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/*!
ladeira, dabo-Verde e U\é
l ». > • • *
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João J(ngn^to Mtih$
Obra illustrada com 15 gravuras
Precedida de ona carta-prefacío por D. Anlonio de Lencastre
Lisboa
Livraria de António Maria Pereira
50, 52 — Rua Augusta — 52, 54
1891
colorido ! Emmolduradas formariam esplendida galeria digna
da escola veneziana.
Até aqui o artista, agora o sábio.
Que plasticidade d' espirito revelas em todo o teu traba-
lho! Como consegues tratar, com egual superioridade, os al-
tos problemas scientificos, como o da opportunidade e a
indicação do tratamento climatologico da tisica e o da colo-
nisaçào, a historia dos descobrimentos e os interesses parti-
cularíssimos a cada ilha, os detalhes de administração in-
terna e os trabalhos públicos, os assumptos commerciaes e a
questão agrícola, a ethnologia e a ethnographia, a influencia
ingleza nas prosperidades de Cabo Verde e as investigaçõei
sobre a origem das leis sociológicas que regem alguns povos *
africanos, as pautas aduaneiras e a psycbologia rudimentar
dos sentimentos da preta da Guiné!
Graças á complexidade, que a naturexa d'uma obra,
como aquella que produziste, impSe, e á forma dócil como
soubeste satisfazer as exigências dos niíl problemas que a
Bua iudole involve, tí fácil estabelecer o logar que te é de^
vido na classificação de Wechniakoff.
Como sabes, Wechniakoíf na sua brilhante teutativa do^
anthropologia dynamíca — Historia natural dus grandes ko-^
mens^ — procurou mostrar que estes podiam classifícar-se em
três grandes grui>08, os monotypicos, os polytypicos, e os
philosophos.
Os monotypicos são, diz Letourneau, myopes intelle-
ctuaes dotados d'excellente vista. Eu vejo n'eUes, ante», um
caso de daltomsmo ijitellectual. Ã sua impressíonabi lidada
memoria e entendimento, apenas se exercem efficaz e distift
ctamente sobre nm determinado ou limitado grupo d'a88um-
pto». Todo o facto ou idéa, que não apresente a senha unifor-
me da especialidade, côr, violenta a eomprehensâo, se acaso
ahi colhe ingresso.
Prefacio
Meu caro João :
Tens merecimento e desprendimento bastante para dis-
pensares a grandeza d'um nome illustre, que te prefacie a
bella obra, em que crystallisaste o trabalho penoso dos me-
lhores annos da tua vida, passados em climas tropicaes. —
Preferiste, porque, sempre generoso, attendeste principal-
mente ao coração, associar o teu nome, que vae ser grande,
ao do amigo, que, se é humilde para te dever tão immereoida
honra, terá mil motivos d'orgulho em ser o primeiro a as-
signar o preito d^admiração, que ás tuas peregrinas qualida-
des d'escriptor e d'homem são justissimo tributo.
Agradeço a tua delicada intenção, e tanto mais reconhe-
cido, quanto é certo, que o teu livro para mim foi mais do
que um prazer litterario, foi uma profunda consolação. Não
te sei dizer realmente, como me foi suave sentir entre as va-
cillações moraes doeste século, que duvida e se transforma,
quando o astro melancholico do positivismo, (que na vida
commum d'hoje se substitue ao egoismo), se ergue soberano
illuminando frouxamente as asperezas da consciência hu-
mana, como me foi bom, digo, sentir, nas melodias d'um es-
tylo vibrante, a rectidão d'um juizo que não esmorece, a
coragem maacula da opinião que não recua, a confiança vi-
gorosa do sentimento que não falseia, a integridade de per-
sonalidade que interesses d'ordem alguma podem desdobrar.
Soubeste incamav-te no teu livro, como raras vezes
consegue um aui;tor. E' uma verdadeira autovivisaecçao psy-
cliica. A duas razões attribuo esse resultado, á valentia da
tua individualidade, e ao isolamento protector a que os teus
deveres profissionaes te obrigaram. Favoreceu-te, para tanta
isenção, a resistência própria e a falta de contagio alheio.
D'esaa espontaneidade vão-te assacar defeitos graves, não
direi grandes.
Não respeitas rotinas, não toleras abusos, não louvas o I
desleixo ofHcial, não incensas a tyrannia burocrática da nossa
administra(,'ão, atrevee-te a verberar a nossa incúria, a saty-
risar os nossos ridículos, a stigmatisar a nossa ignoranciti!
Desgraçado, que fizeste V!
Até pedes um pouco mais de cultura medica especial
para o coi-]>o de saúde, destinado ao ultramar. E' uma blas-J
idiemia, . . Felizmente para ti blasplieumn em boa compa-J
nliia, blasplienias com Vircliow.
lia alguns annos, quando a questão colonial agitava o esÀ
pirito dos políticos d'al(.'m do Rlieno, Vircliow levantou-e
na camará e flagellou a Ilespanha e sobretudo Portugaid
porque, senhores seculares de colónias em variadas latitlt
des, nem um só progresso se lhes devia em climatologia, enlfl
geograpliia medica, em pathologia exótica, negando-lhei
em nome da sciencia o direito de posse, mostrando ao mei
mo tempo o que os allemSes tinham feito n'e8se sentido, t
les que não eram considerados como nação colonial.
Queres saber d'um caso engraçado?
Depois d'aquelle discurso, mas é clm'o indepei
d'elle, creou-se na Escola Naval uma cadeira de patholo|^
tropical destinada aos aspirantes a facultativos da armada,!
do ultramar; pois beni ; devido a reluctancias caprichosas das
estações, chamadas entre nóa competentes, não é obrigató-
ria c portanto não é frequentada a cadeira.
Deixemos esta divagação aliíls interessante para o es-
tudo do (pie tu chamas a hysteria administrativa, e fallemus
do teu livro.
Que de rpialidades a par d'e88e8 defeitos!
Que limpidez no estylo, que grandeza na concepção,
que originalidade na forma!
O teu estylo tem as qualidade» dominantes do clima
onde nasceste, a luz e o calor. Tem a intelligencia rjue bri-
lha, e o enthusiasmo que aquece. Ha sempre n'ene uma ins-
piração expontânea de sonoridades, que ajustam certeiras a
impressão que procuram produzir, e a gente ao lêr-te sor-
ri-se, commove-se, irrita-se n'uma8Uggestão irresistível, sen-
tindo como um echo a nota alegre on melancholica, cómica
ou dramática, irónica ou plangente.
Se me fosse dado hierarchisar os merecimentos, que la-
vram as deliciosas paginas que escreveste, eu talvez me in-
clinasse para os primores das tuas descripções.
Raras vezes se lêem tão perfeitas, melhores nunca.
Deade a descripção do paquete da Empreza Nacional e
da chegada á Madeira, descripção viva, animada, ruidosa,
dté á do tisico, melancholica, repassada d'uma ternura tépi-
da, em que se ouve, por vezes, o soluço magoado irromper
na phrase dolente; desde a descripção da grandiosidade se-
vera do panorama da ilha do Fogo, at(í á da frescura bucó-
lica da ilha Brava; desde a descripção da ridícula procissão
náutica eleitoral do governador com a saraivada de motejos
graciosos ao militarismo falso d'occasião, ás baixezas bui-o-
craticas, lís necedades do papalvo, único ser que tem o dom
da ubiquidade, até ao épico quadro da pesca da baleia, que
vigor de traço, que variedade de tons, que brilhantismo de
DS LISBOA A MADKIRA
Estamos a bordo dum dos paquetes da Empreza Nacional Por-
tugueza e é a segunda vez que viajamos ao abrigo da nossa bandeira ;
precisamos declarar desde já, que o nosso orgulho patriótico nSo tem
muito de que se lisongear.
Entretanto pertence o vapor a esta empreza de navegação tfto
decantada pelas trombetas da fama, a qual toda a gente, inclusive o
nosso parlamento e a nossa imprensa, nfto se cançam de proclamar
como a mais digna de protecção e de subsidios e a mais conducente
a levantar e desenvolver o nosso poderio colonial ; mas é que na rea-
lidade, ella pouco mais tem de portugueza que a bandeira que tre-
mula nos seus navios e os privilégios excepcionaes de que goza. O
mais, quasi tudo é estrangeiro ; e triste 6 dizel-o, com limitadas exce-
pções, tem de bom aquillo que nào é nosso, tem de nosso aquillo que
nfto é bom. Assim o agente da companhia, esse bloco d'oculos azues,
intelligente, dominativo e sério, que tudo faz, que tudo dirige o tudo
divisa, atravez a myopia tradicional da sua raça — é allemão. E' o in-
dispensável sr. George. Homem que uma vez visto nunca mais es-
quece, um mixto do judeu com o anglo-saxonio, homem que só pensa
no lucro, e por tanto hábil issimo na maneira de o adquirir.
O vapor em que navegamos é inglez ; o carv&o, a louça, o ve-
lame, o cordame, o maçame, tudo n'ellc é inglez. Inglez é o enge-
nheiro que o conduz ; inglezes são os mappas, os instrumentos náuti-
cos, os livros e a própria laxodromia por onde se afferem os rumos e
se orientam os nossos destinos por sobre as aguas do mar!
Portuguez na realidade, só ha a bordo a guamiç&o, gente mo-
desta, de physionomia serena e olhar franco, de pelle tostada e barba
hirsuta, marinheiros a toda a prova, e a officialidade, esses homens
DE LISBOA A MADEIRA
vigilantes e de cara neutra, obscíiuiosamente rudes e sinceros, mas
eivados d'(íS8e8 mil defeitos das elucaçoes vulgares, que levam a maior
parte a sacrificar ua pyra de preoccupações ridiculas, a altivez e a
verticalidade de quem conunanda, esta linha caracteristicamente ac-
centuada e distincta, que faz do oíficial inglez o mais imponente dos
typos.
Os costumes de bordo, sâo precisamente os mesmos de todos os
navios de passageiros : come-se, e prepara-se para comer.
Os criados sào ordinários e inconvenientíssimos ; a meza é lauta,
farta e mesmo demasiadamente atulhada d'iguarias, mas exhibe a des-
ordem, o desconforto e a indisciplina mais nauseosa e mais pertur-
bativa que se pode imaginar.
Entretanto estamos a bordo, pertencemos a uma caravana que se
dirige para Africa, achamo-nos rodeados de nacionalidades, costu-
mes e typos os mais diversos, e portanto, podendo estudar de perto
os mil exemplares d'('Sta fauna exótica, que as correntes da politica
da miséria e da especulação, arrastam da velha Europa e espalham
confusamente por sobre esse continente, hoje tâo requestado e ape-
tecido.
Espessas volutas de fumo turvelinham pela larga chaminé da ma-
china; pelo tubo de descarga sahe com silvo rouquenho um jacto pro-
hmgado de vapor que se condensa e vem cahir em chuva sobre o con-
vez; um officinl toma o registo á barca-patente, e como já passa do
meio dia, regressam para a tolda, toda atulhada de cadeiras de vime,
hamacs^ chaisca-iongueSj tripós e mil outros phantasiosos empecilhos
ao transito, uma multidão de mujheros (quasi todas feias), crianças
de todas as cores, grupos alegres de homens fallando diversas lín-
guas... e por fim, á formigíi, com ar gaúche e abandalhado, sabo-
reando aos estalidos os últimos bolos apanhados ás mãos cheias de
sobre a mesa, creaturas pallidas e macilentas, sem elegância e sem
garbo, muitas vezes em chinellas, que passam aos repellòes pelas se-
nhoras e dizem obscenidades entre si . . . são os portuguezes, sSo nos-
sos compatriotas, são os civílisadores que mandamos para Africa ! !
Temos de tudo a bordo : olliciaes e médicos francezes, que se
dirigem ás possessões e aos seus navios, sempre enfeitados de bonnets
DE LISBOA Â MADEIRA
a fios de ouro e de botirnotis scmelliantes a tangias, e que n^iina lin
guagera despreoccupadamente amável e f^^cnerosa, conversam eoni-
nosco sobre os nossos direitos históricos, sobre o clima, a pathologia
e a organisação das nossas colónias, quo elles conhecem melhor que
muitos dos nossos, e ciijo valor exaltam com sua dcílicadeza catechi-
sante e proverbial.
Americanos dos . PIstados-Unidos que se destinam ás missões
d' Africa central, sempre de livros religiosos na mão e binóculo a tira-
collo, elles de calças curtas e retezadas, ellas de boinas claras e ves-
tidos justos, vermelhos todos, odiando os inglezes como verdadeiros
yankees j íallando sempre pelo nariz como meio rápido d 'assoar ideias,
orgulhosos da sua raça*, mostrando uma mediana consideração pela
vida e um supremo respeito pela civilisaçSo.
Inglezes de toda a proveniência e de todas as cathegorias, en-
voltos em ilanella e cobertos de bonnets originaes, cercados sempre
por garrafas, pelo Times e pelo Punch^ desj)reoccupadamentc estira-
dos como se estivessem sós, na franqueza abandonada de quem está
em sua casa, espreguiçando-se muitas vezes como quem quer abarcar
o mundo e fazendo ouvir como echo do seu tradicional spleen, o my
God do aborrecimento britannieo, o qual, nem a febre das apostas
nem a excitação do álcool nem toda a anesthesia do Ood Save the
Queeny são capazes jamais de apagar.
Temos de tudo e tudo podemos bem avaliar, se apreciarmos in-
dependente mesmo do critério das leis e da orientayâo administrativa
de cada povo, assim de. perto e separado dos motivos sórdidos que
pullulam em toda a Africa, esses differentes elementos e essas diflFe-
rentes energias, que vão representar ali os campeões das diversas na-
cionalidades n'e8se stricggle for life^ accentuadamente estabelecido
hoje pela diplomacia moderna.
A bordo, mais que em qualquer outra parte, as differentes pha-
ses do dia apresentam, pela colloeação das cousas, pelo conjuncto das
disposições individuaes, pelo movimento geral de todos e de tudo, uma
modalidade de transições periodicamente repetidas e uniformemente
regularisadas, que constituem uma physionomia typica, tâo original e
tào exclusiva, que justifica plenamente esta saudade nostálgica que o
marinheiro soflre pela vida maritima quando desembarcado, e as im-
pressões persistentes que nos ficam a todos pelas viagens que fizemos.
De manhã, a baldeação e a limpeza do navio com todo esse mo-
vimento de mangueiras, de lambazes, de arrumações c desarrumações
dos mil objâctos que atulham Bempr« a camará e o convez de om
transporte de piíasageiros; em seguida, o almoço, atordoador, Booe-
gado ou triste, couttirme preduiniiia a Bcentellia da auimaylLo frauceza,
u sopro regelado da pragmática ingleza ou o desconforto dos vapores
d'Aí'rica; logo itpÓB, este lungo período d'inveiiçScB ijue ae estende até 1
ao janlsr, periodu que nâo é entre niis cortado pelo eiitliusiasmo dos |
boletins náuticos, (afiixiidos invariavidmente após iis obairvações dia- '
ria», como succ^de em todos os paquL-tos transathmticos), por isso que I
os nossos comni andantes sv cHcnsam repreheiísivr'! mente a essa amar- J
bilídado tSo simples, eoan'tando assiiu mi pretexto de diversão inno-J
ci?nle, e dando logar a supposiçòes pouco Ijsongeiras sobro a sua i^m-f
peti.^ncÍH (■ solirp a precisSo dos seus caleidus.
N't'S3Hs horas cm que o sol do Kenitli parece mtrar-se no msi
como n'uiii espellio a reDexos gliuii:oE, excitado por extraordinarltti
capricliiiB d'ÍuiHgÍna^'àu, a vida d" bonio toma essa aligría que s
propaga a se contamina a toda a gente; grupos aos paR^s crusam-saj
em todos os í^eiitidog, outro» eatacionajti c conversam cumo es C8ti-|
veesem em plena prav^i publica, criuivas brincam como o tariain aubn
a areia de qualquer parque; a maior parto dos bomens fumam, as scJ
nlioraa sentadas ou de bru<,-os sobre a borda, Icem, conversam uiu
trabalham, algumas iiuWs de olhar supplicante c tranças lou
galam-se com smeUinf/ gult, belgas barrigudos repotream-sc burguez-1
mente em cadeiras de balouço, o medico dL- bordo faz Mo a rapari-"^
gas franzinas que se ruborisam, e iim enxame de passageiros de 2.*^
classe, ultrapassando os limites doe seus direitos o daa convençScsJ
vem abancar-se sobre o rebordo do xadrL'z da popa, e iniciiir á vísti
de todos, coru cartas sórdidas e com algazarra atroadora, a bÍ8Ca,,<
solo ou o trinta e um, distracções cm que parecem consumir a vídi
Durante toda a viagem, que durou approximHdamenic doís dúwH
tivemos oocasiil" de vêr, ouvir e apreciar mais ou meno«, todos e
companheiros, que segundo a zoologia pertencem á mesma espccki
mas espécie onde se etcontra um tito avolumado numero de varia;
dadee.
Avaliamos de perto o qne e o inglez ijentleman, termo este mà
nSo tem equivalente na nossa língua e que Taine tâo admiravelmeDn
define naa suas notas sobn \ Inqlatura: Um. nobre, digno dê <
mandar, inle;/ro, rli sinhresmjdo, tujiaz de expor e até de nacrificar-À
■pelo» que, dirige, homem de fivuia e dí conucíencia ao mrKnw tempo, t
•/uem os inxfhu-ioK yriir k).o> Joium toufirmados pelajmtu rtfiexào e jui
DE LISBOA A MADEIRA
procedendo bem em harmonia com a sua natureza^ ainda procede melhor
em obediência aos seus princípios. Avaliamol-o bem, porque n^essa de-
finição como que se desenha o perfil moral do eonsul inglez de S. Vi-
cente, um dos rapazes mais distinctos que ainda conhecemos e com
quem tivemos o prazer de entabolar relaçiles n'esta viagem.
Mas apreciamos também o que é a maioria dos bij^ts que andam
por este mundo a largos passos do seu cosmopolitismo, especulando
tudo com o seu interesse sórdido, perturban^lo a ordem com as suas
excentricidades brutaes e envenenando <>s costumes com os seus há-
bitos alcoólicos, com a mesma impudência com que a Inglaterra en-
venena a índia com as suas traficancias de ópio. Conhecemos esta
nova seita de leopoldinos belgas destinados ao novo districto do Congo.
Avaliámos finalmente um dos factores maiúsculos da nossa decadên-
cia colonial, apreciando de perto a ignorância e a baixeza da quasi
totalidade dos nossos compatriotas destinados á Africa.
Existem excepções, é verdade ; como se evidencia mesmo por
alguns companheiros de viagem, cujos brios, illustração e intelligencia,
hão de certo irradiar em toda a parte, como fina susceptibilidade dos
elevados sentimentos portuguezes; mas sâo poucos, e a sua influencia
nào se faz infelizmente sentir, porque a nossa administração colonial
é tão asphixiante e despótica, alimenta-se por tal forma de pequenas
misérias, esforça-se por tal modo em suffocar tudo o que pôde abalar
o edificio das suas vaidades, illuminar as podridSes das suas intrigas
ou escavar o pântano das suas mercancias, que o mérito mais brilhante
como a luz mais intensa, nâo pode sequer constituir um foco d(^ irra-
diação, cercado como vive, por essas barreiras espessas, das insidias
e da baixeza ultramarina.
Comnosco vem a bordo, até faz vergonha dizel-o, um empregado
de gerarchia superior no ultramar, cujo nome tem uma aureola Irndaria
nos fastos da rapinagem lisbonense; um delegado technico d'unia mis-
são official, com ordenado fabuloso ti garantias excepcionaes, (jue de-
monstrava ainda hontem, com o maior desplante, não saber sequer
que o sabão commum não ó solúvel na agua salgada !
Os de torna viagem, citam os factos mais escandalosos de latro-
nagem e patronatos ; não ha para elles nome n(»m titulo algum em
Africa que possa deixar de ser arrastado como lixo, pela vassoura dos
acontecimentos locaes ; não ha confiança no direito nem respeito pela
lei ; as peças oftieiaes são boletins de mentiras, os governadoras são os
felizardos; espera-se tudo da protecção e nada da justiça, e até a pro-
DE LI3B0A í HADfilKA
depois ãe uma lucta desesperada, mil outros pequenos escaleres trans-
portando estrungeivciB de todas tis nacionalidades, que vêem a bordo se-
([UÍoaoH de noticias, receber amigos patrií-iim e parentes, esties desgraça-
dos tysicoG a cuja agonia lenta assistíramos durante toda a travessia.
Dentro em pouco pois, ao embate das impraasíies muis profun-
das, Uluiuina-so o purtali^ como uma ^ande ribalta de acenas comnio-
ventes: ahi sSo pães que abraçam filhos na anciedade desesperada de
quem busca no olhar cavo de uma múmia o lampejo extincto de utna
esperança ; ali amigos que se entrelai^iuii chorando. . . mais além, ir-
mSos condemiiados pela hereditariedade, e por toda a parte, esse quer
que seja de solemno e contrístador que sabe despe rtar-nos a compai-
xão, tomando do tysico uma individualidade para tudus laatimaTel e
sympathtca.
Kunca nos havemos de esquecer d'ea8e infeliz rapaz austríaco,
medico e tuberculoso, condumnado pela acieucia a por si mesmo, e
que para <:onsolar a irmS que louca o interrogava beijando, uSo acliou
na sua frrandc alma de uiartyr, mais do que esta sublime ironia de
vencido «oA, n^ plêuru pnx, le cUmat est ai bnau, y«f la mort elU mSnu
if thvitnt moine lotirile.o
O desembarque no Funchal & cheio de peripécias e originalida-
des; não ha cães senão no recanto oeste da enseada e como a praia
liça mais próxima, os escaleres abicam directamente a cila, c são ar-
rastados a braços de homens ou por bois, até pés enxutos.
Logo sobre as dunas de pedras roliças que sobranceiain a resacca,
depara-se o espectáculo curionissirao das redes a dos chamados carroa
da Madeira, espécie de palanquins assentes sobre quillias de patina-
dores, acortinadoa como os clássicos chtr-à-bancs d'outr'ora, e atrela-
dos a bois nédios de corpidencia mediana e largos comos agudos. Ea-
sea caiTos, que correspondem aos trens de praça dos centros europeus,
são inais oii nieiiiiB luxuosos pelos seus estofos e pelas Buus montagens
•:> representam o meít) de triuisporte mais commodo, n'uma loealidade
onde o alcantilado do terreno i^ a natureza especial das calçadas, n&o
se pn^stariam facilmente a processos mais aperfeiçoados de viação.
O conjuncto d'esijes apparelhos, cujos cortinados eacudidoB pelaa
DE LISBOA k MADEIRA 9
brizas tépidas do mar, bafejam ora as faces lividas de moribundos,
ora esbeltas figuras de mulheres, recostadas na languidez de serralhos,
dá ao viajante desde a sua chegada, uma nota alegre accentuadament^
oriental, que corta a monotonia do rhythmico inglez tSo caracteristi-
camente impresso nos costumes e na physionomia da Madeira.
Fomos como dissemos, a Nossa Senhora do Monte, subindo em
valentes cavallos, durante três quartos d'hora os cinco kilometros, que
a distanciam do ponto de desembarque e descendo a mesma distancia
festivamente em seis minutos, em uma espécie de trenó a que guiaç
postados atraz dâo o impulso e a direcção, refreiando-lhe facilmente
a velocidade vertiginosa atravez a tortuosa e pittoresca calçada em
zig-zags que para ali conduz.
O aluguer tanto do cavallo como do trenó, é relativamente ba-
rato, mas as libações continuas que fazem os cicerones á subida em
as mil vendas dos celebrados vinhos locaes, avolumam em muito a
verba que o passageiro gasta sempre que desembarca n'um paiz tSo
cheio de motivos de dispêndios.
O melhor porém em viagem é a gente deixar- se simplesmente
roubar ; e isto, pela simples razão, de não ser complicadamente rou-
bado. Em toda a parte é a mesma cousa.
A egreja do Monte está postada á altura de 650 metros n'uma
attitude vigilante, ladeada por duas torres agudissimas, despida de
todas as pretençoes d^arte, circumdada apenas d' uma vegetação ri-
dente e luxuriante, destacando-se no ceu n'um feliz encravamento de
perspectiva com a nitidez austera de uma simplicidade rústica e sug-
gestiva.
NBo visitamos o interior do templo, que dizem ornamentado de
innumeras preciosidades de grande valor material e artistico, mas res-
piramos a pleno pulmão o ar oxigenado e vivificante da montanha,
abraçamos em toda a plenitude a extensão grandiosa do seu panorama
esplendido e descortinando aqui e ali, atravez dos rasgões do pinhei-
ral e dos plátanos, mil gnipos alegres que labutavam a terra cantando,
enxergamos os seus vestuários garridos trepidando á luz como borbo-
letas inquietas e os seus cânticos plangentes que diluindo-se a uma
enorme distancia, chegavam até nós, com a expressão poética de uma
tristeza infinita.
E' verdadeiramente deslumbrante e consolador o panorama do
Monte. Menos formidável e grandioso do que o do Bussaco, mais elo-
quente talveZ| do que elle.
2
Tem por cuiulnda esse symbolo da crença, a i^fn'^'!'') fujiia tor-fl
i-fs parccum apnntar o ceu; a seita pés, cntreinçacla pliantasticamentel
tift estranlin v(!getação da febre, a cidaile alveja aloire e risrinJia na suai
bnmc-uru de cal ; abysiiia-se no oceano que parece balouçal-a cm
brados lierculeoe, e cumo que serve de adito ao ínHnitn !
Ue volta vUítmno» o hospital, a Stí e a líscola du medicina.
A Sé {.■ uni monumento antigo, vasto e sombrio, sizudo nas som-l
bras da sua iuntarla enne^rccidn, c postada ao (.-imo dit Pra^a da OonsJ
tltuiçSo Cdmo iiina sentinella de pedra, fitando esta pbrnse biatoríci
d'umH importância apagada. Ttm de notável tim calis do século XVB
i- uma cruz riquia&ima de prata dourada, estalo gotliicn-portuguez.
O hospital tem o aspecto doentio e pusado doa lioapifaes n
mentos; pessimamente situado no centro mesmo da cidadi.-, :icha-se
desprovido de mil condiçSes preseriptaa Iiojo pt-ln sciencia ás orga-1
nÍ8H^'<íes d'Hquclla ordem. Está-lhe aunexa a escola de medinna quw
visitámos a correr, pela exiguidade do tempo, e que nos deixou uiuaJ
imprcssSo má.
Dixem ser dirigida por professores d is tine ti as imos, mas fnlta-lhefl
gabinete de histologia, casa anatómica, amphitheatro operatório e to-l
das as mais condiçfles indispensáveis hoje em estabelecimentos d'a<4^
que lia especialidade.
E' verdade que é uma das celebres escolas de 2.° classe conce>fl
bidas e conservadas pela nossa hysterica e ca)>eçuda instrueçAo publica J
donde apenas saem médicos d'iuna classi (içarão barata nara consumoií
e uzo exclusivo díis coloniat^ c da navega^rSo; pena é, porém, que asr
i^im Kuceeda, porque os lillios da Madeira, briosos a intettigentes oomãj
sâo, nSo raiTcccni de certi> esse rotulo de inferioridade com que a lo-
gisla^^o imptuicmente os classifica, dando azos aos desireditos de qaa
s&o victimas na upiniilo publica.
E' tempo de acubarmos com essas irrisórias gerarcbias de escQi
las, porque tanto a dignidiíde Bcieutifica como as prerogativaa hamaj
«as jn-oteatam cimtra a falsificação doe médicos.
Fi)r({Uc é que oa sábios govenioa níui api-oveitum esse luaglliSc<
e magcstoso lazareto do Fiinclial para uma escola medica de prímein
on]em e um vasto c desafogado hospital, onde os doentes a pár é
vantagens do isolamento, encontrariam us salutares influencias da nt^
moBphora marítima?
Porque é que se UÍO orgatúsa essa escola eom o tini, não sú daí
DE LISBOA i MADEIRA 11
servir á localidade c ao arehipelago dos Açores que lhe fica próximo,
mas a Cabo Verde e a todas as demais possessões ultramarinas, cujos
filhos definham e succunibem á acyão dos climas frios da Eiu*opa,
conciliando-se aliás também as condicçoes benignas da Madeira?
Naturalmente, porque e preciso conservar como attestado a pedra
e cal da nossa inépcia administrativa, esta fabrica de médicos espu-
riots o este inútil e absurdo lazareto, justamente condomnado pela opi-
nião publica, que já mais de uma vez tentou volatilisar á chamma
do incêndio, os ridiculos da sua inutilidade e as ameaças da sua per-
manência ociosa.
Jantamos no hotel Keid, hospedaria britannicaj justificadamente re-
commendavel pelo muito que tem de bom e tomado celebre nas
chronicas locaes por tudo o que tem de exagerado, inconsequente e
injusto, a nossa cegueira admirativa pelos inglezes e pelas coisas in-
glezas.
Fomos levados na tendente dos companheiros, com que andáva-
mos, e nSo temos de que nos arrepender, apesar deste cheiro yac/c do
mewige inglez, mixto indecifrável de carvão de pedra plum-pul-
ding e exhalaçdes do Whisky, por isso que essa preferencia dada ao
sr. Reid nâc só nos proporcionou um excellente jantar, mas ensejo do
travar relações com pessoas distinctas, o que é sempre bom, passar al-
gumas horas na melhor companhia, o que é sempre agradável, e obser-
var de perto n'um acto tâo solemne como é um jantar britannico, a
loura juventude de formosissimas Misses, atravez a coloração irisada
de vinhos deliciosos, cujos aromas inebriantes arrastando-nos a todos
nas espiras das suas volutas subtis, davam expressão e davam vida
até a esses olhares nublados de uma b<analidade grave . . . tão caracte-
risticamente inglezes.
Mas, se d' um lado tinhamos esses motivos práticos, confortáveis
o sympathicos a compensar-nos das fadigas do dia e a apertar como
que n'um laço ultimo as gratiis recordações da Madeira, recebiamos
de mil outros modos, já pelas j anel las que se abrem sobre o parque,
onde grupos d^espectros se movem, já das conversaçòes pallidameute
coloridas pelos tons das tristezas mais profundas, já d<is esqueletos
le atraveaBam a sala comu sombras, ... da toií&e, dos gemidos, d*
iciedade com que TÍainhoa faliam, das unhas hypocraticas de uns-,
âo olhar febril de outros, do e mm agreoi mento extremo de quasi todi>s,
recebiamos n impressSo desconsoladora de um' grande quadro de mi-
Berias, como que víamos desfilar cm procisafto lugubii; uma serie im-
siensa de soífrimentos, comu que apalpávamos todas as angustias 8)'n-
fbetisadas, da ultima eeperan^-a que se extingue, das supremas vaidade»
qne se apagam, da compostura humana qiio se desfaz, das iliusties que.
emmurchecem, da vida feita martyrío; e como que escutávamos com
a própria alma essa eohorte sinistra de symptumas que parecem se-
gredar torturas: a febre, a dyspnoa, a anorexia, a diluição pelos suo-
iTes, a desaggregaçZo pelos csputos, a miséria organicA com toda a sua
nudez, a hemoptise com todos os seus horrore», a morte com todas
R6 suas sombras a tysica emfint com todas as suas características !
A tysica, que representa como que uma sonancia dispersa na
Atmosphera da Madeira, como cm todas as cstaçSes invempes àv tu-
berculoBoe.
A tysica, case Moloeli implacável da gera\'5o moderna, que por
fti srt victima mais de três milhScs por anno e que figura jiara mais
d'um quinto nas causas da mortalidade do mundo,
A tysica, esse fliigello mil vezes maís terrivcl do que a febre
amarella e do que o cholera, c com quem nus iiabituamos » viver de
paredes meias c sem grandes inquietações, apcsai* d"ella rtjubar nn»
idades míiis florescentes da vida, ao progressíj, á família e á pátria, as
bases mais enérgicas do seu esteio e os elementos mais valiosos da
Bua vitalidade.
Mas se fitando esse desfilar de Eumenídes Bent'mu-noH rumo
Dante ao regressar do seu iníêmo, perturbados c entristecidos pelo
que vimos, experimentamos também, i preciso dízel-o, a excitação
profunda doa íntimos enterneciraentoa, que nos levam por impidm
duma convicção arreigada e pelo sentimento d'um dever impreterivel,
baseados nus factos mais incontestáveis, a evidenciar a suprema si-
gniãcaçilo da Madeira sob o ponto de vista do tratamento da ty-
sica, a interessar nos problemas da tuberculose u estado, a quem
vompete a dofeza da existência coUectiva, a rasgar finalmente ante o
olhar angustiado dos que padecem, os horizontes amplos da sciencia
onde brilha hoje, socegada e radiante conm uma ostrella de verdade,
ft Affirmativa consoladora de que a lysica muitas vezes J^anlõa a-ji
tuberculose é uma doença curave!. J
asBaa
DE LISBOA A lUDEIBA
A tysica é uma di)euça ciiravcl, eis iiiiiii assevora^ài» de que hiije
nào é parmittido diividar-so c que é prociso dizer se muitas vezca
em voz alta »■ por ttxla a parto, curao lun siipreuio argumento df con-
forto e de bondade.
A tysica é uma doença curavel. -- Affirmam-o as observa^-iles
clinicas mais rigorosas, nssevcram-o os d:uIoã estatísticos mais eloquen-
tes, comprovam-o as constataçrics necniscopicas mais auctorlsadas.
Lienncc, ensinando a interpretar a vida pela auaculta^-âu, Avcn-
bruggcr e Piorry, medindo c pesando pelas vibraçifcs a oonsistcncia,
a massa c u volume doe órgãos, forneceram á scieocia a chave dave-
rigUHQÍles positivas que nSo é dado contestar-se, por isso que se con-
jugam K linguagem eloquente dos symptomas que sSo factos, interpre-
tados pelo critério da razão sciontífica que n3o erra.
A tysica, protluzid» por um agente especifico como está assente,
capaz portanto de ser combatido ou impedido de propagar-se por
um outro agente antagonista, como tentam conseguil-o (írancher n
Koch, resulta sempre <la alteração profunda do organismo, altcraç>Ilo
originaria ou adquirida e que as condições geraes ilos grandes modÍ-
ticadorcB da nutrição e da hematose, podem facilitar ou contrariar,
conforme favorecerem ou deprimirem essas mesmas funcções, — D'alLÍ
esse facto tão unanimemente reconlieci<lo, de que o mal leveda «o ar
ruminado das accumulações e de que é necessário cercar dos cuida-
dos mais extremos as funcções digestivas e respiratórias dos tuber-
culosos, — Daqui a importância capital do clima, da altitude, da gy-
mnastica, das condii;òes moraes e da pureza do ar no tratamento da
tysica... d'aqui finalmente, a suprema importância da Serra da Ks-
trella como da Macieira, para <iuasi todos os tysicos.
Desde Hypocrates até aos j)rimcíroa auctores que trataram da
anatomia pathologica da tysica, considerando-a sempre uma doen\^
local do apparelho respiratório; desde líayle e Laennec, estabelecendo
a doutrina da diathesc e subordinando todas as espécies de tysica A
tvBica-tuberculosa; desde a escola anatomo-pathologica, dirigida por
Virchow, contestando pelo microscópio as ideias francezas e distinguindo
uma tysica tuberciUosa originaria do tubérculo, e uma tysica caseoea,
de origom itiSammatoria; desde aquelles, que arrastados pelas ideias
do passado a eonsidenivam fatabiiente mortal atú aos evangelistas da
sua curaliilidade em todos os períodos, . . . q^uc fluctunçitos de tliuo-
rias, que febre de trabalhos, que apologia de racdieainentiiSj qiic rle
eutliusiasmoa dosmenlidoâ o que de controvertias estéreis?!
A historia da tysiea, representa como que um vastissimo liori-
zonte povoado por luyriades de constellaçòes brilhantes, abra^-ando
hoje na sua concavidade immcnsa, essa pyraraide collossal erguida
pelos esforços hercúleos da sciencia experimental, e que reverbera á
luz dardojante dos factos coni fulguru^-íles tSo intensas, que atú dt-s-
lumbra aquellea que nSo sabem ou nilo ipierem acreditar. Assim quem
lia que possa, depois de compulsar os brilhantes trabalhos de Jactmd,
Charcot, Peter, Brouardel, Dujardin, Grancher c tantos outros, duvi-
dar de que a curabilidade completa é um facto realizado e que a cu-
i-aliilídade relativa é um desidei-atim sempre possivel de realisar?
Quem, depois de ter visto desapparecer no vivo os s/raptoma»
cavitarios rigorosamimte observados, poderá duvidar de que a ty-
síca é curavel? Quem dcqtois de ter apalpado nas autopsias as cica*
trizes de antigas cavernas, a calcifiriiçãu, a fosslllsaçio de massas ca-
seosas, r u enltyatamento pela sclernse, ousará p*)r em duvida a cíca-
trisayão pulmonar? Ninguém. Tanto mais que as ustatiatíeas du dr.
Vibert e de Brouardel sobre a morgue de Parla, provam á evidencia,
pela autopsia, que a metade aproximadamente dos tubérculos alli ob-
servados se haviam curado sem tratamento algum. Tanto mais qui-
Grt.noher, baseaiidose na histologia do pntprio tubérculo, explica ca-
bal e plenamente a possibilidade da sua marcha, mesmo expontancn-
t) tubérculo nà" è um producto miserável como se suppunha, maa
sim um invasor insaciável ; a sua casaeaficii^&o rápida é di-vida lué-
ramcnte ás exigunoias nutritivas dos elenienti>s que o constituem.
Todo o tubcrcido pôde progredir ou retrogadar, isto é, podo sut-
fror a regressão granulo-goi-durosa, ou pelo contrario executar um ver-
dadeiro trabalho cicatricial, e as próprias caveruas ctcatríaam-se.
Portanto, como demento anatomo pathologico está na contingên-
cia do dois processos oppostos : um qu? arrasta implacável mente para
a morte, outro que su hanuonisa tacitamente com u vida.
O impossível como se vê nSo existe ; a difficuldade resume-se 14»;-
uufl em promover as condiyilos cícatricíaes. . . em {jodcr dar luna oríen-
laçlo á sua génese. . ., em saber fallar ao coraçS" do tubérculo. — E
BilB
DE LISBOA Á HADEIEA 15
sabe-íH! hoje a sua liiigiia^nti ; eonlit-oe-se bem as comliv<>«B em que
Htt piidtt conseguir cixte fítii.
O tubérculo ou seu micróbio, como tudo o cífoista, jjreciya aer ex-
puUo de vez ou lísongeado nos iteus intoresse»; como todo o bom tra-
balliador, eiuquanto coino nSo tniballia.
Aítaim, sempre que a gymnastica pubnonar o atonueulu, aeiiipre
que au funcçrieii nutritivas se exercem d'uui mudo normal, ueuipre que
elle pôde saciar a sua fome, o processo fibroso peri-tubcivuloso dá-ae,
deixando de haver novas formav<íea de grunuliu, como se perturbado
no seu intento, se lisonjeado no seu appetite ellepenlesse o caracter
irritante e deixasse de ser um aculi» para os pai-enchymas.
K que de tentativas c esforços se nSo fazem e se nSo tein feito
n'estc sentido?
(guando no futuro a historia inventariar todo esso inimenso tra-
ballio do nosso tempo, terá que i-egistrar a par dos medicamentos mais
pliantasiosos as medicações mais extnu>r<lÍnarÍaH, ao hido das iníoia-
çiTes mais audaciosas as especulações mais torpes e como resultante
desse indizível esforço do espiriti) tiuuiaiiu, uma sede de verdade, como
talvez nunca o homem sotlVesse.
Jaceoud, este apaixonado propagandista da curabitidade, esse pro-
fessor distincto o sábio consciencioso que visitou uma u uma as mais
afamadas estaçSes ínvemaes, que esteve na Madeira e fez a apologia
do seu clima, divide as condiçílcs d)i curabiliilade da tysica em três
catliegorias distinctns, baseadas nn etiologia — ^na forma anatómica —
e noa aymptomaa do d(»ente.
S<ib o ponto de vista etiolo^co distingue clle a tysica hei-editaria,
a tysica innatii e a tysica adquirida.
A tysica hereditária é mais rara de curar-se, é menos accea-
sivei á therapcutica e depende principalmente d'um tratamento pro-
phylatico. E assim devia ser, porque ao contrario do que muita <;entc
pensa, os filhos de pães tysicos, nSo nascem tysicos, nascem ape-
nas com a predisposição ou diathese que pôde ou nSo de sen volve r-sc^
dando a tysica mais tarde. Isto clinicamente fallando, visto a auto-
16 DE LISBOA k MADEIRA
p6Ía U0m o microBcopio attestarem vestígios sequer do micróbio ou do
tubérculo no sangue ou tecidos de muitos exemplares examinados, ain-
da que os trabalhos esperimentaes mais recentes e as interpretaçSes
rigoristas de Tyndall^ pareçam levar a admittir hoje, de que se o qtUd
da tysica não ó visível e palpável nos descendentes, existe alli com-
tudo como agente de propagação incontestável.
A tysica innata é aqiiella que resulta da aptidSo manifesta dos
descendentes de pacs não tysicos, mas debilitados por qualquer causa
de enfraquecimento orgânico. A sua sorte depende egualmente como
era de prever da proj)hylaxia c do tratamento hygienico.
As tysicas adquiridas, inicialmente derivadas de uma debilidade
geral ou da evolução da escrofulose, syphilis, ou qualquer outra dia-
thesc, isto é, secundaria ou não, são todas evidentemente curáveis, dic
toda a gente, e que depende principalmente do tratamento hygienico
provam-o as estatísticas e demonstra-o a clinica.
Sob o ponto de vista dos phenomenos symptomaticos que acom-
panham a doença, todos nós, médicos e doentes, sabemos de sobejo
que sã().os accidentes gastro-intestinaes, as lesmes pharj^ngeas e o syn-
droma febril o que címstitue as verdeiras columnas d'Hereules no tra-
tamento da doença.
Assim Peter, esse incomparável estylista, subordina o critério da
curabil idade exclusivamente k febre, catalogando clinicamente todas
as formas da tuberculose em forma apyretica — pyi'etica intermitente
— pyretica sem remissão — lórnia grave, que elle considera mesmo im-
possível de curar-se.
As thcorias medicas relativas á tuberculose tem soffrido embates,
hesítaçríes c reviramentos incessantes ; as próprias palavras mudam de
sentido a cada hora, e assim tubérculo que exprime a granulaçfto, tu-
hercuiofit^ ou desvio physiologico que determina as condiçnes para o tu-
bercuh), e finalmente^ ff/síca que congloba todas fis lesHes que produ-
zem o desabamento e a ulceração do jjuhnão, tem sido empregadas por
tão diversos modos, ciuc é ditlicil iutcrpretal-as srqucr, sem haver pre-
viamente ponderadt» o credo medico dos dítferentes auctores que as
empregam.
DB LISBOA i MADEIRA
E O que succede coui a teclinologia, siiccede egualmente com a
pntliogciila e com & sua citmplexa tlierapeutica.
Que uuniliigraçSo do opiniiios subre íi sóde, m>idi)s de forniaçKn,
tílementoij esptseificos, genoralisnçílo e coiitagiu da tuberculose?!
Que distancia ontru iis corpúsculos du Lebert, u ucUulu gigante
de Schupc), os nódulos lymphoídes do RindBíscli, a viíscnlaríte de
Martin o as atiirmaçdea modernas considerando o tubérculo unia pro-
ducffilu pjirasitarl^'? E ainda liojc, que díãurenç» entre a monoda in-
quieta do Klebs, i> micrococUB de Toussaiut, o baciltus de Kocli, o
n bactoria de Baungiirtent'!
Aa convicçites, mesmo as mais erróneas, inostnim-se em todos os
tempos as mais arreigadas. Lnenuec, que nega a inoculação, morre ty-
sico oTu resultado de uina ferida feita na autopsia d'um tr-bcrculoso I
Jucotid, quo siiBtentii a dualidade dn fornia clinica, sustenta egiial-
montc a unida<le da leslo. E a scíencia perBlbou o paradoxo, por
nío st! podor diiviílar quo houvesse dualidade do doença, bavendo
tísicas tubcrculoaiis c nSo tuberculosas, neui so poder deixar de
admittir a unidado da K^sSo por se considerar umas e outras prove-
nii-ntca da inãamma^âo.
Firnuida pois esta bnso de doutrinas, provada a virulência, o con-
tagio o a transmissibilidade da tysica, litando as estatisticas de todos
os paizes e de todas as ra^^is e ponderando a sua mortalidade que as-
sombra pelo numeroj vênios d<< twtoa os lados, as academias as com-
niissòes medicas ng uiicroscopistaB o os ctinieos, a sciencia do gabi-
nete e a sciencia da ventiluçSo, como que n'uina febre do desespero,
tentar por todos os niodus pôr peias A suit marcha, estudando tudo,
desde o (|ue se ingere comit o leite, até ao que se expellc como os es-
carros, todos lis meios de transmissibilidade, todas as condícSes clima-
tológicas e todas as Konas da terra, ensaiar todas as latitudes e gal-
gar toda« as alturas, formular verdadeiros plebiscitos como Bowditli
e levar a expor imentaçSo aos limites mais minuciosos, como tem suc-
cedido na França o na Allf manlia. E dVsses inuumeraveis trabalhos,
d'es8as liiotaa sem tréguas, d'esBaa investiga^-dcs mU veaes comprova-
das, resultam, como evidencias que se não apagarSo jamais, essas con-
clusiíes positivas d um valor pratico incalculável, que a tysica é in-
uculavel pela pelle, pelos intestinos e pelos pulmllíesj que os animaea
toberculosos podem transmittir a doença pela carne e pelo leite; que
V contagio vulgarmente ú offectuado pelo ar que se respira, inquinado
principalmente pulos esputns; quo a accnmulaçílfi exerce uma das in-
18 DE LISBOA k MADEIRA
âuencias mais perniciosas^ que em todos os pontos da terra se encon-
tram imniunidades mas que apparece em todas as latitudes e em to-
dos os climas; que só ainda não visitou os limites do circulo polar na
Islândia e o archipelago Feroê ao norte da Escócia, que nâo respeita
profissões, que ameaça despovoar a Polinésia, que ataca principal-
mente dos 15 aos ÕO annos, que as altitudes desempenham um papel
manifestamente antagonista ao seu incremento, que nas latitudes frias
a sua marcha é lenta comparada á rapidez com que fulmina nos pai-
zes quentes, c que finalmente, herdíida ou adquirida, reina por toda a
parte como um agente de destruição e de tristezas, devastando a
Groenlândia onde o frio 6 extremo como devasta o Brazil onde o ca-
lor ó abrazador !
Para evitar a tysica, para contrariar o seu desenvolvimento, para
combater os seus symptomas, tem-se usado e abusado dum sem nu-
mero de medicamentos e de preceitos, que considerados cm globo se
podem classiHcar em medicações prophylaticas, medicações therapeii-
ticas e medicaçíHes hygienicas.
Das medicações propriamente therapeuticas, umas, como a do ben-
zoato de soda, do creosota, dos revulsivos, dos hypophosHtos em geral,
visam a atacar directamente o tubérculo, a regenerai o, a dominal-o pela
schemia, a petrifical-o pela cal; esses medicamentos chamados es])eciri-
cos, heróicos em certos casos, como por exemplo (juando se trata de
combater as congestões ou a minorar a expectoração, não realisam po-
rém de modo algum as veleidades doutrinarias da sua prcscripção.
Outros visam, não o prodiicto, mi\^ o terreno; não o tubérculo,
mas o campo onde se implanta. — São os medicamentos pulmonares:
são os balsâmicos tão vantajosamente eini)regado8 contra o esgoto da
ex])ectoração, são as inhalaçoes de alcatrão, de iodo, de chloro e de
acido Huoridrico, ultimamente ai)regoado; são finalmente as pulverisa-
çòes qui; tão bons resultados teem dado nas doenças pharyngeas, mas
cuja penetração s(*quer na trachea e no pulmão é tão vivamente con-
tristada ainda hoje, j)ela maior parte dos |)hyi>iolopí5tas.
Mas o tratam(;nto porexcellencia, hoje que so considera geralmente
DE USBOA X MADEIRA 19
a tuberculose como o trabalho dci destruição de seres vivos — bacil-
los — sobre a** ccUulas c as fibras de tecidos vivos, devia nem podia
deixar de consistir, em fulminar ou enfraquecer esses parasitas mi-
croscoj)icos e commodistas, em robustecer e auxiliar os tecidos que
elles pretendem anniquilar, ou mais proficuamente decerto, em influen-
ciar concomitantemente essas duas operações combinadas.
Isso seria indiscutivelmente o desideratunij no campo racional da
questão.
8endo, poróm, ató hoje inefficazes, como está provado, todos os
medicamentos ensaiados a anniquilar o seu quid pathologico, sendo
mesmo escasso o numero d^aquelles com que se pode contar para per-
turbar ainda que de modo temporário os seus designios, resalta como
theoria mais lógica e mais applaudida pela pratica, aquella que se
dirige a levantar í\s energias orgânicas, a regularisar a circulaçâlo o
a favorecer por todos os modos as funcçSes nutritivas do doente,
aquella que, nio podendo atacar directamente a causa, se occupa em
levantar as forças dos elementos que cila visa a destruir, tornando-os
tâo valentes quanto possível, e quào possível rebeldes ás suas ínipo-
siçiHes e vexames.
Parece hoje perfeitamente affirmada a existência de um micr<i-
bio para a tysica, mas seja o tubérculo o producto ou nâo d'esse
parasita, sejam as lesões pulmonares uma manifestação ou con-
dições apenas da sua pres(»nça, tenha ou não tenha elle as j)re-
rogativas que lhe silo outhorgadas, o facto 6 que para debellar con-
jurar ou combater a doença, o tratamento por excellencia é o trata-
mento hygienico na ampla e plena accepção da palavra.
As boíis condiçíles digestivas constituíam o sine-qua-non da cura-
bilidadc da tysica; representam como que a porta única por onde
pode entrar a saúde.
E essas condiçotís teem princi]>almente por esteio as circums-
tancias hygienicas que actuam sobre o doent<», e, como factores valio-
sos na equação nutritiva, certos medicamentos, como o arsénico, os
DE LISBOA í HADEIK&
óleos iodados ', a glycorina c os ferruginosos, apesar do tudo quanto
se tem dito cm deacreditn d'estea últimos, desde Troiisscau, rcspei-
t-ador systemativo da anemia dos tysiens, até aos nossos dias, por nin
espirito maia ou menos preoocupado das doutrinas reinimlca.
Esses sftn os modiearaeutris que se dirigem propriuincnto A
doença; outros ha, e citja lista e apreciaçilo unclieriam um bom nn-
mt^ro do paginas, que eo empregam a com rcsnltaílos incontcstaTcis
contra os accidentes que ladeiam invariavelmente a tysica como um
séquito da mais sinistra signitícaçSo. Figuram como os mais ímportantOB
d'cste grupo, as injecçSes de ergotlna contra as brutaos liemoptysoB
cavernosas; o perehloreto de ferro naa pequenas hemorrliagias ini-
cifles, o grande grupo finalmente dos adstringentes, entre os quaos
as preparações de ratanhia, desempenham um papel tão justiticada-
monto em voga.
Em parallelo, eomo complicação e gravidade com as hemopty-
Bos, figuram nos quadros clínicos da tuberculoso, os suores, a dyar-
rhóa, e a febre. A febre principalmente, que exerço nSo só uma «e-
^ijo depauperante de primeira grandeza, mas que perturba por tal
modo a nutriçio e traduz por tal forma a actividade da granulia, que
por si só serviu de base A classificação de Peter, justificando plena-
mente o consenso clinico de que quanto menos febre tiver o tubercu-
loso maÍB facilidade elle terá em curar-se.
Os suores teom por antagonista a atropina, que se emprega can-
tolosamente aos milligrammas, e por modificadores salutares de qu«
nunca se deverá esquecer, as abluç^cs frias, tSo úteis e tlUi reooDt-
men dadas pelos práticos.
A dyarrhéa verdadeiramente, nSo é um symptoma da tysiua, j$
um symptoma do tysico ; contra elia muitas vezea mostram-se itapft-
■ I^m Caho Verde 6 uso cmpregar-se com benéfico resullada, em mui-
tos cflsos de consump<,'ão profunda ocompiitiliados de symptomus pulmona-
res mais ou menos occenLundos, o njeíío de yalu em oitas doses e o petroleo-
em doses homo>pathicne,
O aseite de gata é um óleo muito iodado, exirehido do fígado d'u
peixe assim chamado pelos índigeoos; ú opinião dos médicos e proroiMn
({ue o producto exlraljido do maclio não lem n mesma oHicacia (|ue o A%
fêmea. Não lia Teito porém, i[ue nos conale, analyae alguma d'essa substan-
cia, nem publicado um estudo i|iial'iuer sobre a sua applicai;80, por isso noe
limitomos o apontar o fiicto por ser do dominio pulilico, e mais de uma
vez observado por nds.
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DE LIBBOA Á MADEIRA 31
tentes ttidos oa ilpioa, as bysmoutlis, as oi)cca8 c o seiu niimoro de
absorventes onsniailos atú Imjc ; mas nos cnsos uxtn:mo8 em que a
(lebilidiule du douiite impÒe-su tanto ou iniiis do (jiiu ii prnprio fluxo
intestinal, i'i recorrer siim delongas ás jn-eseripçiíes jUimentfires, é
subinetter o dciontc a» rcgiincrn da carne crua o do leite, é ganhar
tempo protegendo as forças, poi-que inais (ruma vez se fcin viatft
inoditicar-se repentinamente o estado, e o organismo tornar-se senaivcl
e dócil até ai)s tríttaiiicntos antecedcnteiiientc encetados sem o menor -
licncticio.
A ícbrc do tuberculoso é d'iuaa natureza variável segundo os
pcriodos da tubcrculí sacão.
Ha febres claramente inflannnatorias subordinadas ao trabalho
eongcstivi) do puImSo e ha as febres francamente suppurativas de-
pendentes dos pntccssos da 3up]>uraç3lo pulmonar.
Uinas e outras fnstigam essa dyspnea offegante que tSo cruel-
mente tortura o doente, denunciando o tuberculoso logo á primeira
vista.
Quando simples, sisudas e de caracter intermitteiite, obedecem
quiísi sempre à acção combinada dos revulaivos com oa saea de qui-
nina; mas quando insidiosas, renitentes, acompanhadas de calafrios,
fazendo explosiíea como os paroxismos, entSo encontram como antl-
thermicoa os deainfectantes, porque sSo verdadeiraa febrea infecciosas,
verdadeiros episódios aopticemtcoa que se tratam poios salicylieos,
pelos phenic.itlos e pelos antiscpticos em geral.
Para a dyspnea usa-se a morpliina; a tyaiea, essa eura-se es-
pontaneamente, affirmam-o as autopsias, a clinica, e as eloquentes ea-
tatisticas de Vibert e Brouardeljá citadas, e cura-se por tratamentos
diversos conforme ti seu grau, u sua forma e a sua extensio.
Rápida e seguramente na montanha, no sen Inicio e sempre quo
as lesmes pulmonares n%o forem muito exteisas; pela acçSo combina-
da da liygione e da influencia dos climas amenos, em todos os ptrio-
dos, sempre que a gymiiastica pulmonar se i-xerça methodicamentc
em uma atmosphera expurga, rica de oxygenii) e pouco variável, como
acontece na Madeira.
Na montanha desdobra-se, areja-se e ventilisa-se o pulmSo, sae-
cudindo-Ihe o qiUd da tysiea, que ou morre e despega-se cadáver ou
6 arrastado e diluido no ar.
Nos climas como a Madeira subjuga-se o inimigo por uma espé-
cie de mystilicação politica, dá-se-lhe de comer á farta abrindo as
22 DE LISBOA i MADEIBA
portas ao appetite, á Ibrya dos condimentos naturaes; embriaga-se
até ao annullamcnto á custa d*uin oxygeuio que o asphyxia; e mesmo
nos casos de domínio prolongado, quando 6 impoásivcl jA apagar as
suas tradições sem que se destruam os arcliivos das suas proezas,
mesmo n^csses casos, nos casos extremos, nos casos desesperados cm
que o clima de altitude, scicntitícamentc fallando, mata despedaçando
á forya de dilatar o pulmUo, serve ella a suavisar os soíf ri mentos e a
prolongar a vida do doente, afFagando com mão piedosa c parlamen-
tando com táctica de mãe, as melindrosas susceptibilidades das suas
lesões.
Sim, á altitude, á prophylaxia e á acção dos agentes liygienicos,
methodica e meticulosamente dirigidos pelo critério scientifico, per-
tence sem a menor duvi la e sem a menor contestação o papel predo-
minante na curabilidade da tysiea.
A altitude, porque dá combate ao micróbio, esmagando-o em massa
ou expulsando-o por lavagens de ar seccf), frio e rarefeito.
A prophylaxia, porque tem em vista o facto do contagio e da
hereditariedade, porque providenceia contra as mil causas banaes pre-
disponentes c adjuvantes, como os arrefecimentos, os excessos debi-
lita ti vos, as constipações e Uintos outros factores que frequentemente
determinam a revelação do contagio e da hereditariedade, em casos
mesmo em que nunca talvez se manifestassem.
A hygiene, porque lhe aconselha a montanha onde o ar c love,
cmde a atmosphera é pura e a gymastica pulmcmar é fácil; a hy-
giene, porque lhe aponta os climas moderados, os climas maritimos
e sobretuflo os climas a poucas variantes, pouco populosos e pouco
excitantes, como meio d^ella poder respirar ao ar livre um maior nu-
mero de horas do nychtemero, como meio d^ella poder evitar as con-
gestões pelo frio, com o íim de poupar-lhe as hemoptyses e afiastal-a
para longe do ar ruminado das agglomerações.
A hygiene e sempre a hygiene, porque é ella que lhe escolhe
os alimentos, que lhe faz dar a pref(Tencia ao leite, aos ovos, ao kn-
mys e á canie crua, por serem nutritivos em extremo, aos agriões,
pela sua adstringência, ao milho pela sua riqueza azotada e aos legu-
mes e aos cereaes pelos phosphatos e pelo ferro que alguns d'cllcs
contém.
A hygiene, tinalmonte, porque é ella que lhe outhorga essas
estaçf^e^ invtrnaes (mde o soffriniento se acalma, e onde, se hão roflo-
resce sempre a saúde, ao menos se prolonga a vida.
DB USBOA Á HADEIRA
Entre caibas i^sta^'òcs lioje tão iiprcgontUiu c í&ti cm moda por
toila a )iurte, fígiiraiu com iiiun icputii^-âo ilc ctrto inferior á reali-
tliiiii- (1»3 tuna vantagens, a lladcirii, cssía tíiJr pcrriiiiiad» do oceano,
i' I) sanatório ila serra da Estreita, essa com-ep^-ào audaciosa d'um
A>n mais notáveis mediei» portiignczcs, o nos»ti aprumado c dístiucto
mestre José Tliomaz de Sousa Martins.
O sanatório da serra ila Esti-cila, conipu-avol e prffcrivt-l sob
muitos pontos de vista a Davos, não tem ainda uma procura europeia
apesar da eloquência dos factos, porque as cii-cumstancias pecidinrcs
do nosso paiz, as condi^-òos resumidas da sua instalação e o limitado
tempo da aiin existência, são apertados c talvez mesmo contra indi-
cativos por emquanto, à cínicorrencia a que figura ter direito. Enti-e-
tanto a justiça das suas vantagens está de antemão garantida; porque
quando hi>m»-ns como Sousa Martins cliegam a intentar qualquer em-
preliendimento, como que se antevOcm desde logii os rt-sultados mais
brilhantes, cseudadoM no prestigio irresistivel do seu talento e da sua
reputaçífi.
C<tm os recursos enormes do seu vastissimo saber, com a sua
auctoridade medica ineontoatavel, eoni a rigidez da sua vontade a
que nada resiste, caberá arranenr á cxpc'ri>'ncia e aos Tácitos o que
ellcs tiverem de proveitoso c de bom, e lançid-os á publlcilade envoltos
uo deslunibrainento da sua palavi'a e do sou estylo, abalando v fa-
zendo vibrar até mesniu esse indíffiTCntisnio, essn descontiança e essa
má vontade, com ([ue no nosso j»aiz so encaram as tentativas d'esta
ordem, principalmente quando se referem a cousas nossas.
E aqui, abrimos um piírentliesis no nosso manuscripto v. intercala-
mos nlgimias consideraçiics mais sobre o clima e as vantageus da sen'a
da Estrella, por isso quo só agora, em novembro de IWO, depois de
tinda4la a arrumação dos nossos confusos apontamentos, é qiio rece-
bemos, conjiilictamenti.' com grande nunuTo de outras obras, o precioso
folheto do dr. Sousa Martins sobro a Tuliercidwe pulmonar e o c/inia
iVnllilwle tia aerrn <ht E»tivllii, ultimamente publicado, e o interessante
volume do sr. Eniygdio Navan-o referente á escursito li mesma serra
em ihlH.
DR LISBOA i UADEIRA
Estu faeto iiijiitítiticavfl, de um medico desconhecer pur tSo Imigo
prasu obras uaciouiics de tãi levantado valor scientifico, causaria bb-
jianto e seria mesmo mn motivo ile censura, se nSo tivéssemos « allc-
gar que viajamos por Africa, onde m rara» bibtiothecatí aio in-isorias,
ondo &6 pidlulatii ainda oa rumAnces de Ponson dii Tcrrtul, e onde
finalmente os livreiros conatitiiem verdadeiros fructos prohibiduB. . .
proliibi^ãt) essa, porém, que nilo tenta nem pôde teiitnr ninguém.
Do livru d<» ar. Navarro, é verdaile, ouvíramos fallar e coin os
niaioi-cfi elogios em 1KH7, t|uaiuto por dueiiça, passámos por Lisboa;
mas u fuutn tle conhccermoii já pelos seus enei^cos urLigos de fiiudo
o valente nianejador dn eettidulhn politico lisbonense, aconricçilo dea-
cous<jladora a que chegáramos de que os políticos consunima'los como
M. i-x.' sò sabiam i'H|iecii]ar paru iimt politico», a trabalhar a valer
quando impcllidoa pur conveiiienciaíí partidárias; afastara então du iiiiss«t
espirito a teiita^'ào de lançar mnie á voragem os lfi'2iM r<'iis indispen-
sáveis á acqnlsivão do referido volume.
Hoje poi'ém que o apanhamos á mão, como que por milagre, que
o lêmufi de fio ii pavio de] citando -nos ante os ucau quadros de uma
naturalidade grandiosa, delieiando-nos eom as suas paginas brilhantes
de humour, de critica e de verdade, sentimo-nos obrigados a peniten-
ciar-nos, batend" contrictamente no peito, das antigas opinifles precon-
cebidas, tanto mais que o ex-mÍnistro das Obras Publicas, declaraiidn-
80 sem preiuubnlos nem rebuços, ajiaixonado .sincero das divinas ffen-
Ttelt-v», das gnrprtza», cOr de carne, das b<'llas de LySo, de Rirdíus,
e em geral de todas as flores, conquistou um titulo valioso á nossa
estima, como sectário dos mesmos idoW, abrindo assim uma grande
brecha na espessa desconfiança que lhe votávamos, como a todos oa
políticos, brecha por onde c&ira sobre s. ex.* os reHexos d'um ideal
bucólico, perfumado poios aromas que se evolvem da alma das fldros,
o que imprimem á siui fronte bivnzenda e altiva de athletH, um tom
de singeleza e de bondade, bem mais digno du iii>9.-<a admiraç&o, do
que todas aa mil coroas de louvores e de fipprobrios, com que a apre-
(.'íaçfto canalha dos inimigos facciosos e as exageraçGes fanáticas dos
correligionários servis, teem sabido atulhar a estrada gloriosa e mdo
dn seu viver, na pi-coceupu<,-ão visivel da sua recmbecida grandeza v
temida superioridade de furte.
As observaçttes e o coiifnjiito das eondiçòes climatulogicas da
Serra, com as da sua congénere ua Suissa (Davos); oa resultados re-
feridos sobre o trulnmcnto de vários doentes o as valiosas cunsidum-
DE LISBOA k MAUKIKA 25
çõcs com rclíição ao cliuiii de iiltítudes ux|>ostU3 no fullictn d» dr. Si>nzu
Uartíus, bem cumo bs que se refen.'m a biittiTidlogiii, tSo u^ípií-itiiosa,
tXo nitida e títo cimvinceiítonientn cxjjlaiinda na i^ai-tíi-prcfauio aii Uvro
do 8r. Navarro, levar-mis-Iiiam de bom grado a aiii)ilíar ti>da estíi sccçil»
do noano trabalho, iiitroduzindo-iiic como fui^tor au valioHidsimaa affir-
matívas de Oranchor, Gabada, Tyii<lall o tantos uutniH, »o nSo fusuo
incompatível com o tempo de (jiie dispomos ■> relimdir n'eMta parte,
como em muitas outras d'cste livro, capítulos inteiros, ipio, dtvidos a
dcflicieucias próprias e mais ainda á inipussibilidado em que nos acha-
mos na Afriea de appèllar para iTitatistitas, textos ou eonsultorea quaes-
quer, saliirSo de eertu incompletos, umslrando nicsiiio, como por pouco
ia succedcndo n'eate caso, a ignorância em que viviamos dos nmid re-
centes trabalhos sobre os assumptos a qiKi nos n^ferinios.
Mas cada um tem o di-ver de dai' o qim pódc, segundo as con-
dições tin (^uo vive. Por isso, pczaroso de iiâo siniios tilo ciniipleto
quanto desejávamos sobro problemas de tão alta sigiiifica^-ÍUi seienti-
fica o humanitária, nlU> podemos escusar-nos a transci-ever aqui os da-
dos comparativos de thermomelria da montanha hilvctica com a nossa
Serra Hermiuia, dados esses que evidcnctúam a gi-ande superioridade
climatológica da Serra.
1882 — Variações tliermometrioas diurnas
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Estes algariemos, tnHiys elUsg, jirocliimiim que as i>iícillav<>cs tlmr-
mumctiic.ie h3o nniitissimo m;iÍB rcguIarcB e niurieradiía na Scrni da
Estrella du que em Duvos-Plutz.
Relembrando upeiias as ultimas mé'lias apuradas, relativas a qua-
renta e seis mezea, vè-se que na nussa serrn a media das medias da
28 DE LISBOA i MADEIRA
varíaçSo diurna é apenas 3°,5 em tanto que em Davos é de 8®,2; —
mais do dobro. Na serra a media das oscillaçSes máximas é de 7**,1 ;
— metade do que é em Davos (14*^,1). Na serra a media das oseilla-
ç5os minimas 6 0,82, ou seja, approximadamente, um terço do que é
em Davos (2°,4).
E não podendo apresentar, por nSo se acharem ainda formulados,
os mappas nosologicos do embryonario eanatorio estabelecido na Serra
Herminia, onde já o anno passado se trataram 32 doentes, servimos <le
1 echo á voz auctorisada do dr. Souza Martins, affirmando que a Serra da
Estrella n'um só elemento — o vento — se mostra segundo os registros
do observatório, menos propicia do que Davos para o tratamento dos
tysicos; accrescentando, porém, com o sr. Navarro, que esse facto mesmo
que destoa das excellentes condições tliermicas o hygroscopicas attes-
tadas, traduz apenas uma imprevidência na coUocação do dito obser-
vatório, exposto o indefezo aos ventos do N. W. alli predominantes.
E substituimos as astatisticas da SciTa, que nos faltam, pelas de Spen-
gler, Williams e de Weber, com rolaçâo aos tuberculosos de D.ivos-
Platz.
Em Davos mesmo, nunca foi publicada estatistica completa c por
assim dizer official. Conliecem-sc porém os rosultalos da clinica de
Spengler, de Th. Williams e de Weber, que transcrevemos:
!J A estatistica do dr. Spengler, o mais antigo medico em Davos-
Platz, vae até 1879.
Vejamos o que ella diz:
Tuberculosos tratados :
i Doença no 1.® grau:
I Só do lado direito 43
j Só do lado esquerdo G9
De ambos os lados ... 19
131
No 1?." grau :
S(> do lado direito 106
S<') do lado esquerdo 52
])(■ ambos os lados 46
204
DB LISBOA i UADEIRA
No 3." grau :
Sú do liido direito 24
Sú (lo Indo esquerdo 21
De ambos os lados Õ
Numero a descontar, de doentes, que figuram
acimn dupliciidiuncntc jior terem IcHÍ^es
do I ." fçrau n'ura lado c do 2." ou íi." no
outro
ludividuoK ajHnas pri-dÍR|>i>HtoH
Cftsiití de (isthiufi niTVosa
50
mb
26
32;t
N'e8ti!s í(2.'í cxt!m])lare3 liouvc Til ciiran e ISiltfasoB de melhora.
Eaqucconilo estes ultiuios (! descontaiidf) do numero das ciinia os 26
índividuos que nSo eram p ulmo- tubi: rcii lo sos, teremos:
73 — 26=47
A percentagem d'este numero sobro o dos tulwwuloaos tratados
por Spcnglor é pois :
2ÍI7
Mais do 15 curados em 1()0 piUmo-tuborculoens de todos os graus,
A estatística de Tli'Mid'ir<i Williams ctimpri-lieudc tuberculosos tra-
tados em Davos-Plfitz e cm diuins de altitude na America e kuI de
Africa.
Qunnio <w grau <l<t tioeiíça:
TubiTCuliisos no 1," period" (dos ([uaes somente
to 17 por cento & que tlnliam a doen^-a
apenas incipiente) 1)1
Tuben-nhisiiN no 'J." e 3." gnlus 53
30 DE LISBOA i MADEIRA
Quanto á extensão da doença :
Tuberculosos de um só pulmão 88
Tuberculosos de ambos os pidmSes 50
138
Doestes 138 casos curaram-se, por cento, 41,13; melhoraram mui-
to, por cento, 29,78.
A estatística do dr. Webcr, refere-se a 106 casos de tuberculose,
4o8 quaes apenas 70 estavam no 1.*^ período.
As curas foram na proporção de 40 por cento e as melhoras em
pr( (porção igual.
Não se pode, rasoavelmente, pedir mais ao tratamento de molés-
tia tão damninha.
Vemos que pela estatística de Spengler o numero de tuberculo-
sos pulmonares curados no clima d'altitude é 15,8 por cento; que na
de Williams de 41,13 e na de Weber 40,00. A media d^essas esta-
tísticas dá nas altitudes, 32,36 de curas em 100 casos de pulmo-tuber-
culosc, isto é, quasi um terço ! »
Essas estatísticas provam evidentemente que de 570 tuberculo-
sos tratados pela acção do clima de altitude, 158 se curaram, obten-
do um grande numero melhoras consideráveis. Isto é, representam um
quadro onde se apalpa e se verifica esse facto considerado ainda hoje
mystíficaçâo illusoria, não só pelos profanos, mas mesmo para alguns '
médicos d'Africa, de que a tysica é curavel, não por uma mera exce-
pção com attributos de milagre, mas n'uma percentagem que attinge
e excede a 30 por cento dos atacados, como se reconhece dos factos
apontados.
A Serra da Estrella, pois, tem os seiísi destinos ganintidos ; á
Madeira, porém, não succede a mesma cousa. Ella tem merecido, é
verdade, elogios os mais exaltados e apreciações as mais lisongeiras,
porque» o que deslumbra impòe-se.
Não ha poeta, não ha medico notável, não ha touríste que a vi-
sitíissr, que não t(»nha lançado á publicidade e aos ventos as gratas
impressões que ella sabe drspcrtar em todas que a conhecem.
Assim, na revista [jí tonr du monde, o marquez Degli Albizzi
descrevi* sob a (^.pigraphe iSix moix à Madere o que ha de mais flo-
rido, mais cateeliisante e mais original nas combinações da natureza.
E elle visitou e percorreu a ilha com a preoçcupação e a febre de Ufli
touriríe illustradissimo, cujos elogios tem a alta valia de uma esiH-cia-
lísaçSo auc to risada.
Nos aliuaiiochs, noa jornaeã e nos ri'latorios r>fBciaes, por toda a
parte, ae encontram artigos, versos e plirasea sonoras sobre a Madoira,
sobre o Sini clima, sobre a sim vegetaçSo c prínciíialmeute sobre o»
vinlios; mas trabullius verdadeiramente completos o capazes ãn ser-
virem A propaganda de que ella é merecedora, a^wnas ooulnjci-mos a
(dira do dr. Barrai, a do dr. Accurcio Ramos e a reconteracnte publica-
da pelo Doaso compatriota o dr. Mourão Pitta *, obras d'oTidi' oxlrabimoa
a maior parte dos dados estatisticciB apresentados e onde se encontram,
a par dos esclarecimentos mais preciosos sobre a topograpliia, condi-
çlira liygiimicus, meteorológicas, usos, costumes e doenças bnhitunoK,
a opini&o dos maia notáveis homens de acieucia, as cimclusQcs medi-
caa dos dois iltnstres professores e um guia preciosíssimo para todo o
fora8t<-Íro.
O dr. Garnier, esse distinctissimo mcdieo da niHrinlia frnnceza,
na elevada e nobre linguagem, d'aq«elles íjuc sabendo comprelicnder,
sabem tambcm sentir, traduz assim aa suas impressílcs pessoaua:
« foi em fins de outubro de 1§50: deixarauioa o Jlavre onde
a temperatura era já muito fria e húmida, condiçSes fstas que se ag-
gravaram ainda em toda a travessia da Mancha. Depois de apanhur-
moB violentas tempestades e termos corrido grandes perigos durante
a viagem, sentiamo-nos RÍnda entorpecidos pelo enjoo quando descm-
bArcilmtiB tia Madeira. Alli, esse frio húmido do norte fui substituído
por um m iderado ealor vivificante que nos reanimou ; uma atinos-
[iliera elara e límpida fazia esquecer as brumas do oconno; au cheiro
nuuseoao o aos vapores luephiticos do navio, succedia um ar puro v
fortificante i[Me respirávamos a pleno puluiSo.
Foi para nós comu que uma resurreiçSo; a vida sucoedia & morte,
a primavera succedia ao inverno. E que primavera!. . . A vegt-taçSti
mais rica desenrolava-se por toda a parte á nossa admiração, conju-
gando, como que por encanto, a expressilo magestosa dos (dimaa tem-
perados ás proporçiíes luxuriantes da natureza tropical.
Trepadeiras entrela^radas em grinaldas e constituindo berços; ver-
dadeiras cúpulas de verdura assombrando tudo. . . e por toda a parte,
até mesmo nos camiiilios públicos I
> Madure— Sution medicole lixe— IS
32 DE LISBOA X MADEIRA
O alaiuo^ o castanheiro e o plátano vivendo ao lado do loureiro
e íla palmeira !
A cada instante deslumbrados por plantas novas d'um aspecto
grandioso e d'um desenvolvimento colossal. Algumas, cobertas de flo-
res vivas, cujo viço e vigor excitavam o nosso 'cnthusiasmo, outras
carregadas de Iructos succulentos, (pi(í serviam de pasto ás nossas de-
licias.
Uma tépida atmospliera impregnada pelos suaves perfumes d' es-
sas flores e docementíí refrescada pelas brisas do oceano, como que
nos embalava n'um sonho ideal.
A Madeira é, em resumo, um verdadeiro Éden, que deixámos com
grande pezar e de que conservaremos sempre as mais gratas recor-
dações. 9
Jacoud, o eminente professor de Paris, afíirma no seu explendido
estylo de artista * « . . . nada direi dos encantos indescriptiveis d'essa
regillo montanhosa, verdadeira Suissa do oceano, nem do deslumbra-
mento proíluzido pela sua vegetação luxuriante, exhibindo n'uma asso-
ciação única, as riquezas da flora tropical coufuLdidas com os produ-
ctos mais variados das nossas regiões temperadas.
Nada direi de tudo isso, porque me limito ao útil sem querer tra-
tar do agradável, ainda que, para os doentes, o agradável seja muitas
vezes um dos elementos de maior utilidade.»
Esta ilha, pois, que possue, como tâo comprovadamente assevera
o dr. Mourão Pitta, todas as vantagens dos climas suaves, onde os fo-
cos de irritação se apagam á mingua de influencias exteriores; todos
os privilégios dos climas eguaes e constantes, onde o organismo se acha
ao abrigo das oscillaçôes violentas ; todas as benetícas influencias dos
climas quentes para as exac(írbaçoes tantas vezes motivadas pelo frio;
que gosa dos benefícios dos climas mari timos na sua qualidade de ilha,
sem partilhar comtudo dos inc(mvenientes merematicos e das oscilla-
ç(5es tumultuosas ; a Madeira que tem merecido os elogios mais levan-
tados, que é possuidora dos elementos mais apropriados ao tratamento
da tysica e enfeitada por todos os encantos capazes de alegrarem a vista
e o coração dos que padecem ; como que fundada por um designio pro-
videncial para a remissão dos tysicos ; a Madeira, apesar dos distin-
ctissimos tílhos que possue, apesar das sr^is tradiçSes que faliam alto,
I Jocoud— Curabilidode e Iralamcnlo da lysica pulmonar.
DE LtSBOA Á MAUItlllA
apesar da sua importância que se irapSe, apesar do deliciosamente
belto ão seu clima, nSo tem sabido aprriveitar-se das vanta^aa da sua
posiçSo geograpliica, das bellezas indescriptiveis do seu panorama, da
fertilidade ubérrima do seu solo, da diffusSo preciosíssima dos sl>ub ba-
bitantes nem daa lionaa cltmutuloglcas tJto ditfercMiciadas das suas al-
titudes; nSo possuindo aínda boje tim serviço de inspecção eanitaria
que dê garantia aos doentes ti satisfaça plenamente as exigências pro-
pbylaticas da pupiilngSo ; u&i uxhibindo essat» pequenas babitaçÕes poe-
ticamente ajardinadas e dispersas que preenchem as indtca^^Ses scien-
tificBs mais comprovadas, nSo tendo uni único estabelecimento onde
se possa utilisar da bydroterapia, das vantagens da alimentação for-
çada, das inhalaçSes e pulverísaçSes por apparelbos apropriados, da
gymnastica pulmonar pelos spyrometricos; nSo possuindo um único d'e8-
aes eosiulieirott eximioe, verdadeiros poetas da gastronomia, cujos pra-
tos mais exóticos são pagos pelos preços mais fiibulosofl . . . faltando-
Ihe tinalniente todo esse conjuntto de comraodidades, de conforto e de
luxo, que fallando aos hábitos dos ricos (como sSo quasl todos os ty-
sicos que emigram) nSo só embalam a imaginação dos doentes, mas
preenchem essa fundamental e.xigencia dOs estômagos dyspepticos, tSo
graciosamente formulada no aphurísmo de Peter: Le plua beau ciei tia
viintde ne peut retnplaeer un bon repas.
Falta-Ihe, é preciso dbsel-o, essa complexidade de quesitos que
se tomam boje indispensáveis em todas as estações de tuberculosos e
muito principalmente alli, onde as condiçiíes sSo tão benelícas, tSo per-
manentes e tilo salutares em toda a volta do amio, que deveiia ser-
vir não para enugraçSo temporária dos tysicoe, como succede, mas
como um verdadeiro refugio para os doentes, onde todos os acommet-
tidos da tysica clironica viessem buscar imi allivio seguro aos seus
males, como na Serra da Estrelk poderiam obter cura radical todos os
de começo apalpados, e isto pela ingerência simultânea, alterada ou
Buccessiva, da altitude e da bafagem maiútima, corroboradas por uma
therapeuticji íntelligcnte e pelas mais salutares Influencias sociaes e
climatogicas.
A' maneira que se aóbe, em qualquer ponto da terra, vae-ae mu-
dando de latitude para o Norte, diz Ilordier ; Flammarion calcula um
grau de abaixamento de temperatura por cada ci-nto e noventa me-
tros de ascençSo, de maneira que o organismo dos seres vivos ao des-
locar-se d'um valle para o cume de uma montanha, experimenta pela
acçSo do meio atmoapheríco, modificsgSes correlativas áquellaa que
Boffireria, Be se deslocasse do equaâor para o pólo.
DE LISBOA A MADBIUA
NlU) SC exueJendo certos limites, ii depreas&u barométrica é con-
traria ao desenvolvi mento da luberculoBe, nSo só porque traz como
conseqaencia u diminuição do O, om preBsSo e em massa, o que pa-
rece ser nocivo á vitalidade du bncUlo tuberculuso, ma» porque daitdu
como resultado a amplia^'&o do thorax, como se reconhece de facto pe-
los traçados de Williams, e uma maior expansibilidade pulmonar pelo
atlivio da pressão exterior, eoncorre a um tempo ao robustecimento
do apparelho res|iiratorio jjfla gyiimastiea e ao desalojamento dos seus
micróbios, cujo tniLalbu destruidor, por esse facto, perturba e Contraria.
Sub a eonaidera^-&o climatogiea, pois, a altitude e a latitude
eqiiivalem-se sob certos pontos de vista, como acabamos de dizer. Maa
o clima de altitude para os tysieos n31« é, como em geral se pensa,
as circuuiBtancias alcançadas indiiiereutemente em qualquer monta-
nha nos differentes pontos da terra, mas sim determinadas condiçQes
climatéricas subonliuadas a nma baixa temperatura e a uma deter-
minada rarefação aérea, d'onde resultem um regimeii especial para
o apparelho respiratório ; e por isso e aó por isso, í que em cada paiz,
couHoante a sua latitude immutavel, se tem que procurar uma deter-
mina<la altitude para conseguir as vuulayLns desse clima especial. —
Assim 6 quf vêmoH exigir no nosso paiz (como está sueccdendo na
Serra da Estreita) 1:40(1 a 1:80(J metros para o seu clima de altitude,
comparável sMàn an que se realisa na 8íIcsíh u 550 metros, na Suisaa
a 1:300, no Mi-xico a 3:000 e que s<i ae poderia obter no equador
a quatro ou cinco mil metros acima du nivel do mar.
A idein c a HÍgiiifieavKo pois dos climas de altitude sSo perfeita-
mente distinetas das dos climas das niontai.bas, os quaes apesar de
eminentemente tónicos o salutares para o tratamento de uni grande
numero do estados mórbidos, silo comtudo considerados muito á parte
sob o ponto de vista medico, principalmente quando se trata da cu-
rabilidade da tysica pulmonar.
Na Madeira, desde o FuucIibI, que fica pouco acíma do mvel do
mar, onde s temperatura média aunual 6 de IS" C, até ao Pico Ruivo
erguido a dois mil metros d'altura, onde íxei&j que gradayííes de tem-
puratura, que exemplares de climns, por toda esta escadaria a altos
degraus do montanhas sobrepostas, de que o Funchal é o sopé, a serra
o cimo e o Pico Ruivo a cupnla? t^ue factores natrraes aproveitáveis
o por aproveitar? Que conjunetu de eircumstancias b armou ísando-sc
no preenchimento talvez eabal e absoluto d'um fira . . . que elementos
de benelicio e de riqueza esquecidos e improduciivoa ainda hojei?
DE LISBOA i MADEIRA
35
E apesar de toda esta falta de iniciativa, de toda esta apathia
particular do Estado na utilisação das suas prcciosissimas condições,
o clima da Madeira e a qualidade dos seus vinhos gosam d'uma fama
tSo extraordinária, que tem resistido a todos os estratagemas dos re-
clames e da concorrência estrangeira.
Os vinhos porém vâo dia a dia perdendo a sua importância pelo oi-
diunij pelo phylloxera e pela falsificação ; e o clima, indefeso n^essa lu-
cta exterminadora' de interesses que se chocam, vai sendo calumniado
e desconsiderado na opinião publica, sem que ninguém se levante a
defender a verdade, sem que a ninguém lhe doa o coração.
Os hespanhoesy fazendo a apologia de Orotava (T(»nerife), affir-
mam que as aguas do consumo na sua rival são impuras e causas de
doenças variadas do apparelho digestivo, o que é manifestamente falso
como se reconhece das analyses da seguinte tabeliã:
ResoUado das analyses das principaes agoas da Madeira,
segando Pbipson, dontor em pharmacía e proressor d*anal;se chimica,
feitas em Londres em setembro de i887
RESULTADO DAS ANALYSES POR GALÃO IMPERIAL (4k180) LIQUIDO
Agua da origem (Leste) da fonte Agua da nascente (Oeste) da fonte
João Dinuf João Diniz
Límpida, bem arejada, gosto saIino> Limpida, bem arejada, gosto salino
insignificante. tinsignificante.
Resíduo total da evaporação 0,560 gr.
Matéria mineral 0,448 »
Matéria orgânica 0,112 »
Agua da origem do meio,
fonte João Dinis
Limpída, insípida, inodora, bem are-
jada.
Resíduo total 0,320 gr.
Matéria mineral 0,224 »
Matéria orgânica 0,095 »
Agua da fonte Santa Luzia (Norte)
Limpída, insípida, inodora, bem are-
jada.
Resíduo total 0,179 gr.
Matéria mineral 0,137 »
Matéria orgânica 0,031 »
Resíduo total da evaporação 0,512 gi*.
Matéria mineral (),38i »
Matéria orgânica 0,128 »
Agua da fonte do Campo da Barca
Límpida, insípida, inodora, betn are-
jada.
Resíduo total 0,32n4 gr.
Muleria mineral 0,2432 »
Matéria orgânica 0,0832 »
Agua da fonte Santa Luzia (Sul)
Límpida, insípida, inodora, bem are-
jada.
Resíduo tolal 0,192 gr.
Matéria animal 0,101 »
Matéria orgânica 0,025 »
DE LISBOA i SUDEIBA
Agua da fonte ConyeCra Monte
Límpida, inodora, insípida, bem arejada.
Os ínglezes, na sua febre de diUiiinaçilo coutrit nós, publicam J
ãeuginiiticaiaente nos seus jornaca uma (loF'iiça endémica na Madeira, I
que buptisam aciíi tosam ente de Madeira feeer, i^m quanto os seus me- 1
dicos no Funchal Innçam gratuitamente á responsnbilidade do clima,
as imprudências dos í>euB patrícios, que ao chegar, se abarrotam em]
fructas. . . e em vinhos, expondo-se a insolações e a fadigas exto-J
mui n te 8 !
Li ha pouco um folheto qualquer em que se apregoava Tenerifl
e se diziam as maiores barbaridades i-om relaçSo á Madeira,
Este fidheto, distribuído a bordo dos vapores que faziam cscaJal
por aquelle porto, a título certamente de réelame, passava comtudo de j
mâoa em mSos durante toda a viag<>m, produzindo o aeu effeito, por-J
qu<- a publicidade é hoje a atmosphera que envolve e aj'ragta a todoe^J
aos crédulos como aos próprios incrédulos da sua BoberanÍ8.
Williams nos seus magníficos trabalhos sobre a tyeica, consíder^.'!
a Madeira um clima húmido e dá preferencia, por todas as suaa esta-l
tisticae, ás viagens marítimas, como meio mais profícuo de tratamentol
para todas as formas de tysicaa.
Este auctor, basoando-sc! nos dados da meteorologia geral que r
gista as iudieaçSes hvgronieIrícaB pelus ioâueucias concomitantes ão a
sem referil-as á temperatura da superfície do puImSo, fez uma affirJ
mativH, senSn de todo em todo errónea, decerto infundada sob o pon<
de vista medico com relaç&o á Madeira, como se induz ilas afErnui'^
tivas (lo posto mt-tcoiiitogíeo i; se reconhece praticamente, respirando]
no Monte e eni Iodas as altas cumisdas que circundam o ^"unchal t
ar vivificante que como nos lava os pulmões, traduzindo assim a grand^
distancia da sua iiatura^^ilo liydrica referida á temperatura dos OTf^
que I) respiram.
Champuillun na*^ suas ínHicaçcJes climatéricas, considerando <
iDuito a Madeira, nào lhe HA comtudo o logar primordial das prefer
i-ias. Lomhard, que divide as estaçÇes eanitarins era três grandes gri],']
poB, — estaçiles maritímas, estai,'íies inveniaes e estações uumtaaKoaaSi
— inolue « Madsira no grapo das estações invernaes maÍB tónicas que
sedativas.
Laprt^au, que se dedicou a estudar as medidas tendentes a dimi-
nuir a frequência da tysica, dá urna scctiiidaria importância ás latitu-
des, recommendando principalmente oa trabalhos no campo e os lar-
gos exerciuios do corpo e do pidni^>. DiiHy prescreve os exercícios
cnrporaes e rejpilamisnta magistralmente a maneira mais conveniente
de 08 executar. Burg, baseado nua dados estatísticos sobre a mortali-
dade rclativii dos miisicos c dos soldados francezes, instruído pela
historia doa conventos e das pris3es, onde o algarismo dos tysioos é
descominunal, estabelece como primeiro e mais profícuo dos meios pro-
phyluticos tt. gymnasticA pulmonar. Bertin preconisa oa banhos d'ar
comprimido nâi> s('i pela sua acção meohanica sobre o pulmão mas pela
sua acção indirecta soliro as combusti^ea ori^anicas. Sokoloysky estu-
dando os estabelecimentos hydrotherapicos dt; Goerbersdorfs, dá-nos as
seguintes e apreciáveis Índiuay5es sobre o emprego dos banhos fríos :
altamente vantajosos como tratamento propLylatico da tysica, muito
úteis noB casos recentes e pouco accentuados, contra-indicadus em abso-
luto aos indivíduos anemicos e nos períodos íiectícoa da doença.
Emlim, desta serie de estudos, dessas dassilicaçSes mais ou me-
nos arbitrarias, e muito principalmente dos brilhantes trabalhos fran-
ceses que melhor o em maior numero conhecemos, o que resultit ge-
ralmente com uma evidencia a que ninguém p<Íde eequivar-se, è que
o mundo acíentífico não só applaiide medícaç<íes impossíveis de rea-
tisar na Madeira por fulta absoluta de meios, mas se deixa por tal
modo influir pelo critério individiul de cada escríptor, pelo espirito
politico e egoísta de cada nacionalidade, que pinta as eataçtSes d'Al-
geria, Cannes e Meatoa sobro o Mediterrâneo, Pau, Vernet ', Aiuelie
lea Bains e Arcachon nos Pyreneus, etc, com um vigor de colorido
ta), que ao ler os seus notabilissimos livros como que se sento o leitor
fatalmente attrahído para essas deliciosas paragens descriptns, nSo fi*
xando sequer a physionomia pallídamente esboçada das demais esta-
çSes estrangeiras entre as quaes Hguram Bordighiera, Piza e Madeira.
> Km Vernet reunem-se ás condtçâes climelerícaa das eslaQÕcs de in-
verno a acção medicatriz das suas aguas thcrmocs; é um local apraxivol e
pittorefico à'nm clima delicioso; eiluada a (i29 meti-us de alLÍlude, offerece as
melhores e mais salutares condjijões piira os doentes.
DE U8B0A X lUDet&A
Os estudos ãe Pocbs sobre s AQemanli*, ãe Lombnrd cmn rela-
çSo á Italis, de Bngge na EogadÍDO, de Jounlsnet sobre o M«xico, de
Âbbadie sobre a» alturas da Abissynia, e finalmente a pcreíslentc apo-
logia de Ilinz e de Von-<?orv.-J s.ibre aa altitudes, e de Pear* sobru
8 ao<'iimulaç2o, (baseadiís ii>da£ em faxt<t& mnltiplos e em eloquentis-
siniaE pstatistKas), prornndw n saciedade o papel ímjxirtanti&eimo (|ite
exercem e*sfs dois factores (altitude e aceumulaçio i na monalídade
pela ^eiea, diu us ar^mentoe supremos Á prioridade da Serra da
Estrella e da Madeira, por isso qtie ''^ta ultima pansoe desde a sua cul-
min.nçâo que Sf (liva, como dissemos, a dois mil metros, até ao seu
littural, a serra que a atravi-&&n de lado a lado e que se ergue a mil
e oitocentos metros, e todo esse grande declive que d"eUa se despe-
nha, em qne a temperatura nunca excede a lli", saudável e iÍo ap-
petecível de habitar.
Accrescendo a tudo isto, que denbro da sua superficie de 500***,
á latitude N ^2'',50 e ã longitude 7»,50 O, de Lisboa se encontram em
zonas differenciadas, todai^ as caracleristicas das estaçi^s sauitarias a
que w refere Lombard (roarilimas, invernaes e montanhosas) bafeja-
das arfui pelo ar oxv^nado e toníeo do oceano, além pt-la atmosphera
descomp ri ruída du mouTanlia, por toda a parf- pela alegria da paiaa-
gem que se toma contagiosa e pela obsequio&tdade da populaçSo, que
exerce a catechusc raais insinuante.
A Madeira tem incontestavelmente direitos a ser considerada como
uma das primeiras esta^-Òes sanitárias para u tratamento da t}'sica
adulta ou envelhecida, como a Serra da Estrella é sobre modo indi-
cada pnra a tysica qae se inicia <■ para as formas hemoptJioicas da
doença em todas as idades ; possuem todas iis condições naturses pre-
cisas, iàltando-Ihrs apenas o luxo e os confortos da vida moderna.
Nio se comprehende que os doentes h^ilem accumulatívnraente
n'am hotel, como tivemos occasillo de vèr no Keid.
Nío se comprehende que lysit^ias de fornias ditFei^ntes e em t
ferentes graus de cvnliiçio, sejam sujeius invariavelmente ás influei
cias du Funchal e seus arredores, havendo como ha tantos campos 6
tontas attniTis para ond<' os mandar; iiHu se íiduiitte finalmente quo
a Madeira sirva de refugio aos condeumados sem reniissSo ; que receba
no seu seio os desgraytidiis }& desilUulidos pelas suas maia apregoadas
rivaes; e que a estatística da sua mortalidade venha tígurar numerU
camente e sem annota^es nu confronto com as demais estatísticas con-
DE LISBOA A MADEIRA 39
A Madeira está pedindo uma protecção intelligente e desassom-
brada da parte do estado; uma attenção espeeialissima da parte dos
médicos portuguczes.
E' preciso que não deixemos ao cuidado só dos estranhos a apo-
logia e apreciação d'aquillo que é nosso, e que nos preoccupemos mais
em dar relevo e dar credito ás noss^vs cousas, do que a interessar a
gente de espirito pelo lado dos seus ridículos, e os patriotas ignoran-
tes pelo lado do seu maravUhtfSo,,
A Madeira é uma prcciosissima ilha para os doentes, mas é egual-
mente uma encantadora terra para os que o não são.
Vista de fora, como a vi, tem a apparencia d'um grande cone
envolto em nuvens brancas e transparentes, com o aspecto magestoso
e meigo de uma noiva em dia de esponsaes. De dentro, exhibe ao co-
ração e á vista, o que ha de mais encantador de belleza, de simplici-
dade e aceio.
A sua configuração topographica, dá-lhe o aspecto ondidante de
enormes vagalhões que se petrificassem, apresentando á borda-mar
penhascos ora escabrosos, eriçado» e calvos, com esse caracter typico
das penedias marítimas, ora massas estratificadas d'uma estructura fós-
sil como apertados feixes de stallactites gigantes.
A sua paisagem é quente de vida e colorido ; salpicada toda ella
por centenas de casas pequenas, alegres e frescas, que parecem ma-
rinhar pelas encostas e pelas elevaçíles mais Ínvias, como pigmeus
teimosos n^uma grande febre de tonríste. Apresenta em alguns pontos
tratos accidentados, íisperos e pittorescos, que fazem lembrar os de-
cantados panoramas da Suissa, mas no seu conjuncto, como synthese
de impressão, tem o que quer que seja do vago e confortável das gra-
ciosas tellas de Wateau, parecendo exhalar de si com o hálito das
flores que a revestem, um aroma tão saudável e tão inebriante, que
sacode o torpor dos desânimos mais profundos, dando vida e relevo
aos relevos da vida.
Ha trez cousas por excellencia boas e deliciosas na Madeira: é
o clima, bIo as mulheres e são os vinhos; umas como outras, como
que nos embriagam j umas uomo outras são digiiaB de elogio e pedem
apreciações moderadas.
E' ([ue o clima excita-nos a vida, é quti tanto as niulkeres como
os vinboB sabem enleriir o espirito fazendo palpitar os corações.
Os vinhos da Madeira são como us do Douro, da Extremadura,
da Bairrada e como a maioria dos vinUoa portuguezea, alcooiicos, enér-
gicos e de uma tempera triumphnnti: ; cumprehendem variedades in-
numeraa de que os maia afamados sSo o tíerceai, secco, incorpado, d'um
sabor ligeiramente atyptico e d'um aroma auaviasimo ; o nalvazia, gé-
nero adocicado duma cõr topázio encautadora, mais suave e por isso
maie tolerável aos estoiuagoa irritáveis e áa cunatituições enfraqueci-
das; o moncatd, vinho doce d'um perfume misto de mil aromaa com-
binados; o Madeira propriamente dito, producto hybrido de variaa es-
pécies de uvas misturadas; o boal, um doa mata generosos vinhos do
mundo e o chamado tinto da Maduira que faz lembrar com saudades
o delicioao paladar do Borgonha.
iV amabdidade de alguns amigos, no Funchal, devemos o ter
apreciado as provas mais genuínas d'esses decantados vinhos. Maa a
nossa qualidade 3e tonrinte levaudo-noa a experimentar de vez todos
esaea subtilisairaos néctares e a respirar por lat^o tempo os perfumea
delieiosns doa seus ethers inebriantes, proporcionon-uos, é verdade,
uma descoberta importante em physíologia, mas aerviu-noa também
de motivo ás torturas maia liorrivcis que se podem imaginar.
Fez que reconhecêssemos í/i unUna vili que o próprio estômago
na cegueira das auaa tuncções, ee deixa arrastar pela aympathia, so-
phismando as leis orgânicas que o regem; mas deu logar a que aof-
freasemos as coutorsòes angustiosas do seu arrependimento tardio e
a irritaçSo prolongada da sua revolta de vencido.
A' amabilidade doa nossos amigos e á nossa inexperiência, é
sempre bom dizel-o, devemos o ter sabido da Madeira verdadeiramente
estonteados : deslumbrados pelo tjue vimos, embriagados pelo que be-
bemos. . . e mais talvez aindu pelo álcool que respirámos.
O commercio d\)B vinhos finos e a exportação de fruetas, consti-
tuem dois dos maia importantes ramos da riqueza local.
Escusado é dizer que tanto os vinhos como as fructaa sSo prin-
cijiaJmente exportados para a França, Rússia c Inglaterra. E ainda
assim, apesar dos preços elevados que tonto um como outro d'esse8
productos alcançam nos mercados do Korte, a sua importância decáe
lamentavelmente de anno para anno, nSo tanto na sua siguiãcaç&o po-
DR USHOA A MAUIÍIKA
BÍtiva como fonte de riquL-za, por isso que aa estatíeticas provam que
a exportação augiuenta, mas jielo descrédito da respeitabilidade das
suas marcas e da sua importância real como prodticto de constuito.
Aa fructíiB sfio geralmente exportadas verdes, sem terem com-
pletado o seu desenvolvimento, o quu dostígura o sou volume e u sua
forma; sem estarem completamente sazonadas, o que faa com que a
pectose e o amidon n&o se tendo transformado em pectina e assucar,
faltem como agentes modííioadorea do sabor acro dos seus ácidos, como
a defUciencia doá etliers eouipostos, ou perfumes, pela precocidade da
collieita, os desmereça desses aromas eupéptico» com que se rec^^m-
mendam tSo eloquentemente áquelles que os saboream bem amadure-
cidos no próprio local da proveniência.
D'aqui resulta essa opini&o errónea de que as fructas da Madeira
nSo prestam.
NSo prestam cA fiSra; não prestam em Lisboa para onde so manda
a potréa ; inas para Londres, onde sfio pagas a bom preço, e na pró-
pria Mudeira, encontra-se, e comi eu, annanazes, annouas, uvas, etc.
d'iim paladar, d'iun desenvolvimento o uni cheiro, tSo delicado como
Hl' uSo encuntra em part« alguma melhor.
Desde as bananas e as mangues, exclusivos dos trópicos, atú ao
aeajú e a aunona do Bnizil ; desde a pura e o peccgo e as mais apro-
cladas espécies da flora eui-opêii ; desde as jilantiis do JapSu, da Aus-
trália, du America e da Huntpa, até ás suas flores variadissimus que
deslumbram, que variedade de espécies, que multiplicidade de moti-
vos á admiração o ao goso I
O clima da Madeira é como que a syntliese apurada de todos os
climas do mundo. Dahi a reuniSo no mesmo jtonto da terra de todos
os exemplares dii flora do mundo inteiro; d'ahi o valor íncorapai-ave!
dos seus pniductos, se a fructa nSo fosse colhida verde, se os vioLos
qSo tivessem a depriiiii!-os u oiãittm, o pliylloxera, e peior do que to-
dos os phylloxeras, a fulsilicBçilo.
Him, a falsificaçSo que oa corrompe como producto natural e que
08 envenena como principio alimentar.
O vinho nSo é uma simples combinaçSo chimica; é «m problema
de gosto, é um alimento e um agente therapeutico de primeira ordem.
A maiíir parte dVssa geropiga que por esse mmido se bebe
com o nome de vinho da Madeira, é apenas o producto complicado de
misturas múltiplas, arranjadas à toute piece nas officinas estrangeiras
ou manipuladas descaradamente na própria Madeira, á custa dos mais
42 DE LISBOA Á MADEIRA
diversos iri<^n;íli«-níe8, entre os qiiae» o pêro desempenha um papel im-
{lortantíí, coino clomento barato da fraude.
(> oidium tnckcri c um epiphyta que começando por atacar a baga
acaba por tornar doente a copa; mas combate-se gloriosamente pelo
íínxofn; c pelo fo^^o.
O jfhylloxera-vaHíntrijj que assola a vinha, é um insecto mi-
írroHcopico ('uja (;n;^enho.sa evoliiy^o, tâo cabal e pacientemente estu-
ílada hí>je, revela o segredo do í^eu modo de geração, indicando^como
processo sííguro d(í o combater a destruição d^esses ovos d^invemo,
que síír vindo d<í casulo ás gera(;oes das raizes, romperiam o cyclo bio-
lógico quíí garante a perpetuidade da espécie.
A própria pratica, (bípois de ensaiar o sulfureto de carbone, o
Hulplio-carbonato d(í potassium, a transplantação para areia e tantos
outros proc(isso», estabí^bíce de rini ti vãmente como táctica segura de
defeza, a reconstituição chimica da terra por adubos systematicos e a
americanisação das cepas.
Os parasitas, pois, que atacam a planta, os males que vexam e
díípriíiK^m a vinha, tostão (estudados e estão combatidos; o que nin-
guém estuda porém, o (pie ninguém combate infelizmente é aquelle
que corrompe os vinhos, é aquelle que desmoralisa o mercado e en-
V(;n(ína a saúde. K por isso dentro de poucos annos, se não se eflfectuar
um reviramento radical na orientação do seu commercio, se continua-
rem a ser pnjparados tão outros do que devem ser e do que foram
(pumdo firmaram os créditos de (pie gozam, os vinhos da Madeira
deixarão por c(;rto de alcançar os preços que lhes garantem ainda hoje
as tradiçiHes, deixarão de ser glorific.dos pela opinião dos entendidos,
e como tudo aquillo que se c(mta mas que a nossa observação contesta,
como esses heroes fabulosos das velhas chronicas d'outr'ora, ficarão
tendo apíiuas o nome . . . mas nome desprestigiado como todo o sym-
bolo dos cultos extinctos.
As mulheres da Madeira não pertencem a nenhum dos typos con-
sagrados da formobura e celebr;;dos pela arte ; não se podem com-
DE LISBOA Á HADEIBA 43
parar ás creaçSes de Rubens, nem despertam conirontos com as ma-
donas de Raphael ; nSo se assemelham nada ás t )plielias de Sliaks-
peare, e quando muito, fazem lembrar as musculosas Iiesfianhulas do
sul; esplendidas encamaçõca num grande i;Hfor^o atormentado do tom
e de vida, mulheres de cabellos negros, oUmr quente e iruina plástica
exuberante, a quem dá relevo e uma graça encantadora a alegria
saudável d'uma sinceridade -franca.
Deslumbram ao physiologista como moldes do maternidade, ao
poeta como typo de inspiração c ao liomem do inundo como entidades
úteis, de uma energia digna de pcrpotiiar-so.
Os costimies inglezes tcem impnmido na Madeira o muito que ollcs
tcom de monótono, n'gulamentado o excêntrico, mas teem exert^ído a
mais salutar influencia na educação da mulher e na organisaçilo da
familia.
A'h senhoras madeirenses falta ttilvez um pouco do luxo, dos
ademanea, das pinturas e dos mil postiços das civilisaç<lcs apuradas;
faltam decerto os requebros, as poses o o tic romântico d' um sentimen-
talismo estudado, mas sobeja-llies natunilidailo e d;l-Ih<'s um valor
imponente a cducaçíto esmeradamente pratica e iitil cpie i»ossuem.
Sabem fallar as línguas, sabem dedilhar ao piano como <pmlquer
das nossas burguezas da bitixa; mas aprenderam a fazer flores d'uma
perfeição írreprehensivcl, fabricam rendas d'(una architectura des-
lumbrante, sabem governar uma cíisa como a melhor men/tjfire, sabem
tratar de doentes como uma irm^ da curiduile, níío sctífrcni dos nervos,
nem so rtiborísam ridiculamente à banalidade barata ilc quiUqucr idiota
de pastinhas.
A familia parece ter alli o prestigio d'uma instituição saprada; é
um objecto do respeito o do (Minsidcraçilio para toda a gente. Si>tl'rcn-
do as influencias do meio, como que reci'be nas suas tradições do
amor a lição moralisadora da trágica lenda <lo Macliieo.
Conta-se que Anna d'Arfet, mulher nobre e riquíssima se apai-
xonara por um cerlo Roberto Machim, joven ingUiz pobre e plebeu,
que para evitar o ódio da familia fugiu com ella da Inglaterra em lít44,
tentando procurar em França a legalisaç'ão dos seus votos pelo casa-
mento. Ventos e correntes contrarias os levariam ao porto hoje d'eBte
nome (Machíeo), onde deseniban-aram to<los, !■ <mde nioi-reram ambos,
accrescenta a lenda, Anna Arfet de dAr por riílo encontrar um padre
que lhe abençoasse o amor, elle poucos ilias depois de remorsos, como
inconsolável amante.
44 DE LTSBOÀ k MADEIRA
Ambos ahi foram pois enterrados no mesmo tumulo * pelos com-
panheiros que ficaram, e ahi dormem ainda hojV, juntos, no eterno
conchego d' uma dedicação sem mácula, ligad(»8 na morte pela fideli-
dade que 08 havia ligado na vida, envoltos nos nimbus das virtudes
ideaes... lembrando-sc talvez com tristeza, das delicias com que so-
nharam vivendo.
Assim, oh paos de familia, não vos eanceis em repetir muitas ve-
zes ás vossas filhas a triste legenda do Machico, e lembrai-vos sempre
da bailada:
Os mortos esquecem depressa.
* Affirmnm-nos existir em Machico uma lapide commemorativá doesse
lacto.
DE LISBOA i HADEIRA
DADOS estatísticos SOBRE A UADEIEA
Média dis lemperalnrag annnaes
.^
Média dl temperatura annual
1874
18%a2c
1875
18 ,«7
1876
18,61
1877
18,96
1878
10,46
187»
18,7
1880
18,38
1881
18,3»
1882
18,08
1883
18,17
1884
IH .lii
lèdia dag lenperalnras mensaes (obtidas no poslo melKoroltgJco da Funchal)
Janeiro--.
Fevereiro.
Mar^'0 - . .
Abril
Maio
Junbo . - . .
.lulho I 'i\\m
A(,'Oslo I 22 ,«
Scloiuhra I 22,»3
Outulii-o i a» ,3»
Novomhro 1 18 ,(K)
Dezembro | 17 ,42
46
DE LISBOA A MADEIBA
Média das temperaturas maiíma e minlma em eada anno
Annos d'observações
Máxima
Mínima
Differença
1874
24,45
12,06
12,39
1875
25,51
12,15
13,36
1876
25,99
11,95
14,04
1877
25,89
12,38
13,51
1878
26,16
13,12
13,04
1879
24,91
11,65
13,26
1880
25,67
12,72
12,95
1881
24,74
11,79
12,96
1882
24,39
12,02
12,37
1883
24,45
11,17
13,28
1884
24,79
12,13
12,66
Observações sobre o Ozone feitas no Fnncbal por meio do osonometro
de Jame (de Sedan)
Annos
Janeiro
Fever.
4.9
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
Set.
Out.
4.6
Nov.
Dez.
1874
5.1
4.6
4.6
4.8
4.6
4.1
4.2
4.2
5.2
5.2
1875
5.2
5.2
5.0
4.9
4.5
4.5
4.2
4.0
4.4
4.2
4.3
5.1
1876
5.4
5.3
5.1
4.8
5.1
4.9
4.3
4.2
4.3
5.5
6.4
6.7
1877
5.4
5.2
5.3
5.2
4.5
4.4
3.9
4.1
4.5
4.5
4.3
4.8
1878
4.7
4.9
4.6
5.2
4.5
3.9
4.1
3.8
4.(r
4.4
5.2
6.1
1879
4.9
4.0
4.6
4.6
4.5
4.4
3.6
3.6
3.7
4.4
6.0
5.9
1880
5.6
5.24
4.82
4.72
5.27
4.30
4.18
4.19
4.03
4.93
4.57
4.79
1881
5.0
4.80
6.31
6.33
4.84
4.1
4.05
3.84
4.27
4.32
4.89
4.92
1882
5.9
6.5
4.98
4.87
5.6
4.76
4.08
4.14
4.26
4.5
4.77
5.1
1883
5.2
4.79
5.71
7.51
6.7
3.7
4.09
4.13
4.29
4.9
4.69
6.7
1884
6.3
5.21
5.13
6.21
4.79
5.2
4.21
3.9
4.79
4.11
5.71
5.99
DE LISBOA Á IfADEIKA
47
Resultado da 1.095 obaanraçõea em cada anno sobre o estado
atmospherico do Funchal
AniMM
Serenidade
■tiDospherica
Poucis nuvens
Cco coberto
Chuva durante as observações
1874
375
449
178
93
1875
380
420
205
ÍK)
187G
392 .
391
183
12Í»
1877
385
39Í)
206
105
1878
397
405
188
105
1879
322
483
182
108
1880
360
427
197
111
1881
392
400
194
lOÍ)
1882
335
477
208
75
1883
359
497
10;^
130
1884
367
489
193
100
Tabeliã do numero de dias de chuva durante o anno e a sua quantidade
expressa em millimetros
Annos Dias de chuva Chuva cm millimetros (totah
i
1874 73
518.3
1875 V^\
450.4
187G ÍM) 1029.0
1877
72
m)A)
1878 72
803.2
1879 lai
923.7
1880 94
417.1
1881
89
í;05.9
1882
41
384.1
1883
69
461.7
1884
77
421.9
48
DE LISBOA i MADEIBA
Direcção média dos Tentos no Fnnchal durante o anno
Norte
Nordeste
Noroeste
Leste
Oeste
Oessudoeste
Sudoeste
Sueste
Vento calmo
16
23
46
21
68
140
471
36
274
Temperaturas médias de diversas cidades segando os meies
Cidades
janeiro
Fevcr.
Março
17»9
Abril
Maio
Junho
20°4
Julho
Ago&to
Set.
Out.
21«7
Nov.
Dez.
Funchal •
1709
1703
18«0
18"2
22'>9
23"05
23«9
18«13
17°7
Argel
15.10
15.0
15.58
17.61
20.97
23.96
26.89
27.71
26.3
23.25
19.11
16.01
St.' Cruz
de Te-
nerife. •
17.68
17.93
18.98
19.62
22.98
23.27
25.12
24.93
25.23
23.7
21.39
19.12
Pau
5.1
6.3
9.33
11.0
16.3
20.1
-0.3
23.0
20.2
14.7
8.3
6.0
Nice
6.92
8.63
10.36
12.68
16.79
20.31
23.6
23.28
15.69
16.21
12.1
8.31
Nápoles.
7.91
8.66
10.63
14.82
18.29
21.5:í
24.9
24.58
20.85
16.62
11.72
9.51
Roma . .
7.23
8.52
10.93
14.33
18.47
21.72 24.3
24.22
21.12
18.22
11.97
8.77
Palermo.
10.8
10.73
12.22
14.63
18.11
21.70 24.28
1
24.63
22.57
19.35
15.07
12.62
Cairo
14.5
13.4
18.8
25.5
25.7
28.13
29.9
29.9
26.2
22.4
16.97
16.3
CABO VERDE
Escrever sobre a terra onde nascemos tem alguma cousa de impo-
sitivo e grave, que nos impelle a compulsar o passado inteiro, a relem-
brar com tristeza aquelles que partiram, a invocar com saudade os
amigos que nos restam, a recompor a vida com todos os seus deta-
lhes, a antever a morte com todos os seus mysterios, como que a en-
carar a existência na emmolduraçSo do próprio destino — quadro so-
lemne de uma perspectiva iumiensa, ondi; se alliani á visSlo plácida das
cousas as scintillações irisadas dos sentimentos d'outr'ora, que relem-
brando os divinos haustos da vida, impellem aos sonlios das illusoes
consoladoras.
Escrever sobre a terra onde nascemos, é lembrar-nos da nossa
infância, é rever pela imaginação os sitios onde brincámos, a arvore
amiga que nos estendeu seus braços, a ama carinhosa que nos prote-
geu os sonhos, os irmSos, os companheiros das luctas, o olhar compas-
sivo e bom do nosso pae, a sollicitude serena e meiga do nossa mfte,
o nosso lar, a nossa gente, a nossa familia emfím.
E compulsar o passado, é folhear pagina a pagina um livro de
doutrinas santas, que nos consola e nos compunge. E' sentir reviver
o lucto das tristezas intimas; é remecher com as próprias mSos nas
minas das próprias illusões, é comparar sonhos que a imaginação creou,
com a realidade que nos deixou o tempo. E' galvanisar a alma ao so-
pro de recordações saudosas: é dar-lhe uma vida apparente e ephe-
mera como aquella que se dá a um morto pela acçSo de uma cor-
rente eléctrica. E' querer sonhar. . . e sofi&er; é dilatar o coração á
custa das torturas de uma cicatriz que nSo cede; é lembrar-nos do
nosso primeiro amor, do altruísmo dos sentimentos d'outr'ora, da leal-
dade das nossas intençSeSi da fé e da crença que depúnhamos nos ou-
7
CABO VKBItE
tros. E' apalpar L-om espanto esse vazio enorme que tSo excavanâo na
vida as decepções cruéis ; é sentir soluçar a alma como orphS na sua
desolação profunda, é querer rir e thorar. . . é querer o despresn e
amar sempre. . . í- querer olvidar e Bofl'rer mais.
Finalmente, r^-eordar o passado é sentir que jíe envelhece, é eom-
prehender que já se andou mais do quo so tem para andar; 6 perce-
ber, já tarde, que a alta montanha qne se galgou eorrendo, é esca-
brosa e é rude e tem por base o abysmo.
Recordar o passado, é uin prazer amar^rado . . . niiis talvei! o
unieu prazer consolador.
Escrever sobre a terra onde naaeeraos tem o que quer que seja
de comracvedor e grato, que faz lembrar a mugia de um sorriso meigo
G a expresB&o ridente de um olhar amigo.
Pois é n'esBa disposição moral que escrevo; é recebendo a impres-
são triste da paizagem qne se alarga defronte, uma oudulaçSo monó-
tona de terriífi estéreis, onde apenas se destaca alguma arvure euima-
grecida, respirando o ar abafado em que parece errar u exhiiIa^'ão
quente das campinas próximas, e observando a poucos passos uma
creança indígena, scismadora e abstracta no abandono da smi nudez
primitiva, que, ínstallados á sombra de um tamarindo gigante, dispo-
mos e c-ourdenamos os nossos apontamentos, assentamos o nosso ar-
raial, e depois de vacillar muito, sem plano detinido, e sem saber por
onde, damos ^-omeço a este trabalho, ha tanto deliberado na nossa
phantasia de filba.
For toda a porte o sllenão e o abandono se estendem como massa
inerte de presagios tristes, e nem o sol ardente do meio dia, nem a
laz vivissima dos trópicos, conseguem apagar de todo a desolaçko e
lucjo d'essa apparencia typica dos terrenos vulcânicos.
Temos ante ns olhos a Africa com t<ida a sua reali<lade; sofiran-
do nc cérebro u onesthesia do seu viver, seutíudu n'j physico a soumu-
lencia mórbida da sua influencia thermica.
Estamos em Cabo Verde. Estamos na ilha mais pobre e nu mais
infeliz de toilas as do arehipelago ; mas uaquellu que guarda tradi-
ifSes mais eloquentes, n'aquella que patenteia maiores vestígios de ci<
vilisaçSu, naquella que mais alto falia au nosso curaç&o de tilbo,
n'aquclla que mais piedosamente inspira os nossos sentimentos de
artista.
A ilha do Sal é um tracto ile terra i'merso do uceanu; c
um navio desorvoradu, vogando á lona d'agua e á luercê da
o que
CABO VERDE 51
De longe apparenta um enorme crystal na reverberação luminosa
de um esplendor sobcrbt). De dentro exhibo nos estreitei? limites das
suas 70 milhas quadradas, a cratera enorme da «Pedra de Lume», com
todo o pittorosco grandioso dos sons contornos, as salinas do a Porto»
com toda a originalidade dos seus delineamentos, as enseadas eapri-
ch<»sas que rendilham as suas costas, os moinhos febris que animam o
seu panorama ... as grandes dunas do sal e as immensas dunas d'arcia,
luzentes ao sol, na apotheose irisada de um resplendor deslumbrante !
E* plana, estéril, tendo por culmina^'ao o monte Martins, erguido
a 400 metros sobre o mar; nâo tem agua potável, nâo tem combusti-
vel, não tem producyôes agrícolas, nâo tem bibliothecas, nâo tem pha-
róes, não tem estradiís, mas tem caminhos de ferro como não ha em
toda a pn)vincia, tem pontes engenhosas e corajosamente construídas,
tem meios de viação com»» os mais aperfeiçoados da Europa, tem sal
e muito sal, exhibe os vestigios de uma actividade commercial que se
apagou, patenteia em ruinas mil indicios de uma civilisação adiantada
que se extinguiu e guarda como um d(^«ípojo sagrado do que se enu-
mera de mais patriótico, mais enipreh<mdedor e mais altruistico nos
annaes do archipelago inteiro, o tumulo onde repousam os restos mor-
taes de Manoel António Martins, um dos vultos mais imponentes da
historia da c<»lonisaçao Cabo Verdeana, cujos relevantes 8(»rviços são
attestados pelos melhoramentos materiaes profusamente dispersos por
todas as ilhas e cuja prestigiosa influencia encontra justiça, não só em
todos os que teem escripto sobre Cabo Verde, mas nas narrativas v.
nas tradições populares, omb? o seu nome, ainda hoje, perpassa com
a sonancia lendária das admirações profundas, que só sabem e pixlem
tecer o respeito e a veneração dos povos.
Escrevendo pois sobre Cabo Verde; passand(» em n»vistii a sua
historia, folheando os seus documentos e dc^parando a cada passo com
esse nouK', aliás tão grato aos nossos sentim(mt<>s de familia, vêmo-
nos lisongeiramente obrigados a evidenciai-») mais uma vez pela pu-
blicidade, prest-uido assim homenagem reverente á memoria do pae
do nosso pae e o humilde preito da nossa admiração a um caracter
digno e levantado do nosso paiz.
Obedecemos apenas aos dictamcs d 'um dever sagrado, satisfa-
zendo uma verdadeira imposição da consciência.
Ha homens que te(im um legitimo direito ao culto das homena-
gens publicas, por isso que pertencem á legião privilegiada dos bem-
feitores da humanidade.
o consellieiro Manoel António Martins era uin d'eBt«s homens.
Por isso, apesar dos laços de parentc^stro que nos ligam á sua glo-
I riosa memoria, nSo nos podemos esquivar a elle nos referirmos, tanto
is que nilo vamos ventilar a apreciação de indiffcrentea a de ps-
tmnhos, o que ha talvoz de maia caraeteriatieamentf notável no seu
levantado caracter do homem — a magnanimidade da sua vida privada.
Tanto mais que pomos de parte tudo que nin esteja doeumcntadf> e
\ anteriormente dito, apontando da sua vida (>ublica unicamente aquillo
que nSo è dado oontestar-so, e guardando para nós, eomo herança
, prestimavel, o muito que elIe praticou nas sombras da sua caridade
piedosa e o muito que elle sofFreu pela ingratidão dos homens.
Intelligente, activíssimo e dotado de todas as qualidades imposi-
tivas o attrahentes do commando, tornou-se desde a sua chegada á
provincia, credor d'uma sympathia tSo geral e tSo confiante, que
desde logo se tomava o idolo das aspirações populares, servindo a au-
ctoridade do aeu nome de garantia segura á ordem, protegendo o di-
reito e a emancipação dos fracos, promovendo o desenvolvimento do
commenúd e da agricultura «m todas as illias, povoando a ilha do Sal ',
prestando os maiores benefieios na celebre e nunca esquecida fome de
iy33', e realisando atravez de todas as difhculdades da epocha e to-
das as relutancias da politica d'entILo, tralialhos gigantescos de appli-
caç9cB i<ciontÍlicas, como construcçSes de túneis ^ e assentamento de
caminhos do ferro ', facto esse que nunca havia sido ainda executado
em território algum portuguez.
E tudo feito sem privilégios, sem subsídios, por conta própria,
sem protecçfio alguma do governo !
Foi elle quem construiu o cães e fortaleza ' da Boa Vistn cora que
mais tarde os b'^us descendentes presentearam o estado 'j foi elle quem
' l'iijr. 51 — Lopes de Liinn— Ensaios sobre a eslaLÍBlica das poaseasões
portuguejine.
' Provam os dncuineiilo- oHiciaON, a escriplurfi[;ão coniraercial da casa
Miidins e lis URiítdmes nfltrmnljvns Ac Iodou os contemporâneos ()ue elle kt
iiiiporlio' ■:'iri'(!K'"iiontos de eerorti?.-' rjue Ibrnm distribuídos gi-atuitmiíerile aos
povos do IoiIhr 'IS illins.
' \'ag. Í7. — Lopes de Litno — loc. cit.
' l'nff. 1(12. —Travassos Valdez. — Noticias o considerações solu-e a
Africa occídenLnl-
'' Paff. P»>. — Lopes de Lima — loc. oÍl.
' Rolrlirn omcisl de Cabo Verde, ii." I&de 186.
CABO VEBDE 63
construiu A ena custa a canaliBaçSo e os depoBitos para ae oguaB do
Monteagarro, que aervem a abastecer a cidade da Praia, á sua custa,
por nSo ter o governo meios com que o tizesBC, como o affirmam Lopes
de Lima, Travassos Valdez u documentos múltiplos.
A elle se deve o impulso da cultura do café cm Santo AntSo,
hoje tSio florescente e producttva; a enorme importância que attín-
gia outr'ora o commercio da nrzella; o incrcnicnto extraordinário a
que chegou o commercio da Boa Vista e do Sai '; a ello se deve o
importantíssimo projecto * da canalisaçSo das aguas da Brava, a elle
se devem finalmente actos d<3 tão levantada philantropiae utilidade, que
mereceu, n'um tempo em que as distincçiíes nacionaes ainda nSo ha-
viam baixado ao aviltamento a que chegaram no nosso paiz, o sor
nomeado governador geral de Caho-Verde, ii titulo de eonselho e o
grau de cavalleiro de Chrisio; do povo, a honra de ser escolhido como
deputado para as constituintes de lli^lSO; da naçSo ingleza, como pre-
mio de serviços humanitários, um objecto de grande valor real e ar-
tístico, onde se lêem em tennos lacónicos do positivismo britannícoaa
expressões mais honrosas com que se pôde louvar uma acgão.
Pois esse homem i{ue tanto enalteceu essa terra, que tanbi bene-
ticion o seu povo, que tSo relevantes serviços prestou á eívilisaçKo, te-
ve que luctar sempre com mil obstáculos e trabalhos, arrastando uma
existência largamente amargurada por desgostos e. desíliusSes pro-
fundas.
Liberal, teve que reagir com o despotismo dos que governavam
a Africa como terra de escravos ; teve que se impor ás rotinas pelo
êxito deslumbrante de innovaçSes realisadas, teve que luctar fronto a
frente com os prejuízos e os ridículos da epoeha, teve quo bater-se con-
tra as [trcpotenciaa a que as ideias do tempo davam focos de privilé-
gios legitimes.
Europeu, teve que se coUoc^r ao lado dos insulares, seguindo os
exemplos de Cliristo, que so collocnu sempre ao lado dos qne soOVÍam.
Millionariír, nunca se utilísou das grandes regalias da sua fortuna,
senfto para saciar os caprichos da sua generosidade sem limites <■ de-
fender as prerogativas da justiça, que elle amava acima de tudo.
' Lopes de Um» e Travassos Vâlden— loe, cil.
I Carla ilirigidn a J. de Senns em^ ■ ■
Governadores e governação
Nada ha mais digno de estudo, mais curioso pelo ridiculo e mais
improducente como resultados, do que essa actividade desordenada e
sem planos, do que essa multidão de medidas em projecto, do que
essas aiiirmaçòes de reformas que nunca se realisam, devidas á exci-
tação climatológica sobre os novos governadores que chegam.
Esses governadores forçosamente militares, e militares da metró-
pole, indivíduos que na generalidade nfto conhecem o Ultramar, nem
mesmo pensaram em governar coisa alguma, todos entregues ao bri-
lhantismo das suas glorias de dandys e aos piailés dos seus corcéis
esbeltos. Que nunca se preoccuparam com a Africa, que nunca provaram
por factos, por manifestações de estudo ou por revelações de talento,
ter a menor competência para dirigir ou orientar coisa alguma; sua^
ex.", cujo nome geralmente ninguém conhece, nem nas altas regií^es
onde brilham as constellações do mérito, nem sequer nos curtos hori-
sontes onde emergem populações a cujos destinos vem presidir ; suas
ex.^*, aliaz pessoas muito pacificas, muito obsequiosas e cheias de qua-
lidades apreciáveis, sempre escoltados de pers(malidades graves de
uma significação nulla, que entram e sahem, na maioria, sem terem
contribuido para um único melhoramento de vulto ou para uma única
reforma de foUgo^ a quem ninguém pede contas e que não as dão de
facto a ningtiem, teem comtudo, mesmo nas provincias pobres como a
de Cabo- Verde, mesmo nas localidades sadias e por tantos modos be-
neficiadas hoje pelos melhoramentos da civilisação, como Cabo- Verde,
proventos, regalias e privilégios, que contrastam e destoam não só
com o que aufere o demais funccionalismo, mas que em muitos casos,
chegam mesmo a apparentar um verdadeiro e legitimo motivo de re-
yolta.
8
58 CABO VEEDE
Os governadores de Cabo- Verde, desde que sâo nomeados, teem
a promoção de posto, ficam tendo o ordenado de 4:0(X);^00() réis a que
se somma 0O<.)j5>0(X) réis para despczas de ostentação (de que nâo pres-
tam C(mtas), teem um palácio na Praia e outro em S. Vicente, mobi-
lados e e(piipados, onde cada um a seu talante faz e desfaz as modifi-
cações que entende e onde se tem gasto nos últimos annos quantias
valiosas e algumas mesmo a descoberto das prescripções legaes. —
Teem uma canhomMra cpiasi exclusivamente empregada como yacht de
recreio para os seus })asseios e para o transporte dos seus amigos pre-
dilectos, tendo finalmente as ])assagens pagas para Lisboa e a facul-
dade largamente utilisada de se esquivarem todos os annos ás vicissitu-
des dos calores e dos miasmas da capital, e isto, com a gratificação de
mais 4;J5(XJ réis diários, sempre que essas ausências nâo excedam a
noventa dias annuaes !
A provincia de Cabo-Verde, bem feitas as contas, nào dispende
menos com os seus governadores de dez a onze contos de réis, verba
approximadamente egual á que ella dispende com a sua instrucçâo
publica !!
E sobre a emigração dos governad >ros na epocha pluvial, preci-
samos a(!crescentar como sombra própria do quadro, e que dá um
relevo extranlio, a falta de eíjuidade que acompanha este facto »
nVsta mesma província onde suas ex.** sâo gratificados por se es-
quivarem ás influencias do empaludismo, se qualquer outro servi-
dor do Estado, sega qual for a sua gerarchia, a sua classe, ou a sua
graduaçílo, por motivo de doença, attestada pelas corporações com-
petentes e reconhecida pelo próprio governador, tiver que fazer o
mesmo que i)raticou o chefe da provincia, e isto como recurso único
de se restabelecer; a esse desgniçado, seja elle um amanuense sem
recursos, seja um pobre official moribundo, a esses, a quem o Es-
t^ido não faculta nem casa nem hospitaes nas ilhas salubres, cerceia a
lei a gratificação ou os emolumentos, castigando-os nos seus interes-
ses, como se fosse para uns um crime, o adoecer no seu posto ser-
vindo, e uma virtude para os srs. gov(»rnadores o pn)curarem as re-
galias da sua ^aude, emignuido I
(,\mhecemos poucas das nossas provincias ultramarinas ; mas do
(pie temos lido e do pouco que conhecemos, julgamo-nos sobejamente
auctorisados a considerar como um dos motivos mais poderosos da
nossa desorganisaçSo e atropliiamento colonial, os governos militares
e esse facto monstruoso e inacreditável de vermos sempre a contas
GOVERNADORES E GOVERNÀÇlO 59
com a direcção superior das colónias, ministros, deputados e g(íver-
nadores, que nem sequer as conhecem.
A incúria nacional, o habito de considerar as colónias como um
brazfto histórico, e as apregoadas riquezas d'além-uiar como titulos
de vaidades e improductivas ostcntaçòí^s, íizeram-nos esperdiçar du-
rante longo período de paz <* d(^ incontestados íastigios, um precioso
tempo que nâo se recuperará jamais, arrastando-nos á inuninencia em
que nos achamos hoje, de as perder talvez totalmente e de softrer uma
crisíí financeira do mais terrível prognostico nas desesperadas convul-
çôes da reacção com que iigora tentamos luctar, já tarde, e quem
sabe se inutilmente.
Hoje, pois, que nâo ha tempo para demoras e que se toma pre-
ciso proceder e deliberar acertadamente e sem hesitações; hoje mais
do que nunca, se torua urgtmtt» um esforço unanime e patriótico, es-
cudado em sérios estudos e procedido das mais enérgicas reformas ;
hoje mais do que nunca, compenetrando-nos bem dos nossos recursos,
da força de que dispomos, da significação ethnica do preto e do espi-
rito utilitário da nossa civil isação, hoje mais do quí^ nunca se torna
indicado e urgente o dar uma organisaçâo civil aos governos do ul-
tramar, facilitando assim a gerência d'esses territórios, que deve cons-
tituir d'ora avante um premio ao patriotismo, e ao mérito provado, á
maioria dos portuguezes até hoje excluidos d'essa possibilidade por
condemnaveis motivos de privilegi<^s de classe.
Tanto mais, que a experiência já está feita entre nós e constituo
um eloquente e comprovativo argumento das vantagens dV^ssa forma
de governos.
A administração do sr. Sarmento e do sr. Vicente Pinheiro (l^in-
della) em S. Thomé, faliam mais alto de que todas as objecções fabri-
cadas pela rotina e pela parcialidade.
O livro que o sr. Pindella publicou sobre essa provincia, além do
seu valor litterario, revela um estudo e luna competência que não co-
nhecemos em nenhum trabalho dos illustres generaes que te(*m com-
mandado e presidido aos destinos das demais provincias.
Quanto á objecção da disciplina e da coragem, toda a gente hoje
sabe, que não é a farda que dá energia ao homem e que não é com
a espada que se aplainam os costumes dos povos.
As administrações militares não satisfazem ao ideal utilitário e
pratico para que tendem as aspirações coloniaes, falseando profunda
e radicalmente o espirito fundamental da nossa influencia colonisado-
60 CABO VBRDE
ra, que tem que se basear nos processos de persuasão e de ordem e
nunca nas irritabilidades do heroismo militar, que tâo fataes nos tem
sido, e muito menos nos argumentos da força . . . que não temos.
Até nos interesses dos próprios chefes se encontra, dil-o o dr.
Bentes Gastei lo Branco, c com rasSo, uma differença fundamental para
a prosperidade da colónia, entre os governos militares e as admmistra-
çocs civis: «quando rebenta uma revolta (em regra provocada pelos
abusos dos dominantes) onde o segundo encontra o descrédito da sua
administração e a rui?ia do seu futuro, o chefe militar pelo contrario
acha o meio de se engrandecer c de conquistar o titulo de heroe.
«Nos pontos insalubres, o governo civil mantem-se á custa dos
interesses do próprio indigena, o militai' á custa de despezas impro-
ductivas e de numerosas victimas que pelo menos o clima vae cei-
fando.
«Finalmente, um pequeno estudo sobre a forma da colonisaçfto
das differentes nações basta para evidenciar que em toda a parte o
regimen civil se tem mostrado incomparavelmente superior ao mili-
tar, se não tomarmos em consideração mais do que a prosperidade
da própria colónia.»
Aos governantes, pois, que teem por obrigação estudar este as-
sumpto, compete encetar uma gloriosíssima campanha transformando os
commandos militares em governos civis — as ordens disciplinares em
simples estimules orientados pela opinião e pelas verdadeiras necessi-
dades publicas — os grilhões em liberdade — os castigos em protecção
— os exércitos expedicionários em phalanges de negociantes, missio-
nários, médicos, agricultores, engenheiros e industriaes.
Estamos certos de que esta transformação é applicavel a todo o
ultramar, i)orque na própria Guiné, onde os hábitos guerreiros das tri-
bus e a influencia secular do militarismo teem criado raizes difficeis de
destruir; na própria Guiné, bastaria coexistir um commando militar
obediente e disciplinado para que o governo civil alli produzisse os
mais beiíctícoá e os mais económicos resultados.
Com rcla<;rio a Cabo Verde nada ha de mais necessário, de mais
realisavd c d(i mais i ml içado hoje.
(.) militarismo, mesmo este que i)or ahi temos, fazendo sempre
lembrar a ;j:raciosa ironia das companhias de seguro de vida em In-
glaterra com relação aos voluntários inglezes, mesmo este, destoa por
tal fúruia no seu ar marcial e correcto, com a expressão bandoleira
da sociedade que o cerca (i da humildade ingénua do povo que o ad-
aoyKBNADOBEB E GOVERNAÇÃO 61
mira, que ao vermos os governadores abotoados nos seus dolmans de ge-
neraes; cercados de médicos accentuadainente burguezes arvorados em
capitães de guerra e tendo por séquito um estado-maior resumido, de
tenentes-coroneis e coronéis fabricados pacificamente pelo tempo, sem
terem outro tirocinio nem outra educaçSo militar do que aquella que
pôde dar a convivência clinica com populações miseráveis e os exer-
cicios pedestres das construcçSes a mac-adani ; s 'utimos esta impressão
indefínivel d'onde resulta o riso e como que a necessidade de pergun-
tar a toda a gente qual é a vantagem doeste apparato burlesco, des-
empenhado aliás impertigadamente por pessoas sérias.
Nâo se pode imaginar nada de mais curioso o de mais inútil,
na generalidade, do que as visitas officiaes com que os governadores
costumam honrar o seu povo, quasi sempre nas proximidades das elei-
ç3es.
E' um quadro de sensaç&o, vestido do paramentos exclusivos, il-
luminado pela luz mais viva do charlatanismo burocrático e povoado
de episódios burlescos tâo extraordinários e tào originaes, (jue ora dis-
pertam a reminiscência do popular enterro do bacalhau, ora nos faz(»m
lembrar com desgosto a decantada corto dos milagres, tão nitidamente
desenhada por Victor Hugo na Notre Dame.
Suas Excellencias revestem-se de uma importância verdadeiramen-
te OfFenbachica; preparam uma expí^diçSo em regra fazendo- se acom-
panhar dos fantoches mais influentes na publica administração, trans-
portando no seu séquito não só os ajudantes, essas entidades indispen-
sáveis á sua pose^ mas algims amigos mesmo, d^esses que pela fama
nos expedientes eleitoraes, se tornam recommendados como instrumen-
tos indispensáveis, para as diíFerentes hy|>otheses que as circumstan-
cias do momento podem suggcrir.
D*antes era costume também, addicionar a esse grupo d(í leões,
alguma ou muitas personagens da egreja, com o intuito de certo de
abençoar desde logo as conquistas da diplomacia politica sobre a di-
gnidade das consciências e as prerogativas da vontade. Esse elemento
porém, hoje, faz-se rarear n^essas como em todas as apparatosas mani-
— > - >'.._-. " _ ..».t***"
'■--".^ ::z:i '.-r.'-r.:\i t-^-?-~t1 za 'hDmatica da
- . :- -■ ■ • - :- . -^ii;! Lt<i .-ij-i- rj.-?LÍL'ir:.i5 na fv«i-
— ". ■ ■ . «'i ;. 7"- j "".ir-*- .
.'-.—- .. .--- :- \4n':-r-k5 - «i-í marinhagem
■:i: :.7.'l a»» <*yl ■•?? >t'us capa-
--■;.- T-i-i» 5. '•!? íol<L;'I'»s arras-
.1- : i'-:aiiraíia onlein tortura
. iwL- - ": .:iit::r'nas, lá vâo aos
. - '♦irr«'> amjifantoft do
■::^-i ■ r " ■•': :? os p-Tos, press-
.v..'--i ^í*' r»n'ebidos ga-
V. .... :;.■:■• '"nTiiTi-^a •• dÍo
■ . . "..í:- :"..:.k:>-:u. ÍJi»taui» nte
. . . .'.- .ii:- i "íjopiia da.s
• M.. ^ !»i i.iiijía» «j — '1 iiirrasi, siiii-
M u:;i'r;«»s m|H-n:ntntes.
> ^j.» ». ■•,i»íi^'''k ^ uaiji 'orfjtís íi>rmu-
x.\K 11 • iit ii» iiK»ruics4 quo g»i*-
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... -.'. . ..*»>>, ,-«' \ ^« III i.i riuiis tt.'liz
i i.:.v .,'1*' . íilli '• j«C>*oal do r?OU
. . .» \i^.' >, ^L'i?i ^L- jin iicctipar»'m
.1,. :i.^ .t in.«i'da 'AMidi-ncu aiiK'-
.. >. i.:. >*f i .4 vaiivr. coiuii lima
-. .^. c* i..^ •*'i" 'iid« o>tã ostipuliido
>. i..' .LivíL 'aiÍ4-ar do» vultos mais
......:;ux '•r»\\iii:v:ui ct»ntra tudo que
»^^ . . .,.*. > A' M «i ve>i!iario domingueirt),
V , w . ■• • ''i''. ■ .irmando-se oom o ar im-
U.., v-s* -^v *" ••» ^vi'»i:i-in .1 "iruial, arremottem-se
GOVERNADORES E QOVERNAçXo 03
ao governador a quem abraçam, collocando-se impertigadamento ao
seu lado direito, como um menino Deus á mâo direita de Deus Padre.
Os camaristas, iudiguadí>s cnn as botiis qut* os atornu^ntam, iii-
vergam suando suas primorosas calças cor d*al(*crim e seus casacos a
grandes gollas directório; as senhoras assomam ás janellas ; o povo
aggloraera-se pelas ruas, e sua ex.* passa, seguido pelo grande sé-
quito, brilhante e esbelto nos seus bordiídos e nos seus frizos de ou-
ro, .. . como um lindo papagaio chinez, arrastando ante a admiração
publica a sua immensa cauda de papelotes amarrotados.
Em cada Ilha visita-se a Egreja, a camará municipal, a admi-
nistração de concíílho e. as habitaç(5es dos grandes influentes. O encar-
regado das obras publicas chama a attençâo sobre tudo que pôde li-
songoar a sua gerência; o medico toma um ar douetoral de quem
pensa em problemas de origem ; o administrador preoccupa-se em por
bem em relevo a sua grande importância local ; a camará lamenta-se
em phrases commoventes da sua falta d(í recursos; o mestre eschola
esfomeado pede augmento de salário; os negociantes queixam-se da
alfandega, os agricultores ped(»m suppressâo de impostos - todos que-
rem subsidies para melhoramentos — todos imploram protecção para
algum afilhado. . . promette-se tudo, fazem-se divagaç(5es rethoricas so-
bre a maneira de remediar tantos males, e depois de ter em vários
jantares d(^ g^la, aflirmado (i apiTtado bem os laços de sympathia en-
tre o Senhor Governador, que tudo pode, e os sectários que tudo es-
peram, distribuem-se abraços em profusão, dão-se sfutke-hands entemíí-
cedores, e sua ex.*, tendo adquirido a solida convicção de que será
eleito o deputado do governo, regressa ufano para seus palácios a re-
ver-se nas suas glorias, sem st? lembrar mais do servilismo manhoso
de que foi alvo, rindo-se da ingénua credulidade de alguns papalvos
e do conjuncto cómico d%»ssas recepções camaviUescas, mas sem co-
nhecer da provincia e das localidades que visitou senão aquiUo que
ha de mais ridiculo, de mais vulgar e menos conveniente talvez que
elle conhecessí'.
E assim, ignorando completamente as verdadeiras necessidades e
o valor real dos elementos e da importância de cada ilha, sua ex.*
passa o pruneiro anno a orientar-se no caminho a seguir; o segimdo a
recriminar o ministério da marínha ií os deputados que não u auxi-
liam e o terceiro finalmente a preparar as malas para a sua retirada
triumphal que se eflectua com a grande pompa das commemoraçiHes
saudosas, ao som rouquenho d'iuua artilheria envelhecida, tendo por
64 CABO VERDE
docel o ceo aziíl dos trópicos e por séquito na despedida, esses inte-
gerrimos empregados, esses amigos leaes, companheiros e testemunhas
das suas glorias, os quaes lhe acenam com os chapéus até á ultima
hora, abanando assim. • . os braços, como é costume, aos governado-
res que partem.
Fazenda, estiagens e obras publicas
Na provinoia de Cabo-Verde, c<jmo em todas as demaÍB proTÍncias
ultramarina», a questão de fazenda representa um papel predomi-
mtnte no seu desenvolvimento, por isao que o vil metal é, c será sem-
pre, a alavanca poderosa e indispensável ao progresso e aos melhora-
nientoa materiaes d'onde resulta indÍBCUtívelmente, a mór parte das
condições necessárias á felicidade doa povos.
A reforma fazendaria promovida e executada tSo habilmente pelo
sr. Marianno de Carvalho, esse notável vulto da politica portugueza
contemporânea, aggravou em muito os dispêndios d'e8sa secçfto de
serviço, é verdade, mas pôde e dove ainda assim contribuir sensivel-
mente para a sua regularísaçSo e para o avultamento das receitas pu-
blicas, desde que o pessoal tenha hombridade bastante para arcar
com as reluctancias fatalmente inherentes ás suas attribuiçSes, dando
cumprimento em toda a plenitude ás leis o regulamentos, que regem
boje esse importante ramo de serviço.
Os resultados, pois, dVssa colossal reforma, ainda em muito diffi-
cultada peloa attrictos' próprios a tudo o que ae inicia, dependem, como
geralmente succedo em tudo, da competência, do zelo c da dignidade
do pessoal, a quem fVtr distribuida tSo árdua como espinhosa incum-
bência.
Por isso, nSo tendo a menor intençSo de hostílisar quem quer
que seja, e compenetrando-nos mesmo da conveniência e da necessi-
dade que ha muitas vezes em certas transigências, a que a aprecíaçlo
mus justa, pôde, por deficiência de detalhes, alcunhar de transgres-
sSes culpáveis ou de symptomas manifestos de tibieza ou de mercan-
cia, deixamos tempo ao tempo, fazendo votoa sinceros para que oa
8
66 CABO VEKDE
inspectores de Cabo-Verd(» e em geral de todas as províncias ultra-
marinas, se compeli '>tn.*m bem de que os interesses que estão confia-
dos á sua gerência envolvem os mais santos e os mais respeitáveis
preceitos da equida-le e do direito, e que os dinheiros que atulham os
cofres públicos, representando a synthese de mil sacrifícios e mil hu-
milhações do povo, nâo podem ser distribuídos a mãos largas e sob
pretextos infundados, sejam quaes forem os motivos . . . por maior
mesmo que se apresentem as necessidades.
A organisa^ào das matrizes em Cabo Verde, na maior parte de
imia antiguidade de bric-à-brac, é anachronica, deficiente, incorrecta
e incompleta.
Ha propriedades que não estando inscriptas nos registos officiaes,
não são tributadas; como ha em toda a província magnates que teem
gosado de immunidade pai'a os relaxes e para as execuções, com que
aliás tanto se tem vexado os pequenos e os mais desprotegidos con-
tribuintes.
As fraudes com relação á contribuição de registo são incalculá-
veis; os sophismas e as complacências em matéria de imposto indus-
trial chegam a ser escandalosos.
As pautas aduaneiras, absurdas e inconsequentes como são, es-
timulam e dão azo ao ccmtrabando que se assoberba de mais e mais
em todas as ilhas, desfalcando os cofres públicos e dando logar a mil
conflictos e delongas, que se complicam pelas susceptibilidades ridí-
culas de um pe^oal, ás vezes desauctorisado, e que se não poupa,
ainda assim, a discussões estéreis d'uma impertinência irritante.
O serviço dos correios, tão distinctamente dirigido hoje por dois
dos mais hábeis o mais probos filhos da província, é ludibriado e re-
sumido sensivelmente nas suas receitas pelo habito inveterado das
cartas em mão própria e pela deficiência de uma rigorosa fiscalisação.
O abuso e a facilidade com que os administradores patronaticar
mente facilitam attestados de indigentes a quem realmente o não é,
(contra todas as estipulações da lei), é causa d*um desfalque enorme
nos redditos públicos e um motivo soberanamente estimulante á cor-
rupção e ao relaxamento dos costumes.
Estabeleça-se pois a ordem e a moralidade em todos os ramos
das attribuições fazendarias; promova-se a remodelação immediata das
leis que pequem por iníquas ou incompatíveis com os recursos e as
condições do meio, mas ponha-se um dique ás especulações e estabe-
leça-se uma delimitação aos abusos.
FAZENDA, EBTIAOEKS E OBKAS PUBLICAS 67
Nâfi ha progresso possível sem a «íffectividade e o respeito pe-
las leis.
A quostSu do faz<-iidn prfn<lii-so directamuiitc it díis obras publi-
cas como a esta se entrelaça forini>seaiido-a ao lucsinu tempo que a
asphixia, a das celebres ostiagens, a que a rhetnnca ofEcial, a banali-
dade doa clirunistas locaes e as locuções apologotieas do deputados
amáveis, teem sabido exaggerar os contornos, desfigurando completa-
mente a sua physionomia contristiula e característica, de uma TÍctima
da especulação.
A estiagem, é esta fada a roupag<'ns negras, perfumada pelo ly-
rismo dos coraçSea sensíveis. E' a íillia hercúlea da aridez e da lati-
tude, tutelada mais ou uieiios crtuiinosauieute pela impcia governativa.
A estiagem é este pretexto real das comini/ntadas /omee de Cabo
Ver^te, com que se embala desde muito, a avidez do commercío, a
irritabilidade da politica e as necessidades dos afíllmdos.
E' cata deusa adorada por toda a gente, porque aos patrícios
aquece as vaidades á mystica luz das condecorações flammejantes, ao
clero acaricia os reddítos enlevando a sua íinagina^'3o nas azas das
soleranidades e das preces, e ao povo finalmente, a quem de facto
beija estouvada e louca, concede as migalhas esparzidas pela voraci-
dade dos seus festeiros, migalhas abençoadas, com que as peças offi-
eiaes no alto mister do seu sacerdócio, sabem dourar c polvilhar de
alto, o rasto indelével da sua passagem devastadora.
A estiagem é o resultado lógico da posLçSo geographica. . . é a
consequência lastimosa de não u-.r havido quem saiba ou quem queira
remediar o mal combatendo as causas.
Mas o que é facto, é que tem sido uma fatalidade para Cabo
Verde ; e o que é incontestável, é que tem servido de base ao maia
depauperai! te, ao mais desmoralisador, e ao mais condemnavel dos
processos administrativos.
A partir de 1864, anno terrivt^l e de luctuosa memoria nos fas-
tos verdadeiros das fomes de Cabo Verde, até este que vae correndo *,
' Setembro de 1890.
68 CABO TEBDE
em que já »e dispenderam para mais de 80:5000^000 réis em despe-
zsis extraordinária* de obras publicas; affirmam os dados officiaes. que
iwí tem aactoriísado ii*eBBa secção como verbas destinadas a conjurar
as crises, a cifra maíuwrula e desprf^positada de 600:íX>íJjyx»(t réis II
♦Se tx>jíjanrjos [k.ís em eoiisideraçiU» o desfalque que resulta para
a F^az^^nda da ÍM-nylo de iiinritos sobre os cereaes. da suppressâo de
impostos sobre a agricultura, factos concumitantes e que ladeiam in-
variavelmente OM trafMjJhffê ptMicoê. esse especific*» alti-sonante dac»
«decantadas cris^f». vemos, que s<*m exaggírni, se pide affirmar, que
de 1864 a 1KÍ^>, istí* é, no curto espaço de vinte e sei© annos, em que
as crises w enumeram j>or doze ao todo, a província tem sido des-
apiedosamente sangrada com o fim de as combater^ n'uma verba que
attinge. se íi&At excede, a mil contos de réis!I
E c^nn que resultado? e de que m^nlo?
U^^sji^mdem cathegoricaraente á primeira in^*rrogaçâ(.> formulada de
certí> jior tí>dos os espiritos que se interessam por Cabo- Verde, as re-
cenUis aíHrmatívas do consciencioso relatório do sr. Faro, inspector
das obras publicas do ultramar, com relaçào ao assumpto; affirmati-
va« essas que nÍo [iodemos deixar de transcrever, por tal modo acha-
mos rigfirosa e concludtMite a sua severa ainda que engenliosit li-
çft^i: cA crise apresentou-se este anno vestindo a mesma annadiira
de combata; que trouxera nas suas anteriores visitas, e com a qual pa-
rece que este povo devera estar já bastante familíarisado. . . £ com-
tudo a sua appariçA^i ainda doesta vez produziu na provincia o mesmo
abalo e t<;rror que nas outras.
«Manifest^iu-se desde logo um estado geral de tristeza e desani-
mo, aíTgravado com a febre dos boatos atterradores e alarmantes. Vie-
ram as (rostumiulas exigências do commercio, lastimando-se, n'um coro
d^Aiigustias, da absoluta carência de transacções lucrativas, e dos hor-
rores da fom«^ (jiie pairava imniinente sobre a população incauta e in-
def<'za. »Segiiiram-s<* idênticas reclamações <lo proprietário e do agri-
riiltor, d<'Men?vendo com as cores mais tétricas da sua palheta de
iriai'irt'M inten^ssiMlos n/i extincçâo da crise, o martyrio por que esta-
vam iMiMsarido os miseros habitantes do interior da ilha, obrigados a
abaiidonar a*i niuih habitaçrM*H para sollicitarem trabalho, e estendendo
máifii «Mppli<'e« h earidade ofiicial. E para o quadro ser completo com
ínt\êtt6 oe eainbi/iiilen de hi%, n&o faltaram af!irmaç(5es em contrario de
aljjKMi; o|iílirhu;aN que i'n(*aravam' a situação por um prisma diverso,
qííe nkiii em o do terror, nem ainda o da piedade e compaixão, por
FAZENDA, ESTUGENS E OBBAS PCBLICA8 69
ventura exageradas. E estas notas discordantes nSo podiam deixar de
suscitar duvidas e lifsÍtaç5eB na opini2o imparcial, pda impoBsibili-
dade em que ae estava de destrinçar pelo claro a verdade, separan-
do-a da paixSn e do interesse sob as ilíversaa formas p<)r que estes
sentimentos se podem revelar, e de [jrecisar bem onde acaba a ver-
dadeira necessidade e pcniiría, >•■ onde começa a espei^ulaçilo menos
licita, a malicia o o ardil.
«Como immediata consequência d'eBte estado de cousas, e no
justo pro^Kisito de iittenuar quanto possivcl os efFeitos da crise, as
medidas da occasião não p<jdiam deixar de ser tis que sempre se teem
adoptado em eircumstaneias analof^as, taes como: — iscnçâfi de direi-
tos aduaneiros na importaçilo de cercaes, suspensilo de todas as exc-
cu^-3es administrativas pelo utlo pagamento das decimas, e abertura
de trabalhos em larga escala por todas us ilhas, e por quasi tixlas as
freguezias de cada ilha, afim de quo oa soceorridos tivessem a esmola
pelo trabalhi:> otferecido á porta das suas linbitaçòes.
"Como se vê, é principalmente pelo maior d(!Scnvolvimeiitu de
trabalhos públicos que toem sido conjuradas as crises alimentícias.
■ A seguinte nota, extraliida dos muppas de inspecção a que es-
Km proiíedendo, relativo ao peritido d<'corrido d<' 1H81 a 18!'0, mos-
tra as enormes sommas dispendidas nos quatro aunos de crise mais
ou menos aeceutuada que corresponde áquellc periudo, a saber :
Armo de ÍHH3 40:b2U2*iÍ
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» . 1K85 10:373ó74H
» » l«Hfi 105:Oá2(SOõ7
Somma 213;J67,5!>2I
Vê-se pelas contas dos annos anteriores que passou incólume
n'cBta priivineia o perindo decorrido de IH7H a lxx'J, sentindo nio
poder apurar a despczR feita com as crises anteriores á do 187r> por
falta de documentos elucidativos. Creio, porém, que não estarei muito
longe da verdade, calculando D'uma somma approxímadamente egual
toda a despeza anterior a principiar da maior crise, que foi a de 1x64,
anno terrivel, de luctuosa memoria para esta província. A despeza do
corrente anno, desde que entraram a manifestar-se os primeiros sym-
70
CABO VERDE
ptomaa da crise calculiula pelas verbas anpenonnente anctorísadaB,
fleva-ae a ^0:260^1970 reis.»
NSo entrando, pois, em linha de conta com o desfalque da fa-
z«;nda, proveniente da Jsen^iio dos direitos de cereaes importados
durante as crises, qne pôde calcnlar-sc approximadamente em râís
lifSOOiííOOO cada mi-z, sil a di-speza extraordinária com os trabalhos
públicos atíi au fim da actual ascenderá á avultada cifra de nWs
tÍO0:0OOtS0O0 ! 1
E accreacenta:
■ Na ilha de S Thíiign, onde a feiçito agricola é mais prot-mí-
lu-nte, as pnucas linha» de transitn qii» i'XÍ8lem, sob a designaç&o
genérica de i-atrudaa, nfto satisfaziam á condirão de tornar fácil e
^ciinumic" o transporte das mercadorias e dos productos nitiiraes do
m>l(i. Mandadas i'xncutar por occasifto das crises alímenticias que
têm assulado este arehípelago, com o intuito de lhes attenuar os es-
tragos, rtísí-ntem-si' todaa da preeipitaçilo com quf f"ram levadas a
ftflFeito.
NSo pri'BÍdÍii lí stin <'Xi-cu^Íl<> um pt;in-> detinidi- de trabalhos,
nem estes furam jin-cedidos dos estudos indispensáveis, nSo só para
a melhor escolha do traçado sub o punto de vista technico e econó-
mico, mas também sob o da maior conveniência e utilidade, para as
povoaçSes que t-Uas se destinaram a ligar entre si, e umas e outras
aos centros de maior consumo permanoule.
D'eata imprevidência resulta que, em logar do boas estradas
carreteiras, tetdiamos apenas umas trinclieinis abertas cm circunis-
tancias de mal servirem ao transitn publico, 8t;m as precisas c<mdi-
ç8es de estabilidade e duraçílo, obrigando o Estado a dispendiosas
repara^i^es, que se repetem a miúdo, pois ao fim da estacito pluvial,
quando as chuvas tenbam cabido abundantes, se encontram qnando
muito alguns ve»tÍgios tristes dos trabalhos executados.
O que disse para entXo da improficuidade dos trabalhos manda-
dos executar para acudir lU crises, anteriores li data d'aquelle rela-
tório, tem immediata applicaçAo á pouca utilidade dos que correspon-
dem ás crises posteriores, e posso repetil-o hoje com o auctorisado
testemunho do actual director das Obras Publicas, que tem aliÀs re-
velado a sua actividade e competência em muitas outras obras de re-
conhecida utilidade 6 importância; cumprindo-me ai^creseentar que
antenas si' podem considerar salvas da voragem das crises, compará-
vel, sem duvida, á do celebrado tonel das Danaides, algumas parcas
KAZBNDA, ESTIAGENS B OBKAS PUBLICAS 71
vepbaa relativamente iasignifieantes, destinadas a apressar a cxecuçSo
ou a conclusSo de trabalhos que, por terem uma dotaçSo, orçamental
insufHciente, continuariam vagarosamente, ou nunca cliegariam a com-
pletar-ae aem aquellc auxilio providencial. E' cat>o para m- dizer : á
quelque ckose malktur est bon.
Em vista d'este enorme dispêndio de forças o dínliuiru que está
reclamando uma upplicação mais iitil, racional e sensata, resalta a
necessidade impreterível ái' eonhecer as urigens do mal, enojtnmdo-o
sob o3 seus diversos aspectos e Sf)bre as bases ([ue só um estudo cons-
ciencioso e ^em dirigido poderá fornecer, organisar um plano de pro-
videncias, moldado de forma que u respuiisabij ídude acompanhe a sua
execução, e uma salutar e activu vigilância que nSo deixe impunes
nem a transgressão dos seus preceitos, nem a indifferença, a incúria
e o desleixo tradicionaes.»
A' primeira pergunta, pois, responde << mais cabalmente possivel
a pessoa maia insuspeita.
A' segunda respondem-no os factos de que nos arvoramos honro-
samente cm interpretes, declarando bi^m alto para que todos nos oi-
Çum, de que a maior parte das verbas destinadas a esses trabalhoit de
obras publicas, tem sido consumidii sandavelmente pelos encarregados
superiores, pelos olheiros, pelos pagadores, pelo pessoal da cscriptu-
raçSo, pelua mil gratitícuçõu - extraordinárias o finalmente pelos forne
cimentos a preços exorbitantes com que se negoceia cm geral com o
governo.
Assim pois, esse redemptor expediente, adoptado como norma
para conjurar as crises, tem custado milhiK^s, c iiSo só nZo tem pro-
duzido cousa alguma útil (como aftirraa o ar. Faro) mas tem contri-
buído poderosamente para desmonilisar o povo, diluindo o que ha de
mais ponderativo no piogresso das sociedades, isto é, o sentimento da
sua independência, o valor. ..ca dignidade do seu trabalho.
Nas obras publicas encetadas sob o critério da caridade ofHcial,
o trabalho produzido nâo representa o direito fundamental do salário;
nSo se pesa ó tempo, nem ninguém se preoccnpa com o aperfeiçoa-
mento do operário,
O indigena indolente por índole, toma-se madraço e especulador
pelo habito ; as mulheres e as creonças, entregues a pegureiros que
as arrebanham promiscuamente com os homens na intimidade bestial
dos apriscos, prostituem-se, acanalhando-ae muitas desde a infância,
como flores espesinbadas pelo vicio e salpicadas pela lama doa destinos.
72
CABO VBRUE
Nfto queremos dizer com iseo, qae todoB os governadores tenham
sido connivent(;a niiina eiimedia criminuHa ; pelo contrario, sabemos de
alguns, que foram iiiipi-llidog pela mais liuitianitaria das intenções, lu-
dibriada apeuas pela rspitculav&u tnrpi' dos quu os rodeavam.
NSo queremos aflirmar que uJlo tenha liavído escassea repetida
em uma uu mais iilias e que uSo Hobrevicsse a fome acompanhada de
um séquito mais ou nn^nos iiumerosn de victimas, caso os governos
nlo tutelassem prcvidt-utemonte as doflitic-nfias. N5o; porque nâo dee-
foiihi^'Cí-moB de modo algum a obngaçâo que compete ao Estado, de
prestar atixiho ás existencliig di^evulidus. ,
O que queremos, é doseidiar oa factos com a stia phisionumia pn>-
pria ; é coarctar deutrtt dos limites da nossa possibilidade, esse ostra-
tagi-ma ignóbil do phuntasiur realidades tristes, alimentando u diges-
tJlo di> alguns á custa da própria populaçSo que se apparenta em que-
rer patrocinar.
O que quuremoB, é que seudu as estiagens um facto io^co e pre-
visto, so tomem medidas u sfrio e insistentes para cumbatc-r as suas
causas ; é que as obras publicas tenham d'antt^ mSn um plano fonnuladi>
sobre OS ditTerentes trabalhas a executor nas ditterentes ilhas j é que
estKs obnís, em casus de crise, sejam feitas com a perfeição e econo-
mia precisas, estipulando rela^'i}e3 de dependência entre o trabalho e
o salário, e nSu entregando ao méru critério de emprt^giidos subalter-
nos e administradores veuaes, n latitude em num<To o n ponderação,
cm motivos, Biibre as vietimas a quem se deve beneficiar,
l> que desejamos Knalraentc d'eBsa cirporaç&o <le obras publicas
que tem prestado aliás (em tempo di' paz) tio úteis e tâo relevantes
serviços á Prtivincin, õ que obedecendo ao espirito da deseentraliBa-
çílo e ás prrjtícuas liçSes da expt-riencia, se subordine ao critério d&8
econ<'mii(6, ateando a vida das localidade'» por meio de empreitadas,
rigorosamente sugeitas á sua tíscalisaçlto, dando-nos em pouco ti>mpo
cainililios tSo n|jrecÍavcÍ8 como o planeado c executado pelo sr. Ar-
miuid nu ilha do Fogo, o edifícios Ulii baratos relativamente, como a
elegante c ilespreteneiosa alfandega de Santo AntSo.
O que lhe pedimos a i-Ila, que tanto pode fazer e que tanto tem
feito, como se verá nos capítulos seguintes, é que nos dé menos brn-
zScti rcaes e menos taboletas com me moral ivas, mas que nos dê nuús
commodidndes gurantidue e utilidades praticas.
E se, referindo-nus ás estiagens, eondeomainos as obras publicas
n&o como corporaçfto, nem como absolutamente responsável pelos es-
FAZENDA, BSTIAQKKS E OBBAS PUBLICAS 73
perdidos, mas cinu» inetmiiKnto Icvianumente titiligndo pelo» giivnr-
nos; Boinos obrí^^ados por espirito de justiça e sem delongas, a i-onsidi-
rar agora a significação sympathica v. útil da sua influencia nos tciii-
poa nonna<'S, n que fazemifs cinn tanto mais prazur, quti encontramos
uma occasiSk) azada du pn-star IiommagiMis á vcrdiulc c a prssoas a
quism nos prindem deadu sumprc as maia intimas <■ cordeacs n-laçiV».
Basta percorrer o arcliipi:la<,ni comn simples tourhtv, para ac un-
tar em pontes, plmroes, bóias e mil "utn)s trabalheis, cuja pliysiouo-
mia nSki illudem, o quanto i^sna secçlo tem produzido d'util, de pro-
veitoso !• de bom. E mesmo no ([uo se antolha por toda a parte de
absurdo e inacreditarul até, e ligado a este ramo do serviço, mesmo
n'isso, enoarregam-se as eireumataucias em que foram feitas, de justi-
ficar as suas responsabilidades, lauçando-as a contas dos reiterados
mandados do eommaudo. Que culpa tem o director das obras publí-
eus, por exemplo, que o ministério da marinha mandasse diapcuder
TiO ou (iO contos com a coiiatrucçSo de um lazareto que nio ser\'iu,
nSo serve e. n$o pode servir, c isto contra a sua declarada opiniSo ?
Que culpa tem s. ex.*, que o govenio tutelasse e mandasse exe-
cutar o monstruoso hospital nioinuuento de S. Vicente"?
<^ue responsabilidadi! Um cabe, em que o mi^anio govenio pre-
Mcnteasse a camará da mesma ilha com os terrenos (mde se devia
assentar certas repartiçíiea publicas, para ter em seguida de conquistar
por aterranientoa sobre o mar, o espaçu necessário para as mesmas
construcç5es ? Nenhuma. Kntretanto, seria de des(.yai' que S. Ex.', a
quem apreciamos e respeitamoa tanto pelo aen zeio como pehis serviços,
pozesse de parte a sua qualidade de coronel, que iiilo passa de uma
antonomásia na qucstSo das obras publicas, e empregasse toda a sua
auctorídade teehnica contra as desconchavadas determinações supe-
riores, e isto em nome <la moralidade e doa interesses do seu paiz.
Assim, applaudindo comn merece o magnifico trabidhn d<> con-
tra-alniirante Sampaio aobre a pharolagem de Cabo Verde; louvando
o enthusiasmo com que o digno director das obnís publicas tenta
levar a cabo as suas sabias u praticas indicações, nSo podemos deixar
de considerar a necessidade de certos caminhos, de certas obras de
drenagem e exploração de naseontes, como mais urgentes e indicadas
do que Ggrejas e paços municipaes, que vemos em construcçilo e em
projecto, e acbar extremamente estranho e injustificável, que se desse
a prímaaia a esses trabalhos de uma significaçKo secundaria, quando
a riqueza, a salubridade e as necessidades mais impositivas da vida
publica, reclamam de ha muito inatilmente os primeiros apontados.
10
Agricultura, politica e industria
A provinciii i: csseticiiilmcnte agriculii, cmu elcraeutoa a aorvir
de b.-ise H industria:) limibidas c pobres talvez, mas de uma alta si-
giiifica^-iki im viver de luu povo, cuja p<iaíçã<i gcdfrrapliica e doti-
eicutc iirliiirisaçilo, im|>ò(? cume iiiai^T ilas (.-idamidadcs a estiagem, esi-e
Hiyíclli) tão freqiiontrmeiito r«potÍil" alii, iiiiâf> aprc}^iiidii pelos rela-
tórios iiffiiines, maiianciíil. ubérrimo do flores de rlicturiea e de bandos
do eli't;ioB dÍB|)ersos.
Kiitre ossas iiiduatriao, u pei>ea, que devoria figurar cimo uma
das maÍ8 importante», e^imo idíás foi dito por um dou distinctos go-
vcniaibires ipio [nzaram aindn es»e solo, ci eimeclhciru Caib<!Ínis de
Meiio/.(!S, a pesca continua sem organisaçilo o sem aperfeiçoamento,
eutrefj;ue á torr<;uto da rotina e do empirismo, lan^'ando ao consumo
produotos nooivoa n aaude publica, e não dando vantagens apreciá-
veis ao commeroio, nem resultados profícuos ao Kstadu.
A pesei do eoral, de tâo excollente qualidade, segundi> « relató-
rio do sr. Januário Corrêa d'Abnoida (hoje condo de 8. Januário), é
feita por italianos a quem os impostos sue ccssíva mente crescentes e
os attrictos das qiiarent<'na9 desanimam c aifastam.
O labrico de iitenailios de barrei, da cal, do sabSo, etc, etc, que
(iutr'fira tanto contribui ram para o desenvolvimento e riqueza da illia
da Boa-Vista, tendo adormecido nas bases primitivas do seu inicio,
degeneram e detinham ante a facilidade das cmimunicaçiíes e da
concorrência, arrastando na sua queda, essa ilha tSo sympathiea pela
Índole dti seu povo e tSo imponente pelo prestigio das suas tradições,
a uma agonia de misérias, caracterisada pela emigraçSo dos seus fi
lhos, pelo abandono da sua agricultura, pelo desabamento c pelas
minas dos «eus povoados.
76 CABO VERDE
A Brara, fabrica chapéus e objectos de palha; a do Fogo, ren-
das, colchas e roupas femeninas; muitas das ilhas teem aguas medi-
cinaes, alcalinas, férreas, sulfúreas, etc, de uma grande offieaeia the-
rapeutica, segundo a affirmaçâo dos práticos, e comtudo nada d^isso
se explora, nada d'isso se conhece, nada d^isso se estuda, se aperfei-
çoa e se aproveita.
Ora, o que tolhe tudo é a miséria; o que falta sâo os recursos
para o inicio de qualquer tentativa, e a direcção technica para o seu
aperfeiçoamento. O governo, que, em vez de organisar bazares de
beneficência, incite e anime o trabalho ; que se submetta a índole, ao
estado de civilisaçSLo e aos costumes que lhe impõe a necessidade de
tutelar, e veremos se em um futuro próximo, animado por um auxilio
raethodico e intelligente, progridem ou nSo essas artes e essas in-
dustrias, e se transformam ou nSo em fonte de riqueza, o que hoje,
desconhecido e limitado, tem apenas a significação de uma curiosida-
de exótica.
Em Cabo- Verde, effec ti vãmente, a miséria é visivel, apesar da
sua resignação, e as crises são repetidas vezes generalisadas a uma
ou mais ilhas, apesar da incredulidade, talvez justificada, com que a
metrópole considera as informações recebidas a tal respeito.
A estiagem é habitual, e as crises são frequentes; c comtudo,
pergunta-se debalde, sem encontrar resposta em um único facto serio
de eloquência convincente, quaes são as medidas, quaes as providen-
cias que se teem adoptado para conjurar de vez essas crises terriveis
de consequências tão funestas !
E desconsolador e irritante dizel-o, mas a verdade é salutar,
mesmo quando amarga, e a resposta, única, sincera e leal, é esta:
Nenhumas !
Nenhuma, que tenha tido uma significação persistente e redem-
ptora — nenhuma que alcance além do dia de hoje — nenlumia que
se imponha á hypothese de amanhã.
Vem a estiagem, vem a crise; abrem-se as obras publicas tumul-
tuosamente, organisam-se bazares de beneficência, fazeni-se preces
pelas egrejas, e addia-se a cobrança dos impostos; isto é, faz-se a
medicação tópica, banal, tratam-se os symptomas tentando sophismar a
dor, mas a diathese, a causa potente, o mal que consome, esse, por
falta de sciencia, por falta de raciocinio, quem sabe se por criminosa
especulação, ahi fica latente, moderado, apagado talvez, aos olhos dos
visionários e dos ingénuos, mas cada vez mais arrogante e mais terri-
aqriculturâ^ politica e industria 77
vel, ante esse organismo debilitado e consumido. E assim, dia a dia,
anno a anno, esta província de condiçoí^s geológicas tão favoráveis, de
uma posição geographica tâo vantajosa entre o commcrcio do mundo,
essa provincia, na realidade, apesar dií alguns caminhos e de alguns
edifícios a mais, detinha-se e esterilisa-se, <* o que é symptomatica-
niente grave para a civilisa^*âo d'um povo: resigna-se sem reagir.
E a metrópole sabe tudo isso; sabe ([ue ;ilgumas vezos já rala-
ram de fome os povos de Cabo Verde, (» invariavelmente, continua
quando muito, a fazer remessas de dinlieiros, que vem aggravar a ci-
fra dos seus compromissos futuros, v a concessão de conuncndas que
vem irritar as suas vaidades de sempre; mas o que nâo pensa é (»m
por dique a esse flagcllo ; o que ninguém se importa, como nào in-
quieta ninguém, é que no anno seguinte possam morrer um ou muitos
pretos a mais.
E infelizm(Mite pensa-se assim, porque para a maior parte da
gente que so chama civilisada, a morte de um preto c ainda alguma
coisa mais ([ue a morte de um cíÍo, mas muito menos que a nn)rt(* de
um homem.
E comtudo essa morte, essa mis(*ria, constitue o grande obstáculo
á prosperidade agrícola de uma provincia inteira, como a decadência
da navegação constitue o grande embaraço da sua vida de relações.
Conjurar uma, garantir a outra, seria resolver o seu problema ;
mas esta resolução, dependcMite aliás como todos os grandes residta-
dos sociaes, do estudo e da persistência dos meios, não se tein feito e
não se fará nunca, emquanto não houver uma dedicação séria e con-
tnuiada na applicação dos dictAmes de que a sciencia e o b<»m s(mso
se serviram sempre, quer para exercer suggestão sobre a meteorolo-
gia, quer para exercer catechese na orientação do commcrcio.
Não somos compcítentes para precisar o methodo de ar bori sacão,
nem o género de cultura mais sóbria, mais resistente e mais adequada
aos terrenos e ás condições peculiares da provincia, mas «'xisteni traba-
lhos valiosissimos, como os do distincto professor Júlio A. Henriques
sobre as culturas coloniaes, que elucidam o assumpto, e a provincia
paga a um agrónomo, que t(;m obrigação de estudar e resolver essas
questões, por isso que lhe paga para a servir e nào para fazer séquito
a governadores e relatórios pomposos, esboçados a phrases exóticas de
uma signifícação abstracta.
E' preciso que as ilhas sejam arborisadas, como meio de sua visar
o seu clima e conjurar as estiagens tão nocivas á moralidade da sua
(8 CAUO VERDE
administração, v- ás enerpias do scit vivrr; é preciso finalmentr qup os
fiinccionartos tod'is. dusdr f>s soviniadores a rcddit"s fabulosos até os
iiiedic >s n iiucm niint-a beijoir n lii^iitiinf-nlaliBiiiii liystcrit-o das ri-fur-
mas iiItraitiannaH. v. pri^i-iMO <\t\v. todos cumpram o seu dever, Sírvindn
dcdic:idam<-nt<í o seu paiz e fazondo algiiina coiisji i^ue so veja de po-
sitivo c priítícii, jior isso (jne se torna unia verdadeira vcrgnnlia (;sti;
dalcK J'tr iiirnte, íXo pliroiiifo e tão degradante nos hábitos das nossas
colónias.
l> |n)vo de Cabu-ViTili', não tendo a ventura de saber Ibcinbar
nas peças officiaes. e nào achando quem o esclareça, qucin o faça ver
e iipalpar Jis vantagciiit dos novos prncessos do preparo e de cultura,
c^ontinúa iniiiterronipidamente nos erros da suii tradição rotineira, exc-
cuhindo uma agricultura barbara, sem arte e sem <'conomia, era que o
t.nreni» ainda o mais generoso, dilíieilmcnte paga os dispêndios e ns
erros de tãii multiptns esbanjamentos Nã<i sabe dar ao terreno as la-
vras projírias prescriptad pela sciíncia, não Ibe dá adubos apesar de
exigir dVlltís iiina cultura intensiva, nXo usa do afolliamento, ncni se
prcoceupa de que a terra sen lo uma venbiduira niachina tninstorina-
dora, só poderá jiroduzir fructus apropriados quJindo a matéria pHma
e os meios de prodiicção forem apropriados também. Desciim ii by-
giene do gado e pratica uma longa série de desperdícios, que esgotam
lis rendimentos dos annos felizes <• o piíe na immineneia da miséria em
todas a» epoclias de estiagem, aliás tSo frequentes nessas latitudes. . .
E assim, apesar Ai: em algumas ilhas, como a Brava e S. Nicolau,
tnnto os boinens como as mulheres trabalharem ineauçavel i- apai-
ximadamentu de mimtiã até á noite, apesar de exercerem todos os
mistens domésticos, fazer rendas, cozer, lavar, fabricar ebajieus, tin-
gir punnos, amanhar a tcrrii, íiccommodar os lilhos e a familia, ape-
sar d'es-u extraordinária azáfama de dedieaçòes e de liicla, a])esar da
fertilidadit do solo e da benignidade dn clima, o desequilíbrio é l4tl en-
tre a prodiie<,-ão e o eonsumo. que são inquesiionavelmrnte ilhas infe-
lizes, e mais ainda o seriam, se nilo tivessem a beneficial-as mensal-
mente, S. Nicolau, o consumo de S, Vicente, c a Brava, os valiosos
capitães enviados v. trazidos da America pelo correio <■ pelos baleeiros
que regressam.
O gado, esse ramo de industria rural de tão alta signitícaçíto no
modii de ser e vitalidade dns povos, essa fabrica barata de tão múlti-
plos benelioio!', iliHtde provém a imergia á cidai-e, o estrume aos cam-
pos, o alimento mais cmnpleto ao homem e donde deriva a industriit
AGKICULTUKA, POLITICA E INDUSTKIA 79
dos lucticinios, tâo simples, tào flicil u tão auxiliar da lavoura, quasi
que não figura na sua equação económica, não só pela dcficicncia de
logradouros públicos, retalhados dcsprcoccupadamentc por meras vcl-
leidadcs cone(íssionarias, mas pela dolicicncia c má distribuirão das
fontes, diis pastagens c das leis agrarias, a que está subordinada a pro-
vincia inteira.
E^ vcrdadí^iramente contristador o extraordinário qui; um arclii-
pelago que tem lll.(KX) híjbitantes, que oíiereee a exploração agri-
cola para mais de 4.()CM) hectares de terrenos pingues, e que pnssue
tantas fontes de rectnta supplementar, como o peixe, a baleia, o co-
ral; que produz em abundância café da melhor qualidade, cereaes,
purgueira, mandioca, canna de assucar, etc., além de muitas fructas,
tabaco, plantas medicinaes e de tinturaria, e que tem a irrigar-lhe
a sua vitalidade uma nascente tão rica e tão abundante como é o com-
mercio de S. Vie(»nte, ó inacreditável (pie uma província que rende
ao Estado duzentos e tantos contos de réis annuaes, postíida (»ntre o
velho e o novo mundo, possuidora das incalculáveis vantagens da sua
collocaçao geographica, da excepcional amplitude e segurança de al-
guns dos seus portos, do extraordinário movimento da navegação <pie
a procura, arejada de toda a banda pelo bafo das civilisaçoes mais
longiquas, arrastado dia a dia ptílo telegrapho, pela navegação e pela
imprensa, é inacreditável ([Ue uma provincia n'<íssas condições, viva
e continue a viver no estagnamento da ignorância, da miséria e das
rotinas.
E' inacreditável, mas tudo se comprehcnde, se attendermos bem
á niechanica, á formula, e ás praxes da nossa admiliistração cohmial.
< ) g()verno da metrópole completamente embebido nas artimanhas
da politica portugueza, abandalhada e corrupta como está, cuida ex-
clusivamente em fazer deputados quf o sustentem peh) numero, em
colhícar afilhados que o favoreçam pelo apoio, em facilitar syndicatos
que lhe prestem auxilio valioso com os próprios lucros extorquidos ao
thesouro. Abandona por isso completamente as altíis questões e as re-
formas coh)niaes, de quí» pouco e mal se cuida mesmo no ministério <la
marinha; não estuda nem delinéa um plano pratico de administração
baseada sobre dados positivos e subordinado a um critério preseverante.
Limita- se a apparentar ostentações rhetoricas de patriotismo, simula-
cros de apprehensòes terroristas e promessas irrisórias de reformas,
sempre que na trata doesta porção tão considerável do globo, que con-
stitiie a maior parte do território portuguez. Confia com a máxima
CABO VERDE
fui'Íli(lHde a tulministraçSo do qualquer colónia ao primeiro corraligio-
narin norruplo ou ao maia acephalo doa seus patrocinados- limitan-
ilii-se a exigir a usscs liomoiis a quem a lei >■ as ondtçSes peculiares
das coluniaa conferem poderes absolutos i- ilescricioiíarioe, limitando-se
a exigir-llies airaptesmeut-', " que an exige no reino a qualquer admi-
niatradur ou regedor do piírochia, isto é, que fa^am as deivões de
modo que a auctoridade lriumplii\ seja qual tnr o meio e qnaeaqiier que
sejam oa nisgiíes que tealium de sotfrer a lei, os direitos e as prero-
pativaa dos adminiatradus! D'aqui r>-aulta, que a maioria doa gover-
nadores, nSo tondo capat-idade iiitellectuai nem moral que garanta a
sua missão dirigente, nSo pussuíudo i-nrrgias intrínseeaa que sirvam
de esqueli^to a uma poâiçSlo oreada pelas cinumstamiiaa e nHo Juati-
licadas pi'las eoiidiç<'1eB, limitam-ae a enclior o tempo, a encher o pé
de meia eom" diz o povo, pn-oeeupando-se muito mais em ser agra-
dável aos arautos locaes e aos ministros da marinha de quem depen-
dem e }M>r quem sào tutelado», do que do progresftu das províncias que
admiuíistram, para o que miiitos se sentem imputetitea e tantoe outros
gi' esquivam, com a táctica linoriu, inveterada pela cormpçSo nacional.
Oa deputados do tdtramar, lom rarisaimas excepções, sfto oomo
t«Kla a gfute sabe e muitos d'elles eynicameate confessam, simples
manequins conatruidoa pelos ministros para seu uso privado, exclusivo
e próprio. N^ c.mhecem sequer o circulo que represent.im, Ignoram
compita til ment<- os seus costumes, as suas net-essidades e os elementos
vitaes df que dispõem, e eomo entidades geralmente chancelladas pelo
governo, sanceionam tinias as medidas aprL^seutadaa pelos minlslros
da marinha, que ás vezes, na melhor das inlenç^ns, pmmuJgam oa dis-
parates mais inconsequentes, por lhes faltarem eoubeeímentos directos
das províncias sobre que legislam e o auxilio a esperar da parte dos
seus represou tantes.
Estes, quando muito, servem para enrodilhar as questííes demo-
uraticaa do circulo com nomeaçflas ilb-gaes, transferencias vexatórias
c gratifícaçScs absurdas, concorrendo f<niiilavelm<'nte para que se com-
niettam attentados em nome da lei, que ultrapiisaam tudo o que a
imaginafjlto maia ardente pf>do con';eb''r de maia monstruoso. Cabo
Verde, como tr)do n ultramar, entregue á táctica acanhada doa seus
governadores, e ao indifferentismo saudável da mmr parte de aeus
deputados, apresenta-ae rachlttco c ignorante, cheio de vícios, e cheio
de defeitos, como qualquer creani;a infelis de quem ae nSo cuida e
de quem se nílo truta.
mmm
AUKICULTOBA, POLITICA K IMDUBTKU
81
Nio 86 faz ali politica, porque rarêam totalmente aa convicçflea e
08 princi^íiis; o que impera na ^vernaçilo, eKo as inHueticias astucio-
saa de grupos de indivíduos <iue se acertara invariavelnienti: de todos
OB governadores que chegam, <]ue se cunstitu<-m patrunos de tvdos
os deputados eleitos, e que, coiiseiTadorea ignorant>.'S e egoístas como
b5o, apenas servem para assombrar a verdade, desnortear a justiça e
especular sempre... em tudo... e por todos os meios. — MSo bSo,
nem republicanos, nem monarchicos, nem regeneradores, nem pro-
gressistas, mas umas entidades balôfau, uns magnates empalhados,
cuja importância depende principalmente da digestfto feli^ dos gover-
nadores e da admiroç&o extactica dos apreciadores d» seu recheio.
Entretanto, sKo elle» que se amigam no commundo d'Í8so que por
ahi SC chama p>litica e que nXo passa na realidade de uma mendiga
nojosa, tacteando pelas paredes como uma cega, na preoceiípaçlU) cons-
tante de explorações condemnaveis e de eusceptibilidades mais ou me-
nos irrisórias.
As jtcellei do sjstema administrativo tdtramarino, sKn hs mesmas
que aa da metrópole: a única diôerença que existe, è que u theatro &
menor e o publico contenta-se com menos. Assim, as cimdidaturas
officiaes, as boaa graças dos governos, constituem aqui como alli, a
pre<M5Cupa;So de todas aa aspirardes ; a candidatura otficial demanda
que os cofres públicos aejam arbitrariamente indiiferentes ou despóti-
cos com os contribuintes, ei>nfnrme a sua moldabilidade politica, qne
se ampliem os quadros do fuhccionalismo a bem de afílhadoa paraaí-
tae e ineptos, que se dispendam em obras publicas nos traa'ies difKceia,
aem critério de escolha nem preceito de economia, sommas exceden-
tes ao necessário o vexatívas á boa distribuiçSo e ao equilíbrio orça-
mental. E por esses processos engenhosos e condemnaveis, nSo só se
tem habituado a populaç&i- a ganhar sem trabalho e sem orgulho, mas
se lhe tem arreigado a convicção desmoralisadora que n&o é pelo mé-
rito nem peia virtude que ae ascende na escala suciai, procurando to-
dos servQmente nas symjwthias de um homem, ou dos intereasea qde
elle representa, eoUocaç<"!e» e vantagens, que a dignidade e os brios sil
deveriam acceitar. do mérito provado e doa direitos conferidos pela lei.
O ultramar, pois, descdrado pela gerência superior, m&l cuidado
pelos governos locaes, entregue de facto, a juntas de parochia, cujos
membros, na maioria, nSo sabem ler, a administradores de concelho
imbecis, ou mandSes de auotoridade arbitraria, <
a camarás municipaes
fabricadas pelo índitTerentismo mais coudemnavel, eefacela-se e dyna-
82 CABO VKKDB
misa-se na iiiacyà(» e na ímmoral idade, fainiliarisando-se de iiiais em
mais a ver, sem protesto, espezinhar os preceitos mais invioláveis da
justiça e do direito.
Assim, se Cal> > Verde tivesse sempre governadores como Albu-
querque, Calheiros, e Lacerda, S(» tivesse deputados mais enérgicos,
mas tilo conlieeedores e dedicados como Sousa Machado, figurando com
um vaiur scientitíco e real no problema colonisa'lor, teria de ha muito
simplificadas as gn udes complicações da sua engrenagem administra-
tiva, |)()S8UÍndo, nào diremos jii, lyccus de 1.* classe nem organisações
pomposas, para o que lhe falta a matéria prima e receitas correspon-
dentes, mas teria, como sensatamente formulou o nosso distincto amigo
o sr. Augusto Fructuoso de Barros, o ensinamento pratico de todas
as artes e de todos os oHicios capazes de aproveitarem e produzirem
dentro do seu modo de ser ; um lyceu, onde, se nâo todos, pelo menos
os primeiros exames, fossem válidos no reino; a instrucçâo primaria
derramada sabiamente por todos os seus filhos, não vivendo, como
hoje, cngorgitada nas doutrinas falsas dos compêndios mysticos; ensi-
nados pelos methodos mais absurdos.
Teria estudado os seus climas e suas aguas mineraes ; teria a si-
gnificação scientiríca que merece, pela fundação de sanatórios ; teria
regulado o seu serviço de sanidade marítima; S. Vicente teria docas
<í (ístaleiros, como 6 politica e commercialmeute indicado pela concor-
n*ncia das ilhas hespanholas e pela grande atHuencia de navios que
a ella aportam ; o Sal, em vez de estradas irrisórias, teria companhias
d(^ pesca bem organisadas e a Provincia inteira a sua questão agraria
regulada por leis de uma significação positiva; não veria a sede a
fustigar o Fogo, nem o escândalo, os abusos e o patronato a sugarem-
Ihe os rendinu^ntos . . . emquanto a desiuoralisação e o sentimenta-
lismo lhe vão obstruindo o futuro.
Navegação e influencia ingleza
A navegação, que con^tituiti oiitrWa um dos mais profícuos c im
portaiites recursos da província, atravessa hoje uma crise, que so-
bresalta c aterrori-a todos os espíritos com relaçSo ao seu futuro; o
imposto monstro de 4U0 n-ia por alqucin- de sal, votado pelo parla-
mento brazileiro em Ib87, deu ^ilpe de morte áa Ilhaa, Maio, Sal
e Boii Vista, nas qnaes esse género constitiiia nSo stl o único ramo
de comnierclo, mas a producçilo, por assim dizer exclusiva do seu solo.
Kepentinnnieute pois, sem graduação nem nuneioci que jiodessem
servir a despertar medidas preventivas, acharam-se milhares de famí-
lias reduzidas á mais extrema míseria c o orçamento da Provincia di-
zimado em contos de réis ua sua receita ordinária, por isso que este
tacto veio acabar sem remeditj uma navegaçSo estabelecida de ha muito
e que ora foge de Cabo Verde, por isso que aa condiçSes do seu eoni-
morcio não permittindo fretes de ida e toma viagem, fariam rccalur
a mais, sobro nm género pobre e faeil de obter em toda a parte, as
despezas enormes do tempo perdido no intuito de ir procural-o ao
Arehipelago.
A industria do sal morreu sem que se tcutiisse nm único esforço
junto do governo brazileiro, sem que se desse um único passo para
acudir ao mal e para precaver os resultados.
A industria do sal morreu, sem que oe deputados nem os gover-
nos da provinda se lembrassem de tentar um;i medicação heróica, ou
pelo menos de applicar um sedativo qualquer, com que se siiavisasse
a agonia desse moribundo, que tanto havia contribuído para as suas
digestiíeB . . . e para os seus esbanjamentos.
Emquanto os povos de Cabo Verde continuarem n'csBa apathia
eoiidemnavel de humdhações, emquanto não coraprolien durem que a
CABO VEEDE
sensibilidade embotada da nosaa adminiBtraçSo, só pode ser ferida por
fortts ubftloa de energias que se imponham ; emqiianto nSo seguirem
OB extremos, mas Justiãcuidos exemplos da Mtideira e dos Açores, fa-
zendo ouvir bem alto os Ijradus do seu protesto, contiuuarílu sendo como
até aqui desprestigiados pelos deputados e peloi guvtrnos, que se pre-
occupajn muito mais em lisougunr oa magnates que os acolhem e os
festejam a foguetes e a batuques, iln que dus problemns mais impor-
tantes da sua vitalidade e do seu progresso.
A industria ú« aal morreu, tendo por causa os impostos ditferen-
ciaes do Brasil ; a pequena eabotagem definha-se ante a concorrência
dos vapores, aos quaes a própria provinda subsidia para a servirem
irregular o desastradamente coroo está suLcedendo, e a navegação de
S. Vicente, esta que tem apresentado oscillaçfles e intemiiitencias ac-
centuadas, pede de ha muito, inutilmente, um estudo serio e as pro-
videncias mais urgentes, atteudendo nSo só á rivaHdad<> das Canárias,
mas como meio de corrigir e precaver o« erros, as il legalidades, e as
levianas Lonccssiíes do passado.
O sr. Augusto de Castdho no seu valioso nlabirio, que tem por
titulo Aluiintfia eonnòUia^Znt mhre ua il},;s Madeira, Ttwriff e íi. Vi-
cenie, cumo cculas pura a tiuvegai^ão, — descrevendo e api'ecÍando as
vantagens do porto artificial de Tencritf, pintando os rostumes, as ri-
quezas e a vitalidade local, apreciando as leis regulamentares do tra-
balho, os salários e os productos que podo exportar essa ilha, faz bem
sentir a necessidade que ha, de sustentar a concorn-ncia, de vestir
as iudiacuttveis vantagens de S. Vicente, com elementos de progresso
e de facilidades, que sirvam de cathechcBC d sua navegaçfio. E com-
tudo nSo é Tcneriff hoje o grande inimif-o a temer, mas sim u porto
Las Palmas da Uhn O ran- Canárias no mesmo archipelago.
S. Vicente pela sua posiçSo geograpbica, pelas esplendidas con-
di^Ses de sen porto, pela energia do expediente inglês, e mais do que
tudo isso, pela falta -le concorrência bem organisadn e pelo desen-
volvimento extraordiniirio do commercio da America e da Africa com
O vellio mundo, teve por assim diz''r, u i-xclusivo do fornecimento de
carvXo a todos os vapores que serviam a esse commercio, atrnvez o
Atlântico.
Mas nesses últimos tempos, construindo h Hespanha um porto
artificial em Toncríff o prcoccupando-se louvavelmente du desenvol-
vimento dns fidmas, veio facilitar por tal modo a fundaçSo ahi de
depósitos de larvJlo, que protegidos pela isençSo quasi «bsotiita dos
xátxqaqIo E I
direiloB, pela differença dus fretes na importaçíLo (por ee acharem mai»
ao Nortej pelas aupreumcias daa eondivões loL-aes, pelos menores ob-
stáculos da eanidadu raBritima c pela maior energia da sua raça, po-
dem fornecer o prodiieto tSo barato, lSi> rapidamente e pruporcionar
vantagens de tal ordem aos navitis e passageiros, que apesar da sii-
periuridade da posição geograpbica de S. Vieente, fazem para alii
derivar a actual navegaçSo.
Não pretendendo nós, cumo a mainr pai-Ie da gente, resiilvtír
problemas tSo complexos e tSo importantes, meramente i:om alvitres,
de Buggostões banaea, reconhecemos nos factos apresentados vatitinios
t&o graves para o futuro d'eBta provineíu, que nSo podemos deixar
de as exarar aqui — ud ptrpetwmi rei memoriam. Tanto uiais, qriii esta
ilha é hoje o pulmUo por onde respira o o cofre d' onde se alimenta a
província inteira.
O seu movimento marítimo em IWS foi de 1:700 embarcações,
transportando a bordo, entre passageiros e tripulantes 24I:10!< pessoas.
A populaçSo da ilha p^<p^iamente dita regula por 6:õ6U almas,
sendo fí:2í<ri naturaea do arcliipelago o u n^sto europeus intermeiados
de todas as nacionalidades, entre as quaes fígura a Inglaterra com
104 súbditos, que se empregam nn telegrapho (■ no commercio das
casas inglesas, exportadoras de carvSo.
O contingente daa receitas de 8. Vicente para o Estado em líí87
figura com uma parcella de 90:261^500 réis nasommados24f>:101áO'.lâ
réis dos rendimentos tolaes do archípolago.
E' a unicfl porta que o faz communicar com o mundo Ínteir'i, é
d'ahí que elle recebe tudo, desde as receitas fabulosas que atulham
os cofres públicos, até as notas das cívilísa^-Ões mais longínquas, im-
portadas pela navegaçSo.
E' ahi, na communtdade e ao impulso do exemplo inglez, que o
seu povo tem adquirido cm os hábitos do trabidbo e dignidade da
vida, e com o goao das oommodidades experimentadas, o estimulo de
ambições que o impellem a progredir. E tudo quanto é S. Vicente
hoje, e Ioda a benéfica iniluencia que i-lla exerce nos destinos de
Calto Verde, é df^vida directa ou indirectamente aos inglezea, ó pre-
ciso dizel-o com justiça; é devida a essa raya enérgica c infatigável,
que veio galvanisar o indígena e inocular no seu espirito o gérmen
da disciplinai da actividade, proporciomindo nâo só trabalho a mi-
lhares de braços nos vastíssimos estabelecimentos de carvão que fim-
daram, mas abrindo as portas das suas ofHcinas ás aptidões que se
86 CABO VERDE
perdiam, fornecendo habitações confortáveis a famílias que definhavam
na promiscuidade e na crápula e conferindo a toda a população não
só os confortos physicos que acalmam os instinctos, mas mil vantagens
hygienicas que prolongam a vida, dimmuindo os sofifrimentos.
A influencia ingleza em S. Vicente, em opposiçâo talvez ao que
succede em todas as nossas colónias, tem sido até hoje respeitadora,
sympathica e sobre modo digna de menção.
Os edifícios mais importantes, as construcçòes mais apparatosas,
atí personalidades mais distinctas, pela sua educação, pela sua respei-
tabilidade e pela sua fortuna, são estrangeiros. £ a própria cidade do
Mindello, cujo asseio, arejamento e arborisação, tanto contrasta com
o género enxovalhado e typico das povoações em Africa, a própria ci-
dade, deve as suas vantagens hygienicas e estheticas á influencia do
municipio e de Custodio Duarte, é verdade, mas materialmente, todas
ellas, as fabulosas quantias cobradas pela camará municipal como im-
posto de lastro, aos milhares de navios que vinham aos inglezes tra-
zer-lhes o carvão do seu commercio.
E isto tudo assim succede, porque S. Vicente, apesar de postada
á latitude N. 16° 59', como uma sentiuella entre o velho e o novo
mundo, apesar das vantagens que lhe dão a sua posição geographica,
a amplitude e as garantias excepcionaes do seu porto, o extraordiná-
rio movimento da sua navegação, a importância do seu commercio e a
immensidade de estrangeiros que a visitam annualmente, circums-
tancias estas, que parece, deveriam chamar sobre ella as attenções
do governo e destinar-lhe uma importância capital nos planos da ad-
ministração publica, não tem merecido até hoje, a este estado que a
explora, senão um respeito commovente e ingénuo para com as ar-
bitrariedades, conflictos e desregramentos das personalidades exóti-
cas e elementos heterogéneos que o constituem, dispêndios fabulosos
com lazaretos inúteis, onde acabará por acorrentar-se á irrisão, pon-
tes vistosas de mera significação monumental, escaleres a vapor que
soâ'rem empaludismo, palácios brasonados, cujas mobilias implicam
escândalos de favoritismo e illegalidades, e um projecto de hospital
monumento, cujas paredes já estafaram os recursos camarários, e cuja
arrogância a pedra e cal, faz entristecer a própria medicina. Isto tudo
e o pharol, único ponto luminoso e útil nas negruras doestes esban-
jamentos !
Esse indiff\3rentismo, porém, tem por motivo duas rasões que se
combinam e se completam.
SAVKQAÇSIO E INI^LUKNCIA INOLliZA
Em primeiro logar, « fleuyina ingíeza, a febre dn trfllmlho e do
cumniercio que reinam em S. Vicente com» uma epidemia de rique-
za, mal se coadimam com a pose empltaticn, com as tnrmalídades me-
tictilosns e com as sueceptibilidadcs hyetericas da burocracia ultrama-
rina, ondo os que legialnra e influi-m na goveniaçjlo, babiiuaram-se
por tal modo á elnque, á atmuspbtra tépida doa rocoiihecimentos, ao
serrilismo dos vassallos o ás melopeias das admiravfies baratas, que
M suas digeetiles subordinandu-se ao pallieticci, obrigaram a elabora-
çSo do se» espirito ái preoccupiiçilfs dos applauaos. D'ahi a pbrase
sacramentnl conhecida em toda a província, de que os govemadures
n&o goBliim de H. Vicente; ora i> n!lo gostar dos governadores, esse pbe-
nomeno aubjectivo, sujeito a tantas contingências e subiirdinadii a tan-
tas perversões, tem tido uma alta sigtiificaçâo no modo de ser e na
felicidade das ditferentes ilhas: assim a Praia, teve o seu apaixonado
e HoreBceii; o Fogti, uma dedicaçã" CAvalheiresca que a polvilhou de
benefícios ; a Brava, as meigas affei^,'iíes d'um vencido da vida, que
lhe Buavisar.im na saudades indelevéie da adininistraçSo do sr. Fon-
tes, As demais ilha< é que ainda nS<> acharam o seu Homcu; tf cm
vivido até hoje na penumbra dum esquecimento esmagador, guardando
] cura^-iiu sempre vivida a ferida da sua desdita, c sentindo na alma
I eempre intacta a esperança da sua redempçSo.
E a esse primeiro moiivi), muito mais ponderoso do que A pri-
ira vista se apparentJi, Bccresce um outro maia real, mais palpável
e mais dilticil de remediar, devido a circurnstancias meramente for-
tuitas do seu agrapamcutii o da sua coIIncaçAo.
S. Vicente pertmcc ao grupo das ilhas chamadas do Harlaveutu,
as quaes pela facilídttdc de relações entre si. identidade do íuteresses,
homogeneidade de iiiHuencins, uaoa, uostumea e variantes de lingua-
gem, maia decerto que pela posiçio com referencia nos ventos, apre-
sentam differenciações nítidas e acoentuadaa com as do ontro grupo,
constituído pelas de Sotavento.
Eaaas differen^-aa de interesses, de tendências de orienta^-IU), que
tanto contrastam, conslitue desde muito um motivo de rivalidades,
nem sempre innocentes, com que surda e mais ou menos lealmente,
se gladiam easos dois grupos na preponderância e na primazia doa
melhoramentos e das medidas a adoptar; preponderância esaa, que
forma a pedra de toque para os magnates que se arrogam de inãuen-
tes, o pedestal irrisório das baaofias indívidaaes e todo o eateio d'isto
que por ahi se chama opintSo politica, e quo se deve sublinhar com
H8 CABO VERDE
rigor, para differençal-o, como merece, da levantada aspiração humana
com qne em uoesos dias o patriotismo ts as crenças democráticas im-
pellem todas as int diligencias c todas as actividades generoBas, em
busca d'esse ideal de uma perfei^'So sempre imperfeita a que chama
porgresno das naçScs e felicidade doe povoe.
Em resumo, pois : S. Vicente apesar da sua importância e da sua
significação tem sido descurada dos poderes públicos, por nSo ter re-
quintes que agradem e por nSo ser tutelada, pelos que intrigam, pelos
que arranjam tudo e de tudo se aproveitam.
O critério administrativo mais rudimentar aconselha proteger
o commercio a enraizar-se pelos seus capitães ás pequenas localida-
des. Mas a boa politica e as líçSes do tempo, têm-nos mostrado á evi-
dencia, A conliança que nos devem merecer os nossos tieis alliados
quando se trata de assumptos que se prendem aos seus interesses.
E' nunca esquecermos a anecdota tSo insinuante de Max 0'rell :
— « Um medico na Normandia ofereceu o niofriKto da metade de um
i-iinto campo qne lhe pertencia, a uma clientela ingleza pura estabdece-
irm alli V jogo de crickel; algun» dias depois d'eete acto de amahili-
diide recebia a noia aeguit»te : os membros do crieket dub fazem seus
citmprimunlos ao Doutor F. . . ejicar-lhe-kiam muito reconhecidos ae qui-
zesse ter a bondade de mandar tirar as bittalna que cobrem inttwU do
campo de crieket, que lhes pertence, e no meio das qiuies se jmrde a Mn
II cada mnmentOD.
Os inglczos sSo assim j e o costume faz lei, é o principio de todas
as suas annexaçiíes de território como eloquentemente o affirmii a his-
toria. — SSi) enérgicos, valentes e tenazes, encontrando no orgulho
.nacional o mais poderoso estimulo do siu heroísmo. Mas no commer-
cio sSo verdadeiramente temíveis; até no leito da morte recommcnda
John Buli ao seu herdeiro — meu filho, ;i'tnha dinheiro, honradamente
se poderes, . . ma» ganha dinheiro» •. N isto se reúne toda a táctica
ingleza: engrandecer a Inglaterra c enriquecer-se, seja á custa de
quem for.
Isto ó o que tem suceedido e va<- suocedendo em S. Vicente.
Hoje, <-6ta ilha verdadeiramente não é nossa, ou é-o apenas
n'aqiiíllo e pela maneira que os inglezcs querem que ella seja.
A quasi totalidade dos terrenos no líttoral, tanto do Porto Grande,
i Mox O-nW — Jokn Buli e
NAVEGAÇXO £ INFLUENCIA INGLEZA 89
como da bahía da Mathiota, onde se podiam estabelecer depósitos de
carvão, foram concedidos imprevidente e criminosamente aos ingle-
zes ; todos os melhores terrenos para edificações pertencem-lhes ; per-
tencem-lhes como a principaes accionistas as aguas de que se alimenta
a cidade ; teem entre as mãos o poder municipal por isso que empre-
gam no seu estabelecimento um pessoal enorme, que constitue um ele-
mento preponderante nas eleiçítes; teem as boas graças da auctoridade
administrativa, porque é sabida e conhecida a táctica acanhada e hu-
milhante da maior parte dos nossos governadores, quando se trata de
questSes que se referem a personalidades estrangeiras.
Teem o prestigio do seu dinheiro, que se impõe; teem a depen-
dência da alfandega, da capitania dos portos e da própria auctori-
dade sanitária, porque sào os seus vapores de reboque, que arvo-
rando, como que por escarneo, a bandeira nacional, os levam a visitar
os navios. . . a concederem ou negarem livre pratica aos vapores que
aportam !
Teem finalmente uma importância absoluta, porque a maioria dos
grandes influentes locaes, teem por critério de dignidade os instinctos
do cào vadio, e lambem-lhes as mãos, porque elles podem engorgitar-
Ihes o estômago.
Apontamos as especialissimas condições Ao S. Vicente, como fa-
ctores maiúsculos no problema da vitalidade de (^abo Verde e cuja
solução se impde com urgência que não admitte delongas, nSo só
porque se vae offuscando dia a dia, com todo esse rebojo de impre-
videncias com que os communicados, a sideraçâo dos interessados
e as contradicçoes ofliciaes costumam desfigurar os assumptos mais
simples do Ultrcamar, mas porque so vão a pouco e pouco esbatendo
08 contornos das cousas c dos factos que lhes servem de bases, apa-
gando-se de mais e mais o pei*fil sinistro das personalidades que a
elles se relacionam.
NSo pedimos peças de artilheria para S. Vicente; pedimos ape-
nas que a policia marítima intervenha para que a navegação não seja
ludibriada pelos especuladores e sob a responsabilidade das leis e dos
costumes, que se favor«*ça ao máximo, o commercio, mantendo para
tudo e para todos o prestigio inviolável da auctoridade e da lei, fa-
zendo votos finalmente, para que a dignidade e o patriotismo presidam
d'ora avante á orientação dos seus destinos.
«2
DescripQEo, historia e geographia
A iiiMvími.i (Ic Oabo VerAo., conetituid» pelo arc)iipchig(i do
iiii.sin" nome, uoinprcluiidondo o «riipo di^ Barlavento, formado pelas
illiits do Sal, BoiíViata, S. Nicolau, Santa Luzia, S. Vicente o Santo
Antão i e pelo de Sotavento que abrange S. Thiago, Maio, Fogo c
Brava, uléin de algunuis ilhotas desertas, está situada em frente da
costa da Afriea, lintre as latitudes boreaes 14°, 45' e 17", 14' c as
longitude» J*!",32' e l!t*,12' a W de Lisboa, e foi descoberta a 1
dií Maio de 14*!0 por Diogo (.iomes e pelo Oenovoz António de Nolle,
no servido àn infante U. Henrique, e nSo por Cadamosto, conforme elle
e Damião de Ooes erradamente o attiniiam, por isso que nfto só a via-
gem, a que Góes se refere, nSo se ellectuou na epoeha por elle apon-
tada, mas porque se deduz claramente da deticri]>^ão du próprio mer-
cador íoinovcz, useiro e vezeiro em arrogar a si as glorias dos outros,
que falsificara as datas e ok ueonteciuientos, como claramente se coii-
elue das objec^-òes de Lo|ies du Lima e do magnifico trabalho de Ki-
ehard Henry Major sobre n vida do infante D. Henrique.
CadamoSlo, eonio verdadeiro aventureiro que era, mereadejando
em viagens alheias, eontenta-se apenas em ir por duas vezes succes-
sivas com o^ pilotos portuguezes, já práticos, aos rios da Guiné, me-
lhor cevadeira para uiu esperto mercador, do que as peripécias e os
i-iseus de descobrimentos por via maritima, eiit&o mais do que hoje,
semeados de perigos e contingenciiís.
As ilhas que primeiro se descobriram foram as de S. Thiagci,
de Maio, Fogo (primitivamente S. Filippe) e deveram seu nome indis-
cutivelmente, ti eircuiustancia de terem sido, como dissemos, avista-
das a 1 de Maio, dia em que a Kgreja venera em commimidade os
Santos, cujos uoiuea lhes serviram de baptismo.
92 CABO VERDE
Parece que a Boa Vista (primitivamente S. Christovào) e Sal
(liliènna) foram também avistadas a H do mesmo mez e anno pelo re-
ferido António df^ Nolle, já em derrota feita para Portugal*, e as reg-
tentes visitadas successi vãmente pelos emissários do primeiro dona-
torio, o infante D. Fernando, irmão de el-n^i D. Affonso v.
Estíí archipcdago constitua com todos os visos de probabilidade
as falladas Gorgonas dos Phenicios e Carthaginezes, a que tanto se
referíí João de Castro seguindo as indicações de Plinio, e nâo as Af-
fortunada», como quer erroneamente JoSo de Barros, titulo esse, que,
segundo averiguações incontestáveis, foi dado pelos antigos ao archi-
pelago das Canárias, que lhe fica mais ao norte.
Essas ilhas doadas, com as outras já descobertas e por desco-
brir, com carta de isenções e liberdade e o exclusivo do trafico e
resgate em toda a terra finne que lhes ficasse defronte, ao infante a
^ue nos referimos ; foram encontradas litteralmente desertas pelos
descobridores, inclusive a de S. Thiago, que Feijó e outros affir-
mam infundadamente, achar-se já povoada pelos negros jaloíos im-
pí^llidos anteriormente por correntes e brisas da Guiné, por isso qur
íissim o declara cathegoricamente Diogo Gomes e um grande nu-
mero de escriptos referindo-se a essas descobertas.
Para povoar as do Fogo e S. Thiago mandou o infante em 1461
casaes do Algarve, capitaneados por creados seus, e em companhia
do descobridor, de Diniz Eannes e Ayres Tinoco, os quaes, utilisan-
do-se das latitudes da concessão, resgataram na Guiné grande nu-
mero de escravos para o arroteamento das terras, elementos estes,
que pelo seu cruzamento e proliferação, deram como resultado, as
três variedades em que se dividem, hoje, os habitantes do paiz: typo
branco, descendência pura da gente europêa; — preto^ resultado da
alliança dos negros da Guiné entre si; — mulato^ producto do cruza-
mento dos primeiros com os segundos. — Esses últimos augmentaram
em muito, desde os fins do século dezeseis, em que começaram a ser
mandados degredados^ para o archipelago, e hoje, devido á cessação
1 As ilhns foram descobertas por (lomes c Nollc na volla e iiao na ida para
a Guiné, como erradamente íifTirrnani Lopes de Lima, Valdez, etc., etc. Re-
conhece-se isto com evidencia pela descripçao feita pelo próprio Diogo Go-
mes e transcripta no livro de Major já citado.
* Esta abominável medida de colonisa(;ao foi fehzmente sustada, para
CalK) Verde.
DESCBIPÇZO, aiSTOBU E GEOGRAPHIA 93
abHoliiUi rir novas rcmvssaií do itogru» da tíuinú, o u" aiigniunto do
potfsoal I iiropeii, iiílu aú pela miittcrusit importação administralívfl,
iniií* pela iifllui-ncla scrapri' cresccnt"' da iiavcp.içJln, tijin i[ubhÍ qut;
dcsappamcidu cm muitas illias, ii ty|>" cthiopico i-ararterisEim, ha-
vrndii cm Uxhis cresci d isBimu uiiidito dv branco» nativo», <■ doininandn
cm absoluto um lypo bybrído miiitn apunulo, tanto nob o ponto Af.
vÍHta niorpliolugico, como da psyubolngia, no ipial predominam oa cara-
cteres accontuitdos das raças curopêas e que constitue o chamado —
Oroouto.
Essa VHrii'ilade c aquella que m<dbor m' conjuga ás condições
t'limatiilngÍL'aít, <: cm quem mais nitidamente se revela o esjtirito pa-
Iriotico pelos interesses especíalisados do paiz, e o sciitiuK^nto peias
KUfls tradiçiles.
lia creoulo de difFerentcs aguas, conforme a maiiu* ott menor ]iu
reza dos taetores que se cruzam. Assim, elle é mais ou menos Iri-
Ruciro, mais ou menos intellig<'nte, conservando porém sempre o que
quer qui' seja de exclusivo c característico, que lhe dá um typo i)ro-
prio e reeonliecivel á primeira vista.
A sua physionomia em geral tem a expressào e os d<'lineamentos
das ruças aryanas; seus cabellus sâo j>retog, sedosos e encaracola-
dos, e no seu idhar de uma limpidez de espelho, parece trcmelu/.iv a
serenidade das sensações tranquillas, irradiando do seu espirito iti-
Iraliido e apaixonavel, a delicadeza poética do mysticismo supersti-
cioso, que envolve a sua existência caracteristicamente indolente, tivn-
te-se n'elle a energia de uma raça que se perpetua, mas o seu cara-
cter é tão apathico, tem aido tão mal orientado na sua educaç&o moral
I'- hygienica, que dctinha-se pela si.- n suai idade, delindo-se na corrupção
e na crápula!
Não sa1j<' lazer valer os seus direitos porque nSo tem tenacidade
na reacção nem no protesto, tendo-lhe creado a sua apathia como
que uma tolerância para os sottnmentos, e para tudo que não tira o
seu orgulho.
K raríssimo observarem-se no creoulo algumas d'essas doenças gra-
ves a gerarcbia espeeialisada, que tanto avolumam os quadros d» pa-
thologia universal; em compensação porém, é impossivel talvez en-
contrar entre ellcs uma creança que não tenha dilatação do estômago,
proeminência i^exomphalia; do umbigo, dentes careados, siphose ou
outra qualquer deformidade; uma única mulher que não soflíra do
útero e que não seja vexada nus períodos meustruaes, homem algum
94 CABO VERDE
que apresente uma saiule franca e sinceramente accentuada: — IckIos
se queixam e todos se abraçam aos castigos que o N^uifuo tíenhor lhes
quiz dar, como }»or habito c estupidamente dizem.
Mas e(mtinuando sobre a historia do paiz diremos, como consta
dos documentos, que por morte do infante D. Fernando, essas ilhas
reverteram á Coroa, para serem novamente doadas por El-Kei D.
.loào U ao Duque de Beja, d*onde resultou ficarem mais tanle nella
encorporadas por este ter succedido no throno em 1400.
Até princípios, porém, do século xvi só S. Thiago e Fogo tive-
ram verdadeiramente população fixa e de que mereça fazer-se menção,
tendo-se })ovoado as demais ilhas no decorrer desse século, incluindo
a de Santo r\ntào, que ao contrario das suas irmãs, andara sempre
aleada por doações successivas, até llb\).
Em uieiados d'e88e século, comtudo (1532), a populaçrio d.i pro-
víncia era já tào avolumada queellafoi erigida em Bispado e mais para
os rins do mesmo século em governo geral, subordinada a generaes
como ainda hoje succede, apesar de não ter até ns fins do século xvii
outra significação politica do que servir de ponto de escala incidental
ás nossas armadas, nas suas gloriosas viagens atravez o Atlântico.
Dessa epocha em diante, é que o desenvolvimento da sua agri-
cultura, favorecida em muito pelos Madeirenses, que se estabeleceram
successivamente no Fogo, na Brava e em Santo Autào, conjugan-
do-se aos grandes interesses e recursos trazidos por uma navegação
sempre crescente para Boa-Vista e Sal, deram vida ao commercio,
impulsionando varias industrias (como a da cal, da louça, da tintura-
ria e da distillaçào (hoje perfeitamente abandonadas), chamando assim
sobre ella a att(;nçào politica da Metrópole e a importação (rosses ambi-
ciosos inúteis qr.e puUuIam e crescem de mais e mais como parasitas
que se nào ceifam, nos quadros da sua administração publica.
niu do Fogo
Ao encetarinou a descripçHo especial de cadik illm do arcliipcln;;!)
i'i) miávamos [)cla illm do Foffo, nSo só por ler sidn cila a ten-a oiido
iiiiiis nos demoramos, mau porqix' o sen nome sabe aquecer seiíipru
o nosso enttineiasmo, alimentado alíáe, por sentimentos bem sympatlii-
oos <' recordu^òes bem profnmlas da nossa cxiatrucia.
A illia do Fogo í a prtmittvii ilha do S. Filíppe, cujo patrono é
ainda lioji' consHgrado eomo nonii- da sua Villa principal, situada a
W, fnmtoira ú lirava, que llio tiea afastada apenas oito milhas, numa
elevHçSii árida o iiifírata, dominando o jxirto da Villa que lh(t Jaz aos
pés, e distanciada do dois kilomi-tms appnixiiuadamoute do da Nossa
íSenliora, mais ao sul, e com o qual porto i-onimimica, riílu só por
borda mar atravc/. uma lon^a praia de areias movediças, mas por
cima, por luua estrada de utilissima coní>triict,'>lo, qiio ni\o satisfaz po-
rém cabalmente ás oxif^cmiaB di> transito.
Está silmida a 1 4", .'»■'•' latilude N. e \W,V<:\' longitude Oec. de
Li»boa.
Tem 4ó miUias de cireunilereiíeia e medi- íii de W. a E. e 14
de N. a S., regulando a sua superfieie eui 144 milhas fpiadi-ailas.
Os seus portos j)rineipaes silo o dos Mostcin>B a N., pouco se-
guni e desabrigado jiara navios de grande lote, mas muito frequen-
tado pelos himliiftr que vntrctf-ni hí^ eouimiiuica^-ões d essa parte da
ilha, riquissinia como verenion, eom a Hrava e principalmente com a
de !S. Tliiagi), com quem cila vive i-m mais estreitas « importantes re-
laçiíes comuu^rciaes.
O porto ibt Villa e o de Nossa Senhora, servem alternadamente
de aneoradouroa eui epocbas seguidas do anno, utilisando-se o pri-
meiro no tempo das chuvas (julho a novembro), e o segundo na esta-
96 CABO VERDE
çSo das brisas (novembro a junho), e isto devido ao phenomeno da re-
moção de areias, que se dá também em S. Nicolau e pela mesma epo-
eha entre os portos do Barril e da Praia Grande, remoçlo essa que
se tem tentado explicar por varias theorias engenhosas, que nâo co-
lhem, e que consiste, simplesmente, na passagem periódica e annual
das areias que constituem as praias, e em parte mesmo d^aquellas que
revestem o fundo dos respectivos ancoradouros, de um para outro por-
to, e isto devido talvez á direcçãlo das correntes e das ondulações
açoutadajs favoravehnente a(» sentido d'essas mudanças, por isso que
no tempo das chuvas dominam os ventos de quadrante Sul e no das
brisas as ventanias impetuosas do Nordeste.
O Fogo é a única ilha do árchipelago onde nâo ha hoje uma ponte
ou cães que lhe faciliti* o acccsso, effectuando-se por isso, tanto o em-
barque dos passageiros, como dos iniportantissimos valores da sua pro-
ducçSo (café, eereacs e purgueira) por meio de pequenos botes que
abicani á praia ou são impollidos ao mar depois de carregados, á força
de braços, (muito siinilliantemcnte ao que se faz no Calhau da Mívdei-
ra), ás vezes com grande risco de vidas, por isso que o mar quando
embravecido poc em imminencia de naufr^igio essas pequenas embarca-
çdes, chegando mesmo a sua fúria a ser intraetAvel durante diaa con-
secutivos, o ([ue traz sensíveis prejuízos á navegação e ao commercio.
E extraordinária e de impositiva admiração, a perícia, a coragem
e a destreza com que os indígenas capitaneiam esses botes e esprei-
tam os jazigos, para affrontar essas ondas tão revoltas e tão ameaça
doras.
E preciso porem, (pie o passageiro s< ja prevenido de que é praxe
seguiíla <' estipulada entre elles, o niinu)8earem os seus hospedes com
um l)anho mais ou menos completo, sempre que esses os não gratifi-
quem tão largamcmte quanto exíge'a sede insaciável de aguardente. . .
com que pretendem, desde séculos, matar o immortal bicho da sua sel-
vageria brutal.
Não ha pontes, e segundo aflirmaçòes dos teehnicos, nunca as
jioderá haver sem dispêndios fabulosos de dinheiro.
Esta questão não está, porém, be«m liquidada; isto é, as attínna-
tivas apesar <le serem altisonantes item(>l-as ouvido a governadores,
a directores d'obras publicas, e a alguns oitíciaes de marinha), não pa-
recem apoiar-se, por emífuanto, em estudos e averiguações tão posi-
tivas que constituam um absoluto motivo de dissuação. E como o as-
sumpto é de transcendente importância; como temos ouvido também
ILHA DO F06O
affirmaçSes contrarias a pessoas auctorisadae; como finalmente estamos
habituados a ver todos os dias reatisarem-se milhoramentos considerados
impossíveis |ii'[a cpiniSo teclmica, eomo pontes na ilha do Sal, cana-
lisaçao de íiguns em S. Vicente, ete, etc: galgamos irrcvurentes p«r
sobre o monumento das opiniiíes technicas, e continuamos abida, tal-
vez siderados peln línergia dos nossos desejos, como Galileu o foi pelo
êxtase das suas convicçfSes. ., não sò n dizur, mas a acreditar sinee-
ramento, de quo uma ponte na ilha do Fogo é praticamente realisnvel.
Perdoc-uos ti opiniSii teehnieti, tuas niSs, como toda a gente, te-
muR pleuii direito de nfto respeitar o principio da auctorídadt:, quaudo
elie tluctua sobre factos que n&o estão devidamente estudados, e accei
tando-o mesmo, pertencemos u essa tempera de homens que quando
chegam a querer dt^veras, pensam sempre que nada ba de verdadeira-
mente impossivel.
A sua po|iulH^Io, segundo a sua ultima estatistiea, regula por
Hi;í)(KÍ almas, habitando 2:797 fogos e distribaídos por quatro fregue-
zias f. Vossa Sifnht/ra 'la Concei^ãu, tí. IjOurenço, Santa Catharina e
Noêsa Senhora ã'Ajui}a) sendo a mais populosa a de S. Lourenço, que
abrange uma tSo longa área e que é tSo tnal servida de caminbos, que
se torna de manifesta e urgente necessidade a fundaç&o no sitio de
8. Jorge de um cemitério e d'uma egreja devidamente parocliiada para
preencher as fnncçiTos religiosas com rela^;5o ao povo miserável que a
povoa, como aliás foi indicado urgentemente pelos médicos na ucea-
BÍlo das celebres epidemias de IHH7 a 1N8ÍI, em que cadáveres pu-
trefactos jazeram por dois e três dias insepultos, pela difíiciddade de
transporte atravfz de ravinas escabrosiis e invioa trilhos, o que eon-
stituin ujna das mais sériaa diffioiddadea n'eBsa cpoeha calamitosa era
que a mortalidade subia a dezenas, rareando concomitantemente os
braços válidos, para traraporti' de fiirdos tSo pesados.
Nem o governo, nem o chefe da egreja a quem foram aproaen-
tadas as justas iudicações a lai respeito, attenderani até hoje a esta
impositiva necessidade, o que nil'i admira, atteudendo a que continuam
impune e saudavelmento a profaimr tudo o que ha de mais respeitá-
vel no:< costumes e nas próprias crenças, as Guitas, soleinuisadas sel-
vagemente a altos brados por toda a parte á sombra da imbecil to-
lerância administrativa, cnmo suceode em S. Nicolau ; as pousae (pa-
ragens acompanhadas de cânticos, fbitas pelos paroclios pelas ruas e
vm todo o transito fúnebre a 2|940O réis a dúzia) essa especiilaçUo em
voga principalmente na Brava; e finalmente esse espectáculo vergo-
13
CABO VESDE
nliOBo a que aBsistimoa na ilha do Fogo, dos santos andtircDi, pelos
letitaH d«! janeiro, vilipendiados nas ruas e estradas piiblicas pt-la i-in-
hriaguez d<d vadiua, arvomdos em iipuBt<iÍii!i. i; jielu i't<pi-L-iilaQS(> de
vendilhões, patrix^iiiudos j)ela8 Jiintus de Parufhía.
Os «borigcnen da ilha, segundo as alHrinativas unaninies dos au-
utores, deviam ai-r descendi-iites dr dimiiiutoG casaes eitropens e doB
negro» transportados di-sde logn dii líiiiiié; isto «. dos primeiros uti-
tonos, crinãos do infante \). Keniando (Beguudo atHnna Lopee de Li-
ma, etc), e dos eaer.-ivoa iniportndos para o urruteam* iito dus terras.
Kssii origem genealógica v uma pecha dura de roer, bem o ga-
bemos, para ílliístres i-on terra lieos nosaos, cujas pretenaòea nribiliar-
ihicas se estenderiam, segiuido pareci-, por iihi ulóin, nttingindo e ul-
trapassando mesmo us decantadas cni/.udas,. apesar das cati-chescs du
sua terra santa. Mas consoleut-se os desílludidos t)dal}>;oa. que o tem-
po tanto dÍBsipa ax côreB vivas dos brazòes, como ns tintou baratas dns
libréa, e u transfnrmisnio, no ami labutar incessante, nio respeita ru-
ças, como nSo respeita gerarchias, resumindo -se tudo tinalmeiite na
evriluç&i de uma serie iiitinita ile formas, maia ou mcniia boUus, mais
ou menos admiráveis.
Lhomme, hUmc eu Em-ope, jaiuie mu Anit, rouffe fti Anmri^e, noir
en Afrique, «'«"' '/wf le- mime miUvíilit leiíit de In cuuJrur iJii clmat,
dizia Butfon. E BuSím dizia bem, porque i' homem, qualquer qui-
seju a Bua conliguraçílo e n hiiu côr, è e será sempre o condeiunado
Prometbeu. Tantn miiia desgraçado iinantn mais ixigenic for o paladar
do Biiii sintir, tanto mais admirável quanto mais ami>Ift i'>'>v » cajtacidade
eoTicepcii inal do sen espirito, iptunto mais larga fúr a amplitude da sua
justiça, quanto mais eftíeaz (Tir o exereleio ibi sua utilidade.
Foi, é, e serà etemanfnte, esse aomnambido que atravus&aa vida
a altitudes ditTerentes, sempre laileado j)elo dealumbrainento de mil li-
luaSrs mentidas e pelas liorripilações da tétrica moi-te consoladora. . .
apenas um fuminibulu do destine, que trop.i,-a a eada [>a88o nas rude7.!is
de nm eaininlio aem meta, Índefe9i> sempre ante o olhar de Deus quc
o fita de altii, preiíecupailo e vwillante ante a prepria cunaeiencia que
o perturba de dentro.
Oonsolai-vos, pois. oh pseudo tidatgos ; que >■ liuniem, nobre ou
plebeu, branco, amarello ou negro, nSo é em vida seii^> niii aoni-
nambnlo funanibu1esi-o mais eu uieuoa destro, e na morte apenas a
transpoai^So de um termo, nuasa immcnaa egiialdade, que se diama
— natureza.
ILHA DO FOGO 99
A configiiruçâo da ilha apparcnta-a a um enorme cotacco, cujo
dorso gigante correspondesse á alterosa serra quí^ se lhe ergue no
centro, desenhando-se com os seus grandiosos c. pittorescos contornos
de L. a W., e dividindo-a em duas zonas bem distinctas sob o pcmto
de vista climatologico e agrícola e bem differenciadas, na paizagem,
no género de cultura e no próprio typo dos seus habitantes.
Assim a região N. é fresca, arborisada (* rica doesse precioso café,
hoje de uma roputiiyUlo tào justificadamente europêa. Os seus filhos
são enérgicos, o s<'u solo tem as ah^grias da vegetação, o seu clima é
delicioso; e para tudo ter de b(mi, possue o mais respeitável, o mais
bondoso e o mais caritativo padr<* <pie ainda conhecemos, o Revd.®
Padre João, tâo simples e tao ehristílo, estremecido pelo povo e aben-
çoado pelos infelizes . . .
A zona S., ao contrario, v árida, c secca e desconsohidora ; se
chove, produz abundantemente cereaes que exporta em quantidade;
s(^ não chove, Uiida pn»duz, immergindo na miséria milhares de des-
graçados, que arrastam então uma existência amargurada pelos de-
sesperos mais sombrios. E sendo, como é, a região principal do pas-
cigo do gíulo, (í não havendo, como não ha, policia rural que promova
as inhumaçoes, as estiagens ainda lhe trazem como séquito, as pes-
tilentos emanações dos cadáveres putrefactos.
E tudo isso, ainda assim, nada vale eompanido com as torturas
por que seus habitantes passam, por <'tí*eito da deficiência de agua.
Na ilha do Fogo, apesar de haver muitas nascentes e da melhor
qualidade, o povo e os i^ebanhos agonisam, tendo um flagello que os
açouta — o calor — , unia angustia que os dev<»ra — a sede ; verifica-se
ahi com uma realidade que compunge, o terrivel supplieio de Tantah» !
Etlee ti vãmente, estas nascentes são situadas a grande distancia
dos centros populosos e ditticilinente transportáveis, praias accidentaes
vicissitudes do terreno, de n)odo que, apesar dos muitos esfi^rços em-
pregados até hoje para facilitar o eommereio da agua, as diíficulda-
des são tantas e reproduzem-se tão p(»riodicament(* com as chuvas,
que não tem sido possível garantir sempre á população, mesmo por
100 CABO VEBDE
pi-eç" «iliíViídii, A quaiitidíwli' d<' que (■Jiri-ci- para a» siiiwt iici-csMÍdadcis
r- para n aiia hygiem-.
Nili> si'Í oiii qiiaiilo rstó orçada a iilira da pmtwçiío it <-ii('aiiamrnl<>
dní- agiias Pmia Ladrilo (imacuiitii prinripal) atè liorítioiíti* livres f.
dvitniidudou de porífj;"», iiuis o que a i^xporioncia panei! ter (IcmonM-
trado A evidencia, é que os t>Íiuulai-ros de garantia, esMu sopIíÍMiia
i-»m que a ocimoinin tem até liuje pretendido ílhidir a itrruganeia ini-
petiioiía c brutal diia chuvas, vae sorveiidi' a puíiueuiiM tragos recei-
tas relativamente ci>usideravi-is, cieui que jior íhhii se tenlia iditíd» uni
único rcuultado, dotínitivo i- apreciável. K esta illia, pela huh impor-
tância actual, <■ pela grande sÍgnitica^-ão q\u- deve ter no futuro, pa
reco bem merecer um sacrificlo por maíor que elli> soja, coneeniente
a .Miciar-lhe a sede. Tanto mais, que- a n'alisação d'e8tc pensamentti,
trazcndit com» consequência prfixima o desenvolv!ui<-ntu rapído <ri'Mle
ramo de tSo alta importância C()rameri-inl — o gado, — e uui augmento
immediato de todas ais forças vítaeii da sua popultiçild, augmentaria
desde logo a sua riqueza, em quantidade que se nos afíigura (talvez
por sermos medico) capaz de equilibrar as despezii^ :i fazer, por maior
que ellas fossem.
Canalisem-sc pois as aguas. façam-»e reprézas nas ribeiras, eonio
pensa o director dns obras publicas, coustruani-xe eiatemas como
querem outros, explorem-se nascentes como aconselha Annand, mus
r<í8olva-se essa crise de cedência, de certo bem mais digna da prew-
eupHi,-So do estado e dos aíFagos da caridiuli-, do que todjis as decan-
titdas fomes, contra as quaes tanto dinheim e tanta rh<ti>riea se tem
(!Sj)e rd içado.
A ilha do Fogo é uma das illms maia ricas, mais popuínuas e nuiis
illuHtradas nas suas class<.'S superiores, de todas as do anbípelago.
E' fértil r productiía, e os scus habitantes morrem ú fome; tem
agua «m abundância e n seu povo detinha-s<' ú sede; tem to<bis af-
condisses d'um clima de primeira ordem e ó âagellada de continuo
por hecatombes pathologicas, ci>mo as terriveis epidemias de l>i87 a
I8SÍ* e de 18íí8 a lysí) !
E' um paiz verdadeiramente iiarjidnxal. l > seu vuleão que- aiionta
para o cijo, derrama para a torra as lavas que a stspullam c csterili-
sam ; a sua sociedade que tanto se orgulha de eivilisada, encara as
massas com tal indiffcrentismo, que as paralysa para o progresso e
as aniquilla para a felicidade. O trabalhador da terra vive alli ligado
a ella pela imposição de um destino impositivo e dum, sem consola-
,, ILHA DO FOOO 101
i^m-a rio jiresciite, som siHidudL'» il<i |ia$ijii(l«, c sem filiitijus de uspi'-
raiiçaH no fiitiini. O hiu olliar H<'ru vida roílcctc itiigiiatins de tnste-
znn tcnrbrosas, e iiii smt |)hyBÍt>iiomi:i aeiii cxproBSíU), csbjite-sc a hu-
inilrtiHtf alvar d»» i^xistcncias torliiradas.
Nada ha mais <'oiitmovi-ati' do quv ainaHCiíra da miiícna, i[iiaiido
uclla ta: pinta a i-tttiipidiiz, a í;;tiuraiK-i;t c a ODiídetiiiiaçilo. K ull<' ■'
mil i- onde mil )ulo. Ooiifli-miiJul» até pela patliolofria ; ii'ii)wl-s hiiiiom dn
morlandadi; n qiH' iiok referi mos, i-iii i{U<- taUecoram L-oiituiias de pcK-
so;(8, cm qiio se podo ualciilar o nmiioro de atac;idos 8ii))iTÍ'ir a ir>:IKKl,
só i-Ue, " imdctario, diT\'iu dis pasto á iiiortu, aó «lio povoou ou vc-
iiiiterios, cijiiio se o Dcu^ da boudadc a de jiistiya Ihv: quizcsBc dar
ri'iii>> <'oin|X!iiíia^-íUi i-xtroma, na paz da torra a paz da srpiiltura.
Xada )ia quo uompUquo mais o dt-sonvolvi mento civilisadi)r
d'i'ttHa ilha, i-omo a di- S. Thiago. onde af mantêm ainda nu povo
mais accent liada m<:ntt' os )iabÍtos da siibordina^-So, o terror t.txagi^i-ado
;l aiicloridadc, o desleixo pela vida, u todos na maia attributus iidio-
ruiiti's á sua primitiva condição servil, do que a péssima dÍBtribttii,-ã<i
a{;raria, a notri-guidio insaciável do alto commereio o as condi^-òes ex-
jxiliadoras e oppreasivas dos arrendamentos dii pi'oprÍedade.
O arri-iidatario na ilha de .S. Thíafro, attento ás clausulas i-sta-
lH'lci-ída8 para os sobreditos contractos, (alguns já publicados como
spf^cimenB e lídns até na camará dos deputados cimio arj^iimentos), li-
cam mais i-scravisados pelas iiuposiyiíes estabclecidsis e mais depen-
dentes do proprietariri pelas cinuimstancias peculiares á sua ignorân-
cia, aos seus recursos de appellaçSo e ás energias do seu protesto, di>
que o mais miserável e lastimoso servo da antiga e connnentada gh'ba.
No Foffo nito ha os contractos, mas ha o conluio commercial que jus-
litica plenamente essa afhrmativa do dr. L<Teno: «na ilha do Fogo ■>
negociante está para o povo, como a cabra eslÁ para a planta*, cimi-
panm c disse bem, o iio8s<í distiucto collega, c nós repetimol-o, por-
que nmicu» Planto »k<í magia arnica veritnx.
No Fogo dá-se um facto que chega a ter ioroh de originalidade,
traduzindo uma das linhas mais accentuadas da sua physioitomia so-
cial. K' raro existir na burocracia, no magistério, iia agricultura, no
eomincRÚo ou em qualquer das applicaçiícs mais elevadas da sua )u.-ti-
vidade, um único europeu, ou mesmo qualquer filho distincto das ou;-
tras ilhas do archipelago.
E o caso V tào extraordinário, que nem o próprio judeu pi'ide
metter ainda o d^ote na sociedade impenetrável dos Fogueteiros l
102 CABO VERDE
O facto, porém, tem uma explicação fácil c esta bem longe do
vestir as formas gigantes da inviolabilidade tradicional na China, rc-
.siimindo-se apenas no principio natural da lucta pela existc^ncia, c em
iiâo qucirercm os Fogueteiros, que sabem comer, que outros de fora
vcnliam disputar e partilhar cora elles, o que directa ou indirecta-
mente pertence á sua t(írra; por isso as classes superiores, constituí-
das por três ou quatro familias numerosas que se entrelaçam e se
apertam, principalmente sob o ponto d(í vista dos interesses materiaes
da vida, teem-S(^ feito por tal modo solidarias e zelozas no exchi-
sivo de todas as ganâncias c de tod(»s os empregos da loralidade, «pie
tornam nimiamente impossivel a extranhos o estabelccerem-se alli
como concorrentes, sendo pelo contrario uma das ilhas onde o es-
trangeiro, em geral, encontra a mais amável e a mais fausta hospita-
lidade, sempre que a visita como simples amador.
Basta dizer- se que, apesar da sua importância, das condições fa-
voráveis do seu clima e do avolumado algarismo da sua exportação,
só existem n'ella estabelecidos, hoje, dois europeus que saibamos: o sr.
António de Macedo, pae de um dos mais distinctos cabo-verdeanos, o
nosso amigo Joaquim de Míicedo, e o sr. Ârmand de Montzond, fran-
cez exilado no centro da ilha em uma verdadeira Thebaida, sobre
quem mais tarde fallaremos detidamente, como merece*.
A paisagem da ilha é grandiosa e rude, enfeitada com todas
as galas da vegetação sombria dos cafetaes ao X. e com todos os re-
quintes luxuriantes do milharal, que na epocha das chuvas se estende
como um grande manto sobre a zona 8., aliás salpicada aqui e alli por
espessos tuffos de verdura, como Pico Pires, Orgâos, Pedro Homem,
Cerrado, etc, verdadeiros oásis ás ardências do seu calor abrazador;
j)ara onde os patrícios se refugiam na epocha pluviosa.
I)(;staca-se na extremidade E. fronteiro a S. Thiago, como uma
sentinella vigiando o largo canal que as separa, o vulcào ; alto de
.*):200 metros, comparável pela sua grandeza ao grande Etna, exce-
dendo portanto e em muito, ao Hecla e ao decantado Vesúvio.
Doeste monstro a entranhas de fogo, cuja descripção foi magis-
ILHA DO FOGO 103
tralmente feita pelo sr. Brito Capello em relatório especial, transcri-
pto hoje em diffcrentes documentos disporsos, nSLo podemos nós fal-
lar sonâo com saudosas e impressionistas recordações, por isso que
nâo conseguimos galgal-o senão até á altura de 2:500 metros, por ter-
mos sido brutalmente castigados na nossa tentativa (cm janeiro de
IHHÍ)), por uma tempestade tâo violenta, que nos ia reduzindo os ossos
n'um feixe, marcando-nos a todos por largos dias, n'este sitio vulne-
rável onde, segundo Camillo Castello Branco, as costas mudam de
nome, com vestigios indeléveis dos atlagos dos seus declives erriçados
de blocos e atapetados de lava.
Nào tentaremos pois, descrevel-o com o material das próprias
impressões, por nào encontrarmos em nossa consciência de chronista
08 estimulos de heroicidade que outrora animaram o espirito de Xe-
nophontí? na descripçào ila decantada retirada dos 10:(M.H).
(Ji taremos apenas os nomes dos nossos sympathicos e destemidos
companheiros Av infortúnios, José e Pedro Monteiro e Joaquim de Ma-
cedo, a quem decerto a dedicada amizad<' nào consentiu abandonar-nos
em tílo arriscada ompreza, nào podcmdo egualmente deixar de annotar
aqui, como preito de justiça, a admiraçào que nos scmberam excitar as
mnlas do Fogo, pela coragem, pela resistência com que se portaram e
pela sobriedade com (jue se houveram, em tào prohmgadas como an-
gustiosas circumstancias.
E deixando assim orientada a curiosidade do leitor, se a tiver, por
esses phcnomenos titânicos coni que a natureza sacode de quando em
quando as loucas vrllcidades humanas; limitamos a affirmar que n^es-
ses terrenos exist(^m o enxofre, o sulphato de soda (a ([ue o indigena
chama rtnifrn) e a |)ozzolana, e a citíir as datas das (»rupçòes mais
violentíis, que eom<'^*ariani segundo os documentos, <'m 1()S0, sendo
mais ou menos frequeiítes e siiaví^s até iis terríveis <le 17sr> e 17íMí,
datas que estabelecem como que o inicio de um grande intervallo de
acto n'es8a extraordinária tragculia geológica, tragedia que recomeça
em 181<), como que intercortada ])elos soluços íinaes de um choro de
gigante, pelos ruidos subterrâneos e pelos tremores de 1H4<) e 1S52,
tào phantastieamente desenhados ainda pela tradiçào fallada. em toda
a ilha, t(*ndo tido logar a ultima enipçào s<'gundo as attínnativas lo-
caes em JHi')7.
Hoje a fogueira parece completamente extincta e o monstro ap-
parenta dormir. Sente-se, entretanto, ainda na Brava, como outrora
succedia na Sicilia ao bafo e ao remexer de Euclade, violentas oscil-
CABO VEBDE
IftçíKes de tcTi-eiin, Mlmiilacros asãustadoros de verdadeiros terramotos.
A primeira visita tui cume do pico e ao vuIcSo foi feita em 1819
[idos ofBciatía da marinha inglesa Vidal e Mugde, que naturalmente
nJLi) arviirarani ali deaSe logo a bandeira vermelha, por acharem pouco
estável aos iatereãsbs brítaiinicos a carcassa '"icr de uma mimtanlia
de fogo.
A auguuda (bi realizada por Brito Capello em 1H5Õ, á qual st;
tecm seguido varí&s outras ascensões de tourisU, entre as quaea se cíta
mosmo a de uma menina portugueza, a ex.** sr.' D Laura Ribeira
lU Silva.
Precisamos por^iii accrescentar, (.'omo resalva do n>jsao amor
próprio, qup toda essa gente, incluindo a illustrc senhuni a que aca-
bamos de r<(ferÍr-nos, subiram alli na epocha própria, Hcgiuido u phnuíL'
crystallisada na iocHÍIdade ide março a junho) e nito r-m janeiro como
nós nos aventurámos, apesar das coutra-indií-açUes unanimes de toda a
gonte, aiictnrisada e nSo anctorisada da terra.
Mas se do viilcS<< nSo puderiamos informar aenh.' por allega{;i)es
alliêas, nâo succede o mesmo fom relaçio As grutas e á grandiosa per-
spectiva da Serra, erguida a 2:915"' c que i'sculám08 i>ob os ardores
de um sul do moio dia, cm companhia do infatigável Augusto, único
guia »a companheiro que ponde comnoscu levar a cab<> tAo fatigante
f extcnuadora iiscitisao.
A Serra, ê a grande niontanlia que so antolha da Villa, e que
conetitue de K. a W. o negru cortinado que veda o mugustoso Pico,
eapreguiçando-se du lado, si^m declive» suaves titi- o mar e que cortada
perpendicularmente «obre i> M. em uuia enorme extenstlo, como que
constitue iMiIas columnatas '«ticnteH dos seus mollcs de basallo em
forma de exelaiua^^ea, uma lajiide cjionne onde a natureza Inaerevesse
a sua admirável) extrema jielo vutcSo que lhe fica fronteiru e que
parece ter tentad" «lia em vio, inipellir «tibre u mar.
O panorama da Si^rra é {^andiusK e é h.-llo. Do lado Norte a
verticididadi- du abysmo, i-ni eujn fundo, <indnlnm as sombras do valle
como phantasmns amedrontados pelu vulcão que dumina tudo, agitan-
do-so junto is paredes a [jrum'! da montanha cuntrn as quiu-s embatem
debalde. Do Sul, um e.niirm<' deelivi' «mie si' dtscnhain pequenos po-
voados com suas habitaçiics di' colmo, tamarindos gigantes vestidos de
glauco, caminhuB zig-zagantes coiui> grandes fitas flexuosas, e aqui e
alli ... 11 vermelhidil'1 de teetos aguçados, na rGfriiei,!lii viva das suas
Coberturas a telha de barro.
mOA DO FOOO 105
o panorama da Serra, abrangendo a quaet totalidade da ilha, sul-
cada por mil ravinas escabrosas, alcançando a inunensidade do mar, t-
enxergando, a distancia, a Brava e S. 'ITiiago nus delineamentos va-
gos de uma separaçSi» de léguas, cnnstitue de cirrti' um (los pontos de
vista mais amplos, mais pittorescos e mais suggestivos da itbu, com<i
a gruta do Ghón-ghõn ' representa, pela sua legenda e pela sua gran-
diosidade, o local mais recummendavel ao totirinU, e a tapa da Redem-
pçào, o sitio mais animado de recordações e saudades para nós e para
todos OB bons companheiros que nella se abrigaram na terrível e in-
olvidável noite de 3 de janeiro do 1889.
A gruta do Ghôn-ghôn, situada no monte Nhuco a 20°* acima
do alveo da ribeira, que lhe c»Trf aos pés nas epochas das chuvas,
tem subjacentf u conhecida nascente do Nhuco, pitturesca e aprazí-
vel excavaçSo na rocha, cuja abobada gotteja n'um desfalloeimento
de pedra murmúrios suaves, a que o isolamento profundo do sitio dá
timbres de uma dnçura melanchiilica ; esta fonte protegida pelas som-
bras do valle e enfeitada por fetos, avencas t? musgos, tem os encan-
tos de um nicho de fadas, onde se gosa uma atmosphera fresca, em-
balsamada e deliciosa.
A gruta communíca com o atalho que conduz á fonte, por um
trilho quasi vertical desenhado no talude da montanha, o qual trilho
vem dar directnmentt^ a uma pequetia plataforma que dá accesso au
aeu pórtico de 2 metros de alto, aberto a W. e que pela sua conti-
gnraçfto iim tanto triangular, muito se assemelha ás antigas habitaçSes
dos Hebreus.
A lenda reveste esta fuma (como a chama o povo) das mais trá-
gicas e myBteriosas tintas do maravilhoso.
Para uns é o recinto da convocaçllo dos espirites. — Para outros
é a assembléa geral das feiticeiras. — Para toda a ^nte, um corredor
sem limites, onde ninguém poderia embrenhar-se ; onde as luzes ae
apagariam por motivos desconhecidos, e d'onde os raros animaes qiie
se haviam aventurado uma vez, nunca mais haviam conseguido voltar.
fomos nós que, em lHii9, conseguimos percorrel-a toda, em
conlipanhia do nosso amigo Joaquim Monteiro c de dois indígenas a
quem tratáramos como medico, e que immolavam assim as suas su-
perstições e 08 seus terrores na pyra da sua gratidão para comnoaco.
> Ave noclivagn que Trequenta a região.
106 CABO VBRDE
Fomos nós porque o povo temia-a, coipo fica dito, e a gente principal
da ilha acha muito mais interesse em outra ca^ta de divertimentos do
que em tentar excursões exploradoras a grutas . . . facto que elles, na
sua imponente auctoridade, classificam de loucura.
Já o nosso distincto coliega Custodio Duarte tentara em 1860,
segundo nos consta, matar a sphinge, mas por motivos que nfto pode-
mos averiguar, apenas perc»orreu ims 2(K) metros, tendo-se-lhe, a esta
distancia, apagado as luzes de que se fizera acompanhar, isto devido,
de certo, ás fortes correntes de ar que reconhecemos existir em todo
o seu percurso.
A gruta é extensa de 1:1 2H passos (approximadamente 1:000"'),
gastando nós 40 minutos a percorrel-a, por isso que nào só tínhamos
que andar cautelosamente, como quem pisa caminhos desconhecidos e
quasi ás escuras, mas porque os derrocamentos da abobada em mais
de um ponto nos obrigavam a exercicio a quatre pattes^ o que compli-
cava em muito a travessia. O seu pavimento sobe ins< nsivel e gra-
dualmente, inclinando-se em curvatura larga, á esquerda, havendo uma
differença approximada de 40 metros entre o nivel do pórtico e o ter-
minus da sua extonsSo. Na primeira metade é abobad.ida de pedra
rija, como trabalhada, apresentando» em algims pontos, grandes dila-
tações alterosas que afiguram verdadeiras sahis ladeadas por galerias
lateraes, onde se podiam assentar vasos, bustos ou peíjuenas cohim-
natas de ornamentação.
£m toda a sua extensão mostra-se mais ou menos atulhada em
pontos distanceados, com os derrocamentos do tecto, facilmente reco-
nheciveis pelas cicatrizes que ahi deixam ; gottejando em vários sitios
a agua infiltrada das camadas superiores do terreno, o que constitue
uma atmosphcra liumida áv cheiro Jade a vibrações monot(»nas e de
uma impressão lúgubre. Sente-se o desagradável de uma catacumba.
A pouco mais da sua metade, apresenta-so bifurcada em dois ca-
minhos, semelhantes a narinas separadas entre si por um septo de ba-
salto, as quaes se reúnem posterioniiente de novo, numa fauce imica
que continua depois sem interrupção até ao fim. Este fim, resultado
de certo de um de&abamento maior (jue entulhasse de todo o canaK
é constituido por blocos de forma irn^gular e jnxtapostos, os quaes o
obstruem completamente, seutindo-se atra vez dV»sse diaphragma de
basalto, um ruido semelhante ao que se experimenta, quando se escuta
um búzio, intacto e avolumado.
O nosso companhein) quiz interpretal-o como sons subterrâneos
ILHA DO FOGO 107
de manifestações vulcânicas; nós consideramol-o, apenas, como o re-
sultado do silvar dos ventos, por um corredor sem sabida.
A partir de 50() passos, onde se encontra o primeiro grande bar-
ranco, n£o deparámos pisadas nem vestigios de animal de qualquer
espécie.
Todo o seu percurso é tenebroso <»> ameaçador; — a entrada, como
dissemos, é magistralmente abobadada e toda' vestida pela vegetação
clara dos fetos, das avencas e dos musgos, que recebem da luz in-
tensa e reverberante do exterior, as irisaçSes festivas de um pequeno
parque.
E' um local delicioso, sobremodo recommendavel para passeios c
jHC-nicSy e dos mais curiosos, como originalidade, em toda a província.
Fica no sopé da Serra, a 12 a 15 kilometros da Villa, e ó apreclabi-
lissimo apesar do seu rouquenho e antypathico nome.
Ao terminar esta curta noticia sobre a ilha do Fogo, trataremos
de accentuar bem a sua importância agrícola, que tem chegado a abran-
ger na verba exportada annualmente, a maiúscula cifra de 4:(XX) ar-
robas d(» café, 00() moios de milho, (i(K) de purgueira, 2(H) moios de
feij&o e muitas centenas de C4ibeçai< de gado ; fechando eçte capitulo
com chavi' de oim, por isso que o fechamos com o nome de um dos
homens mais respcíitaveis e ut<ú» que conhecemos.
Referimo-nos ao sr. Armand de Montron.
Nào queremos, nem precisamos saber quem ©He é.
Dizem-n'o descendente de uma illustre família franceza ; mas que
importa?
O que elh* é indiscutlveluu*nt<?, é uma individualidade b<mdosa,
porque esparge benefícios ás mãos cheias; um homem intelligente; por-
que comprehende e resolve (|uando todos titubeiam e declaram-se im-
potentes ; illustradissimo, porque o revela na sua convers<ação cheia de
interesse, no exercício largo da sua actividade solidamente orientada,
e em extremo útil; porque tem ftíito e executado por si «; por sua in-
fluencia; cousas que ninguém presumia realisaveis, ou possiveis sequer.
O sr. Armand tem sido um benemérito para a ilha do Fogo. Um
108
CABO VKRDK
(l'etiees benemeritOB que nunca chegarllti a ser pi-uclainadoEi offioiol-
mcnte nas coiIi;ctividadc6 politÍcfu>, com» agora é coBtiimo ; mss um
boncmerilo de lacto, ponjue tem contribuído largamente para a me-
lhorar e pura h redimir, já pelo seu trabalho, já poios aeiia estimu-
Inntes exemplos.
Isolado coraij um eremita nn sua propriedade o Baittartr., tem foito
alii prodígios de melhoramentos, servindo de profícuo ensino e da
miiie nobre estíumla^-ão á agrii.'ultura. O sou apoio moral, é a alavancn
mais piiderosa de que dispíie huje o povo, com quem elle ac eonfratcr-
níson na »ympnthiea allíança do seu altruiemu sem limites.
Tem concorrido da maneira a mais interessada e persistente para
resolver o monumental problema do abastecimento das aguas ao povo,
tacto esse em que se interessa pelo sentimento da alta democracia quc
o rege e pelos dictaines da sS religiSo que professa.
Constniíu em dois ânuos, por nui traçado seu, sob tiua dirocç&o e á
cuHta do seu proprio trabalho, pela quantia inacreditável de a:5O0(ÍO0(f
réis, o excellente e utilíssimo caminho dos Mosteiros (3G kilomctrosj
citmínho que pelo traçado official, custaria 40:UU(lã<X)0 réis a<j Estado !1
Fez tudo isso, nilo tem na sua vida, i^uc se saiba, sqd&o actos
de geueríis idade, de phílantropia c de justiça, e comtudo o sr. Ar-
mand nâo conseguiu merecer mais do que alguns elogios esquivos n'c8se-
Bolelim nflicial, onde tantos nomes, aliás sem se saber porque, toom
UHTecido altas distíncçi^es, proclamadas eiu plirases sonoras de reclame.
Pois bem, cimdecoramos nós aquí o sr. Annand.
Oondecoramol-o, perante os nossos compatriotas e os nossos leito-
r^•■», convictos de que este justo relevo, dado ao seu nome pela apre-
ciação leal do seu meritn, não valerá muito menos ihi que as conde-
roraçBes auri-luzcntes que lhe poderiam vir refcreufladas julus nomes
dos Ministros da Coríía.
K agora que vamos partir para a Brava, teríamos que ir pcsBoaJ-
mente á caea de toda a gente, como amigos, se quiz»ssemos seguir o
exemplo dos colleccionadores da popularidade ; mas como db nílo imi-
Umos, limitar- noB-hcnioB a dizer adeus com snudodci', apenas, aos bons
amigos do Fogo, o que nos hasta, nos lisongêa ■- nos consola.
Ilha Brava
A ilhii Brava c a inais pequena, a mais frosca, e por assim dizer,
a maÍ8 amav(»l do archipelago. E' um verdadein) parai zo em Africa,
porque nào tem pântanos o nSo tom calor.
Tudo n\*lla surpriíhende e encanta, mjis o que impressiona acima
de tudo, é a alegria communicativa da sua paisagem, é esse sorriso
impresso no céo. .. na terra. , . nas pessoas e nas cousas, essa ex-
[uvssílo convidativa qu(* reveste ali tudo e que se revela em tudo.
O que deslumbra, é a belieza e a originalidade dos s(*u8 jardins,
V a dyssemetria dos seus arruamentos, é o pittoresco dos seus canaes,
é a espessura das suas folhagens, é a frescura' das suas fiaites. . . é
o formosissimo <ispectaculo d'esse immenso tufo de verdura, tendo aos
l>és o oceano que o embala, e por cúpula uma auréola de nuvens, cu-
jas foruiiis caprichosas transmutam a cada instante^ a perspectiva aer(*a
das suas campinas ridentes.
Seu clima dá vida, sua frescura consola e as suas aguas n^dimt^m.
Allia á belieza a utilidade e o goso. Devia ser para a soiencia um re-
curso e para a colonisaç&o um arrimo, se os governos attendessem bem
no seu valor legitimo e lhe distribuíssem o papel que lhe compete* n^)
plano de uma sabia administração colonial.
A sua gente é afFavel, alegre e carinhosa e a mais [>aciiica do
mundo.
O seu povo, como todo o de Cabo Verde, é humilde, resignado
e sí>fFred(»r, limitando os seus litigies a meras contendas sobre direitos
de propriedade. Ha raptos mas n&o ha assassinatos. As intrigas abua-
dam, como em todas as terras pequenas, mas revestidas sempre doesse
caracter anoveUado, pathetico e ôeco das urdiduras femeninas.
As construcçSes nSo apresentam caracter algum artistico, e as
utâiiR da povoaçSo sSo tAo chatne o despidas de <)ualquer critcrin de
adaiittt^fi, oítnui Kquellas dissfinluadus peloa campt^-s. Destacam |wl
Itraiiciira no verde esuiiro dti panorama^ a2o dv um íkí-Ío Interíur írrc-
prulicnsÍToI ; mas df&titiiida» oompletamenti' de g<3sto, de confortu •'
do arti'. O seu aspeck», porém, é agradável á vista j e os seus Iclhii-
dos vermelhos, as suas fachadas luzentes au sol, as suas portas e iis
tiuas janellas pequenas, iiial i-squadrladafi, e mal uiveladaj^, dào-llic um
«r ligeiro t despretencioso qur se râaduna harmonicamente «•uni a sim-
plicidade da paisagem em tomo.
A aldêa de S. JoSo Baptista, vulgarmente chamada povtia^ão, é •>
ecntru de toda a sua vitalidade j é ali nnde residom as famílias )iriii-
cipaes, onde funccionum as repartiv^ws imblieaa e ondr converge todo
o sf^u commereiu. Dií^ta dn porto da Furna 4 kilometrii^ apemip, com-
muntcando com oUe por unm estrada r.-m laectcs, cujo declive máxi-
mo u&o excede 20 '*/^. larga, bem calcetada, e bem defendida por pa-
redes niarginacii. EsUi :>ituada a THM» mutroa iteima dn uivei do mar,
no plano mediano d'esse amphitheatro risonho, constituído por uma
eetcitdaria a altos degraus df montanhas sobrepostas, de que a Furna
é (I sopé, o Campo é o cimo e as Foutaiuhafi a cúpula.
A conãguraçlo topogi-aphíca da ilha, lU-lhe o aspecto de gran-
des meandn>s que fo:9sem rcpelIJdna d(i Fogo aii ínipulsn dr uma enor-
me força expiíiiâiva, e qUc se petrificassem.
Assim, as monlaiilias fornutm pelo neu u^mpiíuicnto lHr);o:< eir-
cuh'8 concêntrico» aberto» (""Io» a S. E., que »e l■spregui\^aI^ em "ui-
dulaçSes suaves em toda a zona central i- »c aprasentam á bnrda-mar.
Qra i-scabrosas, eriçadas c cuivae, ura em massaa i-strati ficada» tlc unia
cftructura fóssil, como apcrtadoii feixes de Htala<^'titer- giganiee.
A ilha postada no i^xtremo W. do arcbipclago, m-de 7 milhas de
X. B S. '■ <> de L. u \V., abrangendi) uma Ari'a upproximadameute de
3ti milhas quadradas.
E' dividida em duaw fivguezias \íi. Joio Baptista e íiosaa Senhora
d" Monte), possniuilo, segundo a ultima estatii<tica, ilíUl^ liabiiaiites
difitribuidoH por l:!)74 fogos. A densidade porém dii t-nn populaçA",
accomm»da-se t&o mal aos limites estP-itos dos seus rccursob. que ape-
sar de nio ter reeru lamentos, a cmlgruçài>, principalmente par» a
America è tal, que c diminutíssima em numero de homens nov<« i-
v&lidos, abundando pelo contrario em miithernh c cminçaâ, o que dá
nm« da» notas maiH s^mpalhleas e mais car;iiti-rÍHticas rhi suu phvi"-
nomía social.
A belleza ãa ttTm, a inãueiieiti dos eoEtiimea, a simplicidade da
vidn e o senti monlnlismo dos temperamentos exercem porém ali, como
tiiii toda u parte, asna preoceupa^) nostalgii'ii irremediável, ijtie leva
o cmigradu a repatriar-ae i> mais depressa que pude.
Desde qiie ganhou com qu« cuniprar uma onça de torra, i'oiu que
(Mnslniir um casebre à Bemclhançit da choupana pattirna, eom que fa-
SL>r as de^peeas das Uôdas e com que mimosear u família, o filho da
Brava regressa invariavelmente aii seu ninho natal, onde chega ao soai
de foguetfs, onde >': recebido festivamente com» lum* preciosidade c
ondf SC estabelece na stmosphera tépida dos seus maiores: o» meiíos
felizes, como em villegiatura, por alguns mezes; os mais protegidos,
para sempre, como grandes heroes fatigados, revendo-se na familiu e
nos filhos, também predi-s ti nados ao mar e ú vída da balea, e a quem
elles inoculam dia a dia, em anecdotas e transes commcvente» da sua
vida de marinhi^im, o estimulo, a voca^'5o e o esteio Ao uma orienta-
ç5o precucemente decidida e fanática.
A Brava nSo tem grandes proprietários, n&o tem gente rica, ma.s
nSo tem mtsería. E' raro cncontrar-se. j)ela& suas estradas ou pelas
suas ruas, alguom que peça esmola.
(_) território ali é subdividido em extremo e o numero de pro-
prietários i'guala, se nSo exeode, i' numero dos fogos.
i) amur que o filho da Brava tem li sua terra, nSn encontra pa-
lavra em lin^na alguma que « possu traduzir; c como todos conside-
ram suprema felicidnde possuir uma caisa c uma onça de terreno, a
procura é por tal forma Ávida p cega, que nSo existe i-elaçílo algunuk
piitre o valor da producvSo c o preçij da propriedade.
NSo ha taivrz paiz no mundo, em que a terra seja mais explora-
da e mais rc({ue6lada do que alH; |)cna é. que em ve/. de estar reta-
lhada por um Rrnnde numero de possuidores, i\in esteja methodica e
I<ij;Ícamontf? subdividido, jior isso que esse inxerto de proprietários
pcir toda u parte, não só dá margem a mil conHictos e litígios de In-
findáveis demandai^, luaK traz como cnnseqnencia, dispêndios enormes
de actividade e riqucKas, gastando qualquer agricultor mais tempo «
mais pernas eiu percorrer caminhos c»iu o fim de amanhar nesgas
de cultura pelos pontos mais afiastados, do que elle pôde dispender
de trabalho e vigilância, n» trafico e benetíf!o real da sua proprie-
dade.
Kasas oondíçíles especiaes e
da Bravu, alem de atrophiarem
earaoteristicas do problema agrario
í complicarem em muito a sua vida
CABO VBBDK
Mgricola, Aio margem is mais torpes e condemuaveis rxpIoraçSee
Briiihismns da parte dos flmmados ^.dladores Ao fisco.
A priiducçKo da ti'rru, ptir Indo n que fica dito, i: m tá muito longi
alti, (:<>riio em todas as demais illias, d'aqiiella que podia ser, por s
jiintnreni mnda lís causas mencionadas, a irre^lurídade das eUiivaa, i
mingua doB adubos c a falta absoluta de conhecimentos sclentilicofl'^
w»l>re OK proci^acos maía nidimentares da agricultura.
Entretanto, tila e ii ilha de S. Nicolau sâo as mais traballiadal
c aprov<-!tadas, ooni^tituindo iudiscutivelmente aquellau em qne o pn%*ol
tvm niaii» ac^-So, miiis independência e gosa de maiores attríbutos diK
libcrditde.
Tem industrias apreciáveis e utilissimas, como o fabrico du obje-l
ctus de palha, de colchas c d<t rendas. A primeira, porém, apesar dn^
habilidade c da perfeiçSo com que o povo em geral a i-xerce, nSo lh«^
traz o resultado que devia, por tsso que a palha da tamareira, de qu&l
se servem, nSo si é cm extremo flácida, mas retpm na aua textura,
IhIvoz jjor definencia na preparação, os princípios chlorophylicos do
viígetal, donde resulta aiiiarellecerem e esverdearem -ac com facili-
dade os utensilios, logo que apanham a menor humidade.
D'eB8a8 duas causas residlou u }i;nrar-«e a tentativa iniciada peld
digno governador Lacerda, para que essa industria servisse a fornn^
eer tJiapeus d marinhagem da nossa Armada Reul.
Mas não se deverá estudar a maneira como é feita actualmente
a manipulaçAo da folha? — N![o se poderia importar a palha de lta-1
lia, do Tunamá, ctc, e ensaiar alli a sua confecçSoV — Eis o que nos I
parece digno de tentar-se em um paisi onde a mSo d'nbra é tfto cx-l
traordinariamente barata o o tempo na maior parte do aimo acha tSo li-a
mitadas applicaç^ies; eia n que ao nus afigura necessário, como julga-4
moa egualmente indispensável a distribuição de apparelhos aperfel
coados de tecelagem, que snbstituau) os primitivos ainda usados, ttM
tudo Isto, acompanhado de mestres práticos que dirigissem e oricn-|
lassem o indígena nos novos processos de fabrico.
Seria de certo Isto muito mais proveitoso para a provincia dnl
que agrónomos sem escolas praticas organisadas, e portanto de benti
aconeelliada resoluçSo o derivar a verba agronómica. s(>m utilldadofl
uté hoje, par» esses ensuios tSo promettedores em resultados futuros. I
A Brava, com suas pequenas industrias devidamente organlsailnt
e com uma escola de náutica iSo manifestamente reclamada de ha J
taato, teria dentro em si inesgotáveis fomentos de riquesas, as quaetfl
ILHA BRAVA 118
conjugando-se ao Sanatório, a que o seu clima, seus attributos pe-
culiares e o nosso poderio colonial, lhe dâo incontestável direito, cons-
tituiriam condições avantajadas de uma vitalidade cimsolidada; que
achariam echos por toda a provincia.
Não nos demorando, por agora, a apreciar as suas aguas mine-
raes (Vinagre, Ribeira Funda e Somo), nem nos detendo a discu-
tir esses seus nevoeiros utilisados como arma de ataque, tanto pela
blague inimiga, como pela inveja dos cretinos, e que de facto, não
passam de nuvens que se esvaem, tomamos o condescendente leitor
pelo braço, para que se não detenha com esses assumptos, aliás impor-
tantissimos, e animados com a boa alegria do nosso espirito e com os
enthusiasmos que a Brava nos sabe dispertar sempre, ahi vamos por
esses caminhos em fora, buscar nos grandes effeitos dos campos, dos
mares e dos montes, impressões com que deleitar esse companheiro
que nos acompanha ás cegas, esforçando-nos em dar-lhe uma idéa ap-
proximada d^esses traços graciosamente infantis que caracterisam a
Brava.
Percorro a povoação toda por esses atalhos pittorescos e ori^i-
naes, marginados por purgueiraes verdejantes; observo d'alto essa
vasta bacia orlada de montanhas basalticas, cujo aspecto vetusto e
nigoso relembra as ruinas legendarias, e recebendo em toda a pleni-
tude a impressão typica de um grande jardim assymetrico, descor-
tino aqui . . . alli, como dispersas por uma polvilhação do ceu, milha-
res de casas pequeninas e alegres, risonhas na sua brancura de cal,
poéticas e cathechisantes por tudo que ha de recatado e mystico, nas
sombras veladas do arvoredo que as cerca.
Depois de andar muito, excitado pela marcha e deslumbrado pela
^ Cutello; nome com que se designa na localidade os montículos e o
cume arredondado dos montes.
2 Das Mentiras; por causa das versões graciosas que fazem circular
d'ahi os observadores com relação aos navios que apontam.
16
114 CABO VEBDE
luz, chegamos ao Cutello * das Mentiras *. — E' um sitio isolado e d(.*
repouso, por isso nos detemos a observar o que ha de mais encantador,
como panorama para todos, e o que ha de mais inolvidável, como ro-
cordaçSes para nós.
S&o 8 horas da manliã ; o ceu está limpido e sente-se na maneira
como balouçam as folhas ao bafo da viração do norte, que vae fazer
um dia desanuviado e fresco.
O mar agita-se em ondulações de escamas, e as vagas batem nos
rochedos da costa inundando-os de espuma.
Ao longe, negreja o Fogo como um grande cetáceo adormecido,
emquanto os illieus reluziam ao sol e uma pequena embarcaçâc», como
um cysne, bordeja demandando o porto.
Na bahia, em baixo, vc(ím-se apcMias mastros esguios que im-
mergem da montanha que cobre o casco dos navios hmdeados, e por
um grande declive accidentado que se estende até ao oceano, inter-
meiam-sc em confusão de cultunis, as searas de milho, implumadas
como esquadrões de guerra, o mandiocal verdejante com seu aspecto
delicado de uma tela de rendas, a batateira folhúda n'uni grande alas-
tramento de nmsgo, e por tí)da a part(», como cnomu^s honqtiets aper-
tados, como altas umbellas (^scuras, mattas cerradas de bananeiras
copadas, papaeiras esguiíis e arvores isoladas, como sentinellas dis-
persas.
Todo esse conjuncto recobre uma grande faixa de montes e val-
les sinuosos e agros, tecida toda ella pelas mil gradações do verde,
cortada ap<mas num ponto ou noutro por cruas rajadas, de tintas ma-
duras do outonmo.
A estrada da Furna, com suas pequeninas pontes similhantes a
cliarmHras, des(Miha-se como uma Hta nos limites E. do panorama,
ora esc(mdendo-se, ora mostrand(>-se entre rasgões do purgu(*iral e
dos mont(»8, salpicada sempre por grupos alegres de mulheres e crean-
eas que a sobem e descem cantando.
Uma cortina de montanhas, como um biombo, fecha no fundo
o horisonte em torno, r em frent**, destaca-se o cutelh» do monte,
cujo cabeço nu, <b' uma cor d<' guano, parece desenhar no céo o bor-
leto fulvo de um solidco de velho. l*<ir toda a encosta d'esse amphi-
theatro grandioso, cMwno <'nxurrada ondeante, descem em largos de-
gráos de verdura, plantaçru»» variadas que vem esbater-se na povoa-
ção, ond(5 casas alvejam e mil canaes se entrelaçam, C(u*t4indo a pai-
zagem n'uma schema da circulação reeticular e ubérrima.
ILHA BBAVA 115
O cut<íllo das Mentiras, onde estamos, é um d'esses logares ve-
nerados polo povo.
E' iim outeiro situado no extremo N. E. da povoação, e sobran-
ceiro a ella, tendo á esquerda o valle de Lem, em cuja frescura pa-
r(^c(^ banliar-se, e á direita a igreja matriz, circumdada de flores e de
túmulos, e que s(í destaca no céo em feliz encravamento de perspe-
ctiva com a magestade austera da sua simplicidade primitiva e rústica.
E' um outeiro encimado por um circuito de pedra e cal, de 20 me-
tros de circumfcrencia, 1 metro de alto, hidrilhado de calhaus, com
ass(»ntos gastos pelo uso, pobre, humilde, despido de pretensões e do
arte, mas animado de toda a vida com que a tradição e a saudade
sabem poetisar o que ha de mais humilde e engrandecer o que ha de
mais simples.
E' aqui, á altura de õ(X) metros, que gerações e gerações tcem
vindo a toda a hora do dia fitar a immensa faixa do mar, reviver na
imaginação as datas das despedidas, as ultimas palavras balbuciadas
atravez as ultimas lagrimas e rever esse mundo de encantos e receios
que se desenrola no rastro dos ausentes, emquanto os olhos procuram,
em cada vela que se lobriga ao longe, o navio abençoado que deve
trazer esse pae, esse esposo, esse amante, esse filho, ha tantos annos
partido para a America, ha tantos annos esperado na angustiosa incer-
teza da saudade.
Pedras abençoadas, leio no lapidado do vosso aspecto o quer que
seja da serenidade das aíFeiçoes antigas, e como que diviso no vosso
regaço amigo, dispersas como flores que não murcham, a lembrança
que em vós fica d'aquelles que morreram.
A quantas alegrias e a quantas dores tendes servido de confidente
discreta e consoladora, oh pedras !
A quantas saudades, a quantas tristezas accumuladas, e a quan-
tos lutos sobrepostos, tem servido de refrigério o teu isolaínento, oh
sitio !
Prefiro-te ás tuas rivaes. Prefiro-te ao Paul, ao Monte e â Cruz
grande *, porque se ell<»s tecm para a vista mais thesouros, tu tens
para o coração mais queixumes. E ouço a elí)quencia muda de teus
segredos, e ao olhar em roda o vasto horisonte que te cerca, não são
as bellezas da paizagem o que mais me attsrfte, não é o teu manto de
1 Pontos de vista também afamados da ilha.
126 CABO VBRDK
vogeta^^ cerrada o que mtiis me desliimhra; q qiii.' me proiide, o que
me domina, •■ que me encanta, è tisne estendal de i'euurda^-('íoB que on-
corras, é o turbilhão de pensamentos que despertas.
Eu te liemdigo, oh sitio. — E. se o leitor, um dia, duacançar de
liu.'to na humilde hospitalidade du teu conforto, qu'' potiea elle, como
vu, aobar um hIIítío para «s ma^uas dn passiLdu, e mentir como tiintus
vrtfis senti, atravez aa negruras de uma Iristcza immensu, as ucintil-
laçíles irisadas das <^spt.'niii^-aB consoladonte.
Seria impcrdoavi^l, tratando da Bravii, doixiir de liillar uns tmim
mulheres.
Vetbos (■ muv''»» platónicos e devassos, i^orantes « íllustrados,
desdiz- os governadores enfatuados no seu cstof<i de eonsclheiro até nos
amanuenses impertigadoe nn seu lyrismo pelintra, todos, n'uma faina
de artigos de almanacli, versos soltos, e phrases sonoritt* de relatórios,
todos que a teem %'isitado, teem decantado a belleza e prestigio dns
suas filhas, cujos elogios chegaram já a repetir-sc nas nobiliarchieae
paredes de S. Bento.
Eu da minha parte, sinto-me na obriga^'ão de declarar que |iou-
cas mulheres ainda vi mais bonitas do que algumas raparigas da Brava.
Falta-lbes o lux», os adenianes e as pinturas, mas sobija-lhes na-
tiiralidadc, dando-lbcs relevo c graça a alegria saudável de uma sin-
ceridade franca. E aprumadas na sua pobreza, eonsoladas nu seu oin-
forto, simples e despretenciusas em sua modéstia, agradam, encantam
c prendem.
A sua piipula^ilo descende na maior parte de europeus, madei-
renses e estrangeiros de todas as nacionalidades, figurando como fa-
ctor importante no quadro das suas origima, u pessiml dos navios de
guerra, da alta magistratura e da alta burocracia, tant'j da Província
cnmo da Guiné. D'aqui resulta que, havendo pouquíssimo numero dv
pretas, existem pelo contrario, mergulhados na sombra do abandono,
alguns rebentos fidalgos e vários appellídoa consagrados hoje, na alta
politica, na alta litteratnra c no alto fÕro do nosao paiz,
A enxertia de raças c de individualidades tio dlfierenciadas, dfto
ILHA BRAVA 117
como resultante sob o ponto de vista cor, todas as graduações quo
se estendem do sombrio cúprico creoulo, á vermelhidão quente dos
americanos do norte; e sob as considerações de formas^ todas as mo«
dalidades organologicas que distanciam as pallidas e débeis Ophelias
dos nossos salSes, das musculosas cachopas das provincias do norte.
No povo principalmente, encontra-se a maior e a mais selecta va-
riedade de typos femininos que se podem imaginar ; assim, a par da
creoula propriamente dita, typo terre-cuitt, de cabellos negros, olhar
quente, movimentos languidos, curvas lúbricas e tempera sensual,
depara-se, como na Madeira, verdadeiras similes das hespanholas do
sul, esplendidas incamaçSes esfogueadas n'um esforço atormentado
de tom e de vida, e intermeiadas com louras miragens românticas,
uma serie de exemplares franzinos, de uma apparencia de biscuit, que
dão a nota maguada de um suspiro fundo, trazendo á imaginação, en-
volto n'um turbilhão de presentimentos, a idéa dos banhos frios, dos
óleos iodados, das fricções seccas e do ferro Bravais.
Difficil porém, é encontrar reuuidtjs os exemplares mais salientes
d' essa galeria feminina. No trabalho de lavoura, nos carretos e na es-
trada do Vinagre, raras vezes se vêem os typos mais dis tine tos da po-
pulação, deparando-se apenas envoltos n'uma photosphera de alegi*ia
e aíTabilidade contagiosa, tranzeuntes fatigados por um labutar exte-
nuador, mal premiado de confortos e mal vestido de compensações.
O touriste ou o observador que quizer fazer uma idéa da esthc-
tica da popidação, precisa ser paciente e aproveitar as opportuni-
dades.
Uma festividade religiosa, a chegada de um navio da America ou
a fazendura de chapéus em grande communidade, constituem os en-
sejos mais azados, para esses reconhecimentos picantes de originali-
dade e altamente salpicados de interesse.
Recommendamos pois ao leitor, se f5r amante do género, — uma
missa solemne no campo, — a chegada de algum baleeiro na boa mon-
sào — e as fazenduras de chapéus, principalmente no Pé da Rocha. —
Vá, que se não arrepende. . . a não ser que o prendam.
118 CABO VERDE
*
O clima da Brava c Haluberrimo, áe uma grand<í íliv<írsidadc, con-
forme as differciitcs zonas c altitudes que se considera, o que suí-ccdc
cgualmentc ás illuis montanliosas de Santo Antão e Fogo, qu(^ pre-
tendem rivalisar com elia sob esse ponto do vista, ainda que llios fal-
tem em absoluto os argumentos comprovativos e todo esse conjunctn
de conforto e agradável, que se encontra ás mãos cheias por toda a
Brava.
Tem climas frios nos mais elevados pincaros, onde a tompenitura
á» vezes decahe ás approximaçdes do zero, e que se apresent^un quasi
sempre envoltos em nuvens mais ou menos densas; tem climas tem-
lierados nas encostas e nos contrafortes das mais altas montanhas, e
tem climas quentes nas suas bases, onde o bafo do oceano arrastando
og saes e os principios iodados das plantas marítimas, reúne em mais
de um ponto condições propicias ao tratamento do escrophulismo, que.
estamos certos, encontraria uma salutar influencia, no emprego das
concentradas Aguas mães das salinas da ilha do Sal.
N%o tem pântanos, nem mesmo temporários, porque as distancias
sSo curtas, os seus declives são enormes, e a verticalidade n&o admittc
estagnações.
A Brava pois, caracterisa-se como paiz, pela benignidade do seu
clima, pela express&o ridente da sua paizagem e pela alegria difí'usa
dos seus panoramas; como povo pelo sentimentalismo romanti(*o d<*
seus habitantes, pela affabilidade, pelo aceio e ptdo recato dos seus
cx>stume8 !
P6de-se definir : uma terra íjue tem corações que encantam (^ den-
tes que desgostam.
Effectivamente nada ha mais insinuante do que a meiguice obse-
quiosa das suas filhas, nada ha mais desagradável do que a coloração
tostada dos seus dentes.
Nfto ha um único filho da Brava que nâo revele á primeira vista,
pela cor mais ou menos viciada do esmalte, a sua orígem e a sua na-
turalidade.
Tem-se aventado as theorias e as hypotheses mais engenhosas
ILHA BBATA
para explicar a. i^oloraçâi) typica <i'es8es tlentea tilo foii*. enterpadiiií
alguns ein otfros tSu apeteciveiã.
Para uns s>*rin eífeito da humidade, para outros da altitude, e
^lara a inaiov parte <liis sabiús que piillulam aem cultura e aeni con-
traste, pelos tropkna, o re8ultad<i fntal do iisn das aguas alualiiias do
Vinagre.
A humidade, oomo se sabe, pdde produzir o bolor, mas o que nSin
piSde é cnrnter nem pintar os esmaltes. A altitude faz descer o alado-
men o pôde quando muito agantar os dentes, pek- exceano do exercí-
ciu, visto augmentar-se ■> npetit« A maneira que nos approximamos
doB eéos. — A hypotheae das aguas mimcrars, com que já vimos tam-
bvni ex|)lienr, mii tanto gratuitament*?, phenimieno semelhante dos
liabitantes d<' Purto Santo, aqui nSo colho, parque uma grande parte
da populaç&u que se alimenta das excollcntes e linissiuiaa aguas do
Sfirn», í também niarenila nim o estigum apimladn, o ipie jirejiidiea
ín iimlne a supposiçAn.
Oh donti-s d;t llrava, a nosno vor, í^ymtHilisam iiponni' em carne e
•«Bo, II aphorismri medico — mim tfloniaifn. nuius denlig.
Efiectivami-ntc, qui- admira que uma populaçito cujos sueco;: di-
gestivos SC achiim dosdo as primeiras edade» a contas eora uma ali-
mentav^o cssciiciíilmente sacchamidc p feculenta como é a biitata doce
(base fundamentul do regimen alimentar d» povo), se modllique, de
um modo permanente, arceiítuado o definido, mustrando alteraçileB
profundas, que se pcrjictiiem em todo o apparcllio digestivo c por-
tanto, na furmaçilo, nn cslnictura e na appareueia dos denteai*
Sim, pitrii nós, es maus dentes da Hruva traduzem apenas a sua
qualidade do batalciros, como silo eonliecidos em todii a província,
(■omprovundi I a pliraso de Bordier "montre moi tes denis ei je te di-
rá! ee que tu manges.i
K concluindo este pertil rápida e eiitlmsiastieamante desenhado,
direnioh que o pnnto mait^ alto da ilha é u monte das Fenlainliaií, que
mede 1,1'KI*"; que o« seus dois portos ninis frequentados sSo os da
Furna a L. c o da l''eija de Agua a N. \\'.; que produz milho, man-
dioca, batata diK'e, ingleza, café, fruetHí^, etc; que tem imi pharol de
eór vermelha hi' N. da Fuma, que alcani>a a ií miUias; que tem um
pequeno c elegant<- cães de desemburque, caminhos pittorescose tran-
sitáveis por toda a parte, que tem muitas tlóres, muita alegria e muita
animaçfto e que é realmente bellu, d'essa bellesa que eonstda a vjsta,
apagando no espirito as sombras dos desalentos.
Ilheos Rombos
A N. da Brava acha-se, a distancia approximada de 5 milhas, um
grupo de recifes á flor da agua, entre os quaes se destacam dois pe-
quenos ilheos, designados nas cartas com o nome de Rombos e conhe-
cidos vulgarmente na provincia por Ilheo de fora e llheo de dentro^
aos quaes nSo podemos deixar de nos referir, por constituirem um ob-
stáculo á livre navegaçSo pelo canal (entre Fogo eiBrava), e porque
ambos teem hoje uma verdadeira importância sob o ponto de vista da
riqueza e das commodidades das ilhas visinhas.
O Ilheo de fora é rico em guano, producto animal alli accumula-
do pelas aves marítimas que ás milhares n'elle se agasalham desde
séculos, adubo esse, que já começou a ser exportado, graças á intel-
ligente e perseverante iniciativa da sociedade Emery, Ferro & C*
O Ilheo de dentro, que fica mais próximo da Brava e que per-
tence hoje, por aforamento, aos srs. José Vera Cruz e J, R. Cama-
cho, constitue um precioso e utilissimo reforço ás condições sociaes
da Brava, por isso que serve de abrigo aos pescadores que ahi vSo
abastecer-se de peixe, de que sSo abundantes esses mares, e de pas
tagem ao gado de que a ilha Brava é tfto parca, em virtude da sua
limitada superfície se achar, como dissemos, tSo aproveitada em cul-
turas.
Estes ilhéus ficam a 14,55 de latitude N. e 24,40 de longitude
W. Green.
16
S. TMãgo, primitivamente S. Jacobo
E' a ilha maior, mais productiva, mais rica de Cabo Verde, e
onde desde o começo se acha estabelecida a capital da provincia.
Tem 25 léguas de circumferencia, medindo 10 léguas de com-
primento de N. a S. e 6 na sua maior largura, estando calculada a
sua área em 360 milhas quadradas.
Está situada a 15 milhas do Maio que a avisinha a E. e a 62 do
Fogo que lhe fica a W. a 15%5' latitude N. e 28%40' longitude W.
de Greenwich.
Á ilha foi dividida em 1489 cm duas capitanias (do Sul e do
Norte) passando porém pouco depois as terras do Norte a serem con-
cedidas em semearias e capellas, constituindo-se assim pelos direitos
vinculados a organisaçSo dos morgadios, que ainda hoje existem de
facto, trazendo um verdadeiro obstáculo ao progresso e ás melhorias
das classes trabalhadoras.
Em 1532 essa capitania foi erigida em bispado por bulia do
Papa Clemente vii; passando em 1592, pela nova organisação esta-
tuida pelos Filippes, a ser capital do archipelago tendo como residên-
cia dos governadores geraes a Villa da Ribeira Orande, hoje chamada
Cidade Velha, residência essa, que ahi permaneceu apesar do doen-
tio do local e da pouca segurança do seu porto até 1770, epocha em
que a transferencia da capital se cffectuou definitivamente para a
villa, hoje cidade da Praia, situada a 14**,54^ latitude N. e 23®,30
longitude W. de Greenwich.
Á ilha é montanhosa, sendo atravessada de N. a S. por unia cor-
dilheira de basalto, recoberta por camadas de argilla, lavas e bancos
calcareos, destacando-se no seu centro o pico da Antónia, que se eleva
a 1810 metros sabre o nivel do mar^ ao meio dia a serra dos Orgftos
124 CABO VERDE
com os seus pittorescos e caprichosos contornos e ao N. a grande serra
dos Picos (ou LoitSes), a que se seguem os outeiros arredondados co-
nhecidos pelos montes do Tarrafal.
E' toda sulcada por profundas e férteis ribeiras que a serpeiam
em todos os sentidos, das quaes as mais productivas e mais escabro-
sas são as de S. Domingos, Orgâos, Ribeira da Prata, Ribeira da
Barca, dos Engenhòes, Hibeira Grande, S. Jorge, Trindade, etc;
tendo além d' isto grandes extensões de terrenos cultiváveis, sendo os
mais importantes a Chada Falcão do rico morgado Manoel dos Reis,
a propriedade chamada Engenho do Morgado Pedro Alexandrino, o
morgadio do Tavares Homem e as lindissimas e bem trabalhadas pro-
priedades da nova aldeia Chamisso em S. Domingos, hoje pertencentes
ao Baneo Ultramarino.
E' dividida cm dois concelhos, Praia ao sul. Santa Catharina ao
norte, comjjrehendendo onze freguezias, umas trezentas aldeias, 10:724
fogos c 4õ:4S8 habitantes, entre os quacs se contam approximada-
mente 300 europeus.
Tem varias enseadas por toda a costa, onde se abrigam facil-
mente barcos de pequenas ilimensões, sendo mesmo muito frequenta-
das as de Pedra Badejo, a leste, e a de Ribeira da Barca a W.; pos-
suindo, como portos principaes o da Praia, subjacente á cidade, o do
Tarrafal a N. W. e o antigo fundeadouro da Ribeira Grande, hoje
completamente abandonado.
.p. O porto da Praia situado na posição já indicada, ao S. da ilha, é
í imia vasta enseada delimitada pela ponta das Bicudas a E. e pela
V ponta Temerosa a W.
^ Neste porío, viísto, tranquillo e de magnifico fundo, ancoram com
' »;*gurança, navios de alto bordo a 8 a \) braças um pouco para fora e
^ a E. do ilheo Santa Maria, destacado na bahia, visinhu á Tenebrosa
i r como sentineUa j)erdida. E' limpo e seguro no tempo das brisas (de
i novembro a julho), mas no tempo das ehuvas (de julho a novembro)
I é de levante o perigoso, eomo todos os que a abrem ao sul.
i Sendo essa ilha uma das mais férteis e mais extensas do archi-
pelago, possuindo padarias, ayougues, fruetas, legumes e aves em
abundância, tendo o melhor e o mais bem fornecido mercado e go-
sando lioj(í (<l<íVÍdo á intelli^cente administração do nosso amigo Bur-
nav) da máxima faeiiidad<í no fornecimento da aguada para os navios
e t<mdo além d'isso. um bom dej)osito nacional de carvão, estabelecido
no ilheo de Santa Maria, reúne decerto, todas as condições necessa-
8. THIAOO, PKnUTIVilfBKTE 8. JAOOBO
riaa para o abastecimento dos navios e vapores transatlânticos, que
o procurariam decerto se não tivesse proxirao o porto de S. Vicente,
excellente era todas as epochas do anno, o qual, estribado nas suas
condiçítes prupria» e na propaganda e influencia dos inglezes ahi en-
raizados, tem i-onB':guido monopolizar toda essa navegação, incluindo
a dos navios de guerra e das liraitadisuimas o Bubsidiadas companhias
nacionaes.
Precisamos notar aqui, com relação aos abastocimentoa dos navios
na Praia, um facto notório c impressionista e que até hoje nSo mere-
ceu a attençUo e o estudo devido, nem aos médicos nem ao governo.
Queremos referir-n-is ás les3«s variadas que se encontram no ligado
de quasi todas as n'zes abatidas, lesíies di' Hifferente natureza ma»
em que predomina geralmente — aulmalculos vi-rmiformes — kystus e
verdadeiros focos purulentos que despertam repugoanclas e receios
com relaçSo a oama d'esses aniraa«3.
Nif sabemos se essas Ies5es sSo ou n4o ri'siillado de uma só cau-
sa, nfto sabemos qual é a doença que traduzem em pathologia ve-
terinária, nem nos atrevemos sequer a aventar opiniSo sobro as diver-
síssimas cansas ii que é costume attribuil-as, como — a agua, o pasto,
o impaludismo, etc., etc.
O que sabemos, porém, é que a inspecçSo sanitária local manda
sempre inutilisar a glândula hepathica dos animaes atacados, permit-
tindo o consumo da carne, ignorando completamente as razoes e os
motivos de uma cumo outr;i d'essa8 delibera^.òes.
ConstM-nos porém, que foram feitos em Toulon estudos sobre al-
gumas vísceras atacadas dVssas lesSes, e que os navios da marinha
francfza continuam a forneeor-se d'e8sa carno, o que prova decerto,
o n&o ser ella contra indicada á alimcntaçSo.
Entretanto comprehende-se bem o quão necessário é esclarecer
e elucidar officialmente um assumpto a que se prendem tilo justifica-
das reluctancias do consumidor e tantos motivos de responsabilidade
para a físcalisaySo bygienlca e para o governo.
A cidade da Praia levanta-se no fundo da grande bahia sobre
que acabamos de fallar, á altura di- 21' melros do mar. E' plana, bem
ventilada, de mas largas e alinhadas, coni bilas condiçBes de esgoto
para as aguas, povoada por 4:322 habitantes, possuindo algumas ca-
sas amplas, bem construídas, sem arabescos architeetonícos, mas bem
Uluminadas, arejadas p de uma apparencia agradável.
Oevido á pnergica, sabia e moralisadora administração do sr.
126
Cabo tbrdb
conselheiro Csetano de Albuquerque, nSo tem hoje senSo rarÍMimas
palhoças e isto mesmo noa bairros mais {)obreH e afTastailos.
E' relativamente arb^insadaj tom algumas |>ra(,'as e largos, uma
pgreja racbitÍL-a. mumificada pelo tempo, nm hospital-monumentu ile-
urepitii avaeeallando uma enfermaria barraca prctencioea e um jardim
adubado por dejectos Tioso-coiniaes e poetisatlo por arvores tristonhas
e hortaliças que ae nutrem dos mortos e que servem a delieiar os
vivoB,
Tem um tbeatro dimomínado o A/rtamo, que de fora parece uma
colmêa, mas que de dentro é elegant<> e espaçoso; o encerra final-
menti', nomo cousas dignas de cilar-se, a easa do Governador, com
sua espaçosa varanda, estufa a plantas exóticas; as Secretarias do
Governo, respirando dos baixos (prisSes) as emanaçSos da irápula e
ladeada nos flancos pela iinpreaêa officinl; o edifício municipal, mon-
tado por um relógio amestrado pela pericia dos seus empregados; um
amplo quartel subjacente a um posto meteorológico, que se destaca
pelas Buas ventoinhas e que tem uma significação altamente sympa-
thica. Tem uma bateria de 21 peças de ferro rouqucnhas e ankylo-
sadas, tem uma pharmacia, centro da publicidade da ilha, tem muitas
tabernas . . . e tem a madregõa !
A Praia, como centro social, é uma burguêza a exigências im-
pertinentes.
Habitada por algumas famillas respeitáveis e por muitas per-
sonalidades dignas e distínctas, exbibe comtudo, cm todos os actos
Bolemnes das suas manifestações, na resoluçSo de todos os seus ne-
gócios, na sua maneira de apreciar os factos e as pessoas, uma ten-
dência tSo accentuada ao plagiário e ao servilismo, e uma prcoccupa-
çXo tio evidr-nte com os seus magnates, quo chega a ser asphixlante
como meio, para quem ii&o está acclimado ás formas estatuidas do seu
viver de corto.
Para esta cidade á beira-mar plantada, desembarca-se n'um cães
de cantaria situado no flanco esquerdo da cidade ou n'uma elegan-
tíssima e solida ponte de madeira, postada defronte da alfandega que
se lhe assenta próxima, na desemboca<liira da varzna da Companhia;
â'esses dois pontos solm-se á (-idade, a pé ou a cavallo, por planos
muito inclinados e a descoberto de toda a protfiiçSo de sombras, ou
por um longo e auavo caminho que contorna o sou flimco, ubriudo-se
no mercado; do cães, por uma escadaria q^e vao desembocar junto
00 Quartel ; da pmte, ou caminhando ao longo da rocha (como Ib^d
S. THUGO, PBUUTITÁHGtlTE 8. JACOBO
chamam), pela eatradu. dutb já citada, ou pela Bubida fetiggnte, que
fonduz em pleno largo do Palncio.
Se o <'ntrar na Praia é moroso o fatigante, o sahír é muito mais
fácil >■ fleBejavol. Tem-se os decHvps ingromea quf impellera, o calor
que agiiilliôa e ufi tradições miasnuiticAu que enxotam.
As más condiçSes bygieuiuas de outrora o o hysterismo uãicial
de sempn-, L'uiietituiram essa reputaví^c Hterradora de insalubridade,
que de fucto, oSn rt^prcaenta hoje mais que um manequim de moda£
avolumado an exagero pela necessidadu do justificar o que nSo tem
jnstificaçUo e pela tendência pannrgica de seguir 03 exemplos d'aquel-
los que (leaertam.
Etievti vãmente a cidade está como que enlaçada por doie valle»
efltreitoB constituidoe pela Ribeira da Praia Negra a E. e pela várzea
da companhia a W. ; cfiuctivamente pelo interior da ilha e principal-
mente no Cha de Pedra líwUyo (a 30 kilomctros da cidade), existe um
grande pântano mixto da mais nociva stgnificaçào ; mas iiSo 8(5 a dis-
tancia d'esse enorme lenço! de fermentaçilea palustres excede em
muito o máximo da área captiva dos pântanos, mas a sua collocaçJto
a W, e o facto dos ventos reinantes soprarem em todo o auno ora de
NW., ora de SE, desmente in limlne a sua supposta influencia sobre
a Praia, por isso que os mÍcrobi'>8, commodistas como sSo, nSo usam
remar contra a maré.
A observaçAo clinica attestada pelos balbuciantes dados officiaes,
o aspecto da população, a persistência da capital, a permanência por
longo período de muitos europeus que nSu emigram e finalmente 03
oaludoa modernos subre as influencias maresmaticas e sobre o impa-
ludismo que d'eltas resulta, aflinnam e explicam cabalmente o ser a
Praia lioje relativamente salubre, ajiesar de se achar abraçada pelos
pântanos citados.
A várzea da companhia e a Praia Negra acham-se desde muito
beneficiada» nu seu esgoto pelas dranagen^i executadas pelo distincto
engenheiro hoje conde de S. Januário, e pelo augmento das planta-
ções mandadas eflectuar principalmente pelo Governador JoSo Cesá-
rio de Lacerda.
A hygiene particular e publica tem sido lenta e progressiva-
mente beneficiada pela abundância de agua, pela extincçio das pa-
lhoças, pela amplitude e boa orientaçSo dada ás ruas, pelo desterro
dos porcos, pela facilidade dos esgotos, pela fiscalisayfto dos despe-
jos, etc., etc . . Melhorou mas nSo se cnrou, é verdade: entretanto
CABO VBBUB
melhorou a ponto de ter jus indiscTitiTel á olaeBÍfica^So de um paiz
habitável.
No mez das bricas, é approximadamente tSo salubre como a ge-
neralidade das ilhas; mas du julho a novembro, hssps terreno» que a
iivisinham, adubados por matéria orgânica em abundância, embeben-
do-ae com as chuvas e fermentando com o calor, fazem sentir com
II elcva^iio da temperatura própria da epocha, uma influencia mais uu
menos deprimente sobre a equaçSo sanitária.
Mais ou menos, dissemos nós, n%o só porque traduzimos a expres-
sSo de uma verdade, sem rela^So alguma seriamente determinada en- -
tre as causas admittidas e os efleitos observados; mas porque a po-
rosidade do terreno, a sua permeabilidade, a elevaçân da temperatura
e os ventos dominantes favorecem sobremodo o desappareciínento das
aguas estagnadas, sendo os pântanos artificiaes e aecidentaes, todos
muito temporários, devidos ás circumstaneias telhiricas e meteóricas
adiante apontadas, eireumstaneias essas algumas, que tendo uma acçfio
variável em cada anno constitnem modalidades differentes nos factos
que lhes sSo subordinados.
A Praia é relativamente insalubre mi tempo das chuvas. Ha
mesmo uiu ou outro anno em que a sua nota pathologica é aguda,
por circurastancias que se uSo acham beui discriminadas, como aliás
succede em toda a parto. Mas o que não é, é um foco temível de
impaludismo, como se quer fazer acreditar.
A opinião generalisada pelos nossos médicos da Africa e perfi-
lhada pelo vulgo da correlação entre os pântanos e o impalndismo...
é falsa pela cxtensKo.
Ha pântanos innocentes como succede no Mexíco, no Paraguay,
no Uruguay e no Plata, onde apenas apparece a febre palustre sim-
ples, não obstante a temperatura elevada e vegetação luxuriante das
regiSes.
Os pântanos mixtos já despiram a sua larga capa de phantasmas
em muitos paizes explorados pela pathologia gcographica.
Não ha regiScs immunes para o impaludismo, haja ou não haja
pântanos visiveis, palpáveis e classificados; como a existência, appro-
ximação e os caracteres phjsicos de um pântano não constituem por
si só e independentemente ura argimiento seguro piirn apreciaras con-
tingências das populações que os avisinhara.
Ha regiSes não experimentadas, isso sim; immunes não; o que
n&o quer dizer a mesma coisa.
Na Dinamarca, apesar da L^xtrema liuiniclade do solo, an febres
íntermittenteH liguraram st-mpre n'uuia fracçSo raininiíi na mortiiHda
de (0,18 ",j da mortalidade gemi) «tt- que uma terrível epidemia a
dizimou paviiroBumetite, victimando-a na proporção de 1 pai-a 17, ilns
sdus habitantes.
No CliUi o impaludisnio foi deseonhecido até 18õl,aniio em que
o visitou peta primeira vez, toroaiido-ac- depi^is a malária uiidemicu
em muitos pontos do seu território.
A ilha Amhriinc gusava dr uma tal reimtav^ de imuiunidade
que serviu de sanatorin para todo o archipf-lag" das Molueas a qiii.-
pdrteiiee ; hoje ó a mais vi-xada ih- todas.
Outras localidaih-s de mu tt-rremi humid" e brejoso, taes rumo a
parte oriental da Virgínia, certas zouaa da Pensilvânia e dos estados
da nova Inglaterra, do Cniinoetiiiil. i- iia Europa a parte ncroeste da
Suécia ondf si- achavam, como díz Jacoliy, reunidas todas as omdi-
ÇSes de impaludismo, mostraram -su por períodos hmgns, mdomnes ás
febres, sendo posteriormente visitadas por causas mais ou menos des-
conhecidas, o que i»rov« evidentemente que a ausência ou presença
por si só do pântano nil" i- o sufBniente para produzir o impaludismo,
neoessitaiido o gérmen, — isee heniatozoario de Lnveran — qualquer
quid perturbador o revolucionário fpie o faça arrcmetter e engorgitar
o baço, cíimo o leimento faz levedar o pSo.
Para pn)var que a Praia hoje não é o que se die, bastar-nos-hia
chamar a contas as estatísticas da mortalidade, do movimento hospi-
talar e assoprar esses nimbus cum que os timoratos envulvem as gran-
des phrasos iVas da sua decantada insalubridade.
Bastaria indicar as victimas liquidadas do impalmlismo, registrar
o numero de casos graves nos febricitanti'» niisoL'omia''s e fínalmentc
apontar as òlHonai; as Jebn» kematnrícitit, as perniciosa», i;U'., emfim
as notas mais altas da sua escala palustre.
Mas nilo o Taxemos p<)rque desejamos sem])rc ser cohcrentes nu
defeza como no ataque, e assim como regoitanins muitas dVssas esta-
tisticas que por alii andam, couio "bjecçiíes sérias a certas atfirmali-
vas já expi)stas, assim tambcni uSo nos utilizamos d'ellas agora, eomn
anua lufallivel para corroborar o que acabamos de dizer, limitando-
nos a repetir aqui « que '•utr'ora tilo seosatameule disse o nosso mes-
tre .foSo de Andrade Corvo: •« medicina, tciencia Msencialmente ex-
perimvnlal, não pôde deixar de ler fterupulotiasima na obsfrvriçSo dm
fnetoê, e ainda mait na adopçãu da» idem gfnertdiítadt/rag. As leis da
17
lâO CABO TERDB
vida sâo muito complí^xas para serem facilmente descobertas mesmo
no estado physiologico; cresce, porém, de {)onto a difficnldade, quando
um estado pathologico vem pertiirbnr a manifostíu;:i<) dos actos vi-
tae».
Os espiritos sérios não devem deixar de ser cautelosos, de rc-
ceiar todas as exageraçíles, de |K>nderar bem todas as circumstancias
que podem ofFuscar a verdade, antes de adoptarem sobre uma ques-
tão medica uma conclusão, e de a formularem como uma verdade pro-
vada. Uma vez, porém, convencido da verdade de unia proposição,
nâo consente a probidade, nâo pcrmitte a consciência dos homens de
bem que hesitem om a proclamar. »
Insistimos sobre o valor climatologico da Praia porque obedece-
mos ao nosso d(»ver como medico o íis indicacíJes da nossa consciên-
cia como homem.
A Praia hoje nSLo é o que foi, <? o facto de ter pântanos nSo lhe
constitue a gerarchia de cemitério, como querem.
S. Thiago não é um paiz insalubre na accepção rigorosa da pa-
lavra, e ainda assim, as causas nocivas do seu clima em alguns pontos
podem e devem ser combatidas, por isso que abafal-as seria benefi-
ciar a agricultura, acrescentando a sua área cultivável e garantindo as
energias do cultivador.
As.ccmdiçoes sanitárias da Praia sSo hoje regulares, podem ser
sensivelmente melhoradas, c mesmo actualmente nâ<» podem de modo
algtmi ser condemuadas em absoluto pelo critério medico-social.
Só assim SC pódc justificar a centralisação alli de todo o pessoal
militar e burocrático; só assim s(^ comprehende que ajunta de saúde,
08 médicos c os homens de coração em geral, nâo protestem d outrauce
contra a permanência da capital n'uma localidade a que íks chronistas
c<mcedem foros de mnuHunUha,
E é por isso qu<' nada pode justificar esse vergonhoso sauvt qtà
peut das epoehas phivia<^s, dissertação r<'ve]ad(>ra da nossa tibieza
administrativa, d 'onde resultam as mais graves injustiças, as mais ma-
nifestas illegalidades e a mais eondemnaveJ confiagraçSo.
E attenda-se bem que ní\o atacamos os cjue o permittem, nem
condemnamos os hábitos e a moda de se fugir á Praia na epocha plu-
viosa. A vUlcífUíturn é usada, indicada e a])plaudida em toda a parte.
O que fazemos apenas c estranhar a incoherencia offieial que foge
todos 08 annos Jio perigo, arrastando atraz de si um se([uito de privi-
legiados, deixando no campo da batalha, no logar do ])erigo, os sol-
S. THIAGO, PRIMITIVAMENTE S. JÀCOBO 131
dados enfileirados para a morte (seguudo pensam) e desproti^gidos ár
generalas que os commandem.
O que fazemos apenas, é lamentar que a classe medica e o Go-
verno, não tenham de ha muito precisado esse problema de tâo alta
import;incia, concedendo ao clima a sua senha legitima, impondo a
transferencia da capital se fosse verdade, o que geralmente se jxaisa,
e coarctando o bandalhismo burocrático, fazendo a cada um compre-
hender o respeitar sem sophismas as responsabilidades do seu cargo.
Paul Bert, morrendo no seu posto, deu o mais valioso exemplo á
causa franceza no Tonkin. — Noblesse ohlige.
Aqui não se trata de morrer, mas sim de dar vida e relevt» á
administração de uma provincia, e para isso é indispensável que os
bons exemplos venham de cima. . .
S. Thiago tem uma importância real, indiscutivel e comprovada.
Tem chegado a exportar 1:250 moios de milho; ().23S:Õ19 kilos
de purgueira ; 21)6:030 kilos de café ; já chegou a mandar para o^
mercados da Europa para cima dt* 522:001 kilos de assucar; tendo
chegado o valor de suas exportações em alguns aunos a exceder a
trezentos cfmtos. Produz muita aguardente, é abundantíssima em peixe,
periis, gallinhas, gado vaccum, suino, cabrum, etc, reunindo mil con-
diçíKes que tornam a vida alli fácil e barata.
Tem três pharoes: um de luz branca e fixa que alcança U mi-
lhas, situado na ponta NNE. da ilha; outro de luz branca e fixa na
ponta da Temerosa, visivel a 14 milhas de distancia, outro na ponta
de E. de luz vermelha fixa com alcance de 7 milhas, e finalmentií
um pharolim <le luz vermelha no extremo da ponte cães da alfandega,
estabelecida no seu porto principal.
Tem uma estação telegraphica da West Africa C.*, tem a im-
prensa Nacional e uma succursal do Banco Ultramarino, digna e sa-
loiamente dirigida pelo sr. Belgstnm. E para nada lhe faltar, até já
tem telephones.
Uha do Maio
E' uma das inais pequeiías o a mais infeliz das do grupo do so-
ta viíii to.
Distante de S. Thiago apenas 5 léguas a E.. aelia-se situada a
líV, ()' lat. N. e 14", iV longt. W., tendo õ léguas d<' comprido sobre
i) de largo e abrangendo ÕO milhas quadradas de supertíeii».
Tem uma única freguezia (Nossa Senhora da Luz), e é povoada,
hoje, (^m virtude da emigração, por umas 1:000 almas quando muito,
dispersas por 500 fogos approximadamente.
O seu nome é devido, como dissemos, ao ter sido avistada por
António de Nolle e DamiSo Gomes, a 1 de maio de 14^30.
O seu porto principal é o chamado Inglez, devido isto segundo
parece, ao terem esses generosos alliados dominado a ilha até os fins
do século XVIII, sob o pretexto do malfadado dote da mulher de
Carlos II, dote que, como se sabe, serviu de base á nossa cedência de
Bombaim. Está situado a S. S. W., e é pouco seguro na <^poeha das
chuvas, como todos os que se abrem a este quadrante.
O accesso á ilha hoje faz-se por uma ponte enxertada no an-
tigo e grutesco cães de pedra, já existente.
O seu commercio quasi exclusivo foi sempre o Cl Na (sal com-
mum), cuja producçâo chegou a attingir 6:000 moios.
Este commercio está hoje totalmente parai jsado, como em todas
as mais ilhas salineiras, em virtude do exagerado imposto lançado so-
bre o género no Brazil, para onde elle era principalmente exportado
desde sempre.
£8te sal é fabricado n^umas salinas, situadas a NW. da villa e
134
CABU VICRUK
pouco distante dci porto do embarque; foi sempre tnuisportaHo em liur-
roB, tanto das marinlias do Estado cultivadas pelo pov<>, como da»
parttenl&ree assentes mais pivximas do embarcadouro.
Hoje o ar, José Cm-lho Serra, esBf rico e intelligentií neguciaiilr
n 4iium a provincia deve tantos aerviças valiosos, fiindou idlí uoiihi
quo uma feitoria de sociedade com o sr. Jnaquim de Faria, a qual
compra todo o sal priKl(i7,Ído, tendo cilectuado nos últimos unnos qitasi
que o xclusí vãmente por etia conta a expurtaçSo de todo o producto
embarcada.
Dante», segundo se reconlieee dos documentos, liavi^ria nessa
ilha, onde ainda hoje abundam a« pastagens nos annos chuvoso»,
uma grande quantidade de gado ; dtívid» porém de certo, á mortan-
dade das estiagens e ás catecheses do oiitrVra lucrativo commcn'io
du sal, fraquejou muito eese ramo de industria, existindo apenns uma
diminuta quantidade de cabeças quo mal satisfazem ao consumo da
terra e ás vitualhas dos navios.
A >!xpo^la^^So de sal eatú jmraliijada alli eonio nas demais ilhas,
VIU- pHra seis annos, e » governn em vez de organíaar ou contribuir
para que se orgauisassem companhias de pesca, de resultados i&o sc-
gurt^is, attento á riqueifa dos seus mares <• á barateza da^ sidgnr>; em
vez de promover a arborisaçSo, de bencHciar «» suas salinas, de fo-
mentar cmSm qualquer industria qui- nervissu de fimtc d<' receita c de
beneficio permanente ás localidades, ontentou si' em dispender in-
genuamente contos de réis em constriicçòca de caminhos, onde cllcs
nunca foram precisfis nem necessários, c isto exactamente quando k
limitadissima popntaçAo dessa» mesmas ilhas dcsapparocia em grwndc
parte, pela •■mígraçXo impoHta pela miHeria!
De modo qm- nn cpocha das cbuvai<, eui qnc cates mesmoií tra-
balhos flâo suspensos no «rchipolag", habitualmente como medida ge-
ral, o pivn que ainda rcHbi ri'essuH ilhas citadas, upresenta-se tfto la-
mentável e tSo ln.'<te, qne nos dá a ini|>i'er<siIo coumiovenle de engeita-
doB famintos, tiempru na espcctativa anciosa . . . dos navioa que imnea
cbegam.
E isto tem existido e continua a existir n'eH8e catado, ^em qa4
ninguém «e inquiete, som que ninguém tente um remédio. . . som qoi
a ninguém lhe dõa o cora^So! K c<>ntinna-se a ouvir diser que e
ministra e que se gnvema b.« colónias!
E é preciso que se saiba que essas duas ilhas, hoje despre^i
/.'Omo inuteit^. ehegarum a espitrtar ín\ no valor iipproxJuiado de cen
ILHA DO HAIO 135
contos de réis annuaes, e a sustentar na abundância e pelo trabalho,
mais de 2:õ00 pessoas, nos tempos áureos do seu existir.
E que é esse o nosso fadário: o nosso mundo colonial rola ver-
tiginosamente para o abysmo, que attingirá de certo, se nfto appare-
cer a tempo um outro Marquez de Pombal, que o faça parar, cortan-
do-lhe o naco prestimoso da sua eloquente resposta ao Jesuita.
A população e os hábitos do povo da ilha do Maio sSo em tudo
<M imparáveis aos de S. Thiago.
Tem apenas no porto um pharolim de luz vermelha que alcança
a 7 milhas, possuindo duas coisas, verdadeiramente boas : queijos que
apesar da sua má apparencia sfto de magnifico leite e exeellente
gosto, e o sr. Joaquim de Faria, digno vice-consul do Brazil, cuja affa-
bilidade encanta e cuja hospitalidade deslumbra.
"smmf^n^aimmmSSimSB^
Ilha da Boa Vista, primitivamente S. Christovam
Como as demais de Cabo- Verde foi descoberta em 1460 por Da-
miSo Gomes e António de NoUe, e muito provavelmente a 3 de maio
doesse anno, quando os intrépidos navegadores seguiam já derrota feita
para Portugal.
O seu primitivo nome de S. Christovam seria devido^ segundo
infere Lopes de Lima, de ser este o patrono dos maritimos de Géno-
va; conservou esse nome, segundo parece, até 1497, epocha em que
pela primeira vez figura com o de Boa Vista, no diploma régio de
doaçSo ao seu primeiro povoador de gado, o conselheiro Rodrigo Âf-
fonso.
A descoberta da ilha no dia e mez indicados, parece effectiva-
mente demonstrar-se pelo facto da usança, hoje um pouco decadente
(devido á libertaçSo dos escravos), de íestejar-se alli este dia com
grandes demonstrações de regosijo, facto este que se nSo acha rela-
cionado a nenhuma outra legenda, ou a qualquer orago d^aquella ilha.
Até principies do século xvn^ nSo teve mais que pastores e ca-
çadores de gado bravo, resumindo-se a sua importância no trafico de
carnes &escas, chacinas e courama, importância esta que nos séculos
seguintes tem decahido um tanto, sendo comtudo esta ilha a que ainda
hoje, relativamente, maior numero de pelles exporta.
Situada a 16® 10" latitude N. e 13® 52" longitude occidental de
Lisboa, mede 16,õ milhas do N. a S. e 19 de E. a W., regulando a
sua superfície por 140 milhas quadradas.
E' plana, apenas atravessada de NN. W. a SS. E. por uma ca-
deia de montanhas que a separa em duas zonas, figurando cumo o
mais alto dos seus pincaros o Pico da Estancha, que se eleva a 600
metroB acima do nível do mar.
18
138 CABO VEUDK
Exij^teiii na ilha tr<*s portos principaes: o porto do Norte, situado
na sua costa nordeste junto á j)nvoa(;ãlo de S. JoSo Baptista, porto po-
rigosn e cuja entrada c drfcndida pelíís terrivcis recifes, chamados do
Nort'*, celebre» p(»r uni f^rande numero <le naufrágios o celebrados
})elo notável Cook, que se acharia alli, segundo elle mesmo affirma, em
grande risco, no regresso da sua terceira viagem aos mares do sul.
Defendida por esta banda pelos reciftís de que acabamos de fallar
é-o também do sudoeste (S\V.) pelo grande baixo de João Leitão, dis-
tanciado 17 milhas da t «rra, pouco apreciável á vista e muito perigoso
p(^las fortes correntes que se lhe estabelecem em grande área, em
torno, as (juaes como (pie impcllein os navios ])ara os seus escolhos
submersos. Hoje poi*cm *, ess(í escolho acha-se bem indicado por uma
bóia a silvo automático a alcance de três milhas (segundo se affirma
ottícialmente), coll<»cada junto a elle em julho de 1800.
Tem mais o porto do (Uorralinho na costa sueste, porto de levant(*
e pouco frequentado 5 o finalmente o porto de Sal-Rei postado a K)"*
lo'' latitude N. e l.-V' 52" longitude W. de Lisboa, aberto a oeste,
muito importante outr'ora .pelo seu movimento marítimo, mas que está
longe de ser comparado ao de S. Vicente como querem fazer alguns
nuctores, e muito menos de possuir as condiyoes de segurança abso-
luta, attírmadas erroneannjnte por tantos outros.
A' entrada d'este porto, a meia milha de distancia e a Sudoeste
da terra fronteira onde ass<*nta a povoação principal, Sal-Kei, desta-
ca-se o illiéo ondtí o conselheiro Martins mandara construirei fortaleza
a que já nos referimos, hoje em ruinas ; sendo a bahia pela banda de
dentro irestcí ilhéo p»'rsemeada de quatro recifes claramente indicados
nos mappas, os cpiaes concorrem para tornar verdadeiramente terri-
veis e explendidas as maresias ahi, pela fermentação alva e espumantí»
que se estabelece por horas consecutivas na immensa extensão da en-
seada.
E' ('(mstituida por um só concelho, comprehendendo duas fregue-
zias (de Santa Izabcl e S. João Baptista) povoadas por 4:000 habitan-
tes distribuidos por 320 fogos.
A sua povoação principal é a de Sal-Kei, que apresenta ainda
' Podcuios aflirinor poróm, ({ue o silvo da tal bóia cuja posição foi on-
nuiiciado no holctim otlicial, nao se ouve sequer a uma milha» o que nos
parece di^no de ser tomado em consideração pelo governo e pelos nave-
gantes.
ILHA DA BOA VISTA, PRIMITIVAMENTE S. CHRISTOVAM 139
hoje as minas do seu primitivo fastígio e que se acha situada muito
próxima das salinas d\)nde se tira o sal da B;>a Vista. Havendo além
doesta, digno de citar-s<*, a povoação do Kabil, visivel do ancoradouro,
coUocada a SFl. da primeira, bastante acco.ssada todos os ainios pelas
febres intermittent«'8 resultantes do estagnannínto de um enorme vo-
lume de aguas represadas na ribeira do mesmo nome, pelas immensas
dunas de areia, que formam dique á sua livre vasante para o mar;
a povoação de S. João Baptista (chamada do norte) e a povoação
velha ou Estancha, logarejo aprasivcl pela alegria o obsequiosidade
da sua gente, onde se encontram as mulheres mais bonitas da ilha,
e onde se passa agradavelmente o tempo ao som da faca^ tango
apreciadissimo pelo povo, tocado enthusiastieamente ao rythmo do es-
pancar dos pés, em violas e rabecas tornadas notáveis por iuscripçòcs
falsas onde se lêem ás vezes os nomes de Stradivarius, Mogini, etc., ete.
N^esse pequeno povoado, perdido no meio da aridez o da desola-
ção, vive hoje quebrada })elos annos e engilhada pelo tempo, uma boa
velha cheia de filhos (^ netos, eom os quacs nuiiías vezes brincámos
em criança, na fraternidade dr irmãos.
Se o leitor passar por alli e tiver á mâo este livro, pcdimos-llie
que o leia n'esta parte a essa octogenária, que ha de conhecer por força.
O seu incommodo ser-lhe-ha pago com lagrimas de cntcrnecim«'nto,
tendo servido a alegrar deveras um pobre coração que o merece.
Maria Eulália, esta velha, foi a nossa ama de leitr* e é ainda hoje
uma nossa boa amiga, n'este mundí), onde tantos nos festejam e tan-
tos nos detestam.
O povo da Boa Vista é o mais orgulhoso, o mais intelligente e
o mais enérgico da provineia. Tem um fanatismo manifest<) pela mu-
sica e um espirito scintillante, repentista e engraçadissimo.
E' um povo digno, desgraçado e desprotegido.
Na ilha ha industrias embryonarias e elementos de verdadeira ri-
queza, como a cal, o sabão, o sal, o fabrico da louça, creaçào de gado,
a tinturaria, a abundância do peixe, <;tc., mas tud(» isso tem uma vida
angustiosa e uma appanmcia rachiti' a, á mingua de ensinos que» aper-
feiçoem 08 processos, de leis prí)teccionistas que estimulem o capital,
de centros de consumo que utilisem os productos.
140
OÁBO ^
Ob govemadoreB, oa jnizeB e ob grandes magnates, como quo euf-
frem horriptIaçrSeB líe nervos an dftsIocarera-He da pretenciosa Praia
e da endinheirada S. Vicente; por isso, nas poucae vezes que visitam
AS peqitenaâ e pobres ilhas do archipelago, como a da Boa Vista, pas-
sam por ellas eonio cSee pi:>r vinha vindimada, cuidando pouco ou nada
daquilto de que deviam cuidar.
Que tratassem de melhorar a sorte da Boa-Vista, racional e per-
sistentemente, que nos conste, apenas houve noB últimos tempos aB
tentativas em projecto do dr. Lacerda e do nosso amigo Augusto Fi-
gueiredo de Barros.
Os «utroB, apenas teem tratado de roalisar alli eleíçSes, pelos
processos habituaes e conhecidos em demasia, e por isso, nós que nXo
somos políticos, quo nSo pedimos votos nem nos preoccupamos nunca
com as protecções do governo, lamentando apenas o facto apontado,
apresentamos como alvitre suggerido por este estado de abandono, que
8C antolha aliás por toda a noissa Africa, e pelo conhecimento das ba-
ses iheoricas, abusivas e declamatórias em que se estriba toda a nossa
administraçSo coloniiil, o seguinte:
Caso não haja no nosso paiz, como parece, formados pelo estudo,
pelo conhecimento directo e pela alta comprehensão scientitica das
questões africanas, pessoal bastante para governar devidamente aquillo
que nos pertence, que importemos homens positivos f práticos que sir-
vam de núcleo a esse ensinamento, habilitando governadores para o
Ultramar, como se liabihtam professores para instrucçSo primaria.
Esta proposta que se nos apparenta da máxima urgência e que
apresentamos desprctenciosamente ao consenso publico, resume para
n ta o único uicio do salvar o nosso património daa garras da vanda-
lismo, mil vezes maia temivel do que as queixadas hiperbólicas da
rbctorica nuciunul.
Aaiiim ao monos teremos um pessoal superior habilitado, ao qual,
d<?p<iis lie ter jinsaado ns seus exames e dado as suas provas, se po-
derá então conceder largas franquias, latitudinarias leis e avolumadoí
proventos, para a missilo hnjf mais do que nunca patriótica e huma-
nitária de bem administrar u fazer pntgredír a Africa.
Nâ» conhecemos outro meio de corrigir a ignorância, nem outro
processo do fvidoncinr a capacidade senilo a aprendizagem e a pra-
tica. E para governar í indispensável ter ctnnpetenciít e ter prestigio.
Nilo baota ter galiVs e muito menos o si,!r-se bacharel.
nha do Sal, primitivamente Lana ou Lhana
Esta ilha, cujo primeiro nome derivou do seu aspecto ptano, viata
do S-, attento á grande quantidade de ai-eias que n atulham etu todo
o arredor do seu porto principal, tomou o nomo de ilha do Sal, com
que hoje é geralmente conhecida, pela abundância d'eBte producto,
que se encontra tanto na cratera extincta da Pedra de Lume (primi-
tivas salinas), como nos terrenos alagadiços do Portinho e do Sino.
Acha-ae situada a l(i'',35' latitude K. e 22'',55' longt. W. Green.,
a 24 milhas a N. da Boa Vista, com a qual mantém as relações de
maior analogia pelos costumes, pelas tradições, e polo parentesco pró-
ximo do seu povo, quasi na totalidade oriundo daquella ilha.
Mede 5 leguaa de extensSo de N. a S. e 7 milhas na sua maior
largura, sendo avaliada a sua suporíicie em 6í( milhas quatlradas.
E' plana e osteril; faltíi-lhe agua potável, como lhe 6dta combus-
tível, tendo porém excellente pasto e produzindo excellentes melan-
cias, melSes e algum eereal quando chove.
Tem poucos outeiros ou montes, destacando-se porAm a W. a
Serra Negra e a KE. o Pico Martins, o mais alto das suas eminências
e qae se ergue a 407 metros acima do nivol do mar.
Desde oa fina do seeulo ivir que serviu de residência temporá-
ria a pastores e alguns escravos que alli mantinham os habitantes da
Boa Vista para a fabricaçSo de sal, trabalho esse, porém, abando-
nado de todo era todo em 1705, devido A t.^rrivel estiagem e fome
que entSo flagellou lodo o archipelagti.
Só mais tarde, em 1808, é que o coiiselheiro Manuel António
Martins inieiou, em forma, a exploraçSo regular das suas salinas, dis-
pendendo para isto eentenas de contos de réis ; podendo dizer-se que
só a partir de 1838, se viu^a^dha regularmente povoada, por isso que
CABO VKBDE
SÓ ii'esta epocha é que o mesmo conselheiro Martins farneceu á gente
da Boa Vista, casas, gado e sustento, abrindo á sua custa os poços
para a regagi<m das salinas que lhe perteiii^iam por aforamento, ter-
renos esses, onde eada um tinha direito de explorar o sal que po-
desse, vondendo-o a elle por um preço taxado nas condiçSes do tra-
tado originário, sanccionado pelo governo por decreto de 2!* de no-
vembro de 1839.
Ab primeiras salinas exploradas, no principio d'este século, furam
as da Pedra de Lume, situadas a E., distantes I kilometro do porto
do mesmo nome.
O sal era trazido alli a L-iisto por tor-se que galgar uma alta mon-
taidia que limita em tomo a caldeira productora, caldeira essa de uma
appareuciu deslumbrante, vista à luz do sol, e que parece ser uma
antiga cratera de vulcSu extincto.
Mais tarde, o mesmo proprietário Martins, com o tím de facilitar
o transporte, fez abrir um tunnel atravoz da montanha citada, no
contorno E. da cratera, assentando um rnil-road que a punha em com-
munica;'£u com uma ponte de embarque.
Estas salinas riquíssimas e que constituem |)ela !<ua originalidade
e pelo seu pittoreeco, um dos locaes mais digno de ser visitado em
Cabo-Vorde, foram abandonadas posteriormente, attento ás más cun-
diçSes de segurança e tranquill idade do porto, passando então a con-
vergir t'ida a actividade sobro as de Santa Maria, onde primeira-
mente se fez o embarque de sal ás costas dos negnis e onde mais
tarde fez ello construir pontes, assentar caminhos de ferro, construir
cães, dando um desenvolvimento tal á industria do sal que se chegou
a exportar 11:000 e 12:000 moios (medida da provinciu).
Desde 1887, em virtude da lei proteccionista do Brazil (ponto
para onde principalmente ia o sal) deixaram de apparecer navios a
buscal-o, jazendo hoje esta, como as demais ilhas salineiras (Maio e
Boa Vista) na mais completa miséria, tendo baixado a cifra da sua
populsçSo, que chegou a ser de 9<_H} habitantes, a nSo attingir 44 H) pes-
soas actualmente.
A Ilha c extraordinariamente abundante em peixe de variadis-
siroa e excellenle qualidade; a proliferaçSo do seu gado, quando cho-
ve, é csjtantosa, fornecendo magnitíco Icitc e a mais gostosa carne.
Appareco com abundância nos seus mares a baleia, cetáceo de co-
loseae» dim6ns<íe8, c a tartaruga, esse cheloneo cuja cume e ovos sio
alli, como em toda k parte, muito apreciados.
ILHA DO SAL, PRIMITIVAMENTE LANA OU LHANA 143
Sobre a sua costa apresenta enseadas capazes de dar abrigo a
pequenas embarcações, tendo, porém, como portos principaes, desi-
gnados nos mappas, o do Rabo de Junco (Mordeira), vasto, tranquillo
seguro e o melhor da província, depois do de S. Vicente; o de Santa
Maria, ao sul, delimitado pelas pontas do Leme Velho e do Sino, que
dá accesso á sua villa principal e por onde se efFectuava todo o seu
commercio, porto porém de levante, como o da Pedra de Lume, si-
tuado a E. e hoje completamente abandonado.
A sua única villa é a de Santa Maria; tinha vários povoados,
hoje desertos, como a Palmeira, a Casa Branca, etc. e casas disper-
sas nas proximidades das ribeiras, para onde os abastados proprietá-
rios emigravam d'antes, no tempo dos grandes calores.
As principaes d^essas vivendas eram o Algodoeiro, que dista da
villa 2 kilometros e onde filtra a nascente da agua de que faz uso o
povo; a Palha Verde a 1 légua de distancia, a Madama junto á ri-
beira do mesmo nome, a Pedra de Lume, onde existe a capella de
Nossa Senhora da Piedade e finalmente a Fontana pertencente ao nosso
primeiro mestre, ao mais dedicado dos nossos amigos, o sr. Júlio Fer-
reira de Almeida.
A Fontana é a ribeira mais arborisada, mais fértil e mais sau-
dável, talvez, de toda a ilha. Com a grande matta de seus coqueiros
gigantes, com as suas colossaes amendoeiras e os seus tufados tama-
rindos a folhas rendilhadas, dá ao viandante a surpreza de um oásis
n'um deserto. . . de uma nota alegre cortando o silencio triste e a ari-
dez desconsol adora que a cerca.
Foi allí que brincámos, creança; foi alli que começámos mais
tarde este trabalho. — Por isso declinamos com respeito o seu nome,
delineando aqui com saudades o seu perfil.
S. Hicolau
Pertencente ao grupo de Barlavento, estíi ilha acha-se situada á
10,15 lat. N. e 24,15 longit. W. de Green., medindo j)Ouco mais de
8 léguas na sua maior extensílo, do W. a E., e mostrando dimensões
muito variáveis em toda a totalidade, em virtude da sua forma irre-
gular.
Tem uma área, approximadamente, de 115 milhas quadradas.
Os seus portos principaes silo: o Porto velho, a SE., onde an-
coram os raros navios de grande lote que a procuram, porto e^te il-
luminado por um pharol de luz vennelha postado no centro approxi-
madamente da bahia de 8. Jorge' delimitada pelas pontas do Itodegal
ao N. e da Pataca ao S., o pelo pharolim também da mesma cor er-
guido a 4'" no extremo dt» magnifico cães Torres, e que serve de in-
dicação ao desembarcadouro e a entrada da pequena enseada da l^re-
guiça, por ccmstituir este ca(*s parte t(»rminal da face SE. da mesma
enseada.
(.) porto velho tem hoje um marco branco, pcmto de referencia
ao ancoradouro, mandado ahi constniir pelo governador Sampaio e
que fica postado pouco abaixo do pharol a que nos referimos.
O fundear pois alli é fácil, apesar da grande e insólita inclinação
do fundo a partir de certos limites restrictos, pois basta para isso,
que o navio depois de ter enfiado o sobredito marco e o pharol pelo
morro da Ponta do Focinho que se ergue mais alto, no campo da
Preguiça, avance n*esta direcção, largando ferro quando estiver a
desappareccr o cume do referido morro, o que se dá entre S a 10
braças dr fundo. Próximo a este porto fica a enseada da Preguiça,
muito similhaute á da Furua na Brava^ e onde se abrigam todos os
19
barcos de cabotagem, excepto nos mezes daa a^ama (Jiilliu u No-
vt^mbro).
A S\V. tem o porto do Turrafal onde existe Iioje uma compaiiLia
de peuca de baléas; a \V. e próximo da ponta Ferrabra/. o porto do
IWril, onde tocum por escala os palliabotcs que mantêm o seu con-
vívio com S. Vicente c Santa Luziu; [cassada a ponia da Alvaeora e
e ao S. tem a enseada ilo Carriçal, celebrada pelos ingleíies com n
titulo de Fresli-Watter-Bay, assente na iirbooadura em deltsi da ri-
beira do mesmo nome, onde ha também nma emprezii de pesca di-
balêas j tendo ainda liiialmcnte o portii da Lapa, um pouco mais a K.
qne o porto Velho e incluído oomo elle nu imroeiíBU bahia de S.
Jeorge, notável por dar accesso A primeira povoaçfci existente, que lie
ficava próximo como se i^eeonheee aind» Imje, por escombroíi r ruinnii
visive.is.
A illia segue a direcçSo de KSK, ii WNVV., o apresenta, vista
de E. sobre o mappa, a eoofi^uraç^o de um fémur tortuoso L'm quo
n pontn dn Vermelharia con^lituissc o exlronio do grande torcanti-r, n
espaço comprei iL-nd ido enlrt-- a bidiia do Tanafal c os Carvoeiros o
collo, e a suportície delimitíida. pelii Ponta dos ('nmar?!cB e do Ferrn-
braz, a cabe^'n articular.
K' biistanto montanhosa, deMoidiando-ise as Mtns elevaçiíes no azul,
numa eonfusSo piltoresen de ]ilanos u'ultÍ|dos c sobrepostos, prínei-
palmento na zona situada a W. da Itibeíra Urava.
Os mais altuti dos seus montes sSo, Monte Iklarlius e Moute (ior-
do, ambos cumprehcndidos nVsses limites, «rgueiido-sc o primeiro a
] lIJíl metros o o segundo a I:.'[47 neimn do riivel do mar. Estes doís
cumes a!l<roBos distam aponiif do 1 a L* kihinielifiB d-» T'>rno d'Agua,
abundaiilc niniianriíd nul.rn que lidhirenioH mais liinii' u ipn' Ities fico
a S. K.
A illiii tem um único eoncolho dividido em duas gmnde» freguo-
ziaa iNossH Souhora do KoMirio n Nossa Senhora da Lupa.) V,' povoa-
da jjor tI:(KX) habitantes ', distribuidos por ;i:lí?l) fogos, tendo por
villa principal a da Uibcira Hravu, itssente no.-< flancos da ribeira do
mcsrao notne, r varia» [xivoavõcs dispersas, das qunes b» mnís popu-
pelo coiiliociiii(<iilo (lipecUi o {leliis iiifiípiíin
nos rcrerimos 6a CbtniiHlicos ollldacs, por h
8. NICOLAU . 147
losa» sâo a Praia Branca, de 700 habitantes; a das Queimadas de U80
habitantes; a dos Carvoeií-os de 200 habitantes e a Preguiça com a
sua população de 120 liabitantes, Tudt> isto approximadamente.
E' uma terra esscínciahnente agrícola e commereial.
Ás suas ribeiras em grande numero e riquíssimas algumas, são
mais ou menos vexadas todos os annos na parte cultivada, pela impc-
tuosidcide das aguas, c isto principalmente devido ^o desleixo cama-
rário e administrativo, que nâii cuiíla nem trata de garantir a invio-
labilidade dos seus alveos, invadidos selvagemente pela cegueira des-
culpável do povo, a qual creando obstáculos ao franco esvaziamento
das aguas, vem reforçar a gravidade das inundações, verdadeira-
mente temiveis e ruinosas, como succedeu em 1^90.
D^essas ribeiras que a serpeiam em todas as direcções, sào dignas
de mencionar-se pela sua fertilidade e extensão além da Ribeira Brava,
a das Queimadas, Prata, Calhaus, Praia Uranca, etc.
Á ilha é persemeada de pontos de vista vastos e grandiosos, man
dos habitados, o mais pittoresco, o mais agradável, o mais arejado e
o de mais largos horisontes é inquestionavelmente a risonha vivenda
do Thomé Pires, situada a 4(X) metros approximadamente de altura,
nas faldas dt? uma montanha alterosa é íigreste, mirando-se no oceano
que se divisa ao longe e como que revendo-se na enorme e verdejante
campina da Preguiça que parece atàpetar-lhe os pés.
Foi alli que passamos os j)rim(úros tempos da nossa morada em
S. Nicolau, entro o aroma diis rosas que enfeitam os seus jardins e a
amabilidade catechisante dos nossos amphitrioes.
Aqui deixamos pois registado, como preito das nossas homena-
gens, as vibrações das nossas saudadrs pelo muito que o Thomé Pires
tem de bello, e pelo muitissimo que (»b seus castelloes tiveram d<'
amável outr'ora para comnosco.
A ilha é de uma fertilidade espantosa, nâo se podendo apresen-
tar de maneira alguma provas demonstrativas da sua exportação, por
stírem completamente d(?stituidos de verdade os dados estatísticos of-
Heiaes a tal respeito.
Entretanto dá para o seu i*onsumo, o que já é muito, e é uma
das que mais concorri^ a abastecer àS. Vieent<í em todos os genems de
prim<'ira necessidade (gallinhas, bananas, ovos, gado, milho, verdura,
(^tc), havendo n'ess(; serviço erai)regada uma miero8coj)ica esquadra
de magnificíís j)alhabot<;s, d'entre os quaes o Santa Luzia e o Gari-
baldi, figuram C(ímo os mais infatigáveis doesse vae-vem incessante.
148 CABO VERDK
*#•■
Ha uma extraordinária sirailliança ílo.ostadn social, liabilos c mo-
dos de ser, entre 8. Nicolau e a Brava, podendo dizer-se que a Brava
é a irmã mais nova, correctii e aperfeiçoada da sua v<'lha irmà de Bar-
lavento.
Assim, que parecenya entre o Porto da Furna e o da Preguiya!
(\\w analogia entre o caminho e as impressí^es de transito, de um v
outro i)orto para as respectivas povoaçííes I Costumes agrícolas accen-
tuadamente similhantes; o mesmo aproveitamento da terra; a mesma
sub-dividibilidadc de terrenos por toda a parte, e a mesma indepen-
dência relativa, de quem, tendo garantido o pSo negro de cada dia^
sonte em si essa independência que se revela ate no olhar, tSo com-
parável á verticalidade do sacco cheio, engi^nhosamente formulada em
allegoria pelo satyrico espirito de Alexandre Dumas.
S. Nicolau ó uma ilha rica, e muito mais o podia ser se fossem
aproveitadas a^ grandes poryoes de terrenos que jazem temporaria-
m<Mit(» p(ír ahi sem cultura por falta de agua, e se tivt^sse uma orien-
Un;^o regulamentíida no seu commercio.
I)*e8S(*s t<*rrenos, o nuiis importante, sem duvida, é o do CamjH)
da Prfguiya, atravessado d<' SE. a N\V. pela estrada que conduz da
povoavííio íi<» Porto. E' uma planicií^ extensissima, ai*avcl e de natu-
reza argilo-silieiosa, hoje mais ou menos retalha<la estúpida e crimi-
nosamente pela j>rodigal idade politica dos governos, baseados nas in-
fi)rmaçòes parciaes de administradores obsequiosos.
A maior parte j)orém, d'essas cinicessíHes feitas ás màos largas,
sem resultado algum para a agricultura e com prejuízo evidente jwra
o j)ublico, perderam já (»s dinntos de aforamento perante a lei, cíuno
assrvera o rx."" cónego J(»aquim da Silva Caetano nos seus curiosos
trabalhos sobre S. Nicolau, publicados no boletim da Sociedade de
(íeographia.
Parece pois, (h» previdente e indispensável indicayãK», o governo
chamar a si aípiillo que lh(^ pertence, como meio dr simpliíiair a re-
soluyJlo (\r um problema (pie se nos affigura de innninente, faeil e im-
positiva nec<*:ssidad<* : tal é a canalisaçâo de aguas que sirvam a irri-
*^:\v essrs trrrcnos. A eanalisayâo das abundantes aguas do Tomo,
S. NICOLAU 149
situado a uma grande altura e a 15 kilometros d'(^8te campo, hoje im-
productivas e inúteis, poderiam, segundo as affirmaçdes verbacs do
distineto engenheiro Conde de S. Januário (que o visitou em IHfiO),
montar quando muito a 25 contos do réis.
Essa quantia modesta em absoluto, e insigniticante mesmo, ante
a apreciação directa das vantagens que resultariam para o consumo
o para a vitalidade da ilha, d'essa riquissima fonte de receita, chega-
ria a constituir um motivo de especulações, se houvesse na localidade
quem tivesse coragem para emprehendimentos, por isso que os produ-
ctos alli obtidos, devido á situação doestes terrenos (próximo ao me-
lhor porto e distanciado d^elle apenas i) kilometros), achariam fácil e
barata sahida para S. Vicente, onde geralmente encontram mais preço
e para onde as curtas viagens lhes protegeriam a conservação garan-
tindo-lhes a frescura e as qualidades.
Julgamos ser esse um dos principaes i)roblema,s do progresso eci»-
nomico c social d'esta ilha, por ter relações próximas <; significativas
com a transferencia da povoação, quer para a encosta W. adjacente á
Preguiça, quer para a zona do Calejão sobranceira aos campos refe-
ridos, como parece inipositi vãmente indicado hoje pehi hygieiíe, i)ela
colierencia administrativa e pelos próprios interesses da localidade.
A j>ovoação da Ribeira Brava, esse labyrinto apertado, (mde s(?
encontram reunidas 3:5(X) almas accumulativamente, em casas na
maioria palhoças, sem st?rem caiadas, deficientes de luz, de ar e de
atmo»j)hera até, por se acharem quasi sobrepostas, sem a menor ten-
dência a alinhamentos, respirando o bafo pútrido da a^ua infecta dr
uma ribeira, ladeada por altas m<mUuihas qu(í interceptam a vmti-
laç«\o, jHivoada de monturos por tt>cla a parte, e por porcos em quasi
todos os quintacs; esta villa que tt*m por cadeia, cditício municipal e
administração do concelh(», um v<Tdadeiro antro de sujidades e im-
mundicies, é a mais desgraçadamente situada de todos os erntros po-
jmlosos da provincia, bastando saber-se, que foi o esconderijo mais re-
côndito que encontraram os fugitivos dos piratas para se defenderem
da sua perseguição.
Um distineto governador e medico não menos distineto fez a trans-
fe.rencia das repartições publicas em Santo Antão, fundando assim o
núcleo da primeira cidade, no futuro de Cabo Verde ; e isto com
muito menos rasòes e com argumentos de muito menor valia do (pie
os que apontam medida idêntica para S. Nicolau.
Referimo-nos á transferencia da sede do concelho da Ribeira
150 CABO V£RDE
Grande para a villa de D. Maria Pia, pelo iiosao diatiueto amigo o
consellieiro I^accrda.
Em Santo Autâo * as condiçSes hygienicas eram muito mais avaii-
tiijadiís ás que acabamos de aponUir. Havia tanUis ou mais casas im-
j)ortante.s, os edifícios públicos eram de incomparável superioridade
em luimero e cm valor, accrescendo a tudo isso ser o porto da Ponta
de Sol mau e o da Preguiça bom ; e que a distancia das povoações
bem como a natureza dos caminhos, tudo emfim, até a contingência
em que se está em S. Nicolau do desabamento das rochas, tudo ajK)n-
ta, indica e determina de uma maneira mais absoluta esta transferen-
cia, que se não tem feito e que se não fará, não porque hajam sérias
objecções em contrario, mas simplesmente porque para conseguir qual-
quer resultado é sempre preciso que haja alguém que se interesse, e
n\*sta latitude o que todos querem é não serem incommodados.
Sob o ponto d<í vista social e n*ligioso caminha S. Nicolau a pas-
sos lentos (* cniuedidos entre a.eruz e a ealdeirinha.
A cruz symbolisada pelo seu àSeminario lyceu que alumia o es-
pirito e as conscicncias reflectindo os seus clarões sobn* a Provineia
inteira; a ealdeirinha pelo seu cabido qu(í lhe expurga as maculas
com as suas bênçãos. . . t«'mperando-lhe os instinctos com a sua ngua
benta.
A permanência alli da cabeça de comarca de ls5l a IsTõ, em que
foi transferida piira Santo Antão, imprimiu-lhe o que quer que seja
de lK'ea, mas o espirito de rabulice não chegou a aecentuar-se alli
como succede hoje em Santo Antão, onde constitue uma atmosphera
caracteristicamente ammoniacal, fazendo tosse a qu<'m lhe passa pró-
ximo, e escan'ar san^^ue a quem o respira perto.
A diocese de Cabo Verde, fundada em lõ32, como dissenjos,
pila bulia do Papa Clemente vii, demorou-se centralisada vm S. Tliia-
íro até IXíJíl, passandc» depois ejn definitivo para S. Nicolau n'essa
' )[^íu-se o rGlalorio do dr. HapíTer sobre Santo Antão.
S. NICOLAU 151
epocha, onde finalmente se organisou o Seminario-Lyceu ainda hoje
existente, sobre o qual adiante fallaremos mais detidamente, como
merece.
Tem havido um grande numero de Bispos, como se pode ver pela
lista elucidativa que apresenta em mappa o citado livro de Lopes de
Lima, constituindo hoje este bispado uma das melhores collocaçdes
em todo o Ultramar, por isso que, nâo só o Prelado aufere 4 a 5 C(m-
tos de réis (ordenado, emolumentos e rendas dos bens da Mitra), mas
nSo tem, como d'antes, a fiscálisaçâo directa do mundo catholico da
Guiné; vive n'um dos pontos mais frescos, mais pittorescos e mais
saudáveis da ilha (Calejâo); e as questões religiosas em Cabo Verde
resvalam por tal modo sobre a obediência ignara do povo e a indifFc-
renca condemnavel das classes superiores, que nâo ha de certo motivo
de se perder o somno, sobre tudo quandb as digestões são felizes.
D'esses Prelados (coni(» cita Lopes de Lima e o pr(»prio infor-
niíulor desta ilha o cx."*" cori(»go Joaquim da Silva Caetiino), alguns
teriam contribuído larga e poderosamente, já com a sua influencia, já
com os st*us capitães, j)ara melhorar e fazer progredir as condições
do aprisco t? a vitalidade do rebanho confiada á sua guarda.
Com os modernos, porém, nXo tem acontecido o mesmo; ha a
louvar em todos eUes, altas virtudes moraes, o bom senso da sua
imparcialidade politica e o fino critério da sua amável modéstia, mas
o que se nâo pode, é citar um caminho, uma instituição piedosa, cari-
tativa ou útil, que fosse devida ou patrocinada pela influencia ou pe-
los capitães de S. Ex.^"
E dando a César o que e de César e a Deus o que lh«^ pertence,
s(mios obrigados a citar sobre este ponto, como exemplo do que aca-
bamos de aflirmar, o nome dtí D. Frei Christovam de S. Boaventura
que deixou ix)r tantos titulos a sua memoria vinculada a S. Nico-
lau, por mil melhoramentos populares.
O Seminario-Lyceu de S. Nicolau e a escola central da Praia
constituem os únicos fi'>cos de instrncção de um caracter superior, eni
Cabo Verde.
A escola central porém, anda ás moscas, e apesar de ter e ter
tido por professores algumas competências indlscutiveis, náo produziu
e nilo produz, senão excepcionalmente, algumas habilitações qu(» se
apontam; c isto devi<h) a muitas causas, entrc as quaes figura, como
principal, a rachitica instrucçílo preparatória, base c fundamento in-
dispensável de todo o progresso ulterior.
CABO VEBDB
Do Seminário- Lyceu, nSo se pôde dizer o mesmo.
Vê-se e enuniera-se Itoje um grande numero de filhos da Pro-
víncia, cm todas na flasaes e profisaíieg liberaes, que receberam iiHÍ
os elementns de uma instrucçlo cotavel era toda a parte.
Esta instÍtui^'So, ao contrario do que succede á deslocada escdia
centro! da Praia, tem progredido e aperfeiçoado-se, lentamente é ver-
datle, attentos os aeus recursos, mae comprovadamente demonstrado
ptOos seus resultados. Tem tilo sempre a dirigir os seus destinos e a
amparar ob seus créditos, intelligencias <■ vontades enérgicas que a
lêem impellido para a frente, mesmo ás vezes contra a má vontade
Administrativa.
Assim, no passado vemos orientando os seus passos vacitlantes a
segura e »ympathica m&o dtt nosso velho e distinetu amigi^i Manuel
Corrêa de Figueiredo; do presente, a adestrar-lhe os seus passos pe-
los novos processos de educaçSo, a economia, a sabia c persistente
cumpeteiicia do sr. dr. Ferreira da Silva, a quem a bondade pi-over-
bial do ex."'" sr. Cónego Machado serve como que de tlmribulo, per-
fumando a senda por onde caminha hoje essa instituição cheia de
futuro.
NSo Bonios apologistas de modo algum da instrucçSu subordinada
em absoluto ás ordens e ás influencias religiosas; considcrand') as
oreanças como flures, dVssns qtie exigem para viver tanta luz e lantii
ur, quanto possível.
Entretanto, conheeemus de perto esse Semimirío ond<- tivemos a
hmira de ser professor por algum tempo; conhecemos us recursos da
Pnivíiicia, os elementos habilitados de que dísprSe, adlspei-silo d'esães
elementos e o estado anarchico e deticiente da nossa instriicçSo pu-
blica p<ir toda a parte,
Entinidemos indispensável a retbrina e a rcorganisatSn, primeiro
do que tudo, da Instrução primaria em Cabo Verde, balbuciante hoje,
e balbuciante em creonio, uma das maiores difliculdades rtae» do seu
propji-ssti. Imaginamos sobre modo necessária a existência de um es-
tabelecimento de ensino, onde os exames qiie se podem fazer pelos
progntmnins do Ueino, ensinados por professores devidamente habili-
tados, tenham ncceilaçitu legal em todas us esLolas do paiz.
£' esse mn direito que os factos Justificani e que a cÍvÍlÍsaçSo c
08 interessou da Província reclamniii eoiiifi um principio de jusltça
merecida.
Ora, o .Scmiuario cslú fuiidadu, e Deus sabe á euulu do quanta
S. NICOLAU 153
(liffículdades ; está mesmo estabelecido n'uma das ilhas mais próprias
para esse género de instituições; reúne no cabido um certo numero de
figuras que se conjugam á natureza de certa ordem de cadeiras, tem
já tradições enraizadas; e portanto a sua utilisaçâo simplifica muito a
pratica doesse pensamento a que as leis e os regulamentos precisa-
rSo, definindo-os, a latitude e o alcance.
Entendemos pois necessário que se organise bem esse Seminario-
Lyceu, para que o Seminário habilite padres, e o lyceu possa habi-
litar homens. Que haja n'esse estabelecimento único, como n^ima
única revoIuçSo solar, a noite e o dia, que se completem; a secçAo dos
seminaristas vestidos de togas negras, elevando-se nas idéas do sacri-
fício ... a secção dos seculares animada pelos enthusiasmos rubros da
infância, aprendendo nas luctas pela vida as rudes liçSes do dever.
Concilia-80 assim tudo c consegue-se alguma cousa, o que já c
d(í desejar.
20
Ilha de Santa Luzia'
A 16 milhas de NW. de S. Nicolau e a 5 approxlmadamente de
S. Vicente, entà situada esta ilha que se affigura nos mappas como
uma bota d(í montar em que o calcanhar correspondesse á Ponta da
Cruz e o bico á Ponta do Creoulo.
Fica a lõ** 4«" lat. N. e 24« iò" longit. W. de (Jreen. Medindo
12:000"" da ponta do W. (Curral) á de E. (Creoulo), e sendo de largura
variável em toda a sua extensão, dístanciando-se porém cm linha recta
o cães do Doutor onde geralmente se desembarca no porto, á costa
opposta, da Praia dos Mastros, em 2:000 metros, pouco mais ou menos.
E' pouco montanhosa, persemeada apenas de vários monticulos,
sendo o mais alto de todos a rocha do Coladouro a NE. que se eleva
a 360 metros acima do nivel do mai\
<) seu único porto frequentado abre-se a SW., tendo de extensâc»
entre a Ponta da Agua Doce que o delimita ao W. e da Espia ou
Crup: onde termina a SE., 4 milhas approximadamente, sendo o seu
fundo quasi todo de areia, mas apresentando ratos em um ponto ou
outra da sua grande extensão.
A grande praia que margina o porto é toda accessivel en condi-
ções de mar manso, mas geralmente o desembarque faz-se no cães
natural chamado do Doutor, situado a 409 metros ao N. da Ponta da
Cruz ou no recife também chamado Cães do Ambrósio, postado quasi
em frente do Ilheo.
1 Nunca visitámos esla ilha, por isso tivemos que recorrer ao que af-
fírina Lopes de Lima, n'esle ponto muito deíTicientc, e ús rigorosas o fide-
dignas informações do sr. César Augusto Neves, seu actual propríelario.
CABO VEUDK
ApproxIiiiHdamoutG a meiu balil;i ■' nlfaídjflir de torrii iiufí -iOO
metros, tica t> illn'o dcaignitilo nas cartas ingli^ZHs [mr lHiiiu do Loão,
c nu carta da CummissSo cartograpliicn portuguesa por llLoo du
Portt..
Ih navioH dv cabotagem fundeiam nas proximÍda<lt!s do caos do
Doutor, quasi ilofntiitf das cditíca^Ses existentes no porto; os griíndoH
]Hirèiii o os baleeiros, quasi sempi-o junto ao ilheo, a niio e dez bra^-as
do fundo.
Esto porto aerve de estadia a grande numero do buniis bsileei-
ro» (jiie vío alli biiacar abrigo e ponto fértil paru a pesca das ba-
leias em dadas «poclias do anno (fevereiro a junho) e t-imbem noa
mezes de dezembro e janeiro ora que vSo pjira alti faaor estadia, para
a pesca nos maret« do N.; recibe pequenos bareos qne vêem dna Ilhas
próximas (principalmente de Santo AntSo e S. Vicente), pescar, e ser-
viu de entrada aos untelleiro» que á ilh» iam apanhar iirzella. eesc lí-
elien de tJtii valiosa ulillsavilii outrora.
A ilha, segundo as afítriuaçSes de Lcpij» de Lima, serviria do
piíscigo ao gado desde o principio do século xviii, utilisaçSo essa que
iiatui-almente se interrompeu em virtude das torriveis estiagens de que
rcsam as chronicas.
A detenninaçilo regia de que fosse explorada e povoada pelo ca-
pitSo-mór de Santo AntSo, nunca chegou a realisar-ee de facto, se-
giuido as atlirmativas do mesmo fidedigno auctor, por motivos de
certo subordinados a eircumstaneias anteriores, identlcus á ealanildadc
apontada.
S(t nos ))rincipioa do século actual ÍnÍeÍarIa alli a faiuiliu Dias,
uma das mais respeitáveis c importantes de S, Nicolau, a erea^-tp do
gado muar, que chegaria a ter um importante desenvolvimento, mas
que a fome do IH31 a IKV.) extinguiu quasi na totalidade.
Esta tentativa frustrada, nS» serviu de obstáculo a ([ue posterior-
mente o fallecido o notável uietjico JuHo José Dias pedisse e conec'
guisBc em «fiiramento, como coiuta da carta regia datada de 2H de ae-
tembni de 1^4'\ approximadanientti três quartas partes da illia «obre
II N. e renovasse com sua ndmiriivcl di-dicaçío de sábio trabidhador,
a« tentativas de procreaçSo de i-ebanliou, gastando u'esso intento, ca-
pitães, tempo e um enthusiasmo i£t> pMvadu, que o levava a ir pes-
Koalmetite dirigir ali os melhoramentos necessários, a elle, medico v
cidadão tSo requestado n'es8e tempo pela província inteira.
Os desgostos, os trabalhos e desillusiles de toda a casta o levariam
ILHA DE SANTA LUZU 157
a abandonar esse intuito era 1857,. .. doeahindo tudo o que houvera
feito, era abandono e cm ruinas, até que em 1880 o seu genro César
Augusto Neves visitando-a como explorador e querendo continuar as
tentativas de tão illustre sogro, comprou aos herdeiros a parte afo-
rada por este, então já fallecido, pedindo em aforamento o restante da
ilha, que hoje lhe pertence na totalidade, por lhe ter sido feita esta
concessão em 1883.
Este trabalhador infatigável e um dos negociantes hoje mais im-
portantes da- provincia, arrojou-se sem protecção c sem tutela do
governo (como sempre succede quando se trata de nacionaes) na faina
dispendiosa e arriscada de povoar e fazer valer as condições naturaes
de Santa Luzia.
Empatou muitos capitães antes de colher qualquer resultado apre-
ciável, tendo alli montado hoje a mais bem organisada pescaria de
baleia que ainda houve em Cabo Verde, e tendo feito construir habi-
tações, fornos de cal, poços, tanques c encanamentos de agua para o
gado, paredes separatistas para o aperfeiçoamento das raças, tendo ten-
tado a arborisação (infelizmente raallograda em virtude das estiagens),
e possuindo finalmente alli uma quantidade tal de gado de difierentes
espécies e raças, que o constituo um dos mais importantes fornecedo-
res da ilha de S. Vicente.
E isto sem que Santii Luzia tivesse tido a menor protecção e
sem que até hoje haja alli sequer um fiscal, apesar das suas commu-
nicaç3es frequentes com baleeiros, com S. Vicente e com S. Nicolau!
A população fixa da ilha regula entre lõ e 20 pessoas, reforçada
temporariamente pela família do proprietário que alli vae passar três
ou quatro mezes no anno.
A urzella que existe abundantemente nas suas rochas não tem
valor nem é explorada, visto o miserável preço a que chegou nos mer-
cados consumidores. Mas os seus mares são muito piscosos, o seu
gado como os seus productos lacticinios são da melhor quahdade, e a
ilha promette desenvolver-se e progredir, graças á actividade, á in-
sistência e á intelligente iniciativa do referido proprietário.
Uheos de Barlavento
Entre Banta Luzia e S. Nicoliiii á distancia de 7 milhas da pri-
meira e ] 2 da segunda, e a SE. da primeira, ficam doÍB ilheos (Braiicu
e Razo) a lat. N, l(í<',41" e long. W. de Green. 2i'',3G"; ilheoB estes
Completamente desertos e que eervem apenas de abrigu a pescadores.
D'essos ilheos é denominado Branco o que fica mus ao N. e mais
próximo de Santa Luzia; Razo o que se acha situado mais próximo
de S. Nicolau.
Ambos bSo abundantes em pasto, quando chove; tem urzella e
algum guano accumulado pelas aves marítimas que n'etie8 pernoitam,
mas sem que a quantidade e a qualidade d'e6se producto mereça uma
exploração efíectiva.
E' completamente destituído de agua potável o Razo, onde pa-
rece extraunliiiario que possam existir as lagartas, t2o notáveis pelo
seu tamanho c pelo seu numcn) em iimbfis estes desolados velhos so-
litários.
No Branco, cuj» nume é devido ii manchas cnlcarcas visíveis ao
longe sobre suas fiíees NE. e SW., encontra-air i\ beira-mar uma nas-
cente de agua doce, na sua <-m-oEti( NK. c [)ude-se, sem perigo, u'elte
fundear a ^ut^ivetito e próximo da sua ponta E. na época dos brisas.
O ilheo Razo é maior e mais chato ; o Branco é mais alteroso e
visível, ap|>arcntando de longe o aspecto d'um navio voltado de qui-
lha para o ar cum o gurupéz em direcçlo a S. Nicolau.
S. Vicente
Já tratámos tanto doesta importante ilha no capitulo que se re-
fere á navegaçSo, que nos limitamos agora a esboçar a traços largos
a sua topographia, posiçfto geographica e um ou outro ponto mais ou
menoô recommendavel da sua historia e da sua phjsionomia social.
E' a mais importante de todas as do archipelago, a mais enri-
quecida e a mais conhecida hoje, em todo o mundo.
Mede 5 léguas de E. a W. e 3 de N. a S., achando-se situada a
16^ 53' lat. N. e 25^0 long. W. Green.
E' pouco montanhosa, sendo o seu ponto mais elevado o Monte
Verde, situado a NW., que se ergue a 707 metros acima do nivel do
mar.
Sua descoberta nSo é precisamente determinada pelos historia-
dores ; antecede porém, como a de S. Nicolau a 1465, epocha em
que foram doadas uma como outra ao duque de Vizeu, como ficou
dito.
Conservou-se completamente despovoada até principies do século
xvm, nSo tendo ainda em 1844 mais de quatrocentos habitantes, se-
gundo assevera Lopes de Lima.
Só em 1838 é que se estabeleceu alli o primeiro deposito de car-
vSo pela companhia ingleza East Indiaj a que se seguiram a compa-
nhia Royal Mail em 1850 com deposito exclusivo para os seus vapo-
res da carreira do Brazil, em 1851 a VUger dt Miller depois MUlera
ék NepheWf companhia essa mais importante e mais duradoura, actual-
mente fundida com a de Coty Brathers & C.^ (fundada em 1875) sob
a firma Mittert Cory and C.* limited.
Houve também por algom tempo um deposito fluctoante allemio
2i
162 CABO VBRDE
.;<
da companhia Brawer & C* que durou apenas dois annos (de 1885
a 1887). Mas hoje apenas existem os depósitos de Millers Cory and C.^
e o de Wilson Sons and C,^ fundado em 1885.
Todos esses depósitos se estabeleceram na villa de Mindello, ele-
vada á categoria de cidade por alvará de 30 de setembro de 1874^
cidade hoje a mais rica e mais importante da provincia, cuja popula-
çSo attinge 6.561 habitantes, incluindo n'este numero 257 europeus,
sendo 104 inglezes.
O seu porto principal é o Porto Grande, situado a NW., bahia
magestosa, abrigada e segura em todo * o tempo ; é n&o só o melhor
porto de todo o archipelago, mas porventura um dos mais seguros do
mundo; é aberto ao N. na qual direcção fica um ilheo alto de forma
espiral, chamado ilheo dos Pássaros, onde ha actualmente um pharol
que serve de baliza ao porto. De uma légua de bôcca e duas milhas de
concavidade reintrante, tem capacidade para n'elle surgirem innume-
ros navios de todo o lote, em bom fundo, limpo, de areia e cascalho,
I desde 4 a 8 braças. Este porto é abrigado de todos os ventos ; — dos
[ do N. pelas altissimas serras de Santo Antfto, que lhe correm paral-
i . leias a distancia de 8 milhas; — e de todos os outros quadrantes pe-
I las próprias montanhas da ilha, que como que abraçam a bahia.
E' verdade que, pelos boqueirões dos valles d'essas mesmas mon-
tanhas, caem a miúdo duras refregas de vento; mas o mar conser-
va-se quasi sempre sereno dentro do porto, havendo hoje magníficos
desembarcadouros em differentes pontos, apesar de, algumas vezes,
fazer calmas e haver resacca sobre a praia.
Este porto é delimitado ao W. por um alto morro que se afigura
até a curta distancia, como grande busto deitado de um perfil de gi-
gante. Parece cortado a buril, semelhando uma enorme cabeça cy-
clopiana, que alli ficasse petrificada, como invocaçSo dos fabulosos
mundos.
E' conhecido pelos navegantes pelo morro de Washington.
Tem outro ancoradouro na bahia de S. Pedro, situada a su-
doeste, onde os navios, d^antes, iam no tempo das brisas fazer agua-
da, facto esse que hoje se nSo dá por a cidade se achar presentemente
abastecida doeste género, e isto devido á energia e á teimosa insis-
tência de um rude madeirense por nome Manuel Gomes Madeira, um
dos mais ricos proprietários da localidade, o qual, despresando as af-
firmaçSes technicas em contrario, conseguiu em 1886 formar uma so-
ciedade e fazer canalisar as aguas das nascentes do Madeiral e Ma-
S. VICENTE 163
deiralsinho, fiicto esse que traduzindo um importante melhoramento
local, constitue uma fonte fértil a avultadas ganâncias próprias.
Essas aguas que estSo bem longe como qualidade das magnificas
de Santo ÂntSo, outr'ora importadas em barcos pelo sr. C. Martins,
sXo comtudo de incomparável superioridade ás dos poços, d'antes uti-
lisadas pela população pobre, servindo pela sua abundância, pela fa-
cilidade com que se effectua hoje o seu embarque e pelo módico preço
da sua venda a constituirem um verdadeiro benefício á navegação.
Fundiu-se posteriormente, em 1889, esta primitiva companhia de
aguas com uma outra embryonaria que pretendia canalisar as nas-
centes do N. da mesma ilha; canalisaçSo esta já realisada hoje e que
veiu reforçar a riqueza d'este elemento, que como se sabe, é um dos
mais indispensáveis ao progresso e á civilisaçâo dos povos.
A ilha, excluindo um pequeno numero de pastores, disseminados
pelo seu interior, concentra toda a sua população e toda a sua vitali-
dade na cidade do Mindello, uma das mais bellas, mais eatechisantes
e mais aceiadas das cidades de Africa.
Os interesses que hoje alli se agitam, as suas condições peculia-
res, as suas múltiplas communicações com todas as partes do mundo,
indical-a-hiam indiscutivelmente para capital, se não houvesse a re-
ceiar as contingências em que está a sua navegação das conquistas
scientifícas com relação ao aperfeiçoamento das machinas e aos agen-
tes productores do calórico . . . , e se não houvesse finalmente de to-
mar-se em linha de conta os dispêndios d'essas transferencias e o cri-
tério do balancemefit^ tão impositivo nas condições differenciadas em
que vivem os dois grupos do archipelago.
A cidade do Mindello, fundada de recente data por alvará de 30
de setembro de 1874, como dissemos, tem este ar novo e correcto das
cousas planeadas e executadas com liberalidade.
Tem bons edificios, tem uma boa casa da camará, tem mercado,
tem praças, tem um péssimo hospital em exercício e um monstruoso
em construcção, tem um palácio rachitico para os governadores e um
quartel de apparencia e condições regulares para tropas, tem um la-
zareto que traduz uma asneira monstro, representando um irremediá-
vel desperdício, tem uma igreja modesta mas bem conservada e tem
finalmente o camba-cópo.
S. Vicente e S. Thiago são as únicas ilhas onde existe a prosti-
tuição organisada em industria. São os dois tocos da syphilisação da
província inteira.
164 CIBO TBBDB
A prosperidade de S. Vieente, como em grande parte o adianta-
mento geral da provlnuta, bSlo devidos á benéfica influencia do exemplo
e dos capitaci) inglczuB. Entretanto, nem esta importância, que n&o
está garantida, nem o movimento do porto, que é espantoso (como se
reconhece dos mappas annexos) dispensam desde já as mais sérias c
previdentes medidas dá parte do governo, se nSo quízennos ser sur-
preliendidos pelas consequências lógicas da concorrência e das vicis-
situdes do commercio, como aliás nos tem succedido mais de uma vez
devido A incúria da nossa decadência e á formula synthetisada dos
nossos desastres: — Ha de se tratar d'isso um dia.
O aystema de illuminaçSo das suas costas é Já hoje bastante sa-
tisfatório e promette em breve ser completo, devido ao louvável inte-
resse votado a esse melhoramento pela illustradissima competência do
contra almirante Sampaio e dedicaçZo esclarecida do actual directur
d' obras publicas.
O seu canal tem hoje a allumial-o de banda a banda, além do
pharol da ponta E. de Santo AntSo, a que já nos referimos, o do ilheo
dos Pássaros, collocado na embocadura da sua bahia, como uma vela
accêsa sobre um castiçal de basalto.
Este pharol de 4.* ordem, é de luz Sxa, está erguido a 93*", 75
acima do mar, e tem um alcance de 15 milhas nas melhores condiçSes
do tempo.
Com o pharol projectado da ponta W. de S. Vicente, iicará com-
pleto o serviço de pharotagem ii'esta zona da provincia. Pena é que
ainda se rumine em lançar um imposto módico á navegaçSo sob este
pretexto, o que constituiria uma norn e fecunda fonte de receita para
outros melhoramentos lúnda por fazer.
^^^^^B^^m VICSHTE 166 ^1
^ Movimento marítimo do Porto arandn da ilha dn a. Vioftnt,ft do Híihn VordB H
nos annos de 1836, 1837 e 1838 ' H
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Tripuiifãs e tODHsyeiD nn inne de 1S88
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Deíigiiíçáo
TripuliíS"
Trnidigtn. H
Nfivioa entrados
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72:<!3
Total
l«:091
4.165:094 ^M
^^^^^^^" ^^^H
^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^H
CABO TKRDE
Huivro At tiipoIutM o do puugein» sm tramito
antradoí de fora da prOTlncla ou latdoí para fura d'0Ua noi DaTfoi de longo
COTIO, que froqDontaram S. Vicente em 1886, 1887 e 1888
TnpulioKi
Enln*»
Siid»
e™ „.«.i,o
1886
W:!»71
153
73
75:794
1887
53:203
301
75
9!»:921
1888
71:668
406
1T4
169:440
Addoi
Numero
de loBtítii*
d* cirrío
V4lor do anio
Dirtiloi pigoi
OBSERVAÇÕES
1686
1887
1888
185:927
184:039
í!24:675
392:196*350
555:391*700
6(fô;607*505
40:778*500
55:391*700
67:402*500
Total
545:241
1.553:195*655
16:1:572*700
Hota do producto do impotto do carvão de pedra na ilha de S. Vicente,
duraste oa annoi economicoí abaixo deiignadoí
1683.1884
1884-f88S
Total
44:406*515
56:353*800
57:010*100
48:789*565
233:377*570
Santo Antão'
A data precisa do descobrimento doesta ilha n&o é determinada
em documento algum; reconhece-se porém, ter antecedido a 1465,
do mesmo modo que n'elles se verifica o nSo ter sido povoada senSo
50 a 60 annos depois doesta data.
Andara em mftos de donatários por longo tempo, revertendo á
Coroa em 1759, habitada exclusivamonte de escravos, condiçfto esta
em que permaneceu até 1780, epocha da publicação do decreto em
que, em nome da rainha D. Maria I, se promulgava officialmente a li-
berdade dos seus habitantes.
O seu povo, dominado pela pressão d'esse estado servil, corrom-
pido e semi-barbaro na enervaçSo de um viver desprezivel e angus-
tioso, abandonava-se á embriaguez, á rapinagem e á indolência, vicios
esses, que por tanto tempo difficultaram o seu progresso e que tanto
impressionaram os diversos historiadores que a ella se referem.
Hoje porém, devido á influencia de familias europêas e das dif-
ferentes ilhas que para ahi teem ido installar-se, e mais ainda ao con-
vivio continuado com S. Vicente, a sua civilisação nSo destoa das de-
mais ilhas irmãs, podendo-se mesmo dizer, que a sua physionomia
rural é bem mais attrahente do que a do Fogo e da Praia, onde os
vadios ainda hoje, constituem pelo aspecto, pelos costumes e pela lin-
^ Tendo-nos demorado apenas dias n'e8ta rica e importantíssima ilhn,
pouco podem '>s apreciar pessoalmente das Puas condições orographir^.is e
sociaes, tendo recorrido por isso aos valiosos trabalhos de Lopes de Lima
(loc. ciL) e ao esplendido relatório do nosso coliega Hopffer, publicado nos
Boletins n.<*' 2, 3, 4 e 5 da Sociedade de Geographia» de 1883.
22
168
CIBO TEBDE
guagem barbara, alguma coisa de Bemelhaute &ob seus remotos ascen-
dentes ; Manding/t», Jahfo» e Bijagós.
Esta importantissima ilha, tS<> rica hoje e tSo promettedôra no fii-
tum, a maior do archipulago depois de 8. Thiago, está lançada sobre
o Oceano Atlântico de NE. a SW. a lat. N. \l°,h' o longit. W. de
Qreen, 25',lU', medindo 8 léguas de comprimento desde o Paúl a E.
até ao Tarrafal a W., e 4 approximadamente de N. a S., sendo cal-
culada a Hiiít superfície em 240 millias quadradas.
E' immensamente productiva; possui- terrenos da melhor quali-
dade, agiias em abundância, um clima excellente, mas puuco mais
aproveitada está ainda hoje que nas ribeiras e suas approximaçSes.
Os vaistissimoa plan 'altos e as encostas fertilisaimas que poaeue,
n&o sSo utilisadaa senão em parte, e como sequeiros, api^s u epocha
das chuvas; ficando, portanto, a producçSo dependente da regulari-
dade das mesmas e da benignidade dos ventos, por isso que nínguera
cuida em adequar as planlaçcíes, nem procurar abrigo ás searae.
( ffi terrt- nos por explorar sào tio vastos, as condÍ';8es naturaes
sSo tSo favoráveis, que a esta ilha está de certo reservada uma gran-
de prosperidade, dependendo isto apenas de se alltarom capitães e
intelligencia na explorayilo dos manunciaes de riqueza que encerra;
o que toma indicativo desde já o sulcal-a de vias de communieaçSo
por toda a parte.
O dr. Hopffer no relatório referido, apresenta magistralmente de-
senhada a orographia e hydrographia de Santo AntSo.
Chamamos pois as attençiíes para este trabalho, por tantos títu-
los recommendavel, dizendo apenas pela ímpressSo que recebemos
em varias digresaSes campestres e do mappa da conimissSo cartogra-
pbica onde ella se desenha, como um bloco de Craelail, que tem ri-
beiras, regatos e fontes que brotam por toda a parte, do seio de mon-
tanhas a alturas colossaes.
N'essBs ribeiras que serpeiam cm todas as dlrecçSea e sentidos,
devido ao nimio accidentado do terrreno, appareeem quedas de aguas,
cataractas ou catadupas na maior parte temporárias, mas algumas ver-
dadeiramente grandiosas, como por exemplo as avolumadas cachoeiras,
que se despenham dos altos da Corda sobre as pmfundas ribeiras âo
Duque, Figticiral e da Torre,
As ribeiras mais importantes da ilha, pela sua riqueza e popula-
ção, sSo lis do Paál, Grande, da Torre, dss Patas, <Ía fiarça, do Tar-
rafal e do Monte Trigo.
8&0 abundantes em todos ob productos já indicados nas demaiB
ílhaa, reunindo om certas zonas condiçSes tSo similares ás da Madeira,
que n'ellas se pôde tolher, como succede, não só os productos exclu-
sivos dos trópicos, mas os mais dt-lícados fruetos dii Europa.
E' aquftla que hojo exporta mata café, tendo chegado a remessa
para fiSra da província a elevar-se a 24:000 arrtibas, além das cente-
nas de saccas que consome o que faculta As demais ilhas.
A reputaçSo do café de Cabo Verde até os últimos annos estava
subordinada á magnifica qualidade do café do Fogo, e isto devido nSo
a qtie em geral » fructo da rubíacca d'cssa ilha, fosse verdadeiramente
superior ao de Santo AntSo; mas sim, ao desmerecimento do produ-
cto pela latronagem, que colhendo-o prococeraente, o impingia e iin-
pinge-o ainda hoje ao commercio, que na sua sofreguidSo de remes-
sas, misturava o bom com o man, constituindo assim uma qualidade
hybrida, viciada e de raá apparencia. O bom café, porém, de Santo
AntSo, tem alcani^ado nas ultimas oxposiçilíe» europêas, classitica^So
da melhor nota.
No Fogo o que nÍo ha geralmente, é tantci rouhu, num tanta fal-
ai ficaçllo.
Ainda ha ponco, n'um passeio ás aguas minoraes do Paul, passá-
mos por vendas, onde se viam accumulados sobre i> chSo moutSes de
eafé caracteristicamente verde, e algum até ainda em via de desen-
volvimento.
N'Ísto é que consiste o mal ; facto condemnavel e desmorahsa-
dor, que envolvendo um descrédito e um crime, deveria, de lia muito,
ser combatido pelo regimen da fiscalisaçilo rural e da penalidade, cla-
ramente especificada nos códigos para aquelles que se locupletam,
comprando objectos roubados.
Seria ainda para desejar que os grandes proprietários e os ne-
gociantes de Cabo Verde lessem e fizessem executar o que ha de es-
criptn sobre a cultura e o amanho d'usse ta*> rici> producto.
Mas isso difficilmente se realisará, porque o povo Indolente c
ignorante contenta-se com o aphorismo: — xpara hoje hs, para ama-
nhS Deus dará«— oa proprietários na maioria, pertencem a essa cathe-
goria de homens que nascem, vivem e morrem sem se preoccuparem
sequer em ser úteis a si mesmos, e os governos, esses, todoe entre-
gues aos destinos da santa arca uificial, limitam-se a questiVs que se
referem ao abastecimentii dos cofres públicos, verdadeiras pharmacias
para o hysterismo burocrático.
CABO VEBUS
Além do café, tem essa illia como poderusK fonte de receita, a
aguardente, o nasiicar, os cereaes e principalmente a mandioca e a ba-
tata, que, (.'omo o milho, constituem a base fundamental da alímenta-
ç&» popular em toda a provincin.
Qualquer indigena de Barlavento, com uma pratada dr- cachupa,
uma chávena de café e um grog, está equilibrado por 24 horas. E é
facto digno de notíw-Be que spjam aa ilhas mais agrícolas, e relativa-
mente miús frescas, como a Brava, S, Nicolau e Santo Antilo, aqm^l-
las em que o povo come mais . . . e resiste menos.
Uma outra fonte que se apregoa como de riqueza, s!l<i iis quinas,
cuja plantaçtlo foi iniciada por Custodio Duarte o cujo desenvolvi-
mento boje, é devido sem duvida á euthusi&stica e persistente ín
fluência dos nossos distinetos collegag HopíTer e Bernardo Oliveira.
Tem linalmcnte a ilha variadíssimas aguas míneraes (thenaícas, fer-
niginoena o alcalinas), sobro as quaes fallaremos detidamente no livro
sobre a eepecinl idade, que temos entre mSos, e assumpto cuja imi>or-
tnnoia foi tilo debalde demonstrada ofBcialmente pelos tr.ibalhos incan-
çavcis de Hopffer e sobre o qual a junta de eaude tem tentado por
todos os meios dar impulso, inutilmente, pelas reluctancias e difficul-
dades dos governos, que não sabendo aproveitar, temem até o deixar
aproveitar aos outros.
Possuo vários povoados importantes, além da povoaçio priucípal
fBibeira Grande), podendo citar-sc como modelo a villa de Maria Pia,
ultimamente fiindada na Ponta do Sol, bem situada, Sorescente em
edilicios, subordinada a um bem delineado plano, saudável, e cujas
condições tanto de cmbellezamento, como de protecçlo ao desembar-
que, disfarçam em muito os graves inconvenientes naturaes, simpli-
licando o risco a que se expunha o passageiro, n'uma grande parte do
anno, devido á frequência das suas marezias na epocha das brisas
M'c8ta villa residem hoje todas as auetoridudes primipaes, e além
de possuir já uma elegante alfandega, tem uma ampla casa em cona-
trucção para a camará municipal e magníficos prédios, entre os quaes
figuram algims, como dos mais bem acabados em toda a província.
SSo dignos ainda de men^o especial vários outros pcivmdos e a
villa dn Paul, situada na ribeira do mesmri nome, um.'< das maia ar-
hnrisadaa o magestosas de toda u província.
Esta ribeira que desagua a NE. é fertilissíma, priuluziodo pur i
si s<Í approxi mudamente um terço do café que a ilha exporta, E' abun-
dante de aguas, tem um clima agradavl, posaue nas suas pniximida-
SANTO AHTAO
171
des nftaoentes de magnificas aguss alcalioo-gazosaB, e serve a fornecer
a maior parte dou refrescos exportados para S. Vicente, O aeu porto,
porém é mau, e a experioncia tem mostrado que a delegaçflo adua-
neira creada ali em 1888 fui ama medida incoo sequente e antíecono-
mica, pelo augmento de logares nSo justificados pelas necessidades do
serviço.
Próximo a ella e mais ao sul, fica o porto da Janella, nnde se em-
bania ás vezes obrigado pelits mareziae nos outros portos.
Assim, dizia o sr. Fontes, piie do grande estadista: — «é uma
terra tSo extraordinária quts se entra por uma janella Q sae-se pela
bocca d'uma pistola»; — effectivamente esse governador desembarcara
na Janella e embarcara na barrêta da Ponta do Hol, também chamada
Bocca da Pistola.
O porto doa Carvoeiros fica situado a SE. c Irunteiro a S. Vi-
cente. Doveria ter hoje já uma certa importância, se nSo tivesse
havido tanta taoílidade, tantos caprichos u tantas vaidades condemnn-
veia a influenciar a celebre qitestSo da Caf/fça de Concelho, essa monu-
mental polemica, que ha tanto subdivide a ilha nos afamadas grupos
dos Paulistas e dos Solistas.
A sede do concelho nRo podendo ser no TarrHfal do Monte-Tri-
go, como geograph içam ente é indiisdo, deve evidentemente existir
nos ©arvoeiroH, por mil rasBes reconhecidas por toda a gente.
E' esta a nossa opiniUo, independente» e sincera, que nSo visa em
tutelar nem em lisongear de modo algum pretensões de quem quer
que seja, tanto mais que ser-uos-bia diflBcil optar por uma das parcia-
lidades, tendo, como tomos hoje em ambas ellas, amigos, parentes e
conveniências a respeitar.
E' a ilha onde se acha estabelecida desde 187» a cabeça de co-
marca de Barlavento sobre a inSuencia e a significação da qual nada
diremos, limitando-nus apenas a asseverar, que se no sobredito anno
de 1875 havia raspes para que ii nosso conceituado collega Uopf-
fer dissesse «mudou-se a cabeça de comarca pnra aqui, e illuminon-ae
depois tudo a petróleo», sobejam motivos pnra que se diga hoje : con-
tinua alli a dita cabeça, e anda tudo nnvauierti* ís escuras.
A ilha t niuito montanhosa, tendo por ponto mais elevado o Tope
da Coroa a W., montanha que se ergue a 2:200 metros acima do ní-
vel do mar.
E' a segunda em tamanho das do archipelago ; a sua popuIaçSo
pódc avaliar-se em 22:lX)0 almas; dispondo de um tal numero de vo-
172 GABO VERDE
tos para as eleiçSes, que exerce uma preponderância politica mani-
festa, por isso que por si só pôde quasi cobrir a votaç&o daa demais
ilhas do mesmo grupo.
Essa preponderância que lhe impòe obrigações e responsabilida-
des ante os destinos próprios e os de suas irmãs, ameaça tomar-se
n^imia fonte fértil a especulações fáceis.
S. Vicente assopra as vaidades e os pequenos interesses de Santo
AntãO; e esta na sua plectora politica, aquece-se, incha-se, reclamando
á primeira vista derivativos.
Não sabemos se é pbr sermos medico, mas a verdade é que so-
mos- assaltados por presentimentos verdadeiramente sinistros com re-
lação á sua politica e com relação ao seu futuro.
Entretanto ella tem-nos a nós que a estudamos, tem o sr. dr.
Lereno que a mira, o sr. dr. Bernardo que a pisa e o sr. dr. Ma-
chado que a affaga; com tantos doutores á cabeceira, é natural que
se cure. Da nossa parte, cumpre-nos apenas aconselhar uma cousa
simples, mas talvez difficil aos seus hábitos: escolher definUicamente
um assistente^ por isso que muita gente junta não se salva.
Possue na ponta de E. á altitude de IGõ^^jõ um pharol da 2.^
ordem de luz fixa branca a clarões de 1' a 1^, de alcance: da luz
fixa — 16 milhas, dos clarões — 27 milhas; e que se acha situado a
lat. N. IV, & e long. W. de Green. 24^59'.
E' o pharol Fontes Pereira de Mello.
Assumptos médicos
Uma das questSes mais importantes da nossa vida colonial é sem
duvida alguma o conhecimento; o estudo e o melhoramento das suas
condiçSes climatológicas, pois é de reconhecida necessidade que os
indivíduos de uma educação mais avantajada possam perpetuar-se e
reproduzir-se alli, protegidos por uma saúde enérgica bastante para
resistir ás luctas com o meio, arcar com a escassez das conmiodida-
des e vencer a enervaçSo do clima, sem que o espirito perca o inci-
tamento de enthusiasmo e de egoísmo, que alimenta a coragem para
os grandes emprehendimentos em toda a parte, e de que tanto se ne-
cessita em Africa, para as luctas sem applausos o sem tréguas que
ha sempre a sustentar n^esses paizes abrazadores, povoados de mias-
mas e crivados de desgostos.
O primeiro, o mais importante e o mais ponderável pois dos obs-
táculos ao progresso das nossas terras d'além mar, sSo sem contesta-
ção alguma as condições deletérias do seu clima, que se traduzem em
depressão rápida, profunda e persistente no funccionamento do espi-
rito, como consequência immediata do abatimento e da anemia que
avassalla o corpo.
Mas o facto do europeu não poder aclimar-se (no sentido mais
lato da palavra) em Africa, n&o traduz motivo á dissuasão colonisa-
dora, ainda que represente para nós a principal causa do andamento
arrastado e lento d'e8Bas civilisaçSes em inicio.
Nas colónias em que a administração publica caminha methodi-
camente guiada pelos principies scientificos bem assentes, o progresso
é sensivel e os seus resultados proficuos, porque nada se esperdiça,
cada elemento útil exerce^ ainda que temporariamente, toda a in-
174
aitrÍA? ^ni^-rttraíi iíIiIA '?<;i:-;»rfiji»ir '^'.-t-àz^Zk. tiz^ríf^ZA e
pítia i-ií: ú.v. :riT<iíno ^>g*:=. q--r iX-r p^.-ir i*rrTÍr a ei
itajt d*=:Tr. pr*:p*r.' préT^o *: zLrÚM'* r^jTOis:' de aiLanto. xzutft qae
«rzal>erazi:«r:irr.:r ^sãas oni^;^ 'i-r :=ipi>naç2ij. naãcan&do a znonoio-
nia da luA aridez g^rJal cr:: a appâx^nola i::^z.cír>:'«a de Tzxoa T^e^tm-
r^'/ da:r.i.lziha.
^>^ pO':<:''i7í h^'Z:.^T.i âúp^roreâ q^r para Lá t2o. prodazem pooco
ou ril^/ cr.^gaL. r pro-i'iz!r xubi^. A <*ua •.■rgazilâa';ii> gerafanezite é wi^»
fraca, a stía s^rr-iloiiidad- i:.a:í rxi^çnte r a falta de c«.Aliecimeotos
j!/>br^ a cl^ríiatol^.çia. re^lrr^rrn r proptvlaxia a seguir. iznpedindcMM de
dfefer.dírrrííi-à'-. cerrr-çrla ái» ooloniã.- -i:L.a irande parte da izifliíeiicia cor-
r<!:!at>a á js^ía iriiportan^-ia.
Emquarito a 'rãaa pl-iríade dr ignorâiites devaãã<Dfi de que a me-
trof^A^. re HXiinrí£Si. ^ que -^s governos, p-jr mn crlterl':» homeopaduco,
Uà\ri\%XThm noiíxO a/lj:i vante á c:vil:5âi;âo africana, quanto a estes, nada
direm^/fi, p^^rque ^ qu^ admira r que aã colónia^ ainda sejam o que
íil/f. e be nSo teLharn tranaforinado p,.r um pr-cesso tio conducente,
«:fíj verdadeiro- antroó de fero*: Idade.
.Sofíjoii «iiii paiz essencial mente coLii^al. e nào só desconhecemos
maA no» faltam a aen-^, lodoa o» me:».» de conseguir os elementos com-
parati ví/íi e comprovai: vos da climatologia e dos mnumer«>s ramos da
m^lícina que hoje tl^i intimamente se prendem com o viver e os des-
tiUhn tropicae-i.
Kmquanio na outras nações buscam a sciencia com a mesma fé
com que outrora se invocava Deus. para base e buss.-.la de todos os
HcuM emprchendir/jentos coloniaes; nr^^s, p'^r uma rotina que envergo-
nha, fazeíijofj remessas de pessoal, remessas de materiaes, com a
íiiefíma leviandade com que decretamos as construcçoes e as preferen-
ciaa maÍH injuh ti ficadas, r.em attendermos a methodo nem a opportuni-
ilíide, vomc) se a civilisaç3o podcsse edificar i
]ionto8 de apoio !
K iiHo é sò diz(>r-se que noft falta o critenu administrativo, coinn
nos faltam os estudos sobro a pathologia africana. K ver-3i> o desgra-
(;atlii (.' lamentável estado da organísação doa quadros de saúde e, em
geral, do serviço medico cm todo o ulcrnmar. É ver-se " que produz,
o t|ite ganha e a consideraçlln em que é tida peloa poderes publtc
essa classe medica, que para todsis as nações loloniaes rt-presPiita
) que o estado maior das euns conquistas de alím mar.
Hasta saber-Rs que é n'tiHses cliuius onde as doenças se produzem
aos i-entos, onde os liospítaes iscasselaiu, onde as ambulâncias silo po-
bres c a mispria illiniitada; que é n'es8as regifles em que o medico é
simultaneamente clinico e escravo de uma popuIaçSo numerosa rare-
feita cm muitas Icguas cm redor; que é n'essaB regíÒes em que elle
ú s<i, sem collcgas, nmítaa vezos sem enfermeiros, sem phannaceuti-
ciis o sem ajudantes, qiioai sempre sem commodidades ; que è alii
onde elle tem que exercer todos os misteres da medicina desde iia
operaçflfis mais serias ate aus curativos mais fatigantes ou mais siiu-
plos; quo é alli onde a batalha é mais aeeesu, onde o inimigo é maia
fcrox, imde a estratégia é mais dífficíl, que é para ahi exaclitmcntc
que O nosso paiz manda os seus meiUcos de segunda classe, esses
priiductos fabricados na índia para uao exclusivo dos pretos, a quem
o governo pile um rotulo, como se a medicina merecesse a irrisSo.
KSo queremos de maneira alguma oDeuder os filhos das escolas
ehumiidas de 2." ordem; o que pretendemos (s em nome da dignidade
da eluasc a que mis e elles pertencemos, protestar contra uma orga-
nisação vexatória paru elles, c appareutemente ottensiva aos direitos
iiiviolavcíií da humanidade.
Muitos dVnllcs mci-eccra a totla a gente a considornçSo de intelli-
genciuã distinctas, c se i> estudo e a orgouisaçXo das escolas que fre-
quentaram nSo corn-sponde au que è necessário exigir hoje, a culpa
de certo iiKa é sim.
Itefòmiem-aB pois, ou acabom-as, se assim ffir preciso ; mas o que
6 indispem.ivet é que os médicos sejam médicos em toda a purtc e
quo iitto haja quem tcuha de Ke envergonhar da sua pmfiasSo na In
titmlc norte, nem u humanidade o direito de duvidar da sua cumpeteii-
cia nas latitudes sul. E os poderes públicos que se compenetrem bem
da importiiiicia que de\*e ter o medico do ultramar; do papel que lhe
é dislribuidit jielo utrazo dns nossos conhecimentos e do logiir de honra
AA
176 CABO VERDE
que lhe compete perante essas populações doentias e ante as interro-
gações justificadas da sociologia tropical.
NSlo se preoccupem tiinto cm precnclier vagaturas; attendani.
sim, a satisftizer cabalmente as imperiosas necessidades dos povos.
Que o medico colonial seja obrigado a tod<»s <»s serviços c estudos que
o paiz tem direito a exigir e a esperar da sua classe; que se de a má-
xima publicidade aos seus trabalhos, e que em vez do tempo e <1os
cabellos brancos servirem de base á promoção e a distincçoes indívt-
duaes, que seja o morito, a utilidade e a aptidão comprovada de cada
um, o esteio das suas garantias o o ponto do apoio das suas priíspe-
ridadcs.
Tanto mais qu(^ r um facto reconhecido e provado no ultramar,
que o exercício de uma dada aptidão, em quanto tem i>or mira o in-
teresse próximo, uma aspiração prali.^a ou um pretexto de melhoria,
ainda serve a testemunhar uma força agitante progressiva; parando
porém de energia e amesendando-so n'um enche-logar mais ou menos
inHado de prosápia, sem])re que as personalidades em que se manifes-
tam, chegam a attingir essas zonas privilegiadas da nossci administra
ção, a que um passado nullo o mais das vezes, constituo garantia de
estabilidade e de aceesso, á maneira das caudas nos papagaios das
ereanças.
Oastam-se no címtinente centenas d(^ contos para o salvar das iii-
vaísoes epidemieas. Uccretam-se melhorias e vantiigens a todo o mili-
tarismo da metrópole, e ainda (pie tardia e exiguamente, essas melho-
rias attingem e abraçam o desprotegido exercito ultramarino e a classe
medica naval, excluindo porem por um habito invariável e como que
systematieo os empregados de saúde das províncias ultramarinas!
E comtudo, SC ha classe de fnnecionarios, que pela natui*eza o
importância dos serviços (|ue lhes sao incumbidos e pelas difficeis con-
dições em que geralmente os prestam, merera mais justílicadamente
a attençrio e solicitude do ;inV('i-no. é sem fluvida alguma a d^esses
em[)regados exeluidos.
E' valiosis>inio e provado o auxilio (pie esta elassi* com a sua il-
lustraçilo, presta ao melhorameiílo das e(»ndi(;òes sanitárias cohmiaes
e aos municípios cm particular, checando a exercer tn<las as obriga-
ções do factdtativos <lc partido, sem remunera(;rio alguma, como suc-
ccílc em Cabo Verde.
E' como dissemos em hospitaes e(»nd<'mnados, em localidades de-
primentes, em expedições militares arriscadas; ('? entre populações sei-
ASSUMPTOS MÉDICOS 177
vagens e p:)brcs, cm climas inliospitos, longo da íamilia c desprovidos
de recursos, que (*sses funccionarios sobraçados ao dever, sem protesto
e com civismo, exercem as pesadas imposições da sua protíssíio, ex-
pon<lo muita vez a sua vida e sacriHcando mais que ninguém a sua
saúde.
Pois bem, c tíxaotameutí* a esses liomens a quem o paiz deve
tanto, que os governos se mostram sempre tão renitentes em premiar
devidamente ! E esta dcsparidade entre a maneira de proceder para
com elles e para t-om o dtMuais funceinnalismo, que representou sem-
pre uma verdacleira injustiça, esta excepção a que teem siío condeni-
nados, apesar do desenvolvimento das províncias ultramarinas ter tor-
nado de mais em mais crescentes os encargos qu(» sobre elles impen-
dem, tomou nas ultimas reformas o caracter de verdadeira iniquidade,
por isso que até os novos soldos, decretados pela lei di* agosto de ÍWl
e gcneralisados pela Itíi dr IXW a todos os otíiciaes combatentes e não
combatentes e aos empregados civis com graduação militar no ultra-
mar, até essas leis os excluem d<* facto, mantendo invariável esse absur-
do que vexa e revolta, e d'onde resulta que um medi*o de 1.*'^ classe
com graduação d(í capitão, tenha e continue a ter por soldo uma
quantia que eguala c não excede, a do um simples alferes do exercito
do ultramar!
O actual cliiífe da repartição de saúde, conselheiro líanuida Curto,
na sua curta gerimcia já conseguiu, por uma tenacidade que se torna
digna de registar-se, incluil-os na disposição dos que podem usufruir
as vantagens de um anno de licença no reino após oito de cfTectivo
serviço em Africa; alcançou um augmento de pret ás praças das com-
panhias de saúde r esforça-S4* com o d(*putado por Santo Thyrso (re-
lator do projecto apresentado ultimanu^ntc nn côrtcsj i>ara (pie sejam
egualados os soldos dos médicos <lo ultramar com aquelles fixados
para os otíiciaes d'armada <* do exercito do continente, e gcneralisa-
dos como dissemos a todas as patentes ultramarinas.
lia tudo a louvar no zelo do digno chefe actual da repartição de
sauíle ; ha muito a esperar da dedicaçílo e influencia dos dois illustrcs
médicos a que acabamos de referir-nos, mas talvez haja ainda mais
a recciar «las reluctancias dos poderes públicos ante a sorte d'aquelles
a quem so habituaram a desprezar, e que de certo, por se não tíTem
arranchmlo em conluios de especulaçOes politicas, nao sabem nunca
encontrar echo á sua justiça, perante as altas ponderações do governo.
178 CABO VERDE
O archipelago constituído por dez iilias o por varias ilhotas de-
sertas, mais ou monos visitadas por pescadores e urzelciros, apresenta
uma cxtcnsissima super Hcic d(; costa marítima aceessivel an Jesem-
b«irque, d'onde llie resultam condiyoes de facilidade extrema a uma
invasão epidemica, não só pelos muitos navios de todas as procedên-
cias, que frequentam alguns dos seus portos, mas pela circumstancia
d(* muito se avisinhar d^essas costas a maior parte da numerosa nave-
gayílo transatlântica.
As medidas pois, de sanidade maritima, que tanto affectam a li-
berdade e os interesses do commercio n^essas paragens, que Uuitotccm
prejudicado o progresso c o desenvolvimento material doeste archipe-
lago, parece que deveriam ter adquirido por essa possibilidade immi-
nentc uma precisão capaz de defender cabalmente as popula^^ocs pe-
rante o risco das epidemias, compensando assim com o beneficio das
garantiíus nccessariíis, os gravíssimos prejuízos da sua acção com-
mercial.
Não succcde, porém assim. Esses desembarcadouDs extensíssi-
mos, continuam na maior parte desprovidos de uma fiscal isay ao com-
petente, e o mesmo succcde a alguns pontos preferidos pelo commer-
cio de cabotagem c pela navegação de alto bordo, como abrigo para
permutações e para fornecimentos de aguada e de refrescos.
Os baleeiros, esses vagabundos do mar, que exploram o oceano
como o caçador tíxplora a floresta, abrigando-se em todas as ensea-
das, fornecendo-se de viveres de qualquer navio em viagem e procu-
rando nas costas qualquer producto que necessitam, etc, sem escrúpu-
los ii 8cm receios, como verdadeiros americanos que são ; os baleeiros,
fundeiam nos seus portos da costa, desembarcam, fazem permutações
com 08 povoados, sem que muiUis vezes as auctoridades saibam da
sua chegada, c sem que se adoptem outras medidas, quando o facto e
conhecido, do que intimar o navio a vir legalisar o seu convívio com
a terra, impertinência essa a que elles muitas vezes se dispensam, le-
vantando o ferro o indo como aves perseguidas, pousar em outi-os
pontos ou em outras ilhas, onde encontram a mesma fiscalisação e o
mesmo desleixo, onde a saúde publica sem defeza e sem protecção
ASSUMPTOS MÉDICOS 179
continua á iiktco do acaso, «^ssc idolo tâo acariciado ])ela ignorância o
trio festejado pela especulação.
Mas ao passo qu(í succede isso nos portos mal fiscalisados, ao
passo que ninguém se preoccupa a sério nem se arreceia de que os
bahíciros possam importar as epidemias e de que a Fajà d' Agua, o
Tarrafal ou a Mordeira possam dar brecha ás enfermidades, o que ve-
mos nós nos portos principaes da sua navegação, nos pontos onde fa-
cilidades compativeis trariam como resultado benefícios apreciáveis?
vemos a preoccupaçílo regulamentar suffocar tudo, vemos rigores sa-
nitários os mais inquísitoriaes e os mais difficeis de defender perante
o critério scientitíco, vemos o exagero dos receios trazendo nâo. só em-
baraços sérios ao expediente, mas protestos e comj)licaç3es de ordem
internacional.
Assim, na ilha do Sal, navios com viagens de mezes, em lastro
d(í artíia, obrigados invariaviílmente a uma quarentena de 5 dias, por
melhor que sejam as címdiçoes hygienicas de bordo, obrigando-se-lhes
a despejar ou a sellar a sua aguada e não se lhes permittindo sequer
r(»ceber durante o periodo da quarentena o seu carregamento tV Na^
esse producto mineral dos mais insusceptiveis! E isto, faz-se em um
paiz (mde não ha agua potav(?l; n\im porto de levante onde de um
momento a outro a tempestade pode arremessar ás praias o navio,
pondo em risco não só a propriedade e as vidas de bordo, mas a da
população, por isso que faltam recursos para os cordoes sanitários e
•)s naufrágios não sabem escolher isolamentos.
Em S. Vicente a mesma coisa: grandes rigores nas determina-
ções, grandes defícicncias na organisação c no expediente do serviço.
Não se jícrmitte o (»mbarque de trabalhadores para os níivios im-
pedidos, por melhor que sejam as circumstancias de bordo; mas faltam
todas as condições para rigorosamente receber t^ beneficiar as malas
das proveniências infeccionadas. Faz-se da quarentena a voz de or-
dem; das faltas dos cônsules, das faltas dos agentes e de qualquer
ponto dúbio de interpretação, uma base justificativa de impedimentos,
mas não ha um corpo de saúde organisado, não ha rondas Ao quaren-
tenas, não ha lazaretos nem pontoes quarentenários para os dehnquen-
tcs; do forma que todos esses meticulosos escrúpulos teem por susten-
táculo a deficiência absoluta dos meios <» por garantia, um preto qual-
quer, que geralm<'nte não tem consciência da sua responsabilidade ní»m
coragem do seu dever I
Os motivos do serviço de sanidade marítima são tão dependentes
180 CABO VEKDE
do modo de ser da navegação e das variadissimas condições locacs,
que para que elle satisfaça ao fim pratico a que se destina, é ne-
cessário que se subordine a preceitos especiaes para cada localidade.
Sem isso, nada se consegue de razoável e de útil, porque a parte re-
gulamentar que pôde ser commum, é tSo exigua, tâo axiomática scien-
tificamente, e tâo de continuo vexada nas províncias ultramarinas pe-
los meios mais ou menos improvisados de que as auctoridades se vêem
obrigadas a lançar mào para conjurar ou providenciar os perigos de
momento, que apenas poderão servir de base a essa architectura re-
gulamentar que o nosso serviço maritimo colonial tâo urgentemente
reclama.
Muitos sophismas que se dâo em S. Vicente hoje, com relaçSo
ás leis sanitárias em vigor, e que nâo só prejudicam os interesses
consulares mas tantas complicações trazem ao expediente maritimo;
a má organisaçâo do serviço de saúde e a falta absoluta de providcn-
cias assentes para certos casos anormaes que devem ser alli previs-
tos, levam-nos a pedir nSLo só a reforma d'este serviço por um plano
bem definido que vise a um resultado pratico, mas a lembrar a ne-
cessidade, já ha muito reconhecida pelo ministério da marinha, de se
estudarem todos os termos doesse problema de tão alta significação
provincial, tomando o regulamento geral de sanidade maritima como
base e formulando um regulamento adequavel ao modo de ser do ar-
chipelago, de forma que as restricçiles sanitárias tenham a mesma
intensidade em todas as ilhas, que sejam o mais rigorosamente pro-
I)orcionaes á gravidade dos casos que se apresentem, coadunáveis com
o pessoal e garantidos pelos meios de execução, para que se i>ossa poy
leis definidas e meios razoáveis garantir de facto a saudc jíublica, rc-
salvando-a das invasões epideniicas.
O quadro de saúde de Cabo Verde, cuja organisaçào, vcncimcntí>s
c mais vantagens, sao regulamentadas ainda hoje, exclusivamente pe-
las leis de 1869 e ls74 decretadas pelos srs. Kebello da í^ilva e An-
drade Corvo, deveria compor-se de 5 médicos de 1.'^ classe, tí de 2.\
3 pharmaceuticos, etc, etc, possuindo actualmente 2 pharmaceuticos
luldidos a mais, u numero cuinpleto de médicos de 1.* c-lusse, e algu-
iiifts vagas nos de 2,^, a^iesar àv se terem creado )m pouco, duas no-
vas dcleg.açílos de saúde, que demundam, é dam, facultativos que as
IJi-ccudiaui. — D'alii resulta casa deficiência sempre proclamada de
pessoal tcchiiico para o servido, resultando, como está suceedendo para
aljçuns concelhos, o viverem desde muito á mingna absoluta de uie-
dicos.
Eta compensação é verdade, figuram como auxUiarea hoje alguns
reformados que nSo raras veses teem prestado serviços relevautcH e
cuja competência ninguém pensa em contestar.
Maa este enxerto du passado no presf-nte, essa chamada para »
serviço activo militar de individualidades engorgitadas jd nos confortos
I' commodidales da vida civil, com prerogativaa de independência,
eom influencia largamente acccntuada na políticn e com a faculdade
ampla, de queit-r e de cacollier, nSo só traz verdadeiros absurdos e
auornulias, por isso que estabelece a possibilidade de patentes infe-
riores presidindo á junta de saúde, terem que ordenar, apreciar «
julgar, entidades do gradna^So superior, mas ns injustiças mais tla-
l>ranteB eom relação, aos deslacanientos, ás regalias e ás vantagens
individuaes dos eflcctivos tio quadro, por isso que os ditos reformados
niio podendo ser obrigados a servir, e tomados indispensáveis pela
defieieucia do pessoal, escolhem, e é elaro que escolhem os meUiores,
ofi mais salubres e ns mais rendosos concelhos para sua ftorilum me-
dica de voliintitrioB, e isto com evidente prejuízo para os demais eol-
legas que a despeito da lei, se vcem condemuados a roer o osso dVssa
rez aliás rachitica o definhada, do que cllcs os privilegiados se con-
solam comendo a carne.
Mas nSo è bó esse o motivo, que alliando-se aos parcos rendimen-
toH clínicos de Cabo Verde, se conjugam para afastar da província a
concorrência lueilicii, dxuilo logar a ijue o seu quadro de saúde tenha
sempre vagas, supcrnbundiindo pelo contrario pretendentes a todos os
demais cargos da sua organisação, l!a um imtro mais Importante, mais
serio, e sobremodo ponderável sob u ponto de vista dos interesses,
que tom constituído motívu de deserçilo, que jã mais de uma vez ser-
viu' de pomo de discórdia e que de mais em mais prometto trazer
ComplíeaçSes futuras, attento aos sophísmas e illegutidades que coua-
titucm precedentes p eom que é uso cm Cabo Verde Illndir e espesl-
nhur os ilireitiis conferidos pela lei: queremo-nos referir ímj destaca-
meuto du a. Vicente, iiuícu jtara que ha escala de servlyo e quu
182 CABO VERDE
representando as maiores responsabilidades com relação á sanidade
maritima, traduz egualmente o pomo dourado, pelos avolumados emo-
lumentos sanitários que concede.
Por motivos de favoritismo com relação a S. Vicente, pediu u
sua exoneração do quadro um distincto facultativo hoje clinico em
Lisboa. Por causa de conHictos havidos em S. Vicente, promoveu a
sua transferencia para o exercito um outro, não menos festejado hoje
pela opinião dos seus camaradas. Por causa de S. Vicente, decerto
continuarão a surgir acerbas contestações e conflictos, ponpie a disci-
plina regulamenta não só os deveres, mas os direitos, e quando não
haja influencias a utilisar nem protecções a recorrer, haverá sempre
as energias da indignação que sirvam de ponto de apoio aos pro-
testos.
O destacamento de S. Vicente 6 considerado de maior resp(Uisa-
biltdade, medica e internacionalmente fallando; está estipulado em um
anno para cada facultativo, sendo d'elle excluídos os das escolas de
2,^ classe, a quem a lei geral do paiz n^cusa directos plenos no cxer-
cicio de profissão. Entretanto, por sabias ponderações tem se preten-
dido e conseguido mesmo i)rolongar a moradia por mais tempo a al-
guns, o que d(í facto constituo uma preterição aos mais da serie e
uma remuneração pecuniária de caracter exclusivo e não estabelecido
pela lei.
A historia regista também o facto de um medico de escola do 2."
ordem, aliás distinctissimo, desempenhar o j)apel de delegado de saudt»
cm S. Vicente, o que constituo uma excepção aggressiva ás pondera-
ções officiaes e em extremo attrontosa a todas as mais individuahda-
des da mesma classe.
Os reformados, sob pretexto de jihantasmagoricas deslocações,
tentam agora incluir-se na qiieue para esses destacamentos, o que vi-
ria completar a somma dos i)rivilegios excepcionacs de que gosam.
Por effeito de officios e meros telegrammas tem sido determina-
das e executadas, com relação a S. Vicente, medidas oppostas ao ex-
presso na lei, revogando assim de facto os decretos, tirando á junta
de saúde todas as prerogativas que lhe eram (íxclusivas sobro os des-
tacanit^ntos em geral, e convert<;ndo de certo modo o mais requestado
logar de (.-abo Verde em uma d(;pendencia exclusiva do ministério,
c(mi <{ue a politica conta talvez utilisar-se a seu talante e para seus
fins, como {' costume.
Subn* tudo inlo, que não s<» se relaciona com altas questões da
A8SDHPT0S MÉDICOS
província, mas com o prestigio do direito e com a própria dignidade
da lei, cliamamoB a attençSo do chefe da repartiçSo de saúde do ultra-
mar, em cuja justeza de caracter i- levantada inteltigencia tão justili-
i-ada» esiiâranças depõe todii a gt-nte, convicto de que s. ex.", conhe-
cedor como é daa qnestSes d'Afriea, e voriticando i-ouio pode a evi-
dencia do que Hca dito, saberá regular devidaaiunte esse serviço, de-
fendendo a brecha aos abusos, que tanto irritam os que d'elles sotlreni
o qiic tanto prejudicam a nossa administração colonial.
A rL'gulamentiiç&i dos i^uadro^ de saudi- do ultramar, além de
cs])ecia!Ísnçfle8 vexatórias que estabelece cum relaçio aos médicos
u'cllcs admittidoa, daa escolas de 2.* classe, o que chega a conutiluir
um verdadeiro argumento de desprestigio perante aa populações e um
motivo sempre fértil a perturbaçiíes disciplinares, apresenta ainda
como digne de consíderar-se, oa curtas reformas, easa apparonte e in-
vejada n'galia dos modieos, e n Faculdades dos chefes do serviço de
saúde poderem permanecer o tempi> que lhes aprouver, n*iun posto
a regalias exeepciunaes, ubstruiudo o aeecsso a todos os mais collegas,
ainda mesmo que hajam todas as razoei de superioridade a indigitar
qualquer outro.
As reformas medicas du ultramar, que regulam eutre tí e 12 an-
niis nas differenlea províncias; esse subterlugio da especulação eco-
nómica ajnedroiitada ante as recompensas justamente indicadas pelo
valiir dos serviços medtcos nVssas terras iuhoapltaa, não cunstttue,
como se pensa, uma excepção formidável em favor d'e8sa clasae, pur
isso que para ser medico o eat^ir portanto habilitado a uuferij-a, dis-
peiíde-se mais annoa c mais capitães do que qualquer amanuense gasta
a guindar-se a chefe de repartição, do que qualquer soldado ao posto
de ofiielal, coIlocaçSea essas em qu<r lhes são garantida» reformas se-
melhantemente idênticas no tempo e nos proventos. Accreacendo ainda
a tudo isso, que a natureza especial dos serviços médicos abrangendo
a noite c o dia, não tendo horas de folga garantidas, nem domingos,
nem dias do gala, nem dias santos; couglobandn trabalhos de secre-
taria, de clinica, de aanidade maritima, de inspecções medico-legaes,
e sendo como sSo em fjeral, tão partos em resultados de clinica civil,
nílo podem logicamento sor cotejados senão pelo triplo do tempo alle-
gado pelos demais empregador, o que dá em resultado o invcrter-se
a aigniticação das taes reformas, aliás tão mal interpretadas por toda
a s^nte.
Entretanto ví'-se actualmente cm Cabo Verde 8 facultativos em
24
184 CABO VEKDE
efFectividade, figurando por í> o numero dos seus reformados, o que
promettondo crescer niuua proporção incompatível com os recursos
dos cofres da província, levam a desejar como uma salutar c redem-
ptora medida, a fallada fusS(» dos quadros médicos navaes e ultrama-
rinos, sujeitos á regulamentayili<» estabelecida para a armada; tanto
mais, que esta fusão facultaria a possibilidade dos médicos poderem
verificar e confrontar as condições diversissimas das diflerentes colónias
portuguezas, o que de certo traria estudos e C(mclusões, que consti-
tuem hoje uma lacuna a preencher perante a reclamada remodelação
da nossa administração colonial.
Como diziamos, figura como maior dos absurdos d^esses quadros
de saúde, a intolerável imposição esti))ulada na lei, de na mesma
classe, com a mesma competência, armados dos mesmos direitos, po-
der um dado medico, fructificar-se, sasonar-sc, e mesmo apt)drecer em
chefe, ganhando vantagens sm^cessivas sobre os seus collegas, que por
motivo algum de serviço, de estudo ou de heroicidade mesmo, podem
jamais desthronal-o, e isto unicamente porque assentou praça primeiro,
e porque as circumstancias se encarregaram de limpar-lhe a elle o
campo, que a sua vontade pereiste em obstruir aos outros.
Ora que a lei concedesse» o logar de chefe ao mais antigo, com-
prehende-se, apesar das convicções a que se chega em Africa sobre a
significação real da experiência... e dos expcrim'»ntados ; mas que
não obrigue a esse elemento da serie a desloear-se desde que tenha
obtido com o tempo de reforma as reí::alias ([ue a cohcrencia c justiça
indicam como necessárias cgualmente para os que o seguiram no alis-
tamento, isto e que brada aos céos e que deve merecer a attenção
dt>8 que teeni por dever o regular garantias, cuja importância sobre-
puja em muito os interesses pessoaes.
O caracter manifesto d'e8ta obra nâ<» se coaduna de modo algum
ii linguagem, ^precisão o rigor das apreciações scientificas ; e ver-nog-
hiamos seriamente embaraçnd<»s s<* o tivéssemos íjue fazer, tão parcos
e resumidos são os arehivos (.^ibo-ver(h'an(»s em dados que podessem
servir de base a apreciações seguras, tão limitados e incompletos são
os c^tuiios rpulisadtjs allí atú boje, c pur (hI modo ailio dissoiiaiUos as
altirmutiviís ilns díHV-i-entes mcillíios nas dilfoi-Antes ««pochas.
Aaiíiiii, ijiie ilizi-r da sua liygíciKr a mais do qtii; aiiU-riímnentu
iisscvLTámos ? (.^uf indíi^nçõcs serias a dar sobrp a niodicina preven-
tivaV Que considcruiidos tnzvr sobrL' n pluralidade oii pulymurphíu du
purasita da inalaria? qual lí a aua ciiei^ia? qual é o meiu mais su-
guri) de o combatei"'/ Quíii-'s hÍo ns coiidiçfíeB deinogrnpbicas de Calio
VcrdeV quacs s&^ as tudícaçnos ai- iin se) liadas para a sua nclImaçSoV
A nenhuma destas interniga^Scs qui^ como sobrenadam IkjJc em
todos 1)8 problemas africanos, [todoriamoa por trabaltios anteriores res-
ponder, por isso quo um C'al)0 Vfi-de nâo lia registos conipletus e pn--
cls"e, o nã<i ba i\íuiii de rigorosamente estudado, nem a atmosphern,
nem ob ndcivos do terreno, nem a liydrogra]ibÍa, nem a flora, nem a
Tauna, nem o sangue, nom os mortos, nem os vivos, nem o modo de
ser social. Falla-sií nos saes de quinina como prophylatico para as fu-
bres; índica-se o i'alomtlano como osjiocilico nas btliosas; dá-si' foma
autocráticos ao ira)ialndismo ; faz-sc rbntoricn com os miasmas, chamn-
80 thcorícoa aos dissidentes deste credo, e evangelisa-sc as rotinas,
Mas o que nSo se tem feito sRo estudos rigorosos e comprovativos, oU
pelo menos, u que se ttrm deixado è de dar publicidade a esses traha-
liios, do modo que podesscm servir de base e de auxilio a novos tra-
iiaUios. Por isso nos limitamos u esboçar as suas eondi^Nles cliuiutolo-
picas, informando das doenças reinantes e expondo sem iiretençSo
algiiina n privilegio de competência exclusiva, o nosso modo indivi-
dual de considerar os fuctome maiúsculos da sua {lathologia e da sua
tbcrapentica.
Cabo Verde é um arclii]ielagi> situado a Ib", 50 latitude norte 17",
4m longitude W de LÍs))ua, c onde a média tliermlca regula segundo
os registo!", |ior 23" c. á sombra, regulando ns variaçiTes extremas de
15 a 17 nas ditferentes estaçiles. Apresenta pântanos permanentes em
nma untca ilha (8. Thiago); pântanos mixtos c temporários em quast
todas; eondiç3eB do infecção por toda a jiartcj sendo porém muito
varrida |>elos ventos e muito bafejada pelas brisas do mar, exliiblndo
climas os mais diftercn ciadas conforme a ilha, a altitude, a exjiosiçio
que se considera, e apresenlaudo como resultante, as eondiçiícs de
um pai;£ em que a pojmlaçilo cresce sensivelmente, em que a raça cn-
ropea pura, delinlia Ó vfrdade, mas onde ainda assim se encontra ao
lado de muitas tWnilias cruzadas, ni1'> poiíciís a desceudcncia directa.
Tem muito calor e tem muita luz; ist>i é, supcrabumla n'essas
186 CABO VERDE
duas condições primordiaes da actividade e do movimento, cujas fune-
yoes alli, jx)r excesso, sâo enervar c fustigar a vida ! D'alii a ostimu-
laçilo característica sobre os colonos recemchegados, estimulação enga-
nosa de começo, que degenera l)reve na decrepitude e na apathia tra-
dicional dos paizes quentes.
Não possue focos geradores do cholera, da febre amarella, nem
do tyj)ho, mas 6 vexada ])ela malária, pela tuberculose e pela syi>hilis.
A não ser os indígenas em quem as influencias climatológicas se
fazem menos sentir, todos os mais habitantes, quiír europeus quer des-
cendentes doestes, não i)odem sem prejuizo de saúde, prcílongar por
muito a sua moradia, })rincipalmente na Praia, sem que sejam accom-
mettidos pelas febres palustres que reinam em quasi todas as ilhas
no estado endémico, e pelas cameíradas (ttínno genérico com que se
classifica as corysas, anginas, dysen terias, etc, que apparecem quasi
todos os annos) e que coincidem quasi sempre com a mudança das (»s-
taçí5es. Contra esses catarrhos, ve-se a medicaçilo quininiea tirar um
partido incontestíivel, o que nos leva a consideral-os de natureza pa-
lustre, como assevera Abbadie para a Abyssinia, sc^m com tudo por de
parte a acção d'esses saes sobre os phenomenos da diapedese.
A permanência prolongada não cria foros de respeitabilidade para
o micróbio, eomo muita gente pensa: ha quem nunca apresente sym-
ptomas aecentuados das suas manifestações, como ha não pouco numero
de pessoas somente apalpadas no decurso de muito temjK) de estadia.
O que o habito faz é prei)arar a passividade^ orgânica, concilian-
do-a ao envenenamento chronieo e predispondo o organismo a tolerar
a hypertrophia do baço, á hypertrophia do tígado e ás perturbações dys-
pepticas, produzi<las quasi sempre no começo, pela deficiência do acido
chlorhydrico devido ás grandes perdas do chloreto de sódio pelo suor.
O que a permanência faz em certos casos, é como que exercer uma
gymnastica phngocytosicay que anullando as influencias do micróbio,
dão como resultado uma verdadeira immunidade }>ara as febres. Os
de moradia prolon<»ada não parecem adquirir foros de privilegiados.
O que são decerto ó menos surprehendidos por do(aiças cuja lingua-
gem címhecem e a que se habituaram ; o que não são c apenas tão
sol)resaltad()S pela visita nem tào inquietados pelos receios.
As causas de insalubridade apontadas, somma-se a influencia de-
sastrosissima das estiagens, que modifica o clima e cerceia concomi-
tantemente a raeri<i ás populações, já seoeando as fontes, já annullan-
do as colheitas de cpie ellas se nutrem.
ASSUMPTOS MÉDICOS 187
Entretanto o clima de Cabo Verde ó ni ;nos quente em latitude
egual a qualquer outro do continente africano. E' refrescado regu-
larmente de novembro a julho pelos ventos NE., constituindo este pe-
ríodo o chamado tempo das brisasy epocha (ím que o calor é mais l)e-
nigno, o trabalho mais fácil e a salubridade mais garantida. Nos ou-
tros mezes, que representam o chamado tempo das aguasy a atmos-
phera torna-se pesada, o céo encoberto, o ar abafadiyo o húmido, e
quando chove, chove abundante? e periodicamente, como que j>or uma
verdadeira lei de intermittencia, parecendo qie o impaludismo estendia
a sua acyâo até ao próprio céo. E como é a epocha dos maiores calo-
rias (O thermometro chega a marcar 33® c. á sombra e b?^^ c. ao sol),
como c a epocha dos trabalhos ruraos c aquella em que a vida da co-
lónia está em toda a a'jtividade, accentuam-se com mais ou menos agu-
deza e generalisação as notiis pathologicas das differentes ilhas, sendo
portanto a epocha mais doentia.
No tempo das brizas, ainda apjiarecem habitualmente as lestttdas
frequentes sobretudo em janeiro e fevereiro, verdadeiros hermattans^
ventos seccos e violentos, que crestam e arrastam tudo, impellindo
verdadeiras nuvens de poeira na sua passagem.
Esses ventos, que sSo os maiores flagellos da agricultura, têem
uma alta importância sob o ponto de vista medico, por isso que tra-
zem modificações profundas nas condições do meio ambiente, dando
conta por si só, de grande numero de doenças do apparelho respirató-
rio e visual que se apresentam em certos annos.
Dissemos que havia pântanos permanentes em S. Thiago e que
nas demais ilhas apenas existiam os temporários. Sâo devidos estes ao
estagnamento das aguas da chuva, quer nas depressões do terreno,
quer no alveo das ribeiras, constituindo-se mesmo em algumas, nas
proximidades da praia, e em virtude das marezias habituaes nos mezes
das chuvas, verdadeiros pântanos mixtos, focos de emanações pesti-
lenciaes.
Generalisando pois sobre os factos apontados, a que se somma, a
influencia de resumidos preceitos na hygiene particular e a mais ab-
solutii carência na hygiene publica, parece que toriamos que concluir
o ser essa provincia em extremo insalubre, e por assim dizer, inhabi-
tavel. Entretanto succede o contrario, como prova o facto do cresci-
mento da poi)ulaçào (que em 1H44 era de i)0:Ú(X) e hoje regula j)or
120:000 habitantes), as estatísticas da sua mortalidade que são beni-
gnamente eloquentes ; os seus mappas nosologicos, que referindo se
CABO TBBDB
qiiasi exclusiva mo D te aos centros du Bggtcmiii-iiy^i, iiiiiila uaHim fHlIam
l>HÍxo; o aspuL'to dos seus liabitaiitcs qiiu nn gcnoralidndc é SAiiduvcl,
i- maii« que tiidu Uto, <> facto de muitos eurnjieus poJurcm ulii jicrm»-
ntcer [iin- longos aunos sem niodílit^a^^flos jirofundas e railifaos, o limi-
tado numero de rafhilicoB, « tifto excessiva raurtalidadc uas freaityas.
K isto quG comprova, quo na raaDÍfeBta^'ííes da inalaria sSo inais uu
mt-iioB lulminantes, niais ou menos general Ís« das, mais ou niciio» con-
tinuas, mais ou menos i-emittentos c maia ou aienoa graves, eonforuiu
HH liicalidadea que su pHtudum, independente mesmo das LondiçSrs "
«^'XtensZo dos pântanos; subordina-sc de certn á indiseulivel intiucnciu
de grau de temperatura da saturjtçio do ar polo vapor aijuoso c da
toiía&o d'esse elemento, factor este que segundo a nossa ojnniSo tem
supremo valor em todas as cqua^-òes du climatologia tropical.
Em Cabo Verde por mais que se queira, nSo ii possível relacio-
nar a intensidade e a general isa^ào das endemias palustres com a
abundância das chuvas e encliareamento dos pântanos. — Diz-se ge-
ralmente, iiniio chuvoto, anno doentio; diz-se, e ás vezes assim sui-
ri-dc; mas não raras vezes succede também o contrario, e isto, a nosso
ver, pirque a vitalidade o as energias do protozoário palustre e mesmu
a facilidade da sua absorpi^), depende princi]>al mente da caluritica-
çío, estado luminoso e estado hydríeo do meio atmosphericn em que
elle vive, relaeionando-i^e as pomié» da sua formação muito mais As
d«5lo("!içfie8 do groundieanfr do que a mema condiçiícs de extens&o e .
onsopaiuento dos paues originários, como aliaz o demonstram cabal-
mente as valiosas pesquisas de Toraassi e Crudeli com relaçSo At- dre-
nagens.
São essas as iuducçSes llieoricaa a que tomos sido levados pela
Jiprceiacile directa dos factos, c qiie se coadunam cuiu a aftirmativa
vulgar de que é nas noites cálidas c húmidas, — dr que é antes do
raiar e depois do oecâso do sol, — e de que s&o os )>aRtanos apparcnte-
mente seecos, as condiçSes mais a temer com referiLuia no viver im-
pical.
A' luE que excita o movimento vegetal como ex-ntu u movbueulo
da íris nos anímaos; a este agente, cuja intensidade fax abrir e feciíar
as llôrea, explicando o somno a o despertar de certas plantas; á hu,
que n&o só cxen^o u papel primordial nas funcçòes ehlurophyllicua
mns sobre oh pluiiu>mentis digestivos genesioi>s i- de coloração Ots
muitoa vegetaes, como o demonstram íia interessantes experiências de
Oouid e de Edwards; á luz, ijue geralmente em Africa tem uma acçio
ASSUMPTO» UEDIC08
1»9
eliymicR tSo exagerada e i^iija induencia sobre a pigmentaçSo oxpli-
vuriíi, seigunáo nlguns, a c(Afírai;llo typk-a das raças etiopicae; li luz.
iin ealor, c á tt-nsão do vaiinr d'agua, se ncham subordinados sob o
jKinto dl- vista psychii-o, usta irritabilidade de- aiiimn, este mau humor
Iiabititnl c lislt' pessimÍBlUO Kurayé das 6iii.'ÍL'diiiIcB Irojiicaua, (]\ie dando
ai't-esso ás siiepoitas mais gratuitiis c «ri^m às explosões menoa jiis-
tilicadas, (-ríam a predisposição aos runuurcs e ás insidias, e dão i^ontu
desBe antaííonismo inaircditav^l de sontiirientos, d'esaa Gu-ilidttde t-\-
trcmii com que us inimigns mais ac-erbos se- hanuonisam r os amigns '
mais Íntimos s(f quendani a lada instante, d t^ssa Hix-tuaçSo de re&o-
Iii^òes e ineolierencia no procedimento, qun tjinta seraelliança estabe-
lece uiltre o viver phantasiuao d'ess»s sociedades »«/ f/ewíris com O da
picnrcsea lidadu de (iuiqucndonc, tJlo esfiiritiiosaniente dclinciida piir
.Iiili» Verno, no DwiUir Ch-.
Sem luz, tudo SC estiola, porque n'ella oxiste mu {toder uSo de-
finido mas iraporlantc, porque oomo dia Hiimboldl íi este agente a
principal condição do toda a vitalidade urganiea. Mus por excesso de
luz, tudo revcrlicra c «'infliminm, !■ o qne dá a cegueira para <.s ollios. , .
pura o cérebro, Ak como que uma allucinnçílo.
Quantas vezes quem escreve estas linlias se tem indignatlo e ba-
rafustado em Afrieii por factos que nfto lho despertariam mais que o
desprcso ou um pretexto ao riso, em quiilquer outm latitude menos
abrazadora? Quantos personagens cnipavouados, ao passarem hoje em
Lisboa prosaicamente sob iis taciturnas arcadas do seu fadário, se te-
r2o lembrado com desgosto do despotismo eom que im)>unhani a sua
auctoridnde em terras d'alem-niHr, diis ridículos com que evidenciavam
ft sua personalidade, dos agiparatoN cariiavalcacos a que sujeitaram o
deeoro da sua posiçSoV!
Mas clles, como toda a gente, ?ilo irn-spon sáveis cm parte por
essas demasias e por esses condcninadiis excessos, porque se a aurora-
é um vinho de lu« que ae bebe jieW olhos, eoinO diz o poeta, a Africa
í um pliiltro de fogo que circulando jMjr todas a« veias e por todas
as artérias até ao cérebro, dá a ombriagiioK e a loucura, que servem
de nttenuaute ao crime.
Na Africa, á maneira ipie o sol sobe no horizonte, parece eomo
diz iíufx tiyaV/ »« Uoe eu niêmt lemjm unt vupeur, une luui-dn-irrrssie
ijul troith/e la ptnsh ■ Isto ó, quanto mais luz, quanto mais calor,
qmintn niaiti vapor dagua, maior irritabilidade psychica.
190 CABO VERDE
As doenças mais communs cm Cabo Verde, são as febres pa-
lustres, a sypliilis, a tuberculose e o rheuiuatismo. O scorbuto só ap-
parece endemicamente nas ilhas salineiras, o que nâo pede averigua-
ções, por serem ellas em tudo comparáveis a um navio de vela, em
viagem longa, já desprovido de refrescos. Apresentam-se epidemias
de coqueluche, de sarampo, e»carlatina e bexigas, geralmente beni-
gnas; guardando porém esta ultima na opiniAo publica um rastilho in-
delével do terror das suas tradições epidemicas, o que hoje nâo tem
motivo de ser, attenta a grande generalisaçâo da vaccina e a facili-
dade dos isolamentos.
As febres intermittentes apparêcem em todas as ilhas, principal-
mente no littoral ; mas onde ellas figuram em maior numero e mais
accentuadas é em S. Thiago, principalmente na Praia, Pedra Badejo,
etc, isto é, nas proximidades dos pântanos. Temos estado na Praia
por varias vezes e em difterentes epochas do anno; vimos muitas fe-
bres intermittentes leaes, desenhadas sinceramente pelos três periodos
— frio, calor, suor — evidenciadas no tempo e na serie, por todas as suas
foi-mas e modalidades, desd(* o typo intcrmittente quotidiano, até á
complexidade das suas sobreposições em typos dobrados, á exagera-
ção da sua linguagem nos casos perniciusos e aos i^ophismas das suas
manifestações nas formulas annmalas e larvadat». ílsías febres sâo alli
quasi sempre acompanhadas de um estado saburral e bilioso muito
accentuado, o que leva a addicionar ao tratamentc» quininico o eva-
cuante c o vomitivo. Os casos são gerainjcnto benignos, havendo ás
vezes muitos atacados, mas sempre j^mcoa mortos a registar. Appare-
cem em algumas febres a sudanima, a urticaria, o echzema e um
erythema scarlatiniforme, que n'um caso grave era tão accentuado em
torno do pescoço, que nos fez jM^nsar no typho cxanthematico. — Attri-
buimos essas manifestações á eliminação dos saes de quinina pela pelle.
As biliosas e as perniciosas na Praia, não são raras, ainda que
|Hmco devastadoras, como iin>stram as rstaíisticas. As biliosas henm-
turicas são rarissimas, aj)csMr do que se diz, por isso qu(» o vulgo
i-imgloba n rssa classificação todos os casos febris em que ajiparece a
hematúria (aliás observada em muitos apyreticos; e que não passa
ASâDUPTOS HEDICOS
quasi sempre de iim epijtheuomeno fiigaz e <lfistitui<lo de qualquer ím-
■ portanci»; e os mfdlcoa as maÍK das vezos, tomam a iiuTem por Jono
esquecendo-se que o uulphHto de quinina em allne ilozes dii n hemo-
glubinuria ou hemospherinuria, o que explica, sem motivos a adraira-
çileH, a frequência com que se t-uram esses doentes.
Os saes >le quinina "ni gem] tcem uma indiscutivel supremacia
no tratamento de todas as manifesta^íUea agudas relacionadas a<i im-
paludismo, principalmente quando ellaa apresentam o caracter de ])e-
riodicida'le, e isto quer esse caracter se revele pelos accessos da fe-
iire, quer pelas eólicas seccaa e nevralgias «ra geral, quer mesmo, pelos
mais variados symptomas relacionados até ao fluxo catamenial, como
tivemos occnsilLu de observar.
Os trabalhos mais recentes, |irovnndo i]ue a parasita do impalu-
dismo perti'ncc nSo aos schyzoiíliytas nem ás algas, como pensaram
Binz e Salisbitry, roas aos protozoários, extremamente sensíveis á acçSo
dos preparados da quina; os estudos feitos sobre o próprio sangue
mostrando que pela acç&o dos sa«a de quinina cessam os movimentos
das fiar/dia» havendo uma verdadeira destruivJt'» dos lieinatozonrios,
que passam a formas cadavéricas ; exidieam á sacicilade, a maneira
como actuam esses saes, que apagam a febre e previdenceíam os ac-
cesBOB, nito só pela sua Influencia sobre o syslema nervoso, sobre a
eircutaçAo e sobre a tíbra lisa, mas por uma acçSo directa e enérgica
sobre o próprio hematozoario.
Entretanto em Cabo Verde, c sup))omos que era iodas aa nossas
colónias, nilo só silo pouco usados os chlorliydratos neutro e básico de
quinina, aquelles de maior <■ melhor acçSu pela sua riqueza om alca-
lóide o pela sua solubilidade, mas dosprestigia-se em muito a suprema-
cia geral d^esses saes pelo abuso, sendo habito inveterado o tomar-se
quinino ad-lihitum, sem prescripçfio medica, c sob a fónna mais absur-
da (como é o bolo formado com uma mortalha de cigarroi a qualquer
rebate d'uni ineommodo do qualquer ordem, d'onde resulta ser fre-
quente verse o medico obrigiido, quando chamado, n3o a empregal-os,
mas a combater os seus i-ffeitos desastrosos, como vómitos, dyarrhea,
pcrturhaçSes do encephalo, zumbido dos ouvidon e a própria cophose.
A acçio propliylatica d'es6es saes, aliás apregoada por muitos prá-
ticos e contestada por tantos outros, a nós nâo nos merece o menor
credito, devido isto a factos múltiplos de observaçSo, corrolwrados
pelas coiiclusiícs tiradas do estudo da sua própria acçilo pliysiologica.
Asãim, aeudo us dozes diárias prescriptas com esse fim, gcralmeulc
OABO VBBDE
l)'"',2 H <>^'',3, nito »(> H sua diliiIçSii na masHa saugiiíuen seria mate <{iit;
liomoepatliica, uiaa eã'ectiiHnd<i-«i- a âii» plimina^'&<i raj/idaiueutc, como
pi'i)varu as cxpcrieiii,'!íis, tii-aria o sangui: pur longo tempo desprovido
dcMse defensor, oujo |iapel aliás é todo relacionado ao hematozonrio
t: nílo á urtiridadi' dos pliugitcyta», conin nssrvfra Lavcran.
Aos exemplos, de tropfis, nxijluradorea c pomnic^riiantcs, poupa-
do» eui regiiVs pg|iiatri-s jKtlo fairto df- iisiirt^ni a quinina como pr(!Ten-
tivu, o]ipi^i|]-se outros exemplo» similares, em ipie indivíduos ou collec-
çSes de indivíduos, teeni sido poupados cgiinlmcnto sem o uho d'e8Be
prophylatico. Um regimen toiíicip ■■ procau^-òes liyginuie&s, hastam
muitas vexes para produzirem » milagre; tanto mais, que aa eonclu-
sfles a (pie cliegou Metclinieofl' de ipte os loucoiytos se apoderam nfto
nA doB corpiisculoK inertes mas lamhom dns micróbios patliologii-os
vivos, eumproviím a lei de |iallio|of;ia gi-ral, d;i dcfr^sa do orffanismo
independente da acçAo de qualquer incdicanicnto, explii-ando lubal-
mentf niiiil»s Taclos, innio cssrs, i|.- mua mira ixl.ii,-ílo du i-asunli-
dade.
Para náa, s&o esses sues o» autipyn'ticos por excelteiieia, contra
as febres d'Africw; a sua liugiia^^em |i"rém como pMpbylalieos apenas
tem a sif;iiilÍea^-3o de nm desagi'adavi'] tónico, ao qual preferimos em
muito u» HTseuiaeaes,
W preciso porém que st^- liquide bom ushc pimbi, ponpie ii atKr-
niativa, a nosso ver errónea, d'o38a acção propliylutica, cstabol-cida
como principio pelas nossaii dísposiçiTes otficiaes c aeceile com fatiatitstiio
pelos nossos colonos, tem dado o continua a dar os mais pn-Judií-iioK
resultados. O colono a quem asseveram com toda n segui-an^a qnc bva
uo seu frasco de quinina, ás vezes falsitioado, uum j^arantia contra as
febres, palavra que para cllc &yntlietisa lodos os liorrores d'AfrÍca,
esteia-stí nViísi' argumento da prcvidemin oflicinl c jnlgando-se defen-
dido, preoccupa-sf jmiico i'oni os arrefeci mon los, com o regimen ali-
mentar, e com o ser morigcnido cm lodos os seus actos, iVondc rosulta
a frequência de o vermos aconinietlido o pi-ostrado, ás vcsiea mal acaba
do chegar.
Dftem a esses (lomcns boa liygi.oi-, Ijom rcginnn, c i-m vez de
ofl íllndin-m disendo-lhes ipie os gràos de quinina sfto balac que ate-
morisam e p3em cm respeito o inimigo, esclareçam -os ensinando-lbes
a láctica segura da defena. E* mwios tiímples de certo; mns tem a
viuitn^m de ser muilo mais garantido.
Torna-se de manifesta necessidade generalibar, niode uuia ma-
iluíra (íonfiisa, desordenada e pvcteiicíosamente Hcientifica, dihk sul) a
fi^lrnia ilc jiiulei^çi^Qs public&s adequadas & comprehensáo de todutt, c de
tniballios litterarioB faieis de ooDiprar l- de digerir, iim grande numero
dl' preceitua liygíeiíicos, clínicos o therapi'iitic<i8, referentes ás condi-
{3os pcealiari^s da Africa; i- isto não sú par» o L-olmto e puj'a o povo
propriumcnto dito, mus pnnt-Ípalint'nte pura esses leigo» i-m medii.'iiia
e sábios pila oxpt^riencia, qm- praticam a iu-onselliaiu alli tanta as-
neira, A sombra da impunidade. Assim é prt-ciso ipie os desgraçado»
c os ignorantes saibam, que o i-liina da Africa iiilo exclue a possibili-
dade de se tor todas as outras febres e toiíno as outras docn^'aH co-
nbccidas no luundo. ^K ju-eciso qiio L'"íriprelietidam que os saee di-
quinina sXu modicamontos enérgicos c rodemptorcs, mas que a suu
acçSo dependia da opporluiiidadc, ila fórnui da applicaj-£<i, dii dú»e i<
muitas veitc» das indica^-òus concomitantes.
E' necessário convencel-os, qne excedendo certos iiniilo», ú ijuaii-
litbwie maior nito corr<;sp<>nde resultado luaiur, e que antes pelo con-
trario, os etfeitos mndnni de signal. Que as doses massiva» e as doses
fraccionariam teem uma rasiUi de ser dependente diis eircuinstancias,
jiodindo [Kir isso cnnheeiuientoa especiaes.
Que esses saes nilo se podem tomar ás colheres uem ás iriuría-
Uiai, |>or isHO que exceilcudo certus [imites, perturbam, irritam e com-
plicam cm Vez lie apagar os males, a que sSo destinados a combater.
Qne ii5o é imliffen-nte utilisal-os a qualqncj- hora, a qualquer dia, —
durante, antes nu ilepois dos accessne. Que a cessaç&o da febi-e n&o
exclue a neec&ij.idade do remédio, e tinalmcnte, que do abuso do qui-
nino resultam verdaileira» intoxica ^'«Vs, eomo do aleool, da murphJna
c do etber, n que nâo raras veaes sobrcveem iia myocardites, jw ne-
phrites e tantae mitras lesões d'oiide pode resultitr a morte.
Km Cabo Verde torna-se necessário disciplinar o tinthusiastno
pela quinina, i; isto não sií com relaçSo aos doentes mas mesmo com
relík^IUi a alguns médicos. N&i si- pode admittir que os diagnósticos
se submettam s<-m preâmbulos ú rubrica do clima; tornando-sc ne-
cessário que a medicina se exerça sempre coroo uma ecieneia e não
como nma rotina subordinada As condii;'ie!i dominantes o As npparen-
cíhs iidmisslvcís.
A maneira pratica de providenciar contra as causas do impalu-
dismo em Cabii Verde, rcsume-se na rigorosa prohÍbÍção em todas an
■ ilhiiâ do uso das agnas da chuva estagnadas e nas drenagens dos pân-
tanos permanentes, nSo só da puperficíe do solo, mas principalmente
194 CABO VBBDE
do 8ub-solo profundo. E isto quanto possivel subordinado á arbori-
saçfto. Para alguns d^esses pântanos mesmo, parece que seria mais fá-
cil e mais barato o systema das inundações de Lancisi que tão bons
resultados deram também na HoUanda.
Com relaçSo á prophylaxia contra as febres, indicaremos os prin-
cipies geraes da hygiene, em que se devem sublinhar as vantagens do
uso da flanella, dos banhos frios e do longo repouso pelo somno, ac-
centuando os graves inconvenientes do abuso dos drásticos, dos laxan-
tes c purgativos, esses meios de defeza habituaes. £ para o tratamento
das febres finalmente, o emprego coherente dos saes de quinina, pa-
ciente e completa convalescença, e a mudança do clima em todos os
casos em que as manifestações agudas se approximem ou que os ata-
ques do febre, apesar de distanciados, deixem no organismo este com-
balido especial . . • que como que embala as esperanças, preparando
tantas vezes o desespero.
Ao impaludismo segue-se na importância a tuberculose e a sy-
philis.
A syphilis e as doenças venéreas campeiam altivas c despreoc-
cupadas, havendo em S. Vicente cepas de todas as proveniências c
enxertos de todas as qualidades. Na Praia transbordam dos bordeis c
das praças publicas, enchendo o hospital e o quartel, e d*esses dois cen-
tros principalmente, espalham os seus ramos e as suas sombras, com
que se vae cobrindo a provincia inteira. A estatistica sobre o movi-
mento hospitalar da Praia em 1887 prova que na enfermaria dos ho-
mens foram tratados 217 casos, c na das nmlhcres 69 de doenças ve-
nereo-syphiliticas, emquanto que no mesmo período e nas mesmas en-
fermarias eram tratados 229 homens c 66 mulheres de /e6r(^ de todas
as naturezas.
De S. Vicente diz o delegado de saúde em seu relatório de maio
de 1889: «actualmente existem no hospital 12 doentes, sendo 9 com
cancix^s e boboes e 3 com blennorrhagia. »
De Santo Antào, afiirmani os médicos ali destacados que a syphi-
lis vae tomando um grande desenvolvimento, não descriminando nem
classes nem profissões, isto decerto pelo seu convivio intimo com S.
Vicente. Nos próprios campos, até hoje respeitados por essa phyllo-
xera da espécie humana, já se sentem os estragos da sua visita como
tivemos occasiào de observar no Fogo e frequentemente na clinica ru-
ral da Brava.
De forma que a syphilis evidentemente, tem lioje tima importan-
fia rcaí e uma signitÍL-açJLo aiimerica, muito uutis eloquente do que tn-
ãsi» aij liexigas e tnJas itâ biliosAs de que rezam as tl-adiçRes e de que
tiinto sf; arreceia o espirito pubtiuo.
Para aa ultimas, tuni-se feito sequestros, destacado medioo* e
franqueado gratificares; para a primeira nada ee teju feito e liada te
faz, DÍlo havendo uma inscripçilu séria de meretrizes, nem seqiior
uma inspecçilo rigorosa áa mais deagraçadas e nienoa protegidas, uni*
ras, que figuram non registos ottÍL-iacs. A syphilis porém em Cato
Vurde tem um taracter de benignidade manifesto, sendo raras as lesiles
naeeaB e rariaaimo meamo o tupar-at- a rupia ou quaeaquer outras ae-
c-entuadas manifestações terveariaa. Seri isto devido á sua oxtrema
diffuBibilidade como no Japão e na China; a attribiitos especiaíiaadus
da raça como quer Berdier; ou á intiuejicia da diapliorese abundante,
arvorada im emonctorio doa princípios especificamente nocivos ? Pa-
rece-noa isso um assumpto sobre modo digno de ostudur-ae e resolver.
A tuberculose vao ganliando terreuo dia a dia, e o relatório me-
dico do nosso compatriota Joaquim E. Nobre sobre essa doença, â um
quadro de verdades que uos pai-eee digno de ser subtrahido ari cs-
queoiniento doa arebivos e lançado á publicidade.
Ainda ha poucos annog era a tysica como que descunlt<;cida no
arehipelago, chegando mesmo a ilha de í^auto Antfto e Fogo a serem
indigitadas como dnma etficacía extrema paru o seu tratamento, lloje
nilo ha illia em que idla nSo lígure, mais ou menos gencralisada; cm
8. Vicente abunda e é aguçada nfto bi'i peias constipaçiíes alli frequen-
tes, mas pela poeira do carvSo em suspensão no ar; na Brava « impoi<-
tada [lelos baleeiros que regressam muttaa vezes atacados, e pelos es-
pólios das suns victimas, uCilisados fanaticami-nte pelas lamilias com»
n>liquias de saudade.
NHo se liiz n menor desinfecçilo aos egpiitos, UÍo se estabelece
uma rigorosa separaçAo com os doentes e assim se vae augmentando
de mais em mais o numero dus casos, e da» famílias predestinadas.
A idepbantiase é rara; o pidox-ptmetraos tem apparecldo isotada-
nicutc como procedente manifestamente da Uuíni!-. mas não se tem
proereado. A doença do somuo só appareee como productu de impor-
ta^-3o, e as manifestações herpetjcas, l£<> eommuns aos climas quentes,
sSo alli frequentes e diHiceis de diagnosticar, uttenla a coluraçSo da
raça. O craw-craw è vulgar; consiste n'uma erupção vesieulo-pustu-
tosa que faz lembrar a tinha, acompanhada de prurido ligeini, eoii-
fluindo geralmente sobre o ante-braço e as costas da mão,
196 CABO V^BDE
NuB soldados «buDiUin aa feridas mis pés, devidas áe botas groe-
buirás da ordotn, luxo et>sc a que <> indígena nSo está liabittiadu e qni'
o obriga ft coxeiír nas luarctkaf- c a baixar df continuo aoe hospituof.
Sob o [intito df vista cirúrgico, as feridas sSo em geral de uuiii
eie;itrÍ8a<,-3o tacilíma, como succ{'de em todos «s <.'liiiius temperjidos: —
coDiplica^ScK iiperaturias rammi^ntt! apparc-cem, a iiSo ser o tétano,
somlo porém muito vulgar o trysmus dos recem-nascidos, principal-
mente em 8. Nicolau, onde víctinm áa dezenas.
A medicina indigona i fértil em réclame»i, em rezas e em ]>aníi-
ccas mais ou menos iunocentce. Os curandeiros abundam. A arte ob.«-
treetica é exercida geralmente por matronas ignorautissinias, sondo i\s
[lartnrientts sujeitas cm algumas Iliias aos maiitjos, ás gymnasHLas
e «os tratamentoa mais selvagens. Ha uma predilecção accentuada
pelas aguas qiieutet- ; é uso inveterado o uujeitar-se a mSe, mesmo nas
princípaes fainiliaN, a banhos perineacs quentes ilc inlusSo de palnia-
cliriste; a li^giene, tanto do rrccm-nascido como da parturiente, é de
todo em todo descurada, aendo raro encontrar-se uma primtpara sc-
<iuer, que nSo tenha tieado maís ou meno:^ vexada do seu primeiro
pai-to.
Isto tudo que reprciieuta a summula du verdade, dando luua ideia
d" muiCo que ha a fazer nJi província, mostra bem qual tem sido a in-
fluencia dirigente nas varias qiiestííea medicas de Cabo Verde.
E.' preciso que a influencia legal hc exer^'a d<' modo que a sua
acçllo se traduza em benelicios c em factos positivos. E' preeibo que
»c mude de systema. é preciso que se corrijam oa defeitos givvissíious
da saiudode marítima um todas as ilhas, que se contribua n minorar o»
soffrimentos dos que ii&o sabem protestar, que se illumiiie o trilho por
onde hto de caminhar os doentes, se as aguas mineraee foi-em efecti-
vamente benéficas; que se estabeleçam os alicerces onde ],m de atscu-
tar hospitaes adequados, e que se organise esse sanatório indisponsavel
hoje, onde se possa abrigar toda essa multid&o fustigada pelos cliuian
inbospitos da America c das costas oecidentaes da Afiicii, que tendo
forçosamente de [lassar em caminho para a EtU'opa, por esta anti-ca-
mara desconfortável a que acabamos de relerlr-nos, ní» eunsegue hoje.
nem a peso de ouro, alcan^M* um leito confortável, onde possa des-
cnn^r os meinbros lassos c r<^animar as forças exhaustaa.
Administração, dialectos, usos e costumes
Cabo Verde, como todas as demais províncias ultramarinas, Tes-
te-se com as roupagens apparatosas da nossa hysterica administmcào
colonial, exhibindo por todas as ilhas como uma expressão caracteris-
tica e ridicula, a semsaboria da rotina, das praxes consagradas e das
formulas officiaes.
Tem por chefe da sua administração um governador erguido á
dignidade de general, que reúne as attribuiçooft civis e militares e a
m.ixima jurisdicçâo sol)re todo o território.
A esse governador, segue-se em hierarchia um secnítario geral
que o auxilia em tudo e o substitue em caso de ausência.
Estes secretários representam um mixto de condestavel do roin<»
e de mordomo de casa rica ; condestavel para as grandes solemnida-
des, mordome» para as festas (í i>ara o expediente do serviço. Sào os
verdadeiros pedestaes da administração publica ; são elles geralmente
que sustentiim o peso e dão realce aos govíTuadores, apesar de só
ganharem um teryo do quo ganham esses e de em Cabo Verde não
gozarem das regalias de j)odercm fugir ás febres. Muitas d'essas en-
tidades provam ás vezes |K>r um hirgo tirocinio a maior competência
para dirigir os negócios: entretanto, «'• raro V(»l-os pnmiovidos defini-
tivamente ao commando, o que aliás não espanta a ninguém que co-
nhece a Africa, por saber toda a gente que os rendosos cargos do
Ultramar, raramente encontram por base, a lógica das competências
mas sim o critério arbitrário do favoritismo.
Junto a casses funccionarios que são os agentes do poder execu-
tivo, coexistem difterentes agrupamentos, de que uns são simples-
mente consultivos, outros deliberativos e outros com o exclusivo das
attribuiçoes judiciarias.
CABO VKBDK
Entre os primeiros citaremoB o conselho do Governo, espécie de
I juntA consultiva do Ultramar, cujo parecer é requisitado em todae ns
] ilelibera^ScH importantes da admínistraçSo. Este conselho é compostn
lie 10 niembros: Governador presidente, o see.rétario gural, o bispo,
J o juiz á>- direito de Sotavento, ob dois ofíiciaes de graduação superior
l.&a capital, o |)r<K'urador da eoròa, o inspector de fazenda, o presi
< dente da Junta de »audc e o presidente da camará municipal da Praia.
A esta corporayKo que representa como que o primeira grau do
I pinler, segue-se o conselho da provincia, que corresponde aos conse-
lhos de distriuto no reino.
E um tribunal de ordem administrativa, composto pelo govemii-
dor geral, secretario geral, delegado (como procurador do fisco), e
I mais dois membros escolhidos pelo governador de uma lista de seis
apontados jfela eamarn municipal. A sua influencia estendcse a todns
■>s desuccordos quo sobrevêm com rclaySn aos actos administrativos,
iissim como A jurL9dici;ilo do inspector de tnzi-nda hoje (depois da re-
forma effectuada pelo sr. Barros Gomes), competem todas as opera-
çSea íinanceiras, tiscalisaçSo o percepção dos impostos, o regulamen-
tar a sua dlstribulçilo e fornmlnr os orçamentos.
Em tomo dessas unidades de primeira grandeza, agrupam-se .is
cnncoUiOB ou municipalidades compreheudendo menor ou maior numero
de freguesias.
A' testa de cada coucelho figura um administrador de nomeação
governamental e uma camará municipal composta de .n oii 7 menibru»
devidos ao escrutínio eleitoral.
A provincia de Cabii Verde está boje dividida em 11 concelhos,
comprehendendn 21 frcguezias, distribuídas do seguinte modo: S.
Thiagii, 2 concelhos e h fregiiezías; Fogo, I concelho e 4 frcpiie-
zias; Brava, 1 coneclhu e 'J fregueaias; Maio, 1 eoncellio e 1 fregue-
/.ia; Boa Vinta, 1 concelho e 3 freguesias; Sal, 1 concelho c 1 fre-
guezia; S. Nicolau, I concelho e 2 freguezías; S. Vicente, 1 concelho
6 1 freguezia; Santo Antllo, 2 concelhos e S freguezias.
Quanto a iirgnníaaçSo judicial, coroprehcnde ella duas coman-as
(de Baríaveuto e de Sotavento) a primeira com a sede em Santo An-
tilo a segunda na Fr&ia.
I.*ada uma d'essaâ comarcas é presidida por um jnií: de direiht
tendo por annexo nm delegado, aos ijunes se acham subordinados tndii
uma immenxa cohortc de aubdclegadoH e de juizes eleitos, de paz m
de diUcniiten eathegoriu», entre oh quiie» jiredoniinauí os ordinanuB,
ADMmiaTRAÇilO, DIALECTOS, DSOS E COSTUMES
representantea irrÍBoríos da magistratura cm todus us julgados das
demais ilh»a.
Estft (irganisay.lo, além das eunflagra^-tleB que arrasta pela abso-
luta ignoraiK'ia dfis juízos 8ubi»rdinadnB, na maior parte analpliabetos
(■ servindo a Ji/rtiori por nâo tcrom nrdenados, apresenta o grande
delVito de obrigar as partos em todas as questfles quo excedem a al-
çada do:i juizes ordinários (que aliás c limitadissima), ás despesas
avultadas de viagons longas, c d'ahi á morosidade e saerifieios pelas
causas mais simples, o que não só prejudica oa interesses geraes mas
a boa administraçto da justi^-a.
Politicamente, a provineia ò representada por dois deputados elei-
tos pelos eirculos de Barlavento e Sotavento, em que se acha actual-
mente dividida. Nfto se pode lixar precisamente o numero doa eleito-
res de cada circulo, porque a sua cifra sobe de anno para anno au
sopro fias conveniências d" rocnitamentn, orientadas maia ou menoa
peto zelo prevideneial da auctoridade administrativa.
E tem maia, como peças auxiliares dVase raechanlsmo eomplica-
diflsimo, uma secretaria geral saturada de empregados a páreos red-
ditos, uma repartiçSo do fazenda a regorgitar de pessoal, uma secçSo
militar representada por um cliefe de seeçJo com gerência sobre fí a
10 oflíciaes e 200 praças de pret, distribuídas por duas companhias de
policia, de qne a primeira reside na Praia o a segunda em S. Vicente.
Tem uma sec^-fto teebnica do obras publicas que segundo a lei orgâ-
nica deveria eompor-se de nove personalidades ao todo, mas que ge-
ralmente cora]irehende maior numero; tem a cndlecçilo religiosa for-
mada por um cabido de seis cónegos, encimada por um bÍ6|>o subor-
dinando difTerentes padres, dispersos pelas 29 freguezias em que ella
é dividida, c tem finalmente a desconsiderada corporação de saúde que
ge^undo a loi deveria corapor-se de 6 módicos de 1.' classe e 5 de 2.*,
onde faltam lioje facultativos e abimdam pharmaceuticos e onde pui-
lulam concsias de reformados, como precisaremos particular c especial-
mente em capítulo exclusivo. Isto como traços geraesda organisaçfto.
Mas cm cada ilha existe mais ura conjuncto de entidades, subordina-
das a um administrador de concelho com prerogativas de commandanto
militíir, e que se enumera por camarás mnnicipaes, juntas de paro-
chia, jaizes de todas as cathegtirius, menos de direito, alfandegas,
subdelegados, auctoridades marítimas, médicos, pharmaceuticos, pa<
n:icboB, escrivães de fazenda, directores de correio, professores e todo
o grande numero de pequenos pívoU que completam a montagem d'esae
CABO VERDB
L-ompl içado apparettiH dii nus^ii íidminís trarão colonial cm Ioda n parte.
E comtiido, a provincia de Cabo Verde, immcrsa de mais em mais
uVssa inunda^So biirucratíca quo assombra, conviiUioiía-so na maie
palpável i- IarneTiti>8a neccasidado do >irgnnisa^-iia, dv- ordiíui, de jus-
tiça, c do garantais !
A sua hygioiíc é ileíicurmla, a nua juati^-a não passa d'uma des-
coDceltuada comedia e a sua rctigjílij d')seaÍndo do my^^ticíiimo na in-
difforença, vac arrHslando comsígo essas ideias presligiosaa <\xic iUu-
minando d'alCo as mullidõcs, davam relevo ^ vidh a mil crenças con-
soladoras.
E os eotifeellios do goverim, ofi fonsrllios de provincia e os decan-
tados inspeclores de fazenda, para que si-rvemí' <ierahnenle e com
manifesta degradação própria para sanccíonarem tudo servilmente quan-
do 08 governmlures são rispidos ou quand>> com fllew se vivo em ami-
gáveis relaçSes por convenieneia ou por symj<atliia; c nos chboh oxee-
pcionaes de adveraSo ou lucta politica estabelecida, d'um obstruccio-
nismu e oppofiiçãn s^stemntica a tudo que soja da iniciativa ou possa
ser agradável ao governo, e isto nân só com graves prejuízos ao pro-
gresso da eolonia, mas eom evidente desprestigio para o principio da
auetoridade. No nosso entender, os governadores para deliberarem
nSo devem pret-issr dVsses pequenos conclaves cheios de exigenciaa,
e preuccnpados mais ou menos da sua importmieia banal. Porá escla-
recimentos deverão bnstar-lhes os das repartiçflcs competentes a dos
chefes dos respectivos serviços, cabendo a elles o esludar e deliberar
por si na máxima liberdade, para que tcnbam a resjionsabilidade ab-
í-o1uta e completa dos seus actoe.
A hygiene è completamente descurada em Caljo Verde, e í pre-
ciso que se diga, esta palavra nJo representa no repertório local ee-
nlo uma noia posta pelos médicos A margem dos vandalismos com-
mettidos petos povos, ou a rubrica indicativa de protesto eom que a
scieneia, ás vezes, se levanta contra algumas posturas camarárias. £
n'()stc ponto ha raras cscopçSes a especialisar, por isso que se vê quasi
todas as villas como todas as aldeias, eircumdadas por montunis lan-
hados aã liòitiim, sorpemlas por ruas regularmente eonstruidas mas
negligentemente tratadas, e se os jiatrícios habitam casas cm eundi-
çííes satisfatórias do accici c accumula5,Tao, o povo cm geral agrupa-BO
numa promiscuidade coudeiunnvcl, em casebres detieientes do luZ|
dcHcientes de ar e superabundantes de calor,
Vivc-sc obrigatoriamente rodeado por iramundieios, respirando aa
ADUINISTKA^AO, DIALKCTOS, DSOS U COSTUMES
emAnaçSea mephiticas das podridSea alheias, fitando a cada passo,
como bandeirolas esfurrapadas do desleixo municipal, oa trapoe e o
lixo dtí lima população que se espliaccla.
N3o ha preceito algum sanitário seriamente respeitado na hy-
giene publica: tis ruas em geral nAo s&o calcetadas nem são varridas,
as plantiis purtiisitas que as cobrem não são mondadas o pportun amento,
as habita^í^es são constrtiidtis em quaai todus, sem alinbamentos, sem
luz e sem ventilação; i>s dejectos dcrramam-se por todii a parte, o
lixo invade tudo, c oB porcos, com a intimldiide de nmigos, revolvem
OH segredos pútridos dos quintaes, resonando ás vezes sob leitos mi-
seráveis, onde creancinhas dormem e parturientes agonísam na atmos-
phera perfumada de ebiqoeirns.
A falta do consideração pelos vivos, conduz naturalmente á falta
de respeito pelos mortos. Assim os cemitérios que teem geralmente
amplitude c que são murados, nS" tcem as covas rigorosamente nume-
radas, d'onde resulta que as prescripçSea legaes sobre a inviolabili-
dade dag sepulturas Seam sujeitas ás reminiscências e ás phantasiaa
de ura coveiro.
As priínfles, essas, na maioria são irapossiveis de descrever, por-
que ha quadros tão sombrios e tâo povoados de horror que amedron-
tam o espirito o paralysam a penua. São antros! Tudo quanto ao
pôde imaginar de mais sujo, de mais húmido e mais torpe, de uma
canstnicçSo inquisiloríal, onde os corpos se defínham e a malvadez ae
espande.
As próprias arvores sâo victimas do egoismo bárbaro e da eel-
vageria irreverente, enjelhando-se as das povoaçSes á mingua de re-
gas sob a acção destruidora dos auimaes domésticos e do rapazío in-
frene, emquanto as dos campos deixam como marcos milliarioa á ver-
gonha publica, troncos espliacellados pelo machado, que sorvem ainda
assim ao descauço doa transeuntes, como uma suprema ironia e mani-
fealação suprema da sua utilidade sem limites. E assim succede, por-
que essas companheiras bcmfazcjas do homem, que lhe estendem os
braços aos seus brinquedos em creança, que lhe protegem as fadigas
com as siuis sombras, que drenam os terrenos com suas raízes, ozo-
uifieam a ntmospbcra com as euat* fothns, poetisando a vida com a
sua alegria; vstittn individualidades veneráveis cm Ioda a parle, aqui
de uma signilícação it-demptora, são impunemente arrasadas e quei-
madas eomo martyre^, aeui que se levante um protest , sem um
castigo.. . sem que a ningiuiu lhe dóa o coração II
202 CABO VERDE
O
O povo de Cabo Verde é dócil, é intelHgente e socegado, sub-
misso ás leis, indolente e da maior descrença politica que se pode ima*
ginar. — E pouco dado á agricultura, cujos duros trabalhos sâo geral-
mente mal remunerados, cntreg^indo se fanaticamente ao commercio
e á navegação.
A mansidão e a bondade do seu caracter é manifesta.
Os costunaes sâo relativamente excellentes, podendo dizer-se que
é um povo isento de crimes, frouxo na virtude e perro na emulaç&o.
Os homicidios sfto raríssimos, o suicidio é t2o excepcional que se
toma objecto do maior pasmo.
Os attentados contra o pudor são frequentes, mas quasi sempre
devidos a diplomáticas promessas de casamento.
A crença em feitiços e em almas do outro-mundo e em milagres
é vulgar, principalmente na ilha Brava, onde chega a constituir um
motivo serio a desavenças e querellas, dando margem ao mais inte-
ressante estudo, pelas suas emaranhadas influencias na quasi totali-
dade das questSes locacs.
A alimentaçfto popular é variável nas difi^crentes ilhas, tendo em
todas como base fundamental o milho. Nas ilhas agricolas porém, es-
teia-se ella principalmente nos productos agricultados, emquanto que
nas ilhas seccas se reforça com o peixe fresco e salgado e pela carne
de cabra c pela chacina.
O café é a bebida indispensável cm todas as refeições, sendo
ainda muito usada em algumas ilhas a iiguardente, apesar da bara-
teza dos vinhos n^estes últimos tempos ter concorrido sensivelmente a
modificar esse habito, tâo pronunciado outr'ora c tão altamente no-
civo á saúde e aos costumes públicos.
O povo veste se simples e decentemente em geral, e em muito .
mais correlação com o clima do que as classes superiores.
Os homens do campo uzani calças e jaquetiis de rutiso (ameri-
cano), camisa d^algodão crii, geralmente sem collett s, descalços e com
chapéus de palha da Brava ou fabricados por elles mesmos. Os das
povoações usam quasi todos fatos de easemira barata, sendo vulgar
nas cidades e na Brava o ver-se, principalmente nas grandes festivi-
ADMINISTKÂÇZO, DIALECTOS, USOS E COSTUMES 205
dades, indígenas galhardamente vestidos a panno preto e de cadeias
luzentes.
As mulheres, estas, vcstem-se de camisas decotadas mais ou me-
nos enfeitadas de rendas, saias de zuarte' ow de chita, e lenços de al-
godão ou de seda, do cores vivas, dispostos em algumas ilhas com
muita arte, em forma de toucado á alsaciana.
As creanyas em tenra idad<í andam mias, e quando mais cresci-
das apresentam-sc geralmente com simples camisas de chita.
Nas grandes festas religiosas, as mulheres /a/Aam-íc, adornando
as orelhas com brincos, o pescoço e os braços com coUares e pulsei-
ras espectaculosamente falsas; envolvendo o tronco com chailes ou
pannos fabricados no paiz, os quaes sào cingidos com uma elegância
caracteristica ou sobraçados despreoccupadamente com um grande ar
de madona.
Esses vestuários sào geralmente tintos em anil e em hervas ads-
tringentes, por um processo tào rudimentar que ficam exhalando um
cheiro insupportavel, nocivo á saúde e altamente sufFocador nas gran-
des agglomeraç<5es.
Os homens do povo sào feios, nào teem garbo, elegância, nem dis-
tincçSo no porte, ao contrario das mulheres, que apresentam nâo ra-
ras vezes feições regulares e uma morbidez do olhar verdadeiramente
lasciva e impressionadora.
8So sérias quando casadas, e sempre óptimas mães.
O infanticidio é quasi desconhecido.
Como dissemos a prostituição livre e manifesta, só existe na Praia
e em S. Vicente, sendo isto um motivo a sérias contrariedades para
o forasteiro, apesar do muito que é costume gabarem-se alguns das
suas conquistas e proezas.
As habitações ruraes e as de todas as grandes povoações mesmo
(á excepção da Praia, S. Vicente, Brava, Maria Pia o Sal), sào na
maioria mal construidas a pedra e barro, sem estabilidade e sem arte
e cobertas de palha. Sendo de mencionar-se, como censura merecida,
as da Ribeira Brava em S. Nicolau, onde todos os aimos pelas chuvas
cahem dezenas d* essas palhoças o que dá azo a lamurias ridículas,
continuando invariavelmente a serem reconstruídas do mesmo modo,
na faina invariável d' um verdadeiro destino de Sysipho.
Os pesos e as medidas ainda hoje usadas sSo os mais antiquados
nas differentes ilhas, servindo tanto a multiplicidade de unidades a
que se subordinam como a sua complicada technologia nSo só a faci-
206
CABO VERDE
litar í) logro e a coin])licar as transacçoí^s em todo o arcliipelago, mas
ainda a tornar in(»xoquivrl de todo, aadopyíio do svistcma métrico,
como de lia muito se acha decretado, sem qiu* |»rcviament(» se tenham
vulgarisado talxíllas de rediieyocs e srm que a auetoridade t<»nie a
seu cargo o esclarecer nos j)rimeiros temi)os as relnetancias do indí-
gena e proteger a sua ignorância contra a f<*bn* da cspeciila<;ào do
commercio.
Com o intuito d<í promover essa vulgarisacao apresentamos a ta-
beliã que se segue, onde se mostram rigorosamente comparados as
medidas e os pesos espeeiaes de archipelago com os seus correspon-
dentes do systema métrico, tabeliã em que se aceentua bem a diver-
sidade apontada, podendo servir egualmente de seguro apoií», por isso
que representa um dos muitos valiosos trabalhos do sr. J. V. Botelho
da Costa, a quem teremos muitas vezes de nos referir como persona-
lidade auctorisada e mui ti) conhecedora da provincia.
Tabeliã das medidas o pesos espeeiaes do arrhipelago de Cabo Verde
fomparados com os seus rorrespondenles do systema metriro
Designação das medidas e peso& e suas divisões
(T. 'ti
TO O
c
3
'A
O
ti,
c
&.
o
'/)
CD
O
P5
Correspondência
no
>v.Mema métrico
Ilhas
onde são usados
Lan<;n tem 2 hrnros ou 4 varas Mclruis i,4
Lan<;n tem 3 varas ! « ií,i^
Jarda tem 4 pahnOvS. »> 0,8S
P<^ tem 12 pollegados iiií^lezas >• 0,:{()4
Diversas
S. Nicolau
Em lodns
Al((ueire tem 4 (fuarlas ou 10 oin^^as, ou
900 lan<;as cfuad radas
Quarta tem 4 ouras ou 2i0 lambas i|uad ra-
das '
On(;a tem <*»() lan<;as (fuadradas
Al<(ueire tem 4 <|uarlas ou 10 ouras, ou
840 Iam as (|uad radas j »
Quarla teín 4 oix^as ou 210 lan»;as «|uadra-|
das I »
On<;a tem 25,5 lanços quadradas. j »»
l^n<;a tem 4 hraras (|uad radas 1 »
Alqueire tem 4 quartas ou 10 ouras, ouj
14:4<)0 varas (|uadradas i »
Quarla tem 4 oii<;as ou 3:()00 varas (|ua-
dradus
Onça tem í)00 varas quadradas
Vara tem
Casal tem 2(X) lanças quadradas
Lança tem 9 varas quadradas
Are:, 185,850 Sul do Fogo
40,4r:4
11,010
1(;2,024 N." do Fogo
4O,()50
10,10^
0,1930
I74,2i
I'^)í:o
Hrava
n
43, 5(;
10,89
0,0121
21,78 S. Nicolau
(^108!>
ADMINISTRA.çZo, DIALECTOS, USOS U CiOSTUUES
207
Designação das medidas e pesos e suas divisões
G>rrespondencia
no
systenia métrico
Ilhas
onde sio usados
Q) 0) S
QS'V <o
'o*S «o
SSg.
Moio lem 60 alqueires
Alaueire tem 4 quorlas ou 2:0(K) pollega-
aos cubicas
Quarta tem 500 pollegadas cubicas
Meio quarta tem 250 pollegadas cubicas..
Barrica lem 3 alqueires
Galão tem
Frosco tem 3 e meio garrafos
Frasco tem 3 garrafas
Folha tem 1 e meia garrafa
Garrafa tem meia canada
Coixla tem 128 pés inglezes cúbicos
Corda tem 125 pés inglezes cúbicos
Pedro tem 3 arráteis) l
Libra da terra tem 1 > Para pesar aIgodâo<
e meio arrátel ] (
Libra 1 arrátel
Litros 2495,58
41,593
10,398
5,199
124,779
Em todas
o
(A
O qp O
ai
^ 0.0)
Litros 3,7
» 2.45
» 2,1
» 1,05
» 0,7
Barlavento
S. Thiago
Brava
n
Em todas
Steres 3,62432
» 3,539375
Diversos
Boa Vista
(A
O
(A
CU
Kilog. 1,377
»
»
0,688
0,459
Boa Vista
Fogo
Em todas
N. B. Os demais pesos e medidas usados são os antigos de Lisboa.
Nas ilhas não mencionadas na tabeliã, ou não ha medidas especiaes
de superfície, ou esta se mede por lanças ou braças.
A religiSo é acatada até ás praticas da superstição e do fanatismo.
Toda a popuIaçSo é nominalmente catholica, apostólica e roma-
na^ exceptuando a pequena colónia hebrea que deve exceder hoje a
mais de duzentos exemplares.
As festas religiosas sSo concorridas, exhibindo-se manifestamente,
em muitas ilhas, formulas barbaras da selvageria, principalmente nos
enterros e nos oi&cios mortuários.
NSo ha nada mais exagerado e menos respeitoso, do que as gul-
zas, as carpideiras e as pandegas, que ainda se fazem n'a]gumas ilhas
á sombra e a pretexto da morte e dos sentimentos da saudade.
Mesmo nas famílias princlpaes, as praticas do lucto tomam pro-
porç3es tâo exageradas, que chegam a ser motivo de doença, e uma
verdadeira irrisSo para toda a gente.
O povo em geral prescinde dos soccorros médicos ; morre á min-
27
208 CABO VERDE
gua de caldos, contanto que o enterro seja feito com a máxima pompa.
E' usual mandar-se chamar o padre nos transes aíHictivos da doença,
antes de se mandar chamar o medico.
O padre era d^antes tido como uma verdadeira divindade ; hoje é
apenas um symbolo dos hábitos e das tradições apagadas. • •
A vida do povo de Cabo Verde como commodidade pois, revela-
se no grande heroismo da sua resignação: soífre, trabalha e cala se.
Politicamente, pela descrença absoluta nos que dirigem o seu des-
tino ; socialmente pela dedicação exagerada por infortúnio de irm!U)s,
e na ordem moral, por um mysticísmo religioso a que a devassidão
de alguns padres e a laxidão dos costumes, tem feito perder a pouco
e pouco o prestigio reverente dos fanatismos respeitáveis.
A linguagem usada nas differentes ilhas é variável para cada uma
d'ellas, conservando entretanto um fundo de parentesco próximo, que
toma fácil o interpretar a todas, desde o momento que se saiba bem
o creoulo de qualquer das ilhas.
E' na verdade, como aíBrma Lopes de Lima, uma algaravia mes-
tiça de termos africanos e portuguezes, misturados a palavras mais ou
menos estropiadas de idiomas estranhos, trazidas de certo pelo conví-
vio da navegação.
E' um dialecto dissonante, cheio de exclamações e dyssillabos,
servindo de instrumento a ideias imperfeitas, a juizos ellipticos, cor-
respondentes a raciocinios curtos, versando sobre uma restricta ordem
de impressões.
Esta linguagem modiíica-se ainda na mesma ilha segundo as pes-
soas que a faliam; assim a posição social, a educação, os hábitos, etc,
etc, influem de tal modo sobre a tonalidade e a correcção do creoulo,
que se toma fácil á primeira vista, o aperccber-se da gerarchia d'a-
quelles que o faliam. Encontra-se porém, mesmo no povo, algumas
pessoas rudes, que se exprimem com uma elegância c facilidade ver-
dadeiramente admiráveis. Sabem tirar partido engenhosamente de
uma língua tão ingrata, compondo anecdotas picantes de interesse e
colorido; improvisam canções impressionistas, nas quaes a verdade
das imagens e as circumlocuçues supprem a deficiência dos termos,
dando ás vezes um relevo extranlio ás ideias que pretendem suggerir.
Os dialectos creoulos, tanto de Cabo Verde como da Guiné, teem
merecido ultimamente uma attenção especial da parte dos philologis-
tas e estudiosos reconhecidamente distinctos do nosso paiz ; assim, en-
ADMINISTRAÇZO, DULECT08, USOS B COSTUMES 209
contram-se sobre elles, a partir de 1880, nos Boletins da Sociedade
de Geographia de Lisboa, trabalhos importantíssimos do sr. Adolpho
Coelho, do dr. Custodio Duarte, Botelho da Costa e António de Paula
Brito.
Todos estes trabalhos que representam um demorado estudo e
uma paciente investigação doesse patois indigena, visam a coordenar
os elementos e a demonstrar a possibilidade da formação de uma
grammatica regulamentar d'este dialecto.
Temos lido e ouvido controvérsias e opiniões difFerentes sobre
essa possibilidade, mas nós que não somos philologos, limitamo-nos,
baseados na diversidade de origens apontadas, a considerar o dialecto
creoulo como uma verdadeira Babel, e a architectura da sua gramma-
tica como uma obra a proporções Vdapuk^ supérflua e desnecessária,
por entendermos essa linguagem condemnada tanto pelo critério poli-
tico como pelo critério civilisador de Cabo Verde.
Constituição geológica — Flora e fauna
o archipelago, distanciado 465 kilomctros do Cabo Verde, no
continente africano, parece dever o seu nome a uma irónica anti-
phrasc; por isso que nSo só ó cm extremo árida o pardacenta a ap"
parencia exterior de todas as ilhas, mas como que confrange o coração
o seu desolado aspecto, fazendo lembrar desde logo, áquclles que as
avistam do mar, a fatidica e condemnadora inscripySLo iirmada por
Dante nos umbraes do inferno.
Ao contrario porém do que succode á maior parte das elegan-
tes, em quem o vestuário e as apparcncias enfeitam a magreza esque<
letica, escondendo defeitos que se vedam, estas ilhas tSo nuas e re-
pellentes á vista, contem pelo contrario, no seu seio, paisagens de-
liciosas, panoramas deslumbrantes, e n^esse conjuncto severo que
resalta do escabroso aspecto das suas ravinas, da desolação das suas
fragoas, do escalvado das suas rochas e da altura terrificante das
suas montanhas, esse cunho do grandioso e imponente que caracte-
risa as formaçSes vulcânicas, alli como que accentuado a fogo, n'essas
mil minarias basalticas que se antolham por toda a parte, suspensas
como espectros fabulosos, sobre abysmos que fascinam e profundezas
que amedrontam.
As diflferentes ilhas que o constituem acham-se dispostas irregu-
larmente nos mappas em uma grande curva de 500:000 metros appro-
ximados, curva cuja convexidade olha o continente africano, come-
çada a NW. pelas de Santo Antão, S. Vicente e S. Nicolau, a que
se seguem Sal e Boa- Vista, que constituem o centro do hemicyelo ao
E., o qual ó completado a SW. pelas de Fogo e Brava, postadas na
sua extremidade meridional.
ReclÚB, attendendo á grande profundidade (4:000 metros) dos
ZIZ CABO VEBDE
■ares que as separam do continente d' Africa, dSo as considera como
ma dependência d'eete, parecendo, segundo as affirmativai^ mais aii-
donswUs, ser a sua forma^^o d'mn período bastante anterior áquellc
íq anJiipelago das Canárias e dos Açores.
Exietem em muitas dVIIas crateras o rochas cruptlvaí«, encon-
traodo-se cm algumas também roclias crystallinas, graníticas, etc,
alo sendo mesmo raro, cm certas regjSos, o deparar-se com bellos
Mármores metamorphicoa e rochas sedimentares. A Ilha do Maio,
p«r exemplo, é rica em terrenos nSo vulcânicos, servindo este l»'to,
M^^nodo Reclos, de argumento ponderoso á hypothese da antiga
Atlântida, em cujo sepulchro representariam hoje essas ilhas verda-
itina cornijas.
O e)>(|iieIeto geral do archlpelago é uma massa basáltica a que
H tobrepi^cm cammlas das suas diversas variedades compactas na male
cifrábofta diversidade de proporçctes e texturas. Os elementos geo-
(';ip<;<M <iw predominam na composição dos sciis enormes rochedos,
«trj 'I ImuuIio, a trachyte e lavas d'elles derivadas, leitos de escorias,
abemaiMlv cem lavas de contextura unida e em algims pontos com
ImIuu d'argíla ocroeas vermelhãa.
O Mti Kolo, sob o ponto de insta agrícola, é arenoso e rico em
mittn, IM> Hal, Hoa- Vista e Maio ; argiloso, calcareo e volcaníco no
yi^i « H«Dlo AntSo; revestido por uma espessa camada de húmus
«Hl H. TliiaKo, Hravn c ['^ogo, condiçííes essas qne, conjugando-ae At
Ait^rfuO» fispomi^Hes c altitudes das terras cultivadas, explicam a
vM/ft^M^ )|« |triiduc^-8us, a riqueza e a fecundidade dos mesmos ter-
4 imM Htfrm itiu tiim lido tAo cabalmente estudada como a doa
iM Míd^i^attnN «llaiilIcMii ; entretanto, encontra-se sobre etla pre-
iMi Uiii»vfiiia WM trabalhos do dr. Hopffer e nos relatórios dos
■ ■ Ni ('(•itii nerviço. Está longe de cxhibir os es-
>ri>|iirNl, ma» deixa vir porém, respirando o
' \niUi infsmo sol, exemplares de quasi todo*
iMiiH", 'ijif^Nir do nXo haver um único hlbemacnla ou
ÉiV|WVC«Ja •• wclluatv.
COnaTITDIÇAO GEOLÓGICA— FLOHA E VAVSA
213
Muitas arvores de fVucta, plsntae medicinacs e varias eepccies
de importação rocente teeni vingado, principalmente nos planos altos
de Santo Antío, Fogo u Brava.
O seu typo de vegetaçilo porém, é essencialmente idêntico ao das
suas irmSs do Atlântico (approximando-se portanto acjnelle das zoiíaa
temperadas), o que faz com que ellas também par''ÇAm cumo que des-
locadas para o N. sob este ponto de visto, oflerecendo pela sua flora
um aspecto mais septcntrional do que seria de esperar pela sua lati-
tude. .
A maioria dos exemplares lioje existentes tem sído importados
do continente africano, tigurando porém ao lado d'eetes um grande
numero de plantas provenientes das Canárias, da Europa e mesmo
da America.
Seria um reconhecido serviço o divulgar aqui os nomes e os
usos de todas essas plantas, como de todos os animaes que habitam
hoje o are hipe lago ; mas nâo o fazemos, collocaodo os termos botâni-
cos e zoológicos ao lado de todos os nomes %'ulgftres com que s3o co-
nhecidos no paiz, nSo só porque nos faltam para isso os dados e o
tempo necessário, mas porque, resultando cm grande parte os nossos
conhecimentos a tal respeito, de informuções mais ou menos fidedi-
gnas, esta nota accentuada de uma enidiçSu d'emprestimo destoaria
do gamma pela qual tem sido aferido este trabalho. LÍmítamo-uo8 pois
simplesmente a dar uma ideia sobre esses assumptos, procedendo á
formaçfto das listas que se seguem, as quaes, á parte as suas defí-
ciencias, servirJto ainda assim a elucidar aquellea que no futuro, mais
cabal e classicamente os queiram tratar.
Produz este archipelago em abundância chícorúi, coentro, salsa,
agriJU), beldroega, alface, couve, tomate, cenoura, nabo, cebola e pe-
pino, muito utilisadoB pela arte culinária.
Milho, feijão, fava, mandioca, batata (chamada inglcza) e batata
doce, banana ', melão, melancia, papaya, goiaba, laranja e abóboras
' Humholdt, oprcciaiiíJo os voningens dn cultura ii'psl(i frucle, calcu-
lou <]ue uui terreno de tOO melros quadrados p<ide fornecer mais de 4:0IM>
bannneiroG, e que a producijio da bnnanoira está para a do trigo como 133
cstfi pnra 1, c pnro a da balata como 44 eslA paru 1. Na Europa um meio
tieclnrc de terreno não bosta para a alimentaçèo de dois individuoa, ao posso
que esse mesmo terreno sustenla cincocnto sendo plantado de bananeiras.
214
CABO vebdí:
de differentes qualidades, fnietas esetas que abundam quando cliove,
e qu<-' constituem, com os lacticínios e com o peixe, a base fundamen-
tal da aHmentaç&o popular.
E' abundante em aiuitas capecies aromáticas e de empregos me-
dicinaes, oomo avenca, cscamonéa, mangerona, alecrim, alfazema,
belgata, mnrs(;lla, mostarda, rusmaninho, losna, malva, tortolho, fi-
gueira do inferno, Iierva cidreira c buffareira ou palma christe (Bici-
nus communis), abundando em flores do campo, como malmequer,
papoula, biJUganville, goivos, sardinhoira, variafi trepadeiras, etc., e
mesmo nos maia bi.'llos da flora cultivada como nisaa, cravos, violetas,
«mores perfeitos, magnólia, baunilha, Hlaz, jasmim, principalmente na
Brava e em Santo Antllo, onde o dr. Bernardo d'Oiiveira t-onsegue
expor os mais perfuitoa exemplares.
A planta do nnil vegeta pelos campus, e delia servc-se o povo
para a sua infecta tinturaria; a urzel/a abunda nos rochedos de qua-
8Í todaa as ilhas, sem que tenha hoje a menor extrac^-So devido á sua
faaratcza na Europa. Servem a applicaçSes industríaes a bananeira, o
coqueiro e a piteira, cnjas fcveras sSo utilisadas no fabrico de cordas,
cestos e outros objectos d« uso, e ns cinzas para confeceionar sabKo;
a tamareira, de que aproveitam as folhas para a confecçilo de cha-
péus, eharuteiraa, etc; u algodoeiro, d'on(Ie tiram a matéria prima
para linhas, torcidos de candeeiros e fabrico de paanos; o bapindus
saponaria, cuja stuienle serve para ornamento dos indígenas, servindo
D seu perlcarpo para lavagens de seda, e finalmente a bombardeira,
que é empregada para eolcbSes, travesseiros, etc.
Os arbustos e arvores que em maior numero abundam dispersos
pelos campos, sSo oa espinheiros, as accacias, o taralfe e a purgueira,
vegetaes esses d'uma exti-ema resistência, servindo a sua folhagem de
verdadeira remlssSo para o gado nas epochas das estiagens.
Aa arvores fructiferas mais importantes sSo o coqueiro, a laran-
gi;Írn, u pnpaieira, a gr>Iabeira, ■■ tamarindeiro, a limeira, o niarmel-
lelro, a cidreira, a romeira, havendo também um pequeno numero de
daniasqueiros, pereiras, pecegueiros e macleiraa, cujos fructos sSo po-
rém nmito racliitlcus e pouco saborosos. A calabacelra é rara e a ar-
vore do pio mais rara ainda. O ananaz abunda em S. Thiago e Fogo
mas é geralmente de md qualidade.
Ab jilanlas de mais sombra e que maior acçSo esereem sobre o
dimu, sXo Sem contestação alguma, o tamarindeiro, frondoso e folhn-
du, cujo fructo acido é usado como refrigerante e laxativo; u amen-
CONSTITCIÇXO QKOLOOlCi — FLOBA E FAUNA
215
doeira, alterosa e d' uma ramagem opulenta e compacta, e as dífferen-
tes variedades de palmeiras, que como pancas agitam indolentemente
o ar, protegendo o hoIo eom aa suas anmbras. Os tiucalyptus aSo em
pequeno numero. Os baoitabs rariBsimos, Os dragoeiros pouco desen-
volvidos. O plátano e a araucária sSo excepçSes.
Ab maia importantes das suaa producçties agrícolas, sol» o ponto
de vista commercial actualmente, é a canna dassucar, o milho, o café
e a purgueira. A vinlia hoje é pouco cultivada e o vinho fabricado
nSo presta. A cidtiira do algodão cahiu em desuso e a da quina, ini-
ciada com tSo bons resultados e com tanto euthusiaamo em Santo
AntSo, nilo nos parece que possa ter futuro.
Entretanto os direitos vigentes no reino, tanto sobre a entrada
do assucar e aguardente como sobre o milho de Cjibo Vorde, tor-
nando impossível a exportação d'cs8es productos, crearaiu as tcrri-
veis di6Sculdades com que está tuctando ali a agricultura e commcr-
cio em geral, difficuldades quu as execuções do Banco Ultramarino
aggravam de ha muito, sem que o governo que patrocina este banco
G a quem compete substituir essas pautas, tenha querido atteudcr uté
hoje as justas reclamações desta sua víctima agonísante.
A provincia do Cabo Verde, se nSo cessarem de a corromper
pela burocracia e pela politica; se o problema de S. Vicente nSo filr
estudado e resolvido a tempo, e se nSo forem concedidas á sua agri-
cultura as máximas facilidades nas pcnnutaçÕcs com a metrópole,
morre dentro em pouco e de certo impenitente, porque o seu derra-
deiro arranco deverá ser ainda um grito de matdlç&o contra esaa mSe
pátria que tSo descaroavelmente a immolou.
A fauna de Cabo Verde conta um pequeno numero de espécies.
A maioria dos seus animaes vertebrados parecem ter sido importados
pelos colonos portugueses, e de notável verdadeiramente sob o ponto
de vista zoológico, apenas apresenta na classe dos reptis o nuicro*-
ciucita coctei, lagarto exclusivo do ilheo Branco, que vive de hervas e
não de insectos como os seus congéneres de outras paragens, e na
otsBse das aves uma espécie do género pujfin, descoberta alli pela ex-
216 CABO VERDE
pediçSo do Talisman e que constitue uma outra originalidade exclu-
siva doesse microcosmo inhabitado como que esquecido no meio do
oceano.
HAMMIFEROS
Os mammiferos selvagens, reduzem-se ao morcego (nyctcdus ver-
rucosusjy a diíFerentes espécies de ratos como o murganho, o rato preto
e o rato decumano, ao coelho (raro) e ao gato bravo.
Os mammiferos domésticos silo os mesmos que os do meio dia da
Europa: o cão, o gato, o cavallo, a mulla, o jumento; o porco, o bode,
o carneiro e o boi, appareccndo em abundância baleias (mammiferos
marinhos do género cetáceo), cuja pesca constitue uma industria muito
explorada tanto pelos americanos como por nacionaes estabelecidos em
differentes ilhas.
As baleias são hoje os maiores animaos que se conhecem ; ha al-
gumas que medem 1) c 10 metrosi de comprido, chegando a ter sete
e oito mil kilogrammas do peso. O sou toucinho 6 aproveitado para
azeite; espécies ha que teem dentes do melhor marfim, e laminas
córneas (barbas de baleia) de uma variadissima applicação. Dos ossos
fazem-se botíjcs e obras diversas, e nos intestinos d'algumas encontra-
se o âmbar cinzento, este producto odorifero de um valor prestimoso.
A pesca da baleia é em extremo arriscada, interessante e pitto-
resca. Os seus episódios são vestidos de perigos e destrezas que at-
tingem o maravilhoso. As canoas de que se servem teem uma elegân-
cia, uma fluctuação e um andamento que se não eguala. São verda-
deiros barcos de guerra^ armados e equipados para essa batalha sui-
generis não com peças de artilheria, mas com fisgas, arp3es e lanças
afiadas com escalpcllos c bomb-lances explosivas e mortíferas como a
dynamitc. A aprendizagem dos pequenos cetáceos, os seus brinquedos
em commum, essas festas lalneares em que familias inteiras se deli-
^ ciam á tona d'agua, aos mergulhões c aos saltos, n'uma verdadeira
luxuria de gozo, ó um dos espectáculos mais originaes que se pode
imaginar.
Ha gestações de um, de dois, e de três baleotes. Ha baleias que
atacam, c ha baleias que apenas se defendem. A sua força ó immensa
e a sua vitalidade ó enorme ; mas o seu corpo é tão volumoso, tão
expesso e tão rijo, quão dedicado ó o seu coração, quão extremoso é
CONSTITUIÇIO GEOLÓGICA — FLOBà E FAUNA
O 8CU aentir, quSo fanático é o instincto da sua maternidade. Os ma-
chos expSe.Di-se corajosamente aos golpes mais crucie, sempre que qual-
quer outro animal lhes ataca o filho ; — a guerra entre a baleia c o
espadarte (cachalote) é uma verdadeira lucta de gigantes! Estando u
filho preso, a mSe nunca o abandona; nSo ac acobarda nem sequer
investe contra o frágil inimigo que lh"o tortura, como ae na sideraçSo
d'cssa ImmenBa angustia, deixasse de obedecer aos instíuctos da vida
e perdesse até a noção da sua forya. . . e das snas armas descom-
mimaea.
O baleeiro, conhecedor d'esse fanatismo sublime, d'i;3ta dedica-
rão louca, d' esse desvairameuío de mSe, formula uma táctica. baseada
na mais covarde das crueldades, e vac buscar, nVsae filho, inerme,
fraco e inexperiente, a prei^a querida, que lhe garante a víetínu he-
róica, que Bem defeza se lhe entrega e morre.
Vimos ]natar assim uma baleia. Deslumbra e como que confrange
o coração assistir ás torturas desses monstros que sabem morrer pe-
los filhos!
O trancador busca cautelosamente fisgar o baleote sobre rogíSo
escolhida, com o fim de lhe poupar a vida e dar tempo ao ataque que
propSe tentar contra a míc. Essa, ao sentir approximar a canoa, tenta
fugir, mas é detida pelos filhos que sem energia a obrigam a esperar
e a assistir assim ao golpe que os toma prisioneiros do homem. Então
começa uma verdadeira tragedia no mar: a baleia descreve circuloa
vertiginosos em turno d'e8se filho que se contorse debalde á dõr do
arpão. Parece querer conaolal-o com beijos; parece animal-o de affa-
gos, afunda e emerge a cada Instante, expira em jacto grandes jorros
de sangue, solta gemidos que paree(;m imprecações, eontorce-se e em-
pina-se cora desespero, parecendo querer revolucionar o mar... to-
mando por testemtmha o ceu.
Durante esta lucta que dura horas, a canoa agita-se como um
brinquedo das ondas, os ferros reluzem ao sol, o mar toma-se san-
gue, e a marinhagem coberta de suor empunha oa remos obedecendo
ao mestre, emquanto o trancador á proa, cnthuslasta e como que en-
tregue ás delicias da arte, ora ala, ora afFrouxn a sonda que prende
o barco ao peixe, lanceando a pobre mãe sobro os flancos, arpoando-a
sobre o dorso e trucidando-a a balas explosivas, até que exhnuatB do
vida e prostrada de cansaço a tisga e prende ao barco, acabando de
a matar a golpes profundos, n'um furor de victoria.
A pesca da baleia é um episodio Impressionisla ... um acenarío
218 CABO VERDE
grandioso c cheio de vida. . . um d'esscs quadros a compostura estra-
nha, em que o homem se revela poios instinctos da besta c a besta se
impõe pelo mais grandioso dos sentimentos humanos.
Faz lembrar Dante, e pensar em Chateaubriand ; 6 um espectá-
culo único, grandioso e terrível, d'esses que vistos uma vez nunca mais
esquecem.
AVES DE RAPINA
Passarão (uma espécie do Jagudi da Guiné)
Francelho (falco tunnunculus Lin.)
Coruja (Strix ilammea Lin.)
PÁSSAROS
Pardal (Fringilla petronia)
Toutinegro (Sylvia atricapilla)
Corvo (corvus corax)
Andorinha (Hirundo rústica)
Lavandeira (Motacilla boarula)
GALLINÁCEOS
Perii íMeloagris gallopavo)
Gallo (galluH domestieus)
Codorniz (perdix coturnix)
Pavão (Pavo cris tatus)
Gallinha do mato (pintado)
Rola (coluiiiba turtur)
Pombo (columba palumbus)
CONSTITUIÇÃO GEOLÓGICA — FLORA £ FAUNA 219
BIBBIRINHAS
Narceja (scolopax gallinago)
Oarça (ardea cinerea)
Maçaricos.
FALUIFEDES
Flamingo.
Oaivota (gallinola chloropus Loth)
Cagarra (puffiinus major Tenun)
Pato (auser feriis)
Além d^essas aves existe a Passarinha, exemplar lindíssimo, cujas
cores vivas e polychromicas destoam do tom térreo da coloraçSo da
maioria das outras espécies, influenciados pelo mimetismo.
BEFTIS
Lagartixa (Lacerta Dugesii)
Tartaruga (cholonia Midas)
BATBACHIOB
Rt (rana esculenta)
FEIXES
Os seus mares são extremamente piscosos, sendo impossivel para
nós o enumerar todos os elementos da sua fauna ichtyologica.
A expediçSo do Talisman colheu a este respeito os dados de maior
interesse d'onde se conclue da sua extraordinária riqueza. O coral
abunda e é muito explorado por companhias italianas^ principalmente
220 CABO VKUDE
nas costas de S. Thiago. E ha-o de duas espécies ; o corallium ru-
brum, semelhante ao de Siciliai e o plemo corallium^ branco, de ama
bella architectura.
ACANTU0PTEUYGI08
Salmonete (polymixia nobilis Nob)
Dourada (coryphoena equisetis, Cuv.)
Castanheta (callanthias paradisoeus Nob)
Tainha (mugil corrugatus)
Cheme (polyprion cernium, Cuv.)
Sargo (sargus Rondeleletti, Cuv.)
Vezugo (pagellus acame, Cuv.)
Qaroupa (serranus scriba, Lin.)
Salema (pagellus bogaraveo, Cuv.)
Atum (thynnus vulgaris, Cuv.)
SalmSo
Anchova
Peixe rei (Julis speciosa)
BodeSo (Julis paro, Cuv.)
Carapau (Box salpa, Cuv.)
Chicharro (caranx trachurus, Lin.)
Bicuda (e sox sphyroena, Lin.)
CHONDROPTEBYGIOS
Gata (acanthidium pusillum Nob)
TubarSo
MALACOPTKRYGIOS ABDOMINAES
Viola
MALACOPTEUYGIOS SUU-UUAClllUS
Linguado (^pleuroncctes solca L.)
CONSTITUIÇÃO QEOLOQICA — FLORA E FAUNA 221
MALACOPTERTQIOS APODOS
Saphio (Muroena conger; Lin)
Moreia (Moroena Helena, Lin)
LOPnOBRANCHIOS
Cavallo marinho (hyppocampiis ramulosos Leach.)
Além dos peixes enumerados existem em abundância o bombom,
o mero, a alvacora, o badejo, a velha, o ferreiro, a palombeta, a ca-
chorra, a jamauta, a sarda e um grande numero de invertebrados,
principalmente crustáceos, molluscos, gasteropodes, como lagosta, os-
tras, lapns, etc, sobre os quaes nâo podemos precisar a classiiicação
por defficiencia de tempo e de exemplares para esse estudo.
E' abundante em vários insectos coleopteros, como a cantharida ;
hemipteros, como a pulga verde ; nevropteros como a libellula ; lepi-
dopteros como a borboleta, havendo verdadeiras invasões de gafanho-
tos (insecto orthroptero) que constituem quasi todos os annos um fla-
gello, nSo só porque destroem as pastagens mas porque devastam as
plantações, chegando a comer as próprias folhas das arvores.
Sol lucet Omnibus
Um preito de homenagem ao mérito ; um olhar de saudade pelos
mortos illustres qtie o tumulo conserva hoje no seu seio e a enumera-
ção apenas de alguns nomes am*eo1ados pelo explendor da intelligen-
eia, ainda que immersos muitos nos abysmos obscuros da vulgaridade
e da miséria.
E^ uma necessidade para nós, proclamar bem alto tudo o que
constitue glorias para Cabo Verde; é uma grata obrigação fallar d*a-
quelles que souberam honrar o seu paiz, e referir a irmãos que sabem
enaltecer os sentimentos d^irmâos.
Na lista dos filhos de Cabo Verde que mais se teem evidenciado
na ribalta luminosa e abrasadora da notabilidade, figura como primeiro
de todos, como aquelle que mais se destacou nas rudes labutações
scientificas, por trabalhos valiosos, por distineçSes honrosissimas que
abrilhantaram a sua vida e a sua morte — ROBERTO DIIARTE SIL-
VA — esse chorado collaborador (Je Clerwontj de Crafts e de Friedel,
cujos notáveis trabalhos sobre physica e chimica^ representando ver-
dadeiras revelações, enchem paginas e paginas de um valor presti-
moso, justificando que n'um paiz como a França, clle fosse o esco-
lhido em concorrência com Schutzenberger, Ilenninger e tantos ou-
tros homens eminentes, para professor de chimica analytica da Eschola
Municipal e da Eschola Central de artes e manufacturas de Paris,
cadeira essa em que elle substituia Félix le Blanc, esse grande vulto
que por tão pouco o precedeu no tumulo.
Lembrando-se sempre da sua pátria natal, d'onde o aftastára desde
muito e para sempre a orientaçSlo scientifica das suas aspirações, con-
tribuiu a dar realce e valor a muitos dos seus productos, provando a
riqueza em titaneo das areias titaniferas de S. Tbiago e determinando
29
224 CABO VERDE
a composiçSo do oleo de curcaa-purgansj essa euphorbiacea tSo espa-
lhada por todo o archipelago.
Presidiu á secçSo de chimica no congresso de Nancy (em 1886)|
alcançou da Academia das Scieneias o premio Jecker (em 1885); re-
presentou Portugal na conferencia internacional de Paris. em que se
tratava do desenvolvimento c da protecção dos cabos submarinos^ e a
n^aneira sempre honrosa como se houve n^essas como cm muitas outras
commissòcs scientificas, meroceram-lhc a cruz da LegiZo de Honra,
a commenda de S. Thiago <t varias outras distincçoes que tanto lison-
geavam a modéstia do seu caracter e a ingénua credulidade do seu
mérito.
Roberto Duarte Silva nasceu lui ilha de Santo AntSo e jaz se-
pulto no cemitério Monf pamaaHe. em Paris, á sombra de um monu-
mento erigido pelos seus collegas v pelos seus discípulos, pyramide sin-
gela que aponta ao oéo, onde, segundo as suas crenças, deve repou-
sar o seu espirito, em quanto pela terra affirmam a sua utilidade e o
prestigio do seu nome, os valiosos tra})alhos com que elle soube en-
riquecer e prestar tà(» altos serviços á humanidade.
O tumulo pouco tinha (jne revelar decerto a esto espirito deno-
dado ([ue por tanto temj:o se debruçara t-obre os abysmos da matéria,
e que tâo numerosos segredos soube arrancar ao «eu coração de som-
bras (» ás suas mystcriosas c complexas afiinidades.
Entretanto a morte deu-llie o descanço, e como a uma alta es-
tatna derrub.ul.M, mostrou- o como nós o vemos agora, em toda a evi-
dencia das suas proporções «^i^rantes. . . maior portanto ainda, do que
SC ajiparontara cm vida. '
St* Hol)erto I)uar(e Silva foj o m.'iior vulto stieutiticOy o dr. Ju-
li<í .José Dias ioi o coracA») uiai:iiaiiiiin) e Frederico II(»|»tVer a vontade
mais cutTgica <lc Cabo Verde.
> Na Iirri.<fíi í/hí.^rraihf, jorual «|uo so |tul>Iíoa em Lisboa desde 1890,
sajjiu lia pouco lompo o reli'nlo e a l»iognii<l)in do Holjorlo Duarte Silvo,
com o descnlio do seu tumulo om Paris.
SOL LUCRT OUNIBUS 225
Tanto HopflFer como Júlio Dias exerceram a mais benéfica o sa-
lutar influencia nos destinos da sua terra.
Dr. Júlio prestou os serviços de uma philantropia rasgada e quasi
fanática, i ilha de S. Nicolau em que nascera, contribuindo bondosa-
mente para melhorar as condiçSes d'essa terra, onde o seu nome
ainda hoje é proferido com saudade e onde o seu busto sympathico
e o seu sorriso bom, com^) que nos festeja do cimo doesse monumento
erigido pela espontaneidade doeste povo a quem elle tanto amou.
Hopffer ainda vive, possue um temperamento de ferro; — intelli-
gento, illustradissimo, radicalmente democrata e nâo menos materia-
lista, as suíis ideias e o seu procedimento, como que deflagravam
nVsse moio nutrido por mil pretenç(!(os emphaticas, poetisadas pelas
reverencias hypocritas das sachristias e perfumadas pela rhetorica ba-
nal e pedante doá philosophos de cifrão de que falia liaudelaire.
Impetuoso e franco, como que traz inscripta na sua ampla fronte
bronzeada a cor e a rijeza das suas convicções. A sua locução fácil
e sarcástica, corresponde perfeitamente á apparencia altiva e glacial
da sua personalidade.
Combateu sempre todas as idolatrias e todos os falsos Ídolos, ar-
cando destemidamente contra as prepotências dos governadores e até
contra os favoritismos e as demasias dos seus próprios chefes.
Facultativo do quadro de saúde, organisou o serviço interno do
hospital da Praia, o qual se não pode ser comparado a esse primoroso
modelo em toda a Africa, devido á activa intelligencia do dr. Ramada
Curto, em Loanda, representa entretanto a nota mais aguda e mais
harmónica que até hoje tem vibrado esse teclado preguiçoso e desafi-
nado, a que se chama — quadro de saúde d(» Cabo Verde.
As suas affírmativíis com relação ao questionário climatologico
formulado pelo ministério da marinha, são de uma importância incon-
testável e revelam conhecimentos scientifieos, uma critica e uma eru-
dição tropical que contrasta e destoa do palavriado enfadonho com
que geralmente foi tratado o mesmo assumpto, pelos demais trabalhos
congéneres.
As suas apreciaçSes sobre as aguas mineraes da provincia, os
seus estudos sobre as quinas, os seus relatórios médicos, as suas con-
ferencias sobre hygiene tropical, etc, etc, etc, deram-lhe a signifi-
cação impositiva de que sempre gozou, tornando o sympathico a todos
os homens de caracter e de justiça. .. e fazendo-o odiado como era
natural e lógico, por todo o enxame das vulgaridades cobardes.
226 CABO VERDE
Tanto Hopffer como o dr. Júlio foram por mais de uma vez es-
colhidos e indigitados para deputados.
Júlio Jos<^ Dias chegou mesmo a ser eleito, mas nào se resolveu
sequer a apresentar-se em camarás, por se considerar incompatível
com os processos engenhosos das habilidades politicas, que tanto pre-
tendiam mascarar e desprestigiar as altas intençSes da sua dedicação
ingénua de sábio.
HopflFer nunca foi proposto, porque os exaltados escrúpulos do
seu caracter apaixonado, tomavam-lhe antipathica a politica dos par-
tidos, como tudo em que elle nâo podia disceniir clara e previamente
o fim definitivo a que ia prender a sua responsabilidade individual — •
considerava as eleições como viciadas na sua origem sempre que de-
pendessem do influxo da auctoridade, ou mesmo da preponderância
dos influentes; queria que o povo expontânea e livremente elegesse
os seus representantes, e como essa utopia nunca se pôde realisar,
nunca Cabo Verde se utilisou da força immensa das suas energias,
para desbastar a ferrugem espessa da sua engrenagem envelhecida.
Tanto o dr. Júlio recuando e vedando os olhos Lamartinesca-
mente ante os abysmos da politica portugueza, como Hopflfer ante-
pondo theorias brilhantes ás imposições da sua epocha, mostraram-se
é verdade, coherentes com os seus princípios e com a emancipação do
seu caracter, mas inferiores em muito, aos altos desígnios dos seus
destinos. Nem o dr. Júlio nem o dr. Hopft*er souberam, n'esse ponto,
cumprir as imposições do seu dever.
João de Sousa Machado é o re|)rescntante i)erpetuo do circulo de
Barlavento, e o mais antigo deputado das camarás portuguezas e o
descendente d'unia faiiiilia illustre de Cabo Verde, ligado por laços
de parentesco e })or ininterruptas relayocs de amisade, ao vulto culmi-
nante da nossa j)olitica contcinjíoranea — Fontes Pereira de Mello —
esse homem extraordinário, cuja j)rojeci;ào de gigante como que in-
volve ainda hoje de prestígios e de resj)eitos, nâo se» os da sua própria
familia mas todos e tudo aíjuilio que mereceram a alta distincção da
sua estima.
Deputado ha trinta e quatro anirns sem ter nunca outro ideal que
SOL LUCET OMNIBUS 227
nSo fosse os interesses da sua província, João Machado representa no
scenario da política ultramarina, uma das excepç(]lcs raras, dos que tra-
tam dedicadamente do seu circulo, dos que conhecem e sâo conheci-
dos pelos seus eleitores. "^
Nunca acceitou prebendas, nunca quiz abandonar o seu posto de
representante do povo, apesar de lhe terem sido ofFerccidas por va-
rias e reiteradas vezes collocaçôes rendosas, e isto apesar de ser po-
bre hoje, tendo aliás nascido d'uma família miUionaria.
Está velho cm annos e talvez profundamente apalpado pelas per-
versidades da vida e pela ingratidão dos homens. Entretanto, revela
ainda hoje como nos primeiros tempos da sua existência, uma tensão
phenomenal de energia e convicçSes, resistindo desafogadamente á
acção deprimente do tempo e defendendo palmo a palmo as inflexibi-
lidades d^aquillo que elle suppõe ser justo, e os preceitos de boa roda
em que foi educado.
Dotado de uma intelligeneia clara, João Machado sem ser na
verdade um sábio, tem conseguido sempre pelo seu savoir vivre e pela
nobreza do seu caracter, manter-se á altura das circumstancias, me-
recendo uma consideração especialisada dos homens mais notáveis do
nosso paiz.
Contribuiu directa e poderosamente para a extincção da escrava-
tura em Cabo Verde ; tem prestado relevantes serviços á causa da hu-
manidade, serviços que são attcstados e reconhecidos não só pela alta
distincção com que foi galardoado pela republica franceza, mas por
algumas condecorações nacionaes que enfeitam o seu peito romântico
de puritano.
E' uma d^essas individualidades politicas mal accentuadas e defi-
nidas, um d^esses elegantes vieillerocke cujo estylo contrasta e destoa
das formas estatuídas pela moda ás pessoas da sua idade, mas que em
vez do pretencioso e do ridículo com que gcTalmente se afiguram os
imbecis, se apresenta, pelo contrario, infinitamente sympathico e res-
peitável, quasi que divinisado pela grandeza d'este scmho (fuma mo-
cidade que não acaba, pola tenacidade doesta illusão que não onípalli-
dece e pela energia d'este protesto que de mais em mais se acccntua.
Para toda a gente João Machado 6 um homem do bem, e para
quem escreve estas linhas, tem elle essa expressão de grandeza e esse
prestigio de inviolável, com que as dedicações o as preferencias de seu
pae, sabem proteger c engrandecer mesmo do tumulo, os homens. . .
e as cousas.
CABO vekdií;
Ciuillii^raii! DaiiUs, loi um iIussch cxcm|tliiri:t~ r^ros uns suciedn-
(les d*AfrÍi'a; o talento ranis origiiml, miiis cxcítiItíco c uienos rapaz
talvez dtí ser compruhendido pelo mcw cm que viveu.
Sc-m uma ediR-a^-^ i-egulamuntudn o seoi si- siibonlínai' a preceito
algum de caenln, o seu engenho, uscnpand') a todos ub (lietniiies e a
todas Jis formulas, rcvolouso sempre «ob uma apparcncia iiiediUi ex-
clusiva o indepondeiile, ás vezes mordaz e irunico até á brutalidade,
á» vezes audaeioso e indÍsi'Íplinndo iité á irreverência, mas minui;ioso
e amplo, como que poctisado pelas tristezas e pelos supplícios da sua
exifituucia aeabruahada.
O seu estylo m<iBtra-sc extraordinariamente duetil e por asaím
dizer cançodo, n'es8a anciã desesperada de reduzir á expressão gra-
phiea de um esboço, as tiirmus vagas di> sentimento, das allueinaçòes
e das nevroses, que agitavam o seu eora^So de poetx.
Nos seus artigoB, lia como que o fervilhar de ironias candentes.
Nos seus versos revelam-se, a par da sensibilidade nustalgica d*
vencido, as irmdiaytlets fulgurantes d um talento genial.
ííuilherrae Danlas empunhando a lyni, é comparável pela sim
plicidade e pela singcleaa aos melhores poetas. Na prosa )jorém, iiprc-
senta-Be ora lúgubre e compenetrado eomó no sen delicioso conto so-
bre a Brava, ora estapafúrdio, violento e intemerato, como n'esses im-
morredouros artigos com que fulminou outr'orti tantos preconceítosj
tantos ridículos e tantos ostenta^iVs, nas cnlumnas do Iiidrí/itnidenta.
Ha vtirsos d elle, cheios d'uuia suavidade de idylio e de uma ter-
nura de mulher; antros hn, que exsudam uma tristcut vcrdadoira-
mente commovente; todos, sem dístincçilo, sSo impregnados dessa es-
pécie de melancholia que se nSo define c que parece envolver a vida
doa que presentem uma m»rto próxima.
Morreu aos -Kl anuoe, ou para melh<>r dizer, suiuidou-ae lenta o
premeditadamente fazendo-se embeber de veia em veia, de arderia em
artéria até ao coraçJlo, polo álcool, esse veneno tomado bálsamo pela
sedencia dos Botíriím^iitose pelas torturas do seu viver. K assim, quan-
do se sentiu exânime e perdido de vigor, deixou-Be resvalar pura o
SOL LCCGT OHMIBOS 329
tumulo, bebendo com o ultimo alento o derradeiro trago. . i morrendo
como vivera, inebriado pelo alci«)I e victiraado pelo desespero.
Como qu« fazem séquito a Guilherme Dantas, José Rodrigues
Aleixo, esse 8yjiip;itliico e impenetrável eybarita da ilha lirava, Eu-
génio Pauto Tavares, cujos deliciosos versos relembram a suspirosa
linguagem de Saint-Preux, e José Lopea, esse tantcler vago açouta-
do pclns iaclGmom:ia3 dit sorte a em cujo olhar <le agonia faiaeam
coiQo himpcjus cl'utua 1ii:e divina, os raios d'unia ironia cauatifa.
'joSo Bitrnay, osso revolucionário ila iudustría fabril, esse terror,
Icsvanecido do sr. Collares e da fabrica de Massarellos, esse tSo dis-
cutida empreiteiro da Penitenciaria e ãa caminho de ferro de Ambaca,
ejíte espirito zig-zagante e mordaz, essa verve deliciosa de humour,
casa personalidade acccntuada, essa excentricidade irroquiela, que tem
percorrido todas aa gradações sociaes desde as clássicas aguas furta-
das ató Bo palai-ii) Pombalino, onde Fontes, Daupias e tantos outros
exigentes, se esqueciam nas delicias do confortaUe. JoSo Burnay, esse
benemérito da troçH, inventor dos trages tom que hoje todos nós ves-
timos certas palavras, de formando -lhos o sentido com a mesma elo-
guncia com que o sr. Straus a[)ura, dá cheios e esterlica disfarçando
arestas nos seus commendadorus infatuados; este homem que nas gran-
des luctas da sua vida tem conseguida ter sempre da sua banda os
que riem e os que pensam, esse industrial que creou e lançou grátis
á publicidade o indigma — esse papalvo malicioso', o commenJadvr
central, essa creaçJIo do Romulares ; o topa, case pczadelo eterno da
rua dos Capellistas.
Esse sympathic» e intellígentíssimQ moço, por sobre cujos labíoi
como que volitam a ironia e a graça; essa urganisaç^a vigoroaiaaima
euja grunde almu se revela na ehamma ardente de una pequenos ulbos
claros; louro, altivo e bello como é,, . . è filho de Cabo Verde.
230 ^ CABO VERDE
João Nunes da Silva^ esse homem colosso, feito de honradez e
de bondade, eommandante do melhor e mais afamado vapor da mari-
nha mercante portugueza — o Malange; este capitão distincto, que
tem merecido as mais honrosas distincçSes ao paiz e ao estrangeiro,
a quem tem sido incumbidos os mais delicados e difficeis encargos, co-
nhecido e relacionado hoje com o alto commerciO; a alta nobreza e a
alta politica portugueza, é filho de uma pobre familia da ilha do Sal;
é o marinheiro que soube pelo trabalho, pelo estudo e pelo mérito, per-
correr todas as gradaçSes da vida raaritima, desde moço até á cathego-
ria de oflicial, chegando hoje a ser uma individualidade distincta e di-
gna de registar-se.
Simão Manoel Alves Juliano cujo busto figura na Praça do com-
niercio do Kio de Janeiro como um dos beneméritos da navegação ;
Simplicio João Rodrigues de Brito que chegou a ser considerado o
primeiro pintor da corte do lírazil, nasceram nas ilhas de Cabo Ver-
de, como nasceu eguahnente Joaquim Maria Augusto Barreto, este
valente manejador da satyra no Independente.
A Cabo Verde pertencem muitos dos vultos que figuram na ma-
gistratura, na clinica, na marinha e no exercito do nosso paiz; de Ca-
bo Verde são finalmente dezenas de estudantes (pie frequentam hoje
as escolas estrangeiras e nacionaes da Europa, longe das suas fami-
lias e á custa de sacrificios incalculáveis, por não terem na sua pro-
víncia, uma escola, uni instituto, uma ofiicina única, (mde possam pelo
estudt» conquistar com as garantias do futuro, pontos de vista para a
consciência e noções praticas para a vida.
SOL LDCET OHHIBIIS
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Dadas tstallslieas «abre a naitgatia de Caba Vtrde rtktíiit a 188i>
■oTimanU de navloi
Enindoí
Siidoí
Novios
2619
Tonclogem
l.(iO8:50G
Novios
2C12
Tonelagem
l.(il!l:5U
232
CABO VERDE
9a4M esUlislictt ithre • Bovinento posUl de Cabo Verde referides a 1885
Extensão e percurso das linhas postaes
Vias — extensão kilometríca
Percurso kilometríco
Ordinários
153
Ma ri ti mas
30:030
Total
30:i89
A pó
28:1 li
Em borcos
320:828
m
Total
354:972
Dados esfalislicos sobre a ímportaçlo e riporlacio refrrídos a ISSo
Valores importados e exportados pelas alfandegas
Importação
Exportação
827:49()$G55
242:004$754
Rrceítas cobradas nas alfandegas cm 188o
Direitos ' Pireito»
de de
impei taçáo j exportação
Direitos
de
reexportação
Armazenagem
lotai
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72:0:0$1G9 ' 31:8958773
1
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355jSSÍ)3
105:205,^805
SOL LOCET OMNIUITS
UaJns c&lalístJCM sobre a inslracfio en C«b3 Verde rtfmdes ■ 188o
Nomcro de escol» de intirucfSo primai»
Alumirai niitrlculados nas «colas
Officiues
42
Municipacs
Particulares
2
Ofíiciocs
2156
Municipaes
3G5
Pnrliculorps
Drípriis Ttilas tom rstraJns nus aiinos de 1S80-SI a 188Í-83
1880- 1S81
1881-1882
1882-1883
1883-1881
1884-1885
l(Í:!»7gH5
11:671 $233
14:08L>$385
48:7638707
31:8468050
Dados eslalislices sobre o gitl» de Tabo Verde rercridos a 188o
Gado eziatente
As
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234
CABO VEBDIS
DaU das matrizes fiisteiles e p«r qiea foran ffiUs
Brava i88)
S. Vicente 1882
Sanlo Anlão 1882
Sanla Calharina 1888
S. Nicolau
1878
Fogo 1878
Praia 1890
Maio
Boa Vista ) Sao as primitivas.
Sal
HovimfDlo dos bospilaes mililares fn 188o
Hospital da Praia
Adoeceram
539
Ftillecerain
Hospital de S. Vicente
Adoeceram
312
Fallcceram
Circnmscrípçâo político-flcitoral
DopulíuJoi
Kleiloros
13.387
Klcgiveis
802
GUIKÉ
DE CABO VERDE A GUINÉ
Partimos da Praia para a Guiné, ant(»vend() atravez do prisma
da distancia, ura paiz pantanoso c selvagem, povoado de perigos e mi-
nado pelas febres, onde, segundo as informações, as bexigas ostenta-
vam horrores e as biliosas faziam honras de recepção, resignados e
tranquillos n*essa serenidade que precede sempre as grandes resohi-
çoes, mas na convicção arreigada de que se nos salvássemos das aza-
gaias dos Bijagós e dos gládios dos Mandingas^ não resistiriamos do
certo ás iras antropophagas dos Felupes, nem á desagradável impres-
são dos que se sentem assar nas grelhas de imi meio dia, sobre o l)ra-
zeiro incandescente de um solo sem brisas, ás temperaturas hyperbo-
licas das apregoadas narrativas.
Parfimos soletrando no olhar húmido e na eloquência forçada dos
amigos as apprehensSes cruéis que deixávamos sobre a nossa viagem,
e em companhia de Emery, esse sympathico americano, de caracter
rigido e consciência límpida, seguimos o itinerário do paquete, encon-
trando sempre na sua dedicação de amigo o apoio moral de que timto
se necessita, em certas contingências da vida, para conservar a sere-
nidade de animo capaz de encarar a sangue frio os perigos, i)or maio-
res que ellcs sejam.
No dia seguinte visitamos de passagem as ilhas do Fogo e 1 irava
e sellando com os shoke-hands de despedida, aifeiçdes qut^ nào se apa-
gam e gratidões que não se desvanecem, deixamos para traz as ter-
ras de Cabo Verde, que nos davam por derradeiro adeus e por symb(>lo
das suas recordações, o pharolim da lurava i>erdendo-se no horisonte,
como um ponto luminoso na immensa escuridão da noute.
Estamos em pleno oceano. Ondas revoltas como serpentes que se
236 DE CABO VERDE k GUINÉ
debatem enroscam-se de toda a parte assaltando o navio como presa
appetecida, emqiianto elle, destemido e triumphante, como esgrimista
que não teme, ora se defende inclinando os flancos, ora ataca reta-
lhando as vagas, seguindo sempre imperturbável a sua derrota por
sobre abysmos que se cavam e cordilheiras que se erguem, altivo, im-
ponente e soberbo, ante a natureza que o cerca.
A lua illumina a superfície láctea dos mares, as estrellas scintil-
lam ás mil pelo espaço, e o horisonte inteiro, como um grande scena-
rio resplandecente, parece polvilhado de sombras vagas que se agitam
e minado por imperceptiveis riachos que murmuram.
O embate das ondas, o ranger do leme e da cordagem casam-se
aos sons rythmicos do resfolegar da machina ; os sinos soltam queixu-
mes de presagios tristes, e o pensamento, esse louco, sem attender
aos mil pretextos que o chamam, lá vae para longe perseguindo sau-
dades em busca da terra que deixamos, indifferente a este grande qua-
dro que deslumbra !
Entretanto começa a amanhecer, e como a aurora traz comsigo
a alegria dos rcjuvenescimentos, dissipam-se as negruras do espirito,
como se dissipam as neblinas da noite.
Três dias depois demandávamos a Guiné; e ao approximar-noB
d' esta terra phantasticamente delineada pelas tradições, onde a mui-
tas milhas de distancia o prumo marca seis c oito braças no seu con-
tar de vaticinios, ao sulcarmos estas aguas turvas e eriçadas de esco-
lhos, onde os receios líarccem receber o baptismo de realidades, en-
carando a (?x])ressão triste do espectáculo que se alarga de fronte,
essa ondulação monótona de aguas correntes onde apenas se desenha
alguma ilhota verdejante, respirando o ar abíifado cm que parece er-
rar a exhaIaç2to quente de um resfolegar cançado, arreigou se-nos por
tal modo o convencimento das terroristas narrativas, que, como em
kaleidoscopio gigante, começamos a divisar pela imaginação, cmbus-
cadas sem numero atravez de matagaes sem eclio, feras hercúleas em
rixas de exterminio, azagaias multiformes molhadas em venenos sub-
tis. . . cobras despedaçando bois . . . crocodilos fazendo sossobrar em-
barcações . . . c como fundo d'este quadro de uma compostura dan-
tesca, os pântanos dormentes, como gríindcs thuribulos da morte,
espargindo emanações pútridas e envolvendo em turbilhões de mias-
mas, centenas de nogros arrogantes e altivos, cm j>osturas académicas
de combate.
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241
Imprcssionodoí), pois, nlé á BÍr]<^raçSo pelas inforroaçiles pcssímis-
tns (lo que sempre ouvirairua sobre n martyriologja Ja (Juiué, iatnoe
sctiJo riipidsmentc conduzidos pelo vupor Bisi-iu ntravez das ílhai dos
Mitnj-ims e dos Bijngó/i, divisando ao longrc os delinoaraentos de uina
torra baixa c enfumaçada que so apresentava ao nosso espirito como
iim vasto e cnfuitado eeinitcrio, envolto todo eltc nos cspcsats eropes
de prosagíoB commoventeB.
O homem do prumo, como em tarefa interminável, contava sem
ecss.ir as profundezas, na toada monttona e triste do marinheiro; o
coramandantc sobro a [Kintc passcíava cm scatiuclla a sua responsa-
bilidiído de cbefe, cmquimto di^perios pelas amuradas, à proa, de-
portados incorrigíveis faziam apreciações cjnicas sobre a eivilisaçS'}
que 03 repellía e sobro este nov.> mundo onde leis barbaras c inco-
hercntes vinham enxertar as suas a3tuciaí e os seus rancores. . .
As terras da Guiné iam-se evidenciando ao sopro magico da appro-
ximaçAo, e um panorama grandioso e expicndido, desonrolando-se a
pouco e pouco á nossa vista, despertava em todos essa alegria mixta
de entliusínsmo e estpie cimentos, tão exclusiva Á vida marítima c til')
s.ilutar ás torturas do espirito.
Finalmente, o vapor aproou ao rio d". Geba; o archipelago dos
liljitgós como um punliado de pequenos tufos perdía-se pela popa como
jangadas verdejantes arrastadas pela corrente, Pcssía c Jata Íam-se
escondendo ntravez a ponta oeste du Bissau, a ilha Formosa ainda
mostrava us contornos justificativos do seu nome e já Bolama, Bandiín
o Gallinlia*, surgindo d'entre as agiias e nomeadas cm altas vozes no
fervor das couve rsiiçil es, trazlam-nos á uicmoriii essas polemicas ou-
trora tSo debatidas na imprensa e no parlamento, onde os nomes de
Pereira Barreto, Marquez d'Avila c Bolama c Zagallo, se destacavam
em toda a altura do seu patriotismo, na projecç&o de uma distancia
que lhes dava o prestigin da histuría, como o respeito publico na pro-
vinda lhes dá ainda hoje a vencraçSo das saudades.
Horas depois chegávamos n Bissau; ridadella a altos muros o a
poctSes gigantes, ultimo ruducto dn vitalidade da pnivlncia, hoje o
maia importante centro do coramcrcio da Guini':. O cheiro nauseuso c
acru dita suas pritius. ^loda^-al vxtenso que se cvidenccia no baixa-mar
por dexcnas de metros), vinha, arrastado pela aragem da tarde, en-
volvcr-noB em uma atmosphern Bulph!drii'a, emquanto bandos de pás-
saros de muliipliecs espécies o variegadas cõrea atravessavam miit-
cialmente para os ilheos, marcando no horlsoate rubro da tarde as
24â DE CABO VERDE Á GUINÉ
curvas ondulosas do seu voo, que as trevas da noute foram a pouco e
pouco apagando, ató deixar nos sós, isolados e esquecidos, na con-
templação extática de quem espora, divisando na sombra as cumiadas
altivas dos baobabs, escutando o carpir plangente das corujas e dos
jagudis, c sentindo a nossos pés como um vagir de creança, o ma-
rulhar hypnotico das aguas pantanosas do rio.
No dia seguinte, de manliS, desembarcamos ás cnstas d'um indi-
gena, apesar de haver uma ponte, o impozemo-nos A distincta hospita-
lidade de um dos patrícios da terra, porqu(i em Bissau, como na maior
parte dos pontos dAfrica, niio ha hospedarias nem restaurants, ape-
sar de haver muitas lojas de bebidas, o que por si só dá a nota pe-
culiar dessas terras, traduzindo eloquentemente o estado da morali-
dade c dos costumes da população.
Os caríictercs ardc^ntes sào mais fortemente feridos que os ou-
tros; mas, por justa compensação, os desgostos, por sorem n^elles mais
violentos, são também numos duradouros.
Por isso, a impressão extraordinariamente pittoresca da Guine,
a amplitude grandiosa dos seus horisontes e a magcstiide surprchen-
dente dos seus panoramas, casando-se á rece[>çâo amnbilissima e ge-
nerosa que nos festejou desde a chegada, como qu<* afastaram de
sempre e para longe as apprehcnsoes terroristas que levávamos, {»er-
mittindo-nos latitude á curiosida<l<* e communicando ao nt)sso espirito
essa dcspreoccupação de receios que auctc^risa a encarar o dia de ama-
nhã como uma certeza, utilisando o dia de hoje como l>ase segura a
emprehendimentos de futuro.
De Bissau seguimos para Bolama em uma baleeira, pelo caminho
de dentro, atravessando as celebics coroas onde tecm sido engastadas
pela morte milhares do vidas, e pdo.s naufrágios de dezenas de em-
barcações.
Em Bolama fomos acolhidos prin(i}M'scam(?nt«* por Caetano lla-
ccdo. cují) nome sr prmde á liistnria da <íuiné por tituNíS de valiosos
serviços reconhecidos. Alii visitámos tudo: ns (juarteis, as repartições
publicas, o hospital, a egreja, a casa do governador e o mais sum-
DE CABO YEBDB Â GUINÉ 243
ptuoso edifício de Bolama, pertencente a esse nomeado Gouveia, que
veiu para ahi ha nove annos como guarda fiscal e que hoje representa
o Rotschild da terra, á custa do trabalho, da perseverança e da feli-
cidade, esso orvalho abençoado, capaz de fazer robustecer a planta
mais exótica ... na terra ainda a mais ingrata.
Fomos a plc-nics na Casa Nova (pittoresca clareira no matto),
romantisada pelas festividades governamentaes ; visitámos a fonte prin-
cipal intachá; as tabancas dos fulas (futa^cuudas), dos brames fgram-
brame) e dos mouros (morucundasj; fizemos caçadas da Outra Banda,
na « Colónia 0, na «Boa Esperança» e fomos hospedados durante dias
em aBambaya», feitoria encantadora da casa Blanchard, unde Mr. de
Maffra, com a amabilidade proverbial do francez, sabe encurtar as
horas e encantar o espirito, enfeitando o tempo com recordações que
não se apagam.
Atravessamos ao impulso cnthusiastico das caçadas, magnificas
florestas dez vezes seculares, guarnecidas de campinas tapetadas por
vegetações collossaes, onde a gazella salta com o frémito da sua fuga
vertiginosa, e bandos de pássaros de todos os tamanhos e de todas as
espécies, matizam o horisonte com as cores vivas das suas {)cnnas bri-
lhantes, repercutindo pelo espaço os gritos fcstivacs e as notas har-
moniosas dos seus hymnos de liberdade.
Uma paizagcm severa, calma e selvagem, grandiosa de toda a
expontaneidade de um solo virgem, onde o caminhar, por mais que
se estenda, não encontra um traço de cultura, e a vista, por mais que
se alongue, nâo enxerga vestigios da presença do homem. Por todos
03 lados, a distancias que se nâo podem calcular, cumiadas espessas
de arvores elevando se a alturas prodigiosas, e em seguida, sem tran-
sição, subitamente, enormes tufos de verdura d*essas esplendidas es-
pécies tropicaes, balouçando graciosamente as suas largas folhas es-
palmadas ao sopro acariciante das brizas . . . ; lagoas mostrando mean-
dros infinitos ; riachos arrastando arcadas de folhas e de flores . . . e
aqui e alli, escondidos á sombra de hervas curtas e espessas, pânta-
nos traiçoeiros, onde a sangue-suga e a râ se espreguiçam aos raios
ardentíssimos de um sol abrazador.
Foi n'uma doestas excursões extraordinariamente impressionistas,
depois de ter andado milhas sob a cúpula immensa de arvores gigan-
tes, que deparámos em Africa, onde a mulh(T geralmente pelas for-
mas nos faz pensar nos vuinipanços, trazendo-nos pelo cheiro a lem-
brança repulsiva do Zorílla, foi nas terras de (íBÍ88a88Ímaí>^ encos-
244 DR CABO VERDE X GUINÉ
tada ao tronco do um mnnipido íintigo, que nos foi dado ver a mais
extraordinária belloza de mulher, realçada por tudo que lia de mais
irrcsistivel nas attracçòes do seu sexo.
Era uma fula : typo indian.) caldeado nas forjas incandescentes
da Alrica. Tinha apenas treze annos, e a adolescência irrompia das
indeciáôcs do seu sexo com toda a dextresa da viJa com que desíibro-
clia uma fl^ir. Seus grandes olhos pensadores, de uma expressSo meiga
e inquieta, a cor cuprina metallica de suíis faces, as linhas suaves da
sua physiunomia, seus lábios carminados que se entreabriam em risos
de uma tristeza seduetora, os longos cabcllos de lim ne^ro azulado
que pareciam envolvel-a em scintillaçòes de desejos, o seu talhe es-
velto, nú, de movimentos graciosamente ondulados, a harmonia das
suas formas escuipturacs, a lubricidade das suas curvas e a tempera
vibratil das suas carnes, tudo em fim . . . tudo, sé resimia n'essa crea-
tura como em synthese d'encantos, d'onde irradiava a sensação das
mysticas sympathias e as horripilaçOes dos loucos desejos.
A sua limpida fronte pendia para o solo, na attitude melancholica
de um sonhar de virgem. As suas mios pequeninas uniam-se na pos-
tara de uma supplica infantil, e a sua innocencia evidava-se na ex-
pressão do seu olhar como a alma das flores bc evola nos aromas que
nos inebriam.
Que tons, que formas, que cores e que curvas !
Oh ! mulher casta, peccaminosa na tua nudez virginal, permitte
que te relembre emmoldurada n*essa paisagem fulgurante, permitte
que sonhe ainda, pensando em ti . . . j)erdendo-me em conjecturas.
Na Africa a mulher nilo conhece o coquettismo, mas tem pjr na-
tureza a scnsualiiladc.
Como selvagem, obedec*' aos seus iustinctí^s e ao ^^eu tempera-
mento, e quando fita um homem, quando o afa^i^a, quando o iin|)regna
das suas volúpias, nilo é com o fim de o tornar escravo, mas sim peh»
instin -to de s(* sentir feliz. Nao p^-nsa nunca em ser desejada, pre-
í)eeupa-se somente em satÍ8faz<"r os seus desejos; e ru\ quanto a mu-
lher civilisada calcula artificios i)ara garantir o stni prestigio, a selva-
DE CABO VERDE A GUINÉ 245
gem entrega-se sem condições nem vantagens, realisanJo no goso a
mais alta e a única aspiração do seu amor.
D'essa indole essencialmente naturalista, resultam para a sua vida
social como para a sua vida religiosa, os estranhos e original issi mos
cambiantes que tão cómicos e ridículos se apresentam á primeira vis-
ta, mas que tão logicamente se relacionam com as condições ethnicas
e com os principies da sua philosophia natural.
As virgens (bajwhf) entregam -se sem o prologo do namoro e sem
as especulações do dote, ao homem que as requesta e a quem accei-
tam, abandonando por isso a familia e sacrificando-se por elle ás ve-
zes até á morte, por ser elle quem as iniciou nos mysterios do amor e
lhes conferiu o titulo honroso da sua emancipação.
A familia; e as mestras chamadas, é que fazem o batuque, que
recebem a pólvora das festividades, o álcool das commemoraçSes e a
vacca, a que a tradição dá as honras do morghen-gape, no casamento.
Ella não ; não recebe nada ; não se vende ! e durante a lua de mel,
durante esse periodo cm que as civilisadas sophismam a sua apathia
symptomatica, com passeios a Cintra, jantares indigestos e bailes ex-
tenuantes; ella poupa-se, não se abandona á vaidade de se mostrar,
nem se preoccupa com as honras da ostentação, mas entrega-se de
corpo e alma a essa felicidade que se não repete, concentrando para
isso todo o seu tempo, todas as suas forças e todas as suas faculdades.
O preto 6 simples, cohcrente c é pratico : assim, na maior parte
das tribus, os filhos das irmãs é que teem o direito da herança, e como
consideram a morte uma transição para melhor vida, 8olemnÍ8am-n'a
por torneios e por festejos públicos, elegendo virgens para compa-
nheiras dos chefes que fallecem, as quaes são enterradas vivas ao som
de instrumentos asi)eros e das danças do fanatismo e da embriaguez,
juntas e bem juntas aos despojos régios e aos cadáveres dos heroes.
A niio ser os fnta-fulas e os mandingas (fidalgos e judeus da Gui-
né) que teem imia religião mais definida e uma civilisação mais accen-
tuada, as outras tribus obedecem a um fetichismo grotesco, adorando
as cousas mais absurdas sob o apparato mais irrisório . . . mas adoran-
do e respeitando deveras.
O respeito pelos seus marahiis (padres) é tão extraordinário, que
a protecção de uma dessas entidades, vale mais ao estrangeiro que
se interna, do que todos os recursos materiaes e todas as escoltas que
o possam acompanhar.
A (iuiné ('• pois i:m paiz originalisfeimo <* cr.ri- so. Ha nhi isliar-
24G DE CABO VKKDK Á GUINÉ
nvttaus^ esses ventos de poeira, seceos e quentes, tilo conimentados
outr*ora pelos antigos navegantes. Ha os tornados, essa miniatura ih)
eyclone tão eloquentemente inseripto nas paginas desastrosas da sua
martyriologia marítima. No céo, ha a fuzilaria eléctrica, deslumbrante
doesta luz que cega e mata. Nos rios, os macareos e as montoíinas com
imiíctuosidades a que se nâo resiste ; na chronica, os contos irrisórios
das nossas guerras com os gentios, e i)or toda a parte o salalé ou hafin-
Imujh, construindo monumentos arclii tectónicos de configurações phan-
tasticas c resistências indescriptiveis !
A villa de Bissau, sede do concelho, que pelo decreto de 4 de
julho de 1883 comprehcnde o presidio de Qeba, Fá, S. Belchior c
todos os mais pontos occupados e por occupar nas margens do rio
Geba, é uma pequena cidadella, de população limitadíssima, cercada
ao N., E. e W. por um fosso já semi-atulhado que acompanha paral-
lelamente da banda de fora uma muralha de 4 metros de altura, a
qual se liga ao centro á antiga fortaleza de S. José e termina nós
flancos por pequenos torreões de estylo gothico, que fazem sentinella
permanente ao rio.
Essa fortaleza, construída, segundo uns, pela companhia de «Ca-
cheu e (luiné», segundo outros, pela companhia do GrSo-Pará, am-
pla, arejada, e altiva de toda a imponência dos poeloes gigantes que
lhe marcam os ângulos protegendo-a com as sombras benéficas da
sua ramagem tufada, é guarnecida {)or peças velhíssimas de ferro,
montadas sobre reparos do mesmo metal, que apenas servem hoje de
armamento histórico o de espantalho aos gentios, não só porque a sua
damnificaçAo é ccmipleta, mas porque á pequena força militar ahi
destacada seria impossível manejar, sequer, monstruosidades perras
d'aquelhr calibre.
Entretanto essas paredes archcologicas, essa artilheria muda e
esses baluartes vazios continuam a inspirar as phrases sonoras com
(pie os magnates da localidade, a rhetorica oíHcial e os repwter)* le-
vianos, fazem acreditar urbi et orhi que o gentio é feroz, e que n'es-
sas muralhas carcomidas pelo tempo e pelo abandono reside ainda
DK CABO VERDE k GUINÉ 249
toda a garantia da propriedade e um esteio seguro ao commercio ahi
estabelecido.
A villa, pequena, acanhada, de construcções rachiticas c vulga-
res, immunda de todo o indiíFerentismo das municipalidades dAfrica,
sommada a todas as inhalaçoes do lodo, da catinga e do azeite de
palma, adubada pelo impaludismo, dizimada pelas febres e sobresal-
tada pelas correcções^ constitue ainda assim o ultimo reducto da vita-
lidade da provincia, o centro mais importante do commercio da Sene-
gambia Portugueza.
Existem ahi casas francezas, allcmlís, americanas e inglezas,
além de muitos pequenos negociantes, na maior parte de Cabo Verde,
e concorrem á praça todos os dias, nSo só os povos que a avisinham,
mas muitas das tribus aftastadas que a abordam em grandes canoas
8Hi generis pela construcçâo, os quaes vindo permutar por tabaco,
aguardente, fazendas, etc, os productos de agricultura e objectos
originaes da industria indígena, dão um cambiante nitidamente selva-
gem a esse limitado quadro da vida africana, curiosissimo pela varie-
dade de penteados e costumes de seus personagens, interessante pela
tatuage com que se enfeita o preto, pittorcsco pela diversidade dos
typos, dos penachos, das gesticulações e dás vestimentas, profunda-
mente impressionista no género grotesco, e constituindo no todo, um
espectáculo original pelo tumulto da selvageria e da embriaguez, poe-
tisado pela coloração verdejante de arvores colossaes, enfeitado todo
elle, pelas cores vivas de habitações dissimilares que parecem banhar
08 pés nesse lodaçal extenso, onde dezenas de canoas esguias se es-
preguiçam indolentemente como crocodillos gigantes fustigados pela
calma.
Para todo esse importante commercio de pennutaçííes que se
avalia em centenas de contos de réis, tem apenas como meio de ac-
I esso as duas portas de Pigiquity e Puana, abertas na face W. e E.
da muralha, e uma rachitica i»onte de cibcs pertencente á casa liut-
tman, que, sendo pouco extensa, apenas pode ser utilisada na prea-
mar, o que obrigou a mim e aos meus companheiros de viagem a
sermos desembarcados ás costas de um preto, como fardos, apesar
de existir essa decantada ponte, tâo diversamente apreciada pela opi-
nião publica d«a localidade. EíTectivamente a ponte americana c a
muralha, constituem hoje a base das discórdias no que se intitula po-
litica em Bissau.
A corporação do commercio deseja que o governo se imponha á
DB CABO VERDE i nClMÉ
camsni munk'ípa1, obrigaiido-a a apjiikar n verba crcada |inra pssc
fím, iiii construfçilo do iimn imnte qiic sntisfa^^i calmlnicTito »h ticccs-
EÍdades do transito cm todns as iMrL'UiiiHtnii(?ins (^ a libi-rte due impos-
tos que o proprietário ret-ebc pela passjigom das morcadnrias por so-
bre a oxlstcntc. Uiaa parte dos miiniclpos, bagi-udus na& infurma^-i^OB
medicas, quer quo bc faça o arraznmentu da miirallia, que, sc;;iiiidci
clles, obsta & vcntila^fâo da villa, o contribuo para a densidade exag-
erada da popiilaçilo, constituindo u factdr principal da insalubridade ;
outra parto, apaixonada pelas tradiv<>C8, o prio qne d velho, receiiísa
de tudo c mais do que tudo dos atnques do f,'entÍo, pondera "s múlti-
plos factores perniciosos da liyglene locul, de que ninguém cnida, c
guerreia esse projecto cuja importância merece um estudo conscien-
cioBo e está bem longe da significação restricta que uns c outros lhe
querem dar.
Que a construcçSi) de pontes tanto cm Bissau como cm Bolama '
é de urgente necessidade, de fncil o barata execu^So, que os gover-
nos do Ultramar devem exercer a maior vigilância sobro casas cor-
pora^iJes madrassas e enratnnd;t5 que representam em Africa a paro-
dia do que ba ainda de uinis democraticamente respeitável na admi-
nistraçSo dos povos, que devem evitar por todos os meios qiic essas
camarás municipaea, fabricadas quas! sempre pelo indifTercntismo,
pela ignorância e pela especulação torpe das terras pequenas, façam
posturas vexatórias o inconsequentes e lancem impostos sob promee-
sas enganosas, para mais tarde escamotearem o seu jjroducto hoiiIiís-
mandu as suas appIicaçSes, isso não a6 é evidente mas impositivo
para todos os que comprehendem as responsabilidades ndministratí-
vas e nilo se sabem esquivar A protecçiSo e «o respeito que «e devo
áquelles que nio sabem ou nSo podem defenderse. Que a muralha
obsta á circulação livre dos ventos é mal* do que obvio; qnc ella
constitua a cansa do accumulamentn e uma garantia segura contra a
invasão do gentio, é mais do que contestável.
NSo sá a cubagem da população está longo do fazer recear a as-
phyxiti, mas a faculdade inci-niestavel que tem cada um de procurar
dentro ou fura da muralha terreno onde estabeleça a sua hubitaç4tu,
prova á evidencia que nSo ó a decantada muralha, nuis o habito, o qu©
I CODsta-uoa que aiudo uo (omiio do gr. Teixeira da Silve
iniida uma ponte em Bolama.
^^.«t. I Wl
DE CABO VERDE L QUINE 2Õ3
-~^^— — — ^- —
explica o procurarem hoje, como nos primitivos tempos, as sombras
protectoras dessa barreira que deixa tão franca e larga entrada ao
gentio na baixa mar, e que tem por única defeza a artiiheria decré-
pita e ankylosada da romanesca fortaleza de S. José.
A insalubridade de Bissau é um producto maiúsculo de nmitos
factores palpáveis. Reside principalmente nos pântanos que a circum-
dam, n*es8e lodaçal das suas praias, onde os despejos se fazem ad li-
bitum, e n'es8e fosso construído para defesa e que o desleixo munici-
pal arvorou em thuribulo de infecção; reside n^esses armazéns enormes
onde se agglomeram cereaes, borracha, couros e tantos outros produ-
ctos nocivos á saúde publica; reside na maneira primitiva como se
faz o esgoto e na familiaridade com que os ánimaes domésticos con-
vivem com as famílias; reside n'essas carnes verdes vendidas sobre o
chiO na promiscuidade com os couros fétidos envenenados pelo arsé-
nico ; reside nas aguas, nas habitações que nâo prestam, e n^esses
costumes dissolutos que atrophíam o espirito e depauperam a vida.
Ha, pois, alguma cousa mais do que a muralha a ser demolida,
uma área maior que a villa a ser saneada! £' esse reducto constituí-
do pelos hábitos inveterados e mantido pela indiíFerença dos poderes
públicos; são essas deformidades na hygiene e na moral que, actuan-
do sobre o individuo e sobro a familia, os deprimem, os definham e
08 empobrecem, como desmoralisam a província inteira.
Se Bissau c immundo, sombrio e miasmatico, Bolamn, pelo con-
trario, é alegre, desafogada e sadia.
Capital da província desde a sua separação da de Cabo Verde, o
seu nome serviu de motivo a mais um título ao fuarquoz de «Ávila»,
como esse titulo serviu de pretexto politico á sua escolha para ca-
pital.
Assenta na margem direita do oBoloIa» sobre uma planura de
vertentes suaves, e de altitude conveniente, banhando-a em grande
parte as aguas do. rio que correndo N-S. se interna a W. e E., for-
mando canacs extensos e pittorescos, que, como braços gigantes, se
lhe alongam em torno, parecendo querer abraçal-a.
OB CABO VE80K í QUíSÈ
E <^ n'essa Bu|)erficie de algumas centeiiaa ile metros quadrados,
roubada toda eila st-m luetliodo e stim plauo á vegi*taçSo pujante quo
H povoava outr'orn, qiiu rrajde liojo mais ou tnetioa dcsoonfortavel-
inentcr installadu», desde o governador até ease formigueiro de empre-
giidos aiibiiJleniOH (jUL- ii pudriíiliageui e o t-rilerio de unieliHiueiito na-
cional Miibe iici'(imiiiiidiir tiit tuda^ as nii:^»»^ provincial uttrBtnarinaH,
fleiu inc.llia d« aptidòos nt-m usi-rupulo dt; competências, e que cona-
titueiii II tuotivii prcpondt;rnntu dii relaxamento no serviço c a princi-
pal cuiisH do dl ji:iii|icnu]icn(o dos cofres públicos, cuja anemia é «g-
gravada pelo cscorroptcliar doa seíoa, sugados de continuo por essa
pleiíult: nuiiJHrosH de parasitas fuinintos.
Na OuiiK^, CKimo mn toda o parte, ha empregados zelosos e in-
ti?llígeiites, ba militaies briosos e pati-iolarij luas é tul a lielerugeneí-
dadc dos (duMicntoa coUãtituitivoH das dííFereiítes classes, tem sido de
tal m'>do despótica e farçantc b aci,'ão administrativa da maior parle
dos govcmadiires, tSb mal iittendidas <m sopUismadas as rec]amfii,'<íes
mais justos da jarte dos auburdinndos, que os nnimus mais impetuo-
sos, as voutudca mais enérgicas c as dignidades mais austeras, suc-
GUDibeiii alli, ao tim de uma Kicta improductiva, dominadas por esse
marasmo do iiidiilercnçaB e desânimos que aUicum o cidodílo em sua
consciência o o soldado em seu orgulho, sempre que os chufes nâ»
sabem excitar as dcdicagiíes ^em realçar as acçSus de mérito, |]'um
meio cndc a iutriga c as prepotências eabcm fabricar rótulos de vin-
gntiçuâ mesquinhas, A que as cunlidencíaa governativas muitas vezes
diUi força de aiTUsaç''"*» inquisiloriíies,
D'aq«i resulta a dissoluçKo e o rebaixamento moral, por<iue,
otidc nSo se acredita noa preceitos da justiça, ninguém confia nos di-
reitos que lho silo eonTridos pi-la lei; e assím o senlimentn da pátria,
a dignidade do dever, o fanatismo da bandeira, todas essas scintílltt-
çòes d» espirito, que brilham como phm'oeB uas icmpcstudos da vida
e Dua momentos de |>orÍgi>, b-vantam o homeui acima (bis barreiras
do inslincto; tudo ÍW)o quo se repercuto noa piigínas da nossa historia
como um i'cbo do recordaçSes doe nossos pães, o que tndos ntis devía-
mos cuniiidcrar como a melhor garantia da nossa nacionalidade, bo-
mnça sacrosnnta do nost^is 61hos; todas essas ideias levantadas, uai-
ciu capazett de inípirar nos momentos extremos, ao soldailo a cora-
gem do ultimo tiru, ao eondemmido as consuliiçiles da ultima espc-
rnnçn, ho utoribundo a resIgnnçSo da uUinm lagrima; tudo isto, cm
fim, (|Uc pódc luecr d'umu iiaçSo pequena uma naçSo respeitada, de
DE CABO VERDE i GUINE 257
um punhado de homens um punhado de heroes, tem sido na Guiné,
onde a lucta é uma necessidade, onde o gentio tem por alliança o
clima c o nosso soldado privações e vicissitudes de toda a casta, ahi,
onde a sclvageria impSe a preoceupaç3to do alarme e a desproporção
numérica reclama a táctica e as dedicações extremas, ahi, onde a
dominação politica tem que se basear fatalmente, não na força, que
nrio temos, mas no prestigio da nacionalidade e na catecheso das
sympathias, ahi, n'esses climas inhospitos, onde o ceu fulmina com
o calor e a terra envenena com os miasmas, ahi, onde mais do que
em parte alguma t) homem precisa do esteio das grandes energias e
desses estimules ideaes que nos momentos de desanimo segredam
coragem e dedicação, tem sido ahi, despreoccupada e saudavelmente
abandalhado por tal forma, tudo isso que é grandioso, que é sublime,
e que era dever proteger, ))or administrações ineptas, favuritismos
escandah)sos e guerras irrisórias, que á maneira que se vae desvane-
cendo dia a dia no Cvspirito do negro a admiração fanática que Za-
gallos, Pereira Barreto e outros, souberam conquistar á bandeira da
sua pátria, se vae arreigando de mais a mais no espirito d'esse mili-
tarismo d'exportação, dessa classe votada ás feras, preterida e esque-
cida por todas as medidas de reorgani sacão, desat tendida em todas
as reclamações, v(;xada por todos os soffrimentos c arnistada por le-
vianas phantasias aos Bolores, ás (^acaiulas e aos Bijantes, ond<í a
idéa de guerra toma as formas tétricas de immolações e os campos
das batalhas se cobrem de ciladas patibulares, se vae arreigando o
convencimento doloroso de que são predestinados ao martyrologio e
predestinados sem recurso por essa mãe descaroada por quem soífrem
e [)or quem morrem . . . sem lhe merecerem sequer um pensamento
d(í justiça ou um olhar de piedade !
A par dessa corporação que sábios governos teem votado ate
hojV. ao ostracismo, collocam-se humildemente no ultramar, de pare-
lhas, como cousa des])resada, os médicos, os pharmaceuticos e o pes-
soal dos hospitaes, cujo conjuncto se convencionou chamar, corp<u*a-
ção de saúde. Essa classe a que o decreto de 1860 estabeleceu as
bases da organisaçào e a lei de 1874 saccudiu de certo modo as poei-
ras accumuladas do esquecimento, attingiu hoje nessas latitudes o
que ha de mais lamentável, de tudo quanto exhibem de exuberante
no género as nossas férteis possessões coloniaes.
Reservando para mais tarde o commentar sobro a legislação o que
essas classes deviam produzir e que não produzem, os direitos que lhes
258 DE CABO VERDE i GUINÉ
foram conferidos e de que as usurparam sem protesto, as exclusões ve-
xatórias e injustificadas a que teem sido eondeinnadas e as pre roga-
tivas que lhes eram exclusivas e de que se teem deixado espoliar com
evidente desaire da sua dignidade e prejuisíKs incontestáveis dos inte-
resses públicos, passamos como medico chamado a Bolama para soc-
correr as victimas da celebre epidemia de variola que tanto sobresal-
tou o hysterismo medico de Cabo Verde, o tao profundos prejuisos
acarretou sobre a Guiné, a referirmos nâo as surprezas que nos fize-
ram honra de recepção e nos acompanharam em bando sempre cres-
cente até á despedida, mas a factos e afíirmatlvas que possam dar idéa
do que seja hoje a (luiné sob o ponto de vista pathologico, e da con-
sideração o importância erii que sào tidas as questões mais vitaes de
saúde publica, perante o critério da administração da Guiné.
Essa província tida e mantida na nossa elaboração nacional como
um deposito para onde despreoccupadamonte se esvasia desde muito,
o lodo e as immundicics colhidas nas dra^ragens da nossa rotina legis-
lativa, sob a forma militar de incorrigíveis e de devassos deportados
civis, não sabemos se com o fim dtí lhe adubar a selvageria, se comi
o fim de lhe ministrar f<'rnientos enérgicos íí dissolução ; a Guiné,
constituindo- se em província independente, plagiou desde logo a toi-
letle pretenciosa da sua vísínha ((^abo Verdr), cnfeitando-se de todas
as complicações burocráticas possíveis e fazíiido construir lui sua ca-
pital por um risco uníco, destituído de. toda a elegância e de <pialqucr
vislumbro artístico, des<lt' a egreja onde exhíbe o seu Deus ao som
dos clarins e das musicas marciacs, até ao hospital onde agasalha os
seus doentes á luz de uma parca economia, tibia de conforto c de
consolações. E sem pensar sequer nos preceitos mais rudimentares
das construcçoes dos climas quentes; sem se preoccupar um instante
das exigências mais baniies para estabelecimentos d'aquella ordem,
edificou a ferro e tijolo um edifício pesado, desprotegido de sombras,
sem quarto de banhos, sem casa de autopsias, sem casa mortuária,
sem meios de esgoto, nem canal ísaçào de aguas, e ccmtinuou a sus-
tentar ao mesmo titulo í»ssc j)ardieíro a derrocar-se, onde se agasalham
em Bissau os desgraçados doentes que ))referem morrer á sombra,
mesmo em risco de desabamentos prováveis.
E é n'esse8 depósitos que ella accumula promíscuamente os seus
doentes !
E é alli, n'esse pavilhão e nV'Sse estabulo da pathologia, que se
acotovelam indistinctamente á temperatura media de 30® os exempla-
DE CABO VERDE i GUINÉ 259
res mais curiosos do impaludismo, da tysica, do alcoolismo, as chagas
mais asquerosas, a doença do somno, a elephantiase, as ulcerações do
pulex, as dermatoses mais exóticas e tantas outras variedades priva-
.tivas dos climas quentes, que teem merecido aos demais paizes colo-
niaes as preoccupaç(5es legislativas mais sérias e os estudos scientitícos
mais precisos e que em toda a parte sào sequestrados rigorosamente
pelas prevenções do contagio e pelos preceitos da epidemologia.
Para todo esse avultado numero de atacados, que nada deixam
á clinica por serem indigentes, militares ou empregados públicos, para
todo esse serviço, aggravado pelo expediente da secretaria e pelos
destacamentos frequentes a Buba, a Cacheu, a Farim e a qualquer
dos distanciados pontos da província onde a suspeita d^uma epidemia
ou o pretexto d'uma batalha determina a nomeação de um ou mais
facultativos, existem na Guiné, tão mal pagos que ninguém lhes in-
veja os lucros nem lhes disputa as vantagens, um chefe do serviço
de saúde, distincto filho da escola de Lisboa, e mais três médicos da
índia, que na Guiné, como em toda a parte, arrastam o desprestigio
da sua maternidade, sofFrendo as injustiças e as mil ingratidões com
que os governos do Ultramar ultrajam a cada passo esses Hlhos espú-
rios da nossa instrucção publica, coarctando-lhes despoticamente os
privilégios que lhes são conferidos pelo seu diploma e pela lei, e fa-
zendo d^esses homens, que .teem servido sempre de instrumento aos
poderes públicos para sophismar as distincções revoltantes estabeleci-
das entre a dignidade dos ])ovos da metrópole e das populações ultra-
marinas, fazendo d^elles um motivo d'irrisão, que repercutindo sobre
uma classe inteira, desperta em todo o medico digno o sentimento da
protecção e a necessidade imperiosa do protesto.
No ultramar, os deputados, os governadores, os juizes, e toda
essa serie de entidades divinisadas pela pose^ podem ser tolos, ine-
ptos e ignorantes á vontade, que a ninguém é permittido fazer-lh'o
sentir, sem que as instituições estremeçam, os códigos gritem alar-
me, e as espadas rebrilhem á luz. Aos pobres indios, não ! Nem como
médicos, nem como homens, se acham ao alcance d'essas sombras
protectoras que cobrem por ahi tantas ostentações irrisórias c tantas
misérias pungentes. SoflFrem desconsiderações pessoaes que vexam e
desconsiderações officiaes que depravam. Se apparece uma populaçrio
assolada, um lazareto infeccionado, um destacamento trabalhoso e
mal pago, então são utilisados, são médicos, servem ! Servem, e ser-
vem todos aquelles que não fazem claque á rotina nem bandeirolas
260 DE CABO VERDE i GUINÉ
ao servilismo, lias para as conesias lucrativas, para as honrarias pa-
lacianas e para as prebendas avultadas, n\o se attende a)s serviços,
n9lo se compulsara as aptidões nem se ponderam os merecimentos ; es-
colhem-sc os atil liados, 03 idolos crcai)s pelo sopro das munificencias
o os protegidos dos fantoches das antc-camaras. E isto tudo pela má
organisaçào colonial, porque não ha escalas para os destacamentos
médicos, e porque muitos artigos da lei de 1869, apesar de nào es-
tarem revogados, tecm sido e continuam a ser, cm algumas provin-
cias, lettra morta pelas protecções escandalosas, pelas vinganças mi-
seráveis e pelas torpes especulações politicas.
Acabe-sc pois de uma vez para sempre com esses médicos de
curso forçado a que a lei não dá curso na Europa e obriga a descon-
tos na Africa; reformem-se ou extingam-se as escolas da Madeira e da
índia ; revoguem-se ou façam-se cumprir escrupulosamente as leis, mas
acabe se sem demora com essas distincçoes vexatórias de escolas, tão
prejudiciaes á moralidade colonial, como sensatamente é reclamado
pelo decoro profissional e pelos direitos mais invioláveis da humani-
dade.
Coincidindí) a nossa estada na Guiné com a do contra-almirante
Teixeira da Silva, -como governador, e (i(»dinh<) Faria e Silva como
commandanto da canhoneira Gawlianfi^ alli em serviço, tivemos occa-
siào de aj)reciar de perto este altivo ottícial da nossa marinha do
guerra, o o distinctissimo caracter e nobilissimo coração do Faria e
Silva, de quem conservaremos sempre as mais gratas e indeléveis
recordações pessoaes.
A área territorial designada geographicamente j)elo nonu) — Guine
— tem soflrido moditicaçoes suceessivas nos seus limites, rcstringin-
do-se hoje aos territórios compreheudidos entre as bacias do Casa-
inansa c as ))roximidades do rio Campony, nominalmente subordina-
dos á suzerania portugueza.
n valor da sua população é muito vagamente apreciado pelos
geographos, encontrando-se as mais distanciadas affirmativas nos tra-
balhos modernos, a [xmto de Reclús avalial-a em 150:000 habitantes,
DE CâBO verde k OUINÊ 261
qaando Corrêa e Lança* a calcula em 820:540 almas, distribuídas do
seguinte modo :
Fulas (preti>s e forros) 200:000
Mandingas 100:000
Balantas 90:000
Beafadas 80:000
Brames 70:000
Papeis 60:000
Manjacos 45:000
Bijagós 50:540
Felupes 40:000
Nalus 30:000
Cassangas 15:000
Grumettes 10:000
Baiotes e banhunes 30:000
D'esses povos os mais enérgicos e preponderantes, são os fulas^
os mandingas c os heafadaSj que pelos rancores tradicionaes, pela dif-
ferença de orientação e pelas ambiçSes no dominio territorial, não
cessam de levantar conflictos e guerras, que perturbando as garantias
do transito e vexando as populações próximas se reflectem sensivel-
mente nos interesses commerciaes da colónia inteira.
A diâtril)uição geographica dos povos da Guiné, sujeita de con-
tinuo a deslocações, trazidas pelas vicissitudes da guerra, será actual-
mente segundo o que induzimos das informações locaes corroboradas
pelos trabalhos de Corroa c Lança a seguinte :
MARGEM DIUEITÂ DO lUO CACHEU E DO RIO FARIM
De Bolor a Varella, comprehcndendo todo o littoral desde a em-
bocadura do rio Cacbeu — Felupes.
* Corrêa e Lança publicou em 1890 um esplendido relatório sobre a
Guiné, trabalho de grande mérito, onde s'encontra a par de valiosas indi-
cações estatísticas, um esboço fidedigno, da historia dos costumes e da im-
portância real d'essn nossa possessão na Sencgambia.
262 DB CABO VERDE k GUINÉ
De Bolor até ao rio S. Domingos, que liga entre si os rios Ca-
cheu e Casamansa — Batotes.
Do rio S. Domingos ao rio Sáral — Banhunes.
Do rio Sáral até á Matta Gallinha, um pouco antes de chegar a
Abola — Cassangas.
Da Matta Gallinha até ao esteiro de Cabi — Brames.
Do esteiro de Cabi até Jenicô — Balantas.
De JenicO até Farim — Mandingas.
MAKGEM ESQUERDA DO RIO CACIIEU E DO RIO FARIM
De Basserel até Caboiane -^ Papeis.
Na praça de Caoheu — Grumetes.
De Caboiane até Bola — Bravies.
De Bola até Batur, exclusive — Balantas.
De Batur, inclusive, até Farim — Mandingas.
No littoral, desde a Matta de Putama até Botte — Papeis,
No Botte propriamente dito — Fehipes.
De Botte até ao rio Baboque — Manjacos.
De Baboque até ao rio Mansõa — Brames.
Do rio Mansôa (margem direita) até á ponta Malofo (margem
direita do rio Gcba) — Balantas.
De Malofo até Cicba (margem direita) — Mandingas e beafadas.
Toda a alta região do Geba — Fulas pretos.
Na margem esquerda do rio Geba, desde esta povoação até á
margem direita do rio Corubal — Fidas pretos.
Da margem esquerda do rio Corubal até á foz do rio Geba, com-
prehendendo a Guinala, Jabadá, Boduco, e estendendo-se nas duas
margens do rio Grande, occupando o Cubisseque até á margem di-
reita do rio Nalii — Beafadas.
Da margem esquerda d' este rio ate ás nossas fronteiras do Ca-
cine — Nalús.
Todo o Forreá — Fulas forros.
DE CABO VEBDB k GUINÉ 263
ILHAS
Cayó, IlhettaSy Jatta, Pessis - Manjacos.
Bissau — Papeia.
Na praça e extramuros — Grumdcs christãos.
Arehipelago de Bijagós — Bijoffés.
De Mello e Catak — Nalús,
D^esses indígenas, uns, como os fulas, sâo os mais numerosos e
mais valentes, regendo-se por uma verdadeúra autocracia militar;
outros, como os mandingas, são os mais letrados e mais dados ao ne-
gocio, o que justifica o seu titulo, de judeus da Guine ; os balantas
os mais agricultores, e mais democratas; os fdupcs, os mais selva-
gens; os manjacos, os mais dados á vida maritima; os papeis, os mais
vagabundos, traií;oeiros c covardes; os brames, os mais trabalhadores
e pacíficos, e aquelles com quem melhor podemos contar como alliados.
Dos rouHictos entre essas diíferentes tribus, como resultado da
nossa desastrosa intervenção a favor dos fulas-pretos contra os fu-
las-forros; da táctica diplomática em arvorar tribus poderosas em
espada de Damndts sobre as tribus em litigio, e em querer estabele-
cer a paz por simples formalidades e ostentaçòes caricatas, resultaram
para nós as derrotas de Cacanda, de Bulor e de Bijante, e o despres-
tigio da nossa auctoridade ante o gentio, desprestigio que serviu de
base aos recentes desastres de Bissau e que é preciso apagar estrepi-
tosamente e a todo o transe, se não queremos ser completamente tru-
cidados pelos selvagens na Guiné.
Segundo a convenção estabelecida com a França em 1886, os
direitos da soberania portugueza abrangeriam uma extensão de terri-
tório, que sobre o mappa, regula por quarenta a quarenta e cinco
mil kilometros quadrados, limitando-se porém a 70 ou 80 kilometros
quadrados os realmente dominados por nós até hoje.
Os centros da nossa occupação official resumem -se a Buba, Fa-
rim, Geba, Cacheu, Bolama e Bissau, sendo este ultimo o de maior
importância commercial.
U
264 DE CABO VEKDG Ã GUINÉ
Cessou em absoluto a exportação do mancarra, outr'ora tâo
abundante no Rio Grande da Ouinala, mas apparoccm ainda n'esso3
mercados a borracha, a cera, o marfim, couros, arroz, azeite de pal-
ma, ctc, que o indigena permuta principalmente por álcool, pólvora,
tabaco, colla, pannos e armas.
Passamos finalmente a refcrir-no.s a:>s arcliipelagos das ilhotas e
dos Bija;[(ós, constituidos piu' mais de 50 ilhas separadas entre si por
um labyrintho de eanaes (pie serpeam n'um desfallecimcnto de ria-
chos por entre estes tufios avolumados de verdura. Nao os visitiimos,
tendo-os enxergado apenas a uma grande distancia ; m;is a sua impor-
tância ó tHo unanimemente aflirmada na Trovineia, e com tanta espe-
cialidade tratada polo nosio anngo Corrêa e Lança, que nao podemos
deixar de a cila fazer monerio.
O ncmie das ilhas jjrincipaes, começando pela que mais próxima
fica de Bolama, é : ilha das Gallinlias, Canhabak, ilha Ago Grande
ou Bobak, ilha Sogá, ilha Formosa, Ponta Afaio ou ilha Botai, ilha
Ancorete (nome indigena) ou Corbelha, ilha Carás ou Caracho, ilha
Ago (pequena), ilha Uracan (junto tem o ilheo Egobá), ilha Un ou
Gula, ilha Grange.
Gs ilheos mais importantes sâo : ilha Sogá, ilha Ago (grande),
ilha Carache, ilha Formosa, ilha Une, ilha Uracan, ilha Canhabak,
e ilha Grango.
Essas ilhas são ricas em borracha, azeite áe {)alma, arroz, ma-
deiras, etc; o seu povo, segundo dizem, muito dedicado aos portu-
guezes, parecendo predestinado a desempenhar um elevado papel na
futura regeneração da Guine. Mas para isso torna-se indispensável
uma romodelaçâo de todo o seu systunia administrativo e as mais
definidas garantias ao seu commercio.
Sem isto nada se aproveitará das riquezas da Guine; e sem ser-
mos aj)oh)gistas d^c^^se remédio antipathico eoin que uma seita de op-
portunistas advogam a v<índa das coloniavS. somos os primriros a reco-
nhecer o dilonima cm que nos aeliaux», --de ter que levantar alli de
proni])to o nos^o prcsti^io^ ou ícr qwr. abrarar a pratica solurao Fer-
reira dAlmrida, negociando o que nos resta sob condições mais sym-
pathicas e mais vantajosas do í[iuí as d») tratado de 1XS().
A civilisaçào e o pro^ressc», como (jUc tiMu retrogradado cí»ni a
nossa administração de ha dez annos. K a metrópole tem sido san-
grada na sua anemia por (piantias fabulosas de sacriíieios.
DE GABO VERDE i GUINÉ 26Õ
Regressados ha muit » «la Criiinó, oiulc estivemos conjiinetamcntc
com os commissarios de Franya c Portugal, para a ec^lebre dt*l imita-
ção conveiiciomida cm l*aris em ISSO, esporávamos ver por cseripto
a historia d'estc aeonteeimí^iito dolorosamente ridieulo e improdiiecnte,
para aprceiarmos sobni basos offieiaes esse convénio d(^ h^sa-naçiXo,
(»dsc golpe fatal com que a dipl;)ma'Ma nos deixava entílo esquartejar
saudavelmentíí pelos franeezes, na Sencgambia^ como o nosso liystc-
rismo e o nosso idealismo tradicional nos tem deixado t!)rpe e irre-
mediavelmente expoliar pel(»s inglezcs na Africa oriental. — Esperá-
vamos ver posto a limpo esse facto monstruoso, que n3Lo tem de certo
uma alta significação ec(momica, attento o desleixo da aduiinistraçUo
colonial, mas que representa mais uma das muitas extorsões feitas á
sombra da nossa imprevidência e das nossas facilidades, dando logar
a que todo o eoraçSo portugucz tivesse mais um motivo a confran-
g(ír-se (»m Africa ante o desprestigio da dignidade nacional.
A delimitiiçílo da (hiiné, traduzindo uma perda enorme de terri-
tório, uma regulamentaçilo absurda de frontiiras e um verdadeiro
bloqueio à nossa administração e ao commercio portugucz n'essas
regiões, exprime' um acto d(í leviandade politica que nào ptkle deixar
de fazer corar de pejo todos os filhos da naçUo desmembrada.
Os limites actuaes dos nossos dominios expressos no mappa que
temos presente, delineado expressamente por Desbuíssons, começa ao
N. por uma linha flexuosa, que, partindo do Cabo-Koxo, se estende
para leste até K)'* longit. oeste de Paris, deixando portanto aos fran-
eezes Zinguichor e o rio Casamansa com toda a sua importância, a
que nào podcram valer nem o inficxivel patriotismo de Honório Pe-
neira Barreto, nem as apreciações levantadas de Rodrigo da Fonseca
Magalhães e conde de liomfim, nem as lagrimas eonunoventcs d'este
boçal que ao arriar a bandeira da sua naçào por um mandado supe-
rior, arrancava da sua alma impetuosa de selvagem, com os protestos
da sua magua, a condemnaçào esmagadora d\íssc lastimoso eonvenii»
de Consequências tilo irremediavelmente fataes.
Ao sul e a leste ficamos cercados pelo território de Ia-la e Alma^
266 OB CABO VE&DIS k GUINÉ
mi e pelos francczcs na zona do líttoral onde tcem um posto em Kakí^
na margem esquerda de Cajé^ ponto onde começa a linha de delimi-
taçSo sul^ que^ partindo do oceano, se dirige flexuosamcnte para o
Nordeste até encontrar o dito parallelo 16**. Isto segundo o tratado
de Pariz, sem sabermos, nem podermos asseverar^ por não estar isto
deliberado, se os francezes conseguiram ou nHo ficar- senhores do rio
Secujak, affluentc sul da Casamansa, por onde se íhzv.xvl communica-
ç(!íes commerciaes, deslocando assim, como queriam, o inicio da deli-
mitaçjo norte do Cabo Roxo para o Cabo Varella, cerca de 8 milhas
para £.
Ten^o, pois, os francezes o rio Casamansa ao Norte, o rio Nu-
nes ao Sul, e as facilidades que lhe conferem as influencias sabia-
mente exercidas sobre Almami, rei do grande território dos Fuhi-
Djalon, 6 claríssimo que devia succeder, como cffcctivamentc está
suocedendo, que as nossas pautas, os nossos impostos, deixassem de
ter uma applicação pratica pela larga franquia que dâo ao commer-
cio as extensas fronteiras indefeziís e que derivasse toda a concorrên-
cia dos indígenas, dos nossos mercados para outros pontos (»ndc as
mercadorias de principal consummo (tabaco e álcool) nao estão sujei-
tais aos exorbitantes impostos difforcnciacs c onde a catechcsc de
uma sabia diplomacia os sabe angariar.
D*aqui o facto reconhecido c provado da decadência ultima a
que chegou a Guine; d'ahi o terem desapparecido subitamente um
grande numero de casas estraugeinis estabelecidas em Bolama; d'ahi
o tcr-se annulado quasi o seu comiuereio ; dahi o ter passado o ren-
dimento do imposto do tabaco que antes da Régie regulava por réis
8:00()í$(XK) a 490,-^000 réis, coni) Miecedeu em IHSí); d'alii final-
mente a morte irremediável d'uma provineia (rom tantos elementos de
riqueza e que trazendo á metrópole um encargo annual de 12S:r)(M).>()rH)
réis, continua com um estadão de seen^tarias c de funecionalismo
ocioso, mas qu(» nào tem uma orientação nem vida própria e que nin-
guém tratar de fazer viver.
Ora quando um paiz sem címdiçoes de garantia nem de intr*-
rcsse, poueo a pouco se desmeml>ra em beneficio dOutras nações, dá
logar a que todos tenham o direito de suppor quí? desmoralisado e
enfraqu(*cido, n<\o p()dc mais utilisar com seus esforços de eolonisação
a parte territ(»rial de que se sequesira. Dá logar, indiscutivelmente,
a que UhXo o portuguez de hombridade e de caracter, tenha o direito
de pedir a venda das colónias improductivas, como todo o medico
D£ CABO VERDE i GUINÉ 267
tem o dever de pedir a amputação de um membro esphacelado quan-
do o organismo enfraquecido já o não pódc galvanisar de vida.
O tratado de Lourenço Marques, o arranjo com a Allemanha e
o convénio das delimitações da Guiné estão n'este caso : locupletaç5cs
do egoismo das grandes nacionalidades sobre o que era indiscutivel-
mente nosso, especulações torpes em que a titulo de uuxa harmonia
que nos algema e nos deslionra nos fomos despojando por hábeis con-
trovérsias e extorsSes subtis, de territórios avassallados pelos esfor-
ços de nossos pães, e das regiões aradas pelo génio dos nossos des-
cobridores.
E o que 6 mais desconsolador e irritante, é que de tudo isto na»)
resultou vantíigem do qualquer ordem para nós, traduzindo apenas a
manifestação da nossa decadência politica, deste estado desmorali-
sador a que chegámos, em que os nossos representantes não sabem
guardar austera honestidade ou sincero interesse no desempenho das
altas missões que lhes são confiadas.
Os homens públicos do nosso paiz, apezar do que diz todos os
dias a imprensa o os adversários poli ticos atra vez da sua rhctorica,
não são verdadeiramente o que dão azo a acreditar : vivem mediocn^
e parcamente c mornnn quasi todos pobres. Mas o que c verdade, é
que, sendo pessoalmente honrados, pouco se preoccupam em paro
cel-o ; é que, com relação ás colónias, que sfio na vida contemporâ-
nea portugueza o que resta de todo um cyclo de ininterruptos fastigini>,
que representam hoje o elemento mais positivo do nosso poderio e da
. nossa nacionalidadií (pela sua extensão, pelo seu valor intrinseco e
pela sua significação tradicional), com relação ás colónias, não as
conhecendo nem tratando de as conhecer devidamente, fazendo alar-
de de sentimentos patrióticos que se evolam com as palavras e se
desvanecem com as lettras, não tomando na verdadeira coniprehensao
o século eminentemente egoísta e pratico que atraves.samos, faltan-
do-lhes de todo o critério para julgarem devidamente dí)S problemas
africanos, servindo-se de bússola para o seu gov(?rno da estvma e do
interesse das nações estranhas por aquillo que nunca souberam apro-
veitar, faltando-lhes energia para julgar independentemente de re-
ceios os problemas que se agitam e impossibilitados p<'la tibieza mo-
ral de decisões extnMuas nas occasioes extremas, nada teem feito
senão phantasmagorias ridiculas, infelizmente fataes á nossa intej^ri-
dade. . . e quem sab(» se á nossa autonomia.
E grita-se contra o lãtimatum^ e protesta-se contra as expoliaçdes !
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268 DE CABO VEUDE k GDINÉ
Gritos e protestos já nâo colhem. — A experiência temo demonstra-
do, porque infelizmente nâo é d'lrr)je que somos expoliados. Não e só
agora que fomos insultados.
A invasão franeeza em 1807, o ultlmatum do almirante Koussin
em 18'n, a fanfnrronada da Charles et George em 1858, a cedcncia
de Bombaim, os tratados de Lourenyo Marques, da Guiné, e o con-
vénio com a Allcmanha ii.v» foram insultos <; nXo foram oxpollaçòes?. . .
E feitos por quem... e feitos de que modo? — A maior parte n<'i
paz e na harmonia mais perfeita; com os mais mentirosos argumentos
que a politica jamais inventou j)ara expoliar um paiz o para ludibriar
a opinião publica: feitos pelo.s partidos que agora se enr(»uquf»cem no
ataque e<mtra a Inglaterra, que, afinal de contas, fez o que faz sempre,
para occultar as próprias responsabilidades, que envolvem no passado
uma incúria e no presente um crime cpie nao tem qualifieaçà<» em
língua alguma: feitos e sanceiohados por esses mesmos grupos po-
liticos que continuam esgrimindo plirases e exliibindo rasgos tliea-
tracs n^essas horas angustiosas em que a i)atria agonisa e o nosso pa-
triotisMuo em Africa se esphacela e se desmorona anti^ o egoismo, a
especulação c as torpezas da força.
Mas o momento por emquanto ó em extremo critico e solenme
para recriminações e para libellos accusatorios.
Ha alguma cousa que deve fallar mais alto do (pie os ódios dos
partidos, do que as vaidades humanas, do que as próprias indignações
sinceras — é a pátria — é essa ideia soberanamente imijositiva, que a
todos nós compete defender como defonderiamos a nós {)roprios, col-
ligando-nos n'um grande esforço altruista e desesperado para a gal-
vanisar dt^ energias novas. . . ou p(?lo menos, j)ara que o seu nome
possa achar nos archivos do tempo o culto respeitoso d'aquelles que
souberam morrer, cumprindo o seu dever.
A Polónia suceumbiu heroicament<*, deixiuido uma dor eterna e
um luto inextinguível á consciência e ao sentimento dos povos. Foi es-
pesinhada pela força como uma victinia ])el<» algoz, mas do seu im-
menso sacriHcio de martyr, resôam ainda Ihj^^í couio um soluço lann^n-
toso da historia, os protestos indignados dos bons r» a sympathia re-
verente dos justos.
Ser j)equeno e frac(> nilo é um titulo de desprezo; mas ser ridi-
eulo e tibio r um motivo de vrrgonha.
A decadência p<»litica é a fonte j)en'nn(r de íodt»s os nt»ssos ma-
les; é a ella que se. deve a immobilidade das nossas industrias e da
DK CABO VERDE k GUINB 269
n íssa instrucçJo, o estagnanionto rias nossas colónias c o adornioci-
m Ml! o dns nossas energias como povo.
A* ignorância popular que c assombrosa veíu juntar-se o indiffe-
rentisnio doá espiritas que é culpável em demasia, c os Imbitos do ani-
ehanicnto, que t(íem feito das nossas colónias verdadeiras colmeias de
especulador(»s c antros accommodativos de imbecis.
Somns um paiz agricola c a agricultura agonisa; somos um paiz
meridional c nfio temos artes, e nFio temos industria.^; as nossas pos-
sessões tecm a administracílo mais complicada, mais ridícula c mais
atropliiauto qiu^ so pode imaginar.
Nào r pela legislíiyXo nem pelas peças officiaes que se pód(i ava-
liar do 8e'U estado; a legislação é ludibriada o as peças officiaes mui-
tas vezes sophismam, invertem e desfiguram a verdade; ó preciso
conliecel-as, é preciso estudal-as, e preciso fazel-as progredir, senhores
patriotas loquazes, c não é com phrascs que se civilisam povos, nSo é
com indignações quo se resolvem problemas práticos, nem com pro-
testos platónicos que se liciuidam affrontas soffridas. •
Segui o exemplo de Marianno de Carvalho, vinde observar com
os vossos olhos o que a vossa incúria, a vossa credulidade e o vosso
favoritismo teem architectado saudavelmeute durante administrações
successivas e talvez entilo, sentindo a vergonha pelo estado a que che-
gámos em Africa, indignados contra a corrupção e as baixezas dos
afilhados que para aqui são exportados, acheis no conhecimento das
cousas e dos factos, elementos com que remediar os males, redimir as
faltas e precaver o futuro.
O grande inimigo que temos a receiar não é a brutalidade in-
gleza com toda a sua sofreguidão, nem os couraçados monstros com
todos os seus canhões. — E' a decadência a que chegaram as nossas
cousas, ó o desprestigio a que baixou a nossa auctoridade, é o descré-
dito que vão sofirendo os nossos brios.
Precisamos reorganisar tudo: Precisamos reformar os costumes,
reconstituir a politica, substituir esses gabinetes deslocados de semes-
tre em senu'stre, sem])r(; esculpidos das mesmas figuras dominantes
e sempre prosegiiind > no problema estéril de forjar deputados para
as nuiiorias e prebendas avultadas para os discipulos amados. Preci-
samos surtocar de vez esta crise de egoísmos que rugem (* de incapa-
cidades que se atropelam. Prcícisanujs iniciar uma orientação ultrama-
rina sem outro ideial que não seja a pátria, nem outro estimulo que
níio seja o dever; fazer convergir sobre as colónias a at tenção dos
270 DE CABO VERDE X GUINÉ
homens mais eminentes, como se reclama á cabeceira do moribundo a
comparência dos especialistas mais distinctos. Tirar os deputados para
o ultramar entre os que o conhecem, que o amam e que sejam capa-
zes de promover a sua rehabilitaçào. Os governadores, os juizes, o
l)essoal medico, todas as auctoridades superiores, escolhel-as por um
critério de ospccialisaçâo justificada, apreciandoos pelo justo valor
dos serviços prestados. Comb.attír na alta burocracia do ultramar esse
enfatuanicnto cómico dos herocs de Offenbach; acabar com as espe-
culações eleitoraes em Africa, dando toda a auctoridade á lei e o má-
ximo prestigio ao direito.
Precisamos fazer tudo isso, so nâo queremos que as naçSes po-
derosas se vâi) apoderando impunemente do que nos pertence ; se nSo
queremos que a própria civilisação um dia, em nome do supremo di-
reito da eollcetividade, tenha de nos expropriar por utilidade publica,
• da herança que nâo sabemos a[>rovfitar. . . e não deixamos aprovei-
tar aos outros.
Kntretanto, qm- se d<*fenda a dignidade nacional, e que cada por-
tuguez, como filho de uma naçiio pequena, possa no momento preciso
encontrar ua própria morte as supremas consolações dos que sabem
immolar a vida a um principio dominativo, a um sentimento profundo
do coração.
FIM
índice
PAGINAS
De LISBOA k MADEIRA — Os voporos d'Africa — Vida de bordo — Os
companheiros de viogem — Chegado ao Funchal— ^ Nossa Senhora
do Monto— Sé — Hospital e Escola de Medicina — A tysica o os
tysicos — A Madeira como estação permanente para tysicos —
Suas vantagens e suas deficiências — O valor das suas fructas e
dos seus vinhos — Lenda do Machico la 48
Dados estatisticos sobre a Madeira 45
Cabo Verde — Manuel António Martins 49
Governadores e governação 57
Fazenda, estiagem e obras publicas ()5
Agricultura, politica e industria 75
Navegação e^ influencia ingleza 83
Dcscripção, historia e geographia 91
Ilha do Fogo 95
Ilha Brava 109
Ilheos Rombos 121
S. Thiago 123
Ilha do Maio 133
Ilha da Boa Vistu 137
Ilha do Sal , 141
S. Nicolau 145
Ilha do Santa Luzia 155
Ilheos de Barlavento 159
S. Vicente 161
Santo Antão 167
Assumptos médicos ^ ..... . 173
Administração, dialectos, usos e costumes 197
Constituição geológica — Flora e fauna 211
Sol lucet Omnibus 223
Estatisticas 231
IKDICB
-k^
PAGINAS
De Cabo Verde A Guiné — Em viagem — Uma noule de vigília —
Chegada á Guino — Bissau — Bolama — O militarismo d' Africa
— Exlensao e população da Guiné — O problema administrativo
e o dilemroa politico — O convénio com 9 França em 1886 — A
nossa situação em Africa 235 a 270
GRAVURAS
paginas
Ilha da Madeira — Praia do Funchal 9
» Typos e costumes 13
» Vista da cidade do Funchal * 17
» Costa do Norte # 21
» Vista tirada próximo do monte S. Jorge #...• 41
Ilha de S. Thiago — Ponte-cacs na cidade da Praia 125
» Ponte de D. Carlos 129
Ilha de S. Vicente — Vista gernl de Porto-Grande • 89
■ Typos de S. Vicente # 164
Ilha Brava — Rua direita 1 13
GuLNÉ PoRTUGUEZA— Vista tirada proxinv) de Bolama (ca nôn de guer-
ra) # .• 238
» Paisagem da Scnegambio # 239
» Ninho de térmitas (salaló ou Iniga-baga) * . . . . 247
» Uma tobanca # 251
» Typos Bijagós (o Bei de Canhabak)* 255
As illustraçôes marcadas com o signal * são impressas com clichés cx-
trahidos dns gravurns que figuram mx Noucellc Gèographic UniccrscUe, do
£. de Beclus, publicada pela casa Hachctlc.
ERRATAS
Pag. Onde cslá :
21 — bysmoulhs e cpoca
33 — preenchem, h yd roto ra pio, spy
roínctricos, allcradas
3i — climotogica
41 — mangues
57 — dandvs
02 — allocuçâo de Camões, ctc.
104 — do lado sem declives
162 — d iffe rentes pontos
162 -- fazer calmas
208 — commodidade
229 — olhar de agonia
Lcia-sc :
— bismullios e ipeca
— preencham, l)ydrolliernpia, spy rome-
iros, allernadas
— climatológica
— mangas
— dandies
— inseri pçâo do Mendes Leal : a pá-
tria honrae, ele.
— do lado S em declives
— differentes pontes
— fazer calemas
— communidade
— olhar de águia
LIVRARIA
DS
ASTONIOIMPERM
6o-6i!.Rua Aug:usta. 5s i>
ÚSBOA