This is a digitai copy of a book that was preserved for generations on library shelves before it was carefully scanned by Google as part of a project
to make the world's books discoverable online.
It has survived long enough for the copyright to expire and the book to enter the public domain. A public domain book is one that was never subject
to copyright or whose legai copyright term has expired. Whether a book is in the public domain may vary country to country. Public domain books
are our gateways to the past, representing a wealth of history, culture and knowledge that's often difficult to discover.
Marks, notations and other marginalia present in the originai volume will appear in this file - a reminder of this book's long journey from the
publisher to a library and finally to you.
Usage guidelines
Google is proud to partner with libraries to digitize public domain materials and make them widely accessible. Public domain books belong to the
public and we are merely their custodians. Nevertheless, this work is expensive, so in order to keep providing this resource, we bave taken steps to
prevent abuse by commercial parties, including placing technical restrictions on automated querying.
We also ask that you:
+ Make non-commercìal use of the file s We designed Google Book Search for use by individuals, and we request that you use these files for
personal, non-commercial purposes.
+ Refrain from automated querying Do not send automated queries of any sort to Google's system: If you are conducting research on machine
translation, optical character recognition or other areas where access to a large amount of text is helpful, please contact us. We encourage the
use of public domain materials for these purposes and may be able to help.
+ Maintain attribution The Google "watermark" you see on each file is essential for informing people about this project and helping them find
additional materials through Google Book Search. Please do not remove it.
+ Keep it legai Whatever your use, remember that you are responsible for ensuring that what you are doing is legai. Do not assume that just
because we believe a book is in the public domain for users in the United States, that the work is also in the public domain for users in other
countries. Whether a book is stili in copyright varies from country to country, and we can't offer guidance on whether any specific use of
any specific book is allowed. Please do not assume that a book's appearance in Google Book Search means it can be used in any manner
anywhere in the world. Copyright infringement liability can be quite severe.
About Google Book Search
Google's mission is to organize the world's Information and to make it universally accessible and useful. Google Book Search helps readers
discover the world's books while helping authors and publishers reach new audiences. You can search through the full text of this book on the web
at|http : //books . google . com/
Està é urna còpia digitai de um livro que foi preservado por geragòes em prateleiras de bibliotecas até ser cuidadosamente digitalizado
pelo Google, corno parte de um projeto que visa disponibilizar livros do mundo todo na Internet.
0 livro sobreviveu tempo sufìciente para que os direitos autorais expirassem e eie se tornasse entào parte do domìnio pùblico. Um livro
de domìnio pùblico é aquele que nunca est ève sujeito a direitos autorais ou cujos direitos autorais expiraram. A condigào de domìnio
pùblico de um livro pode variar de paìs para paìs. Os livros de domìnio pùblico sào as nossas portas de acesso ao passado e representam
uma grande riqueza histórica, cultural e de conhecimentos, normalmente difìceis de serem descobertos.
As marcas, observagòes e outras notas nas margens do volume originai aparecerào neste arquivo um reflexo da longa jornada pela qual
o livro passou: do editor à biblioteca, e finalmente até voce.
Diretrizes de uso
0 Google se orgulha de realizar parcerias com bibliotecas para digit alizar materiais de domìnio pùblico e tornà-los ampiamente acessìveis.
Os livros de domìnio pùblico pertencem ao pùblico, e nós meramente os preservamos. No entanto, esse traballio e dispendioso; sendo
assim, para continuar a oferecer este recurso, formulamos algumas etapas visando evitar o abuso por partes comerciais, incluindo o
estabelecimento de restrigòes técnicas nas consultas automatizadas.
Pedimos que voce:
• Faga somente uso nào comercial dos arquivos.
A Pesquisa de Livros do Google foi projetada para o uso individuai, e nós solicitamos que voce use estes arquivos para fins
pessoais e nào comerciais.
• Evite consultas automatizadas.
Nào envie consultas automatizadas de qualquer espécie ao sistema do Google. Se voce estiver realizando pesquisas sobre tradugào
automàtica, reconhecimento ótico de caracteres ou outras àreas para as quais o acesso a uma grande quantidade de texto for ùtil,
entre em contato conosco. Incentivamos o uso de materiais de domìnio pùblico para esses fins e talvez possamos ajudar.
• Mant enfia a atribuigào.
A "marca dàgua" que voce ve em cada um dos arquivos é essencial para informar as pessoas sobre este projeto e ajudà-las a
encontrar outros materiais através da Pesquisa de Livros do Google. Nào a remova.
• Mantenha os padròes legais.
Independentemente do que voce usar, tenha em mente que é responsàvel por garantir que o que està fazendo esteja dentro da lei.
Nào presuma que, so porque acreditamos que um livro é de domìnio pùblico para os usuàrios dos Estados Unidos, a obra sera de
domìnio pùblico para usuàrios de outros paìses. A condigào dos direitos autorais de um livro varia de paìs para paìs, e nós nào
podemos oferecer orientagào sobre a permissào ou nào de determinado uso de um livro em especìfico. Lembramos que o fato de
o livro aparecer na Pesquisa de Livros do Google nào significa que eie pode ser usado de qualquer maneira em qualquer lugar do
mundo. As conseqùéncias pela violagào de direitos autorais podem ser graves.
Sobre a Pesquisa de Livros do Google
A missào do Google é organizar as informagòes de todo o mundo e tornà-las ùteis e acessìveis. A Pesquisa de Livros do Google ajuda
OS leitores a descobrir livros do mundo todo ao mesmo tempo em que ajuda os autores e editores a alcangar novos pùblicos. Voce pode
pesquisar o texto integrai deste livro na web, em http://books.google.coin/
tftO»l&7f •§
JmMgm
r
./
HISTORIA INSULANA
HISTORIA
I]\SULA]\A
DAS
ILHAS A PORTUGAL SUOEITAS
iNO OCEANO OCCIDENTAL
COMPOSTA PELO
PADRE ANTONIO CORDEIRO
DA COMPAXHIA DE JESl'S
INSl'LANO TAMBEM DA ILIIA TERCEiaA, E EM IDADE 0E 7G ANNOS.
PARA CONFinMACAO DOS BONS COSTCMES, ASSIM MORAES,
C«»M(> SOBI'.ENATIKAES, DOS XOBBES AXTEPASSADOS INSIXANOS, XOS PRESENTES
E KLTIROS DESCEXDEXTES SEUS, E SO PARA A SALVACAO
DE SIAS ALMAS, E MAIOR GLORIA DE DEOS.
VOI.lJMIi; 1
LISBOA
TYP. DO PANORAMA -^MZ do Arco do Bandeira— 1 li
M DCCC LIVI.
4-2.S13
.(LI9
lèéó
/
uy/oF'
PROLOGO AO NOBRE LEITOR
Depois de ter composto a FilosoOa inteira, que dictei na Universi-
<1ade de Coimbra, ha quarenta annos, desde 676 até 680, e a Theologia
Escolaslica, que na mesma Universidade li, até o anno de 696, e a Mo-
ral Theologia, que ensinei na dita Universidade ; e depois dos dous to-
inos que compuz de Resohi(oes Theojuristicas em quatro annos seguin-
tes na Prìmacial Curia de Braga, e em os seffuintes oito na Curia do
Porlo, e jà quasi nove em està Regia Corte de Lisboa, fui obrigado a
Indo dar à imprensa por N. M. R. P. Michael Angelo Tamburino, Pre-
posito Cerai de toda a Companhia de Jesus; e por mais que me escusei
iv)r minha incapacidade e idade, nao tive outro remedio, senao (comò
Religioso) obedecer, e està seja a desculpa, que ao nobre Leitor pe^o,
me admitta. Vejo porém me dirao, que ainda que eu sahisse com os
ciuco tomos referidos (da Filosofia, Theologia Escolastica, e Moral, e
coro OS dous Theojuristicos) parece temeridade o sahir com este sexto
tomo da Historia, e historia vulgar e Insulana; porque com vulgar his-
toria deveria sahir um secular, e d'ella muito erudito, e nao hum Reli-
gioso, e com historia Insulana, hum que Insulano nao fosse, para ser
menos suspeito. Mas.a estas duas duvidas respondo, que se de historia
nao houvesse Authores Religiosos, nem das mesmas Religioes haveria
llistoriadores, e ficaria privada a Christandade da Historia mais util ; e
senao fosse Insulano o que Hisloria Insulana compuzesse, jà por isso
raesmo nào seria entao menos, mas muito mais suspeito, por escrever
o que deveria ignorar mais, pois mais sabe cada hum, ou deve saber,
(la propria casa, do que da alhea, de oulra sorte nao se darla credito
aos Reinoes, Hisloriadores de seus proprios Reinos, mas aos de Reinos
alheios, de que nem tanta nolicia, ou experiencia lem.
Deixados com ludo jà os apontados molivos, que a compòr a Histo-
ria presente me moverào, o principal foi, e ainda he, fata que haja guem
n ella me emende; porque havendo muito mais de trezentos annos que
as Ilhas de que tralamos, se descobrirào, e povoarao; e tendo sahido
d ellas sugeitos muito eminentes, nao so nas armas, governos, enasle-
tras, mas (o que a ludo vence) em a Calhohca Fé, e sanlidade; com tudo
ainda nào houve alégora, quem sahisse com historia d'estas ilhas, mas
so de huma, ou de outra apontamentos alguns, e esses muito diminufos^
e menos examinados, e ainda fabulosos, vendidos por verdadeiros; com
razao logo repito, que o principal motivo de me arrojar a compòr liis-
loria tal, foi para que haja guem fCella me emende, e entao saia perfeita,
e a mais util n3o so a racional vida, nobre e bumana, mas à Christàa e
Catholica, que he o ultimo firn da tal historìa.
E se alguem reparar de se tratar nesta historia de muitas Genealo-
gias, repare tambem que, quando he necessario tfatar d'ellas, até a mes-
ma Sagrada Escritura em o seu velho e novo Testamento, o faz tao dif-
fusamente, comò vemos : darò està que para saber quem forao os des-
cubridores, e povoadores primeiros de huma nova terra, de forca se ha
de dizer de quem elles descendiao, e quem descende d elles» e se mais
se reparar, achar-se-ha, que se nao diz cousa de que alguem possa sen-
tir-se, mas a nobreza e virtude dos ascendentes, pSra que os descen-
dentes as imitem, e se lembrem dos Christaos brios que devem obser-
var ; e a que nao devem desestimar os outros, que so querem ser con-
tados por netos de quem nunca os chamou; e de quem forào chamados,
e iograo suas riquezas, nem os appellidos querem.
Porém disto mesmo alguns dirlo, que o n5o deve examinar pessoa
Religiosa ; e na verdade assim he, quando n3o he necessario : mas nao
he assim, quando necessario o he, comò o faz a mesma Igreja Catholica,
a Inquisi(;3o do Santo Officio, e as Religioes mais puras, que nao sendo
necessario, nunca se mettem n'isso, e sendo-o, o nio fazem, so por nao
publicar defeitos alguns alheios, e menos por Ih'os impor (que isso he
so de gente soberba, ambiciosa e ociosa) ; mas por se conservarem na
limpeza e nobreza, os que a tem, e isto com a verdade pura, e nao com
a infernal emularlo. E porque a verdade ordinariamente se nao acha em
a presente materia, sen5o em os sugeitos de mais annos, de mais lifao
de livros, e de Religiosa consciencia, pode o nobre Leitor dar-se por
seguro, que nao acharà n'esta Historia cousa, de que seu Author duvi-
dasse ser verdade ; e se està com eflfeito faltar em cousa alguma, para
isso (terceira vez o repito) que a compuz, para que haja quem a emende.
Vale.
PROTESTAgAO CATHOLICA E POLITICA
0 Religioso Author d'està Historia, corno sempre firme e fiel Calho-
lico Romano, confessa e protesta, que o senlido, com qiie em alguns
lugares d'ella chama Santos, e ainda Marlyres a alguns sugeitos de in-
signe fama de virtudes, nem foi, nem he outro mais, que explicar a
commua opiniao que ha de suas vidas e mortes : pois declaral-os por
Sanlos, ou por Martyres, so à Santa Madre Igreja Catholica Romana per-
tence, e assim o confessa o Author.
Declaro mais, que, quando em algumas partes d'este livro representa
ao Serenissimo Rei, e Senhor nosso algum outro genero de governo, po-
litico, ou militar, de mar e terra, he so huma humilde proposta, que os
soberanos Princepes estimao ouvir a seus vassallos, que sempre devem
eslar promptos a ouvir, e aceitar as leis de seus soberanos.
Vistas as infofmacées, pode-Se itnprimir o livro intitulado, Historfa
Insnlana, e impresso tornare para se conferir, e dar licenca que corra.
Lisboa 23 de Dezembro de 1716.
Basse Monieiro Ribeiro Rocha Fr. Rodrigo Lancastre Guerreiro.
DO ORDINARIO
Concedemos licenga, para que se possa imprimir o livro, Ilistoria
Insulana, e impresso tornare para se conferir, e darmos licenza que
corra, e sem ella nao correrà. Lisboa 30 de Dezembro de 1716.
M. Bispo de Tagaste.
DO PAgo
Sexhor
Vi por ordem de V. Magestade, a Historia Insulana, que tem composto
0 Padre Antonio Cordeiro da Companhia de Jesus. Dos elogios, cora que
loda a sorte de Escritores celebrou està Religi^o Sagrada, a quem suas
heroicas empresas fizerào verdadeiramente a Primogenita da Igreja, or-
denou o Padre Christovao Comes bum proporcionado volume, porém
de todos OS gloriosos titulos, que n'aquelle livro se achao dados à Com-
panhia de Jesus, nenhum me parece tao proprio comò o do Sol. Ile o
Sol aqnelle Pianeta Principe, cuja substancia he a fonte dos res[)lando-
res. Pelo beneficio dos seus effeitos se conserva o mundo, e a elle se
Ihe deve a preciosa producgao dos metaes, que sao flihos dos seus raios.
Depois de illustrar hum emisferio, para que nào haja parte do mundo,
que nao sinta por experiencia a benegnidade dos seus influxos, quando
parece que acaba no Ocddente, cometa outra nova vida em ulilidade dos
Antipodas. até que comò Feniz das luzes torna a nascer do seu mcsmo
Occaso. Nao se Ihe podem extinguir as chamas, porque sao maiores do
que todo o impeto dos ventos, e do que todo o pezo de hum diluvio.
Os eclìpses sao embara^o da nossa vista, nào sào defeito do seu fogo;
lie constante no seu curso, inalteravel no seu circulo, e ou seja no ber-
co, ou seja no tumulo, sempre he o mesmo na diflerenca das estayocs,
na successao dos tempos, e no giro dos seculos. Todasestas proprieda-
des venera, e admira o mundo na Sagrada Companhia de Jesus, porque
ella desde a sua fundacào foi a oflìcina de todas as sciencias de tal sorte
declaradas e reduzidas a methodo, que podemos dizer, que parecerào
seus filhos OS seus inventores. Assim o dizem com geral acclamacào as
Kscriluras expliradas por Lorino, e por A Lapide, as Historias Rihiicas
de Saliano, e de Cordono, aTheologia Especulativa de Soares, e de Vas-
lì
t|Qes, ^ Polemica de Bellarmino, e de ValenC^i, a Moral de Molma, e de
Sanchcs, a Ascetica de Alvares de Paz, e de la Puente, a Historia Ec-
clesiastica de Bollando, e de Popebrochio, a Profana de MafTeo; e de
Strada, a Filosofia de Fonseca, e de Oviedo, as Mathematicas de Clau-
dio, e de Des Ghales, de maneira que se conhece com evidencia o grande
fur.damento, com que no dia 17 de Agosto do anno de 1716 disse no
pulpito da Casa de Sao Roque a estrella de maior grandeza da minha
Sagrada Congrega^ao, que se n3o podia discorrer solidamente em qual-
qner genero de letras sem os resplandores d'este Sol prodigioso. Pela
religiosa efBcacia d'estes valerosos soldados todos os dias eslamos vendo
destruidos os monstros das heresias com tanta gloria da Igreja, corno
lerror do Inferno, de que resulta conservar-se a pureza da verdadeira
Religiao, e verem-se arrastradas pelo magestoso carro da Divindade as
Ursas do Septenlriao, confundidas as impiedades de Luthero, as blasfe-
mias de Calvino, e as loucuras de Zuinglio. Como se nao bastasse ao
seu zelo, ver-se defendido em Alemanha o rebanbo de Pedro pelos vi-
gilantes latidos de bum Canisio, entrarlo os raios deste mystico Sol a
doutrinar a barbaridade do novo mundo com os milagres de bum Joseph
de Ancbieta, a salvar aos Abexins das superstigoes de Nestorio pela pru-
dencia de bum André de Oviedo, e dando liberdade é impaciencia d'a-
quelle fogo, que herdarao do ardente espirito do seu Patriarcha Santo
Ignacìo, fizerao correr a moeda do Evangelho no Beino antipoda de Or-
rooz pelas maos de bum Gaspar Barzeo, e seguirem-se os Canones da
verdade etema pela doutrina de Marcello Francisco Mastrilhi, e de Ro-
dolfo Acqnaviva, illustrando com Patriarcbas a Ethiopia, com Mestres
aos Doutores da China, e com Apostolos as Ilhas do Japao. Por està
causa nao póde extinguir ao Sol da Companb«a a actividade do seu ar-
der a conjarada malicia de tantos Tyrannos, que se apostarào para a sua
destruic^o em obsequio dos seus idolos; mas de todos esles edipses,
que Ihe causar3o as nuvens da infidelidade, e da inveja da sua grande-
za, Dio se colheo outro fruto, senao sahir excessivamente luminoso a
pezar do odio, e da barbaridade, coroando-se com as palmas de infini-
tos Martyres, que ferlilizarao aquellas searas Evangelicas com as vitorio-
sas correntes do seu sangue. Nao ofTendem a este Sol as nuvens, que
se Ihe oppoem, porque, comò a luz das sciencias, e das virtudes Ihe he
naturai, pouco importào as contradigoes dos que cegào com as suas lu-
zes, pois confusos, e desenganados de o nao poderem offuscar, por si
inesmo sedesvanecem. Todas estas prerogalivas vejo, Senhor, recopiladas
no Padre Antonio Cordeiro, que comò raio procedido d'aquelle Sol dis-
rorreo por todo este Reirjo, allumiando com a sua doutrina as Universi-
dades de Coimbra, e de Evora, os Estudos de Braga, de Lisboa, do
Porto, e OS da sua Patria a famosa Ilha de Angra, e nao satisfeito de
Ihe revelar as sciencias com sublilissimas novidndes. comerou a vjda de
Apostolo nas fervorosas Missoes de Viseu, de Pinhel, de Torres Novas,
HISTOMi
INSULINA LUSITANA
lAWVLO PRIHEIRO
DA CllEACÀO, OU PRINCIPIO DAS ILHAS OCCIDENTAES, TOCANTES
À MO.NAKCIIU PORTUGUEZA.
CAPITOLO I
Das varias opinides, que houce em està materia.
i Primeira opiniSo de muitos Toi, qnc todas as Ilhas que hojc lia
no ninr Oceano Occidental, forao em seu principio partes da terra firme
•la Europa, e Africa, parte3 contigiias eom ella, sem entre ellas. e a ter-
ra firme haver entao mar Oceano algum, corno agora vemos que ha; e
que as Ilhas Terceiras, vulgarmente ch^adas dos Acores, se continna-
vào com a terra da Villa de Cintra, e por està com a serra da Estrella,
(pie em CJnlra vem acabar, e amhas sao serras bem celcbres em Porta-'
jral: e que as Ilhas do Porto Santo, e Madeira erao contiguas coro a ser»
ra de Monchique do Beino dos Algarves; e até das ilhas chamadas Cana-
rias, sente està opiniao que se continuavao com Africa, e erao parte
d'ella; e milito mais sente o mesmo das Ilhas chamadas de Cabo Verde.
i Funda-se està opiniao, em que de outra sorte ficariao fundadas
no ar, e nao poderiao sustentarrse, corno vemos sustentarem-se até ago-
ra. E con(ìrma-se, porque vemos que quem das Ilhas Terceiras navega
a Portugal, vai ordinariamente demandar a Rocha de Cintra, comò cada
parte vai naturalmente buscar ao seu todo: logo d'este todo erao aquel-
ias Ilhas parte, e nHo mediava de antes o Oceano. Està opiniao refere o
Doutor Gaspar Fructuoso, varao na virtude e letras veneravel, de que
em seu lugar faremos a bem devida memoria, e refere-a no seu tomo
maouscrìpto lib. i. cap. 27, cujo originai està no Collegio da Companbia
16 HISTORIA INSIXANA
de Jesus da Cidade de Ponla Delgada da liha de Sao Miguel, qne vi com
atlencao, e todo fielmente copiei.
3 Parece porém nao ler fundamenlo, mais que imag'mario, està opi-
niao, porque para que as Ilhas nSo ficassem fundadas no ar, mas pudes-
Sem sustentar-se, nao he necessario continuarem-se, a ollios vjstos, com
aignroa outra terra firme sem mediar mar algum; pois basta conlinua-
rem-se em o seu proprio, e terreno fundo do mar, do qual fundo so-
bera acima sobre esse mar vastissimo, em o meio do qual ficao feilas
Ilhas, e mais firmes, de algum modo, do que a chamada terra firmi};
porquo. assim corno a terra, que nao tem por cima mar, tem comturlo
allos montes, e entre si mui distantes com profundissimos valles, som
que por isso os montes fiquem fundados no ar, mas em suas proprias
raizes mais lìrmados, e exemptos, do que os infcriores valles: assira tam-
bem a terra, que tem por cima de si ao vasto mar, (pois nào ha mar,
que nao tentia por baixo de si a terra, e mais ou menos a baixo) là se
divide tambem em seus valles mais profundos, e em seus montes tao al-
tos, que sahem sobre o mar, e alguns sobre as nuvens, e formào em
cima as Ilhas, de que algumas sao tao grandes, que excedem a muilas
que chamào terras lìrmes; comò ainda se duvida, se a America, ou o Bra-
zìl he terra firme, ou Ilha; e Ilhas sabemos que sao Inglaterra, Escocia,
e Irlanda, e oulras ainda maiores.
4 E quanto a confirmaQào ^acima opposta, de quo, quem vera das
Ilhas Terceiras para Portugal, vem sempre buscar a Rocha de Cinlra,
comò cada parte ao seu todo: rasào he està indigna de allegar-sc; pois
he argumentar das obras da natureza para as da liberdade humana. e
esla costuma ir buscar a parte aonde tem o iiegocio a que vai; e a na-
tureza sempre vai, e necessariamente demandar o seu centro: e assira
comò seria muito aereo dizer que as ditas Ilhas Terceiras sao parie do
Inglaterra, de Franca, de Hollanda, do Maranhao, de Angola, ou do Bra-
zil, porque a estas partes se vai das ditas Ilhas muito amiudadaraenlc;
assira parece dizer aereo, que, porque das Ilhas Terceiras se vera buscar
a Rocha de Cintra, por isso d'està s5o parte. Nao ha pois que Iratar de
tal opiniao.
5 A segunda opiniSo he tomada ex Dialog. Platonis, deThymeo, e
Elysio, in princip. aonde diz que havia jà nove mil annos, qus os Allie-
nienses tinhào vencido, e subjugado o bellicoso povo da liba Atlanta, e
que houvera està antigamente no Oceano Atlantico, de Africa para o Poen-
uv. I cap. I 17
te; e que os Reis da Atlanta erao tao poderosos, qne vencerao aos Reis
de Hespanha, e senhorearao grande parte d'ella: e no colloquio que in-
titaloQ tambem Atlanta, dìz d^esta Ilha cousas admiraveis. Donde infe-
rirao alguns, com o mesmo Platao, que pois a Atlanta era maior que
Africa, e Asia juntas, estendendo-se desde Cadiz, ou boca do Estreito atè
às que boje chamao Indias de Castella, ou Antilhas, e até às grandes
Ilhas chamadas Isabella, ou S. Domingos, (que tem de comprinaento cen-
to e cincoenta legoas, e de largura quarenta) e a Ilha que boje cbamao
de S. Joao, e outras varias Ilhas; inferirao, que a tal Atlanta occupava
a maior parte de todo o Oceano, e que entre ella, e Hespanha nao ha-
vla mar algum; accrescentando, que a Atlanta se sobvertera com as ira-
mensas aguas que por ella corriào, e com os fataes incendios, e terre-
molos, que dos mineraes de cobre. enxofre, salitre, pedra hume, arre-
bentarao de tal sorte, que todo o seu vastissimo lugar ficou feito bum
mar apaulado, sem em muitos annos se poder por elle navegar; até que
com 0 tempo se purificou a lagoa tao fatai, e ficou bum Oceano Occi-
dental, e navegavel, e n'elle muilas Ilhas, comò reliquias da Atlanta, de
que humas sao as sobreditas Terceiras.
6 Confirmao este juizo com muitos, e mui varios exemplos, tirados
de Antonio Galvao no seu tralado de diversos dcscobrimentos, porque
nao póde negar-se que bouve jà em outros tempos muitas terras, Ilhas,
Cabos, e Angras, ou Enseadas, que desflzerao as aguas, e apartarao hu-
mas das outras, pela pugna naturai da bumidade da agua com a secu-
ra da terra; e assim dìzem muitos, que junto a Cadiz bouve as Ilhas cha-
madas Frodisias, multo povoadas; e que a mesma Uba de Cadiz era an-
tigamente continuada pom Hespanha, e que de Hespanha a Ceuta se con-
tinuava a terra Arme, e se passava por terra; a Uba de Serdenha com
Corsega, a de Sicilia com Italia, Negroponte com a Grecia; e conforme a
Plinio lib. 2 cap. 87 e 100, antigamente se formarao de novo as Ilhas
de Delos, e Rhodes; e a buma o mar cortou da terra, comò a Sicilia da
Italia, a Chipre da Siria; e outras a mesma terra firme livrou do mar pa-
ra si: semelhantemente pois podemos dizer com fundamento, que as Ilhas
Terceiras, ou forao partes da Atlanta, ou de Portugal forào cortadas.
éOL. i
18 HISTORIA INSULANA
CAPITULO li
Da fabulosa Ilha Atlanta.
7 D*esta scgunda opiniao, comò de huma mais larga explica^ao da
primeira, e confirmacao, se póde dizer ser mais falsa ainda, pois ordi-
nariamente huma mentirà so com outra se conQrma; e ainda que a au-
thoridade de Platao he muito grande no que prova com a razao, e me-
reca credito de ter ouvido o que conta que ouvio, nenhum credito me-
rece quera Ih'o disse, pois sao factos, que sem se provarem, nao se crem;
maiormente quando seus fundamentos ou sao manifestamente falsos, ou
sonhos aereos, e contra o commum sentir dos mais Historiadores. Va-
mos pois aos fundamentos.
8 0 primeiro fundamento de Platao he, liaver bm seu tempo ja no-
ve mil annos que os Athenienses tinhao vencido aos moradores da Ilha
Atlanta; e isto he tao falso, que se falla de annos solares de doze mezes
cada hum, nem ainda hoje ha tantos annos que Deos creou o Ceo, e a
terra; e se suppoem que o mundo dura ab seterno, corno parece suppoz
depois seu discipulo Aristoteles, he huma quasi heresia, que se nao pó-
de dizer; se porém falla de annos Egypcios, ou lunares, d'estes nao con-
tcm mais nove mil, que setecentos e ciiicoenta annos solares; e comò
Platao floreceo quatroccntos e cincoenta annos antes da vinda de Chris-
to, que juntos com os ditos 730 fazem mil e duzentos annos solares an-
tes do nascimento do Uedemptor, segue-se que temerariamente disserào
a Platao, fsem escrita historia alguma, ou outra prova) que 750 annos
antes, tinhao ja os Athenienses vencido a Atlanta, pois nem testemuiihas
vivas podiiio ja cntaò ter de 750 annos antepassados; e abaixo veremos
que 1200 annos antes da vinda de Christo, nao tinlia havido tal Atlan-
ta, mas 0 Oceano immediato sempre a Ilcspanha.
9 0 scgundo fundamento he, contar Platao da Atlanta, que estive-
rà antigamente n'esle nesso Oceano, lanf^da desde a boca do Estreito,
6u de Cadiz atò ós Indias de Castella, ou Anlilhas, e que era maior
que Africa, e Asia junlas; e que entro ella, e Ilespanha nao havia mar
algum; mas que, por se sobverter com aguas, e incendios, dcixara o seu
vastissimo lugar feito hum paùl, e por muitos annos innavegavel, ale que
com elles purificado, ficou feito o Oceano Occfdental que hoje temos. Ao
que se responde, que com muita razao a liistoria se comparou a pintu-
LIV. 1 GAP. Il 19
ra, pois 0 11 istoriar sera fundamento, he pinlar comò querer; e quanto
sem fundamento se diga o sobredito.
10 Mostra-se primeiro; porque implica, e repugna cx)m a razao, ter
estado a Atlanta n'esle nosso Oceano, e com tudo ser maior que Africa,
e Asia juntas; pois (corno consta por experiencias) de Portugal a Goa vao
cinco mil legoas, e de Goa a China vao mais de mil, e duzentas; e sabe
Deos quantas vao ainda atè o Qm da firme Asia; e por experiencia tam-
bem consta, que este Oceano lodo nao tem tantas legoas; pois ainda que
a Atlanta nao corresse desta sorte, de Occidente a Oriente, (o que he
conlra o mesrao Platào) mas corresse de nosso Norte ao Sul, ainda por
es a via nao he maior o Oceano, desde o nosso Norte, e Pòlo Arctico até
a terra Austral além do Estreito de Magalhaes da parte do Pòlo Antar-
tico: Ingo se a Atlanta era maior que Africa, e Asia juntas, e o nosso
Oceano he muito menor que ellas, repugna ter estado tal Atlanta no dito
Oceano, salvo se disserem que estava no mais vasto, e alto ar, e ficarà
sua opiniao verdadeiramente aerea.
11 Mostra-se segundo; porque tambem contra a razao naturai he,
que estando a dita Atlanta pegada com Hespanha, som haver mar entre
melo; e estando Hespanha, e Europa com Asia, e Africa pegadas, que
comtndo ainda a tal Atlanta fosse liha; porque Ilha he aquella terra, que
por loda a parte he cercada de agua: « se a Atlanta pegava com Asia, e
Africa, bem se segue que nao era Ilha: e sendo maior que as duas jun-
tas, e nao sendo estas (comò consta) em si llhas, menos o podia ser a
tal Atlanta: e se o mar destruhio huma tal, e tanto maior parte que Afri-
ca, e Asia, com maior facilidade deslruiria alguma d'e^las, que era tan-
to menor que a Atlanta: logo cousa he evidente,, que Atlanta tal nunca
houve em este nosso Oceano; e quo as nossas Ilhas delle nunca forao
partes de tal Atlanta. E se quizerem dizer, que posto que a Atlanta pe-
gasse com Hespanha, pegava comtudo por tam menor distancia, ou por
lingua de terra tao pequena, que a ficava fazendo peninsula, id est, pe-
ne insula, e porisso ainda com rasao a tal Atlanta se chamava Ilha: con-
tra isto està, que ainda (comò dizem) a dita Atlanta em si era maior quo
Africa, e Asia juntas; e se estas sendo menores, ainda nao sào Ilhas. me-
nos 0 podia ser a tal Atlanta maior.
12 Mostra-se terceiro: porque dizer Platao, ut supra, que os Reis,
e povos de Atlanta (por està estar pegada com Hespanha) vencerao os
Beis de Hespanha, e senhorcarao grande parte d^ella, etc, ho falsidade
20 IIISTORIA l:\SULANA
evidente, que comò verdade creo Platao, e (cuidando ser tal) a escre-
veo. Prova-se, porque das historias mais antigas, e geraes do mundo, e
em especialidade de Hespanba, sabemos dos Reis todos que n^elIa hou-
ve até hoje, desde o diluvio de Noe; e de nenhum delles conta Aulhor
algum (mas so o sonhou Platao) que fosse vencido de moradores da Atlan-
ta, nem que com estes tivesse guerras, nem ainda das taes guerras ha
historia alguma, havendo-a de muitas outras guerras: logo so sonhada
he, e nao verdadeifa, tao chimerica Atlanta de Platao.
CAPITULO III
Dos primeiros Reis de Hespanha, e Portugal.
13 Sabemos pois que aos 1636 annos solares da creagao do mundo,
em que acabou a primeira idade d'elle com o diluvio de Noe, reparlk)
este 0 Mundo aos tres seus filhos, Sem, Gham, e Japhet, dando Asia a
Sem, e a Cham a Africa, deo Europa a Japhet, que antes de vir para el-
la, feve ainda là na Armenia bum quinto Albo, chamado Thubal, que es-
colbeo para sua babitafao a mais occidental, e ultima parte da Europa,
que se cbamou depois Hespanba; e comò Deos entao a cada bum con-
cedia copiosa descendencia para reparagao do Universo, entrou Thubal
jà com muilos descendcntes pelo mar mediterraneo alò cbegar ao Estrei-
to de Gibraltar, e desembocar por elle em o vasto Oceano, visto o qual,
e nao querendo ver-se em oulro diluvio corno Japhet seu pai, e seu avo
Noè se tinbào \45to, voltou sobre a mao direita, costeando por mar sem-
pre a terra, e veio a dar em a foz de bum vistoso, e bem espraiado rio,
e aqui, saitando em terra, fundou n'ella buma povoa^ao, a que cbamou
Cethubala, que quer dizer, Ajuntamento, ou Povoacuo de Thubal, Villa
hoje celebre, e celeberrimo porto, seis legoas da Real Cidade de Lisboa.
Està Cetuval porém foi a ordenada Republica primeira que bouve em to-
da a Hespanha, de que foi o primeiro Bei Thubal, aos 143 annos do di-
luvio, e aòs 1801 da creacao do mundo, e 21G1 antes da vinda de Chris-
to Senhor nosso: e reinou Thubal 133 annos, e faleceo aos 300 depois
do diluvio, e foi sepultado no promontorio, ou Cabo de S. Vicente: ten-
do sempre observado a lei da Natureza de bum so Deos, e a lingua He-
brea, e deixando jà povoada muita parte de Hespanba, e muito mais a
està sua primeira, que depois se cbamou a Lusitania.
LIV. I GAP, III 21
14 A este primeiro Rei Thubal succecleo no Rcino de toda Hespa-
Dha sea filho Hibéro, n'ella jà nascido, que Ilibéro se chamou, por no
mesmo tempo ter vindo da Hibéria da Asia a Ilespanha o Gigante Nem-
broth, sbando primo de Hibéro, e neto de Cam, e bisneto de Noè: o
qual Gigante deu tambem o nome ao rio Ebro, e foi chamado Saturno:
corno tambem chamarao a seu bisavó Noe, per ser Saturno nome quo
daTio aos primeiros Fundadoros, e ser Nerabroth fundador de rauilos
povos em a mais Hespanha: comò aos flibos dos fundadores chamavao
Joves, ou Jupiter a cada bum, e as filhas cbamavao Junos, e aos netos
Hercules: e assim fìngirao os Poetas muitas fabulas: mas nao obstanle
vir Nembroth com varias companhias de gente, e serem bem recebidos
de Thubal, sempre este foi o Rei absoluto de Ilespanba, e depois d'elle
sea filbo Hibero, de quem Hespanha se chamou Hiberia: e foi este Rei
0 primeiro inveutor da pescarla, e reinando trinta e tres annos, faleceo
aos 333 depois do diluvio universal.
lo A este segundo Rei de Hespanha Hibéro succedeo seu filho Idu-
beda, ou Jubalda, em cujo tempo morreo em Italia seu tresavò Noè, de
900 annos de idade: e Hespanha se hia povoando muito, e multo mais
por Cantabria, e o que hoje chamao Castella, e reinando 66 annos Idu-
béda, morreo aos iOO depois do diluvio, e aos 1905 antes da vinda de
Christo. A Idubéda succedeo por quarto Rei de Hespanha seu filho Bri-
go, que por mais affeigoado aos Lusitanos, ihes fundou muitas Cidades,
qoe tomavao o sob renome de Briga, corno a Cidade de Lagos no Algar-
ve se cbamou Lagobriga, a de Coimbra Conimbriga, e em grande parte
de Hespaoha veio o nome Briga a significar o mesmo que Cidade: e os-
te Briga foi o que mandou povoar Hibernia, que de outro Hespanhol,
chamado Hiberno, seu descobridor primeiro, tinha jà tomado o nome
de Hibernia. Reinou Brigo 51 annos, e seu filho Tago foi quinto Rei de
Hespanha, e deo o nome ao celebjado rio Tejo: e em trinta annos, que
reinou, mandou povoar Berberia em Africa, Fenicia, e Albania em a Asia.
Succedeo-lhe em sexto Rei de Hespanha seu filho Belo, (chamado por
sobrenome Tardelano) e d'elle toda Hespanha tomou o nome de Beli-
ca, que fìcou a que hoje chamao Andaluzia, e ao rio Belis, que passa
{K)r Sevilha, e a que hoje chamao Guadalquibir, nome Arabigo, que quer
dizer Rio Grande. Reinou pouco mais de trinta annos, morreo aos 2167
da creagao do mundo, 511 depois do diluvio, 17U0 antes do nascimen-
to de Christo: e n'este Rei Boto, sexto Rei de Hespanha, e de Noe neto
24 IIISTORIA INSULANA
tassem a seu filho Hispalo, e foi o undecimo Rei de loda ella, e gover-
nando-a so qualorze annos, Ihe saccedeo seu filho Hispano, ou Hispao,
annos 604 do diluvio, 1702 antes do nascimento de Chrislo, e 22G0 des-
de a creafao do mundo, e fundou lantos povos governando, que d'este
Hispano, e do pai Ilispalo tomou todo o seu Reìno o nome de Hespa-
nha, e de Hespanhoes os moradores, do nome do seu Rei duodecimo
Hispano: reinou trinta e bum annos, e morreo sem deixar fìlhos; o que
sabendo em Italia seu avo Hercules, deixou Italia para vir succeder a seu
neto, e reinar em Pórtugal, e Hcspanha, e n'ella teve ainda o sceptro
vinte annos, e morreo jà velho, no de G56 depois do diluvio, 2312 da
creacao do mundo, e 1670 antes do nascimento de Cbristo; foienterra-
do ém Cadiz; e dos Gentios que vinbao à sua sepultura em romaria, foi
adorado por Deos, e Ihe chamarao os Antigos Apollo Egypciano; e por
suas grandes obras tomàrao muitos depois o nome de Hercules, de que
0 mais celebre foi o Grego Hercules Alceo, filho de Amphitrion, a quem
attribuirao muitas das grandes obras d'este nosso decimo terceiro Rei
Hercules.
20 Por decimo quarto Rei de Pórtugal e Hespanha nomeou Hercu-
les, antes de morrer, a hum irmio, ou parente seu, cbamado Hespero,
\ famoso^ Capit3o, que comsigo tioba trazido de Italia; e este foi o que a
Hespanha deu o nome de Kesperia, ou Hesperida; porém comò d este
Hespero soubesse hum irmao seu, por nome Atlante Italo, que era pou-
co aflfeicoado aos Porluguezes, e Andaluzes, com huns, e oulros veio de
Italia a ajuntar-se, e em varias batalhas despojou do Reino a Hespero,
que para Italia se voltou fugindo, tendo reinado sómente onze annos em
Hespanha, que come^ou Atlante a governar, sendo d'ella o Rei decimo-
quinto, e 0 mais amigo dos Portuguezes, e tanto, que em Pórtugal vi-
via ordinariamente, e d'ahi governava toda Hespanha.
CAPITULO V
Do decimo-quinto Rei de Hespanha Atlante; fundamento
da fabulosa llha Atlanta.
21 E aquì descubro eu o fundamento que teve PlatSo para dizer,
que OS Reis da Uba Atlanta vencerSo aos Reis de Hespanha, e senhorea-
rao grande parte d'ella; porque corno este Bei Atlante de Italia veio por
LIV. I CAP. V 25
mar a Porlugal, e em varias batalhas, ajudado dos Portuguezes, venceo
lolalmente, e despojou ao Rei de llespanha llcspero, Allanla, cuidarao
ser este Atlante: e p6r vir com niuitas gentes por mar, ao tal Atlante
chainarao liha Atlanta, e dos que coni elle vieiào, cuidarao ser da liha
Atlanta moradores, e d'aqui inferirao que os Reis, e moradores da liba
Atlanta venferào aos Ileis de Hespanha, e corno a Italia, entao mais por
mar do que por terra, se coramunicava com llespanha, sendo que tam-
bem por terra se comraunica: d'aqui tambem levantarao, que a liba
Atlanta, sendo Uba, pegava tambem com llespanha; e porque Platao, e
OS seos nab sabiao ainda a largura, e comprimento do Oceano, por isso
nelle cuidarao ter estado a Allanla, que muito maior fingiào do que na
verdade be o Oceano: e emflm, comò jà em tempo de Platao se sabia
nao haver ja tal Atlanta no Oceano, resolverao, e disserao, que tinha si-
de do mar, e de suas proprias aguas, submergida quasi toda; e eis-aqui
porque cuidarao alguns depois, que as Ilhas do Oceano sào reliquias dei-
xadas da Atlanta, sendo tudo pura falsidade levantada nos pés do nosso
Atlante.
22 A este decimo-quinto Rei de Hespanha Atlante cbamavao de an-
les Kilim, e depois, sobre Atlante, Ihe chamarào Italo; porque, comò os
Gregos aos bezerros das vaccas chamem Italos, e Atlante entao fosse se-
nhor de muitos gados, que efao as riquezas d'aquelles tempos, e d'aquel-
las terras, por isso a este Atlante chamavao por sobrenome Italo, e ain-
da à mesma terra que mais abundante era de gados, e bezerros, comò
ainda hoje be, chamarào Italia, e Ihe conGrmou tal nome o mesmo Atlan-
te Italo, quando depois vollou, comò veremos, a governal-a. Estando
pois era Italia llespero, e Atlante em Porlugal, e sabendo este que Hes-
pero fiù hia fazendo senlior de toda Italia, e que Ihe chamava Hesperia
a grande, para distincào da nossa Hesperia, ou Hespanha, (sendo està
muiUj maior do que Italia, pois a nossa llespanha tem quasi trezentas
legoas de comprimento, e Italia tem so 2S5, no largo tem Italia 250, e
su 102 no mais largo, e Hespanha tem de largo 250 legoas, e G30 de
circunferencia, pouco mais ou menos, fallando sempre, e igualmente de
l^oas de quatro milhas cada buma, ao modo Hespanhol) determinou-se
Atlante voltar a Italia, e fazer guerra a Hespero; mas este vcndo-o là, e
com malta soldadesca Portugueza, lego veio bumilde sogeitar-se Ihe, e
flKHTeo d'abi a poucos dias, e Atlante entao casou a Electra, sua Alba
Portagueza, com Saturno fiibo de Hespero, e os màndou povoar, e go-
2(> HISTOUIA INSULANA
vernar certa parte junlo aos montes Alpes, e ficouse Atlante senhor de
loda Italia. ,
23 Tinlia Atlante levado de Portugal comsigó (além da Portugneza
Electra sua filha) a oatra Portugneza filha, chamada Roma: e corno vio,
que està gostava mais de tratar com os Portuguezes, seus naturaes, que
Atlante de Portugal tinha levado, deo-os por vassallos à dita filha Roma,
e Ihes fundou huma povoacao em o monte Capitolino de Italia, e Ihe
deo 0 nome da dita filha, chamando à Povoacao Roma, de que a filha
Portugueza ficou feila senhora; e esle lugar he aquelle, que depois Ro-
raulo, e Remo, celeberrimos irmaos, reedificàrao, e accrescentarao, e he
hoje a famosa Roma, que depois foi cabeca do mundo todo, assento de
seus Emperadores, e hoje de toda a Igrcja Catholica he a cabeQa, e Cor-
to primo fundada, e povoada pela Nagào Portugueza, posto que depois
reedificada pelos dous irmaos Romulo, e Remo. Nem pareca nova està
sentenza, pois muitos Authores dizem que antes de Romulo, e Remo era
fundada jà Roma, e se chamava Valencia, outros, que fora fundada por
huma neta de Eneas, filha de Ascanio, que tinha por nome Roma, outros
que por alguns Gregos, que alli vierao depois de tomada Troya; e ou-
tros, que pela Portugueza Roma, filha do dito Atlante, nascida, e crea-
da em Portugal, comò se póde ver no tom. i da Monarchia Lusitana, lib. i
cap. 10, e se de Constantinopla dizem muitos, com Garibay, lib. ni
cap. 6, que nao foi fundada, mas so reedificada por Constanlino; e que
tambera Lisboa foi so reedificada, e nao fundada primo por Ulysses, nao
he multo que se negue ter sido Roma fundada pelos dous Romulo, e
Remo, quando tao nobre principio Ihe damos, comò huma Princeza Por-
tugueza, filha do grande Rei de toda Hespanha Atlante: de quem se fin-
gem Poetas que sustentàra ao Ceo sobre seus hombros, com verdade
nós diremos que a Roma, comò a cabeca do Ceo da Igreja Catholica, fun-
dou a filha de Atlante, e n'isso mais mostrou ser huma Real Portugue-
za, e Roma bum Regio parto Portuguez.
CAPITOLO VI
Dos seguintes Reis de Hespanha descendentes de Atlante.
24 Antes porém que Atlante voltasse de Portugal para Italia, além
das duas filhas Roma, e Electra; tinha mais bum fillio, aìnda do pou-
LIV. I GAP. VI 27
ca idade, chamado Sicóro; e fazendo-o primeiro acclamar Rei de loda
a Hespanha, se foi acudir a Italia, e n'alia, pela dita Portugueza, fi-
Iha sua Roma, fez primo fundar a Imperiai Koma aos 678. annos depois
do difnvio, 2334 da creagao do mundo, 1628 antes do nascimento de
Christo. Deixo as varias fabulas que d'este Atlante fingirào os Poelas, por
continuar com os antigos Reis de Hespanha para o intento d^ liisloria.
25 Decimo-sexto Rei de Hespanha ficou feito filho de Atlante, e
reinando quareota annos, por este tempo nasceo là em Egypto o Patriar-
cha Moysés; e cà em, Portugal, onde principalmente Sicóro residia, nas-
ceo hum seu filho chamado Sicàno, que (morto o pai) ficou decimo-se-
plimo Rei de loda Hespanha, e com reinar trinta e hum annos, nào teve
em Hespanha guerras, comò nem seu pai Sicóro as tinha: mas porque
os Portuguezes, que tinhao fundado Roma, erao perseguidos là dos Abo-
rigenes, e Enotrios, comarcaos do libre, Sicàno Ihes mandou de cà, de
Portuguezes, e Andaluzes, lai soccorro, e apos este, foi o mesmo Rei
Sicàno com tal exercito, que comò famoso Capitao venceo, e de lodo
deslruhio, nao so aos Enotrios, e Aborigenes, mas aos Giganles Cyclo-
pas, e Lelrigones, que roubavao a Uba Trinacria, (assim chamada entSo
por eslar formada em tres quinas) que agradecida ao Portuguez Sicàno,
sea Restaurador, d'elle se chamou Sicania, nome que o tempo mudou
em Sicilia, e he hoje a famosa Hha d'este nome, nao so restaurada pe-
los Portuguezes, mas por muitos d'elles, que niella ficàrao, novamente
habitada. Dos Cyclopas, (por serem os primeiros que fabricarao ferro,
e broDze, e armas d'elles) fabulizarao os antigos, que tinhao em o meio
da testa hum so olho; que erao os proprios ministros de Vulcano, Deos
do fogo; e que faziào os raios, com que à terra atirava Jupiter, quando
irado. Dos Letrigones se diz que erao povos tao ferozes, o indomitos,
que cornilo carne humana, e comò muito valentes, e huns publicos la-
droes, summamente todos os temiào, e d'elles fingiao muitas fabulas. E
a todos estes comtudo venceo, e desbaratou o Portuguez Rei Sicàno com
OS seus Portuguezes, e Andaluzes; e deixando Roma, e Italia jà liber-
lada, e pacifica, se voltou a Portugal com alguma parte de seu Iriun-
fante exercito, até'que cà morreo, tendo (comò jà dissemos) reinado
triota e bum annos.
26 A este Rei decimo-septimo Sicàno se seguio Siceleo, seu filho,
e foi o decimo-oitavo Rei de Hespanha, quando jà em Italia reinava Ja-
zio filho da Portugueza Electra, irm3o do Rei Sicàro avo do dito Sice-
28 HISTORIA JNSILANA
k'O ; e porque a este Jazìo queria seu irmao DardaDO despojal-o do
Keìno de Italia, pedio Jazio soccorro ao nosso Rei Siceleo, qae pas-
sando logo a Italia com poderoso exercilo fez amigos entra si aos deus
irmaos, seus tios; mas o Dardano malandò pouco depois ao indio Ja-
zio à traìcao, e voltando com muitos Aborìgenes a dar batalha a Sier-
ico seu sobrìnho, foi deste tao vencido, que fugìndo nao parou senao
na Asia, e n'esta fundou huma Cidade, que delle tomou o nome de
Dardania; e de bum neto de Dardano, por nome Trovo, se diamou
Troya, e de Ilo filho de Trovo se denominou //iiim, o qua! Ilo foi pai
de Laomedonte, e avo de Priamo ; e até de bum genro de Dardano,
cbamado Teucro, tomou a dita Cìdade tambem o nome de Tenaria: e
està he aquella Troya laraentada por Eneas, e seu Poeta Virgilio; se
bem póde ainda gloriar-se de ter sido fundafao de bum braco Portu-
guez, qual era Dardano, fìllio de Elcctra, nascida em Portugal, e filha
do sobredito nosso Atlante : que se Uoma foi fundada por huma tal
Portugueza, que Ilio deo seu nome; Troya pelo fllho de outra Portugue-
za Electra, irma de Roma, foi fundada, corno partos do Atlante Portu-
gal. Foi a fundacao de Troya pelos annos de 1509 antes da vinda de
Christo. Ficando pois Siceléo senlior absoluto de Italia, deo d'ella toda
0 governo a Coribantho seu primo, filho do jà morto Jazio, e depois de
alcangadas as vitorias d'aquelics rebellados Aborigenes, em Italia mor-
Tiso 0 Rei Siceh^, deixando declarado Rei de toda a Ilespanha a Luso,
seu filho, que com os mais se veio logo para Portugal.
CAPITULO VII
Do Rei Luso, e sua Lusitana descendencia,
27 Rei decimo-nono de Ilespanha foi o dito Luso, e comefou a reinar
pelos ditos annos do 1309 antes da vinda de Christo, e foi tao celebrada
sua vinda pelos Portuguezes, que o coroarao solemnemente no celebre tem-
pio de Hercules, no Cabo que hoje chamào de S. Vicente; e tao affei-
(joado so raostrou aos Portuguezes. e Ihos fundou tcrras, e povoagoes
tantas, que os mais povos de Ilespanha comegarao a chamar aos Portu-
guezes Lusitanos, e às terras d'estes Lusitania, nome que até hoje con-
senao, assim a terra, comò os moradores d'ella; ainda que alguns di-
zem que do dito Lusd, e do rio Ana, (que he o Betis, ou Guadiana, que
Liv. I CAP. vn 29
era mourisca lingua he rio Ana) tomou està Provincia o nome de Lusi-
tana; outros, que de Lisias tomou o nome, e os moradores de Lusitanos.
28 0 certo he que a antiga Lusitania comprehendia as Cidades do
Badajoz, Albuqnerque, Merida, Guadalupe, Talaveira, Alcantara, Placen-
aa, Samora, Avila, Ciudad Rodrigo, Salamanca, e outros muitos lugares
d aqaella parte de Castella, que chamao Estremadura; e ainda loda Ga-
liza, corno diz o Agiologio Lusitano tom. i. Iloje porém a Lusitania com-
prehende nào so o Reino de Portugal, mas tambem o dos Algarves, e
por outras parles se Ihe accrescentarao a Provincia de Entre Douro, e
Minho, que era da Galiza antiga, e a Provincia de Tras os Montes, que.
era do Reino de Leao, e a Provincia Tarragonense, e outros lugares da
Provincia Belica, ou Andaluzia, que Portugal hoje tem alem do Guadia-
na; e por isso todas eslas terias, e seus moradores conservao o nome
de Lusitania, e Lusitanos.
29 Jaz pois a Lusitania na ultima, e melhor parte de Hespanha,
janlo 30 Oceano, em 33 gràos de altura, e acaba em 42 e bum quinto;
tem hoje de comprimento 91 legoas, da ponla do Cabo de Sào Vicente
para o Norie ale a foz do rio Minho; de mais largo tem trinta e oito le-
goas, da Rocha de Cintra ale a Villa de Alegrete!; em oulra parte tem
trinta e cinco, da barra de Villa do Conde ale a Cidade de Miranda ; e
por oulra parte tem vinte e seis legoas de largo, da foz do Guadiana
ale 0 Cabo de S. Vicente: em circumferencia tem mfls de duzentas e
noventa e huma legoas, (fallando sempre de legoas de quatro milhaS, e
nao menores.) Do mais de Portugal, das Provincias, grandezas, e Nobre-
zas que conlém, e das Monarchias que tem ultraraarinas, e a si sugei-
las, comò o mundo novo em o Brasil, no Maranhào, em Angola, e Ethio-
pia a Alta, e em todo o Oriente, desde Goa ale a China; razao de ser
nào so huma das melhores parles de Europa, mas tambem da melhor
d'ellas, de Hespanha a cabega, por ser quasi loda llespanha hup) Certao
de Portugal, e esle ter os melhores portos d'ella, aonde entravao, habi-
lavao, e sahiao os Reis d'ella; nào he possivel fallar de ludo isto, mas
so nos convem tornarmos a seguinle successao dos nossos Reis, para o
intento que levamos.
30 A Luso pois, (de Hespanha o decimo nono Rei) succedeo Siculo
seo filho no anno de 1476 antes da vinda de Christo, 830 depois do di-
luvio, e 2486 da creacao do mundo. Esle Sìculo imitando a seu avo Si-
oeieo, foi tambem de Portugal com grande Armada, e exercito a Italia,
30 flISTOniA INSULANA
e fez qne os Aborigenes rcslituissem a Roma, e a scus Ilespanhoes, e
Portuguezes quanto Ihes tinhao roubado, e indo logo a Trinaòria, ou Si-
cilia, em batalha acabou de desiruir aos Giganles, que infestavao aquella
Uba, que tendo tornado do nosso Siceleo o nome Sicilia, d'esle Siculo o
conflrmou em Sicnlia, ou corno de antes, Sicilia; e tanto se alargarao os
Portuguezes, e mais Hespanhoes por Roma, qiie aquella terra se chamou,
Latium, cousa larga; e os Toetas fingirao chamar-se Lnlium, do verbo,
Lateo, que significa eslar escondido; porque (conio fabulizao) n'aquella
terra se tinha escondido o Deos Saturno fugindo de seu filho Jupiler,
que 0 vinba perseguindo; ao que alludio Ovidio I Faslor-ìhì: Dieta quo-
que est Latium terra, latente Deo: e Virgilio no 8 da Eneida ibi Latium-
que vocari Maluit, bis quoniam laluisset in oris. Nome que depois se
estendeo a toda Italia. E reinando Siculo sessenta annos, morreo em firn
sem deixar fillio algum, e n'elle se acabou a descendencia do famoso
Luso.
CAPITULO Vili
Dos Inlerregnos que houve em a Lvsilania.
Vendo-se os Lusitanos sem do seu Luso terem descendentc, nao qui-
zerao de puro sentimento eleger mais Rei algum, e comegarao a se go-
vernar em liberdade aos 1416 annos antes da vinda de Cbristo, e aos
890 do diluviof porém toda a mais Hespanba, passados dous annos, eie-
geo por seu Rei bum Capi tao Africano, chamado Testa, e por sobreno-
me Tritao, que reinou na mais Ilespanha sdenta e quatro annos; e Ibe
succedeo Romo, seu lilho, na opiniào de alguns. No anno pois duodeci-
mo do reinado d'esle Romo, por medo dos Andaluzes entrou em Anda-
luzia com grande exercilo de Gregos o Capitào Bacho, de quera fingirao
OS Poetas muitas fabulas, que de outros do mesmo nome se diziao: esle
pois de Andaluzia quiz por vezes entrar em Portiigal, e nào podendo
vencer ao valor Porluguez, usou de tal ardii, que a bum filho seu poz
por nome Lysias, e Ibe mandou que o mais que pudesse, imitasse as
acgoes de Luso, e inventou que seu filho Lysias tinha a alma de Lu-
so, e que separada do corpo se passara para o de Lysias, e seu
nome e acQoes a demonstravam; e comò a demonstravao; e comò Ba-
cho sabia que os Portuguezes entao criao na transmigrafao das almas,
-facilmente tudo Ihes fez crer, e logo elegerao a Lysias por seu Rei, e
nSo so Lusitanos de Luso» mas de Lysias Lusitanos se comerarao a cba-
LIV. I CAI*. Vili 31-
mar, e a seu Reino Lysilania; e este he o senlido, em qiie se devo ex-
por a Oliava vinte e huma do canto terceiro de Camoes, e de outros
qae em materia fallarao variamenle. E conseguido este engano, se vol-
toa 0 astuto Bacho para Italia, e na sua Lysitania ficou Ly.>ias, sendo o
seu vigesimo primeiro Rei, e igovernando alguns annos morreo sem dcs-
cendencia, e tornarao os Lusitanos & sua liberdade, sem querorem ad-
mittir a outro Rei.
32 Tinha em a mais llespanha succedìdo ao seu Rei Romo El-Rei
Palatuo, e contra este indo com hum exercito de Pòrluguezes o Portu-
guez Capilào Licinio, o venceo de tal sorte em bataiha, quo Ihe tirou o
Reino, e o fez sahir fugindo de llespanha; mas com os sous Portugue-
guezes se houve tao ingratamente, que 5iabendo-o Palatuo so voltou a
Portugal, aonde no mesmo tempo aporlou com mais soldados o famo-
so Hercules Alceo, ou Thobano, e juntos ambos com o portuguez exer-
cito derao balalha a Licinio, (a quem chamavào Caco), e jiinto ao Gua-
diana o vencerao, e obrigarào a ir fugindo para Italia; e ainda que Palatuo
ficou restituido ao mais Reino de Hespanha, nunca os Pòrluguezes o
quizerào por seu Rei, mas seconservaraoemsuaamadanberdade;eatéo
mesmo Hercules se foi logo para Italia, onde era Rei Evandro, e encon-
Irando-se la com Licinio Caco, o milou, e d'aqui se levanlaiao as fabu-
las enlre Caco e Hercules, que Virgilio loca em sua Eneida lib. 3, e o
fingir-se de Caco sor fillio de Vulcano, por ser Caco o primeiro, queem
llespanha inventou fazerem-se armas de ferro.
33 Mas he tal a ambigao de governar nos homens, que hum mes-
mo Portuguez tirou aos seus Pòrluguezes sua am'ida liberdade, so por
virser Rei d elles. Era este homem muilo rico, e morador quasi sempre em
0 campo; succedeo ver, e observar por muitas vezes, que abelhas Ih'as
ealravao, e sahiao no tronco aberlo de huma arvore, e indo curioso so
a ver o que alli buscavào, achou huns favos de mei dentro formados,
(cousa ale ali nunca vista, nem sabida em Hespanha) e vendo logo,
e provando o dulcissimo iicor que os favos linhao, se fez nao so in-
venlor, mas prodigioso x\uthor do mei, e o dava a provar, comò hum
manna vindo do Geo ; e tanto se fez respeilar, e venerar, dos Porlu-
goezes, que dentro de pouco tempo o elegerao por seu Rei; e d'ahi a
oilo annos (morto Eritrèo, que no mais Reino de Hespanha succedeo
a Palatuo, seu pai) tambem por seu Rei de Hespanha o elegeo, e sendo
no nome Gorgoris, ficou corno sobrenome o de Mellifluo; mas porque a
32 1 USTORIA INSULANA
Lusilania so de liuma vez esleve oitenta e oito annos, e de outra vez
alguns oulros, governando-se era sua liberdade, por suas leìs, e sem
Rei, è n'estes interregnos leve ainda seus Reis loda a mais Hespanha,
(que forao Testa, Tritào, Homo, Pulatxw, e Eritrèo) por isso 0 Mellifluo
Gorgoris foi de Portugal o Rei vigesinìo segundo, e o vigesimo quinto
de Hespanha loda; e governando setenla e sete annos morreo aos 1227
depois do diluvio; e aos 1079 anles do nascimento de Christo Ssnhor ros-
so. E por estes tempos dizem succòdeo a fundagao de Cartago na costa
de Africa, tres legoas alraz de onde està a Cidade de Tunes, a qual Car-
thago fundarao dous Capitaes da Piienicia, naturaes de Tiro, chamados
Zaro, e Quarquedon. Item succedeo a destruigào de Troya aos 2787 da
crea^ao do mundo, 1131 do diluvio, e M75 antes da vinda de Christo,
e 334 annos depois de fundada pelo grande Bardano.
CAPITULO IX
Da fundaQào de Lisboa em tempo do Malli/luo Rei Gorgoris,
e de Utisses e do Rei Abidis fundador de Santarem.
34 N'este mesmo reinado de Gorgoris, dizem muitos que da des-
truicao de Troya, e da sua liha no mar Jonio, Itaca, veio hum Rei se»
Ulisses langado ao Mediterraneo, e entrando pelo Estreito de Gibraltar
no Oceano, e dobrando sobre a costa Lusitana, veio a dar sobre a gran-
de foz do rio Tejo, e entrando por ella fundou pouco adianle huma Ci-
dade, à qual de seu nome poz o nome de Ulyssea ou Ulyssipo, e niella
ficou por seu primeiro Governador; o que sabendo o Rei da Lusilania
Gorgoris, e acudindo a lanfar fora de seu Reino quem sem licenC'a sua
enlràra n'elle, de lai- sorte o aplacou Ulysses, que Gorgoris nao so Ihe
deu licenca para a fundagao da Cidade que tinha comecado, mas reliran-
do-se com o exercito mandou huma filha sua a Ulysses para casar com
elle, e outras muitas Lusitanas para casarem com os Gregos : e està
Princesa, filha do Rei Gorgoris, he aquella, a quem chama Homéro a
Nympha Calipso; e a quem, debaixo do nome de casta Penèlope, escre-
vendo a seu marido Ulysses, compoz Ovidio a epistola ao principio das
suas Heróidas. Mas porque sahindo, das de Ulysses, algumas nàos de
Gregos a roubar as costas dos Lusitanos, estes se levanlarao con tra aquelles
com tal impelo, que tornando a embarcar Ulysses com muitos dos seus
LIV. I CAI>. IX 33
Grcgos, se vollou a sua Grecia, sena se atrever a ter guerra com solda-
dos Purluguezes ; o qiie ainda que Gorgoris estiraou muito, por ver jii
quieta a sua Lusitania, muitu com ludo seiUio pela ausencia da fìllia ; e
por isso assentou logo paz perpetua com os Gregos, que ficarào eai a
nova Ulyssea, que hoje he a fatai Cidade de Lisboa, fundada em il8(),
anles da vinda de Clirislo.
33 Outros, de Lisboa dizem, que nao foi Ulysses seu primeiro fun-
dador ; e que nem tal Ulysses veio alguma bora ao Oceano, nem do Me-
diterraneo passou (comò se colbe de-Homero em a sua Odissèa de Ulys-
ses ;) e ainda 'accrescentào muilos, que tal Ulysses nao houve em o muu-
do, e que ilomero nao compuzera mais que buma pintada idèa, ouexeni-
piar de bum perfeito Heroe; ou Capilao, corno faziào Poelas, e Filosofos
geulios. E assim dizem, que quando Tbubal, nelo de Noè, veio depois
do diluvio, e fundou Cetuval. com elle veio tambem Eliza seu sobrinbo,
e de Noè bisneto, e que no mesmo tempo fundou a dita Lisboa, cba-
mando-lbe Elizon, ou Elisboon, (que quer dizer, babitagào de Eliza) o
que provao dos taes nomes que leve Lisboa ao principio ; e de bum ce-
lebre rio na Arcadia, cbamado, Elizo, ou Elizon, ou Elisboon ; e que
deste Eliza tomarao o nome os campos Elysios, e antigos povos Luzòes,
e ainda a mesma Lusitania, porque a este Eliza, primeiro que a algum
oulro, chamarào os Antigos Luso, e Lisias, e companbeiros de Bacbo,
por lerem acompanhado a Noè, seu bisavò, a quem por ser o primeiro
que plantou vìnha, denominavao Bacbo, assim corno ao dito Eliza cba-
marào tambem Pboroneo, do Pronietbeo, por ser o primeiro invenlor
do fogo ; e este be oulro novo sentido da oilava 21 do canto 3 de Ca-
moes; o que ludo póde ver-se no Arcebispo D. Rodrigo da Cunha, na
Ecclesiastica historia de Lisboa, i. part. cap. 2 .e 3.
36 Conciliao porèm estas sentencas muìtos outros aflìrmando, quo
quando Tbubal fundou Cetuval, fundou primo Eliza a Lisboa, e d'elle to-
mou OS nomes de Elizon, Elisboon, ou Elisbona, mas que tambem na
verdade fai depoìs reediGcada, e augmentada, por yiysses, e que d este
se cbaiDOu Ulyssea, Ulyssipo, ou Ulyssipolis; pois estes sao tambem os
Domes que desde o antigo conserva a tradi^So de Uiyssipo em ialim» e
ou com a ielra, U, ou com a letra 0, ao principio, depois com a tetra 1,
e com y, e dous ss adiante, ou com bum so, que de todos estes modos
se acha escrito tal nome, e no Portuguez idioma, se diz sempre Lisboa;
com que ambas as ditas opinioes ficSo assim conciliadas. E se alguem
VOL. I 3
34 HISTORIA INSULANA
aqui quìzesse a perfetta descripgào d*esta cidade» qncreria nlSo so coasa
que he fora do nosso intento, e que por muitos he jà principiada, e por
nenhum completa ; mas que tambem quereria a hum incomprehensivel
comprehender, e recopilar orbém in orbe^ corno n'esta Cidade estamos
vendo sempre, e comprehendendo nunca. Vamos pois adiante com o in-
tento.
37 Ao dito Gorgorls pois, Rei vigesimo segando da nossa Lusita-
nia, e o vigesimo quinto da Ilespanha toda, se seguio no Beino Abidis
seu fliho, a quem, alem de muitas fabulas, que Ihe attribuirao os Poetas»
com verdade se Ihe attribue o invento de lavrar, e cultivar a terra, pian-
tar arvores, e fazer enxertos; e em especial a fundagSo da grande, e
Ueal Villa de Santarem, situada quatorze legoas de Lisboa sobre o Tejo,
e primeiro se cbamou Abidis, e depois Scalabis, ou Scala Abtdis^ ou
Scalabicastro, e tandem se chamou Santa Iria, e cormpto vocabulo Santa*
rem, de cujas grandezas n3o podemos por bora mais dizer, mas so que
foi Abidis 0 ultimo dos antigos Reis de Portugal, e Uespanha, porque
com reiuar trinta e sinco annos, morreo sem deixar Glhos, aos 10i6
annos antes da vioda de Cbristo Senhor dosso.
CAPITULO X
Das longas esterilidedes: tempestades^ e incendios de Hespanha^ e vinda
a ella dòs CtllaSy e tnUras na^es, e fundofào de Vizeu.
38 N'este tempo comecou tal secca, e esterilidade em toda a Iles-
panha, qtie em vinte e seis annos continuos nSo chovco n'ella nem huma
gotta de agoa (outros dizem que por multo menos annos) e o certo lie
que durou por tantos, que toda Hespanha fìcou abraznda, sem fonte
alguma perenne; lodos os gados morrerao à fome, e sede, e os mora-
dorus se forSo buscar outras tenras em que podossem viv^, e nos ca*
minhos morrìSo os mais d'elles ; e particularmente em Portugal se des-
povoou de lodo a Provincia do Alem-Tejo, e o Beino do Algarve, conno
terras mais visinhas aos ardores do Sol, e melo dia ; e entSo se acabou
a antiga Corte de Cetuval ; e so nos frescós, e altos cumes da Serra da
Estrella, e em algomas terras de Entre Douro, e Minho, e Galiza, fica-
r3o alguns moradores. A l3o fatai secca se seguirlo ventos tempesluo*
SOS, que nem deixavio em pé edificio, ou arvore; até que a ira do Ce«
LIV. I GAP. X 35
se applacoa, e tiverao firn estes seus castigos ; e os que tinbao escapada
em as alturas, ou em as terras estranbas, tornarao a vir outra vez para
suas patrias, e as acbavao t2o ermas, e desertas, que de novo as torna-
vao a povoar, exceplas por mais annos as terras do Alcm-Tejo, e Algar-
ve, onde o castigo do Geo fora maior.
39 Cono està occasìao vierao de outras Provincias a Hespanba nnui-
tas diversas Na^oes a reediQcal-a. A Portugal vierSo huns Francezes dia-
mados Celtas ; e entrando pelo Beino do Algarve junto a Tavìla, ou Ta-
\ira, passai^o ao Alem-Tejo, e fuodarao a celebre Cidade de Elvas, Cor-
te ao depois das armas Lusitanas, e tbeatro das vitorìas que Portugal
alcancou de toda Flespanba; e nao so do Alem-Tejo, e Algarve» nias tam-
bem na Provincia de Àquem-Tejo, que boje cbamao Estremadura, fun-
dàrjo OS ditos Celtas muitas povoacoes ; e até passando o Guadiana se
communicarao com os Hibéros até o Guadalquibir, e d'aqui Ibes veio o
nome de Celtiberos ; porem da mais Lusitania nao forao restauradores
esips Celtas, porque em Lisboa fìcarao descendentes ainda dos seus Gre-
gos, que vierao com Ulysses; nas Provincias da Beira, e Traz os Montes
OS que se tinbao salvado na Serra da Estrella; e Entfe Douro» e Minbo
OS Gregos, que viei'ao àquellas partes com Diomedes,
40 Cbegados os 923 annos ante^ da vinda de Cbristo, succedeo em
Hespanba o fatai incendio dos montes Pirineos, que a dividem de Franca
nos qua^s, em suas vastas brenbas, e em seus antigos matos, por des-
cuido de buns pasteres, se pegou fogo, e incendio tal, que durou por
muitos mezes continuos, e aìnda muito longe se sentilo as labaredas, e
de tal sorte abrazou até a mesma terra, montes, e pedreirji^, que os
antigos metaes n ella gerados se derreterSo, e formarao grapdes rios
perennemente correntes, até de ouro, e prata ; e a està fama logo com
a ambicào da prata, e ouro, conrxirrerao da Pbenicia embarca^oes, que
por mercadortas mui commuas se carregavSlo de ouro, e tanta prata,
que d^esta fazi3o até as andioras, por nao terem jà onde a levar; e bum
dos mais ambiciosos foi Sichéo, mando da famosa Bainha Dido, que em
taotas rìqaezas levou para si a morte, que refere Virgilio ^m sua Eneì-
da. Mas OS Piienices tornando, jà bydropicos de ouro, e pondo em a Illia
de Cadiz seu assente, para por Andaluzia entrarem à caca do ouro, fo-
no tao acometidos dos Celiiberos ji feitos Lusitanos, que x^enddes, e
bigidos deixarao de todo Hespanba.
41 Pouco depois pelo^ annos de 758 antes da vinda de Cbristo^
36 HISTORIA INSULANA
foi Roma edìficada, e accrescentada pelo seu Romulo, e Remo, 873 an-
iios depois de primo fundada pelos Porluguezes, corno jà dissemos^ e a
llespanha concorriao Nagoes tao varias, e tanto mais ambiciosas de ri-
quezas, do que, de a povoarem, que ale bum Nabuchodonosor de Ba-
bylonia veio, e chegou junto a Toledo, anno 581 anles da vinda de
Christo; mas ajuntando-se logo os Plienices de Cadiz, e Andaluzia com
OS Portugaezes Geltas, e Lusitanos, envestirSo a Nabucho, e aos Judeos
que trazia, e a todos langarao fora da llespanha. Quebrando porém de-
pois OS Porluguezes com os Phenices sobre o soldo, Ihes tomarao loda
iVndaluzia ale o Guadalquibir, e ale junto de Cadiz ; e vindo enlao de
Carlhago muilos Africanos em soccorro dos Phenices que em Cadiz tinhao
fjcado, conlra estes mesmos se levantarao os que vinhao a soccorrel-os,
e se flcarao com a llha donde flngindo pazes com os Porluguezes Tur-
detanos de Andaluzia, se forao mettendo, e fundando alguns lugares em
llespanha, e comegou Carlhago 4'esla sorte a senhorear parte da Hes-
panha em o anno de 509 anles da vinda de Christo Senhor nosso.
42 Nao muilo depois mandou Carlhago por Capilao de Cadiz, e
dos Africanos que entravao por Hespanha, ao famoso Annibal, o qual
por favorecer aos Andaluzes, chegou a tal balalba com os Porluguezes,
que com vir no meio d'ella huma grande lempeslade, durou a balaiha
lodo bum dia, e de huma, e oulra parte morrerao oitenta mil homens,
sem a Victoria se determinar; mas deve -se conceder aos Portiéguezes,
pois seu braQO matou n'ella ao grande AnnibaI; e na manhàa do outro
dia se retirarSo ambos os exercitos, e aléos Portuguezes Turdelanos, que
andavao em Andaluzia, se recolherao à sua patria Portugai, deixando a
Andaluzia o nome de Provincia de Turdelana. No anno de 501 anles de
Christo, OS jà nossos Cellas Lusitanos derao com huns barbaros, que
entre Cetuval, e o Tejo tinh3o escapado da acima dita destruicao de
llespanha, e ainda qoe nos costumes er^o barbaros, erao do illustre
sangue dos Chaldeos, (que comsìgo ThubaI linha trazido) e tambem erao
dos Turdulos antigos, e n3o podendo estes so resistir ao valor dos jà
Lusitanos Cettas, fugirào-lbe, e nào pararao ale passarem o Tejo, e o
Mondego, e pararem no districto em que hoje està a Cidade, e Bispado
de Vizeu em o CertSo da Provincia da Beira, nSo muilo longe da Serra
da Estrella, e là multiplicarao estes tanto, que d'elles se povoou a Bei-
la loda; de cujos mpradores nao he pequeno louvor, o serem os mais
antigos, e verdadeiros Portuguezes ém o sangue.
UV. I GAP. XI 37
CAPITULO XI
Da tinda dos Carlhagineses a Portugal^ e dos Laconicos Gregos;
funduQào de Braga^ Coimbra, Aoeiro, e Lagos,
43 Ghegado yi o anno de 43 i antes da vìnda de Christo, chegou
tambenu de Cartbago huma Armada de Africanos à foz do rio Douro
junlo ao Porto, e alli fez tao miseravel naufragio, que escapando d'elle
0 Capitao Himilioré se tornou iogo para Africa ; mas os mais soldados
Africanos, contentando-se da terra, pedirao aos moradores Gregos, Ihes
concedessem lugar aonde fundassem huma Gidade a seu modo, e que el-
les so governassem por suas leis, e ritos Africanos, e fosse exempta
de todo 0 tributo: tudo Ihes concederuo os moradores; e escolhendo
silio pela terra dentro fundarao a Cidade celeberrima de Braga, oito Ic-
goas além donde tinhao naufragado, e em o mesmo lugar, onde hoje
Braga està; derao-llie este nome em memoria de bum rio cbamado Bra-
cada, ou Br^gada, que corre pelas terras de Cartliago, ao qual depois
OS Mouros, e os Turcos cliamarao Magéreda: e està parece foi a funda-
Cào de Braga; nao obstante outros dizerem que a fundarao os Gregos,
1150 annos antes da vinda do Salvador, e trinta so dopois dafundagao
de Lisboa por Ulysses, e outros aflirmarem que a fundarao Egypcio^, e
mnitos, qne huns Francezes Gellas, chamados entao Bracatos, ou Bra-
caros, 296 annos antes da vinda de Ghristo, e que, porque estes Gallos
Celtas se forao misturando com os Gregos d'aquella terra, veio està a
chamar-se Gailogrecia, e (andando o tempo) Galiza; nome que em vcr-
dade teve loda a terra d'Entra Douro e Mìnho. Seguia-se agora descre-
ver està Augusta Cidade, mas comò nem a Beai Lisboa descrevemos,
nào be bem que o fagamos a està Braga Augusta, por n3o dilalarmos
mais 0 intento a que vamos.
44 Trinta e bum annos depois de os Africanos chegarem, e funda-
rem a Braga, chegou o de 403 antes da vinda de Christo, em que bou-
ve taes terremotos em Ilespanba, e tanto maiores em as terras mariti-
mas, que até as mesmas feras vinbSo dos matos metter-se entra as gen-
tes, feìtas com o medo mansas : e no anno de 372 antes de nascido o
Salvador, cbegirSo i nossa Lusitania, ao porto da Alca^ar do Sai, qua-
tro naos Gregas, vindas da Peloponneso, a com gentas da Provincia La-
conica, que enfodadas jà das guerras das suas terras» vinbSo buscar ou-
38 HISTOIUA EVSULANA
Iras, em que passassem a vida mais pacifica, enire as quaes gentes vi*
nhào buns povos cliamados Colimbrìos, e indo-se os outros asseiitar sua
morada em o Alem-Tejo, entre os Turdetanos, e Celtas que là viviào,
OS Gregos Laconicos Colimbrios, sem desembarcarem navegarao costean-
do a Lusitania» ale darem em a foz do rio Munda, ou Mondego, pelo
qual entrando acima fundàrao buma Gìdade, a que chamar3o Golimbria,
e com pouca mudan^a ao depois se chamou sempre Goimbra, que sinco
legoas do mar està fundada, posto que alguns accrescentao, fora funda-
(la primeiro em bum lugar mais baixo, que cbam9o Gondeixa a velba, e
que ao dépois se mudàra para o lugar eminente aonde hoje està, e se
a brevidade que levamos o permittisse, d'està inclita Coimbra, d*esta
Corte de alguns Reis de Portugal, desta Universidade que compete com
ai maiores do Universo, e com mysterio fundada por Laconicos, e Gre-
yos, por em si conter, laconicamente recopiladas, as letras da antiga
Grecia, e até da lingua Grega ter em si buma Regia Cadeìra ; d'està
iiunca acabariamos, se quizessemos locar suas grandezas.
45 Fundada assim Coimbra aos 372 annos antes da vinda de Cbris-
to, passarSo alguns dos Gregos adiante, com muitos outros Geltas, e
chegando a bum bom porto, aonde hoje està a excellente Villa de Aveì-
j'o, com 0 primeiro nome de Talabrica, ou Talabriga, que no nome de
Aveiro com o tempo se mudou ; be a Villa tao grande, que excede à
muilas Gidades, be de grande commercio maritimo, pelo multo bom sa»
que alli se faz, e multa louca que lavra, e a melhor, e mais certa pes-
carla; além dos mantimentos que Ihe vem da Provincia da Beira, don-
de, póde ser, tomasse depoìs o nome de Aveiro, que come^ou em o In*
laute D. Jorge. lilbo d'el-Rei D. Joao II de Portugal: e islo baste dizer
d'està Villa excellentissima.
40 Chegado adiante o anno de 347 antes da vinda de Cbristo, e o
de 3615 da creac3o do mundo, estando o Capi tao Bohodes de Cartbago
em Andatuzìa, e fingindo familiaridade com os nossos Portuguezes do
Algarve, se passou a este Reino com capa de mercancìa, e com licenca
d'elle fundou buma Povoa^o, que intitulou Lacobrlga, e hoje he a Ci-
dade de Lagos, cabe^a d'aqueìle Rerno, ainda que pela peste, que ha
mais de sesàenta annos padeceo, ficou muito dimlnuida ; mas lem babià,
e porto capacissimo. È n'este tempo, dizem, florei^eo o grande Alexan*
dre Magiu). I).?pois, tambem cota capa deamizade, se veio'tambem met-
ter oa Lusitatìhi b CapitSo Hìaheital, Cartbaginez, e aioda mais depois, do
Liv I GAP. xn 39
anno de 230 antes ile Christo nascido, veiooutro Carlhaginez, Harailcar, e
enlrando em Lisboa com prelexto de huma romaria pruniettida ao tem-
pio de Minena que em Lisboa estava, nella se easou com a filha de
iiiun Cidadào nobilissimo, e riquissimo, e deixando pazes assentadas
eulre a Lusitania, e Carthago, se voltou a Africa r/)m a sua Losilania, e
em luima das Ilhas Baleares, chamada a Coelhcira, nascco deste matrimo-
nio 0 famoso, celebre, e verdadeiro Lusitano AnnibaI, terror dos mesmos
lìomanos, e gloria dos Portuguezes, que nasceo no anno de 2i5 antes
de nascer Christo bera nosso, com o qual AnnibaI os Portuguezes derao
grandes batallias aos Romanos; corno tambem os Portuguezes de Braga,
e d'Eulrc Douro, e Minho vencerao aos liomanos muitas vezes, com ou-
tm Capitào seu naturai, chamado Afric<ino. a cujo exemplo fizerao tam-
l)em o raesmo os Portuguezes de Lisboa com bum seu Capilao Ulisbo-
Dense, E aos lsi>2 annos antes da vinda de Christo foi Carlhago cercada,
destruida, e queimada pelo grande Scipiao, e seus Romanos, e de tal
sorte, que desasele dias, e desasete noites esteve ardendo ; e tendo seis
legoas de circuito, e setecentas mil pessoas, cincoenta mil somente
escaparao dentro do grande Castello, que em si tinlia.
CAPITULO XII
Da oiWa dos Romanos a Hespanha, e victori'ts que d'elle conseguio
0 maior Poriuguei e Principe Vinato^ ali morrer so por trai^So.
47 Passado o anno de 200 antes da vinda de Christo, e vindo a
ilespanha os Romanos para a conquistarem, e entrando pela Provincia
(la Andaluzta, comecarao a fazer muitas eotradas nas terras da Lusitania,
querendo-a conquistar sem mais direìto, ou justi^a para isso que a in-
gratidlio com que pagavSo os beneficios antigos, e fataes soccorros, que
dos Portuguezes tinliào recebido Boma, e loda Italia ; e tantos estragos
feziao, tantas crueldadps, e traic5es, que os verdadeiros, e antigos Por-
tuguezes da Serra da Gstrella n5o podendo jà sofrel-os se resolverao a
buscar, e destruir aos Romanos, e ajuramentando-se com bum seu va-
kroso Poriiiguez (nascido n'aquelia parte onde hoje. està Vizeu, em a
Provincia da Beira) assentarci lodos em andar sempre a caca dos Roma-
in»s, até os lancarem fora de toda a Lusitania: e de tal sorte tornarlo
esia empreza» e em taes emboscadas se mettiSo, que sabindo d'ellas,
40 HISTORIA INSUIANA
Ihes nao escapava Romano qne, nao passassero ao fio da espada, e até em
as lerras occupadas dos Uomanos, tao furiosamente davao de repente,
que totalmente a todos destruhiìio; e vendo que em Andaluzia andava
j:i por Capitào dos Romanos o Pretor Sergio Galba, arordar3o aquelles
Portugnezes em eleger lambem seii Capitào, qne a todos os governasse,
e Ihe obedecessem todos corno a :>e\ì General, e ainda comò a seu Rei,
e com efteito elegerao ao dito valeroso Portuguez, que primeiro os ti-
nha convocado, e a quem jà tinhào visto obrar corno insigne Capitao.
Este pois se chamava Virialo, (que até de insigne varao tinha o nome)
nascido, comò dissemos, em Vizeu, pelos annos de 200 antes de Chris-
to nascer, e andando ja em qnarenta de idade, quando foi eleito Capitào,
ou Rei dos Portugnezes, e jà dos Romanos era tao temido, que so era
ausencia, e de palavra se vingavào d'elle os Romanos, chamando-lhe la-
drao, salteador. e Capitao de ladroes; comò se o defender a anliga, e
propria patria, nao fosse acQào nobilissima, e honeslissima ; e pelo con-
trario 0 invadir a terra, e patria alheia, niio fosse buma infame ladroice,
comò bem notou o douto Brito em a Monarchia Lusitana lib. 2 cap. 8.
48 0 ceno be, que contra tal Viriato nunca se atreveo a sabir o
Romano Pretor Sergio Galba, e succedendo-lbe no anno de 147 antes
da vinda de Cbristo, o segundo Pretor Romano Cayo Vetilio, e vindo
logo buscar a Viriato com mais de dez mil Romanos, e outros muitos
Andaluzes, Viriato em buma emboscada o esperou, e com tal valor o
accommetteo, que a qualro mil dos Romanos degollou, e a muiros
raais Andaluzes ; e do Pretor Vetilio buns dizem qi^e alli morreo, e ou-
tros, que entao foi preso pelo grande Viriato: mas comò escapou fugin-
do 0 Tenente Questor, este ten-.eiro, e Romano Capitao velo depois com
cinco mil Celtiberos, e seis mil Romanos, e ofiferecendo em campo aber-
lo buma batalha campai a Viriato, este o venceo de tal sorte, que com
Vida so escapoa Questor fugindo em bum cavallo.
49 Quarto Capitao Romano tinha vindo a Castella Gayo Plaucio,
raas Viriato jà com Portuguez exercito forraado, entrou tanto pelo Rei-
no de Toledo, que chegou quasi às portas de Madrid, assolando ludo
quanto achava, até que sabindo-lbe Plaucio com dez mil homens de pé,
e 1300 de cavallo, ^e em tempo ao que os Portugnezes andavào distan-
fes saqucando a terra, Viriato dando mostras de aceitar a batalha, de
repente, e à vista do inimigo se relirou com tal pressa, que em poucas
horas se na\) vi3o bum ao outro exercito ; de que irritado Plaucio, man-.
uv. I GAP. xn 41
don quatro mìl dos seiis que o detivessem até elle chegar, e Viriato
orilào virando com a mesma pressa sobre aquelles qiiatro mil, e dego-
landcvos a lodos, com tal pressa volton a Porlugal, que, quando Plaucio
chegou, jà nao achou mais que os campos cheios de sangue dos Roma-
nos, e se retirou assombrado ignalraenle do esforfo, que do ardii de
Viriato. Ajuntando comludo novas gentes, veio Plaucio buscar a Viriato.
ale jiinto a Evora, que do alto de bum monte, aonde com seu exercito
eslava, desceo sobre Plaucio, e Ibe deo tao porfiada batalba, que venci-
dos tandem os Romanos. so poucos de cavallo, e fugindo com Plaucio
escaparào, e se forao metter nas mais fortes pra?as da Andaluzia ; e se
liersuadiào todos que Viriato se farla absoluto senhor de toda Hespanha;
e ainda pnssaria a conquistar a mesma Roma, e sugeitar toda a Italia ao
braco Portuguez; e temendo isto,
50 Quinto Capitào veio entao de Roma o Pretor Claudio Unimano
com a mais, e melhor gente de toda Italia: mas o grande Viriato, anno
de 146 antesde vir ao mundo Chrislo, o foi logo em o mesmo mez desafiar
dentro a suas terras, e dando Ibe batalba, que durando duvidosa, e san-
guinolenta muilas horas, cedeo finalmente a Viriato de tal sorte, que de
tmlo 0 grande exercito Romano se livrou so Claudio fugindo; e os des-
lìojos forào laes, que com elles n3o podiao jà mover-se os Portuguezes;
e Viriato contentando-se com as insignias Romanas, as collocou nos mon-
tes mais altos de Portugal, entre arcos triunfaes de suas victorias.
51 Sexlo Capilao, vindo entào de Roma, Cayo Negidio, Pretor da
nllerior Hespanba, enlrou em Portugal pela Provincia da Beira até jun-
to a Vizeu, e com bum exercito de gente innumeravel; acodio logo Vi-
riato a sua propria patria, e acbando ao Negidio enlrincbeirado, o cercou
e a fome o obrigou a dar batalba; mas vendo que seu partido era mul-
to inferior, e separando mctade dos seos Portuguezes em cillada, com
a oulra rijamente commetteo ao inimigo, que cuidando ter so a Viriato
era huma parte, onde o queria vencer, de repente pela oulra foi tao
fortemente corametlido dos Lusilanos Viriatos, que de tao grande exer-
cito Negidio Si) escapou, e à unha de cavallo, deixando os seus suas rì-
quezas, e os Estandartes Romanos em as maos dos Portuguezes.
5:2 Septimo, Capitilo de Roma veio logo, no anno de 145 antes de
Chrislo nascido, o Pretor Cayo Lelio; mas este prudentemete fugio sem-
pre de dar batalba a Viriato, porem a muitos lugares de Castella que
estavao pelos Romanos, Viriato destruio, e assoloa livremente, e era tal
42 HiSTORlA INSULANA
0 valor dos Portuguezes, que trezentos d'estes encontrandose com dez
Diil Homanos, com morte de so 60 Portugiiezes matarao a trezentos e
viute dos Romanos, e aos mais puzeruo em vergontiosa fugida, e assim
o confessa Garibay live vi cap. 9, de sua historia: e o que mais he, que
inuitos Romanos juntos. encoutrando no caminlio a lium Portuguez, e jà
forido, e commettendo-o todos, o Portuguez pelejou com tal valor, que
malandò dos Romanos ao primeiro, voltarao os mais as costas, e fugi-
rao.
53 Oitavo pois Capìtao contra o nosso Viriato mandou Roma enUio,
no anno 143 antes de vir Clirislo ao mundo, nào jà so Prelor algum,
mas em pessoa a bum Consul, Fabio Emiliano, que tinha vencido o
Reino de Macedonia, e era irmao de Scipiao o menor que destruhio a
Carthago, e comsigo trouxe este Fabio quinze mil Romanos de pé, e
dous mil de cavallo ; e comtudo em cbegando a Hespanha, foì Viriato
logo buscal-o, e desafìal-o; mas era tal sua fama là em Roma, que nem
com tao grande exercito se atreveo Fabio a aceitar bataiha com Viriato,
e este, deslruindo entao os campos, rendeo duas Cidades, que estavao
presidìadas de Romanos, e deixou n^ellas presidios Portuguezes, e ató
ao grande exercito do Consul que, eslava entrincheirado, llie tomou Vi-
riato huns comboys, e Ihe degolou muitos Romanos, sem comtudo o
Consul se atrever a saiiir a pelejar com Viriato, até que passados alguns
niezes, e jàem o de Setembro, e em huma noile escura, no meio d'ella era
])onlo, desalojou Fabio de repente, e andando a loda a pressa duas mi-
Ilias, deu subitamente com Viriato, que posto estava ainda em véla, comò
sempre, quasi lodo seu exercito eslava no primeiro somno, e comtudo
Viriato, Ctìm os que puderao imilal-o, receberao a bataiha, e a susten-
tarào grande parte ainda do dia, e até que vendo bcm que seus solda-
dos enlrarào na bataiha, e pelejavào sem ordem, e que ale a fortuna
eslava jà de Viriato invejosa, retirou-se com os seus este Leao ao allo
de bum monte, deixando a Fabio com so as armas de alguns soldados
mortos, e coro a n5o pouca gloria de ter feilo reliiar a bum Poiluguez
Viriato, que com isso se deo por satisfeilo.
54 Nono Capilao por Roma, e successor de Fabio, veio o Prelor
Pompilio, DO anno de 142 antes de ao mundo vir Christo; com quem
Viriato'assenlou pazesi largaudo*lhe as pracas que a Roma linha tornado
em Andaluzia, e se recolheo a descansar em sua patria a Reira: e pas-
sados alguns dias de retiro, eis-que salie o retirado Lobo Viriato com
UT. I GAP. xn 43
€xercito grande que ajnntou, e entrando pela parte que boje chamao
Kibacoa em Castella, e a tempo qne cono secreto aviso de Viriato, ontras
nacoes Hespanholas entravao tambem por outras partes, e em nenhuma
ficava Uomano algum com vida. Attonito Pompilio salilo com poderoso
exercilo em demanda de Viriato, mas d'este foi t3o vencido em bataiha,
qae morrerao niella todos os qiie n*eila entrarlo, excepto o dito Pompi-
lio, que com mui poucos fugindo escapou; e Viriato seguio com tal ani-
mo a vitoria, que todas as terras dos Romanos a que elle chegou, e ain-
da às que se Ihe entregav3o, a todas passou ao fio da espada, até que
enTadado ]a de degollar Romanos, se voltou para a sua Lusitania; e tal
terror meteo nas nacoes onde chegou està ac(ào, que Hespanha quasi
loda se deo por libertada dos Romanos; que so ouvirem o nome de Vi-
nato, llies era grande terror.
55 Decimo, Capitao Romano veio, em 141 antes de Christo, contra
0 insigne Lusitano Viriato, Quinto Pompeo, nomeado Pretor de Hespa-
nha, e comò jà Viriato trazia em seu exercito muita soldadesca estran-
geira, sem d'ella se acautelar, comò sempre he bem, por isso dando ba-
talha Pompeo a Vinato junto à Cidade de Evora, e sendo excessivamente
0 exercito do inimigo muito mais numeroso que o nosso, por culpa dos
estrangeiros (que, quando menos se cuida. sao infìeis) foi forgado a Vi-
riato retirar-se com os mais dos Portuguezes, e com estes so, passados
poucos dias, voltou sobre os Romanos com tal impeto, que os venceo
totalmente, e destruhio matando-Ilies quatro mil de pé, e mais de qui-
nbentos de cavallo, trazcndo vinte e sete cativos Estandartes dos de Ro*
fìia, e nao satisfeilo ainda com isto, entrou l(%o em Andaluzia, e rendeo
a forga de armas a antiga Cidade Utica, presidiada eniao pelos Romanos,
de que em Roma pasmados mandarao.
56 Undecimo Capitao contra o invencivet Viriato, que foi Quinto
Fabio Maximo Serviliano, Consul de pouoo eleitu com Lucio Metello Cai*
vo, e trouxe comsigo Serviliano dezoito mil de pé, e mil e seiscentos
de cavallo, e em cliegando a Hespanha, Ihe mandou hum dos Reis da
Africa dez encastellados Elefantes, e cavallos Numidas trezentos, e es-
tando n*este tempo Viriato em Portugal, Serviliano Ihe tomou com tal
poder algumas pracas da Fronteira, e ainda com boa resistencia, e ca-
pilulacoes muito honradas; mas comò Serviliano Ih'as nao guardasse de-
pois, antes a quinhentos Portuguezes matasse a sangue frio, sahio logo
Viriato coQtra o falsario Romano, e Ibe apresentou bataiha; porém ob-
44 HISTORIA INSULANA
servando que os nossos cavallos Portuguezes nao podiao aturar os Eie-
fantes armados, vollou com os Portuguezes em fugida tao apressada,
que vendo ja ao inimigo afastado bem dos Elefantes, volton entào sobre
elle, e o venceo tao fatalmente, que Ihe degollou a 3600, fugiudo Ser-
viliano com os que puderao, seguindo-o, escapar.
57 Este mesmo Capitao Serviliano ficou sendo Pretor o anno se-
guinte de 139, antes de Christo, e por se vingar de Viriato poz-llie cer-
co a buraa praga importante; mas acudio tanto, e logo Viriato, que quasi
som 0 sentirem os Romanos se metteo dentro da praca com muitos Por-
tng[uezes, e sahindo d'ella logo ao outro dia, com cavallaria, e ìnfantaria
formada, rompeo, e deslruhio de tal sorte aos Romanos, que os Tez re-
colher ao alto de bum monte, do qual nao bavia outra sabida senao a
por onde tinbao entrado, e tomando-lbe està os apertou tanto, que so
por piedade os nao passou todos à espada, mas aceitando-lbes tregoas,
oderecidas em nome da Republica Romana, e multo à vontade da Lusi-
lania nossa, deixou-os Viriato, e se velo a Portugal.
58 Duodecimo Capitao em flm, e no anno de 138, antes de Cbrislo
nascido, veio de Roma outro Consul novo, cbamado Quinto ServilioSci-
piao, irmao do antecedente Serviliano, e em seu lugar; este pois que-
brando logo, sem aviso, ou causa alguma, as tregoas assentadas com
seu irmao, entrou pela Lusitania com exercito armado ; o que sabendo
Viriato Ibe destruhio logo varias terras dos Romanos, e Ibe inviou tres
Embaixadores, (e infaustamente todos tres erao Estrangeiros, de que j;i
se nao devera conflar) a Ibe lerobrar as pazes assentadas, e ou dar a
causa de as quebrar, ou assental-as de novo : cbamavao-se os Estrangei-
ros Dictalion, Minuro, e Hulaces; a estes pois sobornou, e venceo o sem-
pre infame, e falsario Servilio, e com taes promessas, que tornando es-
les para dar a reposta da Embaixada ao inviclo Viriato, o forSo buscar
lodos tres no melo da alta noile, e acbando-o dormindo, (porém, comò
sempre, armado, e deitado em a terra fria, tendo por cabeceira o seu
escudo), bum, que nome nSo merece, bum d*estes tres vilissimos, e
abominaveis traidores, levantando a espada, degollou de bum golpe a
cabeca do maior Capitao, que entào tinba o mundo, e fugindo logo todos
tres, nao pararao senSo em o seu centro de traicJ3es, o falso Consul
Servilio.
59 Deixo 0 eterno sentimento que mostrarao os Portuguezes da
morte d'oste seu Pnncipe» e mais verdadeiro Rei, e as exequias fataes
Liv. I GAP. xni 45
que Ibe fizer3o, a bum vcncedor sempre, e successivamente de dozo
Capitaes Romanos, e em muitas mais batalhas trìanfante, e restaurador
de teda Ilcspanba ; pois o douto Garibay (com ser nào Portuguez) con-
fessa, que este grande Capitao fez em a guerra mais, e maiores faca-
nbas que outro Hespanhol algum, e que por muitos annos, foi sempre
de Romanos vencedor desde a Lusilania até os Pyrineos, passando T( jo,
e Ebro, e sempre triunfador ; e até o Historiador Romano Floro em o
seu lib. I, cap. 17, diz estas formacs palavras : Lusilanus Virìatus erexit,
DuXy aique Imperaior; et {si fortuna cessisset) Hispanice Romulus. E ac-
crescenta qje morreo de tal traigao, ibi : Ut videretur aliter vinci non
poiuisse, eie., e dito isto nào ha mais que dizer.
CAPITOLO XIII
Das mais gnerras de Portugnly e do seti grande Sertorio,
vencedor de lodo o poder Romano.
60 Morto 0 grande Viriato, succedeo-lhe no governo outro, so no
Dascimento, (nao no valor), Portuguez ; porque em fim foi vencido dos
Romaoos, que por se temerem ainda dos soldados Portuguezes, os di-
vidirao por fora de Portugal, e no anno 136, antes da vinda de Christo,
$d apoderarao das principaes Cidades, e povps da Lusitania, exccpta a
Provincia d'entra Douro e Minho, aonde por vezes forao vencidos os Ro-
maoos, até pelas mulheres Portuguezas, que pelejavao nao menos que
OS maridos: assim Decio Bruto, que de Roma tinha vindo por Pretor da
Lusitania, foi dos Bracharenses vencido em batalha no seguinte anno de
135, e voltando Decio Bruto para Roma no anno de 130, pelos tumul-
to3 graudes, que là entao bavia, nem voltarlo a Portugal tantos Pretores
de Roma, nem os que voltarlo, tiverSo guerras dignas de memoria.
61 Cbegado porém o anno de 80, antes da vinda de Cbristo, deo
Deos a Portugal bum digno successor de Viriato, que foi o grande Ser-
torio, com a occasi2o seguinte. Era naturai Sortono de Italia, nascido
de pais honestos entre os povos Sabinos, e depois de se fazer nas letras
sabio, se deo às armas tanto, que foi mandado de Roma por Pretor a
Franca, aonde venceo muitas batalhas, e n*eitas perdeo bum olbo, qual
ootro Felippe Rei de Macedonia, Antigono, e Annibal; e em as guerras
de Roma entre Sylla, e Mario, seguio Sertorìo a Mario centra Sylla, e
48 HISTOniÀ INSULANA
se unir com Metello, e ambos, centra os Portuguezes dobrarao entào a
guerra: mas a Sertorio tambem se Ihe veio ajuntar bum Capitao Italiano
cbamado Marco Perpéna com mais trinta companbias de soidados ve-
teranos; e eslando os Poituguezes cercando em Valenza a buma antiga
Cidade chamada Lauróna, e acudindo-lhe Pompeo, Sertorio, e os Portu-
guezes 0 acommetterao em tal cillada, que ihe matou dez mi! homens,
e com pressa se retirou Pompeo, e Sertorio (que comsigo jà trazia scis
mil de pé, e dous mil de cavallo), rendeo a dita Cidade, e a destrubio:'
e recolbido Pompeo a Aragao, Sertorio se recolheo a Evora, e entào de
furtes muros cercou toda a Cidade, e em bum so, e grande cano, por
ciina de Tataes arcos, metteo copiosa agua dentro da Cidade, obra que
tanto depois restaurou El-Rei D. Joào III.
G8 Anno de 75 antes de Cbristo, sahio por buma parte Pompeo,
e Metello pela outra, cada bum com seu exercito; e sabindo Sertorio a
Pompeo, Ibe deu tao forte batalba, que nào so Ibe deslruio ao exercito,
mas ao mesmo Pompeo ferio, que fugindo Ihe escapou: e logo indo em
busca de Metello, taes encontros teve com elle, que, posto que Ibe ma-
tou muita gente, e buma vez o ferìo, Metello comtudo por seu brago, e
experiencia de velbo, a si sempre, e aos seus bvrou melbor que Pom-
peo, até que o deixou Sertorio, e se voltou a Evora. Mas nào contente
ainda com taes victorias Sertorio, mandou aprestar logo buma Armada
Portugueza, e com ella entrando o Mediterraneo tomou os soccorros, que
vinbào de Roma para Ilespanba, e nào deixando porto inimigo, (|ue nào
roubasse, nem inimiga nào que nào vencesse, poz a Metello, e Pompeo
em tal estado, que Metello sem ter jà que corner, nem que gastar, se
retirou a Franga a refazer-se ; e Pompeo indo a metter-se no Certào mais
seguro que acbou, d'abi avisou a Roma Ihe acudissem logo, senào que-
rià(j cedo ver a Sertorio em Roma : e assim vindo soccorro a Pompeo,
e voltando jà de Franga reforgado, tornou a gueri-a a accender-se.
G9 E comò ausente ainda -Sertorio, Herculeo, que licara em seu
lugar, viesse a batalba com Probo Emiliano, Capitào de Roma, e levan-
do Herculeo menos gente, e ainda nào tao exercitada, comtudo Hercu-
leo, e seus Portuguezes vencerào tanto a Probo, que até a este mesmo
tirarào a vida, ganbarào onze Estandartes dos Romanos, e comsigo trouxe-
rào lanlos despojos de armas, e cavallos, que ficou està Victoria multo
illustre. Mas Herculeo, soberbo com o successo, Toi tao temerario bus-
car a Metello, que jà tinba o seu partido excessivo, e acomettendo-o foi
LIV. I CAP. XIII 40
Tendilo d'elle, e fugindo se veio a Sertorio que ja linha descmbarcado;
e aste consolando a Herculeo, e mandando-o conduzir gente de novo,
sahio logo com a sua em busca de Metello que andava j«i em Catalunha,
quando eis que de repente enconlra em o camìnho com a maior parte
do esercito de Metello, que cativos, e despojos levava ja por novas da
Victoria a Pompeo, e tao subitamente n elles dea o fatai Sertorio, que
em breve os despojou de tudo, e aos Romanos das vidas, e voitou-se.
70 Porem nSo podendo jà a fortuna com tantas victorias de Serto-
rio, come(^a a voltar a roda centra elle, e persuadindo-o se ajuntasse
com seos Capitaes Perpena, e Uerculeo, e fosse buscar Metello ao Bei-
no de Valenza, achou com elle a Pompeo, e juntos dous fataes exercitos
em bum so, e o poder Romano de Imma parte, e o Portuguez da mitra,
e iogo, sem esperar mais, Sertorio commetteo ao inimigo, e so travou
a bataiha mais borrenda que tinha visto o mondo, e depois de durar
por multo tempo, com successos multo varios de huma, e nutra parte,
finalmente o invejoso fado fez que ficasse Sertorio buma vez vencido,
mas ainda de tal sorte, e tanto a custa do inimigo, que d'cste, entre do
pé, e dp cavallo morrerao alli oito mil liomens, e dos nossos, entre mor-
tos, presos, e feridos, fallarao mil e seiscentos de cavallo, e cince niìl
de pé; mas em flm ficou o campo pelo inimigo, e se retirou Sertorio,
Dio menos constante n'esta adversa, do que em tantas, e tao prosperas
iortonas, e a Cidade de Valenza, que por Sertorio eslava, se rendeo ao
ìoimigo. E nunca tanto em Ilespanlia, e ainda em Roma, se celebrou Vi-
ctoria, quanto està, por verem niella vencidos Portuguezes, cousa pouco
^'ezes vista no mondo.
71 Retirado pois Sertorio, e sabendo que Pompeo o vinlia ainda
buscar, marcliou logo para elle com o seu ja recolliido, e rcformado
esercito; e acbando a Pompeo sobre Placencia, o fez levanlar o cerco,
e aceitar bataiha, e n'ella o venceo tao fortemente, que fez fugir a Pom-
peo, e Sertorio ficou senhor do campo, e de todos os despojos; e nào
satisfeito ainda, foi buscar logo a Metello, que cstava cercando a Cala-
borra; e assim comò cbeguu, o acommetteo, matou-lhe tres mìI soldados
velhos, e o fez ir fugindo a valer-se de bum posto inaccessi vcl e Sertorio
voltando a Galaborra a confirmou em sua obediencia, corno de antes es-
tava
72 Depois estando Fluesca cercada por ambos juntos, por Metello,
e Pompeo, e acodindo-lbc Sertorio, foi em buma madrugada tao subita-
VOL. I 4
30 llISTOniA INSLLANA
mente acommellirlo, que obrigado se metteo era a Cidade, e com me- ^
nos credito de seu v^lor, mas ainda com quasi nenhuma perda deseu
Portugiiez exercito. D*aqui tornando porem occasiao algims Romanos
quo andavao com Scrtorio, julgando que esle jii nao podia conservar-se,
e querendo congracar-so com a sua Roma, tratarao com Pcrpena a abo-
minavel traifao de matarem a Sertorio, conjurando-se a isso> para recu-
perarem a grac^ de seu povo Romano. Teve noticia Sertorio, e queìxan-
do-se aos Portuguezes de sua guarda, estes em ouvindo tal, com tal Tu-
ria derao logo nos Romanos, (que com elles andav3o) que degollarao a
muitos, e todos fariao o mesmo, se o proprio Sertorio Hies nao fosse à
mao, e OS impedisse; mas ainda assim quasi todos os traidores perece-
rao, cxcepto o falso Perpcna, de quem nem a Sertorio, nem a outrerik
subio ao pensamento tal traiQ3o; porem este buscando outros Romanos,
com elles lornou a macliinar a morte de Sertorio, e se conjurar3o em
lìngirem Imma nova de outra Victoria repentina, e para a festejarem
mais, irem jantar com Sertorio; e quando Perpena derramasse bum copo
pela mesa, atravessassera a Sertorio a punhaladas.
73 Derao pois a nova da Qngida Victoria a Sertorio, e o convidarao
a jantar para a festejarem mais, aceilo Sertorio, (contra a senlenfa do
Portuguez Poeta, que disse: «Porquo nunca louvarei Capìtao que disse,
Nao cuideiì e pondo se todos a jantar, comegou Perpena a soltar-se em
palavras pouco honcstas, quaes sabia que desagradavao multo a Serto-
rio, e que o reprehenderia d'ellas; mas este escandalisado de ouvir tal,
se encostou sobre a mesa, e cobrindo-se com o Real sago militar, signi-
ficando assim quo nao gostava tal ouvir, entao Perpena perfido fez o
Sinai dado, derramando o copo; e no mesmo ponto bum dos iraidores
romanos atravessou a Serlorio com bum punbai, e outros juntamente
com vinte e buma punhaladas; e deixando-o envoltoem seu proprio san-
gue, fugirao todos jiintos, temendo, que se o sabiao os Portuguezes,
vingariào sua morte. Mas sabendo-o depois os Portuguezes, recolhcndo
logo 0 corpo morto, o levarào fora da Cidade, e tao Reaes exequias Ilio
flzerao ao modo entao gentilico, e com sentimento tal, que a vista de
tal morto se matarào a si proprios. nao so muitos soldados Portugue-
zes, mas esquadroes d'clles inteiros, e as cinzas de tal Heroe trouxerao
a Cidade de Evora, aonde Ihe derào Regia sepultura, Icvanlando-lhe co-*
lumnas, e memorias immortaes. Entre os papeis se acbou o testamento
fello por Scilorio; e n'olio se vio deixava por trcu universal berdeiro ao
LIV. I GAP. XI V*^ 51
falso amigo Perpcna. 0 quo visto, se dobrou era lodos o scnliracnto da
morte de hum Principe tao liei a seu proprio vassallo, e da infldelidade
de hum tao traidor vassallo para coni seu mesrao, e tal Principe.
71 Foi Sertorio, Romano segando o nascimento, porem segando o
aflecto, e profissao foi connaluralizado em Porlugal, e casado na Lusi-
tania Corte de Evora com Portugueza illustre, posto que nao deixou fi-
Ihos ; e pode ser problema, se foi mais affeicoado aos Portugnezes, se
OS Portuguezes a elle. 0 certo he que nem elle diminuhio jamais o
amor que tinha aos Portuguezes, nem estés o que a Sertorio tinfiiio,
pois aiites de os Uomanos o matarem, vingar3o os Portuguezes sua mor-
te; e achando-o morto depois, o honrarao com exequias Ueaes, e suas
cinzas trouxerao a sua Corte de Evora, e Ihe derao Regia scpultura,
aonde com o seu Senado esperarao o que fariao Metello, e Pompeo ;
mas estes vendo quo o traidor Perpena com so outros Hespanhoes, mas
sem Portuguez algum, estava ji; ambos o acommellerao, e vencendo-o
facilmente, o prenderiSo, e o malarao, em vingan^a de os privar de (quan-
do 0 nao vencesscm, corno nunca venceriao) ao menos pelejarem com
lium Sertorio, e com seu Portuguez fatai exercito : e deixando a hum
Affranio por seu Capitao em Hespanha, ambos, Metello, e Pompeo, se
relirarao a Roma anno de G9, tendo a morte de Sertorio succedido anno
de 71, antes da vinda de Christo.
CAPITOLO XIV
Da vinda de JiiUo Cenar conlra Portugal.
73 A té 0 anno de 63 nao liouve guerras outras em .Hespanha, e
Portugal, porque o Portuguez exercito, nao vendo jà a inimigo competente
a quem ir buscar, elegerao o descanso das guerras passadas; porém os
mais antigos Portuguezes da Serra da Estrclja, de repente sahirao com
tal impeto sobre as terras a Roma obedìentes, que a toda a Hespanha
pozerao em grande rovella, e a Roma obrigarao a mandar logo sobre
Portugal 0 grande Julio Cesar, Pretor de Roma, fillio de Lucio Cesar, e
por aqui descendente de Julio Ascanio Rei de Alba, e fillio do grande
Eoeas,, donde veio a familia dos Julios : mas a mài de Julio Cesar foi
Aurelia, filha de Cayo Cotta descendente de Anco Marcio, quarto dos
Beis de Roma: e porque o tal Julio Cesar nasceo no mez Quintil, (que
era desdc Marco o quinto mcz) i)or isso o mez Quintil se cliamou Julio
52 inSTORIA INSILANA
ou Julho: e Gasando JuUo Cesar com Cornelia filha do Censul Cina, teve
por filha a Julia, que casou com o Pompeo de que acimn tratamos.
76 Corria o anno de 59 antes da vinda de Christo, quando o tal
Julìo Cesar cntrou, bem a sua custa, em Portugal, e envestindo a Serra,
e Serranos da Eslrella, foi muilas vezes por elles robatido com morte
de multa gente, até que, nao pelo brago, mas por ardii militar venceo
aos tacs Portuguezes, e pacificando a maior parte da Lusitania, deixan-
do n'ella por Prelor a Tuberon, se voltou a Roma, onde no anno se-
guinte foi eloito Consut com Marco Calphurnio Bibulo : mas tornando a
Lusitania a fazer guerra aos Romanos, e vindo a acudir-lhes buns Le-
gados de Pompeo, em quanto elle nuo vinha, e langando entretanto fora
de Roma a Pompeo o mesmo seu sogro Jnlio Cesar, e cada bum d'es-
tes procurando ter por si a Lusitania, e toda flespanba, o Cesar se
adiantou, entrou em Ilespanha, venceo aos Legados de Pompeo, tornou
a pacificar a Lusitania, e deixando nella por Pretor a Quinto Cassio
Longuinho, se tornou a Roma anno 44 antes de Christo nascer, tempo
cm que na Lusitania succederuo terremotos tao fataes, comò yi os tinha
havido no anno de 63, e taes successos, e entradas do mar pela terra
dentro, qne muita terra anliga occupou de novo, e a outra muita nova
descobrio, onde nunca imngìnarào a haveria.
77 Voltado a Roma Julio Cesar perseguio tanto a Pompeo que em
Grecia o foi achar, o o venceo, e o fez ir a valer-se de Plolomeo Rei de
Egypto, e esle infiolmonte deo a morte a Pompeo; e os dous filhos fu-
girSo para Africa, e dalli para Ilespanha, e ficando em Cordova Scxlo
Pompeo, e Cneo Pompeo em Seviiha, procuràr5o, com bum bom soc-
corro de Portuguezes, vingar-se dos Legados de Julio Cesar, e os \en-
cerao; mas voltando a Portugal o Cesar, e vencendo a Cneo Pompeo,
por tralcio de bum criado deste o malou; e vindo o Sexto Pompeo In-
go contra Cesar, se fez forte em Seviiha; Cesar se veio a Portugal, e com
benignidade, mercés, e titulos, em chegando a Beja mandou Embaixa-
dores de paz, e amizade a muitas Cidades Lusitanas, e recebendo d*ellas
tambem Embaixadores, estes Ihe renderao vassallagem, e a Beja deo o
titulo de Pax Julia, e de Colonia Romana; e passando a Evora, e con-
firmou em o titulo de Mimicipio Romano, e taes favores Ihe fez, que
d*aqui tomou o nome do LihemlHas Julia; e logo veio render-se-lhe o
Reino do Algarve, e Cesar fez a Mertola Municipio Latino, e a chamou
Julia ìUrtilis, Dc Evora cheguu Cesar a Santarcm, inlitulou-o Colonia
LIV. I GAP. XY
53
Romana, e clia;nou-lhc Julium Prasidinm; e passando a Lisboa, d'ella
foi bem recebido, e concedeo o ser Municipio dos Cidad3os Romanos,
(cousa qne em a Lusitania nao leve Cidade outra alguma, posto qne às
Colonias Unhao ainda por mais nobres) e Mie chamou Felicitas Julia; e
sem entrar mais por Portngal, se vollou Julio Cesar de Lisboa para Ro-
ma, onde entao se iutitulou Eraperador do ninndo; mas dentro de tres
annos se Ihe acal)oii o Imperio, morrcndo alravessado com vinte e tres
punhaladas, às maos de Bruto, e Cassio, e outros sessenla Romanos Se-
nadores, e diante de huma estalua do grande Pompeo sea inimigo, em
i3 de Marm, anno 42 antes da vinda de Christo.
CAPlfuLO XV
Do prÌHciiìio do Imperio ile Julio Cesar^ e uniào com Portngtd
ale a tiuda de Christo, Senhor, e Salvador nosso.
78 Morto Julio Cesar, cr»mecou em Roma a governar o Triunvirato
de Ottaviano, (sobrjpho de Julio Ce<;ar) e de Marco Antonio, e do Con-
sul Marco Lepido; e com esla occasiao, e chamamento de Roma foi Sex-
Io Pompeo a ella su por vingar a morie de seu pai» e seu irmao: mas son-
do 0 seu exercito deltalianos sómente, foi emfim vcncido por Oclaviano:
e por Marco Antonio foi preso, e morto, e acabou entao a geragao dos
Pompeos. E entrando logo no mesmo Triumvirato a discordia. Marco Le-
pido foi lanfado fora d'elle, por querer matar a Octaviano, e pouco de-
pois fez esle guerra a Marco Antonio; e estc a si proprio se matou, por
Ibe dizerem ser morta a sua amnda Cleopatra, a qual (sendo ainda viva,
e sabendo i morie de Marco Antonio) a si propria se tirou a vida, e fi-
cou Octaviano absoluto Emperador. E acabou em Roma nào so o gover-
no de Consules, mas o do Triumvirato; e mudado o nome Octaviano,
se comecou a chamar Augusto Cesar.
79 Citegado o anno de 28 antes de vir Giiristo ao mundo, e estan-
do quieta a Lusitania, os de Gali/^ entrarào pelas terras (|ue erao sogei-
tas a Braga, e està se persuadio que tinhao sido chamados, e ajudados
pelos naturaes, e comarcaos da Cidade do Porto, e vencendo Braga fa-
cilmeDte aos que tinhao vindo de Galiza, declarou guerra contra o Por-
to, e corno esie cbamasse em seu favor aos Romanos que andavao em
Hespanha, entre os qqaes se achava jà o Emperador Augusto Cesar, com
54 HI4T0RIA INSILANA
osta occasiao enirarao a primeira vez os Romanos na Provìncia d'Entre
Douro 0 Minho, e se accendeo mais a guerra de Braga contra o Porlo:
mas corno da parte de Braga até as mulhcres pelejavào mais que os ho-
mens, depois de varias batnlhas, e victorias, que os de Braga alcancarao
dos do Porto, Augusto emfim compoz eslas Cidades com paclos mui ven-
tajosos de Braga sobre o Porto, e a Braga concedeo o tilulo de Colonia
Romana, e de se cliamar Augusta: e d'aqui sempre flcou alguma antipa-
tliia entro estas duas Cidades de Braga, e Porto.
80 E porque Augusto Cesar por algura tempo se deleve em Tarra-
gona de llespanha, duas cousas n'eila fez, com que a si se fez mais ce-
lebre: primeira foi, mudar o modo do coniar os annos, porque se antes
se dizia v. gr. (succedeo islo tantos annos depois da creacao do mun-
do: ou, tantos depois do diluvio, ou, depois da Fundacao de Roma, eie.)
mandou que d'ahi por diante se dissesse, (tantos annos da Era de Ce-
sar:) e porque trinta e oito annos anles do nascimento de Christo ven-
ceo este Augusto Cesar a seu compelidor Marco Antonio, mandou quo
d'aquelle anno por diantc se contassem de novo modo os annos, dizen-
do-se sórnente assim, (Era de Cesar, tantos annoij querendo que nera
seus annos todos ficasscm em memoria, senao os em que acabàra de
vencer seus inimigos, e assim quem aos annos do nascimento de Christo
Senlìor nosso accrescentar trinta e oito, farà justamente os annos da Era
de Cesar; e pelo contrario quem d'està tirar 'óS annos, justamente acer-
larA OS annos do nascimento de Christo; cousa muito necessaria para
bem se enlendereni os tempos^das datas, ou assignaturas de escrituras
antigas. Mas comò o mesmo Cesar, so dous annos antes do nascimento
de Christo se tornou de Hespanha para Roma, e aìnda n'esles dous an-
nos acabàrao seus exercitos de vencer por là os Alemaes, Armenìos, e
Parthos; e por cà acabàrao de sugeitar de lodo a llespanha, e apaziguar
a Portugal na sua Provincia ultima d'Entre- Douro e Minho; com mais
razao querendo o dito Cesar que a conta de seus annos comefasse des-
de quando acabou de vencer seus inimigos, houvera de comefal-a desde
que acabou de vencer a Portugal, que foi a ultima corea de todas suas
victorias. Porém n'isto mesmo ainda, e muito ao depoìs venceo Hespa-
nha ao dito Cosar, que deixando a era d'esle no contar, comegou em o
Beino de Aragao, e logo no de Castella, a contar os annos, desde so o
nascimento de Christo Salvador nosso, anno mil e qualroccntos e quin-
LIV. I CAP. XM 5o
ze, e a «sta Divina conta lomou a Coma de Porlugal, rcinando o inviclo
Rei D. Joao I.
8i Ullinfiamcntc alTectou esle Augusto celebrar-se com o edicto, qiie
referc o sagrado Evangellio, qiie se tornasse a rol, e se iTialriculassc lo-
da o mundo, corno se lodo estivesse dehaixo de seu imperio Romano;
mas ignorava que cnlilo (aos 3%2 annos da creacuo do mundo, 230G
do diluvio de Noè, em o Reino de Judéa, em a ditosa Cidade de Be-
tlilem, aos 25 dias de Dczembro) o verdadeiro, e Divino Emperador de
ludo o que Deos omnipotente creou, e creara; nasceo feito homem por
virtude do Espirilo Divino, e da sempre immaculada e sacralissima Yir-
gem Maria, Senhora nossa, na qaal o Verbo Divino, segunda pessoa da
Santissima Trindade, e Unigenito Filho do mesmo Padre Eterno se unio
i nossa humana natureza, e tao ineflavel composto fjcou sendo, junta-
mente Deos» e Homem, e em quanto Homem sem Pai, porém com a ver-
dadeira, e humana Mai, e em quanto Deos sem Mài, e s6 com seo Eter-
no Pai; e foi unicamente o que ti-ouxe a verdadeira paz ao mundo todo,
e na Cruz (em que morreo por nos remir do cativeiro das culpas) a ver-
dadeira Victoria de todas nossas guerras.
CAPITULO XVI
Conclusdo do principio das Ilhas.
82 Supposto assim o brevissimo compendio dos Reis, e guerras qiie
hoave em Uespanha, e Portugal, desde o diluvio de Noè ale o ineflavel
nascimento de Christo Salvador nosso ; conclue-se primo, que nem as
Ilbas do Oceano forao alguma bora parles da terra Firme, nem no Oceano
boove a fabulosa Uba Atlanta, pegada com Àfrica, e Ilespanba, mas im-
mediato a estas correo sempre o Oceano, nem (o que mais falsamente
se oppanha) nem Reis alguns de He^[)anha, ou Portugal forao jd mais
invadidos, e muito menos vencidos em batalbas pelos Reis, que na Atlanta
se sappoem terem reinado, nove mil annos antes de Platuo, porque, se
se fallava de annos Solares, consta que muitos menos tinba o mundo
desde sua creacao, e se Plalao fallava de annos de quatro mezes, (corno
em algum tempo se conlavao em o Egypto) ainda vinhào a ser tres mil
annos de doze mezes, e nem tantos havia que tinba succedido o diluvio
de Noe; e se fallava de annos Lunares, em nove mil de Lunares nao ha
56 HISTOIUA INSULANA
mais que setecentos e cincoenta de doze mezes, quo com qualrocenlos
e cincoenla (quc de Platao corriào atè a vìnda de Chrìsto) faziiio mil e
duzcntos antcs da vinda do Rcdemptor; tempo em que noticia nao liavia
da tal Atlanta em Hespantia, e Lusìtania, e nem nesla havia Reis entao»
e logo se llie seguio oRei Gorgoris Mellifluo, corno vimos acima no cap^S.
83 Conclue-se pois segundo, que o verdadeiro principio, e creasse
das Ilhas, que estao no Oceano, he o«que se colhe da Sagrada Escritu-
ra, Genes. i, aonde creando Deos em o primeiro dia o Geo,, a terra, e
a luz; e no segundo dia o Firmamento no meio das aguas, e chamando
ao Firmamento Geo, entao no terceiro dia mandou que as aguas, que
estavao debaixo do Geo, se ajunlassem em hum lugar, e apparecesse
secco todo 0 lugar que deixavao, e a este lugar, deixado secco, pozDeos
por nome Terra, e às aguas separadas chamou Mares, e porque a natu-
reza do elemento da agua he buscar sempre da terra os valles mais pro-
fundos, a estes se recolherao as aguas; e corno sobre os valles se levan-
tava a terra em vastìssimas alturas, e d'estas erùo muitas unidas humas
com outras, e com menores valles entre si, outras alturas porém erào
entre si separadas com mais prorundos valles intermedios, a estes tam-
bem as aguas occuparao, tanto em circumferencia das suas proprias al-
turas. que fìcarào sendo Ilhas; porém as outras alturas mais unidas en-
tre si com valles menos profundos, fìcarào sendo a que chamao terra
firme. E ainda que o sagrado Texto diz que mandara Deos se ajuntas-
sem as aguas em hum lugar, (Congregentur aqucB in locum unum)^ nem
por isso quer dizer, que aquelle lugar fosse hum so por identidade, mas
que fosse hum per continuativa uniào, corno em effeito vemos, que o
Oceano Occidental com o Orientai se une, e continua o Mediterraneo
com 0 Atlantico, e assim os outros mares.
84 D*este mesmo modo pois, com que comecarao as Ilhas em o
principio do mundo, tambem d'este mesmo modo tornarao a comecar, de-
pois do diluvio de Noè, e persistem ainda hoje: e Oca mais manifesta a fa-
bula d'aquella liba Atlantica, a uniao d'ella com Hespanha, e Africa, os
fingidos Reis que tinha, as imaginadas guerras que Azera, e que vence-
ra, e a sua fabulosa destrui^ao, deixando ao Oceano feito hum fatai paul,
cu apaulada lagoa, que depois n'este Oceano se convertesse outra vez;
pois isto so s5o sonhos, que a Platao occorrerao, ou Ihe disserao; pois
de tal nao trata historia outra alguma, havendo tantas de antiguidades
do mundo, assim de antes do diluvio, comò ainda mais depois d'elle.
IJV. I GAP. XVI 37
85 E se alguem perguntór, quando antcs do diinvio, ou depois
d'elle forao algumas Uhas povoadas : ao tempo antes do diluvio dirSo
alguns que o Paraiso terreal foi a primeira lllia feila por Deos nesso
Senhor, e povoada por Adào, e Eva lego no principio do mundo; e que
parece que assim se colhe da Sagrada Escritura, aonde se diz, que tendo
Deos separado as aguas em hum lugar, e descuberto a terra, que cba-
matnos terra firme, (Genes. i, n. 9.) accrescenta cap. % n. 8, que jà
desde o principio linha Deos plantado o Paraiso, e que nelle poz o ho-
mem que creara: Plantucerat autem Dominus Deus paradisum à prin»
eipiOj in ^uo posuit hominem, quem formaverat, eie. LogO esle Paraiso,
que d'antes, e desde o principio tinha Deos plantado, era terra diversa
d*aquella terra firme, que Deos apartou das aguas ; logo era alguma
liha das aguas cercada, pois o mesmo texto accrescenta, num. 15, que
da terra tomou Deos ao homem, e o poz no Paraiso ; e num. 23, con-
clue, que do Paraiso Qeos tirou depois ao liomem, e o tornou a por na
terra, de que o formara : Et immisit eum Dominio de paradiso, ut ope»
raretnr terram de qua sumptus est : logo està terra era a firme, e o Pa-
raiso era huma liha por so Deos formada a principio, e por Adao primo
habitada: mas iste nao toca a historiador, senuo aos sagrados Exposito-
res, aonde se. pode ver: pois d'està sorte parece comecar3o logo as Ilhas
€om a creacao do mundo.
80 E quanto ao tempo depois do diluvio, coherentemente outros
dirio, que, assim corno o Paraiso terreal Tei a primeira Uba antes dodi-
lavk), assim depois deste a primeira Uba foi a arca de Noè, em que os
viventes escapar3o do diluvio, comò escapao do mar os navegantes re-
colbeDdo-se a Ilhas, que para esse firn tambem Deos as creou, E que
assim corno o mar, separando-se da terra firme, deixou nao so a Uba do
Paraiso intacta, mas a outras muitas Ilhas, de que nao faz mencao a
Sagrada Escritura : assim tambem as aguas do diluvio univorsal deixa-
rio, além da sua Uba, ou arca de Noè, a outras muitas Ilhas, quando
se recolherau, e cessarao as aguas do diluvio ; e d'estas Ilhas nao dire-
iDos DOS agora, mas sómente de algumas, quando, e por quem se man-
teo descobrir, e povoar; e por quem se descobrirao, e povoarao.
FIM DO LIVRO l'RIMKIHO.
INSULINA LUSITANA
DAS ILHÀS CHAMADAS CANARIAS, E DAS DE CAHO VERDE.
CAPITULO I
Do principal deseobridor de llhas, e de occuUas Urras firmeSf
0 Serenissimo Infante D. Ilenrique.
{ Sendo decimo Rei de Portugal Dom Joao I, do nome, e casado com
a Infante D. Felippa, neta dei-Rei D. Duarte III, de Inglaterra, e filba
(Io Infante D. Joào Duque de Alancastre, e de sua mulher Branca, ber*
deira do Ducado, dos qnaes nasceo Ilenrique, Duque do Alancastre, e
depois Rei de Inglaterra : teve o dito liei D. Joao I, da tal Rainha D.
Felippa, depois do Infante D. Duarte, qua Ihe succedeo no Reino, e do
Infante D. Fedro, Duque deCoimbra, teve ao nosso Infante D. Henrique,
Doque de Vizeu, Mestre da Ordem de Ghristo, senhor de Lagos, e Sa-
gres no Aigarve, cujos irmaos mais mocos forao D. Isabel, que casou
com Fetippe Uuque de Borgonha, e Conde do Flandres, e D. Joao Mes-
tre de Santiago, e pai de D. Isabel, que casou com D. Joao, Rei segmido
do nome, de Castella : e antes de ser Rei, e ter os ditos filhos legitimos,
tinha jé o nosso D. Joao o I, de huma D. Ignez, que ao depois foi Cosa-
meodadeìra de Santos, a bum fìllio por nome D. Affonso, que casou com
D. Brites, fitba unica, e herdeira do grande Condestavel U. Nuoo Alvrez
Pereira, e foi o primeiro dos Serenissimos Duques de Braganca, «ijya
fllha D. Isabel casou com seu tio o Infante D. Joao, Mestre de Santiago,
de que nasceo D. Isabel, Rainha de Castella, e D. Brites, que casou com
sea primo o Infante D. Fernando, fìllio d'el-Rei D. Duarte, e irmao de
D. Alfonso V.
(50 HISTORIA INSULANA
2 Nascco pois o nosso Infante D. Ilenrique em a Cidade do Porto
a 4 de Marco de 1394, na quarta feira de Cinza; n'ellc competirao as
virludes de luim grande Principe com as de perfeitissimo Calholico. Nos
primeiros annos se deo tanto as letras, que além de bom latino, sahio
lumi insigne Mathemalico, e singular Cosmographp, e so por melhor
contemplar cm as estrellas do Geo, escolheo para sua especial habitai^o
a mais alta montanha no Cabo de S. Vicente, onde poucas vezes chove,
raramente o Geo se turba, e sua serenidade se ve ordinariamente pa-
tentissima, e d'aqui, e de antigos escriptos que ajuntou, e observacoes
que fazia, veio a alcanc^F, que pela parte do meio dia se podia nayegar
a India Orientai, e que na demanda d*este descobrimento se descobrì-
riào muitas, e varias Ilhas, que no nosso Oceano, e em outros roares
mostrava o Geo que havia ; e tanto se afTeiQOOu ao estudo das letras, e
a todos OS que a ellas se entregavao, que até seu proprio palacìo que
em Lisboa tinha, o deo para nelle se formarem estudos novos, em que
as letras, e sciencias se ensinassem, e aprendessem.
3 A tao grande estudiosidade ajuntou este verdadeiro Principe tao
grande applicando a nobilissima arte da Gavallaria em a terra, enavega-
Cao por mar, que dos maiores pilotos era elle o maior Mestre, e dos
mais déstros homens de cavallo era Principe destrìssimo, comò adverte
Joao de Barros, i. part. cap. 17, e veremos largamente n'esta obra; e
d'aqui lUe veio a este Infante aceitar o perpetuo governo do Reìno do
Algarve, por alli Ihe vir a melhor eavallaria que havia em Africa, e d*alli
mais facilmente mandar embarcacoes a descobrimentos que intentavat. A
estas moraes, e regias virtudes ajuntou tao Beai liberalidade em premiar
servigos, tao inflexivel justiga em distinguir huns dos outros, e castigar
a culpados, que ao seu palacio, e ao seu servilo acudiao os melhorcs
fidalgos, e seguiao a pessoa de tal Principe em os maiores couflictos,
e Ihe dcfendiao os póstos, e as pragas com toda a fidelidade, e valor,
sabendo terem todos nao so pontual a paga, mas seguro o premio e
augmento.
4 Competirao pois tanto n'este Principe as virtudes naturaes, e
muito proprias de seu alto estado, com as sobrenaturaes da alma para,
e Catholica, que nao so nunca admittio fallar-se-lhe em casamento, mas
(com viver setenta annos) foi tao puro, e exemplar em seus costumos,
que morreo virgem purissimo; e na verdade a quem tao bem occapado
andava sempre, e em taes yìllades moraes se exercitava, nSo costuma
LIV. II CAP. I CI
Deos Taltar com sobrenaturaes auxìlios, para cooseguir lambcm as vir-
tades mais Di\ inas ; que a quem nunca està ocioso, mas sempre bem
occupado, nera o proprio demonio se atreve a tenlar. A pureza pois
ajunlou este Catliolico Infante tao Divina Fé, Esperanca. e Charidade,
(|ue pela Defensao da Fé se poz fronteiro perpetuo no Algarve conlra
teda a perQdia Maliometana de Africa; e ainda (corno em seu lugar v(-
remos) foi expòr a propria vida pela Fé nas Catliolicas pracas cpie jà ti-
lìhamos entre os mesmos Maliometonos; e com descobrir tantas Ilbas, e
tio Dovas terras firmes, nas cm que liavia genles, fez logo [)régar a Fé
Catholica» e povoar de Calbolicos as que estavao despovoadas. A cbari-
dade (ainda com o proximo, quanto mais com Deos) mostrou coni elTeito
maitas vezes em arriscar a propria vida por salvar a de seus vassallo^v
nos encontros que a seu tempo veremos teve com os Mouros; e no mo-
te, oa divisa que tinba em suas reaes armas, em as quaes se lia, «Von-
lade de bem fazer.»
5 Com està tao real, e ajustada vida adquirio tanto poder em està
Monarchia Lusitana, que qualquer intento que emprendia, acabava ; e
a^im OS Reis, seu pai, irmào, e sobrinho, d elle confìarào sempre nao
so 0 perpetuo governo do Reino do Algarve, porta de Africa para Iles-
paoha, mas tambem a grande administra^ao, e Mestrado de toda a Or-
dem Uililar de Christo, e suas muitas, e muito grandes terras, Com-
iDendas, e datas, com que vinlia a ser Imm segundo Rei de toda a Mo-
narchia Lusitana ; e até o mesmo Papa Eugenio IV Ihe deo sua propria
authorìdade para reformar a Ordem de Christo; julgando, e com razao,
qoe tao ajustado Principe, ainda que secular, de Kegulares podia ser
Beformador perfeito, comò de facto o foi; e entre as grandes datas qne
i Ordem de Christo deo, foi, fundar-lhe huma rica Ermida junto ao Tejo,
quasi legna de Lisboa com a invocagào de N. Senbora de Bethlem, (d'on-
de tornea o nome a alta torre, ou Castello, que dentro do mesmo rio
se levantou depois defronte da dita Ermida) e para està mandou vir do
Convento de Tomar Deligiosos Militares, que servissem a Senbora de
Bethlem, e recolhessem, e hospedassem os que, vindo em nàos de fora,
alli parassem ; para o que Ihes doou rendas copiosas, e com so huma
liissa cada Sabbado por sua alma ; 'tanta era a devogao com a Virgem
Mii d este grande Principe, e tanta a charidade com os proxiaiog|,|
cìalmente navegantes.
6 Està Ermida porém, e suas rendas tirou da Ordem ^
m a Yirgem
62 IIISTOKIA INSILANA
El-Bei D. M«nnocI, sobrinho do dito Infante D. Ilenrique, e cm lugar
d'ella deo a Ordem a Igreja de nossa Senliora da Conceicao, que està
fora de Lisboa, e linlia sido de anles synagoga dos Judeos, quando ainda
se nao tinhao convertido; e na Ermida de Bclhlcm fundou bum magnifico
Convento aos Ueligiosos de Sao Ilieronyrao; e porqueo dito Rei morreo
anles de o acabar, deixou que seu corpo se d{?positasse na Ermida velha
de Bejblem, e depois cm se acabando a regia fgreja nova, para ella se
trasudasse o dito seu corpo ; e que seu successor, e fillio El-Rei D.
JoHo III, acabasse a Igreja, e Convento, corno ludo acabou, e com tal
magnificencia, que foi depois sepultura de outros Keis: d'onde podemos
dizer que ao grande Infanle I). Ilenrique deve conbeccr tambem por seu*
Fundador primeiro o magnifico Convento de Belblem; e a dita Conceicao
Ulyssiponense da Ordem de Cbrislo.
7 Cliegou finalmente a morte a este, na fama, immorlal Principe,
em 1463 a ireze de Novembro, dia cm quo ao depois veio a celebrar-se
a festa de outro illustre Principe o Santo Stanislao Kostka, Polaco, da
Companhia de Jesus, e o transito do Santo, cbamado Homobonus, pro-
curador insigne da pobrcza, e bem commum ; para se nos ensinar que
0 nosso Principe Ilenrique nao so foi Religioso, e Santo Principe, mas
verdadeiramenle bomem em ludo pio, e bom. Morreo pois de idade de
quasi setenta annos. De seu lestamenlo se diz que deixou a conquista,
e descobrimento de novas terras A Coroa real,5que entao tinlia seu so-
brinho D. Afl'onso V, e porque tinha adoptado por fillio a seu sobrinho
0 Infante D. Fernando, quo era casado com D. Briles, sobriiilia tambem
do mesnfK) D. IIenri(|ue, e filha do Infante D. Joao, ao dito D. Fernando
deixou 0 Mestrado da Ordem de Christo, e com elle as Ilhas da^Madeira,
de Cabo Verde, e das Terceiras; e ludo (corno diz Damiao de Goes) con-
firmou El-Rei; e por morte do dito I). Fernando passou ludo ao Infante
D. Diego, (a quem matou El-Rei D. Joao. II), e deste D. Diego passou
tudo ao Infante D. ManocI, que depois succedeo no Reino a seu cunliado
U. JoSo 0 II, mas tudo o dito Rei D. Manoel encorporou depois na Co-
roa, d'onde nunca mais salilo.
8 Faleceo no seu Reino do Algarve, em a Villa de Sagres, e d'ahi
foi seu corpo trasladado para a Villh da Bataiha, e n ella jaz em aquelle
real Tempio, que seu pai D. Joao o I edificou; sua sepultura està junta
à do pai, comò as dos mais Infanles seus irmaos: porèm a do nosso D.
Ilenrique està dourada, e lem por divisa duas bolsas, e lelras tambem
LIV. II GAP. II 63
doifradas, porque por sua industria se descolrio tambem a Mina, do que
vioba muito ouro a Portugal. EmAm que a cste grande Inrante D. Hen-
rique parece nao deve menos a Coroa de Portugal, do que ao grande
Conde D. llenrique, tronco dos Reis d'està Corea, e seu exemplar, nao
menos em o nome, qae nas obras : porque com suas virtudes admira-
veìs, com suas Uivinas letras, (ou revelacoes Divinas, na opiniao de mui-
ti)s) e com seu braco ìnvencivel sugeitou mais Reinos é Coroa de Tortu-
gal, do qoe nesle o outro llenrique terras : fez converter mais Gcntios,
do que o outro venceo Mouros, e se o primeiro llenrique, so por dila*
lar a Fé de Christo obrou tanto, tudo o que o nesso segundo empren-
deo, e descobrio, é Ordem de Christo o sugeitou : com que ficou csla
Ordem tendo bum tao vasto Imperio, que nao se assignarà outra cm o
mando que o tcnha mais dilatado. Tanta se deve a tal Principe.
9 Mas comò quem mais Ihe deva, suo as llhas, de que em especial
se compoem està historia, para a qua! so tocamos està noticia prcambu-
la, e brevissima, pois sua vida requerc penna mais subida, e ampia, ra-
tìo, lic continuemos com os mais presupposlos a està obra.
CAPITULO II
Do anlùjo^ e ftel llialoriador das Ilitns, o Reverendo^
e Veneraeel Doulor Gasjwr Fruclnoòo.
10 Em a Cidade de Punta Delgada da liba de S. Miguel, em o an-
no do nascimento de Christo Senlior nosso de 1S2t2, nasceo o Uoutor
Gaspar Fructuoso; seuì pais erào Cidadàos da dita Cidade, e nao so do
sangue limpissimo, mas ricos, e muito nobres. Desde o primeiro uso da
razao deo logo mostras de muito devoto à Virgem Senhora nossa, e era
de tao boa indole, e mansidao, que a todos levava os olhos sua grande
iDclinacao i virlude; come^ando a esludar Grammatica, foi logo conhe-
ddo nao su do Mestre, e mais condiscipulos, mas da nobreza da terra,
por sogeito que ao depois viria a ser bum grande homem em santida-
de, e lettras; mas, comò ainda em este tempo se davao de sesmaria as
descubertas terras daquella nova Ilha, e aos pais do estudante se tinbao
dado muitas que elles mandavao lavrar, e cultivar, ordenàrao ao seu Gas-
par, fosse em os dìas de semana de manhS assìstir aos homens, que cui-
livavào as terras, para que o (ìzesssm com cuidado; poròm a applicagào
Gì HISTORIA LNSULANA
do filho era lai aos seus livrìnhos, que indo a vigiar os trabalhadores,
pegavà lego dos livros de tal sorte que nao despegava dgBiles; e aclian-'
do-o assiin o pai por muitas vezes, e aos seus trabathadores descuìdados
do trabalhOj enradado repreliendeo asperameute'aó Gibo, e Ihe disse que
ji que DUO prestava para lavrador, elle o mandaria fora de sua patria a
cstudar às Universidades ; e com efleito depois de pouco tempo embar-
cou 0 filho para Porlugal, donde o mandou a Salamanca, e n'eUa Ihe
mandou assistir com mezada nobre, e que estudasse; donde.se segifio,
que ch^gando o filho d'ahi a annos a ser Vigano da Parochial da Villa
da Ribeira Grande: e fazendo hum rico frontal para o Aitar mór, man.
dou por nelle o seguirne quasi enigma, qoe representava em o panno
do meio do frontal, da parte do Evangelho, hum Ugurado arado, de bor-
dado de euro, e por baixo d elle huma letra que dizia: «Se soubera»,
e da parte da Epistola hum semelhanlemente figurado livro, e por baixo
d'elle outra letra que dizia: «Nao soubera»; e isto vio, e reparou, ha
quasi cincoenta annos, quem agora isto escreve. Ohi se hoje os pais en-
tendessem bem este enigma, e melhor o praticassem, nao dando estado
a seus filhos contra a licita inclinacuo, e vontade d'elles, quanto maiores
augmontos, e credilos de suas casas Ihes resultariaol
11 Chegando pois o maucebo a Salamanca, e jà perfeilo Latino, co-
mecou, e acabou de estudar Filosofia, com tao exceliente engenbo, pe*
netragao tao profonda, que foi niella nao so graduado, mas venerado de
todos; e vendo-se jà chegado a idade de podòr-se ordenar de Sacerdo-
te» se voltou à sua liha para tornar as Ordens, e todo se dedicar a Deos,
e à sua Igreja. Chegado a liha, repararao todos vir nào so tao sabio com
os estudos, mas tambem tao exemplar em os coslumes, que n3o so Ihe
derao todas as Ordens Sacras com geral applauso, mas de todos os es-
tados concorriao muitos a pedir-lhe conselho, e communicar com elle
suas consciencias, e com isto fez jà entao grande abaio, e mudanga nos
que 0 tratavao. Mas vendo que Ihe fallava ainda a perfeila Theologia, e
Mofal, (por mais que tivesse jà de Theologia mystica).
12 Yoltou-se da sua liha a Salamanca, por se aperfei^oar em tao .
maiores sciencias; e sendo n'ellas seu Meslre o Doulissimo Fr. Domin-
gos de Soto, da Sagrada Ordem de Sao Domiugos, taes progressos fez
em toda a Theologia, e tanto o respeitava o dito seu grsinde Mestre, que
em Ihe perguntando tal discipulo alguma duvida, coslumava o Mestre
pcdir tempo para a ver, e satisfazer-lhe. 0 procedim^cnlo nos coslumcs.
LIV. II GAP. U 65
e 0 exemplo da vida que fazia esle sujeìto, era tal, com ser ainda mau-
cebo, e cursante aìnda, que com n'aquella celebre Universidade lìaver
Uotos, e tao insìgnes talentos ein virlude, e ietras, todos veneravao ao
dito Fructuoso, e concorriao a elle por conselho, e todos d'elle tiravào,
aioda mais que do nome, grande fruclo; e assìm conclubio os seus es-
tudos, graduado Doutor nào so nas Artes, mas em toda a Tbeologia.
13 De tal Doutor correo tanta fama d^ sciencia, e santidade, que
cbegaodo ao Bispo D. Juliao, em cuja Diocesi està Braganga, para ella o
pedio com muila instancia, e por conselbo de seu Mestre Soto veio o
Doutor para Braganga, a foi singular aiivìo para o Bispo no governo do
Bispado. £ porque jà em Salamanca tinba enlrado a ainda nova entao
Relìgiao da Companhia de Jesus, cujo Collegio tinba ido a fondar o Pa-
dre Miguel de Torres, com este teve o Doutor grande familiaridade, o
tal coDceìto formou da Companbia, que d ella disse ao dito Padre mui*
tas cousas, que ao depois se virao terem sido profecias; e comò tambem
em BragauQa bavia ja Collegio da Companbia, cujo Reitor era o Padre
bui Vicente, esteve o Doutor algum tempo em Braganca, lendo alterna-
tivamente Casos com os Padres da Companbia, e tendo jà no Bispado
BeDeDcios, que passavao de mil cruzados de renda cada anno; com tu-
do deiiando entao D. Juliao o Bispado, e morrendo D. Jorge Bispo das
Ubas Terceiras, a quem succedeo D. Manoel de Almada, que ainda es-
tava em Lisboa, este se empeobou tanto em levar comsigo para as di tas
llhas ao Doutor, que o mesmo Bispo, e muitos nobres d'ellas, que na
dita Corte estavao, escreverao todos ao Doutor, pedindo-lbe se viesse
para a sua Uba, e Ihe maudàrao as cartas por bum seu sobrinbo, para
mais 0 persuadirem.
li 0 Doutor Fructuoso vendo isto, e persuadindo-se ser maior ser-
vilo de Deos voltar à sua Uba. se foi logo ver com o seu novo Bispo D.
Àatouio Piuheiro, (que tinba succedido a D. Juliao) e renunciando em
suas maos os Beneficios que tinba, sem tirar pensao alguma, conseguio
delle licenza, (que multo sentido a deo) e se veio a Lisboa ao Bispo D.
Ihnoei; e vendo este, e observando, na sciencia, e virlude do Doutor,
que sua preseiH;a accrescentava, e em nada dimìnubio a sua tao grande
lama, tratou com elle, e com o Rei, que aquelle Doutor fosse o Bispo
de Angra, e que elle D. Manoel se flcaria em Lisboa; mas nem o Rei
pode acabar com o Doutor que aceitasse, (tanta era a sua virlude, tao
youca a sua ambicao) e porque estava entio vaga a Parocbial Igreja da
\ot. 1 5
66 HISTORIA INSLLAXA
Villa da Ribeira Grande em S. Miguel, està aceitou o Dontor, com ^er
de menos renda, do que era a dos BeneHcios qiie renunciàra: instou-lhe
entao o Bispo, que ao menos, em quanto elle Bispo n2o hia para o Bis-
pado, aceitasse d'elle o governo, e o avjsasse de todo o que importas-
se. Respondeo-lhe o Doulor, que o bom governo de qne mais necessi-
tava 0 seu Bispado, era de haver n'elle CoIIegios da Companbia de Je-
sus; que tratasse disto, e descansasse entao.
15 Chegado à sua liha de S. Miguel, foi n'ella recebido o Doutor
Gaspar Fructuoso corno bum Pai da Patria, e todos com elle communi-
cavao snas consciencias, tomavSo seus conselhos, e venerarao suas ra-
ras virtodes, e comecou logo a ser o Director espirilnal, o Mestre, e Con-
fessor d'aquelle grande espirito da Vcneraveì Beata Margarida de Cha-
\es, naturai da Cidade de Fonia Delgada, e n'ella tida, e vencrada por
Santa: cuja vida, e obras maravilhosas veremos em sai lugar; e ambns
estes dous sugeitos rogàrao tanto a Deos puzesse n'aquellas Ilhas CoIIe-
gios da Companhia, e tanto persùadir3o aos mais pios, e nobres Cida-
daos 0 procurassem assira, que o Serenissimo Rei D. SebastHo fundoti
logo 0 Collegio de Angra na Uba Terceira, e desta comecarao a ir Pa-
dres em Missao a liha de S. Miguel, até que n'esta tambem, pelos mai»
devotos moradores d'ella se fundou o Collegio que boje tem, e que via
comecar o mesmo Doutor Fructuoso, e com tao estraordinario gozo seu,
que vendo-o dizia publicamente, e em voz alta, iVunc àimiitU sertum
tutm Domine, etc, E assim podemos dizer que ao kIo, e oragoes d'estc
grande servo de Deos, e da sua confessada a Beata Margarida de Cha-
ves se deve a fundacao do Collègio da Companhia de Jesus da Uba de
S. Miguel.
16 Em cbegando este Doutor a tomar posse da sua Igreja da Ri-
beira Grande, (que da Cidade de Penta Delgada dista so tres legoas) co-
mecou logo a tratar da dita Igreja, e em sua vida tanto a augmentou de
ricos ornamentos, e preciosas pefas, qoe todos diziao que jà nao paro-
eia sen5o buma Igreja de Padres da Companhia. Do pulpito elle era o
Prégador continuo; e com ser zeloso, e no reprehender severo, cada vez
concorrilo mais ouvintes a ouvil-o, e da Cidade o perseguSo muitas vo-
zes que Ibes fosse là pregar, e ninguem j4 mais se sentio queixoso d'el-
le, pela virlude, e exemplo que n'elfe admìravao todos. No administrar
dos Sacramentos era t3o indefeclivel, que n'isso, quanto podia, aliviava
multo aos seus Curas. Tendo gastado loda a manb3 em confessar, dizer
Liv. n CAP. II 07
ITtssa» pregar, e dar a CommunIi3o, e vindo jà depois do meio dia para
casa a hospedar pessoas graves que esperavSo por elle, e estando todos
pondo-se à mesa, chegou a porta hnma veiha, pedindo-lhe que a fosse
confessar, porque viera ja tarde; pedio muìto aos liospedes que jantas-
sem, e nào esperassem por elle, e sem tornar bocado> o nao podérSo de-
ter, e se foi para a Igreja.
17 Mas quem poderà recopilar d'este admiravel Var5o suas virlu-
des? As Theologicas, Fé, Esperanpa, e Charidade, n'elle estavao tanto de
assento, quanto em tlio sabio, e tao subido Tbeologo; pois perguntando
por vezes, porque mais se applicàra à Theologia, do que a outras scien-
cias, costumava responder, que por melhor se salvar; e assim pela gran-
de Tbeologia que alc^ncou, e frequencia que tinha de toda a Sagrada Es-
critura, nunca em materias de Fé teve nem a minima duvida; antesou-
vìndo ser falecido o Padre Gonzalo do Rego da Companhia de Jesus, na-
turai da mesma Uba de S. Miguel, e que tinba estudado em Salamanca,
companheiro do Doutor, e a este, passando por Evora, o tratou singu-
Ivmente; ouvindo pois ser falecido o dito Padre, disse advertidamente,
qoe nao onsaria encommendalo a Deos, mas Ihe pediria o encommen-
dasse ao Senbor, porque sabia ser bum grande Santo, e por tal julgado
na Provincia da Companbia: e ouvindo o martyrio que o Francez Jaquez
Sona, herege, dera ao Santo Padre Ignacio de Azevedo, e a todos seus
companheiros, e comò S. Pio V, Pontiflce entao da Igreja, mandàra que
por elles se nao dissessem Missas; perguntada a razao ao Doutor res-
pondeo, que quem roga pelo Martyr, faz injuria ao martyrio, e que a
laes Santos Martyres baviamos nós rogar, que elles rogassero por nós.
E de tao grande Tbeologo me persuado eu, que estas resolu^oes nSo fo-
no senao revelagóes Divinas, e partos da grande Fé de bum tao Santo
Doutor.
18 Pois de sua Divina Esperanca as provas s3o, a continua instan-
cia, com qoe a Deos, e ainda aos Reis, e aos Bispos, pedio houvesse
nas Ilhas Collegios da Companbia, e o conseguio, e vio em sua vida: e
tambem a conGanca com que estando em Salamanca, e correndo bum
anno totalmente estetil, e faminto, sem Ibe cbegarem a elle, nem aos
seas dous companbeiros, os annuaes provimentos das suas Ilbas, e ven-
do-se jà em quasi extrema necessìdade, e por outra via requeridos pela
paga do que tinbao tomado fiado, o Santo Doutor os exbortou a espe-
rarem em Deos, e se recolbeo a seu estudo; e passadas poucas boras
68 raSTORIA INSULANA
chamàrao o Doutor & porta, e Ihe enlregàrao hum copioso presente de
maDtimentos, nao se Ihe dizendo mais do que, que huroa sua devota es-
piritual Ihe mandava o tal soccoito: pasraàrSo os comtpanbeiros, e o Dou-
tor gravemente os reprehendeo de sua pouca esperan^a na misericordia
Divina; e tirando logo o necessario para aquetla noite, mandou tudo a
mais repartidamente aos outros necessitados Academicos, sem reservar
cousa alguma para o outro dia, em que de repente Deos Ihes acudio coni
0 largo provimento, que das suas Ilhas Ihes tinha fallado.
19 E jà d'aqui se ve quao ardente Charidade teria para com Deos,
e com 0 proximo, sugeito a quem Deos amava tanto. Em dia que o vul-
go chama dos finados, veio da sua Igreja tanto pao de ofTertas para ca-
sa de seu Parocho o Doutor, que à fama concorreo grande numero de
pobres, e maior ainda de meninos, dizendo, (corno costumao) pao por
Deos, etc, e pondo-se o Doutor per si mesmo a repartir-Ihes o pao,
chegou a dar-lhes o proprio que tinha para jantar, e a flcar sem pao a
mesa, e casa; o que vendo hum seu cunhado, nobre bospede, enfadada
disse, que muitos d'aquelles o enganavao, e nao erao pobres; e respon-
deo 0 Doutor: «Federa por amor de Deos, se me enganao, deixai-me en-
ganar por amor de Deos: e assira n'este, corao era semelhantes casus,
0 soccorria Deos logo. E chegando outras vezes a dizer-lhe muitos, pa-
ra que dava tudo por amor de Deos, pois podia adoecer, e nao ter com
que curar-se, respondia, acceso em o amor de Deos, maravilhosas dou-
trinas, e concluhia: «Se adoecer, e nao ti ver com que curar- me, vende-
rei OS livros; e se estes n3o bastarem, irei para o Hospital; e se là me
iiào quizerem recolher, nao o saberà El-Rei: e continuava entào, tudo
dando, e so por amor de Deos, e charidade com o proximo: mas huma,
e outra charidade mostrava ainda mais, quando sabendo que alguns pi-
ra tas Francezes tinhao entrado, e roubado a liha da Madeira, persuadio
à Misericordia de S. Miguel, que pelas casas dos ricos tirassem esmola
de dinheiro, e o mandassem à Misericordia da Madeira, para acudir ao»
mais roubados pobres; e acorapanhando o mesmo Doutor os que tiravao
a esmola, tirou maior soraraa de dinheiro, com que fez logo acodir a
roubada liba: a tSo longe se estendia a ardente charidade d*este amante
de Deos.
20 Nera so com às esmolas corporaes que aos pobres fazia, mos-
trava este servo de Deos o amor que a Deos ììtAiol, mas muito, e mul-
to mais s3o as espirìtuaes esmolas. A pessoas que aodavSo em peccado
Liv. n GAP. n 69
apartava d'elle; as que andavSo em odio, punha em paz reconcìliando-as
entre sì, e com tal valentìa de espirito, que todos se Ihe rendiao; a to-
dos dava o melhor conseiho, sem se negar a alguem que Ih'o pedìsse; por
quasi qaarenla aauos prégou milhares de vezes n'aquella liha, e sempre com
grande fructo, estranhando vicìos, e encommendando virtudes; e comtu-
do nunca repetia a mesma prégagao, e ordinariamente a nao escrevia se-
nao depois de a ter prégado; e antes so com Deos, e com a Sagrada
Escrìtura consultava as suas prégagoes, e por isso n'ellas provava o que
dizia, nao so com exceilentes, e sempre diversos passos, mas com subi-
dissimos conceitos: donde jà se ve o muito que exercitava a cada huma,
e todas as obras de misericordia, espirituaes, e corporaes.
21 Nas mais virtudes moraes foi tao insigne, que para as consevar
sempre todas, se fundou na humildade, e dasapego das cousas d'este
mundo, com que largou as rendas dos primeiros Beneficios, sem nem
d'elles reservar congrua alguma, com que regeitou Bispado. e governo,
e se coDtentou com so aquelia Vigairaria, sem jà mais admittir ascenso
d'ella, e so n'ella se conservou ale a morte, por melhor a Deos, . e ao
proximo servir. A humildade ajuntou, desde o primeiro uso da rasao,
a devocao da Virgem M3i de Deos, de qoem a Virgem Senhora nossa
Ihe alcancou tal pureza vìrginal em toda a vida, que com correr, e man-
cebo, tantas terras, nao so nunca perdeo a virginal pureza, mas à guar-
da d'ella se excitavao todos os que olhavao para elle, e elle a conservou
com a continua estudiosidade, sem à occiosidade dar alguma bora,
lugar, e muito em especial com a rigorosa penitencia, e paciencia inven-
civeU porque por sua morte Ihe acharSo cilicios de diversas castas, e
asperas disciplnas, jejuava tres dias no semana, quartas, sestas, e sab-
bados, e na Quaresma as sestas a p3o, e agua, e com ser de colica mui-
to acbacado, so depois de veiho poderao acabar com elle beber vinho,
e ainda o nSo bebia se n3o com tres partes de agua, e quando a colica
mais 0 apertava, e tanto que pela testa se estava vendo correr o suor
em fios. Dio se Ihe ouvia outra cousa mais que invocar a paixao de
Chrìsto, e 0 Santìssimo nome de Jesus, e com està paciencia, e peniten-
cia conservou tantas, e tao admiraveis virtudes, que seria nunca acabaV
qoerer aqui recopìlal-as tadas.
22 Tendo pois jà este servo de Deos quasi setenta annos de idade,
(desde 1522 em que nasceo, até dia do Apostolo S. Bartholomeu do
aooo de 1591) parece teve revelacào de sua ditosa morte, porque ainda
70 HISTORIA INSULANA
indisposto, andava ainda de pé, e indo de manhaa a sua Igreja, disse
Missa com a pausa, e devogao que n'elle se observava sempre, e reco-
lliehdo-se a casa jà em o firn da manhaa, logo em comecando a tarde
rezou Vesperas, e Completas, e acabadas ellas pedio, e recebeo a Santa
Ungao' e invocando os santissimos, e devotissimos nomes de Jesus, e
de Maria, entregou em suas maos aquelle ditoso espirito. Sabida sua
morte, foi, nao so n*aquella Villa da Ribeira Grande, mas em toda a
grande liba de S. Miguel, tao cborada, e sentida, que todos clamavao,
Ihes faltara a columna de toda aquella terra, e de todos o seu Mestre, e
Pai universal. Acudirao logo o Illustrissimo Bispo, o M. Reverendo seu
Visilador, e com elles toda a mais nobreza Ecclesiastica, e secular, e
depositando o defunto na sua mesma Igreja, que he de nossa Senhora
da Estrella, acìma dos degràos da Capella mór, ao^pé do Aitar Ibe pu-
zerao huma nobre campa com seu letreiro que diz:
Aqui jaz o Doutor Gaspar Fructuoso, que foi
Vigario, e Prégador d'està Igreja, vere Va-
rao Apostolico, insigne em letras, e virtude.
Compendioso Epitafiio, mas multo mysterioso, e merecido; porque a
substancia de bum Var3o Apostolico he a virtude, e letras, que n'este
compendio de tal vida se tem bem manlfeslado ; e ainda que das letras
se diz estarem acima das Estrellas, Sapiens dominabitur ustris) e aqui
aos pés de huma Estrella; (titulo da sua Igreja) he, que ficando o cor-
po aos pés da Estrella da terra, sobre as estrellas do Geo subio a alma,
levando por humilde o lugar, que por soberbo perdeo bum Lucifer : e
com razao se inlitula, ainda depois de morto, ( Vere Varao Apostolico)
porque aos segundos Apostolos, aos Padres da Companhia de Jesus, em
Vida sectìpre amou, e estimou tanto, que, bem comò o Santo Velho Si-
meao, em vendo no Tempio a J3sus, nao quiz ver mais n*esta vida, e se
parilo para a ontra, dlzendo o seu Nunc dimiitis : assira este nosso, ver-
dadeiramente Fructuoso velho, em vendo aos seus Jesuitas, aos Padres
da Companhia, de assento n'aquella liha, pouco depois se partio para a
Berna venturanca, nao esperando oulra maior em esla vida, e cumprindo
sua promessa, de em islo vendo, dizer o Nunc dimittis; o ainda nàode
todo se auscntou dos seus tao amados Padres da Companhia ; porque
alem de Ihes deixar a livraria que tinha, de mais de qualrocentos volu-
U\\ II GAP. HI 7i
mes ìmpressos, e dezaseìs manuscritns de sua Thcologia, e sua propria
ietra ; d e;ita tamheiB Ihe deixou huin grande tomo, cliamado couiinum-
luenle, Descobri mento das Illias; e a que elle intitulou, Saiulades da
terra ; e Ilie hia ajunlando outro, a que chamnvào Saudades do Geo : e
^ OS livros, que bum Auttior compoe, sào os tìliìos da sua alma, que
^eiupre sào niuito amados, e a ahna aonde aùia, costuma estar muitu
mais do que aoude auima ; bem podemus dizer, que nem de lodo se
ausenluu dos'seus Padres da Companbia este Yarào Apostolico, pois
llies deixou suxi alma, e muito especialmente em bum tal seu livro, que
a Omipauiiia lem, e guarda, corno reliquia sua, e de siugular estima : e
com baver jà 1^3 annos, que morreo Varào tao santo, em 1591, e ba-
ver ja |>eiau de duy.entos que nasceo, em 15:^2, aìnda agradecida està
sua (k)mi)anJìia de Jesus, Ibe offerece este reconbeci mento, e publicagào
de sua santa vida, e 5<'ibedoria singular; que póde Deus ainda, e ca na
teira, cajionizar alguma bora, corno piamente cremos cauouizou em o
Ct'O.
CAPITULO III
Das Ilkas chamudas hoje as Canarius.
23 Com niuita razno, e nao sem algum mysterio, comcfon seu li-
vro 0 Veneravel Doutor Gaspar Fructuoso, por queixas da verdade, a
quem costuma a fama muitas vezes enconlrar, porquo bc lai a verdade
deste sabio Doutor, que se por ella comega, be portjue com tal verdade
falla sempre, que com ella ninguem póde enconlrar o que elle afìirma,
e assiiD seguindo està bistoria sempre no que d elle tìraremos, e mnn
era bum apice fallando à pura, e una verdade, em o muito que de novo
ajunlareraos aqui, de proposi o passaraos em o livro d'este Doutoi* os
seus oito Capitulos primeiros, que das ditas queixas Iralao, e i)assamos
ao nono, do descobrimento das Canarìas, que pois foi o primeiro de
Ilhas jiesle Oceano Occidental, tambem deve ser primeiro na Historia:
e jhjnine por algiira tempo, e de algum modo forao sugeitas à Corea de
l*>rlugal. corno veremos, por isso ainda as meltemos entre as Ilbas Lu-
sitaiias; mas com maior brevidade, pelo menor commercio que com ellas
lioje lumos.
ii Canarias pois se dizem boje as Ilbas, que antigamente se dizifio
FurLunulad, ou bemafortunadas ; sao por todas doze em numero, posto
72 msToniA insulana
qiie enfi nigiimas cnrtas nauticns so se apont3o onze, sem contarem a qne
rhamao liha do Inferno, correm de Leste a Oeste, assentadas em 28 graos
da parte do Norte, distao de Hespanha 200 legoas, e a que està niais
pento da costa de Africa, treze legoas sómente dista d'ella, e do Cabo
que chamao Bojador, mas outras Ilhas distao dezasete legoas. Os nomes
lioje proprios, e as mais nomeadas d'estas Ilhas, sao os seguintes : Forte
Ventura, Lancerote, Gram Canaria, Tenerife, Palma, liha jìo Ferro, Go-
racyra ; as outras ciuco Ilhas sao de raenos nome, e de todas he tal a
vizinhanfa de humas com as outras, que algumas so distao nove legoas
entre si ; e entre a Gomeyra, e Forte Ventura ha so hum quarto de le-
poa de mar; e ainda assim houve mulher na Gomeira, que sabendo que
seu filho hia em Forte Ventura condemnado jà a morrer» ella sem espe-
rar barco, e com sua provisao para livrar ao filho se arrojou ao mar, e
nàdando chegou é liha, e o livrou, dando-lhe melhores azas a està mai
0 amor, que o temor a algims corardes homens.
25 Sobre quem, e quando descobrio a estas Ilhas, ha varìas opi-
DJoes. 0 primeiro descobrimenlo se attribue a bum Capitao Carthaginez
chamado Hannon, que em o anno de 440, antes da vinda de Christo,
sahindo de Andaluzia com naval Armada sobre a costa de Africa, e Gui-
né, casualmente foi dar com a vista nas Canarias, e d'ellas nao teve mais
que so a vista de fora, e a demarcafao que fez, e em 1784 annos se-
guintes, se nao tornarlo a buscar as ditas Ilhas, até que chegado o anno
4344 depoìs da vinda de Christo Senhor nosso, e reinando jà em Aragao
D. Fedro IV, quiz Dom Luis de Lacerda, neto de D. Joao de Lacerda,
ir nao so a descobrir. mas tambem a conquistar as taes Canarias, e pe-
dio ao dito Rei ajuda para isso : mas parece que nao teve Bffeito està
empreza. Depois, reinando em Castella D. Henrique III, jà no anno -de
1393 ou (segundo outros) no de 1405, sahirlo de Franca alguns Fran-
cezes, e de Castella muitos Biscainhos, e Andaluzes, e com a Armada
tornarao em demanda das Canarias, e nao so as descobrirao, mas cati-
varao n'ellas cento e cincoenta pessoas, que trouxei*5o a Hespanha, e
Franca, e ficou sendo este o segundo descobrimento d'estas Ilhas.
26 0 terceiro descobridor das Canarias, vendo-se jà os naturaes
d'ellas, se accendeo mais em seu alcance; e logo no anno de 1417, go-
vernando em Castella a Rainha D. Calbarina, viuva do Rei D. Henrique
III, e mai do Principe D. Joao o II, se resolveo, (por ser hum grande
fidalgo, Almirante de Franca, que com multa gente tinha bem servido
Liv. n GAP IV 73
em guerra à Goroa de Castella, e se chamava Massen, ou Ruben de Bar-
camonte) se resolveo a pedir i Rainba Regente a conquista das taes Uhas
com 0 titulo de Rei das Canarias, e com a successSo para bum sobrinho
seu por nome Mossen Mossen Jo3o Betencurt; e tudo a dita Rainba Ihe
coQcedeo, e ainda o ajudou a tao gloriosa empreza.
27 Prepararao logo os dona nomeados Reis, primeiro, e segundo
das Canarias, hnma grande Armada em Seviiha, e animosos partirlo i
conquista; mas corno a Gram Canaria tinha dentro em si mais de dez mil
lìofflens de peleja, naturaes seus, que brava, e barbaramente a derendi3o,
nanca os dous Reis invasores a poderSo conquistar; porém conquistarSo
logo a Uba que chamao Ferro, e per fabula Inferno; e depois d*esta, a que
se intitula Forte Ventura; e em terceiro lugar a que chamao Lancerete,
e Desta liba fìzerao os novos Reis forte Castello, e de todas tres com-
merciavao com Hespanha, mandando-lhe escravos muitos, multa coura-
ma, mei, cera, ursella, e multo Ago, e sangue de dragao. E neste tempo
faltou d'estes dous Reis, Barcamontes Betencores, o primeiro, e tio do
segundo, e huns dizem que a falta foi, porque comò valoroso morreo
em aquellas guerras ; e outros que, por se passar a Franga, a buscar
maior soccorro com que tornar i conquista; mas o certo be (diz o nesso
Fructuoso) que de algum d'estes modos morreo o primeiro Rei, e Ihe
succedeo na Coroa o dito sobrinho Betencurt, a quem o tio a deixou.
28 Continuou este segundo Rei a conquista, e com soccorro de al-
guns Castelhanos conquistou a quarta liha, chamada Gomeyra, e ficou jà
Rei de quatro Ilhas ; mas sentindo entao mais a falta do valeroso tio, e
soccorros que esperara, e vendo que Ihe restav3o por conquistar oifo
lihas, e entro ellas a principal, que era a Gram Canaria, cabeca das ou-
tras todas, e de maior numero de gente, e mais bellicosa, assentou com*
sigo, que jà nao era possivel sustentar-se em seu reinado, e comegou a
traiar a qnero venderia o que jé tinha conquistado, e para que parte pas-
sarla; e d'està resolugao veremos o efieito no eapitulo seguinte.
CAPITULO IV
Do direilo adquirido por Portngal às Canariai^
29 Tendo sido as Canarias primeira vez descubertas antes da vin-
da de Chrìsto; segunda vez depois duella nos annos de 1*193, ou 1405,
74 mSTORlA INSULANA
e terceira vez no de 1417, pelos seus Reis Bctencores; e a Ilha da Ma-
deira tendo sido descuberta, e povoada em 1420, e correndo logo gran-
de fama d'ella, està moveo finalmente ao sobredito segundo Rei das Ca-
narias a vender as qualro, em que reìnava, ao nosso Lusitano, e Sere-
nissimo Infante D. Uenrique, de que ao principio tralainos, e de facto
llias vendeo por certas fazendas, que o Infante Itie deo uà dita Ilha da
Madeira, para onde (e para perto) o dito Rei de Canarias se mudou, e
jà emlim sem reinado, e na Madeira ficou, e dura ainda boje a descen-
dencia dos Bentecores. corno em seu lugar veremos.
30 Estando jà pois o Infante, com litulo de compra, e venda, fei-
to senhor das Canarias, expedio logo Armada, que comiuistasse d elias
as que fattavao ainda por render, e enviou a U. Fernando de Castro por
Capitào mór da Armada Portugueza: mas nào foi Deos servido dar-lbes
boni successo, porque investindo logo a Gram Canaria, tao forte, e por-
liadamente forao rebatidos d ella, que se retìrarao, e muito destruidos
Yoitarào ao Infante, que desgostado de tal successo, e considerando que
Castella dora o reinado d'aquellas Ilhas aos Bctencores; e que estes coni
ajuda de Castella tinliao conquislado as qualro Ilhas, eslas quatro, e o
direito às mais largou liberalmente, corno Principe, à Coroa de (Castel-
la; e disto trata Joào de Barros part. i lib. i cap. 22. Castelhanos ha
que dizem, que o segundo Rei de Canarias BeleniX)r, primeiro que ao
iiosso Infante, as tinha de antes vendidu a hum Pedro Barba de Caui-
jjoij, vizinho de Seviiha, e este a hum lìdaigo tambem de Seviiha, Fer-
uào Feres, que por demaiida de preferente as tirara ao Infanto por sen-
tenga do Papa Eugenio IV, e assira os dosc^Midenles do dito Fernào Pe-
res as livevao, até que o Catholico Rei D. Fernando V, de Castella coni
grande Armada investio até a Gram Canaria, unindo-se com liiim do
dous Reis d'ella, e voncendo ao outro, e ultimamente tirando-a a ani-
Los.
31 Consta porera, que de Portugal levando D. Marlinho Conde du
Atouguia, a Rainha I). Joanna, (ilha d ol-Rei 1). Duarte de Portugal, por
inulher de flenrique IV de Castella, d este alcan^ou doai;ào das dilas
Illias Canarias, e as vendeo depois ao Marquoz U. Pcdro de Menoz<»s,
primeiro do nome, o qua! tambem as vendeo ao Inrante D. Fernaiulu,
irmào dei-Rei D. Alfonso V, e o Infante niauduu h.go tornar posse d el-
ias pcHo Portuguez Diogo da Silva, que dejwis f:>i o primeiro Conde de
Portalegre: mas porque vindo logo de Caslella u Cavalluiiu Fernào Peres,
uv. II CAP. V 75
oa de Peraza, e mostrando corno tìnha comprado muito de antes as taes
Uhas ao segundo Rei d*ellas Betencor, e com todas as licencas do prì«
meìro Rei seu tio, e dos Reis proprios de Castella, tambem o dito In-
fante D. Fernando as largou logo ao Cavalleiro Peraza, de quem as her-
doa sua filha D. Ignez de Peraza, mulher de D. Garcia de Herrera, fi*
dalgo Castelhano ; dos quaes (alem de outros filbos) nasceo D. Maria
de Ayala, que cason com o sobredito Diogo da Silva, primeiro Conde
de Portalegre; e porque das ditas lihas a Gomeira, e a do Ferro ficarao
em morgado, e Condado ao irmSo D. Guilherme de Peraza, partirao-se
as outras doas Ilhas, (Lancerote, e Forte Ventura) e coube a D. Jouo
da Silva, segundo Conde de Portalegre, pela dita sua mai, renda de mais
de trezentos mil réis cada anno, que se se cobrao ainda, sabel o-ba quem
iiie toca.
32 E temos dado a razSo de 'metermos n'esta historìa Insulana as
Ilhas Canarias, que est3o hoje em a Coroa Castelhana, por a Lusitania
ai ter possuido jà tantas vezes, e com os referìdos titulos, e ainda hoje
ter algum direito a ellas; e multo mais por assim as metter na sua ilis-
toria 0 Doutor Fructuoso, a quem seguimos, e de cuja verdade, e anti-
guidade devemos todos fiar-nos, ao menos segundo aquelle tempo em
qua escreveo; que hoje muitas cousas poderao '}& estar muito mudadas;
0 que sabendo-o o nós, advertiremos, e neste sentido vamos com a
bistoria por diante.
CAPITOLO V
Da grandevif e qualidades das qualro Canarias,
que primeiro se descobriiào.
33 A primeira liha conquìstada das Canarias foi a que chamao I!ha
do Ferro; Ite tao pequena que tem so legoa e mela de comprido, e està
doze legoas ao Poente da liha da Palma, e corre de Sueste a Noroeste
com trps legoas e meia de circuito. Tem bum so lugar, hoje Villa cha^
mada Lbanos, ou Chaos, e aos vizinhos chamao os Ferreuhos; e da mui*
il pedra que tem, assim no interior, corno nas rochas, e costas do mar
parece toda escorias de ferro, até na cor, e se afDrma que se rabricuu
ji nella ferro, e daqui Ihe velo o nome: nem rio, nem fonte, ou pofo
ttfm; porem junto do lugar, em huma fajà, ou valle, (aoiule o vento iiAo
cliega seoao brando) està huma graude arvore, subre a (inai ludos os
76 HISTORIÀ INSULANÀ
dias, e multo mais de manha se assenta huma nevoa, ou nuvem branca,
que pelas folhss da arvore destilla tanta, e t3o boa agua doce, e se fór-
ma d ella bum t3o grande tanque em baìxo, que d'ella bebem nào so os
animaes, mas a gente da tal liha : tanta he do Creador a providencia
que lem de suas creaturas, e tanta a piedade d'aquella arvore, e nuvem
em que o Divino tomou nossa humana natureza, que assim acudia a es-
tes lìomens. 0 material da arvore nem os mesmos naturaes o conheciao,
e so a viao estar sempre em o mesmo ser, sem jamais envelhecer, nem
crescer, oiì diminuir; antes com as mesmas folhas, e tao verdes sempre
corno dantes.
3i Depois porem, que entrarSo n'esta Uba os Castelbanos, fizerao
tao grande tanque ao redor da dita arvore, que leva tres mil pipas de
agua, e Ihe chamao a Agua Santa, e à arvore a Santa Arvore; e a todo
fecbarno de tal sorte, que so pelas Justi^as se reparte, tres, ou quatro
vezes cada semana: prudentemente comtudo se fabricarao depois cister-
nas varias n'esta Uba, em que recolhem multa agua, de que tambem se
provem: a dita Santa Arvore quizerao sempre muitos conbecer, e so vierSo a
ajuizar, que se parece com aquella, que em outras partes cbamSo Til: e
eu dissera, que por este nome ter tres letras, e n'isso ser emblema da
Santissima Trindade, que se em està tivermos a Divina virtude da Es-
peranca/ nem nos fallare jamais a fundamental arvore da Fé, nem a so*
bernna agua da Charidade Divina. 0 contrato da terra be de 13, queijos,
breu. cevada, muito gado miudo, e muitos porcos.
35 A segunda lllia conquistada foi a que chamarao Forte Ventura,
por se achar n'ella hiima escritura que dizia; que por Forte Ventura
fora povoada: e na verdade ventura grande foi, porque lem mais de de-
zoito legoas de comprimenlo, e quarenta em circuito: e com so quatro
povoncoes ter entao dentro em 3i, tinha comtudo tres Reis, ou Regulos:
mas por nlio haver na Uba arvores, de que os naturaes flzessem armas,
foi mais facilmente conquistada. Das suas quatro povoa^óes a primeira
se chamava a Villa, a segunda Oliva, a terceira o Porto, e a quarta o
Curralcjo. De gado miudo ha muito nesta Illia, e tambem muitos carne-
lòs. Foi conquistada dia de S. Filippe, e Siinliago, e d'estes Santos he
a invocacao da Igreja principali e o commercio entao era lodo com a
liha da Madeira, por Ihe ficar perto: e loda a inimizade era com a vizi-
nba Berberia, em que faziào assaltos, e de que traziao prezas, mas com
LIV. II €AP. V 77
a entrada dos Catholicos (adverle Fructuoso) havia jà n'esla Ilha algun»
Fidalgos, de appelidos, Perdomos, Sàvedras, etc.
36 A terceira Ilha que se conquistou, foi a que se chama Lancerò
te, e de bum seu principal Rei tomoa esle Dome: he quasi taiianha co-
rno a dita Forte Ventura, e està d'ella a Oesnoroeste, e muilo perlo. Di-
zem que foi conquistada tambem por hum nobre Porluguez, chamada
Nudo Ferreira, que servia enlao aos Reis Catholicos, e era parente do*
Coodes de Castanheira em Por-tugal. He Ilha em grande parte infructi-
fera: tem so duas povoacoes, huma he a Villa, outra se chama Paria*
e nao so foi faci! de conquistar, mas os naturaes se aparenlarao muito
eom OS Castelhauos: tem buma Igreja Parochial, è duas ou tres Ermidas-
GoDde d'ella he hum D. Agostinho Herrera, de quem be o multo sai que
ali se fai. Duas vezes a saquear3o ji os Mouros : e comtudo ha n'ella
algons Fidalgos, Perdomos, Cifuentes, Herreras, Sàvedras, e Betencores,
37 A quarta Ilha, que o segundo Bei dos Betencores conquistou,
00 mandoQ conquistar por hum Joao Macbim, e D. Diego de Àyala, foi
a chamada Gomeira: e custou t3o pouco a conquistar, que aos conquis-
tadon^ receberao os naturaes com bailes. Cbamar-se Gomeira ( dizem
buDs) foi por se chamar assim a filba do Rei que tinha a Ilha : outros
dizem, quo por as arvores d'eila langarem todas goma. Tem de compri-
mente doze legoas, e quatro de largo, e he de figuara evada : dista da
Uba do Ferro nove legoas, da Palma outras nove, e cince do Tenarìfe^
(aliando de terra a terra. Tem està Uba buma so fonte, mas muitos po-
{os de agua dece, e boa: dà muito pao, multo vinho, e muito queijo, e
uio so muito gado, e muitos veados, mas dà a melbor urzella, que se
leva para Fiandres: e tinha entao tambem tres engenhos de assucar, e
taota besta de albarda, que (afQrma o bem Fructuoso) que indo alli dar
roubado bum Gaspar Borges, artifice, Ibe offerecerào lego casamento,
promettende-lbe em dote; alem de dinbeiro, e bens, de raiz, cincoenla
asnos de carga; e qoe respondera lego e artifìce: «Se eu tal Qzesse, se-
riamos entao cincoenta e bum. E nSo Ibe fallarao mais em tal materia.
Tem mais a Uba huma boa, e nebre Igreja Parochial da Assump^o da
Seohora, e bum Convento de Franciscanes, e cince Ermidas, e tao bom
porto, que até eQt3e se nàe tinha n'elle perdido navio algum: mas fora
da Villa, per teda a Uba nao baverìa mais que sessenta moradores.
78 HISTOMA INSCUNA
CAPITULO VI
Da Gram Canaria, e mais llhas suas.
t
38 A quinta Illia conquìstada dizemos ter sido a Gram Canaria,
porqne ainda que o Doutor Fructuoso, lib. | cap. i% diz que foi a
terceira que se conquistou, seguio aqui està opinilo, tendo atraz se-
guido a contraria, de que os Reis Betencores nSo conquistarao a Gram
Canaria, mas so as quatro acima apontadas; e por irmos coherentes, di-
zemos ter sido està a quinta conquistada. E confìrma-se, porque depoìs
de 0 segundo Rei Betencort vender ao nosso Infante Dom Henrique o
dìreito todo que tinha ds Canarias, ainda o dito Infante mandou Armada
Portugueza conquistar a Gram Canaria, e ainda mais depois a conquis-
tarao OS Reis de Castella : logo està he a verdade.
39 He pois a Gram Canaria, na figura, liha redonda, e de quarenta
legoas em circuito; fica ao Sudoeste de Lancerote, e Forte Ventura, das
quaes dista vinte legoas, e he terra alta. Chama-se Canaria, nUo tanto
pelos passaros Canarios, que tambem n'elia se d3o, quanto pelos mui-
tos càes que se acharao nella, brancos, e malhados, sobre mui ferozes,
e tao grandes, que excedem a grandes lobos, e por isso Ihe chamarao
a Canaria, e a Gram Canaria ; sendo que tem tantas outras grandezas,
(corno \eremos logo) que jìor ellas Ihe vem bem o titulo de Grande.
Tinha de antes ciuco, ou seis Reis, que unidos a defendiao, e por isso
cu^^tou tanto a conquistar, que so por se dividirem entre si, por isso
forào por partes conquistados, e despojados todos; que de antes nSo ti-
nha sido de Cossarios entrada» por mais vezes que foi acometida, e dos
de Berberia vizìnhos, e barbaros; mas he tao fortifìcada loda a Ilha, e a
gente tao bellicosa, que n3o cedia a outra alguma.
40 No militar, e politico he a cabega das outras llhas Canarias, e
nesta reside o Governador, que tem jurisdifao de baralo, e entello, posto
que a mesma tem cada Governador das outras principaes llhas, no que
toca ao criminal; e para o que toca ao civel, tem o Tribunal, e Audìen-
cia Real, com Desembargo de tres Ouvidores seculares, e Regente, aon-
de vào iinalizar as causas das outras llhas, etc. No Ecclesiastico he a
unica Diecese, e Bispado de todas as ditas llhas, posto dizerem alguns
que a Cadeira Episcopal estiverà algum tempo em Lancerote, ou na Pal-
ma. Na mesma Carlos V, fez por Tribunal do S. OfQcio» com os neces-
Liv. n CAP. VI 79
sarios Minìstros, e officiaes. Alétn da sua Sé, tein mais duas IgrejasPa-
rochines, e bum Convento de Religiosos Franciscanos, outro de Domi-
nicos. e algumas Ermìdas. 0 Bispado chega a mais de sete mil cruzados
de renda; o Inquisidor a dous contos de reis; o Deao a mil e quinlienlos
cnizados. A unica Cidade de loda a liha se thama Santa Anna, e consta
de tres mil vizinhos; e por ser a liha conquistada em o dia de S. Anna,
tomou seu nome a Cidade.
41 Dnas legoas da Cidade para o Sul està huma nobre Villa, e de
quinhentos vizinhos, onde ha tres engenhos de assucar, e se chamaTeN
de. que tambem ahnnda de algodao : de Telde sé vai i Guia, Villa qne
^aml)em com engenhos se occupa; e adìante da Guia se seguem Gnimar,
e Arucas, d'onde dizem que he tal o assucar, que ao melhor da Madei-
ra se jguala : em flm que de assucar havja em loda a Gram Canaria
vinte e qualro engenhos, e cada hum de seis, e de sete mil arrobas de
assucar: se hoje ha mais, on menos, là o saberao; corno se ha nella ain-
da tantos mercadores comò havia ent3o, de quarenta, e cincoenta mil
cruzados para cima; que hoje he mais celebre em admiraveis vinhos, e
antigamente em camelos, e ainda em os fructos he tao tempora, que de
meado Abril para dianle ha jà nvas maduras. figos. meloes, etc, e tudo
tao sazonado comò em Hespanha o sSo pelo Estio, e Outono: o que pa-
rece provém do pouco, e poucas vezes que chove em està liba, e p<»r
isso nìlo he mais povoada: e pela parte do Sudoeste ha grandes Tebres,
pela multa vizìnhan^a da ardente Berberia.
42 A sex la Uba das Canarias, por (na opiniao mais provavel) em
sexto lugar ser conquistada, he chamada Tenerife: dista trinta legoas de
Lancerote, e Forte Ventura, e quinze legoas da Gram Canaria: corre de
Leste a Oeste com quinze legoas de comprimento, porém de largo com
seis em bumas partes, e oito em outras, e dez legoas em alguns biga-
res: e com ser toda a Uba muito alta, he altissima no melo, aonde teni
hom Pico chamado Teyde, tao exc€ssivamente ievantadot que de sessenta
legoas ao mar se està vendo, e se afTirma ser mais alto ainda que o da
liha ctiamada do Fico : e com, em o mais do anno» estar pelas neves
muito alvo, lem comtudo tal vulcao pela banda do sul, Sueste, e Su-
doeste, que sempre està lan^ando fumo; e bem mostra està Uba que em
muitos tractos ardeo mais que as outras Ilhas, e parece que em sua
primeira povoa^ao forSo por vezes, em diversos tempos, e lugares, lan-
fando-Uie alguns casaes de genies» e que cada povoacao destas separa-
80 HISTORIA tXSULANA
das fazia seu ReÌDO à parte, e tinha seu particuìar Rei, e assim havia
nella nove Reis, que ordinariamente andavao em guerras entre si, e por
isso erào guerreiros muìto destros, e forao os mais custosos de conquis*
tar; e tambem por isso d'estes he quo se tirarào mais cativos.
43 Ha n'estallha doze, ou treze povoa^oes, cuja cabega he a Ci'
dade da Alagoa, que lem dous mil visinhos, e duas Igrejas Parochiaes,
das quaes huma he da Senhora da Gonceigao, e outra de Sao Christo-
vao, em cujo dia se conquistou a Uba: tem mais tres Conventos de Re*
ligiosos, Dominicos, Àgostinbos, e Franciscanos, e bum Convento de
Freiras de Santa Clara, que està fora da Cidade; desta para o Ceste,
quatro legoas, estava a Villa chamada Orotava, de trezentos visinhos, que
colhem multo pao, vinho, e assucar. Em outra Villa chamada Icade, de
duzentos visinhos, se faz vidro, de que muito levào para fora, por ser
multo rìjo. Nove legoas da Cidade, de banda do Norie, està a Villa cha*
mada Guarachico, povo de quinbentos visinhos, que lavrao muito vinho,
e muito assucar, que vai para Castella, Flandres, e Inglaterra; e ha n'es-
ta Villa bum Mosteiro de S. Francisco, de cuja Capella mór (com ser to-
da de madeira bem lavrada, e ser grande) dizem ser toda feita de bum
so pào; e a quem vir a grandeza excessiva dos pinheiros que ha n'aquel.
ia terra, nào pareceré incrivel; e na mesma Villa ha lavradores de vinte
até trinta mil cruzados de renda de suas lavouras, e de engenhos pro-
prìos de assucar. Da banda do Sul està bum lugar chamado Àdexe, don-
de a familia dos Pintos tem dous engenhos de assucar, que nos seis me-
zes da safra moem oito e nove mil arrobas, e tem quatro legoas de ca-
naveaes.
44 He geralmente està liba muito fertil, até de pàos de multa es-
tima, e cheirosos, muito abundante de mei, vinho, e assucar, e so de
especiarias, e azeite he fatta, mas nao de pescado em todo seu circuilo^
n'ella se fabricào muito» panos, sedas, e linhos; tem muitas, e frescas
aguas doces com que se rega toda, e he muito salutifera, e de bons ares,
e n ella se dào muilos» e bons ginetes mouriscos, e assim nunca tinha
sido entrada, nem saqueada de ìnimigos; e sobre tudo he de tao bom
governo, que duella para fora se nao póde levar dinheiro algum, senào
empregado nas drogas da terra, com o que nao so he muito rica, mas
enriquece aos Estrangeiros, que a ella vao commerciar.
45 Septima conquista da Uba he a que chamào Palma, pelas mui-
las palmèiras, que ha niella, e carregadas de tamaras; esti treze legoas
LIVRO II CAP. VI 8i
ao Noroeste de Tenerife, e da Madeira sesseola; tem dezoìlo de compri-
tnento, dezasete de largura. Ttnha de antes qiiatro Reis, e as mulheres
erào tanto mais varonis do que os homens, que ellas em a conquista pe-
lejarao até nào poder mais, e a maior parte dos maridos se metterao eni
suas covas até morrerem a Tome, mas ja lioje as mulheres sao muilo
polidas, e os liomeiis sao os mais guerreiros de todas aqueilas lihas, ten-
do sido de antes mui Taceis de conquistar. A terra be multo alta, e cai-
mosa; a povoagào sua principal se cliamava de antes Àpuron, porém Car-
los V a fez Cidade, e Ihe deu por nome S. Miguel de Santa Cruz da Pal-
ma, e passa de dous mil visinhos. Os naluraes da Uba contao, que an-
tes, e depois d'ella conquistada, caiiìào do Ceo no alto cume da Uba huns
corno confeilos, muito alvos, e miudos, que davao nao so sustento, mas
grande confurto, a quem os comia, e que os coziao muito cedo, e no
mesnio dia os coinìào, e que Uies cliamavào Graca do Ceo, e manna de
grande cbeiro; mas que tanto que na Uba bouve trato de mercadorias, de^-
a[>pareceo, e nào'cabio mais aquelle manjar do Ceo. Repare bem o Leitoi .
4G Quasi loda està liba, exceplas algumas terras de assucar, està
pUntada de vinbos pelo Sul, e pelo iNorte, tanto assim, que dà ciuco, o
sejs mil pipas ao dizimo, e o termo da Cidade duas mil, com que ren-
de de direilos, de entradas, e sabidas na Alfandega, trinta mil cruza-
dos. 0 rendiinente do pào be tao abundante, que buma /anega de se-
meadura dà cento e dez, e mais. No meio da Uba està a Cidade coni
deus Coflveutos de Dominicos, e Franciscanos; e sendo que de antes nao
era forliiicada, e por jsso foi entiada, saqueada, e queimada por Fran-
cezes Lutberanos, a "ii de Julbo de 1553, e pelo Pé de Pào, e Jacques
Sona: comtudo em os primeiros dez annos foi restaurada de forte, e de
novo tao fortificada, que nào so està mais lustrosa, e popolosa, mas de
tudo ioexpngnavel.
47 Ha Desta liba fataes madeiras de pinheiraes, e bumas a que cba-
mao Tea, que dào o bi^u, e corno em este, assim em taes madeiras so
atea o fogo. Ha outras arvores que d3o almecega: e outras cbamadas
Dragoeiras, corno alias paUnas, que feridos d3o bum q.ue parece sangue,
e qua lego se coalba, e be o Drago medicioal, e que mal derretido com
poQca queotura tira das armas uotadas iQda a ferrugem: e s3o arvores
ddezas de se cortarem. Fìnabnente os ares d'està Uba sao t3o sadios,
qne Dunca n'eila bouve peste, nem ptisisicas» nem parlesias, nem ainda
tempestades até oc Inverno; mas algumas oevoas» que pelas manbas sao
VOL. I 6
82 HISTORIA INSCLANA
niedicinaes, e so de tarde nocivas, por nao Icrem viracao do mar: e naa
bó de Castella, e suas Indias, mas de nact)es estrangeiras, he a mais bus-
cada esla Palma; porém a melhor palma Ihe levaifio quarcnla Ik^Iigiosos
da Companliia de Jesus, que indo a pregar a Fé Catholica em o Brasil,
l)ouco de antes descuberlo: pela Fé, e u vista d'està liha forao lodos
quarenta marlyrizados pelo dito Cossario herege Jacques Soria, e sera
uste levar da liha a palma, desta, e d'ella levàrao a do raartyrio os qua-
lenla para o Geo, sendo o seu valeroso Capilfio, o illustrissimo Padre D.
Ignacio de Azevedo, mais illustre ainda pela morte, ou sangue de seu
inarlyrio, do que pelo illustre sangue herdado: mas està materia pedo
mais alla, e subida pi3una, e assim vamos contiiiuundo com a humilde
liossa desta historia.
CAPITULO VII
Conclue-se em tjeral com a notìcia dns Cannrias.
48 Dos primeiros povoadores das Conarias se nao sabe quem fosse
ao certo; o certo he que ncm Gentios, nem Mahometanos, nem Mouros,
ou Turcos forao; porque os que as habitavào, quando forao conquisladas
por Calliulicos, nao adoravao mais que a bum so Deos, e por isso re-
ceberSo com facihdade a Fé Catholica; e por so alguns outros usos bar-
baros se costuma dizer que erào Gentios. Que nunca fossem Mahoiiie-
lanos, e menos Mooros, ou Turcos, consta de terem sido povoadas es-
tas Ilhas niuitos secnlos antes de haver no mundo Turcos. ou Monros,
ou ainda Mahometanos; e de-semjìre as Canaiias terem guerra com a
mais visinha Africa, e so de alguma dellas, e em algum tempo anligo
muitas pessoas em Africa casavao, e licarao parlicipando do sangue Afri-
cano: mas OS mais so de entre si se propagavao, e dijpois de conqnista-
dos se aparenlàrao mais com os Calholicos conquistadores, e tanto, quo
jà hoje nem ha d'aquelles antigos a que chamavSo Gentios, que nào li-
nhao outra Fé, ou oulra lei mais do que crer em hum su Deos, donde
se segue qae nem Judeus forao alguma bora, mas so seguiao a substan-
eia da primeira lei da natureza, e do primeiro uso da razao, que trou-
xerao ou dos Hebreos mais «ntigos, ou dos primeiros povoadores da
Africa, e Carthago, comò acima jà tocàmos.
49 Hoje porém n'estas Ilbas commummente sao ja todqs Catholi^
cos, sem rasao alguma de Idolatras, e menos de Hereges> e so pela vi-
Liv. n CAI», vn 83
sìnl«n^a parlìcìpao algutna cousa de Africanos com cores meìo morenas
em muitos dos nainraes, e ordinariamente de eslatura alta, e tao puros
nos cost'.imes, que da sanlidade d estas Ilhas so aponto o niaior porten-
to, 0 Thainnaturpo em milagres, o prodigioso Apostolo do Brasil, o
^^rande, e Veneravel Padre Joseph de Anchiela, naturai d'eslas Canarias,
e Religioso professo da Companhia de Jesus, e desta o segundo Xavier:
|ìo)s ja da sua Canoniza^ao se tcm em Roma tratado muìto, e de sua sua-
vissima vida« e morte se tem composto tanto, e por tSo subidas penas,
que sÀ) da Santa Madre Igreja esperamos por-se a coroa a i3o admiravel
santidnde, corno todos venerao em bum Anchiela, de quem està limita-
da penna n3o piide voar a ser elogiadora»
50 Gcralmente o dima das Canarias he lai, que nem chove n'elias
muìto, nem muitas vezes, e o maior dia n'ellas n3o passa de treze Iìo-
ras, nem de treze a maior noite. Em nenhuma d'estas Ilhas ha blchos
peconlientos, e nem aìnda rans ha, senao em buma alagoa da Uba quo
cliamao a Gomeira; sendo que de gados sao multo abundantes, e ainda
de cavallos, e camelos; e comtudo niio bavia ao principio entre elles ar-
mas de ferro, ou de fogo, mas de pào semente, com que so brigavao,
e fòrtemente. De aves ha muitas, de que as mais pequenas, e que me-
l!ior cantao, chamadas Canarios, derao, corno dizem, o nome i Gram
Canaria, e està a todas as mais Ilhas. Dos fructos da terra ha os mais,
e 05 melhores comò vhnos, excepto azeite; e batatas so as ha na Go-
meira, e Palma, duas d'estas Ilhas, mas em o seu mar de todas ha de
ham peixe abundancia: d'onde vem serem ordinariamente tao sà'iias es-
tas Ilhas, que nunca bouve peste n*ellas, nem mu'ta outra casta de doen-
C^s, e assim sSo terras salutiferas: e atc salinas ha em Forte Ventura,
e Lancerete, de que sabe mnito sai, e se provém as mais Ilhas.
51 Particulares datas n estas Ilhas tiverao alguns fidalgos pobres,
qne hoje s3o ricos Titulares.\ assim tem os Condes de Lancerete n està
liha, e uà de Forte Ventura: e os Condes da Ayala em a Gomeira, e
Ferro, e em outras outros; mas a Gram Canaria, Tenerife, e Palma, em
loda a alguem outrem est3o sugeitas, senao so à Rea! Coroa de Castel-
la. Advirta o Lettor porém, que o que d*estas Canarias flca dito, he so
Imm compendio puro, e verdadeiro do que em seu antigo estylo, e em
seu tempo, diz o Doutor Gaspar Fructuoso em seu citado livro; que em
0 tempo de boje pòde ser estcjao mudadas muitas cousas, que aqui nem
se DegSo, nem se alQrmao.
84 HISTORIA INSULANA
CAPITOLO Vili
Breu noticia da$ Ilhas de Calo Verde ^ t $eu clima.
52 Se pouco dissemos das nobres IlhasF Canarias, ironos poderemos
dizer das de Cabo Verde, assim pelo pouco que d'ellas druem os antigoi
Chronistas, Barros, e Goes, corno por o Doutor Fructuoso locar so est»
malerìa no lib. i de &ua Historìa cap. 21, e passar logo no cap. 22 ao
descobrioiento das Antilhas, ou Indias Occidentaes, que extende ale o
cap. 26, e ja em o cap. 27 tralar das opinioes que houte do principio
das Occidentaes Hhas Lusitanas^ corno dissenios jà no [ib. i, pelo que
compendiemos agora, e com menos confusao, o que pudermos alcan^ar
d'estas nossa^ Ilhas chamadas de Cabo Verde.
53 0 que se diz hoje Cabo Verde, se dizia anligimente Cabo Asi-
nario, e aindaque o Carthaginez Danon (que comò acima dissemos Toi o
primeiro que vio as Canarias) leve juntamente enlao vista d'aste Cabo,
e so com a vista se ficou ; de pois comtudo em o anno de 1443 (Jà go-
vernando El-Rei D. Alfonso V em Portugal) bum Kscudeiro seu, cbamado
Dinis Fernandez, morador na Corte de Lisboa, rfco, e it honrados fei-
tos^ movido com favorcs, e mercés pelo dito misso Infante D. Henrìque,
fui de seu mandado, em bum so navio, desQubrir da co^ de Africa o
mais que pudesse; e partiodo com e£feito, e passando o rio Canaga, que
divide OS Mouros dos Jaiofos, e està em a altura de qu'rnze graos e meio
da parte do Norie, tomou hinna Almadia de quatro negros; e dando maì:^
adiante com bum Cabo, que Africa lanca alli fora contra o Poente, e re-
presenèando-se-lbe com verdura grande, Ifee chamou o Cabo Verde, sen-
do de antes cbamado Asinario ; e boje este Cabo Verde he de Africa o
mais celebre Cabo, que està no Oceano Occidental, em altura de qua-
torze gràos e bum ter^o; e porque o descubridor Dmis Fernandez expe-
rimentou aqui bravo temporal, nao passou mais adiante, mas sahiudo
em homa Ilhela muiU> vizioha ao Cabo, fez grande matan^a em cabrai,
com as quaes, e com os oegros se toHou a Portugai, onde foi bem re-
cebido do Seal Infente, nao so pelas novas que trazia, mas lambem por
aquelle» bomens fiegroa, que foraa es primeifo» que rai Portugai se
virao.
54 Correo io|^ tanto a fama do novo Cabo Terde, ji pelos Porto-
guezes descuberlo, e que bavia Ilhas )uato a eUe^ que de Genova vierio
uv. II GAP. vin 85
^ Porliigal tres navìos, e por Cabos d'elles tres Genovezes nobres, An-
tonio de Noie, e hom seu irniao, e hum seu sobrinho, e offerecendo-se
ao ROSSO Infìinle para irem descnbrir as Ilhas de Cabo Verde, e dando-
Ihes 0 Infante por gaia, e Cabo seu a hum Vicente de Lagos, Porlugnez,
e a hum Luis de Cademusto, Veneziano, os mandou descubrir as dilas
I!has era o anno de 1413, e este parece o verdadeiro descubrimento de
Ines Ilhas, corno se colhe. das Chronicas de Barros, e de Goes, e da do
Principe D. Joao, <jue depois foi o grande Rei Dom Joao o II de Porlii-
fal; pois ja no anno de 14G0, fez seu pai El-Rei D. Alfonso V doagao
das Ilhas de Cabo Verde, e das Terceiras ao Infante D. Fernando seu
irmao ; d onde se segue que as de Cabo Verde jà erSo descuberlas, e
primeiro que as Terceiras, e nos annos sobreditos, comò se vera no des-
ctìbrimenlo das Terceiras.
55 A primeira liha qne acliarao os ditos descubridores, chamarao-
Ihe a Boa Vista, mas ainda melUor nome Ihe derao Ioga depois, chaman-
do-Uie Santiago ; a segunda a Maya; e i terceira S. Felippe, ou liha do
frigo; por todas tres descubrirera em o primeiro de Maio, dia dos ditos
dous Apostolos: e passando logo o rio Rtia, ou Caramanca, chegar3o alò
t> Cabo Vermelho, e delle se voltarào a Portugal. E porque estas Ilhas
de Cabo Verde sao onze, os nomes das outras oilo sao, o da quarta S.
Chrislovao, quinta a do Sul, scxta a Brava, septima S. Nicolao, oilava
S. Vicente, nona, Razabranca,jdecima,.S. Luzia, undecima S. Antonio,,
on S. Anlao, comò (d'estes nomes, e da ordem com que vao) consta
da doacio Real, que El-Reì D. Jo3o II fez ao Duquede Beja D. Manoel,
Rei que Ihe succedeo.
56 Eslao todas estas Ilhas arrumadas desde quatorze gràos e melo
até dezoilo, ficando-lhe o Cabo Verde em quatorze graos, e hum terco,
conforme a Ptolomeu. A Uba de Santiago està Ireste a Oeste do dito
Cabo norenta e ciuco legoas, em quinze grios e meio; e conforme a ou-
tras carias. eni quatorzf^ e meio. A Maya està de Santiago a Leste doze
tegoas. A de S. Felippe està ao Sul de Santiago treze legoas e meia,
tamhem era quatorze gràos e meio. A Brava està ciuco legoas, Leste
Oeste de S. Felippe. Entre Santiago, e a Maya ha hum Baixo em quinze
gràos e meio. ciuco legoas de Santiago ; e a Norte desta Santiago, em
dezaseis gràos e dous tercos, esQo dous Baìxios ruins. Suo Nicolao està
trinta legoas de Santiago ao Oeste, em dezasete gràos, e ao Oeste de S.
Kifioiao, se'ì& legoas, està S. Luzia em dezaseis graos, e bum tergo; e ao
86 HISTORIA INStlAXA
Sul d estas duas Ilhas estuo dous Ilheos de grande pescaria. S. Vicente
està ao Oeste de S. Luzia cìnco legoas, em dezasete grùos e meìo esfor-
fad«)S. S. Antonio està ao Oeste de Suo Vicente em dezoita gràosy me-
uos bum quarto, e entre estas os Canaes suo muito limpos.
CAPITOLO iX
Qnalidades da$ princìpaes Ilbas Ae Cabo Verde.
57 A lilla de Santiago, cabeca das onze de Cabo Verde, corre de
Norte a Sul, e tem dezoito legoas de comprido: a Cidade se intìtuia
tarribem de Santiago, e consta de duzentos vizinbos, e pelo meio a corta
huma ribeira; be a cabeca do Bispado das outras suas Itbas, cono Bispo,
e Catbedral. Por està Uba v3o as n«nos de Castella para as saas Indias,
assim corno as da India Orientai de Portugal vem pela Terceira, e por
a de Santiago vao as de Portugal para Angola, Gutnè, Congo, e outras
partes. Tem muitos gatos de algalia, e tambem infìnidade de Bugios,
muitas galinbas, e gulipavos. De fructos da terra dà muito assucnr, de
que se faz muita conserva, mas nao chega ao da Madeira; nem dà trigo
algum; mas tanto milbo branco, grosso, e mìudo, que carregao navios
para fora; dà muita fructa de espinbo, muitas peras, ffgos e n>eloes, e
todo 0 anno uvas, jà em agra(o, jà que comecao a alimpar, e jà madu-
ras; feijoes, e aboboras de muitas castas. Ila nella muitas arvores, corno
maceiras, que dao buns bugalhos, dos quaes abertos tirao muito algo-
dao. Oa tambem muitas bananeiras, cujos iìgos paitidos ao travez, em
cada talbada mostrao a figura de bum Cructfixo, ou Cinz, e dizem que
d'aquelles era o fructo vedado do Paraiso terreal. 0 mais veremos abaixo.
58 A Uba de S FiUppe se cliama taml)em Uba tlo fogo, porque da
bum altissimo pico seu salie continuamente tanto fogo, e às vezes deità
de fogo taes ribeiras, que esfriadas se converl^m em cinzas, e pedra pò-
mes, (corno dizem) e vao dar ao mar; e em tempo sereno, e de noìte
ebega a ver^se este fbgo de quinze legoas ao mar; e até a mais alta niN
vem de fumaca, que sobre seu cume fórma este pico, ebega a ver-se de
mais de vinte legoas ao longe, quando o tempo eslà sereno, e o Ceo lim*
pò: deste pico dizem ser tao alto, que por liiilui iniagmaria, desde o
baixo langada ao ponto correspendente a sua altura, tem tres legoas, quo
em Hespanba conlém doze aulba^ e nao obstaate tal altui^, e tal fi^
LIV. Il CAP. IX 87
d'esla, e dislnr so sete Icgoas d'ella a oulra Ilha que cham5o Brava, se-
lf aiinos csleve esla encuberta depois de descuberta a oulra de tanto
f.»«(o, e altura; e assim dizem que excede esle Vulcano de fogo ao furio-
so ilas Indias <le Castella, ao bravo da India Orientai, e ao tremendo de
Sicilia, coin todus serem Kinns espanlosos.
59 Da Ilha de S. Antonio se diz constar de«oito legoas pouco mais,
on menos: e do mesmo tamanho he a Ilha de S. Luzia; e assim està, co-
rno a Ilha Brava, e a do Sai, e a da Boa Vista, sào dos herdeiros de D.
Mariinlio de (fastello Branco, diz o Doutor Fructuoso; mas que a de S.
Antonio ei*a de hum lidalgo de Evora Gonzalo de Sousa, genro de Ber-
nardino de lavora, Reposteiro mór; porém que a de S. Vicente era do
Condi^ de Portalegre, Mordomo mór d'el-Rei.
GO Em algumas d estas Ilhas sahe ambar, e muito, corno na Ilha
Brava, na de S. Lnzia. na do Sol. e da Boa Vista: e por estas Ilhas vinha
a Porliigal bastante o:To. por commercio que tinh'io a^n Cabo Verde;
lioje porém vem ja tanto ouro das novas minas do riquis«imo Brasil, que
vin(h) a Pori.igal corre polo mtmdn lodo. Ale corvos brancos ha n'estas
Illia<, que parev.e fui tàiào a cor aos homens; tem grande diversidade de
aves: iunumeraveis pombas, mas tambem lagarlos verdes que as comem;
rolas miiitas, e ad(^ns, e dìo-se as fructas quasi todas de Portugal, e ex-
cellcnlissima horfalira, e t/ida a casla de legumes, grande copia de algo-
dOo, muitis. e ligi'iris-siinos c^vallos, egoas, e outras bestas de servigo,
e rauilo, e bora pescado em quasi todas as Ilhas; vacarla de numero e.\-
cessivo, e maior numero de cabras.
61 E com tudo nao sem fondamento ainda dura a ma fama de nao
serera sadias estas Ilhas para os que vao para la de Portugal; porque
t(Klas cstao debaixo da Zona torrida, e nao dào trigo aìgum; nem n'ellas
olmvc mais que qualro mczes do anno, Junho, Juiho, Agosto, e Seplem-
bro: e em lodo o mais tempo, nem de dia, nem de noite, nem ainda de
madnigada cahe orvaiho algum, ou algum sereno, que faga humedecer
Imma foiba de pa|)el deixada fora ao ar: e na principal Uba Santiago he
1*50 nocivo 0 pcscado, que causa muila esquinencia, e camaras de san-
f\uK e ainda assim o bom Doutor Fructuoso, que confessa tudo islo, per-
si.^le em aflirmar serem muito sadias estas Ilhas, e que suas doengas
vem da inlomperanca no comer, e proceder dos que là vao; e que os
que sào regrados, e continenles vivem muito n'ellas.
Gì O certo porém he, que para us que vao de fora he o clima mul-
90 HISTORIA IXSULANA
ao descubrimcnto das Canarias, sabendo dos intentos com quc o Infante
D. Ilenrique de Portugal qiieria descubrir novas llhas no Oceano, Ihe
viera dar nolicias da Uha do Porlo Santo, e qne pelos sinaes deste Cas-
lelhano mandara enlào o dito Infante a Uarlholonieu Pereslrello, e a Joào
Gontalves Zargo, e a Tristao Vaz Teixeira, a descubrir a U\ì Uba, e que
esles tres a descubrirào.
3 Accrescenlao outros, qne o Infante D. Ilenriqne, vindo do cerco
de Ceyla, desejoso de augmentar a Ordein MiliUir de Christo, inandou
por deierrainafào sua descubrir a costa de Africa, desdeojà descuberlo
Cabo de Nàin, até o Cabo Bojador, sessenta legoas adiante do de Nam,
d'onde nunca poderao passar os exploradores: e quc visto isto, se offe-
recerao ao dito Infante dous nobres, e esforrados Cavalleiros de sua ca-
sa, Joao Gongalves Zargo de alcunlia, e Trislao Vaz Teixeira, para irem
a descubrir a dita cosUi de Bcrberia, e Guinù; e qne o Infante Ibes dera
liuma barca, (que assirn chamavào entào aos navius pequenos, corno ain-
da boje na Inijja Orientai a grandes naos) coni ordeni (pie cbegnssom ao
Cabo de Mojador, e delle ao diante fossein descubrindo o (pie acbas-
sein: e (jue a estes Cavalleiros deu tal lempcstade, anles de cbegareni :\
costa de Africa,- (junto a qual entào se navegava sóuiente) que seni s;«-
ber aonde estavào, e pelo navio ser pe<|ueno correrao grave perigo de
alTundir-se, e invocando os Santos do Ceo, se Ibes descubrio bunia ihna
liba, a qual por isso clianwrào Porto Santo, e vendo-a, demarcandn-a,
e noiando-a estar tolalmeiite deserta de gente, se vukarào ao Infante
coni as ditas iiovas.
4 Logo se llie olTerecerik) muitos para a irem povoar, e entre elles
(diz 0 doutor Fructuoso) buma pessoa nolaveK a saber, Barlbolameu
Perestrullo, lidalgo da casa de D. Joào, Princii)e. innào do nosso Infante
D. ilenri(pie : e esle niandou logo aprestar, e dar tres navios, hiun ao
(libi PeresU'ello, outro a Jnào Gonvalves Zargo, e ontro a Tristào Vaz
Teixeira: mas porque o tìdalgo Perestrello, entre o mais ({ue levava para
està povoacao, levou Uunbem buina a)elba, cpie parindo no mar, fui lan-
C^ida na Iliia com os QUios, e multiplicou t^into« que nào se piantava, ou
semeava cousa, que os coelbos nào roessem: de ijue (l(\sgoslado o Peres-
trello se voltou a Portugal, deixando a Joào Gonralves, e a TrisIào Vaz
na dita Uba, corno adiante veremos.
o 0 certo pois lie, que (dado S(»jno verdadeìras as (hias oiiiniòj^s
acima, e succedessem aos annos de 1417, atti 1419), o cerio inique no
Liv HI ckp. n 9i
anno de 1420, Jo3a Gongalves 2^rgo, e Tristao Vaz Toixeira. da casa do
uosso Infante D. Henrique, e por ordern d'elle sahii^aa de Lagos a as-
saltear as Canarias, e que indo, e voltando coin grandes lormentas, per-
liidos forao dar em huma Iliia, e por niella se salvarenv, IIh3 chamarOo
a lilla do Porto Santo, e d*ella tornarao com taes novas a(.> Infante D.
Henrique, que alegre com tal descubrimento d'està primeiraliha de Porlo
Santo, deo logo d'ella a Capitania a Barlholonieu Perestrello, tìdalgo da
casa do Infante D. Joao, irmào do dito D. Henrique; e com o dito Po-
resirello mandou tambem para a dita Illia os dous primeiros descuhri-
dores d'ella Joao Goncalves, e Tristao Vaz, que era bum navio cliegarào
de Lagos a Porlo Santo em o anno de 14^1, e nella estiverào dous an-
nos, DOS quaes andava o navio trazendo novas da Uba a Lagos, e levan-
do mantimentos de Lagos, a liba, ató que o Capitao Perestrello, enfa-
dado d'aquella quasi praga de coelbos, se voltou a Portugal, deixando
ìà OS dous companlìeiros, e os mais que com elle tinbào ido; e que de-
pois, comò diremos, descubrirao a Madeira.
6 Està pois parece a mais provavel. opinino dos descubridores, e
primeiros povoadores da liba de Porlo Santo, (iorque ainda (|ue fosso
vista priioeiro, e visitcìda de Francezes, e Castelbanos que andavao em
demanda das Canarias, fui depois nao so vista, e vi:^ilada, mas descu-
berla loda, e babitada por mandado do Infante D. I]enrì(|ue, e pelos so-
breditos Portuguezes; sem que obste a variedade sobredita, |iois com a
diversidade, e distin^ao dos tempos se concordào as opinióes diveisas.
CAPITULO II
Do silio, qmaUdades^ e povoapùes de Porlo Sanlo.
7 Està a Uba de Porto Santo em quasi trinta e tres gvios de altu-
ra da parte do Norie, cento e quarenla legoas de Lisboa» 1!2 da Madei-
ra, de terra a terra, e 20 de porlo a porlo; seu comprimenlo corre de
Nonleste a Sudueste, por quasi quatro legoas, e sempre Ci)m legr)a e
meia de largura, e de circunferencia mais de oilo, com varias j)onlas, e
eiiseadas. Quasi no meio da Uba se levanla bufu (>ico, alto, e redonib^
e em sima com terreiro, e casas, em que em tempo de gueri-as coni
Castella se rocolbi3o da liba, e por isso Ilio cbamao o Vko di» T^aslclK
e uà venlade lem subida tao trabalbosa, que os de cima se iiudem du-
tA mSTOHIÀ ÌNSULANX
compniilieìro craqoelles dous primeiros inx'efirtores d*est3i liha, por re-
solver fica ainda, porque mais ao Perestrelics do que a algum dos on-
Iros dons se de© a llha. Do Doulor Frncttìoso parece coliegir-se, que a
Perestrello fez o ìnrante primeiro Doijatario d'esla primeira liha des^^jjj
lierta, por denotar assim, que PerestreUo era, por seu sangue, e suas
obras, da primeira fidalguia, e em o premio merecia ser primeiro. e por
isso d'elle dix o cilado Historiador, nao somenle ser huma nolavei pessoa,
iiem so ser Malgo da casa do Infante D. Itenrique, mas laml)em da ca-
sa do Serenissimo Infante D, Joao, que do Infante D. Henrique era irmao.
13 Tomos |)ois que o primeiro Donatario, e da primeira liha des-
i«!jLMla foi Barlholomeu Perestrello, por ser huma estrella da nobreza,
e fidalguia, além de o mereccr por suas obras: e assira està Capitania
Doiialaria Hie confirmoii El-Rei Dom JoHo o I, e Ih'a deo de juro para
s(nis fillìos, e desccndentes por linlia direjtn» e mascufina. Era este pri-
meiitì Ca[)ilao casiKlo com Bealriz Furtada de Mendonca, (que nera no-
bilissimas mulheres usavao de Dom, ainda entao, com a fucìlidade que
hoje mulheres muito ordinarias): deste matrimonio nascerSk) so tres fi-
Ih;»s: a primeira foi Catìiarina Furtada, que casou com Mem Rodriguez
<te Vnsconcellos, do Canisso da liha da Madeira; a segunda foi Izeu Pe-
lasi rolla, que casnu com Pedro Correa Capitao da Illia da Graciosa; ler-
iiv'u'iì filila foi Beatriz Furtada.
1 ì Supervivco este primeiro CnpilHo A sua mullier primeira, e ca-
snu segunda vcz com Isabol Moni/, irma de Garcia Moniz, e de D. Chris-
tovào Moniz, Bispo de annel, Carmoiila, e d'està segunda mulher hou-
ve so a Barfiìolnmeu PereslrcHo, segutido do nome, que, morlo o pai,
Ficou aiuda menino; e entao a mai, nào querendo raorar mais no Porlo
Salilo, liouve alvara d'el-Uei, e vendeo a Capitania ao sobredito Pedro
Cornea senlior da Graciosa, e genro do primeiro Perestrello, e llfa ven-
deo, assim conio o marido a possuira, por pre^n de trezentos mil rèis
em dJnheiro, e iriiita mil réis de juro, cujo capital todo ainda nSo che-
ga a dous mil cruzmios, (tanta era a barateza d'aquelles tempos, ou t3o
pouco nclles era o dinheiro). Govemou Pedro Correa, comò segundo
Capitao Donatario, a Porto Santo, até que seu Cunhado, sondo jà de ida-
de, e vindo jà de Àfrica, de servir a EMtei, poz demanda ao cunhado
Pedro Correa, e se julgou por nulla assim a iicen^a d'EI-Rei, comò a
M^nda feita, e que se descontasse ao comprador o prefo cftie dera, pela
renda que rccebera.
LIV. Ili GAP. Ili 95
15 Foi sepundo Capilao Donatario de Porlo Santo (por nnllamen-
te 0 lor siilo Pedro Correa) Barlholomeu Perestrello, segando do nome,
€ El-Hei o confirmou na casa, conio tinha confirmado a seu pai; e ca-
roli coin Guiomar Teixeira, fdlia do primeiro Capitao de Macliieo em a
Madeira, Tristao Vaz Teixeira, e honve d'ella bum so filho, Bariliolnmeu
Perestrello, terceiro do nom(5. qiie casou com Aldonsa Delgada, filha de
Garcia Uodriguez da Camera; poréra comò o marido malou està sua mu-
Itier, e rom dispensa casou com sua prima D. Soinnda, irma do dito Ca-
pitao ila Machico: e da [)rimeira llie tiiiha tìcado hum fìllio, Toi este.
16 0 tei-ceiro CapilOo de Porlo Santo, chamado Garcia Perestrello;
Méin do (]ual leve o pai da dila sua segunda mulher os fìllios seguin-
les: 0 primeiro, Manoel Perestrello, que nunca casou, e foi varao de gran-
te viriudes; segundo, Ilieronyino Prrcstrello, que casou com D. Elvi-
n, ima de Chrij>lovao Martins de Grinao, e de alcunha o Pervi; tercei-
rn, D. Krancisca Perestrella, mullier de Joao Rodriguez Calassa no mes-
mo Porlo Santo; e lodos estes fillios da segunda mulher forao, em pena
ilo [wi ter dado a morte a primeira mulher, forao no livramento do pai
1»Ij?;h1os iwr baslanlos. e foi a casa ao primeiro fdho Garcia Perestrello,
<|iie casou com huma filha de Diogo Taveira, Desemhargador, e C(Tre-
gtMJor do Fimchal, e d ella houvc primeiro, Diogo Soares Perestrello;
JHìjfuiKlo. AmlM'osio Perestrello, que foi Frade Carmelita ; terceiro, e
quarto, duas tìlhas, que forao Freiras na Annunciada de Lisboa. Mas
conio esle Garcia l^erestrello (seguindo a seu pai) matou tambem sua
pnipria mulher, e foi degollado por sentenra, e por diligencias do De-
wliargador seu sngro, ainda em vida do pai. que morreo em Aljezur
'lo Al«fnrve com sessenla annos de ìdade, e vinte e tres do governo da
liha, tornarao os filhos de D. Solanda a pertender a casa de Porto San-
lo, fazen<lo-se julgar cm Homa por legilimos filhos : jKirém cegando o
niJiis volilo; e falecendo o mais moco, cessou a demanda, e o Desembar-
gador conseguio dei-Rei a casa de Porto Santo para o nelo Diogo Soa-
IV8 Perestrello, que jà estava de posse d'ella.
17 Quarto Capitilo Diogo Soares Perestrello, casoo com D. Joanna
de Castro, mulher muito princi|)al do mesmo Porto Santo, e d'ella leve
OS filhos s^uintes: primeiro, Diogo Perestrello; segando, Manoel Soa-
res, que fcisou com D. Maria Loba; terceiro, André Soares; e em quar-
to lugar t8ve a D. Joanna <le Castro, que casou no Canisso da Uba da
tS H19T0IUA tNSL'LANA
Madeira; e morto este (|uarto Capitao Dingo Soares Perestrello, Ibe sac-
C4^(leo na casa seu pritneiro fillio Diogo Perestrello, segundo do nome.
18 Deste quinto Capitao Diogo Perestrello, s^undo do nome, dì;^
0 Doutor Fructiioso que em seu tempo goveinava« e era bom Capitao,
blando, e de boas partes, e artes, e casado na Calhela da Madeira; e
que casura com D. Maria, filha de Gaspar Ilomem, fidalgo/morador uà
dila Villa da Calheta, aonde o dito Capilào seti genro residia o mais do
tempo, por a mulber nao querer residir no Porto Santo; porém que to-
dos OS annos, no verao, hia este quinto Capitao residir na sua llha, e
\alerosamente a defendia dos Cossarios Francezes» pondo-se na prava,
(qiie tem quasi tres legoas de are^l) e impedindo-llies a entrada, atè de
dentro de covas feitas na area, e com tal valor, que nunca, eslando es-
te Capitao na lllia,* foi ella tomada de Francezes, tendo sido tres veze:$
sa<iueada, quando tal Capitao estava ausente.
19 Finalmente foi està Uba de Porto Santo nao so descuberta pò-
los Porluguezes, sem ter sido antes povoada de algucm oulrem; e nào
isó povoada pela maior nobreza de seus ìllustres Capitàes Perestreilos,
cuja de:^cendencia cùnda hoje dura, mas ainda os mais povoadores neni
forào de delinquentes de cadeas, nem de degradados por seus crimes,
nem de Judeos, ou inrecta outra na^^o, seuao de Portuguezes limi)os, e
nobres, pois (comò diz- o citado Fructuoso) foi povoada esla Iliia de gen-
te (idaiga, e nobre, comò Perestrellos, Calassas, Pinas, Vasconcellu.s,
Mendes, Vieiras, Castros, Nunes, Pestanas, e que se aparentàrao logo
com a melUor nobreza das outras Ilbas, comò veremos.
CAPITULO IV
Do pri metro casual^ e $0 paretai descubrimento da celeberrima Ilha
da Madeira.
20 Reinando em Portugal D. Jo3o o I, e ainda em loglaterra D.
Doarte III, do nome, havia nella hum nobre Cavallelro Inglez de alcii-
nba chamado o Iklachim, que quereodo casar com huma nobre Dama
Anna Àrfet, e nUo querendo d'esu os parentes, se resolverao ambos a
passar a Franca, que Unha guerras eolio com Inglaterra; e com tal pres-
sa 0 Qzerao, que embarcando-se em hum navio que partia de Bristol,
uem esperando pelo PiiotOi se eatregarSo ao mar : eis (jue sobrevindo-
Liv. m CAP IV 97
Ihe huma forte lempeslade, e nao'tendo Piloto que o governasse, per-
ii idos por alguDs dias, forao. sem saber por onde hiao, dar em huma
poDta de terra, e em huma fresca ribeira, que allì da terra sahia ao mar;
0 que vendo a Dama Arfet, pedio ao seu Machìm que ao menos por
deus dias a desembarcasse allì, para se desenjoar; e assim o fez Machim
com outros Geis amigos que p acompanhavao, mas na terceira noite tor-
nou tal tempestade, que o navio desappareceo, e os que ficarao em ter-
ra, se derao por mais perdidos do queo navio no mar; e à Dama Ar-
fet deo tal accidente, que sem dizer mais palavra alguma, dentro de
tres dias expirou.
21 Vendo Machim tal successo, enterrou alli mesmo a defunta, e
pondo-lhe de pedra huma campa em cima, e hum Crucifixo que comsi-
ga trouxera a defunta, levanlou mais sobre ella huma grande Cruz de
pào, com hum letreiro em lalim, que continha o successo, e pedia aos
Chrìstaos que em alguma bora allì fossem, fizessem em aquolle lugar
Imma Igreja da invocapao de Christo Senhor nesso ; e voltando-se logo
a(« companheiros, Ihes rogou instantemente, que coro as roupas, e pe-
cas que alli estavao, e aves que podiao tornar, se fossem seguindo a
ventura, que elle alli ficaria até morrer, acompanhando aquella sepultu-
ra: mas nao querendo deixal-o os amigos fidelissimos, e ficando-se com
elle, foì tal o sentimento de Machim^ que de pura dor da morte de tal
esposa, morreo ao quinto dia: o que vendo os companheiros Ihe abrirào
sepultura junto a da defunta, e cnterrando-o niella, Ihe puzerao em cima
outra grande Cruz de pào, e n'ella escreverao o flm do lastimoso suc-
cesso.
ìì Executada esla obra de tanta piedade, se resolverao entao os
pasraados companheiros de Machim a deixarem a terra, que viao brava,
e deserta, e se entregarera ao mar: e com effeito em o batel que tinha
ficado do navio: ou (corno dizem outros) em huma canoa que fizerao do
tronco de huma grande arvore, se metterao todos, e deixando a Ilha,
forao em poucos dias dar na costa de Berberia, aonde, sendo cativos,
forao todos levados a iMarrocos: eis que acharao elli todos aquelles pri-
meiros companheiros, que com a tempestade tinhao no navio deixado a
Ilha, e pelo mesmo rumo do batel tinhao entrado na mesma Barberia,
e levados cativos àquella mesma Corte de Marrocos ; e vendo-se todos
jantos, e de huma, e outra parte referindo-se os successos, reparemos
corno aqui so ajuntou com o cativeiro a'Iiberdade.
VX)L. I 7
98 HISTOHIA INSILALA
T
23 Presonle se achou a representafao d'esla tragedia hum Piloto
Castelliano, e tambem alli cativo, por nome Joao de Amores, (em os
quaes a tragedia comccara) e inrorniando-se com loda a attencao dos
ventos que trouxerao com a primeira tempestade de Bristol de Inglaler-
ra a nova Illia, e os dias quo gastarao ale dar n'ella, fez conceito pru-
dente, e curioso da altura em que devia eslar a Ilha. e comsìgo conser-
vou cste soy:redo, até que resgatado este Piloto, e navegando jà de Ber-
beria para sua Castella, e Andaluzia, que entao com Porlugal andava em
guerras, foi cativado no mar por hum navio Portuguez, cujo Capilao era
Joao Gonfalves Zarco, que andava correndo a costa do nosso Reìno do
Algarve: e querendo o Piloto ganliar a gra^a do Capitilo, Ihe communì-
cou ludo quanto tinha alcanjadoda nova Ilha, e comò so podia descobrir,
e povoar: e era ouvindo isto o Capitao, voltou kigo com o Piloto a ter-
ra, e 0 levou ao nosso Infante D. Ilenrique, e remettendo-os este do
Algarve a Lisboa a seu pai el-Rei D. Joao o I, veio logo tambem o mes-
mo Infame, e conseguio do pai dar, comò deu, logo hum navio a Joao
Gonfalves Zarco, e ordem que com o tal Piloto fosse logo descubrir a
nova Ilha: e rom cfTeito parlirao do Algarve em a entrada de Junho de
1419, e forào dama Ilha de Porto Santo, que jà anles se tinha descu-
berla, e a governava seu primeiro Donatario Barlholomeu Perestrello,
corno ja'disseraos.
CAPITULO V
Do descnhrmenlo de (oda a Ulta da Madeira feito for ordem
do Infante I). Ilenrique.
24 Quando este navio chegou a Porto Santo, jà entre os navegan-
tes era fama publica que do Porlo Santo se via a poucas legoas hum ne-
grume tal, e tao niedonho, e perpetuo, qne ninguera se atrevia a che-
gar a elle, e todos.os mareantes se aHastavao dalli; e huns diziao eslar
alli 0 abysmo, e outros a boca do Inferno, e que aquelle negrume era
0 fumo da fornalha infornai, ctc, e comò o Capitao Joao Goncalves, e o
Piloto (]astelhano estavao no Porlo Santo observando ludo isto, e virao
que nem nos quarleiróes das Luas se desfazia o negrume espantoso, nem
se alreviao a ir examinal-o, até que por voto do Piloto, com que con-
cordava 0 Capit3o somente, sahirao de Porto Santo em hum navio c^m
alguns barcos, tres horas antes de sahir o Sol, e jà junto ao mcio dia
I
uv. m CAP. Y 99
cliegarao àquella medonha escuridade, que cada vez Ihe parecid tanto
mais horrenda, quanto mais perto d'ella a observavao, e sem distingiii-
rem ainda terra, mas sómente ouvindo horrendos estouros, e roncos do
mar, com que todos bradavao ao Capìtao, e Piloto se voltassero, e nao
se meltessera em tao mortai abysroo.
25 Porera o animoso Capi tao, e seu Piloto investindo aquella escu-
ridao, lanc^rào seus baleis fora, e n'elles a bum Antonio Gago, (varao
nobre, dos Gagos do Algarve) e a Gonzalo Ayres seu amigo, com ordem
que fossem robocando o navio junto àquclle nevoeiro, e por onde ouvis-
sem mais bater o mar: e a pouco espago andado viram por entre a ne-
toa a huns altos picos, sem distinguirem ainda que era terra; e logo mais
adiante virao o mar mais claro, e huma ponla de terra, sem aindà ere-
rem que 0 era; e porque o navio se charaava S. LourenQo, entao o Ca-
pitào bradoti, (Oh S. Lourenfo chega) e a està entao flcou por nome,
ApoDta de S. Lourengo ; e passando està para a banda do Sul, onde jà
anevoa nào descia tanto ao mar, virao» e conhecer3o a terra, levantan-
do allos gritos de alegria; e vendo huma seguinte praia, fermosa, e es-
pacosa, alli lanfarào ferro com folias, e cantares, e por ser jà tarde fl-
zerSo alli noi te. sem alguem sahir a terra.
26 Ao amanhecer do outro dia foi ao batel hum Ruy Paes com or-
to do Capilao Joào Goncalves. que observasse o sitio, e disposigao da
terra, e Ihe trouxesse as novas do que achasse; e este Ruy Paes foi o
primeiro Portuguez, que na Ilha da Madeira poz o pé: indo pois, e nao
Nendo desembarcar na praia, pelo arvoredo que ale o mar chegava,
epàos que huma grande ribeira alli trazia, foi o Paes para o Nascente
desembarcar em hunscalhàos, posto a que chamao ainda hoje o desembar-
cadouro, e aonde os Inglezes tinhao desembarcado de antes, e vendo ser
a terra muito agradavel com varios prados, e grandes arvoredos, e ob-
servando alguns cortados, e rasto de gente por entre elles, foi dar nas
sepalturas, Cruzcs, e letreiros dos falecidos Anna, e seu Machim; e com
estas novas se tornou ao Capitao, e seu navio.
fi Entao a dous de Juiho de 1419, desembarcou do navio o Capi-
Bo Zarco, e com elle dous Sacerdotes, e alguns dos nobres que vinhào,
e desembarcados todos no lugar das sepulturas, derao as gragas a Deos
por Ihes descubrir aquella nova terra, e fazendo benzer agua, na terra
^ forao lancando, e tomando posse d'ella em nome do mesmo Deos ; e
sbando huma casa formada dentro do grande tronco de huma ancore,
100 ^ inSTORIA INSULANV
alli prepararao aitar, fizerao celebrar Missa, e no firn d'ella responso de
dofuntos sobre as duas sepulUiras de Anna Arfef, e Machim; e ludo era
0 dia (la Visilagao de S. Isabf.l a dous de Julho; e n'este raesmo lugar
se fundoii depais Imma Igreja a Christo dedicada: e entrando logo algun^
pelo arvoredo, e ribeira acima, a ver se encontravao alguns bichos, cu
animaes ferozes, nao acharào cousa vìva, senio muitas, e mui diversas
aves que se Ihes vinliao às maos; o que vendo, colherao avcs, e lenha,
e terra de varios poslos, com outros varios sinaes, e em as barcas se
voltarao ao navio.
28 Logo ao outro dia tres de Jiilho, o Capitio, e Piloto Castelhano
se metterao em bum batel, e outros nobres em outro, a que governava
bum Alvaro Affonso, e assira forào correndo a costa junto a ella, e ob-
servando as pontas, praias, ribeiras, e fontes de boas aguas ; e porque
huma salila de bum seixo, se Ibe poz por nome Porto do Soixo; e por-
que em outra praia mais abaixo acharào huns pàos derrubados com o
vento, mandou o Capitao fazer d'elles buma Cruz, e arvoral-a alli mes-
rao, e ficou ao tal lugar por nome Santa Cruz, que foi depois nobre
Villa da Capitania de Macbico. Cbegando mais abaixo a buma grande, e
alta ponla, que a terra alti faz ao mar, virào innumeraveis aves que se
Ibes vinliào por s )bre as cabcg.ìs, e remos, que por nome Ihe ficou
Ponta do Garajao, tres para quatro legoas de Macbico para o Occidente.
D'està ponta duas legoas adiante, se ve oulra ponta, que com a priraei-
ra faz enseada, rauito aprazivel, raza com o mar, e de arvoredo muilo
uniforme, sobre o qual se deixavào ver os cedros entao altissimos. Logo
entro as duas pontas acharào huma ribeira, e Ihe chamarao a ribeira de
Gonzalo Ayres, por niella desembarcar este nobre bomem, e ir ver se
achava animaes ferozes, e so aves achar.
29 Uepararao logo em bum valle, que faz aquella bahia entre as
duas pontas, e porque o virào cubiirto de seixos sera arvoredo algum,
cheio so de funchos, e por entre ^Mes vindo tres ribeiras, chamarào a
este posto o Funchal, quo depois foi, e h )je he a nobre Cidade d'esla
Uba; no cabo da qual estào dous Ilheos onde passarào a noite, (com as
aves que tomavao) mas dormindo nns baleis: pela moiihà i)assarào à se-
gunda ponta, que tinhao observado, e por arvorarem n ella huma Cruz,
Ihe ficou por nome Aponta da Cruz; e logo dobrando a ponta derào com
huma fermosa praia, e Ihe chamarào a praia fermosa. Mais adiante virào
entrar no mar huma grande ribeira, a qual querendo passar a vào huns
LIV. U( GAP. V 101
mancebos de Lagos, d'ella forao tao arrebalados quo se Ihes nao acii-
dira 0 batel, perigariào niella, e por isso Ilio charaarào a ribeira dos Ac-
corridos. e passando-a virao diias ponlas, que da Illia entravao no mar,
e entre ellas buina grande lapa, ou camera de pedra, e rocha viva, onde
entrando os baleis, tantos lobos marinhos virào nella, que Uie chamarao
Camera de lobos, e se recrearao malandò a muilos; e até o Capitào Joao
Gongalves Zarco d'aqui tomou o chamar-se Joào Gongalves da Camera,
corno abaixo veremos; e porque logo se seguio a ponla d'onde linhao
comefado està volta, que derào pela costa a toda a liha, por isso à pon-
la cbamarào Ponla do Girào, e desta com a noile se recolherao ao Illieo
donde linbào comefado aquella volta, e cm a manbà se recolherOo todos
ao seu navio.
30 Voltados logo em o outro dia para Porlugal, e chegados a Lis-
boa com taes novas, e sinaes da nova liha, tanto o festejarao os Sere-
nissimos Senliores Ilei, e nosso Infante, pai, e lìllio, que mandarao fazer
logo procissoes publicas de accao de gragas a Deos, derao nome à nova
terra de Illia da Madeira, pela muita de que eslava cuberta; e el-Rei to-
mou por fidalgo da sua casa ao descubridor Joào Gonfalves, e Ibe con-
firmou 0 appellido de Joào Gongalves da Camera, e Ibe deu por armas
Imm Escudo em campo verde, e nelle Imma torre de homenagem, com
Imma Cruz de ouro, e dous lobos marinhos encostados a torre com pa-
quife, e folhagens vermelbas, e verdes, e por timbro outro lobo meiri-
nho, assenlado em cima do patiuife; e demais llie fez el-Hei merce de
Capiiào Donatario da jurisdicgào do Funchal, que he jurisdicgào de me-
dile da dila liha, e de juro, e berdndo para elle, e seus successores: e
assim este di toso Capitào ficou sendo o chefir, e primeiro tronco das il-
lustres familias dos Cameras, lào extendidas, e augmenladas, comò
adiante veremos.
31 Logo no anno seguinte, em Maio de 1450, derào os ditos Prin-
cipes a inleira Capilania da liha de I*orto Santo a Bartholomeu Percs-
Irello, que jà de anles era fidalgo da casa do nosso Infante D. Ilenrique;
e a segunda Capilania Donataria da Madeira, tambcin de juro, e berda-
de, e chamada de Machico, comò a outra do Fuuchal, cada buma do
meia Uba da Madeyra, derào os mesmos Princi|)es a Trislào Vaz Teixei-
ra, Cavalleiro da casa do Infante, e por antonomasia chamado commum-
menle o Trislào, de cuja illustre ascendencin, e descendencia em seu
logar Irataremos; e aos tres Capitàes se derào tres navios; e dos histo-
102 HISTOniÀ INSULANA
riadores, huns discorrem, que os dous vinhao debaixo da bandeira de
Joao Gongalves da Camera; outros que cada bum dos Ires vinha exem-
pto do outro, corno exeraplos vinhao nas Capitanias, e jurisdifoes; e as-
sim cada historiador falla confórme a sua aifeicao; sobre o que se podem
ver Joao de Barros no principio da primeira Decada, Antonio Gal vao no
tratado dos descubrimentos.
32 0 certo he que El-Rei deo ampia licenza a loda a pessoa que
quizesse embarcar-se entao, e ir povoar as duas Ilhas, de Porlo Santo,
e Madeira, e especialmente aos homiziados, e condemnados que bouves-
se em as cadeas do Reino; e que os tres Capitaes nao quizerao levar cul-
pado algum por causa da Fé Divina, ou de trai^ao, ou de ladroice; e
demais levarlo dìversas castas de animaes domesticos, e gados. E tam*
bem he certo que todos forao dar direitamenle na Uba de Porto Santo,
da banda de Leste, e em hum porto, chamado o Porto dos Frades, por
huns Franciscanos derrotados terem ido alli dar; e desembarcando os
tres navios, o Capitao Perestrello escolheo de gentes, e animaes os que
quiz, e OS mais com os outros Capìtles se passarlo brevemente a Ma*
deira. E emQm he certo que o Capitao do Funchal Joao Gon^lves da
Camera levava comsigo jà sua mulher Constanga Rodriguez de Àlmeida,
e tres filhos duella, aiada menores, Joao Gon^alves, Helena, e Beatriz,
CAPITOLO VI
Do terceiro descubrimento do interior da Ilha da Madeira, e da diviselo
das jurisdifòis dos suas Capitanias, especialmente da do Funchal.
33 Deixado o Donatario Bartholomeu Perestrello na sua Capitania de
Porto Santo, partirlo os dous Donalarios para a Madeira, e a entrarlo
pelo porto de Macliim, donde tomou o nome està Capitania de Machico;
e logo ambos levantarlo (confórme a petiflo do Inglez alli sepultado) a
Igreja da invocaflo de Chrislo. ficando a Capella mór sobre a sepultura
do Machim; e porque a primeira Missa que nella se celebrju, foi no dia
da Visilacao de Santa Isabel, ficou sendo està Igreja Casa da Misericor*
dia, e a primeira Igreja, que houve em toda a Ilha; e aqui poz o Capi-
no Tristlo Vaz a cabe(;a, ou corte de sua Capitania, corno o outro Ca-
pitlo Jolo Gonfalves a poz em o Funchal, para onde se foi logo.
34 Chegando este Capitao ao Funchal, fez levantar huma Igreja ao
LIV. Ili CAP. Yl 403
Nascimento da Yirgem Senhora, e por haver alli muito calliao junto ao
mar, Ihe ficou o Ululo de nòssa Senhora do Calhao; mas pDrqiie d'alli
para dentro da liha era tanto, e tao alto o arvoredo, que m?m podia cor-
tar-se. nem por elle abrir-se carainho, mandoii o Capilào por-ine o fo-
go, que achando tanta materia e tao disposta, se ateou tao bravemente,
que sete annos conlinuos ardeo no vallo o fogo, e nào so polas arvo-
ras de cima, e muito mais por baixo d ellas, em infìnita cahida, e sec-
ca lenba, mas tambem por baixo da mesma terra andava lavrando
cruel fogo pelos subterraneos troncos sem se poder apagar, o tal foi
aquelle incendio, que as gentes por Ihe escaparem, se tornavao da
terra para o mar, a salvar-se em os navìos; até que amainando o fo-
go na costa mais junta ao mar, fez segunda morada o Capilào em lium
alto que ficava sobre o Funchal, e para defesa d'està segunda rasa fun-
doa defronte d'ella huma Igreja à Conceigao da Seuhora, que a respeito
de nutra se chamou nossa Senhora de Cima; e n'esta fundou depois o
segundoCapitàoJoaoGoncalves tambem bum Convento de Freiras Fran-
ciscanas, e da Observancia, tao magnifico, illustre, e observantc, corno
qualquer dos grandes de Portugal.
35 • A primeira Capitoa Constanga Rodriguezde Almeida, corno pes-
soa de grande virlude, e muito devota, fundou, nas casas que sou ma-
ndo 0 primeiro Capilào levantara para si, fundou huma Igreja à glorio-
sa Virgem, e Martyr Santa Catbarina, e junto a està Igreja muitas ou-
tras casas para viverem pobres merceeiras, que servissem a dita Igreja
de Santa Calharina, e Ihes deixou esmola competente a scu sustento; e
0 Capilào seu marido aos Frades de s. Francisco, que comsigo trouxc,
e aos que achou derrotados, e com elle vieiào de Porlo Santo, fundou-
Iheshum Hospicìo,, e huma Igreja de S. Joào Baptisla pela ribeira aci-r
ma; mas depois se mudarào estes Frades para dentro da Villa,* aonde
lM)Ìe eslào defronte de Santa Calharina alem da ribeira, e he jà bum
gravissimo Convento de cincoenta Frades, e de grande observancia, exera-
plo, e muitas leiras. :
36 El-Uei, e o nesso Infante D. Henrique tinhào cada mez aviso da fe-
licidade, abundancia, e frescura d'està Uba da Madeira, e ihe mandavào
Mvios cera loda a casta de gados. e animaes domesticos, e sementes dos
frutos necessarios, e ludo frutilìcava tanto que de cada alqueire de tri-
go semeado colhiào ao menos sessenla; e as vacas, marnando ainda, ja
parilo. E 0 Infanto sabendo das muitas aguas, o ribeiras que havia na
104 msroiiiA insulana
dita liha, providentìssimamente mandou buscar a Sicilia plantas de canas
de assucar, e Mestres de o fazerem, para o mandar fazer na liha; e tal
effeilo leve, e coin tal successo, que o assucar da Madeira he o melhor
que se sabe haver no mundo, e lem enriquecido a muitos mercadores,
assim forasteiros, corno naturaes da liba : cuja madeira era tanta, tao
grande, e tao boa, e loda scrrada com engenhos de agua» especialmente
da parie do Norie d'està Uba, que d'està madeira se coraegarao em Por-
tugal a fazer navios grandes, de gavea, o castello de avanle, nao ha vendo
de anles mais que Caravelas do Alvarvc, e Barineis em Lisboa, pois nao
linhao ainda entào para onde navegar mais: e assim parece se confirma
0 erro de se lancar fogo em o principio a tanta madeira, que podia Ira-
zer-se a Portugal, e escusar esle de a mandar vir de oulros Reinos para
fazer la navios graades; e ale na dita liba se sente jà falla de madeira,
pela muita que se gasla nos engenhos do assucar, e por isso até d'estes
ha jà menos.
• 37 Passados os primeiros dias, em que cada Capitilo se accommo-
dou na cabega de sua Capitania, ambos entào se ajunlarào para corre-
rem a Uba, e repartirem iguahnente (confórme a ordem expressa do In-
fante) OS termos dajurisdicàodecadahum: para islo prepararao gente de
pé, e de cavallo, para por terra irem abrindo caminhos eslreitos, mas
sempre perto do mnr; e barcos que junto a costa sempre hiao, para que,
quando fosse necessario, a elles se recoUiessem os Capitaes. Do Funchal
pois partirao por terra os Capitaes com os de pé, e de cavallo, e che-
gando a bum alto que està sobre Camera de Lobos, tra^ou logo aUi o
Capitao do Funchal huma Igreja dedicada ao Esprrilo Santo, e outra
em humas altas serras mais abaixo, com a invocacao da Santa Cruz ; e
tomou estes altos para si, e seus herdeiros. E logo mettendo-se os Ca-
pitaes em OS bateis, forao adianle pela costa do mar, e a mais gente por
terra; mas estes com perigos a cada passo, por ser a llha d'aqui para
baixo multo fragosa, de rochas alias, profundas ribeiras, e asperrìmos
caminhos; e so depois de muitos dias passarao tres legoas adianle até
huma furiosa ribeira, aonde os Capitaes em lerYa, e os bateis na agua
OS estavao esperando, e aqui ficou o nome de Hibeira Brava, que he
hoje bum dos melhores lugares da llha, e he huma quasi quinta da Ci-
dade, corno dizem ser Sicilia de Italia.
38 Aqui se lomarao os Capitaes a metter em os bateis, e indo lui-
ma legoa adianle virao huma ponta da terra, que entrava no mar, e nos
Liv. IH CAF. vr 103
vieiros de sua alta rocha figurava ao longe lumi Sol, e a Ponta do Sol
a inlilularao ; e o Capilào do Funchal iracou logo aqui mesmo huma
Villa, que foi a primeira de sua jurisdiirào, o se fundou depois; £ n'esle
porto eslà huma tao grande fazenda, que o dito Capitao a tomou para
seus filhos, e hoje nenhum a tem, por so dividir, e vender, sondo quo
houve anno, em qiie deo vinte mil arrobas de assucar, e chama-se a
Lombada. Pouco adiante, em huma ladeira, Irarou o Capitao do Fun-
chal huma Igreja do Apostolo Santiago; e nuo podendo jà passar por
terra com o fogo que andava ateado, todos se melterao em o mar, e
passadas duas legoas derào em deserabarcadouro, a que chamarao Ca-
Ihela, sobre a qual tomou o Capitao para seu fillio, Joao Gonfalves da
Camera, huma Lombada grande, e logo para o Poente tomou outra para
sua fllha Beatriz Gongalves, e mais adiante outra para a mesma filha; e
era bum alto de boa vista de mar, e terra iracou a Igreja de nossa Se-
' nhora da Estrella, que muito encommendou a seus tìlhos. E logo mais
abaixo, junto a huma fermosa ribeira, se fundou depois a Villa da Ca-
Ihela, que veio a ser o illustre titulo do Conde Simao Goncalves da Ca-
mera.
39 Da Calheta passarao os Capitaes a ultima ponta, e por hum
Pargo que acharao n'ella, Ihe derao por nome a Fonia do Pargo; e aqui
vira a liha para o Norie duas, ou tres legoas até outra ponta, que o Ca-
pilào de Xlachico, sera o do Funchal, foi descubrir, e por isso se cha-
fflou Ponta do Tiistao, a qual jaz ao Noroeste, e aqui se dividem as Ca-
pilanias, e se reparte a liha d'està ponta de Noroeste da banda do Norie
€Ootra 0 Sucste da banda do Sul, aonde se fixou hum póo de oliveira,
qae deo nome a estoutra ponta, e para marco, e divisa das Capitanias o
mandou de Portugal o Infante D. Henrique; e està ponta da oliveira, e
0 sea lugar chamado Canisso, he o firn da jurisdiccao de Machico, e o
principio da jurisdic^ao do Funchal, ludo confórme ao regimcnto do In-
fante D. Henrique; e assira os Capitaes ambos da Pontado Pargo se tor-
Barao ao Funchal, e aqui se apartarào, cada hum para a sua Capitania,
ficando Joao Gongalves com quatorze legoas da banda do Sul, que he o
melhor da liha, e tres da banda do Norie; e ficando com o mais Tristao
Vaz Teixeira.
/^
106 lUSTOniA LNSL'LANA
CAPITULO VII
Do interior da Capilania do Fnnchal, e desia sua Cidade,
e seu sitio,
40 Nào Sem razao, da Ilha de que tralamos, diz o DoulorFrucluoso
iiv. n cap. 13, que nao se houvera chamar lUia da Madeira, mas Uba
das pedras, por ser lodo o seu interior cheio de rochas, e montes, em
valles despenhados com infìnitos caìhàos. Jaz no Oceano Occidental està
liha da Madeira, na altura de trinta e dous graos e dous termos, na parte
do polo Septenlrional ; fica distante do Quantim em Africa, cento e dez
legoas, do Leste da Illia ao dito Cabo de Quantim; das Canarias sessenta
legoas; de Portugal cento e cincoenla ; das Ilhas Torceiras quasi o mes-
mo. Na sua figura lie huma pyramide deitada, que corre de Leste a
Oeste, em comprimento de quasi dezasele legoas, e em largura de qua-
tro, e na base de seìs legoas, que tem da parte do Occidente na ponta
do Pargo; e o cume da pyramide tem na parte do Orienle na ponta de
Sao Lourengo para onde està liba vai sempre estreitando.
41 Àqui, da banda do Sul faz buma bahia de quasi ciuco legoas de
largo, desde a ponta de Sào Lourengo até outra ponta, entre as quaes,
Sem mais temor que com tcmpestade levantarem ancbora, podem an-
chorar os navios que quizerem. Da ponta de S. Lourengo para o Occi-
dente, huma legoa, està o lugar cbamado Canissal, de so quinze mora-
dores, com ser terra raza, e de pao; e vai por diante a Capitania de
Macbico, do que ao dopois Iralaremos; porém dentro da sobredita maior
baliia, desde a ponta do Garajào até outra chamada de S. Cruz, vai ou-
tra mais recolhida bahia, de legoa e meia de entrada, dentro da qual,
desde o Corpo Santo até S. Lazaro, se estende a Cidade do Funchal por
quarto de legoa com seu porto de calhào miudo, e area, tao cursado a
seus tempos em carregar, e descarregar navios, que tem sua semelhan-
ga com Lisboa, e està situada a Cidade em terra chà, e entro duas ri-
beiras, huma da parte do Nascente com a Freguesia de nossa Senhora
do Calhào, ainda fora dos muros da Cidade, e com as Ermidas de S.
Fedro, e S. Joao que estao da parte do Poente, e a outra ribeira, cha-
mada de Santa Luzia, por vir de bum monte, cm que est<i a Ermida
d està Santa.
42 Pelo meio da Cidade corre esla ribeii^a tao caudaJosa, que com
ijv. HI cAF. vn
107
ella, e dentro da Cìdade moem varios engenhos de assucar, e moihhos
com pedras alvas, e se regao horlas, e jardins, e loda a Cidade se alim-
pa, e pela tal ribeira acima se recollieni cada anno qualrocenlas pipas
de rico vinho, e muilas frulas. E com ludo a Cidade està murada, e lem
huma Fortaleza ao principio, na ribeira de nossa Senhora do Calhào, qua
chamào a Fortaleza nova, e da oulra parte outra Fortaleza, quc chamao
a veiha, e com boa artelharia para o mar, e para a terra, e aqui tem o
Capitao sua morada, que ainda fica fora do muro da Cidade, mas com
tres portas no muro para o mar, e outras tres para a terra, com vigias.
Perto da porla principal do mar està a casa da Alfandega, fecliada, e
murada de cantarla, por terra, e por mar, que chega a bpter n'ella, e
lem dentro regias officinas.
43 A principal rua d'està Cidade, e dos muros para dentro, he a
dos homens mercadores, Portuguezes, Inglezes, Francezes, e Flamengos,
em cujo principio, junto a Senhora do Calhào, està a praca, nào multo
espafosa, mas fermosa, com casaria nol)re a roda, e pelourinho de jaspe,
d'onde sahe a maior rua da Cidade, onde o Bispo tem o sen Pago com
prdira, e aonde està o Collegio de Sao Bartholomeu da Companhia de
Jesus, defronte do qual morava D. Maria, viuva de Duarte Mendes de
Vasconcellos, fidalgo, em ricas casas, com engenlio de assucar, e loda a
febrica d'elle: e logo està a Sé, com torre muilo alta, e loda de canta-
ria, coruchèo de azulejo, relogio que se houve dnas legoas quando loca
a rebate, e abaixo muitos, e bons sinos : tem a porta principal para o
Poente, dentro varias Capellas, e nove Allares, e no arco da Capella mór
para dentro tem o coro, bem ornado, e nos pulpilos do cruzeiro se di-
tm a Epistola, e Evangelho. Tem mais (além do perfeilo Collegio da
Companhia de Jesus, e sua rica Igreja) bum grande Convento de S. Fran-
cisco da Observancia, com fermosa Igreja de oito Capellas, fora o Aliar
mór, grande cerca, e cincoenta Heligiosos, cujo Guardiao he Commissa-
rio, cu Custodio de loda a Ilha, sugeito porém ao seu Provincial dePor-
Uigal. E nesta rua que vai da Sé para os Franciscanos, nao ha (dizFru-
cluoso lib. 16 cap. 16), mais casaria secular, que a de Joao Dornellas,
e a de Antonio Barradas, homens multo principacs ; o mais ludo sao
horlas.
44 Ha mais nesta Cidade bum Convento de Freiras de Santa Clara,
Franciscanas, de grandes rendas, e maiores virtudes, e de sessenta Frei-
ras de véo proto ; fica sobre huma rocha muilo forte, e com boa vista
10« IIISTOUJA IXSULANA
para o mar, mas aao para a terra, por razao dos altos muros, e com
pequena cerca ; scii vizinho era Francisco Goncalves da Camera, tic do
Conde Capitào, por cuja morte ficou governando a Capitania. Do meio
d'està ma, chamada de S. Francisco, sahe.outra, em que mora André
de Betencor, fidalgo dos maiores da liha, e morgado, fliho de Francisco
de Betencor, e de D. Maria, e mora em humas grandes casas, ou Pa^os
defronte da Igreja de S. Pedro, que he o firn da Cidade, da parte do
Poente. Na rua que cliamao de S. Maria, mora Antonio Ferreira, Conta-
dor da Cidade, e Francisco de Medeiros fidalgo, e D. Maria, mulher de
Antonio de Aguiar, fidalgo; e na rua da Diaria mora Mem Dornellas, fi-
dalgo grande, corno em palavras formaes diz o jà citado Frucluoso.
45 Outras muitas ruas tem està Cidade, que todas estao calgadas
de pedra miuda, com que chovendo fica muito lavada, e limpa. Tem mais
huma grandiosa Misericordia, porque muito rica, e muito caritativa. Foi
0 Funchal sempre Villa até o anno de 1308, em que El-Rei D. Manoel a
fez Cidade, por ter sido senhor da dita Illia antes de ser Hei: e llie ac-
crescenton muitos privilegios, eassininao pagào direilos dosmantimen-
los, mas com paclo de pagarem o quinto dos assucares; e logo o mesmo
Rei Ihe mandou fazer huma Alfandega Beai, e huma illustre Sé, que ain-
daque nào muito grande, he a mais Lem acabada do Beino de Porlugal,
e tem deus Curas, e duas Freguesias mais em a Cidade, que toda consta
de dous mil vizinhos, porque muito de seu maior sitio se occupa em
abegoarias, de assucar, vinho, hortas, e jardins, que a fazem nat) so mais
estendida, mas mais rica, mais fresca, e aprasivel.
4G Nao obstante termos dito d'està liha da Madeira, ser o seu Cer-
ta© interior tao fi'agoso, montuoso, e cheio depedras, que apenas se cul-
tivao d'ella duas de dez partes; porque commummente nao ha nella terra
cha, senao a bocados; e de terra massapez, preta, e ruiva, que chamao
saloes; sào comtudo tao frutiferos, que cada salao d'estes vai outro tanto
ouro; e assim tem muitos, e excellentcs pomares, particuiarmenle de fruta
de espinho; dà tanta noz, e castanha, que vai a quatro vinlens o alquei-
re. Amendoa da muita, e tambem tanto sumagre, quo moido se embarca
para fura; e dando ordinariamente tanto vinho, da trigo tao pouco, que
se de fora Ihe nào forem, ao menos dez mil moios, passarà mal. Dà po-
rém muita, e excellente hortaliga, de alfaces, e couves Murcianas, mas
estas nao espigao là, e de fura Ihe ha de ir semente todos os annos. Tem
preciosos jardins, e liervas tao odoriferas, que aflìrmào os mareantes,
LIV. Ili CAI». VII ìi)\)
que mais de dez legoas ao mar deità està Illia de si Imma fraj^'rancia, e
cheiro tao confortativo, e suave, que em grande parte alimenta aos quo
0 percebem.
47 Comtudo ainda no interior d'està Capilania do Funchal ha al-
puns póslos rendosos, e lugares bons; porque bum quarto de legoa da
Cidade para o Occidente corre a ribeira dos Acorridos com largura de
bum tiro de arcabuz, e tanta agua, que parece bum boni rio: e de Ci-
merà de Lobos vcm pela agua abaixo a madeira corlada em os monles,
e com marcas de seus donos assinada até o mar, onde a colhem; às ve-
zes com a furia das aguas se perde pelo mar dentro; e outro quarto de
legoa adianle està o lugar de Camera de Lobos com duzentos vizlnlios
em Imma so rua, e a Igreja no fim com dous Engenlios de assucar de
(lous bons fidalgos, bum por nome Antonio Correa, outro Duarle Men-
(les de Vasconccllos; e logo para o Norte, dous liros de bésla, està hum.
Convento Franciscano, cbamado S. Bernardino, com oito Heligiosos, e
lìuma Fregucsia de nossa Senhora do Rosario com Irinta visinhos, e
moilos pomares, vinbas, etc. e ao Occidente da mesma Camera de Lo-
bos està a Lombada da Caldeira, por ter huma grande cova dentro, que
he dos berd^iros de Antonio Correa, gente muito principal.
48 Huma legoa adiante do Cambra de Lobos està a grande quinta
de Luis de Noronba, com Engenbo, casarias, Capellào, (comò tem as
mais das outras quinlas) e com pomares, vinbas, bortas, etc. o d'ahi
raeia legoa para o Occidente, està o Campanario, lugar de cem vizinlios,
e Imma legoa adiante o lugar de Ribeira Brava, que por ahi corre, e
lem Irezentos vizinbos, com muitos pomares de castanha, e nozes, e bom
pjrlo, que jà pertendeo por vezes ser Villa; e adiante meia legoa se-
gue-se a Ribeira de Tabua com trinta fogos, e d'aqui sao gente nobrc:
e a outra meia legoa se segue a Lombada de Joào Esmeraldo, Genovez,
e tao rica, que jà chegou a dar no anno vinte mil arrobas de assucar,
e foi a maior casa da Uba, e toda bcrdou seu filho Chrislovao Esmeral-
do, que tinlia oitenta Escravos, e além de lìngenhos, casarias, e Igreja,
andava em a Cidade com oito bonrados bomens por criados, e com tao
grande fausto, que com o Capitilo do Funchal competia sobre quem ha-
via ser o Provedor da Alfandega Real. 0 Joao Esmeraldo foi casado com
hama senhora cbamada Agueda de Abreu. filha de Joao Fernandez, se-
nhor da Lomba do Arco, e irmao de Confalo Fernandez, marido de
I). Joanna de Sa, Camareira mór da Rainba.
M2 lIISTOniA INSULANA
S. Vicente, com duzenlos e cincoenta vizinbos; e tres legoas d'esle oa-
tro liigar, a que chamlio o Seixal, com vinte vizinhos; e meia legoa
adianle fica o liigar da Magdalena, que consta de trinta vizinhos, e està
pela terra dentro cni a ponta do Trislào, aonde se dividem as duas Ca-
pitanias Donalarias da iMadeira, e donde vae a liha virando para o Sul,
e fazendo a ponta de sua figura de piramide deitada, com tres legoas
mais até a Ponta do Pargo, aonde acaba a liha; posto que em alguraas
cartas de marear a trazem com a figura de Imma follia de Memo.
CAPITULO IX
Dos Capitùes Donatarios de Machico.
53 A Capilania de Macbico (conforme a Fructuoso liv. 2. cap. 20.)
lem da parte do Sul quasi qualro legoas de comprimento, e quatorze
da parte do Norte; he de multo arvoredo, e tanta madeira, que vai
d'està Capitania para a outra; e da muito trigo no seu Norte. De assu-
car 0 primeiro que se fez em loda a liha forilo treze arrobas era Mach!-
co, e vendeo-se a arroha a ciuco cruzados. De Candia mandou vir o Se-
renissimo Infante D. Ilenrique a Malvazia, e n'esta jurisdicfào de Ma-
cbico pegou melhor esle vinbo do que em alguma outra parte de loda
a Uba. Segue-se agora dizermos quanlos Capitàes Donatarios lem Udo,
de quao illustre sangue, e de quanto mais illustres obras.
54 0 primeiro Capitào foi Tristào Yaz Teixeira, que pela singular
cavallaria, nobreza, e obras, foi sempre cbamado o Tristào, sem usar de
outro appellido, e El-Hei Ihe dco por armas buma ave Feniz, que he
singularissima entre as aves; e elle mesmo em seu testamento se nomea
sómente Tristao, porém seus descendentes ajuntarao à Feniz no escudo
huma Cruz, e huma fior de Liz, armas dos Teixeiras, e assim se vem
Iioje esculpidas no arco da Capella de Sao Joao Baptista na Igreja maior
de Macbico d'estes Capitàes. Foi casado com buma fidalga, que devia
ler com elle algum parentesco, pois se cbamava Branca Teixeira. e pro-
cedia da illustrissima casa de Villa Beai; e deste matrimonio nascerao
quatro filbos, e oito filbas. Dos v.iroes o primeiro foi Tristao Teixeira,
e segundo Capitao, de que fallaremos.
55 0 segundo foi Henrique Teixeira, muito rico em Macbico, que
casou com Beatriz Yaz Ferreira, e della teve por filbos a Joao Teixeira
L1V. Ili GAP. IX 113
0 Velbo, a Fedro Teixeira, e a Henrique Teixeira; ilem aiMaria Teixei-
ra mulher de Joào de Abreu, a Brites Teixeira, rnulher de Joào do Re-
go, Cavaiieiro do Aigarve. 0 terceiro iiliio deste primeiro Capitao fui
Joào Teixeìi*a, que casou com Felippa de Mendoga Furtada, de que nas-
ceo outro Joào Teixeira, e Trislao de Mendoca, etc. D. Solanda mulher
do terceiro Capi tao de Porto Santo, e D. Felippa de Meodo^a, mulher
de Diogo Moiiiz Barreto, e outras duas tillias mais, que morrerào soltei-
135.
56 Oreste mesmo primeiro Capitao o quarto filho foi Lanzarote
Teixeira, grande Cavaiieiro, que casou com Brites de Goes, de que tevc
a Antouio Teixeira, morador detraz da iiha, e a Francisco de Goes, e
Lanzarote Teixeira de Gaula; e teve mais por lilhas a D. Joanna, mu-
lher de Vasco Marlins Moniz, e a D. Catharina, mulher de Garcia do
Caoissal, e a Judith de Goes, que casou no Aigarve, e a Helena de Goes,
que casou coiu Fernào Nunes de Gaula, e a Anna de Goes, mulher de
Goofalo Pinto, e Iria de Goes, mulher de seu primo Joào Teixeira. Das
uilo filhas deste primeiro Capitao de iMachico, a primeira foi Tristou
Teiieira, que casou com' hum (ìdalgo Genovez, Micer Joào; segunda,
kabel Teixeira, mulher de Joào Fernaiidez de Lardello; terceira. Brites
TeLxeira, solteira ainda entào; quarta, Catharina Teixeira, mulher de
Gaspar Jilendes de Vasconcellos; quinta, Guimar Teixeira, mulher do
seguudo Capitao do. Porto Santo; sexta, Solanda Teixeira; septima, ou-
tra Catharina Teixeira, que casou em Lisboa com bum fidalgo; oìtava,
Aona Teixeira. Faleceo este primeiro Capitao em Silves do Algaive,
aoiHle tJHha ido a negocio, e faleceo de oitenta annos de ìdade, tendo
ja goveruado cincoenta.
57 0 se^undo Capitao de Machico Tristao Teixeira, por suas pren-
das foi chamado a Lisboa, e muito estimado das Damas de Palacio, e em
eOeito casou com Guimar de Lordelo, Dama da excellente Senhora, de
que Dasceràa, prinieiro filbo tamb(^m Tristao Teixeira, de que abaixo; se*-
guodo, Gutteire Teixeira, que casou com buma filba de Antao Alvares
de Santa Cruz; terceira, Imma iìiha D. Violante Tei.\eira, que casou coni
kAù Rodriguez Negrào, iitho de Garcia Rodriguez da Camerdi que viu-
^udo casou segunda vez com Vasco Marlins Barreto, filho de Vasco
Marlins Moniz. * . •
38 Viuvo este segundo Capitao casou outra vez com D. Alda Men-
des, ì! ma do Bispo que era entào da Guarda, mas morreo sem deixax*
\0L. i 8
1 1 i HISTOntA INSrLANA
fllhos deste segundo; e jaz sepultado na Capello de Sao Joao Baulista
(la Igreja maior de Macluco, que elle mesmo tinha mandado fazer para
sepnltura dos CapitSes Donalarios d'aquella Capitania, e com Missa quo-
tidiana, de que ficou depois por administrador hum seu descendente,
por nome Trislao Castanho.
59 0 terceiro CapitSo Donatario de Machico foi Tristao Teixeira, se-
f,'undo do nome, que por Rcar governando em huma ausencia do pai, se
intilulon Goverdador, e casou com Grimaneza Cabrai, filha de Diogo (]a-
I»ral, e sobrinha do Capitao do Funchal, e d'ella liouveos Tillios seguin-
ics. Primeiro, Diogo Teixeira, de que abaixo fallaremos; segundo, 1). Ma-
ria Cabrai, mulher de Cbirio Catanho, (irmao de Rafael Catanlu), e do
{«'rederico Catanbo, Capitao da guarda de Francisco Rei de Franc-a) de
que bouve a Hieronymo Catanho; terceiro, Catbarina Teixeira, que mor-
reo nioca; quarto, Manoel Teixeira; quinto, outra irmi! que morreo Frei-
ra no Funchal. Morreo este terceiro Capitao, e jaz sepultado na Capel-
la de seu pai, e seus avós.
60 0 quarto Capit3o foi o dito Diogo Teixeira, e casou com D. An-
gela C^tanha, filha de Rafael Catanho, de que teve duas fìlhas; primei-
ra, D. Margarida, que casou com Antonio Vieira, Meirinlio da jurisdic(;ro
de fachiro; segunda, D. Maria, ainda menina. El-Rei D. Joao IH tiroii
cste quarto Capitilo do governo por mente capto; e este morreo em 1310,
e jaz na Capella de seu pai, e avós, e por sua morte, nao deixando li-
Iho varao, nem iimao, passou a casa à Coroa.
61 Quinto Capitao de Machico foi Antonio da Silveira, a qiiem El-
Rei D. JoSo III deo està Capitania no segjinte anno de 1511. Tinha sido
(Sto Antonio da Silveira, por seus servifos, Capitao na India, e em 154'.,
vendeo esla Capitania, com licenc^i d'el-Rei, ao Conde de Vimineo Doni
Alfonso de Portugal, que ficou em Africa com El-Rei D. Sebnsliao, e
veiideo-llì'a a retro por seis annos em preco de trinta e ciuco mil cru-
zados, e morreo sem remir a Capitania, no anno de 1552, e com ella se
licou 0 Conde de Vimioso que a governava.
62 0 sexto CapitSo de Machico foi o dito Conde de Vimioso, de-
IMìis do qual passou a seu fillio o Conde D. Francisco, ,que morreo na
iiafalha defronie da liba de S. Miguel, corno em seu lugar diremos: e as-
sim tornou està Capitania para a Coroa, e ja em tal eslado, que, exc4)p-
tas poucos pcssoas, nSo havia n'ella jà quem pudesse sustentar commo-
UV. in GAP. IX 113
damate hum cavallo. Assim acabSo as casas^ em sahindo dos proprios»
e verdadeiros senhores dellas.
63 0 Oliavo Capitao de Machico foi Trisl3o Vaz da Veiga, que por
sangue era fìllio de Manoel Cabrai, e de Antonia de Lemos, e neto por
seu pai de Diogo Cabrai, e de Bealriz Gongalves da Camera, filha mais
veiha do prìmeiro Capilio do Funchal Joào Gon^alves Zargo; e por sua
mai Antonia de Lemos era o dito TrislSo Vaz da Veiga da casa da Tro-
ia, e da dos Taveiras, e bisneto de Nuno Gon^alves de LeSo, Chanceller
mór d>l-Rei D. Joao II, em cuja Clironica se faz menc3o d'elle; e por
outra parte vinha a dita Antonia de Lemos de hum fidalgo chamado Luis
Pires de Buarcos, on Buacos, fìdalgo do tempo d'el-Hei D. Alfonso V. a
(|uem Servio nas guerras contra Castella, e era senlior de alguns tugares
ria terra de Coirobra, e de sangue Alemao; e emfìm era o dito Tristào
Vaz da Veiga, por linha roasculina, dos Veigas, Tidalgos bem conhecidos
era Lisboa no tempo dei-Rei D. Jo3o I, e jà antes de Portugal ser Bei-
no erao illustres, e mais ha de oitocentos annos havia em Castella illus-
ires Veigas, donde procedera os de PorlugaL
Ci Deste oitavo Capitao trata Fructuoso no lib. ii, desde o cap. 21
ale 0 cap. 2G, e refere suas obras, e fa^anbas. Foi moco fidalgo d'el-
Rei D. Jo3o III, e de dezaseis annos foi para a India em 1532, e là Ser-
vio mnitos annos à Goroa de Portugal, até na China, e Japao, e no cer-
co de Malaca, de que era CapitSo, e teve os primeiros postos, e alcan-
rou gnmdes vitorias, e emfim se voltou a Portugal, e Filippe tondo va-
ga està Gapitania de Machico, Ihe fez mercé d ella, e sobre a fazenda
Real tomou cem mìl rèis, que d'ella se pagav3o, e sobre Ih'a dar toda
livre, Ihe deo mais huma Commenda de duzentos mil réis de renda, tu-
lio em 23 de Feverciro de 1382, e em 19 de Novembro de 1385, (por
5er jà morto o Conde Jo5o Gonfalves) mandou o mesmo Rei ao nosso
Tristao Vaz da Veiga por General da guerra de toda a Uba, e por Alcai-
(1«5 mur da Fortaleza do FunchnL coin o que nao so a Gapitania de Ma-
chico tomou logo ao seu aniìgo, e inaior lustre, mas tambem toda a
iUia, e se defendeo dos inimigos; e em 138U tinha huma gale de deza-
i>eie remos por banda, com sua esfera de bronze, e huma fragala mais,
qiie por banda lancava doze remos, e tudo mandou fazer este Capitao
coin 0 dinheiro da Imposicao ({ue EI-Rei Ihe concedeo para fortiGca^oes,
e toda a costa da Uba andava entao iimpa.
63 Em 1590 tinlia este Capit3o cincoenta e tres $mos, era allo.
116 HlSTORIA mSCLANA
espadaudo, e bem proporcfonado, e de barba Portugueza, e meia bran*
ca; tinha grande, e rica casa, Imm Vedor, dous Escudeiros, cinco pa-
gens, e doze escravos: tinha muita renda em Lisboa, e alguma em Ar-
ronclies, e quarenta moios de trigo na Uba Graciosa, que eram parte de
seu patrimonio; alèm do habito de Chrìsto com duzentos mil réis de ten-
i;a até vagar Commenda, e novecentos mil réis da renda da Capitania de
Macbico, e qaatrocentos mil réis de General da guerra. E além das ar*
mas dos Cabraes, e Lemos, tem as dos Veigas, que sao, bum Escudo
de ouro, e azul, no quarto de euro de cima bmna Aguia cinzenta com
as azas abertas; e no segundo quarto tres flores de Liz de ouro em cam-
po azul, e em triangulo; no terceiro quarto da parte de baixo tem as
mesmas flores de ouro em azul;. e no ultimo quarto outra Aguia comò
a primeira ; elmo com guarni^ao de ouro por baixo; paquife de ouro,
vermelbo, e verde, com dous penacbos azuis, e bum branco em o meio;
e por Umbre buma Aguia comò as outras.
66 Teve este Capitao muitos irmaos legitimos: primeiro, Diogo Vaz
da Veiga, que militou em Arzilla, e morreo eleilo Capìtào de Tangere;
segundo, Lourengo da Veiga, de grarides servi^os, que faleceo sendo Go-
vernador no Brasil em tempo de Filippo II, e deixou seis filhos^eduas
filhas; Fernao da Veiga, que depois de ir à India duas vezes, morreo sol-
teiro em Lisboa: Domingos da Veiga que na India morreo servindo: Ma-
noel Cabrai da Veiga, e Sebasliao Vaz da Veiga, que tambem na India
morrerao: e Luiz da Veiga Religioso; ilem D. Maria, mulher de Joào Ta*
veira, e D. FeUppa, mulher de Diogo das Povoas, Provedor da Alfaude-
ga de Lisboa.
67 Terceiro irmao do Capilio Tristào Vaz da Veiga foi Ltiis da Vei-
ga, que morreo no celebrado cerco de Ormuz. Quarto foi oditoTristao
que nunca casou; quinto, Hieronymo da Ve^a^ que faleceo em Goa de-
pois de feitos grandes servigos; sexto, Simào da Veiga, famoso soldado,
e Capitao mór de Armadas, que morreo em Africa na botallia dei-Rei
D. Sebastiao; septimo, Gaspar da Veiga, que sendo ferido no cerco oe
Mazagào, foi depois morrer na India; oitavo foi D. Brizida Cabrai, mu-
Uier de Francisco Boteiho de Andrade, Guarda mór do Infante Dom Luiz,
e teve por filho a Diogo Botelbo de Andrade, que tambem morra) na
balallia d'el-Rei D. Sebastiao em Africa.
G8 Finalmente està Capitania de Macbico na Madeira, ainda que nao
tem Cidade, corno tem nella a Capitania do Fuoclial» lem conUodo,
UT. m GAP. X M7
^\èm de nobilissima Villa, e Cabega de Machico, de quasi seis centos vi-
sinhos, tem demais a nobreza de sangue, e fidalgos de geracao l3o an-
ligos, qne nao sem rasao se prezao de serem a gema da fidalguìa de
loda a liha, comò conta Fructuoso no lib. ii cap. 15, e ainda demais tèm
a nobilissima Villa de Santa Cruz com oitccentos visinhos junto ao mar,
t com bom porto, e t3o melhor terreno, do primeiro assucar, e da pri-
meira malvazia, e das primeiras, e mais frescas frutas, que até em Por-
togal nao sao aigumas Cidades, maiores, ou mais nobres que està Villa,
e qoe està Capitania; e seus Donatarìos forSo tambem Gondes comò os
do Funchal, e sabido he quaes hoje o sao, e o poderao mostrar os Ex-
cellentìssimos Gondes de Vimìoso.
CAPITULO X
Do primeiro Capitdo Donatario do Funchal em a iJadeira.
69 Cora muita razao o doulo, e sempre veneravel Fructuoso intro-
dnz està materia em o seu liv. 2. cap. 3. advertindo, que comò todos
OS homeos procederlo do mesmo pai, e mai, Adam, e Beva, claro gsI«1
qoe nenhum nasceo fidalgo de seu primeiro principio, nem com o pri-
^leffio da fidalguìa; mas a cada bum depois Ilio derào suas obras, ou
^ seus antepassados; pu a acei tacilo de seu soberano Principe^ que com
eUa Ihe deo a fidaiguia, corno a Abel a derào suas gratas obras, e o acei-
tal-a$ Deos, e a Caim a tiraruo suas ingratidues rusticas; a Sem, e Ja-
pheth 0 respeito guardado ao pai Noe, e fez servo vii a Cham o perdido
respeito ao mesmo pai; e emfim a ambi{So tirou a primazia a Esaù, e
a temperanca de Jacob a alcan^u com a bengSo de seu pai Isaac; e sem-
pre crescer<i mais a fidalguìa, que comeca em obras proprias, para os
^ns descendentes, do que a que so se jacta das dos aspendentes, jfi
alheas.
70 Dos pais pois, e ascendentes de Joao Gonpilves Zargo, primei*
roCapitSo do Funchal, nào ha certeza alguma; porém de suas obras
In meraorias iliustres, porque se dìz, que estando o nosso Infante D.
Henriqiie no cerco de Tangere^ n'elle se acliou Joao Gongalves, e pe •
l^jou valerosamehtc, que o mesmo Infante o armou Cavalléiro. Mais so
dìz, que desafiando iium Mouro a quem da dita praga se atrevesse a
pelejar com elio, e que sahiado successivamente tres, e Qcando todos em
120 mSTORIA TNSUfANA
qiie elle mesmo tinha man4ado tizev para scu jnzigo, e dos mais sens
descendentes.
CAPITOLO XI
Do segando Donatario^ e CapHào do Furichal.
76 Joao Goncaives da Camera, chamado o da Porrinha, (por costu-
mar trazer huam pào na mào), filho mais velho do insigne Zargo, siicce-
deo ao pai na Capitania, e governo do Punchal, e foi t3o grande Caval-
leiro, e em armas tao conhecido, espccialmenle em Arzilla, e em Ceula
de Africa, que casou com D. Maria de Noronha, Riha de Joao Henriques,
que era fiIho de D. Dingo Henriques, Conde de Gijon, e filho naturai
dei-Rei de Castella D. Henrique; e da dita bisneta d'esle Kei houve os
Jilhos seguintes : primeiro, Joao Goncalves da Camera, que morreo mo-
ro; segundo, Simào Gon^ahes da Camera, que foi depois o terceiro Ca-
]»itao; terceiro, Pedro Góncalves da Camera, que casou com D. Joanna
(le Sé, filha de Joao Fogassa: e da Camareira mór da R^inha D. Catha-
rina, mulber dei-Rei D. Joao III, da qual D. Joanna houve a Antonio
iionfalves da Camera, Monteiro mór dei-Rei D. Sebustrào, e a Joào Fo-
gassa, que morreo solteiro; e a Pedro Gonralves da Camera, que chama-
v3o 0 PorrSo ; e a tres filhas, que forao Freiras no Fnnchal, das quaes
vierao duas reformar o Mosteiro da Esperanc^ em Lisboa, aonde Imma
d'ellas foi muitos annos continuos Abbadessa.
77 0 quarto filho d'este segundo Capil3o foi Manoel de Noronha,
que casou, primeira vez, com D. Beatriz de Menezes, neta do Conde D.
1 Quarte, e d'este casamento nasceo Antonio de Noronha, que casou em
Castella, a D. Maria que casou com D. Simao de Casleibranco. Casou se-
gunda vez o dito Manoel de Noronha com D. Maria de Taide, fliha do
senhor da Ericeira, e deste casamento nascerao Luis de Noronha, Com-
mendador de S. ChristovSo de Nogueira, acima do Douro : e D. Anna,
mulher de Pedro Affonso de Aguiar, e nascerao mais seis filhas, D. Joan-
na, D. Cecilia, D. Elvira, D. Bartoieza, Dona Constanca, e D. Antonia.
Este pois Manoel de Noronha, quarto filho do segundo Capilao, comò
{(rande soldado, é sua custa foi da Madeira soccorrer a ^afìm, e com elle*
forao outros fldalgos da mesma Madeira, corno Joao Dornellas. esforfado
Cavalleiro, e de grande nome, e fama entre os Mouros, e que de humi
sahida trouxe em o peito Luma lan^.ada, e era casado na Madeira; e foi
lìv. m GAP. XI 121
famhem Henrìque de Belencor, fidalgo qne là o fez grandemente, e o
<.apiino da prac^ era enlao Nnno Fernandes de laide.
78 Ho mesmo sogundo Capilao, além dos sobreditos qnatro filhos,
nasrerrio mais as filhas segninles: primeira, D. Felippa deNoronha, mn-
V\(tr de Henriqiìc Ilenriqnes, senhor das Alcacovas, de qne houve a D.
Fernando Henriqiies, e a D. André Henriques, e a Dom Joao Oenriques,
que ficou na liha, e foi pai de D. Alfonso Ilenriqnes. Segnnda filha foi
ì). Mecia de Noronha. mnllier de D. Martinho de Casteibranco, Conde
de Villa-Nova de Portimao, de que nasceo D. Francisco de Casteibranco,
Imrdeiro da casa, e Camareiro mór dei-Rei D. Joao III, e f). AfTonso de
TK-islelbranco, Meirinho mór, e I). Jo?[o de Casteibranco, e D. Antonio
de Casteibranco, Deao de Usboa, e D. Maria de Noronha, mulher de
Ilora Nuno Alvarez Pereira, frmao do Marqnez de Villa Real, e a mulher
(le Joao Bodrignez de Si. Alcaide mór do Porlo; e a mulher de D. Ro-
tingo de Sa, Alcaide mór de Moin-a ; e a mulher de D. Rodrigo de Sa,
Alcaide mór de Mmira; e a mulher do pai de Alonso Peres Pantoja. Ter-
<*eini filha do dito segnndft CapitSo se chanfiou, corno a mai, D. Maria
ile Noronha, e casou com o Marichal, e d'etles nasceo o Marichal Femao
€onlinho, que morreo na India; e a mulher de D. Luis da Silveira, Conde
ila Sorteiha, e outra que morreo Dama do Paco. Quarta filha do mesmò
J^pmdo Capil3o foi D. Conslanga de Noronha, que nunca casou. Quinta
foi D. Isabel, primeira Abbadessa do Ftmchal. Sexla, D. Elvira, e sepli-
ma D. Joanna, ambas Freiras. Citava, huma que morreo menina; e ulti-
mamente leve bum filho naturai, e legltimado, Garda da Camera, pai
de Joao Goncalves da Camera, de Santa Cinz de Machìco.
79 Fez este segundo Capilào o Mosleiro das Freiras de Santa Cla-
ra, acima do Funclml, em a Igreja de nossa Senhora da Conceic?lo, para
recrrfhimento de suas filhas, e das de bomens principaes; e comerando-o
em 1492, jà em 1497, veio da Conceicao de Beja a* Alba D. Isabel com
qualro Freiras mais para o novo Convento. Foi este segundo Capit3o do
FunchaL espeiho de bons Capilaes em valor, e christandade. Morreo no
Fuudial a 0 de Marco de 1301, e de 87 annos, tendo governado 34.
i22 tnSTOlUA INSULANA
CAPITULO XII
Do terceiro CapUào^ ckamado o M/iynifigo,
80 SimSo Goncalves da Camera, segiindo fillio (por falecer cedo o
priiìieiro) se seguio na casa ao [kiì Juao Gorigalves da Camera, o da l'or-
rìnha» e no mesmu anno fui contirmado em lerceiro Capilao do Funcluil
por Cl-Hei D. Manoei. Chamario liie o Magnilia)» porque nunca algiiem
Ihe pedio cousa, que elle, podendo, a nao desse. Foi Ulo dado a guer-
ra, em honra de Deos, e da Coroa, c<3ntra Mouros, que nove vezes pas-
sou a Africa, e à sua custa levava muila geiH^, e bons soccorros, »lém
de outra gente, (|ue da mais nobre tambeai Ina, corno o jà noiueado
Joao Dornellas, e achar-se com o Duque de I)ragan(a na tomada de Aza-
itìor; e n'estas idas a Africa gaslou tanto este, com rasao cliamad(> Ma-
gnifico Capit3o, que morrendo achou ter gaslado mais de oilenla m.l
cruzados, de que seus herdeiros pagarao ainda ciiK*oenla. E por servi-
Cos tao grandes El-itei Dom Manoei, em o akno de 1508, fez Cidade a
Villa do Funclial; confirmou os foraes, e lìberdades, (|ue Ei-Bei D Af-
funso V. tiniia dado à dita Villa, e Ihe accre^^centou oulros que hoje lem.
rom que nao i)aga direitos de mantimentos alguns, mais que o direito
do quinto do assucar. E o mesnio Key à sua cusla Ihe fez a Iteal Aifaa-
dega. e a Sé Episcopal, corno abaixo dìremos.
81 Casou este terceiro Capitào com I). Joanna, filha de Dom Con-
cilio de Caslelbrana), Governador de Lisboa, senhor de Villa iNova do
Porliniao, da qual houve os filhos seguinlos. Primeiro, Jjoao Goncalves
da Camera, que logo Ihe succedeo. Segundo, Manoei de Noronha, Bis-
jio celebre de Lamego, e Camareiro do secreto do Papa Leào X. Tercei-
] 0, Joào Kodriguez de Noronha, c|ue casou com D. Is;d)el de xVbreu, ti-
lUa de Joao Fernandez do Arco na mesma Madeira, de que nao houve
lilhos, e foi Capilao de Ormuz em tempo do Governadoi* D. Duarle de
Menezes. Quarto, D. Felippa de Noronha, mulher de D. Duarle de Me-
nezes, fillio herdeiro de 1). Joào de Menezes, chamado o Coijde ViUn,
imr ser Coride de Tarouca, Prior do Grato, e Capilao de Tangere, Coiii-
inendador de Coimbra, e Mordomo-niór dei-Ilei I). Vinnoel, de (jue hou-
ve a D. Joao de .\Jeni.»zes, Capilao de ijn^^'ere, e a I). Pedro de Mone-
R'S.
8i Viuvou da (liM priineiia nuillior este terceiro (/ipilào, e t:jsou
uv. IH GAP. unì 123
segonda vez com D- Isabel da Silva, fillia de Dom Joao de Xtmì&r Re-
gedor da Jusli(a, e fillio iierdeiro do Conde de Tarouca, e da casa de
Àtougiiìa, e 0 neto d'este foi Conde de Atougiiia, chamado Joào Gor>-
Calves. Do segundo inalrimonio d'este terceiro Capitao nascerao e^iiès lì-
llìos. Priineiro, Joao Gongalves de Ataide, qne morreo solleiro. Segan-
do, Luis Gon^^alves de Ataide, senhor da liha deserta, e casado com
D. Violante da Silva, filila de Francisco Carneyro, Secretario d'el-Rey,
de qae nasceo Joao Gon^alves de Ataide, e Martini Gon(;ìlves. Terceiro,
Xres filhas, D. Brites, D. Isabel, e D. Maria, Freiras no Funchal. Quar-
ta), bum fillio naturai, Francisco Gongalves da Camera, grande Cavallei-
ro, e soldado do liabito de Christo com ten^a, e depois Capitao General
de guerra na Illia, e casado, e tem tìllios.
83 Por indisposivoes renunciou o governo esle terceiro Capitao no
anno de 1528, em seu fillio morgado, e se foi para Matozinhos do Por-
to em Portugal, onde viveo retirado, e em 1530. faleceo, e depois se
trasladàrào seus ossos para a Capella de Santa Clara do Funchal, jazi-
gode seu pai, e avo. Por si^ morte levou Luis Gongalves de Ataide,
iilbo da segunda mulher, a Uba deserta, que tambem era do morgado;
inas por ter sido promettida em arras a sua mai, porisso a levou; e
rende bum anno por outro duzentos mil reìs. D este terceiro Capitao do
Fuodial trata mais largamente Fructuoso, e de suas idas a Africa, no
liv. 2. desde o cap. 32. atè 36.
CAPITOLO XIII
Do quarto CapUào JoSo Gon^alves da Camera, Itrceiro do nome.
8i Seguio este Capitao os illustres passos, e beroicas obras de seu
pai, levando varios soccorros aos Portuguezes que conquistavao praras
<^Qi Africa, e especialmente ao Serenissimo Duque de Bragan^a, (pio aii-
diH'a em Uio Real empreza, e tao Catbolica: do que tudo trata larga-
utente 0 nosso citado Fructuoso liv. 2. cap. 37 e 38.
8ò Foi este Capitao casado com D. Leonor de Vilbena, fillia do
bionde Prior D. Joao de Menezes, e d'ella bouve os fillios seguinles.
l'rìaieiro, Sim3o Goncalves da Camera, seu successor. Segundo, Luis
GoiM;alves da Camera, Padre da Companbia de Jesus, multo estimado
Jescu proprio Fundador S. Ignacio, e multo valido de grandes, e so-
I2i HISTORIA INSULANA
beranos Principes. Terceiro, Fernao Goncalves da Camera, que matarSo
OS Mouros em Tangere. Quarto, Marlim Gonfalves da Camera, Clerigo,
Donlor, e Tlieologo em Coimbra, e grande Privado d'el-Rei D. Sebas-
tiao. Quinto, Rui Goncalves da Camera, celebre, e famoso Capit3o da
India em Ormuz. Sexto, D. Isabel de Vilhena, que cason com o aftni-
ranle de Portugal D. Lopo de Azevedo, de que nascerlo o Almirante
D. Antonio de Azevedo, e D. Jo3o de Azevedo.
86 Faleceo este quarto Capit3o no Fnnchal de 47 annos de idade,
e dizem que de peste, em o anno de i536, jaz sepultado com seu pai,
e avós na sua Capella mór das Freiras de Santa Clara; e com morrer
tiio ceJo^ fez na guerra acc5es mui gloriosas, que largamente refere o
citado Fructuoso no cap. 37 e 38 do liv. 2 de sua Historia.
CAPITULO XIV
Do quinto Ctipitàfl do Funchaly e primeiro conde da Calketa.
87 Simao Goncalves da Camera em vida do quarto CapitSo seu pai,
no anno de 1533, foi soccorrer a Villa de Santa Cruz do Cabo de Gué,
e com tal valor, que fez que os Mouros deixassem o cerco. Em 1537,
e tendo ainda s6 vinte e quatro para vinte e ciuco annos de idade, foi
confìrraado na Capitania do Funchal por El-Rei D. Joao 111, e logo em
1538, 0 casou o mesmo Rei com D. Isabel de Mendoga, filha de D. Ro-
(Irijro de Mendo?a, senhor de Moro em Castella, a qual tinha vindo a
Portugal por Dama da Rainha I). Catharina, e deo-lhe El-Rei em doto
oilenta mil cruzados em juros, dinheiro e offlcios. Em 1542, velo este
quinto Capilào com sua mulher para a Madeira, trazendo jii o primeiro
liiho seu JoSo Goncalves da Camera, depois na liha teve o segundo; Rui
Dias da Camera, grande soldado em Africa; terceiro, D. Aldonsa de ^len*
(loco, que casou com D. Joao Mascarenhas, CapilSo dos Ginetes; quarto,
I). Leonor de Mendoca, mulher de D. Jo35o de Almeida, Alcaide mór do
Abrantes. Teve mais lilhas legitimas a D. Joanna, e D. Ignes, Freyras
no Funchal: e por filhos naluraes a Fernao Gonc^ilves da Camera, estii-
dante em Coimbra; e a Pedro Goncalves da Camera, que em Coimbra
inorreo, sendo tamhem esludante; e com toda està casa voltou este Ca-
pitno para Portugal, e ficou na liha governando seu tio Francisco Gon-
calves da Camera.
uv. MI CAP. XIV 125
88 Governando pois este Francisco Goncalves, e pi eni o anno de
1366, a 2 ou 3 de Oulubro (diz o nosso Frucluoso no ilv. 2, cap. 44,
43, 40 e 47), chegarao a Madeira Ires navios de guerra, Cossario^^,
Fraucezes Lulheranos, qua biào para a Mina, e sentindo-se jà faltos dt»
gado para seu suslento, se resolverào ein o ir buscar a lerra, e pam
iiso na praia fermosa, buma legoa do FunebaU langarain amiados niil
soldados, ou, conio oulros dizem, oitocentos, deixando os do niariliuK^
^'overno nos navios: vendo islo os da Cìdade acudirao a cavallo, e seni
impedirem o passo aos inimigos, se puzerOo a observar quem erao, e o
que faziao, e por os verem armados Ibes Tugiùo; e sabeudo os ininiigo:5
qae a Cidade linba menos de dous mil vizinbos, e aquelles de cavalk)
Ihes fugiào, resolularaenle os seguirao, e in\eslirao a Cidade, aonde o
coufiado Francisco Gongalves com jà poucos, por Ibe fugiiem os mais,
fez alguma resistencia, e logo se recolbeo à Forlaleza; e os Francozes
lamarido Hvreniente a Cidade, que estava jà deserta, commetterao a For- «
laleza, que tinba Irezentos bomens dentro, e muitas raulberes graves, OjP
a lonaarào facilmente, e degollarào quasi todos, e forao acbar ao Gover-
uador Francisco Gongalves entre as mulberes, e so por rogos d'ellas es-
capou com vida.
89 Sabendo isto os da oulcp Capitania de Macbico, e Santa Cruz,
acudirao logo para dar subre os Francezes, pararào raeia legoa defionle
da Cidade, por Ibes vir aviso do Capitilo prezo Fiancisco Goncalves, que
liào coinmeltessem aos Francezes, porque o matarìào a elle, e a sua niu*
llier, e que os Francezes se queriào ir logo; e comtudo quinze dias es-
tiverao na Cidade, scm damno seu algum, roubando e saqueando gran-
des thesouros. Morreo-Ibcs comtudo o seu Capilào Francoz, por dar bu-
ina baia em buma pedra, e desta buma lasca dar na perna ao Francez,
^ oào fazer este cura alguma, e Ibe sobrevirem berpes, e morrer: e di-
2iio ser bum Conde, ou irmào de bum Conde. Passidos os quinze dias
se forào esles hereges, nao so saqueando, e levando tndo, e mais de
liam milbrio de ouro, mas deixando deslruidas as Igrejas, e Imagens.
90 De tudo tinba ido aviso a Lisboa por diligencìa da Villa de Santa
Cruz de Macbico, e por mais depressa que de Lisboa sabrrào oito Ga-
kùcs, e por General Sebasliào de Sa, o do Porlo, e dianle d'elles Joào
Gorifalves da Camera, fìlbo do Capitào Donatario Simao Gongalves com
inais dous navios, e muitos parentes, e amigos, nenhuns cbegarào \à se-
tiào dous dias>depois de partidos os Francezes, e com a detenga que li-
126 HtSTORIA INSULANA
zerao em terra, com qae ainda mais a destruirao, partirSo ja tarde em
l^usca dos Francezes, e jà os nSo poderUo encontrar; e ainda que por
tal successo forao depois em Lisboa alguns culpados, comtudo so Fran-
cisco de Porres, fidalgo, fìllio do Capitao Donatario do Fayal» Toi sen-
tonciado a degollar, e a sentenza se mudou em so degredo para o Bra-
ZÌI; e depois veio a mon*er na Illia Terceira por sentenza capital do Mar-
quez de Santa Cruz em o anno de 1383;
91 0 que fica dito d*esta desgra^a do Funclial, he em sobstancia
totalmente o mesmo que o cìtado Fructuoso rerere extensamcnte no seu
liv. % cap. 4i, 46, 4fi e 47, sem se Ihe addir, nem discorrer mais so-
hre tal successo. E no cap. 48, accrescenta o seguinte quasi por formacs
palavras.
92 Com 0 sobredito morgado Joao Gon^alves da Camera tinliHo idj
no soccorro dous Padres da Companliia de Jesus, enviados pela Provin-
cia de Porlugal, e forao os primeiros que d'està Religiao entrarlo n'a-
quL'Ila Illia, e pelo esemplo, prégacao, e devogao dos- taesi\idres ?e mo-
vtM) o povo a p(Hlir a El-Kei Ihe concedesse, e fundasse bum Collegi )
d'flh's no FuncbaI; e no anno de I?i70, na Quaresma forao seisd'estes
llL'Iigiosos, a saber, Reilor Sianoci de Siqueira, Prefeito Pedro Quares-
nia, e o Padre Belcbior de Oliveira, e mais tres IrmSos. a quem o Rei
deo de renda cada anno seiscenlos mil reis, com os (juaes, e com rtu-
iras esniolas, em 1578, acal)ou de fazer bum Collegio o segundo Reilor
Pedro Rodrtguez, de multa virtude, e erudi^ao: e lìmdou bum magnili*
co Tempio, em que prégao, confessao, liizeui doutrinas, e ensinao Tb«!-
\\Y^\\\ mora!, lalim, e Rhetorioa, envolto tudo com os bons coslumes, o
virliides, de que suo singtilar exemplo aonde quer que se achao. Na)
sei qual d'eslas anisas foi maior para a liba, se o que perdeo com os
(^ossarios, se o que ganliou com estes Religiosos. Ob bemaventurada e
mais que diiosa perda!
91] El-Rci D. Sebasliao, em 1576, fez a esle quinto Capiiao Simao
Gon(;alves da Camera, pelos seus s*rvifos, e de seus avós, Conde da
Callida, Villa da mesma Madeira, na mesma Cjipitania do FuncbaI, e Ihe
doo OS oiricios do dito Condado, concedendo-lbe que os officiaes se cba-
massem, em lodos os autos, escriluras, termos, e mandados publicos
com esfas palavras, (pelo Conde nosso senbor. e por seu liiho berdein),
depois que for servido leval-o desta vida), e p(»rquc no FuncbaI bavia
vinte e bum Tabelliaes do Judicial, e oito das Nolas, e seis EsquereJ»>-
LIV. Ilf CAP. XV 127
rp5, ordonon el-Rcì D. Uenrique em 1570, que fossem dez Escriviies do
JudìciaL qiiatro Notarìos, e tres Esqueredores, e em satisfagào do qiie
desmerabvou de datas ao Conde,'lhc deo mais os doiis oflìcios de Escri-
vàes dos Orfaos, e o do Meiriiilio da terra, e o de Escrivao da AIìdoU-
caria, e UmIos os do Jiidicial d'està sua jnrisdìcv3o. Tinha o Conde boiìs
qualro contos de renda, em dinheiro tiido, porque ale a renda dos moi-
nhos se Ihe paga em dinheiro, e nclo em trigo.
94 Pclos seiis vassallos se inlilnlava assim : 0 Conde Simao Gon-
ptlves da Camera, do Consellio*d'el-Rei N. Senhor, Capitao, e Gover-
nador da Jusiica na liha da Madeira, e na jurisdicfSo do Fimch il, Védor
(le sua Hizenda em toda a dita liha, e na de Porlo Santo, e senhor das
Illias deserlas, eie. El-Kei llié punha sempre nascartas, Dom, elle niin-
ca 0 qniz, nem qiir» seus fillios o livessem ; morreo a 4 de Margo (U
1580, de idade de 68 annos, e de governo 44, fol enterrado ond.>
seus antepassados na Capella de S. Clara.
CAPITULO XV
Do sesto Capildo do Funchnl^ e seijnndo Conde da Culhrta
93 Joao Goncalves da Camera, filho do quinto Capilào do Fiincltal,
e piimpiro Conde de Calliela, succedeo a seu pai em sexlo Capitao, o
«irimilo (k)i)de: cjisou com I). Maria de Alemcaslro, filha de D. Luis do
Atamaslro, neto d'el-IV'i I). Joau II, e (segundo dizem) d'el-Kei Chiov),
'iu (:iij(|ni!o, de Graiiada; e por morie de seu |)ai mostrando as palcn-
ttsijiH» linha del-Uei l). Schastiao, que o (i/era priineiro Conde de C.i-
Iìm'Iìi, fai cofilirmado em sogundo Conde: mas dalli a pouco feridn dii
|»»'^le em Almeirim, semlo de m:i;ia idade, e deixando hum so fiIho lior-
<Wn), menino ainda de seis mezes, chamado Simao Gonr;alves da Came-
ra. Depoi.s mcltendo-se na posse d'esles Keinos Filippe II. mandou à
lilla ila Madeira por Caj)irao mór, e G*)veniador d'ella o Deserabarga-
rt'H" Jiirio LeiUìo, e |X)r Capilào mór da guerra a I). xMTonso Ferreira,
t'jimle de Lanccrole, e senhor de Forle Venlura: e no anno de I58i,
f-M Anlonio (iirvallia! à Cidade do Funchal com treicentos homens a sua
ciisb. para im|>edir o desembarcarem os Francezes com o senhor 1).
Antiinio: n'este eslado ficou cntao a Madeira.
96 Isto he (diz Frucluoso cap. 50) o que soube por muitas, e di-
1 28 HISTORU. INSUL ANA
versas inrormacoes de muitas pessoas da Madeira, e de outras partes, e
de muitos, e varios papeis que vi, e li, e especialinente do que compoz
0 Conego Ilieronymo Dias Lei te, da niesma Madeira; o qual tiroa
0 que compoz, de bum caderno de tres folhas de papel, que anda
uos Escritorios dos sobredilos Capilaes, sobre o descubrimeDlo da Ma-
deira, feito por Gongalo Ayres Ferreira, (cujo originai cometa com es-
tas palavras: Chegamos a està Illia, a que puzemos o nome de Madeira)
que veio por companheiro do Zarco a deseubril-a , o traslado do qual
mandou o seguudo Conde, e sexto Capitao Joao Goncalves da Camera ao
di io Conego; e este da sua letra llie accrescentou ao pé, Que o tal Gon-
zalo Ayres Ferreira era criado do Zarco; porem cbegando isto à nolicia
dos descendentes do tal Gonzalo Ayres da Madeira, (que sao a mais il-
lustre, e grande gera^ao d'ella) mostrarlo ao dito Conego bum antigo
Alvarù do Infante D. Ilenrique, feito em 1430, em que cliama a Gonco*
lo Ayres companbeìro do Zargo. em que se continha o rilbamenlo do Ud
Concaio Ayres : e este foi (accrescenta Fructuoso) o primeiro liomera
que na Madeira leve fillios, e ao primeiro chamou Adào, e ao segmulo
Eva, d'onde procede a gera^ào chamada, da Casla grande da Madeira,
que vcm da grande casa de Drumoudo, e dos Reìs da Escocia, e d'onde
l)rocedem os Ferreiras da Illia de S. Miguel. Assim aciiba com a Hislo-
ria da Madeira o verdadeiro, e douto Fructuoso no tim do liv. u cap.
r>0, mas porqne no mesmo livro mette (corno costuma) em di versas par-
tes outras materias que aqui tinUSo o seu logar, pede a bistorìa que as
ponlianios aqui.
CAPITULO XVI
Do principio y e augmetUo do Estado Ecclmastico
em a Madeira,
97 Os primeiros Sacerdotes queentrarao na Uba da Madeira, forilo
sem duvida da sempre veneravel, e Sarafìca. Ordem de S. Francisco ; e
nao sem fundamenlo se podem cbamar os primeiros dcscubridoms Ec*
clesìaticos, nao so d està Uba mas da de Porto Sauto, porque os primei-
roa que«naufragantes a liabitarào alguns dias, forào os Heligiosos Frau-
ciscanos,* que nella com bum naufragio forao dar, e que com os primei-
ros descubridores da Madeira se passarao a ella, e outros dous Frades
Franciscanos, que o primeiro Capitao do Funcbal levou comsigo de Por-
Liv. in CAP. XVI 129
tagal pnn a Mailoira, e d'esles Religiosos devia ser aijuelle que benzeo
a«,'aa. e com ella beuta abendirooii as Il!ias, e foi o priiiieiro que nelia
disse Missa, e o Responso sobre a sepultura dos desposados Inglezes
eiii Alachico, comò tiido em seu lugar fica jà dito; e comò costuiiiào scr
esles Seralìcos Ueligiosos os priaieiros eia o servigo de Deos, e do prò-
ximo.
98 Porem o Ilio Calljolico, corno em ludo ditoso Joao Gonfalvo.-.
ZaKgo, logo que fuudoa a Villa do Funclial, e vio nào liiilia aiiida S;i-
cerdoles seculares ooui jurisdicgào l^arodnal, escreveo ao Infaale D llon-
lique, pediudo que lli'os mandasse, e o luraute, corno Alestre da Ordeiij
ile CUrislo, ordenou a D. Frei Podio Vaz, Prior enlào de Tliomar, qn-
provcsse aquuila falta; e o diio I^rior l'einetteo logo à Madeira bum Saci ;-
date com litulo de Vigano, e outros com titulo de Beueficiados; e •!<»
inesina sorte proveo com outros seaielbaates a Villa do Macliico. Sabti.-
do (listo 0 Sispo de Tangere, sem mais licenfa dei-Rei, impetrou li.i
l*a|wi luun Breve paia aaaexar a lllia da Madeira ao Bispado de Tanj^i -
re; 0 que subendo a Infaale D. Biites, (comò Tutora do Duque seu i.
llw; Mostre da Ordem de Cliristo) passou logo provisao em o anno de
il72, ao Capitao do Fuaclial, que uem a tal Bispo coasentissem i.a
lilla, uem o povo Ibe obedecesse; e juatamente com està veio outra p:t -
visào do dito D. Prior de Thoaiar, aolificaado ao povo, que ao lai Di-
po lìm obcdecesse, e que cedo el-Kei crearia Bispado proprio na IÌUa
rta Madeira; e o mesaìo escreveo ao Vigario de Machico, cliamado Jofn
Garcia, que fui o pi'iiaeiro. De ludo isto, e das dilas provisoes, e exo-
cufào d'ellas, coasla do Toaibo da Camara do Funchal, aonde estao.
99 Pouco depois em o anno de 1508, raandou o Coaveato doTbo-
Qiar à Illg da Madeira bum 1). Joao Lobo, Bispo de anel, e foi o pri-
loeiro Bispo que aa liba ealrou, cbrismou, e deu Ordeas. Cbegadu o
anoo de i514 e decreto do Suaimo -Poatifice Leao X, feito aos 12 de
iunho, foi por el-Bei D. Maaoel ao mesmo anno creada a Cidade do
Funchal, e nomeado por seu primeiro Bispo proprietario D. Diogo Pi •
nheiro, Vigario que tiaba sido de Tbomar; e com elle se crearào, e coa-
firmarao quatro Digaidades, e doze Coaegos; e depois a supplicagao do
B.sj)o se crcon de aovo a digaidade de Meslre-escola. Nuaca o Bispa
Wnlieiro foi a Uba, por em Portugal ser occupado em o servilo, e ne-
ffms do Rei, e de lodo o Ueiao ; mas maadou bum Bispo l). Duar-
VOL. I 9
130 IllSTOniA INSULANA
te, e luim Provìsor, e Vigario Geral, e assim governou o dito Bispo doze
;mnos, e fiileceo no.de 1506.
100 Segiiindo-se logo na Monarchia de Portugal el-Rei D. Joao III,
(' vendo qne tinliao descuberlas oiilras novas terras iillramarinas, fez, ,
com approvafao do Summo Pontifice. a D. Martinho de Porlugal (qua
era parente do Rei) Arcebispo da Madeira, e do que de novo era des-
culierto; mas lanibcm este Arcebispo nunca foi a liba, e so a ella man-
(lou bum Bispo, chamado D. Ambrosio, qne indo, cbrismando, e dando
Ordens na Uba, d'ella voltoli a Portugal dentro de bum anno, de 1539
])ara loiO, e o novo Arcebispo deu Constituicocs & Madeira, tomadas
(le oulros Bispados: aos Concgos concedeo tres raezes de estatulo, seus
^meios dias de barbas, e oiitros dias de bospedes, e de lavagens de so-
l)repeHizcs, etc. e ainda ncsle tempo nao tinba cada Conego de annual
]-enda mais que doze mil réis c^ida anno; e morreo esle unico Arcebispo
eni I5i7, sem jàmais sabir de Portugal.
iOl Em 1548, veio hum Bispo das Canarias a Madeira, e com li-
(•enea exercitou n'ella o officio de cbrismar, e de dar Ordens, e logo pc>
los annos de 1550, pedio el-Rei D. Joao III ao Papa, fizesse Bispados
dislinclos nas ultramarinas parles descuberlas, por serem tao dislanles
rntre si; e que ficasse a Madeira cOm a de Porlo Santo, e o vizinho Cas-
tello de Arguim em Africa, sendo bum so Bispado; conu) jà o erao as
Illias dos Acores, e S. Tbomé, e India; e que seu Melropolilano fosse o
Arcebispo de Lisboa: e ludo o assim pedido concedeo o Papa, e foi feito
IJispo da Madeira D. Gaspar, da Heligiao da Graga de Santo Agoslinbo:
mas nem este foi à Uba, e so là mandou hum Provisor seu, e foi pro-
niovido a Bispo de Leiria, e dabi a Bispo Conde em Coimbra: e para
Bispo do Tuncbal foi D. Jorge de Lemos, Frade f>ominico, a foi o pri-
ineiro pispo proprietario que la residio, e acbando que a Cidade do
riinobal nao tinba mais Parocbias que a mesma Sé, erigio mais dentro
(la Cidade duas Freguezias, a de N. Senbora do (-albào, e a de S, Fe-
dro, e na da Sé poz dous Curas: e em 1559 renunciou o Bispado, e
Ihe succedeo D. Fernando de lavora, Dominico tambem, e brevemenle
largou 0 Bispado, e foi posto nelle D. Ilieronymo Barrelo, Clerigo se-
ciilar em 1573, irm3o dos nobres Barretos do Porto, e fillio de bum ir-
mao do Reverendissimo Padre Joao Nunes Barrelo, da Companliia de
Jesus, Palriarcha da Ethiopia: e este D. Ilieronymo foi o que. fez ad
Consti luigoes Synodaes da Madeira em 1578, porque se governa o Bis-
LIV. Ili CAP. XVIl' 131
pado, conforme ao Concilio Tridentino: e depois foi proraovldo a Bispo
do Algarve: e na Madeira Ihe succedeo D. Luiz de Figiieiredo, e Lemos,
qae era OeSo da Sé de Angra, de quem em seu lugar trataremos maivS
largamente*
GAPITULO XVII
Conclue-se com a Itka da Madeira^ DeserlaSy e onlras.
102 Restava dizer do governo civii, e politico da Illia da Madeira,
0 qaal he sabido, e muito semelhante ao de Portugai, porque alem do
Capitao Donatario, que ha muilos annos nao assiste na Capitania do Fun-
dial, mas em Portugai, e na liha poem el-Rei Governadur triennial : e
alem do Ouvidor, (se o Donatario o qiier ter distincto de si) e alem do
tommum governo do Senado da Camara, tem Juiz de fora, e sobre elio
Corregedor com beca de Desembargador do Porto com posse lomada, e
determinada alcada, e passando della vem de direito as causas a Lisboa
aos Desembargadores dos Aggravos, aonde finalizao na fórma costuma-
da: e alem de tudo isto tem o governo da fazenda Real, com Provedor
que he Regio officio, Contador, Juiz da Alfandega (e outros officiaes, e
tudo immediato ao Conselho Real da fazenda em Lisboa; e de toda a
Gdade do Funchal, e ainda da Capitania de Macbico, he tao lustroso o
(rato, corno do sangue a nobreza, sondo que a abundancia de fruclos ju
Qio he tanta, comò nem he tanto^o assucar, posto que delle se facao
tanlas conservas ainda, e tao varias especies de doces, que até se carré-
gio para fora comò preciosa droga, e rendosa, mas a principal de todas
he a dos muitos, e excellenles vinhos, que para as nacoes estrangeiras,
6 para 0 Brazil, e Angola està indo continuamente, e enriquece muito
todaallha.
I 103 Outras Ilhas demais ha junto à da Madeira, qde cliamSo De*
I ^ertas; hama he, a que (depois de estar jà na Madeira) o felicissimo Joào
Gno^alves Zargo, observou haver distante so seis legoas; e mandando-a
descubrir, e achando que era de rochas, e sem agua doce dentro, a nuo
Ottodou logo povoar, mas so Ihe mandou laudar algum gado grosso, e
^Igumas aves, que multiplicarao logo, e flcou cliamando-se a liha Deser-
ta; tem duas legoas de comprimonto, e hum terco de largura ; tem jà
pistores, e hum Feitor, e sua Ermida, aonde hum Clerigo Ihes diz M is-
sa: e ji tem agua, posto que salobra, e alguma cevada, e trigo dà, aiu-
132 HrSTOIWA INSULANA
da que pouco, mas muilo gado, e nao lem coellio, nem rato algom, he
por natureza inconquislavel, por ser tao cercada de continuadas, e al-
tisssimas rochas, que se nao podem subir senào por tal carréiro, que
dous pastores deitando a rodar penedos de cima, levao com dles abai-
xo quanto cncontrao, corno ja de facto succedeo a muitos Inglezes, que
querilio ir buscar gado. Erao senhores d'està Ilha os Capilaes doFunchal,
mas este senhorio passou d'elles brevemente a Luiz Gonfalves de Atai-
de, e chega a render duzentos mil réis cada anno.
104 D'està primeira Ilha deserta, e so bum terfo de.legoa de cora-
primento, està outra deserta Itba, que tem so buma legoa de compi-
mento, e ainda menos de largo; e por isso lambem a nik) povoarào, e
so llie deitarao cabras, que a ella vao buscar com càes. A terceira liha
deserta, ou Ilhéo (que cbamao o Ilbeo Cbam) jaz entre a primeira de-
serta, e a Madeira, e de so meia legoa de tamanbo, porém de roebas
alto, e em cima plano, mas por amor dos ventos se nao semea; e d'isUi
quatro legoas da Madeira, e so meia legna da maior deserta, por cujo
respeito estas tres Illias se cbamao Desertas, comò do nome da Uba Ter-
ceira se cbamao Ilbas Terceiras, as mais Ilbas dos Afores, corno diz Fru-
ctuoso liv. Il cap. 51, e ao Capitao do FuncbaI pertenciào estas tres De-
sertas, por elltj as descubrir, posto que hoje nem todas fhe pertenfao.
105 Ultimamente trinta legoas da Madeira para o Sul, e indo para
as Canarìas, estao duas Ilbotas mais, a que cbamao as Sakagens, coni
distancla de tres legoas entre si, e l^ima lem meia legua de terra, e a
outra i)Ouco mais, a maior tem algum gado, e ambas senbor Casielba-
no de,quem sao, porque ambas devem entrar no numero das doze Ca-
narias, de que no liv. ii jà Iratamos, e trata o Historiador Barros) por
serem descuberlas por Castelbanos todas doze. E assim conclue-se que?
na altura da Madeira s3o sinco as Ilbas, que debaixo do dominio de Por-
tugal est3o, e* que pela ordem de seu descnbrimenlo s3o, primeira Por-
lo Santo, segunda Madeira, terceira, quarta, e quinta, as tres clìamadas
Desertas, e com estas acaba Fructuoso o seu livro segundo, e he jà tem-
po que passemos com està nossa llistoria Lusitana lusulana a dos liba»
dos Agores, ou Terceiras.
FIM DO i.lVaO TEl;CEl[U).
niSTORIA
INSULANA LUSITANA
lilVRO aUARTO
DA ILHA DB S.\NTA MAfìlA, Ql'E DAS NOVE DOS ACORES, FOI A PIUMEIRA
QUE SE DSSCUBIIIO-
CAPITULO I
FnudamenioJt qiie havia pnra se hnscarem as ditas Itlias, e das formiijas
qn€ primeiro apparecerào.
1 Em 0 anno de 1428 do Nascimento de Cliristo Senhor nosso (con-
forme a Frucluoso em o sen liv, 3) indo o Infante D. Pcdro de Portngal
'1 Inirhierra, Frango, Alcmanha, Jerusalem, eie, e voltando a Italia, Uo-
D», e Veneza. descubrio, e comsigo ironxe luim Mappa, em que estava
ji lodo 0 amhito da terra, e jà o Estreilo, (que depois se chamou dt3
Magalbàes) a qne chamavao Cola do Dragao, e o CatK) de Boa Esperan-
% e à fronteìra de Africa : e Antonio Galvao conta, que Francisco do
Soasa Tavares Ihe dissera, que em 1328 Ihe mostrara o Infante D. Fer-
nando entro Mappa acliado no Cartono de Alcobapi, feito liavia mais de
cento e setenta annos, que continba loda a navegafao da India, com o
^-ahfi de Boa Esperanca, e devia ser o que o Infante D, Fedro comsigo
linha irazido ; e de tal Mappa se devia valer o nosso descubridor o In-
btrte D. Ilenrique, e das noticias havidas dos Venezianos, para mandar
fazcr OS descubrimenlos d'cstas novas Ilhas- -
2 Outros porém vendo o quao remotas esl5o de toda a terra firme
^stas Ilhas dos Afores, e que nera ainda no dito Mappa antigo vinliao
assentadas laes Ilhas, e advertindo juntamente na ajustada, e santa vida
do Infante 1). nenri<]ue, comò ao principio d'està historia contamos,
3Ì«iz3o, e nem scm fundaniento, quo o devoto Infante teve alguma re-
^clapìo, ou inspirarào Divina, em que, com a constancia que veiemos,
I3i IlISTOniA INSULANA
perscverou em mandar dcscubrir taes Ilhas. E na vertade se (coma di-
zem OS Tl)eoIogos) Déos especialmenle concorreo, ainda com Genlios,
I)ara serem primeiros inveiitores de artes naluraes, comò com Ilippo-
crates, e Galeno para a invenfao da Medicina, com Apelles para af da
Pintura, com Plalao, e Àristotdespara a da natura) FilosoTia, dando Hies
jìaturaes auxilios, mas muito poderosos, para descubrirem, e enssinareni
nquoHas artes em bem commum, nao sera de admirar, se concorresse
k'om 0 nosso Infante para afcanfar, e descubrir as mais remolas Illias,
para commum bem do mundo, e especial dos navegantes. Mas fosse por
i.nde fosse alcanfada tal noticia, a certo he que
3 Reinando em Portugal o invicto Rei D. Joao I, mandou o Infante
I). Henrique, da Villa de Sagres no Algarve, bum grande Cavalleiro, (de
(•uè logo failarcmos) com ordem que navegasse direitamente ao Poente,
it descubrisse a primeira liba, tomasse duella nolicias, e Ihas trouxesse.
Kavegou prosperamente o arentureiro, e em poucos dias de viagem, deo
com a vista em huns penedos, que vio sobrelevantados era o mar, e ob-
i^ervando que erao pequenos para Ilbas babitaveis, e que junlo a elles,
V entre elles (por se encarreirarem muitos) fervìa- continuamente o mar,
jioz-lbes por nome Formigas, e observou que estavào em Irinta e sete
gràos e melo de altura, da parte do Norte Septentrional, e que conti-
r:uavao em direilura de Nordesle a Subsudoeste, e em comprimento do
tiro de buma bcsta, e com largura do vinte covados, ou sessenta pal-
mos, i)Ouco mais, ou menos; e em buma ponta tinba bum penedo, que
5>obre a agua sabia comò buma casa de sobrado; e na oulra ponta tinba
«nitro semelbante penedo, mas menos levantado sobre o mar, comò bu-
ina casa terreira; e os que biao no meio d'està carreira de penedos, erao
variamente mais baixos, e alguns afa^^tados dos outros, mas tao pouco,
qwe por entre elles podia so passar bum barco de pescar.
4 E com elTeito biao da Uba mais vizinba barcos a pescar al(i, e
apanbavào multo peixe, até escolares, e grande multidao de marisco; e
no maior penedo de buma das pontas tinbao tal abrigada naturai, que
se podiào recolber niella vinte barcos; e succederà jà, que eslando os
pescadores em a terra, ou pedra do tal penedo grande, e ceando, viera
por vezes alli, ao faro do comer, bum lobo marinho, e tao grande coma
bum grande bezerro, e junto à pedra comia o que Ibe lancavao os pes-
cadores, e por temerem cabir, Ihe nao lancavao o arpéo. e o matav^o.
£ d'este maior penedo, buma Jegoa ao Sueste, se observavào outn»
LIV. IV CAP. II 135
formigns, e Innlo mais pcrigosas, quanto menos dcscubertas, porque,
(juaiulo <) mar eslava mais clieio, aintla enlào iiào vencia eslas segunilas
fnniiijjas, mais que sete, ou oilo palmos; e quando vazava o mar, ainda
a* uài> (Ifsculiriàu b^in, e crào ao modo de eiras de terra postas ei;i
Iriangido : e cada Imma, se fora de terra, e nào de pedra, levaria lumi
ah|;ieire de semcadnra, e eulre estas eiras de pedra passava algum mar,
e fiindo, mas peritoso.
5 Oliservado ludo isto no anno de 1431 se persuadirao os envia-
di>s Jesoubridores, que nào liavia mais liha do que aipiellas Formigas,
e Iriiles se voltiirao. e derao de ludo ao Infante nolicia, e Guidando que
0 Infante dt»sislisse do intento, ou se desse por mal servido, elle pelo
coulrario se connrmou tanto, ou nas revelaroes, ou nas adquiridas no-
ticias, que linha, que logo era o anno soguinte d^ 1432 toi-nou a man-
giar i»s mesmos descubridores das Formigas a descubrir as Ilhas quo»
IKjrlo tl'ellas eslaNào; e pò. que jà be tempo de dar noticia de quem (ìì\uì
ir>Ws insignes sugeilos, (jue de antes a primeira vez, e segunda vez
«i'^ni, loj nai'ào a doscubril as, vejamoi o.
CAPITULO II
Quem forSo^ e de que (jitalidade os primeiros descubridores da Ilha
chamada Saula Maria.
G Houve era Portugal (diz o nosso Fructuoso liv. 4 cap. 3) bum
Ugo cbamado Martini Goncalves de Travassos, casado coni Imma ri-
salga, cujo nome era Catliarina Dias de Mello, de que teve dous lìllios;
primeiro, Xuno Martins de Travassos, tao abalizado fidalgo, e de tanta
valia no Beino, que teve por seu pagera a bum Fernao Uodriguez Pe-
rora, que depois deo por parenle aos Pereiras, e veio a ser amo da \\r
6ule Duqueza D. Brites, mài dei-Rei D. Manoel, e Ibe creou os Infanlos.
Osejiundo fillio do dito Martim Gonfalves de Travassos, fui Diogo Con-
falves de Travassos, que casou eom DonaViolanta Cabrai, lìlbade outr«»
li«lalgo era Portugal, cbamado Fernao Velbo, e de §ua mulber D. Ilaria
Alvres Cabrai/ filba do Alcalde mór de Belmonte, cbefc dos antigos jì-
«lalgos Oibraes : da qual D. Violante Cabrai, e de Diogo Goncalves de
Travaj^stis nascerào Rui Velbo de Mellt», Eslribeiro mór del Rei D. JoIiuII,
e l*edru Velbo de Travassos, e Nuno Velbo Cabrai, ou de Travassos. Do
136 IIISTOniA TXSrLANA
ifjesmo Fcrnao Vi»lIio, e D. Maria Alvres Cabrai nasrcn ontra Riha, lì-
Titroja Voiho Cabrai, que casoii coro oulro fidalgo, N. Soares, de fjne
iiasceo Jorio Soares de Albergaria: e assim esla D. Tareja, comò a oulrn
inTìà D. Violante Cabrai, er?.o inniis inleiras, e b'jjìlimas, nào so rie Al-
varo Velbo, que ficoii cm PortwgjH, mas lambem de Goufalo YelUo Ca-
lerai, cbamado o Famoso, de que ajjfora Iralaremos.
7 Cbamava-se esle famoso fidaljjo, nao so Gonfalo, mas Frei Gon-
r do Velbo Cabrai, porqne era Commeridador do Castello de AbnonroU
i;!ic està sobre o Tejo acima da Villa rie Tancos: e Brifo na Monarchia
lAisilana liv. ,3, rap. 14, diz que anligamenle houve buma Cidade cba-
) lad.ì Mòro, aonde ag[ora esla o dito CastiHIo- de Almoiirol. fundado em
tjrrecìfe mellido pelas a<,Mias da Tejo, qne com suas correnles o rerca,
r Taz Uba, para onde vào em barcos, e no verao be Imma das alegres
Jjabilafoes «jue ba, e de iirande paswitempo. E era o mesmo fìdalgo lam-
I»^m senbor de varios higares, corno das Pias, no termo «le Tbomar, e
•le Bezelga, e Cardiga, e sobre tudo muilo privado del-Kei D. AfTonso V,
V do posso Infante D. Ilenriqne.
8 Tal fìdalgo, corno este, escolbeo pois o Infante para o primeiro
desoubrimenlo das Ilhas dos Ahmvs, quando descubrio asFormigas em
<13I, e ao mesmo niandou no anno seguinle de li32, a descnbrìr .is
Ilhas, e com breve, e |)ros[)era viagem deo o dito fìdalgo com buma
l!ha em quinze de Agosto, dia de N. Senliora da Assiimprào, sentìo cu-
llo jà 0 quadragesimo nono anno do Reinado dei-Rei D. Joao 1. tendo
n mesmo Rei, e na vespora de oulro semelhante dia da Assumpcào da
Senhora, vencido a El-Rei de Castella em batalba no campo de s. Jorge,
rcima do lugar, aonde depoìs se edificou o Mosleiro da Batalba. que ti-'
liba succedido em o anno de l'WS, e por isso o rlìlo descubridor da
liha ihe poz por nome. Santa Maria; e no mesmo anno de l4tW nasceo
vm Portugal o Serenissimo Infante D. AOonso, fillio dei-Rei I). Duarle,
e neto do que ainda reinava.D. Joao 1.
9 0 descuhridor, e Commendador Frei Confalo Velbo Cabrai des-
embarcou na liba pela parte de Oesle, em buma pequena praia. que
rbamurao dos Lobos, e ilo ('nbreslarde, por o parererem assim as pon-
las de tal praia: e a(|ifi se fundou depois a primeira povoarao, junto a
buma rìbeira. que lodo o anno corre: logo foì o Commendador corn»ntlo
a liba loda a roda, parie por terra, e i»arlo por mar, prr a maileira «la
terra nào dar lugar a mais; e touiadas as noticias, niedidaS:. e ^inaes da
Liv. IV CAP. m 137
tr»m, vollarao lodos para Portngal: e flanrlo conta rio Uvh ao Infante,
fi.-on este tao alopre, qiie Ingo mandon deifar garlo enfi a liha, e come-
nid jnniameiìle a proparar a povoarao inleira d'ella: e Ingo fez merré
t'.' Capiiào Oonafario ria dila liha de Sanla Maria ao dilo Commondador
i'rvi Goiiralo Vellio Cabrai: e llie concedeo mais o poder levar, jìara po-
> Mrern a dila Illia, nào so os que qiiizessem com elio ir, de seus pa-
Miles. amijjns, e eonheoidns, mas da mesma Real casa d'elle Infante: e
lissitn qnasi tros armos aridon este Commendador, e primeiro Capitao de
S.nita Maria ajimiando tao grande' nobrcza para Irazcr comsigo, que o
veracissimo, e enidilo Fructiiosn no seii liv. in cap. li, (e o continua no 4)
nizdos dilos primeiros povoadores eslas palavras formaes, ibi: «Todos
fcao do ronselho dos Heis, e muito privados, e dos mais honradns fi-
(lal;,'os, que bouve n'aqnelle tempo: o que ludo vi por papms aulbenti-
ri)s eni fóima devida pelas jnslicas; e assim foi, e bc fama commua en-
Ire OS antigos, e modernos.»
10 Mas porque o ciiado Frurtu^so he dilTusissimo em seu estylo,
V om Genealogias exlonsissimo: e com ludo serve muito tal materia pa-
ri OS descendenies atlenderem Is virtu<les de seus ascendenles, e os
itnilaivm. e ainda v(Tem aos vicios, e castigos d'elles, e os fugirem: e
l:iiu!)om para nào screm pombas covardissimas arpielles que descendein
ih generr)sas Agnias; por isso convém recopilarmos o superfluo, e nào
«leixarmos o ulil, e ajunlar com a clareza a brevidade, nao nos fazendo
cscuros por sor breves: mas accrescentando o quo de oiitros Ilistoria-
(1 «rcs, e de papeis autlientiros. e tradigoes sempre observadas, puder-
mos uesla materia, aìnda(iue com traballio, alcancar; seja pois.
CAPITULO III
Da nscenderìcia^ e (ìrscfvdenna dos potoadores
da sobredila liha.
il 0 dito desrnbridor de Santa Maria Frei Concaio Velbo Cabrai,
Ciminendador de Almourol tla Ordem de Chrislo, e senlior dos lugares
das Pias, Bezelga, e <:ardiga, ora fillio do grande fidalgo Fernao Velbo,
e de sua logilima mulber I). Maria Alvares Cabrai, e por esla mai era*
Mo do senbor da aniiga. e illustre casa de Belmonte, chefe dos Ca-
line:;; porém corno ainda enlào nào podiao ca^ar cs Commendadoi'es
ih
HlStOni.V iNì^ULANA
professns ila Orilem de Chrislo, nuo leve Frei Gonrnlo descenflencia al-
t;uina, e assiin so Iralarenios dos irinàos que Une, ponine aléin do pri-
iiieiro irmao Alvaro Vellio que ficou em Porlusal, leve mais irinfis, D.
Tareja Vellia Cabrai, mài do segiiiido Capilao Donatario de Sanla .Maria
f; S. Miguel, de que abaixo fallaremos: ilem D. Leonor Velha, que ca-
sou com Fernào Vaz Pacheco, corno em ì>ìì[ì lugnr diremo;^.
12 A terceira irmà pois do descuhridor Frei Gonzalo foi D. Violan-
te (librai, que casou com Dingo GonC'dves de Travassos. lìdalgo que era
Vodor, e Escrivao da pnridade do Infante i). Pedro, fìlbo del-Uei D.
Joào, (a (luem ajudou a tomar (lenta em Africa) e do (-onsellio d'el-Uei
D. AlTonso V, do cujos filhos tambem ì^oi Aio, e Padrinbo; e esle Dingo
Gonfalves de Travassos era fillio de Marlim Goncalves de Travassos, e de
D. Calharina Dias de Mello, e ambos da grande lìdalguia de IN)rtugal:
«la (|ual D. Violante, e Diogo Goncalves de Travassos nasceo Hny Vellio
de Mello, Eslribeiro mùr d'el-Uei D. Joao II, e a esic sobrinbo de Frei
Gonzalo forào a Commenda de Almourol, e as terras quo o tio linha: e
j)or morrer o sobrinbo sem filbos, d'elle passarào a Commenda, e as
terras a D. Xuno Manoel, quo depois foi Conde do Uedondo.
13 Nasceo mais desta D. Violante, irmà de Frei Gonv^il^^ e do di-
Io seu marido Diogo Goncalves de Travassos, nasceo Pedro Velbo do
Travassos, do qnal casado Ilcarao varios lìlbos, e liibas, e netos, nào so
rm Santa Maria, mas tambem na Uba de Sào Miguel. Ilem nasceo da
dita D. Violante, e Diogo Goncalves de Travassos, Niuio Velbo de Tra-
>assos, ou Cabrai, qne casou com Imma fidalga cbamada Africanes, (de
que abaixo fallaremos) e deste matrimonio nasceo D. Grimaneza Alon-
so de Mello, qne depois casou com Lourenco Anes de Sa Leonardes, br-
inem dos mais nobres da Uba Terceira na Villa de S. Scbastiào; e deste
casamento nasceo Nuno Lourenco Velbo (Cabrai, (pie casou duas v(»/.rs,
ambas nobre, e limpamenle, de quem nasceo Haltbasar Velbo Cabrai,
que casou com Maria Manoel de Cbaves, pais de Manoel Cabrai de Mel-
lo, que com so Ordens raenores foi Conego do Funcbal em a Madeira,
depois Conego de Angra na Terceira, e logo Arcediago, Vignrio Cerai,
lYovisor, e Commissario <la (bilia da Cruzada, e qtit3 sendn moco ti-ve
bum fillio de mulber nobre, e limpa, cli.iinad.» IkM-nardo Cabrai de Mol-~
lo, Cidadùo de Angro, e que aìuihi tJSii desn'fnbnria.
14 OuJro irinrjo te\o o dilo Niirio Ldiireiin.» Vcibn Ca!»ra!. qne se
fliamava Sebiislirio yiniws Velilo Cjì.IuI, ij'.c «'as«.t: coiu Dona Maria de
Liv- IV GAP. m 139
Almeida, de que nascco D. Ignoz Nunes Veiho, coiti quctn casou Miffiiel
c!e Figueiredo de Lcmos, de que nascerào D. Luiz de Figiujrn^do de Le-
mos, ((|ue de Deào da liha Terceira Toi para illustre liispo da liha da
Madeira) e D. Mecia de Lemos, que casou corn André de Sousa, fiiho
de Joao Soares, terceiro Donatario de Santa Maria. K do mesnio Nuno
Lourenfo Vellio nasceo tanfibem llieronvma Nunes Vellio, que foi qiiar-
ta avo do septimo Gapitao Donatario de S. Maria, Braz Soares de S(ju-
sa, e de seus irmaos, corno veremos. Nasceo mais do mesmo Nuno Luu-
renfo Veiho hum Diogo Velho, que la ficou em Santa Maria: e huni Ma-
thias Nunes Velho Cabrai, pcssoa nnuito principal, e que lirou iiislru-
nienlos de sua fidalguia, e casou com Maria Simóes, de que deixou (ì-
Kk)s, e viveo na sua quinta da flor da Rosa em Santa Maria.
15 A outra irmù do descubridor Frei Confalo Velho foi D. Tareja
Velho Cabrai, que era casada com o primeiro N, Soares de Albergarla,
(ie que nasceo Joao Soares da Albergarla, que casou com D. Branca de
Scusa, Dama da Rainlia, e fdiia de Joào de Sousa Falcào, fìdalgo da ca-
sa (i ei-Rei, e de D. Maria de Ahnada. prima com irmà do Conde de
AbrancJies: e este foi o segundo Capit^o de Santa Maria, e Sao Miguel,
corno al)3Ìxo se vera; e teve por fìlhos, nào so a l^edro Soares que mor-
reo na India, e a D. Maria que casou em Portugal, e a D. Violante, que
casou, e nao teve Dlhos, mas tambem teve a Joao Soares, de Sousa, ler-
otiro Rapitao de Santa Maria, que casou a primeira vez com D. Guimar
da Conila, flllia de Francisco da Cunha (ie Albuquerque, e de D. Brites
da Camera, irmsi do quarto Capitao de Sao Miguel; e segunda vez casou
Cora D. Jurdoa Faleira, fillia de Fernào Vaz, QIho de Joào Vaz das Vir-
tudes, e de Anna de Rezende.
16 Do primeiro matrimonio nasceo Fedro Soares de Sousa, quar-
ta» Capitio de Santa Maria, casado com Dona Brites de Moraes da liha
da Madeira: e do mesmo primeiro matrimonio nasceo tambem Nuno da
Canlìa de Sousa, que casou com D. Francisco Ferreira, e d'esles nasceo
Joao Soares de Sousa, que casou em Santa Maria com Dona Felippa da
Conha, dos x|uaes nasceo Manoel da Camera de Albuquerque, com quem
Cisoa D. Marqueza de Menezes; e destes nasceo Joao Soares de Sousa,
« a'^ou com D. Anna de Mello, viuva do sexto Capitào Pedro Soares de
Sousa; ilas (juaes na;*ceo Antonio Soares de Sousa, que ainda vive ciisa-
do t>m Ponta Deigada com t). Antonia, jà viuva, e de que tem lìlhos.
il De I^cdro Soares de Sousa, quarto Capitào de Santa Maria, e dà
l IO inSTOniA INSl'LANA
dita sna mnllier D. Britos rie Moraes nasceo o quinto dito Capìtao Brn»
Soai'os (!e Sousa, qiic rasoii c/)m h, Dorolliea de Mollo, Tilha de Joào
Nnries Velhn, e de I) Maria da r.amora: e o dilri quinto Capilao era Com-
inundador (U S. Pcdro do Sul em Poftnpral. D'este pois nasceo o sexlo
(lapitào Pi'dro Soaro*? de Soiisa, qne casoii sogunda voz com D. Anna
(h Mi'.llo, ft (ri\sl(?ì matriinonio nascer) o septimo Capitao Bras Soares dt^
Sousa, fìda!«{0 d;i Casa de S Magc'stade, e casado. 0 dilo scxto (Capilao
IVulro Soares linha sido casado primiMra voz com l>. Victoria da Costa,
do (|ue liouve hum (ll!io cliamado Bras Soares. Commendador. de Santa
Maria, mas morroo nas guerras do BrasiL e so Imm fillio naturai dei-
xou: e lamhem teve o dilo soxlo Capilao dous filìios bastardns. hum
chamado I.ouronm Soares de Sousa, fidatilo (ìlhado, e de grandes ser-
vicos. e a haslarda I). Ifrncz, que ficou na lllia de S. Maria.
18 Com 0 dilo primeii'o descubridor Frei Concaio Veiho Cabrai
veio mais à liba de Santa Maria bum nobre Gonzalo Annes, que por Ilio
iiiorrerem os muilos flllios ale alli nascidos, e nascendo-lbe ainda Imma
fìlha, se resolvoo a por-lbe nome, que até alli ninguem tivesse, e assim
Ihe cbamou Africa; e ponfuc e sobrenomc d'elle era Annes, ficou a filba
chamando-se Africa Annes, e vulgarmente a cbamavao Africanes. Morto
pois 0 pai, ou (corno outros dizem) voltando da Uba para Portugal, por
buma morte que fizera na Uba, alli deixou a filba encommendada ao seu
grande amigo, companbeiro, e talvez parente, o illustre Frei Concaio;
e oste logo deo a (bla Africanes por mulber a bum George Velbo, ipie
ora tambem dos mais nohres, e primr^iros povoadores gue vierao li liha,
e d'oste casamento pmcedorao os chamados de sobrenome Jorgos, con-
ferme ao eslylo anttgo dos descendentes tomarem por sobrenomes os
iiomes (bìs ascondenles. .Morto Jorge Velbo, casou Africanes segunda vez
com bum sobrinbo do sobredito Frei Concaio Velbo, que se cliamava
Nufìo Velbo; e «leste segimdo marido, e de Africanes nascerHo Duarle
Nimos Velilo, (de que bouve mais descendencia) e Grimanoza AiTnnso de
Mollo, que casou com aquclle nobre LouronfO Annes da Illia Terceira, e
d'eslos nasceo Ignes Nunes Velbo, que casou com Miguel de Figueircdo
<io I.emos. que fijrào pais do illustre Bispo do Funchal D. Luis de Fi-
gueiredo de Lomos.
15) D'eslos Figueiredos rofore o douto Frucfuoso, que dando hum
aniigo Bei de Porlugal bat:il!ia a iuimigos, pelojarao de tal sorte d<ms
nobros iriunos, que quebradas as espadas, arremcttorào logo a humus
LIV. IV GAP. Ili 141
figiieiras que viao, e tirando dellas forles paos, loniarao aos iiiiini[,^os,
e OS doslruirao de sorte, que aeabada a balallia, a ambos chanion El«
liei, e dando a hum o appellido de Fìgiieiredo, ao outro per{j^iJiitou (pie
appellido queria: este respondeo, (pie sua lama llie bastava, e (|ue ella
soaria; e desde entào llie dianiarao Soares; e que o entào. Uei lizeni se-
ulior de Albergarla a este scgundo irmao, e os seus descenderiles so
diainarao, Soares de Albergarla; e estes sào os legitiinos J^oares, (]ue
bem poderào cbamar-se, Soares de Albergarla; e estes sao os legiiiinus
Soares, que boia poderào cbainar-sc, Soares de Flgueiredo.
HO De laes Tigueiredos era o anligo, e illustre Bispo de Vizeu D.
Gonyalo de Figueircdo, quo teve bum (ìlbo, e tres lilhas; o lilbo se ciia-
mou Fernào Goiicalvcs de Figueiredo, que casou coro Maria Uias, (pevS-
soa muito prlncipal) e destes nasceo Dingo Soares de Albergarla, do
que nao fìcarao fllbos, e foi Aio dei-Rei D. Joao. Nasceo mais do dllo
Feniuo Gongalves, Fernào Soares de Albergarla, que casou com D. Isa-
bel de Mello, filila de Estevào Soares, de que nasceo D. Brites, mullier
de Affonso de Slqueira, e ama da excellente senliora; e outra D. Isabel
de Alello, raulber de Antao Comes de Abreu, e outra D. Briles, muilier de
Diego de Mendonca, Alcalde mór de Moura, e Isabel Soares, mullier de Vas-
co Carvallio, e D. Briolonja, mullier de Joào Gomes da Silva, seiiiior da Clia-
niusca. De D. Briles, e Diogo de Mendonga nasceo D. Margarida, mu-
Iher de Jorge de Mello, Monteiro mór, D. Joanna de Mendonga, segunda
mullier do Duijue de Braganga, e Pech^o de Mendoga, Alcalde mór de
Moura, e Antonio de Mendoga, e Cbiistovao de Mendoga. As tres lilbas
do sobredito Bispo de Vizeu foruo Ignes Gongalves de Figueiredo, Ma-
ria Gongalves de Figueiredo, e Brites Gongalves de Figueiredo; e todas
casarào, e tiverào multa descendencla; da primelra descendeo Gongalo
de Figueiredo, pai do Conde de MaiiaHa: e da segunda nasceo Ayres
Gongalves de Figueiredo, senlior das terras de Freigedo, e Alcalde mór
de Gaya. Da terceira nasceo Tareja de Figueiredo, mai de Fernào de
Figueiredo, que casou com Meda de Lemos, e forOo pais de Miguel da
Fiiroelredo de Lemos, que velo à Uba de Santa Maria, e nella casou
com Ignes Nunes Vellio, Olba de Sebastiao Nunes Velbo, de que acima
se fallou ja.
21 Casou terceira vez a sobredita, e nobre Africanes com Pcdrca-
nes de Alpoim, homem eslrangeiro, mas nol)re, e dello teve aliida a Bui
Femandes de Alpoim, que morrco sem desceudoncia, e a Estevao Pires
ii2 HISTORIA INSULANA
de xVlpoim, e Guilhelma Fernandes de Alpoim; e d'estes vem os Alpoins
de S. Miguel, e da Terceira. E està he a substancia verdadeira do que
dilTusametite traz o nosso Fructuoso, e consta de outros papeis autlien-
ticos que se ^^xamìnarao. E n'este mesmo seu liv. 3. cap. 3 e 4« traz
Fructuoso as armas, e brazoes dos Velhos, Cabraes, Mellos, Soares» e
outros, que lie escusado referìl-os aqui.
CAPITULO IV
Da altura, podo^^es, o ferlilidade da Ilha de Santa Maria.
22 Jaza dita Uba neste nosso Oceano em trinta e sete graos da parte
do Norie Septenlrional, e corresponde direitamenledeLesteaOestecoin
0 Cabo de S. Vicente, e este Cabo com ella de Oeste a Leste, em dis-
tnncia de duzentas e clncoenta legoas. Ao Norie de Santa Maria Ihe fica
a pouta cbninnda de Nordeste da Ilha de Suo 5figuel, de cuja Gìdade, e
porto, ao de Santa Maria, ha vinte legoas, e do de Villa franca dezaseis;
poréni so doze de terra a terra. Commuinmenle se dizia ter pouco mais
de Ires legoas de comprido, e nào chegar a duas de largo; mas exami-
nada a vcrdade em o anno de 106G, se achou ter quasi ciuco legoas de
comprido, e de largo quasi tres, e nove de redondo; he de figura ova-
da, e corre de Leste a Oeste. Da parte do Oriente d'ella lem huma ponta
baixa alò o mar, e n'este bum Ilheo redondo, e allo, mas pequeno, a
<|ue chamùo o Castellete; e comecando d'aqui com a testa em o Oeste,
aornle chamào Lagoinhas da parte do Norie, e da parte do Sul chamHo
Monte Cordo.
i.'J Do Castellete pois, por està parte do Sul, meia legoa, esUi ou-
tro Ilheo maior, a que chamaò o Castello, onde se abrigao navios, e tem
seu porto para os bateis embarcarem os vinhos, que por alli se dao
multo bons. Adiante do Castello està bum porto de pescadores, que cha-
mào Calheta; e huma legoa adiante està huma ponta chamada Malbusca,
rocha alta, e medonha; mas bum tiro de pedra mais além se segue hu-
ma liijà com moradoi-es pertencentes a Freguezia, e lugar do Espirito
Santo, que estil meia legoa pela terra dentro. Da roclìa Malbusca, mela
legoa, vai oulra rocha, a que chamao Ruyva, tao alta, e tao ingreme,
(]ue calìindo de cima agua, ainda que seja pouca, sem locar na rocha,
chega a bai\o. Mais adiante se segue huma prata de area^ e para dea-
LIV. IV CAP. IV 143
tro huma .Vlden de qiiinze vizinhos, com a celebre Ermida de N Senho-
ra dos Hemedios, de muitos miiagres em enfermos; e por loda a Ermi-
da, huin Uro de bésla do mar» sahe Imma fonte de agua salobra, aondo
s« lem lavado muitos enfermos, e conrado saude, pelo que Ihe chamao
a runtc de N. Senhora. Està mais adiante Inim areal, que chamao a Prai*
nha, para dentro da qnal vao muitas ladeiras com vinhas, e ponco dis-
tmles outras vìnhas cliamadas o Figueiral; acìma das quaes em iìuma
njclia se tira pcdra, de (jue se faz muita cai; e tambem se tirao pedras
(le manuore, de qne se fazem mós, cousa que nao ha nas outras Ilhas.
21 Andando mais dous tiros de arcabuz, e enlre duas viiihas, eslfio
duas furnas taes, que a huma se nào acha o fim, mas com candeas ac-
cesa» se lira d'ella hum barro cinzenlo, tao macio,- e tao fino, corno sa-
1)30, e serve para lavar panno, e tirar qualquer nodoa d'elle, posto ao
Sol, porque chupa a nodoa, e o deixa puro, e limpo d'ella. Seguc-sj
mais a(Jiante a ponta chamada de iMarvào; e logo Imma bahia para a
parie do Occidente; e depois d'ella sahe huma ribeira tao grande, que
fom ella moem oito moinhos; e aqui eslà hum areal, e portOr que clia-
mào 0 Porlo Veiho e adiante outro que chamao o Porto Novo, com duas
ribeiras que lambcm sahem ao mar; e enlre esles dous portos eslà huma
siilmla para hum allo, aonde està a Villa do Porlo, cabefa de toda està
liha, [>ara a banfla do Sudoesle.
25 Tem esla nobre Villa, sobre a rocha para o mar, Imma Ermida
de N. Senhora da Conceicao, que he a primeira casa que se vé,de fora.
Tem a Igreja Malriz da Hha, coni hum Vigano, bum Cura, e quatro Be-
neliciados, hum Organista, hum Thesoureiro, e quasi quatrocentos vizi-
nhos, e mais de mil e selecenlas pessoas de Communhiio; e pela liba
lem mais tres Freguezias menos principaes, que sao, a de S5o Pedro
com Vigario, e Cura, e mais de trezenlas pessoas de Communhao ; a
do Esiiirilo Santo tambem com Vigario, e Cura, e quatrocentas pes-
soas de Communhao a de Sanla Barbara com Vigario, e pessoas de Com-
mmiliào a duzcntas e cincoenta. Tem mais a dita Villa tres mas gran-
des, que sahinilo de adro da Igi'eja Malriz vào parar ao mar, com mui-
tas rua:> travessas, e se continua ale a Ermida de Santo Antao, que eslà
pela terra dentro. 0 Orago da Igreja principal he N. Senhora da Assum-
PC^K). e 0 Padroeiro da Igreja da liba he Sào Malhias. Ha na Villa Casa
da Sanla Misericordia com boa renda lìxa de moìos de trigo cada anno;
^ 0 Senado da Camera com igual n^nda; Mestre de latim» e Prégador
144 inSTOUlA INSUIANA ^
coni ,lres moios de trige de renda, e dez mil ròis em dinheiro; e Inim
ConvoMto de Freiras, qiie daiUes nao erao professas, furidado pelo Re-
verendo Clerigo Fernando de Andrade, coni dezoilo moios de renda de
Iri^'o cada anno para quinze Freiras; e sol)re ludo lem, aléin de Cleri-
gos seculares, liuni Convenlo de Religiosos Franciscanos, que sào de beiu
esi)iritual nao so para esla Villa, mas para loda a Illia.
2G A defeza desta Villa, e de loda a Illia, era de anles pouca, sen-
do que lem huma legoa de postos por onde podia ser enlrada, e o fui
enlào Ires vezes, de iMouros, Inglezes, e Francezes; mas depois se Ihe
fizerào no Caslello da praia dous Forles'com qualorze pecas, e adianie
lunn Forte com algumas: na Villa do^is Forles com sete pe(,as: na ponia
de Mai'vào, e no Figueiral, e na Trainila oulros Forles com sua arlellia-
ria: o que ludo nao so manda o Governador, e Capilào Donatario, (co-
rno abaixo veremos) mas immedialamenle lumi Capilào de arlelliaria com
Irinta Arlillieiros, além do Capilào mor, olDciaes, e gente de ordenan-
Va: que quanto pelas mais parles da lllia, he por nalureza inconquìsla-
vel, haveudo alguem que das roclias so com pedras a defenda.
il Ao redor desia Villa, pela lerra dentro, ludo sào terras de Iri-
go, e loda a Illia he lào abundanle de agua, que so a dita Villa lem mais
de quarenla e cinco fonles, que correm lodo o anno, e algumas g!*ar.des,
e fermosas: na Freguezia de N. Senhora da Sen-a ha oiilras lant^is. e na
de Santa Barbara vinte e Ires fonles, e pela rocha a roda da Illia sào
innumeraveis, e todas de boa, e doce agua: a genie nào so da Villa,
mas de loda a Iliia, he da ascendenza que jà vinijs, onde ainda ha miii-
los nobres, e fidalgos, e d'esles quasi lodoi sào de estalura allos, pro-
porcionados, e de presenta grave, e grandes espiri los, e tao presum-
pluosos, que he pequena a terra para nobreza lauta; e por isso sào mui
inclinados a ca(;a, e pescarla: e assim se conservào huns com oulros, e.
raramente jà hoje casào fora, ou admillem de fora casamenlos.
^ 28 Hum quarto de legoa da Villa, indo pelo Sul, està no mar hum
Ilheo, com terra por cima, de quatro alqueires de semeadura, mas com
tanto Garajào, que quem la quer ir, traz quatrocenlos, ou quinhenlos
ovos d'elles, e tao bons corno os melbores de galinhas; porém deve ir
com a cabega bem cuberta, para nao vir sem orelhas, porque so a eslas
arreraetleni fortemente. Pela terra se segue adiante a Ponla do Cabres-
tante, e adiante mais a Praia de Lobos, e logo huma Ermida chamada
4os Anjos, mais de legoa do sobredilo Ilheo; e pouco depois se segue o
LIV. IV CAP. V 145
Uonte Cordo, e adiante huma rocha tao ìogreme, e tao alta, quo nin-
goem com huma besta chegari de baixo à superficie da rocha; e com-
todo he de notar que no mais alto de cima sahe huma perpetua fonte
de agna, e da grossura do punho de hum homem sera haver era toda
1 Uba terra alguma mais alta do que està: e ainda ih mais de notar,
qoe por baixo da dita fonte, e rocha vai huma tao grande fuma, ou con-
cavìdadc, que entra meìa legoa pela Ilha dentro, e a fonte sahe por ci-
ma: e aqui vai dando volta & Ilha para o Nordeste. Na rocha poréra se
apaoha muita urzella, que he comò musgo do mar, e de cor cinzenta,
e tal Unta azul deità de si, e tao fina, que vence à que se lira do Pastel,
posto qne da urzella dasCanariasdizem que ainda he melhor. Mais adianle
segoem-se as Fajans, a que chamào Lagoinhas, de baixo das quaes està
oalra fuma junto ao mar, d'onde pescadores de S. Miguel vir3o huma
i^ez sahir doze lobos marinhos, comò em alcatéa, e alli os pescadores os
vinhio perseguir, e notarao, que antes dos taes lobos se recolherem a
saa furna, levantavao as cebecas, a ver se apparecia algum. Aqui faz a
liba testa, e firn da banda do Sul.
CAPITOLO V
Do tracio do Norte, e seu interior da Ilha, e singularitlades d'ella,
29 Voltando pela banda do Norie, e Nordeste, oulra vcz alò onde
comefamos, està, dous tiros de bésla pela terra dentro, a Freguezia, e
logar de Sanla Barbara, que passa de quarcnla vizinhos, e duzentas e
dncoenta almas de Communhao; e adiante, mais de moia legoa, està a
Ponta do Alvaro Pires de Lemos, aonde hum genro seo vendeo terra
boa, e de hum moio de semeadura, por quatro mil e setecentos reis,
seodo que no anno de 1568, (com ser armo esteril) deo a dita terra
qoinze moios de trigo. Mais adiante estao humas fajas com vìnha, aonde
nao ha (diz Fructuoso) alqueìre de terra de vinha que nao de huma pi-
pa de vinho, e mais; d'ahi a mais de legoa se segue a Ponta de S. Lou-
renco, aonde de huma alla rocha abaixo sahe huma ribeira e chega ao
mar sem tocar na rocha, e n'ella està a Ermida de S. Lourenco. Depois
se té 0 Ilhéo chamado do Romeiro, com dcz alqueires de terra, e her-
^ em cima, e em baixo huma tao comprida fuma, quo parece atraves-
» 0 llhèo; a boca he de altura de trcs lancas, e dentro tcm muitas fur-
vot. I 10
146 IMSTORIA INSULANA
has, caminhos, reiretes, ludo de pedra aspera, e que parece engessada,
e de agua feita pedra, que de cima vern ein gollas, e corno cera se coa-
Iha, se congela corno vidro, e imiita fica no ar depeiidurada. corno re-
gelo. Oli neve; ou conio tochas, e cirios quo se vào fazendo, algumas tao
compridas qnUr chegam abaixo, ficarido oiitras periduradas em o ar, e
brancas corno alabastro: e tendo o pavimento lunna lagcm, as gottas que
cahem n'ella se levanlao em outras tochas; ontras (icào em figura de
confeitos; o parece està fuma, ou casa de cerieiro, ou de confeitciro, ou
Oratorio de cera bem ornado.
30 Quasi rneia legoa adiantc da tal Fuma està huma Ennida de
Santo Antonio, aonde linlia estado a primeira FreguivJa de Nossa Senho-
ra da Purilica^ao, e succedco, que quorendo-a mudar, botarao sortes, a
que Santo ficaria a Igreja, e saliio a sorte a Santo Antonio, ^ porisso
mais adianle està a dita Fregnezia cliamada de Santo Antonio, e com
raais de com vizinhos. E ainda mais de logoa adianle, està o Castellcle,
d'onde comecàmos o circulo d'està liha; mas ainda pelo mais interior
d'ella tcm varios moradores, e higares, posto quo menores, e bum sin-
gular posto, a que chamilo o Ahnngro, por so dar alli. Toda esla liha
està tao (irmada em podra viva, que a niaior altura do terra, commum-
mente nao passa de dez palmos; d'onde vein que raramente ha n'osta
liha tremor do terra, e se alguma vez treme, he tremor pequeno, e
brando: e ainda quando a Iliia de S. .Mii^^iiol teve tremores Titaes, algu-
ma cousn, mas mui pouco so sentirlo n'esla liba: porisso tambcm, ain-
da que teni multa lenlia para o gasto, para obras de madeira nào teni
multa, por nao ter terra profunda d'onde saia.
31 Em algumas partes a terra que tem he tudo barro vermeiho, o
esteril para fruto; porùm para loufa he excellenle, e da tal loufa ver-
melha se prove a dita liba, e dà provimento d'ella a S. Miguel, e ainda
a Uba Terceira: mas em todas as mais parles a loiia he tao frutifera,
que bum grao de Irigo laura cento, e conio e doz espigas, nào passan-
do em outras terras de quarenta ao mais: e o trigo l>c tao perfeilo, que
sempre vai mais que o das outras Ilhas, e faz pouco custo em mondas,
e leva menos semente: e o mesmo se experimenta na cevada. Tem muilo
gado està Uba, e lodo multo mais gordo que o das outras, especial-
mente 0 vacum, e de carneiros, e ovelhas, pelo multo, e nielbor pasto
que em si lem, e por isso grande copia de lacticinios, e queijcs osm>
biores das mais Ilhas, Vinho tem, som necessitar de fora: teda a casta
LIV. IV CAP. V 147
de boa hortaliga, e tao grande alguma, que ha r#baos de tres palme s
em roda, e nabos corno bolijas; e os melhores meloes, posto que de
poaca dura. Pescado tem mnito, mas algura d'elle he menos gostoso; e
deaves so Ihe faltao perdì7.es, e codornizcs; quo de coelhos lem tantos,
qae davao a Ires por hum vintem; e tem milito bons foroes, e caes de
cap. Era firn he tao barata a terra, que d'ella a que levava hum moio
de trigo de scmeadura, se vendia no anno de loOO, a dous mil reis só-
menle, havendo jà porto de oitenta annos que era povoada a Ilha,
3i Uouve n'esta Ilha huma moga solleira, tao desobediente a sua
mài, que em està charaando, ou perguntando alguma cousa, nem hia,
nem respondia; e com isto tanto exasperou a mai, que perdida a pa-
cieocia, levantando a mao, e voz ao Geo Ihe lanfou por maldigao, que
filhos viesse a ter, que aincla que quizessem, nao podessem responder-
Ihe: vaio tempo em que casou a moga com hum Affonso de Carvalho, e
leve d'elle dous filhos, e huma filha, e todos tres totalmente forao mu-
dos; e assim castigou Deos em estes netos a desobediencia da mài, e a
impaciencia da avo.
33 Outro homem houve na mesma Ilha, chamado Joào Vaz Melao,
qoe tinha lai virtude de curar enfermos, que porisso Ihe chau^arào, o
Joào Vjjz das Virludes; esle sem ser Medico, nem ainda Cirurgiao, ti-
nha buma grande casa preparada so para curar enfermos, ainda de ou-
tras Ilhas, e so por amor de Deos curava a todos, particularmenle de
torceduras, pernas quebradas, e semclhantes achaques, e outros muilo
diversos, com tal successo, que nem enfermo algum Ihe morreo, quan-
do 0 curava, nem ferida alguma Ihe parecia incuravel, e ordinariamente
so com azeite, e hervas fazia as suas curas. Aflìrma-se, que nao haven-
do entìo na Uba azeite algum, e querendo elle curar huns enfermos vin-
dos de outras Uhas, huma sua filha Ihe respondeo, que a jarra do azeite,
ja nenlìum tinha: e porfiando o velho pai que fosse buscar o azeite; e
pelo contrario a filha affirmando que vinha de ver a jarra, e nenhum
azeite estava niella, replicou o pai: Hora torna la com a graga de Deos,
qoe a jarra tem azeite, e nao sejas desconfiada. Foi a filha, e achou a
jarra cheia de azeite.
3i Forao taes, e tantas as prodigiosas curas d*este Joao Vaz das
Virtodes, quo succedendo ir a Lisboa, era jà tal a fama de suas curas,
qoe vendo-o là, o chamarào para curar a El-Rei D. Manoel, e com tal
successo, e Ho brevemente o curou, que o raesmo Rei Ihe disse que pe-
148 IIISTOIUA INSULANA
disse. E 0 comedido» velilo obrigado llie pedio liuraas cabecadas de ter-
ra, que na liha estavao por dar, e todas nao levarìao mais de vinte moios
de semeadura, dos quaes cada bum valia entao a dous mil reis sómen-
te; e coni isto se contentoii o bom veiho, sendo quo se pedisse todas as
terras que na Ilha ainda estavao por dar. todas Ih'as daria o Rei, e os fi-
Ihos do velilo ficarilio remediados. Mais se affirma de tao virtuoso ho-
mem, que costumando fazer-se era aquella Uba pelo Espirito Santo bum
Bodo comraum para a pobreza que vcin de fora, e succedendo faltar a
carne, mandou o devoto vcllio tirar do seu gado varios carneiros, que
deo logo, e se malarilo, e coinerao em o Bodo: cis qne ao outro dia se
acharao em o gado do tal bomcni tantos carneiros, quantos estav3o d'an-
tes. e enlre elles repararao, que andavào tantos com os signaes nas gar-
gantas, por onde tinhao sido degollados, quantos se levarao para aquella
festa do Espirito Santo, que das tres pessoas da Santissima Trindade he
tao poderoso, comò o Padre Eterno, e comò o Divino FiUio,
33 Finalmente se affirma, que d'este prodigioso Joao Vaz das Vir-
tudes ficou comò por beranca tal virtude de curar em seus filbos, netos,
e bisnetos, que parece milagrosa: o certo be que, ou por sobrenatural
auxilio, ou ainda por auxilio naturai, (de que tratamos na nossa Tbeo-
logia Escolastica, na materia da Graca, e Auxilios) póde Deos conceder
a buma pessoa, e a seus taes descendeutes, a virtude curativa de sarar
a outros enfermos para bem communi de oulros, e muito mais em no-
vas povoacoes, aonde nao ba outros Medicos, ncm nolicia de outras rae-
dicinas applicaveis; e nem scr isso prova de Santidade da pessoa que
lem tal virtude, nem ser em tal pessoa, ou familia milagre rigoroso, mas
naturai Providencia Divina; e qual d'eslas causas fosse, Deos o sabe:
que quanto o serem verdadeiros os factos acima refcridos, parece indu-
bitavel, 'pois bc tradii:ao antiga, e sempre commua de toda aquella Uba,
e OS casos acima referidos traz por verdadeiros Fructuoso, liv. 3,
cap. 9, e 10.
CAPITULO VI
Do primeiro Capitdo Donatario da Ilha de Santa Maria,
3G 0 primeiro Capitao foi (comò acima jà tocàmos) o muito illus-
tre, 0 famoso fidalgo Frei Gonzalo Velbo Cabrai, Commendador de AI-
raourol da Ordem de Cbristo, e senbor das terras do Pias, Bezelga, e
LIY. IV CAP. VI 149
Cardiga, na jarisdiccao de Tliomar^ chamava-se por antonomasia o Fa-
moso, pelas famosas acQoes qiie obrou, acompanhando aos Reis de Por-
tagal Da conquista de Africa; porque os Commendadores professos da
Ordem de Christo, ainda entao nao casavao, e el-Rei D. Manoel foi o pri-
mciro que Jhes alcangou dispensa para casarem: Frei Gonzalo (que an-
tes florecera) nunca casou; e comò descabrio a liha de S. Miguel, dire-
mos abaixo tralando d'ella; consta porém que a ambas governou com
tanto valor, prudencia, e brandura, que de todos foi sempre muito obe-
decido, e amado.
37 Depois vendo-se ja veiho o dito Fr. Confalo, e que comsigo li-
oba trazido para a Illia a dous sobrinbos, aìnda meninos, Nuno Velha de
Travassos, e Fedro Velho de Travassas, fillios ambos d'aquelle grande
Odalgo Diogo Gonfalves de Travassos, e da irma d'elle Capitao D. Vio-
lante Cabrai, e que ambos erao ja liomens capazes, e multa aptos para
governar, resolveo-se voltar a Lisboa, corno voliou, e pedio ao Infante
D. Heorique Ibe confirmasse a renuncia que queria fazer das duas Capi-
taoias das Ilbas de Santa Maria, e Sào Miguel nos ditos dous seus sobri-
nbos; porém corno na casa do Infante tinha Qcado outro sobrinlio do Frei
Gonfajo, GIho de outra sua irma D. Taroja Velbo Cabrai, e do fidalgo
da casa dos Soares de Albergarla; e eslc sobiintio tinha feito grandcs
senricos ao Infante, que o estimava muito, e inclinava para elle, o mes-
mo foi saber isto Frei Gonzalo, que renunciar as Capitanias ambas no
sobriaho Joao Soares de Albergarla, e aos mais sobrinbos repartir a
GommeDda, e senhorios de terras que mais tinha, e tudo approvou o In-
bnte com especial agrado, e confirmou- por carta patente que veremos,
38 A este primeiro Capitao Donatario das Ilhas de S. Maria, e S.
Uiguel passou o Infante o Alvarà seguinte, que traz Fructuoso no seu
liv. ni cap. 12, e diz assim no seu antigo modo de fallar:
iEq 0 Infante D. Ilenrique, Duque de Vizeu, senhor da Covilba, etc,
©andò a vùs Fr^ Confalo Velho, raeu Cavalleyro, e Capitao por mim em
minbas Ilhas de Santa Maria, e Sào Miguel dos A^ores, que tenhais està
mancyra suso escrita, acerca da justica, e feitos civeys. Vós mandareys
aos Joizes das terras, que oufào as Partes que em litigio forem, e as
maDdem vir perante si, e Ihes fagao cumprimenlo de direiLo; e se das
sentencas.que os Juizes derem, quizerem appellar, appellempara vós, e
WìsconGrmareis as sentengas dos Jiiizes, ou as corregey, qual virdes que
150 Ill.'^TOlUA INSULANA
he direyto; e se de vossa senlenca clles quizercm appellar, vós Ihcs nao
recebercis as appcllagoes, nem Ihes dareis, salvo estromento de aggra-
vo, ou carta lestimunhavel para mim com vossa reposla: e eu entào de-
nunciarey o quo vir que he direyto, e vosmandarey o qiic fafais: porém
vós nao deixeis de mandar executar as ditas sentenfas, posto que com
OS estromentos, ou cartas testimunhaveis a mim venhao. E se for em fey-
to crime, em que algum. ou alguma fa^ao o que nao devera, e merecao
pena de justifa, vós manday prender, e apenar em dinheyro, e degradar
para onde vos prouver, e agoutar manday aquelles que o mereccm, sem
dardes para mim appellacao. E se for feyto tao crime, perque merecao
morte, ou talliamento de membro, vós mandareys aos Juizes que dem a
seijtenca, e o julguem, e da sentenfa que derem, appellarào por parte
da justica, e inviarao a mim a appellacào, e de mim irà 'i casa d*el-Rei
meu Senhor, e eu vos enviarey a denunciacao que de là vier. Outrosi avi-
sareys aos moradores d'essas Ilhas, que nao vao com nenlium aggravos,
nem appellafoes, nem estromentos, nem cartas testimunhaveis a outra
justica, senào a mini, ou a meus Ouvidores, por que a jurisdicfao loda
he minha, civel, e crime, e de mim irao as appellacóes das mortes dos
homens, e talhamentos dos membros a casa d'el-Rei meu Senhor, por
que vós, nem oulro algum Capitào, nao lem poder de malar, nem de
mandar talhar membro: e nos outros casos vós tende a maneyra suso-
dita: e quem quer que o contrario fizer, e em eslo usurpar minha ju-
risdiccao, pagarà por cada vez, e cada bum, mil réis para minha Chan-
cellaria. E outrosi se o Tabelliao de si errar em seu officio por falsida-
de,vósosuspendereysdo officio, e me fareis a saberoerro, comò he, e
vos eu mandarey a maneyra que tenhais. E outrosi sereis avisado, que
se a essa Uba forem Diego Lopes, e Rodrigo de Bayona, sem vos mos-
trarem minha liccnca, que os prendays, e tenhays bem prezos, até m'o
fazeres a saber, e vos mandar comò fagais, e m'os enviem prezos a mi-
nha cadea. E quanto he a inquiricao que me cà enviastes, vós vede là
0 feito, e 0 determinay, comò virdes que he direyto, cumprindo lodo as*
sim, e pela guiza, que por mim he mandado, sem nel-o pordes outra
briga, nem embargo, porque assira he rainha mercé. Feyto em minha
Villa de Lagos a dezanove dias de Maio. Joao de Gorizo o fez, anno do
Nascimento do Senhor de mil e quatrocentos e setenla.» Atéqui o Alva-
rà do Infame.
LIV. IV GAP. VII Ì31
39 Renunciadas pois as Capilanias pelo primeiro Capilao Frei Conca-
io, deteve-se este tanto em Portugal, quo là morreo sem tornar às Ilhas;
e jaz na sua capella da Igreja Matriz de N. Senhora da Assumpfao da
Mila do Porto.
CAPITOLO VII
Do segando Capitdo da dita Ilhal
40 Joào Soares de Albergarla, de cuja fidalgiiia jà fallàmos, foi o
sobrioho, em qucm o primeiro desciibridor, e Capilao de ambas as Ilhas,
de Santa Maria, e Suo Miguel, Frei Concaio Velho Cabrai renunciou coro
effeito ambas as ditas Capilanias; e a caria de confirmacao traz Fructuo-
soliv. 3 cap. 13^, com as antigas palavras, ibi:
41 tEu a Infante Dona Bealriz, Tnlora, e Curadora do Duque meu
Dlho Dom Diogo, fago saber a qnanlos està minha virem, e o conheci-
mento d'ella perlencer, que eu dou carrego a Joao Soares, Cavalleyro
da sua casa, na Uba do Sanla Maria, que elle seja o Capilao em ella, as-
sira, e pela que o he em sua liba da Madeyra Joao Concalves, e que el-
le a mantenha pelò dito Senhor era juslica, e em direyto; e morrendo
elle, a mim me praz, que seu filho, primeyro, ou segundo, tenha este
carrego, por a guiza susodila, e assim de descendente em descendente
porlmha direyta; e sendo em tal idade o dito seu lìiho, que a nao pos-
sa reger, que o dito Senhor, ou seus herdeyros porào alli quem a reja,
até qua elle seja em idade para rcger. Iiem me praz, que elles tenhao
d'està terra a jurisdiccào pelo dito Senhor, meu filho, do civel, e cri-
me, reservando morte, ou talhamento de membro, que por appellacao
\enha para o dito Senhor; porém sob embargo da dita jurisdiccào me
praz, que os mandados todos do dito Senhor, e correycao, sejao ahi
cumpridos, assim corno cousa propria. Outrosi me praz que o dito Joao
Soares haja para si todos os moinhos que houver em està Uba, de que
assim Ihe dou carrego, e que ninguem faca ahi moinhos senào elle, ou
qaem a elle prouver; e em isto se nao entenderà mó, que a fafa quem
qoizer, nao moendo outrem em ella, e nao faca ahi atafona. Item me
praz, que todos os fornos de pào, em que ouver poya, sejao seus; e po-
rém nao embargue, quem quizer fazer fornalha para seu pao, que o fa-
^ e nao para outro nenhum. Item me praz, que tendo elle sai para
132 IIISTOniA LVSULANA
vender, o nao possa alii vender outrem, dando-lho a razao de meyo real
de prata o alqueyre, e mais nao; e quando o nao tiver, que o vendao os
da liha à sua vontade aie que elle o tenha. Outrosi me praz que de lo-
do 0 que houver de renda o dito Senhor em a dita liha, elle haja de
dez hum; e o que o dito Senhor ha de haver na dita Ilha, he conteudo
no forai, que para elle mandey fazcr: e por està guiza me praz, que ha-
ja està renda seu filfio, ou outro seu descendente por linha direyta, que
0 dito carrego tiver. Itera me praz que possa dar per suascarlas a ter-
ra d'està liha, forra pelo forai da dita liha, a quem Ihe parecer, com tal
condigao que aquelle, a quem der a dita terra, a aprbveyte cinco annos;
e nao a aproveytando, que a possa dar a outrem; e depois que aprovey-
tada fòr, se a deyxar por aproveytar até outros cinco annos, que por isso
mesmo a possa dar a outrem: e isto nao embargue ao dito Senhor, quo
se houver terra por aprove)'tar, que nao seja dada, que a possa dar a
quem sua mercé fòr; e assira me praz que as de o seu Glbo, ou her-
de}T0S descendentes, que o dito carrego liverem. E mais me praz que
OS vìsinhos possao vender suas herdades aproveytadas a quem Ihe aprou-
ver; e se quizerera ir de urna Ilha para outra, que se vao, sera Ihe pp-
rera nenhum erabargo. E se Qzer maleficio algum homem em cada buma
das Ilhas, que mereca ser agoutado, e fugir para outra Ilha, que seja en-
tregue onde lem o maleficio, se requerido for, e pedir ser prezo, para
se fazer d'elle cumprimento de direyto. Outrosi me praz que os mora-
dores da liba se aproveytem dos gados bravos que niella andarem, se-
gundo Ihe ordenarà o dito Joào Soares, e os que depois d'elle por o
dito Senhor, e por seus herdeyros o carrego tiverem, resalvando os ga-
dos que andarem nos Irhéos, cu outro lugar cerrado, que o senhorio o
lance: e isso mesmo me praz, que os gados mansos pasclo assira em
buma parte, corno em outra, trazcndo-os à mao, que nao fa^ao damnof e
se 0 fizerem, que o pague seu dono. Feyto era a Cidade de Evora a do-
ze de Màyo. Alva[;eanes a fez, anno de nesso Senhor Jesu Cbristo de
mil e quatrocentos e setenta e quatro. A qual carta vista por mira, eu
a confirmo, e bei por confirraada, assira, e pela raaneyra que era ella be
conteudo, sem outro erabargo que buns e outros a ella ponbao. Dada
em a Villa de Torres Vedras, a 24 de Junho, anno do Nascimento de
nosso Senhor Jesu Cbristo de mil e quatrocentos e noventa e dous.» Até*
qui a carta da Infante e do Duque seu filbo.
LIV. IV GAP VII 153
42 Veìo este segundo Capilao das Ilhas de Santa Maria, e S. Mi-
guel, veio de Porlugal jà casado com D. Beatriz Godiz, de competente
oobreza, e com hum sobrinho chamado Felippe Soares, e jà lambem ca-
sado com Constanca da Grela: fez seu ordinario assento, e residencia em
Santa Maria, por ser entao mais povoada, e de tanta nobreza, corno jà
vimos, e Da Ilha do Sao Miguel exercitava a sua jurisdic^ào, visitando-a
moitas vezes, mas porque a dita sua mulher adoeceo, e em Santa Maria,
e Sao Miguel faltavao Medicos, com a doente se embarcou, e a foi curar
a Madeira, mas là da doen^a, e abaio da viagem brevemente faleceo, pò-
rem foi t3o estimado do primeiro Capitao do Funchal Joao Gonealves
Zai^o, e de seu lerceiro fillio Rui Gongalves da Camera, que por Ihes
agradecer a hospedagem, e pelos grandes gastos que fizera em a ida, e
oa cura, e morte da mulber, e na vinda que bavia de fazer, se resolveo
em vender a Capitania de Sao Miguel ao dito Bui Gongalves, filho do
Capitao Joào Gon^alves, e fìcar-se com a Capitania de Santa Maria, e ven-
deo-lbe tao barata a de Sao Miguel, comò veremos, e admiraremos, quan«
da tratarmos d'està Uba; e tudo foi approvado, e confirmado pelas pes*
soas reaes.
43 Jà viuvo pois 0 segundo Capitao de Santa Maria, e sem filho
herdeiro, voltou da Madeira a Lisboa, e El-Rei logo o casou com D.
Branca de Sousa, fillid de Joao de Sousa Falcào, fidalgo da casa dei-Rei,
qoe residia em Alter do Cbao, e era parente muito chegado do Bar3o
Tdho, e do famoso Poeta Cbristovao Falcào, que fez a celebre Ecloga,
diamada (Cristal) das primeiras syllabas de seu nome, e por sua mai era
a dita D. Branca Qlha de D. Mecìa de Almada, prima com irma do Con-
de de Abrantes. Foi celebrado este casamento em Lisboa a 20 de Ja-
nho de 1492. Vier3o os^dous casados para a sua Uba de Santa Maria,
e viverSo casados sete annos, e liverao os filhos seguintes ; primeiro,
Jo3k) Soares de Sousa, terceiro Capitao; segundo, Fedro Soares de Sou-
sa, qoe faleceo na India ; terceiro, D. Maria, que casou nobremente no
Keioo com bum Feitor dei-Rei, chamado Jo3o Femandez, de que nasceo
<Hitra filha, que casou com bum fidalgo cbamado D. Joao; quarto, D.
Violante, que casando com bum Tidalgo Castelhano das Indias, morrer3o
^Qìbos sem deixarem berdeiros.
44 Faleceo emfim este illustre Capitao Jouo Soares de Sousa, de mais
dooitenta annos de idade, em a dita Uba de Santa Maria, e com grande
nome, e exemplo de virtudes. Foi valente Capitao, e tao animoso, quo
154 HISTORIA INSÙ LANA
comraettendo-0 huma vez, e de repente quarenta homens armados, (qua
de hama nào Castelhana tinhao, sena poder prever-se, saltado em terra)*
ette lancando a dous de huma rocba em baixo, fez tornar os mais aos
barcos, em que tinhao vindo a terra: e em outra occasiao, com so bum
negro seu, e quatro bomens brancos, pelejou tres dias com bum navio
de Caslelhanos, ale que desfalecidos os cinco Portuguezes de pelejar,
forao prezos, e levados a Castella, e o valente Capilao se resgatou, e
voltou à sua liba, e oito dias depois se ajustarao as pazes enlre D. Af-
fonso V Rei de Portugal, e D. Fernando Rei de Castella, anno USO.
CAPITOLO Vili
Do terceirù Capitào de Santa Maria,
45 Foi terceiro Capitào de Santa Maria Joao Soares de Sousa, filho
do segundo Capitào Joao Soares de Albergarla, casou com Dona Guimar
da Cunha, da liba de Sao Miguel, filba de Francisco da Cunba, e de D.
Brites da Camera, a qual era filba naturai de Rui Goncalves da Camera,
terceiro Capitào de Sao Miguel, e neta de Joao Goncalves Zargo, Capi-
tao primeiro do Funcbal : e o Francisco da Cunbà era filbo de Pedro de
Albuquerque, (primo de Aflfonso de Albuquerque Govemador da India)
e de sua mulber D. Guimar da Cunha, prima de Nuno da Cunha, que
tambem foi Governador da India, aonde o dito Francisco da Cunha foi
duas vezes Capitào mór de nàos; e finalmente veio a viver em Villa Fran-
ca de Sao Miguel, na Ponta da Garca; e por ter gastado no servilo dei-
Rei ludo 0 que tinha, foi requerer a Lisboa a EURei D. Jo3o II, e (co-
rno conta Garcia de Rezende cap. 211) achou Francisco de Albuquerque
ao dito Rei n9o s6 doente, mas jà s6 duas horas antes de expirar ; e
cbegou comtudo a fallar-lbe, e pedìr-lhe, que pelas cinco Chagas de
Cbristo Ibe flzesse alguma mercé, porque era fidalgo, e multo pobre; e
0 Rei ouvindo iste, Ibe fez passar logo, e com multa pressa, mercé de
trinta mil réis de tenca, e a assinou, e de palavra Ibe disse, que tomasse
a prata que na casa estava, que nSo tinha jà que Ihe dar; e sahido o fi-
dalgo, disse 0 Rei entre as agonias da morte aos que alli eslavào : e là
agora posso descubrir iste : Nunca em minha vida me pedirao cousa d
honra das cinco Chagas de Cbristo, que nao fizesse.» Oh devotissimo
Rei!
LIV. IV CAP. Vili 155
46 D'esle tcrceiro Capitao, e da tal D. Guìmar da Cunha nasceo
I%dro Soares de Sousa, quarto Capitao, de quem abaixo fallaremos; se-
gundo nasceo Manoel de Sousa, que por fazer huma morte, se ausenlou,
e andou trinta e cinco annos por Italia, e Franfa, e em grandes guer-
ras, e voltando jà a sua liha, deo com Cossarios Francezes, que em o
raesmo lugar, onde tinha morto ao outro, o matarao a elle, que de tan-
los pisrigos tinha, para tal exemplo, escapado. Terceiro, nasceo Nuno da
Cunha, homem de muila virtude, brando, e pacifico, que casou com D.
Francisca, filha de lium nobre, e rico homem, chamado Sebastiao Luis,
da Cidade de Ponta Delgada, pai de Hieronymo Luis, homem principal
da mesma Cidade; da qual D. Francisca houve Nuno da Cunha hum filbo
Joao Soares, corno o Capitao seu avo, o qual sendo de lenra idade, e
estando em huma janella raza, que nao tinha ainda grades, por serem as
casas feitas de novo, e passando para hum enfermo o Santissimo Sacra-
mento, querendo o menino ver a gente, e campainha que hia tangendo,
cablo com a cabega para baixo, e dando nas pedras da calcada, sendo a
altura grande, nao morreo, e so Ihe ficou hum geito em hum olho ; o
que todos julgarao por milagre, que parece o guarda o Senhor, para
d'elle fazer hum grande Santo, comò està mostrando seu proceder, que
he agora de quinze annos, diz Fructuoso liv. 3, cap. 14.
47 Quarto nasceo D. Joanna, que casou com Heitor Gonfalves Mi-
nhoto, lao rico, que se mais vivera, acabara de comprar toda a liba; e
d'estes houve muita descendencia ; primo D. Guiomar, mulher de Joap
d'Arruda, filho de Fedro da Costa, de Villa Franca; secundo D. Bran-
ca, mulher de Fernao Monteyro de Gamboa, de que nasceo D. Felippa
aiada solteira entao; tertió Francisco da Cunha, que herdou do pai muita
rìqoeza, e casou com huma fìdalga da Madeira, de que houve filhos, mas
vivendo depois estragadamente em Santa Maria, soube em fim arrepen-
der-se, e indo-se com loda a sua casa para a Madeira, là se recolheo a
fazer penitencia em huma fuma de huma rocha do mar, e alli em certas
horas colhendo algum peixe, d'elle tomava para sustentar a vida, e o
mais punha sobre os penedos, àonde o vinhao buscar mocos da terra, e
allideixav5o pedagos de pao, com que o penitente, indo-os depois bus-
car, se sustentava; e porque os mogos tinhao reparado em tal penitente,
6 Ibe queriao fallar; e saber quem era, elle se escondia de humas em
oatras furnas, e penedos, de tal sorte, que sete para oito annos viveo
D'est» penitencia, sem jamais fallar a pessoa alguma, e alli mesmo mor-
156 HISTOUIA INSULANA
reo com fama de santidade; tendo, antes de se ir para tal deserto, casado
lionradameDte na Madeira a tres filhas que levou, e casadas as deixoii
com 0 que ainda levara, sem d'elle poderem saber mais.
48 Morta a dita primeira mulher do terceiro Capi tao de Santa Ma-
ria, segunda vez casou este com D. Jurdoa Faleira, filha de Fern3o Vaz
Faleiro, e de Felippa de Rezende da mesma Ilha, e d'ella teve ainda os
filbos seguintes;. primo Gonzalo Veiho, que morreo mo^o pò mar, indo
para Lisboa; secundO Alvaro de Sousa, que casou com D. Isabel, filba
de Àmador Vaz Faleiro, da qual teve huma fiIha D. Jurdoa; (eriio Rui
de Sousa, que morreo na India em huma batalba; quarto André de Sou-
sa, que casou com D. Mecia, irm3 do Bispo do Funchal D. Luis de Fi-
gueiredo de Lemos; quinto Migual Soares, que casou com D. Antonia,
neta de Anna de Andrade, viuva de Concaio Fernandes; sexto Belcbior
de Sousa, que tambem casou com D. Maria, filha do Bacbarel Joao de
Avelar. Terceira vez casou (morta a segunda mulher) o dito terceiro Ca-
pitao com D. Maria, filba de Nuno Fernandes Velho, e ainda d'ella teve
estes filhos; D. Branca, e outra menina, que morrerao ambas; item An-
tonio Soares, que ha pouco foi para a India, e Jo2o Soares, enfermo ìn-
curavel. Teve mais este Capitao muitos filhos naturaes, e com os legiti-
mos, teve por todos vinte e qualro filhos.
49 Era este terceiro Capitao bum homem muito alto, grosso, e ani-
moso, magnifico fidalgo, e tao liberal, e esmoler, que d'isso parece mor-
reo pobre, mas na verdade rico de muitas virludes: nao arrendava as
suas terras a bum so, mas repartidamente a muitos, para remediar a to-
dos; e 0 rendeiro que Ihe devia meio moio de trigo, se era pobre, com
bum saco de trigo Ihe pagava; sendo senhor dos moinhos, quasi que
por senhorio o n3o conheciSo, e cada bum Ihe pagava o que queria, o
mandou citar a alguem por divida; antes em bum anno de fome.man-
dou langar pregSo, que quem Ihe tomasse ovelha, ou carneiro de seu
gado, Ihe tornasse a pelle, e a la, e o mais Ihe perdoava: sobre tanta
charidade, e liberalidade, na justi^a era tao recto, que sem ser letrado,
nunca deo sentenza, que na Relagao se revogasse, ou mudasse; e até
em a arte Nautica foi insigne. Finalmente havendo sido travesso em sua
mocidade, morreo comò muito bom Christao, e com muitos sinaes de
predestinado, e em idade de setenta e tresannos, a 2 de Janeiro do anno
de 1571. Foi sepultado na Capella mór da Matriz da dita Uba, junto à
porta da Sacristia, aonde estavao sepultadas suas duas primeiras mulberes.
LIV. IV CAP. IX 157
CAPITULO IX
Do quarto Cupilào da llha de Snnla Mario.
50 Conlinuou-sc esla Capitania por liriha varonil. e legilima sem-
pre, era Fedro Soares de Sousa, quarto Capilào, e fillio do terceiro ;
morto seu pai, foi confirmado na Capitania, e casou (tendo-se creado
na Corte) com D. Briles de Moraes, da llha da Madeira, fìlha de Joao de
Moraes, da mesma llha, e oriundo do termo de Vizeu; dos Moraes, Gou-
veas, e Azevedos de Portugal; e a mài se chamava Calharina Femandes
Tavares, dos Tavarcs, e Teixeiras moradorcs em Santa Cruz, da Capi-
tania, e Capitaes de Macliico cm a Madeira, de que là tratamos jà mais
propriamente.
51 Foi este quarto Capitilo imilador nas virtudes do dito terceiro
Capilao seu pai ; e sua mulher foi igualmente imiladora d'elle, porque
ambos erao tao virtuosos, que d'elles nunca liouve aggravo, oj escan-
dalo; erao tao charilativos, e liberaes com os pobres, que nenhura hia a
sua casa, que o nao amparassem, e perisse de todos erao mùi amados,
e obedecidos: erao tao devotos, espiritu^es, e amìgos de Deos, que mo-
raado em o paco da sua quinta, meia legoa da Matriz da Villa do Por-
to, nunca comtudo perdeo elle Missa; arites além dos dias Santos de
guarda, nos outros tinha por devocao perpetua ir tres vezes cada sema-
oa oavir Missa; que ainda entao nào teimavào tantos fidalgos por ter Missa
em casa, nem ainda para as mulheres, e multo menos para si.
52 Nasceo d'este quarto Capitao, e de sua mulher, frimó Joao Soa-
res de Sousa, que seguindo a virtude de seus pais, e nao a vaidade da
Corte de Portugal, onde andava, se metieo Religioso em S. Hieronymo
no Convento de Burgos em Castella, aonde procedeo com singular exem-
pio, e augmento de virtudes. Secundó nasceo d'eiles Bras Soares de
Albuqoerque, que se seguio na casa, comò abaixo diremos. Tertio nas-
ceo Henrique de Sousa, que faleceo mofo em a Corte de Lisboa. Quarto
Antonio Soares, que morreo nas Indias de Castella. Quinto nasceo huma
filha, Anna de Sào Joao, que se fez Religiosa no Convento da Esperanpa
de Penta Delgada na llha de S. Miguel; e ultimamente teve este Capitao
huma filha naturai, chamada Concordia dos Anjos, que tambem metteo
jiosa com a sobredita irma paterna.
53 A este quarto Capitao de Santa Maria, e fdho segundo do ter-
1()2 HISTORIA 1N8UUNA
foi Commendador de Snnta Maria, e militou até morrer nas giierras do
Hrasil: e so deixou huma filha naturai, que casou com Manoel Pereira
ile Castro, Secretario da Mesa da Consciencia, que depois se desquilou
«ralla: e deixou mais oulra filha naturai, por nome D. Marina, (ou Ma-
rianna) que morreo solteira.
63 Teve mais esle sexto Capita© Fedro Soares de Sousa por filhos
l»astardos, a Lourenfo Soares de Sousa, que foi homem de grandes ser-
\ icos feitos a S. Magestade, que por isso o fez fidalgo de sua casa: mas
so (leixju descendoncia, nao o sei. Item teve por filha bastarda a huma
I). Ignes, que na dita Ilha vivia ainda solteira, quando morreo o nosso
Fructuoso; e assim nao havendo ainda entao doscendente algum varao, e
legilimo do tal sexto Capitao Fedro Soares, que herdasse a Capitania.
6i Segunda vez casou este sexto Capitao com Dona Anna de Mel-
lo, fidalga de igual nobreza, e limpeza; e d'este matrimonio nasceo D.
Dorothéa, que escolheo o estado de Religiosa, e entrou, e professou a
Rogra de S. Francisco no Serafico Convento da Esperanca da Cidade de
Ponta Delgada da liba de Sào Miguel; e emfim nasceo d'este mosmo se-
gundo matrimonio do tal sexto Capitilo bum filho varao, que se chamou
Bras Soares de Sousa, comò sou avo paterno.
CAPITOLO XII
Do Reptimo Capilào Bras Soares de Sousa.
65 A este septimo Capitan (comò tambem a seu pai) ja nao cbegon
com sua Vida, ainda que larga, o nosso Doutor veiho Fructuoso: e por
isso d'estes sexto, e septimo Capitàes nao dizemns mais: e so sabemos
(|ue pelos senbores Reis de Portugal foi confirmado nao so na Capita-
nia, mas tambem no foro, que na casa Rea! tinbao seus multo illuslres
avós: porque nao so era filbo legilimo do sexto Donatario, mas primei-
ro neto do quinto, segundo neto do quarto, terceiro neto do quarto, ter-
ceiro neto do Donatario terceiro, quarto neto do segundo Donatario Jo3o
Soares de Albergarla, e quinto neto da legitima irma D. Tareja Velba
Cabrai, irm3 (digo) do grande, e Regular Frey Confalo Veiho Cabrai,
da Ordem de Christo, Commendador de Almourol, Senhor de muitos
lugares, comò Pias, Bezelga, e Cardiga, privado dos Reis de Portugal^
e do nosso Infante D. Heirique, e primeiro descubridor, e Capitao Do-
uv. IV cxp. XII i63
Botano de ximbas as Ilhas de Santa Maria, e S3o Miguel, e tao illustre
vario he o que fica sendo quasi quinto avo legai do dito septìmo Capi-
lo, e este sendo seu quinto neto legai, e legitimo seu sexto sobri-
ubo.
66 Porém para desengano d'està setnpre> e t5o mudavel vida, consta
qoe 0 dito septimo Capiiao foi o ultimo que teve a dita Capitania, e qne
està de tal casa se passou a outras diversas, no tempo em que Castella
eotrou em a Corca de Portugsl; e se porque està Uba nao seguio em a
Ragia demanda a Portugal, mas a Castella, Ihe deo Castella tal paga, s6
OS jyizos Divjnos« que sempre sao inscrutaveis, o poderao saber; que
OQtrem so podere dizer, que nSo devia Castella tirar à tal casa a sua Ca-
pitaria, porque ainda que o septimo Capitao nao deixasse Albo varao le-
gitimo, com tudo durava entao, e dura ainda a baronìa legitima dos pri-
neiros Capitaes da dita liba, que tanto merecerao n3o se ihes tirar a
Capitania da liha que elles descubrlrao, povoarao, ennobrecerSlo, e de-
teoderdo tanto com as fazendas, e vidas. Porque.
G7 He de saber que do terceiro Capitilo Donatario da Uba de Santa
Varia, Joao Soares de Sousa, e de sua primeira mulber Dona Guimar da
Cunha, nao so nasceo o quarto Capitao Fedro Soares de Sousa, mas na<-
ceo tambem ^eu legitimo irmao Nuno da Cunha de Sousa, qne casca
CMn D. Francisca Ferreira; e d'estes nasceo Joao Soares de Sousa, que
casca com D. Felippa da Cunba, que forao pais de Manoel da Camera
de Albuquerque, que casou com D. Marqueza de Menezes; e d'estes nas-
ceo Jo9o Soares de Sousa, que casou com D. Anna de Mollo; e ultima-
mente d*estes nasceo Antonio Soares de Sousa, que ainda boje vive ca-
sado com huma conhecida, e bem nobre, e limpa fìdalga, de que falla-
remos em seu lugar.
G8 Em este pois, que por legitima baronia he terceiro neto de bum
inteiro, e legitimo irmào do quarto Cupitao de Santa Maria, e quarto neto
do terceiro Capitao, n'este he que se devia continuar a Capitania de tao
tt)bre, e fìdalga gera(ao, especialmente tendo-se conservado em igual
oobreza, e limpeza; ao que podia mover muito que a mesma mai do
septiiQo Capitao Bras Soares de Sousa, D. Maria de Mollo, enviuvando
do sexto Capitao Fedro Soares de Sousa, casou segunda vez com Joao
Soares do Sousa, de quo nasceo o sobredito Antonio Soares de Sousa
boje vìvo, e irm3o materno do sobredito Capitao ultimo, que jà por ba-
n)Qia, e legitimi; descendia do terceiro Capitao; mas emfim assim quer
164 HISTOIUA iNSULAfCA
Deos que vejaaios a instabilidade das nobrezas, e graadezas d*esla vida,
para que dos uào fiemos d'ellas, e tralemos das da outra.
CAPITOLO XIII
Dos Commendadores da Ilha de Santa Maria.
69 Em todas as Ilhas os dizìmos sao da ordem de Christo, e or*
dinariaaieDte sao dos Reis de Pjrlugal, corno Mestres, e AdministradO'
res da dita Ordem, com obrigacao porém de darem o delerminado e ne-
cessario para os Minislros, e servilo da Igreja; e EI-Rer manda arrendar
OS taes dizimos a queAi mais lan^a n'elles €om a dita obrigacào; e assim
se observou por algum tempo na ItLa de Santa Maria, ale que EMlei
deo sómcnte vOS dizimos d està Ilha em parlkular Commenda; porque os
direilos Reaes de enlradas, nunca os Reis os derao, nem os lem senhor
algum no Reino, corno nota Frucluoso lìv. 3, cap. 22, mas ainda d es-
tes, e dos dizimos de sempre a redizima aos Cipit^es Donatarios.
70 0 primeiro Commendador pois de nossa Senhora da Assum-
pcao da Ilha de S. Maria (que assim se intitula esla Commenda) Toi D.
Luis Coutinbo, filho do Conde de Marìalva, e irmào do ultimo Conde,
que casou a filha com o infante D. Fernando ìrmao d*El-Rei D. Joao Uh
que morrerao sem descendentes, e passou o Condado a Coroa, aiuda
que se Ibe fez demanda, e algumas cousas se Iho tirarao. Casou es*o
primeiro Commendador D. Luis Coutinbo com Dona Leonor de Menda-
iiha, filha de bum Alcaide-mór, fìdaigo illustre, e nasceo dos taes casa-
dos D. Francisco Coutinbo, (de quem logo fallaremos) e Dona Joanna
Coutinha, e Dona Maria Coutinha; porém o tal primeiro Commendador
Ibi por Capitào-mór de nàos a India, e foi a Saboya com a Infante, e ent
fim faleceo de morte subita.
71 0 segundo Commendador foi D. Francisco Coutinlio fiIho do
primeiro Commendador, por cuja morte ficou a viuva D. Leonor de Vi-
Ihena administrando a Commenda pela menoridade de Dom Francisco
seu filho, e foi tao santa senhora, e tao esmoier, que bavendo geral fo-
nie em Lisboa, mandava por à porta taboleiros de pào para os pobre^,
e dava muitas esmolas particulares, e a Religiosos: e dizem que mila-
grosamente se Ihe augmenlava em casa tudo. Morta pois està Senhora^
casou D. Francisco com huma iima do Barào de Alvito D. Rodrigo Lo*
UT. IV GAP. xin 165
ho, chamada Dona Felippa de Vilhena: e dous ìrmSos d'està casarao
(D. Felippe Lobo, Trinchante-mòr d'EURei, que ao depois foi à Mina, e
oatro irmao que ao depois foi pagem do arremecao) com duas JrmSs
<le D. Francisco Coutinho, que er3o D. Joanna, e D. Maria.
72 Teve cste segando Commendadop Dom Francisco Coutinho de
sua mulher D. Felippa cimx) filhos, e duas filhas: primeiro, D. Francis-
co, Commendador, corno diremos abaixo: segando, D. Fedro, terceiro,
n. Concaio, quarto, D- Bernardo; quinto, D. Hieronymo: dns duas fi-
lhas, buma era D. Antonia de Vilhena, que foi Freira em Santa Clara
de Santarem; a outra D. Joanna, que casou com Dom Miguel de Noro-
nha, filho sogundo de D. Alfonso de Noronha, irmao do Marquez de
Villa lleal D. Fedro, fiIho do Marquez D. Fernando; e o dito Dom Mi-
irnel de Noronha leve outro irmao chamado Dom Jorge de Noronha, que
rason com Oona Isabcl, filha de Antao Martins da Camera, CapitSo Do-
natilo da Capitania da Praia da Ilha Terceira, mulher de grande virtù-
(ie: e a mai do mcsmo Dom Miguel de Noronha era Dona Maria de Sa.
(Oli Di^ca) cnja filha casou com o filho mais velho do Conde ^e Tentu-
gnl. e ella morreo do primeiro parto sem herdeiros. Ita Fructuoso liv. 3,
cap. 2i, oil fincm.
7.3 Este mesmo segundo Commendador foi homem de grandes par-
les, e artes liberaes, e grande Cavalleiro ; achou-se com o Infante D.
Luis na tomada de Tunes, e foi multo valido do Senhor D. Antonio, fi-
llio do Infante. Em hum dia estando El-Rei comendo, se veio a fallar em
Imm negro do dito D. Francisco Coutinho, o qual estava prezo, e o man-
daviio desorelhar por ladrào, e querendo D. Francisco comprar-lhe as
orelhas, tanto se Ihe pedio por ellas, que D. Francisco desislio da com-
pra, e reparando outro fìdalgo em as «ao comprar, disse para El-Rci :
«Senhor, he multo dinheiro para carne tao ruim.» E o Rei ouvlndo o
diio mandou soltar logo o negro. Tir^ha esste D. Francisco grande fausto
em seu Vrato, nem se servia senao com Escudoiros nobres, e faleceo em
i8 de Outubro de 1565.
71 0 terceiro Commendador de Santa Maria foi D. Luis Coutinho,
filho mais velho do sohredilo segundo Commendador: sendo de vinte e
nnco annos, fez-lhe mercé da Commenda El-Rei D. Sebastiao polo Alvaré
sei^ijinle.
73 «Dom Sebastiao por graca de Deos Rei de Portugal, e dos Al-
166 HISTORU mSCLANA
garves d*àquem» e d*aléat mar» em Africa sef4ior de Gutné, NavegscS^'»
Commercio de Etbiopi», Arabia, Persia, e da India, etc. Fa^o saber aos
que està minba carta virem, que por parte de D. Luis Coutinho, fidalgo
de minha casa, e Cavalleiro da Ordem de Chrìsto, filho de D. Francisco
Coutinho que Deos baja, me foi apresentado bum Alvaro de lembran^a
dei-Rei meu Senhor, e avo, que santa gbria baja, por elle assinado, per
que Ihe aprouve de por falecimento do dito D. Francisco fazer mer(é a
seu Qlbo mais velbo, que por sua morte fic^isse, da Commenda de nossa
Senhora da Assumpc3o da Uba de Santa Maria, que o dito D. Franeisco
tinba, corno he declarado no dito Àtvarà, de queo traslado he o seguiate:
76 cEu El-Rei fa^o saber aos que este meu Alvarà virem, qoe ha*
vendo respeito aos ser\'ic.os que me tem feilo D. Francisco CoutinlK), fi-
dalgo de minba casa, e aos que espero que ao diante me faca, bei por
bem, e me praz, de por seu falecimento fazer mercé a seu filbo mais
velbo, que por sua morte ficar, da Commenda de Santa Maria da As-
sumpcSo da Uba de Santa Maria das Ilbas dos Agores, que elle D. Fran-
cisco bora tem, e para sua guarda, e minba lembranga Ihe maudei dar
este Alvarà por mim assinado, o qual quero que se cumpra, e guardo
inteiramente, corno se fora carta feita em meu nome, passàda pela Cban-
cellaria, posto que por ella duo passe, sem embargo da Ordenagao do
segundo livro titulo vinte, que dispoem o contrario André Soares o fez
em Lisboa a vinte e ciuco de Septembro de mil e quinlientos e cincoeiN
ta. Pedindo-me o dito D. Luis Coutinho que por quanto o dito seu pai
era falecido, e elle ser o fillio mais velbo que por seu falecimento fica-
ra, segundo fez certo por eertidiio de justifìcagao do Doutor Antonio Vaz
de Castellobranco, Juiz dos meus feytos da fazenda, e das JustiGcacoes
d'ella, a quem vinha, e pertencia a dita Commenda, conforme ao dito
Alvarà de lembran^a, bouvesse por bem de Ihe mandar passar carta era
fórma d'elle. E visto seu requerimento, e o dito Alvarà, bavendo respey-
to aos servigos do dito seu pay, e aos que espero que elle D. Luis à
dita Ordem, e a mim fafa, Hei por bem, e me praz, de Ihe fazer mer-
cé, em Commenda com o babito d'ella, dos dizimos da terca da diti
Uba de Santa Maria, e a dizima do pescado, que antrgamente se arreca-
dava pelos ofDciaes dosReys passados para sua fazenda; e assira a vin-
tena do Pastel da dita Uba de Santa Maria, e dos dous Ilheos que estio
jdnlo d'ella no mar» bum que se cbama de S. Lourengo, que està detrai
LIV. IV GAP. XIII 167
da liha, e onlro qne està dcfronte da Illia; dos quaes Ilheos hey por
Itein qiie o dito U. Luis se possa aproveylar no que Ihe bein vier, seni
dulles pagar direylos alguns, e por està presente carta lli'os conto, e bei
por coulados: e Ihe fago isso mesmo doagao, e mercé da dizinia do Pas-
UìL que saliir da dita Illia para fora do Reyno, que anda coin adita Com-
menda, comò tudo à dita Ordem, e a mim pertence, e pertencer póde,
|K)r qual(|uer maneira que seja, e corno tinlia. e possuhia o dito D. Fran-
cisco scu pay pela carta que da dita Commenda Ihe foy passada, porque
de lodo Taco, por està doagào, mercé ao dito D. Luis com o habito da
diia Urdem corno dito he; com tal declaragao, que elle sera obrigado a
|)agar a sua custa os mantimentos, e ordenados do Vigario, e Clerigos,
li Tliesoureyro, e quaesquér outras Ordinarias de Officiaes Ecclesiasticos
da dita liha, e dar o Irigo necessario para farinha para as hostias, e o vi-
nho, vélas, e candeas de ciTa para o servilo da Igreja da dita liba, cada
>ez que para isso for pedido: e por tanto mando ao Capitao da dita Uba
eao sea Ouvidor, Juizes, e Ollìciaes da dita Camera, e povo d'ella, que
liajik) ao dito D.Luis porCommendador da dita Comarca, comò o era o
dito D. Francisco seu pay; e ao Conlador da minha fazenda na Contado-
ria da Uba de S. Miguel, que Ibe de a posse d'ella: e assim mando ao
Almoxarife, ou Recebedor do Almoxarifado da Uba de S. Miguel que
liora he, e pelo tem[)o for, que Ihe deyxe baver, e arrec^dar a si, ou
por quera ibe aprouver, o rendimento da dita Commenda, que confor-
me està carta Ibe pertencer baver; e isto desde o dia do falecimento do
dito seu pai em dianlo, na maneyra sobredita; e cumprào, e guardem, e
fa?ào inteyramente cumprir, e guardar està minha carta, que por firme-
za Ihe mandey dar, assinada, e seliada com o sello da dita Ordem, a
qual se registarà no livro do registo da dita Contadoria, para se ver, o
saber comò tenbo feyto està mercé ao dito D. Luiz; e ao assinar d'ella
se rompa o dito Alvari de lembranga acima trasladado. Dada em Lisboa
aos 27 de Junbo. Gaspar de Magalhaes a fez, anno do Nascimento de
nosso Senbor Jesu Christo de 1537. Sebastiao da Costa a fez escrevèr.
E darlbe-ha posse da dita Commenda Fedro Henriques, Contador da Or-
dem de nosso Senhor Jesu Christo; posto que acima diga que Ih'a de o
Contador de minha fazenda da Uba; a qual darà por si, ou por sua com-
tnissào, cada vez que para isso for pedida.» A qual carta està assinada
pelo Cardeal Infante.
DISTORIA
IN8ULANA LUSITANA
E.IVRO 9Uli\TO
DA ILHA DE S. MIGUEL.
CAPITULO I
Do primeiro descubrimento da liha di Sào Miguel,
e seus descubridores,
I Quizerao dizer alguns, que pelos annos de 1370, do Nascimento de
Clirjsto, selenta annos antes de ser descnberta pelos Portngnezes a liha
de Sào Miguel, dera com ella hmu Gregu, que tendo em Cadiz huma
tormenta, d'ella levado foi dar em esla liha, e vendo-a, a quiz povoar,
^ peilir, e para isso a quiz experimentar, e vollou, e lancou n ella muito
gado: mas que lodo morrera logo niella, e por isso desislira de a [)e-
dir, e povoar, e Ocara corno de antes encuberla: e por fundaniento lo-
mào, que quando muito depois se descubrio, se acliou, onde hoje he a
Villa da Alagoa, muila ossada de gados, especialmente de carneiros, e
que assim puzerao iquelle posto, o Porlo dos Carneiros : mas islo (diz
Fructuoso lìv. 4, cap. 1.) he huma mera fabula, e eu julgo se levantou
de que descuberla a liha de Santa Maria, manduu o Infante D. Ilenri-
que muitas cgoas, que lancassem nella, e tal tempeslade deo no navio,
^ que hiào as e^^oas, (e là jà junlo a estas duas Ilhas) (|ue por esca-
parera os Naveganles, lancarDo as egoas ao mar, e daqui chaniarào ao
tal mar, o Val, ou Valle das Egoas: e corno a ossada d'eslas podia lan-
Cap 0 mar àquella parie mais proxima da liba de Sào Miguel,* esle po-
to ser 0 fundamcnlo da fabula subjedita.
172 HISTCmU IXSULANA .
2 0 certo he que eslando jà descuberla, e povoada a Illra de Santa
Maria, e fngindo hum negro a seii senhor para a mais alta serra que
tom da banda do Norie, doze legoas da aléli encuberta S. Miguel, e an-
dando lìiim darò dia à enea para corner, reparou em o que via, e descn-
Jjrio ser onlra muilo maior Hha, e voltando mm a nova ao senhor, para por
ella alcnnfar o perdilo da sua fugida, o dito senhor, e outros, seguran-
do-se da nova, derào dVlla logo parte ao Infante, que achou concordar
a nova com a nolicia dos Mappas antiquissimos, qne o Infame là com-
sigo linha. K este negro dizem ser o primeiro homem quo descubrio, e
vio a liha de Sào Miguel: que assim por infirmes meios descobre l>eos
iTìuitas vezes o que os horacns mais fortes por seus meios nào desco-
brem. ,
3 Ouvida pelo Infante a dila nova, e achando-se com elle là entao
0 famoso desnibridor de Santa Maria Krei Gongalo Velho, lornou o In-
fante a mandal-o que ilescuhrisse tambem està segunda liha, e vindo, e
voltando ao Infante sem a poder descubrir, o Principe entao Ihc adver-
tio. que tinha passado por entre o Ilhco, e a terra; e deste dito tirarao
alguns que o dito descobridor com seu navio passara por entre a Uba
de S. Miguel, e o Ilheo que chamao de Villa Franca, sem dar fé da
liha, (cousa que, corno veremos, era naturalmente impossivel;) e o In-
fante queria dizer sómenle, que tinhao andado entre huma, e outra Ilha,
e por a de Sào Miguel ser quatro vezes maior que a de Santa Maria,
por isso a està chaniou Ilheo, e Terra à outra; que quanto do Ilheo de
Villa Franca nom d'elle os descubridores derào noticia ao Infante.
4 Segunda vez pois o Infante mandou que o illustre Fr. Concaio
voltasse a descubrir a liha; e ainda aqui fabulizào. que chegando ao so-
))redìto Ilheo de Villa Franca, quo està quasi pegado com a Ilha) aìnda
està se nào via, e so se ouviao sahir d'ella grandes grilos, que àizifìo:
«Nossa he està Ilha, nossa he:» e que pareciào serem vozes dos demo-
nios, que na ilha andavao. Mas deixadas eslas fabulas, a verdade ho,
que vindo desta segunda vez o diloso Frei Confato Velho Cabrai,
e pondo a popa no Norie da Ilha de Santa Maria, foi dar direitainenle
na Ilha que luiscava em oilo de Maio do anno de 1444 dia da Appari-
Cfio de S. Miguel o Aujo: e assim o descubridor Ihe chamou logo Ilha
de S. JligueL governando entào jà em Portugal o Infante D Pedro, li-
Iho, del- Rei 1). Joào I. e irmao d'el-Hei D. Duarte, que tambem jàera
falecido, e tiniia deixado de so seis annos a D. Allonso V, aquemodi: >
LIV. V GAP. I i73
D. Pedro sea tio entregou o governo do Aeino em 1448, e aqui chama«
liu eulào a estas duas Ilhas, de Santa Maria, e S. Miguel, Ilbas ùo3
Afores, ou por se verem alguns nella» que de fora vinliào, ou por nel-
las haver muitos bilhafres, que no pilliar se parecem com os A(ores; e
d estas duas Ilbas vulgannente passou o dito nome às outras sete Illias,
que depois se descubrirào, chamando-se todas, Ilbas dos À(ores, e ul-
timaaiente Ilbas Terceiras, corno em seu legar verenios.
5 A primeira parte de S. Miguel em que f^iltarao os descubridores
da liba» foi, onde cbamarao a Povoagao velba, e tornando lego ranios de
arvores. pombos, caix3o de terra, e outros sinaes de nova Uba, voltarao
kvando tudo ao Infante, o qual logo fez mercé ao illustre Frei Concaio
YeUio Cabrai da Capitania Donataria de S. Miguel tambem, comò Ihe
tioba ja feito da Capitania da Uba de Santa Maria, e ficou Capitao de
ambas, tendo a outros dado so metade de buma Uba, comò na Madeira,
iiepartindo-a em a Capitania de Funchal, e de Macbico. Tanta maior es-
timagao fazia aquelle Principe deste Capitao, que de outros.
6 Tinhao flcado na liha» e em aquella chamada Povoa^ao velha,
bDDs Cavalleiros naturaes de Africa, que o Infante de là tìnba trazido, e
e maudado ao principio, nao para povoarem, mas para experimentarem
a terra d'aqueila nova Uba; e estes que assim ficarào, tal arroido, bra-
mido, estrondos, e terremotos sentirao na tal Iliia, por mais de anno
que ficarào n'ella até voltarem os Povoadores Portuguezes com o nova
Donatario da Uba, que os dìtos Àfricanos se resolviao em desempararem
a Uba peios borrendos tremores, que nella experimentavao, e com efl'ei-
to a desemparariao, se Ibes tivesse navio em que podessem embarcar-
se: e succedendo entretanto que bum d'elles andando alguns passos pelu
terra dentro acbou bum bomem morto, deo ^arte logo aos mais ; e al-
voro(ados se baveria gentio no Certao da Uba, derao com oulro bomem,
e 0 prenderao, e este posto a tonnento confessou, ter viudo da Uba de
Santa Maria com bum seu amigo, e a mulber él'este, com a qual elle
vivo tinba adulterado, e i)elo nao castigarem em Santa Maria, se vietào
lodos tres para aquella Uba deserta, e que elle, por ficar com a mulher,
matara o marido, que era aquelle morto; e em ouvindo isto o Mourisco
que 0 Infante tinba mandado por maioral, e Juiz dos outros Mouriscos,
Sem inquirir mais cousa alguma sentenciou que logo enforcassem o ma-
tador, e querendo este que Ihe ouvissem sua defeza, perguutara o Juiz,
171 HtSTOHlÀ INSULANX
que pena se dax^a em Portugal, a quem commettia adulterio; e respon»
<lendo-se-Ihe qae EI-Rei o mandava enforcar, o Juiz logo, sem querer,
nem do <;alpado, inquirìr mais coosa alguma» a final sentenciou dìzendo
t5Stas palarv*ras : Forcarle^ Forcarti^ e depoU iirarte inquirieiotie. E no
mesmo ponto arrebatarao o Multerò, e o eoforcarSki. Isto o que em breve
se collie 4e Fructuoso liw 4 «ap. 2«
CAnTDLO II
Do melkor descnbrimenlo^ t descripfào da llka de Sào Miguet.
7 Passado barn anno« pouco mais, por mandado do Infante foì do
Algarve outra vez o primeiro GapitSo de Sao Miguel Frei Gonzalo a pò*
voar a dita Uba oom muitos, e muilo nobres Povoadores Portuguezes,
<de que trataremos em seu Ingar) e com gados, aves, trìgo, lego-
mes para povoarem, e semearem, e com o mesmo Piloto, com que
a prìmeira vez viera, qne tinha bem observado, e demàrcado a Illiat
chegando porém à sua vista, reparou que a Ilha que observara, tinha
bum muito alto pico na ponta do Oriente, e outro na do Occidente ; d
qnc a Uba que via, nSo tinha mais que bum so pico da banda do Oriente
sohredilo, e da banda do Occidente era raza; Uem reparou que u'aquelle
mar achava grande numero de solta pedra pomes, que encontrax-a sobre
a agua, e da mesma sorte muitas arvores; e que isto denotava nao ser
aqnella a Ilha que deixara*
8 E nùo ol>stante isto, animando-se a entral-a, foi dar no mesmo
posto d onde tinha sahido, na Povoa^ao veiha, que foi a primeira, que
lìouve nesta Illia, e alli acabarao de entender, que o pico que faltava da
banda do Occidente, tinha em o anno antecedente voado ao ar, e c^hira
espalhado em o mar, «om pedras, terra, e arvores, pelo repentino, e
furiosissimo fogo, que do fundo da terra rebentou, e causou os terre*
motos, medos, e estrondos, que os que tinh3o flcado em a outra banda
da Ilha, experimentarao; e no posto, aonde o grande pico estiverà, fica-
rao sete profundos, e planos valles, a que d alli por diante cbamarSo
Sete Cidades: e àquella Occidental ponta da Uba chamarào, a Ponta dos
Itfosteiros, por o parecerem as formadas sete concavidades: e he està a
LiY. V CAP. m 175
onica vez que siibterraneos fogos, e taes tremores de terra, ediQcarao
(iidades. costumando destruil-as, e arrazai-as.
9 Foi està segimda virìda dos descubridores, e povoadores Portn-
gueze^ da liha de S. Miguel em o anno de 1445 do Nascimento de
(telo, a 29 de Seplembro, dia da Dedicacao de Sao Miguel o Ànjo,
tendi) jà sido a primeìra vinda, e appari^ao da tal liha em dia da Appa-
ricio do mcsmo Sao Miguel a oito de Maio do anno antecedente de 1444,
que parece quiz Deos denotar, que se atéli andavao diabos n'aquella
liha, veio o Ànjo Sao Miguel langal-os d'ella, corno em o principio do
murulo laiicou do Geo aos diabos ; e que se de todo o genero humano
lium Divino Guardamór, bum S. Miguel o Anjo, quiz ser d'està Uba seu
esppcial Anjo da Guarda ; vejao agora là os moradores d'ella, quanto
devem comò Anjos proceder, ou seguir a S. Miguel, lanfando fora de
si 0 peior diabo do peccado, e quanto devem celebrar a bum seu tao
grande Anjo.
IO Confirmados pois os 'povoadores Portuguezes d'està Uba no no-
me de Sao .Miguel que Ihe impuzeròo, fundarao logo segunda povoacao,
deixando aos Mouriscos a primeira em que estavao sùs, e separados,
sera OS Portuguezes se aparenlarem com elles, nera elles com os Porlu-
piezes, ale que os taes Mouriscos cbegarào emfim a extinguir-se, e li-
cario povoando està Uba os Portuguezes sómente, que foram logo ao
principio de Portugal, e da Uba de Santa Maria, e ale da Uba da Ma-
^in, Em contar qucm erào estes povoadores, de quem descendiào, e
que descendencias tiverào, gasta o erudito Frucluoso em o seu liv. 4,
dpjMle 0 cap. 3. até o cap. 38, em perpetuas genealogias, cuja subslan-
cia «'wnente em seu liigar recopilaremos, comò muilas vezes faz a Sagra-
da Esi'.rifura, para nem fallarmos ao que deve servir a cada bum para
imitar a seus grandes. e bons antepassados, e nSo seguir aos màos; e
e para inloleraveis \m sabirmos com repetidas, e idenlicas bistorias; e
^im descuberta a liba, demos a piena noticia d'ella toda.
CAPITOLO IH
Descnpcdo geral de Sào Miguel^ e parlicular da banda do Sul.
i\ Ao Norie de Santa Maria està a Uba de Sao Miguel, e ao Sul
desia fica a oulra, doze legoas de terra a terra; mas be tao huipda a
176 HISTORIA INSULANA
(le S. Miguel, e lancava de si tantos vapores, qua sem esla se descabrir,
esteve a de Santa Maria doze annos descuberta; porém rogado o aniigo
arvoredo^ (ìcou tao sugeita a ventos» que estes Ihe fazem graade damno,
e a tem ja tornado menos fertil do que dantes era: corre de Leste a
Oeste, e faz buma ponta para o Nordeste, e outra para o Noroesle, e
tem de comprido dezoito legoas, mas nào he mais larga que duas le-
goas e meia, e no meio huma so legoa, da Resaca do Sul em a Villa
da Alagóa, até o Habo de Peixe da banda do Norte, com via t3o raza
aqui, que aos Navegaotes parece conlinuarem-se os dous montes, e se-
rem duas Ilbas, e nJo huma so. Com o morrò do Nordeste fica por li-
nha direita duzentas e cincoenta legoas de Cetuval; e o dito morrò he
bum tao alto Pico, que os Navegantes que vom do Oriente, o divisao
trinla legoas ao mar: e geralmente consta està Uba de buma Cidade,
cincx) Viilas, e vinte e dous lugares, trinta Freguezias, mais de cem Sa-
cerdotes seculares, dos quaes sào Vigarios trinta, nove Curas, e qua-
renta e dous Beneficiados, e juntas as Ig'rejas com as Ermidas, todas
sào noventa e sete. Dos Religiosos, e Religiosas em particular diii^mos.
li Da parte de Leste cometa està Uha wm a Povoa^ào cbamada
Nordeste, que ao principio era bum lugar, e da jurisdicfào de Villa Fran-
ca, (corno diz Damiao de Goes, iv part., cap. ult.) e El-Rei D. Manoet
em Lisboa a 18 de Julbo de 1514, o fez Villa, e tem duzentos e cin-
coenta e nove vìzinbos, corno se mostrou no anno de 16G6, e buma so
Freguezia da invocagao de Sao Jorge, com Vigario, Cura, e tres Bene-
llciados; he terra de creagues de gados, madeira de cedro, pouco \i-
nho, costa ingreme, e segura de inimigos, e com bateis por mar se coni-
munica com as mais partes da liba; e tem o seu porto distante bum
quarto de legoa para o Sul; e vào là embarcagoes a buscar trigo; e so
bum lugar mais, chamado S. Pedro, tem por seu termo està Villa, e
adiante buma Ermida de nossa Senhora de Nazareth; e mela legoa mais
adiante estào as chamadas Prainhas, que entre si tem buma grande ba-
bia de area, e logo a ponta de terra que se cbama Topo, com o dito
morrò, ou alto Pico do Nordeste; e d'ahi a huma legoa vai virando a
Uba para o Nordeste, e se continua em rocba talhada, e alta com duas
ribeìras, das quaes huma se cbama Agua Retorta, outra a Ribeira do
Arco, porque o fez na terra para sabir ao mar.
13 D'aqui para o Sul corre a costa, e buma legoa depois està a
mai%pilta rocba que ba em toda a liba, e se cbama a do BodC; por d el«
LIV. V CAP. Ili m
b whir hum; e correndo para Noroesle dous liros de escopeta, vai dar
eoa liuto lugar charnado Fayal, por ter tanla Faya, que Ihe deo o nome;
està enire duas ponlas, que llie fazeni liuma bahia coni bom porlo, a
que salie hmna ribeira, pela qual entra do mar multo pescado: ha n'este
lugar uuiila fonte, muito arvoredo, boa fruta, especialmenle de espinho,
e US mellioros limoes que lia em loda a liha, no tamanlio, e no gumo:
as terras que lem por cima das dìtas rociias, de huma. e outra parte,
sào algumas de tiigo, e paslel, e o mais de crea^oes de gados, vacum,
e cabrum, e em partes porcos montezes, e pombos torquazes; e porque
(la Villa do Nordeste dista j:i tres legoas este lugar do Fayal, por isso
he (lo termo jà de Villa Franca: e coin o lugar ser de pouco mais de
quareula vizinhos, lie de gente tao limpa, e tao nobre, que d'elle por
vezes toma Villa Franca hoinens para o seu governo, ricos, e aparen-
lados com loda a lllia: a FregiitvJa deste lugar he de nossa Senhora da
Craya: a gejite nubre he dos Velhos, e Cabraes, descendenles da Ilha
de Santa Maria.
i4 Iluma legoa do Fayal està a Povoacao vciha, (que foi a primei-
ra desta Ilha, e habitada algum tempo dos sobreditos Mouriscos, comò
e foi Hespanha, Italia, e oulras Provincias) lugar grande e de so puros,
e liiupos Porlugiiezes; do qual diz Fiuctuoso liv. 3, cap. 39, que em
sea tempo linha cento e^tres vizinhos; e eu na inquirigào de 1666, aclui
(jiie wnsiava de duzentos e vinte e tres vizinhos: tem no meio a sua
Freguezia nossa Senhora dos Anjos com Vigario, e Cura, a qual man-
duu fazer Joào d Arruda, e seus lilhos homens fidalgos; tem mais a Er-
Uìida de Santa Barbara, que foi a primeira Igreja, e em que se disse a
jirimeira Missa n'osta Ilha. Està oste lugar em fresco valle, com nove
fuutes, e quairo libeiras, que se ajuntào em huma, chamada entào a
Grande, que ùs vezes leva tanla agua, comò hum grande rio; e tanta
ttadeira. e penedia, que faz borrendo cstrondo; ha por equi muìtas aves,
e poinbos torquazes, muita fruta de espinho, e figos brejafotes, e vinhas
em lena lavradia, (cousa rara em eslas Ilhas) e ludo o quo aqui se dii,
h 0 inelhor de loda a Ilha. Pelo incendio das furnas (que em seu lugar
IMìiporemos) foi esla terra, distante lumia legoa, cuberla de ciiiza, e pe-
dra |K)!nes, mais de ciuco paimos de alto, mas pouco depois se culli-
vou Como de anles, e melhor ainda.
13 Pouco adiante, jiela costa do Sul, està hum posto, que chamao
oFonriirho. por parecer fazerem-o as pedras, defrontc das qunes, hum
VOL. 1 li
178 HISTORIA ÌNSULANA
tiro de pedra ao mar, sahe n'este, e do fundo d'elle, sahe, dez palmas
acima, tal fonte de agua doce, que nuo so se toma doce em cima, mas
doce se tira do fundo do mar, em tres borbulhoens de dez palmos de
triangolo; e nao he cousa nova, pois sabemos, que o AIpl>eo, metten-
do-se no centro da terra em Grecia, vem sahir cem legoas adiante na
fonte de Aretusa jnnto a Saragoga de Sicilia, e traz aqui o que là no
principio llie deilarao: e o Guadiana em Hespanlia, depois de se metter
por baixo da terra oilo legoas, sahe tanto depois fora da terra, resus-
citado rio: e era Italia o Pado (por outro nome Eridano) sahe semellian-
temente, onde fingem cahira Faetonte: e o Eufrates, enterrando-se prì-
nieiro, resuscita ao depois sobre a terra, he o diamado Nilo: e assim
nao ha que pasmar de que se na Ilha de Santa Maria, com suas impe-
ne!raveis rochas, e subterranea abundancia de aguas doces, se rebaleS'
so d'esfas para o mais baixo da terra algum rio, viesse a sahir aqui, em
so doze legoas de distancia, e onde so duas braras de agua salgada
nchou, para afaslar, e vcncer. Mais póde ser de adrairar, que das ditas
tres fontcs, nao s() da grossura, e altura de huma lanfa vengao duas ao
mar. e mui^o mais a terceira; mas que da rocha saiao. e em direito do
sobredilo Forninho, oulras tres fontes junlas, e que duas d'ellas sejao
de agua doce, e a terceira de vinagrc, ou quasi lai.
1() Duas legoas da sobredila Povoapio està a Penta da Garf^i, que
por assim o par(»cer, Ihe derào esle nome; e ahi mesmo bum legar cha-
inndo da Piedade, por ser desta invecacao a sua Igreja, quo fiindou em
terra sua bum nobre varao Lopcanes de Araujo: tem està FregueziJi
quasi cem vizinhos com seu Vigario, e he da jurisdiccao de Villa Fran-
ca, mas tem poucas aguas, e poucas frutas; porém muito bom trigo, o
paslel. D'aqui mais huma legoa, e pelo mesmo Sul, correa Ri l)eira Sec-
ca, (que so no nome o he) e aqui està bum Engenho de assucar, que
fnndou o sobredito Lopeanes de Aranjo, e depois houverao este Engt;-
nho OS filhos de Sebastiao de Castro, e o houverao de bum Gabriel Coe-
Iho; e agora (diz Fructuoso no seu tempo) o tem Diogo Leite, (fidafgr»,
de que em seu lugar faremos mencao) por falecimento de Manoel de
Castro, e Antonio de Castro, e nao sei se ha ainda la) Engenho de as-
snrar, porque oulros que havia em Sào Miguel, jà acabarSo comò at^
barào muitos dos muilos mais que liavia em a Madeira.
LIV. V CAP. IV 179
CAPITULO IV
Da antigOy e nobre Villa Franca de Sào Miguel, Agua de Pdo,
e Alagoa.
17 Da sobredila Ribeira Secca, e seu Engenho de assucar, come-
00 OS ricos Orredores da celeberrima Villa Franca do Campo; cha-
raa-sc do Campo, por ser situada em bum quasi razo com o mar; cha-
nia-se Franca, porque d'esde seu principio comecou com franqueza, e
liberdade de pagar ella direitos; e Villa se chama, por nao so ser fella
lai pelos Reis de Portngal, mas ser a primeira de loda a Uba, e ter o
primeìro lugar, e fallar primciro, quando se juntao as Cameras da Uba
loda; e logo em seu principio se edificou de sorte, que jà enlao pare-
cia huma pequena Corte, com illustres Capitaes, fidalguia, e nobreza
qoe se extendeo por loda a Uba, de que foi o seminario, origem, cabe-
a e ra3i, corno confessa o mesmo Fructuoso liv. 4, cap. 40, e ainda
que ?eio tempo, em que se arruinou, (corno em seu lugar veremos) se
edificoo comtudo, e tao nobremente, que aos nobres d'ella concederào
nossos Reis os mesmos privilegios que lem os Cidadàos do Porlo em
Portugal, além de Ihe confìrmar lodos os que de antes lìnba.
18 Tem està Villa sabidas excellenles, com ricos pomares, e ren-
dosas qainlas, e dentro lem muito nobres, e grossos contratadores df^
Ingo, pasleU e assucar: tem duas Freguezias; a Matriz he dedicada ao
Anjo S3o Miguel, Orago de loda a Uba, e consta de quinbentos e quin-
» vizinhos; a outra Freguezia be da invoca?ao de Sao Pedro Apostolo,
e coDtém duzentos fogos, ou vizinbos, e a Villa loda passa de setecen-
tos, a que algumas Cidades de Porlugal nao cbegào. A Malriz tem oito
Beneliciados, Vigario, Cura, eie. corno lambem lem a outra Freguezia
deS. Pedro; tem boa casa da Santa Misericordia, e dous Conventos mais,
tam de Religiosos Franciscanns, e nutro de Beligiosas de Santa*Clara,
e seis Ermidas, Sào Joao Baplisla, Santa Catharina, N. Senbora do Des-
terrò, Corpo Sanlo. Sao Pedro, e Sanlo Amaro. Do Mosteiro de Freiras
dizem que foi o primeiro de lodas as Ilbas, e he da invocac^o de Santo
André, e de cincoenta Religiosas, e trinta servas, e de abundanle ren-
da, e por isso mnito observanle; o dos Religiosos lem menos sugcitos,
e nao menos exemplares, e be dedicado a nossa Senbora do Rosario, e
por provisao dei-Rei lem o pulpito da Villa.
180 HISTORIA INSULANA
19 He governaila està Villa pelo seu Senado da Camera, set» tnv
bres Juizes Ordinarios, Almotaceis, etc. e na milicia tem seu Capitao-mòr,
e tres Companhias de duzentos bomens cada huma, com seas Capitaes,
quo sempre sao dos mais nobres, dos quaes foi o primeiro Capitào Pe-
dro da Costa, e seu Alferes Jorge Furtado; o segando foi Pedro Rodri-
guez Cordeiro, cujo gerirò foi o seu Alferes Gaspar de Gouvea; e n'esla
Villa, para a segurar na sugeicào a Felippe II de Castella, poz o Mar-
quez de Santa Cruz setecentos soldados de presidio, que durou pouco;
mas per si a Villa està forlifìcada da banda do mar, e eom portas fc-
cbadas, e tem para o mar bum Forte com boa artelbarìa, mas n3o sei
que tenba soldadesca paga, senào de ordenanca» e a seus tempos, e so-
bre tudo o da milicia, o Capitilo Donatario be o que governa em loda a
Ilha.
20 Defronte d'està Villa, e bum tiro s() de berso, està bom Ilhéo,
qne levaria tres moios de semeadura, se se semeasse: e tem Imma bo-
ta, feita por arte, por onde cabom navios de scssenla toneladas, e den-
tro mar capaz de vinte navios, mas so qual.ro nadarào nelle, e por bai-
xo tem tambem fendas naluraes abertas, por onde Ibe entra tambem
agua do mar, e com tal furia, que se metle dentro do llbéo, que se veni
alguns pedagos de pàos, e de navios perdidos: ao rcdor d'este IIIr»o, q
oiìlvG elle, e a terra ha bom anclìoradouro, e serve o Ilhéo muilo para
boas pescarias; serviria tambem de mellior Forlaleza, comò a do Bugio
era a entrada do Tejo. Emfim tem Villa Franca nove Logares, ou Aldeas
mais que estao debaixo do seu governo, ciuco da banda do Norte, e da
banda do Sul qualro.
21 Segue-se a Villa Franca, e pelo mesrao Sul para o Poente duas
legoas, a Villa de Agua de Wo, nome que d'esde o mar Ihe derao os
])iiineiros descubridores da Uba, porque vendo cahir uma ribeirade bum
•Mio, e a prumo a um baixo, pareceo a muilos ser anligo, e grajid«
l)ào, (jiie de baixo chegava ao mais alla; e a outros pareceo que em
;tgua, qne do alto vinha precipituda ao baixo, e ;ichando logo scr assim,
vhamarao àquella agua, Agua de Pào, e esle mesmo nome derao a Vil-
la, que alli depois se edilìcou; està a Villa edilìcada em bum valle, e
lem a ribeira secca da parte do Occidente, e da parie do Oriervle; a ri-
l)fìira do paul, a quem bum allo pico toma a vista do mar: he Villa bem
]irovida de lenlia, e frulas; tem duzentos e cincoenta fogos, ou vizinbos,
Vigai il); e qualro Bciiyflciados, Tbcsourciro, e Cura, tcui mais tres Et-
LIV, V CAP, IV 181
nidas, hiima da Trindade, feita por huma Beota cliamada Margarida Af-
fooso; outra de nossa Senliora do Rosario, e a terceira de Sao Fedro,
Ja parte do Poenle. Era està Villa de antes hum lugar de Villa Franca,
e em 28 de Juliio de 1505, foi feita Villa por El-Kei D. Manoei, com
meia legoa de termo ao redor, e està junta a bum pico grande chama-
do 0 da Figiieira.
22 Abaixo hum tiro de berso està o porto d'està Villa, chamado
Val de Cabassos, porqiie quando os descubridores da liba alli chegarào,
repararao estar a terra cuberta de humas grandes flores brancas, que
<Hn verdade erao da *erva qne chamSo Legacao, e pareceo-lhes serem flo-
res de oabassas, ou cabassos, e por isso chamarao àqnelle porto. Porto
(le Val de Cabassos. He pois porto bom, e facilmente defensavel ale com
pedras de cima; e lie fortificado com baluarte, e cavas. Junto a estè por-
to està huma Ermida da Concei(ao da Virgem Senliora, e d'està dizem
qoe fola primeira, que da dita invocagSo lionve em aquella Uba, e que
aqui comecou o priraeiro Mosteiro de Fneiras, que bouve em todas as
Ilhas; que para as Religiosas serem, comò devem ser, immaculadas, pela
inunaculada Conceicào d? Virgem Senhora nossa haviao comecar. Ha tao
nnbre gente n'esta Villa, que d'ella forao muitos bomens à sua custa a
Africa, e là forao Armados Cavalleiros, e tomàrao aos Mouros Benaha-
mad, iugar junto a Arzilla; e em 1321 tomarao para està sua Villa.
23 Por està costa do Sul, de Occidente a Poente, e legoa e meia
depois da Villa de Agua de Pào, està a chamada Villa da Alagoa por hu-
ma que leve de agua nativa defronte da porta da Uba principal, onde
depois se formou terra lavradia. Fez Villa a este Lugar EI-Rei D. Joao
lUem 11 de Abrii de 1522. A Igreja .Matriz be da Invoca^ao da Santa
Cruz, com duzentos e vinte e sete fogos, ou visinhos. A segunda Fre-
ffkm se chama do Porto dos Cameiros, (por os terem alli ian^ado os
ivmieiros descubridores que os traziao) e consta de duzentos e dezaseis
nsDhos; e a Villa de quatrocentos e quarenta e tres» corno constou pe-
1<« roes do anno de 1666. Tem mais està Villa da Alagoa tres Ermidas,
prìaeira de S^o Sebastiao. segunda de N. Senhora do Rosario, terceira
4o EspiriU) Santo; e acima da Villa hum quarto de legoa, està a Ermida
de N. Senhora dos Remedios, de muitos milagres, e grande romagem,
af^ pé de hiira monte chamado o Vulcao. A Klatriz da Villa tem Vigario,
ÌMim Cura, e quatro Beneficiados. 0 termo d'està Villa be de trigo, e
1S2 IIISTORIA IXSCLÀNA
pastel, e muitos, e bons vinhos; e além de ludo ista se carregSo aqof
OS frutos da Villa de Ribeìra Grande, e seu termo.
24 Adiante mais, cousa de huma legoa, e jà da urisdic^o da Cida-
de, està o lugar de S. Roqae, por ter deste Santo a sua Igreja, com Vi-
gario, e Cura, e cento e vinte e seis vistnhos, e a pouco espago se segue
huma Ermida da Santa Magdaiena, de mui frequente romagem; e depois
logo a forca da Cidade, e defronte d'ella, bum tiro de besta ao mar, està
lium Ilhéo, que por representar a bum cao em a figura que faz, deo
aquelle tracto, e lugar de Sao Roque, o vulgar nome de Lugar de Bos-
to de Cao. E ba por aqui tantas vinfias, que (comò diz Fructuoso) d'el-
las se recolhe cada anno mais do mil pipas de vinbo. E queixa-se o dito
Author, que valendo de antes buma pipa de vinbo dous até tres cruza-
dos, valla jé em seu tempo tres atè quatro mil réis. Pela terra dentro
tambem bum quarto de legoa da Cidade, esté o lugar da Faja, com Frò-
guezia de nossa Senbora dos Anjos, (que de antes tinba estado em oo-
tro lugar mais acima) e com Vigario, e trinta e seis visinbos, e perlo
buma Ermida da EncarnacHo.
CAPITULO V
Da Cidade de Ponta Delgada.
25 Descuberta a Uba de Sao Migue!, e povoada em 1444, e em
liiS, esteve quasi cincoenta annos até o de 1499^ sem ter dentro de si
outra cabeca. ou governo, senao a sobredita Villa Franca do Campo, e
Ponta Delgada Ibe obedecia, comò bum semente lugar seu, sem baver
outra Villa em toda a Uba; mas corno no dito lugar de Ponta Delgada
bavia tambem multa nobreza, e fidalguia, a quem cuslava jà muito re-
correr, e obedecer is ordens de Villa Franca, e entro buns, e outros hou-
vesse algumas brigas, quando biào a Villa Franca, os de Ponta Delgada
mandàrao secretamente a Lisboa bum Fernao Jorge Velho, fillio de Jor-
ge VeHiO, e de Africanes, a alcanfar que Ponta Delgada fosse Villa, e
nao obedecesse a Villa Franca, e diz Fructuoso que dentro de bum mez
Ponta Delgada veio feita Villa por el-Rei D. Manoel em 4499, servindo
de Capitào Donatario Pedro Rodriguez da Camera, pela ausencia de sea
irmllo Ruy Gongalves da Camera, que eslava em Lisboa; e por mais em-
bargos que Villa Franca poz a està rcsolugào, nunca se Ibe deferto» ao-
LtV. V GAP» V 183
te.< 0 mesmo Rei D. Manoei em Abrantes a 29 de Maio de 1507, e em
|>ei-gamiiiho Rea! confìrniou Poiila Delgada em Villa; e depois Ei-Kei D.
Juno IH a levaDtou a Cidade, de seu motu proprio a 2 de Abrìl de 15i6,
e d'a<|ui fìcou sempre alguma opposirao entre Villa Franca, e Poiila DeU
yada. que ale em os rapa^es dura quando se eiicontrào: e assim fui Fon-
ia Uelgada, quasi cìncoenla annos, lium puro l^ugar sugeito a Villa Fran-
ca: e quasi quarenta e sete annos Villa livre sobre si, e tem jà 148 aii-
nos de Cidade, ale o presente anno de 1714.
26 Por eslar esla Cidade junto a Imma delgada ponta, que do in-
terior da Uba, e do biscouto miudo vai quasi raza ao mar, porisso se
cluuna Ponta Delgada; sendo que à dita ponla cliamarào jà Santa Clara,
|ior lìuma Ermida que alli tem da mesma Santa. Està assenlada a Cida-
de junio ao mar, e em plano, sem subidas, ou descidas de multa con-
sidera^au; de comprido, à beira mar, occupa quasi bum quarto de ìq-
g^ia, e no mais largo do meio, o tiro de buma escopeta; tem varias ruas,
torreiiles do Norie a Sul, a outras atravessadas; no aimo de 1060 linba
pek)s roes dos Parocbos mil e seiscentos e vinte e tres visinbos; a casa-
ria de nobres be tambem nobrc, mas em nenbuma rua be uniforme,
por se melterem casas terreas entro sobradadas; tem os Donalarios biim
itmito Dobre Pa(o com jardim dentro, e no meio da Cidade; tem sobre
0 porlo buma boa Fortaleza com Irinla pegas de hronze, e buma de mais
de viale palmos de com|)rimento; nào tinba gente paga de guarnicào,
loas de ordenanca em guarnicào sempre, e seu CapilOo com boas casas
I»ra elle, graneis, e casa de polvora, e de municocs de guerra, e Ei-
ffiida de Sào Braz; tem poco de agua de servilo para a gente, e aleni
i'\&so cisterna, que leva mil e duzentas pipas de agua; nao tem cava a
roda, e parece ser tudo pedra viva. Hoje dizem que tem jà soldadesca
paga.
27 0 porto desta Cidade he tao aborto, que da porta de Santa Cla-
ra ale a ponta que chamào da Gale, vào tres legoas de enseada, sem
abrigo algum para os navios, mais que fazer-se à véla com qualquer tem-
pestade, estejao carregando, ou descarregando, com que succede às ve-
as levantarem, sem lornarem. A xVlfandega esteve sempre em Villa Fran-
ca, ale que (comò veremos) se subverteo a Villa, e ainda que se reedi-
ficou. mudou-se comtudo a Alfandega para a Cidade, e niella tem nobre
assento, com seu Juiz, que cbamào Juiz do mar, e be posto nobilissimo,
de que ale o mesmo Donataiio depende, e so ao Provedor da fazeuda
184 IlISTOniA msvLANA
Real da liha Terceira csW sngeito; e tcm Cenfador da Alfandoga, Pei-
tor, e outros minislros inferiores.
28 A Cidade se governa pelo sen Senado da Camera, qne de antoìi
constava de dons Juizes Ordinarins doa mais nobres da Cidade, e tsen ter-
mo, ((jue he so de Imma legoa) e ha miiilos annos se tirarào, e se poz
em liigar d*elles Jiiiz de fora, qne serve tambem de Correg(tdor da liha
de Santa Maria, e de Jniz dos Residnos em toda a liha de S!So Miguel:
d'este Juiz de fora se recorrc ao Onvidor do Capitao Donatario, »e lem
Ouvidor distincto; e se o nao lem, ao mei^mo Capitao; porém se o Cor-
regedor vai a Sao Miguel em correicao, cessa a Ouvidoria. e s6 ao Cor-
regedor se recorre do Jniz de fora. Tem mais o dito Senado da Camera
Ines Vereadores, hum Procnrador, e bum Escrivìlo da Camera, e bum
Thesonreiro, e todos sao Cidadàos nobres, e quatro Ministros do povo,
<? da Cidade dous Almotaceis cada tres mezes, além dos mais Escrivaes,
Tabelli5es, Alcaides, eie, e tem pra^a bastante perlo do mar, e seu Pe-
lourinho, cadea, e ludo o mais necessario.
29 Quanto ao Ecclesiastico secular tem Ponta Delgada tres Fregiie-
zias: a Matriz he de Sao Sebasliao, he Igreja grande, e de tres naves,
tem Vigario, Thesoureiro, e Cura, e dez Beneficiados, e seu Mestre da
Capella: e ha n'esla Freguezia quatro Ermidas, de S. Braz, das Chagas,
de Corpo Santo, e da Trìndade. A segunda Freguezia he a de S3o Pe-
dro, que tem Vigario, Cura, e oilo Beneficiados, e ires Ermidas, buma
da Madre de Deos, outra de Suo Confalo, e outra da Natividade, com a
devola Confraria dos Pretos. A terceira Freguezia he a de Santa Clara,
com Vigario, e Cura, e tem Imma Ermida da invocacao da Piedade. Alcm
d'esles Ecclesiasticos ha muitos outros Clerigos extravaganles, e a lodo
este estado Ecclesiastico governa hum Ecclesiastico Ouvidor, poslo pelo
IJispo de Angra, aonde so se recorre em todas as causas Ecclesiaslicas,
c|uando o dito Bispo nao està visitando Siio Miguel, ou nao manda Li seu
Visiiador. Ila mais em Ponta Delgada buma Santa Casa de Misericordia
com 0 seu costumado governo de Provedor, Mesa, eie, da qual diz Fru-
ctuoso liv. 4 cap. 43, que n9o he tao rica de edificios morlos, corno he
riquissima de coracoes vivos, e accesos em muita charidade.
30 Quanto ao eslado Religioso he n'esla Cidade copioso, e de mul-
to fruto, e exemplo. Tem bum Convento da observancia de S3o Fran-
cisco, e da invocacao da Conceicào da Senhora, que consta de mais de
Irinta Keligiosos, e tem seu Nuviciado, e por provisào Ueal o pulpito de
LIV. V GAP. V 185
S. Sebnstìiìo, e devotissima Irmandade de Terceiros, e Terceiras seciila-
ros. Tem ontro Convento de Religiosas Eremitas de Santo Agostinho,
rliamados Gracianos, qne sem ser multo copioso, comò se o fosse, tra-
inila em a vjnha do Senhor, comò Religiào em ludo milito exemplar.
Tem mais hnm Collegio da HeligiAo da Companhia de Jesus, que ordi-
pnriamente tem doze Religiosos ao menos, com paleo de Estudos, e seu
fieilor, Prereilo, Lente de Moral, e ontro de Rhetorica. outro de Lalim:
e OS mais sào Prcgadores, Confessores, e muitas vezes Missionarios, nao
sipnrtoda a liha de S. Miguel, mas jà lambem algumas vezes pela
liha de Sanici Maria, com aqnelle Apostolico zelo, que costumào Religio-
sa rhomados Apostolos: e he de notar qne este Collegio nem por El-
Ilei he fimdado, nem por algum outro fundador parlicular, com orde-
nwlo aignm pani o sustenlo dos Religiosos, nem esles o Iev3o por ensi-
nir. pregar, confessar, e aconselhar, e multo menos por missas, que nao
rlizera por esmola, mas sómenle comecou com parliculares esmolas das
mais devotas pessoas d'està Cidade, por qucm faz os mesmos sacrifi-
fins, e ora^oes, qne farla por aquelle que fosse seu total, e especial Fun-
dador. Poréra corno este Collegio velo de Angra, e os Conventos de SOo
Kramjisco, e da Gra^a vierìlo lambem dos seus principaes da Uba Ter-
ceira, por isso là, e nao aqui, nos delereraos mais.
31 Nem so varoes Religiosos, mas lambem Religiosas observantis-
siraas ha n'esta Cidade, das quaes o primeiro Convento be o de N. Se-
Rtwra da Esperanca, fundado por D. Felippa Coutinba, mulher do Ca-
pilo Ruy Gonfalves da Camera, segundo do nome, onde ambos tem sua
.sepoltura, e fimdado para vinte ciuco Religiosas de véo preto, e ciuco
Novifas (e bojo he de muitas mais Religiosas) e debaixo da obediencla
dos l'relados de Sao Francisco. 0 segundo Convento he o de Santo An-
dré, feito, e dotado pelo nobre, e pio Cidadao Diogo Vaz Carreiro para
^inle e seis professas. e lambem ciuco Novicas, da Regra de Santa Cla-
r^. e da obediencia do Ordinario. 0 terceiro Convento he de Sao Joao,
cwno 0 de Santo André, fundado por 0 quarto
Convento se comecon ha cincoenta annos, com titulo da Conceicao, e
Hreve do Papa para cincoenta Religiosas, das quaes entrassem com Ao-
t»^ Irinla e nove, e dez noraearà o Padroeiro das parentas nobres, e po-
hrRs do Fundador, e bum lugar livre para huma fìlba do Padroeiro, e
wnderà obediencia ao Ordinario: seu Fundador foi o M. Rever. Fran-
cisco de Andrade, e Albuquerque, nobre, e rico Clerigo da dita Cidade,
186 litSTOMA INSULANA
qiie conheci niiiito bera. Aléna d'esles Conventos de verdadeiras ReligiO*
sas, lem està incsina Cìdade varìos RecolliìiueiUos, e lodos sào necessa-
rios.
m Ha mais n'esta Cidade multa nohreza, e fìdal^^uia, que ao prin-
cipio tinliào seus fóros, e filliamentos tirados, mas comò estavào Torà ja
de Lisboa, e tinliào datas copiosas de terras, d'ellas Iratavao, e Taziào
pouco caso de tirar oros; fazendo mais caso de ser fìdalgos de geracàu
])or seus anligos brazoes, e ricos, do que ser somente fìdalgos de livru,
e na verdade pobres, comò sào muilos no Keino de Forlugal, e ainda
uà Corte, e miseravelmenle pobres: e por isso bavia bomens multo ri-
cos, corno bum Gaspar do Uego Baidaya, que tinba Irezentos, e sessen-
ta e seis moios de renda do trigo cada anno, fora rendas, e fóros ì\ó
outro genero; e o mèsmo, e mais, leve seu liiho Francisco do Kego do
Sa, cbamado o Grào Capitao, de que em seu iugar tralaremos mais. Mas
tambem n'esta Cìdade o trato, ainda dos mais nobres, era antìgamente do
tao pouco fausto, que so tratavào de ter bons cavalios, boas armas. os
criados necessarios para as lavouras; e o seu vestir era tao commum, e
ordinario, que todos por meias de seda usavao so de botas, e para es-
tas aflìnna Fructuoso, que nào consentiào so castrassem os carneirijs,
por screm dos nào castrados as pelles de mais dura, e mais fortes paia
botas; e assiin se tratavào mais corno nobres, e ricos lavradores farlos,
do que corno Cavalbeiros fantasticos, e famintos.
33 Confessa mais Fructuoso, que n'esta Cidade, e seu termo ba
poucas carnes para tanta gente, e que a mais d'ella se mantem com pcs-
cado a maior parte do tempo, e que de pescado ha muito; mas isto de-
ve entender-se de gente ordinaria; e pobre, e de alguma rira, e avarei:-
ta, porque |)ara a gente nobre, e prudente, ainda que o carneiro ite ruiu),
por nào caslrado, ha bastante, e boa vaca, e lanla caca de coelhos, cu-
doniizes, e pordizes, que estas valem a trinla léis, codornizes a ires, e
quatro por hum vintem, e a vintem os coelhos. Ila n'esta Cidade a mi*-
llior agua que ha em toda a liha; mas he tao pouca, qne nem moinlios
de agua lem, senào d'ahi tres legoas em Uibeira Grande, ou nào miMitis
longe, em Agua de Pào; nem a roupa se lava senào junto a borda do
mar, e em mare vazia, com alguma agua solobra ipie ali sahe, e couìlu-
do ao redor da Cidade, e ainda dentro della; ha muilos poniares, e jar-
dins, e amila, e exa»llente horlalira ; e com islo passemos da (adade.
LIV. V GAP. VI 187
CAPITULO VI
CofUinua a descripfdo, especialmenie ao Norie da Ilha
de S, Miguel.
34 Da Cidade de Ponta Deigada, pelo Sul, e para o Poente, ineia
legna da Cidade, està bum lugar chamado o Lugar da Relva, pela mul-
ta que ali havia de aiites, e agora asta o Lugar, e juDto d'elle a quinta
de bum Joao Rodriguez Ferreira^ de quem diz Fructuoso liv. 4 cap.
4i) que descendia dos Reis de Escocia, e da grande casa de Drumond,
e que era bomem grande Cavalleiro, e de grandes forcas, e valenlia. 0
lugar he de nossa Senbora das Neves, e Freguezia que lem Vigario, e
eeoto e trinta sete viziuhos. Meia legna adiante està o porlo cbamado
dos bateis, por baixo do lugar das Feteiras, pelo rouito fèto que alli ha-
via, cuja Freguezia he de Santa Luzia, coni Vigario, e noventa e dous
visinbos; e huma boa Igreja de N. Senbora de Guadalupe, que inandou
fazer o generoso fidalgo Jorge Camello da Costa Colombreiro, casado com
D. Margarida, filba de Fedro Pactieco, e ali moravào estes Tidalgos. Ti*es
quartos de legoa adiante, e pela terra dentro dous tiros de espingarda,
està 0 lugar daCandelaria com Igreja da Purificacào de N. Senbora, com
Yìgario, e quarenta e bum visinbos; e d^abi meia legoa està a Ermida
de N. S^bora do Soccorro; e outra meia legua mais adiante està o Lu-
gar de S. Sebastiao, com Vigano, e sessenta e oito fogos.
35 Segue*se bem perto logo o Pico cbamado das Gamarinbas, (por
ter as arvores que as dao) a que tambem chamao o Pico das Ferrarias,
por parecer ferro o biscouto que d'elle corre, e se suppoem ha ver aiti
Vieiros de enxofre; salitre, marqueziia, e ferro; e ao pè do tal Pico da
banda do Leste, sabe huma ribeìra, em que póde moer buma azenha, e
comtudo he de agua tao quente, que sómente n ella se peiào leìtoes, e
se coze peixe, até que se cobre com a mare cbeia. E aos ires de Juiho
de 1638 succedeo (caso efpantoso !) que defronte do tal Pico, para a
parte do Sul, aos tres quartos de legoa pelo mar dentro, nelle arreben-
tou, e sahio, desde o fundo do mar, tal fogo, que lanciava quantidado
de area negra, e aita, que vcnceria a tres alias loiTes, postas huma so-
bre oulra, e o fumo se via sobre as nuvens ; e cabindo a dita area fez
bum lllieo tal sobre o mar, que so por cima, e so quando veio a pri-
meiraMnveroada, se diminuio, e airida deixou aiU bum baixo tao peri-
188 IIISTOniA INSIXANA
poso, corno grnnde: e o fogo qiie o cansoii, duron, sahindo sempre fu-
rioso, por tres scmanas inteiras. D'ostas Ferrarias pois, dous liros de
l>ésta adianle, està a ponla quo chamao os Escalvados, e aqui acaba a
liha pela parte do Sul ale o Poenle, ou Oeste, e conieca a dobrar para
o Noroesle. e Norte.
3G Tornando agora a comecar da ponta do Nordeste ontra vez, e
jA pela banda do Norie; nao ha d'esla banda porto algum, senao so para
Iinfeis, e porisso o qne enfi nnvjos se ha de embarcar, vai por terra do
Norie |)ara o Sul, porenfi pouco mais de diias legoas pela estreileza da
Ilha. Da Villa pois de Nordeste pelo Norte legoa e meia, està o lugar de
S. Pedro com fgrcja deste Apostolo, e seu Vigano, com cento e dons
A isinhos. e comraiimente se chama o Nordeste pequeno, em comparacao
da \nila antecedente. Deste Nordeste pequeno, huma legoa adiante, cor-
re huma Lomha, chamada Algaravia, por ter sido de hum marido, «
iTìulher, ambos vindo do Algarve; por cuja morte veio està terra ao po-
(ler de Anlao Rodriguez da Camara, e d'esle a seus herdeiros. Meia le-
gna adiante està o Topo de Pedro Rodriguez da Camera, e logo perlo
0 Lugar de nossa Senhora da Grafa, chamado a Achada Grande, com
Igreja, e seu Vigario, e trinta e dous vizinhos. Segiiem-se adiante varias
ribeiras, e entre ellas huma que chamSo da Salga, ou por alli dar à cos-
ta hum navio, que de sai hia carregado; ou por se fazer alli salga da
Dontaria que no interior tracto se cacava; e aqui chamao a Acbadinha,
em comparacao da dita Achada Grande; e assim Achada, comò Achadi-
nha signifìcao terra cha; e aqui està o Lugar de N. Senhora do Rosa-
rio, com Vigario, e quarenta e tres vizinhos.
37 Pouco adiante està a ponta chamada dos Fenais da Maya, (para
distìnfao dos da Cidade) e a Freguezia he dos Reis Magos. com Viga-
rio, e setenta e dous vizinhos, gente nobre, e rica. Logo se segue o Lu-
gar da Maya, que tomou o nome de o comecar huma mul.her, chamada
Ignes Maya, e lem pouco adiante seus moinhos ; he Lugar que tem as
ruas inteiras de casas de teiha, quando em outras Villas, e até na Cida-'
de ha muitas casas cubertas de pallia, sendo que a teIha se faz n'este
]\jgar da Maya; e ainda que dantes tinha setenta e oito fogos, ou vizi-
nhos, (cx)mo aflìrma Fructuoso liv. iv cap. 45) jà em 28 de Juiho do
anno de 1606 achei que tinha duzentos e cincoenta vizinhos, e porisso
por vezes pertendeo ser Villa, mostrando ter gente nobre, e estar mul-
to longe de Ribeira Grande, em cujo termo fica: a Freguezia he do Es-
LIV. V CAP. VII 189
pìrito Santo, lem Vigario, e tinha Beneficiado qiie se llie lirou para Ri-
beira Gi*ande; e lem mais cinco Ennidas, diias de N. Senlìora do Uos;h
rio, huma de S. Sebasliao, outra de S. Fedro, e outra de Santa Catha-
rina.
38 Segue-se mais adiante a ponla de S. Bras, por ter huma Ermi-
da deste Santo, e ainda mais adiante eslà o Lugar de Torto Fermoso,
coro Parocliia de N. Senhora da Grata, e sen Vigario, e cem viziniios,
corno pessoalmente examinei:.e tambem teve Beneliciado, mas nuidun-
se para S. Fedro da Cidade. Nesle Lugar moravào os Pachecos, anliga,
e nobre geragao; e em buma ponta diante do Lugar eslà bum morgailo
de trinta moios de trigo juntos, e de renda cada anno, que be burnii
parte da grande casa dos Bruns, e Frias, de que fallaremos eni sen lu-
gar. Mais adiante se segue o Porto de Santa Iria, de que se servia de
aotes a Villa da Kibeira Grande; e d'aqui para dentro da teira, pouco
espago, està a Erraida de S. Salvador, (que era do celebre (idalgo, e ce-
leberrimo compositor D. Francisco Manoel de Mello), e isto junto às ca-
sasde Calharina Ferreira, mulber de Antao Rodriguez da Camera. Adian-
te logo està a Ribeirinba, (pai-a distincgao da Ribeira, que dista ainda
lium quarto de legoa para o Pocnte) de boas aguas, ebem avizinhada de
tanta gente, que podera ser Freguezia à parte, e be so arrebalde da Ri-
beira Grande, e aqui tinba a sua quinta Bui Gago da Camera, parente
coohecido do Conde Capi tao da Uba.
CAPITOLO VII
Da famosa Villa da Ribeira Grande, e mais Lfiyares do Norie,
3;J A nobre Villa cbamada Ribeira Grande tomou o nome de bum.i
grande ribeira, que jà boje a corta pelo me io, sendo que ale o ajmo de
1513 nào tinba para a parte do Poente mais que duas casas aleni da
ribeira, onde boje be a maior |)arte da Villa: està situada quasi no muiv)
(Ja banda do Norte) ila Uba, em buma grande babia ao pé de buma
^rra; era.de anles Lugar da jurisdiccio de Villa Francai; porem em 4
rteAgoslo de 1307. El-Rci D. Manoel, eslando em Abrantes, a fez Villa
com huma legoa de termo ao rcdor. Nào tinba de anles mais que buma
'^iFregiiezia: mas no anno do 1377 o Bispo de Angra t). Gaspar de
Faiia aeou no ancbuldo d'osla Villa, cbamado Ribiira Secca, cieou se-
1!)0 HlSTORIA INSULANA
gunda Fregiiczìa d'està Villa com a invòcacao de S. PeJro. A Matriz pois
se intitula, Nossa Senhora da Purificac5o, ou Nossa Senhora da Estrella,
por (ìcar da parte da estrella do Norte; e n'esla Igreja gastou lambem
muito 0 bom fidalgo Fedro Rodrignez da Camera; e ainda està Matrix
com Ihe separarem a nova Fregiiezia de S. Pedro, ainda flcon com mil
e diizenlos e onze vizinhos, comò Jichei ter no anno de 4666, e ctiega
a milito mais de mil e trezentos com a dita segunda Freguezia.
40 Tem a dita Matriz Vigario, doiis Curas, e dez Beneficiados, e
bum Thesoureiro, bum Organista, e Mestre de Capella, alerà de Mestre
de Lalim qne na Villa ba com ordenado annua! de dois moios de trigo,
e oito mil réis em dinbeiro. Da Dedicafìio, e sagracao d està Igreja Ira-
ta 0 Agiologio Lusitano tom 2, a ÌS de Margo: està situada em bum
allo, e da sua enlrada se està vendo a maior parte da Villa, muitos cam-
pos, vallos, montes e o vasto mar. Da riqneza de pecas, ornamentos, e
accio d'està Igreja basta dizer que foi d'ella muitos annos sen douto, e
santo Vigario, e Prcgador, o Veneravel Doutor Gaspar Fructuoso, cuja
Vida aponlamos no liv. ii cap. 2. Dentro d està Matriz ba mnitas Ermi-
ih:>, a sabcr, N. Senbora do Rosario, Santa Lnzia, Santo André, S. Se-
iKistiào, N. Senbora da Conceifuo ; N. Sentjora da Consola^ao, (que h9
<l().s nobros Colombreiros) N. Senbora da Charidade, que era da mul-
to nobrc Julia Taveira; e N. Senbora de bum Francisco Tavares Ilomem.
E ninila na segunda Freguezia da Ribeira Secca, (por so correr no in-
vorno) qr.c passa de duzenlos e quarenla vizinbos, ainda haoutra Ermi-
da (In irivocarao da .Madre de Deos.
U De Religiosos lem està Villa bum bom Convento da Observan-
cia de S Francisco, que he muito ohservanle, e exemplar; tem mais o
Mosioiro de Jesus de Religiosas de Santa Clara, e da Regra, e obedien-
cia de S. Francisco; fundou-o em suas proprias casas Pedro Rodrigues
ih Camera com sua mulher D. Maria de Betencor no anno de 4545, e
depois 0 augmentou muilo seu filho Ilenrique de Betencor e Sa ; e ba
nelle Noviciudo de dez Novigas ao mcnos, e muitas Religiosas de véo
preto, e he muito necessario, e ainda ulil cada bum d'estes Convento^
em buma Villa tao grande. De vfòw ba mais n'esta Villa buma li^-ao; e
cadeira de Tbeologia Moral, que desde anles do Advento até passar a
Pasohoa, vai aquella Villa Icr bum Padre da Companbia de Jesus, do
Collegio de Ponta Delgada, e assiste n'esla Villa o dito tempo cx)m ou-
tro seu companbèiro Religioso, por obrigafao de bum legado que dei-
LIV. V CAP. VII 191
xon liura devoto Clerigo, e Reverendo Padre. E demais fazem os Padres
lodo 0 tempo que là eslào, prégj^óes, doulririas, e confissoes de saos;
eenfemios, alem das resolucues, e continuos conselhos; e là vejao os
zelosos de tao grande Villa, se llics convem mais, que ao menos tres
Heligiosos da Com|)anljia residao là todo o anno, e em todo exercitem
seus ministerìos, e leào tambem o Latim para mellior criagao da moci-
(lade, eie.
42 Ha mais n'osta Villa, e jnnto da prnfa d'ella, huma Igreja, de
anles inlilulada do Espirito Santo, na qual com licenfa dei-Rei, e Dulia
Apostolica se institulìio a Irmandade, e casa da Santa Misericordia, e seii
Hosiritiil junlo para enfermos desempnrados, e o Orago de Uido he o de
Santa Maria; tem Capellao mór, e trcs Capellaes mais, e doiis meios Ca-
p.fcs; e jà ha cincoeiita-annos qne es«a Misericordia, e seu Hospital li-
nlia vinte e sois moios de Irigo de renda cada anno, e dezaseis mil reis
'•m dinlieiro, e que cada Irmào de entraila dava tres mil rois, e jà hoje
ti.'rà multo maior renda, conforme a experiencia de muitos tesladores
que se fiarào, e com rnzao, da pontualidade, e verdade com que nas Mi-
sericordias se cumprem os lègados.
43 0 govt*rno d'està Villa (desde que o he, ha duzentos e sete annos)
foi sempre corno o das mais Villas, com seu Snnado de Camera, Jui2'\s Or»
dinarios, Vercadores, e lodos os mais Ministros da politica; na milicia o
>euCapitMO mór, e muitos Capitaes mais com multo numerosas Compa-
nfe, 0 assim os Capitaes, conio os Alferes erào os de melhor nohrrzn,
Como (le facto forHo Rui Cago da Camera, Capitao de huma Comp.mhia,
e seu primo Antonio de Sa por seu Alferes, até que Rui Cago foi eleito
^^ipilìio mór, e 0 dito Alferes em Capitao, conforme a regra do Ascenso
qne se ohs**rva na milicia ; mas a nobreza maior que tem jà ha muitos
annos osta Villa, he ser o titulo dos oxcellentes Condes de Ribeira Gran-
de, que por isso a d(»vem eslimar mais; pois se sao de loda a Uba Ca-
pilàes Generaes, so d'esla Villa sao Condes; e assim a devem defender,
favo!v.cor, e augmentar, comò a cousa mais particularmente sua: e muito
n^'ùs por nesta Villa estarem os moinhos mais cammuns de loda a liha,
'Ip que 0 Conde. por Capitao Donatario, tem trezentos e cincoenta moios
rte renda cada anno, porque sao seis os moinhos, e cada bum tem duas
Nns, e delles os melbores moom sete moios em vinte e qualro horas;
®iK)de moleiros que levr^o, e Irazem o pilo, tem mais de cincoenta, e
192 HISTOniA LNSULANA
cada hum anda com duas besUs de carga, e levao a dez reìs por cada
alqueire de carreto.
4i Ile muilo Tarla esla Villa de pao, carne, e legumes; e sòde fa-
vas cliega a rccollier quali'ocentos moios, e vende mais de duzenUis ; e
de linlio recolhe mais de cince mil pedras, e porque passào de mìl oi
teares de linlio n'esla Villa, vende ainda Ires mil pedras; mas corno do
porto de Santa Iria so usa para hateis, por ser a costa brava, leni por
sentenc^ Ileal, o servir-se do porto da Àlagoa, aonde manda, e carre^<i
quanto vai para fora da tal Illia; d'onde vem que, ainda que em Uibcii'<i
Grande ha multa nobreza, grandes morgados, e os nobres se tralao coiui:
tai's; comtudo a gente de servigo ganlia (anto, que a respeito do meno:!
(jue cstes gastào, suo mais ricos, do que aquelles que em seu tralo, ca-
valhs, armas, e criados gastao ainda mais do que tem, especialmentfi
Cepijis que a grande ribeira d'està Villa, com enclientes llie levou ruas
ì:iteirasde sobrados, e ale as pontes de pedra, e aos nobres, e Vicoi
loci;u 0 refazrl-as. Finalmente lie esla Villa maisJiue farta deagua doce,
0 (le seu nascimento perfeitìssima; mas até nesle nao he jà tao perfeìla,
pelos novos incendios que ao perto se levantarào, corno em seu lugar
veicinos.
45 Continuando pois o Norie d'està Illia, està de Ribeira Grande
para o Poente, dous tergos de legoa, o Lugar cbamado Uabo de Peixe,
nunie (|ue se llie impoz, ou de o parecer assim na ponta que faz ao mar;
ou (lonio diz Frucluoso liv. 4 cap. 47) por alli se acharhum tao de.^-
conht'cido, e grande peixe, e com tal cauda, que os Mouros (que no
detcubrimenlo da Illia vierào a cortar o niato della, e h>go se reparli-
rào a sei'vir p^'la Ilha) pendurarào a dita cauda do peixe em lugar
allo, e pjM'gunlados d'ondii vinhao , quando vinliào d'este Lugar,
respundcrào: «De Itabo de Peixe.» Mas a Igntja deste Lugar he da ìn-
vocagào do lioni Jesus, e tem Vigario, e de anles tinha Beneficiados,
que se mudarào para Riboira Grande, e consta de duzenlos e vinte t:
quatro vizinhos, e duas Ermidas mais, Imma de N. Senliora, (que Uu
anles era a Parochia) e oulr-a de Sào Sebasliào no dm do Lugar para e
Poenle; e lem e^le Lugar hinna fennosa bahia, da qual à Villa d'Alagoa,
da parie do Sul, he o mais eslreilo da lllia, e o mais razo, com huuu
so logoa de leira, e jà desde !libi;ira Grande até a lai bahia he hum cori-
linuado areal, e falto de agua; e ainda o Lugar lem so pógos de agua
salobra, mas he abundanlc de tudo o mais, e de nuiila, e excellunle ca-
UV. V 6AP. VII 193
(I. E lego hum terco de legoa adiante, està bum morrò, e huma muilo
rendusa, e grande quinta, com sua Ermida de S. Pedro, tudo do antigo
hcome Dias Uaposo, pai de Barao Jacome Raposo, e avo de Àyres Ja-
come Raposo, que alli morarao, e Iie casa tao nobre, e poderosa, que
be (las mais ricas desta liba, se para ella tornar seu senbor Ayres Ja-
come Correa (diz o nosso Fructuoso.)
46 Mais adianle de Rabo de Peixe est«i o Lugar dos Fenaes, (do
maito feno que ba alli) cuja Igreja be N. Senbora da Luz, e tambem tem
duzentos e vinte e quatro vizinbos, com seu Vigario, e Cura, e tinba do
aiiles hum Beneficiado, que foi para SOo Pedro da Cidade; fem esle Lu-
gar niuila abundanoia de carnes, de cagas, de perdizes, e muilo bom
pescatlo, mas a agua lociì de salobra, e porque d'ahi adianle, meya le-
goa, podem inimigos desembarcar; para os impedir, mandou o Capilào
Kogo Lopes de Espinosa levanlar alli bum forte muro: oli se a este Ca-
pilào, tao zeloso do bem communi, imitaSwsem outros, comò estaria està
liha nào so bem povoada, mas segura I Aos Fenaes se segue hum bis-
^ulal de malo, a que cbamào as Capellas, ou por alli as fazerem pelo
Sào Joào, ou por cbamarem Capellas as vaccas malbadas que alli andao.
Adianle mais sahe ao mar buma pequena ponta da terra, aonde està o
L^ar de Santo Antonio, por d'este Santo ser a Parocbial Igreja ; e no
firn do Lugar està a Ermida de N. Senbora do Rosario, que mandou fa-
^ 0 Dobre, e poderoso Alvaro Lopes da Costa, de quem foi aquella
l^rra; e outra Ermida da Madre de Deos està no principio do Lugar, o
qual disia legoa e meia dos Fenaes, e tem cento e cincoenta e dous vi-
siiihos, com Vigario, e Cura, ou Beneficiado, e jà be do termo da Cida-
de: e meia legoa mais adiante està outra Ermida de S. Barbara, e de
JDuila romagem.
47 Passada mais buina legoa, e sobre buma ponta grossa da babia
^la 0 lugar cbamado Bretanba, (ou por assim cbamarem os antigos u
qualquer terra alla; ou por alli ter sua fazenda bum Bretao) e tem Pa-
fochia de N. Senbora da Ajuda, com Vigario, e setenta e oito visinbos.
I)ous tercos mais de legoa està o lugar dos Mosteiros em buma faja de
l^rra lào boa que dà o melbor trigo da liba, de que se faz pao sem tu-
fo, corno em algumas parles de Portugal: a Parocbia he de N. Senbora
da ConceigHo, e tem selenla visinbos com seu Vigario; cbama-se Mostei-
r*>s, pruque bum tiro de bésta ao mar tem diante de si quatro Ilbéos
cum jin)[)orcao ciilrc si lai, que repiesentào quatro Mosteiros edificados
vOL. I 13
194 HISTOBIA INSULANA
no mar: e tamberh porqoe alli pela costa, e ponta Rnyva, até os Escal-
vados estao taes conravidades, que outros tantos Mosteìros representao;
V. lem porto de batèìs, que dos muitos ventos se abrigào com os Ilheos:
e logo, bum tiro de bèsla, fica a ponta Riiyva, por assim o parecer na
cor; e ninis adiante logo a ponta dos Escalvados, que por està parte he
0 firn da liha para o Poente.
48 Por toda està Costa do Norte, e Sul da Uba de S. Miguel, ba
mnitos, e mui seguros pesqueiros, e póstos de pescar, e o melhor pei-
xe sempre he o que se toma da banda do Norte; e de ambas as partes
o mnrisco he multo, e excellente, e o melbor be o que cbamào Cracas,
V em Latim Umbelicvs marinus, por o parecerem; e no gosto, e sabor
d'elle vencem às Ostras, ameijoas, e a lodo o outro raarisco. Os Caran-
gnejos, e em particular os que cbamUo Mouriscos, sao os melbores que
lin, por mais delicados, limpos, e creados n3o em lodo, mas em lizos,
e lavados penedos, e por isso sao comò os Ginetes de Alrica mais ligei-
los. Ila tambem muitos camaroes, lapas, buzios, eie, poréra as lagos-
tns (e nào so n'esta, mas em todas as Ilhas dos Afores) sao as melbo-
res, e maiores das que se acbào em qualquer outra parte.
CAPITOLO Vili
Do interior da Ilha, sevs fogos, e tremores.
49 Irata do interior da liha de S. Miguel o Doutor Fructuoso, b*v.
4 rap. 48, e diz que em seu comprimento be hum espinhaQo, lodo mon-
tuoso, e descalvado jà, ou descubcrto; sendo que em seu descubrimeo-
to eslava toda a Uba cuberla de espesso, e allo arvoredo. Nos lugare^
oonde nao chegou a pedra pomes, e cinxeiro, lem lM)ns pastos de boa,
e varia lierva, e grande cfeaeào de gado, e de carne mais gostosa, co-
rno he sempre a de pastos descuberlos ao SoL e as rezes lem mais for-
ca, e sofrem mais trabalbo: e comò n'esta liha o pasto be multo bumi>
do, e verde, he por isso desgostoso o canieiro, que he mais buinido; 9
mui gostoso 0 cabrilo, e cabra; e assim no acougue se corta chit>arro
em AbriI, Maio, e Junho. Anligamenle aqui se matavrio chibarros wiia-
dos, por ser melhor a carne; mas porque a pelle dos castrados he mais
delgada, e de menos dura, e na liha de Si5o Miguel em os primeiros du-
zentos annos nao bavia homem que nào trouxesse botas, anlcs queriàa
LIV. V CAP. MU 195
ttelhor pelle para calcar, que melhor carne para corner; e tanto era o
(rado n*esta liha, que a corner, e calgar, ludo acudja: e corno jà ha mais
de cincoenta annos se calca, e veste mais politicamente na tal liha, jà do
botas se nao usa tanto, comò nem tambem do carneiro, e de o castrar,
corno experìmentei ha cincoenta annos.
hO Das Celebris Fumas da liha de Sào Miguel derao jà noticia al-
pns Aallìores: Agiologio Lusitano tom. 2, a 4 1 de Abril: e dos Eremi-
ta das ditas Fumas fallou Frei Diogo da Madre de Deos, e o Padre Mn-
iM)ei da Consolacao; item o Padre Frei JoSo de Suo Dento, Eremita da
Sma d'Ossa trat. do ultimo Vulcao de fogo, que rebentou na Ilha de Sào
Miguel anno 1652, e o nosso Doutor Fructuoso liv. 4 cap. 49. Mas por-
qùe no anno de 1664 para 65 vi, e observei com meus olhos na mos-
ma Ilha as ditas Fumas, ha cincoenta annos, por isso nao so do que di-
zem OS citados Authores, nem so do que là ouvi, mas do que com os
olhos vi, "e examinei, recopilarei o principal que puder.
, 51 Fornas chamao n'esta Ilha a huma vasta, e profunda concavi-
dade, que no meio de seu comprimento faz a terra em figura ovada, com
circDito de mais de duas legoas, e huma de comprimento; e moia legoa
de largo vao, em cima ^ntrc as rochas, e outra quasi meia legoa de lar-
gura em 0 profundo valle, mas tao profondo, que a quem a ella chega,
6 qaer olhar para o Ceo, d'este Ihe parece nao ve jà se nao huma c^r-
i^ra de cavallo mui comprida, por terem de altura as rochas do huma.
6 OQtra banda, mais de meia legoa a prumo; e o peior he, que por mais
^ a arte abrìo caminlio pela parte do Oriente da banda do Sul, ainda
1» tal, que descer por elle a cavallo, sera peccado mortai, pelos mor-
bes precipicios a que evidentemente se exporà, comò dictarao jà lentos
de Moral; e aìnda as bestas de carga nao vao com ella abaixo, mas S(3
ll»e8 tira logo ao principio da descida, e as cargas se sobrepoem em ta-
Iwas, e estas a cordas, per que os vao <5nviando até abaixo, mas gente
loda a pé, e atraz de bestas, e cargas, comò vi descer a cavalleiros fa-
>Mos; e ainda que tem aberto outro caminho da banda do Norte, a quo
dtìmSo Pé de Porco, ainda este segnndo he mais ingreme, e peior que
0 primeiro, e so para rusticos fragueiros.
52 S3o comtudo estes dous caniinhos tao apraziveis, delicìosos, o
KHitns em ludo o mais, que a vista he dos melhores, e mais altos ar-
voredos, e cedros altissimos, habitado tudo de tao innnracraveis, e no-
^ castas de aves, que nunca os olhos ficao satisfeitos de tal ver; e
196 IirSTORIA INSULANA
menos os ouvidos da celeste consonancia, e barmonia de humas suavi9-
simas, e novas musicab; e até o mesmo olfaclo se sente arrebatado dot
odoriferos balitos que sobem de bervas preciosissimas, e vistosissimas
flores, que povoào este tracio onde eslào taes caminhos: mas outros que
se quizerao buscar por oulras parles, se achou serena, e pararem na
vordadeira represenlacao das furnas, e cavernas do profundo infernu;
porque logo no descubrimento da Uba, e na priineira povoafao velba,
reparando bum devoto Clerigo em bumas linguas de fogo, e Tumacns que
sobre a terra via ao longe, animoso se atrevia a ir com bum companbei-
ro examinar o que via; vio comò meia legoa de i*ocba precipilada ao furi-
do, e tao medonba, e de malo tao envolto em fogo, e fumo, que nào
descubrio por onde poder passar àvqnle, e se voltou para a sua anligt
povoagao; e coniando a muilos o que cbegàra a ver, outros se resolve-
rao com elle tornarem a examinar aquelie abismo, de que o dito (Meri^
go tinba sido o descubridor primeiro, o com efleilo, indo, e andaìMlo duas
legoas pela parte do Oriente, derao em buma Encumeada de Garami-
nbaes, pela muita que em toda ella bavia, e rompendo algum caminbo
com grande traballìo, e perigo, descerao meia U^goa de rocba ingreme
abaixo, e examinando o que poderào, se vollòrào por balizas, ou i>or
mareos, que tinbao deixado para isso, e contarao o que se segue, e que
virao.
53 Virao pois, e acbarao em baixo bum valle de mais de meia Itv
goa de comprido, de largo quasi outia meia, e ao [)é da descida buma
ribeira de claras, e frescas aguas, e em pouca distancia bum ribeiro de
claras, e frescas aguas, e em pouca dislancia bum ribeiro de agua que
sendo fria, parecia verde, vermelha, dourada, e ferrugenta, segundo os
diversos fundos, ou laslros que embaixo tinba; e logo mais adiante pa-
ra 0 Sul virao duas abertas furnas grandes, com estreila, mas andavel,
pedreira viva entro si; das quaes furnas a primcira, que fica da parte do
Occidente, be a mais alta, de agua clara. mas tao quenle, que nella met-
tendo dentro leitoes, cabras, e porcos grandes, e tirando-os logo, sabem
jà pellados todos, e em mais tempo, vem cozidos; e de peixe se tira si>
a espinba; e se estuo ouvindo sempre lums eslrondos mui tremendo:*;
no meio della a agua fervendo acima, dois covados de altura, de gros-
suia duas pipas furiosas; a segunda fuma be conio a dita primeira, b
nào menos eslrondosa, e medonba. Da agua, ou polme de arnbas ciinc
bum canal até oulras duas furnas para a parlu do Norie, quo sào muìio
L1V. V GAP Vili 197
Bìiis largas, e de.agua mais medonha, e fervendo sempre, e mais turva.
Mais adianle estava Ingo hum liorrendo, e grande oiho aberlo ha terra,
qiie estava sempre fumegando fumo espesso; e a elle vizinha huma cal-
«leira fervendo, por tanlos olhos, tanto, e l3o cinzenlo polme, e figuran-
do em cima tantos circuios, coroas, e cabe^as calvas, que ihes chamao
as Coroas dos Frades,
51 Logo mais adiante estava liuma tao funda cova, on fuma, qne
se julga ser a mais tremenda de todas, porque ainda acima de si lan-
fava bum tao furioso borbulliao, e de polme cinzento, e escuro, que so-
line a cova subia quatro covados, e em grossura de Ires pipas, e polo
««Irondo se cliama a Fuma dos Ferreiros, e parece ser a cova, ou a for-
ja do fabuloso Vulcano, Junto d'ella, lui cousa de sessenta annos, se abrio
oulra cova menor cora Ires olUos do roasmo polme, cor e fervura. E lo-
po em buma grula da parte do Oriente se ve Imm grande olho de agun,
»|»e fene, e sobe ao ar bum covado, com ser da grossura de hum quar-
to de tonel: e aqui se ajuntao as aguas das fumas antecedentes, e for-
.ntìo Imma ribeira quente, que para o Sul se vai juntar com outra quen-
tft. e outra fria, e enconli-ando-se mais com putras ribeiras frias, vao to-
das, juntas em huma, sahir ao mar do Sul, com realidade, e nome ain-
da de Uilieira quente, e cada vez mais quente.
55 Entre as ditas furnas, e a dita grnta est<i hum outeiro de ter-
J^i qne se póde chamar de furtacores, porque todas, e milito vivas, ns
representa em diversas partes; e se diz ser todo de enxofre mistura<lo
^oiQ branda, e molle pedra branca; e dalli huns levao multo enxofre, e
^ scrvem d elle assim comò o achao; outros o apurao fervendo-o a fo-
Vfìf e deitando-o derretido em seus canudos de cana, com que fica tao
l^erfeito, e formoso corno o mais fino que de fora vem; e por mais que
^ tire da terrena superfìcie d aquelle outeiro quente, logo no mesmo
Ingar se torna a achar exhalada da terra, e vaporada. Junto da sobre-
dita ribeira quente, da banda do Sul para a parte do Poente, està huma
pequpna caldeira, e fen-endo de tal sorte, que passando por ella Imma
<^pre corrente ribeira fria, fica sempre ainda fervendo, e tao quente
^0 de antes: e daqui se tira muita pedra hume, e de bom rendi-
inenlo. Das sobredilas furnas para Leste, com inclinafào para o Sul, es-
tà fuma fervendo polme cinzento, e aqui cliamao o Tambor, porque pro-
priamente 0 arremcda era seu estrondo, comò oulras que parecem dis-
198 IIISTORIÀ INSULANA
parar artelharia, arcabuzaria outras, e outras tocao trombetas; tal he em
baixo, a batalha de huns com outros melaes, e elementos oppostos.
56 Ilum tiro de arcabuz das furnas para o Occidente està a terra
aberta em varias bocas, e ao redor algumas covas, d'onde sahem tanto»
fumos, e de taes fedores, que brutos que alii cheguem» e se detenhao,
aves que por cima pouzem em alguma arvore, em breve espago cahem,
e morrem; e so os caens, se Ihes cortao as oreliias, por eilas lahcSo a
pe<^aha, que pelos narizes receberào; e desta qualidade ha alguns pe-
quenos campos pela ribefra quente abaixo, e a tudo isto charnSo os fu-
mos, e fedores; porém tem-se observado, que pessoa humana nao re*
cebe mal algum de taes fedores, se em nenlium dtssies se detem mais
de huma bora; e se por mais se detem, dao-ltie vomitos, desmaios e ac-
cidentes; e tirando-a logo para fora, torna em si, e para tudo. Pouco es-
pago adiante satie no baixo da rocha cbamada (Pé de Porco) huma grande
ribeira de tao Clara, sàdia, e fresca agua, que dizem ser a melbor qiìe
ila em toda a Uba, e comtudo vai fervendo pelos fundos- mineraes, que
corre, e assim Ihe cbamào, Bibeira que ferve; mas n'esta bum pouco mais
abaixo, se mette outra agua que sabe a ferro; e por isso quem quer a
perfeita agua d'aquella ribeira, deve-a tornar mais acima, junto i roeba
d onde salie, e aonde està feita a fabrica da pedra hume, que fez bum
Joào de Torres, Mestre d'ella.
57 Da Ribeira que serve, pouco espaco para o Poente, està ja hu-
ma Ermida de N. Senhora da ConsoiagQo, e jà de muita romagem, fei-
ta, e fabricada por bum nobre varào Balthezar de Brum da Silveira, que
depois foi para Castella, e là morreo, e era tio Capitào mór Manoel de
Brum e Frias, da Ribeira Grande, Padroeiro de dous Conventos de Frei-
ras de Ponte Delgada. nobilissima pessoa, de quem a seu temi)o falla-
remos; e perto desta Ermida nasce a Ribeira quente, e turva, a quem
tempera logo outra mui fria, ficando a Ermida no meio ; e na ribeira
comi)osla de ambas, se curao muitas pessoas de varias enfermidades, e
muito mais de sarna, tomando banhos alli; e so Ihe fallao ofllcinas, e
editicios, para podercm igualar-se às celebres Caldas da Rainha junto a
Obidos, e vencerem as outras junto de Bouzella em Porlugal.
58 Està mais tres tiros de bésla da sobredila Ermida, huma ala*
goa, cujo circuito chega a huma legoa, e loda de agua docc, e comtuda
por vezes se ve vazar, e encher corno o mar, e no verào seccar-sc parte
LIV. V GAP. Vili 199
Al dita alaffoa: e para a parie das fiirnas, por baixo da rocha, e encu-
nmada (fraride. e por cima de hum ter<;o eslào uiiida gualro, ou cinai
funias fervendo, e rinnegando, corno as sobreditas. Dizeiii qtie do loda a
temi ao redor da alagoa, se pode fazer caparrosa se liouver Mestre qu(5
a saiba fazer, corno jà se fez de alguina terra da (pie està entre as fur-
nas. Finalmente dizem que este fatai valle, e tao profondo, e especiai-
inente a [)arte aonde ticaruo tantas fiirnas, devia ser de anles alguma
grande montanlia, a quem a furia do fogo, e mineraes sublerranei^s, reben*
tarMlulevantaraoaosai*es, epartefoidar no mar, adonde se submergio, e
prie formoli oiilros dos qiie se vem n'esta Uba. E conformando- me eu
com este parecer, so accresòento, que ba quasi cincoenla annos, que
liido 0 que d ellas està dito, vi, observei, e apontei, conio em u idado
entio mancebo, curioso, e desejoso de saber, e jà enlao coni nove an<
DOS de Religioso, e Mestre jà de Hbetorica; e confesso que tndo o so-
Im^ìIo he pura verdade, de que sou testimunba ocular, e ludo concoi-
dactim 0 qua o douto, e lidelissimo Fructuoso diz. Mas devc-se muito
3dvmir, que, corno o tempo tuda muda, muilas cousiis |)oderào estar
J3 boje mudadas, corno eu jà entào achei mudadas muilas; e com islo
vaiQos à segtmda, e fresca parte d'esle fatai valle.
59 Da grande legoa que vimos, e que occupa o fatai valle, em que
ss referidas furnas, nem lodo elle he d ellas; mas quasi meia legoa, co-
loe^ndo o dito valle do Norie d elle para o Sul; e mar, tanto lem de
boni paraiso, quanto a oulra maior parte lem de medonho inferno; e as
^ difliciliissimas descidas que aponlàmos, de cima para tal valle, coni
'^tio as descrevemos a lodo o sentido deliciosas, porque ambas vem a
dar em a primeìra quasi meia legoa, que se pode cliamar valle de de-
teites. Parece-me pois este valle lodo, e tao profondi», bum muilo alto,
^ grande Galeao, langado de Norie ao Sul, que com sua alta popa para
* terra em o Norie, de ingreme rocha altissima, e com iguaes coslados
^ semelhantes rochedos, desce algum tanto ao convez dilalado peb
^'ente, e Poente, ale ir dar com a proa em o Sul, e vasto mar; mas
^ tal dessemellian^a, que nem mastros, nem jà sobrado algum leni
de bum a outro costado, porque corno se Ihe pegou o fogo no paiol da
Polvora que tinha desde o convez inira a proa, voou lodo o alto iute-
^. Beando so a forte, comprida, e grossa quiiha com as suas fortissi-
^ paredes dos coslados: porém comò o incendio d este fatai Galcào
^ levaulou da polvora, e mineraes que eslavào no paloi debaixu da sua
200 m-^ToniA rcsrr.AXA
]ìroa, e convez. por isso nrini ficoii aiiirta a liorronda fonte rio fopo com
1:intos regatos delle, qnantas fnrnas vinios jà; e o liigar onde a casa do
l'irne, e a Camera Real, e o Castello de popa tinliao estado. fìcou tan-
to sem fogo finalmenle, qne com o tempo se fez hiim paraiso, (corno
j^t^ora veremosì mas paraiso da terra, e d'este mondo, d'onde sem jà
siibida, mas com descida semj)re, se vai facilimamente àquellas furnas
do inferno.
60 He pois està primeira parte de tao profimdo valle, he hnma
(piasi meia legoa de terrai, e corno posta em quadro, bom quasi a mesma
l 'goa de distancia entro os lados. e perto de dnas legoas em roda; c/)rta
#'sle quadro hum amenissimo rio do frosqnissima agua doce, e salutifera,
Ji'jra oulras muilas font<^s, e regatos. que fazeiH o ar mui sadio, e de
Jiella virafào: tem muitas arvore^s fructiferas, muilos prados deleitosos,
jnuila variedade de lienas, sem alguma ser nociva, e lantas, e tao di-
>ersas flores, que sào continua recreavào da vista: as aves sao innume-
raveis; e muitas nao conhecidas, e oiitras de inaudita, e grata musica;
V animai nenhum que possa fazer mal: seanis, e hortas commummente
?s nao tem, por nao ter quem as culiive, poìsnemmoradoresci)ntinuos.
uom Freguezia alguma ha lA em baixo, pclas descidàs diflìceis, e subi-
das mais diflìcultosas: e comtudo ainda algimia gente nobre tem là seus
pastores, ou quinteiros, e alguma habiwfào, aonde possao estar quando
la vào.
61 0 principal qne rende està bella parte de tal valle, he mei, e
cera, de sorte que até os Padres da Companhia de Jesus lem atli col-
yneal tao grande, que cada anno Ihes dà hum quarto, ou meia pipa de
jncl, e alguns annos pipa inleira, e mais de pipa, e a cera correspon-
dente; e assim cera, corno o mei. excede na perfeic-ào ao do qualquer
oiitra parte, por tambem as hervas, as flores, e as aguas excedeivm
niuìto a todas as desia Illia; e so à fiibrica d>.ste mei, e cera, he que
vai abaixo gente de traballio; e em arcas, e quartolas, poslas sobre gran-
des, e forles taboes, que por cordas vao arrastando homens adiante, he
que tudo 0 sobredito sobe acima do rochedo do Oriente, pelo caminho
quo acima descrevemos: que se houvera bom caminho de sahir de tal
l>i ofundidade a t^o elevada altura, cultivar-se-hia o fertilissimo valle: e
s<.Mis frutos, e até as excellentes, e preciosas madeiras que ha n'elle, se
aprov(Mlarino: e concorreiiào moradores, e seria habilarlio m\\\U) appe-
teoida; e là lem os Padres nao so casa sulTicieute, mas Ermida para se
L!V. V GAP. IX 201
im Misj^n p/aqiielles dias, em que là vao, e mandao fabricar, e reco-
\\n 0 sobrodilo.
Ci Voja-se apnra là, se rom razno chamamos Paraiso a està pri-
«ipira parie d'oste valle, e Inrorno à segunda: e qnào facilmente, do que
osie mimdo cliaina Paiaiso, se vai sem snbida, mas com descida sem-
pre an hif»Tno: e quanto he difficnlloso dos mais aitos postos deste miin-
«lorliPjjar ao Paraiso, ainda da terra, quanto mais ao do Geo. r.onside-
r.'-s» hem este conflado de Inferno, e Paraiso: està recopiiacao dos qua-
tro Novissimos do honiem, juntos lodos: pois so meditando n'esla vjda,
OS tres primeiros de Morte, Juizo e Inferno, cheparemos ao quarto do
THeste Paraiso. E assim apontada tao grande meditafào, vamos conti-
nuando a H istoria.
CAPITULO IX
De oulras Furnas, Fotjns, e Tremores d'està Ilha^ e em especial
de Villa Franca,
fi3 Mela logoa além da grande Villa de Ribeira Grande, e rauito
>ntr»s de se chegar às Furnas acima relatadas, està buma pequena con-
fflvidade de so sers alqueires de terra, ou de semeadura, (quenas Ilhas
h** 0 mesmoì d onde jà se tirou muita pedra bume, e està cercada de
li'imas que!iradas, on rochas mais pequenas, e mais facilmente permea-
V''is \\eh parte do Poente, e porrjue tem taml)em dentro algumas cai-
<l'iras, e furnas de fogo, mas muito menos em numero das outras jà
<l'*sfri[)tas. por isso Fructuoso liv. 4, cap. 50. a estas de que tratanios,
ri«m.i as Furnas pequenas, e às outras as Furnas grandes: senao ((ui-
''Tmos chamar-lhes a estas o Purgatorio, e às outras o Inferno. A es-
I'» vi en fambem. ba quasi cincoenta annos, e parece que algum tanto
jà miidadas do que scriao de antes; do que vi pois, e apontei, e do quo
fi. dÌRo 0 seguirne.
61 Entrando pois n'eslas furnas pela parte do Poente, està logo
l"ima alagoa, ou fuma maior que lodas as acima rcferidas, mas de cin-
gilo potme. e que sempre està fervendo: e logo para a parte do Orien-
K dez ou doze palmos. corre bum grande ribeiro de agua darà, e fria,
''WS que correndo ferve, e fervendo corre: seguem-se algumascaldeiras, que
N de largo quinze, e vinte palmos cada buma, e de comprido trinta:
Jiwis para o Oriente se estào vendo quatro olheiros peijnenos, dos quaes
202 HISTORIA INSL'LANA
sào Ires de ngua darà, e huin de aRiia cinzenla, e medonlia: e om pou-
ca dislancia outros de agua clara« doce, e fria. e p(»r todo esle espaco
sahein oiitros muitos olhos de furioso fiimo. queiitura, e cheìro tao mào,
que se por cima passao algiinrias aves, cahem al):^ìxo e inorrein. Ksla
terra loda he de pedra hume. corno tal cin/enta, o clieiro he de enxo-
fre, e logo abaixo da superlicie de pedra hnme, he tudu [)edrcira dura; e
mais acima ria fralda jà da serra, eslào nulras caldeirasL perpetua, e me-
doiiliameiite fumegando. Da grande, chamada Sete Cidades. de que aqni
torna a fallar Fructuoso, ja failamos, e nein n'eilas ja se ve fogo algum,
nem sinaes delle.
63 0 fatai tremor de terra que sul)verteo Villa Francai, conia Fru-
ctuoso liv. 4, cap. 69, 70, e 71, a suhslancia pois he. Sendo Bui Gon-
ralves da Camera, o quinto Donatario da lliia <le Sao Miguel, e cori-en-
do 0 anno de 15i2, eni o mez de Outnbro tinha vindo à dit^ llha. pcu*
oulra secreta causa, Frei Antonio de Toledo, irniào do Arcebispo da Uì\
Cidade, e parente bein chrgado do duque de Alva, e Religioso da Sa-
gra<la Ordem de Sào Doinirigos, e fazendo ollicio de Prègador Aposto-
lico, exhortava à penilencia de peccados, afììrniando que por elles esta-
va para vir àquella llha hum grande castigo, e indo de hmta Dclgada
aonde pregava, a pregar o mesino em Villa Franca, chegado o dia 21
do dito mez, foi jà Iarde à |)orla do Ouvidor Kcclesiaslico, dizendo que-
rer rallarihe; e mandando-lhe dizer o Ouvidor (|ue ao outro dia Ihe fal-
larla, respondeo o Frei Ad'onso, (pie pjKliTJa ser (|ue ao outro ilia jà elle
Ouvidor nào polleria fallar-llie; e retirou-se da Villa o dito iVégador: e
jà alguns dias anies pelas mas andavfio os meninos ijronosticainlo o cas-
tigo, e claramenle no dia vespera d'elle diziào os taes innocentes: «An»a-
iihà havemos mcurer todos, e esla Villa se liadealagar » U os inaicMts
nà) cnMido ainda, dizìào barbaramente: «Dizioni (pict nos havemos ile ahi-
gar està n«)ite, [Jois c^^emos bcm, e UKureremos farl(»s.» Algims porèiu
(ou) |)rudenle, e Chrislào temor se retirarào da Villa, quan<lo outros
bem acaso vierào entào de novo |)ara ella. 0 Capitào Donalaric», tpie na
Villa eslava, se sahio para hnina quinta tivs h^goas, e so por cium»*
d elle, o foi a muiher seguìmlo. e hum (iliio ainda pequeno, chamado
iManoel da Camera, por nào quererem loval-o, obrigado das saudades da
mài, a foi seguindo a pé, até (jue os pais o mamlarào tornar a cavallo
por hum Kscudeiro (pie os acompanliava.
60 Chegada pois a uoile dos 21 paia os 2i de Oalubio de 1322,
UVRO V CAPr IX 20$
no quarto dia da lua, em huma quarta feira, diias horas antes do ama-
iihecer, estando o Ceo ainda estrellado, e serenissimo o tt^inpo, sem ha*
ver bafo de vento, qne entào era de lavante, e sem preceder outro si-
ual da terra, ou do Ceo, eis que de repente dà hum tremor na terra tao
espatUoso, e impetuoso, que a- hum grande monte, e serra, que pela
parte do Norte estava acima da Villa, sohre ella o langou coni tao hor-
rendos penedos, tanta terra, e tanto lodo, que em espago de hum Cre-
do Gcoii submergi^a a Villa, e nem altos edificios, nem sumptuosos Tem-
plos, nem d^onde tinhao estado, se vio.jà pela manha, e pelos i)oucos
que se tinhào retirado, e escapado. Ào primeiro terremoto que isto fez,
OQ desfez, se seguio logo outro pelo dito espa^o, ainda que mais mode-
rado, e a boras de Terga outro multo espantoso, e o quarto terremoto
ao meio dia, e é vespera o qi^o.
67 Da rìbeira para a parte do Oriente, onde tinha estado a nobre
Villa, tudo com ella jazia alta, e profundamente enlerrado, e razo por
cima tudo: para a parte do Foente tinha a Villa bum perjueno arrahalde
com algumas casas, a que o terreno diluvio nao chegou, por se ter a
elle recolhido o seu Nué Frei Affonso de Toledo, que n'esta occasiào,
corno de antes, andava pregando; e clamando, Penitencia, Fenitencia, a
set«nla pessoas, que com elle oscaparào, e andavào em prantodesfeito,
e desfeitas. 0 primeiro ediQcio que tìcour totalmente enterrado, foi o
Convento de Sào Francisco, por ficar mais perto da serra que correo, e
delle so tres Frades escaparào, que, sem saberem conu), a terra impe-
tuosa OS levou, e foi pdr salvos em huma parte abaixo da Villa, aonde
agora està o Convento das Freiras; corno tambem huma Negra sobre a
ttm foi levada ao mar, e langada em hum baleU que là andava des-
aouirrado, e de dia, e de terra fui visto com a Negra dentro, e buscado
6 trazido para terra. Tambem escaparào os prezos da cadea, por se llies
^rem as portas com o primeiro tremor, e estarem acordados: e ale
>o fflesmo mar queria enterrar o diluvio da terra: mas ao longo dello
Ui6 escaparào duas casas, humas de hum Bui Vaz, de dois forles so-
^os; outras de hum Joào de Outeiro, honiem dos mais ricos d esla
lilla, e sogro de D. Gilianes da Costa. 0 lugar do monte, ou serra que
cuH'eo sobre a Villa, de quo distava hum quarto de legoa, tìcou todo
tólu poline de sabao, e pedra pomes, e o maior penedo com innunie-
ravfis oulros, corno furiosas balas, passarao arrazando ludo, o so para-
2f)l nisToniA insulana
no no mnr. som fnzer damno algiim a quatro, ou cince navios, qiie no
jiorU) oslavào, e a pento em terra.
68 A Imma innnndagao de terra, qne vio ver correndo Imma mu-
liier, fiiRìa està, e niio podendo jà escapar-Ihe, se pt*gon a urna iahoa,
<? assini lalioji, conio mullier levun a iniindavào da terra ao mar, e d'este
\no dar à costa em hum calhao, e d'elle depois tirada se salvou a lai
mulher. Da carna em qne eslavào dons casadog. Negro, e Negra, se le-
vnnlou 0 Negro fugindo ao diinvio, e foi colhido, e morto: e a Negra.
sinìì acordar, na cama Toi levada pelos ares. e posta si l)orda do mar,
dcoi'dou entiìo, e siinlindo agna, e lodo, cnidon logo que chovia, mas
vendo mais o que era, e aonde eslava, airaslando-se por cima do lodo
J4ara a terra dura se salvou. Onlra Negra, qnerendo escapar, se fìegoii
a Imma figueira, porém està com a Ne(|^. foi arrebalado indo, dar no
mar, e indo gente de terra a bnscal-a. enlao so largou a figueira; e em
terra conlou qne no mar vira a seu proprio senhor, e a dous Frades,
dndarem envollos em l(xlo, lodando coni mar, e terra. Hum Comes
Fernandes, homem nobre, oilo dias antes d'este fatai terremoto se linba
cmbarciido do porto da dita Villa Franca para a liba da Madeira, e no
mcsmo tempo, em que succedeo este terremoto na Uba de Sao Miguel,
^ìnfirao os naveganles tremer o mar, e o navio em que hiao; e repa-
nudo no tempo, sem poderem julgar qne fosse aquillo; em chegando A
Madeira, onvirào dizei <]ue era perdida a Uba de S9o Miguel; erindo-se
d'elles de tal dito, cbegou a noiicia do successo em poucos dias, e en-
tenderào que a ma nova nDo sómente be quasi sempre certa, mas de al-
gnm modo be adivinbada sempre.
69 Acabado em Villa Franca o lamentavei terremoto, e diluvio, aco-
dio a gente qne estava em montes, e quintas, e o Capitao Donatario,
(que avisado do successo veio logo) e Iqdos cbegando a vista do posto
onde a Villa estiverà, nem signal d'ella ja viào, e menos cada hum de
suas proprias casas, familias, ,e riquczas; e tanto que. de pasmados* e
attonitos, tornarao em si. a brados de Frei AfTonso de Toledo, buns to-
marào logo por Parodila sua a Krmida de Santa Calbarina, quo no ar-
rabalde esciipàra; outros logo comecarao a edificar Imma Ermida à Se-
nbora do Bosario, mais com perpetuns correntes de lagrimas de seus
ollios, que com oulra alguma agua, e a està Ermida tiverào por Paro-
dila 'sua alguns dias; e os mais com o Capitùo, antes de procurarem des-
LIV. V CAP. IX 205
enterrar cada hum suas euterradas casas, forao por cima de ludo i\&
posto correspondenle à siibterrada Maliiz do Arclianjo Sào Miguel, e
descubrindo-se einfim, e achando-a deiTubada coni alguina gente denti o
morta, e acudindo ao Sacrario, o acharào ainda cerrado, e o cofre tani-
l)ein, mas a fechadura d'este aberla, e della hnnia pequena lasquinlia
fora, e no cofre nenliuma fórma.
70 Sentidissiinos lodos ajuisarào, que Anjos do Geo tiniìào liradiì
ao Santissimo, e levado para o outro Sacrario mais vizinbo, que era o
de Agua de Pào: e este juizo confirmào com o dito de bum Fernào Va-
utiegas Caslelhano, e outras pessoas do intacto arrabalde, que ailìrma-
rio terem visto levanlar-se do lugar da Malriz huma erande claridade, e
que lego tambem ajuizarào, ser aquella claridade Imma procissuo de An-
jos, que levavào o Santissimo para algum outro Sacrario; e accrescen-
lào, que huma Constanca Viccnle, vtuva de Joào Pires, ouvira no mes-
mo tempo procissào taf, que Ibe pareceo levarem o Senhor a algum en-
ftrao com campainha, etc. E estes ditos refere i^rucluoso, sem dizer
niais sobre elles. Porém comò a dila Igreja era grande, e nova, porisso
OS mais \izinhos que poderao, se recolberào a ella; pùde serque algum
Ikmo Christào (fosso ou nào fosse Sacerdote) vendo comecar a Igreja, a
^'Mr, e a cabir, acodisse ao Sacrario, e rompendo com a pressa o co-
fre, da que quebrou a lasca, commungasse o Sacramento em tal caso, e
finalmente ahi morresse comò os mais: pois os Anjos uHo era necessa-
rio quebrar lasca do cofre para tirarem delle ao Santissimo, nem mais
difficii Ihes era levar o Sacramento a mais distante lugar, que ao mais
viziriho, e menos a Igreja de Agua de Pào, que tambem cahio com o
niesmo terremoto; e os ditos daquellas {)essoas sào considera^oes pias,
se he qnè eslào enlOo acordadas, e em vigia.
71 Logo come(?ou a cava por muilo em cima das casas d'aquella
grande Villa, e nas nobres casas do Capitao Donatario nenbuma pessoa
viva se acbou, tendo-Ibe licado n'ellas varios (llbos, huma irmà, e muiia
uulra familia; porém em algumas outras casas se acbou gente alguma
ainda viva. NdS casas de bum Genovez Agostinbo lmi)erial, furOo aclia-
dos, elle, e sua mulher, Aldonsa Jacome, em huma sala ambos vivos, e
era oulras suas cameras a mais gente de casa, morta loda. Hum moro
chamado Adam, acliarào debaixo de huma casa, e viveo ainda muilos
annos, e servindo sempre a Misericordia; corno tambem se acbou ainiia
vÌNO buia Joac Curdeiro, que depoia fui muilos «uuius Bencliciadu ^a
200 WISTORIA INSriANA
In^rejn de S. Sehastiao de Ponta Delgada. E dous dias depoìs do tal di-
luvio, indo lìum fìlho pelo alto, em cujo fundo fìcava a casa de seu pai*
por esle clainou tao altamente, que ouvio o pai, e este clamou tanto
polo fillio, qne cax'atìdo-se o tirarao, e viveo ainda muitos annos. E sem
sor necessario cavar, foi achada urna menina de tres annos em cima de
linm monte de lodo, sentada sobre liiimas taboas, e brincando com pa-
Ihiniias.
72 Nove dias jà depois d'està fatai subversao, indo huma procissao
jK)r cima d'onde estiverà a subvertida Villa, ouvirao-se huns gritos, e
<lamores do fundo da terra, e cavando-se alli logo a toda a pressa, de-
rào. ja depois de grande cava, com o sobrado de huma lagea, e abrin-
flo-o salìirào tres homens, naturaes de Guimaraes, Marcos Pires, e Ni-
f olao Pìrcs, irmaos, e hnm qne de antes era jà morador alli; vinhao jà
(jiiasi mìrrhados, sem figura de homens. e postos de joelhos, e pasma-
<los, com as maos levantadas ao Ceo nao cessavao de dar grac^s a Deos;
I». olliando para o ('.apitao Donatario, a quem por vezes chamavao: f Se-
iihor, Senlu)r», Ihcs disse o Capitilo: «Nao me chameis senhor, qne Sfi-
nhor so Deos o Iie.» Perguntados logo, comò tanto ainda viverao debai-
M) da terra, e qne pensamentas tinhao, responderao, que humas vezes
cuidavao qne o mondo se acabara, oulras qué aquillo fora desastre, qne
so sobixì ellos viera; e que em (ìm de pasmados nào sabiao qua cuidas-
$iem ; e que nos nove dias comiao so de bum pouco de biscouto, que
acaso tìDliHo là, e bebiào de lìum vinho, que estava tornado jà vinagre,
o [)nra molar a sede se valiào de algumas gottas de agua, que cahiao da
lena supcrior que os subterrara ; mas que o seu maìor tormento fora
iiinn homem, que ao terceiro dia, de pasmado Ibes morreo, e de seia
dias molto o linhao entre si.
73 Ouvindo isto notarao as presentes, e repararao que bum d'estes
bomens trazia bum saquinho ainda comsigo, e n'elle trinta mii reis, e
que todos tres diziao que nunca mais tornariao a tal terra, e assim logo
se embarcarào para Portugal, mas ao depois se reparou. que em o anno
seguinle forar) esles os primeiros que de Portugal voltarao àquella mes-
ma liba, e ao mesmo porto. A que nao obrigara a ambi^ao ! E a quan*
tos nem abre os olbos seu castigo ! Huma Felippa Goncalves foi tirada
de debaixo de huma casa, viva ainda, porém tao pasmada, e attonita*
que fallando de antes» e beni, vivendo depois cincoenta annos, nunca
L1V. V GAP. VX 207
mnis fnlloii, e tendo oind» perreito o jnizo, respondia a proposito estas
palavras somcnte: «Sim, Nao», sem poder pronunciar outra palavra.
74 Sobre o luf^ar onde a Villa estiverà, durou a cava hum anno, e
a ella levavào caes do c^i^n, e fila, sem terem comido, para apontarcnì
aonde llie desse o faro de algnma carne Inimana, para aili cavarem os
homens, e christamenle enterrarem os mortos: e feito assim, acharao
muitos mortos, quando ja snhiào pelas portas, a muitos mais nas suas
ramas, e a oiHros indo jil para a sua Matriz de S. Miguel o Anjo, e nesta
a muitos outros, e homens houve a quem acharào era o meio da porta-
ila da sua casa, e posto j;l a cavallo cora huma lanca na mao, e esporas
i':n OS pés, sem poder malar a morte, que primeiro o matou assim a
elle, conservando-lhc a postura a inundafào da terra que o cercou. E
Toì multa a gerite que se achou em vàos ainda livres de suas casas, mas
inorios de pasmo, e à fomc, e algnns ainda expirando. Os mortos se
onterravao piamente no destricto onde de antes estiverà a Matriz da
Villa, e seus adros, e comò a Villa Franca linha vindo entao multa gente
<le fora com navios, e multa da mesma liha, e ainda na mesma noite« a
iiftgoriar, finalmente se achou que a gente que faltava, passava de ciuco
wil pessoas. maiores, e menores, e muitos mais seriìlo, se muitns nào
tivessem sahìdo às colli(3Ìtas de suas quintns, e a negocios de outros lu-
pares da liha: e tambem scrino menos os que perigassem, se o tremor,
e diluvio. acontecesse de dia, e nao pouco depois da mela noite.
75 0 que tamhem de riquezas se perdeo, foi muìto, de que algu-
mas se acharao ainda & borda do mar, e muitas na fatai cava, mas por
Riais qne se elegeo depositario do dinheiro que se achava, ainda muitns
*l«e de antes erào pohres, sahirJio d'aqui ricos, outros com muitas p^o-
jwdades que herdarào, mas-dos mais fai a perda mui goral, e muito
pranele. Porém a maior que faltou na Villa, foi huma Imagem da Virgem
SenlM)ra nossa, de vulto, que parecia de ciuco annos, e indo sobre o
fliliivio de teira ao mar, e passado quasi hum anno, appareceo em bu-
ina praia de area branca, da liha do Tenerife, (huma das Canarias) da
P^ do Sul, e achando-a huns pcscadores, que do Norte da dita liba
tiiihao vindo alli pescar, e levando-a comsigo para o seu Norte a Guarà-
duco, onde hi3o vender o peixe, e erahi querendo ir a Oroliva, Fregne-
zin dos ditos pescadores, e n'clla collocar a sua achada Imagem, nimca
(por mais que remavào) poderao sahir com a Imagem da Freguezia de
Guaraciiico: e dando conta de tudo ao Parocho, e ao povo, Ibes entro-
208 HISTOÌRIA INSCLAIVA
guiTio a Imngcm, quc com solemrie procissao foi posta no aliar mór da
Fi ri^uezia, e Igreja de Sanla Anna ; e succedendo depois ir li genie da
dila Villa Franca, por sinaes certos que linhao, contiecerào a Imageiu,
puhlìcarào mais o caso, e se augmentou muilo a dcvociio desta SiMiIiora.
78 K porque a primeira cousa que se fez, logo era entrando o dia
dcpuis da tremenda noile do terremoto, e diluvio, foi a nova Ermida da
Vii gein Senhora do Rosario, (comò jà dissemosj todos lizerao enlào volo
à Senhora, de em todas as quartas feiras de noite, ou de madrugadd,
ii'eri) àquella Senhora em procissao, e ac^ào de gragas; o que prudenie-
inenle se commutou em irem huma vez todos os annos com procissio
s.'>ieniiie, e Missa. 0 que tudo sabendo El-Uei de Porlugal, concedeo topi
taiilus i)rivilegios, favores, e exenip^Ges aos moi-adores que fìcaiào da
dila Villa Franca, e a tornassem a reedilic^r seni se irem a oulias lerras,
e aiuda aos que de novo fossem viver n'ella, que dentro de poucos au-
nos, e no lugar do arrabalde que escapou, da outra banda da ribena
paia 0 Poente, se ievanlou a mesma, e tanto outra Villa Frane;», (jue a
exceileo, e excede nos edificios, commercio, povo, riqueza, e nobreza,
que concorreo para ella, com que està segunda Villa Franca vence muilu
à primeira, e logra privilegios, e fóros muilo maiores, e maior religiào
aiijda, e piedade.
CAWTULO X
Das oittras partes a que chegon o Terremoto de Villa Franca.
77 Huma legoa de Villa Franca para o Nascente se Ievanlou bum
gj-ande monlào de terra tao furioso, que levou diante (juanto aciiava,
ale de gado, e casaes inleiros, e duns mulheres levou ao mar, e malnu
trinla pessoas. Mais adiante onde chamào o Lonral, se Ievanlou oulia
terra, e levou hmn casal com a gente delle. Na Ribeira Clui, entreViiia
Franca, e Agua de Pào, cahio hum casal, e morrerào quatro pessoas,
0 mesmo suca^deo em Ponla Delgada, (que ainJa enlào era Villa) e o
mesmo na d'Alagoa. Dentro em Ribeira Grande nada houve, mas pi.r
fora cahii'ào algumas casas. Em a Villa de Nordesle cahirào a Igreja M;:-
triz de S. Joào, e muilas casas, ainda casas de campo, e de Aldeas, i>
da parie do Sul, e do Nordesle, correo muila terra, e com tal furia»
que pareciao balas de bombardes.
16 No lonuo dos Fonaes da Maya, e no da mesma Maya, correrào
LIV. V CAP. X 209
as coroas de quatro montes, ou picos, com altura de huma lanca de ter-
ra, e com tal impeto, que nao so muitas terras até ao mar, mas levarao
curraes iuteiros de gados, e os moinhos da xUaya, e algumas casas com
quaranta pessoas, e as rochas que estavao juntas ao mar, quebrarao ; o
nao so OS picos ficarào tao fatalmente tosquìados; e (comò se diz) des-
calvados, mas os campos por onde bla a tosquiada, e furiosa terra, fi-
carào sem mato algum, tendo-o de antes, e sem madeira da multa qut^
de antes tinbào, e por muilo tempo infructiferos, posto que o tornarlo
)à a ser; e comtudo, por mais fondo que se lavre terra, a madeira quo
de antes estava debaixo, ainda nao apparece. Na mesma Maya fìcou de-
bailo da terra, em bum v^o, buma mài com bum seu fiiho Frade, e ji
de Missa; este a confessou, e animou a sodrer com pacìencia o castigo
da mao de Deos, e d'abi a cinco dias forao acbados ambos, e tirados
vivos, e vivi'nio ainda muiios annos.
79 Em algumas partes, comò nas descriptas Furnas, arrebentou a
terra, e de tal profundidade, que sobre si levou todas as arvores, sen-
do muitas as que tinba, e as foi collocar muito longe; n'ellas se vio ir
dìante buma Faia, comò General d'aquelle exercito de arvores, que pelo
ar se via, e vendo-se depois o lugar onde pouzarao, acbou-se estarem as
arvores na mesma ordem, em que estavào de antes. E comò nenbuma
terra salilo do centro d'ella, pois nenbum sinal, ou buraco aberto deixou
(1 isso; mas so se sacudio aquella codea de terra, (mais ou menos alla)
qoe sobre as fundamentaes pedreiras dos valles, e montes assentava,
d'aqui se infere que os dilos terremotos, nao tanto forSo de fogo sub-
tórraneo, (que nao appareceo em Villa Franca, nem em outras muitas
parles) mas foi a conversao, que em o mais baixo da terra se fez da de-
loasiada bumidade em ar, e vento mais demasiado, que nao acbando
por onde sabir ao seu centro, que be sobre a terra, entao furiosamente
^tirou com a que em cima Ibe impedia a sabida, e com os calbéos mais
sollos, e amoviveis; e entre a tal terra postos, e por isso impelilo tudo
nSo tanto para o lugar superior acima, (que este vinb^o buscar o ar, o
^eoto impellentes) quanto para os lados, ou ilbargas, que Ibe deixasseui
Hvre a furiosa sabida para onde assim sabiao. Sobre isto se póde ver a
FilosoGa que imprimimos jà, nos Fisicos naturaes, na materia de ven-
tos, terremotos, etc.
80 Caso be mais ponderavel, que estando na sobredita Maia os fi-
ibos de bum Luis Fernandez da Costa, junto da ribeira cbamada do
VOL. I 14
210 mSTORIA INSULANA
Preto, e honi Alfaiate com elles, chamado o Rebello, em huma casa ter-
reira debaixo de outra sobradada, e estando jà dormindo alta noite, ca-
blo com 0 diluvio repentino a Torre sobre o sobrado, em o qual estava
bum d^aquelles filhos, chamado Belcbior da Costa, moco de dezoito an-
nos, e estando huma Imagem da Sacratissima Virgem posta em huma
parede, de repente se achou fora da cama o mancebo, posta em a rua,
e com a dita Imagem da Senhora em suas maos, e so com huma leve
ferida na magS do rosto» e os que estavSo debaixo do sobrado, todos
tambem escaparao sem ferida; e o Alfaiate Rebello tanto medo, e*pas-
mo concebeo, que sem comer nem beber, ficou sempre a tremer por
muìtos dias, até que assim expirou. Oh que devota medìtac3o d'este, e
semelbantes casos jà acima referidos podemos todos tomar, para nos
valcrmos sempre do matemal patrocinio ; com que a Mai de misericor-
dia, a purissima Senhora M3i de Deos, sempre aoode a seus devotos, e
se poem nas m3os d'aquelles, que se entregao nas suas m3os, e se dei-
t3o a seus sagrados pés.
81 Deixo outros particulares, e identicos prodigios que n'esta Ilha
entSo acontecerlio, e muito mais o ditatado Romance, qae é dita fatai
Tragedia se compoz logo ent3o, e em estylo antigo, e singelo, que co-
meta: cEm Villa Franca do Campo, Que de nobre precedia, Na Uba de
S. Miguel, A quantas Yillas havia, etc. E com taes consoantes procede,
e chega quasi a quatrocentos versinhos do que faz men^ao o citado Agio-
logie Lusitano. E tambem deixo as festas de cavallo, que para ali\iar a
tao affligìda gente, fez pouco depois em Villa Franca o Capitao Dona-
tario, que em outro lugar virao melbor.
CAPITULO XI
Da peste que suecedeo ao Terremoto^ e incendios que a elle
succederlo.
82 Encadeados andSo muitas vezes os males em està vida, e assim
mal tinh9o parado na Ilha de S. Miguel os tremores de terra em o an-
no de 1522, quando no de 23 entrou logo n'ella a peste: e ainda mais
encadea a Divina Mai de misericordia os favores que nos faz, porque
tendo jà acudido, e tanto quanto vimos, aos terremotos passados, toma
agora a acudir à imminente peste, pois junto a Villa de Nordeste andan*
LIV. V GAP. XI 211
do hum pastorinho guardando o seu gado, vio diante de si huma mu«
ther vestida de branco, e entre duas cortinas levantada em o ar, e ado-
rando-a o pastorinho, por Ihe parecer a Virgem N. Senhora, ella o cha-
moa, e Ihe mandou, voltasse à Villa, e dissesse aos que encontrassc,
qae em a seguinte quarta feira alli viessem, e achariao alli junlas seto
Crozes; e que no caminho encontraria huma bicha com a boca aberta
para elle, mas que sem temor passasse, porque aquella era a peste que
vinha à Villa de Ponta Delgada, e que aos de Nordeste Ihes dissesse,
que alli onde achassem as Gruzes, Ihes levantassem huma Gasa com a
ÌQyoca0o de Nossa Senhora do Franto, porque ella rogarla a seu Filho
indo pelo povo todo; e ao pastorinho accrescentou que Ihe trouxesso
hom cordSo, em que Ihe faria huns nós, para por elles Ihe resar o seu
Rosario; e a mesma Senhora, voltando o pastorinho com o cordào, niel-
la com sàas maos santissimas fez os ditos nós, e encommendou ao mogo,
qoe a teda a mais gente desse os taes nós a beijar. 0 certo he, que lu-
do assim se achou no determinado tempo; e que a Ermida se fez logo
com a dita invocac3o, e he de grande romagem, e n'ella tem a Senhora
obrado muitos milagres; e que assim encadeou com os beneficios, em o
tempo dos tremores, os que quer fazer agora na occasiao d'està peste.
83 No dito anno pois de 1523, a quatro de Julho, tendo vindo da
Bha da Madeira, havia perto de hum anno, a caixa fechada de hum Joao
ABòDso, 0 Secco de alcunha, e chegando elle ao depois nos ditos qua-
tro de Julho» e abrindo a sua caixa, deo de repente tal peste junto da
Igreja de S3o Fedro em Fonta Delgada, que durou na dita Villa oito an-
DOS, até 0 mez de Maio de 1531, e conhecida logo, muita gente desem-
paroQ a Villa; porque ainda que cessava algumas vezes, logo tornava a
>tear-se tSo mortai contagio: e dentro de tres annos, no de 1526, indo
OQtro Jo3o Affonso, de alcunha o Cabreiro, de Ponta Delgada é Ribeira
GnoMle, comsigo levou a peste a estoutra Villa em huma manta que levava
de PdDta Delgada; porque o mesmo foi deitar-se niella huma negra, que
^tar a morte sobre si; e logo tambem,morrer3o dous filhos do dito
AfloDso, e de vinte de Fevereiro até Marco morrer3o na dita Villa, e do
PMe, cento e setenta pessoas; e as outras despejar3o a Villa, desteiha*
fio as casas» e a Villa se tornou hum Ervacal, que so com gados, que
coiaessem a herva, tornou a parecer que tinha side Villa, e se tornou
> povoar» mas faltando-lhe jà mais de mil pessoas levadas da peste, que
^ Ponta Delgada continuoa ainda até 1531, e Ihe levou passante de
ili HlSTORIA INSULANA
duas mil pessoas, fora muitos Mouros, que de Africa, e do Algan^e tf-
iiliao à liba trazido os naturaes d'ella, e por a verem jà com menos
t;ente, e elles Mouros serem tantos, que iìiMo ordido treìgào de se le-
vaDtarem com a liha, e colbidos, forao quasi todos mortos: para que
aprendao os Christuos, nao se servirem de Mouros; pois nuDca de iaiiel
Mouro bom Chrislao.
84 Dos anlec^dentes terremotos, e da referida peste tirou a Virgem
Senbora Mai de Deos tao grande fruto, e bem communi da Uba de Sao
Miguel, qual foi o principio de Coaventos de Freiras Religiosissimas ;
porque a bum pobre Cavalleiro Jorge da Mota, de Villa Franca, que do
diluvio tinba escapado na sua quinta, d'ella em buma noite Ibe fugio hu-
ma filba jà mulher, com quatro irmàs mais pequenas, e caininbando de
noite, nao pararao senào em buma Ermida da Virgem ?enlu»ra da Con-
ceigao, aonde cbamao Val de Cabassos, junlo à Villa de Agua de Pao; o
persistirao tao constantes em largar o mundo, e fazer penitencìa, que
nem o dito seu pai, nem Justigas Ecclesiaslicas, e seculares, nem o mes-
mo Capitao Donatario as poderao persuadir ao cx}ntrario; e ainda as pe*
quenas, tornando com o pai, voltarao logo a metter-se com a irma na
clausura em que se tinbao recolbido. Cbamava-se de antes a mais velba
Petronilba da Ck)st3, e logo se cbamou Maria de Jesus, e buma sua vir-
tuosa Companbeira Isabel AfTonso, que tinba vindo das partes de Bra-
ga; as quatro irmas pequenas se diziào Guiomar da Cruz, Catbarina de
Sao Joao, Maria de Santa Clara, e Anna de Suo Miguel, e estas seis fo-
rao as primeiras Freiras, na vida de rigorosa penitencia, e eslreilissima
pobreza, da primeira Regra de S. Clara, em que entao ficarao.
85 Passados dous mezes, vierào de Villa Franca duas principaes,
e .ricas donzellas, filhas de Joao d'Arruda da Costa, e sem elle o saber,
se metlerao, e ficarào no Conveniinho de Nossa Senbora da Conceifio,
nao obstante ter o pai casado por cartas a buma das filhas com pessoa
gravissima, que cada dia esperava de Portugal, e nunca as poderào apar-
tar d'aquella Virgem Senbora da Conceifào: e logo comecarao a vir tan-
las outras para aquella Casa, que o Capitào Donatario se fez seu Pa-
droeiro, Ibes fez casas, e ofTicinas, e Ibcs conseguio Bulla de Homa codì
lodos OS privilegios de verdadeirasReligiosas; eassimestiveraoalliquajii
dez annos, até que por estaiem junto ao mar, e expostas a Cossarios
Friìncezes, se repartirào d'alli, e parte forao fuiidar o Mosteiro de Santo
André em Villa Franca; e a oiitra parie multo depois, no anno de 13i0^
LIV. V GAP. XI 213
em 23 de Abrii, se mudou para Ponta Delgada, e Ibes fundou Convento
D. Felippa Coutinho debaixo da invocafao da Esperanfa, e Regra de
Santa Clara; e por Confundadoras vierao tambem da Uba Terceira, da
Villa de Sao Sebastiao^ duas irmas, Maria da Madre de Deos, e Isabel
dos Arcanjos. Tanto fruto tìrou a Mài de Deos dos castigos dados com
terremotos, e pefste.
86 Gompendiemos corno tambem pudermos, a incompendiavel nar-
rafao de outros terremotos, e incendios d'està Uba, qiie o Doutor Fru-
ctuoso vastissimamente faz em o mesmo liv. 4, cap. 82, até o cap. 90.
Em 0 anno pois de 1563, a 25 de Junho, em buma sesta feira, à buma
bora depois da meìa noite comecou de repente a tremer a terra em a
mesma sobredita Villa Franca, e até pela manha, em quatro boras, tre-
meo mais de quarenta vezes, e continuarao os tremores todo o sabbado,
e Domingo até vesperas, e tSo furiosa, e medonhamente, que tornando
a repetir os tremores às Ave Marias, buns desemparar3o a Villa para a
Virgem Senbora da Piedade na Ponta da Garca, buma legoa da Villa; ou-
tros para a Cidade jà de Ponta Delgada; e outros se embarcarao nos
narios que andav3o levantados, e nem pais de Qlbos, nem maridos de
molheres se lembravao, valendo-se, apartados, dos navios, a que pri-
ineiro cbegavao, dos quaes alguns for5o dar derrotados na Madeira.
87 •• Os que da Uba, e Villa tinbao ido para a Ponta da Garca, do
caminho se voltàrao para a Villa, por vir sobre elles do Geo buma es-
pantosa nuvem, e jà de conbecido fogo, e fuzilando raios tao continua-
mente, que debaixo da tal nuvem paràr3o os fieis, e clamando pela Vir-
SBm Sacratìssima com a sua Ladainba, (caso milagroso!) em cbegando a
Wiecar a Ladainba da Senbora, e dizendo as palavras, Sancta Maria,
Ora prò noW*, se levantou a nuvem de fogo, e se foi para o Norte, dei-
taodo de si tantos, e tao espantosos relampagos, que a gente ficou ca-
llida em terra; e logo veio outra nuvem altissima, que com langar de si
^nta cinza quente. e d ella formadas tantas pedras, e tSo grandes, que
%mas pareciio grandes bolas, e bum diluvio mais do Inferno, que do
Ceo: comtudo aìnda que escaldou, e ferie a muitos, a ninguem, por be-
neficio da invocada Virgem, a ninguem matou, nem ferie de sorte que
n«C5essilasse de cura. Passadas as ditas nuvens, se seguirao logo outras ,
^^ huma de cinza tao quente, que nem nas m3os se podia tolerar: e
<Hitra de cinza, e polme tao frio, que enregelou a todos: e logo come-
?^u a chover terra comò pimenta em seus grSos formada; e todos affip-
214 HISTORU mSULANA
inar3o, buns verem eDtSo a Virgem Sacratissima em o ar rogando pelns
peccadores; outros verem a mesa da Dtvioa Cea com o Santissimo Sa-
cramento niella: e outros ao Espirilo Santo em figura de huma resplan-
decente Pomba: tantos advogados sempre diante do Tribunal do Eterna
Padre, queira Deos que mere^amos, nos nao faltem. Durou està mortai
tribulacao desde os' 25 de Junho até os 29 por todo o dia, e noite de
Sao Fedro, e comtudo nem casa alguma cahio, nem morreo pessoa al-
guma. Assim mortifica Deos, e vivifica.
88 Nas mais partes da Uba ainda durarlo mais os espantosos ter-
remotos, fogos, diluvios, e castigos, pois durarlo até 5 e 6 de Julbo,
donde foi tanta cinza ao mar, e com ella tantos gados, e tantas madei-
ras, que bumas Caravelas que vinb3o de Alfama de Lisboa, e de Vianna
do Minbo, oitenta legoas antes de cbegar a està Uba, Ibe cbovia cinza,
e com pés a langavao fora, e com tudo o sobredito se vi3o impedidos a
navegar, e usav3o de varas para passarem bum quarto de legoa, cbeio
tudo de pedra pomes em altura de oito palmos. Na Villa de Nordeste, e
seu termo cabir3o muitas Igrejas, mas nao a Ermida da Senbora do Pranto,
sobre a qual se vio a mesma Virgem Senbora com manto preto, e ao sea
aitar nada cbegou, sobrepujando multo a innundac^o de terra ao redor
d'elle, e multo mais sobre o telbado, sem que comtudo elle cabisse. E
vindo sete liomens em romana a està Se nbora do Pranto, ao v<filtar, e
passar de buma ribeira, sendo melo dia, se Ihes tomou noite escura, e
clamando à Senbora que Ibes valesse, de repente a cada bum sobre o
bordao se Ibes poz buma tal luz, que passarao sem perigo.
89 Na Villa de Ribeira grande for3o ainda mais tremendos os suc-
cessos, porque comò a serra, ou monte de Vulc5o, que be o maior de
loda a Uba, inclina mais para Ribeira Grande, do que para Villa Franca,
e d'este Vulcao be que queria sabir o fogo, por isso em a Villa de Ri-
beira Grande se sentiào taes abalos, que parecia andar aquella Villa corno
barca sobre o mar, e mar mais de fogo, que de agua. E quasi todas as
casas cabirSo, e as que ficarao em pé, todas se abrirao; e em fim arre-
bentou 0 fogo arrancando o monte Vulcao, e com tal furia, que pedras,
ainda maiores que casas ìnteiras, langou duas legoas ao longe; e fez tre-
mer tambem a Ilha Terceira, trinla legoas distante, e nao so alli cboveo
cinza, mas ainda em Portugal, e especialmente em Braga. Seccarao-se
as fontes, e ribeiras de agua, e pela ribeira do Salto corria ribeira de
/ogo ao mar; e no mais alto ar andavao arvores inleiras, que pareciào
LIY. V GAP. XI 215
demonios ardendo em fogo. Com o fogo dos mineraes do centro reben-
toa tambem o Pico do Sapateiro, perto da mesma ribeira, e rebentan-
do em dous de JuUio, correo ribeira de fogo ao mar por tres dias, e
tres noites.
90 0 Convento de Jesus de Freiras Franciscanas (que em 1536 ti-
nliao foodado em Ribeira Grande Fedro Rodriguez da Camera, e sua mu-
Iber D. Margarida de Betencor) espiritualmente vierao fundar duas Re-
ligiosas do Convento de Jesus da Villa da Praia da Uba Terceira, D.
Joanna da Cruz, e D. Catharina de Jesus, que passados quatro annos
passarao para o seu Convento da Praia. Este Convento pois com os di-
tos terremotos, e incendios se arruinou; e as Religiosas se passarao a
Rabo de Peixe, e d'aqui ao Mosteìro da Esperan^a da Cidade, e logo a
Immas casas de Dona Margarida Travassos Cabrai, viuva de Jorge Nu-
nes Botdho, e depois a outras casas; e Diogo Vaz Carreiro Uies ofTere-
ceo 0 Convento de Santo André, que elle acabava entao de levantar, e
furao as primeiras Freiras que entrarao no tal Convento; mas reediQcan-
do-se 0 seu arruiuado Convento, tornarlo para Ribeira Grande.
91 Em a Cidade de Ponta Delgada, no mesmo anno de 1563, e
mez de Junho, em dia de Sào Joao Baptista, comegou a tremer a terra
braodameute até 28 do dito mez, em que ao Sol posto comegarao maio-
res qae nunca os terremotos, abalos, e estrondos até o primeiro de Ju-
liK), e se vio ter sahido do seu lugar o grande monte Vulcào até o mais
alto ar, e estar feito buma borrendissima boca do Inferno, e este ter-se
IHissado do centi*o da terra mais profundo para a regiao do ar mais alta,
^ estar jà ameagando a ultima, e universal ruina a toda a terra; e o mes*
iQo estarem armando outros picos da terra arremessados, e no ar sus-
leotados pelo fogo, com borrendas, estrondosas, e infernaes batalhos en-
(re si, feita de todas o alvo a negra terra; e entào tornando em si a ago-
Qizaote Cidade do mortai pasmo, em que estava, e acudindo ao amparo
^3 veDcedora do Inferno, a immaculada Conceigao da Virgem sempre pu-
rissima, 0 mesmo foi sahir està Senhora em procissao, que pararem os
terremotos, sem se sentirem mais em a Cidade, e toda està se ver, de
^brazada, e sepultada, que se imagìnava jà, restituida a vida pela Mai
do Aulhor della.
9i Destruido pela veneedora Virgem da Conceigao aquelle aereo In-
ferno, e lancado pelo ar até o mar, os efifeitos que deixou, forao primei-
ro, que cessarao as aguas todas xom que se moia o pao; e he multo de
216 HiSToniA iNsrrjiNA
rotar, que no mesmo tempo om que o Capitao Donatario, para Ihe ren-
clerem mais os moinhos, tìnlia por sentenca que alcan(ou mandado que-
brar as parlicniares atófonns todas, no mesmo tempo a agua se seccou,
e OS moinhos com ella. E quando quinze dias depois tomou a correr a
;ìfiu2i, vinha cheia de cinza, e pedra pomes: e em o pico chamado das
Berlengsfs, se seccou huma grande alagoa. Segundo efieito foi, que n es-
tà liha, por Irinta dias a fio, nunca se tomou a ver Sol perfeitamente
claro, mas impedido sempre de obscuras, e assombrosas nuvens: e d'es-
te segundo effeìto foi causa o terceiro efleito, que foi tanta a cinza, e le-
vissima pedra pomes, que pela ribcira da Praia, da banda do Sul, cor-
njo de tal sorte pelo mar dentro, que fez n'elle bum grande campo, e
«nreal, e vai agora caminlio commum de pé por onde de antes andav3o
OS navios; a profondar valles igualou com suas rocbas; encravou o Lu-
gar de Porto formoso; ao da Maia cubrio de sorte que jà nem parecia
ter estado alli; mas a Villa Franca nào chegou, parando bum quarto de
legoa antes da Villa.
93 Pelo mesmo tempo quiz Deos corresse o vento do Poente, onde
fic3o as outras Illias vizinhas, senào seriao alagadas, e por isso cincoenta
legoas d'està Uba para o Nascente, encontrarao navegantes bum tao gran-
de taboleiro de terra, e com tanto fundo, que ainda conservava levan-
tadas muitas arvores em si; e outros taboleiros virào de mais de legoa
de largo, e de maior comprimenlo; e bouve navio que ató Lisboa cbe-
gou, lancado ós pàs a cinza fóro: e em firn ale em Coimbra, e em Bra-
t;a cboveo entao cinza. Os Lugares dos montes que voarao, ficarao con-
tavidades, e furnas profundissimas, porque atraz dos altos montes que
l)or cima da Uba eslavào, voou o multo mais que enchia as ditas con-
ravidades; e de curiosos qne enlao as quizerao ver, bum Aflonso Pires
Ji)i tao temerario, que là mesmo expirou: outros correrao grandes peri-
f(os, e se vollarao. A perda na Uba foi tanta, que so no termo de Ponta
Jìelgada se perdeilio tres mil moios de novidadc, e a terga parte das
tiMTas frucliferas ficou perdida por alguns annos; e toda a perda causa-
da por cste terremoto, e incendio se avaliou entao em trezenlos mil cru-
zados.
94 Algumas terras, que ficarao cubertas de cinza, e lodo, e pedra
l'omt'S, e em pouco n\enos de tres palmos, e fizerao codea, ficarao na-
turalmente irremediaveis; as outras porém se remede5o facilmente. Vi-
via enluo em Villa Ti anca bum Manoel Vieira, filbo de Feruào Viei-
Liv. V GAP. xn 217
n, e nelo de Pedro Vieira, (innSo de Violante, segimda mulher de
Pi'dreaoes do Canto na liha Terceira) e bìsoeto de Duarte Galvao, cu-
y\ fiJho dito Fedro Vieira, deìxando o pai era Lisboa, se veio casa-
ro para està liha, e tornando depois para Lisboa em tempo d'el-Rei
I). AiTonso V, foi por este enviado Embaixador a Castella, fldalgo, e ho-
inem de muito saber; e voltando de Castella, por ser principal tornou
a està Illia, e levou para Lisboa a mulher que niella tinha deixado, mas
ainda ce dei^tou fìihos, e flihas, hum dos quaes era o dito Femao Viei-
ra, qae viveo na Villa d'Alagoa, homem principal, e abastado, casado
com Heva Lopes, filha de Alvaro de VulcSo, e de Mecia AfTonso, da ge-
ncào dos Madiados da liha Terceira, (que tambem sHo fìdalgosì cujo
dito filho Manoel Vieira foi primeira vez casado com M6r da Ponte, fi-
lila de Sebastiao Alfonso, nobre morador do Lugar do Fajlil, e de Cons-
tmca Rafael, fidalga do Tronco dos Colombreiros: e segunda vez he agora
casado (diz Pructuoso liv. 4, cap. 90 e 91) com Petroniiha de Braga,
(liba de Antonio de Braga, e de Francisca Fea, de Ribeira Grande. Este
]iOìs Manoel Vieira, por ser homem poderoso, bem entendido, e muito
amigo do Capitao Donatario Manoel da Camera, alcancon d'el-Rei, e em
1566 tirou quantas aguas pode ajuntar, e fazendo grandes levadas pelas
t^rras, e por junto a ellas, e com pouco mais trabalho, deo com toda a
cinza levadica, e com toda a pedra pomes em o mar, e com està arte,
<!e que aqni fui elle o primeiro inventor, alimpou de sorte as terras, que
9s restituhio a todo o seu ser, e fertilidade antiga; imitando-o logo ou-
tros muitos» conseguir3o o mesmo: e ficou a liha restaurada da parte
do Norte, e se isto nao fizera, se despovoaria.
CAPITULO XII
Dos TerremoioSf e Incendios mais modemos.
93 Quasi quarenta annos depois da santa morte do Doutor Gaspar
Fnictuoso, residia em o Collegio da Companhia de Jesus da Cidade de
l'onta Delgada o Padre Hanoel Gon^alves da mesma Companhia, que era
ham dos bons Prégadores do dito Collegio» e morreo depois de Reitor
de Braga; a este Padre ordenou a santa Obediencia, que pois estava Va
no tempo do terremoto, e incendio seguinte, apontasse em summa o sue-
218 nisTontA insulana
cesso d'elle; e porque juntamente o Capìt3o Donatario, que entJio era o
ultimo Conde de Villa Franca D. Rodrigo da Camera, Unha pedido ao
mesmo Padre huma piena Relagio do dito successo, e o Padre a com-
poz, e entregou ao dito Conde em muìtas folhas de papel, e d'ella tirou
Imma summa, que se ajuntou ao livro do dito Fructuoso, por isso so
a substancia desta summa referìremos aqui.
96 Em 0 anno do Nascimento de Chrìsto Senhor dosso de 4630,
em 0 segundo dia do mez de Septembro, em huma segunda feira vinte
e cinco da lua, às nove para as dez da noite, estando o tempo sereno,
e quieto, de repente come^ou a terra a tremer tao forte, e conlinuameih
te, que o relogìo da Matriz, com ser sino bem grande, por si mesmo se
locava comò a subito rebate de inimigos queentravaoaCidade;eagente
experimentando serem falaes terremotos; toda desemparou as propria^
c'asas, temendo a ruina a todas, e pelo campo andava, e se nao dava
ainda por segura. temendo que ale a terra Ihe fallasse, e so enchia
OS ares de clamores, pedindo todus a Deos misericordia: durou seni
parar tal terremoto quatro horas depois d'ella : eis que n'este ponto
com horrendos estouros, e eslrondos, e Iremores mais horriveis, arre-
bentou a terra de improviso, e lanQou de si, ale o mais alto ar, tSo es-
pantoso incendio, e tao medonho, que lodos, e em toda a parte jà cui-
davao o tinhao sobre si, e os lanibia a lodos abrazando-os.
97 Os que poróm mais ao longe (comò em a Cidade) Ihe ficavSo,
tornando jà mais em si, advertirSo, e virào ultimamente, que o furioso
incendio no mais alto ar continha muitas, e muito grandes arvores, e
involvia em si a muilos gados de toda a sorte, e grandeza, e que sahìa
de bum valle, ou alagoa secca, nao muito longe das mais antigas furnas,
e duas legoas de Villa Franca; item, que na manlià de quarta feira, qua*
Irò de Septembro, comcgou hum tal diluvio de cinza em toda a liha,
que nas mais partes chegava a dez, e doze palmos de altura, e em ou*
tras a vinte, e a trinta, sublerrando casas ale os telliados; e depois se
soube que chegou a cinza nào su a liha de Santa Maria, mais de diize
legoas distante, mas tambem i liba Terceira, distante trinta legoas» e
com tal pasmo db lodos, que na Terceira tkou a(|uelle anno por anto-
nomasia chamado, o Anno da cinza ; e ainda hoje ha gente na Terceira
que se lembra d està cinza. a)m ter succedido ha oilenta e quatro an-
nos. E 0 que mais he, que alò na Uba das Flores, e na do Corvo, que
uv. V GAP. xn 2(9
disQo de S3o Miguel mais de sessenta legoas, até li cbegou a ciDza, e
li ctìoveo com assembro dos seus moradores.
98 Sahio em outros fatalissìmos effeitos este tal terremoto, e incen-
dio, porque n*aquelle valle, ou alagoa secca, aonde arrebentou, apanhou
varia gente, que andava parte guardando gado, parte recolbendo baga de
louro, (de que n^aquella Uba fazem azeite para as candeas do servilo or-
dJDarìo, e para isto he bastante azeite) e d'està gente se achou faltarem
cento e noventa e bum sugeìtos, que do incendio, e terremoto flcarào
qneimados, e subterrados. De dous Lugares inteiros (a saber, Ponta da
Garca, huma le^oa das Furnas, e a PovoagSo, duas legoas distante) as
casas, e as Igrejas arrazou; e abrindo-se depois, quando se pode fòzer,
ciminho para acudìr-se a bum Sacrario, cavando, se achou bum pedalo
do tecto da Igreja ainda em pé, e debaiio o Sacrario do Santìssimo ; e
reparoQ-se, que huma Imagem de vulto do Menino Jesus, que de antes
esUva no retabolo, a acbar3o fora d'elle, e em pé sobre o Sacrario, com
' tal sito, e apparencia, ()ue se via estar defendendo-o; e abrindo o Sacra-
rio, e custodia de dentro, acharSo o Sacnimento intacto. Oh testimunho
iiiialiivel d*este mysterio da Fé! Oh, conven(3o-se evidentemente os ainda
eegos hereges que o neglo i Em certa parte das furnas mais antigas vi-
viio em communidade buns Ermitaes penitentes, e devotos, que sentin-
do OS tremores, e temendo os incendios, todos logo acudir3o ao Santis-
simo, que em Sacrario tinh3o, e sabindo-se com elle jà por baixo de in-
ceodio altissimo livrarSo ao Senhor, e pelo mesmo Senhor forào sem
Ngo livres; e por outra parte indo tugindo outra gente, clamou huma
^ pessoa pela Virgem do Rosario, e so està escapou, perecendo as
ouÌ8 todas, que nem ao Santissimo, nem i Santissima Virgem acudirao.
90 Em Villa Franca, que està duas legoas das Furnas, for3o tam-
bem taes os terremotos, que cabindo algumas casas, de sessenta Freiras
(qoe 0 seu Convento tinha) so quatro, ou ciuco ficarao, por serem ja
^dhas, e as mais todas juntas se sabir3o, e vierSo metter no Convento
da Esperanca da Cidade. Na quinta feira, ciuco de Septembro, por todo
0 dia, e em toda a liba, se escureceo de tal sorte o Ceo, que o dia foi
todo Doite escura ; e tendo feito o Collegio da Companhia de Jesus em
lodos os dias antecedentes, na sua Igreja, as Ladainhas dos Santos, de-
pois da primeira Missa, com todas as preces da Igreja, e sempre com
prégagao do pulpito, em jejuns ate de pao, e agua passava os dias, e na
iQesa estava sempre bum prato de cinza da que estava cabindo do Ceo»
220 «ISTORIA INSULANA
fora ontras pcnitcncias de ciiicios, e disciplinas nas costas na dita quinta
fi3ira sahio o dito Collegio pela Cidade com buina procissao na ordem
seguinle : Às onze horas para o melo dia (que enlSio parerla meia noile)
lììào diante meninos em grande numero, e todos com as insignias da
])enilencia, e no meio d'elles bum andor com o Menino Jesus vestido de
liicto, e cahmdo-lhe entào de cima a cinza que entao chovia. Seguia-se
logo a Confraria dos Officiaes da terra ; e logo a dos Estudantes com a
sua Imagem da Yirgem Senhora, e ludo de lucto; e se conclubia a pro-
cissao com bum palio preto, e o santo, e sacratissimo Lenbo da Cruz
de Christo debaixo do palio, com os Padres do Collegio com innumera-
veis lumes, e gente innurneravel, entoando sempre o Psalmo de Miserere
mei Deus. E corrida a Cidade se recolbeo outra vez à sua Igreja, e aca-
bou com prégacao, cujo tbcma foi o da Divina Sapiencia, e da Yirgem
Sacratissima, Cum eo eram cnncta componens; e se affirma nSo Bear pes-
soa em toda a Uba, que entao se nao confessasse.
100 Em 0 Domingo seguirne, oito de Septembro, se abrìrSo na
Igreja do Collegio os Santuarios das Reliquias^ com a Rainba de todos
OS Santos no meio de todas, e a letra que dizia. Et in pleniiudine San-
ctorum detentio mea, sobre que tambem foi a prégacao d'este dia. E he
inuito de notar, e agradecer a Deos, e i Yirgem sacratissima, qae com
ainda ent^o durarem os terremotos todo o mez de Setembro até a en-
trada de Outubro, com tudo desde este Domingo por diante, e jé desde
a quinta feira da procissao, nSo forao jà sen3o mui tenues, e brandos,
nem se tevantou incendio mais algum, nem se sabe perecesse mais algu-
ma casa, ou pessoa, e so d'ahi a annos com algum tremor de terra ar-
rebentou o IMco, cbamado de Jo3o Ramos, bum quarto de legoa da Ci-
dade para o Norte, e fez buma pequena boca em cima, por onde sempre
està lancando.fogo moderado, comò se ve em outras muitas partes d'està
llha: e dizem que està be a naturai seguranga que jà tem, porque pare-
cendo ser toda està Uba em seu centro bum continuado Etbna de fogo»
tantas cbaminés tem jà, e tSo naturaes, que jà nao necessita de abrir
hocas, nem de abaiar a terra, para as abrir, pois tem jà tantas, e tac^
graiides, e sempre abertas.
LIV. V CAP. XIII mi
CAPITULO XIII
Des primeiros tres Capitàes Donatarios da Ilha de S. Miguel^
Gonfolo Velho Cabrai^ Joào Soares de Albergarla, e Rui GonQohes
da Camera.
101 0 Primeiro Ca^itao Donatario da Ilha de Sao Miguel foi (coma
vimosjà no liv. 4, cap. 3,) aquelle grande fldalgo Frei Gongalo Velho
Cabrai, cuja illustre ascendenza jà acima propuzemos, e a transversai
descendencia dasirmas que teve; pois nao teve propria descendencia, por,
aléna de ser de varias terras senlior, ser demais Comraendador da Or-
dem de Christo, cujos Commendadores ainda entao nao casavao; e so iìa
nove teve a singular excellencia de ser juntamente Donatario de duas
flbas inteiras, quando de Imma so, o Porto Santo, o foi o fidalgo Pe-
reslrello, corno dissemos no liv. 3, cap. 1, e nem o Capilao Joào Gon-
(alves Zargo o foi de toda a Madeira, mas de so ametade d'ella, comò
da oulra metade o grande Tristào Teixeira; porém o famoso Fr. Gonzalo,
deambas as duas Ilbas de Santa iMaria, e Sào Miguel, foi inteira, e jun-
taniente seu primeiro Capitào, e Donatario.
102 0 segundo Capitào da Ilha de $ào Miguel foi Joào Soares de
Albergarla, sobrinho do primeiro Capitào, e filho de Imma irma d'elio
D. Tareja Velha Cabrai, qne era casada com outro Soares de Alber-
garla, tao grande, e antigo fidalgo, que com renunciar n'este segan-
do ambas as Ilhas o primeiro Capitào, ainda nem para si, nem para
seos direitos successores quiz usar dos illustres appellidos de Velhos,
Cabraes, etc. mas conservar o dos famosos Soares, e so ajuntar-lhe o
dos Sousas, aonde segunda vez casou. Governando pois este segundo
Capilao Joao Soares de Albergarla, e adoecendo-lhe sua primeira mu-
Iber, a levou a cural-a a Ilha da Madeira, e raorrendo-lhe là, foi a Lis-
Ih», aonde El-Rei vendo-o viuvo, o casou logo com huma Dama do Pa-
co, D. Branca de Sousa, filha de Joào de Sousa Falcào, e de D. Moria
de Alraada, prima coirmà do que entào era Conde de Abranches; e d*a-
P veio ajuntarem os Capitàes de Santa Maria o appellido de Sousas ao
seuauiigo de Soares, podendo ajuntar Ihe os appellidos de Velhos, e
^^braes. em memoria do tio Confalo Velho Cabrai, que descubrio as
Ulìas, e n'elles ambas as renunciou.
222 mSTOBIA mSCLANA
103 Com a dita occasiSo da doenca, e morie de sua primeìra mti-
Iher, e muito mais pela pouca ambigao, e grande virtude d'este segundo Ca-
pitao de ambas as Ilhas; e quercndo agradecer ao GapiQo do Funchal,
e a seu terceiro filho Rui GoD^alves da Camera» a grande hospedagem
que Ihe fizerao em a Madeira, se resolveo a vender ao dito Rui Gon-
(^Ives a inteira Capitania da liba de S3o Miguel, e em pre^o tSo barato,
que affirma Fructuoso liv. 4, cap. 66, que Ih'a vendeo por oitocentos
mil réis em dinheiro de contado, e quatro mil arrobas de assucar; as
quaes ainda que entao valessem a tres mil e duzentos réis a arroba, e
a tostao 0 arratel, ainda o capital preco da venda nSo passava de tnota
mil cruzados, ou de trinta e dois mil, com os oitocentos mil réis em di-
nheiro, sendo que nao muito menos rende cada anno ao CapitSo Dona-
tario a Capitania vendida. Porém nao ha que admirar, porque ainda en-
tao a Capitania era de muito, e muito menos rendimento do que he boje;
e com OS terremotos, e incendios da liha de S3o Miguel, até ella mesma
era ainda entao mui contingente, e por isso o seu mesmo segundo Ca-
pi tao quiz antes vender a Capitania de Sao Miguel, do que a da Uba de
Santa Maria, e so com està se quiz entao ficar; e a venda emfim a con-
firmou pela m3o Real da Infante Dona Beatriz, que do Reino era entio
Regente, em Evora a 10 de Marco de 1474, e em nome dei-Rei D. Af-
fonso V.
104 0 terceiro Capitao pois, e jà so da Uba de S2o Miguel foi o
dito Rui Gon^alves da Camera, que logo entSo velo para S3o Miguel;
veio porém jà casado com Dona Maria de Betencor, Alba de Nossen Solo
de Betencor, que tinha sido segundo Rei das Canarias, e succedido n'eN
las ao primairo Rei seu tio, (comò jà dissemos liv. 2, cap. 3, e 4) mas
d'està Senhora Franceza nao teve filho algum Rui Goncalves, e por isso
com ella fez partilhas em vida de ambos, e ella flcou com cento e cin-
coenta mil réis de foro cada anno, e trinta tambem de foro em Ribeini
Grande e outras fazendas de tal renda, que tudo junto em cada anno
rendia dous mil cruzados; e entSo ella mandou vir da Madeira bum sten
sobrinbo legitimo, por nome Gaspar de Betencor, e instituio morgado
n'elle; e nem ainda em vida do marìdo consentio que llie cbamassem
Capitoa, nem ella se intitnlava senSo so D. Maria: deixou em seu testa-
mento ao Conselho de Villa Franca dois moios de terra, jà limpa, e fhi-
ctifera, com condigao que os gados que viessem de caminbo, podessem
dormir em a tal terra buma noite, e mais nao: mandou fazer no Fon-
LIV. V GAP. XIII 223
M da Madeira, na Igreja de S3o Francisco à mio direita do Crazeiro,
hama Gapella, e que a ella levassem os seus ossos: foi enterrada na Ca-
pella-mór da Matriz do Archanjo Sào Miguel em Villa Franca, muito an-
ies de se subverter, porque entao là residia o Governo da liha loda.
105 Ficou pois este terceiro Capitào, das partilhas, com a Capita-
yini, que rendia ainda tao pouco, qne para flcar igualado com o sobre-
^ dito que a mulher levou, coube ainda ao Capitao bum quarto da fazen*
da, que cham3o Ribeira de agua de mei em a Madeira. Vierao da Ma-
deira com este terceiro Capitao (além de outros homens honrados) tres
seos filhos, e huma fllha, todos naturaes, e reconhecidos do dito seu
pai; de que se seguio copiosa descendencia, comò veremos agora; reser-
vaiuk) porém sempre o que Ihe "succedeo na Capitania, para seu lugar
abaixo.
106 Antao Rodriguez da Camera foi o segundo Albo naturai que da
Madeira veio com este terceiro Captt3o; Servio a El-Rei em Africa al-
gnns annos à sua custa, e sahio tao grande Cavalleiro, que em buma oc-
casi3o indo elle com muitos a cavallo cortejando a El-Rei D. Manoel, que
a cavallo bia tambem pela Corte de Lisboa, e succedendo passar bum
Indio por diante com bum Elefante que levava a mostrar, todos os ca-
vallos, até o do mesmo Rei se alterarlo com tal vista, e ftigirao, e ca-
hirio alguns Cavalleiros; mas Antao Rodriguez de tal sorte govemou o
seQ cavallo, que envestindo ao Elefante, fez que seu cavallo puzesse a
bota sobre a anca do Elefante, e dando-lbe com e tercado huma leve es-
padeirada, se voltou para El-Rei, dizendo que nada era aquillo; e man-
dando El-Rei logo a seu Estribeìro-mór, que tal cavallo comprasse a lo-
do 0 preco a Antao Rodriguez, este logo o offereceo, mas dado sim, e
por prefo algum nao; e nem vindo El-Rei em tal, nem querendo ven-
del-o Antao Rodriguez, voltou este com o cavallo para a liba d'onde o
Inha levado, ensinado jà por elle, e de sorte, que em ouvindo o tal ca-
dilo algum repique de sinos, ninguem o podia ter em estrebaria, até
iDontado sabir della.
107 Antes de casar este Antao Rodriguez da Camera, das terrai
406 0 pai Ibe deo, e de outras que comprou instituio bum morgado de
y cem rouios de renda, e voltando a Lisboa casou com D. Catbarina Pe-
reira, fidalga Dama da Duqueza de Braganca, e tornando com ella pa-
ra Sao Miguel, della bouve dous filbos legitimos, Rui Pereira da Ca-
ldera, e D. Mecia Pereira; e voltando depois a curar-se ao reioo, fale-
224 uiSToniA insulana
ceo em Vianna de Caminha, aonde esU enterrado; e a mulher D. Catha*
rina tornou viuva para Lisboa, e viveo ainda quarenta annos, e morreo
de oitenta: seu fillio Rui Pereira, depois de servir em Africa fui despa-
cliado para a India por Capilao de Sofala, e arribando a Lisboa» morreo
ahi solteiro.
108 A este Rui Pereira da Camera succedeo em o mor^ado sua
irma D. Mecia Pereira, que casou coro D. Goraes de Mello, (fillio de
Diogo de Mello, e D. Maria Manoel, e d estes nasceo tambem D. Calha-
rina de Noronha, mulher de Simào Ribeiro, Comraendador e Alcaide
mór de Pombal, e da D. Anna Pereira, e D. Leonor Manoel, entao ain-
da solteiras) do qual D. Gomes de Mello, e da morgada D. Mecia nas-
ceo D. Maria Manoel, Dama da Princé^a mài d El-Rei D. Sebasliào que
coin ella foi para Castella, nasceo mais D. Rodrigo de Mello, que casou
coni Dona Antonia de Vilhena, filha de Pedro de Tubar, e de D. Brites
da Silva, e morreo em Africa na batalba d*El-Rei D. Sebastiào; nasceo
tambem e ficou coni o morgado Dom Francisco Manoel, que vindo da
Iiulia casou com Dona Ursula da Silva, filha de Francisco Carvaiho Es-
crivao da Casa da India. Tinha o dito Antào Rodriguez, antes de casai ,
duas fi!has naturaes; primeira, Guimar da Camera, de quem nasceo Rui
Cago da Camera; segunda, Maria da Camera, de que nasceo Joao Xunes
da Camera, Vigano, e Ouvidor da Ilha de S. Maria, e irmao tambem do
D. Dorothéa, mulher do illustre Capitao Donatario Bràs Soares de Scu-
sa, da dita Iliia de Santa Maria. As armas do sobredito Antào Rodrigue/.
da Camera trazem accrescentadas às dos Cameras, dous puxavanles ao
pé da torre, em sinal de sempre irem avante, assim na paz, comò na
guerra.
109 0 terceiro seu filho naturai, que com este Capitao Rui Goi.-
Calves da Camera, veio da Madeira, foi Pedro Rodriguez da Camera, ,^e
tido, dizem, de huma mulher nobre, da geragào dos Albernazes) c<isou
com D. Margarida de Betencor, filha de Gaspar de Betencor, de quo
nascerào os fillios seguintes: primeiro, Joào Rodriguez da Camera, quo
casou com D. Helena, filha do Contador Martim Vaz de Bulhào. da qual
nasceo huma D. Joanna, que faleceo soiteira. Andando pois em Afrita
este Joào Rodriguez da Camera com outro irmào seu Manoel da Came-
ra, com quem andava mal, e vendo-o ir caplivo jà dos Mouros, arremo-
tendo com a lanca enrestada ao Mouro, que o levava, e pegando ao ir-
mào por bum braco o poz nas ancas do cavallo, a entrando ambus li-
Liv. V GAP. xm 225
Tres pela nossa prega, disse entao o resgatado ao ir^o estas palavras:
'Pois irmao corno Gcamos?» Respondeo-lhe Joao Rodriguez: «Como d'an-
tes:> E El-Rei o despachou com urna Commenda de mais de cem mil
reis na Beira, ao pé da Serra da Estrella, em Esirinta; aonde estando
ji perto da morte, casou com D. Gatliarina, de que teve estes filbos:
Rai Gon^alves da Camera que morreo solteiro, com vinte annos de ser-
vicos na India; Item, Bernardim da Camera, valente soldado, e grande
Cavalleiro, que casou na Villa de Nordeste. Item, Apollinario da Came-
ra, que ficou em Africa na jornada d'El-ttei D. Sebasliào. Teve mais este
Joào Rodriguez da Camera, tres QUias: primeira, D. Guimar, que mor-
feo indo para Dama da Emperalriz: segunda, D. Brites, que com bum
grande e poderoso fidalgo està casada em Castella: terceira, D. Marga-
rìda, casada com Pedro Rodriguez de Sousa» filbo de Balthezar Rodri-
goez de Santa Clara, onde morreo sem filhos.
110 Do mesmo Fedro Rodriguez da Camera o segundo (Ubo e ne-
to d este Capitao Rui Gon^alves da Camera, foi o sobredito Manoel da
Camera, que . deixando so bum fillio naturai, morreo solteiro na India.
0 lerceiro,nfimào da Camera grande Astrologo, morreo solteiro em Lis-
boa. 0 quarto, Henrique de Betencor e Sa, morou em Ribeira Grande,
andou multo tempo em a Corte, e casou com D. Simoa, filba de Bal-
tliezar Vaz de Sousa, e de Leonor Manoel, e teve estes filbos, Rui Con*
calves da Camera, que casou com U. Luiza (filba de Hieronymo Jorge«
e de Bealriz de Viveiros) de que leve tres filbas no Mosteiro de Jesus
(je Bibeira Grande, e era fidalgo de magnifica condi^ao, e de grande
charidade: teve mais a Uanoel da Camera que dispensado casou com sua
pareDta D. Maria, (filba de Rui Cago da Camera, e de Isabel Botelba)
de que bouve filbo, e fijba; teve tambem o dito Henrique de Betencor
e Sa, a Henrique da Camera, que morreo na India; e Francisco de Sa»
que faleceo solteiro; e a sete filbas, das quaes falecerao tres solteiras, e
outras tres no Mosteiro sobredito jà professas; e so a septima, cbamada
D. Margarida, casou com Cbristovào Dias, nobre, e rico da Cidade de
Penta Delgada.
1 11 Do dito Pedro Rodriguez da Camera o quinto fiibo foi Anto-
nio de Sa, que faleceo solteiro; corno tombem faleceo solteiro o sexto fi-
lbo Luis Goncalves da Camera. 0 septimo foi Dona Francisca, que ca-»
soa com D. Antonio de Sousa, viuvo, fidalgo porèra dos Sousas do Rei-
no, e muitos annos Vereador da Cidade de Lisboa, e Pedro Rodrigue»
\0L. i 15
226 BISTORTA INSULANA
da Camera Ihe dé^em dote cincoenta moios de renda junlo a Ribeira
Grande, que com o mais passava entao de dez mil cruzados; e conten-
tou-se D. Antonio de Sousa, sendo ìrmao do Conde de Prado, e D. Ma-
ria de lavora, mnlher de Pedralves Carvalho, Cnpitao de Alcacer Se-
giier: de outra primeira mùlher tìnha jà D. Antonio de Sousa a D. Mar-
tinlio de Sousa, e a D. Jorge de Sousa, que duas vezes for5o por Capi-
taes de nios à India; e da segunda mulher D. Francisca leve alnda a
Dom Fedro de Sousa Commendador da Ordem de Christo, e muito pri-
vado d'El-Rei D. Joao III, e a D. Joào de Sousa, e ambos estes irmaos
falp.cerao solteiros: mas o terceiro irmao Dom Dias de Sousfi casou no
Beino, e teve fllhos, e filhas, e a dita fazenda cà n'esta Ilha. E com ter
tantos fillìos o dito Fedro Rodriguez da Camera, ainda foi tao pio, e es-
moler, que fundou o Convento das Freiras de Jesus de Ribeira Grande
com dezoito moios de renda cada anno, e trinta mil reis de juro per-
petuo; e deo multa renda ao Hespital, e accrescentou a Matriz da dita
Villa, e Ihe deo bum rico Pontificai, e outro à Igreja da Maya, e foi
Locotenente do Capil3o Donatario Rui Gonc<ilves seu sobrinlio, em cuja
ausencia governou sete annos com multa paz, justifa, exemglo, e sem-
pre bom nome; e sua mulher D. Maria de Belencor faleceo vinte annos
depois d'elle, e com grande fama de multa virtude.
112 0 dito terceiro Capilao Rui Gongalves da Camera teve mai»
huma filha, tambcm naturai, que casou com bum fidalgo Francisco da
Cnnha, dos Cunhas do Reino: cste appellido ganhou hum antigo Alferes,
que andando com a bandeira em huma batalha, e vendo que o Inimigo hi%
vencendo, metteo a bandeira em a fenda de huma grande pedra, acu-
nhando-a com outras, e investindo aos inimigos, com tal valor pelejou,
que recuperou a viteria jà quasi perdida, e vilorioso se voltou; e entao
vendo o seu Capitào ao seu Alferes comsigo, e sem bandeira, e pei^un-
tando por ella respondeo, «Bem àcunhada a deixei;» o que sabendo o
Rei, entre outras mercès que fez ao tal Alferes, Ihe concedeo de mais,
que elle, e seus descendentes se appellidassem «Cunhas.» Do dito poi»
Francisco da Cunha, e da dita sua mulher nasceo D. Guimar da Cunba,
que casou mm Joao Soares, terceiro Capilao Donatario da Ilha de Sant.i
Maria, e segundo do nome; e assim flcarao liados os Capitaes Donatario»
d'estas duas Ilhas.
113 Era este terceiro Capitao de Sao Miguel Rui Goncalves da Ca-
mera, homem alto, e grosso de corpo» discreto porém, e mui solicìlo
LIV. V CAP. XIV 227
«Il Fazer povoar, e cultivar a terra, ao qae pessoalmente sahia visitan-
tlo-a, ou a cavallo, ou em huma mula ; e assim elle repartio a major
parie das terras d'està com o pacto, ou titulo de sesmaria, a saber, de
qaeem cinco, ou seis annos, quem se entregava da terra, aalimpasse,'e
fizesse fructifera, e livesse n'ella algum genero de casa, ou cafua, e cur-
ral; e nao o fazendo assim, poderia o Capitào tirar-lhe a terra, e dal-a
a OQtro; e isto significa a palavra sesmaria ; outros dizem que a pala-
vra he, cseemaria,i dirivada da Italiana, cseemo, ou seemato,t qne
<pier dizer divisào, ou cortadura; e que tambem he palavra dirivada dtr
estoutra palavra, «ssisma,» que significa o mesmo. Governou esle Capi-
no vinte e bum annos para vinte e dous, desde o firn de 1474, até o
de 1497, em que fez seu testamento, e por seu herdeiro, e testaraen-
teìro noroeou ao seu filho mais veiho Joao Rodriguez da Camera ; e a
mais fazenda que pode, separou para sua alma, e para pagar a quem
bevesse. Foi sepultado na mesma sepultura eni que sua mulher D. Ma-
ria de Betencor, e ao dito seu Albo mandou que bouvesse licenga d'el-
Rei para se enterrar tambem na mesma Capella mór da Matriz de Villa
Franca. Pouco antes que morresse, correo fama que vinbao Castelbanos
^e a Uba; e fazendo-se logo alardo geral de toda a Uba, para se sa-
ber as armàs que n'ella bavia, nào se acbarào mais que cento e setenta
laD(as de costa, e trìnta e seis Gebanotes; e com isto que tiverao ainda
por innito, se derao por contentes para se defenderem; tal era entao o
seu brafo, e o seu valor.
CAPITULO XIV
Do quarto Capitào Joào Rodriguez, ou Joào Gorifalves da Camera.
114 Quarto Capitào Donatario da Uba de Sao Miguel foi o primeiro
filho qwe tìcou do sobredito terceiro Capitào ; porque ainda este ter-
tóro Dao teve filbo algum legitimo, legitimoucomtudo por El-Rei o pri-
B^iro filho dos naturaes que leve, e conseguio licenca para Ibe succe-
der na Capitania, e casa. Nasceo Joao Rodriguez da Camera ainda na
iiha da Madeira, d'onde veio com o pai para està Uba; mancebo ainda
iQditoa em Africa alguns annos, e voltando a Lisboa casou em vida do
pai com D. Ignes da Silveira, Dama do Pa^o, à qual El-Rei D. Joao II, ti-
^ feito mercé de dezaseis mil réis de ten^a em sua vida, e pagos n'esta
libi, para onde depois veio com o dito seu marìdo: tiverSo filhos: o pri-
228 ntSTORIA LNStJLANA
meiro, Rui GoD^alves da Camera, de que abaixo fallaremos ; segun(f(^^
Joao de Mello, que sendo tooco leve de buma Maria Dias bum flibo, por
uome Rui de Mello, que casou na India, e o pai cà, jà reformado se meU
teo Religioso em Alcoba?a; terceiro, Dtogo Nunes, que foi desposada
com D. Maria fìlha de Joao de Outeiro, e de Guimar Raposa, viuva de
Rui Yaz Gago do Trato; e sendo mo^o de pouca idade, sem fazer vid»
com a esposa, se foi a Portugal, e d'ahi a Africa, e là o matarao. Quarta
liiho foi Garda de Mello; e logo tres fillias, D. Joanna, D. Brites, e D.
CStharìna.
' li5 Governando este quarto Capjt3o veio buma Armada de Cas-
tella, que entao trazia guerra com Portugal; e vendo o Captt3o a pouca
gente, e poucas armas que bavia de peleja, usou d'este ardid, ou es-
tratagema; mandou logo por na praia onde o inimigo podia lan^r gen-
te, em fileira singela os verdadeiros soldados armados com Tortes langas,
e assim chegavao a toda a frente da praia; e logo por detraz dobrou
tantas fileiras de mo^os, e tantas mais atraz de mulheres, e com Qngi-
das lanQas de altas canas nas maos; que querendo desembarcar o inimi-
go, e vendo tal exercito na praia, dosistio do intento, e largando as ve-
las se voltou, e flcou a Uba livre pela disposi^ao de bum Capitao sabio,
e experimentado.
116 Jà em vida de seu pai, que estava em Lisboa, tinha este Ca-
pitao governado a Uba por provisao do Grao Mestre, ou Governador da
Ordem de Cliristo, o Duque de Beja entào, que ao depois foi Rei D. Ma-
iioel; e he de se ponderar a tal Provisao que diz assim:
117 tEu 0 Duque vos fafo saber a vós Juizes, Officiaes, Fidalgos^
Cavalleyros, Escudeyros, e homcns bons, e povo da minha Uba de Sào
Miguel, que a mim disse Rui Gongalves da Camera, fidalgo de minba
Casa, e do Consclbo del Rey meu Senhor, e Capitao por mercé da dita^
Uba, comò elle deyxàra'em seu cargo de Capitao a Joao Rodriguez dasr
Camera, fidalgo da minba casa, seu filho; daqualcousaamimmeapraz ^
por sintir delle que he tal, que usarà do dito cargo assim comò pen—
tence ao servilo del Rey meu Senhor, e meu, e bem da justifa; peLo
qual vos rogo, e encomendo, e mando a todos em geral, e a cada bu«3i
em especial, que obedecais ao dito Joao Rodriguez em todas as cousas,
que ao cargo da dita Capitania pertencerem, assim tam cumpridamente^
corno farieis ao dito Rui Gongalves seu pay^ se là estivesse, e de direyfc^
LIT. V CAP. ^v 229
soìs obrìgados a fazer. 0 que de him, e outro assim cumprirdes, vo lo
agradecerey, e terey em servilo: do contrario (o que de vós nao espe-
ro) me desprezaria, e tornarla a isso, conoio fosse raz3o. E por este
mando ao dito Joao Rodriguez, que no dar das terras ten}ia està ma-
nevra, <^nvem a saber, que as qua forem dadas, nao Ihes de espaco,
nem Ibes buia com ellas; nem de terra alguma de novo a homens, que
tiverem terras na dita liha; e sómente darà das terras maninhas àquei-
Ids que tei ras nao tiverem, assim aos moradores da dita Uha, comò
iqueiles que de novo vieram a ella viver. E qualquer cousa que elle,
acerca do que dito he, fizer em contrario, mando que nao seja valiosa.
Feyta em Santarem a 25 de Dezembro. Joao Cordovìl o fez em 1487.»
118 Depois deo este Gapit3o muitas terras de sesmaria a alguns
tìomens princìpaes, que em seu tempo vierao para està liha, mas adoe-
ceodo, e indo curar-se a Lisboa, faleceoléemoannodel50!2, eficousua
mullier tres annos mais na Uha, até que seu filho Bui Gongalyes veio da
Corte com sua mulher a tomar posse da Capitania, comò abaixo dire-
inos; e a mai se resolveo a tornar para Lisboa com o quarto lilbo Gar-
da de Mello, e com as tres filhas acima ditas ; porém (oh fado inevita-
^el, oh ineicrutaveis juizos Divinos, oh casos lastimosissimos!) em huma
caravela se embarcou mai, filho, e tres filhas, ha quasi duzentos e trinta
iannos, e nem de taes pessoas, nem de toda a mais gente da caravela,
nem d'està em parte alguma houve até hoje noticia, e parece que o mar
so a póde dar.
119 Era este Capitao Joao Rodriguez da Camera (diz Fructuoso,
liv. 4, cap. 67,) grande Cavalleiro, muito discreto, e tao benigno, hu-
niilde, e cortes, que a muitos fidalgos de Portugai affeicoava a irem vi-
^er com elle na liha ; porém governou tao poucos annos, morreo tSo
<^o, e tal morte tiverlo sua mulher, seu filho, e as tres filhas, que pa^
J^ece, que quao venturoso fui seu pai, (comò jà vimos) tao pouco ventu-
^^ este Ibi, com ser seu filho.
CAPITOLO XV
Do quinto Cofildo Bui Gon^lves da Camtra^ seguudo do nome.
120 Este quinto Capit3o, quando o quarto, e pai seu faleceo na
230 HISTeRfA INSULÀNA
Corte de Lisboa, eslava là tambem com elle, e por nao ter ainda i ida-
de competente, govemou por elle em a Uha seu tio Pedix) Rodriguez
da Camera até o anno de 1504, mas em vida ainda do pai tinha jà ca-
sado este Rui Goncaives da Camera com D. Felippa Coutinho, filha de
Lopo Affonso Coutìnho irmlo do Conde de Marialva, (e do Gonde de
Borba, que depois foi Conde do Redondo) cuja fflba do tal CoDde
de Marialva casou com o Infante D. Fernando, Gllio d'eKRei D. Ma-
noel, e irm3o d*el-Rei D. Joào III. D'este antigo appellido, Cautinbo,
comò do dos Cunhas aciraa tocàmos, se diz vir antigameiìte do caso
seguinte. Em buma bataiha indo-a jà perdendo os de buma parte, o seu
valeroso Alferes, nao obstante a bandeira que apertou bem comsigo, se
metteo tambem no mais arduo da bataiha, e pelejou de tal sorte, e a
seu exemplo os mais, que por sua parte se declarou a vitorìa; mas ao
valeroso Alferes tinb3o aperlado tanto os contrarios por Ibe tornar a
bandeira, e o Alferes tanto mais pela conservar, que com Ibe levarem a
espada ambas as mSos, nunca Ihe poderao levar a bandeira, até que os
seus }à vitoriosos Ibe acudirao, e o Alferes se reeotbeo sem as mlos,
mas com a bandeira; e perguntando entao com que guardàra a bandeira
tendo perdido as maos, respondeo: «Com os cotiniios dos bra^os a guar-
dei.» 0 que sabendo o Rei, depois de api*emiar ao tal Alferes, determi-
nou que dalli por diante se cliamasse, «Cotinlio,i de sobrenome: e o'
vulgo, nao sem mysterio, mudou este appellido de «Cotinhos, era Cou-
linbos,» porque o famoso Alferes, dos cotos de seus bragos fez invio-
laveis Coutos da bandeira.
121 Era està D. Felippa, Dama da Excellente Serrfiora, quando ca-
sou com 0 Capitào Rui Goncalves da Camera; o qual com ella veio a
està Uba tornar posse em o anno de 1504, e govemou alguns annos;
mas nao Ihe faltarao logo aggravados, homens nobres, Cavalleiros, e Q-
dalgos, que por causa (diz Fructuoso liv, 4, cap. 68,) de desapparece-
rem humas escrituras, por causa de mulheres, ou por se recolberera
bomiziados em sua casa, centra o dito Capitào propuzerao a El-Rei ca^
pitulos, e foi mandado ir emprazado a Corte, e com elle forao rauitos
seus amigos em o anno de 1510, e todos em chogando a Corte, forào
logo com 0 mesmo Capitào mandados para Africa, a Tangere, e d'ahi
forào por ordem d el-Rei soccorrer Arzilla cercada de Mouros, e erio
quarenta de cavallo, e cincoenla bésteiros, e alguns de pé, os que com
0 Capitào forào d'està Uha, e là andarào em Àfrica o anno inteìro de
uv. V CAI». XV 231
18 IO, e fizerao fainosas cavalgadas, e là forao arnaados Cavalleiros; e pa-
rece que se equivocou Damiao de Goes uà Clironica d'el-Kei D. Manoel,
3 part. cap. 3> onde isto poem nos anrios de 1309, SIO, e 511, e tu-
du attribue ao primeiro Kui Goricalves da Camera, corno tambem diz a
lieia^o dos Capitàes da Madeira; sendo que o primeiro Bui Goncalves
da Camera, e aiuda seu Filiio Joao Rodriguez da Camera, jà ambos erao
eiilao mortos; e a equivoca^ào de Goes, e d^aquella Rela^ào da Madei-
ra, esteve em ambos estes, terceiro, e quinto Capitao de Sao Miguel,
se diamarem do mesmo nome Itui Goncalves da Camera, e por isso se
attribuirem as acQoes de bum ao outro ; e assim o sente o citado, e
douto Frucluoso.
122 0 certo he, que ainda nao obstantes taes servjQOS, voltando
de Africa este nosso quinto Capitao, ainda pelos capitulos que se tinhao
dado contra elle, sahio contra elle sentenza, per que foi privado da ju-
risdicc^o, e Capitania de S. Miguel, e sem ella andou na Corte este se-
guiido Rui Goncalves da Camera seis annos, até que pela amizade que
coalrahio com o Wonteiro mór George de Mello, grande privado dei-Rei»
e por contralarem enlre si, ique se se restituisse a jurisdicfào, e Capi-
taoia de Sào Miguel ao dito Rui Gongalves, casaria o fliho deste com
D. Joanna de Mendofa, filha do Monteiro mór; este em breve tempo tu-
doconseguio, e se cumprio tudo; e no anno de 1317, voilou jà resti-
iuido à Capitania, e Uba Bui Goncalves da Camera, com grandes festas
de seus amigos; mas aos que o tinhao capitulado, vierào tambem cartas
Beaes, para que o dito Capitao nem com elles, nem com suas cousas
podesse mais entender ; e nos antecedeutes sete annos tinha governado
a Capitania seu grande, e prudente tio Fedro Rodriguez da Camera.
123 Depois de tantos desgostos, de seu emprazamonto, privacào
de sua casa, e falaes gaslos de Africa, e Lisboa, Ihe sobreveio o irifaus-
tissirao da subversào de Villa Franca, e deseslrada- morie de seus filhos,
e irmà, porque tendo de sua mulher tres fllhos legitimos, Simào Gon-
calves da Camera, Manoel da Camera, e Joao de Sousa, e duas legilimas
lìllias D. Hieronyma, e D. Guimar, e bum fillio naturai Miguel da Sil-
veira; so Manoel da Camera Ihe ficou vivo, tendo-lhe falecido de antes
0 primeiro, e acabando-lhe os mais em Villa Franca, enterrados, ou sub-
Uìfrados vivos, com demais huma irmà d'este mesmo Capitao, comò ja
largamente referimos : com esles desgostos pois, e com jà sessenta annos
Aj idade, e ba^endo trinta e tres que entiara a governar, succedeo que
S32 ìnSTORIA INSULANA
em hama qnarla feira 20 de Oulubro de 1535. indo depois de janlar a
descansar hiim pouco em seu leito, e vindo sua mulher jà a competen-
tes horas despertal-o, sem ter dado sinal algunì de si o achou morto.
124 Porém tinha tanto de antes lidado com a morte, e preparado-
se para ella, que tinha onze annos antes feito jà seu testamento em 20
de Janeiro de 1524, tinha nomeado a mulher por sua Testamenteira, e
por herdeiro seu a seu unico ftlho Manoel da Camera; tinha deixado
muitas esmolas, e obras pias, e que de sua ter^a se resgatassem cada
anno dous cativos de terra de Mouros, os mais dtesemparados, além de
muitas JMissas que mandou se dissesem por sua alma ; è jà em Ponta
Delgada tinha, com zelo do bem commum, e da pobreza, mandado fazer
muitas atafonas junto a S§o Francisco, e abaixo da Parochia de S30 Pe-
dro; e tinha determinado se sepultasse seu corpo na Capella mór de S3o
Francisco, e assim se cxecutou: com que prudentemente se pode jnlgar,
que quem tanto em vida se preparou para a morte, ainda que a ieve
subita, nao a teve improvisa, que he a de que Deos nos livre.
125 Ficou D. Felippa sua mulher, cuja vida foi de muito exemplo
sempre, de muita oracào, e de grande charidade, e especialmente dada
a compor disconlias: fez da sua terca a maior parte do Convento das
Freiras da Esperanga em Pjnta Delgada, em terra que para elle derSo
Fernando de Quenlal, e sua mulher, e n'este Convento recolheo as Frei-
ras que se vierào da Villa dAlagoa, e junto ao mesmo Convento fez hn-
mas casas, em que viuva se recolheo, e que por sua morte deixou at>
mesmo Convento ; por seu Testamenteiro deixou ao sexto Capilao sea
filho, e trasladou os ossos do marìdo para a Capella mór do tal Mostei-
ro, e n'elta, e em o habito de Santa Clara se mandou enterrar, e assim
se exoculou em looi, em que faleceo, sendo jà de idade de oitenta
annos.
CAPITOLO XVI
Do sexto Capitào Manoel da Camera^ primeiro do nomee
126 A seu Pai Rui Concai ves da Camera, segundo do nome, sue-
cedco seu nilio Manoel da Camera, primeiro do nome: sendo jà de sei»
annos o vio hum grande letrado, que passava por alli de Indias de Cas*
Iella, e pergiintando que menino era aquelle, accrescentou, que ainda
que tinha irmàos mais velhos, ha via ser mui rico, e grande senhor ài
LTV. y GAP. X7I 233
jwrìsdìccSo, mns que primeiro havia ser cativo, e passar grande Iraba-
Iho, e turto assira succedeo, corno veremos. Depois, por seu pai o ter
osado sem elle enl3o vir n'isso, e por ver hum Galeao que linha feito
se«i pai em o Porlo dos Carneiros, e commiinicando seus inlenlos cont
0 Piloto, e com alguns nobres amigos da terra, cora elles se embarcou
ìK) Galeno, d«ixando o pai sangrado dezaseis vezes, e sera noticia do ca-
so, e indo o Galeao desgarrado à Madeira, e d'ahi a Mazagao, nesta prn-
ca 0 hospedoii o Capilao d'ella Antonio Leite, tio do Padre Antonio
Uile da Corapanhia de Jesus, que ficava era o Collegio de Sao Miguel,
1^0 o vaio buscar D. Affonso de Castellobranco, seu parente, e fillio do
ftmde de Villa Nova, e com gente de cavallo o levou para ^afim, e jii
Qìristovao Soares tinha vindo era huraa caravela da liha a buscal-o, e
de Lisboa tarabera hura Joao de Mello cora ordera del Rei para Ufo le-
>*ar, e logo chegou carta dei-Rei que o chamava & sua real presenta.
127 Nao pode jà alfazer Manoel da Caraera, velo buscar aEl-hei a
Porliigal, e a Alconchete, aonde entao estava, e El-Rei o fez casar logo
«Hn a desposada filha do Monteiro mór D. Joanna de Mendofa; e vindo
«lepois a El-Rei nova que o Xarife tinha cercado a Villa de Cabo de Gué,
njandou là Manoel da Camera cora gente, e cora promessa de logo Ihe
ir soccorro ; foi Manoel da Caraera, entrou na Villa, defendeo-a quatro
Jnezes, até que sera Ihe vir soccorro algura, mortos os raais dos solda-
dos, entupida a cava, batidos os rauros, e arrazados, e queiraado o bn-
'narie da polvora, com alguns duzentos horaens entrarao a praga os Mou-
»*os, e a tomarao, e cativarao a Manoel da Caraera; e tres dias depois
<^egou entao 0 soccorro proraettido. Anno, e meio esteve prezo erahn-
ma masraorra, e sempre cora braga ao pé, até que por seu resgate deo
^"inte mil cruzados,'e El-Rei dous Mouros que cà tinha, aléra de oulr;as
I^eitas, e entao o Xarife o deixou vir, e Ihe deo huraa tao rica alcatifa,
^ ficou em està casa por meraoria a seus herdeiros.
128 El-Rei, em chegando Manoel da Camera, o fazia Conde da Vil-
^ d Alagoa, e por nao acceitar està mercé, Ih'a fez dos dizimos do pes-
<^o da llha, e de sessenta raoios de renda para sempre, nas terras dos
proprios que el-Rei tinha na Relva, termo da Cidade; Uem, Ihe concedeo
^ dar todos os oflìcios da Cidade a quem quizesse, até o de Escrivjio
<b Camera, e Orfaos. sem outra confirmagao, e sera Chancellaria, tiran-
do OS olficios de sua Real fazcnda: e sobre ludo Ihe fez raercé de cons-
^luir, e por o morgado desta Capitania de S. Miguel, fora da lei Men-
234 HISTOUIÀ INSULANÀ
tal, qiie he hiima das maiores merces que el-Rei faz a vassallo seu. E as-
silli se vio cumprida a profecia d'aquelle acima dilo Indialico lelrado.
Ii9 Em quanto vìveo o pai, nao tornou o Capitio Manoei da Ca-
mera a està liha, e tornando, morto o pai, a tornar posse, brevemente
voltou para Lisboa. Porem vendo el-Rei que os Lutheranos andavào mui-
to insolentes, ordenou que se fizessem Fortalezas em as Illias, e que os
Capilaes d'eltasresidissemcada bum em sua Capitania; e assim no Gm de
Dezembro de 1552 tornou Manoei da Camera para a liba de S. Miguel,
e com elle veìo o Doutor Manoei Alvarez Cabrai, que na mesma liba tinha
sido Corregedor, que trouxe muitas armas, e ordem para fazer bum
langamento de trinta e tres mìl cruzados (avaliando primeìro todas as
fazendas, e a Alfandega dei-Rei) para se pagar a artelbarìa que ei-Rei
mandava, e se comegar buma Forlaleza: para a tragar velo bum Isidoro
de Almeida, Malbematico queentao compunba de Forliricagoes, e bum ir-
mao seu Ignacio de Gouvea, e por primeiro Sargento mòr veio bum Joào
Fernandez de Grada.
130 Correndo entao o Capit3o a Uba toda, Tez por ordem dei-Rei
companbias, e OlQciaes d'ellas, os mais nobi*es em cada Villa, em Pon-
ta Delgada fez quatro Capitàes, Jorge Nunes Botelbo, Gaspar do Rego,
Mencio de Vasconcellos; e Alvaro Velbo, e Ibes deu Alferes, e Sargentos.
Em Ribeira Grande fez tres Capitàes, bui Gago da Camera, Joao Tava-
res, e Gaspar do Monte, com suas companbias de duzenlos e cincoenta
bomens de cada buma; e em Rabo de Peixe. termo da Ribeira Grande,
fez Capitào a Fernao de Anes, e isto ludo fez em Junho de 534, e assim
durou alò 571, em que se mudarao estes Capitàes. e se poz por Capi-
tào mór em Hibeira Grande a Ruy Gago da Camera ; e voltando onlao
Manoei da Camera ao Reino, tornou para està Illia [)or ordem d*ol-Ue'',
com seu (Ubo D. Ruy Goncalves da Camera jà casado, e foi a [Himeira sez
que cà veio: e ambos aqui esliverào oito anuos. Ao Sargenlo mór pa-
gava el-Rei do tributo dos dous por cento das sabidas; de|)0is Ibe man-
dou pagar das iraposigoes das Villas; e mais depois forào iladas aos pti-
vos as (liias iniposigoes, dando os povos porem, do segundo lancaiuento
onze mi! cruzados; o que fez l'ernào Cabrai Provedor da fazenda, e jis-
sim se julgou no Reino, (|ue das imposiroes se nao pagasse mais ao Sar-
geiito mór; e terceiro infn;amei]lo se frz tainhem por Duarle Borges dt?
Baniboa, Provedor da fazcnda, e em tempo do mesmo Capitào Donata-
LIV. V GAP. XVI 23JJ
rio; e comegou a Forlaleza Manoel Machado> naturai da Ilha, e seu pri-
meiro Mestre de obras.
131 Teve este sexto Capitao cìdco filhas, e bum fillio de sua legi-
tima muiber, d'este filho chamado Uuy Gongalves da Camera, terceiro
do nome, corno succedeo na Capitania ao pai, e foi o primeiro Conde,
d'elle se tratarà, quando se tralar do septimo Capitao Donatario de S.
Miguel. A primeira tilha foi D. Felippa de Mendoga, que casou com D.
Fernando de Castro, Albo de D. Diogo de Castro, Àlcaide mór de Evo.
ra, Capitao, e senbor de Àlegrete, e Conde de Basto. À segunda filila
U. Hieronyma de Mendoca quizerao seus pais casar, quando ella ja ti-
iiba quarenta annos, e' ella Ibes respondeo, que pois suas irmàs erao
Freiras pobres, queria ella ser Freira rica ; para Ibes acudir a elias : e
assim acompanbou sempre a seus pais aie ambos morrerem, e ficou por
cabe(^ de Casal, ale cbegar da Uba seu irmào, e Ibe caberem a ella qua-
renta mil cruzados; e foi sempre de tal vida, que so Ibe fallava o veo
prato, para ser buma perfeila e santa Religiosa, e corno tal nunca se
chamou; nem assinou senào, Hieronyma das Cbagas, era multo dada a
jejuns, cilicios, disciplinas, e oragào; fez seu testamento, e mandou que
a eoterrassem no babito de S. Francisco, e na Capella mór de sua Igre-
ja, que era de seu pai; deixou ciuco annaes perpetuos de Missas, e que
ciuco criadas suas, Terceiras honradas, ouvissem as taes Mis^ds sem[)re,
e que a boras de Vesperas fossem encommendar sua alma a Deos, e as
de seus pais; e que a cada buma das taes ciuco mulberes se Ibe dessem
cada anno vinte e cinco mil réis de ordenado, e nomeou para sua Tes-
lameDteira a Casa da Misericordia de Lisboa, e Ibe deixou ludo o mais
remanecenle de sua fazenda, para pagar aquelles cinco ordenados, e prò-
^er n'elles gente virtuosa, e assim viveo, e morreo fidalga com commua
opiniào de santa.
132 A terceira filba foi D. Margarida, Freira na Madre de Deos em
Xabregas: a quarta D. Joanna de Mcndoga, Freira em Santa Clara de
(timbra, a quinta Soror Isabel, Freira em Jesus de Celuval, senbora
<|06jà ca fora era de rara abslinencia, e penilencia. Sua mài D. Joanna
nooca foi a Uba, por nao passar o mar, poreni a sua doutrina, e exem-
pio de virtude devem as (ìlbas a multa que alc^n(ar3o, e o Capitao a
•toa morte que teve, porque ainda que em Lisboa, em bum Domingo às
W)ve horas do dia, querendo ir a Missa, Ibe deu bum accidente de par-
ila, ou de ar, que Ibe tomou a parte diretta, e para ella Ibe inctinou
230 HISTOBIA INSULANA
a boca, e tiron a falla, nao Ihe tirou o juizo, com que viveo ainda cine/)
(lias, recebeo todos os Sacramcntos, e faleceo corno piissimo Christ3o :
deixou era hnm breve testamento ao Riho Riiy Gon^alves da Camera
por seu herdciro, e Testamenteiro, de sua terfa deixou trezenlos mil rèis
para tres ofGcios por sua alma : mandou que o enterrassem no habito
de S Francisco, e qiie aos Religìosos por cada hnm dos tres Oflìcios
Ihes dessero cincoenta cnizados, e bum nuDio de trigo, e huma pipa de
vinho: e na sua Freguezia mandou fazer oulros tres Offlcios com dez mi!
reis de esmola cada bum ; mas qne o enterrassem os Religiosos de S.
Francisco, sem pompa, em bum alaude, se nao cbamasse fìdalgo algum
e so seus crtados o acompanhassem, e ludo assim se fez, e foi enterra-
do na dita sua Capella, aonde estav^ entorrada sua mulher.
133 Tendo nascido este Gapitao em 1504, falleceo em 13 de mar-
?o de 1578, sendo jà de 74 annos de idade, dos quaes per si, e por
seu fìlho governou quarenta e tres annos a Capitania. Era t3o benigno,
e misericordioso para com sous devedores, que nunca os quiz vexar; era
grandioso em obras, comò bem se ve na sua Capella, que comecon a
fazer no Mo^leiro de S. Francisco da Cidade em Lisboa, era emflm mul-
to hnmilde, muìto affavel para todos, e para ninguem avaro de cortezia,
virlude moral, que assim a tivessem todos os senhores que govemao,
ile todos seus subditos serico mais obedecidos, e nunca expcrimentariao
ìnsolencia alguma.
CAPITULO XVII
De alijuns homens famosos, e familiax que vierào povoar
a Ilha de Sào Miguel.
134 Insuperavel materia aqui tomou o Doutor Fructuoso, e depois
d'elle 0 Padre Antonio Leite da Companhia de Jesus, (que no seu Col-
legio de Sao Miguel esteve muitos annos) em quererem explicar Genea-
logias antigas, que tanto mais se impilerò, quanto se explicao mais, co-
mò se ve era os mais dos Nobiliarios antigos, e ainda na fonte d'elles to*
dos, no alto Conde D. Pedro, Infante de Portugal, fillio d'el-Rei Dom
Dinis, e bonra de toda Hespanha, a quem addio suas Glossas o illustre
Marquez de Monte Bello, e lìdelissimo sempre Portuguez, D. Feliz Ua*-
chado: pelo que resoluto quasi estive a passar totalmente tal materia;
onas comò vejo a Sagrada Escritura clieia de Genealogias, nSo so em o
Liv. V GAP. x?n UT. I 237
Testamento velbo, mas tambem no Novo, nos sagrados Evangeli^tas; er
corno 0 mesmo Deos nos manda por hum Santo Isaias, que attendamo:$>
ipedra, de que fonK)S cortados, e à cova de qucsahimos, Isai. 51, num. 1.
Que consideremos bem nossos maiores, corno verte o doutissimo Padn^
Jtfarianna; e Sào Paulo so prohìba tralar de Genealogias, de que so nas-
(mk contendas, e que sao vas, e ìnuteis, corno a Tìmolbeo escreve,
Epist 2 cap. 1 num. 3. e corno emfìm todo o extremo, em materias
moraes, he ordinariamef^te vicioso, por isso me resolvi a nem tralar tan-
to d ellas, que fique mundana, e va, ou fantastica bisloria, nem tao pou-
00 as tocar, que falte à fidelidade dos Religiosos, e Catliolicos Doulores
a que sigo, e ao fruto que devem tirar os descendentes. dos exemplos
de seus antepassados, imitando os bons, e dos «naos fugindo sempre.
Recopilemos o multo, e o melbor que se diz d'islo, reduzindo a tìlulos
de algumas Genealogìas, o que d'ellas póde ser de maior utilidade, e
iinita^ao commua.
TITULO I
Dos Velhos, Cabraes, Mellos, e Travassos, Soares de Albergarla^
e Sùusas.
133 Jà d'estas familias tratamos no liv. 4 cap. 2, e 3, e no liv. 5
cap. 1, e as mais das casas nobres d'estas duas Ilhas de Santa Maria, e
Sic Miguel se acharào ligadas com as ditas primeiras familia.^: e o mes-
ino consta dos Soares de Albergarla, e Sousas; porque o primeiro clia-
inado Soares traz o nosso Conde D. Fedro fol. 133, de que nasceo I).
^'iro, pai do D. Ufo Soares Belfazer, de que nasceo Ufo Ufes Soares,
Govemador da Beira, Conde de Vizeu, Vieira, e terra de Basto, do quaf
nasceo Santa Senhorinha, que morreo em 972. Monja de Sào Itento; e
•ogo esles mesmos Soares se cliamarao de Scusa, dos quaes o primein>
fol D. Egas Gomes de Sousa, bisneto do Conde D. Gocoy, irmào da dita
Santa Senhorinha, e por nascer na terra do rio Sousa, e a conquistar
w Mouros, tomou de Sousa o appellido, comò dos mesmos Soares, e
de outra terra loraarao o nome de Soares de Albergarla; e d'estes Sou-
sas, que de anles erao Soares, veio depois Dom Mem Garda de Sousa,
^ que nascerao duas filhas, huma foi D. Constanfa Mendes de Sousa,
da q«al veio està linha de Sousas até Ilenrique de Sousa. primeiro Con-
^ de Miranda, de que nasceo Diogo Lopes de Sousa, segundo Conde^
238 KISTORIA INSULAI9A
€ d'este 0 primcìro Marqaez de Arronches, e seu Irmaro o Cardeal D* Luis
de Sousa, Arcebispo de Lisboa, e Capellao mór d'el-Rei D. Fedro IL A
outra filha deDom Mem Garda de Sousa foi D. Maria Mendes de Sou-
sa, qiie casou com Dom Louren^o Soares Valladares, de que nasceo D.
I^es Lourenco de Sousa, que casou oom Martim Affouso, chamado o
Cliichorro, flllio d'el-Rei D. Affonso III de Portugal, e assim continuoa
està segunda linha de Sousas ale Femao de Sousa, senhor de Gouvea,
que casou com D. Felippa de Mei lo, e seu neto Femao de Sousa Go-
vernador de Angola, e pai de D« Diogo de Sousa, Arcebispo de Evora,
e Thomé de Sousa, Alcaide mór de Villa Vi(osa, de que nasceo o Arce-
bispo de Braga, e depois de Lisboa, e seu irm3o FernSo^de Sousa, pai
de Thomé de Sousa, Ctnde de Redondo. E d'estas iUuslres familias bas-
ta està breve noticia.
136 Dos Melios so advirto, que o primeiro d'este appellido foi D.
Mcm Soares de Mello, (comò se ve no Conde D. Fedro Ut. 45) filho de
D. Soeiro Reymondo, de Riba de Vizella; o qual Mello era casado confi
D. Tareja Affonso Gatta, filha de Affonso Pires Gatto, filho de Fedro Nu-
nes Velho, que era filho de Nuno Soares Velho, (assim se ligarao sem-
pre entre si estas familias:) de Mem Soares de Mello, nasceo Affonso
Mendes de Mello, que casou com Dona Ignez Vasques da Cunha, e d'es-
tes nasceo Martim Affonso de Mello, casado com D. Marinha Vasques,
filha de Eslevao Soares o Velho, senljor de Albergaria; (e d'aqui veio o
appellido de Soares de Albergaria) do tal Martim Affonso de Mello nas-
ceo outro do mesmo nome, senhor da Villa de Mello, de que houve mais
descendentes: do primeiro Martim Affonso de Mello nasceo mais Vasco
Martins de Mello, Guarda mór d'el-Reì D. Fernando, e Alcaide mór de
Evora,' que primeira vez casou com Teresa Correa, filha de Goncalo Co-
mes de Azevedo Correa, de que nasceo Gonzalo Vaz de Mello, avo
de Fedro Vaz de Mello Conde da Ataiaya, e pai de D. Leonor de Mello,
que casou com D. Alvaro de Ataide, filho de D. Alvaro Gonc^lves de
Atayde, primeiro Conde de Atouguia.
437 Do mesmo Vasco Martins de Mello, e de sua segunda mulher
D. Maria Affonso de Brito nasceo outro Martim Affonso de Mello, Guar-
da mór dei-Rei Dom Jo3o I, e Alcaide mór de Evora, e Olivenca, que
casou primeiro com D. Brites Pimentel, filha de Joao Affonso Pimentei,
primeiro Conde de Benaiyente; e do tal primeiro matrimonio nasceo ou-
tro Martim Affonso de Metlo, de que nasceo D. Rodrigo de Mello, Conde
Liv. V m. i 239
de Olivenca, e d'este nasceo D. Felippa de Mello, que casou com D. Al-
varo de Braganc^, fillio do segando Duque, e nelo do primeiro Infante
D. AITonso, filho dei-Rei D. Joao I ; e do dito D. Alvaro nasceo D. Ro-
drigo de Mello, primeiro Marquez de Ferreira, e d'este nasceo D. Fran-
cisco de Mello, segundo Marquez, que casou com D. Eugenia, filha do
Duque de Braganca D. Jayme; e d'este D. Francisco de Mello, segundo
Marquez, nasceo D. Alvaro, lerceiro Marquez, que foi pai de D. Fran-
cisco de Mello, quarto Marquez, de que nasceo D. Nuno Alvar'ez Pereira
de Mello, quinto Marquez de Ferreira, e primeiro Duque do Cadaval,
que casou tres vezes; primeira com liuma filha do Conde de Odemira,
de que Ihe ficou Imma filha, a quem o Duque herdou, por Ihe morrer
pupilla: segunda vez casou com huma Princesa da Casa de Lorena, de
que Ihe ficou outra filha, que casou com o Marquez de Fontes: lerceira
vez cnsou com huma sobrinlia dei-Rei de Franca, de que o primeiro fi-
lho casou com a Infante a Senhora D. Luiza, filha dei-Rei D. Pedro II
de Portugal, de que nao teve filhos, e morrendo, casou o segundo filho
0 Duque D. Jayme com a viuva de seu irmao, e tambem nào tem filhos
d'ella.
i'ÌS Do sobredito D. Alvaro de Bragan(;a, tronco dos Marquezes de
• Ferreira, e Duqnes do Cadaval, nascerao mais varias filhas, huma das
qiiaes cason com D. Francisco de Portugnl, primeiro Conde do Vimioso,
de que nasceo o segundo Conde D. Afl'onso de Portugal ; e outra filha
do dito D. Alvaro casou com o Infante D. Jorge de Lancastro, filho dei-
Rei I). Joao II, e primeiro Duque de Aveiro, de que nasceo o segundo
Duipie D. Joao de Lancastro, e deste o terceiro Duque D. Alvaro, de
qne nasceo o quarto Duqne de Aveiro, e d'este o quinto Duque D Ray-
«inndo, que foi para Castella, e morreo sem descendencia, e Ihe succe-
deo no Ducado, por sexlo Du(|ue de Aveiro, D. Pedro de Lancastro, ir-
rogo legiiimo do quarto Duque, e Inquisidor Cerai, Arc«bispo de Lisboa,
cnia legitima irma casou com o Conde de Portalegre, de que nasceo D.
Joào (la Silva, Marquez de Gouvea, e D. Frei Alvaro, Bispo Conde de
Coimbra, e D Juliana de Lancastro Condessa de S. Cruz.
139 Nasceo mais do sobredito Martim Afibnso de Mello, (av6 d'a-
Wlle Conde de Olivenga D. Rodrigo de Mello) e de sua segunda mu-
fiep D. Briolanja de Sousa, nasceo, digo, Joao de Mello, Copeiro mór
del- Rei D. AfTonso V, e Alcaide mór de Serpa, de que nasceo primeiro
0 Porleiro mór Alcaide mór de Serpa ; segundo, o Monleiro mór Jorge
140 HISTORIA INSITLANA
de Mello, que casou C(Hn D. Margarida de Mendoga, Glha de Diega de
Mendo^a, Àlcaide mór deMourSo, eirmao da segunda mulher doDuque
de Bi aganga D. Jayme; e etn terceiro lugar Dasceo D. Leonor de Mello»
que casou com Nudo Barre to, Alcalde mór de Faro, e destes oasceob.
Isabel, que casou com D. Alvaro de Castro o do Torrao, dosquaes nas-
ceo D. Leonor de Castro» que seudo Dama da Emperatrìz D. IsabeU e
doEmperador Carlos V, casou com o Duque de Gandia, que viuvo d'ella
professou a Beligilio da Companliia de Jesus, e D'ella morreo santissima-
mente, e foi terceiro Geral d'ella, e he Santo canonizado S. Franciscfl
de Borja, de que descendem muitos Principes.
140 Item, nasceo do dito Joào de Mello, Copeiro mór d*el-Rei D.
AfTonso Y, nasceo Garda de Mello, Akaide mór de Serpa, e deste nas-
ceo D. Jorge de Mello, que depois se fez Ecclesiastico, e foi Abbade de
Alcoba(;a, eBispo da Guarda, de quem foi fìllio D.Antonio de Mello, qoe
casou com D. Joanna da Silva, sua prima; e destes nasceo D. Jorge ufi
Mello, que casou com D. Maria da Cunha, Qlha de Cliristovao de Meila^
Porteiro mór del- Rei D. Joao III, de que nasceo D. Antonio de Melk),
do Consellio dei-Rei por Portugal em Madrid, que casou com D. Fraii*
cisca lleiiriques, e d'estes nasceo D. Jorge de Mello, que com oMarqnez
de Ferreira acclamou em Evora a El-Rei D. Joào IV, levando a Bandei-
ra, e foi Mordomo da Rainlia D. Luiza; e casou com D. Margarida de
lavora, fillia de Pedro Guedes, Estribeiro mór, Governador da Casa da
Porto, e senlior de Morsa; e este teve os lìlhos segninles: D. Joseph dti
Mello, que depois de militar em Alem-Tejo, e indo beni de^pachado para
a India, na viagem se mctteo Religioso da Conipanhia de Jesus, aoa<ltì
depois morreo coni opiniào de Santo; item, D. Joào de Mello, que depoii
de Bispo d'Elvas, e de Vizeu, morreo Bispo Conde de (^oimbra com fa-
ma conslante de grande esmoler, e de exemplarissimas virtudes ; item,
D. Pedro de Mello, Governador do Maranhào, que deixou por filhos le-
gitimos a U. Antonio de Mello» casado com D. Joanna de Mendoca inua
do Estribeiro mór, e senhor de Mursa; Luis Guedes de Miranda e Li-
ma, fillio de Peilro Guedes, Estribeiro mór del-Uei D. Joào IV, erde
D. Maria de Meiidofa, irmà de Luis de Mendoga Viso-Rei da India; e a
D. Francisco de Mello casado na Beira ; e a 0. Luis Joseph de Me
Maltez; e a U. Joseph de Mello, Ecclesiastia), da Junta dosTres Est
LIVRO V TIT. II 241
TITOLO II
Dos Cameras, e Betencores.
Ut Assim corno vimos jà no liv. 3 a illustre famllia dos Cameras
multiplicada nao so em a Capitania do Funchal, mas tambem na de Ma-
chia), e na da Uba de Porto Santo; assim agora a veremos extendida
Dio so por toda a Uba de Sao Miguel, mas tambem pela de Santa Ma-
ria, e mais Ilbas; que se os Reis soberanos se nao desprezao de se ser-
w em seus Reinos de seus proprios parcntes, e comò a taes os tratao,
e nomeao, menos devem desprezar-se os Capitaes de se servirem de seus
parentes, e comò a taes os tratarem; quando até com vassallas suas ca-
savio os Reis antigamente, e entao melhor conservavao em sua nacao
seus Reinos, e os livravao de serem conquistados de outros Reis: e por
isso perguntando bum dos Capitaes de Sio Miguel, de quem se bavia
servir na dita Uba em occasioes de guerra, respondeo, que de seus pa-
rentes, de que a Uba estava cbeia.
142 Vejamos pois agora està verdade. Certo be, que o terceiro Ca-
pitào de Sao Miguel Rui Goncalves da Camera, (sendo legitìmo filbo do
primeiro Capi tao do Funcbal Joao Gongalvcs da Camera o Zargo) com-
tndo nem Qlbo algum legitimo, nem legitima filha leve: mas illegilimos
leve muitos: além do primeiro, Joao Rodriguez da Camera, que em quar-
to Capitao Ibe succedeo, teve por segundo filbo, Antao Rodriguez da
Camera, que casou com Dona Catbarina Ferreira, Dama da Duqueza de
Bragaoca, e d'este segundo Albo n3o so nasceo Rui Pereira da Camera,
<pie morreo solteiro, mas tambem D. Mecia, que ficou com bom mor-
gado em Ribeira Grande, e abi casou com D. Comes de Mello, Albo de
D. Diego de Mello, e de D. Maria Manoel: e d'estes nasceo D. Francis-
co Manoel, que voltando da India succedeo no morgado, e casou com
buma filba do nobre Francisco Carneiro em Sao Miguel, de que ficarao
fflbos: nasceo mais Dom Manoel de Noronba, morto sem fillios em Afri-
ca, e D. Rodrigo de Mello, que tambem sem filbos, e em Africa morreo
oabatalba d'el-Rei D. Sebastiao, e D. Maria Manoel, Dama da mai do
loesmo Rei D. Sebastiao, com a qual foi para Castella.
143 Do mesmo Antao Rodriguez da Camera nasceo D. Maria da
Camera, que casou com Joao Nunes Velbo, filbo de Duarte Nunes Velbo,
do qual casamento bouve a descendencia em Sao Miguel, e em Santa
VOL. 1 IG
242 lIISTOniA INSULA.NA
Maria, que acima so] vio jà: nasceo mais D. Guimar da Camera, qne ca-
sou com Paulo Cago, do quo nas^,eo Ruy Cago da Camera, que casou
com D. Isabel, ou Francisca de Oliveira, de qne nasceo oiilro, e tercei-
ro Ruy Cago da Camera, que casou com I). Anna de Bctcncor, filha de
Braz Barbosa: e d'cstos nasceo Concaio da Camera, Alferos mór, e D.
Barlìara da Camera, quo casou com o Licenciado Duarle Ncym3o; e do
sobredito [)rimeiro lUiy Cago da Camera nasceo tambem Paulo Cago da
Camera, quo casou com D. Isabel do Medoiros, filha de Hieronymo de
Araujo, fidalgo de Villa Franca; dos quaos nasceo Pedro Cago da Ca-
mera, que casou com Maria da Costa, (Uba do Antonio da Costa, de Ri-
beira Grande: e do mesmo Paulo Gago nasceo mais Hieronymo de Arau-
jo da Camera, que casou com huma filha de Luiz Leìte, de Ponta Del-
gada: e d'esles nasceo Manoel da Camera, que c^asou com Margarida Ca-
brai, e forao pais de oulro Manoel da Camera, (que casou com Isabel Co-
bes) e de Maria Leite, que casou com Manoel Pereira da Sìlvoira, nobre
Cidadao de Ponta Delgada, irmao do Padre Joao Pereira da Companhia
de Jesus, e fillios ambos de outro Cidadao Antonio Pereira d'jElvas, e
de sua legitima mulher Apollonia da Silveira.
144 0 mesmo torcoiro Capitilo Rui Gonc^-ìlvcs da Camera le^'e por
tcrceiro fillio a Podro Rodrigucz da Camera, que casou com D. Maria
de Betencor e Sa, de que (fura ciuco (juc morreifio soltoiros) nasceo Ilen-
rique de Betencor e Sa, que casou com I>. Simoa, filila de Ballhezar Vaz
de Sousa, e de Dona Leonor Manuel em Uibeira Grande, dos quaes nas-
ceo Manoel da Camera, (pie casou com D. Maria, fdlia de Ruy Gago, e
liverao fillios: nasceo mais Ruy Gonralvos da Camera, que casou com D.
Luiza, filha de Hieronymo Jorge, e de I). Brites de Viveiros, de que
nasceo Simao da Camera, que casou com I), Cecilia Ramalha, filha de
Francisco Ramalho, e de Leonor Nota, de que nasceo Valentim da C-a-
mera, que casou com D. Joanna de Sa, filha de Simao Lopes, e de D.
Maria de S.ì, dos quaes nasceo huma unica filha D. Maria, que casou
porém duas vezes: primeira, com Manoel Rcbello de Castel lobranco, fi-
llio do Capitao Ballhezar Rebello de Sousa; e segunda vez com André
da Ponte, fillio de Bartholomeu do Quental, e de Meliciana Qiiental, e
de anihos estcs maridos teve a dita I). Maria filhos; ilem, nasceo do di-
to Simao da Camera, segundo filho Manoel da Camera, Sargento mór,
que casou coni D. Maria Coulinha, filha de Joao de Frias, e de D. Bri-
tes IVreira, liiha de D. Joao Pereira, nolo do Conde da Feira: nasceo
Liv. V TU. n 243
mais do sobredito Simao da Camera, outro tcrceiro fillio do mesmo no-
me, e quarto filho Rodrigo da Camera, e ambos estes deixarào filhos em
Ribeira Grande.
145 Do mesmo Pedro Rodriguez da Camera, lerceiro filho do ler-
ceiro Capitao Donatario Rni Gonfalves da Camera, nasceo mais Joao Ro-
driguez da Camera, que morou na Acbada Grande, e era Commendador
de Estrinta na Serra da Eslrella, o casoii duas vezes; primeira com D.
Mena, fillia do Contador Martim Vaz de Bulliao; segunda vez casou
com D. Catharina na dita Serra da Estrella, e d'este segando matrimo-
nio ainda que houve filhos, nHo ficou d'ellos descendencia; poròm dopri-
meìro matrimonio nasceo Rcrnardim da Camera, que casou na Villa de
Nordeste, com D. Luzia Brandoa, filila de Manoel Dias Brandào, e de An-
na Alfonso, e d'estes nasceo Dona Maria da Camera, que casou a pri-
meira vez com Antonio de Brum da Silveira, e seus filhos nao deixarào
descendencia; e a segunda com Antonio Borges da Costa, de que nas-
ceo Duarte Borges da Camera, que casou com Dona Maria de ^rias, de
qne nao houve filhos; e nasceo mais D. Maria da Camera, que casou
com Gaspar de Medeiros de Sousa, dos quaes nasceo Gaspar de Medei-
ro8 da Camera, que casou com D. Maria, filha de Miguel Lopes, e de
D. babel do Canto; e erafim do dito Pedro Rodriguez da Camera nas-
ceo tambem D. Francisca, quo casou cm Lisboa com D. Antonio de
Soosa, irm3o do Conde do Prado, de que nasceo Dom Dinis de Sousa,
com filhos li no Beino, e a fazenda cà em Sao Miguel.
146 Nasceo mais do mesmo tcrceiro Capitao Ruy Gonfalves da Ca-
mera, D. Brites da Camera, que casou com Francisco da Cunha e Albu-
qoerque tinha chegado da India, emuitorico, ed'estes nasceo D. Guimar
di Conila, que casou com o terceiro Capitao Donatario de Santa Maria
Wo Soares de Sousa, corno jà se vio no liv iv, cap. 8 do terceiro Ca-
piBo Donatario da dita Rha, e da muita descendencia que d'elle houve,
blinda ha. E està he a copiosa descendencia que da illustre familia dos
(^ras ficou em estas Uhas, porque n'ellas nao sei que dos seguintes
CipltSes Cameras ficasse alguma outra descendencia nas dilas duas Ilhas,
alTofllhas Freiras que em S. Miguel cntrarao, e morrereo muitas, e
com nao menores rcsplandoi^es de virtudes, que de seu illustre
i46 Da illustre familia dos Betcncores descubrimos o seu tronco
^ liv. II cap. 3, ondo vimos, que bum grande Ahnirante de Franca foi
344 HISTORIA INSULANA
0 prìmeiro Gatbolico que conquistoo tres Ilbas nas Canarias, anno de
1417, e foi legìUmo Rei das taes Ganarìas, e se cbamava Mussen, ou
Ruben» de Barcamonte, e por sua morte ibe saccedeo na Coroa seo so-
brìnbo Hossen Jo3o de Betencourt, oa Betencor, que conquistoo a quar-
ta Uba das Canarias, e por nio poder conquistar a principale cbamada
a Gram Csinaria, vendeo as quatro que tinba ao nesso Serenissimo In-
fante D. Hen(ique por certas Tazendas, e rendas que Ibe deo na flba da
Madeira, (quo jk depois das Qanarias se tinba descoberto) e para ella
jé sem 0 Reinado se mudou o dito Betencoort, segundo Rei das Cana-
rias, (de cuja deseendencia agora tratamos) Filba legitima d*este segun-
do Rei das Canarias era Di Maria de Betencor; que com elle tinba ido
de Franca para ellas, e vindo d*ellas para a Madeira, casoa com Boy
Goncalves da Camera, filbò legitimo do prìmeiro Capitao do FuncbaI, e
que foi 0 terceiro CapitSo de S. Miguel, mas porque d*esle matrimonio
nio bouve deseendencia alguma, e a varonia dos Betencores se continuou
e dura ainda, de bum legitimo irmSo da dita D. Maria, e estas duas ìl-
lustres familias de Cameras, e Betencores comecario logo tio Uadas por
isso as ajuntamos aqui.
148 Do tal pois segundo Rei das Canarias Mossen Jo3o de Beten-
cor, nascerio Mici Maciot de Betencor, e a dita D. Maria de Betencor,
mulber do terceiro CapitSo da Uba de S. Miguel, e ambos nascidos ain-
da em Franca de mulber com quem U tinba casado o dito s^undo Rei
das Canarias, comò tambem de Franca tinba vindo ji casado o tal irmSo
da dita D. Maria. De Mici Maciot de Betencor nasceo na Madeira Gas-
par de Betencor, que casou com D. Guimar de Sa, Dama do Beai Paco
de Portugal, filba de Henrique de Sé, do Porto, de que descendem os
illustres Marquezes de Fqntes, e prima coirmi de D. Violante Condeca
da Castanbeira, e este Gaspar de Betencor foi o sobrinbo, que a tia D.
Maria cbamou para S. Miguel, e fez morgado n'elle, por n3o ter Tilbos
de seu marido Buy Goncalves da Camera, terceiro Capitio Donatario de
S. Miguel.
149 D*este pois Henrique de Betencor nasceo o primeiro 6Ibo va-
rio Jo3o de Betencor e Sé, que casou em S. Uiguel com Guimar Gon-
calves, filba de Concaio Vaz, o moco chamado o Andrinbo, e de boma
filba de Fedro Cordeiro, da famìlia dos Cordeiros, de que Irataremos
em seu lugar abaixo; e do tal Joio de Betencor e Si nasceo primeiro fi-
^ho Francisco de Betencor e Sa, senbor das Saboarias da Madeira, pan
LIV. V TIT. II 245
onde tinba voltado de S. Miguel, casado jà com D. Maria da Costa e
Medeiros, fiiba de Diogo Alfonso Colombreiro; e d*estas familias abaixo
bilaremos. Do tal Francisco de Betencor nasceo André de Betencor e
Si» quo casou com D. Isabel de Aguiar, grande fidalga da Madeira, fi-
iba de Bay Dias de Aguiar, e de D. Francisca de Abreu ; e do tal An-
dré de Betencor, e da dita sua mulber nascerlo primeiro Francisco de
Betencor, segundo, Buy Dias de Aguiar, e ambos morrerao sem flibos,
e snccedeo na casa o terceiro filbo Gaspar de Betencor e Sé, a quem
logitimamente succedeo seu Albo Francisco de Betencourt e Sé, que ca-
sca com D. Anna de Aguiar, dos quaes nasceo D. Gaspar de Betencurt,
moco fidalgo da Gasa Beai, que casou com D. Margarida de Miranda, e
d*estes nascerSo primeiro D. Manoel de Sé, que se fez Clerigo, e assim
norreo, segundo D. Bartbolomeo de Sé, que casou e morreo sem filbos,
terceiro D. Francisco de Betencurt e Sé, que foi Beligioso professo da
Companbia de Jesus, e morreo pregando em S. Boque de Lisboa com
grande exemplo de virtudes, e de por servir a Deos; desprezar a gran-
de casa de seus pais, e foro que tinba na Casa Beai, conforme ao de
seos pais, e avós; e ultimamente se seguio na casa D. Bernardo de Be-
tencurt e Sé, que ainda eslé solteiro; e por varonia, sempre legitima, e
ijlostre, be oitavo neto do segundo Rei das Canarias Betencurt.
ISO Muitas outras, e muito nobres familias samrao da dita linha
dos laes Betencores, que se tem tocado, e tocar3o em seus lugares, por-
qae do primeiro Gaspar de Betencor, neto do dito Bei das Canarias,
nasceo tambem Henrique de Belencor, fidalgo da casa d*el-Rei D. Ma-
noel, cujas filbas casario assim em Lisboa, comò em Castella, com D.
Abaro de Luna, fillio de D. Fedro de Gusm3o ; comò tambem em S.
Vigoel com os Barbosas Silvas, e com os Gagos da Camera. Nasceo mais
Gaspar de Perdomo, que casou com Brites Velba, dos primeiros Yelhos
OAraes; do qual casamento nasceo D. Simoa, que casou com D. Jo3o
hnm, bisneto do Conde da Feira, aonde depois casario os Frias. Item
nasceo D. Margarida Betencor, que casou com Fedro Rodriguez da Ca-
n^, comò vimos em os Cameras. E emfìm nasceo D. Guimar de Sé,
qoe casoQ com Antonio Zuzarte de Mello, fidalgo de Evora; de que hou-
^ illostre descendencia. £ d'aquelle Joao de Betencor, Bisneto do dito
Bei das Canarias, nasceo Sim3o de Betencor, pai de Antonio de Sé, que
casco com D. Felippa Pacheca, filha de Fedro Pacheco, e neta do pri-
ntóro Antao Pacbcco; mais nasceo D. Margarida de Sé, que casou com
246 IlISTOUU INSl'LANA
Gaspar do Rogo Baldaxa, do quo descedem os Regos. E emfim d'aquel-
le André de Betencurt, quarto nelo do sobredito Rei, nasceo D. Maria
de Agiiiar, que casou com Manoel Alvares Ilomem, de que nasceo Fran-
cisco de Betencor, que casoa com D. Maria Rebella ; e d'esles nasceo
Joao Borges de Betencor, que casou coro D. Calharina da Camera, fdha
de Ruy Cago da Camera, e de D. Anna de Betencor.
* TITULO in
Dos GagoSy Raposos, Ponles, Dicudos, Correas, Pachecos,
151 De Beja velo para S. Miguel, no principio do descubrimenlo d'es-
tà Uba, bum conbecido fidalgo, cbamado Rui Vaz Cago por alcunha o do
Irato, pelo grande contrato que tinba com o Beino; veio jà casado, com
huma fidalga, cbamada Catbarina Comes Raposa, e era filbo de Louren-
CO Anes Cago, fidalgo tambem de Beja, e irmao de Eslevao Rodrìguez
Cago, pai de Luis Cago, que com o primo Rui Vaz Cago veio para està
liba, e d'estes dous primos veremos com dislincgao a desccndencia. Luis
Cago casou na Uba com Branca Affonso da Costa, fidalga dos Colom-
brciros: era Capitao em Ribeira Grande, e tao rico jà, que a cada buma
das muitas filbas que leve, deo em dote vinte moios do trigo de renda
cada anno, quo boje rendem, e valem dobrado: d'elle nasceo Paulo Ca-
go, que casou com Guimar da Camera, filba do Anllio Rodriguez da Ca-
mera, de que ja acima Iralàmos: e d'este Paulo Cago nasceo Rui Cago
da Camera, Capilao-mór de Ribeira Grande, do que nascilo oulro Rui
Cago da Camera, de que nascerào Gouralo da Camera, Alferes-raór, e
D. Catbarina, casada com Joao Ror[.:o$ de Bolencor, e oulra filba casada
com Sebasliao Borges da Silva, Lealdador mór; e dos desta linba de
Luis Cago, e Branca Afi*onso bouve mais desccndenlcs quo deixo.
152 Do outro primo Rui Vaz Cago, e de sua mulber Catbarina
Comes Raposa nasceo primcira filba Isabel Rodriguez Raposa, que ca-
sou com bum N. de Abreu, fidalgo do Reino, cuja filba Anna dcAbreu
casou com Pedro de Azurar, Estribeiro-mór do Senbor Dom Jorge, Du-
que de Aveiro. Segunda filba foi 1). Mccia, ou Maria Raposa, que casou
com Estevào Nunes de Atouguia em Porlugal, de quo nasceo D. Catba-
rina, que casou com D. Diogo de Sousa, Vice-Rei do Algarve, a qùem
LIV. V TIT. Ili 247
pela mii ficou um morgado de cento e^trinta e oìto moios de trigo de
rada cada anno cm a liha, e d'cste D. Diego nascco D. Maria de No-
ronba, que casou com o Conde da Castanheira, de que nasceo o Conde
D. Ioao de Ataide. Terceira filila de Rui Yaz Cago, e de Catharìna Co-
mes Raposa foi Brites Rodriguez Raposa, que casou com Jacoine Dias
Correa, Cidadao do Porto: dos quaes nasceo Jurdao Jacome Raposo, quo
primeira vez casou com Francisca Rodriguez Cordeira, filha de Jo3o Ro-
driguez Cordeiro, Feitor da Fazenda Real: e segunda vez com Margari-
da da Ponte, fiIha de Pedro da Ponte o Veiho, de Villa Franca, e do prl-
meiro matrimonio nasceo;[Sebasliao Jacome Correa, que casou com Ignez
da Ponte, fiIha de Pcdro da Ponic Raposo, quo casou com Maria Car-
neira, fillia de Antonio Ricado Carneiro, fidalgo de Villa de Conde, de
que nasceo Manoel liaposo Dicudo, quo casou primeira vez com D, An-
na de Vasconcellos Lcile, e segunda vez com Anna de Mcdeiros, filila
de André Dias, fillio de Gaspar Dias, e d'oste IManocI Baposo nasceo Pe-
dro da Ponte Bicudo, que casou com D. Isabel Boteiha de Sampaio, de
?TO nasceo Manoel Raposo Correa Bicudo, e outros fillios e filhas Frei-
ras.
153 Do sobredito Joao Jacome Raposo nasceo mais Andrò Jacome,
pai de Pedro Jacome, de que nascco oulro Pedro Jacome Raposo, que
por preferente tirou bum morgado da Uba a bum Conde de Lisboa. E
de Jacome Dias Correa, e Beatriz Rodriguez Raposa nasceo tambem
D. Isaliel Correa, que casou com Joao da Silva do Canto, fidalgo de An-
gra, de quo fallaromos cm seu lugar; e nasceo mais Barilo Jacome Rapo-
so, que casou coni Calbarina Simoa, filba de Martim Simao, do lugar
dos Altares da Uba Terceira, de que nascco Ayres Jacome, que casou
com Maria do Conto, filba de Bras do Conto, de Angra, de que (além
de ires filb'as Frciras na Esperanca da mosma Angra) nasceo Fcrnao
Correa de Sousa, quo casou com D. Bornarda de Lacerda, e d'estes nas-
cerao varios filbos, que morrerao sem dosccndencia, e D. Maria Clara,
casada em Lisboa com Julio Cesar, e D. Teresa, casada com Ileitor Men-
des, e ambas tambem sem filbos.
15i Nasceo mais de Jacome Dias Correa, e de Beatriz Rodrigues
Raposa, Calbarina Comes Raposa, quo casou com Manoel Vaz Pacbeco,
fidalgo de Villa Franca, fillio de Tbomé Vaz Pacbeco, e nolo de Pedro
^'^ Pacbeco, que veio de Portugal casada: da dita pois Caliiarina Comes
Raposa, e de Manoel Vaz Pacbeco nasioo Francisco l'aibeco Raposo,
250 lIISTOnU INSULANA
na India; e terceiro filho do primeiro Pedro Botclho foi Diogo Botelho.
cujo (ìllìo Francisco Botellio foi Embaixador a Saboya; e o filho d'esU
foi lambem Diogo Bolelho, e Governador do Brasil, que foi pai de Nane
Àivarez Botelho, celebre em guerras na India, per que foi Conde o filbc
D. Francisco Bolelho.
158 Do primeiro Gonzalo Vaz Botelho nasceo jà na liha de Sanb
Maria Nuno Gon^alves Botelho, que na mesma liba casou nobremonte,
e d'elle nasceo Jorge Nunes Botelho, que casou com Margartda Travassos,
e d'estes nasceo outro Nuno Goncalves Botelho, que casou com Isabel di
Macedo, fldalga dos Capitaes da Ilha do Fayal, de que nasceo Fernao d(
Macedo, fìdalgo filhado,' que casou em Villa Franca de S. Miguel eoa)
D. Barbara d'Arruda, e liverao por filho a Francisco d'Arruda, fidalgc
filhado em Villa Franca. Nasceo mais do dito Gonzalo Vaz Bolelho, ou-
tro do mesmo nome, chamado de Alcunlia o Andrinho, que casou com
huma filha de Pedro Gordeiro, de que nasceo a fìlha que casou com N.
de Macedo, fidalgo, irmao do segundo Capillio do Fa}'al, e do tal casa-
mento nasceo Briles de Macedo, que casou com Gaspar ilomem da Costa;
e do mesmo Andrinho nasceo outra filha Guimar Goncalvcs Bolelba, qae
casou com Joao de Betcncor e Sé, fidalgo.
159 Item, do mesmo primeiro Gonzalo Vaz Botelho nasceo Joao Gon-
Calves Bolelho, que casou com Isabel Dias da Costa, de que nasceo Jo3o
d'Arruda da Costa, que casou com Calharina Favella, filha de Joao Fa-
vella, fidalgo da Ilha da Madeira, e de Bcalriz Coelha, Dama do Pac-o
d'el-Rei D, AffonsoV, e deste Joao d'Arruda nasceo Amador da Costa, pai
de iManoel da Costa, Cidadao de Ponta Delgada, e de Isabel Dias da Costa
que casou com Antonio Borges, filho de Balthezar Rebello, e de Guimar
Borges ; do qnal Antonio Borges nasceo Duartc Borges da Costa, que
casou com e d'esics nasceo Antonio Borges,
que casou com D. Maria da Camera, cujo filho Duarte Borges da Came-
ra, casado com I). Maria de Frias, nìio leve descendcntes, mas seu tio,
irmSo legitimo de seu pai, loi o Padre Gonzalo de Arez, daCompanhia
de Jesus, santo, e sabio, boni Prégador, muito humilde, e exemplar,
que foi Reitor de Angra, e Reitor por vezes de Ponta Delgada sua pa-
tria. Nasceo mais do sobrcdilo Joao d'Arruda da Costa Bealriz da Costa,
que casou com Manoel do Porto, Cidadao vindo do Porto, de que nas-
ceo outro Joao d'Arruda da Costa, deste oulro Manoel do Porlo, que
LIV. V TIT. IV 231
foi pai de Maria d'Arruda, casada com Manoel de Mcdeiros, fdho de
Gaspar Dias.
160 De Nuno Gongalves Botelho> fillio do primeiro Gonralo Vaz
Boteiho, nasceo mais Diego Nuiics Botelho, Conlador da Fazcnda Rcal,
e Cavalleiro da Ordem de Christo, que cason com Isabel Tavaros, fìlha
de Rui Tavares o VelIio; e d'eslcs nasceo Jorge Nunes Bolclho. que ca-
soa com Hieronyma Lopes Moniz, filha de Alvaro Lopcs, e de Maria Mo-
nii, e d'este Botelho nasceo D, Catliarina Bololha, miillicr de Jacome
Leite de Vasconcellos, fidalgo filhado de quo a[)aixo fallaremos. Do ou-
tro Jorge Nunes Bolclho, filho do sohrcdifo Nuno Gonfalvos, nasceo
homa filha, que casou com Fcrnao Correa de Sousa, fidalgo que veio
da Madeira; e outra filha D. Boqueza, quo casou com Francisco do Ro-
go de Sa, chamado o Grao Capillio, de. que nlio ficarao descendenles,
porém do cunhado Nuno Gongalves Bolellio, segundo do nome, nasceo
mais Fedro Botelho, que casou Leonor Vaz na Villa da Praia da liha
Tcrceira; item, nasceo Ilieronymo Botelho, quo casou na Ilha de Santa
Maria com Guimar Faleira; e d'esles nasceo André Goiigalves de S. Payo,
que casou com Maria Paclieca, filha de Antao Pacheco; e d'esles nasce-
rio Antonio de S. Payo, quo casou em Ribcira Grande: e Dona Maria,
que casou com Francisco de Belencor e Sa na Cidade, e D. Isabel Bo-
telha, que casou com Perirò da Ponte Bicudo, morgado em Ribeira Gran-
de; 0 do dito André Gonfalves de Sào Payo, !c)i lambcm inteiro, e legi-
tifflo irmao Confalo Vaz Bolclho, e outros que liverao multa descenden-
cia na Ilha, Brasil, India, eie.
161 Da anliga familia dos Leilcs concordao os mais dos Ilistoria-
^ores, que vem de Francezcs, (juo por sercm muilo alvos se chamarao
J^ìles, e que vierao a Portugal, e ajudarao a tor.ìnr Lisboa aos Mou-
fos. 0 cerio he que nem. lodos os Francezes se chamao Leites, e que
conaludo se suppoem virem de Franra, e quo de l'ranga tem os Leites
'sLizes nas suas Armas, com varias divisas conforme as varias familias,
^^ qoe se aparentarao. Dizem pois que o primeiro que se acha d'està
laniilia, foi Alvaro Anes Leite, e que era senhor de Calvos, e Basto em
Entre Douro e Minho; e na vcrdade entro Douro e Minho, no termo do
'^rto, se conserva ainda està familia com nobreza, e fidalguia muito
conhecida; porque do dito Alvaro Anes Leite nascerào tres filhos, dos
quaes 0 terceiro foi Alvaro Leite, fidalgo jà, e senhor do morgado de
Oaebranloes era Gaya, a pò piena, junlo ao Porlo, em lompf) d'El Rei,
254 IUSTÌJrIA INSULANA
tos privilegìos, e ludo depois confirmarSo, assim o Papa Alexandre VI,
corno El-Rei Dom Manoel de Porlugal.
166 Da dita Aldonsa Leite, e do Doulor Joao Rodriguez de Ama-
rai nascerao Ires filhoi: Diogo Leile de Amarai, que casou com D. Ma-
ria Pereira de Vasconcellos, flilia de Jacome Rodriguez de Vasconcellos
de Alvarenga, e d'eiles nasceo Diogo Leitc de Azevedo, Ddalgo filhado
nos livros d'El-Uei, do liabito de Chrislo, e o primeiro d'esla famìlia
que de Porlugal veio a Ilha de Sao Miguel, e era Villa Franca casoa com
D. Helena de Castro, filha de Sebastiao de Castro, e irma de Manoel de
Castro, ambos irraaos multo ricos, e que tinhao vindo do Porto: e dos
taes Diogo Leite de Azevedo, e D. Helena nasceo Jacome Leite de Vas-
concellos, fidalgo filhado, que casou com D. Catliarina Botelha, (comò jà
dìssemos nos Botellios) e d'elles nasceo Diogo Leile Botelho de Vascon-
cellos, fidalgo filhado, e que com gente à sua custa foi servir a El-Rei
D. Joao 0 IV na conquista do Castello de Angra, e leve por isso o ha-
bilo de Christo com tonfa, e em Angra casou com D. Maria do Canto,
fidalga dos Cantos da Ilha Terceira, comò em seu lugar diremos; e d'este
matrimorno nasceo em Sao Miguel Jacome Leite Botelho de Vasconcel-
los, que teve mais irmaos, Clerigos, Religiosos, e Freìras, e elle leve
lambem o habito de Christo, e tambem casou em Angra com D. Maria
de Mollo e Silva, filha de Luis Coelho Pereira, e de D. Isab'el de Mollo,
de que tralaremos, quando da Ilha Terceira, e de Luis Diogo Leite, fi-
Iho morgado do ilito Jacome Leite, e quo nasceo jà em Angra, e là tam-
bem ficou, e casou com huma filha do grande morgado, e fidalgo Joao
de Teve de Vasconcellos, da qual tem jà muitos filhos.
•167 0 segundo fillio da dita Aldonsa Leite foi Vasco Leite, que ca-
sou com Maria Correa, filha de Martim Correa no Porto; e d'oste casa-
mento nascerao Diogo Leite, pai de I). Briles Leite, casada com Manoel
de Moura, de que nasceo I). Joanna Leite, raulher de Francisco Pinto
Ilennquos, fillio do Alvaro Pinto, senhor das honras de Paramos; e do
mesmo Vasco Leile nasceo mais I). Francisca, que casou com o Doulor
Francisco Ferreira, Desembargador do Porto, pais de oulra Aldonsa Lei-
te, casada no Porto com Francisco Vieira da Silva, de que nasceo Anto-
nio Leite de Amarai. 0 lerceiro fillio da primeira chamada Aldonsa Lei-
te, e do Doutor JoSo Rodriguez de Amarai foi Briolanja Leite, que ca-
sou com Duarte Tavares, de que nasceo Diogo Tavares casado no Porto
com Maria do Couto, e d'estes nasceriio Manoel Leite, pai de Marlim
LIV. V TiT. IV 255
Leìle, Matheos Leite, e Diogo Leite; e do dito Dii^o Tavarcs, e Maria
do Coulo nasceo D. Antonia, qnc cason com Simào Ribeiro Pessoa, qne
forao pais de D. Maria Leite de Vasconcellos.
168 Dos Araaraes acima liados cora os sobreditos fidalgos Lcites,
so brevissimamente trata o erudito Padre Leilc, scndo quo (corno do
acima vimos) a varonia, ou linha masculina dos taes Lcites he d^aquelle
loao Rodrignez de Amarai, que casou com a primeira Aldonsa Leite, de
(fUò se continuou a varonia até o sobredito fidalgo Luis Diogo Leite;
mas jé he cousa muito usada nomearem-se muitas f^imìiias pelos appel-
lidos das linhas femininas, sendo diversos os da hnha masculina, ou por
«sim serem obrigados com as condicoes de alguns morgados; ou com
oatro algum affecto, e titulo; certo he porém qua os Amaraes suo fami-
iii muito anliga, e muito nobre, e muito multiplicada em Portugal, es-
peciaimente Da Provincia da Bclra, e em Vizeu, d'ondo foi para S.' Mi-
goel 0 Doulor Jorge de Amarai e Vasconcellos, e na Ilha casou com
D. Brìtes de Medeiros.
169 D'este matrimonio nascerao o Padre Francisco de Amarai da
Gompanhia de Jesus, a quem antes de fazer a Profissào do quarto voto
veìa pela dita sua mai bum bom morgado na Ilha, de cuja renda Tun-
doQ 0 dito Padre a Capella de Santo Ignacio com boa renda fìxa que
para ella comprou, e fez ouiras grandcs obras pias, e esmolas quo em
sea testamento deixou; e foi lìio exemplar, quo por nao largar a Beli-
&o, ncm deixar de fazer niella a ultima profìssao solomno, largou o
niorgado a quem por sua morte pertencia, e na Religiao morreó sabio,
e santo; e da mesma sorte, e na mesma Companhia de Jesus morreo
ouiro seu irmao, o Padre Christovao de Amarai: e da mesma familia de
Amaraes» posto que de outras linhas, morrerao na Companhia o Padre
Prancisco de Amarai, Valido, e Prégador d'El-Rei D. Aflonso VI, e o Pa-
dre Fedro de Amarai, grande Lente da Sagrada Escritura no Collegio
de Coimbra, que compoz hum tomo sobre a Magnificat, e o imprimio,
e foi celebre, e incansavel Prégador, e passou muito de no venta annos
de idade, e n'ella estava ainda compondo Sermoes para imprimir: e em-
&n 0 Padre Miguel de Amarai, que. sendo jà Doutor, e Mestre em Ar-
te Da Universidado de Coimbra, se metteo na Companhia; pedio, e foi
P>ra a India a pregar ao Gentio, e tornando depois de muitos annos a
Portogal, sem querer n'elle ficar, voltou com muitos outros Religiosos
da Companlìia, e na India morreo com constante opiniuo de Santo, e ver-
256 HISTOniA INSULÀNA
dadeiro Apostolo. E assim nao so no sangue, mas muito mais nas vir-
tudes, illustre a familia dos Àmaraes.
170 A illustre familia dos Vasconcellos, quanto ao appellkla oq no-
me, deduzem muitos de bum Castelhano Rei, que mandando bum fidai-
go para certa terra, e vendo que bia de ma vontade, por deìxar buma
senhora, a que andava affeigoado, Ihe disse cntao o Rei, «Vaz-con-zellos»,
querendo dizer que bia com ciumes; e o fidalgo ent3o tomou o sobre-
nome de Vasconcellos. Quanto porém ao sangue, os Nobìliarios dedu-
zem OS Vasconcellos, e por linba direita, de Requeredo Rei dos Godos;
e 0 primeiro que se acba com tal appetlido, be bum D. JoSo Pires de
Vasconcellos, em tempo de D. Sancbo II, e D. Affonso III, Beis de Por-
tugal, e foi casado com a Condeca D. Maria Soares Goelba, de que oa&-
ceo D. Rodrigo Anes de Vasconcellos, que casou com D. Elvira de Scu-
sa, neta de Martim Cbicborro, filbo d*El-Rei Dom Affonso II, e do tal
casamento nascerao tantos filhos, e filbas, que d^elles procedem as mais
das casas grandes de Portugal, e a dos senbores de Alvarenga, d'onde
buma filba casou em Vizeu, e se unirSo os Vasconcellos com os Àma-
raes, comò vimos jà na linba dos Leiles; e dos mesmos sobreditos Vas-
concellos, era aquelle Martim Mendes de Vasconcellos, que foi casar i
Madeira com D. Helena da Camera, filba do primeiro CapitSo do Fun-
cbal, e d elles nasceo outro Martim Mendes de Vasconcellos, que foi ca-
sar a Uba Terceira, aonde se ajuntarao os Teves, e Vasconcellos, e com
ambos agora oulra vez os Leites, comò veremos depois nas familias da
Terceira', Graciosa, etc.
TITULO V
Dos MedeiroSy Araujos, Borges, Sonsas, Rebellos, Dias.
171 0 muito nobre Rui Yaz de Medeiros, de Ponte de Lima, e 6ui-
maraes, foi com os primeiros povoadores para a Uba da Madeira, e niella
casou oom Anna Gongalves de MendoQa, dos nobilissimos Mendo^as Fur-
tados, e d'abi com o terceiro Capit3o de S3o Miguel Rui Goo^alves da
Camera passarao para S. Miguel, e q'esta Uba tiverao os filbos seguìntes:
primeiro, Vasco de Medeiros, que casou na Villa da Alagoa com Catlia-
rina da Ponte, com a qual deixando bum Albo Amador de Medeiros, sa
foi com mais dous tìllios servir a El-Rei em Africa; e foi tao ditoso, quo
sendo cativo dos Mouros, foi d'elles emQm martyrizado pela Fé; seguo-
LIV. V TIT. V 257
do, Rafael de Medeiros, que casou na liha de Santa Maria com huma fi*
Iha de Antao Rodriguez Carneìro, e de Anna da Costa, de que riasceo
Ilaria de Medeiros, miilher de Antonio Camello Pereira, Qlho de outro
AdIooIo Camello, e forào pais de D. Catliarina, que casou com Duarto
de Meodoca, Fidalgo conhecido, de que Ucou huma (ìllia; e foruo tambem
pais de Gaspar Camello, que teve muita descendencia: terceiro, Joào Vaz
de Medeiros, que casou com Isabel de Frias, filha de Uui de Frias, dos
qoaes nasceo outro Rui Vaz de Medeiros, Cavalleiro do tiabito deChris-
to: quarto, JordàiT Vaz de Medeiros, casado, e com filhos, em Villa Fran-
ca: quinto, huma filha, que casou com Digo Alfonso Colomtirciro, de que
Basceo D. Maria da Costa e Medeiros, mulher de Francisco de Belencor
e Si, que voltou para a Madeira: sexto, Guimar Rodriguez de Medeiros,
de que logo fallaremos: seplimo, Maria de Medeiros, que casou com Ro-
drigo Alvarez, lìiho de Alvaro Lopes do Vulcao.
ìli Com a dita familia dos Medeiros, e pela dita sobredita Guimar
Bodriguez de Medeiros, sexla fiiha de liui Vaz de Medeiros, se ajunla-
fio OS anligos, e illustres Araujos. de que se tratar quizessemos, ainda
r«topilando, seria nunca acabar. 0 primeiro pois chamado Araujo (con-
forme ao Conde D. Fedro tit. 5G | 8) foi Payo Rodriguez de Araujo, e
tomou tal appellido dos Araus, ou Araùs, dos quaes descendia, e que o
tempo verteo em Araujos, e com ser casado com D. Brites Velho de
Castro, sempre seus descendcntes conservarao o appellido de Araujos;
e assim foi pai de Vasco Rodriguez de Araujo, senhor de Araujo, Lin-
dozo, e outras tirras; e foi primeiro avo de Concaio Rodriguez de Arau-
jo, e segundo avo de Pedreanes de Araujo, e terceiro avo de outro Payo
ftodriguez de Araujo, Embaixador dei-Rei Dom Joao I. a Castella ; e
quarlo avo de Alvaro Rodriguez de Araujo, Commendador de Rio Frio,
6 senhor das outras tcrras; e quarlo avo tambem de terceiro Payo Ro-
driguez de Araujo, que casou com D. Aldonsa, filha de Pedro Comes de
Abreu, senhor de Regalados ; e quinto av6 de D. Margarida de Abreu,
qoe casou com D. Rodiigo Sotomayor, fìllio do Conde de Caminha Pe-
dralves Sotomayor.
173 Desles pois tao illustres Araujos era Lopeanes de Araujo, que
^0 tao principal varao de Entre Douro e Minho, e de Vianna, veio
pva Sào Miguel em 1306,. e casou com a sobredita Guimar Rodriguez
de Medeiros, e tiverao cinco filhos : primeiro. Maria de Araujo, qùe ca-
^ com Antonio Furtado em Villa Franca, de que nasceo Lopeanes
VOL. I 17
238 HISTOniA INSrLANA
Fnrtado, marido de Ignes Correa, filha de Gonfalo Correa; e nasceo mm
Leonor de Medeiros, mulher de Fernào Vaz Pachilo: segundo, Brites de
Medeiros, mulher de Joao da Mota na mesraa Villa Franca, qu« era filho
de Jorge da Mota, de que nascerao Joào de Medeiros, e Miguel Bolellio,
(|uc casou com Solanda Cordeira, filha de Joao Rodriguez Cordeiro: ter-
reiro, Miguel Lopes de Araujo, que casou com Catharina da Costa, filha
de Gaspar Pires o Veiho, e d'elles nascerao Francisco de Araujo casndo
ein Lisboa, e Manoel de Medeiros, e Maria de Medeiros, que casou com
Manoel Rehello, fillio de Ballhezar Rebello: quarto, Hieronymo de Arau-
jo, que casou com Anna Pacheca, filha de Manoel Vaz Pacheco, e de Ca-
tharina Comes Raposa, dos quaes nascerao Gaspar de Araujo, e Antonio
de Araujo, e Francisco de Araujo, e Isahel de Medeiros, que casou com
Paulo Cago da Camera, filho de Rui Cago: quinto, Francisca de Medei-
ros, que casou com o Bacharel Jurista Joao Gonfalves, a que alguns cha-
mao Jolio Goncalves Ramaiho, que da serra de S. Gonzalo de Amarante
tinha vindo para esl^i liha de Sao Miguel; e d'elles nascerao D. Brites
de Medeiros, que casou com o Doutor Jorge de Amarai e Vasconcellos,
([ue de Portugal tinha ido a Ilha, e forào pais dos Padres Francisco de
Amarai, e Christovao de Amarai, da Companhia de Jesus, e do Doutor
Joào de Amarai e Vasconcellos, e de Gregorio de Amarai, e de huma
T). Joanna, Freira em Cellas de Coimbra. De todos os sobreditos Me-
deiros, e Araujos houve lantos mais descendenles, que toda a Ilha de S.
Miguel està chela d'elles.
174 Dos Borges Sousas Rebellos de Slio Miguel, o que se alcanca
he, que houve na dita Ilha bum Pedro Borges de Sousa, que para ella
tinha ido de Portugal, e foi pai de Duarte Borges, e av6 de Antonio Bor-
ges, que era feilor da Fazenda Real em Sào Migtiel, e ftdalgo; deste
Antonio Borges nasceo Clara Borges, que ires vczes casou em Pr^rtugaU
e com fidalgos, e là deixou descendentes, de quo alguns forno para .-«
India, aonde tambem morrerao irmaos da dita Clara Borges, chainado^S'
Pedro Borges, e Hieronymo Borges: nasceo mais do dito Antonio Bor^ei* ,
Duarte Borges de Gamboa, de quem se sabe que foi Provedoi* da Fazer* -
da nas Ilhas, e depois Thesoureiro mòrdo Beino, e Cavalleiro do habilo
de Christo com teiifa ; e deste nasceo Antonio Borges, que ficou e^^n
Africa na bataiha dei-Rei D. Sebastiao, e estivo ficou la outro seu rm^Tio
chamado Vasco da Fonseca Coutinho, a quem fugindo do cativeiro cfó
Africa dee El-Rei D. Henrique o habito de Christo com tenfa; e outro
L!V. V GAP. V 239
frmao d esles Francisco Borges de Sousa foì Inquisìdor da Mesa grande
da Inquisi(ao da India ; e todos estes forao terceiros netos do primeìro
Pedro Borges de Sousa.
175 Nasceo mais do fidalgo Antonio Borges, Guimar Borges, qne
casou com Balthezar Rebello, Àimoxarire da Fazenda Real, e Lealdador
mór dos pasleis, de quem nascerao tres filhos: primeiro, Antonio Bor-
ges, qoe casou com Isabel Dias, e depois com Beatriz Castanha, filha de
Fedro Castanho; e do tal Antonio Borges nasceo Duarte. Borges da Cos-
ta, que casou com Maria de Sao Payo, filha de Manoel Cordeiro de Sào
Favo Benevides, e de Meda Nunes de Arez, filha do Licenciado Gongalo
Nanes de Arez, e da filha do Almoxarife de Angra; e do tal Duarte Bor-
ges da Costa nascerao os dous Padres da Companhia, Padre Joao Bor-
ges, e Padre Gonzalo de Arez, e Antonio Borges, que casou com D.
Maria da Camera, que for3o pais de Duarte Borges da Camera, Jniz da
Alfandega, ou do mar comò là dizem, que casou com D. Maria deFrias,
emorrerao sera deixar dcscendencia. Segundo filho de Balthezar Rebel-
lo, e de Guimar Borges foi Manoel Rebello, que conscrvou o appellido
de sua nobre varonia, e casou com Maria de Medeiros, filha de Miguel
Lopes, da Villa de Agua de Pào ; e d'estes nasceo Francisco Rebello,
chamado o Senador, assim por sua nobreza, comò por grandes talentos:
de que nasceo huma niha, e Balthezar Rebello, (comò seu visavò) e ca-
soncom hama filha de Francisco Soares de Mello, Capitao mór da Villa
daAlagoa. Terceiro filho do dito Balthezar Rebello foi Pedro Borges,
?ne casou com Anna de Medeiros, e por aqui se metteo na familia dos
Jorges e Dias, de que agora tralaremos.
176 Os Jorges de appellido comegarao do muito nobre Jorge Velho,
qne casou com a igualmente nobre Africa Anes, ou Africanes, (de quo
Iratamos jà quando dos illustres Velhos da Ilha de Santa Maria); deslcs
>i«3cerao, e descenderao muitos, que por sobrenoine tomarao o appetti-
lo Joi^e, (comò sabem todos os que alguma cousa. sabem de Genealo-
P^): nasceo pois Fernào Jorge, quo foi o que Irouxe o Alvarà de Villa
* Ponta Delgada, quando no principio era so lugar sugeito a Villa Frau-
Q; nasceo mais Pedro Jorge, e foi pai de Catharina Jorge, mai de Diogo
^tt Carreiro, que fundou o Convento das Freiras de S.
^^ Penta Delgada ; e lambem foi pai de Hieronymo Jorge, que casou
luìina filha D. Luiza com Rui Gongalves da Camera, pai de Simao da
ditterà, de que nascerao outros muitos Cameras. Nasceo tambem do
i
260 HISTORIA LNSCLANA
]>riineiro Jorge Yelho, Ignes Alfonso, que casou em SmVat Maria oont
Jorge da Fonte, e leve por Qlbos a Alvaro da Fonte, Joào da Fonte, e
Adam da Fonte, e todos tres Cavalleiros da Ordem de Chrìsto. E nas^
ceo entfim o filbo mais vellio Joao Jorge, que prìmeira vez casou coro
Catharìna Martins, vinda de Beja, na Villa de Agiia de Pao, e segunda
vez com Beatriz Vieente, vinda do Algarve.
177 Da prìmeira malher nasceo Feroao Jorge, qiie casou em Agua
de Pào com Isabel Vieira, fìiha de Fedro Vieira; e oulro Joao Jorge nas-
ceo da segunda mulber, que casou com Izeu da Costa, e d*estes ambos
irmàos houve muila descendencia ; ìtem, nasceo da prìmeira mulher,
Ignes Jorge, que casou com Fernao Gii Jaques, ndalgo de Lagos no Al-
garve, e Isabt.1 Jorge, que casou com Vasco Mcente Raposo, tambem do
Algarve; nasceo mais da segunda mullier. Maria Jorge, que casou com
Gaspar Pìres Cavalleiro, filbo de Pedralves Preto. fidjrigo, e de sua mu-
llier Catharìna Luis, e d'estes nasceo outra Catharìna Luis, que casou
com Miguel Lopes de Araujo, filbo de Lopeanesde Araujo, e de Guimar
Kodrlguez de Medeiros, de quem nos Medeiros failamus jà; e desta Ca-
tharina Luis, e de Miguel Lopes de Araujo i>asceo Anua> de Medeiros,
que casou com Gaspar Dias, e d'estes Dias agora tratarenK)s, pois da
familia dos Jorges basta jà o sobredito.
178 Com a grande fama da fertilidade, e riqueza da Uba de Sào
Miguel, e multo mais em o primeiro seculo depois de descul>erta, biào
de Portugal continuamente muitos, e buns a commerciar, e a voltar, ou-
iros com casa, e familia mudada, e la ficavOo povoando; entre estes foi
lium chamado Manoel Dias, que fez em Ponta Delgada, seu assento, e
tao bem soube negociar, particularmente com os Ir^Mezes que biào là
àquella liba, que nella se casou com Margarida Fernandez,- mulber no-
bre, irma de Isabel Fernandez, casada com Antonio Mendes Pereira, e
filbas ambas de Francisco Fernandez, pois deste teni ainda lioje liunia
terca avinculada bum terceiro neto do tal Manoel Dias : e este enrique-
ceo tanto, que bum seu filho, chamado Christovao Dias casou coni tal
* fidalga comò D. Alargarida de Sa, filha de Henrique de Belencor e Sa,
de Ilibeira Grande, neto do primeiro Bui Goncahes da Camera, terceiro
Capitao Donatario da Ilha; e do dito Manoel Dias, outro filbo foi Gaspar
Dias, que tal sociedade assenlou com buns ricos contratadores Inglezes^
que embarcando-se buma vez com elles, e morrendo-lhe os socios uo
mar, ficou berdando d'elles loda a riqueza que Icvavào, e se voltou para
UV. V TIT. V 261
a Hha, mais rìco qne pai, e irmao; e sendo jà Ci Jadao de Ponta Delga-
da, ra^ou com aquella fidalga Anna de Medeiros, desceadente dos Me-
Jèims, Jorges, e Araajos.
179 D'este pois Gaspar Dias, € da dita sua multier nascerao os fi-
Ihos segnintes: primeiro, André Dias, que casou com Margarida Pache-
<a, filha de Antào Paclieco, e de Ignes Ferreira, de que nasceo Gaspar
deMadeiros, primeiro do nome, que casou com D. Maria da Camera,
da illustre familia dos Cameras, fiIha de Antonio Borges, e de outra D
Maria da Camera, da Villa de Nordesta, e tiverao por filho a Gaspar de
Hedeiros da Camera, segundo do nome, e casado com
Nascerao mais do dito André Dias tres fillios,
Anlao Pacheco- pai de André da Ponte, por ser sua ra3i fi!ha de Pedro
da Ponte Raposo; item Joao de Sousa Pacheco, que casou com D. Ma-
rianna de Paria-, item Anna de Medeiros. que* casou primeir a vez com
Manoel Raposo, e segunda vez com Jo3o de Mello d'Arruda, de que nas-
<%ri0 Jordao Jacome Raposo, e André Dias de Araujo, e D. Marianna
lapnsa. Segundo filho de Gaspar Dias foi Miguel Lopes de Araujo, ca-
^^do com Francisca de Oliveira, filha de Estevao de Oliveira, e de Ignes
Manoel, fìUfta de Manoel Pavào, que de Portugal se mudou para està
^'ha. Terceiro filho foi Manoel de Medeiros, que casou cora D. Maria
^'Arruda, de que nasceo outro Manoel de Medeiros, fidalgo filhado, que
^^soa cora D. Feliciana de Andrade, e forao pais de Antonio de Medei-
'^, Cavaileiro do habito de Christo, e mogo fidalgo, casado com D. Ma-
^a Coutinho.
180 Quarto filho de Gaspar Dias foi Anna de Medeiros, casada com
*^edro Borges de Sousa, filho de Ballhezar Rebello de que nascerao Fe-
••ppc Borges de Sousa. grave Ecclesiastico, e Frei Gaspar da Boa Nova,
*^ranciscano, e Miguel Lopes de Araujo, que casou com D. Isabeldo
^anto, dos Cantos fidalgos da liha Terceira; e deste matrimonio nasceo
^ *. Antonia, que casou com seu primo Pedro Borges de Sousa, de quem
^*Sovou ainda moca, e casou segunda vez, e teve filhos. Nasceo mais do
'^«bredito Pedro Borges, e de Anna de Medeiros Agostinho Borges de
^oiisa, Provedor da Fazenda Beai de todas as Ilhas Terceiras, que ca-
^t)u com I). Maria de Bet(».nc^r, filha do Doulor Antonio Ferreira de Be-
^encor, naturai de Villa de Agua de Pào, e Provedor tambem das ditas
; lllias, de cnjo matrimonio nascerao os filhos seguintes.
I 181 Vicenle Borges de Sousa, que foi bom Jurista na Universidade
262 lilSTORIA INSULANA
de Goimbra, e seodo do primeiro provimento Juiz de fora A*e^9, largaci
a Jndicatura, e se veio para a Uba acudìr a demandas de bum seu bona
iDorgado, e depoìs casou com a filha de bum nobre CidadSo Antonio
Pereira dElvas na mesma Cidade de Penta Delgada. Segando Pedro Bor-
ges de Sousa, o que casou com a sobredita prima U. Antonia. Outro
filbo foi Antonio de Betencor, Jurista tambem, e Juiz de fora de Ponta
Delgada, por ser jà nascido em Angra da Uba Terceira, e morreo sem
fìlbos; e buma irrnS sua D. Anna Zimbron, assim cbamada, por n*ella
nomear sua tia D. Anna Ferreira de Betencor o morgado, que seu ma-
ndo D. Alonso Zimbron, fidalgo Castelbano, e marido da dita D. Anna
Ferreira Ibe deixara; e porque a dita D. Anna Zimbron de seu marido
Francisco Pacbeco de Lacerda nao teve filhos, foi a morgado nomeado
em outro seu irm3o, de que agora trataremos, e foi este.
18:2 Agostinho Borges de Sousa, segundo nome, Provedor da Fa-
zenda Rea! de todas as ditas Ilbas, Cavalleiro professo da Ordem de
Christo, fidalgo fiibado, com grande ten^a, da casa de S. Magestade, e
Familiar do Santo Officio da Corte de Lisboa, que tinba estudado direi-
to em Coimbra, e foi nao so n'elie prudentissimo, mas o maior Ministro
dei-Bei que tiveruo as Ilbas ; porque so o oflicio be verdadeiramente
Regio, e sem escrupulo muito rendoso, e de quem até os Bispos, Go-
vernadores, e Donatarios dependem, e ainda muitos Grandes de Porlu-
gal que aceitao tcn^as, ou consìgnaQoes na Fazenda Rea! daquellas lUias;
e emfìm be n'eilas corno bum Yédor da Fazenda Real, que fazenda seu
officio comò deve, entào tem tambem grandes inimigos, cohk) teve o dito
Agostinbo Borges; casou porémìllustrementecom buma fìlba de Vital di>
Betencor, e Yasconcellos, bum dos mais illustres, e antigos fìdalgos da
Cidade de Angra; e teve d'ella por filbo a Zimbron de Betencor, quo
berdou a grande casa do pai, mas nao o Regio cargo, por nao sofrer os
encargos, que o magnanimo pai sofreo.
183 Porque chegou a tanto a inveja, (de que nem escapao sobera-
nos Principes, nem os Sanlos mais justificados) que ao sobredito Gaspar
Dias, visavò materno do dito Agostinbo Borges; com evidente, e notoria
temeridade, e Hilsidade levantarao que tinha raga de Cbrislao novo, <^
sem mais fondamento que o terem o dito Gaspar Dias, e seu irma^^
Christovào Dias, e o pai de ambos Jlanoel Dias, terem vindo de Par—
tugal a liba de S. Miguel, e n'olia terem contralo muito opulento, co-
mò se 0 contratar nao fosse de Clirislàos vellios tambem, e de fidat-
Liv. V UT. VI 263
gos, e Principes; mas ludo jà totalmente se achou ser evidontemeni
le faUo por oxpclissimas devassas juridicas, e por dobradas senlengas
da Rea! mào do Serenissimo Rei D. Joào IV, e nllimamente pelo exac-
ti:^inM) Tribunal da Santa Inquisicao, que ao dito Agoslinho Borges li-
rou as inquirì(;oes, e acliou ser jimpissimo de toda a raga, e o admittio
em seu Santo OIQcio; e està he a pura verdade, que nào so dìgo, mas
^uto assim ser.
TITULO VI
Dos BarbosaSy Silms, Tavnres^ Novaes, Quentaes^
FariaSy Machados.
184 Pelo tempo dei-Rei D. Alfonso V, era fidalgo de sua rasa Ru
. Esleves Barbosa; oriundo de Entre Douro e Minho, e casado com Felip-
pa da Silva, illustre fidalga, e irma do famoso Silva, Regedor de Lisboa,
de quem descendem tantas casas litulares d'està Coroa de Portngal. Do
dito casamento, além de outros fìlhos nasceo Rui Lopes Barbosa da Sil-
va, que casou com Branca Gongalves de Miranda, e com ella veio para
a llha de S. Miguel em tempo de seu terceiro C.apitào Donatario Ruy
Gontalves da Camera, primeiro do nome; do tal Ruy Lopes Barbosa foi
primeiro filho outro Ruy I^opes Barbosa, que casou com Guimar Fer-
nandez Tavares, filha de Fernando Anes Tavares, do tal casamento nas-
ceo Francisco Barbosa, que cason a primeira vez, e nao leve filhos, a
segunda casou com Isatiei de Miranda na Uba de Santa Maria, e teve
della a Hercules Barbosa da Silva, que casou com Isabel Ferreira, filha
de Fernào Lourento, e de Leonor Ftìrreira, filha de Gaspar Ferreira,
Lealdador mór dos pasteis, do tal Hercules nasceo Bras Barbosa da Sil-
^a» Lealdador, e Alferes mór em Ponta Delgada, que casou com D. Ca-
Iharina de Belencor, de que nasceo D. Anna de Betencor, que casou
com Ruy Cago da Camera, e d'cstes nasceo D. Calharina da Camera,
casada com Joao Borges de Betencor.
185 E ainda que pela dita via està ja a familia dos Barbosas em
"nha feminina, comtudo o primeiro Luis Lopes Barbosa leve outro filho,
^bastiào Barbosa da Silva, que casou com Isabel Nunes Botelha, de que
'^sceo Heitor Barbosa da Silva, fidalgo que casou com Guimar Pacheca,
filha de Fernao Vaz Pacheco, e|de Isabel Nunes, de que nasceo Nuno Bar-
l^^i que da segunda mulher Anna Jacome, filha de Jurdao Jacome Ra-
264 TiisTonu insulana
poso, do Villa Franca, leve onlros filhos, e do dito Heilor Barbosa nas-
cf»o mais oulro irmao chamado Pcdro Barbosa, que casou com Maria de
Medciros, de que lambem leve fillios, e assim là se veja agora aonde
està ainda a varonia dos Barbosas; qne linbas femininas lem oulras mui-
las ainda, assim de Irmàs do mesmo Heilor Barbosa, que casarào, e li-
verao filhos, corno lambem por huma filba do segundo Ruy Lopes Bar-
bosa, de qucm nasceo mais Isabel Barbosa, que casou com o fidalgo
Antonio Borges, filho de Duarle Borges, e nelo de Fedro Borges de Sou-
asa, corno jà fica largamcnle dito no antecedente lil. v. Alem de que Her-
cules Barbosa (nelo do sobredilo segundo Ruy Lopes Barbosa) nao so
leve varias irmas casadas, mas tamliem oiUro seu irmao chamado Duar-
te Barbosa, de que talve^ ficaria ouira voronia dos Barbosas. Islo posto
dos Barbosas Silvas, vamos jà aos Tavares.
186 Fernao Tavares (que tinba dtms irmaos fidalgos da casa do
descubridor o Infante l>. H^nrique, e era dos Tavares oriundos de Por-
lalegre, e Aveiro) leve por primeiro fillio a Ferniio de Anes Tavares,
que era primo coirmào de Simào de Sousa Tavares, Alcaide mór de
Aveiro, e pai de Francisco Tavares de Sousa, lambem de Aveiro Alcal-
de mór, e famoso na India: este pois Ferrìào de Anes Tavares, com fa-
vor do dito Infante se foi para a Madeira por huma morto, que se llie
imputava, e na Madeira casou com Isabel Goncalves de Moraes, dos
muilos nobres, e antigos Moraes de Braganra, e com a dita mulher s«^
mudou para S. Miguel em companhia do primeiro Huy Gonfalves da
Camera, terceiro Donatario de S. Miguel; da tal mulher leve muilos fi-
lhos, e fìlhas.
187 0 primeiro filho foi Ruy Tavares, Cavallciro de Africa que om
S. Miguel casou com Leonor AJTonso, filha de Francisco Enes, nobre rao-
rador de Ribeira Grande, e deste matrimonio nasceo, primeiro, Joào
Tavares, que casou com Luzia Goncalves, filha de Joao Goncalves da
Yarzea, que forào pais de Ballhesar Tavares, casado com Oitharina de
Figueiredo, filha de Lopo Dias, Cavalleiro do habito de Santiago, e de
Guimar Alvaroz: e este Ballhezar levou o morgado do avo, e deixou por
filhos a Leonel Tavares, e Ballhesar Tavares: tambem leve muilos irmàos,
(lios dos ditos dous; Ruy Tavares, que casou primcira vez no Porto, e
leve (ìlhos, e segunda vez em Vianna, e morreo Corregedor em Ponte
de Lima: oulro irmao foi Gaspar Tavares, que casou em Uabo de Peix<»;
e oulro Manoel Tavares, que no mesmo Rabo de Peixe casou, e dtjixou
LIV. V TIT. VI 2C5
filhos; e oalro ainda foì Belchior Tavares, casado com Iiuma filha de Jo3o
Cabnl de Vulcao, de que nasceo huma filha, qiie casoii com Manoel de
Vngn: e as irmàs forao, Catharina Tavares, casada com o Licenciado Mi-
guel Pereira, fidalgo de Vianna e pais de Isahel Pereira, casada com
Antonio Machado, da Cidade, e de Susanna Pereira, casada com Miguel
Vaclieco, e com filhos: e aoulra irma foi Maria Tavares, que casou com
f.ypriano da Ponte em Villa l'ranca.
488 Do primeiro Ruy Tavares nasceo segundo, Balthezar Tavares,
qne casou na Cidade de Ponta Delgada com Maria Cabrai, filha de Sebas-
tilo Velbo Cabrai, e dos ditos nasceo Daniel Tavares, pai de Francisco
Tavares Homem, que foi pai de Ruy Tavares, que casou com huma Ir-
ma (le Manoel de Brum e Frias: e do mesmo Balthezar Tavares nasceo
timbcm Joao Cabrai, que casou em Ribeira Grande com Catharina Jor-
pe, filha de Jorge Goncalves, do habito de Santiago, e liverao filhos. Nas-
m terceiro Garcia Tavares, e quarto Joao Rodriguez Tavares, e ambos
forào, e morrerào famosos na India, e quinto nascerao mais trcs filhas,
Isabel Tavares, Maria Tavares, e Francisca Tavares, e todas tres casarao
na Illia, e tiverao filhos.
189 0 segundo filho do primeiro Fernao de Anes Tavares foi Hen-
riqne Tavares, Cavalleirp era Africa, que casou na Illia, e »eve por filho
« Liiis Tavares, Cavalleiro Fidalgo, que casou com Isabel Vaz, filha de
Nro Vaz, Lealdador mór dos pnsteis ; e do tal Luis Tavares nasceo
'Jenriqne Tavares, que casou em Sanlarem com Leonor da Paz, de que
<eve filhos; e Pedro Vaz Tavares, que na Uba casou; e teve filhos: e
^'e^n^lo Tavares, e Francisco Tavares ; e quatro filhas mais do mesmo
'A Tavaras, e de lodos houve na Uba descendencia.
190 0 terceiro filho do dito Fernào de Anes Tavares foi Concaio
Tavares, Cavalleiro de Africa, que casou com Isabel Correa, filha de Mar-
lin» Anes Fnrtiido, e de Solanda Lopes, e d'elles nasceo o Padre Duar-
^ Tavares, da Companhia de Jesus, que morreo na India servindo em
'•nm Hospital com fama, e exemplo de Santo; nasceo mais o Licenciado
Antonio Tavares, Juiz de fora de Tavira, e casado com Branca da Silva,
f'Iha de bum fidalgo chamado Sebasti5o Barbosa da Silva; e do tal ca-
^menlo nascerao o Capitao Gonzalo Tavares da Silva, quo casoii na Ci-
vade de Ponta Delgada, e deixou filhos; e seu irmao Joao da Silva, que
^«ìbenfì casou, e deixou descendentes; e dos ditos dous irraaos houve
^inda oiais huma irma Joanna Tavares, que casou com Sebastìào Jorge
266 HISTOMA I^SILANA
Formigo, do habito de Santiago, de que fìcoa tnuita descendencia em
Ribeira Grande.
i91 Quarto fìlbo do mesmo Femao de Anes Tavares fui Guimar
Fernandez Tavares, que casou coni Huì Lopes Barbosa, fìdalgo que dVU
la houve muitos filbos. Quinto fui Felippa Tavares, que casou còm Luis
Pires Gabea. de que ficarào em Pouta Delgada, e em Villa Franca mui-
tos descendentes cliamados Cabeas. Sexto Tilho foi Anna Tavares, que ca-
sou com Antonio Carneiro, Cidadào do Porto, prinu) coiruiao de outro
Antonio Carneiro, Secrelario del-Kei, e pai de Pedro de Alcaceva, So-
crelario tambem d el-Rei; deste casamento nascerao dous fìllios cegos,
Frei Antonio Carneiro, Franciscano, e Miguel Tavares, que sendo cei^n
se formou Doutor em Medicina; mas tambom nasceo Simoa Tavares, qtie
casou com Antonio Lopes, fìllio de Alvaro Lopes, nobre Cavalleiro; e di
tal casamento nasceo Francisca Carueira, que casou com Bartholomeu de
Amarai, de que ficarno Tillios, Amaraes da Beira, e Carneiros do Porto.
idi Dos Novaes Coutinhos, e dos Quentaes Senoes trala o Condc
D. Pedro tit. 65, e a Chronica d*el-Kei U. Mauoel. Houve pois bum gran-
de fidalgo chamado Vasco Fernandez de Mendofa Coulinlio, senbor do
Coutim, e de outras terras, que teve os fìllios seguintes: primeiro, de
quo Ingo fallaremos: segundo, Lopo Aflbnso Novaes Coutinlio, de que
casado nascco Bui Lopes Coutinlio em Li.^ioa. e D. Felippa Couliiiba,
que casou com o quinto Capilào de Sào Miguel Buy Gongiilves da Ca-
mera, Segundo do nome; e D. Ignes Serra: lerceiro fillio foi o Gìnde de
Marialva, que casou a fìllia unica com o Infante D. Fernando, irinfio d el-
Rei D. Joao IH, e o Conde de Borba, depoìs Conde do Redondo. 0 pri-
meiro fillio pois do diti) Vasco Fernandes foi Francisco Botellio de No-
vaes Quental, (que por Quental, e Novaes, e parcce que pela mai des-
cendia da illustre fidalguia de Franca, e foi o primeiro que em Pertugal
usou dos ditos appellidos); deste nasa*o D. Maria de Novaes Quental,
Dama da Bainlia mulber d el-Bei D. AiTunso V de Portugal, e d abi c;;-
soii com Ambrosio Alvarez Homem de Vasconcellos, fìllio de Pedralves
flomem, e de Dona Margarida Mendes de Vasamcellus, irmà do Capìtùi
de Macliico da Madeira; e foi para a illia Terceira o dito Ambrosio Al-
varez Ilomem com a diUi sua mulher e com datas de tecras, e o officio
de Memposteiro mór de Cativos em todas as Illias.
193 Desta D. Maria de Novaes, e do dito Ambrosio Alvai-pz IIo-
mem de Vasconccllus ^grandes lìdalgos) fui primeiro fìlbo Pedro de Nu- ,
uv, y TiT. VI 26T
vaes, que casOu em Suo Miguel com Beatriz Botclha, fìlTta de Antao Gon-
(alves Botelho, e neta de GoDcialo Vaz, o Grande, e por provisao ReaL
(dì Locotenente do DoDatario, e deo muitas terras de sesmaria; e d'elles
oasceo Joào Serrao de Novaes, que casou com BeaLrìz Lopes, filila de
Lopo Dias» na Praia da Terceira; dos quaes foi filho Miguel Serr3o, que
casou 0)01 Isabel Nunes, filha de ftlanoel Galvao, e de Catharina Nunes,
e oasceo d'elles (aiém de outros filhos) huma filha, que casou com Ma-
noel da Fonseca (fìdalgo horaem da Terceira); do diro Joao Serrao do
Novaes nasceo tambem Manoel Serrilo, que casou com Isabel Gongal-
ves, e Catharina de Novaes, que casou eom Bartholomeu Boteiho, varào
fidalgo, e Isabel Serra, que casou em Villa Franca com Manoel da
Ponte.
194 Nascerao mais do dito Fedro de Novaes, primeiramente André
de Novaes, Capi tao das Galés de Carlos V, e Francisco de Novaes, quo
caaoa com Joanna Ferreira de Drumond na liha da Madeira, descenden-
te da Rainha de Escocia 0. Bella; item, Margarida de Novaes, que casou
em Villa Franca, e della nasceo Joao de Novaes, que casou com Maria
Jorge, filha de Jorge Affonso, do Nordeste, de que bouve filhos; e final-
mente nasceo do mesmo Fedro de Novaes, Antonio de Quental, que ca-
sou com Isabel Cardosa, fidalga de Lisboa.
195 Da sobredita D. Maria de Novaes nascerao (além do dito filho
Fedro de Novaes) Fernao de Quental, que casou com Margarida de Ma-
tos, filba de Joao da Castanheira, fidalgo que veio de Fortugal, e deo o
nome a hum pico acima da Cidade de Fonta Delgada; e d esHes foi filho
ÀUonso de Matos, que primeira vez casou com Guimar Galvoa, filha de
Fernao Gon(^lves; e segunda vez casou com Beatriz Cabeceiras, filha de
Bartlmlomeu Rodriguez da Serra; e da primeira mulher teve n Sebastìào
de MalQs, e outros filhos. Item, Toi pai de Fernao Quenta 1, e Hieronymo
Quental, que casou com huma filha de Pedro Jorge, de que nasceo Ma-
ria Quental, que casou com Ballhezar Gongalves, filho de Gongalo Anes
Itamires; e Isabol Quental, que casou com Salvador Goucalves, filho tam-
bem do dito Gonzalo Anes Ramires.. Nasceo mais do sobredito Fernao
de Quental Isabel de Quental, que casou em Villa Franca com André de
Ponte de Sousa. Da sobredita l). Maria de Novaes nasceo mais Louren-
co de Quental, que viveo em Portugal, e d'elle procedem os Novaes, e
Quentaes do dito Beino; item, nasceo D. Violante de Novaes, que da Uba
Terceira fui para Dama da Rainha, e monco solteira; e emfim nasceo
2G6 HISTORIA INSCLANA
Formigo, do habito de Santiago, de que fìcou inulta descendencia enì
Ribeii'a Grande.
191 Quarto filho do mesmo Fernao de Anes Tavarcs fui Guimar
Fernandez Tavares, que casou coni Itui Lo|)es Barbosa, fidalgo que dVU
la houve muitos nilios. Quinto Toi Felippa Tavares, que c^isou cono Luis
Pires Gabea, de que ficarào eni Ponta Delgada, e em Villa Franca mui-
tos descendentes chainados Cabeas. Sexto FiIho foi Anna Tavares, que ca-
sou com Antonio Carneiro, Cidadào do Porto, prinu) coirmao de outro
Antonio Carneiro, Secretarlo d'el-Hei, e pai de Pedro de Akuiceva, So-
crelario tambem d'el-Rei; deste casamento nascerao dous filhos cegos,
Frei Antonio lìarneiro, Franciscano, e Mi}(uel Tavares, que sendo ce^o
se Tormou Doutor ein Medicina; mas tambem nasceo Simoa Tavares, que
casou com Antonio Lopes, filho de Alvaro Lopes, nobre Cavalleii-o; e d?)
tal casamento nasceo Francisca Carneira, que casou com Bartholomeu de
Amarai, de que ficarào fillios, Amaraes da Beira, e Carneiros do PorU».
192 Dos Novaes Coutinhos, e dos Quenlaes Serróes trala o Condo
D. Pedro tit. 63, e a Clironica d'el-Uei U. Manoel. Houve pois huin gran-
de fidalgo chamado Vasco Fernandez de Moiidoga Coulinho, senhor de
(ìoutim, e de outras terras, que teve os filhos seguintes: primeiro, do
que logo fallaremos: segundo, Lopo AlTonso Novaes Coulinho, de que
casado nasceO Bui Lopes Coulinho em Lisi)oa. e D. Felippa Coutinha,
que casou com o quinto Capilào de Sao Miguel Uuy Gongidves da (Mi-
niera, segundo do nome; e D. Ignes Serra: terceiro filho foi o Ginde do
Marialva, que casou a lìlha unica com o Infante D. Fernando, irniao del-
Rei D. Joào IH, e o Conde de Borba, depois Conde do Bedondo. 0 pri-
meiro filho pois do dito Vasco Fernandcs foi Francisco Boteiho de No-
vaes Quental, (que por Quenlal, e Novaes, e parcce que pela mài des-
cendia da illustre fidalguia de Franca, e foi o primeiro que em Perlugal
usou dos ditos appellidos): deste nasceo D. Maria de Novaes Quental,
Dama da Bainha mulhor dei-Bei D. AlTonso V de Portugal, e d ahi ca-
sou com Ambrosio Alvarez flomem de Vascx)ncellos, filho de Pedralves
Homeni, e de Dona Jlargarida Mendes de Vasconcellos, irnià do Capila.')
de Machico da Madeira; e foi para a liha Terceira o dito And)rosio Al-
varez Homem com a dita sua mulher e com dalas de leu'as, e o officio
de Meniposteiro mór de Calivos em todas as Ilhas.
193 Desta D. Maria de Novaes, e do dito Ambiosio Alvarez Ho-
mem de Vasconcellos ^grandes lidalgos) foi primeiro fillio Pedro de Nu*
Liv, y TiT. VI 26T
vaes» qne casóu em Suo Miguel com Beatrìz Botclha, fìllia de Antao Gon-
Calves Boielho, e neta de Gonzalo Vaz, o Grande, e por provisao Beai
Ibi Locotenente do Donatario, e deo mujlas terras de sesmaria; e d etles
nasceo Joao Serrao de Novaes, que casou com Beatriz Lopes, filha de
Lopo Dias, na Praia da Tercetra; dos quaes Toi fìllio Miguel SerrSo, que
casou com Isabel Nunes, filha de Manoel Galvao, e de Catharina Nunes,
e nasceo delles (além de outros fillios) huma filha, que casou com Ma-
noel da Fonseca (fìdalgo homem da Terceira); do dito Joào Serrao do
Novaes nasceo tambem Manoel Serrao, que casou com Isabel Goncal-
ves, e Catharina de Novaes, que casou eoin Bartholomeu Boteiho, varào
fidalgo, e Isabel Serra, que casou em Villa Franca com IManoel da
Ponte.
i94 Nascerlo mais do dito Pedro de Novaes, primeiramente André
de Novaes, Capitào das Galés de Carlos V, e Francisco de Novaes, quo
casou com Joanna Ferreira de Drumond na liha da Madeira, descenden-
te da Rainha de Escocia D. Bella; ìtem, Margarida de Novaes, que casou
em Villa Franca, e della nasceo Joào de Novaes, que casou com Maria
lorge, filha de Jorge Alfonso, do Nordeste, de que houve filhos; e final-
mente nasceo do mesmo Pedro de Novaes, Antonio de Quenlal, que ca-
sou com Isabel Cardosa, fidalga de Lisboa.
195 Da sobredita D. Maria de Novaes nascerao (além do dito fillio
Pedro de Novaes) Fernao de Quentai, que casou com Margarida de Ma-
tos, filha de Joào da Caslanheira, fidalgo que veio de Porlugal, e deo o
nome a hum pico acima da Cidade de Ponla Delgada; e d e^^tes foi fillio
AfloQso de Matos, que primeira vez casou com Guimar Galvoa, filha de
Femào Goncalves; e segunda vez casou com Beatriz Cabeceiras, filha de
Barlliolomeu Bodriguez da Serra; e da primeira mulher teve a Sebastiào
deMalos, e outros filhos. Item, Toi pai de Fernào Quenta 1, e Hieronymo
Oocnlal, que casou com huma filha de Pedro Jorge, de que nasceo Ma-
ria Quental, que casou com Balthezar Gon^alves, filho de Gongalo Anes
ftaniires; e Isabel Quental, que casou com Salvador Goncalves, filho tam-
1*09 ilo dito Gonzalo Anes Ramires.. Nasceo mais do sohredito Fernào
de Quental Isabel de Quental, que casou em Villa Franca com André de
Ponte de Sousa. Da sobredita D. Maria de Novaes nasceo mais Loureu-
Co ile Quental, que viveo em Portugal, e delie procedein os Novaes, d
Quenlaes do dito Beino; item, nasceo D. Violante de Novaes, qne da liha
Teic<ìira fui para Dama da Bainlia, e monco soUeira; e emfim nasceo
270 HISTOWA INSriANX
fio dito scu Pondador, corno Ibes merece, pois n3o sei que sahissetn
iiinda com sua vida.
200 Dos Machados, e Farias de Sao Miguel muito havia que dizer,
porqne por .Machados descendem de hum Gaspar Machado, e de scu lì-
Ilio Joào Machado Cannona, naturaes de Barcellos de Entre Donro e
Minho. e da illustre ramilia dos Machados de Montebello, grande senhor
(le muitas lerras, de que trataremos quando dos Machados da liha Ter-
ceira. Dos Farias diz o Doutor Fructuoso liv. 4, cap. 54, que llies veio
i'ste appellido de hum antigo ascendente seu, que obrando huma grande
fafaiìha, e ouvindo-a o Rei perguntou quem a fizera; e noracanrto-se-lhe
;ì pessoa, jà famosa, accrescentou o Rei, e Esse, faria;t e d'aqui tomoli
o ohrador de faranhas, e todos seiis descendentes, o appellido de Farla.
Vejrio agora là que illustres obras faz quem se intitula Faria. Do dito pois
Fernào Machado, e de seu fillio Joao Machado ficarao tres filhos, a sa-
l)or, Gaspar Machado de Faria, Abbadc rico em Villa de Conde, qne
morreo no anno de 4637, e deixou por seu herdeiro a hum seu primo
Manoel Machado de Miranda, fìdalgo da casa de S. Magestade* Outro fi-
llio foi Francisco Machado, que casou com Ignes de Barros em Barcel-
los; e 0 outro filho foi Antonio Lopes de Faria, que de vinte annos foi
para a Ulta de Sào Miguel, e là casou com D. Maria Pimentel na Villa
<ln Alagoa a^m cem moios de renda de dote, e morreo pclos annos de
1GW). D'esle matrimonio nasceo Antonio de Faria Maya, que huraa vez
casou com D. Margarida Nunes, outra com D. Luiza do Canto, irma de
I). Maria do Canto, m«lher de Diogo Leite Boteiho, fidalgo bem conhe-
gdo, e cllas ambas Fidalgas da liha Terceira; e d oste Antonio de Faria
Maya nasceo Francisco Machado de Faria, quo casou, e tem maitos fi-
llios. e he huma das prìncipaes, e ricas casas de Ponta Delgada. Mas
vanios por diaiae com a bistoria.
CAWTULO XVIII
Das rendas, on riquezas, feriilidade^ e frutos d'està Ilha,
201 Assim comò no Capitulo antecedente, e seus scis litulosreco-
pilàmos parte do muito que o Doutor Fructuoso traz das Geragoes d'a-
qrn»lles que descubririlo, e povoarào a liba de Sào Miguel, e muito mais
deixamos, que vira mais propriamente na bistoria das x)utras Ilhas ; as*
LTVRO V CAP. xvin 271
«ìm tambera agora recopilaremos o muito mais que diz, ecom excessiva
iDiudeza, das materias apontadas n'este Capitalo, qne elle Iraz no liv. 4,
e em dez Capitulos, desde o 51, ale 60, por nera fallar a substancia,
nem lambem usar mal da paciencia do curioso Leitor.
204 Ha cento e vinte annos rendia a Illia de Sao Miguel para El-
Rei, do dizimo do trigo, mil e duzento8 moios cada anno, e em muilos
annos jà mil e quinhentos : do dizimo do vinho cada anno quinhentas
Vipas; e muito de outros muitos Trutos, fora a renda incerta do paslel,
edo qne chamào miuyas, e a grande, a dinheiro, das entradas, e sahi-
<las na Alfandega; e isto sem se cultivar mais que a terfa parte desta
llha. Rende ao Donatario Conde de Ribeira Grande, assira da redizima,
que dos frutos da terrra, e direitos da Alfandega Ihe dà El-Rei, corno
(los moinhos de toda a llha. e do mteiro dizimo do pescado, ervagens,
«saboaria, e de outras rendas que la tem, e ainda na Uba da Madeira,
rende Ihe ludo licitaraente trinla rail cnizados cada anno, e rauito mais
eslando là : licitaraente digo, porque houve jà ascendente seu, que es-
tando na llha abarcava tddo o navio que vinha, comprava-lhe as fazen-
'las que trazia, e d ellas fazia estanque na terra, e as punlia a vender
em logeas de caixeiros seus, e Ihes punha os precos qne qucria; e para
pagar aos navios contratava cora os Conventos de Freiras, e homens ri-
i'os da terra, tomando-lhes os seus trigos, e obrigando-se a Ihos dar ja
inoidos em farinhas nos moinhos; porém comò os Conventos, e ricos nào
inandav3o trigo ao moinho, e so mandavao buscar farinha, e està a nào
Nia haver no moinho, seni ter ido a elle trigo de que se fizesse, co-
llido este engano, se levantou tal motim em toda a llha, que correo
grande perigo nào so a casa, mas ainda a familia, e a pessoa do tal Do-
natario, se logo nlio mandasse por muitos barcos buscar trigo às outras
"has. e melel-o nos moinhos: e comtudo foi mandado tirar da llha para
Porliìgal 0 tal Capitao Donatario. Veja cada hum comò se ha.
203 Alcm das grandes rendas d'el-Rei, e dos Donatarios. ha homons
15o ricos nesta llha, que fora outras grandes rendas a dinheiro, Rui Vaz Ga-
P^fchamado o do Irato) chegou a ter mil e Irezentos moios de trigo do
i'<?nda. cada anno. Ayres Jacome Correa teve quatrocentos moios de renda
6 seiscentos mil réis cada anno na Terceira em dote de sua mulher, e
outras varias rendas; e jà seu pai Bar5o Jacome Raposo tinha duzentos
n^oios de renda; e irezenfos moios de renda tinha Jacome Dias Correa.
^^m do Hego Baldaia chegou a quatrocentos moios de renda; e o mes-
/
272 HISTORIA INSULANA
mo leve seu filho Francisco do Rego de Sa» chamado o Grao CnpiUk)^
Antonio de Bruin (de cuja nobreza Irataremos em seu lugar) tintia de
renda annuale e (ixa n*esla Ilha tres mil cruzados, e dous mil cruzado:^
de renda em outras Illias, e lanlas fazendas mais, que cliegava a perlo
de trezenlos mil cruzados de seu. Gonzalo Vaz, o Grande, leve duzen-
tos moios de renda; e o mesmo leve seu fillio Gongalo Vaz Bolelho. Af-
fonso Bodriguez Cabea leve de renda quatrocentos moios, mas porque
fui Bendeiro d'el-Bei» lodos Ih'os levou. Boa sera a lembranga d eslu
caso.
20 i Fedro AITonso Colombreiro tinha cento e vinte moios de ren-
da; cem moios Antonio Lopes de Paria na Villa da Alagoa, fora outras
grandes rendas. AITonso Anes dos Mosteiros veio de Fortugal, e levo
cento e cincoenla moios de renda. Gaspar Dias, o genro de Miguel Lo-
pes de Araujo, teve duzentos moios, e mais de quinze mil cruzados em
movcis, e nào menos seu irmao Cliristovào Dias. Manoel Pires de Alma-
da, fidaigo da casa de S. iMagestade, teve multa Tazenda, e muitos fillios,
dos quaes bum foì o Padre Gonzalo do Uego, da Comiianbia ^de Jesus,
e muilo santo, e lelrado. Finalmente concine Fructuoso, qucjà n'aquelle
tempo OS Conlratadores da liba de Sao Miguel negociavao cada anno em
trezenlos mil cuuzados, e que biào àquella liba cada anno cousa de vinte
e cince naos Inglezas, e tanta a verdade dos da terra, que nem dez es-
crituras se fazìào, nem se queixava alguem, e as letras que se passavào,
se cumpriào ponlualmente. E eu digo que queira Deos que sempre as-
sim seja.
205 Da fertilidade d'està Uba be grande prova, que nao se semea
nella às folbas, corno em o Alem-Tejo, e em outras terras de Portugal,
mas a mesuia terra se semca cada anno, e de trigo, e porque oste se
nào torna a semear, senao seis mezes depois de se collier o antecedente
ti'igu, ainda n'estes seis mezes se torna a semear a mesma terra de va-
rios legumes, e em Janeiro, e Fevereiro outra vez de trigo, que desde
Junbo ale Agosto se recolbe, e rendia tanto no principio, que dava a
sessenla por bum, e ainda boje a vinte por bum rende ordinariamente,
recolhendo vinte moios de trigo quem semeou bum so molo, e cbamao
moie de terra, a que leva bum so molo de semeadura, e alqueire de
terra, a que leva de semeadura bum so alqueire, e este modo de fallar
passou d'aqui aos mais campos, de bortas, de pomares, de vinbas, de
paslos, e aiuda de matos, dizendo-se que Ticio tem dez alqueires de pò-
LIV. V CAP. XVM 273
mar, ham quarteiro de terra de hortas, meio moio de vinha, hum moio
de malo, etc.
206 As terras, ou campos nos principios da Ilha pelos Capit^es
Donatarios se reparliao de graga aos povoadores, ao que chamavao dar
de sesfharia, (nome que vem da palavra ItalìaDa, «Semo,» que significa
dividir, desbastar) porque Ih'as davào, para em os primeiros cinco an-
Dos as porem cultivaveis, e se ficarem com ellas para sempre, ou, se as
nao fizessem capazes de cultura, as perdessero, e se dessem a outrem,
e a islo he que vinhao dos mais nobres de Portugal a povoar as Ilhas,
e por isso os que depois vendiào algumas de suas terras, as vendiào
l5o baratas, que hum Fedro Anes, sapnteiro, em a Villa de Nordesle
comprou hum moio de terra por huns sapatos de vaca, (que entao va-
liio li tres vintens:) e hum Adam da Silva huma lomba de terra, quo
reodia mais de dez moios de trìgo cada anno, por cuidar que Ib'a com-
/ pravao bem, a vendeo por qualro carneiros, e huma viola. Hum padraslo
de Fedro Teixeira, e de Antlio Teixcira, em Villa Franca, vendeo humas
terras juntas à ribeira do Salto de hibeira Grande, por huma casinha de
telha, e terreira em Villa Franca. Fernao Alfonso, avo materno de Fran-
cisco Pires Rocha que hoje vive, (diz Fructuoso) e governa em Ribeira
firande, comprou a hum Fedro Aflfonso, escudeiro do Conde de Mon-
santo, cinco moios de terra, juntos a ribeira da dita Villa, que hoje va-
lem muitos mil cruzados, e os comprou por cinco mil réis, comò consta
da escritura breve, e muito authentica, feita em pergaminho. A hum Af-
fcoso Anes da Ribeira Grande davao tres moios de terra, no posto cha-
roado Pico do Ermo, por cinco mil réis, e dous moios de terra no mor-
rò de Ribeira Grande, por outros cinco mil réis, e n5o os quiz comprar,
por ser jà rico, e Ihe parecerem muito caros.
207 De tal barateza de terras de trigo se seguio valer o trigo t3o
b^to. qne hum Fedro Anes, morador na Ribeirinha, comprou a Luis
Cago, avo de Rui Gago da Camera, oito moios de trigo por tres mil e
dieentoa- réis, e em pastel pagos; e este mesmo Fedro Anes deo seis
^Iqoeires de trigo por huns sapatos brancos para huni seu criado, os
floaes valiao entSo trinta réis sómente: e hum Francisco Anes, sendo
coTKlemnado em hum tostao para o Alcaide, por elle Ihe deo hum moio
de trigo. No anno de 1500 e mais annos adìante, valeo o trigo a qua-
tro réis o alqueire ; e vendendo hum Affonso Anes de Ribeira Grande
^pttlro moios de trigo, o comprador, por nSo ter dinbeiro prompto,
VCL. I 18
/
y
/
274 HISTORIA INSULANA
Itie deo em paga a espada, e se embarcou, e o vendedor deo a espada
por bum loslao, e se deo a si por muito bem pago. Depois no anno
«le 1507 valia o trigo a cinco réis o alqueire, e bum mercador de Lagos
do Algarve, sobejando-lbe da carga do navio dons mois de trigo, os
(lava por duas gaUinbas, e dous frangos qiie biao a vender, e nacf qni-
2;erao dar-lb os, e deixou o trigo a bum seu cunbado. Em 1508 Fer-
nando Alvarez de Ribeira Grande disse à mullier que se alegrasse, pois
tiiilia muilo trigo para vender, porque Ibe trazia nova de Villa Franca,
i|ue jà 0 trigo valia a seis tosloes o moio.
208 Luis Goncalves, sapateiro na Ribeira Grande, pedio a bum
Gongalo Pires meio moio de trigo por buraas botas, qne enl3o valiao
«'ito. ou nove vintens; e a outro bomem, por Ib'o rogar muito, aceitoii
uutro meio moio por outras botas. E por bumas botas de cordovao deo
lium moio de trigo, e tres couros de vacca postos na Villa da Alagoa
lium Fernao Alvarez de Ribeira Grande. E desta mesma Villa bum Pe-
(Iro Vaz, valendo entao os sapatos a dous vintens, mandou por Jium
\inlem em dinbeiro, e pelo nutro vintera quatr-o alqueires de trigo, e
ainda o sapateiro Luis Goncalves se queixava de mal pago. E outro
Fernao Alvarez, av6 do Padre Baltbezar Goncalves, Beneficiado em Ri-
beira Grande, iiào quiz dar bum barrete vermeiho, que trouxera de
1/isboa, por dous moios de trigo. Mas que muito; se bum Joao Martìns,
de alcunba o Calcafrades, vendeo dez para doze moios de terra, ondo
chamao Agua rctorta, a Jo3o AfTonso o velbo do lugar do Faial, e tb'os
vendeo por pano de Londres azul para bum gabào; e as taes terras de-
rào muito trigo, e paslel? E por nove moios de trigo comprou bum no-
bre bum capuz de do. E bum Lopo Goncalves de Ribeira Grande, nao
tendo onde jà recolher o trigo das eiras, rogou ao Vigario de Mibeira
Grande Freì Affonso, que na Estac5o da Missa avisasse. que quem qui-
zesse trigo, fosse buscar quanto quizesse a casa do dito bomem, e so
duas pessoas forSo là, sendo o povo de mais de mil vizinbos.
209 Tal fertilidade de terra até no nascer do mesmo trigo se es-
tava vendo, porque se acbou buma espiga de trigo com sessenta filhas
ao pé; e em 0 quintal do Beneficiado Joao Soares da Costa, da Igreja
de S5o Sebastiao de Ponta Delgada, se acbou bum pé de trigo, em qua
se contarao mil e trinta gr5os, e de outros pés, bum tinba trezentos,
outro quinbentos graos; e ainda em 1665 quem isto esci'eve, vio que
sobre a paiha do trigo, as espigas d'elle tinbao oito e nove ordens, oa
Liv. V GAP. x\m 273
rihira de graos de trigo, e havia à roda algumas de dez ordens de graoJ5.
E barn Manoel de Almeida, homem principal do lugar de Fanaes, em
terra junta ^ Ermida de Nossa Senhora d'Ajiida, achou cm sua seara
tara pé de trigo com cento e setenta espigas, e n'ellas so quatro do
qnatro ordens de grUos, as mais de sete ale doze ordens; a raiz d'este
pè era t3o grossa corno a barriga da perna de hnm homem, e a rama
figurava hnma gavella; e por isso este pendurou na Igreja da Freguezia.
ale qae da espiga a espiga o levarao os dcvolos da Senhora, e isto se vio em
canno de 4369 e da Ilha de Santa Maria trouxe Manoel Fernandez, En-
qaeredor de Villa Franca, huma espiga de trigo com qiiatorze ordens
d'elle, e jà n3o ha que admirar de hum Rni Tavares, de Ribeira Grande,
semeando junto à sua eira dczoito alqneires de trigo, recolher d'elles vinto
noios; e era rauitas partes correspondia a terra com sessenta moios a
ham de semente ; e nao se fazia o pao senao do oiho da farinha, e o
mais se nao aproveitava; e no anno de 1580 chegou a dar està Ilha de-
ajitomil moios de trigo, com ficar muito perdido em as eiras, pois nem
ale lodo Outubro poder recolher-se lodo. E no seguinte anno de ISSI
ainda houve mais trigo; e de cenleio nenhum caso se fazia, senao para
dar ao gado, e fazer da palha enxergoes.
210 _ Porém comò o tempo ludo gasla, parece que tambem foi gas-
Undo a grande, fertilidade da mesma terra, quo jà dà menos trigo do
<ine d'antes, e fez crescer d'elle o prefo; de sorte que jà no anno d(»,
'530 chegou a valer a tres mil réis o moiq; e no anno de 15G1 chegou
ii a soìs mil réis, e no de 4380 e 84 tornou a tres mil réis o molo, e
no de 83 a sete mil e duzentos cada molo ; e emfìm hum anno por ou-
Ito se suppoem jà hoje valer hum moio de trigo oito mil réis; ter mil
nuzados de renda, quem de renda lem cincoenla moios, e a està pro-
porlo qnera mais renda lem de moios, e a causa nao he so o serem /
jS as lerras menos ferteis, mas tambem o mulliplicar a gente muito em ^
as Ilhas, e gastar là mais, e o mandar muito trigo a Portugal, ao Al-/
PKe, a Africa, à Madeira, ao Brasil em farinhas jà; e haver jà là mais
dinbeiro do que em os principios havia, e jà faustos, e gastos mui su- S
periluos, em busca dos quaes mandào para fora o trigo, e por isso Ihes ^
falla a mesma terra, por castigo Divino de peccados.
244 N3o he comtudo, de so trigo, a fertilidade d*estallha, porque
lambem nas carnes de loda a casta he tao fertil, que lan^ados gados
•^dla, moltiplicarao de modo, que em muitos aonos nao bouve a^ougue
276 HtSTORIA INSULANA
na liba, mas cada bum mandava matar a vacca, e cameiro qae qaeriar
e a melbor carne tornava para sua casa, deixando de graca a mais a
quem levar a quìzesse, e nem de cabecas, nem miudos faziSo caso en-
tào; e quando, passados alguns annos, cbegou a vacca, e cameiro a
por-se em pre^o de tantos seitis, e quando a real se vendia o arratel, e
0 gado sem custar prego algum se hia buscar ao mato; mas custavSo os
porcos a tomar, por se terem feito bravos, e se bia em montana a el-
les, até que se domestìcarao; e toda està casta de carne be tao boa, que
a vacca be corno a de entre Douro, e Minbo; os porcos corno os da Bei-
ra, e melbores por se susteniarem com junsa, e leite; e be a carne tao
cxcellente, e barala, que leitoes bons, e gordos valiào aDtiganaente a dez
icis, e quando multo, a vintem, e boje valem a tostao, e mais; e bum
porco de chiqueiro, e de Ires annos valla bum cruzado, e jà agora vale
tres ou quatro mil réis, e mais; e erao de antes tao gordos, que da sua
mantelga dava bum porco doze canadas; mas ao diante valeo tudo tanto
mais, que por carestia se refere vendem-se vinte vaccaa grandes, e jà
prenbes, por vinte cruzados.
212 Nem suo menos as cames de aves de penna, porque além de
algumas bravas que se acbarao na terra, vierao gallinbas de toda a cas-
ta, e multìplicarao tanto, que se davao trinta ovos por dez reis, e pelo
mesmo prego buma gallinba, e por quatro reis bum frango; e com ovo»
jugavao OS rapazes as suas laranjadas; e de Guiné vierao no principio
gallinlias de outra casta, mais pequenas, e de maiores pennas, e no cor-
rer mais ligeiras, ainda que no voar mais tardas, e os ovos que punhao,
erào pardos, e quasi pretos, sendo ellas em muita parte de cor branca,
e cinzenta, e a estas cacarao tanto que as desingarOo. Pombas, e pom-
bos se acbarao tantos n'esta Ilha, e de tao varias castas, e tao confiados
que vendo de novo gente, se Ihe vinbao por nas cabegas, em os hom-
bros, e nas maos, e por mais que as apanbavào, cada vez se vinbao en-
tregar mais, sem sabereni acautelar-se, por nao terem ainda visto gen-
te; d onde veio, que corno os de Portugal, indo àquelia liba, com qual-
quer cousa enganavao aos primeiros Ilhéos, e liies levavao por ella os
mais ricos frutos que da terra tinhao, em comparacào de sua malicia,
charaavao àquelles Ilhéos, pombas na candura; e ob prouvera a Deos qua
ainda boje assira fossem!
213 Das outras aves ba tantas, que de humas que cbamao Eslapa-
gados, na praia de Villa Franca cagadores tomarào a dez mil; e de oo-
Liv. V CAP. xviii 277
Iras ^ que cham3o Parddlhas, tres cacadores em huma noite matarao sete
mil e seiscentas, e outras vezes em carros as traziao: e corno estas Par-
delbas sao pretas corno corvos, e de corpo tao pezado corno palas, e bico
de Gaviào com que pilhao o peixe de que vivem, das pennas se enchiao
OS colclìoes, a pe'ie se derretia corno toucinbo, e della» e do corpo lo-
do (se Ihes tapao a boca quando as apanhtto) se tira tanto azeìte, que
cada dez Pardelbas davao ordinariamente buma Canada, e os cai^dores
d ellas em voltando pareciao lagareiros de azeite. Em Àfrica ba ainda
d'estas aves, no inverno até Margo, no mais tempo nao aturao a maior
queotura, e em S. Miguel as desincarao os foroes. Em alguns tempos se
vem na dita Andorinbas: de fora Ibe vem Falcoes, Conos, Afores, pa-
las bravas, e ba muitos linlilboes, algumas alveloas, loulinegros, cana-
rios poucos n*esta Uba: mas innumeraveis meiros, e muitos de cor bran-
ca, e de regalada musica.
214 Rolas fez trazer à Uba bum dos Capilaes Donatarios: oulro fez
levar perdizes, e multiplicarào tanto, que jà biao sendo praga, e s3o lan-
tas ainda, que ordinariamente valem a trinta réis, e por muitas dizem
alguns, que de Portugal là vao, que nao sao tao boas, e na verdade nao
sio tao preciosas; visto serem tao baratas: o certo be que da Uba veni
a Lisboa grandes barris cbeios d'ellas, e que sao as melbores de Lis-
boa, por Ibe virem dadas. Codornizes s3o lantas na tal Uba, que ordi-
oariamente dao quatro, e mais por bum vintem, e sao comò pequenos
perdigolos, e ainda mais sadias, que cozidas fazem buma exceliente, e
temperada cea com bum vintem, comò com este tambem a faz bum coc-
IIk) assado, e com pouco mais custo buma perdiz, ou bom frango: que
quanto o carneiro nao be demasiado na Uba de S. Miguel. Mas das co-
dornizes ba menos em Portugal, e nenbumas em muitas partes d'elle.
Deixo as mais castas de carnes, comò de patos, perùs, cabritos, borre-
gos, e loda a casta de lacticinìos, e baratissimos.
2i5 0 peixe be tanto em està Uba, que de loda a casta o matavao,
tomando-o à m9o, e a borda do mar sem anzol, e até aos porcos engor-
davao com peixe, e ninguem o queria ji salgado. Os peìxes que cbamao
Cavallas erao tantos comò as sardinbas, onde ba muitas, e assim davao
seis^Cavallas ao real, e sardinbas aos cestos, e noventa gorazes por bum
viuffim, e ale dos pargos nao se aproveitavao senao das ventrecbas; e
Bem do mais regalado peixe, que cbamao Bicudas, faziao muito caso; e
278 HISTOniA INSULANA
chegou lempo que nem às ceas comiao senaQ|galIirriias, frangos, coeRies»
cabritos, borregos, aves, etc.
216 Do vitibo se Dao fazem n'esta Uba vinbas, (corno nem nas ov-
tras Ilbas) senào em campos de biscooto, que da terra com o fogo fot
formado, e assim se admirao todos moito de ouvìr dizer, ìsg cavao as
vinbas, porque as nao ba aonde a terra se póde cavar ou lavrar, e dar
trìgo, ou outras searas; e nao fazem mais que piantar as vinhas entre o
biscouto, pedras, e lagens, podar as vides, mondal-as das silvas, e erva
ìnimiga, e vindimar as uvas estendidas sobre as iagens; e em maitas
partes he assim o vinbo exceliente, posto que o nao seja tanto n'esta
]|ha, por mais bumida, e do Sol menos ferida; e tempo boore em quo
lium Jorge Gon^alves Cavaileìro, morador em Ribetra Grande, mandou
com 0 vinbo da terra amassar a cai para bumas casas que fazia; poréni
na verdade foi excesso, porque desta Uba o vìnho he bom, e cliega a
dar d*cile ciuco mit pipas, e da Madeira ihe vem mais exceliente, e vale
dobrado.
217 Das terras lavradias nao so se occupao em o trigo as mais d'eU
las, mas tambem em lìnho« e tanto, que ainda vai para as outras Ilbas,
para o Brasi!, e para Portugal; aonde Ibe levantao que he de menos du-
ra, e curado com sTgua salgada; sendo que Ribeira Grande, que he a
mai do linbo, he cbeia de ribeiras de agua doce, onde o linbo se cura;
e 0 certo be que o que da Uba vem de mimo, e sem pre(o, mas dado
a Portugal, be n*este o n\ais perfeilo, e estimado linbo, (corno se ve nas
ricas Àlvas, penteadores preciosos, sobrepeiizes, linbas. botoes admìra-
veis) e so 0 que vem a vender, padece a nota de ser de meuos dura»
porque custa mais.
218 Outras terras se semeao de pastel, que he huma erv^ vinda
de Tolosa, e seméada da bum genero de alfaces, cujas fulbas se seguo
primeira, segunda, e terceira vez^ (e mais nao, porque jà nào serven)
para o seu firn:) as foihas segadas se moem em Engenhos, e a massa
nioida se poem em taboleiros feila em bolos, que na figura parecem pùes»
ou pasteis, de que touiàrao o nome, e bem escorrida se eoa ao Sol, e
seca a metem em togeas ladrilbadas, a cada dez quinlaes de pezo d'ella
Ibe deitao huma pipa de agua, para que ganiie cator, virando a ao me-
nos cada dous dias, e quasi feila em [mj, se vende aos quintaes d^ezi>,
e no principio custava dous tosloes cada (luintai até passar muito de
/^
Liv. V GAP. xvni 279
dous mil reis; e de Inglaterra, Hollanda, e ale de Sevilha vinh3o navios
a canx'gar de pastel, por meUior com elle pegarem as tintas nos pau-
1105. e cspe<:ialmente a cor preta. 0 que sabendo CURei fez conirato coni
OS inoradores da Ilha, de Ihes dar Engenlios proinplos para moerem :)
pastel, e a Cosla segura de Cossarìos, e Ihe pagariào, além do dizimt}, ^
a vintcna, e se Ihe puzerao Officiaos Reaes, cujo principal se inlilulavn
Lealdador dos pasleis; mas porque os Offlciaes Heaes brevemente faltii-
rào com os Engenhos, para si os fizerao os lavradores, e comludo fiCJt- ^
rio 5empre pagando o dizimo, e vinlena a El-liei, e El-Rei aos Ollìciaes y
OS seus salarios: porém Deos Nosso Senhor dispoz que fallasse o con-
trato do» pasleis, e que os Eslrangeiros para as linlas se remediasseiu
la de outro modo, e jà hoje he pouco, ou ncnhum esle coiilrato, por-
que (corno la dizem) «Quien lodo lo quiere, lodo lo pierde.»
219 Em higar pois do sobredilo pastel enlrou n'estas Ilhas o mi-
Ibo, mas tao mal aceilo, que nem os oflìciaes, nem ainda os escravos
queriào corner pào delle, nem ainda de mistura com o trigo; e ha mt-
nos de sessenla annos, o pouco que semeavào, so o gaslavào em assai,
lenras ainda, as macarocas, e comer o milho assado por novidade; di-
IHiis a exemplo de Porlugal, e oulros Reinos, vierao a fazer farinha do
milho, e mislurado com algum Irigo corner o pao delle, que jà hoje ho
là tambern suslenlo de muila pobreza, e muito mais em annos, em quii
liouve menos trigo. Mas lem-se experimcnlado que assim corno o pas-
cei purificava, e ajudava as terras, e de sorte as estercava, que o trigo
^meado depois do pasl^el, sahia mais, e melhor; assim pelo contrario o
millK) grosso com a sua grande, e maci^^i cana, e seu grado, e muilo
8i'iH>, attenua, e enfraquece as terras das Ilhas, e as torna menos fer-
tós, e se nao dà depois delle, nem tanto, nem tao bom trigo.
220 0 treraogo porém, jà d'esde o anno de 1350, hum Barào Fer-
'^ikIcz, morador enlre os Mosteiros, e Brelanha de SOo Miguel, foi o
Primeiro que o semeou ao redor da seara de trigo, junto aos caminhos
^m carreiros; e depois sem';ou de tremofos per si sós hum alqueire do
^«Ta; e advertindo que depois o trigo semeado na terra que linha sid)
^^ tremocos, sahia melhor, mais limpo, e mais, para isto comefarào x
"^r delle no lugar de Santo Antonio; e achou se que com suas raizes,
^ ramas (que qgando muito chega à cintura de hum homem) esterca a
^fra, e com sua sombra Ihe faz tanto l>em, que debaixo delle nao nas-
^ lierva ma, antes a desin^a das mas hervas. porque, corno dos legu*
/
280 HISTORIA INSULANA
mes he o mais grosseirOi dos peiores, e mais grossos hamores da ter-
ra é que se cria, e por isso a pui^a, e deixa tanto melhor, que se de^
])Ois do tremolo no anno seguinte semeào a terra de pastel. e depois
(le trigo; e ainda, se no mesmo anno semeào tremolo em Outubro* e o
cortao em Janeiro, e lavrào sobre elle a terra, e semeào o trigo, da en-
tào novidade excellente; além de que o tremolo se ado(^ em agua do-
ce, e se come sem Tarlar, ou enfastiar, e vai a quarenta reis o alqueire,
e algum se embarca para fora; e ale a palba be para os fornos lenha
boa, e vai a carrada a dous lostoes; e emlìm arremeda ao Girasol, para
0 Sol sempre inclinando com suas follias, e hastes.
y 221 Com OS Contratadores que vinbào de fora a liba, vinbao muitas ve-
zes frutos de novo, e se plantavao na terra, e assim vindo buns de homa
jiao de Indias de Castella, e pousando em casa de bum Sebastiao Pires,
derao-lhe humas batalas, de que a mulher plantou algumas, e com vì-
1 em jà murcbas, nascerao comtudo, e se multìplicar3o de sorte, que em
iiavios vào muitas para fora, e na terra servem jà aos pobres de sus-
lento, e aos ricos de regalo, feilas em caixas de doce a que cbamào ba-
tatada, sao bumas raizes que se eslendem por baixo da terra, de meio
palmo, de palmo, e de mais, em comprimento, e grossura de bum bra-
go bumano, com casca delgada, e lodo o àmego doce, e sem dissabor
algum; a rama sabe delgada sobre a terra com folbas comò as da iiera,
e plantao-se em canteiros Teitos a enxada debaixo da terra; assadas ao
lume sao excellentes, e multo sàdias, e multo melbores que os Inbames,
(a que cbamào cocos) os quaes sào mais rus^ticos, e saliem em follias
mais alias sobre a terra, comò escudos, ou adargas: e que os mimosus
se comem cuzidos, e sào bons, e saluiiferos: ba d'elles muitos, e mal
cullivados, que picào algum tanto na garganta, e so pobres usào del-
]es, e sustentào corno pào: e nem dos Inbames, nem das batatas ba em
Portugal, por mais que alguns queirào, que jà cà as virào, mas enga-
uào-se.
222 De an'ores de fruto so nao ba na Uba de S. Miguel cereijas,
e ginjas; e ainda que ba oliveiras, nunca d'ellas se fez azeite algum, as-
sim por poucas. a que o ar do mar consome, comò por Ihe ir de Por-
tugal, de todas as outras frulas de Portugal ba là: e muilas sao melho*
res, comò loda a frula de espìnlio, e loda a casla de^magàs, e maiores
do que em Portugal, e muilas de muita dura: e algumas que sao prò-
prias do Brasil, corno cauas de assucar, flgos, bauauas, eie, que quauto
LIV. V CAP. XIX 28 i
dos outros figos, duas vezes em o anno sahem varias flgueiras com
elles e perfeilos, corno coro perfcitas rosas, e cravos era o inverno,
e de toila a hortalica em lodo o anno: tal he d'aquellas terras a fertili-
dada, a qiie ajnda multo o nunca haver grandes calmas no verao, nem
frios grandes no inverno, nem passarem muilos tempos em que deìxe
de chover, e serepi Ilhas fundadas em fundamentos igneos, e conser\'a-
rem sempre igual calido, e humido: e por isso até com os frutos pro-
prìos de algum tempo, se anticipao a elle, com albiquorques, damascos,
e alperelies, e infìnidade excellente de amoras d'esde Maio por dtante,
com uvas em todo Juiho, e vinho novo a vender no mez de Agosto, e
assiro lodos os mais frutos. ^
223 De lenlia, e arvoredos duella, se achou tanto em Sao Miguel, e
Qo basta, e alta, que além de por cima d'ella fazerem em o principio as
tslradas, scm poderem rompel-a por baixo; até canas se achavSo de tan-
ta grossura, que faziao cangas, timoes, e arados d*ellas, e nao erao as
nuiis grossas; e comò do M aluco se afflrma haver là canas mui altas, e
de cinco palmos de grossura, e cheias de tanta agua, que cada huma le-
^a huma pipa; e de agua tao doce, e excellente, que d>lla bebem os
Reìs; assim affirmava bum bomem, e homem verdadeiro, que em Pon-
ta Delgada (sendo ainda bum lugar) vira (onde entao estava o pelouri-
fìho, e defronte da cadea) vira ainda buma malva, que sendo multo al-
ta, er-a da grossura de buma pipa: que grossura, e altura pois teriao ou-
^n» pàos? E com tudo, com a entrada do assucar, e Engenbos delle na
"ha, e com ella ser estreita, e ter t3o grandes, e profundos valles, que
d'elles se nao podia irazer para fora a lenba, tanta se gaslou, que fui
^bem causa de se tirarem os ditos Engenbos, e de jà boje na Uba ser
<^tosa a ienba.
CAPltULO XIX
^ ra/ffi/ia, t destreza da gente d'està Ilha, e do muito que se vive nella,
e dos monstroSf que nella se virào.
224 l)*esta materia trata Fructuoso em quatro capitulos, desde 60
'te 64 do seu liv. 4, o principal tocaremos. Em os principios da Uba
^ niella os bomens t9o dados à montarla, e exercitados nella, que
^iD 0 exercicio, e continuo, e forte mantimenlo adquirirao forgas, e des-
^ezas estupendas, A bum Fedro Ribeiro, e de Bibeira Grande, inves-
282 mSTORlA INSULANA
tindo hama vacca brava, e dando-lhe por dianle huin furioso encontrSto,
ou focinhada, elle immovel persislindo saliio n eslas palavras. tTal sois
vós 0 vacca? pois comò a buina cabra vos bei de ordeiibart,e lan^ando-
Ibe a mao a buma perna deo com a vacca em terra, e a subjugou do-
baixo de seus joelbos coai tal forca, que quieta a ordenbou. conio se fos-
se buma cabra, sem ella mais se atrever a olbar para elle: e a buoi lou-
10, a que ninguem se atrevia a apparecer, com deslreza ganhando-lbe a
volta, e lan^ando-lbe a forte mao a cauda, Ibe deo tal paiicada em o es-
pinba^^o, que derreado cabio, e para nunliuma cousa mais prestou. K
com este bomem ser grande de corpo, com suas maos levantava buina
ancliora grande de navio, e a punba a seus peitos. E indo emfim a Afri-
ca com 0 Capitao Donatario Manoel da Camera na occasìao da tomada
da Villa, e Cabo de Gué, tomou este bum montante, e sabindo aos Mou-
ros matou tantos, e fez tal serra de morlos, que nao podiào jà cbegar-
Ibe OS vivos; e acometendo muitos mais à roda, depoìs que cansou do
matar u'elles» se deitou no cbao, dizendo estas palavras: «0' caes comei-
me agora», e alli o maliirào entào.
223 Ilum Joào Lopes, que morava nos Mosleiros, foi bomem d:^
laes forcas, que andando na debniba coni buma cobra de gado, e \kv
se tirar acaso o tamociro do mourào. comegando a ir cabindo para a par-
te de buma rocba despenbada, elle pegando na rèz (]ue andava no mou-
rào, e fazendo fincapò, teve mào em todu o gado, que se bla jà despi^-
nliando, e so duas rezes se alTogarào, ainda da parte de cima, iicandii
as mais todas vivas; mas que muito, se este bomem, indo por qualquer
ladeira com o seu c^irro, e bois, se bum d'elles se sahìa. e cabia cansa-
do jà da canga: elle o tornava em seus bra^os, comò se fosse buma onc-
Iha, e 0 levava à canga oulra vez? e a qualquer oulro boi. pegando-Ihe
polo pé, ou pelo corno, o fazia eslar'quedo; e para casa, e de longe It-
vava hum boi morto às coslas, a)mo se levasse buma cabra: e cai hu-
ma occasiào tomou sobre suas C(»slas bum quarleiro de trigo em deus
i^acvos grandes. e buma tarrafii clieia de peixe, e tudo levou caminiu)
dti huina legoa para sua casa; e o inesmo faziao outros bomens, es|f
ciahnente seu (ilbo, Joào Lopes Meirinbo: e até lumia sua fllba. Maria
Lo|)cs, com ser mulbcr de Manoel de Oliveira, bomem rico, e nobn»,
diesando a liiuaa mó de atafoiìa, (que dlGlcìlmente moviào dous boiiu'ns
e ineltendo-lbe o bra^o pelo olbo da mó, a levanlava, e punba onde (|uo-
ria.
uv. ▼ CAF. XIX 983
226 Balthezar Rodriguez de Sousa de Santa Clara, de Ponta Del*
gada, era bomem tSo valente, que pegando com huina mao pela ponla
a bum touro, e com a outra pelo queixo» o derrubava em terra; encon-
trando buma vez dous homens na rua, e a espada brigando, lan^ou-se a
bum grande cao, que bia passando, e pegando-lbe em buma perna, com
elle em o ar, por nùo levar espada, se metteo entre as espadas dos que
pelfjavao, e esgriraiu de tal sorte, que os contendores pasmados de tal
liomem, se apariarao entre si, e do bomem multo mais; ao qual dìzen-
do-ibe bum seu escravo, e mouro buma vez, que o nao bavia acoutar,
arremeteo a elle, e tomando-llie a barriga com as màos, de tal sorte Ih a
abrìo, que Ibe comegarào logo a sabir as tripas envoltas em muito san-
gue. Este mesmo bomem, em langando a mao a bum poldro Turìoso, o
fazia parar, sem bolir mais: a hum grande cao de fila, feita aposta, o
partio cerceamente pelo lombo com buma cutilada; e com oulra, pelo
loeio, totalmente dividiu a bum grande porco pendurado: encontrando a
lium almocreve que derrubava buma parede para passar bum jumento,
pegaodo d'este, o lanfou, comò pela, da outra banda; virào-o por vezes
quebrar entre as maos duas ferraduras junlas; e com as màos levaiilar
liuma pipa cbeia de vinho, e pelos peiitens; vindo buma egoa callida cui
Imma funda ribeira, e a seis bomens juntos sem a poderem tirar, clic-
Rou elle, e fmcando os pus, pegou pela cabefa a egoa, e a lanfou da ou-
^■a parte, cbamando aos bomens borregos: e o mesino fez outra vez a
lium seu cavai iu, Treado, e sellado; e as mesmas forgas tinbuo, seu pai,
^'u irmao, e dous seus filtios.
, 227 E ainda mais celebrado caso foi, que levando o Onvjdor. e
Dìuiia gente com elle, a Fedro Rod;iguez pri*z , irniào do sobredilo
BalUiezar Itodriguez, salilo esio com capa, e espada, e tirou a loddS o
f^m das màos, pelejando mais de buma bora, e tornando o irinào a
e«lregar-se a prizao, o irmào Ballhesar segunda vez ìWo tornou a tirar;
^ vendo-se ja ferido o Ouvidor, grilou da parie dei-Bei que prendesseni
Quelle bomem; e com serem mais de dnzentos os da parie da jusliga,
'iuiica 0 poderào prender, e o deixarào. Querelou entào o Ouvidur da
'«riila recebida; e defendendo-se o Ballbezar Uodriguez, ser a ferida lào
P<iqi:cna, e elle bomem de lanlas forgas, que nào podia ser cbogar a al-
K^ein com sua espada, e tao pequena fenda impr imir, e qiie o niesnio
Ouvidor fora o que se ferirà nas guardas da sua espada; e euifim assim
^ julgou. Eis-que cstaudo janlaado o cbamado feridor, Ihe dorào aviso
284 HISTORIA INSULÀNA
qiie vinha o Ouvìdor com muita gente armada a prendel-o: e pergun-
lando elle se virihao jà perto, e respondendo-se-lhe que vinhao ainda
longe, continuou o jantar com grao socego; mas tornando quem Uie dis-
se que jà vinha perto a gente a prendel-o, levantando-se entao, tomou a
lanca, e adarga, e montando a cavallo, Ities sahio ao encontro, e vendo
mais de cem lìomens que vinhao com o Ouvidor a huma carreira de ca-
vallo, metteo elle as pernas ao seu, com a lart^a enrestada. e bradando:
a Afasia, afastao, todos logo se afastarao, e passou livre, ficando attoni-
tos todos.
2:f8 0 Casco, de alcunlia, mancebo morador em a Bretanba, e que
levava aos hombros vinte alqueires de trigo, vendo em Ribeira Grande
ir fugindo huma noviiha, e muito brava, som querer entrar na cobra da
debuiha, elle arremefando-se a ella, e pegando-lhe pclos pés, e pelas •
maos, a trouxe comò huma oveiha, e a metteo em a cobra: bum filho
d'esle, ausentando-se-lhe hum furioso boi, lanQOu-lhe a raao com tal for-
(a a huma punta, que Ih a arrancou do lugar onde estava; outra vez em
a ponta de Ribeira Grande, inveslindo-o hum touro, que vinha fugindo
do corro saltando os palanques, elle com tal forga Ihe langou huma mao
à cauda, e outra à perna, que o derrubou, e acudindo mais gente b le-
varao para o corro. Vive ainda este homem, e com ser velho, lem falaes
forcas ainda, (diz aqui o Fructuoso cap. G2). E outros homens havia
n'esta liha, que langando huma mao à ponta de hum bravo touro, e lo-
go outra m3o a barba, o estendiào em terra.
229 Christovào Luiz, fìlho de Fedro Luiz, da Villa de Agua de Pào,
foi tao forte cavalleiro, que a cavallo langava hum dardo tao longe com
a mHo, comò huma bésta lanca huma setta, e ainda mais. Antonio de
Sa, fillio de Joao de Betencor, e de D. Guimar de Sa, da Cidade de
Ponta Delgada, era tao valente homem, que em Africa, no cerco de Ca-
bo de Guù, saindo a desafio com hum valente Mouro, (que desaflava aoi-
Christaos) arremetendo a elle, o arrancou, e lancando-o sobre seus altos^
hombros, ainda que Ihe deo n^elles huma fcrida grande, Ihe subjugo^i
as maos, e o nao largou, mas vivo o trouxe, e entregou ao Capilao. '^
este mesmo Sa sobre as duas palmas das m3os levantava do chSo 9
quaesquer dous homens; e firmando-se em pé apostava com qualqac»r
iiomem, que Ihe desse com huma tranca em as curvas com quanta for-
ca pudesse, que ainda 0 nào farìa curvar; e assim succedia.
230 Gaspar Vaz, parente de Baltbezar Vaz de Sousa, (ambos de Bi*
uv. V CAP. XIX 285
beira Grande) seDdo Capitao de huma Companhia em goerras de Italia,
bntos Estandartes tomou aos Monros huma vez, que a bandeira Real
eom as mouriscas armas mandou à Ribeìra Grande a seu pai, e por mili-
to tempo andou Da Villa até se romper, por a nao guardarem ce com a
estimacao devida. A Gaspar Homem da Costa forao desafiar em Vill.t
Franca bum Vianez, e outro Algaravio, e saindo-lhes elle so, sómente
ferio a ambos, e os deixou ir curar-se: porém curados elles, e eslando
jà para se embarcarem, tornarlo com ontros muitos a buscar ao mes-
mo Gaspar Homem para se vingarera d'elle, e este sahindo-lhes ao en-
contro com capa, e espada feita, nenhum se atreveo ao accometer, e
elle OS foi acompanhando, e voltando, Ihes mandou bum bom mimo pa-
ra 0 mar.
231 Belchior BaMaya, nobre filho de Gongalo do Rego, foi homem
de tio grandes partes, corno se vera. Na Cavallaria foi tao destro, quo
andando com Carlos V, e vindo com elle a Hespanha, nunca achou quem
0 vencesse em armas de pé e de cavallo, a dous cavallos saltava do
hom salto sem tocar com o pé em algum d'elles, e pondo so huma raao
em 0 primeiro. Correndo à espora flta, langava tao longe huma vara do
doze palmos, quanto huma bésta deità bum virote, e huma vez na car-
reira do cavallo despedio com tal forga huma cana, que ficou em a anca
do cavallo, e se tomou à sella dentro da carreira. Na Cidade de Evora
poz publico cartel de desafio, e nenhum o veflfceo, nem a pé, nem a ca-
vallo. Foi t3o grande jugador de pela, que nao achou em Hespanha quem
0 ignalasse, senSo bum chamado o Pranchas, e jugando com o Infanto
D< Luis, acabado o jogo, com huma pequena corrida saltou a corda por
ciiQa, sem se ouvir o cascavel, e o Infante Ihe mandou dar vinte mil réis,
<lQe n'aquelle tempo era data grande. Yeio depois a Uba, e ensinou a
^paohar do chao laranjas, correndo a cavallo. A mais grossa ferradura
<|Q^rava entro as maos; em cujas palmas pondo a dous homens, os le-
'^va, comò pélas, vinte passos. Na praga de Ponta Delgada vendo huma
^ pipa, ou bum quarto de tonel cheio de agua o tomou nas maos, e
DO ar 0 poz a boca, e bebeo pelo baloque, comò por bum pucaro de
^. Por vezes dando huma palmada em a anca de bum ginete cor-
PBodo 0 nao pode alcangar até o firn da carreira: e vendo a bum caval-
leiro em Evora correr em pé sobre hum cavallo, correo elle outra car-
. ^h coro huma lanca na mao, e pelo coto applicada ao nariz; e n5o po^
deodo fazer tal o competidor, Ibe respondeo, tFique huma pela outra:»
i
2S6 mSTORIA INSULANA
e corria a cavallo cono duas lancas nas maos, e o freìo em a boca. E
<|narenta e cinco pés saltava em tres saltos; e quarenta e sete pés além,
lan(^va huma barra de vinte e cinco arrateis. Desafìado a huma iuta,
mandou que Ihe atassem o brago esquerdo a huma coxa, e alado d'esia
sorte derrubou a qiiatro homens; e iiivestido de bum touro, Ihe deo tal
rutilada em huma coxa, que logo o jarretou. Seria nunca acabar, contar
todas as faganhas tle tal homem.
232 Alguns Algaravios, indo à Uba buscar trigo, procurarao por
homens luctadores, para experimentar forfas, e encaminhados logo ao
bigar dos Fenaes, era demanda de bum luctador celebre, e indo là o
mais valente Algaravio, e dando com hum homem, que falquejava ma-
4leira para Imma grande casa, e sem o conhecer, Ihe perguntoa por
tnquelle luctador; (sendo este o mesmo que o outro demandava) e ouvin-
do-o 0 falqnejador, lanfou a m5o a ponta de hum grande caibro, e me-
iieando-o no ar corno a huma varinha, com ella apontou para huma casa,
e respondendo-lhe, disse: «N'aquella casa mora esse homem.» 0 que
vendo o Algaravio, acudio dizendo: «V. M. deve ser a quem eu busca-
va, e nao tenho que ver mais, nem que mais experimentar;» e attonito
se foi.
233 No mesmo liv. 4 cap. 62 de Fructuoso, em prova dos bons
Tìpes, e bora dima da Uba de Sào Miguel, se conta de huma Maria An-
nes mulher de Joao Moreno, que morreo de 108 annos, e com trinta
4lescen(lenles seus a cabeccira, e deixando jà multos tresnetos. E que em
Hibeira Grande houve huma Igncs Gongalves, e Calbarina Gongalves sua
liRìa, casada com Fernando Alvarez o pequeno; e que a filha era de cenm
annos, e a mai tao velha, que tornou a ser menina, e chamava mai A
filba, e so comia papa, e andava de gatinhas : mas que na mesma Villa
bonve tambem huma Barlholeza Francisca, filha de Joao Franco, a qual
tendo cento e dez annos, andava pelas ruas sem bordao, e com todos os
dentes, e toda a sua vista, e bom juizo ainda, e que sem tudo isto, e
com bordao andava huma sua filha alraz d'ella : e que hum homem, de
oflìcio pombeiro, e de mais de cem annos de idade, andava a pé, e era
hum so dia, caminho de oito legoas; e muitos com suas mulheres viviao
casados setenta annos, e mais. E quem isto escreve, estando na dita liha
em 0 anno de 1665, soube do Cura, e Vigario de Porto Fermoso, qne
liavia quatro annos nao morrera n*aquelle lugar (com ser grande) pessoa
alguma mais que hum Anginho ; e n'elie havia muitas pessoas de mais
uv. V CAP. XIX 287
de cem annos; e lium discipulo tive eu li, qiie sobre ambos os pais, ti-
nha ainda todos os quatro avós vivos, ba cincoenta annos.
i34 Bcalriz Fernandez, na Villa da'Alagoa, morreo de cento e vinte
e dous annos, e sua (ìiha Ignes Annes de cento e dez; e hunoi Fedro Af-
fmso (de alcunha o das barbas) morreo de cento e vinte ; e outro de
c«m annos ; hia no verao segar ainda corno de antes Maria Gonfalvcs,
(le niogo Pires seu marido que tinha vindo de Portugal, teve quatro fi-
llias, e bum filbo, e d'esles filhos teve netos, bisnetos, e tresnetos tan-
tos» qiic chegoii a contar cento e dous, e Ihe assistirào à morte noventa
<* seie. e faloceo de mais de cera annos. Outra Maria Goncalves, mai de
Luis Galv^o, de Ponta Delgada, sabendo que a justifa hia jà a hnma
qninla a prender-lhe o tal fill»o, de repente se vestio em traje de bomem,
f" ninnlaiulo em bum cavallo com adarga, e lanca, passou a justir^i, che-
pou a quinta, distante lium quarto de legoa, e dando aviso, cavallo, e
••»nnas ao filho, o salvou, e tirando a jusli(ja devassa de quem dera tal
J>viso, sahio ella dizendo, que nao culpassem a outrem, que ella fora,
^mo mài, salvar a seu fillio ; e contra ella se nlo pror^deo, e morreo
«le cento, e tantos annos, som parecer tinha tantos. He porém de repa-
'ar, que nesta liha (corno reparei ostando n'ella) vivcm multo, e muito
niais as mulheres, que os homens; a causa Dcos a sabe.
tM Monstros de toda a casta se virao sempre na tal Ilha. Em o
3nno de 1350, no termo de Ponta Delgada nasceo bum bezerro com
duas cahecas, em tudo perfeitas, e so pegadas Imma à outra, ainda que
<^^m Imma so oreiha cada Imma ; porém com duas gargantas, qnalro
^Hios, duas bocas, e morrendo foi aberto, e Ihe acharao dous buchos
denim. Em 1K80 no primeiro de Dczembro nasceo em Ribeira Grafide
^«irn leilao ruivo corno a mai, e com todos os sinaes d'ella, a saber,
<^'>»n huma oreiha foicada, e outra levada da arreigada até a ponta, sem
^illerenca alguma (la mài, que hum anno anles fora assim assinalada.
&n Villa Franca se achou hum ordinario ovo de gallinha, e dentro delle
onim ovo mais pequeno, mas com casca dura, gema, e darà, comò os
^Uros ovos. No lugar da Achadinha se achou hum leìtao com dous cor-
P^ perfeitos, e huma so cahefa. Em Villa Franca, a 6 de Agosto de
'381 nasceo hum pintào com oito pernas, e viveo coro ellas, mas andava
c^m as primeiras duas, e arrastava tres por cada banda. Em29 de Sep-
aro de 1383 sahìo em Ribeira Grande hum pint5o da casca, e logo
'%o batendo as azinlias, cantou tres vezes dentro da casa» e tao alto.
i
S88 HISTOMA INSTLAKA
que 0 ouviao na ma. Pelo mesmo tempo na Villa de Agaa de Paa v!t:i
hum hoinem, que sendo casado« e com fiihos, e barbas do rosto, de seus
peìtos dava de marnar, e tanto leite, comò huma mulher qne cria.
236 E nem so da terra, mas tambem do mar, se virao n'esta lliia
monstros notaveis, especialmente da parte do Norte, aoode por vezcs
tem dado baleas, em Rabo de Peixe, por ser porto aonde se achào mizi*
tas Tavas do mar, corner de que as baleas goslào muito. e comtado nunca
d'ellas se achou ambar. Em 1537 na ponta de Sao Bras, enlre Porti i
Fermoso, e Maya, sahio hum tao grande peixe, que sem ser baiea, tini. a
quarenta e dous covados de comprido, oito de largo, e quinze paInK'S
de alto ; e da ponta da boca até a gueira, tinha vinte e cinco palmos :
pela boca, se a abrira, poderia entrar buma jnnta de bois com o sou
carro: achou-se em mare vazia de huma grande tormenta: da cabe^a ati>
o rabo tinha taes cintas pela banda de cima, que por elias subiao os hin
m^jis a elle, comò se sobe a hum navio: e comtudo nem espinha. nem
osso algum se Ihe achou. No prìmeiro dia andarao cem homens com ma-
chados a cortar n'elle; no segundo dia cento e cincoenta: e todos junla-
mente, huns de huma banda, outros da outra. outros de cima, e sem
se estorvarem: a primeira parte por onde o arrombarao, foi o arcalx^u-
(0, d'onde logo sahio tanto azeite, e tao bom, que encheria tres pipas,
e em dando na agua se coalhou de sorte, que o apanliavao em paes co-
ma de manteiga. D'este peixe se fez rauito azeite, e tao bom. que nrrj
so servia para a candea, mas para curar sama« frialdades, etc, tinha uni
modo de osso junto do pescoso, e outro junto là à rabadiiha, e ludo se
derrelia em azeite. Os nervos erao tao rijos, qoe depois com elles ar-
rastavao troncos, traziao os bois, e bestas prezas, sem jàmais quebra-
rem. Nào se conheceo tal peixe, posto que aiguns diziao chamar-se Ti-e-
boiha, porém hum homem de fora, que muito tempo estiverà em Guiné,
disse que era Espadarte, e que em Guiné. vira muito?.
237 Em 158ii, a 10 de Junho, da parte do Sul, e da povoa^ao ve-
Iha até a Cidado, se vio no mar huma travada bataiha de tr^ grandes
peixes, por espaco de quatro, cu cinco dias, no Gm dosquaesdousbar-
cos de Villa Franca encontrarào com hum dos peixes morto, e chamando
mais bateis o trouxarao com rordas para terra. Era o tal peixe de no-
venta palmos de comprido, dezoito de lar^o, e outros tantos de alio; e
tambem, comò navio, tinha cintas ao comprido; cabeca de quinze pal-
mos, e de outros quinze o rabo; em lugar de guelras tinha ao redor da
\
u\. V GAP. XX 289
cabeca, corno laboas de ferro, com cabellos corno sedas em as pontas ;
era tao seco, que so se Ihe tirou bum quarto de azeite, pouco mais, mas
melhor do que o da baiea; e o peixe na cor era lodo negro: disserào
alguDs que era peixe Mulo, que nas Indias de Castella virào muitos, e
que OS que o matarao, erào peixes Espadas, de que vinba muito atra-
vessado pela barrìga. Outro peixe tinha sabido a liba corno bum balea-
U); e coDclubio-se ser o peixe cbamado Boto.
CAPITOLO XX
Da Veneravel Madre Margarida de Chaves, tida commummente
por Santa, e milagrosa.
238 Dos primeiros que forao a povoar a Uba de S3o Miguel, era
hom Affonso Annes dos Mosteiros, bomem muito nobre, e Cavalleiro
professo do babito de Sao Lazaro, que era Ordem Militar, e nobilissima
enlào; morou em Ponta Deigada, sendo ainda Villa, e morreo jà muito
velho em o anno de 1340, sabre nobre era tao rico, que tinba cento e
cincoenta moios de trigo de renda cada anno, além de outras muitas fa-
wndas, e rendas. Fez buma rica, e bem lavrada Capeila na Misericor-
dia de Ponta Delgada, e da invocacao de Suo Joao Baplìsta, e niella està
sepultado em buma sepultura alla de pedra negra com buma Missa quo-
Udiana; e para Capeila, e Missas deixou trinta moios de renda cada an-
iK); deixou mais o sitio em que se fundou o Hospital, e renda para bu-
atta cama, e sostento de bum pobre. Foi casado com Catbarina Enes,
nìullier de nobreza igual a elle, e d'ella leve buma unica fiiba chaihada
Maria Afifonso, que siiccedeo no morgado, que fundou o pai, e casou com
hum nobre Varào, que veio da Uba da Madeira, de sobrenome, (Cbaves)
^ ki 0 primeiro deste appellido que houve em S. Miguel.
239 D'està Maria Ailonso, e do Cbaves seumaridonasceoMattbeos
fernandez, que casou com BritesUodriguez de Cbaves, vinda tambem da
Madeira, e este succedeo no morgado do avo; e ao dito Maltheos Fer-
J»ndez succedeo seu filho Manoel de Oliveira, pai de Sebastiao de Te-
^e, que em|)enhou o morgado, comò fez tambem seu filho JoaoBotelho,
^jo filbo Felippe Botellio tambem o empenbou, cada bum em sua vida:
^*^ mesmos Mattbeos Fernandez, e Brites Rodriguez de Cbaves nasceo
>>^ Catbarina Femaudez, que casuu com Francisco Gon^^ives, e d'estes
VOL. i i9
y
290 HISTORIA INSULANA
nasrcrao Margarid.i do Ghaves. qne cason com Belchior da Cosfa Ponte,
p Maria de Camide mai de Francisco Aflfonso; e do me$n\o Maltheos
Fernandez, e de Brites Rodrignez Chaves nasceo tambem Maria Rodri-
gnez de Cliaves, qne cas^ju primeiro em Angra com Gaspar de Espinosa,
Castclhano, e Cabo de guerra do Castello de Angra. e d este matrimo-
nio nasceo a Madre Jo.anna da Cruz, Riìligiosa grave do Convento de S3o
Cioncalo; e nasceo mafs D. Salvador de Espinosa, qne por snas grandes
partes foi Capellao da Capella Real de Madrid em tempo de Felippe IV,
e là morrei) ha mais de quarenfa annos.
240 Da sobredita Maria Alfonso nasceo mais Anna Fernandez, qua
casou com Fernao Carneiro, dosquaes descendeo Anna de Teves: e d'està
nasceo Anna Carneira, mai do Clorigo Manoel Nicolao. Nasceo mais da
mesma Maria Affonso huma filha Magdalena Fernandez, que casou com
AITonso Enes de Chaves, que da Madeira veio tambem; e d'estes nasce-
rrio seis filhos, primeiro, AntSo de Chaves, que morreo nas Indias de
Castella, segundo, Gaspar de Chaves, de que nasceo Manoel de Chaves.
que foi pai de outro Gaspar de Chaves, e .este de outro Manoel de Cha-
ves Benavides, terceiro, Luis de Chaves, de que nasceo BalUiezar do
Rego, pai de Anna de Chaves, m3i de Joiio de Chaves, quarto, Leonor
de Chaves, m3ì de Francisco Affonso de Chaves, Vigario de Ribeira Gran-
de, e de Anna de Chaves, que casou com Thomas de Torres, de que
nasceo D. Margarida, mulher de Ignacio da Costa, que forSo pais de
Francisco Affonso de Chaves, e de Martinho da Costa, quinto Barbara
de Chaves, que nunca casou, e foi sempre pessoa de grande virtiide, e
gerarao.
241 Em sexto lugar nascilo de Magdalena Fernandez, e de Affonso
Enes de Chaves a Veneravel, prodigiosa, e beatissima Margarida de (-ha-
ves, da qnal contamos os sobreditos parentes, que pudemos descobrir-
Ihe; pois de bum parente sanlo se ha de fazer mais caso que de mil
parentescos de Hdalgos, e por isso digamos ainda o marido, e descen-
dentes d'està bemaventurada, e logo referiremos sua santissima vida.
Seus ricos, e nobres pais casarSo a està sua fìlha com bum fldalgo quo
veio de Portugal, chamado Antonio Jorge Correa, CidadSo do Porto, ir-
melo de Jacome Dìas Correa, de que jà tratamos, e trataremos aìnda en
seu lugar, pois d'elle procedem os principaes Odaigos, e mais ricos d^
todas as llhas Terceiras. Teve de seu marido està grande Heroina hui
fllho, que Ihe morreo estudando em Coimbra, e jà com fama de
LIV. V GAP. XX 291
virtude, e commua opiniao de Santo; outro chamado Manoel Jorge Cor-
rea de Sousa, tambem formado era Canones, e Conego de Santarem on-
de morreo, e na liha deixou instituida huma rica, e nobre Capella, so-
bre qua sempre ha muitas demandas de parentes a ella oppositores, e
tambem teve outro filho Padre da Companhia de Jesus, e huma filha
Maria da Trindade, Freira no Convento de Santo André de Ponta Del-
gada, e todos estes filhos procederào sempre com tanta virtude, qiie
mostravao serem filhos de hùma mài santa, e de sua santidade toquc-
mos agora alguma cousa.
242 Nasceo està beata Margarida de Chaves (que este he o titulo,
perqae he commummente nomeada) em o anno de 4545, de t3o nobres,
rìcos, e virtuosos pais, que desde a infancìa a instituirao em singulares
Tìriudes, e ella em chetando à idade competente, e so por obedecer-lhes
aceitoa o estado de casada que Ihe derSo, sendo de idade de quatorzo
aoQOS, em 4529, e he muito de notar, que dando-lhe Deos ciuco filhos,
« de tSo rico, e nobre marido, que depois de nascido o ultimo morreo,
a nenhnm deo ella o estado de matrimonio, mas morto o primeiro ain-t
da estadanté, e fazendo a dous Clerigos, ao quarlo metteo Religioso em
a Companhia de Jesus, e a filha metteo Religiosa em o observante Con-
ato de Santo André de Ponta Delgada; mostrando bem com isto, quo
8ó por obediencia aceitara o estado de casada, e que mais queria as vir*
todes por descendencia de sua nobre casa, do que muitos humanos des-
^iendeotes, e assim morto o marido, se metteo logo na terceìra Ordcm
da Penitencia do Serafico Padre S. Francisco, sendo ainda de idade do
^te e seis annos, dos quaes foi casada doze.
243 N'esle estado de viuva Terceira Penitente viveo trìnta e quatro
^0008 està Religiosissima pessoa, e tao dada à penitencia, que em lugar
<b8 gaias que em vida de seu nobre marido era obrigada a trazer, tra-
^ eoQtinuament^, debaixo do honesto habito de Terceira, asperos cili*
^ e nem as noites dormia em cama, mas no puro sobrado da casa
com ham madeiro por cabeceìra, e o mais da noite passava em orac3o,
^ repetidas disciplinas, doze annos jejuou todos os dias, excepto os Do-
^^àoqp^ sem tomar consoada alguma, todas as Sestas feiras a p3o, e
^a, e da mesma sorte todas as Quaresmas, e chegou a passar huma
^rz semana Santa desde a Dominga de Ramos até a da Paschoa, sem
^<>Q)ar corner algum, e tendo sido tlo rica, e nSo faltando aos filhos com
^0 0 necessario, confórme a suas pessoas, ofBcios, e ausencias, tudo
/
^
292 HISTORIA LXSULAXA
0 mais qoe podìa, reparlia em esmolas. Frequentava os Sacramentos da
PeniteDcia, e sagrada CommuDhào, e para isso tiuLa bum Confessor ordL
narìo,que era 0 Reverendo Pddre BrasSoares, Cierigo, bom Moralista, e
de notorias virtudes, e para se aconseihar, esegurar, econfessar-setam-
bem, recorria sempre ao grande, e viiiuosissimo Tlieologo o Doutor
Gaspar Fructuoso, e aos Padres da Compauhia de Jesus, quando biàa
àquella liha em mlssoes, por nao haver niella ainda Collegio da Compa-
uhia, comò depois houve, e ha.
244 Continuava tanto a ora^ao, que parecia viver sómente de orar,
enaoracaoselhecommunicavatanto Deos, que afBrma o citado Fructuo-
so liv. 4, cap. 95, que o que dividido communica Deos a muitos Santos,
junto 0 communicou a està sua devota, e comtudo, quando algumas ve-
zes 0 Senhor suspendia o dar-ihe na oracao consoia^oes mais sensi veis,
entao ella perseverava mais orando, e tao transformada, e coufòrme coiu
seu Deos, corno quando recebia do Senhor os maiores bencficios, aiiida
exteriores, porque nem sabia, nem queria buscar a Deos por interesse^
proprios, mas so por Ihe cumprir sua Divina vontade, e por isso quan-
do mais se sentia elevada em o Senhor, entào a si propria se morlifì-
cava mais, confundindo-se em o profundo de sua indignidade, e baixe-
za, juntamente corno Martha rctirando-se, e comò Maria, nunca apartan-
do-se de seu Deos.
213 Àssim chegou a lograr as virtudes Theologaes em tSo subido
grào, que da virtude da Fé Divina afGrmarào o grande Tbeologo Fru-
ctuoso, e 0 douto, e devoto Clerigo Bras Soares, que quando a confes-
savao, ou fallavào de Deos com està Santa, taes cousas Ihe ouviao da
Santissima Trindade, da Divina Eucharistia, e do amor Divino, e mais
mysterios da Fé, e com tacs palavras, tao novas compara^óes, tanto Ter-
vor, e firmeza, que Ihes parecia ter està creatura por Mestre ao Espirita
Santo, e fallar nella, e que na sua oracào se Ihe revelara ludo, corno
se tudo vira com seus olhos, e que tanto se ajustava com a Sagrada Es-
critura, que mostrava tinha d'ella sciencia infusa. Na Esperanca a acha-
vào tao firme, e tao regulada, que estando em oracao, e sendo arreba-
tada em espirito ao Ceo, e vendo aos Còros dos Aojos, e aos mais Bem-
avenlurados, a estes, e aos Anjos tudo era perguntar-lhes, Ànjos, e
Santos do Ceo, aonde està o meu Deos, e meu Senhor? que aqui su atì-
rava sua esperanga, e nada do mais ihe satìsfazia: e de muitas illustra-
(óes que tinha, sempre turava hum restio de todo o que Deos nào era»
Liv. V OAP. XX 293
t hnma perpetua forno, e saiidade de Deos, e tao intenso odio de toda
a culpa, qne assent^nv?io comsigo os dous citados siigeìtos, que tal al-
ma conio aqoella, jà em està vida cstava confirmada em a Divina grara.
2i6 Na Charidade, e amor Divino foi tao excellcnle està santa al-
ma, qiie representando-se-ltìe ver a Christo Senhor nosso, ainda se nao
flava seu amor por satisfeìlo, mas logo, corno por huma ohscnridade,
«era n'efla parar, hia infinitamente adianlcem busca da Divindnde, unico
fim, e final ohjeto de seu purissimo amor; e a hnmanidade de Christo
puramente a excitava a se accender mais no amor Divino, e mais Ihe
agradecer o humilhar-fe a lomal-a e a està agradecer cada vez mais o
ranito que se tìumilliou a padecer por nós, até morrer em huma Cruz
por nos salvar: e d'aqni lii-ava pirra si a profunda humildade, em qne
Iv>x^o fundamento de todas as mais virtudes, da devo<;5o admiravel de
Deos, do Senhor Sacramentado, dos Anjos, e Santos todos, e da abne-
pfJio continua de si mesma, e perpetua mortificacao : de quo se qui-
«essemos tralar, seria niinca acabar; pois até ir d'està vida para o Ceo alma
Ife santa, com* ter lido larga vida, auguientou sempre as virtudes sobre-
ditas, e o mesmo Deos manifestou tanto sua gloria, corno agora veremos.
247 A inda em vida desta sua serva obrou Deos por ella tao gran-
des maravilhas, que o Doutor Fructuoso affirmou, que nao ousava rogar
« Deos por «Ila, aimta em seus sacrificios, vistos taes prodigios, quaes
I^teos por ella obrara; mas que rogava a Deos que se lembrasse d'elle
pelos merQcimentos de tal Santa: e nao refere comtudo, e em particu-
•s^r, OS prodigiosos casos, por n^o estarem ainda declarados por mila-
P^ pela Romana, e Catholica Igreja; diz porém que o Doutissimo Pa-
dre Francisco de Araujo, indo em missao do Collegio da Companhia do
^ns da Ilha Tercoira a S'io Miguel, e fallando muitasvezes a està Santa
^v,i, e ouvindo fallar d'ella, e de suas maravilhas, nao so jnlgava, e
feia qne era Sr^nla, mas que era, e Ihe chamava tPassiva Divina;» naò
^ pelo que padecern pelo amor de Deos, de persegui(;i5es, e contradi-
C5es do mundo, nem so pelo que em si mesma exercitara de penilen-
^^s continuas; mas especialmente pelas grandes, e admiraveis obras quo
^^s iK)sso Senhor por està Santa obrara, ainda cni vida della, corno
l^rhnma sua «Passiva Divina.»
2i8' T'il devorào tinha ao Santissimo Sacramento, que nao so com-
"^'"Jjjava ranito frequentemente, por mandado dos Confessores, mas es-
ondo na Igreja nao sahia d'olia em quanto houvesse Missas; e quando o Sa-
y
291 HISTORU LNSULANA
cerdote commungava realmente, tambem ella espiritualmenle coimnmi-
gava, e (cousa rara !) sentia em sua bocca o sabor dos accidentes Eu'-*
cbaristicos, e em sua alma os effeìtos de buma real» e perfeit» Commu*
lihao; e assim foi a que entSo intruduzio na Uba a frequencìa da Con**
fissao e Communbao; e tal familiaridade tinha com o Senbor Sacrami-
tado, que affirmou a seu Confessor, que se Ibe mostrassem muìtas hos-
tias, das quaes bumas estivessem consagradas, oulras d3o, conbeceria
e assioarìa quaes erao, e quaes d3o erao as consagradas ? Da Virgem
nossa Senbora era tao devota, que tomando-a por valia, para que Deos
]he revelasse quando bavia morrer, e Ihe alcau^asse que fosse em dia
de alguma festa /da Senbora, fol-Ibe revelado que dalli a tres annos mor-
reria; e assim succedeo, tres annos depois, e no dia do Nascimento da
Virgem Santissima, em 8 de Setembro, com està nova satiio da orac3a
tao alegre, que admirada a (Uba Ibe perguntou, que alegria era aqueila. Res-
])ondeo que era o saber jà, quando bavia morrer, Nao sei de que mais
me admire, se de tal desapego d'està vida, se de tal saudade, e tao fir-
me esperauQa da eterna gloria. Em vida teve o dom de profecia, e com
4^1e avisou buma vez de lium perigoso lago que o demonio bavia armar
m seu Confessor, e o livrou d'elle; e o mesmo Confessor, e a filha d'està
Santa, testiQcarSo que, quando actuaimcnte tinbao tentagoes secretas em
suas almas, a Santa as conbecia e sem d'ellas Ibe darem sinal algum,
ella acodia logo, e Ibes dava os remedios para as vencerem. Saniaquem
tinha occultos livros profanos, e quem d'elles usava mal, e mandando a
Lisboa comprar grande numero de livros espirìtuaes, e diversos, bia-se
ter com os que tinbao os profanos, e pedia Ih'os emprestados, deixan-
do-lbes OS devotos, que mais Ibe tinbao custado. e em os tendo os quei-
mava, e quando Ihos tomavao a pedir, respoodia, que se tinbao quei-
inado, que em seu lugar Ibes dava os que Ibes tinha deixado, e desta
sorte extinguio a maitos livros profanos, e obviou muitos peccadus.
Vivendo ainda em S. Miguel està serva de Deus; outra pessoa tentada
do Demonio em entra liha. Ina jà andando em busca do seu peccado,
eis-que de repente Ihe apparece diante a dita serva de Deos, (qùe os-
tava em outra Ilha, e a quem o peccador conliecia d'antcs muito bem)
0 Ihe disse estas palavras: «0 la nao teines a Deos?» e com isto so pas-
mado 0 peccador, desiste do peccado, volta para sua casa, e faz peni-
tencia d elle. Oh quantos milagres vao em esle juntos ! mas por bruvi*
dade deixemos outros muitos.
uv. V GAP. XX 295
2ii> Vendo eiiìfiin està Rei serva de Deos, que se Ihe chegava o
re\elado tempo de sahir d'està vida para a OJtra, e advertindo, que por
Mia morte se acliairiao os instrumentos de suas morlifìca^es, e peniteu-
cia: a iodos de tal sorte os desfez, que nao pudessein acliar-se, nem por
seus proprìos lillios, e a estes lembrava muilas vezes. que mais querìa
vei OS liumildes, do que em postos, e dignìdades grandes. Oli exemplos
iaros de humìldadet desta Ihe uascia o grande amor i virtude da pò-
lireza, e aos pobres e assim dizìa, que se nao tivera fillios, nuda reser-
varia em casa, que em huma mortaUia de esmola a enlerrariào; e sem-
pre que via às suas portas muitos pobres, se alegrava entao multo, e a
todos soccorria; e demais mandava sal)er de todos os forasteiros pobres
e iHHirndos, e occultamente llies mandava esmolas grandes; e huma vez
passando pela sua porta para a cadea hum pobre por dividas, podio a
jisti^a, Ibe disst^ssem que dividas erao aquellas, e sabendoo as pagou
tudas, e d'alti voluju o prezo para sua casa; e porque costumava corner
i mesa com algumas . mulhercs pobres, em as vendo mal vestidas, se
tirava seus vestidos, e Ih'os dava, e por vezes os tirou a sua propria
llllia, e OS deo as pobres. E tanto se agradava Deos d estas esmolas,
que muilas vezes Ihe crescia o trigo em seus celleiros, o pao cozido nas
aitas, e em suas proprias màos tudo o mais que repartia aos pobres: e
liuma vez que querendolhe huma pobre lallar, respondeo que nao po-
tila, disto iogo tanlo se arrependeo, que iogo a foi buscar a sua casa
^ Ibe pedio perdào, e Ihe deo a esmola que queria, e nunca mais a pò-
l>re a negou.
230 Chegado pois o dia do Nascimento da Virgem Mai de Deos,
em oito de setembro de 1573 tendo està Santa Matrona sessenta annos
<le idade, e recebendo està pura alma todos os Sncramentos da Igreja,
^m dar sinal algum de sua proxima morte, espirou, e se foi com a Vir-
gem Sacratissima a renascer a Bemaventuranga; porem a gloria desta
liuinilde alma, que ella queria tao encuberta, descubria o mesmo Deos
<^ taes prodigios, que so com agua tocada em huma sua reliquia, e
'•ebendu-a em S. Miguel hum Rui Gon^alves, e na Universidade de Coim-
^^ Imma Dona Isabel, sobrinha do Doutor Gaspar Barreto, Reitor do
^•ollegio de S. Fedro, estando arabos jà ungidos, e para Iogo espirar,
c^n Ihe fazendo levar a dita agua, de repente tornàrao em si, abrirao
^^olhos, e ficarao saos de lodo. Em S. .Miguel havia huma casada, Pe-
^iiilha Pereira, que desde seu nascimento nunca teve o terceho sen-
/
206 HT^OniA INSULANA
t'nlo do clìpirnr, o huma sua criada estava morlalTìente enfenna! tron-
?:erào pan a criada a agoa lo':ada na reliquia da Santa: e verido-a a
qiie carecia do scnlido, Ioìto o leve perfidilo: e bet)eiido-a a criada, fi-
fou de repente sàa. Era Villa Kratica da mesma liha de S. Miguel huma
?laria Francisca, sanguinaria antiira, e oiitra d > mesnfio nome e doente,
que por incuravel jà a tinhao deixado os Medicos. era cada huraa tie-
hendo a dita agua, saràrào perfeilamente. Em Coimbra, no Collegio da
Tompanhia de Jesus, bum Padre Jorio Baptisla, qoe havia doze annos
padqcia raorlaes accidentes do cor^ào, e melancolia, behendo duas, ou
tres gottas da dita agua, nào si> livrmi logo do mais forte accidente,
mas nunca mais Ihe tornarlo, com viver ainda muitos annos. No mesmo
rK)llegio, e da mesma mortai dr>f nc;i, chegarào doiis. ambos jà ungidos
?s purtas da morte : nào occorrpo darem a agua ao que ainda nao era
Sacerdote, e morreo ; derao-a ao Sacerdote, e ae ^guiiite dia se levan-
1'^ bom, e sao, Deixo outras maravHha*. rpn» se podem ver na recopi-
Inda Vida d'està Santa impressa em lingoa Castelbana, cujo titulo he
(Breve Compendio de la vitla santa do la Venerable Matrona Margarida
de Chaves. de gloriosa memoria). E eu a tenho em roeu poder.
231 Depois do falecimfuto d'erta Santa (diz o nosso Fnictuoso) a
manifestou Deos por tal com muitos milagres grandes, e de diversas
castas, que fez niio somente nesta liha, mas em l'ortugal; no Arcebis-
padado de Evora, no Bispado de Miranda, e Braganca, e no de Coimbra,
aonde os Padres da Companhia de Josus levarao suas Reliifuias ; de liì
sorte, que o Reverendissimo, e illustre Cabido da Sé de Coimbra commel-
teo ao Reverendissimo Doutor Frei Antonio de S. Domingos, Lente de
Prima de Theologia na dira Universidade, o tirar summario dos miJaga»s,
e dar seu juizo sobre elles: e o tirou, e julgou, nào so que os tinha por
"» erdndeiros milagres, mas que a pessoa era santa. Seguio-se a isto man-
dar 0 illustrissimo Senhor D. Manoel de Gouvea, seu Bìspo de Angra,
tirar nutro summario na Uba de S. Miguel dos taes milagres, que sen-
do-lhe apresenlados em a Cidade de Angra, os fez ler por duas vezes
dianle de Letrados. Theologos, e Prégadores, alguns Canonistas, e cada
luim per si, e lodns. sem descrepar algum, dis^serào que a vida fon
santa, e (jue as cousas que nosso Senlwr fizera por sua intercessao, assim
em Vida, corno depois da morte, erao milagres, e por tnes os tinhào; e
se devia escrever a sua Santidade. è a sua Mageslade, para que favore-
cessem esle ni?gocio em Roma, e que a sua sepultura se devia ter res-
L1V. V GAP. XXT 297
prllo, e arntnTnonto. e fazor-Ihe niguraa diflerenca das outras; etc. 0 que
fonsiilonrido o dito Senhor Bispo, jiilgou a vida por santa, e approvou
OS nìila^Tes, e mandou que jS sepultiira aonde està o corpo da santa,
S' tivess(» resf)eito, e acatamento, e ao redor d'ella se pozesse hirnia gra-
de, e sr>l)re islo escrevco S. Sanlìdade, a eIRei, e ao Cardeal, etc.
ibi A {lì pois de Junho do anno de 4387, por ordem do Senhor
Bispo, estaiulo pn^sente o Chantre da Sé de Angra, e seu Vigano Geral,
t' cnm milita solernnidade, e musicas de Psalmos, se Irausferirno os Os-
iris desta Sanla, fecliados na mesma arca em que estavào, para a Ca-
l'Clla raór, e os lovarào debaixo de hum palio de borcado, cujas varas
li'vaviio Sacerdotes, e o Conde D. Ruy Gon^alves da Camera, I). Francisco
S'io nilio, 0 Doulor (lilianes da Silveira Juiz de fora, o Capilao Alexan-
<'re, e o Capitào Antonio da Silveira, e foi muilo para louvar a grande
davixirio de Uìiio o [h)vo, e a grande cova que se fez em sua sepultura,
^M tirarem detla terra, que levavào por reliquias, e com que Deos fez
iniiitos milagres em louvor da Sanla. 0 que demais sei he, (comò quem
In cincfxmta annos est^jve lendo em està liha) que nella he venernda, e
i'ivncada està illustre Iléroina, comò se fora jà canouisadi, e commu-
Kipnle se chama a Heata Margarida de Chavos, e nao posso deixar de
<*slranhar, de q«ie huma Iltia tao fica, c>om tao ricos Uonatarios, e tao
'''cos parentes desta Santa, que nao fizessem até agora maiores diligon-
^'as por sua canonizarjao, porque certo estou que se as fizerem, terem
'^^lla Padroeira singular, e medianeira com. Deos, para livrar loda a liha
^'•^ lerremntos, e inceudios desta vida, e n'ella enriquecer a liha mais,
^ Oesviar as al mas dos incendios da outra vida, e melel-as era a Bema-
^^niuranga.
CAPITULO XXI
Da fundarào do Collegio da Companhia de Jesus em Punta Delyada
de S, ilùjuel.
5K53 Depois da admiravel vida da hemavenlurada Margarida deCha-
^'•^s, bem se se^'ue a fundacao do Collogio da Companhia de Jesus de S.
'•«Hel, pois por sua iiilorcessào, e pela do Doulor Gaspar Frnctuoso,
*•*' radicalmonle fundado. Sondo ja fundado hovia annos o Colle^rio de
-■^nj^ra da Illia Terceira. e sondo sou Ueitor o Padre Luis de Vasmncol-
*'>5^. oste marHhni oin miss.ìo a liha do S. Miguel o Padre Podro Comes,
^^c de nacHo era Andaluz, creado porem, e reccbido na Companhia em
296 HISTOniA, INSULANA
pririiigal, e o mandou no anno de 1570, e foì tal o e^^emplo de vìrfade,
e leiras, que o Padre deu n^iqiiella Illia. que aos inoradores detta im
accendeo em descjos de terein alti seiaelhantes Padres, depois delle veic
do oiesmo Collegio de Angra o Padre Pedro Freire, qiie foi o priineiru
que em missao tainbem foi à liha de Sanla Maria, e a aiiilKi^ estas Illia$
com sua prégagao, e muilo mais com sua rara modeslia, e granile exem-
pio de Vida augnientou multo a todos no amor, e devo(^o de taes Re-
ligiosos. 0 que sabendo o Collegio de Angra, mandou em terceiro lu-
gar por Missionario a S. Miguel o Padre Simao Fernandez, nairiral dti
Gouvea na Provincia da Beira, e Prégador de mutto nome em Parlugal.
2o i Junlos estes tres Padres se i^ecoltiiao na casa da Santa misericordia,
e nella os sostentava hum nobre Cidadào, cliamado Joào Lopes Henri-
ques, naturai do Porto, e morador em Ponta Delgada, que tinlia doui^
irmaos na Companhia em a Provincia de Castella, cbamados os Padrt»
llenriques, la muito coriliocidus, e estimados; da Misericordia sahiàotM
tres Padres a pregar, doutrinar, confessar, e excrcitar tantas obras de
misericordia, e com tal exemplo, que o mesmo Joào Lopes Uenriqusd
foi 0 prìmeiro que concorreo para se fundar Collegio da Compaiiliia em
iNinta Delgada; porque nào sendo casado, nem tendo alguui ln'rdeii'o
liccessario. logo euì sua vìda« para se come^ar a fundar alli Collegio da
Companhia, deu pia, e liberalmente doze lixos moios de renda, e com
t.ii prudencia, e zelo, que com procuragHo da Companhia (ìcon cobi'au-
(lo, e emprtgando os rendimentos d elles em propriedadcs, corno fez, e
^lo ainda hoje as lerras. e (|uinta chamada a Fajà: e depois deu mais
OS primeiros ornamcntos de toda a sorte para comporem Igrx'ja, e seu
bobrinho Sinìào Lo|)es ajudou taiubem com varias esmolas
ilili Tralou-se logo do silio em que se fundaria o Collegio, e logo
se assentou no em que hoje esla boin, e sailio, e li\re de monte algwm
;i roda, denti'o aiiida da Cidade, mas da |)arle do Norie para a terra, e
V ì\ì\ boa vista vindo para o mar: e logo htim nobre Cidadào, chaiu^do
Manoel da Costa, irmào da avo paterna dos Padres Gongalo de Arez, e
imi Borges da Companliia de Jesus. Ilihos de Duarle Borges da Costa,
(leo. para se fuiidar o Collegio |)arte do siilo em que eslà, e huinas ca-
has que alli linha, que forào o nascimento, e principio do dilo Collegio:
foi islo em lempo, em (jue o Padre Siuiào Fernandez era Superior da
Iiesid(;ncia: e assim se dtìve chamar dos da Companliia o prìmeiro Fun-
dador do lai Collegio, corno l!ie chama o Catalogo dos bciureitoros J'el-
uv. V GAP. xxr 999
le, a quem em Janeiro de 1591, dco a Camera de Ponta Delgada a pos^
se do tal (Collegio, que s6 com Ululo de Residencia ficou ainda: e por-
que ao Padre Simao Fernandez succedeo ein Supcrior o Padre Fernan-
do Guerreiro, e poz a obra mais em torma, e por isso chainào primei-
TO Superior alguns ao dito Padre Guerreiro, que era naturai de Alem-
Tejo, de Almodovar, e depojs em Portugal fui Secretarlo da Provincia,
Vice proposito de Sao Roque, de grande prudencta, e observancia, res-
l)eitado dos Prelados, e Senbores do Beino, e o que compoz as Cartas
Amiuaes do Oriente, e em S. Roque faleceo.
2S6 No principio de Novembro de 1392, se abrio o fondamento ao
Collegio, e Igreja onde ainda hoje estd, e para isso veio da Matriz de
S. Sebastiao huma procissào gravissima, e com ella o Governador Con-
talo Vaz Coutinlio, que tomaiìdo huma enxada na mao foi o |>rimeiro que ca-
vando abrio oalicerce do Collegio e Igreja, e com elle o Reverendo Yignrio
dalhtriz Sebastiao Ferreiralan^araoambos a primeira pedra de tal obra,
e d'esde entào com comodar o inverno, nunca choveo agua que impe-
disse 0 traballìo ale Fevereiro do anno de 1393, em cujo ullimo dia
^''io outra soicmne procissào da Igreja iMalriz, cujo Vigario trouxe o San-
lissimo, e o collocou na nova Igreja. Com a procissào veio o senado da
t^uaera, e o dito Goveniador, que ajudou a primeira .Missa rezada, dita
lieto Padre Superior Guerreiro; e a segunda fui cantada pelo sobredilo
Vigario da Malriz, com boa musica, e o tlvangelho cantou o Vigario de
^nta Clara Pedro de Brum, o a Epistola o Beneliciado da Malriz Ro<|ue
<i)ellio, p(»ss<^)a gravissima, e prégou o mesmo Superior Padre Guerrei-
'<>• E por assim ao Collegio, conio à Igreja se terem abertos os alicer-
<'C8 em 0 primeiro de Novembro, por isso a Igreja, e Colk»gio lioou o
tóalu de Collegio de todos os Sanlos, para que se lembrem de serem
Sanlos, lodos seus habiladores.
237 No mesmo tempo comecou logo a Confraria dos Esludantes
^'Hn 0 litulo de Nossa Senhora da Consolagào, que em breve se mudou
fw Nossa Senhora da Victoria; e posto que esteve alguns annos sem
farla de uniào à primeira Congregagào de Roma, e sem Eslaiulos, com-
l'^do em 5 de JuHio de 1CÌ7, o Padre Antonio Carneiro, Sujjerior entào,
"«alcanfou ludo de Roma. E jà em 1391, jiara o novo Collegicu e seu
^lio deo Francisco de lledovaiho oilo alqueires de terra que alti tinha,
^ Ijum llies accresicntou Leonor Dias; e o Licenciado Joào Moreira huns
*^^0j> de huaias casas junlas a Portarla, que logo se dcrrubaiào; e ou-
300 HTSTOniA TXSULANÀ
tros concorrerao com boas esmolas, corno Gaspar Dìas, e sua miillìei
Anna de Medeìros com dez nfìoios de C4iK tros arrohas de ferro, e dna*
jìipas de vinho, e qnatorze tomos de Theologia para a livraria: e o gran-
fie Dontor Gaspar Frnctiioso Ihe deo loda a sua livraria, e outros bens
<1e ffrande conta, conno jà dissemos em sua vida.
258 0 s*»gundo Siiperior (depois do Padre Gnerreiro) foi o Padn
Jacoine da Ponte, pessoa nitiilo prave, e muito grande Religioso, em cujr
tf»rupo deo 1). Briles para a Sacristia boas esnfiolas, e qnalrocenlos mi
réis em dinheiro para o Collegio: e HieronymoGoncalvesde Araiijo de<
<*enlo e Irinta mi) reis para o Collegio em pastel: e Alvaro da Costa dei
lìnma tiilha com seu qnintal na enlrada da ma do Mestre Gaspar, e hiin
ralix de prala. e cìneoenta mil reis em dinheiro. NSo se apontoii d'ond(
ora naturai este Superior, nem o tempo em que entrou por Superior
mas so qiie sendo-o ainda, faleceo, e com geral sentimento de todos.
259 Terceiro Superior foi o Padre Luis Pinheiro, naturai de Avei
ro, e comecou em Jullio de 1506, e acahou em Fevereiro de 1600 e voi
t-,mdo ao Reino foi cxìmpanheiro do Provincial muitos annos, Visitado
das llhas, e Procurador na Corte, aonde imprimio a Historia do JajySi
om lingua Hespanhola. E em seu tempo tambem se derao varias esmo
las ao novo Collegio, e bum grave Sacerdote Joao Soares deixoa ham;
terra de imporlancia, que se metteo na cerca do Collegio.
2G0 0 quarto Superior foi o Padre Scbastiiio Macbado, naturai d
Serpa, e entrando em IP02, foi pouco depois promovido a Reitor d
Angra: foi grande Prégador, e emfim morreo em Evora. Quinto Supe
rior foi 0 Padre Confalo Simoes, naturai da Louzàa; comefou em Jane!
ro de 1603 e acabou em Nov'embro de 1604, foi muitos annos Mestre d
Noviros, e em Coimbra faleceo com fama de Santo. Sexto Superior ff
0 Padre Mathias de Sii, naturai de Braga: entrou em Seplembro de 1604
acabou em 1606, indo promovido a Reitor de Angra; cujo triennio ara
Itado foi feito Vice-provincial dns llhas, e as visitou comò tal, e voIlM
do para Portugal, foi logo Preposilo de Villa Vifosa, e duns vezes Rei
tor de Sanlarem, e ullimameiile Roitor de Coimbra, sugeito de grand
prudencia, e sciencia de governo, e exceliente Prégador. Septimo Supc
rior foi 0 Padre Miguel (ìodinlio. naturai de Evora, que entrou em Jii
Vm) de 1606, e em Julho acabou de 1610, e tornando a Poitugal fc
Mestre de Noviros em Evora, depois Reitor do A'gnrve, e de lortah
gre, Vice-Reilor da Puriflcaflio de Evora, Yisilador das llhas, e Reit<
LIV. V CAP. XXI 301
de Santarem, onde faleceo; e em seu tempo Bras AITonso Raposo, e sua
mullier Calharina de Frias deixàrào ao CoUegio de S. Miguel ciuco al-
queìres de vinlia, e dpìs inoìos, e melo de reuda de trigo.
261 Citavo Superior foi o Padre Antonio Gon(;alves, naturai de Al-
Vito» e come^ando em Jullio de ICIO acabou em Maio de i614, tiiiiiii
lido dous cursos de Filosofia, e muitos aunos Moral, e corno lelrado
grande, era muito consultado: e em seu tempo deo Ignacio de M(illo es-
mola de cincoenla e Umtos mi! réis ao Collegio. Nono superior foi o Padre
Manoel Vieira, naturai de Arrayolos, e cumegando em Maio de 1014 foi
logo em Julho promovido a Iteytor de Angra: foi depois por vez«s Vi-
ce-Reytor da Purificafao, e indo e visitar a Algarve, trouxe de là doen-
ta de que morreu em Evora, com fama constante de grande virtude. De-
cimo Superior foi o Padre Antonio Dias, naturai de Coimbra, comecoii
em Julho de 1614, e acabou em Outubro de 1616, era Prégndor insi-
gne, e de exceliente voz: murou a cerca do Collegio pela parte de cima,
que he cerca boa, e grande: mas sendo Superior morreo, e està sepul-
t^do na Capella mór. As Religiòes, e Cleresia vierao fazer suas exequias
sumptuosaraente, lendo-as elle feito na morte do M. Bever. Padre iie-
wl da Conipanlna Claudio Aquaviva, na mesma Igreja com Ega levanta-
«Ja. e ornada de muitos lumes: cousa que foi tao approvada em Uouja,
qoe logo se fez decreto de assim se fazerem as exequias dos tìeraes da
Companhia quando falecerem.
262 Undccimo Superior foi o Padre Felippe Dias, naturai de ?.1a-
t^ na Beira: governou desde Outubro de 1616 até Abril de 1618, ten-
do vindo de Ueitor de Angra, para onde tornando morreo là. Duodeci-
n» foi 0 Padre Roque de Abreu, naturai de Lisboa, conicfou em Abril
^ 1618, e em 27 de Marco de 1620 faleceo, sendo Superior: porém
^ seu tempo deo o Lianiciado Antonio de Frias novenla e tanlos niil
f^s ao Collegio: e Isabel Luiz Ihe deixou trinta alqueires de renda fìxa:
® 0 illustrissimo Conde Capitao D. Manoel da Camera deo huma alani-
Na de prala, que custou entào cento e quarenta mil rcis, e huma Cos-
cia de prata dourada, e huin pucaro de prata para o iavatorio, e por
outras vezes deo dinheiro, trigo, vinho, taboado, e por sua morie dei-
^nu hum legado de oito mil cruzados em dinheiro; e tal alfccto tinha ii
'-'^mpanhia, que desejou multo entrar nella: e o faria emtim, se a mor-
fe 0 nSo impedisse. Decimo lercio Su[)erior foi o Padre Manoel Nunes,
^tai'al de Nìza: veio de Ueitor de .Vngra, entrou n'esle Superiurado eia
302 BÌSTOniÀ INSCLANA
Maio de IG20, e sjihio era Septembro de 1621, tendo sido em Coimbra
Mestre insigne de Grego, e Hebreo.
2G3 Decimo quarto Superior foi o Padre Antonio Leite, naturai de
Lisboa, entrou em Septembro de 1G2I, e em seu tempo deo D. Catharina
Rotelba, mulber de Jacome Leite de Vasconcellos, jà viuva» huma capa
de Asperges de téla branca. E porque alélli se nSo lia no Collegio mais
que Moral, ciijo primeiro Mestre foi o Padre Manoel Secco, n'esle tem-
po se metteo a primeira classe de Latim, e depois logo a segunda, a
€sta segunda metteo a Companbia de pura graga, sem para sostento do
Mestre se Ibe dar congrua alguma: e a primeira metteo com algumas es-
molas temporaes, e nao perpetuas para perpetuo Mestre: e assim deo o
dito Jacome Leite, e sua mulber cumprio por sua morte, dezoito mil
réis em seis annos, para sustento do dito Mestre da primeira. Hieronr-
mo Goncalves de Araujo deo bum raoio de renda a retro; SebastiSo Luis
Lobo, e Manoel de Araujo derào dous moios em quatro annos: o Capi-
tao Raltbezar Rebollo de Sousa, e Hanool da Costa derSo em quatro an-
nos bum moio: Pedro Borges de Sousa deo por buma vez doze mil réis,
« 0 Capitào SimJio da Camera de Sa meio moio de Irigo por quatro an-
nos: e 0 CapitSo Antonio Borges da Costa bum quarteiro tambem por
quatro ^nnos: e Manoel de Figueiredo tres quarteiros: e Catbarina de
Araujo, mulber do Licenciado Jo3o Moreira bum moio em dous annos:
do que tudo bem se ve o desejo, e zelo que tinbUo taes Cidadaos de que
OS Mcstres de seus fillios fosscm da Companbia de Jesus, e o agradecì-
inento que està teve em Ibes porem cadciras perpetuas sem perpetua
congrua para os Mestres dellas, nem ainda para as idas, e vindas de Por-
tugal, pois até o Lente de Theologia Moral nao teve congrua delermina-
da, nem a tem o di primeira, e o da segunda teve alguma, mas so por
algum tempo: que ns esmolas dH fundaciào for3o para prégarem, confes-
sarem, fazerem missoes, comò faziao os primeiros que alli vierSo, e as
tres cadeiras metteo sem congrua a Companbia.
261 Decimo quinto Superior foi o Padre Antonio Carneìro, naturak.
de Lislwa, e governou desde Outubro de 1623 até Novembro de 1627^
e vindo faleceo depois no Collegio do Porto. Em seu tempo, e com di —
nbeiro do Illustrissimo Conde Capitao 0. Manoel da Camera, se corik.*
prou a Quinta da Grimaneza, e suas terras, e vinbas. Erigio se a Corm.-
fraria dos Oificiaes de Ponta Delgada, com a invocagao de Nossa Senhc::>'
ra da Vida, contra os incendios da liba, e veio em procissao da Igre j^
\
L!V. V GAP. XXI 303
Matriz com loda a solemnidade, e' festa, presentes o Reverendo Padre
Doutor Luiz Brandao, o illuslrissimo Bispo de Angra D. Fedro da Cos-
ta, e o seu Reverendo Chandre Sebastiao Machado, e o illustrissimo Se-
nlior Conde Capit3o l>. Rodrigo da Camera com a Senhora Condessa
Dona Maria de Paro, e prégavào. E tinha vindo de Portugal a Imagem,
feita là, e se coliocou no aitar em %i do Juiho de 1625, cuja Irmanda-
ile Ihe donrou logo o retabolo, e é imitagào os Estudantes dourarào tam-
bero o seu; e a irmandade dos Ofliciaes, na primeira sexta feira da Si-
mana Santa comecou logo a fazer a procissào do Enterro, com o Senhor
morto que tem dentro do seu aitar. No mesmo tempo, e no mesmo lugcir
se deo princìpio ao Collegio novo, ou à obra reforrnada em 43 de Sep-
\embro de 16i5, presente o Padre Visìtador Luiz Brandao; mas paroii
depois a obra.
265 Decimo-sexto Superior foi o Padre Diogo Luiz, naturai de AU
palhào* que comecou em 1027 e acabou em 1631, fui depois Mestre de
Novijos em Evora, e Reitor do Porto, e Bispo eleito do Japào, e homem
de grandes partes, e talentos; em seu tempo se repartio o andar de bai-
xo do Collegio em Refeitorio, e cozinha; e Manoel de Andrade, casado
com Maria Alvarez de Aguiar, deo cem cruzados, que se gastarao em
omamentos da Igreja; e a viuva sua mulhcr deo outras esmolas. Insti-
lulii«-se a Confraria de Santo Ignacio por devo^ao do Governador, e Ca-
pilào General da lllia D. Rodrigo Lobo da Silveira, naturai da Uba Ter-
f^Jira, e neto do Funilador do Convento de Sào Confalo de Angra, fi-
^«■^Igo de grandes partes, e sempre bcm aceito em Sao Miguel: elle pois
'^ qiie se fundasse a dita Confraria, e que os Governadores fossem os
^1» Juizes, Mordomos os Capilfies, e Escrivaès os Alferes, e os Sargen-
^ fossero OS Procuradores, e Thesoureiros; e mandou fazer do Santo
^*ong relratos, bum de soldado, outro de Religioso, e Ihe fez buma so-
■^Hine prociss3o, e festa, e outra quando veio a confirmacao de Roma;
^ ido para Portugal o tal Governador, entSo o Padre Luiz Lopes desfez
^ Confraria, por razoes que teve para isso; mas succederao logo os ter-
**^int»ios do anno de 1630.
206 Decimo-seplimo foi o Padre Sim9o de Araujo, naturai deCoim-
*^*^ que comecou em 2 de Setembro de 163 ^ até 13 de Fevereiro de
*Q36, e em 1632 concedeo e Reverendissims Padre Geral à Camera de
^««ila Delgada por seu Padroeiro o Santo Xavier, por Bulla de perga-
^^^àsàio que està no Collegio, e se contìrmou em 1658i e a Camera fez
304 IIISTOIIIA INSrUNA
assento de assistir é festa do Santo, e dar cada anno cinco mil rcìs psr^
ra a tal festa, e de ficarem serviudo na Confraria os Otiìciacs da Carne*'
ra que tinliào acabado. Em tempo deste Superior se acabou o Cuiredor
grande de cima, e o pequeno que acabava na varanda, com o jo^^o dir
truque junto a ella; e o illustrissimo Senhor D. Joào Pimenta de Abreii,
com 0 multo Beverendo Arcediago Manoel Cabrai de Mollo, e com INjh-
tiOcal, e solemnidade grande benzeo os Corredores de cima, e de bai-
xo, e no firn da mantià praticou. e ficou no Collegio até a tarde, em que
se virào os Altares, e arma^oes, e se lerào as Poesias; e depois s^tliirào
0 Padre Manoel Monteiro por Imma parte da Uba, e por outra outro
Padre, e correrao a liba em missao Apostolica. E no mesmo tempo se
deo de esmola para a Igreja buma alcatira grande, e outra pequcna, e a
cadeira das praticas, e outra esmola com que se fez a bandeira das dou-
trinas; e o Reverendo Manoel Fernandez, Vigario de Sao Pedro de Vil-
la Franca, deixou ao Collegio dois moios de renda perpetua; e deo Ires
moios por buma vez à Sacristia, tendo jà dado esmolas de importancia
em sua vida. E vindo por Visitador o Padre Diogo Pereira, (depois Ad
ter sido Lente de Tlieologia) alcancou de N. Rever. Padre Geral, que os
Superiores do Collegio de Ponta Delgada fossem dali por diante Ueilo-
res com patente de Roma; e logo o Licenciado Ruy Pereira de Amarai,
Irmao da Companbia, fez as novas duas Classes, de Primeira, e Seguuda.
CAPITOLO XXII
Dos Reitores do Collegio de iodos os Sanlos
de Ponta Delyada.
207 Tendo sido cste Collegio sómente buma residencia do Real Col-
legio de Àngra |)or quarenla e cinco annos, desde o de 1591 até o <lg=*
IGuO, entào em 13 de Fevereiro veio por seu primeiro Reitor com pcà^ —
tenie de Roma, o Padre Luiz Lopes, naturai da Vidigueira em Alèm-Ti :=?-
jo, e 0 foi ale 12 de Junbo de 1039. Em seu tempo, a 3 de Julbo A. e
1038 tremeo a terra, especialmente em Sao Joao dos Ginetes, defroii t^
do qual silio, e buma Icgoa ao mar, e no meio delle, e de repente, ukt-
rebcnlou do fundo lai fogo sobre o mar, que sobre elle fez bum tai
Ilbeo de cinza, terra, e pedra pomes, que durou muitos dias, e noiLe>v
e matou grande copia de peixes; e se uà terra tivera arrebentado, loda
LIV. V GAP. XXII 305
a consumiria. Acudio pois o novo Padre Ueitor com liuma mìssao ao tal
logar para animar, e consolar a gente; e outra missào de Padres nìan-
dou pela Uba toda.
268 Porém era 3 de Novembre de 1637 tinha mandado El-Rei de
Castella langar tacs, e tuo novos tributos na liba, qne amotinado, e ar-
mado 0 povo, ao estrondo do sino do Rebate, acudio tanto, e cora tal
furia à praga, que arremetendo logo à Audiencìa, Ibe puzeruo fogo às
portas, e assentos, e sobrc a casa da Camera lancarao tantas pedras, que
o Governador Nuno Pereira Freire, e o Juiz de fora, com os mais da
Govcmanca, (que dentro eslavao) correrao perigo de vida. Acudirao eu-
tao com Cruz algada o dito Padre Ueitor» e seu Collegio, e outros Ec-
ctesiasticos, e trazendo para o Collegio os sobreditos do Governo, os li*
vrarik) da morte, e aquìetarao o motim. N'este mosmo Rcitorado o Re-
^ereodo Cbantre de Angra Sebastiao Macbado deo vinte mil réis de es-
mola ao Collegio para o Sacrario' da Igreja, e de outras esmolas se fize-
rio D*ella varios ornamentos, e se fizerao dous sinos novos; e o Collegio
oomprou a vinha nova, que foi de Cosme Sarmento; e fez nas Furnas a
Casa, e Oratorio para quando li v3o os Padres: e em 1636 deixou Uie-
roDymo Goncalves de Araujo cem mil réis para ajuda do retabolo do Ai-
tar mór da Igreja nova.
260 Chegado o mez de Julbo de 1639 passou por Sao Miguel o
Mestre de Campo D. Diogo Lobo da Silveira, naturai de Angra, que bia
para o Brasil, e com elle bia por Visitador do Brasil o Padre Pedro de
Moura, que levou por seu companheiro, ou Secretarlo o Padre Luiz Lo-
pes, que acabava de ser Beitor; do Brasil voltou o dito Padre Luiz Lo-
P6S para Portugal, e nao so foi Preposito de Villa- Vigosa, mas cb^ou a
^ Provincial da Provincia de Portugal, e depois Reitor do Collegio de
^nìbra, e sempre varao multo regular, e exemplar, e de grande dom
^ bom governo, que venerei sempre sendo seu subdito, ba mais de
cìocoenta annos.
270 0 segundo Reitor de Sao Miguel foi o Padre Antonio da Ro-
^ naturai de Alvaiazere: teve o governo desde 12 de Julbo de 1620
'te 3 de Fevereiro de 1643. Em seu tempo cbegou a felìz nova da Real
AodamacSo do Invicto Restaurador da Monarcbia Lusitana, o Senbor Rei
^- l(Ao 0 IV, e foi logo recebida com repiques, e luminarias geraes, que
^orario por muitos dias, e com o Senbor exposto na Igreja do Collegio
^ 0 prìmeìro de Maio de 16&1, e aos cince fez o Collegio procissao de
VOLI 20
306 IIISTOUIA IXSIJLANA
accSo de gracas» com a Irmandade de Nossa Scnhora da Vida» com mai-
tas flguras, e Anjos, e diante os meninos da escola, todos bem vestidos,
e com capellas de flores nas cabegas, e triunfantes palmas em asm3os.
N'este Reitorado se ac^rescentou multo o Santuario da Igreja, e se com-
prarao os orgaos ao Convento da Esperanga, para o que concorreo Fran-
cisco de Moraes Ilomem com esmola de trinta cruzados; e Maria Nunes,
mulher de Joseph Femandez Pereira, dcixou ao Collegio sessenta mil
rèis de esmola; e o dito Reitor fez as casas, e cistemas da Faja para as
Quintas ordinarias; comprou mais Ires alqueires de vìnha junta é qae jj
tinhSo em Bethlem, e huma morada de casas na cidade, etc.
271 Terceiro Reitor foi o Padre Diogo Pereira, naturai de Viana de
Alem-Tejo; comegou a 3 de Fevereiro de 1643, e acabou em 13 de Sep-
tembro de 1646. N'este Reitorado se fez huma Missao por toda a IIIu
que durou dou mczes, com grande fruto das almas; comprarSo-àe mais
cinco alqueires de vinha em Bethlem; fez-se o Retabolo novo da Capella
mór com esmolas da Camera, e do Provedor da fazenda Beai de todas
as llhas Agostinho Borges de Sousa. Antonio Marques de Oliveira, e saa
liiulher D. Gulmar Ferreira derùo quarenta e tantos mil rèis em dinhei-
ro, e as duas Imagens do Santo Borja, e Santa Teresa de Jesns : e
D. Catliarina Bolelha, e sua nora I). Maria do Canto, e a irma d'està,
D. Luiza derao outras varias esmolas: e hum Cidadao de Angra, Luis
Coelho Pereira, mandou trinta mil réis ao Padre Antonio de Abreu Pro-
curador d'este Collegio, com que fez a interior Capella d'elle: pagar3o-
se n*este tempo mais de quatrocentos mil réis em dividas; fizer3o-se at
exequias de nesso M. Kever. Padre Cerai Mucio com grande solemnrda-
de, e'o Rever. Vigarìo, e Beneficiados da Matriz, e disse a Missa o VK
siiador da Companhia o Padre Gaspar de Gouvea, e ainda se comprarlo
as terras, que forSo de Cosme Sarmento: reslaurou-se a Confrarìa do
Santo Xavier a inslancia de seu grande devoto o Licenciàdo Bui Pereira
de Amarai, Juiz dos ausentes, e Escrivào da Camera, com a qual fei
que se tornasse ao Santo por terceiro Padroeiro da Cidade, ficando os
primeiros SiHo Scbastìao, e Santo André, e que a Camera viesse no ttl
dia em procissao à Igreja do Collegio.
272 Quarto Reitor foi o Padre Joao Freire. E porque o Padre Hai
noci Goncalves que aponlou os sobrcditos Superiores, e Reilores, paro
no sobredito terceiro Reitor, e n3o achei mais apontamentos dos outras
por isso d'este quarto Rcilor nao digo mais; e servirà islo de aviso pai
LIV. V GAP. XXII 307
haver quem aponte o digno de se apontar. 0 quinto Reitor foi o Padre
Maooel Alvarez, naturai d'Àrruda, que parece entrou pelos annos de
1653» e tambem em seu tempo mandoo missao peKi Uba de deus Pa-
dres, comò he proprio da Companhia.
273 Sexto Reilor foi o Padre Concaio de Arcz, que achei jà Reitor
DO anno de 4664, era naturai da mesma Cidade de Ponta Delgada, e da
melbor nobreza d'ella, e a cujos ascendentes, e parentes deve muito o
tal Collegio, assìm em sua fundagào, corno na continuacao, e augmento
d*elle; mas a elle deve muito mais a Companhia, pela grande virtude^
letras, prèdica com que a Iionrou; porque na virtudo era exemplarissimQ
nas letras foi excellente Moralista; e tinlia grande voto nas materias de
mora! ; e na prèdica era bem ouvido« e com grande atten^ao pelo que
dìzia» posto som forcas para aturar muitas tarefas de Àdventos, e Qua-
resmas. No ultimo dia de seu triennio cliegou licenza para se come^ar
Igreja nova, e poucas horas antes de acabar, e ja de noite, mandou logo
abrìr os ajicerse», cousa que alguns Ihe eslranharuo, devendo-se-lhe lou-
var 0 zelo que n'isso tinha; porém vindo entao por Visilador o Vene-
nvel Padre Manoel Fernandez, de quem faremos a devida mencao em
seu lugar» seguio-se o Reitor seguinte.
274 Septimo Reitor foi o Padre Manoel Gonp^ves, naturai de perto
deCoimbra, para levantar a Igreja nova sahio o dilo Reitor com o seu
Padre Procurador, e com o Governador Luis Veiho pelas mas da Cida-
de, pedindo esmola, e tambem se pedio em Ribeira Grande, e em Villa
Franca, e n'este tempo vierao os qiialro castigaes de prato do Aitar mór,
e 0 prato, e jarro de agua às màos, com dinheiro dado de esmolas à
Sacrislia, e logo foi o Padre Pedro Leilao com outro Padre companheiro
^ raissao pela Rha. por espaco, de bum mez, e a Camera da Cidade
i iostancia do Licenciado Rui Pereira de Amarai, e para a festa do Santo
Xavier, in perpeiuum, deo bum pedalo de terra ao Collegio, e isto be
0 que se sabe d*este septimo Reitor, que ao depois foi Reitor de Bi*aga»
^ zeloso da observancia, e morreo na Residencia de Nossa Senhora da
^pa, entre o Bispado de Lamego, e de Yizen.
275 Oitavo Reitor foi o Padre Mestre Joao de Sousa, naturai tam-
de junto a Coimbra, que vindo por Visitador das Ilhas, e para flcar
por Reitor de Àngra, aporlando primeiro em S. Miguel, escolheo antes
® Bear Reitor alli, tinha lido Curso em Braga, e sido Prefeilo das Es-
^las mcnores de Coimbra, e n'ellas por muilos annos Lente da Sagra-
308 lllSTOniA IXSULANA
da Escritura, onde foi Mestre. Era excellentissimo Prégador, Humanista
singular, e multo copioso in dicendo, e tanto eoi os singularìssimos con-
ceitos, quo de caha Sermao seu se podiao fazer muitos Sermoes , e jà
quasi todo branco, e estes erào os Reitores que entao se niandavao para
as Ilhas, d onde vindo prégou em Coimbra com geral aceitacSo, e foi
promovido a Reitor de Braga, aonde faleceo sendo Reitor, e com gran-
de cxemplo, especialmente de grande humildade, que he o timbra dos
Letrados da Companhia, serem humildes, e assim acabado o Reitorado
de S3o Miguel sem Ihe ter chegado successor, ficou por Reitor o sobre-
dito Padre Gonzalo de Arez, que com seu zelo reedificou as aulas da
Primeira, e do Moral. e as casas novas que se seguiao no canto do ter-
reiro da Igreja, e tirou quatrocentos mil réis, de que o Collegio pagava
cambio em Lisboa.
276 Nono Reitor foi o Padre ManoelSoares, naturai da Provincia da
Beira, enlrou em 2 de Junho de 4665, e tinba jà sido Prefeito d3 grande
pateo de Braga, e em Sao Miguel foi tambem meu Reitor, era muito
prudente, manso, e pacifico, e de muito bom exemplo, e assim vindo
da liba foi Reitor de Braganga, e depois Reitor do Porto, e emfim Se*
cretario da Provincia, e em todos os governos se houvc cum grande
aceitagao, e muito exemplo de virtude, e em espccial de paciencia, e de
nenhum genero de vinganga, até que morreo com o mesmo exemplo.
Dos mais. Reitores deste Collegio nuo tenho noticia, dal-a-ha quema tiver.
CAPITULO XXIII
De outro terremoto, e fogo que liouve em S. Miguel.
277 Em huma Relacao mannscrita pelo Reverendo Antonio Fernan-
dez Francisco, Vìgario na Villa dWlagoa, e testimuntia de vista, achei o
que recopiladamenle agora digo. Em bum Sabbado a 12 de Outubro de
1652, antemanbàa comegou a tremer a terra conlinuadamente até os 19
do dito mez, e com tao fortes abalos, que na Villa d'Alagoa, e om par —
ticular na Fregnezia de Santa Cruz cahirao sesscnta casas, e nenhuma»
na de Nossa Senliora do Rosario, e so ficou abalada sua Igreja, corno a^
mais das ontras casas, e o Convento dos Capuchos, e comtudo nao mor-—
reo pessoa alguma. As Freiras de Ribeira Grande se sahirao do Gonver»-
to, bem acompanhadas do Ecclesiastico, e Nobreza, e cstiverao quatro
Liv. V GAP. xxni 3{K)
dìas fora, até se tornarem a recolher; e os seculares largavao snas casas,
com ludo 0 que linham n'ellas, e so andavào em piocissòes, e confissòes
pelos eampos, atéque no Sabbado 19 ao Sol posto, quando loclos cuida-
tao estar jà livres, de repente rebentou o Pico chamado do Payo, e o seu
Tizinibo chamado de Joao Ramos, e coni tal furia de fogo» que o vizinho
lagar de S3o Boque se despovoou todo, e os Parochos levarao o Santis-
simo para a Cidade, legoa boa de fogo, e com ser de noite jà todos dei-
xario as casas, e até as Freiras queri3o deixar os Gonventos, se as nSo
impedissem os Religiosos, e Nobreza ; e na Villa d'Alagoa, que menos
de l^oa estava do fogo, todos se ausentavao, e so os Parochos, e o Ca-
pitlo mór Antonio de Varia Maya, tiverSo mao em muita gente, pondo
figìas por toda a noite, advertindo para que parte tornava o fogo,^para
Ihe fugirem a tempo, mas o fogo era tal, que subindo da terra ao Geo,
parecia descer d'elle em nuvens de fogo toda a noite, e no scguinte dia
erao taes os estrondos da horrivel pedraria que os montes de si lanca-
HOy e tal diluvio de cinza, quente, negra, e medonha, que nao so casas,
qoiatas, e cercas, mas ainda muitas terras se perderao, e tornarao in-
froctireras, e pcior seria, se nao fora o vento norte e rijo, que laudava
ao mar vizinho do Sul aquelles grandes diluvios de cinza, e fogo.
278 Quasi dezaseis dias depois hi3o aventureiros ver os lugares do
fogo, e acbarao que o Pico de Joao Kamos so abrira huma tal chaminé
W cima, que ainda hojc lanca fumo, e fogo, porém que o vizinho Pico
<tamado do Payo, de tal sorte arrebentou, que fazendo outros dous pi-
^ corno elle, do que do centro langou acima, ficou elle tao inteiro, e
^to corno de antes, e foi misericordia Divina, que as grandes, e innu-
D^raveis pedras que o fogo levava acima, nenhuma cahio senao a prumo,
fonnando montes novos junlos ao do Payo. Tambem se reparou, que
hum Hieronymo Goncalves de Aranjo (homem pio, bom Christao, e muito
^si&oler) tinha, muitos annos antes, levado às costas ao alto do Pico de
^ Ramos huma grande Gruz, e a tinha em cima d elle collocado, e jà
por isso 0 fogo tomou o caminho do monte do Payo vizinho, e nao do
^0 Joào Ramos, sendo que d'cste se diz, que jà antes da Ilhadescuher-
^» tinha em cima aberla a diamine do fogo, que Ihe lapou a Gruz, para
^ d3o lancar maior. D'està sorte parou este successo, seni morte que se
^ba de pessoa alguma, mas com destruic^So de terras.
279 Tambem em 18. de Oulubro de 1656 pelas duas horas dama-
^'^gada houve muitos terremotos, e no dia seguinte pelas sete horas da
310 inSTORIA INSULANA
tarde liouve hum tao vebemente, qoe fez abaiar os edificios, e a geob
desemparar as suas casas, e confessarem-se os mais em dia de Saob
Iria/ e com isso parou tudo, que o remedio dos castigos d'està vida h
a emenda n'eila dos peccados.
280 Resta vermos» qne se acha no antigo tombo da Camera de PoDb
Delgada, aonde a fol. 107 estao os privilegios da Cidade do Porto, e s<
deciarlo miudamente os concedidos aos antigos Infanc5es, e todos »
coQcedem aos Cidad3os de Ponta Delgada, por Felippe II, em o anno d(
1583. E a fol. 172 està o privilegio Rea), para que os Tbesoureiros d;
Camera de Ponta Delgada que sahirem no pelouro, gozem os mesmo)
privilegios que os Juizes, e Yereadores, comò jà de antes ostava conce
dido à Villa de Villa Franca. A fol. 327 estao os privilegios dos Fami<
liares do Santo Officio: e a fol. 432 estao tambem os privilegios dos Of
ficiaes da Bulla da S. Cruzada.
281 E porque alguns Capilaes Donatarios excedi3o os poderes d€
sua jurìsdicao, por isso a fol. 159 e 167 declara El-Rei, comò, conc&
der-se ao Capitao de huma Illia em suas doacoes a jurisdicao do civel,
e crime, nao he fazel-o Governador da Justi^a por El-Rei, e que neobn-
ma posse, ainda immemorial, vai centra a jurisdigao Real. E que nem (
tal CapitSo, nem os mais Capitaes das Ilbas nao erào senbores dasllhai
mas Capitaes semente, que be officio de Governador: e assim a fol. 13
està a provisao de Felippe Segundo de 1584, em que mandou queima
assim comò estava cerrada, huma eleicuo de pelouro da Camera, que
Capitao da Uba tinha feito em falla do Corregcdor, e a este se mam
que com o Juiz de fora a faga, e ao Corregedor se avisa que venb
tempo da Terceira para a fazer em Sào Miguel : era entao Correge
Christovao Soarcs de Albergnria. E assim tambem se ve julgado a
150 ató 167, nao poder o Capitao fazer as eleigàes, e pelouros. E 9
217 està a sentenza de Felippe II, dada em 608 para nao poder o C
Capitao embarcar seu pao sem licenza da Camera, e para nao quebr
posturas, e acordaos feilos na Camera. E a fol. 251 ale 258 estao e
sentencas havidas pela Camera contra o Ouvidor do Conde Capii?
materia de jurìsdicoes.
282 E he ainda tao grande a jurisdigao dos ditos Capitaes das
que no civd, e ale quantia de quinze mil rcis, (nao contando as
sentenceao a final, sem appellafao, nem aggravo; salvo allegando
condemnada alguma nuUidadc, porque enlào darà carlas testimi
LIV. V GAP. XXIII 3H
com 0 leor de todos os autos, para se ver pelos Desembargadores, e so
fazer o que for justiga. E no crime podem degradar por dez annos para
alèm, a qualquer pessoa, e agoutar a quem fòr de qualidade em que
caibio OS agoutes, e os casos taes, que Ihes devao ser dadas scmclhan*
tes penas; e em penas de diiiheiro até a algada de quinze mil réis, sem
dos ditos Capilaes haver appellagao, nem aggravo. Mas sendo condem-
nados em maior pena, ou degredo, ou em degredo para as Ilhas de S.
Tbomé, do Prìncipe, e de Santa Helena, ou em talhamento de membro,
00 morte naturai, darlio appellagao, e aggravo à parte, e se està nao
appellar, appellarao por parte da justiga. E darao carta de seguro de
todos OS crimes, de qualquer qualidade que sejao. E quando algumas
pessoas forem mandadas metter a tormento pelos ditos Capitacs, ou seus
Ouvidores, se deve receber appellagao às Partes, ou appellar por parte
da jostiga.
283 E quando algumas pessoas se chamarem às Ordens, e se prò-
DQodar que devem ser remetidas a ellas, appellarao por parte da justi-
(il 00 receberao a appellagao interposta, posto que os casos caibao na
3l{ada, e pronunciando que nao remettem a pessoa, entao nao serao
obrìgados a appellar por parte da justiga, porque se a Parte appellar,
WiìtTìo appellagao, posto que o caso caiba em sua algada. E quando
9is Partes se chamarem i immunidade da Igreja, os ditos Gapitaes, e
Governadores terao n'isso a maneira que pelas Ordenag5es he mandado
qoe tenhSo os Corregedoi*es das Comarcas. E isto se guardare assim,
^ embargo de quaesqucr provisoes que os ditos Gapitaes tenhSo em
cootrario, por mim conflrmadas, etc. Assim se le a fol. 310 em carta
Beai de 16 de Maio de 1620.
284 Conclue-se pois com as noticias d'està grande, rica, e nobre
Uia de Sao Miguel, por nSo ter eu mais noticias que d'ella possa dar,
ooomtado ainda vir3o muitas nas historias que se seguem das outras
Otts, aonde m^lhor cahirem, queira Deos que haja quem continue està
obra para gloria de Deos.
il FIM DO PRIMEIRO VOLUME.
^1
INDICE
DOS
CAPITUIAMi QCJE SE COMTKH NT ESTE VOLIJIIIE
LIVRO I
Da ereagào das Ilhas Occidentaes, tocantes d Monarchia Poriugueza.
Pag.
Cap. I Das varias opinioes que houve na materia 15
Gap. II Da fabulosa liha Atlantica 18
Gap. Ili Dos primeiros Reis de Ilespanha, e Portugal 20
Gap. IV Dos que metterao a idolatria em Ilespanba, e da primeira
batalba, que bouve n'ella 22
Gap. V Do decimo quinto Rei de Ilespanha Atlante; fundamento da
fabulosa Uba Atlanta 24
Gap. vi Dos seguintes Reis de Hespanha descendentes de Atlante. 26
Gap. vu Do Rei Luso, e sua Lusitana descendencia 28
Gap. vui Dos interregnos que bouve em a Lusitania 30
Gap. IX Da fundacao de Lisboa em tempo do Mellifluo Rei Gorgo-
ris, e de Ulisses e do Rei Abidis fundador de Santarem ... 32
Gap. X Das longas esterilidades: tempestades, e incendios de Hes-
panba, e vinda a ella dos Celtas, e outras nagóes, e fundagao de
Vizeu 34
Gap. XI Da vinda dos Cartbagineses a Portugal, e dos Laconicos
Gregos; fundagao de Braga, Coimbra, Aveiro, e Lagos ... 37
Gap. xn Da vinda dos Romaoos a Hespanba, e victorias que d'elle
ooDseguio 0 maior Portuguez, e Principe Yiriato, até morrer so
portraic3o . 39
Gap. xm Das mais guerras de Portugal, e do seu grande Sertorio,
vencedor de todo o poder Romano 45
Gap. XIV Da vinda ^e Julio Gesar contra Portugal 51
Gap. XV Do principio do Imperio de Julio Cesar, e uniao com Por-
tugal até à vinda de Christo Senbor, e Salvador nosso. ... 53
Cap. XVI Conclusao do principio das Ilbas 55
VOI. I 21
ed»»
de Cobo
pos
IlHfl»
Co»o»^**
de
Verd«'
?•«•
\gft«*
.-^^S^JS?^
iWvaSf
oievètetvAO'
6t-
6%
li
1^
0 Sevet^'
Cx?^L"a\00ttV>l";a©a*n
'vtuc«lfS^tcj^,.eptV«^^
:\V0i6
Yorv
latfo
Caftat^as.
sa
Soni»'
POS
llho»
de
S»oW
àe^«^!5flSoàa'
^;.^o^ ^?SS?o ca^^*'' ' • W àa ^»^^^
'lev\a P<>^
or-
96
9»
àa
«^jS^ewto
Ao^^^Stv^as
•i^^^^LSSwie^"»''' i«S
soas
CaP^^
esperai
à'esV'
svja
C\Aade.
e sevi
i\\a^
s\v\o
do Yvx^rm\et\ot
àa
CaV*^
fvJwcVva^» .
oa
iietxo?
^cS^^^l
A»^S^W;^%i\aà^!*
:cwayir'àJvv>»**^-
il
■.V
ieTce^^°
CK' \"w s<S, Wi»? 5Ó «
^°B°o>"^
eptvi
tCve\to
■cotv<i«
(«."ào
ào
DOS CAPITULOS D'ESTE VOLUME 315
Pag.
CXp. XV Do sexto Capitlo do Funchal, e segundo conde de Calheta 127
G^^p. XVI Do principio e augmento do Estado Ecclesiastico em a Ma*
deira 128
C^^bJ». xvu Conclue-se com a liba da Madeira, Desertas, e outras. . 131
LIVRO IV
Da lìha de Santa Maria^ que das nove dos Assores, foi a primeira
que se descuhrio.
\
IP. I Do fundamento que havia para se buscarem as ditas Ilhas, e
das formigas que primeiro apparecerao 133
kv. II Quem forao, e de que qualidade os primeiros descubrido-
res da liba cbamada Santa Maria 135
CIlju». m Da ascendencia, e descendencia dos povoadores da sobre-
dita Uba 137
CH^AP. IV Da altura, povoa^oes, e fertilidade da Uba de Santa Maria. 142
C2^P. V Do tracto do Norie, e seu interior da Uba, e singularidades '
d'ella 145
CIjiP. Vi Do primeiro Capi tao Donatario da liba de Santa Maria. . 148
^Cj^P. VII Do segundo Capitao da dita Uba 151
CijkP. VIII Do terceiro Capitao de Santa Maria 154
CSap IX Do quarto Capitao da Uba de Santa Maria 157
Oap, X Do quinto Capitao da liba de Santa Maria 158
C^AP. XI Do sexto Capitao da Uba de Santa Maria 161
Cap. xn Do septimo Capitao Bras Soares de Sousa 162
CIap. xin Dos Commendadores da liba de Santa Maria 164
C^P. XIV Conclue-se com a Uba de Santa Maria, e suas prerogati-
vas 168
LIVHO V
Da Ilha de S. Miguel.
Cap. I Do primeiro descubrimento da Uba de S. Miguel e seus
descubridores 171
^^. u Do raelhor descubrimento, e descripgao da liba de S. Mi-
gael 174
^1*. in Descripfao geral de S. Miguel, e particular da banda do
Sul 175
^1*. IV Da antiga e nobre Villa Franca de S. Miguel, Agua de Pào,
e Alagoa 179
^Ai^. V Da Cidade de Fonia Delgada 182
«
316 INDICE
Gap. vi Gontinaa a descripcio, especiaUneote ao Norte da Uba de
S. Miguel 187
Gap. vii Da famosa Villa da Ribeira Grande, e mais logares do Nor-
ie 189
Gap. vhi Do interior da liba, seus fogos, e tremores 194
Gap. IX De outras Furnas, Fogos, e Tremores d'està Dha, e em es-
pecial de Villa Franca 20!
Gap. X Das outras partes a que chegou o terremoto de Villa Fran-
ca 208
Gap XI Da peste que succedeo ao Terremoto, e incendìos qua a
elle succederlo 210
Gap. XII Dos Terremotos, e incendios mais modemos .... 217
Gap. xnt Dos prìmeiros tres Gapitaes Donatarios da liba de S. Mi-
guel 221
Gap. XIV Do quarto Capilao Joao Rodrigues, ou Joao Gongalves da
Gamera 227
Gap XV Do quinto Gapitao Ruy Gongalves da Gamera, segundo do
nome 229
Gap. XVI Do sexto Gapitao Manoel da Gamera. primeiro do nome . 232
Gap. XVII De alguns homens famosos, e familias que vieiio povoar
a Uba de S. Miguel 236
TiT. I Dos Velbos, Gabraes, Mellos, e Travassos, Soares de Alber-
garla, e Sousas 237
TiT. II Dos Gameras, e Betencores 241
TiT. ni Dos Gagos, Raposos, Pontes, Bicudos, Gorreas, Pacbecos . 246
TiT. IV Dos Botelbos, Leites, Amaraes, Vasconcellos 249
TiT. V Dos Medeiros, Araujos, Borges, Sousas, Rebelios, Dias . . 256
TiT VI Dos Barbosas, Silvas, Tavares, Novaes, Quentaes, Farias, Ma-
chados i 263
Gap. xviii Das rendas, ou riquezas, fertilidade, e frutos d'està flha. 270
Gap. XIX Da valentia, edestrezadagented'estallba,e do multo que
se vive n'ella, e dos monstros, que niella se virao 281
Gap. XX Da Veneravel Hargarida de Gbaves, tida commumente por
Santa, e milagrosa 289
Gap. XXI Da fundacao do GoUegio da Gompanbia de Jesus em S.
Miguel . 297
Gap. XXII Dos Reitores do GoUegio de todos os Santos de Penta
Delgada .'304
Gap. xxiu De outro terremoto, e fogo, que bouve em S. Miguel . 308
HISTORTA INSULM^
HISTORIA
I]\SULA]\A
DAS
aHAS A PORTUGAL SiiGEITAS
NO OCEANO OCCIDENTAL
COIPOSTJt PELO
PADRE ANTONIO CORDEIRO
DA COMPAimiA DE JESUS
INSALANO TAMBEM DA ILHA TERCEIRA, E EM IDADE DE 76 ANNOS.
PARA CONPIRMA^lO DOS BONS GOSTDMES, ASSIM MORAES,
COMO SOBHENATDRAES, DOS NOBRES ANTEPASSADOS INSULANOS, NOS PRESRNTKS
, E FUTUROS DESCENDENTES SEUS, B SO PARA A SALVAgÀO
DE SUAS ALMAS, E MAIOR GLORIA DE DEOS.
VOLUME II
LISBOA
TYP. DO PANonAMA- Bua do Arco do Bandeira— H2
M DCCC LXVI.
UISTORIA
IN8ULANA LUSITANA
I.1VRO SEXTO
DA ILHA TERCEIRA, CABKCA DAS TICRCKIHAS.
Do descubrim^nto, nomes, e Armas da Ilha Ttrceira,
I Supposto ser a primeira das Ilhas Terceiras, que se desciihrio,
^ Hhn de Santa Maria, e a segunda a Ilha de Sao Miguel, (n3o obstante
^•^niìr 0 contrario Damilo de Goes na sua Chronica, sobre que tambem Go -
^•^xeanes de Zurara na Chronica mór do Reino, e dei-Rei D. Joào ol),
'*3o he facii averiguar, quenni, uem quando descubrisse primeiro a Ilha
^♦^''ceira, porqiie, supposto tambem que as Canarias (jà antes povoadas
'^*^ Barbaros) forao descubertas pelos Reis Betencoresem o anno do Nas-
^'^ento de Christo 1417, e as Ilhas de Cabo Verde forao por Portngno-
^^^ descufierras muito depois em 1443, e muito mais em 1445, da
'■ha do Porto Santo consta ter sido propriemènte descuberta, e jà antes,
^^n 1417 por Joao Gongalves Zargo, e Tristao Vaz Teixeira até 1419, e
^^^ n'este mesmo anno se descubrio pelo dito Zargo a Madeira, e a
'ha de Santa Maria descubrio o illustre Confalo Velho Cabrai em U3^,
^ ^^ahi a doze annos, em 1444 se descubrio a Ilha de S. Miguel, nao
^^HcordUo comtiido os Authores, em por quem, e quando foi descuberta
'Hìa Terceira.
a Consta poróm que pouco dopois de descuberta a Ilha do S. Mi-
^*^^l, se descubrio a Ilha Terceira; porque tendo sido descnbcrla a de
^^o MifrntU em liil, ja em I WO o Infante D. Henriqiie fez Coplirio Do-
^^-ario da Torc<Mra ao fidal^^o Flamengo Jacome de Hruges, por e-ì^lar
6 HISTORIA INSULANA
erma, e inbabitada, e elle a querer povoar, (corno veremos abaixo
dila doagao), e corno tambem consta que foi descuberta, nào antes, ii
depois de descuberia a de Sao Miguel, pois foi no descubrimento a t(
ceira; segue-se que se descubrio epa algum d'aquelles etneo para s
nnnos, desde 44 aie 50, e corno neste de 50 jà bavia alguns annos q
estava descubcrta, mas erma, e inbabitada, conclue-se ter sido descub
ta pelos annos de 1445 pouco mais ou menos, perto de doiYS annos <
pois de descuberta S. Miguel, quatorze de descuberta S. Maria, e 25 (
pois de descuberta a Madeiia. Do dia que se descubrio, consla que
em dia festivo, e especialmente dedtcado a Christo Salvador nosso, p
por isso se chama liba de Jesu Christo, e tem por Armas bum Cbri
crucificado, e a Sé se denomina: A S. Sé do Salvador» posto que o <
Lido tem por Armas, e seu sello a bum Menino Jesus; d'onde bons
zem que o dia foi o primeiro de Janeiro, da Circumcisào de Cluisto, (
tros que o dia da festa do Corpo de Deos; e o mais provavel pare
que foi 0 da^quinla feira da Semana Santa, em que foi instiluido o S;
tissimo Sacramento, e comegou a Paixao do Salvador.
3 Maior duvida he, quem foi o primeiro que descubrio a Uba T
ceira ; porque dizerem alguns, que foi o mesmo descubridor de Sai
Maria, e S3o Miguel, o illustre Còmmendador Frei Concaio Velbo Cabi
lie so consìderacao, e que parece menos crivel, pois se o fosse, tamb
seria o primeiro Donatario d'ella, e a ella irla alguma bora, e fariao m
Cào d'isso OS Authores, que d'estas lllias tratarào, corno Guedes, Go
Barros, Fructuoso, e oulros. E dizer-se que o foi o fidalgo Flarnen
Jacome de Bruges, tambem nao he crivel, pois nem o Infante D. Heo
que na doagao que Ihe fez, nem elle mesmo na petig3o que llie fez, al
gao tal, devendo-o allegar, antes o mesmo Bruges confessa estar jà ba
tempo descuberta, e ainda deserta, e inbabitada a dita Ilha. Pelo que
meu parecer he, que corno as Ilhas de Gabo Verde se descubrirao i
1543, e a vinda d'ellas para Porlugal, e ida d'esle para ellas, be pi
rumo da Terceira; e comò està foi descuberta pelo Norie, i)ara onde
cao além, as de Cabo Verde, he de crer que d'estas, vindo navio pj
Portugal, deo no Norte da Terceira, e por aspero o deixarào, contenti
do-se coni Irazer as novas ao Infante; e que por nao sereni homens (
I)azes de llies entregar a nova Illia, e andar enlào occupado com as e
iras da Madeira, e de Santa Maria, e S. Miguel, dilatou a povoagào
Terceira para pessoa capaz que a pedisse. E nào ha quo admirar, de q
UV. VI GAP. II 7
escolhendo Christo, para em lodo o mando plantarem a Fé Catholica,
hoineng de ineiios nome, liuns pesoadores, quizesse que huns mareantes
foi^in OS que descubrissem a liha Terceira ; pois tambem quiz que a
Madeira fosse primeiro descuberta por hum Inglez Madiim, e a do Porlo
Santo por huns pobres Franciscanos naufragantes, e a Iltia de Sào Mi-
guel por hum negro, que primeiro a vio desde a Uba de Santa Maria,
corno jà disisemos.
4 Quanto ao nome da Terceira, tocàmos acima jà por vezes, e nao
ba duvida quo Ihe ficou tal nome, de entre as mais Ilbas, que tambem
se chanaào dos Assores, ter sido a terceiia que se descubrio, depois de
àmia Maria, e Sao Miguel. E quanto a todas as nove dos Assores se cha-
maiem tambem Ilbas Terceiras, nenhuma duvida ha que assim se chamào
lodas, ale em algumas Doagoes reaes; mas a razao nao he, (comò alguns
quizerào dizer) por nos descubrimentos das Ilhas deste Oceano sereni
esta^ descubertas em terceiro lugar, pois isto he manifestamente falso,
\m primeiro se descubrirào as Canarias, as de Cabo Verde, as da Ma-
deira, e em quarto lugar estas; e caso negado que nao contem por Ilhas
de Portugal as Canarias, nem por isso as de Cabo Verde, ou as da Ma-
deira, se chamao as segundas ; logo nem estas por isso se chamao as
Terceiras : a verdade pois he que d'està Terceira he, que de Terceiras
lomarào as demais o nome; e com razao, por ser (comò veremos) a ca-
be^ de todas, e mais frequentada, a que mais acodem todas as nacoes,
e a que recoiTem as outras todas, comò de sua cabeca (Napoles) tomoa
0 seu Reino o nome, e semelhantemente outros muitos, e até da sua Ci-
dade do Porto tomou Portugal o nome; e jà por isso nem a Uba de Santa
Maria, e Sao Miguel forao chamadas Terceiras, senao depois de descu-
berta, e povoada està por antonomasia a Terceira.
CAPITULO II
Do primeiro Donatario, e Povoadores de loda a Ilha.
5 D està materia tratao Comes de Zurara, Chronista-mór do Bei-
no, e Goes, e Barros, e Guedes, e o nesso Fructuoso, liv. 6, cap. 1, e
no cap. 7, traz o primeiro provimento que o Infante D. Henrique fez de
primeiro Capitào Donatario da Uba Terceira, em 21 de Mar^^o de 1450,
cujo inteiro, e formai traslado, be o seguinte:
8 HÌSTOrWA INSITANA
6 t En 0 Infante D. Henrique, Regedor, e Govornador da Ordera
de Cavallafìa de N. Senhor Jesus Christo, Duque de Vizeu, e senhorda
Covilhàa, fago saber aos.que esla minha carta virem, qua Jacome de Bru-f
pes, meu servidor, naturai do Condado de Flandes, veio a mira, e me
disse, que por quanto desde ab initio, e memoria dos homens, se nào
sabiao as Ilhas dos Assores sob outro aggressor senhorio, salvo roeu.
iiem a Uba de Jesu Christo, terceira das ditas Ilhas, a nlo.souberao pò-
Toada de nenhuma gente que alégora fosse no mundo, e ao presente
rslava erma, e inhabitada; que me pedia por mercé que por quanto elle
a queria povoar, que Ihe fizesse della mercé, e Ihe desse minha Beai
authoridade para elio, comò senhor das Ilhas. E eu vendo o que me asW
sim pedia, ser servifo de Deos, e bera, e proveìto da dita Ordem, q]ie-
rendo-lne fazer graca, e mercé, me apraz de Iho oulorgar, comò ma elle
I)edio. E tenho por bem, e me apraz que elle a povoe de qualquer gente
(lue Ihe a elle aprouver, que seja da Fé Catholica, e santa de N. Senhor
Jesu Christo, e por ser causa da primeira povoagao da dita liba, haja o
dizimo de todos os dizimos, que a ordem de Christo houver, para sem-
pre, e aquelles que de sua geragao descenderem, e tenha a Capitania, e
povernanra da dita Ilha, comò a tem por mim Joao Gongalves Znrco na
liba da Madeira, na parte do Funcbal; e Trislao na parte de Machico, e
Pereslrelo nn Porto Santo, meus Cavalleyros; e depois delle a qualquer
pessoa que da geragào delle descender: e a hajno assim pela guiza que
^ estos Cavalloyros a tenlio dada, e qwe da dita Ordem n hào: e quero
que elle tenha todo o meu pode'r, e regimento de justica na dita Ilha,
flssiin no civel corno no crime, salvo que vonhào por apivllacào de ante
e{\e OS feytos de morles do homens, e talhaoiento de m(3mbros, qne re-
f alvo pnra mim, e para mayor alf;nda, assim comò nas ditas Ilhas da Ma-
df:'yra. e Porto Santo. E me apraz, por algnns serviros qne do dito Ja-
rorn:» de Bruges tenho recebido, por quanto me disse que elle nào ti-
ijlia iilhos legitimos, e somente duas (ilhas de Sancha Ilodriguez sua
l'ìuln T, que, se elle nào houver filhos varoes da dita sua mulher, que,
a sua filba mayor liaja a dita Capitania, e os que de sua geragào dcs-
candi'vem, e nao havondo sua filha mayor fdhos, Imvemos por bem que
,-ì filha segunda, que depois da morte da primeira ficar, possa haver a
dita C;ipitania para filhos, e filhas, netos, p descendentes, e a^cendentes,
nue (his ditas descenderem, com aqucllas liberdades, e poderes, que aos
ditos Capilàes tenho dadas, porque assira o sinto por servilo de Deos,
Liv. VI CAP. n 9
p accrescentnmento da Santa Fé Calholica, e meu, pelo dito Jacome de
Bruges povoar a dita liha t3o longe da terra firme, bem duzentas e ses-
s*}nia legoas do mar Oceano; a qual liha se nunra sonbe povoada de
nenhnma gente que no ranndo fosse atégora: e rogo aos Mestres, e Go-
vemadores da dita Ordem que depois de mim vierem, que fafSo dar, e
pngar 30 dito Jacome de Bmges, e seus herdeyros, que d^Ile descende-
rem, a dita dizima do dizirao, que a dita Ordem na dita liha houver,
corno llie por mim he dada, e outorgada, e n^o consintao Ihe ser fello
nbre elle nenlium aggravo: e pe(;o por mercé a EIRey meo Senhor, e
sobrinbo, e aos Reys que delle vierem, qne ao dito Jacome de Bruges.
e aos herdeyros que delle descenderem, fafSo pagar o dito dizimo à
tlita Ordem do que na dila liha se houver, e que Ihe fac3o pagar a dita
«lizima do dito dizimo aos Mestres, ou Governadores da dita Ordem, co-
mò Ihe por mim he dado, e outorgado para sempre, em todo Ihe faca
t T, e tenha a dila mercé, que Ihe por mim he feyta. E por seguranfa
l!»e mandey ser feyta està minha carta, assignada por minha m3o, e sel-
Mz do sello de minhas armas. Feyta em a cidade de Silves, a 2 dias
rio mez de Marco. Pedro Lonrenco a fez anno do Nascimento de nosso
Senhor Jesu Christo de mil e qualrocentos e cincoenta annos.»
7 0 dito Jacome de Bruges, a quem se fez t5o Beai mercé, n3o so
era Cavalleiao do servilo do Infante, e naturai do Condado de Flandres,
mas tao hom fidalgo, e tao conhecido jà em Portngal, que cà casou com
Iniraa fidalga portugueza, Dama da Senhora Infante D. Brìtes, e a Da-
ma se chamava Sancha Rodrignez de Arca; e juntaraente era t3o rico, e
rw) Calholico. que flou d elle o povoar a liha, levar bons povoadoares,
<* ir para ella, tudo à sua cusla, o que nao fez outro algum Descubridor
I^onatario; e por isso mercé maior que a algum outro, pois Ihe conce-
rteo a Caprtania nao so para elle, e para o tìiho var3o mais veiho que
rt'elle Scasse, mas tambem para a fliha maior, em caso que nao tivesse
(ilho var5o, e para seus descendenles, sem excep?3o alguma, exceptuan-
<1o d esde jà entSo a successao d'està casa da lei mental do Beino; cousa
(pie se nao concedeo a outro algum Capltao, senSo depois de muitos an-
ws, e do niuilo anliga [)osse, e de muitos repetidos servifos.
8 E quanto ao que diz a Doagao, que a liha Terceira està bem du-
sentas ^ sessenta legoas pelo mar Oceano dentro, e assim se suppunha
eoiao; porém hoje dizem alguus, que està de Portugal Irezentas e dez
LIV. VI GAP. II II
se soube d'elle: e accrescentarao alguns que o Diogo de Teve o raandoii
matar, por se levantar coni a Capitania: e com elTuito se levauloii In^o
coin Imma serra chamada de Sariliago, que o Capitao Bruges linlia f^
mado para si, e rende até quatrocentos nioios de Irigo cada anno.
i 1 Succedeo depois ir Diogo de Teve a Lisboa, e ser la prezo por
culpas le commeltidas, e enlao a Dama mulher do Bruges, se foi quei-
xar a El-Rei de que Diogo de Teve llie malóra seu marido, e requerer-
Ihe 0 mandasse notificar que desse conta d'elle: e assim o fez El-Kei,
e à prizào ihe mandou dizer, que dentro de dez dias desse copia do Ca-
pitao Bruges, ou aonde estava, vivo ou morto, sob pena de mandar fa-
zer justi(a d'elle Teve; e tanta pena tomou o fidalgo Teve desta Real
nolificacao, que ao sexto dia morreo. E assim nào apparecendo o Cnpi-
t3o Bruges, a viuva fidalga sua mulher cdsou a mais vellia iillia Antonia
Dias de Arce com bum tìdalgo inglez, chamado Duarte Paim, Coinnien-
daUor da Ordem de Santiago, e filbo de outro fidalgo Inglez, por nome
Tiiomés Elim Paim, que tinba vindo a Portugal por Secretano da Itai-
Dba Dona Felippa de Lajìca^ro, mulher d'EI-Uei D^Joao J, e o tal Duarto
Paim comecando a demanda com os possuidores da Capilanfa da Tèìcei-
rat morreo, e contìnuou-a bum filho seu, chamado Diogo Taim, e por
se nao acbar a propria Doagào feita a Jacome de Bruges, (que dizem
lh*a furlarSo, e queimarao) foi excluido Diogo Faim do direito que tinlia
i tal Capitania.
12 Estando pois vaga a Capitania da Terceira pela falla do primei-
ro Capitao Jacome de Bruges, succedeo aportarem a Terceira dous fìdaU
gos, que vinbào da terra do bacalhào, que por mandado d'el-Rei de Por-
tugal tìnbao ido descubrir, bum se cbamava Joao Vaz Cortereal, e o ou-
tro Alvaro Martins Homem, e informando-se da terra, Ihes contentou
tanto, que em chegando a Portugal, a pedirào de mercé por seus ser-
vitosi e por ser entao j<i morto o nosso Infante Dom Henrique, e Ihe
Ut succedido no governo da Ordem de Christo o Infante D. Fernando,
dequem era ji viuva a Infante D. Brites, e por isso Tutora, e Curado-
n de seu filbo menor o Duque D. Diogo, fez està Infante mercè aos
dous fidalgos pertendentes da Capitania da Terceira, repartindo-a entro
uniios em duas Capitanias, buma de Angra, outra da Praia, corno a da
Madeira em Imma do Funchal, outra de Machico. E porque a Doafao da
Capitania da Prava, dada a Alvaro Marlins Ilomem, deve estar no tom-
^ da Camera da dita Praya; e a de Joao Yaz Cortereal està, e vi no li-
12 HISTORIA INSULANA
vro anligo do lombo da Camera de Angra fol. 213, e n'ella se faz men-
LAO da Doafno feita a Alvaro Marlins Ilomem, por isso ììo seu anligo es-
T}io pouho aqui a Doa^ào feita ao dito Corlereal Capitao de Angra.
43 «Eu a Infante D. Brites, Tutor, e Curador do Senhor Daque
meu filho, eie, fago saher a quantos està minha carta virem, qiie ha-
vendo eu por informa':5o eslar vaga a Capitanìa da liha Terceira de Je-
sus Christo, do dito Senhor meu filho, por se aflìrmar ser morto Jaco-
ine de Bruges que até agora a teve. do qual ha mnyto tempo que algti-
tna nova se nao ha, posto que jà por muytas vezes mandey a sua mii-
Iher, que a verdade delo soubesse, e me certificasse; e assìnaodollìe pa-
ra elo tempo de hnm anno, e depois mais, ao qual em alguma maney-
. ra em todas as diligencias que disso fizesse, nào troaxo delo certidao
alguma; pelo que havendo por certo o que assira me he dito, esgaar-
dando o damno que he, a dita Uba estar assim sem Capitao que haja de
reger, e manter em direito, e jnsti^a pelo dito Senhor, e comò em ella
pela causa se fazem muytas consas que s3o pouco servigio de Deos, e do
dito Senhor meu filho; determiney prover a elo por descargo de minha
consciencia, e servilo do dito Senhor. E considerando eu de outra parte
OS servi^os que Joao Vaz Cortereal, fidalgo da casa do dito Senhor men
filho, tem feyto ao Infante meu Senhor, seu padre que Deos haja, e de-
pois a mìm, e a elle, confiando em a sua bondade, e lealdade, e vendo
a sua disposicao, a qual he para a poder servir o dito Senhor, e manter
seu direyto, e justiga, em galardao dos ditos servigos Ihe fiz mercé da
Capitania da liha Terceyra, assim comò a tìnha o dito Jacome de Bru-
ges, e Ihe mandey delo dar sua carU ante desta. E por quanto a dita
Uba n3o era partida entre a dito Jacome de Bruges, e Alvaro Martins:
e parte pela Rybeira Secca, que he àquem da Ribeyra de Frey Joao, fi-
. i-ando està da parte de Angra: e da dita Ribeyra Secca pela ametade da
dita liha até a outra banda, corno se vay de Sueste a Noroeste, e parti-
da a dita Uba pela mesma maneira, mandei ao dito Jo3o Yaz qoe esco-
Ihesse, e escolheo da parte de Angra, e leyxou da parte da Praya, em
que p dita Jacome de Bruges tinha feyto seu assento, e a mim aproave
delo, e Ihe hey por feyta a mercé da dita parte, por qoe da outra man-
dey dar sua carta ao dito Alvaro Martins.
14 E me apraz, que o dito JoSo Vaz tenha pelo dito Senhor a dita
parte, que mantenha por elle em justiga, e em dyreito, e quq morrendo
UV. VI GAP. U •OS
elle, isso mesmo fique a seu primeiro, e scgiindo; se tal Tor, quo tenh.i
o carrego pela guiza susodita, e assim de descendente enfi descendente
pela linha direi ta: e scndo em tal idade o dito seu iìiiio (]ue nào possa
r^er, o dito senhor, e seus lierdeyros porao hi quera a reja, até qiie elle
seja em idade para reger. Uem me apraz, que elle tenha na sobredita
Uba a jurisdigao, pelo dito senhor meu fillio em seu nome, do civel, o
crime, resalvando morte, ou talhamento de membro, quo d.isto tal ve-
nUa perante o dito senhor; porém sera embargo da dita jurisdicgào, a
mim apraz, que todos meus mandados, e correygao sejao hi cumpridos,
assim corno cousa propria do dito senhor. Outrosi me apraz, que o dit(j
Jo3o Vaz haja para si todos os moinhos de pao queliouver na dita liha,
de que assira Ilìe dou carrego, e que ninguem nao faga ahi moinhos, s»')-
mente elo, e quem Uie aprouver, e isto nào se entenda em mó de bra-
so, que a faga quem quizer, nao moendo a outrem, uem atafonas nào
ieoba outrem, sómente elo, e a quem Ihe aprouver.
15 Itemy me apraz, que haja todas as serras de agua que se ahi
fiiérem, de cada huma hum marco de prata, ou em cada hum anno seu
cerio valor, ou duas taboas cada semana, das que hi costumarem ser-
rar, pagando porém ao dito senhor o dizimo de todas as serras ditas, e
segUQdo pagào das outras cousas, quando serrar a dita serra. Esto haji
tambem o dito Joào Vaz de qualquer moinho que se ahi lizer, tirando
'ieyros de ferrarias, ou outros raetaes. Uem, me praz, que todos os foi-
JK^s de pom, em que houver poya, sejao seus, porém nào embargue
fluem' quizer fazer fornalhas para seu pom, que as fata, e nào para ou-
^ nenhum. Item, me praz, que tendo elle sai para vender, o nào possa
^nder outrem, sómente elle, dando a elle a razao de meyo real o al-
Vieiyre, ou sua direita valla, e mais nao, e quando o nào tiver, que os
da dita lilla o possao vender a vontade, até que elle o tenha. Outrosi
BW praz, que de todo o que o dito senhor meu filho houver de renda
^ a dita liha, que elle haja de dez hum, de todas suas rendas, e di-
i^s, que se contém em o forai, que para elo mandei fazer.
16 E por està guiza, que haja està renda seu filho, ou outro des-
iente por linha direyta que o dito carrego tiver. Uem, me praz, quo'
<^le possa dar por suas cartas a terra da dita Ilha, forra pelo forai, a
Vtóm Ihe aprouver, com tal condigao que, ao que der, a terra aproveyle
*lé cinco annos, e nào a aproveytando, que a possa dar a outrem, e de*
pois qiie aproveytada for, e a leixar por aproveylar até outros cinco au*
Il HISmiUA INSULANA
nos, que isso mesmo a possa dar. E isto nem embargue ao dito senhor,
se houver terra para aproveitar que nao seja dada, que elle a possa dar
^a quem sua mercé for ; e assini me praz que a de seu filho, ou her*
flcyros descendenles, que o dito carrego liver. Unn^ me praz que os vi-
zinhos possao vender suas herdades aproveitadas a quem Ihe parecer.
Outrosi me apraz, que os gados bravos possao matar os vizinhos da dita
liha, sem haver ahi contradefeza, nem Kcenca do dito Capitio, resalvan-
do algum lugar cerrado em que o langa seu dono : e isso mesmo me
opraz, que os gados mansos pascem por toda a liha, trazendo-os com '
guarda, que nao fa^ao damno; e se o fizerem, que o paguem a seu do-
no, e as coymas segundo a postura do Concelho.
47 E por està minha carta peco ao dito senhor meu filho, que pra-
zendo a Deos que em idade for, Ihe confirme, e haja por boa, e assim
0 fafìio seus Iwrdeyros, e successores, quando a elles vierem, por quanto
ila dita Capitania Ihe fiz mercé pela maneita em toda sobredila, com sa*
tisfacao, e contentamento do muito servilo que tem feyto, comò dito he.
E em testemuniK) de verdade Ihe mandey dar esti minha carta, assinada,
e sellada de meu sello. Dada em a Cidade de Evora a dous dìas do mez
de Ahril. Rodrigo Alvarez a fez, anno do Nascimento de nosso Senhor
Jesus Christo de mil e quatrocentos e sesseota e quatro.*
CAPITULO III
Dos CapUàes Donalarios dt so a Capitania da Praia^
da Uh a Terceira,
48 Alvaro Martins Homem nao era de menos qualidade, e fidalguia
que seu companheiro Joao Vaz Cortereal, pois igualmenlea ambos tinha
El-Rei mandado a descubrir a terra do bacalhao, e d'ella vindo ambos
juntos aportarao na nova liha Terceir^, e de a verem vaga com a morte
de seu primeiro Donatario, ambos a forao pedir por seus servigos a El-
Rei; e por se nao antepor algum dos dous ao oiUro, se Ihes repartio a
liha em duas iguaes Capitanias pelos dous igualmente pertendentes, e
com meritos iguaes ; e repartida a Ilha, escolheo Joao Vaz Cortereal a
Capitania de Angra, e Alvaro Martins Homem se ficou com a Capitania
da Praia, em que o Donatario da Ilha tinha no principio posto seu as«
sento, e a tinha mais cultivada. Deste pois primeiro Capitao da Praia,
LIV. VI GAP. Ili 15
qiie fldnlgn fosse suo mullier, niio dizem os Historiadores, mas siippoem-
M qne seria de ignal qualidade a tal marido; e so dizem (refere Fru-
ctuoso liv. 6. cap» 8,) que vivendo com sua mulber na Praia, faltou de
Portugal embarcac^o para a Terceira, mais de oito annos, e em (oda
(ila sa sinto multo està falla, e especialmente no vestir, que de comer
jà havia multo grande abundancia na Uba*
19 De Alvaro Martìns Homem, e de sua mulber nasceo AntJio
Marlìns Homem, que succedeo ao pai em Capit3o Donatario da Praia,
(sem sabermos quando o pai morreo;) casou porém este Antrio Martins
com Isabel Domellas da Camera, filba de Pedralves da Camera irmao do
^.apitao do FuncbaI da Madeira, comò se ve a margem do cilado Fru-
Liooso, que in corpore faz a dita Isabel Dornellas naturai da mesma Uba
Terceira, e pode ser que fosse jà nascida na Terceira, e do sobredito
Pedralves da Camera, que da Madeira teria ido para a Terceira com o
primeiro C?.pitao d'ella Jacome de Bruges, comò o Teve, etc. e assim
^ aparentavOo entao os Capitaes de bumas Ilbas com os das outrns. corno
^mos DOS das Canarias com os da Madeira os d*esta osde Sao Miguel, e
fom estes os de Santa Maria, para nenhuns terem que notar aos outros
^ qualidade do sangue. Morou este Capitao sempre na sua Villa da
^*Riia. e tambem delle nao sabemos, nem o dia, nem o anno em que
'norreo; mas sabemos que de sua mulber Isabel Dornellas da Camera
leve 0 primeiro legitimo fillio seu successor, que foi.
20 Alvaro Martins da Camera, quarto Capitao da Praia, contando
^ Bruges por primeiro: casou este quarto Capitao com D. Briles de No-
^nlia, tambem fidalga da Madeira. 0 segundo filho de Ant3o Martins
'•ornem foi Domingos Ilomem, que casou com Rosa de Macedo, filba de
^^' de Ulra Capitao Donatario da Uba do Favai; e d'este casamento nns-
^erao, Manocl Homem que morreo na India servindo a el-Ilei, e duas fi-
*has Freiras no Mosteiro das Cliagas da mesma Praia, que o mesmo seu
pai Domingos Homem tinba edificado. 0 terceiro filho do dito Antao
^hrlins foi Pedralves da Camera, comò o avo materno, e se fez Clerigo,
^ Theologo, e foi Vigario da Matriz da Praia.
21 Nasceo mais do mesmo Antao Martins Ilomem, e de sua mu-
*f>er Isabel Dornellas da Camera, nasceo Catharina da Camera, que ca-
^>n com bum fidalgo chamado Diogo Paim, viavo jà de Branca da Ca-
''^era. tia da dita Catharina, e Irma da sobredita Isabel Domellas; do
4^1 casamento nasceo Antonio Paim, com Merita Evangeiba, e forao pais
16 insToiiiA ins(;l.v.na
de Duarte Paini, qiie casoii com Dona Bernarda fdha de Paulo Ferreira,
do que nao ficou lilho algiim (diz Fructuuso) no mesmo tempo vivo. 0
segundo lilho de Dìogo Paiin, e de Catlìarina da Camera Ibi ilieronymo
Paim, que casou com liuma liiha de Joào de leve o mogo, da qual hou«
ve lilhos, e lilbas, e bum Mauoel da Camera, que em tempo de Fruciuo-
so era Vigario de Nossa Senhora da Penna, das Fontainlias.
22 Do dito pois quarto Capitào Alvaro Martins da Camera, e de D.
Brìtes de Noronlia, o primeiro fìllio foi Antao Martius da Camera, de
que abaixo fallaremos. 0 segundo foi Luiz Martins. que morreo sem des-
ceiidencia servindo a el-Rei na India. 0 terceiro foi Antonio de Noronlia,
quo tambcm na India Servio, e là casou, e teve (ilbos, e filhas. 0 quar-
to fui Braz de Noronba, que primeiro foi Frade Franciscauo da Obser-
vaiicia, e depois por Bulla Apostolica foi Cunugo Ilegrante no Mosteiro
de Càrqucre em Portugal, e emfim se foi para o Brasil. Em quinto, sex-
to, e scplimo lugar nascerao tres filbas, D. Brianda, D. Ignez, e D. Fran-
cisca, e todas tres forào Religiosas no iMosteiro de Jesus da Praia, e de
tanta virtude, que duas d'ellas forao Abbadessas muito tempo; e viu-
vando a mài D, Brites ile Noronba, ao mesmo Mosteiro das filbas se re-
colbeo, e depois de niuitos annos morreo nelle santamente.
23 Quinto Capitao da Praia, e fìlbo do. quarto foi o dito Anlao Mar-
lins da Camera; casou com D. Joanna, Dama da senhora D. Isabel, mu-
Iber do infante D. Duarte, Cibo d'el-Rei D. Manoel, e bavendo d'est*»
casamento outros filbos que falecerao mofos, superviverào tres filbas,
das quaes buma casou com D. Jorge de Noronba em Lisboa, e nao te-
ve descendencia; outra chamada Clemencia. nunca quiz casar, por mais
quo el-Rei Ihe dotava a Capitania; e a terceira D. Felippa se metteo Re-
ligiosa em Portugal. Obrigou el-Rei ao pai que viesse residir na sua Ca-
pitania, e vindo sem a mulber faleceo na Praia, e sem successor varai/.
E tanto caso ainda fazia el-Rei d'està casa da Praia, que tornou a offe-
recer a Capitania a D. Clemencia, e a casava com bum grande fidaigo,
e tornou ella a persistir em nao casar, e se ficou assim com a irmi ca-
sada quo nao tinba descendencia.
24 Vaga assim a Capitania, dizem que el-Rei D. Henrique deo pa-
lavra d'ella a D. Leoniz, filbo do Conde da Feira por grandes servijos
na liidia, e na Africa em Ceila: poróm morto là D. Leoniz pedio o Con-
de &.\ i-.'ira a dita Capitania para bum seu irniDo naturai, D. Jorge Pe-
reir. ;■• \/'u\ retirado lia lllia iIl* Sào Miguel; e tendo palavra da ser-
UV. VI CAP. IV 17
lentia d'ella por tres annos, tambem dìzem qiie D'este tempo chegou da
lodia o inii3o do ultimo Capit9o, chamado Antonio de Noronha, e em
paga de seQ9|ipervi(os pedio a dita Capitanìa, e nao obstante a palavra
dada, el-Rei Ih'a deo a este Antonio de Noronha, por ser irmao do Ca-
pìlSo morto, e descendente dos passados: mas deo-llf a el-Bei com con-
dita de mandar lego vir da India sua mulher, e fllhos, e ir com elles
residir na Gapitania: e pouco depois morreo em Lisboa, e de peste, o
dito Antonio de Noronha, de cuja mulher, e flibos nao acho mais noti-
di: porém n'este tempo os da Praia pedirao a el-Rei quem os gover-
nasse, e Ihe propuzerao bum muito nobre, e rico varao, da mesma Uba
Terceira, e da antiga familia dos Pamplonas, e dizem que governou a
Capilania alguns annos, até que el-Rei Felippe II a proveo em D. Cbris-
WSo de Moura, comò veremos abaiio.
CAPITOLO IV
Dos Capitàes de Angra, Cortereaes^ da Terceira.
25 D'està celebre familia dos Cortereaes trataremos mais, quando
ibaixo tratarmos das familias, que forilo povoar a Uba Terceira: por ho-
n 80 diremos os que forao da Terceira, e da parte de Angra, seus Ca-
pHies Donatarios, depois de Jacome de Bruges o ter sido de toda a
Uba Terceira: por cuja morte se repartio a Uba em duas Capitanias, bu-
ina chamada da Praia, por està Villa ser a sua Corte, ou cabega: outra
diamada de Angra, por ser està Cidadc sua cabega, e Corte: e porque
'imos ji OS Capitàes que na Praia succederao ao Bruges: dos que Ibe
^WcederSo em Angra digamos agora o necessario,
26 0 segundo Capitao Donatario de Angra, depois do primeiro
ViB de toda a Uba o era, foi Joao Vaz da Costa Corte real, (comò jà
^'ùaos acima) porque vindo com o outro Capitao da Praia Alvaro Mar-
lin llomem, este trouxe o poder de repartir a Uba em duas iguaes
hrtes, ou Capitanias ; e o Corte real trouxe poder escolber das duas
l^itanias, e partes qual quizesse; e dizem que Alvaro Martins Ilomem
fnaginando que o Cortereal escolberia a parte da Praia, por baver n'ella
i^ meihores terras, e jà cultivadas, e mais povoadas, fez de sorte a par-
^Iba, que flcou muito maior a parte de Angra, e a osta entao por isso
inosmo escolheo o Cortereal; sobre que ao depois entre os successores
VOL. Il 2
i8 IIISTORIÀ INSILANA
de hum e outro liouve tal demanda, que durou vinte annos, e per sen-
tenga final se tornou de novo a partir a liha, e com ìgaaldadOi e cada
hum ficou na Capitania em que estava de antes.
27 Este segundo Capitilo de Àngra foi casado com huma fidalga
chamada D. Maria, de alcunha a Galega, por ser oriunda da Ponte da
Barca em Entre Douro e Minho, e o tal Joào Vaz da Costa Cortereal jà
tinha sido Portciro mór do Infante D. Fernando, pai d'el-Rei D. Manoel.
Da dita sua mulher teve seis fllhos : primeiro, Vasqueanes €ortereal;
segundo, Miguel; terceiro Gaspar, todos Cortereaes; quarto. Dona Joanna
Cortereal, que na mesma Ilha casou com hum fidalgo cbamado Guilher-
me Moniz; quinto, D. Iria Cortereal, que casou com outro fidalgo Fe-
dro de Goes da Silva; sexto, D. Isabel Cortereal, que casou nas mesmas
Ilhas com Joz de Utra; Capitao Donatario da Ilha do Fayal, e da do Pico.
0 segundo filho do dito segundo Capitao de Angra Joao Vaz Cortereal,
que dfssemos fora Miguel de Cortereal, este foi Porteiro mór d'el-Bei
D. Manoel, e casou com D. Isabel de Castro, filha deD. Garcia de Cas-
tro, irmao do .Conde de Monsanto, da qual houve a D. Catharina de
Castro, que casou com Diego de Mello da Silva Védor da Rainba D.
Catharina, mulher d'el-Rer Dofn Joao III, e houve mais a D. Joanna de
Castro, mulher de Leonel de Sousa, senhor da Ericeira. 0 terceiro fi-
lho Gaspar Cortereal nunca casou, mas filho seu naturai foi D. Joao
Cortereal, Bispo de Leiria, e outro filho que morreo sem descendencia.
28 0 terceiro Capitao de Angra foi o dito Vasqueanes Cortereal,
Védor d'el-Uei D. Manoel, e alcalde mór de Tavira no Algarve, e foL
tambem Capitao Donatario da Uba de S. Jorge, comò em seu iugar ve-
remos. Casou com D. Joanna da Silva, filha de Garcia de Mello, Alcalde ;
mór de Serpa; e d'ella houve os filhos seguintes: primeiro, Christovao
Cortereal, que morreo mancebo sem descendencia; segundo, Manoel de
Cortereal, que succedeo ao pai; terceiro, Bernardo de Cortereal, que foi
Alcalde mór de Tavira, e casou com D. Maria de Menezes, filha de Ma-
noel de Brito, Alcalde mór de Aidea de Galega; e d'ella houve a D. Joanna
de Menezes, que casou com Martim Correa da Silva; quarto, Hieronymo'
Cortereal. que morreo sem descendencia ; quinto, D. Maria da Silveira,
que casou com D. Pe^ro Deca; sexto, D. Felippa que nao casou.
29 Quarto Capitao de Angra foi Manoel de Cortereal, segundo filho
do terceiro Capitao, casou com D. Brites de Mendon^a, filha de Henrì-
que Lopes de Mendon^a, a qual tinha sido primeira vez casada com D.
LIV. VI GAP. IV 19
Manoel de Lima, Capitao de Ormuz; e depois Toi terceira vez casada
oom D. Francisco de Faro senhor de Vimioso, e Yédor da fazenda d'ei-
Bei D. Sebasti3o. D'este quarto Capitao de Aagra nascerao, Jo3o Vaz
Gorterealt qae em vida nao casou, so dizem alguns que na hora da morte
TWbem d3o sei que mulber, de cujos filhos tambem se nSo sabe, nas-
ceo mais Hieronymo Cortereal, que casou com D. Luiza da Silva, fllha
de Joi^ de Vasconcellos, Armador mór, Provedor dos Armazens, e
Gmmnendador, porém nenhuma descendencia deixou : nasceo tambem
Yasqaeanes Gortereal, e este herdou a Capitania do pai, e assim
30 Quinto Capitio de Angra foi o tal Vasqneanes Cortereal, e ca-
SOQ com D. Gatharina da Silva, filha de D. Joao Mascarenhas, CapitSo
dos Ginetes, senhor de Lavra, Alcaide mór de Montemór, e de Alcacere
do Sai; do qual casamento nasceo outro Manoel de Cortereal, que mor-
feo na batalba d'el-Rei D. Sebasliao, sem mulhcr ainda, e sem filhos;
Qtts corno està Capitania estava jà dada de Juro, e herdade, e tirada da
tei mental, e confirmada por El-Rei Dom Sebastiao no livro do tombe
da Camera de Angra fol. 308 e 419 por isso ficou està Capitania a Dona
Margarida Cortereal, irma do dito ultimo Manoel de Cortereal, e filha
do ultimo Vasqueanes Cortereal, qae casou com D. Christovao de Moura.
31 Era este D. Christovao de iMoura filho de D. Luiz de Moura, e
dfiD. Maria de lavora, irmà de Lourengo Pires de lavora, Embaixador
flw foi a Roma, e Capitao de Tangere, e o dito D. Luiz de Moura foi
Estribeiro mór do Infante D. Duarte, e Thcsoureiro mór da Infante D.
Isabd. D'està casa dos Mouras de Portugal era Miguel de Moura, que
^tes de Felippe II entrar em Portugal, jà ora do Conselho d'cl-Rei D.
tojriqae, e seu Secretarlo, e tambem d'esla casa foi para Castella Fer-
>^o de Torres e Moura, que em Cordova casou com D. Isabcl, fi-
^ do senhor de Setina em Aragao, de que nasceo Fcrnao do Moura,
9* casou com D. Leonor de Mendonca em Siguensa, onde teve deus
Mios, D. Miguel de Moura. e D. Antonio de Moura, e era casa de mor-
Pdo fico. 0 sobredito D. Christovao de Moura tinha sido pagem da
I^rioceza D. Joanna mai d'eURei D. Sebastiao, e filha do Emperador
'^bs Ve irmaa de Felippe II e mulher do Principe de Portugal D. Jo3o,
e com a Princeza foi d'este Reino para Castella por seu pagem e met-
^o-se em bum Mosteiro de Freiras Delcalf^s, por sua morte dei-
^* a D. Christovao deus mil cruzados de renda; e entrando D. Chris-
tovSo por pagem de Felippe lì tal privanga com elle alcancou, que
i
20 HISTOIU.V INSLLANA
velo com o Duque de Ossuna, e com outros por Embaixador a P
gal sobre a successao do Beino, e foi Yédor da fazenda do mesm(
lippe li e do Consellio d'estado de Portugal, e Castella.
32 Sexto pois Capitao de Àngra foi o tal D. Cbristovao de M
por Felippe II o casar com D. Margarida Cortereal; e por estar vag
tao a Capitania da Praia, a deo tambem ao dito D. Christov3o, e
Capitao Donatario de toda a Uba Terceira, corno o tinba sido nop
pio 0 Flamengo Tidalgo D. Jacomc de Bruges, e juntamente CapitS«
Datario da Ilha de Sao Jorge, que jà andava unida à Capitania de A
e além do sobredito o fez Felippe II scu Gentil-bomem de Carne
Marquez de Castello Bodrigo, senbor de Cabeceiras de Basto, Com
dador mór de Alcantara em Castella, e emfin) Viso Bei de Fortaga
sobredita D. Margarida Cortereal nasceo o segando Marquez de C
lo Bodrigo, que a Boma foi por Embaixador eml632, nasceo mai
ma (ilha, que casou com o Duque de Alcalà: e outra Dona Mar
Mendonga, quo casou com o Conde de Vimioso D. ADfonso de Pori
e outra D. Margarida, que casou com D. Manrique, Conde de Po
gre.
CAPITULO V
Descreve-se a Capitania da Praia, e suas Poooncòcs pelo Noroe^
e Norie, ale acabar passado o Leste da Ilha Terceira,
33 Pela segunda reparticao, que per final sentcnga se mandoa
na liba Terceira em duas iguaes Gapitanias, e ficou o marco em a<
parte da Uba que dìamùo Folbadaes, e flcou correspondcnte ao C
roeste, sendo que de antes Beava ao Noioesle, e mais pequena
Praia. Chama-se este silio Folhadaes, por ser malo cheio d'està leo
folhado; mas jà boje està muito cerrado, e lem muilas vinlias, e
fruta por espago de legoa e meia até o lugar de Sao Boque, a qu(
mao OS Altares, por ter junlo ao mar bum pico que parece bum
a que vem render-se o mar, e be tao alto o pico, que serve de i
aos pescadores que vào pescar d'aquella parte, e varias legoas ao
e até por alli a Uba be de rocha viva, e alta, e o mar perigoso
rcuitos baixos que n'elle ha, em direitura do pico, e da Capella m
Igreja de Sao Boque; poi ém com serem compridos os baixos, e i
LIV, VI GAP. V 2i
rem sobre si cincoenta bra^as de mar, sao comtudo multo estreitos, e
para qualquer das partes se nao acha fundo; e os ditos baixos s3o pos-
to de grande pescaria; be este lugar dos Altares, ou S3o Roque, de Pa-
rochia dedicada ao Santo, passa de cento e cincoenta visinhos, e d'elles
moitos sao ricos, e nobres, comò Pamplonas, Valadoes, etc, e lem Vi-
gano, e Ci]ra> e duas legoas de termo, e duas Ermidas, buma de Sao
Malheos, de grande romagem; outra de Santa Catbarina, qiie be a ca-
befa do grande morgado dos Pamplonas.
3i Segue-se adiante, duas legoas dos Altares, ou Sao Roque, o lu-
gar de S5o Pedro, cbamado os Biscoutos, de que alguma parte he do
morgado dos Pamplonas, mas tudo mais he do maior morgado que fun-
doa Pedreanes do Canto, de qije trataremos em seu fugar. D'este lugar
a Parochial be de Sao Pedro Apostolo, e tem so Vigario, e cento e trin-
ta visinbos, mas tem as Ermidas seguintes: buma de Nossa Senhora
do Loreto, fundada em bum alto pelo morgado Pedreanes do Canto,
junlo das grandes, e ricas casas em que elle viveo, boa meia legoa do
mar, e com Mìssa na Ermida, que be a cabota do morgado; e se està
jà callida, deve-se mandar levantar; conio tarabem a outra Ermida cha-
mada Vera Cruz; e a terceira Ermida be de Si5o Sebastiao. Este biscou-
to se chama o biscouto gordo, por ser em partes terra alta; e tambem
se chama, de Materramenta, por ser a alcunha do bomem que o vendeo
a Pedreanes do Canto, e tem buma legoa de comprido pela costa ao mar,
e meia legoa de largo para o interior da Uba, e tudo be de vinbas, e
pomares, e a mais fresca cousa que bavia em toda a Uba. A costa do
mar he rara, mas multo brava, e tem comtudo bum postosinho, cbama-
do a Casa da salga, e outro cbamado de Pedreanes do Cauto, com bum
forte, que de antes tinba quatro pegas, por alli carregar o fidalgosuas
rendas.
33 Do dito biscouto para o Oriente se segue o lugàr cbamado Qua-
tro Ribeiras; e este lugar foi a primeira Igreja de toda a Uha, aonde vi-
nbao no principio os da Praia, tres boas legoas distante, a ouvir Missa,
sempre junto ao mar: a costa do lugar he brava, e tem buma legoa de
comprimento, e buma bahia, e quatro ribeiras de agua fresca que Ibe
derSo o nome, e com ellas moem tres moinhos para os lugares visinbos:
este porém tem so qoarenta visinbos, e sómente bum Vigario, e junto a
elle està a Ermida do Bom Jesus, de multa romagem: e nào so o lugar
he de outeiros, e valles, mas tambem a rocha he muito alcantilada,.
22 HKTORIA INSULANA
porem de tanta pomba, que por vczes se carregao barcos de pombi-
nhos.
30 Adìante se segue para o Nascente huma grande legoa de bis-
couto, chamadp de Pamplona, com duas legoas jà quasi entupidas, a hu-
ma das quaes chamao de Frei Gii, Fiade que no principio alli viveo, e
agora he terra do Pamplona; e lego se segue o lugar chamado de Agua-
alva, cuja Parochia he hoje de nossa Senhora de Guadalupe, que he mui-
to milngrosa, e de grande romagem, alò das outras Ilhas: foi no prin-
cipio Erraida, e fundada por hura Joao Ilomem da Costa, fillio de Hei-
tor Alvarez Ilomem, (lìdalgos de quo abaixo fallaremos) e pertencia ao
lugar chamado Villanova, e hoje o lugar da Agua-alva he Fregaezia se-
parada: u'este lugar ha huma fonte, em que deixando dentro ham pio,
por cspaco de hum anno, o achào em [)edra converlido, de que fizerSo
experiencias o Bispo D. Gaspar de Faria, o Bispo D. Pedro de Castiiho,
e outras pessoas iilustres, e assim o aflìrmarào: e lavando n'esta fonte
a roupa sem sabao aigiim, a faz tao ai va, comò se a lavassem com sa-
b3o. He este lugar de muitos pombaes, muito bons queijos, e derecrea-
(j3o de loda a Ilha, pela muila, e cxcellente fruta, e tanta, que ainda jun-
to à Igreja da Senhora estava hum castanheiro, que so elle dava mais
de meio molo de castanhas.
37 Com pouca distaricia d'este lugar da Agua-alva se segue o lugar
chamado Villa-nova, e com tudo pela celebre romagem da Senhora de
Guadalupe ambos esses lugares se chamao commummente Agua-alva: po-
rem 0 de Villa-nova he lugar muito maior, e de gente muito nolire: sua
Parochia he do litulo do Espirito Santo, lem Vigario, e dous Beneflcia-
dos, e hura Cura, e hum Thesoureiro, e he Igreja de tres naves, e bem
ornada, e lem duas Ermidas, huma de Nossa Senhora da Vida, que es-
tà sobre o porto, e he cabeca de hum grande morgado, que n'ella teoL
dous Annaes de Missas pelas almas de seus Fundadores, Ileitor Alvaress
Ilomem, pai de Pedro Ilomem da Costa, e avo de Ileilor Ilomem isam
Costa Colombciro, que casou com Dona Luiza, fllha de Pedro Ponce d^3
Leao, fidalgo de Lisboa: junlo da qual Ermida tem este morgado hun^a
rica Quinta, e casaria nobre, e na tal Ermida estao sepultados os ditos
Morgados.
38 A oulra Ermida d'este higar he a da Madre de Deos, na qaal
0 magnifico fidalgo Joao da Silva do Canto, com Bullas Aposlolicas qua
de Roma alcanrou, fundou huma Santa Casa da Misericordia, è lego fuii-
LIV. VI C\P. T 23
don outra Ermida de Sao JoSo, e liumas mui nobros casas, tiido cnbc-
Ca de bum morgado, que além do outros frutos, o fóros, so de trigo
rende sessenta e cìdco moios cada anno: a qual Quinta està tao junta,
que entre todas suas tcrras se nSo mette terra de outrem alguem. Ter-
ceira Ermida ha n*este lugar, a qual he de Sao Fedro, e tambem cabe-
Ca de bum menor morgado fundado por lìum Jo3o Evangelho, bomem
multo nobre da familia d^este titulo. Ha n*este terrenho tanto gado, que
0 zeloso (idalgo sobredito Joao da Silva do Canto, vendo abaixo de suas
terras sahir huma grande, e fresca fonte, tao fora esteve de a tornar pa-
ra a sua Quinta, que junto à fonte mandou à sua custa fazer tres gran-
des tanques, e caminho para elles, para irem alli beber os gados, corno
tic, e à fonte ficou por nome, a fonte de JoSo da Silva. Oh se assim
hoje hoovesse fìdalgos do bem commum mais zelosos, que ambiciosos!
39 Tem este lugar (diz Fructuoso) trezentos moradores, e além de
moitos nobres, e outros tratantes mercadores, tem de oflìciaes oito Gar-
pmteiros, ciuco tendas de Ferreiros, seis de Carpinteiros» oito de Al-
fiuales, e muitos de outros officios, e quarenta teceloes, e he lugar t3o
bem provido nao so de frutos, e frutas da terra, mas ainda das cousas
de fóra, (pelo grande, e continuo commercio que lem com a Cidade de
Angra^ que n3o havia n'elle pessoa alguma que pedisse esmola, porquo
OS pobres respigando no verao apanhavao com que passar o inverno: e
<!mGm querendo o Capitao Donatario Antao Martins da Camera fazer Vii-.
ia a este lugar, nao o quiz este aceitar, o respondeo, que mais queria
8er 0 melhor lugar da liha, comò he, do que fazerem-o Villa. A costa
d^este terreno he multo alta, e com tndo tem bahia grande, e n'ella seu
porto de barcos, mas diante da bahia tantos baixos, quo per si se de-
feodem de inimigos, e enriquecem a terra de exceltente pescarla.
40 Pouco adiante d'este celebre lugar de Villa-nova se segue bum
^real, e lego huma rocha alta, e depois d'ella bum posto de calhaos jun-
to ao mar, e de grande, e recreativa caga de coelhos, e logo bum pes-
Vieiro cbamado a casa velha; e aqui acaba o termo do lugar de Villa-
Qora em huma ribeira chamada a Kibeira Secca, por mais tempo ser de
^, do que de agua; e comeca o termo do lugar que chamao Lagcns,
<^ a Parochial de Sao Miguel, distante huma legoa da do Espirìto San-
to de Villa-nova. Tem S3o Miguel das Lagens hum'Yigario, bum Cura, e
boia Beneflciado, e duzentos moradores espalhados em Quintas, e entre
muito nobres, e ricos, e de appellidos nobres; e he terra muito
2i TIISTORIÀ INSUUNA
fertil de trigo, e vinho plantado em biscouto, que veio do interior da
liha, e chega, ao mar fazendo huma caideira, ou valle, muito razo, e fru-
ctirero; ha n'este lugar liuma Ermida de Suo Braz, cabega de bum mor-
gado, que possuia Francisco de Betencor, e havia n'este sitio tanta amo-
roira, e fazia-se tanta crìacao de bichos de seda, e de tal seda, que (co-
rno affirma Fructuoso) nao a vence a de Granada.
41 D'aqul cotneca a correr junto ao mar, e por espago de buma
grande legoa, e com multo alta rocha, a Serra de Santiago, quechamSo
de Joao de Teve, por oste fidalgo ter sido de quasi toda ella senhor»
com ser tao comprida, e ter bum quarto de legoa de largura, e dar em
cima muito, e o melhor trigo da Uba, defronte d'està Serra, e moia le-
goa ao mar estd bum grande penedo, chamado o Ilheo Espertal, ou de
Sebastiào Pires; e detraz da Serra, paiìi a banda da terra, se segue bum
grande valle, de que o dito Joao de Teve, e outro fidalgo Diego Paim
erao senbores, e tudo tao plantado de vìnhas, pomares, e bortas, que
fica sendo buma vista admiravel; e logo se seguem terras muito chans,
onde cbamSo o Juncal, pelo junco que alli bavìa, e ainda boje ba, mas
jà muito n^ais trigo; e aqui està a rica Quinta do antigo fidalgo Estev3o
Ferreira de Mello, de que so em trigo Ibe pagao cada anno mais de ses-
senta moios; e niella està buma baixa, e larga fuma, que bum negro,
sendo de sou nascimento mudo, com repetidos sinaes fez abrir alli» e
acbou-se buma perenne fonte de agua doce, e excellente, e tao copiosa»
que nào s6 so divide para a gente, gado5, e lavandeiras, mas com ou-
tra parte d'ella moe bum moinbo.
42 E nac so n'osta larga, e Clara fuma, que em boas descidas, e
subidas tem a altura que levariao trinta degraos; mas tambem na terra
de cima, aondo quer quo cavao, descobrem pogo da mesma excellente
agua; e no melo da rocba da Serra de Joao de Teve està buma fonte
do mesmo nome, e de boa agua; e na alta penta da dita Serra, com ser
muito alta, està outra fonte de semelbante agua; acima ainda da qual es-
tà 0 Facbo, e Atalaia de perpetua vigia, que descobre todo o mar, e tem
doze mil réis de soldo, sem mais obrigacao que levantar a bandeiraoe
facbo quando apparece navio; e a dita fonte se cbama a fonte da Fortu*
Da, por ter vivido alli bum bomem que se cliamava Joao Àlvarez da For^
tuna.
UV. V! GAP. VI 25
CAPITOLO VI
Da nobre Villa da Praia^ e termo de sua Capilania,
43 Do posto onde flcamos comeca jà a Terceira a voltar do Norie,
e jé tambem do Nascente para o Sul, e cometa fazondo liuma enseada
de area, que tem meia legoa de comprido, e nas mais das partes d'està
babia se nSo póde chegar a desembarcar, pelos grandes, e perigosos
bancos de area, a que nao podem chegar navios a inda pequenos ; nas
outras partes em que podiao aportar, estavao antigainente trincheiras, e
estacadas de pào piqué, e no meio da enseada bum bom desembarca-
douro de pedra, que servia de bom porto para a Villa, que fica mais
para dentro da terra; mas no principio do areal que corre para o Sul,
està entro a area, e a Villa huma grande alagoa, que tem no meio bum
Ilheo de quasi bum alqueire de semeadura, e com bum pombal dentro,
e ao Ilbeo se nao vai senao em barco, ou com a agua até os pcìtos*
porem murada a Villa, ha cousa de duzentos annos fez-se porto, e des-
embarcadouro muito apto, e se segurou toda a bahia com fortes, e ar-
telbarìa.
44 0 primeiro Forte està na ponta do Nascente para o Sul, cha-
mado do Espirito Santo, e tem onze pegas de artelharia de ferro, e
l)roDze; logo o Forte de Nossa Senhora da Conceigao com tres pec^s de
ferro; adiante o de Santa Catharina com seis pegas; depois o de Santa
Cruz, 0 das Chagas, e de Santo Antao, e estes tres tem a duas pecas
cada barn, e para o fim da bahia tem duas Fortalezas, que chamao as
Yeibas, e ambas com muita, e muito grossa artelheria de bronzo, e
boma Dobre peca chamada a Aguia, outra chamada a Esfera, e muitos
Pedreiros, e pe^as de Dado, e de Berso, etc, com que està tao forliflca-
^ a dita enseada, ou babia, que nunca foi entrada de inimigos alguns,
excepto no caso seguinte.
45 Quando ainda comecava a povoar-se aquella parte da Praia, e
bviaainda gnerras de Portugal com Castella, cbegou alli huma Arma-
^ Castelbana, e em muitos bateis (por mais Ih*o nao permittirem os
i^ttcos do areal) lan^arao gente bem armada em terra: e fugindo os pou-
^ povoadores do lugar para o vizioho mato, que ainda entSo era mui-
^1 e muito alto, e basto, ficarao os Castelhanos roubando o lugar, e
^^gando-se todos dos seus roubos, eis que bum Portuguez querendo
26 IIISTORIA INSULANA
ver 0 quo hìa no lugar, sobe-se a huma alta arvore, e estando jà no
mais alto reparando no ìnimigo, cahe pela arvore abaixo, pegando-se a
outras juntas, que tal estrondo fizer3o, que se persuadio o inimigo vi-
nha bum Cerlao de gente sobre elles, e largando armas, e troaxas co-
megou a fugir para os bateis; o Portuguez cabido, levantando-se animo-
so chamou aos mais, que sabindo todos, e valendo-se das armas que o
inimigo deixava por fugir, eseembarcar, der3o n'eiie com lai furia, qoe
ou feridos, ou affogados nenbum Gcou com vida, ou tomou os navios,
e estes se forSo de tal sorte, que nao apparecerSo mais, e os Portugue-
zes se ficarào com os bateis, com as armas, e com todos seus bens jà
restaurados; mandarlo logo a nova d*esta primeira viteria, ou guerra
d*aquella occasiao; e em Villa de Angra, que jà ent3o era Villa, foi no-
va muito festejada, e attribuida àquelle Portuguez que subio à sua ar-
vore. Tanto póde o gallo em o seu polcirol
46 D'este victorioso lugar pois se veio a formar a Villa, que dV
quella enseada, ou areal tomou o nome de Praia, e ficou cabota e Ck)r-
te da segunda Capitania Donataria d'està liba. Està a dita Villa (diz Fni-
ctuoso liv. vi cap. 2) situada em campo plano, defronte do principio do
areal que volta para o Sul, e com a sobredito alagoa entro elle, e a Vil-
la; be cercada de muralha com quatro baluartcs, e quatro portas, a do
Porto, a do Rocio, e de Nossa Senhora dos Remedios, e a das Chagas:
dentro das muralhas passa de quinhentos vizinhos; e com os que vivem
ao redor passa de setecentos, por ser cercada de muitas, e muito ricas
Quintas; e assim ha n'esta Villa, e sua Capitania, mais de vinte morga-
dos grandes, e na Villa ha muita, e muito antiga nobreza, e por isso bo
de edificios sumptuosos: de milicia de pé lem alistadas quatro compa-
nhias, mas muito grandes, e cincoenta soldados de cavallo, e teve ji
duzentos, e todos os cabos de milicia. Capi tao mór. Sargento mór, Ca-
pitaes Ajudanles, Alferes, eie. Senado da Camera; que além dos Verea-
dores, lem juizes Ordinarios, e da melhor nobreza, e Ouvidor do Dona-
tario, e excellentes Cavalleiros, que correm em festas grandes.
47 No Ecclesiastico lem a dita Praia huma nobre, e rica IgrejaMa-
triz, tempio de tres naves, e da invocac5o da Santa Cruz, portaes, e pi-
lares de marmore, Capella mór de abobada, e loda he cercada de Ca-
pellas de morgados, e he Igreja sagrada; lem seu Vigario, dons Curas,
oito Bcneflciados, Organista, Sacliristao, Prégador, e oulros officiaes, ^
na Villa oulros muitos Clerigos Sacerdotes, e porque ha muitas Blissas^
LIV. VI GAP. VI 27
e saffragios que deixavao os antigos, e com determiaadas esmolas gran-
des, e algumas de hum molo de trigo por cada Missa, d'aqui vem que
nSo so a Vigairaria he sobre tao grave, multo rendosa, e com sua pro-
porgao os Benefìcios, mas aos Clerìgos extravagantes rendem ainda so
as suas Ordens muito, porque dentro da mesma Villa ba ainda, (e jd
hoore majs) sete Ermidas, Nossa Senhora dos Remedios, Sao Sebasti3o,
Nossa Senhora da Grara, 830 Salvador, Sao Lazaro, Santo Amaro, e S3o
Fedro; e algumas d*ellas tao Uistrosas, e tao ricas) que cada huma tem
a cincoenta moios de trigo, de renda cada anno, para se repartirem em
HissaSy e outras obras pias.
48 Tem Casa da Misericordia com duas Igrejas, hnma do Espirito
Santo, outra de Nossa Senhora, e a renda da Casa chega a cento e vinte
moios cada anno, e a séssenta mil réis de fóros em dinheiro, e por isso
tem tambem Hospital famoso. Meia legoa tem a sua Matrìz hum lugar
saffraganeo, onde chamao a Casa da Ribeira, com huma Ermida de Sao
JoSo de Latrao, e muitas Indulgencias para os que a visitào, ou se se-
poltSo niella, e de tudo Bulla Apostolica ; e tem o lugar séssenta vizi-
nhos, e demais hum Hospital de Lazaros com Ermida de Sao Lazaro, o
renda cada anno de vinte e cinco moios de trigo : e para tudo tinha a
Villa grande numero de pogos, e de multo boa agua de beber, e ainda
boje tem muitos, mas ha cousa de cento e quarenta annos, que de cima
da Casa da Ribeira, meia legoa, trouxerao dentro à Villa agua nativa, e
peremie, que repartirao em seis chafarizes, e hoje sao cinco, e so qua-
tro correntes, porque o quinto, que he de marmore, esse nao corre; e
be agua ainda melhor que a dos po^os.
49 De pessoas Religiosas tem a dita Villa varios Conventos, bum
da Observancia de S3o Francisco, que passa de trinta Religiosos, e em
ciija Igreja ha algumas Capellas de antigos morgados; mais o Convento
de Nossa Senhora da Luz, com séssenta Freiras de véo preto da mesma
Ordem, e Obediencia Serafica; e outro tambem da mesma Ordem, e Obe-
di^cia, intitulado das Chagas; porém este, ou pelo sitio mais vizinho ao
xxiar, ou por outro titulo, se foi extinguindo com o tempo, e em 1668,
MA n3o tinba mais que huma Freira, porém ha na Villa terceiro Conven-
to, chamado de Jesus, da Obediencia do Ordinario, e lem setenta Frei-
«^s de véo preto; e todos estes Conventos forao sempre de grande Ob-
servancia, e de pessoas de grande exemplo, e virtude. De novo, e jà
l^a mais de séssenta annos, no de 1650 junto a Villa, e fora d ella, em
28 IIISTORIA LNSULANA
huma Ennida de Santa Monica fundoa D. Maria da Silva bum Convenlo
de Eremitas de Santo Àgostinho, que se chamao Frades Graciaoos) dan-
do-lhe principio com dez moios de renda Qxos, e costumSo habitar n*elle
seis Religiosos, com grande fruto espiritual de toda aquella Villa.
50 Da fazenda Real tem a mesma Villa huma nobre Àlfandega, com
todos OS OfQciaes que as Alfandegas costumao ter, mas ludo sognilo
(comò em todas as mais Ilbas) ao Provedor da fazenda Real de Ajigrft;
e he tao abundante de trigo està Villa, e toda a sua Capitania, qoe cada
anno embarca tres, ou quatro, e às vezes ciuco mil moios de trigo ; e
gastando na terra ao menos outro tanto, jà se ve que dizimo cabo a El*
Rei; e n3o sendo menos abundante de vinho, e dos mais frutos, se aug-
menta mais a fazenda Real, e com o dizimo d'està, e dos direitos Reaes^,
e a renda dos moinhos, cresce tambem muito a renda dos CapitSes Do-
natarios, que hoje tem tudo a Corea em si; e até de peixe he abandaa-
tissima està Praia, e tanto mais gostoso, quanto participa mai» do Nor-
te, e especialmente de muitos, e muito grandes, e excellentes Chernes»
e Corvinas, que vem à Cidade a vender.
51 Passada a Villa da Praia se segue ainda de sua Capitania, e bum
tergo de legoa adiante da penta de Santa Catharina, hum posto qae cba*-
mao Porto Marlim; e aqui està huma grande fazenda, e nìorgado que fi-
cou de hum fìdalgo, chamado Joao Dornellas Capitao mór da mesma
Praia, e possuhio depois o illustre Francisco Dornellas da Camera, At<-
caide mór da mesma Praia, e depois seu filho o Alcalde mór Bras Dor-
nellas da Camera, a quem se seguio seu irmao Manoel Paim da Game^
ra, a quem succedeo seu fllho Francisco Paim, que hoje vive em Angra»
e no mesmo posto esUi huma Ermida de Santiago, e outra de & Har-
garida, onde chamao os Graneis, e pouco pela terra dentro està o kigar
chamado S. Catharina, Freguezìa de cem vizinhos, chamada o Cabo da
Praia, e entro este Cabo, e Porto Martim està a Ermida de N. Senhora
do Rosario, que era de hum Manoel Borba, descendente dos nobres Bor-
bas, e Curvos do Alem-Tejo, por hum Gii de Borba, ou Gilianes, que
do Alem-Tejo velo por huma morte que là Azera, e por isso muderà o
nome em Gilianes, e foi o tronco dos Borbas da Villa da Praia, corno em
seu lugar diremos.
52 De Porto Martim, per deus tercos de legoa, corre a costa de»
mar, toda raza, mas de calhao grosso, até a Ribeira Secca, que vai sahiK
ao mar, ao Sueste ; e pela terra todos os deus tercos de legoa s3o d^
LIV. VI CAP. VII 29
biscoato, plantado em pomares, e vinhas; e juùto da Ribeira està bum
porto, em que varao barcos, e se chama o Porto de Gaspar Gongalves
Hachado, Africano, por ter sido o melhor Cavalleiro que se achou em
Africa, e d*este procedem os Machados dalli, e meia legoa pela terra
dentro fica o lugar de Santa Barbara, multo antigo, e de setenta vizi-
nhos» e muitos d'elles mui nobres; e aqui estao as ricas Quintas de Joao
de Betencor, e de Jo3o Cardoso, e de Cliristovao Palm, e de Antonio da
Fonseca; e nesta penta da Ribeira Secca estd huma Fortaleza nova, e para
dentro da terra huma Ermida de S. Anna, e aqui acaba a Capitania da
Praia, sendo d'ella tudo o que atéqui fica descripto. E tempo he jd que
passemos à Capitania de Angra.
aPITULO VII
Come(a a Capitania de Angra, desde a Villa de Suo Sebastiùo
ale a Cidude.
53 Tem o seu principio a Capitania de Angra, pouco abaixo d onde
ficàmos, em huma fermosa bahia, em que podem anchorar muitos na-
>ia$, e tem bom porto, e desembarcadouro; mas por isso mesmo, e fo-
go huma grande Fortaleza de artelbaria, e para a parte de terra, meia
legoa, a antiga Villa de Sao Sebasliao : chamo-lhe antiga, porque d'eli»
aGBrma o Doutor Fructuoso, que he a mais antiga Villa de toda a liba
Terceira ; e que por expressa Provisao dei-Rei n'ella se ajuntào as Ca-
meras, ou Senados de toda a Illia, quando succede ajuntar-se para algu-
ma resolucSo locante a toda a liha ; e pode ser a razuo, por ser Villa
qoe està mais no meio d està Ilha, e para a parte do Sul mais inclinada,
onde so, podem querer desembarcar inimigos, e estar quasi em igual
distancia da Villa da Praia, e da Cidade de Angra, scm d'estas duas al-
gnma ir buscar, ou sugeitar-se à outra, mas usarem ambas d'este ter-
caro meio de paz.
54 Està situada està Villa entro huns picos, ou montes, e d'ella se
diz tinha antigamente quinhentos vizinhos, e de gente multo nobre d*a-
qoelles priQieiros povoadores da Uba ; e d'estes ainda hoje chega a du-
zeatos e cincoenta, repartidos em duas grandes companhias de pé, que
de cavallo nao tem tropa alguma alistada; e dos lugares que a ella s2o
sQgeilos, diremos em seu lugar. Goza està Villa da melhor agua que ha
30 , HISTOBIA IXSULANA
em todas as dilas IMs, corno confessa o mesmo Fractuoso; e nasce den-
tro da Villa, e em tanta copia, que moem quatro moinhos com a agna;
e antes d isso, e so dez bracas da fonte, corre d'ella bum grande cha*
fariz com tres bicas de pedra, e de boca de baia de dez libras, e ainda
tresborda a agua, e comtudo ainda as mais das casas tem pocos de ex-,
celiente agua ; e assim ha nesta Villa grnndes lavouras de trigo, muita
crìac3o de gados, e de todos os mais frutos da terra, e de pescado do
mar, he maito abundante.
55 A Matriz d*esta Villa tem seu Vigario, e Cura, e quatro Benefi-
ciados; ha n'ella Gasa da Santa Misericordia com oìto moios de renda,
e algum dinheiro de foros annuaes. Tem mais trcs Emiidas, de S. Jo3o,
de Santa Anna, e de Nossa Senhora da Graga, do adro da Ermida de
Sao Joao tem admiravel vista ; a de Santa Anna està perto da Matriz, e
tres bracas della he qne nasce a sobredita fonte, que com guarita ahi
està fechada ; e a Ermida de Nossa Senhora da Graga està mais abaixo,
e ainda com melhor vista para o mar. Tem mais està Villa, jà para o
Sul, nao mcnos que seis Forlaiczas em seu destricto. A primeira, pelo
que diremos a seu tempo, se chama a casa da Salga, e tem quatro pe^as
de artelharia ; segunda a das Cavalas, e tem outras quatro ; terceira, a
de Santa Catharina, e tambem com quatro pegas; quarta, a do Bom Je-
sus, e tem ciuco ; quinta se cliama o Pesqueiro, e so tres pegas tem ;
scxta a de Sao Sebastiào com ciuco pegas; e com estas vinte e cince pe-
Cas se póde bem segurar a entrada de inimigos por alli.
56 0 primeiro lugar sugeito a està Villa de Sao Sebastiào, he o que
està mais junto ao mar, mas tao perto ainda da Villa, que por isso se
chama Arrabalde, e he muito fertil, e para a Missa usa da Ermida de
Nossa Senhora da Graga. 0 segundo lugar he o que està da banda do
Norie, junto ao acima dito lugar dos Altares, e se chama o Raminho,
mas por estar tao longe vai a gente d^elle ouvir Missa a Sao Roque dos
Altares; e da companhia dos soldados do lugar, (por elle estar na Capi-
tania da Praia) em està Villa da Praia se faz a lista dos taes soldados;
poròm nos dizimos, e no civcl, e justiga he sugcita à Villa de Sao Se-
bastiào. 0 terceiro lugar foi antigamcnte o que se chamava Portalegre,
e estava pela terra dentro, huma legoa do mar, indo d'este para os cince
Picos, que chamao o Paul : passava de trinta vizinhos, e sua Freguezia
do orago de Santa Anna, de que hoje so ha as paredes, e por haver no
tal lugar muitos Imperios com muitos folguedos profanos, se destruhio
\
UV. VI GAP. VII 31
de sorte todo o lugar, que so ficou niella bum morador por nome Ro-
drigo Alvarez; e de tres pócos quo tinha de boa agua, so hiim existia a
inda, e o sitio das casas se converteu cm pomares, e nem as paredes
da Igreja, nem outro sinai de lugar baveri jà agora. Assim castiga Deos
divinamente a quem tao profanamente assim vive.
57 0 quarto, lugar sugeito a Villa de Sao Sebastiào he o vulgar-
mente chamado do Porto Judeo, cujo nome proprio he o lugar de Santo
Antonio, quasi huma legoa da Villa de Sao Sebastiào; he lugar de cento
e qaatorze vizinhos, que fazem huma boa companhia de soldados, e a
Freguezia he do Santo, e tcm mais huma Ermida de Nossa Senhora da
Esperanca, e de multa romagem; e para o mar tem duas Fortalezas, hu-
ma se chama Santo Antonio, e tem tres pegas, outra a Penta dos Coe-
Ihos com outras tres pegas, o porto he pequeno, e està dcbaixo de huma
rocba vermelha, que nao tem mais que bum caminho, por onde cabe
bum so carro; adiante do lugar para o certao sao terras de multo gado,
e maito trigo; e bum torco de legoa abaìxo para o mar he costa alta, e
de calbao grosso, e para a terra he biscouto de vinhas, e pomares, e
Deste lugar acaba o termo da Villa de Sao Sebastiào.
58 Defronte do dito biscouto, e mela legoa ao mar estao dous Ilheos
moito altos, bum do tamanho de tres moios de terra, outro de metade
menos, e tao divididos entro si, que pelo melo passSo navios, e por en-
tre elleSt e a terra podem passar nàos da India. D'estes Ilheos para o
Leste correm por baixo d'agua huns cachopos que fazem duas pontas;
para OS navegantes perigosas, e proveitosas para os pescadores ; e lego
se descobrem outros dous Ilheos, que se chamuo da Mina, ou dos Fra-
des, ou Ilheos pequenos, pois quasi os lava, e encobre o mar em tempo
de inverno : mas d'aqui para o Sueste em diretto da liha de Sao Miguel
corre mela legoa bum baixo com so quatrocentas bragas de agua por ci-
ma, e em partes so sessenta; e daqui por diante ciuco legoas vào sondo
OS baixos mais profundos, e jà menos bravos; e dizem alguns Pilotos que
ehega oste baxio até a Uba de Sao Miguel, por sinaes que tomao para
isso, corno de huns peixes que chamao Cavalas, que so andaoem pouco
fiondo, e junto a calbaos: o certo porém he quo d'aquellas ciuco legoas
atè S3o Miguel se nao tem achado fundo em tal mar.
59 Aos sobreditos Ilheos, que jà so huma legoa distao da Cidade
de Angra, corresponde a Uba em alta rocba, sobre a qual correm para
dentro muitas, e boas terras de pao^ e mais adentro bum lugar chamado
32 mSTORIA INSULANA
a Bibeirinha, Freguezìa de Sao Fedro, e de cento e quarenta vìzinhos em
huma so companhia, e perto d'este lugar està a Ermida de Santo Ama-
ro, de grande romagem da Cidade, a que fica jà mais perto ; e para o
mar tein hiima das mais alias rochas qne ha na liha, e huma ponta ao
mar, chamada a Ponta Ruiva, e em baixo huma enseada de calhao quo
serve para lastre de navios; e d'aqui até a Cidade vai meia legoa moito
fertif de terras de pào, e quintas muito rendosas, e junto ao mar huma
boa bahia, e porto que chamao as Aguas de S. Sebastiao.
CAPITULO Vili
Das fortalezas que cercào por mar, e terra a Cidade de Angra,
60 Ao dito porto das Aguas de Sao Sebastiao se segue logo bum
outeiro, comò bum pequeno monte, e n*elle huma Fortaieza, cercada de
muralha, com porta para a Cidade, e em cima dentro com casas para o
Capitào, artilheiros, e trinla soldados, a que vem render outros soldados
do outro Castello grande, (de que logo fallaremos) e tem mais seu Ar-
mazem de munigocs de guerra, e huma cisterna que leva quinhenlas pi-
pas de agua; por dentro do alto d'osta Fortaleza desco abarxo huma abo-
bada, ou cuberta até Imma plataforma, em que baie o mar, e tem qua-
torze pe^as de artelharia, e quasi todas de bronze, e calibro grande, que
nao so defendem o porto da Cidade, dentro do qual jà estao, mas tam-
bem defendem a chogada do immigos ao antecedente porto das Aguas
de Sao Sebastiao, e d'aqui parcce tomou està Fortaleza o nome de SSo
Sebastiao; senao he (comò alguns dizem) por ter sido fundada, ou refor-
mada pelo bellicoso Hci D. Sebastiao, de saudosa memoria.
61 Ao pé d'csla Fortaleza, espaco de bum tiro de bésta, està bum
moderado valle, que chamao Porto de pipas, por alli desembarcarem os
caraveloes, ou barcos de duas, e tres velas, que ordinariamente trazem»
e levao pipas das outras Ilhas, e ainda para a parte do Sul, ou mar he
costa de calhao, tem hum muilo bom caes, e por entro elle, e a terra,
ou costa da liha entra brandamcnte o mar, e se recolhem barcos, e
caravelas, e às vezes alguns navios, e ficao seguros da tempestade do
Sueste, que quando corre forte, faz grande damno nas embarcagoes
anchoradas, e se o porlo se alargasse para os grossos calhàos, que en-
tro elle, e o mar vao, scria Regio porto, e dos navios seguro estalei-
LlV. VI GAP. TtU 33
ro; mas havia vìver algum outro fidalgo t3o repnblico corno o grande
Jo3o da Silva do Canto, que foi o que fez o dito caes é sua custa, e
maito mais o póde fazer o Senado da Camera de Angra, ainda que para
ISSO pedisse algum subsidio ao povo, e contratadores mais interessados;
e eolio DO maior rocio interior do dito porto se poderiao fabricar nSo
so caraveloes e caravelas, mas tambem navios grandes, comò ahi ji fl-
lerao os nobres Cidadaos, Jo3o de Betencor, e Nicoiào Dias, e JoaoCor-
deiro, e oulros muitos que no tal porto fizerSo jà nao so caraveloes, ca-
ravelas e navios, mas tambem duas nàos bem grandes. Fructuoso liv.
0, cap. 3.
62 Para este porto ha hnma so porta da parte da Uba, que vem
descendo a iguaiar-se com elle, e per caminho largo, e bom; e d'este
porto para o Poente vai a iiha encurvando-se para dentro com rocha
alta, e parapeito por cima, e em baixo bum campo, que serve de ma-
tadooro da vacca, que d'alli vai para os acougues da Cidade, d'onde a
este campo vem huma ribeìra que vai dar no mar, ainda mais baixo, e
deixa sempre o matadouro com muita limpeza, e com caminho em ro-
da para a Cidade, e muraiha por cima, até dar na principal parte da
Cidade, d*onde sahe para o mar huma larga, e boa calgada, e lego co-
laefa a entrar pelo mar bum largo, e alto caos de cantarla com varias
escadas para o mar, e ferros a que se prendem os caraveloes que v3o
e vem das outras ilhas carregados, e da mesma sorte os barcos de pes-
car, e OS barcos de descarga, e desembarcos dos navios, sem ser neces-
sario que mariola algum metta o pé na agua, pois tudo vem secco, e limpo
acima do caes, que entra pelo mar bum bom tiro de espingarda; e bum
tiro de mosquete do Castello de S. Sebastiào, e pouco menos do sobre-
dito porto de pipas.
63 Da dita principal porta da Cidade vai jà mais baixo o circulo
d^ Uba outro tiro de pistola, a dar em bum areal, que chamSo a Praì-
niHa, e tem porta grande para a Cidade, que cbam3o o Portao da Prai-
i^tia, com muraiha da parte da Cidade, e aqui n'este areal se faziSo tam-
Ideili muitos navios, e aioda galés, que defendiSio as Ilhas de piratas; e
%ora em tal areal so se desfazem navios, quando em alguma tempestade
quebrao as amarras, e vem a costa: com pouco entremeio de rocha, e
^om 0 mesmo circulo se segue em baixo outro menor areal chamado o
^orto Novo, que pega ji com a Fortaleza grande, e celebre que chamao
Q monte do BraziI, de que logo trataremos; e para o dito porto, ou por-
Voi. u 3
34 IIISTOIUA INSIXANA
tinho novo, por ser allì rocha alta Ma Ilha, Dao ha scnao huma eslreita
aberta por onde a pé se desce abaixo, e nao tem outra servontia para
a Cidade.
CAPITULO IX
Da maior Fortaleza, ou Castello de Angra.
64 Do dito porto, ou Portinho Novo, que fica da parte do Nascente,
continua a Uba para o Poente, cousa de bum quinto de legoa, ou tiro
de bcsta, e vai dar em outra maior babia, a que cbamao o Fanal; d'este
quasi pescoso da liba (que ainda nao be posto muito alto) vai subindo a Uba
moderadamente em direitura do Sul, e faz buma mais alta planicie em
cima, quasi redonda, que teri meia legoa em circuito; e d'este pescoco
da Uba sabe, e se levanta buma cabota tao alta, que consta de quatro
altos montes; bum que vai por bum torco de legoa ao Sul, inclinando
ao Sueste, e outro que da parte do Poente vai para o Sul tambem, e indi-
nando ao' Sudoeste ; e de buma, e outra banda, com rocba sempre talhada, e
altissima sobre o mar, e por entre estes dous montes, comò por entre as ore-
Ibas de t3o grande cabc^a, sobe da dita planicie outro terceiro monte, que
cbamao o das Cruzes, e ja menos alto, mas que jà se sobe todo, e n3o ainda,
scnao em caracol, por ainda ser ingremc e bem alto: e d'este terceiro monte
em direitura ao Sul vai abatendo tanto està montanba, que entre os di-
tos montes das sobredìtas montanbas faz buma caldeira t3o profunda,
que dizem alguns estar ao olivel com o mar, que corre pelo Nascente,
e Poente dos dous montes ou orelbas, corno se a tal caldeira fosse a
cova do ladr9o d'osta borrcnda cabcga; e o fundo d*esta cova tem mais
de moio de terra de semcadura, e fructifera, e n'ella nao ba sinal d^^
fogo algum.
65 Adiante da caldeira em direitura ao Sul se levanta o quarto
monte, e na niesma altura dos prìmeiros dous, representando a testai
de cabeca tao monslruosa, e todos os taes tres montes dianteiros fazecn
fronte ao Oceano com tao alta, e despenbada rocba, que póde ser ques*
tuo, qual dos dous ao outro mette mais pavor, se o Oceano ao rocheAo,
se tal rocbedo ao Oceano. 0 certo be que o Oceano sempre Ibe Dea de-
baixo, e mais supcrior fica o rocbedo, do que profondo o Oceano, e
oste cm baixo corre tao bumiidc, que nem se sabe que de cima Ibe cabisse
alguma bora, nem que o mar alégora tirasse do lai rocbedo, pcdra a/- j
UV. VI GAP. IX 3S
goma, e assim corre l9o limpo alli o mar, que passio as maiores nios
b&SL JQDto à rocba, e que com todo'o cuidado de n'ella nem locar; pò-
rem soccedeo jà que huma grande nào foi tao ìmpellida de furioso Sul,
que tocou na rocba; e fez-se em pedacos, sem tirar pedalo d'ella; e de
moitos homens que se atreverao a langar-se a rocha, e querer subir por
ella, Guidando a seus pés, e mSos darla o temer azas, cahirao despe-
nbados tantos, que so bum (e conta dguem que outro mais) cbegou fi-
nalmente onde escapou» e teve que contar toda a vida.
66 Cbegado pois o tempo em que Castella entrou no governo de
Portugal, e em que emfim entrou na Uba Terceira, (comò adjante di-
remos) fez o prudente Felippe II tal conceito de quanto Ihe importava
està Uba, corno cabega das mais, e tal juizo do sobre descripto monte
do Brasil, que lego lego tratou de fundar niello bum Castello, que n3o
so Ihe defendesse a Terceira, mas ainda as mais ilbas, ou as restaurasse
30 menos, se por inimigos fossem entradas; e assim passado o anno de 1
1590 e 0 decimo depois de ter tomado a Corea de Portugal, (tempo i
em que faleceo o Doutor Gaspar Fructuoso, anno de 1591, quando
ainda d'està Fortaleza n3o podia dìzer mais) entao, baveri 124 annos
pouco mais ou menos, sendo nomeado para Governador da dita Forta-
leza bum Castelbano, cbamado D. Antonio de la Puebla, e Bispo deAn-
gra D. Manoel de Gouvea, por ambos foi lan^ada, e com grande festa
e assistencia, a primeira pedra da tal Fortaleza ; e be muito de notar
qne bouve logo alli quem exclamou, e disse que n'ella fundavao bum
grìlhao para toda aquella Uba, etc, e o tempo depois mostrou (corno
ver^QAOs) quanto este dito parece ter sido buma profecia.
62 Cometa pois da parte da Uba a entrada para està Fortaleza em
boma Ermida de Nossa Senbora da Boa Nova, que tem seu Hospital
para os doentes soldados do Castello, e com agua dentro, e cerca ca-
paz de tudo, e em dìstancia do Castello bum tiro de mosquete; adiante,
e poaco mais de bum tiro de espingarda, està buma fonte perenne com
seu chafariz, bicas, e tanque, agua boa de que ordinariamente bebé a
gente do Castello, e tem casa, e guarda do Castello, e assentos com bella
vista; e d'aqui cometa jé a subir a Uba, mas moderadamente, (por
aquelle seu pescoso que fica entro o Porto Novo, e o do Fanal acima
ditos) até das em bum grande fosso de muitas cavas quadradas, e roui
fundas, abertas ao picao, que entro si se dividem com paredes de dous
palmos de grossura, e pedrarìa, até i fatai muralha da Fortaleza que
3G 1IIST0RTA INSUrjlNA
assim fica inacessivcl; mas ainda mais o ficaria, (dizem muitos) se o tal
fosso se cavasse tanto (corno se póde fazer) que o mar passasse do Porto
Novo ao Fanal, pois he distancia breve, (còrno acima vimos) e ficarìa a
grande Fortaleza feita huma segimda liha; mas se convem tal fazer-se»
là 0 veja quem mellior o entende, pois nao póde viver milito o corpo,
a quem pelo pescogo cortao a cabega; e a serventia até agora se reme-
diou com larga, e forte ponte de madeira que vai sobre o fosso para a
muraiha, e acaba com grande alcap3o de porta levadica, que per cor-
rentes de ferro se levanta por toda o noite inteira, e com fataes gnar-
das sempre, e perpetuns sentinellas.
68 Segue-se pois a muraiha, que por aqui corre entre Nascente e
Poente, e para elles com algum, mas pouco circulo, e toda do pedra e
cai, e tufo; e he tao alta, que ainda aonde os fossos jà nSo cheg3o, (por
abater multo a terra os ditos dous portos. Novo e Fanal) nem ahi sua
altura, e seu solo he capaz de escadas Ihe chegarem; e juntamente he
ilo larga, que passa de doze palmos de largura, e em cima tio incli-
nada, e tao liza para fora, que caso negado que acima se chegasse de
fora com escadas, ainda d*ellas para dentro diflìcilimamente poderia al-
guem saltar, sem que o derrubasse qualquer homem que de dentro es-
tivesse; porque da banda de dentro he o terrenho de tufo, e t9o alto, qua
jé por dentro nSo passa a muraiha do peito de hum homem, com que
fica a Fortaleza incapaz ale de minns, e de se Ihe abrir brecha; e so pelo
ar com bombas se Ihe póde fazer damno, cousa que ha menos annos se
inventou; e nem padrastos tem perto de si, d'onde possa artelharia pre-
judicar-Ihe multo: e assim corre està muraiha desde o Porlo Novo, e Oriente
até 0 do Fanal da banda do Occidente.
G9 No melo d*esla distancia, e immediatamente aos fossos sobre-^
ditos està a soberba porta do levadiQO porlao, e por ella se entra err^
hum tal corpo de guarda, que duzentos homens armados cabem n*ell^ .
e he de alla abobada por cima, sobre a qual corre o solo de tufo juntjo
a muraiha, e debaixo corre o dito corpo da guarda, com calaboucos tev^
riveis, golinhas de soldados a ellas condemnados, e outros instrumentos
de castigos militares; e acaba o corpo da guarda com outra grande
porta, pela qual se entra em huma grande praca, que de comprìmento
tem hum tiro de mosquele de Leste a Oeste, e de largura hum bom tiro
de espingarda de Norie a Sul, alò comefar a levantar-se o monte das
Cruzes, que tem adiantc cm direilura a profunda caldeira sobredita» 9110 .
LIV. VI GAP. IX 37
acaba com o quarto monte da altissima rocha para o mar do Sul, a que
lodo acompanhao os outros dous montcs, que correm pelo Nascente, e
Poente.
70 A dita praca ou terreiro d'està Fortaleza tem logo ao entrar, e
para o Oriente, Imma Igreja que tem seu CapellSo mór com boa con-
grua d'cl-Beì, e Oca do Norte amparada nao so com o mais alto solo
quo por cima corre junto à muratila, mas tambem com està mesma, sem
poder receber damno de fora; para a parte do Sueste est3o huAas taes
cisiemas, que levSo tres mil pipas de agua; e voltando para o Poente,
antes de chegar aos pés dos montes, està jà bem comecada segunda, e
somptuosa Igreja, que parou por muitos annos, e talvez que ainda n3o
esteja acabada; e adiante duella, e para o mesmo Poente correm tanta$
mas, ou quarteis de casas de pedra e cai, e dous sobrados, que podem
alojar quinhentos soldados, e ordinariamente tem trezentos vìzinhos, e
n*eiies quasi toda a casta de ofDciaes, e casaes inteiros; e correndo para
o Norte se segue o Nobre Palacio dos Governadores do Castello, que
fica com a frontaria para o Nascente defronte da primeira e ahtiga Igreja
e sobre o grande Rocio, vendo os exercicios de guerrra que n'elle se
fazem; e ainda outro menor Rocio corre de Palacio para ó Poente, e he
tio nobre este Paco, que nelle morou annos o Senhor Rei D. Àffonso
VI e n'elle mais que em Lisboa odeo por seguro de infieis alvitres seu
irm3o 0 Senhor Rei D. Pèdro II.
71 Continuando pois com a muralha (que nunca despega) vai ella
por diante da parte do Norte dobrando para o Sul, e descendo sempre
janto ao sobredito Porto, ou Portinho Novo, e jà d'aqui por diante vai
sobre o mar, ou porto grande, e bahia da Cidade, e vai muralha mais
baìxa, para melhor assestar a artelharia aos navios, e he muralha tam-
bem de cantarla, e tufo, a quem faz costas a penha continuada do alto
monte, e por cima, junto à muralha, n3o so vai caminho largo, e aberto
Ila rocha ao picùo, mas tambem em algumas partes v3o pedacos de vi-
Bha bem plantada, que form3o suas Quintinhas de grande recreacSo, e
com algumas arvorcs, e suas pequenas fontezinhas, e de excellente agua
dece; diegada està murailia hum tergo de legoa ao mar, em direitura do
Sol, aonde està hum Forte de multa, e muito grossa artelharia de bron-
tt, assim de alcancar ao longe, corno de baler ao perto, e com casa
n'elle de soldados, e munigoes, e sua fontinha de agua doce; e aqui co-
^eca aquella rocha altissima, e talhada ató o mar. E a este Forte chamSo
38 HISTOWA INSCLANA
0 Forte, 6u Ponte de Santo Antonio ; e porque d'este Forte de Santo
Antonio faz jà mencao Fructuoso liv. C cap. 3, antes de Felippe entrar
em Portugal, segue-se que foì fundado multo antes pelos Portuguezes
Reìs, e que primeirosechamou toda este Fortaleza ade Santo Antonio» e
depois se chamou de Sao Felippe, por Felippe II, a acabar, e refonnar,
e hoje se chama de SUO Joao Baptista. por o Resteurador de Portugal,
0 Senhor Rei D. Joao IV, a conquistar, e restaurar.
72 Continuemos pois com a muralha, que deixamos no canto que
da outra parte fica olhando para o Occidente, e caminhando tambem para
0 Sul sobre o porto do Fanal, e continua ainda sempre, e talbada em
rocha viva até a outra ponta do Sul por baixo do segundo monte, caja
penta se chama o Zimbrciro, e aqui est«^ outro Forte com tante, e tao
boa artelbaria. comò o da Ponte de Santo Antonio, que da parte do
Oriente Ihe corresponde, e tanto jà para o Sul, e em tal corresponden-
cia, que ji nao pode passar navio algum de huma parte a outra, sem
cahir nas balas de bum, e outro Forte; neste do Zimbreiro està huma
moderada lapa, de cuja naturai abobada està sempre gottejando boa agua
doco em bum ìanque inferior, que n'elle faz igual fonte para este Forte,
do que a do Forte de S. Antonio.
73 Em seu circuito tem este muraiha, em a altissima rocha do Sul,
tem huma boa legoa, e toda he tao inaccessivel, que junto à porte prìn-
cipal sahe fora com deus baluartes, e n'elles tees pedreiros de bronze,
de huma, e outra parte, qne Ihes nao póde escapar, quem temerariamen-
te quizes^ investir a porte; e além d'isso tem lego em o fùndo da mu-
ralha quatro postigos falsos com interior via de abobada para o alto de
dentro da Fortaleza; e em o restante da muralha que està sobre a Cìda-
de, até além do Portinho novo, vao em baixo algumas plateformas com
fortìssìmos Pedreiros, e interìores casamates, e vias para cima; mas da
parte do Occidente, e ]à sabre a bahia do Fanal, nao vao jà em baixo
plateformas, mas a muralha porieima até o Zimbreiro, e sempre telhada
até 0 mar, e por cima artelbaria, espccialmente de alcance para os na-
vios, que nem chegar pcssao ao perto.
74 Finalmente tem este Forteleza cento e sessente pe(as de arte-
lbaria, repartidas todas pela jà dite muralha, e entre ellas canhoes de
quarente e oito de calibre, e huma ainda maior peca, e muito celebre,
a que chamao a Malaca, mais comprida, e mais grossa com excesso ; e
este artelbaria quasi toda he de bronze; Jtem mais de quinhentes pracas
, LIV. VI CAP. X 39
de soldados» e bum Auditor de letras, quo com o Goveruador os julga
a todos; tem todas as municoes de guerra; tem agua, e lentia dentro em
abundancia; e até pedreiras de pedra de cantarla; e além de estar sem-
pre bem provida de mantimentos, e ter seis atafonas dentro» e muita
caca de loda a sorte, e pudera ter gados, de cabras, e ainda de vaccas,
assim corno tem de peixe, se houvesse mais providencia em os Gover-
nadores, comò ha em a vigia, pois até em o mais alto monte, sobre o
Forte de Santo Antonio, tem bum Facheiro, ou Atalaya com sua casa^ e
soldo, e dous pilares altos, bum para a parte do Nascente até o Sul se
vigiar, ontro para divisar do Sul até o Poente; e da parte d'onde appa-
recem alguns navios, e poem outros tantos sinacs, ou facbos embandei-
rados ; se porém apparecem mais de sete, poem-se huma so bandeìra
grande, e de guerra, e entao a Fortaleza dispara peca de leva a recolher
08 soldados que andarem fora, e a Cidade toca a rebate. EmRm que, se
se quizessem dizer as particularidades d'està inexpugnavel Fortaleza, se-
ria nunca acabar; e assim basta dizerem eruditos, quo nao se sabe haver
em loda a Europa Fortaleza mais inconquistavel, que osta da Uba Ter-
ceira, cbamada o Castello de Angra.
CAPITULO X
Da famosa Cidade de Angra^ e seu nome.
Iti Descuberta a Uba Terceira pelos annos de 1446 ha quasi du-
bentos e setenta annos, e descuberta pelos mareantes que vinhSo das
Ilbas de Cabo Verde, e pela banda do Norte no posto chamado Quatro
Ribeiras, enlSo dos que aiti ficarao, passarao alguns, quatro legoas abai-
20 para o Sul, e derao na bahia que acharSo junta ao monte do BrasiU
6 alli fizerao sua tal, ou qual povoagao, e Ihe chamarSo Angra, por ser
estylo antigo de mareantes, e descubridores, que és melborcs bahias que
achavSo, cbamavao Angras, comò se le muitas vezes em Joao de Barros;
dos outros primeiros povoadores, que entrarao em as quatro Ribeiras,
se passar3o outros para a banda do Oriente, e derao em huma grande
praia de area, com multo terrenho à roda plano, muita agua, e capaz de
em breve cultivar-se, e alli fizerSo tambem suas povoa^oes comò pude-
rao. Qual porém d'estas duas povoagoes fosse primeiro que a outra, isso
lìao consta; e so consta, (comò tocamos acima cap. G) que Angra nunca
40 insToniA insulana
à Praia foi sngcita, e primeiro foi Villa do que a Praia; pois da sua pri*
ineira vitorìa dos Caslelbanos maDdou logo a nova a Àngra, comò a sua
cabeca: e ainda que o unico Capilao de loda a Ilha (Jacome de Bruges)
residia o mais de tempo em a Praia, isso era por ter là terras para si
tomadas, e n3o por ser a Praia cabeca de loda a Uba, pois està logo se
divìdio em duas Capitanias» e o Cortereal foi o que escolbeo das duas,
e a de Angra Tui a que escolbeo.
76 Tambem quando fosse creada Villa Angra, tambem nSo consta»
(que eu saiba) e parece o foi logo ao principio pela voz do povo, e com
consenso tacito dos Reis ; mas consta quando foi levantada ao foro de
Cidade, pois em sua bistoria diz Guedes cap. 7, que por El-Rei U. Joao ID,
foi Angra feita Cidade em H de Agosto do anno 1333, ba mais de cento
6 oitenta annos, e bavendo jà cento e sete que a dita liba Terceira era
descuberta; mas da Madeira o FuncbaI bavia ja mais de vinte annos que
era feito Cidade por El-Rei Dom Manoel em 1508 bavendo quasi noventa
que tinba sido descuberta por Joao Goncalves Zargo em 1419, porém
Penta Delgada em Sao Miguel foi feita Cidade em 15iG treze annos de-
pois de 0 ser Angra, e pelo mesmo Rei D. Jouo III.
77 Comeca pois Angra com a sua babia sobre'iita, que Qca entro a
Castello de Sao Sebastiao, ou Porto de pipas, da parte do Oriente, e o
outro Castello, ou praga grande de Suo Joao Baptista, que so distilo bum
pequeno quarto de legoa entro si, e outro quarto até a Cidade, e he ba-
l)ia capaz de grandes frotas que se recolhem, o provém alli com toda a
seguranca de quaesquer inimìgos, pela tanta, e tao proxima artelharia \
de buma, e outra banda ; e o ancboradouro be limpo de cachqpos, d
bancos de area, e firmSo n'elle as andìoras tao seguramente, que nunca
arrastSo, e su quebrando, desemparao o navio ; fica porém este porto^
em direitura ao Sueste, a quem cbamao là o vento Carpinteiro, porqud
algumas vezes he tao rijo, que se as amarras nSo sao boas, e de bom
fio, as fóz arrebentar, e dà com a embarcaQuo no areal da Prainba, oa
no Porto Novo, e sempre a gente se salva, e ainda parte da carga; sendo
que, ainda até em rios, corno no Tejo, e no Douro, muitas vezes se per-^
dem embarcacoes sem se salvar cousa dellas, e outras vezes acontece^
que 0 mesmo dono, Mestre, ou Capitao do navro, por se livrar a si d^
dividas que lem tornado sobre elle, u deixar perder, e para isso talve*^
chcga a dar-lhe furo secreto, e eiilao faz maior naufragio, perdendo a
propria alma.
LIV. VI CAP. X 41
78 Termina-se oste grande porto com o jà descripto caes, que co-
meta a sabir da principal porta da Gidade, em que està corpo de guar-
da, e casas por cima de soldadesca paga, e perpetua ; ao entrar da CU
dade, à mio esquerda, està a Real casaria da Airandega com terreiro
ladrilhado de cantarla, e muraiha sobre o mar, capaz de artelharia» e
aqoi he o passeio, principalmente dos bomens de negocio, e Mestres dos
navios, com boa vista d'elles, e do porto todo : a dita Alfandega, além
dos seus Tribunaes, tem grandes despejos, e armazens para todo o de-
sembarco de navios, de Frotas, e de Armadas, e para o provimento ne-
cessario: à mao direita se alarga bum terreiro de calgadacom humcba-
fariz no meio, allo, e de muitas bicas de doce, e boa agua» e ainda mais
a mao direita volta sobre o mar, e ao pé da rocha da Uba, junto à mu-
raiha de baixo, bum capaz caminho, e quasi rua que ebega ao matadou-
ro; mas nem se communica n'este baixo com o Porto de pipas, e menos
com 0 Castello de S. Sebastiao.
79 Do sobredito'chafariz do porto, correndo de Sul para o Norte,
vai buma rua tSo larga, e tSo direita, e t3o unida, e nobre casaria, que
por antonomasia se chama a rua Direita, e de cada banda vai ladriiho,
que tem de largo cada bum tres pedras de cantarla, por onde costuma
ir a gente que anda a pé, e pelo meio ainda vai tao larga, e boa calga-
da, qae a gente que por ella anda a cavallo, ou em carruagem, nao se
eocontra buma com outra, ebega està rua com bastante comprìmente à
praca da Cidade, e na mesma direitura torna a continuar da outra parte
da pra^a até outro alto chafariz de muitas bicas, a que cbam3o o Cha-
fariz do Collegio, por o da Companhia de Jesus Ibe flcar da banda do
Poente ; e ainda a rua vai com a mesma direitura, e casaria até o Paco
do Marquez de Castello Rodrigo: do mesmo porto outra vez toma a sa-
hir outra rua, cbamada de Santo Espirito, que da mesma sorte vai dar
quasi junto a mesma praga, e da banda do Poente: da banda do Orien-
te vai terceira rua, chamad^ de SSo Joao, desde o portao do Porto da
Prainha, e t3o larga, tao direita, e t3o ladrilhada, e calgada, comò a pri-
meira rua, cbamada Direita ; lego mais adiante, e da mesma banda do
Poente corre tambem a quarta rua do mesmo mar, ou do Sul para o
Norte, que cham3o da Palha, sondo que n!alla nSo ba casa alguma de
palha, nem terreira alguma, ou desunida, mas teda tao fechada de casa-
ria, tao ladrilhada, e direita, comò as suas parallelas sobreditas ; e do
mesmo modo mais avante corre desde o Sul, rocha, ou muraiha do mar.
42 HlSTOniA INSULANA
corre, digo, quinta rua, que neste principio be moito larga, até detraz
da Sé, chamada a ma de Saiinas, mas continua mais estreita, e diretta
com casaria unida pela banda so do Oriente, e pela banda do Poente
Ibe Oca o grande vao da Sé, de quo fallaremos.
§0 Da mesma parte do Poente, tambem do Sul para o Norte, corre
a rua chamada dos Cavallos, por d'estes se fazerem todos os aunos fes-
tas Da tal rua, que he capaz d'isso, e por isso nem be lageada, nem cai-
cada, mas de terreiro seu, e plano, e comodando desde a muralba do
mar, a que especialmente chamao a Rocha, e com bum Chatariz para
dentro da Gidade, continua està rua bem comprida para o Norte, pas-
sando pelo pé do AIjube, e Pa(os do Bispo, vai parar defronte do Hos-
teiro das Freiras da Esperanga. Citava rua corre da sobiedita rocha do
Sul para o Norte, e se dian^a a rua de Jesus, muito comprida, e bas-
tantemente larga; e do mesmo modo corre adiante, jà desde o Portinho
Novo, e do Sul para o Norte a nona rua, chamada dos Canos Verdes,
e vai parar ja defronte do campo, a que chamao a$ Covas, junto ao Ck>n-
vento de Nossa Senhora da Gra^a; em. decimo lugar vao ainda varias
ruas com menos ordem desde o cimo do Portinho Novo para o Norte,
as qaaes chamao o Quarte), por aqui se alojarem os soldados do Cas-
tello grande, quando nelle todos n3o moravao; e vai parar este Quartel
pela banda do Castello à Boa Nova, e mais por baixo ao Convento das
Freiras de S. Gongalo, até o dito Campo das Covas, tudo jà Fronteiro
do Castello, com so a companha de entremeio, de bum bom tiro de
mosquete.
81 Tornando agora à praca da Gidade, d'ella sahe huma larga, bem
direila, e a mais comprida rua, a que vem desembocar as dez sobredi-
tas mas, que vem do Sul para o Norte; a que està fatai rua undecima
corta de Oriente a Poente; e para a parte do Sul tem quasi no melo a
dita Sé, e a rua da Sé se diz; e para a parte do Norte tem o Convento
de Freiras da Esperanca, e no topo em cima acaba com o campo das
Covas de huma parte, (que dà tambem nome à rua) e da outra o Con-
vento dos Gracianos; e logo da parte d'elles està bum grande Chafariz
de bicas, e tanque, e de exceliente agua; e d'aqui cometa bum bairro
da Gidade, chamado Sao Fedro, que dà o nome à ma, d'onde logo ao
principio sahe bum vistoso, e bcun comprido caminho para o Castello
grande, e sem mais casa alguma, que da parte do Oriente a cerca, e
Convento de Sao Gonzalo, e da parte do Poente campina de hortas, e
iiv. VI CAI». X 43
searas até a bahìa do Fonai, vista mui recreativa, e aiegre: mas a rua
de Sao Fedro continua dircita ao Poente, ale a porta da Cidade, que se
diz Santa Gatliarina, distancia de tiro de lium grande mosquete, ou es-
merilhào; porém da parte das bortas tambem nao tem casaria, mas da
parte do Norte a tem cóntìnuada, e boa, e com algumas Quintas Qara o
Norie, qne quanto para o Sul, no meio desta rua sabe l)um caminho
plano, e largo, e boas carreiras de cavallo até a balna do Fanal, d'onde
sahem algumas ruas com casas terreiras, mas de talba, e as mais de
pescadores.
82 Deixo as travessas perque {se communicao estas ruas, porque
desde junto a Àlfandega, e porta da Cidade, vai logo buma tal rua de
Oriente a Poente, que ebega diretta ao Quarte! do Castello grande, e
ainda se reparte para a Rocba, e Portinho Novo; e outra travessa vai
por delraz da Sé até Sao Concaio: e até da grande rua da Sé indo bu-
ina travessa para a Portaria das Freiras da Esperanga, volta em bama
])oa rua para o Oriente, a qual por isso se chama a rua da Esperanga,
e vem dar em outra travessa, muito larga, e formosa que tambem sabe
da rua da Sé, e volta continuando em direito da rua da Espeiaiga com
a rua dos Estudos, que Ibe ric3o da parte do Norte, com o pateo dos
Estudantes, e o Collegio da Companbia, e o terreiro da sua Igreja, até
dar està ma em o Cbafariz que està acìma da praga, e abaixo dos Pa-
tos do Marquez; e daqui vai, jà mais por cima, outra larga, e taocom-
prida rua, de casaria continuada de buma, e outra parte, que vai aca-
bar na Graca, e nas Covas, onde acaba a d.) Sé, e ambas ornando muito
0 terreiro do Convento; e està rua de cima se cbama a rua do Rego.
83 E aquella larga travessa, que da rua da Sé vem, e reparte as
daas ruas da Esperanga, e dos Estudos, d'aqui na mesma largura vai
subindo sempre ao Norte, cortando a rua do Rego, e chega até Santa
Luzia, Parochial que fica bem em cima; e està ladeira se cbama a Mi-
ragaya, a que em o alto cerca o bairro cbamado de Santa Luzia, que
por cima da Cidade tem muitas outras ruas, que por brevidade deixo ;
e tambem tem seu Cbafariz da mesma boa agua da Cidade; ao redor da
qual vai por cima este bairro entestar com o Castello de Sao CbristovSo,
(de que abaixo fallaremos) e ebega a partir com o bairro, e Parocbia de
S. Bento, comò veremos logo.
84 A praga pois que deixamos be bum Rodo mui plano, e muito
direito, em que se fazem os exercicios da milicia, e se correm todos os
44 HISTOBIA INSULANÀ
annos touros, tranqueiradas as mas que à praca vem. Niella cstSo os
Pa(os do Senado da Camera, e do Tribunal da Justica, e Audiencia gè-
ral, e as cadeas, e «nxovias por baixo, e no meio huma alta torre de
cantaria, e em cima os sinos, e relogio da Cidade, com nobre mao para
^óra, .que sempre mostra as horas que sao; e por baixo d'està torre as
casas do Carcereìro, e prczos menos culpados, e mais nobres; e no canto
para o Norte està o acougue commum da Cidade. Detraz d'este edificio
vai bum pequeno campo iadeirento, por parte do qual desoB buina boa
ribeira, que vai lavando as cadeas, e por baixo da praga em abobada
passa 0 entremqio da rua direita, e Santo Espirìto, e vai despejar ao
mar. E aiQrma Guedes em sua bistorìa, que os da govemanca da Cida-
de fizerao està pra^a em 1610, e em 1611, levantar3o os sobreditos
Pa^os, torre, e cadeas, e gastarSo nove para dez mil cruzados, que mais
em dobro custariao hoje; e devem alargar mais para traz o edificio da
publica Audiencia, e da Camera, inda que seja comprando alguma morada
de casas, por ser assim necessario ao bem commum, e à decencia.
85 Da parte do Sul cerca a està pra^a nobre casaria,. e da mesma
sorte da parte do Occidente; da parte do Norte corre o largo corpo da
Guarda da Cidade, baixo, e alto; e logo se segue huma celebre Ermida
de Nossa Senhora da Saude, ao depois da qual sahe da mesma praca
huma travessa que so chama a da Saude, e vai dar no Cbafariz que està
junto ao Collegio; e na outra quina da travéssa se segue a casa da poi-
vora da Cidade, com interior cerca dentro, que vai por dentro topar em a
grande cerca dos Frunciscanos; e na fronteira da Pra^a se seguem ainda
algumas casas que acabao defronte do Paco da Audiencia, entre a qual,
e as ditas casas saho da mesma praga para o Poenle huma larga, e su-
bida calcada para o terreiro de Sao Francisco, com o muro de sua lar-
ga cerca da parto do Norie, e outro muro da parte do Sul, por baixo
do qual vem a sobredita libeira, que passa peias cadeas; e porque estas
ficao da parte do Nascente olhando para o Poente, por isso d'asta par-
te, e na parede das casas que alli estao, fica bum Oratorio allo, e com
alias portas, que nos dìas Santos de guarda se abre de manhaa, e n'elle
bum Capcltao dìz Missa, a que assìstem, e vem bem os fronteiros pre-
sos, e se encommend3o a Deos.
se Em 0 outro lado das cadeas, defronte da rua de Santo Espiri-
to, sahe da mesma praca, acima para o Nascente, outra e mui comprida
rua de boa calcada pelo meio, e de cada parte ladrilhos de cantaria, e
LIV. VI GAP. X 45
casaria sempre continuada, mas subindo sempre para o Nascente em
competencia da rua da oiitra banda que sobe a Suo Francisco, porque
assrm para o Nascente, corno para o Norte, he de terrenho allo està Ci-
dade, sendo qoe para o Sui, e Occidente lie de mui piano terrenho: so-
be pois a dita rua (que chamao nao sei porque, Rua do Gallo) até a no-
Lre Collegiada, e Parochial grande da Conceigao; e até aqui, desde a rua
de Santo Espirito, n3o ha travessa alguma para o Sul, e mar d*elle; mas
da outra banda sahe huma larga rua, que vai tambem dar a Sao Fran-
cisco, e com outro Chafariz de boa agua; e d'està Conccicao, assim co-
rno continua pelo Oriente a Cidade para o Norte, assim tambem contì-
nua para o Sul, e Sueste, até parar com o ji dito Castello de S. Sebas-
ti3o, que descrevemos ji\ no Capitulo Vili.
87 Entre pois o tal Castello, e a dita Concetcao se estende o vis-
toso, e alto bairro que chamSo do Corpo Santo, de que a maior parte
lie de mareantes, que tem em hum alto para o mar a sua celebre Er-
mida do dito Corpo Santo, e tem tantas ruas, ou travessas, que seria
importuno em contal-as; so digo que para o mar, para ambos os Cas-
tellos de S3o Jo3o Baptista, e de S3o SebastiSo, e ainda para o melhor
da Cidade tem este bairro a mais ampia, e melhor vista; e n3o so pela
costa do mar, e junto A sua muraiha, mas tambem pelo mais a dentro
tem ruas para o porto da Cidade, e para a rua de Santo Espirito a rua
que cham3o a Ladeira, acima da qual, e jà pcrto da Conceigao esté hum
alto, e grande terreiro, e n'clle hum bem comprido Palacio do Morga-
do, e Chefe da nobilissima familia dos Cantos, fldalgos de que abaixo
em seu lugar trataremos; corno tambem dos chamados Homens Costas,
que habitSo bem junto à ConceigSo, e de outros muitos; pegado poróm
com OS ditos Cantos fìca huma sua nobre Ermida, chamada Nossa Se-
lìhora dos Remedios, que^est^ nobremente reediflcada, e omada, e he
de grande concurso, e devogao, com o terco cantado cada dia.
88 Por cima da outra rua, ou subìda, que da pra(^ sahe para o
Norte, fica hum bom terreiro plano, e quasi redoodo, aonde està o Con-
vento do Patriarcha Serafico, e para a banda do Sul aquella larga rua
que com o seu Chafariz vai ao melo da do Gallo, e mais por cima ou-
tra que vai à Conceic^o, e d*esta volta correndo pelo Oriente com gran-
des terras, e hortas para elle, e em longa direitura ao Norte; mas de
baixo, e da parte do Poente Ihe vem huma larga rua chamada de S. Se-
bastiao, por n'ella ficar hum novo Canvento de Freiras de singular obser-
46 IIISTOIUA INSILANA
vancia, que tcm fora outro Chafariz da Cidade; e pouco adiantc entra»
e volta està rua com a da Conceigao, e vai formando o novo bairro de
S3o BenU) ale és portas do mesmo nome, por cstar mnito porto logo
a Parochial do Sanie para a parte do Nordeste; e para a parte do No-
roeste vai por fora das portas de Suo Benio huma milito recreativa e
moderada subida até o Convento de Santo Antonio dos Capuchos, devo-
tissima saliida da Cidade, e muito recreativa com sua deliciosa cerca:
mas antes de chegar às portas de Sao Sento, e da parte do P^nte fica
0 Convento da Concei^ao das Freiras, por amor da qoal a outra ji dita
se chama a Conceicao dos Clerigos; e defronte da das Freiras para o nas-
cente fieao as antigas casas e assento, ou Chefe dos Monizes, fidalgos
muito antigos, com grande jardim, ou Quinta, comò as mais das nobres
casas d'està grande rua para a parte Uè Nascente. Que quanto por de-
traz da Conceicao das Freiras vai jà mais ordinaria povoacao, comò pa-
ra 0 Noroeste atò huma antiga Ermida de Nossa Senhora do Desterro,
e até cbegar por fora ao mai^ antigo, e terceiro Castello, de que agora
fallaremos.
89 Este terceiro Castello foi o primciro que houve em toda a Uba
Terceira, e se fundou quando ainda Angra nem era Cidade, nem tinha
tanta gente que a pudesse defender das armadas de Castella, quo com
Portugal tinha entao guerra, e nem tinha algum outro Castello, ou For-
taleza em seu porto, e para se recolherem a esle o fundarao os Angren-
ses em bum onteiro allo quo fica sobre a Cidade para a parte do Norte,
inclinando a Nornordcste, e Ihc derào logo o nome de Castello de S3o
Cbristovao; e d'elle diz Frucluoso liv. 0, cap. 3, que era forte Castello,
e que se renovou depois, e proveo em scu tempo com muuicoes, e ar-
telbaria; e mais no tal tempo de Frucluoso ja havia em o porto o Cas-
tello de S50 Sebasliao, e o Forte de SanW Antonio. E accrescenta o
Doutor quo o Capilao Donatario Manoel de Cortereal morava em o tal-
Castello, tendo-o por capaz disso, e que depois se mudàra para o baixo
do mesmo Castello, .e habitava no Paco que ainda lioje chamào do Mar—
quez de Castello Rodrigo, scu succcssorna Capilania, eque tem bello jar-
dim, e que tudo herdou Manoel de Cortereal de sua irmaa D. Iria, mu-
Iher de Pedro de Goes, nobre fidalgo.
90 Jà boje porém nao sei que n'este Castello de Sao Cbristovao
baja mais que as muralhas era seu circuito, e interior deslricto d'elle;
LIV. VI GAP. X 47
sendo quo na Acciamacao de Portugal, com artclharia quo se poz n*este
Castello de Sao Chrislovno, se fazia grande damno ao (]aste1hano, quo
estava ein o maior Castello, chamado enlào Sao Felippe, e se este ou-
tra vez for tornado de inimigos, (ou por Ireigao de quem o governar,
oa por successos maritimos) cuslarà muilo à Cidade nao ter capaz ain-
da 0 Castello de Sao Chrìstov3o, para d*elle se valer: e multo mais por-
que sendo o sitio d'este Castello hum valente padrasto da Cidade, se de*
via n3o disemparar, antes conservar-se sempre, e fortalecer-se, para quo
succedendo alguma bora entrar na Ilha inimigo por algum porto da Praia
ale Angra, e vir sobre a Cidade, nao se faga forte com o dito S3o Cbris-
tov3o, e d*alli mais facilmente arraze a Cidade; mas està pelo contrario
d*alli 0 repulse, e fac^a voltar atraz: e quem na Cidade o serve de Ga-
pitSo da artelharia, ou de Sargonto-mór, em este Castello póde morar
sempre com i)equena esquadra de soldados, comò para o mar se faz no
Castello de Sao Sebastiao, e nao se deixar perder t3o importante Cas-
tello por incuria; do que vira tempo em que Ynuito se arrependao, pois
quem ao diante nao olha, atraz fica; e cu nunca louvarei (dizia o outro)
Capitao que disse, nao cuidei.
91 Tambem este Castello Sao Christovao se cliama volgarmente o
Castello dos Moìnhos, porque nao menos de doze moinhos tem perto do
tal Castello a Cidade, donde regiamente he provida, e com tanta abun-
dancia de agua, que quando a Cidade qucr, faz vir tal ribeira d'ella, que
entrando nas largas ruas, por as cal^adas d'eilas corre entro os ladri-
Ihos, deixando-os seccos, e vai parar em o mar; e o mcsmo tambem
succede quando chove muito, e sempre as ruas eslao multo limpas, até
de Doite, som necessitarem de outros alìmpadores, porque das janellas
uno se lanca na ruacousa alguma, e assim nunca se ouve, tAgua vai.i
porque nao ha casa, que por detraz nao tenha seu quintal, e algumas
malto grande; e muitas tem da fonte agua dentro, e nunca nas ruas se
ve despejo bumano algum, o que tanto se estranila em outras terras.
48 IIISTOULV INSULANA
CAPITULO XI
Do tjoverno Ecclesiastico de Angra^ e de seus Bispos sobre iodas
as nove Ilhas Terceiras^ ou dos Agores.
92 Consta a Cirladc de Angra de seis Freguczias» (contando tam-
bem por Freguezia a nobre povoacSo, que està no grande Castello, e là
lem Capellao mór com alguns priviicgios, e cxcmpcoes especiaes.) A
primcira Freguezia he a da Santa Se do Salvador, a cujo lado da Epis-
tola, mettendo-se so o largo da rua dos Cavallos, està o Poco dos Illus-
trissìmos Bispos, com bom jardim para traz, e agua de beber dentro,
e de rcgar: e podùra o Pago estender-se mais até o canto acima proxi-
mo da rua chamada de Jesus, e algum zeloso Bispo vira que assim o fa-
Ca; pois Ihe rende o Bispado sempre oito mil cruzados, e algims annos
até dez, e mais. Foi crcado este Bispado à instancia d*eI-Rei D. JoSo HI
pelo Papa Paulo tambem'III a tres de Novembro de 1534, e com o-ti-
tulo de Bispo de Angra, e de todas as Ilhas Terceiras; porque ainda qae
por ordem d'el-Rei 1). Manoel em 1508 foi a Ilha da Madeira D. Jo3o
Lobo Bispo de anel, que n elle deo Ordens, e chrismou, e se voltou a
Portugal; e no anno de 1514 em 12 do Junho, e por decreto do Papa
Leao X o mesmo Rei I). Manoel nomcou primeiro Bispo da Madeira a
D. Diogo Pinhciro, nunca cste foi a dita Ilha. mas de Portugal a gover-
nou doze annos até o de i326 per Provisor, e Vigario Cerai, que Ihe
mandou. E ainda que a el-Rei D. Manoel succedendo seu fllho D. Joao
III nomeou com consentimento do Papa a U. Martinho de Portugal, sea
parente, por Arcebispo da Madeira, e de todo o ultramarino descuber-
to, tambem este unico Arcebispo da Madeira nunca a ella foi, e so Ihe
mandou hum de anel, chamado D. Ambrosio, que dentro de bum anno
se voltou a Portugal na cntrada do de 1540.
93 Logo no anno de 1550 o mesmo Rei D. Joao III alcancou do
Papa, que por screm as ultramarinas tcrras descuberlas, tao distante^
entro si, fizcsse n*ellas Bispados enlre si disiinctos, comò na India, S3o
Thomè, e lìcassc a Madeira sendo so Bispado com a do Porlo Santo, co-
mò jii 0 erao a Terceira com as mais Ilhas dos Aforcs, e que seu Me-
tropolitano fosse 0 Arcebispo de Lisboa; e ludo assim concedeo, e creou
de novo o Papa; e sendo enlao foilo Bispo da Madeira hum Religioso
Graciano, D. Frei Gaspar, ainda este a Madeira nunca foi; e o primeiro
UV. W GAP. XI 49
proprio Bispo seu, qu6 niella entrou, foi D. Frei Jorge de Lemos, Do-
minico; e em 1559 so voltou a PorlugaK e Ihe succedeo D. Frei Fer-
naDila de Tavora, tambem Dominico, e que tambem largou o Bispado, e
ae Ihé se^uio D. Hieronymo Barrato» Clerigo secular, a quem succedeo
outro secular Clerigo tambem, D. Luiz de Figueiredo de Lemos, que de
DeSo da Sé de Àngra foi a Bispo do Funcbal da Madeira.
94 D'onde se ve» que na Madeira nuDca entrou Arcebispo d'ella, e
que o unico D. Uartinho de Portugal, que da Madeira foi feito Arcebis-
po, nem li foi, nem em tal Arcebispado leve algum outro successor, ncm
i Madeira foi jà mais appellag^o, ou recurso algum da India, ou de Sao
Thomé, ou do Bispado das Ilhas dos Àcores; mas porque todas as Ilhas
descuberlas erao da Ordem de Christo, por isso antes que n*ellas hou-
tesse Bispos proprios seus, mandava o D. Prior de Thomar, com ordem
d'el-Rel alguns Bispos de anel às ditas Ilhas, e assim no anno de U87
Ibi às Terceìras D. Jouo Aranha, Bispo Zephiense, e deo ordens n*ellas;
e depois, jà quasi em 1507 veio às ditas Terceiras D. Diogo Pinheiro, o
qml sendo D. Prior, e Vigario Goral de Thomar, deo licenza a D. Jo3o
Lobo Bispo de anel de Tangere, para ir à Ilha Terceira, e niella sagrou
a Matrìz da Praia; e no anno de 1517 outro Bispo de anel Dumense, D.
Doarte» depois de ir a Madeira exercitar a Ordem Episcopal, passou a
bzer 0 mesmo em as Terceiras, e sagrou em Sao Miguel a Parochial de
Ribeira Grande: assim, ainda que primeiro foi erecto o Bispado da Ma-
deira, primeiro comtudo entrou Bispo proprio seu no Bispado do An-
ffn, do que na Madeira entrasse algum seu proprio Bispo; e està he a
verdade, que da variedade, ou confusao, com que em tal materia fallao
Giiedes, e Fructuoso em varios lugares, pude com paciencia, e diligen-
eia colher. corno jà disse no liv. 3 cap. 16.
05 Creado pois o Bispado de Angra em 1534 pelo Papa Paulo III
■Ki primeiro anno de seu Pontifìcado, logo no de 1537 foi para a Ter-
ceira 0 sea primeiro Bispo D. Agostinho, do qual se diz que era tao san-
to» corno pobre, e que tendo de antes vindo de Lisboa com hum Antac
Vai Vigario da Ilha das Flores, este o puzera por Parocho, ou seu Cu;
■^ Da junta Uba do Corvo, mas que depois de alguns annos tornando pa-
^ Lisboa 0 dito Cura Agostinho, se fez Frade Loio, e por sua exem-
piar virtude chcgou a ser Capellao d'el-Rei, e nomeado depois primeiro
^ispo de Àngra, donde, passados jd mais annos, voltou este mesmo
^- Agostinho por Reformador da Uuivcrsidade de Coimbra, e acabou
VOL. Il 4
50 HISTOMA INSULANA
sendo Bispo de Lamego. Uh ditoso tempo, em que da virtode se fazia
mais caso, que do sangue, e aioda que das letras; e o mais pobre Ca-
ra, por mais santo, era eleito por Bispoi e boje (oh desgraga!) nem o
mais virtuoso, e mais letrado de bum inteìro Cabido, se clege em Bis-
po d*elle.
96 0 segundo Bispo de Angra foi D. Rodrigo Pìnbeiro, Dootor em
Theologia, de quem dìzem, ter jà sido Govemador, ou Regedor da Ca-
sa do Civel: porém d3o foi és Ilhas, e so Ibes mandou por sea Vigano
Cerai bum Doutor em Canones, e bum Bispo de anel, cbamado D. Bai-
thezar; e o proprietario D. Rodrigo foi promovido a Bispo do Porto. 0
terceiro foi D. Frei Jorge de Santiago, da Ordem de S. Domingos, Mes-
tre em Theologia, varSo de grandes lettras, e virtude; e entroa no Bis-
pado em o anno de 1551, e foi por el-Rei mandado ao Concilio Triden-
tino, e assistio nas primeiras sess5es d*elle; voltando celebrou Synodo
em Angra pela festa do Espirìto Santo, em 1559, e foi o unico Concilio
Diocesano que ale agora se celebrou oneste Bispado, ha jà mais de cen-
to e cincoenta annos: fez Constituifoes tSo santas, e sabias corno elle
era, e voltando a Portugal as fez imprimir, e com ellas voitou para a
Ilha em 15Q1, e faleceo em Angra a 26 de Outubro seguinte, e com tan-
ta fama de santo, quanta tìnha jà em vida, pois vindo da India o Pa-
triarcha D. Jo3o Bermudes, e passando por Angra a Portugal, n*este per-
guntava muitas vezes pelo Bispo de Angra, e dizia que nao se bavia cha-
mar D. Jorge, mas Sao Jorge; està enterrado na Capei la mór da sua Sé
com 0 letreiro seguinte: Hic Jacet Dominus Georgius d Sando Jaeobù^
Poitor Angrensis, inter oves tuas primut sepuUus^ eie,
97 0 quarto Bispo foi D. Manoel de Almada, Doutor em Canones,
Chantre da Sé de Lisboa, Conservador das Ordens, e Juiz Apostolico,
Deputado na Mesa da Consciencia, e Inquisidor, e Bispo de Angra, mas
renunciando o Bispado, nunca foi às Ilhas, e ficou feito Capellio mór da
Bainha D. Catharina, mulher d*el-Rei D. Joao III. Quinto Bispo foi em
1568 D. Nuno Alvarez Pereira, Doutor Theologo, e Yisitador do Arce-
bispado de Lisboa, sendo Arcebispo o Cardeai D. Henrìque, e faleceo em
Angra, dous annos depois, em 20 de Agosto de 1570, e jaz sepultado
na mesma Sé de Angra. 0 sexto Bispo foi D. Gaspar de Faria, que suc-
cedeo ao quinto em 1570, e foi o que em 1577 creou em Sao Miguel a
segunda Freguezia de Ribeira Secca em Ribeira Grande, comò dissemos
acima liv. 5 cap. 7, e d3o pudemos alcan^ar majs deste sexto Bispo. 0
LIV. VI GAP. XI 51
septimo Bispo foi D. Fedro de Castiiho, fìlho de Diogo de Castiiho, dos
Castilbos da Uontanha de Biscaya, e depois de Mestre em artes, e de co-
me^ar a Theologia» se passou aos Canones, e feito Lìcenciado per exa-
me privado, foi Deputado, e Visitador do Bispado: feito Bispo de An-
gra, foi grande observador do Concilio Tridentino, e no anno de 1582
estando em SSo Miguel, e escandalizado dos motins da soldadesca so
voltoa para Porlugal, e n'elle foi feito Bispo de Leiria, e depois Presi-
ùsùte do Paco. N*esta mudanga, o Cabido de Angra vendo sea Bispo au-
sonie» e qoe era contra o seii Bei naturai, juIgarHo a Sé por vacante»
eleger3o Provisor, e Vigario Geral, e mais ministros, e n3o obedecerao
mais a tal Bispo.
98 0 ottavo Bispo foi D. Manoel de Gouvea, irmSo, até na santi-
dade, do Santo Padre Ignacio Martins da Companhia de Jesus, celebre
pelas doutrinas em Lisboa, e por successos n'ellas milagrosos; foi Bis-
po de grande charidade, e jaz sepultado na Sé de Angra. 0 nono Bispo
(oi D. Hieronymo Teixeira Cabrai, entrou no Bispado em 1599, e depois
voltoa a Portugal, e morreo sendo Bispo de Miranda. 0 decimo Bispo
foi D. Agostinho Bibeiro, e entrando no Bispado em 1613 o governou
até 12 de Julho de 1621, em que faleceo, e na sua Sé jaz sepultado. 0
niìdecimo Bispo foi D. Pedro da Costa, e entrou no Bispado a 24 de
Agosto de 1623, e indo a visitar Sao Miguel, là falcceo, e foi sepultado
na Matrìz da Cìdade de Ponta Delgada. 0 duodecimo Bispo foi D. Jo3ó
Kicrata de Abreu, que entrando no Bispado em 19 de Abril de 1626,
indo tambem visitar Sao Miguel, là faleceo, e tambem jaz sepultado na
saa Hatrìz. 0 decimo terceiro Bispo foi D. Frei Antonio da Besurreicao,
Religioso Dominico, e entrando no Bispado em 1635 foi visitar Suo Mi-
guel em 1637, e a 7 de Abril faleceo là: e porque logo em 1640 suc-
eedeo a feliz acclamac3o do Senhor Bei D. Joao o IV pararao os provi-
meotos dos Bispados por muitos annos.
99 0 decimo quarto Bispo foi D. Frei Lourengo de Castro, nomea-
do pelo Senhor Bei D. Joao IV, e em Novembro de F71 entrou no seu
Bispado, e depois de viver n*elle dez annos voltou promovido ao Bispa-
do de Miranda, e n'elle viveo pouco mais de bum anno, e foi enterra-
do na sua segunda Sé. Era Beligioso Dominico, fidalgo de sangue, e de
l^ras, e virtudes grandes, e comò tal foi multo estimado da nobreza de
Angra, e morreo com opiniiio de Prelado santo. 0 decimo quinto foi D.
^té JoSo dos Prazeres, Beligioso Franciscano, da Provincia de Xabre-
52 lllSTOniA INSrLANA
tj^as, varao de grande candura, e santamente morreo no Real Collegio da
Companbia de Jesus de Angra, e està sepultado na sua Sé. 0 decimo
sexlo Bispo foi ì). Frei Clemente, Uetigioso de Santo Agostinho dos Ere-
initas, doutissimo Tbeologo, e Lente da Universidade de Coimbra: mor-
reo na visita de Sao Miguel, e là jaz sepultado no Convento de Nossa
Senhora da Graca. 0 decimo seplimo foi D. Antonio Vieira Leitao, quc
de IVior de Santo Estev3o de Alfama em Lisboa foi promovido ao dito
Dispado, e n'elle teve desgostos com a Nobreza de Angra, e com o seu
Convento de Sào Gonzalo; e em firn morreo visitando a Illia de Sao Jor-
ge, e n ella està sepultado, na Igreja Matriz da Villa das Velas. E quan-
to ao numero dos vizinhos de ingra baste por bora dizer que (nao fal-
lando em Religiosos, e Religiosas) passa de tres mil vizinhos; e que nao
so nas mais Ithas deste Oceano, suge! tas a Portugal, mas ainda no tal
Keino todo (excepto a innumeravel Lisboa) nao ha mais que duas Cida-
des, que em numero de visinhos excedSo a està de Angra, as quaes sao
Evora, e Porto; corno melhor se vera nos Capitulos que se seguirSo, e
no quàtorze fìnc.
100 A Sé Cathedral dos sobrcdilos Bispos foi edifìcada por el-Rei
D. Joao 0 III pouco depois do anno de 1534, està situada bem no meio
do comprimento da Cidnde de Angra, e mais para o Sul, que para o Nor-
ie da largura da Cidade, com grande, e livre adro à roda, cercado de
parapeito alto de cantarla, e nobres ruas por todos os quatro lados, sem
casa alguma que pegue com a dita Sé, mas com boas tres entradas, e
sahidas para as ditas ruas; e a principal entrada he que vai da grande
ma chamada da Sé, correndo igualmente com a ma de Nascente a Poen-
te, e retirando-se para o Sul com multo larga subida, e de famosos de-
gràos de cantarla, até dar no grande adro plaino, e todo de cantarla 1^
geado; seu froutespicio he nobre com duas altas torres parallelas, e va-
randa sobre o meio da portada; corre de Norie a Sul com primeiras lu-
zes por toda a parte, e com tres naves, e coro capitular em cima na en-
trada, e em baixo a parte do Evangellio a pia baptismal com boa, e fc-
cliada casa; adiante seguem-se duas grandes portas correspondentes a
Nascente, e Poente, e logo quatro Capcilas de cada parte, duas menos
fundas, e duas t3o grandes, que podiao scr Capellas mores, entre as
quaes na nave do meio està o capitular coro de baixo, e logo se segue
a Capella mór, redonda em columnas parliculares, com via circular a
roda; e da parte do Evangelho Ihe fica correspondendo à nave do Nas-
LIV. VI CAP. XI 53
conte a Capcila nobilissima do Santissimo, corno Capdla mór d*aque1la
nave, e da parte do Pocnte Ihe corresponde outra scmeihante Capella de
Christo crucificado: por dclraz da do Santissimo se segue a Sacristìa
com seu allo, e parlicular aitar por cima, e da outra parte a casa da
Musica, e escola com outra em cima; e por detraz do circulo da Capel-
la mór vai jardim com Tonte dentro; e as casas do Cabido, e de entra-
da dos Conegos para o primeiro Coro alto ficuo de cada parte d'elle com
saliida para a varanda da entrada principal.
lOi Serve-se està Real Sé com cince Dignidades, De3o, \rcediago,
Chantrc, Mestre-escola, e Thesoureiro mór, mais doze Conegos, e quatro
meìos-prebendados, e varios Capellàes de so sobrepeliz, e muitos mo-
Cos do coro; tem mais tres Curas, e bum Mestre da Capella, bum Or-
ganista, bum Arpista, e competentes musicos, bum Sacristuo, bum Àl-
tareiro, bum porteiro da massa, bum sineiro, e Relojoeiro, e outros
scrventes da Igreja, além dos oflìciaes do Bispo, Provisor, Vigario Ge-
ì-al, Mcirinbo, Escriv5es, etc. A So be Tempio tao grande, que rara-
mente se ve toda cbea, com ter Prègadores obrigados por El-Rei, das
Ordens dos Franciscanos, e Graciduos; mas vio-se cbea toda quando prò-
gOQ nella o Veneravel Padre Antonio Vìeira da Companbia de Jesus, em
a festa do Rosario, ba scssenta annos. Suas torres sao tao altas, que fu-
gìndo acima de buma d'ellas bum menino do coro, a quem o Mestre
qaeria castigar, e arremegando se fora da mais alta sineira, o apanbou
V vento pela opa vermelba, e o foi por sobre o telhado do Convento
das Freiras da Esperan^a, distancia de multo mais de tres largas ruas,
sem receber damno algum, e foi depois bum bom Ecclesiastico. Estuo
estas torres bem providas de nobres, e grandcs sinos, em que.ba dis-
tincao em o tocar aos defuntos Qdalgos, ou da govcrnanca, e aos só-
mente nobres, e aos plebeos.
102 A segunda Freguezia (se assim podemos cbamar-lbe) be a do
Castello grande, que pelo grande relogio da Sé be que se governa, dan-
do là as boras com a mào buma sintinella no seu sino do Cartello, e no
mais li se governào, e provéni, pelo seu Capellào mór, no Ecclesiasti-
co. A tcrccira Freguezia da Cidatle bo a nobre Collegiada da Conceifào dos
Clerigos, que no lamanbo, e scrvigo da Igreja pudcra ser Imma Sé; lem
2^u rico Vigario, duiis Curas, olio Benvificiados, Sacrislao, Tbesoureiro,
^Ic. muilo grande numero de freguozos, o muilos d elles (ìdalgos, e mor-
gados muito ricos. A (piarla Freguezia por aiinclla parte, de Leste para
Si HISTOmA INSUUNA
Nordeste, he a de SSo Dento, qiie tambem chamlo Val de Linbares, que
tem Vigano, Cura, e Thesoureìro. A quinta he a de Santa Luzia, que
tambem esté no fim da largura da Cidade, correndo em bum alto do Sul
para o Norie, e tambem tem Vigario, Cura, e Tbesoureiro; e bum seu
Vigano, Ambrosio de Sousa Fagundes, Theologo, e bom Prégador, d'abi
foi para Conego da Sé. A sexta Freguczia be a de Sao Fedro, que fica
no fim do grande comprimenio da Cidade, correspondendo a mais dis-
tante de Sao Bento, e tem Vigario, Cura, Tbesoureiro, e dous Benefi-
ciados, e com ser grande Freguezìa,en'eilaalgumasca$as nobres, omais
sào mareantes, e se estende a muitas partes fora da Cidade, e da sua
porta, que cbamuo de S. Catbarina.
103 Tem mais a dita Cidade, ao entrar do porto pela famosa ma di-
retta, e i m3o direita tambem, a Real Misericordia com seu .Hospital
annexo, e tudo prima fundado por El-Rei, e augmeniado depois por \*a-
rias pessoas; be Igreja que corre com a rua, sem se afastar da direìtura
da casaria, e por isso muito larga, de tres naves, e tres corno altares
móres, e outros varios à roda, e menos funda, do que pedia a largura,
por Ibe correr por detraz a rua de Sarìto Espirito; mas ainda assim tem
todas as casas, e reparlicóes que costuma ter Imma nobre Misericordia;,^ ^;
e logo na rua de Santo Espirito tem seu Rcal Hospital, e com mais lar — ^r-
gueza para traz: a Misericordia ebega a cincocnta moios de renda cada^ ^
anno, e cincoenta mil réis em dinbciro: o Hospital passa muito de ses-.^^
senta moios de renda, e do fóros cento e cincoenta mil réis, além d»^^de
Ibe dar El-Rei o dizimo dos frangos; e assim Misericordia, corno Ho^^ s-
pital, terao a renda que a consciencia de quem os governa Ibes iew- ^r,
porque jd em tempo de Fructuoso tinhao estas casas muita mais renu^v/a
de trigo, e dinbciro, e so bum Religioso de S. Agoslinbo, Freì knioi^mmo
Varejuo, de adquiridas esmolas Ibes doou dez moios de trigo de reoi^ 4i
cada anno: e lem a Misericordia tantos Capellaes com seus ordenad^^os;
que celebrào cada dia os Offlcios Divinos em seu coro juntos.
104 Ila mais em Angra tanlas Ermidas, e de tanta devogao, que todos
OS dias em tres d'ellas se canta o Terco da Senhora, na da boa Ho\a,
na dos Remedios, e na da Saude em a praga que d'anles se cbamava de
S5o Cosmo, e Sao Damiao; e aqui insiituhio este Tergo, e Confraria àos
Escravos da Senhora, bum Merc.idor chamado Agoslinbo de Oliveira, ho-
iHem de vida igiialmontc devola, e cxemplar; contras Ermidas suo ade
Sao Lazaro com seu Hospital, a do Corpo Santo dos Mareantes, a de Sia
UT. VI CAF« xn 55
Joao Baptista dos Cavalleiros, a de Santa Catharìna, a de S3o Jo3o de Deos»
a de Nossa Senhora do Deslerro, e a da Natividade, que he dos pretos que
servem a Cidade» e por Bulla Apostolica he immediata a Roma: eassim
n'estas Ermidas, corno nas Frepezias, e Mosteiros ha mais de cincoenta
Confrarìas com muitas Missas cada semana» cada huma com sua Festa ca-
da amio, e quasi todas multo bem ornadas, e tudo se sustenta de esmolas
da Cìdade.
CAPITOLO xn
Do esiado Religioso gue ha em Angra.
105 Cousa parece sem duvida que os primeiros Religiosos que en-
trario nas Ilhas Terceiras, forio os do Serafico Padre S. Francisco» por-
que jà quando a S.Uiguelveio aquelle Religioso DominicoFreiAffonso de
Toledo» em o anno de 1522» comò dissemos acima liv. v cap. 0» jé ent^o
havia em Villa Franca de S. Miguel o Convento de Franciscanos» que
com a dita Villa se sobverteo ; e jà na Villa da Praia da Ilha Terceira
havia outro Convento de Franciscanos» e mais antigo que o de Villa Fran-
ca, pois muito antes do dito anno de 1522» havia na Praia o tal Con-
vento» e jà taml)em outro na Ilha do Faial, e o principal em Angra» con-
forme a Fructuoso liv. vi cap. 15» onde confessa nào saber quem fosse
o Fundador do Convento de Angra, sabendo e nomeando os Fundado-
Tes do Convento da Praia» e do Faial ; d*onde se ve que o de Angra ere
mais antigo ; e comò da Religi3o de S. Domingos nem ha» nem bouve
jàmais Convento algum nas ditas Ilhas» mas so aquelle Prégador Frei
Affonso de Toledo» e depdis so houve CoUegios da Companhia de Jesus»
e depois ainda Conventos da Graga, e no Faial bum de Garmelitas Cal-
vados; segue-se que de Religiosos os primeiros que entrarao n*estas Ilhas
for3o OS Franciscanos» e parece que os primeiros dous Conventos se
fuodarao na Ilha Terceira; mas se primeiro o da Praia» ou de Angra»
d*isso nao consta ainda» mas parece ser o de Angra.
106 Maior duvida he» de que regra de S. Francisco er3o estes pri-
meiros Franciscanos» que for3o às Terceiras. Do que pude descubrir
julgo que n2o dos chamados Observantes, mas dos que chamao Conven-
tuaes» erao : e assim parece se collie do citado Fructuoso cap. xv aon-
de diz que antes da subverslio de Villa Franca nao havia em S. Miguel
outro Convento mais que o que se subvcrteo » e que na Terceira havia
56 HISTORIA INSULANA
jé 0 de Àngra, e o da Villa da Praia, e que d^este fora Fandador hiim
Frei Simao dc.Novaes, irmSo de Fedro de Novais, e de Fernando de
Quental, e que do dito Convento fora Guardiao, e nelle morrera santa-
mente; e que Frei Vasco de Tavlra fundoa depois o Gon\*ento de Pen-
ta Delgada no anno de 1525, mas que tambem antes de se subverter
Villa Franca, fundou o Convento do Faial Freì Pedro de Atouguia : e
accrescenta que o primeiro Commissario de S. Francisco, que velo as
Ilhas, foi Frei Lopo Teixeira; seguodo, Frei Roque Bocarro ; terceiro,
Frei Pedro Galego ; quarto, Frei Antonio Samande ; quinto, Frei Nico-
lao Barradas.
107 Depois d'estes Commissarios, e ji no anno de 1547, de Por-
tugal velo 0 seu mesmo Provincial o Mestre Frei Simao de Sousa à lilia
Terceira, e em Angra celebrou Capitulo de lodos os Frades* que jà ha-
via nas Ilhas, e sahio Guardiao de Angra Frei Gaspar da Estrella, e
Guardilo de Villa Franca Frei André de Coimbra, e de Ponta Delgada
Frei Diego de Coimbra, e Frei JoSo de Sande do da Praia, e Qcarao to-
das as Ilhas Terceìras constituidas Custodia Franciscana, e se voltou o
dito Provincial para Porlugal ao primeiro Capitulo que se fez em a Cida-
de do Porto no anno de 1550, e d'elle sahio por Custodie para as Ilhas
Frei Francisco de Moraes, a quem succedeo Fr. Antonio de Alarcao,
grande Prégador, e a este Frei Thomé de Estremoz ; até que no anno
de 1568, vierao os Franciscanos Observantes para as ditas Ilhas, e os-
tando so dous annos n'ellas forao mandados outra vez para Porlugal, e
tomarao a ficar os Conventuaes nas Ilhas, e Ihes velo por seu Commis-
sario, e Guardiao de Angra, Frei Lourengo de Pina : porem pouco de-
pois vindo 0 Reverendissimo Geral Franciscano a Lisboa, o qual era Fr.
Francisco Gonzaga, irmao do Duque de Mantua, e ajuntando-se Obser-
vantes, e Conventuaes, todos por ordem dei-Rei renderOo obediencia ao
Geral da Obsenancia, o sobredìto Gonzaga, e em Capitulo feito emXa-
bregas de Lisboa, se dcr3o os Conventos todos das Terceiras é Provin-
cia dos Algarves, cuja cabega he Xabregas de Lisboa ; e a Madeira a
Provincia que chamao de Portugal, cuja cabega tambem em Lisboa he
o Concento chamado da Cidade, e ficarao os Conventos das Terceiras
sendo em lodo Observantes, conio o sao até agora.
108 Porem tanto se multiplicarao nas ditas Terceiras os Conven-
tos Franciscanos, que ja ha muitos annos sabirSo a ser Provìncia sepa-
rada, e tao grande Provincia, que creio passa de trezentos sugeitos, e
Liv. VI CAp. xu 57
doze Conventos, e tem cm Lisboa sempre Custodie para os negocios da
Provincia; e a Madeira fìcou separadamente governada pela Provincia
cbamada de Portuga!; e corno da tal Provincia das Ilhas Terceiras nao
tem ainda sabido Chronic^, tendo tambem muitos Convenlos de Freiras.
e nSo so tem falecido muitas Religiosas, mas tambem muitos Rcligiosos
de siogulares virtudes, e exemplos; e ainda Missionarios exemplarissi-
mos, nSo so para as Conquistas de Portugal, mas ainda para Jemsalem,
creio que cedo algum dos doutissimos Mestres da tal Provincia satura
com sua historìa, e suppriri os defeitos que n'esta achar, e com os me*
Ihores apontamentos, que là de tudo bavera ; que nós nos reduzimos
oulra vez a Angra.
109 Oito pois sao os Conventos do Estado Religioso que ba na Ci-
dade de Angra; quatro de Religiosos, e de Religiosas outros quatro. o
prìmeiro de Religiosos be o de S. Francisco, intitulado Nossa Senbora
da Guia, e be Convento em tudo magniRco, porque passa de sessenta
Religiosos; tem buma grande, e fructifera cerca com copiosa agua den-
tro, ampio edificio de grandes corredores, Noviciado dentro, e bem pro-
^ida Enfermaria, e bum magnifìco; e sumptuoso Tempio, com nobre, e
grande Gapella da Ordem Terceira dos seculares, com grave Religioso
Commissario, e seculares Ministros, e outros Officiaes, e outras muitas
Capellas, e coro continuo, até pela meia noite, com exceliente musica,
e hnm largo terreiro da Igreja quasi redondo, e pouco acima da pra^a
da Cidade, com bella vista da melbor parte d'ella; e no mesmo Conven-
to tem muitos doutos Lentes para os seus Religiosos, de Filosofila, e
Tbeologia alternadamente em trìennios, muitos, e bons Prégadores, e
sempre Religiosos de vida muito observante, e exemplar.
1 10 Emfim he este Convento a cabeca de toda a Provincia das Ilbas,
e D'elle reside mais, e tem seu Definitorio o Provìncial. De ludo ìsto
nao sei que bouvesse outro especial Fundador, senao os mesmos Reli-
giosos, e a devocao dos Cidadaos de Angra; mas segundo Fundador,
00 Reformador.de tudo foi o Mestre Frei Fernando da Conceicao, que
commumente cbamavao Fr. Fernando Laranjo; este foi Guardiao de An-
gra, muito douto Lente, e Prégador, Prelado d*esta Provincia muitas
vezes, e o Padre mais digno n'ella; este por varios meios ajunlo!i (com
zelosa nota de alguns) tantos mil cruzados, que nao so fez: e reformou
todas as sobreditas obras, mas reformou tambem o Convento de Penta
Dclgada, e alguns outros Conventos da Provìncia, e comtudo era em sua
98 HISTOMA INSULANA
pessoa, em scu vestir, habitar, e corner tao exemplarmente pòbre. qae
d'elle pódedizer-se, quequSo largo era para o bem commum da Religiio,
tao apertado era para comsigo, e por està grande virtade, depois de
grande velhice, llie deo Deos humà morte desapegada de tudo deste
mundo, com renuncia de tudo em sua ReiigiSo, com n3o menos esem-
plo de Catholico, que de douto, e com grandes sinaes de sua eterna pre-
destinacSo.
Ili 0 segundo Convento de Religiosos foi em Angra o Real Colle-
gio da Gompanhia de Jesus; a este» e ao da Uba da Madeira, no mesmo
dia» e anno de 1569, e em o mez de Marco mandou fondar de sua Real
fazenda o Senbor Rei Dom Sebasti3o, sendo entao Provincial da Com-
panbia o Padre Le3o Henriques ; mas com a peste que entao bavia em
Lisboa, nao partirSo os Padres senao em Mar^o do anno seguiate de
1570, onze para o Funcal da Madeira, e outros onze para Angra da liba
Terceira, e os que biao para està, embarcarao em sete niùs de guerra
com 0 General D. Francisco de Mascarenhas, que bia esperar as néos
da India, e corno estas ja vinhao da Terceira com comboy de carave-
las, arribariio os Padres na Armada, e tomarao a partir nas caravelas a
deus de Maio, e no ultimo cbegarao é Terceira, e desembarcar3o em o
primeiro de Junho: indo por primeiro Reitor do Collegio o Padre Lois
de Vasconcellos, nao menos santo, e sabio, que illustre, (por ser noto
do Gonde de Penda) e que tambem bia por Mestres dos casos, tendo
ìa ido a Roma duas vezes por Procurador da Provincia de Portugal, e
com elle biao os Padres Fedro Comes, e Baltbesar Barreira por Fréga-
dores, e tambem dous Mestres para lerem Frimeira, e Segunda, Fedro
Freire, e Sebastiao Alvarez; e seis Religiosos mais para estadarem, e
servirem ao Collegio.
112 Antes de os Padres desembarcarem sahio o Bispo D. Nudo Al-
varez Pereira, e muitos Ecclesiasticos a esperal-os, e o Senado da Came-
ra com 0 Capitao mór Joao da Silva do Canto, mettendo-se em doas
barcas alcatifadas, e omadas forao a bordo buscar os Padres, e trazen-
do-os ao Bispo que os espcrava, elle os abra^ou, dizendo: «Agora me
vcm todo 0 meu descanco:» e todos assim levarao os Padres, e os bos-
pedarao logo na Misericordia, e o magniQco fidalgo Joao da Silva do
Canto tomou logo sobre si dar-lhcs tudo o necessario, e sustental-os,
em quanto nao escolhiao babita^ao; e porque o dito tidalgo tinba ja fei-
ta huma Igreja; e religiosa babita^ao, para niella metter meninos orHios,
LIY. VI GAP. XII 50
corno OS tem Lisboa, pedio multo aos Padrcs aceitassem aquclle ediH-
cio, e ornato d*elle, e liberalmente logo Ihes fez doagao de tudo. e de
malta outra madeira que para mais obra tinha junta, e se recoIherSo os
Padres ao dito primeiro seu Collegio, de que podia chamar-se Funda-
dor o dito fidalgo Joao da Silva do Canto, que com tal liberalidade Iho
dea feito; e o posto era no sitio da Cidade aonde chamao a Racha, so-
bre a bahia do porto, e mais sobre o Portinho Novo, com dilatada vis-
ta para o mar» e adiante da rua dos Cavallos para o Sul, e n3o longe
do Paco Episcopal, e sua Sé; mas d'abi a annos se mudarao para onde
boje estSo.
118 D'este primeiro Collegio, que pelo Orago da ja Teita Igreja se
intUulava Nossa Senliora das Neves, come^ao logo a sahir os Padres, e
a fnictificar nas almas espiritualmentc, comò do Geo vem as neves, e
fertìlizSo as terras, e multo mais com a occasiao de huns tremores de
terra, e com suas prégacSes mover3o tanto a Cidade, e a tanta peniten-
da, Conflssoes, e Gommunh5es, que todos se persuadilo que se entao
morressem, se salvavao todos, passados os terremotos, sahio logo o Bis-
po D. Nuno a visitar, levando por companheiro ao Padre Pedro Comes,
qoe tal fruto fez, que em a Villa da Praia, e em bum Mosteiro de Frei-
ras da obediencia do Bispo, ouvidas do Padre todas suas praticas, Ihe
troQxerSo é grade quantas pegas tinhao escusadas, e ainda so curiosas ;
e as de prata as converlerao em calices, e pegas da Igreja; e o mais se
entregou é Àbbadega para commum uso da Enfermaria, e Communida*
de, e nao para proprio de alguma Frcira, e logo em Septembro do
mesmo anno de 1570, adoeceo, e faleceo o Bispo, que por suas virtù-
des se ere estar na gloria, e se vio cumprida a sua profecia, quando
aos Padres que desembarcarao disse: Agora me vem todo o meu des-
canco; pois logo se foi para o Ceo.
114 Entao o primeiro Reitor o Padre Luis de Vasconcellos man-
doa ao Padre Pedro Comes em missao a Ilha de S. Miguel, e foi o pri-
meiro da Companbia que n'ella entrou, e andou n*ella até Agosto de
1571, em que voltou para Angra, e no anno de 72 for3o de Portugal
para Angra o Padre Ajidré Gongalves por Mestre dos casos, e o Mestre
Jo3o Garcia para ler a Segunda, e o Irmao Balthesar de Almeida para
servir no Collegio, voltando oulros para Portugal, donde logo no anno
de 1573 veio o Mestre Simao Martiris a ler a prinjcira, em 1574 para
75 vierao o Padre Luis Pedro Pinhào para Ministro de Angra, e oiitro
00 IllSTOniA INSULANA
Mestre para a primcira, e o Imiao Francisco Dias, Mestre de obras» pa-
ra tlirigir as do Collegio, e no anno de 1576, enlrou em a Terceira
por segundo Reilor do Collegio o I^adre Eslevao Dias, grande Prt^ador
e bom Theologo. No anno de 1377 sabendo a Cidade de Angra quo
mandavao voltar para Portugal ao Padre Pedro Comes, escrcveo o Sena-
do da Camera, pedindo ao Provincial que 111 o nao tirasse, e no seguio-
te anno llie veio patente de Visitador, e foi o primeiro Visitador da
Companhia que liouve nas Tcrceiras, e acabada a Visita, querendo o Pa-
dre com capa de vir dar conia da Visita a Portugal, a Camera o impe-
dio, até com pregao publico, e grandes penas a qualquer barqueiro qoe
0 levasse a embarcar, ou cousa sua, e porque alguns da Cidade, a ro-
gos do Padre, diziao que o deixassem embarcar, centra estes chegarSo
a metter maos as espadas, e so o mesmo posto de joelbos, e seguranr-
do-os que se voltava para o Collegio, comò fez, apaziguou a civil con-
tenda.
113 Mas porque entao estava em o porto de Angra a Armada Real.
de que era general D. Jorge de Menezes, o Padre Pedro Comes, depois
de muita oracao, santaniente persuadio a liuns barqueiros Tossem a bum
portinlìo de buma vinba dos Padres, bum quarto de legoa fora da Ci-
dade, para de la mandar bum refresco ao General, e ir a visital-o, eas-
sim sem mais que o seu Breviario se foi da Quinta & Armada, e li flcou, ^
clamando os barqueiros, de se verem sem mao dolo enganados, e su-—:
gcitos às penas do Senado; porém este, por jà nao poder mais, e porar^
petigao do Padre, perdoou aos innocenles barqueiros, e ao Padre man— .«-
darao matolagem nobre, e para o Padre Provincial caitas, em que \h^^z
torna vao a pedir o mesmo Padre. Chegado o Padre a Lisboa, o pedi^-^^
logo para seu Confessor a Serenissima Senhora D. Catharina Duqueza àJE:^
Bragan^a; e pouco depois o Padre parilo por Missionario para o JapaG^lc]
por 0 ter muilo pedido; e porque nunca llie pedirao cousa por amor l»
Virgem Senhora que nUo concedesse, e bum Beligioso da Companhia lF^^7i
pcdio 0 seu cilicio, e disciplinas, estas Ihe deo com grande repugnanc",^rr«
por estarem lodas vermelhas de seu sangue, e o cilicio, por ser de cr»- ud
ferro; mas achando-se com oulros semolhnnles instrunientos, de qne //.
nha muitos; e finalmente morreo esle Santo Padre cm a India, e rrroiu
muitas revelacoes do Geo, e nolaveis profccias sobrc os successos fi-^///-
ros da Coroa de Portugal.
1 10 Logo em o anno de 1 j80, em Seplembro veio da Terceira ow
I
LIV. VI CAP. XII 61
outra Mìssao a Suo Miguel o Padre Francisco de Aranjo, e por compa-
nhciro o Irmao Domingos de Goes, e vicrao ambos com o Bispo D. l'c-
dro de Castllho, qiie vinha a visitar, e todos se deliverao cm Suo Miguel
dous annos; e pelo mesmo tempo chegou liuma caravela a Silo Miguel
com bum Antonio da Costa, que em Suo Miguel acclamou logo ao Se-
nhor D. Antonio por Rei de Portugal; e ao terceiro dia elle, e ciuco Ir-
!d3os da Companhia, que com elle vinhfio, se passarao logo i Terceira,
e d'esla o Padre Reitor Eslev3o Dias reraetteo logo em Dezembro do
^580, a Lisboa o Irm3o Baltbesar Gongalves com negocios de importan-
cia, e tornando o dito Irmao é Tercelra, de li voltou mandado para Sao
Miguel, e d'ahi a anno e melo partirSo para Lisboa o Padre Francisco
do Araujo com os dous Irmaos, e o Bispo D. Pedro de Castilho. E muito
depois em 1589, passar3o por S. Miguel para a Terceìra o Padre
Francisco Fertiandes, e com elle bum Mestre do mesmo nome para ler
a Prìmeira, em 1390, veio o Padre Pedro de Almeida para Reitor de
Angra, (tendo ji sido Reitor da Madeira) e entao Taleceo em Angra, a
4 de Julho de 1390, o Padre Luis de Vasconcellos com grande fama de
rara santidade, e prudencia grande de governo.
117 D*esta sorte fui continuando o Collegio da Companbia em An-
gra, e no primciro sitio cbamado da Rocba, até que (comò diz Guodes
cap. 7,) se mudou o Collegio para sitio mais commodo d Cidade, e aos
estudos d ella, que lie pouco acima da praga, no Tim da rua direita a mao
esquerda, fìcando 5 mao direita, e ainda bum pouco mais acima o Pa^o
do Marquez Donatario, e abaixo do jardim do Marquez fli^a buma cerca
do Collegio, a qual cbamào o Sitio, com bum bom solo baixo, e outro
alto, d onde se ve o melbor da Cidade, e u'este sitio corta buma rìbeira
de agua doce, com que nao s6 tem boria, mas muitas, e grandes arvo-
res, e até Bananeiras do Brasili d*este sitio da mao direita se passa por
boa abobada, e por baixo da rua publica, a outra cerca mais pequena,
qae fica da parte esquerda, com fonte de agua dentro, e de beber, e
com boas bortas, e latadas, tudo contiguo ao Collegio, detraz d'elle.
1 18 A Igreja deste se segue logo com o alto frontespicio corrente da
parte do Sul para o Norie, com largura, e comprimente proporclonado,
fermoso, e grande Coro, ao principio, e adiante d'elle se seguem tres
nobres Capcllas, depois ampio cruzeiro, com nao so grandes grades A
entrada, mas adianle as pequenas da Communbao, e na fronte mais tres
altares, dous das ilbargas riquissimos, e ainda de mais ricas Ueliquias,
&Ì lilSTOlUA I.NSULA?CA
c a Dobrc Capcila mór, corno cabega grande, e digna de tao regio cor-
po, e ludo ricaineiite dourado: por cima das Capellas, sem estas fìcarem
baixas, v3o taes tribunas, que cada huma ho liuma linda sala, d*onde os
mais nobres vao ouvir as prégavoes, e se ouvem bem, e para ellas se
entra enì boas entradas do Coro por cada parte, e todas tem primeiras
luzes, que vuo dar em a Igreja ja corno segundas, fora as de cada parte
do cruzeiro, e as do grande frontespicio, que suo luzes em ludo primei-
ras. 0 tecto d'està Igreja he todo de abobada, porém do cedro finissi-
mo, (e todo admiravelmente lavrado, e repartido em paincis) que se foi
buscar é liha das Flores, onde ainda entao melhor, e mais cbeiroso o
havia.
110 Do frontespicio de fora, e do de dentro, que cerca a Capella
mór, muito podla' dizer, porque ambos silo altos, magostosos proporcio-
nadamcnte, com as Reaes Armas humanas do Serenissimo Rei seu Fun-
dador, e do seu Divino Padroeiro o Santissimo Nome de Jesus; e nSo
menos poderia referir do nobre, e largo terreiro, e suas boas entradas
que ha para a tal Igreja; e ainda muito mais do exceliente Pateo dos
Estudos, que se segue logo para a mao esquerda da Igreja, com aula
de perpetua Tlieologia moral, e outra do FilosoQa muitas vezes, e oatra
que cbam3o Primeira, aonde se le sempre Rbelorica, e a que cbaoiio
Segunda, aonde se ensina a Latinidade, e outra sala principal dos Actos
literarios, tudo com portada principal dos Estudos para fora, e com seu
Guarda, e Meirìnho; e se Ilio puzerem mais liuma cadeira de Theologia
Escolastica, e outra de so Gramatica com seu Prefeito, cu Decano» fica-
ria huma muito utìl Universidado, para de todas as Illias Terceiras virem
alli formar-se Moralistas, Prégadores, e Parochos perfeitos» e ainda to-
marem alli seus gràos de Mestres em Artes, de Bachareis formados, e Li—
cenciados em Theologia; e com hum anno so anno do mais virem a Coim^
bra, ou a Evora a tornar o grào, Capello, e boria de Doutores, com»
da Bahia vem, e de outras partcs. Ilaja mais zelo do bem commum, »
menos ambicao, e logo tudo baveri
120 Acima do dito Pateo dos Estudos para a banda do Norte corre
0 Collegio contiguo de Leste a Oeste com quadra de corredores, que pelo
Sul pegSo com o Coro da Igreja, e pelo Norte com a Capella mór, e tri-
bunas para ella; mas do tal Sul ao Norte vai via larga, e aberta para o
Geo, para a Igreja com primeiras luzes; e ficando da parte do Sul huma
nobre Portarla olhando para o Oeste, e para o vasto terreiro da Igreja,
Liv. VI GAP. mi 03
cotn que pega pelo Coro: em cima da Portarla fica a Regia sala d'el-Rei
D. Seba3ti3o Fundador do Collegio, e da parte do Norte fica cm baixo
liuiiìa nobre sala, ou \Dte-sacrlstia com porta para o Crazeiro da Igreja e
logo para diante a fermosa Sacristia, que corre com o lado do Evangelho da
Capella mór, e com outras casas de despejos da Igreja; e por cima vai
a via para as trìbunas do Santissimo, e mais para o Norte huma tSo co-
piosa livraria, que nSo so das mais Artes, e Sciencias, mas até de Me-
diciDa tem muitos, e excellentes lìvros, além dos que os Lentes, e l^ré-
gadores tem necessariamente sempre nos cubìculos.
i21 k fundagao Real d'este Collegio foi, consignando-Ihe el-Rei
seis-centos mil réis de renda cada anno; dous termos em dinheiro nas
Alfandegas, e o outro terco em trigo, e obriga^ao de doze Religiosos.
dos quaes lessem tres, lamn, Rhetorica, e Moral, e os mais se occu-
passem nos ministerios da Companhia, de pregar, doutrinar, e con-
fessar, ficando competindo a cada sugeito cincoenta mil réis para to-
dos 08 gastos, ainda communs de bum Convento, e continuas navega-
fOes de idas, e vindas: porém he tal a prudencia, e temperanza do go-
verno da Companhia, e tanta a benevolencia dos naturaes das Ilbas para
CODI OS Padres, que em lugar dos doze sugeitos, tem ordinariamente
quinze, oa dezaseis Religiosos; e em lugar das tres Cadeiras metteo jà
por vezes quarta de Filosofia, e metterà as mais jà apontadas, se nos
natoraes houver mais zelo do seu maior bem proprio; e em lugar de
pregar, doutrinar, e confessar, excedem tanto, que a todas as nove Ilhas
lem ido, e v3o muitas vezes em missoes, com que em S3o Miguel fun-
dario o Collegio, e Residencia que là tem, no Fayal outro Collegio, e das
mais Ilbas, Ibe pedem Residencias, e se as tivessem, nSo so Deos, mas
ainda a Coroa Portugueza teria as suas Ihas mais seguras, porém n3o
tem 0 Concio com que acodir a tanto, pois so tem huma Quintinha de
reodimento nenhum, mas de pura, e honesta recrea^So para os suetos
dos Estudos, onde cham3o a Silveira, ou Penedo do Alcalde, e outra onde
diamSo o Posto Santo, para alguns dias de ferias de Mestres em Agosto,
e Septembro, comò em seu lugar diremos.
CAPITULO XIU
De outros Religiosos Conventos de Angra.
122 0 Terceiro Convento, vulgarmente diamado da Gra^a he o
gì IIISTOniA INSULANA
dos Religiosos EremiUs de Santo Agostinbo. A occasiio de se fundar
foi, que (corno diz Fructuoso liv. 6, cap« ÌQ,) pelos aunos de 1570, foi
de Portugal à Uba Terccira bum mancebo Antooio Varej3o, naturai
de Freixo de Espada na Cìnta, o qual sendo virtuoso, e de bom enge-
ubo, se voltou da Uba a estudar em Salamanca, e nesta brevemente se
metteo Religioso em bum Mosteiro de Santo Agostinbo, onde acabou os
estudos, e jà Sacerdote voltou a Uba Terceira, onde prégou muito bem»
e com muito fruto, e passando*se da Uba às Indias de Castella, e n'ellas,
assim de suas Missas, e prégagSes, comò de restituigies a elle entregues
para as applicar as obras pias que elle escolbesse, ajuntou'^mttUa^rique-
za, e com ella terceira vez voltou a mesma Uba Terceira, e comprando
n*ella rouitos moios de annual renda de trigo, come(^u logo na Uba bum
Hospital para a gente que alli cliegasse dls Indias, e tendo a casa jà
feita, mudou de intento, e dando parte dos moios à Misericordia de An-
gra, da outra.parte, e do sitio, e cada feita fez logo doa^ao ao seu Pro*
vincial de Portugal, para fundar em Angra bum Convento de Frades Gra-
cianos.
Ìì3 Em 0 anno pois de 1379, mandou o dito Provincial tres Re-
ligiosos, Frei Pedro da Graca Prégador, e Frei Domingos Corista, e bum
IrmSo Frei Pedro da Resurreigao; e voltando logo o dito Pr^ador a
Portugal a dar conta do que convinba, entretanto come^arao as guerras
entre Felippe II, e seu primo o Senbor D. Antonio, (de que adiante tra-
taremos) e os oulros dous que ficarào na Uba, por serem da parte de
D. Antonio, forao prczos, e levados a Lisboa; e depois no anno de 1584,
se fundou o Convento, e sua Igreja, e o primeiro Prior foi bum Frei
Pedro, naturai da Uba de SSo Miguel, Albo de Sebastiao de Soosa Ca-
mello, e de sua mulber D. Isabel, filba do Doutor Francisco Toscano; e
correrao logo tantas Indulgencias concedidas à dita Igreja, e Correa de
Santo Agostinbo, que o pio povo de Angra cbamava Roma ao dito Con-
vento, e indo a elle diziao: Yamos a Roma; e assim se fundou este Con-
vento da Graca em Angra ba 130 annos.
12 i 0 sitio deste Convento be no fim da grande ma da Sé, para
a parte do Poente, e no principio da mais comprìda rua de Sao Pedro,
que vai longe acabar na porta de Santa Catbarina: da parte do Evange-
Ibo Oca junto a este Convento o campo cbamado das Covas; nofrontes-
picio da Igreja para a parte do Nascente Ibe fica outro bastante terreiro,
ao qual tambem vai dcsembocar a dilatada rua do Bego. A Igreja d'esle
II?. Vi GAP. xm G5^
Convento he grande e bem aceada; o Convento he competente, e ainda
se póde estender mais, pois por detraz para o Noroeste jà nao corre. a
Cidade, mas s6 afastadamente a nobre casa, e Quinta do Joao Betencor
e Vasconcéllos, fidalgo que foi Capitao mór de Angra: para este Conven.
to, além do seu primeiro Prior acima dito, forSo logo no pTincipio tres
Prcgadores mais, e hum so Sacerdote para primeiro Sacristuo, chamado
Frei Fedro de Santa Maria, o n'este Convento chegarao a morar tantos
Reiìgiosos, que d'elle se foi fundar o Convento de Penta Delgada em
S. Miguel, e o da Villa da Praia na Terceira, e n'clle houvc sem|)ro bons
Prt^adores^,© Confessores, e Coro às suas lioras: a Communidade acom-
panha os defuntos às sepulturas, e om fìm serve de multo a toda a Ci-
dade, e sobre tudo com multo exemplo de virtude, e letras.
125 0 que mais se deve approvar, he, que assim corno os Fran-
ciscanos no seu Convento de Angra insti tuirao cabcga de Provincia com
seu Provincial, Definitorio, etc, assim os Gracianos no seu Convento de
Angra instituirao Vice-Provincia com Vice-Provincial, nao tendo mais que
tres Conventos cm estas Ilhas; porque na vcrdade acharao, que parecia
centra justiga morarem tantos Religiosos em Ilhas tao alTastadas de toda
a terra firme, e nao terem là alguma cabega superior do todos, a quem
OS sobditos de cada casa possao, quando Ihes for licito, recorrer dos lo-
caes Superiores, pois o recorrer cà a Portugal, em (comò se diz) a se-
gQDda instancia, he quasi impossivel, fallando moralmente, por se to-
marem, ou se perderem muitas embarcagoes, que primeiro morrem là,
oa perdem a paciencia os recorrentes, do que de Portugal là chegue a
iresoluf^o de seus recursos, e por isso muitos se escusso tanto de irem
para as Ilhas, por nao haver là a quem possao recorrer, quando for li-
bato: e jà por isso tambem até a Religiao da Companhia^ nao so do Ja-
pao, e Malavar, ou Cochim fez Provincia, e da China Vice-Provincia, e
do Maranhao; mas até nas ditas Ilhas poz jà Vice-Provìncial, que foi o
Vadre Matbias de Sa pelos annos de 1609, depois de ter side Reitor de
Sio Miguel, e de Angra, e mais ainda entao nao havia em Sao Miguel a
BesideDcia de Ribeira Grande, nem no Fayal o terceiro Collegio, corno
ji tocamos liv. 5, cap. 21, e muitas vezes nas mesmas Ilhas se tem posto
Visitador triennal, para se nao faltar ao bom governo dos seus Colle-
gios.
126 E ainda he mais de approvar, que as ditas Religìoes Francis-
cuia, e Graciana tem seus proprios Noviciados em Angra, onde tem en
VoL. u 5
66 lltSTOHIA liNSULANA
tj^o muitos, e muito limpos, e nobres sugeitos das mesmas Ilbas; por-
que parece conlra a raziio, que sustentaadu-se buma Religiao nas dilas
Ilbas, e iiavendo n'ellas sugeitos capazes de nella entrarem» os obriguera
a virem entrar em Portugal trezenlas legoas de mar distante» nao so com
OS perìgos'do mar, cativeiro» naufragio, etc, mas com muito grandes
gastos; e por isso de la nao pedem tantos, quantos haviSo pedir, se là
entrassem Novigos, e depois viessem para ce; corno nem tantos entra-
riao cà das Provincias Transmontanas, Mìnbo, e Beira, senao tivessem
Noviciado em Coimbra; nem do Algarve, e todo o Alem-Tejo entrariao
tantos na Companbia, se em Evora nao tivessem outro Noviciado; e até
da Estremadura, e da mesma Lisboa muitos nao entrariao, se em Lis-
boa nao tivesem Noviciado em que entrar, sendo que em taes Novìcia-
dos nenhum entra vindo do dizimo das legoas de terra, que de Portugal
vSo até as ditas Ilbas, e de mar.
127 0 quarto Convento de Religiosos em Àngra be o de S. Anto-
nio, Uecolela Franciscana, que està ao sahir da Cidade pela porta de Sào
Dento, tornando logo para a mào esquerda, sahida recreativa, e de boai
passeio, be Convento exemplarissimo, nem sei que baja outro em as di-
tas nove Ilbas; e de nenbuma oulra se sustenta, mais que de puras es-
molas, quo ou Ibe mandao, ou vem pedir pelas ruas em dia determino-
do para isso, porque nem levao esmolas de Missas, nem tem Gapellas
de anniversarios, ou musicas, nem esmolas de enterros, ou de babitos
de defuntos; nelle sempre bouve Yaroes santissimos, e alguns passados
tla Observancia para està Recoleta; e comtudo sempre passa muito do
doze Frades. Tem buma linda Igreja, e Convento, e devptissima cerca,
e agua dentro em abundancia. Quem fosse seu Fundador, nao sei; consta
porém que o Capitào Joao de Avila (rico fidalgo de Aogra, de que fal-
laremos) ajudou muito a este Convento, e juoto é Capella mór tem casa
sua, e na tal Capella sepultura.
428 0 quinto Convento (e jà de Religiosas Freiras) be o diamado
de Sao Gonzalo, da Regra da Observancia de Santa Clara, porém tio
antigo, que em seu principio foi da nbediencia do Bispo do Porlo em
Portngal, e depois por Bullas Apostoiicas flcou debaixo da obediencii
dos Bispos de Angra. Seu Padroeiro fui Bras Pires do Canto, e seu Fun-
dador, cuja ftlba D. Maria do Canto casou com D. Diogo Lobo que suo-
cedeo ao sogro no padroado de Sao Gonzalo, e do tal Diogo nasceo D.
Rodrigo Lobo da Silvcira, que foi naturai da cidade de Angra da Uba
UV. VI CAP. XIll 67
Terceira, e foi tìovemfldor, é Capitio General da liba de Sào Miguel pe*
los aoQos de 1630, e do dito D. Rodrigo nasceo D. Diogo Lobo^ s^un*
do do nome, q/ie por Mestre de Campo, e Govemador da Armada foi
para o Brasil no anno de 1639, e a 23 de Juiho Jevou comsigo de Sao
Miguel 0 Yisitador da Companbia o Padre Fedro de Moura^ cojo Com«
paDheiro, e Seoretario era o Padre Luis Lopea. FandoQ-se o dito Con-
vento em sitio descuberto para o Porate da Cidade de Angra, proprio
tiro de pe(^ de grande Castello de Sao Jo3o BapUstai com larga vista
para as bortas, bahia do Faoal, bairro de S. Pedro, e vasto mar de Des-
te, e be Convento tao grande, que jà passou de cem Freiras de véo pre-
to, e muitas mais tem tido, n3o so nobilissimas, mas de religiao, exem-
pio, e santidade exceliente, corno em sea lugar veremos; e com bom
terreiro para o Sai, e Igreja em tudo mai perfeita.
129 0 sexto Convento be o de Nossa Senbora da Esperan^a, quo
esti sitoado bem no meio da Cidade, e quasi da Sé Catbedral, e do prìn*
cipio da roa dos Cavallos; e por incuria dos antigos nao acbo noticias
do sea Fundador, e supponho seria o grande zelo dos Religiosos de S3o
Francisco; e lambem be da Regular Obsenancia de Santa Clara, mas da
obediencia Serafica, e n3o so no espiritual, mas tambem no temperai
bem governado pelo Provincial d's^uella Provincia, e por bum seu Pa«
dre Vigario das Freiras, que be lugar, e posto muito grave, e seu Com*
panbeiro Confessor, e Aliviadores, e Prégadores Seraficos; e ainda que
nSo be tao antigo, nem tao grande, nem tem tao boa vista comò o Con-
vento de Sao Concaio, comtudo be Convento de quasi sessenla Freiras,
e muitas muito nobres, e de grande recolbimento, e obsenancia, e muito
grave, e perfeita musica, com indefectivel continuacao do coro, e rìco
callo de sua excellente Igreja; e assim tem neste Convento bavido, e
sempre ba Religiosos de grande espìrito, de quem compera quem quizer
compor a Cbronica da Provincia Insulana, e facilmente a imprimirà é cus-
ta dos Convenlos que tem de Relìgiosas, que podem, e gostarSo muito
de imprimil-a.
130 0 septimo Convento be o que commumente chamao da Con-
cei^o das Freiras para distinc^ao da Collegiada Concei^ao dos Clerìgos.
He este Convento de estalulo, e regra tao singular, e pcrfeita, qne di-
xem que em Portugal so ba bum Convento scmelhante a este: o certo
be que com serem de grande recolbimento, e observancia os deus Con*
ventos acima, confcssao todos que este os vcnce no menor tra lo Com
68 IIISTOniA INSULANA
secularcs, ho maior rcliro so a Deos, e no especial excesso do cdto
Divino; sao da obediencia do Ordinario, de quem tem CapellSo, e Goft-
fessor communi, e ordinariamente Aliviadores, e praUcas dos Padresdì
Companhia de Jesus. Do sitio jà dissemos, que he na ultima grande fa
da Cidade para a portn de Suo Bento, sem inquietacio de casaria M
lados, com os fidalgos Monizes da outra fronteira parte; com amplia i
boa cerca, desempedida vista, devotissima e bem omada Igreja, Done-
rò de mais de trinta Freiras, e muiias fidalgas exemplarìssinias. Deqni-
do so fundasse, e por quem, me n3o chegou noticia.
431 0 oitavo Convento ho o que se intitula de Sic SebasUiOb por
ser fundado em huma nobre, e grande Ermida do Santo, que estiÙo
de Sao Francisco para a sobredita Conceic3o das Freiras i firn da m
olhando para o Sul, e com um retiro para o Norie: era ermida do Sa*
nado da Camera, quo deo a està Funda^So para Freiras Capuchas da n-
gra mais apertada o da maior pobreza de Sao Francisco: ha perla k
cìncoenta annos qnc se fundou com puras esmolas, e fui grande prt
em sua fundagHo o Capitao Joseph Leal, casado em Angra por vena, i
n'ella morador, Cidadao, e Senado aiiligo do governo da Cidade, pollo
que nascido em a Corte do Lisboa. A este Convento novo concomA
Ingo Donzellas nobres, e de grandoÉespirilo, e he de todos o roaispo-
bre, e por isso mosmo o mais soccorrido de esmolas que principalmenlB
d'cllas se siistonta, e Lo huma Cai)iiclia do tal clausura, reliro, eora^
quo confunde a lodos seu raro exemplo, vjriude, e santidade; he da obe-
diencia do Ordinario Angrcnsc, que llics dutonnina Capellaes, Confes»-
rcs, 0 Pnigadores, e chega jà a Convento de trinta Ucligiosas, deqwa
seu tempo se publicarào suas virludes.
CAPITULO XIV
Do tinto, e governo da Cidafle de Angra.
ì:J2 Const4indo a Cidade de Angra de vinte grandes mas, todas
largas. Indrilhadas, e calcadas, o corno ja as apontiimos, e sendo todas
de nobre casaria, duas circunstancias a fazom multo vistosa: primeiUf
(pie nas taes rnas (exceplos alguns arrabaldes da Cidade) nenhuma casa
lia despegada da outra, nem nos altos ncm nos baixos da parte da n».
nem casa lerreira se mette (jiilrc as sohradodas, nem Quinta!, oo ja^
Liv. VI GAP. xnr 69
dim sahe a nia; com que ficao as ruas com grande formosura continna-
das sempre. Sc^unda circunstaDcia he, que com sercm as casas quasi
todas de paredes feitas de pedra, e cai, e havendo muitas de dous so-
brados na face, e por detraz de tres; comtudo nao costuma haver mo-
radores diversos, hons que morem por baixo, e outros por cima, nem
qae pela mesma portada se sirvao diversos moradores, mas do mesmo
be lodo 0 Quintal que tem cada casa para traz, com que até por dentro
as casas sao mais limpas, mais desembaracadas, e mais largas; d'onde
vem qae ató as travessas, que vao de huma rua para a outra, sao ruas
baslantes, pela multa largueza que vai de huma a outra rua com os
Quintaes que medeao de huma, e outra parte.
133 0 Irato da Cidade he tao nobro que além das liteiras do Bis-
po, e algumas Dignidades Ecclesiasticas, e do Governa dor do Castello,
Capìtào mór da Cidade, ha outras muitas na Cidade dos ricos morgados
della, e ainda outras carruagens de homens, e de mulheres; das quaes
as mais nobres antigamente nao hiao & Igreja, e menos a visitas, senao
em ricas cadeiras fechadas, e de mao, que chamav3o cadciras de mulhe-
res, e a cada huma levavao dous negros, e às iihargas a pé hiao os cria-
dus, e criadas; as outras nobres mulheres, por ser tao bcm assentada a
Cidade, e ter tao perto as Igrejas, hiao a pò, mas nunca sem criada, nem
Sem homem diante, que bem vestido acompanha por criado, e algum
fillio, ou irm3o leva, e traz a mai, ou a irma pela mao, e a criada, ou
criadas vao logo atraz; e de outra sorte se nao via mulher nobre pelas
ruas, e nem ainda assim, senao nos dias Santos para as Igrejas de ma-
nlìO, e de tarde a pagar as visitas; e sempre com recado antecedente,
qae li vao aquella tarde; e das mulheres plebeas, nem a vender pelas
ruas, nem em tendas a vender, ou a vender-se, se via mulher alguma^
nem ainda na publica Rìbeira, mas todas em suas casas cuidando, e tra-
tando d'elias; e so homens apregoao, e vendem em teda a parte. Este
era o estylo ha menos de cincoenta annos, e de cntao para cà nao sei
0 que 0 tempo tem mudado.
I3i 0 contrato desta Cidade se divide em mercadores de logea
onde vendem a conta, pezo, e madida, de que ha mnitos; e em outros
a que chamao contratadores de sobrado, que despachao as parlidas in-
tciras na Alfandega, e repartidamenle as vendem, corno de primeira
mao aos compradores de logea, que de segunda mao as vendem ^os
parliculares compradores; e além d'estes, que sào muitos mais, ha taes
70 msrOlUA INStJLANA
contratadores de sobrado» qae muitos tem mais de cento, e de dnzentos
inil cruzados» e nSo so Portuguezes, mas estrangeìros de quasi todas as
na^s, e alguns qué entrando alli com bum p3o na mao sem mais ri-
qneza, chegàrao por annos i sobredita excessiva pelas commissoes de
snas terras, pclas compras que fazem aos morgados da terra de seos
trigos, e pelas letras de cnmbios que Ihes passSo para Portugal, e on-
tms Reinos; e tudo fazem coni tanta verdade, e fldelidade, que rara-
mente se ve Mercador, ou contratador quebrado em està Uba, porque
nonhum be Judeo, e raro be clìrist!So novo; e assim tambem por tal sabe
rm'amente algum no Santo Oflicio, prezo em a dita Uba, com ter là sem-
pre Commissarios, e Familiares seus,
{35 Nem so da terra, mas tambem do mar foi tio grande o con-
trito d'està liba, quo (corno em muitas partes afQrma o antigo Froctuo-
so) tinha muitos navios proprios sous, e de alto bordo, com que com-
merciava com Portugal, com o Brasil, com Angola» e Maranbio, e nao
so ag frotas do Brasi t, mas as nàos da India Orientai, e as das Indias de
Castella, quando com Portugal estava em paz, vinbSo pela Uba Terceira»
e n'ella se refaziao, n3o so de mantimentos, mas tambem de soldadesca
da gente de guerra do Castello, e continuav3o seguras a viagem no ftm
mais perigoso, porém depois corno os Provedores da fsizenda Beai da
mesma Uba, e os Provedores das Àrmadas impedito o navegarem os
navios d'ella, e os occupavSo, e divertiJo com seus pretextos, e conve-
niencias, e comò as nàos da Ir^dia Orientai der3o, ba poucos annos, em
vir da India ao Brasil, e por este para a India; preoccupando o Brasil
0 que bavia ir a India, e o que bavia vir a Portugal, e fazendo de deus
annos a viagem, que nem de bum era d'antes; por isso em a Terceira
OS perseguidos contratadores deixarSo de fazcr là embarca^oes; e até is
mesmas Ilbas, cujos dizimos se der3o aos Reis com obrigac3o de as de-
fenderem, e a seus mares, nem ja vao là Armadas que as defendiao,
nem as deixao defender-se com seus livres navios. ^ se isto assim be jus-
to, là 0 veja quem Ihe teca.
130 Quanto ao governo de Angra, o Politico conforme a Ordena-
00 de Portugal consta do Senado da Camera, (feito por pelouros an-
nuaes) de dous Juizes Ordinarìos, quo sempre suo dos mais prudentes,
zelosos, e nobres Cidadaos, e tres Vereadores, e bum Procurador da
Camera, e Cidade, e bum Thesoureiro, e o nobre Escrivao da Camera,
que qao se elege cada anno, mas ho officio perpetuo, dado por sua Ma —
LTV. VI CAP. XIV 71
gestadc. N3o se sabe qnc tivesse alguma bora Angra Juiz de fora, Ba-
chareK por mais que Ih'o quizerSo metter, e assim atégora se govemoii
moito bem. Tem os que servirlo n'este Senado, e os que andarem nos
pelouros d'elle os privìlegios dos Gidad3os do Porto, como-consta do
lombo da dita Camera a fol. 6, e do privilegio dado em Lisboa a 20 de
Maio de 4578, e confirmado a fol. 20 no anno de 1602, e os taes pri<
vilegios dos Cidad3os do Porto s3o os dos Infancoes, que s9o os filhos
dos filtios segondos dos Reis ; e dos taes privilegios gozao nSo so os
Juizes, e Vereadores do dito Senado, mas tambem os Procuradores d'eU
le, pelo privilegio dado em Lisboa a 12 de Dezembro de 1582 comò so
\& no dito tombe a fol. 8G, e ainda os Thesoureiros da dita Camera go*
zae do mesmo privilegio, que alcan^ou Bnrtholomeu da Roclia Ferraz sa-
hindo por Thesoureiro no anno de 1632, comò do dito tombo consta a
fol. 187.
137 Costuma este Senado de Àngra, quando se chama a Cortes em
Lisboa, mandar em nome das mais Ilhas seu Procurador às Cortes, o
que nSo vem de alguma das outras Ilhas, e o Pn)curador de Àngra tom
nas taes Cortes lugar em o primeiro banco, corno llie concedeo o Senhor
Rei D. Joao o IV, co teve Francisco de Bctcncor Correa e Avila nas
Cortes do anno de 16&2, e se vó no dito tombo a fol. 3i5, e a fol. 456
està 0 Alvarà do mesmo Rei, passado em 13 de Juntio de 165i, em que
a peticao dos Procuradores de Angra, e com assento tomado nas ante-
cedenles Cortes de 1653 se ordena, e concode que nunca bavera Viso-
Uei, ou Governador General nas ditas Ilhas Terceiras, e quando o con-
trario parecer conveniente, se n?io tomarA assento, ncm resohifao em
tal materia, sem ser ouvida primeiro a Camera de Angra ; d'aqui veio
que querendo El-Rei por Viso-Rei, ftu Governador General de todas as
Ilhas Terceiriais, e nao consentindo bum bom fidalgo de Angra Procura-
dor d'ellas em as Cortes, e estranhando-lh'o o Rei, dizendo que querìa
qne as Ilhas fossem huma bicha de tantas cabe^as, quantas suas Ilhas
er3o, com valor respondeo o Procurador, que a bicha que nasceo, e se
CTcou com muitas cabefas, se Ihe cortarem as mais, e Ihe deixarem hu-
nia so, entSo, ou morrerà, ou mudara de vida, e quo pois assim as Ilhas
forao l3o fìeis a Coroa de Portugal, nlio sabia o que fariao, se de outra
soiic as quizessem governar. E nào instou mais o Rei.
138 Poem mais este Senado de Angra dous Almofaceis sempre, e
^n^pre Cidadaos nobres, com seu Escrivao de Almolararia, e Juiz do
It inSTORIA INSULANA
povo, e seus misteres ; e sobro tudo tem maito bastante renda, e bom
governo d'ella» com que acode és obras publkas; e so banaCidadegran*
de falla de mais Medicos, e mais letrados leigos, e Joristas, visto o nao
serem os Juizes Ordinarios ; e podera a dita Camera mandar sempre a
Coimbra bum sugeito ao menos jà bom latino, e bom Filosofo, para
dentro de seis annos se formar em Leis, e ontro ero outro sexenio ^n
Medicina, e assim alternadamente se proveria a Cidade de Medico», e
Juristas, e com so a congrua de cincoenta mil reis cada anno, obrigan-
do-se 0 esludante, e seus pais, ou parentes por elle a tornar para a Uba
em acabando os estudos, ou restituir o que tiver gastado, conforme a
fianca que para isso dare; ainda que seri mais louvavel, se das pessoas
ricas, que morrem em Angra, e deix3o muìtas vezes legados fantasticos,
ou de menos l)em commum, dcixassem algum para o sobredito, pois be
liuii}a obra das de Misericordia, e muilo meritoria, ensinar, ou ajudar a
ensinar os ignorantes, e talvez mais meritoria, que mandar dizer exces-
sivo numero de Missas, sem saber se na verdade se dirao.
439 Do governo da justiga tem o cuidado em Angra, além dos doos
Juizes Ordinarios, bum Desembargador com beca, e posse tomada no
Porlo, e a sua correi^ao se extende a todas as nove Uhas ; e quando a
S3o Miguel vai, cessa a do Ouvidor do Donatario. Comecou està correi-
(ào em OS annos de 1503, em o primeiro Corregedor, que foì Affonso
de Matos, cliamado Cabefa de vacca, conforme a Fructuoso, liv. 6cap. 12.
Continuarao succedendo Corregedores huns aos outros até o anno de
1530, em que fazia o oflìcio Ayres Pires Cabrai ; e de 1S34 até 1540,
vierao mais deus Ministros por partìculares Corregedores de Sao Miguel,
e Santa Maria, (nao sci com que causa) mas nem ainda entao deixava de
baver sempre o Corregedor das Uh*; em Angra; e lego depois dos dous
substitutos Corregedores em Sao Miguel, tomou a unir-se a correigao de
todas as Ilhas no Corregedor de Angra, que foi Gaspar Touro, em 1544
a que se seguirào os mais, e entre elles Christovao Soares de Alberga-
ria, que tinUa sìdo o primeiro Juiz de fora de Penta Delgada, e por ser
por Castella no tempo da conipetencia entre ella, e o Senhor Dom An-
tonio, Servio entao de Corregedor de S. Miguel, e Santa Maria, e Cas-
tella 0 promoveo a Corregedor de Angra, e de todas as lihas, e por està
via subio depois multo mais, corno outros muitos por seus merecimen-
tos, comò Diego Harcb§o Tliemudo, Bento Casado Jacome, e outros
muitos.
Liv. VI CAP. xnr 73
140 Dos quaes Corr^edores o excmplar do Justica foi o quarto
que entrou no oflick) em o anno de 4515, chamado Jeronymo Luis, (o
Bom, a respeito de outro Jeronymo Luis, que chamarao o Mao). Ao Bom
pois, estando de correicào em S3o Miguel, foi a julgar huma causa, em
que bum homem multo rìco do lugar da Maia pertendia tirar a huma
viuva, por demarca^ao de terras, humas que dizia Ihe pertenciao a elle
e achando o Corregedor que a justica estava pela viuva. e dando Ioga
por ella a sentenza centra o rico, appellou este para a rclagao de Lis-
boa, e derao os Desembargadores a sentenza pelo rico, reprehendend o
D'ella ao Corregedor; chegou a este a sentenza, estando ainda em Sao
Miguel, e lego n'elle o zelo da justiga foi t3o grande, que substituindo
em sua ausencia no ollicio a huni Francisco Pires Bacliarel, se metteo
em bum navio, que para Lisboa ent3o partia, e desembarcando se foi
apresontar a el-Rei Dom Manoel, e Ihe propoz que se vinha offerecer a
sostentar a justiga da viuva, e que os Desembargadores que tinhao da-
do a sentonca pelo rico, a sustentassem, «e que se nomcassem Juizes à
causa: e mandando- logo el-Bei que se (izesse assim, e que os Desem-
bargadores do Pago fossem os Juizes, por mais quo toda a Rela^ao ar-
rezoarao, sahio a sentcnca pela viuva centra o rico, e o Corregedor lo-
go logo se voltou a S. Miguel, louvado muilo do Rei, e accrescentado
com muitos privilegios: e acabando a Correifào em Sào Miguel, se vol-
tou para Angra, e foi dopois promovido a grandcs lugares. Oh cxemplo
de justica, e zelo d ella!
141 Além dos ditos (-orregedores Desembargadores, que tem seu
Meirinho geral, e Escrivao da Correicao, (fora muilos Éscrivaes, outros
Tabelliaes, e Enquercdores) costuraavào ir a Angra, aignmas vezes, ou-
tros Desembargadores a particularcs devassas, e lium d'elles foi Pernio
de Pina Marecos, casado com Mór de Paria, fìlha de Sebastiao Lopes
Guedes, senhor de Arzila em Africa, por a ter tomado aos Mouros, e
do tal Fernao de Pina nascerao os filhos seguintes: Maximo de Pina,
Commendador: Valerio de Pina, Cavalleiro de Christo com tenca: Nico-
lao de Pina, e Marcos de Pina, todos (idalgos da casa de S. Magestade.
Nascerao mais D. Margarida, D. Marcellina, D. Violante, e outra fìlha que
casou com Nuno Pereira de Aragao, fìlho de Fedro Pessoa, (que mor-
feo Capitao em Africa na bataiha d el-liei D. Sebastiao) e da Dama D.
loaona Hansil, fiIha de D. Joao Manoel Commendador das Idanhas: e o
sobredito Maximo de Pina casou com D. Maria de Lemos, fìlha de Ma-
7i IlISTOniA INSULANA
noel de Lcinos» Corrcgedor de Tbomar: porém o pai Fernao de Pina Va-
recos era Albo de Nicolao de Pina, da grande casa dos Pinas de Floren-
Ca, e casado com Branca Ane$ Harecos, descendente das Montanhas do
Castella; e o dito seu fìllio Fem9o de Pina, na contenda da successao de
Portagal com Castella foi Procurador de ambas as Coroas, Vereador per-
petuo, e Conservador da moeda, e Chanceller, e Provedor mór da San-
ile no tempo da peste, e sem morrer d'ella foi morto à traiQlo por bom
mancobo em Lisboa, por n3o seguir a parto do senhor D. Antonio: do
que tudo jà se ve, de quo qualidade er3o os Ministros, quo ent3o se
manda vao a Angra.
142 Ainda outros Ministros ha em Angra de que so se appella pa-
ra Lisboa, corno Provedor dos Residuos, Capellas, eie, e Juiz dos Or-
fios, e Ausentes, e estes grandes ofiicios andao em familias de nobres,
e fldalgos Cidadaos de Angra, e lem cada bum seus Escriv3e8« e offi-
ciaes, e huns, e outros sao de grande rendimento; e nem a Provedor
dos Residuos, ncm o Juiz dos Orfàos s3o letrados, sondo que sé esten-
de sua jurisdicgao a muitas das outras Ilhas aonde v3o visitar, poròm a
jurisdiccuo do Auditor de Guerra do Castello grande, que sempre he Is-
trado Jurista, osta so aos militares do dito Castello se estende, e d'elle
so se appella para o Consellio de Guerva de Lisboa, e nao para aigum
outro Tribunal.
143 Maior tribunal que todos he em Angra o da Fazenda Real, cha-
mado, da Alfandoga; consta de hum Provedor, quo he bum quasi Vea-
dor da Fazenda, e lem jurisdicgao sobre a Fazenda Real de todas a^
nove Ilhas Terceiras. e a todas pode ir visitar, e passa ordens a todas,^.
e tem privilegio, e posse de nas ditas ordens fallar por (vós) a todos osst
inferiores Ministros da Fazenda Real das outras Ilhas, ainda aos Juizes»
das Alfandegas, corno os Vcdores da Fazenda em Lisboa. Abaixo do di-
to Provedor se seguem na Alfandega de Angra o Juiz, Conlador d'ella,
e logo dous Escrivaes da Alfandega, e o seu que chamao Feitor, Meiri-
nho da vara, e outros òfficiaes inferiores, corno Pezador da Alfandega,
etc, e de todos estes, nao so da Uba Terceira, mas de todas as mais
Ilhas, 0 Superior maior he o dito Provedor de Angra, e de suas ordens
nunca ha appellagao, senao em alguns casos, para o Real Conseiho da
Fazenda em Lisboa; d'onde vem que do tal Provedor, até os Bispos de
Angra, e todo o Ecclesiastico, e os Governadores do Castello, e os mes-
mos Capit3es Donatarios das Jlhas, e todos os que tem algum salario,
UV. VI GAP. XIV yi>
ordenado, ou ten^a, ou a qucrcm assentar na Fazenda Rcal das Ilbas,
todos dependcm multo do dito Provedor.
144 E ainda que tambem ha em Angra oulro Provedor, qne se in-
tilula Provedor das Armadas, para acodir às Armadas Reaes quando là
vie as frotas do Brasil, às nàos da India: e este he hrnn dos princìpaes
fidalgos de Angra (corno foi Pedneanes do Canto, e JoHo da Silva do Can-
io seu segundo filho, e quasi sempre n'esta casa dos Cantos andou o
dito titolo) ainda este Provedor depcnde muito do da Fazenda Rcal, por-
qae ao das Armadas toca o re(juerer, e pedir ao da Fazenda, corno tam-
bem the fazem os mesmos Cabos das Armadas, e frotas, e os Capitaes
mdres das naos da India; mas ao Provedor da Fazenda toca o despa-
cbar, e acodir com ella, sem o qual nada terà effeito, pois ncm ainda
embarca^So alguma para viagem, nem caravelSo para outra liha póde
sahir do porto de Angra sem despacho do Provedor da Fazenda: e me-
nos se póde arrematar direito algum dos Reaes a pessoa alguma sem or-
dem do dito Provedor, e fianfas por elle approvadas, e haver consenti-
mento seu. Em fim he tao Regio ofDcio oste, que por encarecimento di-
zia hom discreto, que nao sabia el-Rei o que dava, quando dava tal offi-
cio; e que he officio capaz de o Rei o dar a bum de seus filhos segun-
dos.
145 Mas tambem por isso mesmo tcm tanlos, e tao podorosos con-
trarìos» e os que mais annos o tiverao, tiverao mais, e maiores inimi-
gos, e nao so seculares, e nas ditas Ilhas, mas tambem Ecclesiaslicos,
e na mesma Corte de Portugal; porque deixando jà os mais antigos, dos
qnaes o primeiro foi Francisco de Mesquita; segundo, Fern3o Cabral;
terceiro, Duarte Borges de Gamboa; quarto Sebnstiao Coelho: quinto
Garda Lobo; séxto Rui GonQalves de Figueìroa ; deixados, digo, estes
e outros, os ultiraos tres Provedores perpetuos forao Antonio Ferreira
de Bentencor, naturai da Villa de Agua de Pào, de S. Miguel, cuja fi-
Iha D. Maria de Betencor casou com Agostinho Borges de Sousa, pri-
meiro do nome, que na Provedoria succedeo ao sogro, e foi pai de ou-
tro Agostinho Borges de Sousa, que ao pai succedeo na mesma Prove-
doria), corno jà tocàmos no liv. 5, cap. 17 tit. 5) e casou com huma il-
lastre fidalga de Angra, filha do Vital de Betencor e Vasconcellos, de
qne nasceo Antonio Zimbron de Betencor, que succedeo na muito rica
casa do pai, e no grande morgado, que no tal pai tinha nomeado sua
tia D. Anna Fef reira de Betencor; mas taes desgostos tiverao com o offi-
76 HISTORIA INSULANA
ciò OS ditos, e ullimos Provedorcs, que o segando Agostinho Borges li-
vrando-se em Lisboa, morreo de doenc^, e de desgostos, e o filho An-
tonio de Zimbron nao quiz mais procurar officio tal, cajas fiihas nao sao
mais que a soberba de quem lem o officio, a inveja dos que o n3o lem,
e a desgostosa morie de huns e oulros; e assim, ha muìtos annos, anda
ja 0 officio feito triennal em Bachareis 9e beca; e se assim convem, cu
ser perpetuo, e em casa nobre e rica, là se considere.
146 Concluindo pois com as noticias da tal Cidade de Angra, nem
duvidar se póde que he a cabefa das /love Ilhas Terceiras, assim no
Ecclesiastico por seus ilhistres Bispos, comò no Juristico, e Judicial por
sens Corregedores, e cabegas de comarca, corno na Fazenda por seus
llegios Provedores, e ale nos Ueligiosos pelos Provinciaes de S, Fran-
cisco, pclos Vice-Provinciaes de Santo Agostinho, e pelos Visitadores, e
Yice-Provinciaes tarabem da Corapanhia de Jesus; e em firn he Angra
cabeca tal das ditas Ilhas, que o mesmo Fructuoso liv. 6 cap. 3, (sem
ser naturai de Angra, mas da Uba de S. Miguel) confessa que parece
lìuma Lisboa pequena. E eu confesso pela experiencia que tenbo de
quasi todo Portugal, que abaixo de Lisboa nao ha n'elle Cidade com
quem mais se pareva Angra, que a famosa Cidade do Porto, porque
ainda que està he a maior no numero da genK), pois Angra nao passa
de tres mìl visiuhos, nao he maior comtudo, nem mais bem assentada
no sitìo que occupa, no numero, largueza, e direitura das ruas, em a
nobreza das casarias, no concurso, e commercio das Na^oes estrangeiras
que com Portugal tem pazes, no real porto, e bahia, nos fortlsstmos
Castellos, e ainda na fìdalguia assentada nos livros de S. Magestade,
comò se póde ver n'elles, e veremos adiante em seu iugar. E iste sop-
posto, vamos a acabar jà com a costa do Sul, e Capitania de Angra.
CAPITILO XV
Acnba a dcacriiìcào da Capitania de Angra pelo Sul, e Oesle.
147 Passado o grande monte, ou Castello grande do Brasil pelo
Sul para o Poentc, e Bahia chamada dos Fanaes, que he frente para o
mar do bairro de S. Pedro ultimo da Cidade para aquella parte, vai por
terra huma legoa de caminho plano desde as portas de Santa Catbarina
ale Sào Matlheos; e he tao recreativo, cursado, e contimiado este carni-
LIV. VI GAP. XIV 77
nho, qoe para a interior parte do Norte parece Imma sempre conli-
nuada ma de excelientcs Quintas, e casas nobres, de qne algumas se
podem dizer Palaclos. corno as do grande morgado dos Pamplonas; e a
todas as Quintas vem agoa de cima do Certao da liha» com que sao
Quintas nlo so mui recreativas, mas fertiiissimas de p3o, vìnhas, hortas»
e arvoredos; e da mesma sorte para a banda do mar do Sul, que consta
mais de vinbas» e amoreiras, que de outros frutos; mas com a maior re-
creacSo da pesca do mar, e praia vaza; e porque de antes n3o havia
ainda a contìnuada arteiharia da cortina do Zimbreiro, e Castello grande
para està parte do Poente, por isso na dita corrente costa havia antiga-
mente varios Fortes de artiiheria, e soldadesca de guarnìc3o; noje porém
08 nSo ha até onde chega bem a artilharia do Zimbreiro; e tambem por
isso bum Forte, que estava quasi bum quarto de legoa do dito Castello,
he hoje buma Quintinha de vinha de recrea^ao dos Mestres do Collegio
da Companhia de Jesus, que cham3o a Quinta da Silveira, ou do Penedo
do Ali:aide; com recreativa pesca, e casaria nobre, aonde alguns sonho-
res Bispos gostao de ir ver pescar os Padrcs.
148 Muito pouco adiante està da parte do Nortc a devota Ermida
ce S. Bernardo com casas, e Quinta para a parte do Norto, e tambem
para a partendo mar, e boa sahida a elle, aonde o mar faz bum liom
tanque de agoa cercada de cachopos, que chamao a Poca dos Padres,
por estar junto a sua Quintinha do Penedo do Alcalde; e a dita Ermida
de S. Bernardo, e sua Quinta fui fundada pelo M. II. Arcediago Manoel
Cabrai de Mello, naturai da liha de Santa Maria, e descendente dos mais
nobres descubridores d'ella, e deixou a tal Ermida, e Quinta em cabefa
de morgado que instiluio, e hoje possuem seus nelos, com obrigagao de
IMlissa em todo o vcrao, e servir conio de Freguezia a lauta gente. Con-
tinuilo as Quintas outro quarto de legoa adiante, ale oulra Ermida de
Mossa Senhora da Luz, da parte da terra, e jà da parte do mar vào al-
Ijuns ForteS com arteiharia, e soldadesca, posto quo por aqui ainda o
mar he de tantos calhaos, que mal póde cbegar ainda lancba, e muito
menos navìo a desembarcar.
149 A outra meia legoa que se segue, vai ainda com maiores Quin-
tas de buma, e oulra parte, i)orùm da banda do mar, aonde póde ha-
• ^er algum deserabarcadouro, logo ali ha Fortaleza com arteiharia, sol-
dados, e Capilao, e em trcs sitios diversos, a nove, "e mais pec^s cada
Forte, e no iim da legoa està a Freguezia, e lugar de Sào Mattbeos, de
78 IIISTOIUA IXSITLANA
mais de cincocnta visinlìos, posto quo espalhados: pouco adianlc esld bu-
ina baliia de area branca, o calhao miudo, aonde so toma muito peixe,
e salmonelcs; e ahi om rocha baL^a esté buma Fortaleza com casas den-
tro, Capilào, e soldudescn, e qualorze pecas de artilheria. E meia legoa
adianfe de S. Mattbeos està a Freguezia, e lugar de Sao Bartholomeu,
de cousa de cem visinhos, e inuitos tambem espaibados» e n'elle hama
Ermida de Sào Joseph; e d'alii se segue rocha de alta penedia; e por-
que aqui havia buina descida» e algum desembarcadouro, mas de bum
tò batel, tudo esté cort^do: e da mesma sorte o està outra descida mui-
to mais adiante» onde cbamuo o Negrito, cortada tambem.
150 [faqui por diante até a Igreja de Nossa Senbora da Àjuda, (que
ji pertenco ao lugar de Santa Barbara) nem entrada, nem descida ha,
senio no flm huma pequena bahia, donde até a penta da Serreta. que
tambem chamao da balea, tudo he roclia talbada, e muito alta para dian-
tOt buma Icgoa, mas pouco para dentro da Uba, e afastado do mar Oca
o famoso lugar de S. Barbara» com Freguezia da Santa, e quasi trezen-
tos visinbos, e quatro Companhias de soldados. e grande campinas de
trigo» e outras de pastos communs do Concelbo, aonde quem quer bota
seus gados sem pagar cousa alguma: a Igreja tem Vigarìo, Cura, e The-
soureiro, è quatro Beneflciados; e nao so para o mar tem ja dita Ermi-
da de Nossa Senhora da Ajuda que dizem ali appareceo, e por ali vem
a vista as naos da India, e salvào a esla Senhora, e Ihes responde o
Forte da terra, e manda logo nova a Cidade. Scgunda Ermida he Nos-
sa Senhora do Dosterro, de nao menos romagem, e devogao, que admi-
nistra o morgado dos Monizes. A terceira Ermida tem ali o Collegio da
Gompanhia de Jesus de Angra, em huma rendosa fazenda que alli tem
do patrimonio do Collegio.
151 Adiante do lugar de Santa Barbara bum quarto de legoa, ca-
bo jà Occidental da liha, està a Igreja, e lugar de S. Jorge com mais de
oitenta vìsinlios, e seu Cura, sujeila a Santa Barbara, e podièra ser Vi-
gano separado com seu Cura; e Santa Barbara devia ser Villa, por ser
lugar tao grande, e tao rico, e que tem multa gente nobre, de que jà
vierSo alguns a ser do Senado da Camera de Angra; e d'aqui por dian-
te corre a costa tao alta, e tao brava por quasi Icgoa até a dita Serrela,
ou ponta da balea, sendo quo por dentro sào tudo lerras de trigo, e dC
creagoes de gados: e d'aqui comefa a voltar a liba do Ocslc para o Nor-
ie, continuando aiuda a Capilauia de Angra.
i
LIV. VI €AP. XVI 79
152 D'esle pois cabo Occidental da liha corre ainda a Capitania de
Aogra legoa e meia para o Noroeste, com costa para mar alto, e despo-
nbada sem caminbo até o lugar chamado Folhadaes, pela multa madei-
ra de Folbados que alli havia, de que jà por terra se tem rocado tanta»
qae jà por alli ba muitos tractos de vinhas, e terras de pào, e fajas fer-
tiiissimas; e aqui em dìreito de Oesnoroeste, sem cbegar a Noroeste, aca-
ba a Capitania de Angra, e cometa a da Praia, com igualdade huma a
outra, cujo primeiro lugar be o de S3o Roque, que cliamao os Altares,
corno acima jé dissemos cap. 4 e 5, e concluida assim a circumferencia,
e costa do mar da Uba Terceira, segue-sé tratarmos do interior duella.
CAPITULO XVI
Do Ceriàù interior^ e feriilidade da Ilha Terceira.
153 Vistas jà as costas maritìmas das duas Capitanias da Terceira,
s^uese darmos noticia do seu interior Certào; e ainda que quasi to-
dos OS lugares, povoacoes, Vlllas, e Cidade, eslao a beira-mar, ou njui-
lo perto d elle; comtudo mais no cerlao, sahindo da Villa da Praia para
OesDoroeste, està bum lugar, cbamado Fontainhas, pelas muitas fontes
que n*elle ba, cuja Parocbial se intitula Nossa Senhora da Pena, e tem
aeu Vigano, e até cincoenta moradores, e buma Ermida de Santo Anto-
nio, cabeca de bum bastante morgado, que institubio bum Antao Fer-
MDdes de Avila; e ba n'este lugar lavradores ricos, por ser o siiio mui
fertU, e ficar em dislancia da Praia so buma legoa; porém desde o Nas-
cente da dita Villa da Praia para o Poente corre o interior da Uba com
^rastas campinas, a que cbamao os Cince Picos, porque os tem à roda;
6 oolra parte cbamao o Paul, por n3o so ser teri*a plaina, e farta de
agua, mas de tao vastos, e enxutos pastos, que ambas estas campinas
passio de tres legoas, e innumeravel creagao de gados, e para a parte
do Sul acabao em ferlilissimas terras de trigo, e para a parte do Nor-
ie varios matos, e muitos, e fertilissimos pomares.
i54 Da Cidade para o Poente, além d'aqoelle tao povoado caminbo,
e quasi rua de legoa até S. MatUieos, (corno jà vimos) vai outro, que
(iluaii3o caminbo do melo, que continua afastando-se quarto de legoa ao
mar, e todo de vinbas, pomares, e Quintas de buma, e outrà parte, e
todas divididas com muros, ou paredes altas de pedra, de sorte que mai
82 HtSTORIA TNSULANA
segue do railho mindo, nem do trigo, nem de outros legnmes. qne nao
gastao tanto a terra com canas tao altas» e tSo grossas cada anno.
158 De vinho he fertil, mas a gente he tanta, e tao grande de fora
0 concurso, que nem para a liba basta o vinho d'ella, nem he o melhor,
mas excellenle Ihe vem da liha do Pico, do Fayal, e de S. Jorge, com
que abunda nào so para si, mas para as nàos da India. Àrmadas, e Fro-
tas, que a prover-se vào alli, comò lambem as continuas embarcacrjes
eslrangeiras, e até da liha da Madeira Ihe vem excellente vinho, e levao
trigo, de que ha na Cidade de Angra celleiros, ou Graneis especiaes, que
sao grandes covas abertas na terra, e cada cova he mnito funda, e leva
mnitos moios de trigo com seu bocal redondo em cima de tres palmos
de diametro, que se tapa com buma so pedra de cantarla redonda, a^
mo lìuma mó de moinho, com o sinal em cima do dono de quero lie
aquella cova, e no grande, e fundo vao, re,dondo, da cova se conserva
0 trigo, corno no ventre de sua mai a terra, t3o puro, e limpo de lodo
0 bicho, e vicio, que se tem experiencia de ser melhor, e fazer melhor
pao 0 trigo das covas, do que o de Graneis, ou relleiros das casas de
fora ; e nao se sabe que em algum tempo se furtasse trigo de cova al-
guma, nem que alguma se abrisse sem o mandar seu dono, e para isso
ha officiaes Encovadores, e Desencovadores, que o fazem destra, e per-
feit?mente. E este he o grande campo das covas que em Angra està no
terreiro do Convento de N. Senhora da Graca, e em laes covas chega
a estar o trigo anno inteiro, e sempre perfeito.
159 De peixe he tSo abnndante lodo o mar é roda dVsta Uba, que
nao he necessario que os barcos se afastem muilo d'ella para virem car-
regados de peixe, e quando ha tempestade de huraa parte, vera da ou-
tra, e por terra, comò da Villa da Praia, e do Norte a Cidade de An^Ta,
e nao so ha o peixe ordinario, e da pobreza, comò sardinhas, cavalas,
chicharros, e em excessiva copia, nem so peixe seco que levjo os Es-
trangeiros, e o vendem alli mais barato pelo que com elle comprao, mas
tambem muìta casta de poixes mimosos, comò garoupas, abroteas, sai*
monetes, tartarugas, (que até a doentes se dao) douradas, bicndas,
cbernes,^ gorazes, sargos, mogens, tainhas, etc, e toda a casta de ma-
rìscos, e as maiores, e melbores lagostas que ha no mar, e sobre tudo
cracas, que todos confessSo ser dos marìscos o rei ; e o que mais he,
que muitas casas nobres tem barcos seus, que os pcà:adures lr«zem ar-
LIV. VI GAP. XVI , 83
reiìdados, e o melhor peixe que tomao he do Senhor do barco, e o mais
milito barato.
460 De toda a casta de carnes he tao abundante a liha Terceira,
que affima Fructuoso liv. 6, cap. 5, que havia n'ella mais de cem mil
cabecas de gado \^caril, e havia creador, que tinha mais de quìnhen(<)s
rezes d'eslas, e mais de cento e vinte vacas parideiras; e havia na liha
dezasete a^ougues continuos, e na Cidade cinco de mais, nos quaes ciu-
co se matavao cada semana vinte rezes vacaris, e que d'este gado se
creava tanto so na liha Terceira, comò em todas as outras Ilhas dos
Assores juntas: e disto dà a razào o mesmo Fructuoso, dizendo que se
nào matava nos agougues outra carne, e ser a vacarli d'està Ilha tao
branda, e gostosa corno a melhor de Entre Douro e Minho de Portugal.
Consta i)orém hoje, que nos afougues se mata tambem carneiro, e nào
sen3o castrado; e cabras nào vao ao afougue, com haver muita creacao
d'ellas para lacticinìos: e d està abundancia sao testimunhas os precos,
porque cada arratel de vaca custava so dez réis, e pouco mais o arralel
de carneiro; e por mais Frotas, Armadas, e navios que viessem a pro-
ver-se, se nao levantava o prego; mas jà hoje he maior, por ter mulli-
plicado muito a gente da terra, e ser maior o concurso das Nagoes de
fora, e o dinheiro muito mais.
161 Das outras carnes da terra, e do ar he tanta a copia, que o
maior porco custa quatro, cinco, até seis mil réis, e bum leitao seis vìn-
teas, e comò he carne creada com junga, he menos nociva, e que em
todo o anno se póde comer sem fazer mal, e muito gostosa, e muito
mais OS toucinhos, de que vem muitos de mimo a Portugal, comò tam-
bem vem a junca, que verde he pasto na mesma terra ainda para os
porcos, e quando jé colhìda, e avelada, he mastigada, regalo para a gen-
te,* e d^ella, moida em farinha, com assucar, e agua de flor se fazem
. ealdos peitoraes, e preciosos. De coelhos he tanta a multidào, que os
senbores de Quintas, e vinhas pagào a cacadores, que para si os vào
inaiar, e os mesmos cacadores os vendem ao depoìs, e a vintem cada
hum, e a muito menos os larapos; e para isso ha là muitos, e a muito
i finos c3ies de ca(a, e excellentes forOes, e até com la^os, postos em seus
I camìnhos, os apanh3o. De aves ha toda a boa casta, gallinhas a tostao,
1 frangos a vintem, codomizes tres por hum vintem, perdizes a cincoenta
^ rèis, mais caras que em outras Ilhas, porque n'esta ha mais rique-
I 2^1 e mais compradores d'ellas: de outra infinidade, e de suas varias, e
8i HBTO&U L\SnJt\JI
soavissimas mnsicas, seria nooca acabar, o referil-as: basta dtzcr, coma
diz Fnictaoso cap. 6, do liv. 6, que oa Terceira liavia muitos, e mui
fennosos Assores, que jé dìo ha, noas que ba Falcoes, Gavioes, Biiba-
fres, e Conos, e além de pombas bravas, muitos pooibaes de pombas
luansas.
1G2 De lactìcioios be abundaute està Uba, com taotas vacas, ove-
Ihas, e cabras; que ao sahir da Cìdade, acima do Castello dos moinbos,
nieia legoa quasi para o Norte, onde sabe a grande fonte, que por an-
tonomasia chamao, (Onde nasce a agua) e com que ainda mais perto da
Cidade moem doze moìnhos: loda està meta legoa de bella sahida anda
ì^empre cheia de mo^os carr^dos de queijos frescos de toda a casta»
r|ijeijadas> requeijoes, tao grandes, e tao baratos. que bum requeìjao,,
(;ue enche bum len(o, custa bum ¥int^m; e he este o gazeo celebre dos^
Ksturlantes: e corno n'esta Uba ha sempre muito assucar, pela muita cai-
xaria que alli vai do Brasil, niella se fazem queìjadas tao grandes, e de
tao varios, e preciosos doces, que nem bolo de bacia, nem outro doce-
Ihe chega, e quem come, e acaba bum», come bem, se he das que se
fazem no Convento das Freiras da Esperanga, qu& mais especialmeote
fazem cstas queijadas, e nem em outra Uba alguma, nem ainda em P(M^
tugal se fazem t3o perfeitas: ao que ajuda mais, haver n^esta Uba dìo
so muito mei, (que chamlo de canas, por vir feito do Brasil, e tirada
(lo assucar) mas tanto mei de abellias, que diz Fructuoso haver homem
no Posto, ou Porto Santo, que tem quinhentas colmeas, e o melhor pasto
d'ellas.
103 Até de arvoredos, lenhas, e m'atos, he mais povoada, e be©
I)rovida està Uba, porque corno tem o interior de quatro legoas de lar-
(f 0, e sete de comprimento, e nunca teve Engenhos de assucar,. qoe
consomcm toda a lenha, e por ser de menos fogo, tem mais do fundo
as pedreiras, e por cima mais alta a pura terra, por isso se achao n'elto
arvores t3o grandes, que de pereiros tal havia que do mesmo tronco sa-
biao treze é roda, e tao cheios de fruta, que vendendo-se os peros a
dous, e a tres por bum real, rendia cada anno seis mil réis,. so em os
que se vendiSo; e em soutos de castanheiros, tal se achava, e tSO'anti-
go, que seu tronco tinha de grosso circuito trinla e ciuco palmos, e effl
cima infinidade de castanhas: e para a banda do Norie, e de Ceste, [wr
cima das campinas chamadas PataluRO, ha tao grandes madeiras de pio*
braacos, sanguinhos, louros,. folbados,. e cedros, e de tanta, e tao es-
uv. yi GAP. m 8S
pessa altura, qiie n'ella chega a gente a perder caminho: dQS cedros po-
rém ha menos ja, por serem muito buscados, e haver muitos ofiìciaes
que d'elles lavrao riquissimas pecas, que para Portugal, e outras partes
se embarcao; que quanto malo ordinario para o fogo, basta sahìr de ma-
nhaa da casa de sea senhor o seu escravo com machado, e besta, para
Toltar com ella carregada a jantar a casa, e tornar logo depois de jan-
tar, e voltar da mesiiia sorte à noite; tao prompta, e tao barala, e laala
he a lenha desta Ilha.
164 Basta pois dizer das excellencias da Ilha Terceira, oque (sem
ser d'ella, mas da Ilha de Sao Miguel) diz o douto, e verdadeiro Fru-
cluoso Irv. 6, cap. 2. tQne he a universal escala domar do Poenle, e
por lodo mundo celebrada, aonde reside o corac5o, e q governo de lo-
das as llhas dos Assores na suaCidade de Angra, etc, e no mesmo liv.
6. cap, 6, fine, accrescenta ibi: Além da sua fertilidade, he muilo fertil
està Ilha com o que Ihe vem de fora, das outras llhas dos Assores; coni
qiie he, corno Rainha, de todas as llhas bem servida, porque de Sao
Jorge Ihe vem gado, madeira para caixas, e navios, frutas, vinhos ; do
Faial carneiros, Inhames os melhores, e até o excellenle peixe Escolar;
do Pico OS melhores vinhos, e o que vence a todos, que he o vinlio
passado; da Graciosa ns ccvadas, as manteigas, mel> gallinhas, e multo
carneiro; da ilha das Flores, e da do Corvo, Cedros, e outras ricas nia-
deiras, muila laa, e muito pano da terra, com so a cor da mesma laa,
sacas, e sacos, gallinhas, e toucinhos, e multa courama; e até da Ilha de
Santa Maria Ihe vai o barro para a melhor louga, e multo peixe seco; e
de Sao Miguel loda a casta de linho em rama, e em panos, em sacas, e
sacos; de sorte (s3o palavras de Fructuoso) de sorte que póde dizer a
Ilha Terceira, que todas as outras llhas sao suas escravas, pois quanto
n'ellas se cria para a Terceira, e desta sao suas Quintas as outras llhas.
465 E nao obslanle, ser loda a Terceira tao permeavel, que em
menos de vinte e quatro horas se arìda loda a roda pelos devotos do
Santissimo, desde que se expoem o Senhor em Quinta Feira da Semana
Santa até se acabar o Officio da Sesta feira, e a pé por lavradores de-
votos que andao aquellas desasele l^oas em redondo; ainda comtudo
lem tlo copiosa creagao de Egoas, que com cobras d'alias se debulha
o trìgo n'esta Ilha, o que se nào faz nas outras llhas sen3o com trilhos
de ^ado vacum, e assim ha na Terceira muita, e mui exceilente caval-
laria» e Sdalgos curiosos de crear, e eosinar generosos Ginetes, e se
86 HISTORIA INSULANA
tao desenfavel era a Ilha por so genie de pé, qiic em vinte e cpiatro
lioras a corre à roda, quào incoiiquistavel sera, tendo tanta, e tao boa
cavallaria, que a corra, vigie e dufenda em menos horas? Sobre isto he
de tal temperamento, e de clima tao sadio, e mantimentos tao digeri-
veis, que niella vivem os homens lemperados mais do qne em outnis
Ilhas, e ainda os mais nobres, de que conheci muilos fidalgos de oitent^,
noventa, e cem annos: e d'este temperamento vem o sahirem d'alli en-
genhos superiores para todas as artes, e sciencias, (comò adiante vere-
mos) pois ale Pilotos sahirao dalli tao destros, que bum Ayres Fernan-
dez foi por vinte vezes Piloto à India, sem alguma bora arribar, e o se-
gnio seu filho Luis Ayres: e bum Manoel Fernandez foi tao insigne Pi-
loto de toda HQgpanha, que foi o primeiro que descubrio a derrota
de Portugal a Malaca, sem antes d'està tocar na India, e em Goa o fa-
ziào Piloto mór do Sul, mas EUIiei D.Scbastiào o charaou, e levoupor
Piloto mór da sua Gale Real, e seu Real Galcao S. Martinbo, em que a
ultima vez passou a Africa, e o honrou com o habito de Cbristo, tenfas
e outras honras: e tendo sido examinado pelos maiores Pilotos de Por-
tugal, confessarao todos a el-Bei que aquelle homem sabia tudo o que
elles sabiao, e que todos elles nTio sabiào o qne mais sabia elle. Oniro
insigne Piloto sahio da mesma Terceira, por nome Joào Fernandez, que
foi 0 primeiro, que do mar do Sul das Indias de Castella sabio pelo Es-
treito de MagalbSes, e partindo da Cidade dos Heis em a Capilania, e
com a Almiranta, està se perdeo, e elle passou lodo o Eslreilo, e em
breve apoi'tou na sua Uba Terceira, e d'abi logo em Sevilba, levando
comsigo dous Gigantes, macbo e femea, que tinha acbado, e tornando
em as costas do Estreito.
166 T5o subidos Engenhos para tudo, tambem vem das medici-
naes cousas que cria a dita Uba, porque acima dos moinhos da Agualva
em buma pequena fuma, se tira almagre tao fino, que deitando com elle
emplastros nos cavallos, os cura perfeitamente, corno se fora bolo ar-
menico, ou bonarmenico : e na mesma parte junto a dita Agualva ha
campos cuberlos de muitos cubres, berva mui medicinal para muilas
enfermidades, e especialmente para quaesquer queimaduras de fogo;
tanto assim, que bum grande herbolario e Fisico, que das Indias de
Castella aportou em a Terceira, vendo, e conbecendo a berva mandoik
^'Stillar as flores d'ella, colbidas antes do Sol nascer*, e com a tal agua^
curou a muilas pessoas de varias doencas; e levou muitos vasos cbeioi^
LIV. VI GAP. XVI 87
da ilita a^oa, dicendo qiie levava n ella riquissima modidria, em qiie es-
pirava fazer muito diiiheiro nas Indias de Castella, para oiìde elle voltava;
e accn'scerjlava (jue havia na talliha a mais fina salsa parrilha que se dava
nas Indias de Castella d'onde elle vinha; e nao quereiido dizer qiie herva
fosse, suspeitou-se ser a que cà chainamos Hera, por està na Terceira
se parecer mnito com a salsa parrilha das Indias, e por na tal liha se
usar muito da dita sua hera nas enfennidades, e se darem coin ellasua-
douros, e d'ella liaver paos tao graades, que delles fazem copos, para
mais segura, e salutiferamente beberera.
167 Dirà ainda alguem: Se tanto servem à llha Terceira os ài' fora
d'ella, ejla em que serve aos de fora? Responde-se, que corno a llha
Terceira, e a sua Angra he a cabega das mais Ilhas, d'ella levào as
mais, 0 que de sua cabeca costumào levar os membros de bum corpo;
e assim corno a cabega he a que vendo, ouvindo, examinando, e pro-
v.'inilo, he a que julga o que convem a cada membro human;), e esles
d'ella recebem os beni formados espiritos vitaes, assim as mais llhas da
Terceira; e corno a està vai dar loda a casta de fazendas, drogas, e es-
peciarias que ha nào so em Portugal, e suas ricas Contfuislas, mas nas
^"Va/^oes estrangeiras, de tudo se vào prover a Angra as outras llhas, que
t<Mo n'ella achào, o assucar, courama, e madeira do Brasil, e Maranhào;
^> inarfim, e escravos de Angola, e Cabo Verde: a canela, pimenta, cra-
^o, e cousas preciosas, e ainda a pedraria, as perolas, e aijofar da In-
^•a Orientai; toda a especie de panos, e de sedas de Italia, Inglaterra,
f'ranca e Hollanda; e o azeile, sai, e cera de Portugal: e até o ferro,
^''^u, enxarcias, velames, anchoras, e amarras de navios: e se nada
^ iste querem as outras llhas, levào em prata, e ouro o preco do que
^rouxerào; pelo que a llha Terceira, e Cidade de Angra, sem alguma
^ora servir, senào so a seu Deos, e a seu Rei, he buscada, e servida de
^das as outras Genles. 0 que supposto, vamos jà com a hisloria por
diante.
ss HlSl^ORIA INSULANA
CAPITOLO XVII
Va nohreza que entrou, e povoouy e ainda habita a Ilha Terceira.
Dos Bruges, Arcas, Paims, e Teves, e dos Homens, Cameras, Domellai,
Noronhas, Pamplonas, e Fonsecas.
168 Do priraeiro, e verdadeiro Povoador da Ilha Terceira, e Capit5o
Donatario de loda ella, e dos dous Donatarios segiiintes, em que se re-
parlio a lllia, e da Qdalguia, e ascendencia de todos ires, e siiccessao
nas Capitanias, jà dissemos acima n'esle llv. 6 desde o cap. 2 ale o cap.
10, segue-se agora dizermos, que povoadores mais levarao comsigo: e
que desc^ndentes, assim dos taes Capitaes, corno dos companheiros, fi-
carào na Terceira, e mais Ilhas, para se reconliecer a nobreza d elles.
169 Do primeiro pois Donatario da Terceira, o fidalgo Flamengo
Jacome de Bruges, e da Dama sua mulher Sancha Rodrignez de Arca,
nào (icou filho varao algum, mas a primeira de suas legiiimas filhas,
chamada Antonia Dias de Arca, ou Arce, casou na mesma Ilha Terceira
com hum fidalgo Inglez chamado Duarte Paim, filho de outro grande fi-
datgo Thomaz Elim Paim, que de Inglaterra tinha vindo por Secretano
da Hainha D. Felippa de Lancastre, mulher d'el-Rei D. Jo3o o I, e con-
fórme a doacao feila a Jacome de Bruges, e nomeadamenle a sua pri-
meira filha, nao tendo filho varào, està filha D. Antonfa, e por ella seu
marido Duarte Paim, erao os que se seguilo na inteira Capitania de te-
da a Ilha Terceira, mas comò o pai, e sogro, primeiro CapitUo, era ji
morto, e dentro de poucos annos morreo tambem Duarte Paim, por mais
que este fez demanda à Capitania, e a continuou seu filho legilimo Din-
go Paim, comtudo por Ihe sumirem a Real Doacao feita a seu avo ma-
terno, e a sua mài, foi negada por sentenza a Capitania a quem perten-
cia, e dividida, e dada aos dous que se seguirao n'ella corno veremos:
e nem a Commenda de Santiago que tinha Duarte Paim, nem essa se
deo no filho Diogo Paim.
170 Casou porém Diogo Paim com Branca da Camera, filha de Pe —
drahes da Camera, irmao do segundo Capitào do Funchal: e ainda quc^
desta mulher se nào contào filhos que tivesse Diogo Paim, casou est^^a
segundn vez com Calharina da Camera, filha de Antào Martins Homerrm ,
e de Isabel Dornellas da Camera, filha tambem do dito Pedralves A a
Liv. VI CAP. xvn 89
Camera, e teve o dito Diogo Pairn d'està sua segunda mulhcr Catharina
da Camera, sobrinha da primeira Branca da Camera: teve, digo, a An-
tonio Paim, que casou na raesma Ilha Terceira com Merita Evangelha,
descendente da familia dos anligos fidalgos do appellido Evangelhos, dos
qnaes Joao Evangeiho instituio o morgado de Sao Pedro em Villa No-
va: e do tal Antonio Paim nasceo Duarte Paim, comò o bisavó paterno,
€ casou com D. Bernarda, fliha de Paulo Ferreira, e posto que d'este
casamento se nào sahem descendentes, sabe-se comtudo que Diogo Paim
teve segimdo filho. chamado Jeronymo Paim, irmao do sobredito Antonio
Paim, e tio do Duarte.
171 0 tal Jeronymo Paim casou com huma Alba de Joao de Teve
0 moco, e d'este casamento houve, e ha ainda na liba muila descenden-
cia, e bum Mauoel da Camera, Clerigo, e Vigario das Fonlainbas, pri-
meiro neto de Diogo Paim, segundo neto de Duarte Paim o primeiro
do nome, e terceiro neto de Thomaz Elim Paim, e Secretano da Rainha
D. Feh'ppa, por linha feminina, do primeiro Donatario de toda a Uba
Terceira Jacome de Bruges, e da Regia Dama, sua mulher. E d'aqui se
ve, .qua ainda que a fortuna, contra a verdadeira Justiga, tirou a Capi-
tania aos descendentes de Jacome de Bruges, e de seu genro Duarte
Paim, nao Ibe tirou comtudo a conservammo da sua nobilissima descen-
dencia, que ainda boje se conserva em a Uba com nobreza, limpeza, e
riqueza, de quo tambem era bum Cbristovao Paim, fidalgo da Villa da
Praia. He porém de advertir, que d'este Jacome de Bruges quizerao al-
guns dizer que vinhao os Borges da Uba Terceira, mudado o appellido
de Bruges em Borges; porém be engano, comò adiante veremos.
172 Na ordem de tempo em que entrarlo na Ilha Terceira seus
mais nobres Povoadores, seguem-se os da familia dos Teves, (deixada a
precedencia na nobroza de bumas familias a outras, que essa, corno odio-
sa, nos nao toca a nós julgar) porque corno o capitlo Donatario Jacome
de Bruges, vindo de Lisboa pela Madeira, trouxe à Terceira comsigo,
entre outros fidalgos, a bum Diogo de Teve, do qual consta descender
de outro Diogo de Teve, que da Madeira foi para Castella em tempo
. d'el-Rei D. Henrique, e Ibe foi tomado o seu morgado para a Coroa, e
este primeiro Diogo de Teve descendia de bum Joao de Teve, celebre
Malgo em Portugal; fillio de Antonio de Teve, e irm3o de Dona Maria
de Teve, que casou em Portugal com Fem3o Martins de Sousa, pai jle
Cbristovao de Sousa, senhor de Bayao, casa bem conbecida em Portu-
60 HISTORIA INSTLAI^A
gal: e comò succedco qiie o Capit3o Bruges se sahio da Terceira, e nun-
ca maia appareceo, e o seu corapanheiro Diogo de Teve, sem dar conia
do Capilao, morreo na prizao em Lisboa.
173 Ficou de Piogo de Teve, seu filho Joao de Teve, o qual Iroii-
xe demanda com Diogo Paim, por o pai de Joao de Teve ter tornado a
Serra de Santiago ao Capilào Bruges, avo materno de Diogo Paim: mas
comò se corapuzerao rasando Diogo Paim a seu filho Jeronymo Paim coni
huma filila de Joào de Teve, (chamado o niofo) dividirào a Serra entre
si, que rendia entào qualrocenlos raoios de Irigo; e ficou a casa dos Te-
ves muito rica, e a Serra de Santiago chamando se, a Serra de Joàode
Teve: e està casa se conserva hoje aparenlada com a maior nohreza de
todas as Illi^s, pois a ultima filha do ultimo JoDo de Teve casou com
Luiz Diogo Leite do Canto e Vasconcellos. filho morgado de Jacome Lei-
te Boteiho e Vasconcc^llos, fidalgos bem conhecidos em Angra daTercei-
ra, e em Ponla Delga<Ja de Sào Miguel: porém està casa dos Teves, he
dos Tevos por linha feminina, que por varonia he dos antigos fidalgos
Vasconcellos, pois Joào Mendes de Vasconcellos casou com D. iJaria de
Teve, e por obriga^^ào de morgados, he està de Teves, comò em seu lu-
gar mais largamente vereinos, quando fallarmos dos V^asconcellos.
174 Aos appelìidos e fomilias de Bruges, Arca. Paim, e Teve, se-
g'iem-se os appelìidos de Homens, Cameras, Dornellas, Noronhas, e Pam-
plonas: pois ja vimos acima cap. 2. e 3, que o segundo Capilao da O
jìilania da tarava foì Alvaro Marlins Homem: e este appellido he de tao
grande fidalguia, e tao anliga, que dos fidalgos, que El-Rei de Porlu-
gal mandou para casarem coai as filhas do primeiro Capitào, e descu-
hridor da liha da Madeira, hum d'elles foi Garcia Homem de Sousa, que
casotj com Calharina Goiiralves da Camera, filha do dito primeiro Capi-
tfio do Funchal. coino vinios jà no liv. 3, cap. 10. E comò a este se-
gundo (:a])ìtào da t'raia se segiìio na Capilania seu fiUio Antao Martìns
Homem, que' casou com Isabel Dornellas da Camera, filha de Pedralves
da Camera, irmào do segundo capitào do Funchal Joao Goncalves da
Camera, e filhos ambos do primeiro Joao Goncalves Zargo. d'aqui vem
OS Cameras da liha Terceira, e vem por linha legitima: pois do dita
Joao Guncalves Zargo, primeiro que tomou o appellido de Camera, se
nào sabe filho algum naturai, e so do seu terceiro filho Bui Goncalves
da Cauiera consta que nenhum fillio legilimo teve, mas illegitimos lo-
dos, de que descendem os Cameras de S. Miguel.
Liv. VI CAP. \vn 91
175 Quando porém esle Pedralves da Camera viesse da ifadoira pa-
ra a Terceira, parece qiie veio logo no principio com Jacome de Bru-
ges, (corno veio o leve da mesma Madeira, e o Paim de Lisboa, e ou-
tros fidalgos, que por saberem da nova liha Terceira descuberla, vinhào
para ter doacoes de terras nella) o cerio l)e que o tal Pedralves da Ca-
mera foi casado com Elvira Fernandes de Savedra, e que d'elles nasceo
a sobredita Isabel Dornellas da Camera, mnlher do terceiro Ca[)itào da
Praia Anlào Marlins llonicm, e d'estes foi filha a dita Catharina da Ca-
mera, que casou com Diogo Paim, e a dita Briles de Noronha, que ca-
sou com 0 quarto Capitào da Praia Alvaro Martins da Camera, segundo
do nome.
176 Do appellido de Dornellas, ou Ornellas, consta que veio lam-
bem da Madeira com o dito (idalgo Pedralves da Camera, pois sua tìiha
se cbamava Isabel Dornellas da Camera, e erào estes Dornellas fidalgos
tao conhecidos, e que enlre os maiures da Madeira se conta Joao Dor-
nellas, Cavalleiro de grande nome, e fama, que a sua custa foi soccorrer a
CaGm em Africa, sendo casado na Madeira (comò vimos jà no liv, 3,
cap. 11, do segundo Capitào do Funchal Joao Gon^alves da Camera) e
ainda hoje dura na Madeira està nobilissima familia de Dornellas, e se
conserva na liha Terceira, comò huma das primeiras fidalguias d'ella,
em Manoel Paim da Camera e Dornellas, irmào, e herdeiro do Alcalde •
mùr da Praia Bras Dornellas da Camera, filhos ambos do Governador,
e Alcaide-mór Francisco Dornellas de quem abaixo trataremos, e do nelo
que hoje vive.
177 Dos Noronhas lambem consta que em si os trouxe da Madei-
ra 0 mesmo Pedralves da Camera, pois da dita sua liiha Isabel Dornel-
las da Camera, que casou com o terceiro Gapilào da Praia Antào Mar-
tins Homem, nào so nasceo D. Catharina da Capiera, que casou com o Diogo
l*3iin, mas nasceo tambem D. Briles de Noronha, que foi mulher do quar-
to Capitào da Praya Alvaro Martins da Camera; e ainda que acima com
^*^tros muitos dissemos, que o dito Pedralves da Camera era irmào do
^gundo Capitào do Funchal, agora nos parece que devia ser liiho, oa
'^U) seu, pois 0 dito segundo Capitào do Funchal he o que casou com
*^- Maria de Noronha, bisneta dEl-Rei D. Henrique de Castella, e por
^^Qi he que a dita fllha de Pedralves da Camera se chamou Noronha;
(<^o dissemos na vida do segundo Capitào do Funchal) e d'estes No-
^oiihas tiata Damiào de Goes, e diz que Ei-Hei D. Fernando de Porta-
S2 HISTORIÀ INSLXANA
gal leve huma filha naturai, chamada D. Isabel, e que està cason com
D. Alfonso, Conde de Gijon, e senhor de Noronha, fillio tambcm natu-
rai d'EI-Rei D. Henriqiie II, de Castella, e que d'aqui procedeo a illus-
tre familia dos Noronhas, ou N. N. em Portugal, de que tanto usao
OS da Madeira, e tao pouco os da Terceira, com igualmonte Ihes per-
tencer.
ÌIH Dos Pamplonas tratamos, porque n'este firn da separada Ca-
pitaiiia da Praia forao propostos para o seu governo; pois (corno acima
dissemos cap. 3, fine) quando por morte do quinto Capitao da Praia, neii
fillio varao ficou que lUe succedesse, nem filha que tivesse successao; e ató
Anlonio de Noronha, irmao do ultimo CapitSo, vindo da India, morreo
de poste em Lisboa, entao os povos d'aquella Capilania vaga pedirao a
El-Uei ihes desse Capitào Donatario, que os governasse, e Ihe propuze-
rao para isso a bum fidalgo da mesma Uba Terceira, e Capitania da
Praia, e da familia dos Pamplonas, que (comò refere Fructuoso) a go-
vernou alguns annos. 0 que sabemos d'estes Pamplonas he, serem das
primeiras, e nobres familias quo forao povoar a Uba Terceira, e que no
lugar de Sào Roque, chamado dos Altares, fundàrao a Ermida de Santa
Calharina, e a fizerUo c^ibeta do morgado, chamado dos Pamplonas, que
so em trigo passa de cem moìos cada anno, fora outra muita renda de
vinlìos, fóros, eie, e demais tem por sua institufgao esle morgado, que
todos OS succ^essores nelle deixem suas tercas avinculadas ao mesmo
morgado, e que ande sempre nos filbos mais velhos por linba direìla,
corno na Instituigào se póde ver.
179 0 priineiro que de tao antiga, nobre, e rica familia achei, se
diamava Gonzalo Alvarez Pamplona, de quem foì fillio (quanto pude al-
cancar) Manoel Pamplona de Azevedo, que casou com huma irma da
mài (lo Santo Marlyr Joào ^aptista Machado; e do tal matrimonio nas-
ceo Comes Pamplona: e bisneto por linba direila Joao Pamplona, que
casou com Dona Maria de Miranda; e terceiro neto Joao Pamplona de
Miranda, que casou com D. Margarida do Canto; e quarto neto Confalo
Alvarez Pamplona, segundo do nome, que casou com D. Maria da Fon-
seca, filha de André Fernandes da Fonseca, Sargento-mór, e Ouvidorde^
Angra, e fidalgo da Casa de Sua Magestade, e filho de Domingos Mar—
tins da Fonseca, que teve o mesmo foro, e posto que passarao ao dite
fillio, e ao primeiro neto, e morgado rico Domingos Martins da Fohs
ca, que casou com D. Ignes Pamplona, filha herdeira do segundo Con
Liv. vr GAP. xxnì 9$
falò Alvarez Pamplona, e da irm3 do dito Domingos Martìns, em que se-
juctarao dous muito grandes morgados, o dos Pamplonas, e o dt)s Fon-
secas: e o mesmo Domingos Marlins da Fonseca leve oulro irmào intei-
ro chamado André Luis da Fonseca, fidalgo que morreo ha pouco, de
muito mais de oitenta annos, deixando multa descendeneia: da dita
D. Ignes (quinta neta do primeiro Confalo Alvaroz Pamplona, e lillia
unica do segundo) nascerào sextos netos. e septimos que hoje vivenj; e
da irraà do seu pai, D. Margarida Pamplona, que casou com o grande
fidalgo Dingo Moniz Barreto, nasceo D. Joanna da Silva, que casou com
Barlboiomeu Pimentel: emfim que d'està familia dos Pamplonas basta di-
zer que jà n'aquelles tempos era tal, que pelos povos da Praia foi pro-
posta para seu Capitao, e Governador; mas lirou-iiro o valimento de
Dom Cbristovao de Moura com Castella.
CAPITOLO XVIII
Dos Cortereaes, Costas, Sìhaz,, Monizes, Barretos, e Sampaios,
que se conservdo na Ilha Terceira.
180 Supposto que tocàmos jà no cap. 4, dos Cortereaes, Mouras>
e da exceilente casa dos Marquezes de Castello Rodrigo, devemos tocar
tarabem o principio d'onde veio este appcllido de Corlereal. Todos con-
vem que do Algarve veio hum famoso Cavalleiro, cujo appellido era
(Costa) e que andando na Corte, ou d'El-Rei D. ftuarte, ou jà de sea
pai D. Joao o I, tao luzidamente se tratava, que em huma occasiào che-
gou El-Rei a dizer publicamente ao Costa: «Com vossa vinda Costa, mi'-
nha Corte he Real» e que d'aqui o Costa se chamara. Costa, CortereaK
outros dizem, que a occasiào fora, de que vindo dous Francezes a Portu-
gal a procurar homens tSo valentes, que se atrevessem a lutar, e desafiar-
se com elles, (ao estylo antigo) sabira o dito Costa, e em sinal de cor-
tezia lancando a mao ao brago de hum dos dous Francezes, Ib'o aper-
toa de tal sorte, que gritando o Francez, pedio o largasse, que nào qu&-
lia luctar com quem em huma mSo tinha taes foroas; e que entao dis^
sera o Rei, que com tao valente Costa era sua Corte Real; e Ihe fìcuu.
o appellido de Costa Cortereal: e ainda que nao consta se o dito pri-
meiro Cortereal foi o mesmo Joao Vaz da Costa, a quem se deu a Capi-
lania de Augra, cu se foi seu pai Yasqueaoes da Costa, a (^uem as his*
!9i mSTORTA INSULANA
torias ja cliamao Cortereal; o certo he que todo o Cortereal descende
dos laes Costas, qiie erào Fronteiros móres do Algarve em Tavira, e
Silves, fulalgos que descendiao do grande D. Reimao da Costa Francez,
que ao prinieiro Rei D. Aflbnso Henriques ajadou a tornar Lisboa.
181 D'estes Coslas Corlereaes ficou tanta, e tao legilima descen-
dencia na liha Terceira, e na do Faial, que o dito Joao Vaz da Costa
Cortereal, (alem de casar sua filha D. Irìa na mesma Terceira com hum
fìdal^'O charaado Fedro de Goes da Silva, a quem deixou o seu paco, e
jardim por baixo do Castello de S. Chrislovao, chamado Castello dosmoi-
nhos, do qual casamento nao sei a descendencia que flcou) alem deste casa-
menlo. casou outra filha, chamada D. Isabel Cortereal com Joz de Utra,
segundo do nome, e segundo Capitào Donatario das Ilhas do Faial, e Pi-
co, cujo filho Manoel de Utra Cortereal casou tambem com D. Angela
Cortereal, sua prima, filha do terceiro Capitao de Angra Vasqueanes Cor-
tereal. irmao da màe do dito Manoel de Utra; e da descendencia d'cstes
casamentos fallaremos, quando tratnrmosda liha do Faial; e omesmo Joao
Vaz da Costa Cortereal casou na Terceira outra filha, chamada D. Joan-
na Cortereal, com Gnilherme Moniz, que sendo illustre fidalgo dos Mo-
nizes de Portugal, mas filho segundo, tìnha ido para a liha Terceira a
adquirir n'ellas terras do Donatario, e este com a filha Ihe dea tantas,
que fundou hum bom morgado com obrigacao de os successores ihe
avjncularem as suas terfas; e se verdadeiramente o fizessem assim, se-
ria j.i hoje multo maior ainda do que he.
482 Dos taes Monizes Cortercaes ha n3o so na Ilha mnita descen-
dencia, mas tambem em Portugal, na India, eie., porque o segundo filho
(que do primeiro, e morgado trataremos lugo) do dito Guilherme Mo-
niz, e D. Joanna Cortereal foi Ballhesar Moniz Cortereal, que da Tercei-
ra fugio ao pai para a India, sendo ainda de quatorze annos, pouco
«mais, e depois voltando da India casou em Lisboa com D. Violante, na-
turai da mesma Ilha Terceira, e tornando para a India Ihe morreo cà a
dita primeira mulher, e elle se casou segunda vez em Mo^ambique com
D. Maria Paos da Cunha, e voltou para Lisboa, e d'este segundo matri-
monio nasceo D. Maria da Cunha, que casou com Diogo de Mendoca, e-
d'estes nasceo D. Joanna de Mendon^a, que casou com Manoel de Soo —
sa da Silva, fidalgo bem conhecido, que morava no seu palacio das por— ^
tis da calgada de Santo André, e teve duas filhas, a segunda casou con
seu primo o Conde de Valdereis, sobrinho patruo do Arcebispo de i
LIV. Vi GAP. X\TII 95
boa D. Antonio de Mendofa; e a primeira filha de D. Joanna deMendo-
Ca, e Manoel de Scusa da Silva (qiie succedeo a esle no morgndo) casou
Cora 0 Marquez de Montebello D. Antonio Machado, filho morgado do
Marquez de Montebello D. Feliz Machado senhor da anliga, e illustre
Casa de Entre Homem, e Cavado, o qua! D. Antonio foi Govcrnador de
Fernambuco, aonde agora està tanibem governando seu filho lierdeiro
D. Feliz Machado, segundo do nome, que casou com D. Eufrasia, filha
de D. Luis da Silveira, das primeiras qualidades de Portugal, e tem fl-
Ihos, e baste tocar por bora isto da grande casa de Montebello.
183 0 prinaeiro fillio pois do dito Guilherme Moniz, e de D. Joan-
na Cortereal foi o morgado da liha Sebastiào Moniz, que casou com D.
Joanna da Silva, filha de Gonfalo da Silva, Regedor da Jusliga em Lis-
boa, e de D. Isabel de Noronha, e jà aqui lemos outra vez na Uba os
melhores Silvas Regedores, e outra vez os Noronhas. Do dito Sebastiào
Moniz foi 0 primeiro filho morgado outro Guilherme Moniz comò o avo
e com 0 foro de moQO fidalgo da casa de S. Magestade, e d'este nasceo
Francisco Moniz Barreto e Silva, tarabem Morgado, e mogo fidalgo, a
quem se seguio seu legitimo filho morgado Manoel da Silva Moniz; e
seu irmao o Conego JoSk) Moniz, e de Manoel da Silva nasceo Guilher-
me Moniz comò seu visavó, e quarto avo, que era o genro do Capitao
Donatario de Angra Joao Vaz da Costa Cortereal. Nasceo mais de Guilher-
me Moniz, segundo do nome, Egas Moniz Barreto, que casou com D.
Maria da Silveira, nasceo tambem Antonio Moniz, o famoso na India, e
seus irmaos Sebastiào Moniz, moco fidalgo, e casado com D. Brites Me-
rens, e d'estes nasceo o morgado Jo5o Merens, que morreo sem filhos,
£ se Ibe seguio seu segundo irm3o Diogo Moniz Barreto, que casou com
D. Margarida Pamplona, e dissipou a casa, e deixou varios filhos, e o
terceiro irmao foi Henrique Moniz Barreto, que casou com sua prima
D. Violante, filha do sobredito Francisco Barreto da Silva.
184 Do primeiro Sebastì3o Moniz, e da dita D. Joanna da Silva, fi-
lha do Regedor, e do Noroaba nasceo em segundo lagar Dona Francisca
jda Silva, que casou com bqm fidalgo chamado Ruy Dias de Sampayo, e
d'estes nasceo D. Antonia, que casou com Manoel do Canto de Castro,
corno veremos abaixo nos Cantos, e Castros, mas porque o tal Ruy Dias
de Sampayo vmvou, e casou segunda vez com D. Iria, filha de outro fi-
dalgo chamado Constantino Machado, e o dito Ruy Dias de Sampayo era
filho de Mem Rodriguoz de Sampayo, e de D. Brites Homem da Costa,
96 HISTOMA INSIXANÀ
e era neto do Gaspar de Sampayo, e de D. Joanna de Alarde, fidalga
iilustre, por isso do sobredilo Ruy Dias de Sampayo, e da dita sua se-
giinda inoUier nasoeo outro Ruy Dias de Sampayo, pai de Estevao de Sam-
payo de Azevedo, e do mesmo segundo casamento nasceo mais Manoel
de Cortereal e Sampayo, que foi para a India, e là com tal valor teve
tao grandes postos de guerra, que chegou a sor Governador de todo o
Estado da India, e noraeado nas vias por Viz-lley, ^ morreo antes dee
chegar a ser, e de sua descendencia là na India, constarà là. E final-
raente de seu pai Ruy Dias de Sampayo, primeiro do nome, e de sua
primeìra inullier D. Francisca da Silva nasceo mais D. Isabel, que casou
com Luis Ilomem da Costa, de que trataremos em seu lugar.
iS5 Vistas pois assim as familias dos Cortereaes, Coslas, Monizes>
Silvas, Ranetos, Sampayos, e Noronim, que se conservào na Uba Ter-
ceira, temilo he jà que clieguenws, na ordem de tempo, à illustre Éa-
milia dos Caiitos Castros, e outros, Silvas, Ferreiras, Mellos, etc.
CAPITULO XIX
Dos Cantos, e Castros de Angra, e familias d'onde vem,
e que vem d'elles.
186 Antes de haver nas Ilhas Bispos proprios, vinhao por ordem
del-Uei, e do D. Prior da Ordem de Christo de Thomar, alguns Bispos
às Ilhas de novo povoadas, para n'ellas chrismarem, dar Ordens, e exer-
citarem o conimum oflìcio de Bispos Coadjutorcs, ou (corno chamao) de
annel ; na mesma embarca^jao, eiii que hia hum destes Bispos à Madei-
ra, foi tauìbem hum varao chamado Fedro Anes do Canto, e da mesma
sorte passou depois da Madeira à Uba Terceira pelos annos, e em tempo
do segundo Capitào Donatario de Angrsr Joao Vaz da Costa Cortereal,
que muito antes foi provido, corno dissemos acima no cap. 2.
187 Este Fedro Anes do Canto era ainda solteiro, e filho segundo
de Jacome (ou Joào) Anes do Canto, e de sua mulber Francisca da Sii*
va. Alba de bum Joào Soares da Silva, e pelo dito seu pai era neto de
Vasco Anes, ou Vasco Alfonso do Canto, Cavalleiro, naturai de Guima-
ràes, antiga Corte do Conde D. Ilenrique, pai do primeiro Rei de Por—
tugal D. Alfonso Ilenriques, e era jà © dito Fedro Anes do Canto tac^
famoso Cavalleiro, quo linba militado em Africa^ e defendido hum ba.^
I
UV. VI GAP* XIX 97
Ioarte em Àrzila» e pelos muitos seus servi^os Cl-Rei de Portugal o ti-
oba feito fldalgo flihado de sua casa Real» e ihe deo por armas hum Cas-
tello com peQas de artelbaria em campo vermelho, a que ao depois se
ajontarao as armas dos Castros, corno veremos.
188 Posto na Terceìra o dito fldalgo Fedro Ànes do Canto casou
com D. Joanna Abarca, (que segundo huns, era irm3, e segundo outros,
era parenta muito chegada de D. Maria Abarca, mulber do Donatario
Joao Vaz da Costa Cortereal) e o certo he, que era irma de D. Isabel
Abarca, (da qual diremos no cap. 20) mulber do antigo fldalgo Joao
Borges o Yelbo, de que abaixo trataremos, corno tambem dos Abarcas,
qae descendem de bum dos Reis que bavia em Ilespanha, chamado D.
Saocho Abarca.
189 De Fedro Anes do Canto, e de D. Joanna Abarca nasceo An-
tonio Pires do Canto, que nao so era fldalgo, e Provedor das Armadas,
corno 0 era jà seu pai, mas Cavalleiro professo da Ordem de Cbristo,
e casca illustremente com D. Catharina de Castro, fllba de D. Francisco
de Castro, e de D. Joanna da Costa, li neta por tal pai de D. Garcia de
Castro, irmao inteiro de D. Alvaro de Castro, primeiro Conde de Mon-
santo, e filhos ambos de outro D. Francisco de Castro, e de D. Isabel
de Menezes, e netos de D. Joao de Castro, senbor do Cadaval, e o dito
D. Garcia de Castro era casadò com D. Brites da Silva, Alba de D. Lio-
nel de Lima, Bisconde de Villa Nova, e de D. Catbarina de Ataide: e
ainda que t3o illustres fàmilias, e appellidos se accrescentarao aos Cantos,
tao nobres erao jà estes que nunca mudarlo do appellido de Canto, e
so Ihe ajuntarao o de Castro, e as armas dos Castros is dos Cantos,
com 0 escudo coroado ; e assim muito se enganou quem disse que o
appellido de Canto era alcunha, pois nao be senao appellido muito anti-
go, e muito nobre, que por nenhum dos outros se deixou. Do dito An-
tonio Pires do Canto, e de D. Catharina de Castro, nasceo D. Joanna de
Castro, que casou em Lisboa com Lopo de Sousa, e d'estes nasceo Ay-
res de Sousa, primeiro do nome, que casou com D. Leonor Manriques;
e d'esles nasceo segundo Ayres de Sousa, e D. Leonor Telles, que casou
com Francisco de Mello, primeiro Conde da Fonte, e Marquez deSande,
que casou com a filha do Marquez de Niza, e outra Alba casou em Lis-
boa com Luis de Saldanha, o do Alemo : tantos fìdalgos em Portugal
descendem de Antonio Pires do Canto, e do pai Fedro Ànes do Canto.
190 D'este Antonio Pires do Canto, e da illustre D. Catbarina de
VOL. II 7
98 HISTOniA INSULANA
t
Castro nascoo Fedro de Castro do Canto, que corno seo pai, e avo, nao
so conservou a mesma fidalguia, e o mesmo posto de Provedor das Ar-
madas, mas tudo augmentou; casou pois com D. Maria de Mendo^a, fi-
lila de Estevao Ferreira de Melio, e de D. Antonia de Lima, e neta pa-
terna de Concaio Ferreira da Camera; Albo de Duarte Ferreira de Teve,
e de D. Felippa da Camera, e pela mai D. Antonia de Lima era neta
materna de Manoel Pacheco de Lima, e bisneta de JoSo Feraandes Pa-
checo, e terceira neta do grande Duarte Pacheco Pereira, da fidalguia
dos qoaes abaixo fallaremos.
191 0 dito Pedro de Castro do Canto leve tres filhos; primeiro,
Manoel do Canto de Castro, (de que logo abaixo trataremos) segundo,
U. Violante, Freira em S. GonQalo de Angra, terceiro, Diogo do Canto
e Castro, que casou com D. Isabel Teixeira, fitha de Gii Fernandes Tei-
xeira, fìdalgo filhado, e do tal Diogo do Canto e Castro nasceo Pedro
de Castro do Canto, que casou com D. Brites, filha do fldalgo Sargento
mór de Angra André Fernandes da Fonseca; e d^estes nasceo Hierony-
mo de Castro e Canto, fldalgo qte ainda hoje vive, e que por varouia
be neto de Diogo do Canto, bisneto de Pedro de Castro e Canto, tercei-
ro neto de Antonio Pires do Canto, e quarto neto do primeiro Pedro
Anes do Canto. De Pedro de Castro do Canto o primeiro filbo Manoel
do Canto e Castro succedeo em tudo a seu pai, e avós, e foi Capi tao
mór de Angra ; casou com D. Antonia da Silva, filha de Buy Dias de
Sampayo, e de D. Francisca da Silva, e pelo tal sogro era neto de Mem
Rodrigues de Sampayo, e de D. Brites Homem da Costa, e bisneto de
Gaspar de Sampayo, e de D. Joanna de Ataide, todos fidalgos muito co-
nhecidos: e pela dita D. Brites Homem da Costa era bisneto de Gonza-
lo Mendes Ilomem, e de Ignez Alfonso Carneìro; pela sogra D. Francis-
ca da Silva era o dito Manoel do Canto e Castro neto de Sebastiao Mo-
niz, e bisneto de Guilherme Moniz, (de que jé fallamos nos Monizes) e
de D. Joanna Cortereal, e por està terceiro neto do Capitao Donatario
de Angra Joào Vaz da Costa Cortereal, e de sua mulher D. Maria Abar-
ca, corno \k vimos; e pela dita sogra D. Francisca da Silva, e pela mai
d'ella D. Joanna da Silva, èra bisneto de Gongalo (ou Joao) da Silva Re-
gedor, e de D. Isabel de Noronha.
192 0 dito Manoel do Canto e Castro, primeiro do nome, de sua
mulber D. Antonia da- Silva teve filhos legilimos, hum Alexandre que
morreo sem fdbos, e huma D. Maria, e outra D. Ursula, que morrerao
LlV. VI GAP. XiX Off
Freiras na Esperanfa de Angra; e hum Manoel do Canto de Castro, se-
goDdo do nome, quo era do habito de Clirìsto, e em Castella casou com
huma illustre fìdalga D. Felippa de Lara, e leve em Angra a casa foros,
e postos de seus avós por muitos annos, e morreo em fim sem algum
l^iUmo descendente; e outro irmao que se Ibe seguia Fedro do Canto
e Castro, nunca casou, e morreo primeiro, e sem fiibos; e tambem ou-
tro irmSo Antonio do Canto e Castro, que foi CapitSo de Cavallos d'el-
Rei D. Joao o IV na batalha de Montigio, e depois Sargento mór da No-
breza em Lisboa, e do babito de Cbristo, e Sargento mór de toda a Uba
Terceira com grande tenga, e Goverpador do grande Castello* de Angra;
este ainda que casou em Angra, e muito fidalgamente, com D. Maria de
Mendo(^, filba de Joao de Betencor e Yasconcellos, (de que abaixo tra-
taremos) comtudo nao deixou d'ella filbo varao, mas duas fìlbas, que
confórme a sua qualidade casar3o comò veremos; e comò ainda a este
Antonio do Canto e Castro precedia por mais veiho outro seu legitimo
rmao Jo3o do Canto e Castro, este succedeo na casa ao dito irmao Ma-
noel do Canto e Castro, segundo do non)£.
.193 Este pois Joao do Canto e Castro nao so ficou com a casa de
seus avós, mas foi do babito de Cbristo com grande tenga, e Provedor
das Armadas, e do Conselbo de S. Magestade, e ainda antes de levar a
casa casou dentro em Angra com buma fìdalga cbamada D. Maria Caixa,
Uba do bom fidalgo Tbomé Correa da Costa, e de sua mullier D. Catba-
rina Caixa, de que fallaremos em seu lugar; d'este casamento nascerao
muitos fiibos, e de bum so ba boje descendencia; porque o mais velbo
Carlos do Canto e Castro, sendo fidalgo de grandes esperangas, e jà Mes-
tre de €ampo de bum Tergo, morreo mancebo, e solteiro; outro cbama-
do Tbomé do Canto e Castro, se- metteo Frade Eremita de Santo Agos-
Uoho na mesma Cidade de Angra, e morreo cedo; outro cbamado Ma-
noel do Canto e Castro, na mesma Angra entrou, e professou a regular
observancia de S. Francisco; e outro cbamado Sebastiao Carlos do Can-
to e Castro, sendo meu discìpulo,' ba mais de cincoenta annos, no latim
em 0 Collegio de Angra, tomou o babito de Cbristo no Convento de S.
Concaio com boa tenga, e se seguio ao pai jà falecido; porém o mais, ve-
lbo irmao Franciscano, annullando a profissao se fez secular, e se oppoz
ao morgado, e o Sebastì3o Carlos faleceo em a demanda; e por mais que
se oppuzerao ao que tinba sabido da Religiao, assim seu tio Fedro de
Castro do Canto> filbo de Diogo do Cauto> e nolo do outro Fedro de
102 HISTOniA INSULANA
Vasconcellos, de que mais abaixo fallaremos; e d'cstc matrimonio des-
ecnde hojc multa fldalguia de Angra.
199 0 primeiro, (3 morgado, fillio do dito Francisco do Canto, e
da dita sua mullier, foi Fedro Arics do Canto, Malgo, e Cavalleiro da
Ordem de Christo, que casou com D. Maria Serra, primeira vez, e se-
gunda vez casou com D. Apollonia Teixeira, filha de outro Odalgo cha-
mado Gii Fernandes Teixeira. Do primeiro matrimonio nasceo Francis-
co do Canto, quo iovou o morgado, (sendo segundo fillio, por ser jà
morto 0 primeiro, e sem filho varSo) e casou com Dona Anna da Sil-
veira, filha de Estevuo da Silveira Borges, da fidalga familia dos Can^a-
Ihaes; e do tal matrimonio nasceo Ignacio do Qjinto, morgado, e fidalgo
filhado, que casou com I). Ignez de Castro, filha de Joao do Canto de
Castro, pela qual pertendeo o primeiro morgado dos Cantos, que Ihe Io-
vou 0 cunhado, que tinha sido Ftade. Do tal Ignacio do Canto da Sil-
veira e Vasconcellos. e de D. Ignez de Castro nascerao muitos Qlbos; o
morgado que està casado, e sem filhos ainda, Mattieos do Canto e Cas-
tro, que foi Religioso da Companhia de Jesus» excellente Humanista, e
Filosofo, e que lendo em Coimbra nas Escolas menores da Universidade
OS latìns, adoeceo de estndar, e doente ainda durou alguns annos, e
morreo no Beai Collegio de Coimbra, e com grande exemplo de religio-
sa humildade, e observancia. Outros irmaos d'este vivem ainda» corno
ainda tambem vivem os ditos pais.
200 D^estes ullimos filhos o visavò Fedro Anes do Canto, segundo
do nome, e da mesma primeira mulher nasceo outro fillio, e mais ve-
lilo, chamado Luiz do Canto, que casou na Uba de Sao Miguel com D.
Barbara da Silveira; e d'esto casamento entao nao nasceo varSo algum
que eu saiba, mas tres filhas, que todas taml)em c<isarao em Sào Mi-
guel; a primeira, D. Maria do Canto com o tidalgo Diogo Lei te Botelbo,
de que nasceo Jacome Leile Botelho e Vasconcellos, fidalgo, e Cavallei-
ro da Ordem de Chrislo, que veio a casar em Angra com D. Maria de
Mello, filha de Luiz Coelho Fereira, e de D. Isabcl de Mollo, da Uba da
Graciosa: o qual Jacome Leite actualmente faz demanda a seu tio Igna-
cio do Canto, e Ihe quer tirar o morgado que possue, e possuio seu pai.
Outra filha de Luiz do Canto foi D. Luiza do Canto, que casou com An —
Ionio de Faria Maia, e de que nasceo D. Mariana de Farla, mulher d^
Joao de Sousa Facheco, todos da mesma liba de Sào Miguel. E a tercel —
LIV. VI GAP. XIX 103
ra filha do mesmo Ignacio do Canto foi D. Isabel do Canto, quo tambcm
casou em Sao Miguel com Miguel Lopes de Araujo, de que nasceo D.
Antonia, quo primeira vez casou com scu primo Pedro Borges de Sou-
sa, de que houve a Antonio Borges, e vìuva casou segunda vez com An-
tonio Soares de Sousa, descendente legitimo dos Donatarios de Santa
Maria, e S. Miguel.
201 Do dito Pedro Annes do Canto, e do sua segunda mulher D.
Apollonia Teixeira nasceo bum fllho, chamado Manoel do Canto Tcixei-
ra, fidalgo que casou com D. Margarida da Costa, irma de Joao Homem
da Costa, e prima da mai d'elle Manoel do Canto Teixeira; e d'este nas-
ceo Luis do Canto da Costa, fldalgo que casou primcìro, com D. Fran-
cìsca, filha de D. Chris tovao Spinola ; e segunda vez casou com Dona
Antonia, filha de Manoel Correa de Mello, da Graciosa, e da primeira
nasceo quem hoje vive, e da segunda tambem outros.
202 Do dito Pedro Anes do Canto, e da segunda mulher nasceo
mais D. Luiza de Yasconcellos, que casou com D. Pedro de Castello-
branco, e d'estes nasceo D. Manoel de Castello branco, marido de D. Isa-
bel de Mello, filha de Manoel Correa de Mello, o da Graciosa; e d'estes
nasceo D. Francisco de Castello branco. Outro irmao de D. Manoel foi D.
Ignacio de Castello branco, que tambem casou com huma filha de Anto-
nio do Canto e Castro, e de Dona Maria de Mendoca, e deixou filhos; e
outra Irma de D. Manoel, e D. Ignacio foi D. Maria, que casou com Jouo
de Teve de Yasconcellos, filho de Joao Mendes de Yasconcellos, de que
ha multa descendencia.
203 Do sobredito Francisco do Canto, tcrceiro filho do primciro
Pedro Anes do Canto, nasceo mais Joao do Canto, fidalgo que casou com
D. Catharìna Yieira (irma do Padre Joao Baptìsta Machado, da Companhia
de Jesus, que morreo martyrizado, e degolado pela Fé Catholica em Japuo,
corno em seu lugar diremos) e do tal Joao do Canto nasceo Francisco do
Canto e Yasconcellos, mo^o fidalgo Cavalleiro da Ordem de Christo, Alfcres
inór, e Chanceller de Angra; o qual casou com D. Paula da Veiga, fi-
lha do Femao Furlado, e de D. Maria da Veiga; e estc Francisco do
Canto teve mais irm3os, e d'elle nasceo Joao do Canto de Yasc/)ncellos,
(a quem chamàrao Joao do Canto Saude) fidalgo do mesmo foro de seu
pai, e que casou com D. Maria Cortereal; filha de Sebastilio Cardoso
ìiachado. Tenente do Castello grande, que tambem deixou descenden-
cia ; e outra irma do dito Joao do Canto Saude casou em S. Miguel
lOi mSTOniA INSULANA
com hum nobre, o rico Cìdadao Antonio Pereira Botelho, de que lam-
bem là ha descendencia.
204 Nasceo mais de Francisco do Canto, (lerceiro fllho do primeiro
Fedro Anes do Canto) nasceo, digo, D. Andreza do Vasconcellos, que
casou com Manuel Paclieco de Lima, (grande fidalgo, de que fellaremos
abaixo) e d'esles nasceo Joao Pachcco de Vasconcellos, que casou Ires
vezes, Sem ter filhos da primeira, nera da terceira, teve-os da segunda,
que se charaava D. Ursula de Lacerda, fìlha de Alvaro Pereira de La-
cerda, nobilissimo Cìdadao de Angra, de que nasceo Francisco Pacbeco
de Lacerda, que casando a primeira vez com i). Anna Zimbron, fìdalga
morgada, viuvou d'ella sem filhos, mas teve-os da segunda mulher, com
que casou; e leve mais outro irmao cliamado Diogo Pacbeco de Vascon-
cellos, e de ambos estes irmaos liouve bufna irma, que casou com Fe-
dro Ilomem da Costa, fidalgo mui conbecido.
205 Finalmente seria nunca acabar quem quizesse exhaurir a tgual-
mente numerosa, que fìdalga familia dos Cantos, cuja primeira, legitima,
e varonil descendencia se conserva nos filhos de Joao do Canto e Cas-
tro, e com nobre Palacio, de vista amplissima para mar e terra, jardim
junto a elle, e sua Capella deNossa Senbora dos Remedios, e casa tao rìca, que
so em trigo passa de trezentos moios de renda cada anno; e em vinhos,
fóros e tencas, atém de graudes quintas, tem certamente de renda mui-
tos mil cruzados cada anno; e isto desde quasi logo seu principio; pois
por morte do segundo fìlho legitimo do primeiro Fedro Anes do Canto,
que foi 0 magnifico Joao da Silva do Canto, so fìcou sua legìtima des-
cendencia na famosa fidalga D. Violante, que morreo sem filhos, e se
unio com o primeiro morgado, outro igual a elle: mas porque do dito
J)ao da Silva ficou (couìo jà vimos) a outra filha legitimada D. Maria
da Silva, que casou na casa dos Borges, razao he que a estes, e oatras
familias jà passemos.
CAPITULO XX
Dos Borges, Coslas^ Abarcas, Pachecos, e Limas, VethoSj e Mellos^
e de ouiroSy Jlomens Costas.
206 Jà em o liv. 5, cap. i7, Ut. 5, tratàmos dos Borges, Medeiros
Dias da Uba de Sao Miguel; mas porque os Boi^es da Uba Terceira sao
muito diversos, e estes succederao no mais particular morgado, que de
LIV. VI CAP. XX 105
sud livre terca fez o grande fidalgo Joao da Silva do Canio, em que se
conserva sua de^cendencia; por isso tendo tratado da familia dos Cantos,
pede a razao que tralcraos dos Borges da Terceira, em que tambem se
conserva dos mesmos Cantos a segunda linha. Para o que se ha de sup-
por, que depois de Portugal laudar fora de todo aos Mouros, ficou o
Beino do Algarve sendo a unica Fronteira, quo a Corea Lusitana sus-
tentax'a centra os Mouros; e por isso o Serenissimo Infante D. Henri-
qoe foi sempre o Fronteiro mór do Algarve, e là morava, e^ os filbos
segundos dos melhores fidalgos Portuguezes seguiao ao dito Infante; e
era entao o Algarve a mais celebre Praja de teda a fidalguia Lusitana,
que do Algar\'e sahio a povonr as Ilhas do Porto Santo, Madeira, e tam-
bem a povoar as Terceiras. Islo supposto,
• 207 Ò tronco dos Borges da Terceira se chamava Joao Borges, (o
Telho para distincao de outros) o qual era fidalgo, e Cavalleiro do Al-
garve, e casou com D. Isabel Abarca, irmà de D. Maria Abarca, mulher
do primeiro Capitao de so Angra Joao Vaz da Costa Cortereal, e tam-
l)eni irm5 de D. Joanna Abarca, primeira raulher do primeiro Pedro
-Anes do Canto. De Joao Borges o Velho, e de Dona Isabel Abarca nas-
ceo D. Catharina Borges Abarca, que casou com Affonso Anes da Costa
Cortereal, fidalgo da casa de Sua Magestade, e de Tavira do mesmoAl-
gar\*e; e aqui se ajuntarao estes Borges com os Cortereaes e Costas, de
qde fallaremos logo; e do tal casamento nasceo Christovao Borges da
Costa Cortereal, fidalgo que casou com D. Izeu Pacheco de Lima, filha
de Comes Pacheco de Lima, tambem fidalgo grande, de que logo dire-
inos; e do tal casamento nasceo Manoel Borges da Costa, que nao so
era tao bom fidalgo, naas tambem Commendador da Ordem de Christo,
. 6 casou com D. Maria da Silva, filha legitimada do sobredito Joao da
Silva do Canto, e Morgada por elle instituida.
208 D'esle pois Manoel Borges da Costa nascerao dous filhos; pri-
lueiro, Christovao Borges da Costa, chamado o dos Altares, por n'este
tagar morar em quinta sua, e casou com D. Catharina Coelho de Mello,
^ boa nobreza da dita liha Terceira; e a estes succedeo seu filho Joao
^ Silva da Costa no morgado instituido por seu bisavó Joao da Silva
^ Canto, e foi dos quatro Capitaes pagos do grande Castello de Angra,
e casou com D. Maria de Toledo; succederao mais ao dito Christovao
^rges outros filhos, e fidalgos do mesmo foro, comò Salvador Borges
^ Costa, e Manoel Borges da Costa, e D. Izeu Pacheco, que casou
106 IlISTORTA LNSULANA
com 0 Capi tao Josoph Lcal, e D. Maria Abarca Cortercal, que cason com
Bernardo Cordeiro de Espinosa, das quaes pessoas ainda boje vivem
muitas.
209 0 segundo fiiho de Manoel Borges da Costa, o Commendador,
foi Fedro Borges da Costa, que teve o mesmo foro de seus avós, e ca-
sou com D. Anna da Camera, Riha de Dìogo Goncalves da Camera, da
Villa da Praia da Terceira; e d'este casamento nasceo Joao Borges da
Silva, que com o foro de seus avós foi para a India, e n'ella teve gran-
des postos de guerra, e governos, comò teve seu tio* Manoel de Corle-
real, e Sampaio, e seu sobrinho Roque Pacheco Gortereal, filho da so-
bredita D. Izeu Pacheco; e nasceo mais D. Margarida, com quem o dito
Bernardo Cordeiro de Espinosa casou segunda vez depois de viavo da
primcira mulher D. Maria Abarca; Analmente nasceo D. Maria, qne oa-
sou em Angra com bum Antonio Pereira, e deixou Albo cbamado Jo3o
da Silva do Canto.
210 Dos iilustres Abarcas, Cortereaes, Silvas, e Cantos, qae com
estes Borges Costas se unirao, jé temos dito o que basta; segue-se agora
dizermos, que fìdalgos erao aquelles Pacbecos Limas, que por meio de
Dona Izeu Pacheco de Lima se ajuntarSo com aquelle ChristovSo Borges
da Costa Cortereal, primeiro do nome.
• 211 Os Pacbecos (conforme a Fructuoso vierSo a Portugal de Mi-
nliaya, seu solar, e lugar sito na Mancha de Aragao, e d'estes foi de Por-
ìus'jil para a India aquello, la na India cbamado o Grande Duarte Pa-
checo, pclas faganbas que obrou no Oriente; d'este famoso Ileroe Duarte
Pacheco, o da India, foi filho Joao Fernandes Pacheco, que casou em
PQrlugal com D. Briles de Noronha, Alba de Comes Fernandes de Lima,
Adalgo dos da primcira qualidade, e primo irm3o de D. Fernando de
Lima, 0 Velilo, e assim se ajuntarao os Limas com os Pacbecos, e No-
l'onhas: do tal casamento nascerao dous filhos; bum dos quaes foi Ma-
noel P aclieco de Lima, que foi para a Uba Terceira por Juiz do mar, o
Contado r da Fazenda Beai em todas as outras Ilhas, e na Terceira casoa
com hunia fidalga chamada D. Francisca Neta, Alba de Jo3o Alvarez No-
to , Adalgo da casa de S. Magestade, e Cavalleiro que tinha militado em
Africa, e na Terceira estava por Provedor da Fazenda Beai; e do tal Ma-
no el Pacheco de Lima nasceo Antonio Pacheco de Lima, que casou com
I) . Catharina de Menezcs, Alba de Bui Dias de Sampaio, e de D. Fran-
cisca ih Silva, quo era Allia de Sebastiao Moniz, e neta de Guilhenne
LIV. VI GAP. XX 107
Moniz, e pela muiher d'este era bisneta de Joao Vaz da Costa Cortcrcal,
Capìtao Donatario de Angra. ^
212 Do lai Antonio Pacheco de Lima diz o Doulor Frucluoso que
era fidalgo maito honrado, e do habito de Ghristo, Contador, e Juiz do
mar, e Fazenda Real, e Juiz dos Orfiios em Angra, e de tao boas par-
tes, e discricao, que a quantos o vi3o, prendia com cllas, e que era hon-
rador de todos, bem inclìnado» e de muito respeito, grande amigo de
seus parentes, e desejoso de accrescentar a dita gcracjao, gentil-homem,
gracioso, alegre» liberal, virtuoso, e temente a Deos, e de muita vìrtu-
de, e desiateressado, eie. Estas as palavras formaes do santo, e sabio
FroctQOso. Oh se quizesse Deos que muitos outros imitassem a este fi-
(lalgol e seriSo ainda n'esta vida mais venerados de todos.
213 De Antonio Pacheco de Lima, e de sua mulher D. Catharina
de Menez^s, nasceo Hanoel Pacheco de Lima, segundo do nome, que
casoQ com D. Andreza de Yasconcellos, filha de Francisco do Canto, e
de D. Loiza de Vasconcellos, e pelo tal pai, neta de Pedro Anes do Canto
0 Veiho, e neta pela mai, de Pedro Alvarez da Camera, e de D. Andre-
za de Vasconcellos. D'este segundo Manoel Pacheco de Lima nasceo Joao
Facbeco de Vasconcellos, que depois de casado, e viuvo primeira vez,
casoQ segunda com D. Ursula de Lacerda, filha de Catharina Madruga,
mài do nobre Qdalgo Alvaro Pereira de Lacerda, que casou com D. Um-
belina, de que nascerao Diogo Pereira de 'Lacerda, que casou D. Ma-
ria de Betencor, e D. Anna de Lacerda, que casou com Mattheos Pa-
checo, filho de Fabricio Pacheco, que era dos Pachecos outra linha ;
porém 0 sobredito Jo3o Pacheco de Vasconcellos tinha nuo so os fó-
ros da fidalguia de seus avós, e os ofQcios de Contador, e Juiz da Fa-
zeoda Real, mas foi sempre o mais destro Cavalleiro que havia em Aii-
gra, e o mostrou sempre nas publicas festas de cavallo; e igualmente o
imitou seu filho Francisco Pacheco de Lacerda, que primeiro casou com
a morgada D. Anna Zimbron, de que viuvou sem filhos, e depois casou
com D. Paula de Castro; e todas estas illustres familias estao n'estes Pa-
checos.
214 0 segundo irmao do primeiro Manoel Pacheco de Lima foi
Comes Pacheco de Lima, filho tambem de Joao Femandes Pacheco, e
neto do Grande Duarte Pacheco, da India, e d'esie Comes Pacheco se
diz qae morreo Capitao mór de huma Armada, e defronte de Guiné; e
de outro seu irm3o, chamado Manoel Pacheco de Lima, se diz tambem
108 IIISTOWA INSUf-ANA
que fora o dcscubridor de Angola, e Embaixador d'el-Réi D. Joao III,
ao Rei de Congo, e que là morrera : o certo he que do tal Gomcs Pa-
clieco de Lima, ficarao duas Tilhas, priineira D. Ignes Facheco de Li-
ma que casou com Manoel Correa de McIIo, filho de ÀfTonso Correa, e
neto de Duarte Correa, Capilào Donatario da Graciosa; e do tal casa-
mento nasceo outro Comes Pachcco de Lima, que casou na Ilha do
Faial em 1580, com D. Ignes da Silveira, de que nascer3o Antonio Pe-
reira da Silveira, Manoel Pacheco Pereira, e Cliristov5o Pereira de Li-
ma, de que fallaremos, quando das Ilhas do Fayal, e Graciosal A se-
gunda filha do dito Comes Pacheco de Lima, foi D. Izeu Pacheco de
Lima, que casou com Christovao Borges da Costa, de que nasceo Manoel
Borges da Costa pai de Christovao Borges da Costa e Pedro Boi^es da
Costa, fìdalgos de que jà fallamos. Porcm do primeiro Manoel Pacheco de
Lima, r>ao su nasceo o sobredito Antonio Pacheco, mas tambgm D. An-
tonia de Lima, que casou com Estcvao Ferrcira de Mello, avo dos Can
tos, e Castros, que por aqui dcscendem tambem dos Pachecos.
215 Estes Ferreiras, e Mellos da Graciosa vierao para a Terceira,
corno na historia da Graciosa diremos; entro tanto bastare sabermos que
Duarte Ferreira de Teve, lìdalgo mui conhecido, casou com D- Felippa
da Camera; e d^cstes nasceo Concaio Ferreira da Camera, que casou <
D. Felippa da Cunha, e forao pais de Estevao Ferreira de Mello, n3o sc^
multo rico, mas multo fldalgo, e que casou com a sobredita D. Antonia d^
Lima, dos referidos Pachecos; e d^este casamento nasceo Luis Ferreira d^
Mello, quo casou e morreo em Lisboa, e Ihe succedeo seo fdbo JosepH
Ferreira de Mello; mas as irmlis de seu pai, e filhas do dito seu av61
tevào Ferreira de Mello, forao tantas, e tantas casarao na Ilha Terceir
que d'està a melhor nobreza desccnde d*cste Estevao Ferreira do Mell«3f
e comtudo a cada huma de tantas filhas deo o pai grande, e igual dot^,
e a cada huma em bens de raiz, e livres, sem diminuir o grande mor-
gado que a casa tinha: as principaes filhas forao D. Luzia, D. Jeanne,
I). Francisca, D. Vicloria, e I). Ignes, fura ontras, comò a D. Maria, que
casou coni o morgado dos Cantos.
210 Noni parerà a alguom que abalcrao os sobreditos Borges Coslas j
no casamento daquolle Christovao Borges da Cosla (o dos Allares) com D. /
Calharina Cuelho de Mello; porquc està descendia de Belchior Fernandes
de Mello, quo voltou de Chiloa da India, e por isso Ihe chamarao o Chi-
lào, e no dito lugar dos Allares casou com reri)eUia Coelho lìdalga dos Coe-
LIV. Vi GAP. XX 109
Ihos, que vierSo de Castella, corno consta do Filhamento Rcal de seu fi*
Iho, e neto: o filho pois foi Hieronymo Fcrnandes Coelho, fidalgo filha-
do, de m]Q primeiro casamento nao flcou descendencia; e segunda vez
casoa com D. Marta Uedovalha, filha de Diogo Vaz Redovalho, Commen-
dador da Ordem de Christo, que de Portiigal para a liha levou a dita
filha, e 0 dito sea marido tiroit o brazào da sua fidalguia dos antìgos
Coelhos de Portugal ; e outro irmao leve chamado Francisco Coelho
de Mello; porém do primeiro irmao Hieronymo Fernandes Coelho nas-
ceo Diogo Vaz de Mello, fidalgo do foro de seu pai, que casoucom D.
Maria de Castro, filha do Capitao de artelharia, que tinha vindo de Via-
na do Minho, e de sua mulher Joanna Mendes Pereira, naturai da Cida-
de do Porto: e tambem este Diogo Vaz de Mello foi insigne Cavalleiro,
corno 0 mostrava nas Festas.
217 A ninguem tambem pareca que os antigos, e nobilissimos Cos-
tas das Ilbas se reduzem so a aquelles Borges Cortereaes de que jà fai-
lamos, porque além dos que deixamos jà na Ilha ìb Sao Miguel, outros
vierjo à Ilha Terceira, e esles se cham3o Costas Ilomens. ou Homens da
Costa, e sao fidalgos muito conhecidos. Velo pois a liha Terceira emseus
principios Heitor Alvarez Homem, e casou com Brites AQonso da Costa,
filha de Alfonso Ànes da Costa, que da Ilha da Madeira tinha vindo para
Villa' Franca de Sao Miguel, e era fdho de Joao (ou Pedro) Anes da
Costa, que do Algarve tinha ido a povoar a Madeira: e o dito Heitor
Alvares Homera era filho, ou neto de Ambrosio Alvarez Homem Vascon-
cellos, e de sua mulher Margarida Mendes de Vasconcellos, irma do Ca-
pitao Donatario de Machico na Madeira: posto na Terceira Heitor Alva-
rez Homem adquirio logo tantas terras, e bens de raiz, que fundou hum
bom morgado em Villa nova, e para cabega d*eUe fundou a Ermida de
Nossa Senhora da Vida.
218 D'este Hcytor Alvarez Homem, e de Brites Alfonso da Costa
nasceo Pedro Homem da Costa, que casou primeira vez com Antonia
Quaresma, filha de Catharina Quaresma, e neta pela tal mài de Affonso
Anes Quaresma, muito nobre, e rico, que de Portugal foi para a Ilha
Terceira; e segunda vez casou o dito Pedro Homem da Costa com D.
Brites, filha de Fernao Camello Pereira, e de D. Brites Cordeira; porém
da primeira mulher nasceo outro Heytor Homem da Costa, que casou
com D. Luiza de Noronha, filha do grande fidalgo Pedro Ponse de Leao,
Veador mór da Uainha D. Catharina, mulher d'El-Rei D. Joao HI, e d'el-
110 ' HISTORIA INSULANA
les nasceo outro Pedro Homem da Costa, que casou com D. Lùiza de
Vasconcellos, irma de Joao Pacheco de Yasconcelios, e liiha de Manoel
Pacheco de Lima, de que acima ji fallémos; e nasceo mais Luis Domem
da Costa, que casou com L). Isabel da Silva, fdha de Bui Dias de Sam*
paio, e tiverao mais descendencia; e do ultimo Pedro Ilomem da Costa
nasceo outro Luiz Homem da Costa, pai de Bernardo Homem da Costa,
fidalgo nihado, e Cavalleiro do habito de Christo, que he bum dos Mor-
gados mais nobres, e ricos da cidade de Àngra, e que casou com D. Mar-
garida, fìlba de Belcbior Hachado de Lemos, da primeira nobreza da Ca-
pitania da Praia.
219 Com 0 primeiro Heytor Àlvarez Homem foi tambem para a
Terceira outro irmào chamado Joao Alvarez Homem, e casou com Anna
Luis da Costa, e depois com Isabel Valadao Homem, filha de Joao Va-
ladao Homem: e d'aqui procederlo muitos outros Homens Coslas, corno
Isabel Uomem, quo casou com Rui Gongalves Teixeira, dos quaes nas-
ceo Gii Fernandes Teixeira, que casou com Maria Cardosa Homem; e
d'estes nasceo D. Isabel Teixeira, que casou com Diego do Canto e Cas-
tro, fillio de Pedro de Castro e Canto, que casou comD. Brites daFonse-
ca, nasceo tambem D. Àpolonia Teixeira, que casou com Pedro Ànes do
Canto, segundo do nome, pais de Manoel do Canto Teixeiia, corno aci-
ma ji tocamos na familia dos Cantos: e n3o sao menos fidalgos estes
Cantos Teixeiras, do que os outros Cantos e Castros, comò se póde ver
nos Teixeiras da Madeira, e Macbico, d'onde estes vierao.
CAPITULO XXI
Dos CasUllusbrancos, Carvalhaes, Lobos, SihfiraSy Espinolas^ Lemos,
e dos BetencoreSf Domellas^ e outros,
220 Com a entrada de Castella em Portugal pelar morte d'El-Rei
D. Henrìque, Cardeal, e com a mesma entrada na Uba Terceira, nao so
para Portugal, mas tambem para a Terceira, veio multa nobreza de Cas-
tella, especialmente com postos de guerra para o grande Castello de An-
gra: e entro os que vierao, bum foi D. Gaspar Munhós de CastelbrancOt
Aireres-mór, e depois Capi tao da dita Fortaleza, e casou com D. Hele-
na Escocia, fidalga da Madeira, e d'elles nasceo D. Pedro de Castelbran-
co; este pois casou em Angra com D. Luiza de VasconceUos, fiiba de
UV. VI GAP. XXI ììì
Podro Anes do Canto, segunda do neme, e neta de Francisca do Canto
e de D. Iria de Yasconcellos, filha de Pedralves da Camera, e de D. An-
dreza de Vasconcellos; e o dito Francisco do Canto era o terceiro morga-
do de Fedro Anes do Canto o Velbo; nasceo mais do dito D. Gaspar, e da
Pscocia, sua mulher, D. Gonzalo de Castelbranco, qnc foi Abbade na
Serra da Estrella, e D. Martha de Castelbranco que casou com bum
moito Dobre vario cbamado SìmSo de Aguiar Fagundes.
821 De D. Fedro de Castelbranco nasceo D. Manoel de Castelbran*
co, que C9S0U com D. Isabel, filha de Hanoel Correa de Mello, e de D.
Anna de Almeida, de que fallaremos, quando das Ilhas Gracìosa, e S. Jor-
gè; nasceo tambem do mesmo D. Fedro, D. Ignacio de Castelbranco,
qae herdou a casa de sua tìa D. Martha, mulher de Sim3o de Aguiar Fa-
gondes, e casou nobilissimamente com D. Maria do Canto, filha de An-
tonio do Canto e Castro, e de D. Maria de Mendoca, filha do bom fidai-
go JoSo de Betencor e Vasconcellos, Capitlo-mór de Angra, de quem lar-
gannente fallaremos em seu lugar. Nasceo mais do dito D. Fedro, D. Ma-
ria de Vasconcellos, que casou com Joao de Teve de Vasconcellos, de
qoe nascerlo filhas, que hoje slo casadas, e de cujos descendentes dirà
oatrem. Do dito D. Manoel de Castaibranco, nasceo D. Francisco de
Castelbranco de cujo casamento, e descendencia outrem escreveré.
222 Outra multo fidalga famìlia de Angra he a dos appellidos de
Caryalbaes, Borges, Silveiras, e Cameras. 0 primeiro Carvalhal que sei
boavesse em Angra, foi Francisco Dias do Carvalhal, e este casou com
Catbarina Neta, (filha de Joao Alvarez Neto, fidalgo e Cavalleiro de Afri-
ca, e Preveder das Armadas na Uba Terceira) de quem nascerlo duas
filhas; primeira, D. Francisca Neta, que casou com Mant)el Facheco de
Lima, e forlo pais de Antonia de Lima, mulher de Estevao Ferreira de
Mello, bisavós de Jolo do Canto e Castro, comò vimos na familia dos
Cantos: a segunda filha foi Margarida Neta, que casou com Femio Fur-
tado de Mendoga, de que abaixo fallaremos; e d'estes Netos descende
multa nobreza, ainda que nlo usem do appellido de Netos.
223 Do dito Francisco Dias do Carvalhal, e de Catbarina Neta nas-
ceo Jolo Dias do Carvalhal, que casou com Maria Borges Abarca, dos
Borges Abarcas de que jà fallamos, e d'estes nasceo Estevao da Silveira
Borges, marido de D. Barbara Machada, dos muito nobres Machados, de
que trataremos; e do tal casamento nasceo Francisco do Carvalhal Bor-
ges, que casou com D. Maria da Camera, irmi do Padre Manoel da Ca-
112 HISTOIUA INSULANA
mera, da Companhia de Jesus, o ambos da illustre familia dos Icgitimos
Cameras; e do tal c^isaincnlo nasoco Joào do Carvalhal Borges, que ca-
son, e teve rauitos filhos, que aiiida lioje vivem, e doiis vlerUo servir a
El-Uei, e liuin ji inorreo, oulro casoii nobre, e ricamente na Provincia
de Traz os iMonles; e lumia irina de seu avo |)oterno Estevao da Silvei-
ra Borges, cliamada D. Joanna da Silvoira, casou com Francisco do Can-
to, 0 mofo, e (lo Uil cnsamento nasceo Ignacio do Canto da Silveìra, e
D. Maria do Canto, scgunda muUier de Yital de Betencor e Vasconcel-
los, Capiti5o-mór de Angra, aonde toda a nobreza lìdalga està aparcnta-
da com esles fidalgos Carvalhaes.
224 D'aquelle fidalgo Joao Alvarez Neto, Cavalleiro de Africa, e Pro-
vedor das Armadas, nào s6 nasceo a dita Catliarina Nota, que casou com
o primeiro Carvalhal, neni su a outi*a Irma D. Francìsca Neta, mulher
de Manoel Pacheco de Lima, e sogra de Estevao Ferreira de Mallo; mas
nasceo tambem Margarida Nota, que casou com Fernao Furtado de Meo-
doga, que segunda vez casou com D. Maria da Yeiga; e o dito Femio
Furtado era fillio de Gaspar de Lemos de Faria, (que tinha vindo de Lis-
boa) e casou com Imma fìllia de Mundos Furtado de Mendoga, filho de
Fernao Furtado de Mcndoca, fidalgo dos [)ovoadores da Graciosa, comò
em sua bistoria veremos: da dita pois Margarida Nela, e de Fern3o Fm^
tado nasceo Christovao de Lemos do Mendoca, que da primeira mulher
teve bum fillio, que fui Frade dos Eremilas de Santo Agostinho, Reitor
do Collegio de Coinibra, e Arcobispo Priniàs do Oriente em Goa, cha*
mado Dom Frei Cliristovao da Silveira, e oulro secular cbamado Gui-
Iherme da Silveira, que conlieci ser jà velilo de sessenta annos, e sendo
0 pai jà de oilenla, casou a segunda vez, e teve terceiro fillio chamado
Luis Furtado de Mendoga, que foi meu discipulo nos latins em Angra,
onde ainda o pai me foi visitar ao Collegio, sondo quasi de ccm annos.
223 Do segundo casamento de Fernao Furtado de Faria com D.
Maria da Vciga nasceo D. I^aula da Veiga. que casou com Francisco do
Canto da Camera; desto casamento nasceo Joao do Canto, a quem cba*
marao Joào do Canto Saude, que casou com D. Maria Cortereal, filhado
Tenente Sebasliào Cardoso Macbado, quo casou com D. Brites Cortereal,
filila de Manoel Pamplona de Azevedo; e o tal Sebasliào Cardoso Macba-
do era fillio de liuma innà da mài do Venoravel Padre Joao Baulistó
Macbado; da Companbia de Jesus, que em Japào morreo pregando a Fé,
e degoUado por ella, corno verdadeiro Apostolo, e Padre da Compa-
UY« VI GAP. XXt fl3
nhia. Outra ind3 leve o dito J(^o do Canto Saude, chamada D. Joanna,
qoe casou eoi Ponta Delgada de S. Miguel com hum molto nobre, e ri-
co Cidadio, chamado Antonio Pereira Boteiho» que li tem descendencia.
Do martyrio do Veneravel Padre trataremos, quando abaixo escrevermos
das mais illostres virlades de algumas pessoas d'està Ilha.
220 Outras familias ha na Uba Terceira, de que n3o pude aòhar
piena noticia; homa d elias be a dos iiinstres Espìnolas, que vierSo i
Itila oom a vinda dos nobres Cabos do grande Castello de Angra, entro
OS quaes veio bum fidalgo cbamado Felippe Espinola, e d'este naseeo
D. Cbristovao Espinola bem conbecido em Angra, onde casou nobilissi*
Diamente, e teve por filha a D. Francisca, que casou com Luis do Can-
to da Costa, Albo de llanoel do Canto Teixeira, e de D. Margarida da
Costa: 0 qual llanoel do Canto era Albo da Pedro Anes do Canto, so-
gaodo do nome, e neto de Francisco do Canto, terceiro filbo do primei-
ro Pedro Anes do Canto, e casado com D. Luiza de Yasconcellos, filha
do primeiro Pedro Alvarez da Camera, e de D. Andreza de VasconceU
los, corno se póde ver na familia dos Cantos aetma; e do tal casamento
de Luis do Canto da Costa com a dita filba de D. Cbristovlo Espinola,
naseeo Joseph do Canto Espinola; e por morte da m9i d'este casou o
pai s^nda vez com D. Antonia de Metto, fiiha de Manoel Correa de
Udo; e assim se unirio os Espinolas cotn toda a nobreza das Ilhas.
227 A outra illustre familia, de que n^o tenho muita clareza, bea
dos Lobos Silveìras, que casarao na familia dos Cantos ; porque em o
Doutor Fructtioso, e em outros papeis dìgnos de fé, aeho que bum
Bras Pires do Canto foi o Fundador, e Padroeiro do Convento de S.
Concaio de Angra; mas tKlo acho quem fossem os pais d'este Bras Pires
do Canto, (e talvez se aciidm papeis anligos do dito Convento, se em
poder de mulberes se nSo perdessem) podta ser que o tal Bras Pires do
Canto nascesse de Antonio Pires do Canto, filho primeiro, e morgado
do primeiro Pedro Anes do Cao^x), e que o tal Bras Pires do Canto to-
rnasse este nome do dito seu pai, pois em toda a familia dos Cantos
nìo se acha quem se dominasse Pires do Canto, senao primeiramente o
dito Antonio Pires do Canto, e segundo o dito Bras Pires do Canto, e
corno em Angra fundoa o sobredito Convento, d'ella devia ser naturai,
mas tambem n3o adio com quem fosse casado, o certo be que do tal
Bras Pires do Canto ficou buma filba cbamada D. Maria do Canto.
228 Està pois D. Maria do Canto casou com bum fidalgo chamado
YoL. u 8
114. HISTQRIA INSCLANA
D. Diogo Lobo, e d*este casamento Daseeo D. Rodrigo Lobo da Silvein
e nasceo em Angra, corno affirmao as bistorìas citadas ; e foi este D.
nodrigfo Lobo Commendador de duas commendas, da de Santa Maria
de MorK^o, e de outra de Santa Maria de Niza, e dò Gonsellio de Soa
Magestade, e Governador General da Rha de S« Miguel, e emriin Cover-
nador da Armada Rea! de Portugal : d'onde parece que o tal Rodrigo
Lobo da Sìlveira, e seu pai D. Diego Lobo, erao das illustres casas dos
Silveiras Condes da SorteUia, e dos Lobos» Baroes de Alvito» e qoe as-
sim cqnio o prìmeiro Fedro Anes do Canto casou primeira vez na casa
dos Abarcas, boje Cortereaes, Marquezes de Castello Rodrigo, e segua*
da Tez casou nas dos Silvas de Lisboa ; e seu fillio Antonio Pires do
Canto caso» na casa dos Castros de Monsanto, Marquezes de Cascaes
lìoje, assim tambem casaria em Lisboa Bras Pires do Canio, cuja filha
casou com D. Diogo Lobo: de D. Rodrigo Lobo nasceo outro D. Diogo
Lobo da SiU*eira, corno o avo, e ja no anno de 1639, foi cotn Armada
Real por Mestre de Campo para o Brasil, e nSo sabemos da descendea-
cia sua, mas so de buma sua irma U. Marianna de Castro, que vtveo,
e morroo Freira.
229 Da Regia familia dos Betencores, e dos seus troncos Beis das
Canartas, e seus descendentes assim na Madera, comò em S. Miguel,
tratamos ji, quando das taes Ilhas; segue-se agora tocarmos dos outros
Reaes descendentes, que vier3o para a liha Terceira, e n'ella se conser-
vao. D estes pois foi em Angra o mais respeitado, e celebrado fìdalgo,
bum Jo3o de Betencor e Vasconcellos, de quem mais largamente fallare-
mos, quando tratarmos das guerras do Senhor D. Antonio, neto dei-
Rei D. Manoel, com seu primo Felippe II de Castella, neto tambem do
mesmo Rei. Quem porem fosse o pai d*e3te Joao de Betencor, diz hama
Relapao de Autlior de vista d*aqueiie tempo, que foi Francisco de Be«
tencor. e que ainda era vivo, e viveo ainda depois muito tempo, e que
era naturai da Villa da Praia, e casado com mulher muito nobre, e apa*
rentada, e era legitimo descendente dos ditos dous Reis das Canarìas,
e que dos que d'estes viefao para a Uba da Madeira, veio para a Te^
ceira o tal pai do dito Joao de Betencor e Vasconcellos, comò constarà
dos flibamentos Reaes d'estes fldalgos, e tambem he certo qoe foi casa-
do com D. Maria da Camera e Vasconcellos, filtia de Fedro Alvarez da
Camera, segundo nome: e bisneto de outro Fedro Alvarez da Camera,
que da Madeira velo para a Terceira, e era Qlbo legitimo do segundo
LlV. VI CAP. XXI Mo
Capitao do Punchal Joao Gongalves da Camera, e dos Vasconcellos di-
remos abaixo.
230 D'este Joao de Betencor e Vasconcellos, que ha mais de cento
e trìnta annos vivia, nasceo Vìtal de Belencor e Vasconcellos, Morgado,
e do babilo de Christo, com cem mil réis de tenca, que casou com Im-
ma das filhas do grande fidalgo Eslevao Ferreìra de Mello, e segunda
vez casoa com D. Izeu Redovaiha, fìlha de Vasco Fernandes Redovaiho,
e de D. Maria Abarca, das antigas, e nobres familias dos Redovalhos, e
dos Abarcas: nasceo mais do mesmo Joao de Betencor outro, e segun-
do filho, que viveo, e morreo Religioso, e Padre da Companhia de Je-
sus, corno duas irmas suas, Religiosas do Convento de Sào Gonzalo de
Angra. Ao dito Vital de Betencor se seguio no morgadb o primeiro fì-
Iho, e da prìmeìra mulher« Jo3o de Betencor e Vasconcellos, Capitao de
Angra, e Governador da guerra contra a Fortaleza do Castello grande,
no aoDO da Acclama^ao de Portugal, e Commendador da Ordem de
Christo, da Commenda de Santa Maria de Tondella, e casou com D. Joan-
na, filha de D. Francisco, e de huma irma de Manoel Correa de Mello,
illustre fidalgo, de que faliaremos, quando da sua liha da Graciosa; e era
tio conhecida, e respeitada a fìdalguia d'oste Joao de Betencor e Vas-
concellos, que Ihe chamavuo o Sol da nobreza, e limpeza.
231 Outro irmao d'este ultimo Joao de Betencor, foi Vital de Be-
tencor comò seu pai, fìllio porcm da segunda mulher, e succedeo no fo-
ro de seu pai, e avós, e ao irmao na Capitania-mór de Angra; e foi do
habito de Christo com tenga, e Provedor dos Rcsiduos das Ilhas; viveo
muitos annos, e sempre bemquisto, e estimado de todos: casou duas ve-
zes, primeira com D. Violante, fìlha de Francisco de Betencor Correa e
Avila, de que trataremos quando da Graciosa, e da liha do Fayal; se-
gunda vez com D. Maria do Canto, irma de Ignacio do Canto da Silvei-
ra e Vasconcellos: do dito Vital pois nasceo D. Branca, que casou com
Agostinho Borges de Sousa, fìdalgo, e Cavalleiro da Ordem de Christo,
e Provedor da Fazenda Reni das nove Ilhas Terceiras, de que nasreo An*
tdnio Zimbron; mais nasceo do mesmo Vital outra fìlha, que casou com
Diogo Pereira de Lacerda, e além de outras fìlbas nasceo Francisco de
Betencor, (comò o avo materno) o qual casou com huma fìlha de Fran-
cisco Dornellas da Camera, de que abaixo faliaremos.
232 Do segundo Joao de Betencor nasceo o morgado Feliciano de
Betencor, que casou com huma sua prima, fìlha de seu tio ViUil de Be-
no HISTOniA INSULANA
tencor, e da segunda mulher D. Maria do Canto; e além de ontros filhos
que nascerao do dito Feliciano de Betencor, nascco tambem homa filha,
quo casou com o fillio morgado de Ignacio do Canto da Silveira, e de
D. Ignes de Castro; porém corno o dito Feliciano achacou de sorte qoe
a ad(ninistra(3o de sua casa foi dada a sua mulher, e a elle silimeotos,
e com ludo ainda vive; por isso passamos a huma sua irm3 cliamada
D. Maria de Mendo^a, que casou com Antonio do Canto e Castro, ter-
ceiro neto do prìmeiro Fedro Anes do Canto, e quarto filho de Hanoel
do Canto e Castro, prìmeiro do nome, (corno jà vimos acima, e a soa
descendencia.)
233 He comtudo de adverlir que o dito Jo3o de Betencor e Vas--
concellos, segundo do nome, teve prìmeiro outro filho morgado» cba—
mado Vital de Betencor e Vasconcellos comò o avo, e que este Vital.
chegou a idade de mais de vinte annos, e n3o so com talentos, e par—
tes naturaes que levaria sem duvida a Commenda, e postos de sea li-*
lustre pai, mas tambem com taes virtudes sobrenaturaes, e tSo aEastada
de todo 0 vicio, que a todos levava os ollios, e parece os levou ao mas-
mo Deos, que n'aquella idade o chamou para si, e o metteo de posse
(corno piamente cremos) do verdadeiro morgado da Bemavenluraoca;
porém comò do avo Vital nasceo huma irm3 do dito Jo3o de Betencor
cliamada D. Felippa, e està casou com Francisco Domellas da Camera,
fìdalgo de nao menos qualidade, raziio ho que d*esta familin dos Dor-
nellas demos aqui nolicia, pois he casa tuo unida a dos Betencores.
23Ì Porém comò jé acima cap. 17 referimos o illustre principio
dos Domellas Cameras ; e ainda mais acima no c^p. 3, vimos tambem
comò aos Pains tocava a Capitania de toda ilha Terceira pelo casamento
da filha do prìmeiro Capitao, à qual filha se fez mercé de succeder ao
pai na Capitania, comò consta do cap. 2, e por estes Pains pertendaaos
Dornellas, que dos Pains tambem descendem, e se mostrou nos loga-
res cilados; segue-se nuo haver mais que dizer, ou referìr do sobredito 6-
dalgo Francisco Domellas da Camera, sen?io que sondo Capit3o mór da Pnia
da Terceira, foi o que com seu cunhado Joao de Betencor e Vasconcellos,
segundo do nome, for3o ambos os dous Governadores da guerra da
AcclamacSo centra o grande Castello de Angra, e ambos o conqutstaiio;
e Francisco Domellas foi Commendador de S. Salvador de Penama:or,
e depois Governador do mcsmo Castello, e ao diante despachado com a
Capitania Donatarìa, e Alcaidaria mór da Praia, em que so seguio seu
uv. VI GAP. xxn in
prìmeiro fìUio Bras Doraellas da Camera, qoe em Lisboa morreo solteiro»
e 86 Iho seguio na casa seu irmao segundo Manoel Paim da Camera» qoe
lambem ji morreo, e deixou fìlho, que he neto do dito Francisco Dor-
Dallas da Camera.
CAPITULO XXII
Doi Yaicaneellos da Terceira^ e familias que d*elles deseendem.
Dos Regos^ BaldayaSg Camellos, Pereiras, Sousas e oulros.
235 Deixadaslradic5esemDada canoDicas, da occasiao dequoveioo
appellido de Vasconcellos, ou Vaz con zelos, etc., o certo he que este appel-
Ijdo he aotiquissimo, e nobilissimo. 0 prìmeiro que se chamou Vascon-
eellos« foi D. Joao Pires de Vasconcellos, que se achou na tomada de
Sevilha com o Santo Bei D. Fernando de Castella,^ e casou com Dona
Maria Soares Coelho, filha de Soeiro Viegas Coelho; e era fìlho de D.
Pedro Moniz, e neto de D. Martim Moniz, e bisneto de D. Moninho
Ozorio e terceiro neto do conde D. Osorìo, que no anno de 1050, con-
qaistou grande parte de Entro Douro e Minho, aos Mouros, quando veio
é conquista de Portugal, o Conde D. Henrìque pai dei-Rei, D. Affonso
nenriqnes; e emFim teroeiro neto do Conde Dom Rodrigo Velozo, e nono
neto dò Infante Velozo, e decimo neto do Rei de Le3o D. Ramiro III
desoendente d*el-Rei D. Affonso de LeSo, e do famoso Rei Dom Pelaio,
sendo Requeredo Rei dos Godos.
230 De t3o altos Principes era decimo neto, e por varonia, aquelle
prìoieiro D. Jo3o Pires Vasconcellos, e d'este nasceo D. Rodrigo Anes .
de Vasconcellos, que casou com D. Elvira de Sousa, filha de Rui Yicen-
te, e neta de Martim de Sousa Chichorro, filho dei-Rei D. Affonso II de
Portugal; e do dito U. Rodrigo nasceo D. Mem Rodrigues de Vasconcel-
los, e d*aqui se come^ou a ajuntar o appellido de Mendes ao de Vascon-
cellos; porque deste D. Mem Rodrigues de Vasconcellos nascerSo varios
flihos, primeiro, Joae Mendes de Vasconcellos, que casou com D. Leo-
nor Pereira, irm3 dr nde Condestavel D. Nuno Alvarez Pereira, e
d elles nasceo D. M? Vasconcellos, que casou com D. Affonso de
Cascaes, filbo de D <)to dei-Rei D. Pedro o Crù, e da Senhora
D. Ignes de Castro amento nasceo D. Fernando de Vascon-
cellos, que casou ^el Coutinha, filha do prìmeiro Conde de
Villa Real D. Pedr^ ^nezes, e do tal Dom Fernando nasceo D. Af-
118 inSTORU mSULANA
fonso de Vasconcelios, primeiro Gonde de Penella, e D. Joanna de Yas-
concelloS) que casoa com Alvaro Pires de Tavora senhor do Mogadoaro;
e D. Brites de Yasconcellos» que cason com D. Joao de Atayde senhor
de Atouguia. Segundo filho do sobredito D. Mem Rodrigues de Vascon-
cellos foi Confalo Mendes de Vasconcellos, que casou com D. Theresa
Ribeira, filha de D. Fedro de Aragao, irmao da Rainha Santa Isabel de
Portngal, e do tal casamento nasceo o Mestre de Santiago, chamado co-
rno 0 avo Bfem Rodrigues de Vasconcellos; e nasceo tambem Ruy Men-
des de Vasconcellos senlior de Figueirù, E deixados outros de tao illus-
tre familia,
287 0 terceiro fillio do raesmo D. Mem Rodrigues de Vasconcel-
los, foi aquelle .Martins Mendes de Vasconcellos, que por ordem dei-Rei
D. Jo9o 0 I, foi à Illia da Madeira de novo entao dt^cuberta, e la casou
com Helena Gongalves da Camera, primeìra das Qlhas do descubridor da
' dita liba, e primeiro Capìtào Donatario do FuQChal, o celebrado Joao
Goofalves Zargo. U'este tao illustre Martim Mendes de Vasconcellos, e
da dita Uelena Goncalves da Camera nasceo outro Uartim Mendes de Vas-
concellos, que corno tinha vindo seu pai de Fortugal a casar na nova Uba
da Madeira, assim elle da Madeira fui habitar, e casar na mais nova liba
Terceira, e o tempo em que fez està mudanca, parece que foi com o pri-
meiro Donatario de toda a liba Terceira Jacome de Bruges, que vindo
pela Madeira trouxe d'estes Vasconcellos, e dos Teves, assim comò de
U' Portugal trazia os Pains, e outros; que quem póde dar, e he Donatario,
'J^eva comsigo a muitos, e mui focilmente: com quem porém casasse na
terceira oste Martim Mendes de Vasconcellos, segundo do nome, nào me
consta ainda; certo be porém, que casaria com pessoa nao indigna de sua
qualidade, e consta que d'ella teve por fllho a Concaio Mendes de Vascon-
cellos, que casou com Bartholeza Rodrigues Colombreira, da familia dos
nobilissimos Costas, corno alBrma em sua historia o Doutor Fructuoso.
238 Deste pois Concalo Mendes de Vasconcellos nSo so nasceo D.
Maria de Vasconcellos, que casou com Joao de Betencor, (av6 do outro
do mesmo nome. Capi tao mór de Angra, e Commendador de Tondella,
e tronco de tanta descendcncia, quanta ]à vimos) mas tambem nasceo
Pedro Mendes de Vasconcellos, de que nascerao os Qlhos segointes em
Angra, a saber, Joao Mendes de Vasconcellos, que casou com Catharina
Macbada de Lemos, pais de Balthezar Mendes de Vasconcellos, mando
de D. Joanna de Barcellos, fllha de Diego de Barcellos; e dos ditos uasr
UT. TI CAp. xxn H9
000 Ibnoel de Barcollos» qae casou com D. IsabeU filha de Concaio Pe-
reira, da Uba do Faynl: nasceo mais do sobredito Fedro Mendes de Vas-
ooncellos, Martìm Mendes de Vasconcellos, que casou com Anna Vaz Fa-
gnndes, e for3o pais de Jo3o Mendes de Yasconcellos, que casou com D.
Haria de Teve, (os quaes jà conbeci muito bem) e for3o pais de JoSo de
Teve e Yasconcellos, e de Martim Mendes de Yasconcellos, que comigo
andoii em Coimbra, e de Antonio Mendes de Yasconcellos, que em An-
gra casou, e lem. descendentes ; porém o Morgado Jo3o de Teve, com
easar nobilissimamente, e deixar filbas, que igualmente casar3o, nSo dei-
xoQ filho varSo que Ibe succedesse, mas so as diias flihas. Do dito Con-
caio Mendes o avo paterno, que casou com a Camera na Madeira, là fi-
era com outra tanta descendencia, que seria molesto em referil-a.
239 Porém do mesmó Martim Mendes de Yasconcellos» primeiro do
nome, be de advertir, que depois de viuvar da primeira mulher Helena
Goncalves da Camera, casou segunda vez com D. Ignes Martins, filha de
Martim Pires de Alvarenga, (descendente do (limoso Egas Moniz, e do
seu fiIho D. Aflbnso Yiegas) e de D. Ignes Paes, filha de Pajo Rodri-
gues, Commendadores, e Alcaides mores de Celorico, e Alvarenga: d*es-
te pois segundo casamento do dito Martim Mendes de Yasconcellos nas-
ceo primeiro Jo2o Mendes de Yasconcellos scnhor de Alvarenga, que ca-
sca com D. Isabel Pereira, e d'estes nasceo Riiy Mendes de Yasconcel-
los, senhor tambem de Alvarenga, e casado com D. Maria de Moura,
filha do Alcalde mór de Lamego ; de que (além de buma filha, que ca-
sou em Yiseu) nasceo Jacome Rodrigues de Yasconcellos, que casou com
D. Maria Dèca, filha de D. Jo3o Dèca, Alcaidr mór de Yilla Yicosa, e de
D. Maria de Mello, e do tal casamento nasceo D. Maria Pereira do Yas-
concellos, que casou com Diogo Leite de Amarai, pais de Diogo Leite
de Azevedo, e avós de Jacome Leite de Yasconcellos, e bisavòs de Dio-
go Leite de Yasconcellos, e tresavós de Jacome Leite de Yasconcellos,
cajo filho Luis Diogo Leite tomou a unir-se com estes mesmos Yascon-
cellos, casando na casa dos Teves, que nio so sao Yasconcellos, mas
Cameras tambem, por descenderem do primeiro casamento de Martim
Mendes de Yasconcellos, que foi casar à Madeira com a primeira, e le-
gitima Alba de Jo3o Goncalves da Camera o Zargo. E baste està noticia
de fSo inexhauriveis Yasconcellos.
S40 Com outros Yasconcellos Oliveiras se unirlo tambem os nobres
Regos Baldaias, Camellos, Pereiras, Sousas, etc. Em a cidade do Porto
120 IflSTORIA INSULANA
havia antigamente bum J63o Vaz do Rego, homcm fidalgo, e oriundo da
antiga» e nobre Villa da Feira; de que nasceo Concaio do Rego» CidadSo
e fidalgo do Porto, que casou com Maria Baldaya, e viuvo duella veio com
quatro filhos para a Uba de S. Miguel, e n'esta casou segunda ves com
Isabel Pires Redovaiha» fidalga dos primeiros Redovalbos; do prìmeiro
casamento nasceo Belchior Baldaya do Rego, que casou com Isabel (oa
Brites) Rodrigues Raposa da nobilissima familia dos Gagos Raposos de
S3o Miguel; e d'estes nasceo Manoel do Rego Baldaya, que casou em S.
Miguel com Hieronyma Ferraz de Figueiredo, da aoliga nobresa de Sic
Miguel, e Santa Maria, e (brao pais de Belcliior Baldaya do Rego, que sen*
do proprietario do grande officio de Provedor dos Rgsiduos ile S3o Mf
guel, se mudou para a Villa da Praia da liba Terceira, e n'ella foi Veret-
dor, e Juiz, e muito respeitado Cidadao, e o qual com sua familia ajon-
tou outra de VasconceUos CMiveiras, porque
341 Casou 0 dito Belclùor Baldaya do Rego com D. Margarìda de
VasconcelloB, filba do Doutor Marcos Alfonso de Vasconcellos, Provedor
dos Residuos, e neta de Guimar de Oliveìra e VasconceUos, e bisneU de
Ignez de (Hiveira e VasconceUos, e tresneta de Pedro de VasconceUos» e
quarta neta de Pedro de Oliveira e VasconceUos, e quinta neta de Mar-
tim de Oliveira e VasconceUos, fidalgo da casa dos Infantes D. Heorique
e D. Fernando, e casado com Tareja Velba, irm3 do grande Frei Conca-
io Velbo Cabrai, primeiro descubrìdor, e CapitSio Donatario de ambas as
Ilbas, de Santa Maria, e Sao Miguel, corno vimos jà em os seus descu*
brìmcQtos, e emfìm sexta neta de Rui Mendes de VasconceUos, fidalgo
descendente (dìz Fructuoso) de bum grande senl)or de Gascunba, ou Vas*
conba, em Franga: que parentesco porém tivessem estes VasconceUos
Oliveiras com os outros i& ditos VasconceUos, nao me consta; e so acbo
que da dita sexta neta d estes, e do dito seu marido Beicbior Baldaì^a
do Rego nasceo
242 Joào do Rego de VasconceUos, que casou duas vezes; primeira
com D. Maria Pacheco de Meilo; segunda vez com D. Violante de Espinosa
Cordeira, de que fallaremos em seu lugar; pela primeira se unirSo estes
Regos com os Camellos, Pereiras, Pachecos, Sousas, e MeUos, porque a
dita D. Maria Pacheco de MeUo era fiUia de Gaspar Camello Pereira,
Sargenio mór, e Ouvidor da Villa da Praia, e neta do André de Sousa
Pereira, e bisneta de Gaspar Camello do Rego, e tresneta de Gonzalo
do Rego Baldaya, e quarta neta d'aquelle primeiro Gonzalo do Rego, de
Liv. VI CAP. xxni 121
qiiem tambem era tresneto o dito Joao do Rego de Vasconcellos, mari*
à) da tal D. Maria Pacbeco de Nello, e està por sua mai D. Leonor Pa-
dieco de Mello era nela do Fabricio Pacheco de Mello: e està por sua
mii D. Leonor Pacheco de Mello era neta de Fabricio Pacheco de Mel-
lo» e bisDCta de Domingos Vieira Paclieco, e de D. Isabel de Mello, flUia
de Luis de Espinola fldalgo flihado, e por*sua terceira avo D. Brites Ca-
mello, mulber de Gongalo do Rego Baldaya, era quarta neta de Gas|)ar
Camello Pereira» e quinta neta de Fernando Camello Pereira, e de D.
Brites Cordeira, Alba de Pedro Cordeiro; e pelo Fernando Camello era
bisneta de Alvaro Camello Pereira, fidalgo t3o grande, que era filho do
Alvaro Concai ves Camello, antigo senbor de Bay3o, que casou com D.
Ignei de Sousa, filba de D. Lopo Dias de Sousa. Mestre da Ordem de
Christo; e a mulber do dito Alvaro Camello Pereira era D. Isabel de Cas-
tellobraDCO, filba de Jo3o Camello Pereira, que era neto de D. Alvaro
GoDcalves Pereira, pai do Condestavel D. Nuno Alvares Pereira, e o di-
ta Jo3k> Camello Pereira era casado com Leonor Paes de Castellobranco
fliha de Concaio Vaz de Castellobranco o Velbo, tronco das excellentes
casas dos Condes de Villa nova, e dos Almirantes, e outras.
S43 D'aquelle Gaspar Camello do Rego, que de S3o Miguel fot ca-
gar i Villa da Praia da Terceira com Catharina de Sousa, nasceo mais
Dona Isabel de Sousa, que casou com Manoel de Franca Machado, e d'es-
tes nasceo Joio Camello do Rego Pereira e Castellobranco, que de tudo
tirou instrumento juridico em 1626, corno ji tinba tirado seu pai Ma-
noel de Franca Machado em o anno de 1601, e do dito JoSo Camello do
Rego nasceo Manoel de Sousa de Menezes, que conheci em Angra, mo-
rando defronte da Sé, ha sessenta annos: nasceo tambem da dita D. Isa-
bel de Sousa, e do dito Manoel de Franca Machado, nasceo, digo. Do-
na Paula, que casou com D. Christov3o Espinola, de que nasceo D. Fran-
dsca, que casou com Luiz do Canto da Costa, fidalgo da familia dos Can-
tos, aoode se póde ver. E isto basta d*estas, vamos jé a outras familias.
CAPITULO XXIII
Dos Barretos liados com a Beai casa io Santo Borja. E do tronco
dot FonsecaSy Vieiras, Machados^ Pachecos, e ainda dos Cantos.
244 N3o obstante o termos jé tocado em o cap. 18 nos Barretos
Monizes da Terceira, nao os podemos privar da maior gloria a nobreza.
122 HISTORIA INSULANA
de que de bum dos mcsmos Barretos descendeo o glorioso, e Real Prin-
cipe S. Francisco de Borja, da Companhìa de Jesus, e de antes quarto
Duque de Gandia, Vice-Rei de Catalunha, e bisneto d'el-Rei D. Fernan-
do 0 Calholico; e tronco das maiores casas que ba na Hespanha, e por
està via todas descenderem dos illustres Barretos de Portugal, donde
tambem descendem os da Uba Terceìra; pois ainda é niaior casa, mais
exalta bum descendente, ou parente consanguineo que chegou a ser San-
to canonizado, do que os qoe nio passar3o da fìdalguia do sangue.
245 0 priroeiro pois que acbo do appellido de Barreto, foi Con-
caio Nunes Barreto, Fronteyro mór do Algarve, ou Vice-Rei do tal Rei-
no, e Alcalde mór de Faro; e este deixoo qualro filbos: primeiro, Fer^
n3o Barreto, que morreo em Ceuta : segundo Francisco Nunes Barreto,
terceiro, Jo3o Telles Barreto; e quarto, Gonzalo Nunes Barreto, segan-
do do nome corno o pai, e cason com D. Isabei Pereira, filba de Diego
Pereira, Gommendador de Santiago, e d*esle Gonzalo Nunes Barreto
nasceo D. Ignez, que casoa com Henrtque Moniz, Alcalde mór de Sil-
ves, em quem se ajuntarao os Barretos com os Monizes: nasceo miis do
mesmo segundo Gonzalo Nunes, D. Isabei de Menezes, que casoa com
Gii de Magalhaes senhor da Nobrega: e nasceo tambem D. Leonor Bar-
reto, que casou com Martim AfTonso de Mello, Alcaide mor de Serpa,
e deixados outros muitos irmaos varOes, que nascer3o do dito Gonfio
Nunes Barreto, segundo do nome, o primeiro foi Nuno Barreto, Alcaide
mùr de Faro, que casou com D. Leonor, filha de Joao de Mello, Alcai-
de mór de Serpa, e do tal casamento nasceo bum filho, e buma fiiba,
0 fìllio foi Bui Barreto, que casou com D. Branca de Vilbena, filba de
Manoel de Mello, Alcaide mòr de Olivenca, e irmuo do Conde de Oliven-
ca D. Rodrigo de iMcllo, com cuja fiiha casou o senhor D. Alvaro, pri-
meiro Marquez de Ferreira, tronco da Excellentissima casa dos Duqiies
de Cada vai.
24G A fìlha pois do dito Nuno Barreto, e Irma do dito Bui Barre-
to, foi D. Isabei, que casou com D. Alvaro de Castro, cbamado o do
Torrao, e d'este casamento nasceo D. Leonor de Castro, que de Portu-
gal foi por Dama da Emperatriz Dona Isabei, mulber de Carlos V, e
d*alii casou com o sobredito Duque de Gandia D. Francisco de Borja,
da qual viuvo entrou na Companbia de Jesus, e o poz a Catholica Igreja
em scus altares. e venera por Santo canonizado, e milagroso; e irmi
Liv. VI GAP. xxni 423
era tatnbem da dita D. Leonor de Castro huma D. Fclippa Barrcto, qne
casou com Francisco da Costa Cortereal o de Tavira.
247 Entre os fillios d'este glorioso Duque Sao Francisco de Bor-
ja, foi hum chamado D. Joao de Borjii, o qual casou com oulra Por-
tugucza, e prima sua cm terceiro grao de consanguinidadc, chamada
D. Francisca de Aragao, filila de Nuno Rodrigues Bairelo, e de D. Leo-
nor de Aragao, filha de Nuno Manoel senhor de Salvaterra, e Guarda
mór d'el-Rei D. Manoel, o qual Nuno Rodrigues era fillio do sobredilo
Roi Barreto, irmao da mai da dita Duqueza de Gandia D. Leonor de
Castro; e assim segunda vez tornarlo os senliores da casa de Gandia a
descender dos Barretos Portugnezes; e podera quem compoz as li^oes
da Reza do Santo Borja, quando comecou a quinta lìcao com estas pa-
lavras, «Morlua Eleonora de Castro,» accrescentar, aò menos, està so
palavra, tLusìtana,t pois tanto amou o Santo aos Portugnezes, que nao
so casca elle com huma, mas tambem o dito seu filho com outra Por-
tugueza, e se aparentou com Portugnezes tantas vezes, que n3o so o fez
com OS Barretos, mas com os Perei ras, Mellos, Castros, etc.
248 Do dito Rui Barreto, irmao da mai da Duqueza, nasc^o tam-
bem D. Brites de Vilhena, que casou com D. Henrique de Menezes, Go-
veroador doCivel de Lisboa; nasceo mais D. Francisca de Vilhena, que
casou com D. Fernando de Lima, pais de Diogo de Lima. Seguindo po-
rèm a \*aronia direita dos Barretos, nasceo tambem do sobredito Nuno
Rodriguez Barreto, nutro Rui Barreto, segundo do nome, senhor do
morgado da Quarteira no Algarve, e que foi grande Capitao na India, e
das Galés em Hespanha, e casou com D. Brites de Vilhena, filha de D.
Pedro de Menezes, (que matarSo sendo Capitao de Tangere) e era filho
de D. Duarte de Menezes, famoso na India. E outra irmS teve este Rui
Barreto chamada I). Branca, que foi segunda mulher de D. Joao de Cas-
tellobranco. Do tal segundo Rui Barreto nasceo outro Nuno Rodrigues
Barreto, comò o avo, e d'elle nasceo Jorge Barreto, Estribeiro mór d'el-
Rei D. Manoel, e Commendador da Azambuja, e casou primeira vez com
D. Isabel Coulinho, filha de D. Vasco Cootinho, primeiro Condc de Bor-
ba, e do Redondo, e segunda vez casou com D. Leonor, irma de D.
Francisco de Moura, senhor da Azambuja, de quo ficarào mais filhos,
porém do dito seu avo Rui Barreto, segundo do nome, nasceo mais Gon-
Calo Nones Barreto, AJcaide mór de Loulé, que morreo na balaiha d'cl-
Rei D. SebastiSio, e tinha sido casado com D. Maria de Mendonra, filha
124 HISTOMA INSULANA
de D. Francisco de Sousa, Yeador d'eNRei D. JoSo III, e d'elle nasceo
Nudo Rodrigues Barreto, Alcalde niór de Loulé. Do que ludo, e do jà
dito no cap. 18» bem se tira que parentesco tem os Barretos Monizes da
Terceira com o Santo Borja, e seus descendentes, assim queira Deos que
OS ÙDitem.
1<49 Nem tambem obstante o que dissemos no cap. 17, para o finit
da antiga nobreza dos Pamplonas, e Fonsecas, que nSo so com Cantos»
e Castros se ajuntarSo, mas tambem com os sobreditos Monizes Barre*
tos, pede ainda a historia que descubramos mais o radicai principio dos
Fonsecas da Terceira. No descubrimento pois da dita Uba (que ba mais
de 250 annos) bum dos primeiros, e mais nobres povoadores que n'ella
entrarao, foi Concaio Anes da Fonseca, a quem o primeiro GapitSo de
loda a Uba fez grandes datas de terras, e especialmente de muitas, que
estao na vasta campina chamada o Paul, hoje demarcada com os marcos
que dividem as duas Capitanias da Praia, e Angra, quem porém fossem
OS immediatos fllhos d'este Concaio Anes da Fonseca nao o acho, mas
do que achei considero que, ou fllho, ou neto seu, foi bum Pedralves
da Fonseca, que sendo na Terceira casado com D. Andreza Hendes, e
que viuvando està d^aquelle, tornou a casar com Francisco de Betenoor
e Vasconcellos, que da Madeira tinha vindo para a Terceira tambem viu-
vo, e d'estes deus viuvos, marido, e mulher, nasceo aquelle Jo3o de
Bctencor e Vasconcellos, de que fallei no cap. 21, quando dos Betenco-
res de Angra, e quando ainda nao tinha achado este seu legitimo pai,
que da Madeira veio para a Terceira; e porque o dito Joao de Betencur
e Vasconcellos casou com huma filha da dita sua madrasta D. Andrea
Mendes, e de seu primeiro marido Pedralves da Fonseca, porissoi mu-
lher do dito Joao de Betencor de Vasconcellos, huns Ibe chamSo D. Ma-
ria da Camera e Vasconcellos, corno no citado lugar dizemos; outros ito
chamUo D. Maria da Fonseca, porque tudo tinha.
250 D'cstes mesmos Fonsecas acho bum multo nobre Jacome da
Fonseca, parente do Bispo D. Ilieronymo Teixeira Cabrai, e vindo de
I^mego, e la casado rìca, e nobremenle, e destes nasceo Antonio da
Fonseca, Ecclesiastico, e Agente de Portugal em Roma, e nasceo mais
Cracia da Fonseca, Dama da Duqueza de Bragnnga, que casou conforme
a sua qualidade, e d'ella nasceo Cenebra da Fonseca, mulher de bum
seu parente Hieronymo da Fonseca, que forào pais de outra Grada da
Fonseca, que em Angra casou com Antonio Dias Ilomem. Destes pois
UV. VI GAP. IXtlI 125
antigos, nobres, e tSo aparcntados Fonsecas dcscondem aqnclles Fonsc-
cas Rdalgos, de qtie tratamos no cap. 17, do flm.
251 E ainda nao obstante o muito qne acima todimos no cap. 1!)
e 20 dos Canlos e Pachecos, devemos accrescentar o que achamos do
outros Cantos Vieiras, e de outros Maciiados Pacliecos. Dos Vieiras pois
he de saber, qae reinando El-Rei D. Joao IH ttavia em Lisboa bum fi-
dalgo chamado Duarte Galv3o da Silva, casado com D. Catharina de Sousa,
e elle Secretano do Rei, e do seti Conseiho, e qne foi seu Embaixador
a Castella, comò jé dissemos no cap. 19 d'este fìdalgo, alóm da filha D.
Violante da Silva, que casou com o primeiro Pedreanes do Canto da
Terceira, e ji viuvo, nasceo mais Pedro Vieira, que veio à Uba de S.
Miguel, e tornou outra vez para Lisboa onde morreo, comò aflirma Fru-
daoso em sua bisloria; deixou porém em S. Miguel lium filho, chamado
FemSo Vieira, que casou com Uova Lopes, Tilha de Alvaro Lopes, se-
nbor do VulcSo de S. Miguel, e de Mecia AfTonso da Tamilia dos Ma-
cbados da Uba Terceira; e do dito Femiio Vieira nasceo em S. Miguel
Manoel Vieira, que duas vezes casou em S. Miguel.
252 Porém, se do dito fidalgo Duarte Gnlvlio da Silva descendeo
D. Pedro Vieira da Silva, que primeiro tambem foi Secretano de Estado,
e Valido d*el-Rei D. Jo3o o IV, e depois de viuvo so fez Ecclesiastico
e foi illustrissimo Bispo de Leiria, de qne ficou illustre descendencia, e
0 Olustre Senbor Luis Vieira da Silva, que ainda hoje vive, tambem
Ecclesiastico, e bum dos mais graves barretes que boje tem PortugaU
e de t3o esemplar virtude, que tendo servido muitos annos do Deputado
da Mesa da Consciencia, e do Santo Officio, nunca quiz aceitar o ser
Valido dos Reis, nem Secretano de Estado, nem ainda Bispo, de tal
sua ascendencia n3o me consta, porque a exemplar modestia d*este il-
lustre fidalgo nao Ai lugar a se (he perguntar.
253 Depois soube eu por boa via, qne o sobredito Pedro Vieifa da
Silva era unico filho de Gaspar Vieira Rebello, em cuja boa casa suc^
cedeo; estudou em Coimbra, foi Collegial do Collegio Real de S. Paulo,
Desembargador do Porto, e em Lisboa da Suppiicagao, e dos Aggravos,
e depois Gonselheiro da Fazenda, e logo Secretano de Estado d'El-Hei
D. J63o 0 IV, e da Rainha D. Luiza, e dos Reis muito estimado. Casou
com D. Leonor de Noronba, filha de Martim de Tavora de Noronba, e
«nbos flzerSo em Leiria o Convento de S. Antonio da Provincia da Ar-
rabida, de quo Qcou o f adroado a seus desccndentes; dos quaes o pri-
12C IIISTOHIA IXSCLANA
mciro fillio fui Gaspar Vieira da Silva, que succcdeo ao pai na casa do
Padroado, e Comiiicndas, e cason com D. Felippa, filha de Antonio de
Alrnada e Mello, e de D. Ursula da Silva. Uulro fillio Toi Felippe de
lavora de Noronha, Mallcz professo, quo fui General das Galès de Malia
e depois de lograr outras Connnendas, foi, e morreo Baulio de Lessa, e
senhor do grande estimacao, o atéin de muitos outros fìllios, e Pdhas do
sobredilo Pedro Vieira da Silva, (quo Toruo Religiosos e Heligiosas) foi
tambem seu filho o ja refendo, e illuslre Ecclesiastico Luis Vieira da
Silva.
23 i Deixada tSo copiosa desccndencia, viuvou o illustre pai, e se
fez Ecclesiastico, e foi feito Bispo illustrissimo do Dispado do Leiria, no
governo Ecclesiastico mostrou ainda maiores virtudes, do que os gran»
des talentos que no conseiho dos Ueis iinlia mostrado, e fot verdadeira*
mente hum exemplar de Bispos, e seus successores gozao hoje do Epis*
copal, e Regio palacio, que llies fundou e deixcu dentro da mesma Ch
dade de Leiria. Do que ludo ainda que nao consta o juizo» qae acìma
ja formamos, d*estes Vieiras Silvas descenderem d'aquello Duarte Gai'»
v3o da Siva, Secretarlo tambem, e do (Conseiho d*EI-Rei D. JoSo III e
seu Embaixador a Castella; consta com tudo a probabilidade corno que
ajuizavamos, assim por ambos os appellidos juntos de Vieira e de Silva,
que tanto conservou o Illustrissimo Bispo, e seus principaes fil^os, corno
pelos Oflìcios de Secrelarios, Consellieiros, e Validos dos Reis.
255 Consta porèm que dos sobredilos Vieiras nao so em S. Miguel
ficarao os descendentes d'aquelle Manoel Vieira, mas tambem em a Terceira
ficarao no fidalgo Joao da Silva do Canto; nelo materno do sobredilo
Duarte Galvao da Silva, e nos muilos descendentes que ainda boje lì
tem, com os appellidos delk)rgcs, Coslas, e Cantos Silvas, e outros que
se chamarao Cantos Vieiras: e huns Vieiras anligos que fizerao seu as-
sento em 0 nobre lugar do Santa Barbala da Tcrceii'a, onde viveo com
nobreza hum Sebastiào Vieira, de que jii Fructuoso faz mencao.
250 Dos Machados Pachecos toco so, que liouve em Angra hum
bom fidalgo chamado Constantino Machado, que casou com D. Catharina
Pacheco Cortereal, e d'cstcs nasceo Manoel Madiado da Costa, que con-
forme a sua qualidade casou com Barbara Cabrai, de que nasceo outro
Constantino Macbado da Costa comò o avo, e huma D. Margarida,
que casou com Fabricio Pacheco, e d'cstes nasceo Matiheos Pàclieco, que
casou com D. Anna, filha do conhecido fidalgo Alvaro Pereira deLacerda,
LIV. VI CAPr XXIV 127
e outros muilos na mesma liha Terceira, do appellido de Machados^
e particularmente na grande Villa da Praia, dos quaes tambem faz mcn*
00 0 mesmo Fructuoso, e aOirma serem fidalgos, corno em seu lugar
mais largamente ainda mostraremos.
CAPITULO XXIV
Da familia dos CorJeiros, e Espinosas.
257 Em muitos lugares desta historia temos enconti*ado com este
appelklo de Cordeiros, e algiimas vezes com o de Espinosas, razao lie
qae tambem d eiles demos aiguma noticia. 0 muito erudito Fructuoso,
trataùdo dos Teves de S. Miguel, diz que bouve antigamente em Pariz
bara famoso CapitSio d el-Rei de Franga, chamado Concaio Dornellas Paim,
e que este tivera tao faganhosos enconlros mililarcs, que querendo ne-
gir oatros que os teve, o mesmo Rei tantas vezes o adirmàra, que Ibe
niodou 0 nome, e mandou que se chamasse Gonzalo de Teve, e que este
Coi 0 principio famoso do tal appellido ; a este Concaio de Teve (diz o
mesmo Fructuoso) succederlo tres flihos, un tres netos, bum cbamado
Antonio de Teve» quo veiopara Portugal, e foi Thesoureiro mór do Ueino,
0 d'este nao diz mais. 0 segundo foi Concaio de Teve Paim, que veio
i nova Uba de S. Miguel, e era varao de tanta conta, que com o €api*
fio Donatario da Illia repartia, e dava as terras d'ella; e d'este ficarao
em S. Miguel dous fllhos, bum Joao de Teve Almoxarife da Uba, que
caftoa na Villa de Agoa de Pào, e de que fìcou pouca descendencia; e o ou<
tro filbo de Concaio de Teve Paìm foi Jo3o de Teve pai de Amador de
Teve, e avo de Caspar de Teve, Capi tao na Cidade de Ponla Delgada.
258 0 terceiro fìlbo, ou neto do primeiro Concalo de Teve ((Sia-
mado de antes Dornella de Paim) foi Pedro Cordeiro, e este foi o pri-
meiro de tal appellido em todas as Ilbas, que de Pariz veio com o ir-
mio Tbesoureiro mór de Portugal, e passou a S. Miguel com o outro
iraSo Concaio de Teve Paim, e dei^iando os appelidos de Dornellas,
Pìim, e 0 de Teve, conservou o de Cordeiro, que devia ser tambem de
seus pais, e avós Francezos, e fez seu assento; e morada em Villa Fran-
ca, que era a cabeca entao de S. Miguel. D'este Pedro Cordeiro ficarao
sm S. Miguel quatro fìlhas; a primeira casou com Concalo Vaz Botelbo,
0 moco, da nobiiiss'uua familia dos Botclhos: de que jà Iralamos nas de
I2S HISTORIA INSULAXA
9. Miguel. A scgunda fìlha; cbamada D. Leonor Cordeira, casou com
Femao Camello Pereira, de qiie leve muita doscendencia» até na liha
Terceita, e muito nobre, corno vimos jé na familia dos Camellos, e Re-
gos. A terceira fìlha foi Catharina Cordeira, qua casou no Beino de
PorUigal com hnm fidalgo chamado Vicente de Abreu. A quarta fi*
Iha Tui Maria Cordeira, que casou com bum cavalleiro da casa dei-Rei»
chamado Joào Rodriguez de Sousa, Feitor da Fazenda Rea! em S. Mi-
guel; e viuva d este casou segunda vez com Jorge da Uota, Albo de Fer-
nando da Mota, cidadao do Porto, e parente do Bispo do Algarve D.
Hieronymo Osorio; e o dito Mota era Cavalleiro do babito de Aviz ; e
tambem depois de viuvar casou segunda vez com Bartboleza da Costa.
259 D*esta Maria Cordeira, quarta Ciba do primeiro Pedro Corde!-
ro, e de sen primeiro marido Joao Bodriguez de Sousa, nasceo Pedro
Rodriguez Cordeiro, que casou com Catharina Correa, Alba de Martini
Anes Furtado de Sousa, e for3o pais de Joao Rodriguez Cordeiro» cuya
filba casou com Miguel Botelbo, filbo de JoSo da Mota, e de Brites de
Medeiros. Nasceo mais da (jlìta Maria Cordeira, e de Jo3o Rodrigoez de
Sousa, nasceo (digo) bnma filba que casou com Sebastiio Rodrigoes Pan-
china, irm9o de outros Pancbinas, e d^estes nasceo CbristovSo Cordeiro^
Escrivao da Alfandega, e casado com Solanda Rodriguez Benevides» e
estes forao pais de outro Christovao Cordeiro, segundo do nome» de
que nasceo, terceiro no nome, Christovao Cordeiro, chamado o Sol» por
sua nobreza. Nasceo tambem do primeiro CbristovSo Rodrigoez Cordei-
ro, e da Benevides, sua mulher, nasceo (digo) Manoel Cordeiro de Sam*
paio, Cavalleiro do babito de Christo, e de Juiz do mar, e da Real Al-
fandega, o qual casou com Mecia Nunez de Arez, filba do Licenciado
Gonzalo Nunes de Arez, e de huma filba do Almoxarife de Angra, dos
prmcipaes d'ella: d'este casamento pois nasceo Maria de S. Paio, que
casou com Duarte Borges da Costa, dos muito nobres Medeiros Coslas»
de que jà tratamos, quando dos Medeiros de S. Miguel; e do tal casa-
mento nasceo, primeiro, Antonio Borges, que casou com D. Maria da
Camera, fidatga dos Cameras, Condcs de Villa Franca, e Bibeira Gran-
de, e do dito casamento nasceo Duarte Borges da Camera, Juiz do mar
e da Beai Alfandega, e que casando com D. Maria de Frias, da nobilis-
sima casa dos Bruns, (de que fallaremos, quando da Uba do Faial) mor-
reo comtudo sem deixar descendencia, porém sua irma inteira D. Maria
da Camera, corno a mai, casou com Gaspar de Medeiros, primeiro do
Liv. VI GAP. xxrv 12?>
nome, de que nasceo segando fìlho Gaspar de Medeiros da Camera, e
deste jj lerceiro Gaspar de Medeiros, casa nào so taoTidalga, mas huma
das mais ricas que lioje lem S. Miguel.
260 Nasceo segundo fiiho do sobredìlo Duarte Borges da Costa, e
de sua mulher Maria de Silo Paio, nasceo Dionisio Borges, que foi pai
do M. Reverendo Arcediago de Angra Manoel de S. Paio, que ainda
hoje vive na Corte de Lisboa, e bem conbecido n'eila de loda a fidal-
gnia, cujo irmao inteiro, cbamado Francisco Borges, ficou na sua cida-
de de Ponta Deigada, e la se continua a sua casa. Nascerao mais dos
mesmos Duartes Borges da Costa, e Maria de S. Paio, nascerao dous
varoes dignos de memoria, por se metterem Keligiosos na Companhia
de Jesus, bum chamado o Padre Antonio Borges, outro o Padre Gonza-
lo de Arez, corno seu bisavó Gonzalo Nunes de Arez, e jà d'este Padre
iallàmus acima, quando do Collegio de S. Miguel, e do Collegio de An-
gra, pois em ambos foi Reitor, e de grande religiao, virtudes, e letras.
261 Da mesma acima dita Maria Cordeira, (quarta (ilha do primei-
ro Fedro Cordeiro) e de seu segundo marido Jorge da Mota: nasceo
tainbem bum fìlho cbamado Antonio da Mota, que casou com Francisca
de Teve, (sua ainda parenla, e por ella ser filba de Fedro de Teve, e
nela de Gonzalo de Teve Paim: e por elle Antonio da Mota ser filbo da
dita Maria Cordeira, e neta do primeiro Pedro Cordeiro, irmao de Con-
caio de TeveO do tal casamento pois nasceo bum fìllio cbamado Pedro
de Teve, (corno o avo materno) e casou com Guimar Soeira, filba da
Manoel Affonso Pavao, e de sua mulher Leonor Soeira, que era filba do
Garcia Rodriguez Camello, e de outra D. Leonor Soeirar e d'este Pedro
de Teve, e de Guimar Soeira nasceo Antonio da Mota, que casou coni
Anna da Costa Pimentel, e d'elles nasceo Guimar Soeira que casou com
Manoel de Brum e Frìas. Até aqui o que largamente diz o Doutor Fru-
ctuoso da antiga e nobre familia dos Cordeiros, que povoavao a Uba de
S. Miguel, de que comò naturai teve mais noticia.
262 Da familia dos Cordeiros das oulras Ilbas, segue-se dizermos
0 que puramente acbamos; que assim comò da prrmeira Uba do Porto
Santo se passarao muitos dos povoadores à segunda liba da Madeira, 9
desta muitos a Uba de Santa Maria, e Sao Miguel: assina d'està se pas^
savao, corno ainda boje se passao, é Uba Tercetrà, e d*esta às outras
llhas, que pouco depois se descubrirSo; porque comò aos primeiros po-
voadores de cada Uba, se Ibes davào as melbores terras d'ellas, porisso
VUL. II ' 9
130 mSTORTA INSCUNA
OS qne mais Inrde vinhao a huma liha, era vendo ontra de novo descn-
berta, se passavao logo a ella, para ahi terem tambem maiores datas de
terras, pois ainda entao n?io er3o descubertas as vastissimas Conquistas
da India Orientai, do Brasil, de Angola, e Maranhao: d'onde bem se se-
gue, qae os qiie em a Terceira, e nas outras posteriorcs lihas se achao
do appeilido de Cordeiros, todos procedem d'aquelle prìmeiro Fedro Cor*
dein), que de Franga velo com os irmaos Teves a Pcirtugal, e de Portugal a
nova Ilha de S^o Miguel, e n'ella muUiplicarao tanto, corno vimos; e de
facto affirma Fructuoso, que aqoella segunda fliha do dito Fedro Cor*
deiro, chamada Leonor (ou Brìtes) Cordeira, casou com FernSio r^amello
Pereira de Castellobranco, fidalgo que veio de Portugal, e foi dos pri-
meiros povoadores de Villa Franca, e de que depois vierao alguns para
a Terceira.
263 D'estes pois Cordeiros houve na Cidade de Angra bum Cida-
dao della chamado JoSoGordeiro, Cavalleiro professo da Ordem de Chris-
io, e casado com Leonor Dias, e d'eiles nasceo Joseph Cordeiro, Cida-
dao tambem de Angra, que teve tres (ilhos, bum Francisco Cordeiro que
morreo solteiro, e duas filhas que roetteo Freiras no Convento da Espe-
ranca, e se chamav3o a Madre Maria do Nascimento, e a Madre Leonor
da Gloria, e do dito JoSo Cordeiro, nSo ficou outra gemevo mais que
huma irmS sua, chamada Anna Cordeira, de que nasceo Maria Dias Cor-
deira, que casou com Fedro Mouloso, filho de Concaio Moutoso, e de
sua mulher Catharìna Lourengo, Alba de Antonio Dias, que seguio em
Angra as partes do senhor D. Antonio contra Castella, e foi terceiro avo
dos Padres Jo3o Madeira, e Manoel Gongalves, primos irmSos, e graves
Religiosos da Companhia de Jesus, e ambos muito letrados, e muitos
annos Lentes de Moral, e muito consultados; e o segundo morreo no
Collegio da Uba de S. Miguel, e o prìmeiro em Lisboa na casa de S. Ro-
que.
26 i Dos ditos Concaio Moutoso, e Catharìna Lourenco nasceo mais
Antonio Lourenco, que foi pai de Barbara Borges, que easou com Ha-
noel Leal em Lisboa, filho de Diiogo Leal, e neto de Dionisio Leal, e do
tal casamento nasceo Joseph Leal, que se passòu de Lisboa a viver em
Angra. e niella foi Cidadio, e do habito de Aviz, e da governanca do
Senado da Camera, e sugeito de grande conta, e juizo, e que tirou Bra-
2tio Beai da gerac^o, e Armas dos Leaes. Casou em Anj,Ta invs veros» e
sempre com limpeza, e nobreza; e na terceira vez casou com Gdais*
LÌV. VI GAP, XXIV 131
mmto conhecida, qual era D. Izeu Pacheco» corno acima ji vimos nas
famìlias dos Borges Costas Pachecos, etc, mas dos primeiros dous ca-
samentos nao sei que haja descendencìa alguma; e do terceiro so sei,
que de rauìtos fìliios quo Acarpo, so bum chamado Jo3o Borges da Sil-
va este\^ muitos annos em Lisboa, servlo a El-Rei D. Pedro II, e alcan-
eoa d*elle o foro de fìdaigo filhado, e voltou para Angra, e là està ca-
sado.
265 Porém do sobredito Pedro Moutoso, e Maria Dias Cordeira
Dasceo Manoet Gordeiro Moutoso, Gidadio de Angra, e dos da governan-
Ca do Scnado d'ella: e foi aqnellc a quem em tres de Julho do anno de
1057, e no juizo do Doiitor Diogo de Gouvea de Miranda, do Desem-
ban?o de S. Magestade, e seu Desembargador dos Aggravos, e Corre-
pedor com alcada do Civel da Gorte> julgou ao dito Manoel Gordeiro por
legitimo descendente da nobre, e antiga linhagem dos Gordeiros, e El-
ite) Itie maiìdou passar, e se llie passoii o seu Braz3o de fìdargo de ge-
ragao, e Cola de Ariiias, que no mesmo Brazao vem divisadas, e illnnii-
nxdas. corno nVlle se podem ver, feito pelo Capit3o Francisco Luis Fer-
rcìra, Kscriv^o da nnhreza n'estes Reìnos, e Senhorios de Porlugal. Mas
ponpie o dito Manoel r^rdeiro casou em Angra com Maria de Espino-
sa, familia Castelhana, forga he dar noticia d'ella.
i6G Da antiga tidalguia dos Espinosas, nos livros dos Reis ian^a-
da, trata Pinedu na Monarchia Ecclesiastica 2. part. cap. 16, § 1, tra-
ta-se mais na celebrada historia da \iagem do grande Magalhaes, em
qne « faz mencio do CapifjSo Gonjalo Gomes de Espinosa, naturai da
Villa de Gspinosa de los Moriteros, e Meirinbo-mór da dita Armada de
Magalliaes, e Capitao-mór da nào Trindade; e até o Padre Ribadenera
na Vida de Sao Francisco de Borja liv. 3, cap. 14, faz men(3o de D.
Uiogo de Espin<»sa. Cardeai da Santa Madre Igreja, Bispo de Siguenga,
Presidente do Consellio Keal de Gastella, e multo privado, ou Valido de
Fdippo IL
267 A orìgem que se sabe d*estes Espinosas, fot bum Cavalheìro
ctwnado Francisco de Bustamante, naturai do Valle de Torasoz, e casa-
dò com D. Leonor de Bustamante, e estas duas casas tinhao direito ao
fetide officio de Monteiros-mórcs de S. Magestade Hespanhola, por se-
'^ dos Espinosas de los Monteros, da Villa de Espinosa, sita no Ar-
^^ispado de Burgos em Castella; porém outro Ga>'alheiro Espinosa, e
^positor do dito officio, e com dous flibos mais, Gaspar, e Francisco
132 HlSTOniA IXSCLAXA
matànio ao sobredito Francisco de Bustarnante, e comludo d'elle ficano
OS filhos seguir) tes; primeiro, Fraocisco de Bustamantet comò o pai, e
Famiiìar do Santo Officio, que casou cura Dona Bigiieida de Escalante,
de que teve duas fiihas Freìras em o Couveiilo chaiuadu Isabella Rea!
de Granada; o segundo fliho foi Manoel de Gspinosa, que casoo primei-
ra vez em Guadalupe, e segunda vuz em Se\ilba, e dcixou lillios, hum
dos quaes se chamou Francisco de Bustarnante, corno o avo. 0 lerceii\;
lillìo foi Maria de Espinosa e Bustamanie, quo nasoeo em Bomos de Se-
vilha, e Toi mai de Gaspar Molerò de Espinosa» que residia mancebo
em MadriiU em cuja casa foi seu cauiarada D. Pedro Oitiz do Hello,
(fìdalgo bem conbecido da Cidade de Angra, dequcm trataremos, quan-
do em seu lugar dos Mellos da Uba da Graciusa) e este mesmo fldal-
pò testimunhando depois em Aiigra nas inquiri^òes de bum sugeilo
jjara ser Religioso da Companbia de Jesus, nelo do dito Gaspar Mole.x)
de Espino&, jura nao so lel-o conbecido em Madri 1 corno carnnrnda seu.
mas conhecer là tambem aos parentes do mesmo, e de inuila qualidaile;
e 0 mesmo testemunbai ao bum Manoel Gonzales, Castelhano de là mes-
mo, e outro fidalgo Christovao de Lemos de Mendofa, e muitos outros.
268 Vivendo pois em Madnd, e sotteiro ainda, este Gaspar Molerò
de Espinosa, e tratando sempre multo o Rei de Castella de segurar em
sua obediencia a Uba Terceira, que contra elle de antes tinha acclamado
por seu Rei ao senbor D. Antonio, e tanto (comò veremos) Ibe tinha cus-
tado a conquistar, e por isso tinha feito em Angra aqoelta fatai e gran*
de Fortaleza, a que chamou de seu nome o Castello de Sao Felippe;
mandou o Rei de Castella ao dito Espinosa, que viesse militar do tal
Castello, corno mandou a outros muitos Cavalbeiros, e aos mesmos no-
meados D. Fedro Ortiz de Mello, Christovao de Lemos de Mendo^a, etc,
para assim segurar em sua obediencia a Fortaleza, e com ella a Uha te-
da, e com està as mais Ilbas, comò com a cabeca d'ellas todas.
269 Cbegado o tal Espinosa à Fortaleza de Angrd, e agradando-lhe
OS ares, e mantimentos da Uba, tratou de se casar, e ficar n'ella, e por-
que soube que a vìzinba Uba do Fa} al tinha sido povoada de muilo ik>-
bres Flamengos, com huma descendente d'elles, chamada Francisca Vi-
cente, fìlha de Yicènte Martins, e de Francisca Luis, se casou a prìiBei-
ra vez o dito nosso Espinosa, e dentro de poucos annos morrendo llie
està mulber, Ibe nào ficou d'ella mais do que Imma fill)a; e tomand^se
lago a casar com buma seabora da Cidade de Ponta Delgada, liba de S.
LIV. VI CAP. XXIV 133
Miguel, qiie era muito chegada, e nobre parenta d'aquella nobre Matro-
na, e Veneravo] R(^atn Margarida de Chaves, cuja vida jà acima escreve-
mos no fìm do liv. 5, e porisso està segunda mullier do Espìnosa se cha-
mava Maria Rodripiez de Chaves, que até em a virtude, e santidade se
parecia muito a Santa sua parenta; e deste segundo casamento nasceo
oulra fiiha, que foi grove Religiosa professa do Convento de S3o Con-
caio em Aiigro, e se chamava a Madre Joanna da Cruz; e nasceo mais
bum fillio, que se fez Clerìgo em Angra, e sendo de talentos, e partes
excellentes se foi a Madrid, pouco antes da Acclamagao de Portugal, e
se clìamava D. Salvador de Espinosa, e nem seus nobres parenles, Es-
pìnosns Bustainantes, o quizerllo deixar voltar à Uba nem El-Rei Felip-
pe IV, 0 quiz deixar sabir de sua Ueal Capella em que o tinba, e mor-
reo em Madrid pelos annos de 1672, comò a irma Freira morreo no seu
Convento de Angra, bavendo falecido o pai muito antes da Acclamagao,
e a m3i depois, mas inuilo antes dos dous filhos.
270 Fìcou pois a primeira Tilba Maria de Espinosa, que mais de
doze annos anU's da Acclamacao casou com o dito Manoel Cordeiro Mou-
toso em a (^id.ide de Aiigra, e d'este matrimonio ficàrao seis filbos; o
primeiro foi Pcdro Cordeiro de Espinosa, que pouco antes do anno de
1G50 vrio estndar a Coimbra, e n'elia se fez Doutor, e Mestre em Artes,
e examinoii Uacbareìs, e tomou todas as Ordens Sacras, e estudando o
direito se formou em Canones, e n*elles se fez Doutor per exame pri-
vado, e siibslìtuio algiimas cadeiras. de direito em Coimbra, e passan-
do-se a Lisboa, viveo nella buns poucos annos, sendo Juiz Apostolico
de causns Romaniscas; até que per conseiho do Arcebispo de Lisboa D.
Anionio de Mcndo^a, e do grande Valido Pedro Fernandes Monteiro,
foi provido em o Oeado da Bahia cabe^a de todo o Brasil» e feito Com-
missario Cerai em todo elle da Bulla da Cruzada; e pouco depois de
estar na Bahia, por siias muito conhecidas letras dispensou com elle S.
Magestade, e sem ter lido noPa(o, o fez seu Desembai^ador dos Aggra-
vos na Uela^ao da Bahia ; e oOerecendo-se-lhe depoìs a Prelazia do Rio
de Janeiro, a n?io aceitou, e governou muitos annos no Ecclesiastico, e
secular nquelle mnndo novo, pois ainda là nSo havia Bispos.
271 Foi varalo de tantas letras, e Ministro tantos annos, que além
de huma mui copiosa livraria de que usava, deixou varios tomos ma-
nnscriptos que compoz sobre as Ordena^oes de Portugal, obras que se-
nio de grande beiu commum; e nSo obstante isso, se Ihe dlvertirSo por
134 HISTORIA INSrLANÀ
sua morte e por mais que se procurar3o, nao apparecerSo até boje.
Foi em siia vida tao exemplv Prelado Ecclesiastko, que com viver
tantos annos em o seculo, e seculo do dima do Brasit, nao so nào dei-
xou nota alguma de menos honeslo proceditnento, mas nem dd{K)is de
sua morte houve creatura alguma, que arguisse ser seu naturai her-
deiro, nem que pedisse allmentos do multo que deixou: indo emfìm di-
zer Missa a sua Sé, o achou Deos em estado de o levar para si, e aca-
bada a Missa, llie deo bum tal accidente, que nunca mais deo stnal al-
gum, com que os Religìosos doutos, e Prelad^s, que log!) acudirào, o
podessem absolver, e assim expirou, sem viver mais dia algiim, senào
o em que ibe deo o accidente: e comtudo houve pessoas» que acodindo
logo, Ibe fabricaram bum testamento, e disposigào. de todu a casa, e ri-
queza, na fórma que a elles Ihes servia, e tudo testimunharào ser dito
pelo doente; e de tudo com*sentenfas contra os irmàos, e berdeiros ne-
cessarios, mas tSo ausentes, em AngRa da sua liba Terceira. Do cha-
mado testador sua exemplar, e ajustada vida uos persuade que seTui
ao Geo: mas dos que se Tizer^o tesladores, teslamenteiros, e de facto
berdeiros, sabe Deos onde estarao.
272 0 segundo filbo foi Gaspar de Espinosa, qne na melhor idade
se metteo, e professou Religioso de S. Francisco em o Convento de An-
gra, e d'elle veio tomar todas as Ordens Sncras a Lisl>on, e d^ahi foi a
Coimbra» aonde esteve com o sobredito seu ìrmao, e voltando depois
para a Uba, morreo d'ahi a annos com o exemplo de humitdade, e pe-
nitente Religioso, cbamado Fr. Gaspar do Rosario. 0 ferceiro filho foi
Joao Cordeiro de Espinosa, que se fez Ecclesiastico, e sendo Sacerdote
secular, era tao virtuosa sua vida, que parecia hum perfeito Religioso» e
mais hum especial em a Missa sempre quotidiana, e tao devota e pau-
sada, que a todos admirava e mettia devoi*^o; e foi rouitos annos The-
soureiro gei*al da Bulla da Cruzada* officio que fazia pontualissimameute,
sem querer jà mais outro algum Beneficio.
273 0 quarto filbo foi D. Violante de Espinosa, a quem chegando
& idade casarao seus pais com Bernardo Cabrai de Mello, OUio de Ma-
uoel Cabrai de Mello, legilimo descendente dos primeiros descubridores,
e Capitàes Donatarios das Ilbas de Santa Maria, e S. Miguel* e moi^ado
rico instituido por seu pai. D'este casamento nascerào seis fìlbos; pri-
nieiro Joanna Cabrai de Mello, que metten<lo-se Religiosa no Convento
de S3o Gonzalo de Angra, niello morreo professa, e cedo, cbamada iyàvr
UW VI GAP* XXIV 135
na do Espirito Santo, e com espirito verdadeiramentn santo. Segundo
filini foì Bartlioiomeu Cabrai de Mello, quo moireo ainda menor, e se Ihe
sej^nio Manoel Cabrai de Mello, terceiro Albo, e de grande juizo, e ex-
ceiieiites partes, mas e»tando para se receber com pessoa de sua quali-
dnde, morivo apressadaniente, e dizem que de veneno, (sera falso) e se
Ihp segiiio em o morgado o quarto irmao Antonio Cordeiro de E^n-
n »sa, que era jà Sacerdote secular, e ainda hoje vive logrando o nior-
pulo
27 i Quinto fìlho foi Joseph Veiho de Mello, que tamhem morrco
solttMro, mas tinha huma filba naturai, e de boa, e liinpa mài, e legiti-
luada por el-Rei« e educanda no Convento.de Sào Concilio, e na occasiào
da morie a revocou a sua casa, e a nomeou por sua herdeira, e està
cliamada l>. Joanna Cabrai de Mello casou na mesma Cidade do Angia
C'im bum nobre mancebo chamado Ignacio Carvallio Pedroso de Urio-
lìes, niho de Manoel Carvaiho, e neto de Fedro Carvallio, e bisaelo de
IsMbel Pedi'osa, e terceiro neto de Beatriz Calsa, e quarto neto de Simàu
Tedroso, e quinto noto de Gonzalo Pedroso, que fui nào so anligo Ci-
dadfio de Angra, mas ja enlao fidalgo da casa del-Uei, cujo prinieiro i*
liiu Francisco Pedroso instituhio bum morgado, sobre que lem andado
em grave domanda o sobredito Ignacio Carvaiho com o Padre. Francis-
co Pedroso da Congregacào do Oratorio, por tambem este ser bisnelo
da dira Bc^atriz Calsa,. terceira avo do tal Ignacio Carvaiho. Sexlo filho
foi Nuno Velbo de Mello, que morreo ainda menino. K a mai dos ditos
seis iilhos, depois de viuva do primeiro marido Bernardo Cabrai de
Alello, casou sugui\da vez, por ordem de seu irmao o sobredito Deào da
Bahia, com o Capitào Joao do Rego de Vasconcellos, de que ja iratamos,
quando dos Regos Baldayas, e Vasconcellos; e d'este segundo matrimo-
■ Dio nào ficou descendencia alguma.
i75 0 quinto filho de Manoel Cordeiro, e Maria de Espinosa foi
Bt?rnardo Cordeiro de Espinosa, que ticou com a casa dos pais, e ainda
lioje vìve, e foi sempre homem de tanto governo, que nào so ha mais
de 50 annos he Familiar do Santo Officio da Inquisigào de Lisboa, mas
teve por el-Rei o donativo das Ilhas, a cas^ do Marquez de Castello Ro-
drigo, e dar o determinado para o sustento d'el-Rei I). AtTonso VI, quan-
do esleve na Uba, e por vezes foi Vereador da Camera de Angra, e Pre-
sidente da Yereacào. Casou duas vezes, primeira com Dona Maria Abar-
ca Cortereal, fìdalga bem conbecida, de que jà tratamos, quando dos
136 HISTORIA INSULANA .
Canlos, Borges, e Costas; e d'esle casamento leve hum filho chamado
Fedro Cordeiro de Espioosa, corno o patruo tic De3o, mas morreo-lhe
ainda menino; teve mais huma filha chamada D. <^tlierina, que entrou,
e vive hoje Freìra professa em S. Gonzalo de Àngra. Morta està primei-
n nìulher, cason segiinda vez com D. Margarida, filha de Fedro Borgfìs
da Co^ta, e de D. Maria da Camera, e Irma unica hoje daquelle famo-
so Joào Borjjes da Silva, que govemou tanto na India, e là morreo, co-
mò j i disstMnos, assim na fidalgnia d'estes Borges Costas, corno n.i dos
Canlos; mas d'este segando casamento nao leve descendencia. i
iliS k antiga nobrcza de seu pai, que vimos jà em o refendo Bra-
zao (r^lla, e na antiga familia dos Cordeiros, ajunlou o dito Bernardo
CordtMro 0 Brazao Ueal dos Espinosas de sua m3i; e no mesmo escuJo
se ajunirio em diversas palas a limpeza, e brandura dos Cordeiros, com
a frjMierosidade do Leao; a advertencia do Cometa, e constancia do Es-
piiihinro, (qne nem com o fogo se afoga) e as armas que locao dos Es-
I^inosas de los Montoros, com tanto que todos tenhào, comò lem as ar-
mas, [)or scu limbre a pureza, mansidao, e pariencia de hum Cordeiro,
quo so se fez desta sorte hum Leao temido, e venerado, e vitorioso Sal-
vador de lodo seu povo.
277 0 sexto, e ultimo fillio do dito Manoel Cordeiro, e Maria do
Espìnosa, foi Antonio Cordeiro de Espinosa, que passando a puerìcia em
Aiii^MM, e POS estu<Ios dos Fadres da Còmpanhia de Jesus, foi mandado
pi)r seus pais a estudar a Coimbra, e acompanhar ao dito seu irm^o
Domo da Rahia; e saliindo a buscar a Armada de Fortugal do anno de-
l(>.')(ì, de que era General o famoso Antonio Telles. deo coro a froia das
Iiidias de Castella, om que vinha o Vice-Rei D. Marcos dei Fuerto, que
so tiriha desencontrado da maior Armada de Fortugal, e cativo enlào da
do C.'Kstella, cm ([uo andou dezaseis dias, além de n'ella achar ao fidalgoi
D. Alvaro Bustamante, que o reconheceo por seu parente, foi pelo con-
trario dar com a Armada de Inglaterra, que estava a sombi-a da UMTa
atraz de Cadiz, com quarenta n<ios de guerra. General o Blaque; d*estas
sahirno s<') oito pelas tres para as qualro da madrugada, derào batallia a
seis de guerra, que so trazia a frota Castelhana, e està naval balaiha da-
rou continuada nove horas, ale à huma depois do meio dia: e entSo he
(]ue de Cadìz, pouco mais de huma legna, arodirao duas galés, mas a
tem[)o j:'i, qiie estava ainda pelejando a Capitania Hespanhola com duas
Inglezas, e com outrad duas a Almirante; porém està em o mesmo lem-
IIV. VI GAP. XXIV 137
pò se deo fogo» corno jà «m o principio da batalha tinha feito a mio do
CapitSo Calderon, e oatra affundida, e duas tinha vcncido, e calivado o
lo^lez: e tcodindo as galès à Almirante, coja gente jà tinha voado com
0 fogo, apagàrao o do casco, e a esle trouxerao ainda: com que das seis
Caslelhanas so a Capitania, para onde linhao ievado o Estudante Portu-
gnez, foi a que escapou, e se recolheo a Cadiz com as galés, e o casco
da Almirante.
278 RecolWdo o Estudante a Cadiz/ foi logo preso em a cadeia, e
^sentenciado é morte, por Ihe imporem que tinha sabido da Armada In-
gleza, e o nao descubrira no juraraento dado quando o cativano: mas
por consdho d'aqucile seu parente D. Alvaro Bustamante, appellando
logo da senlenca para o Duque de Medina Celi, que servia entlio de Ca-
pitan General das Costas de Andaiuzia, foi remettido a elle, e por elle
examinado; e vendo que so repetia Virgilio, e out ros livros humanisli-
cos, 0 julgon solto, e livre, e Ihe deo logo passaporte para ir a Porlu-
gal, e a estudar a Coimbra para onde vinha, e assim se passou o Estu-
dante a Sao Lucar de la Reina: d'este a Seviiha pelo Guadalquihir, de-
zoito legoas a cima; e de Seviiha a Ayamonte, e d'este a Crasto Warim
do Beino do Algarve, d'onde vindo a Tavira, Faro, e Lagos, deo aqui
com as reliquias-da peste, que ainda alli durava: e chegando, passado
lodo 0 Algarve, a Setuval, pela dita peste foi preso, e condemnado a des-
terro para bum solitario areal, e por quarenta dias, mas revogada lam-
bem està sentenza, se passou logo a Lisboa, e de Lisboa a Coimbra, rei-
nando ainda o senhor Rei D. Joao IV.
279 Em Coimbra achando a seu ìrmao o Doutor Deao da Bahia»
por ordera sua se matriculou nos Sagrados Canones, e juniamente na Fi-
losofia do Veneravel Padre Joao de Carvalho da Companhia de Jesus, in-
signe Lente, que depois foi de Theologia, e morreo Reitor de Braga,
santo, e sabio: e vindo-se o dito Doutor seu irmào para Lisboa, ficon o
dito Espinosa so, e continuando a Universidade, até que se resolveo en-
trar na Companhia de Jesus, e entrou n'ella em lì de Junho de If^-'i?,
e acabado o noviciado, teve ainda mais de hum anno de Rhetorica, e lo-
go qiiatro ainda de Filosofia, e hum de Mestre de Lalim na nona de
Coimbra, e depois quatro nas Ilh'as de S5o Miguel, e Terceira, e logo
quatro de Theologia em Coimbra, onde tomou as Ordens de Missa: e vol-
tando para o terceiro anno de noviciado de Lisboa, foi em missao a Pe-
niche: e d'ahi chamado pelo Illustrissimo Primaz de Braga U. Verissimo
i36 IIIST0R1A INSCLANA
de Lencastre, andou em missao seis mezes, correndo aquelle vasto Ar-
cebispado, ale que cm certo lugar Ibe derào venono, e por mais que io-
ga se Ihe acodio com vomitorios, lite sol)reveio tiuma maligna, coin que
0 trouxerào a Uragi, e chngado com ella as portasda morte, quiz coin-
tudo Deos, que escapasse ainda: e enlào ò mandarao outra vez para Lis-
boa, e no Colji'gio de Santo Antào foi tres annos conlinuos sub^litulo
d'aquelle grande Paleo, e acabado o tal triennio, o mandarào para Cuim-
hra.
'280 Cliegado pois a Coimbra em o anno de IG76, vìnte annos leo
iraquella Universidade as Cadeiras de Fili^^ofia, ThtH)logia Moral, e Es-
peiiilaliva. alò o anno de 696, nào deixando comtndo de fazer varias
missoes a Vizeu, a Pinliel, a Torres novas, e ao celebre Santuario da Se-
nliora da Lapa no Bi>pado de Lamego. aonde fez, (pie a Hesidencia dos
RiMiijinsos da Coinpanhia de Jesus, (pie alti sempre bavia, mas inlerpfr
'ada por vezes cada anno, se conHnn.isse perpetua com nova, malerial,
e capaz babilacào. e Ueligiusos sulTìcientes para prégarem. confessareai»
e lerem. Conciuidas as (Cadeiras de Coimbra, e vendo-se entrar jà na ve-
liiice, se rctirou a Braga, e qualro ai»nos nella resolveoos casosquese
oiri?reciào: e d'ahi foi mandado ao Porto fazer o mesmo officio, que fei
eni a(|!iella Henl Curia oito annos: d onde a obediencia o mandou outra
vez para Lisboa, e expressamenle Ibe ordenou imprimisse o que tinha
manuscriplo: mas em Sào Roque o obrigarào a resolver ainda nasduss
Cadeiras i]n(i alli ba de resolu^òes ad intra, e ad extra^ que de antes oc-
cupavào a dous bomens, e tao grandes homens, comò o anligo Padre
Mestre Manoel de Andrade, e o famoso Doutor Josepb de Brilo: e lidas
estas Cadeiras, o obrigarào ainda a ir ler a de Prima no celebre Semi-
nario de Sào Patricio em a mesma Corte de Lisboa: mas repetindo de
Roma 0 Reverendissimo Geral da Companlu'a a sua ordem, de que im-
primisse esle Padre os seus manuscriplos, enlao o puzerao no Collegio
cbamado do Paraìso, dentro da mesma Lisboa, em tres annos e meio que
là esleve, e jà mais dous que lem de Prefeito do espirito do grande &•!-
legiode Santo Antào: n'estes ultiinos pnjparou seis lomos grandes ih^
folio, que coinevarào a imprimir-se, quando seu Author jà vai emseleo-
t;i e seis armos de idade, e de lieligiào |)eQto de sessenla.
281 Deste pois ultimo fìllio dos acima ditos Manoel Cordeiro, e
Maria de Espinosa, tocndo (comò pedia a bisloria) o material de sua vi-
da, nào sei do espirilual que d'elle possa dizer vìrtude alguma, visto os
LIV. VI GAP. XXV 139
ìnnuraeraveis benencios, que Deos, e a Virgem Senhora da Lapa Ihe fi-
zerao, e o pouco, e muito mal que os tem ngradecido, e so sei (|ue por
inek) d'aquella milagrosissima Senhora espera ainda o perdao de seiis
I)eccados, e huma hora da morte em a Divina gra^, comò se persuade
que alcan^arao seus pios, e mui devotos pais, e que tambem a elle lli'a
aican^arào de Deos.
28* De outi-as nobres f^milias da presente liha Terceira, dlremos
quando tratarmos das outras Illias, d onde se passarào à Terceira» pois
nao he bem molew^^lemos ao Leitor com mais genealogias, todas junlas.
Vamos agora às guerras que a Terceira, mais que as outras Ilhas, expe-
rimentou até hoje.
CAPITULO XXV
D(U guerras que a Terceira experimenton, especialmente pelo Senbor
D. Antonio^ e Coroa de i^oriugal cantra a de Castella.
283 Em 0 cap. 6 d'este liv. 6 deixamos ji locada a primeira qua-
si guerra, que em o lugar da Praia, nao sendo ainda Villa, houvc con-
tra huma Armada Castelhana, e a vitoria prodigiosa que d'ella entào al-
cancar3o, e que foi prenuncio das que està liha liavia depois ter de Cas-
tella pela sua Coroa Portugueza, que defondeo sempre tanto comò agora
veremos, e tendo jà passado mais de cento e trinla annos, que a Illia Ter-
ceira era descuberta, antes do anno de 1 ìoO nSo se sabe de outra guer-
ra que coDtra a liba Terceira flzesse nagào alguma, até que depoìs da
morte do Senhor Rei D. Henrique, ent3o Pelippe II de Castella se inlro-
duzio na Coroa Lusitana, sem haver quem entao se Ihe oppuzesse, senao
o senhor D. Antonio, e por elle ultimamente a Uba Terceira, e assim he
forca dar disto a noticia devida.
284 Sabido, e constante he, que na Coroa de Portugal a el-Rei D.
Manoel succedeo seu iìlho cM\ei D. Joao III do nome, e por o unico fì-
llio d*este morrer antes de chegar a reinar, e deixar jà fìllio D. Sebas-
tìao, este succedeo no Reino ao avo D. Joào IH, e tambem por este seu
lieto faltar na fatai bataiha de Africa, Ihe succedeo a elle na Coroa bum
Seu tìo, 0 Cardeal D. Uenrique, filho do sohredito Rei D. Manoel; e que
por u Cardeal Rei tambem nao deixar descendencia alguma, morrendo
em 31 de Janeiro de 1380, tendo reinado bum anno, cince mezes, e ciu-
co dias, foi necessario toraur a buscai* uutra das muitas linhas que havia
140 HfSTORIA TNSULANA
«do mesmo Bei antecedente D. Manoel; e porque d'este Bei tinlia casado
hurna fìiba D. Isabel coro o Emperador Carlos V, outra, D. Briles, com
Carlos Duqne de SabojTi, por isso desta segunda o filho Manoej Philis-
berlo Duquo de Saboyn, e o fillio da primeìra Feltppe II Rei de Castel-
la, ambos se oppuzerào à successSo da Coroa Lusitana; porém corno do
inesmo Rei l). ManocI fìcaruo mais duas precedentes linhas masculinas,
a do Infante D. Duarte, e a do Infante 0. Luiz; e do primeiro fic^rào
<luas fillias, primeira, D. Maria, que cason com Alexandre Farnezio l)n-
que de Panna; segunda, D. Calliarina, que casou no Reino com D. Joào
Duque de Uragaiiva: lambem estas duas Reaes casas se oppuzerào a Co-
roa vaga.
283 Mas porque o Infante D. Luis deixou filho varao, e aindaque
n3o era de legitimo matrimonio, era comludo verdadeiro neto d el-Rei
D. Manoel, e homem jà tao perfeito, que era Prior do Cralo em Porlu-
gal aonde estava, por isso tao grande parte de Portugal se alTeifCou
tanto a elle, que muitos Lugares, e Cidades o acclamarlo por seu Rei,
e nào pouca fìdalguia o seguìa, e logo mandou aviso é liha Terceira que
o acclamasse, e o fizesse acclamar em as mais dos Assores, comò abaiso
veremos, porém vindo brevemente seu primo irmao, Felippe II Rei de
Castella, com bum poderoso exercilo a Portugal, e fallando os mais dos
f ortuguezes ao seu naturai Rei, e deixanrto-o as terras quo o tinhao ac-
clamado, foi o «xercito do Rei D. Antonio tao vencido, e destruido pelo
dito seu primo Felippe li, que o Portuguez Rei foi obrigado a se valer
de Franca, e Inglaierra, para poder tornar a Portugal que iinha por
proprio Reino seu. E assim vamos agora ao successo da guerra que se
fez contra a Terceira, e ao que successo da guerra que se fez contra a
Terceira, e ao que succedeo em as mais Ilhas, recopilando o que larga,
^e confusamente conta o nosso Fructuoso, testimunha d'aquelle mesmo
tempo, e verdadeira, e outras RelaQoes d aquelie tempo.
286 No fim de Juiho de 1580, veio carta da Camera de Lisboa i
Camera de Angra, cofno tinhao acclamado Rei ao senhor D. Antonio, e
pedia 0 acclaniassem tambera, comò jà tinha feito Santarem em 19 de
Junho de 1580, e no ilm de JuIho do mesmo anno, e ainda de Lisboa
tittha mandado o dito Rei D. Antonio (diz Fnictuoso liv. 6, cap. 18,)
bum Antonio da Costa é liba Terceira, para nella o acclamarem por Rei
de Portugal, e passando pela liha de Sao Miguel, o deixou acclapado
niella, e cbegando & Uba Terceira, vendo està que flcava acclamado em
LIV. VI CAP. XXV lil
Porlugal, e que era varao, neto d el-Rei D. Manoel, e naturai do Roino^
comò a Rei Porluguez o accljimanio por seii Rei, e passando o- inesmo
Antonio da Cosla à liha dn Faial, para fa/er nella acclamar e mesmo
Rei, morreo dentro em oito dìas. Era o Bispo das Illias n'este tem|xj D.
Fedro de Castiiho ausente de Angra, e estava visitando a llha de Santa
Maria; e em Angra estava p<)r ('.orre^edor de todas as lllias o Doulor ('.y-
priano de Figiieiredo de Lemos, (jive |k)uco dopois foi feilo Governador
da Terceira por El-Rei l). Aniotiio, e passados assim muitos mezes, e
estando jà de posse da Coroa de Portugal Kelippe 11 de Castella, e o seu
competidor D. Antonio, ausente jà por Fran^m, o Inglaterra, depois de
vencido em Alcantara de Lisboa, avisuii esla enlào a Augra, que ]& tìnha
ac€itado por seu Rei. a Felippe, que o aceitasse tambem; e nunca quiz
Angra mudar do primeiro Rei jurado.
287 Ent3o em 20 de Abril do anno seguirjte de KSl, e por ordem
do dito Felippe sahio de Lisboa o Gah.'rio Sào Cliristovào, e nelle Am-
brosio de Aguiar Coutinbo com o titulo de Governador das Ilhas Tercei-
ras, e em direitura i Terceira, e com grandes poderes: era este fidalgo
filho de Pedro Alfonso de Aguiar, Proved(»r dos Armazens em Portugal,
e jà tiniia ido por Capitào m('>r de huma Armada à India, e com El-Rei
D. Sebastiào a Africa, d'onde veio resgatado, e governando Cetuval foi
prezo por El-Rei D. Aniunio, e na bataiha de Alcantara fìcou livre por
Felippe, e fcito Commendador da Ordem de Christo; este pois vindo agora
por Governador para a Terceira, e passando pelo Norte de Sao Miguel,
langou em a ponta dos Mosteìros a bum Thomé RodriguesTibao, veador
seu, que levasse a nova a Poma Delgada, de estar Felippe ]ià Rei de Por-
tugal, e d'este se ter saliido Ei-Rti 1). Antonio; e ainda queem Sao Mi-
guel, e especialmente em Villa Franca foi por muitos mui sentida està
nova, comtudo bastou ella para quasi toda Uba se mudar do Rei 0. An-
tonio para o Rei D. Felippe.
288 Continuando pois o Governador Ambrosio de Aguiar com seu
Gaieao, em demanda da Terceira, cbegando à vista de Angra mandou
aviso da parte d'el-Rei Felippe, declarando quem era, e a que vinba, e
que esperava reposta para poder entrar, e entrar as cartas de seu Rei.
Respondeo a Cidade que os do barco se voltassem logo para o Galeào,
e que este com o seu cbamado Governador se fosse logo dalli, e nao
parasse alli mais. Voltou logo o Governador para Sao Miguel, onde foi
beta rea'bido, e o Rei Felippe acclamado até pelos de Villa Franca, bem
142 WSTOniX INStTASA
coDtra sfaa vontade, estando }à em SSo Mìgael recolhido de Santa Maria
0 Bispo I). Pedro de CasUllio: cujo Arcediago Manoel Gon^alves, Gui-
dando fazer barn é Hha Terceira, por ser naturai d'ella, voltou a ella em
hum barco de remo, e con» novas cartas para o Gorregedor Govemador
de Angra, e para ontros: e chegando em 2 de Jnnho de 4581, foi pre-
so debaixo da Forfaleza o tal Imrco com ^ que vinhao n elle, e toman-
<]o-se-lhe os reinos, alli os tiverao otto dias presos, sem Ihes acudirem
oom cousa alguma, nein Ihes consentirem fallar cora gente da Uba, até
<]ue dando-lhes os remos, e as \idas, os deìxarao voltar a S. Miguel,
seih serem neni «inda ouvidos da Uba Yeroeira.
289 Nos seguintes dias nao faiia mais, o qne governava na Tercei-
ra, que sustentar a voz d el-Reì D. Antonio; e pelo contrario o que go-
Ternava em & Miguel, confìrmar sua nmdanca para el-Rei Felippe; e so
de mais tratava rada bum de por terceiras pessoas mandar raatar ao en-
tro, e nenbuma das mortes succ4?deo, e isto contra Fructuoso em entro
lugar liv. IV cap. 98, e taes erudicoes inette n'elle, e de materias diffe-
rentes di que hin bAStori^mdo, que jta^r nao conFundir o que tratamos,
« as nlo inetto, e so vou continuando com i Insttlani Acclaraaclo de
«l-Rei D. Antonio.
CAPITULO XXVI
Dasfrimeiras Annad^n ^ne investir&o a llha Terceira, e da fatai
batalha dm Armadas Reaee defroiUe de Sta Mignel.
890 firn 1581 conforme a Fructuoso no seti liv. 4, cap. 100 e ji
entrada a primavera, sahio do Porlo de Santa Maria D. Pedro Valdés
oom sele nàos grandes, e mil soldados n'ellas, fora multa Tidalguia, qoe
se embarcou, alrm da muìta mais gente de mar; e cbegando a 8. Mi-
guel que tinba a voz de Cistdla, com ordem do Go\^mador de S. Mi-
guel, 0 sobredito Agninr, Io%t)ii o Vatdés comsìgo a bum seu primo Jo3o
(cu Diogo) Valdés, Mestre de Campo, e grande Gavalleiro, e se foi com
a Armada sobre a Terceira, e tomando bum barco que vinha do Faial,
bum bomem do barco Ibe fez facii a entrada da liba, e o por onde a
entrarla; o que ouvindo o roestre de Campo persuadio ao primo Gene-
ral, que commettessem a llha, e nSo perdessem tao boa occasiao, e com
elTeito, em dia de Santiago, de madrugada lantanio em terra qnalro<en-
tos bomens bem annados com varias pe^as de artelbaria, em bum pos-
Liv. VI GAP. xnv Ì43
to, antes chamado Casa da salga, e ganhando outras pecas que da Ilha
alli eslavao, se puzerSo os Castelhanos a lan^ar fogo às poucas casns
d'aqnelle sUio, e a queimar as searas do Ingo que por alli havia, sem
podcrem os poucos lavradores resistir-lhes, mas so darem aviso i Villa
da Praia.
291 Vindo porém logo gente armnda da Villa, e lancando diante
aos Castelhanos muito gado para os perturbar, investirào com elles de
tal sorte, e com tal furia por verem quelmadas as searas do seu trigo,
que desbaratando os Castelhanos, nSo deixavao alguni que nao passas-
sem a espada, e vencidos, e mortos quasi tudos, iiein ainda aos que se
rendìao vivos, perdoavao, anles a D. Juao de Basan, sobriiibo do Mar-
quez de Santa Cruz, e a oulro sobrinho do Duque de Alva, que rendi-
dos Ihes pediao as vidas, os matarUo a sangue frio, e o mesnio fvieriìo
ao Mestre de Campo Valdés, e a muìta Rdalguia de Castella qne al!i vi-
nha; e nao so recobrarao a artelharia qoe o inimigo tinha tornado ao en*
trar na Ulta, mas tambem a que tinha trazido, e riqnìssimas armas com
que vinhao, e muito mais, e tudo o que tinhSo ròubado da terra, sem
iìcar pessoa que levasse nova às nàos do que passava ; o que vendo o
General Valdés, se levaotou com as suas sete ndos, e voltou a S3o Mi-
guel a descul par-se: os da terra dando logo a nova da batalha, e vi to-
na que tinhao conseguido, fizerao prociss3o em accSo de gra^as, e An-
gra, e toda a Ilha se preparou mais para o seguiate.
292 Em 0 principio 1(^0 de Agosto do mesmo anqo de 1584, che-
gon a SSo Miguel outra Armada de vinte e duas velas, de nàos grandes,
e galeoes, de que bum D. Lopo era o General, e tornando em SSo Mi-
guel, além do refresco, a bum Frade Franciscano, ehamado Fr. Fedro,
(GaardiSo que tinha sìdo em a Praia da Terceira, e em Ponta Delgada»
e Commissario das Ilhas) por imaginar que o tal Frade poderia reduzir
OS da Terceira é facc3o de Castella, levando-o se foi logo juntar com o
D. Fedro Valdés, que ainda andava janto i Terceira, e unìdos ambos
com as suas quasi trinta nàos de guerra, mandarSo barco à terra com o
dito Frade, e cartas de ambaixada; mas nem que o barco chegasse, con-
sentirao os da Terceira« e fugiodo o barco aos tiros se voltou para a Ar-
mada: e està bordeando cito dias em huma noite envestio a terra, e que-
rcndo lanc^r n'ella eiereito, foi tanta a artelharia, e mosquetaria, que a
terra disparou sobre os Castelhanos. que estes se retìrarSo logo sem por
pé em terra, e ambos os Generaes das Armadas se voltarao a Lisboa,
Uri HISTORIA IXSDLANA
aonde a D. Lopo foi muito loavado nao se arriscar mais; e o D. Fedro
Valdés foi senlenciad;> a cabeipa fora, por se ter havida eomo se houve,
e comUido ainda se llie perdoou depois, e se foi para as montanbas de
Oviedo sua patria, sera mais apparecer.
293 Nào se atrevendo tao cedo tornar à lite Terceira os Caslellw-
nos. listava ella constante pelo seu Rei D. Antonio, qaando em o prin-
cipio de Maio do anno de 15S2 cbegoa à liha de Sào Miguel huma i)^
quena Armada de seis velas, cujo Capitao mór era Fedro Peixoto da Sil-
va, que vinha no Galeao S. Christovao, com outra nao almirante, e tres
caravelas mais, e bum pataxo de a\isos, e tornando mais em Ponta Del-
gada duas uàos Inglezas que alli estavao, e da terra Dellas varia solda-
desca, appareoeo logo, sobre està, outra peqiiena Armada de Francezes,
que governava Monsieur Landroy, e emlìm i)elejando ambas, se aparla-
rao sem conhecida vitoria de huma à outra, e deixarao a terra coma do
antes, retirando-se os nataraes a ella, com aiguns mortos, e feridos ou-
tros, mas nào em numero consideravel, posto que Fructuoso cbame a
isto batalha, e com so isto descreva a Uba de Sao Miguel muito revolla.
294 N'este mesmo tempo, mas depois da dita peleja, chegarao tam-
bem a Sào Miguel quatro naos de Genova por parte de Castella, e por
Cabo d ellas D. Lourengo Cenoguera, que deixando ancorado ao dita
Pedro Peixolo, se recolbeo a Fortaleza, sugeito ao Governador Ambrosio
de Aguiar; porém morrendo este de naturai doenga, e com pouco mais
de bum anno ò^ governo, e em 5 de Julho de 1582 Ihe succedeo no
governo bum seu enteado, chamado Martim Alfonso de Melto, filho de
Jorge de Mello Coutinno, e de D. Joanna da Silva, e foi eleito pela liba,
e pelo Bispo D. Pedro de Castilho.
295 Eis que aos 14 e i5 do mesmo Julbo de 1582 ebegoa a Sao
Miguel huma grande Armada do acclamado Rei D. Antonio, que n'ella
vinha em pessoa, e em demanda da lUia Terceira, que tinba firme por
si, e de camiobo qneria segurar a Sào Miguel, em que bavja grandes
divisoes. Vinba na Armada por General do mar, e Condestavel o Exc^t-
lentissimo Conde eie Vimioso, do Portuguez sangue Real ; e por Gover-
nador, e Generai* da guerra que se offerecesse, o Francez Goude, e Ma-
ricbal Felippe Estrosse, que jà o tinba sido do Campo dei-Bei de Franca,
e Gonbecido era jà por celebre Governador de Armas : vinbào mais com
estes Principes outros muitos seohores, e Gdalgos de Franga, e de Por-
tugal ; e constava a Armada de ;iesseuta velas, de 6aie?k)5, e naos de
UV. VI GAP. XXVI IJl-S
guerra, e outras necessarias; e fora outra muita mais gente, trazia oito
mil tiojiiens de guerra, solclados quasi todos Francezes. Da Araiada veio
logo iì terra Eiiviado, requereudo se entregassem ein boa paz; e se res-
pondeo que estavao por Castella, e se haviao defender ; e acodio gente
da liha a defender a costa do Sul, cousa de mil e quinlientos homens,
mas sem terem na costa de Rosto de Cào rauralba alguina, nem artelha«
ria, mettendo-se sòmente em trinciìeiras de cavas feitas no areal, e pondo
vigias nos póstos de calbào mais altos.
2!l6 Em OS 15, 16, e 17 do dito Julho fazendo a Armada continuos
acometimenlos é Uba, e disparando sempre muita artilheria até causar a
gente da terra; emtìm ao meio dia dos 16 de Julbo, com dez lanchas,
cu galés, langou cousa de tres mil bomens em terra, em bum posto de
calbàus entre a Alagoa, e Rosto de Cao, e logo mais adentro se for-
màrào em tom de exercito e batalba, e sem nem a vigias com a fumala
OS verem, nera da terra se Ibes resistir mais do que fugirem i>ara o
sertau da Uba; e entao he que acudio da Cidade o Governador da liba
com gente da Forlaleza, e vendo jà em terra o inimigo, e com poder
tao superior se voltou logo para a sua Fortaleza; e dcsembarcou mais
DO mesmo posto a Real pessoa de U. Antonio com dous mil soldados
de sua guarda, e muita fldalguia, o que visto, os Francezes entrarao
pela Uba dentro saqueando lugares, e Villas, e dos que faziao alguma
resistencia matarao a duzentos, e alguns Francezes tambem morreiào,
e muìtos ficarao feridos; e so a grande Villa Franca ficou sem ser sa-
queada, nem ofTendida, por ter de antes mandado visitiu*, assira no mar
corno na terra, ao uovo Rei D. Antonio. Foi saqueada tarabem a Cidade .
de Ponta Delgada, mas nao a Igreja Matriz, que para o nao ser, Ibo
mandou o Rei por guardas; e dispondo elle jà render por armas a For-
taleza, succedeo de repente o seguinte.
297 Aos 21 de Julbo de 1582 teve aviso o Rei D. Antonio de vir
jà cliegando outra poderosa armada d'el-Rei de Castella, e querendo Ioga
oflerecer-lbe batalba, se embarcou na noite dos 21 para os 22 e doixa-
Tio os Francezes a Uba de S. Miguel, e todos os da liba, que tinbào
fugido para os raontes, voltarao para suas casas. Na Armada dei-Rei
D. Anl'.mio se resolveo que nao convinba que sua Real pessoa assistìsse
na batalba, e assira o obrigarào a retirar-se para a Uba Terceira, aonde
por bora o deixamos. A Armada Gastelbana tinlia sabido de Lisboa era
iO do mesrao Julbo com 28 uios de guerra, e por outras que atraz
VCL. II iO
146 HISTORIA INSULANA
d'ella vìerao, che^on a S. Mirael com quasi quarenta relas. Tira pi>
X08 de avisos. Vinha o'ella por General. o Marquez de Sanu Graz D. Ar
varo Basan, e por Mestre de Campo General II. Lopo de Figneira, e
muitos oiiiros senbores, e Gdalgos Castelhaoos, e por CapiUaia o Ga*
leao S. Martinho; e em loda a Amiada Castelbana vinhao seb od 1»
mens de peieja, fora a Tidalguia e ìnnameravel marinhagem, e ooutto^ia
nao foi admittida està Armada em Villa Franca, que eslava pdo seo Rei
D. Antonio.
298 Em 23 de Juiho se apresentirio bataiha as Annadas, com
igual valor, e espantoso lerror de quem as via; porém tres dias se arh
darao acometendo com surrìadas de tiros, sem Ihes permìttìr o temp)
cbegarem a formar bataiha; até que aos 26 do dito Julbo, dia de Santa
Anna, se travou com tal furia a bataiha, que se abalroaram os Gale&es,
Capìianias e Almirantes, e atracados batalharam por mais de dnoo boras
continuas, sem se ver mais que a desenfreada morte em loda a parte,
até morrerem da Armada Franceza o General Estrosse, o Coode deM-
mioso, e muitos outros senhores, e fidalgos, e da soldadesca mi! e du-
zentos homens, e alguns navios Francezes forio affundidos, muitos d»-
trocados, e os mais deixaram a bataiha, e se foram, sem poderem jà
seguil«os OS Castelhanos, porque d*estes a Armada ficou mnilo derro-
tada, e com muita gente morta; porem comò o seu General Sbninez de
Santa Cruz soube guardar sua pessoa na praga da artiiherìa, goveroaD-
do-a debaixo da cuberta; e o General Francez, e o Coode de Vimioso,
e outros similhantes senhores morreram, ficou emfim a vitorìa pelos
Castelhanos.
299 Isto em summa be, o que Fructuoso, testlmunha de visU. diz
d*esta bataiha naval no liv. 4, desde o cap. 401 até 104, mas deix' q
de dizer que està vitorìa nSo foi tanto de valor dos Castelhanos, quanto
da fugida e treiCSo de muitos navios Francezes, que n2o quizerao pele-
jar, e fugirao logo. Nos seguintes cap. 105 e 106 couu corno logo Villa
Franca se màndou entregar ao Marquez de Santa Cruz, e comò os na-
vios Francezes que escaparam, e bum pataxo dos que tinhSo ficado em
terra, se for3o para a Uba Terceira, e que deteodo-se, o victorìoso H ar-
quez tres dias ainda em o mar. mandou depois a Villa Franca sai Co*
vidor, gente de guerra e sentenza queem publicocadabiso se lesse, e n elle
se degolaria a trinta senhores, e fidalgos Francezes, por perturbadores
da paz cooslituida eatre Franca e Castella ; e de mai:» se enforcaram cin-
Liv, VI cAP. xxvn 147
coenta e tres Franc^zes de menos qaalidade. Logo em 8 de Agosto foi de
Ponta Delgada a Villa Fraoca o Bispo D. Pedro de Castilbo, e da Villa foi
ao mar visitar ao Marquez, e no mesmo dia desembarcoo o Marquez, e en-
trou na Villa com grande recebimento, e applauso» e o Bispo voltou para
a Cidade, e o Marquez se embarcoa, e chegando a Ponta Delgada foi n'ella
recebido com grande trianfo da Gidade e Fortaleza, e so a bum fidalgo,
Vereador de Villa Franca mandoa degollar, e outros colpados so con-
denou em penas menores.
300 Tendo sahido de Lisboa o Marqoez em 10 de Julbo, e fìcando-
Ihe là tres nàos de guerra, sahìrao estas aos 1 1 e com varios encontros dos
Francezes desappareceram jà perto de S. Miguel. Em 3 de Agosto che-
gou a Armada de Seviiha com dezaseis nàos de guerra, que vinhao aju-
dar ao Marqiiez; mas este tendo a viso que vinbSo nàos da India, em tal
aìlura as foi buscar, e trazendo-as a S. Miguel» d'ahi as remetteo a Lis*
Ixta com sele nàos em sua defeza, e n'ellas se foi de S. Miguel o Bispo
D. Pedro de Caslillio para Lisboa, e o Marquez deiiando em S. MiguiU
qnasi tres mil soldados de guarnicio, partio em 3 de Agosto com am-
bas as suas Armadas, e em tres dias se poz sobre a Uba Terceira; mas
està sem Tazer caso das cartas» e embaixadas do Marquez, e suas Ar-
madas, Ibe respondeo com tanta, e tSo forte artelbarìa» que o Marquez
(lesistio de tal eaipreza, e se voUou a Lisboa. E aqui com pouco mais,
e fora da bistorta» acaba Fructuoso o seu liv. 4» cap. 111.
CAPITOLO XXVII
De huma parcialidadc qne houve em Angra cantra o Senhor D. Anionio;
e da mone de kum fidalgo^ e perseguifdo corUra o Collegio da Cotnpa»
nhia de Angra.
301 Acclamado (comò vimos no cap. 25) o Senhor D. Antonio em
Rei de Portugal na Uba Terceira, e Gidade de Angra, nilo deixou de ba-
ver n'ella alguns, que mais inclinav3o ainda a Castella; d'està inclinacio
for3o algons fidalgos, e com occasiSo de haver jé quasi dous mezes que
Ihe faltav3o novas do novo Rei D. Antonio, e verem que qualquer nào
qne passava para Castella por alguma d'aqoellas Ilhas, dizendo-lbe que
estavio por Felippe, a tomavSo; juntos os ditos fidalgos assentar3o entre
si de sabirem todos a cavallo armados pela Cidade, e acdamarem a Fé-
t48 HISCORTA INSULANA
lippe II por seu Rei, e de Portugal; mas altercando f|iial d'elfes seria 9
que sahisse acclamando, para os outros o seguirem, resqlveram lan^ar
sortes, e n'eilas sabio Joao de Betencor e Vasconcellos, de cuja Kegia &-
dalgaia jd Tallàmos no cap. 21 dos Betencores, e cap. "Hi dos Vascon- '
cellos; e o animoso fldalgo aceitou a sorte, e prootellea sabir em dia de
N. Senhora da Natividade, 8 de Septembro de 1580.
302 Chegado o dito dia, pnmiplissimo o fidalgo cavatgon armado,
e brandindo buma tan^^ (por mais qne sen filho morgailo Vital de Be-
tencor eVasconcellos Ihe quiz impedirà sahida) sabio comludo p4?lasruas
da Cidade, dizendo em aita voz, Viva El-Rei Dom Ftlippe^ e qnem o contra-
rio disser, morra: e sem haver dos da jnnta feila quera sahisse, e o se-
guisse, cbegou diante do Corregedor, jà Governador. laticando as raesmas
Yozes, e acclamagoes de Filippe, e junto ]a mtilto pwo, clamando, Morra
0 traidor, o prendeo, e com stia guarda o livrou de o povo o mai3r
alli logo, e 0 ievou e metleo na cadeo da Cidade: à vista do que os de
antes conjurados se retirérao aos morrtes, quintas suas, e o prezo se fi-
cou em cadea, sem nera detta pertender sabir, nem jàmai* dar em al-
gum dos outros, mas fazendo tat vida na cadea, e tao conforme com os
preceitos Divinos, que estando perto de dous annos prezo, nem palavra
nem obra sabio d'elle, que cbeirasse a peccado, ainda leve.
303 Tinba jà El-Rei D. Antonio posto em Àngra Relacacv sua so^
bre todas as Ilhas, que constava de quatro Deputados, e bum Presidente;
esle era o Corregedor e Governador Cypriano de Figueiredo; os Depu-
tados er5o Joao Gonfalves Correa, Balthezar Alvarez Ramires, Domin-
gos Pinbeiro, e Domingos Louzel, e em oito mezes sei>tenci»*am o fi-
dalgo prezo a morrer degollado; mas dilatou-se a execugào, até qtie eih
trou em Angra o Conde Manòel da Silva emFevereiro do anno de 1582
com OS poderes do dito Rei D. Antonio sobre todas as Iltias. Mas o dìlo
Conde, para cobonestar mais estas execucoes de justica, levantou em
Angra, com os Reaes poderes que trazia, levaoitou Casa da Supplicarlo
do Civel e. Crime, e sobre està levantou outra mesa de Desembargado-
res do Paco; e tambem outra Mesa, cbamada da Consciencia; creou Cb.in-
celler mór; fez escrivaes, e Meirinbos da Corte, e Procurador do Fisco;
e poz Presidentes em cada bum dos ditos Tribunaes; e o era da \tes^
da Consciencia bum Religioso de Santo Agostinho, e nutro da mesraaOr-
dem era Deputado; e demaìs entravao nos ditos Trilìnnnes o Reverendo
Vigario da Goncei^ùo, o Tbesoureiro mór da Sé^ e aiguns Lctrados Ju-
uv. VI CAP. xxvn 149
rjstas, dos muitos que entao havia; e a outros deixou de fora, por os
imaginar suspeitos ao seu Rei D. ADtonio> e a todos os ditos Tribunaes
assìQOu casas, e dias de despacho na fórma da Ordenagao Real. Poréra
0 TioverDador Cvpriano de Fìgueiredo, vendo tao excessivos. e execu-
tados poderes, e as desordens do dito Gonde, suspendeo-se de mandar
cousa algumn, até que chegou o mesmo Rei D. Antonio.
304 E porque as ditas Ilhas havia pouco dinheiro, e era necessa-
rio multo para o soldo dos militares, e gastos das fortificacoes, inven-
tou 0 dito Conde Casa Real de Moeda, e a collocou no pateo de Hospi-
tal da Cidade, com Ministros, e oflìciaes peritos ; e fabricando ao princi-
pio moeda de prata, ouro, e cobre, a levantou loda em dobro, as de ou-
ro de qninhentos reis subio a mil r%is; as de mil rèis a dous; as de prata
de cruzado a doHs cruEados, as de tosiao a dous tosfòes, as de vinlem
a dous vintens, e assìm as mais de cobre. Chegou pois o dito Conde a ir
em i)essoa pelas ruas, e pelas casas com muitos nobres da terra a pedir
ouro e prata para a moeda, e pam sustentarem ao seu Rei D. Antonio,
e d'està sorte recolheo grande numero de cadeas de ouro» de aneis, de
jnias, e de pecas de prata, e se ree^Iheo com tudo; e com muito am-
bar, que tambem (he ofTerecerSo, e de tudo nao appareceo cousa al-
gnma em a casa da moeda; e chegou a insoleocia do tal Conde a tanto,
que sgm sentenza de Juizes dava tormentos, e intoleraveis, e até a ho-
inens nobres; e ainda nos costumes procedia escandalosamente.
305 Ainda que o sobredito n'estes dous paragraphos acima nSo traz
0 Doutor Frucluoso, por Ihe nao chegar là a S, Miguel, consta comtudo
de huma Relac^o manuscripta em caderno de quarto, de quasi de bum
cento de quarlos de papel, e composta por huma testimunha de vista
secular, que em Angra vio, e apontou tudo, e viveo ainda até o anno de
1GH e tenho a tal Rela^ao em meu poder, e por verdadeira e muitus
vezes a sigo e seguirei ainda. E logo em Mar^ de 1582, na quarta feira a
tarde, maridou executar a sentenza, e com gente Franceza de guerra,
posta por todas as ruas da Cidade, e tendo sido mandados sahir d'ella
todos OS parentes do condemnado, foi este degoUado em cadafalso pu-
blico, e com tal valor do padecente, que nem pés» nem m3os, nem corpo
consentio lite alassem, mas com grande animo deo elle mesmo a ca-
bota ao tallio, e com tal conformidade com a disposi^So Divina, e com
tao Catholicos, e pios actos d'aqnella bora, que todos se persuadirao,
porque aquelies meios o tinha Deos predestinado; e à boca da noite foi
iSO HISTORIA INSULANA
a enterrar à Misericordia com grande, e nobre acompanhamonto. E depois
£i-Rei Filippo fez é viava, e ao fìllio morgado grandes mercés de babitos,
tencas, etc.
306 D*este tragico successo tomou o dinbo occasiao (corno costu-
ma) para metter em cebega ao povo de Angra, que o fidaljro morto fo-
ra persuadido a acclamar a el-Rei Felippe por conselbo dos Padres da
Companbia d'aquelle Collegio, por saberem todos que o dito fìdalgo ti-
nba sido em mogo menos ajuslado. e tratado so de cavallarìas, corno
('.apilao de cavallos que era, e depois de tratar com os f'adres, e se acoQ-
selhar com elles, se ter totalmente mudado. e feilo vida, mais de Reli-
gioso, que de Cavalleiro leigo: por estes fundaraenlos impoz o povo le-
liierariamente aos Padres que erào Jii Tacgào dei-Rei Felip|)e, e oào da
dei-Rei D. Antonio, e a este Ih o escreverao logo assim: e ix)r mais que
todos OS ditos Padres depuzerao, e jnrarao o contrario, ainda assim, em
quanto nao vinha resolu^ao d*el-Rei D. Anlonio, confiscarào as rendas do
Collegio, e OS bens moveis d'elle, prohibirDo-lhes dizer Missa, fecharao-
llies as portas, até da Igreja, com travessas. e Terrolhos, e as janellas Ibe
taparao de pedra, e cai, e so às quartas feiras Ibes deitavao algum co-
rner, e tudo isto se fazia por roilitares Francezes; e assim estivorao os
Padres entaipados mais de bum anno, desde Julbo de I08I até Julbo
de 82.
307 Tao Talsa temerìdade demonstrou 0 Ceo com casos maravilho-
sos; porque cbegando bum zeloso a afrontar de palavra com graves con-
tumelias ao Padre Reitor do Collegio, em voltando para sua casaselhe
poz a bocca é orelba, e esteve muito tempo sem poder fallar com gra-
vissimo accidente, e depois desterrado por el-Rei Felippe acabou mal em
terras alheas: outro indo governando buma soldailesca de mosquetaria,
e vendo a bum Padre do Collegio poz a pontaria n elle com bum arca-
buz, e 0 Religioso se escondeo, porém outro disparando-lhe bum tiro,
a si proprio se tirou bum de seus olbos. E outros similbantes casos sue-
cederao, quando depois os Padres forào mandados embarcar, e a rapa-
zia Ibes atirava pedradas, e com apupadas Ibes diziuo miiitas contume-
lias, 0 que tudo deixo; porque assim corno permìttio Deos que aquelle
iidalgo Jo3o de Betencor se persuadisse fazer grande servilo a Deos em
acclamar Rei a Felippe li para por este occulto Divino jnizo salvar ao
fìdalgo: assim tambem permittio que se levantnsse tal aleive àquelles Re-
Iigi:)Sos, para os provar mais na paciencìa, e Ib'a apremiar depois.
Liv. VI GAP. xxvni IfJl
308 Chegndo de S3o Miguel El-Rei D. Antonio a liha Tercoira em
« firn de Juiho do anno de 1682, mandou logo desentaipar os Padres,
e depois de oiilras resolucoes tomadas, e nao exerutadas, mal inforina-
do manduii metter os Padres em diias nàos grandes com outrn gente, e
leval-os todos a Inglaterra, a cinco em cada nào, por serem os Padres
<ì»^7. A n-^o em que Illa o Padre Reitor do Collegio Estevào Dias, e o Pa-
«Ire André (ìonfalves Lente de casos, chegou ao porìo de Antona em In-
fr!al(»rra, e forào recolliidos, e curados pelo Embaixador de Castella D.
l^emardino de Mendo^a; e o Padre André Gongiilves morreo em Londres
di»s trahaihos padecidos, e nào so com todos os Sacramenlos. mas com
iMorfe exemplar de grande Ueligioso: os outros Padres da mesina nào
virrào de Inglaterra a Lisboa, aonde depois morreo tambem o Padre Rei-
tor Estevao Dias. Na oiilra nào hiào os outros cinco Padres, de que era
Sii|>erior o Padre Pedro Freire, e jà junto a Inglalerra forào bildeado s
CMu diias Urcas, e lan^ados no Reino do Algarve, d'onde passarlo a Lis-
iMia. 0 (Collegio de Angra, e todo o scu movel deo o mesiiio Rei D. An-
tonif» a outros Religiosos, que comsigo trazia, e nos aposentos do (Col-
legio se fez pouco depois enfermaria de Francezes, e Armazem de mu-
iiif;5es db guerra. Està he a substancia das ditas duas Iragedias, que o
Doulor Frucluoso traz mais largamente, em diversa parte, no seu iiv. 6,
t:ap. IC, 17, e 18.
CAPITULO XXVIII
Da chegada, recebimento, e assistencia do Senhor D. Antonio
uà Itha Terceira, e de sua parlida para Franca.
309 Deixando (comò jà vimos) el-Rei D. Antonio sua Armada de-
fronte de Sào Miguel para dar batalha à Armada de Castella, se recolheo
à Uba Terceira em 26 de JuIho do anno de 1582, e enlrou no porto da
Villa de Sao Sebastiao, acompanhado de mil homens de pé, e de caval-
lo: e recusando o recebimento solemne que logo a Villa Ihe queria fazert
e ouvindo Mìssa na sua Matriz, se foi por terra com a dita sua guarda
para a Cidade de Angra, duas legoas distante, e parou antes da Cidade
em bum posto, a que chamavao o Ajuntamento, por virem alli jà beijar-
llie a mào os da Cidade, e ebegando em primeiro lugar o Governador
Cypriano de Pigueiredo, o Rei o abracou, e o poz à sua mao direila, e
ao Conde de Torres Vedras Manoei da Silva o poz à esquerda; e de ca-
IS2 HISTORIA INSULANA
da'hum que hìa chegando pergnntava que horoem era o qoe vinha: e se
0 dito Figueiredo respondia que se chamava N. e N. e era muilo do ser-
vilo de S. Magestade, o Rei o recebia com muito bom agrado e bene-
volencia: mas nao conseotìa que alguni o abracasse, nera ainda pelos pés,
0 S() Ihe langava o braco pelo pescoQo: se poréra de algnm dizia o Fi-
gueiredo, qne era bomem multo rìco. mas que Ihe nSo sabia o nome, o
Rei lego 0 mandava retirar, e o nao recebia; e assira fez (diz Fractuo-
so) a hura grande, e rauìto rico fidalgo, chamado Rui Dias de Sao Paio,
a qnem nao adraittio, e mandou para traz, sendo que a dous negros do
fidalgo, por se Ihe dizer que erao seus servidores, o Rei os abracou, e
Ihes fez a honra, que nao fez ao senhor dos escravos; e d'està distinccào
usou com todos os mais.
310 Chegou logo loda a milicia da Ordenan^a da Cidade, e raais Vil-
las da Ilha, e a gente de guerra paga, e a todos raostrou grande bene-
volencia, e chegando com elles jnnlo às portas da Cidade, que chamao
de Sao Bento, alli na Parochial do Santo Ihe sahio o Senado a recebel-o
c^m magnifica, e Real solemnidade, e alli Ihe fez a falla bum Religioso
chamado Frei Antonio Merens, qne jà tinha ido, e rindo de Franga com
avisos da Ilha, e do Rei era jà bera conherJdo, e era filho da mcsma Ci-
dade, e de buina das familias mais nobres d'ella; e o Rei com poucas
palavras, mas com muito agrado aceitou a falla, e entrando logo na Cida-
de, se foi recolher no Convento de S3o Francisco, e pela c^rca dos Fra-
des se passou no dia seguinte para os Pacos do Capitao Donatario ria
IHia, que eslavSo regiamente preparados, e oito dias esteve rec^lhido sem
sahir de casa, era sìnal de lucto pela morte do Conde de Viraioso, seo
parente, e de seu General da Àrraada o Conde Estrosse.
3H Passados os oito dias de lucto, sahio o Rei com muitos senho-
res a cavallo, e todas suas familias diante, e foi visitar a D. Violante do
Canto e Silva, filha unica, e morgada d'aquelle grande fidalgo Jo3o da
Silva do Canto, de quem jé fallamos lai^araente; e tendo ficado està se-
nhora de seus jà defuntos pais cora mais de cera rail cruzados de sen,
tudo era pouco para gastar era servìfo do dito Rei, e assira Ihe tinha es-
ento, e oflerecido por vezes, e o mesmo Rei por carlas suas Ih'o tinha
agmdecido. Em tao Regia visita se houve a dita fidalga com tal come-
dìmento, prudencia, e grandeza, que aos que assistilo parecia hnma so-
berana Rainha, e n3o cessava de ofFerecer toda sua riqueza ao servilo do
Rei, e pedir-lhe instantemaite a acceitasse, e dlspuzesse de toda; o Rei
Liv. VI GAP. xxvni 133
porem agradecendo-lhe o muito qne ella o tinha sen'ido, accresconlou,
qoe por mercé de Deos nao necessitava de suas riquezns, e so dcsejava
fazer-lhe muitas merc^s, e huma grande senhora em seu Beino, o (ìcar
sendo seu pai, visto o nao tinha jà, e com isto se sahio o Rei desta vi-
sita.
312 Sahindo d'aqni el-Rei foi ver a Alfandega, e a Armada, qiie es-
tava no porto, e correo as ruas da Cidade que estavào ricainenlo arma-
das, levando comsigo sempre a sua guarda de quinhentos Archciros, e
Mosqueteiros, e se recolheo ao seu pafo, e ao oulro dia (scm se saber
que saliia) foi com o Governador, e o Conde, e pouco mais, a N. Senho-
ra dos Remedios, Ermida fundada por Antonio Pires do Canto, tio pa-
terno da sobredita D. Violante do Canto, e ouvida alli Missa, foi visitar
0 Convento da Esperanfa, de Freiras Franciscanas, e de muito servilo
do Rei, e tornando para o seu Paco nao sahio mais d'elle nos dozo dias
seguiates, com o sentimento da batalha perdida defronte de S. Miguel.
E porque so a Cidade de Angra he comò a cabeca de todas as IJlias, (diz
Fruttuoso liv. 6 cap. 22) sahio entào a visitar a liha toda, e todas suas
Fortalezas.
313 Em primeiro lugar foi visitar a Villa de Sao Sebastiao, por ser
a primeira Villa que houve n aquella liha, e em especial o posto aonde
tinha vencido, e morto a tantos Castelhanos, e da nobreza da Villa (que
tinha multa) foi magnificamente recebido; d'ahi foi adiante huma legoa
à Villa (la Praia, que he povo muito maior, e de multa mais nobreza,
que 0 veio esperar muito fora da Villa; e o Senado da Camera, e Cle-
resia o recebeo à porla do muro da Villa, e tendo-lhe preparado nella
Regio aposento, nùo quiz o Rei ir para elle, e se foi hospedar em S.
Francisco, aonde passou a noite com a sua Real guarda ao redor do Con-
vento; e de manha ouvida Missa correo as ruas da Villa, que todas esta-
v3o armadas de ricas sedas, e visìtou as Freiras de Jesus, e logo ns do
Convento das Chagas, e depois as^do Convento da Luz; e em todos es-
tes CoDventos achou muitas Religiosas de grande qualidade, o grandes
ten^as; e a tres naturaes de Lisboa, filhas de Pedro Ponce de Leào, Vea-
dor mór da Rainha D. Catharina, mulher d'el-Rei D. Joao III. porém cm
bum d'estes nao consentio the apparecessem diante oito Religiosas> que
sabia serem da fac^ào de Castella.
314 D'aqui se vollou para a Cidade, tres legoas, na qnal em che-
gando mandou dobrar o valor à moeda, com so Ihe poi*em huma cor nas
iS4 HISTORIA INSULANA
criizes. Mas lie de notar, que tendo vindo coni nàos suas. e acompanha-
do ao mesmo liei D. Antonio, hum rico Castelliano chamado Duarte de
Castro, Gomtndo trazia ordida comsigo hirma treicào para matar, cu le-
var prezo a Cnstella ao dito Rei com quein vinlia: e Uuin capitao Fran-
cez, chamado Carlos, reparoii nesta treicào, ({ue o Castelhano queria
executar em An^^ra, e descubrindo-a logo, foi prezo o Duarte de Castro,
e por mais diligencias qne se fizerao, nunca se pode saber de algam ou-
tro cumplice de lai treigào que houvesse na dita liha Terceira; e assim
so 0 dito iMmrte foi prezo, sent(;nciado, e degollado no pelourinho de
Angra, e os bens que tinha, forào conlìscados para a Coroa.
315 Chegados os 15 de Oulubro de 1382 foi o Rei D. Antonio co«-
fessai-se, e commuugar a S. I^Yancisco, e dalli a despedir-se de No^sa
Senliora da Couceìg.^o, Igreja que novamente se fazìa entào, e Ihe deo de
esmola qiiinhenfos cruza.los para se acabar, e d ahi tornou a visitar a
1). Violante do Canio e Silva, e ao Convento de Freiras da Esper^t***! ^
tornando logo oilocenlos liomens das Ilhas, e oilenla mais dps nobres
que mal o tinliào servido, e tornando mais comsigo todos os Frana*zes
que trouxera, de repente se embarcou eui huma Armada de quarenta
Vflas: mas logo Ihe sobreveio tal tormenta, e tempestade, que desgar-
rando-se muilos navios, huns forao dar em Lisboa, outros em Franga, e
oi.tros em In^^lalirra: e so com vinte nàos se tornou o Rei a recolherà
liha Terceira em o lim de Oiitubro: e enlao deixando em Angra os oi"
toientos homens que levava das Ilhas, e tornando a levar comsigo os
outros oitenta, que Ihe tinhao delatado de ir.confìdenìes, se embarcou
segunda vez com vinte e nove velas no firn de Noveuìbro: e dos oiteota
delatados morrerào por là trinta e sete de suas doengas, e contra osou-
tros se nfio procedeo: e o dito Rèi D. Antonio foi bem recebido em
Franca: e mandon logo à Tarceira a Monsieur Lanxara com mil e qui-
lihentos homens de guerra, municóes e artelharia, e oitenta fidalgos Frao-
cezes.
316 A este Senhor D. Antonio chamamos algumas vezes Rei, mas
nao, senao depois de acclamado em Lisboa, Porto, Aveiro, Santarelli.
Cetuval, e no melhor de Portugal; e nas nove Ilhas Terceiras, que coos-
tituem hum bom, e grande Reino, aonde rdi) tumultuariamente, (coma
alguns disserao) mas com toda a solemnìdade foi acclamado, e sasteota-
do Rei, comò unica varonia do Senhor Rei D. .Manoel. Que desceoden-
da Qcasse deste Senhor D. Aatonio ? Muìlus dizem» que casoa em OUuda
UV. VI GAP. XXIX 455
com a Princesa Emilia de Nassào, filha de Guilhelme Principe de Oran-
je, e da Princesa Anna de Saxonia, fìlha unica do Eleitor Dii<|ue de Sa-
xonla : e qiie do tal matrimonio nasceo l>. Luis de Portugnl, (a qnem
Felippe IV por servifos feitos em Flandres fez Maniuez de Trancoso:)
casou este 6. Luis com D. Anna Maria Capechi Galiola, filha de Joàa
Baptista Capechi, e de D. Diana de Spineto, Principes de Monte Leào
em Napoies; e dos taes bisnetos do Senhor D. Antonio nascerao D. Ma-
n<>el Eugenio de Portugal. e D. Fernando Alexandre, que no sìtio de
Recroi foi famoso, e fello Conde de Sindiin, Villa em Porlugal; e a hum
d'estes dous irmaos mandou El-Kei D. Joào IV assistir na Dieta deMuns-
ter. Isto 0 que se diz, Fides sU penes Aulhores.
CAPITOLO XXIX
Da ultima Armada^ e hatalha, que Castella deo à llha Terceira,
e a rendeo,
317 Depois de vencida a balaiha, e llha de Suo Miguel em 26 de
Jullio de 1582, e depois de vir o Marquez de Santa Cruz com maior po-
der, e duas Armadas juntas sobre a llha Terceira no fhn de Agosto, e
Dio podendo lancar gente em a llha pela muita, e grossa artelharia com
que de loda a parte o rebateo, e voltando a Lisboa no principio deSep-
tembro, quasi bum anno em Portugal, e em toda Castella se gastou em
preparar nova e maior Armada, e muita mais gente de guerra, para a
fatai conquista da Terceira, até que em 23 de Juiho de i583 partio de
Lisboa 0 dito Marquez de Santa Cruz com huma Armada de noventa e
sete velas, nas quaes vinhao cinco Galeoes, trinta nàos grandes. e gros-
sas, doze galés, e duas galeagas, quinze zabras, doze pataxos, quatorze
caravelas, e sete barcas grandes ; e soidados infantes vinh3o nove mil
Castelhanos, AlemSes, Italianos, e Portuguezes; e de mais quasi quatro
mil bomens de mar» e cincoenta fìdalgos conbecidos: e de toda està Ar-
mada era o General o dito Marquez de Santa Cruz: dos Alemàes era seu
Cabo bum Conde D. Hieronymo do Lodrom, dqs Italianos Luis de Pi-
nliateli ; dos mais er3o Mestres de Campo, D. Lopo de Figueiroa, D.
Francisco de Bovadilba, D. Joào de Sandoval, D. Feliz de Aragao, e
muitos outros.
318 Com tao grande Armada, e tanta gente de guerra se animoa
136 HISTORIA INSULANÀ
o Mnrqnez a voltar jà sobre a Ilha Terceira, e vindo aìnda pela de Sao
Miguel, qne jà se tìnha passado a Castella, e mais da dita Ilha al^»ma
gente, chegou A Tcrreira em 24 de Julho de 1583, e se poz sobre a
praia da Villa de Sào Si^basliào as nove lioras do dia, e sondo logo re-
balido de milita, e grossa artelharia, qne em varios Fortes tinha alli a
Ilha, mandou entào o Marqnez holalim com perdào de vidas, e fazendas»
e de dar navios aos eslrangciros para se emharcarem, e sahirem com
snas armas, bandeiras, e tamhores : e a reposta unica foi milita artelha-
ria sobre a Armada. Vendo isto o Marquez comegou logo com toda a
Armada dividida a fazer continuos acometimentos por muitos, e mai di-
versos póstos da Ilha, a firn de dividir, e ransar a gente d'ella; e ulti-
mamente pnr huma enseada, aonde chamavao a Casa das inós, diias le-
goas da Cidade, e hnma da Villa da Praia, commetteo a terra o Marqnez
com as galés, e barcas grandes, e com morte de muitos, pelos rcpetidos
tiros dos Fortes da terra, poz n'ella emlim quatro mil, e quinhentos ho-
mens de guerra, e alraz d'elles multa mais gente, e formou exercito em
terra com seis pefas de campanha, e enveslindo logo à escala os Fortes
que alli havia, a hum so rendeo, e acabou de formar o seu exercito, com
muitas mais mortos suas.
319 Feito isto em hnma ter^a feira 20 de Julho de 1583, sahìrao
OS da Ilha com exercito Tormado de nove mil homens de guerra, e cito
pefas de campanha, dos quaos erào mil e quinhentos Francezes, a qud
governava Monsieur de Xatres, primo irmao do Duque de IJl. N. cunhado
dei-Rei de Franga: e lodo o mais dia até a noite esliverao sempre pele-
jando as vanguardas de ambos os exercitos com perda, e mortandade
igual de parte a parte. Mettida a noite, e vendo bem o Marqnez o pe-
rigo que havia, tornou a mandar bolatim, oiTerecendo ainda os mesmos
partidos que de antes tinha olTerecido: e nSo fazendo d'isso caso algura
o exercito da Ilha, se prepararlo ambos para a bataiha do dia segaìnte.
320 N'este dia, quarta feirà 27 de Julho, tendo o exercito da Ilha
fello vir mil vacas, e levando-as na vanguarda, commetteo logo, e pri-
meiro ao exercito inimigo: porém este abrindo-se, e dando higaràs vac-
cas, e tornando-se logo a fechar, se travou tal bataiha entre ambos, qne
depois de muitas horas d'ella, e de grande mortandade de parte a parie
foi ganhada a artelharia do exercito da Ilha, e tao carrcgado este com
ella, que primeiro que todos se puzerào em fiigida os Francezes. e Ingo
o Conde Manoel da Silva com oulros Inglezes; e flcando sós os Porlu-
i
LIV. YI CAP. XXIX ÌSt
giiezos ila lilla, morto o seii General, e sohrinlio do dito Condc, se reli-^
rarao eiUào os Portuinuv.es a [\}v cobro ein siias casas, e lìcoii desi^m-
parada a Villa de Sao Sebaitìào, entro a cjual, e o mar se linlia dado a
batalha.
oìl Lcmbrados os Castelhanos dos milito^ qne n'nqiiella Villa Ihes
linhao morta, nao acharido jà gente n'ella, se vinfjarào em saqucal'a
cruelmenle, mas com amhicHo maior do snco da Cidade formados nutra
vez com seu exercito, marcliarào para a Cidade, e enlrando-a sem re-
sistencia, por jà delia se ter aiisentado a gente para o sertào da liha,
derao saco à Cidade por tres dias; primeiro os soldados, logo os mari-
nheìros, e ultimamente aie os Turcos, e cnnaiha qiie vinlia nas galés, e
esles ató os ferrolhos das portas arrancavao, nao arcando jà mais que
levar, por ludo os moradores terem relirado comsigo para os montes.
No porlo de Àngra acharào ainda, e tomarào quinze navios, qnatro Ga-
leoes, cinco caravelas, e outros baixeis, e noventa e Imma pecas de
bronze, e ferro, no Castello de Sao Sebastiao sete pefas ainda de bron-
za, e oito de ferro, e por todas dos Fortes da terra trezentas e buma
pecas de bronze, e ferro. Mandou enlào o MiH-quez langar bando |)ela
Uba, que a todos os naturaes se perdoava a morte, que podiao vir viver
a suas casas, e governar suas fazendas ; porém vindo alguns pouco a
pouco, 0 Auditor geral de guerra hiai procedendo, e prendendo aos que
tioha por culpados.
322 Os Trancezes e mais estrangeiros, que tinham fugido da bata^
Iha; e o Conde de Torres Vedras, em lugar de se recolherem a Cidade,
e se fortificarem n'elia em algum Castello, ou posto bom, com tanta ar-
telharia corno a Cidade tinlia, forào-se metter no Sertam da Agualvay
de Nossa Senhora de Guadalupe, e no posto dos nnoinhps se fizerào
fortes até tres de Agosto do mesmo anno, em que se entregarao, lar*
gando todas as armas, excepto a espada; mas Ingo foi apanhadò^ e prezo
o sobredito Conde Manuel da Sìha, cujo firn veremos logo; e de tudo
atéqui be testimunba d'aquelle tempo o Doutor Fructuoso liv. 6, até o
cap. 7.
323 Porém a maior verdtade be, (conforme a outraRela^^ao de qnem,
testimunba de vista, ba mais de 130 annos o deixou assim escrito) a
verdade be que o dito Conde de Torres Vedras, Manuel da Silva, nao
so foi a causa dos maiores tumultos, e desgostos da Uba Terceìra, ])or
CGcaodo com o absoiuto governo d'olla) nào tornar couselbo coai pessoa
158 HISTORtA INStLANA
algiiraa, e so se governar por sua cabe^a, iratando-se corno Rei em tndo,
e mandando por hum Manuel Serradas Camello (da Ilha da Madeira)
com Armada de dez vplas, do Portngtiezes. Inglezes e Francezes dentro,
a tornar es navios que enconlrassem de Castella; e a reduzir, cu sa-
quear a Ilha de Cabo Verde, corno com effeito fizerao e saquearam, e
Irouxeram ludo ao Conde é Terceira, e este n'ella, por meio de hum
Amador Vieira, de fora da Ilha, prender a muitos moradores d'ella, e
OS por a crucis tormenlos, e querel-os dar a hum Cidadio mui nobre,
e muito veiho, por nome Alvaro Pereira, e consentir a setecenlos Fran-
cezes, e Inglezes qne tinha em Angra, e a mi! e trezentos Francezes
que vierao de mais em Junho de i583 consentir-lhes inexplicaveis rou-
bos, insolencias, e uiotins uà terra, com que a Cidade se vigiava, e tra-
zìa sempre grandes contendas coutra todos elles; e em nada o Conde
im|)edia aos estnmgeiros. Nào so pois era tiio grande a insolencia do Conde,
mas retata a citada [teia^ao cop. 81 que elle foi a causa toda de ser ren-
dida està (Iha por Castella, e foi elle e nao ella, o que a entregou. Por-
que primeiramente tendo aviso do grande poder que vinha de Castella,
foi se à Villa da Praia, e assistindo elle a obra, fez huma caravela tSo
perieita, com tal arte, e t3o ligeira dizendo ser para avisos repentinos,
que iogo houve quem disse, que era para elle fugir, e deixar a Uba ao
ìnimigo, e sabendo-o elle mandou adontar ao pobre homem, ecom huma
mordala na boca pregar-lhe huma mào no pelourinho, onde esteve
duas horas ; mas o certo he, que chegando ao dito Conde cartas d'el-
Rei de Castella pap o dito Rei D. Antonio seu primo, em que Ihe off&-
recia bons partidos, o Conde as guardou comsigo, abrindo-as, e tendo*
as, e nao as mandando a quem viuhao; e tendo por vezes cartas do che*
gado Marquez de Santa Cruz, com partidos excellentes para elle, e para
a Ilha, nem desta deo parte ; e eslando ju em t^rra o inimigo con
quasi quatorze mil homens, (diz est'outra Relacao) e os nossos jà de-
fronte d'elle com quasi nove mil, e quatrocentos de cavallo, equereodo
por duas vezes dar bataiha ao inimigo, o Conde os impedio, até qoe
chegou a noite, e ent3o o mesmo Conde ordenou secretamentc a Fran-
cezes, e Inglezes que fugissem, e prìmeiro que todos o fez elle, dei-
xando os Portuguezes, os quaes vendo a treic3o do Conde, e estrangei-
ros, e muitos dos Portuguezes mortos, e morto seu General, retirando-
se forào recolher a riqueza de suas casas; e ficou vencedor o Castelliano,
fiao tanto do Portuguez e Ilha, quanto do inflel Conde, e seus estrao-
LIV. VI CAP. XXX 159
geìros, qne erao quasi tres mil; mas o Conde o pagon na mesma Ilha
com a cabefa, qne nem Ihe deixarao ir a caravela que tinha preparada
para fugir n'ella. Atéqui a dita Relacao, o mais veremos logo.
CAPITOLO XXX
Do mais que succedeo em a Terceira, e Ilhas annexas; e da ida a Castella
e Portngalf e casamento de D, Violante do Canto e Silm.
324 Conquislada a Terceira pelo Marquez de Santa Cruz, mandou
este logo a D. Pedro de Toledo, Marquez de Villa Franca, e Ouque de
Femaodina, a reduzir a Ilha do Jaial ; para o qne liie deo doze galés,
qnatro pataxos« dezaseis pinassas, e oiitras barcas gtandes; e com D.
Pedro de Tole&o hiam mais aiguns homens da Illia de S. Miguel, corno
Manoel Cordeiro de S. Paio, Cavalleiro do habito de Christo, e Juiz do
mar e outros, e mil e quinhentos homens de guerra: chegada està Ar-
mada a Ilha do Pico, sahio logo d'ella o seu Capitao mór, e juntamente
Juiz n'aquelle auno, e o seu Escrivio da Camera, e em bum batel forSo
logo render obediencia ao Marquez, e a Castella; o que sabendo a gente
da tf^rra, em os dous voltando os mataram logo; e a mesma obedien-
cia reiìdco tambem a Ilha de S. Jorge. Porém corno a Ilha do Faìal ti-
nha presidio Francez de quinhentos soldados, cujo Càbo era o CapitSo
Carlos; e tinha mais militares da terra govemados por bum Antonio
Guedes de Sousa, por isso
325 Mandou o Marquez ao Faya! hmn Enviado naturai da terra, e
da prìncipal nobreza d'ella, chamado Gonfio Pereira» que là tinha mu-
Iher, e Olhos: mas o sobredito CapitSo Guedes em ouviodo a embaixa-
da, deo huma bofetada ao Enviado, e o matar3o logo is estocadas o
Gaedes, e bum Francez. 0 que visto, em 2 de Agosto déitou o Marquez
gente em terra, e iovestindo aos que Ihe resisti3o, os Francezes, com
morte ji de bum cento d'elles, se recolber3o ao seu Castello. Entregou-
se a Uba, tendo-se jà entr^ado tambem o Francez, deixando-lhes so sal-
vas as vidas: e no Castello, e oatros póstos da Uba sessanta e tantas pe-
{as de artelbarìa; e Bcou por Goveniador d'ella D. Antonio de Portugal
com duzentos soldados, e mantimenlos para quatorze mezes; e nem se
saqueou a Villa, nem lugar algum; mas foi logo enforcado o sobredito
Anuinio Guedes de Sousa, e se voltou o Mirquez D. Pedro de Toledo
com a sua Armada, e chegou à liba Terceira aos 8 de Agosto.
160 HfSTORIA INSULArtA
32G Além do sobredito aecrescenta a outra BelctgSo, qoe na TIha
Terceira eslava entào por Capilào mór hurn Gonzalo Pereira, rauito no
hre, e do habilo de Chrislo, naturai da Illia do Fayal; e que estavào mais
Gaspar Goncalves de Ulra, que tinfia sido Ca|)it5o mór do Favai, e IMc^),
e seu irmào Estacio de Ulra, liomens fidalgos, naluraes tambem do Favai,
e parentes da multier de D. Christovào de Moura, Marquez de Castello
Rodrigo; a cada hurn dos quaes deo o Conde Manoel da Silva a halnto
de Chrisfo corri ceiu mil réis de tenga. Aos sobreditos pois Gongalo Pe-
reira, e Gaspar Gongalves de Ulra deo ^dito Conde Manoel da Silva as
galés, caravelas, e Armada aciina diia corn seu Capilào ntór posto pelo
dito Conde. Da llha do Fayal linba enlào o governo bum bom Sdalgo,
cbamado Antonio Telles; da Uba de Sao Jorge bum Joào Velbo, e suc-
cedendo no aviso enviado ao Pico a sobredita morte do^Goncalo Perei-
ra, langou enlào o Capitào mór da Armada ires mil bomens de guerra
na Uba do Fayal, e a rendeo corno acima dissemos; d ao dito Capilào
mór do Fayal. por ter entrado na morte do sobredito Gongalo Pereira,
se Ibe mandou corlar a mào direifa, e logo o enforcarào; e rendido as-
sim 0 Fayal, logo as Itbas de Sao Jorge, Graciosa, e a das Flores, e Cor-
vo se renderào, sem mais guerra alguma.
327 0 dito Conde Manoel da Silva, quando da batalba fugio, e fez
fugir todos OS estrangeiros, logo se persuadio que qualquer da terra co-
nbecendo-o, o bavia enlregar, por Ibes ter sido traidor, e assim se ves-
tio logo de Caslelbano, e comò soldado ordinario de Castella se metteo
entre os C-astelhanos soldados que perguntavào por elle, e elle os aju-
dava a perguntar, e assim vinba com elles para a Cidade, determinan-
do embarcar-se na Armada, e desconbecido passar n'ella, até d'ella se
livrar; eis-que encontrando o Capitào d'estes soldados a oulro que leva-
va preza Imma mulata, e queixando-se de nào poder acbar ao Conde que
buscava bavia dias, entào a mulata ao tal Capitào em scredo pergun-
tou, que se Ibe darla, se desse prezo ao Conde; e respondendo-lhe o Ca-
pitào que a vida, e a liberdade, e com que vivesse; e aceitando a mula-
ta, e indo pegar em o vestido do Conde, disse logo: cPois eis-aqui o Con-
de Manoel da Silva.» Pasmou de repente o Conde, e o Capitào com lo-
da a cortesia o prendeo, o que sabende o Marquez de Santa Cruz o man-
dou metter prezo em buma galeota, e alguns dizem que Ihe mandou dar
tormentos, mas nào cons^u que se Ibe dessem, porém mandou o ])re-
parai' para moner, e o Coude o fez pur dous dias, e duas noites; e le-
LiV. VI CAP. XXX 161
vado ao cadafalso publico da praca, confessou ao* Capit3o que o prende-
rà estas palavras: cO Marqnez tanto desejou de me prender, eu o me-
reco, porque elle n3o ganhou a Terceira, en lli'a dei, etc», e logo Ibe
foi de hum sd golpe de espada cortada a cabega por bum algoz Tudes-
co, e foi a cabeca posta no lugar d'onde entUo tirarao a de Belcbior Af-
foDSO, para por a do Conde, corno este mesmo tinba dito; e no mesmo
dia foi degollado hum Amador Vieira, e em terceiro lugar Manoel Ser-
ndas, qoe disse morria por seu Rei D. Antonio, clamando sem se des-
diier, com pasmo de todos. E muitos outros for3o cnforcados. Atéqni a
tteiac3o de vista.
328 Dos castigos que o General Marquez de Santa Cruz exccutou
em Angra, trata Fructuoso no seu liv. 5, cap. 29, 30 e 31, cuja suhs-
lancia he: Foi iogo, e publicamente queimada toda a moeda d'el-Rei D.
Antonio; e d'este Rei se nSo soube mais do que se sabe d'el-Rei D. Se-
bastiaOt nem se por Franga ficou descendencia sua alguma. 0 Conde de
Torres Vedras Manoel da Silva foi degollado na praca de Angra, e sua
cabeca posta no mesmo lugar aonde elle tinha mandado por a de hum
Belcbior AfFonso Portuguez, a qucm o dito Conde tinha degollado por
traidor a el-Rei D. Antonio, e se conta que pedindo-lhe a mulher do di-
to degollado, que Ibe mandasse tirar d'aquelle lugar a cabec-a de seu ma-
ndo para Ihe dar sepultura, respondera o Conde, que so entuo de tal
lugar se tiraria aquella cabe^a, quando no mesmo lugar se puzesse a
sua d*eile Conde; e por Divinos juizos assim succedeo. Este caso com-
tndo applic3o outros à cabeca do sobredito fidajgo ìoT\o de Bctencor e
Vasconcellos, e que este mesmo quando o degollavao, predisse o tal suc-
cesso, e se vio depois cumprido. 0 caso he certo, o sugeito Deos o
sabe.
329 Foi degollado hum Manoel Serradas, naturai da Madeira, e Ca*
pitSo de Armadas. Enforcados forao Ayres de Porres, Capitao de huma
Ck)mpanhia, Gonzalo Pitta, Capitào da Fortaleza de Sao SebastiSo de An-
gra, e Antonio Metella, Alferes mór da Cidade, e o Corregedor d'ella
Gaspar de Gamboa. De hum Mathias Dias, chamado de alcunha o Pila-
tos, consta que na Victoria da Villa de S3o Sebastiào contra o Governador
Castelhano D. Pedro Valdés, depois d'ella acabada, tirou os figadosahuni
Castelhano, e assando-os os comeo, e depois segabava muito d*esta acfao»
pelo que foi enforcado, e depois esquartejado. ForSo ultimamente enfor-
cados dezasete Francezes, e onze Portuguczes, e dous dcgollados; e da
VOL. II 1 1
ì&i IIISTOIIIA INSULANA
{,'cnle baixa forao alguils poucos acoutados, e outros condemuados a ga-
lés, 0 a varios Uej^'icdos. Executado isto tudo até os 15 para os vinte de
Agosto de 1583, resolveo-so o Marqnez de Santa Cruz em se voltar pa-
ra Portugal, e Castella, corno vercmos. Mas porquc resta sal)ermo8 quo
fui Teito d aquella ramosa fidalga D. Violante do Canto e Silva» de quem
por vezes jà tratnmos, e de seu illustre pai, Joao da Silva do Canto» e
scus grandes avós maternos, bcm he que agoi*a o digamos, e com mais
lirevidade do quo o Doutor Fructuoso cm o seu liv. 6, cap. 29 e 30.
*i'M Entre as ordens Ueaes, que o General Marquez de Santa Cruz
Irazia d*el-Rei Felippe II hnma multo especial era, que tomada a Illia
Terccira, tivesse grande cuidado da pessoa de D. Violante do Canto e
Silva, pois so ella tinha sustentado na liha aos Francezes, e Inglczes
que scguiao a cl-Kei D. Antonio; e assim o dito General, e D. Lopo de
Figueiroa, tanto que entraram em Angra, mandaram lego por duas com-
panhias de soldados a porla da dita fidalga, para que nao fosse moles-
tiida por algum, e sabendo que estava ji recolhida em bum Convento,
la llìO mandaram por as ditas duas companliias de guarda; e logo Ihe
confìscaram toda sua multa, e grande riqueza de bcns de todo o genero
e so de grande numero de criados, e escravos que tinha, nao prende-
ram alguns, por andarem ja todos a monte; mas mandou-lhe dizer o Ge-
neral, que seu Rei Ihe ordenava, lira levasse a Castella, e assim que se ■
preparasse para se embarcar. Ouvindo a fidalga està ordem, tao
desta, catholica, discreta, e varonil reposta deo, (oQerecendo-se a logi
se embarcar) que o General se deo por obrigado a logo a ir visitar» e
consolar; e fcito isto com a maior decencia possi vel.
33i Mandou o General (azer todos os gastos necessarios, e prepa-
rar logo a Capilaitia de Biscaia, por scr nao muito grande, e o seu Cat-
pitào mór Manuel de Azevedo ser homem jà vellio, e de grande capa-
cidade; mandou mais preparar-lhe a Camera Iteal, rica, e magnificamente
e nu praìnha de Angra huma Iteal barcassa grande, com estrado n ella
alcatirado de alcatifas da China, cheias de almofadas de veludo, e outnis
grandes barcas para todas as criadas, e criados da fidalga. Feita està
])reparacao por ordem do General ìlarquez de Santa Cruz, saliio do
iMosteiro a fidalga com sete mnlheres graves que a acompanliavao, e
duas Donas, e cinC'O Aias, e vinte e bum criados, entre escudeiros, pa-
$;ens, e homcns de espoias; e ainda nem todos seus criados a acomi)a-
iiharào, por andarem ausonles com medo de pcgarem dclles; masaconi'
LIV. VI GAP. XXX 163
pnntiarao demaìs varlos fidalgos, e parentes seus, corno Manoel Borges
da Costa, e Vasconcellos, Gongalo Correa de Sousa, Bràs Dias Redova-
Iho e oatros; o a dita fidalga hia vestida loda de baeta negra, e suas
Damas e Ayas, vestidas todas de roxo.
332 Antes de se embarcar foi oulra vez visitada, e consolada do
General Marquez de Santa Cruz, a de D. Fedro de Toledo, e dos onlros
Grandes de Hespanha; e embarcada, e mettida em sua ndo come^nrao
logo, e em loda a viagem a vir barcos dos Galeoes é nào da fidalga,
trazendo-lhe sempre pao molle, pasteis, e lodo o oulro mimo, ale quo
depois de bum mez de viagem chegarao lodos a Gndiz, e ficando a
bordo tres dias, em quanto se proparava, e ornava escada desde o meio
dsniio, para sahir por ella a fidalga, e no firn dos tres dias chegou a
nào hnma formosa gale, e bem ornada, em que entrou com toda a sua
gente, e parentes que levava, e muitos fidalgos Castelhanos; e com salva
de toda a Armada; e a està gale velo outra vez visital-a o General Mar-
qnez de Santa Cruz com outros fidalgos, e Ihe declarou entao, corno
Et-Rei Ihe mandava dar todo o necessario para sua pessoa, e para toda
a sua gente, e nao a manderà vir seniio para Ihe fazer muilas mercés,
e casar.
333 Chegando d*esta sorte ao porto de Santa Maria, veìo ao desem-
barcar o General das Galès D. Fedro de Villavincencio com outros fi-
dalgos, cujas mulheres a estavao espcrando na praia com multo povo
junto, pela fama que havia da fidalga que entrava, e assim foi levada
ao Mosleiro de Freiras, aondo todas i porla sahirSo a recchel-a com
Te Deum laudamus, e foi logo visitada de todas as senhoras da terra :
passados sete mezes, por ordem d'el-Rei commettida ao Cardeal de Se*
viiha, foi mandada passar a Jaem, e o Cardeal a mandou logo visitar
por dous seus Conegos velhos, e Ihe mandou hum Ministro por Apo-
sentador com doze homens de cavallo; e o Duque de Medina Sìdonia Ihe
mandou hum coche para ella, e cavalgaduras para os criados, e silhoes pira
ascrìadas, edez homens de cavallo: e assim se partio de dò ainda, e multo
tìiais, por Ihe chegar nova de ser falecido seu primo Alexandre Impe-
riai, Embaixador de Genova em Madrid. D*ésta sorte foi andando, e em
(odas as terras por onde passava, a sahiao a receber os Grandes d'ellas,
e em nove dias chegou a Jaem.
331 Aqui a sahio a receber o Bispo Dom Francisco Sarmienlo do
Mendoca com todas as Dignidades, Conegos e fidalgos do termo, e a le-
i6i IIISTORIA INSCLANA
varam ao Mosteiro de Santa Clara da dita Cidade, onde o Bispo, tomao-
do-a pela mao, a entregou a Abbadessa, e as Religiosas a receberao com
repiqnes de sinos; e passados dous mezes, Ihe mandou El-Rei offerecer
casamento pelo dito Bispo, e ella por obedecer o aceitoa; e o mesmo
Bei Ihe escreveo entao, que Ihe faria muitas mercés, depois de casada
cono quero S. Magestade Ihe dava por marido.
335 Este marido era Simao de Sousa e Tavora, filho de Alvaro de
Sousa e Tavora, e de D. Francisca de Moura, Irma de D. Christovaode
Moura, Marquez depois de Castello Rodrigo, e Capit3o Donatario da
Ilha Terceira ; era mais ìrmao do grande Baulio de Lessa Luis Alvarez
de Tavora, Fnndador do Collegio da Companhia de Jesus da Gidade do
Porlo; e jé tinha duas boas Commendas, de dous mìl cruzados de ren-
da cada huma, e outras ten^as, e tinha sido Govemador de Estrerooz,
e 0 Taziam depois Govemador de Coita em Africa, o que nao aceitou,
so por casar com a dita D. Violante do Canto e Silva. Mandou està prò-
curagao sua a Diogo de Sousa, Arcediago da Sé de Lisboa, e depoìs In-
quisidor da Mesa grande, seu parente, e irmao de Bui de Sousa, Cban-
cellcr da Relagao do Porto, para em nome duella se receber com o dito
Simao de Sousa e Tavora; e logo este Pidalgo, por ordem d'el-Rei a
foi buscar a Jaem com grande estado, onde sendo hospedado pelo Bispo,
este OS recebeo outra vez com as ceremonias, e solemnidades que en-
tao se usavam em Castella; e acompanhados de loda a nobreza até fóra
da Cidade, se passaram a Cordova, d'onde os sahirao a receber duzen-
tos de Cavallo com tochas accesas, por ser jà noite; e assim for3o rece-
bidos em todas as mais terras até chegarem a Lisboa, e onesta forilo vi-
silados de todos os Grandes, senhores, e senhoras.
336 Porém deste tao illustre casamento n3o ficou descendencia al-
guma, e assim passou o grande morgado da dita D. Violante do Canio
e Silva a unir-se com outro igual morgado, instituido tambem pélo mes-
mo grande avo Pedi o Anes do Canto, e d'estes unidos se formou o roaior,
que ainda hoje se conserva em a Cidade de Angra; e n*esta poz Felippe
II por Govemador, e das outras Ilhas a hum fldalgo Caslelhano chama-
do Joao de Urbina, da casa dos Ùrbinas em os conQns de Biscaya, Albo
de outro N. de Urbina, e neto de Pedro de Urbina, que foi Mestre de
Campo General do Emperador Carlos V, e morreo Marquez de Doria.
Poz mais em Angra por Bispo a D. Manoel de Gouvea ; e por Corregedor
LIV. VI CAP. XXX 165
comalcada ao Doutor Jo3o Soares de Albergarla, e todos enlre si, e
com a gente da terra se davlo multo bem.
337 E ainda assim, partido o Marquez da Ilha, logo o dito Urbina
se fez ao principio t3o absoluto senhor, corno o mesmo Marquez ; por-
que tornando por Adjuntos o Corregedor, e cinco mais Bacliareis, e nio
Rachareis, fez com elles tal tribunal de sete, que sem admittirem em-
bargos, nem aggravo, nem appella^ao, sentenciou a forca, e executou a
sentenca em hum Capi tao chamado Trìgueiros; e em bum multo nobre
Cidad3o de setenta annos Balthezar Alvares Ramires, e a outros degra-
doa; e a algumas mulheres mandou a^outar, so por fallarem em tal go-
verao. E da mesma sorte a hum CidadSo Balthezar Gon^alves de Anto-
Da. e a bum letrado JoSo Gon^alves Correa, que tinha servido de Cor-
regedor, e a hum Capitao da Villa da Praia, e todos condemnou a ga-
lés, e degredos, e sem admittir-lhes aggravo, ou appellagao vierSo a Lis-
boa, e prezos os ouvirio, e Ihes mandarao receber sua appellagSo, e
ainda o Urbina a n3o queria receber, e tandem a recebeo, e forao sol-
tos, e livres.
338 Felto isto, e moderado assim o governo, ao principio insolen-
te, do dito Mestre de Campo Urbiua» comecou d*ahi por diante a gover-
nar com grande moderando, e aceitac^o do povo. E aqui he de advertir,
se levantou pela noveleira plebe, que tinha ficado imposta pena aos mo-
radores da Itha Terceira, que nSo podessem mais trazer comsigo algu-
mas armas, mas so faca sem ponta; d'onde tomarSo os de outras Ilhas,
chamarem por opprobrio, aos da Terceira, facas sem ponta ; mas o in-
dubitavel he, que tal pena nem Felippe II, nem o Marquez de Santa
Cruz, nem nutro algum seu substiluto, nenhum tat pena impoz, nem se
mostrare jurìdicamente em Author algum ; e so foi impostura levantada
da emuIac3o que humas Ithas tem com as outras, e especialmenle com
a que Deos fez cabeca de todas, qual he a liha Terceira, e o envejao as
outras, e por isso he que levautarSo este, que cuidavao ser afrontoso
appellido; comò a outras Ilhas; à de Sao Miguel chamarSo, Unha na pal-
ma; querendo significar serem ladroe^ e he falsissimo, por sempre se-
rem OS da tal Uba homens de muito justa conta, peso, e medida. Quanto
mais que querendo nisso infamar sua cabe^a a Terceira, n'isso mesmo
a acreditSo mais, pois n'isso significo serem tao valerosos os.naturaes
da Terceira, que bastarla terem faca com ponta, para vencerem a Cas-
tella, e por isso està Ihes prohibiria o trazerem faca com ponta ; e pò-
1G6 IIISTORIA INSUUNA
deria està probibigSo ser (se verdadeira fosse) a maior gloria^ e bonra
da Terceira» e rouito mais por ser (se o fosse) de serem os mais verda-
deiros Portuguezes, acodìndo pelo mais verdadeiro, e varonil unico Por-
tuguez quo entao bavia para a successilo do Reino, o a quem tinbao ac-
clamado, Lisboa» Porto, Àveiro, e as melhores terras de Portugal. Até-
qui a subslancia da RelaQao, que tenbo em meu poder.
330 D onde se seguio (diz Fructuoso liv. 6, cap. 3i) que com ser
entao a liba Terceira t3o perseguida de Armadas, e de tantas nagues es-
trangeiras, be tal sua fertilidade, e tal a bondade da terra, que logo
loda se recuperou, e poz tao rica corno era dez annos antes, e com Ibe
terem morto, gastado, e levado tantos gados, que a todos parecia nao
haverìa mais n'ella gado, em breve teve tanto, que nunca teve mais, e
logo tal concurso de navios, que por vezes passavào de cento juntos no
seu porto, de Indias, Brasil, e estrangeiras na^oes ; sendo que so a Ci-
dade passa de tres mil vizinbos, e de muitos mais as Yillas, e lugares
todos.
CAPUTILO XXXI
Da gloriosa Xcclanwfdo del- liei D. Joùo IV na lìha Terceira.
3iO A evidente justica da Serenissima Casa de Braganga a Coroa
de Portugal anda ja t3o demonstrada, e por tantas, e tSo sabias pennas,
que pareoe escusado demonstral^ mais; e so he de reparar, que assim
corno na intrusào de Felippe II, em a Coroa Lusitana, nem bouve quem
acodisse pela Serenissima Senbora I). Catbarina, nem quem sustentasse
ao Serenissimo Senhor D. Antonio, ainda depois de o acclamarem, e por
elle acodio unicamente a Uba Terceira, e o sustentou Rei acclamado quasi
tres annos, e com as jà ditas guerras : assim s^ora tambem so a mesma
liba Terceira padeceo a guerra que veremos, por sustentar a acdama^ao
de seu Rei Portuguez D. Joao IV. E porque desta guerra fez Diario,
quom a toda ella assiatio na mesma Cidade de Angra, e nSo so era tes*
timunba de vista, mas de grande credito; a este Diario seguiremos» com
a pura verdade da substancia dos successos» sem attender ao que outros
de vaga oovida dizem.
341 Acclamado pois o felicissimo, e sempre invicto Rei D. Joao IV
na Corte de Lisboa em 6 de Dezembro de 1640, e logo por todo o Reino
de Portugal, e Algarve com geral acdama^ao, sem baver guerra alguma.
LIV. W GAP. WTA 167
mas loda a paz, e applauso, logo em o principio de Janeiro de 1641
mandou o novo Rei hama caravela é liha Terceira, e n'ella ao Capitao
mór da Villa da Praia Francisco Pornellas da Camera, naturai da mesma
nba, e fidalgo bem conhecido, que ent3o se acliava em Lisboa ; chegou
a caravela i dita Villa da Praia em 7 do dito Janeiro, e aos 3 pelas qua-
tro da madragada estava jé o enviado Francisco Dornellas na Cidade de
Aogra, em casa de outro fldalgo Joao de Espinola, com quem era apa-
rentado ; e porque jà bavia quatro mezes que era morto o Corregedor
em Angra, com quem tambem bavia communicar o segredo, communi-
cotH) entao ao dito Espinola o segredo, e ordens que trazia; o que ou-
vindo 0 Espinola, e sahlndo-se de casa, deixando n'ella ao Dornellas, se
foi ter com D. Fedro Ortiz de Mello, Aireres niòr do Castello; e ambo»
forao logo à Fortaleza, e derao conta de tudo ao Mestre de Campo que
a governava, chamado D. Alvaro de Viveros; o qual em ouvindo tal, veio
logo abaixo à Cidade, e fallando com o Provedor da Fazenda Agostinho
Borges de Sonsa, foi logo buscar o dito Capitao morda Praia,, que acau-
telado se tinha ji tornado para a dita sua Capitaria, e o Castellao se re-
coltieo ao seu Castello.
342 Logo 0 dito Governador do Castello mandoa tirar a polvora
qae estava no Castello de Sao Sebastiào, e a metteo no seu maior Cas-
tello de Sao Felippe; e nao so se proveo de todos as mantimentos para
sustentar qualquer cerco que se puzesse i pra^a; mas tambem im-
portunava continuamente <ios do Governo da Cidade por mais, e mais
provimentos: e posto que na Cidade andava jd rota a nova da Accia-
macao do novo Rei, com tudo corno a Camera ainda nao tinlia carta
d*el-Rei e a esperava, nao se declarava ainda, e so contemporizava com
0 Governador do Castello, permittindo-lhe algumas cousas, e negan-
do-lhe outras, e preparando-se occultamente o mais que podia ; para
0 que comprarao bnmas boa:^ casas no canto da praga, e n'ellas arma-
rio bum corpo de guarda, com baixos, e altos para metterem n*elle sol-
dadesca de guarnicao; e d*esta sorte se hiao preparando, sem se decla-
rarem, os do Castello grande, e os da Cidade, buns contra os outros :
requerendo o Castello à Cidade, que arrazasse a Fortaleza de Sao Sc-
bastiao, por temer que fìcasse a Cidade com ella, e nao veio nisso a
Camera.
343 Jà neste tempo o Capitao mór da Praia mettia de guarda sol-
dadesca na praca de sua Villa, e chegado o Domingo de Ramos, 25 de
IGR IIISTOniA INSULANA
Marco, com a Camera da Villa, e lodo o povo acclamou solemnemente
a El-Rei D. Joào o IV, e n'este tempo o Prior do Convento de Nossa
Senhora da Graca, e hum fidalgo da Cidade, chamado Estevao da Sìl-
veira, por oste ser dos principaes da Cidade, e o Prior ser Confessor
do Govemador do Castello, forao ambos fallar ao Govemador, que se
quizesse entregar, por evitar tantas mortes, corno se seguiri3o do con-
trario : porém o Castellao, nao obstante ter dado a entender, virìa em
bons partidos, prendeo logo aos dous, e em a priz3o morrerSo ambos:
e no mesmo dia 25 de MarQO, mandou o dito Governador do Castello
chamar os officiaes da Camera de Angra para negocio que importava ao
servigo d'el-Rei : mas elles mais acautelados se escusarao; e para mais
disfarcarem, mandar3o logo por duas companhias de soldados nos carni*
nhos que da Praia cbegavao i Cidade; dando a entender que n3o cod-
sentiSio na Acclamacao da Praia; e nos mesmos 25 de Marco puzerio oa-
tra Companhia no novo corpo da guarda da Cidade.
344 Jà n'este tempo sabino os da Cidade, que o CastellSo tioha
d*antes determinado dar de repente, na sesta feira de Lazaro, repentino
assalto à Cidade, e que por a sentir amotinada, o dilatara para a quinta
feira da Semana Santa, quando mais descuidada estivasse a gente, e a
matar, e roubar quanto pudessem, e recolher-se outra vez ao Castello;
e dilatando mais està resolucao, mandou na sesta feira de Trevas o Sar-
gento Roselhon com esquadra de dez soldados, o qual notificou da parte
do Mestre de Campo do Castello ao CapitSo Hieronymo da Fonseca, e
ao Sargento mór André Fernandes da Fonseca» que Ibe dessem ajuda
para prender a Antonio do Canto e Castro, fldalgo principal da Uba;
porque o dito Mestre de Campo ordenava, que ou morto, ou vivo lb*o
levassem ao Castello. Itespondeo o CapitSo da guarda que nSo podia b-
zer tal sem ordem de seu Capitilo mór ; e indo ambos ao CapitSo mór,
e ja defronte da rua, e Ermida de Sao Jo3o» persuadindo-se o povo que
0 Capitao hia prezo, correrik) a elle soldados da guarda, e povo, e o
trouxerSo; e os soldados Castelhanos vendo isto, e acodindo ao seu Bar-
gento, dispararao as pistolas, que aiém dos arcabuzes traziSo; e entio o
povo levando das espadas, levantarao as vozes, e clamarao : «Viva El-
Uei D. Jouo 0 IV^, e querendo ainda os Juizes, e Vereadores do Senado
apaziguar a contenda, para declararem a guerra quando estivessem mais
preparados, o povo jà junto, e alvorocado o nao esperou» mas indo sobre
OS Castelhanos, matarao logo a hum, e flc^ndo ferido em bum braco Ma-
LIV. VI GAP. XXXI 109
Doel GoDcalves Carvao. Alferes qae aiii entSo se achoa com o Sargento
Mattbeos Gardoso, os Gastelhanos se retìrarao ao seu corpo da gaarda
da porta do mar junto a Alfandega, e d'ahi ao Castello; e o povo todo,
janto jà, d3o fazia mais que acclamar a Ei-Rei D. Joao, e pedir armas
ao8 do governo.
349 N'este tempo tinha o grande Castello quinhentas pra^as de sol-
do, e com ellas mais de quiobentos vizinbos, mas so quatrocentos capa-
zes de peleja» fora os que là tem officios particulares, tinha mais todo o
genero de armas em grande abundancia, e polvora muito de sobejo ; e
cento e sessenta pecas de artelharia. quasi toda de bronze, e muitas de
ealibre de mais de trinta e sois arrateis de baia, e qnaienta e oito arti-
Ibeiros pagos, além de outros; e mantimeotos de boca em grande abun-
dancia; e tinba tarobem com presidio Castelhano o outro fronteiro, e me-
nor Castello, cbamado de S3o Sebasti3o, e com quatorze pecas de bron-
zo, com que.de huma, e outra parte dominava o porto, e a Cidade, e
oom 0 corpo da guarda que mettìa na principal porta do mar, e da Ci-
dade junto à Alfandega.
346 Pelo contrario a Cidade, que d'antes se flava nos ditos Castel-
loft, e guardas, comò em sua principal defeza, nSo tinha soldadesca al-
gama paga, mas so a sua Ordenanga, e nem ainda no Castello dos moi-
nhos tinba artelbaria, ou gente alguma ; e nem o corpo da guarda, que
com està occasi3o de novo fez, estava ainda expedlto na praga, e nas
casas da Audiencia fez o primeiro corpo da guarda, e n*este entrou de
gaarda o Capit3o Constantino Macliado, e o Alferes Manoel Cordeiro
Houtoso com a sua Companhia, que foi a primeira que entrou de guarda
em a tarde da segunda feira 25 de Marco, e aos 26 na ter^a feira sahio,
e entrou em seu lugar o CapitSo Hieronymo da Fonseca, Albo do sobre-
dito Sargento mór, e esteve até a quarta feira, em que o povo acclamou
a El-Rei D. Jo3o; e nem polvora, nem armas expeditas tinha aìnda a Ci-
dade, por estareoì ainda fechados os Armazens, e as chaves na m3o do
CapitSo ChristovSo de Lemos de Mendoca, que se tinha recolbido ao
Castello, e nem seu filho as querer entregar, e sendo prezo, so ao outro
dia as entregoo.
347 Impaciente porém o povo de se vèr sem armas, remetteo logo
às portas dos Armazens com machados, e serralheiros para as arrombar,
e arrombada a primeira, e achada a segunda porta aberta, derao com a
terceira porta, mais forte, e mais fechada ; entao o Padre Antonio de
i70 HISTORU INSULANA
Abreu da Companhia de Jesus, \*alendo-se daVirgemSenhora daSaude,
enlrou na sua Ermida alli viziaba, e trazendo d'ella a chave, com elbi
abrio logo a porta, sendo ebave totalmente diversissima, o que lodo o
povo logo attribuio a milagre da Virgem sacratissima; e acodio i todos
com polvora, baia, e armas; e o provimento de tudo commetteo ao Li*
cenciado Manoel Rodrigues Prete, floo, e valeroso Portuguez; e ao
mesmo se entregarao as cbaves, que do dia seguinte apparecerSo.
348 Àinda na mesma quarta feira de Trevas, vendo o Mestre de
Campo do Castello o alvoroco grande que andava na Cidade, mandOQ
assestar buma peca ao corpo da guarda da pra^a da Cidade, e matoo a
bum soldado pedreiro, e a buma molher Terceira que vinba de ^o Fran-
cisco, e se recolbera ao dito corpo da guarda : logo disparou sobre a Ci-
dade muitas outras pe^as de artelbaria, que por ficar o Castello mnilo
alto, e multo em baixo a Cidade, passavao as balas por sima, oa cabiSo,
sem n*aquelle dia matarem alguem mais. Parou pois o Mestre de Campo,
e esperou se bi3o alguns da Cidade recolber-se ao Castello, e vendo que
ninguem bia, mandou bum Sargento abaixo, dizendo que queria mandar
metter guarda na porta do mar, e Airandega; e respondendo a Cidade qoe
tal nao consentirla; o que vendo o Castello, se fechoo com toda a sua gen-
te; e a Cidade logo tocou caixas de guerra em todo o seu termo; e ìmm
Mattheos de Tavora, dos principaes da Cidade, e bum Clerigo Vigano dis
Fontainbas, ambos forào pela posta de cavallo i Praia, pedindo ao Capi-
tao mór Francisco Domellas da Camera, que acodisse logo com. a mais
genie, e armas que pudesse.
CAPITOLO XXXII
Comega a guerra pelas trincheiras; rende-se o Castello de Sào SebastiSo ;
e acclamasse eURei D. Joào o IV na Sé solemnemente.
349 Na mesma tarde, e jà tarde, da quarta feira de Trevas Sff de
Marco, veio a soldadesca de Sào Bento, e Val de Linbares com o Sar-
gento Alvaro Martins Maia; e logo veio o Capitilo da Ribeirinba com bons
soldados; e porque os da Cidade tintilo tornado as boccas das roas do
quartel que conGna com o Castello, e n'ellas andavao formando trinchei-
ras, para d'ellas ìmpedirem ao Castello as investidas abaixo, por isso as
ditas Companhias que tinhao vindo do termo da Cidade, forao logo aju-
LIV. VI GAP. XXXH 471
dar a fabrica das trincheiras. Vendo isto o contrario Castello, (além do
estar sempre batendo a Cidade com artelbaria, que por alta Ihe nao Ta-
zia damno) langou duzeotos liomens bem armados a impedir a fabrica
das trincheiras; mas dianto dos que as fabricavao se Ihes oppoz a nos-
sa soldadesca com tal valor, e constancia, que a peito descuberto, por
ii3o estarem ainda assentadas as trincheiras, durou este fatai combate
desde o principio da noite de quarta feira de Trevas para a quinta atè
pela maiihli, sem parar jdmais a mosquetaria, e ainda a lanca, e espada
de huma e outra parte, sendo muitas as em que se pelejava.
330 Os logares, e postos aonde se deo este combate, forao o pri-
meiro, e mais perigoso, aquelle onde cliamavao os quatro Cantos, e niel-
lo se poz o vaieroso Capitao Jo3o de Avita com a sua Companhia, o se-
gando posto foi aonde estava entào o Collegio velho da Companhia ^ de
Jesus, sobre a roclia, e niello pelejava o CapitSo Ballbezar da Costa, e
soa gente: o terceiro higar foi junto à Ermida de Nossa Senhora da Boa
Nova, que era posto mais perigoso, por mais patente ao Castello, e n*es-
te pelejava o valente Capitao Joao Teixeira, porém foi importante buma
peca de artclharia, que o sobredito Capitao JoSio de Avila tinha comsigo,
que carregando^a de pelouro, e munigao, e disparando-a em bos occa-
si3o, fez tal estrago nos Castelhanos, que logo se retirarao com varios
ferìdos, e mortos, e pela manha se acharao os nossos com as suas trin-
cheiras suflicienlemeiile ja formadas, com os reparos feitos de fortes ta*
boados, pipas cheìas de icrras, guarni(oes de couramas, e te.
351 Ao romper da manha da quinta feira Santa, 28 de Marco, che-
gou i Cidade o Capitao mór da Villa da Praia com muitos Capitaes seus,
e com mais de oitocentos soldados de peleja, e todos bem armados, e
grandes aliradores; e logo chegarao mais seis Compauhias ainda do ter-
mo da Cidade, de Santa Barbara, de Sao Bartholomeu, e Sao Mattheos,
e tres ainda mais da Villa de Sao Sebastiao, e do seu lugar do Porto Ju-
deo, e todas com seus Capit3es, e mais Cabos, e boas armas, e muni-
Coes; e forao logo às trincheiras com tal impeto, e valor, que dos Cas-
telhanos que ainda brigavao, matarSo a varios, e em apparecendo na mu-
ralba, o derrubavao os insignes atiradores da Praia; e sendo que nao ces-
sava 0 Castello de disparar sua forte artelliaria sobre a Cidade, por mer-
cé de Deos Ihe nao fazia damno; e ncm aos moinhos, que estavao a tiro
direito do Castello, fizerao damno algum, e mohi3o para o povo corno d'an-
tes; mas nas trincheiras morrerùo alguns, porém mais dos Castelhanos.
172 inSTORlA INSULANA
332 N'esta mesma quinta feira Santa estava ainda o menor Castel-
lo de S3o SebastiSo com soldadesca Castelbana, e com a voz do Castel-
lo grande de Sao Felippe, e com quatorze pe^as de artelbaria» e as mais
de bronze, e de bom calibre, e importava muito o render este Castello»
offereceo-se a isso a forte Companhia da Ribeirinba» termo da Cidade, e
ajuntando-se-lhe logo de outra Companhia so alguns aventoreiros solda-
dos, der3o tal, e tao repentino assalto ao Castello, que logo o entrario,
e feridos muitos prender3o ao Capit3o, e com elle trouxer3o aos oatros
prezos; o dito Cebo se chamava o Capitao Respenbo, qae deixou nSo so
buma mina de polvora feita, a que nao pode laudar fogo, mas tambem
a artelharia encravada, que os da Cidade desencravar3o logo, e no tal
Castello puzerao de presidio a dita Companhia da Ribeirinha, qae o U-
nha rendido; e ao depois puzerSo por Capitao do tal Castello a Lqìz Car-
doso Machado, da nobreza princìpal da Cidade, e cousa maravilbosa foì,
que em se arvorando no tal Castello o Estandarte das Armas de Portogal,
veio do Castello grande huma baia desgarrada, que deo no Estendarle
de Castella, que ainda estava adiante da Ermida da Boa Nova, e o de^
rubou. Foi tao importante o termos este Castello, que com elle segara*
mos 0 nao poder pelo porto vir soccorro ao Castello grande, e o sego-
rarmos nós por detraz delle os nossos navios, que estav3o aos nheos;
e 0 segundo porto das agoas de S9o Sebastì3o, donde se sabia a pescar,
e se vinha eni3o vender o peixe.
353 Em a propria manhS da quinta feira Santa foi saqueado pelos
nossos soldados o quartel aonde tinhSo vivido os soldados Castelhanos
casados, de junto a Sao Gonzalo até a Boa Nova, e tudo bem defronte
do Castello, que com sua artelharia acabou de arrazar o tal quarta; e
continuando a furia dos soldados saquearao mais a nobre casa do Alfe-
res do Castello D. Fedro Ortiz de Mollo, fldalgo bem conhecido, mas que
em razao de seu posto se tinha recolhido com casa, e familia ao Castel-
lo: saquearao mais as casas de Christovao de Lemos de Mendoga, e de
Jo3o de Espinola, ambos muito nobres, e que tambem se tinhio reco-
lhido ao Castello, por semelhantes titulos; e se se nio fora i man aos
soldados, outras muitas mais casas se saqueari3o, por serem de pessoas,
que, sendo Portuguezes, tinhao jà d'antes, e inculpavelmente, algum pos-
to, ou ofQcio no Castello; mas impedio-se o effeito.
334 Continuava porém sempre (ainda n'estes dias de quinta, sex-
ta, e Sabbado da Semana Santa) a defeza, e fortificacao das trincheiras
LIV. VI GAP. XUII 173
feitas, por o inimigo nem D'cstes dias cessar de as accommeter, e tan-
to assim que nem podei^o celebrar-se os Officios Divinos da Semana San-
ta, por choverem as balas do Castello sobre a mesma Sé, e mais Igre-
jas, e até sobre os Conventos de Reiigìosos, e Religiosas; e n^estes se
Dio faziio mais, qae com varìas preces, penitencias, novenas, e oracoes
a Deos pelo bom successo desta guerra; e com taes maravilbas a favo-
receo Nosso Senhor, que muitas balas cahiao dentro das Igrejas, outras
davSo aos pés da gente, sem Tazerem damno a alguem; e até o povo se-
cular que n2o bia à guerra, nao cessava de dia, nem de noite, de andar
em continuas romarias, rogativas, e procissoes, por onde mellior podiao,
pediodo a Deos fosse servido de conceder-lhes vitoria.
355 Dos que entravSo, ou podiao entrar na guerra, muitos além
das Irìncheiras feitas nas boccas das ruas que ticavào defronte do Cas-
tello, inventario fazer novos Fortins, ou Baluartes; e destes foi bum o
CapitSo Galor Borges da Costa, fidalgo dos principaes de Angra, filho
de CbristovSo Borges da Costa^ e irm3o de outro Christovao Borges o
moco, e cunbado de Jo3o Merens da Silva, e com estes, pai, irmao, e
CQDhado foi tomar o arriscado posto da Alfandega, vizinho pelo mar ao
grande Castello, e n'este posto esteve, e Ihe matarao alguns soldados.
Outro Fortim, ou Baluarte se fez no posto acima de Santa Luiza com tres
pegas de artelharia, de cuja altura se descobre o Castello grande; e d'aqui
se metterlo varias balas dentro do dito Castello, e là llie faziao grande
damno, e este Fortim se commetteo ao Alcaide da Cidade Bartholomeu
Comes Doeiras, que o governou valerosamenle, e ao Castello fez d'alli
grande prejuizo.
356 Hum Alfonso Comes Peres, homem rico, e grande contratador
fez outro Reducto, ou Fortim em o posto que està acima de Santa Ca-
tharìna, onde poz vinte soldados escolhidos, e alguma artelharia, e tudo
é sua custa^ e impedia d'alli a communica^ao com a ponta do Zimbrei-
ro do Castello, a qual fica para o Occidente, e defendia a larga babia do
Panai, e ficou meritamente para sempre este bomem chnmando-se o Ca-
pitiofAffonso Comes Peres. Outro grande Fortim fìzerao os contratado-
ras Inglezes que bavia em Angra, e no sobredito lugar acima de Santa
Luzia, e n'elle puzerao, entre outras, duas pe^as de bronze muito gran-
des, com queTmettiSo as balas dentro do Castello, e com tanto damno
dos Castelhanos, que se reparavao muito, e especialmonte do tal forte
dos Inglezes, pelo quo Ihes flcou muito obrigada a Cidade, comò a va«
174 HISTOUIA insiìlana
lorosos, e verdadeiros amigos. Outros varios Forlins se fizerao mais por
particulares, de que abaixo se fari mencio: e em todo este tempo a Ci-
dade tinha sempre na fronteira do Castello dez Companhias continnas» e
continuamente pelejando com os muitos, que o Castello tinha tambem
fora das snas muralhas, e a peito descuberto.
357 Estando tudo jà posto n'esta forma, o famoso, e antigo Capi-
tao mór de Angra Joao de Betencor e Vasconcellos, neto de outro fidal-
go do mesmo nome, que tinha sido em Angra degollado, so resolveo
ent3o com sua grande prudencia, e madureza, a solemnemente acclamar
el-Rei D. Jo3o o IV, e para isso escolheo o dia de Pascboa, que entio
cahio em 31 de MarQO de 16il, e indo no tal dia bem de manh3 é Sé»
e fazendo celebrar a procissao da Resurreigao de Christo Senhor nosso»
fez logo armar outra procissao com toitlo o Cabido, Cleresia, Religioes»
Senado da Camera, e povo, além de toda a nobreza, e fidalguia, e che*
gando todos ao meio da praca da Cìdade, pegando o dito Gapit3o mór
Joao de Betencor e Vasconcellos da Beai Bandeira das unicas Armas de
Portugal, a levantou bem alto, acclamando a grande voz por Rei de Por-
tugal, e seu verdadeiro Restaurador, ao Invicto Rei D. Jo3o o IV do'iMh
me: e logo se seguirao innumeraveis vozes, e applausos, repetindo i
mesma acclamatilo: e se for3o acodir aos que tinh3o ficado nas trinebei-
ras pelejando, e continuando com a mais verdadeira Acclama^ao.
358 Ncm se deve reparar em que o dito Capitao mór de Angra di-
latasse tanto està Aedamacuo, tendo-a tanto anticipado o outro CapitSo
mór da Capìtania da Praia na tal Villa, porque assim ambos fizerio o
que devino fazer; pois o Capitao mór da Praia nao tinha alti ìnimigo al-
gum, centra qiiem se prevenir, e preparar, e o Capitao mór de Angra
tinha n'clla a grande, e inexpugnavel Fortaleza de Sao Felippe, o Castel-
lo de Sao Sebastiao, o corpo da guarda do mar, e alguns dos muito prime!-
ro nobres, obrigados a Fortaleza grande; e centra tudo isto se devia pre-
parar, e prevenir; e assim procederao acertadissimamente; d'onde veio
ficarem entao ambos os Capitaes móres por Go\Trnadores da guerra cen-
tra Castella, e nenlium determinar cousa alguma sem o parecer do ou-
tro, e so preceder sempre o Capitao mór de Angra, por estar em seu
districto, mas com tanta uniao sempre, corno de tao grandes fidalgos se
esperava, e so vera no seguintc.
UV. VI GAP. XXXIII 175
cAprruLO XXXIII
Da Aeelama^ù feita em oulras Ilha$y e soccorro que mandardo à Terceirn;
e do que succedeo a deus natios que estavào no porto de Angra.
359 A nenhuma outra Uba das que chamao dos A^ores, tìnha el-
Rei mandado aviso, e òrdem de sua Acclamacao, sen9o à liha Terceira,
e Cidade de Angra; porém a 6 de Abril de 1641 vierSo cartas do novo
Bei D. JoSo ao Gonde Donatario de S. Miguel» i Camera de Penta Del-
gada, 6 Juiz de fora para o acclamarem, e ajudarem a liha Terceira a
oobrar a Fortaleza de Sao Felippe, correspondendo-se com o Padre Fran-
ciaco Cabrai da Companhia de Jesus, que S. Magestade mandava ent3o
para os Capitaes móres da Terceira reduzirem a dita Fortaleza, etc. Re-
cebidas estas cartas, foi logo acclamado o novo Rei em toda a Ilha de
S8o Miguel Sem contradiccao alguma, e da mesma sorte na liba de San-
ta Maria. 0 que sabido pelos dous Capit3os móres, e Governadores da
guerra da Terceira, mandarSo logo pedir a S. Miguel algum soccorro, e
Ibe vierao de là duas peC'as grandes de bronze, e alguma polvora, e al-
giim ferro. 0 que visto em Angra, mandou està às outras de baixo o
Capit2o Vital de Betencor, ìrmao do Capitao mór de Angra Joao de Be-
taocor e Vasconcellos, e o Padre Frei Antonio Evangelbo, Franciscano,
para que acclamassem a el-Rei, comò flzerao, primo na celebre Uba do
Fayal, e na grande visinha Uba do Pico.
360 0 Fayal concorreo logo para Angra com alguma polvora, mur-
ato, cbumbo, e ferro. A Uba da Graciosa foi mandado o Padre Frei Dio-
go das Cbagas, tambem Franciscano: e acclamado là El-Rei, vierao de là
para Angra pe^as pequenas de bronze, falcoes, e bergos, e fazendo-se o
mesmo na Uba de Sao Jorge, acodio està tambem com o mais que pode,
B muito mais òom a pessoa do Capitùo mór Manoel Correa de Mollo, Q-
dalgo de que abaixo faremos larga men^ao, porque se Ihe deo logo o
posto de Capitilo mór da Armada de Angra. He porém de advertir que
3Stas ordens de Angra para as outras Ilhas sabiao da Praìnlia, ou porto
te Sao Mattheos, buma legoa da Fortaleza cercada ; e outras sabiao da
^illa da Praia, tres legoas da Cidade, e algumas do porto da Villa de S5o
SebastiSo, e tambem algumas vezes do principal porto, ou bahia de An-
;ra, mas de noite, e em bateis, porque o de mais impedia a artelharia
do Forte de S. Antonio, que sobre o porto tinba a Fortaleza grande.
176 IlIS'CDRIA INSULANA
361 No dito porto de Angra, quando comecon o cerco, e a guerre
contra o Castello, nao estavao mais que dous navios, dos quaes bum jà
estava carregado de farinhas, e vinbos para o Brasil, e oiitro navio la-
glez, e demais buma caravela, jà encalbada no nosso portinho de pipas:
ao do Brasil queria o Castello levar junto às saas muralhas, para se apro-
veitar dos mantimentos que levava; e havendo na Cidade quem se oflè-
recìa a Ibe ir cortar a amarra, e dar com elle à costa, foi descuido gran-
de nao se fazer assim« e contentarem-se com Ibe atìrarem algumas pecas
para o affundir, porque ainda assim o Castello o puxou, e eocostoa a A
de sorte, que se aproveitou dos mantimentos que le\'ava; e s6 depois o
navio, com bum temporal que veio, e com estar ab^to da nossa arte-
Ibaria, so entao se foi apique ; e os Castelhanos com taes maDtimentos
sustenlarao o cerco, muito mais tempo do que sem elles o podilo siis*
tentar.
362 Pelo contrario o Mestre do navio, sendo |de noite por bnina
barca cbamado ao Castello, animoso foi, e persuadindo-o o Mestre de
Campo que Ibe quizesse ir a Castella levar bum aviso seu, contratoo o
Inglez,- qne se Ibe dessem logo cento e cincoenta mil réis, e manlimeii-
tos para a jornada, que sim irla a Castella levar o dito aviso; e confiado
0 Mestre de Campo Ibe deo logo tudo o que pedia, e mettendo mais oa
barca buns poucos Caslelbanos, que levav3o o aviso, o Mestre Inglez se
foi com elles metter no seu navio ; porém tendo aviso dos sens conlnh
tadores que na Cidade estavao, determinou sabir-se para Inglaterra; e
OS Castellìanos suspeitando-o, buns se lancarao é barca, fugindo para o
Castello, outros se lancar3o a nado, e forao logo apanbados, e preios
pelos Portuguezes da Cidade; e o navio Inglez se sahio logo, e deo com*
sigo no porto da Villa da Praia, e d'abi para Inglaterra* deixando ao
confiado Mestre de Campo sem o dinbeiro, sem os mantimentos que Die
tirou, e sem aquelles soldados que se Ibe prenderao.
CAPITOLO XXXIV
Do primeiro soccorro que veio de Castella, e foi tornado pelos nossot;
da Armada pela Illia constiiuida^ e vinda do Padre Francisco Cabrai,
363 Aos 7 de Abril, em buma ter^a feira, appareceo defronte da
Villa d9 Pi'aia bum navio, quo cbegando junto ao porto do lugar cbama-
UY. VI CAI». XXXIV 177
do Porto Judeo» foi conhecido ser de Castella ; n*elle vinlia Manoel do
Canto e Castro» filbo de outro [)rimeiro do nome, e neto de Fedro de
Castro e Canto, e bisneto de Antonio Pires do Canto, e terceiro neto do
famoso Fedro Anes do Canto, todos naturaes, morgados, e Gdalgos prin-
dpaes da dita liba Terceira, e o di(o Manoel do Canto que vinha no na-
tio» andava militando por Castella em suas guerras, e achandose em
Madrid, e sabendo o levantamento da Ilha contra o Castello., se ofTere-
ceo a Felippe II para vir compor os tumultos d'aqnella sua Illia, ondo
OS melbores erSo seus parentes, e com elles comporìa tudo. Creo-o Fe-
lippe, e entregou-lbe huma nào com Capi tao, e Filoto Fortuguezes, e
muitos soldados Castelbanos : chegado este navio ao dito Forlo Jndeo,
tomou bum batel, e lingua n'elle do estado em que estava a terra, e as-
sim persuadio aos da nào podiao desembarcar seguros ; e fazendo-o as-
8im, forSo OS Castelbanos prezos, e os Fortuguezes livres, e a nao con-
fiscada pela Uba para principio da Armada que queria levanlar; e o Cas-
tello hcou sem o soccorro.
364 Fassados poucos dias apparecerao mais duas fragatas que vi-
nbSo com avisos de Sevilba, e querendo cbegar, e fallar aos Castelbanos
Da ponta do Zimbreiro, o Capitao Affonso Comes Feres, do Reducto que
die tinba feito por aquella banda, disparou sobre as duas nàos tao boas
pecas, que as impedio cbegarem ao Zimbreiro ; e passando adiante as
ditas Dàos para o Forto Judeo, em as vendo os nossos, se embarcarao
logo muitos soldados, e varios nobres na nào em que tinba vindo Manoel
do Canto e Castro, e forao animosamente sobre as duas de Sevilba, e
por estas conbecerem o navio, ser o que tinba vindo de Castella; o dei-
xarSo cbegar tao perto, que laudando gente dentro nas duas fragatas, as
renderSo a ambas, ainda que com alguma resistencia, mas sem morte
da Dossa parte ; e notando a dous Castelbanos, e a bum corlando-lbe
barn braco, de que depois morreo no Hospital de Angra, os mais Cas-
telbanos forao prezos na cadea da Cidade, e as fragatas Sevilbanas forao
logo bem providas da nossa gente de guerra, e com a primeira andavao
esperando quaesquer outras que viessem de Castella; e as cartas que vi-
nbSo nas fragatas para o Mestre de Campo, lerSo os dous Capitaes mó-
res, Governadores nossos, e de nada entao soube o Mestre de Campo
senao multo depois.
365 Em 21 de Abril apparecerao buma nào, e bnma caravela, e
em OS nossos as vendo^ mettcrao logo mais gente de guerra nas nossas
voL. u a
178 IIISTOIUA INSIIANA
Ires rrngalas, que ostavao ancorndas nos Ilhcos, e forao sobre as.qiie vi-
iiliao ; porém chegaiulo souberao que vinhao da liba de Sao Miguel, e
traziao cartas dol-Uei D. Joiio o lY para Àngra. Vinba mais em o navio
huin Capitao dà Ordcnanca de Punta Uelgada, cbamado Dingo Leite Bo-
telho de Yasconcellos, que comsigo irouxe soldados, e d'clles fez huma
Companbia, com qne assislia no cerco do Castello, em as trincheiras de
noile, e de dia; e servio sem[)rc tao bonradamentc corno tao conbecido
fidalgo que era. E no firn de Maio seguiate veio de Sao Miguel tambem
outro Capitao, nobre. e rico, por nome Maooel de Medeiros da Costa,
e à sua custa trouxe comsigo cincoenta bomens; e andou quasi trcs me-
zes em bum navio da Armada da Uba Terceira, servindo a S. Magestade
com grandoza, e valor, comò quem era.
360 Desde mciado de Fevereiro até 25 de Abril partirao da Ilhn^
Terceira a Lisboa qualro avìsos a El-Rei ; o primeiro foi buma cararel;»
de Gaspar Marlìns, vizinbo de Angra, e a tomarao osMouros, eievarjo
a Argel. 0 sogundo foi outra caravela, que partio em Domingo de Rar-
mos, e tinba vindo das Indias. 0 tcrceiro Toi tcnu^ira caravela, que tinlia
vindo da Babia, e partio em 23 de Abril, jà depois de comecada a gocr*
ra vinte e sete dias antes. e n'ella foi com o aviso o Capilao Jo3o Tef-
xeira, e bum Religioso Franciscano cbamado Frei Antonio Paim. 0 quarto
aviso foi buina das duas fragatas, que tinbao vindo de Sevilba, e n'ella
foi 0 iìdalgo Manoel do Canto de Castro, e o Capitao Roque de Figueì-
redo com dous Pilotos da liba, Gaspar AITonso, e Manoel Godinbo; e
este (|uarto aviso partio dous dias depois do terceiro, jà em 26 de Abril,
e se dava conta de estar jà S. Magestade acclamado em toda a liha, e
0 Castello cercado, e dos suc<:essos do cerco, e que fosse servido S.SIa- |
geslacle mandar lambem Galeocs, que por mar o cercassem, eie.
367 Partido o quarto aviso, cbogou depois (ji ainda no mesino dia
2o do Abril) Imma nào Olandoza, vinda de Lisboa, que levava cartas
dei-Rei para os Capitàes móres, Camera, Cabido da Sé, e para oiilras
pessoas principaes, louvando-lhcs mnito o que tinbao obrado; e mandoa
tambem vinte e ciuco quinlaes de polvora, e oulros taniosde baia, além
do murrao, e outras munifóes, e na mesma nào mandou o Padre Fran-
cisco Cabrai da Companbia de Jesus, que jà d*antes tinba estado na
mesma liba com o cargo de Visitador da Companbia, e agora o manda-
va El-Uei por Superinlendenle da guerra conlra o Castello. E o Capitao
Olandcz cnlrogou a ordem das pazcs, qne El-Rci tinba fello com os Olao-
LIV. Vi CAI». IXXV i79
dazcs da Lintia pdfd cà; e ìogo aos 27 de AbrìI se publicarao na praca
com loda a solemnidade militar ; e o mesmo Capitio, e nào Olandeza,
ficou a soldo tomada para andar com a Armada da liha, que com mais
oatrd nào Olandeza que velo do Palai, e outra das Indias que tambem
do Faìal veio, chegou a Armada a onze nàos, que su^tentava, e pagava
a Uba Terceira, e'sperando as contrarìas que de Caslelfa viessem em soc-
corro do Castello»
CAPITULO XXXV
De varios rehales, -e choqnes que honve eniào n*e$te cerco, e do scfjunJo
soccorro de Cartella, que Angra tomou ao Castello.
308 Em 2 de Maio, quinta feira As onze horas do dia, saiiio da
Fortaleza o Casteihano commettendo as nossas trincheiras a mosquetas-
808, e (iros de artelharia; mas foi tal da nossa parte a reposta de humas,
e outras balas» que o inimigo se retirou com dous soldados murtos de
homa peca de artelharia, que disparou o Capitao Affonso Comes Peres
do sea Reducto ; de que sentido o inimigo, logo em o mesmo dia às
onze da noite, tornou a sahir com tal furia, que durou o combate duas
horas inteiras, até entrar o dia da Vera Cruz na sesta feira, em a qual
Ilio so com innumeraveis tiros de huma, e outra parte, mas com pes-
soaes, e continuos encontros, a lanca, e à espada, em que da Companhia
do Capit3o Vital de Betencor chegou hum Alferes seu, por nome Ma-
noel Comes, com huma esquadra sua, a levar diante os Castclhanos até
0 seu fosso do Castello, aonde ninguem tinha chegado, e com tal valor,
e tal successo, que nem morto, ncm ferido houve entao da nossa parte»
chovendo continuamente tanto as balas, que da artelharia derao muitas
no fronteiro Convento de S3o Confalo, e Ihe flzerao grande damno, po-
rém (milagrosa cousa!) dando huma baia de doze libras em huma pare-
de de pedra, e cai, e de grossura de tres palmos, e furando a parede
por onde estava hum paìnel de Santo Antonio, cahio a baia em baixo
entra caligas, e pedras que comsigo levou, e o painel flcou illeso, e em
sima, comò d*antes; cousa que os que a virao, julgarao por milagrosa.
369 Assim continuava a guerra d'este cerco, e tao porGada, e tra-
balhosa, que ncm de noite, nem de dia se parava n ella ; e em 20 do
mesmo Maio, dia da Santissima Trindade, commetteo o Castello as nos-
sas trincheiras com tal furia, que durou està peleja toJa a noite alò pela
iSi) IIISTOIUA INSt'lANA
nianlia sem dcscanso algiim, e morrerao dous nossos, e tres TicarSo fe-
ridos, e ainda mais dos seus, sem poder saber-se o numero : e logo no
seguinle dia o valoroso CapitSo Joao de Avila com loda a sua Coropa-
nhia foi por huns campos de trigo que ficao debaixo da artelharia do
Castello, e com tal reparo da mosquetaria, que cbcgou a bum Reducto
do inimigo» e o investio de tal sorte, que o entrou, e desfez, sem pode-
rem mais servir-se d'elle ; e fot està buma das mais perigosas» e arris.
cadas batarias, que bouve n'esta guerra. E n*este tempo levantou Angn
duas Companbias de Aventureiros, e por Capitàes a bum Fedro de De-
tencor, naturai da Uba da Madeira, e a outro Joao Ibre, filho de Belchior
Macliado de Lemos, com soldo de quatro mil réis ao prìDcipio, e tre&
vintens cada dia : logo bum Jo3o da Fonseca CbacSo, contratador rìoo»
levantou a sua custa outra Companbia com soldados que fez vir das lihas
de baixo.
370 Aos 29 de Maio cbegarSo a Villa da Praia dous navios Fran^
cezes de Lisboa, e em bum d'elles vinba Roque de Figueiredo, qne tt*
nba ido de aviso, e bum Corregedor, por nome Manoel Figueira Uelga*
do; e com elles vierao cincoenla quintaes de polvora, e multo murrào,
e balas de artelbaria, das quaes bavia ja falta, pelas muilas que conti-
nuadamente se gaslavao ; e juntamente vierao cartas de S. Magestad^
assim para a Camera, e (ìapitaes móres, comò para as maiores pessoas,
com grandes agradecimenlos de sustcntarem tal cerco i)osto ao Castello,
e com grandes promessas de soccorro, e de premios, e despaclios, aos
que tanto os moreciOo; e isto so bastou para todos se animarem a con-
tinuar 0 cercai, e a perder fazendas, e vidas por conquistarem a fortale-
za: tanto anima o premio a soldados!
37 1 N'esle tempo lidava jà o Visitador da Companbia de Jesus, o
Padre Francisco Cabrai, comò Superi ntenden le da guerra, do dar noticia
ao Mestre de Campo do Castello das ordens que trazia de S. Mageslade
para Ibe communiciìr, e por mais escritos qne fez langar no fosso dos
Caslelbanos, de nenbum leve reposta, até qne com conselbo dos Capi-
tàes moros, e outras pessoas do governo, mandou bum mulatinho do
Capitao Manoel do Canto Teixcira da Villa da Praia, e das nossas trio-
cbeiras sabio com tambor, e bandeira branca, e recado por escrito, e o
vierSo tornar junto ao seu fosso alguns soldados Castelbanos, e o leva-
rao com roste tapado ao seu Mestre de Campo, em 31 do mez de Maio,
e i)or bum Sargento, e i)ur escrilu mandou logo o dito Mestre de Cam-
UV. VI CAP. XXXV 181
pò reposta, qne se enircgou ao CapiUSo Jo3o de Avita, qae eslava na
frooleìra ; e em 2 de Junho veio do Castello o seu Tenente abaixo com
0 Alferes D. Fedro Ortiz de Mello, e da parte da Cidade Ihes sahirao
Sebastiao Cardoso Macbado, e Thomé Correa da Costa, (pessoas princi-
paes da Cidade) e na guarita acima da Boa Nova, Ihes mostrarao as or-
deos de S. Magestade, que ao Mestre de Campo, entregando o Castello,
0 fazia Conde em Portagal, e com dez mil cruzados de renda, e outros
partìdos ao Tenente, e Alferes do Castello ; e communicando tudo ao
Mestre de Campo, dizendo que havia dias sabìa da offerta qne se Ihe
fazia, mas que nSo cabla em sua pessoa, etc. E assim fìcou a guerra
corno d antes, e nem parou nos dous dias d'estas embaixadas, senao so
Das horas em que hiao, e vinh3o ; e nem em 30 de Maio se fez a prò-
cissao de Corpus Christi, mas sómente a festa em a Sé, onde prégou o
dito Padre Yisitador da Companhia; e de tudo logo veio aviso a S. Ma-
gestade a Lisboa em 5 de Junho.
372 Continuando o mez de Junho, e ja aos 20 d'elle, a huma bora
depois do meio dia chegou nova a Cidade, que da banda da Villa de Sào
Sebastiaio estavao dous navios de Castella, e tinh3o deitado jà gente em
terra, aonde chamavSo o Porto das mós ; o que ouvido, mandarao logo
0$ Capitaes móres gente de cavallo, e tres Companhias de Infantarla; e
da Villa da Praia acodirao outras tres, e huma da mesma Villa de S3o
Sebastiio, e outra do lugar do Porto Judeo, as quaes oito Companhias
linliao mais de setecentos homens, além dos de cavallo ; e logo manda-
nio aos navios da Armada da liha fossem sobre os de Castella, corno fi-
zerao logo. Os nossos da Uba acharao jà a trezentos Castelhanos forma-
dos em terra, e come o Capitao mór Francisco Dornellas da Camera,
(que era bum dos dous Governadores) tinha tambem acodido, quizerao
logo OS nossos investir, e destruir aos Castelhanos, que vendo em terra,
e por mar tao superior poder, sem puxar nem por espada, no mar, e
oa terra se entregarao, com Ihes darem so as vidas.
373 Foi tanto mais importante està vitoria, quanto sem sangue,
cu ferro, e so com apparecerem alcancada, e sem parar Angr^ com o
cerco, e conquista de Castello, nem este com sua artelharia, e investi-
das abaixo : e ainda mais, porque ficou privado o Castello nao so dos
mantimentos. mas das muni^oes, e gente que os navios Ihe traziao, que
so de polvora er3o cento e cincoenta quintaes, e outros tantos de mur-
rao, e muito chumbo, muitas armas, piques, e instrunientos bellicos.
182 IIISTORI^ INSULANA
Por Cabo da soldadesca vinha bum D, Luis de Viveiros, irmuo do Mes-
tre de Campo do Castello cercado, e dous Capitaes mais com suas mu-
Ihcres, e Glhos, e com seus Alteres» e Sargeatos, e bum Corregedor
Portnguez para a liha, e todos» tomadas as armas. forao prezos n'aquella
»oite para a Cìdade; e o Cabo D, Luis foi ievado para o Castello de Sao
Sebasliao com huma pataca cada dia para seu sustento; e o Corregedor
no Convento da Graca com bum Clerigo Castelbano que tambem vinba,
cbamado o Padre* Guizaro^ Da soldadesca forao logo duzentos e ciocoeo-
la passados a Sao Miguel, outros para a Uba de Suo Jorge, oulros a
Lisboa» e a oulros dividirao pelas Villas» e Lugares da mesma IlbaTer-
ceira.
37^ Na vespei*a do successo sobredito tinluo cbegado de Suo Mi-
guel duas nàos para andarem com a Armada de Angra, e alguns solda-
dos com duas pe^as de bronzo, e algumas Tarinlias; e aos 21 do dito
Junbo cbegarao de Lisboa a Villa da Praia dous navios Prancezes a car-
regar de trigo, e n^etles cartas de S. Magestade para os Capil3es mures,
e para o Collegio da Companbia de Jesus, nas qjaes agradecia rauito a
dita Uba a lealdadc» e valor com que se bavia do cerco da Fortaleza^ di-
zendo que tinba a tal Uba nas (neninas de seus ollios, e que contiuuas-
s.*m em tal cerco até elle acodir, o que faria logo, pois fica va ordeQando
liuma niio de municoes» e atraz d'ella mandarla buma Armada de soc-
corro; e a todos pagaria bera seus servicos,
373 E cbegados os i2 de Julbo, cbegarao laml>em à Terceira, e de
Lisboa, bum pataxo» e buma caravela com repelfdas cartas de Sua Ma-
gestade para i Camera, e governo de Ai^ra, dieias de agradecimentos,
e novos ollerecimenlos de mercés; e aos 17 do mesmo mez a[)ortou na
Villa da Praia buma nào Olandeza» vinda tambem de Lisboa, e n'estas
tres embarca^)es vierao sete Capitaes com seus oilìciaes, e o priocipal
d*elles era Pedro de Castro do Cauto» filba de Diego do Canto e Castro,
fldalgos a'Uuraes da mesma Angra ; e com elles vierao quatro pecas de
l^rouze, Imma de baia de 41 livras, outra de 2a e outras de menor ca-
libre, e cincuenta q'uinlaes de polvora, e duzentas e cincoenta balas, e
muito cbumbo, quantidade grande de murrao, duzentas pés, trinta pi-
cai*etas, dusentas enxadas» qualrocentas espadas, etc^, e tudo era neces-
sario, porque a guerra nào cessava nem de dia, nem de noUe» e todas
as mnnivucs de guerra eram poucas por se gaslarera logo.
LIV. VI CAP> x,\xvi 183
CAPITILO XXXVI
Jh aviso que o Castello mandava a Castella, que Ih'o tomou a Cidade;
e de outros successos d'este cerco.
370 Vendo-se o Castello fortemente apertado da Cidade, e tendo
lantas enxarcias dentro em si, fez là buma embarcac3o para avisar a
Castella do aperto em que se via; e logo por lium negro do dito Pedro
de Castro do Canto, que do castello velo a cidade fugido, se soube n'ella
do tal intento, e logo a cidade poz no mar a Armada de vigia; e em 12
de Juiho ao romper da manha langou ao mar o castello, pela ponta do
Zimbreiro, a sua embarca^Sio com dez castelhanos n'ella; porém buma
das nossas embarca^^s, que era a de Francisco Quarte, o Sardo de al*
canha, e do Piloto Louren^o Rodriguez, com soldadesca, e dous Falcoes
de bronze, virao, e seguirlo o castelbano aviso, e jà o nao poderao al-
cancar senao trinta e cinco legoas ao Sul da liba, e investindo logo a
embarcacao castelhana, ella logo se rendeo, e a trouxe o dito Sardo, e
a entregou aos Capitaes móres da guerra; e postos os castelbanos a per-
gantas, descobrirSo todo o aperto em que a praca estava jà; forao pre-
zos, e mandados com outros mais prezos castelhanos para a Uba de S.
MigueL
377 Feito isto, mandou o Mestre de Campo da Fortaleza bum tam-
bor abaixo com recado, e levado na fórma de guen*a aos Capitaes mó-
res, se entendeo que vinha mais por espia, a saber se ifb verdade era
tornado o seu navio de aviso, e se eslavao prezos seu irmao D. Luis, e
0 Padre Guisarro ; porque assim o diziao os nossos soldados das trin-
cheiras. Mandarao os Capitaes móres levar com rosto tapado ao dito
castelbano enviado, e mostrar-lbe os ditos prezos: e certifìcado o Mestre
de Campo, tornou a mandar outro recado, cbeio de amea^as de sua ar-
leliiaria, e suas balas ; ao que se llie respondeo, que balas, e artelbaria
tinba tambem a cidade, e que nao tornasse a mandar recados semelban-
tes» porque nao lomaria (|uem os trouxesse.
378 Em dia de Sao Joao Baptista, e em nìemoria do nosso Rei D.
Jo3o 0 IV se fez em toda a cidade, e nas trincbeiras tao grande, e mi-
litar festa de artelbaria, arcabuzaria, foguetes, e invencoes de fogo, e
tantas bandeiras se arvorarao de mais, que os do castello se persuadirao
qiie os nossos n arinella noite queriao dar assalto a Fortaleza; e nem de
184 inSTORIA INSLXANA
dia, nem de noilc parou a artelharia, e arcabuzaria de huma, e outra
prie, ale que pondo os nossos huma boa pcga na trinclieira da Ermida
da Boa Nova, e disparando-a de repente centra a trinclieira inimiga que
ostava em a guarita dos alemos, nao obstante ser de telha, e ter reparos,
tal estrago Tez niella, que matando-llie dous homens, e ferindo a muitos.
logo a desempararào os cnstclhanos; porénoi succedeo logo, que pegando
por duas vezes, e por desaslre o fogo nas nossas Irincheiras, e acodindo
todos OS nossos a apagal-o, clìoveo tanta artelbaria, e mosquetaria sobre
elles, e da nossa parte sobre os castelhanos, que durou a bataria até toda
a noite, e foi huma das maiores quoliouve neste corco, mas o fogo se apa-
gou, e Sem morte de algum nesso.
370 Seguio-se logo vir fugido lium soldado do castello a metter-se-
com OS nossos, e pouco depois oulro, e levados ambos aos CapitSies 1116-
res, separados confessarao, e 0 mesmo cada bum, 0 aperto em que eslav^
0 caslello, que de gente que pudesse tornar armas, so tinlia la'zentos ho-
mens; de polvora, e muniQues ja nem metade; de mantimentos muitos si^
perderao, 0 trigo com 0 gorgullio; de vinbo liavia ja muito poucOp equo
cbegarùo a matar tres jumentos, que servuio, e os comerao, e dos oou-
ros faziào seus sapalos, eie, 0 que ouvindo osCapitaes mùres» manda-
rao a cada bum dar seis mil réis para se vestirem, e melo tost3o de
soldo cada dia.
380 Aos "lit de Jultio se levantou lai maritìma tormenta, de Xor-
deste, e tao furiosos uiares, que nunea iguaes se tinbào visto: da nossa
Àrmada ancliorada aos lllieos, alguns navios se levantarào a véla, outros
lìcarao abrigando-se, e ainda bum se virou, e com fazenda dentro, e
dous dentro do porlo derào a costa, que biào para S. Miguel ; e barn
que vinba do Pico, se perdeo na Ponla de S. iMatheos: e durou està &•
tal tempeslade, com cbuvas, e furiosos ventos sobre espantosos roaa'S,
qua'iro dias, e noiles, seni parar ueni de nulle, uein de dia; e comtudo
preveniudo os nossos, iiào viessem os Casleiliauos ao proximo a elIcs
Purtinbo novo a buscar nauri'aganles, e madeiras, ludo Ibes preoccupa-
rao. pondo fogo a ludo, e nem por isso parava, nem aqui, nem nas trio-
cbeiras 0 continuo combaie de artelbaria, mosquetaria, e lanca.
381 Succedeo porém em 0 primeiro de Agosto, que estando em
buma trincboira 0 Capitào Ballbesar da Costa Pereira, e tendo dado li-
cenra a muitos de seus soldados pura virem à Cidade, e as seutinellas
poslas a dormir, desceo bum Sargento do Castello a observai-, e vendo
LIV. VI CAP. XXXVI 18S
0 descuido, e voltando com quasi setenta homens, derao na Companhia
do dito Baltliezar da Costa com tal repente, e furia, que Ilie matarao
quatorze soldados, e ferìrao sete, ou oito, e ao dito Capitao deixarao
por morto com seis, ou sete feridas crivado : acodio porem o Capitao
Constantino Machado com o seu Aiferes Manoel Cordeiro Moutoso, que
estavio àlerta em outra trincheira vizinha, e de tal sorte deo està Com-
panhia sobre os Castelhanos, que dos nossos morrerao so sete, e outros
lete ficarao feridos, e fìzerao retirar ao inimigo com morte de tres, e
mnitos feridos, e ainda da outra Companhia descuidada levarao prezo o
Strgento, e dous soldados; mas a que acodio, nao so os livrou de mor-
rerem todos, nem so fez retirar o inimigo, mas ainda Ihe matou, e fe-
rie tanlos, que do Castello o Mestre de Campo mandou logo.pedir quar-
tei para enterrar os mortos, e os jiossos de enfurecidos Ufo negar3o; e
alBnna a dita Relac3o no cap. 13, que ao dito Capitao Machado, e ao
Aiferes Cordeiro se deve està defeza, e final viteria; pela muita vigilan-
da» animo, e valor com que acodirao n^esta occasiao, e o tinhao sem-
pre mostrado n este cerco, e se ve ainda hoje no capacete, peìtos, e es-
paldares do Aiferes, que mostrào as cutiladas, e langadas que aturou, e
lego OS Capitaes móres melhorarao as sentinellas, e reformarao as guar-
das das trincheiras, pelos motins que o povo levantou.
382 Em 0 mesmo principio de Agosto de d641 chegou de Ingla-
terra carta dos Embaixadores Portuguezes que là estavao, para cs Jui-
KS, e Vereadorcs da Cidade de Angra da llha Terceira, e diz assim:
383 f Nao podemos deixar de dar a essa llha, e a V. M. S. em
sea nome, os parabens do modo com que tem procedido centra os Gas-
Idbanos, que occupao a Fortaleza de S. Felippe, porque as novas que
chegario a este Reino de Inglaterra, aonde ficamos por Embaixadores
d*el-Rei nesso Senhor, do valor, e Qdelidade dos moradores d'essa llha
Dà occasiao presente, posto que bem conhecida em outras passadas»
acreditarao nao so a eìles, mas aos Portuguezes em geral, que devemos
todos dar-lhes as gragas particulares por està facgao, da que sabemos
primeìro pelo Padre Francisco de Jesus, naturai d'essas Ilhas, que aqui
vaio ter com o seu Gustodio, e fica em nossa companhia fazendo alguns
8ervì(^ a Deos. V. M. S. terao jà notìcia das mercés com que Deos
em Portugal vai continuando està obra sua: d'estas partes do Norte fa-
zemos saber a V. M. S. que temos assentadas pazes com este Reino de
Inglaterra, e com Franca, e fkollanda estao ]& capituladas; e assim para
186 HISTORIA INSULANA
lograrmos perfeita liberdade esperamos brevemente aviso de estar ga-
nliada essa Fortaleza, no que ainda que haja dìfDcoIdade (que he noto-
ria) nao póde faltar firn venturoso do que teve principio feliz, e mais
quando o successo esìA librado nos bragos de taes Portuguezes, qae
Deos guarde» etc. Londres 4 de Juiho de 1641.
D. Aniào de Almadm.
Aos Juizes, e Vereadores da Cidade
de Angra, liba Terceira.
Francisco de Andrade Leiidp^
CAPITULO XXXVII
Dos successos d'este cerco desde o firn de Agosto ati o firn
de Novembro.
384 Aos 18 de Agosto puzerao os Governadores no Reducto doto»
.acima de Santa Luzia, (lugar imminente» posto que distante do Castello)
puzerao duas grandes pc(^s, huma de 44 de calibre, e outra de 25» è
de cada buma flzerao dous tiros ao Castello às tres da tarde» e por nio
saberem ainda o que cursavao» se vio dar bum tiro no campanario da
Fortaleza, o qual està sobre as muralbas, e malou bum Castelliano, e
fedo outro; a outra baia deo na galaria do Mestre de Campo, e Ibe fez
notavel damno; e logo na manba seguinle veio fugindo bum soldado do
Castello» e nuo so contou o referido, mas o estado miseravel em qoe o
Castello estava, e da nossa parte se dobrarao as vigias, e guarniQues dm
fronteiras, ou trincheiras, pela temeridade com que podilio sabir, de»
sesperados jà.
383 No mesmo Agosto em os 28 cbegou buma nào Franceza, qoe
andava a corso, com quasi cem bomens de guerra, vinte e quatro pe*
cas, e tudo o mais necessario, e tendo no mar noticia da guerra que a
Uba tinba dentro em si, se Ibe veio oflcrecer a soldo, e logo Angra con-
tratou com a dita nào, que se ajuntasse, e servisse em a Armada da liba,
e cada mez Ibe dariao duas mii e duzentas e cincoenta patacas, e a néo
se melteo logo debaixo da Armada de Angra, e o mesmo contratóu com
outra nao Ilollandeza, que da Madeira se veio a Terceira militar a sol-
do, com que a Armada da Uba jà Ibe segilVava o mar : e para o cerco
UV. M CAP. XXX VII 187
da ForUleza» ainda para a presidiarem depois de rondidn, vinha das ou-
tras libas concorreDdo & Terccira muita soldadcscn, e so das Flores, e
Corvo vierao mais de sessenta soldados, que em lìuma caravela trouxo
oKbtoLourenco Itodrigues; e huin fìdalgo dosdoAngra, JouoMendcs
de VascoDcellos, levantou huma Cornpanhia mais à sua custa; e as nos-
sas trincheìras se rerormaruo tanto de fortissimo pào piqué, e tanto se
riiegarao a muralha do Castello, que ja a sua artelharia nào podia a ellas
W tiro ; e tal vallado se fez entre nós, e a muralha, que nem de pò
iX)diào jà OS Castellianos chegar as nossas trincheiias, e so mosquetaria
seJQgava continuamente de huma, e outra parte.
386 Em 3 de Septembro chegou- caravela de Lisboa com bum Ci-
didào de Angra Joao Teixeira, e cartus del-Uei para os Capitaes móres,
esómente nrdens que sustentassem o sitio, e promessas sòde remette*
rem soccorro, e novas das treicoes, que em Portugal se descubrirao.
Ooscercados porém veio i Cìdade noticia, que até dia de S. Miguel o
Adjo esperavao soccorro de Castella, e nao vindo tratariao entao de bons
partidos; e entendco-se ser isto,^ sóquerer que nos descuìdassemos, por-
qoe na noite da vespera do Anjo vierao com silencio, e segredo grande,
^ar fogo as nossas trincheiras; mas os nossos, jà bem destros, nao so
spagarao logo o fogo ; mas com arcabuzaria, e mosquetaria carregarào
tanto sobre os Castelhanos, que seni morte alguma da nossa parte, se
^Iìfou 0 inimigo mais depressa, e bem ferido.
387 Cbegado o mez de Outubro fez a Cidade mais quatro Compa-
iihias de nobres, de que os Capitaes forao, dous da Cidade, Diego do
^nto e Castro, e Cliristovao Borges Macbado, e dous da Villa da Praia,
^bastiao Cardoso Macbado; e Francisco de Andrade, e se Ihes fez huma
Krande barraca de telha no campo das Covas, encostada ao muro do
invento de Sao Gonzalo, e cada Companbia estava vinte e quatro bo-
^, e ronda sempre, e vigia as trincbeiras, e sintinellas d ellas; e muito
% emendou com este ardid.
388 Aos 19 do dito Ouiubro apparecorao tres nàos, a que os da
Fortaleza flzerao logo Sinai desde a ponta do Zimbreiro, e receberao bu-
ina barca com doze bomens ; mas do Castello de Sào Scbastiio nao so
impedìrao mais o uso da tal barca, mas Gzcrao fugir as tres nàos, e so-
bre ellas mandarao outras tres da Armada da liba, refoiniando-as com
municues de guerra, e demais cento e cincoenta soldados, cuidando que
as tres vindas seriào soccorro de Castella mandado ao Castello : porém
188 niSToniÀ insulanà
intervindo a noite desapparecerlio as trcs primeiras ndos, e soubcrao a$
nossas, por huma barquinba, que do Castello voltava para as suas nàos
com cinco homens dos doze que tìnhao entrado no Castello» souberao
sereno Ilollandezas as tres nAos, e de commercio, que vinbao da Uba de
Suo Christovao em as Indias de Castella, e enganadas do Castello, sem
saberem o estado em que elle estava com a liba, sabendo-o se auseo-
tarao.
389 No mesmo tempo se mudou este, e choveo, e ventou tanto,
que huma das nossas naos deo i costa na praia de Sao Matlbeos, e sai-
vando-se a gente, se perdeo o casco, e a carga que jé tinba para ir para
Lisboa. E n'este mesmo dia veio bum soldado Tugido do Castello; e aos
25 de Outubro, no Portinho novo, se Ibe tomarSo dous soldados» qua
levados aos Capitàes móres, e póstos a perguntas, unanimemente con-
fiBssarao todos a ultima miseria, em que o Castello estava, e que so até
0 Natal Ibe poderìuo chegnr os multo limitados mantimentos, e que ji
chegavao a comer ratos, e outras immundicias, e vestidos jà nao tinltio,
nem mais que até trezentas pessoas que podessem tomar armas; e vindo
aos 20 do mcz cartas dos sete Hollandezes, que no Castello tinliao sido
apanbados enganadamente, pedindo os resgatassem, se Ihes respoodeo,
que viessem para baixo, e ce os tratariam bem, e nlio Unb3o sido causi
de seu cativeiro, para os deverem resgatar.
390 Em 28 de Outubro veio fugindo outro Castelbano, outro em
dia de todos os Santos, e carta do fidalgo Pedro de Castro do Canto que
a estava cativo, e doente, pedindo mantimentos, e nao se Ibe deferio:
e aos 6 de Novembro vierao mais dous fugidos para baixo, cr confessa-
ruo demais, que ja Ticavao no Castello mais de quarenta doentes, e oo-
tros que de fomc, e fraquoza ja nao podiào andar. Dos 9 até os 12 de
Novembro vierào mais quatro fugidos, e pelas trincbeiras se declarou ao
Castello, que jà nao tinba que esperar soccorro, pois Ibe tinhao tooiado
0 aviso que liia a pedil-o; e os Castelbanos certificados d isto desmaiario.
391 Quinta feira 28 de Novembro cbegou outro aviso de Lisboa
com cartas de S. iMagestade, que se estavao aviando doze navios com
mil e qtiinbcntos homens, e seu General Tristao do Mendoca Furtado, e
que se sustentasse o cerco até sua chegada. Logo a 3 de Dezembro os
Capitàes móres, com voto por escrito dos mais Capitàes, requererao tam-
bem por carta ao Mestre de Campo do Castello, mandasse abaixo refens
nobres para tralarem negocios de importanza. Respondeo, que sitiados
LIV. VI GAP. XXXVIU 180
nSo costamavao; e que, se queriao algunoa cousa, a communicasscm por
esento, e responderia; e nao se tratou mais de tal intento.
CAPITULO XXXVIII
Das investidas qu$ os npssos fizerào aog Reiuctos Casielhanos, e da$ em-
iaixadas^ escritos, e pessoas^ que o Yisilador da Companbia de Jesus
fez ao Castello.
302 Dia de S. Nicolao, 6 de Dezembro, ds sete horas da noite, sen-
do asta beni escara, tenebrosa, e de chuva, o Capitao Francisco Pires
de Avila, naturai da Graciosa, e o Capitao Antonio Nogueira de Araujo,
e JoSo FalcSo, Sargento mór da llha de Santa Maria, e bum D. Yicente»
e Manoel Xodré, Sargento do CapiiSo Galor Borges da Costa, com dous
Gastelhanos avindos, e buma boa manga de Aventureiros, e subita, e
intrepidamente investirlo com bum Reducto dos Castelhanos, e malandò
lego seis troQxerao sete, e n3o obstante se dispararem da muraiha qua-
tro pedreiros sobre clles, nenhum perigou, e so dous forao teridos ie-
Temente ; e nao querendo render-se bum Castelhano, houve Portuguez
que se arreme^ou a elle, e o tomou às costas, e o trouxe perneando até
as nossas trincbeiras, e todos forSo mettidos na cadea.
393 Em outra noite, de cbuva tambem, e escura, 28 de Dezembro,
for3o dar os nossos de repente em outro Reducto Casteibano, e cativa-
rio dous, que levados a perguntas disserao o mesmo que tinhao dito os
mais antecedentes; e logo tornarao os nossos a outro Reducto Castelba-
DO^ e trouxerao outro inimigo : o que vendo' os do Castello, desempara-
lio todos seus Reductos, e se fecharao dentro da Fortaleza« sem d'ella
mais sahirem, e os nossos derao com tal furia nos Reductos, que os ar-
razarSo a todos, e até as madeiras llie trouxerao, para as queimarem em
nossas trincbeiras pelo borrendo frio que n'aquelle anno, e tempo entao
fazia; porém vigìando sempre em suas trincbeiras. E entao mandalo os
nossos CapitSes móres embaixada ao Mestre de Campo, que largasse lo-
go 0 Castello comò El-Rei D. Joilo o IV o mandava. Respondeo que ti-
nha dado d'elle bomenagem a El-Rei Felippe, e que primeiro havia mor-
rer entre as balas.
304 Ent3o os Capitaes móres com o Padre Visitador da Companbia
de Jesus, no seu Collegio Gzerao varias juntas, e conselbos, e assentarao
100 HISTOIUA INSULANA
eie dar assalto ao Castello por mar, e por terra; para o que Gzerao qua-
renta escadas para a muralha da terra, muitos, e muito fortes barcos
para por mar assallarem em o mesmo tempo, e tudo o mais necessario,
e convocando as milicias de loda a liha, desencerrarao o Senlior na Sé,
em 0 prlmciro de Janeiro de 1612 prégon o dito Padre Visitador, e se
mandou a todos confessar, e comniun<(ar, e se passarao as ordens par-
ticiilares ; e por escrito a todos os Cabos, para aos 3 de Janeiro se dar
0 assalto por loda a parte, de mar, e terra, no mesmo tempo ; porém
comò 0 mar no tal dia se alterou de sorte que impedio o assalto mari-
timo, e se suspendeo o da terra, e so nos 6 de Janeiro hoiive bum bra-
vo choque ao pé da muraiha, mas sem mortes de parte a parte, e se
tomoli nova resolucao de Ihes deixarem acabar os mantimentos, e ter-
iiarem-se a propòr alguns bons partidos, com quo se entregassem.
393 Em 30 de Janeiro cscreveo o Padre Visitador da Companhia
de Jesus ao Mestre de Campo do Castello a carta seguirne:
cPouco depois que vim a està Uba enviado por El-Rei D. Joao, dosso
Senhor, escrevi a V. M. com os senborcs Capitaes mórcs d'ella, procu-
rando pelos que tratamos encaminbar a reduccao dessa Fortaieza sem
rigores de guerra, e com commodidade de V. M. e seus Ministros, e
comò se nào conseguio o eflfeito que pertcndi em cumprimento das or-
dens del-Uei, nao passei adianle: comtudo vendo agora que estes fidal-
gos tem cessado com as diligencias ordinarias em sitios scmelhantcs ao
em qne V. M. està, me parecc fazcr nova lembranfa a V. M. da parte
de S. Magestade, para que visto o estado das cousas, e o aperto em que
me consta estar por falla de mantimentos, e enfermidade da sua gente,
Irate V. M. de enlregar essa Prafa, pois be dei-Rei D. Joao, nosso Se-
iibor, feita em suas terras, e com dinheiro de seu patrimonio, para quo
assim ccssem maiorcs damnos, e V. M. possa sabir d'està Uba com boa
passagem que dcsejamos, levando em sua companbia a sua gente, e ao
senbor D. Luis de Viveros, satisfazendo-so com ter da sua parte procc-
dido com tanto valor, e ventagem, em tempo que n'este Reino, e suas
Gonquistas nào ba Praga, que nào esteja sugcita a S. Magestade que Deos
guardo. E crea V. M. de mim, que tanto me move a isto o servirò do
dito Senbor, conio o de Deos, e quieta? ao de V. M. e certcza de que se
isto se dilatar, bao de succeder ruinas, que nao poderei atalbar, e por
nao me mostrar favoravel a nossa parte, nao digo a V. M. o muito quo
LIV. VI GAP. XXXVIII 191
pudera dizcr em razao disto : e tornei licenga, com a de V. M. pjira es-
crever a quo sera com està a D Pedro Ortiz de Mello, que V. M. me
Tard pcrmittir se llie de, por satisfazer a huma obrigacao de qne me en-
carreguei. Guardo Deos a V. M. comò desejo. Angra 30 de Janeiro de
1642.»
Francisco Cabrai.
396 Foi està carta por hum Sargento nosso com tambor ; e por
outro Sargento com tambor da Praca veio a reposta seguinte :
«Reconozco el zelo con que Vueslra Paternidad trata las matcrias con-
tenidas en su jcarta; pero son tales, y tan graves, que no se pueden tra-
tar por cartas, mas a boca : trate Vuestra Paternidad los medios qne
para esto puede haver, para que assi se disponga-lo que mas conveniere
al servicio de Dios, y de S. Magestad. Guarde miestro Sefior a Vuestra
Paternidad. Caslillo de San Felippc, a 31 de Enero 612.»
Don Alvaro Viveros.
397 Com està rcposla se rcsolveo o dito Padre Visìtador a ir pes-
soalmente fallar ao dito Mestre de Campo, e debaixo de refens, que fo-
rgio 0 Capitao da artelliaria do Castello, e o Àlferes D. Pedro Orliz de
Mello, que ficarao em as nossas barracas entro os nossos; e o Padre Vi-
sìtador com seu companheiro o Padre iManoel Monteiro, que depois foi
Provincìal de Portugal, forSo ao Mestre de Campo, que os estava espe-
rando em mais de meio caminho, em o posto que chamSo, a Estrada
cuberta, que he por onde os Castelhanos desciao aos seus Reductos; ali!
veio acompanhado de Chrislovao de Lemos de Mendoca, e de Joao de
Espinola, e de seu Veador, e Pagador, e sentados todos em cadeiras
qne para isso tinhao vindo do Castello, tiverao tao larga pratica, que du-
rou até tarde, e sem se concluir cousa alguma; e so se assentarao tre-
goas por seis dias; e se voltarao os Padres com os seus refens, debaixo
dos quaes tres vezes voltarao os Padres atè os onze de Fevereiro, e aca-
badas estas tregoas, tornou logo a Fortaleza a cliover balas sobre a Ci-
dade, e està a corresponder-llie, e apertal-a cada vez mais, e de Lisboa
vicino dous avisos, mas avisos so, e nao os soccorros promcttidos, son-
do onze ja do Fevereiro.
1!)2 msToniA iNsriJiNA
CAPITOLO XXXIX
Da ultima resolucdo da FortalezOj e conclusilo de sua entrega^
e estado em que ficon a Terceira.
398 Em 24 de Feverciro, dia de S3o Matliias, veio a Cidade em-
baìxada do Mestre de Campo da Fortaleza com duas cartas, huma para
OS Capitàes móres, outra para o Padre Yisilador da (ìompanhia de Jesus,
dizendo que tinlia de tratar cousas importantes, e que debaixo do estylo
costumado se vissem. Aos 25 veio abaixo o Capitao da artclharia da For-
taleza, e 0 Alferes d'ella D. Pedro, e pararao na Baraclia, estando loda
a nossa gente militar com as armas nas maos, e em tal ordem, que os
Embaixadores se admirarao de ver tuo luzida gente, e posta em tSo mi-
litar, e prompta ordem: d alli partirào da nossa parte para a Fortaleza
Sebastiào Cardoso iMachado, e o Capitào Jorge Correa de Brito e Mes-
quita; e os Eiiviados da Fortaleza forao levados aos Capitàes móres da
Cidade. E o que destas juntas resultou, foi huma tregoa de quarenta e
oito lìoras, para n'ellas se tratar dos capitulos da entrega da Fortaleza.
399 Aos 27 de Fevereiro, durante ainda a dita tregoa, veio o Te-
nente da Fortaleza, e o sobredito Alferes I). Pedro, e em refens da nos-
sa parte forao o Capitao Diogo do (^anto e Castro, e o Capitao Francis-
co Pires de Avila, da Uba Graciosa, e os da Fortaleza apresentarSo os o
pitulos do que pediào; que vistos pelos Capitàes móres da Cidade, de-
terminarlo, e mandarào o que se Ibes havia conceder. Em o primeiro de
Marco tornarao abaixo os ditos Tenente, e Alferes, e da nossa parte ad-
ma forao o Capitào Cbristovao Borges Machado, e Pedro de Betencor,
Capitao de Aventureiros; e n'estas idas, e vindas, e sempre com refens
de parte a parte, e a milicia sempre com as armas nas maos, se gasia.
rào OS dias até os 4 de Marco.
400 Em 0 dito pois quarto dia de Margo se assinarao de parte a
parte as capitulacues da entrega da Fortaleza, e nem palavra diz mais a
Uela^ao que atéqui fomos seguindo, recopilando a substancia do princi-
pal, que traz em vinte e seis capitulos, escritos n'aquelle tempo, ha mais
de seleuta annos; e posto que nella nao se assina Author algum, d'ella
se collie ser homera secular, ser verdadeiro, e liso, sem se Ihe notar
paixao a parte alguraa, pelo que a teuios, e julgamos por multo venla-
deira.
Liv. VI avp. XXXIX 193
'lOI Enlre^ada a fortaleza aos Capitaes móres, qne governavao a
Ci lade de Angra, tomarào esles posse d'ella cm nome do felicissimo Hei
F). Joao 0 IV, e niudarao-lhe o noiue de Forlaleza de Sào Felippe, em
o de Sào Jo^io Baplista, corno se chaina até hoje, e seiiuo qiie a Forl^ì-
U/.'d liiilia, (|uaiìdo se lechou em resistencia, mais de ({Liuiientos homeiis
ile ai'iiias, poiicos mais de duzentos sahirao capazes d'ellas, mortos os
mais, uu na guerra, oii de fomes, e doenfas; e da i)arLe da Cidade so
ach)!i morrerem em lodo o cerco cento e vinte, e mtiitos das feridas que
liverào. Sahirào os da Fortaleza com pactos honrosos, de espada, e lumi
Irato: e muito em espe^'ial o Mestre de Campo, e seu irmào; e assim a
esles, a)mo aos que com elles se quizerao ir, se derao embarcagoes se-
^Miras, (* mantimentos para a viagom; porém uiio poucos quizerao (icar
Ila ll-'a, por serem casados niella; e nào so a cstes se iiies nào deo ira-
to mao aigum, mas nem ainda aos Porluguezes, (jne [> >r terem oilioio
Da pra;u, tinliào là fìcado, antes se lUes restiluirào t^d^s suas fazeudas
de raiz, »^ .-ervirào a.) depoiS com mais fldelidade a seu Rei Portuguez,
do que a linliào guardado ao Castelliano Kei; e a esles conheci, corno a
D. Fedro Orliz de Mello, a Gliristovào de Leuus do Aleadoga, ao Espi-
nola, etc.
iOi 0 estado em que ficou a dita Fortaleza, fui o mesmo em quo
de antes estava, porque as balas da Cidade nào poJiào communimoiito
(jzer-inc dainno consideravel; e dopois se reformou muito, e muito iiuis
(juandn o Serenissimo Kei D. Alfonso Vi, deix.indo o governo da .Mo-
narchia [.usitana, hi de Porlugal para a dita Furtaleza, e nella esteve al-
(guiìs annos no Palacio dos Guvernadores, que entào liou Palacìo Uoal,
aie voliar |)ara Porlugal, aonde viveo no Beai, e aitissiuio Palacio de Ciu-
tra, quiilro iiigoas de Lisboa, alò morrer do seus naiuiavis acbaques; e
Ihe sjctedeo na Coroa seu legilimo irmao o senhor Kei D. Fedro U, que
assoniijrou o mundo nào so em tudu o mais, mas muito especialnkMJle
iia nà«:d;dade, amor, e grandeza, com que tratou sempre da vida. e iie-
gio regalo do dito Kei sju irmào; e por isso Deos Ihe deo larga vi(i:i no
tleioadij, copiosa descendencia legitima, e buma morte de verdadeiro
liredesliuado.
40-5 i'icou lamhem a Terceira no mesmo estado que de antes, quan-
to a loda a mais llha, poique a arlelliaria da Fortaleza nào podia pas-
sar uiuito da grande Cidade de Angra; e nem osta experimenlou ruinas
consideri! vei:., porquc ^ó o baiiro, a que ainda boje cliamao o Quarte!,
\u^. a 13
194 IlISTOniA INSLXANA
por n'eJle de nntcs mornrRm os mais dos soldados da Fortaleza, e a ps-
la ficar frojitoiro, e proximo, so este Quarlel padece») mina pelas baias
de arlelharia, e jà lioje està, e multo melhor, reedificado; porém em lo-
da a Cidade nào cahio edificio algum; e su em alguns Conventos, e em
algiimas casns se descohrem ainda lioje os furos, e sinaes de algumas
balas, que miiiios conservào por gloria sua, e mniio mais para rende-
rern sempre a Deos as grafas da milagrosa proteccào com que acodio a
nao ficar doslriiida esla Cidade de tantas mil balas, que sobre ella vie-
rao; qiie quanln dos militares da Fortaleza, nunca, iiem ao principio de
seu cerco, forao suas trincheiras expugnadas, mas pelos Insulanos sem-
pre robatidos d'ellas.
404 Na Fortaleza poz logc o Serenissimo Rei D. Jo3o o IV, dos
Porluguezes da Ilha, o mesmo presidio que de anies linlia, e com o mes-
mo ligor de continuo exercicio militar, perpeiuas guardas, e vigias, e
todos OS postos, e Cabos de guerra que havia de antes, e sernpre seu
triennal Governador, com os mesmos anligos privilegios, de irazer com-
sigo guarda de alabardeiros, e de julgar, e castigar os soldados com o
seu Auditor de guerra, e de Ihe darem os soldados senhoria, e deme-
ter guarda no porto da Cidade, e no Castello de S3o Sel>astiao; porém
sobre a Cidade nao tem jurisdic^ào alguma, e menos sobre o Capit^o
mór que a governa, e multo menos sobre o Senado da Camera, e seus
Minislros, nem sobre alguma outra parte, ou pessoa da Cidade, e de lo-
da a Ilha; e por isso nem à Camera vai, nem costuma ter nella lugar,
e s(5 0 lugar-tenente do Capitao Donatario de Angra, quando o ha, e vai
alguma vez a Camera, tem lugar acima dos Juizes ordinarios, masaimla
abaixo do Corregedor, comò consta da sentenza, que està no lombo da
mesma Carntjra de Angra fol. 184, e da posse tomaua por Dumiugos
Martins da Fonseca, e Gaspar de Fr^itas da Costa, lugar- teneules do
Marquez Ca[)itào Donatario.
CAPITULO XL
Das circunstancias gloriosas, com que a Terceira rendeo
està grande Fortaleza^ e que despachos se Vie derào.
405 A primeira foi, ser a unica terra, que pela Acclamagao do Lu-
sitano Rei D. Joao o IV, leve, e suslenlou gucira conlra a sua inexpu-
gnavel Fortaleza, e a leve cercada bum anno inlciru uiunus vinte e livs
LIV. VICAP. XL 195
(}5as, de 27 de Marco de 16il até 4 de outro Marco de i642, e nao so
por terra com trìncheiras, seni jé mais perder algiima; mas tambem com
fortes de artelharias, sem aignm Ihe ser tornado; e o que mais he, com
Armada por mar, e tornar a Fortaleza nao so os avisos que envìava a
ùslella, mas lambem os hons soccorros que Ihe vinhao, até com o ir-
mào do mesmo Mestre de Campo Castelhano.
406 A segunda circunstancìa foi, que ludo isto obrou a liha Ter-
ceira sem outra nagào estrangeira alguma, e ainda sem soccorro de Por-
Ingal, mais que carlas, e promessas, e so tres, ou quatro soldados ser-
virlo aos CapilJies móres Insulanos, Governadores da guerra; porque o
qne ao depois foi de Portugal, foi depois da Praca rendida, e acabada a
guerra, podendo-se-iiie cbanìar Po$t bellum anxilium; poréra a lodas as
oniras Illias deve sempre confessar grandesobrigacoes a Terceira, a quem
ctjmo a sua cabcfa acodirào sempre tao valerosos bracos, e especialmente
a famosa liba de Suo Miguel, com municoes de guerra, eaìnda de man-
liraenlos, e com gente, e Capitaes muito nobres, e esforcados; e o mes-
mo fizpnio as lihas do Favai, e Pico, e a de Sao Jorge,e particularmente
a da Graciosa, que alem de outros soccorros, deo a Angra; (e o lirou
da antiga fidaiguia que a povoou, comò vereraos) bum nao raenos valo-
roso, que illustre General da Armada Angrense; e até da liha de Santa
Maria, e da mais distante liba das Flores, e da do Corvo concorrerlo
soccoiTos a Terceira.
407 Poròm a terceira circunstancìa he, que tudo isto sustentasse An-
gra, sem de Portugal, nem de outra Uba Ihe ir dinbeiro algum; e pa-
gando sempre a quasi quatro mìl iiomens que andavao em o cerco, nos
Fortes, e na Armada. Mas he que os mais erao so Portiiguezes Insula-
nos, e fìeis a Portugal, e nao bavia entre elles Estrangeìros, senno al-
guns contntadores jà naturalizndos em a Uba, e a ella fidelissìmos; que
se assim fora do tempo do Senhor D. Antonio, n5o seria a Uba infiol-
mcnte entregue a Castella, mas ou se defenderia em quanto podesse,
00 a seu tempo se entregaria, com bons» e bonestos partidos; d'onde
aprendao outros a n3o se Uar mais de ontrem que de si, e dos seus pro-
prios; pois do contrario ha tao desgracados exemplos.
408 E quanto aos premios, e despachos que teve a Uba Terceira
de vencer tao dilatada, e porfiada campanha de bum anno inteiro, por
inverno, e verao, e com tao grandes perigos, tantas mortes, tantos gas-
tos; tudo se resumio, em aos dous Capitaes móres, e Governadores da
196 HISTORIA INSULANA
tal guerra, dar-se a cada hum sua Coramei)da; ao fidali^o Joao de Be-
tencor e Vasconcellos, Capilno mór de Anjrra. a Comìrenda de Santa Ma-
ria de Tondclla, da Ordem de (iliristo, e ao Hdal'fa Francisco Dornellas
da Camera, CapitSo mùr da Praia, a Commenda de Sno Salvador de Pe-
iiamacor, lambem da Ordem de Christo. E iie de notar, que com esle
ser 0 primciro, mandado de Lisboa (onde entào se acliava) a acclamar
0 novo Bei na Ilha, e elle primeiro o acclamar na Villa, e Capilania da
Praia, e depois vir com as milicias de sua Capitania a Cidade de Angra,
e com 0 Cnpilao desta governar a guerra, nem porisso a esles Gover-
nadores se deo mais cousa algutna; e s6 depois de annos se d;^) o go.
verno da Fortaleza rendida ao dito Francisco Dornellas da Camera ; ao
qual, vindo depois a Lisboa, e pertendendo sor intilulad ) Coride da Praia,
e Cnpitrio Donatario d'ella, so se Ihe concedeu o ser Alcaiile mór da
Praia; e nem ainda este titulo se conc^ideo a seu fìllio prim ^genito Braz
Dornellas da Camera, que em Lisboa niorreo n'esta deminda; e neoias
ditas Commendas se conservarào nos (illios dos que as gaiibarào, e mai-
to menos nos netos.
409 Pois aos mais que serrirao n està guerra, a Antonio do Canto
e Castro, (fldalgo de. quem mais se lemia o Mestre de Campo da Forla-
loza, e por isso o desejava prender) foi necessario vir servir a Portugal
de Capitao de cavallos na batalha de Montigio, para por Isso enlao Ihe
darem o posto de Sargento miir de toda a Illia Terceira, e o liabilo de
Cliristo com boa tenga, e chegar a servir de Governador da Pi-aga queo
ijiieria prender; que quanto ofilhamenlo, e notorio parente^co com rauilos
dos grandes de Lisboa, tiuha elle jA por sens pais, e avòs, e cel-.^bre ire-
savò Pcdreanes do Canto. A oulros multo nobres. que servirlo com pes-
s jas, e (lìzendas n'esta guerra, o que se Ihes deo be, que aos qua por
sua negligencia tinhào perdido o foro de seus avùs, ou nunca o tinhào
l>grado, de novo se Ihes passou o lìlliamento, e moraJia delle. Amai-
tns se concederao varios habitos das Ordeas Miiilares; e aos maisnaJa,
]M>r nào pertenderem, e gastarem n'isso mais do que lucravao; e coin-
liido d osta sorte se augmentarao muitas casas de fidalgos (ìlhados em
as Ilhas, asslm em Sao Miguel, comò em outras, pelos servifos feitos na
Terceira.
410 Ao Senado de Angra, além dos privilogiosquc jà tinhados^'i-
i^ìdaos da Cidade do Porlo, e os dos liifafiròes, qiie sào os dos ìih-'^
.s 'jundos dos Pieis, para ludos os quo servirao de Vereadoi'es, ou /'ro
LIV. VI GAP. XI j 197
cnradores da Camera de Angra, e filhos d'elles, concedeo mais o Senhor
Rei D. Joào o IV que a Cidade de Angra, em nome das mais lilias, man-
dasse, havendo Cortes, Procurador a ellas, e que o lai Procurador de
Angra tivesse Ingar em Cortes no primeiro banco d'ellas, e cora effeito
0 leve assim Fran':isco de Betencor e Avita nas Cortes Reaes, que se ce-
Icbrarào em List)oa no anno de 164^, comò consta do tombo da Came-
ra (Je Angra a fui. 343, e o mesmo lugar leve D. Pedro Orliz de Mello,
que depois velo tambem de Augra a oulras Cortes. E a fol. 456 do mes-
mo toinbo da Camera està o alvarà do mesmo Keì D. Joao o IV, pelo
(jual, a petic'io dos Piocuradores de Angra, e por assento lomado nas
(ì)rtes do dimo de IGo^i a ti de Uutubro, e passado em 15 de Jullio
(le IGoi concedeo à Cidade de AAgra, i^ue nunca bavera nella Vice-Rei,
ou Governador Gtneral das laes Ilbas; e que quando o contrario pare-
rer cunvetiìenle em algum tempo, se uao lomarà assento, ou resolugào
nesta malei ia, sem pnuieiro ser ouvida a Camera da dita Cidade de An-
iji-a.
411 Ao sobredilo se seguia resolver, se forao os laes despachos, ao
menos suflìcienles aos servigtis, e meritos, e às promessas repetidas. Po-
rém tal resolu^ào nào loca ao Ilistonador: o certo he, que ao Mestre de
<iampo Castelliano se Ihe olTereceo o titulo de Coude, e Grande em Por-
Itig;»!, com dez mil cruzados de renda cada anno, se enlregasse o Cas-
tello: e ao Aiferes mòr d elle, D. Pedro Ortiz de Mello, se Itie fizerao
tambem grandes promessas, se viesse na dita entrega: e comtudo aos
<ious Capi laes móres, e Govci'uadores da guerra, que renderào o tal Cas-
tello, tiurna Commenda sómente se deo a cada bum, e de Iole so de mil
cruziidos de rtnida, e sómente pelo lempo da vida de cada bum, e a n:n-
guem mais o despaciio passou de bum filbamento de tidalgo, a quem era
€<ipaz d'elle, e o n3o tinlia: ou de huiii habilo de Cbrislo, de Santiago,
(ie Aviz com rauito peqiiena tenfa: e lodos os mais ficarao sem salisfa-
C^o alguma, contra o estylo de Deos, que sempre augmenla o premio, o
diminue o castigo: pois nào quer ser bem servido, quem nào sabe pa-
gar bem.
CAPITULO XLI
Das pessoas mais insignes em valor^ e santidade que da Ilha Terceira
lem sahido.
412 Yaroes em armas affamados, e nataraes da Terceira temos jà
198 IIISTOJIIA INSOLANA
visto tanlos n'este liv. 6.^ que so nos remettemos ao que dissemos jà dos
Coi'tereaes, Monfzes, e Barretos: dos Borges, Costas, Pnrliecos, Limas,
Silvas: e dos seus proprios Canlos, e verdacleiraiiieute Caslros forles: e
de mditos, dos que ainda hoje dura a fama, nào so eiu i'ortu^al, mas
na Africa, na India, e na Africa, a cujos descubrimentos precederfio os
d'estas Illias, e em que enlrarào Pilotos insignes d ellas. Ainda porém
locamos so varoes insignes em armas, e em lidelidade Portngneza, «jue
nas guerras de sua Acclamagào mostrarào bom >seu valor, qual foi bum
U. Antonio Ortiz de Mollo, (irmào de D. Pedro Orliz de Mello, naluraes
de Angra) que às portas da Fraga de Olivenga ein Alem-Tejo morreo pa-
ra defendel-a, e a defendeo: e bum Sebastiào (lorrea Lorvella, que uas
armas cliegou a ser Governador de Elvas em o niesmo A lem Tejo, e suc-
ceder no governo da tal Praga ao Conde de Viila-dor D. Sancbo Manoet,
e d'abi passou a General da arlelbaria da Provincia: e por jà doenle. e
gottoso foi posto por Governador do Castello de Angra, onde murreu.
E bum Manoel da Camera e Mello, lìlbo de Luiz Cooluo Pereira, e de D.
Isabel de Mello da Terceira, que depois de mililar eia Portug:il se reo-
Iheo à sua Uba com o posto de Capitào da Arteibaria, e morreo nelle.
E de buns fidalgos, filbos de Joào de CarvalbaI da Cidade de Anjra, quo
vierào mililar na provincia de Traz os M^nlcs, e em p.)s!os graniles, que
por viver ainda bum d'elles, e o nào permitlir sua modestia, nào n»lin)
mais, corno nem dos que governarao em a India, em Africa, e no Brasil.
413 Para a principal noticia, e mais im[)orlante, das possoas eni
virludes, e sanlidade illustres desta Ubi Terceira, temos muito que quei-
xar-nos do pouco que os antigos escreverào, ou ainda a[)ontarào, em ijua-
si duzenlos e setenta annos, que ba que foi desctiberla, e povoada a di-
ta Uba pelos annos de li45 do Nascimento d>^ Christo: ponpie ainda (pie
0 louvor em bocca propria be vileza, o merecido por outrem, eem in)-
ca albea, e quando jà nào seja adulagào, ou ambigiio, bc obrigagfio, e di-
vida, para gloria de Deos, e seus antigos servos, e imitagào dos viiidou-
ros: mas muito mais ainda queixar nos devemos, de que tendo comeca-
do 0 eruilitissirao Licenciado Jorge Cardoso o seu nunca assaz louvad.»
Agiologio Lusitano, e parando com a morte em (»s [irimeiros Ires tomos,
ou seis mezes do anno, nào houvesse até boj(M|uem continuasse tal his-
toria, (sendo tao erudita) nem Principe, ou Senbor (|ue a mandasse con-
tinuar, continuando-se tanto, e tanto se dispendendo em outras represen-
tagoes bem escusadas, e deixando-se as da bistoiùa, e bisloiia tao sauU:
LIV. VI GAP. XLI 199
pelo qne vnmos no pouco que pudemos alcangar da presento materia, e
de* tal Ilha.
414 Ila mais de diizentos annos erao Cidndnos dos iiobros em a
Cidade de Angra da lilia Terceira hum Alvaro Pires, e sua imilher Al-
don^a Martins, e dVsles nasceo hum fillio chamado Joào Eslacio, a (jiiem
OS hom'ados pais mandarào estudar a Salamanca, e nesla nào so cliegoa
a loniar o .i^^rào de Mestre, e Lente, mas tanto se acconiL'o ein ozelo da
salvarrio das almas com as novas que entào vinhào das [iidias de Castella
dtsruherias, qne deixando a Universidade, e todas suas ca(Lùras, e Di-
gnidades seguintes, se metteo Religioso Eremita de S. Ago.stinlio no Con-
veiilo da mesma Salamanca, e se fez discipulo da(|nelle grande esemplar
di.» santidade, o grande Santo Thomas de Villa-Nova ; com cujo ex(Mn[)lo,
e <]()ulrina tanto se augmentou n'elle o desejo de C()nverter Gi^nlios, (pie
se loi embarcar para as ditas Indias de Castella a con verter almas, e
Cìin tal fei'vor de espirito chegou là, qne em cinco annos, e (;ìu clinias
de rjocivos, e doentios ares, e abominaveis costnmes de Idoialras, con-
v(.'rleo milhares de alinas, e com tal exemplo de virlude, e santidade,
qije ns sens mesinos Ueligiosos o elegerao, e ol)ri;^arrio a sor seu Vice-
Provirìcial da Provincia dj Mexico, que sondo dilaladissima, aspera, e
montuosa, em sens canjinlios, loda a visitou, e seinpre a |Ȏ : e ciimjjri-
do o triennio, e clic^'aiìdo ao Perù por Vice-Rei D. Antonio de \!endon-
Ca, irmào do Manpiez de Mondejar, o tomou por seu assistentti no go-
verno, por seu Conselheiro, e Confessor, por espa.;o de doze annos in-
teiros, e comtudo a Religiào o obrigou a sor da(piella nova Provincia do
Peiù seu Vice-Provincial, e no mesrao tempo se llie encarregou o gover-
no Ecclesiastico daquelle vasto Bispado, e provendo de idoneos Minisli'os
as Igrejas, ajudando no governo ao Vice-Rei, e nào l'aitando no Religio-
so a Ordem, de tal sorte a tudo acodia, que julgavSo todos ser consa
milagrosa, e multo mais a conversilo dos Indios, de que até pelo flau-
tismo erào innumeraveis fdhos seus; e gastados treze annos em tao
Aposlolicas occupafoes, desde IS39 até lf)53, foi obrigado a voltar a
Hes|)anha pelo uem da conversào dos seus Genlios, e so coni a lama de
sua admiravel santidade concluhio quanto queiia: mas o prudente Felip-
pe li contra a vontade do Santo Religioso, o nomeou Bispo em a Cidade
dos Anjos em o Mexico, que enlao vagou ; o que vendo Deos, equeren-
do dar hum Angelico descanso a este seu tao grande servo, o chamou
entào com huma morte Angelica, e breve, para o coro dos Anjos Celes-
200 HISTOniA INSULANA
tines ; 0 qnp diesando às Indìas de Castella, chorarSo por muitos annos
a falia d'estp. seu tao grande Pai, e verdadeiro Apostolo.
4 15 E em verdacle tantas forSo as virludes prodipiosas d'esle illus-
tre varno, qiie nem sao recopilaveis, e so algumas tocaremos. 0 jpjtim'
p;m oprpeUio : a cama a dura terra; continiias as disciplinas, e cìrdti^?
do fcTro, e 0 andar sempre a pé ; e emfim iniinilaveis as penilfuicias
qiie fazia. A pacjf^ncia foi til, que oppondo-se-lhe muitos com inj :rias,
e airida com rorUnnielias, nnnca de atj^nim se vingon, tendo poder mni-
t'is \v7A^s para isso. A pobreza Heli|j[i()sa foi n'olle trio admiravcl, qiie
vivando in'zn annos no Polosi das riqiiezas. no Mexico, e Perù, e sondo
Pn'Iado das Iprejas seculares, Valido dos Vice-Reis, e em aqnelles prin-
cijMos. om qno a prata, e o ouro era immenso, nunca Ilio velo à uiào.
qm» o nào desse logo aos seus pobres, e so se queixava de nào ter mili-
to mais, para ainda mais dar. A humildade seguia a pobreza, sem ac^M-
lar j.wnais. nom aind:i appelecer Prelazias, e Di;i[nidadfis dcr^tc mando,
spn'o ohrigado da ol>ediencia, que perfeitissimamonfe sempre obscn'on,
0 aiiida vendo-se ja eleito Bispo, e de Bispado, tao rico, podio a Deos,
e ali'angou, cpie deste miindo o levasse para si, anles de se ver sagra»! ì
Eis[)o: e foi tao grande sua Angelica pureza, e castidade, que ordenou
Deos fpie morresse nomeado Bispo de Anjos.
4f() A tao raras virtndes canonizoji n'este mundo o mesmo Deos
com prodigiosos exemplos externos; porque sendo continuo na onigHo,
vinlrìo OS Sanlos da gloria conversar com elle, e Ihe revelavHo quanto
liavia sntreder em sous governos, e assim teve espirito notoriamen!»
pr'O'Vliro. Quando celebrava a Missa, a seus elcvados ol hos corporacs shs
ili!» inostrava Christo Senhor nosso em sua propria carne Teridi). e orn—
cifiiMdo: e o que mais he, Ihe olTerecia muilas vezes a fonte mananriil
rie M'U Divino Indo, e Ihe dava a bcber aquelle Divino sangue, ou loil*^
di' jclistiaes deleiles, e Ihe dizia estas palavras: «Ve que padwci porli,
e aì!iina-le a padoa^ tambem por mim.» E d'aqui vinlulo os admiraviMS
exlnsns, e exfonios raplos corporaes, que se Ihe viào ter: as lagrimas
q\w, corririri de seus olhos, comò de perennes fontes, e oulras vezes a
alcgiia inlerior, que no exterior tanto brolava, que a lodos alegravn so
coni a vista. Nào se falla em outras obras milagrosas d este varào San-
to, pcu'que ainda de algumas das jà ditas, so se soube, purque i)or vir-
tude de oluMliencia Ih'as mandarao descubrir, e aponlar us Superiores,
e as mais calou sua profunda humildade.
LIV. VI GAP. !^Ln 201
.417 D'onde so segnìo, qiie nno so cm sua vida todos n finhao por
Salilo, mas depois de sua morte parece que a voz unanime de lodo o
povo, que o tratou, o canonizou por Santo, e foi desde enlào, e he cha-
iiiadn 0 Bealo Joao Eslacio: e com oste titulo escrevem d'elle os llis-
toriadores, o Padre Joachim Bruleì na llisloria Peruaiia liv. 3, cap.
3, o Padre Felii)pe Elov no Augustin. Encomiast. pag. 371, o Padre
Miguel Solonio na vida de Santo Thomas de Villa-Nova: o Padre Anto-
nio de la (-alan»^ha nos Varóes illustres da Ordem liv. 1, cap. 26, o Pa-
dre Nicoiào Cnisenco na llisloria 3. pari. cap. 38 e 39. Joseph Pamphi-
lo in Chronic. Ordinis fol. 116 e 119. Frei Hieronymo lloman, nas Cen-
turias ad annnm ììrM, Frei Thomas llerrera in Alphabel. Auguslin.
lit. 1, Duarte Pacheco no Epitome da vida de Santo Thomas de Villa-
Nova liv. 3, cap. 12, e o citado Agiologio Lusitano tom. 2, aos i de
Abril, e no seu Commentario.
CAPrruLO XLii
Di! outros xvjeiios insignes em santidade da dita Ilha Terceira.
418 Entre os quatro Conventos de Freiras, que ha na Cidade de
Angra, hum d'elles he o de Sao Concaio, de regra Franciscana, e de
habito, mas no governo, sugeito ao Ordinario: n'este faleceo a Venera-
vel Madre Maria Bautìsta com grande opinìao de Santa: tinha na^cido
porùm na priircipal Ilha de Cabo Verde, aonde passou a mocidade com
tal recolhimento, e virtude, que jà là era tida, e reputada por pessoa
santa, e para crescer cada vez mais ein as virtudes, pertendeo passar
à Ilha Terceira, e entrar Religiosa no sobredito Convento de Sao Con-
caio, pela fama que Ihe linha là chegado da grande religiao, com (pie
n'elle se vivia : e assim ajmo o pretendeo. assim o executou, e cons«^-
guio, e jà de idade maior, mas jà de tao grande espirito, e vorncào
fan Divina, que por fugir do mundo, e de sua propria terra, se melico
no mar em busc^ de vida religiosa: d'onde se tira tambem, que devia
de ser (ilha de pais honrados, e ricos, dos quaes Iierdou bens, e animo
para fazer tantos gastos, e so por raelhor servir a Deos: e de sua ge-
rac^lo se nào diz mais.
419 Chegada, e metlida em Angra no seu buscado Convento, e
passado o noviciado, corno quem jà là no mundo era buina reiigiosissi-
202 H1ST0R1A LNStULNA
ma No\xa nos costumes, professou, e vi\co ainda miiitos annos, ecom
lào raro exem|)l«) «le virludes, que lodos os dias conia ein o Convento
OS sanlos Vassos «lescalsa, e com liuroa pjv-ada Cruz às coslas, e hiimas
vezes ligada fortemente coni crn*jis cordas da cinlnra para cima a(é os
lìnmbros: oiitras vezes com so hiim jahìo aspero de esparto: e de ca-
ina nào usava, senio do puro cliào. e p«>r breve tempo: e porrne huma
sua tia, Ueli^M'»sa lamlx^m, Ihe repreìiendia esle excesso, de tal cama
us:iva alginnas Vt'zes r|ue so era liuma talma com Imma manta por cima.
Tt»mava miiilas vezi'S desapiedadas disciplinas, e ordinariamente as olle-
r.M-ia a Deos nosso Senhor |)"las aUnas d a.jiiell.is Ui'lij^'iosjis, (pie em o
in»rs.iio (lonvenlo linliào falecido. e Cdin lai cliaridade, e devo^^àw faz.a
isio. quo lazondtM) liinna vez por delennl;i;ida al;na que havia pouco
tem[K) ralcc.\'a, està liie ai)pareceo, e deo as ^^rM;iìs pela disciplina com
q le lanlo a niiviura.
itìO Na or^rHo nuMlal rt>i seniore lào jontinin, e devola, quo o
mesmo Cliristo Jesns, v.m e!ìa OM-nlltendo o piisso em qne queria medi-
tar, 0 nii»srno SehJKJr llì'o irnwriinia ria alma tinlo ao vivo, qne ella iicin
s«*:ilia v;iiriiL»arrjo. ou diveriiinenli» alj^^am onlro: e em huma occasiào
ll»e apjKinreo a Sacrati.s>i:iia Yirpjm M.iria, Irazenjlo em Imma mào o
M»Miino Jesus, e em oiilra ao mes:n.» Seniinr cniciiicado, e olhando|Kua
a sita devota, l'iie disse eslas palavras: «.Maria, vivo, e morto, sempre
es e S(»n}i')r he leu Mnjxjso.» ilom (pie està KJigio^a licou consoladissi-
ma. e de se vrr com Ksp')so lào Divino desej >sa, continuamente i>eùia
a D'^os, tpje Ihe desse o Pur^'alorio n'esta vida, para (pie, em siìhiiulo
dVII;i, fosse j,N)sar h)\i() da sua vista, e a nào impedisse o Purgatorio,
q'i" r)or s(Mis peecados lìiere^iia, e nislo hem moslrav.i sua profuiula ho-
nijjdade, sua linue esperanija, e a saudade, ou o amor de Ueos era que
se ahrazava.
Ì2Ì Ouvìo-a pois oS"ii!ior, e contnliio loj?o em a mao direUa Ialina
queimadura lai, e de tao lerriveis dores, e abrazadores incendios em o
biaci), (pie (piem a via, f)asmava de corno p(ìdia tal sofrer, seni se llie
notar sinal de impaciencia alluma, ou (pieixa, anies seni rofjar pi»r si,
so se leiìdirava enl.'io mais das penas (pio pade^iào as almas do Piiriia-
Iorio, e por ellas mandava enlào dizer muitas Missas, e Ollicirts Divinos;
e experiim'iitou (caso admiravel!) (pie em quanlo os Ollìcios e Missas
se celebravào, nào senlia dor aiguma. Tanlo mostra o mesmo Heos
Como aprovcilào às almas do l'urgaloiio os suilratjios, que por ellas se
LIV. VI CAP. XLII 203
ofT(>recem, qnnnto ao Sontior af?rn(lào, e as almat» os agradecem, e ain-
da aos qiie os ollurccein aproveilao.
44i E ainda que esle pur^^'alorio llie diimn lar;jfo tempo, mais por
Ihe qiierer Deos angmentar o inerito, e acrrescentar o premio, c!ie}(oii
coniludo 0 tempo de sua morte, e perguntando a outra Religiosa (pio
horas leria ainda de vida, e respondendo-llie que tres ale (pialro, niuilo
visivelmente se alegroii, e rendeo as graras por tfm alegre nova. E logo
a vierao visitar, e aoompaniiar n'aqnella hora as on/e mi! Virgeiis, e
coro ellas Imma Irma sua, qne havia poiico tempo havia fahicido là em
0 S4M1 Cabo Verde, seni ainda se salmr em a Terceira; ponpie as on/o
mi! Virgens assim pagào às almas suas devotas. e a irmà seria hmna
das que ella com os seus siilTragios linlia livrado do Purgatorio, e d este
as almas sào mnito agrad<jcidas. Kinalìnenle assim se foi esla RelFgiosa
Esposa de CJiristo para sen Divino Esposo, arompanhada de tantas, e
tao santas Virgens; e doixoi.i eommiia e g(Tal opiniào de Imma santa
Religiosa, e de casta santa. Veja-se o Agiologio Lusitano tom. 2, IO de
Abril, lil. I.
tìH No mesmo Convento de S. Gonrajo da Illia Terceira. conforme
ao mesmo Agiologio tom. 2, 20 de Ahrii, lil. II, he digna de eterna
memoria Brites de S. Gonzalo, que sendo nascida de pais nohies amou
tanto a humildade, e vida Religiosa, que no principio da fundagào do
Convento veio a elle pedir (jne a admiltissom [lara serva do dito (^on-
vei»to; e visto o espirito de sua vocacào a admittirào, e comccou logo
a exercitar-se nos ofiìcios mais trahalliosos, haixos, e humildes da cxizi-
nlia, forno, enfermaria, etc, e por lantos annos, e com tal exem;)lo e ca-
ridade, rpie todas as Religìosas a chamavno sua Mài: e a Communidade
agradtyida, de unanime volo de todas a (izerào Religiosa professa; e
comtudo nem por isso deixou continuar nos niesmos olVicios de serva
da ^'.ommunidade, e com a mesma charidade, modestia e composlura:
e até às pessoas pohres (pie vinliào à portarla era tao caritativa, que a
loda a hora, e com tudo o (|ue |>odia, Ihe acodia sompre.
ìi\ Com tao sanfos, e exemplares exercicios chegou ainda a ve-
Ihice, e n'esta a quiz Deos aperfei^oar ainda mais com Imma grave en-
fermidmle, na qual deo tal exenq)lo de paciencia, penitencia e amor
do proximo, qiie nao so nimca se queixou, nem signilicou fallar-lhe
colisa alguma, mas nem aceilava comer alg'.im senào o (pie se dava à
Communidade, e d'esso ainda tornava làopouco, que a maioi* parlo man*
206 insToniA insulana
se forTio fnndar nas oiiiras Ilhas, bem se colhe que quem mais nao diz
he so por nào ter nolicia de n)«is: que se a tivera, a daria, pela devo-
Cùo (]ue sempre leve a tao sagrud» Ordem.
CAPITin.0 XLIII
De muilas mais pessoas tm perfeicèo illuatreSy que da Terceira sahirào,
ii9 Elitre os famosos varoes, que da Cidade de Angra tem sahido
deve ter lii{(ar insi^jne o Illustrissimo e Keverendissimo Scnhor D. Frei
Cliristovào da Silvuira: conlieci eslc varào ha quasi sessenta annos, no
de 1650 andando cu etilào na Universidade de Coimbra, e sendo elle
Roitor do Collegio de Santo Agoslinho de Nossa Senhora da Graga, na
rua celeberrima de Santa Sophia ; e persuadindo-me elle entao que en-
trasse na sua Keligiào, Dcos ordenou oulra cousa, persuadindo-me a
entrar em a Companhia de Jesus, corno enlrei no seguinte anno de I6S7
e d'ahi a poucos annos, respeilando-se as insignes letras, lalentos e vir-
tudes do dito Rf^itor, foi eieito, e nomeado por Primàs da India Orien-
tai, e Arcehispo de Goa, onde vìveo muitos annos, e governou tao santa
e prudentemente, quanto testificar podem os que là o conhecer3o: e
nielhor testificou a morte religiosissima que teve conforme a santa vida:
eu so posso accrescentar, que nào so foi na Dignidade que leve, mas
qiie ale em o sangue foi illustre, pois foi fillio do Capitao Chrìslovao
de Lemos de Mendoga, hum dos da primeira nobreza da Cidade de An-
gra, de quem nasceo lantbem o:ilro gravissimo Religioso, chamado Frei
Joao de Lemos, da mesma Ordem de Santo Agoslinho: e outro secular
Guillicrme da Silveira; e ultimamente leve outro fillio, sendo jà o pai de
quasi oitenta annos: e depoìs, sondo de novcntn e seis de idade, m o foi
ao Collegi*) de Angra encommendar, para Ih'o ensinar em a Retborica,
q'.ie eu entao là lia,
430 Aqui pode ter lugar o Veneravel Padre LourenQO Rebello da
Companhia de Jesus, porque ainda que fosse naturai de Lisboa, quasi
teda a Vida passou em estas Ilhas, e na Terceira mais de quarenta an-
nos. Foi discipulo de latins: Filosofila, e Theologia em Coimbra, e ahi
entisicou de muito estudo, e melhorando em Pedroso junto ao Porto,
ainda fìcom com huns accidentes de coracào, que chamào gota coral, e
por inelhurar de ares pedio ir para as Ilhas, e foi para a Madeira, e
LIV. VI CAP. XLII 20JJ»
427 Com esfe exemplo, e muitos oiilros do singiilnres virtndes
foi este varào lido, e juli^^ido de todos por Iujiiì Santo, e conio lai leve
buma santa morte, e foi sepiiUado no Capitalo do seu Convento, nà(^
com menos lagrimas, do (pie lonvoros de loda a Cidade. E leve oiiln»
irmào seu na mesma Uoligiào, chamado Frei Vasco Garcia. nào menos
abalizado cm santidade, e do anihos fa/, iniìncao o Agiolojzio l.usitano
tom. 2, a 28 deibril, e do se^nindo promi^tle Iralar mais a 2 de Agosto,
era que faleceo. Ambos os innàos erào nalnraes da liba da Graciosa, e
de sangue rauilo nobre, corno quasi todos sao os d'aquella Illia. e por
isso de muito nobres espiritos ; mas conio ambos viveram, e morrerào
na Uba Terceira, por isso.os pouho aquij porque era entào da Provin-
cia dos Algarves, cujo primeiro Custodìo, ou Commissario foi Frei Pe-
■dro de Leiria, e logo Frei Manoel flautista, que de|)ois morreo Bispo de
Angola; e muilo mais depois no Capitulo goral do anno de 1G39 foi
erecla està Ciistodia em Provincia, e conlìrmada debaixo da tutela de
S. Joao Evangelista, cuja imagem Irazem no sello da Provincia; e alTir-
ma 0 citado Agiologio que lem hoje està hovincia das Ilbas Terceiras
quatorae Gonventos de Frades, e scis de Freiras da sua obediencia, além
dos que da mesma Ordem obedecena ao Ordinario, cuja cabeca be o Ke-
gio Convento de Angra, de scsseuta Religiosos debaixo da invocagào de
N. Senbora da Guia.
428 Dirào pois algnns, e queixar-se-hao de se nao tratar aqui de
muitos, e muitos mais Religiosos exemplarissimos, observantissimos, e
illustres em Santidade, e de muitas Religiosas santas, que florecerao
em muitos Conventos de buma Provincia tao Serafica, e ainda de secu-
lares, Terceiros, e Terceiras da tal Ordem, que em virtudes forao insi-
gnes. Responde-se porém com outra mais justa queixa, de que bavendo
quasi oitenta annos que està Religiao Serafica està constituida em Pro-
vincia das Ilbas; e bavendo jà mais de cento e vinte annos q»fe foi Cus-
todia, e muito mais de duzentos, que est:i nas ditas Ilbas, ainda comtudo
ale hoje nao lem satiido a luz Cbronica alguma de tao antiga, vasta, e
santa Provincia, tendo sempre doutissimos varoes, que a poderào ter
composta, e facilmente impressa, de que poderiamos tornar, e aprender
para salisfazer a dita queixa; mas mal se podem queixar de oulros sti
nao lembrarem d'elles, os que dos seus se nao lembrao: e ainda assini
do (|ue n'esta liisloi ia se lem jA dito, e se dirà em varias partes dos
mais Coiivealvjs Svialkjs, de Frades, e de Freiras, que da liba Teìcoira
■^^^^'^ C^\ ^««^^''vS-e ^'^t^lSo»^ «^»"':^ot>^^< t e '^^
"» ri "» '^»* te *" Tl'S"" "'"r ^vl ■■■*
3 Aos vvw'»
LIV. VI CA1>. XLIU Ì09
llissao do MaranhSo, e padecendo ja junto a elle, hum Tatal naurragio,
Toi mandado tornar a Portugal, e d'este a ler Filosofia em o Collegio de
Angra, e de tal sorte, a leo, que o fizavio vir lel-a a Coimbra, e Toi
hum dos que melhor n'ella a leo, e logo o metterao na Theologia Mo-
ni n? mesma Universidade, e de tal sorte o fez por inuìtos annos, que
por elle se governava aquelle grande Bispado, entao Sé vacante, e ulti-
mamente 0 mandarao visitar, e governar as Ilhas, (que semdhantos ho-
mens erSo os que enlao se mandavao a governos Insulanos) e là flcou
até morrer com grande fama de lelras, e maior de virtudes excmplaros
especialmente de paciencia, e hnmildade.
435 A este Padre scguio hum seu sobrinho, por nome o Padre
Jo3o Teixeira, que nào so entrou na Companhia, sendo naturai da dita
Uba de S Jorge, mas estando, comò humanista excellente, lendo huma
classe em Lisboa no Collegio de Santo Antao, pedio tambem miss3o, o
coDseguio a da India Orientai, para onde foi em o anno de 4673 com
QQtro seu contemporaneo, e tambem iMestre comò elle em outra classo
do mesmo Collegio de Lisboa o Vcneravel Padre Jo3o de Brito, que
d*abi a vinte annos morreo martyrizado na missao de Maduré em o Rei-
ix> de Malavar, e o dito Padre Joao Teixeira morreo brevemente em
€hegando i L'idia, e foi adiante gosar de sua Apostolica miss3o. E jà
malto antes em 1657, o tinha precedido à mesma missao do Oriente o
Padre Francisco Ribeiro, naturai da liba do Faial, discipulo que foi, e
meu condiscipulo na Filosofia do Padre Mestre Joào de Can-alho em
Coimbra, e nas missocs do Oriente morreo glorioso Missionario, e a to-
dos estes tratei, e conlieci, e ctioro ainda lioje n3o ter a ventura de os
acompanhar, e partecipar de seus tao avantejados mcrecimentos.
436 Mas tambem cà em Portugal floreccrao outros Heligiosos da
Companhia de Jesus, e Insulanos, quo forao sujeitos de talentos, e vir-
tades singulares, entre os quaespodejA contar-sc o muito Religioso Mes-
tre Matheus do Canto, naturai da Cidade de Àngra, da primeira fidal-
guia d*ella, GIho de Ignacio do Canto da Silveira e Vasconcellos, e de
D. Igoes de Castro, o quai entrando na Companhia bavere doze annos,
n*ella teve o Noviciado corno hum Anjo, o recolhimento corno huma in-
telligencia Angelica, e da Filosofììa sahio perfeito Filosofo, e por isso
em Ck)imbra o metterao logo a Icr nas classes d*aquella insigne Univer-
sidade, e com tal applicacao fez o Magisterio, que acabado o primeiro
anDO entisicou de sorte, que nao houve medicinas que o restiluissem à
VOL. U ìì
210 IIISTOIUA INSILANE
saiide, e dentro (|e poucos annos morreo de ponco mais de vinte e
seis. Às mais notorias virtudes n'elle Torao, que sendo de illustre
sangue, e podendo ainda seguir-se no morgado da casa de seus pai$,
tal conrormidade tiriha com a vontade Divina, que nem para nelLi se
seguir, nem para n'ella cobrar saude: nunca se llie enlendeo desejo al-
gum de querer largar a Religiao; tal foi sempre a firmeza de sua pri-
meira vocacao; e sendo de tal nobreza Toi humildissimo sempre, e tao
devoto, que corno bum Seraflm se Toi para a Geo, deixando cheios de
inveja a todos os que Ihe assistirao.
437 E pois foi Deos servido levar para si o Reverendo Padre Joao
Pereira, em S. Roque desta Corte de Lisboa, ha pouco mais de bum
anno, d'elle se deve saber, que era naturai da Uba de S. Miguel, da Ci-
dade de Penta Delgada, rillio de bum Cidadao d'ella, cbamado Antonio
Pereira de Elvas, eiHrou na Companhia em 4661, em 23 de Dezembro,
ieo humanidades seis annos nas Ilbas, e no Porto; estudou Filosofiia, e
Tlieologia em Coimbra, foi Prégador de excellenté estylo, corno se ve
em bum tomo seu impresso, e foi tao esemplar, e de tantos talenlos, e
governo, que foi Reitor de Angra, de Elvas, de Santarem, Secretorio da
Provincia de Portugal, Provincial da Provincia do BraziI, Reitoi: do Col-
legio de Coimbra, Visitador Geral, e Vice Provincial de Portugal, e ulti-
mamente obrigado de Roma a ser Preposito de S. Roque de Lisboa, e
sentia tanto o governar jà tanto, que a pouco tempo d'este oliavo gover-
no mon^eo com breve doenga, e grandes demonstracoes de sentimento»
aie das pessoas Reaes, e pelo zelo com que guardava as ordens de Ro-
ma, padeceo milito, e com tal exemplo de virtudes, e consiancia tal,
que aos que pessoalmente Ibe merecerao menos, favorecia, e previa elle
mais: emiim foi Varao dignissimo de ser contado entre os illustres Va-
roes da Companhia de Jesus, morreo de quasi seteota annos de idade.
438 Tambem das libas Terceiras, e naturai da Cidade de Angra,
era Francisco Pereira de Lacerda, a quem recebeo na Companhia o Re-
verendo Padre Visitador das Illias Luis de Brito, e o trouxe para ci, e
entrou no Noviciado de Lisboa em 14 de Dezembro de 1652, e cà se
cbamou so (conforme ao estylo d'està Provincia) Francisco Pereira, foi
filho de Alvaro Pereira de Lacerda, fidalgo bem conhecido em Angra, e
de D. Umbelina Madruga, cujo morgado berdeiro foi Diego Pereira de
Lacerda com casas muito nobres na prac^ da Cidade de Angra, de qaem
tratamos jd em oulro lugar; teve o seu Noviciado em Coimbra, e quasi
LiW VI CAI*. XLltl ^11
dniis annos de recolliimenlo, e sempre com tao raro exemplo de virtu-
de, e penitencia, que (corno di^^^ o publico livro da Provincia, in margi-
ne ibi) morreo Santo em Colmbn, aos 20 de Agosto de 1G5C: Et con-
summaius in brevi, explevit tempora multa : placita eroi Deo anima !/•
lius.
439 De muitos outros Herocs Insulanos se nao faz aqiii mencao»
porque so se faz dos pcrtencentes à Ilha Terceira, de que he este livro
sexto, e ainda d'estes nao. senao so dos que pude ter hoticia, e jà fa-
lecidos, que de alguns que ainda vivcm, niuito podera dizer, mas sua
grande modestia o nao permille. Porem, porque ha pouco faleceo ja
n'este Collegio de Santo Antao de Lisboa, o memora ve! Padre Paulo Pe-
reira naturai da Cidade de Angra da Illia Terccira, pede a sua exemplar
Vida, facamos a devida memoria d'elle. Nasceo pois em Angra em tU5G,
e de pais nobres, e militares, por ser seu pai Ajudante de guerra do
Terco do Castello de S. Jo3o Daptista, no anno de 1GG7, e passada a
innocente puericia, cntrou a cstudar latim nas classes do Collegio de
Angra, e em poucos annos sahio tao perfeito Latino, Poeta, e Rhetori-
co, e i3o exemplar em procedimcntos, que a Companhia de Jesus o es-
colbeo para seu Religioso; teve o Noviciado com exemplarissima obser-
vancia de Angelico Novigo, o rccolhimento sem nota alguma, e muito
menos penitencia, por se nao ver nelle, de que Ih'a podessom dar, a
Filosofìa estudou em Coimbra, com tanta applicacao, e tal engenho para
ella, que nenhum de seus doze condiscipulos o vcnceo, e poucos o igua-
lar3o, d*ahi Toi mettido a ler humanidadcs, e Rhetorica, e o fez em Bra-
ga, e em Lisboa com tal perfeìgào, assombro, e exemplo de vida, que
nSo so OS Grandcs da Corte (comò o exi^llentc, e sabio Marquez de
Alegrete) a consultavao, mas outros imitandolo, toraarao a vida Religio-
sa, n3o so em a Companhia, mas em outras Religioes, que se nao refe-
rem, por ainda serein vivos: passou a estudar Theologia, tambem cm
Coioibra, e niella sahio t^o consummado, e graduado. quo (por nao
accitar cadeiras) pcrdeo n'isso a Companhia bum dos mais insignes Len-
tes, que entao teria, mas elle so fui para a celebre liba da Madeira, e
niella prégou, e leu Theologia Moral por muitos annos, e por outros
fez 0 mesmo na Uba Terceira sua patria, e d'ahi passou a ser Reitor da
Uba de S. Miguel, aonde pelo zelo singular da perfeita observancia Re-
ligiosai Ihc deo algucra muilo quo sofrcr, e elle se passou para Lisboa,
212 IIISTOIUA INSriJVNA
ficando ainda là durando a fama, e continua memoria de tao grande sq-
geito, em todas as llhas onde esteve.
440 Em Lisboa o escolheo S3o Roqtie por scu Prégador, depois o
grande Collegio de Santo Antao por seu Lente Ueal da Sforai Tlieologia,
e 0 Eminenlissimo Senhor Cardeal, e Cerai Inquisidor Ihe offereceo o scr
Qualifìcador do Santo Oflìcio, de que por pura humildade se escosou; e
a Magestade Real dei-Rei nosso Senhor D. Joao o V, o obrigon a prè-
gar-llie em sua Capella, e por mais que se dizia telo escolhido para o
Regio posto de sen Confessor, a tao pio, e Real zelo vencco a canoniza*
da piedade do glorioso Sao Pio V, pois tendo a sua eselarecida Religtio
dos Prégadores escolhido ao nosso Padre para Ihe pregar a Canonìza-
C3o, chegada entao do seu novo Santo Pio, esle alcangou de Deos, que
lh*a fosse pi^ar là em o Ceo ; e assim nas quasi vesperas do Sermao
adoeceo de sorte, que ontro grande Prégador da Companhia substituliio
ao pulpito, e quasi de repente, ao moribundo, e este se foi pregar o seu
Sennao a Bemaventuranfa, onde piamente cremos que està, porque
4il S\^ observancia Religiosa foi tao grande sempre* que na pò-
reza nunca n'elle se notou nem algum leve descuido; na pobreza foi tao
singular, que nao so em si, mas ainda em outros Religiosos, nunca po-
de sofrer qoebra alguma de pobreza. A obediencia mostrou em tantas
navegacoes, que aceitou sem se escusar; e a sua humildade (fundamento
das virtudes) vimos jà, em nao querer aceitar as honras que se Ihe o^
ferecilio, e a tantas virtudes coroava com tal amor de Deos, da sah-a^
propria, e do proximo, que acabada a Filosofla, pedio ir para a India a
converter gentios, e nao se Ihe concedendo, sempre com està missao
lidou. que até junto à morte dedarou, que varìos tomos manuscriptos,
que de seus Sermoes deixava, tudo o que impressos rendessero, fossam
para os Missionarios do Japao, e China, pois tinha licenca dos Superìo-
res para o determinar assim; e de facto snhìo jà hum tomo impresso, e
sahirao os outros, para gloria de Deos, e de tal varao, verdadeiramente
santo, e sabio : e quem isto d'elle escreve, o sabe tanto, que foi o prì-
meiro seu iMesIre na latinidade em o Collegio de Angra, e em Coimbra
foi seu Mestre de toda a Filosofia, e Theologia, e *em Lisboa o toraou a
tratar, e coohecer seis annos, até Ihe morrer oas maos de idade jà de
sessenta annos.
4i2 De outros varoes illustres Insulanos, e de algum modo Liisi-
tanos, seria nunca acabar, se os quizcsse ainda so referir; pois bastaria
LIV. VI GAP. XLIV 213
bom Ancbieta» verdadeiro Tbaumalurgo da Compiinhia, prodigioso obra-"^
dor de innumeravels milagres, e espeiiio de sanlidade, e penitencia, para
Qocher muitos livros, corno jà tocamos oas suas llhas Canarias; e basta-
ria 0 grande Padre Leao Ileoriques, a quem em Roma queriuo eleger por
Geral da CompaDbia em premio das virludes, e illustre sangue que tì-
nha, naturai da liba da Madeira; d'onde tambem era o sapientissimo Pa-
dre Alanoel Alvarez, primeiro Gompositor da Arte Latina, e Mestre uni-
tersat do mundo todo: e ainda erofim bastarla bum Padre Francisco de
Bel6QCurt« iegìtimo descendente dos dous primeiros, e Catbolicos Ucis
das Canarias, e naturai da mesma Madeira, onde deixou o morgado de
8608 iliustres pais ; por entrar na Companbia de Jesus, aonde morreo
pregando em SUO Roque, ajuntando com o zelo Apostolico o exemplo
das virludes : bastariao pois sugeitos taes, para bonrarem, e acreditarem
a todas as Itbas; porém por jé concluirmos com este sexto livro da Ter-
ceirat ponbamos-Ibe a corea com a maior gloria della.
CAPITOLO XLIV
Do illusti'issimo Marlyr Joào Bautista Muchado.
443 Da santa vida, e gloriosa morte d'este illustrissimo Martyr se
tu niencao no Manulogio, ou Martyrologio dos Martyres, Confessores, e
variSes illustrès da Companhia de Jesus a 22 de Maio; e mais largamente
na gloriosa Coroa de esforcados Religiosos da Companbia de Jesus, mor-
tila pela Fé Cathòlica nas Conquistas do Reino de Portugal, composta
pelo Padre Bartholomeu Guerreiro da mesma Companbia, e impressa em
Lisboa no anno de 1642 por Antonio Alvarez, Impressor del7Rei nosso
Senhor, 4. part., cap. 38, mas porque so recopiladamente se faz addita
mengSo, e de tal Insalano Angrense be aqui o seu proprio lugar, dire-
mos d*elle, para gloria de Deos, o que so pudemos alcangar, reservando
0 mais para as Catholicas diligencias que a Santa xMadre Igreja costuma
faier em semelbantes materias.
4ii Nasceo o Padre Jo3o Bautista Macbado em a Cidade de Angra,
cabeca das llhas cbamadas Tercciras, ou dos Assores, no anno de 4582.
A casa em que nasceo foi depois mettida na segunda fundagao do Colle-
gio da Companbia de Jesus da sobredita Cidade; para que assim se veja
qoe este fortissimo Martyr nao so com suas excellentissimas virtudes^
214 IIISTOniA INSULAXA
mas tambem cono o material de sua casa, foi hum corno Fundador do
dito Collegio de Angra, e milito mais porque este santo Padre, sendo
ainda de seis para sete annos de idade, costumava jà entao dizer, que
Ijavia de ser da Companhia, e ir ao Japào, e dar la a vida pela Fé Ca-
tlìoli(!a: e tanto assim tudo aconteceo depois, que parece que Deos nesso
Seiihor ja em tao tenra idade Ihe communicou (corno a oulro Samuel) o
espirilo de proCecia, para que o Collegio Angrense d'elle tornasse o mis-
sionario espirito que tem para as outras Illias, e Conquistas de Portu-
gal: e reconliecesse por seu Fundador tatubem espiritual a este Uio saot
to Missionario.
445 Seus pais forao da antiga, e nobilissima familia dosMacbados,
na qual jà locamos n*este liv. 6, cap. 2H, e mais largamente em seu io-
gar Tallaremos, por bora baste saber-se que até na gera^ào era este Pa-
dre Joao Dantista tao illustre, que com baver em Angra familias muitas
de ndalgos da casa de S. Magestade, raro sera o que muito se nao prc-
ze de ser parente d'estc illustre Marlyr, cuja casa possubia hum bom,
e palrimonial morgado, e d'este era o successor berdeiro o mesmo Pa-
dre, causa porque seus proprios pais o mandarao a Lisboa, e de Lisboa
a Madrid, para viver n'estas Cortes, e tratar dos augmentos de sua ca-
sa, tanto era o que fiavao do juizo de tal fìlbo, sendo ainda entao so do
dezaseis annos de idade. Porém querendo Deos que o mesmo filbo 6-
zesse verdadeira a sua profecia, em cbegando a Lisboa, se foi logo a
Coimbra, e pedio, e alcancou o entrar Religioso na Companhia de Jesos,
e tao religiosamente procedeo no Noviciado, que tendo entrado com elle
bum seu primo, e {lersuadindo este ao Santo que se sabissem da Beli-
gì3o, 0 Angelico Joào nem fallar-lhe, nem ouvil-o quiz jamais, eo])rimo
deixando a Companbia, experimentou depois gravissimos perigos, e foi
aquelle Chrislovao de Lemos de Mendoga, e pai do Primis do Oriente,
Arcel)ìs|)o do Goa, D. Frei Cbristovùo da Silveira, de que acima jà ial-
lànios.
446 Porém o Santo Noviro com tal esemplo acabou o seu biennio
do Noviciado, e fez tao religiosa profissao, que pouco depois, e sendo
ainda [lumanìsla, pedio com tanta instancia, e fervor a missao da India,
e determinadamenlo a de Japìio, que se Ibe concedeo com so quasi tres
annos de lioligiao, e logo no do IGOi com outros muitos Missionarios
l)artio para a India: chegado a Goa estudou n'ella a Filosofia, e era aca-
^jando partio para a China, e no Collegio de Macao estudou a Theok)-
LIV. Xl GAP. XLIV 2(3
gin, e cski acabada» navegou para 0 scu profetizado JnpKo no anno de
1609, e pondo-se em 0 Collegio de Arima, tSo brevemente, e t3o des-
tro se rez em a lìngua Japoneza, que foi logo pregar à Corte de Meaco,
e à Cidade, e Fortaleza de Fuxini, e os cìnco annos seguintes até 0 de
16 li, gastoa n'este continuo, fervoroso, e Ai)ostolico officio. Mas corno
em Macao sahisse ent3o 0 impio decreto de sahirem desterrados do Ja«-
p3o todos OS Prégadores da Lei de Christo, e d'estes pertendessem logo
muitos ficar escondidos em Japao, e quasi todos fossem mais antigos
Missionarios do que 0 nossc Bautista, tanto recorreo este a Deos, e com
ties ora^s, penitencias, e Missas, que fez com que 0 Senhor movesse
a muitos Catholicos Japoes, que na vespera de sahirem os Padres, pe-
dissem bum, offerecendo-se ao terem tao secreto, e escondido, que nun-
ca dessem com elle os ministros do Tyranno; e ao Superior dos Padres
ìnspirou 0 mesmo Deos, que Ihes desse 0 Padre Jo3o Bautista Machado,
e assim fic^u com elles.
4i7 Os Catholicos Japoes recolherJo 0 Padre, e 0 puzerao nas Ilhas
de Consura, e nas de Gotto, porém nilo se dando 0 Padre por satisfeito
ainila, pertendeo logo tornar para a firme terra de Arima, e Ximabara,
a pregar publicamenle, desejando mais depressa morrer pela Fé Catho-
lica, e nao lh*o consentindo os Japoes zelosos que 0 tinblio escondido,
tres annos ficou 0 Padre pregando, confirmando, e confessando a Chris-
tandade toda das taes Ilhas, até que no principio de AbriI de 1617 es-
tando 0 Padre confessando os seus Christ3os, der3o com elle os minis-
tros do Tyranno, e Ihe nolificar3o a ordem de 0 prenderem. e ouvin-
do-os 0 Padre, rompeo em gragas a Deos por tao desejado beneficio seu,
e aos ministros por tal nova Ihe trazerem, e ainda ao Tyranno, por man-
dala cxecutar, e logo accrcscentou, que assim ao Tono, (que era 0 Ty-
ranno mandante) comò a elles seus ministros perdoava tudo 0 que con-
tra elle obravao, e obrassem.
448 E comtudo por falta de tempo para a passagem d'aquellas
Ilhas a Omura, se detiverao todos quasi quatro dias, em que todos os
Cliristaos se confessar3o, e dcspedirao do Padre, admirados de Ihe ou-
virem, que desde menino desejara sempre ir dar a vida em Japao por
pregar a Fé Catholica; e 0 Padre, em entrando no navio, inslantemenlo
jjedio ao Capitao que 0 mandasse logo alar, porque a sua Ii3nra era ir
prezo por amor de Christo, e pelo contrario os mesmos Genlios 0 tra-
tarao sempre com toda a cortczia, até 0 metlerem no carcere de Omu-
co» » «sr*- *sr^>» -rif-i^ «r^Vrc r
àoves
':««*«'* ò>::;ò « v-^: ^;« »r!r * » <^"*° tre»-» ^
LIV. W GAP. XLIV 217
451 OuYìndo taes palavras o dito Govcmador, ficou tao penelra-
do, e t3o admirado d'ellas, .que tcudo sido fìllio de paìs Calholicos, e
irmSo de bum Padre da C.ompanhia, e tendo (no exterior ao menos) ne-
gado a Fé, e esfriado-se milito no interior, su por ser hiim dos primei-
ros Govemadores do Oinurandono, e ser seu Valido, comtudo obrarao
tanto n'elle as ardentes palavras do fervoroso Martyr, qne nìo a si mes-
ino se roduzioi Fé Calholica, mas persuadio a miiitos que fizessem o
mesmo, e em vendo o martyrio do Padre, foi adiante do proprio Omu-
randoDO, e publieamente confessou, e protestou ser elle tnmbem Chris-
tao Catholico, e estar prompto a morrer pela tal Fé. E custou tanto
ìsto ao Omurandono, que furioso fez logo alli em sua presenta matar
is cutiladas ao ditoso reduzido Tomonanga Lino.
452 Tanto pois que o Padre, feito de amor Divino bum novo Etna,
disse ao Tomonanga as sobreditas palavras, pegou da pena, e cscreveo
ao Padre Sebastiuo Vicira da Companhia de Jesus a carta seguinto:
cAgora, Padre meu, me derao a alegrc nova da mìnba morte, mor-
rò multo consolado, e confìndo, pois he pelo bom Jesus, e Ihe dou
maitas gragas, porque (ainda que a indigno) me fez t3o grande mercé.»
453 Companbeiro deste Serafìm humano foi era o martyrio bum
Venera voi Religioso da Serafica Ordem de S. Francisco, chamado Fr.
Fedro da Assump^ào, o qnai ouvjndo a sentenza de sua morte, respon-
deo, que aquella era a morto, qne oile tinha pcdido a Deos todos os
dias na Missa desde o dia de Penlecostos ale aquelle presente, que era
0 da Santissima Trindade. E assim morreo tambem martyrisado, e com
tal amor Divino, que todos o conliecerao por Serafico.
454 Chegada emfim no mesmo dia a determinada bora para o
martyrio, foi tirado do carcere o Padre Joao Dantista Machado, e leva-
do fora da Cidade para Ihe ser cortada a cabeca, mas para isso n3o foi
ordinario algoz algum, senao hum bonrado, e nobre bomem, por ser
em Japao costume, nao se cortar a cabega a pessoa de respeito, senao
por quem de respeito tambem seja: e he muito de reparar (comò pon-
deraremos mais abaìxo) que com oflerecer o Padre a cabeca ao taiho
constante, e alegremente, e com serem as catanas do Japao tao afiadas
e tao facilmente cortadeiras, comtudo nem da primeira vez, nem da se-
gunda, mas somenle da terceira degollou està ao Santo Martyr. E ven-
219 HISTORIA IXSTLANA
do tal maravilha bum Catholico mancebo Japonez, por nome Leao, qac
no Seminario da Gompanliia de Jesus se tinba creado, e nos minìsterìos
Sacerdotaes ajudava sempre ao Padre, sem querer jà mais (podendo)
apartar-se d*elle, e livrar-se de ser preso, antes tanto se accondeo na
Fé, com que vio ao Santo padecer, que dentro de poucos dìas se oOe-
receo i morte, e alcangou a coroa do Martyrio.
455 Degollado o Santo Padre em 22 de Maio de 1617, por sen-
tenca do Tyranno Principe Xagum commettida a Omurandono» que pelo
Governador de sua casa, e estado Tomonanga Lino o mandou execatar,
ja OS devotos Christaos tinhSo preparadas duas preciosas caixas, em que
recolberao os martirisados corpos dos dous invictos Martyres o Padre
Jouo Dantista Machado, e Fr. Pedro da Assumpcio. e depois de mnu-
meraveis ChristSos o venerarem, e adorarem, em distinctas covas os se-
pultarao a ambos, porem vendo o impio Omurandono o eccessivo nu-
mero de Cbristaos que concorria a venerar reliqnias tao insignes, man-
dou logo ao outro dia cercar as sepiilturas com soldados, e ofBciaes
Gentios, que impedissem o concurso, e venera^ao que Ibes davSo: eis
que na primeira noiic (prodigioso caso!) virao naosó os Christaos» mas
ainda os mesmos Gentios, que sobre as duas sepulturas es(av3o estrel-
las» e de tao excessivo resplandor, que altonitos, e confusos Tonio dar
conta de tudo ao Tyranno, com que estc, cada vez mais obstihado, e
cmpedernido, mandou logo lancar os snnlos corpos, com as caixas em
quo estavuo, no melo do alto mar, para nao tornarem a ser buscados,
e venerados. ,.
45G 0 Geo porem Tez tambem que de Japao a Macao, e de Macao
a Goa, e de Goa a Porlugal, e de Portugal a Cidade de Angra da Ilha
Terceira viessem tao vcrdadeiras novas da gloriosa morte, e veneravel
marlyrio do Padre Joao Dantista Macliado, que depois de em Portugal
S3 celebrar com o citado Manulogio, ou Martyrologio da Companhia de
Jesus, e com o cilado, e impresso Elogio do Padre Bartbolomeo Guer-
reiro, passou com tanto applauso i Angrcnse Patria do tal Santo, qnc
conclue o dito Elogio com as formaes palavras scguintes: tDa gloria
de tao abalisado Confessor de Christo, sous nobres parentes fizerSo a
ostimacào que deviao a quem erao, com fostejarem as viclorias, e triun-
fos que 0 l^adre Joao Baulisla tove da Idolatria Jai)onica.»
457 Ao que tudo accroscento, que em a Santa Sé da Cidade de
Angra, na (^apella do Baulisterio, osta posto o retralo d'oste Venenvel
LIV. VI CAP. xuv 219
Marlyr, por alli ter sido bautisado; è conresso, quc nao sei com quem
deva comparar tao admiravel Confessor de Christo; porque jà ine pare-
ce bum Samuel, que desde meniùo comecou a ser Profeta, e Santo, ja
a insigne Martyr, e Doutora Santa Calbarìna, que nao so deo por amor
de Qiristo a vida, mas para o mesmo Christo reduzio, e fez seus glo-
riosos Martyres a Porfirio, Governador dos Soldados do Empcrador, e
ainda & mesma Emperatriz, comò o nesso Padre ao Governador Tomo-
nanga Uno, e ao seu proprio, e illustre Àjudante Leao, além de innu-
meraveis Genlios, que de antes jà tinha convertido, e bautizado: jà em-
fim parece bum fervorissìmo Santo Ignacio Martyr, cujo ardente espi-
rito, e desejo de padecer mais tormentos trasladou oste Santo em
si, e Ihe bebeo o ferver daquelles, em que tanto (corno vimos) o imi*
tou.
458 A deus porém exemplarcs, bum humano, outro Divino, me
parece seguio mais esle admiravel Padre: por exemplar humano tomoa
logo em sua puericia o Santo do seu nome, o Angelico Precursor do
Christo, pois comò elle, e desde a primeira idade ainda largando a casa
de seus illustres pais, a patria em que nasceo, as famosas Cortes de
Lisboa e Madrid, aonde queriam fosse, se foi para o deserto, entrando
na Companhia de Jesus ; comò elle, do tal deserto, sabio a pregar d
Corte de tintos crueis Iferodcs, quantos achou no Imperio do Japao;
corno elle se occupou no olTicio do Bautista, bautizando, e pregando a
milbares de Genlios ; corno elle, nao desistio de pregar sempre a pu-
reza da Santa Fé Catholìca, e por ella dar a vida, e degollado tambem,
diminuindo-se a si por augmentar a Christo : parece logo que foi bum
retrato verdadeiro do santissimo Precursor Bautista.
459 Pois mais verdadeiro ainda parece o foi do mesmo Christo,
porque à sua imitaf^o, desde a primeira idade se olTereceo a dar a vida
pela redempcao das almas, que o Senhor tinha remido; desde a moci*
dade ainda come^ou a Ihes pregar, e de tal préga^ao nao desistio, po-
dendo, até ser prezo, e chegar a dar a vida por ella, perdoando a ini-
migos, comò o mesmo Senhor; convertendo ao mesoK) Tomonanga,
que 0 fazia degollar, comò Christo a bum ladrao; e morrendo fé rido
de tres golpes, comò o Senhor de tres cravos; e em dia da Santissima
Trindade, querendo a cada Pessoa oflerecer buma vida, pela que por
elle ofTereceo a seu Eterno Padre; e tambem sendo sepultado em caixa,
ou sepulcro-novo, e com guardas a elle postas; e ullimamente indo à
220 II ISTORIA INSULANA
altura maior do mar, e sondo nelle submergido, corno o proprio Christo
no mar de sua Paixao.
400 Oh retralo fidelissimo, nao so de hum Samuel, de Imma Santa
Catharìna, e de hum Ignacio Martyr, mas de hum Precursor Angelico,
e até de hum Divino Chrìstol Oh ditosa Angra, a quem Deos concedeo
0 ser m3i do tal filho I Oh adverte M3i ditosa, que até a Virgem M3i,
nio sd pela honra que nMsso Ihe deo o Filho, mas pelo que a tal Fìlbo
dee com seu precioso leite a mesma Mùi, por isso foi julgada tio ditosa:
Beatns venter^ qui te portavU; et ubera^ quof suxisti. E o mesmo ChrìstO
disse que a maior dita he dar, que receber: Beatius est dare, quamaeci-
pere. Adverte. digo, que pois recebeste de tal fliho tanta bonra, obri-
gada eslés a lh*a procurar, e dar a elle; e comò* ha jà quasi cem annos,
que este teu filho te deo a maior honra, de morrer martyrizado pela
Fé de ChrìstO em Jap3o, e te deo a honra de seres M3i de bum Santo
Martyr, ficaste obrigadissima a Ihe dar a elle a honra maior de Ihe al-
cancar da Santa Madre Igreja Catholica Romana, que o declàre, e cano-
nize por glorioso Martyr de Christo, e que por tal entao canonicamente
0 tenhamos e adoremos.
461 Nem se retarde mais diligencia tao gloriosa das que se devem
fazer para Uil declaracao ou Canonizagao; porque eslas diligencias devem
pedir OS Senados de toda essa liha a sou Illustrissimo Bispo que as
faga, e achani a nianisfesta vf nlado, nào so de ter sido a vida de tal
varJo immaculada, e santa, e o marlyrio padecido pela Fé Catholica, e
por a pregar em Japao; mas lami em de o ter ja Deos declarado assim,
com a maraviiha de so da terceira vez a Japouica c^itana o degollar, e
de 0 mesmo Tomonanga, que o fez degollar, se con verter; e a maravi-
iha mais celestial de se collocarem sobre o sepuldiro de tal Martyr as
eslrellas, testimmìhando a verdade do marlyrio: e emfim achar-se-ha,
que por huma Reliquia do vestido d'este Santo, que foi a CidadedeAn-
gra, sua patria, obrou Deos muitos miiagres, comò deporao as testi*
munhas pergunladas.
462 E ludo isto assim, e canonicamente bem provado, e remettido
tudo pelo Ilhistrissimo Bispo de Angra ao Summo Pontifice Romano,
com l'Arias dos Cabidos, dos Senados, e dos Prelados das Religioes da
Uba, nao deixarà o zelo de S. Santidade de deferir a tao justa, e pia
petigao a favor da innumeravel Christandade, que floreceo em Jap5o; e
mutoi mais deferirà, se a Magestade d'el-Uei de Portugal o pedir por
LIV. VI GAP. XLIV 221
Real caria a S. Sanlidade, e ao Serenissimo Rei o pedir a liha, alle-
gando 0 quanto Ihe merece interceder por ella com ò Papa, especial-
mente por ser El-Rei o GrSo Mestre da Ordem de Christo, e desta Or-
dem a liha, e do todas as dos Assores, ou Terceiras a cabega, de qiie
tantos sujeitos lem sahido para as Gonquistas da Goroa Porlngueza, e
conversSo da Gentilidade; e com tal deciara^ao» ou canonìzagao, se ani-
mare multo mais a sentir a seu Deos> e a seu Rei.
463 E ainda que necessaria, e santamente se costuma gastar multo
na Canonizagao de bum Santo, para se executar com a devida decencia,
e culto, nao deve isto obstar a huma liba Terccira, qne sem pedir a ou-
trera cousa alluma, póde per si so, fazer por tal causa os taes gastos ;
pois se para excluir aos Reis de Castella da Goroa de Portugal, e sos-
tentar 0 seu cliamado Rei D. Antonio ; e se para conservar ao legitimo
Rei, e Restaurador da Coroa Lusitana, q felicissimo D. Joao IV, e se
para guardar, e servir ao victorioso Rei D. Adonso VI, se para ludo isto
unicamente està Uba gastou tantos, e tantos mil cruzados, corno vimos
jé, claro està que poderà gastar menos na expedicao da Canonizaglo
de bum seu fillio Santo, e que tem tantos, e tao ricos morgados por
parenles na mesma sua Uba, da qual deve ser tornado por singular Pa-
droeiro, e a enriqueccrà nao so de temporaes bens, mas de espirituaes.
GENEALOGIA
Do Inoicto Mariyr.
464 Tendo o dito admiravel Confessor de Cbristo tao excellentes
outros appellidos, de que podera denomìnar-se, nenbum outro para si
tomou senSo o de Macbado ; porque (alem da razao moral que abaixo
apontaremos) be bumanamente tSo excellente, e tao Uegia a origem dos
Macbados, que merecco ser preferida a muitas oulras. 0 primeirod'este
appellido foi Martim Martins Macbado, fillio d'el-Kei D. Sancbo o pri-
meiro de Portugal, que por ter nascido em dia do S; Martinho a 11 de
Novembro de 1154 se cbamava ao principio Martim, e por isso a este seu
filbo cbamou Martim Martins Macba(!|p, e o dito Rei o bouve de buma
Dona Maria Moniz, fìlba do Condc 0. Moninbo Ozorio, e neta doConde
D. Ozorio, e bisneta do Gonde D. Rodrigo Veloso, e terceira neta do
Infante D. Veloso, filbo d'el-Rei D. Ramiro Terceiro de Leao, comò se
póde ver no Regio Nobiliario de nosso Gonde Dom Pedro, Ut. 44, % 4,
222 IIISTOBIA INSriJlXA
e jà 0 dilo Marlìm Martins Machado foi senhor de Riba doCàvado, e da Quinta,
Torre, e solar iTos Macliados, e d'elle nasceo Marlim Machado, a quem se
ajuntarao outras terras de Barroso por seu casamento, de que nasceo Fe-
dro Martins Machado, que foi o primeiro iiitìtulado senhor de Entro Ho-
mem, e Càvado, e de outras terras: e foi pai de Diogo Machado, senhor
tambem de Domellas, a quem succedeo seu fìlho Concaio Machado, que
casou oom D. Maìor Mendes de Vasconcellos senhora d*esta casa, e da
de Castro, por primeira filha de D. Mem Rodriguez de Vasconcellos,
quarto neto do sobrcdlto Conde D. Moninho Ozono, que era terceìro neto
i^itimo do dito Rei I). Ramiro Terceiro de Leao.
465 Do tal Gonzalo Machado, senhor de Entro Ilomem e Càvado, e
das mais terras, e Alcalde mór de Lanhoso, nasc^ Vasco Machado, Al-
calde mór de Guimaracs, de quem nasceo Pedro Machado, que casoo
com Dona Ignes de Goes senhora de Lonza, om cuja Capella mór esti
sepultado r e foi pai de Francisco Machado, que ao Duque de Coimbra
0. Jorge largou a Lonza, Villarinho, e Pedregèl pela Commenda de Sou-
zel, e casou com D. Joanna de Azevedo, filha de Jo3o Peìxoto, senhor
da Calcada, e de PenhaficI, etc. Do dito Francisco Machado nasceo Bb-
noel Machado de Azevedo, senhor das sobreditas terras, e Commenda-
dor de Souzel, que cìsou com D. Joanna da Silva, Dama da Rainha, e
filha de Manoel da Silva, Alcalde mór do Scure, Aposentador mór d'el-
Rei D. Manoel, e de D. Ignes da Cunha, ambos dos verdadciros Silvas
e Cunhas; o do tal Manoel Machado de Azevedo nasceo Francisco Ma-
chado da Silva, senhor de Entre Ilomem e Cavado, etc, eCommendador
de Souzel, que foi bautizado por el-Rei D. Hcnrique, Arcebispo de Braga
e seus Padrinhos forào o Infante D. Luiz, e D. Pedro, e casou depois
com D. Maria da Silva, fìlha de Manoel de Magalhlies de Menezcs, senhor
da Barca, e de D. Margarida da Silva, filha de Lconel de Abreu, senhor
de Regalados; e do dito Francisco Machado nasceo D. Margarida Ma-
chado da Silva e Vasconcellos, que levou comsigo o senhorio das ter-
ras de Entre Ilomem e Càvado, e casou com Manoel de Araujo Sousa
e Castro, que era a varonia dos Castros, e nao so oitavo noto dei-Rei
D. Pedro de Portugal, e da Rainha D. Ignes de Castro, mas pela sua
varonia duodecimo neto d'el-Rei D. Afifonso I de Castella e Leao, e de-
cimo tercio neto do Infanto D. Fernando o de Navarra, e da Condeca
D. Maria Alvarez de Castro, senhora de Castro, e decimo-quarto nelo
d'el-Rei D. Sancho I de Aragao, o que morreo da scila.
LIV. VI CAI». XLIV ii'ì
4G6 oneste ullimo pois Manoel de Araujo Sousa e Castro, e da
dita D. Margarida Machado da Silva e Vasconcellos nasceo o grande Fe-
lix Ahchado da Silva Castro e Vasconcellos, primeiro Marquez de Mon-
tebello, que casou regiamente em Castella, e leve por fìllio a D. Anto-
nio Machado Silva e Castro; segundo Marquez de Monlebcilo, que coni
as pazes velo para 4^ortugal, e n'elle casou com D. Luiza de Mendoca,
primeira filha do conbecido fldalgo Manoel de Sousa da Silva, cujo pa-
lacio està és portas de Santo André; e a segunda filha casou com seu
primo 0 Gonde de Val de Reis; e do dito segundo Marquez nasceo D.
Felix Madiado, que casou com D. Eufrasia da Silveira, fillio de I). Luiz
da Silveira, que ainda hoje vive, e he tao grande fidalgo, que escusado
be dar outra noticia de sua grandeza. 0 dito segundo Marquez foi va-
fio de grande juizo e pnidencta, e comò tal governou Fernambuco no
Bnul, e agora o està governando D. Felix Machado seu fillio. E isto
basta de noticia dos Machados de q.ie forao os da Illia Terceira, pois
tambem de là descendem assim o dito D. Felix, corno seus filhos, por
sua avo D. Luiza da Mendoca. que era filha de D. Joanna de Mendoga,
e descendente legitima dos primeiros fidalgos Monizes de Angra.
467 Dos taes Machados era o avo materno do sobredito Martyr,
Manoel de Barcellos Machado, filho de Catliarina Machado de Lemos, e
por està neto de D. Isabel Pereira Macliado, e bisneto de Gonzalo Pe-
reira Machado, e terceiro neto de Fedro Enes Madìado, de quem o uosso
Martyr ficou sondo quinto neto ; porque a dita bisavó do Santo Padre
Catharina Machado de Lemos era casada com Joao Moudes de Vascon-
cellos, filho de Balthazar Mendes de Vasconcellos, e neto do outro Joao
Mendes de Vasconcellos, e segundo neto de Fedro Mendes de Vascon-
cellos, e terceiro neto de Concaio Mendes de Vasconcellos, e quarto neto
de Martim Mendes de Vasconcellos, (que da Madeira se foi para a Ter-
ceira) e quinto neto do primeiro Martim Mendes de Vasconcellos, que
de Portugal foi casar com a quarta filha do grande Joao Goncalves da
feimera o Zargo, de quem ficou sendo nono neto o dito Martyr.
468 Mas porque muitos desejavao saber a paterna ascendencia do
Biartyrizado Padre, consta que seu pai se cbamava Christovao Nunes
Vieira, e sua miì Maria Cotta da Maiha, e que por ambas estas vias
era dos illustres, e Antigos Vieiras, pois n3o so a dita mai era filba de
ootra Maria Cotta da MaIha, cujo pai Fedro Cotta da Malha, era ca-
sado com Catharina Vieìra; mas tambem o dito pai do Martyr era filho
22fc HISTOIUA INSULANA
de Branca Vicina, e de Domingos Fernandez; a quem ciiamaram o Rico,
porque o era muito mais, e mais fìdalgo, do que oiilro quo na Terceira
havia do mosmo nome Domingos Fernandez, e ambas as duas, Branca
Vìeira, e Catharina Vieira, erSo irmas o fìilias de Alvaro Vieira, e neias
de Domingos Alvarez Vieira, e a multier do dito Alvaro Vieira, e a mai
das ditas duas irmSs, se chamava Iria Affonso de Azevedo, fìlha de Affonso
Vaz de Azevedo, dos Azevedos em Portugal famosos: e este Azevedo fica
sendo quarto avo, e o Domingos Alvarez Vieira terceiro avo do ditoao
Martyr.
489 Eaqui he de reparar, qne d*aquelle Domingos Alvarez Vieira, além
do primeiro fìllio Alvaro Vieira, nascer3o mais cinco filhos; Joao Dias Viein
quo casouno Pico, Gonzalo Dias Vieira, Comes Dias Vieira, Vicente Dias Viei-
ra, e Isabel Vieira que casou com Fedro Rebello, o qual veio de Lisboa a fot'
tificar a liha Terceira, e foi o que fez o Castello de S. Christov3o. chamado
0 dos Moinlìos, e dos taes Vieiras ficarlk) muitas linhas na liha Terceira; e em
parlicular no grande lugar de Santa Barbara. Porém corno d*aquelle il-
lustre Dnarte GalvSo da Silva n3o so nasceo D. Violante da Silva, qoe
foi segunda mulher do primeiro Pedreanes do Canto, e mai do grande
Jo3o da Silva do Canto, mas tambem nasceo Fedro Vieira da Siivat-qoe
vindo a S. Miguel, deixou n'esta Uba seu filho Feru3o Vieira da Silva,
que em S. Miguel casou muito rica e nobremente, e se voltou para
Lisboa 0 dito pai Fedro Vieira da Silva; d'este me persuado eu que foi
bisneto, ou terceiro nelo seu, o Illustrissimo Fedro Vieira da Silva, Se-
cretano d'Estado d'el-Rei D. Joùo o IV que depois viuvando se Tez Cle*
rigo, e foi Bispo illustrissimo de Leiria, de que melhor saberé o insigne
Luis Vieira da Silva, legitimo filho do dito Bispo seu pai. a quem pareoe
venceo o dito seu filho, em regeitar n3o so Bispados. mas outras Dignida-
des, quo por vezcs se Ihe olTereceram, e de tal desprezo he vivo exemplar,
e por isso d'elle, ainda vivo nem se diz, nem se inquire mais.
470 ForriH conio da linha dos Machados aquelle quinto avòdoli^
vieto Martyr Fedro Enes Machado foi casado c^m D. Isabel Pereira, tf-
Iba do Antonio da Silveira Pereira, o qual era illho de outra Anna da
Silveira, que casou com bum conhecido fidalgo chamado Trist3o Perei-
ra, de que failaremos no liv. 8, cap. 5, e està sua mulher Anna da Sil-
veira era Alba segunda do illustre Guilherme da Silveira, o do Faial, co-
rno se póde ver no citado liv. 8, cap. 4, segue-sc que d'estc oitavo avo
LIV. VI CAI>. XLIV 225)
do DOSSO Martyr demos alguma notìcia, e de seus descendenles, corno de
parentes consanguineos do Martyr glorioso.
471 Os fìlbos pois que nascerlo do dito fidalgo Guilherme da Sil-
veira, e de sua mulher Margarìda da Silveira (por as mulheres entao to-
marem os appellidos dos maridos) nascerao, além da dita Anna da Sil-
veira, sete flihos mais, bum Joao, outro Jorge da Silveira, e huma fllha,
e d'estes tres nao pude alcangar descendencia alguma, nem de Maria da
Silveira, e Gatbarina da Silveira, que casarao nas ditas Ilbas, e tiverao
descendencias, e as saber3o melhor os a quem tocao, que eu as nao pu-
de saber. Em sexto lugar nasceo Margarida da Silveira, que casou no
mesmo Faial com Joz da Terra, fldalgo Flamengo, que veio com os pri-
meiros povoadores, e d*estes nasceo Barbara da Silveira, que casou com
Antonio de Brum, de que descendem os Bruns Silveiras de Sào Miguel,
e OS Bruns Terras do Faiai. Septimo Olbo foi Francisco da Silveira, nas-
cido jà DO Faial, onde casou com buma filha do primeiro Donatario do
Faial Joz de Utra, e de sua mulher Brites de M acedo. Dama do Pago; e
do tal Francisco da Silveira, e da dita sua mulher nasceo Joz de Utra da
Silveira, e dos descendentes d'este nada sei ; e nasceo mais Manoel da
Silveira, que chamao o Descubridor da liba nova, e d'este sei que nas-
ceo Dona Isabel (ou D. Ignes) da Silveira, que casou com Gomes Pa-
ctieco de Lima, o da Graciosa, e d'este matrimonio nascerao Christovao
Pereira de Lima, Antonio Pereira da Silveira, e Manoel Pacheco Perei-
ra, e por estas vias se encherao as Ilhas dos illustres Silveiras, e Bruns
corno se v6 liv. 7, de Sao Jorge, e Graciosa, e no liv. 8, do Faial, e
Pico.
472 Relatada assim a illustre ascendencia do illustrissimo Martyr,
segue-se agora declararmos sua descendencia; porque ainda que d'elle,
corno de bum sempre castissimo, e purissimo varao, nunca houve des-
cendentes, houve-os comtudo de seus pais, e avòs; e assim comò todos
OS consanguineos; de algum ascendente de bum sogeito, jà tambem
deste nao podem deixar de ser consanguineos assim todo o que descen-
de de ascendente algum do tal sugeito, tambem jà d'este nao póde deixar
de ser conbecido por consanguineo, e parente rigoroso: e pois, vimos jà
quanta, e quam grande nobreza era a dos ascendentes do nosso Martyr,
bem he que agora vejamos quanta ainda he a dos descendentes de seus
pais, e avòs.
473 A prìmeira, e mais proxima descendencfa dos ascendentes do
VOL. u 15
226 MISTOniA INSULANA
nosso Martyr he liuma legitima irma sua, cliamada D. Calliarina Vieira»
filha dos mesmos pais, dos quaes jé tratàmos acima, quando dos Viei-
ras. Casou a dita D. Catharina com Joao do Canto de Vasconcellos e Ca-
mera, filho de Francisco do Canio e de U. Luiza de Vasconcellos, filba do
antigo Pedralves da Camera, (dos legitimos Cameras da Madeira) e de U.
Andreza de Vasconcellos, d*aquelles Vasconcellos, de que tambem ja tra-
tàmos n'esla mesma Genealogia; e odilo Francisco do Canto era o terceiro
fillio do primeiro Pedreanes do Canto que no tal terceiro (ìlho fundou
terceiro morgado, ainda que menor, mas nSo em meuos illustre varào,
(comò jà vimos no cap. 19, §, cA terceira iinlia;» e do tal Francisco do
Canto nasceo outro segundo Pedreanes do Canto e Vasconcellos, que ca-
sou primeira vez com D. Maria Serra, e segunda com D. Apollonia Tei-
xeira; da primeira mulher nasceo Luis do Canto, que casou em Sào Mi-
guel com D. Barbara da Silveira, legitima descondente de outra D. Bar-
bara da Silveira, e de Antonio de Brum, e filha de D. Margarida da Sil-
veira, e de Joz da Terra, a qual Silveira era filha do illustre Guilherino
da Silveira, oitavo avo do Santo Martyr: e ja se ve corno ioilos estes
Silveiras, Terras, Bruns, e ainda os grandes Utras, por aquelle Francisco
da Silveira que casou com huma filha do famoso Joz de Ulra, primeiro
Donatario do Faial, todos s3o notorios consanguineos do dito Santo lUar-
tyr.
474 Do mesmo Luis do Canto, sem nascer varào algum, por mor-
rer cedo, e de sua mulher D. Barbara da Silveira, nasccrOo tres filhas;
primeira, D. Maria do Canto, que casou com o bom fidalgo Diogo Leite
Boteiho e Vasconcellos em Sào Miguel; e d*estcs nasceo Jacome Leite,
que velo casar a Terceira, e n'ella lem filho casado Luis Diogo Leite do
Canto, que por casamento se tomou a unir com os Vasconcellos Teves
da Terceira, e terà rauita descendencia. A segunda filha foi D. Luiza,
que casou com Antonio de Faria Maia em S. Miguel tambem: e a ter-
ceira filha foi D. Isabel do Canto, que tambem em Sào Miguel casou com
Miguel Lopes de Araujo, de quem nasceo U. Antonia, que primeira \'ez
casou com seu primo Pedro Borges de Sousa, e segunda vez com o an-
tigo fidalgo Antonio Soares de Sousa, em que esté a varonia dos pri-
meiros Donatarios de Santa Maria, e Sao Miguel, e de ambos estes ba
multa descendencia, e consanguinea toda do Martyr glorioso.
475 Do sobredito Pedreanes do Canto e Vasconcellos, e da mesma
sua primeira mulher D. Maria Serra nasceo segundo filho» cliamado
UV. VI GAP. XLIf t'il
Francisco do Canto e VascoDcellos, irmao mais mo(o do dito Liiiz do
Canto ; mas porque este morreo primeiro que o dito pai, o nao deixoa
filho varao, mas so as ditas tres filbas, porisso o irmao Francisco do
Canto se metteo de posse do morgado, que em terceiro lugar institubio
seu bisavó Padreanes do Canto, primeiro do nome, sem que alguma das
tres filhas do irmao mais velho, nem os maridos d'ellas se oppozessem
a tal morgado : e d'este o possaidor Francisco do Cahto e Vascoricellos
casoa com D. Joanna da Silveirai que tambem era legitima descendente
do primeiro Gailherme da Silveira, ottavo avo do nosso Martyr: e deste
matrimonio nasceo Ignacio do Canto da Silveira e Vasconcellos, que ain-
da vive, e jà bem velho, e possubìo sempre o tal morgado, cf>mo o pos-
sahio seu pai, e seu av6, e bisavò paternos e casou este Ignacio do Canto
coro D. Ignes de Castro, fìlha de Joao do Canto de Castro, e irmaa de
Manoel do Canto de Castro quarto neto do primeiro Pedreanes do Canto,
e SQCcessor do seu primeiro morgado, e do segundo tambem que de-
pois se Ibe ajuntou, e em ambos se seguio jà o primeiro filho varao de
muiios que deixou o ultimo Manoel do Canto de Castro : comò tambem
do dito Ignacio do Canto ba muitos filhos varoes, que por sua morte
Ihe snc^edao no terceiro morgado do primeiro Pedreanes do Canto.
476 E demais teve o dito Ignacio do Canto da Silveira huma legi-
tima irmi, cbàmada D. Maria do Canto, que foi segunda mulher de Vi-
tal de Betencor, do qual casamento nasceo huma fìlha, que casou com
seu primo irmao Felicinno de Betencor, filho do CapitSo mór de Angra
Joao de Betencor e Vasconcellos, irmSo do dito Viial, e ambos erio fì-
Ihos de outro Vital de Betencor, e netos de outro Joao de Betencor. o
d^ollado, e de sua mulher D. Maria de Vasconcellos, fìlha de Concaio
Mendes de Vasconcellos, neta do segando Martim Mendes de Vasconcel-
los, e bisneta do primeiro Martim Mendes de Vasconcellos, que casou
com a quarta fìlha do primeiro Capitao do Funchai Joao Gongalves da
Camera o Zargo, de quem o nosso Martyr, por seu bisavó Joao Mendes
de Vasconcellos, era nono neto : e o degollado Jo3o de Betencor era ma-
ndo da dita terceira neta do mesmo Camera : e quarto neto era o pri-
meiro Vital de Betencor, cujo degollado pai Joao de Betencor era fìlho
de Francisco de Betencor, primeiro do nome, e de sua mulher D. Ma-
ria da Camera, filha do segundo Pedralves da Camera, e neta do primei-
ro Pedralves da Camera, que da Madeira veio para a Terceira, e bisneta
legitima do segundo CapitSo do Funchai Joao Gongalves da Camera, e
*ÌÌS IIISTOIUA L\Sl L.O(A
lieta do primeiro Capitao Joao Goncalves Zargo, qiie por tanlas vias he
ascendente do Invicto Martyr.
477 Mas porque do dito degollado nlio so nasceo hum fllho, que
morreo Religioso da Gonopanliia de Jesus, e outro cliamado Vital de Be-
tencor, primeiro do nome, que casou primeira vez com huma filha de
Estevao Ferreira de Mello, e segunda vez com D. Izeu Redovallia» filha
de Vasco Fernandez Redovalho, e de Maria Abarca, e d'este primeiro Vi-
tal nascerao tres Rlhos, primeiro, o segundo Vital, que casou prime'ra
vez com 0. Violante, filha de Francisco de Betencor Correa e Avila, e
segunda vez com a sobredita Dona Maria do Canto, de que nasceo a que
casou com o primo Feliciano de Betencor : e o segundo fillio do pri-
meiro Vital foi D. Felippa de Betencor, que casou com Francisco Dor-
nellas da Camera, Donatario, e Alcayde mór da Praia, de que nascerio
Bras Dornellas, que morreu sem Hlhps legiiimos em Lisboa, e Manósi
Paim da Camera, que nao so lierdou està casa, mas tambem o grande
morgado de sua mulher, filha de Francisco Borges de Avila, e neta do
Capitao Joao de Avila, Cavalleiro da Ordem de Christo, e fidalgo da casa
de S. Magestade, e he hoje huma das maiores casas de todas as Illias,
de que ha muitos descendentes : e outra irma do dito Manoel Paim ca-
sou com Francisco de Betencor, fillio mais veiho do segundo Vital, e
noto do primeiro Vital, e bisneto do degollado Joao de Betencor, e de
sua mulher D. Maria de Vasconcellos, e por ambos estes bisavós tegili-
ino descendente dos ascendentes do Santo Martyr. Deixo as duas fìlhas
mais do dito segundo Vital, huma D. Branca, que casou com Agostinbo
Borges de Sousa, e outra que casou com Diogo Pereira de Lacerda, e
de ambas ha descendencia. E o terceiro filho do primeiro Vital foi o
outro Joiio de Betencor e Vasconcellos, Capitao mór de Angra, que ca-
sou com I). Joanna, filha de D. Francisco, o da Graciosa, de que nas-
ceo 0 jà dito Feliciano de Betencor, e D. Maria de Mendonfa, que casou
com Antonio do Canto e Castro, terceiro neto do primeiro Pedreanes do
do Canto, e de sua primeira mulher; e do tal casamento ficarao duas
filhas, que casarao em Angra.
478 Do segundo casamento do sobredito Pedreanes do Canto, se-
gundo do nome, com Apollonia Teixeira, filha do fidalgo Gii Fernandez
Teixeira, nasceo Manoel do Canto Teixeira, que casou com D. Margari-
da da Costa, parenta sua, e irma de Joao Homem da Costa, e deste ca-
bamenlo nasceo Luis do Canto da Costa, que casou primeira vez com
LIV. VI GAP. Xi.IV • 229
D. Francisca, filha de Doin Christov3o Espinola, e segunda vez com D.
Antonia, filba de Manoel Correa de Mello, o da Graciosa ; e de ambos
estes casamentos ba muito nobre, e sabida descendencia. Nasceo mais
do dito segimdo Pedreanes do Canto, e da dita sua segunda mulber,
nasceo Dona Luiza de Vasconcellos, que casou com D. Fedro de Castel -
lobranco ; e d'este casamento nascerao tres fìlbos, primeiro, D. Manoel
de Castellobranco, segundo, Dom Ignacio, terceiro, D. Maria. 0 Doni
Manoel casou com D. Isabel de Mello. fìlba d*aquelle Manoel Correa do
Hello da Graciosa, de que nasceo Dom Francisco de Castellobranco.
0 Dom Ignacio casou com huma fìiha de Antonio do Canto e Castro, e
de D. Maria de Mendoga, de que tambem ha filhos. A D. Maria de
Castellobranco casou com Joao de Teve de Vasconcellos, cuja fìlha ca*
sou com Luis Diogo Leìte, filho do bom fìdalgo Jacome Leite, e tem
muita descendencia.
479 Ainda corotudo os mais chegados consanguineos do nesso in-
signe Martyr for3o Francisco do Canto da Camera e Vasconcellos, Frilio
da sobredila D. Catharina Vieira, irma do Santo Martyr e de seu marido
Joao do Canto de Vasconcellos, Tilbo de outro Francisco do Canto, (que
era o terceiro fliho do primeiro Pedreanes do Canto) e de D. Luiza de
Vasconcellos, filha de Pedralves da Camera, e de D. Andreza de Vascon-
cellos. Do dito primeiro sobrinho do Martyr nasceo segundo sobrinho,
cbamado tambem Joio do Canto de Vasconcellos, e o vulgo Ihe chamava
Joao do Canto Saude, e foi casado com D. Maria Cortereal, filha do gran-
de Tenente Sebastiào Cardoso Machado, e de sua mulher D. Brites Cor-
tereal, e de buns, e outros ha viva descendencia. Nasceo mais do dito
primeiro sobrinho do bom Martyr huma filha, que casou em S3o Miguel
coro bum muito uobre, e rico Cidadào, chamado Antonio Pereira Bote-
Ibo; e tambem d'este ha muita descendencia viva. Mas vamos jà a se-
gunda descendencia da ascendenza do Martyr.
480 A segunda descendencia da ascendenza do Martyr foi huma
irma de sua mai, e filha de seu avo materno Manoel de Barcellos Machado,
da qual nao pude saber o nome; sci porém que casou com Manoel Para-
plona de Azevedo, filho do primiiro Confalo Alvarez Pamplona, fidalgo
dos primeiros que forào povoar a Terceira, e que parece era oriundo do
Beino de Navarra, e da sua Corte de Pamplona, e de tao conhecida no-
breza, qne logo leve grandes dalas de terras no lugar chamado dos Alla*
230 IIISTORTA INSULANA
res, aonde fez lium grande morgado, e hum d'estes Pamplonas pela Ca*
pitania da I^raia foi eleito em Capitào Donatario, e Governador d'ella, e
por annos a governou. a té que Ihe succederao os Cortereaes, por mais
validos na Cor^e. Da dita tia materna do Martyr, e de Manoel Pamplo*
na de Azevedo nasceo Comes Pamplona de Azevedo, primo irmao do
Martyr, e neto do primeiro Pamplona: e logo se seguio Jo3o Pamploi»,
que de sua mulher D. Maria de Miranda leve outro Joao Pamplona de
Miranda, que casou coro D. Margarida do Canto, e desles nasceo Gon-
calo Alvarez Pamplona, segundo do nome, e qnarlo neto do primeiro, e
terceiro neto da lia do dito Martyr.
481 E este Gongalo Alvarez Pamplona. segundo do nome, casop
com D. Maria da Fonseca, filha de André Martins da Fonseca, fidalgofl'
Ihado, Sargento mór, e Lugartenente do Marquez de Castello Rodrigo
em Angra, e (iiho de Domingos Martins da Fonseca, jà tambem fidalgo
que pelo dito fllt)o André Martins teve dous netos, hum, André Luiz da
Fonseca, que casou com ouira fidalga dos Cantos, e viveo muito mais
de'oìtenta annos, e deixou rouita descendencia, que ainda vive; outro
filho do dito André Fernandez foi Dominjgos Martins da Fonseca corno o
avo; e casou com [). Ignez Pamplona, sobrinba sua, e fiIha de sua irmi,
e do ultimo Concaio Alvarez Pamplona, e aqui se ajuntarao os dous gran-
des morgados dos Pamplonas, e Fonsecas em a descendencia dos asce»-
dentes mais proximos do Martyr; e jà da sobredita D. Ignez Pamplona,
e do tio Domingos Marlins da Fonseca, ha filhos, e netos que hojevi-
vem; e até de huma irmà do dito uftimo Concalo Alvarez Pamplona, cba-
mada D. Margarida Pamplona, que casou com Diogo Moniz Barreto, nas-
ceo D. Joanna da Silva, que casou com Bartholomeu Pimentel; e assim
tambem os Monizes, Cortereaes, Silvas, e Rarretos, ficarao consangaineos
parentes do Martyr tao illustre.
48^ Nern su deve passar em silencio, que Francisco do Canto da
Camera e Vasconcellos, sobrinho direito do dito Martyr, de cuja irmafoi
lìlho, este foi casado coni D. Paula da Veiga, que era fdha de Femào
Furlado de Mondoca, fìllio de Gaspar de Lemos de Faria, que era filho
de Mundos Furtado de Mcndocn, e neto de Femào Furtado de Mendo-
Ca, corno se ve na nobreza da Graciosa, e porqne do outro Femào Fur-
tado foi lanahoin fillio Clirislovao de Lemos de Mendoca, por isso este,
e 0 Martyi- se Iratavào por parentes tao chegados, e o ficarao sendo os
lìlhos, e nelos do dito (Ihristovào de Lemos. Como tambem nao se de-
LIV. VI CAP. XLIV 231
ve em silencio passar, que D. Andreza de Vasconcellos era irrna de Joao
do Canto de Vasconcellos, cunhado do Santo Marlyr, e era neta mater-
na de outra D. Andreza de Vasconcellos, e de Pedralves da Camera; e
porque a sobredita D. Andreza casou com o illustre fidalgo ATanoel Pa-
ebeco de Lima, (que nao so foi pai de Joao Pacheco de Vasconcellos, e
avo de Francisco Pacheco de Vasconcellos que ainda hoje vive, mas tam-
bem jà era filho de Antonio Pacheco de Lima, e noto de outro Manoel
Pacheco de Lima, e bisncto de Joao Femandez Pacheco, e terceiro nelo
do grande Duarte Pacheco, o da India) por isso tambem os taes Pache-
cos se devem prezar muito do parentesco com tal Martyr.
483 E muito mais porque o dito Antonio Pacheco de Lima foi ca-
sado com D. Catharina de Menezes, filha de Ruy Dias de Sampayo, e do
D. Francisca da Silva, a quai era fiIha do fidalgo Sebastiao Moniz, e de
D. Joanna da Silva, fllha do Regetlor Gonzalo da Silva, (liv. 6 cap. 18)
e 0 Sebastiao Moniz era fiIho de Guilherme Moniz, e de D. Joanna Cor-
tereal, filha de Joao Vaz da Costa Cortereal, Capitao Donatario da Ter-
oeira; e além de tudo isto, o mesmo sobredito Antonio Pacheco de Lima
era pai de D. Antonia de Lima, que casou com aquelle antigo (idalgo
Estevao Ferreira de Mello, o oriundo da Graciosa, cuja filha D. Maria
de • Mendofa casou com Pedro do Castro e Canto, noto do primeiro
Pedreanes do Canto, e pai do primeiro Manoel do Canto e Castro, e avo
de Joao do Canto, e bisavò do ultimo Manoel do Canto e Castro, de que
ji ficào filhos, que sao yi p^Dr està linha quintos notes de Antonio Pa-
checo de Lima.
484 E porque do mesmo Antonio Pacheco de Lima foi seu pai o
ootro primeiro Manoel Pacheco de Lima, que casou com D. Francisca
Neta, filha de Joao Alvarez Neto, que da fronteira de Africa veio a Ter-
ceira por Preveder da Fazenda Real, e outra sua filha D. Catharina Ne-
ta casou na Terceira com Francisco Dias de Carvalhal, que de grande
Fronteiro de Africa tinha tambem vindo para a Ilha, por isso aqui tam-
bem entrào os Fidalgos Carvalhaes. Do dito pois Francisco Dias de Car-
valhal nasceo Joao Dias de Carvalhal, que casou com D. Maria Borges
Abarca, filha do grande fidalgo do Algarve Joao Borges o Yelho, e de sua
mulher D. Isabel Abarca, irmà da primeira mulher de Pedreanes do Can-
to 0 Velho, e da mulher de Joao Vaz da Costa Cortereal; e por esles
Borges deixarào os Carvalhaes o seu primeiro appellido de Dias, e pelo
de Silveiras; e assim o filho do dito Joao Dias de Carvalhal se chamou
232 HI STORIA TNSULANA
Estevao da Silveira Borges, que casou com D. Barbara Macbada; e jà se
ve que por estes Machados, e Silveiras ficarao estes fidalgos Carvalbaes
sendo dobradamente consanguìneos do dosso illustre Marlyr Jo3o Bau-
tista Macliado. Do tal EstevSo da Silveira Borges» e de D. Barbara Ma-
chado nasceo Francisco de GarvalbaI Borges, que casou com D. Maria
da Camera e Canto, e d'estes nasceo Joao de Carvalhal Borges, terceiro
neto do primeiro Francisco, segnndo nato do primeiro Joao Dias do Car«
valhal, e primeiro nelo de Estevao da Silveira, e filho do segundo Fran-
cisco, e jà d'este ultimo Joao de Carvalhal ficarao filhos, e netos, que
ainda vivem nobilissimos.
485 Deixo a descendencia d'aquelle Joao Borges o Vciho, (de quera
OS Carvalliaes tomarao o appellido de Borges) porque a outra sua fìlba
D. Catharina Borges Abarca, tasando com Àffonso Ànes da Costa Corte-
rcal, o' de Tavira do Algarve, accrescenlou aos Borges Abarcas os ap-
pellidos de Costas Cortereaes, com qne Ihes succedeo Christov3o Borges
(la Costa Cortereal, que casou com D. Anna Pacheco de Lima, pais de
Manoel Borges da Costa Cortereal, Commendador de Christo, que casoa
com D. Maria da Silva, fillia do grande Joao da Silva do Canto; e do tal
Manoel Borges da Costa Cortereal ficar3o os dous fillio», primeiro, Chris-
tovao Borges da Costa, sògro de Bernardo Cordeiro de Espinosa, e avo
de D. Catharina do Ceo, Religiosa de Sao Gonzalo; e o segundo filho foi
Fedro Borges da Costa, sogro tambem de Joseph Leal, e avo de Joào
Borges da Silva hoje vivo. Deixo pois estas, e outras descendencias, e o
grào em que tocao ao Santo Marlyr, porque jà delles fallamos em va-
rios lugares d'este livro sexto.
486 E se ainda alguem disser, que ainda està scgunda descenden-
cia dos ascendentes do Santo Marlyr, aindà em aignns nomeados nao he
de consanguineos, mas so de affìns do Santo; responde-se que sómen-
te affins nao sào, os que sao descendentes conhecidos de algum unico
tronco, pois por està via entao, sao jà verdadeiros consanguineos, pos-
to que por outras vias possao taihlìem ser aflins pela affinidade conira-
Iiida por casamentos dos de Imma com os de outra linha: e manifesto he
que todos os acima nomeados descendem de algum dos ascendentes tron-
cos do dito Martyr, a saber, ou do tronco dos Macbados, ou do dos Viei-
ras, Silvas, e Costas; ou do dos Cantos Pachecos, Mellos, e Limas; ou
do dos Borges Costas, Carvalhaes, ou do dos Pamplonas, e Monizes; ou
rio dos Belencorcs, Vasconcellos, Cortereaes, e Cameras; ou emfim do
LIV. VI GAP. XLIV 233
tronco dos Silveiras, Perciras, e Bruns: e vcrdadeiramente seria nunca
acabar, querer, ainda em breve» e so tocar» quantos descenderSo dos taes
troncos de que vimos que o Marlyr descendia; veja-os pois iodos quem
de Genealogias tiver mais piena noticia, e ììqIo; e quem de tal materia
a nSo tiver, nao falle n'ella.
487 Conclue-se Analmente com a moraU e santissima razSo, que o
DOSSO illustre varao teve, para sobre o nome de Jo3o Bautista, tomar
mais 0 sobrenome de Macbado, do que algum dos outros appellidos il-
lustrìssimos; e a razao parece ser, que corno a si proprio se tinba pro-
fetizado, o vir a morrer comò o Dantista degollado, e em JapSo; e co-
rno n'este as catanas cortao ainda là mais facilmente, do que cà fortes
machados, quiz-nos mostrar os desejos ardentissimos de alcan^ar este
martyrio, com a continua lembran^a d'aquelle seu appellido, que melhqr
Ih'o trouxesse sempre à memoria. Vejao agora os mais ricos, e mais il-
lustres parentes de Varao tao esclarecido, o quanto devem honrar a quem
tantos, e a todos honrou, procurando seja declarado Marlyr pela Santa
Madre Igreja, que so o póde fazer; e nós nunca Ihe damos este titulo,
senao so por com oulro nào podermos explicar-nos.
FIM DO LIVRO SICXTO.
HISTORIA
INSULINA LUSITANA
LITRO SETIHO
DAS ILIIAS DK S. JORGE, E GRACIOSA.
CAPITULO I
Do descubrimeììto, allura, e grandeza da Illia de S. Jorge.
1 Se 0 antigo. e eruditissimo Doulor Gaspar Fructuoso, entrando a
fallar das Ilhas seguintes no liv. 6, cap. 32, confessa, que se pouco ti-
nha dito da IlIia Terceira, por nào alcanfar mais d'ella, havendo grandes
cousas que d*ella dizcr; que muito menos ainda dìria das seguintes Ilhas,
por d'ellas ter alcan^ado muito pouco, sendo que compoz ha quasi 130
annos, e estando nas dilas Ilhas, e sendo naturai d ellas; que poderemos
(pergunto) dizer nós, que ainda que tambem sejamos das ditas Ilhas, es-
tamos jà ha quasi cincoenta annos fora d'ellas, sem tornarraos là, e com-
pomos jà tanto mais tarde ? Mas taes diligencias puzemos em alcangar
as noticias verdadeiras, que com a graga Divina esperamos, de além do
que Fructuoso diz, dizer a pura verdade, que he a alma da historia.
2 Duvida aìnda he, se a liha de Sao Jorge he a quarta Ilha descu-
berta, depois do Santa Maria, Sào Miguel, e da Terceira; e seguindo ao
citado Fructuoso, e a tradicao, e fama communissima, que em antigui-
dades muito prova, nos parece foi a quarta; està siluada ao Oeste quasi
da Terceira, e oito legoas de terra a terra, mas dezasete legoas do porto
das Velas de Sao Jorge ao porto de Angra da Terceira; e da Ilha do Pi-
co fica ao Sudoeste, dezasete legoas, nao so de terra a terra, mas tam-
bem de porto a porto. Foi achada em vinte e tres de AbriI, dia do Di-
236 HISTORIA INSULANA
/
vino Cavalleìro, e Martyr valerosissimo Sao Jorge, e por isso Ihe derao
0 seu nome; mas em que anno fosse descuberta, se d3o acha; presamo
porém que o foi no anno de 1450, pouco mais, oa menos, ha mais de
duzentos e sessenta annos, e poucos depois de acbada a liba Terceira,
porque aos Donatarios da Terceira ficoa sempre unida a Capìtania de
Sao Jorge, com que ainda que seja a da Terceira mais illustre, e mais
rica, be tambem mais obrigada a acodir à de Sao Jorge.
3 ^uem fosse o primeiro descubridor d'està liba de Sao Jorge,
huns dizem que foi o primeiro Capltao Donatario de toda a Uba Terceira
Jacome de Bruges, e que à sua Capitania da Terceira Ibe ficou logo uni-
da a de Sao Jorge: outros que foi o primeiro, e jà so Donatario especial
da Capitania de Àngra, e que por isso a està se unio a de SSo Jorge;
e parece isto mais prova vel, porque nunca acbamos que Donatario algum
dos especiaes da Capitania da Praia se denominasse tambem Donatario
de Sao Jorge; e pelo contrario acbamos que o primeiro Donatario espe-
cial de Àngra, Vasqueannes Cortereal, se cbamava de Sao Jorge Dona-
tario tambem; e as Ilbas que de novo se descubriao, so a quem as des*
cubria, se costumavao dar, e flcavao Donatarios seus.
4 A figura da tal Uba he de bum comprido, e muito alto espinha-
(0, que corre do Noroeste para o Sudoeste em comprimento de mais
de dez legoas; e de ponta a ponta vai pelo alto cume caminbo, mas tra-
balhoso, e comtudo so por curiosidade bum Desembargador, e Corre-
gedor das Ilhas o andou todo, para ver o muito que de tal altura sevia,
0 Doutor Fernando de Pina: de largura poréni tem està Uba pouco mais
de buma legoa, e ainda menos nas pontas ; e de buma, e outra ilbarga»
assim para o Norte, corno para o Sul tem boa meia legoa de terras fru-
ctiferas, que vào descendo aie o mar, mas tambem com muito mato, e
muitas ribeìras, que aos que vao pelo mar fazem mui vistosa està Uba,
por todo 0 seu comprimento de mais de dez legoas, e os que andao por
terra, experimentao carainbos fragosos, e trabalhosos.
uv. VII GAP. Il 237
CAPITULO 11
Dos primeiros Puvoadores, e Povoafdes da tal Ilha.
5 0 mais antigo Povoador quo se sabe da liba de Sào Jorge (diz o
ja citado Fructuoso) foi bum Tidalgo Flamengo, e multo rìco, naturai da
Cidade de Bruges, chamado Guilberme Vandagara, casado com igual mu-
Iber, e ambos Catbolicos, e ella se cbamava Margarida Sabuya: jior sua
qualidade, e riqueza iilcancarao licenza para virem povoar buma dns Ilbas
Dovameate descubertas, qual mais Ibes contentasse: trouxerào deFlan-
dres à sua custa dous navìos cbeios de gente, é de muitos officiaes de
oflìcios diversos; e por quererem primeiro experimenlar a terra da liba
que haviào povoar, desembarcarao em a liba de Sao Jorge, que ainda
estava por povoar : e porque o Flaraengo appellido de Vandagara quer
dizer em Portuguez (Bosque de Silvas pequenas, ou Silveiras) e com
yorluguezes bavi^o de tratar os taes Flamengos, por isso o dito Guilber-
me se cbamou d'abi por dianle Guilberme da Silveira; e d'este appellido
usarSo seus descendentcs, e outros fidalgos parentes, que com o dito
Guilberme tinbao vindo; e este be o principio da nobilissima familia dos
Silveiras em as Ilbas.
6 Querendo pois o fìdalgo experimenlar da Uba de Sao Jorge se •
seria bem fructifera, mandava em cada bum de diversos sitios abrir na
terra buma boa cova, e aberta tornava a mandar-lbe deitar a terra tira-
da, calcando-a moderadamente, e se a cova se nìio encbia outra vez co-
rno de antes estava, mas faltava terra para se encber, julgava aquelle
sìtio por mào, e infructirero; e se cbeìa a cova, sobejava a terra, julga-
va por bem fructifero o sitio, e porque d'este-ultimo modo Ibe succedeo
em buma penta da Uba que cbamào o Topo, com este inesmo nome
fundou logo allì a mais anliga Villa que ba em Sao Jorge, cbamada a
Villa do Topo ; e tao bem Ibe succedeo a sua experiencia, que das se-
menteiras que fez n'aquelle sitio, bouve anno que deo sessenta moios
de trigo ao dizimo : porém comò, lavradas, e cavadas aqucllas terras,
viessem da alta serra, ou espinbago da Uba sobre as terras as muitas
ribeiras, e levassem a terra solta ao mar, em poucos annos se torno u
esteril aquelle sitio de terra, e mais para cabras, do que para sementei-
ras ; e o Guilberme da Silveira deixou aquella Uba de Sao Jorge, e se
passou à Uba do Fayal, jà tambem descuberta, comò em seu lugar ve-
«M 0» ">"%» 40 top» '"'%'„<» aW !"tm o"*»''? " » P<**
.o ttar^java» e v\uU»S\ Apì^ossa^®" curiosa, e » .^j^-
sani» A-.nie de «^"*^'*! , v^rtniA» ^^ p^barm* ^*^'' .^^ ceftW e «^«^
^°* ' .15. ooiva t-^^* . -ra àos ^^®" „,.arvo o® ^^'^ ^ Maini i^*^ ^
t
l^-
A \
LIV. VII GAP. ili 239
;e: tem Vigano, Cura, Thesoureìro, e quatro Beneficiados, e chcga a
duxenlos e cincoenta vizinhos, e n'elles niuitos de multa Dobreza, e que
i lei duella se tratao, e com lustre, e riqueza; e tem hum exceliente por-
to, onde 03 navios se recolhem seguros, tem nobre Senado da Camera,
d Capitào mór da milicia com outros Capitaes subordinados, e hum Re-
ligioso Convento de Sao Francisco Serafico. Os appellidos da nobreza
sao, Siiveiras, Sarmentos, Correas, Mellos, Teixeiras, e outros, de que
mais largamente trataremos nos Nobiliarios das outras lUias, d'onde vie-
rio a S. Jorge, comò ja tocàmos nos das Illias jà passadas.
10 Indo por diante hum quarto de legoa da dita Villa das Yelas,
istà a Ermida de Sào Pedro, e d'ahi a quasi legoa estd o lugar de Nos-
» Senhora do Rosario, de cincoenta vizinhos, e nao só,o lugar, mas es-
tà poota (em que acaba a iiha da parte de Oeste) se chama a Ponta de
Rosales ; e logo hum tiro de besta ao mar està hum Ilheo, figura de
tium pico agudo para cima.
11 D'aquì volta a liha pela parte do Norte, e nao tem niella mais
iugares, oa Freguezias (por ser asperrima, e nao poder ljabitar-se) do
]ue huma que fez fntroduzir o Bispo D. Manoel de Gouvea, e està se
siiama de Santo Antonio. Desta ponta de Rosales para o Norte, meia
legoa, se seguem algumas terras de pasto, ribeiras, e fajàs pequenas com
{rande numero de cabras, e duas legoas de Rosales està huma ponta tao
sahida ao mar, que se chama a Ponta Furada, porque por baixo d'ella
passa 0 mar, e comtudo tem em cima muitas terras de può; e adiante
se s^uem rochas altissimas. Depois se conlinuao varias fajàs até a ponta
la serra, aonde se levanta hum alto pico, e outra fajà adiante d'elle, e
laqui se vao continuando quatro legoas de fataes rochas, todas de ma-
los, e cabras, até se chegar à Villa do Topo, d'onde comcfamos o com-
primcnto da Ilha.
CAPITOLO II
Dos tremores de terra, e outros inforlunios, que leve
fi Ilha de Sào Jorge.
12 No anno de 1580, em 28 de AbriI, no dia, enoite, tremeoesta
liba oitenta vezes, e outras tantas em o tert^eiro dia depois, no qual, e
ìò meia legoa da nobre Villa das Velas, e na faja que chamào de Este-
¥ìo da Silveira, rebentou tal fogo por duas bocas, que deitava pedras
. j
2i0 tlISTOniA INSULANA
tao grandes, e lao alias, que se perdiao de vista, e biao caliir no mar
feitas peqnenas: a terra se abria em grelas, formando borrendos valla-
dos ; cabiOo as casas do campo; e ao prìmeiro de Maio correrao duas
taes ribeiras de fogo por toda a manba até o melo dia, que huma foi
direita ao mar, e passando por huma alta rocha, cahindo d'ella a desfez,
e no mar esfriando fez bum caes, que Hcou corno feito, e composto de
forte pedraria; e a gente pasmada nao sabia para onde houvesse de fa-
gir, e do pasmo morriao as mulheres que se acbavao pejadas, e a mais
gente andava em procissoes pela Villa pedindo a Deos misericordia.
13 Do dito tempo a seis horas sabio outro fogo de outro pico, e
tanto mais furioso, e maior, que correndo sobre as melbores vinbas,
correo dous dias inteiros, deixando às vinbas o nome de queimadas, e
a terra em pedras, ou biscoutos converlìda: depois, tres legoas da Viib,
e no sitio onde chamao a ribeira do Nabo, rebentou outro alto pico em
tal fogo, que correndo por bum valle de buma legoa de vinha; deixoa
cste feito bum novo pico« e o antigo pico feito tao profondo valle, qae
0 fundo se Ihe nao via: e destar sorte as ribeiras de fogo que correr3o,
forao ciuco, e cobriào de vinbas legoa e mela, e ti^s legoas de pastos;
com que de vacas, ovelbas, e cabras morrerao quatro mil cabe^as, e to-
das as abelbas que bavia n*aquelles tractos; e foi Deos servido que co^
resse ent3o vento Oeste, e Sudoeste, que ludo levava aos matos, e nem
chegava às searas de Leste, nem a ponta de Rosales, e Villa das Velas;
e n'esta ainda assim, nem à Igreja sabia de casa a gente, por nao seaf-
fogarem com tanta inundagào de cinza, que tres dias depois se nao pò-
dìào abrir as portas com a cinza de todo entupìdas.
14 Durarào os taes terremotos quatro mezes, e cada vezmaistre-
mendos ; e de varios portos da Uba fugiào em barcos muilas pessoas
para outras llbas; e a Villa das Velas nao deixando embarcar pessoa al-
guma, tinha jà comtudo preparados muitos barcos, atè de outras Ilhas,
para (sendo necessario) passarem a ellas: e resolvendo-se quinze bomens
a ir pela Costa do mar ao sitio das vinbas queimadas a tirar de là algu-
ma fazenda sua de varios que saltarao em terra, bum so escapou com
Vida, e ainda muito crestado, ou queimado de buma terrivel nuvemque
queimava comò fogo; causa porque varia gente, por portos particulares,
e escusos, se sabio da Uba, e a deixou.
15 Quiz Deos que sabendo-se logo ao principio dos primeiros ter-
remotos, acodio a Uba Terceira nao so com mantimenlos, e embarca{ì)es,
LIV. VII GAP. IV 2H
mas com o douto, o Religioso Padre Pedro Freire, Missionario insigne
da Companhia de Jesus, a cujns prégagoes se fìzerao grandes peniten*
cias na tal Ilha, se confessavào todos, e se compunhào bein com Deos;
e sabendo* o dito Padre dos muitos odios, e de qnarenta demandas, e
qnereias arrontosas, e as t^stìmunhas falsas que havia, foi tal o zelo das
préga^oes do Padre, que nao so todos. e publicamentc se perdoarao, e
satisGzerio, mas indo as casas dos Escrivaes das querelas» de commum
coosentimento, nao deixarao d*etlas feìto, ou pape! algum, que nào quei-
massem: e com isto pararuo em firn aquelles terremotos, e evidentes car-
tigos de Deos, que nào quer a morte do peccador, mas que se converta,
e viva; e desde entào para cà, tao borrendos tisrremotos, que saibamos,
nao houve na tal Uba, naas maiores bavera, se as culpas forem maiores,
ou se se repetirem as mesmas, ou semelbantes outras.
16 De outros iLfortunios, e tao graves, que houvesse n'esta Uba,
dSo se sabe, nem que de inimigos fosse em algum tempo conquistada,
ott saqueada, ou entrada; e so de piratas Houros se Ibe tem cativado al-
gmis seus Caravel5es, comò tambem outras pessoas, que sem cautela
aodac pelas praias que nào tem fortalezas, e se deixao enganar das lan-
cbas que apparecem, podendo com tempo recolber-se acima da Uba, e
das rocbas com so pedras destruirem ao inimigo. Que quanto das ootras
gaerras do governo do Senbor D. Antonio, e da Acclamacao do invicto
Bei D. Joào o IV, nunca a Uba de Sào Jorge fez mais que seguir sua ca«
be^ a Uba Terceira; o que se fizessem todas as mais Ilhas, nào dariào
tantas cabe^adas, comò em seu lugar jà vimos, e veremos sempre, tanto
que se desunirem.
CAPITOLO IV
Das excellencias da Ilha de Suo Jorge.
17 A primeira be sua grandeza, pois de dez legoas em o compri-
mente, tem mais de vinte em roda, e excede a muitas das outras libas;
e tem tres Villas, Topo, Calbeta, e Velas, e ciuco Lugares, além de mui-
tas lavradores espalbados, com que tem mais de mil bomens de armas,
OS quaes bastào para se defender de muitos mil que a commettào; por-
que da parte do Norte nào s6 o bravo, e perigoso mar, mas as espan-
tosas rocbas a defendem; e pela parte do Sul, tambem o mais be de ro-
cbas, que posto que menos allaS; ainda o sao tanto; e tao precipitadas
VUL. il IG
4Ì2 IIISroiUA I.NSt'l-.V.\A
sobre o mar, e com tao didiccis, e poiicos caminhos, que poucos iioinens
de sima so derrubando callìdos, totalmente impedem a entrada a inimi-
gos, por mais, e mais que clles sejào: e na (Kirte onde a liha dà entradi
boa, comò em a principal Villa das Velas, e seu seguro porto, ahi tem
Fortaleza, e artelbaria, e alguns qiiinhentos bomens de armas» que ba$-
tao para da terra impedirem a quem pelo mar quizer n*ella saltar.
18. A segunda excellencia be, ter està Uba por seu Capit3o Dona-
tario 0 mesmo que o he de Angra, e de toda a Uba Terceira, com que
està be obrigada a acodìr-lbe mais do que as ontras Illias, corno sempre
fez; e da mesma sorte be mais obrigada a Uba de Sao Jorge a acodir i
Terceira quando necessitar disso, comò no anno da Acciamac3o llie aco-
dio com 0 General para a Armada, com a soldadesca, e com as armas,
e municoes. com que pode acodir-llie, além dos mantimentos que sem-
pre leva a Terceira, pois he buma quasi emphyteuta, ou feudataria da Ter-
a'ira, e n*islo tambem tem Suo Jorge grande alivio, de nunca ter dentro
em si a oppressao do Capitilo Donatario residente la, mas ter, ha mais
de cento e trinta annos, ao Rei do I^ortugal por seu Donatario, corno tem
a Uba Terceira, desde que o Marquez de Castello Uodrigo nao tornou i
Terceira.
iO A terceira excellencia be o clima d està Uba, e tao bom lempe-
rumento de seus ares, que nao se sabe que n'ella bouvesse alguma bo-
ra peste, tendo-a ja bavido em outras Ilbas: ao que ajuda multo a gran-
de abundancìa de agua que ha n'esta Uba, [)orque ale o altissimo espi-
nbaco, ou serra que Ibe divide o Sul do Norte, e que corre de Leste a
Cesie, contém muitas alagoas, fora as muitas rìbeiras, e fontes que tem
l)<)r Norte, e Sul, e todas de agua doce, e sadia, com ser tao estreila a
]llia em a largura, e sobre terras tao rn;si:as o ar raramente se corrom-
pe, ou se perverte em peste: e por isso n'esla Uba se vive multo, e com
boa saude; o que murmiiradores attribuìrao a nào baver irella Mcdioos
de [)rofìssào, que parece, onde sào niuilos, ahi sào mais as doencas: seu-
do que elles as nào fazem, e so pertendem desfazel-as, e preservar d'al-
ias aos sàos, e os vìcios sao as que as causào.
20 Quarta excellencia be a qualidade, e abundancia dos frutos da
tal liha; porque primeiramenle he Uìo abundanle de multa, e boa nia-
deira, que nao so para o gasto ordinario, e necessario sempre, mas aio
(la para fazer navios, e navios grandes, tem toda a que se requere; e
subrc ella toda a casta de avos, de perdizes, codornizes, gallinhas, goli-
LIY. VII CAI». V aia
pavos. e irinuracravcìs adcns, e ale das de musica oxcellentCf corno ca-
narios, meiros, etc, muììm cocllios, e lambem milito forào, e infinida-
de de gados, vacas, porcos, earneiros» ovelhas, e miiltidao de c^ibras, e
das ovelhas os melhores queijos, qiie ha nns Illias, e excellentes lactici-
nios: frulas de arvores tein de loda a casta, e excellentes, e frutos da
terra copiosissimos: o trigo he multo, e o vinlio tanto, que dà tres mil
pipas de vinlio cada anno, e em alguns annos mais; porqiie, ainda que
se queimario tantas vinhas em o fogo dos tremores, com ludo n'estas
Ilhas se pianta, e dà o melhor vìnho entro o biscouto queimado; e as-
sira 0 d està Ilha he generoso, e buscado.
21 Finalmente de todos seus fnitos tem a Ilha de SOo Jorge gasto
certOt porque ainda que nao scja multo frequentada de navios, tem tan-
tos barcos grandes, e de duas, ou tres velas, a que chamuo Caraveloes,
que levando tudo a Terceira, nao so Ihe vai desta o dinheiro, mas tu-
do 0' mais necessario, e faz o officio de Quinta grande, e nobre da Real
Cidadc de Angra.
CAPITULO V
DA NOBILISSIMA ILHA CllAMADA GHAClOSA.
Da siluacào, grandezOt costa, e nome da tal Ilha.
22 A Ilha chamada Graciosa està ao Norte da Ilha Terceira, oito le-
goas de terra a terra, e de porto a porto doze legoas, e fica em trinta
e nove gràos, e melo sua altura; corre de Leste a Oesle em comprimen-
lo de perto de quatro legoas, em largura de mais de huma legoa de Nor-
te a Sul, e com oito legoas cni circuito, fazendo figura ovadn, e com
poucus montes. tao plalna, e aprazivel, que por isso Ihe chamarao Gra-
ciosa, e com multa razào; porque nào so na terra, e na planicie, mas
tambem nos frutos llie fez Deos especial graca, e multo mais na illus-
tre Dobreza de que se povoou; comò necessaria, e largamente veremos
abaixo.
23 A maritima costa d està Ilha, de Leste a Oeste, e pela banda
do Sul, cometa em huns Ilheos, que chamao os Ilomiziados; e a razao
foi notavel; porque no anno de 1511 indo da Ilha certos mancebos dos
principaes recrear-se ao Ilheo, e mettendo-se sós em hum batel, sem
Lomem algum do mar, cbegando, e tendo jà apanhado muita caca, pes-
2ÌÌ HlSrOHIA INSULANA
cado, e marisco; e voltando jé tarde ao batel, que tinliuo dei.vado em
huma poca, ou desembarcadouro unico do tal Ilheo, nao podcrao em-
barcar, por ser jà noite, e a mare ser vazia, e o nrìar alli ser alto, e de
costa brava, e mcdonha, e assim se tornarào para o Uhéo, e inenos no
outro dia se atreverao a passar tal mar.
21 0 que vendo na Uba cinco primos seus, partirao em outro bar-
co, mas tambem sós, comò mogos, e C'hegaudo comecarSo a Ihe dar vaia
de Homiziados, Garneirada, que so viessem embarcar, que os levariSo
atados, e por lastre do seu barco: e nao querendo os que estavao no
Ilhéo, por modo do mar, e sondo ju huma bora de entrada noile escu-
ra, eis-que veio buma tal onda, que ao barco que vinha buscar aos do
Ilhéo, lancou sobre huma baixa, e o virou sòbre os cinco que trazia, e
0 batel dos do Ilheo flcava afTastado, e bum tiro de ruim passagem; com
que por mais que os naurragantes lutavao com as ondas, e cbamavao
pelos do Ilheo, estes Ihes nlio podiao acodir, e dos dilos cinco so lium
se nao aflbgoii, Antonio Vaz Sodré. a qnem bum mar langou em huma
fuma do Ilhéo, aonde nunca tinlia ido homem algum. Ao outro dia pela
manha se forào os sete dò Ilheo, com o quo dos cinci) tinha escapado, e
e là mais acautelados de seus Folguedos tomarao outro caminho de le-
goa e mela atc o porto da Villa da Praia, mais desviado, poréra por mais
brando mar, e caminho menos perigoso.
23 Na costa da liha, defronte dos difos Ilhéos. e ao pé de Imma
rocha multo alta, chamada a Reslingn, està luima Turna, d\)nde sahe hu-
ma ribeira de agua quentc: e d'ahi a himi tiro de bombarda pela parfe
do Sul, està bum porto, a qne charaao (^arapacho, mas de bateis s«), que
n*elle entrào com mare chela, e o mar de Torà he tao limpo, que podera
ancorar quarenla, e por isso alli ha Forlaleza com artelharia para impe-
dir 0 anrorarem, que a entrada per si se defendo. Ilum tiro de bésta deste
porto està outro Ilheo, chamado das Gayvolas. pelas muitas que ha n'el-
le: he muito limpo, de area branca, e bom conto de navios, segurosde
tormentas. D'aqui legoa e meia comcca huma rocha de buma legna de
comprimento, com huma Tonte no melo de exceliente agua, que dosar-
redores vao alli buscar: porém a rocha he tHo alta, que em 1581, eoo
melo do caminho esmoreceo bum homem, e caino em baixo, e dahi a
bum anno cahio outro, e mais erào ambos naluraes da terra: e por is-
so à tal roclia vao mocoszinhos, que perdem o modo, e depois vao cor-
rendo, e saltando, e os que nao tiverao experiencia, se vào arrojaodo
LIV. VII CAI». VI 24")
n'csta rocha pela terra, de medo ainda. Na tal rocha ha huma erva, com
que se dà tinta azul, corno ha tiimbem na Uba de Santa Maria, e os In-
glezes vem carregar d'ella, mas custa multo a apanhar.
26 D'està rocha a huma legoa està huma ponta ao mar, com hiim
porto chamado de Affonso de Porto, que he so de bateis para pescar: e
no verao aos inìmigos Ihes cortSo o caminho, e nào fica porto, nem ca-
roinho por onde va alguem abaixo, e menos por onde suba acima. Pela
mesma costa do Sul, huma legoa adìnnte cometa a voltar a costa da Uba
para a parte do Noroesle, e se* segue huma lai fuma, chamada de Joao
Moreno, que se continua por baixo da terra mela legoa, e là vai sabir
a outra terra, e correndo vento Noroeste, ou Oeste,^faz por huma das
bocas està fuma taes eslrondos, que parece estar sempre disparando con-
tiouadas bombardas; e a costa por aqùi, ainda que he raza, he tao bra-
va, e de tanto caihuo, que n'ella nem o pé se póde por.
27 D'aqui corre a costa pelo Noroeste legoa e mela, e entao se se-
gue a principal Villa de toda a Uba com o nome de Santa Cruz, de que
logo faltaremos: depois, passada huma legoa de rocha alta, e logo huma
alagoa, e bum lugar de trìnta visinhos; e mela legoa adiante se Ibe se-
gue a Villa da Praia, de que mais abaixo faremos toda a menc3o que
luerece; e defronte d'ella, bum tiro de bombarda ao mar, està hiim Ilhéo
redondo, e com rocha alta para o mar, e com planicie para a Uba, mas
entro està, e o tal Ilheo nao podem passar navios pelo perigo dos bai-
xos que alti ha; porém o Ilhéo em si lem bom, e seguro porto, e em
cima terra boa de semeadura. Logo se segue pelo Norte huma legoa de
alta rocha talhada, e huma enseada no fìm, com huma fonte, que cha-
m3o a fonte da Rocha, que sempre corre, e com bum torno de agua da
grossiira de bum brago, de que bebé todo aquelle Norte, e tem tanques
apartados para o gado beber, e se lavar a roupa; e passada meia legoa
està 0 porlo, e Ilhéo dos ilomiziados, d*ondc comecamos, e acabamos
està c^sta.
CAPITULO VI
Das povoafdes, e interior da Ilha Graciosa, e sua feriilidade.
28 A maior, e principal povoacao da Graciosa he a Villa chamada
de Santa Cruz; està situada dcfronte do Noroeste, e por isso he de bons
ai'es, e viragao fresca, e sadia; tem bum grande porto, que charaao Ca-
Ihela, e he o principal de loda a casta de embarcagoes que vao carregar
246 IIISTOWA INSVLANA
de pao, cujn baliia corre de Nordeste ao Oessudocste pela terra dentro»
e lego na entrada tem huma Forlaleza de artelharia; e para entrarcm os
navios sem perigo no tal porto, Imo de ir enfiados pelos padrOes, que
piypa isso estaìo postos na terra, e entrando de outra sorte se perderao.
Da parte do mar ao Noroeste està liuma tal pesqueira^ que he corno bum
curral de peixe, porque no inesmo mar se fecJia com huma porla ao fun-
do, que abrindo se p*ara cima, om amanliecendo entra o peixe ao engo-
do; e depois fechando outra vez a [torta, e vazando a mare. Oca taolo
peixe cm seco, que aos carros o levào; assim se fazia antigamente, e n3o
sei se se faz ainda lioje.
29 Consta està Villa de quasi seiscentos visinhos, com quo vence i
algumas Gidades, uao so do Reino do Algarve, mas tambem de Portu-
gal; e a nobreza veremos em seu lugar. A principal Igreja de Santa Cruz
lem Vigario, Cura, Thesoureiro. e quatro Bijncficiados, Prégador cera or-
denado, etc.» tem mais bum C'invento de Sao Francisco, Misericordia, e
muilas Ermidas, comò a de Santo André, Sao Pedro, Corpo Santo, San-
!^ta Calbarina, etc. No meio tem a Villa bum paùl de agua para o gado*
e junto logo bum rocio de trezentas bra^is do comprido, e cem de lar-
go, e tao limpo, e plaino, que nem pedrinbas se vem n'elle, e n'elle cor-
rem OS nobres Cavalleiros da Villa: e na mesma Villa està bum Pico mili-
to alto, repartido em dous, e em bum està a Ermida do Nossa Seniiora
da Ajuda com casa de Romoiros, [)er sor de muilos milagres; e em ou-
tro outra Ermida de Suo Joào, e nào menos mìlagroso.
30 A sogunda Villa bo a cbamadu da Praia, por estar siluada ao re-
dor de bum boni areal de area branca, sobre que caliem muilas das ca-
sas da Villa; tem buma enseada, e porto de loda a navega^ao; e consUi
a Villa de mais de trezentos vizinbos: e a principal Igreja be de Sfio Ma-
theos: tem nao so Vigario. e Cura, mas tambem seu Thesoureiro, e seu
Benoliciado, e além d'isso Misericordia, e outra Igreja de Nossa Scnho-
ra. No areal lem grande Forlaleza do qnatroceiìlas brafjas de comprido,
muralba de vinte palinos de allo, e dez de largo, e cada cìncoenta bi>
Vas lem bum cul)ello com duas pecas do artolbaria: e lem Imma so por-
ta muilo forte, e espacosa, (pie por ella as Caravolas^ibaliào os maslros,
e entrào varadas, e fecbada a porla licào dentro o tempo que (juerem.
Da nobreza desta Villa trataremos, quando da de loda a liba, pois meia
logoa adiatilo da tal Villa acaba a Uba no porlo dos Ilomiziados peren-
do crmietamos.
IJV. VII CAP. Vn . 21/
31 Do interior d'està Ilha faltSo na bistoria do Doutor Fructnoso
duas folhas, que sao os dous Capitulos 44, e 45, do seu liv. 6, sem se
saber quem as tirou, ou fartou, nem porque causa; porém corno a ilha
he estreita de Norte a Sul, e temos jà dito as povoa^oes que lem de hu-
ma, e outra parte, e tambem algumas intermedias, e o costume dasllhas
, he povoar junto ao mar, n3o nos faz grande falta este defeito das folhas:
deve porém advertir-se, para que nem tudo o que se diz que traz Fru-
ctooso se nSo crea logo, quanto n elle se nào aclia, e so querem alguns
que traga o que elles querem.
32 A fertilidade da Graciosa ainda he maior que a das oulras Ilhas,
porque comò he menos montuosa, e mais plaina por cima, e muito re-
gada, e fresca, com varias, e boas aguas, toda se desfaz em frutos, de
trìgo, cevada, legumes, vinho, frutas de arvores, e hortalicas, tanto as-
sim, que o trigo, e a cevada exc^de ao das mais Illias, e vai mais, espe-
ciaimente nos gados vacum, e oveihum, e nas carneiradas, gallinhas, e
mais aves: so tem muita falta de matos, e lenha para o lume; porém a
Divina Providencia deo tal vigor, ou quasi solidez as palhas dos paes
d'està Ilha, e muito mais és vides, e podas de arvores, e ainda à bosta
do gado vacum, que suprem a falta de lenha mais grossa, e tambem
d'està se provém da vizinlia liba de S3o Jorge; e so corno nas mais Ilhas,
Ila falta de azeite de oliveiras, que comtudo Ihe vai de fora para o pralo,
e alampadas das Igrejas; que quanto para o mais tem outras castas de
azeites, e manteigas, e pescados sempre frescos, e excellentes, e abun-
dancia grande de toda a sorte de lacticinios.
CAPITULO VII
De qìMììdo, e quem deicnbrio a GrncioM, e de seitx
primeiros Donatarios,
33 Que està Uba fosse descuberta em quarto lugar, e depois da Ilha
Terceira, afTirma Guedes na sua historia cap. 6, mas em que dia, mez,
ou anno, nào està determinado, e multo menos por quem fosse prìmeiro
descuberta, donde, parece, podemos dizer, que assim corno a Terceira
foì prìmeiro descuberta por mareantes que vinbao das Ilhas de Cabo
Verde para Portugal, (corno disscmos liv. 6, cap. 1,) e por isso esleve
algum tempo por povoar; assira tambem a Graciosa, parece, foi primeiro
2i8 IlISTOniA INSITAXA
descuberta por outros mareantes, qiie das raesmas Ilhas de Cabo Verde
vinhao, ou para a mesma Terceira, ou tatnbem para PortngaU e ao Nor-
te, por onde se vem de Cabo Verde, derao coro a Graciosa, e por ser
gente ordinaria, e de poucos cabedaes, nem pedirSo, nem se Ihes darla
0 povoarem tal liha, qne Deos tinlia reservado para outros Povoadores,
e t3o nohres, e illustres, corno abaixo veremos; e muìto mais, estando
cntao oslnfantes Portnguezes occupados ein povoar as ouiras Ilhas pouco
de antes descubertas: e lambem se nao sabe o dia, mez, ou anno, em
que prìmciro se doscubrio, por nao tralarem d'isso mareantes; porém
parece que se descubrio no anno de 14S0, ha duzentos e sessenta e eia-
co annos. pouco mais, ou menos.
3i 0 primeiro que, conforme ao Doutor Gaspar Fructuoso liv. 6,
cap. 43, entrou a povoar a Graciosa, foì Vasco Gii Sodré naturai do Moo-
temór o Veiho em Portugal. o qual militando em Africa, e ouvindo fallar
na lilla Terc-eìra de novo povoada, se passou a dita Uba Tcrceira c(m
sua mulber Brites Gonfalves, e com dous filhos. Dingo Vaz Sodré, e
algumas filhas, e doze criados seus: e sabendo na Torceira do novo des-
cubrimento da Graciosa, e que yi Wie tinbào mandado deitar gado. para
a Graciosa se passou da Terceira cnm tìlhos, tilhas« q criados. e estando
n*ella, veio é mesma Graciosa, por semelhante noticia, bum Duarte Bar-
reto, dos Darretos fldalgos do Algarvc, com sua mnlher, Irma do dito
Vasco Gii Sodró, e veio o tal Barreto com titillo jà de Cnpitao Donala*
rio de metade da liha Graciosa, e a povoou da parte do Sul, aonde està
a Villa da Praia.
35 Succedeo porém tao mal a este primeiro Capilào Rarreto, que
dcsgostando de bum Frade, que por sfeu Capei lào tinba levado consigo,
rhcgou a espancar o Frade, e esle senlido se passou a outra parte da
liba, e vendo passar huns navios Castelbanus, (quo enlao andavam era
guerra com Portugal) Ihes fez sinaes, (jne cnlrasscrn, e taos cousas Ihes
disse do Capitan Barreto. quo os Castrlliaruìs o coinmetcram e prende-
ram, e a seus criados, e os levarani comsij.a), e so bum Ihes escapoo,
(pie levou a nova do successo à ninlher do Harrelo, e deste nunca mais
se soube; e ainda quo cuiilarào que isto succederà a Vasco Gii Sodré,
e que este fora o prezo, e morto peins Casteliianos, totalmente se en-
ganarào, pois o mesmo Vasco Gii Sodré niuilos annos viveo ainda de-
pois, e morreo na mesma Uba Graciosa: e (o que mais he) a mesma
mulber do Bando, vendo-se jà sem seu marido. chamou para sua com-
LIV. VII CAP. VII 219
panhia ao dito scii irmao Vasco Gii Sodré, e com elle ficou tendo cui-
dado da dita sua Capitania, e sendo o tal Sodré lium quasi segundoCa-
pitao d'ella.
:M5 Jà porém em este tempo Pedro Correa da Cunha (que nonca
tinha vindo a Graciosa, e estava na liba de Porto Santo, govemando-a
em lugar de seu sobrinho. ainda menor) jà dizem qiie tinha mercé
Real de Capitao Donatario da outra meia liha Graciosa; e por isso julga
0 Donior Fructnoso, que na Graciosa ao principio houve dous Capi-
taes Donatarios, cada bum de meia Uba: mas a vcrdade he, que so ha-
veria as duas mercés feitas a Duarte Barreto, e a Pedro Barreto, e a
Fedro Correa, pois que nunca ambos juntos tiverào posse de taes Ca-
pitanias nem exercitarao governo d'ellas; mas com a desgraca do Duarte
Barrolo, vendo Pedro Correa que a outra Capitania de meia Graciosa
estava vaga, foi-se a Lisboa, pedio*a tambem, allegando ser pequena a
Ilha para duas Capitanias, e foi despacbado por Capitao Donatario de
toda a Graciosa, e entuo elle com sua mulber D. Izeu l^erestrella de
Mendoca. Tilha do Donatario de Porto Santo, e cbm outra multa gente
se veio para a Graciosa, e fundou a principal Villa de Santa Cruz, e fez
casas suas no Pico, ou Outeiro que chamao das Mentiras.
37 E porque este Capitao Pedro Correa da Cunha, foi o primeiro
Capitao Donatario de toda a liba Graciosa, e o que mais a povoou, por
isso d'elle disserao alguns, que fora o primeiro descubridor da dita
nha, que multo anlcs tinha sido descuberta, e ainda governada pelo Ca-
pitao Donatario Duarte Darreto ; mas a verdade he o que fica dito. E
he de notar, que nao contonte o tal Capitao Pedro Correa com a Ca-
pitania da Graciosa toda, porlendeo baver tambem a Capitania de Porto
Santo; porquo vendo que morrera sua sogra, e que d'ella nao ficara ao Capi-
tao de Porto Santo fìlbo varao, mas que o dito Capitao se casàra segunda vez
com Isabel Moniz, e d'ella morrendo deixàra bum filbo varào chamado comò
0 pai Bartbolomeu Perestrello, eniao sem respeìto a isso ; tratou Pedro
Correa com a viuva, que Ihc vendesse a Capitania de Porto Santo, e de
facto, e com licenfa d'el-Rei Ib'a vcndeo por trezentos mil réis em di-
nheiro, e trinta mil réis de juro cada anno, (tao baratas valiao entao
as fazendas, ou tao pouco era o dinbciro que entlìo bavia) e assim se
ficou Pedro Correa feito Donatario de ambas as llbas, Graciosa, e Porto
Santo; porém durou-lbe pouco. porque crescendo o pupillo Bartbolo-
mej Perestrello, segundo do nome, tirou por demanda a Capitania de
250 HISTORIA INSULAXA
Porto Santo a Fedro Correa, e nera o prego d'ella Ihe tornoa, mas des-
contou-se ludo pclas rendas, que de Porto Santo tinha cobrado; qua
quem na praga o veste, na prafa o despe.
CAPITULO Vili
Da nobreza, e qualidade dos primeiros Donatarios^ Sodrés^ Barreios,
Correas, Cunhas, Perestrellos, Furiados, Mendofas, e ouiros Povoa^
dores da llha Graciasa.
38 Quasi primeiro Capitao da Graciosa foi (comò jil vimos) Vasco
Git Sodré, que sendo nascido em Moutomór o Velho, foi hom dos gran-
des Cavalleiros, que servirào a Portugal em Àfrica; e porque de sui
mulber teve por primeiro fillio a Dìogo Vaz Sodré, e quei*endo casar
este com D. Branca, filha do Capitilo Donatario Pedro Correa da Cuaha»
e impedindo este o casamento, tachando a Diogo Vaz Sodré de meoos
fidalgo, que elle, Diogo Vaz voltou logo a Portugal, e a sua patria Meo-
temur o Velho, e tornando para a Graciosa com o autlientico BrazSo de
seu pai, e outros juridicos instrugienlos, per que constava ter side sua
avo paterna casada em Inglaterra com hum Conde da Villa, e Castello
de Bectaforte, e se chamava D. Brisida Sodré de Bectaforte, ludo iste
mostrou logo ao Capitao Pedro Correa da Cunlia, que em o vendo, se
desenganou, e Ihe dco a (ilha em casamento, e tiverao estes casados
tantos fìlhos, que affìrma Frucluoso proceder d'elles multo grande gè-
ragno, e de muito nobre gente.
39 Do niesnio Vasco Gii Sodré nào so era Irma a mulher do pri-
meiro Donatario Dnarte Barrelo, fidalgo do Algarve; mas tambem foi
seu segiuido fillio, e de sua mulher Bealriz Goncalves Bectaforte, Fer-
nao Vaz Sodré, que da Graciosa foi para a Uba de S. Miguel: forao tam-
bem fìlhas do mcsmo Vasco Gii Sodré Maria Vaz Sodré, que casou oom
Bui de Mello, e Leonor Vaz Sodré, e Igncz Vaz Sodré, que tambem ca-
sarào cm a mesma Graciosa, e com homens tao nobres, que viviao apar-
lados da outra gente ordinaria, e tiverìio tanta descendencia, que d'està
genie se povoou a Villa da Praia, da Graciosa, e tanta, que sendo a
Villa de mais de duzenlos e cincocnla visinhos, so cincoenta erao de
outra gcrafào, pela qual razao (ajunta Frnctuoso) dizem quo todos os
(la Graciosa sao fidalgos: e eu dissera que tanta honra, e tanta descen-
LIV. VII GAP. Vili 2f)l
dcDcia mereceo a Deos este fidalgo Vasco Gii Sodré, por niinca as pcr-
tender com damno aignm de terceiro, ncm as ambiciar; anticipando-so
a pedir a Capitania de sua cunliada« mas acodir sómente a viuva sua
irma; qua emrim as honras d*esta vida suo corno a sombra, qiic segue
a qncm Ihe Toge, e foge a quem se torna a ella.
40 Primeiro, pois, Cnpilao Donatario (mas s6 de moia liha) foi o
sobredito fidalgo Duarte Barrcto, que sondo dos illuslres Ban-elos do
Algarve, casou com a irma do dito Vasco Gii Sodré, e acliou quo casava
bem; Sinai de que o tal Sodré era de muito fìdalga qnalidade; mas deste
primeiro Capitao nlio ficou na Graciosa descendencia alguma, pois alo
OS criados (exceplo bum) for3o com elle calivos, e mortos pelos Caste-
Ihanos; e a viuva que ficou, nem tornou a casar, nem deixou descen-
dencia sua: e da qualidade dos Barretos jà Tallamos, quando da dos Po-
voadores da Terceira, liv. 6, cap. 17, e nos seguintes. Ile porém de
reparar, quanto, aintla n'esta vida, castiga Deos, a quem se alrevc
a por maos violenlas em Ecclesiastica pessoa, pois deste primeiro Capi-
t3o Barreto, quo espancou o Fradc, nem filhos, nem successores, nem cria-
dos ficdrao, mas todos com elle, e logo acabnrao dcsventuradamente.
41 Segundo Capitao Donatario, e j.i de toda a Graciosa, foi Pedro
Correa da Cunha, fidalgo nos livros d'el-Roi, e casado com D. Izeu Pc-
restrella deMendoca,spgunda Alba do primeiro Capitao de Porto Santo, e
de sua mulber Beatriz Furtada de Mcndoga: e da estrellada fidalguia dos
taes Pereslrellos tratómos ja no liv. 3 cap. 3, que dos Furtados Mcn-
docas diremos abaixo. 0 dito segundo Capitao Pedro Correa da Cunba
era fìlbo do anligo fidalgo Genialo Correa, senbor do Farclaes em Por-
tuga), e n'este, casa bem conbecida; e pelos Cunbas be de tao antiga fi-
dalguia, que descende de D. Gotterre de Gasconba, que com o Conde
D. Henrique veio a Portugal, e d'elle teve muitas datas de terràs em Guima-
raes. Braga, e Porto; e de Gasconba ouGascunba de Franga trouxe consigo a
seu filho D. Payo Gutterres da Cunba, que foi o primeiro que usou d'osto
appellido, e d'elle se continuou até Vasco Martins da Cunba, senbor de
Pinbeiro do Angeija, que casou com Brites Comes, filba de Estevao Soa-
res de Albergaria, e do tal casamento nasceo Gii Vaz da Cunba, senbor
de Celorico de Basto, e Alferes mór d'el-Rei D. Joao o I que o casou
com buma irm5 do CondcsIaveI D. Nuno Alvarez Pereira, do qual ma-
trimonio descende a maior fidalguia Portugueza, e o dito Pedro Correa
da Cunba, quo a levou a Granosa.
252 IIISTOUIA INSULANA
42 E mais levou em a mulhcr, nao s6 os Pcrestrcllos de seu so-
grò, mas tambem os Furtados, e Mendogas, por ser filha de Beatriz
Furtada de Mendoca, primcira rnulhcr do primeiro Donatario PereslreU
lo de Porto Santo; e sabido he que os fidalgos de Portugal, que se de-
nominao Furtados Mendogas, dcscendem de Affonso Furlado, General
do mar de Portugal em tempo dos Reis D. Pedro, D. Fernando, e D.
Jofto 0 I, e deste AfTonso Furtado nasceo oiitro do mesmo nome, que
era Anadel mór de Bésteiros; que casou primeira vez com D. Constanca
Nogueira, Alcalde mór de Lisboa, e segunda vez casou com Brìtes de
Lagarete, Yalenciana: da primeira nasceo Nuno Furtado, que foi Apo-
sentador mór dei-Rei D. Affonso V, e casou com D. Leonarda da Silva,
flllia de Fernao Marlins de Carvalhal, e d'este matrimonio nasceo D.
Anna de Mendoca, da qual, sendo Dama do Paco, (e depoìs Commenda-
dora de Santos) houve o Principe D. Joao (Rei depois segundo do no-
me) ao senhor D. Jorge, unico Du(]ue de Coimbra, e o primeiro, e
tronco da Real Casa de Aveiro; e do dito seu bisavò AfTonso Furtado
nasceo tambem Diego de Mendoca, Alcaide mór de Mourao, e Aposen-
tador mór dei-Rei 1). AfTonso V, e casado com D. Briles Soares, fiIha
de Fernao Soares de Albergarla, e do tal casamento nasceo a excelleo-
tissiroa senhora D. Joanna de Mendoca, segunda mulher do Real Daque
de Braganca 0. Jaìme. E isto baste dizer d'està exceliente familia dos
Furtados MendoQas, que levou a Graciosa Izeu Pcreslrella de Mendoca.
43 Do tal segundo Capi tao Pcdro Correa da Cunha, e da dita sua
mulher Izeu Perestrella de Mendoca, nascerao os filhos seguintes: Duar-
te Correa, (que foi o tcrceiro Capitilo, comò veremos) e tres fìlhas, D.
Felippa, D. Branca, ou Brioianja, e D. Maria, e a todas tres levou o pai
a Lisboa para Damas da Rainha; porem a D. Felippa casou là comham
irmao de Joao Rodriguez de Su, o do Porto, da casa dos Condes de
Penaguiào, hoje Marquezes de Fontes, e do tal casamento nao ficarito
filhos: a D. Branca, e D. Maria, depois de estarem dons annos em Lis-
boa, nao quizerao la ficar. e se vollarao com o pai para a sua Graciosa;
e a D. Bi'anca casou na liha (corno ja vinios) com Diogo Vaz Sodré; e
a dita D. Maria tambem casou, e de ambns ficou muita, e muito grande
descendencia na dita Graciosa, e mais Ilhas para onde se eslendeo. Ou-
tra linha de verdadeiros Mendocas Furtados he a que procede de Fer-
nao Furtado de Mendoca, cujo filho Mnndos Furlado de Mendoc^i veio
da mesnia Castella a liha da Madeira, e d'esia a Graciosa; e sua tia D.
Liv. VII CAP. Vili 253
Calhariria de Mendog^i era neta de Imma irma de D. Anna de Mendo-
Ca, mai do mestre de Sanlìago, Duque de Coimbra e Aveìro, do qiial
fallamos acima; e so da mesma familia ciào diversas linhas.
ii Dos Furtados porem, o primeiro, e mais anligu tronco, Tui D.
Fernando, a quem cliamarao o Fiirlado (e foi o primeiro d'esle appel-
lido) por 0 Conde D. (lomes liaver a Turlo o tal fillio de D. Urraca, fi-
Iha d*ei-Rei D. Alfonso VI de Castella em o anno de i 108, comò diz o
Principe de todos os Genealogistas de Hespanha o nosso Conde D. Fe-
dro, tit. 36, in notis, lit. B, e tit. 4, n. 5. E o primeiro tronco dos Men-
doras foi Lopo Lopes de Mendoca, que por varonia era neto do scnhor
de Biscaia, aiites de haver Reis era Castella: e por oiitra via era neto
de hum irmao d*eURei em Inglaterra, de que fugindo veio a Biscaia, e
a livroii do Conde das Astnrias, e foi eleito senlior d'ellns, comò consta
do mesmo Conde l). Pedro tit. 9 e 10, lit. C. Unirao-se Furtados, e
Mendogas no casamento de Leunor Furtado com Diogo Lopes de Men-
doca, e d'estes descendem em Castella os Duques do Inrantado, os de
l^rma, e outros, em Napoles os Principes de Melilo, e os Duques de
Peslrana, em Portugal os Mendocas de Mourao, os Coudes de Val de
Rcis, e tambem a primeira mullier do Uuque de Bragan^*a I). Jaiine,
chamada I). Leonor de Mendo(;a, filhn do Uncpie de Medina Sidonia D.
Joao, tercciro do nome, e ji D. Fernando, segundo Duque de Bragan-
fa, tinha casado com outra Mendora.
43 D'cstes Mendocas ha huns que trnzem nas armas està letra,
cAvft Maria», e o principio disio foi, que estando Imm Rei de Castella
na fronteira, sahio hum valiMile Moiiro a cavallo dcsafiando aos Cliris-
laos, que sahissem a [jclcjar com elio, e jà tinha morto alguns, e trazia
no pescofo Imma faxa, e nella escrilas em lelras azuis, ou celestes, as
duas palavras, «Ave Maria», om desprezo d'aquella Virgem Santissima,
que Deos se nao desprczou tornar por Mài. Vendo isto bum Udalgo dos
de Lasso de la Vcga, sahio ao Mouro, e tao confiado em a Virgem San-
tissima, que do primeiro golpe deitou o xMouro do cavallo abaixo, e
rorlando-lhe a cabeca, recolheo a Taxa, e venerando n*ella com lodo o
respeito a Saudagao Angelica, «Ave Mariat, tomou està letra. e a poz
por suas armas em o seu Escudo; e porque hum seu descendente, o
famoso Garcìlasso de la Vega, levava este Escudo na batalba do Salado
do anno de 1340, até o passar de huma agua matou a tres Mouros, e
unindo-se depois por casamentos os de Lasso de la Vega com os dos
aSi IlISrOlUA INSUL.VNA
I
Mendoras, toinarao esles inmbfìin as inesmas arinas, e cm dislincclio
dos mais se chainào Mendocas da Ave Maria, e em cada Escudo sea
lem mil Escudos {mndenles da sempre victoriosa devofao d'esta.Senhora.
CAPITOLO IX
Dos oulros Capilàcs Doìxalarios da Graciosa^ e dos Ferreiras^ e MelÌM
que da Graciosa passarlo d Terceira^ e de seus lUgios troncos^ e if-
cendentes.
46 0 Terceiro Capitao Donatario da Graciosa (e fìllio do scgundo, Fe-
dro Correa) Toì Duarle Correa, porque ainda que Guedes no citado cap.
(i, diz que do segundo Capitao Pedro Correa da Gunha fìcarao dous Glbos, e
d'elles 0 ctiamado Duarte Correa Ihe succedeo na capitania, com mais
noticia falla n'isto o Dontor Fructuoso liv. 6, cap. 42, e nos seguiotes;
d'onde consta que o lai terceiro Capitao Duarle Correa casou com D.
Leonor de Mello, dos illusU*es Mellos de Porlugal, comò vercmos abai-
xo, e deste casamento nasceo Jorge Correa, t]ue foi o quarto Capit3o
Donatario da Graciosa, e nascerao mais tres irmas, que todas forao D^
mas da Rainha, e conforme a sua qualidade casou esle quarto Capilio»
e teve por primeiro fìllio a Trislao da Cunlia, e por segundo fillio a
AfTonso Correa de Mcllo, e ponine Jorge Correa, pai de ambos, se (bi
à Corte de Lisboa, e là o bospedou o mariclial seu parente, enl3o Ihe
desappareceo o fìllio mais velho Trisluo da Cunha, successor da casa, e
de tal sorte desappareceo, quo nunca mais se soube d'elle, e logo mor-
reo 0 pai em casa do mesmo Mariclial.
47 Seguia-se ao pai morto Jorge Correa, para llie succeder na Ca-
pitania, o segundo fìllio Alfonso Correa de Mello, visto ter desappareci-
do 0 primeiro, chamado Trislao da Cunlia, mas porque ao lai segundo
fìllio nem constava da vìda, nem da morte do primeiro, deixou passar
anno, e dia, sem procurar a tal Capitania, e se suppoz Ocar vaga para
a Corea, e enlao o dito Mariclial fez petitao a el-Rei, allegando- n ella,
que pois a Capitania fora de bum seu parente que Ibe morrera em casa,
fì)sse servido fazer-llie mercè d'ella, e el-Rei Iba fez, comò se o segun-
do fìllio vivo, e imiao do primeiro iimao desapparecido, nao fosse mais
cbegado parente do tal seu irmao, e do ultimo Capitao seu pai. Porem
parecè castigo de Deus, que, porque o segundo Capilào da Graciosa Pe-
LIV. VII CAP. IX ilio
dro Correa da Ciinha lirou com effeilo a Capilania de Porlo Santo ao
legilimo sobrinho Peresirello, nao so perdesse corno pcrdeo, a Capita-
riia alheia de Porlo Sanlo, mas tambem perdesse a proi)rìa da Graci( sa
e nem esla passasse de seu nelo Jorge Correa a bisnelos, quo corno diz
(} proverbio: Quien lodo lo quine, todo lo pierde.
48 Quinto pois Capilào daOraciosa foi o dilo Maricliul, que se chamava
D. Fernao Coulinho, e casou com Leonor de Menezes, filha de Francis-
co Correa, irma de Manoel Correa, scnlior de Bellas, e do tal quinto
Capilao nasceo o sexlo, cliamado lanf)l)em D. Fernando Coulinho, o que
ludo consta do cilado Frucluoso; e so com està differenc^, que Frucluo-
so nos Donatarios da Graciosa nao conta por primeiro Capitao aquelle
fidalgo do Algarvo Duarle Barrelo, comò na verdade o foi, ainda que
de su mela Uba, e so conta por primeiro Capitao d'ella ao dilo Pedro
da CunUa, que na verdade Toi o segundo, e por isso ao fillio Duarle
Correa contamos i)or terceiro, e por quarto Capilao ao nelo Jorge Cor-
rea, e por quinto, e sexlo aos dous Coulinhos Maricbaes; que chegarao
ja ao lempo do governo de Felippe li, d'onde jà para cà sera, a quem
quizer, facil saber quem forào os seguintes Capitaes da Graciosa, que a
nùs nos nao custou pouco o liral-os alò aqui da inuita erudigao, ou con-
fusao do Doutor Frucluoso: sei comludo que el-Rei D. Pedro II do no-
me, nomeou Capilao Donatario, e Alcalde mór da Graciosa a Pedro
Sanciies Farinha, seu Secretarlo das mercès, e expedienle; e por seu
falecimento nomeou no mesmo tìtulo ao fillio Kodrigo Sanches de Bae-
na Farinha, que Ihe succedeo, e vive hoje na sua Quinta da Palma. E a
aste mesmo Rodrigo Sanches nomeou tambem o mesmo Rei D. Pedro
II, por Donatario, e Alcalde mór da liha do Faial, cm remuneragào dos
servi(ps, nao si) do dilo Rodrigo Sanches, mas da Senhora (com quem
casou) D. Isabel Francisca da Silva, Dama do Pago, filha de D. Luis de
Almada, e de D. Luiza de Menezes; e do tal matrimonio houve bum so
filbo Manoel Joseph, que morreo sem casar: mas segunda vez casou o
dito Rodrigo com I). Marianna Josepha de Alemcaslre, filha de Manoel
de Vasconcellos, e de D. Isabel de Sousa, e d'esle matrimonio ficarao
filbo, e filha, que com o pai jà viuvo, vivem na sua Quinta da Palma,
6 assim he actual Capilao Donatario das duas Ilhas, Graciosa, e Faial, o
dito Rodrigo Sanches de Baena Farinha, sem que elle nem seu pai, fos-
sem alguma vez la. Segue-se agora dizeimos que descendentes ficarao
a Graciosa, e mais Ilhas dos seus primeiros quatro Capitaes.
236 HI5T.)IUA INSriAXA
49 Do primeiro Cnpilao da Graciosa Dnarle Barrcto nao pode fi-
car na Illia dcsceiidencia ntguma, pois so (icou, o viuva, a mullier, qne
nao lornou a casar, pela sohredita desgraca qiie succedeo ao marido, e
a loda a mais sua genie, e so parcce lìcarào na Terceira algiins paren-
les seus do illustre appellido de Barretos. e que por nolicias d ellcs se
resolveria a vir lambem povoar a dita Iliia. Porem do cunhado. e com-
panlieiro fidiOgo Vasco Gii Sodré, nao so ficou o primeiro fillio Dlogo
Vaz Sodrò, que casou com a filha do segundo Capilao Pedro Correa da
Cunlia» de cujos descendenles diremos abaixo; nem so ficou o segando
filho Fernào Vaz Sodré, que foi para S. Miguel; mas lambem ficarSo
mais tres filhas. Maria Vaz, Leonor Vaz, e Ignes Vaz, que lodas na Gra-
ciosa casarao mui nobremenle, e deìxarào muila, e boa descendencia.
50 Do segundo Capilao Pedro Correa da Cunha (alem do succes-
sor filho) ficou aquella filha legìlima D. Branca, ou D. Briolanja» que
casou com Diogo Vaz Sodré, e tiverSo multa, e muilo nobre descenden-
cia. 0 lerceiro CapitSo Duarle Correa, successor do pai Pedro Correa
da Cunha, casou com D. Leonor de Metto, e està era filha de D. Brites
de Mello, e legilima neta de Alvaro Marlins de Melio, irm3o de D. Pe-
dro Marlins de Mello, Conde da Alatala; e com a dita D. Brites de Stel-
lo vierao para a Graciosa tres irmaos qùe se chamavuo Roque de Met-
to, Diogo de Mello, e Jorge de Mello, e lodos casar3o na liha com pes-
soas compelcnles; mas o Jorgc de Mello na mesma liha morreo degola-
do por malar sua mulher, e o Roque de Mello, por empobrecer com
lancamenlos que Tez nas rendas dei-Rei, se foi para Lisboa com duas
flihas, e hum filho, e a lodos recebeo, e hospcdou em seu palaclo, e com
loda a honra, o Manjuez de Ferreira: tralaudo-os conio a parentes seus,
ale morrer o lioque em casa do Marquez, e esle Ihe metleo as duas fi-
lhas Fj eiras, e ao irniao d'eslas Francisco de Mello, chamado de alcu-
nha 0 Barbarrao, o mandou para a India, e là morreo. comò tao nobre
fidalgo.
51 0 Doutor Frucluoso diz aqui, que dos sobredilos ficou na Gra-
ciosa Affonso Correa de Mello, e que no seu tempo havia na mesma
Graciosa filhos do dito Afi'onso Correa de Mello, e d'esle collio eu que
era o segundo filho do lerceiro Capilao Duarle Correa, e de sua mulher
D. Leonor do Mello, que era irmao do quarto Capilao Jorge Correa, a
quem devia succeder na Capilania da Graciosa, e Ih'a levou o Marichal
D. Fernando Coulinho, primeiro do nome. D\^ste pois Moiiso Correa
LIV. VII GAP. IX 237
de Mello flcarao na Graciosa deus filhos, Nuno Correa de Mello, e Ma-
noel Correa de Nello, e este Manoel Correa foi a Roma buscar Breve
para casar com sua tia D. Ignes Pacheco de Lima, filha de Comes Pa-
checo de Lima, e da tal D. Ignes affirma Fructuoso ser tao rica, dis-
creta, e liberal, e do tanta authoridade na Gi*aciosa, que se nno sabia,
qaizesse fazer cousa alguuia que nao conseguisse, e que d'ella ficarào
deus fìlhos, Gomes Pacheco de Lima, (o do Faial para distinc^ao do da
Terceira) e (ytro Ailonso Correa de Mello que nas virtudes, e aulliori-
dade imita a mai, e terceiro filho Christovao de Mello, que com el-Kei
D. Sebasti9o passou a Arrica, e depois de dez annos de prisao fugio, e
era mancebo de grandes partes, e altos espiritos; e quarto fillio foi Pe-
dro Correa de Mello, filhado no foro de seus avós, cousa que nao tem os
mais irm3os, porque o nSo pedirao. Assim o affirma o citado Fructuoso.
52 Do mesmo terceir-o Capitno da Graciosa Duarte Correa, (além
dos dous fllhos, Jorge Correa, quarto Capitao, e Alfonso Correa de Met-
to seo irm3o) e de sua mulher i). Leonor de Mello, nasceo tambem liu-
ma filha, chamada D. Felippa da Cunha e Mello, nota paterna do segun-
do CapìQo Pedro Correa da Cunha, e da Perestrella Furtada e Mendoga,
e neta materna de D. Brites de Mello, dos Mellos do Conde de Atalaya
D. Pedro Martins de Mello: a tal pois D. Felippa da Cunha e Mello ca-
60U com bum fldalgo chamado Gonzalo Fcrreira da Camera, filho de
Duarte IFerreira de leve, e'Ae D. Felippa da Camera, dos legitimos Ca-
ineras da Villa da Praia da|Ilha Terceira: e do tal Gonzalo Ferreira da
Camera, e de i). Felippa da Cunha e Mello nasceo lilstevao Ferreira de
Hello, fidalgo da Casa de S. Magestade, e Cavalleiro [ìrofesso da Ordem
de Cbristo, pVmcipal pessoa da Cidade de Angra, que casou com U. Al-
tooia de Lima, filha de outro fidalgo Manoel Pacheco de Lima, e de D.
Francisca Neta, (senhora do morgado instiluido por sua tia U. Joauna
Neta) e filha de Joào Alvarez Neto.
53 Por este pois Estevao Ferreira de Mello chegou tambem a liha
Terceira a sobredita nobreza dos ìllustres Capitues da Graciosa: porque
do tal Estev3o Ferreira de Mello nascerào os filhos seguintes: primeiro,
Laiz Ferreira de Mello, que casou com D. Guimar da Gama, e morreo
em Lisboa, e deixarao por filho a Joseph Ferreira de Mello, que foi pai
de D. Julianna de Mello, morgada em Angra, que casou com BartlioUn
mea de Vasconcellos, Governador da Ilha da Madeira, e Capitao mór das
fléos da India; dos quaes foi filho o Padre Francisco de Vasconcellos, da
VUL. il 17
i
238 HMTORIA INSCLANA
Companhìa de Jesus. Foi seganda filba D. Maria de Mendoca, qoe casca
na mesma Angra com Fedro de Castro do Canto, corno se ve acima na
familia dos Cantos liv. 6 cap. 19. Nasceo terceira fliha, que easou com
Vital de Betencor e Vasconcellos, e forSo pais do Capitao mór de Angni
Jo3o de Betencor e Vasconcellos, de qoem vive aìnda seu filho Feliciano
de Betencor. A quarta fìlba casou tambem na Ilha Terceira com ham fr
dalgo Castelhano chamado Felippe Ortiz» cujos fìlhos Ìbr3o EslevSo Fer^
reira (ou Ortiz) de MeilOt e D. Fedro Ortiz de Mello, A|feres Hiór do
Castello de Angra» de quem* mortos os mais fi^hus, ficou so D. Lui»
de Melio, qne casoo com bum nobre var3o chamado ClirìstovSo Pimen-
tei, do qua! trataremos, quando da Ilha das Flores. A quinta fìlha ca-
sou com Felippe Espinola Quirós, Fidalgo Castelhano, Tenente do Cas-
tello de Angra, e d^estes nasceo D. Christovao Espinola, cuja unica fl-
Iba casou com Luiz do Canto, e tem doscendencia, de que diremos na
familia dos Cantos.
54 Mas nem so por aquelle Estev3o Ferreira de Mollo, pai das so-
breditas, mas ainda mais atraz, por seu avo materno o Capitao Donata-
rio Duarte Correa, marido da sobredita D. Leonor de Mello, passario
estas tao nobres geragoes à Ilha do Fayal, e de S3o Jorge e à mesma
liba Terceira, porque do dito Duarte Correa foi tilho Affonso Correa de
Mello, e d'estes forao filhos Nuno Correa de Mello, e Faulo Correa de
Mello, e Manoel Correa de Mello, que casou com a tia, de que nasceo
Comes Facheco de Lima, o do Fayal, de cuja descendencia trataremos,
quando da tal Uba: e de bum dos taes tres irmaos nasceo outro Manoel
Correa de Mello, (do Fedro Correa de Mello:) deste segundo Manoel
Correa do Mello nasceo outro Fedro Correa de iMello, que casou, e foi
Capitao mór em Sao Jorge, comò seu pai jà o tinha sido: do qual pai
tambem nasceo huma D. Isabel, que casou na Terceira com D. Maooel
de Castellobranco; e huma D. Antonia, que na mesma Terceira casou
com Luiz do Canto da Costa: e tambem d'aquelle Faulo Correa de Mel-
lo (noto, e bisneto dos Dooatarios Duarte Correa, e Fedro Correa da
Cunha) nasceo mais D. Isabel de Mello, que eslando educanda no Con-
vento de Sao Gonfilo de Angra, casou com Luiz Coelho Fereira, nobre
Cidadao do Forto, que em Angra foi do melhor governo d'ella, e a di-
ta sua mulher foi veneravel Gdalga: e d'este matrimonio nascerao M^
noel Coelho Pereira, fidalgo filhado, e pai de Miguel Fereira de Meihn
OS quaes ambos morrerao no Forto com descendencia: e outro irmao
uv. VII GAP. IX 259
Lazaro Pereira de Mello, que duas vezes casou em Portugal para onde
foi: e hpma irma que Ticou na Terceira, casou com hum morgado, fi-
datgo de S. Miguel, Jacome Leite Boteiho de Vasconcellos. que lem jà
filho, e netos. E ainda a dita D. Isabel de Mello leve mais dous irmaos,
hom clìimado Diogo de Mello, cuja filha D. Calharina casou com hum
multo nobre Cidad3o de \ngra Manoel do Rego Borges, de que fìcou
descendeDcia; o outro era bama irma, que tambem casou, e tem em An-
gra illustre desceodencia.
55 E se alguem ainda reparar, em que sendo os sobreditos Capi-
tSes da Graciosa em seus appellidos Correas, Cunhas, Perestrellos, Fur*
tados; Meodo^s, Vasconcellos, etc, comtudo os referidos seu» descen-
deotes d3o pegar3o ordinariamente senao do appellido de Mellos, e Cor-
reas; a razSo parece ser, nilo so porque o tronco d'estas familias se cha*
moa Pedro Correa, o filho Duarte Correa, e o noto Jorge Correa; (e este
he 0 que foi fiIho d*aquella senhora D. Leooor de Mello) mas tambenv^
pelas excellencias singulares que se achSo n*esta familia dòs antigos Mei-
Ics, de que jà tocamos algumas na nobreza dos primeiros Donatarios da
liba de Santa Maria, e Sao Miguel, e o mais agora tocaremos.
56 Confórme ao Regio, e mais antigo Genealogista o Conde D. Pe-
dro, no sea tit. 45, o primeiro que se acha com o appellido de Mello,
he D. Mem Soares de Mello, Qlho de D. Sueiro Reymondo de riha de
Vizdla; do dito U. Mem Soares de Mello nasceo Alfonso Mendes de Mal-
lo» qoe casou com*D. Ignes Vasqoes da Cuoha, e d^esles nasceo Martim
Affonso de Mello, que casou com D. Marinha Vasques, dos quaes foi fi-
lho Vasco Martins de Mello, Guarda-mór d*el-Rei D, Fernando, e Alcalde
mór de Evora, e pai de outro Martim Affonso de Mello, Guarda-mór
d*el-Rei D Joao o I, e Alcalde mór de Evora, e Olivcn^a: este pois Mar-
tim Affonso de Mello, scgundo do nome, foi pai de Joao de Mello, Al-
calde mór de Serpa, e Copeiro mór d'el-Rei b. Affonso V, e d'elle nas-
tìèo Jorge de Mello, Monteiro mór, que casou com D. Margarida de Men.
do^a, irmi de D. Joanna de Mendo^a, segunda mulher do Duque de Bra-
ganca D. Jayme, e ambas filhas de Diogo de Meildoca, Alcalde mór de
llourao; nasceo mais N. de Mello, Porteiro mór, e Alcalde mór de Ser-
pa; e D. Leonor de Mello, que casou com Nuno Barreto, Alcalde mór
de Faro, de que foi Alba D. Isabel, que casou com D. Alvaro de Castro,
o do Torrio, e estes forao os pais de D. Leonor de Castro, Duqoeza de
Gaqdia, e mulbpr do Duque Sao Francisco de Borja, e depois Religioso
260 HISTORU INSULANA
da Companhìa de Jesus; e do mesmo sohredito Joao de Mello, Alcalde
mór de Serpa, o Ck)peiro mór d'el*Rei D. Aflonso V foi sexto nato D.
Joao de Mello, Bispo de Elvas, e de Vizeu, e de Coimbra, Conde de Ar-
ganil, e sempre com fama de Santo, e irm3o do Padre Joseph de Mello,
da Companhia de Jesus, que com fama tambem de Santo morreo na
India.
57 Porém do sobredito Martim Alfonso de Mello, se^odo do do*
me, Guarda-mór d'el-Bei D, Joao o I, e Alcalde mór de Evoca, e Olived-
(a, e de sua prlmelra mulber D. Brltes Pimentel, filba de Jo3o Aflonso
Pìmentel, primeiro Conde de Benavente, nasceo mais outro Martim Af-
fonso de^ Mello, terceiro do nome, e pai de D. Bodrlgo Affonso de Mei*
lo, Conde de Oliven^a, de que nasceo unlcamento D. Felippa de Mello,
que casou com o senhor D. Alvaro, filho de D. Fernando, segundo Du-
que de Bragan^a, e noto do primeiro Duque D. Affonso, flllio d*elrRei
J). Jo3o 0 I, e do tal senhor D. Alvaro, e D. Felippa de Ht^lo nasceo
D. Rodrigo de Mello» primeiro Marquez de Ferreìra, e d^este nasceo o
segundo Marquez D. Francisco de Mello, que casou com D. Eugenia de
Braganca, filba do Duque D. Jayme, e d^elles fol filho D. Nuno Alvares
Pereira de Mello, terceiro Conde de Tentugal, que foi pai de O. Frao-
cieco de Mello, terceiro Marquez de Ferreira, de que nasceo o. quarto
Marquez, e primeiro Duque de Cadaval D. Nuno Alvarez Pereira de Uel*
Io, cujo filho D. Luiz Ambrosio de Mollo, segundo Duque, casou com «
senhora D. Luiza, Tilha d'el-Rei D. Pedro II, que fìcando viuva casoa
com seu cunhado D. Jaynìe de Mello, terceiro Duque. do Conseiho de
Estado, Estribeiro mór d'el-Rei D. Jo3o o V nosso Senhor, e Presiden-
te da Mesa da Consciencia, e Ordens: tao Regia he, e por tantas vl3s,a
excellentissima casa de Ferreira, e Cadaval.
58 Do sobredito senhor D. Alvaro, e da dita D. Felippa de Melio
nasceo a senhora D. Brltes de Mello, que casou com o senhor D. Joi^
filho d'el-Rei D. Joao o II, e primeiro Duque de Aveiro, e d*este nasceo
0 segundo, D. Joao de Lancastro, que foi pai do terceiro Duque de Avei-
ro D. Alvaro, e d'este nasceo o quarto Duque, que foi pai do quinto Do-
que D. Raymundo, que morreo sem descendencia, e entrou entao por
sex lo Duque de Aveiro seu Ilo patruo D. Pedro.de Lancastro, ArcebìS'
pò, e Inquisidor Cerai em Portugal; e porque d'este tambem n2o havìa
descendencia, se seguio em septimo lugar dos Duques de Aveiro sua so-
Lrinha a senhora D. Maria, Irma do quinto Duque D. Raf mundo: a qual,
Liv. VII a\p- X 201
ainda que casou em Madrid, e deìxou Hlhos varues, em quanto nenbum
vem para Portugal, nenlium tcm a casa. Huma irma do quarto Duque,
e filba do Terceiro D. Alvaro, casou com o Ck)nde de Porlalegre, e d*6S«
te casamento nao so nasceo D. Frei Alvaro de Sao Boaventura, Bispo
Conde de Coimbra, e D. Joào da Silva Marquez de Gouvea, que morre-
rSo sem descendencia: mas tambem nasceo huma fìlha, que casou com
0 Conde de Santa Cruz, de que nasceo D. Joao Mascarenbas, quinto
Conde de Santa Cruz, que foi pai de D. Martiabo Mascarenhas, sexto
Conde de Santa Cruz, e por mercé dei-Rei D. Joao o V nosso Senbor,
llirquez de Gouvea: e outras excellentes casas, e ci em Portugal, des-
eeodem da Regia casa de Aveiro, e todas pela primeira Uuiiueza des-
cendem dos sobreditos Mellos.
CAPITULO X
Canelue-se com os nobres Povoadores da Ilha Graciosa, Vasconcellos,-
Espinohis, Sousas, e outras de ForttigaL
50 N3o acaba o antigo, e erudito Frnctuoso liv. 6 ex cap. 4!2, com
a siugular nobreza dos primeiros Povoadores d'està Ilha, ató n'isso Ora-
ciosa, e venturosa; mas tambem cpm tal confusao, e generalidade de
muitas outras cousas entremettidas, que n3o sera pouco distinguìrmol-as,
e fazermol-as intelligiveis, sem faltarmos à verdade da liistoria. Diz pois
no lugar citado, que ha tambem na tal Ilha Vasconcellos, e que prece-
dem d*aquella D. Izeu Perestreila de Vasconcellos, fìlha do primeiro Ca-
pitio Donatario da Uba de Porto Santo, que casou com huma irma da
prìmeira Baroneza de Alvito, cuja dita filba foi casada com o segundo
CapitSo da Graciosa Pedro Correa da Gunha. Porém comò da illustre des-
cendencia dos Vasconcellos, e de seu tronco, fallàmos jà por vezes nes-
ta historia, baste desta materia o ja dito, e vamos à outra.
60 Da geranio dos Espinolas (ou Espindolas) qoe ha tambem na
dita Uba, diz que de Genova procedem, e de bum Pedro Espinola, Albo
de Antonio Espinola, (idalgo do Genova, aonde ha quatro por mais prin-
eipaes casas là tidas, e reconhecidas, e huma d'ellas he a dos Espinolas,
e que d'estes era Fabricio de Espinola, e Leao de Espinola, e Reginaldo
de Espinola; e d'estes vimos jà que por Castella passarao alguns à Ilha
da Graciosa, e & Terceìra, aonde jà fallàmos de D. Christoviio Espinola,
262 - HISTORIA IN8ULANA
a qaem Castella deo demais o Doqi, corno costuma, nSo se costqmando
asslm em alguns outros Reinos. E posto que aqui tambem «metta Fra*
ctuoso OS nobres Quadros: d'estes fallaremos nós mais abaixo, pois pro-
priamente pertencem i Uba do Faial, e nao repetiremos o mesmo.
61 Dos SoQsas de Portagal diz o Doator Fructuoso qoe sio goite
illustre, e coobecida, e muito parentes de Concaio Ferreira Porteiro
mór, e nSo diz mais. Sappriremos pois agora o que deixou de dizer,
pois n3o so na Graciosa, mas em as mais Ilhas Terceiras ba dos ditos
Sousas. He t3o antiga, e illustre a familia dos Sousas Lusitanos ; que
consta descender dos Godos, de bum D. Soeyro Belfazer, Albo de IK
Foao Soares, e de D. Munia, ou Menaya Ribeira, que florecerio ha quasi
mil annos no de 800 da vinda de Christo» confortile ao Gonde D. Fedro;
e do tal D. Soeyro Belfazer foi quarto neto D. Gomes Ecbigues, Gover-
nador de Entro Douro e Minbo peios annos de 1050, e casado com D.
Gotrode Moniz, QIha do Infante D. Moninho, filho do antigo Rei D. Fe^
nando, primeiro do nome, e cbamado- o Magno; e do tal matrimoDia aio
so nasceo D. Sancba Gomes, que casou com o Conde D. Nuno de Gel*
lanova, irmao de S3o Rosendo, e tronco de grandes casas de Hespanba;
mas tambem nasceo D. Egas Gomes de Sousa, que foi o primeiro d'este
appellido Sousa, por nascer na terra do rio Sousa» que seus avós tioldo
ganhado aos Mouros, e foi casado com D. Gontinba Concalves em tempo
do primeiro Rei de Portugal D. AiTonso Henriques.
62 Deste pois D. Egas Gomes de Sousa nasceo D. Mende Viegas
de Sousa, pai de D. Gennaio Mendes de Sousa, que casou com D. U^
raca Sancbes, neta dei-Rei D. AfFonso Henriques, e d'estes nasceo o God-
de D. Mendo de Sousa, que chamarSk) o Souzao, que ganbou Silvesaos
Mouros no Algarve, e tomou por armas as meias luas, e casou com D.
Maria Rodriguez, filha do Gonde D. Rodrigo Yeioso, e d^estes nasceo D.
Garcia Mendes de Sousa, pai de D. Mem Garcia de Sousa, que casou
com D. Garcia (ou Tereja) Anes de Lima; e d*este matrimonio, além de
outros filbos de que nao bouve descendencia, ficarao duas filbas; homa
foi D. Constanca Mendes de Sousa, que casou com D. Fedro Anes Po^
tei, e d'estes nasceo D. Maria Ribeira, que foi legitima mulber do Infante
D. AfTonso Dinis, filho legitimo dei-Rei D. AfTonso III de Portugal, e da
Rainha D. Brites, fìlha dei-Rei Dom Affonso de Castella, e Le3o.
63 Uè tao Real tronco, e do dito Infante D. Affonso Dinis, e soa
dita mulher, nasceo D. Affonso de Sousa, que com ser legitimo neto
LIV. VII GAP. X 263
I
dei-Rei D. AfTonso IH de Portugal, e bisneto materno dei-Rei D. AìIodso
de Castella, e LeSo» ainda comludo nao largou o illustre appellido de
Scusa, e casou com D. Violante Lopes Pacbeco, filila de Lopo Feman-
des Pacheco, senlior de Ferreira Daves, que casou com D. Maria Comes
Taveira ; e d'estes nasceo Alvaro Dias de Sousa, senlior de Marra» Eri-
ceira, etc., e casou com L). Maria Telles, irma da liainha D. LeonorTel-
les, e forao pais de D. Lopo Dias de Sousa, Mestre da Ordem de Chris-
io» que seguio ao Mestre da Ordem de Avìz contra Castella, e dispen-
sado casou, e te ve por fillio a Alvaro de Sousa, (Mordomo mór del- Rei
D. Affonso V, e casado com D. Maria de Castro, filila deFemao de Cas-
tro, Govemador da casa do Infante li. Henrìque) e dos taes foi filbo
Diogo Lopes de Sousa, Alcalde mór de Arronches, Mordomo mór de D.
Affi^nso V, e de D. Joao o II, e casou com Di Maria de Noronba, filila
de D. Fedro de Nello, Conde de Atalaya, dos quaes nasceo Ilenrique de
Sousa, Anadel mór dos Espingardeiros, do Conselbo dei-Rei D. Joao o
ni, e foi casado com D. Francisca de Mendofa, filba de Jorge de Men-
doga, filbo de FernSo da Silveira, Regedor, e senhor de Sarzedas.
64 Neto do tal Henrìque de Sousa foi outro Henrìque de Sousa,
primeiro Conde de Miranda, Alcalde mór de Arronches, Governador da
casa do PortOi e casou com D. Mecia de Vilhena, fillia de Fernao da
Silva, Commendador de AlpalbSor, e d'estes nasceo o segundo Conde de
Miranda Diogo Lope» de Sousa, que casou com D. Leonor de Mendofa',
filila do terceiro Conde de Penaguiao Joao Rodrìguez de Sa, d'onde vem
hoje OS Marquezes de Fontes; e do dito segundo Conde de Miranda nas-
cv 0 terceiro Conde de Miranda, que foi o primeiro Marquez de Arron-
ches, e d*este passou o Marqoezado, e Condado a luima filba berdcira,
que ciisou com o Principe de Ligni, de que tambem ficou outra filba
herdeira, que casou com o senhor D. Miguel, filbo reconbecido, e do-
iado em seu testamento por El-Rei D. Fedro, segundo do nome; nasceo
mais do dito segunda Conde de Miranda D. Mecia de Sousa, que casou
tx)m D. Maiioel da Camera, prìmeiro Conde de Ribeira Grande, de que
0 segundo Conde de Ribeira Grande nasceo em Villa Franca da Uba de
Suo Miguel, e vive aìnda, e foi casada com buma grande senbora de
Franga, de que ficarao muitos filbos. Nasceo tambem do dito segundo
Conde de Miranda outro filbo, chamado D. Luis de Sousa, que prìmeiro
foi Bispo de Bona, e Capellao mór dei-Rei D. Fedro li, e juntamente
Arcebispo de Lisboa, e Cardeal da Santa Igreja Romana, e tinha sido
•Aor '^^ \^ U- O»^^'' ^nwo voa»* *" Aa casa tov o 8 u»»»»™^ ^wo
sa, ^^^tr ^^''^ "^Zl ào ^«TUs *«''^''" i^V^«^^° ^««^^«^
nome, e i j,po ào ^ 0 .cràa^e^'^ ^«^«''trUo V0^'°''' pvtes. e
\avo
Liv. vn GAP. X 265
trataremos, quando da liha do Faial; e que tambem ha Limas, e Pache-
cos de tal qualidade, que D. Diogo Lopes de Lima, Submilher d'ei-Rei
D. Sebastiao, e Jorge de Lima, e Francisco Barreto de Lima, Yédor da
F^azenda Real, quando de armada biao às lihas, visitavao por parentes
aos taes Limas, e com ellés se hospedav3o, e comiao, e com Manoel Pa-
ebeco de Lima, Contador da Fazenda Real, e com outro do mesmo no-
mOt que foi por Embaixador dei-Rei a Congo ; dos quaes Pacbecos, e
Limas ji tratàmos, e ainda na nobreza do Faial os tocaremos. E acaba
0 mesmo Fructuoso dizendo, que na mesma Graeiosa ha de mais a gè-
rac3o dos Silvas, que proccdem de Nuno da Silva, primo com irmào do
Gonde de Portalegre ; e d'estcs tambem faremos a devida mengao em
seu lugar.
FIM DO LIVRO setimo.
HISTOIU
IN8ULANA LUSITANA
UVRO OITAVO
DAS ILHAS DO FAIAL E PICO.
CAPITOLO I
Da aliura^ grandeza, e costas da Ilka do Fatai, e sua Villa de Horla^
e interior da Ilha.
1 Em trinta e oito graos e meio, esforcados, fica o Faial, ao Sa*»
doeste, e qaasi Oeste da liba Terceìra, e do seu monte do Brasi), vinte
legoas de terra a terra : chamou-se Faiai, por ser a tal liba de maitas,
e grandes faias toda cbeia : corre està Uba de Leste a Oeste, e tem cinco
legoas (e mais segando outros) de comprido, desde a penta que cbaroao
de Espaiamaca, até onde cbam3o o Capello, por ordinariamente ter bum
Capello de nuvens ; e outras cinco legoas tem da Ribeirinba até o dito
Capello, ainda de Leste a Oeste; porém de Norte a Sul se aiarga por mais
de tres l^oas, e em partes mais de duas ; com que é vista representa
figura quasi redonda, pouco montuosa, e multo plaina; e d'ella trataFro-
ctuoso no seu liv. 6, desde o cap. 35, por dianle, que por erro da penna
se conta por cap. 36, sendo na verdade so 35, sem Ibe faltar foiba al-
guma.
2 De Leste a Oeste, da ponta da Ribeirinba, e da de Espalamaca,
pela costa do Sul, passada legoa e mela, està a Freguezia, e lugar de
Nossa Senbora da Ajuda com cento e vinte vizinbos, Vigaiio, e Cura;
da banda do Norte cbama-se o lugar de Fedro Miguel; mais adiante 96
segue 0 lugar cbamado Praia do Almoxarife, Freguezia de Nossa Senbora
da 6ra(a, que tem cento e dezaseis vizinbos, com Vigario, e Cura; e
bum areal, e bum Forte n*elle, que mandou fazer Comes Pacbeco de
268 HISTORIA IN8ULANA
Lima, no tempo das alteragoes com o senhor D. Antonio, sondo Prove-
dor das Fortificagoes, e aqui està bum poco da melhor agua de toda a
Uba, e esté outro semelbante no Quintal dò Vìgario do lugar. Janlo da
tal Fregaezia està a ponta cbamada da Espalamaca, ,que em Flamengo
significa 0 que em nosso Portóguez ponta de agulba, ou de alfinete ; e
aqui està bum jardim, que fez Joz da Terra, bum dos primeiros Fla-
mengos nobres, que vier9o àquella Uba, e sogro de Antonio de Brum,
dos quaes ambos fallaremos mais abaixo.
3 Logo, meia legoa acima, inclinando para o Poente, està a pria-
cipal Povoac3o, ou Corte d'està Uba, cbamada a Villa de Aorta ; e cba-
ma-se assim, porque cada casa d'ella tem tal Quintal, e bum, oa doas
poQos, que parece cada buma ter sua Quinta, ou Horta : à entrada d*esta
nobre Villa està buma Freguezia de Nossa Senbora da Concei^ao, (que
de antes era Ermida) junta a buma ribeira que vem da serra, e por ve*
zes enche tanto, que alaga a Freguezia, e tem buma ponte de pedn,
por onde sé servem para a Villa, mas com a encbente moem moinbos;
e à porta da Fr^uezia d'este lugar està buma Cruz de pào, posta sobre
degràos de pedra, e cbapeada de ferro, que mandou fazer bum boiBein,
por condemnacio que Ibe deo a justi^a Ecclesiastica, ^pela culpa qua li-
nba commettido. Oh se quizesse Deos que as penas pecuniarìas da jos-
ti(a (ainda secular, quanto mais Ecclesiastica) fossem assim appUcadas
a obras do bem commum, mais do que ao particular dos mesmos Hi-
nistros que as dao, com capa de despezas da Relag2o, de esportulas,
etc. I Ha n'esta Freguezia, e lugar, ou arrabalde da Villa, demais de da-
zentos e vinte e dous vizinbos, Vigario, e Cura, e de novo outra Fre-
guezia de Nossa Senbora das Angustras com cento e sessenta e quatro
vizinbos.
4 Entrando para a nobre Villa de Horta, està ao longo do mar boni
mais antigo pedaco d'ella, que por alli se comegar a povoar, diamio
ainda a Villa Velba, e o mar a tem jà levado multo ; segue-se lego o
principal da Villa, que tem em bum alto a sua Igreja Matriz da invoca-
(So do Salvador, e tem hoje mais de quinbentos vizinbos, e duas mil e
setecentas e ciocoenta almas com seu Vigario, dous Curas, e seis Beoe-
ficiados, e Thesoureiro, e salario para Prégador. Perto d'està Igreja està
bum Mosteiro de Freiras, da Ordem de Santa Clara, de mais de sessenta
Relìgiosas de véo preto, e da invoca^ao de Sao Concaio, (boje se cbama
de Sào JoSo Bautista) que fundou bum Cavalleiro cbamado Diego Ro-
LIV. Vili GAP. I 269
drìgoez, qae tinha sìdo Fronteiro de Africa em orzila, e era filho de
Paulo Rodrigaez, AlemSo, que teve doas filbos Glerigos, e fundou este
Mosteiro, metteo n'elle as filbas Freiras, e he da obediencia dos Frades
de SSo Francisco. Oatro Convento cbamado o da Glòria, de quasi ses-
santa Freiras de veb preto, que foi fundado por D. Catbarina Cortereal,
ha perto de cem annos, e vier3o fundal*o duas Religiosas da Gonceicao
de Angra, Anna de Deos, e Maria da AscensSo.
5 No meio d'està Villa està a Casa da Misericordia, com seu Hos-
pital, e mais de vinte moios de renda, além de outros fóros ; e logo sé
segue huma Ermida, chamada Nossa Senhora da Beata, junta és casas
do CapitSo Donatario, e entra da ìnvoca(;3o de Santiago. Depois abaixo
està 0 Mosteiro de Sào Francisco, de que dizem fora fundado tres ve-
zes; primeira na Praia do Almoxarife; segunda em bum monte de Porto
Pim, aonde està huma cova, chamada a Gova do Frade ; e terceira vez
aonde agora està, e he Convento grande, e de trinta Religiosos da Pro-
vincia Franciscana d'aquellas Ilhas. Logo mais abaixo para o mar para
onde fica a porta do Mosteiro, estava de antes huma Ermida de Nossa
Senbera da Piedade, com huma escada para o mar, por onde entrava
a gente, e comtndo ainda por baìxo hia caminho de carro com trigo, e
tudo 0 mar levou depois, e està tudo costa brava, e chega és vezes a
entrar o mar na berta dos Religiosos Franciscanos; e chegou a levar a
Imagem de Nossa Senhora da Piedade, que depois de andar sobre as
ondas muitos dias, appareceo em bum serrado junto à Senhora da Gon-
oeic3o, e depois de a renovarem, a coUocar3o em huma Capella, que
para isso se fez na Igreja de SSo Francisco, com a mesma invoca^^o .da
Senhora da Piedade.
6 Ha mais n'esta nobre Villa hum Convento de Carmelitas Galsa-
dos, de até doze Frades, e o fundou Helena da Sìlveira, viuva do Capi-
tSo mór da Uba Francisco Gii da Silveira, e o fundou ha mais de ses-
senta annos, e n3o sei que baja outro d*esta sagrada Ordem em todas
as nove Ilbas Terceiras. Ha tambem hum Collegio da Gompanhia de Je-
sus, que tambem ha mais de sessenta annos fundou o CapitSo Francisco
de Utra e Quadros, e sua mulber D. Isabel da Silveira, de cujas nobi-
lissimas familìas tratareroos mais abaixo; e do Collegio de Angra vier3o
Religiosos a fundal-o, especialmente o grande Padre Manoel Fernandes,
sendo Visitador das Ilhas, (que depois foi insigne Reilor do Noviciado de
Lisboa, Preposito de S. Roque, e sempre até morrer, Confessor da Ma-
270 IIISTORIA INSULANA
gestade dei-Rei D. Pedro II, e exemplarissinio na vida, e em doutrìoa
doutissimo, corno mostrao os livros que compoz); e o mui conbecido
Padra Lourenco Bebello, Prefeito, e Lente de Theologia Moral do Colle-
gio de Angra, letrado, e Prégador de grande nome; e neste Collegio lem
08 Padres escoia de latiin, e de Mora!, além de prégarem, coofessarem»
e exercitarem os mais ministerios da Companbìa de Jesus; e nSo so em
loda a Uba do Faial» mas na do Pico, aonde fazem varias missues*
7 Tem pois està Villa de Sorta, além de très Freguezias, seu Visi-
tador, ou Ouvidor Ecclesiastico de loda a Uba, e muitas ootras nobres
Ermidas, e da de Nossa Senbora da Guia, que està sobre bum alto mon-
te, foi Fundador o Capilao mór Jorge Gularte Pimentel; e da de Nossa
Senbora das Angustias se diz ter sido a primeira Igreja que boove netta
Uba, e fundada pela mulher do primeiro Donatario Joz de Utra; e ootra
de Nossa Senbora do Firmamento fundarao os sobreditos Francisco de
Utra e Quadros, e sua mulher D. Isabel da Silveira, e n'olia tom pe^
petuo Capellio, e Missa quotidiana por suas almas; e a de Santiago fon*
dou Joz de Utra, segundo do nome; e a que està junto do porto» Nora
Senbora da Boa Viagem, be Confraria dos Mareantes, e molto fìcì. A
de Santo Amaro foi fundada por Francisco Pereira Sarmento; a de Sio
Lourenco por Thomas de Porres Pereira, irmao do Gapitio mór Jorge
Gularte Pimentel. Tanta era a piedade dos moradores da liba do Fatai.
8 Nao be menos guarnecida a dita liha com Fortalezas contra i
guerra temporal, do que com tantas Igrejas, e Conventos contra a espi*
ritual guerra. A primeira Fortaleza da Villa be a cbamada Santa Graz,
que tem cem homens de guerra pagos, e de presidio, com boa artelba-
ria, e artelbeiros competentes; a segunda he a que cbamao da Boa Via-
gem com muitas pecas de bronze, e de alcance; e logo na Praia tem tres
Fortalezas mais, e outra mais adiante no Portinbo que cbamao de Pedro
Miguel; e nao tem mais pela banda do Norte, porque a rocba, e o mar
per si se defendem : da banda porém do Sul, e em toda a parte onde
se pode desembarcar, tem sua Fortaleza. e plataforma, que sao porto^
das oito, e com* boa artelbaria ; alóm de todo o areal da Villa, e Praia
cbamada do Almoxarife, estar murado, e com muilo bom muro; com
que se nao sabe que està Uba fosse entrada em algum tempo por inimi-
gos; excepto no das altera^oes do senhor D. Antonio, quando ainda nao
estava tSo fortificada.
9 As outras Freguezias, ou lugares da tal liha tem o numero de
uv. vili CAp. I ' 271
visinhos, ou fogos seguintes : da banda do Norte a Fregaezia de Nossa
Senhora da Graca, tetn cento e dezaseis vizinhos ; a de Nossa Senhora
da Ajuda tem cento e vinte ; a de SSo Mattheos, lugar da Ribeirinba,
cento* e cito; a de Santa Barbara, lugar dos Cedros, tem duzentos e no^
yenU vizinbos : a de Nossa Senhora da Luz, junto é Villa, duzentos e
quarenta e seis, e se chama a Ribeira dos Flamengos : a do Espirito
Siuito duzentos e trìnta e seis : a de Santa Gatharina, que chamao Gas*
tetk) branco, passa de trezentos vizinhos : a da Senhora da Esperan^a,
lugar chamado Gapelio, tem cento e vinte e bum vizinhos : a da Santis*
sima Trindade, que chamao Praia do Norte, tem cento e vinte e tres: e
>e bem se adverlir, achar-se-ha, que muitos dos taes lugares s3o mais
populosos, e niaiores que varias Villas em Portugal: e que a insigne VilU
de Horta excede muito em numero, nobreza, e riqueza dos moradores,
9 aigumas Cidades de Poriugai, e outros Reinos, comò adiante veremos,
10 Indo da sobredrta Villa de Horta, do Oriente pela banda do Sul
para o Poente, e defronte de Santa Cruz, bum tiro de besta ao mar, està
bum Ilbeo pequeno, e mais adiante a grande enseada de Porto Pim, e
porlo tal, que n'elle descarregou jé, e tornou a carregar huma grande
Dào da India, e he o porto principal da Villa de Horta, mas correndo
Sudoeste forte, correm perigo tambem os navios que aclia dentro, e à
entrada do porto està huma pedra perigosa,.e jà sabida; e para dentro
da terra està bum Pico, no qual se diz que os primeiros Povoadores
fundarao a sua Villa de Dorla, e que depois so mudou para onde boje*^
està: adiante mais de legoa e meia està o Pico, chamado Castello bran^
co, de altura de dous altos Castellos, todo em figura quadrado, e em
cima com bum plaino de tres moios de semeadura, e muito fertil dQ
trigo, e com estreita descida para a terra, e rocha para o mar em quo
elle bate, e do mar se ve muito ao longe: e com tudo junto ao Pico està
bum porto chamado Camera de Lobos. onde entrao, e carregao carave^
las: e adiante, mais de duas legoas para o Norte, estao dous Ilbeos aQ
mar tiro de bésta, e logo a penta do Capello, onde acaba a Ilha no Poen^
te, e volta pelo Norte até o lugar da Ribeirinha da banda do Oriente.
11 Ile 0 Faial alta Ilha em o meio; e legoa e meia da Villa pars( o
Noroeste tem huma grande caldeira, ou fuma, de huma legoa em re*
dondo, e de altura, ou fundo meia legoa, aonde se desco por bum so
caminho estreito, e a piqué, em baixo he em parte malo, e bosques de*
leilosos, e em parte he prado ameno, mimose, e muito plaino, mas a
i
272 HI STORIA INSULANA
terceira parte he urna alagoa, que tem hum quarto de legoa com sete
outeiros à roda, cheios de arvoredo, de varìedade de passaros» canarìos,
melros, toutinegros, e muitas vaccas, ovelhas, e cabras de diversos do-
nos. S3o poucas as vinhas n'esta liha, por serem (dizem algans) os coe^
Ihos muilos; mas a verdade he, por terem junto a si a grande Hha do
Pico, que se pódo cbamar a mai do vinho. Do pastel que se lavrava
antigameate, jà hoje se n3o usa, e as lavouras hoje s3o quasi todas de
trigo; tem muita abundancia de lenha, e mato, mas pouca fnita, por
Ihe vir sempre do Pico: tem poucas, e fracas fontes, porem moitos po-
(os, e de boa agua, mas nenhuma ribeira que corra todo o anno, e por
isso nem sempre tem moinhos de agua, mas atafonas no tempo da seca;
e comtodo tem toda a casta de gallinhas, e cagas, e muita jun^, e o
molherio he de nao menos perfei^ao espiritual, que corpqral, e todas
tem Oratorios em suas casas, com que s9o mui recolhidas» e devotas.
CAPITULO II
De quando^ e por qwm se descobiio a Ilka do Fatai.
12 Em que anno, mcz, ou dia fosse a Uba do Faial prìmeira va
descuberta, nao se acha, so se sabe que o foi em sexto lugar depois de
S. Jorge, e Gracìosa, e comò estas o forao pouco depois do anno de
1450, tambem idoneo depois se descobrio o Faial, ha quasi 260 annos,
do dia, ou mcz cm que se descubrisse, nem conjectura ha. Sobre qoem
fosse 0 primeiro descnbridor da Ilha do Faial, houve sempre grande
duvida: o Doutor Fructuoso liv. 6, cap. 36 inclina a que seria o gran-
de Gonzalo Yelho, quo tinha descuberto as Ilhas de Santa Maria, e S.
Miguel, porem do que conira isto jà mostramos no descubrimentor da
Terceira, se ve que nao subsiste tal considera^ao. 0 antigo Joao de Bar- '
ros Decada i, liv. 3 cap, 11, e tambem no Clarimundo, dà a entendar
que a descubrio o grande Tidalgo Joz de Utra, que depois foi o seu prì*
meiro Capitao Donatario, porem tal nao declara Barros, e so declan
que 0 Ultra foi o seu primeiro Donatario; e nos consta que os primei-
ros descubridores da Terceira, e S. Jorge, que jà de antes er3o desco-
bertas, botarao na Ilha do Faial algum gado, e que hum Ermit3o de
boa Vida, por a fazer mais solitaria, se foi para a Ilha do Faial de mora-
da: hiao no verao aignns a ver as fazendas, que là tinhio tornado, e
ijv. vili GAP. II 273
seu gado, e visilav3o o dito ErmitSo, e achando que elle tìnha pre-
parado hiima embarcacao a seu modo, eperguntando-lhe para que era
aquella e(nbarca(;ào, respoudeo que da parte da vizinha Ilha do Pico
Ilie apparecia buina mulher vestida de brauco, que o chamava de là,
que se fosse para ella, e que por Ihe parecer que era a Virgem Senho-
ra, fazia aquelle barquinbo de couro por fora, e determioava passar là,
quando a Senhora outra vez o cbamasse: os que o ouvirào o tiravao
d'isso, e comtudo o Ermit3o ficou acabando o seu barquinbo, e se met-
teo nelle ao mar, e nunca mais foi visto nem acbado; e assim o demo-
nio com capa de santidade fez morrer aquelle Santo ErmitSo, sem
delle, nem do barquinbo se saber mais.
13 Assim 0 conta o citado Fructuoso; e supposto isto, certo he,
que a Uba do Faial foi primeiro descuberta pelos mareantes da Uba Ter-
ceira, e S. Jorge, que comò mai^ vizinhos derao com a Uba do Faial, e
Ibe lan(arSo gado, e por serem gente ordinaria, se nao atreverao a pe-
dir a Uba Terceira pelos mareantes de Cabo Verde; a de Porto Santo
pelos qu^ vinl)3o desgarrados; e a da Madeira pelos que de Inglaterra
vinbao, de que ha muitos outros exemplos, e d'aqui velo ficar a Ilha do
Faial reconhecendo sempre a Terceira comò a sua Inventora, e tomando
d*esfa muitos nomes de suas Povoacoes, de suas Ermidas, e imitando
seu trato, e commercio, e cgraegando a povoar-se de puros Portuguezes
das Ilbas Terceira, e S. Jorge, comò veremos nos Povoadores do Faial;
e està me parece a verdade.
14 He verdade que està Uba do Faial foi depois mais povoada por
nwiito illustres Flamengos, e por ordem dos Reis de Portugal, (corno
veremos logo nos Capitaes Donatarios d'ella) mas antes d'isso tinha sido
em parte povoada pelos mareantes, e Portuguezes da Terceira, e S. Jor-
ge. Ile porem de reparar que entre os Flamengos veio bum que se cha-
mava Arnequim, a quem por multo valente, e determinado seguìao al-
guns outros Flamengos, com os quaes, vendo Arnequim que o Correge-
dor de Angra acabava em o Faial os trinta dias de sua correigao, foi-se
10 Corregedor, e disse-lhe esì&s palavras : «Senhor Corregedor, jà tua
mercé tens acabado teu tempo nas nossas Ilhas do Faial, vai-te embora
logo, nào estejas aqui mais, que nao te queremos cà.i Respondeo o
Corregedor, que nào tìnha tempo para se ir, que quando o houvesse se
iria. Instou o Arnequim, e os seus dizendo, que se fosse logo. Replicou
0 Corregedor, que corno se bavia de ir sem vento: e os Flamengos en-
VOL. II 18
274 HISTORU mSULANA
tao levantando se contra o Corregedor, comecar3o a dizpr em alias vo»
zes! fSenhor Corregedon quer venles, quer n3o vonles. bicha mala fora
de nossas terras.» E com isto atemorisado o Corregedor se recotlieo, a
escondeo em hnma casa, e nao appareceo mais; mas nella com o maior
segrcdo que pode, fez autos dos ditos Flamengos, e os maodou a el-Kei.
e se voUou para a Terceira.
45 Vendo el-Rei os autos mandou logo ao Capìtao Donatario do
Faial que Ihe mandasse prezos aquelles bomens, e indo o Capitào cor'
rendo para prender ao Arneqiiim que via, e voltando este ao CapiUia,
Ihe di.<se assim: cSenhor Capilao, vai-te embora, o doi-xa-nne, sefiào, liei*
te de malar com està bésta.i E o CapitSo vendo isto se voltou, e dea
conia a elRei, e el-Rei Ihe respondeo, que os nao prendesse, mas si*) «la
sua parte Ihes dissesse, que fossem ao Ueino requerer diante de S. Ma-
gestade. Obedecerao elies; e vendo-os El-Rei Ihes disse, que se nao ad<
mirava do que fizerao ao seu Corregedor, que era Portuguez, e elles
Flamengos, e se nao entenderiao oom elle: mas que se maravilhava mui^
lo do que fizerao ao seu Capilao com quem vierào, seu naturai, e Fla*
mengo comò elles, querendo-o matar, e n3o Ihe obedecendo. A isto n»-
pondeo o Arnequim: ^Ques que te diga, Senhor Rei? Caes com raiva
seus donos mordem.» Ouvindo isto el-Rei virou o rosto, sorrindo-se, e
voltando aos Flainengos Ibes disse, que se fossem embora para suasca*
sas, mas que oulra bora nao fizessem mais aquillo, Forao-se eolia, e
com Provisoes d'el-Rei, para se nao fallar mais no caso; e d'aqui toma-
rao OS do Faial por Umbre seu dizerem, qqe sao da terra onde se di^*
cBicha mala fora da oossa terra.»
CAPITULO 111
Dos illustres Capilàes Donatarios do Fayal.
16 Estando ']& em parte (ainda que pouco) povoado o Faial por pa^
ticulares Portnguezes, que da Terceira, S. Jorge, e Graciosa Ihe forSo;
tratavao as pessoas Reaes de nomear algum Capilao Donatario da liha,
para que com mais riqueza e nobreza a povoasse loda: e porqoe eotao
andava em Lisboa, e no servigo das pessoas reaes bum grande fidalgo
Flamengo, chamado Joz de Utrn, (on comò di/. Guo<les em sua flistoria,
Jorge de Utra, dando a entender que em Flauiuii^o o nome Joz. ite o
Liv. vni CAP. m 275
wesmo que Jorge cm Porlugnez) a este fidalgo nomeou el-Rei de Por-
tiigal por. Gapitào Donatario de toda a liha do Faìal, e o casou com
homa Portugueza dama do Paco, chamada Brìtes de Macedo, da antiga
ffdalguia dos Macedos. Deste Joz de Utra diz o citado Barros, que èra
Flamenpfo, naturai da Cidade de Bruges no Ducado de Flandres, e qne
era senhor de cerlas Villas do mesmo Dncado, e qae tinha vindo man-
cebo a Portugal, com a fama dos descbbrimentos feitos pelos Portugne-
les, e so a ver tcrras, e aprender linguas, corno costumavSo ent3o fa-
zer OS illustres, e ricos fidaigos em sua mocidade.
17 Passadas pois as cartas de GapiUio Donatario do Palai ao dito
307, de Utra, na fórma cm que se tinliSo passado aos Oonatarios da xMa-
deira, e mais llhas. voltou de Lisboa a Flandres o dito Utra, e venden-
do là 0 muito que là tinha, metteo suas riquezas em navios, tomou por
companhciros a muitos outros (idalgos, e parentes seas, de que abaixo
irataremos, e a outros mais ordinarios povoadores, e comtudo é sua
cusla se tornou a Lisboa, e com sua mulher se veio metter em oFaial,
e porque tinha em Flandres convidado tambem a outro rico fidalgo,
diamado Guilherme Varidaraga, com promessa de Ihe dar parte da liha;
e este Vandaraga, preparando primeiro tres navìos é sua custa, n'elles
coui muitos casaes de Flamengos velo pouco depois ao Faial, onde }a
achou ao Utra. e ambos com suas gentes continuarSo logo, e acabarao
de povoar tcKla a liha, o Utra comò Capìlao Donatario, e o Vandaraga
comò principal Povoador.
18 Primeiro Capit3o pois, e Donatario da tal Uh», foi o dito Joz
de Utra, e a dita sua mulher Briies de Macedo, Dama do Paco, porque
ainda que Barros diz que se chamava Isabel de Macedo, Guedes, e a
constante tradicao, e mais provavel, aflìrmSo chamar-se Brites de Mace-
do: e aìnda que dizom alguns que o Joz de Utra caséra com huma cha-
mada Corlereal, engnnarao-se, nào distingùindo o primeiro Joz de Utra,
e Capi tao primeiro, de hum seu filho, e do mesmo tiome, que Ihe suc-
cedeo na Gapitania, e este foi o que casoa com aquella Cortereal, comò
jé dissemcs nos Gortereaes Capitaes de Angra. Do tal Capit?io Joz de
Utra, e da dita Brìtes de Macedo nascer3o vzrm filhas, qne casarlo com
outros fidaigos em Portugal, e hama com hum illustre allemSo cbama-
do Martim de Bohemia, a quem El-Rei de Portugal estimava muito por
sua grande nobreza, e singular sciencia. de que tratareroos em seu lu-
gar; e do mesmo primeiro Joz de Utra, e Brìtes de Macedo nasceo mais
276 HiSTonu insdlana
bum Olho varalo; que se cbamou tambem Joz de Ulra, corno o pai, com
que muitos se equivocarao, e foi segundo Capìtao Donatario do FaiaL
19 Terceiro Capitao do Faial foi Maooel de Utra Cortereal« legitima
filho do segundo, e este se casou na niesma Illia do Faial com huma
Maria Vicente, filba de boni grande lavrador chamado Joane Anes das
Grotas, e de sua nuilber Calbarina Yicente, e d*esla teve tres fìltios va-
roes, Gaspar de Ulra Corlereal, HieronyoK) de Utra CnrtereaU e Salva-
dor de Utra Gortereal, e teve mais quatro filitas, D. Calbarina, D. Barba-
ra, D. Antonia, e D. Isabel, que falet:eo sem descendencia. Q primeiro
Manoel de Utra, indo a Lisboa a confirmar-se na Capilania.. se Iiouvp na
Corte de tal modo, que cbegou a El-Rei, ter elle biimi filli» de teima
Dama do Pago, e nao ser casado legitimamente com a dita Mavì» Vletn)*
te; 0 que ouvindo el-Hei, mandou-lbe que logo recedesse a DsHna* do
Pago, e o fidalgo o fez com tal temor, e pena, que d'esla emtx*eve tempo
faleceo; e cbogando a nova de sua morte i dita Maria Viccnte, veio va-
ronilmente logo a Lisboa, a provar comò tinha skio legitima mulber do
Donatario morto, e d'elle er3o legitimos seus tìllios, os que Itie ficarao,
e a Dama do Pago nunca sua mulber iegilinui, e assim se |ulgou ludo
por final senten(^, e a fidalga Dama se metteo Freira.
20 Oppoz-se logo é Demanda da Capitania do Faial Gaspar de Ulra
Corlereal, filbo mais velbo do terceiro Donatario morto, e no meio da
demanda faleceo tambem; e posto que jà era casado com huma fidnlga
sua parenta, d'ella nao deixou mais que buma filba. S^^io a demanda
Hìeronymo de Utra Corlereal, segundo irmao legilimo do que na deman-
da tinba falecido, e comtudo contra elle se deo a senlenfa pela Coroa,
e para està se julgou por vaga a Capitania, e alcancarnlo Hieronymo de
Utra revista da causa, alcangou tambem final senlenca por si eootra a
Coroa, porem correndo a revista, deo el-Rei D. Joao III a dita Capita-
nia a outro fidalgo cbamado D. Alvaro de Castro.
21 Quarto Capitao Donatario do Faial foi este dito D. Alvaro, e a
teve ciuco annos, até que o mesmo D. Alvaro de Castro (e dizem que
por grave escrupulo) jargou a dita Capitania a el-Rei, e seguindo-se
na Coroa Lusitana el-Rei D. Sebastiao, fez quinto Donatario do Faial
a D. Francisco Mascarenbas, que vinba enlao da India, e do cerco da
Chaul. Nao desistindo porem, mas per$i3yerando na demanda o dHo llie-
ronymo de Utra Corlereal, foi-lhe emfim restituida a Capitania do Faial,
anno de 1582j reinando ja Castella. Sexlo Capitao pois Xoi este Hieiooy-
IT?, vm CAP, IV 277
mo de Ulra, e cason em Portugal cora a Tilha de hum fidalgo, N. Figuei-
ra, e o Quinto Capitilo D. Francisi*^ Mascarenhas foi despachado por
Viso Rei da India, e com so o titulo de Gonde da Villa de Horta no
Faial, e emrim venceo, ealcancoa. quem tudo alcanna, evence, que he a
€onstafìcia, e paciencia: qnal leveHieronymodeUtra, e corno isto passou
bavera cento e dez annos; dos outros successores dir3o outros. Eu so
digo qne hoje sào Donaiarios do Faial por mercé d'el-Rei D. Fedro II,
Rodrigo Sanclìcs de Baéna Farinha, filho de Fedro Sanches Farinha, e
juntaitteRte Donaiarios da Graciosa, corno jé dissemos liv. 7, cap. 9.
GAPITULO IV
Dos Butros primeirog, t mais nobres Povóadores do Paial, Utras^
e Quadros, Silteiras^ e Cunhas^ e Boemias.
22 Os nobilissimos Utras tero o primeiro logar entre as nobres fa-
milias, que primeiro povoarSo o Faial: das quaes foi o tronco principale
seu primeiro Donatario Joz de Utra, Illustre senhor de terras em Flan-
<lres, muito estimado dos Reis de Portugal, e casado com a Dama do
Paco Brites de Macedo: d'eslcs nao nascerJo so os descendentes acima
ditos, nem so ^^ filhas que casarao em Portugal, mas tambem Rosa de
Macedo, que cason com Domingos Homem na Villa da Praia da liha
Terceira, e outra filha, que casou com Martim de Boemia, fidalgo Ale-
mao, de qne abaixo fallaremos; e hum filho, Nuno de Macedo, que foi
casar a S. Miguel, e de que là nasceo Guiomar Botelha, que casóu com
Jo3o Mendes Pereira, d'onde procedem os Macedos de S3o Miguel, e
verdadeiros Ulras. Vierao mais com o dito primeiro Capitao Joz de Utra
outros seus parentes, hum o sobredito Amequim, e outro tambem cha-
mado Joz de Utra, e outro por nome Antonio de Utra, de quem diz
Fructuoso liv. 6, cap. 37, que era pessoa muito prmcipal, e que casou
na liha, e d'elle procedem os Utras que hoje ha n'ella, comò hum Esta-
cio de Utra Macliado, casado com Paula da Silveira, de que jà em 1580
tinha duas fillias, e seis fUlios.
23 Dos Quadros sahemos ser familia Portugueza muito nobre, e
antiga, e qne com os primeiros povoadores do Faial velo dos nobres
Quadros de Santarem, e no Faial logo se aparontou com os melhores fi-
daigos Utras, e Sìlveins, do9 quaes descendeo o CapitSo Francisco de
278 H19T0RIH INSULAIU
Ulra e Qaadros, que casou com D. Isabel da Silveira, aos quaes deixoa
sua multa fazenda D. Luiza sua tia, e filha de Gaspar de Utra Gortereal,
primeiro filho do terceiro CapìtSo Donatario do Faiat Manoei de Ulra
Cortereal ; e os ditos Francisco de Utra e Quadros, e D. Isabel da Sii-
veira fundarao o Collegio da Gompanhia de Jesus da liha do Faial, e
desles Ulras e Qaadros ha ainda oa tal Ilha muitps, e outros entrar3o
uà Gompanhia, dos quaes vive Duella hum Padre multo grave, que foi jà
Keitor do Collegio de Sao Miguel, depois Visitador das mais Illias, e de-
pois Visilador de Angola, e logo Reilor do Noviciado de Lisboa, e de-
pois Consultor da Provincia em Sào Roque, e actualmente Reitor de
Coimbra, e sua exemplar reiigiao, zelo, e modestia me oao permittem
ainda dizer mais; fique para os que subreviverem.
24 Jà porém depois d-isto escrito, sobreveio em Goimbra ao dito
Veneravel Padre Quadros hum accidente de tal defliixao, que rebentoa
logo em hum pleuriz, tao maligno, e mortai, que em cinco dias o matou,.
às dcz horas da ooite, em 5 de AbriI deste anno de i7{6« estandQ eift
63 de sua idade; chamava-se là fora Pedro de Utra e Quadros, e o Mes-
tre de Novigos estranhando com candura o appellido, Utra, Ih o tirou, e
Ihe ordenou usasse do appellido de Quadros que jà tinha, tirando a il-
lustre familia dos Utras o descendente que mais a aulhorìza com suas
grandes virtudes,. porque foi sempre humildissimo, com ser de sangue
illustre, foi de paciencia, e obediencia tal, que nunca se excusou de tao-
tas viagens, e tao trabalhosas, corno fazer Ihe mandarào, e no exemplo
da Vida, e mais virtudes foi Mestre de Novigos, e exemplar de todos
elles, e Consultor da Provincia, tao recto, e igunl para twlos, os que o
conhecerao, sem jà mais por paixao inclinar mais a hiuna, que a outra
parte, e governando seis mezes o Collegio de Coimbra,' e o das Arles,
morreo com tal fama de virtude, e santidade, que a Universìdade, e as
Rellgioes d'ella, em sabendo sua morte vierào assistir a suas exequias,
e OS nossos Religiosos observarào a perfeita conformidade com a vonUi-
de Divina, o juizo que sempre conservou, a devota percepgao de todos
OS Sacramentos, e a paz da alma com que a expirou, tendo dito muìto
antes, aos dous seus companheiros amanuens^^s, o dia, e hoi^ em que
havia morrer, e assim morreo. Este foi o Padre Pedro de Quadros, ou
l^edro de Utra e Quadros, queira Deus Nosso SenlK>r, que todos o imi-
temos.
25 Dos Silveiras do Faial, e mais llhas foi tronco aquelle Guilher-
Liv. vni GAP. vt 279
tfte V/incìnnlga. de que fallémos no cap. anlecodente § 2, porque este
nomo \Mn(Jara}?a em Flaraengo, he o mesmo que Sitveira em Porlngnez:
era pois esle (jiiilherme, lium tóo conhecido lìdalgo em Flandres, «jue
era pelo de hiim (.onde, e natoral de Bruges» mas a casa dos Vandara-
gas era de Maslrich, e elle era casado com Margarita de Zamhuja, clia-
mnila lauìbem Silveira, ou Vandaraga ao estylo do tempo em que as
lìuiliieres lomavao os appellidos dos maridos. Rogou a este fidalgo, o
priuìt'in) despacliado Capitao Donatario do Faial, que quizesse vir-se para
a s!ia lliìa. (]ue Ihe daria parte d'ella; e corno enlao era o tempo de des-
ni!)rÌ!ììei)tos uteis, resolveo-se o fldalgo a vir, e veio corno jà dissemos,
quatto Hunos «lepois de jà eslar o Ulra em o Faial; e comò o dito Gui-
liuMiiie da Silveira, por sua grande qtìalidade, e Calliolicos costumes fosse
ìi)iiiln seguirlo, e applaudido no Faial, cioso o Capitao Joz de Ulra, llie
ino i\{Mì ns terrns prometUdas, e pedindo o fldalgo algumas, Ihe respon-
dÌM o C;i[)ìirio cjue ja eslavào dadas.
2(i Vendo isto o tal Guilhcrrae da Silveira se passou com toda a
s'!a l'aniilia p;tra a liha Terceìra, e babitou nas quatro Hibeiras da banda
(lo Sili, e ahi leve grandi^s lavouras de trigo, e pastel, que mandava ven-
ti t a l'Iandres, aonde indo voltou por Lisboa, e nesla o convidou D.
Maria de Viliiena, senhora das Ilhas das Flores, e Corvo jà descubertas,
e aceilando-as o dilo Guilherme, e voltando pela Terceira, se Ihe pegou
nesla o fogo em suas casas, e ale os papeis perdeo, e passando às Flo-
res, sete annos esleve nesla liha, ale que achando-se enganado, sem pro-
v«»iio, nem lumra, nem commercio, se passou ao Topj da liha de S5o
Joi-ge, e nella viveo com sua mulher Margarida da Silveira, e tao rico,
que das lavouras de trigo que mandava fazer, pagava sessenta moios ao
dizimo: e leve muitos filhos, e tilhas, que casarap honradissimameute
eui S. Jorge, Faial, e Terceira, e sao d'ellas as principaes familia§^
27 Era esle bom fldalgo, nao so grande Catbolico, mas de grande
hemrazur: sua casa era estalagem para quantos hiao, e vinhao; e por isso
muilos dìas anles, e ainda em boa saude, conheceo a bora, e tempo de
sua morte, e tanto, que a bum seu filho, que se des|)edia d'elle para o
Algarve, disse que havia de niorrer peloNalal seguinte, e de facto mor-
reo em dia de Sào Thomé: e primeiro que morresse, andou saio, e bem
disposto, despedindo-se de seus filhos, e netos, por suas casas d elles;
e recolh«?ndo-se A sua casa propria, e deilando-se na cama, mandou que
defronte d ella ihe dissessem buma Missa, e adorando ao Senlior ao le-
280 HISTORIA INSULANA
vaDtnr da hostia, e commun(i:ando ao consumir d'ella, e recebendo a ex^
trema Un^ao, expirou entao com todos os Sacramentos, corno n3o menos
Catholìco, que honradissimo, e exemplar fidalgo.
28 Deixou este grande Ueroe tres filhos varoes, e cinco filhas: os
filhos forao, o priraeiro, Francisco da Silveira, nalural do Faial, o se-
gando, Joao da Silveira ; e o terceiro, Jorge da Silveira. Do primeiro
Francisco da Silveira nascerao Joz de Utra da Silveira, (neto materno do
primeiro Donatario do Faial Joz de Ulra) e Manoel da Silveira desciibri-
dor (la liha nova, e d'este nasceo D. Isabel (ou Ignes) da Silveira, que
casou com Comes Pacheco de Lima, o daGraciosa; e estes forio paisde
Manoel Pacheco Pereira, e de Antonio Pereira da Silveira, e de Chrislovào
Pereira de Lima. Do segando filho Joao da Silveira e do terceiro Jorge da
Silveira nao tenho notici^ dos descendentes. Das cinco filhas do grande
tronco Guìlherme da Silveira, que casou com Jorge (ou Joz) daTerra, fidalgo
Flamengo, e dos principaes que vierao com o primeiro Capitao Joz de Ulra a
povoar 0 Faial, e^'estes nasceo Barbara da Silveira, que casou com AotoDio
deBrum; e d'estes terras, e Bruns trataremos mais abaixo. As outras fi-
lhas de Guilherme da Silveira forao, Anna da i^ilveira, Catharina da Sil-
veira, Maria da Silveira, e outra cujo nome esquec^o de se declarar: e
d eslas cinco filhas diz o antìgo Fructuoso que todas forao o^sadas com
homens multo principaes, e tiverao filhos, e filhas, de que ba muitage-
ragào em todas as Ilhas dos Assores, comò tocaremos.
29 Consta porém de outras boas noticias, que aquella Anna da Sil-
veira, segunda (ilha do Guilherme da Silveira, casou com Tristao Perei-
ra, fidalgo que de Porlugal, e da Villa do PombaI veio solteiro a eslas
Ilhas, e d'elle, e da dita Anna da Silveira nasceo Antonio da Silveira Pe-
reira, que casou com D. Hieronyma de Arez; e d'estes nasceo D. Isal)el
Pereira, que casou com Pedro Anes Machado, e estes forao paisde Con-
caio Pereira Machado, que casou com outra D. Anna da Silveira, dos
quaes nasceo D. Isabel Pereira, que casou com Manoel de Barcellos, dos
da maior nobreza da Villa da Praia da Ilha Terceira, para onde vereraos
ainda mais'dilatada està grande familia dos Silveiras.
30 Dos Cunhas d'està liba do Faial ba tambem noticias verdadei-
ras, que procedem de hum Fernando da Cunha e Andrada, naturai do
Porto, e casado com D. Helena Carneiro, da Torre de Moncorvo; d'estes
nasceo Antonio da Cimha de Andrada, que casou com D. Joanna da Sii-
veira, e elle era fidalgo Portuguez, e-Almirante da Armada de Antuerpii
ttv. vm ckv. vf 5881
em Flandres, e Commcndaddr de dnas Corarnendas na Ordem de Chris-
to; d'estes nasceo 'Antonio da Ciinha da Silveira, gravissimo Clerigo do
habito de Sào Fedro, e nasceo mais D. Helena da Silveira, qùe casoa
eom Jorge Cardoso Pereira» das principaes familias da liha de Sào Jor-
gè, ciija descendencia vive ainda na liha do Faial. A dita D. Joanna da
Silveira, mulher de Antonio da Cunha de Andrada, era fìlha de Francis-
co da Silveira Viilalobos, que foi Riho de Diogo Comes da Silveira, Ca-
pitao mór do Faial, cuja mài foi Catliarina da Silveira, terceira das cinco
filhas do primeiro Guilherme da Silveira, e casada com hum Jorge Co-
mes de Aviia, fidalgo da Graciosa.
31 Do dito Francisco da Silveira Villalobos, e de sua mulher Maria
de Farla, nascerlo mais (além da dita D. Joanna da Silveira) tres irmàs,
Religiosas no Convento da Gloria, e hum irmàcf Frade de Sào Francisco,
Frei Diogo de Santo Antonio, e outro irmào chamado Carlos da Silveira,
que foi hum multo grave Padre da Companhia de Jesus, de quem jà fat-
lamos; cuja avo paterna, mulher de Diogo Comes da Silveira, se chama-
va Margarida Gii, e era fllha de Francisco Gii, o veiho, naturai da Pro-
vincia da Beira, e de sua mulher Maria Nunes de Utra, parenta dos Do-
nalarios do Faial. E aquella Maria de Faria, mulher de Francisco da Sil-
veira Villalobos, era iìlha de Caspar de Lemos de Faria, que foi o pri-
meiro Capitàò de Infantarla, que houve na liha do Faial, Portugnez, o
qual era fllho de Fernào Furtado de MendoQa, e de Maria de Faria, da
Provincia da Beira ; e destes nasceo tambem outro Fernào Furtado de
Mendoga, que foi casar é liha Terceira, e teve por Tilhos ao CapitàoChris-
tovào de Lemos de Mendoca, pai de D. Frei ChristovSo da Silveira, Ar-
cebispo de Coa, Primas da India Orientai, de que ji fallàmos,
3i Com as mesmas familias dos Silveiras, e Cunhns se unirào ou-
tras antigas, e multo nobres; porque de huma Catharina da Silveira, (ne-
ta do primeiro Guilherme da Silveira) e de seu marido, que tinha vìndo
de Lessa de Matosinhos, nasceo Aldonsa Martins, que casou com Tho-
mas de Porres, fllho de Jorge Cularte, e de sua mulher Rosa Garcia: e
dos ditos Porres, e Aldonsa, nasceo Jorge Cularte* PimenteU Capi tao mór
do Faial, fldalgo, e do habito de Chrìsto, que casou com Maria de Mon-
tojo, fìlha de Antonio da Terra e Silveira, e de Isabel Pereira Cardosa,
que era neta de Jorge da Terra da Silveira, homem fìdalgo, e de Maria
de Porres, e bisneta de outro Jorge da Terra, e de Isabel de Utra Jor-
ge da Terra da Silveira, fldalgo filhado, era irmào de Francisco Gii, que
382 HisfoiiiÀ wsvUfiA
casou com a viuva D. Adda Ferreira Zinibroa em Adgra» é fiSo te^éf d^
Uios alguns creila.
33 Multo mais se aparentar^o muitos iiohres no Palai com os fidai-
gos Boemias de Alemanhn, porque, conforme a Frucluoso Wsf. 6, cap.
3 % 0 primeiro Caiiitao Joz de Utra casou Imma de suas fillias com liain
grande tìdalgo Alemao, chamado Marlim de Boemia, do qua! El-Heì de
Portugal fazia muita estimaQào por sua nobrczn, e sabedoria, e ser tao
insigne Matbematico» e Astrologo, que pelas estrellas adivinhava muitas
cousas, que ao de()0is se \\ì\\o cerlas, conio veremos tambem no (im
d'està [ustoria, e nas novas Ilhas que estao por descubrir; e d'aqui velo
julgarem temerariamente alguns, (jue esle rnialiro Boemio era Nigroman-
tico. itesidio muitos annos no Faìal, e teve dous lilbos ; bum, corno o
pai. se cbamou t<unbem Martini de Boemia, por cujo falecimento o pai
voltou à sua patria Boemia, e tornando de là com muita mais riqueza»
e vivendo mais annos no Faial, se tornou de lodo [)nra Alemanba, e neai
<relle, nem de seu segundo lilho, ou desrendent^s seus, se acba mais
noiicia. mas so a que diremos de buas cliamudas profecias uo lugar ja
prouiettido.
CAPITOLO V
Dos liruns e Frias^ Pfreiras Sarmentos da Illui do Faial,
3i Entre os bons lìdalgos que concorrerao tambem a povoara liha
da Madeira, loi hum Guilberme Brum. naturai de Alemanba a baixa, e
Flandres, e na Madeira casou com bunia (idalga cbamada Violante Vai
Ferreira Pimentel : d'estes nasreo Antonio de Bruni, que casou com Bar-
bara (la >ilveira no Faial, lillia de Margarida da Silvein, e de outro li-
dalgo Flaniengo chamado Joz (ou Jorge) da Terra, dos primeiros povoa-
dores do Faial, e ella filha do primeiro Guilberme da Silveira, tronco
dos Silveiras: do dito Antonio de Brum nasceo outro Antonio de Bruni
da Silveira, que casou com .Maria de Frias Pimentel. Tillia de Domingns
Atro'is) Pimento, Almoxarife da Kazemla Beai em Sào Miguel, e dotai
Antonio de Brum da vSilveira nasa»o Hi('ronymo de Brum da Silveini,
que casou com Julia Taveira, fdha de Francisco Taveira de Neiva, Caval-
leiro fidaigo da casa <lel-Bei ; nasceo mais D. Barbara da Silveira, que
casou com Luis do Canto, lidalgo de Angra» e avo materno de Jacoma
uv.vin o/ip. ? .• 9BS
Leite Ba(eIho de VascoDcellos, que ainda vive casado em Angra, Gdalgo>
bem coDhecido.
35 Do dito Ilieronjrmo de Brum da Silveira nasceo Manoel de Bruift
da Silveira e Frias, que casoii ooui Guìomar Soeira, liiha de Antonio da
Mota, e de Ignes da Costa Pimentel, ambos da meihor nobreza de Sào
Miguel. Ao tal Manoel de Bruni chamavào o Padroeiro, por ter o Fadroa-
do de varios Conventos de Freiras, e Hecolhiinentos de Sào .Miguel; e
nSo so a renda, e nomeagào de muitos lu<,^ares, mas o lugar^ cadeira, e
preeminencias dos Canonicos Padroeiros ; e era Capitao mór de Ribeira
Grande, e pessoa de tanto juizo, tanta liberalidade, e caridade, e tao
esemplar Catholico, e de tanto governo, e Christào trato, e brio, que eni
loda a Illia de Sào Miguel, onde eslive ha cincoenta annos, nao conheci
fldalgo que o excedesse ern as sobreditas excellencias; nem em Fortugal
ha muitos que vnhao iguaes padroados, e com tanta preeminencia, e
riqueza junta.
36 D'este Manoel de Brum da Silveira e Frias nasceo oulro Hiero-
njmo de Brum, que seu pai aisou nesta iiha do Faial com buma parenla
sua, e morgada muito rica, chamada D. Maria de Montojo, fìllia do Ca-
pitao mór do Faial Jorge Gularte Pimentel, fidalgo, e Cavalleìro da Or-
dem de Christo, e casado com outra D. Maria de Montojo, Qllia dos fi-
dalgos Terras, e Porres, de que jà fallàmos no § penultimo do cap. 4,
e tao grandes casas se ajuntarào por este casamento, que nào sei que
boje nas IlhasTerceiras haja casa mais rica, e de mais preeminencias do
qiie està, nem mais limpa; e deste casamento nasceo Thomas de Brum-
que boje està nesta Corte de Lisboa, pertendendo seus despachos, e ca,
SQQ, e tem jà filhos casados; mas viuva sua mài 0. Maria de Montojo,
se casou em o Faial com o Corregedor que là foi, o Doutor Joào de So-
veral Barbuda, e com elle se velo para Lisboa, e n3o teve d'elle fillio
algum, e morrep desenganada do erro que lizera em se vir de sua Uba;
0 GIho porém Thomas de Brum casou illustremente com humajìilia de
Manoel Faim Uornellas da Camera, Riho do Alcalde mór da Praia, e Go-
vemador do Castello de Angra.(que elle tinha reslaurado para EI-ReiD.
Joao 0 IV) Francisco Dorncllas da Camera; e em toda a casa succedeo o
dito Paim a seu irmào mais velilo. Alcalde mór. Bras Domellas da Ca-
mera, que morreo, despachando-se em Lisboa, sem Ulbos legitimos.
37 Dos Frias o que sabcmos he, que o primeiro, que das monta-
Dbas de Castella velo a liba de S3o Miguel» e n ella casou coufoime a sua
281 BISTORTA INSUUNA
iqualidade, foi Ruy de Frias, fldalgo Moritanhez, de que foi filha Genebra
àe Frias, que casou com Fernao de Anes de Fuga, fidalgo de Galiza, e
naturai de Ponte de Lima, e d'estes nasceo Bartliolomen de Frias, for-
mado em direito. e casado com Jurdoa de Rezende, (filha de Domingos
Alfonso Pimentel) e estes fono pais de Joao de Frias, que casou com D.
Brites Pereira: e tamhem esles forno pais do segundo Bartholomea de
Krias, de que nasceo terceiro Bartholomeu de Frias ; d'este bum Lou-
renc^) de Frias, todos Pereiras dos da casa da Feira, por ser a dita D.
Brites Pereira filha de D. Joao Pereira, o qual era filho de D. Jorge Pe-
reira, a quem o Conde I). Manoel Forjaz Pereira, Conde da Feira, te^'e
dehuma nohre donzella da Cidade do Porto, e depois de se crear .em
:segredo, e ir desconhecido para a liha de Sao Miguel, foi emfim reco-
nhecido pelo seguinte Coiide da Feira seu irmao I). Diogo Forjaz Pereira
em Lisboa a 24 de Novembro de 1573, cujo dito sobriifho D. Joao Pe-
reira casou em Sào Miguel com D. Ign'es, filha de Gaspar Perdomo, e
neta de Gaspar de Betencor, sobrinho de D. Maria Betencor, mulherde
Ruy Goncalves da Camera, primeiro Capit3o do S3o Miguel, corno dif-
fusamente conta 0 nosso Fructuoso liv. 6 in principio.
38 Do dito Bartholomeu de Frias (primeiro do nome) nasceo mais
^quella Maria de Frias Pimentel que casou com o dito Antonfo de Brom
da Silveira, pais de Hieronymo de Brum da Silveira, primeiro do nome,
que casou com Julia Inveirà, filha de Isabel Caldeira de Mendoca, e de
Francisco Inveirà de Neiva, Cavalleiro fidalgo da Casa Beai: cuja dita
mulher era filha de Bieronyma Nunes, e de Pedro Aflfonso Caldeira, Ci-
dadào do Porto: e da tal Hieronyma Nunes forao pais Vietante Anes Bi-
ondo, nobre tronco dos Bicudos de Ribeira Grande de S. Miguel. E es-
tà noticia basta da nobreza dos ditos Frias, laveiras, Bicudos, etc. '
39 Os Pereiras do Faial se podem ter ppr legilimos Pereiras, (con-
fórme a Fructuoso liv. 6 cap. 28 e 29) porque nSo descendem d'aquel-
le filho bastardo do Conde da Feira, que casou, e leve sua descenden-
eia em Sao Miguel: mas legilimamente descendem dos illustres, e anti-
gos Pereiras Sarmentos, que procedem de D. Maria Sarmenta, senhora
de Vigo em Galiza, de quem os Condes da Feira eslimav3o o parenles-
€o: e d'estes Pereiras havia no Faial Sebastiao Pereira Sarmento, e aquel-
le Concaio Pereira Sarmento, que matarao no Faial. por n'elle querer
metter a voz de Felippe II em lugar da do senhor D. Antonio.
40 0 primeiro que se aclia d'este appellido (Pereira,) he D. Fedro
UV. vili GAP. V 285
Rodriguez Pereira, filho de D. Goncalo Rodrignez Forjaz, e neto de ou-
Ito D. Rodrigo, senhor de Trastamara, e bisneto de D. Pedro Forjaz, i5
terceiro neto do primeiro D. Bodrigo Forjaz: do sobredito pois D. Pe-
dro Rodriguez Pereira nasceo o Conde I). Confalo Pereira, que casou
com D. Urraca Pimenlel, e estes forilo 05 pais de D. Concaio Pereira,
Arcebispo de Braga, do qua! nasceo D. Alvaro Gongalves Pereira, Prior
que hoje chamào do Grato, de qiie flcarào muilos flllios, e filhas: e o
Grande Condestavel de Portugal D. Nuno Alvarez Pereirar que casou com
D. Leonor de Alvim, e a fitha d'e5tes, chnmada D. Brites Pereira, casou
com 0 senhor D. Alfonso, primeiro Duque de Br«ganf», e fillio d'el-Rci
D. Joao, primeiro do nome em Portugal, e do tal senhor nào so des-
cendem as mais excetientes ca.ias de Portugal, comò a dos Ueaes Uuques
de Braganga, dos Marquezes de Ferreira, Duque do Cadaval, Uuques de
Aveiro, Marquezes de Villa Heal« Marquezes de Montemór, Condes de
Vimioso, Marquezes de Valenza, de Faro, de Basto, da Feira, e outros
muitos; e em Castella tambem as grandes c^nsas dos Condes de Lemos,
dos Duques de Macfueda, e Naxera, dos Duques de Escalona, e por va-
ronia os de Oropeza: mas por dizer tudo em poucas palavras, nào ha Ja
Coroa Catliolica em toda Europa, que da Serenissima Casa de Braganga
p3o descenda, e dos anligos, e excellentissimos Pereiras.
41 Porém comò tambem n3o tiaja Rei algumque nao tenha consan-'
guineos Sem que sejao Reis: nem ainda fldalgo, que nao tenha consan-
guineos sem serem Gdalgos: assim nao he de àdipirar que dosexcellen-
tissimoà Pereiras liaja tao legitimos parentes na nobre liha do Faial :
d'estes pois diz Fructuoso, que n3o so er3o aquelles Pereiras Sarmen-
tos, mas tambem hum Thomé Pereira, Clerigo, e sua Irma Isabel Perei^
ra, ambos fllhos de Tristao Pereira, e netos de Diogo Pereira o velho,
primo com irmao de Joao Rodrìgues Pereira, senhor de Basto, e Vizelta,
e muito parente do Duque de Bragan^a, e do Conde de Marialva, e do
da Feira: e a dita Isabel Pereira fui casada com Manod da Silvek*a, da-
quelles fidalgos Silveiras de que acima fallàmos, e foì irma de Diogo Pe-
reira, 0 da India, sogro de D. Pedro de Castro, irmao de D. Fernando
de Castro, Conde de Basto, e de D. Miguel de Castro, Arcebispo de Lis-
boa; e outra filha do dito Diogo Pereira casou com Manoel de Saldanha,
irmao de Ayres de Saldanha, que morava junlo a Santo Amaro para Be-
thlem, e de Joao de Saldanha o Gato, de Santarem.,
42 0 mesmo Diogo Pereira da India era tambem irmao de Guilher*
!280 tìiSTaniA insclaux
me Pereira, qne duas vezes foì por Capjlio é China, e tinha n maior casa
que na India hnvia, abaixo do Viso-Rei, pois tinha trezentas pessoas em
sua casa, Mestre da Capella, musica , e cbaranielas, e todo o servilo era
de prata, e onro; e qnerendo vir casar-sc a Lisboa, faieceo etti Goa, em
casa de seu inni^o Dìoro Pereira, e ainda deixando mais de duzentos mil
cnizados: e o dito sf^n irmfio, tendo ido de antes por Embaixador del-
Hei de Porlugal ao Rei da Persia, e parecendo-ihe pequeno o que levava
para presente de hnm Rei ile Portugal ao Rei da Persia, do seu Ihe ac-
<!rescentOH pefas de tanta estìmacao, que so no puro valor valifio muito
mais de seit$ mil cnizados: o que iill-Rei muito approvou, e Ih'o agrade-
ceo muito: e einfim era tao lil)eral este Diogo Pereira, que mandando-
ihe huma vez seu ausente irmào Guilherme Pereira sessenta mil cniza-
dos, pedindo Ihe que Ihos guardasse ale elle vir, e vindo dentro de
quatro mezes, achou que jd o irinao os tinha gastado todos em ac^Oes
de honra, e senifo de Deos, e dei-Rei, e nem palavra Ihe fellou n'isso
o dito Guilherme,
43 Taes homens corno estes deo a lllia do Paini n'aqoelles tempos,
-que bem moslrnviio sorem filhos do sohredilo TristSo Pereira» e netos
Ao outro Diogo Pereira o velho. que servindo ci era Africa a El-Rei, e
vendo que os Mouros levavjlo jA cntivo a Joao Rodrigues de Vasconccl-
los, senhor da casa de Figueirò. os invostio, e ih'o tirou das mSos, e
ale 0 mesmo nosso Rei I). Joiìo o II, Ihe louvou muito tao heroica z\>
Cao, e com D. Anna, mai do Mestre de Santiago, o mandou viver, e des-
cancar na Villa de Figueirò, onde passou o restante da vida, e de tal
avo comò este nao podiào deixar de sahir huns netos taes, comò os so-
breditos Diogo Pereira o niofo, e Guilherme Pereira seu irmao, rarBes
tao famigerados em a In'-ia : e d'oste Diogo Pereira o mofo ficar3o ci
nao s6 filhas, mas tres fillios vnroes, Luis Pereira, Francisco Toscano
Pereira, e outro Guilherme Pereira, dos quaes. e da ditaìrma seexten*
deo està illustre famiira de taes Pereiras às outras Ilhas, e especialmente
à Ter^eira, àonde se aparentarao com os Pachecos, Lacerdas, Betenco-
res, e com todos os fidalgos de Angra.
UT. Yllf CAI». VI 487
CAWTULO VI
Das mais escellenciai desta llha do Fatai.
41 A primeira excellencia d'està llha (além das de seus Povoadores)
he ter quasi immediata a si, e corno por huma iiegia Quinta sua. a gran-
de, e rica illia do Pico, cuja grande parte he de varios senhorios do
FaiaL que eomo Ihe fica tao proxima, de todos os scas frutos logra
principalmente a do Faial : e os mais dos moradores do Pico s9o comò
lums Rendeiros, ou Qiiinteiros dos principaes do Faial, e com quasi im^^
mediata vizinliaìica: porque ainda que a llha de Santa Maria acode à de
S3o Miguel d'està flea doze legoas: e ainda que estas ambas acodem à
llha Terceira^ d'ella fìcSio mais de trinta legoas, e até a Uba de S. Jorg \
e Graciosa, posto que à Teiceira tambcm sirv3o, d'ella distao mais de
oito legoas: mas o Pico do Faial apenas dista huma legoa: e ainda a llha
das Flores, e a do Corvo, menos distao do Faial, do que de outra algu*
ma liba, com que o Faial fica sendo a mais farla, e abaslada Uba, pois
quanto quer, Ihe vem <! • tao Regia Quinta sua. E d'aqui vem, ser
45 A segunda excetlencia do Faial, que nem fome, peste, ou guerra
(qne Fosse consideravei) sabemos ter havido em tal Uba, com ter sido
descuberta, e povoada ha mais de duzentos e sessenta annos, porque
de Cstrangeiros nunca foi entrada, nem ainda acometida : e é Uba Ter-
ceirsr, quando a Castella se tinha jà entregue, se entregou tambem o
Faial, comò a sua cabe(^, e com brevissimo cboque de pouco mais de
bum dia. Peste porém nao se sabe que a padecesse alguma bora, comò
nem fome tambem de aperto grande, porque da dita sua Quinta, a Uba
do Pico, comò de tanto maior grandeza, e tanto menos povoada, vem ao
Faial sempre, e em abundancra, quanto em algum tempo |be falta, e
sempre muito a tempo Ihe yem, comò de tSo perto: e o que mais be,
nem tremores de terra, ou incendios bonve jàmais no Faial, 8en9o ha
poucos annos pelos de 1700 bum furioso fogo que arrebentou, e correo
em ribeira espaniosa para o mar, abrazando a estrada que abrio, e fa*
zendo, mar em que entrou, novo firmamento, oa caes de ferro, oa pe-
dra queìmada, sem outro maior perigo de povos, oa gentes, mas cau-
sando a todos 0 espanto, e pavor devido.
46 A terceira excellencia desta liba he o grande cx)mmercio marit-
timo, que ha nella, nao so com as outras Ilhas, mas com na^ues estran-
288 HISTORIA insuLM<A
geiras, qne a seiis pórios vao, tanto assiin, que nenhuma otftra se igiiafa
& llha Terceira no commercio, corno està do Faial, em razao da grande
copia, e gonerusidade dos yinhos da Ilhà do Pìco« e do» bons porl05
qne lem : e assim tem tambem mnitos contratadores Estrangeiros, e,
que nella em breve se fazem aenhorea de muitos mil crazados, e corno
jà antigamente, agora sera maior escala de commercio com as novas pa*
zes feitas entro Portugal, e Castella, porque nao so de todo a Oriente,
e India de Portngal, minas do Brasi!» Maranhao, e Angola, mas tambem
das Indias de Castella vinhao ji de antes, e tìrao agora, muitas nàos,
que enriquecem muito o Faial, e o fazem hmna linda Qqrte, cheia de
muitas, e ricas joìas. e pe^as» atè no luzìmento coqì que se trata, e serve.
47 A quarta excellencia he a dos govemos d'està llha, Eedesiasti'
co, Politico, e Militar, porque ainda que no Ecclesiastico he comò as
mais lllias, sugeita ao Bispo àe Angra, tem seus Visitadores, Ouvidores,
e Minislros Ecclesiastico», corno tambem Prelados Religrosos, posto que
sugeitos aos maiores de Angra. No Politico se governa pelo seu Senado
da Camera, seus Juizes Ordinarios, e os mais Ministros da Ordenac^o
Portugueza, mas nem Corregedor n'ella assistente, nem Juiz de fóra, nem
bomens formados em o direito clvA; porém no Canonico teve, e tem Ec-
clesiastìcos xnuito doutos, de que conheci grandes estudantes em Coim-
bra, e bem pode està llha do Faial sustentar em Coimbra alguns qne
estudem direito civil, e Medicina, para que melhor se defenda a fazenda,
se guarde jiistica, e se conserve, e restitua a saude, pois assim està liba,
corno a do Pico, s3o muito faltas de Medicos, e Juristas leigos.
48 E quanto ao militar, jà acima vimos quam fortiQcada esté a llha
do Faial, quantos Fortes, ou Fortalezas tem, e quanto presidio pago em
a sua Villa : so resta dizer, que quando D. Pedro de Toledo, Castelha-
no, Marquez de Villa Franca, no anno de 683 se voltou para a Terceira,
deixou no faial por seu soccessor no governo da guerra a D. Antooio
de Portugal (neto do Conde de Valenc^, e primo ìrmao do Doque de
Naxera, e sendo tSo estirado fidalgo, o deixou ainda subordinado Da
guerra ao Mestre de Campo do Castello de Angra da Uba Terceira. Sac-
cedeo porém que os soldados do presidio do Faial levantarao motim
contra o dito seu Governador D. Antonio de Portugal, por Ihes nàodar
0 soldo inteiro, comò El-Hei mandava dar-lhes, pelo que os soldados le-
vanlados forao raandados logo para o Castello de Angra, e deste forào
outros soldados para o presidio do Faìai; e o dito D. Antonio de Purlu-
LIV. Vili GAP. VII 289
gal foi tambem lirado do posto que tiriha no Faial, e levado para a Ter-
ceira, e para o Faial foi por Cabo de guerra o Capiirio Diogo Soares de
Salazar: assira se procedia antigamcnte, e em tempo que governava a
pnidencia de hum Felippe II, nem castigando mais ao levantado povo
bellico pela justa queixa com que se levantara: nem deixando de casti-
gar ao Cabo insolente (por mais fidalgo que fosse) para exemplo de ou-
tros, e satisfagao devida aos queixosos.
CAPITULO VII
Do deseubrimento, altura, e grandeza da fatai Ilha do Pico.
40 D'està Ilha loca alguma cousa o Historiador Guedes, e diz que
foi descuberta era sexto lugar depois da Terceira, Graciosa. e S. Jorge;
e qoe a povoara aquelle grande fìdalgo Joz de Utra, Donatario priraeiro
do Fayal ; mas nem quem priraeiro, nem quando a descubrisse, diz o
dito Guedes ; e parece que a suppoem descuberta juntaraente cora a do
Faial, e por isso ajuiza que a do Pico foi tambera a sexla descuberta.
Com mais distinguo poréra falla o nesso antigo, e douto Frucluoso liv.
S, cap. 40, aonde assenta, e sera duvida, que a liba do Faial priraeiro
foi descuberta do que a Uba do Pico ; e que desta dizera liuns que se
flescubrio nove annos depois de se descubrir a do Faial : e outros, (jue
depois sira, mas menos annos depois do que os nove : mas ainda que
OS nove estlvesse por descubrir, nao se admirarà, quera tiver erudigao
de descubrimentos varios : porque ainda que o Pico esteja do Faial buraa
so legoa, de terra a terra, cora huraa sua penta, e tenlia o altissirao Pico
te que Ihe derao o norae : saberaos que das Canarias a Guraeira dista
la chamada Forte Ventura, hura so quarto de legoa de mar, e coratudo
3Sta loi muitos annos priraeiro descuberta do que a outra : e o faraoso
foSo Goncalves Zargo, descubridor da Madeira, quando jà eslava irame-
liato k Uba da Madeira, ainda nao cria que era terra a escuridade que
da, corao se escreve aciraa liv. 3, cap. 4, que rauito lego, que de dis-
ancja de huma legoa de mar, nunca de antes navegado, ninguera se
itrevesse a investir cora o raedonho aspecto da grande Ilha fronteira,
le seu altissimo Pico, e suas horrendas sorabras, desde a creafao do
nando, ou desde acabar o universal diluvio de Noe ?
50 Consta pois que està liba foi descuberta alguns annos depoi5
VOL. II 19
290 HISTORIA INSCLANA
da do Faial : e corno a do Faial se descubrio depois do anno de 1450,
segue-se que no de 1460, jà a liha do Pico estava descuberta, ha perto
de 200 annos : mas em que anno, mez, e dia se descubrisse» isso dìo
consta : corno nem qiiem tambem fosse seu primeiro descubridor : por-
quedizerem alguns que o foi o illustre Joz deUtra, Donatario do Faial,
pois foi tambem Donatario da dita liba do Pico : disto so, mal se in-
fere : porque tdo mesmo Faial foi o Utra Donatario primeiro, sem ter
sido 0 seu primeiro descubridor : e o mesmo vimos jé nos primeìros
Donatarios da Illia do Porto Santo, e no primeiro da liba Terceira, e em
outros : e assim parece que aquelles mereantes Portuguezes, que da Ter-
ceira biao és llhas de Sao Jorge, e Graciosa primeiro descubertas, esses
descubrindo primeiro a do Faial, descubrirao a do Pico ao depois : se-
nao*quizermos considerar, que pois aquelle Ermitao, morador em o Faial,
julgou ver a Virgem Senhora nossa da parte da liba do Pico, e que o
chamava para li, a Yirgem Senhora foi a Divina descubridora d'està
liba, por meio daquelle Santo Ermit3o, que so no seu batel foi para o
Pico, e n3o se soube mais d'elle; e se isto assim he, comò parece» a San-
tissima Virgem Mài de Deos foi a primeira descubridora da Uba do Pico,
e 0 descubridor segundo foi por meio da Senliora aquelle seu devoto
Ermitao : e naa podemos descubrir mais Divino invento a està niia. Ve-
ja-se 0 que ja dissemos neste liv« 8, cap. 2.
51 A altura em que està liba està, he em trinta e oito graos, e
dous termos, quasi a Oeste da Ilha Terceira, e do porto de Angra aoda
Calheta de Nesquim vào vinte legoas : mas porque a tal Uba do Picoiie
tao comprìda, e so com huma sua ponta chega à do Faial, com meoos
distancia de huma legoa de mar, por isso a Uba do Faial dista ainda
trinta legoas da Terceira, e muito menos està do Pico, das UbasdeSao
Jorge, e Graciosa : porem da Ilha de Sao Miguel, e ainda por linha di-
reita, dista mais de cincoenta legoas, e quasi sessenta por via da Dba
Terceira; e das lihas das Flores, e Corvo, dista as legoas que veremos
em seu lugar.
52 A grandeza naturai da Uba do Pico tem dezoito legoas de com-
prido, desde Leste, ou Ponta que chamao do Calhào Cordo, até Ceste,
e Porto chamado da Magdalena; e de largo tem quatro legoas desde o
Sul, e Villa das Lagens até o Norie, e Villa de Sao Roque; donde se ve,
que de todas as llhas, de que temos historiado, nao ha outra que a ec-
ceda na naturai grandeza; porque a Uba de Sao Miguel^ ainda que tem
LIV. Vili GAP. Vili 291
de comprimcnto dezoito legoas, nao chega a mais que a duas legoas e
mela de largo» e em o melo tem de largo so huma legoa, da resaca da
Villa de Alagoa» da banda do Sul, até o lugar de Rabo de Peixe, da ban-
da do Norie, corno vimos ja no lìv. 5 cap. 3. Pois a famosa Uba da Ma-
deira, tambem vimos jà liv. 3 cap. 7, nao ter mais de comprimento, que
qaasi dezasete legoas; e ainda que na base da Pyramide, que represen-
ta deitada, tem seis legoas de largo na parte do Occidente, onde cha-
mao a Ponta do Pargo, d'abi por dianle para o Oriente, e ponla da tal
Pyramide, vai sempre estreitando, e a maior largura he de quatro legoas,
e menos para a ponta da Pyramide; mas a do Pico a excede, pois sobre
outras quatro legoas que tem, e sempre, de largo, tem dezoito de com-
prìdo, e mais de quarenta em circumferencia, atém das tres legoas do
seu estupendo Pico em altura para o Geo. Pelo que so a GrHo Canaria
pertenderé ser maior do que a Uba do Pico, por ter quarenta legoas em
circuito, e ser de Qgura redonda; mas claro esté que nem de compri-
mente, ou linba recta diametral, póde ter dezoito legoas em circulo de
qaarenta; e mais de quarenta tem a Uba do Pico em sua roda: conclue-
se pois, que em seu corpo be a maior Uba de todas as atéqui descriptas;
qae das de Cabo Verde, nem ba duvida.
CAPITULO Vili ^
Das Villas, e Lugares da Ilha do Pico.
53 Comecando da Ponta que cbamSo do Caibdo Gordo, por ser de
grossa penedia, e indo para o Poente pela banda do Sul, tres legoas adiante,
està bum porto cbamado, Calbeta de Nesquim, onde se carrega quanto d'a-
qoella parte ba, de muitos gados, muitas madeiras, e em todo o anno; e no
tal porto entrao caravelas de vinte toneladas. D'abi a bum quarto de legoa
se segue buma alta rocba com sua ponta ao mar, e logo adiante vai ou-
tra rocba ainda mais alta, a que cbamao a Dourada, que no meio faz bu-
ina quebrada, ou gróta, donde sabem taes ventos, que dos barcos, e ca-
ravelas, que por defronte pass3o, faz algumas vezes perderem-se alli. De-
pois se segue bum porto cbamado de Santa Cruz, e o lugar, ou Fregue-
ada de Santa Barbara, que tem mais de cem vizinbos, e muitos d'elles
rìcos, e nobres, por n'este posto se darem cada anno mais de mil e du.
zentas pipas de bom vinbo.
292 HISTORIA INSULANA
34 Huma legoa mais adiante esté a perigosa barra, que he o pri-
roeiro porto da principal Villa chamada das Lagens; mas d*es(e prìmeiro
porlo se nSo serve a Villa, seoao quatro mezes no anno, em Maio, Jo*
nho, Julho, e Agosto, por ser em voltas a entrada da barra, e quebrar
muito D'ella o mar; porém pouco adiante lem segundo porto a Villa, e
està se serve d'elle com seus barcos. Consta a Villa de quasi duzentos
vizinhos juntos, fora muitos espalhados; a Igreja Matriz he da invocacio
da Santissima Trindade; tem Vigario, e quatro Benefìciados; tem geote
nobre, e rìca, e d ella foi seu Capitao militar hum Pedro Tristao Galuar-
te; e ainda que o terreno d'està principal Villa he de pouco trigo, por
ser terra fragosa, he de muito e excellente vinho, e de muitas, e grao-
des madeiras: e ainda d'aqui legoa e mela de costa alta està outro por.
to, a que cliamao a ponta do Mouro, e a este terceiro porto v3o muitas
caravelas, e se carrega n'elle toda a sorte de madeira, com que fica a
Villa das Lagens, corno a cabega da liba, muito bem provida, e servida.
55 Mela legoa mais adiante està huma bahia, que chamao a do Ga-
leno, porque n'ella hum Garcia Gon^alves Madruga, achando-se devedor
a el-Rei D. JoSo III, fez hum Galeao Real, a que chamou o Galeao Trio-
dade, e o entregou a el-Rei, que com tal Galeao se deo por bem pago.
E aqui està o lugar, e Freguezia de Sao Matlheos, que consta de mais
de cincoeiita visinhos, e se erigio em tempo do Bispo D. Manoel de Goa-
vea: e legoa e meia adiante està bum porto pequeno, e muito bom, que
serve de muita carregafào: e meia legoa adiante està outro porto, e Fre-
guezia, que chamao da Magdalena, porto de area branca, e mìuda, e o
mais fronteiro, e approximado a Uba do Faial, e porto bom, aonde de
tudo se carrega, e descarrega, e passa muito de cem vizinhos, e muitos
espalliados pela terra dentro, aonde ha muito gado, e houve jà muito
bom pastel; e aqui he o Poente da liha, e onde ella acaba pela parte do
Sul; e defronte d'este porto estao dous llheos pequenos, em que so ha
muita, e varia casta de aves.
56 D'este Poente da llha volta ella do Sul para o Norte; para eslo,
andadas tres legoas e meia, està a ponta pequena, que chamao Furna de
Santo Antonio, por ter na rocha de cima huma Ermida do Santo; he as-
ta furna tal, que cabe por ella huma caravela de vinte e ciuco toneladas,
e vai dar dentro em huma enseada tal, de recolhido mar, que deitando
n'elle de cima da rocha a raadeira, a tomao entao as caravelas, mas so
em tempo do verao, pelo perigo que ha, de em outro tempo se mette-
Liv. Vili CAP. Vili 293
rem dentro as embarcagocs. Quasi meia iegoa adiante està iium grande
caes, que se chama o caes do Norie, oii de S. Roqne ; por estar em
0 destrìcto da Villa do mesmo nome de S. Roque aqui se carrega
multa madeira, muitos gados, e taiitos vinhos, que tem a Freguezia mais
de mil pipas cadaanno; e o porto he tal, que com guiadaste, e às maos
vario OS barcos, e tem facii a descarga, e carga.
57 Logo outra meia Iegoa adiante, em o baixo de huma enseada,
està situada a Villa de Sao Roque, que he a segunda Villa da Ilha do Pi-
co, da banda do Norte, e correspondente à Villa das Lagens, da banda
do Sai, e ao mesmo Sao Roque he dedicada a sua Igreja Matriz, e tem
porto de cento e cincoenta visinhos, com seu Vigario, e BeneQciado. N^es*
la nobre Villa foi Capitao da guerra bum Simao Ferreira, e antes d'elle
bum Fernao Alvarez, tao rico, e tao nobre, que diz Fructuoso, que em
seu tempo era o Monarcha da Ilha do Pico; e ainda huma Iegoa da Vil-
la por diante, aonde cbamao a Prainba do Norte, serve & dita Villa o caes
chamado Caes de S3o Roque, que da terra entra pelo mar bum tiro de
arcabuz, e he todo de pedra viva, que bum grande terremoto, e corren-
te fogo fez, comò em seu lugar diremos; e junto da poiita delle, n'esta
Prainba do Norte, pódem nàos grandes estar ^eguras; e so por incuria
nao he cursado este bom porto.
58 Mais de meia Iegoa adiante, pela banda d'este Norte para o Nas-
cente, estava antigamente o lugar, e Freguezia de Nossa Senhora da Pie-
dade, que ao depois se prssou ainda para mais adiante, e passa de cem
vizinbos, com seu Vigario, Beneflciado, e Thesoureiro, e com pequeno,
mas bom porto de area, aonde se carregao os frutos d este terreno, quo
sao, trigo, vinbo, madeira, cera, e mei de abelhas. Andada mais buma
Iegoa se segue a Encumeada, que dizem de Santo Amaro: e por outra
iegoa mais adiante vai a mais alta rocha da Uba, até chegar à Rìbeirinha,
00 Prainha, que està em bum porto, e he lugar que chega a cento e vin-
te visinhos, e tem seu Vigario, e Thesoureiro: e defronte da Prainba es-
tà no mar, o tao perto, bum Ilheo, que a nado se vai a elle: e bum quar-
to de Iegoa mais avaote està bum po(o de agua, que toca de saiobra,
mas tal, que d'ella bebé a gente, e muite mais o gado d aquella parte:
e mais adiante està ultimamente a Ponta do Calhào Gordo, donde prin-
cipiamos està grande volta dada a teda a Ilha a roda.
294 HISTORIA INSULANA
CAPITULO IX
Do interior^ e clima, fertilidade, e frutos d'està Ilha.
59 No interior da liha do Pico nao ha outra Villa, oa lugar, seiiao
hum na raiz do seu altissimo monte, de que fallaremos, quando d'elle,
e 0 que mais he, que caminhos coramuns nao ha por dentro d'està Ilha,
mais que o do circulo d'ella toda é roda, que jà tocàmos, e bum qae
atravessa pelo meio, do Sul ao Norte da Villa das Lagens à outra Villa
de SSo Roque: e da mesma Villa das Lagens vai outro caminho de tres
legpas de comprido até o pé do sobredito alto Pico, por entre matos, e
arvoredos: e com tudo he verdade que em todo o cert3o da Uba ha mai-
tos rusticos moradores, que guard3o gados, criao colmeas, fazem cera,
fabricao o mei, corteo madeiras, e fazem o mais que se Ihes manda fa-
zer: mas nem d'elles ha algum lugar de povo junto, e sepamdos vivem,
vao, e vem de seu trabaiho, e por caminhos que so sabem, e trilhSo: e
d'isto servem muito a quem he flei na paga.
60 0 ci ma do ar, e terra he tal, que sem Medico algum se vive vida
mui larga, e a sua experiencia Ihes ensina as medicinas, e nem sesabe
que houvesse alguma bora peste na tal liba, nem doengas contagiosas*
de agua porém nativa, ou fontes d'ella, ha grande falla, e maior em o
verào: e assim nem ribeiras ha consideraveis, e de outros muitos modos
moera o pao, e o fazem em farinhas, e para o mais acodio tanto a Pro-
videncia Divina, que a mesma natureza, e na terra em muitas partes,
tem taes tanques formados de pedra viva, e com tao naturaes abobadas
da mesma pedra por cima, que da chuva do inverno se enchem de agoa
doce, e tanta, que Ihes basta para bober, e tudo o mais necessario, e a
tem mui defendida de nao chegar gado a ella, e tanto assim, que em
algumas partes nao bebem os gados, senao de dous em dous dias, e para
beberem andao caminho de tres legoas, porque ainda que nas serras do
ordinario Cerlao ha algumas fontezinhas, nao sào comtudo capazes de
darem bebida a gados.
61 Porém parece he tao humida em seus fundos està liba, que sens
frutos nao necessilào de rega, nem de mais agoa os gados, pois dà toda
a hortaii^a, e muito bella, e ha homem que de aboboras recolhe mile
duzentas, e ha tao grandes nabos, que chega cada hum a mela arroba
de pezo, e ha tanta carneirada, que hum so homem dà oitenta carneiros
LIV. Vili CAP. IX 293
ao dizimo, e conto e trinta pedras de la, e da fruta de espinho confessa
Fructuoso que he a melhor de todas as Ilbas, e de pessegos, marmelos,
flgos, e macas he (e com excellencia) ferii! issìma, corno tambem de ga-
dos de loda a casta, e vaccas, porcos, ovelhas, e cabras : e he de notar
que OS rusticos esfolavao os porcos, e da pelle faziào os seus c^patos,
jé cono 0 cabello para dentro, jà com elle para fora, os calgavao, e os
atavao com correas da mesma pelle do porco: mas depois der3o em cal-
car mais limpamente.
6i 0 maior fruto, e mais celebre d'està grande Ilha do Pico he o
seu milito, e excellente vinho, e quantas mil pipas dò cada anno, bem
se collie, que da tal Ilha seprovém em grande parte as outras Ulias, as
armadas, e frotas, que a ella v3o, os Estrangeiros que o vao buscar, 8
0 multo que vai para o Brasil, e tambem vem para Portugal, e a razao
deo jd 0 antigo Fructuoso liv. 6, cap. 41, dizendo que o vinho do Pico
n3o so he muito, mas juntamente o melhor, o que multo mais se deve
entender do vinho que n'aquella Ilha chamao vinho passado, porque he
tao generoso, e tao forte, que em nada cede ao que em a Madeira cha-
mao Malvazia, antes parece que a està vence aquelle, porque daMalvazia
pouca quantidade basta para alienar humhomem de seu juizo, e nao se
accommoda tanto a saude, porém o vinho passado do Pico, emprega-se
mais em gastar os màos humores, confortar o estomago, alegrar o co-
racao, e avivar, e n5o fazer perder o juizo, e uso da razao; além de ser
suavissimo no gosto, e muito confortativo, ainda so com o cheiro; e por
isso he muito estimado, e vai multo mais que o outro vinho da mesma
Ilha, com ser todo precioso*
63 Nem he fruto menos eslimavel a muita, e singular madeira d'es-
tà Ilha, porque tanta he, e tSo forte, que d'ella se podem fabricar mui-
tos, e grandes navios, (comò se fabricou o Galeao Trìndade) sem a Ilha
sentir falta de lenha, por haver n*ella muitos, e grandes matos, e lantos
vinhagos, que so das vides d'elles se podem servir plenariamente os mo-
radores; e da rama dos matos se servem as outras Ilhas, em que falta
lenha; e muito mais nao se lavrando na Ilha assucar, que he o que gas-
tou em 0 principio as lenhas de Sao Miguel, e as da Ilha da Madeira,
que por isso mesmo dao jà hoje muito pouco assucar, e daqui vem a
muita carregaQào que ha de madeiras n'esta Ilha, e a grande renda d'el-
las, e enlre os muitos Cedros desta Ilha, ha outra casla de pào muito
precioso, que chamao Teixo, e he tao admiravel para escrilorios, escri-
29G HISTOIUA INSULANA
vaninhas, etc, que se nao corta sem especial licenga, e vai para muitas
partes, e especialmente para a Uba Terceira, aonde ha muitos of&ciaes
primos das ditas obras, que vem para Lisboa, e vao-para outras terras.
He este pào Teixo tal, que cresce corno Pinheiros, e n5o de outra sorte,
senào da sua propria semente que d'elle cahe na terra, e a encbe de
Teixos novos, sem que necessite de outra alguma fabrica : d'onde com
razao dizemos que até a madeira da Uba do Pico, he bum dos frutos
d'ella, de grande rendimento.
64 E nao sd a terra, mas tambem o seu mar em roda, he multo
frutifero, porque além de em todo o circulo ser mar de muito pescado,
he de peixes mui selectos, e de estima, comò de Salmonetes, Escolares,
e dos outros que ha em outras Ilbas, e muito mais dos que se coihem
no Faial, Uba tao vizinba sua, que do Poente do Pico, e seu porto da
iMagdalena, nao dista o Faial mais que buma pequena, e quasi legoa;
mas OS barcos da passagem sao so da parte do Faial, com que quereodo
alguerjf) do Pico passar ao Faial, faz de noite tantos fachos de fogo, oa
de dia tantos fumos, quantos sào os passageiros ; e se o passageiro he
hum so, e quer passar, faz juntamente muitos dos taes sinaes, e paga
quanto os muito pagariao, e a paga he a vintem cada passageiro; e sue*
cede muitas vezes, que hum so paga por sete, e por dez, por tantos si-
naes ter feito para o virem buscar: e jà se ve que nao so he particular
regalia do Faial, ter a Uba do Pico por sua Quinta, mas tambem da do
Pico be regalia, ter corno por Corte sua a nobilissima Uba do Faial,
CAPITULO X
Do altissimo Pico, e do tremar, e fotjo, que Mo nelle^
mas ììa Ilha houve,
65 A Fatalidade do tal Pico be digna de especial memoria. Levan*
la-se este Pico na poQta que a sua Uba faz para o Poente, deixando qua-
si quinze legoas de terra de comprimento para o Nascente, que a res-
peito do tal Pico se póde cliamar terra playna. cha, e corrente, posto
que ainda lenha varias serras, e montcs ordinarios. 0 circulo do pé d'es-
le Pico tera tres legoas em roda, e fica mais perto do Sul, do que do
Norie, e tao perlo do porlo da Magdalena, que contando a quasi legoa
do mar, que da Magdalena vai alò o Faial, ainda està Uba do Faial fica
uv. vili CAP. X 297
menos de duas legoas do pé do Pico; e a Villa das Lagens Ihc flca atraz
tres legoas pela banda do Sul para o Nascente, e todas estas tres legoas
sao de matos, e arvoredos; e assim corno, para o Poente, fica bem ao
pé do Pico 0 sobredito Lugar da Magdalena, assim para a parte do Sai
]he fica» ao pé tambem, a Freguezia, e lugar chamado Sao Mattheos, que
està em os matos, e he de multa romagem, até de outras Ilhas; e com-
tudo tem muitos colmeaes, muito mei, e muila cera este traete; e logo
em outro mato, e bem ao pé do monte, fez, ao principio, bum devoto
Ermitao buma Ermida, em que se metteo, e fez penìtencia muitos annos,
até que o levarao para S. Francisco do Faial, e ainda là fazia a mesma
penitente vida, a morreo tido e bavido por Santo; e nem o nome, nem
a patria nos ficou de tal varao.
66 Sobe pois este estupendo pico, na mesma circumferencia de tres
legoas, e uifta de diametro, sobe quasi legoa e mela ao Geo direitamen-
te, e na mesma direitura, mas jà com menos circulo, se levanta em se-
gando monte, outra legoa e mela em demanda direìta ainda do Geo; e
assim consta de dous montes, ambos uniformemente subindo bum sobre
0 outro, e ainda o de baixo he tao alto, que excede os grandes montes
de outras terras: em o primoiro monte que fica de baixo, ha ainda mui-
to arvoredo, e pastos, e muilas fontes pequenas, e por isso os muitos
gados 0 sobem todo, e em todo o anno, e os pastores com elles; e no
verao se atrevem a subir parte do segundo monte, mas nunca chegao
ao mais alto do segundo, e ultimo monte, porque posto que ainda n'elle
Ihes nao fatte agua, e algum pasto, he jà tudo tao delgado, e subtil, que
Ibes nao serve à nutricao naturai, e menos o ar, jà mais subtil para a
naturai respirafào, e por isso em entrando o inverno, todo o gado per
si se volta ao monte de baixo, e n'elle se fica o inverno todo, com me-
nos frios, e mais aptos mantimentos.
67 0 segundo monte fica jà tao excessi vamen le levantado, que até
em grando parte do verao, està todo tao alvo de saraiva, ou pedra do
Geo miuda, e de tal frio, que nao so o mais snjeito lugar da Magdalena,
mas ainda a Ilha do Faial, e a principal Villa das Lagens, com estar tres
legoas distante, padecem grandes rigores de correspondencia tao aspe-
ra; porém a mais miuda, e formada neve, nao so em as ditas Ilhas, mas
nem em tal Pico, nunca jà mais se vio, nem se sabe n'estas Hhas, que
cousa seja neve; mas do tal segundo monte, e do cume ultimo d'elle se
veem todas as nove Ilhas Terceiras, e nao so até Sao Miguel, e Santa Ma-
298 HlSTOiUA INSULANA
ria, mas até as Ilhas das Flores, e do Corvo, que do Pico distao qaa-
renta legoas: e quem da coroa de tao alto Pico olha para baixo, ve an«
darem as nuvens là em baixo sobre o primeiro monte inrerior, e chover
là por baixo, sem cahir agua entlo no segundo monte, antes sentindo
n'elle serenissimo tempo, ar delgadissimo, e delgadissimas aguas em di*
versas fontes, e ainda em a vital, e melbor respiracao difBculdade sen-
si vel.
68 E nao obstante isto tudo, bum Corregedor, e Desembargador
de Angra, chamado Fernào de Pina Marecos, indo em correi^ao à dita
Villa, (corno jà tocamos em outra parte) se animou a subir ao mais alto
d'este fatai Pico, que tem tres legoas de subida acima, posto qae em
varias voUas, e quando jà nao vio mais a que subir, se subio aos hom^
bros de bum homem, e d'alli mandou aos EscrivSes, que com elle subi-
rSo, que tomassem fé, e formassem auto publico, comò elte Doutor, e
Gorregedor Pina ficara mais alto, ou mais empinado, do que o alUssimo
Pico, que deo o nome à tal Ilha, e fez declarar, e escrever o que d'aiU
via, comò dissemos acima; e fazendo logo experiencia das fontes, das m*-
vas, e do mais que brevemente pode sua curiosidade examinar, temen-
do do ar a delgadeza, e algum accidente sobre ella, se voltou logo abai-
xo, descendo as tres legoas outra vez, bem guiado por rusticos pasto-
res; e nem se sabe que achasse em o cume do tal Pico nuvem, ave, ga-
do, ou bicho algum; e menos ainda gente humana, e so do inferior mon-
te para baixo tudo achava.
69 Do tal Pico emfim diz Fructuoso liv. 6 cap. 41 que he t3o allo,
que OS mareanles, e as outras Ilhas o tem por sua melhor agulba de
marcar, que em sens presentes aspectos Ihes mostra os immineutes tem-
pos; porque quando està cuberlo de nevoas, denota ventos mareiros,
corno Suesle, Sul, e Sudoeste; e quando todo descuberto, indica Gesta,
Noroeste, e Norte; quando tem huraa barra branca de nevoa pelo meio,
e tndo 0 mais, de cima, e de baixo, descuberto, adivinha tempos Les-
tes, e Nordestes; e se se ve todo limpo, e logo poem na cabega algom
capello de nevoa, profeliza que o tempo se muda em breve a marcirò:
e das Ilhas mais distantes, muitas vezes se ve predominando os ares com
a cabefa posta sobre as nuvens, e estas em baixo adorando-o sobre a
terra: e tao allo parece aos que estao perto d'elle, corno aos que estao
longe; e aos que ao mais allo d elle chegao, entuo Ihes parece ainda mais
alto, sem poderem ainda bem comprehender sua altura.
LIV. Vili GAP. XI 299
70 Nao ha memoria, on sinal, de que em tal Pico bouvcsse alguma
bora fogo algum, e so causao admira^So as fontes que em lodo elle, até
no mais alto, nascem, e de agiia excelleDte, e a razao naturai jà a apon-
tamos na nossa Filosofia. Ha comtudo sinaes, e ainda noticias, que muito
fora do tal Pico, quasi quatro legoas d'elle, e buma legoa do mar do
Norte, e bavera cento e cincoenta annos, no de 1572, a 21 de Setembro
tremeo a terra no baixo da Uba por espago de bum tergo de bora, e com
taes estrondos, que pareciao grandes pegas de artelbarìa disparadas ; e
logo em bum lago, e por ciuco bocas arrebentou tal fogo, que d'elle, e
de polme ardente correo buma ribeira por espago de buma legoa, até se
metter no mar do Norte, e no mesmo mar formou, com entrada n'elle
de bum tiro de arcabuz, aquclle grande caes de pedraria abrazada, (de
que fallàmos acima em o firn do cap. 8) do qual se serve a Villa de Sao
Roque, que dista d'elle buma legoa ; e afQrma o douto Fructuoso, que
foi tao grande o fogo, que todas as mais Ilbas Terceiras se allumiarao
com elle« e até na de S. Miguel fez da escura noite claro dia; e com
tudo nem bum minimo abaio se sentio em o dito fatai Pico, contra cuja
immensa macbina nem o fogo se atreveo ; e nao ba memoria de outro
Iremor de terra, ou incendio, que em a tal Uba do Pico succedesse.
CAPITOLO XI
Dos Povóadores, riqueza^ nohreza^ e governo da liha do Pico.
71 Jà no cap. 7 dissemos que os primeiros descubridores d'està
Uba forao os mareantes Portuguezes. que da Terceira, Slo Jorge, e Gra-
ciosa derao primeiro com a liba do Faial, e depois com a do Pico, e por
m'eio da Virgem Sacratissima, quo da do Pico cbamou aquelle seu devoto
Ermitao, e o fez ir para là, por mais que os mareantes da Terceira o
dissuadir3o d'isso ; d onde por mais provavel julgamos, que da mesma
Terceira, Sao Jorge, e Graciosa forao à liha do Pico os primeiros, e se-
gundos Povoadores : e que o dizer-se, que o Flamengo fidalgo Joz de
Utra, Donatario do Faial, foi o que povoou a Uba do Pico, nao querdi-
zer que deFlamengos fosse povoada, mas que comò maisvizinho, eque
povoara, e governava ao Faial, continuotì tambem a povoagào da liha do
Pico, porém pelos Portuguezes, que tambem jà do Faial pode raandar-
Ibe: pois na Uba do Pico nem familias acbamos de appellidosFlamengos,
300 HISTORIA INSULANA
nem estes tao cedo deixariSo seu Flamengo Capitao, nem os convidaria
buma liha, que ainda que nao tinha porto de facii commercio, nem os
frutos ainda dos vinbos que ao depois teve: e que entao Ihes parecia hu-
ma Ilha tao montuosa, medonha, e incultivavei, que so Portuguezes lem
paciencia para a irem abrindo por diante, e cultivando, e muito mais
vindo jà das outras em tudo Portuguezas llbas, que jà tinhao descuber-
to, e cultivado.
72 Quanto pois a riqueza d'està Uba, a que cbegou brevemente,
bem se colbe dos preciosos frutos, com que sahio dentro em poucos an-
nos, pois n3o so deo ao principio muito, e exceliente pastel no termo da
Magdalena, riquissimas madeiras em tantas legoas da Uba, muito mei, e
muita cera, innumeraveis gados, trigo de sobejo para toda a Uba, co-
piosissimas frutas, e as melbores, linbos, e las abundantes, mas toda
ella se desfaz em viubo tao precioso, e em tantas mil pipas d'elle, que jé
em seu tempo (diz Fructuoso iiv. 6, cap. 41) erao muitos os homens
que tinbao a cento e vinte pipas de vinbo cada anno; e so ao dizimo pa-
gavao oitenta, e mais carneiros, cento e trinta pedras de 13, e semelban-
temente dos mais frutos; e concine o mesmo Doutor, confessando, e af-
flrmando, que bavia na Uba do Pico bomens muito ricos, e jà boje o s3o
mais, pelo que muito mais subirao os pregos dos frutos, e o commercio
das Nagoes a clles : e aìnda que muitos das outras llbas, e muito mais
da do Faial, tem jà muitas rendas na do Pico, sempre d'està be o mais,
e 0 melbor, e a fabrica, e paga de tudo quanto d ella vai para outras
partes.
73 D'està riqueza se segue a nobreza d'està Uba, pois se a nobreza
be filba da riqueza, e està be a que dà as bonras, e valimentos, claro
està que sendo a riqueza tanta, nào pode ser pouca a nobreza, no trato,
e casas dos ricos, e na fartura dos outros, mas ainda em o sangue, que
Genealogistas qnereni tanto distinguir, vindo todos de bum mesmo pai
Adào até Noè, e d este atò estes tempos, ainda essa sanguinea nobreza,
pela riqueza entrou em està rica Uba, porque comò nas taes llbas ha
tantos raorgados, ou vinculos impartiveis, e ficao os filbos segundos me-
nos ricos, com os dos ricos se ajuntào em casamentos, para terem a ri-
queza que Ibes falta, e aos que a tem communìcarem sua so imaginada,
e so sanguinea nobreza; e por Isso alguem dizia, que nào bavia no mundo
mais que duas geragoes, que sào, o ter, e o nào ter : e alguns melhor
dirào, que as duas gerafoes suo, o ter, e o ser, e que so d'estas ambas
LIV. Vili GAP. XI 301
se coinpoem a maior nobreza, de ter o necessario para està tempora!
Vida, e ser limpo de raca que impela o alcangar a vida eterna ; e nao
faltari qiiem diga, que unicamente em o ter consiste toda a nobreza,
mas em o ter duas cousas, a saber, ter a vida sa, e santa.
74 Mas tornando a sanguinea nobreza, d^esta participou tanto a
presente Uba do Pico, que jà em seu tempo nomea o Doutor Fructuoso
a muitos varoes conhecìdamente muito nobres; a bum Capitào da guer-
ra, da Villa de Sào Roque, chamado Simao Ferreira, que tinha succedido
a outro, chamado Fernando Alvarez, de quem diz que era seu tempo era
0 Monarcha da Uba do Pico; e a bum Rodrigo Alvarez, de quem diz que
era em a mesma Villa de Sào Roque bomem principal, e generoso, e na
Villa da3 Lagens faz men^ào de bum André Rodrigues, e diz d'elle que
era o mais rico bomem de toda a Uba do Pico, vivia com grande appa-
rato, e comò com amigos se communicava com os fidalgos das outras
Ubas em cartas mutuas, comò com Pedreanes do Canto, o velbo, da Uba
Terceira, com o Donatario do Faial Joz de Utra, e outros, e que d'elle
descendla a gera^ao dos Madrugas, que entào erìio os Monarcbas d'aquella
principal Villa das Lagens aonde bavia mais ouiras familias nobres de
Lemos, Leaes, Gulartes, Tristòes, dos quaes bum Pedro Tristao Gularte
foi Capitao dos Militares, e casado com Isabel Pereira, e d'esles descen-
dem tambem muito nobres familias do Faial, comò alguns Silveiras,
Utras, Terras, Porres, Montojos, Bruns, etc.
75 Sobre o que toca ao governo maior de toda a Uba do Pico, mui-
tos quizerao dizer, que o primeiro Capitào Donatario do Faial Joz de
Utra, 0 fora tambem de toda a Uba do Pico, com a mesma jurisdic^ao;
porém nem de Real doa^ào, ou carta alguma consta tal, nem de tal faz
menQào o erudito Fructuoso, corno faz das outras Ilbas, nem se sabe
que 0 dito Utra repartisse da dita Uba terras a alguns, e so se acba em
Guedes, que o dito Utra povoàra a Uba do Pico, corno a do Faial po-
voou tambem, e trouxe muitos a povoal-a, sem que por isso fosse seu
Capitào Donatario, aquelle grande fidalgo, Guilberme Vandaraga, ou
Guilberme da Silveira; e a razào be manifesta; porque para bum vassallo
povoar buma terra de novo descuberta por seu Rei, quando este o nao
probibe, entào sem nova licenga do Rei, qualquer seu vassallo o pode
fazer, e Ibe faz servifo n'isso, e se o povoador be estrangeiro, basta a
licenza, ainda so permissiva, para que o faca, mas para ter jurisdiccào
sobre a dita terra de novo descuberta, be de mais necessaria doacào, ou
302 HISTOHIA INSULANA
carta Beai escrita que o Rei Ibe de; e comò nao consta que o Rei a desse
a Joz de Utra sobre a Uba do Pico, ncDbuma tal jurisdiccao tìnba so-
bre ella.
76 Parece pois mais provavel, que assim corno o Rei de Portugal
concedeo ao dito Joz de Utra o povoar, e ser Donatario CapitSo da Uba
do Faial, e por Real doa^ao, ou carta in scripiis, assim lh*a extendeo
depois, e de palavra, ou carta menos autbentica, a continuar a povoacao
da Uba do Pico, e a governal-a em o militar, por nenhuma outra liba
estar mais proxima i do Pico que a do Faial, e està mais facilmente po-
der acodir àquella, e mais depressa em toda a occasiao : mas se d'està
permissao, ou concessao verbai se aproveitarao os successores do dito
primeiro Joz de Utra, nao me consta, nem que bouvesse mais algom
outro Capitao General da Uba do Pico, e muito menos DoDatario d'ella,
nem que boje alguem o seja.
77 Consta porém que sempre os Capitaes móres da Uba do Faial
perténder3o ter a jurisdicgao militar da Uba do Pico, e com effeito a ti-
ver3o alguns, mas que sempre a Uba do Pico Ibes resistio a isso, e ainda
boje resiste; e que se governa em o militar pelos seus Capit3es móres,
a que tambem cbamao Capitaes da guerra, das Villas das Lagens, e de
S9o Boque, eleitos na fórma costumada pelas Cameras, e Povo ; mas
nem consta que nesta Uba baja Fortaleza alguma, ou presidio militar,
sendo que o podera, e devera baver ; porque ainda que per si seja ia-
conquistavel, alguns postos tem em que se pode faltar, e deviao estes
estar presidiados; porque ainda que nào baja memoria de ter sido està
Uba commettida, quanto mais entrada de inimìgos, nem ainda de Hoa-
ros ; e so por ter sido da parte do senhor D. Antonio, so entao a aco-
meteo a armada de Felippe II, que desistindo d'isso, so tratou de con-
quistar 0 Faial, e o conquistou comò acima vimos em as guerras da
Terceira; comtudo mais deteza se deve por nesta Uba, contra o que pode
acontecer.
78 Em 0 governo politico se governa està Uba, conforme a Orde-
nacao de Portugal, pelos dous Senados das Cameras de suas Villas, das
Lagens, e de Sao Roque, e pelos seus Juizes ordinarios da terra, Verea-
dores, Almotac^is, Misteres, Escrivaes, e Alcaides, e os mais sabidos
Ministros, aos quaes todos visita cada anno o Corregedor do Angra, se
cada anno là vai, e nao so ao Fayal. Mas no governo da Real fazenda
de ambas as Ubas, todo està unido no Almoxarìfe do Faial, e este em
LIV. Vili GAP. XI 303
ludo sugeito ao Regio officio de Provedor da fazenda da Terceira, que
a todas as nove Ilhas pode ir visitar, quando vir ser necessario, e as
necessarias ordens passa a todas.
79 No governo, e estado Ecclesiastico sempre leve a liha do Pico
por cabe^a o Bispo de Angra, ou a sua Sé vacante : mas por Ministro
immediato, parece que leve em algum tempo ao Ouvidor do Faial, mas
boje tem Ouvidor especial de loda a Uba do Pico, a quem v3o là com
as causas em a prìmeira instancia, e vem fìndar-se em Angra; e tem mui
sufficiente Cleresia de Vigarios, Curas, Beneflciados, Thesoureiros, e ex-
travagantes Cierigos; e tanta limpeza junta com tao bons procedimentos
em OS povos, que n3o sei que d'està Uba viesse ainda algum prezo ao
Santo Officio, pois nem da ra(^ de Judaismo, nem ainda de bereges es-
trangeiros ba n'ellas gentes. De Religiosos, ou Religiosas tambem nao
ha na Uba do Pico Convento algum mais, que o de S. Francisco, que a
loda a parte acodem, e servem muito aos sàos, aos doentes, e ainda aos
jà mortos, e sempre dos seculares tem Terceiros de muita reforma, e
virtude exemplar. E do Collegio da Companbia de Jesus, da Uba do
Faial, v3o à do Pico muitas vezes Religiosos, que n'ella fazem missoes
Apostolicas, comò em as outras flzerao, e costumao fazer sempre; e isto
por bora baste da fatai Uba do Pico, septima das Ilhas dos Assores, ou
Terceiras, e vamos à oitava, e nona.
Fin DO LIVRO OITAVO.
.tei'
té
m
i
Ili
IIISTORU
IN8ULANA LUSITANA
UTRO I¥OKO
DAS ILHAS PLOUES, E COIIVO, E DAS QUE SE ESPEUA DESCUIJIUR
DE NOVO.
CAPITULO i
Da alluraf grandeza^ e primeiro descuhrimefUo^. ou povoa^do
da llka das Flores,
1 Para consumir a tudo o tempo, ale aos livros consome, para qua
nem memoria do passado haja; e assim succedeo em algumas partcs ao
livro do eruditissimo Doulor Fructuoso, em cujo liv. 6, sumio os cap.
45 e 46, em que tratava do principio das Flores, e da do Corvo, de quo
poderamos dizer muito mais ; mas ainda do que diz, e algumas vezes
repete até o cap. 48 e em outros Ingares. e do qne consta por tradi^ao
commua, e tocào alguns outros escritos, diremos o que pudermos ave-
riguar por mais provavel.
2 A liha das Flores està em quasi quarenta gréos de altura; dista
da Terceira a Oes-sudoeste setenta iegoas, e muito mais das Ilhas de S3o
Miguel, e Santa Maria ; e do Faial, e Pico, menos, mas ainda quarenta
legoas. A sua grandeza consta de muito mais de doze legoas de circuito,
e mais de ciuco de comprido, e quatro de largo. Chama-se Ilha das Flo-
res, porque flores, e tHo altas, virào n'ella os que a descubrir3o. que
por isso Ihe derào o dito nome ; mas porque para o seu Norte, e em
pouca mais distancia que duas legoas, Ihe flca outra Uha, a que chamao
Corvo, de que abaixo trataremos, d'aqui vem que a ambas estas chamao
Corvo, e Corvinos aos naturaes de qualquer d'ellas, e as propriedades
de cada huma accommodao à outra : e ainda o vulgo das outras Ilhas
confunde as taes duas entre si.
VOL. u 20
3()G HISTOIHA INSULANA
3 Do dia, mez, on anno, em que a primeira vez se descubrisse a
Uba (las Flores, nào ha nera provavei conjectura, corno melhor se veri
abaixo, quando tratarmos da do Corvo: e o mesmo podemos dìzer do
dia, mez, e anno, em qne a segunda vez se descubrio, e comecou a po-
voar-se : e com ludo parece sem duvida, quo foi a oitava Uba, que das
Terceiras se descubrio, pois com as Ilbas do FaiaU e Pico terem sidoa
sexta, e a septima que se descubrirao, nenhuma noticia ainda ent3o ha-
via da das Flores, ou do Corvo, nem de alguem que là fosse a povoa-
1-as: porque ainda que sabemos que aquelle fldalgo Guìlherme Vandaraga
da Silveira foi, e esteve na Uba das Flores, isso fez elle, tendo jà vindo
da sua terra à liha do Faial, e jà depoj^ d'està descuberta bavia ^atro
annos : e depois esteve alguns em a Terceira, e ainda depois voltou a
Fiandres, e d'ahi vindo por Lisboa, tornou à Terceira, e d'està eotao foi
às Flores.
4 E d aqui se colhe, que tendo sido descuberta a Uba de Santa
Maria em o anno de 1432, e a de SSo Miguel em o anno de 1444, e a
Terceira pouco depois, mas antes do anno de 1450, depois do qual se
descubrio logo a Uba de S3o Jorge: e ainda pouco depois a liba cbama-
da Graciosa; e tambem d'abi a pouco a chamada do Faial; e multo ante$
ainda do anno de 1460, foi descuberta em septimo lugar a grande Illa
do Pico: colhe-se pois, e conclue-se d'aquì, que està Uba das Flores foi
segunda vez descuberta, e come^ada a povoar pouco depois do anno de
1460, ha mais de duzentos e cincoenta e ciuco annos.
5 0 resoluto se entende do segundo descubrimento d està Uba, em
que jà se comecou a povoar; que quanto do primeiro, em que so se vio,
e descubrio, mas n3o se povoou, comò veremos abaixo tratando da Uba
do Corvo, d'esse primeiro descubrimento podemos de certo afGrnoar se-
mente, que na tal liha das Flores, nem sinal de creatura humana se
achou, em a Madeira ; e nem gados, nem outros indìcios se acbarao de
ter alguma horaentrado gente nestaliha, comò vimos jà das outras Ilbas
Terceiras, em que so algumas aves do ar, que por elle passavao de il-
guma terra firme mais vizinba, ou de outra Uba jà povoada, para està
liha das Flores; mas que todas estas Ilbas Terceiras estavSo corno Deos
as creou em o principio do mundo, ou comò as deixou depois o dilu-
vio (le Noè, e ìsto posto, vamos com a bistoria d està Uba.
UV, IX GAP. 11 307
CAPITULO II
Dos Costas marilimas, e Póvos interior es d'està llha,
e seus frutos.
*
6 Sendo quasi redonda està Uba das Flores, he de rocha aita para
a parte do Sul ; e fronteira ao Sueste està a Villa principale cbamada
Santa Cruz, cuja Matriz be de Nossa Senhora da Goncei^ao, e chega a
mais de duzentos fógos, em sitio ch3o, e bem arruado, com quatro ruas
que correm direitas ao mar, e as cortio varias travessas, e tem quatro
Companbias de Ordenan^a com seus Capitàes, e Capitao mor da Villa,
e do seu termo, tem cbafariz no meio, e de boa agua, e huma sempre
corrente ribeira multo perto; e junto ao mar dous poQos, ou enseadas,
em cada bum dos quaes entra bum navio de cento e cincoenta moios
de trigo de carga, além de ter adiante, disUncia de bum tiro de arca-
buz, outro porto, por onde entrao caravelas pelo interior da Uba den-
tro. A Matriz tem Vigario, e Cura, e os mais necessarios oflìcios, e na
mesma Villa bum Convento de Sao Francisco com, ao menos, seis Fra-
des Sacerdotes; e ba de mais n'ella tres Ermidas, buma de Sao Sebas-
ti3o, outra de Santa Catharina e outra de Sao Fedro, e que nobreza ha
em està boa Villa, diremos abaixo, quando das Familias.
7 Continuando rocha pelo Sul, faz a liba buma ponta, que oiha pa-
ra 0 Norte, e se chama a Ponta de Sao Fedro, por ter outra Ermida al-
li perto: e buma legoa jà da Villa, da banda do mesmo Sul, està bum
lugarete que cbamSo a Caveira; e legoa e mela da dita Santa Cruz està
0 lugar chamado Cedros, cousa de trinla .vizinbos; freguezes ainda da Ma-
triz da dita Villa; e aqui n3o so ba varias fontes, que cbeias de agrioes
v3o ao mar, mas tambegi buma continua ribeira, que cbamao a dos moi-
nhos, por os ter, e a elles se ir moer o p3o da Villa: e aqui defronte
estio dous Ilbeos no mar, bum tiro de bésta afastados da Uba; e com
bum d* elles nao ter mais campo em cima* que o que leva bum alqueire
de sameadura, tem comtudo em si buma boa fonte de agua doce, sen-
do que por baixo he tao furado, e atravessado do mar, que de huma
parte à outra passa bum barco, e ainda buma caravela, e sem perigo al-
gum. E mais adiante, bum tiro de bésta, sahe tSlo fora da rocha huma
fonte de agua doce, que os navios a tomao, e dentro de seus bateis en-
chem as pìpas.
308 HISTORIA INSULANA
8 Iluma legoa adiante sahe da liha ao mar huma ponta tal, que ao
lugar vizinho chamavao ao principio Ponta Delgada, e depois so se cha-
mou 0 lugar da Ponta, e he Freguezia de trìnta vizinlios, e ainda he da
jurJsdiccào da Villa de Santa Cruz. Mais adiante està outra ponta, que
charaao a Ponta Ruyva» que he 0 firn da liha, e olha para o Nordeste,
e no tal firn ha alguns moradores, que estSo iegoa e meia da Freguezia
de S3o Pedro, e pouco mais adiante està no mar hum Ilheo, e hum an-
coradouro de navios, e na liha Ihe corresponde huma nobre Freguezia,
e higar, chamado Sao Pedro, que tem cento e cincoenta fogos, e hnma
grande rua corrente ao mar, com outras atravessadas, e duas ribeiras
sempre correntes pelo meia da Freguezia, e quatro fontes n'ella, com
que fica o lugar multo nobre, e muito fresco, e com familias nobres, co-
rno veremos abaixe.
9 D'aqui para o Norte, Oeste, e jà Subdoeste, està a nobre, e se-
gunda Villa das Lagens, e jà em nada sujeita à Villa de Santa Cruz: cons*
ta de muito mais de trezentos fogos, e de duas grandes Companhias, e
dous Capitàes da Ordenan^a, e hum Capitao mór da Villa, e seu tei*mo;
e consta de huma grande rua, e muitas travessas; e tem diante de si pa-
ra 0 mar alguns baixos perigosos aos que quizerem por mar acometer a
Villa, e fica jà mais de duas legoas do sobredito lugar de Sao Fedro. A
Matriz d'està Villa he fla invocacao de Nossa Senhora do Rosario, com
Vigario, Cura, e outros Clerigos: tem mais duas Ermidas, huma do Es-
pirito Santo, ootra de Santo Antonio, e algumas familias nobres, corno
em seu lugar diremòs. E ainda d'està Villa para o Norte huma legoa, està
0 lugar chamado da Lomba, que consta de quasi cincoenta fogos« termo
da jurisdicgao da Villa das Lagens. Adiante, quatro legoas para o Poeo-
te, se segue outro lugar, que consta de duas partes, huma chamao a Fa-
janzinha, ou a Faja pequena, e outra chamao ^ Fajà grande, e ambas
constao de oi tenta fogos sujeito» à Matriz das Lagens no espiritual, e no
temporal a dita Villa; e tem mais huma Ermida de Nossa Senhora dos
Rcmedios, e em toda a costa d'està liha se colhe tanto pescado, que das
outras Illias vao a està fazer grandes pescarias.
10 0 interior tracto da liha das Flores he muito fragoso, de mui-
tas, e multo altas rochas, grotas, e penedias: pelo Norte, e de Leste a
Sudoeste, ha muitas terras lavradias, mas com tanta pedrazinha, que atraz
de hum arado vao tres, ou quatro enxadas cavando ao longo das pedras
maioros, de que tem menos a mais parte da liba, mas he tao pendu^^
LIV. IX GAP. (I 309
da, e t3o infcstada de ventos, que o nioio de semeadura n3o rende mais
qae a sete raoios de fruto; e demais lem tantos ratos, que pondo-se a
assar carne ao lume, ha de haver quem assista com hum pao na muo
para os desviar; e ainda qne a terra dà quanto Ihe semeao, com os gran-
des ventos nada eresse muito; e por isso a madeira he muito cheia de
nós, e até da casca do Cedro fazem cordas, comò de esparto; e a ma-
deira cresce muito mais aiastrada pela terra, do que subindo ao vento:
tem pouco gado vacum> por nao ter muitos pastos; e ainda poucas ca-
bras, porém tanta oveiha, e d'ellas tantas làs, que fazem panos, nao so
com que se vestem, mas mandao a outras Ilhas, e em grande quanti-
dade.
11 Com os muitos picos, e ribeiras, nao andao carros pela Uba, nera
outras béstas, senao mui breve caminho: e nem ha, nem se criào caval-
los nella. Ao Sudoeste, huma legoa ainda do mar, e da sobredita Villa
das Lagens, està huma alagoa, que com ser cercada de grandes roche-
dos, e cahirem niella muitas, e grandes ribeiras, nuhca jàmais cresce,
nero abate: e pela terra dentro ha hum lameìro, ou brcjo, e huns pàos
atravessados, por onde passa a gente sera se eniamear: mas quanto, dos
bordoes que levao, entra no lameiro, tanto se torna tao preto, assim
por fora, comò até por dentro, e de hum preto tao fixo, e tao firme,
que nem com o tempo se tira, desbota, ou diminue: e se as meias, ce-
roulas, ou calcoes chegao à tal lama, tudo fica, e para sempre, preto,
e comtudo nenhum pano sahe d^aquella liha com alguma outra cor ar-
tificial, senao com a naturai da la de que foi feito.
12 He està liha das Flores mui sadia, sem -excesso de frio, nem de
calma: tem gado bastante para si, muitos coelhos, e pombas, galiinhas
em grande numero, e infinidade de borregos; e o trigo sobeja para a gen-
te, porque passa de mil moios cada anno; e vinho o sufficiente; hortali-
(as, e frutos com abundancia, e de toda a casta; e huma casta de arvo-
res de silvas bravas, (de que nao ha em as outras Ilhas) que dào amo-
ras, corno ovos de pombas, e he fruta muito doce, gostosa, e de esti-
ma. Por a terra lavradia ser de pouca altura sobre a pedrcira do fun-
do, por isso n'esta Ilha se semea o trigo as folhas, de sorte que a ter-
ra, que dà hum anno trigo, fica sem o dar dous annos, e se cobite de
erva, a que chamao Cubres, e de altura até ciuco palmos, e com tan-
tas flores amarellas por cima, que d'aqui veio clio.mar-se a Ilha das Flo-
res, mas OS legumes, e oulros frutos se dao, sem a scmenteira d'elles
310 mSTORIA INSULANA
aguardar folhas; e menos os Inhames, a qne o volgo chama tambem
Cocos, que nascem corno as batatas, e sao muito sadios, e grande sos-
tento da pobreza, corno o sao no Faial, e em a liba do Pico : nesU
liba Tiao ba milbo grosso, e gastar-lbe-bìa a ponca terra, se o semeassem;
e n3o a gasta o irigo, centeio, legumes, e outros frutos.
13 Nao tem està Uba commercio algum com outras Na(5es ; e com
Portugal 0 tero, so quando là manda de Lisboa o seu Donatario, oa
Commendador buscar algum trigo, e outras rendas suas ; e nem com as
outras Ilhas tem commercio, senao com o Faial, e com a Terceira, e 9Ò
desde Marco até Setembro ; e Ibes iev3o muitos dos seus panos, e li-
nhos, e algum gado, e muitas aves ; e volt3o-se com algum vinho, azeite,
mei, louc^s, e adubos, e o dinbeiro que podem. De sai se pVovém dos
Eslrangeiros, que pass3o a fazer aguada, e Ihes vendem os mantimentos
que Ihes pedem, mas sem os deixarem entrar na Uba, porqoe nem agua
Ihos deixarao tomar, e so com pedras, que das altas rochas dernibarem
abaixo, Ihes affundirao barcos, e navios. Jà bouve comtudo occasiio (em
25 de Junho de 1587, ba quasi cento e trìnta annos) que cince navios
Inglezes enganadamente entrarlo a Villa das Lagens, e a saqueario, fu-
gindo OS moradores para os matos ; mas atègora Ibes nSo succedeo co-
tra, pela vigia que sempre ao diante tiverao : e nem se sabe de fogo,
terremoto, peste, ou guerra que bouvesse nesla liha atégora.
CAPITOLO HI
Do governo Ecclesiastico, civil, e militar qne ha em as Flores.
14 0 Ecclesiastico governo tem o Bispo de Angra, e comtudo nao
ba memoria que Bispo algum fosse a està Uba das Flores, senào este
ultimo, que ha dous anoos morreo ; e na verdade alguma desculpa li-
nhao OS mais, ém nunca là irem, por estar de Angra setenta legoas, e
de mar ; e ainda que do Faial, aonde os Bispos vào, eslà so quarenla
legoas, sao comtudo de mar muito arriscado, e perigoso, aonde nem ha
nutra liha qne sirva de estalagem, comò ha entre a Terceira, e o Faial;
nem nos sfìis mezes de Setembro até Marco he aquelle mar navegavel;
nera nos outros mezes he livre de inimigos cossarios, mas comò he
mais facii o mandar, quo o ir, sempre se mandarao Ouvidores, e Yisi-
ladores Ecclesiasticos, e sempre se proverao todas suas Parochias de
LIV. IX GAP. IH 311
Yigarios, e de Curas, e dos santos oleos : poróm nem Bispo, nem Chris-
ma virao ìi em tantos annos, e seu) o Sacramento da CoiiUrmacao vive-
rlo, e morrerao tantos Chrìstaos.
15 He verdade que alem dos ditos Parochos tem a guns Clerigos
mais, e Confessores : e o sobredito Convento da Ordem Serafica, qiie
d3o so celebralo* mas confessao, e prégno : e até da Companhia de Je-
sus, e do Collegio de Angra tem là ido por vezes em missào : e he mui-
to de Ioavar a grande piedade, o devogao que ha em a dita Ilha, e a
pureza intaeta da Divina Fé Catholica, e Romana, sem que alguma bora
entrasse niella beresia alguma : e nem a commerciar entrarao jàmaìs
hereges n'esta Ilha, nem Mouros, ou Gentios : nem ainda de sangue
Hebreo ha gente alguma, ou de judaismo infecta, ou que por tal viesse
ao Santo Officio : e assim parece se póde dizer, que os naturaes desta
liba s3o jà por isso limpissimos, e que vencem aos das outras em a
limpeza do sangue.
IG Quanto ao governo ci vii, tambem se nao sabe que alguma bora
fosse là Corregedor algum : mas là tem seu Ouvidor, posto pelo senho-
rio, e Donatario da Uba, e este he o que tira os pelouros dos Juizes
Ordinarios, Vereadores, e mais Officiaes das Cameras das duas Villas,
Santa Cruz, e Lagens : e em tudo se govemào pela Ordena^ao de Por-
tugal, comò legitimos, e verdadeiros Portuguezes : e os lugares maiores
por seus juizes pedaneos, com recarso de tudo ao Ouvidor, e desta
sorte ^e govemao multo conforme ao direito naturai, sem injusticas, ou
trapagas, e sem crimes, ou furtos, ou injurias, mas em paz, e quieta-
Cao: que se houve Republica que nao quiz admittir Medicos, para so
viver mais, e melhor n'ella, com mais razao nSo admiltiria tanta casta
de Solici tadores, Escrivaes, e Àdvogados, e ainda de Juizes : e com me-
nos papeladas, e com menos repetigao de palavras, se julgaria melhor,
e se gastaria menos.
17 E quanto ao governo militar, governa-se està Uba pelos seus
dous Capitaes móres das ditas duas Villas, sem bum ser sujeito ao ou-
tro, nem haver là quem sobre elles manie, mas cada bum sobre os par-
ticulares Capit3es das Companhias, que govemao aos seus Alfercs, e
estes aos Sargentos, e mais Cabos : e .quando he necessario, se unem
todos pela mutua dependencia que entro si tem, para se conservarem
a si, e ao seu : e com tudo nao ha em està liba Fortaleza alguma de
soldadesca paga, e pe^as de artilberia, mas so espada, e adagn, lanca.
312 IllSTOniA INSULANA
e alguns arcabuzes, ao eslylo de Portngal antigo : e as mais armas, com
que ainda a brutos nunca falla de lodo a natureza : e assim tem os mais
impenetraveis muros nas suas it)chas ao mar: a artelharia maishorreo-
da DOS penedos, que pelas altas rochas langao abaixo, que nem ha ga-
leoes, que os aturem, nem outro reparo d'elles, mais que sómente o fu-
gir-lhes, que he o que os da liba querem.
18 Se ainda alguem disser, que melhor seria a està Uba terhuma
so cabeca que governasse a milicia, e armas de loda a Uba, e nao duas
cabegas, que dem mais cabecadas, etc. ']& a experiencìa tem mostrado
0 contrario, e ainda a natureza : pois o mesmo corpo humano, posto
que tem huma so cabega, he para nunca ter cabega albeia, ou estran-
geira que Ihe encontrasse a propria, e Ihe infìcionasse o corpo : e com-
tudo olhos proprios tem dous, (e nao bum so) os quaes sendo proprios,
se unem sempre, para vigiar, e defender o proprio corpo : e se estra-
nhos fossem, nao se uniriao. Experiencia temos n3o so em a Uba da
Madeira aoride de Governadores, que nao sao da Uba, tem ido alguns
pobres fidalgos, e so a encher-se a si, e a despejar, e afrontar a liba :
0 que n3o fariào, so fossem os proprios Donatarios d'ella, ou os seus
proprios, e naturaes Senados, Capit3es mores, etc. o que ainda melhor
se experimenta na Uba Terceira, aonde buma so cabega de fora da Uba,
e estrangeiros com ella, (comò o Conde Dom Manoel da Silva, com Fran-
cezes) perderao, e entregarao a Uba a Castella, desemparando ao Se-
nhor 1). Antonio : e quando dous Capilàes mores da mesma Uba, defen-
diào corno a cousa sua, nao so a defendorao em viva guerra de bum
anno iiiteiro, mas elles sós com os seus Uheos renderao ao fatai Castello
de Àngra, e sugeitarao as Ilhas ao felicissimo Rei Dom Joao o IV, Ingo
nao he melhor o tal governo de huma so cabega, quasi eslrangeira, e
que so Irata de si, do que o de duas cabegas naturaes, que igualmente
a si, do que aos seus defendem, e assim se governarao estas Ilhas sem-
pre bem, corno tambem a das Flores.
CAPITOLO IV
Da qunlìdade, ou nobreza das familias qtte povoarQo as Fìoren.
19 No CA\}. 1 d esle liv. 9 dissemos jà nao constar de quando a pri-
meira vez se descubrio està Uba das Flores, ou por quem; nem de quan-
LIT. II GAP. IV 3i3
do, ou por quem a primeira vez se povoou; por no erudito, e antigo
Fmctuoso, em o seu liv. 6 fallSo os capttulos 45» e 46 que disto trata-
v3o: e comtudo ainda boje ha tradigao, que bum dos primeiros Povoa-
dopes foi^o dous Gastelbanos, cbamados, bum Antao Vaz, e outrO Lopo
Vaz, que de Castella vierao a està Uba, (e talvez com licenza de Portu-
gal:) 0 que confinna Fructuoso, quando depois nomeando a gente nobre,
qoe ba na Villa de Santa Cruz, nomeou entre outrós os que usavao do
appellìdo de Vaz, que be appelUdo patronimico, tornado do Ascendente,
corno 0 de Goncalves do pai Gonzalo, de Alvares de Alvaro, o de Mar-
tiDS de Martinbo, Fernandes de Fernando, Rodriguez de Rodrigo, etc.,
assim 0 appellido Vaz de Vasco, do qual se toma o de Vasques: e aind»
que estes appellidos patronimicos, tomados per si sós s3o indilTerentes
para mais, ou menos nobreza denotarem, quando comtudo entre outros
de conbecida nobreza se apontao, (comò aqui faz Fructuoso) por isso
mesmo suppoem-se nobilissimos. Porém ainda d estes Castelbanos (por
mais nobres que fossem) nao consta serem os primeiros Povoadores, mas
que jà a Hba se comegava a povoar, e talvez (corno veremos quando da
liba do Corvo) por Portuguezes das outras Ilhas jà descubertas, que por
aqaeHes mares andavSo continuamente.
20 Dos segundos pois Povoadores da Uba das Flores, e dos mais
Dobres, foi aquelle fidalgo Flamengo, cbamado Guilberme Vandaraga, na
lingua Flamenga, ou na Portugueza Guilberme da Silveira, de que jà fal-
lamos no liv. 8 cap. 3 e 4, e no liv. 0 cap. 1, o qual era neto de bum
Conde, naturai de Bruges, e muilo rico em Flandres, e per o quererem
là metter em buma injusta guerra que bavia entre poderosos Cbristaos,
elle corno n3o menos justo, e bom Cbristao, do que fldalgo, se sahio de
Flandres, e veio à Uba do Faial, e passados alguns annos, se foi do Faial
à liba Terceira, e d*esta depois t(»rnando a Flandres, e voltando por Lis-
boa, foi niella convidado de buma senhora Donataria da Uba das Flores,
qoe lb*a quizesse vir povoar, e governar, e que so Ihe pagaria os direi-
tos de Donataria: aceitou por entao este fidalgo, e voltando tambem pe-
la Terceira, d'ella mudou sua casa para as Flores, e jà depois do anno
de i46), e logo là junto à ribeira de Santa Cruz edificou luimas casas
bem lavradas, que Fructuoso ailìrma existirem ainda em seu tempo, e
fazendo o fidalgo por sete annos continuas expcriencias da teira da liba
das Flores, por fim se desenganou, e a deixou passando-se no Topo da
Uba de Sào Jorge, corno jà tocamos, quando da liba escrevemos.
314 HISTOniA INSILANA
21 D'este fidalgo Silveira» e do locante à liba das Flores, o qae
consta he, que foi o primeiro €overnador da tal liba, e sea Vice-doiuh
tario, .e bum dos prìmeiros e mais nobres Povoadores d'ella, e que por
sete afinos, ou tmìs a esteve povoando; mas nSo consta que do tal Sii*
veira entao discendente algum ficasse na dita liba; salvo depois» e dos
fllhos, e flibas que casar3o em as outras lllias, fosse algam desceodeiite
para as Flores, corno acontecer podia. Povoadores outros da priociptl
Villa Santa Graz (confessa Friictuoso em o seu liv. 6 cap. 46 em.parta
qae flcou d'elle) forSo bomens fldaìgos, cbamados Pimenteis, Cameirosi
Fragoas, ou Fragas, Cordellos, e Costas. E mais abaixo diz o mesmo
Fructuoso, que no lugar cbamado S3o Pedro, e na Villa das Lagens bi
gente nobre, comò Pimenteis, Homens, Costas, Femandes, Vazes, Viei*
ras, etc., e dos mais d'esses appellidos referimos em varios lugares sua
antiga nobreza: de alguns diremos agora.
22 A antiga, e nobre familia dos appellidos de Vaz Hojmem, Costa, '
e Vieira, velo do Beino de Portugal a estas Ilbas; o que primeiro veio le
cbamava Jo3o Vaz Homem, e foi pai de Gonzalo Vaz Homem» que casoo
multo nobremente em a Uba de S3o Miguel com Ignes Affonso Colom-
breira, dos Colombreiros, e Costas, e do tal matrimonio nasceo Breitix
Homem da Costa, que casou com Mem Rodriguez de S§o Paio, pai de
Estevao de Sao Paio, e teve mais a D. Antonia da Silva, qae casoa oom
Manoel do Canto e Castro, o primeiro do nome, e pai de Jo3o do Can-
to de Castro, dos quaes fldaìgos jà fallamos nos Cantos e Castros da Uba
Terceira.
23 Do primeiro Joao Vaz Homem nasceo mais o segando fiibo Joio
Vaz Homem, que casou com Ignez Vieira, e d'estes nasceo Catharina An-
tunes Vieira, que de seu marido Diogo Pimentel teve a Baltbesar Pimeih
tei Homem, e este foi o que casou em a Uba das Flores com Agoeda
Fernandez; e destes nao so nasceo Martba Pimentel Homem, que casoa
na dita liba com Bartholomeu de Fraga, mas tambem nasceo Diogo Pi-
mentel, qne foi pai de outro Balthezar Pimentel, a que cbamavaooCo^
covado, e nasceo mais terceiro Balthasar Pimentel de Fraga, de que ha
mais descendencia na Uba das Flores, e duas suas irm2s, que das Flo-
res vierao ser Freiras no Convento de Sao Gonzalo de Angra: donde beffi
se ve a riqueza, limpeza, e antiga nobreza d'estes Pimenteis, Fragas,
Costas, Homens, Vieiras, e antigos Vazes, que houve, e ha ainda na lai
lilla das Flores.
LIV. IX CAP. V 3ir>
24 D'aquelle outro Ballhesar Pimenlel, segundo do nome, nasceo
Christov3o Pimeotel, qne das Flores se passou a Angra, e nesta casou
^om hama fidalga chamada D. Luiza de Mello, Alba de D. Pedro Ortiz
de MeUo» fidalgo da casa de S. Mageslade, e que era Àlfcres mór do
grande Castello de Angra por Felippe II, e corno a cste tinha sido fi-
delissìrao, assim depois, e sempre o foi ao invicto Senhor D. Jo3o o IV,
e do tal casamento nasceo D. Pedro de Mello Pimentel, que além da
wUga nobreza de seu pai, e avós patemos, tem a illustre geragao do
dito sea avo materno, por quem he parente consanguineo de toda a
maior nobreza, e fidalgaia da Terceira, e da Graciosa, pelos Mellos d'es-
tà, de que jà tratamos longamente, quando das dìtas Ilhas, e com tanta
verdade, que debaixo de juramento o testificou assim, quem isto escre-
ve, na Real inquirigao que El-Rei mandou tirar jurìdicamente, para dar
0 filbamento de sua casa Heal ao dito D. Pedro de Mello Pimentel. E
por bora baste o tocar somente està materia, pois nos chama jà a ulti-
ma Uba, chamada Corvo.
CAPITULO V
D(ì Uha que so se chnma o Corvo.
25 Em quarenia gràos de altura, e ao Nomoroeste da sobredila
Uba das Flores, e so tres legoas d'ella, e de Leste a Deste das Bcrlen-
gas de Portugal, està outra Uba, que he a nona das nove Tcrceiras, e a
que puzerào o nome de Con-o, ou por nella acharem os primeiros seus
descubridores algum Corvo, comò ajuiza o erudito Fructuoso lìv. 6, cap.
48, ou por Ihes representar à primeira vista a figura de bum Corvo ;
sendo que he quasi redonda na figura, e tem bons duns legons de com-
primento, legoa e meia de largura, e mais de quatro legoas de circum-
ferencia; he porém multo alta, e de muito altas rochas para o mar. De
seus descubridores, e babitadores se diz que forlio da gerar^o dos Fra-
gas, e Furtados: o que parece certo he, que forao puros Portnguczes, e
que da Uba das Flores a descubrirUo, e forao povoar, corno a tao vizi-
nha Uba, e por isso se tem por cousa sem duvida que foi a nona, e ul-
tima que se descubrio.
26 E com ser das ditas nove Ilhas, lem dentro em si diias cousas
de rara, e singular admiracao. A primeira he, qne niio se achando na
tal Uba Gnal, ou indicio de gente humana, achou-sc comtudo em huma
MG IIISTORIA INSULAXA
alta rocha, que cahe sobrc o mar, e em huma grande lagem, tao fotal»
e grande cstatua de pedra, que consta de hum cavallo em osso, e de
lium homem vestido, e posto no cavallo, com a mao esquerda pegando-
Ihe na coma, e com o bra^o direito estendido, e encolhidos os mais de-
dos, excepto o dedo ìndice, com que està apontando para o Poenle, e
mais direitamente para o Noroeste. Este o invento, e Marco alto, de que
fallando Damiao de Gocs diz (fallando da tal liba do Conro) que por isso
OS mareantes Ibe chamao a liba do Marco, porque d'alli se demarcio
em demanda das mais Ilbas: e o nosso Fructuoso diz que alguns affi^
mao que a laNestatua aponta para outraliha ainda encuberta, ecbamah
da Garsa, que fica n'aquella direitura do Noroeste, e que do Norte da
Terceira e no verao se ve tnmbem a mesma Garsa, e na mesma direi-
tura ao Noroeste, e concine Fructuoso com estas palavras: cEa disto
nSo digo mais, senSo que he buma antigualba muito notavel, etc.» E
nós pelo que se segue conjecturaremos alguma cousa.
27 A segunda ainda mnis admiravel, e prodigiosa cousa he. que no
mais allo desta Uba està bum profundo valle, ou caldeira, que em baixo
tem terra de dous moios de scmeadura, e buma grande alagoa de agua
doce, e nella se vem sete Ilbeos pequcnos, apartados buns dos outros,
em 0 mesmo rumo cada bum, em que n*aquelle Oceano estao as outras
sete Ilbas Terceiras, que com estas duas de Flores, e Corvo fazem no-
ve; e reparando-se bcm, cada bum dos taes Ilbeos da alagoa està mos-
trando para que parte fica cada huma das outras sete Ilbas, e quaes me-
nos distantes entro si, e quaes maiores, quaes menores, comò se fossem
cstes Ilbeos de tal alagoa bum mappa, e naturai carta de marcar para
aquellas Ilbas todas. D aquì pois parece, podemos conjecturar que assim
comò 0 mappa, ou carta dos Ilbeos d'està alagoa, nao he obra de algum
antigo Astrologo, ou Piloto insigne, mas so da Divina Intelligencia, e
Providencia, (pois por isso se diz que obra da natureza he obra de ìd-
telligencia) assim tambem aquella fatai estatua do Cavalleiro apontador
de outras Ilbas, foi obra do mesmo Aulbor da natureza, e Provisor Dì-
vino, quo sempre acode a suas creaturas, e por aquelles melos que he
servido, para que Ibos agradecamos sempre.
28 Com ra'/ao 05 mareantes cbamarào a està Uba 0 Marco, porque
nella Ibo poz Deos, para que os desgarrados por tao vasto Oceano,
alli fossem tornar seu caminbo verdadeiro, corno ftìzem as nàos das In-
dias de Castella, e as da India Orientai, e as mais, ainda de Estrangei-
Liv. IX CxVP. VI 317
ros, e se refazem de aguada, porque aleno d*aquella alugoa doce, e alóm
de huma grande fonte, qiie os pobres moradores d'esla liha trouxerào
de muilo longe; e cortando para isso liutna serra, (cousa que vemos nao
bzem OS Cortesaos de huma Corte falta de agua) além de ludo ìslo a
Divina Providencia acodio, e para os navegantes que passao, com huma
grande fonte, que sahe sobre o mar, e debaixo de huma alta rocha,
d'onde se provém os navegantes que passao; e assim reprehende Deus
aos que nao sabem gastar com o bem commum, mas so com seus ap-
pelites, e particulares conveniencias.
29 He està liha pois, em sua circumferencìa, tao continuada em
altas rochas» que so tem dous pórtos ; hum està da banda do Norie,
quarto de legoa do lugar, e povoa^ao da Uba, e debaixo da sobredita
rocba, aonde sahe aquella fonte para aguada dos navìos, mais direito a
Les-Nordeste ; outro a Oesnoroesle, e a este chamao o Pesquciro alto,
e ao primeiro o Porto da Casa; e toda a mais costa da liha he do altis-
simas rochas, sem outro porto algum, nem subida.
CAPITULO VI
Do unico lugar junto, rendimenlos, e friUos da dita liha.
30 0 povo do Corvo, em muitos annos, era hum lugar de trinta
vizinhhs, ou fogos jnntos, lavradores e pastores, além de poucos mais,
espalhados pela liha, e estcve o tal lugar muitos tempos sem Parodio
algum, sugeito porém ao Vìgario da Villa de Santa Cruz, da vizinha liha
grande das Flores, ,e nem este Parocho hia ao tal Corvo, seniio pela
Quaresma a confessal-os, e nem pela Quaresma hia em alguns annos,
pela distancia de tres legoas de mar e tempestadcs d'elle ; d'onde se ve
0 desemparo em que tantos annos esteve este povo, corno escreve o ci-
tado FrucUioso, que eslava aipda em seu tempo ; e que nem do Corvo
havia barco para as Flores, mas que das Flores hiao li ao Corvo, quan-
do d'este faziao sinal por barco, corno do Pico ao Faial para o commer-
cio humano, e nem ainda entao para o Divino hia Sacerdote algum ; e
sofria Deos taes omissoes dos homens.
31 Até que chcgou a gente do Con^o a augmentar-se tanto, que o
lugar de trinta vizinhos passa jà de cento e onze, e jà (grafas a Deos)
se Ihe acodio com Parocho proprio, e algum outro Clerigo Presbytero,
3 1 8 IIISTOHIA 1XSULA^*A
e residentes sempre, mas reconhecendo sempre a Villa de Santa Gnn
das Flores corno a sua Matriz; e tem o lugar do Corvo sua limpa Igreja»
e da ìnvocacao de Nossa Senhora do Rosario, que jà boje obra muitos
milagres. Em o civil se governa este povo por seu Jaiz pedaneo, e leis
de Portugal: e no militar por bum CapitSo, e sua grande Companhìa, e
mais oQiciaes d'ella;, e por onde pode haver entrada n'este lugar, tea
muro alto, e tres pe{;as de arteiharia, em tal fórma promptas, que n
levSo, quando querem, para onde sio necessarias.
32 Goza està Uba de muitos, e excellentes frutos, do mar, do ar,
e da terra: do mar be abundantìssima de peixe, e do melbor, corno ji
dissemos das Flores. Das aves do ar ainda be mais abundante, porqoa
além de muitos passaros que vem de fora, na Uba se cria ìnfinidade de
huns que cbamao Angelicos, do tamanbo de Tintilboes; outros que cha*
mao Bouros, e sao comò pombas; e outros que cbamSo Estapagados.
Dos Angelicos buta cento dSio buma Canada de azeite, tio bom corno da
oliveira, ainda para temperar, e corner, e nSo os colbem senSo em Ai-
Ibo, Agosto, e Setcmbro: dos Bouros tir3o tambem multo, e igualmente
bom azeite de comer, e a carne be tao boa, e melbor que a de gailioha;
e OS Estapagados deitao o mesmo, e multo, e excellente azeite pela bo-
ca, de sorte que fazem pipas de azeite d'estes passaros; e s3o tantos,
que barcos carregados d*elles mandao para as Flores^ mas tambem tem
grande vigia que se nao cacem nos mezes em que cri3o, por nao os de-
singarem, pois d'elles tem azeite a té para o prato, a carne para o me*
Ihor sustcnto, a penna para as camas, e até a graixa para tempera dos
panos.
33 Da terra he mais fru tiferà està liha do Corvo, porque a tem
d'ella he multo mais alta, e niais funda sobre as radicaes pedreiras, e
calhàos, de que a terra da liba das Flores, e por isso be mais forte, e
mais fertil, e assim, sem a deixarem descansar com folbas annuaes, se
semea a mesma terra cada anno, e so de trigo, com ser tao pequena
Uba, dà cousa de cento e cincoenta moios cada anno, além do centeio,
e cevada; dà muito lìnlio, e legumes, de favas, batatas, lentilbas, e bor-
tali^a de toda a casta, e da banda do Nordeste se semea toda a terra:
e por ser terra grossa, e de bons pastos, dà multo gado vacum, ove-
Ihum, cabrum, e muitos porcos, e grande numero de gallinbas de toda
a casta, e até cria egoas, de que sahem tao bons cavallos, que muitos
de là tem vindo para Portugal. Ile a Uba abundantissima de Icnha, e de
UV. IX GAP. MI 319
muitos e melhores Cedros de quo os das Flores; e nao se sabe que es-
tà Uba fosse alguma bora entrada, oa saqueada de inimigos.
34 Nunea bouve nesta Uba ar corrupto, ou peste» nem guerra, ou
fome, mas so multo vento : oao ba bicbo algum nocivo, nem ainda bum
so rato, e tem bomens de ofScio especial de Visitadores dos ratos que
a teda a embarcacao que vem das Flores, ou de alguma outra parte,
vSo primeiro visitar, se traz rato algum, e nao entra a embarcagao sem
primeiro o matarem ; mas tambem nSo ba em està Illia coellio algum ;
perém gatos muitos, e nao nocivos.
CAPITULO VII
Dot Danatarias, e tralo d'eslas duas Ilhas Corvo^ e Flores.
35 A prìmeira pessoa que se sabe tìvesse a Capitania Donataria
d'estas duas Ubas, que sempre andarao unidas, fot buma senhora mo*
radora em Lisboa, e cbamada D. Maria de Vilbena, que fez seu lugar-
tenente, e Govemador de ambas as Ilbas a aquelle fidalgo Flamengo
Guilberme da Silveira, de que fallàmos no liv. 8, cap. 4» e da dita se-
nbora veio a tal Capitania aos excellentes Condes de S. Cruz, que a tem
com a mesma jurisdicQio que os CapitSes das outras Ilhas, e se diz que
demais tem a casa de Santa Cruz em estas duas Ilbas o ser Commenda-
dor d'ellas, e ter os dizimos de ambas, e n3o «ó a redizima de CapitSes
Donatarios: e jà em tempo de Fructuoso, ba mais de cento e vinte an-
nos, andava a Uba do Corvo arrendada em trezentos e cincoenta mil
reis, e boje renderà mais de dobrado; e a liba das Flores renderla en-
filo ciuco vezes mais: e boje dez vezes mais. E se o titolo de Gonde de
Santa Cruz be d^aquella principal Villa, Santa Cruz da dita Uba das Flo-
res, ou se be de outra alguma do mesmo nome, isto constara das Doa-
C5es« e mercés Reaes.
36 0 trato de ambas estas duas Ilbas be de fidelissimos Catbolicos
Romanos em tudo; o que be multo de louvar na Uba do Corvo, que tan-
tos annos nem bum Parocbo teve, nem bum simples Sacerdote residen-
te, e comtudo nunca se esquecerSo da verdadeira doutrina ChristSa : e
em ambas estas Ilbas s3o todos os moradores puramente Portuguezes,
e sempre fieìs à Corea Lusitana, e nenbuma lingua usarao jà mais, nem
outros trajesscnSo os dos antigos Portuguezes, que conservao ainda.
3iO HISTORIA INSULANA
assim homens, corno mulheres, e d*esta$ as que s3o lavradoras, traba-
Ihao mais que os homens, ainda no cultivar das terras, alóm dos maitos
panos de lìnhos, e lans que fabricSo; porem a nenhuns d3o senSo a cor
que a natureza Ihes deo, e assim os vestem, sem admitUrem mais, ex«
ceptas as pessoas que nao trabalhSo de mSos, e so mandio trabalbar;
e todos OS d'estas duas Ilhas s3o bem apessoados, altas estaturas, corea
alvas, e boas feiQoes.
37 Mas porque os ventos em taes Ilhas sao maitos e fiiriosos, nio
usao de casas altas, e de sobrado, mas de terreiras somente» e mais
seguras e Tortes, e assàs grandes, e porque nunca usarSo de fazer de
barro louga, ou teiha, mas estas Ihes v3o das outras Ilhas, so as Igre-
jas sao cubertas de telha, e algumas casas de alguns dos nobres, se as
mais sao cubertas de paiha sobre tectos de madeira, mas palha tambem
atada, e tao segura, que nem ao resguardo» nem à limpeza, nem ao
aceio faz a telha falta alguma ; e comò em estas duas Ilhas se n3o sabe
haver n'ellas terremoto, ou sahir fogo algum da terra» s3o ainda mais
seguras as ditas casas.
38 E d'aqui vem que quando d'estas duas Ilhas vai caravelao à libi
Terceìra, e carregado de muitos panos, linhos, meias, e muitas galliohas,
e cameiros, os que vao a vender isto, comò s3o gente plebea, pasm9o
de verem tantas casarias, e tao altas, e nao costumao andar senio pelo
roeio das ruas, que sao multo largas; e perguntados, respondem que o
faze^, por Ihes n9o cahir alguma na cabe^a; e se das casas os chamio,
e mandao subir acima, nao acabao comsigo de o fazer, e respondem
logo, Trepar, isso nào; e n3o se fìào de escada, por mais Regia que ella
seja, e assim he necessarie mandar abaixo comprar-lhes o que trazem;
e s9o tao verdadeiros, e sinceros nos contratos, que nem faltarem à
verdade, nem dizerem huma mentirà, se acha n'elles; e mais usao de
permutacoes, do que compras e vendas, dando as cousas que trazem
por outras que querem ; corno por lougas, por assucar, e outras espe-
ciarias, e algum vinho que lev3o, e multo em especial por roupas de
vivas córes, corno vermelhas, e com tal candura, que por huma cinta
vermeiha, por huma vara de Vereador, ou Almotacel, d3o muitas vezes
dobrado valor, em o que trazem; e nao poderao deixar de ser por Deos
muito castigados os que enganào a tal gente ; sendo que ji boje sào
mais acaulelados, mas nunca tanto, que sua cautela ven^a a malicia
opposta.
Liv. IX C-VP. Vili 321
30 . Com esld sinceridade, e candiira da plebe d'eslas duas Ilhas
se ajnnta huma capacidade de discripgao e juizo tal, que verdadeira-
mente parecem huns diamantes, ainda nao lavrados; où (corno se diz)
diamantcs brutos, que se os lavrao o conliecem, sahem em elTeitos de
finos diamantes. Ex|)erime(itei isto ha quasi cincocnta annos, Icndo no
Collegio de Angra latinidade ; e indo das Flores a comecar a aprender
a lingua Latina bum mancebo ja com mais de vinte e dous annos, em
breve mostrou ser diamante tao Qno, e de tal fundo, que dentro de so
o primeiro anno se fez perfetto Grammatico, e no segundo anno c^n-
stniia perfettamente qualquer livro latino, e alcancou cabai noticia da
Poesia, e Itbetorica, e se llie cooferirao logo as Ordens, até de Missa e
foi iium multo grave, e douto^Parocho. Experimentei tamliem, len()o ja
cadeiras grandes em o Keal Collegio de Coimbra, ha quasi quarenta
annos, que indo àquella Universidade outro mancebo das Ilhas do Corvo
e Flores, e estndando Dtreito Canonico, salilo nelle com tal louvor de
todos approvado, que desejando eu^ saber, quem, e d'onde era, achei
qoe nSo sa era naturai das ditas ilhas, mas que era o primeiro que das
ilhas do Corvo, e Flores fora estudar a Coimbra, conforme aos livros
da Matricula daquella insigne Universidade: d'onde venho a concluir,
que assim comò là dizia o Poeta militar: Que estào por esses tnoniuro»,
peitos que podem servir de fortes muros; assim pelas mais remotas
Ilhas estao pedras de engenhos tao prociosas, que lavradas sahirau dia*
mantes de Mestres de cadeiras.
CAPITILO Vili
Das Ilhas, (pie se espera descobrir de noto,
40 Nunca eu me atrevera a fallar de Ijhas encubertas; ou a pn^-
fetizar d ellas, se as nào achasse apontadas, e dclineadas pelo eruditis-
simo Doutor Gaspar Fructnoso, de quem nao pequeiia parte desta \\\$r
toria tirei; e por nao ser diminnlo. ou infici a Doulor de tanta fé, e tao
antigo, recopilaroi aqui, e aponlarei o que elle traz disperso, e desuuido
em muitas, e mui diversas partes, corno muitas vezes faz, em seu antigo
estylo: e porque primeiro traz (liv. 6, cap. 38) o que bum grande Juizo
ajuizou de Ilhas ainda eacubcrlas, e depois de metter oulras ninlcrias,
VUL. 11 2 l
322 IlISTOIIIA IN^DLANA
traz 0 que oatros antigos disserSo das encubertas Illias: tado» e por
sua ordem ajantaremos aqui.
41 Entre os prìncipaes Povoadores da liha do Paia!, velo a ella
tambem bum fidalgo ÀfeiaSo» que casou com huma Alba do prìmeiro
Donatario do Faiai Joz de Utra, e o AlemSo se cbamava Martini de
Bohemia; e este era tao grande Mathen)atico,'e espedalmente tSo insi«
gne Astrologo, que andando na Corte Lusitana, fòaia ENRei grande es*
timacSo, e conta d'elle, n3o so por sua nobreza, maà por sua sabedo-
ria, e noticras que dava por observacSo de Eslrellas: a qtial era i3o no*»
tavel, que estahdo ainda na Corte, e por no^icìa d'ette mandando Bl^
Rei de Portugal navios que desimbriseetn as Antilbas, no ttesmo Po^
tugal disse e mesmo Boemia ao Rei o <dia e bora^ em que os navios
voltav3o arribando, sem descfibrirem as Antilbas. E advinhava tanus
outras cousas por observa(5es de felstrellas ; e t3o certamente se vtio
ao depois, que o rude povo em lugar de julgar ao fldalgo por excel**
lente Astrologo, o tinha por Nigromantico ; comò» se assim corno hi
quem ve sem nigromancia alguma, a agua que corre por multo baixiir
e fundo de terra, e a qualìdade da agua ; os metaes que estio ero o
centro mais profundo; e o que està dentro de bum corpo bumaho; eomo
nSo poderà haver tambem, quem sem Nigromandii veja o que mdioo
as EstreHas.
42 Chegado pois ó mcsmo Astrologo ao Palai, disse em prìmeiro
lugar, que ditoso seria aquelle homem, que em as Ilhas tìvesse barn
bom cavallo de pào, para se poder ir d'ellas. E iste (diz Fructuoso) vi-
mos ju no tempo das alteracoes, e guerras de Felippe com seu primo
D. Antonio, no tempo dos fogos, dos terremolos, etc. Disse em .segan-
do lugar, e antes de se descubrirem as Indias de Castella, que ao Sa-
doeste do Faial, aonde elle estava, vìa bum Pianeta dominante sobre
/luma Provincia, aonde se serviao os moradores com vasos de ouro, e
prata, de que carregadas embarcagoes se veriao no Faial, e antes de
multo tempo, eie. E dentro de poucos annos se virSo em o Faial nios
que vinh3o do Perù, achado entao, e que vìnliSo Carregadas de curo,
prata, e pedraria.
43 Disse em terceiro lugar, que o Sudoeste do Faial, e Pico, esla-
vao por descubrir tres Ilhas em triangolo, e que huma d ellas era multo
grande, e propriamente chamada da Madeira, e a outra mais pequena,
e multo boa lambem ; e outra ainda mais peqoena, e que tintw ouro, e
uv. IX cu». IX 323
era ariosa ; e que tempo viria, em qne depois de taes Ilhas descuberlas,
OS barcos das ontras iriSo a ellas: e dizendo-lhe entao o Capitao Utra»
qoe fossem a descubril-as, o Boemia Ihe respondeo, que se nao mettes-
se n*isso, que se nao descubririao em sua vida, nem na de seus filhos.
E accrescenta Fructuoso, que so isto està por ver, de quanto disse este
Astrologo, que forao muitas cousss, as quaes todas se virao corno as
disse. Tambem dizem que dissera (indo bum Gaspar Gongalves de Ri-
beira Seca da Terceira a descubrir outra nova liba ao Norte d*estas :)
cAgora arriba Gaspar Gon^alves da sua liba, e nunca mais acharao, e
Ihe cahio bum bomem ao mar, etc.» E achou-se ter succedido assim,
porque dando em seco jà da Uba, e indo bum bomem a tomar a velia»
cabio ao mar* e sem poderem tomal-o pela corrente das aguas, se tor-
Dar3o sem mais acbar a ilba.
CAPITULO IX
De (mtras Ilhas, gue ha nesU nosso Oceano por descubrir ainda.
44 De bum Provisor, e Vigario Geral das Illias de Cabo Verde,
que d'ellas veio, e arribou a S. Miguel, e de bum Quartel ou mappa
antigo que trazia, Teito pelo Comograro mór dei-Rei Dom Joao o III ao
qual cbamavSo o Freire, pai do seguinte Cosmografo mór Luiz Freire,
diz 0 Doutor Fructuoso liv. G cap. 49, que tomou a noticia de outras
novas Ilhas, que cstavao por descubrir ainda, e d eslas diz o que aqui
veremos, e Qque a fé d està historia a conta do mesmo Autbor, que nós
so referimos o que diz, e julgamos verdadeiro, e be o seguinte.
45 Ao Norte da Uba de Sao Miguel, oìtenta legoas pouco mais, ou
meDOS, esti buma Uba chamada as Mayadas, com outras suas vizinbas
ao redor : e n*estas se diz que ha muitos pinbeiros, e outros paos mui-
to grandes. Do porlo da Cidade de Ponta Dclgada navegando ao Su-
doeste cento e vinte e duas legoas e meia, se vai dar de meio a meio
coro buma Uba, que cbamao a Uba do Bom Jesus, a qual corre direita^
mente de Leste a Deste; tem dezoito legoas de comprimento ; e indo-se
d*ella por linba direita a Leste, se vai dar na costa de Africa, em a ter*
ra que cbamao o Cabo de Catim ; e da mesma Uba do Bom Jesus para
Leste se vai por linba dar na liha do Porto Santo vizinba da Madeira»
e d està dista a do Bom Jesus duzontas e quarenta e cinco legoas, e
321 IIISTOIUA INSILANA
està em trintn e tros graos da altura da linha Equinocial para o Norie:
da dita liha para o Nordeste se vai dar na de S. Miguel; e para o Nor-
nordeste se ì& nas lllias do Faial, e Pico : mas quem partir da liha do
Bom Jesus para Leste, deve ir sempre com vigia, porque em distanda
de seis legóas esti outra Illia. em que poderi dar com o descahìmento
da derrota.
46 Està terceira Ilha se cliama de Santo Antonio ; esti ao Sul da
liha de Sao Miguel, de cuja ponla dos Mosteiros dista seis gréos, oa
cento e cincoenta legoas. Da Ilha de Sao Miguel, e da de Santa Maria se
ve huma Ilha, que ainda se nSo sabfì que Ilha seja, e aiguns quizeiiki
dizer que era a sobredita Ilha do Bom Jesus, que nao obstante distar
tanto, se podin ainda ver em aiguns dìas pelo reflexo debaixo da agua
do mar ; nssim comò (dizem) assim comò huma raoeda lan^a em hum
vaso de agua, e olliando-se para ella por linha direita, se ve de mnito
mais longe. do que se veria, se estiverà fora da agua. Outros qoizerlo
dizer que era outra Ilha aìnda incognita ; porém seja 'a Ilha que for,
(adverte Fructuoso) quem sahir da Ilha do Bom Jesus para Leste, senao
der com a Ilha de Santo Antonio, levare sempre boa vigia, por nao dar
a travez com outra quarta, e maior Ilha, que ainda està a nós encul)crta.
47 Desta quarta Ilha diz o mesmo Fructuoso que (segundo vio na
particular carta de mnrear que a ti*az) se chama Ilha de Santa Cruz, e
quo desta se diz ser a mais antìga, e ainda a nós encuberta, Ilha da
Madeira ; e (pie a que depois descubrimos, e chamamos Madeira, tinlia
por seu nome proprio a Ilha das Pedras : da dita pois Ilha de Santa
Cruz (ou Madeira ainda encuberta) achou Fructuoso que esti em altura
de trinla e dous graos ; e que sahindo da Madeira em direitura a Deste
setenta logoas, està a Ilha de Santa Cruz; e quem for da Ilha de Sao
Miguel buscar a Ilha sobredita de Santa Cruz, ha de navegar do Norie
para o Sul até altura de trìnta e tres graos precisos, e que d'ahi virar!
para n banda do Poente, ou Ceste pelo mesmo parallelo, reparando sem-
pre beni aonde Ihe fica Sao Miguel ; e tendo andado para Deste oitenta
legoas, e alò cento, nao dando com Santa Cruz, tome a tomar a altura
dos Irinta e tres graos, virando a proa para Leste, e assim de Leste a
Deste, conio de Norte a Sul lavre o mar dentro de espaco de so vinte
legoas, e de bordo em bordo vira a dar com a ditii Ilha, e sempre coni
tal vigia, qne nao de a costa.
48 Aflirma pois o dito Fructuoso d'osta Ilha de Santa Cruz, qu^
I
ijv, IX GAP. X :]ir>
tem de comprim^nto quarenta e duas legoas, cousa quo em nenliuiiia
outra das de quo temos Tallado, achamos alégora : alTirma mais que da
banda do Sul tem està lllia huma grande baliia, e diante della dous
llheos, com distancia entre hum, e oulro de tres legoas; e que da banda
do Norie lem outra enseada pequena, outra da banda de Leste, e da
banda de Oeste outra. E o que mais he, dizer que està tao grande Illia
he povoada, e de ludo isto dà por testimunlias os singulares mappas,
iestimunhas, e noticias que aeima aponlamos; mas he cousa notavel, quo
nao diz, de que gentes està Illia seja povoada, se de tientios, ou )lou-
rus, oullebreos, se dehereges, ou Gatholicos: salvo alguem quizer ain-
da sonbar, que em tao grande liha ainda esti o antigo, e Lusitano Rei
D. Sebastiiio, e que ainda ha de vir de là, nào obstante ter de idade jà
cousa de cento e setenla annos; mas deixemos estes soniios. 0 certo he,
que coro està fatai liba de Santa Cruz acaba o Doutor Fructuoso o sexto
livro de sua historia, e o Capitulo 49 ultimo d'ella ; [M)rque ainda que
deixou comecado outro tomo, que intituiou: — Saudades do Ceo — i)ara
o Geo se foi, (juando compunha o Capitulo 4.
CAPITULO X
Compendio da Ilishria das llhas, para o juizo que para se conserrarem^
se deve formar d'eltas,
49 Das nolicias atégora dadas em loda està liistoria, se deve tirar
summariamente, que as Ilhas Canarias sào doze, e que de ciuco d'ellas
nao ha (|ue dizer ; mas que pela ordem com que forào conquistadas, a
primeira, chamada liba do Ferro, tem so legoa e mela de comprido,
Imma de largo, e huma so Villa chamada Lbanos, e nenhum Ingar mais.
Porém que a segunda, chamada, Forte Ventura, tem dezoito legoas de
comprido, tres de largo, e ero ludo isto huma s6 Villa, e quatro biga-
res; e comtudo tinha tres, chamados lieis, que separadamente a gover-
navao. A terceira Uba, a que chamao Lancerete, he igual no tamanho à
segunda, e tinha huma so Villa, e nada mais, por ser multo inh'uctirera.
A quarta Uba, que se diz Gomeira, tem doze legoas de comprido, e de
largo quatro, huma Villa, e demais bum so lugar de sessenta vizinhos,
e em loda a Uba bum so Rei.
50 A quinta, e principal liba, a que chamao a Gra Canaria» lem
3i6 HISTORIA IN8ULANA
dezoito legoas de comprido, e de largo quatro, e huma Cidade qae ebe-
ga a tres mil vizinhos, e aléin d'ella quatro Viilas, e lugares mais ne-
nhuris ; mas a Cidade nuo so he a cabe^a Ecclesiastica de todas aquelbs
llhas» mas tambem tem lodo o politico governo 8obre ellas todas. A
sexla liha se chama Tenerife» e tem quinze legoas de comprido, è em
varias parles tem seis, oilo, e dez de largo, e tambem sua Gidade cha*
mada a Alagoa, e de dous mil vizinhos, e além d'estas tres Villas, e
doQS lugares, e mais espalhadamente multo povoada. Septima liba be a
celebre Palma, de dezoilo legoas de comprimento, e sete de laif ura, e
Imma Cidade chamada Sào Miguel de Santa Cruz, que tambem consti
de dous mil vizinhos ; e tem a Uba alguns lugares mais, mas de pouca
consideragao, e ainda de menos as ootras cince Ilhas, de que por isso
mesmo se nao faz mencào. h'onde se ve que as ditas Canarias, enfladas,
tem de comprimento cem legoas e meia, e unidas as largut^s, tem trio*
ta de largo ; e Cidades tres, Villas onze, ^ quatorze lugares, fora espa*
Ihados Serranos; e todas eslas Ilhas chegarSo a nove mil vizinhos.
51 Em segundo lugar as Ilhas de Cabo Verde s3o onze, coja prìn-
cipat se chamava. Boa Vista, boje porém Santiago, e tem treze legoas de
comprido, huma so Cidade do mesmo nome de Santiago, e de so du-
zentos vizinhos, mas com Bispo, e sua Sé, e nao se sabe de mais luga-
res jurtos. Segunda liha se ciian>a a Maia; terceira Sào Felippe, ou Uba
do Togo; quarta Suo Christovao; quinta a IHia do Sai ; sexta a Brava;
septima Sao Nicolào: oilava Suo Vicenle: nona se chama Raza Branca:
ou Rosa Branca: decima Santa Luzia, e consta de oilo legoas: undecima
a de Santo Antonio, ou de Santo Antao, e das raesmas legoas consta qoe
a decima de Santa Luzia : e nao se diz nnais de taes dez Ilhas, porque
nem póvos, nem lugares tem consideraveis : porem he multo de adver-
tir, que em seus principios vinha d'estas a Portugal bastante ouro, tira-
do por commercio. da terra firme de Cabo Verde; porem depois que se
descuhrio a India Orientai, e o Brasil, n?lo se fez mais caso do ouro de
Cabo Verde: mas sempre se fez do ambar, que nao so se acha na costa
da primeira liha de Santiago, mas tambem nas costas da quinta, sexta,
nona, e decima.
52 Em terceiro lugar se (kve advertir, que a Ilha de Porto Santo
tem de comprimento quasi quatro legoas, e huma e meia de largura, e
sua cabala he a Villa de Sao Salvador, que passa de quatrocentos vizi-
nhos, e tem mais tres lugares juntos de póvos unidos, e nao espaiha
klV. IX GAP. XI . 327
dos ; 6 f6ra esles tem alguos outros póvos divididos, corno o que dia*
idSo Farrot)o, e qge cbamao Fóleira, e em tudo tem quasi mil vizinhos,
^ muito mais de liomens que possao tomar armas.
S3 Em quarto lugar se deve reparar, que a ramosa Uba da Madei-
ra, em a primeira sua Capitania òao so tem a Cidade do Funclial, de
dous mil viziuhos, mas tem mais as duas Viltas, da Poota do Sol, e d9
Calheta, e $ete lugares mais, e em esles, e nas Vìllas, e Cidade, tem
por todos tres mil e seiscentos e trinta vizinhos : e na seguoda Capita*
Dia cbamada de Machico tem outras duas Villas, Maclùco, e Santa Crm;»
e além d*estas tem mais oito lugares, que em si, e nas suas duas VUla9
tem dous mil e trinta vizinhos; e vem a constar a liba toda de ciuco mil
e seiscentos e sesseqta vizinhos. Das Uhas desertas que estao junto (h
Madeira, e nem nomes proprios tiverSo, nem tem póvos alguns, n3o
fazemos jà men^o, e fizemos a que basta no fim do livro 3.* comò tam*
bem de duas Ilhotas, ou Ilheos, que estSo ao Sul da Madeira, trinta le^
goas, e pertencem às primeiras doze cbamadas Canarias.
CAPITULO XI
Coniinmhèi o Compendio wteced$nii.
Si Em quinto lugar se ha advertir mais, qoe a Illia de Santa Uà*
ria nao so tem quasi cinco legoas de comprimento, e quasi tres de lar-
gura: nem so tem por cabe(a sua a Villa do Porto: e n'esta mais de qua*
trocentos visinbos: mas que tambem além d està Villa tem quatro luga-
res: Santo Antonio com cem vizinhos; o Espirito Santo com oitenta: Sic
Fedro com sessenta: e o de Santa Barbara com quarenta, fora outros de
visinbos espalbados, com que passa està liba de setecentos vizinhos, e
mais de mil bomens de armas.
55 Em sexto lugar se advirta mais, que a Uba de Sao Miguel tem
dezoito legoas de comprimento, e quasi tres na maior largura; tem bu-
ina Cidade, e cinco Villas, e viole lugares, que em seu lugar ja aponta-
mos, e OS vizinhos de cada povo d*estes: e achanos serem seis mil e oi-
tocentos e sessenta e bum vizinhos, nao fallando em os muitos Conven-
tos que lia n*esta Uba, de muitos Reirgiosos, e muito maior numero de
Religiosas, e bomens de armas serao doze mil.
56 Em septimo lugar deve-se notar, que a Uba Terceira, sem pas-
328 KISTORIA INSULINA
sàr de sete legoas em seu comprìmehto, e de quatro em sua larguin»
lem duas Capitanias Donatarias, a de Àngra, e a da Praia, e esla n3o so
lem a Villa da Praia por cabega, e setecentos vizinhos n'el)a; mas tem
mais oito lugares, cujos vizinhos, e os da dita Villa fazem mil é oilo-
centos e vinte vizinhos; e a outra Capitania tem a Cidade de Àngra por
siia onbeca, e n'ella tres mil vizinhos; e demais outra Villa diamada Sao
Sebasti3o, e outros oito lugares, que com a dita Cidade, e com a so-
bredila Capitania da Praia, fazem cinco mil e novecentos e quatorze vi-
zinlios; sendo que a da Madeira, em outras duas Capitanias, ainda que
tem sua Cidade, e quatro Villas, em tudo tem so quinze lugares, e ^
cinco mil e seisc^ntos e sessenta vizinhos; mas a àmbas vence ainda a
de S3o Miguel, que sobre huma Cidade tem cinco Villas, e vinte luga-
res, e seis mil e oitocentos e sessenta e hum vizinhos.
57 Em oitavo lugar a Illia de S9o Jorge tem mais de dez legoas
do comprido, e quasi hume e meta de largo, e tres Villas, Velas, Galhe-
ta, 0 Topo, e além dellas tem mais quatro lugares juntos, fora muttos
moradorcs espalhados, e d'estes, e das Villas, e lugares os vizinhos to-
dos passao de oitocentos^» émr que Im mais de mil homens de armas.
38 Em nono, lugnr a niia chamada Graciosa tem quasi quatro le-
goas de compriraeuto^ e mais de huma de largura: e porque he toda
plaina, e cultivada, raro lugar tem lavradores juntos, mas todos os cul-
ti vadores vivem espalhados pela liha, e muilo mais os pastores; porém
da uobreza tem duas famosas Villas, a principal se chnma Santa Cruz, e
consta de seisòentos vizinhos: a segunda Villa se chama Praia, e pas.<a
de trey.ontos vizinhos, e so entre estas Villas ha hum lugar de p»)voado-
rcs juntos, e tem mais de trinta vizinhos, o por todos chega a mil, e a
dous mil homens de armas.
59 Ein decimo lugar a liha do Favai tem cinco legoas (e mais se-
gundo al«(uns) de comprimento, e de largura em parles tem mais de
duas legoas» e em outras, mais de tres; sua unica cahec^ he a Villa cha-
mada tiorta, que passa de quinhentos vizinhos; e além d'està tem mui-
tos lugares, dos quaes podiOo alguns ser nobres Villas, porque ainda que
0 lugar chamado Kibeirinha tem cento e oito vizinhos; e o de Xossa Se-
nhora da Graca tem cento e dezaseis; e o de Nossa Senhora da Ajuda
cento e vinte; e o da Senhora da Esperanfa, chamado o Capello, ^em
cento e vinte e lium; e o da Santissima Trindade, que chamao da Praia,
cento e vinto e tres; e o do Nossa Senhora das Angustias, perle da Vii-
LIY. IX GAP. XI 3Ì9
la, tcm cento e sesscnta e quatro vizinbos; ainda outros lugarcs tem tan-
tos mais vizinbos, que o do Espirilo Santo tem duzentos e trinta e seis;
e 0 que cliamao Cedros, tem duzentos e noventa, e o Castello Branco
passa de trezentos vizinbos; e vem a ter està Uba do Fayal na sua Villa,
e nos nove lugares, dous mil e setenta e oito vizinbos, e bons quatro
mil homens de armas.
60 Bm ondecimo lugar a liba do Pico tem dezoito legoas de com-
prìmento, e quatro de largura; Villas tem duas, a primeira, e principal
se chaDaa as Lagens, e tem duzentos vizinlios juntos, e arruados dentro
em si: a segunda Villa se cbama Sao Roque, e està da oulra banda do
Norte, e consta de cento e cincoenta vizinbos, tambem juntos, e arrua-
dos: OS lugares de povo janlo sào, o de Santa Barbara no porto de San-
ta Cruz, que tem mais de cem vizinbos; o de Suo Mattbeos, que passa
de cincoenta; o da Maddalena, que tem mais de bum conto: o da Pìeda-
de, que passa de cem vizinbos, e o ebamado dallibeiiToba, ou Prainba,
qne de vizinbos juntos tem cento e vinte, e com estes cinco lugarcs, e
as duas Villas sobreditas, terao mais de oitOcentos e vinte vizinbos; nao
sSo menos os que vivem espalbados por t3o grande Uba, e de tanta fa-
brìca de vinhos, e de mais frutos, e abegoarias: donde se ve que tem
mais de mil è quinbentos vizinbos està Uba, e multo mais de tres mil
liomehs de anrtas.
61 Em duodecimo lugar a lilia das Flores consta de mais de cin-
co legoas de comprido, e quatro de largo; consta de duas Villas, primei-
ra. Santa Cruz, que passa de duzentos vizinbos: segunda a Villa das La-
gens, que tem mais de trezentos vizinbos: e dos ouiros lugares de Sao
Pedro ebega a cento e cincoenta vizinbos: o da Lomtia tem cincoenta: e
o lugar que cbamao o da Ponta, tem su trinta: e outros tantos tem o
lugar cbannado Cedros: e menos ainda tem outro lugar, a que cbamùo a
Caveira: e com os que morào scparados pelo Certuo, conlcm està liba
loda setecentos e cincoenta visinbos em duas Villas, e quatro lugares: e
mais de mil e quinbentos bomens de armas. Ultimamente a Uba cbama-
da Corvo tem de comprimento mais de duas legoas, e meia legoa de lar-
go: e 0 unico lugar que tem, e se cbama N. Senbora do Rosario, passa
de cento, e onze visinbos, e de duzentos bomens do arnias.
330 HI9T0II1A INSIXANA
CAPITOLO XII
Conclusào do Compindio acima.
62 Conclue-se prìmeìro do acìma dito» que as nove Ilbas Terceiras
(enfiados os comprìmentos d'ellas, bum pegando com oulro) tem todn
de comprìmento setenla e quatro legòas. das legoas Hespaobolas» qoe
s3o de quatro milhas, ou quatro mil passos cada booia. Conclue-ae.ie*
gundo, que uoindo tambem as larguras das taes Ilbas eutre si, tem to»
das de largo vinte e quatro legoas e mela: donde se ve, qoe tendo Bei-
panha de comprimento quasi trezentas legoas^ e na maior largura do«
zentas e cincoenta, Gcao tendo as ditas Ilbas Terceiras, no comprtmeulo,
a quarta parte de toda Hespanba: e na largura ficSd seodo de Hespanha
a decima parte: e que a respeito de Italia (que be menor que Hespanba»
pois Italia so tem duzfintas e cincoenta e ciuco legoas em o siaior cani*
primento, e so cento e duas na maior largura) flcio as ditas IHias seih
do em seu comprimento a terceira parie (pouco menos) do oomprimeih
to de Italia, e Qc3o sendo em sua largura a quarta parte.
63 E se comparar-mos as ditas Ilbas Terceiras com ludo o qoe o
seu Reino de Portugal lem cà na terra Qrme de Europa* bem se sabe
que boje a Lusitania, ou Portugal (ainda comprehendendo o Beino do
Algarve) tem de comprimento noventa e huma legoas, desde a penta do
Cabo de SSo Vìcente para o Norie atè a foz do rio Minbo; e jà fica este
comprimento sendo maior que o das Ilbas, so dezasete legoas, pois so
estas vSo das sdenta e quatro legoas do comprimento das taes Ilbas pa-
ra as noventa e buma do comprimento do Portugal: porém comò Por-
tugal na maior largura tenha trinta e oito legoas, desde a poala de do-
tra ató a Villa de Alegi*ete, que confina com a raia de Castella; e so vior
te e quatro legoas tenhào as sobreditas Ilbas em sua largura, segue-se
que so quatoi'ze legoas (que vao de vinte e quatro para trinla e olio)
vence a largura de Portugal à das ditas Ilbas.
6i Pois se fizermos comparaQao do comprimento, e largura das di-
tas Ithas com os de cada huma das seis Provincias de Portugal; e se re-
pararmos, que a Provincia de Entre Douro e Minbo tem s6 dezoito le-
goas de comprimento, e pouco mais de dez de largo; e a de Traz os
Montes nuo passa em seu comprimento de trinta e seis legoas, nem de
trinta e quatro em sua largura; e nuo he maior a Provincia da Beira: e
LIV. IX GAP. XII 331
amda sao menores, assim a Proviocia do Alem-Tejo, corno a da Estre-
madura em Portugal; e em firn o Beino, ou ProvÌDcia do Algarve ebega
de comprido a so vinte e oito legoas, desde Seixes até Crasto-Marim, e
de largo nao tem mais de que seis legoas, desde a Ribeira de Yascao
(junta ao Campo de Ourìque) até o mar Oceano: se repararmos pois
n'isto» acbaremos, que d3o só nao ha provincia alguma das seis de Por-
tugal, que occupo tartta terra, quanta occupao as nove Ilhas Terceiras,
mas que ainda huma só d estas (qual he a Illia do Pico) nao occupa mui-
to menos terra, do que alguma das ditas seis Provincias Lusitanas.
65 He verdade que nas ditas seis Provincias de Poilugal ha dezoi*'
to Cidades, (e só duas ha nas sobreditas nove Ilhas, e dezoito VHIas, e
sessenta e quatro lugares de póvos juntos), e que n aquells^ seis Pro*
vincias ha oitenta Yillas, e quinze mil lugares, corno se le em aquella
aurea historia, intitulada, Lusitania Vindicuta fol, 131, mas deve-se ad-
vertir, que tambem em Portngal a Provincia de Enlre Douro e Minho,
a de Traz os Montes, e a da Estremadura, cada huma nao lem màis que
duas Cidades; e assim corno cada huma d*estas tres Provincias tem Yil-
las, que podem ser maiores Cidades do que outras que o s3o; assim tam-
bem as ditas nove Ilhas tem muilas Vìllas, que excedem a algumas das
Cidades de Portugal; e assim comò em os quinze mil lugares de Portu-
gal ha muìtos, que excedem a muìtas outras Villas, assim nos sessenta
e quatro lugares das ditas nove Ilhas, ha muitos que excedem a outros,
que se fizerào Villas sondo menos populosos. e de genie menos nobre»
e rica.
66 Conclue-se terceiro, que nao só no comprimenlo, e largura de
terras, nem só no numero de Povoacoes juntas, e inteiras; nem só nos
multo Nobres, ricos, e Udalgos, que povoarao as nove Ilhas Terceiras,
e ainda n'elisa se conservao; nOo só em ludo isto sao hum grande Bei-
no, e maior que muitos, chamados ainda hoje Beinos, de Hespanha, e
Portugal, cousa que metterao os Mouros quando em Hespanha entrarao,
pondo em cada Cidade, e 6m cada povo grande hum seu Bei, comò (por
Hespanha) em Toledo, em Murcia, em Valencia; e por Portugal em La-
mego, em Vizeu, em Braga, em o Porto, em Santarem; e ainda nas Ca-
narias em cada Uba tinhao hum Bei, e muitos em hurtia só, comò jà vi-
mos: e d*esta sorte podia haver em as Ilhas Terceiras muitos Beis; mas
com muita mais razao em todas nove hum, verdadeiramente illustre, ri-
co, e poderoso Bei, pelo que fica mostrado da riqueza, e nobreza de
33S HldTORlA INStLANA
taes lUias; e pelo que se collie do numero de vassallos, e gente para
guerra que ha n*ellas.
67 Porque nas taes nove Ilhas, (confórme o acima relatado) e em
as suas duas Cidades, dezoito Yillas, o sessenta e quatro lugares, os vi-
zinhos $3o dezanove mil e setecentos e quatorze, e multo mais de via*
te mil vizintios» com os rusticos que liabitSo sós em o Certio; e os ho-
mens capazes de tornar armas, e soffrer guerra, sào trinta e etneo mil
e duzentos, e chegarào a quareiita mil homens de guerra; jà se ve, que
muitos chamados Reis, ou Principes, e Potentados, corno muitos em Ita-
lia, nem podém por, nem tem tanta gente apta para guerra, nao fallan-
do em velhos, e rapazes, nem iia gente necessaria para o servilo buma-
no, e cultivar das terras: do que tudo parece se devem formar os jui-
zos seguintes.
CAPITULO XIII
Do com que se deve acodir d espiritml ntcessidade das llhas Terceiras.
08 Scudo pois nove as Illias Terceiras, e todas povoadas de Geis
Christaos Catholicos ; e em o meio do Oceano Occkleutal tao d'istantes
entre si, que de sua cabe^a a liba Terc^ira, ainda que algumas distio
so cito, e pouco mais legoas de mar, outras distao ale trinta, e até
sdenta legoas; jà se ve que nao póde bum so Bispo, residente em An-
gra da liba Terceira, visitar e acodir pessoalinente, e cada anno, nem
ainda em cada novenio, a nove Ilbas enlre si tao separadas: porque em
inverno o vasto Oceano, e suas tempestades o impossibilitao; e no ve-
rao OS Cossarios contlnuos, e tao crucis, comò Mouros, e outros levan-
tados Pexelingres, e inimigos declarados d*aquellas nacoes, e ein o tempo
que com Porlugal tem guerra: e se o Bispo de tantas Ilbas per si pro-
prio as nao póde visitar, muito menos o |)odera fazer per enviados Vi-
sitadorcs scus; porque estes, ou serào conbecidos do Bispo, e Capita-
lares da sua Se, ou Ecclesiasticos graves da Uba Terceira, e estes por
nao se metterem no mesmo pcrìgo sobredito, nem queria ir, nem a
tanto os obrigao. E se a cada liba se deputarem Visitadores Clerigos
da inesma liba, mal o podcrao ser corno convem, porque em firn sera
visita de compadres, e nem o Yisitador da tal visita poderà ir informar ao
Bispo pelos sobreditos perigos do mar, nem o Bispo conbecer bem, e
ter experimcntal, e pcssoal conbccimcnto de tal Visilador.
LIV. IX GAP. XIII 333
GD E com effeito muitos Bispos nem a S. Miguel Tòrao jaroais, com
ser Uba t3o grande, e tao chela de Villas, elugares; e menos forSo a Santa
Ilaria ; poucas a S. Jorge, e Graciosa, e ainda menos vezcs à celebre
liba do Faial» e a maior Uba do Pico ; ^ nunca Bispo algum entrou na
Uba das Flores, quanto mais em a do Corvo, excepto o ultimo Bispo,
qoe dizem fora buma vez là : e d'està sorte estao as ditas Il^as sera,
nem de olbos verem a seu Bispo, mas viverem, e morrerem sem o Sa-
cramento da Condrmacao ; e ainda sem quem confesse ao seu Parodio,
para mellior confessar aos seus freguezes, comò vimos na Uba do Corvo,
e na das Flores, tendo ambas quasi novecentos vizinhos, Portuguezes
Catbolicos, e mais de tres mil almas de confissao ; e ainda muitas ve-
zes faltando-lbes até os santos Oleos para a Extrema un^io ; e tambem
morrendo sem este Sacramento, por nao baver ms^is que bum Bispo
em nove tao separadas, e t3o distantes llbas, sendo tao povoadas, ri-
cas e rendosas.
70 Parcce pois evidente, que se deve acodir a tao Catbolicas llbas
com 0 necessario governo espiritual, de que tanto necessitao ; e que
para isto se deve crear bum Bispado em a Uba de S. Miguel, cujo termo
seja n3o so toda a dita grande Uba, mas tambem a de Santa Maria mais
vizinba. E que na famosa Uba do Faial se crie outro Bispado, cujo termo
seja, nao so a dita Uba do Faial, mas tambem a maior Uba do Pico, e
as duas de Flores e Corvo, por ser a do Faial a que Ibes Oca mais vizi-
nba, S() quasi quarenta legoas, e por ser do Faial para as Flores o Oceano
mais livre, e menos infestado de Pìratas e Cossarios, que costumilo an-
dar entre as ontras llbas: e entao ao Bispo de Angra TiCtirao por seu
termo ordinario as outras tres llbas, Terceira, Graciosa e S. Jorge, que
Ibe fìcao mais visinbas, pois cada buma d'estas duas llbas flcao so oito
legoas distantes da Terceira, de terra a terra, e quasi costeando sempre,
e com mais seguranca se podem ir visitar; e desta sorte se acodiià à
espìritual necessidade d'estas nove ilbas.
71 E se alguem duvidar donde ba de sabir a renda d'estes dous
novos bispados, de S. Miguel e Faial: responde-se, que S. Miguel, tem
tal Matriz em Penta Delgada que tem nella a Sé feita no material ; e
porque n està Matriz de S. Sebastilio nao so ba Vigario, Tbesoureiro, e
Cura, e Mestre de Capella com mocos musicos, e do Coro, e alem de
tudo isto ba dez BeneHciados; e na Freguezia de S. Pedro (alem de Vi-
gario, e Cura, que se Ibe nao dcvem tirar) ba tambem oito Beneficiados
334 HISTORIA LN8ULANA
e sobre todos ha na mesma Cidade bum Oavidor Ecclesiastico com boa
renda; parece pois que bem se podem dos rendìmentos dos ditos de-
zoito Beneficiados, e da renda dos ditos Cura, Thesoureiro, Vigano, e
Ouvidor, bem se podem fazer quatro dignidades, De3o, Arcediago, Cbao-
tre, Thesoureiro mór, e seis Gon^os prebendados, e doas meios pre*
bendados, e quatro Capellaes, e flcar3o estes dezasseis sngeitos oum i
renda dos Tinte e dous extinctos, e demais com os officios de Provisor.
Vigano Geral, Penitencieiro ou Cura, para os qoaes oflBcios póde esco*
Iher 0 Bispo dos da sua Sé, qoem Ihe parecer; e n3o so com miior
honra, mas com a maior renda flcarìio; e a honra so bastava.
72 E coro maior raz3o pairece se deve resolver o mresmo da Ch
mosa Uba do Faial, porque ainda que he em si menor na distancia de
terra, povoacOes e nuniero de visinbos, do que a Ilha de S. Migoel;
maior que està he a grande Uba do Pico, com as outras dui» celebres,
Flores e Corvo, com as quaes tres deve ficar a liba do Faial, que abaiio
da Terceira tem o maior commercio que as outras; e da mesma sorte
que em a Matriz de Ponta Delgada de S. Miguel vimos jé formado o
material, e renda de hnma nobre Sé, assiro se acbarl na Matrìz do Faial
nobre Igreja da invocacào do Salvador com seus beneficiados, e doasCuras,
Vigario, Thesoureiro, e bum Visitador perpetuo, ou Ouvidor, além de outro
Ouvidor Ecclesiastico, que tem a Ilha do Pico, e pòàe deixar de ter, bavendo
Sé e Bispo em o Faial tao vizinho. E quanto a nao ser ainda a cabe^a
do Faial, Cidade, mas villa, nenhum gasto farà S. Mngestpde em a hon-
rar com o privilegio de Cidade, qiie jà ha muitos annos o tem merecido
por sua grandeza, nobreza, e Religioes que n'ella ha, comò jà larga*
mente vimos no liv. 8, cap. i.
73 A difliculdade so està em d*onde se ha de tirar a suiGciente
renda para cada bum dos novos dous Bispos de S. Miguel, e FaiaL
Porém se os taes dous bispos sao precisamente necessarios, corno aci-
ma jà vimos, darò està que dos dizimos que pagSo os seus fregoezes,
se ha de sustentar o tal Bispo : e comò os dizimos das ditas Ilhas nao
so OS leva El-Rei, corno Mestre da Ordem de Christo, mas tambem os
Donatarios das ditas Ilhas, a quem El-ltei dà a redizima, parece qne
d'està redìzima deve El-Rei mandar tirar o que baste para congrua de
cada bum dos ditos dous Bispos; e que assiro cook) El-Rei tira dos seus
dizimos 0 sostento de todos os mais Parochos, e Beneficiados de todas
as Ilhas, assiro tarobero os Donatarios d'ellas tirem das suas redizimas
uv. IX CAP. XIV 335
0 sustento sufficiente dos dous Bispos novamente necessarìos; pois nlo
8Ó de charidade, mas tambem de rigorosa joslìca deve ser sustentado
cada Bispo dos dizimos da terra de que he Bispo; ùem corno o Paro-
che da Igreja que tem Gonuneodador, leva sua sufficiente congrua dos
dizimos do Gommendador.
74 Nem podem os Donatarìos das taes Ilhas, vendo que o Rei Ihes
dà a redixima dos seus dizimos, deixarem eiles de concorrer com o di-
ziao d'essa sua redizima: e iato parece bastare para o decente susten-
to de bum Bispo, e que rendendo ao Donatario a sua redizima, r. g.
vinte mil cruzados, (comò a de S. Miguel ao seu, e ao seu a do Faìal,
e Pico) dò cada hum dous mil cruzados ao seu Bispo, e està congrua
parece sufficiente, para com decencia viver hum Bispo: pois menos ren-
da lem cada hum de aiguns Bispos em Italia, e sempre com suas Or*-
dens, Luduosas» etc., sere sufficiente a prìmeira congrua de dous mii
cruzadoa, em fnitos da terra, e em dinheiro, comò se ajustar ao prin-
cipio com 0 primeiro Bispo» para todos os seguintes, e Sua Magestade
0 determiDar.
CAPITOLO XIV
Comjdeminio do gotìimo EcdisiastUo das Ilkas Terceiras.
73 Aléqui nada mais fizemos, nem intentamos fazer, do que semen-
te propor 0 particular jutzo de quem està historia compoe, sobre o ne-
cessario governo Ecclesiastico das nove Hhas Terceiras, para que a so-
berana Magestade do Real Mestre da Ordem de Christo ouca (comò sem-
pre quer ouvir, e informar-se em cada materia grave, tocante ao bem
tMHomum) OS votos, ou pareceres que ha nella, e enlao escoilìen e de-
terminar 0 que for mais necessario, e conveniente: e assim declaramos
sempre^ e protestamos, so propor nosso particular juizo, e com elle nem
temerarìamenle presumir que o siga quem nos pode, e deve dar ieis,
iiem prqudicar a algum terceiro, que no que propuzermos, se s^tir
prejudicado, e deve ser ouvido. Isto presupposto.
76 Parece necessario, e conveniente que nas ditas nove Ilhas liaja
alguma Ecclesiastica jurisdicao maior, para onde ultimamante se appel-
lo das s^ten^as dadas na primeira inslancia do Juizo Ecclesiastico, e em
segunda instancia dà cada Bispo Insuiano em seu Bispado, e em tercei-
ra instancia se determine a causa no dito novo, e maior Juizo, e por fi-
33G iiisTOWA iNsrrjixA
nai senlcnca de que jà nao haja appellacSo para algum outro tribonal« e
ìsto sem termo algutn de Aigada Ecclesiastica, excepto sómente o caso
de extraordinaria materia, tao grave, e de tal quantia, que D mesmo In-
sulano, e supremo tribunal Ecclesiastico julgue, se deve admittir, corno
se fosse em revista, e recurso a Sé Apostolica, para se revir a caosa por
legilimo Rescripto Apostolico commettido a pessoa Ecdesiastica, que es-
teja nas mesmas Illfas, e que pelo contrario, se nellas se julgar em o
dito tribunal conforme &s leis do Remo, que nao he caso de tal recur*
so ou re vista, ent&o nem tal recurso se admitta, mas afinal seoleiica da<»
da se execute.
77 A razao parece evidente; porque de nove Uhas, as mais distan-
tes, que se sabe haver no mundo de toda a terra firme, e qoe cootém
quasi quarenta mil vizinUos, e porto de cem mi! aliqas Catholicaa, com
muitas Cidades, Bispados, Villas, e lugares, evidente obrigacSo parece,
dar-se-lhes quem os julgue no foro EcdesiastiCo, e com seoteoca final,
sem recorrerem a Portugalj distante trezentas legoas de mar, eom ma-
nifestos e continuos perigos, nao so de naufragios, mas ds eativeiros, e
gastos insuperaveis, e eternizando-se as caosas; e ainda mais as Eccle-
siasticas, que de si costumao ser dilatadissimas, sem se Ibes ver firn,
cousa que hum e outro diretto tanto abomìnSo; e as partes tanto mais,
que ouvindo, ou mandando correr a causa em Portugal, prìmeiro per*
dem a vida muitas vezes, e sempre a fazenda, (que sem demanda tinbSo)
do que «nlcancem a que defendem, ou demandao; e se alguns ricos, e
em Portugal apadrinbados, querem a Portugal trazer as cousas, por n^el?
le com seu poder atropellarem a jusliga, nSo deve està soiTreUo, e me-
nos 0 soberano Principe, que a todos he obrrgado a fazer igual justi(a.
Do mesmo modo, pois, que era todo o BrasìI, e em toda a India Qrien-
tal se terminilo, e tem seu fim as Ecclesiasticas causas ordinarias, (que
nao tocao a fé Catbolica) sem virem a Portugal por appella^ao aiguma,
ou a Roma por rescriptos;:do mesmo modo tambem em tantas juntas,
e tao distantes Ilhas, e povos tao numerosos, se devem flnalisar as cao-
sas Kcclesiasticas.
78 0 meio pois que para isto parece mais juridico, e ordinario, he
que havendo nas ditas nove Ilhas os propostos tres Bispados, de Sao
Miguel, do Faial, e da Terceira, este (comò mais antigo e da maior Ci-
dade, e cabala sempre das ditas nove Ilhas) seja intiUilado e promovido
a Arccbispo das taes Ilhas; e que oste ArcclMspo Icnha sua RelagSo Ec-
Liv. IX CAI». XIV 337
clcsiaslica de ao menos cinco Desembargadores, todos sacerrtotes, e o
mesmo xVrcebispo seja o Presidente dos dilos cinco, e esles sejào lelra-
dos formados, ou em direi to Canonico, ou em a Sagrada Theologia; e
por asta relacao se senlenceem a final as^ausas qiie a ella vierenti dos
Bispados suOTraganeos, e do mesmo Àrcebispado da Terceira, quando das
senteocas de seo Vigario Geral, ou Provisor se apellar para a tal Rela-
Cao, e D'està se findarao as causas, sem algnma mais appellacào, ou ag-
gravo, mas so com os embargos que permitte a Ordena^Oo do Reino; e
e se 0 caso for t3o extraordinario que se inste por revista d'elle, entào
0 mesmo Arcebispo com o seu Provisor, e Vigario Geral jiilgarào se se
. ha de conceder a tal revisla, e concedldo nomearao juizes nella, que se-
j3o mais, e nao sejao os mesmos que derao a senten(;a, tudo na dispos-
ta fórma pela Ordenagao do Reino.
70 E quanto ao ordenado dos taes cinco Desembargadores, sem se
tirar cousa alguma da Real Fazenda, bastare que o Arcebispo seja obri-
gado a dar Beneficio aos que ainda o d3o tiverem, e a dar-lh'o dentro
da mesma Uba Terceira ; e se for Beneficio de residencia, e ainda Paro-
cbial, se alcance da Papa Breve em que dispense com os quo servirem
de Desembargadores no tal Àrcebispado, para nào residirem per si,
mas por Cura seu, ou Economo, ex vi do maior servilo que à Igreja
fazem n aquella Relacào, e em Ilhas tao faltas de letrados, pois em va-
rias Sés tem muitos Conegos Igrejas unidas, e Parochiaes, sem per si
residirem n'ellas, pelo maior servilo que fazem na sua Sé, e Cabido, e
na Mesa da Consciencia os seus Deputados, e os Inquisidores no Santo
Officio : e da mesma sorte S. .Mageslade, comò Mestre da Ordem de
Christo, conceda ao dito Arcebispo, que elle la proveja os ditos cinco
Desembargadores, sem virem, nem esperarem por provimento da Mesa
da Consciencia, e de S. Magestade, corno se faz na India, e no Brasil,
com tanto que o dito Arcebispo nem a taes lugares do Desembargo, nem
osBeneficios delles, proveja senao em naturaes das ditas nove Ilhas,
comò 0 mesmo Rei faz em os mais Benefìcios; e com isto, e com o ren-
dimento de assinaturas, esportulas, e condemna^oes para as despezas da
Belacao, ficarào pagos os Desembargadores, e as Illias bem scrvidas.
80 Nem se diga, que mettidos de novo os dous Bispados de Sao
Miguel, e Faial, jà nao he necessario que o antigo Bispado de Angra suba
a ser Àrcebispado, e com so dous Bispados sufTraganeos: e que quando
em as Ilhas fosse necessario haver Àrcebispado, mais o deveria ser o da
VOL. Il 22
338 H[ST0RIA IN$ULANA
Madeira, (corno jà o Toi) do que o da Terceira. Porque se responde, qae
acima se vio a necessidade de haver nos Bispados das taes lihas algum
Juizo superior a quem se recorrer das santen^as dos Bispos sufTraganeos,
pela insofrivei, e perigosa distancia que ha d'elias a Portugal, e que comò
Juizo superior a Bispos suffraganeos nao possa ordinariamente ser, se-
nio de algum Metropolitano Arcebispo, forca he que haja oste nos ditos
Bispados das Ilhas; e deve ser seu terceiro sufTraganeo Bispo, o das
Ilhas de Cabo Verde, que das Terceiras flcao mais perto que de outro
algum Bispado Catholico; e pelas Terceiras se vai de Portugal às de Ca-
bo Verde, e se volta d'ellas a Portugal, e flca jà o Arcebispado das Ter-
ceiras com tres diversos Bispados suffraganeos.
81 E bem se ve que o novo Arcebispado das ditas Ilhas nSo se
deve levantar em a Uba da Madeira, por d'està estarem Qo distantes as
Terceiras, que pouco maiso est3o de Portugal; e cabina na mesroa, e
ainda maior impossibilidade de recurso, e jà por isso primeiro entrou
em Angra Bispo proprio seu, do que na Madeira entrasse seu proprio
Bispo algum. Que o Bispo pois da Madeira fique aìnda suifraganeo ao
Arcebispo de Lisboa, e nSo do novo Arcebispo das «Terceiras, fique mul-
to em boa bora, e so digo que assim corno a Madaira vai às Terceiras
buscar o pao necessario ainda para seu sustento, e nao vai por elle a
Portugal, tambem nao seria multo que às mesmas Terceiras fosse busi'^r
0 pio espiritual da Justiga, e doutrina Ecclesiastica, sendo seu suifraga-
neo Bispado.
82 Que quanto ao ter-se levantado na Madeira Arcebispado por El-
Rei Dom Joao o III, com ordem do Papa, dando-se-lhe por sulfraganeas
todas as terras que de novo entao erlo descubertas, comò a India Orien-
tai, e 0 Brasil. isso foi do tempo hum tal engano, que nem tal Arcebispo
entrou jà mais na Madeira, nem ainda o tìtulo de Arcebispado Ihe du-
rou, e foi a Madeira reduzida logo outra vez a so Bispado, corno vimos
jà no liv. 3, cap. 16, e se puzerao Bispos, e Arcebispos na India Orien-
tai, e no Brasil; e muito antes em 1472, tinha sido a Uba da Madeira,
com Breve do Papa, annexada, e sugeila ao Bispado de Tangere, e a seu
Bispo ; 0 que tambem logo se. desfez : e assim nao seria muito, se o
mesmo Bispado da liba da Madeira se mudasse do Metropolitano do
Lisboa (com quera tem menos commercio) ao Metropolitano das Tercei-
ras, com as qnaes tem commercio mais usado, e ordinario. Là o vejao
OS a quem luca.
LIV. IX GAP. XV 339
83 Resta pois quo no tal caso de se erigirem os dous Bispados de
Sao Miguel, e Faìal, e em Metropolitano da Terceira, que visto a este da
Terceira se Ihe tirarem seìs Ilhas, e fìcar so com tres de sua immediata
jiirisdiccao, que em lugar disso se llie conceda o prover là per si so ys
Beneflcios das suas tres Ilhas, (excepto o Deado de Angra), mas que ò|
nao possa prover, senao em gente naturai dealguma das ditas novellhasV
e nenhuraa Conezia em homem que nào seja letrado formado em direi- '
to, ou Tlieologia, havendo-o; pois entào, e com essa expectativa se ostu-
daràraais là em as Ilhas, e virao fof mar-se às Universidades de Portu-
gal; porque' se S. Ma^estade nio costuma prover Beneficio das Ilhas, se
nSo em homem naturai d ellas, d3o deve consentir que odito Arcebispo
faca 0 contrario, e menos que leve de Portugal criados para os prover
là, e nao aos naturaes do Arcebispado, podendo là servir-se de gente
multo honrada : e até os mesmos Bispados das Ilhas se proveriao melhor
em naturaes d'ellas, do que em outros que forem so a encher-se, e a
voltar promovidos; e moralmente impossivel he, que no grande numero
de Coneigos, Parochos, e Religiosos (comò ha nas nove Ilhas) nào haja
capazes de serem Bispos là, e mais zelosos; pois se em Portugal nao he
ordinariamente Bispo quem nao he Portuguez, razao sera que das Ilhas
nao seja Bispo, senao naturai d'ellas, havendo-o, e perseverarlo n'ellas
entao.
CAPITULO XV
Como se conservava o governo politico^ e juridico das Ilhas ì
Si Do que em seu lugar dissemos jà, so na Cidade de Ponta Del-
gada da liha de Sao Miguel ha hum Juiz de fora, que juntamente he
Corregedor da liha de Santa Maria; e nas outras sete Ilhas. comò tam-
bem na Ilha Terceira, nào ha senao Juizes Ordinarios, que sao dos me-
Ihores das terras; e julgfio na primeira instancia, admittindo appellagào,
e aggravo para o Corregedor de Angra em segunda instancia, e deste
se appella para a Relagao de Lisboa, quando a materia nao excede a sua
alcada; e d'està sorte se governao estas Ilhas, ha perto de trezentos an-
Dos. Quanto pois a Juiz de Torà de Angra, pareco que nao convem met-
ter-se-lhe, porque o levarao multo a mal as mais nobres familias, em
que sempre andarao estas Judicaturas, e nao convem a Coroa, e conser-
vacao das suas Ilhas, e menos a conservac-ao da cabcca d'ellas, desgos-
340 HISTOR!A INSULANA
tar tao gravemente a todos os principaes da dita cabe^a, mas qae go*
vernem corno atégora governarlo tantos centos de annos, e comò se go-
verna a maior parte de Hespanha com Jaizes sem serem Bachareis, mas
GOm Cavalleìros de capa, e espada.
^ 85 Quanto porém à Uba do Faial, parece necessario que n'ella ha*
ja bum Juiz de fora, Bachareì letrado formado, e que este seja Corre-
gedor juntamente das Ilhas do Pico. Flores, e Corvo, (comò o de S. Mi-
guel he Corregedor da Uba de Santa Maria) e que o tal Juiz de fora vi,
ao menos huma vez em seu triennio, visitar as Ilhas de sua CorreicSo,
e que o Corregedor visite sómente as ciuco Ilhas, Terceira,' Sao Miguel,
Silo Jorge, Gracìosa, e o dito Faial, pois n'este n3o ha tantos letrados,
comò na Uba Terceira, e o Corregedor desta assistirà mais em a sua
Cabega da Comarca, tendo menos Ilhas que visitar, e menos viagens de
mar; e ao Juiz de fora do Faial n9o he necessario que da Fazenda Rea!
se Ihe de o ordenado, mas que lh*o dem, e accrescentado, o Senado da
liba do Faial, e os das outras Ilhas, de que juntamente he Corregedor.
Mas tambem parece justo, que nas duas Judicaluras de S3o Miguel, e
Faial, bavendo l>oa residencia, haja entre ellas ascenso, e promogao de
huma à outra, e que depois de passadas ambas, e com boas residen-
cias tiradas, seja o que as tiver promovido à Correicao de Angra com
beca, e posse tomada na relafao do Porlo, e por seu Procurador, sera
virem pessoalmente a Lisboa requerer, corno por vezes se usa com os
que servem em o Brasil, na India, etc, e desta sorte bavera mais quem
queira ir servir os ditos postos, e com mais experiencia.
8fi Mas porque (ainda em caso que S. Rea! Mageslade ordene o que aqui
so se propoe) ainda fica a mesma diflricnldade(qne do Juizo Ecclesiastico
propuzemos ja nos capilulos antecedentes) de virem as appellac5es, ag-
gravos, ou reciirsos de tao dislantes Ilhas ao Reino de Portugal, com
tao excessivos gastos de fazendas, e pessoaes perigos das partes; por is-
so tambem, e sómente se propoe. que parece necessario erigir-se em
Angra urna Relacao sccular, aonde se fìndcm as càusas civis, e criminaes,
e se jiilguem a final as appellacoos, e aggravos que vinhao a Portugal;
assim 0 fez a Coroa de Castella em a cabeca das Ilhas Canarias, com se-
rem menos as povoadas, (corno em seu lugar jà vimos) e estarem menos
distantes da terra firme de Hespanha: e assim tambem o fez, e em va-
rìas partes das Indias de Castella e assim mesmo o faz Portugal em va-
rios lugares da India Orientai, ale em Macao na China, e cm o Brasi!
uv. IX CAP. XV 341
na Bahia, e em flm assim o senhor D/ Antonio pelo seu Conde de Tor-
res Vedras D. Manoel da Silva, que demais ievantou em Angra quasi lo-
dos OS maiores Tribunaes, que havia na Corte de Lisboa, corno notàmos
j& em seu lugar : logo Imma so Rela^ao do Civel, e Crime, e tao neces-
saria se deve levanlar na dita liba Terceira.
87 Para està (ielacSo deve haver sempre sete Ministros ao menos,
e seis substitutos para os legitimos impedimentos dos proprietarios : os
sete proprietarios parece devem ser; primeiro, o Uesembargador Corre-
gedor da Comarca ; segundo, o Desembargador Frovedor da Fazenda
Ueal; terceiro, o Auditor da milicia do Castello, que sempre be letrado
formado ; quarto, o Provedor da Comarca, ou Residuos, que tem praxe
judìcial ; quinto, o Juiz dos OrfSos, pois tem a mesma praxe ; sexto, o
Juiz, e Coutador da Fazenda Rea! ; septimo, bum Ecclesiastico dos que
forem Bacbareis formado3 do Cabido, ou de fora d elle. Regedor d'està
ReiapiSo, o Capitao mór de Angra ; e em falta deste o Capitao mór da
Praia; Clianceller o Desembargador Provedor da Fazenda Real. Para os
seis substitutos se apontSo, primeiro, o Provedor das Armadas de An-
gra: segundo, o Auditor do Donatario da Praia; terceiro, e quarto, os
dous Juizes Ordinarios de Angca; quinto, e sexto, dous Bacbareis forma-
dos, bum Ecclesiastico, e outro leigo, os que o Regedor escolber.
88 Para os ordenados dos Ministros d'està Rela^ào se nao deve ti-
rar cousa alguma da Fazenda Real ; mas bastare ordenar-se que os sete
proprietarios, que nao tiverem ainda o babito de Cbristo com tenga, o
tomem logo lù em Angra, e com tenga de ao menos quinze mil reis,
para gozarem os privilegios da Ordom; e là mesmo se llies tirem, e jul-
guem as informagóes summaria, e brevemente pelo Bispo, ou Arcebispo
de Angra; pois se naMesa da Consciencia nao póde ser Deputado alguem
que nào tenha o babito, e o grande ordenado d'ella, razao parece que
da Relagao das Ilbas da mesma Ordem de Cbristo, nenbum dos sete
Ministros proprietarios, e multo menos os seus Regedor, e Cbauceller,
nenhum possa servir o oflicio sem ter o dito babito; e so estas tencinbas
se tirarào da Real Fazenda da Alfandega das mesmas Ilbas, sem outro
ordenado algum ; e em lugar d'elle se Ihes deve conceder, que possao
levar as assinaturas, cbancellarias, etc, em dobro das ultimamente do-
bradas que jà levao os Desembargadores da Relagao do Porto, pois os
das Ilbas nao tem ordenados, e os do Porlo os tem. Porém os seis subs-
titutos da tal Relagao, so entao, quando cbegarcm a ser proprietarios;
342 UISTORIA INSULANA
SO entao terao o que estes lem de habito, e tenga; e quando so de subs-
tituigào servirera, levarào entao as dobradas assinaturas, corno os prò-
prietarios.
89 E quanto aos Lelrados, Procuradores, e EscrivSes, Meirinhos,
e Alcaides, Guardas da Relac3o, a nenhum d'estes se deve ordenado al-
gum, nem dobrados saiarios, pois assim corno se Ibes augmenta o tra-
ballio, assim tambem se Ihes augmenta o lucro, e conforme à Ordena(3o
do Beino, a qual nao podem exceder, e menos contrariar ; mas deve a
Kelagao ter summo cuidado de que conforme a ella se processero os fei-
tos, que ordinariamente là se processavao mal; e que as letras dos Es-
crivaes, ou Tabelliaes sej3o muito legiveis, e sem rabiscas, nem repeli-
(5es escusadas, e nao o podendo assim fazer, sejao pela Relacao prìva-
dos dos oilìcios, e postos logo outros, sem appellag^o para algum outro
Tribunal, mas so com os primeiros embargos que se Ibes julguem, e ou
por elles os absolvao, ou condemnem ainda em maior pena, e a exe-
cutem.
90 A alcada da dita Relagao se deve extender na jurisdiccio a to-
das as nove Ilhas Terceiras, sem exceigSo de alguma; e os Juizes nSo so
Ordinarios, mas Juizes de fora, e Ouvidores dos Donatarios, e ainda es-
peciaes Corregedores de algumas das ditas nove Ilhas, serSo obrigados
a por 0 (Cumpra-se) à$ ordens da dita Relagao; e naalh o pondo, serao
obrigados a ir à dita RelacHo dar razOo de si; e nao a dando sufficiente,
poderào ser nào so reprehendidos, mas suspensos do officio até nova
mercé de S. Magestade, a quem a mesma Relagao darà logo conta do
que tem obrado, e entretanto proverà quem sirva o officio pelo suspen-
so : e so sobre o Senado da Camera de Angra, ou de outra semelhante,
cujo pelouro veio de Portugal eleito, n3o terà a dita Relagào jurisdic^o
immediata alguma, mas là deixarà laes Senados com o seu Corregedor;
e so quando d'este appellarem para a dita Relagào, so entào o julgarà,
e juntamente ex o/ficio appellarà para El-Rei no Desembargo do Pago,
do que fez o tal Senado da Camera, ficando entretanto a sentenga sus-
pensa, sem se executar por parte alguma,
91 No Civel terà a dita Relacào muito mais estendida sua alfada,
pela maior dislancia do Reino, e maior multidào de causas civeis; e as-
sim parece que deve sentenciar, e executar definitivamente tudo, era
quanto nào cliegar a causa a vinte mil cruzados de capital, ou mil cru-
zados de renda anriual, e perpetua ; porém que em cliegando, e muito
uv. IX CAP. XV 343
mais passando a dita qiiantia, sentenceem sim a causa, mas appellando-a
por parte da justifa, nao execulein a sementa, mas as parles a trarao
para a Kelacao de Lisbsa, para n'ella se julgar, pois jà as parles de
causa tao importante nào deixarao de ter, cora que facilmente a seguir.
92 No crime porcm, se o criminoso fòr peao, por sentenza flnal da
Relacao das Illias seja senlenciado, e executada Ingo 1^ a morte, e muilo
mais qualquer outra menor pena, ou qualquer degredo : mas se o cri-
minoso fòr fìdalgo filhado nos livros dei-Rei, ou conhecidamente Cida-
dao privilegiado, ou legitimo neto d'elle; e multo mais, se tór Gavalleiro
das Òrdens Mìlitares ; estes das Ordens se nào sentenceem là, mas se
remetta a causa ao Juizo competente a Lisboa; e os outros privilegiados
por fidalgos, ou Cidadaos conbecidos, poderào ser sentenciados, e exe-
cutada Id a senten(^ da dita RelacSio, se fòr so pecuniaria, ou de degre-
do, ainda dentro da Comarca das taes Ilhas, e pelos annos todos que se
julgarem, e se Ihe derem sentenza de morte, ou corlamento de corpo,
ou agoutes, ou aioda degredo para fora da Comarca das nove Ilbas, nào
se executaré là, sem por parte da Justi^a vir appellada à Helagào de
Lisboa, e nella se confirmar^ ou emendar a tal sentenca : o que se en-
tende da mesma sorte, quando o criminoso fòr algum Ministro da mes-
ma RelaQào, que so poderà ser suspenso, e dar-se conta a Et-Rei para
ordenar o que se deve fazer, e sem isso nào se executarà outra alguma
sentenca da dita Relagào.
93 E se 0 Reo (ou criminoso, ou ainda so civel) fòr parente em
segundo grao, ainda de affinidade, de algum dos Juizes, nào poderà este
ser em' tal causa Juiz, mas chamar-se-ha outro em seu lugar; mas se fòr
parente em so terceiro, ou quarto, ou mais afastado grao, ainda poderà
sér seu Juiz; e a razào paréce ser, por dentro da mesma Uba ordinaria-
mente se fazerem os casamentos d'ella, e por isso os nobres flcarem or-
dinariamente tao aparentados entre si, que se tambem no terceiro, e
quarto grao nào pnderem ser Juizes, nào bavera muitas vezes quem o
possa ser; e nào be crivel que bum parénte em terceiro, ou quarto grao,
por elle obre contra a justiga, nem que o aperte tanto a tentagào deste
parenlésco, comò a do parente em primeiro, e segundo grao, ainda de
affinidade; pois até o mesmo direito Ecclesiastico faz està distiucào para
0 contrabir impedimento, em os que jà sào affins; e com mais largueza
deve proceder o direito Civil, e Criminal ad judicandum, de que o di-
reilo Canonico ad peiendum.
344 HISTORIA INSUt-ANA
CAPITOLO XVI
Do qne sera mais conveniente^modo de governo militar
em as taes Ilhas.
94 Parece qne nunca sera conveniente haver nas nove Ilhas Tercei-
ras Governador geral algum, ou algum Vice-Rei sobre o militar de to-
das as Ilhas, e milito menos sobre o nailitar, e ©politico civil: a pri-
meira raz5o he: porque nunca tal geral governo houve, nenu cm tempo
dos litigimos Reis de PortiTgal, nem em tempo dos intrusos de Castella;
e corno ha perto jà de trezentos annos que as ties Ilhas se governao, e
bem, sem governo tal, nao o poderào sofrer, e se Ihes farà violencia tao
grande, que se peremo: pois nao ha violento que seja perpetuo. E se se
Instar, que nào he bem que taes Ilhas sejao huma bicha monstruosa de
muitas cabecas% respondeo-se jà, que a quem anatureza deo muitasca-
becas, seni ellas se nao conserva : e exemplo temos op corpo humano,
que tendo huma so cabega suprema, tem ainda em cada dedo sua, e
assim melhor se conserv3o humas às outras, e estas à mesma mào, e ao
mcsmo braco, e tudo subordinado à cabe^a superior: e assim tambem
0 Imperio Lusitano, tendo a suprema cabe^a em Portugal, hum grande
braco em a India Orientai, outro em o vastissimo Brasil: huma pema
eslendida poi* Angola ale toda a Elhiopia, e outra perna lanfada ao in-
terminavel MaranhHo; comludo em cada huma de taes parles tem posto
sua especial cabefa, e todas sujeilas so à superior cabega Portugal, a
quem so conhecem todas.
95 A segunda razao he a mesma experiencia , e em as mesmas
Ilhas, pois (comò jà vimos) huma unica vez. que neslas Ilhas, e espe-
cialmente na Terceira houve huma so cabe^a do governo politico, civil,
e militar, em tempo do scnhor D. Antonio, e seu Conde D. Manoel da
Silva, por culpa d'este, e das iiacoes estrangeiras que là metteo, se per-
derao entào as Ilhas, e o mesmo Conde se perdeo, sendo em Angra de-
goUado : e polo contrario em a feliz Acclamafao do Senhor Rei D. Joào
0 IV, por se governarem as Ilhas per si mesmas, em o primeiro anno
conquistarao, ao que parecia inconquistavel, Castello de Angra; lomarao
OS soccorros todos de Castella, e com sua cabcfa as mais Ilhas se su-
geilarao ao invicto Rei uè Portugal D. Joao oIV, logo manifesto he que
nao convcm quo estas Ilhas sejao govcrnadas em todo o governo por
Liv. IX CAP. XVI airi
hiima so particular cabeca de vassallo algum, seja com o titillo quo for,
de Governador geral, ou de Vice-Rei que là assista em qualquer liha,
e muito menos em a mais forte cabeca, Ilha Terceira.
96 A terceira razao he pelo perigo de perder Porlugal as ditas
llhas, que tanto Ihe servem, e Ihe rendem: porque se houver bum so
Capitao Geral, ou Geral Governador, e Vice-Rei nas ditas llhas, e espe-
cialmente na mais forte Terceira, este (corno homem) poderà lentar-se
Bigama bora em se levantar com as taes llhas debaixo da protec^ao de
algama na^So estrangeira, que o faga d'ellas Rei feudatario, e o estima-
rSo muito, e facilmente o defenderao, e sera quasi impossivel a Porlu-
gal 0 conquistal-as, comò o foì a Castella, desde a Acclamacao, ha por-
to de oitenta annos: e se as taes Ilbas se governarem, corno até agora,
por seus Senados das Cameras, Capitiies móres, inilicias, e so (quando
muito) por alguns Meslres de Campo em diversas Forlalezas postos,
nunca estes poderSo unir-se tanto enlre si, e tao secretamente, que en-
ti^eguem a Uba sem ella o prever, e Ihes resistir, e ainda os suspender,
prender, e dar conta a El-Rei, e muito menos poderào os diversos que
governao huma Uba, entregar a outra que govern3o outros: e assim com
està divisào deixario de tra^r torres de Babel.
97 Dirà alguem que de effeito cada liba tem seu Capitan Donatario,
unica cabeca de toda a Uba, e nem por isso a entregou a eslrangeiras
nafSes; e as nove llhas até agora tem bum so Disilo, e bum s6 Corre-
gedor, bum so Provedor da Real Fazenda, e nem por isso se tem go-
vemado mal. Responde-se, éjue quanto ao unico Bispo, este so governa
0 espiritual, e Ecclesiastico; e ainda por nao poder acodir a tantas, e
130 diversas llhas, propozemos jà a necessidade de mais Bispos em as
llhas, e nada disto toca à material, e militar defensào, ou :onservacao
d'ellas. E o Corregedor he so trieniial, e se Ihe tira sua residencia, o
nSo pòde em tres annos armar tanto, que se Ihe nao saiba, e delate, e
emende: o que se experimentou tanto em o Provedor da Real Fazenda,
que por ser perpetuo de buina casa, por isso mesmo os ullimos' succes-
sores, pai, e fillio, morrerao em Lisboa delalados, e dando conlas, e por
fsso se fez a tal officio triennal, com residencia cada tres annnos; e se
desta sorte houvesse huma so triennal cabeca em cada Uba, e de qucm
OS Senados d ella tirassem residencia, e avisassem a S. Magestade, me-
nos mal scria entào està casta de governo, posto que ainda este em o
militar teria contra si muito.
340 HISTORIA. INSULANA
98 Quanto porém ao primeiyo opposto exemplo dos Donatarios»
parece, se póde responder, que primeiramente Capitaes Donatarios fo-
rilo inslituidos nos descobrimentos das Ilhas para repartirem as novas
terras a quem as qui/esse ir povoar, e cultivar na fórma da sesr&aria,
confórme a suas doagoes expressas, e nào de outra sorte al$2[uma, e para
isso se Ihes deo a redizima dos dizimos que ElRei leva das taes Ilhas,
comò Grao Mestre da Ordem de Christo; e se Ibes deu mais a maquia
dos molnhos de agua publicos, e o estanque do sai, que se nSo possa
vender na tal Uba, senao por ordem do Donatario d'ella, com coodicao
que 0 venda a vintem o alqueire, e se nem de sai prover a Uba, uem o
vender a vintem, cada morador da Uba possa prover-se de sai, mandao-
do-o vir, ou comprando-o aos navios que o trouxerem, e vendendo-o na
Uba pelo justo prego que nella correr.
f*9 Item se Ibe deo, o ser Capitao geral de toda a Uba, se hama
so Capitania ba niella, comò em Suo Miguel, e em Santa Maria; cu ser
Capitao geral de so a sua Capitania, se na Uba ba duas Capitanias diver-
sas, comò na Terceira a de Angra, e a da Praia, e na Madeira a de Fun-
cbal, e Macbico; mas a dita jurisdicc^o be so sobre o governo militar,
pago, ou da ordenanga, para defenderem a Uba de inimigos, e d3o be
sobre o polìtico, e civil, e menos sobre o governo Ecclesiastico, pois so-
bre este tem o governo seus Prelados sómente; e sobre o politico, e ci-
vil tem 0 governo os Senados das Cameras, e as Justigas Reaes, e nao
0 tal capitao Donatario, nem o seu Ouvidor; e por este cuidado da guer-
ra tem demais o dito Donatario em a Alfandega, ou Almoxarifado, a re-
dizima dos direitos Reaes, comò sejhe paga. Do que ludo
400 Parece que do tal exemplo dos Capitaes Donatarios de cada
Ilha, nem se segue que baja tambem nas ditas Ilbas um Governador ge-
ral de todas, anles se segue que nunca o baja, pois seria em prejuizo
de cada Donatario, que El-Itei poz em cada buma: nem tambem se se-
gue, que cada Donatario de buma Ilha tenba d'ella a jurisdicc^o toda;
mas so* se segue, que cada Capitao Donatario he obrigado a assistir pes-
soalmente na Ilha, e Capitania de quo he Capitao, assim comò cada Cas-
tellào no seu Castello, e na sua Provincia cada Governador das armas
d'ella, e que (se nao póde assistir niella) òu se Ihe tire a Capitania, e
se proveja em outrem que la assista; ou se Ihe tire raeia renda da dita
Capitania, e està se applique às mais, e melhores Forlalezas da Ilha,
pois cada Ilha he huma perpetua fronlcira que està sempre ,em viva
LIV. IX GAP. XVf 347
guerra com quantas nagocs, e Cossarios, e ainda Mouros a accomettem;
e^e coQtra jajustica, que eslando o seu Donatario ausente, e sem a de-
feoder, nao so tenha ainda a Capitania, (que a muitos vimos tirarse-Ihe
jé, por nao residirem niella) e qne comtudo ainda coma d'ella a ìnteira
renda.
101 Ou pois 0 lai Capitao nao resida em a sua €apilania, por El-
Rei 0 occupar em outros servìgos seus fora da llha, entao bastare que
fique com meia renda da Capitania, e com a do novo posto, em que EU
Rei 0 occupar, e que a outra meia renda se applique, comò acima, és
fortifica(oes, e reparos da Illia; ou se o tal Capitao foi chamado por cul-
pas, estas entSo se exannnem, e sentenceem, corno parecer; ou obsol-
vendo-o; e restituindo-o a Capitania, e rendas d'ella, ou privando-o d'el-
la, e sempre ao menos de meia renda d'ella no caso de convencìdo, que
seria escandalosa injuslica, nao baver castigo para escandalosos, por se-
rem poderosos, e tudo atabafarem com o seu poder.
102 Nem obstarà dizer-se, que ausentando-se o Capitao Donatario,
entao à sua custa se poem seu Lugar-tenente, a que cbaniao Governa-
dor, e que posto este, póde o Capitao, sem prejuizo da liba, estar au-
sente d'elle. Porque se responde, que primeiramenle a perdicelo dos
lugares be serem servidos por substitutos; e n estas mesmas Capitanias
das Ilhas se vio bem em a Uba da Madeira, que em tempo de bum sub-
stituto foi entrada e saqueada de piratas: e na Uba Terceira, que fal-
lando-Ibe 0 seu Donatario D. Cbristovao de xMoura, foi por Castella ap-
pugnada tantas vezes, ale que foi entrada, e entregada pelo mesmo sub-
stituto D. Manoel da Silva ; e sabido bo, que substitutos tratao so de
se encber a si, e a quem no lai lugar os poz; e da defeza, e bem com-
mum da Uba nada tratao; corno bem se vio em S. Miguel, em o tempo
•do Senbor D. Antonio, jà entrada por elle, jà por Francezes e Inglezes^
e emfim pelos Castelbanos, e por todos destruida, por em si nao ter
entao seu Capitao Donatario, comò tinha em o tempo da Acclamacao do
Senbor Rei D. Joao o IV, e por isso entao niio padeceo damno algum,
por ter proprietario e nao substituto. Substitutos pois de cargos, que
lem proprietarios, sao ordinariamente a perdigao dos mesmos cargos, e
terras em que os poem.
103 Farece logo, que os proprietarios Capitàes das Ilhas. n'ellas
residào pessoalmente, quanto for possivel: e que em quanto n'ellas es-
tiverem, cada seis annos o Corregedor da Coraarca, com o Provedor, ou
3i8 HlSTOniA INSULANA
Juiz, ou Altnoxarìre da Fazenda Real, e os Senados das Cameras qoe
bouver na tal Ulia, tirem todos huma so residencia do dito Donatario,
por testimunhas que passem de trinta, sem n'ellas entrar pessoa aigu-
ma da obriga^ao, ou servilo do Donatario, e por tempo que nlo die-
gue a trinta dias, nos quaes estarà suspensa a jurisdicc2o, e Ouvidorìi
do Donatario e em especial perguntem, se acode aos Fortes, ou Forta-
lezas e defensa da Illia ; se fez alguma manifesta injusta violencia a al-
guem ; se be contratador, e abarcador ou faz estanque que por suas
doafoes Ibe n3o seja permittido, e sobre tudo se tem trato com alguma
nacao que tenba guerras com Portugal. E faclj|da a dita residencia oa
devassa, della nao julgarào cousa alguma, nem poderao de algum modo
proceder centra o Donatario, mas a mandarao logo, e em segredo fé-
ebada a S. Magestade, sem d^lla darem parte a pessoa alguma, mas
esperando o que El-Rei ordene.
104 E se na Uba nao residir Donatario proprio, mas algum sea
substituto, cbamado Governador, d'este cada tres annos se tire a mes-
ma residencia, ou devassa, e pelos mesmos acima assinados, e da mes-
ma sorte se envie secreta e cerrada a El-Rei, sem cuja nova ordem se
nao proceda tambem centra o dito Governador: e ainda que elle acabe
0 seu triennio de governo, e volte para o Reino, sempre a dita devassa,
ou residencia se tire, e se mande a S. Magestade. E a razao do sobre-
dito he manifesta; porque parece governo injusto, que esteja bum Do-
natario passando mais de seis annos em seu governo, sem juridicamente
se saber comò governa; e bum substituto seu passando da mesma sorte
mais de tres annos, e sem se poder louvar o bom e recto governo, nem
se emendar, e acodir ao mào; sondo que ao mesmo Corregedor se Ibe
tira residencia, com ordinariamente nao passar do seu triennio; e se
assim se fizer aos Capitues Donatarios, nao succederao as descomposi-
cOes, que do contrario se lem visto succederem.
1U5 Parece mais, que quando se puzer substituto do Capit9o de
buma liha, o ponba El-Rei, e nao o Donatario Capitao, nem este nomeie
deus, ou tres, para que El-Rei escollia d'elles bum; porque desta sorte
poderà o Capilào nomear bum seu criado, que va mais esfolar a Uba para
0 dito seu amo, e para si, do que va a defendel-a e governal-a: e que
va mais a descompor os mais nobres, e rìcos fìdalgos da dita Uba, do
que a iralal-os corno deve, e elles merecem: e assim parece conveniente
que quando S. Magestade quizer mandar lugar tenente ou Governador,
uv. IX CAP. XVII 349
em lugar do Capitao de huma liha, que primeiro mande que o princi-
pal SeDado da liha com o seu Capilo mór Ihe proponhSio tres dos na-
turaes da mesma Ilha, e muito em especial dos que tìverem railitado,
ou em Portugal oii na India, on no Brasil, ou ainda dos outros, que de.
là nuDca sahirao, mas lem servido, e sao de là naturaes, e dos mais
nobres e ricos, e dos taes nomeie S. Magestade o que melhor julgar»
porque este tratarà com a devida cortezia aos da mesma liba, sera mais
solicito de a conservar, e mais Bel a ludo, comò a cousa tambem sua ;
e assim o vimos jà na Uba Terceira, a quem so seus naturaes a iirarào
a Castella, e derao a^ Senbor Rei D. Joào o IV.
CAWTULO XVII
bo maritimo governo que deoe havtr nas dilas lllias.
106 N5o poderao conservarse as Ilbas em o Oceano sem nautico
commercio, e poder naval, que as defenda ; e assim parece deve orde-
nar-se, que na principal Uba Terceira se facao navios, comò antigamente
se faziao, no porto de Pipas, e Portinbo Novo, nas aguas de Sao Sebas-
tiao, e no areal da Villa da Praia, e que para taes navios as madeiras se
tirem da Uba do Pico, da de Sao Jorge, e das Flores, e Corvo : e quan-
do faltem mastros competentes se comprem aos Estrangeiros ou de suas
terras se mandem vir ; poréin que da madeira das Ilbas se nUo pague
senSo so o córte, e carreto d'ellas , e que os navios sejào ao menos de
vìnte peC'as cada bum. oito por banda, e as mais de popa e proa, e sem-
pre tenbao vinte marinbeiros com Piloto, Mestre, e Contramestre, e oom
oitenta arcabuzeiros, dos quaes sej3o dez artilbeiros para as pecas ; e ne-
nhum navio, ou embarcaQ3o possa navegar entre as Ilbas, sem ao menos
a dita gente de guerra, artelbaria, e armas sobreditas, excepto aquelles
barcos (que là cbamSo Caraveloes) que nào poder3o ter menos de scis
remos por banda, e vinte arcabuzeiros, fora os remeiros, e marinbeiros,
e comò bumas meias galòs.
107 Dos taes navios seja obrigada a Uba Terceira a ter tres, dos quaes
bum seja a Capitania d'elles, e dos mais navios das Ilbas, quando se ajunta-
rem,' e està Capitania seja de trinta pegas, treze por banda, e quatro de
popa e proa, e cento e quarenla mosqueteiros, dos quaes sejao vinte ar-
tilbeiros ; e demais tenbào vinte marinbeiros com os Pilotos, e sem es-
350 HISTORIA INSILANA
tes cento e sessenta homens ao menos, nunca a Oapitania saia da Ilha
Terceira. A Ilha deSao Miguel bastare que tenha sempre doas dos oatros
ditos navios de vinte pegas cada hum, e outros dous tenha o Faial Gom
a sua Ilha do Pico ; e se d'estas duas Ilhas quizer cada hnma^ fabrìcar
ih OS seas navios, podel-o-ha fazer, mas nnnca menores, nem de menos
gente, artelharia, e armas, do que acima està dito ; e nem por isso dei-
xarao S. Jorge, Pico e Flores de conceder à Terceira as madeiras qoe Ihe
pedir para fabricar os seus navios. As outras Ilhas porèm so poderio b-
bricar os seus Caraveloes, mas que nao sejio de menos remos* armas e
gente do que se Ihes assinou acima. E d*esla sorte èaverà nas ditas Ilhas
sempre huma Armada maritima, de ao menos sete nàos, bastantes para
defenderem as suas costas, ou seus canaes, eseguramente se commaoì-
(!arem, e commerciarem humas com as outras, e nao irem là Mooros, nem
Ihes pilharem calivos, mas antes cativarem aos Mouros, e navegarem se-
guros das Ilhas a Portugal e de Portugal às Ilhas.
108 A maior difficuldade està (oda, em d'onde ha de sabir o mui-
to necessario para fabricar a dita Armada Insulana, e a sostentar depois,
Sem se diminuirero, antes se accrescentarem as rendas Reaes. Parece qoe
bastarà primeiramente conceder S. Magestade que na liba Terceira em a
Cidade de Angra se levante huma Junta maritima de sete Deputados,
homens de negocio, de dentro de toda a Ilha Terceira, Angra e Praia,
dos quaes sete sejào quatro Portuguezes, e nataraes das mesmas Ilhas,
mas residentes sempre em a Terceira, e dos de negocio os mais rìoos :
e OS outros tres sejao Estrangeiros, porém moradores jà, e de maitos
annos na dita Ilha Terceira, e aìnda muito mais ricos e abonadas com
beas de raiz nas Ilhas ; e qne d*estes sete, e desta Junta seja Presiden-
te 0 Provedor das Armadas, ou o GapitSo mór de Angra, e que todos
estes sejSo eleitos pela Camera e Capitào mór de Angra: e o que pelos
mais votos da tal Junta se votar, isso se fa^a, excepta a eleicao de Ca-
pitao geral da Armada, e Capitania duella, que este tal sera proposto
pela dita Junta ao Senado da Camera, e sem sua confirmacSo nao ser-
virà.
109 Em segondo lugar se concederà à mesma Junta, que qnalquer
dos sete Deputados d*ella possa fazer e ter mais navios, (mas nao de menos
gente, pecas e armas do que os primeiros seis da Armada,) e qaer com
elles possa commerciar, nao so com Portugal, mas com qoalqoer parte
do Brasil, de Angola, e Maranhao, e de toda a nac^o com qucm Porta-
LIV. IX CAI». XVII 351
gal tiver paz, e commercio: excepto unicamente com a India Orientai : e
que nao so das mais pessoas da liha Terceira, e da de S. Miguel e Faial,
mas tambem das outras Ilhas Terceiras, possa quem quizer celebrar con-
Irato de companhia com a dita Junta maritima, e entrar ao gnnho, e
perda com ella, conforme ao conlratado, e para isso por na dita Junta
a juro 0 que cada bum quizer, nunca se Ibe pagando mais de cinco por
cento, e que so no firn do segundo anno se psgarao os jurjs dos dous
primeiros annos, para n'elles poderem ter commerciado, e cobrado com
que jà em cada bum dos annos seguintes paguem promplamente cada
anno o seu juro.
110 Em terceiro lugar se deve conceder à dita Junta que os navios
por ella mandados a commerciar, em qualquer porto, ou Alfandega da
Coroa, e Conquislas de Portugal, paguem so os direitos j& sabidos, e
nada mais ; e so ao recolher à Terceira paguem bum por cento ao Sena-
do da Camera, do retomo que trouxerem, para a defensa e fortificagóes
da dita Uba Terceira: mas que tambem de toda a Uba Terceira se nào
possa embarcar para Portugal, ou para Conquista alguma sua, nem tri-
go» ou frutos outros, nem pessoa, ou encomenda alguma, senao em na-
vìo da Junta, ou dos sobreditos da Armada ; e que os proQos dos fretes
se determinem fixos pelo Senado da Camera de Angra, ouvindo primei-
ro OS votos da Junta, e determinando depois, e definitivamente o que
parecer mais justo, sem disso se admitlir appelldgao, nem aggravo, mas
so primeiros embargos, que o dito Senado resolverà, sem n'esta parlo
se reccorrer nem a Corregedor, ou Relagao que là baja, e menos a Por-
tugal, por tal taxa ser do Senado.
Ili Em quarto lugar se concederà à proposta Junta, que quanto
por seus navios, assim da Armada, corno dos de Tura d ella, quanto se
apanbar, de Mouros, piratas, e navios inimigos de Portugal, tanto seja
da dita Junta, sem darem a Tazenda Real cousa alguma, ou algum direito
do que assim justamente cativarem, e até os cascos, artelbaria, e armas
e muito mais as cargas, fazendas e pessoas ; pois tudo Ibe be necessario
para sustentarem e pagarem a Armada sobredita, e os mais navios, para
OS quaes nao concorre a Fazenda Real com cousa alguma. E so sera
obrigada a dita Junta, a que, apparecendo à vista da Uba Terceira algu-
ma nào da India Orientai, mando logo a Capitania da sua Armada a aco-
dir-lbe, comboial-a para a Uba, e depois acompanbal-a até Lisboa, sem
por isso pedir a El-Rei paga, mas so alguraas merces de babitos, ou
3-i2 HISTOIUA INSULANA
fóros, ctc. E tambem seni obrigada a dita Capìtania o darca(^ a todoo
Mouro, cu Cossario que apparecer, e a acompanhar o Porluguez navio»
que da Terceira for para outra Uba, quando assim o mandarem o Seoa-
do e a Junta.,
112 E porque na Ilha Terceira, nao so pelo inverno, mas tambem
pelo mais anno, corre algumas vezes bum tal vento Sueste, (a que cha-
mao 0 Carpinteiro, por /azer dar a costa os navios) e d'este vento be
seguro bum dos portos da babia de Angra, ao qual cbamao PorUnho de
Pipas, e esle se o concertarem abalendo-o mais, e mettendo-lbe mais
agoa dentro, isto poderà fazer a junla, e com pouco custo, e recolher
aìli OS seus navios, sem Ibes poder fazer mal o dito vento, com tanto
que a sua Capitania de trinta pegas nao entre la, mas se recolba és aguas
de Sao Sebastiao, que be porto que flca para o Nascente, e tambem abrì-
gado do Sueste, e d'onde pode levantar-se a dita Capitania cada vez qua
quizer, e sem perigo ; pois assim o fazia no anno da Acclamac2o a Ar-
mada de Angra conlra a Praca Castelhana ; e ainda mais antigamente se
fazia assim, e póde fazer-se agora : e ainda que o concerto do interior
Porto de Pipas faga gasto a Junta; maior gasto Ibe faria perderem-se-lhe
alguns navios ; e pelo contrario o dito Porto Ibe podere render muito,
se n'elle puzerem tributo moderado a todo o navio, caravela, e carave-
lao, que se recolher ao dito Porlo de Pipas ; e o Senado nao deixara de
dar licenfa para o dito concerto e tributo.
413 Com conceder pois Sua Magestade so as ditasquatro licencas,
e sem concorrer com cousa alguma de sua Real Fazenda, lucrare tanlos
mais direitos, quanlos se augmenlarao com os navios do commercio da
tal Junta ; e com a Armada da Junla pouparà os grandes gastos que fa-
ria mandando cada anno Armada Real às dilas Ilbas, que com a sua là
se livrarao de cossarios : e ainda escusarà de mandar buscar às Ilbas,
nàos da India, pois de là as trarlo a Portugal, e bem acompanbsidas com
navios da Armada Insulana, e coni soldadesca nova, e mantimentos: e
se ao Brasil hao do ir commerciar navios estrangeiros (ou a Angola e
Maranbao) com tanto perigo das Conquislas Portuguezas, e dos mesmos
Portuguezes tanto escandalo, jusio he que os estrangeiros nao vao, ma^
vao os Porlugnezes das Ilhas, e para eslas direitos de là voltem, pagan-
do sempre os direitos costumados, que nas suas lerras para onde voltao,
nao pagao a Portugal os Estrangeiros ; e ale o mesmo Brasil lucrare mais
era Estrangeiros Ihe nao levarem bugiarias, e escusados novos trajes,
LIV. IX GAP. XVIII 353
mas em Ihe levarem Portuguezes os trigos, as faririhas, os vinhos, e o
mais necessario ; e se d'està sorte enriquecerem os taes Portuguezes, ao
seu Rei ODriquecem, pois o Princepe mais rico he o que tem mais ricos
\assallos, de quem a seu tempo se possa valer.
114 0 ponto pois està em que das Ilhas nao saia navio algum sem
a sobredita forga de artelharia, armas e gente de guerra, e que as pe-
gas sejao ao menos de calibro até dezeseis, e que metade ao menos se-
jào de bronze; boas e limpas as armas, e com bom provimento para
ludo de polvora e baia; e sem isso a Junta os nào deixe sahir, visitan-
do-os mnito bem primeiro, e que na volta vejao se traziao expedila a
artelharia e mais armas, e soldadesca, e achando o contrario, grave-
mente os mullem e castiguem; pois mais vai irem, e virem com menos
carga, e nao so a salvamento, mas victoriosos, do que perderem-se por
ambiciosos. E por isso se nao consinta, senào rarissimamente, que das
Ilhas va ao Brasil navio algum so, mas ao menos, dous juntos, ou mais;
para o que, o que for de S. Miguel, ou do Fayal, venha-se primeiro
ajuntar com os da Terceira, e juntos todos parlao, visitados, e se vao
conforme a lei da Junta, e da mesma sorte venhao, e da Terceira cada
bum va logo para a sua liba.
CAPITULO XVIII
Da maior f\delidade\ que as Ilhas Terceiras tjuardarào a Portugal,
e da que Portugal deve suppor, e guardar com ellas.
113 Da relatada até aqui historia consta que as Ilhas Terceiras fo-
rao descubertas primo pela de Santa Maria em o anno de Christo do
1432, e a de S. Miguel em 1444, e muito pouco depois a liha Terceira,
e logo as outras seis Ilhas; d'onde se segue que n'este anno de 17ir>
contao jà as Ilhas Terceiras duzentos e oitenta e tres annos de idade
desde o seu primeiro descubrimento, corno de seu nascimento primeiro,
e que n'esles quasi trezentos annos forao todas as Ilhas majs fieis aas
Reis de Portugal, do que os naluraes do mesrao Reino aos seus pro-
prios Reis; porque se bem repararmos, passados os primeiros tres Reis,
Affonso I, Sancho I, e Affonso II, depuzerao ao Rei Sancho lì e mette-
rao em seu lugar a seu irmao Affonso IH, tendo estes quatro reinado
sómente cento e trinta e tres annos, pois o primeiro reinou setenta e
YOL. n 23
3j4 HISTORIA INSULANA
tres annos, o segundo vinte e sete, o lerceiro onze, e o quarto vinte e
dous, e todos juntos fazem so cento e Irinta e tres.
IIG E passados depois cento e trìnta e quatro ànnos nos cinco Rais
seguintes, D. Affonso III, D. Diniz, D. Affonso IV, D. Pedro e I). Fer-
nando, entao se dividio Portugal, e parte d'elle seguio a Rainlia de
Castella I). Brites, filha legitima do antecedente Rei U. Fernando; e a
entra parte de Portugal seguio ao invicto D. Joao, irmào do Rei D.Fer-
nando, e liiho illegilimo do Rei U. Fedro, e ficou sendo El-Rei D. Joao
ole com este, e d'elle se seguirào mais oito Reinantes, que forao
1). Joao 0 1, D. Duarle, D. Affonso V, D. Joao o li, D. Manuel, l). Joào
0 11!, D. Sebastiào, e D. Henrique, nos quaes oito se passarao mais
enlno cento e noventa e dous annos, até o de 1580 do Nascimento de
Christo; e entào deixando Portugal de acclamar a senliora D. Catharina,
legitima filha do Infante D. Duarte, fillio legitimo do Rei D. Manoel.
acclamando ao senlior I). Antonio, filho illegitimo do infante D. Lniz
li^gilimo filho do Rei I). Manoel, lambem ao senhor D. Antonio deixou
J^orlugal, e admittio por seu Rei a Felippe 11, sendo so por linha femi-
nina (de sua mài a Emperatriz D. Isabel) nelo tarabem do raesmo Rei
1). Manoel: atò que dahi a sessenta annos (desde 4580 a iCiO) o mes-
mo l*ortugal tirou o Reino a Felippe IV neto do 2.** Rei de Castella, e
o rcstituio ao nelo da sobredila senliora D. Catliarina, o qual foi o fe-
lirissimo Rei D. Joao o IV, invicto Restaurador de Portugal, a quem se
seguio cm Portugal seu legitimo fillio D. Affonso VI, e a este succedeo
I). Pedro II seu irmào, pai do senlior Rei D. Joào o V, que hoje go-
verna, e Deos nos conserve por felizes annos.
117 D'onde se ve, que havendo seiscenlos e quatro annos que
Portugal tem ultimamente Rei proprio coroado, (desde o anno de 1111
em que fui acclamado e coroado Rei, o primeiro D. Aff'onso Henrique^)
ale este anno de 1717 olio vezes tirou a ordem dos antecedenles Reis,
e [»oz oulros novos. corno em liigar de Sancho II, jioz Affonso III em
lui^ar d'el-Hei D. Fernando, e de sua legitima filha a Rainha de Caslelln,
poz a I). joào I em higar de D. Joào o li, poz a El-Rei i). ILinrique;
em lugar deste I). Henrique, poz ao senhor I). Anloiiio, em higard'esle
consenlio. e adniillio aos Felippes li, HI e IV," e ultimamente em lugar
(los taes Feiippes poz ao fijlicissimo Rei D. Joào IV, e ainda em lugar
de D. Affonso VI e em vida d'elle a seu irmào El-Rei L>. Pedro II, de
que nos ficou o senhor Rei D. Joào o V, que Deos nos deixe lograrpor
LIV. IX GAP. XVIII 353
muitos annos : e assim em pouco mais de seis centos annos flzerao os
moradores de Portugai oito mudangas de seus soberanos Reìs.
H8 Porém as Ilhas Terceiras, com baver jà quasi tresentos annos,
que se descubrirào no penultimo da vida d'el-Bei D. Joao o I nunca ja-
mais mudarao de liei Portuguez« e a Reis Gastelhanos resistirao duas
vezes, e até a morte; da primeira vez a Felippe II por quasi tres annos,
susteolando Rqì ao senhor D. Antonio Portuguez, a quem os dePorluga
desempararao; segunda vez sustentando com viva guerra de bum anno
inteiro a feliz Acclamac^o do Restaurador da Goroa Portugueza El-Rei
D. Joao 0 IV e conseguindo a Victoria com so a gente e governo das
mesmas llbas Terceiras; sempre logo foi maior a Qdelidade que as taes
Ubas guardarlo a Portugal.
119 Segue-se pois, que de tao fieis vassallos Portuguezes, comò sem-
pre forao OS d'estas Ilhas Terceiras, se devem conflar muilo os senho-
res Reis de Portugal, deixando-os là governarem-se no Ecclesiastico sccu-
lar, por seus Bispos e Arcebispos, (que comò jà propuzemos se podem
por de novo) no Regular pelos Superiores de suas Religi5es; no juridico,
civil e criminal, pdr seus ordinarios, e naturaes Juizes em primeira in-
stancia, e por seu Corregedor em segunda, em terceira, a final, pela
Relagao, que jà acima se propoz na fórma sobredila: no bellico do mar,
e commercio naval, pela Junla maritima, e Senado da Camera, que se
póde erigir com su as licenfas jà propostas; e no bellico da terra, por
seus Capitaes móres, e Senados das Cidades e Yillas em que os ha; mas
com a antiga ordera, que onde houver Praga ou Fortaleza alguma fe-
cbada, o que d'ella for Mestre de Campo, Capitao ou Casteltao, nenbuma
jurisdiccào tenha fora da sua Fortaleza e Militares d'ella, e so possa de-
precar aos Senados da terra, e a seus Capitaes móres, e por escriplo, o
que Ihe for necessario, e da mesma sorte o Senado a elle; e se alguma
d'estas parles tiver razao de queixa a de a El-Rei, e esperc a resolurao
Real, Sem outro algum estrondo, motivo ou violencia.
120 D'està sorte se governarao sempre as Ilhas, ha quasi trezen-
tos annos; d'estn sorte sempre conservarao a mais vassallagem aos seus
Reis Portuguezes; d'està sorte conquislarao, e per si sós, a inconquisla-
vel Fortaleza de Angra, e a tirarao a Castella, e sugeitarao a Portugal;
e d'està sorte emfim nao tem bavido em a Terceira, e em outras suas
Ilhas, as decomposicoes, motins e desgostos, que ainda vemos em outra
alguma parte, aonde indo bum so bomem com tìtulo de Govemador, a
356 HISTORIA INSULANA
todos, e aos melhores que logo metter debaixo dos pés, devendo e^timal-os
muito; a tudo quer abarcar; e se nao rouba a todos, do de todos se en-
riquece, e se eoche de tal modo, que por mais que se queixem d'elle
com 0 que traz se livra, e fica ainda mais rico, do que tinha ido pobre.
Mas tambem pcH* isso mesmo rimos jà que a alguns d*estes se Ihes per-
deo 0 respeito, e voltarao descompostos ; porque a paciencia ferida se
converte em furor, e em suas feridas moslrao os que as receberao, de
sua furia as desculpas. Oh quetra Deos que a isto se acuda.
121 Segue-se secundó, que às ditas Ilhas se Ihes nao deve impor
nem decimas, nem tributos, e de nenhum modo usuaes; que se alguma
vez se Ihes impoem algum donativo, deve ser mui moderado, e so por
tempo determinado, do qual nao passe: e a mUo he evidente; porque
cada huma das taes Ilbas he huma perpetua, e viva, sempre fronteira,
e de guerra sempre viva, com Mouros, Gossarios, que com ninguem
lem paz, e com as nagoes inimigas de Portugal, que a elle se nao atre-
vem a vìr, e vao e saltao na Ilha a todo o tempo, e quando menos se
cuida; e de naturai direito, e praxe d'elle he, que a huma Praga, que
està em guerra viva, se Ihe nao impoem tributo, ném se ihe entende
imposto, mas se Ihe manda soccorro; e o Rei que Ih'o nSomanda de fora
antes Ihe manda tirar o que a Praga em si tinha, n'issa quer so a Praga a
busque, e se entregue a outro Rei, que n3o so Ihe nao tire, mas Ihe
mande o soccorro necessario ; e nao permilta Deos que isto se veja em
tnes Ilhas.
122 A outra, e manifesta razao do sobredilo he, porque a desco-
briniento de taes Dhas nenhuma perda trouxe a Portugal, nem de horr-
ra, ecredito, nem de rendas; antes grandemente Ihe augmentou a fama:
e a riqueza; porque nao fallando jà nas Ilhns da Madeira, e Cabo Ver-
de, as Terceiras Ihe nao cusiarao a descubrir, nem ainda conquistar,
pois nenhuma gente se achou n'ellas que as defendesse, e o que de Por-
tngal foi a povoal-as, foi a enriquecer-se de fortilissimas, e novas terras,
das quaes em Porlugal se levantarào tanlos Capitaes Donatarios, tanlos
Alcaides móres, tanlos Marquezese Condes, tanlos GrandesTitulares, qm
de novo honrarao a Porlugal, e o enriquecerao, e a sua Coròa, com hum
novo Reino Insulano de setenta e qualro legoas de comprido, e vinte e
quatro de largo, e com os dizimos de loda est» vaslidao de terras, alem
dos Reaes direilos nas Alfandegas, e ainda que Porlugal ficou obrigado
a por isso mesmo defender as ditas Ilhas com Armada Beai, que no ve-
Liv. IX C4P. XEvm 357
rao as va correr, e defender, nem laes Armadas vao jà, senSo algumas
vezes a buscar as nàos da India, e as frotas do Brasil. Pois pergunto:
Se Portugal nada gasta com as ditas lihas, mas das rendas d'eilas paga
congrua ao Ecclesiastico, e ao militar de algum presidio, e comtudo Ihe
rendem ainda tanto, e nem por mar as defende; pergunto, com que ra-
zao Ihes ha de impor ainda algum tributo, e as nao ha de deixar defen-
derem^se a si com o commercio do mar?
i23 Segue-se tértio, que ainda que nas nove Ilhas Terceiras, a gen-
te que póde tornar armas, e peiejar, passa de trinta e ciuco mil bomens,
e so S. Miguel tem doze mil, e dez mil a Uba Terceira, ainda comtudo
da tal gente se nao deve tirar muita das taes Ilhas; mas deve-se-lbe dei-
xar formar a Àrmada maritima, e sua Junta do Commercio, que acima
propuzemos; e ao depois quando fòr mais necessario, e precioso, pode-
re Portugal tirar alguma das milicias jà dextras, e da marinbagem dos
navios, (provendo-os primeiro là de outra marinhagem, e milicia) e d'es-
tà sorte terà sempre Portugal a marinhagem de que tem tanta faìta e pi-
lotagem jà destra, e ainda alguma mais milicia, se conceder às Dhas te-
rem a dita Armada e Junta do seu Commercio, comò tem Franca em
muitos portos, e por isso brevemente ajunta o necessario para as suas
Armadas.
124 E da mais gente das Ilbas conveniente sera que Portugal tire
em alguns annos; e dos filhos segundos de homens nobres alguma com-
panbia, que milite em Portugal, ou va para a India, e outras Conquis-
tas, e que meregào assim ser ao depois promovidos aos póstos milita-
res das mesmas Ilhas, e as tratem e governem com mais comedimento,
maior zelo, e experiencia. Porém do ordinario povo das taes Ilhas, corno
este tanto multiplica, que as mesmas Ilhas jà nao podem sustentar a
tanto poyo, sera mais conveniente tirar d'elle, de annos em annos, al-
guns casaes inteiros para o Brasil, Angola, e Maranb3o, que povoem tan-
tas t^rras, corno ha là despovoadas, e se Ihas dem em que vivao, enri-
quegao, e multipliquem, e corno verdadeiros Portuguezes sej3o a Portu-
gal sempre fieis, e defendao as Conquistas; e pois assim o fez. Portugal
com as mesmas Ilhas descubertas, e estas o flzerao com as ditas Con-
quistas que depois das Ilhas se descubrir3o; e ainda achar3o parentes
dos que ao principio forao das ditas Ilhas para là; e este parece ser o
melhor governo.
:ìù8 historià insulana
CAPITULO XIX
hxhoriacào final das ditas Ilhas
123 De loda està Historia losulana» e de todas as proposlas niella
feitas, nenhuma outra causa se pertende mais, que a maior gloria de
Deos, e o bem maior do proxìmo, n3o so das mesmas Ilhas, e da na^ao
Portugueza, mas de todo o fiel Christao Catbolico; e nao so do maior
bem temporal da vida, boora, e riqueza d'este mondo,* mas multo mais
do bem eterno, da espiriUial vida da alma, da verdadeira bonra e rique-
za das virtudes: seja pois de todas.
126 Primeira exbortacao, que selembrem eslas Ilhas, especialmen-
te as Terceìras, que nunca jàmais forao povoadas de Gentios, ou Judeos,
Mouros, ou Hereges, cousa de que talvez Beino nenhum se poderà ga-
bar; mas que descubertas por fieis Catbolicos, e à Igreja Romana Ode-
lissimos, e assim comò està so verdadeira Fé Romana conservio ha qua-
si trezentos annos, assim illesa e pura a devem conservar sempre, imi-
tando a seus progenitores; pois tendo algus d elles dado a vida pela pu-
ra Fé Catholica, a estes devem imitar todos os outros: e se boute jà
pessoa (que raramente a houve) que das taes Ilhas viesse delatada por
hereje ao Santo Officio, isso, ou foique de fora tinha ido às ditas ilhas,
ou que era sujeito, ao menos, originario de fora, e nao oriundo de seus
Catholicos habitadores; conserve-se logo a Fé pura em as Ilhas, e ellas
se conservarao.
127 Segunda, que advirtao estas Ilhas, que assim corno a mesma
Fé Divina, se se Ihe nao ajuntao boas obras, he Fé morta, que nao bas-
ta per si so para a salvagao; nem ainda ajuntando-se-lhe a Esperanpi,
se as nao acompanhar a Divina Claridade, ou graga Divina, que he a
maior de todas as virtudes; assim tambem se perderào, e acabarao as
Ilhas, se com a Divina Fé, e Esperanga em que se fundàrao, nao ajun-
tarem a guarda dos Divinos Mandamentos, e particularmente senao re-
frearem as linguas, das calumnias e injurias com que se diz que fallào
uns dos outros, ainda de consanguineos, sem advertir; que a si mesmos
n'isso se afrontao, tornando-se necessariamente a aparentar com elles,
succedendo-lhes assim o que àquelles que até centra o Ceo, ou centra o
seu cospem, e no rosto vem a cahir-llies lai injuria; e atirando; quem
lem telhado de vidro ao mais forte tei bado do vizinho, succede que so
LIV. IX GAP. XIX 359
0 seu ficara entao quebrado; que quem de outros diz quanto, e ludo o
qiie qner, dos mais onve o qne nao (|uer.
128 Terceira que para alcancarem as sohrcditas, e todas as mais
virUuIes sobrenaturaes, toniem porsen fundamento, corno a adoragào de
liuni so Deos, a perfeita observancia da lei da pura razao. e naturai, e
a fìdelidade e obediencia a seu naturai Rei; pois quem vive sem Deos,
sera lei, sem Ilei, nem corno liomem vive, mas corno bum barbaro Gen-
lio, e ainda corno bum bruto indomito; e a quem observa aquella lei na-
turai, que 0 lume da razao, dado a todos por Deos, està cm todos di-
dando e clamando sempre, a esle tal que assim guarda a naturai lei, o
faz 0 que em si póde, !iào su Deos nao nega os auxilios sobrenaturaes,
mas Ihos concede eflicazes para entcnder, e abr'arar a sobrenatural lei, e
sobrcnaturalÌ2iar a naturai, e so por puro amor de Deos dar a cada bum
o seu, pagar o que deve a cada bum, nao fazcr a algum o que nao quer
que Ihe iiicfio, e antepor sempre o bem commum ao particular, tendo
por mais amavel e honroso dar ainda a mcsma vida por seu Deos, por
sua lei, por seu Rei e sua patria: de que nào repito os exemplos illus-
trissimos que em toda està bistoria terà visto cada bum em muitos dos
seus Progeni tores.
129 Quarta, que reparem, que nos primeiros seculos d'eslas llhas
hiào de Portugal muitos fidalgos, e fidalgas a casar às llhas, e d'estas
laobem a Portugal vinbao casar, e voltar-se para ellas, mas reparem (di-
go) ^m quando ainda là bavia terras por repartir, biao de cà para Ihas
darem; ou quando a pessoa tinlia là algum bom morgado, e vindo cà
casar, ibe succedessem de cà n'elle; e assim de taes casamentos o moti-
vo todo vinba a ser so ambiguo, comò os que biao à India, à America,
a Angola, e a Africa, so a trazer para cà, quanto pudessem; porém co-
rno hoje em as llhas jà ha tantas casas, tao limpas, tao ricas, e tao no*
bres, quanto descendentes da fidalguia melbor de Portugal, jà escusado
parece, ou virem a Portugal buscar casamento algum, ou de cà, ainda
muilo olTerecido, aceitarem-o, e ao depois arrependerem-se, experimer -
tendo OS enganos da facliadenta bacherelice, da rìqueza so fingida, da
fantastica nobresa e limpesa talvez pouco conhecida: deixem pois os
Ilbeos de ser jà pombos, nao se deixem enganar, là fagao os seus casa-»
mentos, ou dentro da mesma, ou das nove llhas, conservando-se assim
buns aos outros, e estimando mais serem dos primeiros em suas terrn?,
tao nobrcs e tao ricos, do que serem em Portngal lidus ainda em me-
360 HISTORIA INSULANA
nos, ainda que s^gundos; e aìnda de iìdalgos, quc nem quo corner tem
alguns, se o nao furtarem.
130 Quinta, que comtudo devem das Ilhas sempre vir muitos at
Portugal, mas so a servir a Deos. ao Rei, e às Republicas, e nao a par-
ticulares. Por servir a Deos se emende o vir entrar n'aquellas Religioes,
em que là se nao entra; estudar nas maiores Universidades, para a Deos
servir melhor; e dedicar-se ao cullo de tantas mais, e maiores Igrejas,
quantas ha em Portugal; e ha vendo occasiao de voltar para as Igrejas
das suas Ilhas, acodir-lhes comò fez o exemplar varao, o Doutor Gas-
par Frucluoso. Por servir ao Rei, se emende, virem a Portugal a ser-
vir em guerras justas, jà de terra, jà de mar; a passar ao Maranhao, a
Angola, ao Brasil, à India Orientai, e às visinhas pragas de Africa, comò
vìmos que fizeram os antigos povoadores de taes Ilhas, e com so animo
prompto de servir a Deos, e adquirir honra licita, e nao so riquezas; e
entao aìnda estas Ihes darà o Senhor libéralissimo, e o voltar tambem
às suas Ilhas, a governal-as e honral-as. Por servir fmalmeme às Repu-
blicas, se emende, que depoìs de estudarem os latins e Rhetorìca em
suas Ilhas, e ainda a Filosofìa e Theologìa Moral, e Escholastica, e gra-
duarem-se n'ella, venhao entào a Portugal, à Universidade de Coimbra,
a hum e outro Direito, e à Medicina, e ficarem (os que puderem) gra-
duados segundo as cadeìras, até os maiores postos d*ellas, e os omros
vollarem às suas Ilhas a ser Minislros n'ellas e acodir-lhes em ludo co-
rno devem, e corno fizerào seus antepassados. ^
131 D'estas cinco exhortacoes parece se seguem as Propostas, que
0 nobilissimo Senado de Angra, e osmais das outras Ilhas, cada umem o
que llie pertencer, devem oITerecer à Mageslade do Serenissimo Senhor
Rei de Portugal, e por està Regia via à Santidade do Summo Pontifice
do todo a Igreja Calholica, e offerecer-lh'as com toda aquella repetida
inslancia, em que ale o mesmo Deos quer que Ihe pegamos e nunca de-
sistainos de Ihe pedir o bem, nem desconfìemos de o alcancar, por mais
que se dilate o despacho pertendido que sondo justo, sempre (ou mais
Iarde, ou mais cedo) sahirà.
132 A proposta primeira deve ser, que para se acodir a tantas, e
tao dislantes Ilhas entro si, que se devem crear de novo n'ellas deus
Bispados, hum na liha de S. Miguel, que fique com toda ella, e com a
liha de Santa Maria, e o segundo Bispado com a Uba do Faial, e se es-
tenda a tres ilhas mais, à do Pico, à das Flores, e a do Corvo, e para
LIV. IX GAP. XIX 36 i
isso se levante a ser Cidade a grande, nobre e rica Villa, que é cabeca
do Faiai ; e que o antigo Bispo de Angra iìque com as tres lihas vizi-
nhas, da Terceira, Sao Jorge e Graciosa, e seja de novo feito Metropoli-
tano Àrcebispo de todas nove Ilhas, e de todas se fmalizem n'ella as
causas Ecclesiasticas ; e (se parecer mais conveniente) se Ihe de terceiro
suffraganeo o Bispado tambem de Cebo Verde ; e jà acima vimos corno
OS dous Bispados de novo se podem sufiQcientemente sostentar, e com
decencia, sem de novo se tirar da Fazenda Beai para taes Bispos renda
aiguma ; e Sua Beai Magestade he que em consciencia o deve assim fa-
zer, pois he o Grao Mestre da Ordem de Christo, que tem os dizimos
das ditas nove Ilhas ; e he obrigado a Ihes fazer dar os Pastores neces-
sarios a tantas mil almas, e tao invisìtaveis por bum so Pastor.
433 A segunda proposta pode ser, que comò estas nove Ilhas estao
expostas ao commercio de Hereges, nagoes estrangeiras, que para se Ihes
nao pegar aiguma heresia, deve haver na cabeca d'ellas, em a Cidade
de Angra, e no Collegio de letras, que fundou o Senhor Bei D. Sebas-
tiao com tres cadeiras (de latins duas, e huma de Theologia Moral) de-
ve haver mais outras tres, huma de Filosofia, que comece e acabe cada
tres annos, Sem parar anno algum ; e outra Cadeira d8 Moral tambem
e a ultima de Theologia Especulativa, para que com estas seis Cadeiras
(duas de latins, huma de Filosofia, e tres de Theologia) se possao for-
mar, nao so na Filosofia Mestres em Artes, mas tambem na Theologia
Licenciados por exame privado; mas que nao tomem là o Capelo, e
Boria deDoutores em Theologia, senao so em Filosofia, e que o de Theo-
logia 0 venhao tomar a Portugal, pagando meias propinas em Evora, ou
em Goimbra, sem fazerem jà mais acto algum, e so mostrando as suas
cartas de approva^ao dos gràos antecedentes tomados; e isto, comò jà
mostràmos, so com authoridade, e privilegios de S. Magestade, sem
ordenados da Beai Fazenda, mas com os que para isso derem là nas
Ilhas OS mais zelosos do bem commum d'ellas, conforme aos que deo o
senhor Bei D. Sebastiao, de seis centos mil reis cada anno para sustento
de doze Belìgiosos, a cincoenta por cada hum, do Collegio que là fun-
dou.
134 E isto n3o so o Senado de Angra, mas tambem o seu Ordi-
nario, e 0 seu Cabido o devem pedir instantemente, para segurarem
assim a mais pura Fé Catholica, o melhor provimento de seus Parochos,
a maior authoridade, e sabedoria do seus Conegos, assentando em se
362 HISTORIA LNSULANA
nao prover Dignidade, ou Conego, ou Parocho, nem BeneDciado, sera
ser ao menos Filosofo e Theologo approvado, e que havendo d'esles,
se nao provejao em outrem, e ainda a estes precedao os formados em
Direìto por Coimbra, para que assim haja quem taobem às maioresllDi-
v^rsidades de Portugal venha e baja de todas as ditas nove Ilhas quem
va à sua Universidade de Angra ; e o seu Prelado, e os outros Bispos
de Ilhas tenhao a quem consultar, e a quem se Ihes possao sem escru-
pulo propor para os provimentos; e muito mais sendo praxe, e estylo
nao se prover Benefìcios das ilhas, senao em naturai de alguma d'eilas-
135 Proposta terceira, e a melhor, he bem que seja, que os Sena'
dos, Bispos e Cabidos pec3o instantemente a El-Rei, e ao Papa, mandeoi
logo tirar informacoes Canonicas das santas vidas, emortes, e dasobras
milagrosas que obrou Deos nesso Senhor por aqueilas illustres pessoas,
cujas vidas acima escrevemos, assim de S. Miguel, comò da liha Tercei-
ra, e forao em santidade pessoas muito illustres, e de todos por taes ti-
das e estimadas, para que Sua Santidade, corno Vigano de Christo em
a terra, jnlgando-o assim diante de Deos, canonize as taes pessoas, e
n'ellas tenhao estas Ilhas seus proprios Protectores, e defensores conti-
nuos, e se aninem os naturaes a seguil-os e imital-os, e dar n'elles glo-
ria a Deos, que he o fim porque aindn em està vida quer Deos que se
se canonizem Santos; e por mais que jà lioje se gaste em a celebridade
de Canonizafoes de Varoes Santos, a tudo facilmente podem acodir taes
Ilhas, e entao Deos e'os Santos acudirào mais por ellas.
136 Proposta quarta, que queira com effeito Sua Magestade nao so
conflrmar o antigo governo de guerra da Ilha Terceira por terra, em so
OS Capitàes móres, e Senados da dita Ilha, mas que tambem com elTeito
Conceda aos do dito governo o levantarem de novo a maritima Junta do
Commercio, na forma jà apontada, com a sobredita Armada de sete nàos,
com a artelharia, armas e milicias jà propostas, e tudo debaixo do go-
verno do Capitao mór de Angra, Senado da Camera e Provedor das Ar-
madas, os quaes juntos elejao o General da dita Armada, e os Capitàes
de mar e guerra, e Pilotos móres, e depois, quando o dito governo pe-
los seus mais votos julgar ser necessario, possa suspender o General da
Armada, e substituir outro em seu lugar, e da mesma sorte aos Pilotos
móres e Capilaes de mar e guerra, sem que possa haver de tal governo
appai lagào ou aggravo para Tribunal algum ; mas huma so replica dos
suspensos, ou depostos, que so tres dias, depois de notiflcados, tenhao
LIV. IX GAP. XIX SGel
para replicar, e sena com isso suspenderem a execaoSo, excepto caso de
sentenza de morte, ou talhameato de membro, de que ordinariamente
bavera sospensiva appellagao para o Supremo Tribunal de Guerra de
Lisboa, ficando o condemnado sempre prezo; sem outro ter voto em tal
materia, nem Corregedor da Comarca, nem Provedor da Fazenda Real,
nem Mestre de Campo do Castello, eie.
137 Proposta quinta, que seja servido El-Rei nesso Senhor de le-
vantar em Angra, e jà com effeito, a Rela^ao do Civel e Crime, para se
nao destruirem tantas Ilhas comò as nove Terceiras, em virem continua-
mente a Portugal com appella^ao de innumeraveis causas, sem là nas
Ilhas haver Tribunal em que se fmalizem; pois maior he o termo das di-
tas nove Ilhas, do que o da Relagao do Porto, e comtudo neste se levan-
lou Relacao, sendo que as Partes, desde todo o seu termo, nem passao
raares do Oceano, e de trezentas legoas, achando primeiro a morte, ou
0 cativeiro de Mourama em tal camìnbo, de que cheguem a arrezoar sua
justiga; nem gastao tanto, em por terra mudarem sé de terra, e so com
0 alforge feito nella, e para ella tornarem com outro semelhante, e sem
perigos maiores : por isso parece necessario, que ainda que na Belacao
do Porto ha limitada algada em o Civel, e no Crime nao, (cousa inintel-
ligivel, fazer-se mais caso da fazenda, que da vida) comtudo na Relagao
das Ilhas parece que deve ser pelo contrario, e que a al^ada no Civel
deve ser multo extendida, e multo mais limitada em o Crime, quando
chegar a sen tenga de morte, ou talhamento de membros, e que sempre
se appelle, ainda por parte da justifa, e nao execute, sem na Relafao
de Lisboa se confirmar a sentenza.
138 E se ainda centra isto houver Requerentes, Procuradores, Es-
crivaes, ou alguns outros Ministros, que se queixem de perderem muito
em seus offìcios, faltando-lhes os salarios, e os mimos dos litigantes das
Ilhas, etc. Responde-se com o direito naturai dictante, que se o salario
e 0 lucro se diminue a alguns com o sobredito, tambem se Ihe diminue
0 trabaiho, e sem este nao he justo haver aquelle; e assim tambem dos
taes queixosos nao bavera tantas queixas, de dilatarem as causas, por
a tantas nao poderem acodir tao brevemente. Quanto mais que a natu-
rai razao dieta tambem, que primeiro se ha de acodir, e mais se ha de
estimar, ao bem commum de tantas Respublicas, do que este, ou aquelle
a sen bem particular. E se alguem instar ainda, que ha quasi Irezentos
annos se governarao sem tal Relafao; responde-se, que muitos mais an-
364 NISTORIA INSUIJLNA
nos se govemou Portugal sem a Relac^o do Porto, e com ludo se mei-
teo, e as Ilbas de antes nao erao tSo povoadas, corno ji boje o sao ; •
se tal instancia se admitisse, nada de novo se emendaria, por se nao
mudar o antico ; o que he absurdo manifesto. Veja-se o que aeima fica
ji apontado.
FINIS, LAUS DEO,
ALGinUS NOTAS E ADDICAES
flISTORIA INSULINA
DO
PADRE ANTONIO CORDEIRO
XA PARTE RELATIVA A ILHA DA MADEIRA
l'UU
A. J. U. A.
BREVE INTRODUCglO
De lodos OS escriptos do Padre Antonio Cordeiro. aquelle que prin-
cipalmente faz ainda hoje lenibrado o soii nome e sem duvida a clnsu-
lana» por tractar n'elle dos descobriraentos feitos pelos Portuguezes no
occeano Atlantico, os quaes derao maior vulto a monarquia, e sao uma
das mais gloriosas epocas da sua liistoria.
Este assumpto vasto e tao arduo para as forcas d'um so Iiomem ha-
via chamado ja a attenevo do Padre Gaspar Fructuoso na obra, a que
deu 0 titulo — Descubriraenlo das illias, ou saudadcs da terra—; a qual
iiào veiu ainda a luz publìca, nem talvez vira, corno tantas outras manu-
scriptas, que jazem no pò das livrarias, ou de todo perdidas. Porem està
obra continba materiaes reunidos sem critica, amontoados de genealo-
gias, em quo era valente o seu author, e lanfados sem ordera, os quaes
exigiao um homem d outro pulso, e capaz de escrever uma historia se-
guida e limpa dos muitos defeitos, que por ventura o mesmo Gaspar
Fructuoso haveria evitado, se Ilie sobejasse vida. Tal nao era o Pa-
dre Cordeiro ! elle nao se deu a este trabalho, nem procurou verid-
car os factos relatados pelo seu antecessor ; anles contentando-se de re-
copilal-os, comò instino fizera a historia de Trogo Pompeo, cahiu nas
mesmas faltas do seu originai ; e a Insulana està ainda bem longe de
perfeifao.
Nao pretendemos com ludo chamar a um exame critico a obra do
3G8 BREVE INTRODUCCÀO
Padre Cordeiro, nem tirar-lbe o valor; antes reconbecemos que a mesma
coDtem cousas uteis e muìtas noticias para a historia das ilhas. 0 dosso
unico intento nas poucas notas, que agora Ihe ajuntamos na parte rela-
tiva a Madeira, é rectiflcar algumas faltas d'exac^ao, e declarar outras
menos desenvolvidas, abrindo campo para ulteriores ìndagacoes. Àssim
procuramos d'alguma sorte pagar um pequeno tributo a terra, que nos
viu nascer.
A. /. G. A.
VIDA DO PADRE ANTONIO GORDEIRO
EXTRAIDA DA BIBLIOTHECA LUZITANA
DO
ABBADE DiOGO BARBOSA MACHADO
0 Padre Antonio Cordeyro nasceu na cidade de Angra, capital da
ìiha Terceira no anno de 1641, sendo o sexto e ultimo filho de Manuel
Cordeyro Moutozo, e "Maria Espinosa, os quaes descubrindo n'clle rara
oomprehensao e agudo engenho o mandaram estudar a Goimbra em coni-
panhia de seii irmao Fedro (Cordeyro* de Espinosa, que depois de ser
Doulor em Canones, e subsliluido algumas cadeiras na Universidade de
Coimbra, foi eleito Deao da Bahia, e Commissario da Crusada d'aquelle
Eslado. Ao tempo que embarcado buscava no anno de 16S6 a armada
(le Portugal, de (jiie era general Antonio Telles de Menezes, encontrou
a de Caslella, donde ficou prisionoiro; e passados dezeseis dias se avis-
lon està com a de Inglaterra, que estava a vista de Cadiz, e depois de
iim porfiado combate escapou unicamente a capitania castelhana, na qu'ji
se recolhen a Cadiz, onde foi senlenciado a morte por ter sahido a ter-
ra som licenca; e appellando para o Duque de Medina-Celi, capitam ge-
lai das costas de Andaluzia, comò o ouvisse repetìr com summa viveza
e agilidade o poema de Virgilio, e outros livros celebres de leltras hu.
manas, admirado da feliz memoria e rara comprehensao, que em annos
lao lenros mostrava, Ihe deu passaporto para Porlugal. Chegando ao
Algarve, corno estivesse inficionado de peste este reino, passou a Setu-
tuil, onde foi prezo e obrigado pelo receio do contagio a fazer quaren-
tena. Depois de ter tolerado tantos infortunios entrou em Coimbra, em
cuja Universidade se malriculou na faculdade de Canones, ouvindo pri-
24
370 VIDA DO PADRE ANTONIO CORDfilRO
meiramente filosofla no collegio dos Padres Jesuitas; e continuando com
genio, este estudo Ihe levou maior applica^ao o sagrado instituto dos
niestres, que o ensinavam, até que resoluto a largar o mundo se alistou
em tuo douta Companbia a 12 de Junho de 1G57. Notavel foi o pro-
gresso, que n'esta palestra fes o seu talento assim nas lettras humanas
e faculdades escolasticas» das quaes comécou em Coimbra no anno de
1670 a ser mestre, tendo pelo largo espa(jo de vinte annos rhetorica, fi-
losofìa, tbeologia especulatìva e moral nao sómente em Coimbra, mas
nas cidades de. Braga, Porto e Lisboa, admirahdo assim os domesticos,
corno OS extranhos a novidade das suas opiniSes subtilmente ventiladas,
fì nervosamente defendidas. A estas litterarias occupagoes succedcram
outras apostoiicas, discorrendo por Viseu, Pinbel, Torres- Vedras, todo
0 Arcebìspado de Braga, comò missionario por obedecer às inst^ncias
do seu Arcebispo Primaz D. Verissimo d'AIancastre, chegando aos ulli-
mos instanles da vida pela violencia do veneno, que Ihe deram em bum
logar deste arcebispado, de que escapou quasi milagrosamente. Ja
quando a idade por ser provecta o dispensava da applicacao do estudo,
corno se d'elle recebera novos espirilos, $e occupava em escrevcr diver-
sns materias, humas historicas, outras tbeologicas e juridicas, com que
illustrou 0 seu nome, até que acabou a vida no collegio de Santo Àn-
lào da cidadc de Lisboa a 2 de Fevereiro de 1722, com 81 annos de
idade. Entre os varòes celebres da companhia o numera o Padre Anlo-
Ilio Franco na Imagem da Virtude no novicindo de Coimbra, tom. 2. pa^'.
()lti, e in Synops, onnaL Socitt. Jesu in Lusitan, pag. 4tìi. Impri-
miu:
Cursus Philosophicus Conimbricensis. Ulyssiponc ex oflìcina regali Des-
laiulesiana 1714. fol.
In prcecipud parliumD. ThomoB Iheologia scholastica. UlvssiponeapiiJ
Jospplujm Lopcs Ferreira Serenissimae Reginae Typ. 171G. M.
Historia Insulana das ilhas a Portufjal sojeilas no Occeano occiden-
tiìU Lisboa por Antonio Pedrozo Galrao. 1717. fol.
Desta obra, corno do auctor, fiìz memoria o moderno addicionador
da DiblioUi. Occid. de Antonio de Leao. tom. 2. tit. 2. col. 581.
Iksùlu^des thco'juridicas, Lisboa pelo mesmo impressor. 1718. fol.
Loreto Lusitano, Virgem Senhora da Lapa em a Provincia da Beira
Bispado de Lamego verdadeira, e puramente de novo historiada. Lisboa
por Filippe de Souza Villela. 1719. fol.
N0TA8
Liv. 2, cap. 3, num. 23
Nao consta do Periplo de Hanon, que elle descobrisse o grupo das
Canarìas, corno diz o author. Saindo aqnelie afouto navegante de Car-
thago com urna armada de sessenta vélas, mandado estabelecer algumas
colonias nos silios mais importantes da costa occidental da Africa, passou
0 estreito de Gibraltar, e doìs dias depois levantou em urna vasta piani-
eie a cidade de Thymiaterion. D'alli dobrou o cabo Siloé (Bojador), onde
erigiu um aitar a Neptnno ; e continuando a sua viagem de circumnavo-
gacOo chegou até o golfo de Guiné, corno sostenta o sabio Bougainville, —
Memoires sur les découoerles et les itablisstments faits le long des còles
dAfrique par Hannnn (1); ainda que outros dem menor extensSo a està
viagem. Com tudo, qualquer que fosse o primeiro descobridor, nao se
pode duvidar, que os antigos conbecessem as Canarias, das quaes além
de Plutarco na vida de Sertorio, e Pomponio Mela, fazem mencio Se-
hoso, e Juba rei da Mauritania em tempo do imperador Augusto ; os
(]uaes as denominaram Afortumdas pela excellencia do clima e vantagens
oxageradas do seu sólo. Os Arabes tambem tiveram conhecimento d*ellas
cm epoca mais cliegada a nós, chamando-as Elbard, comò pertende Dn-
per, ou Al'kaledat, segundo outros.
Estas nogoes mais, ou menos perfeitas estiveram perdidas para a Eu-
ropa depois da queda do imperio romano no occidente ; e so desde o
principio do seculo quatorze comecaram algumas tentativas para esplorar
0 grupo das Canarias. Mas a gloria d'està descoberta pertence à nacTio
(t) Memoir. de ì'Academie des Inicrìpl. tom. 26 e i8.
372 NOTAS
Vortugucza, que em 1341» reinandoD. Àffonso IV, enviou alguns navio^,
que saindo de Lisboa descobriram eslas ìllias, que acharam habitadas de
selvagens indomitos; e por esla causa nuo llies offerecehdo interesse al-
gum para o commercio voltaram a Portugal. Temos uma prova desia
viagem na Relagao que da mesma fez o famoso italiano Joao Boccaceì,
autlior contemporaneo, a qual foi dada a estampa em Fiorenza em 1837,
com 0 tilulo: — Monumenti cTwn manoscritto autografo di Mess. Gioc,
Boccacci, trovati ed illustrati da Sebast. Ciampi. E o mesmo confirma a
carta de D. Aflbnso IV, escripta de Monle-mór o novo ao» 14 de Feve-
reiro de 1544, em resposta ao Papa Clemente VI, que dando a inresli-
dura do reino das Canarias a D. Joao de la Cerda, llie pedia auxilio para
o mcsmo as conquistar. Diz aquelle rei na refenda carta, que se acha
em Raynaldo, continuador do» Annaes de Baronio, anno de 1344, num.
47 e 48, que mandara navios para expiorar a siluacào das Ganarias, «Oì»
«quaes voUaram a Lisboa tradendo algims insulares, anìmae», e outros
tfobjectos tomados a forca, e que a elle somente pertencia conquistal-as;
«e que ludo isto era publico e geralmenle conbecklo.»
Assim nem D. Joao de la Cerda, neni Joao de Benthecoort descobri-
ram as Canarias. Q primeiro obieve somente a investidnra com o titulo
de rei de Fortuni^ da mao de Clenaerrte VI, ao5 15 de Novembre de
1344 obrigando-se, cohk) feudatario, a pagar ar>nuahnenle a Sé Aposto*
lica 400 florins d'oiro puro do pezo e cunho de Florenga (1). I^orein
fallecendo na balalha de Croy em 1346^ nào conqui^ou, nem viu ?* Ca-
narias. 0 segundo alcansando da rainba D. Callwrrin», regenle do reino
(Ifi Castella por interverifào de seu tio Roberto de Braquemont a per-
missào de occupal-as, pòde com Gadifer de la Salle, e outros avenlnrci-
Yi)s francezes e d'outras nagoes conquistar algumas d'ellas dcsdo 1 lOi
;tlé i iOo; e nao tendo recursos para as conserva*-, cedeu de lodo o domiuio
m\ Favor do infante D.Ilenriqne, eretirou-se para a iHia da .Madeira, m-
(le llie foram dadas muilas terras, e possuiu grande coso, qiK> lierdaiain
s(M»s descendenles.
Liv. 3, cap. l, ni>ni, 21
Os escriptorcs, que fallaram do lastiniosa fnn de Machim, e Anna
d'Arfet, convem que no legar das sepulturas dos dois amanles estava
escripta a rogaliva feita aos cliristaos, que por algum caso viessera po-
li) Uaynald. Ann. 1311. § 39.
A HISTORIA liNSULANA 373
voar aquella iiha, de levantar n'aquelle sitio urna egreja a Chrislo Sal-
vador. Outros porem accrescenlam, que foram achados dois epitafios so-
bre as sepuiluras, os quaes damos aqui para satìsfacao dos curiosos.
Epitafio de Anna i'Arftt feito por Roberto Machim
Hic jacet in duro veneranda Britanna sepulchro
Anna Harret, gelidis jam bene nota piagis.
Ilaec reliquos omnes sprevit generosa Brilannos,
Me solum sponsum malit habere Machim.
ileu I quos vera fldes in amore ligaverat uno,
Fluctibus ejectos terra inimica capit.
Hic jacet livens calido sine sanguine corpus,
linde mihi, qua^ me sic amat, uxor erit.
Epitafio de Machim
Hoc tumulo Machinus adest expulsus iniquis
Casibus a patria, crudeli sorte peremptus.
Nao afKin^amos que estes epitafios escriptos em metro fossem aclia
dos nas sepuUuras; todavia nao convimos com alguns, que ostentando
de criticos, sem provas concludentes negam a exislencia d'este facto,
l'ara prova do mesmo bastaria a tradi^ao nunca interrompida d*csde a
descoberta até o presente, corroborada com o nome de Machico, que
corno oulros da iIha, teve origem devida a circumstancias locaes. Ac-
cresce tambem o testemunho dos historiadores Gaspar Fructuoso —
Francisco Alcaforado, companheiro de Zargo, qu'escreveu a Relacào do
descobrimento da Madeira, em presenta da qual compoz D. Francisco
Manoel aEpanafora amorosa; — e o Dr. Manoei Constantino» nascido no
Funchal, na succinta historia sobre a sua patria dada A luz em Roma
em laOO.— E se tudo isto juiitamente coni a erecgao da egreja do Sal-
vador no logar das sepulturas, na qual se conservam ainda restos da
cruz de cedro, que eslava sobre as mesmas, nao se deve ter em conta
de argumentos sufficientes da existencia d'este acontecimento; ent5o po-
demos duvidar dos factos mais bem comprovados, e introduzir o pyrro-
nismo na historia.
374 NOTAS
Lìv. 3, cap. 5, num. 24
0 author havia dado por certo no liv. 3, cap. % num. 5, o està-
bcìecimento da colonia do Porto Santo em 1421, oqual precedendo dois
annos à descoberta da Madeira, viria està a ter logar em 1423. Agora
em contradicgao manifesta, porém com melhor acerto, dà a este desco-
brimento o anno de 1419, no que convem alguns historiadores. Outros
assignam o de 1420, à primeira chegada de Zargo à ilba; e no seguin-
te a vinda do mesmo com colonos para come^ar a povoal-a. Està epoca
ìndicada por D. Francisco Manoel, é tambem a que melbor concorda
com OS factos, e com o que affirma Luìz de Gadamosto, mais exactoem
chronologia, o qual saindo de Lisboa em 1445 a 22 de Mzvqo em uma ca-
ravela, de que era patrio Vicente Dias de Lagos, e aportando à illia da
Madeira, diz: «que o Infante a fizerapovoar, ha vinte e quatro annos; ha-
vendo vinte e sete que a do Porto Santo fora descoberta..» Primeira Re-
lacdo, tom. 2. da Golleccao de Noticias publicada pela Acad. Beai das
Sciencias.
Liv. 3, cap. 6, num. 34
Joao de Barros foi o primeiro, de que temos nolicia, que na Deca-
da 1.^, liv. 1, cap. 3, fallou d*este incendio, ao qual deu sete annosa
dura^ao; e d'elle principalmente traz origem a conflagra^ao medonba do
arvoredo da Madeira, que ainda em nossos dias o senhor Eyriés em um
pcqueno artigo sobre està ilba, inserìdo na Encyclopedia moderna de
Didot, nào duvidou dizer, que servirà aquelle incendio de farol ùs em-
barcagoes, que por alli passavam.
Tal conflagragao nao pode admittir-se; porque se existisse por sete
annos, comò pretendem estes authores, consumiria todo o an^oredo d'um
solo ainda maior, que o da ilha. 0 que nao aconteceu assim; antes cons-
ta, que setenta e dois annos depois da descoberta pediram os colonos a
El-Rei D. Joao II,qne Ihes conQrmasse a graga de cortar madeiras, que
fora concedida por seu bisavò; a qual obtiveram por carta de? de Marco
de 1493 com reserva semente de cedros e teixos f3)-
(3) D*esta caria escripta cm Torres- Vedras coDsta, que n'aqoelle anno tinba chegado a Ili
boa Nuno Cayado, corno Procurarìor das Camaras da Madeira, a solicitar a confirmacilo da roer
ce feiiaaos colonos, quando vieram povoar a ilba, na qual dizia D. Joùo 1. «E nns madeiras.
c'paus, lenbas, malus, ar?ores.., psrlicular algum nfio terà dominio, nera direilo por titulo al*
«rgum: porque de tudo o que dito é, faco mercè aos moradores o novos poToadores da dita iiba
•GIÙ rasàttì de a birem povoar, e deixàrem terras e patrias.
A HISTOniA INSULANA 37JJ
Davida porem d'este incendio D. Fraìicisco Manoel na Epanafora
amorosa tìrada da RelaQao d'Alcaforado; o que é signal de nao baver
irella coisa alguma a este respeito; e o Dr. Manoel Constantino, nascido
no Funchal, com quanto admilla, que o mesmo livesse logar, unicamente
Ihe dà seìs mezes de durac^o; chamando inconsiderados quantos disse-
ram, que conlinuarà por seis annos està conflagra(jao (i). Assira diver-
gìndo OS historiadores em circunstancias de tempo e logar, fallando do-
camentos, que abonem um facto tao temerario, se por ventura existiu
similhante incendio, de que nao Cazemos agora questào, nao besitamos
dizer, que fora parcial, e de pouca extensao. Veja-se o que diz o author^
num. 36, d'este capitalo.
Lìv. 3, cap. 6, num. 35
A egreja da Natividade de Nossa Senhora, que pela sua situacao se
cbamou do calbao, nao foi a primeira levantada no Funchal, comò diz o
aulbor, seguindo talvez Joào de Barros egualmente inexacto n*esta parte.
A primeira sera contesta^So alguma era a de santa Catbarina, construida
de madeira pfeloZargo com as casinbas annexas, que Ibe serviram de mo-
rada logo que cbegou à liba. A segunda, que o autbor ignorava, foi a
egreja dos apostolos S. Fedro e S. Paulo, boje denominada deste ulti-
mo, onde levantou caza, a primeira, que se diz, fora feita de pedra e
cai ; e n*esta liabitou por alguns annos. À da Natividade era a terceira
conìecada em 1438, quando a populagao se estendeu mais para aquella
parte do valle junto à ribeira, que tomou entao o nome de nossa Se-
iihora do Calbao ; cuja egreja foi a primeira parocbia na donataria do
Funcbal. Passou o Zargo depois para o alto do valle; e ali ediQcou urna
casa maìor juntamente com a egreja dedicada a Conceigao de nossa Se-
nbora, boje do mosteiro das religiosas de santa Clara, fundado pelo seu
primogenito do mesmo nome. Em quanto viveu o mesmo Zargo, vinba
0 vigarìo alternativamente celebrar os oflìcios divinos n'esta egreja que
se cbamava de santa Maria de cima em rela^ao a da Natividade, que leve
0 nome de santa Maria debaixo.
(4) Hoc aolem iocendiooi per sex conlinaos mensei, non Terò annos ut noonulli parun
coosiderate et dicero et scribere ausi suol.
37G NOTAS
Liv. 3. cap. 6, num. 35.
CONVKNTO DE S. FRANaSCO.
Os religiosos Franciscanos, assim os que acompanharam Zargo, corno
aquelles hespanhoes naufragados no Porlo Santo, logo quo chegaram ao
Funchal, reliraram-se para o sitio dos ilheos; onde dispersos viviam co-
rno eremitas, e so vinhara a povoapao para exercer funcQoes do minis-
terìo saccrdotal. Onze annos depois da descoberta, augmenlando-se o nu;
mero d'alias com alguns mais de Portugal e Hespanha, a raaior parie lei-
gos, reunir3o-se em congregagao no hospicio e ermida de S. Joao, qae
comecaram a ediflcar em 1432 com' algumas esmolas e traballio de suas
maos, som que o Zargo fundasse a ermida, corno diz o aiilhor. Està com-
munidade constituida de puro arbitrio leve a sua installagao canonica em
1450 por Bulla de Nicolao Y. de 28 d'Àbril do mesmo anno. Yeja-se
Lue. Wading. Annal. Min. ann. 1450. num. 38.
Constava està de nove religiosos, e havia succedido a Fr. Pedro de
Covarrubias, leigo hespanbol, que era o superior da mesma, oulro egual-
mente leigo chamado Fr. Pedro de Zarga, ou Sarza, quando em 1459
deixaram os religiosos o hospicio de S. Joao, e seguiram viagem para
Portugal, chamados por El-Rei U. Alfonso V. S3o csles os que fundarara
a communidade de Xabregas; e os proprios, que Oguram na acceilacào,
do Convento doado a ordem Franciscana pela Condessa D. Guiomar por
cscriptura de 17 d'Abril de 1460. Assini tambem nao vieram cstespara
0 convento de S. Francisco, comò diz o aulhor.
Passados quinze annos chegou à illia Fr. Rodrigo da Arruda com
alguns religiosos Franciscanos todos Portuguezes; o qual inslaurou a
communidade no mesmo hospicio de S. Joao em virlude d'ura Breve de
Sixto IV. de 27 d'Abril de 1476. Esle aprovoitando-se das boas dispo-
sigoes do povo, que desejava os religiosos proximos a villa, cuidou logo
de levanlar um convento sobre terreno pertencente a Clara Esleves, que
0 Itavia vinculado em seu testamento, chamando para adminìstrador do
vii ii ) Joao do Porto. Foi estc subrogado com licenza da infanta D. Dri-
tta , 'omo governadora de seu filho D. Diogo; e cederam os religiosos o
liooì'icio, cerca e urna casinha em S. Joao em troca d'aquelle terreno por
escriptura de 20 d'Oulubro de 1479, obrigando-se aleni d'isto a celebrar
urna missa cantada todos os annos em dia de todos os sanlos. Jorge
À HISTORU INSULANA 377
Cardoso no Agiologio Lusitano a(lribue erradamente a funda^o do con-
vento a Clara Esteves, no qual nao leve a mesnaa parte alguma, por sei* jà
fallecìda, e o contracto celebrado com o administrador. Ck)m egual ine-
xactidao, diz, que fora està a prìmeira casa da ordem Franciscana, fun-
dada onze annos depois do descobrimento: d'onde se \% que confundiu
0 hospicio de S. Joao com o convento de S. Francisco,, dando a este
urna antiguidade, quo Ihe nao competia, nem concorda com os docu-
mentos apontados(5).
Conseguido assim este terreno, que posteriormente teve maior in-
cremento com a grande horta. que deixara em testamento U aria d'Àthou-
guia, levantou Fr. Fedro d'Arruda a egreja dedicada às cbagas de S.
Francisco; e deu-se tanta pressa, que em menos de dois annos se acha-
vam preparadas acommoda^oes para nove religiosos, de que se compu-
nha a communidade, os quaes passaram para o novo cx)nvento. A egreja
foi sagrada a 4 de Maroo de 1554 por D. Sancbo de TruxìUo, Bispo de
Marrocos, que vindo dasCanariasexercia no Funchal func^^esepiscopaes;
0 muito augn^enlada em 1578, sendo guardilo Fr. Diogo Nabo; que fez
tambem muitas obras no convento com esmolas do pòvo e donatìvos de
alguns bemfeitoresf aos quaes deram os religiosos capellas, que Ihes ser-
viram de jazigo, e aos seus parentes. D'està egreja assim acrescentada,
trata o author no cap. 7. num. 43, dizendo; que continba oito capellas
fura 0 aitar mor, a qual foi demolida em 1780, para no mcsmo logai^
se ediflcar o grandioso tempio, que dez annos depois se abriu ao culto
liublico, conservando-se .0 aniigo numero de capellas, algumas das quaes
foram ricamente acabadas pelos respectivos patronos. Depois da suppres-
sAo das eommunidades religiosas em Portugal o governo deuo convento
a municipalidade; e hoje n3o existe d'elle, nem da mesma egreja, senao
0 solo, que occupava, e a memoria recente do que foi. Este magestoso
tempio se fazia notavei por conter os restos mortaes da mais antiga e
distincta nobreza da ilha.
Alem d'està caza principal e cabeca da ordem Franciscana na Madeira
havìam mais tres conventos, e um hospicio no legar da Ribeira Brava,
que com o mosteiro das religiosas de Santa Clara formavam a custodia
de Santiago menor, separada da Provincia de Portugal, e sujeila imme-
diatamente a Sé Apostolica d'esde 0 de Maio de 1688, em que foi cele-
brado 0 capitulo para eleigao d'um Custodio Provincial.
(5) Aglol. Lus. Gomionieat. a 14 de Ilario.
378 NOTAS
CONVENTO DE 8. BERNARDINO.
Para levar ordem nas materias tratamos em seguida do Convento de
S. Bernardino, de qoe falla o author no capituio 7. num. 47 — declaran-
do sómente o logar, em que o mesmo estava sitoado, e o numero dos
seas moradores. Acrescentamos alguns esclarecimentos succinlos sobre
està caza, qiie teve grande nomeada devida principalmente a um religioso
por nome Fr. Fedro da Guarda, que alli falleceu em opiniao de santi-
dade, cbamado vulgarmente— Servo do Deos.
Fuodou este pequeno convento Fr. €il Carvalbo, que chegou à Ma-
deira quando acabaram de sabir para Lisboa os réligio^s, qoe occupa-
vam 0 bospicio de S. Joao. Desejando o mesmo viver em logar deserto,
comò eremita, levantou urna pequena celia com dois cubiculos, em que ha-
bitavam JoSo AflTonso e Martinho Affonso, que esmolavam para sustenta-
^ao d'elle. Joào Affonso Correa, Escudeiro do infante D. Benrique, e sua
mulber Ignez Lopes, tronco das farailias dos Correas, Ibe doaram o ter-
reno, onde Sd>erìgiu o convento, cercado d*um lado pela ribeira, e do
outro por urna rocha, beni proprio para o genero de vida, a que se de-
dicara. Porem passados alguns annos se uniram a elle alguns rdigiosos,
que formaram communidade. Como superìor d*esta flgurou no protesto, que
fizeram os religiosos a 28 de Janeiro de 1479. para nao reconhecerem o
Provincial de Lisboa. Passados vinte annos entregou Fr. Gii o gover-
no da caza a Fr. Jorge de Souza, que muito a engrandecea, edificando
a egreja, que estava arruinada pela enchente da ribeira, em parte mais
livre d'inundacao, e instaurando um verdadeiro convento com faculdade do
Cerai da Ordem. A capella-mor foi fundada por Ruy Mendes de Yascon-
celios, filbo de Martim Mendes de Vasconcellos, e d Helena Gongaives,
filha do Zargo, e por sua mulher Isabel Correa, Alba dos doadores daquelle
terreno. Joao Bittancourt de Vasconcellos, noto do fundador da mesma
capella, e padroeiro d'ella no seu testamento approvado a 12 de Dezem-
bro de 1607 vinculou a terga dos seus bens para acudìr és necessidades
dos religiosos.
Era està egreja muito frequentada por devotos, que de teda a illia
vinham em romagem principalmente no primeiro de Novembre e dias se*
guintes visitar a sepultura de Fr. Fedro da Guarda, que fallecera n'este
convento em opini3o de santidade. Era elle naturai do Bispado da Guar-
da, nascido na mesma cidade, da qual traziaf o cognome, em 1435;
A HrSTORU INSTLANA 37&
contava jà vìnte annos de professo na observancia de S. Francisco, em
qualidade de leigo, quando chegou à Madeira em 1485, atlraliido pela
fama da vida austera, em que viviam na ilba os religrosos da mesma or-
dem. Procurou entao este convento por mais distante da cidade, e n'elie
acabou a 27 de Juiho de 1505. Asmaravilbas alcan^adas por sua inter-
cessilo, e authenticadas em processos feitos pela competente authoridade
ecclesiastica para veriflca^So das mesmas, constam daobra impressa em*
Napoles em 1626, quando se tratava da beatìflca^ao do servo de Deos.
Àlem d'està obra podem os curiosos consaltar Fr. Harcos de Lisboa,
Bispo do Porto, Cbronica da Ordem dos Frades Menores, Part. 3, liv.
9, cap. 31; Jorge Cardoso, Agiologio Lusitano no Gomment. ao dia 11
de Fevereiro, let. ((.) o Uartyrologio Franciscano no dia 27 de JuIho, e
Fr. Fernando da Soledade, Hist. Serafica, Parte 3, liv. 2, cap. 12. Està
egreja depois da suppress9o das communidades religiosas està profanada
e em ruinas; e até com arrojo temerario se procurou extinguir os mo-
Dumentos, que perpetuavam a memoria do mesmo servo de Deos.
CONVEiNTO DE NOSSA SENHORA PA PIEDADE NA VILLA DE SANTA CRUZ
0 terceiro convento Franciscano pertencente & mesma custodia està*
va situado na \illa de Santa Cruz, que autigamente formava parte da do*
Dataria de Macbico. Era padroeira d'esla caza e ^eja . a familia Lomel-
lino; cujo progenitor Joao Baptìsta Lomellini tinba chegado a Madeira
com seu ìrm3o Urbano em 1476. Ambos genoveses, e descendentesdos
Marquezes Lomellini, que entravam no numero das vìnte oito familias,
que compunham o anligo senado de Genova, vieram recommendados pe*
la infanta D. Brites em carta escripta à camara do Funchal. Fez assento
em Santa Gruz Urbano Lomellini, onde comprou muitas terras; e casan-
do com Joanna Lopes, naturai de St. Anna, da qua! n3o teve filbos, deu
principio a este convento da invoca(^o de Nossa Senbora da Piedade.
Fallecendo em 1518 vincnlou osseusbens chamando para administracao
d'elles seu sobrìnbo Jorge Lomellini, e sua descendencia; o qual concluiu
as obras, corno determinava o insUtuidor em seu testamento com en-
cargo tambem de fazer todos os reparos, e sostentar seis religiosos, quan*
do Ihes faltassem as esmolas. Foram bemfeitoras d'està egreja a mesma
Joanna Lopes e sua mae Isabel Correa, asquaes ediflcaram ;a capella de
St. Anna, que serviu de capitulo da oommunidade, onde jazem sepulta*
380 NOTAS
das. Falleceu Jorge Lomelitni a 0 de Dezembro de 1548, e foì sepolta-
do na mesma egreja do convento; o qual se acba hoje em poder do ar
tual administrador jiintamente com a egreja e cerca.
MOSTeiRO DAS RELIGIOSAS DK SANTA CLARA
Para nSo interromper a ordem da fonda^ao das principaes cazas re
Ifgiosas da iiha tratamos agora do mosteiro de Nossa Senhora da Con-
ceigio, titular da egreja ediflcada pelo mesmo Zargo, que por algum
tempo se denominava da ConceìcSo de cima, corno dissemos. D'elle falla
6 P.* Cordeiro n'este numero 3t e segunda vez no cap. 7, nqm. 44.
ìi nos ultimos dias do Zargo o augmento da populacao fazia sentir
a fatta d'urna caza, onde se recolhessem algumas fllhas das familiasdis-
tinctas, que pertendiam dedicar*se à vida religiosa. JoSo Gongalves, qoe
succederà a seu pae na donataria, e tinha saldo para o reino com duas
fllhas, que professaram no convento da ConceicSo de Beja, cuidou logo
de pedir faculdade para edificar um mosteiro de religiosas, que seguis-
sem a regra de St. Clara; a qual Ihe foi concedida por Breve de Sixto
IV, de 4 de Maio de 1476. Passados quinze annos semdar princìpio aos
trabalhos, impetrou El-Rei D. Manoel, ent3o Duque de Beja, a mesma
faculdade, que alcanfoude Innocencio Vili por Breve de I de Fevereiro
de 1491; o que nao levou a efifeito por haver entao o donatario come-
C^ado a apromptar materiaes para o novo edificio, que levantou em 1492,
unido a egreja erecta por seu pae. Achava-se no reino em 1493, quan-
do se concluiu a obra por diligencias de sua filha D. Constanga de No-
ronha; e n'aquelle mesmo anno obteveoutro Breve de Alexandre VI do
1.® d'AbriI, concedendo-lhe o padroado com todos os direìtos honorift-
cos, e licenQa para trazer do mosteiro de Beja sua filha D. Joanna para
0 cargo de Abbadess?), e quatro religiosas mais, qiie constituirìam a
nova communidade, sujeita ao guardiao do convento de S. Francisco.
Chamavam-se estas D. Joanna d'Albuquerque, D. Maria de Mello, Anna
Travassos, e Maria Pessanha, que chegando todas a Madeira, passados
poucos dias fizeram a sua enlrada solemne em um domingo 5 de No.
vembro do dito anno; e no mesmo dia vestiram habito religioso tres fi-
Uias do fundador e outras donzellas nobres das familias da ilha.
Constituida assim a communidade floreceu està tanto na piedade e ob-
servancia regular, que, apenas conlava quarenta annos d'existencia, ja
A IIISTORIA INSULANA 381
da mesma saliìam para Lisboa nove religiosos a firn de fondar o mos^
teiro da Esperanca, que tinba erigido D. Isabel de Mendanha em urna
quinta no silio da Boa Vista. Nao estavam ainda concluidas as obrasf
quando ^ mesmas chegaram a 25 d'Oaiobra de 4535, e por isso se re-
colheram no convento das Franciscanas de Sanlarem; e d*alli voltaram em
AbriI do anno seguinte, em quo leve principio està communidade, sen-
do sua prelada Ignez de Deus, urna das que vieram do Funchal com
duas fllhas de D. Joanna d E^a, e de Fedro Gongalves da Camara, neio
do Zargo. Dois annos depois chegou a mesma D. Joanna com sua ter-
ceira filha religiosa D. Filippa de S. Antonio, e outra companheira mais,
que entraram no mesmo mosteiro, onde se achava tambem sua mac,
quando Toi cbamada para camareira-mór da rainha D. Catharina.
0 author nao tinba conbecimento exacto a aste respeito; e por isso
fallando do mosteiro de S. Clara no cap. 11. Liv. 3. num. 76. diz: quo
D. Joanna de Sa cazira com Fedro Gongalves da Camara, eque està era
filba da Camareira mór da rainba. Porem U. Joanna nao tinba o cogno-
me de Sé, mas o de E^a, que era tambem ode sua maeD. Maria; e nao
foi està» mas a Ciba quem exerceu o cargo de Gamareira-mór, comò diz
D. Antonio Caetano de Scasa, na Historia geneal, bv. 13, § 4, num. l'i
e 13. Assim tambem foram nove, e nao duas, comò accrescenta o au-
tbor, as reiigìosas que vieram da Madeira para fundar, e nao reformar
a communidade das freiras da Esperanga.
Alem d estas nove sabiram do mosteiro de S. Clara outras duas reii-
gìosas mais pari'^ Abbadessas e mestras das communidades iustituidaiir
posteriormente na mesma cidade do Funclial. Foi urna d ellas Clara de
S. Bernardo para o mosteiro de N. Senbora da EncarnafTio, qiie furulàra
0 conego Henrique Calassn, naturai (la ìlba do Porto Santo. Era anies
um Uecolbimento de lerceiras de nossa Senbora do Carmo, que o funda-
dor queria que professassem a reforma de St. Tberesa com alguma mo-
(lifìcacao accomodada as circumstancias locaes. Porem nao podendo con-
seguir està gra^a, impetrou do Papa Innocencio X faculdade para s^ui-
rem a segunda regra de S. Clara com sujeigao ao Prelado Diocesano. E
assim teve principio està communidade religiosa aos 14 dWbriI de 1G60,
em que cbegou a nova Abbadessa, e no mesmo dia vestiram babito to-
das as recolbidas,
A outra religiosa, que deixou o mosteiro de St. Clara foi Branca de
Jesus, que em 1667 veiu estabelecer a communidade de Nossa Senbora
382 NOTAS
(las Mercés em um recolbimento de beatas, que tinba fundado junlo é
sua caza Gaspar Berenguer de Andrade» e saa malber D. Isabel de Fran.
Ca, no qual vivìam reunidas as mesmas devotas dirìgidas pelos Padres
da Companhia de Jesus desde o aniio de 1652. Obteve o fuudador Bre-
ve da Sé Apostolica, e licenza regia, que Ihe foi dada por D. Affonso
VI, com 0 direito de padroado, que fìcaria anuexo ao admiuistrador do
morgado do Lombo do Doutor na villa da Calheta, obrìgado a dotar o
raòsteiro com cento e sessenta mil réis em cada um anno, pouco depois
elevada a maior quantia. Seguem estas relìgiosas a regra das filhas po-
bres de S. Clara; e estam sujeitas ao Bispo Diocesano.
Liv. 3, cap. 7, num. 40
Segundo as cartas geographicas mais exactas, e principalmente na ul-
tima tirada pelo major de engenheiros Paulo Dìas d*Atmeida a longitude
da Madeira tomada desde a Ponte de S. Lourenco atè à Ponte do Pargo
è de 9 e meta leguas portuguezas, ou 32 e um quarto milbas geometri*
cas: e em largura desde o Porto da Cruz até o de S. Jorge tem 12 mi-
ibas geometricas. Porem Johnston na sua carta geohydrograpbica publi-
cada em 1790, dà à Madeira seis milbas mais em longitude calculada so-
bre OS mesmos pontos; e 12 e meia em largura. E conforme a este ul-
timo a illia vem a ter em circumferencia 96 milbas geometricas, que è
a mesma, que llie dà F. E. Bowdich, Excursians dans les iles de Made-
re et de Porto Santo.
Liv. 3, cap. 7, num. 41
A cidade entre os dois ponlos do Corpo Santo, e S. Lazaro nao tem
a extensao, que Ihe dà o author; e dentro d'estes extremos està cortada
nao por duas, mas por tres ribeiras, que sao a de Nossa Senbora do Ca-
Ihào, ao nascente,— a de S. Lazaro ao poente, — e a.deS. Luzia no cen-
tro, assim chamada por banbar os limites d'està parocbia; e nSo porque
venba d'um alto, em que estava a ermida da santa. Està ribeira unica,
que corre abundante no caler do estio, vem d'urna elevada monlanha,
d'onde sabe a agoa formando urna grande cascata em altura de quasi
300 pés com tao grande ruido, que se ouve em distancia d'um quarto
de milba. Poucos dos estrangeiros, que visitam a ilha, e nao muitos dos
A HISTOniA INSDLANA 383
naturaes podem gozar d*e3te bello espectaculo da natureza, pcyr ser ne-
cessario seguir 0 ieito-da torrente, saltando sobre grossas pedras entre
grandes massas de bazalto.
Liv. 3, cap. 7, num. 43
A egreja de S. Bartholomeu, hoje arruinada e profanada, nunca Tez
parte do collegio dos Jesuitas, e era anterior a existencia da Companhia
de Jesus. Tinba sido ediQcada por Goncalo Anoes de Vellosa, naturai de
Celorico, escudeiro do infante D. Fernando; o qual fundou junto à mes-
ma egreja um Hospicio para clerigos pobrea. Falleceu em 1497, e jaz
sepultado na dita egreja Instituiu em vineulo a terca de seus bens, im-
pondo-lhe a pensao d'urna missa rezada todas as sextas feiras pela alma
do mesmo infante. 0 Hospicio nunca foi habitado por clerigos pobresse*
gundo a sua institui^ao; e por muitas vezes serviu de asylo aos missio-
narios, que passavam para a India. Os Jesuitas ostiveram n'elle em quan-
to se nuo concluiu o collegio^, e famoso tempio, cujo titular era S. Joao
Evangelista, de que tractaremos no cap. 14, d*e$to iiv. 3, num. 92.
Liv. 3, cap. 7, num. 43
0 clima da Madeira n9o menos que as vantagens. que ofTerecia urna
nova colonia, attrahiu a ella grande numero d'estrangeiros de diversas
nacionalidades, que vieram concorrendo a proporgSo, que os seus gene-
ros preciosos do assucar e do vinho fomentavam o commercio em maior
escala. Todavia nem todos exerceram està profissao, entre os eslrangei-
ros mais considerada ainda, do que entre nós n'aquelle tempo; e alguns
tomaram terras de sesmarias, ou compraram outras, com que institui-
ram grandes cazas, que conservam o seu nome ale hoje, e coustituem
familias nobres na ilha. Alguns d'cstes no seu mesmo paiz pertenciam à
classe da nobreza, que os reis de Porlugal reconlieceram, e Ihes derani
fòro e brazao d'armas. Aqui apresentamos um trabalho feito sobre o No-
biliario de Henrique Henriques de Noronha, socio da Academia d'IIisto-
] ìa Portugueza, e algumas memorias e escriptos de bons genealogicos,
que podemos obter, deixando de fazer men^Sio d'algumas familias hoje
oxtinctas, ou das quaes nao alcan^amos noticia. Seguìmos a ordem alfa-
betica, e indicamos a epoca, em que consta de docamentos, que elles
estavam na Madeira.
38 & K0TA8
lo 13 Aciauoli-SimAo. descendenle por varonia dos anligos Duques de
Athenas» era fllho de Zenobio Acciaouli, a qaem o imperador Car-
los Y concedefu grandes privìlegios, e naturai de Florenca, Jaslifì'
cou a sua filiamo, e nobreza. corno fez constar d'urna certidaopas-
8ada pelos Prìores da liberdade, e obteve brazao d'armas n'esto
rcino em 1329. Construiu a capella de Nossa Senhora daPiedade,
que sen*iu de capitalo no convento de S. Francisco; e instituino
morgado denominado de Nossa Senhora do Payal. Falleceu a 13
de Fevereiro de 151 i; e jaz na sobred^ capella com suamulher
Maria Pinientel. Seu fllho Zenobio Aciauoli, e saccessor do vin-
culo ediflcou tambem a ermida de Nossa Senhora do Fayal, em urna
quinta sua acima da cidade na parochia de Nossa Senliora do Ca-
Ihào»
1480 Baptista-Mbsser Joào, Genovez da nobre familia Usodimare, fez
assento no Porto da Cruz, onde Ihe foram dadas de sesmaria mui«
taa terras» 'que ainda conservam o nome delle, e institoiu uni
vinculo, que passou aos seus descendentes. Casoa com Tristoa Tei-
xcira, fìlha do prìmeiro donatario de Machico, corno diz o author
no cap. 9, do liv. 3, nun). 36.
1480 BEnENGUEn-PEono de lomilhana, naturai de Valenca, Doutor em
Medicina, foj fidalgo da Casa Beai, e cavalleiro da Ordem de Chris-
io. EI-Rei D. Jo3o III Iho deu brazao d'armas; e alcangando mni-
tas terrns de sesmaria na Villa da Calheta, em sitio elevado, teve
oste 0 nome de Lombo do Doulor, que ainda hoje conserva, e qnr
se traiìsmìttiu ao vinculo por elle inslituido. 0 author ignorava o
nome d'este cavalheiro; e por isso fallando da villa de Calhcla w
liv. 3, cap. 7, num. 49, sómente diz, quo era medico, e tinha uni
engenho.
I irJO BiTTANcot'RT-JoÀO c Henhique, lio 6 sobrinho Francezes. 0 primeiro
era senhor das Canarias, que cedeu ao infante de Portugal I).
Henrique com o direito, que tinha sobre ellas; e ambos vieram pan
a Madeira, onde Ihes foram dadas muilas terras em Iroca da
cessào, que havia feito Joào de Bittancourl. Este se estabeleceii
na cidade, e possuiu grandes terrenos em S. Roque, onde erigili
a capella de Nossa Senhora de Bittancourt a Grande. 0 sobrinho
Henrique de Bittancourt habitou no legar da Rìbeira Brava, e alii
possuiu muitas terras de sesmaria, com que fez grande caza. Es-
À IIISTORIA INSULANA 385
tes pcrtenciam a urna muito distincta familia do reino de Franga,
que linlia brazSo d'armas, que D. Manoel reconheceu e conGr-
mou no 1.^ d'Abril de 1505. D. Maria de Bittancourt, GIha eher-
deira de Jouo de Biltancourt, casada com Ruy Gongalves da Ca-
nnara, segnndo filho do Zargo, nào tendo successao fez vinculo
dos seus bens, chamando para adminislrador Gaspar de Bittan-
court, seu sobrinho. Pertencia-lhe a capelta do Espirito Santo no
cruzeiro da egreja de S. Francisco, onde eslavam gravadas as suas
armas sobre o tumulo, em que jazia.
1580 Catanjio-BafaeLjC Iuiìio irmaos Genovezes, de familia distincta, cu-
ja nobreza justificaram e Ihes foi dado fòro de fidalgo. 0 primei-
ro era cavalieiro na Ordem de Cliristo, e casou no Porto Santo.
0 segundo casou em Machico com D. Maria Cabrai, filha de Tris-
tao Teìxeira, terceiro Donatario, de quem falla o autbor no liv. 3,
cap. 9, num. 59, alterando-Ihe o nome.
1480 Cesar-Joào, Genovez, descendente da nobre familia d'este cogno-
me, corno justificou: casou na Freguezia do Arco com Vitoria
Fernandes, filha de Fernao Domingos de Andrade.
1430 Drumund, ou Duomondo-JoAo de Escocia, Escocez de grande no-
breza; era filho de Jo3o Drumond, senhor de ItubaI e CargiI no
condado de Pert, e irmào de Anna Bell, casada com Jacob I, rei
d'Escocia. Justificou a sua descendencia, e teve de sesmaria mni-
tas terras na Lombada de S. Pedro em Santa Cruz, onde fez as-
sento.
1480 Es^aERALDO-JoÀo, ou antes Joanim, Flamengo. Descendia da nobre
familia de Fienes, e de Houdochel; e teve furo de cavalieiro fidal-
go com brazào d'armas dado por El-Rei D. Manoel em 1520. Foi
Provedor da Fa'£enda na ilha da Madeira, e fez grande caza na rua
do esmeraldo, que tomou d'elle o nome. Casou com Agueda de
Abreu, filha de Joào Fernandes, senhor daLomba do Arco; e era
0 mais rico homem de toda a ilha. 0 P.® Cordeiro erradamente o
faz naturai de Genova n'este capitulo 7, num. 48, quando falla da
grande quinta da Lombada da Penta do Sol, da qual tinha jà tra-
tado no cap. 6, num. 38. Diremos ainda alguma cousa sobre es-
tà mesma quinta em legar competente.
1580 Espi.nolas-Amo.mo SpinolaAdorno, e Leonardo Spinola de la Ro-
sa, prìmos natiiraes de Geaora. Descendiam das mais illustres fa-
25
386 xoTAS
mitias d'està cìdade, que contavam no numero dos seus maiores
alguns Doges d'aquella republica. Ao primeiro d'esles deu El Ilei
D. Manuel brazào d'armas e fòro de fidalgo da sua caza. Esle le-
ve terras dadas de sesmarìa em Santiago, e outros logares; e doou
por escriptura de 30 d'Abril de 1521, um pequeno terreno na
extremidade da cidade, no qual se construiu a capella de Santia-
go, Padroeiro de loda a iiha, a sacliristia eadro,com condicàode
que na mesma se desse sepultura às pessoas de sua Taroilia, e o
capellao pcdisse um Padre Nosso, e Ave Maria por sua alma. A
escriptura foi feita em pergamlnho, e exisle no ardiivo do Cabido
do Funchal.
IGOO EspnANGicK-ADRiANO Basali, Ailemao, fez assento no Funchal: tinha
brazào d'armas, e juslìficou a sua nobreza por documentos, que
apresentou; possuiu terras no Arco da Calheta, onde continuou a
sua descendencia.
liso Fra.nca-Andhé Goncalnxs, naturai de Bolonha de Franca, de qiie
procedeu o appeliido, com que era conhecido, e que passou aos
seus descendentes. Seu fìllio Joao de Franca teve muitos bens, e
sesmarìa no Estreito daCallieta, onde fez assento. Edifìcou a egre*
ja de nossa Senhora da Graca, hoje Parochìa, onde jaz sepultado
na capella-mór;, e fez rinculo de seus bens,
1500 Gikalte-Peduo, Fiorentino de familia nobre na sua patria; morou
na Calheta.
IGOO I1k«edia-D. Antonio, Ilespanhol, naturai de Avila; foi um dos ca-
pitaes do presidio Caslelhano em tempo de Filippe II. Era ollìcial
de merecimento, e nobre, que sendo o mais anligo governou io-
das as companhias sem obediencia aos governadures, aos quats
a politica hespanlìola, porque deviam ser i)orluguezes, centra as
promcssas solemnemente feitas tirou o governo das armas.
11)00 Jeuvis-Richard, Inglez, veiu ù iIha corno negociante e ganhou gran-
de cabedal no commercio. Era d'uma illustre familia d'Inglatern,
da qual descendeu tambem o grande Almirante Jervis. Casoucom
D. Maria dAttouguia; e provou sua nobreza, pelo que Antonio
Correa Jerves teve foro de fidalgo. A està familia pertencia o pri-
meiro Visconde d Alhoaguia.
1480 Leme-àntonio Loe, naturai de Bruxellas, veiu à Madeira com car-
ta de recommendacao do Duque D. Fernando para a caaiara do
A mSTORIA INSULANA 387
Funchal. Seu filho Marlim Leme foì fidalgo da casa real, e deram-
se-lhe terras desesmaria nafreguezia de S. \ntonio, as quaesvin-
culou, insliluindo o raorgado chamado do Leme.
1170 Lomellini-Urbano e Joào Baptista, irmaos Genovezes; d'ellesliil-
lamos jà, quando tratamos do convento de nossa senhora da Pie-
dade na villa de Santa Cruz.
ISOCT Moxdkagào-Joào Rodrigues, Biscainho, fillio de Garcia Banhes
Mondragao, cnjo solar era no valle de Artazubiaga, provincia da
Guipusqoa. Teve grande caza, e exerceu os cargos mais honrosos
na ilha. Fez a capella de S. Joao Baptista na egreja do convento
de S. Francisco, para jazìgo da sua familia, na qual estava um
mausolèo de marmore branco com as suas armas. Seus filhos fo-
ram fidalgos da casa real.
1600 Polanco-Francisco, naturai de Salamanca, fez assento no Funchal,
para onde veiii comò capitao d'uma das quatro companhias Hes-
panholas, que dcfendiam a illia. Fez assento no Funchal, onde seus
descendentes se conservaram por muito tempo.
1320 Salvago-Lucas, era naturai de Genova, e comò negociante vciu
para o Funchal. Justificou pertencer a nobre familia d'esle appel-
lido, e adquirindo muitos bens estabeleceu-se na freguezia do Ca-
nino, onde seus descendentes apenas conservam hojc o cognome,
1480 Salviati-Joào, Fiorentino. Foi um dos nobres de Fiorenza, que
com outros mais se uniram era defeza da liberdade da sua patria
contra aopprossao dos Medicis eml470. Succumbindo o seupar-
tido, foi obrìgado a emigrar; e chegando a Madeira teve o acolhi-
mento distincto, que merecia pela sua nobreza, e causa, que de-
fendera. Fez seu assento no Funchal, e Ihe deram terras de ses-
maria no logar de Caraara de Lobos na ribeira dos Acorridos para
a parte do mar.
1030 SiSNEinos-D. Francisco Soares, naturai de Toledo. Veiu para a
Madeira por capitao d'uma das companhias Hespanholas do presi-
dio; e se estabeleceu no Funchal.
1G60 SAuvAiRK-HoNORATO,Francez,naturaldeMarselha.Veiu à ilha por con*
sul de Franca. Foi negociante e moroo no Funchal; ondeadquiriu
muitos bens, e seus descendentes possuem vincalo, de queformam
parte algumas propriedades no Campanario, e em outros logares.
1510 Valdavrsso-D. Joào, Hespanhol: era oegociante, e foi reconhecida a
388 KOTAS
sua nobreza por ter brazao d'^rmas, eauctoria de fidalgo em Ues-
panha. Fez assento no Funchal, onde teve grande caza. Seus des-
ccndentes possuem bens vinculados, que conservalo o nome desta
famiiia.
1590 ViLOvi-RoBERTO, Inglez, cavalleiro na Ordem de Chrislo. Chegoii
a Madeira casado com sua primeira mulher Antonia Jaìmes Cui*
bem, naturai de AUemanha; e estabeleceu-se no Funchal. Seus
descendentes conservani ainja o vincuto, que inslituiu dos seus
bens.
Liv. 3, cap, 7, num. 45
0 Funchal nao foi sempre villa, corno diz o autfior n'e^'le numero,
mas sùmente em 1451 teve està cathegoria, quo Ihe fui dada porEI-Rei
U. Affonso V. pelo augmento da sua populac3o, e nascente commercio.
Quando porem D. Manoel subiu ao throno, bavendo feita està iiha rea-
lenga por Provisào de 20 d'Abril de 1497, a eievou onze annos depois
a classe de cidade por outra Provisào sua dada em Cintra aos 27 de
Agosto de 1508, nao, comò diz tambem a3Bthor,pelarazùo de ter sido
senhor d'ella antes de rei; mas por outros motivos, corno declara a ci-
lada Provisào: «Em respeito aos muitos servifos, que recebia dos seus
«moradores, e por razao de viverem n'ella muitos lidalgos, cavalheircs,
oc pessoas honradas e de grandes fazendas». 0 mesmo rei, qualro dias
anles por Provisào de 10 do mesmo mez e anno,havia jà dado novaor-
pnisacào a camara do Funchal; e mandou que està fosse composta de
trcs vereadorcs, e um Procurador do Consclho, todos nobres, (\uq an-
nualmente seriam eleitos por pautas, regulando-se cm tudo pelo rcgi-
meiilo da Camara de Lisboa. Assistiam a mesma quatro misteres, e um
iiùz do povo, comò tinha ordenado o Duquc D. Diogo por carta escri-
pta em Thomar a 21 de Dezembro de li83. Posteriormente obteveesla
assolilo em Cortes no primeiro banco por Decreto de C do Juiho do
lOri'i, que Ihe conferiu El-Rei D. Joao 4.° por ter sido a primeira do
Ultramar, em que fora acclamado. As armas da Camara sao cinco for-
mas de assucar dispostas em cruz, comò as quinas de Portugal, em
campo de prata, e nos lados uma cana verde da mèsma pianta com suas
folhas.
A HISTORU INSULAXA 389
Liv. 3, cap, 7, num. 48
0 author tratando do interior da iiha n'este capìlulo, torna a fallar
da quinta da lombada, que por sua grande extensao era a maior de lo-
da a ilha. Zargo havia tornado està grande porfSo de terra d'esde ornar
até à serra para si; a qual Toi dada a seu segundo fìlho Ruy Gon^alves
da Camara, que a vendeu para comprar a capitania da ilha de S. Miguel
a Joao Soares de Albergaria, de quem o author falla no livro 5, cap. 13,
num 403, posto que n*este logar diga, que Ruy Goncalves era terceiro
filho do capitao do Funchal; quando em U74 governava a ilha da Ma-
deira Joao Goncalves da Camara primogenito, de Zargo, o qual nlio teve
filho d'este nome, corno se póde vèr no cap. 11, do iiv. 3, num. 76 e
77. Comprou està grande quinta Joanim Esmeraldo, e na mesma levan-
tou urna caza, e a egreja da invoca^ao do Espirlto Santo, que foi sagra-
da pelo Bispo de Tangere D. Jo3o Lobo; e a 12 de Junho de 1522 di-
vidiu toda està propriedade por seos dois filhos, instituindo dois mor-
gados; o primeiro chamado do titular da mesma egreja; o o segundo do
Valle da Bica, que ambos foram confirmados por El-Rei D. Joao 3.^em
13 de Novembro do dito anno. Fallec^u este a 19 de Junho de 133C e
jaz na dita egreja.
A Ponta do Sol, de que o author Irata n'este numero, foi creada Vil-
la por El-Rei D. Manoel por Provisao de 11 de Dezembro de 1501: e
hi Rodrigo Annes o Coxo, quem deu principio à povoa^So d'este logar.
Descendia este da nobre familia dos Furtados, e quando chegou a ilha,
procurou aquelle sitio entao despovoado, que fez cultivar. Ailise levan-
tou a egreja de Nossa Senhora da Luz, que fot urna das capei laniascom
cura d'almas, onde jaz sepultado diante do aitar da Senhora, comò dis-
poz em seu testamento approvado aos 8 d'Àbril de 1486 mandando,
({ue na lapide se pozesse, que fora elle o primeiro, que déra principio
aquella povoa^do. Nesta mesma egreja foi sepultado D. Jo3o Henriques,
filho de D. Renrique Henriques, segundo senhor das Àlca(0vas, e deD.
Filippa de Noronha, filha de Joao Goncalves da Camanié da qual trata
o author no cap. 11 do liv. 3, num. 78.
0 logar sito para o norte acima da Ponta do Sol» que o author nuo
declarou na primeira ediCQào desta obra, è os Canbas ; assim chamado
por sor seu primeiro povoador Joao de Canha, do qual tomon o nome.
Era este escudeiro do Duque D. Diogo, corno consta d*uma escriptura
390 NOTAS
de aforamento de terras, que Ihe fez Constanfa Rodrigues d'Almeida,
viuva de Joao Gongalves Zargo. Seu fillio Ruy Pires de Canha ediCcou
a capeila de Santiago, que serviu de Parodila, quando està foi instituida
pelo Bispo D. Jeronimo Barreto por Alvarà de 30 de Janeiro de 1577,
dismembrando este territorio, que antes fazia parte da Ponta do Sol. Nos
limites d'està Parochia està um sitio chamado os Ànjos, cujo nome Ihe
veiu d'uma capeila da invoca^ao de nossa Senhora dos Anjos» que a in-
fanta D. Beatriz mandou construir em 1474, por ser imagem de multa
devocao dos moradores, e pelos beneflcios, que por intercessao da mes*
ma Senhora elles alcangavam.
A Magdalena ja Freguesia e Parochia d'esde 1582, pertenceu em
grande parte a Henrique Allemao, a quem foram dadas em sesmaria
muitas terras n'aquelle logar pelo mesmo infante D. Henrique aos 2!)
d'Abril de 1457, e conflrmada està graca por ElRei D. Allonso V. Era
elle um nobre principe Polaco da Lithuania, ou Hungaro, corno alguns
pensam; o qual accompanhando Ladislao IV. na infeliz bataiha de Varnes
dada em 1444, em que elle foi vencido por Amurat II, e morto pelos ^
Turcos, nao querendo ficar na patria depois d'està desgraga, veiu residir
na Madeira, nao se dando a conhecer a estraogeiro algum. Casou na liba
com Senborinba Annes, de quem teve fìlhos. Erigiu a capeila de santa
Maria Magdalena, onde jaz sepultado. Sua mulher passou a segundas
nupcias com Joao Rodrigues de Freitas, do qual houveram filhos ; e por
fallecimento d'està, casou o mesmo segunda vez com Isabel Lopes, na-
turai de Guimaraes; os quaes instituiram vinculo, e aosseus descenden-
ics perlenc^ o padroado d'està egreja.
Confalo Feroandes teve de sesmaria no sitio chamado Serra dagoa
da Freguesia do Arco da Calheta a Lombada, de que o author aqui falla,
juntamente com as Florengas, da qual iustituiu morgado, e mandou
construir a capeila de nossa Sentora daConceicào, multo damnificadahoje
pelo mar. Este homem, que tem vislumbres do mascara de ferro em
Paris, veiu para a Madeira com expressa prohibi?ao de sair d'ella. Tra-
tava-se com grandeza, e todos os annos Ibe mandavam da caza real
quanto Ihe era necessario em abundancia; porem nunca se soube quem
eram seus paes. Fallecendo elle aos 13 de Junho de 1339, foi sepultado
na sua capeila, na qual poz por armas as quinas I^tuguezas em aspa
sobre a cruz da ordem de Christo. Na lapide sepulchral de marmore
està escripto o seu nome; e tem em meio relevo a tìgura d'um raeniiio
A IIISTORIA INSULANA t 391
com 0 roslo sobre a inao esqnerda, e o colovelo sobrc urna caveira,
aponlando com a mao direita para està sentenfa tirada do livro do Ec-
clesiastico: «Sic et nos nati continuo desivimus esse.» A sua chegada a
Madeira depois da paz celebrada entre D. Alfonso V, e a rainha de Cas-
tella D. Isabel, faz conjecturar, qne fosse filho d*elle; e que razoes d'es-
tado impedissem de reconhecel-o. 0 aiilhor o faz irmao de JoàoFernan-
des, que leve de sesmaria metade da covoada do Arco da ribeira do
Lèdo para dionte. Porem este nao linha so o cognome de Fernandes,
mas ajuntava-lhe — Andrade do Arco— ultimo appellido este, que Ihe foi
dado por Eliiei D. Joao li. com braziio d'armas cmFcvereiro de 1485;
e 0 irmao d'elle, que tinha parte na mesma sesmaria, cliamava-se Diego
Fernandes d'Andrade. Alem d'isso Antonio Goncalves da Camara era fi-
lho de Pedro Goncalves da Camara, que casou com D. Joanna d'Era, e
nao de Sa, caraareira-mur da rainha, comò dissemos a fol. 381 d'estas
notas.
Joao Fernandes dWndrade, a qucm foram dadas de sesmarias as
lerras da covoada, e que comprou oulras no mesmo silio, que tinha seu
irmao Diogo Fernandes d'Andrade, construiu a egreja de S. Braz, que
serviu por muito tempo de Parochia, onde jaz sopultado, havendo falle-
cido a 9 de AbriI de 1527. Em seu testamento mandou que na sepul-
Uira se pozesse uma lapide com o seu nome, na qual se acrcscentasse,
que fora elle o primeiro fundador d'aquella parte do Arco. Edificou tam-
bem a capella de nossa Senhora da Consolafao, que é cabern do morga-
do instituido por sua filila Isabel d'Abreu, que casou com Joao Rodri-
gues de Noronha, terceiro filho de Simào Goncalves da Camara, Capilao
Donatario, de quem o aulhor falla no capitulo 12, num. 81:-^e passan-
do a mesma a scgundas nupcias coro Antonio Goncalves da Camara tam-
bem d'elle nao leve filhos. Este era filho de D. Joanna d'Epi, dama da
rainha D. Leonor, e depois camareira-mór de D. Catharina, mnlher de
D. Joao IH; e foi o que edificou nesta Freguesia a capella de nossa Se-
nhora do Loreto por raandado de sua mae, a qual deixou a capella com
muitas terras, que possuia, ao Convento das religiosas da Esperanfa em
Lisboa, que as venderam a Francisco Luiz de Vasconcellos, das quaes
elle fez um vincnlo.
0 author concluindo a descripcao d'està parte da donataria do Fan-
chal passa do Jardim a Ponla de Fargo, deixando no intermedio as Fre-
guesias de nossa Senhora dos PrazereSi da Faja da Oveiha, b do Paal
392 , NOTAS
do mar, que eram Parochias jà exìslentes muitos annos antes, que es-
crevesse a sua obra. Trataremos unicamente desta ultima Freguesia,
que fórma comò um valle debaixo de altas rochas, junto ao mar, d'onde
Ihe veiu o nome. É terra de pescadores ; e muito conhecida pela sua
producQao do exceliente vinho chamado malvazia. Foi seu primeiro fun-
dador Joao Ànnes de Conto Cardoso, que teve de sesmaria este logar
juntamente coni o Jardim. Edificou a egreja de santo Amaro, que é o ti-
tular da Parochia, e na mesma està sepuitado. Scu fìlho Francisco de
Couto Cardoso ìnstituiu um vincuto dos seus bens, e falleceu a 8 de
Maio de 1542.
Liv. 3, cap. 9, num. 57
Este segundo capitao donatario nao foi chamado a Lisboa pelas suas
prendas; mas por capitulos, que formaram centra elle os moradores de
Machico, dos quaes se livrou talvez por inlervenfao dasdamas, e deD.
Guiomar de Lordello,' com quem casou. Assim tambem o primeiro do-
natario Tristao Vas, pae d'este foi chamado ao reino por abuzo de poder
no governo da sua capitania; e pelos excessos pralicados contra Tristao
Barradas. Pelo que Ihe nao consentiram por alguns annos voltar a Ma-
deira; ainda que em algumas Memorias manuscriptas achei, que tivera
sentenza de degredo. Porem no tempo indicado para o cumprimento da
pena estava elle na capitania de Machico.
Diego Teixeira, quarto capitao donatario, de quem trala o aulhor em
0 numero CO, nao tinha perfeito uso de razao em consequencia d'urna
telha, que Ihe caira sobre a cabega, sendo elle ainda menino. Este de-
feito se aggravou mais pelas intrigas e maquinagòes d'alguns de seos
parentes, que chegaram a ponto de pretenderem fazer declarar illegiti-
mas duas fìlhas, que tinha do seu matrimonio, as quaes fctram julgadas
suas por seutenga. Quiseramtirar-lhe adonataria, esahiu para Lisboa aDm
de defender-se; e obteve sentenza a seu favor em 1536. Voltando para a
Madeira^ e augmentando-se o seu estado de incapacidade, ElRei D. Joào3.'^
0 removeu do governo da Capitania, nomeando ministros que governa-
ram epi nome d'elle até a sua morte.
Tristao Vaz da Veiga tao encomiado por Gaspar Fructuoso, e que o
ai^^jior tantp exalt^^ eip o numero 64, tigha feilo grandes servigos à na-
fao; e por elles mereceu, qfi(^^ ps governadores do reino confiassem d'elio
a defeza da praca de S. Juliao^ da Barra, que indignamente entregou ao
À HISTORIA INSULANA 393
Duc[ue d'Alva, general de Filippe 2.^ quando a forca d'armas veiu oc-
cupar 0 reino. Foi premio d està entrega a donataria de Machico; e cho^
veram sobre elle essas grandes mercés da Corte de Hespanha, as quaes
se 0 euriqueceram enlao, nao podéram impedir o sevèro juizo da pos-
teridade.
Liv. 3, cap. 10, num. 70
0 appellido de Zargo, ou Zarco, corno mais frequentemente s'encon*
tra nos aulhores, nao tevc principio em Joao Gon^alves, para que o au*
thor fizesse tantas supposicoes àcerca da sua origem. Este era um co-
gnome de familia jà existente em Portugal, e que aparece em documen-
tos antigos, qne vem indicados na Parte V. da Monarchia Lusitana, liv.
17, cap. 2, onde o Doutor Fr. Francisco Brand3o rejeita o que a este
respeito dizia Gaspar Fructuoso. Um d'estes documentos é de 4177, em
que assignou corno testemunlia Gonzalo Zarco; e outro de 1328 no qual
se ve AQbnso Zarco ter sido do numero dos eleitores do Mestre de Sao«
tiago; alcm de muitos até de mulheres pertencenies a està familia, que o
mesmo julga tivera seu assento em Tliomar. Os descendentes de Jo3o
Goncalves por algum tempo conservaram ainda este appellido; que dei-
xaram pelo de Camara de Lobos, que foi dado bo descobridor da Madei-
ra por EIRei D. Joao 1.^ em consequencia de haver encontrado, quando
chegou aquelle logar uma lapa, covil de lobos marinhos, a que deu o
nome de Camara, do qual depois usarao unicamente.
Liv. 3, cap. 10, num. 71
A iiha da Madeira, comò as descobertas e conquistas feitas no rei-
nado de D. Joao 1.^, esti veram encorporadas na coròa até EIRei D. Duar*
te, que em 26 de Setembro de 1433, fez doacao das possessoes ultra-
marinas a seu irmuo o infante D. Henrìque. Foi este qne no l.'' de No-
vembre de 1450 doou a capitania do Funchal a Jo3o Goncalves Zargo;
a qual conQrmou seu sobrinho EIRei D. Affonso V, a 25 de Novembro
de 1451, e depois a 16 d'Agosto de 1461 com obediencia aos manda«^
dos do infante. Com a mesma donataria para elle, e seus descendentes
em lioha recta de primogenitura, llie Ibi concedido o privilegio de moi-
nhos, fomos de pao, venda de sai, serras d*agoa com a redizima nos
generos sujeito^ és decimas ecclesiasiicas, e alguns miis direitos banaes,
394 NOTAS
dos quaes pelo decurso do tempo ficaram privados seas saccessores na
maìor parte. Todos estes direìtos tinham side dados tambem ao doData-
rio de Machìco, TristSo Vaz Teixeira, pelo dito infante, corno se póde
vèr nas Provas da historia genealogica da Gasa real, ao liv. 10« num.
26, tom. 5. Elles governavam por sì, ou seus delegados as respectivas
capitanias; e nomeavam Ouvidores, para os quaes se rccorria dos juizes
ordinarios, com alcada nas causas civeis até a quantia de quinze mil réis:
e nos crimes até degredo por dez annos, com rezerva de pena ultima,
e talhamento de membro.
Liv. 3» cap. 10, num. 74
Està quarta filba de Zargo, que o P/ Cordeiro, com tanta diligencia
e trabaiho, comò diz aqui, nao Ihe fòi possivel acbar, cbamava-se Hele-
na Goncalves, e era a mesma, de que elle fallou no liv. 3, cap. 6, num.
32, que acompanhàra o pae, quando veiu com colonos para a Madeira.
Casou com Martim Mendes de Vasconcellos o Velbo, do qual faz mencao
no liv. 6, cap. 44, num. 467, quando tratou dos progenitores do Padre
Joao Baptista Macbado. Gozou de opiniao de virtude, e foi urna das tes-
temunhas do milagre do Crucilixo, que estava no aitar das almas ao lado
da epistola da anliga egreja de S. Francisco ; o qual no dia 26 de De-
zembro de 1482 despregou da cruz o brago direito, e assim se conser-
vou até 0 dia seguinte. Consta este milagre d'urna justiflcagao tirada
pelos tabelliaes Affonso Anes, e Joao de Tavira, sendo Juiz Ordinario
Eslevao do Azinlniil, cavalleiro da Gaza real. Os religiosos Franciscanos
apresentaram este instrumento a D. Lourengo de lavora, Bispo da Dio-
cese, 0 qual mandou que se publicasse todos os annos no dia 28 d'Oli-
tubro, em que a confraria celebrava a festa de S. Simao.
Liv. 3, cap^ 10, num. 75
As ordens regias, de que o author falla, para se darem as terras por
sesmarias aos novos colonos, que vieram para a Madeira, constam da Carta
de mercé passàda por EiRei D. Joao L da qual extractamos o item seguin-
te: «Iley por bem e me praz de dar, doar e fazer grafa e mercé, corno
«por està dou e dòo para sempre dos sempres aos novos povoadores da
«ilha da Madeira, que por meu mandado Jo3o Gongalves Zargo foy des-
A IIISTOIUA INSULANA 395
«tribuir; qne as terras Ihes sejam someDtes dadas forras sempensao al-
aguma àquelles de mayor calidade, e a outros, que possangas tiverem
«pera as aproveilarem; e aos de menor, que vivam de seu trabalbo e de
«cortar e talhar madeiras, e dar creacoes de gados: e as terras serao
«repartidas pelos Capitains: e as aproveitaram em dez annos, e somen-
«tes Ihes sera dada a terra, que arrasoadamente elies dos ditos dez an-
«nos possam aproveilar; e toda aquella, que nos ditos dez annos apro-
«veitarem, Ihes passare, e nam outra, que nào aproveilarem; e pediram
«de novo authoridade minha para a poderem aproveilar.» Cada um dos
descobridores nas duas respeclivas donatarias flzeram a reparti^So seni
muita equidade, tornando para si e seus filhos porcoes de terra, que
nera em vinte annos poderiam aproveilar: e reparliram oulras pelos po-
voadores nobres, que com elles vieram, e por alguns estrangeiros, e na-
cionaes, que depois chegaram; os quaes instituiram morgados, que pos-
suem ainda boje famiiias illustres da ìlha. Os limites d'urna nota nao
permittem, que apresenlemos aqui urna relafSo d'eslas sesmarias, o que
nos levaria mais longe; e havendo feito raencao d'algumas d'ellas emdi-
versos logares d'estas notas, deixamos de continuar este trabalho, hoje
menos importante depois da lei, que extinguiu os vinculos.
Liv. 3, cap. 12, num. 81
Entre as diversas acgoes de raagnificencia, que se referem de Simao
Gongalves da Camara, damos aqui uma breve rela^ào do presente, que
0 mesmo mandou em 1515 ao Papa Leao X, a quem servia de Preiado
domestico D. Uanoel de Noronha, Bispo de Lamego, filho deste capitilo.
Constava està grandiosa offerta d'um palacio feito d'agucar, à imilacao do ^
Vaticano com cardeaes de alfenim dourados em estatura ordinaria, alem
d outros brincos em conserva, e d'um brioso cavallo persiano. Parliu da
Madeira para a Italia Jo3o de Lira, um dos seus familiares nobres» que
levava o presente, acompanhado de Vicente Marlins, Conego na Sé do
Funchal, excellente latino, que Ihé servia de secretarlo, e d'um mouro,
que condusia o cavallo.
Chegados a Roma, sem que alguma d'eslas coisas sofre^ ^oMo na
viagem, o Pontifico destinou dia para receber com ^leinpidade e^
offerta, comò se fosse d'algum princepe, querendo assìm Ik^njear. a cft-
piiuo e seu filho. Apresenlpu-se do dia aprazado Jpao de:l^in( aoopapa*
396 NOTAS
nhado de mnitos creados vestidos de reludo preto à Portugnesd; e em
presenta do Papa, Gardeaes, e muitos nobres de Roma, pronunciou o
Conego um excelleDte discurso em latìm, a que respondea LeSo X. com
muitos agradecimentos a Simao Gongalves. Escreveu ao mesmo urna
carta, cm que dizia: que elle se devia considerar muito feliz em ter om
filho, comò D. Manoel de Noronha, que seria ainda grande na egreja;
dando a en tender n'isto, que o faria cardeal; o que nSo deixaria de cum*
prir, se nao fallecesse poncos annos depois, achando-se em Portugal o
Bispo de Lamego. Despedia Joao de Lira, a quem deci algumas prendas;
e conferiu ao Conego Vicente lUartins mais um canonicato em Goimbra
com dois beneficios simplìces, que tinham vagado na curia. Este D. Ma-
noel de Noronha foi um dos Prelados mais distinctos do seu tempo; le-
ve grande caza com muitos capeUSes e creados; e instituiu no Bispado
uma capella, em que liaviam seis sacerdotes com ordenado de sessenta
mil réis cada um, e obrìgagao de ensino, para o que deverìam ser mes-
tres em alguma das sciencias ecciesiasticas.
Liv. 3, cap. 14, num. 88 e seg.
A chegada dos Huguenotes & Madeira foi antes o desejo de roubar,
3 uma vinganga d*alguns desgenerados Porluguezes, do que faltade pro-
visoes, ou de gado, comò diz o aulhor seguindo Gaspar Fructuoso, me-
nos exacto em ludo quanto diz n'este logar. Àchava-se em Franca Gas-
par Caldeira, a quem se havia confiscado em Lisboa o ouro. que trou-
xera da costa da Mina contra o regimento reai; e fugindo para Franca
se iigou com o famoso pirata Braz de Montine, e o induziu a vir ao
Funchal, que gosava jà de fama de riqueza pelo seu commercio e prò-
duccoes. Armou oFrancezoito navios em guerra, nos qaaes se embarca-
ram nove centos arcabuzeiros juntamente com Belchior de Contreiras,
Antonio Luiz, e Gaspar Caldeira, muito conhecedor da liba por ter vin-
do a ella nas viagens, que fazia é costa d'Africa. Chegando à iiha do
Porto Sanio a 2 d'Outubro de 1566, e commettendo alli alguns roubos,
no dia tres passaram os Franceses em frente da cidade, e pela volta do
meio dia tomando terra, desembarcaram som resistencia alguma na praia
formosa os arcabuzeiros, que traziam. Assaltaram logo a cidade por tres
differentes parles, e depois d'urna leve escaramuca onde hoje està a
egreja de S. Pedro, atacaram o baluarte de S. Loureofo, residencia do
A HISTOniA INSULANA 397
governador Francisco Goncalves da Camara, que se rendeii, ficando elle
prizioneiro com muilas pessoas nobres, que se linham refugiado n'aquel-
le logar.
Encontraram os Francezes pouca opposicao menos por cobardiados
raoradores, do que pela inercia e negligencia de Francisco Gongalves da
Camara, que sendo um soldado valente, nao raostrou possuir as quali-
dades de bom capilao. Tinha a vespera do dia recebido as dez lioras
da noite noticia mandnda da villa de Santa Cruz da apparìQao de navios
suspeitos; e quando devia tornar niedidas de seguranga, desprezou o
avizo, e nao acceitou o soccorro de gente, e armas que Ihe offereciam
tres embarcagoes Portuguezas surtas no porlo ; nem permittiu, que do
baluarte fizessem fogo, estando os piratas a tiro de baia. Dezeseis dias
se demoraram os Francezes, roubando, e commettendo impunemente
toda a sorte de altentados, sem que o mesmo Francisco Gongalves con-
sentisse, ^que OS moradores da ilha, que vieram em defeza da cidade, e
se achavam em forca, uns no Pico do Cardo, e outros no Pafheiro do
Ferreiro, inveslissem contra elles, pela ameaga, que Azera o immigo de
0 matar. e a todos os prisioneiros, se fosse atacado. Partiu logo de San-
ta Cruz uma caravella a levar a noticia a Lisboa; e chegando a 1G d'a-
qiielio mez, apezar damaiorceleridade, com que em ciuco dias se aprom-
ptou uma armada composta de oito galeóes e quatorze caravellas, de
que era generai Sebasliào de Sa, filho de Joao Rodrigues de Sa, Alcal-
de mór do Porto, quando ella aportou à Madeira, jà os Francezes haviam
saldo seis dias antes na volta das Canarias. A demóra deste noFunchal
foi causa de nOo serem cncontrados os piraias e destruidos, os quaes se
deliveram algum tempo n'aquellas ilhas a vender parte do roubo, de
modo que chegando os nossos a Lanzarote, liavia dois dias, que elles
tinham deixado aquelle porto.
Nao ficaram impunes os Portuguezes promolores deste saque, co-
rno diz 0 Padre Cordeiro; por quanto a diligencias do embaixador de
Portugal na corte de Franga, Gaspar Caldeira, que estava escondido,
sendo levado por engano dum seu amigo a Fuente Rabia, alli foi prezo;
assim corno Belchior de Contreiras em S. Lucar do Barrameda por Nu-
do Alvares; x)s quaes conduzidos a Lisboa com Antonio Luiz, tiveram
senlenga de pena ultima, que se executou a 28 de Fevereiro do 1568.
Gaspar Caldeira, sendo-lhe cortadas as mSos pelo algoz no pelourinho,
foi depois arrastado ale ao caes da pedra^ e alli enfòrcado e esquarteja-
398 NOTAS
do, ficando os quartos do cadaver pendurados nas portas da cidade até
serem consumidos do tempo; e os outros dois, corno menos culpados,
expìaram no patibulo o seu crime. Francisco de Porres sentenceado à
morte por se unir aos francezes, e ser cumplice nos deteslaveis exces-
sos por elles commettidos, guiando-os às cazas mais ricas, e indusindo
algumas familias, que andavam Tugidas, a voitarem para a cidade, onde
serviram de viclimas da mais negra trai^ao, alcangou commuta^ào da
penna em degredo para o Brasi!.
Este lastimoso acontecimento. que tirou ao Fuucbal mais d'um mi-
Ihao de cruzados roubado em ouro, prata e generos da sua produc^ào,
alem da perda de quazi trezentos dos seus habitantes, foiem parte cau-
sa da introducgao dos Jesultas na ilha. Tinha vindo com o capitao Joao
Gongalves o Padre Naxera, membro da Companhia; o qual com as suas
predicas e exhortacoes, consoia^ao unica nos grandes males, conciliou
tanto a afleicuo do povo, que pediu a fundac^o d'um collegio no Fun-
clial. Escreveu EURet D. Sebastiao em 1568 a S. Francisco de Borja,
entao geral, para a erec^ao deduas casas da companhia de Jesus, urna
na Madeira, e outra em Angra; porem afaltadepessoas habilitadas para
este flm fez demorar o projecto, que so teve effeito em 1570. N'este
anno partiram de Lisboa a 9 de Marco os Padres Manuel de Siqueira
para o logar de Reìtor, Pedro Quaresma, professor de tlieologia moral,
Melchior de Oliveira para confissoes e exercicios espiritnaes, Vasco Ba-
ptisla, ainda Diacono, para o ensino de latim e rhetorica com mais dois
companhciros, que chegaram a ilha a 18 domesmo mez. Nao sendoad-
mittidos na cidade por c^usa da peste, que grassava em Porlugal, esti-
veram vinte quatro dias em uma caza dos suburbios pertencente a Fer-
nao Favella, proxima ao logar, onde està hoje a forlaleza do Pico; e
d'atli passaram para a albergarla dos clerigos pobres annexa à capeila
de S. Bartholomeu, fundada por Concaio Ànnes de Vellosa.
Àlugaram a caza unida a egreja de S. Sebastiao, na qual abriram as
aulas de thcologia, e de lingua latina dividida em duas classes, a G de
Maio do mesmo anno, dia em que a egreja celebra a festa de S. Joao
Evangelista, que por està circumstancia foi o tilular do magnifico tem-
pio do Collegio, que depois construiram; e o Diacono Vasco BaptisU
fez a oracao d*abertura em latim. N'este anno chegou tambem a 13 de
Junho a armada de Luiz de Vasconcellos, em que vinbam de passagem
para o Brazil o celebre Padre Igpacio de Azevedo, que a ^reja conta
A HISTORIA INSULAXA 399
hoje no glorioso numero dos seus marlyres com trinla e noves socios,
que todos foram recebidos e hospedados na mesma caza. Serviu de gran-
de auxilio a chegada d'estes collaboradores do evangelho, por se liaver
annunciado n'este anno oJQbileuuniversalna iiha; e sahindo ellesaSOdo
inesmo noez, soITreram o martyrio deseseis dias depois à vista de Palma*
urna das ilhas Canarias, sendo tomada a nau de viagem, em que liiam,
pelos calvinistas francezcs commandados por Jacob Soria.
£i-Rei D. Sebastiam tinlia consìgnado por carta regia de 20 d'Agos-
to de 15G9 a qaantia de seis centos mil réis annuaes para dotacào do
Collegio, OS quaes seriam pagos em fructos pelos precos correntes. Pos-
teriormente obtiveram os dizimos da freguezia da Ribeira Brava pela
pensao, exceptuando a redizima, que pertencìa ao capitào donatario, e
as poTQoes congruas, que se pagavam aos ecclesiasticos, Com este di-
nheiro, e mais ainda com doaQoes, e copiosas esmolas, que osmembros
da Companhia receberam, o reìtor Manoel de Siqueira lauQou a primeìra
pedra do grandioso Collegio e egreja de S. Joao Evangelista, em qne se
trabalhou com tanta actividade, qne em menos de dois annos estavam
promptas as accommoda^ues necessarias para receber a communidade.
Ksles trabaihos porem coatinuaram ainda à chegada do novo Reìtor, o
Padre Fedro Rodrigues, e ^caram conciuidos em 1578. Enlre os muilos
hemreitores da Companhia bobresairam tres senhoras muito rìcasdailha,
D. Ilelena de Bittancourl, viuva de Antonio d Andrade da Silva, do qual
nào teve fìlhos; e suas cunhadas D. Brites e 1). Isabel da Silva, ambas
sotteiras, e fìlhas de Martim Goncalves de Andrade; que despenderam
com OS Jesuitas a maior parte da sua fazenda. Jazem sepultadas na ca-
pella-mùr da egreja em tumulo de marraore com as armas da sua fami-
lia. e um epitalio, em que se diz; que a mesma D. Helena Tundàra
a(]uella capella; e que suas cunhadas tinharti sido insignes bemfeitoras
da egreja e collegio.
Liv. 3, cap. 15, num. 95
Para concluirmos asta successao dos Capitaes Donatarios até o tem-
po, em que Filippe 2.^ occupou o throno portuguez depois da morte do
Cardeal U. Henrtque, accrescentamos aqui està nota para darmelhoror-
dem a està materia, e suprir algumas omiss5es do autbor.
Os capitSes Donatarios deixaram de residir na Madeira desde que
400 NOTAS
Simao Goncalves da Camara foi feito em 1575 primeiro Conde de Villa*
nova da Calheta com duas rezervas na lei mental. Havia com licenza re-
gia nomeado em 15G0 para governar em seu logar a Francisco Concai-
ves da Camara, em tempo do qual foi o Funchal saqueado pelos Dugue-
noles, corno dissemos no capitalo antecedente num. 88; e blleceu Simào
Conca [ves em Lisboa a 4 de Marco de 1580. Succedeu-ihe corno se-
gando Conde e sexlo Capitào Donatario, seu filho Joao Concalves da
Camara, casado com D. Maria de Alencastre, e em tempo d'este gover-
Dou em seu nome a donataria Rui Dias da Camara, seu irmao; o qual
tinha entrado na administragao da mesma d'esde 1579, em que fallece-
ra Francisco Concalves. Foi em tempo de Rui Dias, que os Donatarios
cessaram de governar as respectivas capitanias do Funchal e Macbico,
nomeando Filippe 2.° governadores geraes, que ao depois o foram só-
mente no civiL
Succedeu nos direitos da donataria Simao Concalves da Camara, ter-
ceiro Conde, e setimo donatario, ainda menino, de quem o author Talln
n'este numero em ultimo legar. Este porem casou com D. Maria de lle-
nezes, da qual teve Joào Concalves da Camara; que succedeu a seu pae,
e foi quarto Conde e oilavo donatario; o qual n3o teve varao do seu ma-
trimonio, e passou a donataria a sua Riha mais veiha em consequencia
da reserva, qne fizera D. Sebastiao na lei mental. Està cbamada D. Ma-
rianna de Alencastre, que ficou sendo nona donataria, e quinta condessa
da Calheta, havendo casado com Joao Rodrigues de Vasconcellos, Conde
de Castello Mclhor, reuniu os duis titulos, que conserva hojc osta dis-
tincta faniilia, sendo o primeiru elevado à classe dos Marquozes.
Nomeou enlao Filippe 2.^ depois de occupar o Ihrono de Torlugalo
Desembargador Joao Leilao com o posto de governador goral, adminis-
Irador da Fazenda. e julgador nas causas civis e crimes; o que ludo
exerceu atù 1582. N'este anno receando-se, que a armada Franceza pro-
curasse invadir a Madeira, foi mandado D. Agoslinho de Herrera, Conde
de Lancarole, e Forte Ventura por general das armas, conservando o
governador unicamente as attribuicocs da administracào civil e Fazendo.
Porem cessando o medo dos Francezes, quo abandonaram a causa do
infante D. Antonio, que fura pretendente à corea, voHou o mesnio Con-
de para Hespanha; e foi de novo restituido ao exercicio do seu cargo o
mesmo Desembargador Jo3o Leit5o, que anteriormente o occupava; e
assim continuou ale 1585, em que a 19 d*OutubrO se expedìu Patenle
A HISTORIA INSULANA 401
a Trislao Vaz da Veiga, a quem tinha sido dada a doDataria de Machico»
corno 0 autlìor jà disse no capitulo 9, num. 63. Tomou este posse a 22
de Novembro do mesmo anno, e goveroou até 20 d'Agosto de 1591,
em que Ibc succcdeu Antonio Pereira de Berredo por Patente de 30 de
Dezembro de 1590, e posse de 21 d'Agosto de 1591, o qual govemou
a liba da Madeira até 20 d'Abril de 1595.
0 pequeno espaco, de qae podemos dispor, assim corno os limites,
que devem ter as notas, nSo permittem dar aqai a successSo dos go-
veniadores da Madeira depois de Antonio Pereira de Berredo, cuja no-
menclatura sómente bastaria para encher algumas paginas, e dos qnaes
nao trata este author. E pela mesma razSo tambem deixamos de fallar
da parte ecclesiastica, com que oauthorrematao ultimo capitolo, porse?
0 mesmo tao falto de ordem, e tam omisso, qoe d3o poderìa servir de
baze a qualquer trabalho n'este genero.
FIM
26
i
INDICE
DOS
CAPITALO» <IUE SE COUTTGII IV ESTE VOLUME
LIVRO VI
Da ilha Terceira, cabeca das Terceiras.
Cap. I. Do descubrimento, nomes, e Àrmas da liba TereeJra . . 5
Gap. II. Do primeiro Donatario, e Povoadores de toda a Ilha . . 7
Gap. ni. Dos Gapilaes Donatarios de so a Capitania da Praia, da
llhaTerceira 14
Gap. IV. Dos Capitaes de Angra, Corlereaes, da Terceira . . . i7
Gap. V. Descreve-se a Gapitania da Praia, e suas Povoagoes pelo
Noroestc, e Norte, atè acabar passado o Leste da Illia Terceira, 20
Gap. vi. Da nobre Villa da Praia, e termo de sua Gapitania . • 25
Gap. vn. Gomega a Gapitania de Angra, desde a Villa deSao Sebas-
tiao ató a Gidade ^ ...» 29
Gap. vni. Das fortalezas que cercao por mar^ e terra a Gidade de
Angra 32
Gap. IX. Da maior Fortaleza, ou Gastello de Angra 34
Gap. X. Da famosa Gidade de Angra, e seu nome 39
Gap. XI. Do governo Kcclesiastico de Angra, e de seus Bispos so-
bre lodas as nove llhas Terceiras, ou dos Agores 48
Gap. xn. Do estado religioso que ha em Angra 5fi
Gap. XIII. De outros Reìigiosos Conventos de Angra 63
Gap. XIV. Do Irato, e governo da Gidade de Angra 68
Gap. XV. Acabava a descriprao da Gapitania do Angra pelo Sul, e
Gesto 7>
Gap. XVI. Do Gertao interior, e fertilidade da IHia Teixeira . . . /9
Gap. XVII. Dos Bruges, Aifas, Paims, e Teves, e dos Uomcns» Ca-
meras, Dornellas, Noronhas, Pamplonas, e Fonsecas ... 88
Gap. xvui. Dos Gortereaes, Costas, Silvas, Monizcs, Barretos,'^
Sampaios, que se conscrvao na Ilha Terceira .... • 9*^
404 INDICE
Gap. XIX. Dos Cantos, e Castros de ÀDgra, e familias d'onde vem,
e que vem d'elles 90
Gap. XX. Dos Borges, Gostas, Abarcas, Pachecos, e Limas, Yelhos,
e Mellos, e de outros, HomeDS Gostas 104
Gap. XXI. Dos Gastellosbrancos, Garvalhaes, Lobos, Silveiras, Espi*
nolas, Lemos, e dos Betencores, Dornellas, e outros . . . .110
Gap. XXII. Dos Vasconcellos da Terceìra, e familias que d'elles des-
cendem. Dos Regos, Baldayas, Gamellos, Pereiras, Sousas, e
ouUros . . , 117
Gap. XXIII. Dos Barretos liados com a Real casa do Santo Borja. E
do tronco dos Fonsecas, Vieiras, Machados, Pachecos, e ainda
dos Gantos 121
Gap. XXIV. Da familia dos Cordeiros, e Espinosas 127
Gap. XXV. Das guerras que a Terceira experimentou, especialmen-
te pelo S^ohor D. Antonio, e Goroa de Portugal contra a de Gas-
tella 139
Gap. XXVI. Das primeiras Armadas que invesUrSo a Uba Terceira,
e da fatai baUlba das Armadas Reaes defronte de S3o Miguel . 142
Gap. xxvu. De huma parcialidade que bonve em Angra contra o
Senbor D. Antonio; e da morte de bum fidalgo, e perseguif3o
contra o GoUegio da Gompanhia de Angra 147
Gap. xxvin. Da chegada, recebimento, e Assistencia do Senbor D.
Antonio na Uba Terceira, e de sua partida para Franca ... 151
Gap. XXIX. Da ultima Armada, e batalba, que Gastella deu à Uba
Terceira, e a rendeu 155
Gap. XXX. Do mais que succedeu em a Terceira, e llbas annexas; e
da ida a Gastella e Portugal, e casamentodeD. Violante do Canto
e Silva , 159
Gap. XXXI. Da gloriosa AcclamaQao dei-Rei D. Joao IV naiiha Ter-
ceira 16C
Gap. xxxii. Gomena a guerra pelas trincheiras: rende-se o Castello
de Sao Sebasti3o; e acclama-se el-Rei D. Joao o IV na Sésolem-
nemenle 170
Gap. xxxni. Da Acclamacao feita em oulras Ilhas, e soccorro que
mandarao à Terceira; e do que succedeu a dous navios que està-
vao no porlo de Angra 175
Gap. xxxiv. Do primeiro soccorro que veio deCaslelIa, e foi torna-
do pelos nossos; da Armada pela liha constituida, e vinda do Pa-
dre Francisco Cabrai 176
Cak XXXV. De varios rebates, e choques que houve entao n'esle
ceico, e do segundo soccorro de Castella, que Angra lomou ao
Gas\ello 170
Cai». xx\vi. Do aviso quo o Castello mandava a Castella, que Ilio
DOS CAPITULOS D'ESTE VOLUME 4055
Pag.
tomou a Cidade; e de outros successsos d'este cerco .... 183
Gap. XXXVII. Dos successos d'este cerco desde o firn de Agosto até
0 flm de Novembro ^ 186
Gap. XXXVIII. Das investidas que os nossos fizerao aos ReductosCas-
telhanos, e das embaixada^, escritos, e pessoas, que o Visitador
da Companbia de Jesus fez ao Castello 189
Gap. xxxix. Da ultima resolucao da Fortaleza, e conclusao de sua
entrega, e estado em que ficou a Terceira 102
Gap. xl. Das circumstancias gloriosas, com que a Terceira reudeo
està grande Fortaleza, e que despachos se Ihe derao . . . . 19i
Gap. xli. Das pessoas mais insignes em valor, e santidade que da
Uba Terceira tera sabido 197
Gap. xlii. De outros sujeitos iusignes em santidade da dita liba
Terceira 201
Gap. xliii. De muitas mais pessoas em perfeic^o illuslres, que da
Terceira sabirio 206
Gap. xliv. Do illustrissimo Martyr Joao Bautìsta Macbado . . .213
Genealogia do Invicto Martyr 221
LIVRO VII
Das ìthas de S. Jorge e Graciosa.
Gap. i. Do descubrimento, altura, e grandeza da Uba de S. Jorgo. 23ri
Gap. II. Dos primeiros Povoadores, e Povoafoes da tal liba . . 237
Gap. III. Dos tremores de terra, e outros iofortunios, que teve a
Uba de Sao Jorge 239
Gap. IV. Das exceliencias da Uba de Sao Jorge 241
Gap. V. Da nobilissima Uba cbamada Graciosa=Da situagao, gran-
deza, costa, e nome da tal Uba. . 243
Gap. vi. Das povoa^oes, e interior da Uba Graciosa, e sua fer-
tiUdade 245
Gap. vii. De quando, e quem descubrio a Graciosa, e de seus pri-
meiros Donalarios 247
Gap. viii. Da nobreza, e qualidade dos primeiros Donalarios, So-
drés, Barretos, Correas, Gunbas, Pereslrellos, Furtados, Mendo-
Cas, e outros Povoadores da Uba Graciosa 2S0
Gap. IX. Dos outros Gapitaes Donatarios da Graciosa, e dos Fer-
reiras, e Mellos que da Graciosa passarao a Terceira, e de seus
Kegios troncos, e ascendenles 254
Gap. X. Gonclue-sc coro os nobres Povoadores da Uba Graciosa,
Vasconcellos, Espinolas, Sousas, e outros de Porlugal, . . .261
406 INDICE
LIVRO Vili
Dos Ilhas do Paial e Pico
Pai.
Gap. I. Da altura, grandeza, e costas da Uba do Faial, e soa Villa
de Horla, e interior da liba * 267
Gap. II. De quando, e por quem se descobrio a Uba do Faial . . 272
Gap. ih. Dos illustres GapitSes Donatarios do Faial 27i
Gap. iy. Dos outros primeiros, e mais nobres Povoadores do Faial,
Utras, e Quadros, Silveiras, e Gunbas, e Bohemias 277
Gap* V. Dos Bruns e Frias, Pereiras Sarmentos da Uba do Faial . . 282
Gap. vi. Das mais excellencias d'està Uba do Faial 267
Gap. vn. DoDescubrimento, altura, e grandeza da fatai Uba do Pico. 289
Gap. vili. Das Villas, e Liigares da Uba do Pico 291
Gap. IX. Do interior, e clima, fertilidade, e fructos d'està Uba . . 294
Gap. X. Do altissimo Pico, e do tremor, e fogo, que nao n'elle, mas
na liba bouve 296
Gap. XI. Dos Povoadores. riqueza, nobreza, e governo da Uba do
Pico \ 299
LIVRO IX
Das Ilhas Flores, e Corvo^ e das que se espera descubrir de novo
Gap. I. Da altura, grandeza, e primeiro descubrimento, ou povoagao
da Uba das Flores 305
Gap. II. Das Gostas maritimas, e Póvos interiores d'està Uba, e seus
frutos 307
Gap. ih. Do governo Ecclesiastico, civil, e militar que baemas Flores 310 J
Gap. IV. Da qualidade, ou nobreza das familias que povoarao as Flores 3ii '
Gap. V. Da Uba que so se cbama o Corvo 315
Gap. vi. Do unico lugar junto, rendimentos, e frutos da dita Uba . 3i7
Gap vii. Dos Donatarios, e trato d'estas duas Illias Corvo, e Flores . 319
Gap. vm. Das Ilhas, que se espera descobrir de novo 321
Gap. IX. De outras Ilhas, que ha n'este nosso Oceano por descu-
brir ainda 323
Gap. X. Compendio da Historia das Ilhas, para o juizo que para se
conservarem, se deve formar d'ellas. . 3i'»
Gap. XI. Continua-se o Compendio antecedente 327
Gap. XII. Gonclusao do Compendio acima 330
Gap. XIII. Do com que se deve acodir à espiritual nccessidade das
Ilhas Terceiras 33i
Gap. XIV. Complemento do governo Ecclesiastico das Ubas Tercci-