  novo  a  partir  a  liha,  e  com  ìgaaldadOi  e  cada 
hum  ficou  na  Capitania  em  que  estava  de  antes. 

27  Este  segundo  Capitilo  de  Àngra  foi  casado  com  huma  fidalga 
chamada  D.  Maria,  de  alcunha  a  Galega,  por  ser  oriunda  da  Ponte  da 
Barca  em  Entre  Douro  e  Minho,  e  o  tal  Joào  Vaz  da  Costa  Cortereal  jà 
tinha  sido  Portciro  mór  do  Infante  D.  Fernando,  pai  d'el-Rei  D.  Manoel. 
Da  dita  sua  mulher  teve  seis  fllhos  :  primeiro,  Vasqueanes  €ortereal; 
segundo,  Miguel;  terceiro  Gaspar,  todos  Cortereaes;  quarto.  Dona  Joanna 
Cortereal,  que  na  mesma  Ilha  casou  com  hum  fidalgo  cbamado  Guilher- 
me  Moniz;  quinto,  D.  Iria  Cortereal,  que  casou  com  outro  fidalgo  Fe- 
dro de  Goes  da  Silva;  sexto,  D.  Isabel  Cortereal,  que  casou  nas  mesmas 
Ilhas  com  Joz  de  Utra;  Capitao  Donatario  da  Ilha  do  Fayal,  e  da  do  Pico. 
0  segundo  filho  do  dito  segundo  Capitao  de  Angra  Joao  Vaz  Cortereal, 
que  dfssemos  fora  Miguel  de  Cortereal,  este  foi  Porteiro  mór  d'el-Bei 
D.  Manoel,  e  casou  com  D.  Isabel  de  Castro,  filha  deD.  Garcia  de  Cas- 
tro, irmao  do  .Conde  de  Monsanto,  da  qual  houve  a  D.  Catharina  de 
Castro,  que  casou  com  Diego  de  Mello  da  Silva  Védor  da  Rainba  D. 
Catharina,  mulher  d'el-Rer  Dofn  Joao  III,  e  houve  mais  a  D.  Joanna  de 
Castro,  mulher  de  Leonel  de  Sousa,  senhor  da  Ericeira.  0  terceiro  fi- 
lho Gaspar  Cortereal  nunca  casou,  mas  filho  seu  naturai  foi  D.  Joao 
Cortereal,  Bispo  de  Leiria,  e  outro  filho  que  morreo  sem  descendencia. 

28  0  terceiro  Capitao  de  Angra  foi  o  dito  Vasqueanes  Cortereal, 
Védor  d'el-Uei  D.  Manoel,  e  alcalde  mór  de  Tavira  no  Algarve,  e  foL 
tambem  Capitao  Donatario  da  Uba  de  S.  Jorge,  comò  em  seu  iugar  ve- 
remos.  Casou  com  D.  Joanna  da  Silva,  filha  de  Garcia  de  Mello,  Alcalde  ; 
mór  de  Serpa;  e  d'ella  houve  os  filhos  seguintes:  primeiro,  Christovao 
Cortereal,  que  morreo  mancebo  sem  descendencia;  segundo,  Manoel  de 
Cortereal,  que  succedeo  ao  pai;  terceiro,  Bernardo  de  Cortereal,  que  foi 
Alcalde  mór  de  Tavira,  e  casou  com  D.  Maria  de  Menezes,  filha  de  Ma- 
noel de  Brito,  Alcalde  mór  de  Aidea  de  Galega;  e  d'ella  houve  a  D.  Joanna 
de  Menezes,  que  casou  com  Martim  Correa  da  Silva;  quarto,  Hieronymo' 
Cortereal.  que  morreo  sem  descendencia  ;  quinto,  D.  Maria  da  Silveira, 
que  casou  com  D.  Pe^ro  Deca;  sexto,  D.  Felippa  que  nao  casou. 

29  Quarto  Capitao  de  Angra  foi  Manoel  de  Cortereal,  segundo  filho 
do  terceiro  Capitao,  casou  com  D.  Brites  de  Mendon^a,  filha  de  Henrì- 
que  Lopes  de  Mendon^a,  a  qual  tinha  sido  primeira  vez  casada  com  D. 


LIV.  VI  GAP.  IV  19 

Manoel  de  Lima,  Capitao  de  Ormuz;  e  depois  Toi  terceira  vez  casada 
oom  D.  Francisco  de  Faro  senhor  de  Vimioso,  e  Yédor  da  fazenda  d'ei- 
Bei  D.  Sebasti3o.  D'este  quarto  Capitao  de  Aagra  nascerao,  Jo3o  Vaz 
Gorterealt  qae  em  vida  nao  casou,  so  dizem  alguns  que  na  hora  da  morte 
TWbem  d3o  sei  que  mulber,  de  cujos  filhos  tambem  se  nSo  sabe,  nas- 
ceo  mais  Hieronymo  Cortereal,  que  casou  com  D.  Luiza  da  Silva,  fllha 
de  Joi^  de  Vasconcellos,  Armador  mór,  Provedor  dos  Armazens,  e 
Gmmnendador,  porém  nenhuma  descendencia  deixou  :  nasceo  tambem 
Yasqaeanes  Gortereal,  e  este  herdou  a  Capitania  do  pai,  e  assim 

30  Quinto  Capitio  de  Angra  foi  o  tal  Vasqneanes  Cortereal,  e  ca- 
SOQ  com  D.  Gatharina  da  Silva,  filha  de  D.  Joao  Mascarenhas,  CapitSo 
dos  Ginetes,  senhor  de  Lavra,  Alcaide  mór  de  Montemór,  e  de  Alcacere 
do  Sai;  do  qual  casamento  nasceo  outro  Manoel  de  Cortereal,  que  mor- 
feo na  batalba  d'el-Rei  D.  Sebasliao,  sem  mulhcr  ainda,  e  sem  filhos; 
Qtts  corno  està  Capitania  estava  jà  dada  de  Juro,  e  herdade,  e  tirada  da 
tei  mental,  e  confirmada  por  El-Rei  Dom  Sebastiao  no  livro  do  tombe 
da  Camera  de  Angra  fol.  308  e  419  por  isso  ficou  està  Capitania  a  Dona 
Margarida  Cortereal,  irma  do  dito  ultimo  Manoel  de  Cortereal,  e  filha 
do  ultimo  Vasqueanes  Cortereal,  qae  casou  com  D.  Christovao  de  Moura. 

31  Era  este  D.  Christovao  de  iMoura  filho  de  D.  Luiz  de  Moura,  e 
dfiD.  Maria  de  lavora,  irmà  de  Lourengo  Pires  de  lavora,  Embaixador 
flw  foi  a  Roma,  e  Capitao  de  Tangere,  e  o  dito  D.  Luiz  de  Moura  foi 
Estribeiro  mór  do  Infante  D.  Duarte,  e  Thcsoureiro  mór  da  Infante  D. 
Isabd.  D'està  casa  dos  Mouras  de  Portugal  era  Miguel  de  Moura,  que 
^tes  de  Felippe  II  entrar  em  Portugal,  jà  ora  do  Conselho  d'cl-Rei  D. 
tojriqae,  e  seu  Secretarlo,  e  tambem  d'esla  casa  foi  para  Castella  Fer- 
>^o  de  Torres  e  Moura,  que  em  Cordova  casou  com  D.  Isabcl,  fi- 
^  do  senhor  de  Setina  em  Aragao,  de  que  nasceo  Fcrnao  do  Moura, 
9*  casou  com  D.  Leonor  de  Mendonca  em  Siguensa,  onde  teve  deus 
Mios,  D.  Miguel  de  Moura.  e  D.  Antonio  de  Moura,  e  era  casa  de  mor- 
Pdo  fico.  0  sobredito  D.  Christovao  de  Moura  tinha  sido  pagem  da 
I^rioceza  D.  Joanna  mai  d'eURei  D.  Sebastiao,  e  filha  do  Emperador 
'^bs  Ve  irmaa  de  Felippe  II  e  mulher  do  Principe  de  Portugal  D.  Jo3o, 
e  com  a  Princeza  foi  d'este  Reino  para  Castella  por  seu  pagem  e  met- 
^o-se  em  bum  Mosteiro  de  Freiras  Delcalf^s,  por  sua  morte  dei- 
^*  a  D.  Christovao  deus  mil  cruzados  de  renda;  e  entrando  D.  Chris- 
tovSo  por  pagem  de  Felippe  lì  tal  privanga  com  elle  alcancou,  que 


i 


20  HISTOIU.V  INSLLANA 

velo  com  o  Duque  de  Ossuna,  e  com  outros  por  Embaixador  a  P 
gal  sobre  a  successao  do  Beino,  e  foi  Yédor  da  fazenda  do  mesm( 
lippe  li  e  do  Consellio  d'estado  de  Portugal,  e  Castella. 

32  Sexto  pois  Capitao  de  Àngra  foi  o  tal  D.  Cbristovao  de  M 
por  Felippe  II  o  casar  com  D.  Margarida  Cortereal;  e  por  estar  vag 
tao  a  Capitania  da  Praia,  a  deo  tambem  ao  dito  D.  Christov3o,  e 
Capitao  Donatario  de  toda  a  Uba  Terceira,  corno  o  tinba  sido  nop 
pio  0  Flamengo  Tidalgo  D.  Jacomc  de  Bruges,  e  juntamente  CapitS« 
Datario  da  Ilha  de  Sao  Jorge,  que  jà  andava  unida  à  Capitania  de  A 
e  além  do  sobredito  o  fez  Felippe  II  scu  Gentil-bomem  de  Carne 
Marquez  de  Castello  Bodrigo,  senbor  de  Cabeceiras  de  Basto,  Com 
dador  mór  de  Alcantara  em  Castella,  e  emfin)  Viso  Bei  de  Fortaga 
sobredita  D.  Margarida  Cortereal  nasceo  o  segando  Marquez  de  C 
lo  Bodrigo,  que  a  Boma  foi  por  Embaixador  eml632,  nasceo  mai 
ma  (ilha,  que  casou  com  o  Duque  de  Alcalà:  e  outra  Dona  Mar 
Mendonga,  quo  casou  com  o  Conde  de  Vimioso  D.  ADfonso  de  Pori 
e  outra  D.  Margarida,  que  casou  com  D.  Manrique,  Conde  de  Po 
gre. 

CAPITULO  V 

Descreve-se  a  Capitania  da  Praia,  e  suas  Poooncòcs  pelo  Noroe^ 
e  Norie,  ale  acabar  passado  o  Leste  da  Ilha  Terceira, 

33  Pela  segunda  reparticao,  que  per  final  sentcnga  se  mandoa 
na  liba  Terceira  em  duas  iguaes  Gapitanias,  e  ficou  o  marco  em  a< 
parte  da  Uba  que  dìamùo  Folbadaes,  e  flcou  correspondcnte  ao  C 
roeste,  sendo  que  de  antes  Beava  ao  Noioesle,  e  mais  pequena 
Praia.  Chama-se  este  silio  Folhadaes,  por  ser  malo  cheio  d'està  leo 
folhado;  mas  jà  boje  està  muito  cerrado,  e  lem  muilas  vinlias,  e 
fruta  por  espago  de  legoa  e  meia  até  o  lugar  de  Sao  Boque,  a  qu( 
mao  OS  Altares,  por  ter  junlo  ao  mar  bum  pico  que  parece  bum 
a  que  vem  render-se  o  mar,  e  be  tao  alto  o  pico,  que  serve  de  i 
aos  pescadores  que  vào  pescar  d'aquella  parte,  e  varias  legoas  ao 
e  até  por  alli  a  Uba  be  de  rocha  viva,  e  alta,  e  o  mar  perigoso 
rcuitos  baixos  que  n'elle  ha,  em  direitura  do  pico,  e  da  Capella  m 
Igreja  de  Sao  Boque;  poi  ém  com  serem  compridos  os  baixos,  e  i 


LIV,  VI  GAP.  V  2i 

rem  sobre  si  cincoenta  bra^as  de  mar,  sao  comtudo  multo  estreitos,  e 
para  qualquer  das  partes  se  nao  acha  fundo;  e  os  ditos  baixos  s3o  pos- 
to de  grande  pescaria;  be  este  lugar  dos  Altares,  ou  S3o  Roque,  de  Pa- 
rochia  dedicada  ao  Santo,  passa  de  cento  e  cincoenta  visinhos,  e  d'elles 
moitos  sao  ricos,  e  nobres,  comò  Pamplonas,  Valadoes,  etc,  e  lem  Vi- 
gano, e  Ci]ra>  e  duas  legoas  de  termo,  e  duas  Ermidas,  buma  de  Sao 
Malheos,  de  grande  romagem;  outra  de  Santa  Catbarina,  qiie  be  a  ca- 
befa  do  grande  morgado  dos  Pamplonas. 

3i  Segue-se  adiante,  duas  legoas  dos  Altares,  ou  Sao  Roque,  o  lu- 
gar de  S5o  Pedro,  cbamado  os  Biscoutos,  de  que  alguma  parte  he  do 
morgado  dos  Pamplonas,  mas  tudo  mais  he  do  maior  morgado  que  fun- 
doa  Pedreanes  do  Canto,  de  qije  trataremos  em  seu  fugar.  D'este  lugar 
a  Parochial  be  de  Sao  Pedro  Apostolo,  e  tem  so  Vigario,  e  cento  e  trin- 
ta  visinbos,  mas  tem  as  Ermidas  seguintes:  buma  de  Nossa  Senhora 
do  Loreto,  fundada  em  bum  alto  pelo  morgado  Pedreanes  do  Canto, 
junlo  das  grandes,  e  ricas  casas  em  que  elle  viveo,  boa  meia  legoa  do 
mar,  e  com  Mìssa  na  Ermida,  que  be  a  cabota  do  morgado;  e  se  està 
jà  callida,  deve-se  mandar  levantar;  conio  tarabem  a  outra  Ermida  cha- 
mada  Vera  Cruz;  e  a  terceira  Ermida  be  de  Si5o  Sebastiao.  Este  biscou- 
to  se  chama  o  biscouto  gordo,  por  ser  em  partes  terra  alta;  e  tambem 
se  chama,  de  Materramenta,  por  ser  a  alcunha  do  bomem  que  o  vendeo 
a  Pedreanes  do  Canto,  e  tem  buma  legoa  de  comprido  pela  costa  ao  mar, 
e  meia  legoa  de  largo  para  o  interior  da  Uba,  e  tudo  be  de  vinbas,  e 
pomares,  e  a  mais  fresca  cousa  que  bavia  em  toda  a  Uba.  A  costa  do 
mar  he  rara,  mas  multo  brava,  e  tem  comtudo  bum  postosinho,  cbama- 
do a  Casa  da  salga,  e  outro  cbamado  de  Pedreanes  do  Cauto,  com  bum 
forte,  que  de  antes  tinba  quatro  pegas,  por  alli  carregar  o  fidalgosuas 
rendas. 

33  Do  dito  biscouto  para  o  Oriente  se  segue  o  lugàr  cbamado  Qua- 
tro Ribeiras;  e  este  lugar  foi  a  primeira  Igreja  de  toda  a  Uha,  aonde  vi- 
nbao  no  principio  os  da  Praia,  tres  boas  legoas  distante,  a  ouvir  Missa, 
sempre  junto  ao  mar:  a  costa  do  lugar  he  brava,  e  tem  buma  legoa  de 
comprimento,  e  buma  bahia,  e  quatro  ribeiras  de  agua  fresca  que  Ibe 
derSo  o  nome,  e  com  ellas  moem  tres  moinhos  para  os  lugares  visinbos: 
este  porém  tem  so  qoarenta  visinbos,  e  sómente  bum  Vigario,  e  junto  a 
elle  està  a  Ermida  do  Bom  Jesus,  de  multa  romagem:  e  nào  so  o  lugar 
he  de  outeiros,  e  valles,  mas  tambem  a  rocha  he  muito  alcantilada,. 


22  HKTORIA  INSULANA 

porem  de  tanta  pomba,  que  por  vczes  se  carregao  barcos  de  pombi- 
nhos. 

30  Adìante  se  segue  para  o  Nascente  huma  grande  legoa  de  bis- 
couto,  chamadp  de  Pamplona,  com  duas  legoas  jà  quasi  entupidas,  a  hu- 
ma das  quaes  chamao  de  Frei  Gii,  Fiade  que  no  principio  alli  viveo,  e 
agora  he  terra  do  Pamplona;  e  lego  se  segue  o  lugar  chamado  de  Agua- 
alva,  cuja  Parochia  he  hoje  de  nossa  Senhora  de  Guadalupe,  que  he  mui- 
to  milngrosa,  e  de  grande  romagem,  alò  das  outras  Ilhas:  foi  no  prin- 
cipio Erraida,  e  fundada  por  hura  Joao  Ilomem  da  Costa,  fillio  de  Hei- 
tor  Alvarez  Ilomem,  (lìdalgos  de  quo  abaixo  fallaremos)  e  pertencia  ao 
lugar  chamado  Villanova,  e  hoje  o  lugar  da  Agua-alva  he  Fregaezia  se- 
parada:  u'este  lugar  ha  huma  fonte,  em  que  deixando  dentro  ham  pio, 
por  cspaco  de  hum  anno,  o  achào  em  [)edra  converlido,  de  que  fizerSo 
experiencias  o  Bispo  D.  Gaspar  de  Faria,  o  Bispo  D.  Pedro  de  Castiiho, 
e  outras  pessoas  iilustres,  e  assim  o  aflìrmarào:  e  lavando  n'esta  fonte 
a  roupa  sem  sabao  aigiim,  a  faz  tao  ai  va,  comò  se  a  lavassem  com  sa- 
b3o.  He  este  lugar  de  muitos  pombaes,  muito  bons  queijos,  e  derecrea- 
(j3o  de  loda  a  Ilha,  pela  muila,  e  cxcellente  fruta,  e  tanta,  que  ainda  jun- 
to  à  Igreja  da  Senhora  estava  hum  castanheiro,  que  so  elle  dava  mais 
de  meio  molo  de  castanhas. 

37  Com  pouca  distaricia  d'este  lugar  da  Agua-alva  se  segue  o  lugar 
chamado  Villa-nova,  e  com  tudo  pela  celebre  romagem  da  Senhora  de 
Guadalupe  ambos  esses  lugares  se  chamao  commummente  Agua-alva:  po- 
rem 0  de  Villa-nova  he  lugar  muito  maior,  e  de  gente  muito  nolire:  sua 
Parochia  he  do  litulo  do  Espirito  Santo,  lem  Vigario,  e  dous  Beneflcia- 
dos,  e  hura  Cura,  e  hum  Thesoureiro,  e  he  Igreja  de  tres  naves,  e  bem 
ornada,  e  lem  duas  Ermidas,  huma  de  Nossa  Senhora  da  Vida,  que  es- 
tà sobre  o  porto,  e  he  cabeca  de  hum  grande  morgado,  que  n'ella  teoL 
dous  Annaes  de  Missas  pelas  almas  de  seus  Fundadores,  Ileitor  Alvaress 
Ilomem,  pai  de  Pedro  Ilomem  da  Costa,  e  avo  de  Ileilor  Ilomem  isam 
Costa  Colombciro,  que  casou  com  Dona  Luiza,  fllha  de  Pedro  Ponce  d^3 
Leao,  fidalgo  de  Lisboa:  junlo  da  qual  Ermida  tem  este  morgado  hun^a 
rica  Quinta,  e  casaria  nobre,  e  na  tal  Ermida  estao  sepultados  os  ditos 
Morgados. 

38  A  oulra  Ermida  d'este  higar  he  a  da  Madre  de  Deos,  na  qaal 
0  magnifico  fidalgo  Joao  da  Silva  do  Canto,  com  Bullas  Aposlolicas  qua 
de  Roma  alcanrou,  fundou  huma  Santa  Casa  da  Misericordia,  è  lego  fuii- 


LIV.  VI  C\P.  T  23 

don  outra  Ermida  de  Sao  JoSo,  e  liumas  mui  nobros  casas,  tiido  cnbc- 
Ca  de  bum  morgado,  que  além  do  outros  frutos,  o  fóros,  so  de  trigo 
rende  sessenta  e  cìdco  moios  cada  anno:  a  qual  Quinta  està  tao  junta, 
que  entre  todas  suas  tcrras  se  nSo  mette  terra  de  outrem  alguem.  Ter- 
ceira  Ermida  ha  n*este  lugar,  a  qual  he  de  Sao  Fedro,  e  tambem  cabe- 
Ca  de  bum  menor  morgado  fundado  por  lìum  Jo3o  Evangelho,  bomem 
multo  nobre  da  familia  d^este  titulo.  Ha  n*este  terrenho  tanto  gado,  que 
0  zeloso  (idalgo  sobredito  Joao  da  Silva  do  Canto,  vendo  abaixo  de  suas 
terras  sahir  huma  grande,  e  fresca  fonte,  tao  fora  esteve  de  a  tornar  pa- 
ra a  sua  Quinta,  que  junto  à  fonte  mandou  à  sua  custa  fazer  tres  gran- 
des  tanques,  e  caminho  para  elles,  para  irem  alli  beber  os  gados,  corno 
tic,  e  à  fonte  ficou  por  nome,  a  fonte  de  JoSo  da  Silva.  Oh  se  assim 
hoje  hoovesse  fìdalgos  do  bem  commum  mais  zelosos,  que  ambiciosos! 

39  Tem  este  lugar  (diz  Fructuoso)  trezentos  moradores,  e  além  de 
moitos  nobres,  e  outros  tratantes  mercadores,  tem  de  oflìciaes  oito  Gar- 
pmteiros,  ciuco  tendas  de  Ferreiros,  seis  de  Carpinteiros»  oito  de  Al- 
fiuales,  e  muitos  de  outros  officios,  e  quarenta  teceloes,  e  he  lugar  t3o 
bem  provido  nao  so  de  frutos,  e  frutas  da  terra,  mas  ainda  das  cousas 
de  fóra,  (pelo  grande,  e  continuo  commercio  que  lem  com  a  Cidade  de 
Angra^  que  n3o  havia  n'elle  pessoa  alguma  que  pedisse  esmola,  porquo 
OS  pobres  respigando  no  verao  apanhavao  com  que  passar  o  inverno:  e 
<!mGm  querendo  o  Capitao  Donatario  Antao  Martins  da  Camera  fazer  Vii-. 
ia  a  este  lugar,  nao  o  quiz  este  aceitar,  o  respondeo,  que  mais  queria 
8er  0  melhor  lugar  da  liha,  comò  he,  do  que  fazerem-o  Villa.  A  costa 
d^este  terreno  he  multo  alta,  e  com  tndo  tem  bahia  grande,  e  n'ella  seu 
porto  de  barcos,  mas  diante  da  bahia  tantos  baixos,  quo  per  si  se  de- 
feodem  de  inimigos,  e  enriquecem  a  terra  de  exceltente  pescarla. 

40  Pouco  adiante  d'este  celebre  lugar  de  Villa-nova  se  segue  bum 
^real,  e  lego  huma  rocha  alta,  e  depois  d'ella  bum  posto  de  calhaos  jun- 
to ao  mar,  e  de  grande,  e  recreativa  caga  de  coelhos,  e  logo  bum  pes- 
Vieiro  cbamado  a  casa  velha;  e  aqui  acaba  o  termo  do  lugar  de  Villa- 
Qora  em  huma  ribeira  chamada  a  Kibeira  Secca,  por  mais  tempo  ser  de 
^,  do  que  de  agua;  e  comeca  o  termo  do  lugar  que  chamao  Lagcns, 
<^  a  Parochial  de  Sao  Miguel,  distante  huma  legoa  da  do  Espirìto  San- 
to de  Villa-nova.  Tem  S3o  Miguel  das  Lagens  hum'Yigario,  bum  Cura,  e 
boia  Beneflciado,  e  duzentos  moradores  espalhados  em  Quintas,  e  entre 

muito  nobres,  e  ricos,  e  de  appellidos  nobres;  e  he  terra  muito 


2i  TIISTORIÀ  INSUUNA 

fertil  de  trigo,  e  vinho  plantado  em  biscouto,  que  veio  do  interior  da 
liha,  e  chega,  ao  mar  fazendo  huma  caideira,  ou  valle,  muito  razo,  e  fru- 
ctirero;  ha  n'este  lugar  liuma  Ermida  de  Suo  Braz,  cabega  de  bum  mor- 
gado,  que  possuia  Francisco  de  Betencor,  e  havia  n'este  sitio  tanta  amo- 
roira,  e  fazia-se  tanta  crìacao  de  bichos  de  seda,  e  de  tal  seda,  que  (co- 
rno affirma  Fructuoso)  nao  a  vence  a  de  Granada. 

41  D'aqul  cotneca  a  correr  junto  ao  mar,  e  por  espago  de  buma 
grande  legoa,  e  com  multo  alta  rocha,  a  Serra  de  Santiago,  quechamSo 
de  Joao  de  Teve,  por  oste  fidalgo  ter  sido  de  quasi  toda  ella  senhor» 
com  ser  tao  comprida,  e  ter  bum  quarto  de  legoa  de  largura,  e  dar  em 
cima  muito,  e  o  melhor  trigo  da  Uba,  defronte  d'està  Serra,  e  moia  le- 
goa ao  mar  estd  bum  grande  penedo,  chamado  o  Ilheo  Espertal,  ou  de 
Sebastiào  Pires;  e  detraz  da  Serra,  paiìi  a  banda  da  terra,  se  segue  bum 
grande  valle,  de  que  o  dito  Joao  de  Teve,  e  outro  fidalgo  Diego  Paim 
erao  senbores,  e  tudo  tao  plantado  de  vìnhas,  pomares,  e  bortas,  que 
fica  sendo  buma  vista  admiravel;  e  logo  se  seguem  terras  muito  chans, 
onde  cbamSo  o  Juncal,  pelo  junco  que  alli  bavìa,  e  ainda  boje  ba,  mas 
jà  muito  n^ais  trigo;  e  aqui  està  a  rica  Quinta  do  antigo  fidalgo  Estev3o 
Ferreira  de  Mello,  de  que  so  em  trigo  Ibe  pagao  cada  anno  mais  de  ses- 
senta  moios;  e  niella  està  buma  baixa,  e  larga  fuma,  que  bum  negro, 
sendo  de  sou  nascimento  mudo,  com  repetidos  sinaes  fez  abrir  alli»  e 
acbou-se  buma  perenne  fonte  de  agua  doce,  e  excellente,  e  tao  copiosa» 
que  nào  s6  so  divide  para  a  gente,  gado5,  e  lavandeiras,  mas  com  ou- 
tra  parte  d'ella  moe  bum  moinbo. 

42  E  nac  so  n'osta  larga,  e  Clara  fuma,  que  em  boas  descidas,  e 
subidas  tem  a  altura  que  levariao  trinta  degraos;  mas  tambem  na  terra 
de  cima,  aondo  quer  quo  cavao,  descobrem  pogo  da  mesma  excellente 
agua;  e  no  melo  da  rocba  da  Serra  de  Joao  de  Teve  està  buma  fonte 
do  mesmo  nome,  e  de  boa  agua;  e  na  alta  penta  da  dita  Serra,  com  ser 
muito  alta,  està  outra  fonte  de  semelbante  agua;  acima  ainda  da  qual  es- 
tà 0  Facbo,  e  Atalaia  de  perpetua  vigia,  que  descobre  todo  o  mar,  e  tem 
doze  mil  réis  de  soldo,  sem  mais  obrigacao  que  levantar  a  bandeiraoe 
facbo  quando  apparece  navio;  e  a  dita  fonte  se  cbama  a  fonte  da  Fortu* 
Da,  por  ter  vivido  alli  bum  bomem  que  se  cliamava  Joao  Àlvarez  da  For^ 
tuna. 


UV.  V!  GAP.  VI  25 

CAPITOLO  VI 

Da  nobre  Villa  da  Praia^  e  termo  de  sua  Capilania, 

43  Do  posto  onde  flcamos  comeca  jà  a  Terceira  a  voltar  do  Norie, 
e  jé  tambem  do  Nascente  para  o  Sul,  e  cometa  fazondo  liuma  enseada 
de  area,  que  tem  meia  legoa  de  comprido,  e  nas  mais  das  partes  d'està 
babia  se  nSo  póde  chegar  a  desembarcar,  pelos  grandes,  e  perigosos 
bancos  de  area,  a  que  nao  podem  chegar  navios  a  inda  pequenos  ;  nas 
outras  partes  em  que  podiao  aportar,  estavao  antigainente  trincheiras,  e 
estacadas  de  pào  piqué,  e  no  meio  da  enseada  bum  bom  desembarca- 
douro  de  pedra,  que  servia  de  bom  porto  para  a  Villa,  que  fica  mais 
para  dentro  da  terra;  mas  no  principio  do  areal  que  corre  para  o  Sul, 
està  entro  a  area,  e  a  Villa  huma  grande  alagoa,  que  tem  no  meio  bum 
Ilheo  de  quasi  bum  alqueire  de  semeadura,  e  com  bum  pombal  dentro, 
e  ao  Ilbeo  se  nao  vai  senao  em  barco,  ou  com  a  agua  até  os  pcìtos* 
porem  murada  a  Villa,  ha  cousa  de  duzentos  annos  fez-se  porto,  e  des- 
embarcadouro  muito  apto,  e  se  segurou  toda  a  bahia  com  fortes,  e  ar- 
telbarìa. 

44  0  primeiro  Forte  està  na  ponta  do  Nascente  para  o  Sul,  cha- 
mado  do  Espirito  Santo,  e  tem  onze  pegas  de  artelharia  de  ferro,  e 
l)roDze;  logo  o  Forte  de  Nossa  Senhora  da  Conceigao  com  tres  pec^s  de 
ferro;  adiante  o  de  Santa  Catharina  com  seis  pegas;  depois  o  de  Santa 
Cruz,  0  das  Chagas,  e  de  Santo  Antao,  e  estes  tres  tem  a  duas  pecas 
cada  barn,  e  para  o  fim  da  bahia  tem  duas  Fortalezas,  que  chamao  as 
Yeibas,  e  ambas  com  muita,  e  muito  grossa  artelheria  de  bronzo,  e 
boma  Dobre  peca  chamada  a  Aguia,  outra  chamada  a  Esfera,  e  muitos 
Pedreiros,  e  pe^as  de  Dado,  e  de  Berso,  etc,  com  que  està  tao  forliflca- 
^  a  dita  enseada,  ou  babia,  que  nunca  foi  entrada  de  inimigos  alguns, 
excepto  no  caso  seguinte. 

45  Quando  ainda  comecava  a  povoar-se  aquella  parte  da  Praia,  e 
bviaainda  gnerras  de  Portugal  com  Castella,  cbegou  alli  huma  Arma- 
^  Castelbana,  e  em  muitos  bateis  (por  mais  Ih*o  nao  permittirem  os 
i^ttcos  do  areal)  lan^arao  gente  bem  armada  em  terra:  e  fugindo  os  pou- 
^  povoadores  do  lugar  para  o  vizioho  mato,  que  ainda  entSo  era  mui- 
^1  e  muito  alto,  e  basto,  ficarao  os  Castelhanos  roubando  o  lugar,  e 
^^gando-se  todos  dos  seus  roubos,  eis  que  bum  Portuguez  querendo 


26  IIISTORIA  INSULANA 

ver  0  quo  hìa  no  lugar,  sobe-se  a  huma  alta  arvore,  e  estando  jà  no 
mais  alto  reparando  no  ìnimigo,  cahe  pela  arvore  abaixo,  pegando-se  a 
outras  juntas,  que  tal  estrondo  fizer3o,  que  se  persuadio  o  inimigo  vi- 
nha  bum  Cerlao  de  gente  sobre  elles,  e  largando  armas,  e  troaxas  co- 
megou  a  fugir  para  os  bateis;  o  Portuguez  cabido,  levantando-se  animo- 
so chamou  aos  mais,  que  sabindo  todos,  e  valendo-se  das  armas  que  o 
inimigo  deixava  por  fugir,  eseembarcar,  der3o  n'eiie  com  lai  furia,  qoe 
ou  feridos,  ou  affogados  nenbum  Gcou  com  vida,  ou  tomou  os  navios, 
e  estes  se  forSo  de  tal  sorte,  que  nao  apparecerSo  mais,  e  os  Portugue- 
zes  se  ficarào  com  os  bateis,  com  as  armas,  e  com  todos  seus  bens  jà 
restaurados;  mandarlo  logo  a  nova  d*esta  primeira  viteria,  ou  guerra 
d*aquella  occasiao;  e  em  Villa  de  Angra,  que  jà  ent3o  era  Villa,  foi  no- 
va muito  festejada,  e  attribuida  àquelle  Portuguez  que  subio  à  sua  ar- 
vore. Tanto  póde  o  gallo  em  o  seu  polcirol 

46  D'este  victorioso  lugar  pois  se  veio  a  formar  a  Villa,  que  dV 
quella  enseada,  ou  areal  tomou  o  nome  de  Praia,  e  ficou  cabota  e  Ck)r- 
te  da  segunda  Capitania  Donataria  d'està  liba.  Està  a  dita  Villa  (diz  Fni- 
ctuoso  liv.  vi  cap.  2)  situada  em  campo  plano,  defronte  do  principio  do 
areal  que  volta  para  o  Sul,  e  com  a  sobredito  alagoa  entro  elle,  e  a  Vil- 
la; be  cercada  de  muralha  com  quatro  baluartcs,  e  quatro  portas,  a  do 
Porto,  a  do  Rocio,  e  de  Nossa  Senhora  dos  Remedios,  e  a  das  Chagas: 
dentro  das  muralhas  passa  de  quinhentos  vizinhos;  e  com  os  que  vivem 
ao  redor  passa  de  setecentos,  por  ser  cercada  de  muitas,  e  muito  ricas 
Quintas;  e  assim  ha  n'esta  Villa,  e  sua  Capitania,  mais  de  vinte  morga- 
dos  grandes,  e  na  Villa  ha  muita,  e  muito  antiga  nobreza,  e  por  isso  bo 
de  edificios  sumptuosos:  de  milicia  de  pé  lem  alistadas  quatro  compa- 
nhias,  mas  muito  grandes,  e  cincoenta  soldados  de  cavallo,  e  teve  ji 
duzentos,  e  todos  os  cabos  de  milicia.  Capi  tao  mór.  Sargento  mór,  Ca- 
pitaes  Ajudanles,  Alferes,  eie.  Senado  da  Camera;  que  além  dos  Verea- 
dores,  lem  juizes  Ordinarios,  e  da  melhor  nobreza,  e  Ouvidor  do  Dona- 
tario, e  excellentes  Cavalleiros,  que  correm  em  festas  grandes. 

47  No  Ecclesiastico  lem  a  dita  Praia  huma  nobre,  e  rica  IgrejaMa- 
triz,  tempio  de  tres  naves,  e  da  invocac5o  da  Santa  Cruz,  portaes,  e  pi- 
lares  de  marmore,  Capella  mór  de  abobada,  e  loda  he  cercada  de  Ca- 
pellas  de  morgados,  e  he  Igreja  sagrada;  lem  seu  Vigario,  dons  Curas, 
oito  Bcneflciados,  Organista,  Sacliristao,  Prégador,  e  oulros  officiaes,  ^ 
na  Villa  oulros  muitos  Clerigos  Sacerdotes,  e  porque  ha  muitas  Blissas^ 


LIV.  VI  GAP.  VI  27 

e  saffragios  que  deixavao  os  antigos,  e  com  determiaadas  esmolas  gran- 
des,  e  algumas  de  hum  molo  de  trigo  por  cada  Missa,  d'aqui  vem  que 
nSo  so  a  Vigairaria  he  sobre  tao  grave,  multo  rendosa,  e  com  sua  pro- 
porgao  os  Benefìcios,  mas  aos  Clerìgos  extravagantes  rendem  ainda  so 
as  suas  Ordens  muito,  porque  dentro  da  mesma  Villa  ba  ainda,  (e  jd 
hoore  majs)  sete  Ermidas,  Nossa  Senhora  dos  Remedios,  Sao  Sebasti3o, 
Nossa  Senhora  da  Grara,  830  Salvador,  Sao  Lazaro,  Santo  Amaro,  e  S3o 
Fedro;  e  algumas  d*ellas  tao  Uistrosas,  e  tao  ricas)  que  cada  huma  tem 
a  cincoenta  moios  de  trigo,  de  renda  cada  anno,  para  se  repartirem  em 
HissaSy  e  outras  obras  pias. 

48  Tem  Casa  da  Misericordia  com  duas  Igrejas,  hnma  do  Espirito 
Santo,  outra  de  Nossa  Senhora,  e  a  renda  da  Casa  chega  a  cento  e  vinte 
moios  cada  anno,  e  a  séssenta  mil  réis  de  fóros  em  dinheiro,  e  por  isso 
tem  tambem  Hospital  famoso.  Meia  legoa  tem  a  sua  Matrìz  hum  lugar 
saffraganeo,  onde  chamao  a  Casa  da  Ribeira,  com  huma  Ermida  de  Sao 
JoSo  de  Latrao,  e  muitas  Indulgencias  para  os  que  a  visitào,  ou  se  se- 
poltSo  niella,  e  de  tudo  Bulla  Apostolica  ;  e  tem  o  lugar  séssenta  vizi- 
nhos,  e  demais  hum  Hospital  de  Lazaros  com  Ermida  de  Sao  Lazaro,  o 
renda  cada  anno  de  vinte  e  cinco  moios  de  trigo  :  e  para  tudo  tinha  a 
Villa  grande  numero  de  pogos,  e  de  multo  boa  agua  de  beber,  e  ainda 
boje  tem  muitos,  mas  ha  cousa  de  cento  e  quarenta  annos,  que  de  cima 
da  Casa  da  Ribeira,  meia  legoa,  trouxerao  dentro  à  Villa  agua  nativa,  e 
peremie,  que  repartirao  em  seis  chafarizes,  e  hoje  sao  cinco,  e  so  qua- 
tro  correntes,  porque  o  quinto,  que  he  de  marmore,  esse  nao  corre;  e 
be  agua  ainda  melhor  que  a  dos  po^os. 

49  De  pessoas  Religiosas  tem  a  dita  Villa  varios  Conventos,  bum 
da  Observancia  de  S3o  Francisco,  que  passa  de  trinta  Religiosos,  e  em 
ciija  Igreja  ha  algumas  Capellas  de  antigos  morgados;  mais  o  Convento 
de  Nossa  Senhora  da  Luz,  com  séssenta  Freiras  de  véo  preto  da  mesma 
Ordem,  e  Obediencia  Serafica;  e  outro  tambem  da  mesma  Ordem,  e  Obe- 
di^cia,  intitulado  das  Chagas;  porém  este,  ou  pelo  sitio  mais  vizinho  ao 
xxiar,  ou  por  outro  titulo,  se  foi  extinguindo  com  o  tempo,  e  em  1668, 
MA  n3o  tinba  mais  que  huma  Freira,  porém  ha  na  Villa  terceiro  Conven- 
to, chamado  de  Jesus,  da  Obediencia  do  Ordinario,  e  lem  setenta  Frei- 
«^s  de  véo  preto;  e  todos  estes  Conventos  forao  sempre  de  grande  Ob- 
servancia, e  de  pessoas  de  grande  exemplo,  e  virtude.  De  novo,  e  jà 
l^a  mais  de  séssenta  annos,  no  de  1650  junto  a  Villa,  e  fora  d  ella,  em 


28  IIISTORIA  LNSULANA 

huma  Ennida  de  Santa  Monica  fundoa  D.  Maria  da  Silva  bum  Convenlo 
de  Eremitas  de  Santo  Àgostinho,  que  se  chamao  Frades  Graciaoos)  dan- 
do-lhe  principio  com  dez  moios  de  renda  Qxos,  e  costumSo  habitar  n*elle 
seis  Religiosos,  com  grande  fruto  espiritual  de  toda  aquella  Villa. 

50  Da  fazenda  Real  tem  a  mesma  Villa  huma  nobre  Àlfandega,  com 
todos  OS  OfQciaes  que  as  Alfandegas  costumao  ter,  mas  ludo  sognilo 
(comò  em  todas  as  mais  Ilbas)  ao  Provedor  da  fazenda  Real  de  Ajigrft; 
e  he  tao  abundante  de  trigo  està  Villa,  e  toda  a  sua  Capitania,  qoe  cada 
anno  embarca  tres,  ou  quatro,  e  às  vezes  ciuco  mil  moios  de  trigo  ;  e 
gastando  na  terra  ao  menos  outro  tanto,  jà  se  ve  que  dizimo  cabo  a  El* 
Rei;  e  n3o  sendo  menos  abundante  de  vinho,  e  dos  mais  frutos,  se  aug- 
menta  mais  a  fazenda  Real,  e  com  o  dizimo  d'està,  e  dos  direitos  Reaes^, 
e  a  renda  dos  moinhos,  cresce  tambem  muito  a  renda  dos  CapitSes  Do- 
natarios,  que  hoje  tem  tudo  a  Corea  em  si;  e  até  de  peixe  he  abandaa- 
tissima  està  Praia,  e  tanto  mais  gostoso,  quanto  participa  mai»  do  Nor- 
te,  e  especialmente  de  muitos,  e  muito  grandes,  e  excellentes  Chernes» 
e  Corvinas,  que  vem  à  Cidade  a  vender. 

51  Passada  a  Villa  da  Praia  se  segue  ainda  de  sua  Capitania,  e  bum 
tergo  de  legoa  adiante  da  penta  de  Santa  Catharina,  hum  posto  qae  cba*- 
mao  Porto  Marlim;  e  aqui  està  huma  grande  fazenda,  e  nìorgado  que  fi- 
cou  de  hum  fìdalgo,  chamado  Joao  Dornellas  Capitao  mór  da  mesma 
Praia,  e  possuhio  depois  o  illustre  Francisco  Dornellas  da  Camera,  At<- 
caide  mór  da  mesma  Praia,  e  depois  seu  filho  o  Alcalde  mór  Bras  Dor- 
nellas da  Camera,  a  quem  se  seguio  seu  irmao  Manoel  Paim  da  Game^ 
ra,  a  quem  succedeo  seu  fllho  Francisco  Paim,  que  hoje  vive  em  Angra» 
e  no  mesmo  posto  esUi  huma  Ermida  de  Santiago,  e  outra  de  &  Har- 
garida,  onde  chamao  os  Graneis,  e  pouco  pela  terra  dentro  està  o  kigar 
chamado  S.  Catharina,  Freguezìa  de  cem  vizinhos,  chamada  o  Cabo  da 
Praia,  e  entro  este  Cabo,  e  Porto  Martim  està  a  Ermida  de  N.  Senhora 
do  Rosario,  que  era  de  hum  Manoel  Borba,  descendente  dos  nobres  Bor- 
bas,  e  Curvos  do  Alem-Tejo,  por  hum  Gii  de  Borba,  ou  Gilianes,  que 
do  Alem-Tejo  velo  por  huma  morte  que  là  Azera,  e  por  isso  muderà  o 
nome  em  Gilianes,  e  foi  o  tronco  dos  Borbas  da  Villa  da  Praia,  corno  em 
seu  lugar  diremos. 

52  De  Porto  Martim,  per  deus  tercos  de  legoa,  corre  a  costa  de» 
mar,  toda  raza,  mas  de  calhao  grosso,  até  a  Ribeira  Secca,  que  vai  sahiK 
ao  mar,  ao  Sueste  ;  e  pela  terra  todos  os  deus  tercos  de  legoa  s3o  d^ 


LIV.    VI  CAP.  VII  29 

biscoato,  plantado  em  pomares,  e  vinhas;  e  juùto  da  Ribeira  està  bum 
porto,  em  que  varao  barcos,  e  se  chama  o  Porto  de  Gaspar  Gongalves 
Hachado,  Africano,  por  ter  sido  o  melhor  Cavalleiro  que  se  achou  em 
Africa,  e  d*este  procedem  os  Machados  dalli,  e  meia  legoa  pela  terra 
dentro  fica  o  lugar  de  Santa  Barbara,  multo  antigo,  e  de  setenta  vizi- 
nhos»  e  muitos  d'elles  mui  nobres;  e  aqui  estao  as  ricas  Quintas  de  Joao 
de  Betencor,  e  de  Jo3o  Cardoso,  e  de  Cliristovao  Palm,  e  de  Antonio  da 
Fonseca;  e  nesta  penta  da  Ribeira  Secca  estd  huma  Fortaleza  nova,  e  para 
dentro  da  terra  huma  Ermida  de  S.  Anna,  e  aqui  acaba  a  Capitania  da 
Praia,  sendo  d'ella  tudo  o  que  atéqui  fica  descripto.  E  tempo  he  jd  que 
passemos  à  Capitania  de  Angra. 

aPITULO  VII 

Come(a  a  Capitania  de  Angra,  desde  a  Villa  de  Suo  Sebastiùo 
ale  a  Cidude. 

53  Tem  o  seu  principio  a  Capitania  de  Angra,  pouco  abaixo  d  onde 
ficàmos,  em  huma  fermosa  bahia,  em  que  podem  anchorar  muitos  na- 
>ia$,  e  tem  bom  porto,  e  desembarcadouro;  mas  por  isso  mesmo,  e  fo- 
go huma  grande  Fortaleza  de  artelbaria,  e  para  a  parte  de  terra,  meia 
legoa,  a  antiga  Villa  de  Sao  Sebasliao  :  chamo-lhe  antiga,  porque  d'eli» 
aGBrma  o  Doutor  Fructuoso,  que  he  a  mais  antiga  Villa  de  toda  a  liba 
Terceira  ;  e  que  por  expressa  Provisao  dei-Rei  n'ella  se  ajuntào  as  Ca- 
meras,  ou  Senados  de  toda  a  Illia,  quando  succede  ajuntar-se  para  algu- 
ma  resolucSo  locante  a  toda  a  liha  ;  e  pode  ser  a  razuo,  por  ser  Villa 
qoe  està  mais  no  meio  d  està  Ilha,  e  para  a  parte  do  Sul  mais  inclinada, 
onde  so,  podem  querer  desembarcar  inimigos,  e  estar  quasi  em  igual 
distancia  da  Villa  da  Praia,  e  da  Cidade  de  Angra,  scm  d'estas  duas  al- 
gnma  ir  buscar,  ou  sugeitar-se  à  outra,  mas  usarem  ambas  d'este  ter- 
caro  meio  de  paz. 

54  Està  situada  està  Villa  entro  huns  picos,  ou  montes,  e  d'ella  se 

diz  tinha  antigamente  quinhentos  vizinhos,  e  de  gente  multo  nobre  d*a- 

qoelles  priQieiros  povoadores  da  Uba  ;  e  d'estes  ainda  hoje  chega  a  du- 

zeatos  e  cincoenta,  repartidos  em  duas  grandes  companhias  de  pé,  que 

de  cavallo  nao  tem  tropa  alguma  alistada;  e  dos  lugares  que  a  ella  s2o 

sQgeilos,  diremos  em  seu  lugar.  Goza  està  Villa  da  melhor  agua  que  ha 


30  ,  HISTOBIA  IXSULANA 

em  todas  as  dilas  IMs,  corno  confessa  o  mesmo  Fractuoso;  e  nasce  den- 
tro da  Villa,  e  em  tanta  copia,  que  moem  quatro  moinhos  com  a  agna; 
e  antes  d  isso,  e  so  dez  bracas  da  fonte,  corre  d'ella  bum  grande  cha* 
fariz  com  tres  bicas  de  pedra,  e  de  boca  de  baia  de  dez  libras,  e  ainda 
tresborda  a  agua,  e  comtudo  ainda  as  mais  das  casas  tem  pocos  de  ex-, 
celiente  agua  ;  e  assim  ha  nesta  Villa  grnndes  lavouras  de  trigo,  muita 
crìac3o  de  gados,  e  de  todos  os  mais  frutos  da  terra,  e  de  pescado  do 
mar,  he  maito  abundante. 

55  A  Matriz  d*esta  Villa  tem  seu  Vigario,  e  Cura,  e  quatro  Benefi- 
ciados;  ha  n'ella  Gasa  da  Santa  Misericordia  com  oìto  moios  de  renda, 
e  algum  dinheiro  de  foros  annuaes.  Tem  mais  trcs  Emiidas,  de  S.  Jo3o, 
de  Santa  Anna,  e  de  Nossa  Senhora  da  Graga,  do  adro  da  Ermida  de 
Sao  Joao  tem  admiravel  vista  ;  a  de  Santa  Anna  està  perto  da  Matriz,  e 
tres  bracas  della  he  qne  nasce  a  sobredita  fonte,  que  com  guarita  ahi 
està  fechada  ;  e  a  Ermida  de  Nossa  Senhora  da  Graga  està  mais  abaixo, 
e  ainda  com  melhor  vista  para  o  mar.  Tem  mais  està  Villa,  jà  para  o 
Sul,  nao  mcnos  que  seis  Forlaiczas  em  seu  destricto.  A  primeira,  pelo 
que  diremos  a  seu  tempo,  se  chama  a  casa  da  Salga,  e  tem  quatro  pe^as 
de  artelharia  ;  segunda  a  das  Cavalas,  e  tem  outras  quatro  ;  terceira,  a 
de  Santa  Catharina,  e  tambem  com  quatro  pegas;  quarta,  a  do  Bom  Je- 
sus, e  tem  ciuco  ;  quinta  se  cliama  o  Pesqueiro,  e  so  tres  pegas  tem  ; 
scxta  a  de  Sao  Sebastiào  com  ciuco  pegas;  e  com  estas  vinte  e  cince  pe- 
Cas  se  póde  bem  segurar  a  entrada  de  inimigos  por  alli. 

56  0  primeiro  lugar  sugeito  a  està  Villa  de  Sao  Sebastiào,  he  o  que 
està  mais  junto  ao  mar,  mas  tao  perto  ainda  da  Villa,  que  por  isso  se 
chama  Arrabalde,  e  he  muito  fertil,  e  para  a  Missa  usa  da  Ermida  de 
Nossa  Senhora  da  Graga.  0  segundo  lugar  he  o  que  està  da  banda  do 
Norie,  junto  ao  acima  dito  lugar  dos  Altares,  e  se  chama  o  Raminho, 
mas  por  estar  tao  longe  vai  a  gente  d^elle  ouvir  Missa  a  Sao  Roque  dos 
Altares;  e  da  companhia  dos  soldados  do  lugar,  (por  elle  estar  na  Capi- 
tania  da  Praia)  em  està  Villa  da  Praia  se  faz  a  lista  dos  taes  soldados; 
poròm  nos  dizimos,  e  no  civcl,  e  justiga  he  sugcita  à  Villa  de  Sao  Se- 
bastiào. 0  terceiro  lugar  foi  antigamcnte  o  que  se  chamava  Portalegre, 
e  estava  pela  terra  dentro,  huma  legoa  do  mar,  indo  d'este  para  os  cince 
Picos,  que  chamao  o  Paul  :  passava  de  trinta  vizinhos,  e  sua  Freguezia 
do  orago  de  Santa  Anna,  de  que  hoje  so  ha  as  paredes,  e  por  haver  no 
tal  lugar  muitos  Imperios  com  muitos  folguedos  profanos,  se  destruhio 


\ 


UV.  VI  GAP.  VII  31 

de  sorte  todo  o  lugar,  que  so  ficou  niella  bum  morador  por  nome  Ro- 
drigo Alvarez;  e  de  tres  pócos  quo  tinha  de  boa  agua,  so  hiim  existia  a 
inda,  e  o  sitio  das  casas  se  converteu  cm  pomares,  e  nem  as  paredes 
da  Igreja,  nem  outro  sinai  de  lugar  baveri  jà  agora.  Assim  castiga  Deos 
divinamente  a  quem  tao  profanamente  assim  vive. 

57  0  quarto,  lugar  sugeito  a  Villa  de  Sao  Sebastiào  he  o  vulgar- 
mente  chamado  do  Porto  Judeo,  cujo  nome  proprio  he  o  lugar  de  Santo 
Antonio,  quasi  huma  legoa  da  Villa  de  Sao  Sebastiào;  he  lugar  de  cento 
e  qaatorze  vizinhos,  que  fazem  huma  boa  companhia  de  soldados,  e  a 
Freguezia  he  do  Santo,  e  tcm  mais  huma  Ermida  de  Nossa  Senhora  da 
Esperanca,  e  de  multa  romagem;  e  para  o  mar  tem  duas  Fortalezas,  hu- 
ma se  chama  Santo  Antonio,  e  tem  tres  pegas,  outra  a  Penta  dos  Coe- 
Ihos  com  outras  tres  pegas,  o  porto  he  pequeno,  e  està  dcbaixo  de  huma 
rocba  vermelha,  que  nao  tem  mais  que  bum  caminho,  por  onde  cabe 
bum  so  carro;  adiante  do  lugar  para  o  certao  sao  terras  de  multo  gado, 
e  maito  trigo;  e  bum  torco  de  legoa  abaìxo  para  o  mar  he  costa  alta,  e 
de  calbao  grosso,  e  para  a  terra  he  biscouto  de  vinhas,  e  pomares,  e 
Deste  lugar  acaba  o  termo  da  Villa  de  Sao  Sebastiào. 

58  Defronte  do  dito  biscouto,  e  mela  legoa  ao  mar  estao  dous  Ilheos 
moito  altos,  bum  do  tamanho  de  tres  moios  de  terra,  outro  de  metade 
menos,  e  tao  divididos  entro  si,  que  pelo  melo  passSo  navios,  e  por  en- 
tre  elleSt  e  a  terra  podem  passar  nàos  da  India.  D'estes  Ilheos  para  o 
Leste  correm  por  baixo  d'agua  huns  cachopos  que  fazem  duas  pontas; 
para  OS  navegantes  perigosas,  e  proveitosas  para  os  pescadores  ;  e  lego 
se  descobrem  outros  dous  Ilheos,  que  se  chamuo  da  Mina,  ou  dos  Fra- 
des,  ou  Ilheos  pequenos,  pois  quasi  os  lava,  e  encobre  o  mar  em  tempo 
de  inverno  :  mas  d'aqui  para  o  Sueste  em  diretto  da  liha  de  Sao  Miguel 
corre  mela  legoa  bum  baixo  com  so  quatrocentas  bragas  de  agua  por  ci- 
ma, e  em  partes  so  sessenta;  e  daqui  por  diante  ciuco  legoas  vào  sondo 
OS  baixos  mais  profundos,  e  jà  menos  bravos;  e  dizem  alguns  Pilotos  que 
ehega  oste  baxio  até  a  Uba  de  Sao  Miguel,  por  sinaes  que  tomao  para 
isso,  corno  de  huns  peixes  que  chamao  Cavalas,  que  so  andaoem  pouco 
fiondo,  e  junto  a  calbaos:  o  certo  porém  he  quo  d'aquellas  ciuco  legoas 

atè  S3o  Miguel  se  nao  tem  achado  fundo  em  tal  mar. 

59  Aos  sobreditos  Ilheos,  que  jà  so  huma  legoa  distao  da  Cidade 
de  Angra,  corresponde  a  Uba  em  alta  rocba,  sobre  a  qual  correm  para 
dentro  muitas,  e  boas  terras  de  pao^  e  mais  adentro  bum  lugar  chamado 


32  mSTORIA  INSULANA 

a  Bibeirinha,  Freguezìa  de  Sao  Fedro,  e  de  cento  e  quarenta  vìzinhos  em 
huma  so  companhia,  e  perto  d'este  lugar  està  a  Ermida  de  Santo  Ama- 
ro, de  grande  romagem  da  Cidade,  a  que  fica  jà  mais  perto  ;  e  para  o 
mar  tein  hiima  das  mais  alias  rochas  qne  ha  na  liha,  e  huma  ponta  ao 
mar,  chamada  a  Ponta  Ruiva,  e  em  baixo  huma  enseada  de  calhao  quo 
serve  para  lastre  de  navios;  e  d'aqui  até  a  Cidade  vai  meia  legoa  moito 
fertif  de  terras  de  pào,  e  quintas  muito  rendosas,  e  junto  ao  mar  huma 
boa  bahia,  e  porto  que  chamao  as  Aguas  de  S.  Sebastiao. 

CAPITULO  Vili 

Das  fortalezas  que  cercào  por  mar,  e  terra  a  Cidade  de  Angra, 

60  Ao  dito  porto  das  Aguas  de  Sao  Sebastiao  se  segue  logo  bum 
outeiro,  comò  bum  pequeno  monte,  e  n*elle  huma  Fortaieza,  cercada  de 
muralha,  com  porta  para  a  Cidade,  e  em  cima  dentro  com  casas  para  o 
Capitào,  artilheiros,  e  trinla  soldados,  a  que  vem  render  outros  soldados 
do  outro  Castello  grande,  (de  que  logo  fallaremos)  e  tem  mais  seu  Ar- 
mazem  de  munigocs  de  guerra,  e  huma  cisterna  que  leva  quinhenlas  pi- 
pas  de  agua;  por  dentro  do  alto  d'osta  Fortaleza  desco  abarxo  huma  abo- 
bada,  ou  cuberta  até  Imma  plataforma,  em  que  baie  o  mar,  e  tem  qua- 
torze  pe^as  de  artelharia,  e  quasi  todas  de  bronze,  e  calibro  grande,  que 
nao  so  defendem  o  porto  da  Cidade,  dentro  do  qual  jà  estao,  mas  tam- 
bem  defendem  a  chogada  do  immigos  ao  antecedente  porto  das  Aguas 
de  Sao  Sebastiao,  e  d'aqui  parcce  tomou  està  Fortaleza  o  nome  de  SSo 
Sebastiao;  senao  he  (comò  alguns  dizem)  por  ter  sido  fundada,  ou  refor- 
mada  pelo  bellicoso  Hci  D.  Sebastiao,  de  saudosa  memoria. 

61  Ao  pé  d'csla  Fortaleza,  espaco  de  bum  tiro  de  bésta,  està  bum 
moderado  valle,  que  chamao  Porto  de  pipas,  por  alli  desembarcarem  os 
caraveloes,  ou  barcos  de  duas,  e  tres  velas,  que  ordinariamente  trazem» 
e  levao  pipas  das  outras  Ilhas,  e  ainda  para  a  parte  do  Sul,  ou  mar  he 
costa  de  calhao,  tem  hum  muilo  bom  caes,  e  por  entro  elle,  e  a  terra, 
ou  costa  da  liha  entra  brandamcnte  o  mar,  e  se  recolhem  barcos,  e 
caravelas,  e  às  vezes  alguns  navios,  e  ficao  seguros  da  tempestade  do 
Sueste,  que  quando  corre  forte,  faz  grande  damno  nas  embarcagoes 
anchoradas,  e  se  o  porlo  se  alargasse  para  os  grossos  calhàos,  que  en- 
tro elle,  e  o  mar  vao,  scria  Regio  porto,  e  dos  navios  seguro  estalei- 


LlV.  VI  GAP.  TtU  33 

ro;  mas  havia  vìver  algum  outro  fidalgo  t3o  repnblico  corno  o  grande 
Jo3o  da  Silva  do  Canto,  que  foi  o  que  fez  o  dito  caes  é  sua  custa,  e 
maito  mais  o  póde  fazer  o  Senado  da  Camera  de  Angra,  ainda  que  para 
ISSO  pedisse  algum  subsidio  ao  povo,  e  contratadores  mais  interessados; 
e  eolio  DO  maior  rocio  interior  do  dito  porto  se  poderiao  fabricar  nSo 
so  caraveloes  e  caravelas,  mas  tambem  navios  grandes,  comò  ahi  ji  fl- 
lerao  os  nobres  Cidadaos,  Jo3o  de  Betencor,  e  Nicoiào  Dias,  e  JoaoCor- 
deiro,  e  oulros  muitos  que  no  tal  porto  fizerSo  jà  nao  so  caraveloes,  ca- 
ravelas e  navios,  mas  tambem  duas  nàos  bem  grandes.  Fructuoso  liv. 
0,  cap.  3. 

62  Para  este  porto  ha  hnma  so  porta  da  parte  da  Uba,  que  vem 
descendo  a  iguaiar-se  com  elle,  e  per  caminho  largo,  e  bom;  e  d'este 
porto  para  o  Poente  vai  a  iiha  encurvando-se  para  dentro  com  rocha 
alta,  e  parapeito  por  cima,  e  em  baixo  bum  campo,  que  serve  de  ma- 
tadooro  da  vacca,  que  d'alli  vai  para  os  acougues  da  Cidade,  d'onde  a 
este  campo  vem  huma  ribeìra  que  vai  dar  no  mar,  ainda  mais  baixo,  e 
deixa  sempre  o  matadouro  com  muita  limpeza,  e  com  caminho  em  ro- 
da para  a  Cidade,  e  muraiha  por  cima,  até  dar  na  principal  parte  da 
Cidade,  d*onde  sahe  para  o  mar  huma  larga,  e  boa  calgada,  e  lego  co- 
laefa  a  entrar  pelo  mar  bum  largo,  e  alto  caos  de  cantarla  com  varias 
escadas  para  o  mar,  e  ferros  a  que  se  prendem  os  caraveloes  que  v3o 
e  vem  das  outras  ilhas  carregados,  e  da  mesma  sorte  os  barcos  de  pes- 
car, e  OS  barcos  de  descarga,  e  desembarcos  dos  navios,  sem  ser  neces- 
sario que  mariola  algum  metta  o  pé  na  agua,  pois  tudo  vem  secco,  e  limpo 
acima  do  caes,  que  entra  pelo  mar  bum  bom  tiro  de  espingarda;  e  bum 
tiro  de  mosquete  do  Castello  de  S.  Sebastiào,  e  pouco  menos  do  sobre- 
dito  porto  de  pipas. 

63  Da  dita  principal  porta  da  Cidade  vai  jà  mais  baixo  o  circulo 

d^  Uba  outro  tiro  de  pistola,  a  dar  em  bum  areal,  que  chamSo  a  Praì- 

niHa,  e  tem  porta  grande  para  a  Cidade,  que  cbam3o  o  Portao  da  Prai- 

i^tia,  com  muraiha  da  parte  da  Cidade,  e  aqui  n'este  areal  se  faziSo  tam- 

Ideili  muitos  navios,  e  aioda  galés,  que  defendiSio  as  Ilhas  de  piratas;  e 

%ora  em  tal  areal  so  se  desfazem  navios,  quando  em  alguma  tempestade 

quebrao  as  amarras,  e  vem  a  costa:  com  pouco  entremeio  de  rocha,  e 

^om  0  mesmo  circulo  se  segue  em  baixo  outro  menor  areal  chamado  o 

^orto  Novo,  que  pega  ji  com  a  Fortaleza  grande,  e  celebre  que  chamao 

Q  monte  do  BraziI,  de  que  logo  trataremos;  e  para  o  dito  porto,  ou  por- 

Voi.  u  3 


34  IIISTOIUA  INSIXANA 

tinho  novo,  por  ser  allì  rocha  alta  Ma  Ilha,  Dao  ha  scnao  huma  eslreita 
aberta  por  onde  a  pé  se  desce  abaixo,  e  nao  tem  outra  servontia  para 
a  Cidade. 

CAPITULO  IX 

Da  maior  Fortaleza,  ou  Castello  de  Angra. 

64  Do  dito  porto,  ou  Portinho  Novo,  que  fica  da  parte  do  Nascente, 
continua  a  Uba  para  o  Poente,  cousa  de  bum  quinto  de  legoa,  ou  tiro 
de  bcsta,  e  vai  dar  em  outra  maior  babia,  a  que  cbamao  o  Fanal;  d'este 
quasi  pescoso  da  liba  (que  ainda  nao  be  posto  muito  alto)  vai  subindo  a  Uba 
moderadamente  em  direitura  do  Sul,  e  faz  buma  mais  alta  planicie  em 
cima,  quasi  redonda,  que  teri  meia  legoa  em  circuito;  e  d'este  pescoco 
da  Uba  sabe,  e  se  levanta  buma  cabota  tao  alta,  que  consta  de  quatro 
altos  montes;  bum  que  vai  por  bum  torco  de  legoa  ao  Sul,  inclinando 
ao  Sueste,  e  outro  que  da  parte  do  Poente  vai  para  o  Sul  tambem,  e  indi- 
nando  ao'  Sudoeste  ;  e  de  buma,  e  outra  banda,  com  rocba  sempre  talhada,  e 
altissima  sobre  o  mar,  e  por  entre  estes  dous  montes,  comò  por  entre  as  ore- 
Ibas  de  t3o  grande  cabc^a,  sobe  da  dita  planicie  outro  terceiro  monte,  que 
cbamao  o  das  Cruzes,  e  ja  menos  alto,  mas  que  jà  se  sobe  todo,  e  n3o  ainda, 
scnao  em  caracol,  por  ainda  ser  ingremc  e  bem  alto:  e  d'este  terceiro  monte 
em  direitura  ao  Sul  vai  abatendo  tanto  està  montanba,  que  entre  os  di- 
tos  montes  das  sobredìtas  montanbas  faz  buma  caldeira  t3o  profunda, 
que  dizem  alguns  estar  ao  olivel  com  o  mar,  que  corre  pelo  Nascente, 
e  Poente  dos  dous  montes  ou  orelbas,  corno  se  a  tal  caldeira  fosse  a 
cova  do  ladr9o  d'osta  borrcnda  cabcga;  e  o  fundo  d*esta  cova  tem  mais 
de  moio  de  terra  de  semcadura,  e  fructifera,  e  n'ella  nao  ba  sinal  d^^ 
fogo  algum. 

65  Adiante  da  caldeira  em  direitura  ao  Sul  se  levanta  o  quarto 
monte,  e  na  niesma  altura  dos  prìmeiros  dous,  representando  a  testai 
de  cabeca  tao  monslruosa,  e  todos  os  taes  tres  montes  dianteiros  fazecn 
fronte  ao  Oceano  com  tao  alta,  e  despenbada  rocba,  que  póde  ser  ques* 
tuo,  qual  dos  dous  ao  outro  mette  mais  pavor,  se  o  Oceano  ao  rocheAo, 
se  tal  rocbedo  ao  Oceano.  0  certo  be  que  o  Oceano  sempre  Ibe  Dea  de- 
baixo,  e  mais  supcrior  fica  o  rocbedo,  do  que  profondo  o  Oceano,  e 
oste  cm  baixo  corre  tao  bumiidc,  que  nem  se  sabe  que  de  cima  Ibe  cabisse 
alguma  bora,  nem  que  o  mar  alégora  tirasse  do  lai  rocbedo,  pcdra  a/-    j 


UV.  VI  GAP.  IX  3S 

goma,  e  assim  corre  l9o  limpo  alli  o  mar,  que  passio  as  maiores  nios 
b&SL  JQDto  à  rocba,  e  que  com  todo'o  cuidado  de  n'ella  nem  locar;  pò- 
rem  soccedeo  jà  que  huma  grande  nào  foi  tao  ìmpellida  de  furioso  Sul, 
que  tocou  na  rocba;  e  fez-se  em  pedacos,  sem  tirar  pedalo  d'ella;  e  de 
moitos  homens  que  se  atreverao  a  langar-se  a  rocha,  e  querer  subir  por 
ella,  Guidando  a  seus  pés,  e  mSos  darla  o  temer  azas,  cahirao  despe- 
nbados  tantos,  que  so  bum  (e  conta  dguem  que  outro  mais)  cbegou  fi- 
nalmente onde  escapou»  e  teve  que  contar  toda  a  vida. 

66  Cbegado  pois  o  tempo  em  que  Castella  entrou  no  governo  de 
Portugal,  e  em  que  emfim  entrou  na  Uba  Terceira,  (comò  adjante  di- 
remos)  fez  o  prudente  Felippe  II  tal  conceito  de  quanto  Ihe  importava 
està  Uba,  corno  cabega  das  mais,  e  tal  juizo  do  sobre  descripto  monte 
do  Brasil,  que  lego  lego  tratou  de  fundar  niello  bum  Castello,  que  n3o 
so  Ihe  defendesse  a  Terceira,  mas  ainda  as  mais  ilbas,  ou  as  restaurasse 
30  menos,  se  por  inimigos  fossem  entradas;  e  assim  passado  o  anno  de  1 

1590  e  0  decimo  depois  de  ter  tomado  a  Corea  de  Portugal,  (tempo  i 

em  que  faleceo  o  Doutor  Gaspar  Fructuoso,  anno  de  1591,  quando 
ainda  d'està  Fortaleza  n3o  podia  dìzer  mais)  entao,  baveri  124  annos 
pouco  mais  ou  menos,  sendo  nomeado  para  Governador  da  dita  Forta- 
leza bum  Castelbano,  cbamado  D.  Antonio  de  la  Puebla,  e  Bispo  deAn- 
gra  D.  Manoel  de  Gouvea,  por  ambos  foi  lan^ada,  e  com  grande  festa 
e  assistencia,  a  primeira  pedra  da  tal  Fortaleza  ;  e  be  muito  de  notar 
qne  bouve  logo  alli  quem  exclamou,  e  disse  que  n'ella  fundavao  bum 
grìlhao  para  toda  aquella  Uba,  etc,  e  o  tempo  depois  mostrou  (corno 
ver^QAOs)  quanto  este  dito  parece  ter  sido  buma  profecia. 

62  Cometa  pois  da  parte  da  Uba  a  entrada  para  està  Fortaleza  em 
boma  Ermida  de  Nossa  Senbora  da  Boa  Nova,  que  tem  seu  Hospital 
para  os  doentes  soldados  do  Castello,  e  com  agua  dentro,  e  cerca  ca- 
paz  de  tudo,  e  em  dìstancia  do  Castello  bum  tiro  de  mosquete;  adiante, 
e  poaco  mais  de  bum  tiro  de  espingarda,  està  buma  fonte  perenne  com 
seu  chafariz,  bicas,  e  tanque,  agua  boa  de  que  ordinariamente  bebé  a 
gente  do  Castello,  e  tem  casa,  e  guarda  do  Castello,  e  assentos  com  bella 
vista;  e  d'aqui  cometa  jé  a  subir  a  Uba,  mas  moderadamente,  (por 
aquelle  seu  pescoso  que  fica  entro  o  Porto  Novo,  e  o  do  Fanal  acima 
ditos)  até  das  em  bum  grande  fosso  de  muitas  cavas  quadradas,  e  roui 
fundas,  abertas  ao  picao,  que  entro  si  se  dividem  com  paredes  de  dous 
palmos  de  grossura,  e  pedrarìa,  até  i  fatai  muralha  da  Fortaleza  que 


3G  1IIST0RTA  INSUrjlNA 

assim  fica  inacessivcl;  mas  ainda  mais  o  ficaria,  (dizem  muitos)  se  o  tal 
fosso  se  cavasse  tanto  (corno  se  póde  fazer)  que  o  mar  passasse  do  Porto 
Novo  ao  Fanal,  pois  he  distancia  breve,  (còrno  acima  vimos)  e  ficarìa  a 
grande  Fortaleza  feita  huma  segimda  liha;  mas  se  convem  tal  fazer-se» 
là  0  veja  quem  mellior  o  entende,  pois  nao  póde  viver  milito  o  corpo, 
a  quem  pelo  pescogo  cortao  a  cabega;  e  a  serventia  até  agora  se  reme- 
diou  com  larga,  e  forte  ponte  de  madeira  que  vai  sobre  o  fosso  para  a 
muraiha,  e  acaba  com  grande  alcap3o  de  porta  levadica,  que  per  cor- 
rentes  de  ferro  se  levanta  por  toda  o  noite  inteira,  e  com  fataes  gnar- 
das  sempre,  e  perpetuns  sentinellas. 

68  Segue-se  pois  a  muraiha,  que  por  aqui  corre  entre  Nascente  e 
Poente,  e  para  elles  com  algum,  mas  pouco  circulo,  e  toda  do  pedra  e 
cai,  e  tufo;  e  he  tao  alta,  que  ainda  aonde  os  fossos  jà  nSo  cheg3o,  (por 
abater  multo  a  terra  os  ditos  dous  portos.  Novo  e  Fanal)  nem  ahi  sua 
altura,  e  seu  solo  he  capaz  de  escadas  Ihe  chegarem;  e  juntamente  he 
ilo  larga,  que  passa  de  doze  palmos  de  largura,  e  em  cima  tio  incli- 
nada,  e  tao  liza  para  fora,  que  caso  negado  que  acima  se  chegasse  de 
fora  com  escadas,  ainda  d*ellas  para  dentro  diflìcilimamente  poderia  al- 
guem  saltar,  sem  que  o  derrubasse  qualquer  homem  que  de  dentro  es- 
tivesse;  porque  da  banda  de  dentro  he  o  terrenho  de  tufo,  e  t9o  alto,  qua 
jé  por  dentro  nSo  passa  a  muraiha  do  peito  de  hum  homem,  com  que 
fica  a  Fortaleza  incapaz  ale  de  minns,  e  de  se  Ihe  abrir  brecha;  e  so  pelo 
ar  com  bombas  se  Ihe  póde  fazer  damno,  cousa  que  ha  menos  annos  se 
inventou;  e  nem  padrastos  tem  perto  de  si,  d'onde  possa  artelharia  pre- 
judicar-Ihe  multo:  e  assim  corre  està  muraiha  desde  o  Porlo  Novo,  e  Oriente 
até  0  do  Fanal  da  banda  do  Occidente. 

G9    No  melo  d*esla  distancia,  e  immediatamente  aos  fossos  sobre-^ 
ditos  està  a  soberba  porta  do  levadiQO  porlao,  e  por  ella  se  entra  err^ 
hum  tal  corpo  de  guarda,  que  duzentos  homens  armados  cabem  n*ell^  . 
e  he  de  alla  abobada  por  cima,  sobre  a  qual  corre  o  solo  de  tufo  juntjo 
a  muraiha,  e  debaixo  corre  o  dito  corpo  da  guarda,  com  calaboucos  tev^ 
riveis,  golinhas  de  soldados  a  ellas  condemnados,  e  outros  instrumentos 
de  castigos  militares;  e  acaba  o  corpo  da  guarda  com  outra  grande 
porta,  pela  qual  se  entra  em  huma  grande  praca,  que  de  comprìmento 
tem  hum  tiro  de  mosquele  de  Leste  a  Oeste,  e  de  largura  hum  bom  tiro 
de  espingarda  de  Norie  a  Sul,  alò  comefar  a  levantar-se  o  monte  das 
Cruzes,  que  tem  adiantc  cm  direilura  a  profunda  caldeira  sobredita»  9110     . 


LIV.  VI  GAP.  IX  37 

acaba  com  o  quarto  monte  da  altissima  rocha  para  o  mar  do  Sul,  a  que 
lodo  acompanhao  os  outros  dous  montcs,  que  correm  pelo  Nascente,  e 
Poente. 

70  A  dita  praca  ou  terreiro  d'està  Fortaleza  tem  logo  ao  entrar,  e 
para  o  Oriente,  Imma  Igreja  que  tem  seu  CapellSo  mór  com  boa  con- 
grua d'cl-Beì,  e  Oca  do  Norte  amparada  nao  so  com  o  mais  alto  solo 
quo  por  cima  corre  junto  à  muratila,  mas  tambem  com  està  mesma,  sem 
poder  receber  damno  de  fora;  para  a  parte  do  Sueste  est3o  huAas  taes 
cisiemas,  que  levSo  tres  mil  pipas  de  agua;  e  voltando  para  o  Poente, 
antes  de  chegar  aos  pés  dos  montes,  està  jà  bem  comecada  segunda,  e 
somptuosa  Igreja,  que  parou  por  muitos  annos,  e  talvez  que  ainda  n3o 
esteja  acabada;  e  adiante  duella,  e  para  o  mesmo  Poente  correm  tanta$ 
mas,  ou  quarteis  de  casas  de  pedra  e  cai,  e  dous  sobrados,  que  podem 
alojar  quinhentos  soldados,  e  ordinariamente  tem  trezentos  vìzinhos,  e 
n*eiies  quasi  toda  a  casta  de  ofDciaes,  e  casaes  inteiros;  e  correndo  para 
o  Norte  se  segue  o  Nobre  Palacio  dos  Governadores  do  Castello,  que 
fica  com  a  frontaria  para  o  Nascente  defronte  da  primeira  e  ahtiga  Igreja 
e  sobre  o  grande  Rocio,  vendo  os  exercicios  de  guerrra  que  n'elle  se 
fazem;  e  ainda  outro  menor  Rocio  corre  de  Palacio  para  ó  Poente,  e  he 
tio  nobre  este  Paco,  que  nelle  morou  annos  o  Senhor  Rei  D.  Àffonso 
VI  e  n'elle  mais  que  em  Lisboa  odeo  por  seguro  de  infieis  alvitres  seu 
irm3o  0  Senhor  Rei  D.  Pèdro  II. 

71  Continuando  pois  com  a  muralha  (que  nunca  despega)  vai  ella 
por  diante  da  parte  do  Norte  dobrando  para  o  Sul,  e  descendo  sempre 
janto  ao  sobredito  Porto,  ou  Portinho  Novo,  e  jà  d'aqui  por  diante  vai 
sobre  o  mar,  ou  porto  grande,  e  bahia  da  Cidade,  e  vai  muralha  mais 
baìxa,  para  melhor  assestar  a  artelharia  aos  navios,  e  he  muralha  tam- 
bem de  cantarla,  e  tufo,  a  quem  faz  costas  a  penha  continuada  do  alto 
monte,  e  por  cima,  junto  à  muralha,  n3o  so  vai  caminho  largo,  e  aberto 
Ila  rocha  ao  picùo,  mas  tambem  em  algumas  partes  v3o  pedacos  de  vi- 
Bha  bem  plantada,  que  form3o  suas  Quintinhas  de  grande  recreacSo,  e 
com  algumas  arvorcs,  e  suas  pequenas  fontezinhas,  e  de  excellente  agua 
dece;  diegada  està  murailia  hum  tergo  de  legoa  ao  mar,  em  direitura  do 
Sol,  aonde  està  hum  Forte  de  multa,  e  muito  grossa  artelharia  de  bron- 
tt,  assim  de  alcancar  ao  longe,  corno  de  baler  ao  perto,  e  com  casa 
n'elle  de  soldados,  e  munigoes,  e  sua  fontinha  de  agua  doce;  e  aqui  co- 
^eca  aquella  rocha  altissima,  e  talhada  ató  o  mar.  E  a  este  Forte  chamSo 


38  HISTOWA  INSCLANA 

0  Forte,  6u  Ponte  de  Santo  Antonio  ;  e  porque  d'este  Forte  de  Santo 
Antonio  faz  jà  mencao  Fructuoso  liv.  C  cap.  3,  antes  de  Felippe  entrar 
em  Portugal,  segue-se  que  foì  fundado  multo  antes  pelos  Portuguezes 
Reìs,  e  que  primeirosechamou  toda  este  Fortaleza  ade  Santo  Antonio»  e 
depois  se  chamou  de  Sao  Felippe,  por  Felippe  II,  a  acabar,  e  refonnar, 
e  hoje  se  chama  de  SUO  Joao  Baptista.  por  o  Resteurador  de  Portugal, 
0  Senhor  Rei  D.  Joao  IV,  a  conquistar,  e  restaurar. 

72  Continuemos  pois  com  a  muralha,  que  deixamos  no  canto  que 
da  outra  parte  fica  olhando  para  o  Occidente,  e  caminhando  tambem  para 
0  Sul  sobre  o  porto  do  Fanal,  e  continua  ainda  sempre,  e  talbada  em 
rocha  viva  até  a  outra  ponta  do  Sul  por  baixo  do  segundo  monte,  caja 
penta  se  chama  o  Zimbrciro,  e  aqui  est«^  outro  Forte  com  tante,  e  tao 
boa  artelbaria.  comò  o  da  Ponte  de  Santo  Antonio,  que  da  parte  do 
Oriente  Ihe  corresponde,  e  tanto  jà  para  o  Sul,  e  em  tal  corresponden- 
cia,  que  ji  nao  pode  passar  navio  algum  de  huma  parte  a  outra,  sem 
cahir  nas  balas  de  bum,  e  outro  Forte;  neste  do  Zimbreiro  està  huma 
moderada  lapa,  de  cuja  naturai  abobada  està  sempre  gottejando  boa  agua 
doco  em  bum  ìanque  inferior,  que  n'elle  faz  igual  fonte  para  este  Forte, 
do  que  a  do  Forte  de  S.  Antonio. 

73  Em  seu  circuito  tem  este  muraiha,  em  a  altissima  rocha  do  Sul, 
tem  huma  boa  legoa,  e  toda  he  tao  inaccessivel,  que  junto  à  porte  prìn- 
cipal  sahe  fora  com  deus  baluartes,  e  n'elles  tees  pedreiros  de  bronze, 
de  huma,  e  outra  parte,  qne  Ihes  nao  póde  escapar,  quem  temerariamen- 
te quizes^  investir  a  porte;  e  além  d'isso  tem  lego  em  o  fùndo  da  mu- 
ralha quatro  postigos  falsos  com  interior  via  de  abobada  para  o  alto  de 
dentro  da  Fortaleza;  e  em  o  restante  da  muralha  que  està  sobre  a  Cìda- 
de,  até  além  do  Portinho  novo,  vao  em  baixo  algumas  plateformas  com 
fortìssìmos  Pedreiros,  e  interìores  casamates,  e  vias  para  cima;  mas  da 
parte  do  Occidente,  e  ]à  sabre  a  bahia  do  Fanal,  nao  vao  jà  em  baixo 
plateformas,  mas  a  muralha  porieima  até  o  Zimbreiro,  e  sempre  telhada 
até  0  mar,  e  por  cima  artelbaria,  espccialmente  de  alcance  para  os  na- 
vios,  que  nem  chegar  pcssao  ao  perto. 

74  Finalmente  tem  este  Forteleza  cento  e  sessente  pe(as  de  arte- 
lbaria, repartidas  todas  pela  jà  dite  muralha,  e  entre  ellas  canhoes  de 
quarente  e  oito  de  calibre,  e  huma  ainda  maior  peca,  e  muito  celebre, 
a  que  chamao  a  Malaca,  mais  comprida,  e  mais  grossa  com  excesso  ;  e 
este  artelbaria  quasi  toda  he  de  bronze;  Jtem  mais  de  quinhentes  pracas 


,  LIV.  VI  CAP.  X  39 

de  soldados»  e  bum  Auditor  de  letras,  quo  com  o  Goveruador  os  julga 
a  todos;  tem  todas  as  municoes  de  guerra;  tem  agua,  e  lentia  dentro  em 
abundancia;  e  até  pedreiras  de  pedra  de  cantarla;  e  além  de  estar  sem- 
pre bem  provida  de  mantimentos,  e  ter  seis  atafonas  dentro»  e  muita 
caca  de  loda  a  sorte,  e  pudera  ter  gados,  de  cabras,  e  ainda  de  vaccas, 
assim  corno  tem  de  peixe,  se  houvesse  mais  providencia  em  os  Gover- 
nadores,  comò  ha  em  a  vigia,  pois  até  em  o  mais  alto  monte,  sobre  o 
Forte  de  Santo  Antonio,  tem  bum  Facheiro,  ou  Atalaya  com  sua  casa^  e 
soldo,  e  dous  pilares  altos,  bum  para  a  parte  do  Nascente  até  o  Sul  se 
vigiar,  ontro  para  divisar  do  Sul  até  o  Poente;  e  da  parte  d'onde  appa- 
recem  alguns  navios,  e  poem  outros  tantos  sinacs,  ou  facbos  embandei- 
rados  ;  se  porém  apparecem  mais  de  sete,  poem-se  huma  so  bandeìra 
grande,  e  de  guerra,  e  entao  a  Fortaleza  dispara  peca  de  leva  a  recolher 
08  soldados  que  andarem  fora,  e  a  Cidade  toca  a  rebate.  EmRm  que,  se 
se  quizessem  dizer  as  particularidades  d'està  inexpugnavel  Fortaleza,  se- 
ria nunca  acabar;  e  assim  basta  dizerem  eruditos,  quo  nao  se  sabe  haver 
em  loda  a  Europa  Fortaleza  mais  inconquistavel,  que  osta  da  Uba  Ter- 
ceira,  cbamada  o  Castello  de  Angra. 

CAPITULO  X 

Da  famosa  Cidade  de  Angra^  e  seu  nome. 

Iti    Descuberta  a  Uba  Terceira  pelos  annos  de  1446  ha  quasi  du- 

bentos  e  setenta  annos,  e  descuberta  pelos  mareantes  que  vinhSo  das 

Ilbas  de  Cabo  Verde,  e  pela  banda  do  Norte  no  posto  chamado  Quatro 

Ribeiras,  enlSo  dos  que  aiti  ficarao,  passarao  alguns,  quatro  legoas  abai- 

20  para  o  Sul,  e  derao  na  bahia  que  acharSo  junta  ao  monte  do  BrasiU 

6  alli  fizerao  sua  tal,  ou  qual  povoagao,  e  Ihe  chamarSo  Angra,  por  ser 

estylo  antigo  de  mareantes,  e  descubridores,  que  és  melborcs  bahias  que 

achavSo,  cbamavao  Angras,  comò  se  le  muitas  vezes  em  Joao  de  Barros; 

dos  outros  primeiros  povoadores,  que  entrarao  em  as  quatro  Ribeiras, 

se  passar3o  outros  para  a  banda  do  Oriente,  e  derao  em  huma  grande 

praia  de  area,  com  multo  terrenho  à  roda  plano,  muita  agua,  e  capaz  de 

em  breve  cultivar-se,  e  alli  fizerSo  tambem  suas  povoa^oes  comò  pude- 

rao.  Qual  porém  d'estas  duas  povoagoes  fosse  primeiro  que  a  outra,  isso 

lìao  consta;  e  so  consta,  (comò  tocamos  acima  cap.  G)  que  Angra  nunca 


40  insToniA  insulana 

à  Praia  foi  sngcita,  e  primeiro  foi  Villa  do  que  a  Praia;  pois  da  sua  pri* 
ineira  vitorìa  dos  Caslelbanos  maDdou  logo  a  nova  a  Àngra,  comò  a  sua 
cabeca:  e  ainda  que  o  unico  Capilao  de  loda  a  Ilha  (Jacome  de  Bruges) 
residia  o  mais  de  tempo  em  a  Praia,  isso  era  por  ter  là  terras  para  si 
tomadas,  e  n3o  por  ser  a  Praia  cabeca  de  loda  a  Uba,  pois  està  logo  se 
divìdio  em  duas  Capitanias»  e  o  Cortereal  foi  o  que  escolbeo  das  duas, 
e  a  de  Angra  Tui  a  que  escolbeo. 

76  Tambem  quando  fosse  creada  Villa  Angra,  tambem  nSo  consta» 
(que  eu  saiba)  e  parece  o  foi  logo  ao  principio  pela  voz  do  povo,  e  com 
consenso  tacito  dos  Reis  ;  mas  consta  quando  foi  levantada  ao  foro  de 
Cidade,  pois  em  sua  bistoria  diz  Guedes  cap.  7,  que  por  El-Rei  U.  Joao  ID, 
foi  Angra  feita  Cidade  em  H  de  Agosto  do  anno  1333,  ba  mais  de  cento 
6  oitenta  annos,  e  bavendo  jà  cento  e  sete  que  a  dita  liba  Terceira  era 
descuberta;  mas  da  Madeira  o  FuncbaI  bavia  ja  mais  de  vinte  annos  que 
era  feito  Cidade  por  El-Rei  Dom  Manoel  em  1508  bavendo  quasi  noventa 
que  tinba  sido  descuberta  por  Joao  Goncalves  Zargo  em  1419,  porém 
Penta  Delgada  em  Sao  Miguel  foi  feita  Cidade  em  15iG  treze  annos  de- 
pois de  0  ser  Angra,  e  pelo  mesmo  Rei  D.  Jouo  III. 

77  Comeca  pois  Angra  com  a  sua  babia  sobre'iita,  que  Qca  entro  a 
Castello  de  Sao  Sebastiao,  ou  Porto  de  pipas,  da  parte  do  Oriente,  e  o 
outro  Castello,  ou  praga  grande  de  Suo  Joao  Baptista,  que  so  distilo  bum 
pequeno  quarto  de  legoa  entro  si,  e  outro  quarto  até  a  Cidade,  e  he  ba- 
l)ia  capaz  de  grandes  frotas  que  se  recolhem,  o  provém  alli  com  toda  a 
seguranca  de  quaesquer  inimìgos,  pela  tanta,  e  tao  proxima  artelharia  \ 
de  buma,  e  outra  banda  ;  e  o  ancboradouro  be  limpo  de  cachqpos,  d 
bancos  de  area,  e  firmSo  n'elle  as  andìoras  tao  seguramente,  que  nunca 
arrastSo,  e  su  quebrando,  desemparao  o  navio  ;  fica  porém  este  porto^ 
em  direitura  ao  Sueste,  a  quem  cbamao  là  o  vento  Carpinteiro,  porqud 
algumas  vezes  he  tao  rijo,  que  se  as  amarras  nSo  sao  boas,  e  de  bom 
fio,  as  fóz  arrebentar,  e  dà  com  a  embarcaQuo  no  areal  da  Prainba,  oa 
no  Porto  Novo,  e  sempre  a  gente  se  salva,  e  ainda  parte  da  carga;  sendo 
que,  ainda  até  em  rios,  corno  no  Tejo,  e  no  Douro,  muitas  vezes  se  per-^ 
dem  embarcacoes  sem  se  salvar  cousa  dellas,  e  outras  vezes  acontece^ 
que  0  mesmo  dono,  Mestre,  ou  Capitao  do  navro,  por  se  livrar  a  si  d^ 
dividas  que  lem  tornado  sobre  elle,  u  deixar  perder,  e  para  isso  talve*^ 
chcga  a  dar-lhe  furo  secreto,  e  eiilao  faz  maior  naufragio,  perdendo  a 
propria  alma. 


LIV.  VI  CAP.  X  41 

78  Termina-se  oste  grande  porto  com  o  jà  descripto  caes,  que  co- 
meta a  sabir  da  principal  porta  da  Gidade,  em  que  està  corpo  de  guar- 
da, e  casas  por  cima  de  soldadesca  paga,  e  perpetua  ;  ao  entrar  da  CU 
dade,  à  mio  esquerda,  està  a  Real  casaria  da  Airandega  com  terreiro 
ladrilhado  de  cantarla,  e  muraiha  sobre  o  mar,  capaz  de  artelharia»  e 
aqoi  he  o  passeio,  principalmente  dos  bomens  de  negocio,  e  Mestres  dos 
navios,  com  boa  vista  d'elles,  e  do  porto  todo  :  a  dita  Alfandega,  além 
dos  seus  Tribunaes,  tem  grandes  despejos,  e  armazens  para  todo  o  de- 
sembarco  de  navios,  de  Frotas,  e  de  Armadas,  e  para  o  provimento  ne- 
cessario: à  mao  direita  se  alarga  bum  terreiro  de  calgadacom  humcba- 
fariz  no  meio,  allo,  e  de  muitas  bicas  de  doce,  e  boa  agua»  e  ainda  mais 
a  mao  direita  volta  sobre  o  mar,  e  ao  pé  da  rocha  da  Uba,  junto  à  mu- 
raiha de  baixo,  bum  capaz  caminho,  e  quasi  rua  que  ebega  ao  matadou- 
ro;  mas  nem  se  communica  n'este  baixo  com  o  Porto  de  pipas,  e  menos 
com  0  Castello  de  S.  Sebastiao. 

79  Do  sobredito'chafariz  do  porto,  correndo  de  Sul  para  o  Norte, 
vai  buma  rua  tSo  larga,  e  tSo  direita,  e  t3o  unida,  e  nobre  casaria,  que 
por  antonomasia  se  chama  a  rua  Direita,  e  de  cada  banda  vai  ladriiho, 
que  tem  de  largo  cada  bum  tres  pedras  de  cantarla,  por  onde  costuma 
ir  a  gente  que  anda  a  pé,  e  pelo  meio  ainda  vai  tao  larga,  e  boa  calga- 
da,  qae  a  gente  que  por  ella  anda  a  cavallo,  ou  em  carruagem,  nao  se 
eocontra  buma  com  outra,  ebega  està  rua  com  bastante  comprìmente  à 
praca  da  Cidade,  e  na  mesma  direitura  torna  a  continuar  da  outra  parte 
da  pra^a  até  outro  alto  chafariz  de  muitas  bicas,  a  que  cbam3o  o  Cha- 
fariz  do  Collegio,  por  o  da  Companhia  de  Jesus  Ibe  flcar  da  banda  do 
Poente  ;  e  ainda  a  rua  vai  com  a  mesma  direitura,  e  casaria  até  o  Paco 
do  Marquez  de  Castello  Rodrigo:  do  mesmo  porto  outra  vez  toma  a  sa- 
hir  outra  rua,  cbamada  de  Santo  Espirito,  que  da  mesma  sorte  vai  dar 
quasi  junto  a  mesma  praga,  e  da  banda  do  Poente:  da  banda  do  Orien- 
te vai  terceira  rua,  chamad^  de  SSo  Joao,  desde  o  portao  do  Porto  da 
Prainha,  e  t3o  larga,  tao  direita,  e  t3o  ladrilhada,  e  calgada,  comò  a  pri- 
meira  rua,  cbamada  Direita  ;  lego  mais  adiante,  e  da  mesma  banda  do 
Poente  corre  tambem  a  quarta  rua  do  mesmo  mar,  ou  do  Sul  para  o 
Norte,  que  cham3o  da  Palha,  sondo  que  n!alla  nSo  ba  casa  alguma  de 
palha,  nem  terreira  alguma,  ou  desunida,  mas  teda  tao  fechada  de  casa- 
ria,  tao  ladrilhada,  e  direita,  comò  as  suas  parallelas  sobreditas  ;  e  do 
mesmo  modo  mais  avante  corre  desde  o  Sul,  rocha,  ou  muraiha  do  mar. 


42  HlSTOniA  INSULANA 

corre,  digo,  quinta  rua,  que  neste  principio  be  moito  larga,  até  detraz 
da  Sé,  chamada  a  ma  de  Saiinas,  mas  continua  mais  estreita,  e  diretta 
com  casaria  unida  pela  banda  so  do  Oriente,  e  pela  banda  do  Poente 
Ibe  Oca  o  grande  vao  da  Sé,  de  quo  fallaremos. 

§0  Da  mesma  parte  do  Poente,  tambem  do  Sul  para  o  Norte,  corre 
a  rua  chamada  dos  Cavallos,  por  d'estes  se  fazerem  todos  os  aunos  fes- 
tas  Da  tal  rua,  que  he  capaz  d'isso,  e  por  isso  nem  be  lageada,  nem  cai- 
cada,  mas  de  terreiro  seu,  e  plano,  e  comodando  desde  a  muralba  do 
mar,  a  que  especialmente  chamao  a  Rocha,  e  com  bum  Chatariz  para 
dentro  da  Gidade,  continua  està  rua  bem  comprida  para  o  Norte,  pas- 
sando pelo  pé  do  AIjube,  e  Pa(os  do  Bispo,  vai  parar  defronte  do  Hos- 
teiro  das  Freiras  da  Esperanga.  Citava  rua  corre  da  sobiedita  rocha  do 
Sul  para  o  Norte,  e  se  dian^a  a  rua  de  Jesus,  muito  comprida,  e  bas- 
tantemente larga;  e  do  mesmo  modo  corre  adiante,  jà  desde  o  Portinho 
Novo,  e  do  Sul  para  o  Norte  a  nona  rua,  chamada  dos  Canos  Verdes, 
e  vai  parar  ja  defronte  do  campo,  a  que  chamao  a$  Covas,  junto  ao  Ck>n- 
vento  de  Nossa  Senhora  da  Gra^a;  em.  decimo  lugar  vao  ainda  varias 
ruas  com  menos  ordem  desde  o  cimo  do  Portinho  Novo  para  o  Norte, 
as  qaaes  chamao  o  Quarte),  por  aqui  se  alojarem  os  soldados  do  Cas- 
tello grande,  quando  nelle  todos  n3o  moravao;  e  vai  parar este Quartel 
pela  banda  do  Castello  à  Boa  Nova,  e  mais  por  baixo  ao  Convento  das 
Freiras  de  S.  Gongalo,  até  o  dito  Campo  das  Covas,  tudo  jà  Fronteiro 
do  Castello,  com  so  a  companha  de  entremeio,  de  bum  bom  tiro  de 
mosquete. 

81  Tornando  agora  à  praca  da  Gidade,  d'ella  sahe  huma  larga,  bem 
direila,  e  a  mais  comprida  rua,  a  que  vem  desembocar  as  dez  sobredi- 
tas  mas,  que  vem  do  Sul  para  o  Norte;  a  que  està  fatai  rua  undecima 
corta  de  Oriente  a  Poente;  e  para  a  parte  do  Sul  tem  quasi  no  melo  a 
dita  Sé,  e  a  rua  da  Sé  se  diz;  e  para  a  parte  do  Norte  tem  o  Convento 
de  Freiras  da  Esperanca,  e  no  topo  em  cima  acaba  com  o  campo  das 
Covas  de  huma  parte,  (que  dà  tambem  nome  à  rua)  e  da  outra  o  Con- 
vento dos  Gracianos;  e  logo  da  parte  d'elles  està  bum  grande  Chafariz 
de  bicas,  e  tanque,  e  de  exceliente  agua;  e  d'aqui  cometa  bum  bairro 
da  Gidade,  chamado  Sao  Fedro,  que  dà  o  nome  à  ma,  d'onde  logo  ao 
principio  sahe  bum  vistoso,  e  bcun  comprido  caminho  para  o  Castello 
grande,  e  sem  mais  casa  alguma,  que  da  parte  do  Oriente  a  cerca,  e 
Convento  de  Sao  Gonzalo,  e  da  parte  do  Poente  campina  de  hortas,  e 


iiv.  VI  CAI».  X  43 

searas  até  a  bahìa  do  Fonai,  vista  mui  recreativa,  e  aiegre:  mas  a  rua 
de  Sao  Fedro  continua  dircita  ao  Poente,  ale  a  porta  da  Cidade,  que  se 
diz  Santa  Gatliarina,  distancia  de  tiro  de  lium  grande  mosquete,  ou  es- 
merilhào;  porém  da  parte  das  bortas  tambem  nao  tem  casaria,  mas  da 
parte  do  Norte  a  tem  cóntìnuada,  e  boa,  e  com  algumas  Quintas  Qara  o 
Norie,  qne  quanto  para  o  Sul,  no  meio  desta  rua  sabe  l)um  caminho 
plano,  e  largo,  e  boas  carreiras  de  cavallo  até  a  balna  do  Fanal,  d'onde 
sahem  algumas  ruas  com  casas  terreiras,  mas  de  talba,  e  as  mais  de 
pescadores. 

82  Deixo  as  travessas  perque  {se  communicao  estas  ruas,  porque 
desde  junto  a  Àlfandega,  e  porta  da  Cidade,  vai  logo  buma  tal  rua  de 
Oriente  a  Poente,  que  ebega  diretta  ao  Quarte!  do  Castello  grande,  e 
ainda  se  reparte  para  a  Rocba,  e  Portinho  Novo;  e  outra  travessa  vai 
por  delraz  da  Sé  até  Sao  Concaio:  e  até  da  grande  rua  da  Sé  indo  bu- 
ina travessa  para  a  Portaria  das  Freiras  da  Esperanga,  volta  em  bama 
])oa  rua  para  o  Oriente,  a  qual  por  isso  se  chama  a  rua  da  Esperanga, 
e  vem  dar  em  outra  travessa,  muito  larga,  e  formosa  que  tambem  sabe 
da  rua  da  Sé,  e  volta  continuando  em  direito  da  rua  da  Espeiaiga  com 
a  rua  dos  Estudos,  que  Ibe  ric3o  da  parte  do  Norte,  com  o  pateo  dos 
Estudantes,  e  o  Collegio  da  Companbia,  e  o  terreiro  da  sua  Igreja,  até 
dar  està  ma  em  o  Cbafariz  que  està  acìma  da  praga,  e  abaixo  dos  Pa- 
tos do  Marquez;  e  daqui  vai,  jà  mais  por  cima,  outra  larga, e  taocom- 
prida  rua,  de  casaria  continuada  de  buma,  e  outra  parte,  que  vai  aca- 
bar  na  Graca,  e  nas  Covas,  onde  acaba  a  d.)  Sé,  e  ambas  ornando  muito 
0  terreiro  do  Convento;  e  està  rua  de  cima  se  cbama  a  rua  do  Rego. 

83  E  aquella  larga  travessa,  que  da  rua  da  Sé  vem,  e  reparte  as 
daas  ruas  da  Esperanga,  e  dos  Estudos,  d'aqui  na  mesma  largura  vai 
subindo  sempre  ao  Norte,  cortando  a  rua  do  Rego,  e  chega  até  Santa 
Luzia,  Parochial  que  fica  bem  em  cima;  e  està  ladeira  se  cbama  a  Mi- 
ragaya,  a  que  em  o  alto  cerca  o  bairro  cbamado  de  Santa  Luzia,  que 
por  cima  da  Cidade  tem  muitas  outras  ruas,  que  por  brevidade  deixo  ; 
e  tambem  tem  seu  Cbafariz  da  mesma  boa  agua  da  Cidade;  ao  redor  da 
qual  vai  por  cima  este  bairro  entestar  com  o  Castello  de  Sao  CbristovSo, 
(de  que  abaixo  fallaremos)  e  ebega  a  partir  com  o  bairro,  e  Parocbia  de 
S.  Bento,  comò  veremos  logo. 

84  A  praga  pois  que  deixamos  be  bum  Rodo  mui  plano,  e  muito 
direito,  em  que  se  fazem  os  exercicios  da  milicia,  e  se  correm  todos  os 


44  HISTOBIA  INSULANÀ 

annos  touros,  tranqueiradas  as  mas  que  à  praca  vem.  Niella  cstSo  os 
Pa(os  do  Senado  da  Camera,  e  do  Tribunal  da  Justica,  e  Audiencia  gè- 
ral,  e  as  cadeas,  e  «nxovias  por  baixo,  e  no  meio  huma  alta  torre  de 
cantaria,  e  em  cima  os  sinos,  e  relogio  da  Cidade,  com  nobre  mao  para 
^óra,  .que  sempre  mostra  as  horas  que  sao;  e  por  baixo  d'està  torre  as 
casas  do  Carcereìro,  e  prczos  menos  culpados,  e  mais  nobres;  e  no  canto 
para  o  Norte  està  o  acougue  commum  da  Cidade.  Detraz  d'este  edificio 
vai  bum  pequeno  campo  iadeirento,  por  parte  do  qual  desoB  buina  boa 
ribeira,  que  vai  lavando  as  cadeas,  e  por  baixo  da  praga  em  abobada 
passa  0  entremqio  da  rua  direita,  e  Santo  Espirìto,  e  vai  despejar  ao 
mar.  E  aiQrma  Guedes  em  sua  bistorìa,  que  os  da  govemanca  da  Cida- 
de fizerao  està  pra^a  em  1610,  e  em  1611,  levantar3o  os  sobreditos 
Pa^os,  torre,  e  cadeas,  e  gastarSo  nove  para  dez  mil  cruzados,  que  mais 
em  dobro  custariao  hoje;  e  devem  alargar  mais  para  traz  o  edificio  da 
publica  Audiencia,  e  da  Camera,  inda  que  seja  comprando  alguma  morada 
de  casas,  por  ser  assim  necessario  ao  bem  commum,  e  à  decencia. 

85  Da  parte  do  Sul  cerca  a  està  pra^a  nobre  casaria,.  e  da  mesma 
sorte  da  parte  do  Occidente;  da  parte  do  Norte  corre  o  largo  corpo  da 
Guarda  da  Cidade,  baixo,  e  alto;  e  logo  se  segue  huma  celebre  Ermida 
de  Nossa  Senhora  da  Saude,  ao  depois  da  qual  sahe  da  mesma  praca 
huma  travessa  que  so  chama  a  da  Saude,  e  vai  dar  no  Cbafariz  que  està 
junto  ao  Collegio;  e  na  outra  quina  da  travéssa  se  segue  a  casa  da  poi- 
vora  da  Cidade,  com  interior  cerca  dentro,  que  vai  por  dentro  topar  em  a 
grande  cerca  dos  Frunciscanos;  e  na  fronteira  da  Pra^a  se  seguem  ainda 
algumas  casas  que  acabao  defronte  do  Paco  da  Audiencia,  entre  a  qual, 
e  as  ditas  casas  saho  da  mesma  praga  para  o  Poenle  huma  larga,  e  su- 
bida  calcada  para  o  terreiro  de  Sao  Francisco,  com  o  muro  de  sua  lar- 
ga cerca  da  parto  do  Norie,  e  outro  muro  da  parte  do  Sul,  por  baixo 
do  qual  vem  a  sobredita  libeira,  que  passa  peias  cadeas;  e  porque  estas 
ficao  da  parte  do  Nascente  olhando  para  o  Poente,  por  isso  d'asta  par- 
te, e  na  parede  das  casas  que  alli  estao,  fica  bum  Oratorio  allo,  e  com 
alias  portas,  que  nos  dìas  Santos  de  guarda  se  abre  de  manhaa,  e  n'elle 
bum  Capcltao  dìz  Missa,  a  que  assìstem,  e  vem  bem  os  fronteiros  pre- 
sos,  e  se  encommend3o  a  Deos. 

se  Em  0  outro  lado  das  cadeas,  defronte  da  rua  de  Santo  Espiri- 
to,  sahe  da  mesma  praca,  acima  para  o  Nascente,  outra  e  mui  comprida 
rua  de  boa  calcada  pelo  meio,  e  de  cada  parte  ladrilhos  de  cantaria,  e 


LIV.  VI  GAP.  X  45 

casaria  sempre  continuada,  mas  subindo  sempre  para  o  Nascente  em 
competencia  da  rua  da  oiitra  banda  que  sobe  a  Suo  Francisco,  porque 
assrm  para  o  Nascente,  corno  para  o  Norte,  he  de  terrenho  allo  està  Ci- 
dade,  sendo  qoe  para  o  Sui,  e  Occidente  lie  de  mui  piano  terrenho:  so- 
be pois  a  dita  rua  (que  chamao  nao  sei  porque,  Rua  do  Gallo)  até  a  no- 
Lre  Collegiada,  e  Parochial  grande  da  Conceigao;  e  até  aqui,  desde  a  rua 
de  Santo  Espirito,  n3o  ha  travessa  alguma  para  o  Sul,  e  mar  d*elle;  mas 
da  outra  banda  sahe  huma  larga  rua,  que  vai  tambem  dar  a  Sao  Fran- 
cisco, e  com  outro  Chafariz  de  boa  agua;  e  d'està  Conccicao,  assim  co- 
rno continua  pelo  Oriente  a  Cidade  para  o  Norte,  assim  tambem  contì- 
nua para  o  Sul,  e  Sueste,  até  parar  com  o  ji  dito  Castello  de  S.  Sebas- 
ti3o,  que  descrevemos  ji\  no  Capitulo  Vili. 

87  Entre  pois  o  tal  Castello,  e  a  dita  Concetcao  se  estende  o  vis- 
toso, e  alto  bairro  que  chamSo  do  Corpo  Santo,  de  que  a  maior  parte 
lie  de  mareantes,  que  tem  em  hum  alto  para  o  mar  a  sua  celebre  Er- 
mida  do  dito  Corpo  Santo,  e  tem  tantas  ruas,  ou  travessas,  que  seria 
importuno  em  contal-as;  so  digo  que  para  o  mar,  para  ambos  os  Cas- 
tellos  de  S3o  Jo3o  Baptista,  e  de  S3o  SebastiSo,  e  ainda  para  o  melhor 
da  Cidade  tem  este  bairro  a  mais  ampia,  e  melhor  vista;  e  n3o  so  pela 
costa  do  mar,  e  junto  A  sua  muraiha,  mas  tambem  pelo  mais  a  dentro 
tem  ruas  para  o  porto  da  Cidade,  e  para  a  rua  de  Santo  Espirito  a  rua 
que  cham3o  a  Ladeira,  acima  da  qual,  e  jà  pcrto  da  Conceigao  esté  hum 
alto,  e  grande  terreiro,  e  n'clle  hum  bem  comprido  Palacio  do  Morga- 
do,  e  Chefe  da  nobilissima  familia  dos  Cantos,  fldalgos  de  que  abaixo 
em  seu  lugar  trataremos;  corno  tambem  dos  chamados  Homens  Costas, 
que  habitSo  bem  junto  à  ConceigSo,  e  de  outros  muitos;  pegado  poróm 
com  OS  ditos  Cantos  fìca  huma  sua  nobre  Ermida,  chamada  Nossa  Se- 
lìhora  dos  Remedios,  que^est^  nobremente  reediflcada,  e  omada,  e  he 
de  grande  concurso,  e  devogao,  com  o  terco  cantado  cada  dia. 

88  Por  cima  da  outra  rua,  ou  subìda,  que  da  pra(^  sahe  para  o 
Norte,  fica  hum  bom  terreiro  plano,  e  quasi  redoodo,  aonde  està  o  Con- 
vento do  Patriarcha  Serafico,  e  para  a  banda  do  Sul  aquella  larga  rua 
que  com  o  seu  Chafariz  vai  ao  melo  da  do  Gallo,  e  mais  por  cima  ou- 
tra que  vai  à  Conceic^o,  e  d*esta  volta  correndo  pelo  Oriente  com  gran- 
des  terras,  e  hortas  para  elle,  e  em  longa  direitura  ao  Norte;  mas  de 
baixo,  e  da  parte  do  Poente  Ihe  vem  huma  larga  rua  chamada  de  S.  Se- 
bastiao,  por  n'ella  ficar  hum  novo  Canvento  de  Freiras  de  singular  obser- 


46  IIISTOIUA  INSILANA 

vancia,  que  tcm  fora  outro  Chafariz  da  Cidade;  e  pouco  adiantc  entra» 
e  volta  està  rua  com  a  da  Conceigao,  e  vai  formando  o  novo  bairro  de 
S3o  BenU)  ale  és  portas  do  mesmo  nome,  por  cstar  mnito  porto  logo 
a  Parochial  do  Sanie  para  a  parte  do  Nordeste;  e  para  a  parte  do  No- 
roeste  vai  por  fora  das  portas  de  Suo  Benio  huma  milito  recreativa  e 
moderada  subida  até  o  Convento  de  Santo  Antonio  dos  Capuchos,  devo- 
tissima saliida  da  Cidade,  e  muito  recreativa  com  sua  deliciosa  cerca: 
mas  antes  de  chegar  às  portas  de  Sao  Sento,  e  da  parte  do  P^nte  fica 
0  Convento  da  Concei^ao  das  Freiras,  por  amor  da  qoal  a  outra  ji  dita 
se  chama  a  Conceicao  dos  Clerigos;  e  defronte  da  das  Freiras  para  o  nas- 
cente fieao  as  antigas  casas  e  assento,  ou  Chefe  dos  Monizes,  fidalgos 
muito  antigos,  com  grande  jardim,  ou  Quinta,  comò  as  mais  das  nobres 
casas  d'està  grande  rua  para  a  parte  Uè  Nascente.  Que  quanto  por  de- 
traz  da  Conceicao  das  Freiras  vai  jà  mais  ordinaria  povoacao,  comò  pa- 
ra 0  Noroeste  atò  huma  antiga  Ermida  de  Nossa  Senhora  do  Desterro, 
e  até  cbegar  por  fora  ao  mai^  antigo,  e  terceiro  Castello,  de  que  agora 
fallaremos. 

89  Este  terceiro  Castello  foi  o  primciro  que  houve  em  toda  a  Uba 
Terceira,  e  se  fundou  quando  ainda  Angra  nem  era  Cidade,  nem  tinha 
tanta  gente  que  a  pudesse  defender  das  armadas  de  Castella,  quo  com 
Portugal  tinha  entao  guerra,  e  nem  tinha  algum  outro  Castello,  ou  For- 
taleza  em  seu  porto,  e  para  se  recolherem  a  esle  o  fundarao  os  Angren- 
ses  em  bum  onteiro  allo  quo  fica  sobre  a  Cidade  para  a  parte  do  Norte, 
inclinando  a  Nornordcste,  e  Ihc  derào  logo  o  nome  de  Castello  de  S3o 
Cbristovao;  e  d'elle  diz  Frucluoso  liv.  0,  cap.  3,  que  era  forte  Castello, 
e  que  se  renovou  depois,  e  proveo  em  scu  tempo  com  muuicoes,  e  ar- 
telbaria;  e  mais  no  tal  tempo  de  Frucluoso  ja  havia  em  o  porto  o  Cas- 
tello de  S50  Sebasliao,  e  o  Forte  de  SanW  Antonio.  E  accrescenta  o 
Doutor  quo  o  Capilao  Donatario  Manoel  de  Cortereal  morava  em  o  tal- 
Castello,  tendo-o  por  capaz  disso,  e  que  depois  se  mudàra  para  o baixo 
do  mesmo  Castello,  .e  habitava  no  Paco  que  ainda  lioje  chamào  do  Mar— 
quez  de  Castello  Rodrigo,  scu  succcssorna  Capilania,  eque  tem  bello  jar- 
dim, e  que  tudo  herdou  Manoel  de  Cortereal  de  sua  irmaa  D.  Iria,  mu- 
Iher  de  Pedro  de  Goes,  nobre  fidalgo. 

90  Jà  boje  porém  nao  sei  que  n'este  Castello  de  Sao  Cbristovao 
baja  mais  que  as  muralhas  era  seu  circuito,  e  interior  deslricto  d'elle; 


LIV.   VI  GAP.  X  47 

sendo  quo  na  Acciamacao  de  Portugal,  com  artclharia  quo  se  poz  n*este 
Castello  de  Sao  Chrislovno,  se  fazia  grande  damno  ao  (]aste1hano,  quo 
estava  ein  o  maior  Castello,  chamado  enlào  Sao  Felippe,  e  se  este  ou- 
tra  vez  for  tornado  de  inimigos,  (ou  por  Ireigao  de  quem  o  governar, 
oa  por  successos  maritimos)  cuslarà  muilo  à  Cidade  nao  ter  capaz  ain- 
da 0  Castello  de  Sao  Chrìstov3o,  para  d*elle  se  valer:  e  multo  mais  por- 
que  sendo  o  sitio  d'este  Castello  hum  valente  padrasto  da  Cidade,  se  de* 
via  n3o  disemparar,  antes  conservar-se  sempre,  e  fortalecer-se,  para  quo 
succedendo  alguma  bora  entrar  na  Ilha  inimigo  por  algum  porto  da  Praia 
ale  Angra,  e  vir  sobre  a  Cidade,  nao  se  faga  forte  com  o  dito  S3o  Cbris- 
tov3o,  e  d*alli  mais  facilmente  arraze  a  Cidade;  mas  està  pelo  contrario 
d*alli  0  repulse,  e  fac^a  voltar  atraz:  e  quem  na  Cidade  o  serve  de  Ga- 
pitSo  da  artelharia,  ou  de  Sargonto-mór,  em  este  Castello  póde  morar 
sempre  com  i)equena  esquadra  de  soldados,  comò  para  o  mar  se  faz  no 
Castello  de  Sao  Sebastiao,  e  nao  se  deixar  perder  t3o  importante  Cas- 
tello por  incuria;  do  que  vira  tempo  em  que  Ynuito  se  arrependao,  pois 
quem  ao  diante  nao  olha,  atraz  fica;  e  cu  nunca  louvarei  (dizia  o  outro) 
Capitao  que  disse,  nao  cuidei. 

91  Tambem  este  Castello  Sao  Christovao  se  cliama  volgarmente  o 
Castello  dos  Moìnhos,  porque  nao  menos  de  doze  moinhos  tem  perto  do 
tal  Castello  a  Cidade,  donde  regiamente  he  provida,  e  com  tanta  abun- 
dancia  de  agua,  que  quando  a  Cidade  qucr,  faz  vir  tal  ribeira  d'ella,  que 
entrando  nas  largas  ruas,  por  as  cal^adas  d'eilas  corre  entro  os  ladri- 
Ihos,  deixando-os  seccos,  e  vai  parar  em  o  mar;  e  o  mcsmo  tambem 
succede  quando  chove  muito,  e  sempre  as  ruas  eslao  multo  limpas,  até 
de  Doite,  som  necessitarem  de  outros  alìmpadores,  porque  das  janellas 
uno  se  lanca  na  ruacousa  alguma,  e  assim  nunca  se  ouve,  tAgua  vai.i 
porque  nao  ha  casa,  que  por  detraz  nao  tenha  seu  quintal,  e  algumas 
malto  grande;  e  muitas  tem  da  fonte  agua  dentro,  e  nunca  nas  ruas  se 
ve  despejo  bumano  algum,  o  que  tanto  se  estranila  em  outras  terras. 


48  IIISTOULV  INSULANA 

CAPITULO  XI 

Do  tjoverno  Ecclesiastico  de  Angra^  e  de  seus  Bispos  sobre  iodas 
as  nove  Ilhas  Terceiras^  ou  dos  Agores. 

92  Consta  a  Cirladc  de  Angra  de  seis  Freguczias»  (contando  tam- 
bem  por  Freguezia  a  nobre  povoacSo,  que  està  no  grande  Castello,  e  là 
lem  Capellao  mór  com  alguns  priviicgios,  e  cxcmpcoes  especiaes.)  A 
primcira  Freguezia  he  a  da  Santa  Se  do  Salvador,  a  cujo  lado  da  Epis- 
tola, mettendo-se  so  o  largo  da  rua  dos  Cavallos,  està  o  Poco  dos  Illus- 
trissìmos  Bispos,  com  bom  jardim  para  traz,  e  agua  de  beber  dentro, 
e  de  rcgar:  e  podùra  o  Pago  estender-se  mais  até  o  canto  acima  proxi- 
mo  da  rua  chamada  de  Jesus,  e  algum  zeloso  Bispo  vira  que  assim  o  fa- 
Ca;  pois  Ihe  rende  o  Bispado  sempre  oito  mil  cruzados,  e  algims  annos 
até  dez,  e  mais.  Foi  crcado  este  Bispado  à  instancia  d*eI-Rei  D.  JoSo  HI 
pelo  Papa  Paulo  tambem'III  a  tres  de  Novembro  de  1534,  e  com  o-ti- 
tulo  de  Bispo  de  Angra,  e  de  todas  as  Ilhas  Terceiras;  porque  ainda  qae 
por  ordem  d'el-Rei  1).  Manoel  em  1508  foi  a  Ilha  da  Madeira  D.  Jo3o 
Lobo  Bispo  de  anel,  que  n  elle  deo  Ordens,  e  chrismou,  e  se  voltou  a 
Portugal;  e  no  anno  de  1514  em  12  do  Junho,  e  por  decreto  do  Papa 
Leao  X  o  mesmo  Rei  I).  Manoel  nomcou  primeiro  Bispo  da  Madeira  a 
D.  Diogo  Pinhciro,  nunca  cste  foi  a  dita  Ilha.  mas  de  Portugal  a  gover- 
nou  doze  annos  até  o  de  i326  per  Provisor,  e  Vigario  Cerai,  que  Ihe 
mandou.  E  ainda  que  a  el-Rei  D.  Manoel  succedendo  seu  fllho  D.  Joao 
III  nomeou  com  consentimento  do  Papa  a  U.  Martinho  de  Portugal,  sea 
parente,  por  Arcebispo  da  Madeira,  e  de  todo  o  ultramarino  descuber- 
to,  tambem  este  unico  Arcebispo  da  Madeira  nunca  a  ella  foi,  e  so  Ihe 
mandou  hum  de  anel,  chamado  D.  Ambrosio,  que  dentro  de  bum  anno 
se  voltou  a  Portugal  na  cntrada  do  de  1540. 

93  Logo  no  anno  de  1550  o  mesmo  Rei  D.  Joao  III  alcancou  do 
Papa,  que  por  screm  as  ultramarinas  tcrras  descuberlas,  tao  distante^ 
entro  si,  fizcsse  n*ellas  Bispados  enlre  si  disiinctos,  comò  na  India,  S3o 
Thomè,  e  lìcassc  a  Madeira  sendo  so  Bispado  com  a  do  Porlo  Santo,  co- 
mò jii  0  erao  a  Terceira  com  as  mais  Ilhas  dos  Aforcs,  e  que  seu  Me- 
tropolitano fosse  0  Arcebispo  de  Lisboa;  e  ludo  assim  concedeo,  e  creou 
de  novo  o  Papa;  e  sendo  enlao  foilo  Bispo  da  Madeira  hum  Religioso 
Graciano,  D.  Frei  Gaspar,  ainda  este  a  Madeira  nunca  foi;  e  o  primeiro 


UV.  W  GAP.  XI  49 

proprio  Bispo  seu,  qu6  niella  entrou,  foi  D.  Frei  Jorge  de  Lemos,  Do- 
minico;  e  em  1559  so  voltou  a  PorlugaK  e  Ihe  succedeo  D.  Frei  Fer- 
naDila  de  Tavora,  tambem  Dominico,  e  que  tambem  largou  o  Bispado,  e 
ae  Ihé  se^uio  D.  Hieronymo  Barrato»  Clerigo  secular,  a  quem  succedeo 
outro  secular  Clerigo  tambem,  D.  Luiz  de  Figueiredo  de  Lemos,  que  de 
DeSo  da  Sé  de  Àngra  foi  a  Bispo  do  Funcbal  da  Madeira. 

94    D'onde  se  ve»  que  na  Madeira  nuDca  entrou  Arcebispo  d'ella,  e 
que  o  unico  D.  Uartinho  de  Portugal,  que  da  Madeira  foi  feito  Arcebis- 
po, nem  li  foi,  nem  em  tal  Arcebispado  leve  algum  outro  successor,  ncm 
i  Madeira  foi  jà  mais  appellag^o,  ou  recurso  algum  da  India,  ou  de  Sao 
Thomé,  ou  do  Bispado  das  Ilhas  dos  Àcores;  mas  porque  todas  as  Ilhas 
descuberlas  erao  da  Ordem  de  Christo,  por  isso  antes  que  n*ellas  hou- 
tesse  Bispos  proprios  seus,  mandava  o  D.  Prior  de  Thomar,  com  ordem 
d'el-Rel  alguns  Bispos  de  anel  às  ditas  Ilhas,  e  assim  no  anno  de  U87 
Ibi  às  Terceìras  D.  Jouo  Aranha,  Bispo  Zephiense,  e  deo  ordens  n*ellas; 
e  depois,  jà  quasi  em  1507  veio  às  ditas  Terceiras  D.  Diogo  Pinheiro,  o 
qml  sendo  D.  Prior,  e  Vigario  Goral  de  Thomar,  deo  licenza  a  D.  Jo3o 
Lobo  Bispo  de  anel  de  Tangere,  para  ir  à  Ilha  Terceira,  e  niella  sagrou 
a  Matrìz  da  Praia;  e  no  anno  de  1517  outro  Bispo  de  anel  Dumense,  D. 
Doarte»  depois  de  ir  a  Madeira  exercitar  a  Ordem  Episcopal,  passou  a 
bzer  0  mesmo  em  as  Terceiras,  e  sagrou  em  Sao  Miguel  a  Parochial  de 
Ribeira  Grande:  assim,  ainda  que  primeiro  foi  erecto  o  Bispado  da  Ma- 
deira, primeiro  comtudo  entrou  Bispo  proprio  seu  no  Bispado  do  An- 
ffn,  do  que  na  Madeira  entrasse  algum  seu  proprio  Bispo;  e  està  he  a 
verdade,  que  da  variedade,  ou  confusao,  com  que  em  tal  materia  fallao 
Giiedes,  e  Fructuoso  em  varios  lugares,  pude  com  paciencia,  e  diligen- 
eia  colher.  corno  jà  disse  no  liv.  3  cap.  16. 

05    Creado  pois  o  Bispado  de  Angra  em  1534  pelo  Papa  Paulo  III 
■Ki  primeiro  anno  de  seu  Pontifìcado,  logo  no  de  1537  foi  para  a  Ter- 
ceira 0  sea  primeiro  Bispo  D.  Agostinho,  do  qual  se  diz  que  era  tao  san- 
to» corno  pobre,  e  que  tendo  de  antes  vindo  de  Lisboa  com  hum  Antac 
Vai  Vigario  da  Ilha  das  Flores,  este  o  puzera  por  Parocho,  ou  seu  Cu; 
■^  Da  junta  Uba  do  Corvo,  mas  que  depois  de  alguns  annos  tornando  pa- 
^  Lisboa  0  dito  Cura  Agostinho,  se  fez  Frade  Loio,  e  por  sua  exem- 
piar  virtude  chcgou  a  ser  Capellao  d'el-Rei,  e  nomeado  depois  primeiro 
^ispo  de  Àngra,  donde,  passados  jd  mais  annos,  voltou  este  mesmo 
^-  Agostinho  por  Reformador  da  Uuivcrsidade  de  Coimbra,  e  acabou 

VOL.  Il  4 


50  HISTOMA  INSULANA 

sendo  Bispo  de  Lamego.  Uh  ditoso  tempo,  em  que  da  virtode  se  fazia 
mais  caso,  que  do  sangue,  e  aioda  que  das  letras;  e  o  mais  pobre  Ca- 
ra, por  mais  santo,  era  eleito  por  Bispoi  e  boje  (oh  desgraga!)  nem  o 
mais  virtuoso,  e  mais  letrado  de  bum  inteìro  Cabido,  se  clege  em  Bis- 
po d*elle. 

96  0  segundo  Bispo  de  Angra  foi  D.  Rodrigo  Pìnbeiro,  Dootor  em 
Theologia,  de  quem  dìzem,  ter  jà  sido  Govemador,  ou  Regedor  da  Ca- 
sa do  Civel:  porém  d3o  foi  és  Ilhas,  e  so  Ibes  mandou  por  sea  Vigano 
Cerai  bum  Doutor  em  Canones,  e  bum  Bispo  de  anel,  cbamado  D.  Bai- 
thezar;  e  o  proprietario  D.  Rodrigo  foi  promovido  a  Bispo  do  Porto.  0 
terceiro  foi  D.  Frei  Jorge  de  Santiago,  da  Ordem  de  S.  Domingos,  Mes- 
tre em  Theologia,  varSo  de  grandes  lettras,  e  virtude;  e  entroa  no  Bis- 
pado  em  o  anno  de  1551,  e  foi  por  el-Rei  mandado  ao  Concilio  Triden- 
tino, e  assistio  nas  primeiras  sess5es  d*elle;  voltando  celebrou  Synodo 
em  Angra  pela  festa  do  Espirìto  Santo,  em  1559,  e  foi  o  unico  Concilio 
Diocesano  que  ale  agora  se  celebrou  oneste  Bispado,  ha  jà  mais  de  cen- 
to e  cincoenta  annos:  fez  Constituifoes  tSo  santas,  e  sabias  corno  elle 
era,  e  voltando  a  Portugal  as  fez  imprimir,  e  com  ellas  voitou  para  a 
Ilha  em  15Q1,  e  faleceo  em  Angra  a  26  de  Outubro  seguinte,  e  com  tan- 
ta fama  de  santo,  quanta  tìnha  jà  em  vida,  pois  vindo  da  India  o  Pa- 
triarcha  D.  Jo3o  Bermudes,  e  passando  por  Angra  a  Portugal,  n*este  per- 
guntava  muitas  vezes  pelo  Bispo  de  Angra,  e  dizia  que  nao  se  bavia  cha- 
mar  D.  Jorge,  mas  Sao  Jorge;  està  enterrado  na  Capei  la  mór  da  sua  Sé 
com  0  letreiro  seguinte:  Hic  Jacet  Dominus  Georgius  d  Sando  Jaeobù^ 
Poitor  Angrensis,  inter  oves  tuas  primut  sepuUus^  eie, 

97  0  quarto  Bispo  foi  D.  Manoel  de  Almada,  Doutor  em  Canones, 
Chantre  da  Sé  de  Lisboa,  Conservador  das  Ordens,  e  Juiz  Apostolico, 
Deputado  na  Mesa  da  Consciencia,  e  Inquisidor,  e  Bispo  de  Angra,  mas 
renunciando  o  Bispado,  nunca  foi  às  Ilhas,  e  ficou  feito  Capellio  mór  da 
Bainha  D.  Catharina,  mulher  d*el-Rei  D.  Joao  III.  Quinto  Bispo  foi  em 
1568  D.  Nuno  Alvarez  Pereira,  Doutor  Theologo,  e  Yisitador  do  Arce- 
bispado  de  Lisboa,  sendo  Arcebispo  o  Cardeai  D.  Henrìque,  e  faleceo  em 
Angra,  dous  annos  depois,  em  20  de  Agosto  de  1570,  e  jaz  sepultado 
na  mesma  Sé  de  Angra.  0  sexto  Bispo  foi  D.  Gaspar  de  Faria,  que  suc- 
cedeo  ao  quinto  em  1570,  e  foi  o  que  em  1577  creou  em  Sao  Miguel  a 
segunda  Freguezia  de  Ribeira  Secca  em  Ribeira  Grande,  comò  dissemos 
acima  liv.  5  cap.  7,  e  d3o  pudemos  alcan^ar  majs  deste  sexto  Bispo.  0 


LIV.  VI  GAP.  XI  51 

septimo  Bispo  foi  D.  Fedro  de  Castiiho,  fìlho  de  Diogo  de  Castiiho,  dos 
Castilbos  da  Uontanha  de  Biscaya,  e  depois  de  Mestre  em  artes,  e  de  co- 
me^ar  a  Theologia»  se  passou  aos  Canones,  e  feito  Lìcenciado  per  exa- 
me  privado,  foi  Deputado,  e  Visitador  do  Bispado:  feito  Bispo  de  An- 
gra,  foi  grande  observador  do  Concilio  Tridentino,  e  no  anno  de  1582 
estando  em  SSo  Miguel,  e  escandalizado  dos  motins  da  soldadesca  so 
voltoa  para  Porlugal,  e  n'elle  foi  feito  Bispo  de  Leiria,  e  depois  Presi- 
ùsùte  do  Paco.  N*esta  mudanga,  o  Cabido  de  Angra  vendo  sea  Bispo  au- 
sonie» e  qoe  era  contra  o  seii  Bei  naturai,  juIgarHo  a  Sé  por  vacante» 
eleger3o  Provisor,  e  Vigario  Geral,  e  mais  ministros,  e  n3o  obedecerao 
mais  a  tal  Bispo. 

98  0  ottavo  Bispo  foi  D.  Manoel  de  Gouvea,  irmSo,  até  na  santi- 
dade,  do  Santo  Padre  Ignacio  Martins  da  Companhia  de  Jesus,  celebre 
pelas  doutrinas  em  Lisboa,  e  por  successos  n'ellas  milagrosos;  foi  Bis- 
po de  grande  charidade,  e  jaz  sepultado  na  Sé  de  Angra.  0  nono  Bispo 
(oi  D.  Hieronymo  Teixeira  Cabrai,  entrou  no  Bispado  em  1599,  e  depois 
voltoa  a  Portugal,  e  morreo  sendo  Bispo  de  Miranda.  0  decimo  Bispo 
foi  D.  Agostinho  Bibeiro,  e  entrando  no  Bispado  em  1613  o  governou 
até  12  de  Julho  de  1621,  em  que  faleceo,  e  na  sua  Sé  jaz  sepultado.  0 
niìdecimo  Bispo  foi  D.  Pedro  da  Costa,  e  entrou  no  Bispado  a  24  de 
Agosto  de  1623,  e  indo  a  visitar  Sao  Miguel,  là  falcceo,  e  foi  sepultado 
na  Matrìz  da  Cìdade  de  Ponta  Delgada.  0  duodecimo  Bispo  foi  D.  Jo3ó 
Kicrata  de  Abreu,  que  entrando  no  Bispado  em  19  de  Abril  de  1626, 
indo  tambem  visitar  Sao  Miguel,  là  faleceo,  e  tambem  jaz  sepultado  na 
saa  Hatrìz.  0  decimo  terceiro  Bispo  foi  D.  Frei  Antonio  da  Besurreicao, 
Religioso  Dominico,  e  entrando  no  Bispado  em  1635  foi  visitar  Suo  Mi- 
guel em  1637,  e  a  7  de  Abril  faleceo  là:  e  porque  logo  em  1640  suc- 
eedeo  a  feliz  acclamac3o  do  Senhor  Bei  D.  Joao  o  IV  pararao  os  provi- 
meotos  dos  Bispados  por  muitos  annos. 

99  0  decimo  quarto  Bispo  foi  D.  Frei  Lourengo  de  Castro,  nomea- 
do  pelo  Senhor  Bei  D.  Joao  IV,  e  em  Novembro  de  F71  entrou  no  seu 
Bispado,  e  depois  de  viver  n*elle  dez  annos  voltou  promovido  ao  Bispa- 
do de  Miranda,  e  n'elle  viveo  pouco  mais  de  bum  anno,  e  foi  enterra- 
do  na  sua  segunda  Sé.  Era  Beligioso  Dominico,  fidalgo  de  sangue,  e  de 
l^ras,  e  virtudes  grandes,  e  comò  tal  foi  multo  estimado  da  nobreza  de 
Angra,  e  morreo  com  opiniiio  de  Prelado  santo.  0  decimo  quinto  foi  D. 
^té  JoSo  dos  Prazeres,  Beligioso  Franciscano,  da  Provincia  de  Xabre- 


52  lllSTOniA  INSrLANA 

tj^as,  varao  de  grande  candura,  e  santamente  morreo  no  Real  Collegio  da 
Companbia  de  Jesus  de  Angra,  e  està  sepultado  na  sua  Sé.  0  decimo 
sexlo  Bispo  foi  ì).  Frei  Clemente,  Uetigioso  de  Santo  Agostinho  dos  Ere- 
initas,  doutissimo  Tbeologo,  e  Lente  da  Universidade  de  Coimbra:  mor- 
reo na  visita  de  Sao  Miguel,  e  là  jaz  sepultado  no  Convento  de  Nossa 
Senhora  da  Graca.  0  decimo  seplimo  foi  D.  Antonio  Vieira  Leitao,  quc 
de  IVior  de  Santo  Estev3o  de  Alfama  em  Lisboa  foi  promovido  ao  dito 
Dispado,  e  n'elle  teve  desgostos  com  a  Nobreza  de  Angra,  e  com  o  seu 
Convento  de  Sào  Gonzalo;  e  em  firn  morreo  visitando  a  Illia  de  Sao  Jor- 
ge,  e  n  ella  està  sepultado,  na  Igreja  Matriz  da  Villa  das  Velas.  E  quan- 
to ao  numero  dos  vizinhos  de  ingra  baste  por  bora  dizer  que  (nao  fal- 
lando em  Religiosos,  e  Religiosas)  passa  de  tres  mil  vizinhos;  e  que  nao 
so  nas  mais  Ithas  deste  Oceano,  suge! tas  a  Portugal,  mas  ainda  no  tal 
Keino  todo  (excepto  a  innumeravel  Lisboa)  nao  ha  mais  que  duas  Cida- 
des,  que  em  numero  de  visinhos  excedSo  a  està  de  Angra,  as  quaes  sao 
Evora,  e  Porto;  corno  melhor  se  vera  nos  Capitulos  que  se  seguirSo,  e 
no  quàtorze  fìnc. 

100  A  Sé  Cathedral  dos  sobrcdilos  Bispos  foi  edifìcada  por  el-Rei 
D.  Joao  0  III  pouco  depois  do  anno  de  1534,  està  situada  bem  no  meio 
do  comprimento  da  Cidnde  de  Angra,  e  mais  para  o  Sul,  que  para  o  Nor- 
ie da  largura  da  Cidade,  com  grande,  e  livre  adro  à  roda,  cercado  de 
parapeito  alto  de  cantarla,  e  nobres  ruas  por  todos  os  quatro  lados,  sem 
casa  alguma  que  pegue  com  a  dita  Sé,  mas  com  boas  tres  entradas,  e 
sahidas  para  as  ditas  ruas;  e  a  principal  entrada  he  que  vai  da  grande 
ma  chamada  da  Sé,  correndo  igualmente  com  a  ma  de  Nascente  a  Poen- 
te,  e  retirando-se  para  o  Sul  com  multo  larga  subida,  e  de  famosos  de- 
gràos  de  cantarla,  até  dar  no  grande  adro  plaino,  e  todo  de  cantarla  1^ 
geado;  seu  froutespicio  he  nobre  com  duas  altas  torres  parallelas,  e  va- 
randa  sobre  o  meio  da  portada;  corre  de  Norie  a  Sul  com  primeiras  lu- 
zes  por  toda  a  parte,  e  com  tres  naves,  e  coro  capitular  em  cima  na  en- 
trada, e  em  baixo  a  parte  do  Evangellio  a  pia  baptismal  com  boa,  e  fc- 
cliada  casa;  adiante  seguem-se  duas  grandes  portas  correspondentes  a 
Nascente,  e  Poente,  e  logo  quatro  Capcilas  de  cada  parte,  duas  menos 
fundas,  e  duas  t3o  grandes,  que  podiao  scr  Capellas  mores,  entre  as 
quaes  na  nave  do  meio  està  o  capitular  coro  de  baixo,  e  logo  se  segue 
a  Capella  mór,  redonda  em  columnas  parliculares,  com  via  circular  a 
roda;  e  da  parte  do  Evangelho  Ihe  fica  correspondendo  à  nave  do  Nas- 


LIV.   VI  CAP.  XI  53 

conte  a  Capcila  nobilissima  do  Santissimo,  corno  Capdla  mór  d*aque1la 
nave,  e  da  parte  do  Pocnte  Ihe  corresponde  outra  scmeihante  Capella  de 
Christo  crucificado:  por  dclraz  da  do  Santissimo  se  segue  a  Sacristìa 
com  seu  allo,  e  parlicular  aitar  por  cima,  e  da  outra  parte  a  casa  da 
Musica,  e  escola  com  outra  em  cima;  e  por  detraz  do  circulo  da  Capel- 
la mór  vai  jardim  com  Tonte  dentro;  e  as  casas  do  Cabido,  e  de  entra- 
da  dos  Conegos  para  o  primeiro  Coro  alto  ficuo  de  cada  parte  d'elle  com 
saliida  para  a  varanda  da  entrada  principal. 

lOi    Serve-se  està  Real  Sé  com  cince  Dignidades,  De3o,  \rcediago, 
Chantrc,  Mestre-escola,  e  Thesoureiro  mór,  mais  doze  Conegos,  e  quatro 
meìos-prebendados,  e  varios  Capellàes  de  so  sobrepeliz,  e  muitos  mo- 
Cos  do  coro;  tem  mais  tres  Curas,  e  bum  Mestre  da  Capella,  bum  Or- 
ganista, bum  Arpista,  e  competentes  musicos,  bum  Sacristuo,  bum  Àl- 
tareiro,  bum  porteiro  da  massa,  bum  sineiro,  e  Relojoeiro,  e  outros 
scrventes  da  Igreja,  além  dos  oflìciaes  do  Bispo,  Provisor,  Vigario  Ge- 
ì-al,  Mcirinbo,  Escriv5es,  etc.  A  So  be  Tempio  tao  grande,  que  rara- 
mente  se  ve  toda  cbea,  com  ter  Prègadores  obrigados  por  El-Rei,  das 
Ordens  dos  Franciscanos,  e  Graciduos;  mas  vio-se  cbea  toda  quando  prò- 
gOQ  nella  o  Veneravel  Padre  Antonio Vìeira  da  Companbia  de  Jesus,  em 
a  festa  do  Rosario,  ba  scssenta  annos.  Suas  torres  sao  tao  altas,  que  fu- 
gìndo  acima  de  buma  d'ellas  bum  menino  do  coro,  a  quem  o  Mestre 
qaeria  castigar,  e  arremegando  se  fora  da  mais  alta  sineira,  o  apanbou 
V  vento  pela  opa  vermelba,  e  o  foi  por  sobre  o  telhado  do  Convento 
das  Freiras  da  Esperan^a,  distancia  de  multo  mais  de  tres  largas  ruas, 
sem  receber  damno  algum,  e  foi  depois  bum  bom  Ecclesiastico.  Estuo 
estas  torres  bem  providas  de  nobres,  e  grandcs  sinos,  em  que.ba  dis- 
tincao  em  o  tocar  aos  defuntos  Qdalgos,  ou  da  govcrnanca,  e  aos  só- 
mente  nobres,  e  aos  plebeos. 

102  A  segunda  Freguezia  (se  assim  podemos  cbamar-lbe)  be  a  do 
Castello  grande,  que  pelo  grande  relogio  da  Sé  be  que  se  governa,  dan- 
do là  as  boras  com  a  mào  buma  sintinella  no  seu  sino  do  Cartello,  e  no 
mais  li  se  governào,  e  provéni,  pelo  seu  Capellào  mór,  no  Ecclesiasti- 
co. A  tcrccira  Freguezia  da  Cidatle  bo  a  nobre  Collegiada  da  Conceifào  dos 
Clerigos,  que  no  lamanbo,  e  scrvigo  da  Igreja  pudcra  ser  Imma  Sé;  lem 
2^u  rico  Vigario,  duiis  Curas,  olio  Benvificiados,  Sacrislao,  Tbesoureiro, 
^Ic.  muilo  grande  numero  de  freguozos,  o  muilos  d  elles  (ìdalgos,  e  mor- 
gados  muito  ricos.  A  (piarla  Freguezia  por  aiinclla  parte,  de  Leste  para 


Si  HISTOmA  INSUUNA 

Nordeste,  he  a  de  SSo  Dento,  qiie  tambem  chamlo  Val  de  Linbares,  que 
tem  Vigano,  Cura,  e  Thesoureìro.  A  quinta  he  a  de  Santa  Luzia,  que 
tambem  esté  no  fim  da  largura  da  Cidade,  correndo  em  bum  alto  do  Sul 
para  o  Norie,  e  tambem  tem  Vigario,  Cura,  e  Tbesoureiro;  e  bum  seu 
Vigano,  Ambrosio  de  Sousa  Fagundes,  Theologo,  e  bom  Prégador,  d'abi 
foi  para  Conego  da  Sé.  A  sexta  Freguczia  be  a  de  Sao  Fedro,  que  fica 
no  fim  do  grande  comprimenio  da  Cidade,  correspondendo  a  mais  dis- 
tante de  Sao  Bento,  e  tem  Vigario,  Cura,  Tbesoureiro,  e  dous  Benefi- 
ciados,  e  com  ser  grande  Freguezìa,en'eilaalgumasca$as  nobres,  omais 
sào  mareantes,  e  se  estende  a  muitas  partes  fora  da  Cidade,  e  da  sua 
porta,  que  cbamuo  de  S.  Catbarina. 

103  Tem  mais  a  dita  Cidade,  ao  entrar  do  porto  pela  famosa  ma  di- 
retta, e  i  m3o  direita  tambem,  a  Real  Misericordia  com  seu  .Hospital 
annexo,  e  tudo  prima  fundado  por  El-Rei,  e  augmeniado  depois  por  \*a- 
rias  pessoas;  be  Igreja  que  corre  com  a  rua,  sem  se  afastar  da  direìtura 
da  casaria,  e  por  isso  muito  larga,  de  tres  naves,  e  tres  corno  altares 
móres,  e  outros  varios  à  roda,  e  menos  funda,  do  que  pedia  a  largura, 
por  Ibe  correr  por  detraz  a  rua  de  Sarìto  Espirito;  mas  ainda  assim  tem 
todas  as  casas,  e  reparlicóes  que  costuma  ter  Imma  nobre  Misericordia;,^  ^; 
e  logo  na  rua  de  Santo  Espirito  tem  seu  Rcal  Hospital,  e  com  mais  lar — ^r- 
gueza  para  traz:  a  Misericordia  ebega  a  cincocnta  moios  de  renda  cada^  ^ 
anno,  e  cincoenta  mil  réis  em  dinbciro:  o  Hospital  passa  muito  de  ses-.^^ 
senta  moios  de  renda,  e  do  fóros  cento  e  cincoenta  mil  réis,  além  d»^^de 
Ibe  dar  El-Rei  o  dizimo  dos  frangos;  e  assim  Misericordia,  corno  Ho^^  s- 
pital,  terao  a  renda  que  a  consciencia  de  quem  os  governa  Ibes  iew-  ^r, 
porque  jd  em  tempo  de  Fructuoso  tinhao  estas  casas  muita  mais  renu^v/a 
de  trigo,  e  dinbciro,  e  so  bum  Religioso  de  S.  Agoslinbo,  Freì  knioi^mmo 
Varejuo,  de  adquiridas  esmolas  Ibes  doou  dez  moios  de  trigo  de  reoi^  4i 
cada  anno:  e  lem  a  Misericordia  tantos  Capellaes  com  seus  ordenad^^os; 
que  celebrào  cada  dia  os  Offlcios  Divinos  em  seu  coro  juntos. 

104  Ila  mais  em  Angra  tanlas  Ermidas,  e  de  tanta  devogao,  que  todos 
OS  dias  em  tres  d'ellas  se  canta  o  Terco  da  Senhora,  na  da  boa  Ho\a, 
na  dos  Remedios,  e  na  da  Saude  em  a  praga  que  d'anles  se  cbamava  de 
S5o  Cosmo,  e  Sao  Damiao;  e  aqui  insiituhio  este  Tergo,  e  Confraria  àos 
Escravos  da  Senhora,  bum  Merc.idor  chamado  Agoslinbo  de  Oliveira,  ho- 
iHem  de  vida  igiialmontc  devola,  e  cxemplar;  contras  Ermidas  suo  ade 
Sao  Lazaro  com  seu  Hospital,  a  do  Corpo  Santo  dos  Mareantes,  a  de  Sia 


UT.  VI  CAF«  xn  55 

Joao  Baptista  dos  Cavalleiros,  a  de  Santa  Catharìna,  a  de  S3o  Jo3o  de  Deos» 
a  de  Nossa  Senhora  do  Deslerro,  e  a  da  Natividade,  que  he  dos  pretos  que 
servem  a  Cidade»  e  por  Bulla  Apostolica  he  immediata  a  Roma:  eassim 
n'estas  Ermidas,  corno  nas  Frepezias,  e  Mosteiros  ha  mais  de  cincoenta 
Confrarìas  com  muitas  Missas  cada  semana»  cada  huma  com  sua  Festa  ca- 
da amio,  e  quasi  todas  multo  bem  ornadas,  e  tudo  se  sustenta  de  esmolas 
da  Cìdade. 

CAPITOLO  xn 

Do  esiado  Religioso  gue  ha  em  Angra. 

105  Cousa  parece  sem  duvida  que  os  primeiros  Religiosos  que  en- 
trario  nas  Ilhas  Terceiras,  forio  os  do  Serafico  Padre  S.  Francisco»  por- 
que  jà  quando  a  S.Uiguelveio  aquelle  Religioso  DominicoFreiAffonso  de 
Toledo»  em  o  anno  de  1522»  comò  dissemos  acima  liv.  v  cap.  0»  jé  ent^o 
havia  em  Villa  Franca  de  S.  Miguel  o  Convento  de  Franciscanos»  que 
com  a  dita  Villa  se  sobverteo  ;  e  jà  na  Villa  da  Praia  da  Ilha  Terceira 
havia  outro  Convento  de  Franciscanos»  e  mais  antigo  que  o  de  Villa  Fran- 
ca, pois  muito  antes  do  dito  anno  de  1522»  havia  na  Praia  o  tal  Con- 
vento» e  jà  taml)em  outro  na  Ilha  do  Faial,  e  o  principal  em  Angra»  con- 
forme a  Fructuoso  liv.  vi  cap.  15»  onde  confessa  nào  saber  quem  fosse 
o  Fundador  do  Convento  de  Angra,  sabendo  e  nomeando  os  Fundado- 
Tes  do  Convento  da  Praia»  e  do  Faial  ;  d*onde  se  ve  que  o  de  Angra  ere 
mais  antigo  ;  e  comò  da  Religi3o  de  S.  Domingos  nem  ha»  nem  bouve 
jàmais  Convento  algum  nas  ditas  Ilhas»  mas  so  aquelle  Prégador  Frei 
Affonso  de  Toledo»  e  depdis  so  houve  CoUegios  da  Companhia  de  Jesus» 
e  depois  ainda  Conventos  da  Graga,  e  no  Faial  bum  de  Garmelitas  Cal- 
vados; segue-se  que  de  Religiosos  os  primeiros  que  entrarao  n*estas  Ilhas 
for3o  OS  Franciscanos»  e  parece  que  os  primeiros  dous  Conventos  se 
fuodarao  na  Ilha  Terceira;  mas  se  primeiro  o  da  Praia»  ou  de  Angra» 
d*isso  nao  consta  ainda»  mas  parece  ser  o  de  Angra. 

106  Maior  duvida  he»  de  que  regra  de  S.  Francisco  er3o  estes  pri- 
meiros Franciscanos»  que  for3o  às  Terceiras.  Do  que  pude  descubrir 
julgo  que  n2o  dos  chamados  Observantes,  mas  dos  que  chamao  Conven- 
tuaes»  erao  :  e  assim  parece  se  collie  do  citado  Fructuoso  cap.  xv  aon- 
de diz  que  antes  da  subverslio  de  Villa  Franca  nao  havia  em  S.  Miguel 
outro  Convento  mais  que  o  que  se  subvcrteo  »  e  que  na  Terceira  havia 


56  HISTORIA  INSULANA 

jé  0  de  Àngra,  e  o  da  Villa  da  Praia,  e  que  d^este  fora  Fandador  hiim 
Frei  Simao  dc.Novaes,  irmSo  de  Fedro  de  Novais,  e  de  Fernando  de 
Quental,  e  que  do  dito  Convento  fora  Guardiao,  e  nelle  morrera  santa- 
mente; e  que  Frei  Vasco  de  Tavlra  fundoa  depois  o  Gon\*ento  de  Pen- 
ta Delgada  no  anno  de  1525,  mas  que  tambem  antes  de  se  subverter 
Villa  Franca,  fundou  o  Convento  do  Faial  Freì  Pedro  de  Atouguia  :  e 
accrescenta  que  o  primeiro  Commissario  de  S.  Francisco,  que  velo  as 
Ilhas,  foi  Frei  Lopo  Teixeira;  seguodo,  Frei  Roque  Bocarro  ;  terceiro, 
Frei  Pedro  Galego  ;  quarto,  Frei  Antonio  Samande  ;  quinto,  Frei  Nico- 
lao  Barradas. 

107  Depois  d'estes  Commissarios,  e  ji  no  anno  de  1547,  de  Por- 
tugal  velo  0  seu  mesmo  Provincial  o  Mestre  Frei  Simao  de  Sousa  à  lilia 
Terceira,  e  em  Angra  celebrou  Capitulo  de  lodos  os  Frades*  que  jà  ha- 
via  nas  Ilhas,  e  sahio  Guardiao  de  Angra  Frei  Gaspar  da  Estrella,  e 
Guardilo  de  Villa  Franca  Frei  André  de  Coimbra,  e  de  Ponta  Delgada 
Frei  Diego  de  Coimbra,  e  Frei  JoSo  de  Sande  do  da  Praia,  e  Qcarao  to- 
das  as  Ilhas  Terceìras  constituidas  Custodia  Franciscana,  e  se  voltou  o 
dito  Provincial  para  Porlugal  ao  primeiro  Capitulo  que  se  fez  em  a  Cida- 
de  do  Porto  no  anno  de  1550,  e  d'elle  sahio  por  Custodie  para  as  Ilhas 
Frei  Francisco  de  Moraes,  a  quem  succedeo  Fr.  Antonio  de  Alarcao, 
grande  Prégador,  e  a  este  Frei  Thomé  de  Estremoz  ;  até  que  no  anno 
de  1568,  vierao  os  Franciscanos  Observantes  para  as  ditas  Ilhas,  e  os- 
tando so  dous  annos  n'ellas  forao  mandados  outra  vez  para  Porlugal,  e 
tomarao  a  ficar  os  Conventuaes  nas  Ilhas,  e  Ihes  velo  por  seu  Commis- 
sario, e  Guardiao  de  Angra,  Frei  Lourengo  de  Pina  :  porem  pouco  de- 
pois vindo  0  Reverendissimo  Geral  Franciscano  a  Lisboa,  o  qual  era  Fr. 
Francisco  Gonzaga,  irmao  do  Duque  de  Mantua,  e  ajuntando-se  Obser- 
vantes, e  Conventuaes,  todos  por  ordem dei-Rei  renderOo  obediencia  ao 
Geral  da  Obsenancia,  o  sobredìto  Gonzaga,  e  em  Capitulo  feito  emXa- 
bregas  de  Lisboa,  se  dcr3o  os  Conventos  todos  das  Terceiras  é  Provin- 
cia dos  Algarves,  cuja  cabega  he  Xabregas  de  Lisboa  ;  e  a  Madeira  a 
Provincia  que  chamao  de  Portugal,  cuja  cabega  tambem  em  Lisboa  he 
o  Concento  chamado  da  Cidade,  e  ficarao  os  Conventos  das  Terceiras 
sendo  em  lodo  Observantes,  conio  o  sao  até  agora. 

108  Porem  tanto  se  multiplicarao  nas  ditas  Terceiras  os  Conven- 
tos Franciscanos,  que  ja  ha  muitos  annos  sabirSo  a  ser  Provìncia  sepa- 
rada,  e  tao  grande  Provincia,  que  creio  passa  de  trezentos  sugeitos,  e 


Liv.  VI  CAp.  xu  57 

doze  Conventos,  e  tem  cm  Lisboa  sempre  Custodie  para  os  negocios  da 
Provincia;  e  a  Madeira  fìcou  separadamente  governada  pela  Provincia 
cbamada  de  Portuga!;  e  corno  da  tal  Provincia  das  Ilhas  Terceiras  nao 
tem  ainda  sabido  Chronic^,  tendo  tambem  muitos  Convenlos  de  Freiras. 
e  nSo  so  tem  falecido  muitas  Religiosas,  mas  tambem  muitos  Rcligiosos 
de  siogulares  virtudes,  e  exemplos;  e  ainda  Missionarios  exemplarissi- 
mos,  nSo  so  para  as  Conquistas  de  Portugal,  mas  ainda  para  Jemsalem, 
creio  que  cedo  algum  dos  doutissimos  Mestres  da  tal  Provincia  satura 
com  sua  historìa,  e  suppriri  os  defeitos  que  n'esta  achar,  e  com  os  me* 
Ihores  apontamentos,  que  là  de  tudo  bavera  ;  que  nós  nos  reduzimos 
oulra  vez  a  Angra. 

109  Oito  pois  sao  os  Conventos  do  Estado  Religioso  que  ba  na  Ci- 
dade  de  Angra;  quatro  de  Religiosos,  e  de  Religiosas  outros  quatro.  o 
prìmeiro  de  Religiosos  be  o  de  S.  Francisco,  intitulado  Nossa  Senbora 
da  Guia,  e  be  Convento  em  tudo  magniRco,  porque  passa  de  sessenta 
Religiosos;  tem  buma  grande,  e  fructifera  cerca  com  copiosa  agua  den- 
tro, ampio  edificio  de  grandes  corredores,  Noviciado  dentro,  e  bem  pro- 
^ida  Enfermaria,  e  bum  magnifìco;  e  sumptuoso  Tempio,  com  nobre,  e 
grande  Gapella  da  Ordem  Terceira  dos  seculares,  com  grave  Religioso 
Commissario,  e  seculares  Ministros,  e  outros  Officiaes,  e  outras  muitas 
Capellas,  e  coro  continuo,  até  pela  meia  noite,  com  exceliente  musica, 
e  hnm  largo  terreiro  da  Igreja  quasi  redondo,  e  pouco  acima  da  pra^a 
da  Cidade,  com  bella  vista  da  melbor  parte  d'ella;  e  no  mesmo  Conven- 
to tem  muitos  doutos  Lentes  para  os  seus  Religiosos,  de  Filosofila,  e 
Tbeologia  alternadamente  em  trìennios,  muitos,  e  bons  Prégadores,  e 
sempre  Religiosos  de  vida  muito  observante,  e  exemplar. 

1 10  Emfim  he  este  Convento  a  cabeca  de  toda  a  Provincia  das  Ilbas, 
e  D'elle  reside  mais,  e  tem  seu  Definitorio  o  Provìncial.  De  ludo  ìsto 
nao  sei  que  bouvesse  outro  especial  Fundador,  senao  os  mesmos  Reli- 
giosos, e  a  devocao  dos  Cidadaos  de  Angra;  mas  segundo  Fundador, 
00  Reformador.de  tudo  foi  o  Mestre  Frei  Fernando  da  Conceicao,  que 
commumente  cbamavao  Fr.  Fernando  Laranjo;  este  foi  Guardiao  de  An- 
gra, muito  douto  Lente,  e  Prégador,  Prelado  d*esta  Provincia  muitas 
vezes,  e  o  Padre  mais  digno  n'ella;  este  por  varios  meios  ajunlo!i  (com 
zelosa  nota  de  alguns)  tantos  mil  cruzados,  que  nao  so  fez:  e  reformou 
todas  as  sobreditas  obras,  mas  reformou  tambem  o  Convento  de  Penta 
Dclgada,  e  alguns  outros  Conventos  da  Provìncia,  e  comtudo  era  em  sua 


98  HISTOMA  INSULANA 

pessoa,  em  scu  vestir,  habitar,  e  corner  tao  exemplarmente  pòbre.  qae 
d'elle  pódedizer-se,  quequSo  largo  era  para  o  bem  commum  da  Religiio, 
tao  apertado  era  para  comsigo,  e  por  està  grande  virtade,  depois  de 
grande  velhice,  llie  deo  Deos  humà  morte  desapegada  de  tudo  deste 
mundo,  com  renuncia  de  tudo  em  sua  ReiigiSo,  com  n3o  menos  esem- 
plo de  Catholico,  que  de  douto,  e  com  grandes  sinaes  de  sua  eterna  pre- 
destinacSo. 

Ili  0  segundo  Convento  de  Religiosos  foi  em  Angra  o  Real  Colle- 
gio da  Gompanhia  de  Jesus;  a  este»  e  ao  da  Uba  da  Madeira,  no  mesmo 
dia»  e  anno  de  1569,  e  em  o  mez  de  Marco  mandou  fondar  de  sua  Real 
fazenda  o  Senbor  Rei  Dom  Sebasti3o,  sendo  entao  Provincial  da  Com- 
panbia  o  Padre  Le3o  Henriques  ;  mas  com  a  peste  que  entao  bavia  em 
Lisboa,  nao  partirSo  os  Padres  senao  em  Mar^o  do  anno  seguiate  de 
1570,  onze  para  o  Funcal  da  Madeira,  e  outros  onze  para  Angra  da  liba 
Terceira,  e  os  que  biao  para  està,  embarcarao  em  sete  niùs  de  guerra 
com  0  General  D.  Francisco  de  Mascarenhas,  que  bia  esperar  as  néos 
da  India,  e  corno  estas  ja  vinhao  da  Terceira  com  comboy  de  carave- 
las,  arribariio  os  Padres  na  Armada,  e  tomarao  a  partir  nas  caravelas  a 
deus  de  Maio,  e  no  ultimo  cbegarao  é  Terceira,  e  desembarcar3o  em  o 
primeiro  de  Junho:  indo  por  primeiro  Reitor  do  Collegio  o  Padre  Lois 
de  Vasconcellos,  nao  menos  santo,  e  sabio,  que  illustre,  (por  ser  noto 
do  Gonde  de  Penda)  e  que  tambem  bia  por  Mestres  dos  casos,  tendo 
ìa  ido  a  Roma  duas  vezes  por  Procurador  da  Provincia  de  Portugal,  e 
com  elle  biao  os  Padres  Fedro  Comes,  e  Baltbesar  Barreira  por  Fréga- 
dores,  e  tambem  dous  Mestres  para  lerem  Frimeira,  e  Segunda,  Fedro 
Freire,  e  Sebastiao  Alvarez;  e  seis  Religiosos  mais  para  estadarem,  e 
servirem  ao  Collegio. 

112  Antes  de  os  Padres  desembarcarem  sahio  o  Bispo  D.  Nudo  Al- 
varez Pereira,  e  muitos  Ecclesiasticos  a  esperal-os,  e  o  Senado  da  Came- 
ra com  0  Capitao  mór  Joao  da  Silva  do  Canto,  mettendo-se  em  doas 
barcas  alcatifadas,  e  omadas  forao  a  bordo  buscar  os  Padres,  e  trazen- 
do-os  ao  Bispo  que  os  espcrava,  elle  os  abra^ou,  dizendo:  «Agora  me 
vcm  todo  0  meu  descanco:»  e  todos  assim  levarao  os  Padres,  e  os  bos- 
pedarao  logo  na  Misericordia,  e  o  magniQco  fidalgo  Joao  da  Silva  do 
Canto  tomou  logo  sobre  si  dar-lhcs  tudo  o  necessario,  e  sustental-os, 
em  quanto  nao  escolhiao  babita^ao;  e  porque  o  dito  tidalgo  tinba  ja  fei- 
ta  huma  Igreja;  e  religiosa  babita^ao,  para  niella  metter  meninos  orHios, 


LIY.  VI  GAP.  XII  50 

corno  OS  tem  Lisboa,  pedio  multo  aos  Padrcs  aceitassem  aquclle  ediH- 
cio,  e  ornato  d*elle,  e  liberalmente  logo  Ihes  fez  doagao  de  tudo.  e  de 
malta  outra  madeira  que  para  mais  obra  tinha  junta,  e  se  recoIherSo  os 
Padres  ao  dito  primeiro  seu  Collegio,  de  que  podia  chamar-se  Funda- 
dor  o  dito  fidalgo  Joao  da  Silva  do  Canto,  que  com  tal  liberalidade  Iho 
dea  feito;  e  o  posto  era  no  sitio  da  Cidade  aonde  chamao  a  Racha,  so- 
bre  a  bahia  do  porto,  e  mais  sobre  o  Portinho  Novo,  com  dilatada  vis- 
ta para  o  mar»  e  adiante  da  rua  dos  Cavallos  para  o  Sul,  e  n3o  longe 
do  Paco  Episcopal,  e  sua  Sé;  mas  d'abi  a  annos  se  mudarao  para  onde 
boje  estSo. 

118  D'este  primeiro  Collegio,  que  pelo  Orago  da  ja  Teita  Igreja  se 
intUulava  Nossa  Senliora  das  Neves,  come^ao  logo  a  sahir  os  Padres,  e 
a  fnictificar  nas  almas  espiritualmentc,  comò  do  Geo  vem  as  neves,  e 
fertìlizSo  as  terras,  e  multo  mais  com  a  occasiao  de  huns  tremores  de 
terra,  e  com  suas  prégacSes  mover3o  tanto  a  Cidade,  e  a  tanta  peniten- 
da,  Conflssoes,  e  Gommunh5es,  que  todos  se  persuadilo  que  se  entao 
morressem,  se  salvavao  todos,  passados  os  terremotos,  sahio  logo  o  Bis- 
po  D.  Nuno  a  visitar,  levando  por  companheiro  ao  Padre  Pedro  Comes, 
qoe  tal  fruto  fez,  que  em  a  Villa  da  Praia,  e  em  bum  Mosteiro  de  Frei- 
ras  da  obediencia  do  Bispo,  ouvidas  do  Padre  todas  suas  praticas,  Ihe 
troQxerSo  é  grade  quantas  pegas  tinhao  escusadas,  e  ainda  so  curiosas  ; 
e  as  de  prata  as  converlerao  em  calices,  e  pegas  da  Igreja;  e  o  mais  se 
entregou  é  Àbbadega  para  commum  uso  da  Enfermaria,  e  Communida* 
de,  e  nao  para  proprio  de  alguma  Frcira,  e  logo  em  Septembro  do 
mesmo  anno  de  1570,  adoeceo,  e  faleceo  o  Bispo,  que  por  suas  virtù- 
des  se  ere  estar  na  gloria,  e  se  vio  cumprida  a  sua  profecia,  quando 
aos  Padres  que  desembarcarao  disse:  Agora  me  vem  todo  o  meu  des- 
canco;  pois  logo  se  foi  para  o  Ceo. 

114  Entao  o  primeiro  Reitor  o  Padre  Luis  de  Vasconcellos  man- 
doa  ao  Padre  Pedro  Comes  em  missao  a  Ilha  de  S.  Miguel,  e  foi  o  pri- 
meiro da  Companbia  que  n'ella  entrou,  e  andou  n*ella  até  Agosto  de 
1571,  em  que  voltou  para  Angra,  e  no  anno  de  72  for3o  de  Portugal 
para  Angra  o  Padre  Ajidré  Gongalves  por  Mestre  dos  casos,  e  o  Mestre 
Jo3o  Garcia  para  ler  a  Segunda,  e  o  Irmao  Balthesar  de  Almeida  para 
servir  no  Collegio,  voltando  oulros  para  Portugal,  donde  logo  no  anno 
de  1573  veio  o  Mestre  Simao  Martiris  a  ler  a  prinjcira,  em  1574  para 
75  vierao  o  Padre  Luis  Pedro  Pinhào  para  Ministro  de  Angra,  e  oiitro 


00  IllSTOniA  INSULANA 

Mestre  para  a  primcira,  e  o  Imiao  Francisco  Dias,  Mestre  de  obras»  pa- 
ra tlirigir  as  do  Collegio,  e  no  anno  de  1576,  enlrou  em  a  Terceira 
por  segundo  Reilor  do  Collegio  o  I^adre  Eslevao  Dias,  grande  Prt^ador 
e  bom  Theologo.  No  anno  de  1377  sabendo  a  Cidade  de  Angra  quo 
mandavao  voltar  para  Portugal  ao  Padre  Pedro  Comes,  escrcveo  o  Sena- 
do  da  Camera,  pedindo  ao  Provincial  que  111  o  nao  tirasse,  e  no  seguio- 
te  anno  llie  veio  patente  de  Visitador,  e  foi  o  primeiro  Visitador  da 
Companhia  que  liouve  nas  Tcrceiras,  e  acabada  a  Visita,  querendo  o  Pa- 
dre com  capa  de  vir  dar  conia  da  Visita  a  Portugal,  a  Camera  o  impe- 
dio,  até  com  pregao  publico,  e  grandes  penas  a  qualquer  barqueiro  qoe 
0  levasse  a  embarcar,  ou  cousa  sua,  e  porque  alguns  da  Cidade,  a  ro- 
gos  do  Padre,  diziao  que  o  deixassem  embarcar,  centra  estes  chegarSo 
a  metter  maos  as  espadas,  e  so  o  mesmo  posto  de  joelbos,  e  seguranr- 
do-os  que  se  voltava  para  o  Collegio,  comò  fez,  apaziguou  a  civil  con- 
tenda. 

113    Mas  porque  entao  estava  em  o  porto  de  Angra  a  Armada  Real. 
de  que  era  general  D.  Jorge  de  Menezes,  o  Padre  Pedro  Comes,  depois 
de  muita  oracao,  santaniente  persuadio  a  liuns  barqueiros  Tossem  a  bum 
portinlìo  de  buma  vinba  dos  Padres,  bum  quarto  de  legoa  fora  da  Ci- 
dade, para  de  la  mandar  bum  refresco  ao  General,  e  ir  a  visital-o,  eas- 
sim  sem  mais  que  o  seu  Breviario  se  foi  da  Quinta  &  Armada,  e  li  flcou,   ^ 
clamando  os  barqueiros,  de  se  verem  sem  mao  dolo  enganados,  e  su-—: 
gcitos  às  penas  do  Senado;  porém  este,  por  jà  nao  poder  mais,  e  porar^ 
petigao  do  Padre,  perdoou  aos  innocenles  barqueiros,  e  ao  Padre  man— .«- 
darao  matolagem  nobre,  e  para  o  Padre  Provincial  caitas,  em  que  \h^^z 
torna vao  a  pedir  o  mesmo  Padre.  Chegado  o  Padre  a  Lisboa,  o  pedi^-^^ 
logo  para  seu  Confessor  a  Serenissima  Senhora  D.  Catharina  Duqueza  àJE:^ 
Bragan^a;  e  pouco  depois  o  Padre  parilo  por  Missionario  para  o  JapaG^lc] 
por  0  ter  muilo  pedido;  e  porque  nunca  llie  pedirao  cousa  por  amor  l» 
Virgem  Senhora  que  nUo  concedesse,  e  bum  Beligioso  da  Companhia  lF^^7i 
pcdio  0  seu  cilicio,  e  disciplinas,  estas  Ihe  deo  com  grande  repugnanc",^rr« 
por  estarem  lodas  vermelhas  de  seu  sangue,  e  o  cilicio,  por  ser  de  cr»-    ud 
ferro;  mas  achando-se  com  oulros  semolhnnles  instrunientos,  de  qne        //. 
nha  muitos;  e  finalmente  morreo  esle  Santo  Padre  cm  a  India,  e  rrroiu 
muitas  revelacoes  do  Geo,  e  nolaveis  profccias  sobrc  os  successos  fi-^///- 
ros  da  Coroa  de  Portugal. 

1 10    Logo  em  o  anno  de  1  j80,  em  Seplembro  veio  da  Terceira  ow 


I 


LIV.   VI  CAP.  XII  61 

outra  Mìssao  a  Suo  Miguel  o  Padre  Francisco  de  Aranjo,  e  por  compa- 
nhciro  o  Irmao  Domingos  de  Goes,  e  vicrao  ambos  com  o  Bispo  D.  l'c- 
dro  de  Castllho,  qiie  vinha  a  visitar,  e  todos  se  deliverao  cm  Suo  Miguel 
dous  annos;  e  pelo  mesmo  tempo  chegou  liuma  caravela  a  Silo  Miguel 
com  bum  Antonio  da  Costa,  que  em  Suo  Miguel  acclamou  logo  ao  Se- 
nhor  D.  Antonio  por  Rei  de  Portugal;  e  ao  terceiro  dia  elle,  e  ciuco  Ir- 
!d3os  da  Companhia,  que  com  elle  vinhfio,  se  passarao  logo  i  Terceira, 
e  d'esla  o  Padre  Reitor  Eslev3o  Dias  reraetteo  logo  em  Dezembro  do 
^580,  a  Lisboa  o  Irm3o  Baltbesar  Gongalves  com  negocios  de  importan- 
cia,  e  tornando  o  dito  Irmao  é  Tercelra,  de  li  voltou  mandado  para  Sao 
Miguel,  e  d'ahi  a  anno  e  melo  partirSo  para  Lisboa  o  Padre  Francisco 
do  Araujo  com  os  dous  Irmaos,  e  o  Bispo  D.  Pedro  de  Castilho.  E  muito 
depois  em  1589,  passar3o  por  S.  Miguel  para  a  Terceìra  o  Padre 
Francisco  Fertiandes,  e  com  elle  bum  Mestre  do  mesmo  nome  para  ler 
a  Prìmeira,  em  1390,  veio  o  Padre  Pedro  de  Almeida  para  Reitor  de 
Angra,  (tendo  ji  sido  Reitor  da  Madeira)  e  entao  Taleceo  em  Angra,  a 
4  de  Julho  de  1390,  o  Padre  Luis  de  Vasconcellos  com  grande  fama  de 
rara  santidade,  e  prudencia  grande  de  governo. 

117  D*esta  sorte  fui  continuando  o  Collegio  da  Companbia  em  An- 
gra, e  no  primciro  sitio  cbamado  da  Rocba,  até  que  (comò  diz  Guodes 
cap.  7,)  se  mudou  o  Collegio  para  sitio  mais  commodo  d  Cidade,  e  aos 
estudos  d  ella,  que  lie  pouco  acima  da  praga,  no  Tim  da  rua  direita  a  mao 
esquerda,  fìcando  5  mao  direita,  e  ainda  bum  pouco  mais  acima  o  Pa^o 
do  Marquez  Donatario,  e  abaixo  do  jardim  do  Marquez  fli^a  buma  cerca 
do  Collegio,  a  qual  cbamào  o  Sitio,  com  bum  bom  solo  baixo,  e  outro 
alto,  d  onde  se  ve  o  melbor  da  Cidade,  e  u'este  sitio  corta  buma  rìbeira 
de  agua  doce,  com  que  nao  s6  tem  boria,  mas  muitas,  e  grandes  arvo- 
res,  e  até  Bananeiras  do  Brasili  d*este  sitio  da  mao  direita  se  passa  por 
boa  abobada,  e  por  baixo  da  rua  publica,  a  outra  cerca  mais  pequena, 
qae  fica  da  parte  esquerda,  com  fonte  de  agua  dentro,  e  de  beber,  e 
com  boas  bortas,  e  latadas,  tudo  contiguo  ao  Collegio,  detraz  d'elle. 

1 18  A  Igreja  deste  se  segue  logo  com  o  alto  frontespicio  corrente  da 
parte  do  Sul  para  o  Norie,  com  largura,  e  comprimente  proporclonado, 
fermoso,  e  grande  Coro,  ao  principio,  e  adiante  d'elle  se  seguem  tres 
nobres  Capcllas,  depois  ampio  cruzeiro,  com  nao  so  grandes  grades  A 
entrada,  mas  adianle  as  pequenas  da  Communbao,  e  na  fronte  mais  tres 
altares,  dous  das  ilbargas  riquissimos,  e  ainda  de  mais  ricas  Ueliquias, 


&Ì  lilSTOlUA   I.NSULA?CA 

c  a  Dobrc  Capcila  mór,  corno  cabega  grande,  e  digna  de  tao  regio  cor- 
po, e  ludo  ricaineiite  dourado:  por  cima  das  Capellas,  sem  estas  fìcarem 
baixas,  v3o  taes  tribunas,  que  cada  huma  ho  liuma  linda  sala,  d*onde  os 
mais  nobres  vao  ouvir  as  prégavoes,  e  se  ouvem  bem,  e  para  ellas  se 
entra  enì  boas  entradas  do  Coro  por  cada  parte,  e  todas  tem  primeiras 
luzes,  que  vuo  dar  em  a  Igreja  ja  corno  segundas,  fora  as  de  cada  parte 
do  cruzeiro,  e  as  do  grande  frontespicio,  que  suo  luzes  em  ludo  primei- 
ras. 0  tecto  d'està  Igreja  he  todo  de  abobada,  porém  do  cedro  finissi- 
mo, (e  todo  admiravelmente  lavrado,  e  repartido  em  paincis)  que  se  foi 
buscar  é  liha  das  Flores,  onde  ainda  entao  melhor,  e  mais  cbeiroso  o 
havia. 

110    Do  frontespicio  de  fora,  e  do  de  dentro,  que  cerca  a  Capella 
mór,  muito  podla'  dizer,  porque  ambos  silo  altos,  magostosos  proporcio- 
nadamcnte,  com  as  Reaes  Armas  humanas  do  Serenissimo  Rei  seu  Fun- 
dador,  e  do  seu  Divino  Padroeiro  o  Santissimo  Nome  de  Jesus;  e  nSo 
menos  poderia  referir  do  nobre,  e  largo  terreiro,  e  suas  boas  entradas 
que  ha  para  a  tal  Igreja;  e  ainda  muito  mais  do  exceliente  Pateo  dos 
Estudos,  que  se  segue  logo  para  a  mao  esquerda  da  Igreja,  com  aula 
de  perpetua  Tlieologia  moral,  e  outra  do  FilosoQa  muitas  vezes,  e  oatra 
que  cbam3o  Primeira,  aonde  se  le  sempre  Rbelorica,  e  a  que  cbaoiio 
Segunda,  aonde  se  ensina  a  Latinidade,  e  outra  sala  principal  dos  Actos 
literarios,  tudo  com  portada  principal  dos  Estudos  para  fora,  e  com  seu 
Guarda,  e  Meirìnho;  e  se  Ilio  puzerem  mais  liuma  cadeira  de  Theologia 
Escolastica,  e  outra  de  so  Gramatica  com  seu  Prefeito,  cu  Decano»  fica- 
ria  huma  muito  utìl  Universidado,  para  de  todas  as  Illias  Terceiras  virem 
alli  formar-se  Moralistas,  Prégadores,  e  Parochos  perfeitos»  e  ainda  to- 
marem  alli  seus  gràos  de  Mestres  em  Artes,  de  Bachareis  formados,  e  Li— 
cenciados  em  Theologia;  e  com  hum  anno  so  anno  do  mais  virem  a  Coim^ 
bra,  ou  a  Evora  a  tornar  o  grào,  Capello,  e  boria  de  Doutores,  com» 
da  Bahia  vem,  e  de  outras  partcs.  Ilaja  mais  zelo  do  bem  commum,  » 
menos  ambicao,  e  logo  tudo  baveri 

120    Acima  do  dito  Pateo  dos  Estudos  para  a  banda  do  Norte  corre 
0  Collegio  contiguo  de  Leste  a  Oeste  com  quadra  de  corredores,  que  pelo 
Sul  pegSo  com  o  Coro  da  Igreja,  e  pelo  Norte  com  a  Capella  mór,  e  tri- 
bunas  para  ella;  mas  do  tal  Sul  ao  Norte  vai  via  larga,  e  aberta  para  o 
Geo,  para  a  Igreja  com  primeiras  luzes;  e  ficando  da  parte  do  Sul  huma 
nobre  Portarla  olhando  para  o  Oeste,  e  para  o  vasto  terreiro  da  Igreja, 


Liv.  VI  GAP.  mi  03 

cotn  que  pega  pelo  Coro:  em  cima  da  Portarla  fica  a  Regia  sala  d'el-Rei 
D.  Seba3ti3o  Fundador  do  Collegio,  e  da  parte  do  Norte  fica  cm  baixo 
liuiiìa  nobre  sala,  ou  \Dte-sacrlstia  com  porta  para  o  Crazeiro  da  Igreja  e 
logo  para  diante  a  fermosa  Sacristia,  que  corre  com  o  lado  do  Evangelho  da 
Capella  mór,  e  com  outras  casas  de  despejos  da  Igreja;  e  por  cima  vai 
a  via  para  as  trìbunas  do  Santissimo,  e  mais  para  o  Norte  huma  tSo  co- 
piosa livraria,  que  nSo  so  das  mais  Artes,  e  Sciencias,  mas  até  de  Me- 
diciDa  tem  muitos,  e  excellentes  lìvros,  além  dos  que  os  Lentes,  e  l^ré- 
gadores  tem  necessariamente  sempre  nos  cubìculos. 

i21    k  fundagao  Real  d'este  Collegio  foi,  consignando-Ihe  el-Rei 
seis-centos  mil  réis  de  renda  cada  anno;  dous  termos  em  dinheiro  nas 
Alfandegas,  e  o  outro  terco  em  trigo,  e  obriga^ao  de  doze  Religiosos. 
dos  quaes  lessem  tres,  lamn,  Rhetorica,  e  Moral,  e  os  mais  se  occu- 
passem  nos  ministerios  da  Companhia,  de  pregar,  doutrinar,  e  con- 
fessar, ficando  competindo  a  cada  sugeito  cincoenta  mil  réis  para  to- 
dos  08  gastos,  ainda  communs  de  bum  Convento,  e  continuas  navega- 
fOes  de  idas,  e  vindas:  porém  he  tal  a  prudencia,  e  temperanza  do  go- 
verno da  Companhia,  e  tanta  a  benevolencia  dos  naturaes  das  Ilbas  para 
CODI  OS  Padres,  que  em  lugar  dos  doze  sugeitos,  tem  ordinariamente 
quinze,  oa  dezaseis  Religiosos;  e  em  lugar  das  tres  Cadeiras  metteo  jà 
por  vezes  quarta  de  Filosofia,  e  metterà  as  mais  jà  apontadas,  se  nos 
natoraes  houver  mais  zelo  do  seu  maior  bem  proprio;  e  em  lugar  de 
pregar,  doutrinar,  e  confessar,  excedem  tanto,  que  a  todas  as  nove  Ilhas 
lem  ido,  e  v3o  muitas  vezes  em  missoes,  com  que  em  S3o  Miguel  fun- 
dario  o  Collegio,  e  Residencia  que  là  tem,  no  Fayal  outro  Collegio,  e  das 
mais  Ilbas,  Ibe  pedem  Residencias,  e  se  as  tivessem,  nSo  so  Deos,  mas 
ainda  a  Coroa  Portugueza  teria  as  suas  Ihas  mais  seguras,  porém  n3o 
tem  0  Concio  com  que  acodir  a  tanto,  pois  so  tem  huma  Quintinha  de 
reodimento  nenhum,  mas  de  pura,  e  honesta  recrea^So  para  os  suetos 
dos  Estudos,  onde  cham3o  a  Silveira,  ou  Penedo  do  Alcalde,  e  outra  onde 
diamSo  o  Posto  Santo,  para  alguns  dias  de  ferias  de  Mestres  em  Agosto, 
e  Septembro,  comò  em  seu  lugar  diremos. 

CAPITULO  XIU 

De  outros  Religiosos  Conventos  de  Angra. 

122     0  Terceiro  Convento,  vulgarmente  diamado  da  Gra^a  he  o 


gì  IIISTOniA  INSULANA 

dos  Religiosos  EremiUs  de  Santo  Agostinbo.  A  occasiio  de  se  fundar 
foi,  que  (corno  diz  Fructuoso  liv.  6,  cap«  ÌQ,)  pelos  aunos  de  1570,  foi 
de  Portugal  à  Uba  Terccira  bum  mancebo  Antooio  Varej3o,  naturai 
de  Freixo  de  Espada  na  Cìnta,  o  qual  sendo  virtuoso,  e  de  bom  enge- 
ubo,  se  voltou  da  Uba  a  estudar  em  Salamanca,  e  nesta  brevemente  se 
metteo  Religioso  em  bum  Mosteiro  de  Santo  Agostinbo,  onde  acabou  os 
estudos,  e  jà  Sacerdote  voltou  a  Uba  Terceira,  onde  prégou  muito  bem» 
e  com  muito  fruto,  e  passando*se  da  Uba  às  Indias  de  Castella,  e  n'ellas, 
assim  de  suas  Missas,  e  prégagSes,  comò  de  restituigies  a  elle  entregues 
para  as  applicar  as  obras  pias  que  elle  escolbesse,  ajuntou'^mttUa^rique- 
za,  e  com  ella  terceira  vez  voltou  a  mesma  Uba  Terceira,  e  comprando 
n*ella  rouitos  moios  de  annual  renda  de  trigo,  come(^u  logo  na  Uba  bum 
Hospital  para  a  gente  que  alli  cliegasse  dls  Indias,  e  tendo  a  casa  jà 
feita,  mudou  de  intento,  e  dando  parte  dos  moios  à  Misericordia  de  An- 
gra,  da  outra.parte,  e  do  sitio,  e  cada  feita  fez  logo  doa^ao  ao  seu  Pro* 
vincial  de  Portugal,  para  fundar  em  Angra  bum  Convento  de  Frades  Gra- 
cianos. 

Ìì3  Em  0  anno  pois  de  1379,  mandou  o  dito  Provincial  tres  Re- 
ligiosos, Frei  Pedro  da  Graca  Prégador,  e  Frei  Domingos  Corista,  e  bum 
IrmSo  Frei  Pedro  da  Resurreigao;  e  voltando  logo  o  dito  Pr^ador  a 
Portugal  a  dar  conta  do  que  convinba,  entretanto  come^arao  as  guerras 
entre  Felippe  II,  e  seu  primo  o  Senbor  D.  Antonio,  (de  que  adiante  tra- 
taremos)  e  os  oulros  dous  que  ficarào  na  Uba,  por  serem  da  parte  de 
D.  Antonio,  forao  prczos,  e  levados  a  Lisboa;  e  depois  no  anno  de  1584, 
se  fundou  o  Convento,  e  sua  Igreja,  e  o  primeiro  Prior  foi  bum  Frei 
Pedro,  naturai  da  Uba  de  SSo  Miguel,  Albo  de  Sebastiao  de  Soosa  Ca- 
mello, e  de  sua  mulber  D.  Isabel,  filba  do  Doutor  Francisco  Toscano;  e 
correrao  logo  tantas  Indulgencias  concedidas  à  dita  Igreja,  e  Correa  de 
Santo  Agostinbo,  que  o  pio  povo  de  Angra  cbamava  Roma  ao  dito  Con- 
vento, e  indo  a  elle  diziao:  Yamos  a  Roma;  e  assim  se  fundou  este  Con- 
vento da  Graca  em  Angra  ba  130  annos. 

12 i  0  sitio  deste  Convento  be  no  fim  da  grande  ma  da  Sé,  para 
a  parte  do  Poente,  e  no  principio  da  mais  comprìda  rua  de  Sao  Pedro, 
que  vai  longe  acabar  na  porta  de  Santa  Catbarina:  da  parte  do  Evange- 
Ibo  Oca  junto  a  este  Convento  o  campo  cbamado  das  Covas;  nofrontes- 
picio  da  Igreja  para  a  parte  do  Nascente  Ibe  fica  outro  bastante  terreiro, 
ao  qual  tambem  vai  dcsembocar  a  dilatada  rua  do  Bego.  A  Igreja  d'esle 


II?.  Vi  GAP.  xm  G5^ 

Convento  he  grande  e  bem  aceada;  o  Convento  he  competente,  e  ainda 
se  póde  estender  mais,  pois  por  detraz  para  o  Noroeste  jà  nao  corre. a 
Cidade,  mas  s6  afastadamente  a  nobre  casa,  e  Quinta  do  Joao  Betencor 
e  Vasconcéllos,  fidalgo  que  foi  Capitao  mór  de  Angra:  para  este  Conven. 
to,  além  do  seu  primeiro  Prior  acima  dito,  forSo  logo  no  pTincipio  tres 
Prcgadores  mais,  e  hum  so  Sacerdote  para  primeiro  Sacristuo,  chamado 
Frei  Fedro  de  Santa  Maria,  o  n'este  Convento  chegarao  a  morar  tantos 
Reiìgiosos,  que  d'elle  se  foi  fundar  o  Convento  de  Penta  Delgada  em 
S.  Miguel,  e  o  da  Villa  da  Praia  na  Terceira,  e  n'clle  houvc  sem|)ro  bons 
Prt^adores^,©  Confessores,  e  Coro  às  suas  lioras:  a  Communidade  acom- 
panha  os  defuntos  às  sepulturas,  e  om  fìm  serve  de  multo  a  toda  a  Ci- 
dade,  e  sobre  tudo  com  multo  exemplo  de  virtude,  e  letras. 

125  0  que  mais  se  deve  approvar,  he,  que  assim  corno  os  Fran- 
ciscanos  no  seu  Convento  de  Angra  insti tuirao  cabcga  de  Provincia  com 
seu  Provincial,  Definitorio,  etc,  assim  os  Gracianos  no  seu  Convento  de 
Angra  instituirao  Vice-Provincia  com  Vice-Provincial,  nao  tendo  mais  que 
tres  Conventos  cm  estas  Ilhas;  porque  na  vcrdade  acharao,  que  parecia 
centra  justiga  morarem  tantos  Religiosos  em  Ilhas  tao  alTastadas  de  toda 
a  terra  firme,  e  nao  terem  là  alguma  cabega  superior  do  todos,  a  quem 
OS  sobditos  de  cada  casa  possao,  quando  Ihes  for  licito,  recorrer  dos  lo- 
caes  Superiores,  pois  o  recorrer  cà  a  Portugal,  em  (comò  se  diz)  a  se- 
gQDda  instancia,  he  quasi  impossivel,  fallando  moralmente,  por  se  to- 
marem,  ou  se  perderem  muitas  embarcagoes,  que  primeiro  morrem  là, 
oa  perdem  a  paciencia  os  recorrentes,  do  que  de  Portugal  là  chegue  a 
iresoluf^o  de  seus  recursos,  e  por  isso  muitos  se  escusso  tanto  de  irem 
para  as  Ilhas,  por  nao  haver  là  a  quem  possao  recorrer,  quando  for  li- 
bato: e  jà  por  isso  tambem  até  a  Religiao  da  Companhia^  nao  so  do  Ja- 
pao,  e  Malavar,  ou  Cochim  fez  Provincia,  e  da  China  Vice-Provincia,  e 
do  Maranhao;  mas  até  nas  ditas  Ilhas  poz  jà  Vice-Provìncial,  que  foi  o 
Vadre  Matbias  de  Sa  pelos  annos  de  1609,  depois  de  ter  side  Reitor  de 
Sio  Miguel,  e  de  Angra,  e  mais  ainda  entao  nao  havia  em  Sao  Miguel  a 
BesideDcia  de  Ribeira  Grande,  nem  no  Fayal  o  terceiro  Collegio,  corno 
ji  tocamos  liv.  5,  cap.  21,  e  muitas  vezes  nas  mesmas  Ilhas  se  tem  posto 
Visitador  triennal,  para  se  nao  faltar  ao  bom  governo  dos  seus  Colle- 
gios. 

126  E  ainda  he  mais  de  approvar,  que  as  ditas  Religìoes  Francis- 

cuia,  e  Graciana  tem  seus  proprios  Noviciados  em  Angra,  onde  tem  en 
VoL.  u  5 


66  lltSTOHIA  liNSULANA 

tj^o  muitos,  e  muito  limpos,  e  nobres  sugeitos  das  mesmas  Ilbas;  por- 
que  parece  conlra  a  raziio,  que  sustentaadu-se  buma  Religiao  nas  dilas 
Ilbas,  e  iiavendo  n'ellas  sugeitos  capazes  de  nella  entrarem»  os  obriguera 
a  virem  entrar  em  Portugal  trezenlas  legoas  de  mar  distante»  nao  so  com 
OS  perìgos'do  mar,  cativeiro»  naufragio,  etc,  mas  com  muito  grandes 
gastos;  e  por  isso  de  la  nao  pedem  tantos,  quantos  haviSo  pedir,  se  là 
entrassem  Novigos,  e  depois  viessem  para  ce;  corno  nem  tantos  entra- 
riao  cà  das  Provincias  Transmontanas,  Mìnbo,  e  Beira,  senao  tivessem 
Noviciado  em  Coimbra;  nem  do  Algarve,  e  todo  o  Alem-Tejo  entrariao 
tantos  na  Companbia,  se  em  Evora  nao  tivessem  outro  Noviciado;  e  até 
da  Estremadura,  e  da  mesma  Lisboa  muitos  nao  entrariao,  se  em  Lis- 
boa nao  tivesem  Noviciado  em  que  entrar,  sendo  que  em  taes  Novìcia- 
dos  nenhum  entra  vindo  do  dizimo  das  legoas  de  terra,  que  de  Portugal 
vSo  até  as  ditas  Ilbas,  e  de  mar. 

127  0  quarto  Convento  de  Religiosos  em  Àngra  be  o  de  S.  Anto- 
nio, Uecolela  Franciscana,  que  està  ao  sahir  da  Cidade  pela  porta  de  Sào 
Dento,  tornando  logo  para  a  mào  esquerda,  sahida  recreativa,  e  de  boai 
passeio,  be  Convento  exemplarissimo,  nem  sei  que  baja  outro  em  as  di- 
tas nove  Ilbas;  e  de  nenbuma  oulra  se  sustenta,  mais  que  de  puras  es- 
molas,  quo  ou  Ibe  mandao,  ou  vem  pedir  pelas  ruas  em  dia  determino- 
do  para  isso,  porque  nem  levao  esmolas  de  Missas,  nem  tem  Gapellas 
de  anniversarios,  ou  musicas,  nem  esmolas  de  enterros,  ou  de  babitos 
de  defuntos;  nelle  sempre  bouve  Yaroes  santissimos,  e  alguns  passados 
tla  Observancia  para  està  Recoleta;  e  comtudo  sempre  passa  muito  do 
doze  Frades.  Tem  buma  linda  Igreja,  e  Convento,  e  devptissima  cerca, 
e  agua  dentro  em  abundancia.  Quem  fosse  seu  Fundador,  nao  sei;  consta 
porém  que  o  Capitào  Joao  de  Avila  (rico  fidalgo  de  Aogra,  de  que  fal- 
laremos)  ajudou  muito  a  este  Convento,  e  juoto  é  Capella  mór  tem  casa 
sua,  e  na  tal  Capella  sepultura. 

428  0  quinto  Convento  (e  jà  de  Religiosas  Freiras)  be  o  diamado 
de  Sao  Gonzalo,  da  Regra  da  Observancia  de  Santa  Clara,  porém  tio 
antigo,  que  em  seu  principio  foi  da  nbediencia  do  Bispo  do  Porlo  em 
Portngal,  e  depois  por  Bullas  Apostoiicas  flcou  debaixo  da  obediencii 
dos  Bispos  de  Angra.  Seu  Padroeiro  fui  Bras  Pires  do  Canto,  e  seu  Fun- 
dador,  cuja  ftlba  D.  Maria  do  Canto  casou  com  D.  Diogo  Lobo  que  suo- 
cedeo  ao  sogro  no  padroado  de  Sao  Gonzalo,  e  do  tal  Diogo  nasceo  D. 
Rodrigo  Lobo  da  Silvcira,  que  foi  naturai  da  cidade  de  Angra  da  Uba 


UV.  VI  CAP.  XIll  67 

Terceira,  e  foi  tìovemfldor,  é  Capitio  General  da  liba  de  Sào  Miguel  pe* 
los  aoQos  de  1630,  e  do  dito  D.  Rodrigo  nasceo  D.  Diogo  Lobo^  s^un* 
do  do  nome,  q/ie  por  Mestre  de  Campo,  e  Govemador  da  Armada  foi 
para  o  Brasil  no  anno  de  1639,  e  a  23  de  Juiho  Jevou  comsigo  de  Sao 
Miguel  0  Yisitador  da  Companbia  o  Padre  Fedro  de  Moura^  cojo  Com« 
paDheiro,  e  Seoretario  era  o  Padre  Luis  Lopea.  FandoQ-se  o  dito  Con- 
vento em  sitio  descuberto  para  o  Porate  da  Cidade  de  Angra,  proprio 
tiro  de  pe(^  de  grande  Castello  de  Sao  Jo3o  BapUstai  com  larga  vista 
para  as  bortas,  bahia  do  Faoal,  bairro  de  S.  Pedro,  e  vasto  mar  de  Des- 
te, e  be  Convento  tao  grande,  que  jà  passou  de  cem  Freiras  de  véo  pre- 
to,  e  muitas  mais  tem  tido,  n3o  so  nobilissimas,  mas  de  religiao,  exem- 
pio,  e  santidade  exceliente,  corno  em  sea  lugar  veremos;  e  com  bom 
terreiro  para  o  Sai,  e  Igreja  em  tudo  mai  perfeita. 

129  0  sexto  Convento  be  o  de  Nossa  Senbora  da  Esperan^a,  quo 
esti  sitoado  bem  no  meio  da  Cidade,  e  quasi  da  Sé  Catbedral,  e  do  prìn* 
cipio  da  roa  dos  Cavallos;  e  por  incuria  dos  antigos  nao  acbo  noticias 
do  sea  Fundador,  e  supponho  seria  o  grande  zelo  dos  Religiosos  de  S3o 
Francisco;  e  lambem  be  da  Regular  Obsenancia  de  Santa  Clara,  mas  da 
obediencia  Serafica,  e  n3o  so  no  espiritual,  mas  tambem  no  temperai 
bem  governado  pelo  Provincial  d's^uella  Provincia,  e  por  bum  seu  Pa« 
dre  Vigario  das  Freiras,  que  be  lugar,  e  posto  muito  grave,  e  seu  Com* 
panbeiro  Confessor,  e  Aliviadores,  e  Prégadores  Seraficos;  e  ainda  que 
nSo  be  tao  antigo,  nem  tao  grande,  nem  tem  tao  boa  vista  comò  o  Con- 
vento de  Sao  Concaio,  comtudo  be  Convento  de  quasi  sessenla  Freiras, 
e  muitas  muito  nobres,  e  de  grande  recolbimento,  e  obsenancia,  e  muito 
grave,  e  perfeita  musica,  com  indefectivel  continuacao  do  coro,  e  rìco 
callo  de  sua  excellente  Igreja;  e  assim  tem  neste  Convento  bavido,  e 
sempre  ba  Religiosos  de  grande  espìrito,  de  quem  compera  quem  quizer 
compor  a  Cbronica  da  Provincia  Insulana,  e  facilmente  a  imprimirà  é  cus- 
ta  dos  Convenlos  que  tem  de  Relìgiosas,  que  podem,  e  gostarSo  muito 
de  imprimil-a. 

130  0  septimo  Convento  be  o  que  commumente  chamao  da  Con- 
cei^o  das  Freiras  para  distinc^ao  da  Collegiada  Concei^ao  dos  Clerìgos. 
He  este  Convento  de  estalulo,  e  regra  tao  singular,  e  pcrfeita,  qne  di- 
xem  que  em  Portugal  so  ba  bum  Convento  scmelhante  a  este:  o  certo 
be  que  com  serem  de  grande  recolbimento,  e  observancia  os  deus  Con* 
ventos  acima,  confcssao  todos  que  este  os  vcnce  no  menor  tra  lo  Com 


68  IIISTOniA  INSULANA 

secularcs,  ho  maior  rcliro  so  a  Deos,  e  no  especial  excesso  do  cdto 
Divino;  sao  da  obediencia  do  Ordinario,  de  quem  tem  CapellSo,  e  Goft- 
fessor  communi,  e  ordinariamente  Aliviadores,  e  praUcas  dos  Padresdì 
Companhia  de  Jesus.  Do  sitio  jà  dissemos,  que  he  na  ultima  grande  fa 
da  Cidade  para  a  portn  de  Suo  Bento,  sem  inquietacio  de  casaria  M 
lados,  com  os  fidalgos  Monizes  da  outra  fronteira  parte;  com  amplia  i 
boa  cerca,  desempedida  vista,  devotissima  e  bem  omada  Igreja,  Done- 
rò de  mais  de  trinta  Freiras,  e  muiias  fidalgas  exemplarìssinias.  Deqni- 
do  so  fundasse,  e  por  quem,  me  n3o  chegou  noticia. 

431  0  oitavo  Convento  ho  o  que  se  intitula  de  Sic  SebasUiOb  por 
ser  fundado  em  huma  nobre,  e  grande  Ermida  do  Santo,  que  estiÙo 
de  Sao  Francisco  para  a  sobredita  Conceic3o  das  Freiras  i  firn  da  m 
olhando  para  o  Sul,  e  com  um  retiro  para  o  Norie:  era  ermida  do  Sa* 
nado  da  Camera,  quo  deo  a  està  Funda^So  para  Freiras  Capuchas  da  n- 
gra  mais  apertada  o  da  maior  pobreza  de  Sao  Francisco:  ha  perla  k 
cìncoenta  annos  qnc  se  fundou  com  puras  esmolas,  e  fui  grande  prt 
em  sua  fundagHo  o  Capitao  Joseph  Leal,  casado  em  Angra  por  vena,  i 
n'ella  morador,  Cidadao,  e  Senado  aiiligo  do  governo  da  Cidade,  pollo 
que  nascido  em  a  Corte  do  Lisboa.  A  este  Convento  novo  concomA 
Ingo  Donzellas  nobres,  e  de  grandoÉespirilo,  e  he  de  todos  o  roaispo- 
bre,  e  por  isso  mosmo  o  mais  soccorrido  de  esmolas  que  principalmenlB 
d'cllas  se  siistonta,  e  Lo  huma  Cai)iiclia  do  tal  clausura,  reliro,  eora^ 
quo  confunde  a  lodos  seu  raro  exemplo,  vjriude,  e  santidade;  he  da  obe- 
diencia do  Ordinario  Angrcnsc,  que  llics  dutonnina  Capellaes,  Confes»- 
rcs,  0  Pnigadores,  e  chega  jà  a  Convento  de  trinta  Ucligiosas,  deqwa 
seu  tempo  se  publicarào  suas  virludes. 

CAPITULO  XIV 

Do  tinto,  e  governo  da  Cidafle  de  Angra. 

ì:J2  Const4indo  a  Cidade  de  Angra  de  vinte  grandes  mas,  todas 
largas.  Indrilhadas,  e  calcadas,  o  corno  ja  as  apontiimos,  e  sendo  todas 
de  nobre  casaria,  duas  circunstancias  a  fazom  multo  vistosa:  primeiUf 
(pie  nas  taes  rnas  (exceplos  alguns  arrabaldes  da  Cidade)  nenhuma  casa 
lia  despegada  da  outra,  nem  nos  altos  ncm  nos  baixos  da  parte  da  n». 
nem  casa  lerreira  se  mette  (jiilrc  as  sohradodas,  nem  Quinta!,  oo  ja^ 


Liv.  VI  GAP.  xnr  69 

dim  sahe  a  nia;  com  que  ficao  as  ruas  com  grande  formosura  continna- 
das  sempre.  Sc^unda  circunstaDcia  he,  que  com  sercm  as  casas  quasi 
todas  de  paredes  feitas  de  pedra,  e  cai,  e  havendo  muitas  de  dous  so- 
brados  na  face,  e  por  detraz  de  tres;  comtudo  nao  costuma  haver  mo- 
radores  diversos,  hons  que  morem  por  baixo,  e  outros  por  cima,  nem 
qae  pela  mesma  portada  se  sirvao  diversos  moradores,  mas  do  mesmo 
be  lodo  0  Quintal  que  tem  cada  casa  para  traz,  com  que  até  por  dentro 
as  casas  sao  mais  limpas,  mais  desembaracadas,  e  mais  largas;  d'onde 
vem  qae  ató  as  travessas,  que  vao  de  huma  rua  para  a  outra,  sao  ruas 
baslantes,  pela  multa  largueza  que  vai  de  huma  a  outra  rua  com  os 
Quintaes  que  medeao  de  huma,  e  outra  parte. 

133  0  Irato  da  Cidade  he  tao  nobro  que  além  das  liteiras  do  Bis- 
po,  e  algumas  Dignidades  Ecclesiasticas,  e  do  Governa dor  do  Castello, 
Capìtào  mór  da  Cidade,  ha  outras  muitas  na  Cidade  dos  ricos  morgados 
della,  e  ainda  outras  carruagens  de  homens,  e  de  mulheres;  das  quaes 
as  mais  nobres  antigamente  nao  hiao  &  Igreja,  e  menos  a  visitas,  senao 
em  ricas  cadeiras  fechadas,  e  de  mao,  que  chamav3o  cadciras  de  mulhe- 
res, e  a  cada  huma  levavao  dous  negros,  e  às  iihargas  a  pé  hiao  os  cria- 
dus,  e  criadas;  as  outras  nobres  mulheres,  por  ser  tao  bcm  assentada  a 
Cidade,  e  ter  tao  perto  as  Igrejas,  hiao  a  pò,  mas  nunca  sem  criada,  nem 
Sem  homem  diante,  que  bem  vestido  acompanha  por  criado,  e  algum 
fillio,  ou  irm3o  leva,  e  traz  a  mai,  ou  a  irma  pela  mao,  e  a  criada,  ou 
criadas  vao  logo  atraz;  e  de  outra  sorte  se  nao  via  mulher  nobre  pelas 
ruas,  e  nem  ainda  assim,  senao  nos  dias  Santos  para  as  Igrejas  de  ma- 
nlìO,  e  de  tarde  a  pagar  as  visitas;  e  sempre  com  recado  antecedente, 
qae  li  vao  aquella  tarde;  e  das  mulheres  plebeas,  nem  a  vender  pelas 
ruas,  nem  em  tendas  a  vender,  ou  a  vender-se,  se  via  mulher  alguma^ 
nem  ainda  na  publica  Rìbeira,  mas  todas  em  suas  casas  cuidando,  e  tra- 
tando  d'elias;  e  so  homens  apregoao,  e  vendem  em  teda  a  parte.  Este 
era  o  estylo  ha  menos  de  cincoenta  annos,  e  de  cntao  para  cà  nao  sei 
0  que  0  tempo  tem  mudado. 

I3i  0  contrato  desta  Cidade  se  divide  em  mercadores  de  logea 
onde  vendem  a  conta,  pezo,  e  madida,  de  que  ha  mnitos;  e  em  outros 
a  que  chamao  contratadores  de  sobrado,  que  despachao  as  parlidas  in- 
tciras  na  Alfandega,  e  repartidamenle  as  vendem,  corno  de  primeira 
mao  aos  compradores  de  logea,  que  de  segunda  mao  as  vendem  ^os 
parliculares  compradores;  e  além  d'estes,  que  sào  muitos  mais,  ha  taes 


70  msrOlUA  INStJLANA 

contratadores  de  sobrado»  qae  muitos  tem  mais  de  cento,  e  de  dnzentos 
inil  cruzados»  e  nSo  so  Portuguezes,  mas  estrangeìros  de  quasi  todas  as 
na^s,  e  alguns  qué  entrando  alli  com  bum  p3o  na  mao  sem  mais  ri- 
qneza,  chegàrao  por  annos  i  sobredita  excessiva  pelas  commissoes  de 
snas  terras,  pclas  compras  que  fazem  aos  morgados  da  terra  de  seos 
trigos,  e  pelas  letras  de  cnmbios  que  Ihes  passSo  para  Portugal,  e  on- 
tms  Reinos;  e  tudo  fazem  coni  tanta  verdade,  e  fldelidade,  que  rara- 
mente se  ve  Mercador,  ou  contratador  quebrado  em  està  Uba,  porque 
nonhum  be  Judeo,  e  raro  be  clìrist!So  novo;  e  assim  tambem  por  tal  sabe 
rm'amente  algum  no  Santo  Oflicio,  prezo  em  a  dita  Uba,  com  ter  là  sem- 
pre Commissarios,  e  Familiares  seus, 

{35  Nem  so  da  terra,  mas  tambem  do  mar  foi  tio  grande  o  con- 
trito d'està  liba,  quo  (corno  em  muitas  partes  afQrma  o  antigo  Froctuo- 
so)  tinha  muitos  navios  proprios  sous,  e  de  alto  bordo,  com  que  com- 
merciava com  Portugal,  com  o  Brasil,  com  Angola»  e  Maranbio,  e  nao 
so  ag  frotas  do  Brasi t,  mas  as  nàos  da  India  Orientai,  e  as  das  Indias  de 
Castella,  quando  com  Portugal  estava  em  paz,  vinbSo  pela  Uba  Terceira» 
e  n'ella  se  refaziao,  n3o  so  de  mantimentos,  mas  tambem  de  soldadesca 
da  gente  de  guerra  do  Castello,  e  continuav3o  seguras  a  viagem  no  ftm 
mais  perigoso,  porém  depois  corno  os  Provedores  da  fsizenda  Beai  da 
mesma  Uba,  e  os  Provedores  das  Àrmadas  impedito  o  navegarem  os 
navios  d'ella,  e  os  occupavSo,  e  divertiJo  com  seus  pretextos,  e  conve- 
niencias,  e  comò  as  nàos  da  Ir^dia  Orientai  der3o,  ba  poucos  annos,  em 
vir  da  India  ao  Brasil,  e  por  este  para  a  India;  preoccupando  o  Brasil 
0  que  bavia  ir  a  India,  e  o  que  bavia  vir  a  Portugal,  e  fazendo  de  deus 
annos  a  viagem,  que  nem  de  bum  era  d'antes;  por  isso  em  a  Terceira 
OS  perseguidos  contratadores  deixarSo  de  fazcr  là  embarca^oes;  e  até  is 
mesmas  Ilbas,  cujos  dizimos  se  der3o  aos  Reis  com  obrigac3o  de  as  de- 
fenderem,  e  a  seus  mares,  nem  ja  vao  là  Armadas  que  as  defendiao, 
nem  as  deixao  defender-se  com  seus  livres  navios.  ^  se  isto  assim  be  jus- 
to,  là  0  veja  quem  Ihe  teca. 

130  Quanto  ao  governo  de  Angra,  o  Politico  conforme  a  Ordena- 
00  de  Portugal  consta  do  Senado  da  Camera,  (feito  por  pelouros  an- 
nuaes)  de  dous  Juizes  Ordinarìos,  quo  sempre  suo  dos  mais  prudentes, 
zelosos,  e  nobres  Cidadaos,  e  tres  Vereadores,  e  bum  Procurador  da 
Camera,  e  Cidade,  e  bum  Thesoureiro,  e  o  nobre  Escrivao  da  Camera, 
que  qao  se  elege  cada  anno,  mas  ho  officio  perpetuo,  dado  por  sua  Ma — 


LTV.  VI  CAP.  XIV  71 

gestadc.  N3o  se  sabe  qnc  tivesse  alguma  bora  Angra  Juiz  de  fora,  Ba- 
chareK  por  mais  que  Ih'o  quizerSo  metter,  e  assim  atégora  se  govemoii 
moito  bem.  Tem  os  que  servirlo  n'este  Senado,  e  os  que  andarem  nos 
pelouros  d'elle  os  privìlegios  dos  Gidad3os  do  Porto,  como-consta  do 
lombo  da  dita  Camera  a  fol.  6,  e  do  privilegio  dado  em  Lisboa  a  20  de 
Maio  de  4578,  e  confirmado  a  fol.  20  no  anno  de  1602,  e  os  taes  pri< 
vilegios  dos  Cidad3os  do  Porto  s3o  os  dos  Infancoes,  que  s9o  os  filhos 
dos  filtios  segondos  dos  Reis  ;  e  dos  taes  privilegios  gozao  nSo  so  os 
Juizes,  e  Vereadores  do  dito  Senado,  mas  tambem  os  Procuradores  d'eU 
le,  pelo  privilegio  dado  em  Lisboa  a  12  de  Dezembro  de  1582  comò  so 
\&  no  dito  tombe  a  fol.  8G,  e  ainda  os  Thesoureiros  da  dita  Camera  go* 
zae  do  mesmo  privilegio,  que  alcan^ou  Bnrtholomeu  da  Roclia  Ferraz  sa- 
hindo  por  Thesoureiro  no  anno  de  1632,  comò  do  dito  tombo  consta  a 
fol.  187. 

137  Costuma  este  Senado  de  Àngra,  quando  se  chama  a  Cortes  em 
Lisboa,  mandar  em  nome  das  mais  Ilhas  seu  Procurador  às  Cortes,  o 
que  nSo  vem  de  alguma  das  outras  Ilhas,  e  o  Pn)curador  de  Àngra  tom 
nas  taes  Cortes  lugar  em  o  primeiro  banco,  corno  llie  concedeo  o  Senhor 
Rei  D.  Joao  o  IV,  co  teve  Francisco  de  Bctcncor  Correa  e  Avila  nas 
Cortes  do  anno  de  16&2,  e  se  vó  no  dito  tombo  a  fol.  3i5,  e  a  fol.  456 
està  0  Alvarà  do  mesmo  Rei,  passado  em  13  de  Juntio  de  165i,  em  que 
a  peticao  dos  Procuradores  de  Angra,  e  com  assento  tomado  nas  ante- 
cedenles  Cortes  de  1653  se  ordena,  e  concode  que  nunca  bavera  Viso- 
Uei,  ou  Governador  General  nas  ditas  Ilhas  Terceiras,  e  quando  o  con- 
trario parecer  conveniente,  se  n?io  tomarA  assento,  ncm  resohifao  em 
tal  materia,  sem  ser  ouvida  primeiro  a  Camera  de  Angra  ;  d'aqui  veio 
que  querendo  El-Rei  por  Viso-Rei,  ftu  Governador  General  de  todas  as 
Ilhas  Terceiriais,  e  nao  consentindo  bum  bom  fidalgo  de  Angra  Procura- 
dor d'ellas  em  as  Cortes,  e  estranhando-lh'o  o  Rei,  dizendo  que  querìa 
qne  as  Ilhas  fossem  huma  bicha  de  tantas  cabe^as,  quantas  suas  Ilhas 
er3o,  com  valor  respondeo  o  Procurador,  que  a  bicha  que  nasceo,  e  se 
CTcou  com  muitas  cabefas,  se  Ihe  cortarem  as  mais,  e  Ihe  deixarem  hu- 
nia  so,  entSo,  ou  morrerà,  ou  mudara  de  vida,  e  quo  pois  assim  as  Ilhas 
forao  l3o  fìeis  a  Coroa  de  Portugal,  nlio  sabia  o  que  fariao,  se  de  outra 
soiic  as  quizessem  governar.  E  nào  instou  mais  o  Rei. 

138  Poem  mais  este  Senado  de  Angra  dous  Almofaceis  sempre,  e 
^n^pre  Cidadaos  nobres,  com  seu  Escrivao  de  Almolararia,  e  Juiz  do 


It  inSTORIA  INSULANA 

povo,  e  seus  misteres  ;  e  sobro  tudo  tem  maito  bastante  renda,  e  bom 
governo  d'ella»  com  que  acode  és  obras  publkas;  e  so  banaCidadegran* 
de  falla  de  mais  Medicos,  e  mais  letrados  leigos,  e  Joristas,  visto  o  nao 
serem  os  Juizes  Ordinarios  ;  e  podera  a  dita  Camera  mandar  sempre  a 
Coimbra  bum  sugeito  ao  menos  jà  bom  latino,  e  bom  Filosofo,  para 
dentro  de  seis  annos  se  formar  em  Leis,  e  ontro  ero  outro  sexenio  ^n 
Medicina,  e  assim  alternadamente  se  proveria  a  Cidade  de  Medico»,  e 
Juristas,  e  com  so  a  congrua  de  cincoenta  mil  reis  cada  anno,  obrigan- 
do-se  0  esludante,  e  seus  pais,  ou  parentes  por  elle  a  tornar  para  a  Uba 
em  acabando  os  estudos,  ou  restituir  o  que  tiver  gastado,  conforme  a 
fianca  que  para  isso  dare;  ainda  que  seri  mais  louvavel,  se  das  pessoas 
ricas,  que  morrem  em  Angra,  e  deix3o  muìtas  vezes  legados  fantasticos, 
ou  de  menos  l)em  commum,  dcixassem  algum  para  o  sobredito,  pois  be 
liuii}a  obra  das  de  Misericordia,  e  muilo  meritoria,  ensinar,  ou  ajudar  a 
ensinar  os  ignorantes,  e  talvez  mais  meritoria,  que  mandar  dizer  exces- 
sivo  numero  de  Missas,  sem  saber  se  na  verdade  se  dirao. 

439  Do  governo  da  justiga  tem  o  cuidado  em  Angra,  além  dos  doos 
Juizes  Ordinarios,  bum  Desembargador  com  beca,  e  posse  tomada  no 
Porlo,  e  a  sua  correi^ao  se  extende  a  todas  as  nove  Uhas  ;  e  quando  a 
S3o  Miguel  vai,  cessa  a  do  Ouvidor  do  Donatario.  Comecou  està  correi- 
(ào  em  OS  annos  de  1503,  em  o  primeiro  Corregedor,  que  foì  Affonso 
de  Matos,  cliamado  Cabefa  de  vacca,  conforme  a  Fructuoso,  liv.  6cap.  12. 
Continuarao  succedendo  Corregedores  huns  aos  outros  até  o  anno  de 
1530,  em  que  fazia  o  oflìcio  Ayres  Pires  Cabrai  ;  e  de  1S34  até  1540, 
vierao  mais  deus  Ministros  por  partìculares  Corregedores  de  Sao  Miguel, 
e  Santa  Maria,  (nao  sci  com  que  causa)  mas  nem  ainda  entao  deixava  de 
baver  sempre  o  Corregedor  das  Uh*;  em  Angra;  e  lego  depois  dos  dous 
substitutos  Corregedores  em  Sao  Miguel,  tomou  a  unir-se  a  correigao  de 
todas  as  Ilhas  no  Corregedor  de  Angra,  que  foi  Gaspar  Touro,  em  1544 
a  que  se  seguirào  os  mais,  e  entre  elles  Christovao  Soares  de  Alberga- 
ria,  que  tinUa  sìdo  o  primeiro  Juiz  de  fora  de  Penta  Delgada,  e  por  ser 
por  Castella  no  tempo  da  conipetencia  entre  ella,  e  o  Senhor  Dom  An- 
tonio, Servio  entao  de  Corregedor  de  S.  Miguel,  e  Santa  Maria,  e  Cas- 
tella 0  promoveo  a  Corregedor  de  Angra,  e  de  todas  as  lihas,  e  por  està 
via  subio  depois  multo  mais,  corno  outros  muitos  por  seus  merecimen- 
tos,  comò  Diego  Harcb§o  Tliemudo,  Bento  Casado  Jacome,  e  outros 
muitos. 


Liv.  VI  CAP.  xnr  73 

140  Dos  quaes  Corr^edores  o  excmplar  do  Justica  foi  o  quarto 
que  entrou  no  oflick)  em  o  anno  de  4515,  chamado  Jeronymo  Luis,  (o 
Bom,  a  respeito  de  outro  Jeronymo  Luis,  que  chamarao  o  Mao).  Ao  Bom 
pois,  estando  de  correicào  em  S3o  Miguel,  foi  a  julgar  huma  causa,  em 
que  bum  homem  multo  rìco  do  lugar  da  Maia  pertendia  tirar  a  huma 
viuva,  por  demarca^ao  de  terras,  humas  que  dizia  Ihe  pertenciao  a  elle 
e  achando  o  Corregedor  que  a  justica  estava  pela  viuva.  e  dando  Ioga 
por  ella  a  sentenza  centra  o  rico,  appellou  este  para  a  rclagao  de  Lis- 
boa, e  derao  os  Desembargadores  a  sentenza  pelo  rico,  reprehendend  o 
D'ella  ao  Corregedor;  chegou  a  este  a  sentenza,  estando  ainda  em  Sao 
Miguel,  e  lego  n'elle  o  zelo  da  justiga  foi  t3o  grande,  que  substituindo 
em  sua  ausencia  no  ollicio  a  huni  Francisco  Pires  Bacliarel,  se  metteo 
em  bum  navio,  que  para  Lisboa  ent3o  partia,  e  desembarcando  se  foi 
apresontar  a  el-Rei  Dom  Manoel,  e  Ihe  propoz  que  se  vinha  offerecer  a 
sostentar  a  justiga  da  viuva,  e  que  os  Desembargadores  que  tinhao  da- 
do a  sentonca  pelo  rico,  a  sustentassem,  «e  que  se  nomcassem  Juizes  à 
causa:  e  mandando-  logo  el-Bei  que  se  (izesse  assim,  e  que  os  Desem- 
bargadores do  Pago  fossem  os  Juizes,  por  mais  quo  toda  a  Rela^ao  ar- 
rezoarao,  sahio  a  sentcnca  pela  viuva  centra  o  rico,  e  o  Corregedor  lo- 
go logo  se  voltou  a  S.  Miguel,  louvado  muilo  do  Rei,  e  accrescentado 
com  muitos  privilegios:  e  acabando  a  Correifào  em  Sào  Miguel,  se  vol- 
tou para  Angra,  e  foi  dopois  promovido  a  grandcs  lugares.  Oh  cxemplo 
de  justica,  e  zelo  d  ella! 

141  Além  dos  ditos  (-orregedores  Desembargadores,  que  tem  seu 
Meirinho  geral,  e  Escrivao  da  Correicao,  (fora  muilos  Éscrivaes,  outros 
Tabelliaes,  e  Enquercdores)  costuraavào  ir  a  Angra,  aignmas  vezes,  ou- 
tros Desembargadores  a  particularcs  devassas,  e  lium  d'elles  foi  Pernio 
de  Pina  Marecos,  casado  com  Mór  de  Paria,  fìlha  de  Sebastiao  Lopes 
Guedes,  senhor  de  Arzila  em  Africa,  por  a  ter  tomado  aos  Mouros,  e 
do  tal  Fernao  de  Pina  nascerao  os  filhos  seguintes:  Maximo  de  Pina, 
Commendador:  Valerio  de  Pina,  Cavalleiro  de  Christo  com  tenca:  Nico- 
lao  de  Pina,  e  Marcos  de  Pina,  todos  (idalgos  da  casa  de  S.  Magestade. 
Nascerao  mais  D.  Margarida,  D.  Marcellina,  D.  Violante,  e  outra  fìlha  que 
casou  com  Nuno  Pereira  de  Aragao,  fìlho  de  Fedro  Pessoa,  (que  mor- 
feo Capitao  em  Africa  na  bataiha  d  el-liei  D.  Sebastiao)  e  da  Dama  D. 
loaona  Hansil,  fiIha  de  D.  Joao  Manoel  Commendador  das  Idanhas:  e  o 
sobredito  Maximo  de  Pina  casou  com  D.  Maria  de  Lemos,  fìlha  de  Ma- 


7i  IlISTOniA  INSULANA 

noel  de  Lcinos»  Corrcgedor  de  Tbomar:  porém  o  pai  Fernao  de  Pina  Va- 
recos  era  Albo  de  Nicolao  de  Pina,  da  grande  casa  dos  Pinas  de  Floren- 
Ca,  e  casado  com  Branca  Ane$  Harecos,  descendente  das  Montanhas  do 
Castella;  e  o  dito  seu  fìllio  Fem9o  de  Pina,  na  contenda  da  successao  de 
Portagal  com  Castella  foi  Procurador  de  ambas  as  Coroas,  Vereador  per- 
petuo, e  Conservador  da  moeda,  e  Chanceller,  e  Provedor  mór  da  San- 
ile no  tempo  da  peste,  e  sem  morrer  d'ella  foi  morto  à  traiQlo  por  bom 
mancobo  em  Lisboa,  por  n3o  seguir  a  parto  do  senhor  D.  Antonio:  do 
que  tudo  jà  se  ve,  de  quo  qualidade  er3o  os  Ministros,  quo  ent3o  se 
manda vao  a  Angra. 

142  Ainda  outros  Ministros  ha  em  Angra  de  que  so  se  appella  pa- 
ra Lisboa,  corno  Provedor  dos  Residuos,  Capellas,  eie,  e  Juiz  dos  Or- 
fios,  e  Ausentes,  e  estes  grandes  ofiicios  andao  em  familias  de  nobres, 
e  fldalgos  Cidadaos  de  Angra,  e  lem  cada  bum  seus  Escriv3e8«  e  offi- 
ciaes,  e  huns,  e  outros  sao  de  grande  rendimento;  e  nem  a  Provedor 
dos  Residuos,  ncm  o  Juiz  dos  Orfàos  s3o  letrados,  sondo  que  sé  esten- 
de sua  jurisdicgao  a  muitas  das  outras  Ilhas  aonde  v3o  visitar,  poròm  a 
jurisdiccuo  do  Auditor  de  Guerra  do  Castello  grande,  que  sempre  he  Is- 
trado Jurista,  osta  so  aos  militares  do  dito  Castello  se  estende,  e  d'elle 
so  se  appella  para  o  Consellio  de  Guerva  de  Lisboa,  e  nao  para  aigum 
outro  Tribunal. 

143  Maior  tribunal  que  todos  he  em  Angra  o  da  Fazenda  Real,  cha- 
mado,  da  Alfandoga;  consta  de  hum  Provedor,  quo  he  bum  quasi  Vea- 
dor  da  Fazenda,  e  lem  jurisdicgao  sobre  a  Fazenda  Real  de  todas  a^ 
nove  Ilhas  Terceiras.  e  a  todas  pode  ir  visitar,  e  passa  ordens  a  todas,^. 
e  tem  privilegio,  e  posse  de  nas  ditas  ordens  fallar  por  (vós)  a  todos  osst 
inferiores  Ministros  da  Fazenda  Real  das  outras  Ilhas,  ainda  aos  Juizes» 
das  Alfandegas,  corno  os  Vcdores  da  Fazenda  em  Lisboa.  Abaixo  do  di- 
to Provedor  se  seguem  na  Alfandega  de  Angra  o  Juiz,  Conlador  d'ella, 

e  logo  dous  Escrivaes  da  Alfandega,  e  o  seu  que  chamao  Feitor,  Meiri- 
nho  da  vara,  e  outros  òfficiaes  inferiores,  corno  Pezador  da  Alfandega, 
etc,  e  de  todos  estes,  nao  so  da  Uba  Terceira,  mas  de  todas  as  mais 
Ilhas,  0  Superior  maior  he  o  dito  Provedor  de  Angra,  e  de  suas  ordens 
nunca  ha  appellagao,  senao  em  alguns  casos,  para  o  Real  Conseiho  da 
Fazenda  em  Lisboa;  d'onde  vem  que  do  tal  Provedor,  até  os  Bispos  de 
Angra,  e  todo  o  Ecclesiastico,  e  os  Governadores  do  Castello,  e  os  mes- 
mos  Capit3es  Donatarios  das  Jlhas,  e  todos  os  que  tem  algum  salario, 


UV.  VI  GAP.  XIV  yi> 

ordenado,  ou  ten^a,  ou  a  qucrcm  assentar  na  Fazenda  Rcal  das  Ilbas, 
todos  dependcm  multo  do  dito  Provedor. 

144  E  ainda  que  tambem  ha  em  Angra  oulro  Provedor,  qne  se  in- 
tilula  Provedor  das  Armadas,  para  acodir  às  Armadas  Reaes  quando  là 
vie  as  frotas  do  Brasil,  às  nàos  da  India:  e  este  he  hrnn  dos  princìpaes 
fidalgos  de  Angra  (corno  foi  Pedneanes  do  Canto,  e  JoHo  da  Silva  do  Can- 
io seu  segundo  filho,  e  quasi  sempre  n'esta  casa  dos  Cantos  andou  o 
dito  titolo)  ainda  este  Provedor  depcnde  muito  do  da  Fazenda  Rcal,  por- 
qae  ao  das  Armadas  toca  o  re(juerer,  e  pedir  ao  da  Fazenda,  corno  tam- 
bem the  fazem  os  mesmos  Cabos  das  Armadas,  e  frotas,  e  os  Capitaes 
mdres  das  naos  da  India;  mas  ao  Provedor  da  Fazenda  toca  o  despa- 
cbar,  e  acodir  com  ella,  sem  o  qual  nada  terà  effeito,  pois  ncm  ainda 
embarca^So  alguma  para  viagem,  nem  caravelSo  para  outra  liha  póde 
sahir  do  porto  de  Angra  sem  despacho  do  Provedor  da  Fazenda:  e  me- 
nos  se  póde  arrematar  direito  algum  dos  Reaes  a  pessoa  alguma  sem  or- 
dem  do  dito  Provedor,  e  fianfas  por  elle  approvadas,  e  haver  consenti- 
mento seu.  Em  fim  he  tao  Regio  ofDcio  oste,  que  por  encarecimento  di- 
zia  hom  discreto,  que  nao  sabia  el-Rei  o  que  dava,  quando  dava  tal  offi- 
cio; e  que  he  officio  capaz  de  o  Rei  o  dar  a  bum  de  seus  filhos  segun- 
dos. 

145  Mas  tambem  por  isso  mesmo  tcm  tanlos,  e  tao  podorosos  con- 
trarìos»  e  os  que  mais  annos  o  tiverao,  tiverao  mais,  e  maiores  inimi- 
gos,  e  nao  so  seculares,  e  nas  ditas  Ilhas,  mas  tambem  Ecclesiaslicos, 
e  na  mesma  Corte  de  Portugal;  porque  deixando  jà  os  mais  antigos,  dos 
qnaes  o  primeiro  foi  Francisco  de  Mesquita;  segundo,  Fern3o  Cabral; 
terceiro,  Duarte  Borges  de  Gamboa;  quarto  Sebnstiao  Coelho:  quinto 
Garda  Lobo;  séxto  Rui  GonQalves  de  Figueìroa  ;  deixados,  digo,  estes 
e  outros,  os  ultiraos  tres  Provedores  perpetuos  forao  Antonio  Ferreira 
de  Bentencor,  naturai  da  Villa  de  Agua  de  Pào,  de  S.  Miguel,  cuja  fi- 
Iha  D.  Maria  de  Betencor  casou  com  Agostinho  Borges  de  Sousa,  pri- 
meiro do  nome,  que  na  Provedoria  succedeo  ao  sogro,  e  foi  pai  de  ou- 
tro  Agostinho  Borges  de  Sousa,  que  ao  pai  succedeo  na  mesma  Prove- 
doria), corno  jà  tocàmos  no  liv.  5,  cap.  17  tit.  5)  e  casou  com  huma  il- 
lastre fidalga  de  Angra,  filha  do  Vital  de  Betencor  e  Vasconcellos,  de 
qne  nasceo  Antonio  Zimbron  de  Betencor,  que  succedeo  na  muito  rica 
casa  do  pai,  e  no  grande  morgado,  que  no  tal  pai  tinha  nomeado  sua 
tia  D.  Anna  Fef reira  de  Betencor;  mas  taes  desgostos  tiverao  com  o  offi- 


76  HISTORIA  INSULANA 

ciò  OS  ditos,  e  ullimos  Provedorcs,  que  o  segando  Agostinho  Borges  li- 
vrando-se  em  Lisboa,  morreo  de  doenc^,  e  de  desgostos,  e  o  filho  An- 
tonio de  Zimbron  nao  quiz  mais  procurar  officio  tal,  cajas  fiihas  nao  sao 
mais  que  a  soberba  de  quem  lem  o  officio,  a  inveja  dos  que  o  n3o  lem, 
e  a  desgostosa  morie  de  huns  e  oulros;  e  assim,  ha  muìtos  annos,  anda 
ja  0  officio  feito  triennal  em  Bachareis  9e  beca;  e  se  assim  convem,  cu 
ser  perpetuo,  e  em  casa  nobre  e  rica,  là  se  considere. 

146  Concluindo  pois  com  as  noticias  da  tal  Cidade  de  Angra,  nem 
duvidar  se  póde  que  he  a  cabefa  das  /love  Ilhas  Terceiras,  assim  no 
Ecclesiastico  por  seus  ilhistres  Bispos,  comò  no  Juristico,  e  Judicial  por 
sens  Corregedores,  e  cabegas  de  comarca,  corno  na  Fazenda  por  seus 
llegios  Provedores,  e  ale  nos  Ueligiosos  pelos  Provinciaes  de  S,  Fran- 
cisco, pclos  Vice-Provinciaes  de  Santo  Agostinho,  e  pelos  Visitadores,  e 
Yice-Provinciaes  tarabem  da  Corapanhia  de  Jesus;  e  em  firn  he  Angra 
cabeca  tal  das  ditas  Ilhas,  que  o  mesmo  Fructuoso  liv.  6  cap.  3,  (sem 
ser  naturai  de  Angra,  mas  da  Uba  de  S.  Miguel)  confessa  que  parece 
lìuma  Lisboa  pequena.  E  eu  confesso  pela  experiencia  que  tenbo  de 
quasi  todo  Portugal,  que  abaixo  de  Lisboa  nao  ha  n'elle  Cidade  com 
quem  mais  se  pareva  Angra,  que  a  famosa  Cidade  do  Porto,  porque 
ainda  que  està  he  a  maior  no  numero  da  genK),  pois  Angra  nao  passa 
de  tres  mìl  visiuhos,  nao  he  maior  comtudo,  nem  mais  bem  assentada 
no  sitìo  que  occupa,  no  numero,  largueza,  e  direitura  das  ruas,  em  a 
nobreza  das  casarias,  no  concurso,  e  commercio  das  Na^oes  estrangeiras 
que  com  Portugal  tem  pazes,  no  real  porto,  e  bahia,  nos  fortlsstmos 
Castellos,  e  ainda  na  fìdalguia  assentada  nos  livros  de  S.  Magestade, 
comò  se  póde  ver  n'elles,  e  veremos  adiante  em  seu  iugar.  E  iste  sop- 
posto, vamos  a  acabar  jà  com  a  costa  do  Sul,  e  Capitania  de  Angra. 

CAPITILO  XV 

Acnba  a  dcacriiìcào  da  Capitania  de  Angra  pelo  Sul,  e  Oesle. 

147  Passado  o  grande  monte,  ou  Castello  grande  do  Brasil  pelo 
Sul  para  o  Poentc,  e  Bahia  chamada  dos  Fanaes,  que  he  frente  para  o 
mar  do  bairro  de  S.  Pedro  ultimo  da  Cidade  para  aquella  parte,  vai  por 
terra  huma  legoa  de  caminho  plano  desde  as  portas  de  Santa  Catbarina 
ale  Sào  Matlheos;  e  he  tao  recreativo,  cursado,  e  contimiado  este  carni- 


LIV.  VI  GAP.  XIV  77 

nho,  qoe  para  a  interior  parte  do  Norte  parece  Imma  sempre  conli- 
nuada  ma  de  excelientcs  Quintas,  e  casas  nobres,  de  qne  algumas  se 
podem  dizer  Palaclos.  corno  as  do  grande  morgado  dos  Pamplonas;  e  a 
todas  as  Quintas  vem  agoa  de  cima  do  Certao  da  liha»  com  que  sao 
Quintas  nlo  so  mui  recreativas,  mas  fertiiissimas  de  p3o,  vìnhas,  hortas» 
e  arvoredos;  e  da  mesma  sorte  para  a  banda  do  mar  do  Sul,  que  consta 
mais  de  vinbas»  e  amoreiras,  que  de  outros  frutos;  mas  com  a  maior  re- 
creacSo  da  pesca  do  mar,  e  praia  vaza;  e  porque  de  antes  n3o  havia 
ainda  a  contìnuada  arteiharia  da  cortina  do  Zimbreiro,  e  Castello  grande 
para  està  parte  do  Poente,  por  isso  na  dita  corrente  costa  havia  antiga- 
mente  varios  Fortes  de  artiiheria,  e  soldadesca  de  guarnìc3o;  noje  porém 
08  nSo  ha  até  onde  chega  bem  a  artilharia  do  Zimbreiro;  e  tambem  por 
isso  bum  Forte,  que  estava  quasi  bum  quarto  de  legoa  do  dito  Castello, 
he  hoje  buma  Quintinha  de  vinha  de  recrea^ao  dos  Mestres  do  Collegio 
da  Companhia  de  Jesus,  que  cham3o  a  Quinta  da  Silveira,  ou  do  Penedo 
do  Ali:aide;  com  recreativa  pesca,  e  casaria  nobre,  aonde  alguns  sonho- 
res  Bispos  gostao  de  ir  ver  pescar  os  Padrcs. 

148  Muito  pouco  adiante  està  da  parte  do  Nortc  a  devota  Ermida 
ce  S.  Bernardo  com  casas,  e  Quinta  para  a  parte  do  Norto,  e  tambem 
para  a  partendo  mar,  e  boa  sahida  a  elle,  aonde  o  mar  faz  bum  liom 
tanque  de  agoa  cercada  de  cachopos,  que  chamao  a  Poca  dos  Padres, 
por  estar  junto  a  sua  Quintinha  do  Penedo  do  Alcalde;  e  a  dita  Ermida 
de  S.  Bernardo,  e  sua  Quinta  fui  fundada  pelo  M.  II.  Arcediago  Manoel 
Cabrai  de  Mello,  naturai  da  liha  de  Santa  Maria,  e  descendente  dos  mais 
nobres  descubridores  d'ella,  e  deixou  a  tal  Ermida,  e  Quinta  em  cabefa 
de  morgado  que  instiluio,  e  hoje  possuem  seus  nelos,  com  obrigagao  de 
IMlissa  em  todo  o  vcrao,  e  servir  conio  de  Freguezia  a  lauta  gente.  Con- 
tinuilo as  Quintas  outro  quarto  de  legoa  adiante,  ale  oulra  Ermida  de 
Mossa  Senhora  da  Luz,  da  parte  da  terra,  e  jà  da  parte  do  mar  vào  al- 
Ijuns  ForteS  com  arteiharia,  e  soldadesca,  posto  quo  por  aqui  ainda  o 
mar  he  de  tantos  calhaos,  que  mal  póde  cbegar  ainda  lancba,  e  muito 
menos  navìo  a  desembarcar. 

149  A  outra  meia  legoa  que  se  segue,  vai  ainda  com  maiores  Quin- 
tas de  buma,  e  oulra  parte,  i)orùm  da  banda  do  mar,  aonde  póde  ha- 

•  ^er  algum  deserabarcadouro,  logo  ali  ha  Fortaleza  com  arteiharia,  sol- 
dados,  e  Capilao,  e  em  trcs  sitios  diversos,  a  nove,  "e  mais  pec^s  cada 
Forte,  e  no  iim  da  legoa  està  a  Freguezia,  e  lugar  de  Sào  Mattbeos,  de 


78  IIISTOIUA  IXSITLANA 

mais  de  cincocnta  visinlìos,  posto  quo  espalhados:  pouco  adianlc  esld  bu- 
ina baliia  de  area  branca,  o  calhao  miudo,  aonde  so  toma  muito  peixe, 
e  salmonelcs;  e  ahi  om  rocha  baL^a  esté  buma  Fortaleza  com  casas  den- 
tro, Capilào,  e  soldudescn,  e  qualorze  pecas  de  artilheria.  E  meia  legoa 
adianfe  de  S.  Mattbeos  està  a  Freguezia,  e  lugar  de  Sao  Bartholomeu, 
de  cousa  de  cem  visinhos,  e  inuitos  tambem  espaibados»  e  n'elle  hama 
Ermida  de  Sào  Joseph;  e  d'alii  se  segue  rocha  de  alta  penedia;  e  por- 
que  aqui  havia  buina  descida»  e  algum  desembarcadouro,  mas  de  bum 
tò  batel,  tudo  esté  cort^do:  e  da  mesma  sorte  o  està  outra  descida  mui- 
to mais  adiante»  onde  cbamuo  o  Negrito,  cortada  tambem. 

150  [faqui  por  diante  até  a  Igreja  de  Nossa  Senbora  da  Àjuda,  (que 
ji  pertenco  ao  lugar  de  Santa  Barbara)  nem  entrada,  nem  descida  ha, 
senio  no  flm  huma  pequena  bahia,  donde  até  a  penta  da  Serreta.  que 
tambem  chamao  da  balea,  tudo  he  roclia  talbada,  e  muito  alta  para  dian- 
tOt  buma  Icgoa,  mas  pouco  para  dentro  da  Uba,  e  afastado  do  mar  Oca 
o  famoso  lugar  de  S.  Barbara»  com  Freguezia  da  Santa,  e  quasi  trezen- 
tos  visinbos,  e  quatro  Companhias  de  soldados.  e  grande  campinas  de 
trigo»  e  outras  de  pastos  communs  do  Concelbo,  aonde  quem  quer  bota 
seus  gados  sem  pagar  cousa  alguma:  a  Igreja  tem  Vigarìo,  Cura,  e  The- 
soureiro,  è  quatro  Beneflciados;  e  nao  so  para  o  mar  tem  ja  dita  Ermi- 
da de  Nossa  Senhora  da  Ajuda  que  dizem  ali  appareceo,  e  por  ali  vem 
a  vista  as  naos  da  India,  e  salvào  a  esla  Senhora,  e  Ihes  responde  o 
Forte  da  terra,  e  manda  logo  nova  a  Cidade.  Scgunda  Ermida  he  Nos- 
sa Senhora  do  Dosterro,  de  nao  menos  romagem,  e  devogao,  que  admi- 
nistra  o  morgado  dos  Monizes.  A  terceira  Ermida  tem  ali  o  Collegio  da 
Gompanhia  de  Jesus  de  Angra,  em  huma  rendosa  fazenda  que  alli  tem 
do  patrimonio  do  Collegio. 

151  Adiante  do  lugar  de  Santa  Barbara  bum  quarto  de  legoa,  ca- 
bo  jà  Occidental  da  liha,  està  a  Igreja,  e  lugar  de  S.  Jorge  com  mais  de 
oitenta  vìsinlios,  e  seu  Cura,  sujeila  a  Santa  Barbara,  e  podièra  ser  Vi- 
gano separado  com  seu  Cura;  e  Santa  Barbara  devia  ser  Villa,  por  ser 
lugar  tao  grande,  e  tao  rico,  e  que  tem  multa  gente  nobre,  de  que  jà 
vierSo  alguns  a  ser  do  Senado  da  Camera  de  Angra;  e  d'aqui  por  dian- 
te corre  a  costa  tao  alta,  e  tao  brava  por  quasi  Icgoa  até  a  dita  Serrela, 
ou  ponta  da  balea,  sendo  quo  por  dentro  sào  tudo  lerras  de  trigo,  e  dC 
creagoes  de  gados:  e  d'aqui  comefa  a  voltar  a  liba  do  Ocslc  para  o  Nor- 
ie, continuando  aiuda  a  Capilauia  de  Angra. 


i 


LIV.  VI  €AP.  XVI  79 

152  D'esle  pois  cabo  Occidental  da  liha  corre  ainda  a  Capitania  de 
Aogra  legoa  e  meia  para  o  Noroeste,  com  costa  para  mar  alto,  e  despo- 
nbada  sem  caminbo  até  o  lugar  chamado  Folhadaes,  pela  multa  madei- 
ra  de  Folbados  que  alli  havia,  de  que  jà  por  terra  se  tem  rocado  tanta» 
qae  jà  por  alli  ba  muitos  tractos  de  vinhas,  e  terras  de  pào,  e  fajas  fer- 
tiiissimas;  e  aqui  em  dìreito  de  Oesnoroeste,  sem  cbegar  a  Noroeste,  aca- 
ba  a  Capitania  de  Angra,  e  cometa  a  da  Praia,  com  igualdade  huma  a 
outra,  cujo  primeiro  lugar  be  o  de  S3o  Roque,  que  cliamao  os  Altares, 
corno  acima  jé  dissemos  cap.  4  e  5,  e  concluida  assim  a  circumferencia, 
e  costa  do  mar  da  Uba  Terceira,  segue-sé  tratarmos  do  interior  duella. 

CAPITULO  XVI 

Do  Ceriàù  interior^  e  feriilidade  da  Ilha  Terceira. 

153  Vistas  jà  as  costas  maritìmas  das  duas  Capitanias  da  Terceira, 
s^uese  darmos  noticia  do  seu  interior  Certào;  e  ainda  que  quasi  to- 
dos  OS  lugares,  povoacoes,  Vlllas,  e  Cidade,  eslao  a  beira-mar,  ou  njui- 
lo  perto  d  elle;  comtudo  mais  no  cerlao,  sahindo  da  Villa  da  Praia  para 
OesDoroeste,  està  bum  lugar,  cbamado  Fontainhas,  pelas  muitas  fontes 
que  n*elle  ba,  cuja  Parocbial  se  intitula  Nossa  Senhora  da  Pena,  e  tem 
aeu  Vigano,  e  até  cincoenta  moradores,  e  buma  Ermida  de  Santo  Anto- 
nio, cabeca  de  bum  bastante  morgado,  que  institubio  bum  Antao  Fer- 
MDdes  de  Avila;  e  ba  n'este  lugar  lavradores  ricos,  por  ser  o  siiio  mui 
fertU,  e  ficar  em  dislancia  da  Praia  so  buma  legoa;  porém  desde  o  Nas- 
cente da  dita  Villa  da  Praia  para  o  Poente  corre  o  interior  da  Uba  com 
^rastas  campinas,  a  que  cbamao  os  Cince  Picos,  porque  os  tem  à  roda; 
6  oolra  parte  cbamao  o  Paul,  por  n3o  so  ser  teri*a  plaina,  e  farta  de 
agua,  mas  de  tao  vastos,  e  enxutos  pastos,  que  ambas  estas  campinas 
passio  de  tres  legoas,  e  innumeravel  creagao  de  gados,  e  para  a  parte 
do  Sul  acabao  em  ferlilissimas  terras  de  trigo,  e  para  a  parte  do  Nor- 
ie varios  matos,  e  muitos,  e  fertilissimos  pomares. 

i54  Da  Cidade  para  o  Poente,  além  d'aqoelle  tao  povoado  caminbo, 
e  quasi  rua  de  legoa  até  S.  MatUieos,  (corno  jà  vimos)  vai  outro,  que 
(iluaii3o  caminbo  do  melo,  que  continua  afastando-se  quarto  de  legoa  ao 
mar,  e  todo  de  vinbas,  pomares,  e  Quintas  de  buma,  e  outrà  parte,  e 
todas  divididas  com  muros,  ou  paredes  altas  de  pedra,  de  sorte  que  mai 


82  HtSTORIA  TNSULANA 

segue  do  railho  mindo,  nem  do  trigo,  nem  de  outros  legnmes.  qne  nao 
gastao  tanto  a  terra  com  canas  tao  altas»  e  tSo  grossas  cada  anno. 

158  De  vinho  he  fertil,  mas  a  gente  he  tanta,  e  tao  grande  de  fora 
0  concurso,  que  nem  para  a  liba  basta  o  vinho  d'ella,  nem  he  o  melhor, 
mas  excellenle  Ihe  vem  da  liha  do  Pico,  do  Fayal,  e  de  S.  Jorge,  com 
que  abunda  nào  so  para  si,  mas  para  as  nàos  da  India.  Àrmadas,  e  Fro- 
tas,  que  a  prover-se  vào  alli,  comò  lambem  as  continuas  embarcacrjes 
eslrangeiras,  e  até  da  liha  da  Madeira  Ihe  vem  excellente  vinho,  e  levao 
trigo,  de  que  ha  na  Cidade  de  Angra  celleiros,  ou  Graneis  especiaes,  que 
sao  grandes  covas  abertas  na  terra,  e  cada  cova  he  mnito  funda,  e  leva 
mnitos  moios  de  trigo  com  seu  bocal  redondo  em  cima  de  tres  palmos 
de  diametro,  que  se  tapa  com  buma  so  pedra  de  cantarla  redonda,  a^ 
mo  lìuma  mó  de  moinho,  com  o  sinal  em  cima  do  dono  de  quero  lie 
aquella  cova,  e  no  grande,  e  fundo  vao,  re,dondo,  da  cova  se  conserva 
0  trigo,  corno  no  ventre  de  sua  mai  a  terra,  t3o  puro,  e  limpo  de  lodo 
0  bicho,  e  vicio,  que  se  tem  experiencia  de  ser  melhor,  e  fazer  melhor 
pao  0  trigo  das  covas,  do  que  o  de  Graneis,  ou  relleiros  das  casas  de 
fora  ;  e  nao  se  sabe  que  em  algum  tempo  se  furtasse  trigo  de  cova  al- 
guma,  nem  que  alguma  se  abrisse  sem  o  mandar  seu  dono,  e  para  isso 
ha  officiaes  Encovadores,  e  Desencovadores,  que  o  fazem  destra,  e  per- 
feit?mente.  E  este  he  o  grande  campo  das  covas  que  em  Angra  està  no 
terreiro  do  Convento  de  N.  Senhora  da  Graca,  e  em  laes  covas  chega 
a  estar  o  trigo  anno  inteiro,  e  sempre  perfeito. 

159  De  peixe  he  tSo  abnndante  lodo  o  mar  é  roda  dVsta  Uba,  que 

nao  he  necessario  que  os  barcos  se  afastem  muilo  d'ella  para  virem  car- 

regados  de  peixe,  e  quando  ha  tempestade  de  huraa  parte,  vera  da  ou- 

tra,  e  por  terra,  comò  da  Villa  da  Praia,  e  do  Norte  a  Cidade  de  An^Ta, 

e  nao  so  ha  o  peixe  ordinario,  e  da  pobreza,  comò  sardinhas,  cavalas, 

chicharros,  e  em  excessiva  copia,  nem  so  peixe  seco  que  levjo  os  Es- 

trangeiros,  e  o  vendem  alli  mais  barato  pelo  que  com  elle  comprao,  mas 

tambem  muìta  casta  de  poixes  mimosos,  comò  garoupas,  abroteas,  sai* 

monetes,  tartarugas,  (que  até  a  doentes  se  dao)  douradas,  bicndas, 

cbernes,^  gorazes,  sargos,  mogens,  tainhas,  etc,  e  toda  a  casta  de  ma- 

rìscos,  e  as  maiores,  e  melbores  lagostas  que  ha  no  mar,  e  sobre  tudo 

cracas,  que  todos  confessSo  ser  dos  marìscos  o  rei  ;  e  o  que  mais  he, 

que  muitas  casas  nobres  tem  barcos  seus,  que  os  pcà:adures  lr«zem  ar- 


LIV.  VI  GAP.  XVI  ,      83 

reiìdados,  e  o  melhor  peixe  que  tomao  he  do  Senhor  do  barco,  e  o  mais 
milito  barato. 

460    De  toda  a  casta  de  carnes  he  tao  abundante  a  liha  Terceira, 
que  affima  Fructuoso  liv.  6,  cap.  5,  que  havia  n'ella  mais  de  cem  mil 
cabecas  de  gado  \^caril,  e  havia  creador,  que  tinha  mais  de  quìnhen(<)s 
rezes  d'eslas,  e  mais  de  cento  e  vinte  vacas  parideiras;  e  havia  na  liha 
dezasete  a^ougues  continuos,  e  na  Cidade  cinco  de  mais,  nos  quaes  ciu- 
co se  matavao  cada  semana  vinte  rezes  vacaris,  e  que  d'este  gado  se 
creava  tanto  so  na  liha  Terceira,  comò  em  todas  as  outras  Ilhas  dos 
Assores  juntas:  e  disto  dà  a  razào  o  mesmo  Fructuoso,  dizendo  que  se 
nào  matava  nos  agougues  outra  carne,  e  ser  a  vacarli  d'està  Ilha  tao 
branda,  e  gostosa  corno  a  melhor  de  Entre  Douro  e  Minho  de  Portugal. 
Consta  i)orém  hoje,  que  nos  afougues  se  mata  tambem  carneiro,  e  nào 
sen3o  castrado;  e  cabras  nào  vao  ao  afougue,  com  haver  muita  creacao 
d'ellas  para  lacticinìos:  e  d  està  abundancia  sao  testimunhas  os  precos, 
porque  cada  arratel  de  vaca  custava  so  dez  réis,  e  pouco  mais  o  arralel 
de  carneiro;  e  por  mais  Frotas,  Armadas,  e  navios  que  viessem  a  pro- 
ver-se,  se  nao  levantava  o  prego;  mas  jà  hoje  he  maior,  por  ter  mulli- 
plicado  muito  a  gente  da  terra,  e  ser  maior  o  concurso  das  Nagoes  de 
fora,  e  o  dinheiro  muito  mais. 

161    Das  outras  carnes  da  terra,  e  do  ar  he  tanta  a  copia,  que  o 
maior  porco  custa  quatro,  cinco,  até  seis  mil  réis,  e  bum  leitao  seis  vìn- 
teas,  e  comò  he  carne  creada  com  junga,  he  menos  nociva,  e  que  em 
todo  o  anno  se  póde  comer  sem  fazer  mal,  e  muito  gostosa,  e  muito 
mais  OS  toucinhos,  de  que  vem  muitos  de  mimo  a  Portugal,  comò  tam- 
bem vem  a  junca,  que  verde  he  pasto  na  mesma  terra  ainda  para  os 
porcos,  e  quando  jé  colhìda,  e  avelada,  he  mastigada,  regalo  para  a  gen- 
te,* e  d^ella,  moida  em  farinha,  com  assucar,  e  agua  de  flor  se  fazem 
.  ealdos  peitoraes,  e  preciosos.  De  coelhos  he  tanta  a  multidào,  que  os 
senbores  de  Quintas,  e  vinhas  pagào  a  cacadores,  que  para  si  os  vào 
inaiar,  e  os  mesmos  cacadores  os  vendem  ao  depoìs,  e  a  vintem  cada 
hum,  e  a  muito  menos  os  larapos;  e  para  isso  ha  là  muitos,  e  a  muito 
i     finos  c3ies  de  ca(a,  e  excellentes  forOes,  e  até  com  la^os,  postos  em  seus 
I     camìnhos,  os  apanh3o.  De  aves  ha  toda  a  boa  casta,  gallinhas  a  tostao, 
1     frangos  a  vintem,  codomizes  tres  por  hum  vintem,  perdizes  a  cincoenta 
^    rèis,  mais  caras  que  em  outras  Ilhas,  porque  n'esta  ha  mais  rique- 
I    2^1  e  mais  compradores  d'ellas:  de  outra  infinidade,  e  de  suas  varias,  e 


8i  HBTO&U  L\SnJt\JI 

soavissimas  mnsicas,  seria  nooca  acabar,  o  referil-as:  basta  dtzcr,  coma 
diz  Fnictaoso  cap.  6,  do  liv.  6,  que  oa  Terceira  liavia  muitos,  e  mui 
fennosos  Assores,  que  jé  dìo  ha,  noas  que  ba  Falcoes,  Gavioes,  Biiba- 
fres,  e  Conos,  e  além  de  pombas  bravas,  muitos  pooibaes  de  pombas 
luansas. 

1G2    De  lactìcioios  be  abundaute  està  Uba,  com  taotas  vacas,  ove- 
Ihas,  e  cabras;  que  ao  sahir  da  Cìdade,  acima  do  Castello  dos  moinbos, 
nieia  legoa  quasi  para  o  Norte,  onde  sabe  a  grande  fonte,  que  por  an- 
tonomasia chamao,  (Onde  nasce  a  agua)  e  com  que  ainda  mais  perto  da 
Cidade  moem  doze  moìnhos:  loda  està  meta  legoa  de  bella  sahida  anda 
ì^empre  cheia  de  mo^os  carr^dos  de  queijos  frescos  de  toda  a  casta» 
r|ijeijadas>  requeijoes,  tao  grandes,  e  tao  baratos.  que  bum  requeìjao,, 
(;ue  enche  bum  len(o,  custa  bum  ¥int^m;  e  he  este  o  gazeo  celebre  dos^ 
Ksturlantes:  e  corno  n'esta  Uba  ha  sempre  muito  assucar,  pela  muita  cai- 
xaria  que  alli  vai  do  Brasil,  niella  se  fazem  queìjadas  tao  grandes,  e  de 
tao  varios,  e  preciosos  doces,  que  nem  bolo  de  bacia,  nem  outro  doce- 
Ihe  chega,  e  quem  come,  e  acaba  bum»,  come  bem,  se  he  das  que  se 
fazem  no  Convento  das  Freiras  da  Esperanga,  qu&  mais  especialmeote 
fazem  cstas  queijadas,  e  nem  em  outra  Uba  alguma,  nem  ainda  em  P(M^ 
tugal  se  fazem  t3o  perfeitas:  ao  que  ajuda  mais,  haver  n^esta  Uba  dìo 
so  muito  mei,  (que  chamlo  de  canas,  por  vir  feito  do  Brasil,  e  tirada 
(lo  assucar)  mas  tanto  mei  de  abellias,  que  diz  Fructuoso  haver  homem 
no  Posto,  ou  Porto  Santo,  que  tem  quinhentas  colmeas,  e  o  melhor  pasto 
d'ellas. 

103  Até  de  arvoredos,  lenhas,  e  m'atos,  he  mais  povoada,  e  be© 
I)rovida  està  Uba,  porque  corno  tem  o  interior  de  quatro  legoas  de  lar- 
(f 0,  e  sete  de  comprimento,  e  nunca  teve  Engenhos  de  assucar,.  qoe 
consomcm  toda  a  lenha,  e  por  ser  de  menos  fogo,  tem  mais  do  fundo 
as  pedreiras,  e  por  cima  mais  alta  a  pura  terra,  por  isso  se  achao  n'elto 
arvores  t3o  grandes,  que  de  pereiros  tal  havia  que  do  mesmo  tronco  sa- 
biao  treze  é  roda,  e  tao  cheios  de  fruta,  que  vendendo-se  os  peros  a 
dous,  e  a  tres  por  bum  real,  rendia  cada  anno  seis  mil  réis,.  so  em  os 
que  se  vendiSo;  e  em  soutos  de  castanheiros,  tal  se  achava,  e  tSO'anti- 
go,  que  seu  tronco  tinha  de  grosso  circuito  trinla  e  ciuco  palmos,  e  effl 
cima  infinidade  de  castanhas:  e  para  a  banda  do  Norie,  e  de  Ceste,  [wr 
cima  das  campinas  chamadas  PataluRO,  ha  tao  grandes  madeiras  de  pio* 
braacos,  sanguinhos,  louros,.  folbados,.  e  cedros,  e  de  tanta,  e  tao  es- 


uv.  yi  GAP.  m  8S 

pessa  altura,  qiie  n'ella  chega  a  gente  a  perder  caminho:  dQS  cedros  po- 
rém  ha  menos  ja,  por  serem  muito  buscados,  e  haver  muitos  ofiìciaes 
que  d'elles  lavrao  riquissimas  pecas,  que  para  Portugal,  e  outras  partes 
se  embarcao;  que  quanto  malo  ordinario  para  o  fogo,  basta  sahìr  de  ma- 
nhaa  da  casa  de  sea  senhor  o  seu  escravo  com  machado,  e  besta,  para 
Toltar  com  ella  carregada  a  jantar  a  casa,  e  tornar  logo  depois  de  jan- 
tar,  e  voltar  da  mesiiia  sorte  à  noite;  tao  prompta,  e  tao  barala,  e  laala 
he  a  lenha  desta  Ilha. 

164    Basta  pois  dizer  das  excellencias  da  Ilha  Terceira,  oque  (sem 
ser  d'ella,  mas  da  Ilha  de  Sao  Miguel)  diz  o  douto,  e  verdadeiro  Fru- 
cluoso  Irv.  6,  cap.  2.  tQne  he  a  universal  escala  domar  do  Poenle,  e 
por  lodo  mundo  celebrada,  aonde  reside  o  corac5o,  e  q  governo  de  lo- 
das  as  llhas  dos  Assores  na  suaCidade  de  Angra,  etc,  e  no  mesmo  liv. 
6.  cap,  6,  fine,  accrescenta  ibi:  Além  da  sua  fertilidade,  he  muilo  fertil 
està  Ilha  com  o  que  Ihe  vem  de  fora,  das  outras  llhas  dos  Assores;  coni 
qiie  he,  corno  Rainha,  de  todas  as  llhas  bem  servida,  porque  de  Sao 
Jorge  Ihe  vem  gado,  madeira  para  caixas,  e  navios,  frutas,  vinhos  ;  do 
Faial  carneiros,  Inhames  os  melhores,  e  até  o  excellenle  peixe  Escolar; 
do  Pico  OS  melhores  vinhos,  e  o  que  vence  a  todos,  que  he  o  vinlio 
passado;  da  Graciosa  ns  ccvadas,  as  manteigas,  mel>  gallinhas,  e  multo 
carneiro;  da  ilha  das  Flores,  e  da  do  Corvo,  Cedros,  e  outras  ricas  nia- 
deiras,  muila  laa,  e  muito  pano  da  terra,  com  so  a  cor  da  mesma  laa, 
sacas,  e  sacos,  gallinhas,  e  toucinhos,  e  multa  courama;  e  até  da  Ilha  de 
Santa  Maria  Ihe  vai  o  barro  para  a  melhor  louga,  e  multo  peixe  seco;  e 
de  Sao  Miguel  loda  a  casta  de  linho  em  rama,  e  em  panos,  em  sacas,  e 
sacos;  de  sorte  (s3o  palavras  de  Fructuoso)  de  sorte  que  póde  dizer  a 
Ilha  Terceira,  que  todas  as  outras  llhas  sao  suas  escravas,  pois  quanto 
n'ellas  se  cria  para  a  Terceira,  e  desta  sao  suas  Quintas  as  outras  llhas. 
465    E  nao  obslanle,  ser  loda  a  Terceira  tao  permeavel,  que  em 
menos  de  vinte  e  quatro  horas  se  arìda  loda  a  roda  pelos  devotos  do 
Santissimo,  desde  que  se  expoem  o  Senhor  em  Quinta  Feira  da  Semana 
Santa  até  se  acabar  o  Officio  da  Sesta  feira,  e  a  pé  por  lavradores  de- 
votos que  andao  aquellas  desasele  l^oas  em  redondo;  ainda  comtudo 
lem  tlo  copiosa  creagao  de  Egoas,  que  com  cobras  d'alias  se  debulha 
o  trìgo  n'esta  Ilha,  o  que  se  nào  faz  nas  outras  llhas  sen3o  com  trilhos 
de  ^ado  vacum,  e  assim  ha  na  Terceira  muita,  e  mui  exceilente  caval- 
laria»  e  Sdalgos  curiosos  de  crear,  e  eosinar  generosos  Ginetes,  e  se 


86  HISTORIA  INSULANA 

tao  desenfavel  era  a  Ilha  por  so  genie  de  pé,  qiic  em  vinte  e  cpiatro 
lioras  a  corre  à  roda,  quào  incoiiquistavel  sera,  tendo  tanta,  e  tao  boa 
cavallaria,  que  a  corra,  vigie  e  dufenda  em  menos  horas?  Sobre  isto  he 
de  tal  temperamento,  e  de  clima  tao  sadio,  e  mantimentos  tao  digeri- 
veis,  que  niella  vivem  os  homens  lemperados  mais  do  qne  em  outnis 
Ilhas,  e  ainda  os  mais  nobres,  de  que  conheci  muilos  fidalgos  de  oitent^, 
noventa,  e  cem  annos:  e  d'este  temperamento  vem  o  sahirem  d'alli  en- 
genhos  superiores  para  todas  as  artes,  e  sciencias,  (comò  adiante  vere- 
mos)  pois  ale  Pilotos  sahirao  dalli  tao  destros,  que  bum  Ayres  Fernan- 
dez  foi  por  vinte  vezes  Piloto  à  India,  sem  alguma  bora  arribar,  e  o  se- 
gnio  seu  filho  Luis  Ayres:  e  bum  Manoel  Fernandez  foi  tao  insigne  Pi- 
loto de  toda  HQgpanha,  que  foi  o  primeiro  que  descubrio  a  derrota 
de  Portugal  a  Malaca,  sem  antes  d'està  tocar  na  India,  e  em  Goa  o  fa- 
ziào  Piloto  mór  do  Sul,  mas  EUIiei  D.Scbastiào  o  charaou,  e  levoupor 
Piloto  mór  da  sua  Gale  Real,  e  seu  Real  Galcao  S.  Martinbo,  em  que  a 
ultima  vez  passou  a  Africa,  e  o  honrou  com  o  habito  de  Cbristo,  tenfas 
e  outras  honras:  e  tendo  sido  examinado  pelos  maiores  Pilotos  de  Por- 
tugal, confessarao  todos  a  el-Bei  que  aquelle  homem  sabia  tudo  o  que 
elles  sabiao,  e  que  todos  elles  nTio  sabiào  o  qne  mais  sabia  elle.  Oniro 
insigne  Piloto  sahio  da  mesma  Terceira,  por  nome  Joào  Fernandez,  que 
foi  0  primeiro,  que  do  mar  do  Sul  das  Indias  de  Castella  sabio  pelo  Es- 
treito  de  MagalbSes,  e  partindo  da  Cidade  dos  Heis  em  a  Capilania,  e 
com  a  Almiranta,  està  se  perdeo,  e  elle  passou  lodo  o  Eslreilo,  e  em 
breve  apoi'tou  na  sua  Uba  Terceira,  e  d'abi  logo  em  Sevilba,  levando 
comsigo  dous  Gigantes,  macbo  e  femea,  que  tinha  acbado,  e  tornando 
em  as  costas  do  Estreito. 

166  T5o  subidos  Engenhos  para  tudo,  tambem  vem  das  medici- 
naes  cousas  que  cria  a  dita  Uba,  porque  acima  dos  moinhos  da  Agualva 
em  buma  pequena  fuma,  se  tira  almagre  tao  fino,  que  deitando  com  elle 
emplastros  nos  cavallos,  os  cura  perfeitamente,  corno  se  fora  bolo  ar- 
menico,  ou  bonarmenico  :  e  na  mesma  parte  junto  a  dita  Agualva  ha 
campos  cuberlos  de  muitos  cubres,  berva  mui  medicinal  para  muilas 
enfermidades,  e  especialmente  para  quaesquer  queimaduras  de  fogo; 
tanto  assim,  que  bum  grande  herbolario  e  Fisico,  que  das  Indias  de 
Castella  aportou  em  a  Terceira,  vendo,  e  conbecendo  a  berva  mandoik 
^'Stillar  as  flores  d'ella,  colbidas  antes  do  Sol  nascer*,  e  com  a  tal  agua^ 
curou  a  muilas  pessoas  de  varias  doencas;  e  levou  muitos  vasos  cbeioi^ 


LIV.  VI  GAP.  XVI  87 

da  ilita  a^oa,  dicendo  qiie  levava  n  ella  riquissima  modidria,  em  qiie  es- 
pirava fazer  muito  diiiheiro  nas  Indias  de  Castella,  para  oiìde  elle  voltava; 
e  accn'scerjlava  (jue  havia  na  talliha  a  mais  fina  salsa  parrilha  que  se  dava 
nas  Indias  de  Castella  d'onde  elle  vinha;  e  nao  quereiido  dizer  qiie  herva 
fosse,  suspeitou-se  ser  a  que  cà  chainamos  Hera,  por  està  na  Terceira 
se  parecer  mnito  com  a  salsa  parrilha  das  Indias,  e  por  na  tal  liha  se 
usar  muito  da  dita  sua  hera  nas  enfennidades,  e  se  darem  coin  ellasua- 
douros,  e  d'ella  liaver  paos  tao  graades,  que  delles  fazem  copos,  para 
mais  segura,  e  salutiferamente  beberera. 

167     Dirà  ainda  alguem:  Se  tanto  servem  à  llha  Terceira  os  ài'  fora 
d'ella,  ejla  em  que  serve  aos  de  fora?  Responde-se,  que  corno  a  llha 
Terceira,  e  a  sua  Angra  he  a  cabega  das  mais  Ilhas,  d'ella  levào  as 
mais,  0  que  de  sua  cabeca  costumào  levar  os  membros  de  bum  corpo; 
e  assim  corno  a  cabega  he  a  que  vendo,  ouvindo,  examinando,  e  pro- 
v.'inilo,  he  a  que  julga  o  que  convem  a  cada  membro  human;),  e  esles 
d'ella  recebem  os  beni  formados  espiritos  vitaes,  assim  as  mais  llhas  da 
Terceira;  e  corno  a  està  vai  dar  loda  a  casta  de  fazendas,  drogas,  e  es- 
peciarias  que  ha  nào  so  em  Portugal,  e  suas  ricas  Contfuislas,  mas  nas 
^"Va/^oes  estrangeiras,  de  tudo  se  vào  prover  a  Angra  as  outras  llhas,  que 
t<Mo  n'ella  achào,  o  assucar,  courama,  e  madeira  do  Brasil,  e  Maranhào; 
^>  inarfim,  e  escravos  de  Angola,  e  Cabo  Verde:  a  canela,  pimenta,  cra- 
^o,  e  cousas  preciosas,  e  ainda  a  pedraria,  as  perolas,  e  aijofar  da  In- 
^•a  Orientai;  toda  a  especie  de  panos,  e  de  sedas  de  Italia,  Inglaterra, 
f'ranca  e  Hollanda;  e  o  azeile,  sai,  e  cera  de  Portugal:  e  até  o  ferro, 
^''^u,  enxarcias,  velames,  anchoras,  e  amarras  de  navios:  e  se  nada 
^  iste  querem  as  outras  llhas,  levào  em  prata,  e  ouro  o  preco  do  que 
^rouxerào;  pelo  que  a  llha  Terceira,  e  Cidade  de  Angra,  sem  alguma 
^ora  servir,  senào  so  a  seu  Deos,  e  a  seu  Rei,  he  buscada,  e  servida  de 
^das  as  outras  Genles.  0  que  supposto,  vamos  jà  com  a  hisloria  por 
diante. 


ss  HlSl^ORIA  INSULANA 

CAPITOLO  XVII 

Va  nohreza  que  entrou,  e  povoouy  e  ainda  habita  a  Ilha  Terceira. 

Dos  Bruges,  Arcas,  Paims,  e  Teves,  e  dos  Homens,  Cameras,  Domellai, 
Noronhas,  Pamplonas,  e  Fonsecas. 

168  Do  priraeiro,  e  verdadeiro  Povoador  da  Ilha  Terceira,  e  Capit5o 
Donatario  de  loda  ella,  e  dos  dous  Donatarios  segiiintes,  em  que  se  re- 
parlio  a  lllia,  e  da  Qdalguia,  e  ascendencia  de  todos  ires,  e  siiccessao 
nas  Capitanias,  jà  dissemos  acima  n'esle  llv.  6  desde  o  cap.  2  ale  o  cap. 
10,  segue-se  agora  dizermos,  que  povoadores  mais  levarao  comsigo:  e 
que  desc^ndentes,  assim  dos  taes  Capitaes,  corno  dos  companheiros,  fi- 
carào  na  Terceira,  e  mais  Ilhas,  para  se  reconliecer  a  nobreza  d  elles. 

169  Do  primeiro  pois  Donatario  da  Terceira,  o  fidalgo  Flamengo 
Jacome  de  Bruges,  e  da  Dama  sua  mulher  Sancha  Rodrignez  de  Arca, 
nào  (icou  filho  varao  algum,  mas  a  primeira  de  suas  legiiimas  filhas, 
chamada  Antonia  Dias  de  Arca,  ou  Arce,  casou  na  mesma  Ilha  Terceira 
com  hum  fidalgo  Inglez  chamado  Duarte  Paim,  filho  de  outro  grande  fi- 
datgo  Thomaz  Elim  Paim,  que  de  Inglaterra  tinha  vindo  por  Secretano 
da  Hainha  D.  Felippa  de  Lancastre,  mulher  d'el-Rei  D.  Jo3o  o  I,  e  con- 
fórme a  doacao  feila  a  Jacome  de  Bruges,  e  nomeadamenle  a  sua  pri- 
meira filha,  nao  tendo  filho  varào,  està  filha  D.  Antonfa,  e  por  ella  seu 
marido  Duarte  Paim,  erao  os  que  se  seguilo  na  inteira  Capitania  de  te- 
da a  Ilha  Terceira,  mas  comò  o  pai,  e  sogro,  primeiro  CapitUo,  era  ji 
morto,  e  dentro  de  poucos  annos  morreo  tambem  Duarte  Paim,  por  mais 
que  este  fez  demanda  à  Capitania,  e  a  continuou  seu  filho  legilimo  Din- 
go Paim,  comtudo  por  Ihe  sumirem  a  Real  Doacao  feita  a  seu  avo  ma- 
terno, e  a  sua  mài,  foi  negada  por  sentenza  a  Capitania  a  quem  perten- 
cia,  e  dividida,  e  dada  aos  dous  que  se  seguirao  n'ella  corno  veremos: 
e  nem  a  Commenda  de  Santiago  que  tinha  Duarte  Paim,  nem  essa  se 
deo  no  filho  Diogo  Paim. 

170  Casou  porém  Diogo  Paim  com  Branca  da  Camera,  filha  de  Pe — 
drahes  da  Camera,  irmao  do  segundo  Capitào  do  Funchal:  e  ainda  quc^ 
desta  mulher  se  nào  contào  filhos  que  tivesse  Diogo  Paim,  casou  est^^a 
segundn  vez  com  Calharina  da  Camera,  filha  de  Antào  Martins  Homerrm  , 
e  de  Isabel  Dornellas  da  Camera,  filha  tambem  do  dito  Pedralves  A  a 


Liv.  VI  CAP.  xvn  89 

Camera,  e  teve  o  dito  Diogo  Pairn  d'està  sua  segunda  mulhcr  Catharina 
da  Camera,  sobrinha  da  primeira  Branca  da  Camera:  teve,  digo,  a  An- 
tonio Paim,  que  casou  na  raesma  Ilha  Terceira  com  Merita  Evangelha, 
descendente  da  familia  dos  anligos  fidalgos  do  appellido  Evangelhos,  dos 
qnaes  Joao  Evangeiho  instituio  o  morgado  de  Sao  Pedro  em  Villa  No- 
va: e  do  tal  Antonio  Paim  nasceo  Duarte  Paim,  comò  o  bisavó  paterno, 
€  casou  com  D.  Bernarda,  fliha  de  Paulo  Ferreira,  e  posto  que  d'este 
casamento  se  nào  sahem  descendentes,  sabe-se  comtudo  que  Diogo  Paim 
teve  segimdo  filho.  chamado  Jeronymo  Paim,  irmao  do  sobredito  Antonio 
Paim,  e  tio  do  Duarte. 

171  0  tal  Jeronymo  Paim  casou  com  huma  Alba  de  Joao  de  Teve 
0  moco,  e  d'este  casamento  houve,  e  ha  ainda  na  liba  muila  descenden- 
cia,  e  bum  Mauoel  da  Camera,  Clerigo,  e  Vigario  das  Fonlainbas,  pri- 
meiro  neto  de  Diogo  Paim,  segundo  neto  de  Duarte  Paim  o  primeiro 
do  nome,  e  terceiro  neto  de  Thomaz  Elim  Paim,  e  Secretano  da  Rainha 
D.  Feh'ppa,  por  linha  feminina,  do  primeiro  Donatario  de  toda  a  Uba 
Terceira  Jacome  de  Bruges,  e  da  Regia  Dama,  sua  mulher.  E  d'aqui  se 
ve,  .qua  ainda  que  a  fortuna,  contra  a  verdadeira  Justiga,  tirou  a  Capi- 
tania  aos  descendentes  de  Jacome  de  Bruges,  e  de  seu  genro  Duarte 
Paim,  nao  Ibe  tirou  comtudo  a  conservammo  da  sua  nobilissima  descen- 
dencia,  que  ainda  boje  se  conserva  em  a  Uba  com  nobreza,  limpeza,  e 
riqueza,  de  quo  tambem  era  bum  Cbristovao  Paim,  fidalgo  da  Villa  da 
Praia.  He  porém  de  advertir,  que  d'este  Jacome  de  Bruges  quizerao  al- 
guns  dizer  que  vinhao  os  Borges  da  Uba  Terceira,  mudado  o  appellido 
de  Bruges  em  Borges;  porém  be  engano,  comò  adiante  veremos. 

172  Na  ordem  de  tempo  em  que  entrarlo  na  Ilha  Terceira  seus 
mais  nobres  Povoadores,  seguem-se  os  da  familia  dos  Teves,  (deixada  a 
precedencia  na  nobroza  de  bumas  familias  a  outras,  que  essa,  corno  odio- 
sa, nos  nao  toca  a  nós  julgar)  porque  corno  o  capitlo  Donatario  Jacome 
de  Bruges,  vindo  de  Lisboa  pela  Madeira,  trouxe  à  Terceira  comsigo, 
entre  outros  fidalgos,  a  bum  Diogo  de  Teve,  do  qual  consta  descender 
de  outro  Diogo  de  Teve,  que  da  Madeira  foi  para  Castella  em  tempo 

.  d'el-Rei  D.  Henrique,  e  Ibe  foi  tomado  o  seu  morgado  para  a  Coroa,  e 
este  primeiro  Diogo  de  Teve  descendia  de  bum  Joao  de  Teve,  celebre 
Malgo  em  Portugal;  fillio  de  Antonio  de  Teve,  e  irm3o  de  Dona  Maria 
de  Teve,  que  casou  em  Portugal  com  Fem3o  Martins  de  Sousa,  pai  jle 
Cbristovao  de  Sousa,  senhor  de  Bayao,  casa  bem  conbecida  em  Portu- 


60  HISTORIA  INSTLAI^A 

gal:  e  comò  succedco  qiie  o  Capit3o  Bruges  se  sahio  da  Terceira,  e  nun- 
ca  maia  appareceo,  e  o  seu  corapanheiro  Diogo  de  Teve,  sem  dar  conia 
do  Capilao,  morreo  na  prizao  em  Lisboa. 

173  Ficou  de  Piogo  de  Teve,  seu  filho  Joao  de  Teve,  o  qual  Iroii- 
xe  demanda  com  Diogo  Paim,  por  o  pai  de  Joao  de  Teve  ter  tornado  a 
Serra  de  Santiago  ao  Capilào  Bruges,  avo  materno  de  Diogo  Paim:  mas 
comò  se  corapuzerao  rasando  Diogo  Paim  a  seu  filho  Jeronymo  Paim  coni 
huma  filila  de  Joào  de  Teve,  (chamado  o  niofo)  dividirào  a  Serra  entre 
si,  que  rendia  entào  qualrocenlos  raoios  de  Irigo;  e  ficou  a  casa  dos  Te- 
ves  muito  rica,  e  a  Serra  de  Santiago  chamando  se,  a  Serra  de  Joàode 
Teve:  e  està  casa  se  conserva  hoje  aparenlada  com  a  maior  nohreza  de 
todas  as  Illi^s,  pois  a  ultima  filha  do  ultimo  JoDo  de  Teve  casou  com 
Luiz  Diogo  Leite  do  Canto  e  Vasconcellos.  filho  morgado  de  Jacome  Lei- 
te  Boteiho  e  Vasconcc^llos,  fidalgos  bem  conhecidos  em  Angra  daTercei- 
ra,  e  em  Ponla  Delga<Ja  de  Sào  Miguel:  porém  està  casa  dos  Teves,  he 
dos  Tevos  por  linha  feminina,  que  por  varonia  he  dos  antigos  fidalgos 
Vasconcellos,  pois  Joào  Mendes  de  Vasconcellos  casou  com  D.  iJaria  de 
Teve,  e  por  obriga^^ào  de  morgados,  he  està  de  Teves,  comò  em  seu  lu- 
gar  mais  largamente  vereinos,  quando  fallarmos  dos  V^asconcellos. 

174  Aos  appelìidos  e  fomilias  de  Bruges,  Arca.  Paim,  e  Teve,  se- 
g'iem-se  os  appelìidos  de  Homens,  Cameras,  Dornellas,  Noronhas,  e  Pam- 
plonas:  pois  ja  vimos  acima  cap.  2.  e  3,  que  o  segundo  Capilao  da  O 
jìilania  da  tarava  foì  Alvaro  Marlins  Homem:  e  este  appellido  he  de  tao 
grande  fidalguia,  e  tao  anliga,  que  dos  fidalgos,  que  El-Rei  de  Porlu- 
gal  mandou  para  casarem  coai  as  filhas  do  primeiro  Capitào,  e  descu- 
hridor  da  liha  da  Madeira,  hum  d'elles  foi  Garcia  Homem  de  Sousa,  que 
casotj  com  Calharina  Goiiralves  da  Camera,  filha  do  dito  primeiro  Capi- 
tfio  do  Funchal.  coino  vinios  jà  no  liv.  3,  cap.  10.  E  comò  a  este  se- 
gundo (:a])ìtào  da  t'raia  se  segiìio  na  Capilania  seu  fiUio  Antao  Martìns 
Homem,  que' casou  com  Isabel  Dornellas  da  Camera,  filha  de  Pedralves 
da  Camera,  irmào  do  segundo  capitào  do  Funchal  Joao  Goncalves  da 
Camera,  e  filhos  ambos  do  primeiro  Joao  Goncalves  Zargo.  d'aqui  vem 
OS  Cameras  da  liha  Terceira,  e  vem  por  linha  legitima:  pois  do  dita 
Joao  Guncalves  Zargo,  primeiro  que  tomou  o  appellido  de  Camera,  se 
nào  sabe  filho  algum  naturai,  e  so  do  seu  terceiro  filho  Bui  Goncalves 
da  Cauiera  consta  que  nenhum  fillio  legilimo  teve,  mas  illegitimos  lo- 
dos,  de  que  descendem  os  Cameras  de  S.  Miguel. 


Liv.  VI  CAP.  \vn  91 

175  Quando  porém  esle  Pedralves  da  Camera  viesse  da  ifadoira  pa- 
ra a  Terceira,  parece  qiie  veio  logo  no  principio  com  Jacome  de  Bru- 
ges, (corno  veio  o  leve  da  mesma  Madeira,  e  o  Paim  de  Lisboa,  e  ou- 
tros  fidalgos,  que  por  saberem  da  nova  liha  Terceira  descuberla,  vinhào 
para  ter  doacoes  de  terras  nella)  o  cerio  l)e  que  o  tal  Pedralves  da  Ca- 
mera foi  casado  com  Elvira  Fernandes  de  Savedra,  e  que  d'elles  nasceo 
a  sobredita  Isabel  Dornellas  da  Camera,  mnlher  do  terceiro  Ca[)itào  da 
Praia  Anlào  Marlins  llonicm,  e  d'estes  foi  filha  a  dita  Catharina  da  Ca- 
mera, que  casou  com  Diogo  Paim,  e  a  dita  Briles  de  Noronha,  que  ca- 
sou  com  0  quarto  Capitào  da  Praia  Alvaro  Martins  da  Camera,  segundo 
do  nome. 

176  Do  appellido  de  Dornellas,  ou  Ornellas,  consta  que  veio  lam- 
bem  da  Madeira  com  o  dito  (idalgo  Pedralves  da  Camera,  pois  sua  tìiha 
se  cbamava  Isabel  Dornellas  da  Camera,  e  erào  estes  Dornellas  fidalgos 
tao  conhecidos,  e  que  enlre  os  maiures  da  Madeira  se  conta  Joao  Dor- 
nellas, Cavalleiro  de  grande  nome,  e  fama,  que  a  sua  custa  foi  soccorrer  a 
CaGm  em  Africa,  sendo  casado  na  Madeira  (comò  vimos  jà  no  liv,  3, 
cap.  11,  do  segundo  Capitào  do  Funchal  Joao  Gon^alves  da  Camera)  e 
ainda  hoje  dura  na  Madeira  està  nobilissima  familia  de  Dornellas,  e  se 
conserva  na  liha  Terceira,  comò  huma  das  primeiras  fidalguias  d'ella, 
em  Manoel  Paim  da  Camera  e  Dornellas,  irmào,  e  herdeiro  do  Alcalde  • 
mùr  da  Praia  Bras  Dornellas  da  Camera,  filhos  ambos  do  Governador, 
e  Alcaide-mór  Francisco  Dornellas  de  quem  abaixo  trataremos,  e  do  nelo 
que  hoje  vive. 

177  Dos  Noronhas  lambem  consta  que  em  si  os  trouxe  da  Madei- 
ra 0  mesmo  Pedralves  da  Camera,  pois  da  dita  sua  liiha  Isabel  Dornel- 
las da  Camera,  que  casou  com  o  terceiro  Gapilào  da  Praia  Antào  Mar- 
tins Homem,  nào  so  nasceo  D.  Catharina  da  Capiera,  que  casou  com  o  Diogo 
l*3iin,  mas  nasceo  tambem  D.  Briles  de  Noronha,  que  foi  mulher  do  quar- 
to Capitào  da  Praya  Alvaro  Martins  da  Camera;  e  ainda  que  acima  com 
^*^tros  muitos  dissemos,  que  o  dito  Pedralves  da  Camera  era  irmào  do 
^gundo  Capitào  do  Funchal,  agora  nos  parece  que  devia  ser  liiho,  oa 
'^U)  seu,  pois  0  dito  segundo  Capitào  do  Funchal  he  o  que  casou  com 
*^-  Maria  de  Noronha,  bisneta  dEl-Rei  D.  Henrique  de  Castella,  e  por 
^^Qi  he  que  a  dita  fllha  de  Pedralves  da  Camera  se  chamou  Noronha; 
(<^o  dissemos  na  vida  do  segundo  Capitào  do  Funchal)  e  d'estes  No- 
^oiihas  tiata  Damiào  de  Goes,  e  diz  que  Ei-Hei  D.  Fernando  de  Porta- 


S2  HISTORIÀ  INSLXANA 

gal  leve  huma  filha  naturai,  chamada  D.  Isabel,  e  que  està  cason  com 
D.  Alfonso,  Conde  de  Gijon,  e  senhor  de  Noronha,  fillio  tambcm  natu- 
rai d'EI-Rei  D.  Henriqiie  II,  de  Castella,  e  que  d'aqui  procedeo  a  illus- 
tre familia  dos  Noronhas,  ou  N.  N.  em  Portugal,  de  que  tanto  usao 
OS  da  Madeira,  e  tao  pouco  os  da  Terceira,  com  igualmonte  Ihes  per- 
tencer. 

ÌIH  Dos  Pamplonas  tratamos,  porque  n'este  firn  da  separada  Ca- 
pitaiiia  da  Praia  forao  propostos  para  o  seu  governo;  pois  (corno  acima 
dissemos  cap.  3,  fine)  quando  por  morte  do  quinto  Capitao  da  Praia,  neii 
fillio  varao  ficou  que  lUe  succedesse,  nem  filha  que  tivesse  successao;  e  ató 
Anlonio  de  Noronha,  irmao  do  ultimo  CapitSo,  vindo  da  India,  morreo 
de  poste  em  Lisboa,  entao  os  povos  d'aquella  Capilania  vaga  pedirao  a 
El-Uei  ihes  desse  Capitào  Donatario,  que  os  governasse,  e  Ihe  propuze- 
rao  para  isso  a  bum  fidalgo  da  mesma  Uba  Terceira,  e  Capitania  da 
Praia,  e  da  familia  dos  Pamplonas,  que  (comò  refere  Fructuoso)  a  go- 
vernou  alguns  annos.  0  que  sabemos  d'estes  Pamplonas  he,  serem  das 
primeiras,  e  nobres  familias  quo  forao  povoar  a  Uba  Terceira,  e  que  no 
lugar  de  Sào  Roque,  chamado  dos  Altares,  fundàrao  a  Ermida  de  Santa 
Calharina,  e  a  fizerUo  c^ibeta  do  morgado,  chamado  dos  Pamplonas,  que 
so  em  trigo  passa  de  cem  moìos  cada  anno,  fora  outra  muita  renda  de 
vinlìos,  fóros,  eie,  e  demais  tem  por  sua  institufgao  esle  morgado,  que 
todos  OS  succ^essores  nelle  deixem  suas  tercas  avinculadas  ao  mesmo 
morgado,  e  que  ande  sempre  nos  filbos  mais  velhos  por  linba  direìla, 
corno  na  Instituigào  se  póde  ver. 

179    0  priineiro  que  de  tao  antiga,  nobre,  e  rica  familia  achei,  se 
diamava  Gonzalo  Alvarez  Pamplona,  de  quem  foì  fillio  (quanto  pude  al- 
cancar)  Manoel  Pamplona  de  Azevedo,  que  casou  com  huma  irma  da 
mài  (lo  Santo  Marlyr  Joào  ^aptista  Machado;  e  do  tal  matrimonio  nas- 
ceo  Comes  Pamplona:  e  bisneto  por  linba  direila  Joao  Pamplona,  que 
casou  com  Dona  Maria  de  Miranda;  e  terceiro  neto  Joao  Pamplona  de 
Miranda,  que  casou  com  D.  Margarida  do  Canto;  e  quarto  neto  Confalo 
Alvarez  Pamplona,  segundo  do  nome,  que  casou  com  D.  Maria  da  Fon- 
seca,  filha  de  André  Fernandes  da  Fonseca,  Sargento-mór,  e  Ouvidorde^ 
Angra,  e  fidalgo  da  Casa  de  Sua  Magestade,  e  filho  de  Domingos  Mar— 
tins  da  Fonseca,  que  teve  o  mesmo  foro,  e  posto  que  passarao  ao  dite 
fillio,  e  ao  primeiro  neto,  e  morgado  rico  Domingos  Martins  da  Fohs 
ca,  que  casou  com  D.  Ignes  Pamplona,  filha  herdeira  do  segundo  Con 


Liv.  vr  GAP.  xxnì  9$ 

falò  Alvarez  Pamplona,  e  da  irm3  do  dito  Domingos  Martìns,  em  que  se- 
juctarao  dous  muito  grandes  morgados,  o  dos  Pamplonas,  e  o  dt)s  Fon- 
secas:  e  o  mesmo  Domingos  Marlins  da  Fonseca  leve  oulro  irmào  intei- 
ro  chamado  André  Luis  da  Fonseca,  fidalgo  que  morreo  ha  pouco,  de 
muito  mais  de  oitenta  annos,  deixando  multa  descendeneia:  da  dita 
D.  Ignes  (quinta  neta  do  primeiro  Confalo  Alvaroz  Pamplona,  e  lillia 
unica  do  segundo)  nascerào  sextos  netos.  e  septimos  que  hoje  vivenj;  e 
da  irraà  do  seu  pai,  D.  Margarida  Pamplona,  que  casou  com  o  grande 
fidalgo  Dingo  Moniz  Barreto,  nasceo  D.  Joanna  da  Silva,  que  casou  com 
Barlboiomeu  Pimentel:  emfim  que  d'està  familia  dos  Pamplonas  basta  di- 
zer  que  jà  n'aquelles  tempos  era  tal,  que  pelos  povos  da  Praia  foi  pro- 
posta para  seu  Capitao,  e  Governador;  mas  lirou-iiro  o  valimento  de 
Dom  Cbristovao  de  Moura  com  Castella. 

CAPITOLO  XVIII 

Dos  Cortereaes,  Costas,  Sìhaz,,  Monizes,  Barretos,  e  Sampaios, 
que  se  conservdo  na  Ilha  Terceira. 

180  Supposto  que  tocàmos  jà  no  cap.  4,  dos  Cortereaes,  Mouras> 
e  da  exceilente  casa  dos  Marquezes  de  Castello  Rodrigo,  devemos  tocar 
tarabem  o  principio  d'onde  veio  este  appcllido  de  Corlereal.  Todos  con- 
vem  que  do  Algarve  veio  hum  famoso  Cavalleiro,  cujo  appellido  era 
(Costa)  e  que  andando  na  Corte,  ou  d'El-Rei  D.  ftuarte,  ou  jà  de  sea 
pai  D.  Joao  o  I,  tao  luzidamente  se  tratava,  que  em  huma  occasiào  che- 
gou  El-Rei  a  dizer  publicamente  ao  Costa:  «Com  vossa  vinda  Costa,  mi'- 
nha  Corte  he  Real»  e  que  d'aqui  o  Costa  se  chamara.  Costa,  CortereaK 
outros  dizem,  que  a  occasiào  fora,  de  que  vindo  dous  Francezes  a  Portu- 
gal  a  procurar  homens  tSo  valentes,  que  se  atrevessem  a  lutar,  e  desafiar- 
se  com  elles,  (ao  estylo  antigo)  sabira  o  dito  Costa,  e  em  sinal  de  cor- 
tezia  lancando  a  mao  ao  brago  de  hum  dos  dous  Francezes,  Ib'o  aper- 
toa  de  tal  sorte,  que  gritando  o  Francez,  pedio  o  largasse,  que  nào  qu&- 
lia  luctar  com  quem  em  huma  mSo  tinha  taes  foroas;  e  que  entao  dis^ 
sera  o  Rei,  que  com  tao  valente  Costa  era  sua  Corte  Real;  e  Ihe  fìcuu. 
o  appellido  de  Costa  Cortereal:  e  ainda  que  nao  consta  se  o  dito  pri- 
meiro Cortereal  foi  o  mesmo  Joao  Vaz  da  Costa,  a  quem  se  deu  a  Capi- 
lania  de  Augra,  cu  se  foi  seu  pai  Yasqueaoes  da  Costa,  a  (^uem  as  his* 


!9i  mSTORTA  INSULANA 

torias  ja  cliamao  Cortereal;  o  certo  he  que  todo  o  Cortereal  descende 
dos  laes  Costas,  qiie  erào  Fronteiros  móres  do  Algarve  em  Tavira,  e 
Silves,  fulalgos  que  descendiao  do  grande  D.  Reimao  da  Costa  Francez, 
que  ao  prinieiro  Rei  D.  Aflbnso  Henriques  ajadou  a  tornar  Lisboa. 

181  D'estes  Coslas  Corlereaes  ficou  tanta,  e  tao  legilima  descen- 
dencia  na  liha  Terceira,  e  na  do  Faial,  que  o  dito  Joao  Vaz  da  Costa 
Cortereal,  (alem  de  casar  sua  filha  D.  Irìa  na  mesma  Terceira  com  hum 
fìdal^'O  charaado  Fedro  de  Goes  da  Silva,  a  quem  deixou  o  seu  paco,  e 
jardim  por  baixo  do  Castello  de  S.  Chrislovao,  chamado  Castello  dosmoi- 
nhos,  do  qual  casamento  nao  sei  a  descendencia  que  flcou)  alem  deste  casa- 
menlo.  casou  outra  filha,  chamada  D.  Isabel  Cortereal  com  Joz  de  Utra, 
segundo  do  nome,  e  segundo  Capitào  Donatario  das  Ilhas  do  Faial,  e  Pi- 
co, cujo  filho  Manoel  de  Utra  Cortereal  casou  tambem  com  D.  Angela 
Cortereal,  sua  prima,  filha  do  terceiro  Capitao  de  Angra  Vasqueanes  Cor- 
tereal. irmao  da  màe  do  dito  Manoel  de  Utra;  e  da  descendencia  d'cstes 
casamentos  fallaremos,  quando  tratnrmosda  liha  do  Faial;  e  omesmo  Joao 
Vaz  da  Costa  Cortereal  casou  na  Terceira  outra  filha,  chamada  D.  Joan- 
na  Cortereal,  com  Gnilherme  Moniz,  que  sendo  illustre  fidalgo  dos  Mo- 
nizes  de  Portugal,  mas  filho  segundo,  tìnha  ido  para  a  liha  Terceira  a 
adquirir  n'ellas  terras  do  Donatario,  e  este  com  a  filha  Ihe  dea  tantas, 
que  fundou  hum  bom  morgado  com  obrigacao  de  os  successores  ihe 
avjncularem  as  suas  terfas;  e  se  verdadeiramente  o  fizessem  assim,  se- 
ria j.i  hoje  multo  maior  ainda  do  que  he. 

482    Dos  taes  Monizes  Cortercaes  ha  n3o  so  na  Ilha  mnita  descen- 
dencia, mas  tambem  em  Portugal,  na  India,  eie.,  porque  o  segundo  filho 
(que  do  primeiro,  e  morgado  trataremos  lugo)  do  dito  Guilherme  Mo- 
niz, e  D.  Joanna  Cortereal  foi  Ballhesar  Moniz  Cortereal,  que  da  Tercei- 
ra fugio  ao  pai  para  a  India,  sendo  ainda  de  quatorze  annos,  pouco 
«mais,  e  depois  voltando  da  India  casou  em  Lisboa  com  D.  Violante,  na- 
turai da  mesma  Ilha  Terceira,  e  tornando  para  a  India  Ihe  morreo  cà  a 
dita  primeira  mulher,  e  elle  se  casou  segunda  vez  em  Mo^ambique  com 
D.  Maria  Paos  da  Cunha,  e  voltou  para  Lisboa,  e  d'este  segundo  matri- 
monio nasceo  D.  Maria  da  Cunha,  que  casou  com  Diogo  de  Mendoca,  e- 
d'estes  nasceo  D.  Joanna  de  Mendon^a,  que  casou  com  Manoel  de  Soo — 
sa  da  Silva,  fidalgo  bem  conhecido,  que  morava  no  seu  palacio  das  por— ^ 
tis  da  calgada  de  Santo  André,  e  teve  duas  filhas,  a  segunda  casou  con 
seu  primo  o  Conde  de  Valdereis,  sobrinho  patruo  do  Arcebispo  de  i 


LIV.  Vi  GAP.  X\TII  95 

boa  D.  Antonio  de  Mendofa;  e  a  primeira  filha  de  D.  Joanna  deMendo- 
Ca,  e  Manoel  de  Scusa  da  Silva  (qiie  succedeo  a  esle  no  morgndo)  casou 
Cora  0  Marquez  de  Montebello  D.  Antonio  Machado,  filho  morgado  do 
Marquez  de  Montebello  D.  Feliz  Machado  senhor  da  anliga,  e  illustre 
Casa  de  Entre  Homem,  e  Cavado,  o  qua!  D.  Antonio  foi  Govcrnador  de 
Fernambuco,  aonde  agora  està  tanibem  governando  seu  filho  lierdeiro 
D.  Feliz  Machado,  segundo  do  nome,  que  casou  com  D.  Eufrasia,  filha 
de  D.  Luis  da  Silveira,  das  primeiras  qualidades  de  Portugal,  e  tem  fl- 
Ihos,  e  baste  tocar  por  bora  isto  da  grande  casa  de  Montebello. 

183  0  prinaeiro  fillio  pois  do  dito  Guilherme  Moniz,  e  de  D.  Joan- 
na Cortereal  foi  o  morgado  da  liha  Sebastiào  Moniz,  que  casou  com  D. 
Joanna  da  Silva,  filha  de  Gonfalo  da  Silva,  Regedor  da  Jusliga  em  Lis- 
boa, e  de  D.  Isabel  de  Noronha,  e  jà  aqui  lemos  outra  vez  na  Uba  os 
melhores  Silvas  Regedores,  e  outra  vez  os  Noronhas.  Do  dito  Sebastiào 
Moniz  foi  0  primeiro  filho  morgado  outro  Guilherme  Moniz  comò  o  avo 
e  com  0  foro  de  moQO  fidalgo  da  casa  de  S.  Magestade,  e  d'este  nasceo 
Francisco  Moniz  Barreto  e  Silva,  tarabem  Morgado,  e  mogo  fidalgo,  a 
quem  se  seguio  seu  legitimo  filho  morgado  Manoel  da  Silva  Moniz;  e 
seu  irmao  o  Conego  JoSk)  Moniz,  e  de  Manoel  da  Silva  nasceo  Guilher- 
me  Moniz  comò  seu  visavó,  e  quarto  avo,  que  era  o  genro  do  Capitao 
Donatario  de  Angra  Joao  Vaz  da  Costa  Cortereal.  Nasceo  mais  de  Guilher- 
me Moniz,  segundo  do  nome,  Egas  Moniz  Barreto,  que  casou  com  D. 
Maria  da  Silveira,  nasceo  tambem  Antonio  Moniz,  o  famoso  na  India,  e 
seus  irmaos  Sebastiào  Moniz,  moco  fidalgo,  e  casado  com  D.  Brites  Me- 
rens,  e  d'estes  nasceo  o  morgado  Jo5o  Merens,  que  morreo  sem  filhos, 
£  se  Ibe  seguio  seu  segundo  irm3o  Diogo  Moniz  Barreto,  que  casou  com 
D.  Margarida  Pamplona,  e  dissipou  a  casa,  e  deixou  varios  filhos,  e  o 
terceiro  irmao  foi  Henrique  Moniz  Barreto,  que  casou  com  sua  prima 
D.  Violante,  filha  do  sobredito  Francisco  Barreto  da  Silva. 

184  Do  primeiro  Sebastì3o  Moniz,  e  da  dita  D.  Joanna  da  Silva,  fi- 
lha do  Regedor,  e  do  Noroaba  nasceo  em  segundo  lagar  Dona  Francisca 
jda  Silva,  que  casou  com  bqm  fidalgo  chamado  Ruy  Dias  de  Sampayo,  e 
d'estes  nasceo  D.  Antonia,  que  casou  com  Manoel  do  Canto  de  Castro, 
corno  veremos  abaixo  nos  Cantos,  e  Castros,  mas  porque  o  tal  Ruy  Dias 
de  Sampayo  vmvou,  e  casou  segunda  vez  com  D.  Iria,  filha  de  outro  fi- 
dalgo chamado  Constantino  Machado,  e  o  dito  Ruy  Dias  de  Sampayo  era 
filho  de  Mem  Rodriguoz  de  Sampayo,  e  de  D.  Brites  Homem  da  Costa, 


96  HISTOMA  INSIXANÀ 

e  era  neto  do  Gaspar  de  Sampayo,  e  de  D.  Joanna  de  Alarde,  fidalga 
iilustre,  por  isso  do  sobredilo  Ruy  Dias  de  Sampayo,  e  da  dita  sua  se- 
giinda  inoUier  nasoeo  outro  Ruy  Dias  de  Sampayo,  pai  de  Estevao  de  Sam- 
payo de  Azevedo,  e  do  mesmo  segundo  casamento  nasceo  mais  Manoel 
de  Cortereal  e  Sampayo,  que  foi  para  a  India,  e  là  com  tal  valor  teve 
tao  grandes  postos  de  guerra,  que  chegou  a  sor  Governador  de  todo  o 
Estado  da  India,  e  noraeado  nas  vias  por  Viz-lley,  ^  morreo  antes  dee 
chegar  a  ser,  e  de  sua  descendencia  là  na  India,  constarà  là.  E  final- 
raente  de  seu  pai  Ruy  Dias  de  Sampayo,  primeiro  do  nome,  e  de  sua 
primeìra  inullier  D.  Francisca  da  Silva  nasceo  mais  D.  Isabel,  que  casou 
com  Luis  Ilomem  da  Costa,  de  que  trataremos  em  seu  lugar. 

iS5  Vistas  pois  assim  as  familias  dos  Cortereaes,  Coslas,  Monizes> 
Silvas,  Ranetos,  Sampayos,  e  Noronim,  que  se  conservào  na  Uba  Ter- 
ceira,  temilo  he  jà  que  clieguenws,  na  ordem  de  tempo,  à  illustre  Éa- 
milia  dos  Caiitos  Castros,  e  outros,  Silvas,  Ferreiras,  Mellos,  etc. 

CAPITULO  XIX 

Dos  Cantos,  e  Castros  de  Angra,  e  familias  d'onde  vem, 
e  que  vem  d'elles. 

186  Antes  de  haver  nas  Ilhas  Bispos  proprios,  vinhao  por  ordem 
del-Uei,  e  do  D.  Prior  da  Ordem  de  Christo  de  Thomar,  alguns  Bispos 
às  Ilhas  de  novo  povoadas,  para  n'ellas  chrismarem,  dar  Ordens,  e  exer- 
citarem  o  conimum  oflìcio  de  Bispos  Coadjutorcs,  ou  (corno  chamao)  de 
annel ;  na  mesma  embarca^jao,  eiii  que  hia  hum  destes  Bispos  à  Madei- 
ra, foi  tauìbem  hum  varao  chamado  Fedro  Anes  do  Canto,  e  da  mesma 
sorte  passou  depois  da  Madeira  à  Uba  Terceira  pelos  annos,  e  em  tempo 
do  segundo  Capitào  Donatario  de  Angrsr  Joao  Vaz  da  Costa  Cortereal, 
que  muito  antes  foi  provido,  corno  dissemos  acima  no  cap.  2. 

187  Este  Fedro  Anes  do  Canto  era  ainda  solteiro,  e  filho  segundo 
de  Jacome  (ou  Joào)  Anes  do  Canto,  e  de  sua  mulber  Francisca  da  Sii* 
va.  Alba  de  bum  Joào  Soares  da  Silva,  e  pelo  dito  seu  pai  era  neto  de 

Vasco  Anes,  ou  Vasco  Alfonso  do  Canto,  Cavalleiro,  naturai  de  Guima- 

ràes,  antiga  Corte  do  Conde  D.  Ilenrique,  pai  do  primeiro  Rei  de  Por— 
tugal  D.  Alfonso  Ilenriques,  e  era  jà  ©  dito  Fedro  Anes  do  Canto  tac^ 
famoso  Cavalleiro,  quo  linba  militado  em  Africa^  e  defendido  hum  ba.^ 


I 


UV.   VI  GAP*  XIX  97 

Ioarte  em  Àrzila»  e  pelos  muitos  seus  servi^os  Cl-Rei  de  Portugal  o  ti- 
oba  feito  fldalgo  flihado  de  sua  casa  Real»  e  ihe  deo  por  armas  hum  Cas- 
tello com  peQas  de  artelbaria  em  campo  vermelho,  a  que  ao  depois  se 
ajontarao  as  armas  dos  Castros,  corno  veremos. 

188  Posto  na  Terceìra  o  dito  fldalgo  Fedro  Ànes  do  Canto  casou 
com  D.  Joanna  Abarca,  (que  segundo  huns,  era  irm3,  e  segundo  outros, 
era  parenta  muito  chegada  de  D.  Maria  Abarca,  mulber  do  Donatario 
Joao  Vaz  da  Costa  Cortereal)  e  o  certo  he,  que  era  irma  de  D.  Isabel 
Abarca,  (da  qual  diremos  no  cap.  20)  mulber  do  antigo  fldalgo  Joao 
Borges  o  Yelbo,  de  que  abaixo  trataremos,  corno  tambem  dos  Abarcas, 
qae  descendem  de  bum  dos  Reis  que  bavia  em  Ilespanha,  chamado  D. 
Saocho  Abarca. 

189  De  Fedro  Anes  do  Canto,  e  de  D.  Joanna  Abarca  nasceo  An- 
tonio Pires  do  Canto,  que  nao  so  era  fldalgo,  e  Provedor  das  Armadas, 
corno  0  era  jà  seu  pai,  mas  Cavalleiro  professo  da  Ordem  de  Cbristo, 
e  casca  illustremente  com  D.  Catharina  de  Castro,  fllba  de  D.  Francisco 
de  Castro,  e  de  D.  Joanna  da  Costa,  li  neta  por  tal  pai  de  D.  Garcia  de 
Castro,  irmao  inteiro  de  D.  Alvaro  de  Castro,  primeiro  Conde  de  Mon- 
santo, e  filhos  ambos  de  outro  D.  Francisco  de  Castro,  e  de  D.  Isabel 
de  Menezes,  e  netos  de  D.  Joao  de  Castro,  senbor  do  Cadaval,  e  o  dito 
D.  Garcia  de  Castro  era  casadò  com  D.  Brites  da  Silva,  Alba  de  D.  Lio- 
nel  de  Lima,  Bisconde  de  Villa  Nova,  e  de  D.  Catbarina  de  Ataide:  e 
ainda  que  t3o  illustres  fàmilias,  e  appellidos  se  accrescentarao  aos  Cantos, 
tao  nobres  erao  jà  estes  que  nunca  mudarlo  do  appellido  de  Canto,  e 
so  Ihe  ajuntarao  o  de  Castro,  e  as  armas  dos  Castros  is  dos  Cantos, 
com  0  escudo  coroado  ;  e  assim  muito  se  enganou  quem  disse  que  o 
appellido  de  Canto  era  alcunha,  pois  nao  be  senao  appellido  muito  anti- 
go, e  muito  nobre,  que  por  nenhum  dos  outros  se  deixou.  Do  dito  An- 
tonio Pires  do  Canto,  e  de  D.  Catharina  de  Castro,  nasceo  D.  Joanna  de 
Castro,  que  casou  em  Lisboa  com  Lopo  de  Sousa,  e  d'estes  nasceo  Ay- 
res  de  Sousa,  primeiro  do  nome,  que  casou  com  D.  Leonor  Manriques; 
e  d'esles  nasceo  segundo  Ayres  de  Sousa,  e  D.  Leonor  Telles,  que  casou 
com  Francisco  de  Mello,  primeiro  Conde  da  Fonte,  e  Marquez  deSande, 
que  casou  com  a  filha  do  Marquez  de  Niza,  e  outra  Alba  casou  em  Lis- 
boa com  Luis  de  Saldanha,  o  do  Alemo  :  tantos  fìdalgos  em  Portugal 
descendem  de  Antonio  Pires  do  Canto,  e  do  pai  Fedro  Ànes  do  Canto. 

190  D'este  Antonio  Pires  do  Canto,  e  da  illustre  D.  Catbarina  de 

VOL.  II  7 


98  HISTOniA  INSULANA 

t 

Castro  nascoo  Fedro  de  Castro  do  Canto,  que  corno  seo  pai,  e  avo,  nao 
so  conservou  a  mesma  fidalguia,  e  o  mesmo  posto  de  Provedor  das  Ar- 
madas,  mas  tudo  augmentou;  casou  pois  com  D.  Maria  de  Mendo^a,  fi- 
lila de  Estevao  Ferreira  de  Melio,  e  de  D.  Antonia  de  Lima,  e  neta  pa- 
terna de  Concaio  Ferreira  da  Camera;  Albo  de  Duarte  Ferreira  de  Teve, 
e  de  D.  Felippa  da  Camera,  e  pela  mai  D.  Antonia  de  Lima  era  neta 
materna  de  Manoel  Pacheco  de  Lima,  e  bisneta  de  JoSo  Feraandes  Pa- 
checo,  e  terceira  neta  do  grande  Duarte  Pacheco  Pereira,  da  fidalguia 
dos  qoaes  abaixo  fallaremos. 

191  0  dito  Pedro  de  Castro  do  Canto  leve  tres  filhos;  primeiro, 
Manoel  do  Canto  de  Castro,  (de  que  logo  abaixo  trataremos)  segundo, 
U.  Violante,  Freira  em  S.  GonQalo  de  Angra,  terceiro,  Diogo  do  Canto 
e  Castro,  que  casou  com  D.  Isabel  Teixeira,  fitha  de  Gii  Fernandes  Tei- 
xeira,  fìdalgo  filhado,  e  do  tal  Diogo  do  Canto  e  Castro  nasceo  Pedro 
de  Castro  do  Canto,  que  casou  com  D.  Brites,  filha  do  fldalgo  Sargento 
mór  de  Angra  André  Fernandes  da  Fonseca;  e  d^estes  nasceo  Hierony- 
mo  de  Castro  e  Canto,  fldalgo  qte  ainda  hoje  vive,  e  que  por  varouia 
be  neto  de  Diogo  do  Canto,  bisneto  de  Pedro  de  Castro  e  Canto,  tercei- 
ro neto  de  Antonio  Pires  do  Canto,  e  quarto  neto  do  primeiro  Pedro 
Anes  do  Canto.  De  Pedro  de  Castro  do  Canto  o  primeiro  filbo  Manoel 
do  Canto  e  Castro  succedeo  em  tudo  a  seu  pai,  e  avós,  e  foi  Capi  tao 
mór  de  Angra  ;  casou  com  D.  Antonia  da  Silva,  filha  de  Buy  Dias  de 
Sampayo,  e  de  D.  Francisca  da  Silva,  e  pelo  tal  sogro  era  neto  de  Mem 
Rodrigues  de  Sampayo,  e  de  D.  Brites  Homem  da  Costa,  e  bisneto  de 
Gaspar  de  Sampayo,  e  de  D.  Joanna  de  Ataide,  todos  fidalgos  muito  co- 
nhecidos:  e  pela  dita  D.  Brites  Homem  da  Costa  era  bisneto  de  Gonza- 
lo Mendes  Ilomem,  e  de  Ignez  Alfonso  Carneìro;  pela  sogra  D.  Francis- 
ca da  Silva  era  o  dito  Manoel  do  Canto  e  Castro  neto  de  Sebastiao  Mo- 
niz,  e  bisneto  de  Guilherme  Moniz,  (de  que  jé  fallamos  nos  Monizes)  e 
de  D.  Joanna  Cortereal,  e  por  està  terceiro  neto  do  Capitao  Donatario 
de  Angra  Joào  Vaz  da  Costa  Cortereal,  e  de  sua  mulher  D.  Maria  Abar- 
ca,  corno  \k  vimos;  e  pela  dita  sogra  D.  Francisca  da  Silva,  e  pela  mai 
d'ella  D.  Joanna  da  Silva,  èra  bisneto  de  Gongalo  (ou  Joao)  da  Silva  Re- 
gedor,  e  de  D.  Isabel  de  Noronha. 

192  0  dito  Manoel  do  Canto  e  Castro,  primeiro  do  nome,  de  sua 
mulber  D.  Antonia  da-  Silva  teve  filhos  legilimos,  hum  Alexandre  que 
morreo  sem  fdbos,  e  huma  D.  Maria,  e  outra  D.  Ursula,  que  morrerao 


LlV.  VI  GAP.  XiX  Off 

Freiras  na  Esperanfa  de  Angra;  e  hum  Manoel  do  Canto  de  Castro,  se- 
goDdo  do  nome,  quo  era  do  habito  de  Clirìsto,  e  em  Castella  casou  com 
huma  illustre  fìdalga  D.  Felippa  de  Lara,  e  leve  em  Angra  a  casa  foros, 
e  postos  de  seus  avós  por  muitos  annos,  e  morreo  em  fim  sem  algum 
l^iUmo  descendente;  e  outro  irmao  que  se  Ibe  seguia  Fedro  do  Canto 
e  Castro,  nunca  casou,  e  morreo  primeiro,  e  sem  fiibos;  e  tambem  ou- 
tro irmSo  Antonio  do  Canto  e  Castro,  que  foi  CapitSo  de  Cavallos  d'el- 
Rei  D.  Joao  o  IV  na  batalha  de  Montigio,  e  depois  Sargento  mór  da  No- 
breza  em  Lisboa,  e  do  babito  de  Cbristo,  e  Sargento  mór  de  toda  a  Uba 
Terceira  com  grande  tenga,  e  Goverpador  do  grande  Castello* de  Angra; 
este  ainda  que  casou  em  Angra,  e  muito  fidalgamente,  com  D.  Maria  de 
Mendo(^,  filba  de  Joao  de  Betencor  e  Yasconcellos,  (de  que  abaixo  tra- 
taremos)  comtudo  nao  deixou  d'ella  filbo  varao,  mas  duas  fìlbas,  que 
confórme  a  sua  qualidade  casar3o  comò  veremos;  e  comò  ainda  a  este 
Antonio  do  Canto  e  Castro  precedia  por  mais  veiho  outro  seu  legitimo 
rmao  Jo3o  do  Canto  e  Castro,  este  succedeo  na  casa  ao  dito  irmao  Ma- 
noel do  Canto  e  Castro,  segundo  do  non)£. 

.193  Este  pois  Joao  do  Canto  e  Castro  nao  so  ficou  com  a  casa  de 
seus  avós,  mas  foi  do  babito  de  Cbristo  com  grande  tenga,  e  Provedor 
das  Armadas,  e  do  Conselbo  de  S.  Magestade,  e  ainda  antes  de  levar  a 
casa  casou  dentro  em  Angra  com  buma  fìdalga  cbamada  D.  Maria  Caixa, 
Uba  do  bom  fidalgo  Tbomé  Correa  da  Costa,  e  de  sua  mullier  D.  Catba- 
rina  Caixa,  de  que  fallaremos  em  seu  lugar;  d'este  casamento  nascerao 
muitos  fiibos,  e  de  bum  so  ba  boje  descendencia;  porque  o  mais  velbo 
Carlos  do  Canto  e  Castro,  sendo  fidalgo  de  grandes  esperangas,  e  jà  Mes- 
tre de  €ampo  de  bum  Tergo,  morreo  mancebo,  e  solteiro;  outro  cbama- 
do  Tbomé  do  Canto  e  Castro,  se-  metteo  Frade  Eremita  de  Santo  Agos- 
Uoho  na  mesma  Cidade  de  Angra,  e  morreo  cedo;  outro  cbamado  Ma- 
noel do  Canto  e  Castro,  na  mesma  Angra  entrou,  e  professou  a  regular 
observancia  de  S.  Francisco;  e  outro  cbamado  Sebastiao  Carlos  do  Can- 
to e  Castro,  sendo  meu  discìpulo,'  ba  mais  de  cincoenta  annos,  no  latim 
em  0  Collegio  de  Angra,  tomou  o  babito  de  Cbristo  no  Convento  de  S. 
Concaio  com  boa  tenga,  e  se  seguio  ao  pai  jà  falecido;  porém  o  mais,  ve- 
lbo irmao  Franciscano,  annullando  a  profissao  se  fez  secular,  e  se  oppoz 
ao  morgado,  e  o  Sebastì3o  Carlos  faleceo  em  a  demanda;  e  por  mais  que 
se  oppuzerao  ao  que  tinba  sabido  da  Religiao,  assim  seu  tio  Fedro  de 
Castro  do  Canto>  filbo  de  Diogo  do  Cauto>  e  nolo  do  outro  Fedro  de 


102  HISTOniA  INSULANA 

Vasconcellos,  de  que  mais  abaixo  fallaremos;  e  d'cstc  matrimonio  des- 
ecnde  hojc  multa  fldalguia  de  Angra. 

199  0  primeiro,  (3  morgado,  fillio  do  dito  Francisco  do  Canto,  e 
da  dita  sua  mullier,  foi  Fedro  Arics  do  Canto,  Malgo,  e  Cavalleiro  da 
Ordem  de  Christo,  que  casou  com  D.  Maria  Serra,  primeira  vez,  e  se- 
gunda  vez  casou  com  D.  Apollonia  Teixeira,  filha  de  outro  Odalgo  cha- 
mado  Gii  Fernandes  Teixeira.  Do  primeiro  matrimonio  nasceo  Francis- 
co do  Canto,  quo  iovou  o  morgado,  (sendo  segundo  fillio,  por  ser  jà 
morto  0  primeiro,  e  sem  filho  varSo)  e  casou  com  Dona  Anna  da  Sil- 
veira,  filha  de  Estevuo  da  Silveira  Borges,  da  fidalga  familia  dos  Can^a- 
Ihaes;  e  do  tal  matrimonio  nasceo  Ignacio  do  Qjinto,  morgado,  e  fidalgo 
filhado,  que  casou  com  I).  Ignez  de  Castro,  filha  de  Joao  do  Canto  de 
Castro,  pela  qual  pertendeo  o  primeiro  morgado  dos  Cantos,  que  Ihe  Io- 
vou 0  cunhado,  que  tinha  sido  Ftade.  Do  tal  Ignacio  do  Canto  da  Sil- 
veira e  Vasconcellos.  e  de  D.  Ignez  de  Castro  nascerao  muitos  Qlbos;  o 
morgado  que  està  casado,  e  sem  filhos  ainda,  Mattieos  do  Canto  e  Cas- 
tro, que  foi  Religioso  da  Companhia  de  Jesus»  excellente  Humanista,  e 
Filosofo,  e  que  lendo  em  Coimbra  nas  Escolas  menores  da  Universidade 
OS  latìns,  adoeceo  de  estndar,  e  doente  ainda  durou  alguns  annos,  e 
morreo  no  Beai  Collegio  de  Coimbra,  e  com  grande  exemplo  de  religio- 
sa humildade,  e  observancia.  Outros  irmaos  d'este  vivem  ainda»  corno 
ainda  tambem  vivem  os  ditos  pais. 

200  D^estes  ullimos  filhos  o  visavò  Fedro  Anes  do  Canto,  segundo 
do  nome,  e  da  mesma  primeira  mulher  nasceo  outro  fillio,  e  mais  ve- 
lilo, chamado  Luiz  do  Canto,  que  casou  na  Uba  de  Sao  Miguel  com  D. 
Barbara  da  Silveira;  e  d'esto  casamento  entao  nao  nasceo  varSo  algum 
que  eu  saiba,  mas  tres  filhas,  que  todas  taml)em  c<isarao  em  Sào  Mi- 
guel; a  primeira,  D.  Maria  do  Canto  com  o  tidalgo  Diogo  Lei  te  Botelbo, 
de  que  nasceo  Jacome  Leile  Botelho  e  Vasconcellos,  fidalgo,  e  Cavallei- 
ro da  Ordem  de  Chrislo,  que  veio  a  casar  em  Angra  com  D.  Maria  de 
Mello,  filha  de  Luiz  Coelho  Fereira,  e  de  D.  Isabcl  de  Mollo,  da  Uba  da 
Graciosa:  o  qual  Jacome  Leite  actualmente  faz  demanda  a  seu  tio  Igna- 
cio do  Canto,  e  Ihe  quer  tirar  o  morgado  que  possue,  e  possuio  seu  pai. 
Outra  filha  de  Luiz  do  Canto  foi  D.  Luiza  do  Canto,  que  casou  com  An — 
Ionio  de  Faria  Maia,  e  de  que  nasceo  D.  Mariana  de  Farla,  mulher  d^ 
Joao  de  Sousa  Facheco,  todos  da  mesma  liba  de  Sào  Miguel.  E  a  tercel — 


LIV.  VI  GAP.  XIX  103 

ra  filha  do  mesmo  Ignacio  do  Canto  foi  D.  Isabel  do  Canto,  quo  tambcm 
casou  em  Sao  Miguel  com  Miguel  Lopes  de  Araujo,  de  que  nasceo  D. 
Antonia,  quo  primeira  vez  casou  com  scu  primo  Pedro  Borges  de  Sou- 
sa,  de  que  houve  a  Antonio  Borges,  e  vìuva  casou  segunda  vez  com  An- 
tonio Soares  de  Sousa,  descendente  legitimo  dos  Donatarios  de  Santa 
Maria,  e  S.  Miguel. 

201  Do  dito  Pedro  Annes  do  Canto,  e  do  sua  segunda  mulher  D. 
Apollonia  Teixeira  nasceo  bum  fllho,  chamado  Manoel  do  Canto  Tcixei- 
ra,  fidalgo  que  casou  com  D.  Margarida  da  Costa,  irma  de  Joao  Homem 
da  Costa,  e  prima  da  mai  d'elle  Manoel  do  Canto  Teixeira;  e  d'este  nas- 
ceo Luis  do  Canto  da  Costa,  fldalgo  que  casou  primcìro,  com  D.  Fran- 
cìsca,  filha  de  D.  Chris tovao  Spinola  ;  e  segunda  vez  casou  com  Dona 
Antonia,  filha  de  Manoel  Correa  de  Mello,  da  Graciosa,  e  da  primeira 
nasceo  quem  hoje  vive,  e  da  segunda  tambem  outros. 

202  Do  dito  Pedro  Anes  do  Canto,  e  da  segunda  mulher  nasceo 
mais  D.  Luiza  de  Yasconcellos,  que  casou  com  D.  Pedro  de  Castello- 
branco,  e  d'estes  nasceo  D.  Manoel  de  Castello  branco,  marido  de  D.  Isa- 
bel  de  Mello,  filha  de  Manoel  Correa  de  Mello,  o  da  Graciosa;  e  d'estes 
nasceo  D.  Francisco  de  Castello  branco.  Outro  irmao  de  D.  Manoel  foi  D. 
Ignacio  de  Castello  branco,  que  tambem  casou  com  huma  filha  de  Anto- 
nio do  Canto  e  Castro,  e  de  Dona  Maria  de  Mendoca,  e  deixou  filhos;  e 
outra  Irma  de  D.  Manoel,  e  D.  Ignacio  foi  D.  Maria,  que  casou  com  Jouo 
de  Teve  de  Yasconcellos,  filho  de  Joao  Mendes  de  Yasconcellos,  de  que 
ha  multa  descendencia. 

203  Do  sobredito  Francisco  do  Canto,  tcrceiro  filho  do  primciro 
Pedro  Anes  do  Canto,  nasceo  mais  Joao  do  Canto,  fidalgo  que  casou  com 
D.  Catharìna  Yieira  (irma  do  Padre  Joao  Baptìsta  Machado,  da  Companhia 
de  Jesus,  que  morreo  martyrizado,  e  degolado  pela  Fé  Catholica  em  Japuo, 
corno  em  seu  lugar  diremos)  e  do  tal  Joao  do  Canto  nasceo  Francisco  do 
Canto  e  Yasconcellos,  mo^o  fidalgo  Cavalleiro  da  Ordem  de  Christo,  Alfcres 
inór,  e  Chanceller  de  Angra;  o  qual  casou  com  D.  Paula  da  Veiga,  fi- 
lha do  Femao  Furlado,  e  de  D.  Maria  da  Veiga;  e  estc  Francisco  do 
Canto  teve  mais  irm3os,  e  d'elle  nasceo  Joao  do  Canto  de  Yasc/)ncellos, 
(a  quem  chamàrao  Joao  do  Canto  Saude)  fidalgo  do  mesmo  foro  de  seu 
pai,  e  que  casou  com  D.  Maria  Cortereal;  filha  de  Sebastilio  Cardoso 
ìiachado.  Tenente  do  Castello  grande,  que  tambem  deixou  descenden- 
cia ;  e  outra  irma  do  dito  Joao  do  Canto  Saude  casou  em  S.  Miguel 


lOi  mSTOniA  INSULANA 

com  hum  nobre,  o  rico  Cìdadao  Antonio  Pereira  Botelho,  de  que  lam- 
bem  là  ha  descendencia. 

204  Nasceo  mais  de  Francisco  do  Canto,  (lerceiro  fllho  do  primeiro 
Fedro  Anes  do  Canto)  nasceo,  digo,  D.  Andreza  do  Vasconcellos,  que 
casou  com  Manuel  Paclieco  de  Lima,  (grande  fidalgo,  de  que  fellaremos 
abaixo)  e  d'esles  nasceo  Joao  Pachcco  de  Vasconcellos,  que  casou  Ires 
vezes,  Sem  ter  filhos  da  primeira,  nera  da  terceira,  teve-os  da  segunda, 
que  se  charaava  D.  Ursula  de  Lacerda,  fìlha  de  Alvaro  Pereira  de  La- 
cerda,  nobilissimo  Cìdadao  de  Angra,  de  que  nasceo  Francisco  Pacbeco 
de  Lacerda,  que  casando  a  primeira  vez  com  i).  Anna  Zimbron,  fìdalga 
morgada,  viuvou  d'ella  sem  filhos,  mas  teve-os  da  segunda  mulher,  com 
que  casou;  e  leve  mais  outro  irmao  cliamado  Diogo  Pacbeco  de  Vascon- 
cellos, e  de  ambos  estes  irmaos  liouve  bufna  irma,  que  casou  com  Fe- 
dro Ilomem  da  Costa,  fidalgo  mui  conbecido. 

205  Finalmente  seria  nunca  acabar  quem  quizesse  exhaurir  a  tgual- 
mente  numerosa,  que  fìdalga  familia  dos  Cantos,  cuja  primeira,  legitima, 
e  varonil  descendencia  se  conserva  nos  filhos  de  Joao  do  Canto  e  Cas- 
tro, e  com  nobre  Palacio,  de  vista  amplissima  para  mar  e  terra,  jardim 
junto  a  elle,  e  sua  Capella  deNossa  Senbora  dos  Remedios,  e  casa  tao  rìca,  que 
so  em  trigo  passa  de  trezentos  moios  de  renda  cada  anno;  e  em  vinhos, 
fóros  e  tencas,  atém  de  graudes  quintas,  tem  certamente  de  renda  mui- 
tos  mil  cruzados  cada  anno;  e  isto  desde  quasi  logo  seu  principio;  pois 
por  morte  do  segundo  fìlho  legitimo  do  primeiro  Fedro  Anes  do  Canto, 
que  foi  0  magnifico  Joao  da  Silva  do  Canto,  so  fìcou  sua  legìtima  des- 
cendencia na  famosa  fidalga  D.  Violante,  que  morreo  sem  filhos,  e  se 
unio  com  o  primeiro  morgado,  outro  igual  a  elle:  mas  porque  do  dito 
J)ao  da  Silva  ficou  (couìo  jà  vimos)  a  outra  filha  legitimada  D.  Maria 
da  Silva,  que  casou  na  casa  dos  Borges,  razao  he  que  a  estes,  e  oatras 
familias  jà  passemos. 

CAPITULO  XX 

Dos  Borges,  Coslas^  Abarcas,  Pachecos,  e  Limas,  VethoSj  e  Mellos^ 
e  de  ouiroSy  Jlomens  Costas. 

206  Jà  em  o  liv.  5,  cap.  i7,  Ut.  5,  tratàmos  dos  Borges,  Medeiros 
Dias  da  Uba  de  Sao  Miguel;  mas  porque  os  Boi^es  da  Uba  Terceira  sao 
muito  diversos,  e  estes  succederao  no  mais  particular  morgado,  que  de 


LIV.  VI  CAP.  XX  105 

sud  livre  terca  fez  o  grande  fidalgo  Joao  da  Silva  do  Canio,  em  que  se 
conserva  sua  de^cendencia;  por  isso  tendo  tratado  da  familia  dos  Cantos, 
pede  a  razao  que  tralcraos  dos  Borges  da  Terceira,  em  que  tambem  se 
conserva  dos  mesmos  Cantos  a  segunda  linha.  Para  o  que  se  ha  de  sup- 
por,  que  depois  de  Portugal  laudar  fora  de  todo  aos  Mouros,  ficou  o 
Beino  do  Algarve  sendo  a  unica  Fronteira,  quo  a  Corea  Lusitana  sus- 
tentax'a  centra  os  Mouros;  e  por  isso  o  Serenissimo  Infante  D.  Henri- 
qoe  foi  sempre  o  Fronteiro  mór  do  Algarve,  e  là  morava,  e^  os  filbos 
segundos  dos  melhores  fidalgos  Portuguezes  seguiao  ao  dito  Infante;  e 
era  entao  o  Algarve  a  mais  celebre  Praja  de  teda  a  fidalguia  Lusitana, 
que  do  Algar\'e  sahio  a  povonr  as  Ilhas  do  Porto  Santo,  Madeira,  e  tam- 
bem a  povoar  as  Terceiras.  Islo  supposto, 

•  207    Ò  tronco  dos  Borges  da  Terceira  se  chamava  Joao  Borges,  (o 
Telho  para  distincao  de  outros)  o  qual  era  fidalgo,  e  Cavalleiro  do  Al- 
garve, e  casou  com  D.  Isabel  Abarca,  irmà  de  D.  Maria  Abarca,  mulher 
do  primeiro  Capitao  de  so  Angra  Joao  Vaz  da  Costa  Cortereal,  e  tam- 
l)eni  irm5  de  D.  Joanna  Abarca,  primeira  raulher  do  primeiro  Pedro 
-Anes  do  Canto.  De  Joao  Borges  o  Velho,  e  de  Dona  Isabel  Abarca  nas- 
ceo  D.  Catharina  Borges  Abarca,  que  casou  com  Affonso  Anes  da  Costa 
Cortereal,  fidalgo  da  casa  de  Sua  Magestade,  e  de  Tavira  do  mesmoAl- 
gar\*e;  e  aqui  se  ajuntarao  estes  Borges  com  os  Cortereaes  e  Costas,  de 
qde  fallaremos  logo;  e  do  tal  casamento  nasceo  Christovao  Borges  da 
Costa  Cortereal,  fidalgo  que  casou  com  D.  Izeu  Pacheco  de  Lima,  filha 
de  Comes  Pacheco  de  Lima,  tambem  fidalgo  grande,  de  que  logo  dire- 
inos;  e  do  tal  casamento  nasceo  Manoel  Borges  da  Costa,  que  nao  so 
era  tao  bom  fidalgo,  naas  tambem  Commendador  da  Ordem  de  Christo, 
.  6  casou  com  D.  Maria  da  Silva,   filha  legitimada  do  sobredito  Joao  da 
Silva  do  Canto,  e  Morgada  por  elle  instituida. 

208  D'esle  pois  Manoel  Borges  da  Costa  nascerao  dous  filhos;  pri- 
lueiro,  Christovao  Borges  da  Costa,  chamado  o  dos  Altares,  por  n'este 
tagar  morar  em  quinta  sua,  e  casou  com  D.  Catharina  Coelho  de  Mello, 
^  boa  nobreza  da  dita  liha  Terceira;  e  a  estes  succedeo  seu  filho  Joao 
^  Silva  da  Costa  no  morgado  instituido  por  seu  bisavó  Joao  da  Silva 
^  Canto,  e  foi  dos  quatro  Capitaes  pagos  do  grande  Castello  de  Angra, 
e  casou  com  D.  Maria  de  Toledo;  succederao  mais  ao  dito  Christovao 
^rges  outros  filhos,  e  fidalgos  do  mesmo  foro,  comò  Salvador  Borges 
^  Costa,  e  Manoel  Borges  da  Costa,  e  D.  Izeu  Pacheco,  que  casou 


106  IlISTORTA  LNSULANA 

com  0  Capi  tao  Josoph  Lcal,  e  D.  Maria  Abarca  Cortercal,  que  cason  com 
Bernardo  Cordeiro  de  Espinosa,  das  quaes  pessoas  ainda  boje  vivem 
muitas. 

209  0  segundo  fiiho  de  Manoel  Borges  da  Costa,  o  Commendador, 
foi  Fedro  Borges  da  Costa,  que  teve  o  mesmo  foro  de  seus  avós,  e  ca- 
sou  com  D.  Anna  da  Camera,  Riha  de  Dìogo  Goncalves  da  Camera,  da 
Villa  da  Praia  da  Terceira;  e  d'este  casamento  nasceo  Joao  Borges  da 
Silva,  que  com  o  foro  de  seus  avós  foi  para  a  India,  e  n'ella  teve  gran- 
des  postos  de  guerra,  e  governos,  comò  teve  seu  tio*  Manoel  de  Corle- 
real,  e  Sampaio,  e  seu  sobrinho  Roque  Pacheco  Gortereal,  filho  da  so- 
bredita  D.  Izeu  Pacheco;  e  nasceo  mais  D.  Margarida,  com  quem  o  dito 
Bernardo  Cordeiro  de  Espinosa  casou  segunda  vez  depois  de  viavo  da 
primcira  mulher  D.  Maria  Abarca;  Analmente  nasceo  D.  Maria,  qne  oa- 
sou  em  Angra  com  bum  Antonio  Pereira,  e  deixou  Albo  cbamado  Jo3o 
da  Silva  do  Canto. 

210  Dos  iilustres  Abarcas,  Cortereaes,  Silvas,  e  Cantos,  qae  com 
estes  Borges  Costas  se  unirao,  jé  temos  dito  o  que  basta;  segue-se  agora 
dizermos,  que  fìdalgos  erao  aquelles  Pacbecos  Limas,  que  por  meio  de 
Dona  Izeu  Pacheco  de  Lima  se  ajuntarSo  com  aquelle  ChristovSo  Borges 
da  Costa  Cortereal,  primeiro  do  nome. 

•   211     Os  Pacbecos  (conforme  a  Fructuoso  vierSo  a  Portugal  de  Mi- 
nliaya,  seu  solar,  e  lugar  sito  na  Mancha  de  Aragao,  e  d'estes  foi  de  Por- 
ìus'jil   para  a  India  aquello,  la  na  India  cbamado  o  Grande  Duarte  Pa- 
checo, pclas  faganbas  que  obrou  no  Oriente;  d'este  famoso  Ileroe  Duarte 
Pacheco,  o  da  India,  foi  filho  Joao  Fernandes  Pacheco,  que  casou  em 
PQrlugal  com  D.  Briles  de  Noronha,  Alba  de  Comes  Fernandes  de  Lima, 
Adalgo  dos  da  primcira  qualidade,  e  primo  irm3o  de  D.  Fernando  de 
Lima,  0  Velilo,  e  assim  se  ajuntarao  os  Limas  com  os  Pacbecos,  e  No- 
l'onhas:   do  tal  casamento  nascerao  dous  filhos;  bum  dos  quaes  foi  Ma- 
noel P  aclieco  de  Lima,  que  foi  para  a  Uba  Terceira  por  Juiz  do  mar,  o 
Contado  r  da  Fazenda  Beai  em  todas  as  outras  Ilhas,  e  na  Terceira  casoa 
com  hunia  fidalga  chamada  D.  Francisca  Neta,  Alba  de  Jo3o  Alvarez  No- 
to ,  Adalgo  da  casa  de  S.  Magestade,  e  Cavalleiro  que  tinha  militado  em 
Africa,  e  na  Terceira  estava  por  Provedor  da  Fazenda  Beai;  e  do  tal  Ma- 
no el  Pacheco  de  Lima  nasceo  Antonio  Pacheco  de  Lima,  que  casou  com 
I) .  Catharina  de  Menezcs,  Alba  de  Bui  Dias  de  Sampaio,  e  de  D.  Fran- 
cisca ih  Silva,  quo    era  Allia  de  Sebastiao  Moniz,  e  neta  de  Guilhenne 


LIV.  VI  GAP.  XX  107 

Moniz,  e  pela  muiher  d'este  era  bisneta  de  Joao  Vaz  da  Costa  Cortcrcal, 
Capìtao  Donatario  de  Angra.  ^ 

212  Do  lai  Antonio  Pacheco  de  Lima  diz  o  Doulor  Frucluoso  que 
era  fidalgo  maito  honrado,  e  do  habito  de  Ghristo,  Contador,  e  Juiz  do 
mar,  e  Fazenda  Real,  e  Juiz  dos  Orfiios  em  Angra,  e  de  tao  boas  par- 
tes,  e  discricao,  que  a  quantos  o  vi3o,  prendia  com  cllas,  e  que  era  hon- 
rador  de  todos,  bem  inclìnado»  e  de  muito  respeito,  grande  amigo  de 
seus  parentes,  e  desejoso  de  accrescentar  a  dita  gcracjao,  gentil-homem, 
gracioso,  alegre»  liberal,  virtuoso,  e  temente  a  Deos,  e  de  muita  vìrtu- 
de,  e  desiateressado,  eie.  Estas  as  palavras  formaes  do  santo,  e  sabio 
FroctQOso.  Oh  se  quizesse  Deos  que  muitos  outros  imitassem  a  este  fi- 
(lalgol  e  seriSo  ainda  n'esta  vida  mais  venerados  de  todos. 

213  De  Antonio  Pacheco  de  Lima,  e  de  sua  mulher  D.  Catharina 
de  Menez^s,  nasceo  Hanoel  Pacheco  de  Lima,  segundo  do  nome,  que 
casoQ  com  D.  Andreza  de  Yasconcellos,  filha  de  Francisco  do  Canto,  e 
de  D.  Loiza  de  Vasconcellos,  e  pelo  tal  pai,  neta  de  Pedro  Anes  do  Canto 
0  Veiho,  e  neta  pela  mai,  de  Pedro  Alvarez  da  Camera,  e  de  D.  Andre- 
za de  Vasconcellos.  D'este  segundo  Manoel  Pacheco  de  Lima  nasceo  Joao 
Facbeco  de  Vasconcellos,  que  depois  de  casado,  e  viuvo  primeira  vez, 
casoQ  segunda  com  D.  Ursula  de  Lacerda,  filha  de  Catharina  Madruga, 
mài  do  nobre  Qdalgo  Alvaro  Pereira  de  Lacerda,  que  casou  com  D.  Um- 
belina,  de  que  nascerao  Diogo  Pereira  de 'Lacerda,  que  casou  D.  Ma- 
ria de  Betencor,  e  D.  Anna  de  Lacerda,  que  casou  com  Mattheos  Pa- 
checo, filho  de  Fabricio  Pacheco,  que  era  dos  Pachecos  outra  linha  ; 
porém  0  sobredito  Jo3o  Pacheco  de  Vasconcellos  tinha  nuo  so  os  fó- 
ros  da  fidalguia  de  seus  avós,  e  os  ofQcios  de  Contador,  e  Juiz  da  Fa- 
zeoda  Real,  mas  foi  sempre  o  mais  destro  Cavalleiro  que  havia  em  Aii- 
gra,  e  o  mostrou  sempre  nas  publicas  festas  de  cavallo;  e  igualmente  o 
imitou  seu  filho  Francisco  Pacheco  de  Lacerda,  que  primeiro  casou  com 
a  morgada  D.  Anna  Zimbron,  de  que  viuvou  sem  filhos,  e  depois  casou 
com  D.  Paula  de  Castro;  e  todas  estas  illustres  familias  estao  n'estes  Pa- 
checos. 

214  0  segundo  irmao  do  primeiro  Manoel  Pacheco  de  Lima  foi 
Comes  Pacheco  de  Lima,  filho  tambem  de  Joao  Femandes  Pacheco,  e 
neto  do  Grande  Duarte  Pacheco,  da  India,  e  d'esie  Comes  Pacheco  se 
diz  qae  morreo  Capitao  mór  de  huma  Armada,  e  defronte  de  Guiné;  e 
de  outro  seu  irm3o,  chamado  Manoel  Pacheco  de  Lima,  se  diz  tambem 


108  IIISTOWA  INSUf-ANA 

que  fora  o  dcscubridor  de  Angola,  e  Embaixador  d'el-Réi  D.  Joao  III, 
ao  Rei  de  Congo,  e  que  là  morrera  :  o  certo  he  que  do  tal  Gomcs  Pa- 
clieco  de  Lima,  ficarao  duas  Tilhas,  priineira  D.  Ignes  Facheco  de  Li- 
ma que  casou  com  Manoel  Correa  de  McIIo,  filho  de  ÀfTonso  Correa,  e 
neto  de  Duarte  Correa,  Capilào  Donatario  da  Graciosa;  e  do  tal  casa- 
mento nasceo  outro  Comes  Pachcco  de  Lima,  que  casou  na  Ilha  do 
Faial  em  1580,  com  D.  Ignes  da  Silveira,  de  que  nascer3o  Antonio  Pe- 
reira da  Silveira,  Manoel  Pacheco  Pereira,  e  Cliristov5o  Pereira  de  Li- 
ma, de  que  fallaremos,  quando  das  Ilhas  do  Fayal,  e  Graciosal  A  se- 
gunda  filha  do  dito  Comes  Pacheco  de  Lima,  foi  D.  Izeu  Pacheco  de 
Lima,  que  casou  com  Christovao  Borges  da  Costa,  de  que  nasceo  Manoel 
Borges  da  Costa  pai  de  Christovao  Borges  da  Costa  e  Pedro  Boi^es  da 
Costa,  fìdalgos  de  que  jà  fallamos.  Porcm  do  primeiro  Manoel  Pacheco  de 
Lima,  r>ao  su  nasceo  o  sobredito  Antonio  Pacheco,  mas  tambgm  D.  An- 
tonia de  Lima,  que  casou  com  Estcvao  Ferrcira  de  Mello,  avo  dos  Can 

tos,  e  Castros,  que  por  aqui  dcscendem  tambem  dos  Pachecos. 

215    Estes  Ferreiras,  e  Mellos  da  Graciosa  vierao  para  a  Terceira, 

corno  na  historia  da  Graciosa  diremos;  entro  tanto  bastare  sabermos  que 
Duarte  Ferreira  de  Teve,  lìdalgo  mui  conhecido,  casou  com  D-  Felippa 
da  Camera;  e  d^cstes  nasceo  Concaio  Ferreira  da  Camera,  que  casou  < 
D.  Felippa  da  Cunha,  e  forao  pais  de  Estevao  Ferreira  de  Mello,  n3o  sc^ 
multo  rico,  mas  multo  fldalgo,  e  que  casou  com  a  sobredita  D.  Antonia  d^ 
Lima,  dos  referidos  Pachecos;  e  d^este  casamento  nasceo  Luis  Ferreira  d^ 
Mello,  quo  casou  e  morreo  em  Lisboa,  e  Ihe  succedeo  seo  fdbo  JosepH 
Ferreira  de  Mello;  mas  as  irmlis  de  seu  pai,  e  filhas  do  dito  seu  av61 
tevào  Ferreira  de  Mello,  forao  tantas,  e  tantas  casarao  na  Ilha  Terceir 
que  d'està  a  melhor  nobreza  desccnde  d*cste  Estevao  Ferreira  do  Mell«3f 
e  comtudo  a  cada  huma  de  tantas  filhas  deo  o  pai  grande,  e  igual  dot^, 
e  a  cada  huma  em  bens  de  raiz,  e  livres,  sem  diminuir  o  grande  mor- 
gado  que  a  casa  tinha:  as  principaes  filhas  forao  D.  Luzia,  D.  Jeanne, 
I).  Francisca,  D.  Vicloria,  e  I).  Ignes,  fura  ontras,  comò  a  D.  Maria,  que 
casou  coni  o  morgado  dos  Cantos. 

210    Noni  parerà  a  alguom  que  abalcrao  os  sobreditos  Borges  Coslas     j 
no  casamento  daquolle  Christovao  Borges  da  Cosla  (o  dos  Allares)  com  D.     / 
Calharina  Cuelho  de  Mello;  porquc  està  descendia  de  Belchior  Fernandes 
de  Mello,  quo  voltou  de  Chiloa  da  India,  e  por  isso  Ihe  chamarao  o  Chi- 
lào,  e  no  dito  lugar  dos  Allares  casou  com  reri)eUia  Coelho  lìdalga  dos  Coe- 


LIV.  Vi  GAP.  XX  109 

Ihos,  que  vierSo  de  Castella,  corno  consta  do  Filhamento  Rcal  de  seu  fi* 
Iho,  e  neto:  o  filho  pois  foi  Hieronymo  Fcrnandes  Coelho,  fidalgo  filha- 
do,  de  m]Q  primeiro  casamento  nao  flcou  descendencia;  e  segunda  vez 
casoa  com  D.  Marta  Uedovalha,  filha  de  Diogo  Vaz  Redovalho,  Commen- 
dador  da  Ordem  de  Christo,  que  de  Portiigal  para  a  liha  levou  a  dita 
filha,  e  0  dito  sea  marido  tiroit  o  brazào  da  sua  fidalguia  dos  antìgos 
Coelhos  de  Portugal  ;  e  outro  irmao  leve  chamado  Francisco  Coelho 
de  Mello;  porém  do  primeiro  irmao  Hieronymo  Fernandes  Coelho  nas- 
ceo  Diogo  Vaz  de  Mello,  fidalgo  do  foro  de  seu  pai,  que  casoucom  D. 
Maria  de  Castro,  filha  do  Capitao  de  artelharia,  que  tinha  vindo  de  Via- 
na  do  Minho,  e  de  sua  mulher  Joanna  Mendes  Pereira,  naturai  da  Cida- 
de  do  Porto:  e  tambem  este  Diogo  Vaz  de  Mello  foi  insigne  Cavalleiro, 
corno  0  mostrava  nas  Festas. 

217  A  ninguem  tambem  pareca  que  os  antigos,  e  nobilissimos  Cos- 
tas  das  Ilbas  se  reduzem  so  a  aquelles  Borges  Cortereaes  de  que  jà  fai- 
lamos,  porque  além  dos  que  deixamos  jà  na  Ilha  ìb  Sao  Miguel,  outros 
vierjo  à  Ilha  Terceira,  e  esles  se  cham3o  Costas  Ilomens.  ou  Homens  da 
Costa,  e  sao  fidalgos  muito  conhecidos.  Velo  pois  a  liha  Terceira  emseus 
principios  Heitor  Alvarez  Homem,  e  casou  com  Brites  AQonso  da  Costa, 
filha  de  Alfonso  Ànes  da  Costa,  que  da  Ilha  da  Madeira  tinha  vindo  para 
Villa'  Franca  de  Sao  Miguel,  e  era  fdho  de  Joao  (ou  Pedro)  Anes  da 
Costa,  que  do  Algarve  tinha  ido  a  povoar  a  Madeira:  e  o  dito  Heitor 
Alvares  Homera  era  filho,  ou  neto  de  Ambrosio  Alvarez  Homem  Vascon- 
cellos,  e  de  sua  mulher  Margarida  Mendes  de  Vasconcellos,  irma  do  Ca- 
pitao Donatario  de  Machico  na  Madeira:  posto  na  Terceira  Heitor  Alva- 
rez Homem  adquirio  logo  tantas  terras,  e  bens  de  raiz,  que  fundou  hum 
bom  morgado  em  Villa  nova,  e  para  cabega  d*eUe  fundou  a  Ermida  de 
Nossa  Senhora  da  Vida. 

218  D'este  Hcytor  Alvarez  Homem,  e  de  Brites  Alfonso  da  Costa 
nasceo  Pedro  Homem  da  Costa,  que  casou  primeira  vez  com  Antonia 
Quaresma,  filha  de  Catharina  Quaresma,  e  neta  pela  tal  mài  de  Affonso 
Anes  Quaresma,  muito  nobre,  e  rico,  que  de  Portugal  foi  para  a  Ilha 
Terceira;  e  segunda  vez  casou  o  dito  Pedro  Homem  da  Costa  com  D. 
Brites,  filha  de  Fernao  Camello  Pereira,  e  de  D.  Brites  Cordeira;  porém 
da  primeira  mulher  nasceo  outro  Heytor  Homem  da  Costa,  que  casou 
com  D.  Luiza  de  Noronha,  filha  do  grande  fidalgo  Pedro  Ponse  de  Leao, 
Veador  mór  da  Uainha  D.  Catharina,  mulher  d'El-Rei  D.  Joao  HI,  e  d'el- 


110  '  HISTORIA  INSULANA 

les  nasceo  outro  Pedro  Homem  da  Costa,  que  casou  com  D.  Lùiza  de 
Vasconcellos,  irma  de  Joao  Pacheco  de  Yasconcelios,  e  liiha  de  Manoel 
Pacheco  de  Lima,  de  que  acima  ji  fallémos;  e  nasceo  mais  Luis  Domem 
da  Costa,  que  casou  com  L).  Isabel  da  Silva,  fdha  de  Bui  Dias  de  Sam* 
paio,  e  tiverao  mais  descendencia;  e  do  ultimo  Pedro  Ilomem  da  Costa 
nasceo  outro  Luiz  Homem  da  Costa,  pai  de  Bernardo  Homem  da  Costa, 
fidalgo  nihado,  e  Cavalleiro  do  habito  de  Christo,  que  he  bum  dos  Mor- 
gados  mais  nobres,  e  ricos  da  cidade  de  Àngra,  e  que  casou  com  D.  Mar- 
garida,  fìlba  de  Belcbior  Hachado  de  Lemos,  da  primeira  nobreza  da  Ca- 
pitania  da  Praia. 

219  Com  0  primeiro  Heytor  Àlvarez  Homem  foi  tambem  para  a 
Terceira  outro  irmào  chamado  Joao  Alvarez  Homem,  e  casou  com  Anna 
Luis  da  Costa,  e  depois  com  Isabel  Valadao  Homem,  filha  de  Joao  Va- 
ladao  Homem:  e  d'aqui  procederlo  muitos  outros  Homens  Coslas,  corno 
Isabel  Uomem,  quo  casou  com  Rui  Gongalves  Teixeira,  dos  quaes  nas- 
ceo Gii  Fernandes  Teixeira,  que  casou  com  Maria  Cardosa  Homem;  e 
d'estes  nasceo  D.  Isabel  Teixeira,  que  casou  com  Diego  do  Canto  e  Cas- 
tro, fillio  de  Pedro  de  Castro  e  Canto,  que  casou  comD.  Brites  daFonse- 
ca,  nasceo  tambem  D.  Àpolonia  Teixeira,  que  casou  com  Pedro  Ànes  do 
Canto,  segundo  do  nome,  pais  de  Manoel  do  Canto  Teixeiia,  corno  aci- 
ma ji  tocamos  na  familia  dos  Cantos:  e  n3o  sao  menos  fidalgos  estes 
Cantos  Teixeiras,  do  que  os  outros  Cantos  e  Castros,  comò  se  póde  ver 
nos  Teixeiras  da  Madeira,  e  Macbico,  d'onde  estes  vierao. 

CAPITULO  XXI 

Dos  CasUllusbrancos,  Carvalhaes,  Lobos,  SihfiraSy  Espinolas^  Lemos, 
e  dos  BetencoreSf  Domellas^  e  outros, 

220  Com  a  entrada  de  Castella  em  Portugal  pelar  morte  d'El-Rei 
D.  Henrìque,  Cardeal,  e  com  a  mesma  entrada  na  Uba  Terceira,  nao  so 
para  Portugal,  mas  tambem  para  a  Terceira,  veio  multa  nobreza  de  Cas- 
tella, especialmente  com  postos  de  guerra  para  o  grande  Castello  de  An- 
gra:  e  entro  os  que  vierao,  bum  foi  D.  Gaspar  Munhós  de  CastelbrancOt 
Aireres-mór,  e  depois  Capi  tao  da  dita  Fortaleza,  e  casou  com  D.  Hele- 
na  Escocia,  fidalga  da  Madeira,  e  d'elles  nasceo  D.  Pedro  de  Castelbran- 
co;  este  pois  casou  em  Angra  com  D.  Luiza  de  VasconceUos,  fiiba  de 


UV.  VI  GAP.  XXI  ììì 

Podro  Anes  do  Canto,  segunda  do  neme,  e  neta  de  Francisca  do  Canto 
e  de  D.  Iria  de  Yasconcellos,  filha  de  Pedralves  da  Camera,  e  de  D.  An- 
dreza  de  Vasconcellos;  e  o  dito  Francisco  do  Canto  era  o  terceiro  morga- 
do  de  Fedro  Anes  do  Canto  o  Velbo;  nasceo  mais  do  dito  D.  Gaspar,  e  da 
Pscocia,  sua  mulher,  D.  Gonzalo  de  Castelbranco,  qnc  foi  Abbade  na 
Serra  da  Estrella,  e  D.  Martha  de  Castelbranco  que  casou  com  bum 
moito  Dobre  vario  cbamado  SìmSo  de  Aguiar  Fagundes. 

821  De  D.  Fedro  de  Castelbranco  nasceo  D.  Manoel  de  Castelbran* 
co,  que  C9S0U  com  D.  Isabel,  filha  de  Hanoel  Correa  de  Mello,  e  de  D. 
Anna  de  Almeida,  de  que  fallaremos,  quando  das  Ilhas  Gracìosa,  e  S.  Jor- 
gè;  nasceo  tambem  do  mesmo  D.  Fedro,  D.  Ignacio  de  Castelbranco, 
qae  herdou  a  casa  de  sua  tìa  D.  Martha,  mulher  de  Sim3o  de  Aguiar  Fa- 
gondes,  e  casou  nobilissimamente  com  D.  Maria  do  Canto,  filha  de  An- 
tonio do  Canto  e  Castro,  e  de  D.  Maria  de  Mendoca,  filha  do  bom  fidai- 
go  JoSo  de  Betencor  e  Vasconcellos,  Capitlo-mór  de  Angra,  de  quem  lar- 
gannente  fallaremos  em  seu  lugar.  Nasceo  mais  do  dito  D.  Fedro,  D.  Ma- 
ria de  Vasconcellos,  que  casou  com  Joao  de  Teve  de  Vasconcellos,  de 
qoe  nascerlo  filhas,  que  hoje  slo  casadas,  e  de  cujos  descendentes  dirà 
oatrem.  Do  dito  D.  Manoel  de  Castaibranco,  nasceo  D.  Francisco  de 
Castelbranco  de  cujo  casamento,  e  descendencia  outrem  escreveré. 

222  Outra  multo  fidalga  famìlia  de  Angra  he  a  dos  appellidos  de 
Caryalbaes,  Borges,  Silveiras,  e  Cameras.  0  primeiro  Carvalhal  que  sei 
boavesse  em  Angra,  foi  Francisco  Dias  do  Carvalhal,  e  este  casou  com 
Catbarina  Neta,  (filha  de  Joao  Alvarez  Neto,  fidalgo  e  Cavalleiro  de  Afri- 
ca, e  Preveder  das  Armadas  na  Uba  Terceira)  de  quem  nascerlo  duas 
filhas;  primeira,  D.  Francisca  Neta,  que  casou  com  Mant)el  Facheco  de 
Lima,  e  forlo  pais  de  Antonia  de  Lima,  mulher  de  Estevao  Ferreira  de 
Mello,  bisavós  de  Jolo  do  Canto  e  Castro,  comò  vimos  na  familia  dos 
Cantos:  a  segunda  filha  foi  Margarida  Neta,  que  casou  com  Femio  Fur- 
tado  de  Mendoga,  de  que  abaixo  fallaremos;  e  d'estes  Netos  descende 
multa  nobreza,  ainda  que  nlo  usem  do  appellido  de  Netos. 

223  Do  dito  Francisco  Dias  do  Carvalhal,  e  de  Catbarina  Neta  nas- 
ceo Jolo  Dias  do  Carvalhal,  que  casou  com  Maria  Borges  Abarca,  dos 
Borges  Abarcas  de  que  jà  fallamos,  e  d'estes  nasceo  Estevao  da  Silveira 
Borges,  marido  de  D.  Barbara  Machada,  dos  muito  nobres  Machados,  de 
que  trataremos;  e  do  tal  casamento  nasceo  Francisco  do  Carvalhal  Bor- 
ges, que  casou  com  D.  Maria  da  Camera,  irmi  do  Padre  Manoel  da  Ca- 


112  HISTOIUA   INSULANA 

mera,  da  Companhia  de  Jesus,  o  ambos  da  illustre  familia  dos  Icgitimos 
Cameras;  e  do  tal  c^isaincnlo  nasoco  Joào  do  Carvalhal  Borges,  que  ca- 
son,  e  teve  rauitos  filhos,  que  aiiida  lioje  vivem,  e  doiis  vlerUo  servir  a 
El-Uei,  e  liuin  ji  inorreo,  oulro  casoii  nobre,  e  ricamente  na  Provincia 
de  Traz  os  iMonles;  e  lumia  irina  de  seu  avo  |)oterno  Estevao  da  Silvei- 
ra  Borges,  cliamada  D.  Joanna  da  Silvoira,  casou  com  Francisco  do  Can- 
to, 0  mofo,  e  (lo  Uil  cnsamento  nasceo  Ignacio  do  Canto  da  Silveìra,  e 
D.  Maria  do  Canto,  scgunda  muUier  de  Yital  de  Betencor  e  Vasconcel- 
los,  Capiti5o-mór  de  Angra,  aonde  toda  a  nobreza  lìdalga  està  aparcnta- 
da  com  esles  fidalgos  Carvalhaes. 

224  D'aquelle  fidalgo  Joao  Alvarez  Neto,  Cavalleiro  de  Africa,  e  Pro- 
vedor  das  Armadas,  nào  s6  nasceo  a  dita  Catliarina  Nota,  que  casou  com 
o  primeiro  Carvalhal,  neni  su  a  outi*a  Irma  D.  Francìsca  Neta,  mulher 
de  Manoel  Pacheco  de  Lima,  e  sogra  de  Estevao  Ferreira  de  Mallo;  mas 
nasceo  tambem  Margarida  Nota,  que  casou  com  Fernao  Furtado  de  Meo- 
doga,  que  segunda  vez  casou  com  D.  Maria  da  Yeiga;  e  o  dito  Femio 
Furtado  era  fillio  de  Gaspar  de  Lemos  de  Faria,  (que  tinha  vindo  de  Lis- 
boa) e  casou  com  Imma  fìllia  de  Mundos  Furtado  de  Mendoga,  filho  de 
Fernao  Furtado  de  Mcndoca,  fidalgo  dos  [)ovoadores  da  Graciosa,  comò 
em  sua  bistoria  veremos:  da  dita  pois  Margarida  Nela,  e  de  Fern3o  Fm^ 
tado  nasceo  Christovao  de  Lemos  do  Mendoca,  que  da  primeira  mulher 
teve  bum  fillio,  que  fui  Frade  dos  Eremilas  de  Santo  Agostinho,  Reitor 
do  Collegio  de  Coinibra,  e  Arcobispo  Priniàs  do  Oriente  em  Goa,  cha* 
mado  Dom  Frei  Cliristovao  da  Silveira,  e  oulro  secular  cbamado  Gui- 
Iherme  da  Silveira,  que  conlieci  ser  jà  velilo  de  sessenta  annos,  e  sendo 
0  pai  jà  de  oilenla,  casou  a  segunda  vez,  e  teve  terceiro  fillio  chamado 
Luis  Furtado  de  Mendoga,  que  foi  meu  discipulo  nos  latins  em  Angra, 
onde  ainda  o  pai  me  foi  visitar  ao  Collegio,  sondo  quasi  de  ccm  annos. 

223  Do  segundo  casamento  de  Fernao  Furtado  de  Faria  com  D. 
Maria  da  Vciga  nasceo  D.  I^aula  da  Veiga.  que  casou  com  Francisco  do 
Canto  da  Camera;  desto  casamento  nasceo  Joao  do  Canto,  a  quem  cba* 
marao  Joào  do  Canto  Saude,  que  casou  com  D.  Maria  Cortereal,  filhado 
Tenente  Sebasliào  Cardoso  Macbado,  quo  casou  com  D.  Brites  Cortereal, 
filila  de  Manoel  Pamplona  de  Azevedo;  e  o  tal  Sebasliào  Cardoso  Macba- 
do era  fillio  de  liuma  innà  da  mài  do  Venoravel  Padre  Joao  Baulistó 
Macbado;  da  Companbia  de  Jesus,  que  em  Japào  morreo  pregando  a  Fé, 
e  degoUado  por  ella,  corno  verdadeiro  Apostolo,  e  Padre  da  Compa- 


UY«  VI  GAP.  XXt  fl3 

nhia.  Outra  ind3  leve  o  dito  J(^o  do  Canto  Saude,  chamada  D.  Joanna, 
qoe  casou  eoi  Ponta  Delgada  de  S.  Miguel  com  hum  molto  nobre,  e  ri- 
co  Cidadio,  chamado  Antonio  Pereira  Boteiho»  que  li  tem  descendencia. 
Do  martyrio  do  Veneravel  Padre  trataremos,  quando  abaixo  escrevermos 
das  mais  illostres  virlades  de  algumas  pessoas  d'està  Ilha. 

220  Outras  familias  ha  na  Uba  Terceira,  de  que  n3o  pude  aòhar 
piena  noticia;  homa  d  elias  be  a  dos  iiinstres  Espìnolas,  que  vierSo  i 
Itila  oom  a  vinda  dos  nobres  Cabos  do  grande  Castello  de  Angra,  entro 
OS  quaes  veio  bum  fidalgo  cbamado  Felippe  Espinola,  e  d'este  naseeo 
D.  Cbristovao  Espinola  bem  conbecido  em  Angra,  onde  casou  nobilissi* 
Diamente,  e  teve  por  filha  a  D.  Francisca,  que  casou  com  Luis  do  Can- 
to da  Costa,  Albo  de  llanoel  do  Canto  Teixeira,  e  de  D.  Margarida  da 
Costa:  0  qual  llanoel  do  Canto  era  Albo  da  Pedro  Anes  do  Canto,  so- 
gaodo  do  nome,  e  neto  de  Francisco  do  Canto,  terceiro  filbo  do  primei- 
ro  Pedro  Anes  do  Canto,  e  casado  com  D.  Luiza  de  Yasconcellos,  filha 
do  primeiro  Pedro  Alvarez  da  Camera,  e  de  D.  Andreza  de  VasconceU 
los,  corno  se  póde  ver  na  familia  dos  Cantos  aetma;  e  do  tal  casamento 
de  Luis  do  Canto  da  Costa  com  a  dita  filba  de  D.  Cbristovlo  Espinola, 
naseeo  Joseph  do  Canto  Espinola;  e  por  morte  da  m9i  d'este  casou  o 
pai  s^nda  vez  com  D.  Antonia  de  Metto,  fiiha  de  Manoel  Correa  de 
Udo;  e  assim  se  unirio  os  Espinolas  cotn  toda  a  nobreza  das  Ilhas. 

227  A  outra  illustre  familia,  de  que  n^o  tenho  muita  clareza,  bea 
dos  Lobos  Silveìras,  que  casarao  na  familia  dos  Cantos  ;  porque  em  o 
Doutor  Fructtioso,  e  em  outros  papeis  dìgnos  de  fé,  aeho  que  bum 
Bras  Pires  do  Canto  foi  o  Fundador,  e  Padroeiro  do  Convento  de  S. 
Concaio  de  Angra;  mas  tKlo  acho  quem  fossem  os  pais  d'este  Bras  Pires 
do  Canto,  (e  talvez  se  aciidm  papeis  anligos  do  dito  Convento,  se  em 
poder  de  mulberes  se  nSo  perdessem)  podta  ser  que  o  tal  Bras  Pires  do 
Canto  nascesse  de  Antonio  Pires  do  Canto,  filho  primeiro,  e  morgado 
do  primeiro  Pedro  Anes  do  Cao^x),  e  que  o  tal  Bras  Pires  do  Canto  to- 
rnasse este  nome  do  dito  seu  pai,  pois  em  toda  a  familia  dos  Cantos 
nìo  se  acha  quem  se  dominasse  Pires  do  Canto,  senao  primeiramente  o 
dito  Antonio  Pires  do  Canto,  e  segundo  o  dito  Bras  Pires  do  Canto,  e 
corno  em  Angra  fundoa  o  sobredito  Convento,  d'ella  devia  ser  naturai, 
mas  tambem  n3o  adio  com  quem  fosse  casado,  o  certo  be  que  do  tal 
Bras  Pires  do  Canto  ficou  buma  filba  cbamada  D.  Maria  do  Canto. 

228  Està  pois  D.  Maria  do  Canto  casou  com  bum  fidalgo  chamado 
YoL.  u  8 


114.  HISTQRIA  INSCLANA 

D.  Diogo  Lobo,  e  d*este  casamento  Daseeo  D.  Rodrigo  Lobo  da  Silvein 
e  nasceo  em  Angra,  corno  affirmao  as  bistorìas  citadas  ;  e  foi  este  D. 
nodrigfo  Lobo  Commendador  de  duas  commendas,  da  de  Santa  Maria 
de  MorK^o,  e  de  outra  de  Santa  Maria  de  Niza,  e  dò  Gonsellio  de  Soa 
Magestade,  e  Governador  General  da  Rha  de  S«  Miguel,  e  emriin  Cover- 
nador  da  Armada  Rea!  de  Portugal  :  d'onde  parece  que  o  tal  Rodrigo 
Lobo  da  Sìlveira,  e  seu  pai  D.  Diego  Lobo,  erao  das  illustres  casas  dos 
Silveiras  Condes  da  SorteUia,  e  dos  Lobos»  Baroes  de  Alvito»  e  qoe  as- 
sim  cqnio  o  prìmeiro  Fedro  Anes  do  Canto  casou  primeira  vez  na  casa 
dos  Abarcas,  boje  Cortereaes,  Marquezes  de  Castello  Rodrigo,  e  segua* 
da  Tez  casou  nas  dos  Silvas  de  Lisboa  ;  e  seu  fillio  Antonio  Pires  do 
Canto  caso»  na  casa  dos  Castros  de  Monsanto,  Marquezes  de  Cascaes 
lìoje,  assim  tambem  casaria  em  Lisboa  Bras  Pires  do  Canio,  cuja  filha 
casou  com  D.  Diogo  Lobo:  de  D.  Rodrigo  Lobo  nasceo  outro  D.  Diogo 
Lobo  da  SiU*eira,  corno  o  avo,  e  ja  no  anno  de  1639,  foi  cotn  Armada 
Real  por  Mestre  de  Campo  para  o  Brasil,  e  nSo  sabemos  da  descendea- 
cia  sua,  mas  so  de  buma  sua  irma  U.  Marianna  de  Castro,  que  vtveo, 
e  morroo  Freira. 

229  Da  Regia  familia  dos  Betencores,  e  dos  seus  troncos  Beis  das 
Canartas,  e  seus  descendentes  assim  na  Madera,  comò  em  S.  Miguel, 
tratamos  ji,  quando  das  taes  Ilhas;  segue-se  agora  tocarmos  dos  outros 
Reaes  descendentes,  que  vier3o  para  a  liha  Terceira,  e  n'ella  se  conser- 
vao.  D  estes  pois  foi  em  Angra  o  mais  respeitado,  e  celebrado  fìdalgo, 
bum  Jo3o  de  Betencor  e  Vasconcellos,  de  quem  mais  largamente  fallare- 
mos,  quando  tratarmos  das  guerras  do  Senhor  D.  Antonio,  neto  dei- 
Rei  D.  Manoel,  com  seu  primo  Felippe  II  de  Castella,  neto  tambem  do 
mesmo  Rei.  Quem  porem  fosse  o  pai  d*e3te  Joao  de  Betencor,  diz  hama 
Relapao  de  Autlior  de  vista  d*aqueiie  tempo,  que  foi  Francisco  de  Be« 
tencor.  e  que  ainda  era  vivo,  e  viveo  ainda  depois  muito  tempo,  e  que 
era  naturai  da  Villa  da  Praia,  e  casado  com  mulher  muito  nobre,  e  apa* 
rentada,  e  era  legitimo  descendente  dos  ditos  dous  Reis  das  Canarìas, 
e  que  dos  que  d'estes  viefao  para  a  Uba  da  Madeira,  veio  para  a  Te^ 
ceira  o  tal  pai  do  dito  Joao  de  Betencor  e  Vasconcellos,  comò  constarà 
dos  flibamentos  Reaes  d'estes  fldalgos,  e  tambem  he  certo  qoe  foi  casa- 
do com  D.  Maria  da  Camera  e  Vasconcellos,  filtia  de  Fedro  Alvarez  da 
Camera,  segundo  nome:  e  bisneto  de  outro  Fedro  Alvarez  da  Camera, 
que  da  Madeira  velo  para  a  Terceira,  e  era  Qlbo  legitimo  do  segundo 


LlV.  VI  CAP.  XXI  Mo 

Capitao  do  Punchal  Joao  Gongalves  da  Camera,  e  dos  Vasconcellos  di- 
remos  abaixo. 

230  D'este  Joao  de  Betencor  e  Vasconcellos,  que  ha  mais  de  cento 
e  trìnta  annos  vivia,  nasceo  Vìtal  de  Belencor  e  Vasconcellos,  Morgado, 
e  do  babilo  de  Christo,  com  cem  mil  réis  de  tenca,  que  casou  com  Im- 
ma das  filhas  do  grande  fidalgo  Eslevao  Ferreìra  de  Mello,  e  segunda 
vez  casoa  com  D.  Izeu  Redovaiha,  fìlha  de  Vasco  Fernandes  Redovaiho, 
e  de  D.  Maria  Abarca,  das  antigas,  e  nobres  familias  dos  Redovalhos,  e 
dos  Abarcas:  nasceo  mais  do  mesmo  Joao  de  Betencor  outro,  e  segun- 
do  filho,  que  viveo,  e  morreo  Religioso,  e  Padre  da  Companhia  de  Je- 
sus, corno  duas  irmas  suas,  Religiosas  do  Convento  de  Sào  Gonzalo  de 
Angra.  Ao  dito  Vital  de  Betencor  se  seguio  no  morgadb  o  primeiro  fì- 
Iho,  e  da  prìmeìra  mulher«  Jo3o  de  Betencor  e  Vasconcellos,  Capitao  de 
Angra,  e  Governador  da  guerra  contra  a  Fortaleza  do  Castello  grande, 
no  aoDO  da  Acclama^ao  de  Portugal,  e  Commendador  da  Ordem  de 
Christo,  da  Commenda  de  Santa  Maria  de  Tondella,  e  casou  com  D.  Joan- 
na,  filha  de  D.  Francisco,  e  de  huma  irma  de  Manoel  Correa  de  Mello, 
illustre  fidalgo,  de  que  faliaremos,  quando  da  sua  liha  da  Graciosa;  e  era 
tio  conhecida,  e  respeitada  a  fìdalguia  d'oste  Joao  de  Betencor  e  Vas- 
concellos, que  Ihe  chamavuo  o  Sol  da  nobreza,  e  limpeza. 

231  Outro  irmao  d'este  ultimo  Joao  de  Betencor,  foi  Vital  de  Be- 
tencor comò  seu  pai,  fìllio  porcm  da  segunda  mulher,  e  succedeo  no  fo- 
ro de  seu  pai,  e  avós,  e  ao  irmao  na  Capitania-mór  de  Angra;  e  foi  do 
habito  de  Christo  com  tenga,  e  Provedor  dos  Rcsiduos  das  Ilhas;  viveo 
muitos  annos,  e  sempre  bemquisto,  e  estimado  de  todos:  casou  duas  ve- 
zes,  primeira  com  D.  Violante,  fìlha  de  Francisco  de  Betencor  Correa  e 
Avila,  de  que  trataremos  quando  da  Graciosa,  e  da  liha  do  Fayal;  se- 
gunda vez  com  D.  Maria  do  Canto,  irma  de  Ignacio  do  Canto  da  Silvei- 
ra  e  Vasconcellos:  do  dito  Vital  pois  nasceo  D.  Branca,  que  casou  com 
Agostinho  Borges  de  Sousa,  fìdalgo,  e  Cavalleiro  da  Ordem  de  Christo, 
e  Provedor  da  Fazenda  Reni  das  nove  Ilhas  Terceiras,  de  que  nasreo  An* 
tdnio  Zimbron;  mais  nasceo  do  mesmo  Vital  outra  fìlha,  que  casou  com 
Diogo  Pereira  de  Lacerda,  e  além  de  outras  fìlbas  nasceo  Francisco  de 
Betencor,  (comò  o  avo  materno)  o  qual  casou  com  huma  fìlha  de  Fran- 
cisco Dornellas  da  Camera,  de  que  abaixo  faliaremos. 

232  Do  segundo  Joao  de  Betencor  nasceo  o  morgado  Feliciano  de 
Betencor,  que  casou  com  huma  sua  prima,  fìlha  de  seu  tio  ViUil  de  Be- 


no  HISTOniA  INSULANA 

tencor,  e  da  segunda  mulher  D.  Maria  do  Canto;  e  além  de  ontros  filhos 
que  nascerao  do  dito  Feliciano  de  Betencor,  nascco  tambem  homa  filha, 
quo  casou  com  o  fillio  morgado  de  Ignacio  do  Canto  da  Silveira,  e  de 
D.  Ignes  de  Castro;  porém  corno  o  dito  Feliciano  achacou  de  sorte  qoe 
a  ad(ninistra(3o  de  sua  casa  foi  dada  a  sua  mulher,  e  a  elle  silimeotos, 
e  com  ludo  ainda  vive;  por  isso  passamos  a  huma  sua  irm3  cliamada 
D.  Maria  de  Mendo^a,  que  casou  com  Antonio  do  Canto  e  Castro,  ter- 
ceiro  neto  do  prìmeiro  Fedro  Anes  do  Canto,  e  quarto  filho  de  Hanoel 
do  Canto  e  Castro,  prìmeiro  do  nome,  (corno  jà  vimos  acima,  e  a  soa 
descendencia.) 

233    He  comtudo  de  adverlir  que  o  dito  Jo3o  de  Betencor  e  Vas-- 
concellos,  segundo  do  nome,  teve  prìmeiro  outro  filho  morgado»  cba— 
mado  Vital  de  Betencor  e  Vasconcellos  comò  o  avo,  e  que  este  Vital. 
chegou  a  idade  de  mais  de  vinte  annos,  e  n3o  so  com  talentos,  e  par— 
tes  naturaes  que  levaria  sem  duvida  a  Commenda,  e  postos  de  sea  li-* 
lustre  pai,  mas  tambem  com  taes  virtudes  sobrenaturaes,  e  tSo  aEastada 
de  todo  0  vicio,  que  a  todos  levava  os  ollios,  e  parece  os  levou  ao  mas- 
mo  Deos,  que  n'aquella  idade  o  chamou  para  si,  e  o  metteo  de  posse 
(corno  piamente  cremos)  do  verdadeiro  morgado  da  Bemavenluraoca; 
porém  comò  do  avo  Vital  nasceo  huma  irm3  do  dito  Jo3o  de  Betencor 
cliamada  D.  Felippa,  e  està  casou  com  Francisco  Domellas  da  Camera, 
fìdalgo  de  nao  menos  qualidade,  raziio  ho  que  d*esta  familin  dos  Dor- 
nellas  demos  aqui  nolicia,  pois  he  casa  tuo  unida  a  dos  Betencores. 

23Ì  Porém  comò  jé  acima  cap.  17  referimos  o  illustre  principio 
dos  Domellas  Cameras  ;  e  ainda  mais  acima  no  c^p.  3,  vimos  tambem 
comò  aos  Pains  tocava  a  Capitania  de  toda  ilha  Terceira  pelo  casamento 
da  filha  do  prìmeiro  Capitao,  à  qual  filha  se  fez  mercé  de  succeder  ao 
pai  na  Capitania,  comò  consta  do  cap.  2,  e  por  estes  Pains  pertendaaos 
Dornellas,  que  dos  Pains  tambem  descendem,  e  se  mostrou  nos  loga- 
res  cilados;  segue-se  nuo  haver  mais  que  dizer,  ou  referìr  do  sobredito  6- 
dalgo  Francisco  Domellas  da  Camera,  sen?io  que  sondo  Capit3o  mór  da  Pnia 
da  Terceira,  foi  o  que  com  seu  cunhado  Joao  de  Betencor  e  Vasconcellos, 
segundo  do  nome,  for3o  ambos  os  dous  Governadores  da  guerra  da 
AcclamacSo  centra  o  grande  Castello  de  Angra,  e  ambos  o  conqutstaiio; 
e  Francisco  Domellas  foi  Commendador  de  S.  Salvador  de  Penama:or, 
e  depois  Governador  do  mcsmo  Castello,  e  ao  diante  despachado  com  a 
Capitania  Donatarìa,  e  Alcaidaria  mór  da  Praia,  em  que  so  seguio  seu 


uv.  VI  GAP.  xxn  in 

prìmeiro  fìUio  Bras  Doraellas  da  Camera,  qoe  em  Lisboa  morreo  solteiro» 
e  86  Iho  seguio  na  casa  seu  irmao  segundo  Manoel  Paim  da  Camera»  qoe 
lambem  ji  morreo,  e  deixou  fìlho,  que  he  neto  do  dito  Francisco  Dor- 
Dallas  da  Camera. 

CAPITULO  XXII 

Doi  Yaicaneellos  da  Terceira^  e  familias  que  d*elles  deseendem. 
Dos  Regos^  BaldayaSg  Camellos,  Pereiras,  Sousas  e  oulros. 

235  Deixadaslradic5esemDada  canoDicas,  da  occasiao  dequoveioo 
appellido  de  Vasconcellos,  ou  Vaz  con  zelos,  etc.,  o  certo  he  que  este  appel- 
Ijdo  he  aotiquissimo,  e  nobilissimo.  0  prìmeiro  que  se  chamou  Vascon- 
eellos«  foi  D.  Joao  Pires  de  Vasconcellos,  que  se  achou  na  tomada  de 
Sevilha  com  o  Santo  Bei  D.  Fernando  de  Castella,^  e  casou  com  Dona 
Maria  Soares  Coelho,  filha  de  Soeiro  Viegas  Coelho;  e  era  fìlho  de  D. 
Pedro  Moniz,  e  neto  de  D.  Martim  Moniz,  e  bisneto  de  D.  Moninho 
Ozorio  e  terceiro  neto  do  conde  D.  Osorìo,  que  no  anno  de  1050,  con- 
qaistou  grande  parte  de  Entro  Douro  e  Minho,  aos  Mouros,  quando  veio 
é  conquista  de  Portugal,  o  Conde  D.  Henrìque  pai  dei-Rei,  D.  Affonso 
nenriqnes;  e  emFim  teroeiro  neto  do  Conde  Dom  Rodrigo  Velozo,  e  nono 
neto  dò  Infante  Velozo,  e  decimo  neto  do  Rei  de  Le3o  D.  Ramiro  III 
desoendente  d*el-Rei  D.  Affonso  de  LeSo,  e  do  famoso  Rei  Dom  Pelaio, 
sendo  Requeredo  Rei  dos  Godos. 

230  De  t3o  altos  Principes  era  decimo  neto,  e  por  varonia,  aquelle 
prìoieiro  D.  Jo3o  Pires  Vasconcellos,  e  d'este  nasceo  D.  Rodrigo  Anes  . 
de  Vasconcellos,  que  casou  com  D.  Elvira  de  Sousa,  filha  de  Rui  Yicen- 
te,  e  neta  de  Martim  de  Sousa  Chichorro,  filho  dei-Rei  D.  Affonso  II  de 
Portugal;  e  do  dito  U.  Rodrigo  nasceo  D.  Mem  Rodrigues  de  Vasconcel- 
los, e  d*aqui  se  come^ou  a  ajuntar  o  appellido  de  Mendes  ao  de  Vascon- 
cellos; porque  deste  D.  Mem  Rodrigues  de  Vasconcellos  nascerSo  varios 
flihos,  primeiro,  Joae  Mendes  de  Vasconcellos,  que  casou  com  D.  Leo- 
nor  Pereira,  irm3  dr  nde  Condestavel  D.  Nuno  Alvarez  Pereira,  e 
d  elles  nasceo  D.  M?  Vasconcellos,  que  casou  com  D.  Affonso  de 

Cascaes,  filbo  de  D  <)to  dei-Rei  D.  Pedro  o  Crù,  e  da  Senhora 

D.  Ignes  de  Castro  amento  nasceo  D.  Fernando  de  Vascon- 

cellos, que  casou  ^el  Coutinha,  filha  do  prìmeiro  Conde  de 

Villa  Real  D.  Pedr^         ^nezes,  e  do  tal  Dom  Fernando  nasceo  D.  Af- 


118  inSTORU  mSULANA 

fonso  de  Vasconcelios,  primeiro  Gonde  de  Penella,  e  D.  Joanna  de  Yas- 
concelloS)  que  casoa  com  Alvaro  Pires  de  Tavora  senhor  do  Mogadoaro; 
e  D.  Brites  de  Yasconcellos»  que  cason  com  D.  Joao  de  Atayde  senhor 
de  Atouguia.  Segundo  filho  do  sobredito  D.  Mem  Rodrigues  de  Vascon- 
cellos  foi  Confalo  Mendes  de  Vasconcellos,  que  casou  com  D.  Theresa 
Ribeira,  filha  de  D.  Fedro  de  Aragao,  irmao  da  Rainha  Santa  Isabel  de 
Portngal,  e  do  tal  casamento  nasceo  o  Mestre  de  Santiago,  chamado  co- 
rno 0  avo  Bfem  Rodrigues  de  Vasconcellos;  e  nasceo  tambem  Ruy  Men- 
des de  Vasconcellos  senlior  de  Figueirù,  E  deixados  outros  de  tao  illus- 
tre familia, 

287  0  terceiro  fillio  do  raesmo  D.  Mem  Rodrigues  de  Vasconcel- 
los, foi  aquelle  .Martins  Mendes  de  Vasconcellos,  que  por  ordem  dei-Rei 
D.  Jo9o  0  I,  foi  à  Illia  da  Madeira  de  novo  entao  dt^cuberta,  e  la  casou 
com  Helena  Gongalves  da  Camera,  primeìra  das  Qlhas  do  descubridor  da 
'  dita  liba,  e  primeiro  Capìtào  Donatario  do  FuQChal,  o  celebrado  Joao 
Goofalves  Zargo.  U'este  tao  illustre  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  e 
da  dita  Uelena  Goncalves  da  Camera  nasceo  outro  Uartim  Mendes  de  Vas- 
concellos, que  corno  tinha  vindo  seu  pai  de  Fortugal  a  casar  na  nova  Uba 
da  Madeira,  assim  elle  da  Madeira  fui  habitar,  e  casar  na  mais  nova  liba 
Terceira,  e  o  tempo  em  que  fez  està  mudanca,  parece  que  foi  com  o  pri- 
meiro Donatario  de  toda  a  liba  Terceira  Jacome  de  Bruges,  que  vindo 
pela  Madeira  trouxe  d'estes  Vasconcellos,  e  dos  Teves,  assim  comò  de 
U'  Portugal  trazia  os  Pains,  e  outros;  que  quem  póde  dar,  e  he  Donatario, 
'J^eva  comsigo  a  muitos,  e  mui  focilmente:  com  quem  porém  casasse  na 
terceira  oste  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  segundo  do  nome,  nào  me 
consta  ainda;  certo  be  porém,  que  casaria  com  pessoa  nao  indigna  de  sua 
qualidade,  e  consta  que  d'ella  teve  por  fllho  a  Concaio  Mendes  de  Vascon- 
cellos, que  casou  com  Bartholeza  Rodrigues  Colombreira,  da  familia  dos 
nobilissimos  Costas,  corno  alBrma  em  sua  historia  o  Doutor  Fructuoso. 
238  Deste  pois  Concalo  Mendes  de  Vasconcellos  nSo  so  nasceo  D. 
Maria  de  Vasconcellos,  que  casou  com  Joao  de  Betencor,  (av6  do  outro 
do  mesmo  nome.  Capi  tao  mór  de  Angra,  e  Commendador  de  Tondella, 
e  tronco  de  tanta  descendcncia,  quanta  ]à  vimos)  mas  tambem  nasceo 
Pedro  Mendes  de  Vasconcellos,  de  que  nascerao  os  Qlhos  segointes  em 
Angra,  a  saber,  Joao  Mendes  de  Vasconcellos,  que  casou  com  Catharina 
Macbada  de  Lemos,  pais  de  Balthezar  Mendes  de  Vasconcellos,  mando 
de  D.  Joanna  de  Barcellos,  fllha  de  Diego  de  Barcellos;  e  dos  ditos  uasr 


UT.  TI  CAp.  xxn  H9 

000  Ibnoel  de  Barcollos»  qae  casou  com  D.  IsabeU  filha  de  Concaio  Pe- 
reira, da  Uba  do  Faynl:  nasceo  mais  do  sobredito  Fedro  Mendes  de  Vas- 
ooncellos,  Martìm  Mendes  de  Vasconcellos,  que  casou  com  Anna  Vaz  Fa- 
gnndes,  e  for3o  pais  de  Jo3o  Mendes  de  Yasconcellos,  que  casou  com  D. 
Haria  de  Teve,  (os  quaes  jà  conbeci  muito  bem)  e  for3o  pais  de  JoSo  de 
Teve  e  Yasconcellos,  e  de  Martim  Mendes  de  Yasconcellos,  que  comigo 
andoii  em  Coimbra,  e  de  Antonio  Mendes  de  Yasconcellos,  que  em  An- 
gra  casou,  e  lem.  descendentes  ;  porém  o  Morgado  Jo3o  de  Teve,  com 
easar  nobilissimamente,  e  deixar  filbas,  que  igualmente  casar3o,  nSo  dei- 
xoQ  filho  varSo  que  Ibe  succedesse,  mas  so  as  diias  flihas.  Do  dito  Con- 
caio Mendes  o  avo  paterno,  que  casou  com  a  Camera  na  Madeira,  là  fi- 
era com  outra  tanta  descendencia,  que  seria  molesto  em  referil-a. 

239  Porém  do  mesmó  Martim  Mendes  de  Yasconcellos»  primeiro  do 
nome,  be  de  advertir,  que  depois  de  viuvar  da  primeira  mulher  Helena 
Goncalves  da  Camera,  casou  segunda  vez  com  D.  Ignes  Martins,  filha  de 
Martim  Pires  de  Alvarenga,  (descendente  do  (limoso  Egas  Moniz,  e  do 
seu  fiIho  D.  Aflbnso  Yiegas)  e  de  D.  Ignes  Paes,  filha  de  Pajo  Rodri- 
gues,  Commendadores,  e  Alcaides  mores  de  Celorico,  e  Alvarenga:  d*es- 
te  pois  segundo  casamento  do  dito  Martim  Mendes  de  Yasconcellos  nas- 
ceo primeiro  Jo2o  Mendes  de  Yasconcellos  scnhor  de  Alvarenga,  que  ca- 
sca com  D.  Isabel  Pereira,  e  d'estes  nasceo  Riiy  Mendes  de  Yasconcel- 
los, senhor  tambem  de  Alvarenga,  e  casado  com  D.  Maria  de  Moura, 
filha  do  Alcalde  mór  de  Lamego  ;  de  que  (além  de  buma  filha,  que  ca- 
sou em  Yiseu)  nasceo  Jacome  Rodrigues  de  Yasconcellos,  que  casou  com 
D.  Maria  Dèca,  filha  de  D.  Jo3o  Dèca,  Alcaidr  mór  de  Yilla  Yicosa,  e  de 
D.  Maria  de  Mello,  e  do  tal  casamento  nasceo  D.  Maria  Pereira  do  Yas- 
concellos, que  casou  com  Diogo  Leite  de  Amarai,  pais  de  Diogo  Leite 
de  Azevedo,  e  avós  de  Jacome  Leite  de  Yasconcellos,  e  bisavòs  de  Dio- 
go Leite  de  Yasconcellos,  e  tresavós  de  Jacome  Leite  de  Yasconcellos, 
cajo  filho  Luis  Diogo  Leite  tomou  a  unir-se  com  estes  mesmos  Yascon- 
cellos, casando  na  casa  dos  Teves,  que  nio  so  sao  Yasconcellos,  mas 
Cameras  tambem,  por  descenderem  do  primeiro  casamento  de  Martim 
Mendes  de  Yasconcellos,  que  foi  casar  à  Madeira  com  a  primeira,  e  le- 
gitima  Alba  de  Jo3o  Goncalves  da  Camera  o  Zargo.  E  baste  està  noticia 
de  fSo  inexhauriveis  Yasconcellos. 

S40  Com  outros  Yasconcellos  Oliveiras  se  unirlo  tambem  os  nobres 
Regos  Baldaias,  Camellos,  Pereiras,  Sousas,  etc.  Em  a  cidade  do  Porto 


120  IflSTORIA  INSULANA 

havia  antigamente  bum  J63o  Vaz  do  Rego,  homcm  fidalgo,  e  oriundo  da 
antiga»  e  nobre  Villa  da  Feira;  de  que  nasceo  Concaio  do  Rego»  CidadSo 
e  fidalgo  do  Porto,  que  casou  com  Maria  Baldaya,  e  viuvo  duella  veio  com 
quatro  filhos  para  a  Uba  de  S.  Miguel,  e  n'esta  casou  segunda  ves  com 
Isabel  Pires  Redovaiha»  fidalga  dos  primeiros  Redovalbos;  do  prìmeiro 
casamento  nasceo  Belchior  Baldaya  do  Rego,  que  casou  com  Isabel  (oa 
Brites)  Rodrigues  Raposa  da  nobilissima  familia  dos  Gagos  Raposos  de 
S3o  Miguel;  e  d'estes  nasceo  Manoel  do  Rego  Baldaya,  que  casou  em  S. 
Miguel  com  Hieronyma  Ferraz  de  Figueiredo,  da  aoliga  nobresa  de  Sic 
Miguel,  e  Santa  Maria,  e  (brao  pais  de  Belcliior  Baldaya  do  Rego,  que  sen* 
do  proprietario  do  grande  officio  de  Provedor  dos  Rgsiduos  ile  S3o  Mf 
guel,  se  mudou  para  a  Villa  da  Praia  da  liba  Terceira,  e  n'ella  foi  Veret- 
dor,  e  Juiz,  e  muito  respeitado  Cidadao,  e  o  qual  com  sua  familia  ajon- 
tou  outra  de  VasconceUos  CMiveiras,  porque 

341  Casou  0  dito  Belclùor  Baldaya  do  Rego  com  D.  Margarìda  de 
VasconcelloB,  filba  do  Doutor  Marcos  Alfonso  de  Vasconcellos,  Provedor 
dos  Residuos,  e  neta  de  Guimar  de  Oliveìra  e  VasconceUos,  e  bisneU  de 
Ignez  de  (Hiveira  e  VasconceUos,  e  tresneta  de  Pedro  de  VasconceUos»  e 
quarta  neta  de  Pedro  de  Oliveira  e  VasconceUos,  e  quinta  neta  de  Mar- 
tim  de  Oliveira  e  VasconceUos,  fidalgo  da  casa  dos  Infantes  D.  Heorique 
e  D.  Fernando,  e  casado  com  Tareja  Velba,  irm3  do  grande  Frei  Conca- 
io Velbo  Cabrai,  primeiro  descubrìdor,  e  CapitSio  Donatario  de  ambas  as 
Ilbas,  de  Santa  Maria,  e  Sao  Miguel,  corno  vimos  jà  em  os  seus  descu* 
brìmcQtos,  e  emfìm  sexta  neta  de  Rui  Mendes  de  VasconceUos,  fidalgo 
descendente  (dìz  Fructuoso)  de  bum  grande  senl)or  de  Gascunba,  ou  Vas* 
conba,  em  Franga:  que  parentesco  porém  tivessem  estes  VasconceUos 
Oliveiras  com  os  outros  i&  ditos  VasconceUos,  nao  me  consta;  e  so  acbo 
que  da  dita  sexta  neta  d  estes,  e  do  dito  seu  marido  Beicbior  Baldaì^a 
do  Rego  nasceo 

242  Joào  do  Rego  de  VasconceUos,  que  casou  duas  vezes;  primeira 
com  D.  Maria  Pacheco  de  Meilo;  segunda  vez  com  D.  Violante  de  Espinosa 
Cordeira,  de  que  fallaremos  em  seu  lugar;  pela  primeira  se  unirSo  estes 
Regos  com  os  Camellos,  Pereiras,  Pachecos,  Sousas,  e  MeUos,  porque  a 
dita  D.  Maria  Pacheco  de  MeUo  era  fiUia  de  Gaspar  Camello  Pereira, 
Sargenio  mór,  e  Ouvidor  da  Villa  da  Praia,  e  neta  do  André  de  Sousa 
Pereira,  e  bisneta  de  Gaspar  Camello  do  Rego,  e  tresneta  de  Gonzalo 
do  Rego  Baldaya,  e  quarta  neta  d'aquelle  primeiro  Gonzalo  do  Rego,  de 


Liv.  VI  CAP.  xxni  121 

qiiem  tambem  era  tresneto  o  dito  Joao  do  Rego  de  Vasconcellos,  mari* 
à)  da  tal  D.  Maria  Pacbeco  de  Nello,  e  està  por  sua  mai  D.  Leonor  Pa- 
dieco  de  Mello  era  nela  do  Fabricio  Pacheco  de  Mello:  e  està  por  sua 
mii  D.  Leonor  Pacheco  de  Mello  era  neta  de  Fabricio  Pacheco  de  Mel- 
lo» e  bisDCta  de  Domingos  Vieira  Paclieco,  e  de  D.  Isabel  de  Mello,  flUia 
de  Luis  de  Espinola  fldalgo  flihado,  e  por*sua  terceira  avo  D.  Brites  Ca- 
mello, mulber  de  Gongalo  do  Rego  Baldaya,  era  quarta  neta  de  Gas|)ar 
Camello  Pereira»  e  quinta  neta  de  Fernando  Camello  Pereira,  e  de  D. 
Brites  Cordeira,  Alba  de  Pedro  Cordeiro;  e  pelo  Fernando  Camello  era 
bisneta  de  Alvaro  Camello  Pereira,  fidalgo  t3o  grande,  que  era  filho  do 
Alvaro  Concai ves  Camello,  antigo  senbor  de  Bay3o,  que  casou  com  D. 
Ignei  de  Sousa,  filba  de  D.  Lopo  Dias  de  Sousa.  Mestre  da  Ordem  de 
Christo;  e  a  mulber  do  dito  Alvaro  Camello  Pereira  era  D.  Isabel  de  Cas- 
tellobraDCO,  filba  de  Jo3o  Camello  Pereira,  que  era  neto  de  D.  Alvaro 
GoDcalves  Pereira,  pai  do  Condestavel  D.  Nuno  Alvares  Pereira,  e  o  di- 
ta  Jo3k>  Camello  Pereira  era  casado  com  Leonor  Paes  de  Castellobranco 
fliha  de  Concaio  Vaz  de  Castellobranco  o  Velbo,  tronco  das  excellentes 
casas  dos  Condes  de  Villa  nova,  e  dos  Almirantes,  e  outras. 

S43  D'aquelle  Gaspar  Camello  do  Rego,  que  de  S3o  Miguel  fot  ca- 
gar i  Villa  da  Praia  da  Terceira  com  Catharina  de  Sousa,  nasceo  mais 
Dona  Isabel  de  Sousa,  que  casou  com  Manoel  de  Franca  Machado,  e  d'es- 
tes  nasceo  Joio  Camello  do  Rego  Pereira  e  Castellobranco,  que  de  tudo 
tirou  instrumento  juridico  em  1626,  corno  ji  tinba  tirado  seu  pai  Ma- 
noel de  Franca  Machado  em  o  anno  de  1601,  e  do  dito  JoSo  Camello  do 
Rego  nasceo  Manoel  de  Sousa  de  Menezes,  que  conheci  em  Angra,  mo- 
rando  defronte  da  Sé,  ha  sessenta  annos:  nasceo  tambem  da  dita  D.  Isa- 
bel  de  Sousa,  e  do  dito  Manoel  de  Franca  Machado,  nasceo,  digo.  Do- 
na Paula,  que  casou  com  D.  Christov3o  Espinola,  de  que  nasceo  D.  Fran- 
dsca,  que  casou  com  Luiz  do  Canto  da  Costa,  fidalgo  da  familia  dos  Can- 
tos,  aoode  se  póde  ver.  E  isto  basta  d*estas,  vamos  jé  a  outras  familias. 

CAPITULO  XXIII 

Dos  Barretos  liados  com  a  Beai  casa  io  Santo  Borja.  E  do  tronco 
dot  FonsecaSy  Vieiras,  Machados^  Pachecos,  e  ainda  dos  Cantos. 

244  N3o  obstante  o  termos  jé  tocado  em  o  cap.  18  nos  Barretos 
Monizes  da  Terceira,  nao  os  podemos  privar  da  maior  gloria  a  nobreza. 


122  HISTORIA  INSULANA 

de  que  de  bum  dos  mcsmos  Barretos  descendeo  o  glorioso,  e  Real  Prin- 
cipe S.  Francisco  de  Borja,  da  Companhìa  de  Jesus,  e  de  antes  quarto 
Duque  de  Gandia,  Vice-Rei  de  Catalunha,  e  bisneto  d'el-Rei  D.  Fernan- 
do 0  Calholico;  e  tronco  das  maiores  casas  que  ba  na  Hespanha,  e  por 
està  via  todas  descenderem  dos  illustres  Barretos  de  Portugal,  donde 
tambem  descendem  os  da  Uba  Terceìra;  pois  ainda  é  niaior  casa,  mais 
exalta  bum  descendente,  ou  parente  consanguineo  que  chegou  a  ser  San- 
to canonizado,  do  que  os  qoe  nio  passar3o  da  fìdalguia  do  sangue. 

245  0  priroeiro  pois  que  acbo  do  appellido  de  Barreto,  foi  Con- 
caio Nunes  Barreto,  Fronteyro  mór  do  Algarve,  ou  Vice-Rei  do  tal  Rei- 
no,  e  Alcalde  mór  de  Faro;  e  este  deixoo  qualro  filbos:  primeiro,  Fer^ 
n3o  Barreto,  que  morreo  em  Ceuta  :  segundo  Francisco  Nunes  Barreto, 
terceiro,  Jo3o  Telles  Barreto;  e  quarto,  Gonzalo  Nunes  Barreto,  segan- 
do do  nome  corno  o  pai,  e  cason  com  D.  Isabei  Pereira,  filba  de  Diego 
Pereira,  Gommendador  de  Santiago,  e  d*esle  Gonzalo  Nunes  Barreto 
nasceo  D.  Ignez,  que  casoa  com  Henrtque  Moniz,  Alcalde  mór  de  Sil- 
ves,  em  quem  se  ajuntarao  os  Barretos  com  os  Monizes:  nasceo  miis  do 
mesmo  segundo  Gonzalo  Nunes,  D.  Isabei  de  Menezes,  que  casoa  com 
Gii  de  Magalhaes  senhor  da  Nobrega:  e  nasceo  tambem  D.  Leonor  Bar- 
reto, que  casou  com  Martim  AfTonso  de  Mello,  Alcaide  mor  de  Serpa, 
e  deixados  outros  muitos  irmaos  varOes,  que  nascer3o  do  dito  Gonfio 
Nunes  Barreto,  segundo  do  nome,  o  primeiro  foi  Nuno  Barreto,  Alcaide 
mùr  de  Faro,  que  casou  com  D.  Leonor,  filha  de  Joao  de  Mello,  Alcai- 
de mór  de  Serpa,  e  do  tal  casamento  nasceo  bum  filho,  e  buma  fiiba, 
0  fìllio  foi  Bui  Barreto,  que  casou  com  D.  Branca  de  Vilbena,  filba  de 
Manoel  de  Mello,  Alcaide  mòr  de  Olivenca,  e  irmuo  do  Conde  de  Oliven- 
ca  D.  Rodrigo  de  iMcllo,  com  cuja  fiiha  casou  o  senhor  D.  Alvaro,  pri- 
meiro Marquez  de  Ferreira,  tronco  da  Excellentissima  casa  dos  Duqiies 
de  Cada  vai. 

24G  A  fìlha  pois  do  dito  Nuno  Barreto,  e  Irma  do  dito  Bui  Barre- 
to, foi  D.  Isabei,  que  casou  com  D.  Alvaro  de  Castro,  cbamado  o  do 
Torrao,  e  d'este  casamento  nasceo  D.  Leonor  de  Castro,  que  de  Portu- 
gal  foi  por  Dama  da  Emperatriz  Dona  Isabei,  mulber  de  Carlos  V,  e 
d*alii  casou  com  o  sobredito  Duque  de  Gandia  D.  Francisco  de  Borja, 
da  qual  viuvo  entrou  na  Companbia  de  Jesus,  e  o  poz  a  Catholica  Igreja 
em  scus  altares.  e  venera  por  Santo  canonizado,  e  milagroso;  e  irmi 


Liv.  VI  GAP.  xxni  423 

era  tatnbem  da  dita  D.  Leonor  de  Castro  huma  D.  Fclippa  Barrcto,  qne 
casou  com  Francisco  da  Costa  Cortereal  o  de  Tavira. 

247  Entre  os  fillios  d'este  glorioso  Duque  Sao  Francisco  de  Bor- 
ja,  foi  hum  chamado  D.  Joao  de  Borjii,  o  qual  casou  com  oulra  Por- 
tugucza,  e  prima  sua  cm  terceiro  grao  de  consanguinidadc,  chamada 
D.  Francisca  de  Aragao,  filila  de  Nuno  Rodrigues  Bairelo,  e  de  D.  Leo- 
nor de  Aragao,  filha  de  Nuno  Manoel  senhor  de  Salvaterra,  e  Guarda 
mór  d'el-Rei  D.  Manoel,  o  qual  Nuno  Rodrigues  era  fillio  do  sobredilo 
Roi  Barreto,  irmao  da  mai  da  dita  Duqueza  de  Gandia  D.  Leonor  de 
Castro;  e  assim  segunda  vez  tornarlo  os  senliores  da  casa  de  Gandia  a 
descender  dos  Barretos  Portugnezes;  e  podera  quem  compoz  as  li^oes 
da  Reza  do  Santo  Borja,  quando  comecou  a  quinta  lìcao  com  estas  pa- 
lavras,  «Morlua  Eleonora  de  Castro,»  accrescentar,  aò  menos,  està  so 
palavra,  tLusìtana,t  pois  tanto  amou  o  Santo  aos  Portugnezes,  que  nao 
so  casca  elle  com  huma,  mas  tambem  o  dito  seu  filho  com  outra  Por- 
tugueza,  e  se  aparentou  com  Portugnezes  tantas  vezes,  que  n3o  so  o  fez 
com  OS  Barretos,  mas  com  os  Perei  ras,  Mellos,  Castros,  etc. 

248  Do  dito  Rui  Barreto,  irmao  da  mai  da  Duqueza,  nasc^o  tam- 
bem D.  Brites  de  Vilhena,  que  casou  com  D.  Henrique  de  Menezes,  Go- 
veroador  doCivel  de  Lisboa;  nasceo  mais  D.  Francisca  de  Vilhena,  que 
casou  com  D.  Fernando  de  Lima,  pais  de  Diogo  de  Lima.  Seguindo  po- 
rèm  a  \*aronia  direita  dos  Barretos,  nasceo  tambem  do  sobredito  Nuno 
Rodriguez  Barreto,  nutro  Rui  Barreto,  segundo  do  nome,  senhor  do 
morgado  da  Quarteira  no  Algarve,  e  que  foi  grande  Capitao  na  India,  e 
das  Galés  em  Hespanha,  e  casou  com  D.  Brites  de  Vilhena,  filha  de  D. 
Pedro  de  Menezes,  (que  matarSo  sendo  Capitao  de  Tangere)  e  era  filho 
de  D.  Duarte  de  Menezes,  famoso  na  India.  E  outra  irmS  teve  este  Rui 
Barreto  chamada  I).  Branca,  que  foi  segunda  mulher  de  D.  Joao  de  Cas- 
tellobranco.  Do  tal  segundo  Rui  Barreto  nasceo  outro  Nuno  Rodrigues 
Barreto,  comò  o  avo,  e  d'elle  nasceo  Jorge  Barreto,  Estribeiro  mór  d'el- 
Rei  D.  Manoel,  e  Commendador  da  Azambuja,  e  casou  primeira  vez  com 
D.  Isabel  Coulinho,  filha  de  D.  Vasco  Cootinho,  primeiro  Condc  de  Bor- 
ba,  e  do  Redondo,  e  segunda  vez  casou  com  D.  Leonor,  irma  de  D. 
Francisco  de  Moura,  senhor  da  Azambuja,  de  quo  ficarào  mais  filhos, 
porém  do  dito  seu  avo  Rui  Barreto,  segundo  do  nome,  nasceo  mais  Gon- 
Calo  Nones  Barreto,  AJcaide  mór  de  Loulé,  que  morreo  na  balaiha  d'cl- 
Rei  D.  SebastiSio,  e  tinha  sido  casado  com  D.  Maria  de  Mendonra,  filha 


124  HISTOMA  INSULANA 

de  D.  Francisco  de  Sousa,  Yeador  d'eNRei  D.  JoSo  III,  e  d'elle  nasceo 
Nudo  Rodrigues  Barreto,  Alcalde  niór  de  Loulé.  Do  que  ludo,  e  do  jà 
dito  no  cap.  18»  bem  se  tira  que  parentesco  tem  os  Barretos  Monizes  da 
Terceira  com  o  Santo  Borja,  e  seus  descendentes,  assim  queira  Deos  que 
OS  ÙDitem. 

1<49  Nem  tambem  obstante  o  que  dissemos  no  cap.  17,  para  o  finit 
da  antiga  nobreza  dos  Pamplonas,  e  Fonsecas,  que  nSo  so  com  Cantos» 
e  Castros  se  ajuntarSo,  mas  tambem  com  os  sobreditos  Monizes  Barre* 
tos,  pede  ainda  a  historia  que  descubramos  mais  o  radicai  principio  dos 
Fonsecas  da  Terceira.  No  descubrimento  pois  da  dita  Uba  (que  ba  mais 
de  250  annos)  bum  dos  primeiros,  e  mais  nobres  povoadores  que  n'ella 
entrarao,  foi  Concaio  Anes  da  Fonseca,  a  quem  o  primeiro  GapitSo  de 
loda  a  Uba  fez  grandes  datas  de  terras,  e  especialmente  de  muitas,  que 
estao  na  vasta  campina  chamada  o  Paul,  hoje  demarcada  com  os  marcos 
que  dividem  as  duas  Capitanias  da  Praia,  e  Angra,  quem  porém  fossem 
OS  immediatos  fllhos  d'este  Concaio  Anes  da  Fonseca  nao  o  acho,  mas 
do  que  achei  considero  que,  ou  fllho,  ou  neto  seu,  foi  bum  Pedralves 
da  Fonseca,  que  sendo  na  Terceira  casado  com  D.  Andreza  Hendes,  e 
que  viuvando  està  d^aquelle,  tornou  a  casar  com  Francisco  de  Betenoor 
e  Vasconcellos,  que  da  Madeira  tinha  vindo  para  a  Terceira  tambem  viu- 
vo,  e  d'estes  deus  viuvos,  marido,  e  mulher,  nasceo  aquelle  Jo3o  de 
Bctencor  e  Vasconcellos,  de  que  fallei  no  cap.  21,  quando  dos  Betenco- 
res  de  Angra,  e  quando  ainda  nao  tinha  achado  este  seu  legitimo  pai, 
que  da  Madeira  veio  para  a  Terceira;  e  porque  o  dito  Joao  de  Betencur 
e  Vasconcellos  casou  com  huma  filha  da  dita  sua  madrasta  D.  Andrea 
Mendes,  e  de  seu  primeiro  marido  Pedralves  da  Fonseca,  porissoi  mu- 
lher do  dito  Joao  de  Betencor  de  Vasconcellos,  huns  Ibe  chamSo  D.  Ma- 
ria da  Camera  e  Vasconcellos,  corno  no  citado  lugar  dizemos;  outros  ito 
chamUo  D.  Maria  da  Fonseca,  porque  tudo  tinha. 

250  D'cstes  mesmos  Fonsecas  acho  bum  multo  nobre  Jacome  da 
Fonseca,  parente  do  Bispo  D.  Ilieronymo  Teixeira  Cabrai,  e  vindo  de 
I^mego,  e  la  casado  rìca,  e  nobremenle,  e  destes  nasceo  Antonio  da 
Fonseca,  Ecclesiastico,  e  Agente  de  Portugal  em  Roma,  e  nasceo  mais 
Cracia  da  Fonseca,  Dama  da  Duqueza  de  Bragnnga,  que  casou  conforme 
a  sua  qualidade,  e  d'ella  nasceo  Cenebra  da  Fonseca,  mulher  de  bum 
seu  parente  Hieronymo  da  Fonseca,  que  forào  pais  de  outra  Grada  da 
Fonseca,  que  em  Angra  casou  com  Antonio  Dias  Ilomem.  Destes  pois 


UV.  VI  GAP.  IXtlI  125 

antigos,  nobres,  e  tSo  aparcntados  Fonsecas  dcscondem  aqnclles  Fonsc- 
cas  Rdalgos,  de  qtie  tratamos  no  cap.  17,  do  flm. 

251  E  ainda  nao  obstante  o  muito  qne  acima  todimos  no  cap.  1!) 
e  20  dos  Canlos  e  Pachecos,  devemos  accrescentar  o  que  achamos  do 
outros  Cantos  Vieiras,  e  de  outros  Maciiados  Pacliecos.  Dos  Vieiras  pois 
he  de  saber,  qae  reinando  El-Rei  D.  Joao  IH  ttavia  em  Lisboa  bum  fi- 
dalgo  chamado  Duarte  Galv3o  da  Silva,  casado  com  D.  Catharina  de  Sousa, 
e  elle  Secretano  do  Rei,  e  do  seti  Conseiho,  e  qne  foi  seu  Embaixador 
a  Castella,  comò  jé  dissemos  no  cap.  19  d'este  fìdalgo,  alóm  da  filha  D. 
Violante  da  Silva,  que  casou  com  o  primeiro  Pedreanes  do  Canto  da 
Terceira,  e  ji  viuvo,  nasceo  mais  Pedro  Vieira,  que  veio  à  Uba  de  S. 
Miguel,  e  tornou  outra  vez  para  Lisboa  onde  morreo,  comò  aflirma  Fru- 
daoso  em  sua  bisloria;  deixou  porém  em  S.  Miguel  lium  filho,  chamado 
FemSo  Vieira,  que  casou  com  Uova  Lopes,  Tilha  de  Alvaro  Lopes,  se- 
nbor  do  VulcSo  de  S.  Miguel,  e  de  Mecia  AfTonso  da  Tamilia  dos  Ma- 
cbados  da  Uba  Terceira;  e  do  dito  Femiio  Vieira  nasceo  em  S.  Miguel 
Manoel  Vieira,  que  duas  vezes  casou  em  S.  Miguel. 

252  Porém,  se  do  dito  fidalgo  Duarte  Gnlvlio  da  Silva  descendeo 
D.  Pedro  Vieira  da  Silva,  que  primeiro  tambem  foi  Secretano  de  Estado, 
e  Valido  d*el-Rei  D.  Jo3o  o  IV,  e  depois  de  viuvo  so  fez  Ecclesiastico 
e  foi  illustrissimo  Bispo  de  Leiria,  de  qne  ficou  illustre  descendencia,  e 
0  Olustre  Senbor  Luis  Vieira  da  Silva,  que  ainda  hoje  vive,  tambem 
Ecclesiastico,  e  bum  dos  mais  graves  barretes  que  boje  tem  PortugaU 
e  de  t3o  esemplar  virtude,  que  tendo  servido  muitos  annos  do  Deputado 
da  Mesa  da  Consciencia,  e  do  Santo  Officio,  nunca  quiz  aceitar  o  ser 
Valido  dos  Reis,  nem  Secretano  de  Estado,  nem  ainda  Bispo,  de  tal 
sua  ascendencia  n3o  me  consta,  porque  a  exemplar  modestia  d*este  il- 
lustre fidalgo  nao  Ai  lugar  a  se  (he  perguntar. 

253  Depois  soube  eu  por  boa  via,  qne  o  sobredito  Pedro  Vieifa  da 
Silva  era  unico  filho  de  Gaspar  Vieira  Rebello,  em  cuja  boa  casa  suc^ 
cedeo;  estudou  em  Coimbra,  foi  Collegial  do  Collegio  Real  de  S.  Paulo, 
Desembargador  do  Porto,  e  em  Lisboa  da  Suppiicagao,  e  dos  Aggravos, 
e  depois  Gonselheiro  da  Fazenda,  e  logo  Secretano  de  Estado  d'El-Hei 
D.  J63o  0  IV,  e  da  Rainha  D.  Luiza,  e  dos  Reis  muito  estimado.  Casou 
com  D.  Leonor  de  Noronba,  filha  de  Martim  de  Tavora  de  Noronba,  e 
«nbos  flzerSo  em  Leiria  o  Convento  de  S.  Antonio  da  Provincia  da  Ar- 
rabida,  de  quo  Qcou  o  f  adroado  a  seus  desccndentes;  dos  quaes  o  pri- 


12C  IIISTOHIA  IXSCLANA 

mciro  fillio  fui  Gaspar  Vieira  da  Silva,  que  succcdeo  ao  pai  na  casa  do 
Padroado,  e  Comiiicndas,  e  cason  com  D.  Felippa,  filha  de  Antonio  de 
Alrnada  e  Mello,  e  de  D.  Ursula  da  Silva.  Uulro  fillio  Toi  Felippe  de 
lavora  de  Noronha,  Mallcz  professo,  quo  fui  General  das  Galès  de  Malia 
e  depois  de  lograr  outras  Connnendas,  foi,  e  morreo  Baulio  de  Lessa,  e 
senhor  do  grande  estimacao,  o  atéin  de  muitos  outros  fìllios,  e  Pdhas  do 
sobredilo  Pedro  Vieira  da  Silva,  (quo  Toruo  Religiosos  e  Heligiosas)  foi 
tambem  seu  filho  o  ja  refendo,  e  illuslre  Ecclesiastico  Luis  Vieira  da 
Silva. 

23 i  Deixada  tSo  copiosa  desccndencia,  viuvou  o  illustre  pai,  e  se 
fez  Ecclesiastico,  e  foi  feito  Bispo  illustrissimo  do  Dispado  do  Leiria,  no 
governo  Ecclesiastico  mostrou  ainda  maiores  virtudes,  do  que  os  gran» 
des  talentos  que  no  conseiho  dos  Ueis  iinlia  mostrado,  e  fot  verdadeira* 
mente  hum  exemplar  de  Bispos,  e  seus  successores  gozao  hoje  do  Epis* 
copal,  e  Regio  palacio,  que  llies  fundou  e  deixcu  dentro  da  mesma  Ch 
dade  de  Leiria.  Do  que  ludo  ainda  que  nao  consta  o  juizo»  qae  acìma 
ja  formamos,  d*estes  Vieiras  Silvas  descenderem  d'aquello  Duarte  Gai'» 
v3o  da  Siva,  Secretarlo  tambem,  e  do  (Conseiho  d*EI-Rei  D.  JoSo  III  e 
seu  Embaixador  a  Castella;  consta  com  tudo  a  probabilidade  corno  que 
ajuizavamos,  assim  por  ambos  os  appellidos  juntos  de  Vieira  e  de  Silva, 
que  tanto  conservou  o  Illustrissimo  Bispo,  e  seus  principaes  fil^os,  corno 
pelos  Oflìcios  de  Secrelarios,  Consellieiros,  e  Validos  dos  Reis. 

255  Consta  porèm  que  dos  sobredilos  Vieiras  nao  so  em  S.  Miguel 
ficarao  os  descendentes  d'aquelle  Manoel  Vieira,  mas  tambem  em  a  Terceira 
ficarao  no  fidalgo  Joao  da  Silva  do  Canto;  nelo  materno  do  sobredilo 
Duarte  Galvao  da  Silva,  e  nos  muilos  descendentes  que  ainda  boje  lì 
tem,  com  os  appellidos  delk)rgcs,  Coslas,  e  Cantos  Silvas,  e  outros  que 
se  chamarao  Cantos  Vieiras:  e  huns  Vieiras  anligos  que  fizerao  seu  as- 
sento em  0  nobre  lugar  do  Santa  Barbala  da  Tcrceii'a,  onde  viveo com 
nobreza  hum  Sebastiào  Vieira,  de  que  jii  Fructuoso  faz  mencao. 

250  Dos  Machados  Pachecos  toco  so,  que  liouve  em  Angra  hum 
bom  fidalgo  chamado  Constantino  Machado,  que  casou  com  D.  Catharina 
Pacheco  Cortereal,  e  d'cstcs  nasceo  Manoel  Madiado  da  Costa,  que  con- 
forme a  sua  qualidade  casou  com  Barbara  Cabrai,  de  que  nasceo  outro 
Constantino  Macbado  da  Costa  comò  o  avo,  e  huma  D.  Margarida, 
que  casou  com  Fabricio  Pacheco,  e  d'cstes  nasceo  Matiheos  Pàclieco,  que 
casou  com  D.  Anna,  filha  do  conhecido  fidalgo  Alvaro  Pereira  deLacerda, 


LIV.  VI  CAPr  XXIV  127 

e  outros  muilos  na  mesma  liha  Terceira,  do  appellido  de  Machados^ 
e  particularmente  na  grande  Villa  da  Praia,  dos  quaes  tambem  faz  mcn* 
00  0  mesmo  Fructuoso,  e  aOirma  serem  fidalgos,  corno  em  seu  lugar 
mais  largamente  ainda  mostraremos. 

CAPITULO  XXIV 

Da  familia  dos  CorJeiros,  e  Espinosas. 

257  Em  muitos  lugares  desta  historia  temos  enconti*ado  com  este 
appelklo  de  Cordeiros,  e  algiimas  vezes  com  o  de  Espinosas,  razao  lie 
qae  tambem  d  eiles  demos  aiguma  noticia.  0  muito  erudito  Fructuoso, 
trataùdo  dos  Teves  de  S.  Miguel,  diz  que  bouve  antigamente  em  Pariz 
bara  famoso  CapitSio  d  el-Rei  de  Franga,  chamado  Concaio  Dornellas  Paim, 
e  que  este  tivera  tao  faganhosos  enconlros  mililarcs,  que  querendo  ne- 
gir  oatros  que  os  teve,  o  mesmo  Rei  tantas  vezes  o  adirmàra,  que  Ibe 
niodou  0  nome,  e  mandou  que  se  chamasse  Gonzalo  de  Teve,  e  que  este 
Coi  0  principio  famoso  do  tal  appellido  ;  a  este  Concaio  de  Teve  (diz  o 
mesmo  Fructuoso)  succederlo  tres  flihos,  un  tres  netos,  bum  cbamado 
Antonio  de  Teve»  quo  veiopara  Portugal,  e  foi  Thesoureiro  mór  do  Ueino, 
0  d'este  nao  diz  mais.  0  segundo  foi  Concaio  de  Teve  Paim,  que  veio 
i  nova  Uba  de  S.  Miguel,  e  era  varao  de  tanta  conta,  que  com  o  €api* 
fio  Donatario  da  Illia  repartia,  e  dava  as  terras  d'ella;  e  d'este  ficarao 
em  S.  Miguel  dous  fllhos,  bum  Joao  de  Teve  Almoxarife  da  Uba,  que 
caftoa  na  Villa  de  Agoa  de  Pào,  e  de  que  fìcou  pouca  descendencia;  e  o  ou< 
tro  filbo  de  Concaio  de  Teve  Paìm  foi  Jo3o  de  Teve  pai  de  Amador  de 
Teve,  e  avo  de  Caspar  de  Teve,  Capi  tao  na  Cidade  de  Ponla  Delgada. 

258  0  terceiro  fìlbo,  ou  neto  do  primeiro  Concalo  de  Teve  ((Sia- 
mado  de  antes  Dornella  de  Paim)  foi  Pedro  Cordeiro,  e  este  foi  o  pri- 
meiro de  tal  appellido  em  todas  as  Ilbas,  que  de  Pariz  veio  com  o  ir- 
mio  Tbesoureiro  mór  de  Portugal,  e  passou  a  S.  Miguel  com  o  outro 
iraSo  Concaio  de  Teve  Paim,  e  dei^iando  os  appelidos  de  Dornellas, 
Pìim,  e  0  de  Teve,  conservou  o  de  Cordeiro,  que  devia  ser  tambem  de 
seus  pais,  e  avós  Francezos,  e  fez  seu  assento;  e  morada  em  Villa  Fran- 
ca, que  era  a  cabeca  entao  de  S.  Miguel.  D'este  Pedro  Cordeiro  ficarao 
sm  S.  Miguel  quatro  fìlhas;  a  primeira  casou  com  Concalo  Vaz  Botelbo, 
0  moco,  da  nobiiiss'uua  familia  dos  Botclhos:  de  que  jà  Iralamos  nas  de 


I2S  HISTORIA  INSULAXA 

9.  Miguel.  A  scgunda  fìlha;  cbamada  D.  Leonor  Cordeira,  casou  com 
Femao  Camello  Pereira,  de  qiie  leve  muita  doscendencia»  até  na  liha 
Terceita,  e  muito  nobre,  corno  vimos  jé  na  familia  dos  Camellos,  e  Re- 
gos.  A  terceira  fìlha  foi  Catharina  Cordeira,  qua  casou  no  Beino  de 
PorUigal  com  hnm  fidalgo  chamado  Vicente  de  Abreu.  A  quarta  fi* 
Iha  Tui  Maria  Cordeira,  que  casou  com  bum  cavalleiro  da  casa  dei-Rei» 
chamado  Joào  Rodriguez  de  Sousa,  Feitor  da  Fazenda  Rea!  em  S.  Mi- 
guel; e  viuva  d  este  casou  segunda  vez  com  Jorge  da  Uota,  Albo  de  Fer- 
nando da  Mota,  cidadao  do  Porto,  e  parente  do  Bispo  do  Algarve  D. 
Hieronymo  Osorio;  e  o  dito  Mota  era  Cavalleiro  do  babito  de  Aviz  ;  e 
tambem  depois  de  viuvar  casou  segunda  vez  com  Bartboleza  da  Costa. 
259    D*esta  Maria  Cordeira,  quarta  Ciba  do  primeiro  Pedro  Corde!- 
ro,  e  de  sen  primeiro  marido  Joao  Bodriguez  de  Sousa,  nasceo  Pedro 
Rodriguez  Cordeiro,  que  casou  com  Catharina  Correa,  Alba  de  Martini 
Anes  Furtado  de  Sousa,  e  for3o  pais  de  Joao  Rodriguez  Cordeiro»  cuya 
filba  casou  com  Miguel  Botelbo,  filbo  de  JoSo  da  Mota,  e  de  Brites  de 
Medeiros.  Nasceo  mais  da  (jlìta  Maria  Cordeira,  e  de  Jo3o  Rodrigoez  de 
Sousa,  nasceo  (digo)  bnma  filba  que  casou  com  Sebastiio  Rodrigoes  Pan- 
china, irm9o  de  outros  Pancbinas,  e  d^estes  nasceo  CbristovSo  Cordeiro^ 
Escrivao  da  Alfandega,  e  casado  com  Solanda  Rodriguez  Benevides»  e 
estes  forao  pais  de  outro  Christovao  Cordeiro,  segundo  do  nome»  de 
que  nasceo,  terceiro  no  nome,  Christovao  Cordeiro,  chamado  o  Sol»  por 
sua  nobreza.  Nasceo  tambem  do  primeiro  CbristovSo  Rodrigoez  Cordei- 
ro, e  da  Benevides,  sua  mulher,  nasceo  (digo)  Manoel  Cordeiro  de  Sam* 
paio,  Cavalleiro  do  babito  de  Christo,  e  de  Juiz  do  mar,  e  da  Real  Al- 
fandega, o  qual  casou  com  Mecia  Nunez  de  Arez,  filba  do  Licenciado 
Gonzalo  Nunes  de  Arez,  e  de  huma  filba  do  Almoxarife  de  Angra,  dos 
prmcipaes  d'ella:  d'este  casamento  pois  nasceo  Maria  de  S.  Paio,  que 
casou  com  Duarte  Borges  da  Costa,  dos  muito  nobres  Medeiros  Coslas» 
de  que  jà  tratamos,  quando  dos  Medeiros  de  S.  Miguel;  e  do  tal  casa- 
mento nasceo,  primeiro,  Antonio  Borges,  que  casou  com  D.  Maria  da 
Camera,  fidatga  dos  Cameras,  Condcs  de  Villa  Franca,  e  Bibeira  Gran- 
de, e  do  dito  casamento  nasceo  Duarte  Borges  da  Camera,  Juiz  do  mar 
e  da  Beai  Alfandega,  e  que  casando  com  D.  Maria  de  Frias,  da  nobilis- 
sima casa  dos  Bruns,  (de  que  fallaremos,  quando  da  Uba  do  Faial)  mor- 
reo  comtudo  sem  deixar  descendencia,  porém  sua  irma  inteira  D.  Maria 
da  Camera,  corno  a  mai,  casou  com  Gaspar  de  Medeiros,  primeiro  do 


Liv.  VI  GAP.  xxrv  12?> 

nome,  de  que  nasceo  segando  fìlho  Gaspar  de  Medeiros  da  Camera,  e 
deste  jj  lerceiro  Gaspar  de  Medeiros,  casa  nào  so  taoTidalga,  mas  huma 
das  mais  ricas  que  lioje  lem  S.  Miguel. 

260  Nasceo  segundo  fiiho  do  sobredìlo  Duarte  Borges  da  Costa,  e 
de  sua  mulher  Maria  de  Silo  Paio,  nasceo  Dionisio  Borges,  que  foi  pai 
do  M.  Reverendo  Arcediago  de  Angra  Manoel  de  S.  Paio,  que  ainda 
hoje  vive  na  Corte  de  Lisboa,  e  bem  conbecido  n'eila  de  loda  a  fidal- 
gnia,  cujo  irmao  inteiro,  cbamado  Francisco  Borges,  ficou  na  sua  cida- 
de  de  Ponta  Deigada,  e  la  se  continua  a  sua  casa.  Nascerao  mais  dos 
mesmos  Duartes  Borges  da  Costa,  e  Maria  de  S.  Paio,  nascerao  dous 
varoes  dignos  de  memoria,  por  se  metterem  Keligiosos  na  Companhia 
de  Jesus,  bum  chamado  o  Padre  Antonio  Borges,  outro  o  Padre  Gonza- 
lo de  Arez,  corno  seu  bisavó  Gonzalo  Nunes  de  Arez,  e  jà  d'este  Padre 
iallàmus  acima,  quando  do  Collegio  de  S.  Miguel,  e  do  Collegio  de  An- 
gra, pois  em  ambos  foi  Reitor,  e  de  grande  religiao,  virtudes,  e  letras. 

261  Da  mesma  acima  dita  Maria  Cordeira,  (quarta  (ilha  do  primei- 
ro  Fedro  Cordeiro)  e  de  seu  segundo  marido  Jorge  da  Mota:  nasceo 
tainbem  bum  fìlho  cbamado  Antonio  da  Mota,  que  casou  com  Francisca 
de  Teve,  (sua  ainda  parenla,  e  por  ella  ser  filba  de  Fedro  de  Teve,  e 
nela  de  Gonzalo  de  Teve  Paim:  e  por  elle  Antonio  da  Mota  ser  filbo  da 
dita  Maria  Cordeira,  e  neta  do  primeiro  Pedro  Cordeiro,  irmao  de  Con- 
caio de  TeveO  do  tal  casamento  pois  nasceo  bum  fìllio  cbamado  Pedro 
de  Teve,  (corno  o  avo  materno)  e  casou  com  Guimar  Soeira,  filba  da 
Manoel  Affonso  Pavao,  e  de  sua  mulher  Leonor  Soeira,  que  era  filba  do 
Garcia  Rodriguez  Camello,  e  de  outra  D.  Leonor  Soeirar  e  d'este  Pedro 
de  Teve,  e  de  Guimar  Soeira  nasceo  Antonio  da  Mota,  que  casou  coni 
Anna  da  Costa  Pimentel,  e  d'elles  nasceo  Guimar  Soeira  que  casou  com 
Manoel  de  Brum  e  Frìas.  Até  aqui  o  que  largamente  diz  o  Doutor  Fru- 
ctuoso  da  antiga  e  nobre  familia  dos  Cordeiros,  que  povoavao  a  Uba  de 
S.  Miguel,  de  que  comò  naturai  teve  mais  noticia. 

262  Da  familia  dos  Cordeiros  das  oulras  Ilbas,  segue-se  dizermos 
0  que  puramente  acbamos;  que  assim  comò  da  prrmeira  Uba  do  Porto 
Santo  se  passarao  muitos  dos  povoadores  à  segunda  liba  da  Madeira,  9 
desta  muitos  a  Uba  de  Santa  Maria,  e  Sao  Miguel:  assina  d'està  se  pas^ 
savao,  corno  ainda  boje  se  passao,  é  Uba  Tercetrà,  e  d*esta  às  outras 
llhas,  que  pouco  depois  se  descubrirSo;  porque  comò  aos  primeiros  po- 
voadores de  cada  Uba,  se  Ibes  davào  as  melbores  terras  d'ellas,  porisso 

VUL.  II  '  9 


130  mSTORTA  INSCUNA 

OS  qne  mais  Inrde  vinhao  a  huma  liha,  era  vendo  ontra  de  novo  descn- 
berta,  se  passavao  logo  a  ella,  para  ahi  terem  tambem  maiores  datas  de 
terras,  pois  ainda  entao  n?io  er3o  descubertas  as  vastissimas  Conquistas 
da  India  Orientai,  do  Brasil,  de  Angola,  e  Maranhao:  d'onde  bem  se  se- 
gue, qae  os  qiie  em  a  Terceira,  e  nas  outras  posteriorcs  lihas  se  achao 
do  appeilido  de  Cordeiros,  todos  procedem  d'aquelle  prìmeiro  Fedro  Cor* 
dein),  que  de  Franga  velo  com  os  irmaos  Teves  a  Pcirtugal,  e  de  Portugal  a 
nova  Ilha  de  S^o  Miguel,  e  n'ella  muUiplicarao  tanto,  corno  vimos;  e  de 
facto  affirma  Fructuoso,  que  aqoella  segunda  fliha  do  dito  Fedro  Cor* 
deiro,  chamada  Leonor  (ou  Brìtes)  Cordeira,  casou  com  FernSio  r^amello 
Pereira  de  Castellobranco,  fidalgo  que  veio  de  Portugal,  e  foi  dos  pri- 
meiros  povoadores  de  Villa  Franca,  e  de  que  depois  vierao  alguns  para 
a  Terceira. 

263  D'estes  pois  Cordeiros  houve  na  Cidade  de  Angra  bum  Cida- 
dao  della  chamado  JoSoGordeiro,  Cavalleiro  professo  da  Ordem  de  Chris- 
io,  e  casado  com  Leonor  Dias,  e  d'eiles  nasceo  Joseph  Cordeiro,  Cida- 
dao  tambem  de  Angra,  que  teve  tres  (ilhos,  bum  Francisco  Cordeiro  que 
morreo  solteiro,  e  duas  filhas  que  roetteo  Freiras  no  Convento  da  Espe- 
ranca,  e  se  chamav3o  a  Madre  Maria  do  Nascimento,  e  a  Madre  Leonor 
da  Gloria,  e  do  dito  JoSo  Cordeiro,  nSo  ficou  outra  gemevo  mais  que 
huma  irmS  sua,  chamada  Anna  Cordeira,  de  que  nasceo  Maria  Dias  Cor- 
deira, que  casou  com  Fedro  Mouloso,  filho  de  Concaio  Moutoso,  e  de 
sua  mulher  Catharìna  Lourengo,  Alba  de  Antonio  Dias,  que  seguio  em 
Angra  as  partes  do  senhor  D.  Antonio  contra  Castella,  e  foi  terceiro  avo 
dos  Padres  Jo3o  Madeira,  e  Manoel  Gongalves,  primos  irmSos,  e  graves 
Religiosos  da  Companhia  de  Jesus,  e  ambos  muito  letrados,  e  muitos 
annos  Lentes  de  Moral,  e  muito  consultados;  e  o  segundo  morreo  no 
Collegio  da  Uba  de  S.  Miguel,  e  o  prìmeiro  em  Lisboa  na  casa  de  S.  Ro- 
que. 

26  i  Dos  ditos  Concaio  Moutoso,  e  Catharìna  Lourenco  nasceo  mais 
Antonio  Lourenco,  que  foi  pai  de  Barbara  Borges,  que  easou  com  Ha- 
noel  Leal  em  Lisboa,  filho  de  Diiogo  Leal,  e  neto  de  Dionisio  Leal,  e  do 
tal  casamento  nasceo  Joseph  Leal,  que  se  passòu  de  Lisboa  a  viver  em 
Angra.  e  niella  foi  Cidadio,  e  do  habito  de  Aviz,  e  da  governanca  do 
Senado  da  Camera,  e  sugeito  de  grande  conta,  e  juizo,  e  que  tirou  Bra- 
2tio  Beai  da  gerac^o,  e  Armas  dos  Leaes.  Casou  em  Anj,Ta  invs  veros»  e 
sempre  com  limpeza,  e  nobreza;  e  na  terceira  vez  casou  com  Gdais* 


LÌV.  VI  GAP,  XXIV  131 

mmto  conhecida,  qual  era  D.  Izeu  Pacheco»  corno  acima  ji  vimos  nas 
famìlias  dos  Borges  Costas  Pachecos,  etc,  mas  dos  primeiros  dous  ca- 
samentos  nao  sei  que  haja  descendencìa  alguma;  e  do  terceiro  so  sei, 
que  de  rauìtos  fìliios  quo  Acarpo,  so  bum  chamado  Jo3o  Borges  da  Sil- 
va este\^  muitos  annos  em  Lisboa,  servlo  a  El-Rei  D.  Pedro  II,  e  alcan- 
eoa  d*elle  o  foro  de  fìdaigo  filhado,  e  voltou  para  Angra,  e  là  està  ca- 
sado. 

265  Porém  do  sobredito  Pedro  Moutoso,  e  Maria  Dias  Cordeira 
Dasceo  Manoet  Gordeiro  Moutoso,  Gidadio  de  Angra,  e  dos  da  governan- 
Ca  do  Scnado  d'ella:  e  foi  aqnellc  a  quem  em  tres  de  Julho  do  anno  de 
1057,  e  no  juizo  do  Doiitor  Diogo  de  Gouvea  de  Miranda,  do  Desem- 
ban?o  de  S.  Magestade,  e  seu  Desembargador  dos  Aggravos,  e  Corre- 
pedor  com  alcada  do  Civel  da  Gorte>  julgou  ao  dito  Manoel  Gordeiro  por 
legitimo  descendente  da  nobre,  e  antiga  linhagem  dos  Gordeiros,  e  El- 
ite) Itie  maiìdou  passar,  e  se  llie  passoii  o  seu  Braz3o  de  fìdargo  de  ge- 
ragao,  e  Cola  de  Ariiias,  que  no  mesmo  Brazao  vem  divisadas,  e  illnnii- 
nxdas.  corno  nVlle  se  podem  ver,  feito  pelo  Capit3o  Francisco  Luis  Fer- 
rcìra,  Kscriv^o  da  nnhreza  n'estes  Reìnos,  e  Senhorios  de  Porlugal.  Mas 
ponpie  o  dito  Manoel  r^rdeiro  casou  em  Angra  com  Maria  de  Espino- 
sa, familia  Castelhana,  forga  he  dar  noticia  d'ella. 

i6G  Da  antiga  tidalguia  dos  Espinosas,  nos  livros  dos  Reis  ian^a- 
da,  trata  Pinedu  na  Monarchia  Ecclesiastica  2.  part.  cap.  16,  §  1,  tra- 
ta-se  mais  na  celebrada  historia  da  \iagem  do  grande  Magalhaes,  em 
qne  «  faz  mencio  do  CapifjSo  Gonjalo  Gomes  de  Espinosa,  naturai  da 
Villa  de  Gspinosa  de  los  Moriteros,  e  Meirinbo-mór  da  dita  Armada  de 
Magalliaes,  e  Capitao-mór  da  nào  Trindade;  e  até  o  Padre  Ribadenera 
na  Vida  de  Sao  Francisco  de  Borja  liv.  3,  cap.  14,  faz  men(3o  de  D. 
Uiogo  de  Espin<»sa.  Cardeai  da  Santa  Madre  Igreja,  Bispo  de  Siguenga, 
Presidente  do  Consellio  Keal  de  Gastella,  e  multo  privado,  ou  Valido  de 
Fdippo  IL 

267  A  orìgem  que  se  sabe  d*estes  Espinosas,  fot  bum  Cavalheìro 
ctwnado  Francisco  de  Bustamante,  naturai  do  Valle  de  Torasoz,  e  casa- 
dò  com  D.  Leonor  de  Bustamante,  e  estas  duas  casas  tinhao  direito  ao 
fetide  officio  de  Monteiros-mórcs  de  S.  Magestade  Hespanhola,  por  se- 
'^  dos  Espinosas  de  los  Monteros,  da  Villa  de  Espinosa,  sita  no  Ar- 
^^ispado  de  Burgos  em  Castella;  porém  outro  Ga>'alheiro  Espinosa,  e 
^positor  do  dito  officio,  e  com  dous  flibos  mais,  Gaspar,  e  Francisco 


132  HlSTOniA  IXSCLAXA 

matànio  ao  sobredito  Francisco  de  Bustarnante,  e  comludo  d'elle  ficano 
OS  filhos  seguir) tes;  primeiro,  Fraocisco  de  Bustamantet  comò  o  pai,  e 
Famiiìar  do  Santo  Officio,  que  casou  cura  Dona  Bigiieida  de  Escalante, 
de  que  teve  duas  fiihas  Freìras  em  o  Couveiilo  chaiuadu  Isabella  Rea! 
de  Granada;  o  segundo  fliho  foi  Manoel  de  Gspinosa,  que  casoo  primei- 
ra  vez  em  Guadalupe,  e  segunda  vuz  em  Se\ilba,  e  dcixou  lillios,  hum 
dos  quaes  se  chamou  Francisco  de  Bustarnante,  corno  o  avo.  0  lerceii\; 
lillìo  foi  Maria  de  Espinosa  e  Bustamanie,  quo  nasoeo  em  Bomos  de  Se- 
vilha,  e  Toi  mai  de  Gaspar  Molerò  de  Espinosa»  que  residia  mancebo 
em  MadriiU  em  cuja  casa  foi  seu  cauiarada  D.  Pedro  Oitiz  do  Hello, 
(fìdalgo  bem  conbecido  da  Cidade  de  Angra,  dequcm  trataremos,  quan- 
do em  seu  lugar  dos  Mellos  da  Uba  da  Graciusa)  e  este  mesmo  fldal- 
pò  testimunhando  depois  em  Aiigra  nas  inquiri^òes  de  bum  sugeilo 
jjara  ser  Religioso  da  Companbia  de  Jesus,  nelo  do  dito  Gaspar  Mole.x) 
de  Espino&,  jura  nao  so  lel-o  conbecido  em  Madri  1  corno  carnnrnda  seu. 
mas  conhecer  là  tambem  aos  parentes  do  mesmo,  e  de  inuila  qualidaile; 
e  0  mesmo  testemunbai  ao  bum  Manoel  Gonzales,  Castelhano  de  là  mes- 
mo,  e  outro  fidalgo  Christovao  de  Lemos  de  Mendofa,  e  muitos  outros. 

268  Vivendo  pois  em  Madnd,  e  sotteiro  ainda,  este  Gaspar  Molerò 
de  Espinosa,  e  tratando  sempre  multo  o  Rei  de  Castella  de  segurar  em 
sua  obediencia  a  Uba  Terceira,  que  contra  elle  de  antes  tinha  acclamado 
por  seu  Rei  ao  senbor  D.  Antonio,  e  tanto  (comò  veremos)  Ibe  tinha  cus- 
tado  a  conquistar,  e  por  isso  tinha  feito  em  Angra  aqoelta  fatai  e  gran* 
de  Fortaleza,  a  que  chamou  de  seu  nome  o  Castello  de  Sao  Felippe; 
mandou  o  Rei  de  Castella  ao  dito  Espinosa,  que  viesse  militar  do  tal 
Castello,  corno  mandou  a  outros  muitos  Cavalbeiros,  e  aos  mesmos  no- 
meados  D.  Fedro  Ortiz  de  Mello,  Christovao  de  Lemos  de  Mendo^a,  etc, 
para  assim  segurar  em  sua  obediencia  a  Fortaleza,  e  com  ella  a  Uha  te- 
da, e  com  està  as  mais  Ilbas,  comò  com  a  cabeca  d'ellas  todas. 

269  Cbegado  o  tal  Espinosa  à  Fortaleza  de  Angrd,  e  agradando-lhe 
OS  ares,  e  mantimentos  da  Uba,  tratou  de  se  casar,  e  ficar  n'ella,  e  por- 
que  soube  que  a  vìzinba  Uba  do  Fa}  al  tinha  sido  povoada  de  muilo  ik>- 
bres  Flamengos,  com  huma  descendente  d'elles,  chamada  Francisca  Vi- 
cente,  fìlha  de  Yicènte  Martins,  e  de  Francisca  Luis,  se  casou  a  prìiBei- 
ra  vez  o  dito  nosso  Espinosa,  e  dentro  de  poucos  annos  morrendo  llie 
està  mulber,  Ibe  nào  ficou  d'ella  mais  do  que  Imma  fill)a;  e tomand^se 
lago  a  casar  com  buma  seabora  da  Cidade  de  Ponta  Delgada,  liba  de  S. 


LIV.  VI  CAP.  XXIV  133 

Miguel,  qiie  era  muito  chegada,  e  nobre  parenta  d'aquella  nobre  Matro- 
na, e  Veneravo]  R(^atn  Margarida  de  Chaves,  cuja  vida  jà  acima  escreve- 
mos  no  fìm  do  liv.  5,  e  porisso  està  segunda  mullier  do  Espìnosa  se  cha- 
mava  Maria  Rodripiez  de  Chaves,  que  até  em  a  virtude,  e  santidade  se 
parecia  muito  a  Santa  sua  parenta;  e  deste  segundo  casamento  nasceo 
oulra  fiiha,  que  foi  grove  Religiosa  professa  do  Convento  de  S3o  Con- 
caio em  Aiigro,  e  se  chamava  a  Madre  Joanna  da  Cruz;  e  nasceo  mais 
bum  fillio,  que  se  fez  Clerìgo  em  Angra,  e  sendo  de  talentos,  e  partes 
excellentes  se  foi  a  Madrid,  pouco  antes  da  Acclamagao  de  Portugal,  e 
se  clìamava  D.  Salvador  de  Espinosa,  e  nem  seus  nobres  parenles,  Es- 
pìnosns  Bustainantes,  o  quizerllo  deixar  voltar  à  Uba  nem  El-Rei  Felip- 
pe  IV,  0  quiz  deixar  sabir  de  sua  Ueal  Capella  em  que  o  tinba,  e  mor- 
reo  em  Madrid  pelos  annos  de  1672,  comò  a  irma  Freira  morreo  no  seu 
Convento  de  Angra,  bavendo  falecido  o  pai  muito  antes  da  Acclamagao, 
e  a  m3i  depois,  mas  inuilo  antes  dos  dous  filhos. 

270  Fìcou  pois  a  primeira  Tilba  Maria  de  Espinosa,  que  mais  de 
doze  annos  anU's  da  Acclamacao  casou  com  o  dito  Manoel  Cordeiro  Mou- 
toso  em  a  (^id.ide  de  Aiigra,  e  d'este  matrimonio  ficàrao  seis  filbos;  o 
primeiro  foi  Pcdro  Cordeiro  de  Espinosa,  que  pouco  antes  do  anno  de 
1G50  vrio  estndar  a  Coimbra,  e  n'elia  se  fez  Doutor,  e  Mestre  em  Artes, 
e  examinoii  Uacbareìs,  e  tomou  todas  as  Ordens  Sacras,  e  estudando  o 
direito  se  formou  em  Canones,  e  n*elles  se  fez  Doutor  per  exame  pri- 
vado,  e  siibslìtuio  algiimas  cadeiras.  de  direito  em  Coimbra,  e  passan- 
do-se a  Lisboa,  viveo  nella  buns  poucos  annos,  sendo  Juiz  Apostolico 
de  causns  Romaniscas;  até  que  per  conseiho  do  Arcebispo  de  Lisboa  D. 
Anionio  de  Mcndo^a,  e  do  grande  Valido  Pedro  Fernandes  Monteiro, 
foi  provido  em  o  Oeado  da  Bahia  cabe^a  de  todo  o  Brasil»  e  feito  Com- 
missario Cerai  em  todo  elle  da  Bulla  da  Cruzada;  e  pouco  depois  de 
estar  na  Bahia,  por  siias  muito  conhecidas  letras  dispensou  com  elle  S. 
Magestade,  e  sem  ter  lido  noPa(o,  o  fez  seu  Desembai^ador  dos  Aggra- 
vos  na  Uela^ao  da  Bahia  ;  e  oOerecendo-se-lhe  depoìs  a  Prelazia  do  Rio 
de  Janeiro,  a  n?io  aceitou,  e  governou  muitos  annos  no  Ecclesiastico,  e 
secular  nquelle  mnndo  novo,  pois  ainda  là  nSo  havia  Bispos. 

271  Foi  varalo  de  tantas  letras,  e  Ministro  tantos  annos,  que  além 
de  huma  mui  copiosa  livraria  de  que  usava,  deixou  varios  tomos  ma- 
nnscriptos  que  compoz  sobre  as  Ordena^oes  de  Portugal,  obras  que  se- 
nio de  grande  beiu  commum;  e  nSo  obstante  isso,  se  Ihe  dlvertirSo  por 


134  HISTORIA  INSrLANÀ 

sua  morte  e  por  mais  que  se  procurar3o,  nao  apparecerSo  até  boje. 
Foi  em  siia  vida  tao  exemplv  Prelado  Ecclesiastko,  que  com  viver 
tantos  annos  em  o  seculo,  e  seculo  do  dima  do  Brasit,  nao  so  nào  dei- 
xou  nota  alguma  de  menos  honeslo  proceditnento,  mas  nem  dd{K)is  de 
sua  morte  houve  creatura  alguma,  que  arguisse  ser  seu  naturai  her- 
deiro,  nem  que  pedisse  allmentos  do  multo  que  deixou:  indo  emfìm  di- 
zer  Missa  a  sua  Sé,  o  achou  Deos  em  estado  de  o  levar  para  si,  e  aca- 
bada  a  Missa,  llie  deo  bum  tal  accidente,  que  nunca  mais  deo  stnal  al- 
gum,  com  que  os  Religìosos  doutos,  e  Prelad^s,  que  log!)  acudirào,  o 
podessem  absolver,  e  assim  expirou,  sem  viver  mais  dia  algiim,  senào 
o  em  que  ibe  deo  o  accidente:  e  comtudo  houve  pessoas»  que  acodindo 
logo,  Ibe  fabricaram  bum  testamento,  e  disposigào.  de  todu  a  casa,  e  ri- 
queza,  na  fórma  que  a  elles  Ihes  servia,  e  tudo  testimunharào  ser  dito 
pelo  doente;  e  de  tudo  com*sentenfas  contra  os  irmàos,  e  berdeiros  ne- 
cessarios,  mas  tSo  ausentes,  em  AngRa  da  sua  liba  Terceira.  Do  cha- 
mado  testador  sua  exemplar,  e  ajustada  vida  uos  persuade  que  seTui 
ao  Geo:  mas  dos  que  se  Tizer^o  tesladores,  teslamenteiros,  e  de  facto 
berdeiros,  sabe  Deos  onde  estarao. 

272  0  segundo  filbo  foi  Gaspar  de  Espinosa,  qne  na  melhor  idade 
se  metteo,  e  professou  Religioso  de  S.  Francisco  em  o  Convento  de  An- 
gra,  e  d'elle  veio  tomar  todas  as  Ordens  Sncras  a  Lisl>on,  e  d^ahi  foi  a 
Coimbra»  aonde  esteve  com  o  sobredito  seu  ìrmao,  e  voltando  depois 
para  a  Uba,  morreo  d'ahi  a  annos  com  o  exemplo  de  humitdade,  e  pe- 
nitente Religioso,  cbamado  Fr.  Gaspar  do  Rosario.  0  ferceiro  filho  foi 
Joao  Cordeiro  de  Espinosa,  que  se  fez  Ecclesiastico,  e  sendo  Sacerdote 
secular,  era  tao  virtuosa  sua  vida,  que  parecia  hum  perfeito  Religioso»  e 
mais  hum  especial  em  a  Missa  sempre  quotidiana,  e  tao  devota  e  pau- 
sada,  que  a  todos  admirava  e  mettia  devoi*^o;  e  foi  rouitos  annos  The- 
soureiro  gei*al  da  Bulla  da  Cruzada*  officio  que  fazia  pontualissimameute, 
sem  querer  jà  mais  outro  algum  Beneficio. 

273  0  quarto  filbo  foi  D.  Violante  de  Espinosa,  a  quem  chegando 
&  idade  casarao  seus  pais  com  Bernardo  Cabrai  de  Mello,  OUio  de  Ma- 
uoel  Cabrai  de  Mello,  legilimo  descendente  dos  primeiros  descubridores, 
e  Capitàes  Donatarios  das  Ilbas  de  Santa  Maria,  e  S.  Miguel*  e  moi^ado 
rico  instituido  por  seu  pai.  D'este  casamento  nascerào  seis  fìlbos;  pri- 
nieiro  Joanna  Cabrai  de  Mello,  que  metten<lo-se  Religiosa  no  Convento 
de  S3o  Gonzalo  de  Angra,  niello  morreo  professa,  e  cedo,  cbamada  iyàvr 


UW  VI  GAP*  XXIV  135 

na  do  Espirito  Santo,  e  com  espirito  verdadeiramentn  santo.  Segundo 
filini  foì  Bartlioiomeu  Cabrai  de  Mello,  quo  moireo  ainda  menor,  e  se  Ihe 
sej^nio  Manoel  Cabrai  de  Mello,  terceiro  Albo,  e  de  grande  juizo,  e  ex- 
ceiieiites  partes,  mas  e»tando  para  se  receber  com  pessoa  de  sua  quali- 
dnde,  morivo  apressadaniente,  e  dizem  que  de  veneno,  (sera  falso)  e  se 
Ihp  segiiio  em  o  morgado  o  quarto  irmao  Antonio  Cordeiro  de  E^n- 
n  »sa,  que  era  jà  Sacerdote  secular,  e  ainda  hoje  vive  logrando  o  nior- 
pulo 

27 i  Quinto  fìlho  foi  Joseph  Veiho  de  Mello,  que  tamhem  morrco 
solttMro,  mas  tinha  huma  filba  naturai,  e  de  boa,  e  liinpa  mài,  e  legiti- 
luada  por  el-Rei«  e  educanda  no  Convento.de  Sào  Concilio,  e  na  occasiào 
da  morie  a  revocou  a  sua  casa,  e  a  nomeou  por  sua  herdeira,  e  està 
cliamada  l>.  Joanna  Cabrai  de  Mello  casou  na  mesma  Cidade  do  Angia 
C'im  bum  nobre  mancebo  chamado  Ignacio  Carvallio  Pedroso  de  Urio- 
lìes,  niho  de  Manoel  Carvaiho,  e  neto  de  Fedro  Carvallio,  e  bisaelo  de 
IsMbel  Pedi'osa,  e  terceiro  neto  de  Beatriz  Calsa,  e  quarto  neto  de  Simàu 
Tedroso,  e  quinto  noto  de  Gonzalo  Pedroso,  que  fui  nào  so  anligo  Ci- 
dadfio  de  Angra,  mas  ja  enlao  fidalgo  da  casa  del-Uei,  cujo  prinieiro  i* 
liiu  Francisco  Pedroso  instituhio  bum  morgado,  sobre  que  lem  andado 
em  grave  domanda  o  sobredito  Ignacio  Carvaiho  com  o  Padre.  Francis- 
co Pedroso  da  Congregacào  do  Oratorio,  por  tambem  este  ser  bisnelo 
da  dira  Bc^atriz  Calsa,.  terceira  avo  do  tal  Ignacio  Carvaiho.  Sexlo  filho 
foi  Nuno  Velbo  de  Mello,  que  morreo  ainda  menino.  K  a  mai  dos  ditos 
seis  iilhos,  depois  de  viuva  do  primeiro  marido  Bernardo  Cabrai  de 
Alello,  casou  sugui\da  vez,  por  ordem  de  seu  irmao  o  sobredito  Deào  da 
Bahia,  com  o  Capitào  Joao  do  Rego  de  Vasconcellos,  de  que  ja  iratamos, 
quando  dos  Regos  Baldayas,  e  Vasconcellos;  e  d'este  segundo  matrimo- 
■  Dio  nào  ficou  descendencia  alguma. 

i75  0  quinto  filho  de  Manoel  Cordeiro,  e  Maria  de  Espinosa  foi 
Bt?rnardo  Cordeiro  de  Espinosa,  que  ticou  com  a  casa  dos  pais,  e  ainda 
lioje  vìve,  e  foi  sempre  homem  de  tanto  governo,  que  nào  so  ha  mais 
de  50  annos  he  Familiar  do  Santo  Officio  da  Inquisigào  de  Lisboa,  mas 
teve  por  el-Rei  o  donativo  das  Ilhas,  a  cas^  do  Marquez  de  Castello  Ro- 
drigo, e  dar  o  determinado  para  o  sustento  d'el-Rei  I).  AtTonso  VI,  quan- 
do esleve  na  Uba,  e  por  vezes  foi  Vereador  da  Camera  de  Angra,  e  Pre- 
sidente da  Yereacào.  Casou  duas  vezes,  primeira  com  Dona  Maria  Abar- 
ca  Cortereal,  fìdalga  bem  conbecida,  de  que  jà  tratamos,  quando  dos 


136  HISTORIA   INSULANA  . 

Canlos,  Borges,  e  Costas;  e  d'esle  casamento  leve  hum  filho  chamado 
Fedro  Cordeiro  de  Espioosa,  corno  o  patruo  tic  De3o,  mas  morreo-lhe 
ainda  menino;  teve  mais  huma  filha  chamada  D.  <^tlierina,  que  entrou, 
e  vive  hoje  Freìra  professa  em  S.  Gonzalo  de  Àngra.  Morta  està  primei- 
n  nìulher,  cason  segiinda  vez  com  D.  Margarida,  filha  de  Fedro  Borgfìs 
da  Co^ta,  e  de  D.  Maria  da  Camera,  e  Irma  unica  hoje  daquelle  famo- 
so Joào  Borjjes  da  Silva,  que  govemou  tanto  na  India,  e  là  morreo,  co- 
mò j  i  disstMnos,  assim  na  fidalgnia  d'estes  Borges  Costas,  corno  n.i  dos 
Canlos;  mas  d'este  segando  casamento  nao  leve  descendencia.  i 

iliS  k  antiga  nobrcza  de  seu  pai,  que  vimos  jà  em  o  refendo  Bra- 
zao  (r^lla,  e  na  antiga  familia  dos  Cordeiros,  ajunlou  o  dito  Bernardo 
CordtMro  0  Brazao  Ueal  dos  Espinosas  de  sua  m3i;  e  no  mesmo  escuJo 
se  ajunirio  em  diversas  palas  a  limpeza,  e  brandura  dos  Cordeiros,  com 
a  frjMierosidade  do  Leao;  a  advertencia  do  Cometa,  e  constancia  do  Es- 
piiihinro,  (qne  nem  com  o  fogo  se  afoga)  e  as  armas  que  locao  dos  Es- 
I^inosas  de  los  Montoros,  com  tanto  que  todos  tenhào,  comò  lem  as  ar- 
mas, [)or  scu  limbre  a  pureza,  mansidao,  e  pariencia  de  hum  Cordeiro, 
quo  so  se  fez  desta  sorte  hum  Leao  temido,  e  venerado,  e  vitorioso Sal- 
vador de  lodo  seu  povo. 

277  0  sexto,  e  ultimo  fillio  do  dito  Manoel  Cordeiro,  e  Maria  do 
Espìnosa,  foi  Antonio  Cordeiro  de  Espinosa,  que  passando  a  puerìcia  em 
Aiii^MM,  e  POS  estu<Ios  dos  Fadres  da  Còmpanhia  de  Jesus,  foi  mandado 
pi)r  seus  pais  a  estudar  a  Coimbra,  e  acompanhar  ao  dito  seu  irm^o 
Domo  da  Rahia;  e  saliindo  a  buscar  a  Armada  de  Fortugal  do  anno  de- 
l(>.')(ì,  de  que  era  General  o  famoso  Antonio  Telles.  deo  coro  a  froia  das 
Iiidias  de  Castella,  om  que  vinha  o  Vice-Rei  D.  Marcos  dei  Fuerto,  que 
so  tiriha  desencontrado  da  maior  Armada  de  Fortugal,  e  cativo  enlào  da 
do  C.'Kstella,  cm  ([uo  andou  dezaseis  dias,  além  de  n'ella  achar  ao  fidalgoi 
D.  Alvaro  Bustamante,  que  o  reconheceo  por  seu  parente,  foi  pelo  con- 
trario dar  com  a  Armada  de  Inglaterra,  que  estava  a  sombi-a  da  UMTa 
atraz  de  Cadiz,  com  quarenta  n<ios  de  guerra.  General  o  Blaque;  d*estas 
sahirno  s<')  oito  pelas  tres  para  as  qualro  da  madrugada,  derào  batallia  a 
seis  de  guerra,  que  so  trazia  a  frota  Castelhana,  e  està  naval  balaiha  da- 
rou  continuada  nove  horas,  ale  à  huma  depois  do  meio  dia:  e  entSo  he 
(]ue  de  Cadìz,  pouco  mais  de  huma  legna,  arodirao  duas  galés,  mas  a 
tem[)o  j:'i,  qiie  estava  ainda  pelejando  a  Capitania  Hespanhola  com  duas 
Inglezas,  e  com  outrad  duas  a  Almirante;  porém  està  em  o  mesmo  lem- 


IIV.  VI  GAP.  XXIV  137 

pò  se  deo  fogo»  corno  jà  «m  o  principio  da  batalha  tinha  feito  a  mio  do 
CapitSo  Calderon,  e  oatra  affundida,  e  duas  tinha  vcncido,  e  calivado  o 
lo^lez:  e  tcodindo  as  galès  à  Almirante,  coja  gente  jà  tinha  voado  com 
0  fogo,  apagàrao  o  do  casco,  e  a  esle  trouxerao  ainda:  com  que  das  seis 
Caslelhanas  so  a  Capitania,  para  onde  linhao  ievado  o  Estudante  Portu- 
gnez,  foi  a  que  escapou,  e  se  recolheo  a  Cadiz  com  as  galés,  e  o  casco 
da  Almirante. 

278  RecolWdo  o  Estudante  a  Cadiz/ foi  logo  preso  em  a  cadeia,  e 
^sentenciado  é  morte,  por  Ihe  imporem  que  tinha  sabido  da  Armada  In- 

gleza,  e  o  nao  descubrira  no  juraraento  dado  quando  o  cativano:  mas 
por  consdho  d'aqucile  seu  parente  D.  Alvaro  Bustamante,  appellando 
logo  da  senlenca  para  o  Duque  de  Medina  Celi,  que  servia  entlio  de  Ca- 
pitan General  das  Costas  de  Andaiuzia,  foi  remettido  a  elle,  e  por  elle 
examinado;  e  vendo  que  so  repetia  Virgilio,  e  out  ros  livros  humanisli- 
cos,  0  julgon  solto,  e  livre,  e  Ihe  deo  logo  passaporte  para  ir  a  Porlu- 
gal,  e  a  estudar  a  Coimbra  para  onde  vinha,  e  assim  se  passou  o  Estu- 
dante a  Sao  Lucar  de  la  Reina:  d'este  a  Seviiha  pelo  Guadalquihir,  de- 
zoito  legoas  a  cima;  e  de  Seviiha  a  Ayamonte,  e  d'este  a  Crasto  Warim 
do  Beino  do  Algarve,  d'onde  vindo  a  Tavira,  Faro,  e  Lagos,  deo  aqui 
com  as  reliquias-da  peste,  que  ainda  alli  durava:  e  chegando,  passado 
lodo  0  Algarve,  a  Setuval,  pela  dita  peste  foi  preso,  e  condemnado  a  des- 
terro para  bum  solitario  areal,  e  por  quarenta  dias,  mas  revogada  lam- 
bem  està  sentenza,  se  passou  logo  a  Lisboa,  e  de  Lisboa  a  Coimbra,  rei- 
nando  ainda  o  senhor  Rei  D.  Joao  IV. 

279  Em  Coimbra  achando  a  seu  ìrmao  o  Doutor  Deao  da  Bahia» 
por  ordera  sua  se  matriculou  nos  Sagrados  Canones,  e  juniamente  na  Fi- 
losofia do  Veneravel  Padre  Joao  de  Carvalho  da  Companhia  de  Jesus,  in- 
signe Lente,  que  depois  foi  de  Theologia,  e  morreo  Reitor  de  Braga, 
santo,  e  sabio:  e  vindo-se  o  dito  Doutor  seu  irmào  para  Lisboa,  ficon  o 
dito  Espinosa  so,  e  continuando  a  Universidade,  até  que  se  resolveo  en- 
trar na  Companhia  de  Jesus,  e  entrou  n'ella  em  lì  de  Junho  de  If^-'i?, 
e  acabado  o  noviciado,  teve  ainda  mais  de  hum  anno  de  Rhetorica,  e  lo- 
go qiiatro  ainda  de  Filosofia,  e  hum  de  Mestre  de  Lalim  na  nona  de 
Coimbra,  e  depois  quatro  nas  Ilh'as  de  S5o  Miguel,  e  Terceira,  e  logo 
quatro  de  Theologia  em  Coimbra,  onde  tomou  as  Ordens  de  Missa:  e  vol- 
tando para  o  terceiro  anno  de  noviciado  de  Lisboa,  foi  em  missao  a  Pe- 
niche:  e  d'ahi  chamado  pelo  Illustrissimo  Primaz  de  Braga  U.  Verissimo 


i36  IIIST0R1A  INSCLANA 

de  Lencastre,  andou  em  missao  seis  mezes,  correndo  aquelle  vasto  Ar- 
cebispado,  ale  que  cm  certo  lugar  Ibe  derào  venono,  e  por  mais  que  io- 
ga se  Ihe  acodio  com  vomitorios,  lite  sol)reveio  tiuma  maligna,  coin  que 
0  trouxerào  a  Uragi,  e  chngado  com  ella  as  portasda  morte,  quiz  coin- 
tudo  Deos,  que  escapasse  ainda:  e  enlào  ò  mandarao  outra  vez  para  Lis- 
boa, e  no  Colji'gio  de  Santo  Antào  foi  tres  annos  conlinuos  sub^litulo 
d'aquelle  grande  Paleo,  e  acabado  o  tal  triennio,  o  mandarào  para  Cuim- 
hra. 

'280  Cliegado  pois  a  Coimbra  em  o  anno  de  IG76,  vìnte  annos  leo 
iraquella  Universidade  as  Cadeiras  de  Fili^^ofia,  ThtH)logia  Moral,  e  Es- 
peiiilaliva.  alò  o  anno  de  696,  nào  deixando  comtndo  de  fazer  varias 
missoes  a  Vizeu,  a  Pinliel,  a  Torres  novas,  e  ao  celebre  Santuario  da  Se- 
nliora  da  Lapa  no  Bi>pado  de  Lamego.  aonde  fez,  (pie  a  Hesidencia  dos 
RiMiijinsos  da  Coinpanhia  de  Jesus,  (pie  alti  sempre  bavia,  mas  inlerpfr 
'ada  por  vezes  cada  anno,  se  conHnn.isse  perpetua  com  nova,  malerial, 
e  capaz  babilacào.  e  Ueligiusos  sulTìcientes  para  prégarem.  confessareai» 
e  lerem.  Conciuidas  as  (Cadeiras  de  Coimbra,  e  vendo-se  entrar  jà  na  ve- 
liiice,  se  rctirou  a  Braga,  e  qualro  ai»nos  nella  resolveoos  casosquese 
oiri?reciào:  e  d'ahi  foi  mandado  ao  Porto  fazer  o  mesmo  officio,  que  fei 
eni  a(|!iella  Henl  Curia  oito  annos:  d  onde  a  obediencia  o  mandou  outra 
vez  para  Lisboa,  e  expressamenle  Ibe  ordenou  imprimisse  o  que  tinha 
manuscriplo:  mas  em  Sào  Roque  o  obrigarào  a  resolver  ainda  nasduss 
Cadeiras  i]n(i  alli  ba  de  resolu^òes  ad  intra,  e  ad  extra^  que  de  antes  oc- 
cupavào  a  dous  bomens,  e  tao  grandes  homens,  comò  o  anligo  Padre 
Mestre  Manoel  de  Andrade,  e  o  famoso  Doutor  Josepb  de  Brilo:  e  lidas 
estas  Cadeiras,  o  obrigarào  ainda  a  ir  ler  a  de  Prima  no  celebre  Semi- 
nario de  Sào  Patricio  em  a  mesma  Corte  de  Lisboa:  mas  repetindo  de 
Roma  0  Reverendissimo  Geral  da  Companlu'a  a  sua  ordem,  de  que  im- 
primisse esle  Padre  os  seus  manuscriplos,  enlao  o  puzerao  no  Collegio 
cbamado  do  Paraìso,  dentro  da  mesma  Lisboa,  em  tres  annos  e  meio  que 
là  esleve,  e  jà  mais  dous  que  lem  de  Prefeito  do  espirito  do  grande  &•!- 
legiode  Santo  Antào:  n'estes  ultiinos  pnjparou  seis  lomos  grandes  ih^ 
folio,  que  coinevarào  a  imprimir-se,  quando  seu  Author  jà  vai  emseleo- 
t;i  e  seis  armos  de  idade,  e  de  lieligiào  |)eQto  de  sessenla. 

281  Deste  pois  ultimo  fìllio  dos  acima  ditos  Manoel  Cordeiro,  e 
Maria  de  Espinosa,  tocndo  (comò  pedia  a  bisloria)  o  material  de  sua  vi- 
da,  nào  sei  do  espirilual  que  d'elle  possa  dizer  vìrtude  alguma,  visto  os 


LIV.  VI   GAP.  XXV  139 

ìnnuraeraveis  benencios,  que  Deos,  e  a  Virgem  Senhora  da  Lapa  Ihe  fi- 
zerao,  e  o  pouco,  e  muito  mal  que  os  tem  ngradecido,  e  so  sei  (|ue  por 
inek)  d'aquella  milagrosissima  Senhora  espera  ainda  o  perdao  de  seiis 
I)eccados,  e  huma  hora  da  morte  em  a  Divina  gra^,  comò  se  persuade 
que  alcan^arao  seus  pios,  e  mui  devotos  pais,  e  que  tambem  a  elle  lli'a 
aican^arào  de  Deos. 

28*  De  outi-as  nobres  f^milias  da  presente  liha  Terceira,  dlremos 
quando  tratarmos  das  outras  Illias,  d  onde  se  passarào  à  Terceira»  pois 
nao  he  bem  molew^^lemos  ao  Leitor  com  mais  genealogias,  todas  junlas. 
Vamos  agora  às  guerras  que  a  Terceira,  mais  que  as  outras  Ilhas,  expe- 
rimentou  até  hoje. 

CAPITULO  XXV 

D(U  guerras  que  a  Terceira  experimenton,  especialmente  pelo  Senbor 
D.  Antonio^  e  Coroa  de  i^oriugal  cantra  a  de  Castella. 

283  Em  0  cap.  6  d'este  liv.  6  deixamos  ji  locada  a  primeira  qua- 
si guerra,  que  em  o  lugar  da  Praia,  nao  sendo  ainda  Villa,  houvc  con- 
tra  huma  Armada  Castelhana,  e  a  vitoria  prodigiosa  que  d'ella  entào  al- 
cancar3o,  e  que  foi  prenuncio  das  que  està  liha  liavia  depois  ter  de  Cas- 
tella pela  sua  Coroa  Portugueza,  que  defondeo  sempre  tanto  comò  agora 
veremos,  e  tendo  jà  passado  mais  de  cento  e  trinla  annos,  que  a  Illia  Ter- 
ceira era  descuberta,  antes  do  anno  de  1  ìoO  nSo  se  sabe  de  outra  guer- 
ra que  coDtra  a  liba  Terceira  flzesse  nagào  alguma,  até  que  depoìs  da 
morte  do  Senhor  Rei  D.  Henrique,  ent3o  Pelippe  II  de  Castella  se  inlro- 
duzio  na  Coroa  Lusitana,  sem  haver  quem  entao  se  Ihe  oppuzesse,  senao 
o  senhor  D.  Antonio,  e  por  elle  ultimamente  a  Uba  Terceira,  e  assim  he 
forca  dar  disto  a  noticia  devida. 

284  Sabido,  e  constante  he,  que  na  Coroa  de  Portugal  a  el-Rei  D. 
Manoel  succedeo  seu  iìlho  cM\ei  D.  Joao  III  do  nome,  e  por  o  unico  fì- 
llio d*este  morrer  antes  de  chegar  a  reinar,  e  deixar  jà  fìllio  D.  Sebas- 
tìao,  este  succedeo  no  Reino  ao  avo  D.  Joào  IH,  e  tambem  por  este  seu 
lieto  faltar  na  fatai  bataiha  de  Africa,  Ihe  succedeo  a  elle  na  Coroa  bum 
Seu  tìo,  0  Cardeal  D.  Uenrique,  filho  do  sohredito  Rei  D.  Manoel;  e  que 
por  u  Cardeal  Rei  tambem  nao  deixar  descendencia  alguma,  morrendo 
em  31  de  Janeiro  de  1380,  tendo  reinado  bum  anno,  cince  mezes,  e  ciu- 
co dias,  foi  necessario  toraur  a  buscai*  uutra  das  muitas  linhas  que  havia 


140  HfSTORIA  TNSULANA 

«do  mesmo  Bei  antecedente  D.  Manoel;  e  porque  d'este  Bei  tinlia  casado 
hurna  fìiba  D.  Isabel  coro  o  Emperador  Carlos  V,  outra,  D.  Briles,  com 
Carlos  Duqne  de  SabojTi,  por  isso  desta  segunda  o  filho  Manoej  Philis- 
berlo  Duquo  de  Saboyn,  e  o  fillio  da  primeìra  Feltppe  II  Rei  de  Castel- 
la, ambos  se  oppuzerào  à  successSo  da  Coroa  Lusitana;  porém  corno  do 
inesmo  Rei  l).  ManocI  fìcaruo  mais  duas  precedentes  linhas  masculinas, 
a  do  Infante  D.  Duarte,  e  a  do  Infante  0.  Luiz;  e  do  primeiro  fic^rào 
<luas  fillias,  primeira,  D.  Maria,  que  cason  com  Alexandre  Farnezio  l)n- 
que  de  Panna;  segunda,  D.  Calliarina,  que  casou  no  Reino  com  D.  Joào 
Duque  de  Uragaiiva:  lambem  estas  duas  Reaes  casas  se  oppuzerào  a  Co- 
roa vaga. 

283  Mas  porque  o  Infante  D.  Luis  deixou  filho  varao,  e  aindaque 
n3o  era  de  legitimo  matrimonio,  era  comludo  verdadeiro  neto  d  el-Rei 
D.  Manoel,  e  homem  jà  tao  perfeito,  que  era  Prior  do  Cralo  em  Porlu- 
gal  aonde  estava,  por  isso  tao  grande  parte  de  Portugal  se  alTeifCou 
tanto  a  elle,  que  muitos  Lugares,  e  Cidades  o  acclamarlo  por  seu  Rei, 
e  nào  pouca  fìdalguia  o  seguìa,  e  logo  mandou  aviso  é  liha  Terceira  que 
o  acclamasse,  e  o  fizesse  acclamar  em  as  mais  dos  Assores,  comò  abaiso 
veremos,  porém  vindo  brevemente  seu  primo  irmao,  Felippe  II  Rei  de 
Castella,  com  bum  poderoso  exercilo  a  Portugal,  e  fallando  os  mais  dos 
f  ortuguezes  ao  seu  naturai  Rei,  e  deixanrto-o  as  terras  quo  o  tinhao  ac- 
clamado,  foi  o  «xercito  do  Rei  D.  Antonio  tao  vencido,  e  destruido  pelo 
dito  seu  primo  Felippe  li,  que  o  Portuguez  Rei  foi  obrigado  a  se  valer 
de  Franca,  e  Inglaierra,  para  poder  tornar  a  Portugal  que  iinha  por 
proprio  Reino  seu.  E  assim  vamos  agora  ao  successo  da  guerra  que  se 
fez  contra  a  Terceira,  e  ao  que  successo  da  guerra  que  se  fez  contra  a 
Terceira,  e  ao  que  succedeo  em  as  mais  Ilhas,  recopilando  o  que  larga, 
^e  confusamente  conta  o  nosso  Fructuoso,  testimunha  d'aquelle  mesmo 
tempo,  e  verdadeira,  e  outras  RelaQoes  d  aquelie  tempo. 

286  No  fim  de  Juiho  de  1580,  veio  carta  da  Camera  de  Lisboa  i 
Camera  de  Angra,  cofno  tinhao  acclamado  Rei  ao  senhor  D.  Antonio,  e 
pedia  0  acclaniassem  tambera,  comò  jà  tinha  feito  Santarem  em  19  de 
Junho  de  1580,  e  no  ilm  de  JuIho  do  mesmo  anno,  e  ainda  de  Lisboa 
tittha  mandado  o  dito  Rei  D.  Antonio  (diz  Fnictuoso  liv.  6,  cap.  18,) 
bum  Antonio  da  Costa  é  liba  Terceira,  para  nella  o  acclamarem por  Rei 
de  Portugal,  e  passando  pela  liha  de  Sao  Miguel,  o  deixou  acclapado 
niella,  e  cbegando  &  Uba  Terceira,  vendo  està  que  flcava  acclamado  em 


LIV.  VI  CAP.    XXV  lil 

Porlugal,  e  que  era  varao,  neto  d  el-Rei  D.  Manoel,  e  naturai  do  Roino^ 
comò  a  Rei  Porluguez  o  accljimanio  por  seii  Rei,  e  passando  o-  inesmo 
Antonio  da  Cosla  à  liha  dn  Faial,  para  fa/er  nella  acclamar  e  mesmo 
Rei,  morreo  dentro  em  oito  dìas.  Era  o  Bispo  das  Illias  n'este  tem|xj  D. 
Fedro  de  Castiiho  ausente  de  Angra,  e  estava  visitando  a  llha  de  Santa 
Maria;  e  em  Angra  estava  p<)r  ('.orre^edor  de  todas  as  lllias  o  Doulor  ('.y- 
priano  de  Figiieiredo  de  Lemos,  (jive  |k)uco  dopois  foi  feilo  Governador 
da  Terceira  por  El-Rei  l).  Aniotiio,  e  passados  assim  muitos  mezes,  e 
estando  jà  de  posse  da  Coroa  de  Portugal  Kelippe  11  de  Castella,  e  o  seu 
competidor  D.  Antonio,  ausente  jà  por  Fran^m,  o  Inglaterra,  depois  de 
vencido  em  Alcantara  de  Lisboa,  avisuii  esla  enlào  a  Augra,  que  ]&  tìnha 
ac€itado  por  seu  Rei. a  Felippe,  que  o  aceitasse  tambem;  e  nunca  quiz 
Angra  mudar  do  primeiro  Rei  jurado. 

287  Ent3o  em  20  de  Abril  do  anno  seguirjte  de  KSl,  e  por  ordem 
do  dito  Felippe  sahio  de  Lisboa  o  Gah.'rio  Sào  Cliristovào,  e  nelle  Am- 
brosio de  Aguiar  Coutinbo  com  o  titulo  de  Governador  das  Ilhas  Tercei- 
ras,  e  em  direitura  i  Terceira,  e  com  grandes  poderes:  era  este  fidalgo 
filho  de  Pedro  Alfonso  de  Aguiar,  Proved(»r  dos  Armazens  em  Portugal, 
e  jà  tiniia  ido  por  Capitào  m('>r  de  huma  Armada  à  India,  e  com  El-Rei 
D.  Sebastiào  a  Africa,  d'onde  veio  resgatado,  e  governando  Cetuval  foi 
prezo  por  El-Rei  D.  Aniunio,  e  na  bataiha  de  Alcantara  fìcou  livre  por 
Felippe,  e  fcito  Commendador  da  Ordem  de  Christo;  este  pois  vindo  agora 
por  Governador  para  a  Terceira,  e  passando  pelo  Norte  de  Sao  Miguel, 
langou  em  a  ponta  dos  Mosteìros  a  bum  Thomé  RodriguesTibao,  veador 
seu,  que  levasse  a  nova  a  Poma  Delgada,  de  estar  Felippe  ]ià  Rei  de  Por- 
tugal, e  d'este  se  ter  saliido  Ei-Rti  1).  Antonio;  e  ainda  queem  Sao  Mi- 
guel, e  especialmente  em  Villa  Franca  foi  por  muitos  mui  sentida  està 
nova,  comtudo  bastou  ella  para  quasi  toda  Uba  se  mudar  do  Rei  0.  An- 
tonio para  o  Rei  D.  Felippe. 

288  Continuando  pois  o  Governador  Ambrosio  de  Aguiar  com  seu 
Gaieao,  em  demanda  da  Terceira,  cbegando  à  vista  de  Angra  mandou 
aviso  da  parte  d'el-Rei  Felippe,  declarando  quem  era,  e  a  que  vinba,  e 
que  esperava  reposta  para  poder  entrar,  e  entrar  as  cartas  de  seu  Rei. 
Respondeo  a  Cidade  que  os  do  barco  se  voltassem  logo  para  o  Galeào, 
e  que  este  com  o  seu  cbamado  Governador  se  fosse  logo  dalli,  e  nao 
parasse  alli  mais.  Voltou  logo  o  Governador  para  Sao  Miguel,  onde  foi 
beta  rea'bido,  e  o  Rei  Felippe  acclamado  até  pelos  de  Villa  Franca,  bem 


142  WSTOniX  INStTASA 

coDtra  sfaa  vontade,  estando  }à  em  SSo  Mìgael  recolhido  de  Santa  Maria 
0  Bispo  I).  Pedro  de  CasUllio:  cujo  Arcediago  Manoel  Gon^alves,  Gui- 
dando fazer  barn  é  Hha  Terceira,  por  ser  naturai  d'ella,  voltou  a  ella  em 
hum  barco  de  remo,  e  con»  novas  cartas  para  o  Gorregedor  Govemador 
de  Angra,  e  para  ontros:  e  chegando  em  2  de  Jnnho  de  4581,  foi  pre- 
so debaixo  da  Forfaleza  o  tal  Imrco  com  ^  que  vinhao  n  elle,  e  toman- 
<]o-se-lhe  os  reinos,  alli  os  tiverao  otto  dias  presos,  sem  Ihes  acudirem 
oom  cousa  alguma,  nein  Ihes  consentirem  fallar  cora  gente  da  Uba,  até 
<]ue  dando-lhes  os  remos,  e  as  \idas,  os  deìxarao  voltar  a  S.  Miguel, 
seih  serem  neni  «inda  ouvidos  da  Uba  Yeroeira. 

289  Nos  seguintes  dias  nao  faiia  mais,  o  qne  governava  na  Tercei- 
ra, que  sustentar  a  voz  d  el-Reì  D.  Antonio;  e  pelo  contrario  o  que  go- 
Ternava  em  &  Miguel,  confìrmar  sua  nmdanca  para  el-Rei  Felippe;  e  so 
de  mais  tratava  rada  bum  de  por  terceiras  pessoas  mandar  raatar  ao  en- 
tro, e  nenbuma  das  mortes  succ4?deo,  e  isto  contra  Fructuoso  em  entro 
lugar  liv.  IV  cap.  98,  e  taes  erudicoes  inette  n'elle,  e  de  materias  diffe- 
rentes  di  que  hin  bAStori^mdo,  que  jta^r  nao  conFundir  o  que  tratamos, 
«  as  nlo  inetto,  e  so  vou  continuando  com  i  Insttlani  Acclaraaclo  de 
«l-Rei  D.  Antonio. 

CAPITULO  XXVI 

Dasfrimeiras  Annad^n  ^ne  investir&o  a  llha  Terceira,  e  da  fatai 
batalha  dm  Armadas  Reaee  defroiUe  de  Sta  Mignel. 

890  firn  1581  conforme  a  Fructuoso  no  seti  liv.  4,  cap.  100  e  ji 
entrada  a  primavera,  sahio  do  Porlo  de  Santa  Maria  D.  Pedro  Valdés 
oom  sele  nàos  grandes,  e  mil  soldados  n'ellas,  fora  multa  Tidalguia,  qoe 
se  embarcou,  alrm  da  muìta  mais  gente  de  mar;  e  cbegando  a  8.  Mi- 
guel que  tinba  a  voz  de  Cistdla,  com  ordem  do  Go\^mador  de  S.  Mi- 
guel, 0  sobredito  Agninr,  Io%t)ii  o  Vatdés  comsìgo  a  bum  seu  primo  Jo3o 
(cu  Diogo)  Valdés,  Mestre  de  Campo,  e  grande  Gavalleiro,  e  se  foi  com 
a  Armada  sobre  a  Terceira,  e  tomando  bum  barco  que  vinha  do  Faial, 
bum  bomem  do  barco  Ibe  fez  facii  a  entrada  da  liba,  e  o  por  onde  a 
entrarla;  o  que  ouvindo  o  roestre  de  Campo  persuadio  ao  primo  Gene- 
ral, que  commettessem  a  llha,  e  nSo  perdessem  tao  boa  occasiao,  e  com 
elTeito,  em  dia  de  Santiago,  de  madrugada  lantanio  em  terra  qnalro<en- 
tos  bomens  bem  annados  com  varias  pe^as  de  artelbaria,  em  bum  pos- 


Liv.  VI  GAP.  xnv  Ì43 

to,  antes  chamado  Casa  da  salga,  e  ganhando  outras  pecas  que  da  Ilha 
alli  eslavao,  se  puzerSo  os  Castelhanos  a  lan^ar  fogo  às  poucas  casns 
d'aqnelle  sUio,  e  a  queimar  as  searas  do  Ingo  que  por  alli  havia,  sem 
podcrem  os  poucos  lavradores  resistir-lhes,  mas  so  darem  aviso  i  Villa 
da  Praia. 

291  Vindo  porém  logo  gente  armnda  da  Villa,  e  lancando  diante 
aos  Castelhanos  muito  gado  para  os  perturbar,  investirào  com  elles  de 
tal  sorte,  e  com  tal  furia  por  verem  quelmadas  as  searas  do  seu  trigo, 
que  desbaratando  os  Castelhanos,  nSo  deixavao  alguni  que  nao  passas- 
sem  a  espada,  e  vencidos,  e  mortos  quasi  tudos,  iiein  ainda  aos  que  se 
rendìao  vivos,  perdoavao,  anles  a  D.  Juao  de  Basan,  sobriiibo  do  Mar- 
quez  de  Santa  Cruz,  e  a  oulro  sobrinho  do  Duque  de  Alva,  que  rendi- 
dos  Ihes  pediao  as  vidas,  os  matarUo  a  sangue  frio,  e  o  mesnio  fvieriìo 
ao  Mestre  de  Campo  Valdés,  e  a  muìta  Rdalguia  de  Castella  qne  al!i  vi- 
nha;  e  nao  so  recobrarao  a  artelharia  qoe  o  inimigo  tinha  tornado  ao  en* 
trar  na  Ulta,  mas  tambem  a  que  tinha  trazido,  e  riqnìssimas  armas  com 
que  vinhao,  e  muito  mais,  e  tudo  o  que  tinhSo  ròubado  da  terra,  sem 
iìcar  pessoa  que  levasse  nova  às  nàos  do  que  passava  ;  o  que  vendo  o 
General  Valdés,  se  levaotou  com  as  suas  sete  ndos,  e  voltou  a  S3o  Mi- 
guel a  descul  par-se:  os  da  terra  dando  logo  a  nova  da  batalha,  e  vi  to- 
na que  tinhao  conseguido,  fizerao  prociss3o  em  accSo  de  gra^as,  e  An- 
gra,  e  toda  a  Ilha  se  preparou  mais  para  o  seguiate. 

292  Em  0  principio  1(^0  de  Agosto  do  mesmo  anqo  de  1584,  che- 
gon  a  SSo  Miguel  outra  Armada  de  vinte  e  duas  velas,  de  nàos  grandes, 
e  galeoes,  de  que  bum  D.  Lopo  era  o  General,  e  tornando  em  SSo  Mi- 
guel, além  do  refresco,  a  bum  Frade  Franciscano,  ehamado  Fr.  Fedro, 
(GaardiSo  que  tinha  sìdo  em  a  Praia  da  Terceira,  e  em  Ponta  Delgada» 
e  Commissario  das  Ilhas)  por  imaginar  que  o  tal  Frade  poderia  reduzir 
OS  da  Terceira  é  facc3o  de  Castella,  levando-o  se  foi  logo  juntar  com  o 
D.  Fedro  Valdés,  que  ainda  andava  janto  i  Terceira,  e  unìdos  ambos 
com  as  suas  quasi  trinta  nàos  de  guerra,  mandarSo  barco  à  terra  com  o 
dito  Frade,  e  cartas  de  ambaixada;  mas  nem  que  o  barco  chegasse,  con- 
sentirao  os  da  Terceira«  e  fugiodo  o  barco  aos  tiros  se  voltou  para  a  Ar- 
mada: e  està  bordeando  cito  dias  em  huma  noite  envestio  a  terra,  e  que- 
rcndo  lanc^r  n'ella  eiereito,  foi  tanta  a  artelharia,  e  mosquetaria,  que  a 
terra  disparou  sobre  os  Castelhanos.  que  estes  se  retìrarSo  logo  sem  por 
pé  em  terra,  e  ambos  os  Generaes  das  Armadas  se  voltarao  a  Lisboa, 


Uri  HISTORIA  IXSDLANA 

aonde  a  D.  Lopo  foi  muito  loavado  nao  se  arriscar  mais;  e  o  D.  Fedro 
Valdés  foi  senlenciad;>  a  cabeipa  fora,  por  se  ter  havida  eomo  se  houve, 
e  comUido  ainda  se  llie  perdoou  depois,  e  se  foi  para  as  montanbas  de 
Oviedo  sua  patria,  sera  mais  apparecer. 

293  Nào  se  atrevendo  tao  cedo  tornar  à  lite  Terceira  os  Caslellw- 
nos.  listava  ella  constante  pelo  seu  Rei  D.  Antonio,  qaando  em  o  prin- 
cipio de  Maio  do  anno  de  15S2  cbegoa  à  liha  de  Sào  Miguel  huma  i)^ 
quena  Armada  de  seis  velas,  cujo  Capitao  mór  era  Fedro  Peixoto  da  Sil- 
va, que  vinha  no  Galeao  S.  Christovao,  com  outra  nao  almirante,  e  tres 
caravelas  mais,  e  bum  pataxo  de  a\isos,  e  tornando  mais  em  Ponta  Del- 
gada  duas  uàos  Inglezas  que  alli  estavao,  e  da  terra  Dellas  varia  solda- 
desca,  appareoeo  logo,  sobre  està,  outra  peqiiena  Armada  de  Francezes, 
que  governava  Monsieur  Landroy,  e  emlìm  i)elejando  ambas,  se  aparla- 
rao  sem  conhecida  vitoria  de  huma  à  outra,  e  deixarao  a  terra  coma  do 
antes,  retirando-se  os  nataraes  a  ella,  com  aiguns  mortos,  e  feridos  ou- 
tros,  mas  nào  em  numero  consideravel,  posto  que  Fructuoso  cbame  a 
isto  batalha,  e  com  so  isto  descreva  a  Uba  de  Sao  Miguel  muito  revolla. 

294  N'este  mesmo  tempo,  mas  depois  da  dita  peleja,  chegarao  tam- 
bem  a  Sào  Miguel  quatro  naos  de  Genova  por  parte  de  Castella,  e  por 
Cabo  d  ellas  D.  Lourengo  Cenoguera,  que  deixando  ancorado  ao  dita 
Pedro  Peixolo,  se  recolbeo  a  Fortaleza,  sugeito  ao  Governador  Ambrosio 
de  Aguiar;  porém  morrendo  este  de  naturai  doenga,  e  com  pouco  mais 
de  bum  anno  ò^  governo,  e  em  5  de  Julho  de  1582  Ihe  succedeo  no 
governo  bum  seu  enteado,  chamado  Martim  Alfonso  de  Melto,  filho  de 
Jorge  de  Mello  Coutinno,  e  de  D.  Joanna  da  Silva,  e  foi  eleito  pela  liba, 
e  pelo  Bispo  D.  Pedro  de  Castilho. 

295  Eis  que  aos  14  e  i5  do  mesmo  Julbo  de  1582  ebegoa  a  Sao 
Miguel  huma  grande  Armada  do  acclamado  Rei  D.  Antonio,  que  n'ella 
vinha  em  pessoa,  e  em  demanda  da  lUia  Terceira,  que  tinba  firme  por 
si,  e  de  camiobo  qneria  segurar  a  Sào  Miguel,  em  que  bavja  grandes 
divisoes.  Vinba  na  Armada  por  General  do  mar,  e  Condestavel  o  Exc^t- 
lentissimo  Conde  eie  Vimioso,  do  Portuguez  sangue  Real  ;  e  por  Gover- 
nador, e  Generai*  da  guerra  que  se  offerecesse,  o  Francez  Goude,  e  Ma- 
ricbal  Felippe  Estrosse,  que  jà  o  tinba  sido  do  Campo  dei-Bei  de  Franca, 
e  Gonbecido  era  jà  por  celebre  Governador  de  Armas  :  vinbào  mais  com 
estes  Principes  outros  muitos  seohores,  e  Gdalgos  de  Franga,  e  de  Por- 
tugal  ;  e  constava  a  Armada  de  ;iesseuta  velas,  de  6aie?k)5,  e  naos  de 


UV.  VI  GAP.  XXVI  IJl-S 

guerra,  e  outras  necessarias;  e  fora  outra  muita  mais  gente,  trazia  oito 
mil  tiojiiens  de  guerra,  solclados  quasi  todos  Francezes.  Da  Araiada  veio 
logo  iì  terra  Eiiviado,  requereudo  se  entregassem  ein  boa  paz;  e  se  res- 
pondeo que  estavao  por  Castella,  e  se  haviao  defender  ;  e  acodio  gente 
da  liha  a  defender  a  costa  do  Sul,  cousa  de  mil  e  quinlientos  homens, 
mas  sem  terem  na  costa  de  Rosto  de  Cào  rauralba  alguina,  nem  artelha« 
ria,  mettendo-se  sòmente  em  trinciìeiras  de  cavas  feitas  no  areal,  e  pondo 
vigias  nos  póstos  de  calbào  mais  altos. 

2!l6  Em  OS  15,  16,  e  17  do  dito  Julho  fazendo  a  Armada  continuos 
acometimenlos  é  Uba,  e  disparando  sempre  muita  artilheria  até  causar  a 
gente  da  terra;  emtìm  ao  meio  dia  dos  16  de  Julbo,  com  dez  lanchas, 
cu  galés,  langou  cousa  de  tres  mil  bomens  em  terra,  em  bum  posto  de 
calbàus  entre  a  Alagoa,  e  Rosto  de  Cao,  e  logo  mais  adentro  se  for- 
màrào  em  tom  de  exercito  e  batalba,  e  sem  nem  a  vigias  com  a  fumala 
OS  verem,  nera  da  terra  se  Ibes  resistir  mais  do  que  fugirem  i>ara  o 
sertau  da  Uba;  e  entao  he  que  acudio  da  Cidade  o  Governador  da  liba 
com  gente  da  Forlaleza,  e  vendo  jà  em  terra  o  inimigo,  e  com  poder 
tao  superior  se  voltou  logo  para  a  sua  Fortaleza;  e  dcsembarcou  mais 
DO  mesmo  posto  a  Real  pessoa  de  U.  Antonio  com  dous  mil  soldados 
de  sua  guarda,  e  muita  fldalguia,  o  que  visto,  os  Francezes  entrarao 
pela  Uba  dentro  saqueando  lugares,  e  Villas,  e  dos  que  faziao  alguma 
resistencia  matarao  a  duzentos,  e  alguns  Francezes  tambem  morreiào, 
e  muìtos  ficarao  feridos;  e  so  a  grande  Villa  Franca  ficou  sem  ser  sa- 
queada,  nem  ofTendida,  por  ter  de  antes  mandado  visitiu*,  assira  no  mar 
corno  na  terra,  ao  uovo  Rei  D.  Antonio.  Foi  saqueada  tarabem  a  Cidade . 
de  Ponta  Delgada,  mas  nao  a  Igreja  Matriz,  que  para  o  nao  ser,  Ibo 
mandou  o  Rei  por  guardas;  e  dispondo  elle  jà  render  por  armas  a  For- 
taleza, succedeo  de  repente  o  seguinte. 

297  Aos  21  de  Julbo  de  1582  teve  aviso  o  Rei  D.  Antonio  de  vir 
jà  cliegando  outra  poderosa  armada  d'el-Rei  de  Castella,  e  querendo  Ioga 
oflerecer-lbe  batalba,  se  embarcou  na  noite  dos  21  para  os  22  e  doixa- 
Tio  os  Francezes  a  Uba  de  S.  Miguel,  e  todos  os  da  liba,  que  tinbào 
fugido  para  os  raontes,  voltarao  para  suas  casas.  Na  Armada  dei-Rei 
D.  Anl'.mio  se  resolveo  que  nao  convinba  que  sua  Real  pessoa  assistìsse 
na  batalba,  e  assira  o  obrigarào  a  retirar-se  para  a  Uba  Terceira,  aonde 
por  bora  o  deixamos.  A  Armada  Gastelbana  tinlia  sabido  de  Lisboa  era 
iO  do  mesrao  Julbo  com  28  uios  de  guerra,  e  por  outras  que  atraz 

VCL.  II  iO 


146  HISTORIA  INSULANA 

d'ella  vìerao,  che^on  a  S.  Mirael  com  quasi  quarenta  relas.  Tira  pi> 
X08  de  avisos.  Vinha  o'ella  por  General. o  Marquez  de  Sanu  Graz  D.  Ar 
varo  Basan,  e  por  Mestre  de  Campo  General  II.  Lopo  de  Figneira,  e 
muitos  oiiiros  senbores,  e  Gdalgos  Castelhaoos,  e  por  CapiUaia  o  Ga* 
leao  S.  Martinho;  e  em  loda  a  Amiada  Castelbana  vinhao  seb  od  1» 
mens  de  peieja,  fora  a  Tidalguia  e  ìnnameravel  marinhagem,  e  ooutto^ia 
nao  foi  admittida  està  Armada  em  Villa  Franca,  que  eslava  pdo  seo  Rei 
D.  Antonio. 

298  Em  23  de  Juiho  se  apresentirio  bataiha  as  Annadas,  com 
igual  valor,  e  espantoso  lerror  de  quem  as  via;  porém  tres  dias  se  arh 
darao  acometendo  com  surrìadas  de  tiros,  sem  Ihes  permìttìr  o  temp) 
cbegarem  a  formar  bataiha;  até  que  aos  26  do  dito  Julbo,  dia  de  Santa 
Anna,  se  travou  com  tal  furia  a  bataiha,  que  se  abalroaram  os  Gale&es, 
Capìianias  e  Almirantes,  e  atracados  batalharam  por  mais  de  dnoo  boras 
continuas,  sem  se  ver  mais  que  a  desenfreada  morte  em  loda  a  parte, 
até  morrerem  da  Armada  Franceza  o  General  Estrosse,  o  Coode  deM- 
mioso,  e  muitos  outros  senhores,  e  fidalgos,  e  da  soldadesca  mi!  e  du- 
zentos  homens,  e  alguns  navios  Francezes  forio  affundidos,  muitos  d»- 
trocados,  e  os  mais  deixaram  a  bataiha,  e  se  foram,  sem  poderem  jà 
seguil«os  OS  Castelhanos,  porque  d*estes  a  Armada  ficou  mnilo  derro- 
tada,  e  com  muita  gente  morta;  porem  comò  o  seu  General  Sbninez  de 
Santa  Cruz  soube  guardar  sua  pessoa  na  praga  da  artiiherìa,  goveroaD- 
do-a  debaixo  da  cuberta;  e  o  General  Francez,  e  o  Coode  de  Vimioso, 
e  outros  similhantes  senhores  morreram,  ficou  emfim  a  vitorìa  pelos 
Castelhanos. 

299  Isto  em  summa  be,  o  que  Fructuoso,  testlmunha  de  visU.  diz 
d*esta  bataiha  naval  no  liv.  4,  desde  o  cap.  401  até  104,  mas  deix'  q 
de  dizer  que  està  vitorìa  nSo  foi  tanto  de  valor  dos  Castelhanos,  quanto 
da  fugida  e  treiCSo  de  muitos  navios  Francezes,  que  n2o  quizerao  pele- 
jar,  e  fugirao  logo.  Nos  seguintes  cap.  105  e  106  couu  corno  logo  Villa 
Franca  se  màndou  entregar  ao  Marquez  de  Santa  Cruz,  e  comò  os  na- 
vios Francezes  que  escaparam,  e  bum  pataxo  dos  que  tinhSo  ficado  em 
terra,  se  for3o  para  a  Uba  Terceira,  e  que  deteodo-se,  o  victorìoso  H ar- 
quez  tres  dias  ainda  em  o  mar.  mandou  depois  a  Villa  Franca  sai  Co* 
vidor,  gente  de  guerra  e  sentenza  queem  publicocadabiso  se  lesse,  e  n  elle 
se  degolaria  a  trinta  senhores,  e  fidalgos  Francezes,  por  perturbadores 
da  paz  cooslituida  eatre  Franca  e  Castella  ;  e  de  mai:»  se  enforcaram  cin- 


Liv,  VI  cAP.  xxvn  147 

coenta  e  tres  Franc^zes  de  menos  qaalidade.  Logo  em  8  de  Agosto  foi  de 
Ponta  Delgada  a  Villa  Fraoca  o  Bispo  D.  Pedro  de  Castilbo,  e  da  Villa  foi 
ao  mar  visitar  ao  Marquez,  e  no  mesmo  dia  desembarcoo  o  Marquez,  e  en- 
trou  na  Villa  com  grande  recebimento,  e  applauso»  e  o  Bispo  voltou  para 
a  Cidade,  e  o  Marquez  se  embarcoa,  e  chegando  a  Ponta  Delgada  foi  n'ella 
recebido  com  grande  trianfo  da  Gidade  e  Fortaleza,  e  so  a  bum  fidalgo, 
Vereador  de  Villa  Franca  mandoa  degollar,  e  outros  colpados  so  con- 
denou  em  penas  menores. 

300  Tendo  sahido  de  Lisboa  o  Marqoez  em  10  de  Julbo,  e  fìcando- 
Ihe  là  tres  nàos  de  guerra,  sahìrao  estas  aos  1 1  e  com  varios  encontros  dos 
Francezes  desappareceram  jà  perto  de  S.  Miguel.  Em  3  de  Agosto  che- 
gou  a  Armada  de  Seviiha  com  dezaseis  nàos  de  guerra,  que  vinhao  aju- 
dar  ao  Marqiiez;  mas  este  tendo  a  viso  que  vinbSo  nàos  da  India,  em  tal 
aìlura  as  foi  buscar,  e  trazendo-as  a  S.  Miguel»  d'ahi  as  remetteo  a  Lis* 
Ixta  com  sele  nàos  em  sua  defeza,  e  n'ellas  se  foi  de  S.  Miguel  o  Bispo 
D.  Pedro  de  Caslillio  para  Lisboa,  e  o  Marquez  deiiando  em  S.  MiguiU 
qnasi  tres  mil  soldados  de  guarnicio,  partio  em  3  de  Agosto  com  am- 
bas  as  suas  Armadas,  e  em  tres  dias  se  poz  sobre  a  Uba  Terceira;  mas 
està  sem  Tazer  caso  das  cartas»  e  embaixadas  do  Marquez,  e  suas  Ar- 
madas, Ibe  respondeo  com  tanta,  e  tSo  forte  artelbarìa»  que  o  Marquez 
(lesistio  de  tal  eaipreza,  e  se  voUou  a  Lisboa.  E  aqui  com  pouco  mais, 
e  fora  da  bistorta»  acaba  Fructuoso  o  seu  liv.  4»  cap.  111. 

CAPITOLO  XXVII 

De  huma  parcialidadc  qne  houve  em  Angra  cantra  o  Senhor  D.  Anionio; 
e  da  mone  de  kum  fidalgo^  e  perseguifdo  corUra  o  Collegio  da  Cotnpa» 
nhia  de  Angra. 

301  Acclamado  (comò  vimos  no  cap.  25)  o  Senhor  D.  Antonio  em 
Rei  de  Portugal  na  Uba  Terceira,  e  Gidade  de  Angra,  nilo  deixou  de  ba- 
ver  n'ella  alguns,  que  mais  inclinav3o  ainda  a  Castella;  d'està  inclinacio 
for3o  algons  fidalgos,  e  com  occasiSo  de  haver  jé  quasi  dous  mezes  que 
Ihe  faltav3o  novas  do  novo  Rei  D.  Antonio,  e  verem  que  qualquer  nào 
qne  passava  para  Castella  por  alguma  d'aqoellas  Ilhas,  dizendo-lbe  que 
estavio  por  Felippe,  a  tomavSo;  juntos  os  ditos  fidalgos  assentar3o  entre 
si  de  sabirem  todos  a  cavallo  armados  pela  Cidade,  e  acdamarem  a  Fé- 


t48  HISCORTA  INSULANA 

lippe  II  por  seu  Rei,  e  de  Portugal;  mas  altercando  f|iial  d'elfes  seria  9 
que  sahisse  acclamando,  para  os  outros  o  seguirem,  resqlveram  lan^ar 
sortes,  e  n'eilas  sabio  Joao  de  Betencor  e  Vasconcellos,  de  cuja  Kegia  &- 
dalgaia  jd  Tallàmos  no  cap.  21  dos  Betencores,  e  cap.  "Hi  dos  Vascon-  ' 
cellos;  e  o  animoso  fldalgo  aceitou  a  sorte,  e  prootellea  sabir  em  dia  de 
N.  Senhora  da  Natividade,  8  de  Septembro  de  1580. 

302  Chegado  o  dito  dia,  pnmiplissimo  o  fidalgo  cavatgon  armado, 
e  brandindo  buma  tan^^  (por  mais  qne  sen  filho  morgailo  Vital  de  Be- 
tencor eVasconcellos  Ihe  quiz  impedirà  sahida)  sabio  comludo  p4?lasruas 
da  Cidade,  dizendo  em  aita  voz,  Viva  El-Rei  Dom  Ftlippe^  e  qnem  o  contra- 
rio disser,  morra:  e  sem  haver  dos  da  jnnta  feila  quera  sahisse,  e  o  se- 
guisse, cbegou  diante  do  Corregedor,  jà  Governador.  laticando  as  raesmas 
Yozes,  e  acclamagoes  de  Filippe,  e  junto  ]a  mtilto  pwo,  clamando,  Morra 
0  traidor,  o  prendeo,  e  com  stia  guarda  o  livrou  de  o  povo  o  mai3r 
alli  logo,  e  0  ievou  e  metleo  na  cadeo  da  Cidade:  à  vista  do  que  os  de 
antes  conjurados  se  retirérao  aos  morrtes,  quintas  suas,  e  o  prezo  se  fi- 
cou  em  cadea,  sem  nera  detta  pertender  sabir,  nem  jàmai* dar  em  al- 
gum  dos  outros,  mas  fazendo  tat  vida  na  cadea,  e  tao  conforme  com  os 
preceitos  Divinos,  que  estando  perto  de  dous  annos  prezo,  nem  palavra 
nem  obra  sabio  d'elle,  que  cbeirasse  a  peccado,  ainda  leve. 

303  Tinba  jà  El-Rei  D.  Antonio  posto  em  Àngra  Relacacv  sua  so^ 
bre  todas  as  Ilhas,  que  constava  de  quatro  Deputados,  e  bum  Presidente; 
esle  era  o  Corregedor  e  Governador  Cypriano  de  Figueiredo;  os  Depu- 
tados er5o  Joao  Gonfalves  Correa,  Balthezar  Alvarez  Ramires,  Domin- 
gos  Pinbeiro,  e  Domingos  Louzel,  e  em  oito  mezes  sei>tenci»*am  o  fi- 
dalgo prezo  a  morrer  degollado;  mas  dilatou-se  a  execugào,  até  qtie  eih 
trou  em  Angra  o  Conde  Manòel  da  Silva  emFevereiro  do  anno  de  1582 
com  OS  poderes  do  dito  Rei  D.  Antonio  sobre  todas  as  Iltias.  Mas  o  dìlo 
Conde,  para  cobonestar  mais  estas  execucoes  de  justica,  levantou  em 
Angra,  com  os  Reaes  poderes  que  trazia,  levaoitou  Casa  da  Supplicarlo 
do  Civel  e. Crime,  e  sobre  està  levantou  outra  mesa  de  Desembargado- 
res  do  Paco;  e  tambem  outra  Mesa,  cbamada  da  Consciencia;  creou  Cb.in- 
celler  mór;  fez  escrivaes,  e  Meirinbos  da  Corte,  e  Procurador  do  Fisco; 
e  poz  Presidentes  em  cada  bum  dos  ditos  Tribunaes;  e  o  era  da  \tes^ 
da  Consciencia  bum  Religioso  de  Santo  Agostinho,  e  nutro  da  mesraaOr- 
dem  era  Deputado;  e  demaìs  entravao  nos  ditos  Trilìnnnes  o  Reverendo 
Vigario  da  Goncei^ùo,  o  Tbesoureiro  mór  da  Sé^  e  aiguns  Lctrados  Ju- 


uv.  VI  CAP.  xxvn  149 

rjstas,  dos  muitos  que  entao  havia;  e  a  outros  deixou  de  fora,  por  os 
imaginar  suspeitos  ao  seu  Rei  D.  ADtonio>  e  a  todos  os  ditos  Tribunaes 
assìQOu  casas,  e  dias  de  despacho  na  fórma  da  Ordenagao  Real.  Poréra 
0  TioverDador  Cvpriano  de  Fìgueiredo,  vendo  tao  excessivos.  e  execu- 
tados  poderes,  e  as  desordens  do  dito  Gonde,  suspendeo-se  de  mandar 
cousa  algumn,  até  que  chegou  o  mesmo  Rei  D.  Antonio. 

304  E  porque  as  ditas  Ilhas  havia  pouco  dinheiro,  e  era  necessa- 
rio multo  para  o  soldo  dos  militares,  e  gastos  das  fortificacoes,  inven- 
tou  0  dito  Conde  Casa  Real  de  Moeda,  e  a  collocou  no  pateo  de  Hospi- 
tal da  Cidade,  com  Ministros,  e  oflìciaes  peritos  ;  e  fabricando  ao  princi- 
pio moeda  de  prata,  ouro,  e  cobre,  a  levantou  loda  em  dobro,  as  de  ou- 
ro  de  qninhentos  reis  subio  a  mil  r%is;  as  de  mil  rèis  a  dous;  as  de  prata 
de  cruzado  a  doHs  cruEados,  as  de  tosiao  a  dous  tosfòes,  as  de  vinlem 
a  dous  vintens,  e  assìm  as  mais  de  cobre.  Chegou  pois  o  dito  Conde  a  ir 
em  i)essoa  pelas  ruas,  e  pelas  casas  com  muitos  nobres  da  terra  a  pedir 
ouro  e  prata  para  a  moeda,  e  pam  sustentarem  ao  seu  Rei  D.  Antonio, 
e  d'està  sorte  recolheo  grande  numero  de  cadeas  de  ouro»  de  aneis,  de 
jnias,  e  de  pecas  de  prata,  e  se  ree^Iheo  com  tudo;  e  com  muito  am- 
bar,  que  tambem  (he  ofTerecerSo,  e  de  tudo  nao  appareceo  cousa  al- 
gnma  em  a  casa  da  moeda;  e  chegou  a  insoleocia  do  tal  Conde  a  tanto, 
que  sgm  sentenza  de  Juizes  dava  tormentos,  e  intoleraveis,  e  até  a  ho- 
inens  nobres;  e  ainda  nos  costumes  procedia  escandalosamente. 

305  Ainda  que  o  sobredito  n'estes  dous  paragraphos  acima  nSo  traz 
0  Doutor  Frucluoso,  por  Ihe  nao  chegar  là  a  S,  Miguel,  consta  comtudo 
de  huma  Relac^o  manuscripta  em  caderno  de  quarto,  de  quasi  de  bum 
cento  de  quarlos  de  papel,  e  composta  por  huma  testimunha  de  vista 
secular,  que  em  Angra  vio,  e  apontou  tudo,  e  viveo  ainda  até  o  anno  de 
1GH  e  tenho  a  tal  Rela^ao  em  meu  poder,  e  por  verdadeira  e  muitus 
vezes  a  sigo  e  seguirei  ainda.  E  logo  em  Mar^  de  1582,  na  quarta  feira  a 
tarde,  maridou  executar  a  sentenza,  e  com  gente  Franceza  de  guerra, 
posta  por  todas  as  ruas  da  Cidade,  e  tendo  sido  mandados  sahir  d'ella 
todos  OS  parentes  do  condemnado,  foi  este  degoUado  em  cadafalso  pu- 
blico,  e  com  tal  valor  do  padecente,  que  nem  pés»  nem  m3os,  nem  corpo 
consentio  lite  alassem,  mas  com  grande  animo  deo  elle  mesmo  a  ca- 
bota ao  tallio,  e  com  tal  conformidade  com  a  disposi^So  Divina,  e  com 
tao  Catholicos,  e  pios  actos  d'aqnella  bora,  que  todos  se  persuadirao, 
porque  aquelies  meios  o  tinha  Deos  predestinado;  e  à  boca  da  noite  foi 


iSO  HISTORIA  INSULANA 

a  enterrar  à  Misericordia  com  grande,  e  nobre  acompanhamonto.  E  depois 
£i-Rei  Filippo  fez  é  viava,  e  ao  fìllio  morgado  grandes  mercés  de  babitos, 
tencas,  etc. 

306  D*este  tragico  successo  tomou  o  dinbo  occasiao  (corno  costu- 
ma) para  metter  em  cebega  ao  povo  de  Angra,  que  o  fidaljro  morto  fo- 
ra persuadido  a  acclamar  a  el-Rei  Felippe  por  conselbo  dos  Padres  da 
Companbia  d'aquelle  Collegio,  por  saberem  todos  que  o  dito  fìdalgo  ti- 
nba  sido  em  mogo  menos  ajuslado.  e  tratado  so  de  cavallarìas,  corno 
('.apilao  de  cavallos  que  era,  e  depois  de  tratar  com  os  f'adres,  e  se  acoQ- 
selhar  com  elles,  se  ter  totalmente  mudado.  e  feilo  vida,  mais  de  Reli- 
gioso, que  de  Cavalleiro  leigo:  por  estes  fundaraenlos  impoz  o  povo  le- 
liierariamente  aos  Padres  que  erào  Jii  Tacgào  dei-Rei  Felip|)e,  e  oào  da 
dei-Rei  D.  Antonio,  e  a  este  Ih  o  escreverao  logo  assim:  e  ix)r  mais  que 
todos  OS  ditos  Padres  depuzerao,  e  jnrarao  o  contrario,  ainda  assim,  em 
quanto  nao  vinha  resolu^ao  d*el-Rei  D.  Anlonio,  confiscarào  as  rendas  do 
Collegio,  e  OS  bens  moveis  d'elle,  prohibirDo-lhes  dizer  Missa,  fecharao- 
llies  as  portas,  até  da  Igreja,  com  travessas.  e  Terrolhos,  e  as  janellas  Ibe 
taparao  de  pedra,  e  cai,  e  so  às  quartas  feiras  Ibes  deitavao  algum  co- 
rner, e  tudo  isto  se  fazia  por  roilitares  Francezes;  e  assim  estivorao  os 
Padres  entaipados  mais  de  bum  anno,  desde  Julbo  de  I08I  até  Julbo 
de  82. 

307  Tao  Talsa  temerìdade  demonstrou  0  Ceo  com  casos  maravilho- 
sos;  porque  cbegando  bum  zeloso  a  afrontar  de  palavra  com  graves  con- 
tumelias  ao  Padre  Reitor  do  Collegio,  em  voltando  para  sua  casaselhe 
poz  a  bocca  é  orelba,  e  esteve  muito  tempo  sem  poder  fallar  com  gra- 
vissimo accidente,  e  depois  desterrado  por  el-Rei  Felippe  acabou  mal  em 
terras  alheas:  outro  indo  governando  buma  soldailesca  de  mosquetaria, 
e  vendo  a  bum  Padre  do  Collegio  poz  a  pontaria  n  elle  com  bum  arca- 
buz,  e  0  Religioso  se  escondeo,  porém  outro  disparando-lhe  bum  tiro, 
a  si  proprio  se  tirou  bum  de  seus  olbos.  E  outros  similbantes  casos  sue- 
cederao,  quando  depois  os  Padres  forào  mandados  embarcar,  e  a  rapa- 
zia  Ibes  atirava  pedradas,  e  com  apupadas  Ibes  diziuo  miiitas  contume- 
lias,  0  que  tudo  deixo;  porque  assim  corno  permìttio  Deos  que  aquelle 
iidalgo  Jo3o  de  Betencor  se  persuadisse  fazer  grande  servilo  a  Deos  em 
acclamar  Rei  a  Felippe  li  para  por  este  occulto  Divino  jnizo  salvar  ao 
fìdalgo:  assim  tambem  permittio  que  se  levantnsse  tal  aleive  àquelles  Re- 
Iigi:)Sos,  para  os  provar  mais  na  paciencìa,  e  Ib'a  apremiar  depois. 


Liv.  VI  GAP.  xxvni  IfJl 

308  Chegndo  de  S3o  Miguel  El-Rei  D.  Antonio  a  liha  Tercoira  em 
«  firn  de  Juiho  do  anno  de  1682,  mandou  logo  desentaipar  os  Padres, 
e  depois  de  oiilras  resolucoes  tomadas,  e  nao  exerutadas,  mal  inforina- 
do  manduii  metter  os  Padres  em  diias  nàos  grandes  com  outrn  gente,  e 
leval-os  todos  a  Inglaterra,  a  cinco  em  cada  nào,  por  serem  os  Padres 
<ì»^7.  A  n-^o  em  que  Illa  o  Padre  Reitor  do  Collegio  Estevào  Dias,  e  o  Pa- 
«Ire  André  (ìonfalves  Lente  de  casos,  chegou  ao  porìo  de  Antona  em  In- 
fr!al(»rra,  e  forào  recolliidos,  e  curados  pelo  Embaixador  de  Castella  D. 
l^emardino  de  Mendo^a;  e  o  Padre  André  Gongiilves  morreo  em  Londres 
di»s  trahaihos  padecidos,  e  nào  so  com  todos  os  Sacramenlos.  mas  com 
iMorfe  exemplar  de  grande  Ueligioso:  os  outros  Padres  da  mesina  nào 
virrào  de  Inglaterra  a  Lisboa,  aonde  depois  morreo  tambem  o  Padre  Rei- 
tor Estevao  Dias.  Na  oiilra  nào  hiào  os  outros  cinco  Padres,  de  que  era 
Sii|>erior  o  Padre  Pedro  Freire,  e  jà  junto  a  Inglalerra  forào  bildeado  s 
CMu  diias  Urcas,  e  lan^ados  no  Reino  do  Algarve,  d'onde  passarlo  a  Lis- 
iMia.  0  (Collegio  de  Angra,  e  todo  o  scu  movel  deo  o  mesiiio  Rei  D.  An- 
tonif»  a  outros  Religiosos,  que  comsigo  trazia,  e  nos  aposentos  do  (Col- 
legio se  fez  pouco  depois  enfermaria  de  Francezes,  e  Armazem  de  mu- 
iiif;5es  db  guerra.  Està  he  a  substancia  das  ditas  duas  Iragedias,  que  o 
Doulor  Frucluoso  traz  mais  largamente,  em  diversa  parte,  no  seu  iiv.  6, 
t:ap.  IC,  17,  e  18. 

CAPITULO  XXVIII 

Da  chegada,  recebimento,  e  assistencia  do  Senhor  D.  Antonio 
uà  Itha  Terceira,  e  de  sua  parlida  para  Franca. 

309  Deixando  (comò  jà  vimos)  el-Rei  D.  Antonio  sua  Armada  de- 
fronte de  Sào  Miguel  para  dar  batalha  à  Armada  de  Castella,  se  recolheo 
à  Uba  Terceira  em  26  de  JuIho  do  anno  de  1582,  e  enlrou  no  porto  da 
Villa  de  Sao  Sebastiao,  acompanhado  de  mil  homens  de  pé,  e  de  caval- 
lo: e  recusando  o  recebimento  solemne  que  logo  a  Villa  Ihe  queria  fazert 
e  ouvindo  Mìssa  na  sua  Matriz,  se  foi  por  terra  com  a  dita  sua  guarda 
para  a  Cidade  de  Angra,  duas  legoas  distante,  e  parou  antes  da  Cidade 
em  bum  posto,  a  que  chamavao  o  Ajuntamento,  por  virem  alli  jà  beijar- 
llie  a  mào  os  da  Cidade,  e  ebegando  em  primeiro  lugar  o  Governador 
Cypriano  de  Pigueiredo,  o  Rei  o  abracou,  e  o  poz  à  sua  mao  direila,  e 
ao  Conde  de  Torres  Vedras  Manoei  da  Silva  o  poz  à  esquerda;  e  de  ca- 


IS2  HISTORIA  INSULANA 

da'hum  que  hìa  chegando  pergnntava  que  horoem  era  o  qoe  vinha:  e  se 
0  dito  Figueiredo  respondia  que  se  chamava  N.  e  N.  e  era  muilo  do  ser- 
vilo de  S.  Magestade,  o  Rei  o  recebia  com  muito  bom  agrado  e  bene- 
volencia:  mas  nao  conseotìa  que  alguni  o  abracasse,  nera  ainda  pelos  pés, 
0  S()  Ihe  langava  o  braco  pelo  pescoQo:  se  poréra  de  algnm  dizia  o  Fi- 
gueiredo, qne  era  bomem  multo  rìco.  mas  que  Ihe  nSo  sabia  o  nome,  o 
Rei  lego  0  mandava  retirar,  e  o  nao  recebia;  e  assira  fez  (diz  Fractuo- 
so)  a  hura  grande,  e  rauìto  rico  fidalgo,  chamado  Rui  Dias  de  Sao  Paio, 
a  qnem  nao  adraittio,  e  mandou  para  traz,  sendo  que  a  dous  negros  do 
fidalgo,  por  se  Ihe  dizer  que  erao  seus  servidores,  o  Rei  os  abracou,  e 
Ihes  fez  a  honra,  que  nao  fez  ao  senhor  dos  escravos;  e  d'està  distinccào 
usou  com  todos  os  mais. 

310  Chegou  logo  loda  a  milicia  da  Ordenan^a  da  Cidade,  e  raais  Vil- 
las  da  Ilha,  e  a  gente  de  guerra  paga,  e  a  todos  raostrou  grande  bene- 
volencia,  e  chegando  com  elles  jnnlo  às  portas  da  Cidade,  que  chamao 
de  Sao  Bento,  alli  na  Parochial  do  Santo  Ihe  sahio  o  Senado  a  recebel-o 
c^m  magnifica,  e  Real  solemnidade,  e  alli  Ihe  fez  a  falla  bum  Religioso 
chamado  Frei  Antonio  Merens,  qne  jà  tinha  ido,  e  rindo  de  Franga  com 
avisos  da  Ilha,  e  do  Rei  era  jà  bera  conherJdo,  e  era  filho  da  mcsma  Ci- 
dade, e  de  buina  das  familias  mais  nobres  d'ella;  e  o  Rei  com  poucas 
palavras,  mas  com  muito  agrado  aceitou  a  falla,  e  entrando  logo  na  Cida- 
de, se  foi  recolher  no  Convento  de  S3o  Francisco,  e  pela  c^rca  dos  Fra- 
des  se  passou  no  dia  seguinte  para  os  Pacos  do  Capitao  Donatario  ria 
IHia,  que  eslavSo  regiamente  preparados,  e  oito  dias  esteve  rec^lhido  sem 
sahir  de  casa,  era  sìnal  de  lucto  pela  morte  do  Conde  de  Viraioso,  seo 
parente,  e  de  seu  General  da  Àrraada  o  Conde  Estrosse. 

3H  Passados  os  oito  dias  de  lucto,  sahio  o  Rei  com  muitos  senho- 
res  a  cavallo,  e  todas  suas  familias  diante,  e  foi  visitar  a  D.  Violante  do 
Canto  e  Silva,  filha  unica,  e  morgada  d'aquelle  grande  fidalgo  Jo3o  da 
Silva  do  Canto,  de  quem  jé  fallamos  lai^araente;  e  tendo  ficado  està  se- 
nhora  de  seus  jà  defuntos  pais  cora  mais  de  cera  rail  cruzados  de  sen, 
tudo  era  pouco  para  gastar  era  servìfo  do  dito  Rei,  e  assira  Ihe  tinha  es- 
ento, e  oflerecido  por  vezes,  e  o  mesmo  Rei  por  carlas  suas  Ih'o  tinha 
agmdecido.  Em  tao  Regia  visita  se  houve  a  dita  fidalga  com  tal  come- 
dìmento,  prudencia,  e  grandeza,  que  aos  que  assistilo  parecia  hnma  so- 
berana  Rainha,  e  n3o  cessava  de  ofFerecer  toda  sua  riqueza  ao  servilo  do 
Rei,  e  pedir-lhe  instantemaite  a  acceitasse,  e  dlspuzesse  de  toda;  o  Rei 


Liv.  VI  GAP.  xxvni  133 

porem  agradecendo-lhe  o  muito  qne  ella  o  tinha  sen'ido,  accresconlou, 
qoe  por  mercé  de  Deos  nao  necessitava  de  suas  riquezns,  e  so  dcsejava 
fazer-lhe  muitas  merc^s,  e  huma  grande  senhora  em  seu  Beino,  o  (ìcar 
sendo  seu  pai,  visto  o  nao  tinha  jà,  e  com  isto  se  sahio  o  Rei  desta  vi- 
sita. 

312  Sahindo  d'aqni  el-Rei  foi  ver  a  Alfandega,  e  a  Armada,  qiie  es- 
tava no  porto,  e  correo  as  ruas  da  Cidade  que  estavào  ricainenlo  arma- 
das,  levando  comsigo  sempre  a  sua  guarda  de  quinhentos  Archciros,  e 
Mosqueteiros,  e  se  recolheo  ao  seu  pafo,  e  ao  oulro  dia  (scm  se  saber 
que  saliia)  foi  com  o  Governador,  e  o  Conde,  e  pouco  mais,  a  N.  Senho- 
ra dos  Remedios,  Ermida  fundada  por  Antonio  Pires  do  Canto,  tio  pa- 
terno da  sobredita  D.  Violante  do  Canto,  e  ouvida  alli  Missa,  foi  visitar 
0  Convento  da  Esperanfa,  de  Freiras  Franciscanas,  e  de  muito  servilo 
do  Rei,  e  tornando  para  o  seu  Paco  nao  sahio  mais  d'elle  nos  dozo  dias 
seguiates,  com  o  sentimento  da  batalha  perdida  defronte  de  S.  Miguel. 
E  porque  so  a  Cidade  de  Angra  he  comò  a  cabeca  de  todas  as  IJlias,  (diz 
Fruttuoso  liv.  6  cap.  22)  sahio  entào  a  visitar  a  liha  toda,  e  todas  suas 
Fortalezas. 

313  Em  primeiro  lugar  foi  visitar  a  Villa  de  Sao  Sebastiao,  por  ser 
a  primeira  Villa  que  houve  n  aquella  liha,  e  em  especial  o  posto  aonde 
tinha  vencido,  e  morto  a  tantos  Castelhanos,  e  da  nobreza  da  Villa  (que 
tinha  multa)  foi  magnificamente  recebido;  d'ahi  foi  adiante  huma  legoa 
à  Villa  (la  Praia,  que  he  povo  muito  maior,  e  de  multa  mais  nobreza, 
que  0  veio  esperar  muito  fora  da  Villa;  e  o  Senado  da  Camera,  e  Cle- 
resia  o  recebeo  à  porla  do  muro  da  Villa,  e  tendo-lhe  preparado  nella 
Regio  aposento,  nùo  quiz  o  Rei  ir  para  elle,  e  se  foi  hospedar  em  S. 
Francisco,  aonde  passou  a  noite  com  a  sua  Real  guarda  ao  redor  do  Con- 
vento; e  de  manha  ouvida  Missa  correo  as  ruas  da  Villa,  que  todas  esta- 
v3o  armadas  de  ricas  sedas,  e  visìtou  as  Freiras  de  Jesus,  e  logo  ns  do 
Convento  das  Chagas,  e  depois  as^do  Convento  da  Luz;  e  em  todos  es- 
tes  CoDventos  achou  muitas  Religiosas  de  grande  qualidade,  o  grandes 
ten^as;  e  a  tres  naturaes  de  Lisboa,  filhas  de  Pedro  Ponce  de  Leào,  Vea- 
dor  mór  da  Rainha  D.  Catharina,  mulher  d'el-Rei  D.  Joao  III.  porém  cm 
bum  d'estes  nao  consentio  the  apparecessem  diante  oito  Religiosas>  que 
sabia  serem  da  fac^ào  de  Castella. 

314  D'aqui  se  vollou  para  a  Cidade,  tres  legoas,  na  qnal  em  che- 
gando  mandou  dobrar  o  valor  à  moeda,  com  so  Ihe  poi*em  huma  cor  nas 


iS4  HISTORIA  INSULANA 

criizes.  Mas  lie  de  notar,  que  tendo  vindo  coni  nàos  suas.  e  acompanha- 
do  ao  mesmo  liei  D.  Antonio,  hum  rico  Castelliano  chamado  Duarte  de 
Castro,  Gomtndo  trazia  ordida  comsigo  hirma  treicào  para  matar,  cu  le- 
var prezo  a  Cnstella  ao  dito  Rei  com  quein  vinlia:  e  Uuin  capitao  Fran- 
cez,  chamado  Carlos,  reparoii  nesta  treicào,  ({ue  o  Castelhano  queria 
executar  em  An^^ra,  e  descubrindo-a  logo,  foi  prezo  o  Duarte  de  Castro, 
e  por  mais  diligencias  qne  se  fizerao,  nunca  se  pode  saber  de  algam  ou- 
tro  cumplice  de  lai  treigào  que  houvesse  na  dita  liha  Terceira;  e  assim 
so  0  dito  iMmrte  foi  prezo,  sent(;nciado,  e  degollado  no  pelourinho  de 
Angra,  e  os  bens  que  tinha,  forào  conlìscados  para  a  Coroa. 

315  Chegados  os  15  de  Oulubro  de  1382  foi  o  Rei  D.  Antonio  co«- 
fessai-se,  e  commuugar  a  S.  I^Yancisco,  e  dalli  a  despedir-se  de  No^sa 
Senliora  da  Couceìg.^o,  Igreja  que  novamente  se  fazìa  entào,  e  Ihe  deo  de 
esmola  qiiinhenfos  cruza.los  para  se  acabar,  e  d  ahi  tornou  a  visitar  a 
1).  Violante  do  Canio  e  Silva,  e  ao  Convento  de  Freiras  da  Esper^t***!  ^ 
tornando  logo  oilocenlos  liomens  das  Ilhas,  e  oilenla  mais  dps  nobres 
que  mal  o  tinliào  servido,  e  tornando  mais  comsigo  todos  os  Frana*zes 
que  trouxera,  de  repente  se  embarcou  eui  huma  Armada  de  quarenta 
Vflas:  mas  logo  Ihe  sobreveio  tal  tormenta,  e  tempestade,  que  desgar- 
rando-se  muilos  navios,  huns  forao  dar  em  Lisboa,  outros  em  Franga,  e 
oi.tros  em  In^^lalirra:  e  so  com  vinte  nàos  se  tornou  o  Rei  a  recolherà 
liha  Terceira  em  o  lim  de  Oiitubro:  e  enlao  deixando  em  Angra  os  oi" 
toientos  homens  que  levava  das  Ilhas,  e  tornando  a  levar  comsigo  os 
outros  oitenta,  que  Ihe  tinhao  delatado  de  ir.confìdenìes,  se  embarcou 
segunda  vez  com  vinte  e  nove  velas  no  firn  de  Noveuìbro:  e  dos  oiteota 
delatados  morrerào  por  là  trinta  e  sete  de  suas  doengas,  e  contra  osou- 
tros  se  nfio  procedeo:  e  o  dito  Rèi  D.  Antonio  foi  bem  recebido  em 
Franca:  e  mandon  logo  à  Tarceira  a  Monsieur  Lanxara  com  mil  e  qui- 
lihentos  homens  de  guerra,  municóes  e  artelharia,  e  oitenta  fidalgos  Frao- 
cezes. 

316  A  este  Senhor  D.  Antonio  chamamos  algumas  vezes  Rei,  mas 
nao,  senao  depois  de  acclamado  em  Lisboa,  Porto,  Aveiro,  Santarelli. 
Cetuval,  e  no  melhor  de  Portugal;  e  nas  nove  Ilhas  Terceiras,  que  coos- 
tituem  hum  bom,  e  grande  Reino,  aonde  rdi)  tumultuariamente,  (coma 
alguns  disserao)  mas  com  toda  a  solemnìdade  foi  acclamado,  e  sasteota- 
do  Rei,  comò  unica  varonia  do  Senhor  Rei  D.  .Manoel.  Que  desceoden- 
da  Qcasse deste  Senhor D.  Aatonio ?  Muìlus  dizem»  que casoa em OUuda 


UV.  VI  GAP.  XXIX  455 

com  a  Princesa  Emilia  de  Nassào,  filha  de  Guilhelme  Principe  de  Oran- 
je,  e  da  Princesa  Anna  de  Saxonia,  fìlha  unica  do  Eleitor  Dii<|ue  de  Sa- 
xonla  :  e  qiie  do  tal  matrimonio  nasceo  l>.  Luis  de  Portugnl,  (a  qnem 
Felippe  IV  por  servifos  feitos  em  Flandres  fez  Maniuez  de  Trancoso:) 
casou  este  6.  Luis  com  D.  Anna  Maria  Capechi  Galiola,  filha  de  Joàa 
Baptista  Capechi,  e  de  D.  Diana  de  Spineto,  Principes  de  Monte  Leào 
em  Napoies;  e  dos  taes  bisnetos  do  Senhor  D.  Antonio  nascerao  D.  Ma- 
n<>el  Eugenio  de  Portugal.  e  D.  Fernando  Alexandre,  que  no  sìtio  de 
Recroi  foi  famoso,  e  fello  Conde  de  Sindiin,  Villa  em  Porlugal;  e  a  hum 
d'estes  dous  irmaos  mandou  El-Kei  D.  Joào  IV  assistir  na  Dieta  deMuns- 
ter.  Isto  0  que  se  diz,  Fides  sU  penes  Aulhores. 

CAPITOLO  XXIX 

Da  ultima  Armada^  e  hatalha,  que  Castella  deo  à  llha  Terceira, 

e  a  rendeo, 

317  Depois  de  vencida  a  balaiha,  e  llha  de  Suo  Miguel  em  26  de 
Jullio  de  1582,  e  depois  de  vir  o  Marquez  de  Santa  Cruz  com  maior  po- 
der,  e  duas  Armadas  juntas  sobre  a  llha  Terceira  no  fhn  de  Agosto,  e 
Dio  podendo  lancar  gente  em  a  llha  pela  muita,  e  grossa  artelharia  com 
que  de  loda  a  parte  o  rebateo,  e  voltando  a  Lisboa  no  principio  deSep- 
tembro,  quasi  bum  anno  em  Portugal,  e  em  toda  Castella  se  gastou  em 
preparar  nova  e  maior  Armada,  e  muita  mais  gente  de  guerra,  para  a 
fatai  conquista  da  Terceira,  até  que  em  23  de  Juiho  de  i583  partio  de 
Lisboa  0  dito  Marquez  de  Santa  Cruz  com  huma  Armada  de  noventa  e 
sete  velas,  nas  quaes  vinhao  cinco  Galeoes,  trinta  nàos  grandes.  e  gros- 
sas,  doze  galés,  e  duas  galeagas,  quinze  zabras,  doze  pataxos,  quatorze 
caravelas,  e  sete  barcas  grandes  ;  e  soidados  infantes  vinh3o  nove  mil 
Castelhanos,  AlemSes,  Italianos,  e  Portuguezes;  e  de  mais  quasi  quatro 
mil  bomens  de  mar»  e  cincoenta  fìdalgos  conbecidos:  e  de  toda  està  Ar- 
mada era  o  General  o  dito  Marquez  de  Santa  Cruz:  dos  Alemàes  era  seu 
Cabo  bum  Conde  D.  Hieronymo  do  Lodrom,  dqs  Italianos  Luis  de  Pi- 
nliateli  ;  dos  mais  er3o  Mestres  de  Campo,  D.  Lopo  de  Figueiroa,  D. 
Francisco  de  Bovadilba,  D.  Joào  de  Sandoval,  D.  Feliz  de  Aragao,  e 
muitos  outros. 

318  Com  tao  grande  Armada,  e  tanta  gente  de  guerra  se  animoa 


136  HISTORIA  INSULANÀ 

o  Mnrqnez  a  voltar  jà  sobre  a  Ilha  Terceira,  e  vindo  aìnda  pela  de  Sao 
Miguel,  qne  jà  se  tìnha  passado  a  Castella,  e  mais  da  dita  Ilha  al^»ma 
gente,  chegou  A  Tcrreira  em  24  de  Julho  de  1583,  e  se  poz  sobre  a 
praia  da  Villa  de  Sào  Si^basliào  as  nove  lioras  do  dia,  e  sondo  logo  re- 
balido  de  milita,  e  grossa  artelharia,  qne  em  varios  Fortes  tinha  alli  a 
Ilha,  mandou  entào  o  Marqnez  holalim  com  perdào  de  vidas,  e  fazendas» 
e  de  dar  navios  aos  eslrangciros  para  se  emharcarem,  e  sahirem  com 
snas  armas,  bandeiras,  e  tamhores  :  e  a  reposta  unica  foi  milita  artelha- 
ria sobre  a  Armada.  Vendo  isto  o  Marquez  comegou  logo  com  toda  a 
Armada  dividida  a  fazer  continuos  acometimentos  por  muitos,  e  mai  di- 
versos  póstos  da  Ilha,  a  firn  de  dividir,  e  ransar  a  gente  d'ella;  e  ulti- 
mamente pnr  huma  enseada,  aonde  chamavao  a  Casa  das  inós,  diias  le- 
goas  da  Cidade,  e  hnma  da  Villa  da  Praia,  commetteo  a  terra  o  Marqnez 
com  as  galés,  e  barcas  grandes,  e  com  morte  de  muitos,  pelos  rcpetidos 
tiros  dos  Fortes  da  terra,  poz  n'ella  emlim  quatro  mil,  e  quinhentos  ho- 
mens  de  guerra,  e  alraz  d'elles  multa  mais  gente,  e  formou  exercito  em 
terra  com  seis  pefas  de  campanha,  e  enveslindo  logo  à  escala  os  Fortes 
que  alli  havia,  a  hum  so  rendeo,  e  acabou  de  formar  o  seu  exercito,  com 
muitas  mais  mortos  suas. 

319  Feito  isto  em  hnma  ter^a  feira  20  de  Julho  de  1583,  sahìrao 
OS  da  Ilha  com  exercito  Tormado  de  nove  mil  homens  de  guerra,  e  cito 
pefas  de  campanha,  dos  quaos  erào  mil  e  quinhentos  Francezes,  a  qud 
governava  Monsieur  de  Xatres,  primo  irmao  do  Duque  de  IJl.  N.  cunhado 
dei-Rei  de  Franga:  e  lodo  o  mais  dia  até  a  noite  esliverao  sempre  pele- 
jando  as  vanguardas  de  ambos  os  exercitos  com  perda,  e  mortandade 
igual  de  parte  a  parte.  Mettida  a  noite,  e  vendo  bem  o  Marqnez  o  pe- 
rigo  que  havia,  tornou  a  mandar  bolatim,  oiTerecendo  ainda  os  mesmos 
partidos  que  de  antes  tinha  olTerecido:  e  nSo  fazendo  d'isso  caso  algura 
o  exercito  da  Ilha,  se  prepararlo  ambos  para  a  bataiha  do  dia  segaìnte. 

320  N'este  dia,  quarta  feirà  27  de  Julho,  tendo  o  exercito  da  Ilha 
fello  vir  mil  vacas,  e  levando-as  na  vanguarda,  commetteo  logo,  e  pri- 
meiro  ao  exercito  inimigo:  porém  este  abrindo-se,  e  dando  higaràs  vac- 
cas,  e  tornando-se  logo  a  fechar,  se  travou  tal  bataiha  entre  ambos,  qne 
depois  de  muitas  horas  d'ella,  e  de  grande  mortandade  de  parte  a  parie 
foi  ganhada  a  artelharia  do  exercito  da  Ilha,  e  tao  carrcgado  este  com 
ella,  que  primeiro  que  todos  se  puzerào  em  fiigida  os  Francezes.  e  Ingo 
o  Conde  Manoel  da  Silva  com  oulros  Inglezes;  e  flcando  sós  os  Porlu- 


i 


LIV.  YI  CAP.  XXIX  ÌSt 

giiezos  ila  lilla,  morto  o  seii  General,  e  sohrinlio  do  dito  Condc,  se  reli-^ 
rarao  eiUào  os  Portuinuv.es  a  [\}v  cobro  ein  siias  casas,  e  lìcoii  desi^m- 
parada  a  Villa  de  Sao  Sebaitìào,  entro  a  cjual,  e  o  mar  se  linlia  dado  a 
batalha. 

oìl  Lcmbrados  os  Castelhanos  dos  milito^  qne  n'nqiiella  Villa  Ihes 
linhao  morta,  nao  acharido  jà  gente  n'ella,  se  vinfjarào  em  saqucal'a 
cruelmenle,  mas  com  amhicHo  maior  do  snco  da  Cidade  formados  nutra 
vez  com  seu  exercito,  marcliarào  para  a  Cidade,  e  enlrando-a  sem  re- 
sistencia,  por  jà  delia  se  ter  aiisentado  a  gente  para  o  sertào  da  liha, 
derao  saco  à  Cidade  por  tres  dias;  primeiro  os  soldados,  logo  os  mari- 
nheìros,  e  ultimamente  aie  os  Turcos,  e  cnnaiha  qiie  vinlia  nas  galés,  e 
esles  ató  os  ferrolhos  das  portas  arrancavao,  nao  arcando  jà  mais  que 
levar,  por  ludo  os  moradores  terem  relirado  comsigo  para  os  montes. 
No  porlo  de  Àngra  acharào  ainda,  e  tomarào  quinze  navios,  qnatro  Ga- 
leoes,  cinco  caravelas,  e  outros  baixeis,  e  noventa  e  Imma  pecas  de 
bronze,  e  ferro,  no  Castello  de  Sao  Sebastiao  sete  pefas  ainda  de  bron- 
za, e  oito  de  ferro,  e  por  todas  dos  Fortes  da  terra  trezentas  e  buma 
pecas  de  bronze,  e  ferro.  Mandou  enlào  o  MiH-quez  langar  bando  |)ela 
Uba,  que  a  todos  os  naturaes  se  perdoava  a  morte,  que  podiao  vir  viver 
a  suas  casas,  e  governar  suas  fazendas  ;  porém  vindo  alguns  pouco  a 
pouco,  0  Auditor  geral  de  guerra  hiai  procedendo,  e  prendendo  aos  que 
tioha  por  culpados. 

322  Os  Trancezes  e  mais  estrangeiros,  que  tinham  fugido  da  bata^ 

Iha;  e  o  Conde  de  Torres  Vedras,  em  lugar  de  se  recolherem  a  Cidade, 

e  se  fortificarem  n'elia  em  algum  Castello,  ou  posto  bom,  com  tanta  ar- 

telharia  corno  a  Cidade  tinlia,  forào-se  metter  no  Sertam  da  Agualvay 

de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,   e  no  posto  dos  nnoinhps  se  fizerào 

fortes  até  tres  de  Agosto  do  mesmo  anno,  em  que  se  entregarao,  lar* 

gando  todas  as  armas,  excepto  a  espada;  mas  Ingo  foi  apanhadò^  e  prezo 

o  sobredito  Conde  Manuel  da  Sìha,  cujo  firn  veremos  logo;  e  de  tudo 

atéqui  be  testimunba  d'aquelle  tempo  o  Doutor  Fructuoso  liv.  6,  até  o 

cap.  7. 

323  Porém  a  maior  verdtade  be,  (conforme  a  outraRela^^ao  de  qnem, 
testimunba  de  vista,  ba  mais  de  130  annos  o  deixou  assim  escrito)  a 
verdade  be  que  o  dito  Conde  de  Torres  Vedras,  Manuel  da  Silva,  nao 
so  foi  a  causa  dos  maiores  tumultos,  e  desgostos  da  Uba  Terceìra,  ])or 
CGcaodo  com  o  absoiuto  governo  d'olla)  nào  tornar  couselbo  coai  pessoa 


158  HISTORtA  INStLANA 

algiiraa,  e  so  se  governar  por  sua  cabe^a,  iratando-se  corno  Rei  em  tndo, 
e  mandando  por  hum  Manuel  Serradas  Camello  (da  Ilha  da  Madeira) 
com  Armada  de  dez  vplas,  do  Portngtiezes.  Inglezes  e  Francezes  dentro, 
a  tornar  es  navios  que  enconlrassem  de  Castella;  e  a  reduzir,  cu  sa- 
quear  a  Ilha  de  Cabo  Verde,  corno  com  effeito  fizerao  e  saquearam,  e 
Irouxeram  ludo  ao  Conde  é  Terceira,  e  este  n'ella,  por  meio  de  hum 
Amador  Vieira,  de  fora  da  Ilha,  prender  a  muitos  moradores  d'ella,  e 
OS  por  a  crucis  tormenlos,  e  querel-os  dar  a  hum  Cidadio  mui  nobre, 
e  muito  veiho,  por  nome  Alvaro  Pereira,  e  consentir  a  setecenlos  Fran- 
cezes, e  Inglezes  qne  tinha  em  Angra,  e  a  mi!  e  trezentos  Francezes 
que  vierao  de  mais  em  Junho  de  i583  consentir-lhes  inexplicaveis  rou- 
bos,  insolencias,  e  uiotins  uà  terra,  com  que  a  Cidade  se  vigiava,  e  tra- 
zìa  sempre  grandes  contendas  coutra  todos  elles;  e  em  nada  o  Conde 
im|)edia  aos  estnmgeiros.  Nào  so  pois  era  tiio  grande  a  insolencia  do  Conde, 
mas  retata  a  citada  [teia^ao  cop.  81  que  elle  foi  a  causa  toda  de  ser  ren- 
dida  està  (Iha  por  Castella,  e  foi  elle  e  nao  ella,  o  que  a  entregou.  Por- 
que  primeiramente  tendo  aviso  do  grande  poder  que  vinha  de  Castella, 
foi  se  à  Villa  da  Praia,  e  assistindo  elle  a  obra,  fez  huma  caravela  tSo 
perieita,  com  tal  arte,  e  t3o  ligeira  dizendo  ser  para  avisos  repentinos, 
que  iogo  houve  quem  disse,  que  era  para  elle  fugir,  e  deixar  a  Uba  ao 
ìnimigo,  e  sabendo-o  elle  mandou  adontar  ao  pobre  homem,  ecom  huma 
mordala  na  boca  pregar-lhe  huma  mào  no  pelourinho,  onde  esteve 
duas  horas  ;  mas  o  certo  he,  que  chegando  ao  dito  Conde  cartas  d'el- 
Rei  de  Castella  pap  o  dito  Rei  D.  Antonio  seu  primo,  em  que  Ihe  off&- 
recia  bons  partidos,  o  Conde  as  guardou  comsigo,  abrindo-as,  e  tendo* 
as,  e  nao  as  mandando  a  quem  viuhao;  e  tendo  por  vezes  cartas  do  che* 
gado  Marquez  de  Santa  Cruz,  com  partidos  excellentes  para  elle,  e  para 
a  Ilha,  nem  desta  deo  parte  ;  e  eslando  ju  em  t^rra  o  inimigo  con 
quasi  quatorze  mil  homens,  (diz  est'outra  Relacao)  e  os  nossos  jà  de- 
fronte d'elle  com  quasi  nove  mil,  e  quatrocentos  de  cavallo,  equereodo 
por  duas  vezes  dar  bataiha  ao  inimigo,  o  Conde  os  impedio,  até  qoe 
chegou  a  noite,  e  ent3o  o  mesmo  Conde  ordenou  secretamentc  a  Fran- 
cezes, e  Inglezes  que  fugissem,  e  prìmeiro  que  todos  o  fez  elle,  dei- 
xando  os  Portuguezes,  os  quaes  vendo  a  treic3o  do  Conde,  e  estrangei- 
ros,  e  muitos  dos  Portuguezes  mortos,  e  morto  seu  General,  retirando- 
se  forào  recolher  a  riqueza  de  suas  casas;  e  ficou  vencedor  o  Castelliano, 
fiao  tanto  do  Portuguez  e  Ilha,  quanto  do  inflel  Conde,  e  seus  estrao- 


LIV.  VI  CAP.  XXX  159 

geìros,  qne  erao  quasi  tres  mil;  mas  o  Conde  o  pagon  na  mesma  Ilha 
com  a  cabefa,  qne  nem  Ihe  deixarao  ir  a  caravela  que  tinha  preparada 
para  fugir  n'ella.  Atéqui  a  dita  Relacao,  o  mais  veremos  logo. 

CAPITOLO  XXX 

Do  mais  que  succedeo  em  a  Terceira,  e  Ilhas  annexas;  e  da  ida  a  Castella 
e  Portngalf  e  casamento  de  D,  Violante  do  Canto  e  Silm. 

324  Conquislada  a  Terceira  pelo  Marquez  de  Santa  Cruz,  mandou 
este  logo  a  D.  Pedro  de  Toledo,  Marquez  de  Villa  Franca,  e  Ouque  de 
Femaodina,  a  reduzir  a  Ilha  do  Jaial  ;  para  o  qne  liie  deo  doze  galés, 
qnatro  pataxos«  dezaseis  pinassas,  e  oiitras  barcas  gtandes;  e  com  D. 
Pedro  de  Tole&o  hiam  mais  aiguns  homens  da  Illia  de  S.  Miguel,  corno 
Manoel  Cordeiro  de  S.  Paio,  Cavalleiro  do  habito  de  Christo,  e  Juiz  do 
mar  e  outros,  e  mil  e  quinhentos  homens  de  guerra:  chegada  està  Ar- 
mada  a  Ilha  do  Pico,  sahio  logo  d'ella  o  seu  Capitao  mór,  e  juntamente 
Juiz  n'aquelle  auno,  e  o  seu  Escrivio  da  Camera,  e  em  bum  batel  forSo 
logo  render  obediencia  ao  Marquez,  e  a  Castella;  o  que  sabendo  a  gente 
da  tf^rra,  em  os  dous  voltando  os  mataram  logo;  e  a  mesma  obedien- 
cia reiìdco  tambem  a  Ilha  de  S.  Jorge.  Porém  corno  a  Ilha  do  Faìal  ti- 
nha presidio  Francez  de  quinhentos  soldados,  cujo  Càbo  era  o  CapitSo 
Carlos;  e  tinha  mais  militares  da  terra  govemados  por  bum  Antonio 
Guedes  de  Sousa,  por  isso 

325  Mandou  o  Marquez  ao  Faya!  hmn  Enviado  naturai  da  terra,  e 
da  prìncipal  nobreza  d'ella,  chamado  Gonfio  Pereira»  que  là  tinha  mu- 
Iher,  e  Olhos:  mas  o  sobredito  CapitSo  Guedes  em  ouviodo  a  embaixa- 
da,  deo  huma  bofetada  ao  Enviado,  e  o  matar3o  logo  is  estocadas  o 
Gaedes,  e  bum  Francez.  0  que  visto,  em  2  de  Agosto  déitou  o  Marquez 
gente  em  terra,  e  iovestindo  aos  que  Ihe  resisti3o,  os  Francezes,  com 
morte  ji  de  bum  cento  d'elles,  se  recolber3o  ao  seu  Castello.  Entregou- 
se  a  Uba,  tendo-se  jà  entr^ado  tambem  o  Francez,  deixando-lhes  so  sal- 
vas  as  vidas:  e  no  Castello,  e  oatros  póstos  da  Uba  sessanta  e  tantas  pe- 
{as  de  artelbarìa;  e  Bcou  por  Goveniador  d'ella  D.  Antonio  de  Portugal 
com  duzentos  soldados,  e  mantimenlos  para  quatorze  mezes;  e  nem  se 
saqueou  a  Villa,  nem  lugar  algum;  mas  foi  logo  enforcado  o  sobredito 
Anuinio  Guedes  de  Sousa,  e  se  voltou  o  Mirquez  D.  Pedro  de  Toledo 
com  a  sua  Armada,  e  chegou  à  liba  Terceira  aos  8  de  Agosto. 


160  HfSTORIA  INSULArtA 

32G  Além  do  sobredito  aecrescenta  a  outra  BelctgSo,  qoe  na  TIha 
Terceira  eslava  entào  por  Capilào  mór  hurn  Gonzalo  Pereira,  rauito  no 
hre,  e  do  habilo  de  Chrislo,  naturai  da  Illia  do  Fayal;  e  que  estavào  mais 
Gaspar  Goncalves  de  Ulra,  que  tinfia  sido  Ca|)it5o  mór  do  Favai,  e  IMc^), 
e  seu  irmào  Estacio  de  Ulra,  liomens  fidalgos,  naluraes  tambem  do  Favai, 
e  parentes  da  multier  de  D.  Christovào  de  Moura,  Marquez  de  Castello 
Rodrigo;  a  cada  hurn  dos  quaes  deo  o  Conde  Manoel  da  Silva  a  halnto 
de  Chrisfo  corri  ceiu  mil  réis  de  tenga.  Aos  sobreditos  pois  Gongalo  Pe- 
reira, e  Gaspar  Gongalves  de  Ulra  deo  ^dito  Conde  Manoel  da  Silva  as 
galés,  caravelas,  e  Armada  aciina  diia  corn  seu  Capilào  ntór  posto  pelo 
dito  Conde.  Da  llha  do  Fayal  linba  enlào  o  governo  bum  bom  Sdalgo, 
cbamado  Antonio  Telles;  da  Uba  de  Sao  Jorge  bum  Joào  Velbo,  e  suc- 
cedendo no  aviso  enviado  ao  Pico  a  sobredita  morte  do^Goncalo  Perei- 
ra, langou  enlào  o  Capitào  mór  da  Armada  ires  mil  bomens  de  guerra 
na  Uba  do  Fayal,  e  a  rendeo  corno  acima  dissemos;  d  ao  dito  Capilào 
mór  do  Fayal.  por  ter  entrado  na  morte  do  sobredito  Gongalo  Pereira, 
se  Ibe  mandou  corlar  a  mào  direifa,  e  logo  o  enforcarào;  e  rendido  as- 
sim  0  Fayal,  logo  as  Itbas  de  Sao  Jorge,  Graciosa,  e  a  das  Flores,  e  Cor- 
vo se  renderào,  sem  mais  guerra  alguma. 

327  0  dito  Conde  Manoel  da  Silva,  quando  da  batalba  fugio,  e  fez 
fugir  todos  OS  estrangeiros,  logo  se  persuadio  que  qualquer  da  terra  co- 
nbecendo-o,  o  bavia  enlregar,  por  Ibes  ter  sido  traidor,  e  assim  se  ves- 
tio  logo  de  Caslelbano,  e  comò  soldado  ordinario  de  Castella  se  metteo 
entre  os  C-astelhanos  soldados  que  perguntavào  por  elle,  e  elle  os  aju- 
dava  a  perguntar,  e  assim  vinba  com  elles  para  a  Cidade,  determinan- 
do embarcar-se  na  Armada,  e  desconbecido  passar  n'ella,  até  d'ella  se 
livrar;  eis-que  encontrando  o  Capitào  d'estes  soldados  a  oulro  que  leva- 
va preza  Imma  mulata,  e  queixando-se  de  nào  poder  acbar  ao  Conde  que 
buscava  bavia  dias,  entào  a  mulata  ao  tal  Capitào  em  scredo  pergun- 
tou,  que  se  Ibe  darla,  se  desse  prezo  ao  Conde;  e  respondendo-lhe  o  Ca- 
pitào que  a  vida,  e  a  liberdade,  e  com  que  vivesse;  e  aceitando  a  mula- 
ta, e  indo  pegar  em  o  vestido  do  Conde,  disse  logo:  cPois  eis-aqui  o  Con- 
de Manoel  da  Silva.»  Pasmou  de  repente  o  Conde,  e  o  Capitào  com  lo- 
da a  cortesia  o  prendeo,  o  que  sabende  o  Marquez  de  Santa  Cruz  o  man- 
dou metter  prezo  em  buma  galeota,  e  alguns  dizem  que  Ihe  mandou  dar 
tormentos,  mas  nào  cons^u  que  se  Ibe  dessem,  porém  mandou  o  ])re- 
parai'  para  moner,  e  o  Coude  o  fez  pur  dous  dias,  e  duas  noites;  e  le- 


LiV.  VI  CAP.  XXX  161 

vado  ao  cadafalso  publico  da  praca,  confessou  ao*  Capit3o  que  o  prende- 
rà estas  palavras:  cO  Marqnez  tanto  desejou  de  me  prender,  eu  o  me- 
reco,  porque  elle  n3o  ganhou  a  Terceira,  en  lli'a  dei,  etc»,  e  logo  Ibe 
foi  de  hum  sd  golpe  de  espada  cortada  a  cabega  por  bum  algoz  Tudes- 
co,  e  foi  a  cabeca  posta  no  lugar  d'onde  entUo  tirarao  a  de  Belcbior  Af- 
foDSO,  para  por  a  do  Conde,  corno  este  mesmo  tinba  dito;  e  no  mesmo 
dia  foi  degollado  hum  Amador  Vieira,  e  em  terceiro  lugar  Manoel  Ser- 
ndas,  qoe  disse  morria  por  seu  Rei  D.  Antonio,  clamando  sem  se  des- 
diier,  com  pasmo  de  todos.  E  muitos  outros  for3o  cnforcados.  Atéqni  a 
tteiac3o  de  vista. 

328  Dos  castigos  que  o  General  Marquez  de  Santa  Cruz  exccutou 
em  Angra,  trata  Fructuoso  no  seu  liv.  5,  cap.  29,  30  e  31,  cuja  suhs- 
lancia  he:  Foi  iogo,  e  publicamente  queimada  toda  a  moeda  d'el-Rei  D. 
Antonio;  e  d'este  Rei  se  nSo  soube  mais  do  que  se  sabe  d'el-Rei  D.  Se- 
bastiaOt  nem  se  por  Franga  ficou  descendencia  sua  alguma.  0  Conde  de 
Torres  Vedras  Manoel  da  Silva  foi  degollado  na  praca  de  Angra,  e  sua 
cabeca  posta  no  mesmo  lugar  aonde  elle  tinha  mandado  por  a  de  hum 
Belcbior  AfFonso  Portuguez,  a  qucm  o  dito  Conde  tinha  degollado  por 
traidor  a  el-Rei  D.  Antonio,  e  se  conta  que  pedindo-lhe  a  mulher  do  di- 
to degollado,  que  Ibe  mandasse  tirar  d'aquelle  lugar  a  cabec-a  de  seu  ma- 
ndo para  Ihe  dar  sepultura,  respondera  o  Conde,  que  so  entuo  de  tal 
lugar  se  tiraria  aquella  cabe^a,  quando  no  mesmo  lugar  se  puzesse  a 
sua  d*eile  Conde;  e  por  Divinos  juizos  assim  succedeo.  Este  caso  com- 
tndo  applic3o  outros  à  cabeca  do  sobredito  fidajgo  ìoT\o  de  Bctencor  e 
Vasconcellos,  e  que  este  mesmo  quando  o  degollavao,  predisse  o  tal  suc- 
cesso, e  se  vio  depois  cumprido.  0  caso  he  certo,  o  sugeito  Deos  o 
sabe. 

329  Foi  degollado  hum  Manoel  Serradas,  naturai  da  Madeira,  e  Ca* 
pitSo  de  Armadas.  Enforcados  forao  Ayres  de  Porres,  Capitao  de  huma 
Ck)mpanhia,  Gonzalo  Pitta,  Capitào  da  Fortaleza  de  Sao  SebastiSo  de  An- 
gra,  e  Antonio  Metella,  Alferes  mór  da  Cidade,  e  o  Corregedor  d'ella 
Gaspar  de  Gamboa.  De  hum  Mathias  Dias,  chamado  de  alcunha  o  Pila- 
tos,  consta  que  na  Victoria  da  Villa  de  S3o  Sebastiào  contra  o  Governador 
Castelhano  D.  Pedro  Valdés,  depois  d'ella  acabada,  tirou  os  figadosahuni 
Castelhano,  e  assando-os  os  comeo,  e  depois  segabava  muito  d*esta  acfao» 
pelo  que  foi  enforcado,  e  depois  esquartejado.  ForSo  ultimamente  enfor- 
cados dezasete  Francezes,  e  onze  Portuguczes,  e  dous  dcgollados;  e  da 

VOL.  II  1 1 


ì&i  IIISTOIIIA  INSULANA 

{,'cnle  baixa  forao  alguils  poucos  acoutados,  e  outros  condemuados  a  ga- 
lés,  0  a  varios  Uej^'icdos.  Executado  isto  tudo  até  os  15  para  os  vinte  de 
Agosto  de  1583,  resolveo-so  o  Marqnez  de  Santa  Cruz  em  se  voltar  pa- 
ra Portugal,  e  Castella,  corno  vercmos.  Mas  porquc  resta  sal)ermo8  quo 
fui  Teito  d  aquella  ramosa  fidalga  D.  Violante  do  Canto  e  Silva»  de  quem 
por  vezes  jà  tratnmos,  e  de  seu  illustre  pai,  Joao  da  Silva  do  Canto»  e 
scus  grandes  avós  maternos,  bcm  he  que  agoi*a  o  digamos,  e  com  mais 
lirevidade  do  quo  o  Doutor  Fructuoso  cm  o  seu  liv.  6,  cap.  29  e  30. 

*i'M  Entre  as  ordens  Ueaes,  que  o  General  Marquez  de  Santa  Cruz 
Irazia  d*el-Rei  Felippe  II  hnma  multo  especial  era,  que  tomada  a  Illia 
Terccira,  tivesse  grande  cuidado  da  pessoa  de  D.  Violante  do  Canto  e 
Silva,  pois  so  ella  tinha  sustentado  na  liha  aos  Francezes,  e  Inglczes 
que  scguiao  a  cl-Kei  D.  Antonio;  e  assim  o  dito  General,  e  D.  Lopo  de 
Figueiroa,  tanto  que  entraram  em  Angra,  mandaram  lego  por  duas  com- 
panhias  de  soldados  a  porla  da  dita  fidalga,  para  que  nao  fosse  moles- 
tiida  por  algum,  e  sabendo  que  estava  ji  recolhida  em  bum  Convento, 
la  llìO  mandaram  por  as  ditas  duas  companliias  de  guarda;  e  logo  Ihe 
confìscaram  toda  sua  multa,  e  grande  riqueza  de  bcns  de  todo  o  genero 
e  so  de  grande  numero  de  criados,  e  escravos  que  tinha,  nao  prende- 
ram  alguns,  por  andarem  ja  todos  a  monte;  mas  mandou-lhe  dizer  o  Ge- 
neral, que  seu  Rei  Ihe  ordenava,  lira  levasse  a  Castella,  e  assim  que  se  ■ 
preparasse  para  se  embarcar.  Ouvindo  a  fidalga  està  ordem,  tao 
desta,  catholica,  discreta,  e  varonil  reposta  deo,  (oQerecendo-se  a  logi 
se  embarcar)  que  o  General  se  deo  por  obrigado  a  logo  a  ir  visitar»  e 
consolar;  e  fcito  isto  com  a  maior  decencia  possi vel. 

33i     Mandou  o  General  (azer  todos  os  gastos  necessarios,  e  prepa- 
rar logo  a  Capilaitia  de  Biscaia,  por  scr  nao  muito  grande,  e  o  seu  Cat- 
pitào  mór  Manuel  de  Azevedo  ser  homem  jà  vellio,  e  de  grande  capa- 
cidade;  mandou  mais  preparar-lhe  a  Camera  Iteal,  rica,  e  magnificamente 
e  nu  praìnha  de  Angra  huma  Iteal  barcassa  grande,  com  estrado  n  ella 
alcatirado  de  alcatifas  da  China,  cheias  de  almofadas  de  veludo,  e  outnis 
grandes  barcas  para  todas  as  criadas,  e  criados  da  fidalga.  Feita  està 
])reparacao  por  ordem  do  General  ìlarquez  de  Santa  Cruz,  saliio  do 
iMosteiro  a  fidalga  com  sete  mnlheres  graves  que  a  acompanliavao,  e 
duas  Donas,  e  cinC'O  Aias,  e  vinte  e  bum  criados,  entre  escudeiros,  pa- 
$;ens,  e  homcns  de  espoias;  e  ainda  nem  todos  seus  criados  a  acomi)a- 
iiharào,  por  andarem  ausonles  com  medo  de  pcgarem  dclles;  masaconi' 


LIV.  VI  GAP.  XXX  163 

pnntiarao  demaìs  varlos  fidalgos,  e  parentes  seus,  corno  Manoel  Borges 
da  Costa,  e  Vasconcellos,  Gongalo  Correa  de  Sousa,  Bràs  Dias  Redova- 
Iho  e  oatros;  o  a  dita  fidalga  hia  vestida  loda  de  baeta  negra,  e  suas 
Damas  e  Ayas,  vestidas  todas  de  roxo. 

332  Antes  de  se  embarcar  foi  oulra  vez  visitada,  e  consolada  do 
General  Marquez  de  Santa  Cruz,  a  de  D.  Fedro  de  Toledo,  e  dos  onlros 
Grandes  de  Hespanha;  e  embarcada,  e  mettida  em  sua  ndo  come^nrao 
logo,  e  em  loda  a  viagem  a  vir  barcos  dos  Galeoes  é  nào  da  fidalga, 
trazendo-lhe  sempre  pao  molle,  pasteis,  e  lodo  o  oulro  mimo,  ale  quo 
depois  de  bum  mez  de  viagem  chegarao  lodos  a  Gndiz,  e  ficando  a 
bordo  tres  dias,  em  quanto  se  proparava,  e  ornava  escada  desde  o  meio 
dsniio,  para  sahir  por  ella  a  fidalga,  e  no  firn  dos  tres  dias  chegou  a 
nào  hnma  formosa  gale,  e  bem  ornada,  em  que  entrou  com  toda  a  sua 
gente,  e  parentes  que  levava,  e  muitos  fidalgos  Castelhanos;  e  com  salva 
de  toda  a  Armada;  e  a  està  gale  velo  outra  vez  visital-a  o  General  Mar- 
qnez  de  Santa  Cruz  com  outros  fidalgos,  e  Ihe  declarou  entao,  corno 
Et-Rei  Ihe  mandava  dar  todo  o  necessario  para  sua  pessoa,  e  para  toda 
a  sua  gente,  e  nao  a  manderà  vir  seniio  para  Ihe  fazer  muilas  mercés, 
e  casar. 

333  Chegando  d*esta  sorte  ao  porto  de  Santa  Maria,  veìo  ao  desem- 
barcar  o  General  das  Galès  D.  Fedro  de  Villavincencio  com  outros  fi- 
dalgos, cujas  mulheres  a  estavao  espcrando  na  praia  com  multo  povo 
junto,  pela  fama  que  havia  da  fidalga  que  entrava,  e  assim  foi  levada 
ao  Mosleiro  de  Freiras,  aondo  todas  i  porla  sahirSo  a  recchel-a  com 
Te  Deum  laudamus,  e  foi  logo  visitada  de  todas  as  senhoras  da  terra  : 
passados  sete  mezes,  por  ordem  d'el-Rei  commettida  ao  Cardeal  de  Se* 
viiha,  foi  mandada  passar  a  Jaem,  e  o  Cardeal  a  mandou  logo  visitar 
por  dous  seus  Conegos  velhos,  e  Ihe  mandou  hum  Ministro  por  Apo- 
sentador  com  doze  homens  de  cavallo;  e  o  Duque  de  Medina  Sìdonia  Ihe 
mandou  hum  coche  para  ella,  e  cavalgaduras  para  os  criados,  e  silhoes  pira 
ascrìadas,  edez  homens  de  cavallo:  e  assim  se  partio  de  dò  ainda,  e  multo 
tìiais,  por  Ihe  chegar  nova  de  ser  falecido  seu  primo  Alexandre  Impe- 
riai, Embaixador  de  Genova  em  Madrid.  D*ésta  sorte  foi  andando,  e  em 
(odas  as  terras  por  onde  passava,  a  sahiao  a  receber  os  Grandes  d'ellas, 
e  em  nove  dias  chegou  a  Jaem. 

331  Aqui  a  sahio  a  receber  o  Bispo  Dom  Francisco  Sarmienlo  do 
Mendoca  com  todas  as  Dignidades,  Conegos  e  fidalgos  do  termo,  e  a  le- 


i6i  IIISTORIA  INSCLANA 

varam  ao  Mosteiro  de  Santa  Clara  da  dita  Cidade,  onde  o  Bispo,  tomao- 
do-a  pela  mao,  a  entregou  a  Abbadessa,  e  as  Religiosas  a  receberao  com 
repiqnes  de  sinos;  e  passados  dous  mezes,  Ihe  mandou  El-Rei  offerecer 
casamento  pelo  dito  Bispo,  e  ella  por  obedecer  o  aceitoa;  e  o  mesmo 
Bei  Ihe  escreveo  entao,  que  Ihe  faria  muitas  mercés,  depois  de  casada 
cono  quero  S.  Magestade  Ihe  dava  por  marido. 

335  Este  marido  era  Simao  de  Sousa  e  Tavora,  filho  de  Alvaro  de 
Sousa  e  Tavora,  e  de  D.  Francisca  de  Moura,  Irma  de  D.  Christovaode 
Moura,  Marquez  depois  de  Castello  Rodrigo,  e  Capit3o  Donatario  da 
Ilha  Terceira  ;  era  mais  ìrmao  do  grande  Baulio  de  Lessa  Luis  Alvarez 
de  Tavora,  Fnndador  do  Collegio  da  Companhia  de  Jesus  da  Gidade  do 
Porlo;  e  jé  tinha  duas  boas  Commendas,  de  dous  mìl  cruzados  de  ren- 
da cada  huma,  e  outras  ten^as,  e  tinha  sido  Govemador  de  Estrerooz, 
e  0  Taziam  depois  Govemador  de  Coita  em  Africa,  o  que  nao  aceitou, 
so  por  casar  com  a  dita  D.  Violante  do  Canto  e  Silva.  Mandou  està  prò- 
curagao  sua  a  Diogo  de  Sousa,  Arcediago  da  Sé  de  Lisboa,  e  depoìs  In- 
quisidor  da  Mesa  grande,  seu  parente,  e  irmao  de  Bui  de  Sousa,  Cban- 
cellcr  da  Relagao  do  Porto,  para  em  nome  duella  se  receber  com  o  dito 
Simao  de  Sousa  e  Tavora;  e  logo  este  Pidalgo,  por  ordem  d'el-Rei  a 
foi  buscar  a  Jaem  com  grande  estado,  onde  sendo  hospedado  pelo  Bispo, 
este  OS  recebeo  outra  vez  com  as  ceremonias,  e  solemnidades  que  en- 
tao  se  usavam  em  Castella;  e  acompanhados  de  loda  a  nobreza  até  fóra 
da  Cidade,  se  passaram  a  Cordova,  d'onde  os  sahirao  a  receber  duzen- 
tos  de  Cavallo  com  tochas  accesas,  por  ser  jà  noite;  e  assim  for3o  rece- 
bidos  em  todas  as  mais  terras  até  chegarem  a  Lisboa,  e  onesta  forilo  vi- 
silados  de  todos  os  Grandes,  senhores,  e  senhoras. 

336  Porém  deste  tao  illustre  casamento  n3o ficou  descendencia  al- 
guma,  e  assim  passou  o  grande  morgado  da  dita  D.  Violante  do  Canio 
e  Silva  a  unir-se  com  outro  igual  morgado,  instituido  tambem  pélo  mes- 
mo grande  avo  Pedi  o  Anes  do  Canto,  e  d'estes  unidos  se  formou  o  roaior, 
que  ainda  hoje  se  conserva  em  a  Cidade  de  Angra;  e  n*esta  poz  Felippe 
II  por  Govemador,  e  das  outras  Ilhas  a  hum  fldalgo  Caslelhano  chama- 
do  Joao  de  Urbina,  da  casa  dos  Ùrbinas  em  os  conQns  de  Biscaya,  Albo 
de  outro  N.  de  Urbina,  e  neto  de  Pedro  de  Urbina,  que  foi  Mestre  de 
Campo  General  do  Emperador  Carlos  V,  e  morreo  Marquez  de  Doria. 
Poz  mais  em  Angra  por  Bispo  a  D.  Manoel  de  Gouvea  ;  e  por  Corregedor 


LIV.  VI  CAP.  XXX  165 

comalcada  ao  Doutor  Jo3o  Soares  de  Albergarla,  e  todos  enlre  si,  e 
com  a  gente  da  terra  se  davlo  multo  bem. 

337  E  ainda  assim,  partido  o  Marquez  da  Ilha,  logo  o  dito  Urbina 
se  fez  ao  principio  t3o  absoluto  senhor,  corno  o  mesmo  Marquez  ;  por- 
que  tornando  por  Adjuntos  o  Corregedor,  e  cinco  mais  Bacliareis,  e  nio 
Rachareis,  fez  com  elles  tal  tribunal  de  sete,  que  sem  admittirem  em- 
bargos,  nem  aggravo,  nem  appella^ao,  sentenciou  a  forca,  e  executou  a 
sentenca  em  hum  Capi  tao  chamado  Trìgueiros;  e  em  bum  multo  nobre 
Cidad3o  de  setenta  annos  Balthezar  Alvares  Ramires,  e  a  outros  degra- 
doa;  e  a  algumas  mulheres  mandou  a^outar,  so  por  fallarem  em  tal  go- 
verao.  E  da  mesma  sorte  a  hum  CidadSo  Balthezar  Gon^alves  de  Anto- 
Da.  e  a  bum  letrado  JoSo  Gon^alves  Correa,  que  tinha  servido  de  Cor- 
regedor,  e  a  hum  Capitao  da  Villa  da  Praia,  e  todos  condemnou  a  ga- 
lés,  e  degredos,  e  sem  admittir-lhes  aggravo,  ou  appellagao  vierSo  a  Lis- 
boa, e  prezos  os  ouvirio,  e  Ihes  mandarao  receber  sua  appellagSo,  e 
ainda  o  Urbina  a  n3o  queria  receber,  e  tandem  a  recebeo,  e  forao  sol- 
tos,  e  livres. 

338  Felto  isto,  e  moderado  assim  o  governo,  ao  principio  insolen- 
te, do  dito  Mestre  de  Campo  Urbiua»  comecou  d*ahi  por  diante  a  gover- 
nar com  grande  moderando,  e  aceitac^o  do  povo.  E  aqui  he  de  advertir, 
se  levantou  pela  noveleira  plebe,  que  tinha  ficado  imposta  pena  aos  mo- 
radores  da  Itha  Terceira,  que  nSo  podessem  mais  trazer  comsigo  algu- 
mas armas,  mas  so  faca  sem  ponta;  d'onde  tomarSo  os  de  outras  Ilhas, 
chamarem  por  opprobrio,  aos  da  Terceira,  facas  sem  ponta  ;  mas  o  in- 
dubitavel  he,  que  tal  pena  nem  Felippe  II,  nem  o  Marquez  de  Santa 
Cruz,  nem  nutro  algum  seu  substiluto,  nenhum  tat  pena  impoz,  nem  se 
mostrare  jurìdicamente  em  Author  algum  ;  e  so  foi  impostura  levantada 
da  emuIac3o  que  humas  Ithas  tem  com  as  outras,  e  especialmenle  com 
a  que  Deos  fez  cabeca  de  todas,  qual  he  a  liha  Terceira,  e  o  envejao  as 
outras,  e  por  isso  he  que  levautarSo  este,  que  cuidavao  ser  afrontoso 
appellido;  comò  a  outras  Ilhas;  à  de  Sao  Miguel  chamarSo,  Unha  na  pal- 
ma; querendo  significar  serem  ladroe^  e  he  falsissimo,  por  sempre  se- 
rem  OS  da  tal  Uba  homens  de  muito  justa  conta,  peso,  e  medida.  Quanto 
mais  que  querendo  nisso  infamar  sua  cabe^a  a  Terceira,  n'isso  mesmo 
a  acreditSo  mais,  pois  n'isso  significo  serem  tao  valerosos  os.naturaes 
da  Terceira,  que  bastarla  terem  faca  com  ponta,  para  vencerem  a  Cas- 
tella, e  por  isso  està  Ihes  prohibiria  o  trazerem  faca  com  ponta  ;  e  pò- 


1G6  IIISTORIA  INSUUNA 

deria  està  probibigSo  ser  (se  verdadeira  fosse)  a  maior  gloria^  e  bonra 
da  Terceira»  e  rouito  mais  por  ser  (se  o  fosse)  de  serem  os  mais  verda- 
deiros  Portuguezes,  acodìndo  pelo  mais  verdadeiro,  e  varonil  unico  Por- 
tuguez  quo  entao  bavia  para  a  successilo  do  Reino,  o  a  quem  tinbao  ac- 
clamado,  Lisboa»  Porto,  Àveiro,  e  as  melhores  terras  de  Portugal.  Até- 
qui  a  subslancia  da  RelaQao,  que  tenbo  em  meu  poder. 

330  D  onde  se  seguio  (diz  Fructuoso  liv.  6,  cap.  3i)  que  com  ser 
entao  a  liba  Terceira  t3o  perseguida  de  Armadas,  e  de  tantas  nagues  es- 
trangeiras,  be  tal  sua  fertilidade,  e  tal  a  bondade  da  terra,  que  logo 
loda  se  recuperou,  e  poz  tao  rica  corno  era  dez  annos  antes,  e  com  Ibe 
terem  morto,  gastado,  e  levado  tantos  gados,  que  a  todos  parecia  nao 
haverìa  mais  n'ella  gado,  em  breve  teve  tanto,  que  nunca  teve  mais,  e 
logo  tal  concurso  de  navios,  que  por  vezes  passavào  de  cento  juntos  no 
seu  porto,  de  Indias,  Brasil,  e  estrangeiras  na^oes  ;  sendo  que  so  a  Ci- 
dade  passa  de  tres  mil  vizinbos,  e  de  muitos  mais  as  Yillas,  e  lugares 
todos. 

CAPUTILO  XXXI 

Da  gloriosa  Xcclanwfdo  del- liei  D.  Joùo  IV  na  lìha  Terceira. 

3iO  A  evidente  justica  da  Serenissima  Casa  de  Braganga  a  Coroa 
de  Portugal  anda  ja  t3o  demonstrada,  e  por  tantas,  e  tSo  sabias  pennas, 
que  pareoe  escusado  demonstral^  mais;  e  so  he  de  reparar,  que  assim 
corno  na  intrusào  de  Felippe  II,  em  a  Coroa  Lusitana,  nem  bouve  quem 
acodisse  pela  Serenissima  Senbora  I).  Catbarina,  nem  quem  sustentasse 
ao  Serenissimo  Senhor  D.  Antonio,  ainda  depois  de  o  acclamarem,  e  por 
elle  acodio  unicamente  a  Uba  Terceira,  e  o  sustentou  Rei  acclamado  quasi 
tres  annos,  e  com  as  jà  ditas  guerras  :  assim  s^ora  tambem  so  a  mesma 
liba  Terceira  padeceo  a  guerra  que  veremos,  por  sustentar  a  acdama^ao 
de  seu  Rei  Portuguez  D.  Joao  IV.  E  porque  desta  guerra  fez  Diario, 
quom  a  toda  ella  assiatio  na  mesma  Cidade  de  Angra,  e  nSo  so  era  tes* 
timunba  de  vista,  mas  de  grande  credito;  a  este  Diario  seguiremos»  com 
a  pura  verdade  da  substancia  dos  successos»  sem  attender  ao  que  outros 
de  vaga  oovida  dizem. 

341  Acclamado  pois  o  felicissimo,  e  sempre  invicto  Rei  D.  Joao  IV 
na  Corte  de  Lisboa  em  6  de  Dezembro  de  1640,  e  logo  por  todo  o  Reino 
de  Portugal,  e  Algarve  com  geral  acdama^ao,  sem  baver  guerra  alguma. 


LIV.  W  GAP.  WTA  167 

mas  loda  a  paz,  e  applauso,  logo  em  o  principio  de  Janeiro  de  1641 
mandou  o  novo  Rei  hama  caravela  é  liha  Terceira,  e  n'ella  ao  Capitao 
mór  da  Villa  da  Praia  Francisco  Pornellas  da  Camera,  naturai  da  mesma 
nba,  e  fidalgo  bem  conhecido,  que  ent3o  se  acliava  em  Lisboa  ;  chegou 
a  caravela  i  dita  Villa  da  Praia  em  7  do  dito  Janeiro,  e  aos  3  pelas  qua- 
tro  da  madragada  estava  jé  o  enviado  Francisco  Dornellas  na  Cidade  de 
Aogra,  em  casa  de  outro  fldalgo  Joao  de  Espinola,  com  quem  era  apa- 
rentado  ;  e  porque  jà  bavia  quatro  mezes  que  era  morto  o  Corregedor 
em  Angra,  com  quem  tambem  bavia  communicar  o  segredo,  communi- 
cotH)  entao  ao  dito  Espinola  o  segredo,  e  ordens  que  trazia;  o  que  ou- 
vindo  0  Espinola,  e  sahlndo-se  de  casa,  deixando  n'ella  ao  Dornellas,  se 
foi  ter  com  D.  Fedro  Ortiz  de  Mello,  Aireres  niòr  do  Castello;  e  ambo» 
forao  logo  à  Fortaleza,  e  derao  conta  de  tudo  ao  Mestre  de  Campo  que 
a  governava,  chamado  D.  Alvaro  de  Viveros;  o  qual  em  ouvindo  tal,  veio 
logo  abaixo  à  Cidade,  e  fallando  com  o  Provedor  da  Fazenda  Agostinho 
Borges  de  Sonsa,  foi  logo  buscar  o  dito  Capitao  morda  Praia,,  que  acau- 
telado  se  tinha  ji  tornado  para  a  dita  sua  Capitaria,  e  o  Castellao  se  re- 
coltieo  ao  seu  Castello. 

342  Logo  0  dito  Governador  do  Castello  mandoa  tirar  a  polvora 
qae  estava  no  Castello  de  Sao  Sebastiào,  e  a  metteo  no  seu  maior  Cas- 
tello de  Sao  Felippe;  e  nao  so  se  proveo  de  todos  as  mantimentos  para 
sustentar  qualquer  cerco  que  se  puzesse  i  pra^a;  mas  tambem  im- 
portunava continuamente  <ios  do  Governo  da  Cidade  por  mais,  e  mais 
provimentos:  e  posto  que  na  Cidade  andava  jd  rota  a  nova  da  Accia- 
macao  do  novo  Rei,  com  tudo  corno  a  Camera  ainda  nao  tinlia  carta 
d*el-Rei  e  a  esperava,  nao  se  declarava  ainda,  e  so  contemporizava  com 
0  Governador  do  Castello,  permittindo-lhe  algumas  cousas,  e  negan- 
do-lhe  outras,  e  preparando-se  occultamente  o  mais  que  podia  ;  para 
0  que  comprarao  bnmas  boa:^  casas  no  canto  da  praga,  e  n'ellas  arma- 
rio bum  corpo  de  guarda,  com  baixos,  e  altos  para  metterem  n*elle  sol- 
dadesca  de  guarnicao;  e  d*esta  sorte  se  hiao  preparando,  sem  se  decla- 
rarem,  os  do  Castello  grande,  e  os  da  Cidade,  buns  contra  os  outros  : 
requerendo  o  Castello  à  Cidade,  que  arrazasse  a  Fortaleza  de  Sao  Sc- 
bastiao,  por  temer  que  fìcasse  a  Cidade  com  ella,  e  nao  veio  nisso  a 
Camera. 

343  Jà  neste  tempo  o  Capitao  mór  da  Praia  mettia  de  guarda  sol- 
dadesca  na  praca  de  sua  Villa,  e  chegado  o  Domingo  de  Ramos,  25  de 


IGR  IIISTOniA  INSULANA 

Marco,  com  a  Camera  da  Villa,  e  lodo  o  povo  acclamou  solemnemente 
a  El-Rei  D.  Joào  o  IV,  e  n'este  tempo  o  Prior  do  Convento  de  Nossa 
Senhora  da  Graca,  e  hum  fidalgo  da  Cidade,  chamado  Estevao  da  Sìl- 
veira,  por  oste  ser  dos  principaes  da  Cidade,  e  o  Prior  ser  Confessor 
do  Govemador  do  Castello,  forao  ambos  fallar  ao  Govemador,  que  se 
quizesse  entregar,  por  evitar  tantas  mortes,  corno  se  seguiri3o  do  con- 
trario :  porém  o  Castellao,  nao  obstante  ter  dado  a  entender,  virìa  em 
bons  partidos,  prendeo  logo  aos  dous,  e  em  a  priz3o  morrerSo  ambos: 
e  no  mesmo  dia  25  de  MarQO,  mandou  o  dito  Governador  do  Castello 
chamar  os  officiaes  da  Camera  de  Angra  para  negocio  que  importava  ao 
servigo  d'el-Rei  :  mas  elles  mais  acautelados  se  escusarao;  e  para  mais 
disfarcarem,  mandar3o  logo  por  duas  companhias  de  soldados  nos  carni* 
nhos  que  da  Praia  cbegavao  i  Cidade;  dando  a  entender  que  n3o  cod- 
sentiSio  na  Acclamacao  da  Praia;  e  nos  mesmos  25  de  Marco  puzerio  oa- 
tra  Companhia  no  novo  corpo  da  guarda  da  Cidade. 

344  Jà  n'este  tempo  sabino  os  da  Cidade,  que  o  CastellSo  tioha 
d*antes  determinado  dar  de  repente,  na  sesta  feira  de  Lazaro,  repentino 
assalto  à  Cidade,  e  que  por  a  sentir  amotinada,  o  dilatara  para  a  quinta 
feira  da  Semana  Santa,  quando  mais  descuidada  estivasse  a  gente,  e  a 
matar,  e  roubar  quanto  pudessem,  e  recolher-se  outra  vez  ao  Castello; 
e  dilatando  mais  està  resolucao,  mandou  na  sesta  feira  de  Trevas  o  Sar- 
gento Roselhon  com  esquadra  de  dez  soldados,  o  qual  notificou  da  parte 
do  Mestre  de  Campo  do  Castello  ao  CapitSo  Hieronymo  da  Fonseca,  e 
ao  Sargento  mór  André  Fernandes  da  Fonseca»  que  Ibe  dessem  ajuda 
para  prender  a  Antonio  do  Canto  e  Castro,  fldalgo  principal  da  Uba; 
porque  o  dito  Mestre  de  Campo  ordenava,  que  ou  morto,  ou  vivo  lb*o 
levassem  ao  Castello.  Itespondeo  o  CapitSo  da  guarda  que  nSo  podia  b- 
zer  tal  sem  ordem  de  seu  Capitilo  mór  ;  e  indo  ambos  ao  CapitSo  mór, 
e  ja  defronte  da  rua,  e  Ermida  de  Sao  Jo3o»  persuadindo-se  o  povo  que 
0  Capitao  hia  prezo,  correrik)  a  elle  soldados  da  guarda,  e  povo,  e  o 
trouxerSo;  e  os  soldados  Castelhanos  vendo  isto,  e  acodindo  ao  seu  Bar- 
gento,  dispararao  as  pistolas,  que  aiém  dos  arcabuzes  traziSo;  e  entio  o 
povo  levando  das  espadas,  levantarao  as  vozes,  e  clamarao  :  «Viva  El- 
Uei  D.  Jouo  0  IV^,  e  querendo  ainda  os  Juizes,  e  Vereadores  do  Senado 
apaziguar  a  contenda,  para  declararem  a  guerra  quando  estivessem  mais 
preparados,  o  povo  jà  junto,  e  alvorocado  o  nao  esperou»  mas  indo  sobre 
OS  Castelhanos,  matarao  logo  a  hum,  e  flc^ndo  ferido  em  bum  braco  Ma- 


LIV.   VI  GAP.  XXXI  109 

Doel  GoDcalves  Carvao.  Alferes  qae  aiii  entSo  se  achoa  com  o  Sargento 
Mattbeos  Gardoso,  os  Gastelhanos  se  retìrarao  ao  seu  corpo  da  gaarda 
da  porta  do  mar  junto  a  Alfandega,  e  d'ahi  ao  Castello;  e  o  povo  todo, 
janto  jà,  d3o  fazia  mais  que  acclamar  a  Ei-Rei  D.  Joao,  e  pedir  armas 
ao8  do  governo. 

349  N'este  tempo  tinha  o  grande  Castello  quinhentas  pra^as  de  sol- 
do, e  com  ellas  mais  de  quiobentos  vizinbos,  mas  so  quatrocentos  capa- 
zes  de  peleja»  fora  os  que  là  tem  officios  particulares,  tinha  mais  todo  o 
genero  de  armas  em  grande  abundancia,  e  polvora  muito  de  sobejo  ;  e 
cento  e  sessenta  pecas  de  artelharia.  quasi  toda  de  bronze,  e  muitas  de 
ealibre  de  mais  de  trinta  e  sois  arrateis  de  baia,  e  qnaienta  e  oito  arti- 
Ibeiros  pagos,  além  de  outros;  e  mantimeotos  de  boca  em  grande  abun- 
dancia;  e  tinba  tarobem  com  presidio  Castelhano  o  outro  fronteiro,  e  me- 
nor  Castello,  cbamado  de  S3o  Sebasti3o,  e  com  quatorze  pecas  de  bron- 
zo, com  que.de  huma,  e  outra  parte  dominava  o  porto,  e  a  Cidade,  e 
oom  0  corpo  da  guarda  que  mettìa  na  principal  porta  do  mar,  e  da  Ci- 
dade  junto  à  Alfandega. 

346  Pelo  contrario  a  Cidade,  que  d'antes  se  flava  nos  ditos  Castel- 
loft,  e  guardas,  comò  em  sua  principal  defeza,  nSo  tinha  soldadesca  al- 
gama  paga,  mas  so  a  sua  Ordenanga,  e  nem  ainda  no  Castello  dos  moi- 
nhos  tinba  artelbaria,  ou  gente  alguma  ;  e  nem  o  corpo  da  guarda,  que 
com  està  occasi3o  de  novo  fez,  estava  ainda  expedlto  na  praga,  e  nas 
casas  da  Audiencia  fez  o  primeiro  corpo  da  guarda,  e  n*este  entrou  de 
gaarda  o  Capit3o  Constantino  Macliado,  e  o  Alferes  Manoel  Cordeiro 
Houtoso  com  a  sua  Companhia,  que  foi  a  primeira  que  entrou  de  guarda 
em  a  tarde  da  segunda  feira  25  de  Marco,  e  aos  26  na  ter^a  feira  sahio, 
e  entrou  em  seu  lugar  o  CapitSo  Hieronymo  da  Fonseca,  Albo  do  sobre- 
dito  Sargento  mór,  e  esteve  até  a  quarta  feira,  em  que  o  povo  acclamou 
a  El-Rei  D.  Jo3o;  e  nem  polvora,  nem  armas  expeditas  tinha  aìnda  a  Ci- 
dade, por  estareoì  ainda  fechados  os  Armazens,  e  as  chaves  na  m3o  do 
CapitSo  ChristovSo  de  Lemos  de  Mendoca,  que  se  tinha  recolbido  ao 
Castello,  e  nem  seu  filho  as  querer  entregar,  e  sendo  prezo,  so  ao  outro 
dia  as  entregoo. 

347  Impaciente  porém  o  povo  de  se  vèr  sem  armas,  remetteo  logo 
às  portas  dos  Armazens  com  machados,  e  serralheiros  para  as  arrombar, 
e  arrombada  a  primeira,  e  achada  a  segunda  porta  aberta,  derao  com  a 
terceira  porta,  mais  forte,  e  mais  fechada  ;  entao  o  Padre  Antonio  de 


i70  HISTORU   INSULANA 

Abreu  da  Companhia  de  Jesus,  \*alendo-se  daVirgemSenhora  daSaude, 
enlrou  na  sua  Ermida  alli  viziaba,  e  trazendo  d'ella  a  chave,  com  elbi 
abrio  logo  a  porta,  sendo  ebave  totalmente  diversissima,  o  que  lodo  o 
povo  logo  attribuio  a  milagre  da  Virgem  sacratissima;  e  acodio  i  todos 
com  polvora,  baia,  e  armas;  e  o  provimento  de  tudo  commetteo  ao  Li* 
cenciado  Manoel  Rodrigues  Prete,  floo,  e  valeroso  Portuguez;  e  ao 
mesmo  se  entregarao  as  cbaves,  que  do  dia  seguinte  apparecerSo. 

348  Àinda  na  mesma  quarta  feira  de  Trevas,  vendo  o  Mestre  de 
Campo  do  Castello  o  alvoroco  grande  que  andava  na  Cidade,  mandOQ 
assestar  buma  peca  ao  corpo  da  guarda  da  pra^a  da  Cidade,  e  matoo  a 
bum  soldado  pedreiro,  e  a  buma  molher  Terceira  que  vinba  de  ^o  Fran- 
cisco, e  se  recolbera  ao  dito  corpo  da  guarda  :  logo  disparou  sobre  a  Ci- 
dade muitas  outras  pe^as  de  artelbaria,  que  por  ficar  o  Castello  mnilo 
alto,  e  multo  em  baixo  a  Cidade,  passavao  as  balas  por  sima,  oa  cabiSo, 
sem  n*aquelle  dia  matarem  alguem  mais.  Parou  pois  o  Mestre  de  Campo, 
e  esperou  se  bi3o  alguns  da  Cidade  recolber-se  ao  Castello,  e  vendo  que 
ninguem  bia,  mandou  bum  Sargento  abaixo,  dizendo  que  queria  mandar 
metter  guarda  na  porta  do  mar,  e  Airandega;  e  respondendo  a  Cidade  qoe 
tal  nao  consentirla;  o  que  vendo  o  Castello,  se  fechoo  com  toda  a  sua  gen- 
te; e  a  Cidade  logo  tocou  caixas  de  guerra  em  todo  o  seu  termo;  e  ìmm 
Mattheos  de  Tavora,  dos  principaes  da  Cidade,  e  bum  Clerigo  Vigano  dis 
Fontainbas,  ambos  forào  pela  posta  de  cavallo  i  Praia,  pedindo  ao  Capi- 
tao  mór  Francisco  Domellas  da  Camera,  que  acodisse  logo  com. a  mais 
genie,  e  armas  que  pudesse. 

CAPITOLO  XXXII 

Comega  a  guerra  pelas  trincheiras;  rende-se  o  Castello  de  Sào  SebastiSo  ; 
e  acclamasse  eURei  D.  Joào  o  IV  na  Sé  solemnemente. 

349  Na  mesma  tarde,  e  jà  tarde,  da  quarta  feira  de  Trevas  Sff  de 
Marco,  veio  a  soldadesca  de  Sào  Bento,  e  Val  de  Linbares  com  o  Sar- 
gento Alvaro  Martins  Maia;  e  logo  veio  o  Capitilo  da  Ribeirinba  com  bons 
soldados;  e  porque  os  da  Cidade  tintilo  tornado  as  boccas  das  roas  do 
quartel  que  conGna  com  o  Castello,  e  n'ellas  andavao  formando  trinchei- 
ras,  para  d'ellas  ìmpedirem  ao  Castello  as  investidas  abaixo,  por  isso  as 
ditas  Companhias  que  tinhao  vindo  do  termo  da  Cidade,  forao  logo  aju- 


LIV.  VI  GAP.  XXXH  471 

dar  a  fabrica  das  trincheiras.  Vendo  isto  o  contrario  Castello,  (além  do 
estar  sempre  batendo  a  Cidade  com  artelbaria,  que  por  alta  Ihe  nao  Ta- 
zia  damno)  langou  duzeotos  liomens  bem  armados  a  impedir  a  fabrica 
das  trincheiras;  mas  dianto  dos  que  as  fabricavao  se  Ihes  oppoz  a  nos- 
sa  soldadesca  com  tal  valor,  e  constancia,  que  a  peito  descuberto,  por 
ii3o  estarem  ainda  assentadas  as  trincheiras,  durou  este  fatai  combate 
desde  o  principio  da  noite  de  quarta  feira  de  Trevas  para  a  quinta  atè 
pela  maiihli,  sem  parar  jdmais  a  mosquetaria,  e  ainda  a  lanca,  e  espada 
de  huma  e  outra  parte,  sendo  muitas  as  em  que  se  pelejava. 

330  Os  logares,  e  postos  aonde  se  deo  este  combate,  forao  o  pri- 
meiro,  e  mais  perigoso,  aquelle  onde  cliamavao  os  quatro  Cantos,  e  niel- 
lo se  poz  o  vaieroso  Capitao  Jo3o  de  Avita  com  a  sua  Companhia,  o  se- 
gando posto  foi  aonde  estava  entào  o  Collegio  velho  da  Companhia  ^  de 
Jesus,  sobre  a  roclia,  e  niello  pelejava  o  CapitSo  Ballbezar  da  Costa,  e 
soa  gente:  o  terceiro  higar  foi  junto  à  Ermida  de  Nossa  Senhora  da  Boa 
Nova,  que  era  posto  mais  perigoso,  por  mais  patente  ao  Castello,  e  n*es- 
te  pelejava  o  valente  Capitao  Joao  Teixeira,  porém  foi  importante  buma 
peca  de  artclharia,  que  o  sobredito  Capitao  JoSio  de  Avila  tinha  comsigo, 
que  carregando^a  de  pelouro,  e  munigao,  e  disparando-a  em  bos  occa- 
si3o,  fez  tal  estrago  nos  Castelhanos,  que  logo  se  retirarao  com  varios 
ferìdos,  e  mortos,  e  pela  manha  se  acharao  os  nossos  com  as  suas  trin- 
cheiras suflicienlemeiile  ja  formadas,  com  os  reparos  feitos  de  fortes  ta* 
boados,  pipas  cheìas  de  icrras,  guarni(oes  de  couramas,  e  te. 

351  Ao  romper  da  manha  da  quinta  feira  Santa,  28  de  Marco,  che- 
gou  i  Cidade  o  Capitao  mór  da  Villa  da  Praia  com  muitos  Capitaes  seus, 
e  com  mais  de  oitocentos  soldados  de  peleja,  e  todos  bem  armados,  e 
grandes  aliradores;  e  logo  chegarao  mais  seis  Compauhias  ainda  do  ter- 
mo da  Cidade,  de  Santa  Barbara,  de  Sao  Bartholomeu,  e  Sao  Mattheos, 
e  tres  ainda  mais  da  Villa  de  Sao  Sebastiao,  e  do  seu  lugar  do  Porto  Ju- 
deo,  e  todas  com  seus  Capit3es,  e  mais  Cabos,  e  boas  armas,  e  muni- 
Coes;  e  forao  logo  às  trincheiras  com  tal  impeto,  e  valor,  que  dos  Cas- 
telhanos que  ainda  brigavao,  matarSo  a  varios,  e  em  apparecendo  na  mu- 
ralba,  o  derrubavao  os  insignes  atiradores  da  Praia;  e  sendo  que  nao  ces- 
sava 0  Castello  de  disparar  sua  forte  artelliaria  sobre  a  Cidade,  por  mer- 
cé de  Deos  Ihe  nao  fazia  damno;  e  ncm  aos  moinhos,  que  estavao  a  tiro 
direito  do  Castello,  fizerao  damno  algum,  e  mohi3o  para  o  povo  corno  d'an- 
tes;  mas  nas  trincheiras  morrerùo  alguns,  porém  mais  dos  Castelhanos. 


172  inSTORlA  INSULANA 

332  N'esta  mesma  quinta  feira  Santa  estava  ainda  o  menor  Castel- 
lo de  S3o  SebastiSo  com  soldadesca  Castelbana,  e  com  a  voz  do  Castel- 
lo grande  de  Sao  Felippe,  e  com  quatorze  pe^as  de  artelbaria»  e  as  mais 
de  bronze,  e  de  bom  calibre,  e  importava  muito  o  render  este  Castello» 
offereceo-se  a  isso  a  forte  Companhia  da  Ribeirinba»  termo  da  Cidade,  e 
ajuntando-se-lhe  logo  de  outra  Companhia  so  alguns  aventoreiros  solda- 
dos,  der3o  tal,  e  tao  repentino  assalto  ao  Castello,  que  logo  o  entrario, 
e  feridos  muitos  prender3o  ao  Capit3o,  e  com  elle  trouxer3o  aos  oatros 
prezos;  o  dito  Cebo  se  chamava  o  Capitao  Respenbo,  qae  deixou  nSo  so 
buma  mina  de  polvora  feita,  a  que  nao  pode  laudar  fogo,  mas  tambem 
a  artelharia  encravada,  que  os  da  Cidade  desencravar3o  logo,  e  no  tal 
Castello  puzerao  de  presidio  a  dita  Companhia  da  Ribeirinha,  qae  o  U- 
nha  rendido;  e  ao  depois  puzerSo  por  Capitao  do  tal  Castello  a  Lqìz  Car- 
doso  Machado,  da  nobreza  princìpal  da  Cidade,  e  cousa  maravilbosa  foì, 
que  em  se  arvorando  no  tal  Castello  o  Estandarte  das  Armas  de  Portogal, 
veio  do  Castello  grande  huma  baia  desgarrada,  que  deo  no  Estendarle 
de  Castella,  que  ainda  estava  adiante  da  Ermida  da  Boa  Nova,  e  o  de^ 
rubou.  Foi  tao  importante  o  termos  este  Castello,  que  com  elle  segara* 
mos  0  nao  poder  pelo  porto  vir  soccorro  ao  Castello  grande,  e  o  sego- 
rarmos  nós  por  detraz  delle  os  nossos  navios,  que  estav3o  aos  nheos; 
e  0  segundo  porto  das  agoas  de  S9o  Sebastì3o,  donde  se  sabia  a  pescar, 
e  se  vinha  eni3o  vender  o  peixe. 

353  Em  a  propria  manhS  da  quinta  feira  Santa  foi  saqueado  pelos 
nossos  soldados  o  quartel  aonde  tinhSo  vivido  os  soldados  Castelhanos 
casados,  de  junto  a  Sao  Gonzalo  até  a  Boa  Nova,  e  tudo  bem  defronte 
do  Castello,  que  com  sua  artelharia  acabou  de  arrazar  o  tal  quarta;  e 
continuando  a  furia  dos  soldados  saquearao  mais  a  nobre  casa  do  Alfe- 
res  do  Castello  D.  Fedro  Ortiz  de  Mollo,  fldalgo  bem  conhecido,  mas  que 
em  razao  de  seu  posto  se  tinha  recolhido  com  casa,  e  familia  ao  Castel- 
lo: saquearao  mais  as  casas  de  Christovao  de  Lemos  de  Mendoga,  e  de 
Jo3o  de  Espinola,  ambos  muito  nobres,  e  que  tambem  se  tinhio  reco- 
lhido ao  Castello,  por  semelhantes  titulos;  e  se  se  nio  fora  i  man  aos 
soldados,  outras  muitas  mais  casas  se  saqueari3o,  por  serem  de  pessoas, 
que,  sendo  Portuguezes,  tinhao  jà  d'antes,  e  inculpavelmente,  algum  pos- 
to, ou  ofQcio  no  Castello;  mas  impedio-se  o  effeito. 

334  Continuava  porém  sempre  (ainda  n'estes  dias  de  quinta,  sex- 
ta,  e  Sabbado  da  Semana  Santa)  a  defeza,  e  fortificacao  das  trincheiras 


LIV.  VI  GAP.  XUII  173 

feitas,  por  o  inimigo  nem  D'cstes  dias  cessar  de  as  accommeter,  e  tan- 
to assim  que  nem  podei^o  celebrar-se  os  Officios  Divinos  da  Semana  San- 
ta, por  choverem  as  balas  do  Castello  sobre  a  mesma  Sé,  e  mais  Igre- 
jas,  e  até  sobre  os  Conventos  de  Reiigìosos,  e  Religiosas;  e  n^estes  se 
Dio  faziio  mais,  qae  com  varìas  preces,  penitencias,  novenas,  e  oracoes 
a  Deos  pelo  bom  successo  desta  guerra;  e  com  taes  maravilbas  a  favo- 
receo  Nosso  Senhor,  que  muitas  balas  cahiao  dentro  das  Igrejas,  outras 
davSo  aos  pés  da  gente,  sem  Tazerem  damno  a  alguem;  e  até  o  povo  se- 
cular  que  n2o  bia  à  guerra,  nao  cessava  de  dia,  nem  de  noite,  de  andar 
em  continuas  romarias,  rogativas,  e  procissoes,  por  onde  mellior  podiao, 
pediodo  a  Deos  fosse  servido  de  conceder-lhes  vitoria. 

355  Dos  que  entravSo,  ou  podiao  entrar  na  guerra,  muitos  além 
das  Irìncheiras  feitas  nas  boccas  das  ruas  que  ticavào  defronte  do  Cas- 
tello, inventario  fazer  novos  Fortins,  ou  Baluartes;  e  destes  foi  bum  o 
CapitSo  Galor  Borges  da  Costa,  fidalgo  dos  principaes  de  Angra,  filho 
de  CbristovSo  Borges  da  Costa^  e  irm3o  de  outro  Christovao  Borges  o 
moco,  e  cunbado  de  Jo3o  Merens  da  Silva,  e  com  estes,  pai,  irmao,  e 
CQDhado  foi  tomar  o  arriscado  posto  da  Alfandega,  vizinho  pelo  mar  ao 
grande  Castello,  e  n'este  posto  esteve,  e  Ihe  matarao  alguns  soldados. 
Outro  Fortim,  ou  Baluarte  se  fez  no  posto  acima  de  Santa  Luiza  com  tres 
pegas  de  artelharia,  de  cuja  altura  se  descobre  o  Castello  grande;  e  d'aqui 
se  metterlo  varias  balas  dentro  do  dito  Castello,  e  là  llie  faziao  grande 
damno,  e  este  Fortim  se  commetteo  ao  Alcaide  da  Cidade  Bartholomeu 
Comes  Doeiras,  que  o  governou  valerosamenle,  e  ao  Castello  fez  d'alli 
grande  prejuizo. 

356  Hum  Alfonso  Comes  Peres,  homem  rico,  e  grande  contratador 
fez  outro  Reducto,  ou  Fortim  em  o  posto  que  està  acima  de  Santa  Ca- 
tharìna,  onde  poz  vinte  soldados  escolhidos,  e  alguma  artelharia,  e  tudo 
é  sua  custa^  e  impedia  d'alli  a  communica^ao  com  a  ponta  do  Zimbrei- 
ro  do  Castello,  a  qual  fica  para  o  Occidente,  e  defendia  a  larga  babia  do 
Panai,  e  ficou  meritamente  para  sempre  este  bomem  chnmando-se  o  Ca- 
pitiofAffonso  Comes  Peres.  Outro  grande  Fortim  fìzerao  os  contratado- 
ras  Inglezes  que  bavia  em  Angra,  e  no  sobredito  lugar  acima  de  Santa 
Luzia,  e  n'elle  puzerao,  entre  outras,  duas  pe^as  de  bronze  muito  gran- 
des,  com  queTmettiSo  as  balas  dentro  do  Castello,  e  com  tanto  damno 
dos  Castelhanos,  que  se  reparavao  muito,  e  especialmonte  do  tal  forte 
dos  Inglezes,  pelo  quo  Ihes  flcou  muito  obrigada  a  Cidade,  comò  a  va« 


174  HISTOUIA  insiìlana 

lorosos,  e  verdadeiros  amigos.  Outros  varios  Forlins  se  fizerao  mais  por 
particulares,  de  que  abaixo  se  fari  mencio:  e  em  todo  este  tempo  a  Ci- 
dade  tinha  sempre  na  fronteira  do  Castello  dez  Companhias  continnas»  e 
continuamente  pelejando  com  os  muitos,  que  o  Castello  tinha  tambem 
fora  das  snas  muralhas,  e  a  peito  descuberto. 

357  Estando  tudo  jà  posto  n'esta  forma,  o  famoso,  e  antigo  Capi- 
tao  mór  de  Angra  Joao  de  Betencor  e  Vasconcellos,  neto  de  outro  fidal- 
go  do  mesmo  nome,  que  tinha  sido  em  Angra  degollado,  so  resolveo 
ent3o  com  sua  grande  prudencia,  e  madureza,  a  solemnemente  acclamar 
el-Rei  D.  Jo3o  o  IV,  e  para  isso  escolheo  o  dia  de  Pascboa,  que  entio 
cahio  em  31  de  MarQO  de  16il,  e  indo  no  tal  dia  bem  de  manh3  é  Sé» 
e  fazendo  celebrar  a  procissao  da  Resurreigao  de  Christo  Senhor  nosso» 
fez  logo  armar  outra  procissao  com  toitlo  o  Cabido,  Cleresia,  Religioes» 
Senado  da  Camera,  e  povo,  além  de  toda  a  nobreza,  e  fidalguia,  e  che* 
gando  todos  ao  meio  da  praca  da  Cìdade,  pegando  o  dito  Gapit3o  mór 
Joao  de  Betencor  e  Vasconcellos  da  Beai  Bandeira  das  unicas  Armas  de 
Portugal,  a  levantou  bem  alto,  acclamando  a  grande  voz  por  Rei  de  Por- 
tugal,  e  seu  verdadeiro  Restaurador,  ao  Invicto  Rei  D.  Jo3o  o  IV  do'iMh 
me:  e  logo  se  seguirao  innumeraveis  vozes,  e  applausos,  repetindo  i 
mesma  acclamatilo:  e  se  for3o  acodir  aos  que  tinh3o  ficado  nas  trinebei- 
ras  pelejando,  e  continuando  com  a  mais  verdadeira  Acclama^ao. 

358  Ncm  se  deve  reparar  em  que  o  dito  Capitao  mór  de  Angra  di- 
latasse tanto  està  Aedamacuo,  tendo-a  tanto  anticipado  o  outro  CapitSo 
mór  da  Capìtania  da  Praia  na  tal  Villa,  porque  assim  ambos  fizerio  o 
que  devino  fazer;  pois  o  Capitao  mór  da  Praia  nao  tinha  alti  ìnimigo  al- 
gum,  centra  qiiem  se  prevenir,  e  preparar,  e  o  Capitao  mór  de  Angra 
tinha  n'clla  a  grande,  e  inexpugnavel  Fortaleza  de  Sao  Felippe,  o  Castel- 
lo de  Sao  Sebastiao,  o  corpo  da  guarda  do  mar,  e  alguns  dos  muito  prime!- 
ro  nobres,  obrigados  a  Fortaleza  grande;  e  centra  tudo  isto  se  devia  pre- 
parar, e  prevenir;  e  assim  procederao  acertadissimamente;  d'onde  veio 
ficarem  entao  ambos  os  Capitaes  móres  por  Go\Trnadores  da  guerra  cen- 
tra Castella,  e  nenlium  determinar  cousa  alguma  sem  o  parecer  do  ou- 
tro, e  so  preceder  sempre  o  Capitao  mór  de  Angra,  por  estar  em  seu 
districto,  mas  com  tanta  uniao  sempre,  corno  de  tao  grandes  fidalgos  se 
esperava,  e  so  vera  no  seguintc. 


UV.  VI  GAP.  XXXIII  175 

cAprruLO  XXXIII 

Da  Aeelama^ù  feita  em  oulras  Ilha$y  e  soccorro  que  mandardo  à  Terceirn; 
e  do  que  succedeo  a  deus  natios  que  estavào  no  porto  de  Angra. 

359  A  nenhuma  outra  Uba  das  que  chamao  dos  A^ores,  tìnha  el- 
Rei  mandado  aviso,  e  òrdem  de  sua  Acclamacao,  sen9o  à  liha  Terceira, 
e  Cidade  de  Angra;  porém  a  6  de  Abril  de  1641  vierSo  cartas  do  novo 
Bei  D.  JoSo  ao  Gonde  Donatario  de  S.  Miguel»  i  Camera  de  Penta  Del- 
gada,  6  Juiz  de  fora  para  o  acclamarem,  e  ajudarem  a  liha  Terceira  a 
oobrar  a  Fortaleza  de  Sao  Felippe,  correspondendo-se  com  o  Padre  Fran- 
ciaco  Cabrai  da  Companhia  de  Jesus,  que  S.  Magestade  mandava  ent3o 
para  os  Capitaes  móres  da  Terceira  reduzirem  a  dita  Fortaleza,  etc.  Re- 
cebidas  estas  cartas,  foi  logo  acclamado  o  novo  Rei  em  toda  a  Ilha  de 
S8o  Miguel  Sem  contradiccao  alguma,  e  da  mesma  sorte  na  liba  de  San- 
ta Maria.  0  que  sabido  pelos  dous  Capit3os  móres,  e  Governadores  da 
guerra  da  Terceira,  mandarSo  logo  pedir  a  S.  Miguel  algum  soccorro,  e 
Ibe  vierao  de  là  duas  peC'as  grandes  de  bronze,  e  alguma  polvora,  e  al- 
giim  ferro.  0  que  visto  em  Angra,  mandou  està  às  outras  de  baixo  o 
Capit2o  Vital  de  Betencor,  ìrmao  do  Capitao  mór  de  Angra  Joao  de  Be- 
taocor  e  Vasconcellos,  e  o  Padre  Frei  Antonio  Evangelbo,  Franciscano, 
para  que  acclamassem  a  el-Rei,  comò  flzerao,  primo  na  celebre  Uba  do 
Fayal,  e  na  grande  visinha  Uba  do  Pico. 

360  0  Fayal  concorreo  logo  para  Angra  com  alguma  polvora,  mur- 
ato, cbumbo,  e  ferro.  A  Uba  da  Graciosa  foi  mandado  o  Padre  Frei  Dio- 
go  das  Cbagas,  tambem  Franciscano:  e  acclamado  là  El-Rei,  vierao  de  là 
para  Angra  pe^as  pequenas  de  bronze,  falcoes,  e  bergos,  e  fazendo-se  o 
mesmo  na  Uba  de  Sao  Jorge,  acodio  està  tambem  com  o  mais  que  pode, 
B  muito  mais  òom  a  pessoa  do  Capitùo  mór  Manoel  Correa  de  Mollo,  Q- 
dalgo  de  que  abaixo  faremos  larga  men^ao,  porque  se  Ihe  deo  logo  o 
posto  de  Capitilo  mór  da  Armada  de  Angra.  He  porém  de  advertir  que 
3Stas  ordens  de  Angra  para  as  outras  Ilhas  sabiao  da  Praìnlia,  ou  porto 
te  Sao  Mattheos,  buma  legoa  da  Fortaleza  cercada  ;  e  outras  sabiao  da 
^illa  da  Praia,  tres  legoas  da  Cidade,  e  algumas  do  porto  da  Villa  de  S5o 
SebastiSo,  e  tambem  algumas  vezes  do  principal  porto,  ou  bahia  de  An- 
;ra,  mas  de  noite,  e  em  bateis,  porque  o  de  mais  impedia  a  artelharia 
do  Forte  de  S.  Antonio,  que  sobre  o  porto  tinba  a  Fortaleza  grande. 


176  IlIS'CDRIA  INSULANA 

361  No  dito  porto  de  Angra,  quando  comecon  o  cerco,  e  a  guerre 
contra  o  Castello,  nao  estavao  mais  que  dous  navios,  dos  quaes  bum  jà 
estava  carregado  de  farinhas,  e  vinbos  para  o  Brasil,  e  oiitro  navio  la- 
glez,  e  demais  buma  caravela,  jà  encalbada  no  nosso  portinho  de  pipas: 
ao  do  Brasil  queria  o  Castello  levar  junto  às  saas  muralhas,  para  se  apro- 
veitar  dos  mantimentos  que  levava;  e  havendo  na  Cidade  quem  se  oflè- 
recìa  a  Ibe  ir  cortar  a  amarra,  e  dar  com  elle  à  costa,  foi  descuido  gran- 
de nao  se  fazer  assim«  e  contentarem-se  com  Ibe  atìrarem  algumas  pecas 
para  o  affundir,  porque  ainda  assim  o  Castello  o  puxou,  e  eocostoa  a  A 
de  sorte,  que  se  aproveitou  dos  mantimentos  que  le\'ava;  e  s6  depois  o 
navio,  com  bum  temporal  que  veio,  e  com  estar  ab^to  da  nossa  arte- 
Ibaria,  so  entao  se  foi  apique  ;  e  os  Castelhanos  com  taes  maDtimentos 
sustenlarao  o  cerco,  muito  mais  tempo  do  que  sem  elles  o  podilo  siis* 
tentar. 

362  Pelo  contrario  o  Mestre  do  navio,  sendo  |de  noite  por  bnina 
barca  cbamado  ao  Castello,  animoso  foi,  e  persuadindo-o  o  Mestre  de 
Campo  que  Ibe  quizesse  ir  a  Castella  levar  bum  aviso  seu,  contratoo  o 
Inglez,-  qne  se  Ibe  dessem  logo  cento  e  cincoenta  mil  réis,  e  manlimeii- 
tos  para  a  jornada,  que  sim  irla  a  Castella  levar  o  dito  aviso;  e  confiado 
0  Mestre  de  Campo  Ibe  deo  logo  tudo  o  que  pedia,  e  mettendo  mais  oa 
barca  buns  poucos  Caslelbanos,  que  levav3o  o  aviso,  o  Mestre  Inglez  se 
foi  com  elles  metter  no  seu  navio  ;  porém  tendo  aviso  dos  sens  conlnh 
tadores  que  na  Cidade  estavao,  determinou  sabir-se  para  Inglaterra;  e 
OS  Castellìanos  suspeitando-o,  buns  se  lancarao  é  barca,  fugindo  para  o 
Castello,  outros  se  lancar3o  a  nado,  e  forao  logo  apanbados,  e  preios 
pelos  Portuguezes  da  Cidade;  e  o  navio  Inglez  se  sahio  logo,  e  deo  com* 
sigo  no  porto  da  Villa  da  Praia,  e  d'abi  para  Inglaterra*  deixando  ao 
confiado  Mestre  de  Campo  sem  o  dinbeiro,  sem  os  mantimentos  que  Die 
tirou,  e  sem  aquelles  soldados  que  se  Ibe  prenderao. 

CAPITOLO  XXXIV 

Do  primeiro  soccorro  que  veio  de  Castella,   e  foi  tornado  pelos  nossot; 
da  Armada  pela  Illia  constiiuida^  e  vinda  do  Padre  Francisco  Cabrai, 

363  Aos  7  de  Abril,  em  buma  ter^a  feira,  appareceo  defronte  da 
Villa  d9  Pi'aia  bum  navio,  quo  cbegando  junto  ao  porto  do  lugar  cbama- 


UY.  VI  CAI».  XXXIV  177 

do  Porto  Judeo»  foi  conhecido  ser  de  Castella  ;  n*elle  vinlia  Manoel  do 
Canto  e  Castro»  filbo  de  outro  [)rimeiro  do  nome,  e  neto  de  Fedro  de 
Castro  e  Canto,  e  bisneto  de  Antonio  Pires  do  Canto,  e  terceiro  neto  do 
famoso  Fedro  Anes  do  Canto,  todos  naturaes,  morgados,  e  Gdalgos  prin- 
dpaes  da  dita  liba  Terceira,  e  o  di(o  Manoel  do  Canto  que  vinha  no  na- 
tio» andava  militando  por  Castella  em  suas  guerras,  e  achandose  em 
Madrid,  e  sabendo  o  levantamento  da  Ilha  contra  o  Castello.,  se  ofTere- 
ceo  a  Felippe  II  para  vir  compor  os  tumultos  d'aqnella  sua  Illia,  ondo 
OS  melbores  erSo  seus  parentes,  e  com  elles  comporìa  tudo.  Creo-o  Fe- 
lippe, e  entregou-lbe  huma  nào  com  Capi  tao,  e  Filoto  Fortuguezes,  e 
muitos  soldados  Castelbanos  :  chegado  este  navio  ao  dito  Forlo  Jndeo, 
tomou  bum  batel,  e  lingua  n'elle  do  estado  em  que  estava  a  terra,  e  as- 
sim  persuadio  aos  da  nào  podiao  desembarcar  seguros  ;  e  fazendo-o  as- 
8im,  forSo  OS  Castelbanos  prezos,  e  os  Fortuguezes  livres,  e  a  nao  con- 
fiscada  pela  Uba  para  principio  da  Armada  que  queria  levanlar;  e  o  Cas- 
tello hcou  sem  o  soccorro. 

364  Fassados  poucos  dias  apparecerao  mais  duas  fragatas  que  vi- 
nbSo  com  avisos  de  Sevilba,  e  querendo  cbegar,  e  fallar  aos  Castelbanos 
Da  ponta  do  Zimbreiro,  o  Capitao  Affonso  Comes  Feres,  do  Reducto  que 
die  tinba  feito  por  aquella  banda,  disparou  sobre  as  duas  nàos  tao  boas 
pecas,  que  as  impedio  cbegarem  ao  Zimbreiro  ;  e  passando  adiante  as 
ditas  Dàos  para  o  Forto  Judeo,  em  as  vendo  os  nossos,  se  embarcarao 
logo  muitos  soldados,  e  varios  nobres  na  nào  em  que  tinba  vindo  Manoel 
do  Canto  e  Castro,  e  forao  animosamente  sobre  as  duas  de  Sevilba,  e 
por  estas  conbecerem  o  navio,  ser  o  que  tinba  vindo  de  Castella;  o  dei- 
xarSo  cbegar  tao  perto,  que  laudando  gente  dentro  nas  duas  fragatas,  as 
renderSo  a  ambas,  ainda  que  com  alguma  resistencia,  mas  sem  morte 
da  Dossa  parte  ;  e  notando  a  dous  Castelbanos,  e  a  bum  corlando-lbe 
barn  braco,  de  que  depois  morreo  no  Hospital  de  Angra,  os  mais  Cas- 
telbanos forao  prezos  na  cadea  da  Cidade,  e  as  fragatas  Sevilbanas  forao 
logo  bem  providas  da  nossa  gente  de  guerra,  e  com  a  primeira  andavao 
esperando  quaesquer  outras  que  viessem  de  Castella;  e  as  cartas  que  vi- 
nbSo  nas  fragatas  para  o  Mestre  de  Campo,  lerSo  os  dous  Capitaes  mó- 
res,  Governadores  nossos,  e  de  nada  entao  soube  o  Mestre  de  Campo 
senao  multo  depois. 

365    Em  21  de  Abril  apparecerao  buma  nào,  e  bnma  caravela,  e 

em  OS  nossos  as  vendo^  mettcrao  logo  mais  gente  de  guerra  nas  nossas 
voL.  u  a 


178  IIISTOIUA    INSIIANA 

Ires  rrngalas,  que  ostavao  ancorndas  nos  Ilhcos,  e  forao  sobre  as.qiie  vi- 
iiliao  ;  porém  chegaiulo  souberao  que  vinhao  da  liba  de  Sao  Miguel,  e 
traziao  cartas  dol-Uei  D.  Joiio  o  lY  para  Àngra.  Vinba  mais  em  o  navio 
huin  Capitao  dà  Ordcnanca  de  Punta  Uelgada,  cbamado  Dingo  Leite  Bo- 
telho  de  Yasconcellos,  que  comsigo  irouxe  soldados,  e  d'clles  fez  huma 
Companbia,  com  qne  assislia  no  cerco  do  Castello,  em  as  trincheiras  de 
noile,  e  de  dia;  e  servio  sem[)rc  tao  bonradamentc  corno  tao  conbecido 
fidalgo  que  era.  E  no  firn  de  Maio  seguiate  veio  de  Sao  Miguel  tambem 
outro  Capitao,  nobre.  e  rico,  por  nome  Maooel  de  Medeiros  da  Costa, 
e  à  sua  custa  trouxe  comsigo  cincoenta  bomens;  e  andou  quasi  trcs  me- 
zes  em  bum  navio  da  Armada  da  Uba  Terceira,  servindo  a  S.  Magestade 
com  grandoza,  e  valor,  comò  quem  era. 

360    Desde  mciado  de  Fevereiro  até  25  de  Abril  partirao  da  Ilhn^ 
Terceira  a  Lisboa  qualro  avìsos  a  El-Rei  ;  o  primeiro  foi  buma  cararel;» 
de  Gaspar  Marlìns,  vizinbo  de  Angra,  e  a  tomarao  osMouros,  eievarjo 
a  Argel.   0  sogundo  foi  outra  caravela,  que  partio  em  Domingo  de  Rar- 
mos,  e  tinba  vindo  das  Indias.  0  tcrceiro  Toi  tcnu^ira  caravela,  que  tinlia 
vindo  da  Babia,  e  partio  em  23  de  Abril,  jà  depois  de  comecada  a  gocr* 
ra  vinte  e  sete  dias  antes.  e  n'ella  foi  com  o  aviso  o  Capilao  Jo3o  Tef- 
xeira,  e  bum  Religioso  Franciscano  cbamado  Frei  Antonio  Paim.  0  quarto 
aviso  foi  buina  das  duas  fragatas,  que  tinbao  vindo  de  Sevilba,  e  n'ella 
foi  0  iìdalgo  Manoel  do  Canto  de  Castro,  e  o  Capitao  Roque  de  Figueì- 
redo  com  dous  Pilotos  da  liba,  Gaspar  AITonso,  e  Manoel  Godinbo;  e 
este  (|uarto  aviso  partio  dous  dias  depois  do  terceiro,  jà  em  26  de  Abril, 
e  se  dava  conta  de  estar  jà  S.  Magestade  acclamado  em  toda  a  liha,  e 
0  Castello  cercado,  e  dos  suc<:essos  do  cerco,  e  que  fosse  servido  S.SIa-      | 
geslacle  mandar  lambem  Galeocs,  que  por  mar  o  cercassem,  eie. 

367  Partido  o  quarto  aviso,  cbogou  depois  (ji  ainda  no  mesino  dia 
2o  do  Abril)  Imma  nào  Olandoza,  vinda  de  Lisboa,  que  levava  cartas 
dei-Rei  para  os  Capitàes  móres,  Camera,  Cabido  da  Sé,  e  para  oiilras 
pessoas  principaes,  louvando-lhcs  mnito  o  que  tinbao  obrado;  e  mandoa 
tambem  vinte  e  ciuco  quinlaes  de  polvora,  e  oulros  taniosde  baia,  além 
do  murrao,  e  outras  munifóes,  e  na  mesma  nào  mandou  o  Padre  Fran- 
cisco Cabrai  da  Companbia  de  Jesus,  que  jà  d*antes  tinba  estado  na 
mesma  liba  com  o  cargo  de  Visitador  da  Companbia,  e  agora  o  manda- 
va El-Uei  por  Superinlendenle  da  guerra  conlra  o  Castello.  E  o  Capitao 
Olandcz  cnlrogou  a  ordem  das  pazcs,  qne  El-Rci  tinba  fello  com  os  Olao- 


LIV.  Vi  CAI».  IXXV  i79 

dazcs  da  Lintia  pdfd  cà;  e  ìogo  aos  27  de  AbrìI  se  publicarao  na  praca 
com  loda  a  solemnidade  militar  ;  e  o  mesmo  Capitio,  e  nào  Olandeza, 
ficou  a  soldo  tomada  para  andar  com  a  Armada  da  liha,  que  com  mais 
oatrd  nào  Olandeza  que  velo  do  Palai,  e  outra  das  Indias  que  tambem 
do  Faìal  veio,  chegou  a  Armada  a  onze  nàos,  que  su^tentava,  e  pagava 
a  Uba  Terceira,  e'sperando  as  contrarìas  que  de  Caslelfa  viessem  em  soc- 
corro do  Castello» 

CAPITULO  XXXV 

De  varios  rehales,  -e  choqnes  que  honve  eniào  n*e$te  cerco,  e  do  scfjunJo 
soccorro  de  Cartella,  que  Angra  tomou  ao  Castello. 

308  Em  2  de  Maio,  quinta  feira  As  onze  horas  do  dia,  saiiio  da 
Fortaleza  o  Casteihano  commettendo  as  nossas  trincheiras  a  mosquetas- 
808,  e  (iros  de  artelharia;  mas  foi  tal  da  nossa  parte  a  reposta  de  humas, 
e  outras  balas»  que  o  inimigo  se  retirou  com  dous  soldados  murtos  de 
homa  peca  de  artelharia,  que  disparou  o  Capitao  Affonso  Comes  Peres 
do  sea  Reducto  ;  de  que  sentido  o  inimigo,  logo  em  o  mesmo  dia  às 
onze  da  noite,  tornou  a  sahir  com  tal  furia,  que  durou  o  combate  duas 
horas  inteiras,  até  entrar  o  dia  da  Vera  Cruz  na  sesta  feira,  em  a  qual 
Ilio  so  com  innumeraveis  tiros  de  huma,  e  outra  parte,  mas  com  pes- 
soaes,  e  continuos  encontros,  a  lanca,  e  à  espada,  em  que  da  Companhia 
do  Capit3o  Vital  de  Betencor  chegou  hum  Alferes  seu,  por  nome  Ma- 
noel  Comes,  com  huma  esquadra  sua,  a  levar  diante  os  Castclhanos  até 
0  seu  fosso  do  Castello,  aonde  ninguem  tinha  chegado,  e  com  tal  valor, 
e  tal  successo,  que  nem  morto,  ncm  ferido  houve  entao  da  nossa  parte» 
chovendo  continuamente  tanto  as  balas,  que  da  artelharia  derao  muitas 
no  fronteiro  Convento  de  S3o  Confalo,  e  Ihe  flzerao  grande  damno,  po- 
rém  (milagrosa  cousa!)  dando  huma  baia  de  doze  libras  em  huma  pare- 
de  de  pedra,  e  cai,  e  de  grossura  de  tres  palmos,  e  furando  a  parede 
por  onde  estava  hum  paìnel  de  Santo  Antonio,  cahio  a  baia  em  baixo 
entra  caligas,  e  pedras  que  comsigo  levou,  e  o  painel  flcou  illeso,  e  em 
sima,  comò  d*antes;  cousa  que  os  que  a  virao,  julgarao  por  milagrosa. 

369  Assim  continuava  a  guerra  d'este  cerco,  e  tao  porGada,  e  tra- 
balhosa,  que  ncm  de  noite,  nem  de  dia  se  parava  n  ella  ;  e  em  20  do 
mesmo  Maio,  dia  da  Santissima  Trindade,  commetteo  o  Castello  as  nos- 
sas trincheiras  com  tal  furia,  que  durou  està  peleja  toJa  a  noite  alò  pela 


iSi)  IIISTOIUA  INSt'lANA 

nianlia  sem  dcscanso  algiim,  e  morrerao  dous  nossos,  e  tres  TicarSo  fe- 
ridos,  e  ainda  mais  dos  seus,  sem  poder  saber-se  o  numero  :  e  logo  no 
seguinle  dia  o  valoroso  CapitSo  Joao  de  Avila  com  loda  a  sua  Coropa- 
nhia  foi  por  huns  campos  de  trigo  que  ficao  debaixo  da  artelharia  do 
Castello,  e  com  tal  reparo  da  mosquetaria,  que  cbcgou  a  bum  Reducto 
do  inimigo»  e  o  investio  de  tal  sorte,  que  o  entrou,  e  desfez,  sem  pode- 
rem  mais  servir-se  d'elle  ;  e  fot  està  buma  das  mais  perigosas»  e  arris. 
cadas  batarias,  que  bouve  n'esta  guerra.  E  n*este  tempo  levantou  Angn 
duas  Companbias  de  Aventureiros,  e  por  Capitàes  a  bum  Fedro  de  De- 
tencor,  naturai  da  Uba  da  Madeira,  e  a  outro  Joao  Ibre,  filho  de  Belchior 
Macliado  de  Lemos,  com  soldo  de  quatro  mil  réis  ao  prìDcipio,  e  tre& 
vintens  cada  dia  :  logo  bum  Jo3o  da  Fonseca  CbacSo,  contratador  rìoo» 
levantou  a  sua  custa  outra  Companbia  com  soldados  que  fez  vir  das  lihas 
de  baixo. 

370  Aos  29  de  Maio  cbegarSo  a  Villa  da  Praia  dous  navios  Fran^ 
cezes  de  Lisboa,  e  em  bum  d'elles  vinba  Roque  de  Figueiredo,  qne  tt* 
nba  ido  de  aviso,  e  bum  Corregedor,  por  nome  Manoel  Figueira  Uelga* 
do;  e  com  elles  vierao  cincoenla  quintaes  de  polvora,  e  multo  murrào, 
e  balas  de  artelbaria,  das  quaes  bavia  ja  falta,  pelas  muilas  que  conti- 
nuadamente  se  gaslavao  ;  e  juntamente  vierao  cartas  de  S.  Magestad^ 
assim  para  a  Camera,  e  (ìapitaes  móres,  comò  para  as  maiores  pessoas, 
com  grandes  agradecimenlos  de  sustcntarem  tal  cerco  i)osto  ao  Castello, 

e  com  grandes  promessas  de  soccorro,  e  de  premios,  e  despaclios,  aos 
que  tanto  os  moreciOo;  e  isto  so  bastou  para  todos  se  animarem  a  con- 
tinuar 0  cercai,  e  a  perder  fazendas,  e  vidas  por  conquistarem  a  fortale- 
za:  tanto  anima  o  premio  a  soldados! 

37 1  N'esle  tempo  lidava  jà  o  Visitador  da  Companbia  de  Jesus,  o 
Padre  Francisco  Cabrai,  comò  Superi ntenden le  da  guerra,  do  dar  noticia 
ao  Mestre  de  Campo  do  Castello  das  ordens  que  trazia  de  S.  Mageslade 
para  Ibe  communiciìr,  e  por  mais  escritos  qne  fez  langar  no  fosso  dos 
Caslelbanos,  de  nenbum  leve  reposta,  até  qne  com  conselbo  dos  Capi- 
tàes moros,  e  outras  pessoas  do  governo,  mandou  bum  mulatinho  do 
Capitao  Manoel  do  Canto  Teixcira  da  Villa  da  Praia,  e  das  nossas  trio- 
cbeiras  sabio  com  tambor,  e  bandeira  branca,  e  recado  por  escrito,  e  o 
vierSo  tornar  junto  ao  seu  fosso  alguns  soldados  Castelbanos,  e  o  leva- 
rao  com  roste  tapado  ao  seu  Mestre  de  Campo,  em  31  do  mez  de  Maio, 
e  i)or  bum  Sargento,  e  i)ur  escrilu  mandou  logo  o  dito  Mestre  de  Cam- 


UV.  VI  CAP.  XXXV  181 

pò  reposta,  qne  se  enircgou  ao  CapiUSo  Jo3o  de  Avita,  qae  eslava  na 
frooleìra  ;  e  em  2  de  Junho  veio  do  Castello  o  seu  Tenente  abaixo  com 
0  Alferes  D.  Fedro  Ortiz  de  Mello,  e  da  parte  da  Cidade  Ihes  sahirao 
Sebastiao  Cardoso  Macbado,  e  Thomé  Correa  da  Costa,  (pessoas  princi- 
paes  da  Cidade)  e  na  guarita  acima  da  Boa  Nova,  Ihes  mostrarao  as  or- 
deos  de  S.  Magestade,  que  ao  Mestre  de  Campo,  entregando  o  Castello, 
0  fazia  Conde  em  Portagal,  e  com  dez  mil  cruzados  de  renda,  e  outros 
partìdos  ao  Tenente,  e  Alferes  do  Castello  ;  e  communicando  tudo  ao 
Mestre  de  Campo,  dizendo  que  havia  dias  sabìa  da  offerta  qne  se  Ihe 
fazia,  mas  que  nSo  cabla  em  sua  pessoa,  etc.  E  assim  fìcou  a  guerra 
corno  d  antes,  e  nem  parou  nos  dous  dias  d'estas  embaixadas,  senao  so 
Das  horas  em  que  hiao,  e  vinh3o  ;  e  nem  em  30  de  Maio  se  fez  a  prò- 
cissao  de  Corpus  Christi,  mas  sómente  a  festa  em  a  Sé,  onde  prégou  o 
dito  Padre  Yisitador  da  Companhia;  e  de  tudo  logo  veio  aviso  a  S.  Ma- 
gestade a  Lisboa  em  5  de  Junho. 

372  Continuando  o  mez  de  Junho,  e  ja  aos  20  d'elle,  a  huma  bora 
depois  do  meio  dia  chegou  nova  a  Cidade,  que  da  banda  da  Villa  de  Sào 
Sebastiaio  estavao  dous  navios  de  Castella,  e  tinh3o  deitado  jà  gente  em 
terra,  aonde  chamavSo  o  Porto  das  mós  ;  o  que  ouvido,  mandarao  logo 
0$  Capitaes  móres  gente  de  cavallo,  e  tres  Companhias  de  Infantarla;  e 
da  Villa  da  Praia  acodirao  outras  tres,  e  huma  da  mesma  Villa  de  S3o 
Sebastiio,  e  outra  do  lugar  do  Porto  Judeo,  as  quaes  oito  Companhias 
linliao  mais  de  setecentos  homens,  além  dos  de  cavallo  ;  e  logo  manda- 
nio  aos  navios  da  Armada  da  liha  fossem  sobre  os  de  Castella,  corno  fi- 
zerao  logo.  Os  nossos  da  Uba  acharao  jà  a  trezentos  Castelhanos  forma- 
dos  em  terra,  e  come  o  Capitao  mór  Francisco  Dornellas  da  Camera, 
(que  era  bum  dos  dous  Governadores)  tinha  tambem  acodido,  quizerao 
logo  OS  nossos  investir,  e  destruir  aos  Castelhanos,  que  vendo  em  terra, 
e  por  mar  tao  superior  poder,  sem  puxar  nem  por  espada,  no  mar,  e 
oa  terra  se  entregarao,  com  Ihes  darem  so  as  vidas. 

373  Foi  tanto  mais  importante  està  vitoria,  quanto  sem  sangue, 
cu  ferro,  e  so  com  apparecerem  alcancada,  e  sem  parar  Angr^  com  o 
cerco,  e  conquista  de  Castello,  nem  este  com  sua  artelharia,  e  investi- 
das  abaixo  :  e  ainda  mais,  porque  ficou  privado  o  Castello  nao  so  dos 
mantimentos.  mas  das  muni^oes,  e  gente  que  os  navios  Ihe  traziao,  que 
so  de  polvora  er3o  cento  e  cincoenta  quintaes,  e  outros  tantos  de  mur- 
rao,  e  muito  chumbo,  muitas  armas,  piques,  e  instrunientos  bellicos. 


182  IIISTORI^  INSULANA 

Por  Cabo  da  soldadesca  vinha  bum  D,  Luis  de  Viveiros,  irmuo  do  Mes- 
tre de  Campo  do  Castello  cercado,  e  dous  Capitaes  mais  com  suas  mu- 
Ihcres,  e  Glhos,  e  com  seus  Alteres»  e  Sargeatos,  e  bum  Corregedor 
Portnguez  para  a  liha,  e  todos»  tomadas  as  armas.  forao  prezos  n'aquella 
»oite  para  a  Cìdade;  e  o  Cabo  D,  Luis  foi  ievado  para  o  Castello  de  Sao 
Sebasliao  com  huma  pataca  cada  dia  para  seu  sustento;  e  o  Corregedor 
no  Convento  da  Graca  com  bum  Clerigo  Castelbano  que  tambem  vinba, 
cbamado  o  Padre*  Guizaro^  Da  soldadesca  forao  logo  duzentos  e  ciocoeo- 
la  passados  a  Sao  Miguel,  outros  para  a  Uba  de  Suo  Jorge,  oulros  a 
Lisboa»  e  a  oulros  dividirao  pelas  Villas»  e  Lugares  da  mesma  IlbaTer- 
ceira. 

37^  Na  vespei*a  do  successo  sobredito  tinluo  cbegado  de  Suo  Mi- 
guel duas  nàos  para  andarem  com  a  Armada  de  Angra,  e  alguns  solda- 
dos  com  duas  pe^as  de  bronzo,  e  algumas  Tarinlias;  e  aos  21  do  dito 
Junbo  cbegarao  de  Lisboa  a  Villa  da  Praia  dous  navios  Prancezes  a  car- 
regar  de  trigo,  e  n^etles  cartas  de  S.  Magestade  para  os  Capil3es  mures, 
e  para  o  Collegio  da  Companbia  de  Jesus,  nas  qjaes  agradecia  rauito  a 
dita  Uba  a  lealdadc»  e  valor  com  que  se  bavia  do  cerco  da  Fortaleza^  di- 
zendo  que  tinba  a  tal  Uba  nas  (neninas  de  seus  ollios,  e  que  contiuuas- 
s.*m  em  tal  cerco  até  elle  acodir,  o  que  faria  logo,  pois  fica  va  ordeQando 
liuma  niio  de  municoes»  e  atraz  d'ella  mandarla  buma  Armada  de  soc- 
corro; e  a  todos  pagaria  bera  seus  servicos, 

373  E  cbegados  os  i2  de  Julbo,  cbegarao  laml>em  à  Terceira,  e  de 
Lisboa,  bum  pataxo»  e  buma  caravela  com  repelfdas  cartas  de  Sua  Ma- 
gestade para  i  Camera,  e  governo  de  Ai^ra,  dieias  de  agradecimentos, 
e  novos  ollerecimenlos  de  mercés;  e  aos  17  do  mesmo  mez  a[)ortou  na 
Villa  da  Praia  buma  nào  Olandeza»  vinda  tambem  de  Lisboa,  e  n'estas 
tres  embarca^)es  vierao  sete  Capitaes  com  seus  oilìciaes,  e  o  priocipal 
d*elles  era  Pedro  de  Castro  do  Cauto»  filba  de  Diego  do  Canto  e  Castro, 
fldalgos  a'Uuraes  da  mesma  Angra  ;  e  com  elles  vierao  quatro  pecas  de 
l^rouze,  Imma  de  baia  de  41  livras,  outra  de  2a  e  outras  de  menor  ca- 
libre,  e  cincuenta  q'uinlaes  de  polvora,  e  duzentas  e  cincoenta  balas,  e 
muito  cbumbo,  quantidade  grande  de  murrao,  duzentas  pés,  trinta  pi- 
cai*etas,  dusentas  enxadas»  qualrocentas  espadas,  etc^,  e  tudo  era  neces- 
sario, porque  a  guerra  nào  cessava  nem  de  dia,  nem  de  noUe»  e  todas 
as  mnnivucs  de  guerra  eram  poucas  por  se  gaslarera  logo. 


LIV.  VI  CAP>  x,\xvi  183 

CAPITILO  XXXVI 

Jh  aviso  que  o  Castello  mandava  a  Castella,  que  Ih'o  tomou  a  Cidade; 
e  de  outros  successos  d'este  cerco. 

370  Vendo-se  o  Castello  fortemente  apertado  da  Cidade,  e  tendo 
lantas  enxarcias  dentro  em  si,  fez  là  buma  embarcac3o  para  avisar  a 
Castella  do  aperto  em  que  se  via;  e  logo  por  lium  negro  do  dito  Pedro 
de  Castro  do  Canto,  que  do  castello  velo  a  cidade  fugido,  se  soube  n'ella 
do  tal  intento,  e  logo  a  cidade  poz  no  mar  a  Armada  de  vigia;  e  em  12 
de  Juiho  ao  romper  da  manha  langou  ao  mar  o  castello,  pela  ponta  do 
Zimbreiro,  a  sua  embarca^Sio  com  dez  castelhanos  n'ella;  porém  buma 
das  nossas  embarca^^s,  que  era  a  de  Francisco  Quarte,  o  Sardo  de  al* 
canha,  e  do  Piloto  Louren^o  Rodriguez,  com  soldadesca,  e  dous  Falcoes 
de  bronze,  virao,  e  seguirlo  o  castelbano  aviso,  e  jà  o  nao  poderao  al- 
cancar  senao  trinta  e  cinco  legoas  ao  Sul  da  liba,  e  investindo  logo  a 
embarcacao  castelhana,  ella  logo  se  rendeo,  e  a  trouxe  o  dito  Sardo,  e 
a  entregou  aos  Capitaes  móres  da  guerra;  e  postos  os  castelbanos  a  per- 
gantas,  descobrirSo  todo  o  aperto  em  que  a  praca  estava  jà;  forao  pre- 
zos,  e  mandados  com  outros  mais  prezos  castelhanos  para  a  Uba  de  S. 
MigueL 

377  Feito  isto,  mandou  o  Mestre  de  Campo  da  Fortaleza  bum  tam- 
bor  abaixo  com  recado,  e  levado  na  fórma  de  guen*a  aos  Capitaes  mó- 
res, se  entendeo  que  vinha  mais  por  espia,  a  saber  se  ifb  verdade  era 
tornado  o  seu  navio  de  aviso,  e  se  eslavao  prezos  seu  irmao  D.  Luis,  e 
0  Padre  Guisarro  ;  porque  assim  o  diziao  os  nossos  soldados  das  trin- 
cheiras.  Mandarao  os  Capitaes  móres  levar  com  rosto  tapado  ao  dito 
castelbano  enviado,  e  mostrar-lbe  os  ditos  prezos:  e  certifìcado  o  Mestre 
de  Campo,  tornou  a  mandar  outro  recado,  cbeio  de  amea^as  de  sua  ar- 
leliiaria,  e  suas  balas  ;  ao  que  se  llie  respondeo,  que  balas,  e  artelbaria 
tinba  tambem  a  cidade,  e  que  nao  tornasse  a  mandar  recados  semelban- 
tes»  porque  nao  lomaria  (|uem  os  trouxesse. 

378  Em  dia  de  Sao  Joao  Baptista,  e  em  nìemoria  do  nosso  Rei  D. 
Jo3o  0  IV  se  fez  em  toda  a  cidade,  e  nas  trincbeiras  tao  grande,  e  mi- 
litar festa  de  artelbaria,  arcabuzaria,  foguetes,  e  invencoes  de  fogo,  e 
tantas  bandeiras  se  arvorarao  de  mais,  que  os  do  castello  se  persuadirao 
qiie  os  nossos  n  arinella  noite  queriao  dar  assalto  a  Fortaleza;  e  nem  de 


184  inSTORIA  INSLXANA 

dia,  nem  de  noilc  parou  a  artelharia,  e  arcabuzaria  de  huma,  e  outra 
prie,  ale  que  pondo  os  nossos  huma  boa  pcga  na  trinclieira  da  Ermida 
da  Boa  Nova,  e  disparando-a  de  repente  centra  a  trinclieira  inimiga  que 
ostava  em  a  guarita  dos  alemos,  nao  obstante  ser  de  telha,  e  ter  reparos, 
tal  estrago  Tez  niella,  que  matando-llie  dous  homens,  e  ferindo  a  muitos. 
logo  a  desempararào  os  cnstclhanos;  porénoi  succedeo  logo,  que  pegando 
por  duas  vezes,  e  por  desaslre  o  fogo  nas  nossas  Irincheiras,  e  acodindo 
todos  OS  nossos  a  apagal-o,  clìoveo  tanta  artelbaria,  e  mosquetaria  sobre 
elles,  e  da  nossa  parte  sobre  os  castelhanos,  que  durou  a  bataria  até  toda 
a  noite,  e  foi  huma  das  maiores  quoliouve  neste  corco,  mas  o  fogo  se  apa- 
gou,  e  Sem  morte  de  algum  nesso. 

370    Seguio-se  logo  vir  fugido  lium  soldado  do  castello  a  metter-se- 
com  OS  nossos,  e  pouco  depois  oulro,  e  levados  ambos  aos  CapitSies  1116- 
res,  separados  confessarao,  e  0  mesmo  cada  bum,  0  aperto  em  que  eslav^ 
0  caslello,  que  de  gente  que  pudesse  tornar  armas,  so  tinlia  la'zentos  ho- 
mens; de  polvora,  e  muniQues  ja  nem  metade;  de  mantimentos  muitos  si^ 
perderao,  0  trigo  com  0  gorgullio;  de  vinbo  liavia  ja  muito  poucOp  equo 
cbegarùo  a  matar  tres  jumentos,  que  servuio,  e  os  comerao,  e  dos  oou- 
ros  faziào  seus  sapalos,  eie,  0  que  ouvindo  osCapitaes  mùres»  manda- 
rao  a  cada  bum  dar  seis  mil  réis  para  se  vestirem,  e  melo  tost3o  de 
soldo  cada  dia. 

380  Aos  "lit  de  Jultio  se  levantou  lai  maritìma  tormenta,  de  Xor- 
deste,  e  tao  furiosos  uiares,  que  nunea  iguaes  se  tinbào  visto:  da  nossa 
Àrmada  ancliorada  aos  lllieos,  alguns  navios  se  levantarào  a  véla,  outros 
lìcarao  abrigando-se,  e  ainda  bum  se  virou,  e  com  fazenda  dentro,  e 
dous  dentro  do  porlo  derào  a  costa,  que  biào  para  S.  Miguel  ;  e  barn 
que  vinba  do  Pico,  se  perdeo  na  Ponla  de  S.  iMatheos:  e  durou  està  &• 
tal  tempeslade,  com  cbuvas,  e  furiosos  ventos  sobre  espantosos  roaa'S, 
qua'iro  dias,  e  noiles,  seni  parar  ueni  de  nulle,  uein  de  dia;  e  comtudo 
preveniudo  os  nossos,  iiào  viessem  os  Casleiliauos  ao  proximo  a  elIcs 
Purtinbo  novo  a  buscar  nauri'aganles,  e  madeiras,  ludo  Ibes  preoccupa- 
rao.  pondo  fogo  a  ludo,  e  nem  por  isso  parava,  nem  aqui,  nem  nas  trio- 
cbeiras  0  continuo  combaie  de  artelbaria,  mosquetaria,  e  lanca. 

381  Succedeo  porém  em  0  primeiro  de  Agosto,  que  estando  em 
buma  trincboira  0  Capitào  Ballbesar  da  Costa  Pereira,  e  tendo  dado  li- 
cenra  a  muitos  de  seus  soldados  pura  virem  à  Cidade,  e  as  seutinellas 
poslas  a  dormir,  desceo  bum  Sargento  do  Castello  a  observai-,  e  vendo 


LIV.  VI  CAP.  XXXVI  18S 

0  descuido,  e  voltando  com  quasi  setenta  homens,  derao  na  Companhia 
do  dito  Baltliezar  da  Costa  com  tal  repente,  e  furia,  que  Ilie  matarao 
quatorze  soldados,  e  ferìrao  sete,  ou  oito,  e  ao  dito  Capitao  deixarao 
por  morto  com  seis,  ou  sete  feridas  crivado  :  acodio  porem  o  Capitao 
Constantino  Machado  com  o  seu  Aiferes  Manoel  Cordeiro  Moutoso,  que 
estavio  àlerta  em  outra  trincheira  vizinha,  e  de  tal  sorte  deo  està  Com- 
panhia sobre  os  Castelhanos,  que  dos  nossos  morrerao  so  sete,  e  outros 
lete  ficarao  feridos,  e  fìzerao  retirar  ao  inimigo  com  morte  de  tres,  e 
mnitos  feridos,  e  ainda  da  outra  Companhia  descuidada  levarao  prezo  o 
Strgento,  e  dous  soldados;  mas  a  que  acodio,  nao  so  os  livrou  de  mor- 
rerem  todos,  nem  so  fez  retirar  o  inimigo,  mas  ainda  Ihe  matou,  e  fe- 
rie tanlos,  que  do  Castello  o  Mestre  de  Campo  mandou  logo.pedir  quar- 
tei  para  enterrar  os  mortos,  e  os  jiossos  de  enfurecidos  Ufo  negar3o;  e 
alBnna  a  dita  Relac3o  no  cap.  13,  que  ao  dito  Capitao  Machado,  e  ao 
Aiferes  Cordeiro  se  deve  està  defeza,  e  final  viteria;  pela  muita  vigilan- 
da»  animo,  e  valor  com  que  acodirao  n^esta  occasiao,  e  o  tinhao  sem- 
pre mostrado  n  este  cerco,  e  se  ve  ainda  hoje  no  capacete,  peìtos,  e  es- 
paldares  do  Aiferes,  que  mostrào  as  cutiladas,  e  langadas  que  aturou,  e 
lego  OS  Capitaes  móres  melhorarao  as  sentinellas,  e  reformarao  as  guar- 
das  das  trincheiras,  pelos  motins  que  o  povo  levantou. 

382  Em  0  mesmo  principio  de  Agosto  de  d641  chegou  de  Ingla- 
terra  carta  dos  Embaixadores  Portuguezes  que  là  estavao,  para  cs  Jui- 
KS,  e  Vereadorcs  da  Cidade  de  Angra  da  llha  Terceira,  e  diz  assim: 

383  f  Nao  podemos  deixar  de  dar  a  essa  llha,  e  a  V.  M.  S.  em 
sea  nome,  os  parabens  do  modo  com  que  tem  procedido  centra  os  Gas- 
Idbanos,  que  occupao  a  Fortaleza  de  S.  Felippe,  porque  as  novas  que 
chegario  a  este  Reino  de  Inglaterra,  aonde  ficamos  por  Embaixadores 
d*el-Rei  nesso  Senhor,  do  valor,  e  Qdelidade  dos  moradores  d'essa  llha 
Dà  occasiao  presente,  posto  que  bem  conhecida  em  outras  passadas» 
acreditarao  nao  so  a  eìles,  mas  aos  Portuguezes  em  geral,  que  devemos 
todos  dar-lhes  as  gragas  particulares  por  està  facgao,  da  que  sabemos 
primeìro  pelo  Padre  Francisco  de  Jesus,  naturai  d'essas  Ilhas,  que  aqui 
vaio  ter  com  o  seu  Gustodio,  e  fica  em  nossa  companhia  fazendo  alguns 
8ervì(^  a  Deos.  V.  M.  S.  terao  jà  notìcia  das  mercés  com  que  Deos 
em  Portugal  vai  continuando  està  obra  sua:  d'estas  partes  do  Norte  fa- 
zemos  saber  a  V.  M.  S.  que  temos  assentadas  pazes  com  este  Reino  de 
Inglaterra,  e  com  Franca,  e  fkollanda  estao  ]&  capituladas;  e  assim  para 


186  HISTORIA  INSULANA 

lograrmos  perfeita  liberdade  esperamos  brevemente  aviso  de  estar  ga- 
nliada  essa  Fortaleza,  no  que  ainda  que  haja  dìfDcoIdade  (que  he  noto- 
ria) nao  póde  faltar  firn  venturoso  do  que  teve  principio  feliz,  e  mais 
quando  o  successo  esìA  librado  nos  bragos  de  taes  Portuguezes,  qae 
Deos  guarde»  etc.  Londres  4  de  Juiho  de  1641. 

D.  Aniào  de  Almadm. 
Aos  Juizes,  e  Vereadores  da  Cidade 
de  Angra,  liba  Terceira. 

Francisco  de  Andrade  Leiidp^ 

CAPITULO  XXXVII 

Dos  successos  d'este  cerco  desde  o  firn  de  Agosto  ati  o  firn 
de  Novembro. 

384  Aos  18  de  Agosto  puzerao  os  Governadores  no  Reducto  doto» 
.acima  de  Santa  Luzia,  (lugar  imminente»  posto  que  distante  do  Castello) 
puzerao  duas  grandes  pc(^s,  huma  de  44  de  calibre,  e  outra  de  25»  è 
de  cada  buma  flzerao  dous  tiros  ao  Castello  às  tres  da  tarde»  e  por  nio 
saberem  ainda  o  que  cursavao»  se  vio  dar  bum  tiro  no  campanario  da 
Fortaleza,  o  qual  està  sobre  as  muralbas,  e  malou  bum  Castelliano,  e 
fedo  outro;  a  outra  baia  deo  na  galaria  do  Mestre  de  Campo,  e  Ibe  fez 
notavel  damno;  e  logo  na  manba  seguinle  veio  fugindo  bum  soldado  do 
Castello»  e  nuo  so  contou  o  referido,  mas  o  estado  miseravel  em  qoe  o 
Castello  estava,  e  da  nossa  parte  se  dobrarao  as  vigias,  e  guarniQues  dm 
fronteiras,  ou  trincheiras,  pela  temeridade  com  que  podilio  sabir,  de» 
sesperados  jà. 

383  No  mesmo  Agosto  em  os  28  cbegou  buma  nào  Franceza,  qoe 
andava  a  corso,  com  quasi  cem  bomens  de  guerra,  vinte  e  quatro  pe* 
cas,  e  tudo  o  mais  necessario,  e  tendo  no  mar  noticia  da  guerra  que  a 
Uba  tinba  dentro  em  si,  se  Ibe  veio  oflcrecer  a  soldo,  e  logo  Angra  con- 
tratou  com  a  dita  nào,  que  se  ajuntasse,  e  servisse  em  a  Armada  da  liba, 
e  cada  mez  Ibe  dariao  duas  mii  e  duzentas  e  cincoenta  patacas,  e  a  néo 
se  melteo  logo  debaixo  da  Armada  de  Angra,  e  o  mesmo  contratóu  com 
outra  nao  Ilollandeza,  que  da  Madeira  se  veio  a  Terceira  militar  a  sol- 
do, com  que  a  Armada  da  Uba  jà  Ibe  segilVava  o  mar  :  e  para  o  cerco 


UV.  M  CAP.  XXX VII  187 

da  ForUleza»  ainda  para  a  presidiarem  depois  de  rondidn,  vinha  das  ou- 
tras  libas  concorreDdo  &  Terccira  muita  soldadcscn,  e  so  das  Flores,  e 
Corvo  vierao  mais  de  sessenta  soldados,  que  em  lìuma  caravela  trouxo 
oKbtoLourenco  Itodrigues;  e  huin  fìdalgo  dosdoAngra,  JouoMendcs 
de  VascoDcellos,  levantou  huma  Cornpanhia  mais  à  sua  custa;  e  as  nos- 
sas  trincheìras  se  rerormaruo  tanto  de  fortissimo  pào  piqué,  e  tanto  se 
riiegarao  a  muralha  do  Castello,  que  ja  a  sua  artelharia  nào  podia  a  ellas 
W  tiro  ;  e  tal  vallado  se  fez  entre  nós,  e  a  muralha,  que  nem  de  pò 
iX)diào  jà  OS  Castellianos  chegar  as  nossas  trincheiias,  e  so  mosquetaria 
seJQgava  continuamente  de  huma,  e  outra  parte. 

386  Em  3  de  Septembro  chegou- caravela  de  Lisboa  com  bum  Ci- 
didào  de  Angra  Joao  Teixeira,  e  cartus  del-Uei  para  os  Capitaes  móres, 
esómente  nrdens  que  sustentassem  o  sitio,  e  promessas  sòde  remette* 
rem  soccorro,  e  novas  das  treicoes,  que  em  Portugal  se  descubrirao. 
Ooscercados  porém  veio  i  Cìdade  noticia,  que  até  dia  de  S.  Miguel  o 
Adjo  esperavao  soccorro  de  Castella,  e  nao  vindo  tratariao  entao  de  bons 
partidos;  e  entendco-se  ser  isto,^  sóquerer  que  nos  descuìdassemos,  por- 
qoe  na  noite  da  vespera  do  Anjo  vierao  com  silencio,  e  segredo  grande, 
^ar  fogo  as  nossas  trincheiras;  mas  os  nossos,  jà  bem  destros,  nao  so 
spagarao  logo  o  fogo  ;  mas  com  arcabuzaria,  e  mosquetaria  carregarào 
tanto  sobre  os  Castelhanos,  que  seni  morte  alguma  da  nossa  parte,  se 
^Iìfou  0  inimigo  mais  depressa,  e  bem  ferido. 

387  Cbegado  o  mez  de  Outubro  fez  a  Cidade  mais  quatro  Compa- 
iihias  de  nobres,  de  que  os  Capitaes  forao,  dous  da  Cidade,  Diego  do 
^nto  e  Castro,  e  Cliristovao  Borges  Macbado,  e  dous  da  Villa  da  Praia, 
^bastiao  Cardoso  Macbado;  e  Francisco  de  Andrade,  e  se  Ihes  fez  huma 
Krande  barraca  de  telha  no  campo  das  Covas,  encostada  ao  muro  do 
invento  de  Sao  Gonzalo,  e  cada  Companbia  estava  vinte  e  quatro  bo- 
^,  e  ronda  sempre,  e  vigia  as  trincbeiras,  e  sintinellas  d  ellas;  e  muito 
%  emendou  com  este  ardid. 

388  Aos  19  do  dito  Ouiubro  apparecorao  tres  nàos,  a  que  os  da 
Fortaleza  flzerao  logo  Sinai  desde  a  ponta  do  Zimbreiro,  e  receberao  bu- 
ina barca  com  doze  bomens  ;  mas  do  Castello  de  Sào  Scbastiio  nao  so 
impedìrao  mais  o  uso  da  tal  barca,  mas  Gzcrao  fugir  as  tres  nàos,  e  so- 
bre ellas  mandarao  outras  tres  da  Armada  da  liba,  refoiniando-as  com 
municues  de  guerra,  e  demais  cento  e  cincoenta  soldados,  cuidando  que 
as  tres  vindas  seriào  soccorro  de  Castella  mandado  ao  Castello  :  porém 


188  niSToniÀ  insulanà 

intervindo  a  noite  desapparecerlio  as  trcs  primeiras  ndos,  e  soubcrao  a$ 
nossas,  por  huma  barquinba,  que  do  Castello  voltava  para  as  suas  nàos 
com  cinco  homens  dos  doze  que  tìnhao  entrado  no  Castello»  souberao 
sereno  Ilollandezas  as  tres  nAos,  e  de  commercio,  que  vinbao  da  Uba  de 
Suo  Christovao  em  as  Indias  de  Castella,  e  enganadas  do  Castello,  sem 
saberem  o  estado  em  que  elle  estava  com  a  liba,  sabendo-o  se  auseo- 
tarao. 

389  No  mesmo  tempo  se  mudou  este,  e  choveo,  e  ventou  tanto, 
que  huma  das  nossas  naos  deo  i  costa  na  praia  de  Sao  Matlbeos,  e  sai- 
vando-se  a  gente,  se  perdeo  o  casco,  e  a  carga  que  jé  tinba  para  ir  para 
Lisboa.  E  n'este  mesmo  dia  veio  bum  soldado  Tugido  do  Castello;  e  aos 
25  de  Outubro,  no  Portinho  novo,  se  Ibe  tomarSo  dous  soldados»  qua 
levados  aos  Capitàes  móres,  e  póstos  a  perguntas,  unanimemente  con- 
fiBssarao  todos  a  ultima  miseria,  em  que  o  Castello  estava,  e  que  so  até 
0  Natal  Ibe  poderìuo  chegnr  os  multo  limitados  mantimentos,  e  que  ji 
chegavao  a  comer  ratos,  e  outras  immundicias,  e  vestidos  jà  nao  tinltio, 
nem  mais  que  até  trezentas  pessoas  que  podessem  tomar  armas;  e  vindo 
aos  20  do  mcz  cartas  dos  sete  Hollandezes,  que  no  Castello  tinliao  sido 
apanbados  enganadamente,  pedindo  os  resgatassem,  se  Ihes  respoodeo, 
que  viessem  para  baixo,  e  ce  os  tratariam  bem,  e  nlio  Unb3o  sido  causi 
de  seu  cativeiro,  para  os  deverem  resgatar. 

390  Em  28  de  Outubro  veio  fugindo  outro  Castelbano,  outro  em 
dia  de  todos  os  Santos,  e  carta  do  fidalgo  Pedro  de  Castro  do  Canto  que 
a  estava  cativo,  e  doente,  pedindo  mantimentos,  e  nao  se  Ibe  deferio: 

e  aos  6  de  Novembro  vierao  mais  dous  fugidos  para  baixo,  cr  confessa- 
ruo  demais,  que  ja  Ticavao  no  Castello  mais  de  quarenta  doentes,  e  oo- 
tros  que  de  fomc,  e  fraquoza  ja  nao  podiào  andar.  Dos  9  até  os  12  de 
Novembro  vierào  mais  quatro  fugidos,  e  pelas  trincbeiras  se  declarou  ao 
Castello,  que  jà  nao  tinba  que  esperar  soccorro,  pois  Ibe  tinhao  tooiado 
0  aviso  que  liia  a  pedil-o;  e  os  Castelbanos  certificados  d  isto  desmaiario. 

391  Quinta  feira  28  de  Novembro  cbegou  outro  aviso  de  Lisboa 
com  cartas  de  S.  iMagestade,  que  se  estavao  aviando  doze  navios  com 
mil  e  qtiinbcntos  homens,  e  seu  General  Tristao  do  Mendoca  Furtado,  e 
que  se  sustentasse  o  cerco  até  sua  chegada.  Logo  a  3  de  Dezembro  os 
Capitàes  móres,  com  voto  por  escrito  dos  mais  Capitàes,  requererao  tam- 
bem  por  carta  ao  Mestre  de  Campo  do  Castello,  mandasse  abaixo  refens 
nobres  para  tralarem  negocios  de  importanza.  Respondeo,  que  sitiados 


LIV.  VI  GAP.  XXXVIU  180 

nSo  costamavao;  e  que,  se  queriao  algunoa  cousa,  a  communicasscm  por 
esento,  e  responderia;  e  nao  se  tratou  mais  de  tal  intento. 

CAPITULO  XXXVIII 

Das  investidas  qu$  os  npssos  fizerào  aog  Reiuctos  Casielhanos,  e  da$  em- 
iaixadas^  escritos,  e  pessoas^  que  o  Yisilador  da  Companbia  de  Jesus 
fez  ao  Castello. 

302  Dia  de  S.  Nicolao,  6  de  Dezembro,  ds  sete  horas  da  noite,  sen- 
do  asta  beni  escara,  tenebrosa,  e  de  chuva,  o  Capitao  Francisco  Pires 
de  Avila,  naturai  da  Graciosa,  e  o  Capitao  Antonio  Nogueira  de  Araujo, 
e  JoSo  FalcSo,  Sargento  mór  da  llha  de  Santa  Maria,  e  bum  D.  Yicente» 
e  Manoel  Xodré,  Sargento  do  CapiiSo  Galor  Borges  da  Costa,  com  dous 
Gastelhanos  avindos,  e  buma  boa  manga  de  Aventureiros,  e  subita,  e 
intrepidamente  investirlo  com  bum  Reducto  dos  Castelhanos,  e  malandò 
lego  seis  troQxerao  sete,  e  n3o  obstante  se  dispararem  da  muraiha  qua- 
tro  pedreiros  sobre  clles,  nenhum  perigou,  e  so  dous  forao  teridos  ie- 
Temente  ;  e  nao  querendo  render-se  bum  Castelhano,  houve  Portuguez 
que  se  arreme^ou  a  elle,  e  o  tomou  às  costas,  e  o  trouxe  perneando  até 
as  nossas  trincbeiras,  e  todos  forSo  mettidos  na  cadea. 

393  Em  outra  noite,  de  cbuva  tambem,  e  escura,  28  de  Dezembro, 
for3o  dar  os  nossos  de  repente  em  outro  Reducto  Casteibano,  e  cativa- 
rio  dous,  que  levados  a  perguntas  disserao  o  mesmo  que  tinhao  dito  os 
mais  antecedentes;  e  logo  tornarao  os  nossos  a  outro  Reducto  Castelba- 
DO^  e  trouxerao  outro  inimigo  :  o  que  vendo'  os  do  Castello,  desempara- 
lio  todos  seus  Reductos,  e  se  fecharao  dentro  da  Fortaleza«  sem  d'ella 
mais  sahirem,  e  os  nossos  derao  com  tal  furia  nos  Reductos,  que  os  ar- 
razarSo  a  todos,  e  até  as  madeiras  llie  trouxerao,  para  as  queimarem  em 
nossas  trincbeiras  pelo  borrendo  frio  que  n'aquelle  anno,  e  tempo  entao 
fazia;  porém  vigìando  sempre  em  suas  trincbeiras.  E  entao  mandalo  os 
nossos  CapitSes  móres  embaixada  ao  Mestre  de  Campo,  que  largasse  lo- 
go 0  Castello  comò  El-Rei  D.  Joilo  o  IV  o  mandava.  Respondeo  que  ti- 
nha  dado  d'elle  bomenagem  a  El-Rei  Felippe,  e  que  primeiro  havia  mor- 
rer  entre  as  balas. 

304  Ent3o  os  Capitaes  móres  com  o  Padre  Visitador  da  Companbia 
de  Jesus,  no  seu  Collegio  Gzerao  varias  juntas,  e  conselbos,  e  assentarao 


100  HISTOIUA  INSULANA 

eie  dar  assalto  ao  Castello  por  mar,  e  por  terra;  para  o  que  Gzerao  qua- 
renta  escadas  para  a  muralha  da  terra,  muitos,  e  muito  fortes  barcos 
para  por  mar  assallarem  em  o  mesmo  tempo,  e  tudo  o  mais  necessario, 
e  convocando  as  milicias  de  loda  a  liha,  desencerrarao  o  Senlior  na  Sé, 
em  0  prlmciro  de  Janeiro  de  1612  prégon  o  dito  Padre  Visitador,  e  se 
mandou  a  todos  confessar,  e  comniun<(ar,  e  se  passarao  as  ordens  par- 
ticiilares  ;  e  por  escrito  a  todos  os  Cabos,  para  aos  3  de  Janeiro  se  dar 
0  assalto  por  loda  a  parte,  de  mar,  e  terra,  no  mesmo  tempo  ;  porém 
comò  0  mar  no  tal  dia  se  alterou  de  sorte  que  impedio  o  assalto  mari- 
timo,  e  se  suspendeo  o  da  terra,  e  so  nos  6  de  Janeiro  hoiive  bum  bra- 
vo choque  ao  pé  da  muraiha,  mas  sem  mortes  de  parte  a  parte,  e  se 
tomoli  nova  resolucao  de  Ihes  deixarem  acabar  os  mantimentos,  e  ter- 
iiarem-se  a  propòr  alguns  bons  partidos,  com  quo  se  entregassem. 

393  Em  30  de  Janeiro  cscreveo  o  Padre  Visitador  da  Companhia 
de  Jesus  ao  Mestre  de  Campo  do  Castello  a  carta  seguirne: 

cPouco  depois  que  vim  a  està  Uba  enviado  por  El-Rei  D.  Joao,  dosso 
Senhor,  escrevi  a  V.  M.  com  os  senborcs  Capitaes  mórcs  d'ella,  procu- 
rando pelos  que  tratamos  encaminbar  a  reduccao  dessa  Fortaieza  sem 
rigores  de  guerra,  e  com  commodidade  de  V.  M.  e  seus  Ministros,  e 
comò  se  nào  conseguio  o  eflfeito  que  pertcndi  em  cumprimento  das  or- 
dens del-Uei,  nao  passei  adianle:  comtudo  vendo  agora  que  estes  fidal- 
gos  tem  cessado  com  as  diligencias  ordinarias  em  sitios  scmelhantcs  ao 
em  qne  V.  M.  està,  me  parecc  fazcr  nova  lembranfa  a  V.  M.  da  parte 
de  S.  Magestade,  para  que  visto  o  estado  das  cousas,  e  o  aperto  em  que 
me  consta  estar  por  falla  de  mantimentos,  e  enfermidade  da  sua  gente, 
Irate  V.  M.  de  enlregar  essa  Prafa,  pois  be  dei-Rei  D.  Joao,  nosso  Se- 
iibor,  feita  em  suas  terras,  e  com  dinheiro  de  seu  patrimonio,  para  quo 
assim  ccssem  maiorcs  damnos,  e  V.  M.  possa  sabir  d'està  Uba  com  boa 
passagem  que  dcsejamos,  levando  em  sua  companbia  a  sua  gente,  e  ao 
senbor  D.  Luis  de  Viveros,  satisfazendo-so  com  ter  da  sua  parte  procc- 
dido  com  tanto  valor,  e  ventagem,  em  tempo  que  n'este  Reino,  e  suas 
Gonquistas  nào  ba  Praga,  que  nào  esteja  sugcita  a  S.  Magestade  que  Deos 
guardo.  E  crea  V.  M.  de  mim,  que  tanto  me  move  a  isto  o  servirò  do 
dito  Senbor,  conio  o  de  Deos,  e  quieta? ao  de  V.  M.  e  certcza  de  que  se 
isto  se  dilatar,  bao  de  succeder  ruinas,  que  nao  poderei  atalbar,  e  por 
nao  me  mostrar  favoravel  a  nossa  parte,  nao  digo  a  V.  M.  o  muito  quo 


LIV.  VI  GAP.  XXXVIII  191 

pudera  dizcr  em  razao  disto  :  e  tornei  licenga,  com  a  de  V.  M.  pjira  es- 
crever  a  quo  sera  com  està  a  D  Pedro  Ortiz  de  Mello,  que  V.  M.  me 
Tard  pcrmittir  se  llie  de,  por  satisfazer  a  huma  obrigacao  de  qne  me  en- 
carreguei.  Guardo  Deos  a  V.  M.  comò  desejo.  Angra  30  de  Janeiro  de 
1642.» 

Francisco  Cabrai. 

396  Foi  està  carta  por  hum  Sargento  nosso  com  tambor  ;  e  por 
outro  Sargento  com  tambor  da  Praca  veio  a  reposta  seguinte  : 

«Reconozco  el  zelo  con  que  Vueslra  Paternidad  trata  las  matcrias  con- 
tenidas  en  su  jcarta;  pero  son  tales,  y  tan  graves,  que  no  se  pueden  tra- 
tar  por  cartas,  mas  a  boca  :  trate  Vuestra  Paternidad  los  medios  qne 
para  esto  puede  haver,  para  que  assi  se  disponga-lo  que  mas  conveniere 
al  servicio  de  Dios,  y  de  S.  Magestad.  Guarde  miestro  Sefior  a  Vuestra 
Paternidad.  Caslillo  de  San  Felippc,  a  31  de  Enero  612.» 

Don  Alvaro  Viveros. 

397  Com  està  rcposla  se  rcsolveo  o  dito  Padre  Visìtador  a  ir  pes- 
soalmente  fallar  ao  dito  Mestre  de  Campo,  e  debaixo  de  refens,  que  fo- 
rgio 0  Capitao  da  artelliaria  do  Castello,  e  o  Àlferes  D.  Pedro  Orliz  de 
Mello,  que  ficarao  em  as  nossas  barracas  entro  os  nossos;  e  o  Padre  Vi- 
sìtador com  seu  companheiro  o  Padre  iManoel  Monteiro,  que  depois  foi 
Provincìal  de  Portugal,  forSo  ao  Mestre  de  Campo,  que  os  estava  espe- 
rando em  mais  de  meio  caminho,  em  o  posto  que  chamSo,  a  Estrada 
cuberta,  que  he  por  onde  os  Castelhanos  desciao  aos  seus  Reductos;  ali! 
veio  acompanhado  de  Chrislovao  de  Lemos  de  Mendoca,  e  de  Joao  de 
Espinola,  e  de  seu  Veador,  e  Pagador,  e  sentados  todos  em  cadeiras 
qne  para  isso  tinhao  vindo  do  Castello,  tiverao  tao  larga  pratica,  que  du- 
rou  até  tarde,  e  sem  se  concluir  cousa  alguma;  e  so  se  assentarao  tre- 
goas  por  seis  dias;  e  se  voltarao  os  Padres  com  os  seus  refens,  debaixo 
dos  quaes  tres  vezes  voltarao  os  Padres  atè  os  onze  de  Fevereiro,  e  aca- 
badas  estas  tregoas,  tornou  logo  a  Fortaleza  a  cliover  balas  sobre  a  Ci- 
dade,  e  està  a  corresponder-llie,  e  apertal-a  cada  vez  mais,  e  de  Lisboa 
vicino  dous  avisos,  mas  avisos  so,  e  nao  os  soccorros  promcttidos,  son- 
do onze  ja  do  Fevereiro. 


1!)2  msToniA  iNsriJiNA 

CAPITOLO  XXXIX 

Da  ultima  resolucdo  da  FortalezOj  e  conclusilo  de  sua  entrega^ 
e  estado  em  que  ficon  a  Terceira. 

398  Em  24  de  Feverciro,  dia  de  S3o  Matliias,  veio  a  Cidade  em- 
baìxada  do  Mestre  de  Campo  da  Fortaleza  com  duas  cartas,  huma  para 
OS  Capitàes  móres,  outra  para  o  Padre  Yisilador  da  (ìompanhia  de  Jesus, 
dizendo  que  tinlia  de  tratar  cousas  importantes,  e  que  debaixo  do  estylo 
costumado  se  vissem.  Aos  25  veio  abaixo  o  Capitao  da  artclharia  da  For- 
taleza, e  0  Alferes  d'ella  D.  Pedro,  e  pararao  na  Baraclia,  estando  loda 
a  nossa  gente  militar  com  as  armas  nas  maos,  e  em  tal  ordem,  que  os 
Embaixadores  se  admirarao  de  ver  tuo  luzida  gente,  e  posta  em  tSo  mi- 
litar, e  prompta  ordem:  d  alli  partirào  da  nossa  parte  para  a  Fortaleza 
Sebastiào  Cardoso  iMachado,  e  o  Capitào  Jorge  Correa  de  Brito  e  Mes- 
quita;  e  os  Eiiviados  da  Fortaleza  forao  levados  aos  Capitàes  móres  da 
Cidade.  E  o  que  destas  juntas  resultou,  foi  huma  tregoa  de  quarenta  e 
oito  lìoras,  para  n'ellas  se  tratar  dos  capitulos  da  entrega  da  Fortaleza. 

399  Aos  27  de  Fevereiro,  durante  ainda  a  dita  tregoa,  veio  o  Te- 
nente da  Fortaleza,  e  o  sobredito  Alferes  I).  Pedro,  e  em  refens  da  nos- 
sa parte  forao  o  Capitao  Diogo  do  (^anto  e  Castro,  e  o  Capitao  Francis- 
co Pires  de  Avila,  da  Uba  Graciosa,  e  os  da  Fortaleza  apresentarSo  os  o 
pitulos  do  que  pediào;  que  vistos  pelos  Capitàes  móres  da  Cidade,  de- 
terminarlo, e  mandarào  o  que  se  Ibes  havia  conceder.  Em  o  primeiro  de 
Marco  tornarao  abaixo  os  ditos  Tenente,  e  Alferes,  e  da  nossa  parte  ad- 
ma  forao  o  Capitào  Cbristovao  Borges  Machado,  e  Pedro  de  Betencor, 
Capitao  de  Aventureiros;  e  n'estas  idas,  e  vindas,  e  sempre  com  refens 
de  parte  a  parte,  e  a  milicia  sempre  com  as  armas  nas  maos,  se  gasia. 
rào  OS  dias  até  os  4  de  Marco. 

400  Em  0  dito  pois  quarto  dia  de  Margo  se  assinarao  de  parte  a 
parte  as  capitulacues  da  entrega  da  Fortaleza,  e  nem  palavra  diz  mais  a 
Uela^ao  que  atéqui  fomos  seguindo,  recopilando  a  substancia  do  princi- 
pal,  que  traz  em  vinte  e  seis  capitulos,  escritos  n'aquelle  tempo,  ha  mais 
de  seleuta  annos;  e  posto  que  nella  nao  se  assina  Author  algum,  d'ella 
se  collie  ser  homera  secular,  ser  verdadeiro,  e  liso,  sem  se  Ihe  notar 
paixao  a  parte  alguraa,  pelo  que  a  teuios,  e  julgamos  por  multo  venla- 
deira. 


Liv.  VI  avp.  XXXIX  193 

'lOI  Enlre^ada  a  fortaleza  aos  Capitaes  móres,  qne  governavao  a 
Ci  lade  de  Angra,  tomarào  esles  posse  d'ella  cm  nome  do  felicissimo  Hei 
F).  Joao  0  IV,  e  niudarao-lhe  o  noiue  de  Forlaleza  de  Sào  Felippe,  em 
o  de  Sào  Jo^io  Baplista,  corno  se  chaina  até  hoje,  e  seiiuo  qiie  a  Forl^ì- 
U/.'d  liiilia,  (|uaiìdo  se  lechou  em  resistencia,  mais  de  ({Liuiientos  homeiis 
ile  ai'iiias,  poiicos  mais  de  duzentos  sahirao  capazes  d'ellas,  mortos  os 
mais,  uu  na  guerra,  oii  de  fomes,  e  doenfas;  e  da  i)arLe  da  Cidade  so 
ach)!i  morrerem  em  lodo  o  cerco  cento  e  vinte,  e  mtiitos  das feridas  que 
liverào.  Sahirào  os  da  Fortaleza  com  pactos  honrosos,  de  espada,  e  lumi 
Irato:  e  muito  em  espe^'ial  o  Mestre  de  Campo,  e  seu  irmào;  e  assim  a 
esles,  a)mo  aos  que  com  elles  se  quizerao  ir,  se  derao  embarcagoes  se- 
^Miras,  (*  mantimentos  para  a  viagom;  porém  uiio  poucos  quizerao  (icar 
Ila  ll-'a,  por  serem  casados  niella;  e  nào  so  a  cstes  se  iiies  nào  deo  ira- 
to mao  aigum,  mas  nem  ainda  aos  Porluguezes,  (jne  [>  >r  terem  oilioio 
Da  pra;u,  tinliào  là  fìcado,  antes  se  lUes  restiluirào  t^d^s  suas  fazeudas 
de  raiz,  »^  .-ervirào  a.)  depoiS  com  mais  fldelidade  a  seu  Rei  Portuguez, 
do  que  a  linliào  guardado  ao  Castelliano  Kei;  e  a  esles  conheci,  corno  a 
D.  Fedro  Orliz  de  Mello,  a  Gliristovào  de  Leuus  do  Aleadoga,  ao  Espi- 
nola, etc. 

iOi    0  estado  em  que  ficou  a  dita  Fortaleza,  fui  o  mesmo  em  quo 
de  antes  estava,  porque  as  balas  da  Cidade  nào  poJiào  communimoiito 
(jzer-inc  dainno  consideravel;  e  dopois  se  reformou  muito,  e  muito  iiuis 
(juandn  o  Serenissimo  Kei  D.  Alfonso  Vi,  deix.indo  o  governo  da  .Mo- 
narchia [.usitana,  hi  de  Porlugal  para  a  dita  Furtaleza,  e  nella  esteve  al- 
(guiìs  annos  no  Palacio  dos  Guvernadores,  que  entào  liou  Palacìo  Uoal, 
aie  voliar  |)ara  Porlugal,  aonde  viveo  no  Beai,  e  aitissiuio  Palacio  de  Ciu- 
tra,  quiilro  iiigoas  de  Lisboa,  alò  morrer  do  seus  naiuiavis  acbaques;  e 
Ihe  sjctedeo  na  Coroa  seu  legilimo  irmao  o  senhor  Kei  D.  Fedro  U,  que 
assoniijrou  o  mundo  nào  so  em  tudu  o  mais,  mas  muito  especialnkMJle 
iia  nà«:d;dade,  amor,  e  grandeza,  com  que  tratou  sempre  da  vida.  e  iie- 
gio  regalo  do  dito  Kei  sju  irmào;  e  por  isso  Deos  Ihe  deo  larga  vi(i:i  no 
tleioadij,  copiosa  descendencia  legitima,  e  buma  morte  de  verdadeiro 
liredesliuado. 

40-5     i'icou  lamhem  a  Terceira  no  mesmo  estado  que  de  antes,  quan- 
to a  loda  a  mais  llha,  poique  a  arlelliaria  da  Fortaleza  nào  podia  pas- 
sar uiuito  da  grande  Cidade  de  Angra;  e  nem  osta  experimenlou  ruinas 
consideri! vei:.,  porquc  ^ó  o  baiiro,  a  que  ainda  boje  cliamao  o  Quarte!, 
\u^.  a  13 


194  IlISTOniA  INSLXANA 

por  n'eJle  de  nntcs  mornrRm  os  mais  dos  soldados  da  Fortaleza,  e  a  ps- 
la  ficar  frojitoiro,  e  proximo,  so  este  Quarlel  padece»)  mina  pelas  baias 
de  arlelharia,  e  jà  lioje  està,  e  multo  melhor,  reedificado;  porém  em  lo- 
da a  Cidade  nào  cahio  edificio  algum;  e  su  em  alguns  Conventos,  e  em 
algiimas  casns  se  descohrem  ainda  lioje  os  furos,  e  sinaes  de  algumas 
balas,  que  miiiios  conservào  por  gloria  sua,  e  mniio  mais  para  rende- 
rern  sempre  a  Deos  as  grafas  da  milagrosa  proteccào  com  que  acodio  a 
nao  ficar  doslriiida  esla  Cidade  de  tantas  mil  balas,  que  sobre  ella  vie- 
rao;  qiie  quanln  dos  militares  da  Fortaleza,  nunca,  iiem  ao  principio  de 
seu  cerco,  forao  suas  trincheiras  expugnadas,  mas  pelos  Insulanos  sem- 
pre robatidos  d'ellas. 

404  Na  Fortaleza  poz  logc  o  Serenissimo  Rei  D.  Jo3o  o  IV,  dos 
Porluguezes  da  Ilha,  o  mesmo  presidio  que  de  anies  linlia,  e  com  o  mes- 
mo  ligor  de  continuo  exercicio  militar,  perpeiuas  guardas,  e  vigias,  e 
todos  OS  postos,  e  Cabos  de  guerra  que  havia  de  antes,  e  sernpre  seu 
triennal  Governador,  com  os  mesmos  anligos  privilegios,  de  irazer  com- 
sigo  guarda  de  alabardeiros,  e  de  julgar,  e  castigar  os  soldados  com  o 
seu  Auditor  de  guerra,  e  de  Ihe  darem  os  soldados  senhoria,  e  deme- 
ter  guarda  no  porto  da  Cidade,  e  no  Castello  de  S3o  Sel>astiao;  porém 
sobre  a  Cidade  nao  tem  jurisdic^ào  alguma,  e  menos  sobre  o  Capit^o 
mór  que  a  governa,  e  multo  menos  sobre  o  Senado  da  Camera,  e  seus 
Minislros,  nem  sobre  alguma  outra  parte,  ou  pessoa  da  Cidade,  e  de  lo- 
da a  Ilha;  e  por  isso  nem  à  Camera  vai,  nem  costuma  ter  nella  lugar, 

e  s(5  0  lugar-tenente  do  Capitao  Donatario  de  Angra,  quando  o  ha,  e  vai 
alguma  vez  a  Camera,  tem  lugar  acima  dos  Juizes  ordinarios,  masaimla 
abaixo  do  Corregedor,  comò  consta  da  sentenza,  que  està  no  lombo  da 
mesma  Carntjra  de  Angra  fol.  184,  e  da  posse  tomaua  por  Dumiugos 
Martins  da  Fonseca,  e  Gaspar  de  Fr^itas  da  Costa,  lugar- teneules  do 
Marquez  Ca[)itào  Donatario. 

CAPITULO  XL 

Das  circunstancias  gloriosas,  com  que  a  Terceira  rendeo 
està  grande  Fortaleza^  e  que  despachos  se  Vie  derào. 

405  A  primeira  foi,  ser  a  unica  terra,  que  pela  Acclamagao  do  Lu- 
sitano Rei  D.  Joao  o  IV,  leve,  e  suslenlou  gucira  conlra  a  sua  inexpu- 
gnavel  Fortaleza,  e  a  leve  cercada  bum  anno  inlciru  uiunus  vinte  e  livs 


LIV.  VICAP.  XL  195 

(}5as,  de  27  de  Marco  de  16il  até  4  de  outro  Marco  de  i642,  e  nao  so 
por  terra  com  trìncheiras,  seni  jé  mais  perder  algiima;  mas  tambem  com 
fortes  de  artelharias,  sem  aignm  Ihe  ser  tornado;  e  o  que  mais  he,  com 
Armada  por  mar,  e  tornar  a  Fortaleza  nao  so  os  avisos  que  envìava  a 
ùslella,  mas  lambem  os  hons  soccorros  que  Ihe  vinhao,  até  com  o  ir- 
mào  do  mesmo  Mestre  de  Campo  Castelhano. 

406  A  segunda  circunstancìa  foi,  que  ludo  isto  obrou  a  liha  Ter- 
ceira  sem  outra  nagào  estrangeira  alguma,  e  ainda  sem  soccorro  de  Por- 
Ingal,  mais  que  carlas,  e  promessas,  e  so  tres,  ou  quatro  soldados  ser- 
virlo aos  CapilJies  móres  Insulanos,  Governadores  da  guerra;  porque  o 
qne  ao  depois  foi  de  Portugal,  foi  depois  da  Praca  rendida,  e  acabada  a 
guerra,  podendo-se-iiie  cbanìar  Po$t  bellum  anxilium;  poréra  a  lodas  as 
oniras  Illias  deve  sempre  confessar  grandesobrigacoes  a  Terceira,  a  quem 
ctjmo  a  sua  cabcfa  acodirào  sempre  tao  valerosos  bracos,  e  especialmente 
a  famosa  liba  de  Suo  Miguel,  com  municoes  de  guerra,  eaìnda  de  man- 
liraenlos,  e  com  gente,  e  Capitaes  muito  nobres,  e  esforcados;  e  o  mes- 
mo fizpnio  as  lihas  do  Favai,  e  Pico,  e  a  de  Sao  Jorge,e  particularmente 
a  da  Graciosa,  que  alem  de  outros  soccorros,  deo  a  Angra;  (e  o  lirou 
da  antiga  fidaiguia  que  a  povoou,  comò  vereraos)  bum  nao  raenos  valo- 
roso, que  illustre  General  da  Armada  Angrense;  e  até  da  liha  de  Santa 
Maria,  e  da  mais  distante  liba  das  Flores,  e  da  do  Corvo  concorrerlo 
soccoiTos  a  Terceira. 

407  Poròm  a  terceira  circunstancìa  he,  que  tudo  isto  sustentasse  An- 
gra, sem  de  Portugal,  nem  de  outra  Uba  Ihe  ir  dinbeiro  algum;  e  pa- 
gando sempre  a  quasi  quatro  mìl  iiomens  que  andavao  em  o  cerco,  nos 
Fortes,  e  na  Armada.  Mas  he  que  os  mais  erao  so  Portiiguezes  Insula- 
nos, e  fìeis  a  Portugal,  e  nao  bavia  entre  elles  Estrangeìros,  senno  al- 
guns  contntadores  jà  naturalizndos  em  a  Uba,  e  a  ella  fidelissìmos;  que 
se  assim  fora  do  tempo  do  Senhor  D.  Antonio,  n5o  seria  a  Uba  infiol- 
mcnte  entregue  a  Castella,  mas  ou  se  defenderia  em  quanto  podesse, 
00  a  seu  tempo  se  entregaria,  com  bons»  e  bonestos  partidos;  d'onde 
aprendao  outros  a  n3o  se  Uar  mais  de  ontrem  que  de  si,  e  dos  seus  pro- 
prios;  pois  do  contrario  ha  tao  desgracados  exemplos. 

408  E  quanto  aos  premios,  e  despachos  que  teve  a  Uba  Terceira 
de  vencer  tao  dilatada,  e  porfiada  campanha  de  bum  anno  inteiro,  por 
inverno,  e  verao,  e  com  tao  grandes  perigos,  tantas  mortes,  tantos  gas- 
tos;  tudo  se  resumio,  em  aos  dous  Capitaes  móres,  e  Governadores  da 


196  HISTORIA  INSULANA 

tal  guerra,  dar-se  a  cada  hum  sua  Coramei)da;  ao  fidali^o  Joao  de  Be- 
tencor  e  Vasconcellos,  Capilno  mór  de  Anjrra.  a  Comìrenda  de  Santa  Ma- 
ria de  Tondclla,  da  Ordem  de  (iliristo,  e  ao  Hdal'fa  Francisco  Dornellas 
da  Camera,  CapitSo  mùr  da  Praia,  a  Commenda  de  Sno  Salvador  de  Pe- 
iiamacor,  lambem  da  Ordem  de  Christo.  E  iie  de  notar,  que  com  esle 
ser  0  primciro,  mandado  de  Lisboa  (onde  entào  se  acliava)  a  acclamar 
0  novo  Bei  na  Ilha,  e  elle  primeiro  o  acclamar  na  Villa,  e  Capilania  da 
Praia,  e  depois  vir  com  as  milicias  de  sua  Capitania  a  Cidade  de  Angra, 
e  com  0  Cnpilao  desta  governar  a  guerra,  nem  porisso  a  esles  Gover- 
nadores  se  deo  mais  cousa  algutna;  e  s6  depois  de  annos  se  d;^)  o  go. 
verno  da  Fortaleza  rendida  ao  dito  Francisco  Dornellas  da  Camera  ;  ao 
qual,  vindo  depois  a  Lisboa,  e  pertendendo  sor  intilulad  )  Coride  da  Praia, 
e  Cnpitrio  Donatario  d'ella,  so  se  Ihe  concedeu  o  ser  Alcaiile  mór  da 
Praia;  e  nem  ainda  este  titulo  se  conc^ideo  a  seu  fìllio  prim  ^genito  Braz 
Dornellas  da  Camera,  que  em  Lisboa  niorreo  n'esta  deminda;  e  neoias 
ditas  Commendas  se  conservarào  nos  (illios  dos  que  as  gaiibarào,  e  mai- 
to  menos  nos  netos. 

409  Pois  aos  mais  que  serrirao  n  està  guerra,  a  Antonio  do  Canto 
e  Castro,  (fldalgo  de.  quem  mais  se  lemia  o  Mestre  de  Campo  da  Forla- 
loza,  e  por  isso  o  desejava  prender)  foi  necessario  vir  servir  a  Portugal 
de  Capitao  de  cavallos  na  batalha  de  Montigio,  para  por  Isso  enlao  Ihe 
darem  o  posto  de  Sargento  miir  de  toda  a  Illia  Terceira,  e  o  liabilo  de 
Cliristo  com  boa  tenga,  e  chegar  a  servir  de  Governador  da  Pi-aga  queo 
ijiieria  prender;  que  quanto  ofilhamenlo,  e  notorio  parente^co  com  rauilos 
dos  grandes  de  Lisboa,  tiuha  elle  jA  por  sens  pais,  e  avòs,  e  cel-.^bre  ire- 
savò  Pcdreanes  do  Canto.  A  oulros  multo  nobres.  que  servirlo  com  pes- 
s  jas,  e  (lìzendas  n'esta  guerra,  o  que  se  Ihes  deo  be,  que  aos  qua  por 
sua  negligencia  tinhào  perdido  o  foro  de  seus  avùs,  ou  nunca  o  tinhào 
l>grado,  de  novo  se  Ihes  passou  o  lìlliamento,  e  moraJia  delle.  Amai- 
tns  se  concederao  varios  habitos  das  Ordeas  Miiilares;  e  aos  maisnaJa, 
]M>r  nào  pertenderem,  e  gastarem  n'isso  mais  do  que  lucravao;  e  coin- 
liido  d  osta  sorte  se  augmentarao  muitas  casas  de  fidalgos  (ìlhados  em 
as  Ilhas,  asslm  em  Sao  Miguel,  comò  em  outras,  pelos  servifos  feitos  na 
Terceira. 

410  Ao  Senado  de  Angra,  além  dos  privilogiosquc  jà  tinhados^'i- 
i^ìdaos  da  Cidade  do  Porlo,  e  os  dos  liifafiròes,  qiie  sào  os  dos  ìih-'^ 
.s 'jundos  dos  Pieis,  para  ludos  os  quo  servirao  de  Vereadoi'es,  ou  /'ro 


LIV.  VI  GAP.  XI j  197 

cnradores  da  Camera  de  Angra,  e  filhos  d'elles,  concedeo  mais  o  Senhor 
Rei  D.  Joào  o  IV  que  a  Cidade  de  Angra,  em  nome  das  mais  lilias,  man- 
dasse, havendo  Cortes,  Procurador  a  ellas,  e  que  o  lai  Procurador  de 
Angra  tivesse  Ingar  em  Cortes  no  primeiro  banco  d'ellas,  e  cora  effeito 
0  leve  assim  Fran':isco  de  Betencor  e  Avita  nas  Cortes  Reaes,  que  se  ce- 
Icbrarào  em  List)oa  no  anno  de  164^,  comò  consta  do  tombo  da  Came- 
ra (Je  Angra  a  fui.  343,  e  o  mesmo  lugar  leve  D.  Pedro  Orliz  de  Mello, 
que  depois  velo  tambem  de  Augra  a  oulras  Cortes.  E  a  fol.  456  do  mes- 
mo toinbo  da  Camera  està  o  alvarà  do  mesmo  Keì  D.  Joao  o  IV,  pelo 
(jual,  a  petic'io  dos  Piocuradores  de  Angra,  e  por  assento  lomado  nas 
(ì)rtes  do  dimo  de  IGo^i  a  ti  de  Uutubro,  e  passado  em  15  de  Jullio 
(le  IGoi  concedeo  à  Cidade  de  AAgra,  i^ue  nunca  bavera  nella  Vice-Rei, 
ou  Governador  Gtneral  das  laes  Ilbas;  e  que  quando  o  contrario  pare- 
rer  cunvetiìenle  em  algum  tempo,  se  uao  lomarà  assento,  ou  resolugào 
nesta  malei ia,  sem  pnuieiro  ser  ouvida  a  Camera  da  dita  Cidade  de  An- 
iji-a. 

411  Ao  sobredilo  se  seguia  resolver,  se  forao  os  laes  despachos,  ao 
menos  suflìcienles  aos  servigtis,  e  meritos,  e  às  promessas  repetidas.  Po- 
rém  tal  resolu^ào  nào  loca  ao  Ilistonador:  o  certo  he,  que  ao  Mestre  de 
<iampo  Castelliano  se  Ihe  olTereceo  o  titulo  de  Coude,  e  Grande  em  Por- 
Itig;»!,  com  dez  mil  cruzados  de  renda  cada  anno,  se  enlregasse  o  Cas- 
tello: e  ao  Aiferes  mòr  d  elle,  D.  Pedro  Ortiz  de  Mello,  se  Itie  fizerao 
tambem  grandes  promessas,  se  viesse  na  dita  entrega:  e  comtudo  aos 
<ious  Capi  laes  móres,  e  Govci'uadores  da  guerra,  que  renderào  o  tal  Cas- 
tello, tiurna  Commenda  sómente  se  deo  a  cada  bum,  e  de  Iole  so  de  mil 
cruziidos  de  rtnida,  e  sómente  pelo  lempo  da  vida  de  cada  bum,  e  a  n:n- 
guem  mais  o  despaciio  passou  de  bum  filbamento  de  tidalgo,  a  quem  era 
€<ipaz  d'elle,  e  o  n3o  tinlia:  ou  de  huiii  habilo  de  Cbrislo,  de  Santiago, 
(ie  Aviz  com  rauito  peqiiena  tenfa:  e  lodos  os  mais  ficarao  sem  salisfa- 
C^o  alguma,  contra  o  estylo  de  Deos,  que  sempre  augmenla  o  premio,  o 
diminue  o  castigo:  pois  nào  quer  ser  bem  servido,  quem  nào  sabe  pa- 
gar bem. 

CAPITULO  XLI 

Das  pessoas  mais  insignes  em  valor^  e  santidade  que  da  Ilha  Terceira 

lem  sahido. 

412  Yaroes  em  armas  affamados,  e  nataraes  da  Terceira  temos  jà 


198  IIISTOJIIA  INSOLANA 

visto  tanlos  n'este  liv.  6.^  que  so  nos  remettemos  ao  que  dissemos  jà  dos 
Coi'tereaes,  Monfzes,  e  Barretos:  dos  Borges,  Costas,  Pnrliecos,  Limas, 
Silvas:  e  dos  seus  proprios  Canlos,  e  verdacleiraiiieute  Caslros  forles:  e 
de  mditos,  dos  que  ainda  hoje  dura  a  fama,  nào  so  eiu  i'ortu^al,  mas 
na  Africa,  na  India,  e  na  Africa,  a  cujos  descubrimentos  precederfio  os 
d'estas  Illias,  e  em  que  enlrarào  Pilotos  insignes  d  ellas.  Ainda  porém 
locamos  so  varoes  insignes  em  armas,  e  em  lidelidade  Portngneza,  «jue 
nas  guerras  de  sua  Acclamagào  mostrarào  bom  >seu  valor,  qual  foi  bum 
U.  Antonio  Ortiz  de  Mollo,  (irmào  de  D.  Pedro  Orliz  de  Mello,  naluraes 
de  Angra)  que  às  portas  da  Fraga  de  Olivenga  ein  Alem-Tejo  morreo  pa- 
ra defendel-a,  e  a  defendeo:  e  bum  Sebastiào  (lorrea  Lorvella,  que  uas 
armas  cliegou  a  ser  Governador  de  Elvas  em  o  niesmo  A  lem  Tejo,  e  suc- 
ceder no  governo  da  tal  Praga  ao  Conde  de  Viila-dor  D.  Sancbo  Manoet, 
e  d'abi  passou  a  General  da  arlelbaria  da  Provincia:  e  por  jà  doenle.  e 
gottoso  foi  posto  por  Governador  do  Castello  de  Angra,  onde  murreu. 
E  bum  Manoel  da  Camera  e  Mello,  lìlbo  de  Luiz  Cooluo  Pereira,  e  de  D. 
Isabel  de  Mello  da  Terceira,  que  depois  de  mililar  eia  Portug:il  se  reo- 
Iheo  à  sua  Uba com  o  posto  de  Capitào  da  Arteibaria,  e  morreo  nelle. 
E  de  buns  fidalgos,  filbos  de  Joào  de  CarvalbaI  da  Cidade  de  Anjra,  quo 
vierào  mililar  na  provincia  de  Traz  os  M^nlcs,  e  em  p.)s!os  graniles,  que 
por  viver  ainda  bum  d'elles,  e  o  nào  permitlir  sua  modestia,  nào  n»lin) 
mais,  corno  nem  dos  que  governarao  em  a  India,  em  Africa,  e  no  Brasil. 
413  Para  a  principal  noticia,  e  mais  im[)orlante,  das  possoas  eni 
virludes,  e  sanlidade  illustres  desta  Ubi  Terceira,  temos  muito  que  quei- 
xar-nos  do  pouco  que  os  antigos  escreverào,  ou  ainda  a[)ontarào,  em  ijua- 
si  duzenlos  e  setenta  annos,  que  ba  que  foi  desctiberla,  e  povoada  a  di- 
ta Uba  pelos  annos  de  li45  do  Nascimento  d>^  Christo:  ponpie  ainda  (pie 
0  louvor  em  bocca  propria  be  vileza,  o  merecido  por  outrem,  eem  in)- 
ca  albea,  e  quando  jà  nào  seja  adulagào,  ou  ambigiio,  bc  obrigagfio,  e  di- 
vida, para  gloria  de  Deos,  e  seus  antigos  servos,  e  imitagào  dos  viiidou- 
ros:  mas  muito  mais  ainda  queixar  nos  devemos,  de  que  tendo  comeca- 
do  0  eruilitissirao  Licenciado  Jorge  Cardoso  o  seu  nunca  assaz  louvad.» 
Agiologio  Lusitano,  e  parando  com  a  morte  em  (»s  [irimeiros  Ires  tomos, 
ou  seis  mezes  do  anno,  nào  houvesse  até  boj(M|uem  continuasse  tal  his- 
toria,  (sendo  tao  erudita)  nem  Principe,  ou  Senbor  (|ue  a  mandasse  con- 
tinuar, continuando-se  tanto,  e  tanto  se  dispendendo  em  outras  represen- 
tagoes  bem  escusadas,  e  deixando-se  as  da  bistoiùa,  e  bisloiia  tao sauU: 


LIV.  VI  GAP.  XLI  199 

pelo  qne  vnmos  no  pouco  que  pudemos  alcangar  da  presento  materia,  e 
de*  tal  Ilha. 

414    Ila  mais  de  diizentos  annos  erao  Cidndnos  dos  iiobros  em  a 
Cidade  de  Angra  da  lilia  Terceira  hum  Alvaro  Pires,  e  sua  imilher  Al- 
don^a  Martins,  e  dVsles  nasceo  hum  fillio  chamado  Joào  Eslacio,  a  (jiiem 
OS  hom'ados  pais  mandarào  estudar  a  Salamanca,  e  nesla  nào  so  cliegoa 
a  loniar  o  .i^^rào  de  Mestre,  e  Lente,  mas  tanto  se  acconiL'o  ein  ozelo  da 
salvarrio  das  almas  com  as  novas  que  entào  vinhào  das  [iidias  de  Castella 
dtsruherias,  qne  deixando  a  Universidade,  e  todas  suas  ca(Lùras,  e  Di- 
gnidades  seguintes,  se  metteo  Religioso  Eremita  de  S.  Ago.stinlio  no  Con- 
veiilo  da  mesma  Salamanca,  e  se  fez  discipulo  da(|nelle  grande  esemplar 
di.»  santidade,  o  grande  Santo  Thomas  de  Villa-Nova  ;  com  cujo  ex(Mn[)lo, 
e  <]()ulrina  tanto  se  augmentou  n'elle  o  desejo  de  C()nverter  Gi^nlios,  (pie 
se  loi   embarcar  para  as  ditas  Indias  de  Castella  a  con  verter  almas,  e 
Cìin  tal  fei'vor  de  espirito  chegou  là,  qne  em  cinco  annos,  e  (;ìu  clinias 
de  rjocivos,  e  doentios  ares,  e  abominaveis  costnmes  de  Idoialras,  con- 
v(.'rleo  milhares  de  alinas,  e  com  tal  exemplo  de  virlude,  e  santidade, 
qije  ns  sens  mesinos  Ueligiosos  o  elegerao,  e  ol)ri;^arrio  a  sor  seu  Vice- 
Provirìcial  da  Provincia  dj  Mexico,  que  sondo  dilaladissima,  aspera,  e 
montuosa,  em  sens  canjinlios,  loda  a  visitou,  e  seinpre  a  |Ȏ  :  e  ciimjjri- 
do  o  triennio,  e  clic^'aiìdo  ao  Perù  por  Vice-Rei  D.  Antonio  de  \!endon- 
Ca,  irmào  do  Manpiez  de  Mondejar,  o  tomou  por  seu  assistentti  no  go- 
verno, por  seu  Conselheiro,  e  Confessor,  por  espa.;o  de  doze  annos  in- 
teiros,  e  comtudo  a  Religiào  o  obrigou  a  sor  da(piella  nova  Provincia  do 
Peiù  seu  Vice-Provincial,  e  no  mesrao  tempo  se  llie  encarregou  o  gover- 
no Ecclesiastico  daquelle  vasto  Bispado,  e  provendo  de  idoneos  Minisli'os 
as  Igrejas,  ajudando  no  governo  ao  Vice-Rei,  e  nào  l'aitando  no  Religio- 
so a  Ordem,  de  tal  sorte  a  tudo  acodia,  que  julgavSo  todos  ser  consa 
milagrosa,  e  multo  mais  a  conversilo  dos  Indios,  de  que  até  pelo  flau- 
tismo  erào  innumeraveis  fdhos  seus;   e  gastados  treze  annos  em  tao 
Aposlolicas  occupafoes,  desde  IS39  até  lf)53,  foi  obrigado  a  voltar  a 
Hes|)anha  pelo  uem  da  conversào  dos  seus  Genlios,  e  so  coni  a  lama  de 
sua  admiravel  santidade  concluhio  quanto  queiia:  mas  o  prudente  Felip- 
pe  li  contra  a  vontade  do  Santo  Religioso,  o  nomeou  Bispo  em  a  Cidade 
dos  Anjos  em  o  Mexico,  que  enlao  vagou  ;  o  que  vendo  Deos,  equeren- 
do  dar  hum  Angelico  descanso  a  este  seu  tao  grande  servo,  o  chamou 
entào  com  huma  morte  Angelica,  e  breve,  para  o  coro  dos  Anjos  Celes- 


200  HISTOniA  INSULANA 

tines  ;  0  qnp  diesando  às  Indìas  de  Castella,  chorarSo  por  muitos  annos 
a  falia  d'estp.  seu  tao  grande  Pai,  e  verdadeiro  Apostolo. 

4 15  E  em  verdacle  tantas  forSo  as  virludes  prodipiosas  d'esle  illus- 
tre varno,  qiie  nem  sao  recopilaveis,  e  so  algumas  tocaremos.  0  jpjtim' 
p;m  oprpeUio  :  a  cama  a  dura  terra;  continiias  as  disciplinas,  e  cìrdti^? 
do  fcTro,  e  0  andar  sempre  a  pé  ;  e  emfim  iniinilaveis  as  penilfuicias 
qiie  fazia.  A  pacjf^ncia  foi  til,  que  oppondo-se-lhe  muitos  com  inj  :rias, 
e  airida  com  rorUnnielias,  nnnca  de  atj^nim  se  vingon,  tendo  poder  mni- 
t'is  \v7A^s  para  isso.  A  pobreza  Heli|j[i()sa  foi  n'olle  trio  admiravcl,  qiie 
vivando  in'zn  annos  no  Polosi  das  riqiiezas.  no  Mexico,  e  Perù,  e  sondo 
Pn'Iado  das  Iprejas  seculares,  Valido  dos  Vice-Reis,  e  em  aqnelles  prin- 
cijMos.  om  qno  a  prata,  e  o  ouro  era  immenso,  nunca  Ilio  velo  à  uiào. 
qm»  o  nào  desse  logo  aos  seus  pobres,  e  so  se  queixava  de  nào  ter  mili- 
to mais,  para  ainda  mais  dar.  A  humildade  seguia  a  pobreza,  sem  ac^M- 
lar  j.wnais.  nom  aind:i  appelecer  Prelazias,  e  Di;i[nidadfis  dcr^tc  mando, 
spn'o  ohrigado  da  ol>ediencia,  que  perfeitissimamonfe  sempre  obscn'on, 
0  aiiida  vendo-se  ja  eleito  Bispo,  e  de  Bispado,  tao  rico,  podio  a  Deos, 
e  ali'angou,  cpie  deste  miindo  o  levasse  para  si,  anles  de  se  ver  sagra»!  ì 
Eis[)o:  e  foi  tao  grande  sua  Angelica  pureza,  e  castidade,  que  ordenou 
Deos  fpie  morresse  nomeado  Bispo  de  Anjos. 

4f()    A  tao  raras  virtndes  canonizoji  n'este  mundo  o  mesmo  Deos 
com  prodigiosos  exemplos  externos;  porque  sendo  continuo  na  onigHo, 
vinlrìo  OS  Sanlos  da  gloria  conversar  com  elle,  e  Ihe  revelavHo  quanto 
liavia  sntreder  em  sous  governos,  e  assim  teve  espirito  notoriamen!» 
pr'O'Vliro.  Quando  celebrava  a  Missa,  a  seus  elcvados  ol hos  corporacs  shs 
ili!»  inostrava  Christo  Senhor  nosso  em  sua  propria  carne  Teridi).  e  orn— 
cifiiMdo:  e  o  que  mais  he,  Ihe  olTerecia  muilas  vezes  a  fonte  mananriil 
rie  M'U  Divino  Indo,  e  Ihe  dava  a  bcber  aquelle  Divino  sangue,  ou  loil*^ 
di'  jclistiaes  deleiles,  e  Ihe  dizia  estas  palavras:  «Ve  que  padwci  porli, 
e  aì!iina-le  a  padoa^  tambem  por  mim.»  E  d'aqui  vinlulo  os  admiraviMS 
exlnsns,  e  exfonios  raplos  corporaes,  que  se  Ihe  viào  ter:  as  lagrimas 
q\w,  corririri  de  seus  olhos,  comò  de  perennes  fontes,  e  oulras  vezes  a 
alcgiia  inlerior,  que  no  exterior  tanto  brolava,  que  a  lodos  alegravn so 
coni  a  vista.  Nào  se  falla  em  outras  obras  milagrosas  d  este  varào  San- 
to, pcu'que  ainda  de  algumas  das  jà  ditas,  so  se  soube,  purque  i)or  vir- 
tude  de  oluMliencia  Ih'as  mandarao  descubrir,  e  aponlar  us  Superiores, 
e  as  mais  calou  sua  profunda  humildade. 


LIV.  VI  GAP.  !^Ln  201 

.417  D'onde  so  segnìo,  qiie  nno  so  cm  sua  vida  todos  n  finhao  por 
Salilo,  mas  depois  de  sua  morte  parece  que  a  voz  unanime  de  lodo  o 
povo,  que  o  tratou,  o  canonizou  por  Santo,  e  foi  desde  enlào,  e  he  cha- 
iiiadn  0  Bealo  Joao  Eslacio:  e  com  oste  titulo  escrevem  d'elle  os  llis- 
toriadores,  o  Padre  Joachim  Bruleì  na  llisloria  Peruaiia  liv.  3,  cap. 
3,  o  Padre  Felii)pe  Elov  no  Augustin.  Encomiast.  pag.  371,  o  Padre 
Miguel  Solonio  na  vida  de  Santo  Thomas  de  Villa-Nova:  o  Padre  Anto- 
nio de  la  (-alan»^ha  nos  Varóes  illustres  da  Ordem  liv.  1,  cap.  26,  o  Pa- 
dre Nicoiào  Cnisenco  na  llisloria  3.  pari.  cap.  38  e  39.  Joseph  Pamphi- 
lo  in  Chronic.  Ordinis  fol.  116  e  119.  Frei  Hieronymo  lloman,  nas  Cen- 
turias  ad  annnm  ììrM,  Frei  Thomas  llerrera  in  Alphabel.  Auguslin. 
lit.  1,  Duarte  Pacheco  no  Epitome  da  vida  de  Santo  Thomas  de  Villa- 
Nova  liv.  3,  cap.  12,  e  o  citado  Agiologio  Lusitano  tom.  2,  aos  i  de 
Abril,  e  no  seu  Commentario. 

CAPrruLO  XLii 

Di!  outros  xvjeiios  insignes  em  santidade  da  dita  Ilha  Terceira. 

418  Entre  os  quatro  Conventos  de  Freiras,  que  ha  na  Cidade  de 
Angra,  hum  d'elles  he  o  de  Sao  Concaio,  de  regra  Franciscana,  e  de 
habito,  mas  no  governo,  sugeito  ao  Ordinario:  n'este  faleceo  a  Venera- 
vel  Madre  Maria  Bautìsta  com  grande  opinìao  de  Santa:  tinha  na^cido 
porùm  na  priircipal  Ilha  de  Cabo  Verde,  aonde  passou  a  mocidade  com 
tal  recolhimento,  e  virtude,  que  jà  là  era  tida,  e  reputada  por  pessoa 
santa,  e  para  crescer  cada  vez  mais  ein  as  virtudes,  pertendeo  passar 
à  Ilha  Terceira,  e  entrar  Religiosa  no  sobredito  Convento  de  Sao  Con- 
caio, pela  fama  que  Ihe  linha  là  chegado  da  grande  religiao,  com  (pie 
n'elle  se  vivia  :  e  assim  ajmo  o  pretendeo.  assim  o  executou,  e  cons«^- 
guio,  e  jà  de  idade  maior,  mas  jà  de  tao  grande  espirito,  e  vorncào 
fan  Divina,  que  por  fugir  do  mundo,  e  de  sua  propria  terra,  se  melico 
no  mar  em  busc^  de  vida  religiosa:  d'onde  se  tira  tambem,  que  devia 
de  ser  (ilha  de  pais  honrados,  e  ricos,  dos  quaes  Iierdou  bens,  e  animo 
para  fazer  tantos  gastos,  e  so  por  raelhor  servir  a  Deos:  e  de  sua  ge- 
rac^lo  se  nào  diz  mais. 

419  Chegada,  e  metlida  em  Angra  no  seu  buscado  Convento,  e 
passado  o  noviciado,  corno  quem  jà  là  no  mundo  era  buina  reiigiosissi- 


202  H1ST0R1A  LNStULNA 

ma  No\xa  nos  costumes,  professou,  e  vi\co  ainda  miiitos  annos,  ecom 
lào  raro  exem|)l«)  «le  virludes,  que  lodos  os  dias  conia  ein  o  Convento 
OS  sanlos  Vassos  «lescalsa,  e  com  liuroa  pjv-ada  Cruz  às  coslas,  e  hiimas 
vezes  ligada  fortemente  coni  crn*jis  cordas  da  cinlnra  para  cima  a(é  os 
lìnmbros:  oiitras  vezes  com  so  hiim  jahìo  aspero  de  esparto:  e  de  ca- 
ina  nào  usava,  senio  do  puro  cliào.  e  p«>r  breve  tempo:  e  porrne  huma 
sua  tia,  Ueli^M'»sa  lamlx^m,  Ihe  repreìiendia  esle  excesso,  de  tal  cama 
us:iva  alginnas  Vt'zes  r|ue  so  era  liuma  talma  com  Imma  manta  por  cima. 
Tt»mava  miiilas  vezi'S  desapiedadas  disciplinas,  e  ordinariamente  as  olle- 
r.M-ia  a  Deos  nosso  Senhor  |)"las  aUnas  d  a.jiiell.is  Ui'lij^'iosjis,  (pie  em  o 
in»rs.iio  (lonvenlo  linliào  falecido.  e  Cdin  lai  cliaridade,  e  devo^^àw  faz.a 
isio.  quo  lazondtM)  liinna  vez  por  delennl;i;ida  al;na  que  havia  pouco 
tem[K)  ralcc.\'a,  està  liie  ai)pareceo,  e  deo  as  ^^rM;iìs  pela  disciplina  com 
q  le  lanlo  a  niiviura. 

itìO  Na  or^rHo  nuMlal  rt>i  seniore  lào  jontinin,  e  devola,  quo  o 
mesmo  Cliristo  Jesns,  v.m  e!ìa  OM-nlltendo  o  piisso  em  qne  queria  medi- 
tar, 0  nii»srno  SehJKJr  llì'o  irnwriinia  ria  alma  tinlo  ao  vivo,  qne  ella  iicin 
s«*:ilia  v;iiriiL»arrjo.  ou  diveriiinenli»  alj^^am  onlro:  e  em  huma  occasiào 
ll»e  apjKinreo  a  Sacrati.s>i:iia  Yirpjm  M.iria,  Irazenjlo  em  Imma  mào  o 
M»Miino  Jesus,  e  em  oiilra  ao  mes:n.»  Seniinr  cniciiicado,  e  olhando|Kua 
a  sita  devota,  l'iie  disse  eslas  palavras:  «.Maria,  vivo,  e  morto,  sempre 
es  e  S(»n}i')r  he  leu  Mnjxjso.»  ilom  (pie  està  KJigio^a  licou  consoladissi- 
ma.  e  de  se  vrr  com  Ksp')so  lào  Divino  desej  >sa,  continuamente  i>eùia 
a  D'^os,  tpje  Ihe  desse  o  Pur^'alorio  n'esta  vida,  para  (pie,  em  siìhiiulo 
dVII;i,  fosse  j,N)sar  h)\i()  da  sua  vista,  e  a  nào  impedisse  o  Purgatorio, 
q'i"  r)or  s(Mis  peecados  lìiere^iia,  e  nislo  hem  moslrav.i  sua  profuiula  ho- 
nijjdade,  sua  linue  esperanija,  e  a  saudade,  ou  o  amor  de  Ueos  era  que 
se  ahrazava. 

Ì2Ì  Ouvìo-a  pois  oS"ii!ior,  e  contnliio  loj?o  em  a  mao  direUa  Ialina 
queimadura  lai,  e  de  tao  lerriveis  dores,  e  abrazadores  incendios  em  o 
biaci),  (pie  (piem  a  via,  f)asmava  de  corno  p(ìdia  tal  sofrer,  seni  se  llie 
notar  sinal  de  impaciencia  alluma,  ou  (pieixa,  anies  seni  rofjar  pi»r  si, 
so  se  leiìdirava  enl.'io  mais  das  penas  (pio  pade^iào  as  almas  do  Piiriia- 
Iorio,  e  por  ellas  mandava  enlào  dizer  muitas  Missas,  e  Ollicirts  Divinos; 
e  experiim'iitou  (caso  admiravel!)  (pie  em  quanlo  os  Ollìcios  e  Missas 
se  celebravào,  nào  senlia  dor  aiguma.  Tanlo  mostra  o  mesmo  Heos 
Como  aprovcilào  às  almas  do  l'urgaloiio  os  suilratjios,  que  por  ellas  se 


LIV.  VI  CAP.  XLII  203 

ofT(>recem,  qnnnto  ao  Sontior  af?rn(lào,  e  as  almat»  os  agradecem,  e  ain- 
da aos  qiie  os  ollurccein  aproveilao. 

44i  E  ainda  que  esle  pur^^'alorio  llie  diimn  lar;jfo  tempo,  mais  por 
Ihe  qiierer  Deos  angmentar  o  inerito,  e  acrrescentar  o  premio,  c!ie}(oii 
coniludo  0  tempo  de  sua  morte,  e  perguntando  a  outra  Religiosa  (pio 
horas  leria  ainda  de  vida,  e  respondendo-llie  que  tres  ale  (pialro,  niuilo 
visivelmente  se  alegroii,  e  rendeo  as  graras  por  tfm  alegre  nova.  E  logo 
a  vierao  visitar,  e  aoompaniiar  n'aqnella  hora  as  on/e  mi!  Virgeiis,  e 
coro  ellas  Imma  Irma  sua,  qne  havia  poiico  tempo  havia  fahicido  là  em 
0  S4M1  Cabo  Verde,  seni  ainda  se  salmr  em  a  Terceira;  ponpie  as  on/o 
mi!  Virgens  assim  pagào  às  almas  suas  devotas.  e  a  irmà  seria  hmna 
das  que  ella  com  os  seus  siilTragios  linlia  livrado  do  Purgatorio,  e  d  este 
as  almas  sào  mnito  agrad<jcidas.  Kinalìnenle  assim  se  foi  esla  RelFgiosa 
Esposa  de  CJiristo  para  sen  Divino  Esposo,  arompanhada  de  tantas,  e 
tao  santas  Virgens;  e  doixoi.i  eommiia  e  g(Tal  opiniào  de  Imma  santa 
Religiosa,  e  de  casta  santa.  Veja-se  o  Agiologio  Lusitano  tom.  2,  IO  de 
Abril,  lil.  I. 

tìH  No  mesmo  Convento  de  S.  Gonrajo  da  Illia  Terceira.  conforme 
ao  mesmo  Agiologio  tom.  2,  20  de  Ahrii,  lil.  II,  he  digna  de  eterna 
memoria  Brites  de  S.  Gonzalo,  que  sendo  nascida  de  pais  nohies  amou 
tanto  a  humildade,  e  vida  Religiosa,  que  no  principio  da  fundagào  do 
Convento  veio  a  elle  pedir  (jne  a  admiltissom  [lara  serva  do  dito  (^on- 
vei»to;  e  visto  o  espirito  de  sua  vocacào  a  admittirào,  e  comccou  logo 
a  exercitar-se  nos  ofiìcios  mais  trahalliosos,  haixos,  e  humildes  da  cxizi- 
nlia,  forno,  enfermaria,  etc,  e  por  lantos  annos,  e  com  tal  exem;)lo  e  ca- 
ridade,  rpie  todas  as  Religìosas  a  chamavno  sua  Mài:  e  a  Communidade 
agradtyida,  de  unanime  volo  de  todas  a  (izerào  Religiosa  professa;  e 
comtudo  nem  por  isso  deixou  continuar  nos  niesmos  olVicios  de  serva 
da  ^'.ommunidade,  e  com  a  mesma  charidade,  modestia  e  composlura: 
e  até  às  pessoas  pohres  (pie  vinliào  à  portarla  era  tao  caritativa,  que  a 
loda  a  hora,  e  com  tudo  o  (|ue  |>odia,  Ihe  acodia  sompre. 

ìi\  Com  tao  sanfos,  e  exemplares  exercicios  chegou  ainda  a  ve- 
Ihice,  e  n'esta  a  quiz  Deos  aperfei^oar  ainda  mais  com  Imma  grave  en- 
fermidmle,  na  qual  deo  tal  exenq)lo  de  paciencia,  penitencia  e  amor 
do  proximo,  qiie  nao  so  nimca  se  queixou,  nem  signilicou  fallar-lhe 
colisa  alguma,  mas  nem  aceilava  comer  alg'.im  senào  o  (pie  se  dava  à 
Communidade,  e  d'esso  ainda  tornava  làopouco,  que  a  maioi*  parlo  man* 


206  insToniA  insulana 

se  forTio  fnndar  nas  oiiiras  Ilhas,  bem  se  colhe  que  quem  mais  nao  diz 
he  so  por  nào  ter  nolicia  de  n)«is:  que  se  a  tivera,  a  daria,  pela  devo- 
Cùo  (]ue  sempre  leve  a  tao  sagrud»  Ordem. 

CAPITin.0  XLIII 

De  muilas  mais  pessoas  tm  perfeicèo  illuatreSy  que  da  Terceira  sahirào, 

ii9  Elitre  os  famosos  varoes,  que  da  Cidade  de  Angra  tem  sahido 
deve  ter  lii{(ar  insi^jne  o  Illustrissimo  e  Keverendissimo  Scnhor  D.  Frei 
Cliristovào  da  Silvuira:  conlieci  eslc  varào  ha  quasi  sessenta  annos,  no 
de  1650  andando  cu  etilào  na  Universidade  de  Coimbra,  e  sendo  elle 
Roitor  do  Collegio  de  Santo  Agoslinho  de  Nossa  Senhora  da  Graga,  na 
rua  celeberrima  de  Santa  Sophia  ;  e  persuadindo-me  elle  entao  que  en- 
trasse na  sua  Keligiào,  Dcos  ordenou  oulra  cousa,  persuadindo-me  a 
entrar  em  a  Companhia  de  Jesus,  corno  enlrei  no  seguinte  anno  de  I6S7 
e  d'ahi  a  poucos  annos,  respeilando-se  as  insignes  letras,  lalentos  e  vir- 
tudes  do  dito  Rf^itor,  foi  eieito,  e  nomeado  por  Primàs  da  India  Orien- 
tai, e  Arcehispo  de  Goa,  onde  vìveo  muitos  annos,  e  governou  tao  santa 
e  prudentemente,  quanto  testificar  podem  os  que  là  o  conhecer3o:  e 
nielhor  testificou  a  morte  religiosissima  que  teve  conforme  a  santa  vida: 
eu  so  posso  accrescentar,  que  nào  so  foi  na  Dignidade  que  leve,  mas 
qiie  ale  em  o  sangue  foi  illustre,  pois  foi  fillio  do  Capitao  Chrìslovao 
de  Lemos  de  Mendoga,  hum  dos  da  primeira  nobreza  da  Cidade  de  An- 
gra, de  quem  nasceo  lantbem  o:ilro  gravissimo  Religioso,  chamado  Frei 
Joao  de  Lemos,  da  mesma  Ordem  de  Santo  Agoslinho:  e  outro  secular 
Guillicrme  da  Silveira;  e  ultimamente  leve  outro  fillio,  sendo  jà  o  pai  de 
quasi  oitenta  annos:  e  depoìs,  sondo  de  novcntn  e  seis  de  idade,  m  o  foi 
ao  Collegi*)  de  Angra  encommendar,  para  Ih'o  ensinar  em  a  Retborica, 
q'.ie  eu  entao  là  lia, 

430  Aqui  pode  ter  lugar  o  Veneravel  Padre  LourenQO  Rebello  da 
Companhia  de  Jesus,  porque  ainda  que  fosse  naturai  de  Lisboa,  quasi 
teda  a  Vida  passou  em  estas  Ilhas,  e  na  Terceira  mais  de  quarenta  an- 
nos. Foi  discipulo  de  latins:  Filosofila,  e  Theologia  em  Coimbra,  e  ahi 
entisicou  de  muito  estudo,  e  melhorando  em  Pedroso  junto  ao  Porto, 
ainda  fìcom  com  huns  accidentes  de  coracào,  que  chamào  gota  coral,  e 
por  inelhurar  de  ares  pedio  ir  para  as  Ilhas,  e  foi  para  a  Madeira,  e 


LIV.  VI  CAP.    XLII  20JJ» 

427  Com  esfe  exemplo,  e  muitos  oiilros  do  singiilnres  virtndes 
foi  este  varào  lido,  e  juli^^ido  de  todos  por  Iujiiì  Santo,  e  conio  lai  leve 
buma  santa  morte,  e  foi  sepiiUado  no  Capitalo  do  seu  Convento,  nà(^ 
com  menos  lagrimas,  do  (pie  lonvoros  de  loda  a  Cidade.  E  leve  oiiln» 
irmào  seu  na  mesma  Uoligiào,  chamado  Frei  Vasco  Garcia.  nào  menos 
abalizado  cm  santidade,  e  do  anihos  fa/,  iniìncao  o  Agiolojzio  l.usitano 
tom.  2,  a  28  deibril,  e  do  se^nindo  promi^tle  Iralar  mais  a  2  de  Agosto, 
era  que  faleceo.  Ambos  os  innàos  erào  nalnraes  da  liba  da  Graciosa,  e 
de  sangue  rauilo  nobre,  corno  quasi  todos  sao  os  d'aquella  Illia.  e  por 
isso  de  muito  nobres  espiritos  ;  mas  conio  ambos  viveram,  e  morrerào 
na  Uba  Terceira,  por  isso.os  pouho  aquij  porque  era  entào  da  Provin- 
cia dos  Algarves,  cujo  primeiro  Custodìo,  ou  Commissario  foi  Frei  Pe- 
■dro  de  Leiria,  e  logo  Frei  Manoel  flautista,  que  de|)ois  morreo  Bispo  de 
Angola;  e  muilo  mais  depois  no  Capitulo  goral  do  anno  de  1G39  foi 
erecla  està  Ciistodia  em  Provincia,  e  conlìrmada  debaixo  da  tutela  de 
S.  Joao  Evangelista,  cuja  imagem  Irazem  no  sello  da  Provincia;  e  alTir- 
ma  0  citado  Agiologio  que  lem  hoje  està  hovincia  das  Ilbas  Terceiras 
quatorae  Gonventos  de  Frades,  e  scis  de  Freiras  da  sua  obediencia,  além 
dos  que  da  mesma  Ordem  obedecena  ao  Ordinario,  cuja  cabeca  be  o  Ke- 
gio  Convento  de  Angra,  de  scsseuta  Religiosos  debaixo  da  invocagào  de 
N.  Senbora  da  Guia. 

428  Dirào  pois  algnns,  e  queixar-se-hao  de  se  nao  tratar  aqui  de 
muitos,  e  muitos  mais  Religiosos  exemplarissimos,  observantissimos,  e 
illustres  em  Santidade,  e  de  muitas  Religiosas  santas,  que  florecerao 
em  muitos  Conventos  de  buma  Provincia  tao  Serafica,  e  ainda  de  secu- 
lares,  Terceiros,  e  Terceiras  da  tal  Ordem,  que  em  virtudes  forao  insi- 
gnes.  Responde-se  porém  com  outra  mais  justa  queixa,  de  que  bavendo 
quasi  oitenta  annos  que  està  Religiao  Serafica  està  constituida  em  Pro- 
vincia das  Ilbas;  e  bavendo  jà  mais  de  cento  e  vinte  annos  q»fe  foi  Cus- 
todia, e  muito  mais  de  duzentos,  que  est:i  nas  ditas  Ilbas,  ainda  comtudo 
ale  hoje  nao  lem  satiido  a  luz  Cbronica  alguma  de  tao  antiga,  vasta,  e 
santa  Provincia,  tendo  sempre  doutissimos  varoes,  que  a  poderào  ter 
composta,  e  facilmente  impressa,  de  que  poderiamos  tornar,  e  aprender 
para  salisfazer  a  dita  queixa;  mas  mal  se  podem  queixar  de  oulros  sti 
nao  lembrarem  d'elles,  os  que  dos  seus  se  nao  lembrao:  e  ainda  assini 
do  (|ue  n'esta  liisloi  ia  se  lem  jA  dito,  e  se  dirà  em  varias  partes  dos 
mais  Coiivealvjs  Svialkjs,  de  Frades,  e  de  Freiras,  que  da  liba  Teìcoira 


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LIV.  VI  CA1>.  XLIU  Ì09 

llissao  do  MaranhSo,  e  padecendo  ja  junto  a  elle,  hum  Tatal  naurragio, 
Toi  mandado  tornar  a  Portugal,  e  d'este  a  ler  Filosofia  em  o  Collegio  de 
Angra,  e  de  tal  sorte,  a  leo,  que  o  fizavio  vir  lel-a  a  Coimbra,  e  Toi 
hum  dos  que  melhor  n'ella  a  leo,  e  logo  o  metterao  na  Theologia  Mo- 
ni n?  mesma  Universidade,  e  de  tal  sorte  o  fez  por  inuìtos  annos,  que 
por  elle  se  governava  aquelle  grande  Bispado,  entao  Sé  vacante,  e  ulti- 
mamente 0  mandarao  visitar,  e  governar  as  Ilhas,  (que  semdhantos  ho- 
mens  erSo  os  que  enlao  se  mandavao  a  governos  Insulanos)  e  là  flcou 
até  morrer  com  grande  fama  de  lelras,  e  maior  de  virtudes  excmplaros 
especialmente  de  paciencia,  e  hnmildade. 

435  A  este  Padre  scguio  hum  seu  sobrinho,  por  nome  o  Padre 
Jo3o  Teixeira,  que  nào  so  entrou  na  Companhia,  sendo  naturai  da  dita 
Uba  de  S  Jorge,  mas  estando,  comò  humanista  excellente,  lendo  huma 
classe  em  Lisboa  no  Collegio  de  Santo  Antao,  pedio  tambem  miss3o,  o 
coDseguio  a  da  India  Orientai,  para  onde  foi  em  o  anno  de  4673  com 
QQtro  seu  contemporaneo,  e  tambem  iMestre  comò  elle  em  outra  classo 
do  mesmo  Collegio  de  Lisboa  o  Vcneravel  Padre  Jo3o  de  Brito,  que 
d*abi  a  vinte  annos  morreo  martyrizado  na  missao  de  Maduré  em  o  Rei- 
ix>  de  Malavar,  e  o  dito  Padre  Joao  Teixeira  morreo  brevemente  em 
€hegando  i  L'idia,  e  foi  adiante  gosar  de  sua  Apostolica  miss3o.  E  jà 
malto  antes  em  1657,  o  tinha  precedido  à  mesma  missao  do  Oriente  o 
Padre  Francisco  Ribeiro,  naturai  da  liba  do  Faial,  discipulo  que  foi,  e 
meu  condiscipulo  na  Filosofia  do  Padre  Mestre  Joào  de  Can-alho  em 
Coimbra,  e  nas  missocs  do  Oriente  morreo  glorioso  Missionario,  e  a  to- 
dos  estes  tratei,  e  conlieci,  e  ctioro  ainda  lioje  n3o  ter  a  ventura  de  os 
acompanhar,  e  partecipar  de  seus  tao  avantejados  mcrecimentos. 

436  Mas  tambem  cà  em  Portugal  floreccrao  outros  Heligiosos  da 
Companhia  de  Jesus,  e  Insulanos,  quo  forao  sujeitos  de  talentos,  e  vir- 
tades  singulares,  entre  os  quaespodejA  contar-sc  o  muito  Religioso  Mes- 
tre Matheus  do  Canto,  naturai  da  Cidade  de  Àngra,  da  primeira  fidal- 
guia  d*ella,  GIho  de  Ignacio  do  Canto  da  Silveira  e  Vasconcellos,  e  de 
D.  Igoes  de  Castro,  o  quai  entrando  na  Companhia  bavere  doze  annos, 
n*ella  teve  o  Noviciado  corno  hum  Anjo,  o  recolhimento  corno  huma  in- 
telligencia  Angelica,  e  da  Filosofììa  sahio  perfeito  Filosofo,  e  por  isso 
em  Ck)imbra  o  metterao  logo  a  Icr  nas  classes  d*aquella  insigne  Univer- 
sidade,  e  com  tal  applicacao  fez  o  Magisterio,  que  acabado  o  primeiro 
anDO  entisicou  de  sorte,  que  nao  houve  medicinas  que  o  restiluissem  à 

VOL.  U  ìì 


210  IIISTOIUA  INSILANE 

saiide,  e  dentro  (|e  poucos  annos  morreo  de  ponco  mais  de  vinte  e 
seis.  Às  mais  notorias  virtudes  n'elle  Torao,  que  sendo  de  illustre 
sangue,  e  podendo  ainda  seguir-se  no  morgado  da  casa  de  seus  pai$, 
tal  conrormidade  tiriha  com  a  vontade  Divina,  que  nem  para  nelLi  se 
seguir,  nem  para  n'ella  cobrar  saude:  nunca  se  llie  enlendeo  desejo  al- 
gum  de  querer  largar  a  Religiao;  tal  foi  sempre  a  firmeza  de  sua  pri- 
meira  vocacao;  e  sendo  de  tal  nobreza  Toi  humildissimo  sempre,  e  tao 
devoto,  que  corno  bum  Seraflm  se  Toi  para  a  Geo,  deixando  cheios  de 
inveja  a  todos  os  que  Ihe  assistirao. 

437  E  pois  foi  Deos  servido  levar  para  si  o  Reverendo  Padre  Joao 
Pereira,  em  S.  Roque  desta  Corte  de  Lisboa,  ha  pouco  mais  de  bum 
anno,  d'elle  se  deve  saber,  que  era  naturai  da  Uba  de  S.  Miguel,  da  Ci- 
dade  de  Penta  Delgada,  rillio  de  bum  Cidadao  d'ella,  cbamado  Antonio 
Pereira  de  Elvas,  eiHrou  na  Companhia  em  4661,  em  23  de  Dezembro, 
ieo  humanidades  seis  annos  nas  Ilbas,  e  no  Porto;  estudou  Filosofiia,  e 
Tlieologia  em  Coimbra,  foi  Prégador  de  excellenté  estylo,  corno  se  ve 
em  bum  tomo  seu  impresso,  e  foi  tao  esemplar,  e  de  tantos  talenlos,  e 
governo,  que  foi  Reitor  de  Angra,  de  Elvas,  de  Santarem,  Secretorio  da 
Provincia  de  Portugal,  Provincial  da  Provincia  do  BraziI,  Reitoi:  do  Col- 
legio de  Coimbra,  Visitador  Geral,  e  Vice  Provincial  de  Portugal,  e  ulti- 
mamente obrigado  de  Roma  a  ser  Preposito  de  S.  Roque  de  Lisboa,  e 
sentia  tanto  o  governar  jà  tanto,  que  a  pouco  tempo  d'este  oliavo  gover- 
no mon^eo  com  breve  doenga,  e  grandes  demonstracoes  de  sentimento» 
aie  das  pessoas  Reaes,  e  pelo  zelo  com  que  guardava  as  ordens  de  Ro- 
ma, padeceo  milito,  e  com  tal  exemplo  de  virtudes,  e  consiancia  tal, 
que  aos  que  pessoalmente  Ibe  merecerao  menos,  favorecia,  e  previa  elle 
mais:  emiim  foi  Varao  dignissimo  de  ser  contado  entre  os  illustres  Va- 
roes  da  Companhia  de  Jesus,  morreo  de  quasi  seteota  annos  de  idade. 

438  Tambem  das  libas  Terceiras,  e  naturai  da  Cidade  de  Angra, 
era  Francisco  Pereira  de  Lacerda,  a  quem  recebeo  na  Companhia  o  Re- 
verendo Padre  Visitador  das  Illias  Luis  de  Brito,  e  o  trouxe  para  ci,  e 
entrou  no  Noviciado  de  Lisboa  em  14  de  Dezembro  de  1652,  e  cà  se 
cbamou  so  (conforme  ao  estylo  d'està  Provincia)  Francisco  Pereira,  foi 
filho  de  Alvaro  Pereira  de  Lacerda,  fidalgo  bem  conhecido  em  Angra,  e 
de  D.  Umbelina  Madruga,  cujo  morgado  berdeiro  foi  Diego  Pereira  de 
Lacerda  com  casas  muito  nobres  na  prac^  da  Cidade  de  Angra,  de  qaem 
tratamos  jd  em  oulro  lugar;  teve  o  seu  Noviciado  em  Coimbra,  e  quasi 


LiW   VI  CAI*.  XLltl  ^11 

dniis  annos  de  recolliimenlo,  e  sempre  com  tao  raro  exemplo  de  virtu- 
de,  e  penitencia,  que  (corno  di^^^  o  publico  livro  da  Provincia,  in  margi- 
ne  ibi)  morreo  Santo  em  Colmbn,  aos  20  de  Agosto  de  1G5C:  Et  con- 
summaius  in  brevi,  explevit  tempora  multa  :  placita  eroi  Deo  anima  !/• 
lius. 

439    De  muitos  outros  Herocs  Insulanos  se  nao  faz  aqiii  mencao» 
porque  so  se  faz  dos  pcrtencentes  à  Ilha  Terceira,  de  que  he  este  livro 
sexto,  e  ainda  d'estes  nao.  senao  so  dos  que  pude  ter  hoticia,  e  jà  fa- 
lecidos,  que  de  alguns  que  ainda  vivcm,  niuito  podera  dizer,  mas  sua 
grande  modestia  o  nao  permille.  Porem,  porque  ha  pouco  faleceo  ja 
n'este  Collegio  de  Santo  Antao  de  Lisboa,  o  memora  ve!  Padre  Paulo  Pe- 
reira naturai  da  Cidade  de  Angra  da  Illia  Terccira,  pede  a  sua  exemplar 
Vida,  facamos  a  devida  memoria  d'elle.  Nasceo  pois  em  Angra  em  tU5G, 
e  de  pais  nobres,  e  militares,  por  ser  seu  pai  Ajudante  de  guerra  do 
Terco  do  Castello  de  S.  Jo3o  Daptista,  no  anno  de  1GG7,  e  passada  a 
innocente  puericia,  cntrou  a  cstudar  latim  nas  classes  do  Collegio  de 
Angra,  e  em  poucos  annos  sahio  tao  perfeito  Latino,  Poeta,  e  Rhetori- 
co,  e  i3o  exemplar  em  procedimcntos,  que  a  Companhia  de  Jesus  o  es- 
colbeo  para  seu  Religioso;  teve  o  Noviciado  com  exemplarissima  obser- 
vancia  de  Angelico  Novigo,  o  rccolhimento  sem  nota  alguma,  e  muito 
menos  penitencia,  por  se  nao  ver  nelle,  de  que  Ih'a  podessom  dar,  a 
Filosofìa  estudou  em  Coimbra,  com  tanta  applicacao,  e  tal  engenho  para 
ella,  que  nenhum  de  seus  doze  condiscipulos  o  vcnceo,  e  poucos  o  igua- 
lar3o,  d*ahi  Toi  mettido  a  ler  humanidadcs,  e  Rhetorica,  e  o  fez  em  Bra- 
ga, e  em  Lisboa  com  tal  perfeìgào,  assombro,  e  exemplo  de  vida,  que 
nSo  so  OS  Grandcs  da  Corte  (comò  o  exi^llentc,  e  sabio  Marquez  de 
Alegrete)  a  consultavao,  mas  outros  imitandolo,  toraarao  a  vida  Religio- 
sa, n3o  so  em  a  Companhia,  mas  em  outras  Religioes,  que  se  nao  refe- 
rem,  por  ainda  serein  vivos:  passou  a  estudar  Theologia,  tambem  cm 
Coioibra,  e  niella  sahio  t^o  consummado,  e  graduado.  quo  (por  nao 
accitar  cadeiras)  pcrdeo  n'isso  a  Companhia  bum  dos  mais  insignes  Len- 
tes,  que  entao  teria,  mas  elle  so  fui  para  a  celebre  liba  da  Madeira,  e 
niella  prégou,  e  leu  Theologia  Moral  por  muitos  annos,  e  por  outros 
fez  0  mesmo  na  Uba  Terceira  sua  patria,  e  d'ahi  passou  a  ser  Reitor  da 
Uba  de  S.  Miguel,  aonde  pelo  zelo  singular  da  perfeita  observancia  Re- 
ligiosai  Ihc  deo  algucra  muilo  quo  sofrcr,  e  elle  se  passou  para  Lisboa, 


212  IIISTOIUA  INSriJVNA 

ficando  ainda  là  durando  a  fama,  e  continua  memoria  de  tao  grande  sq- 
geito,  em  todas  as  llhas  onde  esteve. 

440  Em  Lisboa  o  escolheo  S3o  Roqtie  por  scu  Prégador,  depois  o 
grande  Collegio  de  Santo  Antao  por  seu  Lente  Ueal  da  Sforai  Tlieologia, 
e  0  Eminenlissimo  Senhor  Cardeal,  e  Cerai  Inquisidor  Ihe  offereceo  o  scr 
Qualifìcador  do  Santo  Oflìcio,  de  que  por  pura  humildade  se  escosou;  e 
a  Magestade  Real  dei-Rei  nosso  Senhor  D.  Joao  o  V,  o  obrigon  a  prè- 
gar-llie  em  sua  Capella,  e  por  mais  que  se  dizia  telo  escolhido  para  o 
Regio  posto  de  sen  Confessor,  a  tao  pio,  e  Real  zelo  vencco  a  canoniza* 
da  piedade  do  glorioso  Sao  Pio  V,  pois  tendo  a  sua  eselarecida  Religtio 
dos  Prégadores  escolhido  ao  nosso  Padre  para  Ihe  pregar  a  Canonìza- 
C3o,  chegada  entao  do  seu  novo  Santo  Pio,  esle  alcangou  de  Deos,  que 
lh*a  fosse  pi^ar  là  em  o  Ceo  ;  e  assim  nas  quasi  vesperas  do  Sermao 
adoeceo  de  sorte,  que  ontro  grande  Prégador  da  Companhia  substituliio 
ao  pulpito,  e  quasi  de  repente,  ao  moribundo,  e  este  se  foi  pregar  o  seu 
Sennao  a  Bemaventuranfa,  onde  piamente  cremos  que  està,  porque 

4il  S\^  observancia  Religiosa  foi  tao  grande  sempre*  que  na  pò- 
reza  nunca  n'elle  se  notou  nem  algum  leve  descuido;  na  pobreza  foi  tao 
singular,  que  nao  so  em  si,  mas  ainda  em  outros  Religiosos,  nunca  po- 
de  sofrer  qoebra  alguma  de  pobreza.  A  obediencia  mostrou  em  tantas 
navegacoes,  que  aceitou  sem  se  escusar;  e  a  sua  humildade  (fundamento 
das  virtudes)  vimos  jà,  em  nao  querer  aceitar  as  honras  que  se  Ihe  o^ 
ferecilio,  e  a  tantas  virtudes  coroava  com  tal  amor  de  Deos,  da  sah-a^ 
propria,  e  do  proximo,  que  acabada  a  Filosofla,  pedio  ir  para  a  India  a 
converter  gentios,  e  nao  se  Ihe  concedendo,  sempre  com  està  missao 
lidou.  que  até  junto  à  morte  dedarou,  que  varìos  tomos  manuscriptos, 
que  de  seus  Sermoes  deixava,  tudo  o  que  impressos  rendessero,  fossam 
para  os  Missionarios  do  Japao,  e  China,  pois  tinha  licenca  dos  Superìo- 
res  para  o  determinar  assim;  e  de  facto  snhìo  jà  hum  tomo  impresso,  e 
sahirao  os  outros,  para  gloria  de  Deos,  e  de  tal  varao,  verdadeiramente 
santo,  e  sabio  :  e  quem  isto  d'elle  escreve,  o  sabe  tanto,  que  foi  o  prì- 
meiro  seu  iMesIre  na  latinidade  em  o  Collegio  de  Angra,  e  em  Coimbra 
foi  seu  Mestre  de  toda  a  Filosofia,  e  Theologia,  e  *em  Lisboa  o  toraou  a 
tratar,  e  coohecer  seis  annos,  até  Ihe  morrer  oas  maos  de  idade  jà  de 
sessenta  annos. 

4i2  De  outros  varoes  illustres  Insulanos,  e  de  algum  modo  Liisi- 
tanos,  seria  nunca  acabar,  se  os  quizcsse  ainda  so  referir;  pois  bastaria 


LIV.  VI  GAP.  XLIV  213 

bom  Ancbieta»  verdadeiro  Tbaumalurgo  da  Compiinhia,  prodigioso  obra-"^ 
dor  de  innumeravels  milagres,  e  espeiiio  de  sanlidade,  e  penitencia,  para 
Qocher  muitos  livros,  corno  jà  tocamos  oas  suas  llhas  Canarias;  e  basta- 
ria  0  grande  Padre  Leao  Ileoriques,  a  quem  em  Roma  queriuo  eleger  por 
Geral  da  CompaDbia  em  premio  das  virludes,  e  illustre  sangue  que  tì- 
nha,  naturai  da  liba  da  Madeira;  d'onde  tambem  era  o  sapientissimo  Pa- 
dre Alanoel  Alvarez,  primeiro  Gompositor  da  Arte  Latina,  e  Mestre  uni- 
tersat  do  mundo  todo:  e  ainda  erofim  bastarla  bum  Padre  Francisco  de 
Bel6QCurt«  iegìtimo  descendente  dos  dous  primeiros,  e  Catbolicos  Ucis 
das  Canarias,  e  naturai  da  mesma  Madeira,  onde  deixou  o  morgado  de 
8608  iliustres  pais  ;  por  entrar  na  Companbia  de  Jesus,  aonde  morreo 
pregando  em  SUO  Roque,  ajuntando  com  o  zelo  Apostolico  o  exemplo 
das  virludes  :  bastariao  pois  sugeitos  taes,  para  bonrarem,  e  acreditarem 
a  todas  as  Itbas;  porém  por  jé  concluirmos  com  este  sexto  livro  da  Ter- 
ceirat  ponbamos-Ibe  a  corea  com  a  maior  gloria  della. 

CAPITOLO  XLIV 

Do  illusti'issimo  Marlyr  Joào  Bautista  Muchado. 

443  Da  santa  vida,  e  gloriosa  morte  d'este  illustrissimo  Martyr  se 
tu  niencao  no  Manulogio,  ou  Martyrologio  dos  Martyres,  Confessores,  e 
variSes  illustrès  da  Companhia  de  Jesus  a  22  de  Maio;  e  mais  largamente 
na  gloriosa  Coroa  de  esforcados  Religiosos  da  Companbia  de  Jesus,  mor- 
tila pela  Fé  Cathòlica  nas  Conquistas  do  Reino  de  Portugal,  composta 
pelo  Padre  Bartholomeu  Guerreiro  da  mesma  Companbia,  e  impressa  em 
Lisboa  no  anno  de  1642  por  Antonio  Alvarez,  Impressor  del7Rei  nosso 
Senhor,  4.  part.,  cap.  38,  mas  porque  so  recopiladamente  se  faz  addita 
mengSo,  e  de  tal  Insalano  Angrense  be  aqui  o  seu  proprio  lugar,  dire- 
mos  d*elle,  para  gloria  de  Deos,  o  que  so  pudemos  alcangar,  reservando 
0  mais  para  as  Catholicas  diligencias  que  a  Santa  xMadre  Igreja  costuma 
faier  em  semelbantes  materias. 

4ii  Nasceo  o  Padre  Jo3o  Bautista  Macbado  em  a  Cidade  de  Angra, 
cabeca  das  llhas  cbamadas  Tercciras,  ou  dos  Assores,  no  anno  de  4582. 
A  casa  em  que  nasceo  foi  depois  mettida  na  segunda  fundagao  do  Colle- 
gio da  Companbia  de  Jesus  da  sobredita  Cidade;  para  que  assim  se  veja 
qoe  este  fortissimo  Martyr  nao  so  com  suas  excellentissimas  virtudes^ 


214  IIISTOniA  INSULAXA 

mas  tambem  cono  o  material  de  sua  casa,  foi  hum  corno  Fundador  do 
dito  Collegio  de  Angra,  e  milito  mais  porque  este  santo  Padre,  sendo 
ainda  de  seis  para  sete  annos  de  idade,  costumava  jà  entao  dizer,  que 
Ijavia  de  ser  da  Companhia,  e  ir  ao  Japào,  e  dar  la  a  vida  pela  Fé  Ca- 
tlìoli(!a:  e  tanto  assim  tudo  aconteceo  depois,  que  parece  que  Deos  nesso 
Seiihor  ja  em  tao  tenra  idade  Ihe  communicou  (corno  a  oulro  Samuel)  o 
espirilo  de  proCecia,  para  que  o  Collegio  Angrense  d'elle  tornasse  o  mis- 
sionario espirito  que  tem  para  as  outras  Illias,  e  Conquistas  de  Portu- 
gal:  e  reconliecesse  por  seu  Fundador  tatubem  espiritual  a  este  Uio  saot 
to  Missionario. 

445  Seus  pais  forao  da  antiga,  e  nobilissima  familia  dosMacbados, 
na  qual  jà  locamos  n*este  liv.  6,  cap.  2H,  e  mais  largamente  em  seu  io- 
gar  Tallaremos,  por  bora  baste  saber-se  que  até  na  gera^ào  era  este  Pa- 
dre Joao  Dantista  tao  illustre,  que  com  baver  em  Angra  familias  muitas 
de  ndalgos  da  casa  de  S.  Magestade,  raro  sera  o  que  muito  se  nao  prc- 
ze  de  ser  parente  d'estc  illustre  Marlyr,  cuja  casa  possubia  hum  bom, 
e  palrimonial  morgado,  e  d'este  era  o  successor  berdeiro  o  mesmo  Pa- 
dre, causa  porque  seus  proprios  pais  o  mandarao  a  Lisboa,  e  de  Lisboa 
a  Madrid,  para  viver  n'estas  Cortes,  e  tratar  dos  augmentos  de  sua  ca- 
sa, tanto  era  o  que  fiavao  do  juizo  de  tal  fìlbo,  sendo  ainda  entao  so  do 
dezaseis  annos  de  idade.  Porém  querendo  Deos  que  o  mesmo  filbo  6- 
zesse  verdadeira  a  sua  profecia,  em  cbegando  a  Lisboa,  se  foi  logo  a 
Coimbra,  e  pedio,  e  alcancou  o  entrar  Religioso  na  Companhia  de  Jesos, 
e  tao  religiosamente  procedeo  no  Noviciado,  que  tendo  entrado  com  elle 
bum  seu  primo,  e  {lersuadindo  este  ao  Santo  que  se  sabissem  da  Beli- 
gì3o,  0  Angelico  Joào  nem  fallar-lhe,  nem  ouvil-o  quiz  jamais,  eo])rimo 
deixando  a  Companbia,  experimentou  depois  gravissimos  perigos,  e  foi 
aquelle  Chrislovao  de  Lemos  de  Mendoga,  e  pai  do  Primis  do  Oriente, 
Arcel)ìs|)o  do  Goa,  D.  Frei  Cbristovùo  da  Silveira,  de  que  acima  jà  ial- 
lànios. 

446  Porém  o  Santo  Noviro  com  tal  esemplo  acabou  o  seu  biennio 
do  Noviciado,  e  fez  tao  religiosa  profissao,  que  pouco  depois,  e  sendo 
ainda  [lumanìsla,  pedio  com  tanta  instancia,  e  fervor  a  missao  da  India, 
e  determinadamenlo  a  de  Japìio,  que  se  Ibe  concedeo  com  so  quasi  tres 
annos  de  lioligiao,  e  logo  no  do  IGOi  com  outros  muitos  Missionarios 
l)artio  para  a  India:  chegado  a  Goa  estudou  n'ella  a  Filosofia,  e  era  aca- 
^jando  partio  para  a  China,  e  no  Collegio  de  Macao  estudou  a  Theok)- 


LIV.  Xl  GAP.  XLIV  2(3 

gin,  e  cski  acabada»  navegou  para  0  scu  profetizado  JnpKo  no  anno  de 
1609,  e  pondo-se  em  0  Collegio  de  Arima,  tSo  brevemente,  e  t3o  des- 
tro se  rez  em  a  lìngua  Japoneza,  que  foi  logo  pregar  à  Corte  de  Meaco, 
e  à  Cidade,  e  Fortaleza  de  Fuxini,  e  os  cìnco  annos  seguintes  até  0  de 
16 li,  gastoa  n'este  continuo,  fervoroso,  e  Ai)ostolico  officio.  Mas  corno 
em  Macao  sahisse  ent3o  0  impio  decreto  de  sahirem  desterrados  do  Ja«- 
p3o  todos  OS  Prégadores  da  Lei  de  Christo,  e  d'estes  pertendessem  logo 
muitos  ficar  escondidos  em  Japao,  e  quasi  todos  fossem  mais  antigos 
Missionarios  do  que  0  nossc  Bautista,  tanto  recorreo  este  a  Deos,  e  com 
ties  ora^s,  penitencias,  e  Missas,  que  fez  com  que  0  Senhor  movesse 
a  muitos  Catholicos  Japoes,  que  na  vespera  de  sahirem  os  Padres,  pe- 
dissem  bum,  offerecendo-se  ao  terem  tao  secreto,  e  escondido,  que  nun- 
ca  dessem  com  elle  os  ministros  do  Tyranno;  e  ao  Superior  dos  Padres 
ìnspirou  0  mesmo  Deos,  que  Ihes  desse  0  Padre  Jo3o  Bautista  Machado, 
e  assim  fic^u  com  elles. 

4i7  Os  Catholicos  Japoes  recolherJo  0  Padre,  e  0  puzerao  nas  Ilhas 
de  Consura,  e  nas  de  Gotto,  porém  nilo  se  dando  0  Padre  por  satisfeito 
ainila,  pertendeo  logo  tornar  para  a  firme  terra  de  Arima,  e  Ximabara, 
a  pregar  publicamenle,  desejando  mais  depressa  morrer  pela  Fé  Catho- 
lica,  e  nao  lh*o  consentindo  os  Japoes  zelosos  que  0  tinblio  escondido, 
tres  annos  ficou  0  Padre  pregando,  confirmando,  e  confessando  a  Chris- 
tandade  toda  das  taes  Ilhas,  até  que  no  principio  de  AbriI  de  1617  es- 
tando 0  Padre  confessando  os  seus  Christ3os,  der3o  com  elle  os  minis- 
tros do  Tyranno,  e  Ihe  nolificar3o  a  ordem  de  0  prenderem.  e  ouvin- 
do-os  0  Padre,  rompeo  em  gragas  a  Deos  por  tao  desejado  beneficio  seu, 
e  aos  ministros  por  tal  nova  Ihe  trazerem,  e  ainda  ao  Tyranno,  por  man- 
dala cxecutar,  e  logo  accrcscentou,  que  assim  ao  Tono,  (que  era  0  Ty- 
ranno mandante)  comò  a  elles  seus  ministros  perdoava  tudo  0  que  con- 
tra  elle  obravao,  e  obrassem. 

448  E  comtudo  por  falta  de  tempo  para  a  passagem  d'aquellas 
Ilhas  a  Omura,  se  detiverao  todos  quasi  quatro  dias,  em  que  todos  os 
Cliristaos  se  confessar3o,  e  dcspedirao  do  Padre,  admirados  de  Ihe  ou- 
virem,  que  desde  menino  desejara  sempre  ir  dar  a  vida  em  Japao  por 
pregar  a  Fé  Catholica;  e  0  Padre,  em  entrando  no  navio,  inslantemenlo 
jjedio  ao  Capitao  que  0  mandasse  logo  alar,  porque  a  sua  Ii3nra  era  ir 
prezo  por  amor  de  Christo,  e  pelo  contrario  os  mesmos  Genlios  0  tra- 
tarao  sempre  com  toda  a  cortczia,  até  0  metlerem  no  carcere  de  Omu- 


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LIV.  W  GAP.  XLIV  217 

451  OuYìndo  taes  palavras  o  dito  Govcmador,  ficou  tao  penelra- 
do,  e  t3o  admirado  d'ellas,  .que  tcudo  sido  fìllio  de  paìs  Calholicos,  e 
irmSo  de  bum  Padre  da  C.ompanhia,  e  tendo  (no  exterior  ao  menos)  ne- 
gado  a  Fé,  e  esfriado-se  milito  no  interior,  su  por  ser  hiim  dos  primei- 
ros  Govemadores  do  Oinurandono,  e  ser  seu  Valido,  comtudo  obrarao 
tanto  n'elle  as  ardentes  palavras  do  fervoroso  Martyr,  qne  nìo  a  si  mes- 
ino  se  roduzioi  Fé  Calholica,  mas  persuadio  a  miiitos  que  fizessem  o 
mesmo,  e  em  vendo  o  martyrio  do  Padre,  foi  adiante  do  proprio  Omu- 
randoDO,  e  publieamente  confessou,  e  protestou  ser  elle  tnmbem  Chris- 
tao  Catholico,  e  estar  prompto  a  morrer  pela  tal  Fé.  E  custou  tanto 
ìsto  ao  Omurandono,  que  furioso  fez  logo  alli  em  sua  presenta  matar 
is  cutiladas  ao  ditoso  reduzido  Tomonanga  Lino. 

452  Tanto  pois  que  o  Padre,  feito  de  amor  Divino  bum  novo  Etna, 
disse  ao  Tomonanga  as  sobreditas  palavras,  pegou  da  pena,  e  cscreveo 
ao  Padre  Sebastiuo  Vicira  da  Companhia  de  Jesus  a  carta  seguinto: 

cAgora,  Padre  meu,  me  derao  a  alegrc  nova  da  mìnba  morte,  mor- 
rò multo  consolado,  e  confìndo,  pois  he  pelo  bom  Jesus,  e  Ihe  dou 
maitas  gragas,  porque  (ainda  que  a  indigno)  me  fez  t3o  grande  mercé.» 

453  Companbeiro  deste  Serafìm  humano  foi  era  o  martyrio  bum 
Venera  voi  Religioso  da  Serafica  Ordem  de  S.  Francisco,  chamado  Fr. 
Fedro  da  Assump^ào,  o  qnai  ouvjndo  a  sentenza  de  sua  morte,  respon- 
deo, que  aquella  era  a  morto,  qne  oile  tinha  pcdido  a  Deos  todos  os 
dias  na  Missa  desde  o  dia  de  Penlecostos  ale  aquelle  presente,  que  era 
0  da  Santissima  Trindade.  E  assim  morreo  tambem  martyrisado,  e  com 
tal  amor  Divino,  que  todos  o  conliecerao  por  Serafico. 

454  Chegada  emfim  no  mesmo  dia  a  determinada  bora  para  o 
martyrio,  foi  tirado  do  carcere  o  Padre  Joao  Dantista  Machado,  e  leva- 
do  fora  da  Cidade  para  Ihe  ser  cortada  a  cabeca,  mas  para  isso  n3o  foi 
ordinario  algoz  algum,  senao  hum  bonrado,  e  nobre  bomem,  por  ser 
em  Japao  costume,  nao  se  cortar  a  cabega  a  pessoa  de  respeito,  senao 
por  quem  de  respeito  tambem  seja:  e  he  muito  de  reparar  (comò  pon- 
deraremos  mais  abaìxo)  que  com  oflerecer  o  Padre  a  cabeca  ao  taiho 
constante,  e  alegremente,  e  com  serem  as  catanas  do  Japao  tao  afiadas 
e  tao  facilmente  cortadeiras,  comtudo  nem  da  primeira  vez,  nem  da  se- 
gunda,  mas  somenle  da  terceira  degollou  està  ao  Santo  Martyr.  E  ven- 


219  HISTORIA  IXSTLANA 

do  tal  maravilha  bum  Catholico  mancebo  Japonez,  por  nome  Leao,  qac 
no  Seminario  da  Gompanliia  de  Jesus  se  tinba  creado,  e  nos  minìsterìos 
Sacerdotaes  ajudava  sempre  ao  Padre,  sem  querer  jà  mais  (podendo) 
apartar-se  d*elle,  e  livrar-se  de  ser  preso,  antes  tanto  se  accondeo  na 
Fé,  com  que  vio  ao  Santo  padecer,  que  dentro  de  poucos  dìas  se  oOe- 
receo  i  morte,  e  alcangou  a  coroa  do  Martyrio. 

455  Degollado  o  Santo  Padre  em  22  de  Maio  de  1617,  por  sen- 
tenca  do  Tyranno  Principe  Xagum  commettida  a  Omurandono»  que  pelo 
Governador  de  sua  casa,  e  estado  Tomonanga  Lino  o  mandou  execatar, 
ja  OS  devotos  Christaos  tinhSo  preparadas  duas  preciosas  caixas,  em  que 
recolberao  os  martirisados  corpos  dos  dous  invictos  Martyres  o  Padre 
Jouo  Dantista  Machado,  e  Fr.  Pedro  da  Assumpcio.  e  depois  de  mnu- 
meraveis  ChristSos  o  venerarem,  e  adorarem,  em  distinctas  covas  os  se- 
pultarao  a  ambos,  porem  vendo  o  impio  Omurandono  o  eccessivo  nu- 
mero de  Cbristaos  que  concorria  a  venerar  reliqnias  tao  insignes,  man- 
dou logo  ao  outro  dia  cercar  as  sepiilturas  com  soldados,  e  ofBciaes 
Gentios,  que  impedissem  o  concurso,  e  venera^ao  que  Ibes  davSo:  eis 
que  na  primeira  noiic  (prodigioso  caso!)  virao  naosó  os  Christaos»  mas 
ainda  os  mesmos  Gentios,  que  sobre  as  duas  sepulturas  es(av3o  estrel- 
las»  e  de  tao  excessivo  resplandor,  que  altonitos,  e  confusos  Tonio  dar 
conta  de  tudo  ao  Tyranno,  com  que  estc,  cada  vez  mais  obstihado,  e 
cmpedernido,  mandou  logo  lancar  os  snnlos  corpos,  com  as  caixas  em 
quo  estavuo,  no  melo  do  alto  mar,  para  nao  tornarem  a  ser  buscados, 
e  venerados.  ,. 

45G  0  Geo  porem  Tez  tambem  que  de  Japao  a  Macao,  e  de  Macao 
a  Goa,  e  de  Goa  a  Porlugal,  e  de  Portugal  a  Cidade  de  Angra  da  Ilha 
Terceira  viessem  tao  vcrdadeiras  novas  da  gloriosa  morte,  e  veneravel 
marlyrio  do  Padre  Joao  Dantista  Macliado,  que  depois  de  em  Portugal 
S3  celebrar  com  o  citado  Manulogio,  ou  Martyrologio  da  Companhia  de 
Jesus,  e  com  o  cilado,  e  impresso  Elogio  do  Padre  Bartbolomeo  Guer- 
reiro,  passou  com  tanto  applauso  i  Angrcnse  Patria  do  tal  Santo,  qnc 
conclue  o  dito  Elogio  com  as  formaes  palavras  scguintes:  tDa  gloria 
de  tao  abalisado  Confessor  de  Christo,  sous  nobres  parentes  fizerSo  a 
ostimacào  que  deviao  a  quem  erao,  com  fostejarem  as  viclorias,  e  triun- 
fos  que  0  l^adre  Joao  Baulisla  tove  da  Idolatria  Jai)onica.» 

457  Ao  que  tudo  accroscento,  que  em  a  Santa  Sé  da  Cidade  de 
Angra,  na  (^apella  do  Baulisterio,  osta  posto  o  retralo  d'oste  Venenvel 


LIV.  VI  CAP.  xuv  219 

Marlyr,  por  alli  ter  sido  bautisado;  è  conresso,  quc  nao  sei  com  quem 
deva  comparar  tao  admiravel  Confessor  de  Christo;  porque  jà  ine  pare- 
ce  bum  Samuel,  que  desde  meniùo  comecou  a  ser  Profeta,  e  Santo,  ja 
a  insigne  Martyr,  e  Doutora  Santa  Calbarìna,  que  nao  so  deo  por  amor 
de  Qiristo  a  vida,  mas  para  o  mesmo  Christo  reduzio,  e  fez  seus  glo- 
riosos  Martyres  a  Porfirio,  Governador  dos  Soldados  do  Empcrador,  e 
ainda  &  mesma  Emperatriz,  comò  o  nesso  Padre  ao  Governador  Tomo- 
nanga  Uno,  e  ao  seu  proprio,  e  illustre  Àjudante  Leao,  além  de  innu- 
meraveis  Genlios,  que  de  antes  jà  tinha  convertido,  e  bautizado:  jà  em- 
fim  parece  bum  fervorissìmo  Santo  Ignacio  Martyr,  cujo  ardente  espi- 
rito, e  desejo  de  padecer  mais  tormentos  trasladou  oste  Santo  em 
si,  e  Ihe  bebeo  o  ferver  daquelles,  em  que  tanto  (corno  vimos)  o  imi* 
tou. 

458  A  deus  porém  exemplarcs,  bum  humano,  outro  Divino,  me 
parece  seguio  mais  esle  admiravel  Padre:  por  exemplar  humano  tomoa 
logo  em  sua  puericia  o  Santo  do  seu  nome,  o  Angelico  Precursor  do 
Christo,  pois  comò  elle,  e  desde  a  primeira  idade  ainda  largando  a  casa 
de  seus  illustres  pais,  a  patria  em  que  nasceo,  as  famosas  Cortes  de 
Lisboa  e  Madrid,  aonde  queriam  fosse,  se  foi  para  o  deserto,  entrando 
na  Companhia  de  Jesus  ;  comò  elle,  do  tal  deserto,  sabio  a  pregar  d 
Corte  de  tintos  crueis  Iferodcs,  quantos  achou  no  Imperio  do  Japao; 
corno  elle  se  occupou  no  olTicio  do  Bautista,  bautizando,  e  pregando  a 
milbares  de  Genlios  ;  corno  elle,  nao  desistio  de  pregar  sempre  a  pu- 
reza  da  Santa  Fé  Catholìca,  e  por  ella  dar  a  vida,  e  degollado  tambem, 
diminuindo-se  a  si  por  augmentar  a  Christo  :  parece  logo  que  foi  bum 
retrato  verdadeiro  do  santissimo  Precursor  Bautista. 

459  Pois  mais  verdadeiro  ainda  parece  o  foi  do  mesmo  Christo, 
porque  à  sua  imitaf^o,  desde  a  primeira  idade  se  olTereceo  a  dar  a  vida 
pela  redempcao  das  almas,  que  o  Senhor  tinha  remido;  desde  a  moci* 
dade  ainda  come^ou  a  Ihes  pregar,  e  de  tal  préga^ao  nao  desistio,  po- 
dendo,  até  ser  prezo,  e  chegar  a  dar  a  vida  por  ella,  perdoando  a  ini- 
migos,  comò  o  mesmo  Senhor;  convertendo  ao  mesoK)  Tomonanga, 
que  0  fazia  degollar,  comò  Christo  a  bum  ladrao;  e  morrendo  fé  rido 
de  tres  golpes,  comò  o  Senhor  de  tres  cravos;  e  em  dia  da  Santissima 
Trindade,  querendo  a  cada  Pessoa  oflerecer  buma  vida,  pela  que  por 
elle  ofTereceo  a  seu  Eterno  Padre;  e  tambem  sendo  sepultado  em  caixa, 
ou  sepulcro-novo,  e  com  guardas  a  elle  postas;  e  ullimamente  indo  à 


220  II  ISTORIA  INSULANA 

altura  maior do  mar,  e  sondo  nelle  submergido, corno  o  proprio  Christo 
no  mar  de  sua  Paixao. 

400  Oh  retralo  fidelissimo,  nao  so  de  hum  Samuel,  de  Imma  Santa 
Catharìna,  e  de  hum  Ignacio  Martyr,  mas  de  hum  Precursor  Angelico, 
e  até  de  hum  Divino  Chrìstol  Oh  ditosa  Angra,  a  quem  Deos  concedeo 
0  ser  m3i  do  tal  filho  I  Oh  adverte  M3i  ditosa,  que  até  a  Virgem  M3i, 
nio  sd  pela  honra  que  nMsso  Ihe  deo  o  Filho,  mas  pelo  que  a  tal  Fìlbo 
dee  com  seu  precioso  leite  a  mesma  Mùi,  por  isso  foi  julgada  tio  ditosa: 
Beatns  venter^  qui  te  portavU;  et  ubera^  quof  suxisti.  E  o  mesmo  ChrìstO 
disse  que  a  maior  dita  he  dar,  que  receber:  Beatius  est  dare,  quamaeci- 
pere.  Adverte.  digo,  que  pois  recebeste  de  tal  fliho  tanta  bonra,  obri- 
gada  eslés  a  lh*a  procurar,  e  dar  a  elle;  e  comò*  ha  jà  quasi  cem  annos, 
que  este  teu  filho  te  deo  a  maior  honra,  de  morrer  martyrizado  pela 
Fé  de  ChrìstO  em  Jap3o,  e  te  deo  a  honra  de  seres  M3i  de  bum  Santo 
Martyr,  ficaste  obrigadissima  a  Ihe  dar  a  elle  a  honra  maior  de  Ihe  al- 
cancar  da  Santa  Madre  Igreja  Catholica  Romana,  que  o  declàre,  e  cano- 
nize  por  glorioso  Martyr  de  Christo,  e  que  por  tal  entao  canonicamente 
0  tenhamos  e  adoremos. 

461  Nem  se  retarde  mais  diligencia  tao  gloriosa  das  que  se  devem 
fazer  para  Uil  declaracao  ou  Canonizagao;  porque  eslas  diligencias  devem 
pedir  OS  Senados  de  toda  essa  liha  a  sou  Illustrissimo  Bispo  que  as 
faga,  e  achani  a  nianisfesta  vf  nlado,  nào  so  de  ter  sido  a  vida  de  tal 
varJo  immaculada,  e  santa,  e  o  marlyrio  padecido  pela  Fé  Catholica,  e 
por  a  pregar  em  Japao;  mas  lami  em  de  o  ter  ja  Deos  declarado  assim, 
com  a  maraviiha  de  so  da  terceira  vez  a  Japouica  c^itana  o  degollar,  e 
de  0  mesmo  Tomonanga,  que  o  fez  degollar,  se  con  verter;  e  a  maravi- 
iha mais  celestial  de  se  collocarem  sobre  o  sepuldiro  de  tal  Martyr  as 
eslrellas,  testimmìhando  a  verdade  do  marlyrio:  e  emfim  achar-se-ha, 
que  por  huma  Reliquia  do  vestido  d'este  Santo,  que  foi  a  CidadedeAn- 
gra,  sua  patria,  obrou  Deos  muitos  miiagres,  comò  deporao  as  testi* 
munhas  pergunladas. 

462  E  ludo  isto  assim,  e  canonicamente  bem  provado,  e  remettido 
tudo  pelo  Ilhistrissimo  Bispo  de  Angra  ao  Summo  Pontifice  Romano, 
com  l'Arias  dos  Cabidos,  dos  Senados,  e  dos  Prelados  das  Religioes  da 
Uba,  nao  deixarà  o  zelo  de  S.  Santidade  de  deferir  a  tao  justa,  e  pia 
petigao  a  favor  da  innumeravel  Christandade,  que  floreceo  em  Jap5o;  e 
mutoi  mais  deferirà,  se  a  Magestade  d'el-Uei  de  Portugal  o  pedir  por 


LIV.  VI    GAP.  XLIV  221 

Real  caria  a  S.  Sanlidade,  e  ao  Serenissimo  Rei  o  pedir  a  liha,  alle- 
gando 0  quanto  Ihe  merece  interceder  por  ella  com  ò  Papa,  especial- 
mente por  ser  El-Rei  o  GrSo  Mestre  da  Ordem  de  Christo,  e  desta  Or- 
dem  a  liha,  e  do  todas  as  dos  Assores,  ou  Terceiras  a  cabega,  de  qiie 
tantos  sujeitos  lem  sahido  para  as  Gonquistas  da  Goroa  Porlngueza,  e 
conversSo  da  Gentilidade;  e  com  tal  deciara^ao»  ou  canonìzagao,  se  ani- 
mare multo  mais  a  sentir  a  seu  Deos>  e  a  seu  Rei. 

463  E  ainda  que  necessaria,  e  santamente  se  costuma  gastar  multo 
na  Canonizagao  de  bum  Santo,  para  se  executar  com  a  devida  decencia, 
e  culto,  nao  deve  isto  obstar  a  huma  liba  Terccira,  qne  sem  pedir  a  ou- 
trera  cousa  alluma,  póde  per  si  so,  fazer  por  tal  causa  os  taes  gastos  ; 
pois  se  para  excluir  aos  Reis  de  Castella  da  Goroa  de  Portugal,  e  sos- 
tentar 0  seu  cliamado  Rei  D.  Antonio  ;  e  se  para  conservar  ao  legitimo 
Rei,  e  Restaurador  da  Coroa  Lusitana,  q  felicissimo  D.  Joao  IV,  e  se 
para  guardar,  e  servir  ao  victorioso  Rei  D.  Adonso  VI,  se  para  ludo  isto 
unicamente  està  Uba  gastou  tantos,  e  tantos  mil  cruzados,  corno  vimos 
jé,  claro  està  que  poderà  gastar  menos  na  expedicao  da  Canonizaglo 
de  bum  seu  fillio  Santo,  e  que  tem  tantos,  e  tao  ricos  morgados  por 
parenles  na  mesma  sua  Uba,  da  qual  deve  ser  tornado  por  singular  Pa- 
droeiro,  e  a  enriqueccrà  nao  so  de  temporaes  bens,  mas  de  espirituaes. 

GENEALOGIA 

Do  Inoicto  Mariyr. 

464  Tendo  o  dito  admiravel  Confessor  de  Cbristo  tao  excellentes 
outros  appellidos,  de  que  podera  denomìnar-se,  nenbum  outro  para  si 
tomou  senSo  o  de  Macbado  ;  porque  (alem  da  razao  moral  que  abaixo 
apontaremos)  be  bumanamente  tSo  excellente,  e  tao  Uegia  a  origem  dos 
Macbados,  que  merecco  ser  preferida  a  muitas  oulras.  0  primeirod'este 
appellido  foi  Martim  Martins  Macbado,  fillio  d'el-Kei  D.  Sancbo  o  pri- 
meiro  de  Portugal,  que  por  ter  nascido  em  dia  do  S;  Martinho  a  11  de 
Novembro  de  1154  se  cbamava  ao  principio  Martim,  e  por  isso  a  este  seu 
filbo  cbamou  Martim  Martins  Macba(!|p,  e  o  dito  Rei  o  bouve  de  buma 
Dona  Maria  Moniz,  fìlba  do  Condc  0.  Moninbo  Ozorio,  e  neta  doConde 
D.  Ozorio,  e  bisneta  do  Gonde  D.  Rodrigo  Veloso,  e  terceira  neta  do 
Infante  D.  Veloso,  filbo  d'el-Rei  D.  Ramiro  Terceiro  de  Leao,  comò  se 
póde  ver  no  Regio  Nobiliario  de  nosso  Gonde  Dom  Pedro,  Ut.  44,  %  4, 


222  IIISTOBIA  INSriJlXA 

e  jà  0  dilo  Marlìm  Martins  Machado  foi  senhor  de  Riba  doCàvado,  e  da  Quinta, 
Torre,  e  solar  iTos  Macliados,  e  d'elle  nasceo  Marlim  Machado,  a  quem  se 
ajuntarao  outras  terras  de  Barroso  por  seu  casamento,  de  que  nasceo  Fe- 
dro Martins  Machado,  que  foi  o  primeiro  iiitìtulado  senhor  de  Entro  Ho- 
mem,  e  Càvado,  e  de  outras  terras:  e  foi  pai  de  Diogo  Machado,  senhor 
tambem  de  Domellas,  a  quem  succedeo  seu  fìlho  Concaio  Machado,  que 
casou  oom  D.  Maìor  Mendes  de  Vasconcellos  senhora  d*esta  casa,  e  da 
de  Castro,  por  primeira  filha  de  D.  Mem  Rodriguez  de  Vasconcellos, 
quarto  neto  do  sobrcdlto  Conde  D.  Moninho  Ozono,  que  era  terceìro  neto 
i^itimo  do  dito  Rei  I).  Ramiro  Terceiro  de  Leao. 

465  Do  tal  Gonzalo  Machado,  senhor  de  Entro  Ilomem  e  Càvado,  e 
das  mais  terras,  e  Alcalde  mór  de  Lanhoso,  nasc^  Vasco  Machado,  Al- 
calde mór  de  Guimaracs,  de  quem  nasceo  Pedro  Machado,  que  casoo 
com  Dona  Ignes  de  Goes  senhora  de  Lonza,  om  cuja  Capella  mór  esti 
sepultado  r  e  foi  pai  de  Francisco  Machado,  que  ao  Duque  de  Coimbra 
0.  Jorge  largou  a  Lonza,  Villarinho,  e  Pedregèl  pela  Commenda  de  Sou- 
zel,  e  casou  com  D.  Joanna  de  Azevedo,  filha  de  Jo3o  Peìxoto,  senhor 
da  Calcada,  e  de  PenhaficI,  etc.  Do  dito  Francisco  Machado  nasceo  Bb- 
noel  Machado  de  Azevedo,  senhor  das  sobreditas  terras,  e  Commenda- 
dor  de  Souzel,  que  cìsou  com  D.  Joanna  da  Silva,  Dama  da  Rainha,  e 
filha  de  Manoel  da  Silva,  Alcalde  mór  do  Scure,  Aposentador  mór  d'el- 
Rei  D.  Manoel,  e  de  D.  Ignes  da  Cunha,  ambos  dos  verdadciros  Silvas 
e  Cunhas;  o  do  tal  Manoel  Machado  de  Azevedo  nasceo  Francisco  Ma- 
chado da  Silva,  senhor  de  Entre  Ilomem  e  Cavado,  etc,  eCommendador 
de  Souzel,  que  foi  bautizado  por  el-Rei  D.  Hcnrique,  Arcebispo  de  Braga 
e  seus  Padrinhos  forào  o  Infante  D.  Luiz,  e  D.  Pedro,  e  casou  depois 
com  D.  Maria  da  Silva,  fìlha  de  Manoel  de  Magalhlies  de  Menezcs,  senhor 
da  Barca,  e  de  D.  Margarida  da  Silva,  filha  de  Lconel  de  Abreu,  senhor 
de  Regalados;  e  do  dito  Francisco  Machado  nasceo  D.  Margarida  Ma- 
chado da  Silva  e  Vasconcellos,  que  levou  comsigo  o  senhorio  das  ter- 
ras de  Entre  Ilomem  e  Càvado,  e  casou  com  Manoel  de  Araujo  Sousa 
e  Castro,  que  era  a  varonia  dos  Castros,  e  nao  so  oitavo  noto  dei-Rei 
D.  Pedro  de  Portugal,  e  da  Rainha  D.  Ignes  de  Castro,  mas  pela  sua 
varonia  duodecimo  neto  d'el-Rei  D.  Afifonso  I  de  Castella  e  Leao,  e  de- 
cimo tercio  neto  do  Infanto  D.  Fernando  o  de  Navarra,  e  da  Condeca 
D.  Maria  Alvarez  de  Castro,  senhora  de  Castro,  e  decimo-quarto  nelo 
d'el-Rei  D.  Sancho  I  de  Aragao,  o  que  morreo  da  scila. 


LIV.  VI  CAI».  XLIV  ii'ì 

4G6  oneste  ullimo  pois  Manoel  de  Araujo  Sousa  e  Castro,  e  da 
dita  D.  Margarida  Machado  da  Silva  e  Vasconcellos  nasceo  o  grande  Fe- 
lix Ahchado  da  Silva  Castro  e  Vasconcellos,  primeiro  Marquez  de  Mon- 
tebello,  que  casou  regiamente  em  Castella,  e  leve  por  fìllio  a  D.  Anto- 
nio Machado  Silva  e  Castro;  segundo  Marquez  de  Monlebcilo,  que  coni 
as  pazes  velo  para  4^ortugal,  e  n'elle  casou  com  D.  Luiza  de  Mendoca, 
primeira  filha  do  conbecido  fldalgo  Manoel  de  Sousa  da  Silva,  cujo  pa- 
lacio  està  és  portas  de  Santo  André;  e  a  segunda  filha  casou  com  seu 
primo  0  Gonde  de  Val  de  Reis;  e  do  dito  segundo  Marquez  nasceo  D. 
Felix  Madiado,  que  casou  com  D.  Eufrasia  da  Silveira,  fillio  de  I).  Luiz 
da  Silveira,  que  ainda  hoje  vive,  e  he  tao  grande  fidalgo,  que  escusado 
be  dar  outra  noticia  de  sua  grandeza.  0  dito  segundo  Marquez  foi  va- 
fio  de  grande  juizo  e  pnidencta,  e  comò  tal  governou  Fernambuco  no 
Bnul,  e  agora  o  està  governando  D.  Felix  Machado  seu  fillio.  E  isto 
basta  de  noticia  dos  Machados  de  q.ie  forao  os  da  Illia  Terceira,  pois 
tambem  de  là  descendem  assim  o  dito  D.  Felix,  corno  seus  filhos,  por 
sua  avo  D.  Luiza  da  Mendoca.  que  era  filha  de  D.  Joanna  de  Mendoga, 
e  descendente  legitima  dos  primeiros  fidalgos  Monizes  de  Angra. 

467  Dos  taes  Machados  era  o  avo  materno  do  sobredito  Martyr, 
Manoel  de  Barcellos  Machado,  filho  de  Catliarina  Machado  de  Lemos,  e 
por  està  neto  de  D.  Isabel  Pereira  Macliado,  e  bisneto  de  Gonzalo  Pe- 
reira Machado,  e  terceiro  neto  de  Fedro  Enes  Madìado,  de  quem  o  uosso 
Martyr  ficou  sondo  quinto  neto  ;  porque  a  dita  bisavó  do  Santo  Padre 
Catharina  Machado  de  Lemos  era  casada  com  Joao  Moudes  de  Vascon- 
cellos, filho  de  Balthazar  Mendes  de  Vasconcellos,  e  neto  do  outro  Joao 
Mendes  de  Vasconcellos,  e  segundo  neto  de  Fedro  Mendes  de  Vascon- 
cellos, e  terceiro  neto  de  Concaio  Mendes  de  Vasconcellos,  e  quarto  neto 
de  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  (que  da  Madeira  se  foi  para  a  Ter- 
ceira) e  quinto  neto  do  primeiro  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  que 
de  Portugal  foi  casar  com  a  quarta  filha  do  grande  Joao  Goncalves  da 
feimera  o  Zargo,  de  quem  ficou  sendo  nono  neto  o  dito  Martyr. 

468  Mas  porque  muitos  desejavao  saber  a  paterna  ascendencia  do 
Biartyrizado  Padre,  consta  que  seu  pai  se  cbamava  Christovao  Nunes 
Vieira,  e  sua  miì  Maria  Cotta  da  Maiha,  e  que  por  ambas  estas  vias 
era  dos  illustres,  e  Antigos  Vieiras,  pois  n3o  so  a  dita  mai  era  filba  de 
ootra  Maria  Cotta  da  MaIha,  cujo  pai  Fedro  Cotta  da  Malha,  era  ca- 
sado  com  Catharina  Vieìra;  mas  tambem  o  dito  pai  do  Martyr  era  filho 


22fc  HISTOIUA  INSULANA 

de  Branca  Vicina,  e  de  Domingos  Fernandez;  a  quem  ciiamaram  o  Rico, 
porque  o  era  muito  mais,  e  mais  fìdalgo,  do  que  oiilro  quo  na  Terceira 
havia  do  mosmo  nome  Domingos  Fernandez,  e  ambas  as  duas,  Branca 
Vìeira,  e  Catharina  Vieira,  erSo  irmas  o  fìilias  de  Alvaro  Vieira,  e  neias 
de  Domingos  Alvarez  Vieira,  e  a  multier  do  dito  Alvaro  Vieira,  e  a  mai 
das  ditas  duas  irmSs,  se  chamava  Iria  Affonso  de  Azevedo,  fìlha  de  Affonso 
Vaz  de  Azevedo,  dos  Azevedos  em  Portugal  famosos:  e  este  Azevedo  fica 
sendo  quarto  avo,  e  o  Domingos  Alvarez  Vieira  terceiro  avo  do  ditoao 
Martyr. 

489  Eaqui  he  de  reparar,  qne  d*aquelle  Domingos  Alvarez  Vieira,  além 
do  primeiro  fìllio  Alvaro  Vieira,  nascer3o  mais  cinco  filhos;  Joao  Dias  Viein 
quo  casouno  Pico,  Gonzalo  Dias  Vieira,  Comes  Dias  Vieira,  Vicente  Dias  Viei- 
ra, e  Isabel  Vieira  que  casou  com  Fedro  Rebello,  o  qual  veio  de  Lisboa  a  fot' 
tificar  a  liha  Terceira,  e  foi  o  que  fez  o  Castello  de  S.  Christov3o.  chamado 
0  dos  Moinlìos,  e  dos  taes  Vieiras  ficarlk)  muitas  linhas  na  liha  Terceira;  e  em 
parlicular  no  grande  lugar  de  Santa  Barbara.  Porém  corno  d*aquelle  il- 
lustre  Dnarte  GalvSo  da  Silva  n3o  so  nasceo  D.  Violante  da  Silva,  qoe 
foi  segunda  mulher  do  primeiro  Pedreanes  do  Canto,  e  mai  do  grande 
Jo3o  da  Silva  do  Canto,  mas  tambem  nasceo  Fedro  Vieira  da  Siivat-qoe 
vindo  a  S.  Miguel,  deixou  n'esta  Uba  seu  filho  Feru3o  Vieira  da  Silva, 
que  em  S.  Miguel  casou  muito  rica  e  nobremente,  e  se  voltou  para 
Lisboa  0  dito  pai  Fedro  Vieira  da  Silva;  d'este  me  persuado  eu  que  foi 
bisneto,  ou  terceiro  nelo  seu,  o  Illustrissimo  Fedro  Vieira  da  Silva,  Se- 
cretano d'Estado  d'el-Rei  D.  Joùo  o  IV  que  depois  viuvando  se  Tez  Cle* 
rigo,  e  foi  Bispo  illustrissimo  de  Leiria,  de  que  melhor  saberé  o  insigne 
Luis  Vieira  da  Silva,  legitimo  filho  do  dito  Bispo  seu  pai.  a  quem  pareoe 
venceo  o  dito  seu  filho,  em  regeitar  n3o  so  Bispados.  mas  outras  Dignida- 
des,  quo  por  vezcs  se  Ihe  olTereceram,  e  de  tal  desprezo  he  vivo  exemplar, 
e  por  isso  d'elle,  ainda  vivo  nem  se  diz,  nem  se  inquire  mais. 

470  ForriH  conio  da  linha  dos  Machados  aquelle  quinto  avòdoli^ 
vieto  Martyr  Fedro  Enes  Machado  foi  casado  c^m  D.  Isabel  Pereira,  tf- 
Iba  do  Antonio  da  Silveira  Pereira,  o  qual  era  illho  de  outra  Anna  da 
Silveira,  que  casou  com  bum  conhecido  fidalgo  chamado  Trist3o  Perei- 
ra, de  que  failaremos  no  liv.  8,  cap.  5,  e  està  sua  mulher  Anna  da  Sil- 
veira era  Alba  segunda  do  illustre  Guilherme  da  Silveira,  o  do  Faial,  co- 
rno se  póde  ver  no  citado  liv.  8,  cap.  4,  segue-sc  que  d'estc  oitavo  avo 


LIV.  VI  CAI>.  XLIV  225) 

do  DOSSO  Martyr  demos  alguma  notìcia,  e  de  seus  descendenles,  corno  de 
parentes  consanguineos  do  Martyr  glorioso. 

471  Os  fìlbos  pois  que  nascerlo  do  dito  fidalgo  Guilherme  da  Sil- 
veira,  e  de  sua  mulher  Margarìda  da  Silveira  (por  as  mulheres  entao  to- 
marem  os  appellidos  dos  maridos)  nascerao,  além  da  dita  Anna  da  Sil- 
veira, sete  flihos  mais,  bum  Joao,  outro  Jorge  da  Silveira,  e  huma  fllha, 
e  d'estes  tres  nao  pude  alcangar  descendencia  alguma,  nem  de  Maria  da 
Silveira,  e  Gatbarina  da  Silveira,  que  casarao  nas  ditas  Ilbas,  e  tiverao 
descendencias,  e  as  saber3o  melhor  os  a  quem  tocao,  que  eu  as  nao  pu- 
de saber.  Em  sexto  lugar  nasceo  Margarida  da  Silveira,  que  casou  no 
mesmo  Faial  com  Joz  da  Terra,  fldalgo  Flamengo,  que  veio  com  os  pri- 
meiros  povoadores,  e  d*estes  nasceo  Barbara  da  Silveira,  que  casou  com 
Antonio  de  Brum,  de  que  descendem  os  Bruns  Silveiras  de  Sào  Miguel, 
e  OS  Bruns  Terras  do  Faiai.  Septimo  Olbo  foi  Francisco  da  Silveira,  nas- 
cido  jà  DO  Faial,  onde  casou  com  buma  filha  do  primeiro  Donatario  do 
Faial  Joz  de  Utra,  e  de  sua  mulher  Brites  de  M acedo.  Dama  do  Pago;  e 
do  tal  Francisco  da  Silveira,  e  da  dita  sua  mulher  nasceo  Joz  de  Utra  da 
Silveira,  e  dos  descendentes  d'este  nada  sei  ;  e  nasceo  mais  Manoel  da 
Silveira,  que  chamao  o  Descubridor  da  liba  nova,  e  d'este  sei  que  nas- 
ceo Dona  Isabel  (ou  D.  Ignes)  da  Silveira,  que  casou  com  Gomes  Pa- 
ctieco  de  Lima,  o  da  Graciosa,  e  d'este  matrimonio  nascerao  Christovao 
Pereira  de  Lima,  Antonio  Pereira  da  Silveira,  e  Manoel  Pacheco  Perei- 
ra, e  por  estas  vias  se  encherao  as  Ilhas  dos  illustres  Silveiras,  e  Bruns 
corno  se  v6  liv.  7,  de  Sao  Jorge,  e  Graciosa,  e  no  liv.  8,  do  Faial,  e 
Pico. 

472  Relatada  assim  a  illustre  ascendencia  do  illustrissimo  Martyr, 
segue-se  agora  declararmos  sua  descendencia;  porque  ainda  que  d'elle, 
corno  de  bum  sempre  castissimo,  e  purissimo  varao,  nunca  houve  des- 
cendentes, houve-os  comtudo  de  seus  pais,  e  avòs;  e  assim  comò  todos 
OS  consanguineos;  de  algum  ascendente  de  bum  sogeito,  jà  tambem 
deste  nao  podem  deixar  de  ser  consanguineos  assim  todo  o que  descen- 
de de  ascendente  algum  do  tal  sugeito,  tambem  jà  d'este  nao  póde  deixar 
de  ser  conbecido  por  consanguineo,  e  parente  rigoroso:  e  pois,  vimos  jà 
quanta,  e  quam  grande  nobreza  era  a  dos  ascendentes  do  nosso  Martyr, 
bem  he  que  agora  vejamos  quanta  ainda  he  a  dos  descendentes  de  seus 
pais,  e  avòs. 

473  A  prìmeira,  e  mais  proxima  descendencfa  dos  ascendentes  do 

VOL.  u  15 


226  MISTOniA  INSULANA 

nosso  Martyr  he  liuma  legitima  irma  sua,  cliamada  D.  Calliarina  Vieira» 
filha  dos  mesmos  pais,  dos  quaes  jé  tratàmos  acima,  quando  dos  Viei- 
ras.  Casou  a  dita  D.  Catharina  com  Joao  do  Canto  de  Vasconcellos  e  Ca- 
mera, filho  de  Francisco  do  Canio  e  de  U.  Luiza  de  Vasconcellos,  filba  do 
antigo  Pedralves  da  Camera,  (dos  legitimos  Cameras  da  Madeira)  e  de  U. 
Andreza  de  Vasconcellos,  d*aquelles  Vasconcellos,  de  que  tambem  ja  tra- 
tàmos  n'esla  mesma  Genealogia;  e  odilo  Francisco  do  Canto  era  o  terceiro 
fillio  do  primeiro  Pedreanes  do  Canto  que  no  tal  terceiro  (ìlho  fundou 
terceiro  morgado,  ainda  que  menor,  mas  nSo  em  meuos  illustre  varào, 
(comò  jà  vimos  no  cap.  19,  §,  cA  terceira  iinlia;»  e  do  tal  Francisco  do 
Canto  nasceo  outro  segundo  Pedreanes  do  Canto  e  Vasconcellos,  que  ca- 
sou primeira  vez  com  D.  Maria  Serra,  e  segunda  com  D.  Apollonia  Tei- 
xeira;  da  primeira  mulher  nasceo  Luis  do  Canto,  que  casou  em  Sào  Mi- 
guel com  D.  Barbara  da  Silveira,  legitima  descondente  de  outra  D.  Bar- 
bara da  Silveira,  e  de  Antonio  de  Brum,  e  filha  de  D.  Margarida  da  Sil- 
veira, e  de  Joz  da  Terra,  a  qual  Silveira  era  filha  do  illustre  Guilherino 
da  Silveira,  oitavo  avo  do  Santo  Martyr:  e  ja  se  ve  corno  ioilos  estes 
Silveiras,  Terras,  Bruns,  e  ainda  os  grandes  Utras,  por  aquelle  Francisco 
da  Silveira  que  casou  com  huma  filha  do  famoso  Joz  de  Ulra,  primeiro 
Donatario  do  Faial,  todos  s3o  notorios  consanguineos  do  dito  Santo  lUar- 
tyr. 

474  Do  mesmo  Luis  do  Canto,  sem  nascer  varào  algum,  por  mor- 
rer  cedo,  e  de  sua  mulher  D.  Barbara  da  Silveira,  nasccrOo  tres  filhas; 
primeira,  D.  Maria  do  Canto,  que  casou  com  o  bom  fidalgo  Diogo  Leite 
Boteiho  e  Vasconcellos  em  Sào  Miguel;  e  d*estcs  nasceo  Jacome  Leite, 
que  velo  casar  a  Terceira,  e  n'ella  lem  filho  casado  Luis  Diogo  Leite  do 
Canto,  que  por  casamento  se  tomou  a  unir  com  os  Vasconcellos  Teves 
da  Terceira,  e  terà  rauita  descendencia.  A  segunda  filha  foi  D.  Luiza, 
que  casou  com  Antonio  de  Faria  Maia  em  S.  Miguel  tambem:  e  a  ter- 
ceira filha  foi  D.  Isabel  do  Canto,  que  tambem  em  Sào  Miguel  casou  com 
Miguel  Lopes  de  Araujo,  de  quem  nasceo  U.  Antonia,  que  primeira  \'ez 
casou  com  seu  primo  Pedro  Borges  de  Sousa,  e  segunda  vez  com  o  an- 
tigo fidalgo  Antonio  Soares  de  Sousa,  em  que  esté  a  varonia  dos  pri- 
meiros  Donatarios  de  Santa  Maria,  e  Sao  Miguel,  e  de  ambos  estes  ba 
multa  descendencia,  e  consanguinea  toda  do  Martyr  glorioso. 

475  Do  sobredito  Pedreanes  do  Canto  e  Vasconcellos,  e  da  mesma 
sua  primeira  mulher  D.  Maria  Serra  nasceo  segundo  filho»  cliamado 


UV.  VI  GAP.  XLIf  t'il 

Francisco  do  Canto  e  VascoDcellos,  irmao  mais  mo(o  do  dito  Liiiz  do 
Canto  ;  mas  porque  este  morreo  primeiro  que  o  dito  pai,  o  nao  deixoa 
filho  varao,  mas  so  as  ditas  tres  filbas,  porisso  o  irmao  Francisco  do 
Canto  se  metteo  de  posse  do  morgado,  que  em  terceiro  lugar  institubio 
seu  bisavó  Padreanes  do  Canto,  primeiro  do  nome,  sem  que  alguma  das 
tres  filhas  do  irmao  mais  velho,  nem  os  maridos  d'ellas  se  oppozessem 
a  tal  morgado  :  e  d'este  o  possaidor  Francisco  do  Cahto  e  Vascoricellos 
casoa  com  D.  Joanna  da  Silveirai  que  tambem  era  legitima  descendente 
do  primeiro  Gailherme  da  Silveira,  ottavo  avo  do  nosso  Martyr:  e  deste 
matrimonio  nasceo  Ignacio  do  Canto  da  Silveira  e  Vasconcellos,  que  ain- 
da vive,  e  jà  bem  velho,  e  possubìo  sempre  o  tal  morgado,  cf>mo  o  pos- 
sahio  seu  pai,  e  seu  av6,  e  bisavò  paternos  e  casou  este  Ignacio  do  Canto 
coro  D.  Ignes  de  Castro,  fìlha  de  Joao  do  Canto  de  Castro,  e  irmaa  de 
Manoel  do  Canto  de  Castro  quarto  neto  do  primeiro  Pedreanes  do  Canto, 
e  SQCcessor  do  seu  primeiro  morgado,  e  do  segundo  tambem  que  de- 
pois se  Ibe  ajuntou,  e  em  ambos  se  seguio  jà  o  primeiro  filho  varao  de 
muiios  que  deixou  o  ultimo  Manoel  do  Canto  de  Castro  :  comò  tambem 
do  dito  Ignacio  do  Canto  ba  muitos  filhos  varoes,  que  por  sua  morte 
Ihe  snc^edao  no  terceiro  morgado  do  primeiro  Pedreanes  do  Canto. 
476  E  demais  teve  o  dito  Ignacio  do  Canto  da  Silveira  huma  legi- 
tima irmi,  cbàmada  D.  Maria  do  Canto,  que  foi  segunda  mulher  de  Vi- 
tal  de  Betencor,  do  qual  casamento  nasceo  huma  fìlha,  que  casou  com 
seu  primo  irmao  Felicinno  de  Betencor,  filho  do  CapitSo  mór  de  Angra 
Joao  de  Betencor  e  Vasconcellos,  irmSo  do  dito  Viial,  e  ambos  erio  fì- 
Ihos  de  outro  Vital  de  Betencor,  e  netos  de  outro  Joao  de  Betencor.  o 
d^ollado,  e  de  sua  mulher  D.  Maria  de  Vasconcellos,  fìlha  de  Concaio 
Mendes  de  Vasconcellos,  neta  do  segando  Martim  Mendes  de  Vasconcel- 
los, e  bisneta  do  primeiro  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  que  casou 
com  a  quarta  fìlha  do  primeiro  Capitao  do  Funchai  Joao  Gongalves  da 
Camera  o  Zargo,  de  quem  o  nosso  Martyr,  por  seu  bisavó  Joao  Mendes 
de  Vasconcellos,  era  nono  neto  :  e  o  degollado  Jo3o  de  Betencor  era  ma- 
ndo da  dita  terceira  neta  do  mesmo  Camera  :  e  quarto  neto  era  o  pri- 
meiro Vital  de  Betencor,  cujo  degollado  pai  Joao  de  Betencor  era  fìlho 
de  Francisco  de  Betencor,  primeiro  do  nome,  e  de  sua  mulher  D.  Ma- 
ria da  Camera,  filha  do  segundo  Pedralves  da  Camera,  e  neta  do  primei- 
ro Pedralves  da  Camera,  que  da  Madeira  veio  para  a  Terceira,  e  bisneta 
legitima  do  segundo  CapitSo  do  Funchai  Joao  Gongalves  da  Camera,  e 


*ÌÌS  IIISTOIUA  L\Sl  L.O(A 

lieta  do  primeiro  Capitao  Joao  Goncalves  Zargo,  qiie  por  tanlas  vias  he 
ascendente  do  Invicto  Martyr. 

477  Mas  porque  do  dito  degollado  nlio  so  nasceo  hum  fllho,  que 
morreo  Religioso  da  Gonopanliia  de  Jesus,  e  outro  cliamado  Vital  de  Be- 
tencor,  primeiro  do  nome,  que  casou  primeira  vez  com  huma  filha  de 
Estevao  Ferreira  de  Mello,  e  segunda  vez  com  D.  Izeu  Redovallia»  filha 
de  Vasco  Fernandez  Redovalho,  e  de  Maria  Abarca,  e  d'este  primeiro  Vi- 
tal nascerao  tres  Rlhos,  primeiro,  o  segundo  Vital,  que  casou  prime'ra 
vez  com  0.  Violante,  filha  de  Francisco  de  Betencor  Correa  e  Avila,  e 
segunda  vez  com  a  sobredita  Dona  Maria  do  Canto,  de  que  nasceo  a  que 
casou  com  o  primo  Feliciano  de  Betencor  :  e  o  segundo  fillio  do  pri- 
meiro Vital  foi  D.  Felippa  de  Betencor,  que  casou  com  Francisco  Dor- 
nellas  da  Camera,  Donatario,  e  Alcayde  mór  da  Praia,  de  que  nascerio 
Bras  Dornellas,  que  morreu  sem  Hlhps  legiiimos  em  Lisboa,  e  Manósi 
Paim  da  Camera,  que  nao  so  lierdou  està  casa,  mas  tambem  o  grande 
morgado  de  sua  mulher,  filha  de  Francisco  Borges  de  Avila,  e  neta  do 
Capitao  Joao  de  Avila,  Cavalleiro  da  Ordem  de  Christo,  e  fidalgo  da  casa 
de  S.  Magestade,  e  he  hoje  huma  das  maiores  casas  de  todas  as  Illias, 
de  que  ha  muitos  descendentes  :  e  outra  irma  do  dito  Manoel  Paim  ca- 
sou com  Francisco  de  Betencor,  fillio  mais  veiho  do  segundo  Vital,  e 
noto  do  primeiro  Vital,  e  bisneto  do  degollado  Joao  de  Betencor,  e  de 
sua  mulher  D.  Maria  de  Vasconcellos,  e  por  ambos  estes  bisavós  tegili- 
ino  descendente  dos  ascendentes  do  Santo  Martyr.  Deixo  as  duas  fìlhas 
mais  do  dito  segundo  Vital,  huma  D.  Branca,  que  casou  com  Agostinbo 
Borges  de  Sousa,  e  outra  que  casou  com  Diogo  Pereira  de  Lacerda,  e 
de  ambas  ha  descendencia.  E  o  terceiro  filho  do  primeiro  Vital  foi  o 
outro  Joiio  de  Betencor  e  Vasconcellos,  Capitao  mór  de  Angra,  que  ca- 
sou com  I).  Joanna,  filha  de  D.  Francisco,  o  da  Graciosa,  de  que  nas- 
ceo 0  jà  dito  Feliciano  de  Betencor,  e  D.  Maria  de  Mendonfa,  que  casou 
com  Antonio  do  Canto  e  Castro,  terceiro  neto  do  primeiro  Pedreanes  do 
do  Canto,  e  de  sua  primeira  mulher;  e  do  tal  casamento  ficarao  duas 
filhas,  que  casarao  em  Angra. 

478  Do  segundo  casamento  do  sobredito  Pedreanes  do  Canto,  se- 
gundo do  nome,  com  Apollonia  Teixeira,  filha  do  fidalgo  Gii  Fernandez 
Teixeira,  nasceo  Manoel  do  Canto  Teixeira,  que  casou  com  D.  Margari- 
da  da  Costa,  parenta  sua,  e  irma  de  Joao  Homem  da  Costa,  e  deste ca- 
bamenlo  nasceo  Luis  do  Canto  da  Costa,  que  casou  primeira  vez  com 


LIV.  VI  GAP.  Xi.IV    •  229 

D.  Francisca,  filha  de  Doin  Christov3o  Espinola,  e  segunda  vez  com  D. 
Antonia,  filba  de  Manoel  Correa  de  Mello,  o  da  Graciosa  ;  e  de  ambos 
estes  casamentos  ba  muito  nobre,  e  sabida  descendencia.  Nasceo  mais 
do  dito  segimdo  Pedreanes  do  Canto,  e  da  dita  sua  segunda  mulber, 
nasceo  Dona  Luiza  de  Vasconcellos,  que  casou  com  D.  Fedro  de  Castel - 
lobranco  ;  e  d'este  casamento  nascerao  tres  fìlbos,  primeiro,  D.  Manoel 
de  Castellobranco,  segundo,  Dom  Ignacio,  terceiro,  D.  Maria.  0  Doni 
Manoel  casou  com  D.  Isabel  de  Mello.  fìlba  d*aquelle  Manoel  Correa  do 
Hello  da  Graciosa,  de  que  nasceo  Dom  Francisco  de  Castellobranco. 
0  Dom  Ignacio  casou  com  huma  fìiha  de  Antonio  do  Canto  e  Castro,  e 
de  D.  Maria  de  Mendoga,  de  que  tambem  ha  filhos.  A  D.  Maria  de 
Castellobranco  casou  com  Joao  de  Teve  de  Vasconcellos,  cuja  fìlha  ca* 
sou  com  Luis  Diogo  Leìte,  filho  do  bom  fìdalgo  Jacome  Leite,  e  tem 
muita  descendencia. 

479  Ainda  corotudo  os  mais  chegados  consanguineos  do  nesso  in- 
signe Martyr  for3o  Francisco  do  Canto  da  Camera  e  Vasconcellos,  Frilio 
da  sobredila  D.  Catharina  Vieira,  irma  do  Santo  Martyr  e  de  seu  marido 
Joao  do  Canto  de  Vasconcellos,  Tilbo  de  outro  Francisco  do  Canto,  (que 
era  o  terceiro  fliho  do  primeiro  Pedreanes  do  Canto)  e  de  D.  Luiza  de 
Vasconcellos,  filha  de  Pedralves  da  Camera,  e  de  D.  Andreza  de  Vascon- 
cellos. Do  dito  primeiro  sobrinho  do  Martyr  nasceo  segundo  sobrinho, 
cbamado  tambem  Joio  do  Canto  de  Vasconcellos,  e  o  vulgo  Ihe  chamava 
Joao  do  Canto  Saude,  e  foi  casado  com  D.  Maria  Cortereal,  filha  do  gran- 
de Tenente  Sebastiào  Cardoso  Machado,  e  de  sua  mulher  D.  Brites  Cor- 
tereal, e  de  buns,  e  outros  ha  viva  descendencia.  Nasceo  mais  do  dito 
primeiro  sobrinho  do  bom  Martyr  huma  filha,  que  casou  em  S3o  Miguel 
coro  bum  muito  uobre,  e  rico  Cidadào,  chamado  Antonio  Pereira  Bote- 
Ibo;  e  tambem  d'este  ha  muita  descendencia  viva.  Mas  vamos  jà  a  se- 
gunda descendencia  da  ascendenza  do  Martyr. 

480  A  segunda  descendencia  da  ascendenza  do  Martyr  foi  huma 
irma  de  sua  mai,  e  filha  de  seu  avo  materno  Manoel  de  Barcellos  Machado, 
da  qual  nao  pude  saber  o  nome;  sci  porém  que  casou  com  Manoel  Para- 
plona  de  Azevedo,  filho  do  primiiro  Confalo  Alvarez  Pamplona,  fidalgo 
dos  primeiros  que  forào  povoar  a  Terceira,  e  que  parece  era  oriundo  do 
Beino  de  Navarra,  e  da  sua  Corte  de  Pamplona,  e  de  tao  conhecida  no- 
breza,  qne  logo  leve  grandes  dalas  de  terras  no  lugar  chamado  dos  Alla* 


230  IIISTORTA  INSULANA 

res,  aonde  fez  lium  grande  morgado,  e  hum  d'estes  Pamplonas  pela  Ca* 
pitania  da  I^raia  foi  eleito  em  Capitào  Donatario,  e  Governador  d'ella,  e 
por  annos  a  governou.  a  té  que  Ihe  succederao  os  Cortereaes,  por  mais 
validos  na  Cor^e.  Da  dita  tia  materna  do  Martyr,  e  de  Manoel  Pamplo* 
na  de  Azevedo  nasceo  Comes  Pamplona  de  Azevedo,  primo  irmao  do 
Martyr,  e  neto  do  primeiro  Pamplona:  e  logo  se  seguio  Jo3o  Pamploi», 
que  de  sua  mulher  D.  Maria  de  Miranda  leve  outro  Joao  Pamplona  de 
Miranda,  que  casou  coro  D.  Margarida  do  Canto,  e  desles  nasceo  Gon- 
calo  Alvarez  Pamplona,  segundo  do  nome,  e  qnarlo  neto  do  primeiro,  e 
terceiro  neto  da  lia  do  dito  Martyr. 

481    E  este  Gongalo  Alvarez  Pamplona.  segundo  do  nome,  casop 
com  D.  Maria  da  Fonseca,  filha  de  André  Martins  da  Fonseca,  fidalgofl' 
Ihado,  Sargento  mór,  e  Lugartenente  do  Marquez  de  Castello  Rodrigo 
em  Angra,  e  (iiho  de  Domingos  Martins  da  Fonseca,  jà  tambem  fidalgo 
que  pelo  dito  fllt)o  André  Martins  teve  dous  netos,  hum,  André  Luiz  da 
Fonseca,  que  casou  com  ouira  fidalga  dos  Cantos,  e  viveo  muito  mais 
de'oìtenta  annos,  e  deixou  rouita  descendencia,  que  ainda  vive;  outro 
filho  do  dito  André  Fernandez  foi  Dominjgos  Martins  da  Fonseca  corno o 
avo;  e  casou  com  [).  Ignez  Pamplona,  sobrinba  sua,  e  fiIha  de  sua  irmi, 
e  do  ultimo  Concaio  Alvarez  Pamplona,  e  aqui  se  ajuntarao  os  dous  gran- 
des  morgados  dos  Pamplonas,  e  Fonsecas  em  a  descendencia  dos  asce»- 
dentes  mais  proximos  do  Martyr;  e  jà  da  sobredita  D.  Ignez  Pamplona, 
e  do  tio  Domingos  Marlins  da  Fonseca,  ha  filhos,  e  netos  que  hojevi- 
vem;  e  até  de  huma  irmà  do  dito  uftimo  Concalo  Alvarez  Pamplona,  cba- 
mada  D.  Margarida  Pamplona,  que  casou  com  Diogo  Moniz  Barreto,  nas- 
ceo D.  Joanna  da  Silva,  que  casou  com  Bartholomeu  Pimentel;  e  assim 
tambem  os  Monizes,  Cortereaes,  Silvas,  e  Rarretos,  ficarao  consangaineos 
parentes  do  Martyr  tao  illustre. 

48^  Nern  su  deve  passar  em  silencio,  que  Francisco  do  Canto  da 
Camera  e  Vasconcellos,  sobrinho  direito  do  dito  Martyr,  de  cuja  irmafoi 
lìlho,  este  foi  casado  coni  D.  Paula  da  Veiga,  que  era  fdha  de  Femào 
Furlado  de  Mondoca,  fìllio  de  Gaspar  de  Lemos  de  Faria,  que  era  filho 
de  Mundos  Furtado  de  Mcndocn,  e  neto  de  Femào  Furtado  de  Mendo- 
Ca,  corno  se  ve  na  nobreza  da  Graciosa,  e  porqne  do  outro  Femào  Fur- 
tado foi  lanahoin  fillio  Clirislovao  de  Lemos  de  Mendoca,  por  isso  este, 
e  0  Martyi-  se  Iratavào  por  parentes  tao  chegados,  e  o  ficarao  sendo  os 
lìlhos,  e  nelos  do  dito  (Ihristovào  de  Lemos.  Como  tambem  nao  se  de- 


LIV.  VI  CAP.  XLIV  231 

ve  em  silencio  passar,  que  D.  Andreza  de  Vasconcellos  era  irrna  de  Joao 
do  Canto  de  Vasconcellos,  cunhado  do  Santo  Marlyr,  e  era  neta  mater- 
na de  outra  D.  Andreza  de  Vasconcellos,  e  de  Pedralves  da  Camera;  e 
porque  a  sobredita  D.  Andreza  casou  com  o  illustre  fidalgo  ATanoel  Pa- 
ebeco  de  Lima,  (que  nao  so  foi  pai  de  Joao  Pacheco  de  Vasconcellos,  e 
avo  de  Francisco  Pacheco  de  Vasconcellos  que  ainda  hoje  vive,  mas  tam- 
bem  jà  era  filho  de  Antonio  Pacheco  de  Lima,  e  noto  de  outro  Manoel 
Pacheco  de  Lima,  e  bisncto  de  Joao  Femandez  Pacheco,  e  terceiro  nelo 
do  grande  Duarte  Pacheco,  o  da  India)  por  isso  tambem  os  taes  Pache- 
cos  se  devem  prezar  muito  do  parentesco  com  tal  Martyr. 

483  E  muito  mais  porque  o  dito  Antonio  Pacheco  de  Lima  foi  ca- 
sado  com  D.  Catharina  de  Menezes,  filha  de  Ruy  Dias  de  Sampayo,  e  do 
D.  Francisca  da  Silva,  a  quai  era  fiIha  do  fidalgo  Sebastiao  Moniz,  e  de 
D.  Joanna  da  Silva,  fllha  do  Regetlor  Gonzalo  da  Silva,  (liv.  6  cap.  18) 
e  0  Sebastiao  Moniz  era  fiIho  de  Guilherme  Moniz,  e  de  D.  Joanna  Cor- 
tereal,  filha  de  Joao  Vaz  da  Costa  Cortereal,  Capitao  Donatario  da  Ter- 
oeira;  e  além  de  tudo  isto,  o  mesmo  sobredito  Antonio  Pacheco  de  Lima 
era  pai  de  D.  Antonia  de  Lima,  que  casou  com  aquelle  antigo  (idalgo 
Estevao  Ferreira  de  Mello,  o  oriundo  da  Graciosa,  cuja  filha  D.  Maria 
de  •  Mendofa  casou  com  Pedro  do  Castro  e  Canto,  noto  do  primeiro 
Pedreanes  do  Canto,  e  pai  do  primeiro  Manoel  do  Canto  e  Castro,  e  avo 
de  Joao  do  Canto,  e  bisavò  do  ultimo  Manoel  do  Canto  e  Castro,  de  que 
ji  ficào  filhos,  que  sao  yi  p^Dr  està  linha  quintos  notes  de  Antonio  Pa- 
checo de  Lima. 

484  E  porque  do  mesmo  Antonio  Pacheco  de  Lima  foi  seu  pai  o 
ootro  primeiro  Manoel  Pacheco  de  Lima,  que  casou  com  D.  Francisca 
Neta,  filha  de  Joao  Alvarez  Neto,  que  da  fronteira  de  Africa  veio  a  Ter- 
ceira  por  Preveder  da  Fazenda  Real,  e  outra  sua  filha  D.  Catharina  Ne- 
ta casou  na  Terceira  com  Francisco  Dias  de  Carvalhal,  que  de  grande 
Fronteiro  de  Africa  tinha  tambem  vindo  para  a  Ilha,  por  isso  aqui  tam- 
bem entrào  os  Fidalgos  Carvalhaes.  Do  dito  pois  Francisco  Dias  de  Car- 
valhal nasceo  Joao  Dias  de  Carvalhal,  que  casou  com  D.  Maria  Borges 
Abarca,  filha  do  grande  fidalgo  do  Algarve  Joao  Borges  o  Yelho,  e  de  sua 
mulher  D.  Isabel  Abarca,  irmà  da  primeira  mulher  de  Pedreanes  do  Can- 
to 0  Velho,  e  da  mulher  de  Joao  Vaz  da  Costa  Cortereal;  e  por  esles 
Borges  deixarào  os  Carvalhaes  o  seu  primeiro  appellido  de  Dias,  e  pelo 
de  Silveiras;  e  assim  o  filho  do  dito  Joao  Dias  de  Carvalhal  se  chamou 


232  HI  STORIA    TNSULANA 

Estevao  da  Silveira  Borges,  que  casou  com  D.  Barbara  Macbada;  e  jà  se 
ve  que  por  estes  Machados,  e  Silveiras  ficarao  estes  fidalgos  Carvalbaes 
sendo  dobradamente  consanguìneos  do  dosso  illustre  Marlyr  Jo3o  Bau- 
tista  Macliado.  Do  tal  EstevSo  da  Silveira  Borges»  e  de  D.  Barbara  Ma- 
chado  nasceo  Francisco  de  GarvalbaI  Borges,  que  casou  com  D.  Maria 
da  Camera  e  Canto,  e  d'estes  nasceo  Joao  de  Carvalhal  Borges,  terceiro 
neto  do  primeiro  Francisco,  segnndo  nato  do  primeiro  Joao  Dias  do  Car« 
valhal,  e  primeiro  nelo  de  Estevao  da  Silveira,  e  filho  do  segundo  Fran- 
cisco, e  jà  d'este  ultimo  Joao  de  Carvalhal  ficarao  filhos,  e  netos,  que 
ainda  vivem  nobilissimos. 

485  Deixo  a  descendencia  d'aquelle  Joao  Borges  o  Vciho,  (de  quera 
OS  Carvalliaes  tomarao  o  appellido  de  Borges)  porque  a  outra  sua  fìlba 
D.  Catharina  Borges  Abarca,  tasando  com  Àffonso  Ànes  da  Costa  Corte- 
rcal,  o'  de  Tavira  do  Algarve,  accrescenlou  aos  Borges  Abarcas  os  ap- 
pellidos  de  Costas  Cortereaes,  com  qne  Ihes  succedeo  Christov3o  Borges 
(la  Costa  Cortereal,  que  casou  com  D.  Anna  Pacheco  de  Lima,  pais  de 
Manoel  Borges  da  Costa  Cortereal,  Commendador  de  Christo,  que  casoa 
com  D.  Maria  da  Silva,  fillia  do  grande  Joao  da  Silva  do  Canto;  e  do  tal 
Manoel  Borges  da  Costa  Cortereal  ficar3o  os  dous  fillio»,  primeiro,  Chris- 
tovao  Borges  da  Costa,  sògro  de  Bernardo  Cordeiro  de  Espinosa,  e  avo 
de  D.  Catharina  do  Ceo,  Religiosa  de  Sao  Gonzalo;  e  o  segundo  filho  foi 
Fedro  Borges  da  Costa,  sogro  tambem  de  Joseph  Leal,  e  avo  de  Joào 
Borges  da  Silva  hoje  vivo.  Deixo  pois  estas,  e  outras  descendencias,  e  o 
grào  em  que  tocao  ao  Santo  Marlyr,  porque  jà  delles  fallamos  em  va- 
rios  lugares  d'este  livro  sexto. 

486  E  se  ainda  alguem  disser,  que  ainda  està  scgunda  descenden- 
cia dos  ascendentes  do  Santo  Marlyr,  aindà  em  aignns  nomeados  nao  he 
de  consanguineos,  mas  so  de  affìns  do  Santo;  responde-se  que  sómen- 
te  affins  nao  sào,  os  que  sao  descendentes  conhecidos  de  algum  unico 
tronco,  pois  por  està  via  entao,  sao  jà  verdadeiros  consanguineos,  pos- 
to que  por  outras  vias  possao  taihlìem  ser  aflins  pela  affinidade  conira- 
Iiida  por  casamentos  dos  de  Imma  com  os  de  outra  linha:  e  manifesto  he 
que  todos  os  acima  nomeados  descendem  de  algum  dos  ascendentes  tron- 
cos  do  dito  Martyr,  a  saber,  ou  do  tronco  dos  Macbados,  ou  do  dos  Viei- 
ras,  Silvas,  e  Costas;  ou  do  dos  Cantos  Pachecos,  Mellos,  e  Limas;  ou 
do  dos  Borges  Costas,  Carvalhaes,  ou  do  dos  Pamplonas,  e  Monizes;  ou 
rio  dos  Belencorcs,  Vasconcellos,  Cortereaes,  e  Cameras;  ou  emfim  do 


LIV.  VI  GAP.  XLIV  233 

tronco  dos  Silveiras,  Perciras,  e  Bruns:  e  vcrdadeiramente  seria  nunca 
acabar,  querer,  ainda  em  breve»  e  so  tocar»  quantos  descenderSo  dos  taes 
troncos  de  que  vimos  que  o  Marlyr  descendia;  veja-os  pois  iodos  quem 
de  Genealogias  tiver  mais  piena  noticia,  e  ììqIo;  e  quem  de  tal  materia 
a  nSo  tiver,  nao  falle  n'ella. 

487  Conclue-se  Analmente  com  a  moraU  e  santissima  razSo,  que  o 
DOSSO  illustre  varao  teve,  para  sobre  o  nome  de  Jo3o  Bautista,  tomar 
mais  0  sobrenome  de  Macbado,  do  que  algum  dos  outros  appellidos  il- 
lustrìssimos;  e  a  razao  parece  ser,  que  corno  a  si  proprio  se  tinba  pro- 
fetizado,  o  vir  a  morrer  comò  o  Dantista  degollado,  e  em  JapSo;  e  co- 
rno n'este  as  catanas  cortao  ainda  là  mais  facilmente,  do  que  cà  fortes 
machados,  quiz-nos  mostrar  os  desejos  ardentissimos  de  alcan^ar  este 
martyrio,  com  a  continua  lembran^a  d'aquelle  seu  appellido,  que  melhqr 
Ih'o  trouxesse  sempre  à  memoria.  Vejao  agora  os  mais  ricos,  e  mais  il- 
lustres  parentes  de  Varao  tao  esclarecido,  o  quanto  devem  honrar  a  quem 
tantos,  e  a  todos  honrou,  procurando  seja  declarado  Marlyr  pela  Santa 
Madre  Igreja,  que  so  o  póde  fazer;  e  nós  nunca  Ihe  damos  este  titulo, 
senao  so  por  com  oulro  nào  podermos  explicar-nos. 


FIM   DO  LIVRO  SICXTO. 


HISTORIA 
INSULINA  LUSITANA 

LITRO  SETIHO 

DAS  ILIIAS  DK  S.  JORGE,  E  GRACIOSA. 

CAPITULO  I 

Do  descubrimeììto,  allura,  e  grandeza  da  Illia  de  S.  Jorge. 

1  Se  0  antigo.  e  eruditissimo  Doulor  Gaspar  Fructuoso,  entrando  a 
fallar  das  Ilhas  seguintes  no  liv.  6,  cap.  32,  confessa,  que  se  pouco  ti- 
nha  dito  da  IlIia  Terceira,  por  nào  alcanfar  mais  d'ella,  havendo  grandes 
cousas  que  d*ella  dizcr;  que  muito  menos  ainda  dìria  das  seguintes  Ilhas, 
por  d'ellas  ter  alcan^ado  muito  pouco,  sendo  que  compoz  ha  quasi  130 
annos,  e  estando  nas  dilas  Ilhas,  e  sendo  naturai  d  ellas;  que  poderemos 
(pergunto)  dizer  nós,  que  ainda  que  tambem  sejamos  das  ditas  Ilhas,  es- 
tamos  jà  ha  quasi  cincoenta  annos  fora  d'ellas,  sem  tornarraos  là,  e  com- 
pomos  jà  tanto  mais  tarde  ?  Mas  taes  diligencias  puzemos  em  alcangar 
as  noticias  verdadeiras,  que  com  a  graga  Divina  esperamos,  de  além  do 
que  Fructuoso  diz,  dizer  a  pura  verdade,  que  he  a  alma  da  historia. 

2  Duvida  aìnda  he,  se  a  liha  de  Sao  Jorge  he  a  quarta  Ilha  descu- 
berta,  depois  do  Santa  Maria,  Sào  Miguel,  e  da  Terceira;  e  seguindo  ao 
citado  Fructuoso,  e  a  tradicao,  e  fama  communissima,  que  em  antigui- 
dades  muito  prova,  nos  parece  foi  a  quarta;  està  siluada  ao  Oeste  quasi 
da  Terceira,  e  oito  legoas  de  terra  a  terra,  mas  dezasete  legoas  do  porto 
das  Velas  de  Sao  Jorge  ao  porto  de  Angra  da  Terceira;  e  da  Ilha  do  Pi- 
co fica  ao  Sudoeste,  dezasete  legoas,  nao  so  de  terra  a  terra,  mas  tam- 
bem de  porto  a  porto.  Foi  achada  em  vinte  e  tres  de  AbriI,  dia  do  Di- 


236  HISTORIA  INSULANA 

/ 

vino  Cavalleìro,  e  Martyr  valerosissimo  Sao  Jorge,  e  por  isso  Ihe  derao 
0  seu  nome;  mas  em  que  anno  fosse  descuberta,  se  d3o  acha;  presamo 
porém  que  o  foi  no  anno  de  1450,  pouco  mais,  oa  menos,  ha  mais  de 
duzentos  e  sessenta  annos,  e  poucos  depois  de  acbada  a  liba  Terceira, 
porque  aos  Donatarios  da  Terceira  ficoa  sempre  unida  a  Capìtania  de 
Sao  Jorge,  com  que  ainda  que  seja  a  da  Terceira  mais  illustre,  e  mais 
rica,  be  tambem  mais  obrigada  a  acodir  à  de  Sao  Jorge. 

3  ^uem  fosse  o  primeiro  descubridor  d'està  liba  de  Sao  Jorge, 
huns  dizem  que  foi  o  primeiro  Capltao  Donatario  de  toda  a  Uba  Terceira 
Jacome  de  Bruges,  e  que  à  sua  Capitania  da  Terceira  Ibe  ficou  logo  uni- 
da a  de  Sao  Jorge:  outros  que  foi  o  primeiro,  e  jà  so  Donatario  especial 
da  Capitania  de  Àngra,  e  que  por  isso  a  està  se  unio  a  de  SSo  Jorge; 
e  parece  isto  mais  prova vel,  porque  nunca  acbamos  que  Donatario  algum 
dos  especiaes  da  Capitania  da  Praia  se  denominasse  tambem  Donatario 
de  Sao  Jorge;  e  pelo  contrario  acbamos  que  o  primeiro  Donatario  espe- 
cial de  Àngra,  Vasqueannes  Cortereal,  se  cbamava  de  Sao  Jorge  Dona- 
tario tambem;  e  as  Ilbas  que  de  novo  se  descubriao,  so  a  quem  as  des* 
cubria,  se  costumavao  dar,  e  flcavao  Donatarios  seus. 

4  A  figura  da  tal  Uba  he  de  bum  comprido,  e  muito  alto  espinha- 
(0,  que  corre  do  Noroeste  para  o  Sudoeste  em  comprimento  de  mais 
de  dez  legoas;  e  de  ponta  a  ponta  vai  pelo  alto  cume  caminbo,  mas  tra- 
balhoso,  e  comtudo  so  por  curiosidade  bum  Desembargador,  e  Corre- 
gedor  das  Ilhas  o  andou  todo,  para  ver  o  muito  que  de  tal  altura  sevia, 
0  Doutor  Fernando  de  Pina:  de  largura  poréni  tem  està  Uba  pouco  mais 
de  buma  legoa,  e  ainda  menos  nas  pontas  ;  e  de  buma,  e  outra  ilbarga» 
assim  para  o  Norte,  corno  para  o  Sul  tem  boa  meia  legoa  de  terras  fru- 
ctiferas,  que  vào  descendo  aie  o  mar,  mas  tambem  com  muito  mato,  e 
muitas  ribeìras,  que  aos  que  vao  pelo  mar  fazem  mui  vistosa  està  Uba, 
por  todo  0  seu  comprimento  de  mais  de  dez  legoas,  e  os  que  andao  por 
terra,  experimentao  carainbos  fragosos,  e  trabalhosos. 


uv.  VII  GAP.  Il  237 

CAPITULO  11 

Dos  primeiros  Puvoadores,  e  Povoafdes  da  tal  Ilha. 

5  0  mais  antigo  Povoador  quo  se  sabe  da  liba  de  Sào  Jorge  (diz  o 
ja  citado  Fructuoso)  foi  bum  Tidalgo  Flamengo,  e  multo  rìco,  naturai  da 
Cidade  de  Bruges,  chamado  Guilberme  Vandagara,  casado  com  igual  mu- 
Iber,  e  ambos  Catbolicos,  e  ella  se  cbamava  Margarida  Sabuya:  jior  sua 
qualidade,  e  riqueza  iilcancarao  licenza  para  virem  povoar  buma  dns  Ilbas 
Dovameate  descubertas,  qual  mais  Ibes  contentasse:  trouxerào  deFlan- 
dres  à  sua  custa  dous  navìos  cbeios  de  gente,  é  de  muitos  officiaes  de 
oflìcios  diversos;  e  por  quererem  primeiro  experimenlar  a  terra  da  liba 
que  haviào  povoar,  desembarcarao  em  a  liba  de  Sao  Jorge,  que  ainda 
estava  por  povoar  :  e  porque  o  Flaraengo  appellido  de  Vandagara  quer 
dizer  em  Portuguez  (Bosque  de  Silvas  pequenas,  ou  Silveiras)  e  com 
yorluguezes  bavi^o  de  tratar  os  taes  Flamengos,  por  isso  o  dito  Guilber- 
me se  cbamou  d'abi  por  dianle  Guilberme  da  Silveira;  e  d'este  appellido 
usarSo  seus  descendentcs,  e  outros  fidalgos  parentes,  que  com  o  dito 
Guilberme  tinbao  vindo;  e  este  be  o  principio  da  nobilissima  familia  dos 
Silveiras  em  as  Ilbas. 

6  Querendo  pois  o  fìdalgo  experimenlar  da  Uba  de  Sao  Jorge  se  • 
seria  bem  fructifera,  mandava  em  cada  bum  de  diversos  sitios  abrir  na 
terra  buma  boa  cova,  e  aberta  tornava  a  mandar-lbe  deitar  a  terra  tira- 
da,  calcando-a  moderadamente,  e  se  a  cova  se  nìio  encbia  outra  vez  co- 
rno de  antes  estava,  mas  faltava  terra  para  se  encber,  julgava  aquelle 
sìtio  por  mào,  e  infructirero;  e  se  cbeìa  a  cova,  sobejava  a  terra,  julga- 
va por  bem  fructifero  o  sitio,  e  porque  d'este-ultimo  modo  Ibe  succedeo 
em  buma  penta  da  Uba  que  cbamào  o  Topo,  com  este  inesmo  nome 
fundou  logo  allì  a  mais  anliga  Villa  que  ba  em  Sao  Jorge,  cbamada  a 
Villa  do  Topo  ;  e  tao  bem  Ibe  succedeo  a  sua  experiencia,  que  das  se- 
menteiras  que  fez  n'aquelle  sitio,  bouve  anno  que  deo  sessenta  moios 
de  trigo  ao  dizimo  :  porém  comò,  lavradas,  e  cavadas  aqucllas  terras, 
viessem  da  alta  serra,  ou  espinbago  da  Uba  sobre  as  terras  as  muitas 
ribeiras,  e  levassem  a  terra  solta  ao  mar,  em  poucos  annos  se  torno u 
esteril  aquelle  sitio  de  terra,  e  mais  para  cabras,  do  que  para  sementei- 
ras  ;  e  o  Guilberme  da  Silveira  deixou  aquella  Uba  de  Sao  Jorge,  e  se 
passou  à  Uba  do  Fayal,  jà  tambem  descuberta,  comò  em  seu  lugar  ve- 


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sani»    A-.nie  de  «^"*^'*!  ,  v^rtniA»  ^^  p^barm*  ^*^''  .^^  ceftW  e  «^«^ 

^°*  '    .15.  ooiva  t-^^*  . -ra  àos  ^^®"    „,.arvo  o®  ^^'^    ^  Maini  i^*^  ^ 


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LIV.  VII  GAP.  ili  239 

;e:  tem  Vigano,  Cura,  Thesoureìro,  e  quatro  Beneficiados,  e  chcga  a 
duxenlos  e  cincoenta  vizinhos,  e  n'elles  niuitos  de  multa  Dobreza,  e  que 
i  lei  duella  se  tratao,  e  com  lustre,  e  riqueza;  e  tem  hum  exceliente  por- 
to, onde  03  navios  se  recolhem  seguros,  tem  nobre  Senado  da  Camera, 
d  Capitào  mór  da  milicia  com  outros  Capitaes  subordinados,  e  hum  Re- 
ligioso Convento  de  Sao  Francisco  Serafico.  Os  appellidos  da  nobreza 
sao,  Siiveiras,  Sarmentos,  Correas,  Mellos,  Teixeiras,  e  outros,  de  que 
mais  largamente  trataremos  nos  Nobiliarios  das  outras  lUias,  d'onde  vie- 
rio  a  S.  Jorge,  comò  ja  tocàmos  nos  das  Illias  jà  passadas. 

10  Indo  por  diante  hum  quarto  de  legoa  da  dita  Villa  das  Yelas, 
istà  a  Ermida  de  Sào  Pedro,  e  d'ahi  a  quasi  legoa  estd  o  lugar  de  Nos- 
»  Senhora  do  Rosario,  de  cincoenta  vizinhos,  e  nao  só,o  lugar,  mas  es- 
tà poota  (em  que  acaba  a  iiha  da  parte  de  Oeste)  se  chama  a  Ponta  de 
Rosales  ;  e  logo  hum  tiro  de  besta  ao  mar  està  hum  Ilheo,  figura  de 
tium  pico  agudo  para  cima. 

11  D'aquì  volta  a  liha  pela  parte  do  Norte,  e  nao  tem  niella  mais 
iugares,  oa  Freguezias  (por  ser  asperrima,  e  nao  poder  ljabitar-se)  do 
]ue  huma  que  fez  fntroduzir  o  Bispo  D.  Manoel  de  Gouvea,  e  està  se 
siiama  de  Santo  Antonio.  Desta  ponta  de  Rosales  para  o  Norte,  meia 
legoa,  se  seguem  algumas  terras  de  pasto,  ribeiras,  e  fajàs  pequenas  com 
{rande  numero  de  cabras,  e  duas  legoas  de  Rosales  està  huma  ponta  tao 
sahida  ao  mar,  que  se  chama  a  Ponta  Furada,  porque  por  baixo  d'ella 
passa  0  mar,  e  comtudo  tem  em  cima  muitas  terras  de  può;  e  adiante 
se  s^uem  rochas  altissimas.  Depois  se  conlinuao  varias  fajàs  até  a  ponta 
la  serra,  aonde  se  levanta  hum  alto  pico,  e  outra  fajà  adiante  d'elle,  e 
laqui  se  vao  continuando  quatro  legoas  de  fataes  rochas,  todas  de  ma- 
los,  e  cabras,  até  se  chegar  à  Villa  do  Topo,  d'onde  comcfamos  o  com- 
primcnto  da  Ilha. 

CAPITOLO  II 

Dos  tremores  de  terra,  e  outros  inforlunios,  que  leve 
fi  Ilha  de  Sào  Jorge. 

12  No  anno  de  1580,  em  28  de  AbriI,  no  dia,  enoite,  tremeoesta 
liba  oitenta  vezes,  e  outras  tantas  em  o  tert^eiro  dia  depois,  no  qual,  e 
ìò  meia  legoa  da  nobre  Villa  das  Velas,  e  na  faja  que  chamào  de  Este- 
¥ìo  da  Silveira,  rebentou  tal  fogo  por  duas  bocas,  que  deitava  pedras 


.  j 


2i0  tlISTOniA   INSULANA 

tao  grandes,  e  lao  alias,  que  se  perdiao  de  vista,  e  biao  caliir  no  mar 
feitas  peqnenas:  a  terra  se  abria  em  grelas,  formando  borrendos  valla- 
dos  ;  cabiOo  as  casas  do  campo;  e  ao  prìmeiro  de  Maio  correrao  duas 
taes  ribeiras  de  fogo  por  toda  a  manba  até  o  melo  dia,  que  huma  foi 
direita  ao  mar,  e  passando  por  huma  alta  rocha,  cahindo  d'ella  a  desfez, 
e  no  mar  esfriando  fez  bum  caes,  que  Hcou  corno  feito,  e  composto  de 
forte  pedraria;  e  a  gente  pasmada  nao  sabia  para  onde  houvesse  de  fa- 
gir,  e  do  pasmo  morriao  as  mulheres  que  se  acbavao  pejadas,  e  a  mais 
gente  andava  em  procissoes  pela  Villa  pedindo  a  Deos  misericordia. 

13  Do  dito  tempo  a  seis  horas  sabio  outro  fogo  de  outro  pico,  e 
tanto  mais  furioso,  e  maior,  que  correndo  sobre  as  melbores  vinbas, 
correo  dous  dias  inteiros,  deixando  às  vinbas  o  nome  de  queimadas,  e 
a  terra  em  pedras,  ou  biscoutos  converlìda:  depois,  tres  legoas  da  Viib, 
e  no  sitio  onde  chamao  a  ribeira  do  Nabo,  rebentou  outro  alto  pico  em 
tal  fogo,  que  correndo  por  bum  valle  de  buma  legoa  de  vinha;  deixoa 
cste  feito  bum  novo  pico«  e  o  antigo  pico  feito  tao  profondo  valle,  qae 
0  fundo  se  Ihe  nao  via:  e  destar  sorte  as  ribeiras  de  fogo  que correr3o, 
forao  ciuco,  e  cobriào  de  vinbas  legoa  e  mela,  e  ti^s  legoas  de  pastos; 
com  que  de  vacas,  ovelbas,  e  cabras  morrerao  quatro  mil  cabe^as,  e  to- 
das  as  abelbas  que  bavia  n*aquelles  tractos;  e  foi  Deos  servido  que  co^ 
resse  ent3o  vento  Oeste,  e  Sudoeste,  que  ludo  levava  aos  matos,  e  nem 
chegava  às  searas  de  Leste,  nem  a  ponta  de  Rosales,  e  Villa  das  Velas; 
e  n'esta  ainda  assim,  nem  à  Igreja  sabia  de  casa  a  gente,  por  nao  seaf- 
fogarem  com  tanta  inundagào  de  cinza,  que  tres  dias  depois  se  nao  pò- 
dìào  abrir  as  portas  com  a  cinza  de  todo  entupìdas. 

14  Durarào  os  taes  terremotos  quatro  mezes,  e  cada  vezmaistre- 
mendos  ;  e  de  varios  portos  da  Uba  fugiào  em  barcos  muilas  pessoas 
para  outras  llbas;  e  a  Villa  das  Velas  nao  deixando  embarcar  pessoa  al- 
guma,  tinha  jà  comtudo  preparados  muitos  barcos,  atè  de  outras  Ilhas, 
para  (sendo  necessario)  passarem  a  ellas:  e  resolvendo-se  quinze  bomens 
a  ir  pela  Costa  do  mar  ao  sitio  das  vinbas  queimadas  a  tirar  de  là  algu- 
ma  fazenda  sua  de  varios  que  saltarao  em  terra,  bum  so  escapou  com 
Vida,  e  ainda  muito  crestado,  ou  queimado  de  buma  terrivel  nuvemque 
queimava  comò  fogo;  causa  porque  varia  gente,  por  portos  particulares, 
e  escusos,  se  sabio  da  Uba,  e  a  deixou. 

15  Quiz  Deos  que  sabendo-se  logo  ao  principio  dos  primeiros  ter- 
remotos, acodio  a  Uba  Terceira  nao  so  com  mantimenlos,  e  embarca{ì)es, 


LIV.  VII  GAP.   IV  2H 

mas  com  o  douto,  o  Religioso  Padre  Pedro  Freire,  Missionario  insigne 
da  Companhia  de  Jesus,  a  cujns  prégagoes  se  fìzerao  grandes  peniten* 
cias  na  tal  Ilha,  se  confessavào  todos,  e  se  compunhào  bein  com  Deos; 
e  sabendo*  o  dito  Padre  dos  muitos  odios,  e  de  qnarenta  demandas,  e 
qnereias  arrontosas,  e  as  t^stìmunhas  falsas  que  havia,  foi  tal  o  zelo  das 
préga^oes  do  Padre,  que  nao  so  todos.  e  publicamentc  se  perdoarao,  e 
satisGzerio,  mas  indo  as  casas  dos  Escrivaes  das  querelas»  de  commum 
coosentimento,  nao  deixarao  d*etlas  feìto,  ou  pape!  algum,  que  nào  quei- 
massem:  e  com  isto  pararuo  em  firn  aquelles  terremotos,  e  evidentes  car- 
tigos  de  Deos,  que  nào  quer  a  morte  do  peccador,  mas  que  se  converta, 
e  viva;  e  desde  entào  para  cà,  tao  borrendos  tisrremotos,  que  saibamos, 
nao  houve  na  tal  Uba,  naas  maiores  bavera,  se  as  culpas  forem  maiores, 
ou  se  se  repetirem  as  mesmas,  ou  semelbantes  outras. 

16  De  outros  iLfortunios,  e  tao  graves,  que  houvesse  n'esta  Uba, 
dSo  se  sabe,  nem  que  de  inimigos  fosse  em  algum  tempo  conquistada, 
ott  saqueada,  ou  entrada;  e  so  de  piratas  Houros  se  Ibe  tem  cativado  al- 
gmis  seus  Caravel5es,  comò  tambem  outras  pessoas,  que  sem  cautela 
aodac  pelas  praias  que  nào  tem  fortalezas,  e  se  deixao  enganar  das  lan- 
cbas  que  apparecem,  podendo  com  tempo  recolber-se  acima  da  Uba,  e 
das  rocbas  com  so  pedras  destruirem  ao  inimigo.  Que  quanto  das  ootras 
gaerras  do  governo  do  Senbor  D.  Antonio,  e  da  Acclamacao  do  invicto 
Bei  D.  Joào  o  IV,  nunca  a  Uba  de  Sào  Jorge  fez  mais  que  seguir  sua  ca« 
be^  a  Uba  Terceira;  o  que  se  fizessem  todas  as  mais  Ilhas,  nào  dariào 
tantas  cabe^adas,  comò  em  seu  lugar  jà  vimos,  e  veremos  sempre,  tanto 
que  se  desunirem. 

CAPITOLO  IV 

Das  excellencias  da  Ilha  de  Suo  Jorge. 

17  A  primeira  be  sua  grandeza,  pois  de  dez  legoas  em  o  compri- 
mente, tem  mais  de  vinte  em  roda,  e  excede  a  muitas  das  outras  libas; 
e  tem  tres  Villas,  Topo,  Calbeta,  e  Velas,  e  ciuco  Lugares,  além  de  mui- 
tas lavradores  espalbados,  com  que  tem  mais  de  mil  bomens  de  armas, 
OS  quaes  bastào  para  se  defender  de  muitos  mil  que  a  commettào;  por- 
que  da  parte  do  Norte  nào  s6  o  bravo,  e  perigoso  mar,  mas  as  espan- 
tosas  rocbas  a  defendem;  e  pela  parte  do  Sul,  tambem  o  mais  be  de  ro- 
cbas, que  posto  que  menos  allaS;  ainda  o  sao  tanto;  e  tao  precipitadas 

VUL.  il  IG 


4Ì2  IIISroiUA  I.NSt'l-.V.\A 

sobre  o  mar,  e  com  tao  didiccis,  e  poiicos  caminhos,  que  poucos  iioinens 
de  sima  so  derrubando  callìdos,  totalmente  impedem  a  entrada  a  inimi- 
gos,  por  mais,  e  mais  que  clles  sejào:  e  na  (Kirte  onde  a  liha  dà  entradi 
boa,  comò  em  a  principal  Villa  das  Velas,  e  seu  seguro  porto,  ahi  tem 
Fortaleza,  e  artelbaria,  e  alguns  qiiinhentos  bomens  de  armas»  que  ba$- 
tao  para  da  terra  impedirem  a  quem  pelo  mar  quizer  n*ella  saltar. 

18.  A  segunda  excellencia  be,  ter  està  Uba  por  seu  Capit3o  Dona- 
tario 0  mesmo  que  o  he  de  Angra,  e  de  toda  a  Uba  Terceira,  com  que 
està  be  obrigada  a  acodìr-lbe  mais  do  que  as  ontras  Illias,  corno  sempre 
fez;  e  da  mesma  sorte  be  mais  obrigada  a  Uba  de  Sao  Jorge  a  acodir  i 
Terceira  quando  necessitar  disso,  comò  no  anno  da  Acciamac3o  llie aco- 
dio com  0  General  para  a  Armada,  com  a  soldadesca,  e  com  as  armas, 
e  municoes.  com  que  pode  acodir-llie,  além  dos  mantimentos  que  sem- 
pre leva  a  Terceira,  pois  he  buma  quasi  emphyteuta,  ou  feudataria  da  Ter- 
a'ira,  e  n*islo  tambem  tem  Suo  Jorge  grande  alivio,  de  nunca  ter  dentro 
em  si  a  oppressao  do  Capitilo  Donatario  residente  la,  mas  ter,  ha  mais 
de  cento  e  trinta  annos,  ao  Rei  do  I^ortugal  por  seu  Donatario,  corno  tem 
a  Uba  Terceira,  desde  que  o  Marquez  de  Castello  Uodrigo  nao  tornou  i 
Terceira. 

iO  A  terceira  excellencia  be  o  clima  d  està  Uba,  e  tao  bom  lempe- 
rumento  de  seus  ares,  que  nao  se  sabe  que  n'ella  bouvesse  alguma  bo- 
ra peste,  tendo-a  ja  bavido  em  outras  Ilbas:  ao  que  ajuda  multo  a  gran- 
de abundancìa  de  agua  que  ha  n'esta  Uba,  [)orque  ale  o  altissimo  espi- 
nbaco,  ou  serra  que  Ibe  divide  o  Sul  do  Norte,  e  que  corre  de  Leste  a 
Cesie,  contém  muitas  alagoas,  fora  as  muitas  rìbeiras,  e  fontes  que  tem 
l)<)r  Norte,  e  Sul,  e  todas  de  agua  doce,  e  sadia,  com  ser  tao  estreila  a 
]llia  em  a  largura,  e  sobre  terras  tao  rn;si:as  o  ar  raramente  se  corrom- 
pe, ou  se  perverte  em  peste:  e  por  isso  n'esla  Uba  se  vive  multo,  e  com 
boa  saude;  o  que  murmiiradores  attribuìrao  a  nào  baver  irella  Mcdioos 
de  [)rofìssào,  que  parece,  onde  sào  niuilos,  ahi  sào  mais  as  doencas:  seu- 
do  que  elles  as  nào  fazem,  e  so  pertendem  desfazel-as,  e  preservar  d'al- 
ias aos  sàos,  e  os  vìcios  sao  as  que  as  causào. 

20  Quarta  excellencia  be  a  qualidade,  e  abundancia  dos  frutos  da 
tal  liha;  porque  primeiramenle  he  Uìo  abundanle  de  multa,  e  boa  nia- 
deira,  que  nao  so  para  o  gasto  ordinario,  e  necessario  sempre,  mas  aio 
(la  para  fazer  navios,  e  navios  grandes,  tem  toda  a  que  se  requere;  e 
subrc  ella  toda  a  casta  de  avos,  de  perdizes,  codornizes,  gallinhas,  goli- 


LIY.   VII    CAI».  V  aia 

pavos.  e  irinuracravcìs  adcns,  e  ale  das  de  musica  oxcellentCf  corno  ca- 
narios,  meiros,  etc,  muììm  cocllios,  e  lambem  milito  forào,  e  infinida- 
de  de  gados,  vacas,  porcos,  earneiros»  ovelhas,  e  miiltidao  de  c^ibras,  e 
das  ovelhas  os  melhores  queijos,  qiie  ha  nns  Illias,  e  excellentes  lactici- 
nios:  frulas  de  arvores  tein  de  loda  a  casta,  e  excellentes,  e  frutos  da 
terra  copiosissimos:  o  trigo  he  multo,  e  o  vinlio  tanto,  que  dà  tres  mil 
pipas  de  vinlio  cada  anno,  e  em  alguns  annos  mais;  porqiie,  ainda  que 
se  queimario  tantas  vinhas  em  o  fogo  dos  tremores,  com  ludo  n'estas 
Ilhas  se  pianta,  e  dà  o  melhor  vìnho  entro  o  biscouto  queimado;  e  as- 
sira 0  d  està  Ilha  he  generoso,  e  buscado. 

21  Finalmente  de  todos  seus  fnitos  tem  a  Ilha  de  SOo  Jorge  gasto 
certOt  porque  ainda  que  nao  scja  multo  frequentada  de  navios,  tem  tan- 
tos  barcos  grandes,  e  de  duas,  ou  tres  velas,  a  que  chamuo  Caraveloes, 
que  levando  tudo  a  Terceira,  nao  so  Ihe  vai  desta  o  dinheiro,  mas  tu- 
do  0'  mais  necessario,  e  faz  o  officio  de  Quinta  grande,  e  nobre  da  Real 
Cidadc  de  Angra. 

CAPITULO  V 

DA  NOBILISSIMA  ILHA  CllAMADA   GHAClOSA. 

Da  siluacào,  grandezOt  costa,  e  nome  da  tal  Ilha. 

22  A  Ilha  chamada  Graciosa  està  ao  Norte  da  Ilha  Terceira,  oito  le- 
goas  de  terra  a  terra,  e  de  porto  a  porto  doze  legoas,  e  fica  em  trinta 
e  nove  gràos,  e  melo  sua  altura;  corre  de  Leste  a  Oesle  em  comprimen- 
lo  de  perto  de  quatro  legoas,  em  largura  de  mais  de  huma  legoa  de  Nor- 
te a  Sul,  e  com  oito  legoas  cni  circuito,  fazendo  figura  ovadn,  e  com 
poucus  montes.  tao  plalna,  e  aprazivel,  que  por  isso  Ihe  chamarao  Gra- 
ciosa, e  com  multa  razào;  porque  nào  so  na  terra,  e  na  planicie,  mas 
tambem  nos  frutos  llie  fez  Deos  especial  graca,  e  multo  mais  na  illus- 
tre Dobreza  de  que  se  povoou;  comò  necessaria,  e  largamente  veremos 
abaixo. 

23  A  maritima  costa  d  està  Ilha,  de  Leste  a  Oeste,  e  pela  banda 
do  Sul,  cometa  em  huns  Ilheos,  que  chamao  os  Ilomiziados;  e  a  razao 
foi  notavel;  porque  no  anno  de  1511  indo  da  Ilha  certos  mancebos  dos 
principaes  recrear-se  ao  Ilheo,  e  mettendo-se  sós  em  hum  batel,  sem 
Lomem  algum  do  mar,  cbegando,  e  tendo  jà  apanhado  muita  caca,  pes- 


2ÌÌ  HlSrOHIA  INSULANA 

cado,  e  marisco;  e  voltando  jé  tarde  ao  batel,  que  tinliuo  dei.vado  em 
huma  poca,  ou  desembarcadouro  unico  do  tal  Ilheo,  nao  podcrao  em- 
barcar,  por  ser  jà  noite,  e  a  mare  ser  vazia,  e  o  nrìar  alli  ser  alto,  e  de 
costa  brava,  e  mcdonha,  e  assim  se  tornarào  para  o  Uhéo,  e  inenos  no 
outro  dia  se  atreverao  a  passar  tal  mar. 

21  0  que  vendo  na  Uba  cinco  primos  seus,  partirao  em  outro  bar- 
co,  mas  tambem  sós,  comò  mogos,  e  C'hegaudo  comecarSo  a  Ihe  dar  vaia 
de  Homiziados,  Garneirada,  que  so  viessem  embarcar,  que  os  levariSo 
atados,  e  por  lastre  do  seu  barco:  e  nao  querendo  os  que  estavao  no 
Ilhéo,  por  modo  do  mar,  e  sondo  ju  huma  bora  de  entrada  noile  escu- 
ra, eis-que  veio  buma  tal  onda,  que  ao  barco  que  vinha  buscar  aos  do 
Ilhéo,  lancou  sobre  huma  baixa,  e  o  virou  sòbre  os  cinco  que  trazia,  e 
0  batel  dos  do  Ilheo  flcava  afTastado,  e  bum  tiro  de  ruim  passagem;  com 
que  por  mais  que  os  naurragantes  lutavao  com  as  ondas,  e  cbamavao 
pelos  do  Ilheo,  estes  Ihes  nlio  podiao  acodir,  e  dos  dilos  cinco  so  lium 
se  nao  aflbgoii,  Antonio  Vaz  Sodré.  a  qnem  bum  mar  langou  em  huma 
fuma  do  Ilhéo,  aonde  nunca  tinlia  ido  homem  algum.  Ao  outro  dia  pela 
manha  se  forào  os  sete  dò  Ilheo,  com  o  quo  dos  cinci)  tinha  escapado,  e 
e  là  mais  acautelados  de  seus  Folguedos  tomarao  outro  caminho  de  le- 
goa  e  mela  atc  o  porto  da  Villa  da  Praia,  mais  desviado,  poréra  por  mais 
brando  mar,  e  caminho  menos  perigoso. 

23    Na  costa  da  liha,  defronte  dos  difos  Ilhéos.  e  ao  pé  de  Imma 
rocha  multo  alta,  chamada  a  Reslingn,  està  luima  Turna,  d\)nde  sahe  hu- 
ma ribeira  de  agua  quentc:  e  d'ahi  a  himi  tiro  de  bombarda  pela  parfe 
do  Sul,  està  bum  porto,  a  qne  charaao  (^arapacho,  mas  de  bateis  s«),  que 
n*elle  entrào  com  mare  chela,  e  o  mar  de  Torà  he  tao  limpo,  que  podera 
ancorar  quarenla,  e  por  isso  alli  ha  Forlaleza  com  artelharia  para  impe- 
dir 0  anrorarem,  que  a  entrada  per  si  se  defendo.  Ilum  tiro  de  bésta  deste 
porto  està  outro  Ilheo,  chamado  das  Gayvolas.  pelas  muitas  que  ha  n'el- 
le:  he  muito  limpo,  de  area  branca,  e  bom  conto  de  navios,  segurosde 
tormentas.  D'aqui  legoa  e  meia  comcca  huma  rocha  de  buma  legna  de 
comprimento,  com  huma  Tonte  no  melo  de  exceliente  agua,  que  dosar- 
redores  vao  alli  buscar:  porém  a  rocha  he  tHo  alta,  que  em  1581,  eoo 
melo  do  caminho  esmoreceo  bum  homem,  e  caino  em  baixo,  e  dahi a 
bum  anno  cahio  outro,  e  mais  erào  ambos  naluraes  da  terra:  e  por  is- 
so à  tal  roclia  vao  mocoszinhos,  que  perdem  o  modo,  e  depois  vao  cor- 
rendo, e  saltando,  e  os  que  nao  tiverao  experiencia,  se  vào  arrojaodo 


LIV.  VII  CAI».  VI  24") 

n'csta  rocha  pela  terra,  de  medo  ainda.  Na  tal  rocha  ha  huma  erva,  com 
que  se  dà  tinta  azul,  corno  ha  tiimbem  na  Uba  de  Santa  Maria,  e  os  In- 
glezes  vem  carregar  d'ella,  mas  custa  multo  a  apanhar. 

26  D'està  rocha  a  huma  legoa  està  huma  ponta  ao  mar,  com  hiim 
porto  chamado  de  Affonso  de  Porto,  que  he  so  de  bateis  para  pescar:  e 
no  verao  aos  inìmigos  Ihes  cortSo  o  caminho,  e  nào  fica  porto,  nem  ca- 
roinho  por  onde  va  alguem  abaixo,  e  menos  por  onde  suba  acima.  Pela 
mesma  costa  do  Sul,  huma  legoa  adìnnte  cometa  a  voltar  a  costa  da  Uba 
para  a  parte  do  Noroesle,  e  se*  segue  huma  lai  fuma,  chamada  de  Joao 
Moreno,  que  se  continua  por  baixo  da  terra  mela  legoa,  e  là  vai  sabir 
a  outra  terra,  e  correndo  vento  Noroeste,  ou  Oeste,^faz  por  huma  das 
bocas  està  fuma  taes  eslrondos,  que  parece  estar  sempre  disparando  con- 
tiouadas  bombardas;  e  a  costa  por  aqùi,  ainda  que  he  raza,  he  tao  bra- 
va, e  de  tanto  caihuo,  que  n'ella  nem  o  pé  se  póde  por. 

27  D'aqui  corre  a  costa  pelo  Noroeste  legoa  e  mela,  e  entao  se  se- 
gue a  principal  Villa  de  toda  a  Uba  com  o  nome  de  Santa  Cruz,  de  que 
logo  faltaremos:  depois,  passada  huma  legoa  de  rocha  alta,  e  logo  huma 
alagoa,  e  bum  lugar  de  trìnta  visinhos;  e  mela  legoa  adiante  se  Ibe  se- 
gue a  Villa  da  Praia,  de  que  mais  abaixo  faremos  toda  a  menc3o  que 
luerece;  e  defronte  d'ella,  bum  tiro  de  bombarda  ao  mar,  està  hiim  Ilhéo 
redondo,  e  com  rocha  alta  para  o  mar,  e  com  planicie  para  a  Uba,  mas 
entro  està,  e  o  tal  Ilheo  nao  podem  passar  navios  pelo  perigo  dos  bai- 
xos  que  alti  ha;  porém  o  Ilhéo  em  si  lem  bom,  e  seguro  porto,  e  em 
cima  terra  boa  de  semeadura.  Logo  se  segue  pelo  Norte  huma  legoa  de 
alta  rocha  talhada,  e  huma  enseada  no  fìm,  com  huma  fonte,  que  cha- 
m3o  a  fonte  da  Rocha,  que  sempre  corre,  e  com  bum  torno  de  agua  da 
grossiira  de  bum  brago,  de  que  bebé  todo  aquelle  Norte,  e  tem  tanques 
apartados  para  o  gado  beber,  e  se  lavar  a  roupa;  e  passada  meia  legoa 
està  0  porlo,  e  Ilhéo  dos  ilomiziados,  d*ondc  comecamos,  e  acabamos 
està  c^sta. 

CAPITULO  VI 

Das  povoafdes,  e  interior  da  Ilha  Graciosa,  e  sua  feriilidade. 

28  A  maior,  e  principal  povoacao  da  Graciosa  he  a  Villa  chamada 
de  Santa  Cruz;  està  situada  dcfronte  do  Noroeste,  e  por  isso  he  de  bons 
ai'es,  e  viragao  fresca,  e  sadia;  tem  bum  grande  porto,  que  charaao  Ca- 
Ihela,  e  he  o  principal  de  loda  a  casta  de  embarcagoes  que  vao  carregar 


246  IIISTOWA  INSVLANA 

de  pao,  cujn  baliia  corre  de  Nordeste  ao  Oessudocste  pela  terra  dentro» 
e  lego  na  entrada  tem  huma  Forlaleza  de  artelharia;  e  para  entrarcm  os 
navios  sem  perigo  no  tal  porto,  Imo  de  ir  enfiados  pelos  padrOes,  que 
piypa  isso  estaìo  postos  na  terra,  e  entrando  de  outra  sorte  se  perderao. 
Da  parte  do  mar  ao  Noroeste  està  liuma  tal  pesqueira^  que  he  corno  bum 
curral  de  peixe,  porque  no  inesmo  mar  se  fecJia  com  huma  porla  ao  fun- 
do,  que  abrindo  se  p*ara  cima,  om  amanliecendo  entra  o  peixe  ao  engo- 
do;  e  depois  fechando  outra  vez  a  [torta,  e  vazando  a  mare.  Oca  taolo 
peixe  cm  seco,  que  aos  carros  o  levào;  assim  se  fazia  antigamente,  e  n3o 
sei  se  se  faz  ainda  lioje. 

29  Consta  està  Villa  de  quasi  seiscentos  visinhos,  com  quo  vence  i 
algumas  Gidades,  uao  so  do  Reino  do  Algarve,  mas  tambem  de  Portu- 
gal;  e  a  nobreza  veremos  em  seu  lugar.  A  principal  Igreja  de  Santa  Cruz 
lem  Vigario,  Cura,  Thesoureiro.  e  quatro  Bijncficiados,  Prégador  cera  or- 
denado,  etc.»  tem  mais  bum  C'invento  de  Sao  Francisco,  Misericordia,  e 
muilas  Ermidas,  comò  a  de  Santo  André,  Sao  Pedro,  Corpo  Santo,  San- 

!^ta  Calbarina,  etc.  No  meio  tem  a  Villa  bum  paùl  de  agua  para  o  gado* 
e  junto  logo  bum  rocio  de  trezentas  bra^is  do  comprido,  e  cem  de  lar- 
go, e  tao  limpo,  e  plaino,  que  nem  pedrinbas  se  vem  n'elle,  e  n'elle  cor- 
rem  OS  nobres  Cavalleiros  da  Villa:  e  na  mesma  Villa  està  bum  Pico  mili- 
to alto,  repartido  em  dous,  e  em  bum  està  a  Ermida  do  Nossa  Seniiora 
da  Ajuda  com  casa  de  Romoiros,  [)er  sor  de  muilos  milagres;  e  em  ou- 
tro  outra  Ermida  de  Suo  Joào,  e  nào  menos  mìlagroso. 

30  A  sogunda  Villa  bo  a  cbamadu  da  Praia,  por  estar  siluada  ao  re- 
dor  de  bum  boni  areal  de  area  branca,  sobre  que  caliem  muilas  das  ca- 
sas  da  Villa;  tem  buma  enseada,  e  porto  de  loda  a  navega^ao;  e  consUi 
a  Villa  de  mais  de  trezentos  vizinbos:  e  a  principal  Igreja  be  de  Sfio  Ma- 
theos:  tem  nao  so  Vigario.  e  Cura,  mas  tambem  seu  Thesoureiro,  e  seu 
Benoliciado,  e  além  d'isso  Misericordia,  e  outra  Igreja  de  Nossa  Scnho- 
ra.  No  areal  lem  grande  Forlaleza  do  qnatroceiìlas  brafjas  de  comprido, 
muralba  de  vinte  palinos  de  allo,  e  dez  de  largo,  e  cada  cìncoenta  bi> 
Vas  lem  bum  cul)ello  com  duas  pecas  do  artolbaria:  e  lem  Imma  so  por- 
ta muilo  forte,  e  espacosa,  (pie  por  ella  as  Caravolas^ibaliào  os  maslros, 

e  entrào  varadas,  e  fecbada  a  porla  licào  dentro  o  tempo  que  (juerem. 
Da  nobreza  desta  Villa  trataremos,  quando  da  de  loda  a  liba,  pois  meia 
logoa  adiatilo  da  tal  Villa  acaba  a  Uba  no  porlo  dos  Ilomiziados  peren- 
do crmietamos. 


IJV.  VII   CAP.  Vn         .  21/ 

31  Do  interior  d'està  Ilha  faltSo  na  bistoria  do  Doutor  Fructnoso 
duas  folhas,  que  sao  os  dous  Capitulos  44,  e  45,  do  seu  liv.  6,  sem  se 
saber  quem  as  tirou,  ou  fartou,  nem  porque  causa;  porém  corno  a  ilha 
he  estreita  de  Norte  a  Sul,  e  temos  jà  dito  as  povoa^oes  que  lem  de  hu- 
ma,  e  outra  parte,  e  tambem  algumas  intermedias,  e  o  costume  dasllhas 

,  he  povoar  junto  ao  mar,  n3o  nos  faz  grande  falta  este  defeito  das  folhas: 
deve  porém  advertir-se,  para  que  nem  tudo  o  que  se  diz  que  traz  Fru- 
ctooso  se  nSo  crea  logo,  quanto  n  elle  se  nào  aclia,  e  so  querem  alguns 
que  traga  o  que  elles  querem. 

32  A  fertilidade  da  Graciosa  ainda  he  maior  que  a  das  oulras  Ilhas, 
porque  comò  he  menos  montuosa,  e  mais  plaina  por  cima,  e  muito  re- 
gada,  e  fresca,  com  varias,  e  boas  aguas,  toda  se  desfaz  em  frutos,  de 
trìgo,  cevada,  legumes,  vinho,  frutas  de  arvores,  e  hortalicas,  tanto  as- 
sim,  que  o  trigo,  e  a  cevada  exc^de  ao  das  mais  Illias,  e  vai  mais,  espe- 
ciaimente  nos  gados  vacum,  e  oveihum,  e  nas  carneiradas,  gallinhas,  e 
mais  aves:  so  tem  muita  falta  de  matos,  e  lenha  para  o  lume;  porém  a 
Divina  Providencia  deo  tal  vigor,  ou  quasi  solidez  as  palhas  dos  paes 
d'està  Ilha,  e  muito  mais  és  vides,  e  podas  de  arvores,  e  ainda  à  bosta 
do  gado  vacum,  que  suprem  a  falta  de  lenha  mais  grossa,  e  tambem 
d'està  se  provém  da  vizinlia  liba  de  S3o  Jorge;  e  so  corno  nas  mais  Ilhas, 
Ila  falta  de  azeite  de  oliveiras,  que  comtudo  Ihe  vai  de  fora  para  o  pralo, 
e  alampadas  das  Igrejas;  que  quanto  para  o  mais  tem  outras  castas  de 
azeites,  e  manteigas,  e  pescados  sempre  frescos,  e  excellentes,  e  abun- 
dancia  grande  de  toda  a  sorte  de  lacticinios. 

CAPITULO  VII 

De  qìMììdo,  e  quem  deicnbrio  a  GrncioM,  e  de  seitx 
primeiros  Donatarios, 

33  Que  està  Uba  fosse  descuberta  em  quarto  lugar,  e  depois  da  Ilha 
Terceira,  afTirma  Guedes  na  sua  historia  cap.  6,  mas  em  que  dia,  mez, 
ou  anno,  nào  està  determinado,  e  multo  menos  por  quem  fosse  prìmeiro 
descuberta,  donde,  parece,  podemos  dizer,  que  assim  corno  a  Terceira 
foì  prìmeiro  descuberta  por  mareantes  que  vinbao  das  Ilhas  de  Cabo 
Verde  para  Portugal,  (corno  disscmos  liv.  6,  cap.  1,)  e  por  isso  esleve 
algum  tempo  por  povoar;  assira  tambem  a  Graciosa,  parece,  foi  primeiro 


2i8  IlISTOniA  INSITAXA 

descuberta  por  outros  mareantes,  qiie  das  raesmas  Ilhas  de  Cabo  Verde 
vinhao,  ou  para  a  mesma  Terceira,  ou  tatnbem  para  PortngaU  e  ao  Nor- 
te,  por  onde  se  vem  de  Cabo  Verde,  derao  coro  a  Graciosa,  e  por  ser 
gente  ordinaria,  e  de  poucos  cabedaes,  nem  pedirSo,  nem  se  Ihes  darla 
0  povoarem  tal  liha,  qne  Deos  tinlia  reservado  para  outros  Povoadores, 
e  t3o  nohres,  e  illustres,  corno  abaixo  veremos;  e  muìto  mais,  estando 
cntao  oslnfantes  Portnguezes  occupados  ein  povoar  as  ouiras  Ilhas  pouco 
de  antes  descubertas:  e  lambem  se  nao  sabe  o  dia,  mez,  ou  anno,  em 
que  prìmciro  se  doscubrio,  por  nao  tralarem  d'isso  mareantes;  porém 
parece  que  se  descubrio  no  anno  de  14S0,  ha  duzentos  e  sessenta  e  eia- 
co  annos.  pouco  mais,  ou  menos. 

3i  0  primeiro  que,  conforme  ao  Doutor  Gaspar  Fructuoso  liv.  6, 
cap.  43,  entrou  a  povoar  a  Graciosa,  foì  Vasco  Gii  Sodré  naturai  do  Moo- 
temór  o  Veiho  em  Portugal.  o  qual  militando  em  Africa,  e  ouvindo  fallar 
na  lilla  Terc-eìra  de  novo  povoada,  se  passou  a  dita  Uba  Tcrceira  c(m 
sua  mulber  Brites  Gonfalves,  e  com  dous  filhos.  Dingo  Vaz  Sodré,  e 
algumas  filhas,  e  doze  criados  seus:  e  sabendo  na  Torceira  do  novo  des- 
cubrimento  da  Graciosa,  e  que  yi  Wie  tinbào  mandado  deitar  gado.  para 
a  Graciosa  se  passou  da  Terceira  cnm  tìlhos,  tilhas«  q  criados.  e  estando 
n*ella,  veio  é  mesma  Graciosa,  por  semelhante  noticia,  bum  Duarte  Bar- 
reto,  dos  Darretos  fldalgos  do  Algarvc,  com  sua  mnlher,  Irma  do  dito 
Vasco  Gii  Sodró,  e  veio  o  tal  Barreto  com  titillo  jà  de  Cnpitao  Donala* 
rio  de  metade  da  liha  Graciosa,  e  a  povoou  da  parte  do  Sul,  aonde  està 
a  Villa  da  Praia. 

35  Succedeo  porém  tao  mal  a  este  primeiro  Capilào  Rarreto,  que 
dcsgostando  de  bum  Frade,  que  por  sfeu  Capei lào  tinba  levado  consigo, 
rhcgou  a  espancar  o  Frade,  e  esle  senlido  se  passou  a  outra  parte  da 
liba,  e  vendo  passar  huns  navios  Castelbanus,  (quo  enlao  andavam  era 
guerra  com  Portugal)  Ihes  fez  sinaes,  (jne  cnlrasscrn,  e  taos  cousas  Ihes 
disse  do  Capitan  Barreto.  quo  os  Castrlliaruìs  o  coinmetcram  e  prende- 
ram,  e  a  seus  criados,  e  os  levarani  comsij.a),  e  so  bum  Ihes  escapoo, 
(pie  levou  a  nova  do  successo  à  ninlher  do  Harrelo,  e  deste nunca mais 
se  soube;  e  ainda  quo  cuiilarào  que  isto  succederà  a  Vasco  Gii  Sodré, 
e  que  este  fora  o  prezo,  e  morto  peins  Casteliianos,  totalmente  se  en- 
ganarào,  pois  o  mesmo  Vasco  Gii  Sodré  niuilos  annos  viveo  ainda  de- 
pois, e  morreo  na  mesma  Uba  Graciosa:  e  (o  que  mais  he)  a  mesma 
mulber  do  Bando,  vendo-se  jà  sem  seu  marido.  chamou  para  sua  com- 


LIV.  VII  CAP.  VII  219 

panhia  ao  dito  scii  irmao  Vasco  Gii  Sodré,  e  com  elle  ficou  tendo  cui- 
dado  da  dita  sua  Capitania,  e  sendo  o  tal  Sodré  lium  quasi  segundoCa- 
pitao  d'ella. 

:M5  Jà  porém  em  este  tempo  Pedro  Correa  da  Cunha  (que  nonca 
tinha  vindo  a  Graciosa,  e  estava  na  liba  de  Porto  Santo,  govemando-a 
em  lugar  de  seu  sobrinho.  ainda  menor)  jà  dizem  qiie  tinha  mercé 
Real  de  Capitao  Donatario  da  outra  meia  liha  Graciosa;  e  por  isso  julga 
0  Donior  Fructnoso,  que  na  Graciosa  ao  principio  houve  dous  Capi- 
taes  Donatarios,  cada  bum  de  meia  Uba:  mas  a  vcrdade  he,  que  so  ha- 
veria  as  duas  mercés  feitas  a  Duarte  Barreto,  e  a  Pedro  Barreto,  e  a 
Fedro  Correa,  pois  que  nunca  ambos  juntos  tiverào  posse  de  taes  Ca- 
pitanias  nem  exercitarao  governo  d'ellas;  mas  com  a  desgraca  do  Duarte 
Barrolo,  vendo  Pedro  Correa  que  a  outra  Capitania  de  meia  Graciosa 
estava  vaga,  foi-se  a  Lisboa,  pedio*a  tambem,  allegando  ser  pequena  a 
Ilha  para  duas  Capitanias,  e  foi  despacbado  por  Capitao  Donatario  de 
toda  a  Graciosa,  e  entuo  elle  com  sua  mulber  D.  Izeu  l^erestrella  de 
Mendoca.  Tilha  do  Donatario  de  Porto  Santo,  e  cbm  outra  multa  gente 
se  veio  para  a  Graciosa,  e  fundou  a  principal  Villa  de  Santa  Cruz,  e  fez 
casas  suas  no  Pico,  ou  Outeiro  que  chamao  das  Mentiras. 

37  E  porque  este  Capitao  Pedro  Correa  da  Cunha,  foi  o  primeiro 
Capitao  Donatario  de  toda  a  liba  Graciosa,  e  o  que  mais  a  povoou,  por 
isso  d'elle  disserao  alguns,  que  fora  o  primeiro  descubridor  da  dita 
nha,  que  multo  anlcs  tinha  sido  descuberta,  e  ainda  governada  pelo  Ca- 
pitao Donatario  Duarte  Darreto  ;  mas  a  verdade  he  o  que  fica  dito.  E 
he  de  notar,  que  nao  contonte  o  tal  Capitao  Pedro  Correa  com  a  Ca- 
pitania da  Graciosa  toda,  porlendeo  baver  tambem  a  Capitania  de  Porto 
Santo;  porquo  vendo  que  morrera  sua  sogra,  e  que  d'ella  nao  ficara  ao  Capi- 
tao  de  Porto  Santo  fìlbo  varao,  mas  que  o  dito  Capitao  se  casàra  segunda  vez 
com  Isabel  Moniz,  e  d'ella  morrendo  deixàra  bum  filbo  varào  chamado  comò 
0  pai  Bartbolomeu  Perestrello,  eniao  sem  respeìto  a  isso  ;  tratou  Pedro 
Correa  com  a  viuva,  que  Ihc  vendesse  a  Capitania  de  Porto  Santo,  e  de 
facto,  e  com  licenfa  d'el-Rei  Ib'a  vcndeo  por  trezentos  mil  réis  em  di- 
nheiro,  e  trinta  mil  réis  de  juro  cada  anno,  (tao  baratas  valiao  entao 
as  fazendas,  ou  tao  pouco  era  o  dinbciro  que  entlìo  bavia)  e  assim  se 
ficou  Pedro  Correa  feito  Donatario  de  ambas  as  llbas,  Graciosa,  e  Porto 
Santo;  porém  durou-lbe  pouco.  porque  crescendo  o  pupillo  Bartbolo- 
mej  Perestrello,  segundo  do  nome,  tirou  por  demanda  a  Capitania  de 


250  HISTORIA  INSULAXA 

Porto  Santo  a  Fedro  Correa,  e  nera  o  prego  d'ella  Ihe  tornoa,  mas  des- 
contou-se  ludo  pclas  rendas,  que  de  Porto  Santo  tinha  cobrado;  qua 
quem  na  praga  o  veste,  na  prafa  o  despe. 

CAPITULO  Vili 

Da  nobreza,  e  qualidade  dos  primeiros  Donatarios^  Sodrés^  Barreios, 
Correas,  Cunhas,  Perestrellos,  Furiados,  Mendofas,  e  ouiros  Povoa^ 
dores  da  llha  Graciasa. 

38  Quasi  primeiro  Capitao  da  Graciosa  foi  (comò  jil  vimos)  Vasco 
Git  Sodré,  que  sendo  nascido  em  Moutomór  o  Velho,  foi  hom  dos  gran- 
des  Cavalleiros,  que  servirào  a  Portugal  em  Àfrica;  e  porque  de  sui 
mulber  teve  por  primeiro  fillio  a  Dìogo  Vaz  Sodré,  e  quei*endo  casar 
este  com  D.  Branca,  filha  do  Capitilo  Donatario  Pedro  Correa  da  Cuaha» 
e  impedindo  este  o  casamento,  tachando  a  Diogo  Vaz  Sodré  de  meoos 
fidalgo,  que  elle,  Diogo  Vaz  voltou  logo  a  Portugal,  e  a  sua  patria  Meo- 
temur  o  Velho,  e  tornando  para  a  Graciosa  com  o  autlientico  BrazSo  de 
seu  pai,  e  outros  juridicos  instrugienlos,  per  que  constava  ter  side  sua 
avo  paterna  casada  em  Inglaterra  com  hum  Conde  da  Villa,  e  Castello 
de  Bectaforte,  e  se  chamava  D.  Brisida  Sodré  de  Bectaforte,  ludo  iste 
mostrou  logo  ao  Capitao  Pedro  Correa  da  Cunlia,  que  em  o  vendo,  se 
desenganou,  e  Ihe  dco  a  (ilha  em  casamento,  e  tiverao  estes  casados 
tantos  fìlhos,  que  affìrma  Frucluoso  proceder  d'elles  multo  grande  gè- 
ragno,  e  de  muito  nobre  gente. 

39  Do  niesnio  Vasco  Gii  Sodré  nào  so  era  Irma  a  mulher  do  pri- 
meiro Donatario  Dnarte  Barrelo,  fidalgo  do  Algarve;  mas  tambem  foi 
seu  segiuido  fillio,  e  de  sua  mulher  Bealriz  Goncalves  Bectaforte,  Fer- 
nao  Vaz  Sodré,  que  da  Graciosa  foi  para  a  Uba  de  S.  Miguel:  forao  tam- 
bem fìlhas  do  mcsmo  Vasco  Gii  Sodré  Maria  Vaz  Sodré,  que  casou  oom 
Bui  de  Mello,  e  Leonor  Vaz  Sodré,  e  Igncz  Vaz  Sodré,  que  tambem  ca- 
sarào  cm  a  mesma  Graciosa,  e  com  homens  tao  nobres,  que  viviao  apar- 
lados  da  outra  gente  ordinaria,  e  tiverìio  tanta  descendencia,  que  d'està 
genie  se  povoou  a  Villa  da  Praia,  da  Graciosa,  e  tanta,  que  sendo  a 
Villa  de  mais  de  duzenlos  e  cincocnla  visinhos,  so  cincoenta  erao  de 
outra  gcrafào,  pela  qual  razao  (ajunta  Frnctuoso)  dizem  quo  todos  os 
(la  Graciosa  sao  fidalgos:  e  eu  dissera  que  tanta  honra,  e  tanta  descen- 


LIV.  VII  GAP.  Vili  2f)l 

dcDcia  mereceo  a  Deos  este  fidalgo  Vasco  Gii  Sodré,  por  niinca  as  pcr- 
tender  com  damno  aignm  de  terceiro,  ncm  as  ambiciar;  anticipando-so 
a  pedir  a  Capitania  de  sua  cunliada«  mas  acodir  sómente  a  viuva  sua 
irma;  qua  emrim  as  honras  d*esta  vida  suo  corno  a  sombra,  qiic  segue 
a  qncm  Ihe  Toge,  e  foge  a  quem  se  torna  a  ella. 

40  Primeiro,  pois,  Cnpilao  Donatario  (mas  s6  de  moia  liha)  foi  o 
sobredito  fidalgo  Duarte  Barrcto,  que  sondo  dos  illuslres  Ban-elos  do 
Algarve,  casou  com  a  irma  do  dito  Vasco  Gii  Sodré,  e  acliou  quo  casava 
bem;  Sinai  de  que  o  tal  Sodré  era  de  muito  fìdalga  qnalidade;  mas  deste 
primeiro  Capitao  nlio  ficou  na  Graciosa  descendencia  alguma,  pois  alo 
OS  criados  (exceplo  bum)  for3o  com  elle  calivos,  e  mortos  pelos  Caste- 
Ihanos;  e  a  viuva  que  ficou,  nem  tornou  a  casar,  nem  deixou  descen- 
dencia sua:  e  da  qualidade  dos  Barretos  jà  Tallamos,  quando  da  dos  Po- 
voadores  da  Terceira,  liv.  6,  cap.  17,  e  nos  seguintes.  Ile  porém  de 
reparar,  quanto,  aintla  n'esta  vida,  castiga  Deos,  a  quem  se  alrevc 
a  por  maos  violenlas  em  Ecclesiastica  pessoa,  pois  deste  primeiro  Capi- 
t3o  Barreto,  quo  espancou  o  Fradc,  nem  filhos,  nem  successores,  nem  cria- 
dos ficdrao,  mas  todos  com  elle,  e  logo  acabnrao  dcsventuradamente. 

41  Segundo  Capitao  Donatario,  e  j.i  de  toda  a  Graciosa,  foi  Pedro 
Correa  da  Cunha,  fidalgo  nos  livros  d'el-Roi,  e  casado  com  D.  Izeu  Pc- 
restrella  deMendoca,spgunda  Alba  do  primeiro  Capitao  de  Porto  Santo,  e 
de  sua  mulber  Beatriz  Furtada  de  Mcndoga:  e  da  estrellada  fidalguia  dos 
taes  Pereslrellos  tratómos  ja  no  liv.  3  cap.  3,  que  dos  Furtados  Mcn- 
docas  diremos  abaixo.  0  dito  segundo  Capitao  Pedro  Correa  da  Cunba 
era  fìlbo  do  anligo  fidalgo  Genialo  Correa,  senbor  do  Farclaes  em  Por- 
tuga),  e  n'este,  casa  bem  conbecida;  e  pelos  Cunbas  be  de  tao  antiga  fi- 
dalguia, que  descende  de  D.  Gotterre  de  Gasconba,  que  com  o  Conde 
D.  Henrique  veio  a  Portugal,  e  d'elle  teve  muitas  datas  de  terràs  em  Guima- 
raes.  Braga,  e  Porto;  e  de  Gasconba  ouGascunba  de  Franga  trouxe  consigo  a 
seu  filho  D.  Payo  Gutterres  da  Cunba,  que  foi  o  primeiro  que  usou  d'osto 
appellido,  e  d'elle  se  continuou  até  Vasco  Martins  da  Cunba,  senbor  de 
Pinbeiro  do  Angeija,  que  casou  com  Brites  Comes,  filba  de  Estevao  Soa- 
res  de  Albergaria,  e  do  tal  casamento  nasceo  Gii  Vaz  da  Cunba,  senbor 
de  Celorico  de  Basto,  e  Alferes  mór  d'el-Rei  D.  Joao  o  I  que  o  casou 
com  buma  irm5  do  CondcsIaveI  D.  Nuno  Alvarez  Pereira,  do  qual  ma- 
trimonio descende  a  maior  fidalguia  Portugueza,  e  o  dito  Pedro  Correa 
da  Cunba,  quo  a  levou  a  Granosa. 


252  IIISTOUIA  INSULANA 

42  E  mais  levou  em  a  mulhcr,  nao  s6  os  Pcrestrcllos  de  seu  so- 
grò,  mas  tambem  os  Furtados,  e  Mendogas,  por  ser  filha  de  Beatriz 
Furtada  de  Mendoca,  primcira  rnulhcr  do  primeiro  Donatario  PereslreU 
lo  de  Porto  Santo;  e  sabido  he  que  os  fidalgos  de  Portugal,  que  se  de- 
nominao  Furtados  Mendogas,  dcscendem  de  Affonso  Furlado,  General 
do  mar  de  Portugal  em  tempo  dos  Reis  D.  Pedro,  D.  Fernando,  e  D. 
Jofto  0  I,  e  deste  AfTonso  Furtado  nasceo  oiitro  do  mesmo  nome,  que 
era  Anadel  mór  de  Bésteiros;  que  casou  primeira  vez  com  D.  Constanca 
Nogueira,  Alcalde  mór  de  Lisboa,  e  segunda  vez  casou  com  Brìtes  de 
Lagarete,  Yalenciana:  da  primeira  nasceo  Nuno  Furtado,  que  foi  Apo- 
sentador  mór  dei-Rei  D.  Affonso  V,  e  casou  com  D.  Leonarda  da  Silva, 
flllia  de  Fernao  Marlins  de  Carvalhal,  e  d'este  matrimonio  nasceo  D. 
Anna  de  Mendoca,  da  qual,  sendo  Dama  do  Paco,  (e  depoìs  Commenda- 
dora  de  Santos)  houve  o  Principe  D.  Joao  (Rei  depois  segundo  do  no- 
me) ao  senhor  D.  Jorge,  unico  Du(]ue  de  Coimbra,  e  o  primeiro,  e 
tronco  da  Real  Casa  de  Aveiro;  e  do  dito  seu  bisavò  AfTonso  Furtado 
nasceo  tambem  Diego  de  Mendoca,  Alcaide  mór  de  Mourao,  e  Aposen- 
tador  mór  dei-Rei  1).  AfTonso  V,  e  casado  com  D.  Briles  Soares,  fiIha 
de  Fernao  Soares  de  Albergarla,  e  do  tal  casamento  nasceo  a  excelleo- 
tissiroa  senhora  D.  Joanna  de  Mendoca,  segunda  mulher  do  Real  Daque 
de  Braganca  0.  Jaìme.  E  isto  baste  dizer  d'està  exceliente  familia  dos 
Furtados  MendoQas,  que  levou  a  Graciosa  Izeu  Pcreslrella  de  Mendoca. 

43  Do  tal  segundo  Capi  tao  Pcdro  Correa  da  Cunha,  e  da  dita  sua 
mulher  Izeu  Perestrella  de  Mendoca,  nascerao  os  filhos  seguintes:  Duar- 
te  Correa,  (que  foi  o  tcrceiro  Capitilo,  comò  veremos)  e  tres  fìlhas,  D. 
Felippa,  D.  Branca,  ou  Brioianja,  e  D.  Maria,  e  a  todas  tres  levou  o  pai 
a  Lisboa  para  Damas  da  Rainha;  porem  a  D.  Felippa  casou  là  comham 
irmao  de  Joao  Rodriguez  de  Su,  o  do  Porto,  da  casa  dos  Condes  de 
Penaguiào,  hoje  Marquezes  de  Fontes,  e  do  tal  casamento  nao  ficarito 
filhos:  a  D.  Branca,  e  D.  Maria,  depois  de  estarem  dons  annos  em  Lis- 
boa, nao  quizerao  la  ficar.  e  se  vollarao  com  o  pai  para  a  sua  Graciosa; 
e  a  D.  Bi'anca  casou  na  liha  (corno  ja  vinios)  com  Diogo  Vaz  Sodré;  e 
a  dita  D.  Maria  tambem  casou,  e  de  ambns  ficou  muita,  e  muito  grande 
descendencia  na  dita  Graciosa,  e  mais  Ilhas  para  onde  se  eslendeo.  Ou- 
tra  linha  de  verdadeiros  Mendocas  Furtados  he  a  que  procede  de  Fer- 
nao Furtado  de  Mendoca,  cujo  filho  Mnndos  Furlado  de  Mendoc^i  veio 
da  mesnia  Castella  a  liha  da  Madeira,  e  d'esia  a  Graciosa;  e  sua  tia  D. 


Liv.  VII  CAP.  Vili  253 

Calhariria  de  Mendog^i  era  neta  de  Imma  irma  de  D.  Anna  de  Mendo- 
Ca,  mai  do  mestre  de  Sanlìago,  Duque  de  Coimbra  e  Aveìro,  do  qiial 
fallamos  acima;  e  so  da  mesma  familia  ciào  diversas  linhas. 

ii  Dos  Furtados  porem,  o  primeiro,  e  mais  anligu  tronco,  Tui  D. 
Fernando,  a  quem  cliamarao  o  Fiirlado  (e  foi  o  primeiro  d'esle  appel- 
lido)  por  0  Conde  D.  (lomes  liaver  a  Turlo  o  tal  fillio  de  D.  Urraca,  fi- 
Iha  d*ei-Rei  D.  Alfonso  VI  de  Castella  em  o  anno  de  i  108,  comò  diz  o 
Principe  de  todos  os  Genealogistas  de  Hespanha  o  nosso  Conde  D.  Fe- 
dro, tit.  36,  in  notis,  lit.  B,  e  tit.  4,  n.  5.  E  o  primeiro  tronco  dos  Men- 
doras  foi  Lopo  Lopes  de  Mendoca,  que  por  varonia  era  neto  do  scnhor 
de  Biscaia,  aiites  de  haver  Reis  era  Castella:  e  por  oiitra  via  era  neto 
de  hum  irmao  d*eURei  em  Inglaterra,  de  que  fugindo  veio  a  Biscaia,  e 
a  livroii  do  Conde  das  Astnrias,  e  foi  eleito  senlior  d'ellns,  comò  consta 
do  mesmo  Conde  l).  Pedro  tit.  9  e  10,  lit.  C.  Unirao-se  Furtados,  e 
Mendogas  no  casamento  de  Leunor  Furtado  com  Diogo  Lopes  de  Men- 
doca, e  d'estes  descendem  em  Castella  os  Duques  do  Inrantado,  os  de 
l^rma,  e  outros,  em  Napoles  os  Principes  de  Melilo,  e  os  Duques  de 
Peslrana,  em  Portugal  os  Mendocas  de  Mourao,  os  Coudes  de  Val  de 
Rcis,  e  tambem  a  primeira  mullier  do  Uuque  de  Bragan^*a  I).  Jaiine, 
chamada  I).  Leonor  de  Mendo(;a,  filhn  do  Uncpie  de  Medina  Sidonia  D. 
Joao,  tercciro  do  nome,  e  ji  D.  Fernando,  segundo  Duque  de  Bragan- 
fa,  tinha  casado  com  outra  Mendora. 

43  D'cstes  Mendocas  ha  huns  que  trnzem  nas  armas  està  letra, 
cAvft  Maria»,  e  o  principio  disio  foi,  que  estando  Imm  Rei  de  Castella 
na  fronteira,  sahio  hum  valiMile  Moiiro  a  cavallo  dcsafiando  aos  Cliris- 
laos,  que  sahissem  a  [jclcjar  com  elio,  e  jà  tinha  morto  alguns,  e  trazia 
no  pescofo  Imma  faxa,  e  nella  escrilas  em  lelras  azuis,  ou  celestes,  as 
duas  palavras,  «Ave  Maria»,  om  desprezo  d'aquella  Virgem  Santissima, 
que  Deos  se  nao  desprczou  tornar  por  Mài.  Vendo  isto  bum  Udalgo  dos 
de  Lasso  de  la  Vcga,  sahio  ao  Mouro,  e  tao  confiado  em  a  Virgem  San- 
tissima, que  do  primeiro  golpe  deitou  o  xMouro  do  cavallo  abaixo,  e 
rorlando-lhe  a  cabeca,  recolheo  a  Taxa,  e  venerando  n*ella  com  lodo  o 
respeito  a  Saudagao  Angelica,  «Ave  Mariat,  tomou  està  letra.  e  a  poz 
por  suas  armas  em  o  seu  Escudo;  e  porque  hum  seu  descendente,  o 
famoso  Garcìlasso  de  la  Vega,  levava  este  Escudo  na  batalba  do  Salado 
do  anno  de  1340,  até  o  passar  de  huma  agua  matou  a  tres  Mouros,  e 
unindo-se  depois  por  casamentos  os  de  Lasso  de  la  Vega  com  os  dos 


aSi  IlISrOlUA  INSUL.VNA 

I 

Mendoras,  toinarao  esles  inmbfìin  as  inesmas  arinas,  e  cm  dislincclio 
dos  mais  se  chainào  Mendocas  da  Ave  Maria,  e  em  cada  Escudo  sea 
lem  mil  Escudos  {mndenles  da  sempre  victoriosa  devofao  d'esta.Senhora. 

CAPITOLO  IX 

Dos  oulros  Capilàcs  Doìxalarios  da  Graciosa^  e  dos  Ferreiras^  e  MelÌM 
que  da  Graciosa  passarlo  d  Terceira^  e  de  seus  lUgios  troncos^  e  if- 
cendentes. 

46  0  Terceiro  Capitao  Donatario  da  Graciosa  (e  fìllio  do  scgundo,  Fe- 
dro Correa)  Toì  Duarle  Correa,  porque  ainda  que  Guedes  no  citado  cap. 
(i,  diz  que  do  segundo  Capitao  Pedro  Correa  da  Gunha  fìcarao  dous  Glbos,  e 
d'elles  0  ctiamado  Duarte  Correa  Ihe  succedeo  na  capitania,  com  mais 
noticia  falla  n'isto  o  Dontor  Fructuoso  liv.  6,  cap.  42,  e  nos  seguiotes; 
d'onde  consta  que  o  lai  terceiro  Capitao  Duarle  Correa  casou  com  D. 
Leonor  de  Mello,  dos  illusU*es  Mellos  de  Porlugal,  comò  vercmos  abai- 
xo,  e  deste  casamento  nasceo  Jorge  Correa,  t]ue  foi  o  quarto  Capit3o 
Donatario  da  Graciosa,  e  nascerao  mais  tres  irmas,  que  todas  forao  D^ 
mas  da  Rainha,  e  conforme  a  sua  qualidade  casou  esle  quarto  Capilio» 
e  teve  por  primeiro  fìllio  a  Trislao  da  Cunlia,  e  por  segundo  fillio  a 
AfTonso  Correa  de  Mcllo,  e  ponine  Jorge  Correa,  pai  de  ambos,  se  (bi 
à  Corte  de  Lisboa,  e  là  o  bospedou  o  mariclial  seu  parente,  enl3o  Ihe 
desappareceo  o  fìllio  mais  velho  Trisluo  da  Cunha,  successor  da  casa,  e 
de  tal  sorte  desappareceo,  quo  nunca  mais  se  soube  d'elle,  e  logo  mor- 
reo  0  pai  em  casa  do  mesmo  Mariclial. 

47  Seguia-se  ao  pai  morto  Jorge  Correa,  para  llie  succeder  na  Ca- 
pitania,  o  segundo  fìllio  Alfonso  Correa  de  Mello,  visto  ter  desappareci- 
do  0  primeiro,  chamado  Trislao  da  Cunlia,  mas  porque  ao  lai  segundo 
fìllio  nem  constava  da  vìda,  nem  da  morte  do  primeiro,  deixou  passar 
anno,  e  dia,  sem  procurar  a  tal  Capitania,  e  se  suppoz  Ocar  vaga  para 
a  Corea,  e  enlao  o  dito  Mariclial  fez  petitao  a  el-Rei,  allegando-  n  ella, 
que  pois  a  Capitania  fora  de  bum  seu  parente  que  Ibe  morrera  em  casa, 
fì)sse  servido  fazer-llie  mercè  d'ella,  e  el-Rei  Iba  fez,  comò  se  o  segun- 
do fìllio  vivo,  e  imiao  do  primeiro  iimao  desapparecido,  nao  fosse  mais 
cbegado  parente  do  tal  seu  irmao,  e  do  ultimo  Capitao  seu  pai.  Porem 
parecè  castigo  de  Deus,  que,  porque  o  segundo  Capilào  da  Graciosa  Pe- 


LIV.  VII  CAP.  IX  ilio 

dro  Correa  da  Ciinha  lirou  com  effeilo  a  Capilania  de  Porlo  Santo  ao 
legilimo  sobrinho  Peresirello,  nao  so  perdesse  corno  pcrdeo,  a  Capita- 
riia  alheia  de  Porlo  Sanlo,  mas  tambem  perdesse  a  proi)rìa  da  Graci(  sa 
e  nem  esla  passasse  de  seu  nelo  Jorge  Correa  a  bisnelos,  quo  corno  diz 
(}  proverbio:  Quien  lodo  lo  quine,  todo  lo  pierde. 

48    Quinto  pois  Capilào daOraciosa  foi o dilo  Maricliul,  que se  chamava 
D.  Fernao  Coulinho,  e  casou  com  Leonor  de  Menezes,  filha  de  Francis- 
co Correa,  irma  de  Manoel  Correa,  scnlior  de  Bellas,  e  do  tal  quinto 
Capilao  nasceo  o  sexlo,  cliamado  lanf)l)em  D.  Fernando  Coulinho,  o  que 
ludo  consta  do  cilado  Frucluoso;  e  so  com  està  differenc^,  que  Frucluo- 
so  nos  Donatarios  da  Graciosa  nao  conta  por  primeiro  Capitao  aquelle 
fidalgo  do  Algarvo  Duarle  Barrelo,  comò  na  verdade  o  foi,  ainda  que 
de  su  mela  Uba,  e  so  conta  por  primeiro  Capitao  d'ella  ao  dilo  Pedro 
da  CunUa,  que  na  verdade  Toi  o  segundo,  e  por  isso  ao  fillio  Duarle 
Correa  contamos  i)or  terceiro,  e  por  quarto  Capilao  ao  nelo  Jorge  Cor- 
rea, e  por  quinto,  e  sexlo  aos  dous  Coulinhos  Maricbaes;  que  chegarao 
ja  ao  lempo  do  governo  de  Felippe  li,  d'onde  jà  para  cà  sera,  a  quem 
quizer,  facil  saber  quem  forào  os  seguintes  Capitaes  da  Graciosa,  que  a 
nùs  nos  nao  custou  pouco  o  liral-os  alò  aqui  da  inuita  erudigao,  ou  con- 
fusao  do  Doutor  Frucluoso:  sei  comludo  que  el-Rei  D.  Pedro  II  do  no- 
me, nomeou  Capilao  Donatario,  e  Alcalde  mór  da  Graciosa  a  Pedro 
Sanciies  Farinha,  seu  Secretarlo  das  mercès,  e  expedienle;  e  por  seu 
falecimento  nomeou  no  mesmo  tìtulo  ao  fillio  Kodrigo  Sanches  de  Bae- 
na  Farinha,  que  Ihe  succedeo,  e  vive  hoje  na  sua  Quinta  da  Palma.  E  a 
aste  mesmo  Rodrigo  Sanches  nomeou  tambem  o  mesmo  Rei  D.  Pedro 
II,  por  Donatario,  e  Alcalde  mór  da  liha  do  Faial,  cm  remuneragào  dos 
servi(ps,  nao  si)  do  dilo  Rodrigo  Sanches,  mas  da  Senhora  (com  quem 
casou)  D.  Isabel  Francisca  da  Silva,  Dama  do  Pago,  filha  de  D.  Luis  de 
Almada,  e  de  D.  Luiza  de  Menezes;  e  do  tal  matrimonio  houve  bum  so 
filbo  Manoel  Joseph,  que  morreo  sem  casar:  mas  segunda  vez  casou  o 
dito  Rodrigo  com  I).  Marianna  Josepha  de  Alemcaslre,  filha  de  Manoel 
de  Vasconcellos,  e  de  D.  Isabel  de  Sousa,  e  d'esle  matrimonio  ficarao 
filbo,  e  filha,  que  com  o  pai  jà  viuvo,  vivem  na  sua  Quinta  da  Palma, 
6  assim  he  actual  Capilao  Donatario  das  duas  Ilhas,  Graciosa,  e  Faial,  o 
dito  Rodrigo  Sanches  de  Baena  Farinha,  sem  que  elle  nem  seu  pai,  fos- 
sem  alguma  vez  la.  Segue-se  agora  dizeimos  que  descendentes  ficarao 
a  Graciosa,  e  mais  Ilhas  dos  seus  primeiros  quatro  Capitaes. 


236  HI5T.)IUA  INSriAXA 

49  Do  primeiro  Cnpilao  da  Graciosa  Dnarle  Barrcto  nao  pode  fi- 
car  na  Illia  dcsceiidencia  ntguma,  pois  so  (icou,  o  viuva,  a  mullier,  qne 
nao  lornou  a  casar,  pela  sohredita  desgraca  qiie  succedeo  ao  marido,  e 
a  loda  a  mais  sua  genie,  e  so  parcce  lìcarào  na  Terceira  algiins  paren- 
les  seus  do  illustre  appellido  de  Barretos.  e  que  por  nolicias  d  ellcs  se 
resolveria  a  vir  lambem  povoar  a  dita  Iliia.  Porem  do  cunhado.  e  com- 
panlieiro  fidiOgo  Vasco  Gii  Sodré,  nao  so  ficou  o  primeiro  fillio  Dlogo 
Vaz  Sodrò,  que  casou  com  a  filha  do  segundo  Capilao  Pedro  Correa  da 
Cunlia»  de  cujos  descendenles  diremos  abaixo;  nem  so  ficou  o  segando 
filho  Fernào  Vaz  Sodré,  que  foi  para  S.  Miguel;  mas  lambem  ficarSo 
mais  tres  filhas.  Maria  Vaz,  Leonor  Vaz,  e  Ignes  Vaz,  que  lodas  na  Gra- 
ciosa casarao  mui  nobremenle,  e  deìxarào  muila,  e  boa  descendencia. 

50  Do  segundo  Capilao  Pedro  Correa  da  Cunha  (alem  do  succes- 
sor  filho)  ficou  aquella  filha  legìlima  D.  Branca,  ou  D.  Briolanja»  que 
casou  com  Diogo  Vaz  Sodré,  e  tiverSo  multa,  e  muilo  nobre  descenden- 
cia. 0  lerceiro  CapitSo  Duarle  Correa,  successor  do  pai  Pedro  Correa 
da  Cunha,  casou  com  D.  Leonor  de  Metto,  e  està  era  filha  de  D.  Brites 
de  Mello,  e  legilima  neta  de  Alvaro  Marlins  de  Melio,  irm3o  de  D.  Pe- 
dro Marlins  de  Mello,  Conde  da  Alatala;  e  com  a  dita  D.  Brites  de  Stel- 
lo vierao  para  a  Graciosa  tres  irmaos  qùe  se  chamavuo  Roque  de  Met- 
to, Diogo  de  Mello,  e  Jorge  de  Mello,  e  lodos  casar3o  na  liha  com  pes- 
soas  compelcnles;  mas  o  Jorgc  de  Mello  na  mesma  liha  morreo  degola- 
do  por  malar  sua  mulher,  e  o  Roque  de  Mello,  por  empobrecer  com 
lancamenlos  que  Tez  nas  rendas  dei-Rei,  se  foi  para  Lisboa  com  duas 
flihas,  e  hum  filho,  e  a  lodos  recebeo,  e  hospcdou  em  seu  palaclo,  e  com 
loda  a  honra,  o  Manjuez  de  Ferreira:  tralaudo-os  conio  a  parentes  seus, 
ale  morrer  o  lioque  em  casa  do  Marquez,  e  esle  Ihe  metleo  as  duas  fi- 
lhas Fj  eiras,  e  ao  irniao  d'eslas  Francisco  de  Mello,  chamado  de  alcu- 
nha  0  Barbarrao,  o  mandou  para  a  India,  e  là  morreo.  comò  tao  nobre 
fidalgo. 

51  0  Doutor  Frucluoso  diz  aqui,  que  dos  sobredilos  ficou  na  Gra- 
ciosa Affonso  Correa  de  Mello,  e  que  no  seu  tempo  havia  na  mesma 
Graciosa  filhos  do  dito  Afi'onso  Correa  de  Mello,  e  d'esle  collio  eu  que 
era  o  segundo  filho  do  lerceiro  Capilao  Duarle  Correa,  e  de  sua  mulher 
D.  Leonor  do  Mello,  que  era  irmao  do  quarto  Capilao  Jorge  Correa,  a 
quem  devia  succeder  na  Capilania  da  Graciosa,  e  Ih'a  levou  o  Marichal 
D.  Fernando  Coulinho,  primeiro  do  nome.  D\^ste  pois  Moiiso  Correa 


LIV.  VII  GAP.  IX  237 

de  Mello  flcarao  na  Graciosa  deus  filhos,  Nuno  Correa  de  Mello,  e  Ma- 
noel  Correa  de  Nello,  e  este  Manoel  Correa  foi  a  Roma  buscar  Breve 
para  casar  com  sua  tia  D.  Ignes  Pacheco  de  Lima,  filha  de  Comes  Pa- 
checo  de  Lima,  e  da  tal  D.  Ignes  affirma  Fructuoso  ser  tao  rica,  dis- 
creta, e  liberal,  e  do  tanta  authoridade  na  Gi*aciosa,  que  se  nno  sabia, 
qaizesse  fazer  cousa  alguuia  que  nao  conseguisse,  e  que  d'ella  ficarào 
deus  fìlhos,  Gomes  Pacheco  de  Lima,  (o  do  Faial  para  distinc^ao  do  da 
Terceira)  e  (ytro  Ailonso  Correa  de  Mello  que  nas  virtudes,  e  aulliori- 
dade  imita  a  mai,  e  terceiro  filho  Christovao  de  Mello,  que  com  el-Kei 
D.  Sebasti9o  passou  a  Arrica,  e  depois  de  dez  annos  de  prisao  fugio,  e 
era  mancebo  de  grandes  partes,  e  altos  espiritos;  e  quarto  fillio  foi  Pe- 
dro  Correa  de  Mello,  filhado  no  foro  de  seus  avós,  cousa  que  nao  tem  os 
mais  irm3os,  porque  o  nSo  pedirao.  Assim  o  affirma  o  citado  Fructuoso. 

52  Do  mesmo  terceir-o  Capitno  da  Graciosa  Duarte  Correa,  (além 
dos  dous  fllhos,  Jorge  Correa,  quarto  Capitao,  e  Alfonso  Correa  de  Met- 
to seo  irm3o)  e  de  sua  mulher  i).  Leonor  de  Mello,  nasceo  tambem  liu- 
ma  filha,  chamada  D.  Felippa  da  Cunha  e  Mello,  nota  paterna  do  segun- 
do  CapìQo  Pedro  Correa  da  Cunha,  e  da  Perestrella  Furtada  e  Mendoga, 
e  neta  materna  de  D.  Brites  de  Mello,  dos  Mellos  do  Conde  de  Atalaya 
D.  Pedro  Martins  de  Mello:  a  tal  pois  D.  Felippa  da  Cunha  e  Mello  ca- 
60U  com  bum  fldalgo  chamado  Gonzalo  Fcrreira  da  Camera,  filho  de 
Duarte IFerreira  de  leve,  e'Ae  D.  Felippa  da  Camera,  dos  legitimos  Ca- 
ineras  da  Villa  da  Praia  da|Ilha  Terceira:  e  do  tal  Gonzalo  Ferreira  da 
Camera,  e  de  i).  Felippa  da  Cunha  e  Mello  nasceo  lilstevao  Ferreira  de 
Hello,  fidalgo  da  Casa  de  S.  Magestade,  e  Cavalleiro  [ìrofesso  da  Ordem 
de  Cbristo,  pVmcipal  pessoa  da  Cidade  de  Angra,  que  casou  com  U.  Al- 
tooia  de  Lima,  filha  de  outro  fidalgo  Manoel  Pacheco  de  Lima,  e  de  D. 
Francisca  Neta,  (senhora  do  morgado  instiluido  por  sua  tia  U.  Joauna 
Neta)  e  filha  de  Joào  Alvarez  Neto. 

53  Por  este  pois  Estevao  Ferreira  de  Mello  chegou  tambem  a  liha 
Terceira  a  sobredita  nobreza  dos  ìllustres  Capitues  da  Graciosa:  porque 
do  tal  Estev3o  Ferreira  de  Mello  nascerào  os  filhos  seguintes:  primeiro, 
Laiz  Ferreira  de  Mello,  que  casou  com  D.  Guimar  da  Gama,  e  morreo 
em  Lisboa,  e  deixarao  por  filho  a  Joseph  Ferreira  de  Mello,  que  foi  pai 
de  D.  Julianna  de  Mello,  morgada  em  Angra,  que  casou  com  BartlioUn 
mea  de  Vasconcellos,  Governador  da  Ilha  da  Madeira,  e  Capitao  mór  das 
fléos  da  India;  dos  quaes  foi  filho  o  Padre  Francisco  de  Vasconcellos,  da 

VUL.  il  17 


i 
238  HMTORIA  INSCLANA 

Companhìa  de  Jesus.  Foi  seganda  filba  D.  Maria  de  Mendoca,  qoe  casca 
na  mesma  Angra  com  Fedro  de  Castro  do  Canto,  corno  se  ve  acima  na 
familia  dos  Cantos  liv.  6  cap.  19.  Nasceo  terceira  fliha,  que  easou  com 
Vital  de  Betencor  e  Vasconcellos,  e  forSo  pais  do  Capitao  mór  de  Angni 
Jo3o  de  Betencor  e  Vasconcellos,  de  qoem  vive  aìnda  seu  filho  Feliciano 
de  Betencor.  A  quarta  fìlba  casou  tambem  na  Ilha  Terceira  com  ham  fr 
dalgo  Castelhano  chamado  Felippe  Ortiz»  cujos  fìlhos  Ìbr3o  EslevSo  Fer^ 
reira  (ou  Ortiz)  de  MeilOt  e  D.  Fedro  Ortiz  de  Mello,  A|feres  Hiór  do 
Castello  de  Angra»  de  quem*  mortos  os  mais  fi^hus,  ficou  so  D.  Lui» 
de  Melio,  qne  casoo  com  bum  nobre  var3o  chamado  ClirìstovSo  Pimen- 
tei,  do  qua!  trataremos,  quando  da  Ilha  das  Flores.  A  quinta  fìlha  ca- 
sou com  Felippe  Espinola  Quirós,  Fidalgo  Castelhano,  Tenente  do  Cas- 
tello de  Angra,  e  d^estes  nasceo  D.  Christovao  Espinola,  cuja  unica  fl- 
Iba  casou  com  Luiz  do  Canto,  e  tem  doscendencia,  de  que  diremos  na 
familia  dos  Cantos. 

54  Mas  nem  so  por  aquelle  Estev3o  Ferreira  de  Mollo,  pai  das  so- 
breditas,  mas  ainda  mais  atraz,  por  seu  avo  materno  o  Capitao  Donata- 
rio Duarte  Correa,  marido  da  sobredita  D.  Leonor  de  Mello,  passario 
estas  tao  nobres  geragoes  à  Ilha  do  Fayal,  e  de  S3o  Jorge  e  à  mesma 
liba  Terceira,  porque  do  dito  Duarte  Correa  foi  tilho  Affonso  Correa  de 
Mello,  e  d'estes  forao  filhos  Nuno  Correa  de  Mello,  e  Faulo  Correa  de 
Mello,  e  Manoel  Correa  de  Mello,  que  casou  com  a  tia,  de  que  nasceo 
Comes  Facheco  de  Lima,  o  do  Fayal,  de  cuja  descendencia  trataremos, 
quando  da  tal  Uba:  e  de  bum  dos  taes  tres  irmaos  nasceo  outro  Manoel 
Correa  de  Mello,  (do  Fedro  Correa  de  Mello:)  deste  segundo  Manoel 
Correa  do  Mello  nasceo  outro  Fedro  Correa  de  iMello,  que  casou,  e  foi 
Capitao  mór  em  Sao  Jorge,  comò  seu  pai  jà  o  tinha  sido:  do  qual  pai 
tambem  nasceo  huma  D.  Isabel,  que  casou  na  Terceira  com  D.  Maooel 
de  Castellobranco;  e  huma  D.  Antonia,  que  na  mesma  Terceira  casou 
com  Luiz  do  Canto  da  Costa:  e  tambem  d'aquelle  Faulo  Correa  de  Mel- 
lo (noto,  e  bisneto  dos  Dooatarios  Duarte  Correa,  e  Fedro  Correa  da 
Cunha)  nasceo  mais  D.  Isabel  de  Mello,  que  eslando  educanda  no  Con- 
vento de  Sao  Gonfilo  de  Angra,  casou  com  Luiz  Coelho  Fereira,  nobre 
Cidadao  do  Forto,  que  em  Angra  foi  do  melhor  governo  d'ella,  e  a  di- 
ta sua  mulher  foi  veneravel  Gdalga:  e  d'este  matrimonio  nascerao  M^ 
noel  Coelho  Pereira,  fidalgo  filhado,  e  pai  de  Miguel  Fereira  de  Meihn 
OS  quaes  ambos  morrerao  no  Forto  com  descendencia:  e  outro  irmao 


uv.  VII  GAP.  IX  259 

Lazaro  Pereira  de  Mello,  que  duas  vezes  casou  em  Portugal  para  onde 
foi:  e  hpma  irma  que  Ticou  na  Terceira,  casou  com  hum  morgado,  fi- 
datgo  de  S.  Miguel,  Jacome  Leite  Boteiho  de  Vasconcellos.  que  lem  jà 
filho,  e  netos.  E  ainda  a  dita  D.  Isabel  de  Mello  leve  mais  dous  irmaos, 
hom  clìimado  Diogo  de  Mello,  cuja  filha  D.  Calharina  casou  com  hum 
multo  nobre  Cidad3o  de  \ngra  Manoel  do  Rego  Borges,  de  que  fìcou 
descendeDcia;  o  outro  era  bama  irma,  que  tambem  casou,  e  tem  em  An- 
gra  illustre  desceodencia. 

55  E  se  alguem  ainda  reparar,  em  que  sendo  os  sobreditos  Capi- 
tSes  da  Graciosa  em  seus  appellidos  Correas,  Cunhas,  Perestrellos,  Fur* 
tados;  Meodo^s,  Vasconcellos,  etc,  comtudo  os  referidos  seu»  descen- 
deotes  d3o  pegar3o  ordinariamente  senao  do  appellido  de  Mellos,  e  Cor- 
reas; a  razSo  parece  ser,  nilo  so  porque  o  tronco  d'estas  familias  se  cha* 
moa  Pedro  Correa,  o  filho  Duarte  Correa,  e  o  noto  Jorge  Correa;  (e  este 
he  0  que  foi  fiIho  d*aquella  senhora  D.  Leooor  de  Mello)  mas  tambenv^ 
pelas  excellencias  singulares  que  se  achSo  n*esta  familia  dòs  antigos  Mei- 
Ics,  de  que  jà  tocamos  algumas  na  nobreza  dos  primeiros  Donatarios  da 
liba  de  Santa  Maria,  e  Sao  Miguel,  e  o  mais  agora  tocaremos. 

56  Confórme  ao  Regio,  e  mais  antigo  Genealogista  o  Conde  D.  Pe- 
dro, no  sea  tit.  45,  o  primeiro  que  se  acha  com  o  appellido  de  Mello, 
he  D.  Mem  Soares  de  Mello,  Qlho  de  D.  Sueiro  Reymondo  de  riha  de 
Vizdla;  do  dito  U.  Mem  Soares  de  Mello  nasceo  Alfonso  Mendes  de  Mal- 
lo» qoe  casou  com*D.  Ignes  Vasqoes  da  Cuoha,  e  d^esles  nasceo  Martim 
Affonso  de  Mello,  que  casou  com  D.  Marinha  Vasques,  dos  quaes  foi  fi- 
lho Vasco  Martins  de  Mello,  Guarda-mór  d*el-Rei  D,  Fernando,  e  Alcalde 
mór  de  Evora,  e  pai  de  outro  Martim  Affonso  de  Mello,  Guarda-mór 
d*el-Rei  D  Joao  o  I,  e  Alcalde  mór  de  Evora,  e  Olivcn^a:  este  pois  Mar- 
tim Affonso  de  Mello,  scgundo  do  nome,  foi  pai  de  Joao  de  Mello,  Al- 
calde mór  de  Serpa,  e  Copeiro  mór  d'el-Rei  b.  Affonso  V,  e  d'elle  nas- 
tìèo  Jorge  de  Mello,  Monteiro  mór,  que  casou  com  D.  Margarida  de  Men. 
do^a,  irmi  de  D.  Joanna  de  Mendo^a,  segunda  mulher  do  Duque  de  Bra- 
ganca  D.  Jayme,  e  ambas  filhas  de  Diogo  de  Meildoca,  Alcalde  mór  de 
llourao;  nasceo  mais  N.  de  Mello,  Porteiro  mór,  e  Alcalde  mór  de  Ser- 
pa; e  D.  Leonor  de  Mello,  que  casou  com  Nuno  Barreto,  Alcalde  mór 
de  Faro,  de  que  foi  Alba  D.  Isabel,  que  casou  com  D.  Alvaro  de  Castro, 
o  do  Torrio,  e  estes  forao  os  pais  de  D.  Leonor  de  Castro,  Duqoeza  de 
Gaqdia,  e  mulbpr  do  Duque  Sao  Francisco  de  Borja,  e  depois  Religioso 


260  HISTORU  INSULANA 

da  Companhìa  de  Jesus;  e  do  mesmo  sohredito  Joao  de  Mello,  Alcalde 
mór  de  Serpa,  o  Ck)peiro  mór  d'el*Rei  D.  Aflonso  V  foi  sexto  nato  D. 
Joao  de  Mello,  Bispo  de  Elvas,  e  de  Vizeu,  e  de  Coimbra,  Conde  de  Ar- 
ganil,  e  sempre  com  fama  de  Santo,  e  irm3o  do  Padre  Joseph  de  Mello, 
da  Companhia  de  Jesus,  que  com  fama  tambem  de  Santo  morreo  na 
India. 

57  Porém  do  sobredito  Martim  Alfonso  de  Mello,  se^odo  do  do* 
me,  Guarda-mór  d'el-Bei  D,  Joao  o  I,  e  Alcalde  mór  de  Evoca,  e  Olived- 
(a,  e  de  sua  prlmelra  mulber  D.  Brltes  Pimentel,  filba  de  Jo3o  Aflonso 
Pìmentel,  primeiro  Conde  de  Benavente,  nasceo  mais  outro  Martim  Af- 
fonso  de^  Mello,  terceiro  do  nome,  e  pai  de  D.  Bodrlgo  Affonso  de  Mei* 
lo,  Conde  de  Oliven^a,  de  que  nasceo  unlcamento  D.  Felippa  de  Mello, 
que  casou  com  o  senhor  D.  Alvaro,  filho  de  D.  Fernando,  segundo  Du- 
que  de  Bragan^a,  e  noto  do  primeiro  Duque  D.  Affonso,  flllio  d*elrRei 
J).  Jo3o  0  I,  e  do  tal  senhor  D.  Alvaro,  e  D.  Felippa  de  Ht^lo  nasceo 
D.  Rodrigo  de  Mello»  primeiro  Marquez  de  Ferreìra,  e  d^este  nasceo  o 
segundo  Marquez  D.  Francisco  de  Mello,  que  casou  com  D.  Eugenia  de 
Braganca,  filba  do  Duque  D.  Jayme,  e  d^elles  fol  filho  D.  Nuno  Alvares 
Pereira  de  Mello,  terceiro  Conde  de  Tentugal,  que  foi  pai  de  O.  Frao- 
cieco  de  Mello,  terceiro  Marquez  de  Ferreira,  de  que  nasceo  o.  quarto 
Marquez,  e  primeiro  Duque  de  Cadaval  D.  Nuno  Alvarez  Pereira  de  Uel* 
Io,  cujo  filho  D.  Luiz  Ambrosio  de  Mollo,  segundo  Duque,  casou  com  « 
senhora  D.  Luiza,  Tilha  d'el-Rei  D.  Pedro  II,  que  fìcando  viuva  casoa 
com  seu  cunhado  D.  Jaynìe  de  Mello,  terceiro  Duque.  do  Conseiho  de 
Estado,  Estribeiro  mór  d'el-Rei  D.  Jo3o  o  V  nosso  Senhor,  e  Presiden- 
te da  Mesa  da  Consciencia,  e  Ordens:  tao  Regia  he,  e  por  tantas  vl3s,a 
excellentissima  casa  de  Ferreira,  e  Cadaval. 

58  Do  sobredito  senhor  D.  Alvaro,  e  da  dita  D.  Felippa  de  Melio 
nasceo  a  senhora  D.  Brltes  de  Mello,  que  casou  com  o  senhor  D.  Joi^ 
filho  d'el-Rei  D.  Joao  o  II,  e  primeiro  Duque  de  Aveiro,  e  d*este  nasceo 
0  segundo,  D.  Joao  de  Lancastro,  que  foi  pai  do  terceiro  Duque  de  Avei- 
ro D.  Alvaro,  e  d'este  nasceo  o  quarto  Duque,  que  foi  pai  do  quinto  Do- 
que  D.  Raymundo,  que  morreo  sem  descendencia,  e  entrou  entao  por 
sex  lo  Duque  de  Aveiro  seu  Ilo  patruo  D.  Pedro.de  Lancastro,  ArcebìS' 
pò,  e  Inquisidor  Cerai  em  Portugal;  e  porque  d'este  tambem  n2o  havìa 
descendencia,  se  seguio  em  septimo  lugar  dos  Duques  de  Aveiro  sua  so- 
Lrinha  a  senhora  D.  Maria,  Irma  do  quinto  Duque  D.  Raf  mundo:  a  qual, 


Liv.  VII  a\p-  X  201 

ainda  que  casou  em  Madrid,  e  deìxou  Hlhos  varues,  em  quanto  nenbum 
vem  para  Portugal,  nenlium  tcm  a  casa.  Huma  irma  do  quarto  Duque, 
e  filba  do  Terceiro  D.  Alvaro,  casou  com  o  Ck)nde  de  Porlalegre,  e  d*6S« 
te  casamento  nao  so  nasceo  D.  Frei  Alvaro  de  Sao  Boaventura,  Bispo 
Conde  de  Coimbra,  e  D.  Joào  da  Silva  Marquez  de  Gouvea,  que  morre- 
rSo  sem  descendencia:  mas  tambem  nasceo  huma  fìlha,  que  casou  com 
0  Conde  de  Santa  Cruz,  de  que  nasceo  D.  Joao  Mascarenbas,  quinto 
Conde  de  Santa  Cruz,  que  foi  pai  de  D.  Martiabo  Mascarenhas,  sexto 
Conde  de  Santa  Cruz,  e  por  mercé  dei-Rei  D.  Joao  o  V  nosso  Senbor, 
llirquez  de  Gouvea:  e  outras  excellentes  casas,  e  ci  em  Portugal,  des- 
eeodem  da  Regia  casa  de  Aveiro,  e  todas  pela  primeira  Uuiiueza  des- 
cendem  dos  sobreditos  Mellos. 

CAPITULO  X 

Canelue-se  com  os  nobres  Povoadores  da  Ilha  Graciosa,  Vasconcellos,- 
Espinohis,  Sousas,  e  outras  de  ForttigaL 

50  N3o  acaba  o  antigo,  e  erudito  Frnctuoso  liv.  6  ex  cap.  4!2,  com 
a  siugular  nobreza  dos  primeiros  Povoadores  d'està  Ilha,  ató  n'isso  Ora- 
ciosa,  e  venturosa;  mas  tambem  cpm  tal  confusao,  e  generalidade  de 
muitas  outras  cousas  entremettidas,  que  n3o  sera  pouco  distinguìrmol-as, 
e  fazermol-as  intelligiveis,  sem  faltarmos  à  verdade  da  liistoria.  Diz  pois 
no  lugar  citado,  que  ha  tambem  na  tal  Ilha  Vasconcellos,  e  que  prece- 
dem  d*aquella  D.  Izeu  Perestreila  de  Vasconcellos,  fìlha  do  primeiro  Ca- 
pitio  Donatario  da  Uba  de  Porto  Santo,  que  casou  com  huma  irma  da 
prìmeira  Baroneza  de  Alvito,  cuja  dita  filba  foi  casada  com  o  segundo 
CapitSo  da  Graciosa  Pedro  Correa  da  Gunha.  Porém  comò  da  illustre  des- 
cendencia dos  Vasconcellos,  e  de  seu  tronco,  fallàmos  jà  por  vezes  nes- 
ta  historia,  baste  desta  materia  o  ja  dito,  e  vamos  à  outra. 

60  Da  geranio  dos  Espinolas  (ou  Espindolas)  qoe  ha  tambem  na 
dita  Uba,  diz  que  de  Genova  procedem,  e  de  bum  Pedro  Espinola,  Albo 
de  Antonio  Espinola,  (idalgo  do  Genova,  aonde  ha  quatro  por  mais  prin- 
eipaes  casas  là  tidas,  e  reconhecidas,  e  huma  d'ellas  he  a  dos  Espinolas, 
e  que  d'estes  era  Fabricio  de  Espinola,  e  Leao  de  Espinola,  e  Reginaldo 
de  Espinola;  e  d'estes  vimos  jà  que  por  Castella  passarao  alguns  à  Ilha 
da  Graciosa,  e  &  Terceìra,  aonde  jà  fallàmos  de  D.  Christoviio  Espinola, 


262    -  HISTORIA  IN8ULANA 

a  qaem  Castella  deo  demais  o  Doqi,  corno  costuma,  nSo  se  costqmando 
asslm  em  alguns  outros  Reinos.  E  posto  que  aqui  tambem  «metta  Fra* 
ctuoso  OS  nobres  Quadros:  d'estes  fallaremos  nós  mais  abaixo,  pois  pro- 
priamente pertencem  i  Uba  do  Faial,  e  nao  repetiremos  o  mesmo. 

61  Dos  SoQsas  de  Portagal  diz  o  Doator  Fructuoso  qoe  sio  goite 
illustre,  e  coobecida,  e  muito  parentes  de  Concaio  Ferreira  Porteiro 
mór,  e  nSo  diz  mais.  Sappriremos  pois  agora  o  que  deixou  de  dizer, 
pois  n3o  so  na  Graciosa,  mas  em  as  mais  Ilhas  Terceiras  ba  dos  ditos 
Sousas.  He  t3o  antiga,  e  illustre  a  familia  dos  Sousas  Lusitanos  ;  que 
consta  descender  dos  Godos,  de  bum  D.  Soeyro  Belfazer,  Albo  de  IK 
Foao  Soares,  e  de  D.  Munia,  ou  Menaya  Ribeira,  que  florecerio  ha  quasi 
mil  annos  no  de  800  da  vinda  de  Christo»  confortile  ao  Gonde  D.  Fedro; 
e  do  tal  D.  Soeyro  Belfazer  foi  quarto  neto  D.  Gomes  Ecbigues,  Gover- 
nador  de  Entro  Douro  e  Minbo  peios  annos  de  1050,  e  casado  com  D. 
Gotrode  Moniz,  QIha  do  Infante  D.  Moninho,  filho  do  antigo  Rei  D.  Fe^ 
nando,  primeiro  do  nome,  e  cbamado-  o  Magno;  e  do  tal  matrimoDia  aio 
so  nasceo  D.  Sancba  Gomes,  que  casou  com  o  Conde  D.  Nuno  de  Gel* 
lanova,  irmao  de  S3o  Rosendo,  e  tronco  de  grandes  casas  de  Hespanba; 
mas  tambem  nasceo  D.  Egas  Gomes  de  Sousa,  que  foi  o  primeiro  d'este 
appellido  Sousa,  por  nascer  na  terra  do  rio  Sousa»  que  seus  avós  tioldo 
ganhado  aos  Mouros,  e  foi  casado  com  D.  Gontinba  Concalves  em  tempo 
do  primeiro  Rei  de  Portugal  D.  AiTonso  Henriques. 

62  Deste  pois  D.  Egas  Gomes  de  Sousa  nasceo  D.  Mende  Viegas 
de  Sousa,  pai  de  D.  Gennaio  Mendes  de  Sousa,  que  casou  com  D.  U^ 
raca  Sancbes,  neta  dei-Rei  D.  AfFonso  Henriques,  e  d'estes  nasceo  o  God- 
de  D.  Mendo  de  Sousa,  que  chamarSk)  o  Souzao,  que  ganbou  Silvesaos 
Mouros  no  Algarve,  e  tomou  por  armas  as  meias  luas,  e  casou  com  D. 
Maria  Rodriguez,  filha  do  Gonde  D.  Rodrigo  Yeioso,  e  d^estes  nasceo  D. 
Garcia  Mendes  de  Sousa,  pai  de  D.  Mem  Garcia  de  Sousa,  que  casou 
com  D.  Garcia  (ou  Tereja)  Anes  de  Lima;  e  d*este  matrimonio,  além  de 
outros  filbos  de  que  nao  bouve  descendencia,  ficarao  duas  filbas;  homa 
foi  D.  Constanca  Mendes  de  Sousa,  que  casou  com  D.  Fedro  Anes  Po^ 
tei,  e  d'estes  nasceo  D.  Maria  Ribeira,  que  foi  legitima  mulber  do  Infante 
D.  AfTonso  Dinis,  filho  legitimo  dei-Rei  D.  AfTonso  III  de  Portugal,  e  da 
Rainha  D.  Brites,  fìlha  dei-Rei  Dom  Affonso  de  Castella,  e  Le3o. 

63  Uè  tao  Real  tronco,  e  do  dito  Infante  D.  Affonso  Dinis,  e  soa 
dita  mulher,  nasceo  D.  Affonso  de  Sousa,  que  com  ser  legitimo  neto 


LIV.  VII  GAP.    X  263 

I 

dei-Rei  D.  AfTonso  IH  de  Portugal,  e  bisneto  materno  dei-Rei  D.  AìIodso 
de  Castella,  e  LeSo»  ainda  comludo  nao  largou  o  illustre  appellido  de 
Scusa,  e  casou  com  D.  Violante  Lopes  Pacbeco,  filila  de  Lopo  Feman- 
des  Pacheco,  senlior  de  Ferreira  Daves,  que  casou  com  D.  Maria  Comes 
Taveira  ;  e  d'estes  nasceo  Alvaro  Dias  de  Sousa,  senlior  de  Marra»  Eri- 
ceira,  etc.,  e  casou  com  L).  Maria  Telles,  irma  da  liainha  D.  LeonorTel- 
les,  e  forao  pais  de  D.  Lopo  Dias  de  Sousa,  Mestre  da  Ordem  de  Chris- 
io»  que  seguio  ao  Mestre  da  Ordem  de  Avìz  contra  Castella,  e  dispen- 
sado  casou,  e  te  ve  por  fillio  a  Alvaro  de  Sousa,  (Mordomo  mór  del- Rei 
D.  Affonso  V,  e  casado  com  D.  Maria  de  Castro,  filila  deFemao  de  Cas- 
tro, Govemador  da  casa  do  Infante  li.  Henrìque)  e  dos  taes  foi  filbo 
Diogo  Lopes  de  Sousa,  Alcalde  mór  de  Arronches,  Mordomo  mór  de  D. 
Affi^nso  V,  e  de  D.  Joao  o  II,  e  casou  com  Di  Maria  de  Noronba,  filila 
de  D.  Fedro  de  Nello,  Conde  de  Atalaya,  dos  quaes  nasceo  Ilenrique  de 
Sousa,  Anadel  mór  dos  Espingardeiros,  do  Conselbo  dei-Rei  D.  Joao  o 
ni,  e  foi  casado  com  D.  Francisca  de  Mendofa,  filba  de  Jorge  de  Men- 
doga,  filbo  de  FernSo  da  Silveira,  Regedor,  e  senhor  de  Sarzedas. 

64  Neto  do  tal  Henrìque  de  Sousa  foi  outro  Henrìque  de  Sousa, 
primeiro  Conde  de  Miranda,  Alcalde  mór  de  Arronches,  Governador  da 
casa  do  PortOi  e  casou  com  D.  Mecia  de  Vilhena,  fillia  de  Fernao  da 
Silva,  Commendador  de  AlpalbSor,  e  d'estes  nasceo  o  segundo  Conde  de 
Miranda  Diogo  Lope»  de  Sousa,  que  casou  com  D.  Leonor  de  Mendofa', 
filila  do  terceiro  Conde  de  Penaguiao  Joao  Rodrìguez  de  Sa,  d'onde  vem 
hoje  OS  Marquezes  de  Fontes;  e  do  dito  segundo  Conde  de  Miranda  nas- 
cv  0  terceiro  Conde  de  Miranda,  que  foi  o  primeiro  Marquez  de  Arron- 
ches, e  d*este  passou  o  Marqoezado,  e  Condado  a  luima  filba  berdcira, 
que  ciisou  com  o  Principe  de  Ligni,  de  que  tambem  ficou  outra  filba 
herdeira,  que  casou  com  o  senhor  D.  Miguel,  filbo  reconbecido,  e  do- 
iado  em  seu  testamento  por  El-Rei  D.  Fedro,  segundo  do  nome;  nasceo 
mais  do  dito  segunda  Conde  de  Miranda  D.  Mecia  de  Sousa,  que  casou 
tx)m  D.  Maiioel  da  Camera,  prìmeiro  Conde  de  Ribeira  Grande,  de  que 
0  segundo  Conde  de  Ribeira  Grande  nasceo  em  Villa  Franca  da  Uba  de 
Suo  Miguel,  e  vive  aìnda,  e  foi  casada  com  buma  grande  senbora  de 
Franga,  de  que  ficarao  muitos  filbos.  Nasceo  tambem  do  dito  segundo 
Conde  de  Miranda  outro  filbo,  chamado  D.  Luis  de  Sousa,  que  prìmeiro 
foi  Bispo  de  Bona,  e  Capellao  mór  dei-Rei  D.  Fedro  li,  e  juntamente 
Arcebispo  de  Lisboa,  e  Cardeal  da  Santa  Igreja  Romana,  e  tinha  sido 


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\avo 


Liv.  vn  GAP.  X  265 

trataremos,  quando  da  liha  do  Faial;  e  que  tambem  ha  Limas,  e  Pache- 
cos  de  tal  qualidade,  que  D.  Diogo  Lopes  de  Lima,  Submilher  d'ei-Rei 
D.  Sebastiao,  e  Jorge  de  Lima,  e  Francisco  Barreto  de  Lima,  Yédor  da 
F^azenda  Real,  quando  de  armada  biao  às  lihas,  visitavao  por  parentes 
aos  taes  Limas,  e  com  ellés  se  hospedav3o,  e  comiao,  e  com  Manoel  Pa- 
ebeco  de  Lima,  Contador  da  Fazenda  Real,  e  com  outro  do  mesmo  no- 
mOt  que  foi  por  Embaixador  dei-Rei  a  Congo  ;  dos  quaes  Pacbecos,  e 
Limas  ji  tratàmos,  e  ainda  na  nobreza  do  Faial  os  tocaremos.  E  acaba 
0  mesmo  Fructuoso  dizendo,  que  na  mesma  Graeiosa  ha  de  mais  a  gè- 
rac3o  dos  Silvas,  que  proccdem  de  Nuno  da  Silva,  primo  com  irmào  do 
Gonde  de  Portalegre  ;  e  d'estcs  tambem  faremos  a  devida  mengao  em 
seu  lugar. 


FIM  DO  LIVRO  setimo. 


HISTOIU 
IN8ULANA  LUSITANA 

UVRO  OITAVO 

DAS  ILHAS  DO  FAIAL  E  PICO. 

CAPITOLO  I 

Da  aliura^  grandeza,  e  costas  da  Ilka  do  Fatai,  e  sua  Villa  de  Horla^ 

e  interior  da  Ilha. 

1  Em  trinta  e  oito  graos  e  meio,  esforcados,  fica  o  Faial,  ao  Sa*» 
doeste,  e  qaasi  Oeste  da  liba  Terceìra,  e  do  seu  monte  do  Brasi),  vinte 
legoas  de  terra  a  terra  :  chamou-se  Faiai,  por  ser  a  tal  liba  de  maitas, 
e  grandes  faias  toda  cbeia  :  corre  està  Uba  de  Leste  a  Oeste,  e  tem  cinco 
legoas  (e  mais  segando  outros)  de  comprido,  desde  a  penta  que  cbaroao 
de  Espaiamaca,  até  onde  cbam3o  o  Capello,  por  ordinariamente  ter  bum 
Capello  de  nuvens  ;  e  outras  cinco  legoas  tem  da  Ribeirinba  até  o  dito 
Capello,  ainda  de  Leste  a  Oeste;  porém  de  Norte  a  Sul  se  aiarga  por  mais 
de  tres  l^oas,  e  em  partes  mais  de  duas  ;  com  que  é  vista  representa 
figura  quasi  redonda,  pouco  montuosa,  e  multo  plaina;  e  d'ella  trataFro- 
ctuoso  no  seu  liv.  6,  desde  o  cap.  35,  por  dianle,  que  por  erro  da  penna 
se  conta  por  cap.  36,  sendo  na  verdade  so  35,  sem  Ibe  faltar  foiba  al- 
guma. 

2  De  Leste  a  Oeste,  da  ponta  da  Ribeirinba,  e  da  de  Espalamaca, 
pela  costa  do  Sul,  passada  legoa  e  mela,  està  a  Freguezia,  e  lugar  de 
Nossa  Senbora  da  Ajuda  com  cento  e  vinte  vizinbos,  Vigaiio,  e  Cura; 
da  banda  do  Norte  cbama-se  o  lugar  de  Fedro  Miguel;  mais  adiante  96 
segue  0  lugar  cbamado  Praia  do  Almoxarife,  Freguezia  de  Nossa  Senbora 
da  6ra(a,  que  tem  cento  e  dezaseis  vizinbos,  com  Vigario,  e  Cura;  e 
bum  areal,  e  bum  Forte  n*elle,  que  mandou  fazer  Comes  Pacbeco  de 


268  HISTORIA  IN8ULANA 

Lima,  no  tempo  das  alteragoes  com  o  senhor  D.  Antonio,  sondo  Prove- 
dor  das  Fortificagoes,  e  aqui  està  bum  poco  da  melhor  agua  de  toda  a 
Uba,  e  esté  outro  semelbante  no  Quintal  dò  Vìgario  do  lugar.  Janlo  da 
tal  Fregaezia  està  a  ponta  cbamada  da  Espalamaca,  ,que  em  Flamengo 
significa  0  que  em  nosso  Portóguez  ponta  de  agulba,  ou  de  alfinete  ;  e 
aqui  està  bum  jardim,  que  fez  Joz  da  Terra,  bum  dos  primeiros  Fla- 
mengos  nobres,  que  vier9o  àquella  Uba,  e  sogro  de  Antonio  de  Brum, 
dos  quaes  ambos  fallaremos  mais  abaixo. 

3  Logo,  meia  legoa  acima,  inclinando  para  o  Poente,  està  a  pria- 
cipal  Povoac3o,  ou  Corte  d'està  Uba,  cbamada  a  Villa  de  Aorta  ;  e  cba- 
ma-se  assim,  porque  cada  casa  d'ella  tem  tal  Quintal,  e  bum,  oa  doas 
poQos,  que  parece  cada  buma  ter  sua  Quinta,  ou  Horta  :  à  entrada  d*esta 
nobre  Villa  està  buma  Freguezia  de  Nossa  Senbora  da  Concei^ao,  (que 
de  antes  era  Ermida)  junta  a  buma  ribeira  que  vem  da  serra,  e  por  ve* 
zes  enche  tanto,  que  alaga  a  Freguezia,  e  tem  buma  ponte  de  pedn, 
por  onde  sé  servem  para  a  Villa,  mas  com  a  encbente  moem  moinbos; 
e  à  porta  da  Fr^uezia  d'este  lugar  està  buma  Cruz  de  pào,  posta  sobre 
degràos  de  pedra,  e  cbapeada  de  ferro,  que  mandou  fazer  bum  boiBein, 
por  condemnacio  que  Ibe  deo  a  justi^a  Ecclesiastica,  ^pela  culpa  qua  li- 
nba  commettido.  Oh  se  quizesse  Deos  que  as  penas  pecuniarìas  da  jos- 
ti(a  (ainda  secular,  quanto  mais  Ecclesiastica)  fossem  assim  appUcadas 
a  obras  do  bem  commum,  mais  do  que  ao  particular  dos  mesmos  Hi- 
nistros  que  as  dao,  com  capa  de  despezas  da  Relag2o,  de  esportulas, 
etc.  I  Ha  n'esta  Freguezia,  e  lugar,  ou  arrabalde  da  Villa,  demais  de  da- 
zentos  e  vinte  e  dous  vizinbos,  Vigario,  e  Cura,  e  de  novo  outra  Fre- 
guezia de  Nossa  Senbora  das  Angustras  com  cento  e  sessenta  e  quatro 
vizinbos. 

4  Entrando  para  a  nobre  Villa  de  Horta,  està  ao  longo  do  mar  boni 
mais  antigo  pedaco  d'ella,  que  por  alli  se  comegar  a  povoar,  diamio 
ainda  a  Villa  Velba,  e  o  mar  a  tem  jà  levado  multo  ;  segue-se  lego  o 
principal  da  Villa,  que  tem  em  bum  alto  a  sua  Igreja  Matriz  da  invoca- 
(So  do  Salvador,  e  tem  hoje  mais  de  quinbentos  vizinbos,  e  duas  mil  e 
setecentas  e  ciocoenta  almas  com  seu  Vigario,  dous  Curas,  e  seis  Beoe- 
ficiados,  e  Thesoureiro,  e  salario  para  Prégador.  Perto  d'està  Igreja  està 
bum  Mosteiro  de  Freiras,  da  Ordem  de  Santa  Clara,  de  mais  de  sessenta 
Relìgiosas  de  véo  preto,  e  da  invoca^ao  de  Sao  Concaio,  (boje  se  cbama 
de  Sào  JoSo  Bautista)  que  fundou  bum  Cavalleiro  cbamado  Diego  Ro- 


LIV.  Vili  GAP.  I  269 

drìgoez,  qae  tinha  sìdo  Fronteiro  de  Africa  em  orzila,  e  era  filho  de 
Paulo  Rodrigaez,  AlemSo,  que  teve  doas  filbos  Glerigos,  e  fundou  este 
Mosteiro,  metteo  n'elle  as  filbas  Freiras,  e  he  da  obediencia  dos  Frades 
de  SSo  Francisco.  Oatro  Convento  cbamado  o  da  Glòria,  de  quasi  ses- 
santa Freiras  de  veb  preto,  que  foi  fundado  por  D.  Catbarina  Cortereal, 
ha  perto  de  cem  annos,  e  vier3o  fundal*o  duas  Religiosas  da  Gonceicao 
de  Angra,  Anna  de  Deos,  e  Maria  da  AscensSo. 

5  No  meio  d'està  Villa  està  a  Casa  da  Misericordia,  com  seu  Hos- 
pital, e  mais  de  vinte  moios  de  renda,  além  de  outros  fóros  ;  e  logo  sé 
segue  huma  Ermida,  chamada  Nossa  Senhora  da  Beata,  junta  és  casas 
do  CapitSo  Donatario,  e  entra  da  ìnvoca(;3o  de  Santiago.  Depois  abaixo 
està  0  Mosteiro  de  Sào  Francisco,  de  que  dizem  fora  fundado  tres  ve- 
zes;  primeira  na  Praia  do  Almoxarife;  segunda  em  bum  monte  de  Porto 
Pim,  aonde  està  huma  cova,  chamada  a  Gova  do  Frade  ;  e  terceira  vez 
aonde  agora  està,  e  he  Convento  grande,  e  de  trinta  Religiosos  da  Pro- 
vincia Franciscana  d'aquellas  Ilhas.  Logo  mais  abaixo  para  o  mar  para 
onde  fica  a  porta  do  Mosteiro,  estava  de  antes  huma  Ermida  de  Nossa 
Senbera  da  Piedade,  com  huma  escada  para  o  mar,  por  onde  entrava 
a  gente,  e  comtndo  ainda  por  baìxo  hia  caminho  de  carro  com  trigo,  e 
tudo  0  mar  levou  depois,  e  està  tudo  costa  brava,  e  chega  és  vezes  a 
entrar  o  mar  na  berta  dos  Religiosos  Franciscanos;  e  chegou  a  levar  a 
Imagem  de  Nossa  Senhora  da  Piedade,  que  depois  de  andar  sobre  as 
ondas  muitos  dias,  appareceo  em  bum  serrado  junto  à  Senhora  da  Gon- 
oeic3o,  e  depois  de  a  renovarem,  a  coUocar3o  em  huma  Capella,  que 
para  isso  se  fez  na  Igreja  de  SSo  Francisco,  com  a  mesma  invoca^^o  .da 
Senhora  da  Piedade. 

6  Ha  mais  n'esta  nobre  Villa  hum  Convento  de  Carmelitas  Galsa- 
dos,  de  até  doze  Frades,  e  o  fundou  Helena  da  Sìlveira,  viuva  do  Capi- 
tSo  mór  da  Uba  Francisco  Gii  da  Silveira,  e  o  fundou  ha  mais  de  ses- 
senta  annos,  e  n3o  sei  que  baja  outro  d*esta  sagrada  Ordem  em  todas 
as  nove  Ilbas  Terceiras.  Ha  tambem  hum  Collegio  da  Gompanhia  de  Je- 
sus, que  tambem  ha  mais  de  sessenta  annos  fundou  o  CapitSo  Francisco 
de  Utra  e  Quadros,  e  sua  mulber  D.  Isabel  da  Silveira,  de  cujas  nobi- 
lissimas  familìas  tratareroos  mais  abaixo;  e  do  Collegio  de  Angra  vier3o 
Religiosos  a  fundal-o,  especialmente  o  grande  Padre  Manoel  Fernandes, 
sendo  Visitador  das  Ilhas,  (que  depois  foi  insigne  Reilor  do  Noviciado  de 
Lisboa,  Preposito  de  S.  Roque,  e  sempre  até  morrer,  Confessor  da  Ma- 


270  IIISTORIA  INSULANA 

gestade  dei-Rei  D.  Pedro  II,  e  exemplarissinio  na  vida,  e  em  doutrìoa 
doutissimo,  corno  mostrao  os  livros  que  compoz);  e  o  mui  conbecido 
Padra  Lourenco  Bebello,  Prefeito,  e  Lente  de  Theologia  Moral  do  Colle- 
gio de  Angra,  letrado,  e  Prégador  de  grande  nome;  e  neste  Collegio  lem 
08  Padres  escoia  de  latiin,  e  de  Mora!,  além  de  prégarem,  coofessarem» 
e  exercitarem  os  mais  ministerios  da  Companbìa  de  Jesus;  e  nSo  so  em 
loda  a  Uba  do  Faial»  mas  na  do  Pico,  aonde  fazem  varias  missues* 

7  Tem  pois  està  Villa  de  Sorta,  além  de  très  Freguezias,  seu  Visi- 
tador,  ou  Ouvidor  Ecclesiastico  de  loda  a  Uba,  e  muitas  ootras  nobres 
Ermidas,  e  da  de  Nossa  Senbora  da  Guia,  que  està  sobre  bum  alto  mon- 
te, foi  Fundador  o  Capilao  mór  Jorge  Gularte  Pimentel;  e  da  de  Nossa 
Senbora  das  Angustias  se  diz  ter  sido  a  primeira  Igreja  que  boove  netta 
Uba,  e  fundada  pela  mulher  do  primeiro  Donatario  Joz  de  Utra;  e  ootra 
de  Nossa  Senbora  do  Firmamento  fundarao  os  sobreditos  Francisco  de 
Utra  e  Quadros,  e  sua  mulher  D.  Isabel  da  Silveira,  e  n'olia  tom  pe^ 
petuo  Capellio,  e  Missa  quotidiana  por  suas  almas;  e  a  de  Santiago  fon* 
dou  Joz  de  Utra,  segundo  do  nome;  e  a  que  està  junto  do  porto»  Nora 
Senbora  da  Boa  Viagem,  be  Confraria  dos  Mareantes,  e  molto  fìcì.  A 
de  Santo  Amaro  foi  fundada  por  Francisco  Pereira  Sarmento;  a  de  Sio 
Lourenco  por  Thomas  de  Porres  Pereira,  irmao  do  Gapitio  mór  Jorge 
Gularte  Pimentel.  Tanta  era  a  piedade  dos  moradores  da  liba  do  Fatai. 

8  Nao  be  menos  guarnecida  a  dita  liha  com  Fortalezas  contra  i 
guerra  temporal,  do  que  com  tantas  Igrejas,  e  Conventos  contra  a  espi* 
ritual  guerra.  A  primeira  Fortaleza  da  Villa  be  a  cbamada  Santa  Graz, 
que  tem  cem  homens  de  guerra  pagos,  e  de  presidio,  com  boa  artelba- 
ria,  e  artelbeiros  competentes;  a  segunda  he  a  que  cbamao  da  Boa  Via- 
gem  com  muitas  pecas  de  bronze,  e  de  alcance;  e  logo  na  Praia  tem  tres 
Fortalezas  mais,  e  outra  mais  adiante  no  Portinbo  que  cbamao  de  Pedro 
Miguel;  e  nao  tem  mais  pela  banda  do  Norte,  porque  a  rocba,  e  o  mar 
per  si  se  defendem  :  da  banda  porém  do  Sul,  e  em  toda  a  parte  onde 
se  pode  desembarcar,  tem  sua  Fortaleza.  e  plataforma,  que  sao  porto^ 
das  oito,  e  com*  boa  artelbaria  ;  alóm  de  todo  o  areal  da  Villa,  e  Praia 
cbamada  do  Almoxarife,  estar  murado,  e  com  muilo  bom  muro;  com 
que  se  nao  sabe  que  està  Uba  fosse  entrada  em  algum  tempo  por  inimi- 
gos;  excepto  no  das  altera^oes  do  senhor  D.  Antonio,  quando  ainda  nao 
estava  tSo  fortificada. 

9  As  outras  Freguezias,  ou  lugares  da  tal  liha  tem  o  numero  de 


uv.  vili  CAp.  I  '  271 

visinhos,  ou  fogos  seguintes  :  da  banda  do  Norte  a  Fregaezia  de  Nossa 
Senhora  da  Graca,  tetn  cento  e  dezaseis  vizinhos  ;  a  de  Nossa  Senhora 
da  Ajuda  tem  cento  e  vinte  ;  a  de  SSo  Mattheos,  lugar  da  Ribeirinba, 
cento*  e  cito;  a  de  Santa  Barbara,  lugar  dos  Cedros,  tem  duzentos  e  no^ 
yenU  vizinbos  :  a  de  Nossa  Senhora  da  Luz,  junto  é  Villa,  duzentos  e 
quarenta  e  seis,  e  se  chama  a  Ribeira  dos  Flamengos  :  a  do  Espirito 
Siuito  duzentos  e  trìnta  e  seis  :  a  de  Santa  Gatharina,  que  chamao  Gas* 
tetk)  branco,  passa  de  trezentos  vizinhos  :  a  da  Senhora  da  Esperan^a, 
lugar  chamado  Gapelio,  tem  cento  e  vinte  e  bum  vizinhos  :  a  da  Santis* 
sima  Trindade,  que  chamao  Praia  do  Norte,  tem  cento  e  vinte  e  tres:  e 
>e  bem  se  adverlir,  achar-se-ha,  que  muitos  dos  taes  lugares  s3o  mais 
populosos,  e  niaiores  que  varias  Villas  em  Portugal:  e  que  a  insigne  VilU 
de  Horta  excede  muito  em  numero,  nobreza,  e  riqueza  dos  moradores, 
9  aigumas  Cidades  de  Poriugai,  e  outros  Reinos,  comò  adiante  veremos, 

10  Indo  da  sobredrta  Villa  de  Horta,  do  Oriente  pela  banda  do  Sul 
para  o  Poente,  e  defronte  de  Santa  Cruz,  bum  tiro  de  besta  ao  mar,  està 
bum  Ilbeo  pequeno,  e  mais  adiante  a  grande  enseada  de  Porto  Pim,  e 
porlo  tal,  que  n'elle  descarregou  jé,  e  tornou  a  carregar  huma  grande 
Dào  da  India,  e  he  o  porto  principal  da  Villa  de  Horta,  mas  correndo 
Sudoeste  forte,  correm  perigo  tambem  os  navios  que  aclia  dentro,  e  à 
entrada  do  porto  està  huma  pedra  perigosa,.e  jà  sabida;  e  para  dentro 
da  terra  està  bum  Pico,  no  qual  se  diz  que  os  primeiros  Povoadores 
fundarao  a  sua  Villa  de  Dorla,  e  que  depois  so  mudou  para  onde  boje*^ 
està:  adiante  mais  de  legoa  e  meia  està  o  Pico,  chamado  Castello  bran^ 
co,  de  altura  de  dous  altos  Castellos,  todo  em  figura  quadrado,  e  em 
cima  com  bum  plaino  de  tres  moios  de  semeadura,  e  muito  fertil  dQ 
trigo,  e  com  estreita  descida  para  a  terra,  e  rocha  para  o  mar  em  quo 
elle  bate,  e  do  mar  se  ve  muito  ao  longe:  e  com  tudo  junto  ao  Pico  està 
bum  porto  chamado  Camera  de  Lobos.  onde  entrao,  e  carregao  carave^ 
las:  e  adiante,  mais  de  duas  legoas  para  o  Norte,  estao  dous  Ilbeos  aQ 
mar  tiro  de  bésta,  e  logo  a  penta  do  Capello,  onde  acaba  a  Ilha  no  Poen^ 
te,  e  volta  pelo  Norte  até  o  lugar  da  Ribeirinha  da  banda  do  Oriente. 

11  Ile  0  Faial  alta  Ilha  em  o  meio;  e  legoa  e  meia  da  Villa  pars(  o 
Noroeste  tem  huma  grande  caldeira,  ou  fuma,  de  huma  legoa  em  re* 
dondo,  e  de  altura,  ou  fundo  meia  legoa,  aonde  se  desco  por  bum  so 
caminho  estreito,  e  a  piqué,  em  baixo  he  em  parte  malo,  e  bosques  de* 
leilosos,  e  em  parte  he  prado  ameno,  mimose,  e  muito  plaino,  mas  a 


i 


272  HI  STORIA    INSULANA 

terceira  parte  he  urna  alagoa,  que  tem  hum  quarto  de  legoa  com  sete 
outeiros  à  roda,  cheios  de  arvoredo,  de  varìedade  de  passaros»  canarìos, 
melros,  toutinegros,  e  muitas  vaccas,  ovelhas,  e  cabras  de  diversos  do- 
nos.  S3o  poucas  as  vinhas  n'esta  liha,  por  serem  (dizem  algans)  os  coe^ 
Ihos  muilos;  mas  a  verdade  he,  por  terem  junto  a  si  a  grande  Hha  do 
Pico,  que  se  pódo  cbamar  a  mai  do  vinho.  Do  pastel  que  se  lavrava 
antigameate,  jà  hoje  se  n3o  usa,  e  as  lavouras  hoje  s3o  quasi  todas  de 
trigo;  tem  muita  abundancia  de  lenha,  e  mato,  mas  pouca  fnita,  por 
Ihe  vir  sempre  do  Pico:  tem  poucas,  e  fracas  fontes,  porem  moitos  po- 
(os,  e  de  boa  agua,  mas  nenhuma  ribeira  que  corra  todo  o  anno,  e  por 
isso  nem  sempre  tem  moinhos  de  agua,  mas  atafonas  no  tempo  da  seca; 
e  comtodo  tem  toda  a  casta  de  gallinhas,  e  cagas,  e  muita  jun^,  e  o 
molherio  he  de  nao  menos  perfei^ao  espiritual,  que  corpqral,  e  todas 
tem  Oratorios  em  suas  casas,  com  que  s9o  mui  recolhidas»  e  devotas. 

CAPITULO  II 

De  quando^  e  por  qwm  se  descobiio  a  Ilka  do  Fatai. 

12    Em  que  anno,  mcz,  ou  dia  fosse  a  Uba  do  Faial  prìmeira  va 
descuberta,  nao  se  acha,  so  se  sabe  que  o  foi  em  sexto  lugar  depois  de 
S.  Jorge,  e  Gracìosa,  e  comò  estas  o  forao  pouco  depois  do  anno  de 
1450,  tambem  idoneo  depois  se  descobrio  o  Faial,  ha  quasi  260  annos, 
do  dia,  ou  mcz  cm  que  se  descubrisse,  nem  conjectura  ha.  Sobre  qoem 
fosse  0  primeiro  descnbridor  da  Ilha  do  Faial,  houve  sempre  grande 
duvida:  o  Doutor  Fructuoso  liv.  6,  cap.  36  inclina  a  que  seria  o  gran- 
de Gonzalo  Yelho,  quo  tinha  descuberto  as  Ilhas  de  Santa  Maria,  e  S. 
Miguel,  porem  do  que  conira  isto  jà  mostramos  no  descubrimentor  da 
Terceira,  se  ve  que  nao  subsiste  tal  considera^ao.  0  antigo  Joao  de  Bar-  ' 
ros  Decada  i,  liv.  3  cap,  11,  e  tambem  no  Clarimundo,  dà  a  entendar 
que  a  descubrio  o  grande  Tidalgo  Joz  de  Utra,  que  depois  foi  o  seu  prì* 
meiro  Capitao  Donatario,  porem  tal  nao  declara  Barros,  e  so  declan 
que  0  Ultra  foi  o  seu  primeiro  Donatario;  e  nos  consta  que  os  primei- 
ros  descubridores  da  Terceira,  e  S.  Jorge,  que  jà  de  antes  er3o  desco- 
bertas,  botarao  na  Ilha  do  Faial  algum  gado,  e  que  hum  Ermit3o  de 
boa  Vida,  por  a  fazer  mais  solitaria,  se  foi  para  a  Ilha  do  Faial  de  mora- 
da:  hiao  no  verao  aignns  a  ver  as  fazendas,  que  là  tinhio  tornado,  e 


ijv.  vili  GAP.  II  273 

seu  gado,  e  visilav3o  o  dito  ErmitSo,  e  achando  que  elle  tìnha  pre- 
parado  hiima  embarcacao  a  seu  modo,  eperguntando-lhe  para  que  era 
aquella  e(nbarca(;ào,  respoudeo  que  da  parte  da  vizinha  Ilha  do  Pico 
Ilie  apparecia  buina  mulher  vestida  de  brauco,  que  o  chamava  de  là, 
que  se  fosse  para  ella,  e  que  por  Ihe  parecer  que  era  a  Virgem  Senho- 
ra,  fazia  aquelle  barquinbo  de  couro  por  fora,  e  determioava  passar  là, 
quando  a  Senhora  outra  vez  o  cbamasse:  os  que  o  ouvirào  o  tiravao 
d'isso,  e  comtudo  o  Ermit3o  ficou  acabando  o  seu  barquinbo,  e  se  met- 
teo  nelle  ao  mar,  e nunca  mais  foi  visto  nem  acbado;  e  assim  o  demo- 
nio com  capa  de  santidade  fez  morrer  aquelle  Santo  ErmitSo,  sem 
delle,  nem  do  barquinbo  se  saber  mais. 

13  Assim  0  conta  o  citado  Fructuoso;  e  supposto  isto,  certo  he, 
que  a  Uba  do  Faial  foi  primeiro  descuberta  pelos  mareantes  da  Uba  Ter- 
ceira,  e  S.  Jorge,  que  comò  mai^  vizinhos  derao  com  a  Uba  do  Faial,  e 
Ibe  lan(arSo  gado,  e  por  serem  gente  ordinaria,  se  nao  atreverao  a  pe- 
dir  a  Uba  Terceira  pelos  mareantes  de  Cabo  Verde;  a  de  Porto  Santo 
pelos  qu^  vinl)3o  desgarrados;  e  a  da  Madeira  pelos  que  de  Inglaterra 
vinbao,  de  que  ha  muitos  outros  exemplos,  e  d'aqui  velo  ficar  a  Ilha  do 
Faial  reconhecendo  sempre  a  Terceira  comò  a  sua  Inventora,  e  tomando 
d*esfa  muitos  nomes  de  suas  Povoacoes,  de  suas  Ermidas,  e  imitando 
seu  trato,  e  commercio,  e  cgraegando  a  povoar-se  de  puros  Portuguezes 
das  Ilbas  Terceira,  e  S.  Jorge,  comò  veremos  nos  Povoadores  do  Faial; 
e  està  me  parece  a  verdade. 

14  He  verdade  que  està  Uba  do  Faial  foi  depois  mais  povoada  por 
nwiito  illustres  Flamengos,  e  por  ordem  dos  Reis  de  Portugal,  (corno 
veremos  logo  nos  Capitaes  Donatarios  d'ella)  mas  antes  d'isso  tinha  sido 
em  parte  povoada  pelos  mareantes,  e  Portuguezes  da  Terceira,  e  S.  Jor- 
ge. Ile  porem  de  reparar  que  entre  os  Flamengos  veio  bum  que  se  cha- 
mava Arnequim,  a  quem  por  multo  valente,  e  determinado  seguìao  al- 
guns  outros  Flamengos,  com  os  quaes,  vendo  Arnequim  que  o  Correge- 
dor  de  Angra  acabava  em  o  Faial  os  trinta  dias  de  sua  correigao,  foi-se 
10  Corregedor,  e  disse-lhe  esì&s  palavras  :  «Senhor  Corregedor,  jà  tua 
mercé  tens  acabado  teu  tempo  nas  nossas  Ilhas  do  Faial,  vai-te  embora 
logo,  nào  estejas  aqui  mais,  que  nao  te  queremos  cà.i  Respondeo  o 
Corregedor,  que  nào  tìnha  tempo  para  se  ir,  que  quando  o  houvesse  se 
iria.  Instou  o  Arnequim,  e  os  seus  dizendo,  que  se  fosse  logo.  Replicou 
0  Corregedor,  que  corno  se  bavia  de  ir  sem  vento:  e  os  Flamengos  en- 

VOL.  II  18 


274  HISTORU  mSULANA 

tao  levantando  se  contra  o  Corregedor,  comecar3o  a  dizpr  em  alias  vo» 
zes!  fSenhor  Corregedon  quer  venles,  quer  n3o  vonles.  bicha  mala  fora 
de  nossas  terras.»  E  com  isto  atemorisado  o  Corregedor  se  recotlieo,  a 
escondeo  em  hnma  casa,  e  nao  appareceo  mais;  mas  nella  com  o  maior 
segrcdo  que  pode,  fez  autos  dos  ditos  Flamengos,  e  os  maodou  a  el-Kei. 
e  se  voUou  para  a  Terceira. 

45  Vendo  el-Rei  os  autos  mandou  logo  ao  Capìtao  Donatario  do 
Faial  que  Ihe  mandasse  prezos  aquelles  bomens,  e  indo  o  Capitào  cor' 
rendo  para  prender  ao  Arneqiiim  que  via,  e  voltando  este  ao  CapiUia, 
Ihe  di.<se  assim:  cSenhor  Capilao,  vai-te  embora,  o  doi-xa-nne,  sefiào,  liei* 
te  de  malar  com  està  bésta.i  E  o  CapitSo  vendo  isto  se  voltou,  e  dea 
conia  a  elRei,  e  el-Rei  Ihe  respondeo,  que  os  nao  prendesse,  mas  si*)  «la 
sua  parte  Ihes  dissesse,  que  fossem  ao  Ueino  requerer  diante  de  S.  Ma- 
gestade.  Obedecerao  elies;  e  vendo-os  El-Rei  Ihes  disse,  que  se  nao  ad< 
mirava  do  que  fizerao  ao  seu  Corregedor,  que  era  Portuguez,  e  elles 
Flamengos,  e  se  nao  entenderiao  oom  elle:  mas  que  se  maravilhava  mui^ 
lo  do  que  fizerao  ao  seu  Capilao  com  quem  vierào,  seu  naturai,  e  Fla* 
mengo  comò  elles,  querendo-o  matar,  e  n3o  Ihe  obedecendo.  A  isto  n»- 
pondeo  o  Arnequim:  ^Ques  que  te  diga,  Senhor  Rei?  Caes  com  raiva 
seus  donos  mordem.»  Ouvindo  isto  el-Rei  virou  o  rosto,  sorrindo-se,  e 
voltando  aos  Flainengos  Ibes  disse,  que  se  fossem  embora  para  suasca* 
sas,  mas  que  oulra  bora  nao  fizessem  mais  aquillo,  Forao-se  eolia,  e 
com  Provisoes  d'el-Rei,  para  se  nao  fallar  mais  no  caso;  e  d'aqui  toma- 
rao  OS  do  Faial  por  Umbre  seu  dizerem,  qqe  sao  da  terra  onde  se  di^* 
cBicha  mala  fora  da  oossa  terra.» 

CAPITULO  111 

Dos  illustres  Capilàes  Donatarios  do  Fayal. 

16  Estando  ']&  em  parte  (ainda  que  pouco)  povoado  o  Faial  por  pa^ 
ticulares  Portnguezes,  que  da  Terceira,  S.  Jorge,  e  Graciosa  Ihe  forSo; 
tratavao  as  pessoas  Reaes  de  nomear  algum  Capilao  Donatario  da  liha, 
para  que  com  mais  riqueza  e  nobreza  a  povoasse  loda:  e  porqoe  eotao 
andava  em  Lisboa,  e  no  servigo  das  pessoas  reaes  bum  grande  fidalgo 
Flamengo,  chamado  Joz  de  Utrn,  (on  comò  di/.  Guo<les  em  sua  flistoria, 
Jorge  de  Utra,  dando  a  entender  que  em  Flauiuii^o  o  nome  Joz.  ite  o 


Liv.  vni  CAP.  m  275 

wesmo  que  Jorge  cm  Porlugnez)  a  este  fidalgo  nomeou  el-Rei  de  Por- 
tiigal  por.  Gapitào  Donatario  de  toda  a  liha  do  Faìal,  e  o  casou  com 
homa  Portugueza  dama  do  Paco,  chamada  Brìtes  de  Macedo,  da  antiga 
ffdalguia  dos  Macedos.  Deste  Joz  de  Utra  diz  o  citado  Barros,  que  èra 
Flamenpfo,  naturai  da  Cidade  de  Bruges  no  Ducado  de  Flandres,  e  qne 
era  senhor  de  cerlas  Villas  do  mesmo  Dncado,  e  qae  tinha  vindo  man- 
cebo  a  Portugal,  com  a  fama  dos  descbbrimentos  feitos  pelos  Portugne- 
les,  e  so  a  ver  tcrras,  e  aprender  linguas,  corno  costumavSo  ent3o  fa- 
zer  OS  illustres,  e  ricos  fidaigos  em  sua  mocidade. 

17  Passadas  pois  as  cartas  de  GapiUio  Donatario  do  Palai  ao  dito 
307,  de  Utra,  na  fórma  cm  que  se  tinliSo  passado  aos  Oonatarios  da  xMa- 
deira,  e  mais  llhas.  voltou  de  Lisboa  a  Flandres  o  dito  Utra,  e  venden- 
do là  0  muito  que  là  tinha,  metteo  suas  riquezas  em  navios,  tomou  por 
companhciros  a  muitos  outros  (idalgos,  e  parentes  seas,  de  que  abaixo 
irataremos,  e  a  outros  mais  ordinarios  povoadores,  e  comtudo  é  sua 
cusla  se  tornou  a  Lisboa,  e  com  sua  mulher  se  veio  metter  em  oFaial, 
e  porque  tinha  em  Flandres  convidado  tambem  a  outro  rico  fidalgo, 
diamado  Guilherme  Varidaraga,  com  promessa  de  Ihe  dar  parte  da  liha; 
e  este  Vandaraga,  preparando  primeiro  tres  navìos  é  sua  custa,  n'elles 
coui  muitos  casaes  de  Flamengos  velo  pouco  depois  ao  Faial,  onde  }a 
achou  ao  Utra.  e  ambos  com  suas  gentes  continuarSo  logo,  e  acabarao 
de  povoar  tcKla  a  liha,  o  Utra  comò  Capìlao  Donatario,  e  o  Vandaraga 
comò  principal  Povoador. 

18  Primeiro  Capit3o  pois,  e  Donatario  da  tal  Uh»,  foi  o  dito  Joz 
de  Utra,  e  a  dita  sua  mulher  Briies  de  Macedo,  Dama  do  Paco,  porque 
ainda  que  Barros  diz  que  se  chamava  Isabel  de  Macedo,  Guedes,  e  a 
constante  tradicao,  e  mais  provavel,  aflìrmSo  chamar-se  Brites  de  Mace- 
do: e  aìnda  que  dizom  alguns  que  o  Joz  de  Utra  caséra  com  huma  cha- 
mada Corlereal,  engnnarao-se,  nào  distingùindo  o  primeiro  Joz  de  Utra, 
e  Capi  tao  primeiro,  de  hum  seu  filho,  e  do  mesmo  tiome,  que  Ihe  suc- 
cedeo  na  Gapitania,  e  este  foi  o  que  casoa  com  aquella  Cortereal,  comò 
jé  dissemcs  nos  Gortereaes  Capitaes  de  Angra.  Do  tal  Capit?io  Joz  de 
Utra,  e  da  dita  Brìtes  de  Macedo  nascer3o  vzrm  filhas,  qne  casarlo  com 
outros  fidaigos  em  Portugal,  e  hama  com  hum  illustre  allemSo  cbama- 
do  Martim  de  Bohemia,  a  quem  El-Rei  de  Portugal  estimava  muito  por 
sua  grande  nobreza,  e  singular  sciencia.  de  que  tratareroos  em  seu  lu- 
gar;  e  do  mesmo  primeiro  Joz  de  Utra,  e  Brìtes  de  Macedo  nasceo  mais 


276  HiSTonu  insdlana 

bum  Olho  varalo;  que  se  cbamou  tambem  Joz  de  Ulra,  corno  o  pai,  com 
que  muitos  se  equivocarao,  e  foi  segundo  Capìtao  Donatario  do  FaiaL 

19  Terceiro  Capitao  do  Faial  foi  Maooel  de  Utra  Cortereal«  legitima 
filho  do  segundo,  e  este  se  casou  na  niesma  Illia  do  Faial  com  huma 
Maria  Vicente,  filba  de  boni  grande  lavrador  chamado  Joane  Anes  das 
Grotas,  e  de  sua  nuilber  Calbarina  Yicente,  e  d*esla  teve  tres  fìltios  va- 
roes,  Gaspar  de  Ulra  Corlereal,  HieronyoK)  de  Utra  CnrtereaU  e  Salva- 
dor de  Utra  Gortereal,  e  teve  mais  quatro  filitas,  D.  Calbarina,  D.  Barba- 
ra, D.  Antonia,  e  D.  Isabel,  que  falet:eo  sem  descendencia.  Q  primeiro 
Manoel  de  Utra,  indo  a  Lisboa  a  confirmar-se  na  Capilania..  se  Iiouvp  na 
Corte  de  tal  modo,  que  cbegou  a  El-Rei,  ter  elle  biimi  filli»  de  teima 
Dama  do  Pago,  e  nao  ser  casado  legitimamente  com  a  dita  Mavì»  Vletn)* 
te;  0  que  ouvindo  el-Hei,  mandou-lbe  que  logo  recedesse  a  DsHna*  do 
Pago,  e  o  fidalgo  o  fez  com  tal  temor,  e  pena,  que  d'esla  emtx*eve  tempo 
faleceo;  e  cbogando  a  nova  de  sua  morte  i  dita  Maria  Viccnte,  veio  va- 
ronilmente  logo  a  Lisboa,  a  provar  comò  tinha  skio  legitima  mulber  do 
Donatario  morto,  e  d'elle  er3o  legitimos  seus  tìllios,  os  que  Itie  ficarao, 
e  a  Dama  do  Pago  nunca  sua  mulber  iegilinui,  e  assim  se  |ulgou  ludo 
por  final  senten(^,  e  a  fidalga  Dama  se  metteo  Freira. 

20  Oppoz-se  logo  é  Demanda  da  Capitania  do  Faial  Gaspar  de  Ulra 
Corlereal,  filbo  mais  velbo  do  terceiro  Donatario  morto,  e  no  meio  da 
demanda  faleceo  tambem;  e  posto  que  jà  era  casado  com  huma  fidnlga 
sua  parenta,  d'ella  nao  deixou  mais  que  buma  filba.  S^^io  a  demanda 
Hìeronymo  de  Utra  Corlereal,  segundo  irmao  legilimo  do  que  na  deman- 
da tinba  falecido,  e  comtudo  contra  elle  se  deo  a  senlenfa  pela  Coroa, 
e  para  està  se  julgou  por  vaga  a  Capitania,  e  alcancarnlo  Hieronymo  de 
Utra  revista  da  causa,  alcangou  tambem  final  senlenca  por  si  eootra  a 
Coroa,  porem  correndo  a  revista,  deo  el-Rei  D.  Joao  III  a  dita  Capita- 
nia a  outro  fidalgo  cbamado  D.  Alvaro  de  Castro. 

21  Quarto  Capitao  Donatario  do  Faial  foi  este  dito  D.  Alvaro,  e  a 
teve  ciuco  annos,  até  que  o  mesmo  D.  Alvaro  de  Castro  (e  dizem  que 
por  grave  escrupulo)  jargou  a  dita  Capitania  a  el-Rei,  e  seguindo-se 
na  Coroa  Lusitana  el-Rei  D.  Sebastiao,  fez  quinto  Donatario  do  Faial 
a  D.  Francisco  Mascarenbas,  que  vinba  enlao  da  India,  e  do  cerco  da 
Chaul.  Nao  desistindo  porem,  mas  per$i3yerando  na  demanda  o  dHo  llie- 
ronymo  de  Utra  Corlereal,  foi-lhe  emfim  restituida  a  Capitania  do  Faial, 
anno  de  1582j  reinando  ja  Castella.  Sexlo  Capitao  pois  Xoi  este  Hieiooy- 


IT?,  vm  CAP,  IV  277 

mo  de  Ulra,  e  cason  em  Portugal  cora  a  Tilha  de  hum  fidalgo,  N.  Figuei- 
ra,  e  o  Quinto  Capitilo  D.  Francisi*^  Mascarenhas  foi  despachado  por 
Viso  Rei  da  India,  e  com  so  o  titulo  de  Gonde  da  Villa  de  Horta  no 
Faial,  e  emrim  venceo,  ealcancoa.  quem  tudo  alcanna,  evence,  que  he  a 
€onstafìcia,  e  paciencia:  qnal  leveHieronymodeUtra,  e  corno  isto  passou 
bavera  cento  e  dez  annos;  dos  outros  successores  dir3o  outros.  Eu  so 
digo  qne  hoje  sào  Donaiarios  do  Faial  por  mercé  d'el-Rei  D.  Fedro  II, 
Rodrigo  Sanclìcs  de  Baéna  Farinha,  filho  de  Fedro  Sanches  Farinha,  e 
juntaitteRte  Donaiarios  da  Graciosa,  corno  jé  dissemos  liv.  7,  cap.  9. 

GAPITULO  IV 

Dos  Butros  primeirog,  t  mais  nobres  Povóadores  do  Paial,  Utras^ 
e  Quadros,  Silteiras^  e  Cunhas^  e  Boemias. 

22  Os  nobilissimos  Utras  tero  o  primeiro  logar  entre  as  nobres  fa- 
milias,  que  primeiro  povoarSo  o  Faial:  das  quaes  foi  o  tronco  principale 
seu  primeiro  Donatario  Joz  de  Utra,  Illustre  senhor  de  terras  em  Flan- 
<lres,  muito  estimado  dos  Reis  de  Portugal,  e  casado  com  a  Dama  do 
Paco  Brites  de  Macedo:  d'eslcs  nao  nascerJo  so  os  descendentes  acima 
ditos,  nem  so  ^^  filhas  que  casarao  em  Portugal,  mas  tambem  Rosa  de 
Macedo,  que  cason  com  Domingos  Homem  na  Villa  da  Praia  da  liha 
Terceira,  e  outra  filha,  que  casou  com  Martim  de  Boemia,  fidalgo  Ale- 
mao,  de  qne  abaixo  fallaremos;  e  hum  filho,  Nuno  de  Macedo,  que  foi 
casar  a  S.  Miguel,  e  de  que  là  nasceo  Guiomar  Botelha,  que  casóu  com 
Jo3o  Mendes  Pereira,  d'onde  procedem  os  Macedos  de  S3o  Miguel,  e 
verdadeiros  Ulras.  Vierao  mais  com  o  dito  primeiro  Capitao  Joz  de  Utra 
outros  seus  parentes,  hum  o  sobredito  Amequim,  e  outro  tambem  cha- 
mado  Joz  de  Utra,  e  outro  por  nome  Antonio  de  Utra,  de  quem  diz 
Fructuoso  liv.  6,  cap.  37,  que  era  pessoa  muito  prmcipal,  e  que  casou 
na  liha,  e  d'elle  procedem  os  Utras  que  hoje  ha  n'ella,  comò  hum  Esta- 
cio  de  Utra  Macliado,  casado  com  Paula  da  Silveira,  de  que  jà  em  1580 
tinha  duas  fillias,  e  seis  fUlios. 

23  Dos  Quadros  sahemos  ser  familia  Portugueza  muito  nobre,  e 
antiga,  e  qne  com  os  primeiros  povoadores  do  Faial  velo  dos  nobres 
Quadros  de  Santarem,  e  no  Faial  logo  se  aparontou  com  os  melhores  fi- 
daigos  Utras,  e  Sìlveins,  do9  quaes  descendeo  o  CapitSo  Francisco  de 


278  H19T0RIH INSULAIU 

Ulra  e  Qaadros,  que  casou  com  D.  Isabel  da  Silveira,  aos  quaes  deixoa 
sua  multa  fazenda  D.  Luiza  sua  tia,  e  filha  de  Gaspar  de  Utra  Gortereal, 
primeiro  filho  do  terceiro  CapìtSo  Donatario  do  Faiat  Manoei  de  Ulra 
Cortereal  ;  e  os  ditos  Francisco  de  Utra  e  Quadros,  e  D.  Isabel  da  Sii- 
veira  fundarao  o  Collegio  da  Gompanhia  de  Jesus  da  liha  do  Faial,  e 
desles  Ulras  e  Qaadros  ha  ainda  oa  tal  Ilha  muitps,  e  outros  entrar3o 
uà  Gompanhia,  dos  quaes  vive  Duella  hum  Padre  multo  grave,  que  foi  jà 
Keitor  do  Collegio  de  Sao  Miguel,  depois  Visitador  das  mais  Illias,  e  de- 
pois Visilador  de  Angola,  e  logo  Reilor  do  Noviciado  de  Lisboa,  e  de- 
pois Consultor  da  Provincia  em  Sào  Roque,  e  actualmente  Reitor  de 
Coimbra,  e  sua  exemplar  reiigiao,  zelo,  e  modestia  me  oao  permittem 
ainda  dizer  mais;  fique  para  os  que  subreviverem. 

24  Jà  porém  depois  d-isto  escrito,  sobreveio  em  Goimbra  ao  dito 
Veneravel  Padre  Quadros  hum  accidente  de  tal  defliixao,  que  rebentoa 
logo  em  hum  pleuriz,  tao  maligno,  e  mortai,  que  em  cinco  dias  o  matou,. 
às  dcz  horas  da  ooite,  em  5  de  AbriI  deste  anno  de  i7{6«  estandQ  eift 
63  de  sua  idade;  chamava-se  là  fora  Pedro  de  Utra  e  Quadros,  e  o  Mes- 
tre de  Novigos  estranhando  com  candura  o  appellido,  Utra,  Ih  o  tirou,  e 
Ihe  ordenou  usasse  do  appellido  de  Quadros  que  jà  tinha,  tirando  a  il- 
lustre familia  dos  Utras  o  descendente  que  mais  a  aulhorìza  com  suas 
grandes  virtudes,.  porque  foi  sempre  humildissimo,  com  ser  de  sangue 
illustre,  foi  de  paciencia,  e  obediencia  tal,  que  nunca  se  excusou  de  tao- 
tas  viagens,  e  tao  trabalhosas,  corno  fazer  Ihe  mandarào,  e  no  exemplo 
da  Vida,  e  mais  virtudes  foi  Mestre  de  Novigos,  e  exemplar  de  todos 
elles,  e  Consultor  da  Provincia,  tao  recto,  e  igunl  para  twlos,  os  que  o 
conhecerao,  sem  jà  mais  por  paixao  inclinar  mais  a  hiuna,  que  a  outra 
parte,  e  governando  seis  mezes  o  Collegio  de  Coimbra,'  e  o  das  Arles, 
morreo  com  tal  fama  de  virtude,  e  santidade,  que  a  Universìdade,  e  as 
Rellgioes  d'ella,  em  sabendo  sua  morte  vierào  assistir  a  suas  exequias, 

e  OS  nossos  Religiosos  observarào  a  perfeita  conformidade  com  a  vonUi- 
de  Divina,  o  juizo  que  sempre  conservou,  a  devota  percepgao  de  todos 
OS  Sacramentos,  e  a  paz  da  alma  com  que  a  expirou,  tendo  dito  muìto 
antes,  aos  dous  seus  companheiros  amanuens^^s,  o  dia,  e  hoi^  em  que 
havia  morrer,  e  assim  morreo.  Este  foi  o  Padre  Pedro  de  Quadros,  ou 
l^edro  de  Utra  e  Quadros,  queira  Deus  Nosso  SenlK>r,  que  todos  o  imi- 
temos. 

25  Dos  Silveiras  do  Faial,  e  mais  llhas  foi  tronco  aquelle  Guilher- 


Liv.  vni  GAP.  vt  279 

tfte  V/incìnnlga.  de  que  fallémos  no  cap.  anlecodente  §  2,  porque  este 
nomo  \Mn(Jara}?a  em  Flaraengo,  he  o  mesmo  que  Sitveira  em  Porlngnez: 
era  pois  esle  (jiiilherme,  lium  tóo  conhecido  lìdalgo  em  Flandres,  «jue 
era  pelo  de  hiim  (.onde,  e  natoral  de  Bruges»  mas  a  casa  dos  Vandara- 
gas  era  de  Maslrich,  e  elle  era  casado  com  Margarita  de  Zamhuja,  clia- 
mnila  lauìbem  Silveira,  ou  Vandaraga  ao  estylo  do  tempo  em  que  as 
lìuiliieres  lomavao  os  appellidos  dos  maridos.  Rogou  a  este  fidalgo,  o 
priuìt'in)  despacliado  Capitao  Donatario  do  Faial,  que  quizesse  vir-se  para 
a  s!ia  lliìa.  (]ue  Ihe  daria  parte  d'ella;  e  corno  enlao  era  o  tempo  de  des- 
ni!)rÌ!ììei)tos  uteis,  resolveo-se  o  fldalgo  a  vir,  e  veio  corno  jà  dissemos, 
quatto  Hunos  «lepois  de  jà  eslar  o  Ulra  em  o  Faial;  e  comò  o  dito  Gui- 
liuMiiie  da  Silveira,  por  sua  grande  qtìalidade,  e  Calliolicos  costumes  fosse 
ìi)iiiln  seguirlo,  e  applaudido  no  Faial,  cioso  o  Capitao  Joz  de  Ulra,  llie 
ino  i\{Mì  ns  terrns  prometUdas,  e  pedindo  o  fldalgo  algumas,  Ihe  respon- 
dÌM  o  C;i[)ìirio  cjue  ja  eslavào  dadas. 

2(i  Vendo  isto  o  tal  Guilhcrrae  da  Silveira  se  passou  com  toda  a 
s'!a  l'aniilia  p;tra  a  liha  Terceìra,  e  babitou  nas  quatro  Hibeiras  da  banda 
(lo  Sili,  e  ahi  leve  grandi^s  lavouras  de  trigo,  e  pastel,  que  mandava  ven- 
ti t  a  l'Iandres,  aonde  indo  voltou  por  Lisboa,  e  nesla  o  convidou  D. 
Maria  de  Viliiena,  senhora  das  Ilhas  das  Flores,  e  Corvo  jà  descubertas, 
e  aceilando-as  o  dilo  Guilherme,  e  voltando  pela  Terceira,  se  Ihe  pegou 
nesla  o  fogo  em  suas  casas,  e  ale  os  papeis  perdeo,  e  passando  às  Flo- 
res, sete  annos  esleve  nesla  liha,  ale  que  achando-se  enganado,  sem  pro- 
v«»iio,  nem  lumra,  nem  commercio,  se  passou  ao  Topj  da  liha  de  S5o 
Joi-ge,  e  nella  viveo  com  sua  mulher  Margarida  da  Silveira,  e  tao  rico, 
que  das  lavouras  de  trigo  que  mandava  fazer,  pagava  sessenta  moios  ao 
dizimo:  e  leve  muitos  filhos,  e  tilhas,  que  casarap  honradissimameute 
eui  S.  Jorge,  Faial,  e  Terceira,  e  sao  d'ellas  as  principaes  familia§^ 

27  Era  esle  bom  fldalgo,  nao  so  grande  Catbolico,  mas  de  grande 
hemrazur:  sua  casa  era  estalagem  para  quantos  hiao,  e  vinhao;  e  por  isso 
muilos  dìas  anles,  e  ainda  em  boa  saude,  conheceo  a  bora,  e  tempo  de 
sua  morte,  e  tanto,  que  a  bum  seu  filho,  que  se  des|)edia  d'elle  para  o 
Algarve,  disse  que  havia  de  niorrer  peloNalal  seguinte,  e  de  facto  mor- 
reo  em  dia  de  Sào  Thomé:  e  primeiro  que  morresse,  andou  saio,  e  bem 
disposto,  despedindo-se  de  seus  filhos,  e  netos,  por  suas  casas  d  elles; 
e  recolh«?ndo-se  A  sua  casa  propria,  e  deilando-se  na  cama,  mandou  que 
defronte  d  ella  ihe  dissessem  buma  Missa,  e  adorando  ao  Senlior  ao  le- 


280  HISTORIA  INSULANA 

vaDtnr  da  hostia,  e  commun(i:ando  ao  consumir  d'ella,  e  recebendo  a  ex^ 
trema  Un^ao,  expirou  entao  com  todos  os  Sacramentos,  corno  n3o  menos 
Catholìco,  que  honradissimo,  e  exemplar  fidalgo. 

28  Deixou  este  grande  Ueroe  tres  filhos  varoes,  e  cinco  filhas:  os 
filhos  forao,  o  priraeiro,  Francisco  da  Silveira,  nalural  do  Faial,  o  se- 
gando, Joao  da  Silveira  ;  e  o  terceiro,  Jorge  da  Silveira.  Do  primeiro 
Francisco  da  Silveira  nascerao  Joz  de  Utra  da  Silveira,  (neto  materno  do 
primeiro  Donatario  do  Faial  Joz  de  Ulra)  e  Manoel  da  Silveira  desciibri- 
dor  (la  liha  nova,  e  d'este  nasceo  D.  Isabel  (ou  Ignes)  da  Silveira,  que 
casou  com  Comes  Pacheco  de  Lima,  o  daGraciosa;  e  estes  forio  paisde 
Manoel  Pacheco  Pereira,  e  de  Antonio  Pereira  da  Silveira,  e  de  Chrislovào 
Pereira  de  Lima.  Do  segando  filho  Joao  da  Silveira  e  do  terceiro  Jorge  da 
Silveira  nao  tenho  notici^  dos  descendentes.  Das  cinco  filhas  do  grande 
tronco  Guìlherme  da  Silveira,  que  casou  com  Jorge  (ou  Joz)  daTerra,  fidalgo 
Flamengo,  e  dos  principaes  que  vierao  com  o  primeiro  Capitao  Joz  de  Ulra  a 
povoar  0  Faial,  e^'estes  nasceo  Barbara  da  Silveira,  que  casou  com  AotoDio 
deBrum;  e  d'estes  terras,  e  Bruns  trataremos  mais  abaixo.  As  outras  fi- 
lhas de  Guilherme  da  Silveira  forao,  Anna  da  i^ilveira,  Catharina  da  Sil- 
veira, Maria  da  Silveira,  e  outra  cujo  nome  esquec^o  de  se  declarar:  e 
d  eslas  cinco  filhas  diz  o  antìgo  Fructuoso  que  todas  forao  o^sadas  com 
homens  multo  principaes,  e  tiverao  filhos,  e  filhas,  de  que  ba  muitage- 
ragào  em  todas  as  Ilhas  dos  Assores,  comò  tocaremos. 

29  Consta  porém  de  outras  boas  noticias,  que  aquella  Anna  da  Sil- 
veira, segunda  (ilha  do  Guilherme  da  Silveira,  casou  com  Tristao  Perei- 
ra, fidalgo  que  de  Porlugal,  e  da  Villa  do  PombaI  veio  solteiro  a  eslas 
Ilhas,  e  d'elle,  e  da  dita  Anna  da  Silveira  nasceo  Antonio  da  Silveira  Pe- 
reira, que  casou  com  D.  Hieronyma  de  Arez;  e  d'estes  nasceo  D.  Isal)el 
Pereira,  que  casou  com  Pedro  Anes  Machado,  e  estes  forao  paisde  Con- 
caio Pereira  Machado,  que  casou  com  outra  D.  Anna  da  Silveira,  dos 
quaes  nasceo  D.  Isabel  Pereira,  que  casou  com  Manoel  de  Barcellos,  dos 
da  maior  nobreza  da  Villa  da  Praia  da  Ilha  Terceira,  para  onde  vereraos 
ainda  mais'dilatada  està  grande  familia  dos  Silveiras. 

30  Dos  Cunhas  d'està  liba  do  Faial  ba  tambem  noticias  verdadei- 
ras,  que  procedem  de  hum  Fernando  da  Cunha  e  Andrada,  naturai  do 
Porto,  e  casado  com  D.  Helena  Carneiro,  da  Torre  de  Moncorvo;  d'estes 
nasceo  Antonio  da  Cimha  de  Andrada,  que  casou  com  D.  Joanna  da  Sii- 
veira,  e  elle  era  fidalgo  Portuguez,  e-Almirante  da  Armada  de  Antuerpii 


ttv.  vm  ckv.  vf  5881 

em  Flandres,  e  Commcndaddr  de  dnas  Corarnendas  na  Ordem  de  Chris- 
to;  d'estes  nasceo 'Antonio  da  Ciinha  da  Silveira,  gravissimo  Clerigo  do 
habito  de  Sào  Fedro,  e  nasceo  mais  D.  Helena  da  Silveira,  qùe  casoa 
eom  Jorge  Cardoso  Pereira»  das  principaes  familias  da  liha  de  Sào  Jor- 
gè,  ciija  descendencia  vive  ainda  na  liha  do  Faial.  A  dita  D.  Joanna  da 
Silveira,  mulher  de  Antonio  da  Cunha  de  Andrada,  era  fìlha  de  Francis- 
co da  Silveira  Viilalobos,  que  foi  Riho  de  Diogo  Comes  da  Silveira,  Ca- 
pitao  mór  do  Faial,  cuja  mài  foi  Catliarina  da  Silveira,  terceira  das  cinco 
filhas  do  primeiro  Guilherme  da  Silveira,  e  casada  com  hum  Jorge  Co- 
mes de  Aviia,  fidalgo  da  Graciosa. 

31  Do  dito  Francisco  da  Silveira  Villalobos,  e  de  sua  mulher  Maria 
de  Farla,  nascerlo  mais  (além  da  dita  D.  Joanna  da  Silveira)  tres  irmàs, 
Religiosas  no  Convento  da  Gloria,  e  hum  irmàcf  Frade  de  Sào  Francisco, 
Frei  Diogo  de  Santo  Antonio,  e  outro  irmào  chamado  Carlos  da  Silveira, 
que  foi  hum  multo  grave  Padre  da  Companhia  de  Jesus,  de  quem  jà  fat- 
lamos;  cuja  avo  paterna,  mulher  de  Diogo  Comes  da  Silveira,  se  chama- 
va  Margarida  Gii,  e  era  fllha  de  Francisco  Gii,  o  veiho,  naturai  da  Pro- 
vincia da  Beira,  e  de  sua  mulher  Maria  Nunes  de  Utra,  parenta  dos  Do- 
nalarios  do  Faial.  E  aquella  Maria  de  Faria,  mulher  de  Francisco  da  Sil- 
veira Villalobos,  era  iìlha  de  Caspar  de  Lemos  de  Faria,  que  foi  o  pri- 
meiro Capitàò  de  Infantarla,  que  houve  na  liha  do  Faial,  Portugnez,  o 
qual  era  fllho  de  Fernào  Furtado  de  MendoQa,  e  de  Maria  de  Faria,  da 
Provincia  da  Beira  ;  e  destes  nasceo  tambem  outro  Fernào  Furtado  de 
Mendoga,  que  foi  casar  é  liha  Terceira,  e  teve  por  Tilhos  ao  CapitàoChris- 
tovào  de  Lemos  de  Mendoca,  pai  de  D.  Frei  ChristovSo  da  Silveira,  Ar- 
cebispo  de  Coa,  Primas  da  India  Orientai,  de  que  ji  fallàmos, 

3i  Com  as  mesmas  familias  dos  Silveiras,  e  Cunhns  se  unirào  ou- 
tras  antigas,  e  multo  nobres;  porque  de  huma  Catharina  da  Silveira,  (ne- 
ta  do  primeiro  Guilherme  da  Silveira)  e  de  seu  marido,  que  tinha  vìndo 
de  Lessa  de  Matosinhos,  nasceo  Aldonsa  Martins,  que  casou  com  Tho- 
mas de  Porres,  fllho  de  Jorge  Cularte,  e  de  sua  mulher  Rosa  Garcia:  e 
dos  ditos  Porres,  e  Aldonsa,  nasceo  Jorge  Cularte*  PimenteU  Capi  tao  mór 
do  Faial,  fldalgo,  e  do  habito  de  Chrìsto,  que  casou  com  Maria  de  Mon- 
tojo,  fìlha  de  Antonio  da  Terra  e  Silveira,  e  de  Isabel  Pereira  Cardosa, 
que  era  neta  de  Jorge  da  Terra  da  Silveira,  homem  fìdalgo,  e  de  Maria 
de  Porres,  e  bisneta  de  outro  Jorge  da  Terra,  e  de  Isabel  de  Utra  Jor- 
ge da  Terra  da  Silveira,  fldalgo  filhado,  era  irmào  de  Francisco  Gii,  que 


382  HisfoiiiÀ  wsvUfiA 

casou  com  a  viuva  D.  Adda  Ferreira  Zinibroa  em  Adgra»  é  fiSo  te^éf  d^ 

Uios  alguns  creila. 

33  Multo  mais  se  aparentar^o  muitos  iiohres  no  Palai  com  os  fidai- 
gos  Boemias  de  Alemanhn,  porque,  conforme  a  Frucluoso  Wsf.  6,  cap. 
3  %  0  primeiro  Caiiitao  Joz  de  Utra  casou  Imma  de  suas  fillias  com  liain 
grande  tìdalgo  Alemao,  chamado  Marlim  de  Boemia,  do  qua!  El-Heì  de 
Portugal  fazia  muita  estimaQào  por  sua  nobrczn,  e  sabedoria,  e  ser  tao 
insigne  Matbematico»  e  Astrologo,  que  pelas  estrellas  adivinhava  muitas 
cousas,  que  ao  de()0is  se  \\ì\\o  cerlas,  conio  veremos  tambem  no  (im 
d'està  [ustoria,  e  nas  novas  Ilhas  que  estao  por  descubrir;  e  d'aqui  velo 
julgarem  temerariamente  alguns,  (jue  esle  rnialiro  Boemio  era  Nigroman- 
tico.  itesidio  muitos  annos  no  Faìal,  e  teve  dous  lilbos  ;  bum,  corno  o 
pai.  se  cbamou  t<unbem  Martini  de  Boemia,  por  cujo  falecimento  o  pai 
voltou  à  sua  patria  Boemia,  e  tornando  de  là  com  muita  mais  riqueza» 
e  vivendo  mais  annos  no  Faial,  se  tornou  de  lodo  [)nra  Alemanba,  e  neai 
<relle,  nem  de  seu  segundo  lilho,  ou  desrendent^s  seus,  se  acba  mais 
noiicia.  mas  so  a  que  diremos  de  buas  cliamudas  profecias  uo  lugar  ja 
prouiettido. 

CAPITOLO  V 
Dos  liruns  e  Frias^  Pfreiras  Sarmentos  da  Illui  do  Faial, 

3i  Entre  os  bons  lìdalgos  que  concorrerao  tambem  a  povoara  liha 
da  Madeira,  loi  hum  Guilberme  Brum.  naturai  de  Alemanba  a  baixa,  e 
Flandres,  e  na  Madeira  casou  com  bunia  (idalga  cbamada  Violante  Vai 
Ferreira  Pimentel  :  d'estes  nasreo  Antonio  de  Bruni,  que  casou  com  Bar- 
bara (la  >ilveira  no  Faial,  lillia  de  Margarida  da  Silvein,  e  de  outro  li- 
dalgo  Flaniengo  chamado  Joz  (ou  Jorge)  da  Terra,  dos  primeiros  povoa- 
dores  do  Faial,  e  ella  filha  do  primeiro  Guilberme  da  Silveira,  tronco 
dos  Silveiras:  do  dito  Antonio  de  Brum  nasceo  outro  Antonio  de  Bruni 
da  Silveira,  que  casou  com  .Maria  de  Frias  Pimentel.  Tillia  de  Domingns 
Atro'is)  Pimento,  Almoxarife  da  Kazemla  Beai  em  Sào  Miguel,  e  dotai 
Antonio  de  Brum  da  vSilveira  nasa»o  Hi('ronymo  de  Brum  da  Silveini, 
que  casou  com  Julia  Taveira,  fdha  de  Francisco  Taveira  de  Neiva,  Caval- 
leiro  fidaigo  da  casa  <lel-Bei  ;  nasceo  mais  D.  Barbara  da  Silveira,  que 
casou  com  Luis  do  Canto,  lidalgo  de  Angra»  e  avo  materno  de  Jacoma 


uv.vin  o/ip.  ?  .•  9BS 

Leite  Ba(eIho  de  VascoDcellos,  que  ainda  vive  casado  em  Angra,  Gdalgo> 
bem  coDhecido. 

35  Do  dito  Ilieronjrmo  de  Brum  da  Silveira  nasceo  Manoel  de  Bruift 
da  Silveira  e  Frias,  que  casoii  ooui  Guìomar  Soeira,  liiha  de  Antonio  da 
Mota,  e  de  Ignes  da  Costa  Pimentel,  ambos  da  meihor  nobreza  de  Sào 
Miguel.  Ao  tal  Manoel  de  Bruni  chamavào  o  Padroeiro,  por  ter  o  Fadroa- 
do  de  varios  Conventos  de  Freiras,  e  Hecolhiinentos  de  Sào  .Miguel;  e 
nSo  so  a  renda,  e  nomeagào  de  muitos  lu<,^ares,  mas  o  lugar^  cadeira,  e 
preeminencias  dos  Canonicos  Padroeiros  ;  e  era  Capitao  mór  de  Ribeira 
Grande,  e  pessoa  de  tanto  juizo,  tanta  liberalidade,  e  caridade,  e  tao 
esemplar  Catholico,  e  de  tanto  governo,  e  Christào  trato,  e  brio,  que  eni 
loda  a  Illia  de  Sào  Miguel,  onde  eslive  ha  cincoenta  annos,  nao  conheci 
fldalgo  que  o  excedesse  ern  as  sobreditas  excellencias;  nem  em  Fortugal 
ha  muitos  que  vnhao  iguaes  padroados,  e  com  tanta  preeminencia,  e 
riqueza  junta. 

36  D'este  Manoel  de  Brum  da  Silveira  e  Frias  nasceo  oulro  Hiero- 
njmo  de  Brum,  que  seu  pai  aisou  nesta  iiha  do  Faial  com  buma  parenla 
sua,  e  morgada  muito  rica,  chamada  D.  Maria  de  Montojo,  fìllia  do  Ca- 
pitao mór  do  Faial  Jorge  Gularte  Pimentel,  fidalgo,  e  Cavalleìro  da  Or- 
dem  de  Christo,  e  casado  com  outra  D.  Maria  de  Montojo,  Qllia  dos  fi- 
dalgos  Terras,  e  Porres,  de  que  jà  fallàmos  no  §  penultimo  do  cap.  4, 
e  tao  grandes  casas  se  ajuntarào  por  este  casamento,  que  nào  sei  que 
boje  nas  IlhasTerceiras  haja  casa  mais  rica,  e  de  mais  preeminencias  do 
qiie  està,  nem  mais  limpa;  e  deste  casamento  nasceo  Thomas  de  Brum- 
que  boje  està  nesta  Corte  de  Lisboa,  pertendendo  seus  despachos,  e  ca, 
SQQ,  e  tem  jà  filhos  casados;  mas  viuva  sua  mài  0.  Maria  de  Montojo, 
se  casou  em  o  Faial  com  o  Corregedor  que  là  foi,  o  Doutor  Joào  de  So- 
veral  Barbuda,  e  com  elle  se  velo  para  Lisboa,  e  n3o  teve  d'elle  fillio 
algum,  e  morrep  desenganada  do  erro  que  lizera  em  se  vir  de  sua  Uba; 
0  GIho  porém  Thomas  de  Brum  casou  illustremente  com  humajìilia  de 
Manoel  Faim  Uornellas  da  Camera,  Riho  do  Alcalde  mór  da  Praia,  e  Go- 
vemador  do  Castello  de  Angra.(que  elle  tinha  reslaurado  para  EI-ReiD. 
Joao  0  IV)  Francisco  Dorncllas  da  Camera;  e  em  toda  a  casa  succedeo  o 
dito  Paim  a  seu  irmào  mais  velilo.  Alcalde  mór.  Bras  Domellas  da  Ca- 
mera, que  morreo,  despachando-se  em  Lisboa,  sem  Ulbos  legitimos. 

37  Dos  Frias  o  que  sabcmos  he,  que  o  primeiro,  que  das  monta- 
Dbas  de  Castella  velo  a  liba  de  S3o  Miguel»  e  n  ella  casou  coufoime  a  sua 


281  BISTORTA  INSUUNA 

iqualidade,  foi  Ruy  de  Frias,  fldalgo  Moritanhez,  de  que  foi  filha  Genebra 
àe  Frias,  que  casou  com  Fernao  de  Anes  de  Fuga,  fidalgo  de  Galiza,  e 
naturai  de  Ponte  de  Lima,  e  d'estes  nasceo  Bartliolomen  de  Frias,  for- 
mado  em  direito.  e  casado  com  Jurdoa  de  Rezende,  (filha  de  Domingos 
Alfonso  Pimentel)  e  estes  fono  pais  de  Joao  de  Frias,  que  casou  com  D. 
Brites  Pereira:  e  tamhem  esles  forno  pais  do  segundo  Bartholomea  de 
Krias,  de  que  nasceo  terceiro  Bartholomeu  de  Frias  ;  d'este  bum  Lou- 
renc^)  de  Frias,  todos  Pereiras  dos  da  casa  da  Feira,  por  ser  a  dita  D. 
Brites  Pereira  filha  de  D.  Joao  Pereira,  o  qual  era  filho  de  D.  Jorge  Pe- 
reira, a  quem  o  Conde  I).  Manoel  Forjaz  Pereira,  Conde  da  Feira,  te^'e 
dehuma  nohre  donzella  da  Cidade  do  Porto,  e  depois  de  se  crear  .em 
:segredo,  e  ir  desconhecido  para  a  liha  de  Sao  Miguel,  foi  emfim  reco- 
nhecido  pelo  seguinte  Coiide  da  Feira  seu  irmao  I).  Diogo  Forjaz  Pereira 
em  Lisboa  a  24  de  Novembro  de  1573,  cujo  dito  sobriifho  D.  Joao  Pe- 
reira casou  em  Sào  Miguel  com  D.  Ign'es,  filha  de  Gaspar  Perdomo,  e 
neta  de  Gaspar  de  Betencor,  sobrinho  de  D.  Maria  Betencor,  mulherde 
Ruy  Goncalves  da  Camera,  primeiro  Capit3o  do  S3o  Miguel,  corno  dif- 
fusamente conta  0  nosso  Fructuoso  liv.  6  in  principio. 

38  Do  dito  Bartholomeu  de  Frias  (primeiro  do  nome)  nasceo  mais 
^quella  Maria  de  Frias  Pimentel  que  casou  com  o  dito  Antonfo  de  Brom 
da  Silveira,  pais  de  Hieronymo  de  Brum  da  Silveira,  primeiro  do  nome, 
que  casou  com  Julia  Inveirà,  filha  de  Isabel  Caldeira  de  Mendoca,  e  de 
Francisco  Inveirà  de  Neiva,  Cavalleiro  fidalgo  da  Casa  Beai:  cuja  dita 
mulher  era  filha  de  Bieronyma  Nunes,  e  de  Pedro  Aflfonso  Caldeira,  Ci- 
dadào  do  Porto:  e  da  tal  Hieronyma  Nunes  forao  pais  Vietante  Anes  Bi- 
ondo, nobre  tronco  dos  Bicudos  de  Ribeira  Grande  de  S.  Miguel.  E  es- 
tà noticia  basta  da  nobreza  dos  ditos  Frias,  laveiras,  Bicudos,  etc.  ' 

39  Os  Pereiras  do  Faial  se  podem  ter  ppr  legilimos  Pereiras,  (con- 
fórme a  Fructuoso  liv.  6  cap.  28  e  29)  porque  nSo  descendem  d'aquel- 
le  filho  bastardo  do  Conde  da  Feira,  que  casou,  e  leve  sua  descenden- 
eia  em  Sao  Miguel:  mas  legilimamente  descendem  dos  illustres,  e  anti- 
gos  Pereiras  Sarmentos,  que  procedem  de  D.  Maria  Sarmenta,  senhora 
de  Vigo  em  Galiza,  de  quem  os  Condes  da  Feira  eslimav3o  o  parenles- 
€o:  e  d'estes  Pereiras  havia  no  Faial  Sebastiao  Pereira  Sarmento,  e  aquel- 
le Concaio  Pereira  Sarmento,  que  matarao  no  Faial.  por  n'elle  querer 
metter  a  voz  de  Felippe  II  em  lugar  da  do  senhor  D.  Antonio. 

40  0  primeiro  que  se  aclia  d'este  appellido  (Pereira,)  he  D.  Fedro 


UV.  vili  GAP.  V  285 

Rodriguez  Pereira,  filho  de  D.  Goncalo  Rodrignez  Forjaz,  e  neto  de  ou- 
Ito  D.  Rodrigo,  senhor  de  Trastamara,  e  bisneto  de  D.  Pedro  Forjaz,  i5 
terceiro  neto  do  primeiro  D.  Bodrigo  Forjaz:  do  sobredito  pois  D.  Pe- 
dro Rodriguez  Pereira  nasceo  o  Conde  I).  Confalo  Pereira,  que  casou 
com  D.  Urraca  Pimenlel,  e  estes  forilo  05  pais  de  D.  Concaio  Pereira, 
Arcebispo  de  Braga,  do  qua!  nasceo  D.  Alvaro  Gongalves  Pereira,  Prior 
que  hoje  chamào  do  Grato,  de  qiie  flcarào  muilos  flllios,  e  filhas:  e  o 
Grande  Condestavel  de  Portugal  D.  Nuno  Alvarez  Pereirar  que  casou  com 
D.  Leonor  de  Alvim,  e  a  fitha  d'e5tes,  chnmada  D.  Brites  Pereira,  casou 
com  0  senhor  D.  Alfonso,  primeiro  Duque  de  Br«ganf»,  e  fillio  d'el-Rci 
D.  Joao,  primeiro  do  nome  em  Portugal,  e  do  tal  senhor  nào  so  des- 
cendem  as  mais  excetientes  ca.ias  de  Portugal,  comò  a  dos  Ueaes  Uuques 
de  Braganga,  dos  Marquezes  de  Ferreira,  Duque  do  Cadaval,  Uuques  de 
Aveiro,  Marquezes  de  Villa  Heal«  Marquezes  de  Montemór,  Condes  de 
Vimioso,  Marquezes  de  Valenza,  de  Faro,  de  Basto,  da  Feira,  e  outros 
muitos;  e  em  Castella  tambem  as  grandes  c^nsas  dos  Condes  de  Lemos, 
dos  Duques  de  Macfueda,  e  Naxera,  dos  Duques  de  Escalona,  e  por  va- 
ronia  os  de  Oropeza:  mas  por  dizer  tudo  em  poucas  palavras,  nào  ha  Ja 
Coroa  Catliolica  em  toda  Europa,  que  da  Serenissima  Casa  de  Braganga 
p3o  descenda,  e  dos  anligos,  e  excellentissimos  Pereiras. 

41  Porém  comò  tambem  n3o  tiaja  Rei  algumque  nao  tenha  consan-' 
guineos  Sem  que  sejao  Reis:  nem  ainda  fldalgo,  que  nao  tenha  consan- 
guineos  sem  serem  Gdalgos:  assim  nao  he  de  àdipirar  que  dosexcellen- 
tissimoà  Pereiras  liaja  tao  legitimos  parentes  na  nobre  liha  do  Faial  : 
d'estes  pois  diz  Fructuoso,  que  n3o  so  er3o  aquelles  Pereiras  Sarmen- 
tos,  mas  tambem  hum  Thomé  Pereira,  Clerigo,  e  sua  Irma  Isabel  Perei^ 
ra,  ambos  fllhos  de  Tristao  Pereira,  e  netos  de  Diogo  Pereira  o  velho, 
primo  com  irmao  de  Joao  Rodrìgues  Pereira,  senhor  de  Basto,  e  Vizelta, 
e  muito  parente  do  Duque  de  Bragan^a,  e  do  Conde  de  Marialva,  e  do 
da  Feira:  e  a  dita  Isabel  Pereira  fui  casada  com Manod  da Silvek*a,  da- 
quelles  fidalgos  Silveiras  de  que  acima  fallàmos,  e  foì  irma  de  Diogo  Pe- 
reira, 0  da  India,  sogro  de  D.  Pedro  de  Castro,  irmao  de  D.  Fernando 
de  Castro,  Conde  de  Basto,  e  de  D.  Miguel  de  Castro,  Arcebispo  de  Lis- 
boa; e  outra  filha  do  dito  Diogo  Pereira  casou  com  Manoel  de  Saldanha, 
irmao  de  Ayres  de  Saldanha,  que  morava  junlo  a  Santo  Amaro  para  Be- 
thlem,  e  de  Joao  de  Saldanha  o  Gato,  de  Santarem., 

42  0  mesmo  Diogo  Pereira  da  India  era  tambem  irmao  de  Guilher* 


!280  tìiSTaniA  insclaux 

me  Pereira,  qne  duas  vezes  foì  por  Capjlio  é  China,  e  tinha  n  maior  casa 
que  na  India  hnvia,  abaixo  do  Viso-Rei,  pois  tinha  trezentas  pessoas  em 
sua  casa,  Mestre  da  Capella,  musica ,  e  cbaranielas,  e  todo  o  servilo  era 
de  prata,  e  onro;  e  qnerendo  vir  casar-sc  a  Lisboa,  faieceo  etti  Goa,  em 
casa  de  seu  inni^o  Dìoro  Pereira,  e  ainda  deixando  mais  de  duzentos  mil 
cnizados:  e  o  dito  sf^n  irmfio,  tendo  ido  de  antes  por  Embaixador  del- 
Hei  de  Porlugal  ao  Rei  da  Persia,  e  parecendo-ihe  pequeno  o  que  levava 
para  presente  de  hnm  Rei  ile  Portugal  ao  Rei  da  Persia,  do  seu  Ihe  ac- 
<!rescentOH  pefas  de  tanta  estìmacao,  que  so  no  puro  valor  valifio  muito 
mais  de  seit$  mil  cnizados:  o  que  iill-Rei  muito  approvou,  e  Ih'o  agrade- 
ceo  muito:  e  einfim  era  tao  lil)eral  este  Diogo  Pereira,  que  mandando- 
ihe  huma  vez  seu  ausente  irmào  Guilherme  Pereira  sessenta  mil  cniza- 
dos, pedindo  Ihe  que  Ihos  guardasse  ale  elle  vir,  e  vindo  dentro  de 
quatro  mezes,  achou  que  jd  o  irinao  os  tinha  gastado  todos  em  ac^Oes 
de  honra,  e  senifo  de  Deos,  e  dei-Rei,  e  nem  palavra  Ihe  fellou  n'isso 
o  dito  Guilherme, 

43  Taes  homens  corno  estes  deo  a  lllia  do  Paini  n'aqoelles  tempos, 
-que  bem  moslrnviio  sorem  filhos  do  sohredilo  TristSo  Pereira»  e  netos 
Ao  outro  Diogo  Pereira  o  velho.  que  servindo  ci  era  Africa  a  El-Rei,  e 
vendo  que  os  Mouros  levavjlo  jA  cntivo  a  Joao  Rodrigues  de  Vasconccl- 
los,  senhor  da  casa  de  Figueirò.  os  invostio,  e  ih'o  tirou  das  mSos,  e 
ale  0  mesmo  nosso  Rei  I).  Joiìo  o  II,  Ihe  louvou  muito  tao  heroica  z\> 
Cao,  e  com  D.  Anna,  mai  do  Mestre  de  Santiago,  o  mandou  viver,  e  des- 
cancar  na  Villa  de  Figueirò,  onde  passou  o  restante  da  vida,  e  de  tal 
avo  comò  este  nao  podiào  deixar  de  sahir  huns  netos  taes,  comò  os  so- 
breditos  Diogo  Pereira  o  niofo,  e  Guilherme  Pereira  seu  irmao,  rarBes 
tao  famigerados  em  a  In'-ia  :  e  d'oste  Diogo  Pereira  o  mofo  ficar3o  ci 
nao  s6  filhas,  mas  tres  fillios  vnroes,  Luis  Pereira,  Francisco  Toscano 
Pereira,  e  outro  Guilherme  Pereira,  dos  quaes.  e  da  ditaìrma  seexten* 
deo  està  illustre  famiira  de  taes  Pereiras  às  outras  Ilhas,  e  especialmente 
à  Ter^eira,  àonde  se  aparentarao  com  os  Pachecos,  Lacerdas,  Betenco- 
res,  e  com  todos  os  fidalgos  de  Angra. 


UT.  Yllf  CAI».  VI  487 

CAWTULO  VI 

Das  mais  escellenciai  desta  llha  do  Fatai. 

41  A  primeira  excellencia  d'està  llha  (além  das  de  seus  Povoadores) 
he  ter  quasi  immediata  a  si,  e  corno  por  huma  iiegia  Quinta  sua.  a  gran- 
de, e  rica  illia  do  Pico,  cuja  grande  parte  he  de  varios  senhorios  do 
FaiaL  que  eomo  Ihe  fica  tao  proxima,  de  todos  os  scas  frutos  logra 
principalmente  a  do  Faial  :  e  os  mais  dos  moradores  do  Pico  s9o  comò 
lums  Rendeiros,  ou  Qiiinteiros  dos  principaes  do  Faial,  e  com  quasi  im^^ 
mediata  vizinliaìica:  porque  ainda  que  a  llha  de  Santa  Maria  acode  à  de 
S3o  Miguel  d'està  flea  doze  legoas:  e  ainda  que  estas  ambas  acodem  à 
llha  Terceira^  d'ella  fìcSio  mais  de  trinta  legoas,  e  até  a  Uba  de  S.  Jorg  \ 
e  Graciosa,  posto  que  à  Teiceira  tambcm  sirv3o,  d'ella  distao  mais  de 
oito  legoas:  mas  o  Pico  do  Faial  apenas  dista  huma  legoa:  e  ainda  a  llha 
das  Flores,  e  a  do  Corvo,  menos  distao  do  Faial,  do  que  de  outra  algu* 
ma  liba,  com  que  o  Faial  fica  sendo  a  mais  farla,  e  abaslada  Uba,  pois 
quanto  quer,  Ihe  vem  <!  •  tao  Regia  Quinta  sua.  E  d'aqui  vem,  ser 

45  A  segunda  excetlencia  do  Faial,  que  nem  fome,  peste,  ou  guerra 
(qne  Fosse  consideravei)  sabemos  ter  havido  em  tal  Uba,  com  ter  sido 
descuberta,  e  povoada  ha  mais  de  duzentos  e  sessenta  annos,  porque 
de  Cstrangeiros  nunca  foi  entrada,  nem  ainda  acometida  :  e  é  Uba  Ter- 
ceirsr,  quando  a  Castella  se  tinha  jà  entregue,  se  entregou  tambem  o 
Faial,  comò  a  sua  cabe(^,  e  com  brevissimo  cboque  de  pouco  mais  de 
bum  dia.  Peste  porém  nao  se  sabe  que  a  padecesse  alguma  bora,  comò 
nem  fome  tambem  de  aperto  grande,  porque  da  dita  sua  Quinta,  a  Uba 
do  Pico,  comò  de  tanto  maior  grandeza,  e  tanto  menos  povoada,  vem  ao 
Faial  sempre,  e  em  abundancra,  quanto  em  algum  tempo  |be  falta,  e 
sempre  muito  a  tempo  Ihe  yem,  comò  de  tSo  perto:  e  o  que  mais  be, 
nem  tremores  de  terra,  ou  incendios  bonve  jàmais  no  Faial,  8en9o  ha 
poucos  annos  pelos  de  1700  bum  furioso  fogo  que  arrebentou,  e  correo 
em  ribeira  espaniosa  para  o  mar,  abrazando  a  estrada  que  abrio,  e  fa* 
zendo,  mar  em  que  entrou,  novo  firmamento,  oa  caes  de  ferro,  oa  pe- 
dra  queìmada,  sem  outro  maior  perigo  de  povos,  oa  gentes,  mas  cau- 
sando a  todos  0  espanto,  e  pavor  devido. 

46  A  terceira  excellencia  desta  liba  he  o  grande cx)mmercio  marit- 
timo, que  ha  nella,  nao  so  com  as  outras  Ilhas,  mas  com  na^ues  estran- 


288  HISTORIA  insuLM<A 

geiras,  qne  a  seiis  pórios  vao,  tanto  assiin,  que  nenhuma  otftra  se  igiiafa 
&  llha  Terceira  no  commercio,  corno  està  do  Faial,  em  razao  da  grande 
copia,  e  gonerusidade  dos  yinhos  da  Ilhà  do  Pìco«  e  do»  bons  porl05 
qne  lem  :  e  assim  tem  tambem  mnitos  contratadores  Estrangeiros,  e, 
que  nella  em  breve  se  fazem  aenhorea  de  muitos  mil  crazados,  e  corno 
jà  antigamente,  agora  sera  maior  escala  de  commercio  com  as  novas  pa* 
zes  feitas  entro  Portugal,  e  Castella,  porque  nao  so  de  todo  a  Oriente, 
e  India  de  Portngal,  minas  do  Brasi!»  Maranhao,  e  Angola,  mas  tambem 
das  Indias  de  Castella  vinhao  ji  de  antes,  e  tìrao  agora,  muitas  nàos, 
que  enriquecem  muito  o  Faial,  e  o  fazem  hmna  linda  Qqrte,  cheia  de 
muitas,  e  ricas  joìas.  e  pe^as»  atè  no  luzìmento  coqì  que  se  trata,  e  serve. 

47  A  quarta  excellencia  he  a  dos  govemos  d'està  llha,  Eedesiasti' 
co,  Politico,  e  Militar,  porque  ainda  que  no  Ecclesiastico  he  comò  as 
mais  lllias,  sugeita  ao  Bispo  àe  Angra,  tem  seus  Visitadores,  Ouvidores, 
e  Minislros  Ecclesiastico»,  corno  tambem  Prelados  Religrosos,  posto  que 
sugeitos  aos  maiores  de  Angra.  No  Politico  se  governa  pelo  seu  Senado 
da  Camera,  seus  Juizes  Ordinarios,  e  os  mais  Ministros  da  Ordenac^o 
Portugueza,  mas  nem  Corregedor  n'ella  assistente,  nem  Juiz  de  fóra,  nem 
bomens  formados  em  o  direito  clvA;  porém  no  Canonico  teve,  e  tem  Ec- 
clesiastìcos  xnuito  doutos,  de  que  conheci  grandes  estudantes  em  Coim- 
bra,  e  bem  pode  està  llha  do  Faial  sustentar  em  Coimbra  alguns  qne 
estudem  direito  civil,  e  Medicina,  para  que  melhor  se  defenda  a  fazenda, 
se  guarde  jiistica,  e  se  conserve,  e  restitua  a  saude,  pois  assim  està  liba, 
corno  a  do  Pico,  s3o  muito  faltas  de  Medicos,  e  Juristas  leigos. 

48  E  quanto  ao  militar,  jà  acima  vimos  quam  fortiQcada  esté  a  llha 
do  Faial,  quantos  Fortes,  ou  Fortalezas  tem,  e  quanto  presidio  pago  em 
a  sua  Villa  :  so  resta  dizer,  que  quando  D.  Pedro  de  Toledo,  Castelha- 
no,  Marquez  de  Villa  Franca,  no  anno  de  683  se  voltou  para  a  Terceira, 
deixou  no  faial  por  seu  soccessor  no  governo  da  guerra  a  D.  Antooio 
de  Portugal  (neto  do  Conde  de  Valenc^,  e  primo  ìrmao  do  Doque  de 
Naxera,  e  sendo  tSo  estirado  fidalgo,  o  deixou  ainda  subordinado  Da 
guerra  ao  Mestre  de  Campo  do  Castello  de  Angra  da  Uba  Terceira.  Sac- 
cedeo  porém  que  os  soldados  do  presidio  do  Faial  levantarao  motim 
contra  o  dito  seu  Governador  D.  Antonio  de  Portugal,  por  Ihes  nàodar 
0  soldo  inteiro,  comò  El-Hei  mandava  dar-lhes,  pelo  que  os  soldados  le- 
vanlados  forao  raandados  logo  para  o  Castello  de  Angra,  e  deste  forào 
outros  soldados  para  o  presidio  do  Faìai;  e  o  dito  D.  Antonio  de  Purlu- 


LIV.  Vili  GAP.  VII  289 

gal  foi  tambem  lirado  do  posto  que  tiriha  no  Faial,  e  levado  para  a  Ter- 
ceira,  e  para  o  Faial  foi  por  Cabo  de  guerra  o  Capiirio  Diogo  Soares  de 
Salazar:  assira  se  procedia  antigamcnte,  e  em  tempo  que  governava  a 
pnidencia  de  hum  Felippe  II,  nem  castigando  mais  ao  levantado  povo 
bellico  pela  justa  queixa  com  que  se  levantara:  nem  deixando  de  casti- 
gar ao  Cabo  insolente  (por  mais  fidalgo  que  fosse)  para  exemplo  de  ou- 
tros,  e  satisfagao  devida  aos  queixosos. 

CAPITULO  VII 

Do  deseubrimento,  altura,  e  grandeza  da  fatai  Ilha  do  Pico. 

40    D'està  Ilha  loca  alguma  cousa  o  Historiador  Guedes,  e  diz  que 
foi  descuberta  era  sexto  lugar  depois  da  Terceira,  Graciosa.  e  S.  Jorge; 
e  qoe  a  povoara  aquelle  grande  fìdalgo  Joz  de  Utra,  Donatario  priraeiro 
do  Fayal  ;  mas  nem  quem  priraeiro,  nem  quando  a  descubrisse,  diz  o 
dito  Guedes  ;  e  parece  que  a  suppoem  descuberta  juntaraente  cora  a  do 
Faial,  e  por  isso  ajuiza  que  a  do  Pico  foi  tambera  a  sexla  descuberta. 
Com  mais  distinguo  poréra  falla  o  nesso  antigo,  e  douto  Frucluoso  liv. 
S,  cap.  40,  aonde  assenta,  e  sera  duvida,  que  a  liba  do  Faial  priraeiro 
foi  descuberta  do  que  a  Uba  do  Pico  ;  e  que  desta  dizera  liuns  que  se 
flescubrio  nove  annos  depois  de  se  descubrir  a  do  Faial  :  e  outros,  (jue 
depois  sira,  mas  menos  annos  depois  do  que  os  nove  :  mas  ainda  que 
OS  nove  estlvesse  por  descubrir,  nao  se  admirarà,  quera  tiver  erudigao 
de  descubrimentos  varios  :  porque  ainda  que  o  Pico  esteja  do  Faial  buraa 
so  legoa,  de  terra  a  terra,  cora  huraa  sua  penta,  e  tenlia  o  altissirao  Pico 
te  que  Ihe  derao  o  norae  :  saberaos  que  das  Canarias  a  Guraeira  dista 
la  chamada  Forte  Ventura,  hura  so  quarto  de  legoa  de  mar,  e  coratudo 
3Sta  loi  muitos  annos  priraeiro  descuberta  do  que  a  outra  :  e  o  faraoso 
foSo  Goncalves  Zargo,  descubridor  da  Madeira,  quando  jà  eslava  irame- 
liato  k  Uba  da  Madeira,  ainda  nao  cria  que  era  terra  a  escuridade  que 
da,  corao  se  escreve  aciraa  liv.  3,  cap.  4,  que  rauito  lego,  que  de  dis- 
ancja  de  huma  legoa  de  mar,  nunca  de  antes  navegado,  ninguera  se 
itrevesse  a  investir  cora  o  raedonho  aspecto  da  grande  Ilha  fronteira, 
le  seu  altissimo  Pico,  e  suas  horrendas  sorabras,  desde  a  creafao  do 
nando,  ou  desde  acabar  o  universal  diluvio  de  Noe  ? 

50    Consta  pois  que  està  liba  foi  descuberta  alguns  annos  depoi5 

VOL.  II  19 


290  HISTORIA  INSCLANA 

da  do  Faial  :  e  corno  a  do  Faial  se  descubrio  depois  do  anno  de  1450, 
segue-se  que  no  de  1460,  jà  a  liha  do  Pico  estava  descuberta,  ha  perto 
de  200  annos  :  mas  em  que  anno,  mez,  e  dia  se  descubrisse»  isso  dìo 
consta  :  corno  nem  qiiem  tambem  fosse  seu  primeiro  descubridor  :  por- 
quedizerem  alguns  que  o  foi  o  illustre  Joz  deUtra,  Donatario  do  Faial, 
pois  foi  tambem  Donatario  da  dita  liba  do  Pico  :  disto  so,  mal  se  in- 
fere :  porque  tdo  mesmo  Faial  foi  o  Utra  Donatario  primeiro,  sem  ter 
sido  0  seu  primeiro  descubridor  :  e  o  mesmo  vimos  jé  nos  primeìros 
Donatarios  da  Illia  do  Porto  Santo,  e  no  primeiro  da  liba  Terceira,  e  em 
outros  :  e  assim  parece  que  aquelles  mereantes  Portuguezes,  que  da  Ter- 
ceira biao  és  llhas  de  Sao  Jorge,  e  Graciosa  primeiro  descubertas,  esses 
descubrindo  primeiro  a  do  Faial,  descubrirao  a  do  Pico  ao  depois  :  se- 
nao*quizermos  considerar,  que  pois  aquelle  Ermitao,  morador  em  o  Faial, 
julgou  ver  a  Virgem  Senhora  nossa  da  parte  da  liba  do  Pico,  e  que  o 
chamava  para  li,  a  Yirgem  Senhora  foi  a  Divina  descubridora  d'està 
liba,  por  meio  daquelle  Santo  Ermit3o,  que  so  no  seu  batel  foi  para  o 
Pico,  e  n3o  se  soube  mais  d'elle;  e  se  isto  assim  he,  comò  parece»  a  San- 
tissima Virgem  Mài  de  Deos  foi  a  primeira  descubridora  da  Uba  do  Pico, 
e  0  descubridor  segundo  foi  por  meio  da  Senliora  aquelle  seu  devoto 
Ermitao  :  e  naa  podemos  descubrir  mais  Divino  invento  a  està  niia.  Ve- 
ja-se  0  que  ja  dissemos  neste  liv«  8,  cap.  2. 

51  A  altura  em  que  està  liba  està,  he  em  trinta  e  oito  graos,  e 
dous  termos,  quasi  a  Oeste  da  Ilha  Terceira,  e  do  porto  de  Angra  aoda 
Calheta  de  Nesquim  vào  vinte  legoas  :  mas  porque  a  tal  Uba  do  Picoiie 
tao  comprìda,  e  so  com  huma  sua  ponta  chega  à  do  Faial,  com  meoos 
distancia  de  huma  legoa  de  mar,  por  isso  a  Uba  do  Faial  dista  ainda 
trinta  legoas  da  Terceira,  e  muito  menos  està  do  Pico,  das  UbasdeSao 
Jorge,  e  Graciosa  :  porem  da  Ilha  de  Sao  Miguel,  e  ainda  por  linha  di- 
reita,  dista  mais  de  cincoenta  legoas,  e  quasi  sessenta  por  via  da  Dba 
Terceira;  e  das  lihas  das  Flores,  e  Corvo,  dista  as  legoas  que  veremos 
em  seu  lugar. 

52  A  grandeza  naturai  da  Uba  do  Pico  tem  dezoito  legoas  de  com- 
prido,  desde  Leste,  ou  Ponta  que  chamao  do  Calhào  Cordo,  até  Ceste, 
e  Porto  chamado  da  Magdalena;  e  de  largo  tem  quatro  legoas  desde  o 
Sul,  e  Villa  das  Lagens  até  o  Norie,  e  Villa  de  Sao  Roque;  donde  se  ve, 
que  de  todas  as  llhas,  de  que  temos  historiado,  nao  ha  outra  que  a  ec- 
ceda na  naturai  grandeza;  porque  a  Uba  de  Sao  Miguel^  ainda  que  tem 


LIV.    Vili   GAP.  Vili  291 

de  comprimcnto  dezoito  legoas,  nao  chega  a  mais  que  a  duas  legoas  e 
mela  de  largo»  e  em  o  melo  tem  de  largo  so  huma  legoa,  da  resaca  da 
Villa  de  Alagoa»  da  banda  do  Sul,  até  o  lugar  de  Rabo  de  Peixe,  da  ban- 
da do  Norie,  corno  vimos  ja  no  lìv.  5  cap.  3.  Pois  a  famosa  Uba  da  Ma- 
deira, tambem  vimos  jà  liv.  3  cap.  7,  nao  ter  mais  de  comprimento,  que 
qaasi  dezasete  legoas;  e  ainda  que  na  base  da  Pyramide,  que  represen- 
ta deitada,  tem  seis  legoas  de  largo  na  parte  do  Occidente,  onde  cha- 
mao  a  Ponta  do  Pargo,  d'abi  por  dianle  para  o  Oriente,  e  ponla  da  tal 
Pyramide,  vai  sempre  estreitando,  e  a  maior  largura  he  de  quatro  legoas, 
e  menos  para  a  ponta  da  Pyramide;  mas  a  do  Pico  a  excede,  pois  sobre 
outras  quatro  legoas  que  tem,  e  sempre,  de  largo,  tem  dezoito  de  com- 
prìdo,  e  mais  de  quarenta  em  circumferencia,  atém  das  tres  legoas  do 
seu  estupendo  Pico  em  altura  para  o  Geo.  Pelo  que  so  a  GrHo  Canaria 
pertenderé  ser  maior  do  que  a  Uba  do  Pico,  por  ter  quarenta  legoas  em 
circuito,  e  ser  de  Qgura  redonda;  mas  claro  esté  que  nem  de  compri- 
mente, ou  linba  recta  diametral,  póde  ter  dezoito  legoas  em  circulo  de 
qaarenta;  e  mais  de  quarenta  tem  a  Uba  do  Pico  em  sua  roda:  conclue- 
se  pois,  que  em  seu  corpo  be  a  maior  Uba  de  todas  as  atéqui  descriptas; 
qae  das  de  Cabo  Verde,  nem  ba  duvida. 

CAPITULO  Vili  ^ 

Das  Villas,  e  Lugares  da  Ilha  do  Pico. 

53  Comecando  da  Ponta  que  cbamSo  do  Caibdo  Gordo,  por  ser  de 
grossa  penedia,  e  indo  para  o  Poente  pela  banda  do  Sul,  tres  legoas  adiante, 
està  bum  porto  cbamado,  Calbeta  de  Nesquim,  onde  se  carrega  quanto  d'a- 
qoella  parte  ba,  de  muitos  gados,  muitas  madeiras,  e  em  todo  o  anno;  e  no 
tal  porto  entrao  caravelas  de  vinte  toneladas.  D'abi  a  bum  quarto  de  legoa 
se  segue  buma  alta  rocba  com  sua  ponta  ao  mar,  e  logo  adiante  vai  ou- 
tra  rocba  ainda  mais  alta,  a  que  cbamao  a  Dourada,  que  no  meio  faz  bu- 
ina quebrada,  ou  gróta,  donde  sabem  taes  ventos,  que  dos  barcos,  e  ca- 
ravelas, que  por  defronte  pass3o,  faz  algumas  vezes  perderem-se  alli.  De- 
pois se  segue  bum  porto  cbamado  de  Santa  Cruz,  e  o  lugar,  ou  Fregue- 
ada  de  Santa  Barbara,  que  tem  mais  de  cem  vizinbos,  e  muitos  d'elles 
rìcos,  e  nobres,  por  n'este  posto  se  darem  cada  anno  mais  de  mil  e  du. 
zentas  pipas  de  bom  vinbo. 


292  HISTORIA    INSULANA 

34  Huma  legoa  mais  adiante  esté  a  perigosa  barra,  que  he  o  pri- 
roeiro  porto  da  principal  Villa  chamada  das  Lagens;  mas  d*es(e  prìmeiro 
porlo  se  nSo  serve  a  Villa,  seoao  quatro  mezes  no  anno,  em  Maio,  Jo* 
nho,  Julho,  e  Agosto,  por  ser  em  voltas  a  entrada  da  barra,  e  quebrar 
muito  D'ella  o  mar;  porém  pouco  adiante  lem  segundo  porto  a  Villa,  e 
està  se  serve  d'elle  com  seus  barcos.  Consta  a  Villa  de  quasi  duzentos 
vizinhos  juntos,  fora  muitos  espalhados;  a  Igreja  Matriz  he  da  invocacio 
da  Santissima  Trindade;  tem  Vigario,  e  quatro  Benefìciados;  tem  geote 
nobre,  e  rìca,  e  d  ella  foi  seu  Capitao  militar  hum  Pedro  Tristao  Galuar- 
te;  e  ainda  que  o  terreno  d'està  principal  Villa  he  de  pouco  trigo,  por 
ser  terra  fragosa,  he  de  muito  e  excellente  vinho,  e  de  muitas,  e  grao- 
des  madeiras:  e  ainda  d'aqui  legoa  e  mela  de  costa  alta  està  outro  por. 
to,  a  que  cliamao  a  ponta  do  Mouro,  e  a  este  terceiro  porto  v3o  muitas 
caravelas,  e  se  carrega  n'elle  toda  a  sorte  de  madeira,  com  que  fica  a 
Villa  das  Lagens,  corno  a  cabega  da  liba,  muito  bem  provida,  e  servida. 

55  Mela  legoa  mais  adiante  està  huma  bahia,  que  chamao  a  do  Ga- 
leno, porque  n'ella  hum  Garcia  Gon^alves  Madruga,  achando-se  devedor 
a  el-Rei  D.  JoSo  III,  fez  hum  Galeao  Real,  a  que  chamou  o  Galeao  Trio- 
dade,  e  o  entregou  a  el-Rei,  que  com  tal  Galeao  se  deo  por  bem  pago. 
E  aqui  està  o  lugar,  e  Freguezia  de  Sao  Matlheos,  que  consta  de  mais 
de  cincoeiita  visinhos,  e  se  erigio  em  tempo  do  Bispo  D.  Manoel  de  Goa- 
vea:  e  legoa  e  meia  adiante  està  bum  porto  pequeno,  e  muito  bom,  que 
serve  de  muita  carregafào:  e  meia  legoa  adiante  està  outro  porto,  e  Fre- 
guezia, que  chamao  da  Magdalena,  porto  de  area  branca,  e  mìuda,  e  o 
mais  fronteiro,  e  approximado  a  Uba  do  Faial,  e  porto  bom,  aonde  de 
tudo  se  carrega,  e  descarrega,  e  passa  muito  de  cem  vizinhos,  e  muitos 
espalliados  pela  terra  dentro,  aonde  ha  muito  gado,  e  houve  jà  muito 
bom  pastel;  e  aqui  he  o  Poente  da  liha,  e  onde  ella  acaba  pela  parte  do 
Sul;  e  defronte  d'este  porto  estao  dous  llheos  pequenos,  em  que  so  ha 
muita,  e  varia  casta  de  aves. 

56  D'este  Poente  da  llha  volta  ella  do  Sul  para  o  Norte;  para  eslo, 
andadas  tres  legoas  e  meia,  està  a  ponta  pequena,  que  chamao  Furna  de 
Santo  Antonio,  por  ter  na  rocha  de  cima  huma  Ermida  do  Santo;  he  as- 
ta furna  tal,  que  cabe  por  ella  huma  caravela  de  vinte  e  ciuco  toneladas, 
e  vai  dar  dentro  em  huma  enseada  tal,  de  recolhido  mar,  que  deitando 
n'elle  de  cima  da  rocha  a  raadeira,  a  tomao  entao  as  caravelas,  mas  so 
em  tempo  do  verao,  pelo  perigo  que  ha,  de  em  outro  tempo  se  mette- 


Liv.  Vili  CAP.  Vili  293 

rem  dentro  as  embarcagocs.  Quasi  meia  iegoa  adiante  està  iium  grande 
caes,  que  se  chama  o  caes  do  Norie,  oii  de  S.  Roqne  ;  por  estar  em 
0  destrìcto  da  Villa  do  mesmo  nome  de  S.  Roque  aqui  se  carrega 
multa  madeira,  muitos  gados,  e  taiitos  vinhos,  que  tem  a  Freguezia  mais 
de  mil  pipas cadaanno;  e  o  porto  he  tal,  que  com  guiadaste,  e  às maos 
vario  OS  barcos,  e  tem  facii  a  descarga,  e  carga. 

57  Logo  outra  meia  Iegoa  adiante,  em  o  baixo  de  huma  enseada, 
està  situada  a  Villa  de  Sao  Roque,  que  he  a  segunda  Villa  da  Ilha  do  Pi- 
co, da  banda  do  Norte,  e  correspondente  à  Villa  das  Lagens,  da  banda 
do  Sai,  e  ao  mesmo  Sao  Roque  he  dedicada  a  sua  Igreja  Matriz,  e  tem 
porto  de  cento  e  cincoenta  visinhos,  com  seu  Vigario,  e  BeneQciado.  N^es* 
la  nobre  Villa  foi  Capitao  da  guerra  bum  Simao  Ferreira,  e  antes  d'elle 
bum  Fernao  Alvarez,  tao  rico,  e  tao  nobre,  que  diz  Fructuoso,  que  em 
seu  tempo  era  o  Monarcha  da  Ilha  do  Pico;  e  ainda  huma  Iegoa  da  Vil- 
la por  diante,  aonde  cbamao  a  Prainba  do  Norte,  serve  &  dita  Villa  o  caes 
chamado  Caes  de  S3o  Roque,  que  da  terra  entra  pelo  mar  bum  tiro  de 
arcabuz,  e  he  todo  de  pedra  viva,  que  bum  grande  terremoto,  e  corren- 
te fogo  fez,  comò  em  seu  lugar  diremos;  e  junto  da  poiita  delle,  n'esta 
Prainba  do  Norte,  pódem  nàos  grandes  estar  ^eguras;  e  so  por  incuria 
nao  he  cursado  este  bom  porto. 

58  Mais  de  meia  Iegoa  adiante,  pela  banda  d'este  Norte  para  o  Nas- 
cente, estava  antigamente  o  lugar,  e  Freguezia  de  Nossa  Senhora  da  Pie- 
dade,  que  ao  depois  se  prssou  ainda  para  mais  adiante,  e  passa  de  cem 
vizinbos,  com  seu  Vigario,  Beneflciado,  e  Thesoureiro,  e  com  pequeno, 
mas  bom  porto  de  area,  aonde  se  carregao  os  frutos  d  este  terreno,  quo 
sao,  trigo,  vinbo,  madeira,  cera,  e  mei  de  abelhas.  Andada  mais  buma 
Iegoa  se  segue  a  Encumeada,  que  dizem  de  Santo  Amaro:  e  por  outra 
iegoa  mais  adiante  vai  a  mais  alta  rocha  da  Uba,  até  chegar  à  Rìbeirinha, 
00  Prainha,  que  està  em  bum  porto,  e  he  lugar  que  chega  a  cento  e  vin- 
te visinhos,  e  tem  seu  Vigario,  e  Thesoureiro:  e  defronte  da  Prainba  es- 
tà no  mar,  o  tao  perto,  bum  Ilheo,  que  a  nado  se  vai  a  elle:  e  bum  quar- 
to de  Iegoa  mais  avaote  està  bum  po(o  de  agua,  que  toca  de  saiobra, 
mas  tal,  que  d'ella  bebé  a  gente,  e  muite  mais  o  gado  d  aquella  parte: 
e  mais  adiante  està  ultimamente  a  Ponta  do  Calhào  Gordo,  donde  prin- 
cipiamos  està  grande  volta  dada  a  teda  a  Ilha  a  roda. 


294  HISTORIA  INSULANA 

CAPITULO  IX 

Do  interior^  e  clima,  fertilidade,  e  frutos  d'està  Ilha. 

59  No  interior  da  liha  do  Pico  nao  ha  outra  Villa,  oa  lugar,  seiiao 
hum  na  raiz  do  seu  altissimo  monte,  de  que  fallaremos,  quando  d'elle, 
e  0  que  mais  he,  que  caminhos  coramuns  nao  ha  por  dentro  d'està  Ilha, 
mais  que  o  do  circulo  d'ella  toda  é  roda,  que  jà  tocàmos,  e  bum  qae 
atravessa  pelo  meio,  do  Sul  ao  Norte  da  Villa  das  Lagens  à  outra  Villa 
de  SSo  Roque:  e  da  mesma  Villa  das  Lagens  vai  outro  caminho  de  tres 
legpas  de  comprido  até  o  pé  do  sobredito  alto  Pico,  por  entre  matos,  e 
arvoredos:  e  com  tudo  he  verdade  que  em  todo  o  cert3o  da  Uba  ha  mai- 
tos  rusticos  moradores,  que  guard3o  gados,  criao  colmeas,  fazem  cera, 
fabricao  o  mei,  corteo  madeiras,  e  fazem  o  mais  que  se  Ihes  manda  fa- 
zer:  mas  nem  d'elles  ha  algum  lugar  de  povo  junto,  e  sepamdos  vivem, 
vao,  e  vem  de  seu  trabaiho,  e  por  caminhos  que  so  sabem,  e  trilhSo:  e 
d'isto  servem  muito  a  quem  he  flei  na  paga. 

60  0  ci  ma  do  ar,  e  terra  he  tal,  que  sem  Medico  algum  se  vive  vida 
mui  larga,  e  a  sua  experiencia  Ihes  ensina  as  medicinas,  e  nem  sesabe 
que  houvesse  alguma  bora  peste  na  tal  liba,  nem  doengas  contagiosas* 
de  agua  porém  nativa,  ou  fontes  d'ella,  ha  grande  falla,  e  maior  em  o 
verào:  e  assim  nem  ribeiras  ha  consideraveis,  e  de  outros  muitos  modos 
moera  o  pao,  e  o  fazem  em  farinhas,  e  para  o  mais  acodio  tanto  a  Pro- 
videncia  Divina,  que  a  mesma  natureza,  e  na  terra  em  muitas  partes, 
tem  taes  tanques  formados  de  pedra  viva,  e  com  tao  naturaes  abobadas 
da  mesma  pedra  por  cima,  que  da  chuva  do  inverno  se  enchem  de  agoa 
doce,  e  tanta,  que  Ihes  basta  para  bober,  e  tudo  o  mais  necessario,  e  a 
tem  mui  defendida  de  nao  chegar  gado  a  ella,  e  tanto  assim,  que  em 
algumas  partes  nao  bebem  os  gados,  senao  de  dous  em  dous  dias,  e  para 
beberem  andao  caminho  de  tres  legoas,  porque  ainda  que  nas  serras  do 
ordinario  Cerlao  ha  algumas  fontezinhas,  nao  sào  comtudo  capazes  de 
darem  bebida  a  gados. 

61  Porém  parece  he  tao  humida  em  seus  fundos  està  liba,  que  sens 
frutos  nao  necessilào  de  rega,  nem  de  mais  agoa  os  gados,  pois  dà  toda 
a  hortaii^a,  e  muito  bella,  e  ha  homem  que  de  aboboras  recolhe  mile 
duzentas,  e  ha  tao  grandes  nabos,  que  chega  cada  hum  a  mela  arroba 
de  pezo,  e  ha  tanta  carneirada,  que  hum  so  homem  dà  oitenta  carneiros 


LIV.  Vili  CAP.   IX  293 

ao  dizimo,  e  conto  e  trinta  pedras  de  la,  e  da  fruta  de  espinho  confessa 
Fructuoso  que  he  a  melhor  de  todas  as  Ilbas,  e  de  pessegos,  marmelos, 
flgos,  e  macas  he  (e  com  excellencia)  ferii! issìma,  corno  tambem  de  ga- 
dos  de  loda  a  casta,  e  vaccas,  porcos,  ovelhas,  e  cabras  :  e  he  de  notar 
que  OS  rusticos  esfolavao  os  porcos,  e  da  pelle  faziào  os  seus  c^patos, 
jé  cono  0  cabello  para  dentro,  jà  com  elle  para  fora,  os  calgavao,  e  os 
atavao  com  correas  da  mesma  pelle  do  porco:  mas  depois  der3o  em  cal- 
car mais  limpamente. 

6i  0  maior  fruto,  e  mais  celebre  d'està  grande  Ilha  do  Pico  he  o 
seu  milito,  e  excellente  vinho,  e  quantas  mil  pipas  dò  cada  anno,  bem 
se  collie,  que  da  tal  Ilha  seprovém  em  grande  parte  as  outras  Ulias,  as 
armadas,  e  frotas,  que  a  ella  v3o,  os  Estrangeiros  que  o  vao  buscar,  8 
0  multo  que  vai  para  o  Brasil,  e  tambem  vem  para  Portugal,  e  a  razao 
deo  jd  0  antigo  Fructuoso  liv.  6,  cap.  41,  dizendo  que  o  vinho  do  Pico 
n3o  so  he  muito,  mas  juntamente  o  melhor,  o  que  multo  mais  se  deve 
entender  do  vinho  que  n'aquella  Ilha  chamao  vinho  passado,  porque  he 
tao  generoso,  e  tao  forte,  que  em  nada  cede  ao  que  em  a  Madeira  cha- 
mao Malvazia,  antes  parece  que  a  està  vence  aquelle,  porque  daMalvazia 
pouca  quantidade  basta  para  alienar  humhomem  de  seu  juizo,  e  nao  se 
accommoda  tanto  a  saude,  porém  o  vinho  passado  do  Pico,  emprega-se 
mais  em  gastar  os  màos  humores,  confortar  o  estomago,  alegrar  o  co- 
racao,  e  avivar,  e  n5o  fazer  perder  o  juizo,  e  uso  da  razao;  além  de  ser 
suavissimo  no  gosto,  e  muito  confortativo,  ainda  so  com  o  cheiro;  e  por 
isso  he  muito  estimado,  e  vai  multo  mais  que  o  outro  vinho  da  mesma 
Ilha,  com  ser  todo  precioso* 

63  Nem  he  fruto  menos  eslimavel  a  muita,  e  singular  madeira  d'es- 
tà Ilha,  porque  tanta  he,  e  tSo  forte,  que  d'ella  se  podem  fabricar  mui- 
tos,  e  grandes  navios,  (comò  se  fabricou  o  Galeao  Trìndade)  sem  a  Ilha 
sentir  falta  de  lenha,  por  haver  n*ella  muitos,  e  grandes  matos,  e  lantos 
vinhagos,  que  so  das  vides  d'elles  se  podem  servir  plenariamente  os  mo- 
radores;  e  da  rama  dos  matos  se  servem  as  outras  Ilhas,  em  que  falta 
lenha;  e  muito  mais  nao  se  lavrando  na  Ilha  assucar,  que  he  o  que  gas- 
tou  em  0  principio  as  lenhas  de  Sao  Miguel,  e  as  da  Ilha  da  Madeira, 
que  por  isso  mesmo  dao  jà  hoje  muito  pouco  assucar,  e  daqui  vem  a 
muita  carregaQào  que  ha  de  madeiras  n'esta  Ilha,  e  a  grande  renda  d'el- 
las,  e  enlre  os  muitos  Cedros  desta  Ilha,  ha  outra  casla  de  pào  muito 
precioso,  que  chamao  Teixo,  e  he  tao  admiravel  para  escrilorios,  escri- 


29G  HISTOIUA  INSULANA 

vaninhas,  etc,  que  se  nao  corta  sem  especial  licenga,  e  vai  para  muitas 
partes,  e  especialmente  para  a  Uba  Terceira,  aonde  ha  muitos  of&ciaes 
primos  das  ditas  obras,  que  vem  para  Lisboa,  e  vao-para  outras  terras. 
He  este  pào  Teixo  tal,  que  cresce  corno  Pinheiros,  e  n5o  de  outra  sorte, 
senào  da  sua  propria  semente  que  d'elle  cahe  na  terra,  e  a  encbe  de 
Teixos  novos,  sem  que  necessite  de  outra  alguma  fabrica  :  d'onde  com 
razao  dizemos  que  até  a  madeira  da  Uba  do  Pico,  he  bum  dos  frutos 
d'ella,  de  grande  rendimento. 

64  E  nao  sd  a  terra,  mas  tambem  o  seu  mar  em  roda,  he  multo 
frutifero,  porque  além  de  em  todo  o  circulo  ser  mar  de  muito  pescado, 
he  de  peixes  mui  selectos,  e  de  estima,  comò  de  Salmonetes,  Escolares, 
e  dos  outros  que  ha  em  outras  Ilbas,  e  muito  mais  dos  que  se  coihem 
no  Faial,  Uba  tao  vizinba  sua,  que  do  Poente  do  Pico,  e  seu  porto  da 
iMagdalena,  nao  dista  o  Faial  mais  que  buma  pequena,  e  quasi  legoa; 
mas  OS  barcos  da  passagem  sao  so  da  parte  do  Faial,  com  que  quereodo 
alguerjf)  do  Pico  passar  ao  Faial,  faz  de  noite  tantos  fachos  de  fogo,  oa 
de  dia  tantos  fumos,  quantos  sào  os  passageiros  ;  e  se  o  passageiro  he 
hum  so,  e  quer  passar,  faz  juntamente  muitos  dos  taes  sinaes,  e  paga 
quanto  os  muito  pagariao,  e  a  paga  he  a  vintem  cada  passageiro;  e  sue* 
cede  muitas  vezes,  que  hum  so  paga  por  sete,  e  por  dez,  por  tantos  si- 
naes  ter  feito  para  o  virem  buscar:  e  jà  se  ve  que  nao  so  he  particular 
regalia  do  Faial,  ter  a  Uba  do  Pico  por  sua  Quinta,  mas  tambem  da  do 
Pico  be  regalia,  ter  corno  por  Corte  sua  a  nobilissima  Uba  do  Faial, 

CAPITULO  X 

Do  altissimo  Pico,  e  do  tremar,  e  fotjo,  que  Mo  nelle^ 
mas  ììa  Ilha  houve, 

65  A  Fatalidade  do  tal  Pico  be  digna  de  especial  memoria.  Levan* 
la-se  este  Pico  na  poQta  que  a  sua  Uba  faz  para  o  Poente,  deixando  qua- 
si quinze  legoas  de  terra  de  comprimento  para  o  Nascente,  que  a  res- 
peito  do  tal  Pico  se  póde  cliamar  terra  playna.  cha,  e  corrente,  posto 
que  ainda  lenha  varias  serras,  e  montcs  ordinarios.  0  circulo  do  pé  d'es- 
le  Pico  tera  tres  legoas  em  roda,  e  fica  mais  perto  do  Sul,  do  que  do 
Norie,  e  tao  perlo  do  porlo  da  Magdalena,  que  contando  a  quasi  legoa 
do  mar,  que  da  Magdalena  vai  alò  o  Faial,  ainda  està  Uba  do  Faial  fica 


uv.  vili  CAP.  X  297 

menos  de  duas  legoas  do  pé  do  Pico;  e  a  Villa  das  Lagens  Ihc  flca  atraz 
tres  legoas  pela  banda  do  Sul  para  o  Nascente,  e  todas  estas  tres  legoas 
sao  de  matos,  e  arvoredos;  e  assim  corno,  para  o  Poente,  fica  bem  ao 
pé  do  Pico  0  sobredito  Lugar  da  Magdalena,  assim  para  a  parte  do  Sai 
]he  fica»  ao  pé  tambem,  a  Freguezia,  e  lugar  chamado  Sao  Mattheos,  que 
està  em  os  matos,  e  he  de  multa  romagem,  até  de  outras  Ilhas;  e  com- 
tudo  tem  muitos  colmeaes,  muito  mei,  e  muila  cera  este  traete;  e  logo 
em  outro  mato,  e  bem  ao  pé  do  monte,  fez,  ao  principio,  bum  devoto 
Ermitao  buma  Ermida,  em  que  se  metteo,  e  fez  penìtencia  muitos  annos, 
até  que  o  levarao  para  S.  Francisco  do  Faial,  e  ainda  là  fazia  a  mesma 
penitente  vida,  a  morreo  tido  e  bavido  por  Santo;  e  nem  o  nome,  nem 
a  patria  nos  ficou  de  tal  varao. 

66  Sobe  pois  este  estupendo  pico,  na  mesma  circumferencia  de  tres 
legoas,  e  uifta  de  diametro,  sobe  quasi  legoa  e  mela  ao  Geo  direitamen- 
te,  e  na  mesma  direitura,  mas  jà  com  menos  circulo,  se  levanta  em  se- 
gando monte,  outra  legoa  e  mela  em  demanda  direìta  ainda  do  Geo;  e 
assim  consta  de  dous  montes,  ambos  uniformemente  subindo  bum  sobre 
0  outro,  e  ainda  o  de  baixo  he  tao  alto,  que  excede  os  grandes  montes 
de  outras  terras:  em  o  primoiro  monte  que  fica  de  baixo,  ha  ainda  mui- 
to arvoredo,  e  pastos,  e  muilas  fontes  pequenas,  e  por  isso  os  muitos 
gados  0  sobem  todo,  e  em  todo  o  anno,  e  os  pastores  com  elles;  e  no 
verao  se  atrevem  a  subir  parte  do  segundo  monte,  mas  nunca  chegao 
ao  mais  alto  do  segundo,  e  ultimo  monte,  porque  posto  que  ainda  n'elle 
Ihes  nao  fatte  agua,  e  algum  pasto,  he  jà  tudo  tao  delgado,  e  subtil,  que 
Ibes  nao  serve  à  nutricao  naturai,  e  menos  o  ar,  jà  mais  subtil  para  a 
naturai  respirafào,  e  por  isso  em  entrando  o  inverno,  todo  o  gado  per 
si  se  volta  ao  monte  de  baixo,  e  n'elle  se  fica  o  inverno  todo,  com  me- 
nos frios,  e  mais  aptos  mantimentos. 

67  0  segundo  monte  fica  jà  tao  excessi vamen le  levantado,  que  até 
em  grando  parte  do  verao,  està  todo  tao  alvo  de  saraiva,  ou  pedra  do 
Geo  miuda,  e  de  tal  frio,  que  nao  so  o  mais  snjeito  lugar  da  Magdalena, 
mas  ainda  a  Ilha  do  Faial,  e  a  principal  Villa  das  Lagens,  com  estar  tres 
legoas  distante,  padecem  grandes  rigores  de  correspondencia  tao  aspe- 
ra; porém  a  mais  miuda,  e  formada  neve,  nao  so  em  as  ditas  Ilhas,  mas 
nem  em  tal  Pico,  nunca  jà  mais  se  vio,  nem  se  sabe  n'estas  Hhas,  que 
cousa  seja  neve;  mas  do  tal  segundo  monte,  e  do  cume  ultimo  d'elle  se 
veem  todas  as  nove  Ilhas  Terceiras,  e  nao  so  até  Sao  Miguel,  e  Santa  Ma- 


298  HlSTOiUA  INSULANA 

ria,  mas  até  as  Ilhas  das  Flores,  e  do  Corvo,  que  do  Pico  distao  qaa- 
renta  legoas:  e  quem  da  coroa  de  tao  alto  Pico  olha  para  baixo,  ve  an« 
darem  as  nuvens  là  em  baixo  sobre  o  primeiro  monte  inrerior,  e  chover 
là  por  baixo,  sem  cahir  agua  entlo  no  segundo  monte,  antes  sentindo 
n'elle  serenissimo  tempo,  ar  delgadissimo,  e  delgadissimas  aguas  em  di* 
versas  fontes,  e  ainda  em  a  vital,  e  melbor  respiracao  difBculdade  sen- 
si vel. 

68  E  nao  obstante  isto  tudo,  bum  Corregedor,  e  Desembargador 
de  Angra,  chamado  Fernào  de  Pina  Marecos,  indo  em  correi^ao  à  dita 
Villa,  (corno  jà  tocamos  em  outra  parte)  se  animou  a  subir  ao  mais  alto 
d'este  fatai  Pico,  que  tem  tres  legoas  de  subida  acima,  posto  qae  em 
varias  voUas,  e  quando  jà  nao  vio  mais  a  que  subir,  se  subio  aos  hom^ 
bros  de  bum  homem,  e  d'alli  mandou  aos  EscrivSes,  que  com  elle  subi- 
rSo,  que  tomassem  fé,  e  formassem  auto  publico,  comò  elte  Doutor,  e 
Gorregedor  Pina  ficara  mais  alto,  ou  mais  empinado,  do  que  o  alUssimo 
Pico,  que  deo  o  nome  à  tal  Ilha,  e  fez  declarar,  e  escrever  o  que  d'aiU 
via,  comò  dissemos  acima;  e  fazendo  logo  experiencia  das  fontes,  das  m*- 
vas,  e  do  mais  que  brevemente  pode  sua  curiosidade  examinar,  temen- 
do do  ar  a  delgadeza,  e  algum  accidente  sobre  ella,  se  voltou  logo  abai- 
xo,  descendo  as  tres  legoas  outra  vez,  bem  guiado  por  rusticos  pasto- 
res;  e  nem  se  sabe  que  achasse  em  o  cume  do  tal  Pico  nuvem,  ave,  ga- 
do,  ou  bicho  algum;  e  menos  ainda  gente  humana,  e  so  do  inferior  mon- 
te para  baixo  tudo  achava. 

69  Do  tal  Pico  emfim  diz  Fructuoso  liv.  6  cap.  41  que  he  t3o  allo, 
que  OS  mareanles,  e  as  outras  Ilhas  o  tem  por  sua  melhor  agulba  de 
marcar,  que  em  sens  presentes  aspectos  Ihes  mostra  os  immineutes  tem- 
pos;  porque  quando  està  cuberlo  de  nevoas,  denota  ventos  mareiros, 
corno  Suesle,  Sul,  e  Sudoeste;  e  quando  todo  descuberto,  indica  Gesta, 
Noroeste,  e  Norte;  quando  tem  huraa  barra  branca  de  nevoa  pelo  meio, 
e  tndo  0  mais,  de  cima,  e  de  baixo,  descuberto,  adivinha  tempos  Les- 
tes,  e  Nordestes;  e  se  se  ve  todo  limpo,  e  logo  poem  na  cabega  algom 
capello  de  nevoa,  profeliza  que  o  tempo  se  muda  em  breve  a  marcirò: 
e  das  Ilhas  mais  distantes,  muitas  vezes  se  ve  predominando  os  ares  com 
a  cabefa  posta  sobre  as  nuvens,  e  estas  em  baixo  adorando-o  sobre  a 
terra:  e  tao  allo  parece  aos  que  estao  perto  d'elle,  corno  aos  que  estao 
longe;  e  aos  que  ao  mais  allo  d  elle  chegao,  entuo  Ihes  parece  ainda  mais 
alto,  sem  poderem  ainda  bem  comprehender  sua  altura. 


LIV.  Vili  GAP.  XI  299 

70  Nao  ha  memoria,  on  sinal,  de  que  em  tal  Pico  bouvcsse  alguma 
bora  fogo  algum,  e  so  causao  admira^So  as  fontes  que  em  lodo  elle,  até 
no  mais  alto,  nascem,  e  de  agiia  excelleDte,  e  a  razao  naturai  jà  a  apon- 
tamos  na  nossa  Filosofia.  Ha  comtudo  sinaes,  e  ainda  noticias,  que  muito 
fora  do  tal  Pico,  quasi  quatro  legoas  d'elle,  e  buma  legoa  do  mar  do 
Norte,  e  bavera  cento  e  cincoenta  annos,  no  de  1572,  a  21  de  Setembro 
tremeo  a  terra  no  baixo  da  Uba  por  espago  de  bum  tergo  de  bora,  e  com 
taes  estrondos,  que  pareciao  grandes  pegas  de  artelbarìa  disparadas  ;  e 
logo  em  bum  lago,  e  por  ciuco  bocas  arrebentou  tal  fogo,  que  d'elle,  e 
de  polme  ardente  correo  buma  ribeira  por  espago  de  buma  legoa,  até  se 
metter  no  mar  do  Norte,  e  no  mesmo  mar  formou,  com  entrada  n'elle 
de  bum  tiro  de  arcabuz,  aquclle  grande  caes  de  pedraria  abrazada,  (de 
que  fallàmos  acima  em  o  firn  do  cap.  8)  do  qual  se  serve  a  Villa  de  Sao 
Roque,  que  dista  d'elle  buma  legoa  ;  e  afQrma  o  douto  Fructuoso,  que 
foi  tao  grande  o  fogo,  que  todas  as  mais  Ilbas  Terceiras  se  allumiarao 
com  elle«  e  até  na  de  S.  Miguel  fez  da  escura  noite  claro  dia;  e  com 
tudo  nem  bum  minimo  abaio  se  sentio  em  o  dito  fatai  Pico,  contra  cuja 
immensa  macbina  nem  o  fogo  se  atreveo  ;  e  nao  ba  memoria  de  outro 
Iremor  de  terra,  ou  incendio,  que  em  a  tal  Uba  do  Pico  succedesse. 

CAPITOLO  XI 

Dos  Povóadores,  riqueza^  nohreza^  e  governo  da  liha  do  Pico. 

71  Jà  no  cap.  7  dissemos  que  os  primeiros  descubridores  d'està 
Uba  forao  os  mareantes  Portuguezes.  que  da  Terceira,  Slo  Jorge,  e  Gra- 
ciosa  derao  primeiro  com  a  liba  do  Faial,  e  depois  com  a  do  Pico,  e  por 
m'eio  da  Virgem  Sacratissima,  quo  da  do  Pico  cbamou  aquelle  seu  devoto 
Ermitao,  e  o  fez  ir  para  là,  por  mais  que  os  mareantes  da  Terceira  o 
dissuadir3o  d'isso  ;  d  onde  por  mais  provavel  julgamos,  que  da  mesma 
Terceira,  Sao  Jorge,  e  Graciosa  forao  à  liha  do  Pico  os  primeiros,  e  se- 
gundos  Povoadores  :  e  que  o  dizer-se,  que  o  Flamengo  fidalgo  Joz  de 
Utra,  Donatario  do  Faial,  foi  o  que  povoou  a  Uba  do  Pico,  nao  querdi- 
zer  que  deFlamengos  fosse  povoada,  mas  que  comò  maisvizinho,  eque 
povoara,  e  governava  ao  Faial,  continuotì  tambem  a  povoagào  da  liha  do 
Pico,  porém  pelos  Portuguezes,  que  tambem  jà  do  Faial  pode  raandar- 
Ibe:  pois  na  Uba  do  Pico  nem  familias  acbamos  de  appellidosFlamengos, 


300  HISTORIA  INSULANA 

nem  estes  tao  cedo  deixariSo  seu  Flamengo  Capitao,  nem  os  convidaria 
buma  liha,  que  ainda  que  nao  tinha  porto  de  facii  commercio,  nem  os 
frutos  ainda  dos  vinbos  que  ao  depois  teve:  e  que  entao  Ihes  parecia  hu- 
ma  Ilha  tao  montuosa,  medonha,  e  incultivavei,  que  so  Portuguezes  lem 
paciencia  para  a  irem  abrindo  por  diante,  e  cultivando,  e  muito  mais 
vindo  jà  das  outras  em  tudo  Portuguezas  llbas,  que  jà  tinhao  descuber- 
to,  e  cultivado. 

72  Quanto  pois  a  riqueza  d'està  Uba,  a  que  cbegou  brevemente, 
bem  se  colbe  dos  preciosos  frutos,  com  que  sahio  dentro  em  poucos  an- 
nos,  pois  n3o  so  deo  ao  principio  muito,  e  exceliente  pastel  no  termo  da 
Magdalena,  riquissimas  madeiras  em  tantas  legoas  da  Uba,  muito  mei,  e 
muita  cera,  innumeraveis  gados,  trigo  de  sobejo  para  toda  a  Uba,  co- 
piosissimas  frutas,  e  as  melbores,  linbos,  e  las  abundantes,  mas  toda 
ella  se  desfaz  em  viubo  tao  precioso,  e  em  tantas  mil  pipas  d'elle,  que  jé 
em  seu  tempo  (diz  Fructuoso  iiv.  6,  cap.  41)  erao  muitos  os  homens 
que  tinbao  a  cento  e  vinte  pipas  de  vinbo  cada  anno;  e  so  ao  dizimo  pa- 
gavao  oitenta,  e  mais  carneiros,  cento  e  trinta  pedras  de  13,  e  semelban- 
temente  dos  mais  frutos;  e  concine  o  mesmo  Doutor,  confessando,  e  af- 
flrmando,  que  bavia  na  Uba  do  Pico  bomens  muito  ricos,  e  jà  boje  o  s3o 
mais,  pelo  que  muito  mais  subirao  os  pregos  dos  frutos,  e  o  commercio 
das  Nagoes  a  clles  :  e  aìnda  que  muitos  das  outras  llbas,  e  muito  mais 
da  do  Faial,  tem  jà  muitas  rendas  na  do  Pico,  sempre  d'està  be  o  mais, 
e  0  melbor,  e  a  fabrica,  e  paga  de  tudo  quanto  d  ella  vai  para  outras 
partes. 

73  D'està  riqueza  se  segue  a  nobreza  d'està  Uba,  pois  se  a  nobreza 
be  filba  da  riqueza,  e  està  be  a  que  dà  as  bonras,  e  valimentos,  claro 
està  que  sendo  a  riqueza  tanta,  nào  pode  ser  pouca  a  nobreza,  no  trato, 
e  casas  dos  ricos,  e  na  fartura  dos  outros,  mas  ainda  em  o  sangue,  que 
Genealogistas  qnereni  tanto  distinguir,  vindo  todos  de  bum  mesmo  pai 
Adào  até  Noè,  e  d  este  atò  estes  tempos,  ainda  essa  sanguinea  nobreza, 
pela  riqueza  entrou  em  està  rica  Uba,  porque  comò  nas  taes  llbas  ha 
tantos  raorgados,  ou  vinculos  impartiveis,  e  ficao  os  filbos  segundos  me- 
nos  ricos,  com  os  dos  ricos  se  ajuntào  em  casamentos,  para  terem  a  ri- 
queza que  Ibes  falta,  e  aos  que  a  tem  communìcarem  sua  so  imaginada, 
e  so  sanguinea  nobreza;  e  por  Isso  alguem  dizia,  que  nào  bavia  no  mundo 
mais  que  duas  geragoes,  que  sào,  o  ter,  e  o  nào  ter  :  e  alguns  melhor 
dirào,  que  as  duas  gerafoes  suo,  o  ter,  e  o  ser,  e  que  so  d'estas  ambas 


LIV.  Vili  GAP.  XI  301 

se  coinpoem  a  maior  nobreza,  de  ter  o  necessario  para  està  tempora! 
Vida,  e  ser  limpo  de  raca  que  impela  o  alcangar  a  vida  eterna  ;  e  nao 
faltari  qiiem  diga,  que  unicamente  em  o  ter  consiste  toda  a  nobreza, 
mas  em  o  ter  duas  cousas,  a  saber,  ter  a  vida  sa,  e  santa. 

74  Mas  tornando  a  sanguinea  nobreza,  d^esta  participou  tanto  a 
presente  Uba  do  Pico,  que  jà  em  seu  tempo  nomea  o  Doutor  Fructuoso 
a  muitos  varoes  conhecìdamente  muito  nobres;  a  bum  Capitào  da  guer- 
ra, da  Villa  de  Sào  Roque,  chamado  Simao  Ferreira,  que  tinha  succedido 
a  outro,  chamado  Fernando  Alvarez,  de  quem  diz  que  era  seu  tempo  era 
0  Monarcha  da  Uba  do  Pico;  e  a  bum  Rodrigo  Alvarez,  de  quem  diz  que 
era  em  a  mesma  Villa  de  Sào  Roque  bomem  principal,  e  generoso,  e  na 
Villa  da3  Lagens  faz  men^ào  de  bum  André  Rodrigues,  e  diz  d'elle  que 
era  o  mais  rico  bomem  de  toda  a  Uba  do  Pico,  vivia  com  grande  appa- 
rato, e  comò  com  amigos  se  communicava  com  os  fidalgos  das  outras 
Ubas  em  cartas  mutuas,  comò  com  Pedreanes  do  Canto,  o  velbo,  da  Uba 
Terceira,  com  o  Donatario  do  Faial  Joz  de  Utra,  e  outros,  e  que  d'elle 
descendla  a  gera^ao  dos  Madrugas,  que  entào  erìio  os  Monarcbas  d'aquella 
principal  Villa  das  Lagens  aonde  bavia  mais  ouiras  familias  nobres  de 
Lemos,  Leaes,  Gulartes,  Tristòes,  dos  quaes  bum  Pedro  Tristao  Gularte 
foi  Capitao  dos  Militares,  e  casado  com  Isabel  Pereira,  e  d'esles  descen- 
dem  tambem  muito  nobres  familias  do  Faial,  comò  alguns  Silveiras, 
Utras,  Terras,  Porres,  Montojos,  Bruns,  etc. 

75  Sobre  o  que  toca  ao  governo  maior  de  toda  a  Uba  do  Pico,  mui- 
tos quizerao  dizer,  que  o  primeiro  Capitào  Donatario  do  Faial  Joz  de 
Utra,  0  fora  tambem  de  toda  a  Uba  do  Pico,  com  a  mesma  jurisdic^ao; 
porém  nem  de  Real  doa^ào,  ou  carta  alguma  consta  tal,  nem  de  tal  faz 
menQào  o  erudito  Fructuoso,  corno  faz  das  outras  Ilbas,  nem  se  sabe 
que  0  dito  Utra  repartisse  da  dita  Uba  terras  a  alguns,  e  so  se  acba  em 
Guedes,  que  o  dito  Utra  povoàra  a  Uba  do  Pico,  corno  a  do  Faial  po- 
voou  tambem,  e  trouxe  muitos  a  povoal-a,  sem  que  por  isso  fosse  seu 
Capitào  Donatario,  aquelle  grande  fidalgo,  Guilberme  Vandaraga,  ou 
Guilberme  da  Silveira;  e  a  razào  be  manifesta;  porque  para  bum  vassallo 
povoar  buma  terra  de  novo  descuberta  por  seu  Rei,  quando  este  o  nao 
probibe,  entào  sem  nova  licenga  do  Rei,  qualquer  seu  vassallo  o  pode 
fazer,  e  Ibe  faz  servifo  n'isso,  e  se  o  povoador  be  estrangeiro,  basta  a 
licenza,  ainda  so  permissiva,  para  que  o  faca,  mas  para  ter  jurisdiccào 
sobre  a  dita  terra  de  novo  descuberta,  be  de  mais  necessaria  doacào,  ou 


302  HISTOHIA  INSULANA 

carta  Beai  escrita  que  o  Rei  Ibe  de;  e  comò  nao  consta  que  o  Rei  a  desse 
a  Joz  de  Utra  sobre  a  Uba  do  Pico,  ncDbuma  tal  jurisdiccao  tìnba  so- 
bre  ella. 

76  Parece  pois  mais  provavel,  que  assim  corno  o  Rei  de  Portugal 
concedeo  ao  dito  Joz  de  Utra  o  povoar,  e  ser  Donatario  CapitSo  da  Uba 
do  Faial,  e  por  Real  doa^ao,  ou  carta  in  scripiis,  assim  lh*a  extendeo 
depois,  e  de  palavra,  ou  carta  menos  autbentica,  a  continuar  a  povoacao 
da  Uba  do  Pico,  e  a  governal-a  em  o  militar,  por  nenhuma  outra  liba 
estar  mais  proxima  i  do  Pico  que  a  do  Faial,  e  està  mais  facilmente  po- 
der  acodir  àquella,  e  mais  depressa  em  toda  a  occasiao  :  mas  se  d'està 
permissao,  ou  concessao  verbai  se  aproveitarao  os  successores  do  dito 
primeiro  Joz  de  Utra,  nao  me  consta,  nem  que  bouvesse  mais  algom 
outro  Capitao  General  da  Uba  do  Pico,  e  muito  menos  DoDatario  d'ella, 
nem  que  boje  alguem  o  seja. 

77  Consta  porém  que  sempre  os  Capitaes  móres  da  Uba  do  Faial 
perténder3o  ter  a  jurisdicgao  militar  da  Uba  do  Pico,  e  com  effeito  a  ti- 
ver3o  alguns,  mas  que  sempre  a  Uba  do  Pico  Ibes  resistio  a  isso,  e  ainda 
boje  resiste;  e  que  se  governa  em  o  militar  pelos  seus  Capit3es  móres, 
a  que  tambem  cbamao  Capitaes  da  guerra,  das  Villas  das  Lagens,  e  de 
S9o  Boque,  eleitos  na  fórma  costumada  pelas  Cameras,  e  Povo  ;  mas 
nem  consta  que  nesta  Uba  baja  Fortaleza  alguma,  ou  presidio  militar, 
sendo  que  o  podera,  e  devera  baver  ;  porque  ainda  que  per  si  seja  ia- 
conquistavel,  alguns  postos  tem  em  que  se  pode  faltar,  e  deviao  estes 
estar  presidiados;  porque  ainda  que  nào  baja  memoria  de  ter  sido  està 
Uba  commettida,  quanto  mais  entrada  de  inimìgos,  nem  ainda  de  Hoa- 
ros  ;  e  so  por  ter  sido  da  parte  do  senhor  D.  Antonio,  so  entao  a  aco- 
meteo  a  armada  de  Felippe  II,  que  desistindo  d'isso,  so  tratou  de  con- 
quistar 0  Faial,  e  o  conquistou  comò  acima  vimos  em  as  guerras  da 
Terceira;  comtudo  mais  deteza  se  deve  por  nesta  Uba,  contra  o  que  pode 
acontecer. 

78  Em  0  governo  politico  se  governa  està  Uba,  conforme  a  Orde- 
nacao  de  Portugal,  pelos  dous  Senados  das  Cameras  de  suas  Villas,  das 
Lagens,  e  de  Sao  Roque,  e  pelos  seus  Juizes  ordinarios  da  terra,  Verea- 
dores,  Almotac^is,  Misteres,  Escrivaes,  e  Alcaides,  e  os  mais  sabidos 
Ministros,  aos  quaes  todos  visita  cada  anno  o  Corregedor  do  Angra,  se 
cada  anno  là  vai,  e  nao  so  ao  Fayal.  Mas  no  governo  da  Real  fazenda 
de  ambas  as  Ubas,  todo  està  unido  no  Almoxarìfe  do  Faial,  e  este  em 


LIV.  Vili  GAP.  XI  303 

ludo  sugeito  ao  Regio  officio  de  Provedor  da  fazenda  da  Terceira,  que 
a  todas  as  nove  Ilhas  pode  ir  visitar,  quando  vir  ser  necessario,  e  as 
necessarias  ordens  passa  a  todas. 

79  No  governo,  e  estado  Ecclesiastico  sempre  leve  a  liha  do  Pico 
por  cabe^a  o  Bispo  de  Angra,  ou  a  sua  Sé  vacante  :  mas  por  Ministro 
immediato,  parece  que  leve  em  algum  tempo  ao  Ouvidor  do  Faial,  mas 
boje  tem  Ouvidor  especial  de  loda  a  Uba  do  Pico,  a  quem  v3o  là  com 
as  causas  em  a  prìmeira  instancia,  e  vem  fìndar-se  em  Angra;  e  tem  mui 
sufficiente  Cleresia  de  Vigarios,  Curas,  Beneflciados,  Thesoureiros,  e  ex- 
travagantes  Cierigos;  e  tanta  limpeza  junta  com  tao  bons  procedimentos 
em  OS  povos,  que  n3o  sei  que  d'està  Uba  viesse  ainda  algum  prezo  ao 
Santo  Officio,  pois  nem  da  ra(^  de  Judaismo,  nem  ainda  de  bereges  es- 
trangeiros  ba  n'ellas  gentes.  De  Religiosos,  ou  Religiosas  tambem  nao 
ha  na  Uba  do  Pico  Convento  algum  mais,  que  o  de  S.  Francisco,  que  a 
loda  a  parte  acodem,  e  servem  muito  aos  sàos,  aos  doentes,  e  ainda  aos 
jà  mortos,  e  sempre  dos  seculares  tem  Terceiros  de  muita  reforma,  e 
virtude  exemplar.  E  do  Collegio  da  Companbia  de  Jesus,  da  Uba  do 
Faial,  v3o  à  do  Pico  muitas  vezes  Religiosos,  que  n'ella  fazem  missoes 
Apostolicas,  comò  em  as  outras  flzerao,  e  costumao  fazer  sempre;  e  isto 
por  bora  baste  da  fatai  Uba  do  Pico,  septima  das  Ilhas  dos  Assores,  ou 
Terceiras,  e  vamos  à  oitava,  e  nona. 


Fin  DO  LIVRO  OITAVO. 


.tei' 
té 

m 

i 


Ili 


IIISTORU 
IN8ULANA  LUSITANA 

UTRO  I¥OKO 

DAS  ILHAS  PLOUES,  E  COIIVO,  E  DAS  QUE  SE  ESPEUA  DESCUIJIUR 

DE  NOVO. 

CAPITULO  i 

Da  alluraf  grandeza^  e  primeiro  descuhrimefUo^.  ou  povoa^do 
da  llka  das  Flores, 

1  Para  consumir  a  tudo  o  tempo,  ale  aos  livros  consome,  para  qua 
nem  memoria  do  passado  haja;  e  assim  succedeo  em  algumas  partcs  ao 
livro  do  eruditissimo  Doulor  Fructuoso,  em  cujo  liv.  6,  sumio  os  cap. 
45  e  46,  em  que  tratava  do  principio  das  Flores,  e  da  do  Corvo,  de  quo 
poderamos  dizer  muito  mais  ;  mas  ainda  do  que  diz,  e  algumas  vezes 
repete  até  o  cap.  48  e  em  outros  Ingares.  e  do  qne  consta  por  tradi^ao 
commua,  e  tocào  alguns  outros  escritos,  diremos  o  que  pudermos  ave- 
riguar  por  mais  provavel. 

2  A  liha  das  Flores  està  em  quasi  quarenta  gréos  de  altura;  dista 
da  Terceira  a  Oes-sudoeste  setenta  iegoas,  e  muito  mais  das  Ilhas  de  S3o 
Miguel,  e  Santa  Maria  ;  e  do  Faial,  e  Pico,  menos,  mas  ainda  quarenta 
legoas.  A  sua  grandeza  consta  de  muito  mais  de  doze  legoas  de  circuito, 
e  mais  de  ciuco  de  comprido,  e  quatro  de  largo.  Chama-se  Ilha  das  Flo- 
res, porque  flores,  e  tHo  altas,  virào  n'ella  os  que  a  descubrir3o.  que 
por  isso  Ihe  derào  o  dito  nome  ;  mas  porque  para  o  seu  Norte,  e  em 
pouca  mais  distancia  que  duas  legoas,  Ihe  flca  outra  Uha,  a  que  chamao 
Corvo,  de  que  abaixo  trataremos,  d'aqui  vem  que  a  ambas  estas  chamao 
Corvo,  e  Corvinos  aos  naturaes  de  qualquer  d'ellas,  e  as  propriedades 
de  cada  huma  accommodao  à  outra  :  e  ainda  o  vulgo  das  outras  Ilhas 
confunde  as  taes  duas  entre  si. 

VOL.  u  20 


3()G  HISTOIHA    INSULANA 

3  Do  dia,  mez,  on  anno,  em  que  a  primeira  vez  se  descubrisse  a 
Uba  (las  Flores,  nào  ha  nera  provavei  conjectura,  corno  melhor  se  veri 
abaixo,  quando  tratarmos  da  do  Corvo:  e  o  mesmo  podemos  dìzer  do 
dia,  mez,  e  anno,  em  qne  a  segunda  vez  se  descubrio,  e  comecou  a  po- 
voar-se  :  e  com  ludo  parece  sem  duvida,  quo  foi  a  oitava  Uba,  que  das 
Terceiras  se  descubrio,  pois  com  as  Ilbas  do  FaiaU  e  Pico  terem  sidoa 
sexta,  e  a  septima  que  se  descubrirao,  nenhuma  noticia  ainda  ent3o  ha- 
via  da  das  Flores,  ou  do  Corvo,  nem  de  alguem  que  là  fosse  a  povoa- 
1-as:  porque  ainda  que  sabemos  que  aquelle  fldalgo  Guìlherme  Vandaraga 
da  Silveira  foi,  e  esteve  na  Uba  das  Flores,  isso  fez  elle,  tendo  jà  vindo 
da  sua  terra  à  liha  do  Faial,  e  jà  depoj^  d'està  descuberta  bavia  ^atro 
annos  :  e  depois  esteve  alguns  em  a  Terceira,  e  ainda  depois  voltou  a 
Fiandres,  e  d'ahi  vindo  por  Lisboa,  tornou  à  Terceira,  e  d'està  eotao  foi 
às  Flores. 

4  E  d  aqui  se  colhe,  que  tendo  sido  descuberta  a  Uba  de  Santa 
Maria  em  o  anno  de  1432,  e  a  de  SSo  Miguel  em  o  anno  de  1444,  e  a 
Terceira  pouco  depois,  mas  antes  do  anno  de  1450,  depois  do  qual  se 
descubrio  logo  a  Uba  de  S3o  Jorge:  e  ainda  pouco  depois  a  liba  cbama- 
da  Graciosa;  e  tambem  d'abi  a  pouco  a  chamada  do  Faial;  e  multo  ante$ 
ainda  do  anno  de  1460,  foi  descuberta  em  septimo  lugar  a  grande  Illa 
do  Pico:  colhe-se  pois,  e  conclue-se  d'aquì,  que  està  Uba  das  Flores  foi 
segunda  vez  descuberta,  e  come^ada  a  povoar  pouco  depois  do  anno  de 
1460,  ha  mais  de  duzentos  e  cincoenta  e  ciuco  annos. 

5  0  resoluto  se  entende  do  segundo  descubrimento  d  està  Uba,  em 
que  jà  se  comecou  a  povoar;  que  quanto  do  primeiro,  em  que  so  se  vio, 
e  descubrio,  mas  n3o  se  povoou,  comò  veremos  abaixo  tratando  da  Uba 
do  Corvo,  d'esse  primeiro  descubrimento  podemos  de  certo  afGrnoar  se- 
mente, que  na  tal  liha  das  Flores,  nem  sinal  de  creatura  humana  se 
achou,  em  a  Madeira  ;  e  nem  gados,  nem  outros  indìcios  se  acbarao  de 
ter  alguma  horaentrado  gente  nestaliha,  comò  vimos  jà  das  outras  Ilbas 
Terceiras,  em  que  so  algumas  aves  do  ar,  que  por  elle  passavao  de  il- 
guma  terra  firme  mais  vizinba,  ou  de  outra  Uba  jà  povoada,  para  està 
liha  das  Flores;  mas  que  todas  estas  Ilbas  Terceiras  estavSo  corno  Deos 
as  creou  em  o  principio  do  mundo,  ou  comò  as  deixou  depois  o  dilu- 
vio (le  Noè,  e  ìsto  posto,  vamos  com  a  bistoria  d  està  Uba. 


UV,  IX  GAP.  11  307 

CAPITULO  II 

Dos  Costas  marilimas,  e  Póvos  interior es  d'està  llha, 

e  seus  frutos. 

* 

6  Sendo  quasi  redonda  està  Uba  das  Flores,  he  de  rocha  aita  para 
a  parte  do  Sul  ;  e  fronteira  ao  Sueste  està  a  Villa  principale  cbamada 
Santa  Cruz,  cuja  Matriz  be  de  Nossa  Senhora  da  Goncei^ao,  e  chega  a 
mais  de  duzentos  fógos,  em  sitio  ch3o,  e  bem  arruado,  com  quatro  ruas 
que  correm  direitas  ao  mar,  e  as  cortio  varias  travessas,  e  tem  quatro 
Companbias  de  Ordenan^a  com  seus  Capitàes,  e  Capitao  mor  da  Villa, 
e  do  seu  termo,  tem  cbafariz  no  meio,  e  de  boa  agua,  e  huma  sempre 
corrente  ribeira  multo  perto;  e  junto  ao  mar  dous  poQos,  ou  enseadas, 
em  cada  bum  dos  quaes  entra  bum  navio  de  cento  e  cincoenta  moios 
de  trigo  de  carga,  além  de  ter  adiante,  disUncia  de  bum  tiro  de  arca- 
buz,  outro  porto,  por  onde  entrao  caravelas  pelo  interior  da  Uba  den- 
tro. A  Matriz  tem  Vigario,  e  Cura,  e  os  mais  necessarios  oflìcios,  e  na 
mesma  Villa  bum  Convento  de  Sao  Francisco  com,  ao  menos,  seis  Fra- 
des  Sacerdotes;  e  ba  de  mais  n'ella  tres  Ermidas,  buma  de  Sao  Sebas- 
ti3o,  outra  de  Santa  Catharina  e  outra  de  Sao  Fedro,  e  que  nobreza  ha 
em  està  boa  Villa,  diremos  abaixo,  quando  das  Familias. 

7  Continuando  rocha  pelo  Sul,  faz  a  liba  buma  ponta,  que  oiha  pa- 
ra 0  Norte,  e  se  chama  a  Ponta  de  Sao  Fedro,  por  ter  outra  Ermida  al- 
li  perto:  e  buma  legoa  jà  da  Villa,  da  banda  do  mesmo  Sul,  està  bum 
lugarete  que  cbamSo  a  Caveira;  e  legoa  e  mela  da  dita  Santa  Cruz  està 
0  lugar  chamado  Cedros,  cousa  de  trinla  .vizinbos;  freguezes  ainda  da  Ma- 
triz da  dita  Villa;  e  aqui  n3o  so  ba  varias  fontes,  que  cbeias  de  agrioes 
v3o  ao  mar,  mas  tambegi  buma  continua  ribeira,  que  cbamao  a  dos  moi- 
nhos,  por  os  ter,  e  a  elles  se  ir  moer  o  p3o  da  Villa:  e  aqui  defronte 
estio  dous  Ilbeos  no  mar,  bum  tiro  de  bésta  afastados  da  Uba;  e  com 
bum  d* elles  nao  ter  mais  campo  em  cima*  que  o  que  leva  bum  alqueire 
de  sameadura,  tem  comtudo  em  si  buma  boa  fonte  de  agua  doce,  sen- 
do  que  por  baixo  he  tao  furado,  e  atravessado  do  mar,  que  de  huma 
parte  à  outra  passa  bum  barco,  e  ainda  buma  caravela,  e  sem  perigo  al- 
gum.  E  mais  adiante,  bum  tiro  de  bésta,  sahe  tSlo  fora  da  rocha  huma 
fonte  de  agua  doce,  que  os  navios  a  tomao,  e  dentro  de  seus  bateis  en- 
chem  as  pìpas. 


308  HISTORIA  INSULANA 

8  Iluma  legoa  adiante  sahe  da  liha  ao  mar  huma  ponta  tal,  que  ao 
lugar  vizinho  chamavao  ao  principio  Ponta  Delgada,  e  depois  so  se  cha- 
mou  0  lugar  da  Ponta,  e  he  Freguezia  de  trìnta  vizinlios,  e  ainda  he  da 
jurJsdiccào  da  Villa  de  Santa  Cruz.  Mais  adiante  està  outra  ponta,  que 
charaao  a  Ponta  Ruyva»  que  he  0  firn  da  liha,  e  olha  para  o  Nordeste, 
e  no  tal  firn  ha  alguns  moradores,  que  estSo  iegoa  e  meia  da  Freguezia 
de  S3o  Pedro,  e  pouco  mais  adiante  està  no  mar  hum  Ilheo,  e  hum  an- 
coradouro  de  navios,  e  na  liha  Ihe  corresponde  huma  nobre  Freguezia, 
e  higar,  chamado  Sao  Pedro,  que  tem  cento  e  cincoenta  fogos,  e  hnma 
grande  rua  corrente  ao  mar,  com  outras  atravessadas,  e  duas  ribeiras 
sempre  correntes  pelo  meia  da  Freguezia,  e  quatro  fontes  n'ella,  com 
que  fica  o  lugar  multo  nobre,  e  muito  fresco,  e  com  familias  nobres,  co- 
rno veremos  abaixe. 

9  D'aqui  para  o  Norte,  Oeste,  e  jà  Subdoeste,  està  a  nobre,  e  se- 
gunda  Villa  das  Lagens,  e  jà  em  nada  sujeita  à  Villa  de  Santa  Cruz:  cons* 
ta  de  muito  mais  de  trezentos  fogos,  e  de  duas  grandes  Companhias,  e 
dous  Capitàes  da  Ordenan^a,  e  hum  Capitao  mór  da  Villa,  e  seu  tei*mo; 
e  consta  de  huma  grande  rua,  e  muitas  travessas;  e  tem  diante  de  si  pa- 
ra 0  mar  alguns  baixos  perigosos  aos  que  quizerem  por  mar  acometer  a 
Villa,  e  fica  jà  mais  de  duas  legoas  do  sobredito  lugar  de  Sao  Fedro.  A 
Matriz  d'està  Villa  he  fla  invocacao  de  Nossa  Senhora  do  Rosario,  com 
Vigario,  Cura,  e  outros  Clerigos:  tem  mais  duas  Ermidas,  huma  do  Es- 
pirito Santo,  ootra  de  Santo  Antonio,  e  algumas  familias  nobres,  corno 
em  seu  lugar  diremòs.  E  ainda  d'està  Villa  para  o  Norte  huma  legoa,  està 
0  lugar  chamado  da  Lomba,  que  consta  de  quasi  cincoenta  fogos«  termo 
da  jurisdicgao  da  Villa  das  Lagens.  Adiante,  quatro  legoas  para  o  Poeo- 
te,  se  segue  outro  lugar,  que  consta  de  duas  partes,  huma  chamao  a  Fa- 
janzinha,  ou  a  Faja  pequena,  e  outra  chamao  ^  Fajà  grande,  e  ambas 
constao  de  oi  tenta  fogos  sujeito»  à  Matriz  das  Lagens  no  espiritual,  e  no 
temporal  a  dita  Villa;  e  tem  mais  huma  Ermida  de  Nossa  Senhora  dos 
Rcmedios,  e  em  toda  a  costa  d'està  liha  se  colhe  tanto  pescado,  que  das 
outras  Illias  vao  a  està  fazer  grandes  pescarias. 

10  0  interior  tracto  da  liha  das  Flores  he  muito  fragoso,  de  mui- 
tas, e  multo  altas  rochas,  grotas,  e  penedias:  pelo  Norte,  e  de  Leste  a 
Sudoeste,  ha  muitas  terras  lavradias,  mas  com  tanta  pedrazinha,  que  atraz 
de  hum  arado  vao  tres,  ou  quatro  enxadas  cavando  ao  longo  das  pedras 
maioros,  de  que  tem  menos  a  mais  parte  da  liba,  mas  he  tao  pendu^^ 


LIV.  IX  GAP.  (I  309 

da,  e  t3o  infcstada  de  ventos,  que  o  nioio  de  semeadura  n3o  rende  mais 
qae  a  sete  raoios  de  fruto;  e  demais  lem  tantos  ratos,  que  pondo-se  a 
assar  carne  ao  lume,  ha  de  haver  quem  assista  com  hum  pao  na  muo 
para  os  desviar;  e  ainda  qne  a  terra  dà  quanto  Ihe  semeao,  com  os  gran- 
des  ventos  nada  eresse  muito;  e  por  isso  a  madeira  he  muito  cheia  de 
nós,  e  até  da  casca  do  Cedro  fazem  cordas,  comò  de  esparto;  e  a  ma- 
deira cresce  muito  mais  aiastrada  pela  terra,  do  que  subindo  ao  vento: 
tem  pouco  gado  vacum>  por  nao  ter  muitos  pastos;  e  ainda  poucas  ca- 
bras,  porém  tanta  oveiha,  e  d'ellas  tantas  làs,  que  fazem  panos,  nao  so 
com  que  se  vestem,  mas  mandao  a  outras  Ilhas,  e  em  grande  quanti- 
dade. 

11  Com  os  muitos  picos,  e  ribeiras,  nao  andao  carros  pela  Uba,  nera 
outras  béstas,  senao  mui  breve  caminho:  e  nem  ha,  nem  se  criào  caval- 
los  nella.  Ao  Sudoeste,  huma  legoa  ainda  do  mar,  e  da  sobredita  Villa 
das  Lagens,  està  huma  alagoa,  que  com  ser  cercada  de  grandes  roche- 
dos,  e  cahirem  niella  muitas,  e  grandes  ribeiras,  nuhca  jàmais  cresce, 
nero  abate:  e  pela  terra  dentro  ha  hum  lameìro,  ou  brcjo,  e  huns  pàos 
atravessados,  por  onde  passa  a  gente  sera  se  eniamear:  mas  quanto,  dos 
bordoes  que  levao,  entra  no  lameiro,  tanto  se  torna  tao  preto,  assim 
por  fora,  comò  até  por  dentro,  e  de  hum  preto  tao  fixo,  e  tao  firme, 
que  nem  com  o  tempo  se  tira,  desbota,  ou  diminue:  e  se  as  meias,  ce- 
roulas,  ou  calcoes  chegao  à  tal  lama,  tudo  fica,  e  para  sempre,  preto, 
e  comtudo  nenhum  pano  sahe  d^aquella  liha  com  alguma  outra  cor  ar- 
tificial,  senao  com  a  naturai  da  la  de  que  foi  feito. 

12  He  està  liha  das  Flores  mui  sadia,  sem  -excesso  de  frio,  nem  de 
calma:  tem  gado  bastante  para  si,  muitos  coelhos,  e  pombas,  galiinhas 
em  grande  numero,  e  infinidade  de  borregos;  e  o  trigo  sobeja  para  a  gen- 
te, porque  passa  de  mil  moios  cada  anno;  e  vinho  o  sufficiente;  hortali- 
(as,  e  frutos  com  abundancia,  e  de  toda  a  casta;  e  huma  casta  de  arvo- 
res  de  silvas  bravas,  (de  que  nao  ha  em  as  outras  Ilhas)  que  dào  amo- 
ras,  corno  ovos  de  pombas,  e  he  fruta  muito  doce,  gostosa,  e  de  esti- 
ma. Por  a  terra  lavradia  ser  de  pouca  altura  sobre  a  pedrcira  do  fun- 
do,  por  isso  n'esta  Ilha  se  semea  o  trigo  as  folhas,  de  sorte  que  a  ter- 
ra, que  dà  hum  anno  trigo,  fica  sem  o  dar  dous  annos,  e  se  cobite  de 
erva,  a  que  chamao  Cubres,  e  de  altura  até  ciuco  palmos,  e  com  tan- 
tas flores  amarellas  por  cima,  que  d'aqui  veio  clio.mar-se  a  Ilha  das  Flo- 
res, mas  OS  legumes,  e  oulros  frutos  se  dao,  sem  a  scmenteira  d'elles 


310  mSTORIA  INSULANA 

aguardar  folhas;  e  menos  os  Inhames,  a  qne  o  volgo  chama  tambem 
Cocos,  que  nascem  corno  as  batatas,  e  sao  muito  sadios,  e  grande  sos- 
tento da  pobreza,  corno  o  sao  no  Faial,  e  em  a  liba  do  Pico  :  nesU 
liba  Tiao  ba  milbo  grosso,  e  gastar-lbe-bìa  a  ponca  terra,  se  o  semeassem; 
e  n3o  a  gasta  o  irigo,  centeio,  legumes,  e  outros  frutos. 

13  Nao  tem  està  Uba  commercio  algum  com  outras  Na(5es  ;  e  com 
Portugal  0  tero,  so  quando  là  manda  de  Lisboa  o  seu  Donatario,  oa 
Commendador  buscar  algum  trigo,  e  outras  rendas  suas  ;  e  nem  com  as 
outras  Ilhas  tem  commercio,  senao  com  o  Faial,  e  com  a  Terceira,  e  9Ò 
desde  Marco  até  Setembro  ;  e  Ibes  iev3o  muitos  dos  seus  panos,  e  li- 
nhos,  e  algum  gado,  e  muitas  aves  ;  e  volt3o-se  com  algum  vinho,  azeite, 
mei,  louc^s,  e  adubos,  e  o  dinbeiro  que  podem.  De  sai  se  pVovém  dos 
Eslrangeiros,  que  pass3o  a  fazer  aguada,  e  Ihes  vendem  os  mantimentos 
que  Ihes  pedem,  mas  sem  os  deixarem  entrar  na  Uba,  porqoe  nem  agua 
Ihos  deixarao  tomar,  e  so  com  pedras,  que  das  altas  rochas  dernibarem 
abaixo,  Ihes  affundirao  barcos,  e  navios.  Jà  bouve  comtudo  occasiio  (em 
25  de  Junho  de  1587,  ba  quasi  cento  e  trìnta  annos)  que  cince  navios 
Inglezes  enganadamente  entrarlo  a  Villa  das  Lagens,  e  a  saqueario,  fu- 
gindo  OS  moradores  para  os  matos  ;  mas  atègora  Ibes  nSo  succedeo  co- 
tra,  pela  vigia  que  sempre  ao  diante  tiverao  :  e  nem  se  sabe  de  fogo, 
terremoto,  peste,  ou  guerra  que  bouvesse  nesla  liha  atégora. 

CAPITOLO  HI 

Do  governo  Ecclesiastico,  civil,  e  militar  qne  ha  em  as  Flores. 

14  0  Ecclesiastico  governo  tem  o  Bispo  de  Angra,  e  comtudo  nao 
ba  memoria  que  Bispo  algum  fosse  a  està  Uba  das  Flores,  senào  este 
ultimo,  que  ha  dous  anoos  morreo  ;  e  na  verdade  alguma  desculpa  li- 
nhao  OS  mais,  ém  nunca  là  irem,  por  estar  de  Angra  setenta  legoas,  e 
de  mar  ;  e  ainda  que  do  Faial,  aonde  os  Bispos  vào,  eslà  so  quarenla 
legoas,  sao  comtudo  de  mar  muito  arriscado,  e  perigoso,  aonde  nem  ha 
nutra  liha  qne  sirva  de  estalagem,  comò  ha  entre  a  Terceira,  e  o  Faial; 
nem  nos  sfìis  mezes  de  Setembro  até  Marco  he  aquelle  mar  navegavel; 
nera  nos  outros  mezes  he  livre  de  inimigos  cossarios,  mas  comò  he 
mais  facii  o  mandar,  quo  o  ir,  sempre  se  mandarao  Ouvidores,  e  Yisi- 
ladores  Ecclesiasticos,  e  sempre  se  proverao  todas  suas  Parochias  de 


LIV.  IX  GAP.  IH  311 

Yigarios,  e  de  Curas,  e  dos  santos  oleos  :  poróm  nem  Bispo,  nem  Chris- 
ma  virao  ìi  em  tantos  annos,  e  seu)  o  Sacramento  da  CoiiUrmacao  vive- 
rlo, e  morrerao  tantos  Chrìstaos. 

15  He  verdade  que  alem  dos  ditos  Parochos  tem  a  guns  Clerigos 
mais,  e  Confessores  :  e  o  sobredito  Convento  da  Ordem  Serafica,  qiie 
d3o  so  celebralo*  mas  confessao,  e  prégno  :  e  até  da  Companhia  de  Je- 
sus, e  do  Collegio  de  Angra  tem  là  ido  por  vezes  em  missào  :  e  he  mui- 
to  de  Ioavar  a  grande  piedade,  o  devogao  que  ha  em  a  dita  Ilha,  e  a 
pureza  intaeta  da  Divina  Fé  Catholica,  e  Romana,  sem  que  alguma  bora 
entrasse  niella  beresia  alguma  :  e  nem  a  commerciar  entrarao  jàmaìs 
hereges  n'esta  Ilha,  nem  Mouros,  ou  Gentios  :  nem  ainda  de  sangue 
Hebreo  ha  gente  alguma,  ou  de  judaismo  infecta,  ou  que  por  tal  viesse 
ao  Santo  Officio  :  e  assim  parece  se  póde  dizer,  que  os  naturaes  desta 
liba  s3o  jà  por  isso  limpissimos,  e  que  vencem  aos  das  outras  em  a 
limpeza  do  sangue. 

IG  Quanto  ao  governo  ci  vii,  tambem  se  nao  sabe  que  alguma  bora 
fosse  là  Corregedor  algum  :  mas  là  tem  seu  Ouvidor,  posto  pelo  senho- 
rio,  e  Donatario  da  Uba,  e  este  he  o  que  tira  os  pelouros  dos  Juizes 
Ordinarios,  Vereadores,  e  mais  Officiaes  das  Cameras  das  duas  Villas, 
Santa  Cruz,  e  Lagens  :  e  em  tudo  se  govemào  pela  Ordena^ao  de  Por- 
tugal,  comò  legitimos,  e  verdadeiros  Portuguezes  :  e  os  lugares  maiores 
por  seus  juizes  pedaneos,  com  recarso  de  tudo  ao  Ouvidor,  e  desta 
sorte  ^e  govemao  multo  conforme  ao  direito  naturai,  sem  injusticas,  ou 
trapagas,  e  sem  crimes,  ou  furtos,  ou  injurias,  mas  em  paz,  e  quieta- 
Cao:  que  se  houve  Republica  que  nao  quiz  admittir  Medicos,  para  so 
viver  mais,  e  melhor  n'ella,  com  mais  razao  nSo  admiltiria  tanta  casta 
de  Solici tadores,  Escrivaes,  e  Àdvogados,  e  ainda  de  Juizes  :  e  com  me- 
nos  papeladas,  e  com  menos  repetigao  de  palavras,  se  julgaria  melhor, 
e  se  gastaria  menos. 

17  E  quanto  ao  governo  militar,  governa-se  està  Uba  pelos  seus 
dous  Capitaes  móres  das  ditas  duas  Villas,  sem  bum  ser  sujeito  ao  ou- 
tro,  nem  haver  là  quem  sobre  elles  manie,  mas  cada  bum  sobre  os  par- 
ticulares  Capit3es  das  Companhias,  que  govemao  aos  seus  Alfercs,  e 
estes  aos  Sargentos,  e  mais  Cabos  :  e  .quando  he  necessario,  se  unem 
todos  pela  mutua  dependencia  que  entro  si  tem,  para  se  conservarem 
a  si,  e  ao  seu  :  e  com  tudo  nao  ha  em  està  liba  Fortaleza  alguma  de 
soldadesca  paga,  e  pe^as  de  artilberia,  mas  so  espada,  e  adagn,  lanca. 


312  IllSTOniA  INSULANA 

e  alguns  arcabuzes,  ao  eslylo  de  Portngal  antigo  :  e  as  mais  armas,  com 
que  ainda  a  brutos  nunca  falla  de  lodo  a  natureza  :  e  assim  tem  os  mais 
impenetraveis  muros  nas  suas  it)chas  ao  mar:  a  artelharia  maishorreo- 
da  DOS  penedos,  que  pelas  altas  rochas  langao  abaixo,  que  nem  ha  ga- 
leoes,  que  os  aturem,  nem  outro  reparo  d'elles,  mais  que  sómente  o  fu- 
gir-lhes,  que  he  o  que  os  da  liba  querem. 

18  Se  ainda  alguem  disser,  que  melhor  seria  a  està  Uba  terhuma 
so  cabeca  que  governasse  a  milicia,  e  armas  de  loda  a  Uba,  e  nao  duas 
cabegas,  que  dem  mais  cabecadas,  etc.  ']&  a  experiencìa  tem  mostrado 
0  contrario,  e  ainda  a  natureza  :  pois  o  mesmo  corpo  humano,  posto 
que  tem  huma  so  cabega,  he  para  nunca  ter  cabega  albeia,  ou  estran- 
geira  que  Ihe  encontrasse  a  propria,  e  Ihe  infìcionasse  o  corpo  :  e  com- 
tudo  olhos  proprios  tem  dous,  (e  nao  bum  so)  os  quaes  sendo  proprios, 
se  unem  sempre,  para  vigiar,  e  defender  o  proprio  corpo  :  e  se  estra- 
nhos  fossem,  nao  se  uniriao.  Experiencia  temos  n3o  so  em  a  Uba  da 
Madeira  aoride  de  Governadores,  que  nao  sao  da  Uba,  tem  ido  alguns 
pobres  fidalgos,  e  so  a  encher-se  a  si,  e  a  despejar,  e  afrontar  a  liba  : 
0  que  n3o  fariào,  so  fossem  os  proprios  Donatarios  d'ella,  ou  os  seus 
proprios,  e  naturaes  Senados,  Capit3es  mores,  etc.  o  que  ainda  melhor 
se  experimenta  na  Uba  Terceira,  aonde  buma  so  cabega  de  fora  da  Uba, 
e  estrangeiros  com  ella,  (comò  o  Conde  Dom  Manoel  da  Silva,  com  Fran- 
cezes)  perderao,  e  entregarao  a  Uba  a  Castella,  desemparando  ao  Se- 
nhor  1).  Antonio  :  e  quando  dous  Capilàes  mores  da  mesma  Uba,  defen- 
diào  corno  a  cousa  sua,  nao  so  a  defendorao  em  viva  guerra  de  bum 
anno  iiiteiro,  mas  elles  sós  com  os  seus  Uheos  renderao  ao  fatai  Castello 
de  Àngra,  e  sugeitarao  as  Ilhas  ao  felicissimo  Rei  Dom  Joao  o  IV,  Ingo 
nao  he  melhor  o  tal  governo  de  huma  so  cabega,  quasi  eslrangeira,  e 
que  so  Irata  de  si,  do  que  o  de  duas  cabegas  naturaes,  que  igualmente 
a  si,  do  que  aos  seus  defendem,  e  assim  se  governarao  estas  Ilhas  sem- 
pre bem,  corno  tambem  a  das  Flores. 

CAPITOLO  IV 

Da  qunlìdade,  ou  nobreza  das  familias  qtte  povoarQo  as  Fìoren. 

19  No  CA\}.  1  d  esle  liv.  9  dissemos  jà  nao  constar  de  quando  a  pri- 
meira  vez  se  descubrio  està  Uba  das  Flores,  ou  por  quem;  nem  de  quan- 


LIT.  II  GAP.  IV  3i3 

do,  ou  por  quem  a  primeira  vez  se  povoou;  por  no  erudito,  e  antigo 
Fmctuoso,  em  o  seu  liv.  6  fallSo  os  capttulos  45»  e  46 que disto  trata- 
v3o:  e  comtudo  ainda  boje  ha  tradigao,  que  bum  dos  primeiros  Povoa- 
dopes  foi^o  dous  Gastelbanos,  cbamados,  bum  Antao  Vaz,  e  outrO  Lopo 
Vaz,  que  de  Castella  vierao  a  està  Uba,  (e  talvez  com  licenza  de  Portu- 
gal:)  0  que  confinna  Fructuoso,  quando  depois  nomeando  a  gente  nobre, 
qoe  ba  na  Villa  de  Santa  Cruz,  nomeou  entre  outrós  os  que  usavao  do 
appellìdo  de  Vaz,  que  be  appelUdo  patronimico,  tornado  do  Ascendente, 
corno  0  de  Goncalves  do  pai  Gonzalo,  de  Alvares  de  Alvaro,  o  de  Mar- 
tiDS  de  Martinbo,  Fernandes  de  Fernando,  Rodriguez  de  Rodrigo,  etc., 
assim  0  appellido  Vaz  de  Vasco,  do  qual  se  toma  o  de  Vasques:  e  aind» 
que  estes  appellidos  patronimicos,  tomados  per  si  sós  s3o  indilTerentes 
para  mais,  ou  menos  nobreza  denotarem,  quando  comtudo  entre  outros 
de  conbecida  nobreza  se  apontao,  (comò  aqui  faz  Fructuoso)  por  isso 
mesmo  suppoem-se  nobilissimos.  Porém  ainda  d  estes  Castelbanos  (por 
mais  nobres  que  fossem)  nao  consta  serem  os  primeiros  Povoadores,  mas 
que  jà  a  Hba  se  comegava  a  povoar,  e  talvez  (corno  veremos  quando  da 
liba  do  Corvo)  por  Portuguezes  das  outras  Ilhas  jà  descubertas,  que  por 
aqaeHes  mares  andavSo  continuamente. 

20  Dos  segundos  pois  Povoadores  da  Uba  das  Flores,  e  dos  mais 
Dobres,  foi  aquelle  fidalgo  Flamengo,  cbamado  Guilberme  Vandaraga,  na 
lingua  Flamenga,  ou  na  Portugueza  Guilberme  da  Silveira,  de  que  jà  fal- 
lamos  no  liv.  8  cap.  3  e  4,  e  no  liv.  0  cap.  1,  o  qual  era  neto  de  bum 
Conde,  naturai  de  Bruges,  e  muilo  rico  em  Flandres,  e  per  o  quererem 
là  metter  em  buma  injusta  guerra  que  bavia  entre  poderosos  Cbristaos, 
elle  corno  n3o  menos  justo,  e  bom  Cbristao,  do  que  fldalgo,  se  sahio  de 
Flandres,  e  veio  à  Uba  do  Faial,  e  passados  alguns  annos,  se  foi  do  Faial 
à  liba  Terceira,  e  d*esta  depois  t(»rnando  a  Flandres,  e  voltando  por  Lis- 
boa, foi  niella  convidado  de  buma  senhora  Donataria  da  Uba  das  Flores, 
qoe  lb*a  quizesse  vir  povoar,  e  governar,  e  que  so  Ihe  pagaria  os  direi- 
tos  de  Donataria:  aceitou  por  entao  este  fidalgo,  e  voltando  tambem  pe- 
la Terceira,  d'ella  mudou  sua  casa  para  as  Flores,  e  jà  depois  do  anno 
de  i46),  e  logo  là  junto  à  ribeira  de  Santa  Cruz  edificou  luimas  casas 
bem  lavradas,  que  Fructuoso  ailìrma  existirem  ainda  em  seu  tempo,  e 
fazendo  o  fidalgo  por  sete  annos  continuas  expcriencias  da  teira  da  liba 
das  Flores,  por  fim  se  desenganou,  e  a  deixou  passando-se  no  Topo  da 
Uba  de  Sào  Jorge,  corno  jà  tocamos,  quando  da  liba  escrevemos. 


314  HISTOniA  INSILANA 

21  D'este  fidalgo  Silveira»  e  do  locante  à  liba  das  Flores,  o  qae 
consta  he,  que  foi  o  primeiro  €overnador  da  tal  liba,  e  sea  Vice-doiuh 
tario,  .e  bum  dos  prìmeiros  e  mais  nobres  Povoadores  d'ella,  e  que  por 
sete  afinos,  ou  tmìs  a  esteve  povoando;  mas  nSo  consta  que  do  tal  Sii* 
veira  entao  discendente  algum  ficasse  na  dita  liba;  salvo  depois»  e  dos 
fllhos,  e  flibas  que  casar3o  em  as  outras  lllias,  fosse  algam  desceodeiite 
para  as  Flores,  corno  acontecer  podia.  Povoadores  outros  da  priociptl 
Villa  Santa  Graz  (confessa  Friictuoso  em  o  seu  liv.  6  cap.  46  em.parta 
qae  flcou  d'elle)  forSo  bomens  fldaìgos,  cbamados  Pimenteis,  Cameirosi 
Fragoas,  ou  Fragas,  Cordellos,  e  Costas.  E  mais  abaixo  diz  o  mesmo 
Fructuoso,  que  no  lugar  cbamado  S3o  Pedro,  e  na  Villa  das  Lagens  bi 
gente  nobre,  comò  Pimenteis,  Homens,  Costas,  Femandes,  Vazes,  Viei* 
ras,  etc.,  e  dos  mais  d'esses  appellidos  referimos  em  varios  lugares  sua 
antiga  nobreza:  de  alguns  diremos  agora. 

22  A  antiga,  e  nobre  familia  dos  appellidos  de  Vaz  Hojmem,  Costa,  ' 
e  Vieira,  velo  do  Beino  de  Portugal  a  estas  Ilbas;  o  que  primeiro  veio  le 
cbamava  Jo3o  Vaz  Homem,  e  foi  pai  de  Gonzalo  Vaz  Homem»  que  casoo 
multo  nobremente  em  a  Uba  de  S3o  Miguel  com  Ignes  Affonso  Colom- 
breira,  dos  Colombreiros,  e  Costas,  e  do  tal  matrimonio  nasceo  Breitix 
Homem  da  Costa,  que  casou  com  Mem  Rodriguez  de  S§o  Paio,  pai  de 
Estevao  de  Sao  Paio,  e  teve  mais  a  D.  Antonia  da  Silva,  qae  casoa  oom 
Manoel  do  Canto  e  Castro,  o  primeiro  do  nome,  e  pai  de  Jo3o  do  Can- 
to de  Castro,  dos  quaes  fldaìgos  jà  fallamos  nos  Cantos  e  Castros  da  Uba 
Terceira. 

23  Do  primeiro  Joao  Vaz  Homem  nasceo  mais  o  segando  fiibo  Joio 
Vaz  Homem,  que  casou  com  Ignez  Vieira,  e  d'estes  nasceo  Catharina  An- 
tunes  Vieira,  que  de  seu  marido  Diogo  Pimentel  teve  a  Baltbesar  Pimeih 
tei  Homem,  e  este  foi  o  que  casou  em  a  Uba  das  Flores  com  Agoeda 
Fernandez;  e  destes  nao  so  nasceo  Martba  Pimentel  Homem,  que  casoa 
na  dita  liba  com  Bartholomeu  de  Fraga,  mas  tambem  nasceo  Diogo  Pi- 
mentel, qne  foi  pai  de  outro  Balthezar  Pimentel,  a  que  cbamavaooCo^ 
covado,  e  nasceo  mais  terceiro  Balthasar  Pimentel  de  Fraga,  de  que  ha 
mais  descendencia  na  Uba  das  Flores,  e  duas  suas  irm2s,  que  das  Flo- 
res vierao  ser  Freiras  no  Convento  de  Sao  Gonzalo  de  Angra:  donde  beffi 
se  ve  a  riqueza,  limpeza,  e  antiga  nobreza  d'estes  Pimenteis,  Fragas, 
Costas,  Homens,  Vieiras,  e  antigos  Vazes,  que  houve,  e  ha  ainda  na  lai 
lilla  das  Flores. 


LIV.  IX  CAP.  V  3ir> 

24  D'aquelle  outro  Ballhesar  Pimenlel,  segundo  do  nome,  nasceo 
Christov3o  Pimeotel,  qne  das  Flores  se  passou  a  Angra,  e  nesta  casou 
^om  hama  fidalga  chamada  D.  Luiza  de  Mello,  Alba  de  D.  Pedro  Ortiz 
de  MeUo»  fidalgo  da  casa  de  S.  Mageslade,  e  que  era  Àlfcres  mór  do 
grande  Castello  de  Angra  por  Felippe  II,  e  corno  a  cste  tinha  sido  fi- 
delissìrao,  assim  depois,  e  sempre  o  foi  ao  invicto  Senhor  D.  Jo3o  o  IV, 
e  do  tal  casamento  nasceo  D.  Pedro  de  Mello  Pimentel,  que  além  da 
wUga  nobreza  de  seu  pai,  e  avós  patemos,  tem  a  illustre  geragao  do 
dito  sea  avo  materno,  por  quem  he  parente  consanguineo  de  toda  a 
maior  nobreza,  e  fidalgaia  da  Terceira,  e  da  Graciosa,  pelos  Mellos  d'es- 
tà, de  que  jà  tratamos  longamente,  quando  das  dìtas  Ilhas,  e  com  tanta 
verdade,  que  debaixo  de  juramento  o  testificou  assim,  quem  isto  escre- 
ve,  na  Real  inquirigao  que  El-Rei  mandou  tirar  jurìdicamente,  para  dar 
0  filbamento  de  sua  casa  Heal  ao  dito  D.  Pedro  de  Mello  Pimentel.  E 
por  bora  baste  o  tocar  somente  està  materia,  pois  nos  chama  jà  a  ulti- 
ma Uba,  chamada  Corvo. 

CAPITULO  V 

D(ì  Uha  que  so  se  chnma  o  Corvo. 

25  Em  quarenia  gràos  de  altura,  e  ao  Nomoroeste  da  sobredila 
Uba  das  Flores,  e  so  tres  legoas  d'ella,  e  de  Leste  a  Deste  das  Bcrlen- 
gas  de  Portugal,  està  outra  Uba,  que  he  a  nona  das  nove  Tcrceiras,  e  a 
que  puzerào  o  nome  de  Con-o,  ou  por  nella  acharem  os  primeiros  seus 
descubridores  algum  Corvo,  comò  ajuiza  o  erudito  Fructuoso  lìv.  6,  cap. 
48,  ou  por  Ihes  representar  à  primeira  vista  a  figura  de  bum  Corvo  ; 
sendo  que  he  quasi  redonda  na  figura,  e  tem  bons  duns  legons  de  com- 
primento,  legoa  e  meia  de  largura,  e  mais  de  quatro  legoas  de  circum- 
ferencia;  he  porém  multo  alta,  e  de  muito  altas  rochas  para  o  mar.  De 
seus  descubridores,  e  babitadores  se  diz  que  forlio  da  gerar^o  dos  Fra- 
gas,  e  Furtados:  o  que  parece  certo  he,  que  forao  puros  Portnguczes,  e 
que  da  Uba  das  Flores  a  descubrirUo,  e  forao  povoar,  corno  a  tao  vizi- 
nha  Uba,  e  por  isso  se  tem  por  cousa  sem  duvida  que  foi  a  nona,  e  ul- 
tima que  se  descubrio. 

26  E  com  ser  das  ditas  nove  Ilhas,  lem  dentro  em  si  diias  cousas 
de  rara,  e  singular  admiracao.  A  primeira  he,  qne  niio  se  achando  na 
tal  Uba  Gnal,  ou  indicio  de  gente  humana,  achou-sc  comtudo  em  huma 


MG  IIISTORIA  INSULAXA 

alta  rocha,  que  cahe  sobrc  o  mar,  e  em  huma  grande  lagem,  tao  fotal» 
e  grande  cstatua  de  pedra,  que  consta  de  hum  cavallo  em  osso,  e  de 
lium  homem  vestido,  e  posto  no  cavallo,  com  a  mao  esquerda  pegando- 
Ihe  na  coma,  e  com  o  bra^o  direito  estendido,  e  encolhidos  os  mais  de- 
dos,  excepto  o  dedo  ìndice,  com  que  està  apontando  para  o  Poenle,  e 
mais  direitamente  para  o  Noroeste.  Este  o  invento,  e  Marco  alto,  de  que 
fallando  Damiao  de  Gocs  diz  (fallando  da  tal  liba  do  Conro)  que  por  isso 
OS  mareantes  Ibe  chamao  a  liba  do  Marco,  porque  d'alli  se  demarcio 
em  demanda  das  mais  Ilbas:  e  o  nosso  Fructuoso  diz  que  alguns  affi^ 
mao  que  a  laNestatua  aponta  para  outraliha  ainda  encuberta,  ecbamah 
da  Garsa,  que  fica  n'aquella  direitura  do  Noroeste,  e  que  do  Norte  da 
Terceira  e  no  verao  se  ve  tnmbem  a  mesma  Garsa,  e  na  mesma  direi- 
tura ao  Noroeste,  e  concine  Fructuoso  com  estas  palavras:  cEa  disto 
nSo  digo  mais,  senSo  que  he  buma  antigualba  muito  notavel,  etc.»  E 
nós  pelo  que  se  segue  conjecturaremos  alguma  cousa. 

27  A  segunda  ainda  mnis  admiravel,  e  prodigiosa  cousa  he.  que  no 
mais  allo  desta  Uba  està  bum  profundo  valle,  ou  caldeira,  que  em  baixo 
tem  terra  de  dous  moios  de  scmeadura,  e  buma  grande  alagoa  de  agua 
doce,  e  nella  se  vem  sete  Ilbeos  pequcnos,  apartados  buns  dos  outros, 
em  0  mesmo  rumo  cada  bum,  em  que  n*aquelle  Oceano  estao  as  outras 
sete  Ilbas  Terceiras,  que  com  estas  duas  de  Flores,  e  Corvo  fazem  no- 
ve; e  reparando-se  bcm,  cada  bum  dos  taes  Ilbeos  da  alagoa  està  mos- 
trando para  que  parte  fica  cada  huma  das  outras  sete  Ilbas,  e  quaes  me- 
nos  distantes  entro  si,  e  quaes  maiores,  quaes  menores,  comò  se  fossem 
cstes  Ilbeos  de  tal  alagoa  bum  mappa,  e  naturai  carta  de  marcar  para 
aquellas  Ilbas  todas.  D  aquì  pois  parece,  podemos  conjecturar  que  assim 
comò  0  mappa,  ou  carta  dos  Ilbeos  d'està  alagoa,  nao  he  obra  de  algum 
antigo  Astrologo,  ou  Piloto  insigne,  mas  so  da  Divina  Intelligencia,  e 
Providencia,  (pois  por  isso  se  diz  que  obra  da  natureza  he  obra  de  ìd- 
telligencia)  assim  tambem  aquella  fatai  estatua  do  Cavalleiro  apontador 
de  outras  Ilbas,  foi  obra  do  mesmo  Aulbor  da  natureza,  e  Provisor  Dì- 
vino,  quo  sempre  acode  a  suas  creaturas,  e  por  aquelles  melos  que  he 
servido,  para  que  Ibos  agradecamos  sempre. 

28  Com  ra'/ao  05  mareantes  cbamarào  a  està  Uba  0  Marco,  porque 
nella  Ibo  poz  Deos,  para  que  os  desgarrados  por  tao  vasto  Oceano, 
alli  fossem  tornar  seu  caminbo  verdadeiro,  corno  ftìzem  as  nàos  das  In- 
dias  de  Castella,  e  as  da  India  Orientai,  e  as  mais,  ainda  de  Estrangei- 


Liv.  IX  CxVP.  VI  317 

ros,  e  se  refazem  de  aguada,  porque  aleno  d*aquella  alugoa  doce,  e  alóm 
de  huma  grande  fonte,  qiie  os  pobres  moradores  d'esla  liha  trouxerào 
de  muilo  longe;  e  cortando  para  isso  liutna  serra,  (cousa  que  vemos  nao 
bzem  OS  Cortesaos  de  huma  Corte  falta  de  agua)  além  de  ludo  ìslo  a 
Divina  Providencia  acodio,  e  para  os  navegantes  que  passao,  com  huma 
grande  fonte,  que  sahe  sobre  o  mar,  e  debaixo  de  huma  alta  rocha, 
d'onde  se  provém  os  navegantes  que  passao;  e  assim  reprehende  Deus 
aos  que  nao  sabem  gastar  com  o  bem  commum,  mas  so  com  seus  ap- 
pelites,  e  particulares  conveniencias. 

29  He  està  liha  pois,  em  sua  circumferencìa,  tao  continuada  em 
altas  rochas»  que  so  tem  dous  pórtos  ;  hum  està  da  banda  do  Norie, 
quarto  de  legoa  do  lugar,  e  povoa^ao  da  Uba,  e  debaixo  da  sobredita 
rocba,  aonde  sahe  aquella  fonte  para  aguada  dos  navìos,  mais  direito  a 
Les-Nordeste  ;  outro  a  Oesnoroesle,  e  a  este  chamao  o  Pesquciro  alto, 
e  ao  primeiro  o  Porto  da  Casa;  e  toda  a  mais  costa  da  liha  he  do  altis- 
simas  rochas,  sem  outro  porto  algum,  nem  subida. 

CAPITULO  VI 

Do  unico  lugar  junto,  rendimenlos,  e  friUos  da  dita  liha. 

30  0  povo  do  Corvo,  em  muitos  annos,  era  hum  lugar  de  trinta 
vizinhhs,  ou  fogos  jnntos,  lavradores  e  pastores,  além  de  poucos  mais, 
espalhados  pela  liha,  e  estcve  o  tal  lugar  muitos  tempos  sem  Parodio 
algum,  sugeito  porém  ao  Vìgario  da  Villa  de  Santa  Cruz,  da  vizinha  liha 
grande  das  Flores,  ,e  nem  este  Parocho  hia  ao  tal  Corvo,  seniio  pela 
Quaresma  a  confessal-os,  e  nem  pela  Quaresma  hia  em  alguns  annos, 
pela  distancia  de  tres  legoas  de  mar  e  tempestadcs  d'elle  ;  d'onde  se  ve 
0  desemparo  em  que  tantos  annos  esteve  este  povo,  corno  escreve  o  ci- 
tado  FrucUioso,  que  eslava  aipda  em  seu  tempo  ;  e  que  nem  do  Corvo 
havia  barco  para  as  Flores,  mas  que  das  Flores  hiao  li  ao  Corvo,  quan- 
do d'este  faziao  sinal  por  barco,  corno  do  Pico  ao  Faial  para  o  commer- 
cio humano,  e  nem  ainda  entao  para  o  Divino  hia  Sacerdote  algum  ;  e 
sofria  Deos  taes  omissoes  dos  homens. 

31  Até  que  chcgou  a  gente  do  Con^o  a  augmentar-se  tanto,  que  o 
lugar  de  trinta  vizinhos  passa  jà  de  cento  e  onze,  e  jà  (grafas  a  Deos) 
se  Ihe  acodio  com  Parocho  proprio,  e  algum  outro  Clerigo  Presbytero, 


3 1 8  IIISTOHIA  1XSULA^*A 

e  residentes  sempre,  mas  reconhecendo  sempre  a  Villa  de  Santa  Gnn 
das  Flores  corno  a  sua  Matriz;  e  tem  o  lugar  do  Corvo  sua  limpa  Igreja» 
e  da  ìnvocacao  de  Nossa  Senhora  do  Rosario,  que  jà  boje  obra  muitos 
milagres.  Em  o  civil  se  governa  este  povo  por  seu  Jaiz  pedaneo,  e  leis 
de  Portugal:  e  no  militar  por  bum  CapitSo,  e  sua  grande  Companhìa,  e 
mais  oQiciaes  d'ella;,  e  por  onde  pode  haver  entrada  n'este  lugar,  tea 
muro  alto,  e  tres  pe{;as  de  arteiharia,  em  tal  fórma  promptas,  que  n 
levSo,  quando  querem,  para  onde  sio  necessarias. 

32  Goza  està  Uba  de  muitos,  e  excellentes  frutos,  do  mar,  do  ar, 
e  da  terra:  do  mar  be  abundantìssima  de  peixe,  e  do  melbor,  corno  ji 
dissemos  das  Flores.  Das  aves  do  ar  ainda  be  mais  abundante,  porqoa 
além  de  muitos  passaros  que  vem  de  fora,  na  Uba  se  cria  ìnfinidade  de 
huns  que  cbamao  Angelicos,  do  tamanbo  de  Tintilboes;  outros  que  cha* 
mao  Bouros,  e  sao  comò  pombas;  e  outros  que  cbamSo  Estapagados. 
Dos  Angelicos  buta  cento  dSio  buma  Canada  de  azeite,  tio  bom  corno  da 
oliveira,  ainda  para  temperar,  e  corner,  e  nSo  os  colbem  senSo  em  Ai- 
Ibo,  Agosto,  e  Setcmbro:  dos  Bouros  tir3o  tambem  multo,  e  igualmente 
bom  azeite  de  comer,  e  a  carne  be  tao  boa,  e  melbor  que  a  de  gailioha; 
e  OS  Estapagados  deitao  o  mesmo,  e  multo,  e  excellente  azeite  pela  bo- 
ca,  de  sorte  que  fazem  pipas  de  azeite  d'estes  passaros;  e  s3o  tantos, 
que  barcos  carregados  d*elles  mandao  para  as  Flores^  mas  tambem  tem 
grande  vigia  que  se  nao  cacem  nos  mezes  em  que  cri3o,  por  nao  os  de- 
singarem,  pois  d'elles  tem  azeite  a  té  para  o  prato,  a  carne  para  o  me* 
Ihor  sustcnto,  a  penna  para  as  camas,  e  até  a  graixa  para  tempera  dos 
panos. 

33  Da  terra  he  mais  fru tiferà  està  liha  do  Corvo,  porque  a  tem 
d'ella  he  multo  mais  alta,  e  niais  funda  sobre  as  radicaes  pedreiras,  e 
calhàos,  de  que  a  terra  da  liba  das  Flores,  e  por  isso  be  mais  forte,  e 
mais  fertil,  e  assim,  sem  a  deixarem  descansar  com  folbas  annuaes,  se 
semea  a  mesma  terra  cada  anno,  e  so  de  trigo,  com  ser  tao  pequena 
Uba,  dà  cousa  de  cento  e  cincoenta  moios  cada  anno,  além  do  centeio, 
e  cevada;  dà  muito  lìnlio,  e  legumes,  de  favas,  batatas,  lentilbas,  e  bor- 
tali^a  de  toda  a  casta,  e  da  banda  do  Nordeste  se  semea  toda  a  terra: 
e  por  ser  terra  grossa,  e  de  bons  pastos,  dà  multo  gado  vacum,  ove- 
Ihum,  cabrum,  e  muitos  porcos,  e  grande  numero  de  gallinbas  de  toda 
a  casta,  e  até  cria  egoas,  de  que  sahem  tao  bons  cavallos,  que  muitos 
de  là  tem  vindo  para  Portugal.  Ile  a  Uba  abundantissima  de  Icnha,  e  de 


UV.  IX  GAP.  MI  319 

muitos  e  melhores  Cedros  de  quo  os  das  Flores;  e  nao  se  sabe  que  es- 
tà Uba  fosse  alguma  bora  entrada,  oa  saqueada  de  inimigos. 

34  Nunea  bouve  nesta  Uba  ar  corrupto,  ou  peste»  nem  guerra,  ou 
fome,  mas  so  multo  vento  :  oao  ba  bicbo  algum  nocivo,  nem  ainda  bum 
so  rato,  e  tem  bomens  de  ofScio  especial  de  Visitadores  dos  ratos  que 
a  teda  a  embarcacao  que  vem  das  Flores,  ou  de  alguma  outra  parte, 
vSo  primeiro  visitar,  se  traz  rato  algum,  e  nao  entra  a  embarcagao  sem 
primeiro  o  matarem  ;  mas  tambem  nSo  ba  em  està  Illia  coellio  algum  ; 
perém  gatos  muitos,  e  nao  nocivos. 

CAPITULO  VII 

Dot  Danatarias,  e  tralo  d'eslas  duas  Ilhas  Corvo^  e  Flores. 

35  A  prìmeira  pessoa  que  se  sabe  tìvesse  a  Capitania  Donataria 
d'estas  duas  Ubas,  que  sempre  andarao  unidas,  fot  buma  senhora  mo* 
radora  em  Lisboa,  e  cbamada  D.  Maria  de  Vilbena,  que  fez  seu  lugar- 
tenente,  e  Govemador  de  ambas  as  Ilbas  a  aquelle  fidalgo  Flamengo 
Guilberme  da  Silveira,  de  que  fallàmos  no  liv.  8,  cap.  4»  e  da  dita  se- 
nbora  veio  a  tal  Capitania  aos  excellentes  Condes  de  S.  Cruz,  que  a  tem 
com  a  mesma  jurisdicQio  que  os  CapitSes  das  outras  Ilhas,  e  se  diz  que 
demais  tem  a  casa  de  Santa  Cruz  em  estas  duas  Ilbas  o  ser  Commenda- 
dor  d'ellas,  e  ter  os  dizimos  de  ambas,  e  n3o  «ó  a  redizima  de  CapitSes 
Donatarios:  e  jà  em  tempo  de  Fructuoso,  ba  mais  de  cento  e  vinte  an- 
nos,  andava  a  Uba  do  Corvo  arrendada  em  trezentos  e  cincoenta  mil 
reis,  e  boje  renderà  mais  de  dobrado;  e  a  liba  das  Flores  renderla  en- 
filo ciuco  vezes  mais:  e  boje  dez  vezes  mais.  E  se  o  titolo  de  Gonde  de 
Santa  Cruz  be  d^aquella  principal  Villa,  Santa  Cruz  da  dita  Uba  das  Flo- 
res, ou  se  be  de  outra  alguma  do  mesmo  nome,  isto  constara  das  Doa- 
C5es«  e  mercés  Reaes. 

36  0  trato  de  ambas  estas  duas  Ilbas  be  de  fidelissimos  Catbolicos 
Romanos  em  tudo;  o  que  be  multo  de  louvar  na  Uba  do  Corvo,  que  tan- 
tos  annos  nem  bum  Parocbo  teve,  nem  bum  simples  Sacerdote  residen- 
te, e  comtudo  nunca  se  esquecerSo  da  verdadeira  doutrina  ChristSa  :  e 
em  ambas  estas  Ilbas  s3o  todos  os  moradores  puramente  Portuguezes, 
e  sempre  fieìs  à  Corea  Lusitana,  e  nenbuma  lingua  usarao  jà  mais,  nem 
outros  trajesscnSo  os  dos  antigos  Portuguezes,  que  conservao  ainda. 


3iO  HISTORIA  INSULANA 

assim  homens,  corno  mulheres,  e  d*esta$  as  que  s3o  lavradoras,  traba- 
Ihao  mais  que  os  homens,  ainda  no  cultivar  das  terras,  alóm  dos  maitos 
panos  de  lìnhos,  e  lans  que  fabricSo;  porem  a  nenhuns  d3o  senSo  a  cor 
que  a  natureza  Ihes  deo,  e  assim  os  vestem,  sem  admitUrem  mais,  ex« 
ceptas  as  pessoas  que  nao  trabalhSo  de  mSos,  e  so  mandio  trabalbar; 
e  todos  OS  d'estas  duas  Ilhas  s3o  bem  apessoados,  altas  estaturas,  corea 
alvas,  e  boas  feiQoes. 

37  Mas  porque  os  ventos  em  taes  Ilhas  sao  maitos  e  fiiriosos,  nio 
usao  de  casas  altas,  e  de  sobrado,  mas  de  terreiras  somente»  e  mais 
seguras  e  Tortes,  e  assàs  grandes,  e  porque  nunca  usarSo  de  fazer  de 
barro  louga,  ou  teiha,  mas  estas  Ihes  v3o  das  outras  Ilhas,  so  as  Igre- 
jas  sao  cubertas  de  telha,  e  algumas  casas  de  alguns  dos  nobres,  se  as 
mais  sao  cubertas  de  paiha  sobre  tectos  de  madeira,  mas  palha  tambem 
atada,  e  tao  segura,  que  nem  ao  resguardo»  nem  à  limpeza,  nem  ao 
aceio  faz  a  telha  falta  alguma  ;  e  comò  em  estas  duas  Ilhas  se  n3o  sabe 
haver  n'ellas  terremoto,  ou  sahir  fogo  algum  da  terra»  s3o  ainda  mais 
seguras  as  ditas  casas. 

38  E  d'aqui  vem  que  quando  d'estas  duas  Ilhas  vai  caravelao  à  libi 
Terceìra,  e  carregado  de  muitos  panos,  linhos,  meias,  e  muitas  galliohas, 
e  cameiros,  os  que  vao  a  vender  isto,  comò  s3o  gente  plebea,  pasm9o 
de  verem  tantas  casarias,  e  tao  altas,  e  nao  costumao  andar  senio  pelo 
roeio  das  ruas,  que  sao  multo  largas;  e  perguntados,  respondem  que  o 
faze^,  por  Ihes  n9o  cahir  alguma  na  cabe^a;  e  se  das  casas  os  chamio, 
e  mandao  subir  acima,  nao  acabao  comsigo  de  o  fazer,  e  respondem 
logo,  Trepar,  isso  nào;  e  n3o  se  fìào  de  escada,  por  mais  Regia  que  ella 
seja,  e  assim  he  necessarie  mandar  abaixo  comprar-lhes  o  que  trazem; 
e  s9o  tao  verdadeiros,  e  sinceros  nos  contratos,  que  nem  faltarem  à 
verdade,  nem  dizerem  huma  mentirà,  se  acha  n'elles;  e  mais  usao  de 
permutacoes,  do  que  compras  e  vendas,  dando  as  cousas  que  trazem 
por  outras  que  querem  ;  corno  por  lougas,  por  assucar,  e  outras  espe- 
ciarias,  e  algum  vinho  que  lev3o,  e  multo  em  especial  por  roupas  de 
vivas  córes,  corno  vermelhas,  e  com  tal  candura,  que  por  huma  cinta 
vermeiha,  por  huma  vara  de  Vereador,  ou  Almotacel,  d3o  muitas  vezes 
dobrado  valor,  em  o  que  trazem;  e  nao  poderao  deixar  de  ser  por  Deos 
muito  castigados  os  que  enganào  a  tal  gente  ;  sendo  que  ji  boje  sào 
mais  acaulelados,  mas  nunca  tanto,  que  sua  cautela  ven^a  a  malicia 
opposta. 


Liv.  IX  C-VP.  Vili  321 

30  .  Com  esld  sinceridade,  e  candiira  da  plebe  d'eslas  duas  Ilhas 
se  ajnnta  huma  capacidade  de  discripgao  e  juizo  tal,  que  verdadeira- 
mente  parecem  huns  diamantes,  ainda  nao  lavrados;  où  (corno  se  diz) 
diamantcs  brutos,  que  se  os  lavrao  o  conliecem,  sahem  em  elTeitos  de 
finos  diamantes.  Ex|)erime(itei  isto  ha  quasi  cincocnta  annos,  Icndo  no 
Collegio  de  Angra  latinidade  ;  e  indo  das  Flores  a  comecar  a  aprender 
a  lingua  Latina  bum  mancebo  ja  com  mais  de  vinte  e  dous  annos,  em 
breve  mostrou  ser  diamante  tao  Qno,  e  de  tal  fundo,  que  dentro  de  so 
o  primeiro  anno  se  fez  perfetto  Grammatico,  e  no  segundo  anno  c^n- 
stniia  perfettamente  qualquer  livro  latino,  e  alcancou  cabai  noticia  da 
Poesia,  e  Itbetorica,  e  se  llie  cooferirao  logo  as  Ordens,  até  de  Missa  e 
foi  iium  multo  grave,  e  douto^Parocho.  Experimentei  tamliem,  len()o  ja 
cadeiras  grandes  em  o  Keal  Collegio  de  Coimbra,  ha  quasi  quarenta 
annos,  que  indo  àquella  Universidade  outro  mancebo  das  Ilhas  do  Corvo 
e  Flores,  e  estndando  Dtreito  Canonico,  salilo  nelle  com  tal  louvor  de 
todos  approvado,  que  desejando  eu^  saber,  quem,  e  d'onde  era,  achei 
qoe  nSo  sa  era  naturai  das  ditas  ilhas,  mas  que  era  o  primeiro  que  das 
ilhas  do  Corvo,  e  Flores  fora  estudar  a  Coimbra,  conforme  aos  livros 
da  Matricula  daquella  insigne  Universidade:  d'onde  venho  a  concluir, 
que  assim  comò  là  dizia  o  Poeta  militar:  Que  estào  por  esses  tnoniuro», 
peitos  que  podem  servir  de  fortes  muros;  assim  pelas  mais  remotas 
Ilhas  estao  pedras  de  engenhos  tao  prociosas,  que  lavradas  sahirau  dia* 
mantes  de  Mestres  de  cadeiras. 

CAPITILO  Vili 

Das  Ilhas,  (pie  se  espera  descobrir  de  noto, 

40  Nunca  eu  me  atrevera  a  fallar  de  Ijhas  encubertas;  ou  a  pn^- 
fetizar  d  ellas,  se  as  nào  achasse  apontadas,  e  dclineadas  pelo  eruditis- 
simo Doutor  Gaspar  Fructnoso,  de  quem  nao  pequeiia  parte  desta  \\\$r 
toria  tirei;  e  por  nao  ser  diminnlo.  ou  infici  a  Doulor  de  tanta  fé,  e  tao 
antigo,  recopilaroi  aqui,  e  aponlarei  o  que  elle  traz  disperso,  e  desuuido 
em  muitas,  e  mui  diversas  partes,  corno  muitas  vezes  faz,  em  seu  antigo 
estylo:  e  porque  primeiro  traz  (liv.  6,  cap.  38)  o  que  bum  grande  Juizo 
ajuizou  de  Ilhas  ainda  eacubcrlas,  e  depois  de  metter  oulras  ninlcrias, 

VUL.  11  2  l 


322  IlISTOIIIA  IN^DLANA 

traz  0  que  oatros  antigos  disserSo  das  encubertas  Illias:  tado»  e  por 
sua  ordem  ajantaremos  aqui. 

41  Entre  os  prìncipaes  Povoadores  da  liha  do  Paia!,  velo  a  ella 
tambem  bum  fidalgo  ÀfeiaSo»  que  casou  com  huma  Alba  do  prìmeiro 
Donatario  do  Faiai  Joz  de  Utra,  e  o  AlemSo  se  cbamava  Martini  de 
Bohemia;  e  este  era  tao  grande  Mathen)atico,'e  espedalmente  tSo  insi« 
gne  Astrologo,  que  andando  na  Corte  Lusitana,  fòaia  ENRei  grande  es* 
timacSo,  e  conta  d'elle,  n3o  so  por  sua  nobreza,  maà  por  sua  sabedo- 
ria,  e  noticras  que  dava  por  observacSo  de  Eslrellas:  a  qtial  era  i3o  no*» 
tavel,  que  estahdo  ainda  na  Corte,  e  por  no^icìa  d'ette  mandando  Bl^ 
Rei  de  Portugal  navios  que  desimbriseetn  as  Antilbas,  no  ttesmo  Po^ 
tugal  disse  e  mesmo  Boemia  ao  Rei  o  <dia  e  bora^  em  que  os  navios 
voltav3o  arribando,  sem  descfibrirem  as  Antilbas.  E  advinhava  tanus 
outras  cousas  por  observa(5es  de  felstrellas  ;  e  t3o  certamente  se  vtio 
ao  depois,  que  o  rude  povo  em  lugar  de  julgar  ao  fldalgo  por  excel** 
lente  Astrologo,  o  tinha  por  Nigromantico  ;  comò»  se  assim  corno  hi 
quem  ve  sem  nigromancia  alguma,  a  agua  que  corre  por  multo  baixiir 
e  fundo  de  terra,  e  a  qualìdade  da  agua  ;  os  metaes  que  estio  ero  o 
centro  mais  profundo;  e  o  que  està  dentro  de  bum  corpo  bumaho;  eomo 
nSo  poderà  haver  tambem,  quem  sem  Nigromandii  veja  o  que  mdioo 
as  EstreHas. 

42  Chegado  pois  ó  mcsmo  Astrologo  ao  Palai,  disse  em  prìmeiro 
lugar,  que  ditoso  seria  aquelle  homem,  que  em  as  Ilhas  tìvesse  barn 
bom  cavallo  de  pào,  para  se  poder  ir  d'ellas.  E  iste  (diz  Fructuoso)  vi- 
mos  ju  no  tempo  das  alteracoes,  e  guerras  de  Felippe  com  seu  primo 
D.  Antonio,  no  tempo  dos  fogos,  dos  terremolos,  etc.  Disse  em  .segan- 
do lugar,  e  antes  de  se  descubrirem  as  Indias  de  Castella,  que  ao  Sa- 
doeste  do  Faial,  aonde  elle  estava,  vìa  bum  Pianeta  dominante  sobre 
/luma  Provincia,  aonde  se  serviao  os  moradores  com  vasos  de  ouro,  e 
prata,  de  que  carregadas  embarcagoes  se  veriao  no  Faial,  e  antes  de 
multo  tempo,  eie.  E  dentro  de  poucos  annos  se  virSo  em  o  Faial  nios 
que  vinh3o  do  Perù,  achado  entao,  e  que  vìnliSo  Carregadas  de  curo, 
prata,  e  pedraria. 

43  Disse  em  terceiro  lugar,  que  o  Sudoeste  do  Faial,  e  Pico,  esla- 
vao  por  descubrir  tres  Ilhas  em  triangolo,  e  que  huma  d  ellas  era  multo 
grande,  e  propriamente  chamada  da  Madeira,  e  a  outra  mais  pequena, 
e  multo  boa  lambem  ;  e  outra  ainda  mais  peqoena,  e  que  tintw  ouro,  e 


uv.  IX  cu».  IX  323 

era  ariosa  ;  e  que  tempo  viria,  em  qne  depois  de  taes  Ilhas  descuberlas, 
OS  barcos  das  ontras  iriSo  a  ellas:  e  dizendo-lhe  entao  o  Capitao  Utra» 
qoe  fossem  a  descubril-as,  o  Boemia  Ihe  respondeo,  que  se  nao  mettes- 
se n*isso,  que  se  nao  descubririao  em  sua  vida,  nem  na  de  seus  filhos. 
E  accrescenta  Fructuoso,  que  so  isto  està  por  ver,  de  quanto  disse  este 
Astrologo,  que  forao  muitas  cousss,  as  quaes  todas  se  virao  corno  as 
disse.  Tambem  dizem  que  dissera  (indo  bum  Gaspar  Gongalves  de  Ri- 
beira  Seca  da  Terceira  a  descubrir  outra  nova  liba  ao  Norte  d*estas  :) 
cAgora  arriba  Gaspar  Gon^alves  da  sua  liba,  e  nunca  mais  acharao,  e 
Ihe  cahio  bum  bomem  ao  mar,  etc.»  E  achou-se  ter  succedido  assim, 
porque  dando  em  seco  jà  da  Uba,  e  indo  bum  bomem  a  tomar  a  velia» 
cabio  ao  mar*  e  sem  poderem  tomal-o  pela  corrente  das  aguas,  se  tor- 
Dar3o  sem  mais  acbar  a  ilba. 

CAPITULO  IX 

De  (mtras  Ilhas,  gue  ha  nesU  nosso  Oceano  por  descubrir  ainda. 

44  De  bum  Provisor,  e  Vigario  Geral  das  Illias  de  Cabo  Verde, 
que  d'ellas  veio,  e  arribou  a  S.  Miguel,  e  de  bum  Quartel  ou  mappa 
antigo  que  trazia,  Teito  pelo  Comograro  mór  dei-Rei  Dom  Joao  o  III  ao 
qual  cbamavSo  o  Freire,  pai  do  seguinte  Cosmografo  mór  Luiz  Freire, 
diz  0  Doutor  Fructuoso  liv.  G  cap.  49,  que  tomou  a  noticia  de  outras 
novas  Ilhas,  que  cstavao  por  descubrir  ainda,  e  d  eslas  diz  o  que  aqui 
veremos,  e  Qque  a  fé  d  està  historia  a  conta  do  mesmo  Autbor,  que  nós 
so  referimos  o  que  diz,  e  julgamos  verdadeiro,  e  be  o  seguinte. 

45  Ao  Norte  da  Uba  de  Sao  Miguel,  oìtenta  legoas  pouco  mais,  ou 
meDOS,  esti  buma  Uba  chamada  as  Mayadas,  com  outras  suas  vizinbas 
ao  redor  :  e  n*estas  se  diz  que  ha  muitos  pinbeiros,  e  outros  paos  mui- 
to  grandes.  Do  porlo  da  Cidade  de  Ponta  Dclgada  navegando  ao  Su- 
doeste  cento  e  vinte  e  duas  legoas  e  meia,  se  vai  dar  de  meio  a  meio 
coro  buma  Uba,  que  cbamao  a  Uba  do  Bom  Jesus,  a  qual  corre  direita^ 
mente  de  Leste  a  Deste;  tem  dezoito  legoas  de  comprimento  ;  e  indo-se 
d*ella  por  linba  direita  a  Leste,  se  vai  dar  na  costa  de  Africa,  em  a  ter* 
ra  que  cbamao  o  Cabo  de  Catim  ;  e  da  mesma  Uba  do  Bom  Jesus  para 
Leste  se  vai  por  linba  dar  na  liha  do  Porto  Santo  vizinba  da  Madeira» 
e  d  està  dista  a  do  Bom  Jesus  duzontas  e  quarenta  e  cinco  legoas,  e 


321  IIISTOIUA  INSILANA 

està  em  trintn  e  tros  graos  da  altura  da  linha  Equinocial  para  o  Norie: 
da  dita  liha  para  o  Nordeste  se  vai  dar  na  de  S.  Miguel;  e  para  o  Nor- 
nordeste  se  ì&  nas  lllias  do  Faial,  e  Pico  :  mas  quem  partir  da  liha  do 
Bom  Jesus  para  Leste,  deve  ir  sempre  com  vigia,  porque  em  distanda 
de  seis  legóas  esti  outra  Illia.  em  que  poderi  dar  com  o  descahìmento 
da  derrota. 

46  Està  terceira  Ilha  se  cliama  de  Santo  Antonio  ;  esti  ao  Sul  da 
liha  de  Sao  Miguel,  de  cuja  ponla  dos  Mosteiros  dista  seis  gréos,  oa 
cento  e  cincoenta  legoas.  Da  Ilha  de  Sao  Miguel,  e  da  de  Santa  Maria  se 
ve  huma  Ilha,  que  ainda  se  nSo  sabfì  que  Ilha  seja,  e  aiguns  quizeiiki 
dizer  que  era  a  sobredita  Ilha  do  Bom  Jesus,  que  nao  obstante  distar 
tanto,  se  podin  ainda  ver  em  aiguns  dìas  pelo  reflexo  debaixo  da  agua 
do  mar  ;  nssim  comò  (dizem)  assim  comò  huma  raoeda  lan^a  em  hum 
vaso  de  agua,  e  olliando-se  para  ella  por  linha  direita,  se  ve  de  mnito 
mais  longe.  do  que  se  veria,  se  estiverà  fora  da  agua.  Outros  qoizerlo 
dizer  que  era  outra  Ilha  aìnda  incognita  ;  porém  seja  'a  Ilha  que  for, 
(adverte  Fructuoso)  quem  sahir  da  Ilha  do  Bom  Jesus  para  Leste,  senao 
der  com  a  Ilha  de  Santo  Antonio,  levare  sempre  boa  vigia,  por  nao  dar 
a  travez  com  outra  quarta,  e  maior  Ilha,  que  ainda  està  a  nós  encul)crta. 

47  Desta  quarta  Ilha  diz  o  mesmo  Fructuoso  que  (segundo  vio  na 
particular  carta  de  mnrear  que  a  ti*az)  se  chama  Ilha  de  Santa  Cruz,  e 
quo  desta  se  diz  ser  a  mais  antìga,  e  ainda  a  nós  encuberta,  Ilha  da 
Madeira  ;  e  (pie  a  que  depois  descubrimos,  e  chamamos  Madeira,  tinlia 
por  seu  nome  proprio  a  Ilha  das  Pedras  :  da  dita  pois  Ilha  de  Santa 
Cruz  (ou  Madeira  ainda  encuberta)  achou  Fructuoso  que  esti  em  altura 
de  trinla  e  dous  graos  ;  e  que  sahindo  da  Madeira  em  direitura  a  Deste 
setenta  logoas,  està  a  Ilha  de  Santa  Cruz;  e  quem  for  da  Ilha  de  Sao 
Miguel  buscar  a  Ilha  sobredita  de  Santa  Cruz,  ha  de  navegar  do  Norie 
para  o  Sul  até  altura  de  trìnta  e  tres  graos  precisos,  e  que  d'ahi  virar! 
para  n  banda  do  Poente,  ou  Ceste  pelo  mesmo  parallelo,  reparando  sem- 
pre beni  aonde  Ihe  fica  Sao  Miguel  ;  e  tendo  andado  para  Deste  oitenta 
legoas,  e  alò  cento,  nao  dando  com  Santa  Cruz,  tome  a  tomar  a  altura 
dos  Irinta  e  tres  graos,  virando  a  proa  para  Leste,  e  assim  de  Leste  a 
Deste,  conio  de  Norte  a  Sul  lavre  o  mar  dentro  de  espaco  de  so  vinte 
legoas,  e  de  bordo  em  bordo  vira  a  dar  com  a  ditii  Ilha,  e  sempre  coni 
tal  vigia,  qne  nao  de  a  costa. 

48  Aflirma  pois  o  dito  Fructuoso  d'osta  Ilha  de  Santa  Cruz,  qu^ 


I 

ijv,  IX  GAP.  X  :]ir> 

tem  de  comprim^nto  quarenta  e  duas  legoas,  cousa  quo  em  nenliuiiia 
outra  das  de  quo  temos  Tallado,  achamos  alégora  :  alTirma  mais  que  da 
banda  do  Sul  tem  està  lllia  huma  grande  baliia,  e  diante  della  dous 
llheos,  com  distancia  entre  hum,  e  oulro  de  tres  legoas;  e  que  da  banda 
do  Norie  lem  outra  enseada  pequena,  outra  da  banda  de  Leste,  e  da 
banda  de  Oeste  outra.  E  o  que  mais  he,  dizer  que  està  tao  grande  Illia 
he  povoada,  e  de  ludo  isto  dà  por  testimunlias  os  singulares  mappas, 
iestimunhas,  e  noticias  que  aeima  aponlamos;  mas  he  cousa  notavel,  quo 
nao  diz,  de  que  gentes  està  Illia  seja  povoada,  se  de  tientios,  ou  )lou- 
rus,  oullebreos,  se  dehereges,  ou  Gatholicos:  salvo  alguem  quizer  ain- 
da sonbar,  que  em  tao  grande  liha  ainda  esti  o  antigo,  e  Lusitano  Rei 
D.  Sebastiiio,  e  que  ainda  ha  de  vir  de  là,  nào  obstante  ter  de  idade  jà 
cousa  de  cento  e  setenla  annos;  mas  deixemos  estes  soniios.  0  certo  he, 
que  coro  està  fatai  liba  de  Santa  Cruz  acaba  o  Doutor  Fructuoso  o  sexto 
livro  de  sua  historia,  e  o  Capitulo  49  ultimo  d'ella  ;  [M)rque  ainda  que 
deixou  comecado  outro  tomo,  que  intituiou:  — Saudades  do  Ceo  —  i)ara 
o  Geo  se  foi,  (juando  compunha  o  Capitulo  4. 

CAPITULO  X 

Compendio  da  Ilishria  das  llhas,  para  o  juizo  que  para  se  conserrarem^ 
se  deve  formar  d'eltas, 

49  Das  nolicias  atégora  dadas  em  loda  està  liistoria,  se  deve  tirar 
summariamente,  que  as  Ilhas  Canarias  sào  doze,  e  que  de  ciuco  d'ellas 
nao  ha  (|ue  dizer  ;  mas  que  pela  ordem  com  que  forào  conquistadas,  a 
primeira,  chamada  liba  do  Ferro,  tem  so  legoa  e  mela  de  comprido, 
Imma  de  largo,  e  huma  so  Villa  chamada  Lbanos,  e  nenhum  Ingar  mais. 
Porém  que  a  segunda,  chamada,  Forte  Ventura,  tem  dezoito  legoas  de 
comprido,  tres  de  largo,  e  ero  ludo  isto  huma  s6  Villa,  e  quatro  biga- 
res;  e  comtudo  tinha  tres,  chamados  lieis,  que  separadamente  a  gover- 
navao.  A  terceira  Uba,  a  que  chamao  Lancerete,  he  igual  no  tamanho  à 
segunda,  e  tinha  huma  so  Villa,  e  nada  mais,  por  ser  multo  inh'uctirera. 
A  quarta  Uba,  que  se  diz  Gomeira,  tem  doze  legoas  de  comprido,  e  de 
largo  quatro,  huma  Villa,  e  demais  bum  so  lugar  de  sessenta  vizinhos, 
e  em  loda  a  Uba  bum  so  Rei. 

50  A  quinta,  e  principal  liba,  a  que  chamao  a  Gra  Canaria»  lem 


3i6  HISTORIA  IN8ULANA 

dezoito  legoas  de  comprido,  e  de  largo  quatro,  e  huma  Cidade  qae  ebe- 
ga a  tres  mil  vizinhos,  e  aléin  d'ella  quatro  Viilas,  e  lugares  mais  ne- 
nhuris  ;  mas  a  Cidade  nuo  so  he  a  cabe^a  Ecclesiastica  de  todas  aquelbs 
llhas»  mas  tambem  tem  lodo  o  politico  governo  8obre  ellas  todas.  A 
sexla  liha  se  chama  Tenerife»  e  tem  quinze  legoas  de  comprido,  è  em 
varias  parles  tem  seis,  oilo,  e  dez  de  largo,  e  tambem  sua  Gidade  cha* 
mada  a  Alagoa,  e  de  dous  mil  vizinhos,  e  além  d'estas  tres  Villas,  e 
doQS  lugares,  e  mais  espalhadamente  multo  povoada.  Septima  liba  be  a 
celebre  Palma,  de  dezoilo  legoas  de  comprimento,  e  sete  de  laif  ura,  e 
Imma  Cidade  chamada  Sào  Miguel  de  Santa  Cruz,  que  tambem  consti 
de  dous  mil  vizinhos  ;  e  tem  a  Uba  alguns  lugares  mais,  mas  de  pouca 
consideragao,  e  ainda  de  menos  as  ootras  cince  Ilhas,  de  que  por  isso 
mesmo  se  nao  faz  mencào.  h'onde  se  ve  que  as  ditas  Canarias,  enfladas, 
tem  de  comprimento  cem  legoas  e  meia,  e  unidas  as  largut^s,  tem  trio* 
ta  de  largo  ;  e  Cidades  tres,  Villas  onze,  ^  quatorze  lugares,  fora  espa* 
Ihados  Serranos;  e  todas  eslas  Ilhas  chegarSo  a  nove  mil  vizinhos. 

51  Em  segundo  lugar  as  Ilhas  de  Cabo  Verde  s3o  onze,  coja  prìn- 
cipat  se  chamava.  Boa  Vista,  boje  porém  Santiago,  e  tem  treze  legoas  de 
comprido,  huma  so  Cidade  do  mesmo  nome  de  Santiago,  e  de  so  du- 
zentos  vizinhos,  mas  com  Bispo,  e  sua  Sé,  e  nao  se  sabe  de  mais  luga- 
res jurtos.  Segunda  liha  se  ciian>a  a  Maia;  terceira  Sào  Felippe,  ou  Uba 
do  Togo;  quarta  Suo  Christovao;  quinta  a  IHia  do  Sai  ;  sexta  a  Brava; 
septima  Sao  Nicolào:  oilava  Suo  Vicenle:  nona  se  chama  Raza  Branca: 
ou  Rosa  Branca:  decima  Santa  Luzia,  e  consta  de  oilo  legoas:  undecima 
a  de  Santo  Antonio,  ou  de  Santo  Antao,  e  das  raesmas  legoas  consta  qoe 
a  decima  de  Santa  Luzia  :  e  nao  se  diz  nnais  de  taes  dez  Ilhas,  porque 
nem  póvos,  nem  lugares  tem  consideraveis  :  porem  he  multo  de  adver- 
tir,  que  em  seus  principios  vinha  d'estas  a  Portugal  bastante  ouro,  tira- 
do  por  commercio. da  terra  firme  de  Cabo  Verde;  porem  depois  que  se 
descuhrio  a  India  Orientai,  e  o  Brasil,  n?lo  se  fez  mais  caso  do  ouro  de 
Cabo  Verde:  mas  sempre  se  fez  do  ambar,  que  nao  so  se  acha  na  costa 
da  primeira  liha  de  Santiago,  mas  tambem  nas  costas  da  quinta,  sexta, 
nona,  e  decima. 

52  Em  terceiro  lugar  se  (kve  advertir,  que  a  Ilha  de  Porto  Santo 
tem  de  comprimento  quasi  quatro  legoas,  e  huma  e  meia  de  largura,  e 
sua  cabala  he  a  Villa  de  Sao  Salvador,  que  passa  de  quatrocentos  vizi- 
nhos, e  tem  mais  tres  lugares  juntos  de  póvos  unidos,  e  nao  espaiha 


klV.  IX  GAP.  XI  .  327 

dos  ;  6  f6ra  esles  tem  alguos  outros  póvos  divididos,  corno  o  que  dia* 
idSo  Farrot)o,  e  qge  cbamao  Fóleira,  e  em  tudo  tem  quasi  mil  vizinhos, 
^  muito  mais  de  liomens  que  possao  tomar  armas. 

S3  Em  quarto  lugar  se  deve  reparar,  que  a  ramosa  Uba  da  Madei- 
ra, em  a  primeira  sua  Capitania  òao  so  tem  a  Cidade  do  Funclial,  de 
dous  mil  viziuhos,  mas  tem  mais  as  duas  Viltas,  da  Poota  do  Sol,  e  d9 
Calheta,  e  $ete  lugares  mais,  e  em  esles,  e  nas  Vìllas,  e  Cidade,  tem 
por  todos  tres  mil  e  seiscentos  e  trinta  vizinhos  :  e  na  seguoda  Capita* 
Dia  cbamada  de  Machico  tem  outras  duas  Villas,  Maclùco,  e  Santa  Crm;» 
e  além  d*estas  tem  mais  oito  lugares,  que  em  si,  e  nas  suas  duas  VUla9 
tem  dous  mil  e  trinta  vizinhos;  e  vem  a  constar  a  liba  toda  de  ciuco  mil 
e  seiscentos  e  sesseqta  vizinhos.  Das  Uhas  desertas  que  estao  junto  (h 
Madeira,  e  nem  nomes  proprios  tiverSo,  nem  tem  póvos  alguns,  n3o 
fazemos  jà  men^o,  e  fizemos  a  que  basta  no  fim  do  livro  3.*  comò  tam* 
bem  de  duas  Ilhotas,  ou  Ilheos,  que  estSo  ao  Sul  da  Madeira,  trinta  le^ 
goas,  e  pertencem  às  primeiras  doze  cbamadas  Canarias. 

CAPITULO  XI 

Coniinmhèi  o  Compendio  wteced$nii. 

Si  Em  quinto  lugar  se  ha  advertir  mais,  qoe  a  Illia  de  Santa  Uà* 
ria  nao  so  tem  quasi  cinco  legoas  de  comprimento,  e  quasi  tres  de  lar- 
gura: nem  so  tem  por  cabe(a  sua  a  Villa  do  Porto:  e  n'esta  mais  de  qua* 
trocentos  visinbos:  mas  que  tambem  além  d  està  Villa  tem  quatro  luga- 
res: Santo  Antonio  com  cem  vizinhos;  o  Espirito  Santo  com  oitenta:  Sic 
Fedro  com  sessenta:  e  o  de  Santa  Barbara  com  quarenta,  fora  outros  de 
visinbos  espalbados,  com  que  passa  està  liba  de  setecentos  vizinhos,  e 
mais  de  mil  bomens  de  armas. 

55  Em  sexto  lugar  se  advirta  mais,  que  a  Uba  de  Sao  Miguel  tem 
dezoito  legoas  de  comprimento,  e  quasi  tres  na  maior  largura;  tem  bu- 
ina Cidade,  e  cinco  Villas,  e  viole  lugares,  que  em  seu  lugar  ja  aponta- 
mos,  e  OS  vizinhos  de  cada  povo  d*estes:  e  achanos  serem  seis  mil  e  oi- 
tocentos  e  sessenta  e  bum  vizinhos,  nao  fallando  em  os  muitos  Conven- 
tos  que  lia  n*esta  Uba,  de  muitos  Reirgiosos,  e  muito  maior  numero  de 
Religiosas,  e  bomens  de  armas  serao  doze  mil. 

56  Em  septimo  lugar  deve-se  notar,  que  a  Uba  Terceira,  sem  pas- 


328  KISTORIA  INSULINA 

sàr  de  sete  legoas  em  seu  comprìmehto,  e  de  quatro  em  sua  larguin» 
lem  duas  Capitanias  Donatarias,  a  de  Àngra,  e  a  da  Praia,  e  esla  n3o  so 
lem  a  Villa  da  Praia  por  cabega,  e  setecentos  vizinhos  n'el)a;  mas  tem 
mais  oito  lugares,  cujos  vizinhos,  e  os  da  dita  Villa  fazem  mil  é  oilo- 
centos  e  vinte  vizinhos;  e  a  outra  Capitania  tem  a  Cidade  de  Àngra  por 
siia  onbeca,  e  n'ella  tres  mil  vizinhos;  e  demais  outra  Villa  diamada  Sao 
Sebasti3o,  e  outros  oito  lugares,  que  com  a  dita  Cidade,  e  com  a  so- 
bredila  Capitania  da  Praia,  fazem  cinco  mil  e  novecentos  e  quatorze  vi- 
zinlios;  sendo  que  a  da  Madeira,  em  outras  duas  Capitanias,  ainda  que 
tem  sua  Cidade,  e  quatro  Villas,  em  tudo  tem  so  quinze  lugares,  e  ^ 
cinco  mil  e  seisc^ntos  e  sessenta  vizinhos;  mas  a  àmbas  vence  ainda  a 
de  S3o  Miguel,  que  sobre  huma  Cidade  tem  cinco  Villas,  e  vinte  luga- 
res, e  seis  mil  e  oitocentos  e  sessenta  e  hum  vizinhos. 

57  Em  oitavo  lugar  a  Illia  de  S9o  Jorge  tem  mais  de  dez  legoas 
do  comprido,  e  quasi  hume  e  meta  de  largo,  e  tres  Villas,  Velas,  Galhe- 
ta,  0  Topo,  e  além  dellas  tem  mais  quatro  lugares  juntos,  fora  muttos 
moradorcs  espalhados,  e  d'estes,  e  das  Villas,  e  lugares  os  vizinhos  to- 
dos  passao  de  oitocentos^»  émr  que  Im  mais  de  mil  homens  de  armas. 

38  Em  nono,  lugnr  a  niia  chamada  Graciosa  tem  quasi  quatro  le- 
goas de  compriraeuto^  e  mais  de  huma  de  largura:  e  porque  he  toda 
plaina,  e  cultivada,  raro  lugar  tem  lavradores  juntos,  mas  todos  os  cul- 
ti vadores  vivem  espalhados  pela  liha,  e  muilo  mais  os  pastores;  porém 
da  uobreza  tem  duas  famosas  Villas,  a  principal  se  chnma  Santa  Cruz,  e 
consta  de  seisòentos  vizinhos:  a  segunda  Villa  se  chama  Praia,  e  pas.<a 
de  trey.ontos  vizinhos,  e  so  entre  estas  Villas  ha  hum  lugar  de  p»)voado- 
rcs  juntos,  e  tem  mais  de  trinta  vizinhos,  o  por  todos  chega  a  mil,  e  a 
dous  mil  homens  de  armas. 

59  Ein  decimo  lugar  a  liha  do  Favai  tem  cinco  legoas  (e  mais  se- 
gundo  al«(uns)  de  comprimento,  e  de  largura  em  parles  tem  mais  de 
duas  legoas»  e  em  outras,  mais  de  tres;  sua  unica  cahec^  he  a  Villa  cha- 
mada tiorta,  que  passa  de  quinhentos  vizinhos;  e  além  d'està  tem  mui- 
tos  lugares,  dos  quaes  podiOo  alguns  ser  nobres  Villas,  porque  ainda  que 
0  lugar  chamado  Kibeirinha  tem  cento  e  oito  vizinhos;  e  o  de  Xossa  Se- 
nhora  da  Graca  tem  cento  e  dezaseis;  e  o  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda 
cento  e  vinte;  e  o  da  Senhora  da  Esperanfa,  chamado  o  Capello,  ^em 
cento  e  vinte  e  lium;  e  o  da  Santissima  Trindade,  que  chamao  da  Praia, 
cento  e  vinto  e  tres;  e  o  do  Nossa  Senhora  das  Angustias,  perle  da  Vii- 


LIY.  IX  GAP.  XI  3Ì9 

la,  tcm  cento  e  sesscnta  e  quatro  vizinbos;  ainda  outros  lugarcs  tem  tan- 
tos  mais  vizinbos,  que  o  do  Espirilo  Santo  tem  duzentos  e  trinta  e  seis; 
e  0  que  cliamao  Cedros,  tem  duzentos  e  noventa,  e  o  Castello  Branco 
passa  de  trezentos  vizinbos;  e  vem  a  ter  està  Uba  do  Fayal  na  sua  Villa, 
e  nos  nove  lugares,  dous  mil  e  setenta  e  oito  vizinbos,  e  bons  quatro 
mil  homens  de  armas. 

60  Bm  ondecimo  lugar  a  liba  do  Pico  tem  dezoito  legoas  de  com- 
prìmento,  e  quatro  de  largura;  Villas  tem  duas,  a  primeira,  e  principal 
se  chaDaa  as  Lagens,  e  tem  duzentos  vizinlios  juntos,  e  arruados  dentro 
em  si:  a  segunda  Villa  se  cbama  Sao  Roque,  e  està  da  oulra  banda  do 
Norte,  e  consta  de  cento  e  cincoenta  vizinbos,  tambem  juntos,  e  arrua- 
dos: OS  lugares  de  povo  janlo  sào,  o  de  Santa  Barbara  no  porto  de  San- 
ta Cruz,  que  tem  mais  de  cem  vizinbos;  o  de  Suo  Mattbeos,  que  passa 
de  cincoenta;  o  da  Maddalena,  que  tem  mais  de  bum  conto:  o  da  Pìeda- 
de,  que  passa  de  cem  vizinbos,  e  o  ebamado  dallibeiiToba,  ou  Prainba, 
qne  de  vizinbos  juntos  tem  cento  e  vinte,  e  com  estes  cinco  lugarcs,  e 
as  duas  Villas  sobreditas,  terao  mais  de  oitOcentos  e  vinte  vizinbos;  nao 
sSo  menos  os  que  vivem  espalbados  por  t3o  grande  Uba,  e  de  tanta  fa- 
brìca  de  vinhos,  e  de  mais  frutos,  e  abegoarias:  donde  se  ve  que  tem 
mais  de  mil  è  quinbentos  vizinbos  està  Uba,  e  multo  mais  de  tres  mil 
liomehs  de  anrtas. 

61  Em  duodecimo  lugar  a  lilia  das  Flores  consta  de  mais  de  cin- 
co legoas  de  comprido,  e  quatro  de  largo;  consta  de  duas  Villas,  primei- 
ra. Santa  Cruz,  que  passa  de  duzentos  vizinbos:  segunda  a  Villa  das  La- 
gens,  que  tem  mais  de  trezentos  vizinbos:  e  dos  ouiros  lugares  de  Sao 
Pedro  ebega  a  cento  e  cincoenta  vizinbos:  o  da  Lomtia  tem  cincoenta:  e 
o  lugar  que  cbamao  o  da  Ponta,  tem  su  trinta:  e  outros  tantos  tem  o 
lugar  cbannado  Cedros:  e  menos  ainda  tem  outro  lugar,  a  que  cbamùo  a 
Caveira:  e  com  os  que  morào  scparados  pelo  Certuo,  conlcm  està  liba 
loda  setecentos  e  cincoenta  visinbos  em  duas  Villas,  e  quatro  lugares:  e 
mais  de  mil  e  quinbentos  bomens  de  armas.  Ultimamente  a  Uba  cbama- 
da  Corvo  tem  de  comprimento  mais  de  duas  legoas,  e  meia  legoa  de  lar- 
go: e  0  unico  lugar  que  tem,  e  se  cbama  N.  Senbora  do  Rosario,  passa 
de  cento,  e  onze  visinbos,  e  de  duzentos  bomens  do  arnias. 


330  HI9T0II1A  INSIXANA 

CAPITOLO  XII 
Conclusào  do  Compindio  acima. 

62  Conclue-se  prìmeìro  do  acìma  dito»  que  as  nove  Ilbas  Terceiras 
(enfiados  os  comprìmentos  d'ellas,  bum  pegando  com  oulro)  tem  todn 
de  comprìmento  setenla  e  quatro  legòas.  das  legoas  Hespaobolas»  qoe 
s3o  de  quatro  milhas,  ou  quatro  mil  passos  cada  booia.  Conclue-ae.ie* 
gundo,  que  uoindo  tambem  as  larguras  das  taes  Ilbas  eutre  si,  tem  to» 
das  de  largo  vinte  e  quatro  legoas  e  mela:  donde  se  ve,  qoe  tendo  Bei- 
panha  de  comprimento  quasi  trezentas  legoas^  e  na  maior  largura  do« 
zentas  e  cincoenta,  Gcao  tendo  as  ditas  Ilbas  Terceiras,  no  comprtmeulo, 
a  quarta  parte  de  toda  Hespanba:  e  na  largura  ficSd  seodo  de  Hespanha 
a  decima  parte:  e  que  a  respeito  de  Italia  (que  be  menor  que  Hespanba» 
pois  Italia  so  tem  duzfintas  e  cincoenta  e  ciuco  legoas  em  o  siaior  cani* 
primento,  e  so  cento  e  duas  na  maior  largura)  flcio  as  ditas  IHias  seih 
do  em  seu  comprimento  a  terceira  parie  (pouco  menos)  do  oomprimeih 
to  de  Italia,  e  Qc3o  sendo  em  sua  largura  a  quarta  parte. 

63  E  se  comparar-mos  as  ditas  Ilbas  Terceiras  com  ludo  o  qoe  o 
seu  Reino  de  Portugal  lem  cà  na  terra  Qrme  de  Europa*  bem  se  sabe 
que  boje  a  Lusitania,  ou  Portugal  (ainda  comprehendendo  o  Beino  do 
Algarve)  tem  de  comprimento  noventa  e  huma  legoas,  desde  a  penta  do 
Cabo  de  SSo  Vìcente  para  o  Norie  atè  a  foz  do  rio  Minbo;  e  jà  fica  este 
comprimento  sendo  maior  que  o  das  Ilbas,  so  dezasete  legoas,  pois  so 
estas  vSo  das  sdenta  e  quatro  legoas  do  comprimento  das  taes  Ilbas  pa- 
ra as  noventa  e  buma  do  comprimento  do  Portugal:  porém  comò  Por- 
tugal na  maior  largura  tenha  trinta  e  oito  legoas,  desde  a  poala  de  do- 
tra  ató  a  Villa  de  Alegi*ete,  que  confina  com  a  raia  de  Castella;  e  so  vior 
te  e  quatro  legoas  tenhào  as  sobreditas  Ilbas  em  sua  largura,  segue-se 
que  so  quatoi'ze  legoas  (que  vao  de  vinte  e  quatro  para  trinla  e  olio) 
vence  a  largura  de  Portugal  à  das  ditas  Ilbas. 

6i  Pois  se  fizermos  comparaQao  do  comprimento,  e  largura  das  di- 
tas Ithas  com  os  de  cada  huma  das  seis  Provincias  de  Portugal;  e  se  re- 
pararmos,  que  a  Provincia  de  Entre  Douro  e  Minbo  tem  s6  dezoito  le- 
goas de  comprimento,  e  pouco  mais  de  dez  de  largo;  e  a  de  Traz  os 
Montes  nuo  passa  em  seu  comprimento  de  trinta  e  seis  legoas,  nem  de 
trinta  e  quatro  em  sua  largura;  e  nuo  he  maior  a  Provincia  da  Beira:  e 


LIV.  IX  GAP.  XII  331 

amda  sao  menores,  assim  a  Proviocia  do  Alem-Tejo,  corno  a  da  Estre- 
madura  em  Portugal;  e  em  firn  o  Beino,  ou  ProvÌDcia  do  Algarve  ebega 
de  comprido  a  so  vinte  e  oito  legoas,  desde  Seixes  até  Crasto-Marim,  e 
de  largo  nao  tem  mais  de  que  seis  legoas,  desde  a  Ribeira  de  Yascao 
(junta  ao  Campo  de  Ourìque)  até  o  mar  Oceano:  se  repararmos  pois 
n'isto»  acbaremos,  que  d3o  só  nao  ha  provincia  alguma  das  seis  de  Por- 
tugal, que  occupo  tartta  terra,  quanta  occupao  as  nove  Ilhas  Terceiras, 
mas  que  ainda  huma  só  d  estas  (qual  he  a  Illia  do  Pico)  nao  occupa  mui- 
to  menos  terra,  do  que  alguma  das  ditas  seis  Provincias  Lusitanas. 

65  He  verdade  que  nas  ditas  seis  Provincias  de  Poilugal  ha  dezoi*' 
to  Cidades,  (e  só  duas  ha  nas  sobreditas  nove  Ilhas,  e  dezoito  VHIas,  e 
sessenta  e  quatro  lugares  de  póvos  juntos),  e  que  n  aquells^  seis  Pro* 
vincias  ha  oitenta  Yillas,  e  quinze  mil  lugares,  corno  se  le  em  aquella 
aurea  historia,  intitulada,  Lusitania  Vindicuta  fol,  131,  mas  deve-se  ad- 
vertir,  que  tambem  em  Portngal  a  Provincia  de  Enlre  Douro  e  Minho, 
a  de  Traz  os  Montes,  e  a  da  Estremadura,  cada  huma  nao  lem  màis  que 
duas  Cidades;  e  assim  corno  cada  huma  d*estas  tres  Provincias  tem  Yil- 
las,  que  podem  ser  maiores  Cidades  do  que  outras  que  o  s3o;  assim  tam- 
bem as  ditas  nove  Ilhas  tem  muilas  Vìllas,  que  excedem  a  algumas  das 
Cidades  de  Portugal;  e  assim  comò  em  os  quinze  mil  lugares  de  Portu- 
gal ha  muìtos,  que  excedem  a  muìtas  outras  Villas,  assim  nos  sessenta 
e  quatro  lugares  das  ditas  nove  Ilhas,  ha  muitos  que  excedem  a  outros, 
que  se  fizerào  Villas  sondo  menos  populosos.  e  de  genie  menos  nobre» 
e  rica. 

66  Conclue-se  terceiro,  que  nao  só  no  comprimenlo,  e  largura  de 
terras,  nem  só  no  numero  de  Povoacoes  juntas,  e  inteiras;  nem  só  nos 
multo  Nobres,  ricos,  e  Udalgos,  que  povoarao  as  nove  Ilhas  Terceiras, 
e  ainda  n'elisa  se  conservao;  nOo  só  em  ludo  isto  sao  hum  grande  Bei- 
no, e  maior  que  muitos,  chamados  ainda  hoje  Beinos,  de  Hespanha,  e 
Portugal,  cousa  que  metterao  os  Mouros  quando  em  Hespanha  entrarao, 
pondo  em  cada  Cidade,  e  6m  cada  povo  grande  hum  seu  Bei,  comò  (por 
Hespanha)  em  Toledo,  em  Murcia,  em  Valencia;  e  por  Portugal  em  La- 
mego,  em  Vizeu,  em  Braga,  em  o  Porto,  em  Santarem;  e  ainda  nas  Ca- 
narias  em  cada  Uba  tinhao  hum  Bei,  e  muitos  em  hurtia  só,  comò  jà  vi- 
mos:  e  d*esta  sorte  podia  haver  em  as  Ilhas  Terceiras  muitos  Beis;  mas 
com  muita  mais  razao  em  todas  nove  hum,  verdadeiramente  illustre,  ri- 
co,  e  poderoso  Bei,  pelo  que  fica  mostrado  da  riqueza,  e  nobreza  de 


33S  HldTORlA  INStLANA 

taes  lUias;  e  pelo  que  se  collie  do  numero  de  vassallos,  e  gente  para 
guerra  que  ha  n*ellas. 

67  Porque  nas  taes  nove  Ilhas,  (confórme  o  acima  relatado)  e  em 
as  suas  duas  Cidades,  dezoito  Yillas,  o  sessenta  e  quatro  lugares,  os  vi- 
zinhos  $3o  dezanove  mil  e  setecentos  e  quatorze,  e  multo  mais  de  via* 
te  mil  vizintios»  com  os  rusticos  que  liabitSo  sós  em  o  Certio;  e  os  ho- 
mens  capazes  de  tornar  armas,  e  soffrer  guerra,  sào  trinta  e  etneo  mil 
e  duzentos,  e  chegarào  a  quareiita  mil  homens  de  guerra;  jà  se  ve,  que 
muitos  chamados  Reis,  ou  Principes,  e  Potentados,  corno  muitos  em  Ita- 
lia, nem  podém  por,  nem  tem  tanta  gente  apta  para  guerra,  nao  fallan- 
do em  velhos,  e  rapazes,  nem  iia  gente  necessaria  para  o  servilo  buma- 
no,  e  cultivar  das  terras:  do  que  tudo  parece  se  devem  formar  os  jui- 
zos  seguintes. 

CAPITULO  XIII 

Do  com  que  se  deve  acodir  d  espiritml  ntcessidade  das  llhas  Terceiras. 

08  Scudo  pois  nove  as  Illias  Terceiras,  e  todas  povoadas  de  Geis 
Christaos  Catholicos  ;  e  em  o  meio  do  Oceano  Occkleutal  tao  d'istantes 
entre  si,  que  de  sua  cabe^a  a  liba  Terc^ira,  ainda  que  algumas  distio 
so  cito,  e  pouco  mais  legoas  de  mar,  outras  distao  ale  trinta,  e  até 
sdenta  legoas;  jà  se  ve  que  nao  póde  bum  so  Bispo,  residente  em  An- 
gra  da  liba  Terceira,  visitar  e  acodir  pessoalinente,  e  cada  anno,  nem 
ainda  em  cada  novenio,  a  nove  Ilbas  enlre  si  tao  separadas:  porque  em 
inverno  o  vasto  Oceano,  e  suas  tempestades  o  impossibilitao;  e  no  ve- 
rao  OS  Cossarios  contlnuos,  e  tao  crucis,  comò  Mouros,  e  outros  levan- 
tados  Pexelingres,  e  inimigos  declarados  d*aquellas  nacoes,  e  ein  o  tempo 
que  com  Porlugal  tem  guerra:  e  se  o  Bispo  de  tantas  Ilbas  per  si  pro- 
prio as  nao  póde  visitar,  muito  menos  o  |)odera  fazer  per  enviados  Vi- 
sitadorcs  scus;  porque  estes,  ou  serào  conbecidos  do  Bispo,  e  Capita- 
lares  da  sua  Se,  ou  Ecclesiasticos  graves  da  Uba  Terceira,  e  estes  por 
nao  se  metterem  no  mesmo  pcrìgo  sobredito,  nem  queria  ir,  nem  a 
tanto  os  obrigao.  E  se  a  cada  liba  se  deputarem  Visitadores  Clerigos 
da  inesma  liba,  mal  o  podcrao  ser  corno  convem,  porque  em  firn  sera 
visita  de  compadres,  e  nem  o  Yisitador  da  tal  visita  poderà  ir  informar  ao 
Bispo  pelos  sobreditos  perigos  do  mar,  nem  o  Bispo  conbecer  bem,  e 
ter  experimcntal,  e  pcssoal  conbccimcnto  de  tal  Visilador. 


LIV.  IX  GAP.  XIII  333 

GD  E  com  effeito  muitos  Bispos  nem  a  S.  Miguel  Tòrao  jaroais,  com 
ser  Uba  t3o  grande,  e  tao  chela  de  Villas,  elugares;  e  menos  forSo  a  Santa 
Ilaria  ;  poucas  a  S.  Jorge,  e  Graciosa,  e  ainda  menos  vezcs  à  celebre 
liba  do  Faial»  e  a  maior  Uba  do  Pico  ;  ^  nunca  Bispo  algum  entrou  na 
Uba  das  Flores,  quanto  mais  em  a  do  Corvo,  excepto  o  ultimo  Bispo, 
qoe  dizem  fora  buma  vez  là  :  e  d'està  sorte  estao  as  ditas  Il^as  sera, 
nem  de  olbos  verem  a  seu  Bispo,  mas  viverem,  e  morrerem  sem  o  Sa- 
cramento da  Condrmacao  ;  e  ainda  sem  quem  confesse  ao  seu  Parodio, 
para  mellior  confessar  aos  seus  freguezes,  comò  vimos  na  Uba  do  Corvo, 
e  na  das  Flores,  tendo  ambas  quasi  novecentos  vizinhos,  Portuguezes 
Catbolicos,  e  mais  de  tres  mil  almas  de  confissao  ;  e  ainda  muitas  ve- 
zes  faltando-lbes  até  os  santos  Oleos  para  a  Extrema  un^io  ;  e  tambem 
morrendo  sem  este  Sacramento,  por  nao  baver  ms^is  que  bum  Bispo 
em  nove  tao  separadas,  e  t3o  distantes  llbas,  sendo  tao  povoadas,  ri- 
cas  e  rendosas. 

70  Parcce  pois  evidente,  que  se  deve  acodir  a  tao  Catbolicas  llbas 
com  0  necessario  governo  espiritual,  de  que  tanto  necessitao  ;  e  que 
para  isto  se  deve  crear  bum  Bispado  em  a  Uba  de  S.  Miguel,  cujo  termo 
seja  n3o  so  toda  a  dita  grande  Uba,  mas  tambem  a  de  Santa  Maria  mais 
vizinba.  E  que  na  famosa  Uba  do  Faial  se  crie  outro  Bispado,  cujo  termo 
seja,  nao  so  a  dita  Uba  do  Faial,  mas  tambem  a  maior  Uba  do  Pico,  e 
as  duas  de  Flores  e  Corvo,  por  ser  a  do  Faial  a  que  Ibes  Oca  mais  vizi- 
nba, S()  quasi  quarenta  legoas,  e  por  ser  do  Faial  para  as  Flores  o  Oceano 
mais  livre,  e  menos  infestado  de  Pìratas  e  Cossarios,  que  costumilo  an- 
dar entre  as  ontras  llbas:  e  entao  ao  Bispo  de  Angra  TiCtirao  por  seu 
termo  ordinario  as  outras  tres  llbas,  Terceira,  Graciosa  e  S.  Jorge,  que 
Ibe  fìcao  mais  visinbas,  pois  cada  buma  d'estas  duas  llbas  flcao  so  oito 
legoas  distantes  da  Terceira,  de  terra  a  terra,  e  quasi  costeando  sempre, 
e  com  mais  seguranca  se  podem  ir  visitar;  e  desta  sorte  se  acodiià  à 
espìritual  necessidade  d'estas  nove  ilbas. 

71  E  se  alguem  duvidar  donde  ba  de  sabir  a  renda  d'estes  dous 
novos  bispados,  de  S.  Miguel  e  Faial:  responde-se,  que  S.  Miguel,  tem 
tal  Matriz  em  Penta  Delgada  que  tem  nella  a  Sé  feita  no  material  ;  e 
porque  n  està  Matriz  de  S.  Sebastilio  nao  so  ba  Vigario,  Tbesoureiro,  e 
Cura,  e  Mestre  de  Capella  com  mocos  musicos,  e  do  Coro,  e  alem  de 
tudo  isto  ba  dez  BeneHciados;  e  na  Freguezia  de  S.  Pedro  (alem  de  Vi- 
gario, e  Cura,  que  se  Ibe  nao  dcvem  tirar)  ba  tambem  oito  Beneficiados 


334  HISTORIA  LN8ULANA 

e  sobre  todos  ha  na  mesma  Cidade  bum  Oavidor  Ecclesiastico  com  boa 
renda;  parece  pois  que  bem  se  podem  dos  rendìmentos  dos  ditos  de- 
zoito  Beneficiados,  e  da  renda  dos  ditos  Cura,  Thesoureiro,  Vigano,  e 
Ouvidor,  bem  se  podem  fazer  quatro  dignidades,  De3o,  Arcediago,  Cbao- 
tre,  Thesoureiro  mór,  e  seis  Gon^os  prebendados,  e  doas  meios  pre* 
bendados,  e  quatro  Capellaes,  e  flcar3o  estes  dezasseis  sngeitos  oum  i 
renda  dos  Tinte  e  dous  extinctos,  e  demais  com  os  officios  de  Provisor. 
Vigano  Geral,  Penitencieiro  ou  Cura,  para  os  qoaes  oflBcios  póde  esco* 
Iher  0  Bispo  dos  da  sua  Sé,  qoem  Ihe  parecer;  e  n3o  so  com  miior 
honra,  mas  com  a  maior  renda  flcarìio;  e  a  honra  so  bastava. 

72  E  coro  maior  raz3o  pairece  se  deve  resolver  o  mresmo  da  Ch 
mosa  Uba  do  Faial,  porque  ainda  que  he  em  si  menor  na  distancia  de 
terra,  povoacOes  e  nuniero  de  visinbos,  do  que  a  Ilha  de  S.  Migoel; 
maior  que  està  he  a  grande  Uba  do  Pico,  com  as  outras  dui»  celebres, 
Flores  e  Corvo,  com  as  quaes  tres  deve  ficar  a  liba  do  Faial,  que  abaiio 
da  Terceira  tem  o  maior  commercio  que  as  outras;  e  da  mesma  sorte 
que  em  a  Matriz  de  Ponta  Delgada  de  S.  Miguel  vimos  jé  formado  o 
material,  e  renda  de  hnma  nobre  Sé,  assiro  se  acbarl  na  Matrìz  do  Faial 
nobre  Igreja  da  invocacào  do  Salvador  com  seus  beneficiados,  e  doasCuras, 
Vigario,  Thesoureiro,  e  bum  Visitador  perpetuo,  ou  Ouvidor,  além  de  outro 
Ouvidor  Ecclesiastico,  que  tem  a  Ilha  do  Pico,  e  pòàe  deixar  de  ter,  bavendo 
Sé  e  Bispo  em  o  Faial  tao  vizinho.  E  quanto  a  nao  ser  ainda  a  cabe^a 
do  Faial,  Cidade,  mas  villa,  nenhum  gasto  farà  S.  Mngestpde  em  a  hon- 
rar  com  o  privilegio  de  Cidade,  qiie  jà  ha  muitos  annos  o  tem  merecido 
por  sua  grandeza,  nobreza,  e  Religioes  que  n'ella  ha,  comò  jà  larga* 
mente  vimos  no  liv.  8,  cap.  i. 

73  A  difliculdade  so  està  em  d*onde  se  ha  de  tirar  a  suiGciente 
renda  para  cada  bum  dos  novos  dous  Bispos  de  S.  Miguel,  e  FaiaL 
Porém  se  os  taes  dous  bispos  sao  precisamente  necessarios,  corno  aci- 
ma  jà  vimos,  darò  està  que  dos  dizimos  que  pagSo  os  seus  fregoezes, 
se  ha  de  sustentar  o  tal  Bispo  :  e  comò  os  dizimos  das  ditas  Ilhas  nao 
so  OS  leva  El-Rei,  corno  Mestre  da  Ordem  de  Christo,  mas  tambem  os 
Donatarios  das  ditas  Ilhas,  a  quem  El-ltei  dà  a  redizima,  parece  qne 
d'està  redìzima  deve  El-Rei  mandar  tirar  o  que  baste  para  congrua  de 
cada  bum  dos  ditos  dous  Bispos;  e  que  assiro  cook)  El-Rei  tira  dos  seus 
dizimos  0  sostento  de  todos  os  mais  Parochos,  e  Beneficiados  de  todas 
as  Ilhas,  assiro  tarobero  os  Donatarios  d'ellas  tirem  das  suas  redizimas 


uv.  IX  CAP.  XIV  335 

0  sustento  sufficiente  dos  dous  Bispos  novamente  necessarìos;  pois  nlo 
8Ó  de  charidade,  mas  tambem  de  rigorosa  joslìca  deve  ser  sustentado 
cada  Bispo  dos  dizimos  da  terra  de  que  he  Bispo;  ùem  corno  o  Paro- 
che  da  Igreja  que  tem  Gonuneodador,  leva  sua  sufficiente  congrua  dos 
dizimos  do  Gommendador. 

74  Nem  podem  os  Donatarìos  das  taes  Ilhas,  vendo  que  o  Rei  Ihes 
dà  a  redixima  dos  seus  dizimos,  deixarem  eiles  de  concorrer  com  o  di- 
ziao  d'essa  sua  redizima:  e  iato  parece  bastare  para  o  decente  susten- 
to de  bum  Bispo,  e  que  rendendo  ao  Donatario  a  sua  redizima,  r.  g. 
vinte  mil  cruzados,  (comò  a  de  S.  Miguel  ao  seu,  e  ao  seu  a  do  Faìal, 
e  Pico)  dò  cada  hum  dous  mil  cruzados  ao  seu  Bispo,  e  està  congrua 
parece  sufficiente,  para  com  decencia  viver  hum  Bispo:  pois  menos  ren- 
da lem  cada  hum  de  aiguns  Bispos  em  Italia,  e  sempre  com  suas  Or*- 
dens,  Luduosas»  etc.,  sere  sufficiente  a  prìmeira  congrua  de  dous  mii 
cruzadoa,  em  fnitos  da  terra,  e  em  dinheiro,  comò  se  ajustar  ao  prin- 
cipio com  0  primeiro  Bispo»  para  todos  os  seguintes,  e  Sua  Magestade 
0  determiDar. 

CAPITOLO  XIV 

Comjdeminio  do  gotìimo  EcdisiastUo  das  Ilkas  Terceiras. 

73  Aléqui  nada  mais  fizemos,  nem  intentamos  fazer,  do  que  semen- 
te propor  0  particular  jutzo  de  quem  està  historia  compoe,  sobre  o  ne- 
cessario governo  Ecclesiastico  das  nove  Hhas  Terceiras,  para  que  a  so- 
berana  Magestade  do  Real  Mestre  da  Ordem  de  Christo  ouca  (comò  sem- 
pre quer  ouvir,  e  informar-se  em  cada  materia  grave,  tocante  ao  bem 
tMHomum)  OS  votos,  ou  pareceres  que  ha  nella,  e  enlao  escoilìen  e  de- 
terminar 0  que  for  mais  necessario,  e  conveniente:  e  assim  declaramos 
sempre^  e  protestamos,  so  propor  nosso  particular  juizo,  e  com  elle  nem 
temerarìamenle  presumir  que  o  siga  quem  nos  pode,  e  deve  dar  ieis, 
iiem  prqudicar  a  algum  terceiro,  que  no  que  propuzermos,  se  s^tir 
prejudicado,  e  deve  ser  ouvido.  Isto  presupposto. 

76  Parece  necessario,  e  conveniente  que  nas  ditas  nove  Ilhas  liaja 
alguma  Ecclesiastica  jurisdicao  maior,  para  onde  ultimamante  se  appel- 
lo das  s^ten^as  dadas  na  primeira  inslancia  do  Juizo  Ecclesiastico,  e  em 
segunda  instancia  dà  cada  Bispo  Insuiano  em  seu  Bispado,  e  em  tercei- 
ra  instancia  se  determine  a  causa  no  dito  novo,  e  maior  Juizo,  e  por  fi- 


33G  iiisTOWA  iNsrrjixA 

nai  senlcnca  de  que  jà  nao  haja  appellacSo  para  algum  outro  tribonal«  e 
ìsto  sem  termo  algutn  de  Aigada  Ecclesiastica,  excepto  sómente  o  caso 
de  extraordinaria  materia,  tao  grave,  e  de  tal  quantia,  que  D  mesmo  In- 
sulano,  e  supremo  tribunal  Ecclesiastico  julgue,  se  deve  admittir,  corno 
se  fosse  em  revista,  e  recurso  a  Sé  Apostolica,  para  se  revir  a  caosa  por 
legilimo  Rescripto  Apostolico  commettido  a  pessoa  Ecdesiastica,  que  es- 
teja  nas  mesmas  Illfas,  e  que  pelo  contrario,  se  nellas  se  julgar  em  o 
dito  tribunal  conforme  &s  leis  do  Remo,  que  nao  he  caso  de  tal  recur* 
so  ou  re  vista,  ent&o  nem  tal  recurso  se  admitta,  mas  afinal  seoleiica  da<» 
da  se  execute. 

77  A  razao  parece  evidente;  porque  de  nove  Uhas,  as  mais  distan- 
tes,  que  se  sabe  haver  no  mundo  de  toda  a  terra  firme,  e  qoe  cootém 
quasi  quarenta  mil  vizinUos,  e  porto  de  cem  mi!  aliqas  Catholicaa,  com 
muitas  Cidades,  Bispados,  Villas,  e  lugares,  evidente  obrigacSo  parece, 
dar-se-lhes  quem  os  julgue  no  foro  EcdesiastiCo,  e  com  seoteoca  final, 
sem  recorrerem  a  Portugalj  distante  trezentas  legoas  de  mar,  eom  ma- 
nifestos  e  continuos  perigos,  nao  so  de  naufragios,  mas  ds  eativeiros,  e 
gastos  insuperaveis,  e  eternizando-se  as  caosas;  e  ainda  mais  as  Eccle- 
siasticas,  que  de  si  costumao  ser  dilatadissimas,  sem  se  Ibes  ver  firn, 
cousa  que  hum  e  outro  diretto  tanto  abomìnSo;  e  as  partes  tanto  mais, 
que  ouvindo,  ou  mandando  correr  a  causa  em  Portugal,  prìmeiro  per* 
dem  a  vida  muitas  vezes,  e  sempre  a  fazenda,  (que  sem  demanda  tinbSo) 
do  que  «nlcancem  a  que  defendem,  ou  demandao;  e  se  alguns  ricos,  e 
em  Portugal  apadrinbados,  querem  a  Portugal  trazer  as  cousas,  por  n^el? 
le  com  seu  poder  atropellarem  a  jusliga,  nSo  deve  està  soiTreUo,  e  me- 
nos  0  soberano  Principe,  que  a  todos  he  obrrgado  a  fazer  igual  justi(a. 
Do  mesmo  modo,  pois,  que  era  todo  o  BrasìI,  e  em  toda  a  India  Qrien- 
tal  se  terminilo,  e  tem  seu  fim  as  Ecclesiasticas  causas  ordinarias,  (que 
nao  tocao  a  fé  Catbolica)  sem  virem  a  Portugal  por  appella^ao  aiguma, 
ou  a  Roma  por  rescriptos;:do  mesmo  modo  tambem  em  tantas  juntas, 
e  tao  distantes  Ilhas,  e  povos  tao  numerosos,  se  devem  flnalisar  as  cao- 
sas Kcclesiasticas. 

78  0  meio  pois  que  para  isto  parece  mais  juridico,  e  ordinario,  he 
que  havendo  nas  ditas  nove  Ilhas  os  propostos  tres  Bispados,  de  Sao 
Miguel,  do  Faial,  e  da  Terceira,  este  (comò  mais  antigo  e  da  maior  Ci- 
dade,  e  cabala  sempre  das  ditas  nove  Ilhas)  seja  intiUilado  e  promovido 
a  Arccbispo  das  taes  Ilhas;  e  que  oste  ArcclMspo  Icnha  sua  RelagSo  Ec- 


Liv.  IX  CAI».  XIV  337 

clcsiaslica  de  ao  menos  cinco  Desembargadores,  todos  sacerrtotes,  e  o 
mesmo  xVrcebispo  seja  o  Presidente  dos  dilos  cinco,  e  esles  sejào  lelra- 
dos  formados,  ou  em  direi to  Canonico,  ou  em  a  Sagrada  Theologia;  e 
por  asta  relacao  se  senlenceem  a  final  as^ausas  qiie  a  ella  vierenti  dos 
Bispados  suOTraganeos,  e  do  mesmo  Àrcebispado  da  Terceira,  quando  das 
senteocas  de  seo  Vigario  Geral,  ou  Provisor  se  apellar  para  a  tal  Rela- 
Cao,  e  D'està  se  findarao  as  causas,  sem  algnma  mais  appellacào,  ou  ag- 
gravo, mas  so  com  os  embargos  que  permitte  a  Ordena^Oo  do  Reino;  e 
e  se  0  caso  for  t3o  extraordinario  que  se  inste  por  revista  d'elle,  entào 
0  mesmo  Arcebispo  com  o  seu  Provisor,  e  Vigario  Geral  jiilgarào  se  se 
.  ha  de  conceder  a  tal  revisla,  e  concedldo  nomearao  juizes  nella,  que  se- 
j3o  mais,  e  nao  sejao  os  mesmos  que  derao  a  senten(;a,  tudo  na  dispos- 
ta fórma  pela  Ordenagao  do  Reino. 

70  E  quanto  ao  ordenado  dos  taes  cinco  Desembargadores,  sem  se 
tirar  cousa  alguma  da  Real  Fazenda,  bastare  que  o  Arcebispo  seja  obri- 
gado  a  dar  Beneficio  aos  que  ainda  o  d3o  tiverem,  e  a  dar-lh'o  dentro 
da  mesma  Uba  Terceira  ;  e  se  for  Beneficio  de  residencia,  e  ainda  Paro- 
cbial,  se  alcance  da  Papa  Breve  em  que  dispense  com  os  quo  servirem 
de  Desembargadores  no  tal  Àrcebispado,  para  nào  residirem  per  si, 
mas  por  Cura  seu,  ou  Economo,  ex  vi  do  maior  servilo  que  à  Igreja 
fazem  n  aquella  Relacào,  e  em  Ilhas  tao  faltas  de  letrados,  pois  em  va- 
rias  Sés  tem  muitos  Conegos  Igrejas  unidas,  e  Parochiaes,  sem  per  si 
residirem  n'ellas,  pelo  maior  servilo  que  fazem  na  sua  Sé,  e  Cabido,  e 
na  Mesa  da  Consciencia  os  seus  Deputados,  e  os  Inquisidores  no  Santo 
Officio  :  e  da  mesma  sorte  S.  .Mageslade,  comò  Mestre  da  Ordem  de 
Christo,  conceda  ao  dito  Arcebispo,  que  elle  la  proveja  os  ditos  cinco 
Desembargadores,  sem  virem,  nem  esperarem  por  provimento  da  Mesa 
da  Consciencia,  e  de  S.  Magestade,  corno  se  faz  na  India,  e  no  Brasil, 
com  tanto  que  o  dito  Arcebispo  nem  a  taes  lugares  do  Desembargo,  nem 
osBeneficios  delles,  proveja  senao  em  naturaes  das  ditas  nove  Ilhas, 
comò  0  mesmo  Rei  faz  em  os  mais  Benefìcios;  e  com  isto,  e  com  o  ren- 
dimento de  assinaturas,  esportulas,  e  condemna^oes  para  as  despezas  da 
Belacao,  ficarào  pagos  os  Desembargadores,  e  as  Illias  bem  scrvidas. 

80  Nem  se  diga,  que  mettidos  de  novo  os  dous  Bispados  de  Sao 
Miguel,  e  Faial,  jà  nao  he  necessario  que  o  antigo  Bispado  de  Angra  suba 
a  ser  Àrcebispado,  e  com  so  dous  Bispados  sufTraganeos:  e  que  quando 
em  as  Ilhas  fosse  necessario  haver  Àrcebispado,  mais  o  deveria  ser  o  da 

VOL.  Il  22 


338  H[ST0RIA  IN$ULANA 

Madeira,  (corno  jà  o  Toi)  do  que  o  da  Terceira.  Porque  se  responde,  qae 
acima  se  vio  a  necessidade  de  haver  nos  Bispados  das  taes  lihas  algum 
Juizo  superior  a  quem  se  recorrer  das  santen^as  dos  Bispos  sufTraganeos, 
pela  insofrivei,  e  perigosa  distancia  que  ha  d'elias  a  Portugal,  e  que  comò 
Juizo  superior  a  Bispos  suffraganeos  nao  possa  ordinariamente  ser,  se- 
nio de  algum  Metropolitano  Arcebispo,  forca  he  que  haja  oste  nos  ditos 
Bispados  das  Ilhas;  e  deve  ser  seu  terceiro  sufTraganeo  Bispo,  o  das 
Ilhas  de  Cabo  Verde,  que  das  Terceiras  flcao  mais  perto  que  de  outro 
algum  Bispado  Catholico;  e  pelas  Terceiras  se  vai  de  Portugal  às  de  Ca- 
bo Verde,  e  se  volta  d'ellas  a  Portugal,  e  flca  jà  o  Arcebispado  das  Ter- 
ceiras com  tres  diversos  Bispados  suffraganeos. 

81  E  bem  se  ve  que  o  novo  Arcebispado  das  ditas  Ilhas  nSo  se 
deve  levantar  em  a  Uba  da  Madeira,  por  d'està  estarem  Qo  distantes  as 
Terceiras,  que  pouco  maiso  est3o  de  Portugal;  e  cabina  na  mesroa,  e 
ainda  maior  impossibilidade  de  recurso,  e  jà  por  isso  primeiro  entrou 
em  Angra  Bispo  proprio  seu,  do  que  na  Madeira  entrasse  seu  proprio 
Bispo  algum.  Que  o  Bispo  pois  da  Madeira  fique  aìnda  suifraganeo  ao 
Arcebispo  de  Lisboa,  e  nSo  do  novo  Arcebispo  das  «Terceiras,  fique  mul- 
to em  boa  bora,  e  so  digo  que  assim  corno  a  Madaira  vai  às  Terceiras 
buscar  o  pao  necessario  ainda  para  seu  sustento,  e  nao  vai  por  elle  a 
Portugal,  tambem  nao  seria  multo  que  às  mesmas  Terceiras  fosse  busi'^r 
0  pio  espiritual  da  Justiga,  e  doutrina  Ecclesiastica,  sendo  seu  suifraga- 
neo Bispado. 

82  Que  quanto  ao  ter-se  levantado  na  Madeira  Arcebispado  por  El- 
Rei  Dom  Joao  o  III,  com  ordem  do  Papa,  dando-se-lhe  por  sulfraganeas 
todas  as  terras  que  de  novo  entao  erlo  descubertas,  comò  a  India  Orien- 
tai, e  0  Brasil.  isso  foi  do  tempo  hum  tal  engano,  que  nem  tal  Arcebispo 
entrou  jà  mais  na  Madeira,  nem  ainda  o  tìtulo  de  Arcebispado  Ihe  du- 
rou,  e  foi  a  Madeira  reduzida  logo  outra  vez  a  so  Bispado,  corno  vimos 
jà  no  liv.  3,  cap.  16,  e  se  puzerao  Bispos,  e  Arcebispos  na  India  Orien- 
tai, e  no  Brasil;  e  muito  antes  em  1472,  tinha  sido  a  Uba  da  Madeira, 
com  Breve  do  Papa,  annexada,  e  sugeila  ao  Bispado  de  Tangere,  e  a  seu 
Bispo  ;  0  que  tambem  logo  se.  desfez  :  e  assim  nao  seria  muito,  se  o 
mesmo  Bispado  da  liba  da  Madeira  se  mudasse  do  Metropolitano  do 
Lisboa  (com  quera  tem  menos  commercio)  ao  Metropolitano  das  Tercei- 
ras, com  as  qnaes  tem  commercio  mais  usado,  e  ordinario.  Là  o  vejao 
OS  a  quem  luca. 


LIV.  IX  GAP.  XV  339 

83  Resta  pois  quo  no  tal  caso  de  se  erigirem  os  dous  Bispados  de 
Sao  Miguel,  e  Faìal,  e  em  Metropolitano  da  Terceira,  que  visto  a  este  da 
Terceira  se  Ihe  tirarem  seìs  Ilhas,  e  fìcar  so  com  tres  de  sua  immediata 
jiirisdiccao,  que  em  lugar  disso  se  llie  conceda  o  prover  là  per  si  so  ys 
Beneflcios  das  suas  tres  Ilhas,  (excepto  o  Deado  de  Angra),  mas  que  ò| 
nao  possa  prover,  senao  em  gente  naturai  dealguma  das  ditas  novellhasV 
e  nenhuraa  Conezia  em  homem  que  nào  seja  letrado  formado  em  direi-  ' 
to,  ou  Tlieologia,  havendo-o;  pois  entào,  e  com  essa  expectativa  se  ostu- 
daràraais  là  em  as  Ilhas,  e  virao  fof  mar-se  às  Universidades  de  Portu- 
gal;  porque'  se  S.  Ma^estade  nio  costuma  prover  Beneficio  das  Ilhas,  se 
nSo  em  homem  naturai  d  ellas,  d3o  deve  consentir  que  odito  Arcebispo 
faca  0  contrario,  e  menos  que  leve  de  Portugal  criados  para  os  prover 
là,  e  nao  aos  naturaes  do  Arcebispado,  podendo  là  servir-se  de  gente 
multo  honrada  :  e  até  os  mesmos  Bispados  das  Ilhas  se  proveriao  melhor 
em  naturaes  d'ellas,  do  que  em  outros  que  forem  so  a  encher-se,  e  a 
voltar  promovidos;  e  moralmente  impossivel  he,  que  no  grande  numero 
de  Coneigos,  Parochos,  e  Religiosos  (comò  ha  nas  nove  Ilhas)  nào  haja 
capazes  de  serem  Bispos  là,  e  mais  zelosos;  pois  se  em  Portugal  nao  he 
ordinariamente  Bispo  quem  nao  he  Portuguez,  razao  sera  que  das  Ilhas 
nao  seja  Bispo,  senao  naturai  d'ellas,  havendo-o,  e  perseverarlo  n'ellas 
entao. 

CAPITULO  XV 

Como  se  conservava  o  governo  politico^  e  juridico  das  Ilhas  ì 

Si  Do  que  em  seu  lugar  dissemos  jà,  so  na  Cidade  de  Ponta  Del- 
gada  da  liha  de  Sao  Miguel  ha  hum  Juiz  de  fora,  que  juntamente  he 
Corregedor  da  liha  de  Santa  Maria;  e  nas  outras  sete  Ilhas.  comò  tam- 
bem  na  Ilha  Terceira,  nào  ha  senao  Juizes  Ordinarios,  que  sao  dos  me- 
Ihores  das  terras;  e  julgfio  na  primeira  instancia,  admittindo  appellagào, 
e  aggravo  para  o  Corregedor  de  Angra  em  segunda  instancia,  e  deste 
se  appella  para  a  Relagao  de  Lisboa,  quando  a  materia  nao  excede  a  sua 
alcada;  e  d'està  sorte  se  governao  estas  Ilhas,  ha  perto  de  trezentos  an- 
Dos.  Quanto  pois  a  Juiz  de  Torà  de  Angra,  pareco  que  nao  convem  met- 
ter-se-lhe,  porque  o  levarao  multo  a  mal  as  mais  nobres  familias,  em 
que  sempre  andarao  estas  Judicaturas,  e  nao  convem  a  Coroa,  e  conser- 
vacao  das  suas  Ilhas,  e  menos  a  conservac-ao  da  cabcca  d'ellas,  desgos- 


340  HISTOR!A  INSULANA 

tar  tao  gravemente  a  todos  os  principaes  da  dita  cabe^a,  mas  qae  go* 
vernem  corno  atégora  governarlo  tantos  centos  de  annos,  e  comò  se  go- 
verna a  maior  parte  de  Hespanha  com  Jaizes  sem  serem  Bachareis,  mas 
GOm  Cavalleìros  de  capa,  e  espada. 

^  85  Quanto  porém  à  Uba  do  Faial,  parece  necessario  que  n'ella  ha* 
ja  bum  Juiz  de  fora,  Bachareì  letrado  formado,  e  que  este  seja  Corre- 
gedor  juntamente  das  Ilhas  do  Pico.  Flores,  e  Corvo,  (comò  o  de  S.  Mi- 
guel he  Corregedor  da  Uba  de  Santa  Maria)  e  que  o  tal  Juiz  de  fora  vi, 
ao  menos  huma  vez  em  seu  triennio,  visitar  as  Ilhas  de  sua  CorreicSo, 
e  que  o  Corregedor  visite  sómente  as  ciuco  Ilhas,  Terceira,'  Sao  Miguel, 
Silo  Jorge,  Gracìosa,  e  o  dito  Faial,  pois  n'este  n3o  ha  tantos  letrados, 
comò  na  Uba  Terceira,  e  o  Corregedor  desta  assistirà  mais  em  a  sua 
Cabega  da  Comarca,  tendo  menos  Ilhas  que  visitar,  e  menos  viagens  de 
mar;  e  ao  Juiz  de  fora  do  Faial  n9o  he  necessario  que  da  Fazenda  Rea! 
se  Ihe  de  o  ordenado,  mas  que  lh*o  dem,  e  accrescentado,  o  Senado  da 
liba  do  Faial,  e  os  das  outras  Ilhas,  de  que  juntamente  he  Corregedor. 
Mas  tambem  parece  justo,  que  nas  duas  Judicaluras  de  S3o  Miguel,  e 
Faial,  bavendo  l>oa  residencia,  haja  entre  ellas  ascenso,  e  promogao  de 
huma  à  outra,  e  que  depois  de  passadas  ambas,  e  com  boas  residen- 
cias  tiradas,  seja  o  que  as  tiver  promovido  à  Correicao  de  Angra  com 
beca,  e  posse  tomada  na  relafao  do  Porlo,  e  por  seu  Procurador,  sera 
virem  pessoalmente  a  Lisboa  requerer,  corno  por  vezes  se  usa  com  os 
que  servem  em  o  Brasil,  na  India,  etc,  e  desta  sorte  bavera  mais  quem 
queira  ir  servir  os  ditos  postos,  e  com  mais  experiencia. 

8fi  Mas  porque  (ainda  em  caso  que  S.  Rea!  Mageslade  ordene  o  que  aqui 
so  se  propoe)  ainda  fica  a  mesma  diflricnldade(qne  do  Juizo  Ecclesiastico 
propuzemos  ja  nos  capilulos  antecedentes)  de  virem  as  appellac5es,  ag- 
gravos,  ou  reciirsos  de  tao  dislantes  Ilhas  ao  Reino  de  Portugal,  com 
tao  excessivos  gastos  de  fazendas,  e  pessoaes  perigos  das  partes;  por  is- 
so tambem,  e  sómente  se  propoe.  que  parece  necessario  erigir-se  em 
Angra  urna  Relacao  sccular,  aonde  se  fìndcm  as  càusas  civis,  e  criminaes, 
e  se  jiilguem  a  final  as  appellacoos,  e  aggravos  que  vinhao  a  Portugal; 
assim  0  fez  a  Coroa  de  Castella  em  a  cabeca  das  Ilhas  Canarias,  com  se- 
rem  menos  as  povoadas,  (corno  em  seu  lugar  jà  vimos)  e  estarem  menos 
distantes  da  terra  firme  de  Hespanha:  e  assim  tambem  o  fez,  e  em  va- 
rìas  partes  das  Indias  de  Castella  e  assim  mesmo  o  faz  Portugal  em  va- 
rios  lugares  da  India  Orientai,  ale  em  Macao  na  China,  e  cm  o  Brasi! 


uv.  IX  CAP.  XV  341 

na  Bahia,  e  em  flm  assim  o  senhor  D/  Antonio  pelo  seu  Conde  de  Tor- 
res Vedras  D.  Manoel  da  Silva,  que  demais  ievantou  em  Angra  quasi  lo- 
dos  OS  maiores  Tribunaes,  que  havia  na  Corte  de  Lisboa,  corno  notàmos 
j&  em  seu  lugar  :  logo  Imma  so  Rela^ao  do  Civel,  e  Crime,  e  tao  neces- 
saria se  deve  levanlar  na  dita  liba  Terceira. 

87  Para  està  (ielacSo  deve  haver  sempre  sete  Ministros  ao  menos, 
e  seis  substitutos  para  os  legitimos  impedimentos  dos  proprietarios  :  os 
sete  proprietarios  parece  devem  ser;  primeiro,  o  Uesembargador  Corre- 
gedor  da  Comarca  ;  segundo,  o  Desembargador  Frovedor  da  Fazenda 
Ueal;  terceiro,  o  Auditor  da  milicia  do  Castello,  que  sempre  be  letrado 
formado  ;  quarto,  o  Provedor  da  Comarca,  ou  Residuos,  que  tem  praxe 
judìcial  ;  quinto,  o  Juiz  dos  OrfSos,  pois  tem  a  mesma  praxe  ;  sexto,  o 
Juiz,  e  Coutador  da  Fazenda  Rea!  ;  septimo,  bum  Ecclesiastico  dos  que 
forem  Bacbareis  formado3  do  Cabido,  ou  de  fora  d  elle.  Regedor  d'està 
ReiapiSo,  o  Capitao  mór  de  Angra ;  e  em  falta  deste  o  Capitao  mór  da 
Praia;  Clianceller  o  Desembargador  Provedor  da  Fazenda  Real.  Para  os 
seis  substitutos  se  apontSo,  primeiro,  o  Provedor  das  Armadas  de  An- 
gra: segundo,  o  Auditor  do  Donatario  da  Praia;  terceiro,  e  quarto,  os 
dous  Juizes  Ordinarios  de  Angca;  quinto,  e  sexto,  dous  Bacbareis  forma- 
dos,  bum  Ecclesiastico,  e  outro  leigo,  os  que  o  Regedor  escolber. 

88  Para  os  ordenados  dos  Ministros  d'està  Rela^ào  se  nao  deve  ti- 
rar cousa  alguma  da  Fazenda  Real  ;  mas  bastare  ordenar-se  que  os  sete 
proprietarios,  que  nao  tiverem  ainda  o  babito  de  Cbristo  com  tenga,  o 
tomem  logo  lù  em  Angra,  e  com  tenga  de  ao  menos  quinze  mil  reis, 
para  gozarem  os  privilegios  da  Ordom;  e  là  mesmo  se  llies  tirem,  e  jul- 
guem  as  informagóes  summaria,  e  brevemente  pelo  Bispo,  ou  Arcebispo 
de  Angra;  pois  se  naMesa  da  Consciencia  nao  póde  ser  Deputado  alguem 
que  nào  tenha  o  babito,  e  o  grande  ordenado  d'ella,  razao  parece  que 
da  Relagao  das  Ilbas  da  mesma  Ordem  de  Cbristo,  nenbum  dos  sete 
Ministros  proprietarios,  e  multo  menos  os  seus  Regedor,  e  Cbauceller, 
nenhum  possa  servir  o  oflicio  sem  ter  o  dito  babito;  e  so  estas  tencinbas 
se  tirarào  da  Real  Fazenda  da  Alfandega  das  mesmas  Ilbas,  sem  outro 
ordenado  algum  ;  e  em  lugar  d'elle  se  Ihes  deve  conceder,  que  possao 
levar  as  assinaturas,  cbancellarias,  etc,  em  dobro  das  ultimamente  do- 
bradas  que  jà  levao  os  Desembargadores  da  Relagao  do  Porto,  pois  os 
das  Ilbas  nao  tem  ordenados,  e  os  do  Porlo  os  tem.  Porém  os  seis  subs- 
titutos da  tal  Relagao,  so  entao,  quando  cbegarcm  a  ser  proprietarios; 


342  UISTORIA  INSULANA 

SO  entao  terao  o  que  estes  lem  de  habito,  e  tenga;  e  quando  so  de  subs- 
tituigào  servirera,  levarào  entao  as  dobradas  assinaturas,  corno  os  prò- 
prietarios. 

89  E  quanto  aos  Lelrados,  Procuradores,  e  EscrivSes,  Meirinhos, 
e  Alcaides,  Guardas  da  Relac3o,  a  nenhum  d'estes  se  deve  ordenado  al- 
gum,  nem  dobrados  saiarios,  pois  assim  corno  se  Ibes  augmenta  o  tra- 
ballio, assim  tambem  se  Ihes  augmenta  o  lucro,  e  conforme  à  Ordena(3o 
do  Beino,  a  qual  nao  podem  exceder,  e  menos  contrariar  ;  mas  deve  a 
Kelagao  ter  summo  cuidado  de  que  conforme  a  ella  se  processero  os  fei- 
tos,  que  ordinariamente  là  se  processavao  mal;  e  que  as  letras  dos  Es- 
crivaes,  ou  Tabelliaes  sej3o  muito  legiveis,  e  sem  rabiscas,  nem  repeli- 
(5es  escusadas,  e  nao  o  podendo  assim  fazer,  sejao  pela  Relacao  prìva- 
dos  dos  oilìcios,  e  postos  logo  outros,  sem  appellag^o  para  algum  outro 
Tribunal,  mas  so  com  os  primeiros  embargos  que  se  Ibes  julguem,  e  ou 
por  elles  os  absolvao,  ou  condemnem  ainda  em  maior  pena,  e  a  exe- 
cutem. 

90  A  alcada  da  dita  Relagao  se  deve  extender  na  jurisdiccio  a  to- 
das  as  nove  Ilhas  Terceiras,  sem  exceigSo  de  alguma;  e  os  Juizes  nSo  so 
Ordinarios,  mas  Juizes  de  fora,  e  Ouvidores  dos  Donatarios,  e  ainda  es- 
peciaes  Corregedores  de  algumas  das  ditas  nove  Ilhas,  serSo  obrigados 
a  por  0  (Cumpra-se)  à$  ordens  da  dita  Relagao;  e  naalh  o  pondo,  serao 
obrigados  a  ir  à  dita  RelacHo  dar  razOo  de  si;  e  nao  a  dando  sufficiente, 
poderào  ser  nào  so  reprehendidos,  mas  suspensos  do  officio  até  nova 
mercé  de  S.  Magestade,  a  quem  a  mesma  Relagao  darà  logo  conta  do 
que  tem  obrado,  e  entretanto  proverà  quem  sirva  o  officio  pelo  suspen- 
so  :  e  so  sobre  o  Senado  da  Camera  de  Angra,  ou  de  outra  semelhante, 
cujo  pelouro  veio  de  Portugal  eleito,  n3o  terà  a  dita  Relagào  jurisdic^o 
immediata  alguma,  mas  là  deixarà  laes  Senados  com  o  seu  Corregedor; 
e  so  quando  d'este  appellarem  para  a  dita  Relagào,  so  entào  o  julgarà, 
e  juntamente  ex  o/ficio  appellarà  para  El-Rei  no  Desembargo  do  Pago, 
do  que  fez  o  tal  Senado  da  Camera,  ficando  entretanto  a  sentenga  sus- 
pensa,  sem  se  executar  por  parte  alguma, 

91  No  Civel  terà  a  dita  Relacào  muito  mais  estendida  sua  alfada, 
pela  maior  dislancia  do  Reino,  e  maior  multidào  de  causas  civeis;  e  as- 
sim parece  que  deve  sentenciar,  e  executar  definitivamente  tudo,  era 
quanto  nào  cliegar  a  causa  a  vinte  mil  cruzados  de  capital,  ou  mil  cru- 
zados  de  renda  anriual,  e  perpetua  ;  porém  que  em  cliegando,  e  muito 


uv.  IX  CAP.  XV  343 

mais  passando  a  dita  qiiantia,  sentenceem  sim  a  causa,  mas  appellando-a 
por  parte  da  justifa,  nao  execulein  a  sementa,  mas  as  parles  a  trarao 
para  a  Kelacao  de  Lisbsa,  para  n'ella  se  julgar,  pois  jà  as  parles  de 
causa  tao  importante  nào  deixarao  de  ter,  cora  que  facilmente  a  seguir. 

92  No  crime  porcm,  se  o  criminoso  fòr  peao,  por  sentenza  flnal  da 
Relacao  das  Illias  seja  senlenciado,  e  executada  Ingo  1^  a  morte,  e  muilo 
mais  qualquer  outra  menor  pena,  ou  qualquer  degredo  :  mas  se  o  cri- 
minoso fòr  fìdalgo  filhado  nos  livros  dei-Rei,  ou  conhecidamente  Cida- 
dao  privilegiado,  ou  legitimo  neto  d'elle;  e  multo  mais,  se  tór  Gavalleiro 
das  Òrdens  Mìlitares  ;  estes  das  Ordens  se  nào  sentenceem  là,  mas  se 
remetta  a  causa  ao  Juizo  competente  a  Lisboa;  e  os  outros  privilegiados 
por  fidalgos,  ou  Cidadaos  conbecidos,  poderào  ser  sentenciados,  e  exe- 
cutada Id  a  senten(^  da  dita  RelacSio,  se  fòr  so  pecuniaria,  ou  de  degre- 
do, ainda  dentro  da  Comarca  das  taes  Ilhas,  e  pelos  annos  todos  que  se 
julgarem,  e  se  Ihe  derem  sentenza  de  morte,  ou  corlamento  de  corpo, 
ou  agoutes,  ou  aioda  degredo  para  fora  da  Comarca  das  nove  Ilbas,  nào 
se  executaré  là,  sem  por  parte  da  Justi^a  vir  appellada  à  Helagào  de 
Lisboa,  e  nella  se  confirmar^  ou  emendar  a  tal  sentenca  :  o  que  se  en- 
tende  da  mesma  sorte,  quando  o  criminoso  fòr  algum  Ministro  da  mes- 
ma  RelaQào,  que  so  poderà  ser  suspenso,  e  dar-se  conta  a  Et-Rei  para 
ordenar  o  que  se  deve  fazer,  e  sem  isso  nào  se  executarà  outra  alguma 
sentenca  da  dita  Relagào. 

93  E  se  0  Reo  (ou  criminoso,  ou  ainda  so  civel)  fòr  parente  em 
segundo  grao,  ainda  de  affinidade,  de  algum  dos  Juizes,  nào  poderà  este 
ser  em'  tal  causa  Juiz,  mas  chamar-se-ha  outro  em  seu  lugar;  mas  se  fòr 
parente  em  so  terceiro,  ou  quarto,  ou  mais  afastado  grao,  ainda  poderà 
sér  seu  Juiz;  e  a  razào  paréce  ser,  por  dentro  da  mesma  Uba  ordinaria- 
mente se  fazerem  os  casamentos  d'ella,  e  por  isso  os  nobres  flcarem  or- 
dinariamente tao  aparentados  entre  si,  que  se  tambem  no  terceiro,  e 
quarto  grao  nào  pnderem  ser  Juizes,  nào  bavera  muitas  vezes  quem  o 
possa  ser;  e  nào  be  crivel  que  bum  parénte  em  terceiro,  ou  quarto  grao, 
por  elle  obre  contra  a  justiga,  nem  que  o  aperte  tanto  a  tentagào  deste 
parenlésco,  comò  a  do  parente  em  primeiro,  e  segundo  grao,  ainda  de 
affinidade;  pois  até  o  mesmo  direito  Ecclesiastico  faz  està  distiucào  para 
0  contrabir  impedimento,  em  os  que  jà  sào  affins;  e  com  mais  largueza 
deve  proceder  o  direito  Civil,  e  Criminal  ad  judicandum,  de  que  o  di- 
reilo  Canonico  ad  peiendum. 


344  HISTORIA  INSUt-ANA 

CAPITOLO  XVI 

Do  qne  sera  mais  conveniente^modo  de  governo  militar 
em  as  taes  Ilhas. 

94  Parece  qne  nunca  sera  conveniente  haver  nas  nove  Ilhas  Tercei- 
ras  Governador  geral  algum,  ou  algum  Vice-Rei  sobre  o  militar  de  to- 
das  as  Ilhas,  e  milito  menos  sobre  o  nailitar,  e  ©politico  civil:  a  pri- 
meira  raz5o  he:  porque  nunca  tal  geral  governo  houve,  nenu  cm  tempo 
dos  litigimos  Reis  de  PortiTgal,  nem  em  tempo  dos  intrusos  de  Castella; 
e  corno  ha  perto  jà  de  trezentos  annos  que  as  ties  Ilhas  se  governao,  e 
bem,  sem  governo  tal,  nao  o  poderào  sofrer,  e  se  Ihes  farà  violencia  tao 
grande,  que  se  peremo:  pois  nao  ha  violento  que  seja  perpetuo.  E  se  se 
Instar,  que  nào  he  bem  que  taes  Ilhas  sejao  huma  bicha  monstruosa  de 
muitas  cabecas%  respondeo-se  jà,  que  a  quem  anatureza  deo  muitasca- 
becas,  seni  ellas  se  nao  conserva  :  e  exemplo  temos  op  corpo  humano, 
que  tendo  huma  so  cabega  suprema,  tem  ainda  em  cada  dedo  sua,  e 
assim  melhor  se  conserv3o  humas  às  outras,  e  estas  à  mesma  mào,  e  ao 
mcsmo  braco,  e  tudo  subordinado  à  cabe^a  superior:  e  assim  tambem 
0  Imperio  Lusitano,  tendo  a  suprema  cabe^a  em  Portugal,  hum  grande 
braco  em  a  India  Orientai,  outro  em  o  vastissimo  Brasil:  huma  pema 
eslendida  poi*  Angola  ale  toda  a  Elhiopia,  e  outra  perna  lanfada  ao  in- 
terminavel  MaranhHo;  comludo  em  cada  huma  de  taes  parles  tem  posto 
sua  especial  cabefa,  e  todas  sujeilas  so  à  superior  cabega  Portugal,  a 
quem  so  conhecem  todas. 

95  A  segunda  razao  he  a  mesma  experiencia ,  e  em  as  mesmas 
Ilhas,  pois  (comò  jà  vimos)  huma  unica  vez.  que  neslas  Ilhas,  e  espe- 
cialmente na  Terceira  houve  huma  so  cabe^a  do  governo  politico,  civil, 
e  militar,  em  tempo  do  scnhor  D.  Antonio,  e  seu  Conde  D.  Manoel  da 
Silva,  por  culpa  d'este,  e  das  iiacoes  estrangeiras  que  là  metteo,  se  per- 
derao  entào  as  Ilhas,  e  o  mesmo  Conde  se  perdeo,  sendo  em  Angra  de- 
goUado  :  e  polo  contrario  em  a  feliz  Acclamafao  do  Senhor  Rei  D.  Joào 
0  IV,  por  se  governarem  as  Ilhas  per  si  mesmas,  em  o  primeiro  anno 
conquistarao,  ao  que  parecia  inconquistavel,  Castello  de  Angra;  lomarao 
OS  soccorros  todos  de  Castella,  e  com  sua  cabcfa  as  mais  Ilhas  se  su- 
geilarao  ao  invicto  Rei  uè  Portugal  D.  Joao  oIV,  logo  manifesto  he  que 
nao  convcm  quo  estas  Ilhas  sejao  govcrnadas  em  todo  o  governo  por 


Liv.  IX  CAP.  XVI  airi 

hiima  so  particular  cabeca  de  vassallo  algum,  seja  com  o  titillo  quo  for, 
de  Governador  geral,  ou  de  Vice-Rei  que  là  assista  em  qualquer  liha, 
e  muito  menos  em  a  mais  forte  cabeca,  Ilha  Terceira. 

96  A  terceira  razao  he  pelo  perigo  de  perder  Porlugal  as  ditas 
llhas,  que  tanto  Ihe  servem,  e  Ihe  rendem:  porque  se  houver  bum  so 
Capitao  Geral,  ou  Geral  Governador,  e  Vice-Rei  nas  ditas  llhas,  e  espe- 
cialmente na  mais  forte  Terceira,  este  (corno  homem)  poderà  lentar-se 
Bigama  bora  em  se  levantar  com  as  taes  llhas  debaixo  da  protec^ao  de 
algama  na^So  estrangeira,  que  o  faga  d'ellas  Rei  feudatario,  e  o  estima- 
rSo  muito,  e  facilmente  o  defenderao,  e  sera  quasi  impossivel  a  Porlu- 
gal 0  conquistal-as,  comò  o  foì  a  Castella,  desde  a  Acclamacao,  ha  por- 
to de  oitenta  annos:  e  se  as  taes  Ilbas  se  governarem,  corno  até  agora, 
por  seus  Senados  das  Cameras,  Capitiies  móres,  inilicias,  e  so  (quando 
muito)  por  alguns  Meslres  de  Campo  em  diversas  Forlalezas  postos, 
nunca  estes  poderSo  unir-se  tanto  enlre  si,  e  tao  secretamente,  que  en- 
ti^eguem  a  Uba  sem  ella  o  prever,  e  Ihes  resistir,  e  ainda  os  suspender, 
prender,  e  dar  conta  a  El-Rei,  e  muito  menos  poderào  os  diversos  que 
governao  huma  Uba,  entregar  a  outra  que  govern3o  outros:  e  assim  com 
està  divisào  deixario  de  tra^r  torres  de  Babel. 

97  Dirà  alguem  que  de  effeito  cada  liba  tem  seu  Capitan  Donatario, 
unica  cabeca  de  toda  a  Uba,  e  nem  por  isso  a  entregou  a  eslrangeiras 
nafSes;  e  as  nove  llhas  até  agora  tem  bum  so  Disilo,  e  bum  s6  Corre- 
gedor,  bum  so  Provedor  da  Real  Fazenda,  e  nem  por  isso  se  tem  go- 
vemado  mal.  Responde-se,  éjue  quanto  ao  unico  Bispo,  este  so  governa 
0  espiritual,  e  Ecclesiastico;  e  ainda  por  nao  poder  acodir  a  tantas,  e 
130  diversas  llhas,  propozemos  jà  a  necessidade  de  mais  Bispos  em  as 
llhas,  e  nada  disto  toca  à  material,  e  militar  defensào,  ou  :onservacao 
d'ellas.  E  o  Corregedor  he  so  trieniial,  e  se  Ihe  tira  sua  residencia,  o 
nSo  pòde  em  tres  annos  armar  tanto,  que  se  Ihe  nao  saiba,  e  delate,  e 
emende:  o  que  se  experimentou  tanto  em  o  Provedor  da  Real  Fazenda, 
que  por  ser  perpetuo  de  buina  casa,  por  isso  mesmo  os  ullimos' succes- 
sores,  pai,  e  fillio,  morrerao  em  Lisboa  delalados,  e  dando  conlas,  e  por 
fsso  se  fez  a  tal  officio  triennal,  com  residencia  cada  tres  annnos;  e  se 
desta  sorte  houvesse  huma  so  triennal  cabeca  em  cada  Uba,  e  de  qucm 
OS  Senados  d  ella  tirassem  residencia,  e  avisassem  a  S.  Magestade,  me- 
nos mal  scria  entào  està  casta  de  governo,  posto  que  ainda  este  em  o 
militar  teria  contra  si  muito. 


340  HISTORIA.  INSULANA 

98  Quanto  porém  ao  primeiyo  opposto  exemplo  dos  Donatarios» 
parece,  se  póde  responder,  que  primeiramente  Capitaes  Donatarios  fo- 
rilo inslituidos  nos  descobrimentos  das  Ilhas  para  repartirem  as  novas 
terras  a  quem  as  qui/esse  ir  povoar,  e  cultivar  na  fórma  da  sesr&aria, 
confórme  a  suas  doagoes  expressas,  e  nào  de  outra  sorte  al$2[uma,  e  para 
isso  se  Ihes  deo  a  redizima  dos  dizimos  que  ElRei  leva  das  taes  Ilhas, 
comò  Grao  Mestre  da  Ordem  de  Christo;  e  se  Ibes  deu  mais  a  maquia 
dos  molnhos  de  agua  publicos,  e  o  estanque  do  sai,  que  se  nSo  possa 
vender  na  tal  Uba,  senao  por  ordem  do  Donatario  d'ella,  com  coodicao 
que  0  venda  a  vintem  o  alqueire,  e  se  nem  de  sai  prover  a  Uba,  uem  o 
vender  a  vintem,  cada  morador  da  Uba  possa  prover-se  de  sai,  mandao- 
do-o  vir,  ou  comprando-o  aos  navios  que  o  trouxerem,  e  vendendo-o  na 
Uba  pelo  justo  prego  que  nella  correr. 

f*9  Item  se  Ibe  deo,  o  ser  Capitao  geral  de  toda  a  Uba,  se  hama 
so  Capitania  ba  niella,  comò  em  Suo  Miguel,  e  em  Santa  Maria;  cu  ser 
Capitao  geral  de  so  a  sua  Capitania,  se  na  Uba  ba  duas  Capitanias  diver- 
sas,  comò  na  Terceira  a  de  Angra,  e  a  da  Praia,  e  na  Madeira  a  de  Fun- 
cbal,  e  Macbico;  mas  a  dita  jurisdicc^o  be  so  sobre  o  governo  militar, 
pago,  ou  da  ordenanga,  para  defenderem  a  Uba  de  inimigos,  e  d3o  be 
sobre  o  polìtico,  e  civil,  e  menos  sobre  o  governo  Ecclesiastico,  pois  so- 
bre este  tem  o  governo  seus  Prelados  sómente;  e  sobre  o  politico,  e  ci- 
vil tem  0  governo  os  Senados  das  Cameras,  e  as  Justigas  Reaes,  e  nao 
0  tal  capitao  Donatario,  nem  o  seu  Ouvidor;  e  por  este  cuidado  da  guer- 
ra tem  demais  o  dito  Donatario  em  a  Alfandega,  ou  Almoxarifado,  a  re- 
dizima dos  direitos  Reaes,  comò  sejhe  paga.  Do  que  ludo 

400  Parece  que  do  tal  exemplo  dos  Capitaes  Donatarios  de  cada 
Ilha,  nem  se  segue  que  baja  tambem  nas  ditas  Ilbas  um  Governador  ge- 
ral de  todas,  anles  se  segue  que  nunca  o  baja,  pois  seria  em  prejuizo 
de  cada  Donatario,  que  El-Itei  poz  em  cada  buma:  nem  tambem  se  se- 
gue, que  cada  Donatario  de  buma  Ilha  tenba  d'ella  a  jurisdicc^o  toda; 
mas  so*  se  segue,  que  cada  Capitao  Donatario  he  obrigado  a  assistir  pes- 
soalmente  na  Ilha,  e  Capitania  de  quo  he  Capitao,  assim  comò  cada  Cas- 
tellào  no  seu  Castello,  e  na  sua  Provincia  cada  Governador  das  armas 
d'ella,  e  que  (se  nao  póde  assistir  niella)  òu  se  Ihe  tire  a  Capitania,  e 
se  proveja  em  outrem  que  la  assista;  ou  se  Ihe  tire  raeia  renda  da  dita 
Capitania,  e  està  se  applique  às  mais,  e  melhores  Forlalezas  da  Ilha, 
pois  cada  Ilha  he  huma  perpetua  fronlcira  que  està  sempre  ,em  viva 


LIV.  IX  GAP.  XVf  347 

guerra  com  quantas  nagocs,  e  Cossarios,  e  ainda  Mouros  a  accomettem; 
e^e  coQtra  jajustica,  que  eslando  o  seu  Donatario  ausente,  e  sem  a  de- 
feoder,  nao  so  tenha  ainda  a  Capitania,  (que  a  muitos  vimos  tirarse-Ihe 
jé,  por  nao  residirem  niella)  e  qne  comtudo  ainda  coma  d'ella  a  ìnteira 
renda. 

101  Ou  pois  0  lai  Capitao  nao  resida  em  a  sua  €apilania,  por  El- 
Rei  0  occupar  em  outros  servìgos  seus  fora  da  llha,  entao  bastare  que 
fique  com  meia  renda  da  Capitania,  e  com  a  do  novo  posto,  em  que  EU 
Rei  0  occupar,  e  que  a  outra  meia  renda  se  applique,  comò  acima,  és 
fortifica(oes,  e  reparos  da  Illia;  ou  se  o  tal  Capitao  foi  chamado  por  cul- 
pas,  estas  entSo  se  exannnem,  e  sentenceem,  corno  parecer;  ou  obsol- 
vendo-o;  e  restituindo-o  a  Capitania,  e  rendas  d'ella,  ou  privando-o  d'el- 
la, e  sempre  ao  menos  de  meia  renda  d'ella  no  caso  de  convencìdo,  que 
seria  escandalosa  injuslica,  nao  baver  castigo  para  escandalosos,  por  se- 
rem  poderosos,  e  tudo  atabafarem  com  o  seu  poder. 

102  Nem  obstarà  dizer-se,  que  ausentando-se  o  Capitao  Donatario, 
entao  à  sua  custa  se  poem  seu  Lugar-tenente,  a  que  cbaniao  Governa- 
dor,  e  que  posto  este,  póde  o  Capitao,  sem  prejuizo  da  liba,  estar  au- 
sente  d'elle.  Porque  se  responde,  que  primeiramenle  a  perdicelo  dos 
lugares  be  serem  servidos  por  substitutos;  e  n  estas  mesmas  Capitanias 
das  Ilhas  se  vio  bem  em  a  Uba  da  Madeira,  que  em  tempo  de  bum  sub- 
stituto  foi  entrada  e  saqueada  de  piratas:  e  na  Uba  Terceira,  que  fal- 
lando-Ibe  0  seu  Donatario  D.  Cbristovao  de  xMoura,  foi  por  Castella  ap- 
pugnada  tantas  vezes,  ale  que  foi  entrada,  e  entregada  pelo  mesmo  sub- 
stituto  D.  Manoel  da  Silva  ;  e  sabido  bo,  que  substitutos  tratao  so  de 
se  encber  a  si,  e  a  quem  no  lai  lugar  os  poz;  e  da  defeza,  e  bem  com- 
mum  da  Uba  nada  tratao;  corno  bem  se  vio  em  S.  Miguel,  em  o  tempo 

•do  Senbor  D.  Antonio,  jà  entrada  por  elle,  jà  por  Francezes  e  Inglezes^ 
e  emfim  pelos  Castelbanos,  e  por  todos  destruida,  por  em  si  nao  ter 
entao  seu  Capitao  Donatario,  comò  tinha  em  o  tempo  da  Acclamacao  do 
Senbor  Rei  D.  Joao  o  IV,  e  por  isso  entao  niio  padeceo  damno  algum, 
por  ter  proprietario  e  nao  substituto.  Substitutos  pois  de  cargos,  que 
lem  proprietarios,  sao  ordinariamente  a  perdigao  dos  mesmos  cargos,  e 
terras  em  que  os  poem. 

103  Farece  logo,  que  os  proprietarios  Capitàes  das  Ilhas.  n'ellas 
residào  pessoalmente,  quanto  for  possivel:  e  que  em  quanto  n'ellas  es- 
tiverem,  cada  seis  annos  o  Corregedor  da  Coraarca,  com  o  Provedor,  ou 


3i8  HlSTOniA  INSULANA 

Juiz,  ou  Altnoxarìre  da  Fazenda  Real,  e  os  Senados  das  Cameras  qoe 
bouver  na  tal  Ulia,  tirem  todos  huma  so  residencia  do  dito  Donatario, 
por  testimunhas  que  passem  de  trinta,  sem  n'ellas  entrar  pessoa  aigu- 
ma  da  obriga^ao,  ou  servilo  do  Donatario,  e  por  tempo  que  nlo  die- 
gue  a  trinta  dias,  nos  quaes  estarà  suspensa  a  jurisdicc2o,  e  Ouvidorìi 
do  Donatario  e  em  especial  perguntem,  se  acode  aos  Fortes,  ou  Forta- 
lezas  e  defensa  da  Illia  ;  se  fez  alguma  manifesta  injusta  violencia  a  al- 
guem  ;  se  be  contratador,  e  abarcador  ou  faz  estanque  que  por  suas 
doafoes  Ibe  n3o  seja  permittido,  e  sobre  tudo  se  tem  trato  com  alguma 
nacao  que  tenba  guerras  com  Portugal.  E  faclj|da  a  dita  residencia  oa 
devassa,  della  nao  julgarào  cousa  alguma,  nem poderao  de algum modo 
proceder  centra  o  Donatario,  mas  a  mandarao  logo,  e  em  segredo  fé- 
ebada  a  S.  Magestade,  sem  d^lla  darem  parte  a  pessoa  alguma,  mas 
esperando  o  que  El-Rei  ordene. 

104  E  se  na  Uba  nao  residir  Donatario  proprio,  mas  algum  sea 
substituto,  cbamado  Governador,  d'este  cada  tres  annos  se  tire  a  mes- 
ma  residencia,  ou  devassa,  e  pelos  mesmos  acima  assinados,  e  da  mes- 
ma  sorte  se  envie  secreta  e  cerrada  a  El-Rei,  sem  cuja  nova  ordem  se 
nao  proceda  tambem  centra  o  dito  Governador:  e  ainda  que  elle  acabe 
0  seu  triennio  de  governo,  e  volte  para  o  Reino,  sempre  a  dita  devassa, 
ou  residencia  se  tire,  e  se  mande  a  S.  Magestade.  E  a  razao  do  sobre- 
dito  he  manifesta;  porque  parece  governo  injusto,  que  esteja  bum  Do- 
natario passando  mais  de  seis  annos  em  seu  governo,  sem  juridicamente 
se  saber  comò  governa;  e  bum  substituto  seu  passando  da  mesma  sorte 
mais  de  tres  annos,  e  sem  se  poder  louvar  o  bom  e  recto  governo,  nem 
se  emendar,  e  acodir  ao  mào;  sondo  que  ao  mesmo  Corregedor  se  Ibe 
tira  residencia,  com  ordinariamente  nao  passar  do  seu  triennio;  e  se 
assim  se  fizer  aos  Capitues  Donatarios,  nao  succederao  as  descomposi- 
cOes,  que  do  contrario  se  lem  visto  succederem. 

1U5  Parece  mais,  que  quando  se  puzer  substituto  do  Capit9o  de 
buma  liha,  o  ponba  El-Rei,  e  nao  o  Donatario  Capitao,  nem  este  nomeie 
deus,  ou  tres,  para  que  El-Rei  escollia  d'elles  bum;  porque  desta  sorte 
poderà  o  Capilào  nomear  bum  seu  criado,  que  va  mais  esfolar  a  Uba  para 
0  dito  seu  amo,  e  para  si,  do  que  va  a  defendel-a  e  governal-a:  e  que 
va  mais  a  descompor  os  mais  nobres,  e  rìcos  fìdalgos  da  dita  Uba,  do 
que  a  iralal-os  corno  deve,  e  elles  merecem:  e  assim  parece  conveniente 
que  quando  S.  Magestade  quizer  mandar  lugar  tenente  ou  Governador, 


uv.  IX  CAP.  XVII  349 

em  lugar  do  Capitao  de  huma  liha,  que  primeiro  mande  que  o  princi- 
pal  SeDado  da  liha  com  o  seu  Capilo  mór  Ihe  proponhSio  tres  dos  na- 
turaes  da  mesma  Ilha,  e  muito  em  especial  dos  que  tìverem  railitado, 
ou  em  Portugal  oii  na  India,  on  no  Brasil,  ou  ainda  dos  outros,  que  de. 
là  nuDca  sahirao,  mas  lem  servido,  e  sao  de  là  naturaes,  e  dos  mais 
nobres  e  ricos,  e  dos  taes  nomeie  S.  Magestade  o  que  melhor  julgar» 
porque  este  tratarà  com  a  devida  cortezia  aos  da  mesma  liba,  sera  mais 
solicito  de  a  conservar,  e  mais  Bel  a  ludo,  comò  a  cousa  tambem  sua  ; 
e  assim  o  vimos  jà  na  Uba  Terceira,  a  quem  so  seus  naturaes  a  iirarào 
a  Castella,  e  derao  a^  Senbor  Rei  D.  Joào  o  IV. 

CAWTULO  XVII 

bo  maritimo  governo  que  deoe  havtr  nas  dilas  lllias. 

106  N5o  poderao  conservarse  as  Ilbas  em  o  Oceano  sem  nautico 
commercio,  e  poder  naval,  que  as  defenda  ;  e  assim  parece  deve  orde- 
nar-se,  que  na  principal  Uba  Terceira  se  facao  navios,  comò  antigamente 
se  faziao,  no  porto  de  Pipas,  e  Portinbo  Novo,  nas  aguas  de  Sao  Sebas- 
tiao,  e  no  areal  da  Villa  da  Praia,  e  que  para  taes  navios  as  madeiras  se 
tirem  da  Uba  do  Pico,  da  de  Sao  Jorge,  e  das  Flores,  e  Corvo  :  e  quan- 
do faltem  mastros  competentes  se  comprem  aos  Estrangeiros  ou  de  suas 
terras  se  mandem  vir  ;  poréin  que  da  madeira  das  Ilbas  se  nUo  pague 
senSo  so  o  córte,  e  carreto  d'ellas ,  e  que  os  navios  sejào  ao  menos  de 
vìnte  peC'as  cada  bum.  oito  por  banda,  e  as  mais  de  popa  e  proa,  e  sem- 
pre tenbao  vinte  marinbeiros  com  Piloto,  Mestre,  e  Contramestre,  e  oom 
oitenta  arcabuzeiros,  dos  quaes  sej3o  dez  artilbeiros  para  as  pecas  ;  e  ne- 
nhum  navio,  ou  embarcaQ3o  possa  navegar  entre  as  Ilbas,  sem  ao  menos 
a  dita  gente  de  guerra,  artelbaria,  e  armas  sobreditas,  excepto  aquelles 
barcos  (que  là  cbamSo  Caraveloes)  que  nào  poder3o  ter  menos  de  scis 
remos  por  banda,  e  vinte  arcabuzeiros,  fora  os  remeiros,  e  marinbeiros, 
e  comò  bumas  meias  galòs. 

107  Dos  taes  navios  seja  obrigada  a  Uba  Terceira  a  ter  tres,  dos  quaes 
bum  seja  a  Capitania  d'elles,  e  dos  mais  navios  das  Ilbas,  quando  se  ajunta- 
rem,' e  està  Capitania  seja  de  trinta  pegas,  treze  por  banda,  e  quatro  de 
popa  e  proa,  e  cento  e  quarenla  mosqueteiros,  dos  quaes  sejao  vinte  ar- 
tilbeiros ;  e  demais  tenbào  vinte  marinbeiros  com  os  Pilotos,  e  sem  es- 


350  HISTORIA  INSILANA 

tes  cento  e  sessenta  homens  ao  menos,  nunca  a  Oapitania  saia  da  Ilha 
Terceira.  A  Ilha  deSao  Miguel  bastare  que  tenha  sempre  doas  dos  oatros 
ditos  navios  de  vinte  pegas  cada  hum,  e  outros  dous  tenha  o  Faial  Gom 
a  sua  Ilha  do  Pico  ;  e  se  d'estas  duas  Ilhas  quizer  cada  hnma^  fabrìcar 
ih  OS  seas  navios,  podel-o-ha  fazer,  mas  nnnca  menores,  nem  de  menos 
gente,  artelharia,  e  armas,  do  que  acima  està  dito  ;  e  nem  por  isso  dei- 
xarao  S.  Jorge,  Pico  e  Flores  de  conceder  à  Terceira  as  madeiras  qoe  Ihe 
pedir  para  fabricar  os  seus  navios.  As  outras  Ilhas  porèm  so  poderio  b- 
bricar  os  seus  Caraveloes,  mas  que  nao  sejio  de  menos  remos*  armas  e 
gente  do  que  se  Ihes  assinou  acima.  E  d*esla  sorte èaverà  nas  ditas  Ilhas 
sempre  huma  Armada  maritima,  de  ao  menos  sete  nàos,  bastantes  para 
defenderem  as  suas  costas,  ou  seus  canaes,  eseguramente  se  commaoì- 
(!arem,  e  commerciarem  humas  com  as  outras,  e  nao  irem  là  Mooros,  nem 
Ihes  pilharem  calivos,  mas  antes  cativarem  aos  Mouros,  e  navegarem  se- 
guros  das  Ilhas  a  Portugal  e  de  Portugal  às  Ilhas. 

108  A  maior  difficuldade  està  (oda,  em  d'onde  ha  de  sabir  o  mui- 
to  necessario  para  fabricar  a  dita  Armada  Insulana,  e  a  sostentar  depois, 
Sem  se  diminuirero,  antes  se  accrescentarem  as  rendas  Reaes.  Parece  qoe 
bastarà  primeiramente  conceder  S.  Magestade  que  na  liba  Terceira  em  a 
Cidade  de  Angra  se  levante  huma  Junta  maritima  de  sete  Deputados, 
homens  de  negocio,  de  dentro  de  toda  a  Ilha  Terceira,  Angra  e  Praia, 
dos  quaes  sete  sejào  quatro  Portuguezes,  e  nataraes  das  mesmas  Ilhas, 
mas  residentes  sempre  em  a  Terceira,  e  dos  de  negocio  os  mais  rìoos  : 
e  OS  outros  tres  sejao  Estrangeiros,  porém  moradores  jà,  e  de  maitos 
annos  na  dita  Ilha  Terceira,  e  aìnda  muito  mais  ricos  e  abonadas  com 
beas  de  raiz  nas  Ilhas  ;  e  qne  d*estes  sete,  e  desta  Junta  seja  Presiden- 
te 0  Provedor  das  Armadas,  ou  o  GapitSo  mór  de  Angra,  e  que  todos 
estes  sejSo  eleitos  pela  Camera  e  Capitào  mór  de  Angra:  e  o  que  pelos 
mais  votos  da  tal  Junta  se  votar,  isso  se  fa^a,  excepta  a  eleicao  de  Ca- 
pitao  geral  da  Armada,  e  Capitania  duella,  que  este  tal  sera  proposto 
pela  dita  Junta  ao  Senado  da  Camera,  e  sem  sua  confirmacSo  nao  ser- 
virà. 

109  Em  segondo  lugar  se  concederà  à  mesma  Junta,  que  qnalquer 
dos  sete  Deputados  d*ella  possa  fazer  e  ter  mais  navios,  (mas  nao  de  menos 
gente,  pecas  e  armas  do  que  os  primeiros  seis  da  Armada,)  e  qaer  com 
elles  possa  commerciar,  nao  so  com  Portugal,  mas  com  qoalqoer  parte 
do  Brasil,  de  Angola,  e  Maranhao,  e  de  toda  a  nac^o  com  qucm  Porta- 


LIV.  IX  CAI».  XVII  351 

gal  tiver  paz,  e  commercio:  excepto  unicamente  com  a  India  Orientai  :  e 
que  nao  so  das  mais  pessoas  da  liha  Terceira,  e  da  de  S.  Miguel  e  Faial, 
mas  tambem  das  outras  Ilhas  Terceiras,  possa  quem  quizer  celebrar  con- 
Irato  de  companhia  com  a  dita  Junta  maritima,  e  entrar  ao  gnnho,  e 
perda  com  ella,  conforme  ao  conlratado,  e  para  isso  por  na  dita  Junta 
a  juro  0  que  cada  bum  quizer,  nunca  se  Ibe  pagando  mais  de  cinco  por 
cento,  e  que  so  no  firn  do  segundo  anno  se  psgarao  os  jurjs  dos  dous 
primeiros  annos,  para  n'elles  poderem  ter  commerciado,  e  cobrado  com 
que  jà  em  cada  bum  dos  annos  seguintes  paguem  promplamente  cada 
anno  o  seu  juro. 

110  Em  terceiro  lugar  se  deve  conceder  à  dita  Junta  que  os  navios 
por  ella  mandados  a  commerciar,  em  qualquer  porto,  ou  Alfandega  da 
Coroa,  e  Conquislas  de  Portugal,  paguem  so  os  direitos  j&  sabidos,  e 
nada  mais  ;  e  so  ao  recolher  à  Terceira  paguem  bum  por  cento  ao  Sena- 
do  da  Camera,  do  retomo  que  trouxerem,  para  a  defensa  e  fortificagóes 
da  dita  Uba  Terceira:  mas  que  tambem  de  toda  a  Uba  Terceira  se  nào 
possa  embarcar  para  Portugal,  ou  para  Conquista  alguma  sua,  nem  tri- 
go»  ou  frutos  outros,  nem  pessoa,  ou  encomenda  alguma,  senao  em  na- 
vìo  da  Junta,  ou  dos  sobreditos  da  Armada  ;  e  que  os  proQos  dos  fretes 
se  determinem  fixos  pelo  Senado  da  Camera  de  Angra,  ouvindo  primei- 
ro  OS  votos  da  Junta,  e  determinando  depois,  e  definitivamente  o  que 
parecer  mais  justo,  sem  disso  se  admitlir  appelldgao,  nem  aggravo,  mas 
so  primeiros  embargos,  que  o  dito  Senado  resolverà,  sem  n'esta  parlo 
se  reccorrer  nem  a  Corregedor,  ou  Relagao  que  là  baja,  e  menos  a  Por- 
tugal, por  tal  taxa  ser  do  Senado. 

Ili  Em  quarto  lugar  se  concederà  à  proposta  Junta,  que  quanto 
por  seus  navios,  assim  da  Armada,  corno  dos  de  Tura  d  ella,  quanto  se 
apanbar,  de  Mouros,  piratas,  e  navios  inimigos  de  Portugal,  tanto  seja 
da  dita  Junta,  sem  darem  a  Tazenda  Real  cousa  alguma,  ou  algum  direito 
do  que  assim  justamente  cativarem,  e  até  os  cascos,  artelbaria,  e  armas 
e  muito  mais  as  cargas,  fazendas  e  pessoas  ;  pois  tudo  Ibe  be  necessario 
para  sustentarem  e  pagarem  a  Armada  sobredita,  e  os  mais  navios,  para 
OS  quaes  nao  concorre  a  Fazenda  Real  com  cousa  alguma.  E  so  sera 
obrigada  a  dita  Junta,  a  que,  apparecendo  à  vista  da  Uba  Terceira  algu- 
ma nào  da  India  Orientai,  mando  logo  a  Capitania  da  sua  Armada  a  aco- 
dir-lbe,  comboial-a  para  a  Uba,  e  depois  acompanbal-a  até  Lisboa,  sem 
por  isso  pedir  a  El-Rei  paga,  mas  so  alguraas  merces  de  babitos,  ou 


3-i2  HISTOIUA  INSULANA 

fóros,  ctc.  E  tambem  seni  obrigada  a  dita  Capìtania  o  darca(^  a  todoo 
Mouro,  cu  Cossario  que  apparecer,  e  a  acompanhar  o  Porluguez  navio» 
que  da  Terceira  for  para  outra  Uba,  quando  assim  o  mandarem  o  Seoa- 
do  e  a  Junta., 

112  E  porque  na  Ilha  Terceira,  nao  so  pelo  inverno,  mas  tambem 
pelo  mais  anno,  corre  algumas  vezes  bum  tal  vento  Sueste,  (a  que  cha- 
mao  0  Carpinteiro,  por  /azer  dar  a  costa  os  navios)  e  d'este  vento  be 
seguro  bum  dos  portos  da  babia  de  Angra,  ao  qual  cbamao  PorUnho  de 
Pipas,  e  esle  se  o  concertarem  abalendo-o  mais,  e  mettendo-lbe  mais 
agoa  dentro,  isto  poderà  fazer  a  junla,  e  com  pouco  custo,  e  recolher 
aìli  OS  seus  navios,  sem  Ibes  poder  fazer  mal  o  dito  vento,  com  tanto 
que  a  sua  Capitania  de  trinta  pegas  nao  entre  la,  mas  se  recolba  és  aguas 
de  Sao  Sebastiao,  que  be  porto  que  flca  para  o  Nascente,  e  tambem  abrì- 
gado  do  Sueste,  e  d'onde  pode  levantar-se  a  dita  Capitania  cada  vez  qua 
quizer,  e  sem  perigo  ;  pois  assim  o  fazia  no  anno  da  Acclamac2o  a  Ar- 
mada  de  Angra  conlra  a  Praca  Castelhana  ;  e  ainda  mais  antigamente  se 
fazia  assim,  e  póde  fazer-se  agora  :  e  ainda  que  o  concerto  do  interior 
Porto  de  Pipas  faga  gasto  a  Junta;  maior  gasto  Ibe  faria  perderem-se-lhe 
alguns  navios  ;  e  pelo  contrario  o  dito  Porto  Ibe  podere  render  muito, 
se  n'elle  puzerem  tributo  moderado  a  todo  o  navio,  caravela,  e  carave- 
lao,  que  se  recolher  ao  dito  Porlo  de  Pipas  ;  e  o  Senado  nao  deixara  de 
dar  licenfa  para  o  dito  concerto  e  tributo. 

413  Com  conceder  pois  Sua  Magestade  so  as  ditasquatro  licencas, 
e  sem  concorrer  com  cousa  alguma  de  sua  Real  Fazenda,  lucrare  tanlos 
mais  direitos,  quanlos  se  augmenlarao  com  os  navios  do  commercio  da 
tal  Junta  ;  e  com  a  Armada  da  Junla  pouparà  os  grandes  gastos  que  fa- 
ria  mandando  cada  anno  Armada  Real  às  dilas  Ilbas,  que  com  a  sua  là 
se  livrarao  de  cossarios  :  e  ainda  escusarà  de  mandar  buscar  às  Ilbas, 
nàos  da  India,  pois  de  là  as  trarlo  a  Portugal,  e  bem  acompanbsidas  com 
navios  da  Armada  Insulana,  e  coni  soldadesca  nova,  e  mantimentos:  e 
se  ao  Brasil  hao  do  ir  commerciar  navios  estrangeiros  (ou  a  Angola  e 
Maranbao)  com  tanto  perigo  das  Conquislas  Portuguezas,  e  dos  mesmos 
Portuguezes  tanto  escandalo,  jusio  he  que  os  estrangeiros  nao  vao,  ma^ 
vao  os  Porlugnezes  das  Ilhas,  e  para  eslas  direitos  de  là  voltem,  pagan- 
do sempre  os  direitos  costumados,  que  nas  suas  lerras  para  onde  voltao, 
nao  pagao  a  Portugal  os  Estrangeiros  ;  e  ale  o  mesmo  Brasil  lucrare  mais 
era  Estrangeiros  Ihe  nao  levarem  bugiarias,  e  escusados  novos  trajes, 


LIV.  IX  GAP.  XVIII  353 

mas  em  Ihe  levarem  Portuguezes  os  trigos,  as  faririhas,  os  vinhos,  e  o 
mais  necessario  ;  e  se  d'està  sorte  enriquecerem  os  taes  Portuguezes,  ao 
seu  Rei  ODriquecem,  pois  o  Princepe  mais  rico  he  o  que  tem  mais  ricos 
\assallos,  de  quem  a  seu  tempo  se  possa  valer. 

114  0  ponto  pois  està  em  que  das  Ilhas  nao  saia  navio  algum  sem 
a  sobredita  forga  de  artelharia,  armas  e  gente  de  guerra,  e  que  as  pe- 
gas  sejao  ao  menos  de  calibro  até  dezeseis,  e  que  metade  ao  menos  se- 
jào  de  bronze;  boas  e  limpas  as  armas,  e  com  bom  provimento  para 
ludo  de  polvora  e  baia;  e  sem  isso  a  Junta  os  nào  deixe  sahir,  visitan- 
do-os  mnito  bem  primeiro,  e  que  na  volta  vejao  se  traziao  expedila  a 
artelharia  e  mais  armas,  e  soldadesca,  e  achando  o  contrario,  grave- 
mente os  mullem  e  castiguem;  pois  mais  vai  irem,  e  virem  com  menos 
carga,  e  nao  so  a  salvamento,  mas  victoriosos,  do  que  perderem-se  por 
ambiciosos.  E  por  isso  se  nao  consinta,  senào  rarissimamente,  que  das 
Ilhas  va  ao  Brasil  navio  algum  so,  mas  ao  menos,  dous  juntos,  ou  mais; 
para  o  que,  o  que  for  de  S.  Miguel,  ou  do  Fayal,  venha-se  primeiro 
ajuntar  com  os  da  Terceira,  e  juntos  todos  parlao,  visitados,  e  se  vao 
conforme  a  lei  da  Junta,  e  da  mesma  sorte  venhao,  e  da  Terceira  cada 
bum  va  logo  para  a  sua  liba. 

CAPITULO  XVIII 

Da  maior  f\delidade\  que  as  Ilhas  Terceiras  tjuardarào  a  Portugal, 
e  da  que  Portugal  deve  suppor,  e  guardar  com  ellas. 

113  Da  relatada  até  aqui  historia  consta  que  as  Ilhas  Terceiras  fo- 
rao  descubertas  primo  pela  de  Santa  Maria  em  o  anno  de  Christo  do 
1432,  e  a  de  S.  Miguel  em  1444,  e  muito  pouco  depois  a  liha  Terceira, 
e  logo  as  outras  seis  Ilhas;  d'onde  se  segue  que  n'este  anno  de  17ir> 
contao  jà  as  Ilhas  Terceiras  duzentos  e  oitenta  e  tres  annos  de  idade 
desde  o  seu  primeiro  descubrimento,  corno  de  seu  nascimento  primeiro, 
e  que  n'esles  quasi  trezentos  annos  forao  todas  as  Ilhas  majs  fieis  aas 
Reis  de  Portugal,  do  que  os  naluraes  do  mesrao  Reino  aos  seus  pro- 
prios  Reis;  porque  se  bem  repararmos,  passados  os  primeiros  tres  Reis, 
Affonso  I,  Sancho  I,  e  Affonso  II,  depuzerao  ao  Rei  Sancho  lì  e  mette- 
rao  em  seu  lugar  a  seu  irmao  Affonso  IH,  tendo  estes  quatro  reinado 
sómente  cento  e  trinta  e  tres  annos,  pois  o  primeiro  reinou  setenta  e 
YOL.  n  23 


3j4  HISTORIA  INSULANA 

tres  annos,  o  segundo  vinte  e  sete,  o  lerceiro  onze,  e  o  quarto  vinte  e 
dous,  e  todos  juntos  fazem  so  cento  e  Irinta  e  tres. 

IIG  E  passados  depois  cento  e  trìnta  e  quatro  ànnos  nos  cinco  Rais 
seguintes,  D.  Affonso  III,  D.  Diniz,  D.  Affonso  IV,  D.  Pedro  e  I).  Fer- 
nando, entao  se  dividio  Portugal,  e  parte  d'elle  seguio  a  Rainlia  de 
Castella  I).  Brites,  filha  legitima  do  antecedente  Rei  U.  Fernando;  e  a 
entra  parte  de  Portugal  seguio  ao  invicto  D.  Joao,  irmào  do  Rei  D.Fer- 
nando, e  liiho  illegilimo  do  Rei  U.  Fedro,  e  ficou  sendo  El-Rei  D.  Joao 
ole  com  este,  e  d'elle  se  seguirào  mais  oito  Reinantes,  que  forao 
1).  Joao  0  1,  D.  Duarle,  D.  Affonso  V,  D.  Joao  o  li,  D.  Manuel,  l).  Joào 
0  11!,  D.  Sebastiào,  e  D.  Henrique,  nos  quaes  oito  se  passarao  mais 
enlno  cento  e  noventa  e  dous  annos,  até  o  de  1580  do  Nascimento  de 
Christo;  e  entào  deixando  Portugal  de  acclamar  a  senliora  D.  Catharina, 
legitima  filha  do  Infante  D.  Duarte,  fillio  legitimo  do  Rei  D.  Manoel. 
acclamando  ao  senlior  I).  Antonio,  filho  illegitimo  do  infante  D.  Lniz 
li^gilimo  filho  do  Rei  I).  Manoel,  lambem  ao  senhor  D.  Antonio  deixou 
J^orlugal,  e  admittio  por  seu  Rei  a  Felippe  11,  sendo  so  por  linha  femi- 
nina  (de  sua  mài  a  Emperatriz  D.  Isabel)  nelo  tarabem  do  raesmo  Rei 
1).  Manoel:  atò  que  dahi  a  sessenta  annos  (desde  4580  a  iCiO)  o  mes- 
mo  l*ortugal  tirou  o  Reino  a  Felippe  IV  neto  do  2.**  Rei  de  Castella,  e 
o  rcstituio  ao  nelo  da  sobredila  senliora  D.  Catliarina,  o  qual  foi  o  fe- 
lirissimo  Rei  D.  Joao  o  IV,  invicto  Restaurador  de  Portugal,  a  quem  se 
seguio  cm  Portugal  seu  legitimo  fillio  D.  Affonso  VI,  e  a  este  succedeo 
I).  Pedro  II  seu  irmào,  pai  do  senlior  Rei  D.  Joào  o  V,  que  hoje go- 
verna, e  Deos  nos  conserve  por  felizes  annos. 

117  D'onde  se  ve,  que  havendo  seiscenlos  e  quatro  annos  que 
Portugal  tem  ultimamente  Rei  proprio  coroado,  (desde  o  anno  de  1111 
em  que  fui  acclamado  e  coroado  Rei,  o  primeiro  D.  Aff'onso  Henrique^) 
ale  este  anno  de  1717  olio  vezes  tirou  a  ordem  dos  antecedenles  Reis, 
e  [»oz  oulros  novos.  corno  em  liigar  de  Sancho  II,  jioz  Affonso  III  em 
lui^ar  d'el-Hei  D.  Fernando,  e  de  sua  legitima  filha  a  Rainha  de  Caslelln, 
poz  a  I).  joào  I  em  higar  de  D.  Joào  o  li,  poz  a  El-Rei  i).  ILinrique; 
em  lugar  deste  I).  Henrique,  poz  ao  senhor  I). Anloiiio, em  higard'esle 
consenlio.  e  adniillio  aos  Felippes  li,  HI  e  IV,"  e  ultimamente  em  lugar 
(los  taes  Feiippes  poz  ao  fijlicissimo  Rei  D.  Joào  IV,  e  ainda  em  lugar 
de  D.  Affonso  VI  e  em  vida  d'elle  a  seu  irmào  El-Rei  L>.  Pedro  II,  de 
que  nos  ficou  o  senhor  Rei  D.  Joào  o  V,  que  Deos  nos  deixe  lograrpor 


LIV.  IX  GAP.  XVIII  353 

muitos  annos  :  e  assim  em  pouco  mais  de  seis  centos  annos  flzerao  os 
moradores  de  Portugai  oito  mudangas  de  seus  soberanos  Reìs. 

H8  Porém  as  Ilhas  Terceiras,  com  baver  jà  quasi  tresentos  annos, 
que  se  descubrirào  no  penultimo  da  vida  d'el-Bei  D.  Joao  o  I  nunca  ja- 
mais  mudarao  de  liei  Portuguez«  e  a  Reis  Gastelhanos  resistirao  duas 
vezes,  e  até  a  morte;  da  primeira  vez  a  Felippe  II  por  quasi  tres  annos, 
susteolando  Rqì  ao  senhor  D.  Antonio  Portuguez,  a  quem  os  dePorluga 
desempararao;  segunda  vez  sustentando  com  viva  guerra  de  bum  anno 
inteiro  a  feliz  Acclamac^o  do  Restaurador  da  Goroa  Portugueza  El-Rei 
D.  Joao  0  IV  e  conseguindo  a  Victoria  com  so  a  gente  e  governo  das 
mesmas  llbas  Terceiras;  sempre  logo  foi  maior  a  Qdelidade  que  as  taes 
Ubas  guardarlo  a  Portugal. 

119  Segue-se  pois,  que  de  tao  fieis  vassallos  Portuguezes,  comò  sem- 
pre forao  OS  d'estas  Ilhas  Terceiras,  se  devem  conflar  muilo  os  senho- 
res  Reis  de  Portugal,  deixando-os  là  governarem-se  no  Ecclesiastico  sccu- 
lar,  por  seus  Bispos  e  Arcebispos,  (que  comò  jà  propuzemos  se  podem 
por  de  novo)  no  Regular  pelos  Superiores  de  suas  Religi5es;  no  juridico, 
civil  e  criminal,  pdr  seus  ordinarios,  e  naturaes  Juizes  em  primeira  in- 
stancia,  e  por  seu  Corregedor  em  segunda,  em  terceira,  a  final,  pela 
Relagao,  que  jà  acima  se  propoz  na  fórma  sobredila:  no  bellico  do  mar, 
e  commercio  naval,  pela  Junla  maritima,  e  Senado  da  Camera,  que  se 
póde  erigir  com  su  as  licenfas  jà  propostas;  e  no  bellico  da  terra,  por 
seus  Capitaes  móres,  e  Senados  das  Cidades  e  Yillas  em  que  os  ha;  mas 
com  a  antiga  ordera,  que  onde  houver  Praga  ou  Fortaleza  alguma  fe- 
cbada,  o  que  d'ella  for  Mestre  de  Campo,  Capitao  ou  Casteltao,  nenbuma 
jurisdiccào  tenha  fora  da  sua  Fortaleza  e  Militares  d'ella,  e  so  possa  de- 
precar aos  Senados  da  terra,  e  a  seus  Capitaes  móres,  e  por  escriplo,  o 
que  Ihe  for  necessario,  e  da  mesma  sorte  o  Senado  a  elle;  e  se  alguma 
d'estas  parles  tiver  razao  de  queixa  a  de  a  El-Rei,  e  esperc  a  resolurao 
Real,  Sem  outro  algum  estrondo,  motivo  ou  violencia. 

120  D'està  sorte  se  governarao  sempre  as  Ilhas,  ha  quasi  trezen- 
tos  annos;  d'estn  sorte  sempre  conservarao  a  mais  vassallagem  aos  seus 
Reis  Portuguezes;  d'està  sorte  conquislarao,  e  per  si  sós,  a  inconquisla- 
vel  Fortaleza  de  Angra,  e  a  tirarao  a  Castella,  e  sugeitarao  a  Portugal; 
e  d'està  sorte  emfim  nao  tem  bavido  em  a  Terceira,  e  em  outras  suas 
Ilhas,  as  decomposicoes,  motins  e  desgostos,  que  ainda  vemos  em  outra 
alguma  parte,  aonde  indo  bum  so  bomem  com  tìtulo  de  Govemador,  a 


356  HISTORIA  INSULANA 

todos,  e  aos  melhores  que  logo  metter  debaixo  dos  pés,  devendo  e^timal-os 
muito;  a  tudo  quer  abarcar;  e  se  nao  rouba  a  todos,  do  de  todos  se  en- 
riquece,  e  se  eoche  de  tal  modo,  que  por  mais  que  se  queixem  d'elle 
com  0  que  traz  se  livra,  e  fica  ainda  mais  rico,  do  que  tinha  ido  pobre. 
Mas  tambem  pcH*  isso  mesmo  rimos  jà  que  a  alguns  d*estes  se  Ihes  per- 
deo  0  respeito,  e  voltarao  descompostos  ;  porque  a  paciencia  ferida  se 
converte  em  furor,  e  em  suas  feridas  moslrao  os  que  as  receberao,  de 
sua  furia  as  desculpas.  Oh  quetra  Deos  que  a  isto  se  acuda. 

121  Segue-se  secundó,  que  às  ditas  Ilhas  se  Ihes  nao  deve  impor 
nem  decimas,  nem  tributos,  e  de  nenhum  modo  usuaes;  que  se  alguma 
vez  se  Ihes  impoem  algum  donativo,  deve  ser  mui  moderado,  e  so  por 
tempo  determinado,  do  qual  nao  passe:  e  a  mUo  he  evidente;  porque 
cada  huma  das  taes  Ilbas  he  huma  perpetua,  e  viva,  sempre  fronteira, 
e  de  guerra  sempre  viva,  com  Mouros,  Gossarios,  que  com  ninguem 
lem  paz,  e  com  as  nagoes  inimigas  de  Portugal,  que  a  elle  se  nao  atre- 
vem  a  vìr,  e  vao  e  saltao  na  Ilha  a  todo  o  tempo,  e  quando  menos  se 
cuida;  e  de  naturai  direito,  e  praxe  d'elle  he,  que  a  huma  Praga,  que 
està  em  guerra  viva,  se  Ihe  nao  impoem  tributo,  ném  se  ihe  entende 
imposto,  mas  se  Ihe  manda  soccorro;  e  o  Rei  que  Ih'o  nSomanda  de  fora 
antes  Ihe  manda  tirar  o  que  a  Praga  em  si  tinha,  n'issa  quer  so  a  Praga  a 
busque,  e  se  entregue  a  outro  Rei,  que  n3o  so  Ihe  nao  tire,  mas  Ihe 
mande  o  soccorro  necessario  ;  e  nao  permilta  Deos  que  isto  se  veja  em 
tnes  Ilhas. 

122  A  outra,  e  manifesta  razao  do  sobredilo  he,  porque  a  desco- 
briniento  de  taes  Dhas  nenhuma  perda  trouxe  a  Portugal,  nem  de  horr- 
ra,  ecredito,  nem  de  rendas;  antes  grandemente  Ihe  augmentou  a  fama: 
e  a  riqueza;  porque  nao  fallando  jà  nas  Ilhns  da  Madeira,  e  Cabo  Ver- 
de, as  Terceiras  Ihe  nao  cusiarao  a  descubrir,  nem  ainda  conquistar, 
pois  nenhuma  gente  se  achou  n'ellas  que  as  defendesse,  e  o  que  de  Por- 
tngal  foi  a  povoal-as,  foi  a  enriquecer-se  de  fortilissimas,  e  novas  terras, 
das  quaes  em  Porlugal  se  levantarào  tanlos  Capitaes  Donatarios,  tanlos 
Alcaides  móres,  tanlos  Marquezese  Condes,  tanlos  GrandesTitulares,  qm 
de  novo  honrarao  a  Porlugal,  e  o  enriquecerao,  e  a  sua  Coròa,  com  hum 
novo  Reino  Insulano  de  setenta  e  qualro  legoas  de  comprido,  e  vinte  e 
quatro  de  largo,  e  com  os  dizimos  de  loda  est»  vaslidao  de  terras,  alem 
dos  Reaes  direilos  nas  Alfandegas,  e  ainda  que  Porlugal  ficou  obrigado 
a  por  isso  mesmo  defender  as  ditas  Ilhas  com  Armada  Beai,  que  no  ve- 


Liv.  IX  C4P.  XEvm  357 

rao  as  va  correr,  e  defender,  nem  laes  Armadas  vao  jà,  senSo  algumas 
vezes  a  buscar  as  nàos  da  India,  e  as  frotas  do  Brasil.  Pois  pergunto: 
Se  Portugal  nada  gasta  com  as  ditas  lihas,  mas  das  rendas  d'eilas  paga 
congrua  ao  Ecclesiastico,  e  ao  militar  de  algum  presidio,  e  comtudo  Ihe 
rendem  ainda  tanto,  e  nem  por  mar  as  defende;  pergunto,  com  que  ra- 
zao  Ihes  ha  de  impor  ainda  algum  tributo,  e  as  nao  ha  de  deixar  defen- 
derem^se  a  si  com  o  commercio  do  mar? 

i23  Segue-se  tértio,  que  ainda  que  nas  nove  Ilhas  Terceiras,  a  gen- 
te que  póde  tornar  armas,  e  peiejar,  passa  de  trinta  e  ciuco  mil  bomens, 
e  so  S.  Miguel  tem  doze  mil,  e  dez  mil  a  Uba  Terceira,  ainda  comtudo 
da  tal  gente  se  nao  deve  tirar  muita  das  taes  Ilhas;  mas  deve-se-lbe  dei- 
xar formar  a  Àrmada  maritima,  e  sua  Junta  do  Commercio,  que  acima 
propuzemos;  e  ao  depois  quando  fòr  mais  necessario,  e  precioso,  pode- 
re Portugal  tirar  alguma  das  milicias  jà  dextras,  e  da  marinbagem  dos 
navios,  (provendo-os  primeiro  là  de  outra  marinhagem,  e  milicia)  e  d'es- 
tà sorte  terà  sempre  Portugal  a  marinhagem  de  que  tem  tanta  faìta  e  pi- 
lotagem  jà  destra,  e  ainda  alguma  mais  milicia,  se  conceder  às  Dhas  te- 
rem  a  dita  Armada  e  Junta  do  seu  Commercio,  comò  tem  Franca  em 
muitos  portos,  e  por  isso  brevemente  ajunta  o  necessario  para  as  suas 
Armadas. 

124  E  da  mais  gente  das  Ilbas  conveniente  sera  que  Portugal  tire 
em  alguns  annos;  e  dos  filhos  segundos  de  homens  nobres  alguma  com- 
panbia,  que  milite  em  Portugal,  ou  va  para  a  India,  e  outras  Conquis- 
tas,  e  que  meregào  assim  ser  ao  depois  promovidos  aos  póstos  milita- 
res  das  mesmas  Ilhas,  e  as  tratem  e  governem  com  mais  comedimento, 
maior  zelo,  e  experiencia.  Porém  do  ordinario  povo  das  taes  Ilhas,  corno 
este  tanto  multiplica,  que  as  mesmas  Ilhas  jà  nao  podem  sustentar  a 
tanto  poyo,  sera  mais  conveniente  tirar  d'elle,  de  annos  em  annos,  al- 
guns casaes  inteiros  para  o  Brasil,  Angola,  e  Maranb3o,  que  povoem  tan- 
tas  t^rras,  corno  ha  là  despovoadas,  e  se  Ihas  dem  em  que  vivao,  enri- 
quegao,  e  multipliquem,  e  corno  verdadeiros  Portuguezes  sej3o  a  Portu- 
gal sempre  fieis,  e  defendao  as  Conquistas;  e  pois  assim  o  fez. Portugal 
com  as  mesmas  Ilhas  descubertas,  e  estas  o  flzerao  com  as  ditas  Con- 
quistas que  depois  das  Ilhas  se  descubrir3o;  e  ainda  achar3o  parentes 
dos  que  ao  principio  forao  das  ditas  Ilhas  para  là;  e  este  parece  ser  o 
melhor  governo. 


:ìù8  historià  insulana 

CAPITULO  XIX 

hxhoriacào  final  das  ditas  Ilhas 

123  De  loda  està  Historia  losulana»  e  de  todas  as  proposlas  niella 
feitas,  nenhuma  outra  causa  se  pertende  mais,  que  a  maior  gloria  de 
Deos,  e  o  bem  maior  do  proxìmo,  n3o  so  das  mesmas  Ilhas,  e  da  na^ao 
Portugueza,  mas  de  todo  o  fiel  Christao  Catbolico;  e  nao  so  do  maior 
bem  temporal  da  vida,  boora,  e  riqueza  d'este  mondo,*  mas  multo  mais 
do  bem  eterno,  da  espiriUial  vida  da  alma,  da  verdadeira  bonra  e  rique- 
za das  virtudes:  seja  pois  de  todas. 

126  Primeira  exbortacao,  que  selembrem  eslas  Ilhas,  especialmen- 
te as  Terceìras,  que  nunca  jàmais  forao  povoadas  de  Gentios,  ou  Judeos, 
Mouros,  ou  Hereges,  cousa  de  que  talvez  Beino  nenhum  se  poderà  ga- 
bar;  mas  que  descubertas  por  fieis  Catbolicos,  e  à  Igreja  Romana  Ode- 
lissimos,  e  assim  comò  està  so  verdadeira  Fé  Romana  conservio  ha  qua- 
si trezentos  annos,  assim  illesa  e  pura  a  devem  conservar  sempre,  imi- 
tando a  seus  progenitores;  pois  tendo  algus  d  elles  dado  a  vida  pela  pu- 
ra Fé  Catholica,  a  estes  devem  imitar  todos  os  outros:  e  se  boute  jà 
pessoa  (que  raramente  a  houve)  que  das  taes  Ilhas  viesse  delatada  por 
hereje  ao  Santo  Officio,  isso,  ou  foique  de  fora  tinha  ido  às  ditas  ilhas, 
ou  que  era  sujeito,  ao  menos,  originario  de  fora,  e  nao  oriundo  de  seus 
Catholicos  habitadores;  conserve-se  logo  a  Fé  pura  em  as  Ilhas,  e  ellas 
se  conservarao. 

127  Segunda,  que  advirtao  estas  Ilhas,  que  assim  corno  a  mesma 
Fé  Divina,  se  se  Ihe  nao  ajuntao  boas  obras,  he  Fé  morta,  que  nao  bas- 
ta per  si  so  para  a  salvagao;  nem  ainda  ajuntando-se-lhe  a  Esperanpi, 
se  as  nao  acompanhar  a  Divina  Claridade,  ou  graga  Divina,  que  he  a 
maior  de  todas  as  virtudes;  assim  tambem  se  perderào,  e  acabarao  as 
Ilhas,  se  com  a  Divina  Fé,  e  Esperanga  em  que  se  fundàrao,  nao  ajun- 
tarem  a  guarda  dos  Divinos  Mandamentos,  e  particularmente  senao  re- 
frearem  as  linguas,  das  calumnias  e  injurias  com  que  se  diz  que  fallào 
uns  dos  outros,  ainda  de  consanguineos,  sem  advertir;  que  a  si  mesmos 
n'isso  se  afrontao,  tornando-se  necessariamente  a  aparentar  com  elles, 
succedendo-lhes  assim  o  que  àquelles  que  até  centra  o  Ceo,  ou  centra  o 
seu  cospem,  e  no  rosto  vem  a  cahir-llies  lai  injuria;  e  atirando;  quem 
lem  telhado  de  vidro  ao  mais  forte  tei  bado  do  vizinho,  succede  que  so 


LIV.  IX  GAP.  XIX  359 

0  seu  ficara  entao  quebrado;  que  quem  de  outros  diz  quanto,  e  ludo  o 
qiie  qner,  dos  mais  onve  o  qne  nao  (|uer. 

128  Terceira  que  para  alcancarem  as  sohrcditas,  e  todas  as  mais 
virUuIes  sobrenaturaes,  toniem  porsen  fundamento,  corno  a  adoragào  de 
liuni  so  Deos,  a  perfeita  observancia  da  lei  da  pura  razao.  e  naturai,  e 
a  fìdelidade  e  obediencia  a  seu  naturai  Rei;  pois  quem  vive  sem  Deos, 
sera  lei,  sem  Ilei,  nem  corno  liomem  vive,  mas  corno  bum  barbaro  Gen- 
lio,  e  ainda  corno  bum  bruto  indomito;  e  a  quem  observa  aquella  lei  na- 
turai, que  0  lume  da  razao,  dado  a  todos  por  Deos,  està  cm  todos  di- 
dando  e  clamando  sempre,  a  esle  tal  que  assim  guarda  a  naturai  lei,  o 
faz  0  que  em  si  póde,  !iào  su  Deos  nao  nega  os  auxilios  sobrenaturaes, 
mas  Ihos  concede  eflicazes  para  entcnder,  e  abr'arar  a  sobrenatural  lei,  e 
sobrcnaturalÌ2iar  a  naturai,  e  so  por  puro  amor  de  Deos  dar  a  cada  bum 
o  seu,  pagar  o  que  deve  a  cada  bum,  nao  fazcr  a  algum  o  que  nao  quer 
que  Ihe  iiicfio,  e  antepor  sempre  o  bem  commum  ao  particular,  tendo 
por  mais  amavel  e  honroso  dar  ainda  a  mcsma  vida  por  seu  Deos,  por 
sua  lei,  por  seu  Rei  e  sua  patria:  de  que  nào  repito  os  exemplos  illus- 
trissimos  que  em  toda  està  bistoria  terà  visto  cada  bum  em  muitos  dos 
seus  Progeni tores. 

129  Quarta,  que  reparem,  que  nos  primeiros  seculos  d'eslas  llhas 
hiào  de  Portugal  muitos  fidalgos,  e  fidalgas  a  casar  às  llhas,  e  d'estas 
laobem  a  Portugal  vinbao  casar,  e  voltar-se  para  ellas,  mas  reparem  (di- 
go)  ^m  quando  ainda  là  bavia  terras  por  repartir,  biao  de  cà  para  Ihas 
darem;  ou  quando  a  pessoa  tinlia  là  algum  bom  morgado,  e  vindo  cà 
casar,  ibe  succedessem  de  cà  n'elle;  e  assim  de  taes  casamentos  o  moti- 
vo todo  vinba  a  ser  so  ambiguo,  comò  os  que  biao  à  India,  à  America, 
a  Angola,  e  a  Africa,  so  a  trazer  para  cà,  quanto  pudessem;  porém  co- 
rno hoje  em  as  llhas  jà  ha  tantas  casas,  tao  limpas,  tao  ricas,  e  tao  no* 
bres,  quanto  descendentes  da  fidalguia  melbor  de  Portugal,  jà  escusado 
parece,  ou  virem  a  Portugal  buscar  casamento  algum,  ou  de  cà,  ainda 
muilo  olTerecido,  aceitarem-o,  e  ao  depois  arrependerem-se,  experimer  - 
tendo  OS  enganos  da  facliadenta  bacherelice,  da  rìqueza  so  fingida,  da 
fantastica  nobresa  e  limpesa  talvez  pouco  conhecida:  deixem  pois  os 
Ilbeos  de  ser  jà  pombos,  nao  se  deixem  enganar,  là  fagao  os  seus  casa-» 
mentos,  ou  dentro  da  mesma,  ou  das  nove  llhas,  conservando-se  assim 
buns  aos  outros,  e  estimando  mais  serem  dos  primeiros  em  suas  terrn?, 
tao  nobrcs  e  tao  ricos,  do  que  serem  em  Portngal  lidus  ainda  em  me- 


360  HISTORIA  INSULANA 

nos,  ainda  que  s^gundos;  e  aìnda  de  iìdalgos,  quc  nem  quo  corner  tem 
alguns,  se  o  nao  furtarem. 

130  Quinta,  que  comtudo  devem  das  Ilhas  sempre  vir  muitos  at 
Portugal,  mas  so  a  servir  a  Deos.  ao  Rei,  e  às  Republicas,  e  nao  a  par- 
ticulares.  Por  servir  a  Deos  se  emende  o  vir  entrar  n'aquellas  Religioes, 
em  que  là  se  nao  entra;  estudar  nas  maiores  Universidades,  para  a  Deos 
servir  melhor;  e  dedicar-se  ao  cullo  de  tantas  mais,  e  maiores  Igrejas, 
quantas  ha  em  Portugal;  e  ha  vendo  occasiao  de  voltar  para  as  Igrejas 
das  suas  Ilhas,  acodir-lhes  comò  fez  o  exemplar  varao,  o  Doutor  Gas- 
par  Frucluoso.  Por  servir  ao  Rei,  se  emende,  virem  a  Portugal  a  ser- 
vir em  guerras  justas,  jà  de  terra,  jà  de  mar;  a  passar  ao  Maranhao,  a 
Angola,  ao  Brasil,  à  India  Orientai,  e  às  visinhas  pragas  de  Africa,  comò 
vìmos  que  fizeram  os  antigos  povoadores  de  taes  Ilhas,  e  com  so  animo 
prompto  de  servir  a  Deos,  e  adquirir  honra  licita,  e  nao  so  riquezas;  e 
entao  aìnda  estas  Ihes  darà  o  Senhor  libéralissimo,  e  o  voltar  tambem 
às  suas  Ilhas,  a  governal-as  e  honral-as.  Por  servir  fmalmeme  às  Repu- 
blicas, se  emende,  que  depoìs  de  estudarem  os  latins  e  Rhetorìca  em 
suas  Ilhas,  e  ainda  a  Filosofìa  e  Theologìa  Moral,  e  Escholastica,  e  gra- 
duarem-se  n'ella,  venhao  entào  a  Portugal,  à  Universidade  de  Coimbra, 
a  hum  e  outro  Direito,  e  à  Medicina,  e  ficarem  (os  que  puderem)  gra- 
duados  segundo  as  cadeìras,  até  os  maiores  postos  d*ellas,  e  os  omros 
vollarem  às  suas  Ilhas  a  ser  Minislros  n'ellas  e  acodir-lhes  em  ludo  co- 
rno devem,  e  corno  fizerào  seus  antepassados.  ^ 

131  D'estas  cinco  exhortacoes  parece  se  seguem  as  Propostas,  que 
0  nobilissimo  Senado  de  Angra,  e  osmais  das  outras  Ilhas,  cada  umem  o 
que  llie  pertencer,  devem  oITerecer  à  Mageslade  do  Serenissimo  Senhor 
Rei  de  Portugal,  e  por  està  Regia  via  à  Santidade  do  Summo  Pontifice 
do  todo  a  Igreja  Calholica,  e  offerecer-lh'as  com  toda  aquella  repetida 
inslancia,  em  que  ale  o  mesmo  Deos  quer  que  Ihe  pegamos  e  nunca  de- 
sistainos  de  Ihe  pedir  o  bem,  nem  desconfìemos  de  o  alcancar,  por  mais 
que  se  dilate  o  despacho  pertendido  que  sondo  justo,  sempre  (ou  mais 
Iarde,  ou  mais  cedo)  sahirà. 

132  A  proposta  primeira  deve  ser,  que  para  se  acodir  a  tantas,  e 
tao  dislantes  Ilhas  entro  si,  que  se  devem  crear  de  novo  n'ellas  deus 
Bispados,  hum  na  liha  de  S.  Miguel,  que  fique  com  toda  ella,  e  com  a 
liha  de  Santa  Maria,  e  o  segundo  Bispado  com  a  Uba  do  Faial,  e  se  es- 
tenda a  tres  ilhas  mais,  à  do  Pico,  à  das  Flores,  e  a  do  Corvo,  e  para 


LIV.  IX  GAP.  XIX  36  i 

isso  se  levante  a  ser  Cidade  a  grande,  nobre  e  rica  Villa,  que  é  cabeca 
do  Faiai  ;  e  que  o  antigo  Bispo  de  Angra  iìque  com  as  tres  lihas  vizi- 
nhas,  da  Terceira,  Sao  Jorge  e  Graciosa,  e  seja  de  novo  feito  Metropoli- 
tano Àrcebispo  de  todas  nove  Ilhas,  e  de  todas  se  fmalizem  n'ella  as 
causas  Ecclesiasticas  ;  e  (se  parecer  mais  conveniente)  se  Ihe  de  terceiro 
suffraganeo  o  Bispado  tambem  de  Cebo  Verde  ;  e  jà  acima  vimos  corno 
OS  dous  Bispados  de  novo  se  podem  sufiQcientemente  sostentar,  e  com 
decencia,  sem  de  novo  se  tirar  da  Fazenda  Beai  para  taes  Bispos  renda 
aiguma  ;  e  Sua  Beai  Magestade  he  que  em  consciencia  o  deve  assim  fa- 
zer,  pois  he  o  Grao  Mestre  da  Ordem  de  Christo,  que  tem  os  dizimos 
das  ditas  nove  Ilhas  ;  e  he  obrigado  a  Ihes  fazer  dar  os  Pastores  neces- 
sarios  a  tantas  mil  almas,  e  tao  invisìtaveis  por  bum  so  Pastor. 

433  A  segunda  proposta  pode  ser,  que  comò  estas  nove  Ilhas  estao 
expostas  ao  commercio  de  Hereges,  nagoes  estrangeiras,  que  para  se  Ihes 
nao  pegar  aiguma  heresia,  deve  haver  na  cabeca  d'ellas,  em  a  Cidade 
de  Angra,  e  no  Collegio  de  letras,  que  fundou  o  Senhor  Bei  D.  Sebas- 
tiao  com  tres  cadeiras  (de  latins  duas,  e  huma  de  Theologia  Moral)  de- 
ve haver  mais  outras  tres,  huma  de  Filosofia,  que  comece  e  acabe  cada 
tres  annos,  Sem  parar  anno  algum  ;  e  outra  Cadeira  d8  Moral  tambem 
e  a  ultima  de  Theologia  Especulativa,  para  que  com  estas  seis  Cadeiras 
(duas  de  latins,  huma  de  Filosofia,  e  tres  de  Theologia)  se  possao  for- 
mar, nao  so  na  Filosofia  Mestres  em  Artes,  mas  tambem  na  Theologia 
Licenciados  por  exame  privado;  mas  que  nao  tomem  là  o  Capelo,  e 
Boria  deDoutores  em  Theologia,  senao  so  em  Filosofia,  e  que  o  de  Theo- 
logia  0  venhao  tomar  a  Portugal,  pagando  meias  propinas  em  Evora,  ou 
em  Goimbra,  sem  fazerem  jà  mais  acto  algum,  e  so  mostrando  as  suas 
cartas  de  approva^ao  dos  gràos  antecedentes  tomados;  e  isto,  comò  jà 
mostràmos,  so  com  authoridade,  e  privilegios  de  S.  Magestade,  sem 
ordenados  da  Beai  Fazenda,  mas  com  os  que  para  isso  derem  là  nas 
Ilhas  OS  mais  zelosos  do  bem  commum  d'ellas,  conforme  aos  que  deo  o 
senhor  Bei  D.  Sebastiao,  de  seis  centos  mil  reis  cada  anno  para  sustento 
de  doze  Belìgiosos,  a  cincoenta  por  cada  hum,  do  Collegio  que  là  fun- 
dou. 

134  E  isto  n3o  so  o  Senado  de  Angra,  mas  tambem  o  seu  Ordi- 
nario, e  0  seu  Cabido  o  devem  pedir  instantemente,  para  segurarem 
assim  a  mais  pura  Fé  Catholica,  o  melhor  provimento  de  seus  Parochos, 
a  maior  authoridade,  e  sabedoria  do  seus  Conegos,  assentando  em  se 


362  HISTORIA  LNSULANA 

nao  prover  Dignidade,  ou  Conego,  ou  Parocho,  nem  BeneDciado,  sera 
ser  ao  menos  Filosofo  e  Theologo  approvado,  e  que  havendo  d'esles, 
se  nao  provejao  em  outrem,  e  ainda  a  estes  precedao  os  formados  em 
Direìto  por  Coimbra,  para  que  assim  haja  quem  taobem  às  maioresllDi- 
v^rsidades  de  Portugal  venha  e  baja  de  todas  as  ditas  nove  Ilhas  quem 
va  à  sua  Universidade  de  Angra  ;  e  o  seu  Prelado,  e  os  outros  Bispos 
de  Ilhas  tenhao  a  quem  consultar,  e  a  quem  se  Ihes  possao  sem  escru- 
pulo  propor  para  os  provimentos;  e  muito  mais  sendo  praxe,  e  estylo 
nao  se  prover  Benefìcios  das  ilhas,  senao  em  naturai  de  alguma  d'eilas- 

135  Proposta  terceira,  e  a  melhor,  he  bem  que  seja,  que  os  Sena' 
dos,  Bispos  e  Cabidos  pec3o  instantemente  a  El-Rei,  e  ao  Papa,  mandeoi 
logo  tirar  informacoes  Canonicas  das  santas  vidas,  emortes,  e  dasobras 
milagrosas  que  obrou  Deos  nesso  Senhor  por  aqueilas  illustres  pessoas, 
cujas  vidas  acima  escrevemos,  assim  de  S.  Miguel,  comò  da  liha  Tercei- 
ra,  e  forao  em  santidade  pessoas  muito  illustres,  e  de  todos  por  taes  ti- 
das  e  estimadas,  para  que  Sua  Santidade,  corno  Vigano  de  Christo  em 
a  terra,  jnlgando-o  assim  diante  de  Deos,  canonize  as  taes  pessoas,  e 
n'ellas  tenhao  estas  Ilhas  seus  proprios  Protectores,  e  defensores  conti- 
nuos,  e  se  aninem  os  naturaes  a  seguil-os  e  imital-os,  e  dar  n'elles  glo- 
ria a  Deos,  que  he  o  fim  porque  aindn  em  està  vida  quer  Deos  que  se 
se  canonizem  Santos;  e  por  mais  que  jà  lioje  se  gaste  em  a  celebridade 
de  Canonizafoes  de  Varoes  Santos,  a  tudo  facilmente  podem  acodir  taes 
Ilhas,  e  entao  Deos  e'os  Santos  acudirào  mais  por  ellas. 

136  Proposta  quarta,  que  queira  com  effeito  Sua  Magestade  nao  so 
conflrmar  o  antigo  governo  de  guerra  da  Ilha  Terceira  por  terra,  em  so 
OS  Capitàes  móres,  e  Senados  da  dita  Ilha,  mas  que  tambem  com  elTeito 
Conceda  aos  do  dito  governo  o  levantarem  de  novo  a  maritima  Junta  do 
Commercio,  na  forma  jà  apontada,  com  a  sobredita  Armada  de  sete  nàos, 
com  a  artelharia,  armas  e  milicias  jà  propostas,  e  tudo  debaixo  do  go- 
verno do  Capitao  mór  de  Angra,  Senado  da  Camera  e  Provedor  das  Ar- 
madas,  os  quaes  juntos  elejao  o  General  da  dita  Armada,  e  os  Capitàes 
de  mar  e  guerra,  e  Pilotos  móres,  e  depois,  quando  o  dito  governo  pe- 
los  seus  mais  votos  julgar  ser  necessario,  possa  suspender  o  General  da 
Armada,  e  substituir  outro  em  seu  lugar,  e  da  mesma  sorte  aos  Pilotos 
móres  e  Capilaes  de  mar  e  guerra,  sem  que  possa  haver  de  tal  governo 
appai lagào  ou  aggravo  para  Tribunal  algum  ;  mas  huma  so  replica  dos 
suspensos,  ou  depostos,  que  so  tres  dias,  depois  de  notiflcados,  tenhao 


LIV.  IX  GAP.  XIX  SGel 

para  replicar,  e  sena  com  isso  suspenderem  a  execaoSo,  excepto  caso  de 
sentenza  de  morte,  ou  talhameato  de  membro,  de  que  ordinariamente 
bavera  sospensiva  appellagao  para  o  Supremo  Tribunal  de  Guerra  de 
Lisboa,  ficando  o  condemnado  sempre  prezo;  sem  outro  ter  voto  em  tal 
materia,  nem  Corregedor  da  Comarca,  nem  Provedor  da  Fazenda  Real, 
nem  Mestre  de  Campo  do  Castello,  eie. 

137  Proposta  quinta,  que  seja  servido  El-Rei  nesso  Senhor  de  le- 
vantar  em  Angra,  e  jà  com  effeito,  a  Rela^ao  do  Civel  e  Crime,  para  se 
nao  destruirem  tantas  Ilhas  comò  as  nove  Terceiras,  em  virem  continua- 
mente a  Portugal  com  appella^ao  de  innumeraveis  causas,  sem  là  nas 
Ilhas  haver  Tribunal  em  que  se  fmalizem;  pois  maior  he  o  termo  das  di- 
tas  nove  Ilhas,  do  que  o  da  Relagao  do  Porto,  e  comtudo  neste  se  levan- 
lou  Relacao,  sendo  que  as  Partes,  desde  todo  o  seu  termo,  nem  passao 
raares  do  Oceano,  e  de  trezentas  legoas,  achando  primeiro  a  morte,  ou 
0  cativeiro  de  Mourama  em  tal  camìnbo,  de  que  cheguem  a  arrezoar  sua 
justiga;  nem  gastao  tanto,  em  por  terra  mudarem  sé  de  terra,  e  so  com 
0  alforge  feito  nella,  e  para  ella  tornarem  com  outro  semelhante,  e  sem 
perigos  maiores  :  por  isso  parece  necessario,  que  ainda  que  na  Belacao 
do  Porto  ha  limitada  algada  em  o  Civel,  e  no  Crime  nao,  (cousa  inintel- 
ligivel,  fazer-se  mais  caso  da  fazenda,  que  da  vida)  comtudo  na  Relagao 
das  Ilhas  parece  que  deve  ser  pelo  contrario,  e  que  a  al^ada  no  Civel 
deve  ser  multo  extendida,  e  multo  mais  limitada  em  o  Crime,  quando 
chegar  a  sen tenga  de  morte,  ou  talhamento  de  membros,  e  que  sempre 
se  appelle,  ainda  por  parte  da  justifa,  e  nao  execute,  sem  na  Relafao 
de  Lisboa  se  confirmar  a  sentenza. 

138  E  se  ainda  centra  isto  houver  Requerentes,  Procuradores,  Es- 
crivaes,  ou  alguns  outros  Ministros,  que  se  queixem  de  perderem  muito 
em  seus  offìcios,  faltando-lhes  os  salarios,  e  os  mimos  dos  litigantes  das 
Ilhas,  etc.  Responde-se  com  o  direito  naturai  dictante,  que  se  o  salario 
e  0  lucro  se  diminue  a  alguns  com  o  sobredito,  tambem  se  Ihe  diminue 
0  trabaiho,  e  sem  este  nao  he  justo  haver  aquelle;  e  assim  tambem  dos 
taes  queixosos  nao  bavera  tantas  queixas,  de  dilatarem  as  causas,  por 
a  tantas  nao  poderem  acodir  tao  brevemente.  Quanto  mais  que  a  natu- 
rai razao  dieta  tambem,  que  primeiro  se  ha  de  acodir,  e  mais  se  ha  de 
estimar,  ao  bem  commum  de  tantas  Respublicas,  do  que  este,  ou  aquelle 
a  sen  bem  particular.  E  se  alguem  instar  ainda,  que  ha  quasi  Irezentos 
annos  se  governarao  sem  tal  Relafao;  responde-se,  que  muitos  mais  an- 


364  NISTORIA  INSUIJLNA 

nos  se  govemou  Portugal  sem  a  Relac^o  do  Porto,  e  com  ludo  se  mei- 
teo,  e  as  Ilbas  de  antes  nao  erao  tSo  povoadas,  corno  ji  boje  o  sao  ;  • 
se  tal  instancia  se  admitisse,  nada  de  novo  se  emendaria,  por  se  nao 
mudar  o  antico  ;  o  que  he  absurdo  manifesto.  Veja-se  o  que  aeima  fica 
ji  apontado. 


FINIS,  LAUS  DEO, 


ALGinUS  NOTAS  E  ADDICAES 


flISTORIA  INSULINA 


DO 


PADRE  ANTONIO  CORDEIRO 


XA  PARTE  RELATIVA  A  ILHA  DA  MADEIRA 


l'UU 


A.  J.  U.  A. 


BREVE  INTRODUCglO 


De  lodos  OS  escriptos  do  Padre  Antonio  Cordeiro.  aquelle  que  prin- 
cipalmente faz  ainda  hoje  lenibrado  o  soii  nome  e  sem  duvida  a  clnsu- 
lana»  por  tractar  n'elle  dos  descobriraentos  feitos  pelos  Portuguezes  no 
occeano  Atlantico,  os  quaes  derao  maior  vulto  a  monarquia,  e  sao  uma 
das  mais  gloriosas  epocas  da  sua  liistoria. 

Este  assumpto  vasto  e  tao  arduo  para  as  forcas  d'um  so  Iiomem  ha- 
via  chamado  ja  a  attenevo  do  Padre  Gaspar  Fructuoso  na  obra,  a  que 
deu  0  titulo  — Descubriraenlo  das  illias,  ou  saudadcs  da  terra—;  a  qual 
iiào  veiu  ainda  a  luz  publìca,  nem  talvez  vira,  corno  tantas  outras  manu- 
scriptas,  que  jazem  no  pò  das  livrarias,  ou  de  todo  perdidas.  Porem  està 
obra  continba  materiaes  reunidos  sem  critica,  amontoados  de  genealo- 
gias,  em  quo  era  valente  o  seu  author,  e  lanfados  sem  ordera,  os  quaes 
exigiao  um  homem  d  outro  pulso,  e  capaz  de  escrever  uma  historia  se- 
guida  e  limpa  dos  muitos  defeitos,  que  por  ventura  o  mesmo  Gaspar 
Fructuoso  haveria  evitado,  se  Ilie  sobejasse  vida.  Tal  nao  era  o  Pa- 
dre Cordeiro  !  elle  nao  se  deu  a  este  trabalho,  nem  procurou  verid- 
car  os  factos  relatados  pelo  seu  antecessor  ;  anles  contentando-se  de  re- 
copilal-os,  comò  instino  fizera  a  historia  de  Trogo  Pompeo,  cahiu  nas 
mesmas  faltas  do  seu  originai  ;  e  a  Insulana  està  ainda  bem  longe  de 
perfeifao. 

Nao  pretendemos  com  ludo  chamar  a  um  exame  critico  a  obra  do 


3G8  BREVE  INTRODUCCÀO 

Padre  Cordeiro,  nem  tirar-lbe  o  valor;  antes  reconbecemos  que  a  mesma 
coDtem  cousas  uteis  e  muìtas  noticias  para  a  historia  das  ilhas.  0  dosso 
unico  intento  nas  poucas  notas,  que  agora  Ihe  ajuntamos  na  parte  rela- 
tiva a  Madeira,  é  rectiflcar  algumas  faltas  d'exac^ao,  e  declarar  outras 
menos  desenvolvidas,  abrindo  campo  para  ulteriores  ìndagacoes.  Àssim 
procuramos  d'alguma  sorte  pagar  um  pequeno  tributo  a  terra,  que  nos 
viu  nascer. 


A.  /.  G.  A. 


VIDA  DO  PADRE  ANTONIO  GORDEIRO 


EXTRAIDA  DA  BIBLIOTHECA  LUZITANA 


DO 


ABBADE  DiOGO  BARBOSA  MACHADO 


0  Padre  Antonio  Cordeyro  nasceu  na  cidade  de  Angra,  capital  da 
ìiha  Terceira  no  anno  de  1641,  sendo  o  sexto  e  ultimo  filho  de  Manuel 
Cordeyro  Moutozo,  e  "Maria  Espinosa,  os  quaes  descubrindo  n'clle  rara 
oomprehensao  e  agudo  engenho  o  mandaram  estudar  a  Goimbra  em  coni- 
panhia  de  seii  irmao  Fedro  (Cordeyro*  de  Espinosa,  que  depois  de  ser 
Doulor  em  Canones,  e  subsliluido  algumas  cadeiras  na  Universidade  de 
Coimbra,  foi  eleito  Deao  da  Bahia,  e  Commissario  da  Crusada  d'aquelle 
Eslado.  Ao  tempo  que  embarcado  buscava  no  anno  de  16S6  a  armada 
(le  Portugal,  de  (jiie  era  general  Antonio  Telles  de  Menezes,  encontrou 
a  de  Caslella,  donde  ficou  prisionoiro;  e  passados  dezeseis  dias  se  avis- 
lon  està  com  a  de  Inglaterra,  que  estava  a  vista  de  Cadiz,  e  depois  de 
iim  porfiado  combate  escapou  unicamente  a  capitania  castelhana,  na  qu'ji 
se  recolhen  a  Cadiz,  onde  foi  senlenciado  a  morte  por  ter  sahido  a  ter- 
ra som  licenca;  e  appellando  para  o  Duque  de  Medina-Celi,  capitam  ge- 
lai das  costas  de  Andaluzia,  comò  o  ouvisse  repetìr  com  summa  viveza 
e  agilidade  o  poema  de  Virgilio,  e  outros  livros  celebres  de  leltras  hu. 
manas,  admirado  da  feliz  memoria  e  rara  comprehensao,  que  em  annos 
lao  lenros  mostrava,  Ihe  deu  passaporto  para  Porlugal.  Chegando  ao 
Algarve,  corno  estivesse  inficionado  de  peste  este  reino,  passou  a  Setu- 
tuil,  onde  foi  prezo  e  obrigado  pelo  receio  do  contagio  a  fazer  quaren- 
tena.  Depois  de  ter  tolerado  tantos  infortunios  entrou  em  Coimbra,  em 
cuja  Universidade  se  malriculou  na  faculdade  de  Canones,  ouvindo  pri- 

24 


370  VIDA  DO  PADRE  ANTONIO  CORDfilRO 

meiramente  filosofla  no  collegio  dos  Padres  Jesuitas;  e  continuando  com 
genio,  este  estudo  Ihe  levou  maior  applica^ao  o  sagrado  instituto  dos 
niestres,  que  o  ensinavam,  até  que  resoluto  a  largar  o  mundo  se  alistou 
em  tuo  douta  Companbia  a  12  de  Junho  de  1G57.  Notavel  foi  o  pro- 
gresso, que  n'esta  palestra  fes  o  seu  talento  assim  nas  lettras  humanas 
e  faculdades  escolasticas»  das  quaes  comécou  em  Coimbra  no  anno  de 
1670  a  ser  mestre,  tendo  pelo  largo  espa(jo  de  vinte  annos  rhetorica,  fi- 
losofìa, tbeologia  especulatìva  e  moral  nao  sómente  em  Coimbra,  mas 
nas  cidades  de.  Braga,  Porto  e  Lisboa,  admirahdo  assim  os  domesticos, 
corno  OS  extranhos  a  novidade  das  suas  opiniSes  subtilmente  ventiladas, 
fì  nervosamente  defendidas.  A  estas  litterarias  occupagoes  succedcram 
outras  apostoiicas,  discorrendo  por  Viseu,  Pinbel,  Torres- Vedras,  todo 
0  Arcebìspado  de  Braga,  comò  missionario  por  obedecer  às  inst^ncias 
do  seu  Arcebispo  Primaz  D.  Verissimo  d'AIancastre,  chegando  aos  ulli- 
mos  instanles  da  vida  pela  violencia  do  veneno,  que  Ihe  deram  em  bum 
logar  deste  arcebispado,  de  que  escapou  quasi  milagrosamente.  Ja 
quando  a  idade  por  ser  provecta  o  dispensava  da  applicacao  do  estudo, 
corno  se  d'elle  recebera  novos  espirilos,  $e  occupava  em  escrevcr  diver- 
sns  materias,  humas  historicas,  outras  tbeologicas  e  juridicas,  com  que 
illustrou  0  seu  nome,  até  que  acabou  a  vida  no  collegio  de  Santo  Àn- 
lào  da  cidadc  de  Lisboa  a  2  de  Fevereiro  de  1722,  com  81  annos  de 
idade.  Entre  os  varòes  celebres  da  companhia  o  numera  o  Padre  Anlo- 
Ilio  Franco  na  Imagem  da  Virtude  no  novicindo  de  Coimbra,  tom.  2.  pa^'. 
()lti,  e  in  Synops,  onnaL  Socitt.  Jesu  in  Lusitan,  pag.  4tìi.  Impri- 
miu: 

Cursus  Philosophicus  Conimbricensis.  Ulyssiponc  ex  oflìcina  regali  Des- 
laiulesiana    1714.  fol. 

In  prcecipud  parliumD.  ThomoB  Iheologia  scholastica.  UlvssiponeapiiJ 
Jospplujm  Lopcs  Ferreira  Serenissimae  Reginae  Typ.  171G.  M. 

Historia  Insulana  das  ilhas  a  Portufjal  sojeilas  no  Occeano  occiden- 
tiìU  Lisboa  por  Antonio  Pedrozo  Galrao.  1717.  fol. 

Desta  obra,  corno  do  auctor,  fiìz  memoria  o  moderno  addicionador 
da  DiblioUi.  Occid.  de  Antonio  de  Leao.  tom.  2.  tit.  2.  col.  581. 

Iksùlu^des  thco'juridicas,  Lisboa  pelo  mesmo  impressor.  1718.  fol. 

Loreto  Lusitano,  Virgem  Senhora  da  Lapa  em  a  Provincia  da  Beira 
Bispado  de  Lamego  verdadeira,  e  puramente  de  novo  historiada.  Lisboa 
por  Filippe  de  Souza  Villela.  1719.  fol. 


N0TA8 


Liv.  2,  cap.  3,  num.  23 

Nao  consta  do  Periplo  de  Hanon,  que  elle  descobrisse  o  grupo  das 
Canarìas,  corno  diz  o  author.  Saindo  aqnelie  afouto  navegante  de  Car- 
thago  com  urna  armada  de  sessenta  vélas,  mandado  estabelecer  algumas 
colonias  nos  silios  mais  importantes  da  costa  occidental  da  Africa,  passou 
0  estreito  de  Gibraltar,  e  doìs  dias  depois  levantou  em  urna  vasta  piani- 
eie  a  cidade  de  Thymiaterion.  D'alli  dobrou  o  cabo  Siloé  (Bojador),  onde 
erigiu  um  aitar  a  Neptnno  ;  e  continuando  a  sua  viagem  de  circumnavo- 
gacOo  chegou  até  o  golfo  de  Guiné,  corno  sostenta  o  sabio  Bougainville, — 
Memoires  sur  les  découoerles  et  les  itablisstments  faits  le  long  des  còles 
dAfrique  par  Hannnn  (1);  ainda  que  outros  dem  menor  extensSo  a  està 
viagem.  Com  tudo,  qualquer  que  fosse  o  primeiro  descobridor,  nao  se 
pode  duvidar,  que  os  antigos  conbecessem  as  Canarias,  das  quaes  além 
de  Plutarco  na  vida  de  Sertorio,  e  Pomponio  Mela,  fazem  mencio  Se- 
hoso,  e  Juba  rei  da  Mauritania  em  tempo  do  imperador  Augusto  ;  os 
(]uaes  as  denominaram  Afortumdas  pela  excellencia  do  clima  e  vantagens 
oxageradas  do  seu  sólo.  Os  Arabes  tambem  tiveram  conhecimento  d*ellas 
cm  epoca  mais  cliegada  a  nós,  chamando-as  Elbard,  comò  pertende  Dn- 
per,  ou  Al'kaledat,  segundo  outros. 

Estas  nogoes  mais,  ou  menos  perfeitas  estiveram  perdidas  para  a  Eu- 
ropa depois  da  queda  do  imperio  romano  no  occidente  ;  e  so  desde  o 
principio  do  seculo  quatorze  comecaram  algumas  tentativas  para  esplorar 
0  grupo  das  Canarias.  Mas  a  gloria  d'està  descoberta  pertence  à  nacTio 

(t)  Memoir.  de  ì'Academie  des  Inicrìpl.  tom.  26  e  i8. 


372  NOTAS 

Vortugucza,  que  em  1341»  reinandoD.  Àffonso  IV,  enviou  alguns  navio^, 
que  saindo  de  Lisboa  descobriram  eslas  ìllias,  que  acharam  habitadas  de 
selvagens  indomitos;  e  por  esla  causa  nuo  llies  offerecehdo  interesse  al- 
gum  para  o  commercio  voltaram  a  Portugal.  Temos  uma  prova  desia 
viagem  na  Relagao  que  da  mesma  fez  o  famoso  italiano  Joao  Boccaceì, 
autlior  contemporaneo,  a  qual  foi  dada  a  estampa  em  Fiorenza  em  1837, 
com  0  tilulo: — Monumenti  cTwn  manoscritto  autografo  di  Mess.  Gioc, 
Boccacci,  trovati  ed  illustrati  da  Sebast.  Ciampi.  E  o  mesmo  confirma  a 
carta  de  D.  Aflbnso  IV,  escripta  de  Monle-mór  o  novo  ao»  14  de  Feve- 
reiro  de  1544,  em  resposta  ao  Papa  Clemente  VI,  que  dando  a  inresli- 
dura  do  reino  das  Canarias  a  D.  Joao  de  la  Cerda,  llie  pedia  auxilio  para 
o  mcsmo  as  conquistar.  Diz  aquelle  rei  na  refenda  carta,  que  se  acha 
em  Raynaldo,  continuador  do»  Annaes  de  Baronio,  anno  de  1344,  num. 
47  e  48,  que  mandara  navios  para  expiorar  a  siluacào  das  Ganarias,  «Oì» 
«quaes  voUaram  a  Lisboa  tradendo  algims  insulares,  anìmae»,  e  outros 
tfobjectos  tomados  a  forca,  e  que  a  elle  somente  pertencia  conquistal-as; 
«e  que  ludo  isto  era  publico  e  geralmenle  conbecklo.» 

Assim  nem  D.  Joao  de  la  Cerda,  neni  Joao  de  Benthecoort  descobri- 
ram as  Canarias.  Q  primeiro  obieve  somente  a  investidnra  com  o  titulo 
de  rei  de  Fortuni^  da  mao  de  Clenaerrte  VI,  ao5  15  de  Novembre  de 
1344  obrigando-se,  cohk)  feudatario,  a  pagar  ar>nuahnenle  a  Sé  Aposto* 
lica  400  florins  d'oiro  puro  do  pezo  e  cunho  de  Florenga  (1).  I^orein 
fallecendo  na  balalha  de  Croy  em  1346^  nào  conqui^ou,  nem  viu  ?* Ca- 
narias. 0  segundo  alcansando  da  rainba  D.  Callwrrin»,  regenle  do  reino 
(Ifi  Castella  por  interverifào  de  seu  tio  Roberto  de  Braquemont  a  per- 
missào  de  occupal-as,  pòde  com  Gadifer  de  la  Salle,  e  outros  avenlnrci- 
Yi)s  francezes  e  d'outras  nagoes  conquistar  algumas  d'ellas  dcsdo  1  lOi 
;tlé  i  iOo;  e  nao  tendo  recursos  para  as  conserva*-,  cedeu  de  lodo  o  domiuio 
m\  Favor  do  infante  D.Ilenriqne,  eretirou-se  para  a  iHia  da  .Madeira,  m- 
(le  llie  foram  dadas  muilas  terras,  e  possuiu  grande  coso,  qiK>  lierdaiain 
s(M»s  descendenles. 

Liv.  3,  cap.  l,  ni>ni,  21 

Os  escriptorcs,  que  fallaram  do  lastiniosa  fnn  de  Machim,  e  Anna 
d'Arfet,  convem  que  no  legar  das  sepulturas  dos  dois  amanles  estava 
escripta  a  rogaliva  feita  aos  cliristaos,  que  por  algum  caso  viessera  po- 
li) Uaynald.  Ann.  1311.  §  39. 


A  HISTORIA  liNSULANA  373 

voar  aquella  iiha,  de  levantar  n'aquelle  sitio  urna  egreja  a  Chrislo  Sal- 
vador. Outros  porem  accrescenlam,  que  foram  achados  dois  epitafios  so- 
bre  as  sepuiluras,  os  quaes  damos  aqui  para  satìsfacao  dos  curiosos. 

Epitafio  de  Anna  i'Arftt  feito  por  Roberto  Machim 

Hic  jacet  in  duro  veneranda  Britanna  sepulchro 

Anna  Harret,  gelidis  jam  bene  nota  piagis. 
Ilaec  reliquos  omnes  sprevit  generosa  Brilannos, 

Me  solum  sponsum  malit  habere  Machim. 
ileu  I  quos  vera  fldes  in  amore  ligaverat  uno, 

Fluctibus  ejectos  terra  inimica  capit. 
Hic  jacet  livens  calido  sine  sanguine  corpus, 

linde  mihi,  qua^  me  sic  amat,  uxor  erit. 

Epitafio  de  Machim 

Hoc  tumulo  Machinus  adest  expulsus  iniquis 
Casibus  a  patria,  crudeli  sorte  peremptus. 

Nao  afKin^amos  que  estes  epitafios  escriptos  em  metro  fossem  aclia 
dos  nas  sepuUuras;  todavia  nao  convimos  com  alguns,  que  ostentando 
de  criticos,  sem  provas  concludentes  negam  a  exislencia  d'este  facto, 
l'ara  prova  do  mesmo  bastaria  a  tradi^ao  nunca  interrompida  d*csde  a 
descoberta  até  o  presente,  corroborada  com  o  nome  de  Machico,  que 
corno  oulros  da  iIha,  teve  origem  devida  a  circumstancias  locaes.  Ac- 
cresce tambem  o  testemunho  dos  historiadores  Gaspar  Fructuoso  — 
Francisco  Alcaforado,  companheiro  de  Zargo,  qu'escreveu  a  Relacào  do 
descobrimento  da  Madeira,  em  presenta  da  qual  compoz  D.  Francisco 
Manoel  aEpanafora  amorosa;  —  e  o  Dr.  Manoei  Constantino»  nascido  no 
Funchal,  na  succinta  historia  sobre  a  sua  patria  dada  A  luz  em  Roma 
em  laOO.— E  se  tudo  isto  juiitamente  coni  a  erecgao  da  egreja  do  Sal- 
vador no  logar  das  sepulturas,  na  qual  se  conservam  ainda  restos  da 
cruz  de  cedro,  que  eslava  sobre  as  mesmas,  nao  se  deve  ter  em  conta 
de  argumentos  sufficientes  da  existencia  d'este  acontecimento;  ent5o  po- 
demos  duvidar  dos  factos  mais  bem  comprovados,  e  introduzir  o  pyrro- 
nismo  na  historia. 


374  NOTAS 

Lìv.  3,  cap.  5,  num.  24 

0  author  havia  dado  por  certo  no  liv.  3,  cap.  %  num.  5,  o  està- 
bcìecimento  da  colonia  do  Porto  Santo  em  1421,  oqual  precedendo  dois 
annos  à  descoberta  da  Madeira,  viria  està  a  ter  logar  em  1423.  Agora 
em  contradicgao  manifesta,  porém  com  melhor  acerto,  dà  a  este  desco- 
brimento  o  anno  de  1419,  no  que  convem  alguns  historiadores.  Outros 
assignam  o  de  1420,  à  primeira  chegada  de  Zargo  à  ilba;  e  no  seguin- 
te  a  vinda  do  mesmo  com  colonos  para  come^ar  a  povoal-a.  Està  epoca 
ìndicada  por  D.  Francisco  Manoel,  é  tambem  a  que  melbor  concorda 
com  OS  factos,  e  com  o  que  affirma  Luìz  de  Gadamosto,  mais  exactoem 
chronologia,  o  qual  saindo  de  Lisboa  em  1445  a  22  de  Mzvqo  em  uma  ca- 
ravela,  de  que  era  patrio  Vicente  Dias  de  Lagos,  e  aportando  à  illia  da 
Madeira,  diz:  «que  o  Infante  a  fizerapovoar,  ha  vinte  e  quatro  annos;  ha- 
vendo  vinte  e  sete  que  a  do  Porto  Santo  fora  descoberta..»  Primeira  Re- 
lacdo,  tom.  2.  da  Golleccao  de  Noticias  publicada  pela  Acad.  Beai  das 
Sciencias. 

Liv.  3,  cap.  6,  num.  34 

Joao  de  Barros  foi  o  primeiro,  de  que  temos  nolicia,  que  na  Deca- 
da  1.^,  liv.  1,  cap.  3,  fallou  d*este  incendio,  ao  qual  deu  sete  annosa 
dura^ao;  e  d'elle  principalmente  traz  origem  a  conflagra^ao  medonba  do 
arvoredo  da  Madeira,  que  ainda  em  nossos  dias  o  senhor  Eyriés  em  um 
pcqueno  artigo  sobre  està  ilba,  inserìdo  na  Encyclopedia  moderna  de 
Didot,  nào  duvidou  dizer,  que  servirà  aquelle  incendio  de  farol  ùs  em- 
barcagoes,  que  por  alli  passavam. 

Tal  conflagragao  nao  pode  admittir-se;  porque  se  existisse  por  sete 
annos,  comò  pretendem  estes  authores,  consumiria  todo  o  an^oredo  d'um 
solo  ainda  maior,  que  o  da  ilha.  0  que  nao  aconteceu  assim;  antes  cons- 
ta, que  setenta  e  dois  annos  depois  da  descoberta  pediram  os  colonos  a 
El-Rei  D.  Joao  II,qne  Ihes  conQrmasse  a  graga  de  cortar  madeiras,  que 
fora  concedida  por  seu  bisavò;  a  qual  obtiveram  por  carta  de?  de  Marco 
de  1493  com  reserva  semente  de  cedros  e  teixos  f3)- 

(3)  D*esta  caria  escripta  cm  Torres- Vedras  coDsta,  que  n'aqoelle  anno  tinba  chegado  a  Ili 
boa  Nuno  Cayado,  corno  Procurarìor  das  Camaras  da  Madeira,  a  solicitar  a  confirmacilo  da  roer 
ce  feiiaaos  colonos,  quando  vieram  povoar  a  ilba,  na  qual  dizia  D.  Joùo  1.  «E  nns  madeiras. 
c'paus,  lenbas,  malus,  ar?ores..,  psrlicular  algum  nfio  terà  dominio,  nera  direilo  por  titulo  al* 
«rgum:  porque  de  tudo  o  que  dito  é,  faco  mercè  aos  moradores  o  novos  poToadores  da  dita  iiba 
•GIÙ  rasàttì  de  a  birem  povoar,  e  deixàrem  terras  e  patrias. 


A  HISTOniA  INSULANA  37JJ 

Davida  porem  d'este  incendio  D.  Fraìicisco  Manoel  na  Epanafora 
amorosa  tìrada  da  RelaQao  d'Alcaforado;  o  que  é  signal  de  nao  baver 
irella  coisa  alguma  a  este  respeito;  e  o  Dr.  Manoel  Constantino,  nascido 
no  Funchal,  com  quanto  admilla,  que  o  mesmo  livesse  logar,  unicamente 
Ihe  dà  seìs  mezes  de  durac^o;  chamando  inconsiderados  quantos  disse- 
ram,  que  conlinuarà  por  seis  annos  està  conflagra(jao  (i).  Assira  diver- 
gìndo  OS  historiadores  em  circunstancias  de  tempo  e  logar,  fallando  do- 
camentos,  que  abonem  um  facto  tao  temerario,  se  por  ventura  existiu 
similhante  incendio,  de  que  nao  Cazemos  agora  questào,  nao  besitamos 
dizer,  que  fora  parcial,  e  de  pouca  extensao.  Veja-se  o  que  diz  o  author^ 
num.  36,  d'este  capitalo. 

Lìv.  3,  cap.  6,  num.  35 

A  egreja  da  Natividade  de  Nossa  Senhora,  que  pela  sua  situacao  se 
cbamou  do  calbao,  nao  foi  a  primeira  levantada  no  Funchal,  comò  diz  o 
aulbor,  seguindo  talvez  Joào  de  Barros  egualmente  inexacto  n*esta  parte. 
A  primeira  sera  contesta^So  alguma  era  a  de  santa  Catbarina,  construida 
de  madeira  pfeloZargo  com  as  casinbas  annexas,  que  Ibe  serviram  de  mo- 
rada  logo  que  cbegou  à  liba.  A  segunda,  que  o  autbor  ignorava,  foi  a 
egreja  dos  apostolos  S.  Fedro  e  S.  Paulo,  boje  denominada  deste  ulti- 
mo, onde  levantou  caza,  a  primeira,  que  se  diz,  fora  feita  de  pedra  e 
cai  ;  e  n*esta  liabitou  por  alguns  annos.  À  da  Natividade  era  a  terceira 
conìecada  em  1438,  quando  a  populagao  se  estendeu  mais  para  aquella 
parte  do  valle  junto  à  ribeira,  que  tomou  entao  o  nome  de  nossa  Se- 
iihora  do  Calbao  ;  cuja  egreja  foi  a  primeira  parocbia  na  donataria  do 
Funcbal.  Passou  o  Zargo  depois  para  o  alto  do  valle;  e  ali  ediQcou  urna 
casa  maìor  juntamente  com  a  egreja  dedicada  a  Conceigao  de  nossa  Se- 
nbora,  boje  do  mosteiro  das  religiosas  de  santa  Clara,  fundado  pelo  seu 
primogenito  do  mesmo  nome.  Em  quanto  viveu  o  mesmo  Zargo,  vinba 
0  vigarìo  alternativamente  celebrar  os  oflìcios  divinos  n'esta  egreja  que 
se  cbamava  de  santa  Maria  de  cima  em  rela^ao  a  da  Natividade,  que  leve 
0  nome  de  santa  Maria  debaixo. 


(4)    Hoc  aolem  iocendiooi  per  sex  conlinaos  mensei,  non  Terò  annos  ut  noonulli    parun 
coosiderate  et  dicero  et  scribere  ausi  suol. 


37G  NOTAS 

Liv.  3.  cap.  6,  num.  35. 

CONVKNTO  DE  S.  FRANaSCO. 

Os  religiosos  Franciscanos,  assim  os  que  acompanharam  Zargo,  corno 
aquelles  hespanhoes  naufragados  no  Porlo  Santo,  logo  quo  chegaram  ao 
Funchal,  reliraram-se  para  o  sitio  dos  ilheos;  onde  dispersos  viviam  co- 
rno eremitas,  e  so  vinhara  a  povoapao  para  exercer  funcQoes  do  minis- 
terìo  saccrdotal.  Onze  annos  depois  da  descoberta,  augmenlando-se  o  nu; 
mero  d'alias  com  alguns  mais  de  Portugal  e  Hespanha,  a  raaior  parie  lei- 
gos,  reunir3o-se  em  congregagao  no  hospicio  e  ermida  de  S.  Joao,  qae 
comecaram  a  ediflcar  em  1432  com'  algumas  esmolas  e  traballio  de  suas 
maos,  som  que  o  Zargo  fundasse  a  ermida,  corno  diz  o  aiilhor.  Està  com- 
munidade  constituida  de  puro  arbitrio  leve  a  sua  installagao  canonica  em 
1450  por  Bulla  de  Nicolao  Y.  de  28  d'Àbril  do  mesmo  anno.  Yeja-se 
Lue.  Wading.  Annal.  Min.  ann.  1450.  num.  38. 

Constava  està  de  nove  religiosos,  e  havia  succedido  a  Fr.  Pedro  de 
Covarrubias,  leigo  hespanbol,  que  era  o  superior  da  mesma,  oulro  egual- 
mente leigo  chamado  Fr.  Pedro  de  Zarga,  ou  Sarza,  quando  em  1459 
deixaram  os  religiosos  o  hospicio  de  S.  Joao,  e  seguiram  viagem  para 
Portugal,  chamados  por  El-Rei  U.  Alfonso  V.  S3o  csles  os  que  fundarara 
a  communidade  de  Xabregas;  e  os  proprios,  que  Oguram  na  acceilacào, 
do  Convento  doado  a  ordem  Franciscana  pela  Condessa  D.  Guiomar  por 
cscriptura  de  17  d'Abril  de  1460.  Assini  tambem  nao  vieram  cstespara 
0  convento  de  S.  Francisco,  comò  diz  o  aulhor. 

Passados  quinze  annos  chegou  à  illia  Fr.  Rodrigo  da  Arruda  com 
alguns  religiosos  Franciscanos  todos  Portuguezes;  o  qual  inslaurou  a 
communidade  no  mesmo  hospicio  de  S.  Joao  em  virlude  d'ura  Breve  de 
Sixto  IV.  de  27  d'Abril  de  1476.  Esle  aprovoitando-se  das  boas  dispo- 
sigoes  do  povo,  que  desejava  os  religiosos  proximos  a  villa,  cuidou  logo 
de  levanlar  um  convento  sobre  terreno  pertencente  a  Clara  Esleves,  que 
0  Itavia  vinculado  em  seu  testamento,  chamando  para  adminìstrador  do 
vii  ii  )  Joao  do  Porto.  Foi  estc  subrogado  com  licenza  da  infanta  D.  Dri- 
tta ,  'omo  governadora  de  seu  filho  D.  Diogo;  e  cederam  os  religiosos  o 
liooì'icio,  cerca  e  urna  casinha  em  S.  Joao  em  troca  d'aquelle  terreno  por 
escriptura  de  20  d'Oulubro  de  1479,  obrigando-se  aleni  d'isto  a  celebrar 
urna  missa  cantada  todos  os  annos  em  dia  de  todos  os  sanlos.  Jorge 


À  HISTORU  INSULANA  377 

Cardoso  no  Agiologio  Lusitano  a(lribue  erradamente  a  funda^o  do  con- 
vento a  Clara  Esteves,  no  qual  nao  leve  a  mesnaa  parte  alguma,  por  sei*  jà 
fallecìda,  e  o  contracto  celebrado  com  o  administrador.  Ck)m  egual  ine- 
xactidao,  diz,  que  fora  està  a  prìmeira  casa  da  ordem  Franciscana,  fun- 
dada  onze  annos  depois  do  descobrimento:  d'onde  se  \%  que  confundiu 
0  hospicio  de  S.  Joao  com  o  convento  de  S.  Francisco,,  dando  a  este 
urna  antiguidade,  quo  Ihe  nao  competia,  nem  concorda  com  os  docu- 
mentos  apontados(5). 

Conseguido  assim  este  terreno,  que  posteriormente  teve  maior  in- 
cremento com  a  grande  horta.  que  deixara  em  testamento  U aria  d'Àthou- 
guia,  levantou  Fr.  Fedro  d'Arruda  a  egreja  dedicada  às  cbagas  de  S. 
Francisco;  e  deu-se  tanta  pressa,  que  em  menos  de  dois  annos  se  acha- 
vam  preparadas  acommoda^oes  para  nove  religiosos,  de  que  se  compu- 
nha  a  communidade,  os  quaes  passaram  para  o  novo  cx)nvento.  A  egreja 
foi  sagrada  a  4  de  Maroo  de  1554  por  D.  Sancbo  de  TruxìUo,  Bispo  de 
Marrocos,  que  vindo  dasCanariasexercia  no  Funchal  func^^esepiscopaes; 
0  muito  augn^enlada  em  1578,  sendo  guardilo  Fr.  Diogo  Nabo;  que  fez 
tambem  muitas  obras  no  convento  com  esmolas  do  pòvo  e  donatìvos  de 
alguns  bemfeitoresf  aos  quaes  deram  os  religiosos  capellas,  que  Ihes  ser- 
viram  de  jazigo,  e  aos  seus  parentes.  D'està  egreja  assim  acrescentada, 
trata  o  author  no  cap.  7.  num.  43,  dizendo;  que  continba  oito  capellas 
fura  0  aitar  mor,  a  qual  foi  demolida  em  1780,  para  no  mcsmo  logai^ 
se  ediflcar  o  grandioso  tempio,  que  dez  annos  depois  se  abriu  ao  culto 
liublico,  conservando-se .0  aniigo  numero  de  capellas,  algumas  das  quaes 
foram  ricamente  acabadas  pelos  respectivos  patronos.  Depois  da  suppres- 
sAo  das  eommunidades  religiosas  em  Portugal  o  governo  deuo  convento 
a  municipalidade;  e  hoje  n3o  existe  d'elle,  nem  da  mesma  egreja,  senao 
0  solo,  que  occupava,  e  a  memoria  recente  do  que  foi.  Este  magestoso 
tempio  se  fazia  notavei  por  conter  os  restos  mortaes  da  mais  antiga  e 
distincta  nobreza  da  ilha. 

Alem  d'està  caza  principal  e  cabeca  da  ordem  Franciscana  na  Madeira 
havìam  mais  tres  conventos,  e  um  hospicio  no  legar  da  Ribeira  Brava, 
que  com  o  mosteiro  das  religiosas  de  Santa  Clara  formavam  a  custodia 
de  Santiago  menor,  separada  da  Provincia  de  Portugal,  e  sujeila  imme- 
diatamente a  Sé  Apostolica  d'esde  0  de  Maio  de  1688,  em  que  foi  cele- 
brado 0  capitulo  para  eleigao  d'um  Custodio  Provincial. 

(5)   Aglol.  Lus.  Gomionieat.  a  14  de  Ilario. 


378  NOTAS 

CONVENTO  DE  8.  BERNARDINO. 

Para  levar  ordem  nas  materias  tratamos  em  seguida  do  Convento  de 
S.  Bernardino,  de  qoe  falla  o  author  no  capituio  7.  num.  47 — declaran- 
do  sómente  o  logar,  em  que  o  mesmo  estava  sitoado,  e  o  numero  dos 
seas  moradores.  Acrescentamos  alguns  esclarecimentos  succinlos  sobre 
està  caza,  qiie  teve  grande  nomeada  devida  principalmente  a  um  religioso 
por  nome  Fr.  Fedro  da  Guarda,  que  alli  falleceu  em  opiniao  de  santi- 
dade,  cbamado  vulgarmente— Servo  do  Deos. 

Fuodou  este  pequeno  convento  Fr.  €il  Carvalbo,  que  chegou  à  Ma- 
deira quando  acabaram  de  sabir  para  Lisboa  os  réligio^s,  qoe  occupa- 
vam  0  bospicio  de  S.  Joao.  Desejando  o  mesmo  viver  em  logar  deserto, 
comò  eremita,  levantou  urna  pequena  celia  com  dois  cubiculos,  em  que  ha- 
bitavam  JoSo  AflTonso  e  Martinho  Affonso,  que  esmolavam  para  sustenta- 
^ao  d'elle.  Joào  Affonso  Correa,  Escudeiro  do  infante  D.  Benrique,  e  sua 
mulber  Ignez  Lopes,  tronco  das  farailias  dos  Correas,  Ibe  doaram  o  ter- 
reno, onde  Sd>erìgiu  o  convento,  cercado  d*um  lado  pela  ribeira,  e  do 
outro  por  urna  rocha,  beni  proprio  para  o  genero  de  vida,  a  que  se  de- 
dicara.  Porem  passados  alguns  annos  se  uniram  a  elle  alguns  rdigiosos, 
que  formaram  communidade.  Como  superìor  d*esta  flgurou  no  protesto,  que 
fizeram  os  religiosos  a  28  de  Janeiro  de  1479.  para  nao  reconhecerem  o 
Provincial  de  Lisboa.  Passados  vinte  annos  entregou  Fr.  Gii  o  gover- 
no da  caza  a  Fr.  Jorge  de  Souza,  que  muito  a  engrandecea,  edificando 
a  egreja,  que  estava  arruinada  pela  enchente  da  ribeira,  em  parte  mais 
livre  d'inundacao,  e  instaurando  um  verdadeiro  convento  com  faculdade  do 
Cerai  da  Ordem.  A  capella-mor  foi  fundada  por  Ruy  Mendes  de  Yascon- 
celios,  filbo  de  Martim  Mendes  de  Vasconcellos,  e  d  Helena  Gongaives, 
filha  do  Zargo,  e  por  sua  mulher  Isabel  Correa,  Alba  dos  doadores  daquelle 
terreno.  Joao  Bittancourt  de  Vasconcellos,  noto  do  fundador  da  mesma 
capella,  e  padroeiro  d'ella  no  seu  testamento  approvado  a  12  de  Dezem- 
bro  de  1607  vinculou  a  terga  dos  seus  bens  para  acudìr  és  necessidades 
dos  religiosos. 

Era  està  egreja  muito  frequentada  por  devotos,  que  de  teda  a  illia 
vinham  em  romagem  principalmente  no  primeiro  de  Novembre  e  dias  se* 
guintes  visitar  a  sepultura  de  Fr.  Fedro  da  Guarda,  que  fallecera  n'este 
convento  em  opini3o  de  santidade.  Era  elle  naturai  do  Bispado  da  Guar- 
da, nascido  na  mesma  cidade,  da  qual  traziaf  o  cognome,  em  1435; 


A  HrSTORU  INSTLANA  37& 

contava  jà  vìnte  annos  de  professo  na  observancia  de  S.  Francisco,  em 
qualidade  de  leigo,  quando  chegou  à  Madeira  em  1485,  atlraliido  pela 
fama  da  vida  austera,  em  que  viviam  na  ilba  os  religrosos  da  mesma  or- 
dem.  Procurou  entao  este  convento  por  mais  distante  da  cidade,  e  n'elie 
acabou  a  27  de  Juiho  de  1505.  Asmaravilbas  alcan^adas  por  sua  inter- 
cessilo, e  authenticadas  em  processos  feitos  pela  competente  authoridade 
ecclesiastica  para  veriflca^So  das  mesmas,  constam  daobra  impressa  em* 
Napoles  em  1626,  quando  se  tratava  da  beatìflca^ao  do  servo  de  Deos. 
Àlem  d'està  obra  podem  os  curiosos  consaltar  Fr.  Harcos  de  Lisboa, 
Bispo  do  Porto,  Cbronica  da  Ordem  dos  Frades  Menores,  Part.  3,  liv. 
9,  cap.  31;  Jorge  Cardoso,  Agiologio  Lusitano  no  Gomment.  ao  dia  11 
de  Fevereiro,  let.  ((.)  o  Uartyrologio  Franciscano  no  dia  27  de  JuIho,  e 
Fr.  Fernando  da  Soledade,  Hist.  Serafica,  Parte  3,  liv.  2,  cap.  12.  Està 
egreja  depois  da  suppress9o  das  communidades  religiosas  està  profanada 
e  em  ruinas;  e  até  com  arrojo  temerario  se  procurou  extinguir  os  mo- 
Dumentos,  que  perpetuavam  a  memoria  do  mesmo  servo  de  Deos. 

CONVEiNTO  DE  NOSSA  SENHORA  PA  PIEDADE  NA  VILLA  DE  SANTA  CRUZ 

0  terceiro  convento  Franciscano  pertencente  &  mesma  custodia  està* 
va  situado  na  \illa  de  Santa  Cruz,  que  autigamente  formava  parte  da  do* 
Dataria  de  Macbico.  Era  padroeira  d'esla  caza  e  ^eja .  a  familia  Lomel- 
lino;  cujo  progenitor  Joao  Baptìsta  Lomellini  tinba  chegado  a  Madeira 
com  seu  ìrm3o  Urbano  em  1476.  Ambos  genoveses,  e  descendentesdos 
Marquezes  Lomellini,  que  entravam  no  numero  das  vìnte  oito  familias, 
que  compunham  o  anligo  senado  de  Genova,  vieram  recommendados  pe* 
la  infanta  D.  Brites  em  carta  escripta  à  camara  do  Funchal.  Fez  assento 
em  Santa  Gruz  Urbano  Lomellini,  onde  comprou  muitas  terras;  e  casan- 
do  com  Joanna  Lopes,  naturai  de  St.  Anna,  da  qua!  n3o  teve  filbos,  deu 
principio  a  este  convento  da  invoca(^o  de  Nossa  Senbora  da  Piedade. 
Fallecendo  em  1518  vincnlou  osseusbens  chamando  para  administracao 
d'elles  seu  sobrìnbo  Jorge  Lomellini,  e  sua  descendencia;  o  qual  concluiu 
as  obras,  corno  determinava  o  insUtuidor  em  seu  testamento  com  en- 
cargo  tambem  de  fazer  todos  os  reparos,  e  sostentar  seis  religiosos,  quan* 
do  Ihes  faltassem  as  esmolas.  Foram  bemfeitoras  d'està  egreja  a  mesma 
Joanna  Lopes  e  sua  mae  Isabel  Correa,  asquaes  ediflcaram  ;a  capella  de 
St.  Anna,  que  serviu  de  capitulo  da  oommunidade,  onde  jazem  sepulta* 


380  NOTAS 

das.  Falleceu  Jorge  Lomelitni  a  0  de  Dezembro  de  1548,  e  foì  sepolta- 
do  na  mesma  egreja  do  convento;  o  qual  se  acba  hoje  em  poder  do  ar 
tual  administrador  jiintamente  com  a  egreja  e  cerca. 

MOSTeiRO  DAS  RELIGIOSAS  DK  SANTA  CLARA 

Para  nSo  interromper  a  ordem  da  fonda^ao  das  principaes  cazas  re 
Ifgiosas  da  iiha  tratamos  agora  do  mosteiro  de  Nossa  Senhora  da  Con- 
ceigio,  titular  da  egreja  ediflcada  pelo  mesmo  Zargo,  que  por  algum 
tempo  se  denominava  da  ConceìcSo  de  cima,  corno  dissemos.  D'elle  falla 
6  P.*  Cordeiro  n'este  numero  3t  e  segunda  vez  no  cap.  7,  nqm.  44. 

ìi  nos  ultimos  dias  do  Zargo  o  augmento  da  populacao  fazia  sentir 
a  fatta  d'urna  caza,  onde  se  recolhessem  algumas  fllhas  das  familiasdis- 
tinctas,  que  pertendiam  dedicar*se  à  vida  religiosa.  JoSo  Gongalves,  qoe 
succederà  a  seu  pae  na  donataria,  e  tinha  saldo  para  o  reino  com  duas 
fllhas,  que  professaram  no  convento  da  ConceicSo  de  Beja,  cuidou  logo 
de  pedir  faculdade  para  edificar  um  mosteiro  de  religiosas,  que  seguis- 
sem  a  regra  de  St.  Clara;  a  qual  Ihe  foi  concedida  por  Breve  de  Sixto 
IV,  de  4  de  Maio  de  1476.  Passados  quinze  annos  semdar  princìpio  aos 
trabalhos,  impetrou  El-Rei  D.  Manoel,  ent3o  Duque  de  Beja,  a  mesma 
faculdade,  que  alcanfoude  Innocencio  Vili  por  Breve  de  I  de  Fevereiro 
de  1491;  o  que  nao  levou  a  efifeito  por  haver  entao  o  donatario  come- 
C^ado  a  apromptar  materiaes  para  o  novo  edificio,  que  levantou  em  1492, 
unido  a  egreja  erecta  por  seu  pae.  Achava-se  no  reino  em  1493,  quan- 
do se  concluiu  a  obra  por  diligencias  de  sua  filha  D.  Constanga  de  No- 
ronha;  e  n'aquelle  mesmo  anno  obteveoutro  Breve  de  Alexandre  VI  do 
1.®  d'AbriI,  concedendo-lhe  o  padroado  com  todos  os  direìtos  honorift- 
cos,  e  licenQa  para  trazer  do  mosteiro  de  Beja  sua  filha  D.  Joanna  para 
0  cargo  de  Abbadess?),  e  quatro  religiosas  mais,  qiie  constituirìam  a 
nova  communidade,  sujeita  ao  guardiao  do  convento  de  S.  Francisco. 
Chamavam-se  estas  D.  Joanna  d'Albuquerque,  D.  Maria  de  Mello,  Anna 
Travassos,  e  Maria  Pessanha,  que  chegando  todas  a  Madeira,  passados 
poucos  dias  fizeram  a  sua  enlrada  solemne  em  um  domingo  5  de  No. 
vembro  do  dito  anno;  e  no  mesmo  dia  vestiram  habito  religioso  tres  fi- 
Uias  do  fundador  e  outras  donzellas  nobres  das  familias  da  ilha. 

Constituida  assim  a  communidade  floreceu  està  tanto  na  piedade  e  ob- 
servancia  regular,  que,  apenas  conlava  quarenta  annos  d'existencia,  ja 


A  IIISTORIA  INSULANA  381 

da  mesma  saliìam  para  Lisboa  nove  religiosos  a  firn  de  fondar  o  mos^ 
teiro  da  Esperanca,  que  tinba  erigido  D.  Isabel  de  Mendanha  em  urna 
quinta  no  silio  da  Boa  Vista.  Nao  estavam  ainda  concluidas  as  obrasf 
quando  ^  mesmas  chegaram  a  25  d'Oaiobra  de  4535,  e  por  isso  se  re- 
colheram  no  convento  das  Franciscanas  de  Sanlarem;  e  d*alli  voltaram  em 
AbriI  do  anno  seguinte,  em  quo  leve  principio  està  communidade,  sen- 
do  sua  prelada  Ignez  de  Deus,  urna  das  que  vieram  do  Funchal  com 
duas  fllhas  de  D.  Joanna  d  E^a,  e  de  Fedro  Gongalves  da  Camara,  neio 
do  Zargo.  Dois  annos  depois  chegou  a  mesma  D.  Joanna  com  sua  ter- 
ceira  filha  religiosa  D.  Filippa  de  S.  Antonio,  e  outra  companheira  mais, 
que  entraram  no  mesmo  mosteiro,  onde  se  achava  tambem  sua  mac, 
quando  Toi  cbamada  para  camareira-mór  da  rainha  D.  Catharina. 

0  author  nao  tinba  conbecimento  exacto  a  aste  respeito;  e  por  isso 
fallando  do  mosteiro  de  S.  Clara  no  cap.  11.  Liv.  3.  num.  76.  diz:  quo 
D.  Joanna  de  Sa  cazira  com  Fedro  Gongalves  da  Camara,  eque  està  era 
filba  da  Camareira  mór  da  rainba.  Porem  U.  Joanna  nao  tinba  o  cogno- 
me de  Sé,  mas  o  de  E^a,  que  era  tambem  ode  sua  maeD.  Maria;  e  nao 
foi  està»  mas  a  Ciba  quem  exerceu  o  cargo  de  Gamareira-mór,  comò  diz 
D.  Antonio  Caetano  de  Scasa,  na  Historia  geneal,  bv.  13,  §  4,  num.  l'i 
e  13.  Assim  tambem  foram  nove,  e  nao  duas,  comò  accrescenta  o  au- 
tbor,  as  reiigìosas  que  vieram  da  Madeira  para  fundar,  e  nao  reformar 
a  communidade  das  freiras  da  Esperanga. 

Alem  d  estas  nove  sabiram  do  mosteiro  de  S.  Clara  outras  duas  reii- 
gìosas mais  pari'^  Abbadessas  e  mestras  das  communidades  iustituidaiir 
posteriormente  na  mesma  cidade  do  Funclial.  Foi  urna  d  ellas  Clara  de 
S.  Bernardo  para  o  mosteiro  de  N.  Senbora  da  EncarnafTio,  qiie  furulàra 
0  conego  Henrique  Calassn,  naturai  (la  ìlba  do  Porto  Santo.  Era  anies 
um  Uecolbimento  de  lerceiras  de  nossa  Senbora  do  Carmo,  que  o  funda- 
dor  queria  que  professassem  a  reforma  de  St.  Tberesa  com  alguma  mo- 
(lifìcacao  accomodada  as  circumstancias  locaes.  Porem  nao  podendo  con- 
seguir està  gra^a,  impetrou  do  Papa  Innocencio  X  faculdade  para  s^ui- 
rem  a  segunda  regra  de  S.  Clara  com  sujeigao  ao  Prelado  Diocesano.  E 
assim  teve  principio  està  communidade  religiosa  aos  14  dWbriI  de  1G60, 
em  que  cbegou  a  nova  Abbadessa,  e  no  mesmo  dia  vestiram  babito  to- 
das  as  recolbidas, 

A  outra  religiosa,  que  deixou  o  mosteiro  de  St.  Clara  foi  Branca  de 
Jesus,  que  em  1667  veiu  estabelecer  a  communidade  de  Nossa  Senbora 


382  NOTAS 

(las  Mercés  em  um  recolbimento  de  beatas,  que  tinba  fundado  junlo  é 
sua  caza  Gaspar  Berenguer  de  Andrade»  e  saa  malber  D.  Isabel  de  Fran. 
Ca,  no  qual  vivìam  reunidas  as  mesmas  devotas  dirìgidas  pelos  Padres 
da  Companhia  de  Jesus  desde  o  aniio  de  1652.  Obteve  o  fuudador  Bre- 
ve da  Sé  Apostolica,  e  licenza  regia,  que  Ihe  foi  dada  por  D.  Affonso 
VI,  com  0  direito  de  padroado,  que  fìcaria  anuexo  ao  admiuistrador  do 
morgado  do  Lombo  do  Doutor  na  villa  da  Calheta,  obrìgado  a  dotar  o 
raòsteiro  com  cento  e  sessenta  mil  réis  em  cada  um  anno,  pouco  depois 
elevada  a  maior  quantia.  Seguem  estas  relìgiosas  a  regra  das  filhas  po- 
bres  de  S.  Clara;  e  estam  sujeitas  ao  Bispo  Diocesano. 

Liv.  3,  cap.  7,  num.  40 

Segundo  as  cartas  geographicas  mais  exactas,  e  principalmente  na  ul- 
tima tirada  pelo  major  de  engenheiros  Paulo  Dìas  d*Atmeida  a  longitude 
da  Madeira  tomada  desde  a  Ponte  de  S.  Lourenco  atè  à  Ponte  do  Pargo 
è  de  9  e  meta  leguas  portuguezas,  ou  32  e  um  quarto  milbas  geometri* 
cas:  e  em  largura  desde  o  Porto  da  Cruz  até  o  de  S.  Jorge  tem  12  mi- 
ibas  geometricas.  Porem  Johnston  na  sua  carta  geohydrograpbica  publi- 
cada  em  1790,  dà  à  Madeira  seis  milbas  mais  em  longitude  calculada  so- 
bre  OS  mesmos  pontos;  e  12  e  meia  em  largura.  E  conforme  a  este  ul- 
timo a  illia  vem  a  ter  em  circumferencia  96  milbas  geometricas,  que  è 
a  mesma,  que  llie  dà  F.  E.  Bowdich,  Excursians  dans  les  iles  de  Made- 
re  et  de  Porto  Santo. 

Liv.  3,  cap.  7,  num.  41 

A  cidade  entre  os  dois  ponlos  do  Corpo  Santo,  e  S.  Lazaro  nao  tem 
a  extensao,  que  Ihe  dà  o  author;  e  dentro  d'estes  extremos  està  cortada 
nao  por  duas,  mas  por  tres  ribeiras,  que  sao  a  de  Nossa  Senbora  do  Ca- 
Ihào,  ao  nascente,— a  de  S.  Lazaro  ao  poente, — e  a.deS.  Luzia  no  cen- 
tro, assim  chamada  por  banbar  os  limites  d'està  parocbia;  e  nSo  porque 
venba  d'um  alto,  em  que  estava  a  ermida  da  santa.  Està  ribeira  unica, 
que  corre  abundante  no  caler  do  estio,  vem  d'urna  elevada  monlanha, 
d'onde  sabe  a  agoa  formando  urna  grande  cascata  em  altura  de  quasi 
300  pés  com  tao  grande  ruido,  que  se  ouve  em  distancia  d'um  quarto 
de  milba.  Poucos  dos  estrangeiros,  que  visitam  a  ilha,  e  nao  muitos  dos 


A  HISTOniA  INSDLANA  383 

naturaes  podem  gozar  d*e3te  bello  espectaculo  da  natureza,  pcyr  ser  ne- 
cessario seguir  0  ieito-da  torrente,  saltando  sobre  grossas  pedras  entre 
grandes  massas  de  bazalto. 

Liv.  3,  cap.  7,  num.  43 

A  egreja  de  S.  Bartholomeu,  hoje  arruinada  e  profanada,  nunca  Tez 
parte  do  collegio  dos  Jesuitas,  e  era  anterior  a  existencia  da  Companhia 
de  Jesus.  Tinba  sido  ediQcada  por  Goncalo  Anoes  de  Vellosa,  naturai  de 
Celorico,  escudeiro  do  infante  D.  Fernando;  o  qual  fundou  junto  à  mes- 
ma  egreja  um  Hospicio  para  clerigos  pobrea.  Falleceu  em  1497,  e  jaz 
sepultado  na  dita  egreja  Instituiu  em  vineulo  a  terca  de  seus  bens,  im- 
pondo-lhe  a  pensao  d'urna  missa  rezada  todas  as  sextas  feiras  pela  alma 
do  mesmo  infante.  0  Hospicio  nunca  foi  habitado  por  clerigos  pobresse* 
gundo  a  sua  institui^ao;  e  por  muitas  vezes  serviu  de  asylo  aos  missio- 
narios,  que  passavam  para  a  India.  Os  Jesuitas  ostiveram  n'elle  em  quan- 
to se  nuo  concluiu  o  collegio^,  e  famoso  tempio,  cujo  titular  era  S.  Joao 
Evangelista,  de  que  tractaremos  no  cap.  14,  d*e$to  iiv.  3,  num.  92. 

Liv.  3,  cap.  7,  num.  43 

0  clima  da  Madeira  n9o  menos  que  as  vantagens.  que  ofTerecia  urna 
nova  colonia,  attrahiu  a  ella  grande  numero  d'estrangeiros  de  diversas 
nacionalidades,  que  vieram  concorrendo  a  proporgSo,  que  os  seus  gene- 
ros  preciosos  do  assucar  e  do  vinho  fomentavam  o  commercio  em  maior 
escala.  Todavia  nem  todos  exerceram  està  profissao,  entre  os  eslrangei- 
ros  mais  considerada  ainda,  do  que  entre  nós  n'aquelle  tempo;  e  alguns 
tomaram  terras  de  sesmarias,  ou  compraram  outras,  com  que  institui- 
ram  grandes  cazas,  que  conservam  o  seu  nome  ale  hoje,  e  coustituem 
familias  nobres  na  ilha.  Alguns  d'cstes  no  seu  mesmo  paiz  pertenciam  à 
classe  da  nobreza,  que  os  reis  de  Porlugal  reconlieceram,  e  Ihes  derani 
fòro  e  brazao  d'armas.  Aqui  apresentamos  um  trabalho  feito  sobre  o  No- 
biliario  de  Henrique  Henriques  de  Noronha,  socio  da  Academia  d'IIisto- 
]  ìa  Portugueza,  e  algumas  memorias  e  escriptos  de  bons  genealogicos, 
que  podemos  obter,  deixando  de  fazer  men^Sio  d'algumas  familias  hoje 
oxtinctas,  ou  das  quaes  nao  alcan^amos  noticia.  Seguìmos  a  ordem  alfa- 
betica,  e  indicamos  a  epoca,  em  que  consta  de  docamentos,  que  elles 
estavam  na  Madeira. 


38  &  K0TA8 

lo  13  Aciauoli-SimAo.  descendenle  por  varonia  dos  anligos  Duques  de 
Athenas»  era  fllho  de  Zenobio  Acciaouli,  a  qaem  o  imperador  Car- 
los  Y  concedefu  grandes  privìlegios,  e  naturai  de  Florenca,  Jaslifì' 
cou  a  sua  filiamo,  e  nobreza.  corno  fez  constar  d'urna  certidaopas- 
8ada  pelos  Prìores  da  liberdade,  e  obteve  brazao  d'armas  n'esto 
rcino  em  1329.  Construiu  a  capella  de  Nossa  Senhora  daPiedade, 
que  sen*iu  de  capitalo  no  convento  de  S.  Francisco;  e  instituino 
morgado  denominado  de  Nossa  Senhora  do  Payal.  Falleceu  a  13 
de  Fevereiro  de  151  i;  e  jaz  na  sobred^  capella  com  suamulher 
Maria  Pinientel.  Seu  fllho  Zenobio  Aciauoli,  e  saccessor  do  vin- 
culo  ediflcou  tambem  a  ermida  de  Nossa  Senhora  do  Fayal,  em  urna 
quinta  sua  acima  da  cidade  na  parochia  de  Nossa  Senliora  do  Ca- 
Ihào» 

1480  Baptista-Mbsser  Joào,  Genovez  da  nobre  familia  Usodimare,  fez 
assento  no  Porto  da  Cruz,  onde  Ihe  foram  dadas  de  sesmaria  mui« 
taa  terras»  'que  ainda  conservam  o  nome  delle,  e  institoiu  uni 
vinculo,  que  passou  aos  seus  descendentes.  Casoa  com  Tristoa  Tei- 
xcira,  fìlha  do  prìmeiro  donatario  de  Machico,  corno  diz  o  author 
no  cap.  9,  do  liv.  3,  nun).  36. 

1480  BEnENGUEn-PEono  de  lomilhana,  naturai  de  Valenca,  Doutor  em 
Medicina,  foj  fidalgo  da  Casa  Beai,  e  cavalleiro  da  Ordem  de  Chris- 
io.  EI-Rei  D.  Jo3o  III  Iho  deu  brazao  d'armas;  e  alcangando  mni- 
tas  terrns  de  sesmaria  na  Villa  da  Calheta,  em  sitio  elevado,  teve 
oste  0  nome  de  Lombo  do  Doulor,  que  ainda  hoje  conserva,  e  qnr 
se  traiìsmìttiu  ao  vinculo  por  elle  inslituido.  0  author  ignorava  o 
nome  d'este  cavalheiro;  e  por  isso  fallando  da  villa  de  Calhcla  w 
liv.  3,  cap.  7,  num.  49,  sómente  diz,  quo  era  medico,  e  tinha  uni 
engenho. 

I  irJO  BiTTANcot'RT-JoÀO  c  Henhique,  lio  6  sobrinho  Francezes.  0  primeiro 
era  senhor  das  Canarias,  que  cedeu  ao  infante  de  Portugal  I). 
Henrique  com  o  direito,  que  tinha  sobre  ellas;  e  ambos  vieram  pan 
a  Madeira,  onde  Ihes  foram  dadas  muilas  terras  em  Iroca  da 
cessào,  que  havia  feito  Joào  de  Bittancourl.  Este  se  estabeleceii 
na  cidade,  e  possuiu  grandes  terrenos  em  S.  Roque,  onde  erigili 
a  capella  de  Nossa  Senhora  de  Bittancourt  a  Grande.  0  sobrinho 
Henrique  de  Bittancourt  habitou  no  legar  da  Rìbeira  Brava,  e  alii 
possuiu  muitas  terras  de  sesmaria,  com  que  fez  grande  caza.  Es- 


À  IIISTORIA  INSULANA  385 

tes  pcrtenciam  a  urna  muito  distincta  familia  do  reino  de  Franga, 
que  linlia  brazSo  d'armas,  que  D.  Manoel  reconheceu  e  conGr- 
mou  no  1.^  d'Abril  de  1505.  D.  Maria  de  Bittancourt,  GIha  eher- 
deira  de  Jouo  de  Biltancourt,  casada  com  Ruy  Gongalves  da  Ca- 
nnara,  segnndo  filho  do  Zargo,  nào  tendo  successao  fez  vinculo 
dos  seus  bens,  chamando  para  adminislrador  Gaspar  de  Bittan- 
court, seu  sobrinho.  Pertencia-lhe  a  capelta  do  Espirito  Santo  no 
cruzeiro  da  egreja  de  S.  Francisco,  onde  eslavam  gravadas  as  suas 
armas  sobre  o  tumulo,  em  que  jazia. 

1580  Catanjio-BafaeLjC  Iuiìio  irmaos  Genovezes,  de  familia  distincta,  cu- 
ja  nobreza  justificaram  e  Ihes  foi  dado  fòro  de  fidalgo.  0  primei- 
ro  era  cavalieiro  na  Ordem  de  Cliristo,  e  casou  no  Porto  Santo. 
0  segundo  casou  em  Machico  com  D.  Maria  Cabrai,  filha  de  Tris- 
tao  Teìxeira,  terceiro  Donatario,  de  quem  falla  o  autbor  no  liv.  3, 
cap.  9,  num.  59,  alterando-Ihe  o  nome. 

1480  Cesar-Joào,  Genovez,  descendente  da  nobre  familia  d'este  cogno- 
me, corno  justificou:  casou  na  Freguezia  do  Arco  com  Vitoria 
Fernandes,  filha  de  Fernao  Domingos  de  Andrade. 

1430  Drumund,  ou  Duomondo-JoAo  de  Escocia,  Escocez  de  grande  no- 
breza; era  filho  de  Jo3o  Drumond,  senhor  de  ItubaI  e  CargiI  no 
condado  de  Pert,  e  irmào  de  Anna  Bell,  casada  com  Jacob  I,  rei 
d'Escocia.  Justificou  a  sua  descendencia,  e  teve  de  sesmaria  mni- 
tas  terras  na  Lombada  de  S.  Pedro  em  Santa  Cruz,  onde  fez  as- 
sento. 

1480  Es^aERALDO-JoÀo,  ou  antes  Joanim,  Flamengo.  Descendia  da  nobre 
familia  de  Fienes,  e  de  Houdochel;  e  teve  furo  de  cavalieiro  fidal- 
go com  brazào  d'armas  dado  por  El-Rei  D.  Manoel  em  1520.  Foi 
Provedor  da  Fa'£enda  na  ilha  da  Madeira,  e  fez  grande  caza  na  rua 
do  esmeraldo,  que  tomou  d'elle  o  nome.  Casou  com  Agueda  de 
Abreu,  filha  de  Joào  Fernandes,  senhor  daLomba  do  Arco;  e  era 
0  mais  rico  homem  de  toda  a  ilha.  0  P.®  Cordeiro  erradamente  o 
faz  naturai  de  Genova  n'este  capitulo  7,  num.  48,  quando  falla  da 
grande  quinta  da  Lombada  da  Penta  do  Sol,  da  qual  tinha  jà  tra- 
tado  no  cap.  6,  num.  38.  Diremos  ainda  alguma  cousa  sobre  es- 
tà mesma  quinta  em  legar  competente. 

1580  Espi.nolas-Amo.mo  SpinolaAdorno,  e  Leonardo  Spinola  de  la  Ro- 
sa, prìmos  natiiraes  de  Geaora.  Descendiam  das  mais  illustres  fa- 

25 


386  xoTAS 

mitias  d'està  cìdade,  que  contavam  no  numero  dos  seus  maiores 
alguns  Doges  d'aquella  republica.  Ao  primeiro  d'esles  deu  El  Ilei 
D.  Manuel  brazào  d'armas  e  fòro  de  fidalgo  da  sua  caza.  Esle  le- 
ve terras  dadas  de  sesmarìa  em  Santiago,  e  outros  logares;  e  doou 
por  escriptura  de  30  d'Abril  de  1521,  um  pequeno  terreno  na 
extremidade  da  cidade,  no  qual  se  construiu  a  capella  de  Santia- 
go, Padroeiro  de  loda  a  iiha,  a  sacliristia  eadro,com  condicàode 
que  na  mesma  se  desse  sepultura  às  pessoas  de  sua  Taroilia,  e  o 
capellao  pcdisse  um  Padre  Nosso,  e  Ave  Maria  por  sua  alma.  A 
escriptura  foi  feita  em  pergamlnho,  e  exisle  no  ardiivo  do  Cabido 
do  Funchal. 

IGOO  EspnANGicK-ADRiANO  Basali,  Ailemao,  fez  assento  no  Funchal:  tinha 
brazào  d'armas,  e  juslìficou  a  sua  nobreza  por  documentos,  que 
apresentou;  possuiu  terras  no  Arco  da  Calheta,  onde  continuou  a 
sua  descendencia. 

liso  Fra.nca-Andhé  Goncalnxs,  naturai  de  Bolonha  de  Franca,  de  qiie 
procedeu  o  appeliido,  com  que  era  conhecido,  e  que  passou  aos 
seus  descendentes.  Seu  fìllio  Joao  de  Franca  teve  muitos  bens,  e 
sesmarìa  no  Estreito  daCallieta,  onde  fez  assento.  Edifìcou  a  egre* 
ja  de  nossa  Senhora  da  Graca,  hoje  Parochìa,  onde  jaz  sepultado 
na  capella-mór;,  e  fez  rinculo  de  seus  bens, 

1500  Gikalte-Peduo,  Fiorentino  de  familia  nobre  na  sua  patria;  morou 
na  Calheta. 

IGOO  I1k«edia-D.  Antonio,  Ilespanhol,  naturai  de  Avila;  foi  um  dos  ca- 
pitaes  do  presidio  Caslelhano  em  tempo  de  Filippe  II.  Era  ollìcial 
de  merecimento,  e  nobre,  que  sendo  o  mais  anligo  governou  io- 
das  as  companhias  sem  obediencia  aos  governadures,  aos  quats 
a  politica  hespanlìola,  porque  deviam  ser  i)orluguezes,  centra  as 
promcssas  solemnemente  feitas  tirou  o  governo  das  armas. 

11)00  Jeuvis-Richard,  Inglez,  veiu  ù  iIha  corno  negociante  e  ganhou  gran- 
de cabedal  no  commercio.  Era  d'uma  illustre  familia  d'Inglatern, 
da  qual  descendeu  tambem  o  grande  Almirante  Jervis.  Casoucom 
D.  Maria  dAttouguia;  e  provou  sua  nobreza,  pelo  que  Antonio 
Correa  Jerves  teve  foro  de  fidalgo.  A  està  familia  pertencia  o  pri- 
meiro Visconde  d  Alhoaguia. 

1480  Leme-àntonio  Loe,  naturai  de  Bruxellas,  veiu  à  Madeira  com  car- 
ta de  recommendacao  do  Duque  D.  Fernando  para  a  caaiara  do 


A  mSTORIA  INSULANA  387 

Funchal.  Seu  filho  Marlim  Leme  foì  fidalgo  da  casa  real,  e  deram- 
se-lhe  terras  desesmaria  nafreguezia  de  S.  \ntonio,  as  quaesvin- 
culou,  insliluindo  o  raorgado  chamado  do  Leme. 

1170  Lomellini-Urbano  e  Joào  Baptista,  irmaos  Genovezes;  d'ellesliil- 
lamos  jà,  quando  tratamos  do  convento  de  nossa  senhora  da  Pie- 
dade  na  villa  de  Santa  Cruz. 

ISOCT  Moxdkagào-Joào  Rodrigues,  Biscainho,  fillio  de  Garcia  Banhes 
Mondragao,  cnjo  solar  era  no  valle  de  Artazubiaga,  provincia  da 
Guipusqoa.  Teve  grande  caza,  e  exerceu  os  cargos  mais  honrosos 
na  ilha.  Fez  a  capella  de  S.  Joao  Baptista  na  egreja  do  convento 
de  S.  Francisco,  para  jazìgo  da  sua  familia,  na  qual  estava  um 
mausolèo  de  marmore  branco  com  as  suas  armas.  Seus  filhos  fo- 
ram  fidalgos  da  casa  real. 

1600  Polanco-Francisco,  naturai  de  Salamanca,  fez  assento  no  Funchal, 
para  onde  veiii  comò  capitao  d'uma  das  quatro  companhias  Hes- 
panholas,  que  dcfendiam  a  illia.  Fez  assento  no  Funchal,  onde  seus 
descendentes  se  conservaram  por  muito  tempo. 

1320  Salvago-Lucas,  era  naturai  de  Genova,  e  comò  negociante  vciu 
para  o  Funchal.  Justificou  pertencer  a  nobre  familia  d'esle  appel- 
lido,  e  adquirindo  muitos  bens  estabeleceu-se  na  freguezia  do  Ca- 
nino, onde  seus  descendentes  apenas  conservam  hojc  o  cognome, 

1480  Salviati-Joào,  Fiorentino.  Foi  um  dos  nobres  de  Fiorenza,  que 
com  outros  mais  se  uniram  era  defeza  da  liberdade  da  sua  patria 
contra  aopprossao  dos  Medicis  eml470.  Succumbindo  o  seupar- 
tido,  foi  obrìgado  a  emigrar;  e  chegando  a  Madeira  teve  o  acolhi- 
mento  distincto,  que  merecia  pela  sua  nobreza,  e  causa,  que  de- 
fendera.  Fez  seu  assento  no  Funchal,  e  Ihe  deram  terras  de  ses- 
maria  no  logar  de  Caraara  de  Lobos  na  ribeira  dos  Acorridos  para 
a  parte  do  mar. 

1030  SiSNEinos-D.  Francisco  Soares,  naturai  de  Toledo.  Veiu  para  a 
Madeira  por  capitao  d'uma  das  companhias  Hespanholas  do  presi- 
dio; e  se  estabeleceu  no  Funchal. 

1G60  SAuvAiRK-HoNORATO,Francez,naturaldeMarselha.Veiu  à  ilha  por  con* 
sul  de  Franca.  Foi  negociante  e  moroo  no  Funchal;  ondeadquiriu 
muitos  bens,  e  seus  descendentes  possuem  vincalo,  de  queformam 
parte  algumas  propriedades  no  Campanario,  e  em  outros  logares. 

1510  Valdavrsso-D.  Joào,  Hespanhol:  era  oegociante,  e  foi  reconhecida  a 


388  KOTAS 

sua  nobreza  por  ter  brazao  d'^rmas,  eauctoria  de  fidalgo  em  Ues- 
panha.  Fez  assento  no  Funchal,  onde  teve  grande  caza.  Seus  des- 
ccndentes  possuem  bens  vinculados,  que  conservalo  o  nome  desta 
famiiia. 
1590  ViLOvi-RoBERTO,  Inglez,  cavalleiro  na  Ordem  de  Chrislo.  Chegoii 
a  Madeira  casado  com  sua  primeira  mulher  Antonia  Jaìmes  Cui* 
bem,  naturai  de  AUemanha;  e  estabeleceu-se  no  Funchal.  Seus 
descendentes  conservani  ainja  o  vincuto,  que  inslituiu  dos  seus 


bens. 


Liv.  3,  cap,  7,  num.  45 


0  Funchal  nao  foi  sempre  villa,  corno  diz  o  autfior  n'e^'le  numero, 
mas  sùmente  em  1451  teve  està  cathegoria,  quo  Ihe  fui  dada  porEI-Rei 
U.  Affonso  V.  pelo  augmento  da  sua  populac3o,  e  nascente  commercio. 
Quando  porem  D.  Manoel  subiu  ao  throno,  bavendo  feita  està  iiha  rea- 
lenga  por  Provisào  de  20  d'Abril  de  1497,  a  eievou  onze  annos  depois 
a  classe  de  cidade  por  outra  Provisào  sua  dada  em  Cintra  aos  27  de 
Agosto  de  1508,  nao,  comò  diz  tambem  a3Bthor,pelarazùo  de  ter  sido 
senhor  d'ella  antes  de  rei;  mas  por  outros  motivos,  corno  declara  a  ci- 
lada  Provisào:  «Em  respeito  aos  muitos  servifos,  que  recebia  dos  seus 
«moradores,  e  por  razao  de  viverem  n'ella  muitos  lidalgos,  cavalheircs, 
oc  pessoas  honradas  e  de  grandes  fazendas».  0  mesmo  rei,  qualro  dias 
anles  por  Provisào  de  10  do  mesmo  mez  e  anno,havia  jà  dado  novaor- 
pnisacào  a  camara  do  Funchal;  e  mandou  que  està  fosse  composta  de 
trcs  vereadorcs,  e  um  Procurador  do  Consclho,  todos  nobres,  (\uq  an- 
nualmente seriam  eleitos  por  pautas,  regulando-se  cm  tudo  pelo  rcgi- 
meiilo  da  Camara  de  Lisboa.  Assistiam  a  mesma  quatro  misteres,  e  um 
iiùz  do  povo,  comò  tinha  ordenado  o  Duquc  D.  Diogo  por  carta  escri- 
pta em  Thomar  a  21  de  Dezembro  de  li83.  Posteriormente  obteveesla 
assolilo  em  Cortes  no  primeiro  banco  por  Decreto  de  C  do  Juiho  do 
lOri'i,  que  Ihe  conferiu  El-Rei  D.  Joao  4.°  por  ter  sido  a  primeira  do 
Ultramar,  em  que  fora  acclamado.  As  armas  da  Camara  sao  cinco  for- 
mas  de  assucar  dispostas  em  cruz,  comò  as  quinas  de  Portugal,  em 
campo  de  prata,  e  nos  lados  uma  cana  verde  da  mèsma  pianta  com  suas 
folhas. 


A  HISTORU  INSULAXA  389 

Liv.  3,  cap,  7,  num.  48 

0  author  tratando  do  interior  da  iiha  n'este  capìlulo,  torna  a  fallar 
da  quinta  da  lombada,  que  por  sua  grande  extensao  era  a  maior  de  lo- 
da a  ilha.  Zargo  havia  tornado  està  grande  porfSo  de  terra  d'esde ornar 
até  à  serra  para  si;  a  qual  Toi  dada  a  seu  segundo  fìlho  Ruy  Gon^alves 
da  Camara,  que  a  vendeu  para  comprar  a  capitania  da  ilha  de  S.  Miguel 
a  Joao  Soares  de  Albergaria,  de  quem  o  author  falla  no  livro  5,  cap.  13, 
num  403,  posto  que  n*este  logar  diga,  que  Ruy  Goncalves  era  terceiro 
filho  do  capitao  do  Funchal;  quando  em  U74  governava  a  ilha  da  Ma- 
deira Joao  Goncalves  da  Camara  primogenito,  de  Zargo,  o  qual  nlio  teve 
filho  d'este  nome,  corno  se  póde  vèr  no  cap.  11,  do  iiv.  3,  num.  76  e 
77.  Comprou  està  grande  quinta  Joanim  Esmeraldo,  e  na  mesma  levan- 
tou  urna  caza,  e  a  egreja  da  invoca^ao  do  Espirlto  Santo,  que  foi  sagra- 
da  pelo  Bispo  de  Tangere  D.  Jo3o  Lobo;  e  a  12  de  Junho  de  1522  di- 
vidiu  toda  està  propriedade  por  seos  dois  filhos,  instituindo  dois  mor- 
gados;  o  primeiro  chamado  do  titular  da  mesma  egreja;  o  o  segundo  do 
Valle  da  Bica,  que  ambos  foram  confirmados  por  El-Rei  D.  Joao  3.^em 
13  de  Novembro  do  dito  anno.  Fallec^u  este  a  19  de  Junho  de  133C  e 
jaz  na  dita  egreja. 

A  Ponta  do  Sol,  de  que  o  author  Irata  n'este  numero,  foi  creada  Vil- 
la por  El-Rei  D.  Manoel  por  Provisao  de  11  de  Dezembro  de  1501:  e 
hi  Rodrigo  Annes  o  Coxo,  quem  deu  principio  à  povoa^So  d'este  logar. 
Descendia  este  da  nobre  familia  dos  Furtados,  e  quando  chegou  a  ilha, 
procurou  aquelle  sitio  entao  despovoado,  que  fez  cultivar.  Ailise  levan- 
tou  a  egreja  de  Nossa  Senhora  da  Luz,  que  fot  urna  das  capei laniascom 
cura  d'almas,  onde  jaz  sepultado  diante  do  aitar  da  Senhora,  comò  dis- 
poz  em  seu  testamento  approvado  aos  8  d'Àbril  de  1486  mandando, 
({ue  na  lapide  se  pozesse,  que  fora  elle  o  primeiro,  que  déra  principio 
aquella  povoa^do.  Nesta  mesma  egreja  foi  sepultado  D.  Jo3o  Henriques, 
filho  de  D.  Renrique  Henriques,  segundo  senhor  das  Àlca(0vas,  e  deD. 
Filippa  de  Noronha,  filha  de  Joao  Goncalves  da  Camanié  da  qual  trata 
o  author  no  cap.  11  do  liv.  3,  num.  78. 

0  logar  sito  para  o  norte  acima  da  Ponta  do  Sol»  que  o  author  nuo 
declarou  na  primeira  ediCQào  desta  obra,  è  os  Canbas ;  assim  chamado 
por  sor  seu  primeiro  povoador  Joao  de  Canha,  do  qual  tomon  o  nome. 
Era  este  escudeiro  do  Duque  D.  Diogo,  corno  consta  d*uma  escriptura 


390  NOTAS 

de  aforamento  de  terras,  que  Ihe  fez  Constanfa  Rodrigues  d'Almeida, 
viuva  de  Joao  Gongalves  Zargo.  Seu  fillio  Ruy  Pires  de  Canha  ediCcou 
a  capeila  de  Santiago,  que  serviu  de  Parodila,  quando  està  foi  instituida 
pelo  Bispo  D.  Jeronimo  Barreto  por  Alvarà  de  30  de  Janeiro  de  1577, 
dismembrando  este  territorio,  que  antes  fazia  parte  da  Ponta  do  Sol.  Nos 
limites  d'està  Parochia  està  um  sitio  chamado  os  Ànjos,  cujo  nome  Ihe 
veiu  d'uma  capeila  da  invoca^ao  de  nossa  Senhora  dos  Anjos»  que  a  in- 
fanta D.  Beatriz  mandou  construir  em  1474,  por  ser  imagem  de  multa 
devocao  dos  moradores,  e  pelos  beneflcios,  que  por  intercessao  da  mes* 
ma  Senhora  elles  alcangavam. 

A  Magdalena  ja  Freguesia  e  Parochia  d'esde  1582,  pertenceu  em 
grande  parte  a  Henrique  Allemao,  a  quem  foram  dadas  em  sesmaria 
muitas  terras  n'aquelle  logar  pelo  mesmo  infante  D.  Henrique  aos  2!) 
d'Abril  de  1457,  e  conflrmada  està  graca  por  ElRei  D.  Allonso  V.  Era 
elle  um  nobre  principe  Polaco  da  Lithuania,  ou  Hungaro,  corno  alguns 
pensam;  o  qual  accompanhando  Ladislao  IV.  na  infeliz  bataiha  de  Varnes 
dada  em  1444,  em  que  elle  foi  vencido  por  Amurat  II,  e  morto  pelos  ^ 
Turcos,  nao  querendo  ficar  na  patria  depois  d'està  desgraga,  veiu  residir 
na  Madeira,  nao  se  dando  a  conhecer  a  estraogeiro  algum.  Casou  na  liba 
com  Senborinba  Annes,  de  quem  teve  fìlhos.  Erigiu  a  capeila  de  santa 
Maria  Magdalena,  onde  jaz  sepultado.  Sua  mulher  passou  a  segundas 
nupcias  com  Joao  Rodrigues  de  Freitas,  do  qual  houveram  filhos  ;  e  por 
fallecimento  d'està,  casou  o  mesmo  segunda  vez  com  Isabel  Lopes,  na- 
turai de  Guimaraes;  os  quaes  instituiram  vinculo,  e  aosseus  descenden- 
ics  perlenc^  o  padroado  d'està  egreja. 

Confalo  Feroandes  teve  de  sesmaria  no  sitio  chamado  Serra  dagoa 
da  Freguesia  do  Arco  da  Calheta  a  Lombada,  de  que  o  author  aqui  falla, 
juntamente  com  as  Florengas,  da  qual  iustituiu  morgado,  e  mandou 
construir  a  capeila  de  nossa  Sentora  daConceicào,  multo  damnificadahoje 
pelo  mar.  Este  homem,  que  tem  vislumbres  do  mascara  de  ferro  em 
Paris,  veiu  para  a  Madeira  com  expressa  prohibi?ao  de  sair  d'ella.  Tra- 
tava-se  com  grandeza,  e  todos  os  annos  Ibe  mandavam  da  caza  real 
quanto  Ihe  era  necessario  em  abundancia;  porem  nunca  se  soube  quem 
eram  seus  paes.  Fallecendo  elle  aos  13  de  Junho  de  1339,  foi  sepultado 
na  sua  capeila,  na  qual  poz  por  armas  as  quinas  I^tuguezas  em  aspa 
sobre  a  cruz  da  ordem  de  Christo.  Na  lapide  sepulchral  de  marmore 
està  escripto  o  seu  nome;  e  tem  em  meio  relevo  a  tìgura  d'um  raeniiio 


A  IIISTORIA  INSULANA  t  391 

com  0  roslo  sobre  a  inao  esqnerda,  e  o  colovelo  sobrc  urna  caveira, 
aponlando  com  a  mao  direita  para  està  sentenfa  tirada  do  livro  do  Ec- 
clesiastico: «Sic  et  nos  nati  continuo  desivimus  esse.»  A  sua  chegada  a 
Madeira  depois  da  paz  celebrada  entre  D.  Alfonso  V,  e  a  rainha  de  Cas- 
tella D.  Isabel,  faz  conjecturar,  qne  fosse  filho  d*elle;  e  que  razoes  d'es- 
tado  impedissem  de  reconhecel-o.  0  aiilhor  o  faz  irmao  de  JoàoFernan- 
des,  que  leve  de  sesmaria  metade  da  covoada  do  Arco  da  ribeira  do 
Lèdo  para  dionte.  Porem  este  nao  linha  so  o  cognome  de  Fernandes, 
mas  ajuntava-lhe — Andrade  do  Arco— ultimo  appellido  este,  que  Ihe  foi 
dado  por  Eliiei  D.  Joao  li.  com  braziio  d'armas  cmFcvereiro  de  1485; 
e  0  irmao  d'elle,  que  tinha  parte  na  mesma  sesmaria,  cliamava-se  Diego 
Fernandes  d'Andrade.  Alem  d'isso  Antonio  Goncalves  da  Camara  era  fi- 
lho de  Pedro  Goncalves  da  Camara,  que  casou  com  D.  Joanna  d'Era,  e 
nao  de  Sa,  caraareira-mur  da  rainha,  comò  dissemos  a  fol.  381  d'estas 
notas. 

Joao  Fernandes  dWndrade,  a  qucm  foram  dadas  de  sesmarias  as 
lerras  da  covoada,  e  que  comprou  oulras  no  mesmo  silio,  que  tinha  seu 
irmao  Diogo  Fernandes  d'Andrade,  construiu  a  egreja  de  S.  Braz,  que 
serviu  por  muito  tempo  de  Parochia,  onde  jaz  sopultado,  havendo  falle- 
cido  a  9  de  AbriI  de  1527.  Em  seu  testamento  mandou  que  na  sepul- 
Uira  se  pozesse  uma  lapide  com  o  seu  nome,  na  qual  se  acrcscentasse, 
que  fora  elle  o  primeiro  fundador  d'aquella  parte  do  Arco.  Edificou  tam- 
bem  a  capella  de  nossa  Senhora  da  Consolafao,  que  é  cabern  do  morga- 
do  instituido  por  sua  filila  Isabel  d'Abreu,  que  casou  com  Joao  Rodri- 
gues  de  Noronha,  terceiro  filho  de  Simào  Goncalves  da  Camara,  Capilao 
Donatario,  de  quem  o  aulhor  falla  no  capitulo  12,  num.  81:-^e  passan- 
do a  mesma  a  scgundas  nupcias  coro  Antonio  Goncalves  da  Camara  tam- 
bem  d'elle  nao  leve  filhos.  Este  era  filho  de  D.  Joanna  d'Epi,  dama  da 
rainha  D.  Leonor,  e  depois  camareira-mór  de  D.  Catharina,  mnlher  de 
D.  Joao  IH;  e  foi  o  que  edificou  nesta  Freguesia  a  capella  de  nossa  Se- 
nhora do  Loreto  por  raandado  de  sua  mae,  a  qual  deixou  a  capella  com 
muitas  terras,  que  possuia,  ao  Convento  das  religiosas  da  Esperanfa  em 
Lisboa,  que  as  venderam  a  Francisco  Luiz  de  Vasconcellos,  das  quaes 
elle  fez  um  vincnlo. 

0  author  concluindo  a  descripcao  d'està  parte  da  donataria  do  Fan- 
chal  passa  do  Jardim  a  Ponla  de  Fargo,  deixando  no  intermedio  as  Fre- 
guesias  de  nossa  Senhora  dos  PrazereSi  da  Faja  da  Oveiha,  b  do  Paal 


392  ,  NOTAS 

do  mar,  que  eram  Parochias  jà  exìslentes  muitos  annos  antes,  que  es- 
crevesse  a  sua  obra.  Trataremos  unicamente  desta  ultima  Freguesia, 
que  fórma  comò  um  valle  debaixo  de  altas  rochas,  junto  ao  mar,  d'onde 
Ihe  veiu  o  nome.  É  terra  de  pescadores  ;  e  muito  conhecida  pela  sua 
producQao  do  exceliente  vinho  chamado  malvazia.  Foi  seu  primeiro  fun- 
dador  Joao  Ànnes  de  Conto  Cardoso,  que  teve  de  sesmaria  este  logar 
juntamente  coni  o  Jardim.  Edificou  a  egreja  de  santo  Amaro,  que  é  o  ti- 
tular  da  Parochia,  e  na  mesma  està  sepuitado.  Scu  fìlho  Francisco  de 
Couto  Cardoso  ìnstituiu  um  vincuto  dos  seus  bens,  e  falleceu  a  8  de 
Maio  de  1542. 

Liv.  3,  cap.  9,  num.  57 

Este  segundo  capitao  donatario  nao  foi  chamado  a  Lisboa  pelas  suas 
prendas;  mas  por  capitulos,  que  formaram  centra  elle  os  moradores  de 
Machico,  dos  quaes  se  livrou  talvez  por  inlervenfao  dasdamas,  e  deD. 
Guiomar  de  Lordello,'  com  quem  casou.  Assim  tambem  o  primeiro  do- 
natario Tristao  Vas,  pae  d'este  foi  chamado  ao  reino  por  abuzo  de  poder 
no  governo  da  sua  capitania;  e  pelos  excessos  pralicados  contra  Tristao 
Barradas.  Pelo  que  Ihe  nao  consentiram  por  alguns  annos  voltar  a  Ma- 
deira; ainda  que  em  algumas  Memorias  manuscriptas  achei,  que  tivera 
sentenza  de  degredo.  Porem  no  tempo  indicado  para  o  cumprimento  da 
pena  estava  elle  na  capitania  de  Machico. 

Diego  Teixeira,  quarto  capitao  donatario,  de  quem  trala  o  aulhor  em 
0  numero  CO,  nao  tinha  perfeito  uso  de  razao  em  consequencia  d'urna 
telha,  que  Ihe  caira  sobre  a  cabega,  sendo  elle  ainda  menino.  Este  de- 
feito  se  aggravou  mais  pelas  intrigas  e  maquinagòes  d'alguns  de  seos 
parentes,  que  chegaram  a  ponto  de  pretenderem  fazer  declarar  illegiti- 
mas  duas  fìlhas,  que  tinha  do  seu  matrimonio,  as  quaes  fctram  julgadas 
suas  por  seutenga.  Quiseramtirar-lhe  adonataria,  esahiu  para  Lisboa  aDm 
de  defender-se;  e  obteve  sentenza  a  seu  favor  em  1536.  Voltando  para  a 
Madeira^  e  augmentando-se  o  seu  estado  de  incapacidade,  ElRei  D.  Joào3.'^ 
0  removeu  do  governo  da  Capitania,  nomeando  ministros  que  governa- 
ram  epi  nome  d'elle  até  a  sua  morte. 

Tristao  Vaz  da  Veiga  tao  encomiado  por  Gaspar  Fructuoso,  e  que  o 
ai^^jior  tantp  exalt^^  eip  o  numero  64,  tigha  feilo  grandes  servigos  à  na- 
fao;  e  por  elles  mereceu,  qfi(^^  ps  governadores  do  reino  confiassem  d'elio 
a  defeza  da  praca  de  S.  Juliao^  da  Barra,  que  indignamente  entregou  ao 


À  HISTORIA  INSULANA  393 

Duc[ue  d'Alva,  general  de  Filippe  2.^  quando  a  forca  d'armas  veiu  oc- 
cupar 0  reino.  Foi  premio  d  està  entrega  a  donataria  de  Machico;  e  cho^ 
veram  sobre  elle  essas  grandes  mercés  da  Corte  de  Hespanha,  as  quaes 
se  0  euriqueceram  enlao,  nao  podéram  impedir  o  sevèro  juizo  da  pos- 
teridade. 

Liv.  3,  cap.  10,  num.  70 

0  appellido  de  Zargo,  ou  Zarco,  corno  mais  frequentemente  s'encon* 
tra  nos  aulhores,  nao  tevc  principio  em  Joao  Gon^alves,  para  que  o  au* 
thor  fizesse  tantas  supposicoes  àcerca  da  sua  origem.  Este  era  um  co- 
gnome de  familia  jà  existente  em  Portugal,  e  que  aparece  em  documen- 
tos  antigos,  qne  vem  indicados  na  Parte  V.  da  Monarchia  Lusitana,  liv. 
17,  cap.  2,  onde  o  Doutor  Fr.  Francisco  Brand3o  rejeita  o  que  a  este 
respeito  dizia  Gaspar  Fructuoso.  Um  d'estes  documentos  é  de  4177,  em 
que  assignou  corno  testemunlia  Gonzalo  Zarco;  e  outro  de  1328  no  qual 
se  ve  AQbnso  Zarco  ter  sido  do  numero  dos  eleitores  do  Mestre  de  Sao« 
tiago;  alcm  de  muitos  até  de  mulheres  pertencenies  a  està  familia,  que  o 
mesmo  julga  tivera  seu  assento  em  Tliomar.  Os  descendentes  de  Jo3o 
Goncalves  por  algum  tempo  conservaram  ainda  este  appellido;  que  dei- 
xaram  pelo  de  Camara  de  Lobos,  que  foi  dado  bo  descobridor  da  Madei- 
ra por  EIRei  D.  Joao  1.^  em  consequencia  de  haver  encontrado,  quando 
chegou  aquelle  logar  uma  lapa,  covil  de  lobos  marinhos,  a  que  deu  o 
nome  de  Camara,  do  qual  depois  usarao  unicamente. 

Liv.  3,  cap.  10,  num.  71 

A  iiha  da  Madeira,  comò  as  descobertas  e  conquistas  feitas  no  rei- 
nado  de  D.  Joao  1.^,  esti veram  encorporadas  na  coròa  até  EIRei  D.  Duar* 
te,  que  em  26  de  Setembro  de  1433,  fez  doacao  das  possessoes  ultra- 
marinas  a  seu  irmuo  o  infante  D.  Henrìque.  Foi  este  qne  no  l.''  de  No- 
vembre de  1450  doou  a  capitania  do  Funchal  a  Jo3o  Goncalves  Zargo; 
a  qual  conQrmou  seu  sobrinho  EIRei  D.  Affonso  V,  a  25  de  Novembro 
de  1451,  e  depois  a  16  d'Agosto  de  1461  com  obediencia  aos  manda«^ 
dos  do  infante.  Com  a  mesma  donataria  para  elle,  e  seus  descendentes 
em  lioha  recta  de  primogenitura,  llie  Ibi  concedido  o  privilegio  de  moi- 
nhos,  fomos  de  pao,  venda  de  sai,  serras  d*agoa  com  a  redizima  nos 
generos  sujeito^  és  decimas  ecclesiasiicas,  e  alguns  miis  direitos  banaes, 


394  NOTAS 

dos  quaes  pelo  decurso  do  tempo  ficaram  privados  seas  saccessores  na 
maìor  parte.  Todos  estes  direìtos  tinham  side  dados  tambem  ao  doData- 
rio  de  Machìco,  TristSo  Vaz  Teixeira,  pelo  dito  infante,  corno  se  póde 
vèr  nas  Provas  da  historia  genealogica  da  Gasa  real,  ao  liv.  10«  num. 
26,  tom.  5.  Elles  governavam  por  sì,  ou  seus  delegados  as  respectivas 
capitanias;  e  nomeavam  Ouvidores,  para  os  quaes  se  rccorria  dos  juizes 
ordinarios,  com  alcada  nas  causas  civeis  até  a  quantia  de  quinze  mil  réis: 
e  nos  crimes  até  degredo  por  dez  annos,  com  rezerva  de  pena  ultima, 
e  talhamento  de  membro. 

Liv.  3»  cap.  10,  num.  74 

Està  quarta  filba  de  Zargo,  que  o  P/  Cordeiro,  com  tanta  diligencia 
e  trabaiho,  comò  diz  aqui,  nao  Ihe  fòi  possivel  acbar,  cbamava-se  Hele- 
na  Goncalves,  e  era  a  mesma,  de  que  elle  fallou  no  liv.  3,  cap.  6,  num. 
32,  que  acompanhàra  o  pae,  quando  veiu  com  colonos  para  a  Madeira. 
Casou  com  Martim  Mendes  de  Vasconcellos  o  Velbo,  do  qual  faz  mencao 
no  liv.  6,  cap.  44,  num.  467,  quando  tratou  dos  progenitores  do  Padre 
Joao  Baptista  Macbado.  Gozou  de  opiniao  de  virtude,  e  foi  urna  das  tes- 
temunhas  do  milagre  do  Crucilixo,  que  estava  no  aitar  das  almas  ao  lado 
da  epistola  da  anliga  egreja  de  S.  Francisco  ;  o  qual  no  dia  26  de  De- 
zembro  de  1482  despregou  da  cruz  o  brago  direito,  e  assim  se  conser- 
vou  até  0  dia  seguinte.  Consta  este  milagre  d'urna  justiflcagao  tirada 
pelos  tabelliaes  Affonso  Anes,  e  Joao  de  Tavira,  sendo  Juiz  Ordinario 
Eslevao  do  Azinlniil,  cavalleiro  da  Gaza  real.  Os  religiosos  Franciscanos 
apresentaram  este  instrumento  a  D.  Lourengo  de  lavora,  Bispo  da  Dio- 
cese,  0  qual  mandou  que  se  publicasse  todos  os  annos  no  dia  28  d'Oli- 
tubro,  em  que  a  confraria  celebrava  a  festa  de  S.  Simao. 

Liv.  3,  cap^  10,  num.  75 

As  ordens  regias,  de  que  o  author  falla,  para  se  darem  as  terras  por 
sesmarias  aos  novos  colonos,  que  vieram  para  a  Madeira,  constam  da  Carta 
de  mercé  passàda  por  EiRei  D.  Joao  L  da  qual  extractamos  o  item  seguin- 
te: «Iley  por  bem  e  me  praz  de  dar,  doar  e  fazer  grafa  e  mercé,  corno 
«por  està  dou  e  dòo  para  sempre  dos  sempres  aos  novos  povoadores  da 
«ilha  da  Madeira,  que  por  meu  mandado  Jo3o  Gongalves  Zargo  foy  des- 


A  IIISTOIUA  INSULANA  395 

«tribuir;  qne  as  terras  Ihes  sejam  someDtes  dadas  forras  sempensao  al- 

aguma  àquelles  de  mayor  calidade,  e  a  outros,  que  possangas  tiverem 

«pera  as  aproveilarem;  e  aos  de  menor,  que  vivam  de  seu  trabalbo  e  de 

«cortar  e  talhar  madeiras,  e  dar  creacoes  de  gados:  e  as  terras  serao 

«repartidas  pelos  Capitains:  e  as  aproveitaram  em  dez  annos,  e  somen- 

«tes  Ihes  sera  dada  a  terra,  que  arrasoadamente  elies  dos  ditos  dez  an- 

«nos  possam  aproveilar;  e  toda  aquella,  que  nos  ditos  dez  annos  apro- 

«veitarem,  Ihes  passare,  e  nam  outra,  que  nào  aproveilarem;  e  pediram 

«de  novo  authoridade  minha  para  a  poderem  aproveilar.»  Cada  um  dos 

descobridores  nas  duas  respeclivas  donatarias  flzeram  a  reparti^So  seni 

muita  equidade,  tornando  para  si  e  seus  filhos  porcoes  de  terra,  que 

nera  em  vinte  annos  poderiam  aproveilar:  e  reparliram  oulras  pelos  po- 

voadores  nobres,  que  com  elles  vieram,  e  por  alguns  estrangeiros,  e  na- 

cionaes,  que  depois  chegaram;  os  quaes  instituiram  morgados,  que  pos- 

suem  ainda  boje  famiiias  illustres  da  ìlha.  Os  limites  d'urna  nota  nao 

permittem,  que  apresenlemos  aqui  urna  relafSo  d'eslas  sesmarias,  o  que 

nos  levaria  mais  longe;  e  havendo  feito  raencao  d'algumas  d'ellas  emdi- 

versos  logares  d'estas  notas,  deixamos  de  continuar  este  trabalho,  hoje 

menos  importante  depois  da  lei,  que  extinguiu  os  vinculos. 

Liv.  3,  cap.  12,  num.  81 

Entre  as  diversas  acgoes  de  raagnificencia,  que  se  referem  de  Simao 
Gongalves  da  Camara,  damos  aqui  uma  breve  rela^ào  do  presente,  que 
0  mesmo  mandou  em  1515  ao  Papa  Leao  X,  a  quem  servia  de  Preiado 
domestico  D.  Uanoel  de  Noronha,  Bispo  de  Lamego,  filho  deste  capitilo. 
Constava  està  grandiosa  offerta  d'um  palacio  feito  d'agucar,  à  imilacao  do  ^ 
Vaticano  com  cardeaes  de  alfenim  dourados  em  estatura  ordinaria,  alem 
d  outros  brincos  em  conserva,  e  d'um  brioso  cavallo  persiano.  Parliu  da 
Madeira  para  a  Italia  Jo3o  de  Lira,  um  dos  seus  familiares  nobres»  que 
levava  o  presente,  acompanhado  de  Vicente  Marlins,  Conego  na  Sé  do 
Funchal,  excellente  latino,  que  Ihé  servia  de  secretarlo,  e  d'um  mouro, 
que  condusia  o  cavallo. 

Chegados  a  Roma,  sem  que  alguma  d'eslas  coisas  sofre^  ^oMo  na 
viagem,  o  Pontifico  destinou  dia  para  receber  com  ^leinpidade  e^ 
offerta,  comò  se  fosse  d'algum  princepe,  querendo  assìm  Ik^njear.  a  cft- 
piiuo  e  seu  filho.  Apresenlpu-se  do  dia  aprazado  Jpao  de:l^in(  aoopapa* 


396  NOTAS 

nhado  de  mnitos  creados  vestidos  de  reludo  preto  à  Portugnesd;  e  em 
presenta  do  Papa,  Gardeaes,  e  muitos  nobres  de  Roma,  pronunciou  o 
Conego  um  excelleDte  discurso  em  latìm,  a  que  respondea  LeSo  X.  com 
muitos  agradecimentos  a  Simao  Gongalves.  Escreveu  ao  mesmo  urna 
carta,  cm  que  dizia:  que  elle  se  devia  considerar  muito  feliz  em  ter  om 
filho,  comò  D.  Manoel  de  Noronha,  que  seria  ainda  grande  na  egreja; 
dando  a  en tender  n'isto,  que  o  faria  cardeal;  o  que  nSo  deixaria  de  cum* 
prir,  se  nao  fallecesse  poncos  annos  depois,  achando-se  em  Portugal  o 
Bispo  de  Lamego.  Despedia  Joao  de  Lira,  a  quem  deci  algumas  prendas; 
e  conferiu  ao  Conego  Vicente  lUartins  mais  um  canonicato  em  Goimbra 
com  dois  beneficios  simplìces,  que  tinham  vagado  na  curia.  Este  D.  Ma- 
noel de  Noronha  foi  um  dos  Prelados  mais  distinctos  do  seu  tempo;  le- 
ve grande  caza  com  muitos  capeUSes  e  creados;  e  instituiu  no  Bispado 
uma  capella,  em  que  liaviam  seis  sacerdotes  com  ordenado  de  sessenta 
mil  réis  cada  um,  e  obrìgagao  de  ensino,  para  o  que  deverìam  ser  mes- 
tres  em  alguma  das  sciencias  ecciesiasticas. 

Liv.  3,  cap.  14,  num.  88  e  seg. 

A  chegada  dos  Huguenotes  &  Madeira  foi  antes  o  desejo  de  roubar, 
3  uma  vinganga  d*alguns  desgenerados  Porluguezes,  do  que  faltade  pro- 
visoes,  ou  de  gado,  comò  diz  o  aulhor  seguindo  Gaspar  Fructuoso,  me- 
nos  exacto  em  ludo  quanto  diz  n'este  logar.  Àchava-se  em  Franca  Gas- 
par  Caldeira,  a  quem  se  havia  confiscado  em  Lisboa  o  ouro.  que  trou- 
xera  da  costa  da  Mina  contra  o  regimento  reai;  e  fugindo  para  Franca 
se  iigou  com  o  famoso  pirata  Braz  de  Montine,  e  o  induziu  a  vir  ao 
Funchal,  que  gosava  jà  de  fama  de  riqueza  pelo  seu  commercio  e  prò- 
duccoes.  Armou  oFrancezoito  navios  em  guerra,  nos  qaaes  se  embarca- 
ram  nove  centos  arcabuzeiros  juntamente  com  Belchior  de  Contreiras, 
Antonio  Luiz,  e  Gaspar  Caldeira,  muito  conhecedor  da  liba  por  ter  vin- 
do  a  ella  nas  viagens,  que  fazia  é  costa  d'Africa.  Chegando  à  iiha  do 
Porto  Sanio  a  2  d'Outubro  de  1566,  e  commettendo  alli  alguns  roubos, 
no  dia  tres  passaram  os  Franceses  em  frente  da  cidade,  e  pela  volta  do 
meio  dia  tomando  terra,  desembarcaram  som  resistencia  alguma  na  praia 
formosa  os  arcabuzeiros,  que  traziam.  Assaltaram  logo  a  cidade  por  tres 
differentes  parles,  e  depois  d'urna  leve  escaramuca  onde  hoje  està  a 
egreja  de  S.  Pedro,  atacaram  o  baluarte  de  S.  Loureofo,  residencia  do 


A  HISTOniA  INSULANA  397 

governador  Francisco  Goncalves  da  Camara,  que  se  rendeii,  ficando  elle 
prizioneiro  com  muilas  pessoas  nobres,  que  se  linham  refugiado  n'aquel- 
le  logar. 

Encontraram  os  Francezes  pouca  opposicao  menos  por  cobardiados 
raoradores,  do  que  pela  inercia  e  negligencia  de  Francisco  Gongalves  da 
Camara,  que  sendo  um  soldado  valente,  nao  raostrou  possuir  as  quali- 
dades  de  bom  capilao.  Tinha  a  vespera  do  dia  recebido  as  dez  lioras 
da  noite  noticia  mandnda  da  villa  de  Santa  Cruz  da  apparìQao  de  navios 
suspeitos;  e  quando  devia  tornar  niedidas  de  seguranga,  desprezou  o 
avizo,  e  nao  acceitou  o  soccorro  de  gente,  e  armas  que  Ihe  offereciam 
tres  embarcagoes  Portuguezas  surtas  no  porlo  ;  nem  permittiu,  que  do 
baluarte  fizessem  fogo,  estando  os  piratas  a  tiro  de  baia.  Dezeseis  dias 
se  demoraram  os  Francezes,  roubando,  e  commettendo  impunemente 
toda  a  sorte  de  altentados,  sem  que  o  mesmo  Francisco  Gongalves  con- 
sentisse, ^que  OS  moradores  da  ilha,  que  vieram  em  defeza  da  cidade,  e 
se  achavam  em  forca,  uns  no  Pico  do  Cardo,  e  outros  no  Pafheiro  do 
Ferreiro,  inveslissem  contra  elles,  pela  ameaga,  que  Azera  o  immigo  de 
0  matar.  e  a  todos  os  prisioneiros,  se  fosse  atacado.  Partiu  logo  de  San- 
ta Cruz  uma  caravella  a  levar  a  noticia  a  Lisboa;  e  chegando  a  1G  d'a- 
qiielio  mez,  apezar  damaiorceleridade,  com  que  em  ciuco  dias  se  aprom- 
ptou  uma  armada  composta  de  oito  galeóes  e  quatorze  caravellas,  de 
que  era  generai  Sebasliào  de  Sa,  filho  de  Joao  Rodrigues  de  Sa,  Alcal- 
de mór  do  Porto,  quando  ella  aportou  à  Madeira,  jà  os  Francezes  haviam 
saldo  seis  dias  antes  na  volta  das  Canarias.  A  demóra  deste  noFunchal 
foi  causa  de  nOo  serem  cncontrados  os  piraias  e  destruidos,  os  quaes  se 
deliveram  algum  tempo  n'aquellas  ilhas  a  vender  parte  do  roubo,  de 
modo  que  chegando  os  nossos  a  Lanzarote,  liavia  dois  dias,  que  elles 
tinham  deixado  aquelle  porto. 

Nao  ficaram  impunes  os  Portuguezes  promolores  deste  saque,  co- 
rno diz  0  Padre  Cordeiro;  por  quanto  a  diligencias  do  embaixador  de 
Portugal  na  corte  de  Franga,  Gaspar  Caldeira,  que  estava  escondido, 
sendo  levado  por  engano  dum  seu  amigo  a  Fuente Rabia,  alli  foi  prezo; 
assim  corno  Belchior  de  Contreiras  em  S.  Lucar  do  Barrameda  por  Nu- 
do Alvares;  x)s  quaes  conduzidos  a  Lisboa  com  Antonio  Luiz,  tiveram 
senlenga  de  pena  ultima,  que  se  executou  a  28  de  Fevereiro  do  1568. 
Gaspar  Caldeira,  sendo-lhe  cortadas  as  mSos  pelo  algoz  no  pelourinho, 
foi  depois  arrastado  ale  ao  caes  da  pedra^  e  alli  enfòrcado  e  esquarteja- 


398  NOTAS 

do,  ficando  os  quartos  do  cadaver  pendurados  nas  portas  da  cidade  até 
serem  consumidos  do  tempo;  e  os  outros  dois,  corno  menos  culpados, 
expìaram  no  patibulo  o  seu  crime.  Francisco  de  Porres  sentenceado  à 
morte  por  se  unir  aos  francezes,  e  ser  cumplice  nos  deteslaveis  exces- 
sos  por  elles  commettidos,  guiando-os  às  cazas  mais  ricas,  e  indusindo 
algumas  familias,  que  andavam  Tugidas,  a  voitarem  para  a  cidade,  onde 
serviram  de  viclimas  da  mais  negra  trai^ao,  alcangou  commuta^ào  da 
penna  em  degredo  para  o  Brasi!. 

Este  lastimoso  acontecimento.  que  tirou  ao  Fuucbal  mais  d'um  mi- 
Ihao  de  cruzados  roubado  em  ouro,  prata  e  generos  da  sua  produc^ào, 
alem  da  perda  de  quazi  trezentos  dos  seus  habitantes,  foiem  parte  cau- 
sa da  introducgao  dos  Jesultas  na  ilha.  Tinha  vindo  com  o  capitao  Joao 
Gongalves  o  Padre  Naxera,  membro  da  Companhia;  o  qual  com  as  suas 
predicas  e  exhortacoes,  consoia^ao  unica  nos  grandes  males,  conciliou 
tanto  a  afleicuo  do  povo,  que  pediu  a  fundac^o  d'um  collegio  no  Fun- 
clial.  Escreveu  EURet  D.  Sebastiao  em  1568  a  S.  Francisco  de  Borja, 
entao  geral,  para  a  erec^ao  deduas  casas  da  companhia  de  Jesus,  urna 
na  Madeira,  e  outra  em  Angra;  porem  afaltadepessoas  habilitadas  para 
este  flm  fez  demorar  o  projecto,  que  so  teve  effeito  em  1570.  N'este 
anno  partiram  de  Lisboa  a  9  de  Marco  os  Padres  Manuel  de  Siqueira 
para  o  logar  de  Reìtor,  Pedro  Quaresma,  professor  de  tlieologia  moral, 
Melchior  de  Oliveira  para  confissoes  e  exercicios  espiritnaes,  Vasco  Ba- 
ptisla,  ainda  Diacono,  para  o  ensino  de  latim  e  rhetorica  com  mais  dois 
companhciros,  que  chegaram  a  ilha  a  18  domesmo  mez.  Nao  sendoad- 
mittidos  na  cidade  por  c^usa  da  peste,  que  grassava  em  Porlugal,  esti- 
veram  vinte  quatro  dias  em  uma  caza  dos  suburbios  pertencente  a  Fer- 
nao  Favella,  proxima  ao  logar,  onde  està  hoje  a  forlaleza  do  Pico;  e 
d'atli  passaram  para  a  albergarla  dos  clerigos  pobres  annexa  à  capeila 
de  S.  Bartholomeu,  fundada  por  Concaio  Ànnes  de  Vellosa. 

Àlugaram  a  caza  unida  a  egreja  de  S.  Sebastiao,  na  qual  abriram  as 
aulas  de  thcologia,  e  de  lingua  latina  dividida  em  duas  classes,  a  G  de 
Maio  do  mesmo  anno,  dia  em  que  a  egreja  celebra  a  festa  de  S.  Joao 
Evangelista,  que  por  està  circumstancia  foi  o  tilular  do  magnifico  tem- 
pio do  Collegio,  que  depois  construiram;  e  o  Diacono  Vasco  BaptisU 
fez  a  oracao  d*abertura  em  latim.  N'este  anno  chegou  tambem  a  13  de 
Junho  a  armada  de  Luiz  de  Vasconcellos,  em  que  vinbam  de  passagem 
para  o  Brazil  o  celebre  Padre  Igpacio  de  Azevedo,  que  a  ^reja  conta 


A  HISTORIA  INSULAXA  399 

hoje  no  glorioso  numero  dos  seus  marlyres  com  trinla  e  noves  socios, 
que  todos  foram  recebidos  e  hospedados  na  mesma  caza.  Serviu  de  gran- 
de auxilio  a  chegada  d'estes  collaboradores  do  evangelho,  por  se  liaver 
annunciado  n'este  anno  oJQbileuuniversalna  iiha;  e  sahindo  ellesaSOdo 
inesmo  noez,  soITreram  o  martyrio  deseseis  dias  depois  à  vista  de  Palma* 
urna  das  ilhas  Canarias,  sendo  tomada  a  nau  de  viagem,  em  que  liiam, 
pelos  calvinistas  francezcs  commandados  por  Jacob  Soria. 

£i-Rei  D.  Sebastiam  tinlia  consìgnado  por  carta  regia  de  20  d'Agos- 
to de  15G9  a  qaantia  de  seis  centos  mil  réis  annuaes  para  dotacào  do 
Collegio,  OS  quaes  seriam  pagos  em  fructos  pelos  precos  correntes.  Pos- 
teriormente obtiveram  os  dizimos  da  freguezia  da  Ribeira  Brava  pela 
pensao,  exceptuando  a  redizima,  que  pertencìa  ao  capitào  donatario,  e 
as  poTQoes  congruas,  que  se  pagavam  aos  ecclesiasticos,  Com  este  di- 
nheiro,  e  mais  ainda  com  doaQoes,  e  copiosas  esmolas,  que  osmembros 
da  Companhia  receberam,  o  reìtor  Manoel  de  Siqueira  lauQou  a  primeìra 
pedra  do  grandioso  Collegio  e  egreja  de  S.  Joao  Evangelista,  em  qne  se 
trabalhou  com  tanta  actividade,  qne  em  menos  de  dois  annos  estavam 
promptas  as  accommoda^ues  necessarias  para  receber  a  communidade. 
Ksles  trabaihos  porem  coatinuaram  ainda  à  chegada  do  novo  Reìtor,  o 
Padre  Fedro  Rodrigues,  e  ^caram  conciuidos  em  1578.  Enlre  os  muilos 
hemreitores  da  Companhia  bobresairam  tres  senhoras  muito  rìcasdailha, 
D.  Ilelena  de  Bittancourl,  viuva  de  Antonio  d  Andrade  da  Silva,  do  qual 
nào  teve  fìlhos;  e  suas  cunhadas  D.  Brites  e  1).  Isabel  da  Silva,  ambas 
sotteiras,  e  fìlhas  de  Martim  Goncalves  de  Andrade;  que  despenderam 
com  OS  Jesuitas  a  maior  parte  da  sua  fazenda.  Jazem  sepultadas  na  ca- 
pella-mùr  da  egreja  em  tumulo  de  marraore  com  as  armas  da  sua  fami- 
lia.  e  um  epitalio,  em  que  se  diz;  que  a  mesma  D.  Helena  Tundàra 
a(]uella  capella;  e  que  suas  cunhadas  tinharti  sido  insignes  bemfeitoras 
da  egreja  e  collegio. 

Liv.  3,  cap.  15,  num.  95 

Para  concluirmos  asta  successao  dos  Capitaes  Donatarios  até  o  tem- 
po, em  que  Filippe  2.^  occupou  o  throno  portuguez  depois  da  morte  do 
Cardeal  U.  Henrtque,  accrescentamos  aqui  està  nota  para  darmelhoror- 
dem  a  està  materia,  e  suprir  algumas  omiss5es  do  autbor. 

Os  capitSes  Donatarios  deixaram  de  residir  na  Madeira  desde  que 


400  NOTAS 

Simao  Goncalves  da  Camara  foi  feito  em  1575  primeiro  Conde  de  Villa* 
nova  da  Calheta  com  duas  rezervas  na  lei  mental.  Havia  com  licenza  re- 
gia nomeado  em  15G0  para  governar  em  seu  logar  a  Francisco  Concai- 
ves  da  Camara,  em  tempo  do  qual  foi  o  Funchal  saqueado  pelos  Dugue- 
noles,  corno  dissemos  no  capitalo  antecedente  num.  88;  e  blleceu  Simào 
Conca  [ves  em  Lisboa  a  4  de  Marco  de  1580.  Succedeu-ihe  corno  se- 
gando Conde  e  sexlo  Capitào  Donatario,  seu  filho  Joao  Concalves  da 
Camara,  casado  com  D.  Maria  de  Alencastre,  e  em  tempo  d'este  gover- 
Dou  em  seu  nome  a  donataria  Rui  Dias  da  Camara,  seu  irmao;  o  qual 
tinha  entrado  na  administragao  da  mesma  d'esde  1579,  em  que  fallece- 
ra  Francisco  Concalves.  Foi  em  tempo  de  Rui  Dias,  que  os  Donatarios 
cessaram  de  governar  as  respectivas  capitanias  do  Funchal  e  Macbico, 
nomeando  Filippe  2.°  governadores  geraes,  que  ao  depois  o  foram  só- 
mente  no  civiL 

Succedeu  nos  direitos  da  donataria  Simao  Concalves  da  Camara,  ter- 
ceiro  Conde,  e  setimo  donatario,  ainda  menino,  de  quem  o  author  Talln 
n'este  numero  em  ultimo  legar.  Este  porem  casou  com  D.  Maria  de  lle- 
nezes,  da  qual  teve  Joào  Concalves  da  Camara;  que  succedeu  a  seu  pae, 
e  foi  quarto  Conde  e  oilavo  donatario;  o  qual  n3o  teve  varao  do  seu  ma- 
trimonio, e  passou  a  donataria  a  sua  Riha  mais  veiha  em  consequencia 
da  reserva,  qne  fizera  D.  Sebastiao  na  lei  mental.  Està  cbamada  D.  Ma- 
rianna de  Alencastre,  que  ficou  sendo  nona  donataria,  e  quinta  condessa 
da  Calheta,  havendo  casado  com  Joao  Rodrigues  de  Vasconcellos,  Conde 
de  Castello  Mclhor,  reuniu  os  duis  titulos,  que  conserva  hojc  osta  dis- 
tincta  faniilia,  sendo  o  primeiru  elevado  à  classe  dos  Marquozes. 

Nomeou  enlao  Filippe  2.^  depois  de  occupar  o  Ihrono  de  Torlugalo 
Desembargador  Joao  Leilao  com  o  posto  de  governador  goral,  adminis- 
Irador  da  Fazenda.  e  julgador  nas  causas  civis  e  crimes;  o  que  ludo 
exerceu  atù  1582.  N'este  anno  receando-se,  que  a  armada  Franceza  pro- 
curasse invadir  a  Madeira,  foi  mandado  D.  Agoslinho  de  Herrera,  Conde 
de  Lancarole,  e  Forte  Ventura  por  general  das  armas,  conservando  o 
governador  unicamente  as  attribuicocs  da  administracào  civil  e  Fazendo. 
Porem  cessando  o  medo  dos  Francezes,  quo  abandonaram  a  causa  do 
infante  D.  Antonio,  que  fura  pretendente  à  corea,  voHou  o  mesnio  Con- 
de para  Hespanha;  e  foi  de  novo  restituido  ao  exercicio  do  seu  cargo  o 
mesmo  Desembargador  Jo3o  Leit5o,  que  anteriormente  o  occupava;  e 
assim  continuou  ale  1585,  em  que  a  19  d*OutubrO  se  expedìu  Patenle 


A  HISTORIA  INSULANA  401 

a  Trislao  Vaz  da  Veiga,  a  quem  tinha  sido  dada  a  doDataria  de  Machico» 
corno  0  autlìor  jà  disse  no  capitulo  9,  num.  63.  Tomou  este  posse  a  22 
de  Novembro  do  mesmo  anno,  e  goveroou  até  20  d'Agosto  de  1591, 
em  que  Ibc  succcdeu  Antonio  Pereira  de  Berredo  por  Patente  de  30  de 
Dezembro  de  1590,  e  posse  de  21  d'Agosto  de  1591,  o  qual  govemou 
a  liba  da  Madeira  até  20  d'Abril  de  1595. 

0  pequeno  espaco,  de  qae  podemos  dispor,  assim  corno  os  limites, 
que  devem  ter  as  notas,  nSo  permittem  dar  aqai  a  successSo  dos  go- 
veniadores  da  Madeira  depois  de  Antonio  Pereira  de  Berredo,  cuja  no- 
menclatura sómente  bastaria  para  encher  algumas  paginas,  e  dos  qnaes 
nao  trata  este  author.  E  pela  mesma  razSo  tambem  deixamos  de  fallar 
da  parte  ecclesiastica,  com  que  oauthorrematao  ultimo  capitolo,  porse? 
0  mesmo  tao  falto  de  ordem,  e  tam  omisso,  qoe  d3o  poderìa  servir  de 
baze  a  qualquer  trabalho  n'este  genero. 


FIM 


26 


i 


INDICE 

DOS 

CAPITALO»  <IUE  SE  COUTTGII   IV  ESTE  VOLUME 

LIVRO  VI 

Da  ilha  Terceira,  cabeca  das  Terceiras. 

Cap.  I.  Do  descubrimento,  nomes,  e  Àrmas  da  liba  TereeJra   .    .  5 

Gap.  II.  Do  primeiro  Donatario,  e  Povoadores  de  toda  a  Ilha  .  .  7 
Gap.  ni.  Dos  Gapilaes  Donatarios  de  so  a  Capitania  da  Praia,  da 

llhaTerceira 14 

Gap.  IV.  Dos  Capitaes  de  Angra,  Corlereaes,  da  Terceira  .  .  .  i7 
Gap.  V.  Descreve-se  a  Gapitania  da  Praia,  e  suas  Povoagoes  pelo 

Noroestc,  e  Norte,  atè  acabar  passado  o  Leste  da  Illia  Terceira,  20 

Gap.  vi.  Da  nobre  Villa  da  Praia,  e  termo  de  sua  Gapitania  .  •  25 
Gap.  vn.  Gomega  a  Gapitania  de  Angra,  desde  a  Villa  deSao  Sebas- 

tiao  ató  a  Gidade ^    ...»  29 

Gap.  vni.  Das  fortalezas  que  cercao  por  mar^  e  terra  a  Gidade  de 

Angra 32 

Gap.  IX.  Da  maior  Fortaleza,  ou  Gastello  de  Angra 34 

Gap.  X.  Da  famosa  Gidade  de  Angra,  e  seu  nome 39 

Gap.  XI.  Do  governo  Kcclesiastico  de  Angra,  e  de  seus  Bispos  so- 

bre  lodas  as  nove  llhas  Terceiras,  ou  dos  Agores 48 

Gap.  xn.  Do  estado  religioso  que  ha  em  Angra 5fi 

Gap.  XIII.  De  outros  Reìigiosos  Conventos  de  Angra 63 

Gap.  XIV.  Do  Irato,  e  governo  da  Gidade  de  Angra 68 

Gap.  XV.  Acabava  a  descriprao  da  Gapitania  do  Angra  pelo  Sul,  e 

Gesto 7> 

Gap.  XVI.  Do  Gertao  interior,  e  fertilidade  da  IHia  Teixeira .  .  .  /9 
Gap.  XVII.  Dos  Bruges,  Aifas,  Paims,  e  Teves,  e  dos  Uomcns»  Ca- 

meras,  Dornellas,  Noronhas,  Pamplonas,  e  Fonsecas  ...  88 
Gap.  xvui.  Dos  Gortereaes,  Costas,  Silvas,  Monizcs,  Barretos,'^ 

Sampaios,  que  se  conscrvao  na  Ilha  Terceira    ....        •  9*^ 


404  INDICE 

Gap.  XIX.  Dos  Cantos,  e  Castros  de  ÀDgra,  e  familias  d'onde  vem, 
e  que  vem  d'elles 90 

Gap.  XX.  Dos  Borges,  Gostas,  Abarcas,  Pachecos,  e  Limas,  Yelhos, 
e  Mellos,  e  de  outros,  HomeDS  Gostas 104 

Gap.  XXI.  Dos  Gastellosbrancos,  Garvalhaes,  Lobos,  Silveiras,  Espi* 
nolas,  Lemos,  e  dos  Betencores,  Dornellas,  e  outros  .    .    .    .110 

Gap.  XXII.  Dos  Vasconcellos  da  Terceìra,  e  familias  que  d'elles  des- 
cendem.  Dos  Regos,  Baldayas,  Gamellos,  Pereiras,  Sousas,  e 
ouUros    .    .    , 117 

Gap.  XXIII.  Dos  Barretos  liados  com  a  Real  casa  do  Santo  Borja.  E 
do  tronco  dos  Fonsecas,  Vieiras,  Machados,  Pachecos,  e  ainda 
dos  Gantos 121 

Gap.  XXIV.  Da  familia  dos  Cordeiros,  e  Espinosas 127 

Gap.  XXV.  Das  guerras  que  a  Terceira  experimentou,  especialmen- 
te pelo  S^ohor  D.  Antonio,  e  Goroa  de  Portugal  contra  a  de  Gas- 
tella 139 

Gap.  XXVI.  Das  primeiras  Armadas  que  invesUrSo  a  Uba  Terceira, 
e  da  fatai  baUlba  das  Armadas  Reaes  defronte  de  S3o  Miguel  .  142 

Gap.  xxvu.  De  huma  parcialidade  que  bonve  em  Angra  contra  o 
Senbor  D.  Antonio;  e  da  morte  de  bum  fidalgo,  e  perseguif3o 
contra  o  GoUegio  da  Gompanhia  de  Angra 147 

Gap.  xxvin.  Da  chegada,  recebimento,  e  Assistencia  do  Senbor  D. 
Antonio  na  Uba  Terceira,  e  de  sua  partida  para  Franca   ...  151 

Gap.  XXIX.  Da  ultima  Armada,  e  batalba,  que  Gastella  deu  à  Uba 
Terceira,  e  a  rendeu 155 

Gap.  XXX.  Do  mais  que  succedeu  em  a  Terceira,  e  llbas  annexas;  e 
da  ida  a  Gastella  e  Portugal,  e  casamentodeD.  Violante  do  Canto 
e  Silva , 159 

Gap.  XXXI.  Da  gloriosa  AcclamaQao  dei-Rei  D.  Joao  IV  naiiha  Ter- 
ceira   16C 

Gap.  xxxii.  Gomena  a  guerra  pelas  trincheiras:  rende-se  o  Castello 
de  Sao  Sebasti3o;  e  acclama-se  el-Rei  D.  Joao  o  IV  na  Sésolem- 
nemenle 170 

Gap.  xxxni.  Da  Acclamacao  feita  em  oulras  Ilhas,  e  soccorro  que 
mandarao  à  Terceira;  e  do  que  succedeu  a  dous  navios  que  està- 
vao  no  porlo  de  Angra 175 

Gap.  xxxiv.  Do  primeiro  soccorro  que  veio  deCaslelIa,  e  foi  torna- 
do pelos  nossos;  da  Armada  pela  liha  constituida,  e  vinda  do  Pa- 
dre Francisco  Cabrai 176 

Cak  XXXV.  De  varios  rebates,  e  choques  que  houve  entao  n'esle 
ceico,  e  do  segundo  soccorro  de  Castella,  que  Angra  lomou  ao 
Gas\ello 170 

Cai».  xx\vi.  Do  aviso  quo  o  Castello  mandava  a  Castella,  que  Ilio 


DOS  CAPITULOS  D'ESTE  VOLUME  4055 

Pag. 

tomou  a  Cidade;  e  de  outros  successsos  d'este  cerco  ....  183 
Gap.  XXXVII.  Dos  successos  d'este  cerco  desde  o  firn  de  Agosto  até 

0  flm  de  Novembro ^  186 

Gap.  XXXVIII.  Das  investidas  que  os  nossos  fizerao  aos  ReductosCas- 

telhanos,  e  das  embaixada^,  escritos,  e  pessoas,  que  o  Visitador 

da  Companbia  de  Jesus  fez  ao  Castello 189 

Gap.  xxxix.  Da  ultima  resolucao  da  Fortaleza,  e  conclusao  de  sua 

entrega,  e  estado  em  que  ficou  a  Terceira 102 

Gap.  xl.  Das  circumstancias  gloriosas,  com  que  a  Terceira  reudeo 

està  grande  Fortaleza,  e  que  despachos  se  Ihe  derao  .  .  .  .  19i 
Gap.  xli.  Das  pessoas  mais  insignes  em  valor,  e  santidade  que  da 

Uba  Terceira  tera  sabido 197 

Gap.  xlii.  De  outros  sujeitos  iusignes  em  santidade  da  dita  liba 

Terceira 201 

Gap.  xliii.  De  muitas  mais  pessoas  em  perfeic^o  illuslres,  que  da 

Terceira  sabirio 206 

Gap.  xliv.  Do  illustrissimo  Martyr  Joao  Bautìsta  Macbado  .  .  .213 
Genealogia  do  Invicto  Martyr 221 

LIVRO  VII 

Das  ìthas  de  S.  Jorge  e  Graciosa. 


Gap.  i.  Do  descubrimento,  altura,  e  grandeza  da  Uba  de  S.  Jorgo.  23ri 

Gap.  II.  Dos  primeiros  Povoadores,  e  Povoafoes  da  tal  liba    .    .  237 

Gap.  III.  Dos  tremores  de  terra,  e  outros  iofortunios,  que  teve  a 
Uba  de  Sao  Jorge 239 

Gap.  IV.  Das  exceliencias  da  Uba  de  Sao  Jorge 241 

Gap.  V.  Da  nobilissima  Uba  cbamada  Graciosa=Da  situagao,  gran- 
deza, costa,  e  nome  da  tal  Uba.     . 243 

Gap.  vi.  Das  povoa^oes,  e  interior  da  Uba  Graciosa,  e  sua  fer- 
tiUdade 245 

Gap.  vii.  De  quando,  e  quem  descubrio  a  Graciosa,  e  de  seus  pri- 
meiros Donalarios 247 

Gap.  viii.  Da  nobreza,  e  qualidade  dos  primeiros  Donalarios,  So- 
drés,  Barretos,  Correas,  Gunbas,  Pereslrellos,  Furtados,  Mendo- 
Cas,  e  outros  Povoadores  da  Uba  Graciosa 2S0 

Gap.  IX.  Dos  outros  Gapitaes  Donatarios  da  Graciosa,  e  dos  Fer- 
reiras,  e  Mellos  que  da  Graciosa  passarao  a  Terceira,  e  de  seus 
Kegios  troncos,  e  ascendenles 254 

Gap.  X.  Gonclue-sc  coro  os  nobres  Povoadores  da  Uba  Graciosa, 
Vasconcellos,  Espinolas,  Sousas,  e  outros  de  Porlugal,    .    .    .261 


406  INDICE 

LIVRO  Vili 

Dos  Ilhas  do  Paial  e  Pico 

Pai. 

Gap.  I.  Da  altura,  grandeza,  e  costas  da  Uba  do  Faial,  e  soa  Villa 

de  Horla,  e  interior  da  liba * 267 

Gap.  II.  De  quando,  e  por  quem  se  descobrio  a  Uba  do  Faial  .    .  272 

Gap.  ih.  Dos  illustres  GapitSes  Donatarios  do  Faial 27i 

Gap.  iy.  Dos  outros  primeiros,  e  mais  nobres  Povoadores  do  Faial, 

Utras,  e  Quadros,  Silveiras,  e  Gunbas,  e  Bohemias 277 

Gap*  V.  Dos  Bruns  e  Frias,  Pereiras  Sarmentos  da  Uba  do  Faial  .    .  282 

Gap.  vi.  Das  mais  excellencias  d'està  Uba  do  Faial 267 

Gap.  vn.  DoDescubrimento,  altura,  e  grandeza  da  fatai  Uba  do  Pico.  289 

Gap.  vili.  Das  Villas,  e  Liigares  da  Uba  do  Pico 291 

Gap.  IX.  Do  interior,  e  clima,  fertilidade,  e  fructos  d'està  Uba  .  .  294 
Gap.  X.  Do  altissimo  Pico,  e  do  tremor,  e  fogo,  que  nao  n'elle,  mas 

na  liba  bouve 296 

Gap.  XI.  Dos  Povoadores.  riqueza,  nobreza,  e  governo  da  Uba  do 

Pico \ 299 

LIVRO  IX 

Das  Ilhas  Flores,  e  Corvo^  e  das  que  se  espera  descubrir  de  novo 

Gap.  I.  Da  altura,  grandeza,  e  primeiro  descubrimento,  ou  povoagao 

da  Uba  das  Flores 305 

Gap.  II.  Das  Gostas  maritimas,  e  Póvos  interiores  d'està  Uba,  e  seus 

frutos 307 

Gap.  ih.  Do  governo  Ecclesiastico,  civil,  e  militar  que  baemas  Flores  310  J 
Gap.  IV.  Da  qualidade,  ou  nobreza  das  familias  que  povoarao  as  Flores  3ii  ' 

Gap.  V.  Da  Uba  que  so  se  cbama  o  Corvo 315 

Gap.  vi.  Do  unico  lugar  junto,  rendimentos,  e  frutos  da  dita  Uba  .  3i7 
Gap  vii.  Dos  Donatarios,  e  trato  d'estas  duas  Illias  Corvo,  e  Flores  .  319 

Gap.  vm.  Das  Ilhas,  que  se  espera  descobrir  de  novo 321 

Gap.  IX.  De  outras  Ilhas,  que  ha  n'este  nosso  Oceano  por  descu- 
brir ainda 323 

Gap.  X.  Compendio  da  Historia  das  Ilhas,  para  o  juizo  que  para  se 

conservarem,  se  deve  formar  d'ellas.    . 3i'» 

Gap.  XI.  Continua-se  o  Compendio  antecedente 327 

Gap.  XII.  Gonclusao  do  Compendio  acima 330 

Gap.  XIII.  Do  com  que  se  deve  acodir  à  espiritual  nccessidade  das 

Ilhas  Terceiras 33i 

Gap.  XIV.  Complemento  do  governo  Ecclesiastico  das  Ubas  Tercci-