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Full text of "Madeira, Cabo-Verde e Guiné"

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ladeira, dabo-Verde e U\é 



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João J(ngn^to Mtih$ 





Obra illustrada com 15 gravuras 
Precedida de ona carta-prefacío por D. Anlonio de Lencastre 




Lisboa 



Livraria de António Maria Pereira 

50, 52 — Rua Augusta — 52, 54 



1891 






colorido ! Emmolduradas formariam esplendida galeria digna 
da escola veneziana. 

Até aqui o artista, agora o sábio. 

Que plasticidade d' espirito revelas em todo o teu traba- 
lho! Como consegues tratar, com egual superioridade, os al- 
tos problemas scientificos, como o da opportunidade e a 
indicação do tratamento climatologico da tisica e o da colo- 
nisaçào, a historia dos descobrimentos e os interesses parti- 
cularíssimos a cada ilha, os detalhes de administração in- 
terna e os trabalhos públicos, os assumptos commerciaes e a 
questão agrícola, a ethnologia e a ethnographia, a influencia 
ingleza nas prosperidades de Cabo Verde e as investigaçõei 
sobre a origem das leis sociológicas que regem alguns povos * 
africanos, as pautas aduaneiras e a psycbologia rudimentar 
dos sentimentos da preta da Guiné! 

Graças á complexidade, que a naturexa d'uma obra, 
como aquella que produziste, impSe, e á forma dócil como 
soubeste satisfazer as exigências dos niíl problemas que a 
Bua iudole involve, tí fácil estabelecer o logar que te é de^ 
vido na classificação de Wechniakoff. 

Como sabes, Wechniakoíf na sua brilhante teutativa do^ 
anthropologia dynamíca — Historia natural dus grandes ko-^ 
mens^ — procurou mostrar que estes podiam classifícar-se em 
três grandes grui>08, os monotypicos, os polytypicos, e os 
philosophos. 

Os monotypicos são, diz Letourneau, myopes intelle- 
ctuaes dotados d'excellente vista. Eu vejo n'eUes, ante», um 
caso de daltomsmo ijitellectual. Ã sua impressíonabi lidada 
memoria e entendimento, apenas se exercem efficaz e distift 
ctamente sobre nm determinado ou limitado grupo d'a88um- 
pto». Todo o facto ou idéa, que não apresente a senha unifor- 
me da especialidade, côr, violenta a eomprehensâo, se acaso 
ahi colhe ingresso. 



Prefacio 



Meu caro João : 



Tens merecimento e desprendimento bastante para dis- 
pensares a grandeza d'um nome illustre, que te prefacie a 
bella obra, em que crystallisaste o trabalho penoso dos me- 
lhores annos da tua vida, passados em climas tropicaes. — 
Preferiste, porque, sempre generoso, attendeste principal- 
mente ao coração, associar o teu nome, que vae ser grande, 
ao do amigo, que, se é humilde para te dever tão immereoida 
honra, terá mil motivos d'orgulho em ser o primeiro a as- 
signar o preito d^admiração, que ás tuas peregrinas qualida- 
des d'escriptor e d'homem são justissimo tributo. 

Agradeço a tua delicada intenção, e tanto mais reconhe- 
cido, quanto é certo, que o teu livro para mim foi mais do 
que um prazer litterario, foi uma profunda consolação. Não 
te sei dizer realmente, como me foi suave sentir entre as va- 
cillações moraes doeste século, que duvida e se transforma, 
quando o astro melancholico do positivismo, (que na vida 
commum d'hoje se substitue ao egoismo), se ergue soberano 
illuminando frouxamente as asperezas da consciência hu- 
mana, como me foi bom, digo, sentir, nas melodias d'um es- 
tylo vibrante, a rectidão d'um juizo que não esmorece, a 



coragem maacula da opinião que não recua, a confiança vi- 
gorosa do sentimento que não falseia, a integridade de per- 
sonalidade que interesses d'ordem alguma podem desdobrar. 

Soubeste incamav-te no teu livro, como raras vezes 
consegue um aui;tor. E' uma verdadeira autovivisaecçao psy- 
cliica. A duas razões attribuo esse resultado, á valentia da 
tua individualidade, e ao isolamento protector a que os teus 
deveres profissionaes te obrigaram. Favoreceu-te, para tanta 
isenção, a resistência própria e a falta de contagio alheio. 
D'esaa espontaneidade vão-te assacar defeitos graves, não 
direi grandes. 

Não respeitas rotinas, não toleras abusos, não louvas o I 
desleixo ofHcial, não incensas a tyrannia burocrática da nossa 
administra(,'ão, atrevee-te a verberar a nossa incúria, a saty- 
risar os nossos ridículos, a stigmatisar a nossa ignoranciti! 

Desgraçado, que fizeste V! 

Até pedes um pouco mais de cultura medica especial 
para o coi-]>o de saúde, destinado ao ultramar. E' uma blas-J 
idiemia, . . Felizmente para ti blasplieumn em boa compa-J 
nliia, blasplienias com Vircliow. 

lia alguns annos, quando a questão colonial agitava o esÀ 
pirito dos políticos d'al(.'m do Rlieno, Vircliow levantou-e 
na camará e flagellou a Ilespanha e sobretudo Portugaid 
porque, senhores seculares de colónias em variadas latitlt 
des, nem um só progresso se lhes devia em climatologia, enlfl 
geograpliia medica, em pathologia exótica, negando-lhei 
em nome da sciencia o direito de posse, mostrando ao mei 
mo tempo o que os allemSes tinham feito n'e8se sentido, t 
les que não eram considerados como nação colonial. 

Queres saber d'um caso engraçado? 

Depois d'aquelle discurso, mas é clm'o indepei 
d'elle, creou-se na Escola Naval uma cadeira de patholo|^ 
tropical destinada aos aspirantes a facultativos da armada,! 



do ultramar; pois beni ; devido a reluctancias caprichosas das 
estações, chamadas entre nóa competentes, não é obrigató- 
ria c portanto não é frequentada a cadeira. 

Deixemos esta divagação aliíls interessante para o es- 
tudo do (pie tu chamas a hysteria administrativa, e fallemus 
do teu livro. 

Que de rpialidades a par d'e88e8 defeitos! 
Que limpidez no estylo, que grandeza na concepção, 
que originalidade na forma! 

O teu estylo tem as qualidade» dominantes do clima 
onde nasceste, a luz e o calor. Tem a intelligencia rjue bri- 
lha, e o enthusiasmo que aquece. Ha sempre n'ene uma ins- 
piração expontânea de sonoridades, que ajustam certeiras a 
impressão que procuram produzir, e a gente ao lêr-te sor- 
ri-se, commove-se, irrita-se n'uma8Uggestão irresistível, sen- 
tindo como um echo a nota alegre on melancholica, cómica 
ou dramática, irónica ou plangente. 

Se me fosse dado hierarchisar os merecimentos, que la- 
vram as deliciosas paginas que escreveste, eu talvez me in- 
clinasse para os primores das tuas descripções. 

Raras vezes se lêem tão perfeitas, melhores nunca. 
Deade a descripção do paquete da Empreza Nacional e 
da chegada á Madeira, descripção viva, animada, ruidosa, 
dté á do tisico, melancholica, repassada d'uma ternura tépi- 
da, em que se ouve, por vezes, o soluço magoado irromper 
na phrase dolente; desde a descripção da grandiosidade se- 
vera do panorama da ilha do Fogo, at(í á da frescura bucó- 
lica da ilha Brava; desde a descripção da ridícula procissão 
náutica eleitoral do governador com a saraivada de motejos 
graciosos ao militarismo falso d'occasião, ás baixezas bui-o- 
craticas, lís necedades do papalvo, único ser que tem o dom 
da ubiquidade, até ao épico quadro da pesca da baleia, que 
vigor de traço, que variedade de tons, que brilhantismo de 



DS LISBOA A MADKIRA 



Estamos a bordo dum dos paquetes da Empreza Nacional Por- 
tugueza e é a segunda vez que viajamos ao abrigo da nossa bandeira ; 
precisamos declarar desde já, que o nosso orgulho patriótico nSo tem 
muito de que se lisongear. 

Entretanto pertence o vapor a esta empreza de navegação tfto 
decantada pelas trombetas da fama, a qual toda a gente, inclusive o 
nosso parlamento e a nossa imprensa, nfto se cançam de proclamar 
como a mais digna de protecção e de subsidios e a mais conducente 
a levantar e desenvolver o nosso poderio colonial ; mas é que na rea- 
lidade, ella pouco mais tem de portugueza que a bandeira que tre- 
mula nos seus navios e os privilégios excepcionaes de que goza. O 
mais, quasi tudo é estrangeiro ; e triste 6 dizel-o, com limitadas exce- 
pções, tem de bom aquillo que nào é nosso, tem de nosso aquillo que 
nfto é bom. Assim o agente da companhia, esse bloco d'oculos azues, 
intelligente, dominativo e sério, que tudo faz, que tudo dirige o tudo 
divisa, atravez a myopia tradicional da sua raça — é allemão. E' o in- 
dispensável sr. George. Homem que uma vez visto nunca mais es- 
quece, um mixto do judeu com o anglo-saxonio, homem que só pensa 
no lucro, e por tanto hábil issimo na maneira de o adquirir. 

O vapor em que navegamos é inglez ; o carv&o, a louça, o ve- 
lame, o cordame, o maçame, tudo n'ellc é inglez. Inglez é o enge- 
nheiro que o conduz ; inglezes são os mappas, os instrumentos náuti- 
cos, os livros e a própria laxodromia por onde se afferem os rumos e 
se orientam os nossos destinos por sobre as aguas do mar! 

Portuguez na realidade, só ha a bordo a guamiç&o, gente mo- 
desta, de physionomia serena e olhar franco, de pelle tostada e barba 
hirsuta, marinheiros a toda a prova, e a officialidade, esses homens 



DE LISBOA A MADEIRA 



vigilantes e de cara neutra, obscíiuiosamente rudes e sinceros, mas 
eivados d'(íS8e8 mil defeitos das elucaçoes vulgares, que levam a maior 
parte a sacrificar ua pyra de preoccupações ridiculas, a altivez e a 
verticalidade de quem conunanda, esta linha caracteristicamente ac- 
centuada e distincta, que faz do oíficial inglez o mais imponente dos 
typos. 

Os costumes de bordo, sâo precisamente os mesmos de todos os 
navios de passageiros : come-se, e prepara-se para comer. 

Os criados sào ordinários e inconvenientíssimos ; a meza é lauta, 
farta e mesmo demasiadamente atulhada d'iguarias, mas exhibe a des- 
ordem, o desconforto e a indisciplina mais nauseosa e mais pertur- 
bativa que se pode imaginar. 

Entretanto estamos a bordo, pertencemos a uma caravana que se 
dirige para Africa, achamo-nos rodeados de nacionalidades, costu- 
mes e typos os mais diversos, e portanto, podendo estudar de perto 
os mil exemplares d'('Sta fauna exótica, que as correntes da politica 
da miséria e da especulação, arrastam da velha Europa e espalham 
confusamente por sobre esse continente, hoje tâo requestado e ape- 
tecido. 



Espessas volutas de fumo turvelinham pela larga chaminé da ma- 
china; pelo tubo de descarga sahe com silvo rouquenho um jacto pro- 
hmgado de vapor que se condensa e vem cahir em chuva sobre o con- 
vez; um officinl toma o registo á barca-patente, e como já passa do 
meio dia, regressam para a tolda, toda atulhada de cadeiras de vime, 
hamacs^ chaisca-iongueSj tripós e mil outros phantasiosos empecilhos 
ao transito, uma multidão de mujheros (quasi todas feias), crianças 
de todas as cores, grupos alegres de homens fallando diversas lín- 
guas... e por fim, á formigíi, com ar gaúche e abandalhado, sabo- 
reando aos estalidos os últimos bolos apanhados ás mãos cheias de 
sobre a mesa, creaturas pallidas e macilentas, sem elegância e sem 
garbo, muitas vezes em chinellas, que passam aos repellòes pelas se- 
nhoras e dizem obscenidades entre si . . . são os portuguezes, sSo nos- 
sos compatriotas, são os civílisadores que mandamos para Africa ! ! 

Temos de tudo a bordo : olliciaes e médicos francezes, que se 
dirigem ás possessões e aos seus navios, sempre enfeitados de bonnets 



DE LISBOA Â MADEIRA 



a fios de ouro e de botirnotis scmelliantes a tangias, e que n^iina lin 
guagera despreoccupadamente amável e f^^cnerosa, conversam eoni- 
nosco sobre os nossos direitos históricos, sobre o clima, a pathologia 
e a organisação das nossas colónias, quo elles conhecem melhor que 
muitos dos nossos, e ciijo valor exaltam com sua dcílicadeza catechi- 
sante e proverbial. 

Americanos dos . PIstados-Unidos que se destinam ás missões 
d' Africa central, sempre de livros religiosos na mão e binóculo a tira- 
collo, elles de calças curtas e retezadas, ellas de boinas claras e ves- 
tidos justos, vermelhos todos, odiando os inglezes como verdadeiros 
yankees j íallando sempre pelo nariz como meio rápido d 'assoar ideias, 
orgulhosos da sua raça*, mostrando uma mediana consideração pela 
vida e um supremo respeito pela civilisaçSo. 

Inglezes de toda a proveniência e de todas as cathegorias, en- 
voltos em ilanella e cobertos de bonnets originaes, cercados sempre 
por garrafas, pelo Times e pelo Punch^ desj)reoccupadamentc estira- 
dos como se estivessem sós, na franqueza abandonada de quem está 
em sua casa, espreguiçando-se muitas vezes como quem quer abarcar 
o mundo e fazendo ouvir como echo do seu tradicional spleen, o my 
God do aborrecimento britannieo, o qual, nem a febre das apostas 
nem a excitação do álcool nem toda a anesthesia do Ood Save the 
Queeny são capazes jamais de apagar. 

Temos de tudo e tudo podemos bem avaliar, se apreciarmos in- 
dependente mesmo do critério das leis e da orientayâo administrativa 
de cada povo, assim de. perto e separado dos motivos sórdidos que 
pullulam em toda a Africa, esses differentes elementos e essas diflFe- 
rentes energias, que vão representar ali os campeões das diversas na- 
cionalidades n'e8se stricggle for life^ accentuadamente estabelecido 
hoje pela diplomacia moderna. 

A bordo, mais que em qualquer outra parte, as differentes pha- 
ses do dia apresentam, pela colloeação das cousas, pelo conjuncto das 
disposições individuaes, pelo movimento geral de todos e de tudo, uma 
modalidade de transições periodicamente repetidas e uniformemente 
regularisadas, que constituem uma physionomia typica, tâo original e 
tào exclusiva, que justifica plenamente esta saudade nostálgica que o 
marinheiro soflre pela vida maritima quando desembarcado, e as im- 
pressões persistentes que nos ficam a todos pelas viagens que fizemos. 

De manhã, a baldeação e a limpeza do navio com todo esse mo- 
vimento de mangueiras, de lambazes, de arrumações c desarrumações 



dos mil objâctos que atulham Bempr« a camará e o convez de om 
transporte de piíasageiros; em seguida, o almoço, atordoador, Booe- 
gado ou triste, couttirme preduiniiia a Bcentellia da auimaylLo frauceza, 
u sopro regelado da pragmática ingleza ou o desconforto dos vapores 
d'Aí'rica; logo itpÓB, este lungo período d'inveiiçScB ijue ae estende até 1 
ao janlsr, periodu que nâo é entre niis cortado pelo eiitliusiasmo dos | 
boletins náuticos, (afiixiidos invariavidmente após iis obairvações dia- ' 
ria», como succ^de em todos os paquL-tos transathmticos), por isso que I 
os nossos comni andantes sv cHcnsam repreheiísivr'! mente a essa amar- J 
bilídado tSo simples, eoan'tando assiiu mi pretexto de diversão inno-J 
ci?nle, e dando logar a supposiçòes pouco Ijsongeiras sobro a sua i^m-f 
peti.^ncÍH (■ solirp a precisSo dos seus caleidus. 

N't'S3Hs horas cm que o sol do Kenitli parece mtrar-se no msi 
como n'uiii espellio a reDexos gliuii:oE, excitado por extraordinarltti 
capricliiiB d'ÍuiHgÍna^'àu, a vida d" bonio toma essa aligría que s 
propaga a se contamina a toda a gente; grupos aos paR^s crusam-saj 
em todos os í^eiitidog, outro» eatacionajti c conversam cumo es C8ti-| 
veesem em plena prav^i publica, criuivas brincam como o tariain aubn 
a areia de qualquer parque; a maior parto dos bomens fumam, as scJ 
nlioraa sentadas ou de bru<,-os sobre a borda, Icem, conversam uiu 
trabalham, algumas iiuWs de olhar supplicante c tranças lou 
galam-se com smeUinf/ gult, belgas barrigudos repotream-sc burguez-1 
mente em cadeiras de balouço, o medico dL- bordo faz Mo a rapari-"^ 
gas franzinas que se ruborisam, e iim enxame de passageiros de 2.*^ 
classe, ultrapassando os limites doe seus direitos o daa convençScsJ 
vem abancar-se sobre o rebordo do xadrL'z da popa, e iniciiir á vísti 
de todos, coru cartas sórdidas e com algazarra atroadora, a bÍ8Ca,,< 
solo ou o trinta e um, distracções cm que parecem consumir a vídi 

Durante toda a viagem, que durou approximHdamenic doís dúwH 
tivemos oocasiil" de vêr, ouvir e apreciar mais ou meno«, todos e 
companheiros, que segundo a zoologia pertencem á mesma espccki 
mas espécie onde se etcontra um tito avolumado numero de varia; 
dadee. 

Avaliamos de perto o qne e o inglez ijentleman, termo este mà 
nSo tem equivalente na nossa língua e que Taine tâo admiravelmeDn 
define naa suas notas sobn \ Inqlatura: Um. nobre, digno dê < 
mandar, inle;/ro, rli sinhresmjdo, tujiaz de expor e até de nacrificar-À 
■pelo» que, dirige, homem de fivuia e dí conucíencia ao mrKnw tempo, t 
•/uem os inxfhu-ioK yriir k).o> Joium toufirmados pelajmtu rtfiexào e jui 



DE LISBOA A MADEIRA 



procedendo bem em harmonia com a sua natureza^ ainda procede melhor 
em obediência aos seus princípios. Avaliamol-o bem, porque n^essa de- 
finição como que se desenha o perfil moral do eonsul inglez de S. Vi- 
cente, um dos rapazes mais distinctos que ainda conhecemos e com 
quem tivemos o prazer de entabolar relaçiles n'esta viagem. 

Mas apreciamos também o que é a maioria dos bij^ts que andam 
por este mundo a largos passos do seu cosmopolitismo, especulando 
tudo com o seu interesse sórdido, perturban^lo a ordem com as suas 
excentricidades brutaes e envenenando <>s costumes com os seus há- 
bitos alcoólicos, com a mesma impudência com que a Inglaterra en- 
venena a índia com as suas traficancias de ópio. Conhecemos esta 
nova seita de leopoldinos belgas destinados ao novo districto do Congo. 
Avaliámos finalmente um dos factores maiúsculos da nossa decadên- 
cia colonial, apreciando de perto a ignorância e a baixeza da quasi 
totalidade dos nossos compatriotas destinados á Africa. 

Existem excepções, é verdade ; como se evidencia mesmo por 
alguns companheiros de viagem, cujos brios, illustração e intelligencia, 
hão de certo irradiar em toda a parte, como fina susceptibilidade dos 
elevados sentimentos portuguezes; mas sâo poucos, e a sua influencia 
nào se faz infelizmente sentir, porque a nossa administração colonial 
é tão asphixiante e despótica, alimenta-se por tal forma de pequenas 
misérias, esforça-se por tal modo em suffocar tudo o que pôde abalar 
o edificio das suas vaidades, illuminar as podridSes das suas intrigas 
ou escavar o pântano das suas mercancias, que o mérito mais brilhante 
como a luz mais intensa, nâo pode sequer constituir um foco d(^ irra- 
diação, cercado como vive, por essas barreiras espessas, das insidias 
e da baixeza ultramarina. 

Comnosco vem a bordo, até faz vergonha dizel-o, um empregado 
de gerarchia superior no ultramar, cujo nome tem uma aureola Irndaria 
nos fastos da rapinagem lisbonense; um delegado technico d'unia mis- 
são official, com ordenado fabuloso ti garantias excepcionaes, (jue de- 
monstrava ainda hontem, com o maior desplante, não saber sequer 
que o sabão commum não ó solúvel na agua salgada ! 

Os de torna viagem, citam os factos mais escandalosos de latro- 
nagem e patronatos ; não ha para elles nome n(»m titulo algum em 
Africa que possa deixar de ser arrastado como lixo, pela vassoura dos 
acontecimentos locaes ; não ha confiança no direito nem respeito pela 
lei ; as peças oftieiaes são boletins de mentiras, os governadoras são os 
felizardos; espera-se tudo da protecção e nada da justiça, e até a pro- 



DE LI3B0A í HADfilKA 



depois ãe uma lucta desesperada, mil outros pequenos escaleres trans- 
portando estrungeivciB de todas tis nacionalidades, que vêem a bordo se- 
([UÍoaoH de noticias, receber amigos patrií-iim e parentes, esties desgraça- 
dos tysicoG a cuja agonia lenta assistíramos durante toda a travessia. 

Dentro em pouco pois, ao embate das impraasíies muis profun- 
das, Uluiuina-so o purtali^ como uma ^ande ribalta de acenas comnio- 
ventes: ahi sSo pães que abraçam filhos na anciedade desesperada de 
quem busca no olhar cavo de uma múmia o lampejo extincto de utna 
esperança ; ali amigos que se entrelai^iuii chorando. . . mais além, ir- 
mSos condemiiados pela hereditariedade, e por toda a parte, esse quer 
que seja de solemno e contrístador que sabe despe rtar-nos a compai- 
xão, tomando do tysico uma individualidade para tudus laatimaTel e 
sympathtca. 

Kunca nos havemos de esquecer d'ea8e infeliz rapaz austríaco, 
medico e tuberculoso, condumnado pela acieucia a por si mesmo, e 
que para <:onsolar a irmS que louca o interrogava beijando, uSo acliou 
na sua frrandc alma de uiartyr, mais do que esta sublime ironia de 
vencido «oA, n^ plêuru pnx, le cUmat est ai bnau, y«f la mort elU mSnu 
if thvitnt moine lotirile.o 



O desembarque no Funchal & cheio de peripécias e originalida- 
des; não ha cães senão no recanto oeste da enseada e como a praia 
liça mais próxima, os escaleres abicam directamente a cila, c são ar- 
rastados a braços de homens ou por bois, até pés enxutos. 

Logo sobre as dunas de pedras roliças que sobranceiain a resacca, 
depara-se o espectáculo curionissirao das redes a dos chamados carroa 
da Madeira, espécie de palanquins assentes sobre quillias de patina- 
dores, acortinadoa como os clássicos chtr-à-bancs d'outr'ora, e atrela- 
dos a bois nédios de corpidencia mediana e largos comos agudos. Ea- 
sea caiTos, que correspondem aos trens de praça dos centros europeus, 
são inais oii nieiiiiB luxuosos pelos seus estofos e pelas Buus montagens 
•:> representam o meít) de triuisporte mais commodo, n'uma loealidade 
onde o alcantilado do terreno i^ a natureza especial das calçadas, n&o 
se pn^stariam facilmente a processos mais aperfeiçoados de viação. 

O conjuncto d'esijes apparelhos, cujos cortinados eacudidoB pelaa 



DE LISBOA k MADEIRA 9 



brizas tépidas do mar, bafejam ora as faces lividas de moribundos, 
ora esbeltas figuras de mulheres, recostadas na languidez de serralhos, 
dá ao viajante desde a sua chegada, uma nota alegre accentuadament^ 
oriental, que corta a monotonia do rhythmico inglez tSo caracteristi- 
camente impresso nos costumes e na physionomia da Madeira. 

Fomos como dissemos, a Nossa Senhora do Monte, subindo em 
valentes cavallos, durante três quartos d'hora os cinco kilometros, que 
a distanciam do ponto de desembarque e descendo a mesma distancia 
festivamente em seis minutos, em uma espécie de trenó a que guiaç 
postados atraz dâo o impulso e a direcção, refreiando-lhe facilmente 
a velocidade vertiginosa atravez a tortuosa e pittoresca calçada em 
zig-zags que para ali conduz. 

O aluguer tanto do cavallo como do trenó, é relativamente ba- 
rato, mas as libações continuas que fazem os cicerones á subida em 
as mil vendas dos celebrados vinhos locaes, avolumam em muito a 
verba que o passageiro gasta sempre que desembarca n'um paiz tSo 
cheio de motivos de dispêndios. 

O melhor porém em viagem é a gente deixar- se simplesmente 
roubar ; e isto, pela simples razão, de não ser complicadamente rou- 
bado. Em toda a parte é a mesma cousa. 

A egreja do Monte está postada á altura de 650 metros n'uma 
attitude vigilante, ladeada por duas torres agudissimas, despida de 
todas as pretençoes d^arte, circumdada apenas d' uma vegetação ri- 
dente e luxuriante, destacando-se no ceu n'um feliz encravamento de 
perspectiva com a nitidez austera de uma simplicidade rústica e sug- 
gestiva. 

NBo visitamos o interior do templo, que dizem ornamentado de 
innumeras preciosidades de grande valor material e artistico, mas res- 
piramos a pleno pulmão o ar oxigenado e vivificante da montanha, 
abraçamos em toda a plenitude a extensão grandiosa do seu panorama 
esplendido e descortinando aqui e ali, atravez dos rasgões do pinhei- 
ral e dos plátanos, mil gnipos alegres que labutavam a terra cantando, 
enxergamos os seus vestuários garridos trepidando á luz como borbo- 
letas inquietas e os seus cânticos plangentes que diluindo-se a uma 
enorme distancia, chegavam até nós, com a expressão poética de uma 
tristeza infinita. 

E' verdadeiramente deslumbrante e consolador o panorama do 
Monte. Menos formidável e grandioso do que o do Bussaco, mais elo- 
quente talveZ| do que elle. 

2 



Tem por cuiulnda esse symbolo da crença, a i^fn'^'!'') fujiia tor-fl 
i-fs parccum apnntar o ceu; a seita pés, cntreinçacla pliantasticamentel 
tift estranlin v(!getação da febre, a cidaile alveja aloire e risrinJia na suai 
bnmc-uru de cal ; abysiiia-se no oceano que parece balouçal-a cm 
brados lierculeoe, e cumo que serve de adito ao ínHnitn ! 



Ue volta vUítmno» o hospital, a Stí e a líscola du medicina. 

A Sé {.■ uni monumento antigo, vasto e sombrio, sizudo nas som-l 
bras da sua iuntarla enne^rccidn, c postada ao (.-imo dit Pra^a da OonsJ 
tltuiçSo Cdmo iiina sentinella de pedra, fitando esta pbrnse biatoríci 
d'umH importância apagada. Ttm de notável tim calis do século XVB 
i- uma cruz riquia&ima de prata dourada, estalo gotliicn-portuguez. 

O hospital tem o aspecto doentio e pusado doa lioapifaes n 
mentos; pessimamente situado no centro mesmo da cidadi.-, :icha-se 
desprovido de mil condiçSes preseriptaa Iiojo pt-ln sciencia ás orga-1 
nÍ8H^'<íes d'Hquclla ordem. Está-lhe aunexa a escola de medinna quw 
visitámos a correr, pela exiguidade do tempo, e que nos deixou uiuaJ 
imprcssSo má. 

Dixem ser dirigida por professores d is tine ti as imos, mas fnlta-lhefl 
gabinete de histologia, casa anatómica, amphitheatro operatório e to-l 
das as mais condiçfles indispensáveis hoje em estabelecimentos d'a<4^ 
que lia especialidade. 

E' verdade que é uma das celebres escolas de 2.° classe conce>fl 
bidas e conservadas pela nossa hysterica e ca)>eçuda instrueçAo publica J 
donde apenas saem médicos d'iuna classi (içarão barata nara consumoií 
e uzo exclusivo díis coloniat^ c da navega^rSo; pena é, porém, que asr 
i^im Kuceeda, porque os lillios da Madeira, briosos a intettigentes oomãj 
sâo, nSo raiTcccni de certi> esse rotulo de inferioridade com que a lo- 
gisla^^o imptuicmente os classifica, dando azos aos desireditos de qaa 
s&o victimas na upiniilo publica. 

E' tempo de acubarmos com essas irrisórias gerarcbias de escQi 
las, porque tanto a dignidiíde Bcieutifica como as prerogativaa hamaj 
«as jn-oteatam cimtra a falsificação doe médicos. 

Fi)r({Uc é que oa sábios govenioa níui api-oveitum esse luaglliSc< 
e magcstoso lazareto do Fiinclial para uma escola medica de prímein 
on]em e um vasto c desafogado hospital, onde os doentes a pár é 
vantagens do isolamento, encontrariam us salutares influencias da nt^ 
moBphora marítima? 

Porque é que se UÍO orgatúsa essa escola eom o tini, não sú daí 



DE LISBOA i MADEIRA 11 



servir á localidade c ao arehipelago dos Açores que lhe fica próximo, 
mas a Cabo Verde e a todas as demais possessões ultramarinas, cujos 
filhos definham e succunibem á acyão dos climas frios da Eiu*opa, 
conciliando-se aliás também as condicçoes benignas da Madeira? 

Naturalmente, porque e preciso conservar como attestado a pedra 
e cal da nossa inépcia administrativa, esta fabrica de médicos espu- 
riots o este inútil e absurdo lazareto, justamente condomnado pela opi- 
nião publica, que já mais de uma vez tentou volatilisar á chamma 
do incêndio, os ridiculos da sua inutilidade e as ameaças da sua per- 
manência ociosa. 



Jantamos no hotel Keid, hospedaria britannicaj justificadamente re- 
commendavel pelo muito que tem de bom e tomado celebre nas 
chronicas locaes por tudo o que tem de exagerado, inconsequente e 
injusto, a nossa cegueira admirativa pelos inglezes e pelas coisas in- 
glezas. 

Fomos levados na tendente dos companheiros, com que andáva- 
mos, e nSo temos de que nos arrepender, apesar deste cheiro yac/c do 
mewige inglez, mixto indecifrável de carvão de pedra plum-pul- 
ding e exhalaçdes do Whisky, por isso que essa preferencia dada ao 
sr. Reid nâc só nos proporcionou um excellente jantar, mas ensejo do 
travar relações com pessoas distinctas, o que é sempre bom, passar al- 
gumas horas na melhor companhia, o que é sempre agradável, e obser- 
var de perto n'um acto tâo solemne como é um jantar britannico, a 
loura juventude de formosissimas Misses, atravez a coloração irisada 
de vinhos deliciosos, cujos aromas inebriantes arrastando-nos a todos 
nas espiras das suas volutas subtis, davam expressão e davam vida 
até a esses olhares nublados de uma b<analidade grave . . . tão caracte- 
risticamente inglezes. 

Mas, se d' um lado tinhamos esses motivos práticos, confortáveis 
o sympathicos a compensar-nos das fadigas do dia e a apertar como 
que n'um laço ultimo as gratiis recordações da Madeira, recebiamos 
de mil outros modos, já pelas j anel las que se abrem sobre o parque, 
onde grupos d^espectros se movem, já das conversaçòes pallidameute 
coloridas pelos tons das tristezas mais profundas, já d<is esqueletos 




le atraveaBam a sala comu sombras, ... da toií&e, dos gemidos, d* 
iciedade com que TÍainhoa faliam, das unhas hypocraticas de uns-, 
âo olhar febril de outros, do e mm agreoi mento extremo de quasi todi>s, 
recebiamos n impressSo desconsoladora de um' grande quadro de mi- 
Berias, como que víamos desfilar cm procisafto lugubii; uma serie im- 
siensa de soífrimentos, comu que apalpávamos todas as angustias 8)'n- 
fbetisadas, da ultima eeperan^-a que se extingue, das supremas vaidade» 
qne se apagam, da compostura humana qiio se desfaz, das iliusties que. 
emmurchecem, da vida feita martyrío; e como que escutávamos com 
a própria alma essa eohorte sinistra de symptumas que parecem se- 
gredar torturas: a febre, a dyspnoa, a anorexia, a diluição pelos suo- 
iTes, a desaggregaçZo pelos csputos, a miséria organicA com toda a sua 
nudez, a hemoptise com todos os seus horrore», a morte com todas 
R6 suas sombras a tysica emfint com todas as suas características ! 

A tysica, que representa como que uma sonancia dispersa na 
Atmosphera da Madeira, como cm todas as cstaçSes invempes àv tu- 
berculoBoe. 

A tysica, case Moloeli implacável da gera\'5o moderna, que por 
fti srt victima mais de três milhScs por anno e que figura jiara mais 
d'um quinto nas causas da mortalidade do mundo, 

A tysica, esse fliigello mil vezes maís terrivcl do que a febre 
amarella e do que o cholera, c com quem nus iiabituamos » viver de 
paredes meias c sem grandes inquietações, apcsai* d"ella rtjubar nn» 
idades míiis florescentes da vida, ao progressíj, á família e á pátria, as 
bases mais enérgicas do seu esteio e os elementos mais valiosos da 
Bua vitalidade. 

Mas se fitando esse desfilar de Eumenídes Bent'mu-noH rumo 
Dante ao regressar do seu iníêmo, perturbados c entristecidos pelo 
que vimos, experimentamos também, i preciso dízel-o, a excitação 
profunda doa íntimos enterneciraentoa, que nos levam por impidm 
duma convicção arreigada e pelo sentimento d'um dever impreterivel, 
baseados nus factos mais incontestáveis, a evidenciar a suprema si- 
gniãcaçilo da Madeira sob o ponto de vista do tratamento da ty- 
sica, a interessar nos problemas da tuberculose u estado, a quem 
vompete a dofeza da existência coUectiva, a rasgar finalmente ante o 
olhar angustiado dos que padecem, os horizontes amplos da sciencia 
onde brilha hoje, socegada e radiante conm uma ostrella de verdade, 
ft Affirmativa consoladora de que a lysica muitas vezes J^anlõa a-ji 
tuberculose é uma doença curave!. J 



asBaa 



DE LISBOA A lUDEIBA 



A tysica é uma di)euça ciiravcl, eis iiiiiii assevora^ài» de que hiije 
nào é parmittido diividar-so c que é prociso dizer se muitas vezca 
em voz alta »■ por ttxla a parto, curao lun siipreuio argumento df con- 
forto e de bondade. 

A tysica é uma doença curavel. -- Affirmam-o as observa^-iles 
clinicas mais rigorosas, nssevcram-o os d:uIoã estatísticos mais eloquen- 
tes, comprovam-o as constataçrics necniscopicas mais auctorlsadas. 

Lienncc, ensinando a interpretar a vida pela auaculta^-âu, Avcn- 
bruggcr e Piorry, medindo c pesando pelas vibraçifcs a oonsistcncia, 
a massa c u volume doe órgãos, forneceram á scieocia a chave dave- 
rigUHQÍles positivas que nSo é dado contestar-se, por isso que se con- 
jugam K linguagem eloquente dos symptomas que sSo factos, interpre- 
tados pelo critério da razão sciontífica que n3o erra. 

A tysica, protluzid» por um agente especifico como está assente, 
capaz portanto de ser combatido ou impedido de propagar-se por 
um outro agente antagonista, como tentam conseguil-o (írancher n 
Koch, resulta sempre <la alteração profunda do organismo, altcraç>Ilo 
originaria ou adquirida e que as condições geraes ilos grandes modÍ- 
ticadorcB da nutrição e da hematose, podem facilitar ou contrariar, 
conforme favorecerem ou deprimirem essas mesmas funcções, — D'alLÍ 
esse facto tão unanimemente reconlieci<lo, de que o mal leveda «o ar 
ruminado das accumulações e de que é necessário cercar dos cuida- 
dos mais extremos as funcções digestivas e respiratórias dos tuber- 
culosos, — Daqui a importância capital do clima, da altitude, da gy- 
mnastica, das condii;òes moraes e da pureza do ar no tratamento da 
tysica... d'aqui finalmente, a suprema importância da Serra da Ks- 
trella como da Macieira, para <iuasi todos os tysicos. 

Desde Hypocrates até aos j)rimcíroa auctores que trataram da 
anatomia pathologica da tysica, considerando-a sempre uma doen\^ 
local do apparelho respiratório; desde líayle e Laennec, estabelecendo 
a doutrina da diathesc e subordinando todas as espécies de tysica A 
tvBica-tuberculosa; desde a escola anatomo-pathologica, dirigida por 
Virchow, contestando pelo microscópio as ideias francezas e distinguindo 
uma tysica tuberciUosa originaria do tubérculo, e uma tysica caseoea, 



de origom itiSammatoria; desde aquelles, que arrastados pelas ideias 
do passado a eonsidenivam fatabiiente mortal atú aos evangelistas da 
sua curaliilidade em todos os períodos, . . . q^uc fluctunçitos de tliuo- 
rias, que febre de trabalhos, que apologia de racdieainentiiSj qiic rle 
eutliusiasmoa dosmenlidoâ o que de controvertias estéreis?! 

A historia da tysiea, representa como que um vastissimo liori- 
zonte povoado por luyriades de constellaçòes brilhantes, abra^-ando 
hoje na sua concavidade immcnsa, essa pyraraide collossal erguida 
pelos esforços hercúleos da sciencia experimental, e que reverbera á 
luz dardojante dos factos coni fulguru^-íles tSo intensas, que atú dt-s- 
lumbra aquellea que nSo sabem ou nilo ipierem acreditar. Assim quem 
lia que possa, depois de compulsar os brilhantes trabalhos de Jactmd, 
Charcot, Peter, Brouardel, Dujardin, Grancher c tantos outros, duvi- 
dar de que a curabilidade completa é um facto realizado e que a cu- 
i-aliilídade relativa é um desidei-atim sempre possivel de realisar? 

Quem, depois de ter visto desapparecer no vivo os s/raptoma» 
cavitarios rigorosamimte observados, poderá duvidar de que a ty- 
síca é curavel? Quem dcqtois de ter apalpado nas autopsias as cica* 
trizes de antigas cavernas, a calcifiriiçãu, a fosslllsaçio de massas ca- 
seosas, r u enltyatamento pela sclernse, ousará p*)r em duvida a cíca- 
trisayão pulmonar? Ninguém. Tanto mais que as ustatiatíeas du dr. 
Vibert e de Brouardel sobre a morgue de Parla, provam á evidencia, 
pela autopsia, que a metade aproximadamente dos tubérculos alli ob- 
servados se haviam curado sem tratamento algum. Tanto mais qui- 
Grt.noher, baseaiidose na histologia do pntprio tubérculo, explica ca- 
bal e plenamente a possibilidade da sua marcha, mesmo expontancn- 

t) tubérculo nà" è um producto miserável como se suppunha, maa 
sim um invasor insaciável ; a sua casaeaficii^&o rápida é di-vida lué- 
ramcnte ás exigunoias nutritivas dos elenienti>s que o constituem. 

Todo o tubcrcido pôde progredir ou retrogadar, isto é, podo sut- 
fror a regressão granulo-goi-durosa, ou pelo contrario executar um ver- 
dadeiro trabalho cicatricial, e as próprias caveruas ctcatríaam-se. 

Portanto, como demento anatomo pathologico está na contingên- 
cia do dois processos oppostos : um qu? arrasta implacável mente para 
a morte, outro que su hanuonisa tacitamente com u vida. 

O impossível como se vê nSo existe ; a difficuldade resume-se 14»;- 
uufl em promover as condiyilos cícatricíaes. . . em {jodcr dar luna oríen- 
laçlo á sua génese. . ., em saber fallar ao coraçS" do tubérculo. — E 



BilB 



DE LISBOA Á HADEIEA 15 

sabe-íH! hoje a sua liiigiia^nti ; eonlit-oe-se bem as comliv<>«B em que 
Htt piidtt conseguir cixte fítii. 

O tubérculo ou seu micróbio, como tudo o cífoista, jjreciya aer ex- 
puUo de vez ou lísongeado nos iteus intoresse»; como todo o bom tra- 
balliador, eiuquanto coino nSo tniballia. 

Aítaim, sempre que a gymnastica pubnonar o atonueulu, aeiiipre 
que au funcçrieii nutritivas se exercem d'uui mudo normal, ueuipre que 
elle pôde saciar a sua fome, o processo fibroso peri-tubcivuloso dá-ae, 
deixando de haver novas formav<íea de grunuliu, como se perturbado 
no seu intento, se lisonjeado no seu appetite ellepenlesse o caracter 
irritante e deixasse de ser um aculi» para os pai-enchymas. 

K que de tentativas c esforços se nSo fazem e se nSo tein feito 
n'estc sentido? 

(guando no futuro a historia inventariar todo esso inimenso tra- 
ballio do nosso tempo, terá que i-egistrar a par dos medicamentos mais 
pliantasiosos as medicações mais extnu>r<lÍnarÍaH, ao hido das iníoia- 
çiTes mais audaciosas as especulações mais torpes e como resultante 
desse indizível esforço do espiriti) tiuuiaiiu, uma sede de verdade, como 
talvez nunca o homem sotlVesse. 



Jaceoud, este apaixonado propagandista da curabitidade, esse pro- 
fessor distincto o sábio consciencioso que visitou uma u uma as mais 
afamadas estaçSes ínvemaes, que esteve na Madeira e fez a apologia 
do seu clima, divide as condiçílcs d)i curabiliilade da tysica em três 
catliegorias distinctns, baseadas nn etiologia — ^na forma anatómica — 
e noa aymptomaa do d(»ente. 

S<ib o ponto de vista etiolo^co distingue clle a tysica hei-editaria, 
a tysica innatii e a tysica adquirida. 

A tysica hereditária é mais rara de curar-se, é menos accea- 
sivei á therapcutica e depende principalmente d'um tratamento pro- 
phylatico. E assim devia ser, porque ao contrario do que muita <;entc 
pensa, os filhos de pães tysicos, nSo nascem tysicos, nascem ape- 
nas com a predisposição ou diathese que pôde ou nSo de sen volve r-sc^ 
dando a tysica mais tarde. Isto clinicamente fallando, visto a auto- 



16 DE LISBOA k MADEIRA 



p6Ía U0m o microBcopio attestarem vestígios sequer do micróbio ou do 
tubérculo no sangue ou tecidos de muitos exemplares examinados, ain- 
da que os trabalhos esperimentaes mais recentes e as interpretaçSes 
rigoristas de Tyndall^ pareçam levar a admittir hoje, de que se o qtUd 
da tysica não ó visível e palpável nos descendentes, existe alli com- 
tudo como agente de propagação incontestável. 

A tysica innata é aqiiella que resulta da aptidSo manifesta dos 
descendentes de pacs não tysicos, mas debilitados por qualquer causa 
de enfraquecimento orgânico. A sua sorte depende egualmente como 
era de prever da proj)hylaxia c do tratamento hygienico. 

As tysicas adquiridas, inicialmente derivadas de uma debilidade 
geral ou da evolução da escrofulose, syphilis, ou qualquer outra dia- 
thesc, isto é, secundaria ou não, são todas evidentemente curáveis, dic 
toda a gente, e que depende principalmente do tratamento hygienico 
provam-o as estatísticas e demonstra-o a clinica. 

Sob o ponto de vista dos phenomenos symptomaticos que acom- 
panham a doença, todos nós, médicos e doentes, sabemos de sobejo 
que sã().os accidentes gastro-intestinaes, as lesmes pharj^ngeas e o syn- 
droma febril o que címstitue as verdeiras columnas d'Hereules no tra- 
tamento da doença. 

Assim Peter, esse incomparável estylista, subordina o critério da 
curabil idade exclusivamente k febre, catalogando clinicamente todas 
as formas da tuberculose em forma apyretica — pyi'etica intermitente 
— pyretica sem remissão — lórnia grave, que elle considera mesmo im- 
possível de curar-se. 



As thcorias medicas relativas á tuberculose tem soffrido embates, 
hesítaçríes c reviramentos incessantes ; as próprias palavras mudam de 
sentido a cada hora, e assim tubérculo que exprime a granulaçfto, tu- 
hercuiofit^ ou desvio physiologico que determina as condiçnes para o tu- 
bercuh), e finalmente^ ff/síca que congloba todas fis lesHes que produ- 
zem o desabamento e a ulceração do jjuhnão, tem sido empregadas por 
tão diversos modos, ciuc é ditlicil iutcrpretal-as srqucr, sem haver pre- 
viamente ponderadt» o credo medico dos dítferentes auctores que as 
empregam. 



DB LISBOA i MADEIRA 



E O que succede coui a teclinologia, siiccede egualmente com a 
pntliogciila e com & sua citmplexa tlierapeutica. 

Que uuniliigraçSo do opiniiios subre íi sóde, m>idi)s de forniaçKn, 
tílementoij esptseificos, genoralisnçílo e coiitagiu da tuberculose?! 

Que distancia ontru iis corpúsculos du Lebert, u ucUulu gigante 
de Schupc), os nódulos lymphoídes do RindBíscli, a viíscnlaríte de 
Martin o as atiirmaçdea modernas considerando o tubérculo unia pro- 
ducffilu pjirasitarl^'? E ainda liojc, que díãurenç» entre a monoda in- 
quieta do Klebs, i> micrococUB de Toussaiut, o baciltus de Kocli, o 
n bactoria de Baungiirtent'! 

Aa convicçites, mesmo as mais erróneas, inostnim-se em todos os 
tempos as mais arreigadas. Lnenuec, que nega a inoculação, morre ty- 
sico oTu resultado de uina ferida feita na autopsia d'um tr-bcrculoso I 

Jucotid, quo siiBtentii a dualidade dn fornia clinica, sustenta egiial- 
montc a unida<le da leslo. E a scíencia perBlbou o paradoxo, por 
nío st! podor diiviílar quo houvesse dualidade do doença, bavendo 
tísicas tubcrculoaiis c nSo tuberculosas, neui so poder deixar de 
admittir a unidado da K^sSo por se considerar umas e outras prove- 
nii-ntca da inãamma^âo. 

Firnuida pois esta bnso de doutrinas, provada a virulência, o con- 
tagio o a transmissibilidade da tysica, litando as estatisticas de todos 
os paizes e de todas as ra^^is e ponderando a sua mortalidade que as- 
sombra pelo numeroj vênios d<< twtoa os lados, as academias as com- 
niissòes medicas ng uiicroscopistaB o os ctinieos, a sciencia do gabi- 
nete e a sciencia da ventiluçSo, como que n'uina febre do desespero, 
tentar por todos os niodus pôr peias A suit marcha, estudando tudo, 
desde o (|ue se ingere comit o leite, até ao que se expellc como os es- 
carros, todos lis meios de transmissibilidade, todas as condícSes clima- 
tológicas e todas as Konas da terra, ensaiar todas as latitudes e gal- 
gar toda« as alturas, formular verdadeiros plebiscitos como Bowditli 
e levar a expor imentaçSo aos limites mais minuciosos, como tem suc- 
cedido na França o na Allf manlia. E dVsses inuumeraveis trabalhos, 
d'es8as liiotaa sem tréguas, d'esBaa investiga^-dcs mU veaes comprova- 
das, resultam, como evidencias que se não apagarSo jamais, essas con- 
clusiíes positivas d um valor pratico incalculável, que a tysica é in- 
uculavel pela pelle, pelos intestinos e pelos pulmllíesj que os animaea 
toberculosos podem transmittir a doença pela carne e pelo leite; que 
V contagio vulgarmente ú offectuado pelo ar que se respira, inquinado 
principalmente pulos esputns; quo a accnmulaçílfi exerce uma das in- 



18 DE LISBOA k MADEIRA 



âuencias mais perniciosas^ que em todos os pontos da terra se encon- 
tram imniunidades mas que apparece em todas as latitudes e em to- 
dos os climas; que só ainda não visitou os limites do circulo polar na 
Islândia e o archipelago Feroê ao norte da Escócia, que nâo respeita 
profissões, que ameaça despovoar a Polinésia, que ataca principal- 
mente dos 15 aos ÕO annos, que as altitudes desempenham um papel 
manifestamente antagonista ao seu incremento, que nas latitudes frias 
a sua marcha é lenta comparada á rapidez com que fulmina nos pai- 
zes quentes, c que finalmente, herdíida ou adquirida, reina por toda a 
parte como um agente de destruição e de tristezas, devastando a 
Groenlândia onde o frio 6 extremo como devasta o Brazil onde o ca- 
lor ó abrazador ! 



Para evitar a tysica, para contrariar o seu desenvolvimento, para 
combater os seus symptomas, tem-se usado e abusado dum sem nu- 
mero de medicamentos e de preceitos, que considerados cm globo se 
podem classiHcar em medicações prophylaticas, medicações therapeii- 
ticas e medicaçíHes hygienicas. 

Das medicações propriamente therapeuticas, umas, como a do ben- 
zoato de soda, do creosota, dos revulsivos, dos hypophosHtos em geral, 
visam a atacar directamente o tubérculo, a regenerai o, a dominal-o pela 
schemia, a petrifical-o pela cal; esses medicamentos chamados es])eciri- 
cos, heróicos em certos casos, como por exemplo (juando se trata de 
combater as congestões ou a minorar a expectoração, não realisam po- 
rém de modo algum as veleidades doutrinarias da sua prcscripção. 

Outros visam, não o prodiicto, mi\^ o terreno; não o tubérculo, 
mas o campo onde se implanta. — São os medicamentos pulmonares: 
são os balsâmicos tão vantajosamente eini)regado8 contra o esgoto da 
ex])ectoração, são as inhalaçoes de alcatrão, de iodo, de chloro e de 
acido Huoridrico, ultimamente ai)regoado; são finalmente as pulverisa- 
çòes qui; tão bons resultados teem dado nas doenças pharyngeas, mas 
cuja penetração s(*quer na trachea e no pulmão é tão vivamente con- 
tristada ainda hoje, j)ela maior parte dos |)hyi>iolopí5tas. 

Mas o tratam(;nto porexcellencia, hoje que so considera geralmente 



DE USBOA X MADEIRA 19 



a tuberculose como o trabalho dci destruição de seres vivos — bacil- 
los — sobre a** ccUulas c as fibras de tecidos vivos, devia nem podia 
deixar de consistir, em fulminar ou enfraquecer esses parasitas mi- 
croscoj)icos e commodistas, em robustecer e auxiliar os tecidos que 
elles pretendem anniquilar, ou mais proficuamente decerto, em influen- 
ciar concomitantemente essas duas operações combinadas. 

Isso seria indiscutivelmente o desideratunij no campo racional da 
questão. 

8endo, poróm, ató hoje inefficazes, como está provado, todos os 
medicamentos ensaiados a anniquilar o seu quid pathologico, sendo 
mesmo escasso o numero d^aquelles com que se pode contar para per- 
turbar ainda que de modo temporário os seus designios, resalta como 
theoria mais lógica e mais applaudida pela pratica, aquella que se 
dirige a levantar í\s energias orgânicas, a regularisar a circulaçâlo o 
a favorecer por todos os modos as funcçSes nutritivas do doente, 
aquella que, nio podendo atacar directamente a causa, se occupa em 
levantar as forças dos elementos que cila visa a destruir, tornando-os 
tâo valentes quanto possível, e quào possível rebeldes ás suas ínipo- 
siçiHes e vexames. 

Parece hoje perfeitamente affirmada a existência de um micr<i- 
bio para a tysica, mas seja o tubérculo o producto ou nâo d'esse 
parasita, sejam as lesões pulmonares uma manifestação ou con- 
dições apenas da sua pres(»nça, tenha ou não tenha elle as j)re- 
rogativas que lhe silo outhorgadas, o facto 6 que para debellar con- 
jurar ou combater a doença, o tratamento por excellencia é o trata- 
mento hygienico na ampla e plena accepção da palavra. 



As boíis condiçíles digestivas constituíam o sine-qua-non da cura- 
bilidadc da tysica; representam como que a porta única por onde 
pode entrar a saúde. 

E essas condiçotís teem princi]>almente por esteio as circums- 
tancias hygienicas que actuam sobre o doent<», e, como factores valio- 
sos na equação nutritiva, certos medicamentos, como o arsénico, os 



DE LISBOA í HADEIK& 



óleos iodados ', a glycorina c os ferruginosos, apesar do tudo quanto 
se tem dito cm deacreditn d'estea últimos, desde Troiisscau, rcspei- 
t-ador systemativo da anemia dos tysiens, até aos nossos dias, por nin 
espirito maia ou menos preoocupado das doutrinas reinimlca. 

Esses sftn os modiearaeutris que se dirigem propriuincnto A 
doença; outros ha, e citja lista e apreciaçilo unclieriam um bom nn- 
mt^ro do paginas, que eo empregam a com rcsnltaílos incontcstaTcis 
contra os accidentes que ladeiam invariavelmente a tysica como um 
séquito da mais sinistra signitícaçSo. Figuram como os mais ímportantOB 
d'cste grupo, as injecçSes de ergotlna contra as brutaos liemoptysoB 
cavernosas; o perehloreto de ferro naa pequenas hemorrliagias ini- 
cifles, o grande grupo finalmente dos adstringentes, entre os quaos 
as preparações de ratanhia, desempenham um papel tão justiticada- 
monto em voga. 

Em parallelo, eomo complicação e gravidade com as hemopty- 
Bos, figuram nos quadros clínicos da tuberculoso, os suores, a dyar- 
rhóa, e a febre. A febre principalmente, que exerço nSo só uma «e- 
^ijo depauperante de primeira grandeza, mas que perturba por tal 
modo a nutriçio e traduz por tal forma a actividade da granulia, que 
por si só serviu de base A classificação de Peter, justificando plena- 
mente o consenso clinico de que quanto menos febre tiver o tubercu- 
loso maÍB facilidade elle terá em curar-se. 

Os suores teom por antagonista a atropina, que se emprega can- 
tolosamente aos milligrammas, e por modificadores salutares de qu« 
nunca se deverá esquecer, as abluç^cs frias, tSo úteis e tlUi reooDt- 
men dadas pelos práticos. 

A dyarrhéa verdadeiramente, nSo é um symptoma da tysiua, j$ 
um symptoma do tysico ; contra elia muitas vezea mostram-se itapft- 



■ I^m Caho Verde 6 uso cmpregar-se com benéfico resullada, em mui- 
tos cflsos de consump<,'ão profunda ocompiitiliados de symptomus pulmona- 
res mais ou menos occenLundos, o njeíío de yalu em oitas doses e o petroleo- 
em doses homo>pathicne, 

O aseite de gata é um óleo muito iodado, exirehido do fígado d'u 
peixe assim chamado pelos índigeoos; ú opinião dos médicos e proroiMn 
({ue o producto exlraljido do maclio não lem n mesma oHicacia (|ue o A% 
fêmea. Não lia Teito porém, i[ue nos conale, analyae alguma d'essa substan- 
cia, nem publicado um estudo i|iial'iuer sobre a sua applicai;80, por isso noe 
limitomos o apontar o fiicto por ser do dominio pulilico, e mais de uma 
vez observado por nds. 



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DE LIBBOA Á MADEIRA 31 

tentes ttidos oa ilpioa, as bysmoutlis, as oi)cca8 c o seiu niimoro de 
absorventes onsniailos atú Imjc ; mas nos cnsos uxtn:mo8 em que a 
(lebilidiule du douiite impÒe-su tanto ou iniiis do (jiiu ii prnprio fluxo 
intestinal, i'i recorrer siim delongas ás jn-eseripçiíes jUimentfires, é 
subinetter o dciontc a» rcgiincrn da carne crua o do leite, é ganhar 
tempo protegendo as forças, poi-que inais (ruma vez se fcin viatft 
inoditicar-se repentinamente o estado, e o organismo tornar-se senaivcl 
e dócil até ai)s tríttaiiicntos antecedcnteiiientc encetados sem o menor - 
licncticio. 

A ícbrc do tuberculoso é d'iuaa natureza variável segundo os 
pcriodos da tubcrculí sacão. 

Ha febres claramente inflannnatorias subordinadas ao trabalho 
eongcstivi) do puImSo e ha as febres francamente suppurativas de- 
pendentes dos pntccssos da 3up]>uraç3lo pulmonar. 

Uinas e outras fnstigam essa dyspnea offegante que tSo cruel- 
mente tortura o doente, denunciando o tuberculoso logo á primeira 
vista. 

Quando simples, sisudas e de caracter intermitteiite, obedecem 
quiísi sempre à acção combinada dos revulaivos com oa saea de qui- 
nina; mas quando insidiosas, renitentes, acompanhadas de calafrios, 
fazendo explosiíea como os paroxismos, entSo encontram como antl- 
thermicoa os deainfectantes, porque sSo verdadeiraa febrea infecciosas, 
verdadeiros episódios aopticemtcoa que se tratam poios salicylieos, 
pelos phenic.itlos e pelos antiscpticos em geral. 

Para a dyspnea usa-se a morpliina; a tyaiea, essa eura-se es- 
pontaneamente, affirmam-o as autopsias, a clinica, e as eloquentes ea- 
tatisticas de Vibert e Brouardeljá citadas, e cura-se por tratamentos 
diversos conforme ti seu grau, u sua forma e a sua extensio. 

Rápida e seguramente na montanha, no sen Inicio e sempre quo 
as lesmes pulmonares n%o forem muito exteisas; pela acçSo combina- 
da da liygione e da influencia dos climas amenos, em todos os ptrio- 
dos, sempre que a gymiiastica pulmonar se i-xerça methodicamentc 
em uma atmosphera expurga, rica de oxygenii) e pouco variável, como 
acontece na Madeira. 

Na montanha desdobra-se, areja-se e ventilisa-se o pulmSo, sae- 
cudindo-Ihe o qiUd da tysiea, que ou morre e despega-se cadáver ou 
6 arrastado e diluido no ar. 

Nos climas como a Madeira subjuga-se o inimigo por uma espé- 
cie de mystilicação politica, dá-se-lhe de comer á farta abrindo as 



22 DE LISBOA i MADEIBA 



portas ao appetite, á Ibrya dos condimentos naturaes; embriaga-se 
até ao annullamcnto á custa d*uin oxygeuio que o asphyxia; e mesmo 
nos casos de domínio prolongado, quando 6 impoásivcl jA apagar as 
suas tradições sem que se destruam os arcliivos das suas proezas, 
mesmo n^csses casos, nos casos extremos, nos casos desesperados cm 
que o clima de altitude, scicntitícamentc fallando, mata despedaçando 
á forya de dilatar o pulmUo, serve ella a suavisar os soíf ri mentos e a 
prolongar a vida do doente, afFagando com mão piedosa c parlamen- 
tando com táctica de mãe, as melindrosas susceptibilidades das suas 
lesões. 

Sim, á altitude, á prophylaxia e á acção dos agentes liygienicos, 
methodica e meticulosamente dirigidos pelo critério scientifico, per- 
tence sem a menor duvi la e sem a menor contestação o papel predo- 
minante na curabilidade da tysiea. 

A altitude, porque dá combate ao micróbio, esmagando-o em massa 
ou expulsando-o por lavagens de ar seccf), frio e rarefeito. 

A prophylaxia, porque tem em vista o facto do contagio e da 
hereditariedade, porque providenceia contra as mil causas banaes pre- 
disponentes c adjuvantes, como os arrefecimentos, os excessos debi- 
lita ti vos, as constipações e Uintos outros factores que frequentemente 
determinam a revelação do contagio e da hereditariedade, em casos 
mesmo em que nunca talvez se manifestassem. 

A hygiene, porque lhe aconselha a montanha onde o ar c love, 
cmde a atmosphera é pura e a gymastica pulmcmar é fácil; a hy- 
giene, porque lhe aponta os climas moderados, os climas maritimos 
e sobretuflo os climas a poucas variantes, pouco populosos e pouco 
excitantes, como meio d^ella poder respirar ao ar livre um maior nu- 
mero de horas do nychtemero, como meio d^ella poder evitar as con- 
gestões pelo frio, com o íim de poupar-lhe as hemoptyses e afiastal-a 
para longe do ar ruminado das agglomerações. 

A hygiene e sempre a hygiene, porque é ella que lhe escolhe 
os alimentos, que lhe faz dar a pref(Tencia ao leite, aos ovos, ao kn- 
mys e á canie crua, por serem nutritivos em extremo, aos agriões, 
pela sua adstringência, ao milho pela sua riqueza azotada e aos legu- 
mes e aos cereaes pelos phosphatos e pelo ferro que alguns d'cllcs 
contém. 

A hygiene, tinalmonte, porque é ella que lhe outhorga essas 
estaçf^e^ invtrnaes (mde o soffriniento se acalma, e onde, se hão roflo- 
resce sempre a saúde, ao menos se prolonga a vida. 



DB USBOA Á HADEIRA 



Entre caibas i^sta^'òcs lioje tão iiprcgontUiu c í&ti cm moda por 
toila a )iurte, fígiiraiu com iiiun icputii^-âo ilc ctrto inferior á reali- 
tliiiii- (1»3 tuna vantagens, a lladcirii, cssía tíiJr pcrriiiiiad» do oceano, 
i' I) sanatório ila serra da Estreita, essa com-ep^-ào audaciosa d'um 
A>n mais notáveis mediei» portiignczcs, o nos»ti aprumado c dístiucto 
mestre José Tliomaz de Sousa Martins. 

O sanatório da serra ila Esti-cila, conipu-avol e prffcrivt-l sob 
muitos pontos de vista a Davos, não tem ainda uma procura europeia 
apesar da eloquência dos factos, porque as cii-cumstancias pecidinrcs 
do nosso paiz, as condi^-òos resumidas da sua instalação e o limitado 
tempo da aiin existência, são apertados c talvez mesmo contra indi- 
cativos por emquanto, à cínicorrencia a que figura ter direito. Enti-e- 
tanto a justiça das suas vantagens está de antemão garantida; porque 
quando hi>m»-ns como Sousa Martins cliegam a intentar qualquer em- 
preliendimento, como que se antevOcm desde logii os rt-sultados mais 
brilhantes, cseudadoM no prestigio irresistivel do seu talento e da sua 
reputaçífi. 

C<tm os recursos enormes do seu vastissimo saber, com a sua 
auctoridade medica ineontoatavel, eoni a rigidez da sua vontade a 
que nada resiste, caberá arranenr á cxpc'ri>'ncia e aos Tácitos o que 
ellcs tiverem de proveitoso c de bom, e lançid-os á publlcilade envoltos 
uo deslunibrainento da sua palavi'a e do sou estylo, abalando v fa- 
zendo vibrar até mesniu esse indíffiTCntisnio, essn descontiança e essa 
má vontade, com ([ue no nosso j»aiz so encaram as tentativas d'esta 
ordem, principalmente quando se referem a cousas nossas. 

E aqui, abrimos um piírentliesis no nosso manuscripto v. intercala- 
mos nlgimias consideraçiics mais sobre o clima e as vantageus da sen'a 
da Estrella, por isso quo só agora, em novembro de IWO, depois de 
tinda4la a arrumação dos nossos confusos apontamentos, é qiio rece- 
bemos, conjiilictamenti.' com grande nunuTo de outras obras, o precioso 
folheto do dr. Sousa Martins sobro a Tuliercidwe pulmonar e o c/inia 
iVnllilwle tia aerrn <ht E»tivllii, ultimamente publicado, e o interessante 
volume do sr. Eniygdio Navan-o referente á escursito li mesma serra 
em ihlH. 



DR LISBOA i UADEIRA 



Estu faeto iiijiitítiticavfl, de um medico desconhecer pur tSo Imigo 
prasu obras uaciouiics de tãi levantado valor scientifico, causaria bb- 
jianto e seria mesmo mn motivo ile censura, se nSo tivéssemos « allc- 
gar que viajamos por Africa, onde m rara» bibtiothecatí aio in-isorias, 
ondo &6 pidlulatii ainda oa rumAnces de Ponson dii Tcrrtul, e onde 
finalmente os livreiros conatitiiem verdadeiros fructos prohibiduB. . . 
proliibi^ãt) essa, porém, que nilo tenta nem pôde teiitnr ninguém. 

Do livru d<» ar. Navarro, é verdaile, ouvíramos fallar e coin os 
niaioi-cfi elogios em 1KH7, t|uaiuto por dueiiça, passámos por Lisboa; 
mas u fuutn tle conhccermoii já pelos seus enei^cos urLigos de fiiudo 
o valente nianejador dn eettidulhn politico lisbonense, aconricçilo dea- 
cous<jladora a que chegáramos de que os políticos consunima'los como 
M. i-x.' sò sabiam i'H|iecii]ar paru iimt politico», a trabalhar a valer 
quando impcllidoa pur conveiiienciaíí partidárias; afastara então du iiiiss«t 
espirito a teiita^'ào de lançar mnie á voragem os lfi'2iM r<'iis indispen- 
sáveis á acqnlsivão do referido volume. 

Hoje poi'ém que o apanhamos á mão, como que por milagre, que 
o lêmufi de fio ii pavio de] citando -nos ante os ucau quadros de uma 
naturalidade grandiosa, delieiando-nos eom as suas paginas brilhantes 
de humour, de critica e de verdade, sentimo-nos obrigados a peniten- 
ciar-nos, batend" contrictamente no peito, das antigas opinifles precon- 
cebidas, tanto mais que o ex-mÍnistro das Obras Publicas, declaraiidn- 
80 sem preiuubnlos nem rebuços, ajiaixonado .sincero das divinas ffen- 
Ttelt-v», das gnrprtza», cOr de carne, das b<'llas de LySo, de Rirdíus, 
e em geral de todas as flores, conquistou um titulo valioso á nossa 
estima, como sectário dos mesmos idoW, abrindo assim uma grande 
brecha na espessa desconfiança que lhe votávamos, como a todos oa 
políticos, brecha por onde c&ira sobre s. ex.* os reHexos d'um ideal 
bucólico, perfumado poios aromas que se evolvem da alma das fldros, 
o que imprimem á siui fronte bivnzenda e altiva de athletH, um tom 
de singeleza e de bondade, bem mais digno du iii>9.-<a admiraç&o, do 
que todas aa mil coroas de louvores e de fipprobrios, com que a apre- 
(.'íaçfto canalha dos inimigos facciosos e as exageraçGes fanáticas dos 
correligionários servis, teem sabido atulhar a estrada gloriosa e mdo 
dn seu viver, na pi-coceupu<,-ão visivel da sua recmbecida grandeza v 
temida superioridade de furte. 

As observaçttes e o coiifnjiito das eondiçòes climatulogicas da 
Serra, com as da sua congénere ua Suissa (Davos); oa resultados re- 
feridos sobre o trulnmcnto de vários doentes o as valiosas cunsidum- 



DE LISBOA k MAUKIKA 25 

çõcs com rclíição ao cliuiii de iiltítudes ux|>ostU3 no fullictn d» dr. Si>nzu 
Uartíus, bem cumo bs que se refen.'m a biittiTidlogiii, tSo u^ípií-itiiosa, 
tXo nitida e títo cimvinceiítonientn cxjjlaiinda na i^ai-tíi-prcfauio aii Uvro 
do 8r. Navarro, levar-mis-Iiiam de bom grado a aiii)ilíar ti>da estíi sccçil» 
do noano trabalho, iiitroduzindo-iiic como fui^tor au valioHidsimaa affir- 
matívas de Oranchor, Gabada, Tyii<lall o tantos uutniH, »o nSo fusuo 
incompatível com o tempo de (jiie dispomos ■> relimdir n'eMta parte, 
como em muitas outras d'cste livro, capítulos inteiros, ipio, dtvidos a 
dcflicieucias próprias e mais ainda á inipussibilidado em que nos acha- 
mos na Afriea de appèllar para iTitatistitas, textos ou eonsultorea quaes- 
quer, saliirSo de eertu incompletos, umslrando nicsiiio, como por pouco 
ia succedcndo n'eate caso, a ignorância em que viviamos dos nmid re- 
centes trabalhos sobre os assumptos a qiKi nos n^ferinios. 

Mas cada um tem o di-ver de dai' o qim pódc, segundo as con- 
dições tin (^uo vive. Por isso, pczaroso de iiâo siniios tilo ciniipleto 
quanto desejávamos sobro problemas de tão alta sigiiifica^-ÍUi seienti- 
fica o humanitária, nlU> podemos escusar-nos a transci-ever aqui os da- 
dos comparativos de thermomelria da montanha hilvctica com a nossa 
Serra Hermiuia, dados esses que evidcnctúam a gi-ande superioridade 
climatológica da Serra. 



1882 — Variações tliermometrioas diurnas 



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DE UBBOA A MADICIBA 



1883— Variações thermometricas diurnas 





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1886— Variações thermometrioas dlumas 



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1882 (fevoreiro a dc/ojiiln-o) 

1883.. 


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3,0 
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8,4 


13,8 

14,6 


1,8 
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Som ma 


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3,3 


32,8 j 50,4 


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Medias dos quorenUi c seis mezc» 


3,5 


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0,82 


8,2 ' 14,1 


2,4 



Estes algariemos, tnHiys elUsg, jirocliimiim que as i>iícillav<>cs tlmr- 
mumctiic.ie h3o nniitissimo m;iÍB rcguIarcB e niurieradiía na Scrni da 
Estrella du que em Duvos-Plutz. 

Relembrando upeiias as ultimas mé'lias apuradas, relativas a qua- 
renta e seis mezea, vè-se que na nussa serrn a media das medias da 



28 DE LISBOA i MADEIRA 



varíaçSo diurna é apenas 3°,5 em tanto que em Davos é de 8®,2; — 
mais do dobro. Na serra a media das oscillaçSes máximas é de 7**,1 ; 
— metade do que é em Davos (14*^,1). Na serra a media das oseilla- 
ç5os minimas 6 0,82, ou seja, approximadamente, um terço do que é 
em Davos (2°,4). 

E não podendo apresentar, por nSo se acharem ainda formulados, 
os mappas nosologicos do embryonario eanatorio estabelecido na Serra 
Herminia, onde já o anno passado se trataram 32 doentes, servimos <le 
1 echo á voz auctorisada do dr. Souza Martins, affirmando que a Serra da 

Estrella n'um só elemento — o vento — se mostra segundo os registros 
do observatório, menos propicia do que Davos para o tratamento dos 
tysicos; accrescentando, porém, com o sr. Navarro, que esse facto mesmo 
que destoa das excellentes condições tliermicas o hygroscopicas attes- 
tadas, traduz apenas uma imprevidência na coUocação do dito obser- 
vatório, exposto o indefezo aos ventos do N. W. alli predominantes. 
E substituimos as astatisticas da SciTa, que nos faltam, pelas de Spen- 
gler, Williams e de Weber, com rolaçâo aos tuberculosos de D.ivos- 
Platz. 

Em Davos mesmo, nunca foi publicada estatistica completa c por 
assim dizer official. Conliecem-sc porém os rosultalos da clinica de 
Spengler, de Th. Williams e de Weber, que transcrevemos: 

!J A estatistica do dr. Spengler, o mais antigo medico em Davos- 

Platz, vae até 1879. 

Vejamos o que ella diz: 

Tuberculosos tratados : 

i Doença no 1.® grau: 

I Só do lado direito 43 

j Só do lado esquerdo G9 

De ambos os lados ... 19 

131 

No 1?." grau : 

S(> do lado direito 106 

S<') do lado esquerdo 52 

])(■ ambos os lados 46 

204 



DB LISBOA i UADEIRA 



No 3." grau : 

Sú do liido direito 24 

Sú (lo Indo esquerdo 21 

De ambos os lados Õ 



Numero a descontar, de doentes, que figuram 
acimn dupliciidiuncntc jior terem IcHÍ^es 
do I ." fçrau n'ura lado c do 2." ou íi." no 
outro 

ludividuoK ajHnas pri-dÍR|>i>HtoH 

Cftsiití de (isthiufi niTVosa 



50 

mb 



26 
32;t 



N'e8ti!s í(2.'í cxt!m])lare3 liouvc Til ciiran e ISiltfasoB de melhora. 
Eaqucconilo estes ultiuios (! descontaiidf) do numero das ciinia os 26 
índividuos que nSo eram p ulmo- tubi: rcii lo sos, teremos: 

73 — 26=47 

A percentagem d'este numero sobro o dos tulwwuloaos tratados 
por Spcnglor é pois : 



2ÍI7 



Mais do 15 curados em 1()0 piUmo-tuborculoens de todos os graus, 
A estatística de Tli'Mid'ir<i Williams ctimpri-lieudc tuberculosos tra- 
tados em Davos-Plfitz e cm diuins de altitude na America e kuI de 
Africa. 

Qunnio <w grau <l<t tioeiíça: 

TubiTCuliisos no 1," period" (dos ([uaes somente 
to 17 por cento & que tlnliam a doen^-a 

apenas incipiente) 1)1 

Tuben-nhisiiN no 'J." e 3." gnlus 53 



30 DE LISBOA i MADEIRA 



Quanto á extensão da doença : 

Tuberculosos de um só pulmão 88 

Tuberculosos de ambos os pidmSes 50 

138 



Doestes 138 casos curaram-se, por cento, 41,13; melhoraram mui- 
to, por cento, 29,78. 

A estatística do dr. Webcr, refere-se a 106 casos de tuberculose, 
4o8 quaes apenas 70 estavam no 1.*^ período. 

As curas foram na proporção de 40 por cento e as melhoras em 
pr( (porção igual. 

Não se pode, rasoavelmente, pedir mais ao tratamento de molés- 
tia tão damninha. 

Vemos que pela estatística de Spengler o numero de tuberculo- 
sos pulmonares curados no clima d'altitude é 15,8 por cento; que na 
de Williams de 41,13 e na de Weber 40,00. A media d^essas esta- 
tísticas dá nas altitudes, 32,36 de curas em 100 casos de pulmo-tuber- 
culosc, isto é, quasi um terço ! » 

Essas estatísticas provam evidentemente que de 570 tuberculo- 
sos tratados pela acção do clima de altitude, 158 se curaram, obten- 
do um grande numero melhoras consideráveis. Isto é, representam um 
quadro onde se apalpa e se verifica esse facto considerado ainda hoje 
mystíficaçâo illusoria, não só pelos profanos, mas mesmo para alguns ' 
médicos d'Africa, de que a tysica é curavel, não por uma mera exce- 
pção com attributos de milagre, mas n'uma percentagem que attinge 
e excede a 30 por cento dos atacados, como se reconhece dos factos 
apontados. 

A Serra da Estrella, pois, tem os seiísi destinos ganintidos ; á 
Madeira, porém, não succede a mesma cousa. Ella tem merecido, é 
verdade, elogios os mais exaltados e apreciações as mais lisongeiras, 
porque» o que deslumbra impòe-se. 

Não ha poeta, não ha medico notável, não ha touríste que a vi- 
sitíissr, que não t(»nha lançado á publicidade e aos ventos as gratas 
impressões que ella sabe drspcrtar em todas que a conhecem. 

Assim, na revista [jí tonr du monde, o marquez Degli Albizzi 
descrevi* sob a (^.pigraphe iSix moix à Madere o que ha de mais flo- 
rido, mais cateeliisante e mais original nas combinações da natureza. 
E elle visitou e percorreu a ilha com a preoçcupação e a febre de Ufli 



touriríe illustradissimo, cujos elogios tem a alta valia de uma esiH-cia- 
lísaçSo auc to risada. 

Nos aliuaiiochs, noa jornaeã e nos ri'latorios r>fBciaes, por toda a 
parte, ae encontram artigos, versos e plirasea sonoras sobre a Madoira, 
sobre o Sini clima, sobre a sim vegetaçSo c prínciíialmeute sobre o» 
vinlios; mas trabullius verdadeiramente completos o capazes ãn ser- 
virem A propaganda de que ella é merecedora, a^wnas ooulnjci-mos a 
(dira do dr. Barrai, a do dr. Accurcio Ramos e a reconteracnte publica- 
da pelo Doaso compatriota o dr. Mourão Pitta *, obras d'oTidi' oxlrabimoa 
a maior parte dos dados estatisticciB apresentados e onde se encontram, 
a par dos esclarecimentos mais preciosos sobre a topograpliia, condi- 
çlira liygiimicus, meteorológicas, usos, costumes e doenças bnhitunoK, 
a opini&o dos maia notáveis homens de acieucia, as cimclusQcs medi- 
caa dos dois iltnstres professores e um guia preciosíssimo para todo o 
fora8t<-Íro. 

O dr. Garnier, esse distinctissimo mcdieo da niHrinlia frnnceza, 
na elevada e nobre linguagem, d'aq«elles íjuc sabendo comprelicnder, 
sabem tambcm sentir, traduz assim aa suas impressílcs pessoaua: 

« foi em fins de outubro de 1§50: deixarauioa o Jlavre onde 

a temperatura era já muito fria e húmida, condiçSes fstas que se ag- 
gravaram ainda em toda a travessia da Mancha. Depois de apanhur- 
moB violentas tempestades e termos corrido grandes perigos durante 
a viagem, sentiamo-nos RÍnda entorpecidos pelo enjoo quando descm- 
bArcilmtiB tia Madeira. Alli, esse frio húmido do norte fui substituído 
por um m iderado ealor vivificante que nos reanimou ; uma atinos- 
[iliera elara e límpida fazia esquecer as brumas do oconno; au cheiro 
nuuseoao o aos vapores luephiticos do navio, succedia um ar puro v 
fortificante i[Me respirávamos a pleno puluiSo. 

Foi para nós comu que uma resurreiçSo; a vida sucoedia & morte, 
a primavera succedia ao inverno. E que primavera!. . . A vegt-taçSti 
mais rica desenrolava-se por toda a parte á nossa admiração, conju- 
gando, como que por encanto, a expressilo magestosa dos (dimaa tem- 
perados ás proporçiíes luxuriantes da natureza tropical. 

Trepadeiras entrela^radas em grinaldas e constituindo berços; ver- 
dadeiras cúpulas de verdura assombrando tudo. . . e por toda a parte, 
até mesmo nos camiiilios públicos I 



> Madure— Sution medicole lixe— IS 



32 DE LISBOA X MADEIRA 



O alaiuo^ o castanheiro e o plátano vivendo ao lado do loureiro 
e íla palmeira ! 

A cada instante deslumbrados por plantas novas d'um aspecto 
grandioso e d'um desenvolvimento colossal. Algumas, cobertas de flo- 
res vivas, cujo viço e vigor excitavam o nosso 'cnthusiasmo, outras 
carregadas de Iructos succulentos, (pi(í serviam de pasto ás nossas de- 
licias. 

Uma tépida atmospliera impregnada pelos suaves perfumes d' es- 
sas flores e docementíí refrescada pelas brisas do oceano, como que 
nos embalava n'um sonho ideal. 

A Madeira é, em resumo, um verdadeiro Éden, que deixámos com 
grande pezar e de que conservaremos sempre as mais gratas recor- 
dações. 9 

Jacoud, o eminente professor de Paris, afíirma no seu explendido 
estylo de artista * « . . . nada direi dos encantos indescriptiveis d'essa 
regillo montanhosa, verdadeira Suissa do oceano, nem do deslumbra- 
mento proíluzido pela sua vegetação luxuriante, exhibindo n'uma asso- 
ciação única, as riquezas da flora tropical coufuLdidas com os produ- 
ctos mais variados das nossas regiões temperadas. 

Nada direi de tudo isso, porque me limito ao útil sem querer tra- 
tar do agradável, ainda que, para os doentes, o agradável seja muitas 
vezes um dos elementos de maior utilidade.» 

Esta ilha, pois, que possue, como tâo comprovadamente assevera 
o dr. Mourão Pitta, todas as vantagens dos climas suaves, onde os fo- 
cos de irritação se apagam á mingua de influencias exteriores; todos 
os privilégios dos climas eguaes e constantes, onde o organismo se acha 
ao abrigo das oscillaçôes violentas ; todas as benetícas influencias dos 
climas quentes para as exac(írbaçoes tantas vezes motivadas pelo frio; 
que gosa dos benefícios dos climas mari timos na sua qualidade de ilha, 
sem partilhar comtudo dos inc(mvenientes merematicos e das oscilla- 
ç(5es tumultuosas ; a Madeira que tem merecido os elogios mais levan- 
tados, que é possuidora dos elementos mais apropriados ao tratamento 
da tysica e enfeitada por todos os encantos capazes de alegrarem a vista 
e o coração dos que padecem ; como que fundada por um designio pro- 
videncial para a remissão dos tysicos ; a Madeira, apesar dos distin- 
ctissimos tílhos que possue, apesar das sr^is tradiçSes que faliam alto, 



I Jocoud— Curabilidode e Iralamcnlo da lysica pulmonar. 



DE LtSBOA Á MAUItlllA 



apesar da sua importância que se irapSe, apesar do deliciosamente 
belto ão seu clima, nSo tem sabido aprriveitar-se das vanta^aa da sua 
posiçSo geograpliica, das bellezas indescriptiveis do seu panorama, da 
fertilidade ubérrima do seu solo, da diffusSo preciosíssima dos sl>ub ba- 
bitantes nem daa lionaa cltmutuloglcas tJto ditfercMiciadas das suas al- 
titudes; nSo possuindo aínda boje tim serviço de inspecção eanitaria 
que dê garantia aos doentes ti satisfaça plenamente as exigências pro- 
pbylaticas da pupiilngSo ; u&i uxhibindo essat» pequenas babitaçÕes poe- 
ticamente ajardinadas e dispersas que preenchem as indtca^^Ses scien- 
tificBs mais comprovadas, nSo tendo uni único estabelecimento onde 
se possa utilisar da bydroterapia, das vantagens da alimentação for- 
çada, das inhalaçSes e pulverísaçSes por apparelbos apropriados, da 
gymnastica pulmonar pelos spyrometricos; nSo possuindo um único d'e8- 
aes eosiulieirott eximioe, verdadeiros poetas da gastronomia, cujos pra- 
tos mais exóticos são pagos pelos preços mais fiibulosofl . . . faltando- 
Ihe tinalniente todo esse conjuntto de comraodidades, de conforto e de 
luxo, que fallando aos hábitos dos ricos (como sSo quasl todos os ty- 
sicos que emigram) nSo só embalam a imaginação dos doentes, mas 
preenchem essa fundamental e.xigencia dOs estômagos dyspepticos, tSo 
graciosamente formulada no aphurísmo de Peter: Le plua beau ciei tia 
viintde ne peut retnplaeer un bon repas. 

Falta-Ihe, é preciso dbsel-o, essa complexidade de quesitos que 
se tomam boje indispensáveis em todas as estações de tuberculosos e 
muito principalmente alli, onde as condiçiíes sSo tão benelícas, tSo per- 
manentes e tilo salutares em toda a volta do amio, que deveiia ser- 
vir não para enugraçSo temporária dos tysicoe, como succede, mas 
como um verdadeiro refugio para os doentes, onde todos os acommet- 
tidos da tysica clironica viessem buscar imi allivio seguro aos seus 
males, como na Serra da Estrelk poderiam obter cura radical todos os 
de começo apalpados, e isto pela ingerência simultânea, alterada ou 
Buccessiva, da altitude e da bafagem maiútima, corroboradas por uma 
therapeuticji íntelligcnte e pelas mais salutares Influencias sociaes e 
climatogicas. 

A' maneira que se aóbe, em qualquer ponto da terra, vae-ae mu- 
dando de latitude para o Norte, diz Ilordier ; Flammarion calcula um 
grau de abaixamento de temperatura por cada ci-nto e noventa me- 
tros de ascençSo, de maneira que o organismo dos seres vivos ao des- 
locar-se d'um valle para o cume de uma montanha, experimenta pela 
acçSo do meio atmoapheríco, modificsgSes correlativas áquellaa que 
Boffireria, Be se deslocasse do equaâor para o pólo. 



DE LISBOA A MADBIUA 



NlU) SC exueJendo certos limites, ii depreas&u barométrica é con- 
traria ao desenvolvi mento da luberculoBe, nSo só porque traz como 
conseqaencia u diminuição do O, om preBsSo e em massa, o que pa- 
rece ser nocivo á vitalidade du bncUlo tuberculuso, ma» porque daitdu 
como resultado a amplia^'&o do thorax, como se reconhece de facto pe- 
los traçados de Williams, e uma maior expansibilidade pulmonar pelo 
atlivio da pressão exterior, eoncorre a um tempo ao robustecimento 
do apparelho res|iiratorio jjfla gyiimastiea e ao desalojamento dos seus 
micróbios, cujo tniLalbu destruidor, por esse facto, perturba e Contraria. 

Sub a eonaidera^-&o climatogiea, pois, a altitude e a latitude 
eqiiivalem-se sob certos pontos de vista, como acabamos de dizer. Maa 
o clima de altitude para os tysieos n31« é, como em geral se pensa, 
as circuuiBtancias alcançadas indiiiereutemente em qualquer monta- 
nha nos differentes pontos da terra, mas sim determinadas condiçQes 
climatéricas subonliuadas a nma baixa temperatura e a uma deter- 
minada rarefação aérea, d'onde resultem um regimeii especial para 
o apparelho respiratório ; e por isso e aó por isso, í que em cada paiz, 
couHoante a sua latitude immutavel, se tem que procurar uma deter- 
mina<la altitude para conseguir as vuulayLns desse clima especial. — 
Assim 6 quf vêmoH exigir no nosso paiz (como está sueccdendo na 
Serra da Estreita) 1:40(1 a 1:80(J metros para o seu clima de altitude, 
comparável sMàn an que se realisa na 8íIcsíh u 550 metros, na Suisaa 
a 1:300, no Mi-xico a 3:000 e que s<i ae poderia obter no equador 
a quatro ou cinco mil metros acima du nivel do mar. 

A idein c a HÍgiiifieavKo pois dos climas de altitude sSo perfeita- 
mente distinetas das dos climas das niontai.bas, os quaes apesar de 
eminentemente tónicos o salutares para o tratamento de uni grande 
numero do estados mórbidos, silo comtudo considerados muito á parte 
sob o ponto de vista medico, principalmente quando se trata da cu- 
rabilidade da tysica pulmonar. 

Na Madeira, desde o FuucIibI, que fica pouco acíma do mvel do 
mar, onde s temperatura média aunual 6 de IS" C, até ao Pico Ruivo 
erguido a dois mil metros d'altura, onde íxei&j que gradayííes de tem- 
puratura, que exemplares de climns, por toda esta escadaria a altos 
degraus do montanhas sobrepostas, de que o Funchal é o sopé, a serra 
o cimo e o Pico Ruivo a cupnla? t^ue factores natrraes aproveitáveis 
o por aproveitar? Que conjunetu de eircumstancias b armou ísando-sc 
no preenchimento talvez eabal e absoluto d'um fira . . . que elementos 
de benelicio e de riqueza esquecidos e improduciivoa ainda hojei? 



DE LISBOA i MADEIRA 



35 



E apesar de toda esta falta de iniciativa, de toda esta apathia 
particular do Estado na utilisação das suas prcciosissimas condições, 
o clima da Madeira e a qualidade dos seus vinhos gosam d'uma fama 
tSo extraordinária, que tem resistido a todos os estratagemas dos re- 
clames e da concorrência estrangeira. 

Os vinhos porém vâo dia a dia perdendo a sua importância pelo oi- 
diunij pelo phylloxera e pela falsificação ; e o clima, indefeso n^essa lu- 
cta exterminadora' de interesses que se chocam, vai sendo calumniado 
e desconsiderado na opinião publica, sem que ninguém se levante a 
defender a verdade, sem que a ninguém lhe doa o coração. 

Os hespanhoesy fazendo a apologia de Orotava (T(»nerife), affir- 
mam que as aguas do consumo na sua rival são impuras e causas de 
doenças variadas do apparelho digestivo, o que é manifestamente falso 
como se reconhece das analyses da seguinte tabeliã: 

ResoUado das analyses das principaes agoas da Madeira, 
segando Pbipson, dontor em pharmacía e proressor d*anal;se chimica, 

feitas em Londres em setembro de i887 



RESULTADO DAS ANALYSES POR GALÃO IMPERIAL (4k180) LIQUIDO 

Agua da origem (Leste) da fonte Agua da nascente (Oeste) da fonte 
João Dinuf João Diniz 

Límpida, bem arejada, gosto saIino> Limpida, bem arejada, gosto salino 
insignificante. tinsignificante. 



Resíduo total da evaporação 0,560 gr. 

Matéria mineral 0,448 » 

Matéria orgânica 0,112 » 

Agua da origem do meio, 
fonte João Dinis 

Limpída, insípida, inodora, bem are- 
jada. 

Resíduo total 0,320 gr. 

Matéria mineral 0,224 » 

Matéria orgânica 0,095 » 

Agua da fonte Santa Luzia (Norte) 

Limpída, insípida, inodora, bem are- 
jada. 

Resíduo total 0,179 gr. 

Matéria mineral 0,137 » 

Matéria orgânica 0,031 » 



Resíduo total da evaporação 0,512 gi*. 

Matéria mineral (),38i » 

Matéria orgânica 0,128 » 

Agua da fonte do Campo da Barca 

Límpida, insípida, inodora, betn are- 
jada. 

Resíduo total 0,32n4 gr. 

Muleria mineral 0,2432 » 

Matéria orgânica 0,0832 » 

Agua da fonte Santa Luzia (Sul) 

Límpida, insípida, inodora, bem are- 
jada. 

Resíduo tolal 0,192 gr. 

Matéria animal 0,101 » 

Matéria orgânica 0,025 » 



DE LISBOA i SUDEIBA 

Agua da fonte ConyeCra Monte 
Límpida, inodora, insípida, bem arejada. 



Os ínglezes, na sua febre de diUiiinaçilo coutrit nós, publicam J 
ãeuginiiticaiaente nos seus jornaca uma (loF'iiça endémica na Madeira, I 
que buptisam aciíi tosam ente de Madeira feeer, i^m quanto os seus me- 1 
dicos no Funchal Innçam gratuitamente á responsnbilidade do clima, 
as imprudências dos í>euB patrícios, que ao chegar, se abarrotam em] 
fructas. . . e em vinhos, expondo-se a insolações e a fadigas exto-J 
mui n te 8 ! 

Li ha pouco um folheto qualquer em que se apregoava Tenerifl 
e se diziam as maiores barbaridades i-om relaçSo á Madeira, 

Este fidheto, distribuído a bordo dos vapores que faziam cscaJal 
por aquelle porto, a título certamente de réelame, passava comtudo de j 
mâoa em mSos durante toda a viag<>m, produzindo o aeu effeito, por-J 
qu<- a publicidade é hoje a atmosphera que envolve e aj'ragta a todoe^J 
aos crédulos como aos próprios incrédulos da sua BoberanÍ8. 

Williams nos seus magníficos trabalhos sobre a tyeica, consíder^.'! 
a Madeira um clima húmido e dá preferencia, por todas as suaa esta-l 
tisticae, ás viagens marítimas, como meio mais profícuo de tratamentol 
para todas as formas de tysicaa. 

Este auctor, basoando-sc! nos dados da meteorologia geral que r 
gista as iudieaçSes hvgronieIrícaB pelus ioâueucias concomitantes ão a 
sem referil-as á temperatura da superfície do puImSo, fez uma affirJ 
mativH, senSn de todo em todo errónea, decerto infundada sob o pon< 
de vista medico com relaç&o á Madeira, como se induz ilas afErnui'^ 
tivas (lo posto mt-tcoiiitogíeo i; se reconhece praticamente, respirando] 
no Monte e eni Iodas as altas cumisdas que circundam o ^"unchal t 
ar vivificante que como nos lava os pulmões, traduzindo assim a grand^ 
distancia da sua iiatura^^ilo liydrica referida á temperatura dos OTf^ 
que I) respiram. 

Champuillun na*^ suas ínHicaçcJes climatéricas, considerando < 
iDuito a Madeira, nào lhe HA comtudo o logar primordial das prefer 
i-ias. Lomhard, que divide as estaçÇes eanitarins era três grandes gri],'] 
poB, — estaçiles maritímas, estai,'íies inveniaes e estações uumtaaKoaaSi 




— inolue « Madsira no grapo das estações invernaes maÍB tónicas que 
sedativas. 

Laprt^au, que se dedicou a estudar as medidas tendentes a dimi- 
nuir a frequência da tysica, dá urna scctiiidaria importância ás latitu- 
des, recommendando principalmente oa trabalhos no campo e os lar- 
gos exerciuios do corpo e do pidni^>. DiiHy prescreve os exercícios 
cnrporaes e rejpilamisnta magistralmente a maneira mais conveniente 
de 08 executar. Burg, baseado nua dados estatísticos sobre a mortali- 
dade rclativii dos miisicos c dos soldados francezes, instruído pela 
historia doa conventos e das pris3es, onde o algarismo dos tysioos é 
descominunal, estabelece como primeiro e mais profícuo dos meios pro- 
phyluticos tt. gymnasticA pulmonar. Bertin preconisa oa banhos d'ar 
comprimido nâi> s('i pela sua acção meohanica sobre o pulmão mas pela 
sua acção indirecta soliro as combusti^ea ori^anicas. Sokoloysky estu- 
dando os estabelecimentos hydrotherapicos dt; Goerbersdorfs, dá-nos as 
seguintes e apreciáveis Índiuay5es sobre o emprego dos banhos fríos : 
altamente vantajosos como tratamento propLylatico da tysica, muito 
úteis noB casos recentes e pouco accentuados, contra-indicadus em abso- 
luto aos indivíduos anemicos e nos períodos íiectícoa da doença. 



Emlim, desta serie de estudos, dessas dassilicaçSes mais ou me- 
nos arbitrarias, e muito principalmente dos brilhantes trabalhos fran- 
ceses que melhor o em maior numero conhecemos, o que resultit ge- 
ralmente com uma evidencia a que ninguém p<Íde eequivar-se, è que 
o mundo acíentífico não só applaiide medícaç<íes impossíveis de rea- 
tisar na Madeira por fulta absoluta de meios, mas se deixa por tal 
modo influir pelo critério individiul de cada escríptor, pelo espirito 
politico e egoísta de cada nacionalidade, que pinta as eataçtSes d'Al- 
geria, Cannes e Meatoa sobro o Mediterrâneo, Pau, Vernet ', Aiuelie 
lea Bains e Arcachon nos Pyreneus, etc, com um vigor de colorido 
ta), que ao ler os seus notabilissimos livros como que se sento o leitor 
fatalmente attrahído para essas deliciosas paragens descriptns, nSo fi* 
xando sequer a physionomia pallídamente esboçada das demais esta- 
çSes estrangeiras entre as quaes Hguram Bordighiera, Piza e Madeira. 



> Km Vernet reunem-se ás condtçâes climelerícaa das eslaQÕcs de in- 
verno a acção medicatriz das suas aguas thcrmocs; é um local apraxivol e 
pittorefico à'nm clima delicioso; eiluada a (i29 meti-us de alLÍlude, offerece as 
melhores e mais salutares condjijões piira os doentes. 



DE U8B0A X lUDet&A 



Os estudos ãe Pocbs sobre s AQemanli*, ãe Lombnrd cmn rela- 
çSo á Italis, de Bngge na EogadÍDO, de Jounlsnet sobre o M«xico, de 
Âbbadie sobre a» alturas da Abissynia, e finalmente a pcreíslentc apo- 
logia de Ilinz e de Von-<?orv.-J s.ibre aa altitudes, e de Pear* sobru 
8 ao<'iimulaç2o, (baseadiís ii>da£ em faxt<t& mnltiplos e em eloquentis- 
siniaE pstatistKas), prornndw n saciedade o papel ímjxirtanti&eimo (|ite 
exercem e*sfs dois factores (altitude e aceumulaçio i na monalídade 
pela ^eiea, diu us ar^mentoe supremos Á prioridade da Serra da 
Estrella e da Madeira, por isso qtie ''^ta ultima pansoe desde a sua cul- 
min.nçâo que Sf (liva, como dissemos, a dois mil metros, até ao seu 
littural, a serra que a atravi-&&n de lado a lado e que se ergue a mil 
e oitocentos metros, e todo esse grande declive que d"eUa se despe- 
nha, em qne a temperatura nunca excede a lli", saudável e iÍo ap- 
petecível de habitar. 

Accrescendo a tudo isto, que denbro da sua superficie de 500***, 
á latitude N ^2'',50 e ã longitude 7»,50 O, de Lisboa se encontram em 
zonas differenciadas, todai^ as caracleristicas das estaçi^s sauitarias a 
que w refere Lombard (roarilimas, invernaes e montanhosas) bafeja- 
das arfui pelo ar oxv^nado e toníeo do oceano, além pt-la atmosphera 
descomp ri ruída du mouTanlia, por toda a parf- pela alegria da paiaa- 
gem que se toma contagiosa e pela obsequio&tdade da populaçSo, que 
exerce a catechusc raais insinuante. 

A Madeira tem incontestavelmente direitos a ser considerada como 
uma das primeiras esta^-Òes sanitárias para u tratamento da t}'sica 
adulta ou envelhecida, como a Serra da Estrella é sobre modo indi- 
cada pnra a tysica qae se inicia <■ para as formas hemoptJioicas da 
doença em todas as idades ; possuem todas iis condições naturses pre- 
cisas, iàltando-Ihrs apenas o luxo e os confortos da vida moderna. 

Nio se comprehende que os doentes h^ilem accumulatívnraente 
n'am hotel, como tivemos occasillo de vèr no Keid. 

Nío se comprehende que lysit^ias de fornias ditFei^ntes e em t 
ferentes graus de cvnliiçio, sejam sujeius invariavelmente ás influei 
cias du Funchal e seus arredores, havendo como ha tantos campos 6 
tontas attniTis para ond<' os mandar; iiHu se íiduiitte finalmente quo 
a Madeira sirva de refugio aos condeumados sem reniissSo ; que receba 
no seu seio os desgraytidiis }& desilUulidos pelas suas maia apregoadas 
rivaes; e que a estatística da sua mortalidade venha tígurar numerU 
camente e sem annota^es nu confronto com as demais estatísticas con- 



DE LISBOA A MADEIRA 39 



A Madeira está pedindo uma protecção intelligente e desassom- 
brada da parte do estado; uma attenção espeeialissima da parte dos 
médicos portuguczes. 

E' preciso que não deixemos ao cuidado só dos estranhos a apo- 
logia e apreciação d'aquillo que é nosso, e que nos preoccupemos mais 
em dar relevo e dar credito ás noss^vs cousas, do que a interessar a 
gente de espirito pelo lado dos seus ridículos, e os patriotas ignoran- 
tes pelo lado do seu maravUhtfSo,, 



A Madeira é uma prcciosissima ilha para os doentes, mas é egual- 
mente uma encantadora terra para os que o não são. 

Vista de fora, como a vi, tem a apparencia d'um grande cone 
envolto em nuvens brancas e transparentes, com o aspecto magestoso 
e meigo de uma noiva em dia de esponsaes. De dentro, exhibe ao co- 
ração e á vista, o que ha de mais encantador de belleza, de simplici- 
dade e aceio. 

A sua configuração topographica, dá-lhe o aspecto ondidante de 
enormes vagalhões que se petrificassem, apresentando á borda-mar 
penhascos ora escabrosos, eriçado» e calvos, com esse caracter typico 
das penedias marítimas, ora massas estratificadas d'uma estructura fós- 
sil como apertados feixes de stallactites gigantes. 

A sua paisagem é quente de vida e colorido ; salpicada toda ella 
por centenas de casas pequenas, alegres e frescas, que parecem ma- 
rinhar pelas encostas e pelas elevaçíles mais Ínvias, como pigmeus 
teimosos n^uma grande febre de tonríste. Apresenta em alguns pontos 
tratos accidentados, íisperos e pittorescos, que fazem lembrar os de- 
cantados panoramas da Suissa, mas no seu conjuncto, como synthese 
de impressão, tem o que quer que seja do vago e confortável das gra- 
ciosas tellas de Wateau, parecendo exhalar de si com o hálito das 
flores que a revestem, um aroma tão saudável e tão inebriante, que 
sacode o torpor dos desânimos mais profundos, dando vida e relevo 
aos relevos da vida. 

Ha trez cousas por excellencia boas e deliciosas na Madeira: é 
o clima, bIo as mulheres e são os vinhos; umas como outras, como 



que nos embriagam j umas uomo outras são digiiaB de elogio e pedem 
apreciações moderadas. 

E' ([ue o clima excita-nos a vida, é quti tanto as niulkeres como 
os vinboB sabem enleriir o espirito fazendo palpitar os corações. 

Os vinhos da Madeira são como us do Douro, da Extremadura, 
da Bairrada e como a maioria dos vinUoa portuguezea, alcooiicos, enér- 
gicos e de uma tempera triumphnnti: ; cumprehendem variedades in- 
numeraa de que os maia afamados sSo o tíerceai, secco, incorpado, d'um 
sabor ligeiramente atyptico e d'um aroma auaviasimo ; o nalvazia, gé- 
nero adocicado duma cõr topázio encautadora, mais suave e por isso 
maie tolerável aos estoiuagoa irritáveis e áa cunatituições enfraqueci- 
das; o moncatd, vinho doce d'um perfume misto de mil aromaa com- 
binados; o Madeira propriamente dito, producto hybrido de variaa es- 
pécies de uvas misturadas; o boal, um doa mata generosos vinhos do 
mundo e o chamado tinto da Maduira que faz lembrar com saudades 
o delicioao paladar do Borgonha. 

iV amabdidade de alguns amigos, no Funchal, devemos o ter 
apreciado as provas mais genuínas d'esses decantados vinhos. Maa a 
nossa qualidade 3e tonrinte levaudo-noa a experimentar de vez todos 
esaea subtilisairaos néctares e a respirar por lat^o tempo os perfumea 
delieiosns doa seus ethers inebriantes, proporcionon-uos, é verdade, 
uma descoberta importante em physíologia, mas aerviu-noa também 
de motivo ás torturas maia liorrivcis que se podem imaginar. 

Fez que reconhecêssemos í/i unUna vili que o próprio estômago 
na cegueira das auaa tuncções, ee deixa arrastar pela aympathia, so- 
phismando as leis orgânicas que o regem; mas deu logar a que aof- 
freasemos as coutorsòes angustiosas do seu arrependimento tardio e 
a irritaçSo prolongada da sua revolta de vencido. 

A' amabilidade doa nossos amigos e á nossa inexperiência, é 
sempre bom dizel-o, devemos o ter sabido da Madeira verdadeiramente 
estonteados : deslumbrados pelo tjue vimos, embriagados pelo que be- 
bemos. . . e mais talvez aindu pelo álcool que respirámos. 

O commercio d\)B vinhos finos e a exportação de fruetas, consti- 
tuem dois dos maia importantes ramos da riqueza local. 

Escusado é dizer que tanto os vinhos como as fructaa sSo prin- 
cijiaJmente exportados para a França, Rússia c Inglaterra. E ainda 
assim, apesar dos preços elevados que tonto um como outro d'esse8 
productos alcançam nos mercados do Korte, a sua importância decáe 
lamentavelmente de anno para anno, nSo tanto na sua siguiãcaç&o po- 



DR USHOA A MAUIÍIKA 



BÍtiva como fonte de riquL-za, por isso que aa estatíeticas provam que 
a exportação augiuenta, mas jielo descrédito da respeitabilidade das 
suas marcas e da sua importância real como prodticto de constuito. 

Aa fructíiB sfio geralmente exportadas verdes, sem terem com- 
pletado o seu desenvolvimento, o quu dostígura o sou volume e u sua 
forma; sem estarem completamente sazonadas, o que faa com que a 
pectose e o amidon n&o se tendo transformado em pectina e assucar, 
faltem como agentes modííioadorea do sabor acro dos seus ácidos, como 
a defUciencia doá etliers eouipostos, ou perfumes, pela precocidade da 
collieita, os desmereça desses aromas eupéptico» com que se rec^^m- 
mendam tSo eloquentemente áquelles que os saboream bem amadure- 
cidos no próprio local da proveniência. 

D'aqui resulta essa opini&o errónea de que as fructas da Madeira 
nSo prestam. 

NSo prestam cA fiSra; não prestam em Lisboa para onde so manda 
a potréa ; inas para Londres, onde sfio pagas a bom preço, e na pró- 
pria Mudeira, encontra-se, e comi eu, annanazes, annouas, uvas, etc. 
d'iim paladar, d'iun desenvolvimento o uni cheiro, tSo delicado como 
Hl' uSo encuntra em part« alguma melhor. 

Desde as bananas e as mangues, exclusivos dos trópicos, atú ao 
aeajú e a aunona do Bnizil ; desde a pura e o peccgo e as mais apro- 
cladas espécies da flora eui-opêii ; desde as jilantiis do JapSu, da Aus- 
trália, du America e da Huntpa, até ás suas flores variadissimus que 
deslumbram, que variedade de espécies, que multiplicidade de moti- 
vos á admiração o ao goso I 

O clima da Madeira é como que a syntliese apurada de todos os 
climas do mundo. Dahi a reuniSo no mesmo jtonto da terra de todos 
os exemplares dii flora do mundo inteiro; d'ahi o valor íncorapai-ave! 
dos seus pniductos, se a fructa nSo fosse colhida verde, se os vioLos 
qSo tivessem a depriiiii!-os u oiãittm, o pliylloxera, e peior do que to- 
dos os phylloxeras, a fulsilicBçilo. 

Him, a falsificaçSo que oa corrompe como producto natural e que 
08 envenena como principio alimentar. 

O vinho nSo é uma simples combinaçSo chimica; é «m problema 
de gosto, é um alimento e um agente therapeutico de primeira ordem. 
A maiíir parte dVssa geropiga que por esse mmido se bebe 
com o nome de vinho da Madeira, é apenas o producto complicado de 
misturas múltiplas, arranjadas à toute piece nas officinas estrangeiras 
ou manipuladas descaradamente na própria Madeira, á custa dos mais 



42 DE LISBOA Á MADEIRA 



diversos iri<^n;íli«-níe8, entre os qiiae» o pêro desempenha um papel im- 
{lortantíí, coino clomento barato da fraude. 

(> oidium tnckcri c um epiphyta que começando por atacar a baga 
acaba por tornar doente a copa; mas combate-se gloriosamente pelo 
íínxofn; c pelo fo^^o. 

O jfhylloxera-vaHíntrijj que assola a vinha, é um insecto mi- 
írroHcopico ('uja (;n;^enho.sa evoliiy^o, tâo cabal e pacientemente estu- 
ílada hí>je, revela o segredo do í^eu modo de geração, indicando^como 
processo sííguro d(í o combater a destruição d^esses ovos d^invemo, 
que síír vindo d<í casulo ás gera(;oes das raizes, romperiam o cyclo bio- 
lógico quíí garante a perpetuidade da espécie. 

A própria pratica, (bípois de ensaiar o sulfureto de carbone, o 
Hulplio-carbonato d(í potassium, a transplantação para areia e tantos 
outros proc(isso», estabí^bíce de rini ti vãmente como táctica segura de 
defeza, a reconstituição chimica da terra por adubos systematicos e a 
americanisação das cepas. 

Os parasitas, pois, que atacam a planta, os males que vexam e 
díípriíiK^m a vinha, tostão (estudados e estão combatidos; o que nin- 
guém estuda porém, o (pie ninguém combate infelizmente é aquelle 
que corrompe os vinhos, é aquelle que desmoralisa o mercado e en- 
V(;n(ína a saúde. K por isso dentro de poucos annos, se não se eflfectuar 
um reviramento radical na orientação do seu commercio, se continua- 
rem a ser pnjparados tão outros do que devem ser e do que foram 
(pumdo firmaram os créditos de (pie gozam, os vinhos da Madeira 
deixarão por c(;rto de alcançar os preços que lhes garantem ainda hoje 
as tradiçiHes, deixarão de ser glorific.dos pela opinião dos entendidos, 
e como tudo aquillo que se c(mta mas que a nossa observação contesta, 
como esses heroes fabulosos das velhas chronicas d'outr'ora, ficarão 
tendo apíiuas o nome . . . mas nome desprestigiado como todo o sym- 
bolo dos cultos extinctos. 



As mulheres da Madeira não pertencem a nenhum dos typos con- 
sagrados da formobura e celebr;;dos pela arte ; não se podem com- 



DE LISBOA Á HADEIBA 43 



parar ás creaçSes de Rubens, nem despertam conirontos com as ma- 
donas de Raphael ; nSo se assemelham nada ás t )plielias de Sliaks- 
peare, e quando muito, fazem lembrar as musculosas Iiesfianhulas do 
sul; esplendidas encamaçõca num grande i;Hfor^o atormentado do tom 
e de vida, mulheres de cabellos negros, oUmr quente e iruina plástica 
exuberante, a quem dá relevo e uma graça encantadora a alegria 
saudável d'uma sinceridade -franca. 

Deslumbram ao physiologista como moldes do maternidade, ao 
poeta como typo de inspiração c ao liomem do inundo como entidades 
úteis, de uma energia digna de pcrpotiiar-so. 

Os costimies inglezes tcem impnmido na Madeira o muito que ollcs 
tcom de monótono, n'gulamentado o excêntrico, mas teem exert^ído a 
mais salutar influencia na educação da mulher e na organisaçilo da 
familia. 

A'h senhoras madeirenses falta ttilvez um pouco do luxo, dos 
ademanea, das pinturas e dos mil postiços das civilisaç<lcs apuradas; 
faltam decerto os requebros, as poses o o tic romântico d' um sentimen- 
talismo estudado, mas sobeja-llies natunilidailo e d;l-Ih<'s um valor 
imponente a cducaçíto esmeradamente pratica e iitil cpie i»ossuem. 

Sabem fallar as línguas, sabem dedilhar ao piano como <pmlquer 
das nossas burguezas da bitixa; mas aprenderam a fazer flores d'uma 
perfeição írreprehensivcl, fabricam rendas d'(una architectura des- 
lumbrante, sabem governar uma cíisa como a melhor men/tjfire, sabem 
tratar de doentes como uma irm^ da curiduile, níío sctífrcni dos nervos, 
nem so rtiborísam ridiculamente à banalidade barata ilc quiUqucr idiota 
de pastinhas. 

A familia parece ter alli o prestigio d'uma instituição saprada; é 
um objecto do respeito o do (Minsidcraçilio para toda a gente. Si>tl'rcn- 
do as influencias do meio, como que reci'be nas suas tradições do 
amor a lição moralisadora da trágica lenda <lo Macliieo. 

Conta-se que Anna d'Arfet, mulher nobre e riquíssima se apai- 
xonara por um cerlo Roberto Machim, joven ingUiz pobre e plebeu, 
que para evitar o ódio da familia fugiu com ella da Inglaterra em lít44, 
tentando procurar em França a legalisaç'ão dos seus votos pelo casa- 
mento. Ventos e correntes contrarias os levariam ao porto hoje d'eBte 
nome (Machíeo), onde deseniban-aram to<los, !■ <mde nioi-reram ambos, 
accrescenta a lenda, Anna Arfet de dAr por riílo encontrar um padre 
que lhe abençoasse o amor, elle poucos ilias depois de remorsos, como 
inconsolável amante. 



44 DE LTSBOÀ k MADEIRA 



Ambos ahi foram pois enterrados no mesmo tumulo * pelos com- 
panheiros que ficaram, e ahi dormem ainda hojV, juntos, no eterno 
conchego d' uma dedicação sem mácula, ligad(»8 na morte pela fideli- 
dade que 08 havia ligado na vida, envoltos nos nimbus das virtudes 
ideaes... lembrando-sc talvez com tristeza, das delicias com que so- 
nharam vivendo. 

Assim, oh paos de familia, não vos eanceis em repetir muitas ve- 
zes ás vossas filhas a triste legenda do Machico, e lembrai-vos sempre 
da bailada: 

Os mortos esquecem depressa. 




* Affirmnm-nos existir em Machico uma lapide commemorativá doesse 
lacto. 



DE LISBOA i HADEIRA 



DADOS estatísticos SOBRE A UADEIEA 



Média dis lemperalnrag annnaes 



.^ 


Média dl temperatura annual 


1874 


18%a2c 


1875 


18 ,«7 


1876 


18,61 


1877 


18,96 


1878 


10,46 


187» 


18,7 


1880 


18,38 


1881 


18,3» 


1882 


18,08 


1883 


18,17 


1884 


IH .lii 



lèdia dag lenperalnras mensaes (obtidas no poslo melKoroltgJco da Funchal) 



Janeiro--. 
Fevereiro. 
Mar^'0 - . . 

Abril 

Maio 

Junbo . - . . 




.lulho I 'i\\m 

A(,'Oslo I 22 ,« 

Scloiuhra I 22,»3 

Outulii-o i a» ,3» 

Novomhro 1 18 ,(K) 

Dezembro | 17 ,42 



46 



DE LISBOA A MADEIBA 



Média das temperaturas maiíma e minlma em eada anno 



Annos d'observações 


Máxima 


Mínima 


Differença 


1874 


24,45 


12,06 


12,39 


1875 


25,51 


12,15 


13,36 


1876 


25,99 


11,95 


14,04 


1877 


25,89 


12,38 


13,51 


1878 


26,16 


13,12 


13,04 


1879 


24,91 


11,65 


13,26 


1880 


25,67 


12,72 


12,95 


1881 


24,74 


11,79 


12,96 


1882 


24,39 


12,02 


12,37 


1883 


24,45 


11,17 


13,28 


1884 


24,79 


12,13 


12,66 



Observações sobre o Ozone feitas no Fnncbal por meio do osonometro 

de Jame (de Sedan) 



Annos 


Janeiro 


Fever. 

4.9 


Março 


Abril 


Maio 


Junho 


Julho 


Agosto 


Set. 


Out. 

4.6 


Nov. 


Dez. 


1874 


5.1 


4.6 


4.6 


4.8 


4.6 


4.1 


4.2 


4.2 


5.2 


5.2 


1875 


5.2 


5.2 


5.0 


4.9 


4.5 


4.5 


4.2 


4.0 


4.4 


4.2 


4.3 


5.1 


1876 


5.4 


5.3 


5.1 


4.8 


5.1 


4.9 


4.3 


4.2 


4.3 


5.5 


6.4 


6.7 


1877 


5.4 


5.2 


5.3 


5.2 


4.5 


4.4 


3.9 


4.1 


4.5 


4.5 


4.3 


4.8 


1878 


4.7 


4.9 


4.6 


5.2 


4.5 


3.9 


4.1 


3.8 


4.(r 


4.4 


5.2 


6.1 


1879 


4.9 


4.0 


4.6 


4.6 


4.5 


4.4 


3.6 


3.6 


3.7 


4.4 


6.0 


5.9 


1880 


5.6 


5.24 


4.82 


4.72 


5.27 


4.30 


4.18 


4.19 


4.03 


4.93 


4.57 


4.79 


1881 


5.0 


4.80 


6.31 


6.33 


4.84 


4.1 


4.05 


3.84 


4.27 


4.32 


4.89 


4.92 


1882 


5.9 


6.5 


4.98 


4.87 


5.6 


4.76 


4.08 


4.14 


4.26 


4.5 


4.77 


5.1 


1883 


5.2 


4.79 


5.71 


7.51 


6.7 


3.7 


4.09 


4.13 


4.29 


4.9 


4.69 


6.7 


1884 


6.3 


5.21 


5.13 


6.21 


4.79 


5.2 


4.21 


3.9 


4.79 


4.11 


5.71 


5.99 



DE LISBOA Á IfADEIKA 



47 



Resultado da 1.095 obaanraçõea em cada anno sobre o estado 

atmospherico do Funchal 



AniMM 


Serenidade 
■tiDospherica 


Poucis nuvens 


Cco coberto 


Chuva durante as observações 


1874 


375 


449 


178 


93 


1875 


380 


420 


205 


ÍK) 


187G 


392 . 


391 


183 


12Í» 


1877 


385 


39Í) 


206 


105 


1878 


397 


405 


188 


105 


1879 


322 


483 


182 


108 


1880 


360 


427 


197 


111 


1881 


392 


400 


194 


lOÍ) 


1882 


335 


477 


208 


75 


1883 


359 


497 


10;^ 


130 


1884 


367 


489 


193 


100 


Tabeliã do numero de dias de chuva durante o anno e a sua quantidade 

expressa em millimetros 


Annos Dias de chuva Chuva cm millimetros (totah 

i 


1874 73 


518.3 


1875 V^\ 


450.4 


187G ÍM) 1029.0 


1877 


72 


m)A) 


1878 72 


803.2 


1879 lai 


923.7 


1880 94 


417.1 


1881 


89 


í;05.9 


1882 


41 


384.1 


1883 


69 


461.7 


1884 


77 


421.9 



48 



DE LISBOA i MADEIBA 



Direcção média dos Tentos no Fnnchal durante o anno 



Norte 



Nordeste 
Noroeste 



Leste 
Oeste 



Oessudoeste 



Sudoeste 



Sueste 



Vento calmo 



16 

23 

46 

21 

68 

140 

471 

36 

274 



Temperaturas médias de diversas cidades segando os meies 



Cidades 


janeiro 


Fevcr. 


Março 

17»9 


Abril 


Maio 


Junho 

20°4 


Julho 


Ago&to 


Set. 


Out. 

21«7 


Nov. 


Dez. 


Funchal • 


1709 


1703 


18«0 


18"2 


22'>9 


23"05 


23«9 


18«13 


17°7 


Argel 


15.10 


15.0 


15.58 


17.61 


20.97 


23.96 


26.89 


27.71 


26.3 


23.25 


19.11 


16.01 


St.' Cruz 
de Te- 
nerife. • 


17.68 


17.93 


18.98 


19.62 


22.98 


23.27 


25.12 


24.93 


25.23 


23.7 


21.39 


19.12 


Pau 


5.1 


6.3 


9.33 


11.0 


16.3 


20.1 


-0.3 


23.0 


20.2 


14.7 


8.3 


6.0 


Nice 


6.92 


8.63 


10.36 


12.68 


16.79 


20.31 


23.6 


23.28 


15.69 


16.21 


12.1 


8.31 


Nápoles. 


7.91 


8.66 


10.63 


14.82 


18.29 


21.5:í 


24.9 


24.58 


20.85 


16.62 


11.72 


9.51 


Roma . . 


7.23 


8.52 


10.93 


14.33 


18.47 


21.72 24.3 


24.22 


21.12 


18.22 


11.97 


8.77 


Palermo. 


10.8 


10.73 


12.22 


14.63 


18.11 


21.70 24.28 

1 


24.63 


22.57 


19.35 


15.07 


12.62 


Cairo 


14.5 


13.4 


18.8 


25.5 


25.7 


28.13 


29.9 


29.9 


26.2 


22.4 


16.97 


16.3 



CABO VERDE 



Escrever sobre a terra onde nascemos tem alguma cousa de impo- 
sitivo e grave, que nos impelle a compulsar o passado inteiro, a relem- 
brar com tristeza aquelles que partiram, a invocar com saudade os 
amigos que nos restam, a recompor a vida com todos os seus deta- 
lhes, a antever a morte com todos os seus mysterios, como que a en- 
carar a existência na emmolduraçSo do próprio destino — quadro so- 
lemne de uma perspectiva iumiensa, ondi; se alliani á visSlo plácida das 
cousas as scintillações irisadas dos sentimentos d'outr'ora, que relem- 
brando os divinos haustos da vida, impellem aos sonlios das illusoes 
consoladoras. 

Escrever sobre a terra onde nascemos, é lembrar-nos da nossa 
infância, é rever pela imaginação os sitios onde brincámos, a arvore 
amiga que nos estendeu seus braços, a ama carinhosa que nos prote- 
geu os sonhos, os irmSos, os companheiros das luctas, o olhar compas- 
sivo e bom do nosso pae, a sollicitude serena e meiga do nossa mfte, 
o nosso lar, a nossa gente, a nossa familia emfím. 

E compulsar o passado, é folhear pagina a pagina um livro de 
doutrinas santas, que nos consola e nos compunge. E' sentir reviver 
o lucto das tristezas intimas; é remecher com as próprias mSos nas 
minas das próprias illusões, é comparar sonhos que a imaginação creou, 
com a realidade que nos deixou o tempo. E' galvanisar a alma ao so- 
pro de recordações saudosas: é dar-lhe uma vida apparente e ephe- 
mera como aquella que se dá a um morto pela acçSo de uma cor- 
rente eléctrica. E' querer sonhar. . . e sofi&er; é dilatar o coração á 
custa das torturas de uma cicatriz que nSo cede; é lembrar-nos do 
nosso primeiro amor, do altruísmo dos sentimentos d'outr'ora, da leal- 
dade das nossas intençSeSi da fé e da crença que depúnhamos nos ou- 

7 



CABO VKBItE 



tros. E' apalpar L-om espanto esse vazio enorme que tSo excavanâo na 
vida as decepções cruéis ; é sentir soluçar a alma como orphS na sua 
desolação profunda, é querer rir e thorar. . . é querer o despresn e 
amar sempre. . . í- querer olvidar e Bofl'rer mais. 

Finalmente, r^-eordar o passado é sentir que jíe envelhece, é eom- 
prehender que já se andou mais do quo so tem para andar; 6 perce- 
ber, já tarde, que a alta montanha qne se galgou eorrendo, é esca- 
brosa e é rude e tem por base o abysmo. 

Recordar o passado, é uin prazer amar^rado . . . niiis talvei! o 
unieu prazer consolador. 

Escrever sobre a terra onde naaeeraos tem o que quer que seja 
de comracvedor e grato, que faz lembrar a mugia de um sorriso meigo 
G a expresB&o ridente de um olhar amigo. 

Pois é n'esBa disposição moral que escrevo; é recebendo a impres- 
são triste da paizagem qne se alarga defronte, uma oudulaçSo monó- 
tona de terriífi estéreis, onde apenas se destaca alguma arvure euima- 
grecida, respirando o ar abafado em que parece errar u exhiiIa^'ão 
quente das campinas próximas, e observando a poucos passos uma 
creança indígena, scismadora e abstracta no abandono da smi nudez 
primitiva, que, ínstallados á sombra de um tamarindo gigante, dispo- 
mos e c-ourdenamos os nossos apontamentos, assentamos o nosso ar- 
raial, e depois de vacillar muito, sem plano detinido, e sem saber por 
onde, damos ^-omeço a este trabalho, ha tanto deliberado na nossa 
phantasia de filba. 

For toda a porte o sllenão e o abandono se estendem como massa 
inerte de presagios tristes, e nem o sol ardente do meio dia, nem a 
laz vivissima dos trópicos, conseguem apagar de todo a desolaçko e 
lucjo d'essa apparencia typica dos terrenos vulcânicos. 

Temos ante ns olhos a Africa com t<ida a sua reali<lade; sofiran- 
do nc cérebro u onesthesia do seu viver, seutíudu n'j physico a soumu- 
lencia mórbida da sua influencia thermica. 

Estamos em Cabo Verde. Estamos na ilha mais pobre e nu mais 
infeliz de toilas as do arehipelago ; mas uaquellu que guarda tradi- 
ifSes mais eloquentes, n'aquella que patenteia maiores vestígios de ci< 
vilisaçSu, naquella que mais alto falia au nosso curaç&o de tilbo, 
n'aquclla que mais piedosamente inspira os nossos sentimentos de 
artista. 

A ilha do Sal é um tracto ile terra i'merso do uceanu; c 
um navio desorvoradu, vogando á lona d'agua e á luercê da 



o que 



CABO VERDE 51 



De longe apparenta um enorme crystal na reverberação luminosa 
de um esplendor sobcrbt). De dentro exhibo nos estreitei? limites das 
suas 70 milhas quadradas, a cratera enorme da «Pedra de Lume», com 
todo o pittorosco grandioso dos sons contornos, as salinas do a Porto» 
com toda a originalidade dos seus delineamentos, as enseadas eapri- 
ch<»sas que rendilham as suas costas, os moinhos febris que animam o 
seu panorama ... as grandes dunas do sal e as immensas dunas d'arcia, 
luzentes ao sol, na apotheose irisada de um resplendor deslumbrante ! 

E* plana, estéril, tendo por culmina^'ao o monte Martins, erguido 
a 400 metros sobre o mar; nâo tem agua potável, nâo tem combusti- 
vel, não tem producyôes agrícolas, nâo tem bibliothecas, nâo tem pha- 
róes, não tem estradiís, mas tem caminhos de ferro como não ha em 
toda a pn)vincia, tem pontes engenhosas e corajosamente construídas, 
tem meios de viação com»» os mais aperfeiçoados da Europa, tem sal 
e muito sal, exhibe os vestigios de uma actividade commercial que se 
apagou, patenteia em ruinas mil indicios de uma civilisação adiantada 
que se extinguiu e guarda como um d(^«ípojo sagrado do que se enu- 
mera de mais patriótico, mais enipreh<mdedor e mais altruistico nos 
annaes do archipelago inteiro, o tumulo onde repousam os restos mor- 
taes de Manoel António Martins, um dos vultos mais imponentes da 
historia da c<»lonisaçao Cabo Verdeana, cujos relevantes 8(»rviços são 
attestados pelos melhoramentos materiaes profusamente dispersos por 
todas as ilhas e cuja prestigiosa influencia encontra justiça, não só em 
todos os que teem escripto sobre Cabo Verde, mas nas narrativas v. 
nas tradições populares, omb? o seu nome, ainda hoje, perpassa com 
a sonancia lendária das admirações profundas, que só sabem e pixlem 
tecer o respeito e a veneração dos povos. 

Escrevendo pois sobre Cabo Verde; passand(» em n»vistii a sua 
historia, folheando os seus documentos e dc^parando a cada passo com 
esse nouK', aliás tão grato aos nossos sentim(mt<>s de familia, vêmo- 
nos lisongeiramente obrigados a evidenciai-») mais uma vez pela pu- 
blicidade, prest-uido assim homenagem reverente á memoria do pae 
do nosso pae e o humilde preito da nossa admiração a um caracter 
digno e levantado do nosso paiz. 

Obedecemos apenas aos dictamcs d 'um dever sagrado, satisfa- 
zendo uma verdadeira imposição da consciência. 

Ha homens que te(im um legitimo direito ao culto das homena- 
gens publicas, por isso que pertencem á legião privilegiada dos bem- 
feitores da humanidade. 



o consellieiro Manoel António Martins era uin d'eBt«s homens. 

Por isso, apesar dos laços de parentc^stro que nos ligam á sua glo- 

I riosa memoria, nSo nos podemos esquivar a elle nos referirmos, tanto 

is que nilo vamos ventilar a apreciação de indiffcrentea a de ps- 

tmnhos, o que ha talvoz de maia caraeteriatieamentf notável no seu 

levantado caracter do homem — a magnanimidade da sua vida privada. 

Tanto mais que pomos de parte tudo que nin esteja doeumcntadf> e 

\ anteriormente dito, apontando da sua vida (>ublica unicamente aquillo 

que nSo è dado oontestar-so, e guardando para nós, eomo herança 

, prestimavel, o muito que elIe praticou nas sombras da sua caridade 

piedosa e o muito que elle sofFreu pela ingratidão dos homens. 

Intelligente, activíssimo e dotado de todas as qualidades imposi- 
tivas o attrahentes do commando, tornou-se desde a sua chegada á 
provincia, credor d'uma sympathia tSo geral e tSo confiante, que 
desde logo se tomava o idolo das aspirações populares, servindo a au- 
ctoridade do aeu nome de garantia segura á ordem, protegendo o di- 
reito e a emancipação dos fracos, promovendo o desenvolvimento do 
commenúd e da agricultura «m todas as illias, povoando a ilha do Sal ', 
prestando os maiores benefieios na celebre e nunca esquecida fome de 
iy33', e realisando atravez de todas as difhculdades da epocha e to- 
das as relutancias da politica d'entILo, tralialhos gigantescos de appli- 
caç9cB i<ciontÍlicas, como construcçSes de túneis ^ e assentamento de 
caminhos do ferro ', facto esse que nunca havia sido ainda executado 
em território algum portuguez. 

E tudo feito sem privilégios, sem subsídios, por conta própria, 
sem protecçfio alguma do governo ! 

Foi elle quem construiu o cães e fortaleza ' da Boa Vistn cora que 
mais tarde os b'^us descendentes presentearam o estado 'j foi elle quem 



' l'iijr. 51 — Lopes de Liinn— Ensaios sobre a eslaLÍBlica das poaseasões 
portuguejine. 

' Provam os dncuineiilo- oHiciaON, a escriplurfi[;ão coniraercial da casa 
Miidins e lis URiítdmes nfltrmnljvns Ac Iodou os contemporâneos ()ue elle kt 
iiiiporlio' ■:'iri'(!K'"iiontos de eerorti?.-' rjue Ibrnm distribuídos gi-atuitmiíerile aos 
povos do IoiIhr 'IS illins. 

' \'ag. Í7. — Lopes de Litno — loc. cit. 

' l'nff. 1(12. —Travassos Valdez. — Noticias o considerações solu-e a 
Africa occídenLnl- 

'' Paff. P»>. — Lopes de Lima — loc. oÍl. 

' Rolrlirn omcisl de Cabo Verde, ii." I&de 186. 



CABO VEBDE 63 

construiu A ena custa a canaliBaçSo e os depoBitos para ae oguaB do 
Monteagarro, que aervem a abastecer a cidade da Praia, á sua custa, 
por nSo ter o governo meios com que o tizesBC, como o affirmam Lopes 
de Lima, Travassos Valdez u documentos múltiplos. 

A elle se deve o impulso da cultura do café cm Santo AntSo, 
hoje tSio florescente e producttva; a enorme importância que attín- 
gia outr'ora o commercio da nrzella; o incrcnicnto extraordinário a 
que chegou o commercio da Boa Vista e do Sai '; a ello se deve o 
importantíssimo projecto * da canalisaçSo das aguas da Brava, a elle 
se devem finalmente actos d<3 tão levantada philantropiae utilidade, que 
mereceu, n'um tempo em que as distincçiíes nacionaes ainda nSo ha- 
viam baixado ao aviltamento a que chegaram no nosso paiz, o sor 
nomeado governador geral de Caho-Verde, ii titulo de eonselho e o 
grau de cavalleiro de Chrisio; do povo, a honra de ser escolhido como 
deputado para as constituintes de lli^lSO; da naçSo ingleza, como pre- 
mio de serviços humanitários, um objecto de grande valor real e ar- 
tístico, onde se lêem em tennos lacónicos do positivismo britannícoaa 
expressões mais honrosas com que se pôde louvar uma acgão. 

Pois esse homem i{ue tanto enalteceu essa terra, que tanbi bene- 
ticion o seu povo, que tSo relevantes serviços prestou á eívilisaçKo, te- 
ve que luctar sempre com mil obstáculos e trabalhos, arrastando uma 
existência largamente amargurada por desgostos e. desíliusSes pro- 
fundas. 

Liberal, teve que reagir com o despotismo dos que governavam 
a Africa como terra de escravos ; teve que se impor ás rotinas pelo 
êxito deslumbrante de innovaçSes realisadas, teve que luctar fronto a 
frente com os prejuízos e os ridículos da epoeha, teve quo bater-se con- 
tra as [trcpotenciaa a que as ideias do tempo davam focos de privilé- 
gios legitimes. 

Europeu, teve que se coUoc^r ao lado dos insulares, seguindo os 
exemplos de Cliristo, que so collocnu sempre ao lado dos qne soOVÍam. 

Millionariír, nunca se utilísou das grandes regalias da sua fortuna, 
senfto para saciar os caprichos da sua generosidade sem limites <■ de- 
fender as prerogativas da justiça, que elle amava acima de tudo. 



' Lopes de Um» e Travassos Vâlden— loe, cil. 
I Carla ilirigidn a J. de Senns em^ ■ ■ 



Governadores e governação 



Nada ha mais digno de estudo, mais curioso pelo ridiculo e mais 
improducente como resultados, do que essa actividade desordenada e 
sem planos, do que essa multidão de medidas em projecto, do que 
essas aiiirmaçòes de reformas que nunca se realisam, devidas á exci- 
tação climatológica sobre os novos governadores que chegam. 

Esses governadores forçosamente militares, e militares da metró- 
pole, indivíduos que na generalidade nfto conhecem o Ultramar, nem 
mesmo pensaram em governar coisa alguma, todos entregues ao bri- 
lhantismo das suas glorias de dandys e aos piailés dos seus corcéis 
esbeltos. Que nunca se preoccuparam com a Africa, que nunca provaram 
por factos, por manifestações de estudo ou por revelações de talento, 
ter a menor competência para dirigir ou orientar coisa alguma; sua^ 
ex.", cujo nome geralmente ninguém conhece, nem nas altas regií^es 
onde brilham as constellações do mérito, nem sequer nos curtos hori- 
sontes onde emergem populações a cujos destinos vem presidir ; suas 
ex.^*, aliaz pessoas muito pacificas, muito obsequiosas e cheias de qua- 
lidades apreciáveis, sempre escoltados de pers(malidades graves de 
uma significação nulla, que entram e sahem, na maioria, sem terem 
contribuido para um único melhoramento de vulto ou para uma única 
reforma de foUgo^ a quem ninguém pede contas e que não as dão de 
facto a ningtiem, teem comtudo, mesmo nas provincias pobres como a 
de Cabo- Verde, mesmo nas localidades sadias e por tantos modos be- 
neficiadas hoje pelos melhoramentos da civilisação, como Cabo- Verde, 
proventos, regalias e privilégios, que contrastam e destoam não só 
com o que aufere o demais funccionalismo, mas que em muitos casos, 
chegam mesmo a apparentar um verdadeiro e legitimo motivo de re- 
yolta. 

8 



58 CABO VEEDE 



Os governadores de Cabo- Verde, desde que sâo nomeados, teem 
a promoção de posto, ficam tendo o ordenado de 4:0(X);^00() réis a que 
se somma 0O<.)j5>0(X) réis para despczas de ostentação (de que nâo pres- 
tam C(mtas), teem um palácio na Praia e outro em S. Vicente, mobi- 
lados e e(piipados, onde cada um a seu talante faz e desfaz as modifi- 
cações que entende e onde se tem gasto nos últimos annos quantias 
valiosas e algumas mesmo a descoberto das prescripções legaes. — 
Teem uma canhomMra cpiasi exclusivamente empregada como yacht de 
recreio para os seus })asseios e para o transporte dos seus amigos pre- 
dilectos, tendo finalmente as ])assagens pagas para Lisboa e a facul- 
dade largamente utilisada de se esquivarem todos os annos ás vicissitu- 
des dos calores e dos miasmas da capital, e isto, com a gratificação de 
mais 4;J5(XJ réis diários, sempre que essas ausências nâo excedam a 
noventa dias annuaes ! 

A provincia de Cabo-Verde, bem feitas as contas, nào dispende 
menos com os seus governadores de dez a onze contos de réis, verba 
approximadamente egual á que ella dispende com a sua instrucçâo 
publica !! 

E sobre a emigração dos governad >ros na epocha pluvial, preci- 
samos a(!crescentar como sombra própria do quadro, e que dá um 
relevo extranlio, a falta de eíjuidade que acompanha este facto » 
nVsta mesma província onde suas ex.** sâo gratificados por se es- 
quivarem ás influencias do empaludismo, se qualquer outro servi- 
dor do Estado, sega qual for a sua gerarchia, a sua classe, ou a sua 
graduaçílo, por motivo de doença, attestada pelas corporações com- 
petentes e reconhecida pelo próprio governador, tiver que fazer o 
mesmo que i)raticou o chefe da provincia, e isto como recurso único 
de se restabelecer; a esse desgniçado, seja elle um amanuense sem 
recursos, seja um pobre official moribundo, a esses, a quem o Es- 
t^ido não faculta nem casa nem hospitaes nas ilhas salubres, cerceia a 
lei a gratificação ou os emolumentos, castigando-os nos seus interes- 
ses, como se fosse para uns um crime, o adoecer no seu posto ser- 
vindo, e uma virtude para os srs. gov(»rnadores o pn)curarem as re- 
galias da sua ^aude, emignuido I 

(,\mhecemos poucas das nossas provincias ultramarinas ; mas do 
(pie temos lido e do pouco que conhecemos, julgamo-nos sobejamente 
auctorisados a considerar como um dos motivos mais poderosos da 
nossa desorganisaçSo e atropliiamento colonial, os governos militares 
e esse facto monstruoso e inacreditável de vermos sempre a contas 



GOVERNADORES E GOVERNÀÇlO 59 



com a direcção superior das colónias, ministros, deputados e g(íver- 
nadores, que nem sequer as conhecem. 

A incúria nacional, o habito de considerar as colónias como um 
brazfto histórico, e as apregoadas riquezas d'além-uiar como titulos 
de vaidades e improductivas ostcntaçòí^s, íizeram-nos esperdiçar du- 
rante longo período de paz <* d(^ incontestados íastigios, um precioso 
tempo que nâo se recuperará jamais, arrastando-nos á inuninencia em 
que nos achamos hoje, de as perder talvez totalmente e de softrer uma 
crisíí financeira do mais terrível prognostico nas desesperadas convul- 
çôes da reacção com que iigora tentamos luctar, já tarde, e quem 
sabe se inutilmente. 

Hoje, pois, que nâo ha tempo para demoras e que se toma pre- 
ciso proceder e deliberar acertadamente e sem hesitações; hoje mais 
do que nunca, se torua urgtmtt» um esforço unanime e patriótico, es- 
cudado em sérios estudos e procedido das mais enérgicas reformas ; 
hoje mais do que nunca, compenetrando-nos bem dos nossos recursos, 
da força de que dispomos, da significação ethnica do preto e do espi- 
rito utilitário da nossa civil isação, hoje mais do quí^ nunca se torna 
indicado e urgente o dar uma organisaçâo civil aos governos do ul- 
tramar, facilitando assim a gerência d'esses territórios, que deve cons- 
tituir d'ora avante um premio ao patriotismo, e ao mérito provado, á 
maioria dos portuguezes até hoje excluidos d'essa possibilidade por 
condemnaveis motivos de privilegi<^s de classe. 

Tanto mais, que a experiência já está feita entre nós e constituo 
um eloquente e comprovativo argumento das vantagens dV^ssa forma 
de governos. 

A administração do sr. Sarmento e do sr. Vicente Pinheiro (l^in- 
della) em S. Thomé, faliam mais alto de que todas as objecções fabri- 
cadas pela rotina e pela parcialidade. 

O livro que o sr. Pindella publicou sobre essa provincia, além do 
seu valor litterario, revela um estudo e luna competência que não co- 
nhecemos em nenhum trabalho dos illustres generaes que te(*m com- 
mandado e presidido aos destinos das demais provincias. 

Quanto á objecção da disciplina e da coragem, toda a gente hoje 
sabe, que não é a farda que dá energia ao homem e que não é com 
a espada que se aplainam os costumes dos povos. 

As administrações militares não satisfazem ao ideal utilitário e 
pratico para que tendem as aspirações coloniaes, falseando profunda 
e radicalmente o espirito fundamental da nossa influencia colonisado- 



60 CABO VBRDE 



ra, que tem que se basear nos processos de persuasão e de ordem e 
nunca nas irritabilidades do heroismo militar, que tâo fataes nos tem 
sido, e muito menos nos argumentos da força . . . que não temos. 

Até nos interesses dos próprios chefes se encontra, dil-o o dr. 
Bentes Gastei lo Branco, c com rasSo, uma differença fundamental para 
a prosperidade da colónia, entre os governos militares e as admmistra- 
çocs civis: «quando rebenta uma revolta (em regra provocada pelos 
abusos dos dominantes) onde o segundo encontra o descrédito da sua 
administração e a rui?ia do seu futuro, o chefe militar pelo contrario 
acha o meio de se engrandecer c de conquistar o titulo de heroe. 

«Nos pontos insalubres, o governo civil mantem-se á custa dos 
interesses do próprio indigena, o militai' á custa de despezas impro- 
ductivas e de numerosas victimas que pelo menos o clima vae cei- 
fando. 

«Finalmente, um pequeno estudo sobre a forma da colonisaçfto 
das differentes nações basta para evidenciar que em toda a parte o 
regimen civil se tem mostrado incomparavelmente superior ao mili- 
tar, se não tomarmos em consideração mais do que a prosperidade 
da própria colónia.» 

Aos governantes, pois, que teem por obrigação estudar este as- 
sumpto, compete encetar uma gloriosíssima campanha transformando os 
commandos militares em governos civis — as ordens disciplinares em 
simples estimules orientados pela opinião e pelas verdadeiras necessi- 
dades publicas — os grilhões em liberdade — os castigos em protecção 
— os exércitos expedicionários em phalanges de negociantes, missio- 
nários, médicos, agricultores, engenheiros e industriaes. 

Estamos certos de que esta transformação é applicavel a todo o 
ultramar, i)orque na própria Guiné, onde os hábitos guerreiros das tri- 
bus e a influencia secular do militarismo teem criado raizes difficeis de 
destruir; na própria Guiné, bastaria coexistir um commando militar 
obediente e disciplinado para que o governo civil alli produzisse os 
mais beiíctícoá e os mais económicos resultados. 

Com rcla<;rio a Cabo Verde nada ha de mais necessário, de mais 
realisavd c d(i mais i ml içado hoje. 

(.) militarismo, mesmo este que i)or ahi temos, fazendo sempre 
lembrar a ;j:raciosa ironia das companhias de seguro de vida em In- 
glaterra com relação aos voluntários inglezes, mesmo este, destoa por 
tal fúruia no seu ar marcial e correcto, com a expressão bandoleira 
da sociedade que o cerca (i da humildade ingénua do povo que o ad- 



aoyKBNADOBEB E GOVERNAÇÃO 61 



mira, que ao vermos os governadores abotoados nos seus dolmans de ge- 
neraes; cercados de médicos accentuadainente burguezes arvorados em 
capitães de guerra e tendo por séquito um estado-maior resumido, de 
tenentes-coroneis e coronéis fabricados pacificamente pelo tempo, sem 
terem outro tirocinio nem outra educaçSo militar do que aquella que 
pôde dar a convivência clinica com populações miseráveis e os exer- 
cicios pedestres das construcçSes a mac-adani ; s 'utimos esta impressão 
indefínivel d'onde resulta o riso e como que a necessidade de pergun- 
tar a toda a gente qual é a vantagem doeste apparato burlesco, des- 
empenhado aliás impertigadamente por pessoas sérias. 



Nâo se pode imaginar nada de mais curioso o de mais inútil, 
na generalidade, do que as visitas officiaes com que os governadores 
costumam honrar o seu povo, quasi sempre nas proximidades das elei- 
ç3es. 

E' um quadro de sensaç&o, vestido do paramentos exclusivos, il- 
luminado pela luz mais viva do charlatanismo burocrático e povoado 
de episódios burlescos tâo extraordinários e tào originaes, (jue ora dis- 
pertam a reminiscência do popular enterro do bacalhau, ora nos faz(»m 
lembrar com desgosto a decantada corto dos milagres, tão nitidamente 
desenhada por Victor Hugo na Notre Dame. 

Suas Excellencias revestem-se de uma importância verdadeiramen- 
te OfFenbachica; preparam uma expí^diçSo em regra fazendo- se acom- 
panhar dos fantoches mais influentes na publica administração, trans- 
portando no seu séquito não só os ajudantes, essas entidades indispen- 
sáveis á sua pose^ mas algims amigos mesmo, d^esses que pela fama 
nos expedientes eleitoraes, se tornam recommendados como instrumen- 
tos indispensáveis, para as diíFerentes hy|>otheses que as circumstan- 
cias do momento podem suggcrir. 

D*antes era costume também, addicionar a esse grupo d(í leões, 
alguma ou muitas personagens da egreja, com o intuito de certo de 
abençoar desde logo as conquistas da diplomacia politica sobre a di- 
gnidade das consciências e as prerogativas da vontade. Esse elemento 
porém, hoje, faz-se rarear n^essas como em todas as apparatosas mani- 



— > - >'.._-. " _ ..».t***" 



'■--".^ ::z:i '.-r.'-r.:\i t-^-?-~t1 za 'hDmatica da 

- . :- -■ ■ • - :- . -^ii;! Lt<i .-ij-i- rj.-?LÍL'ir:.i5 na fv«i- 

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■:i: :.7.'l a»» <*yl ■•?? >t'us capa- 

--■;.- T-i-i» 5. '•!? íol<L;'I'»s arras- 

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V. .... :;.■:■• '"nTiiTi-^a •• dÍo 

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M u:;i'r;«»s m|H-n:ntntes. 

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i i.:.v .,'1*' . íilli '• j«C>*oal do r?OU 

. . .» \i^.' >, ^L'i?i ^L- jin iicctipar»'m 

.1,. :i.^ .t in.«i'da 'AMidi-ncu aiiK'- 

.. >. i.:. >*f i .4 vaiivr. coiuii lima 

-. .^. c* i..^ •*'i" 'iid« o>tã ostipuliido 

>. i..' .LivíL 'aiÍ4-ar do» vultos mais 
......:;ux '•r»\\iii:v:ui ct»ntra tudo que 

»^^ . . .,.*. > A' M «i ve>i!iario domingueirt), 

V , w . ■• • ''i''. ■ .irmando-se oom o ar im- 

U.., v-s* -^v *" ••» ^vi'»i:i-in .1 "iruial, arremottem-se 



GOVERNADORES E QOVERNAçXo 03 



ao governador a quem abraçam, collocando-se impertigadamento ao 
seu lado direito, como um menino Deus á mâo direita de Deus Padre. 
Os camaristas, iudiguadí>s cnn as botiis qut* os atornu^ntam, iii- 
vergam suando suas primorosas calças cor d*al(*crim e seus casacos a 
grandes gollas directório; as senhoras assomam ás janellas ; o povo 
aggloraera-se pelas ruas, e sua ex.* passa, seguido pelo grande sé- 
quito, brilhante e esbelto nos seus bordiídos e nos seus frizos de ou- 
ro, .. . como um lindo papagaio chinez, arrastando ante a admiração 
publica a sua immensa cauda de papelotes amarrotados. 

Em cada Ilha visita-se a Egreja, a camará municipal, a admi- 
nistração de concíílho e. as habitaç(5es dos grandes influentes. O encar- 
regado das obras publicas chama a attençâo sobre tudo que pôde li- 
songoar a sua gerência; o medico toma um ar douetoral de quem 
pensa em problemas de origem ; o administrador preoccupa-se em por 
bem em relevo a sua grande importância local ; a camará lamenta-se 
em phrases commoventes da sua falta d(í recursos; o mestre eschola 
esfomeado pede augmento de salário; os negociantes queixam-se da 
alfandega, os agricultores ped(»m suppressâo de impostos - todos que- 
rem subsidies para melhoramentos — todos imploram protecção para 
algum afilhado. . . promette-se tudo, fazem-se divagaç(5es rethoricas so- 
bre a maneira de remediar tantos males, e depois de ter em vários 
jantares d(^ g^la, aflirmado (i apiTtado bem os laços de sympathia en- 
tre o Senhor Governador, que tudo pode, e os sectários que tudo es- 
peram, distribuem-se abraços em profusão, dão-se sfutke-hands entemíí- 
cedores, e sua ex.*, tendo adquirido a solida convicção de que será 
eleito o deputado do governo, regressa ufano para seus palácios a re- 
ver-se nas suas glorias, sem st? lembrar mais do servilismo manhoso 
de que foi alvo, rindo-se da ingénua credulidade de alguns papalvos 
e do conjuncto cómico d%»ssas recepções camaviUescas, mas sem co- 
nhecer da provincia e das localidades que visitou senão aquiUo que 
ha de mais ridiculo, de mais vulgar e menos conveniente talvez que 
elle conhecessí'. 

E assim, ignorando completamente as verdadeiras necessidades e 
o valor real dos elementos e da importância de cada ilha, sua ex.* 
passa o pruneiro anno a orientar-se no caminho a seguir; o segimdo a 
recriminar o ministério da marínha ií os deputados que não u auxi- 
liam e o terceiro finalmente a preparar as malas para a sua retirada 
triumphal que se eflectua com a grande pompa das commemoraçiHes 
saudosas, ao som rouquenho d'iuua artilheria envelhecida, tendo por 



64 CABO VERDE 



docel o ceo aziíl dos trópicos e por séquito na despedida, esses inte- 
gerrimos empregados, esses amigos leaes, companheiros e testemunhas 
das suas glorias, os quaes lhe acenam com os chapéus até á ultima 
hora, abanando assim. • . os braços, como é costume, aos governado- 
res que partem. 



Fazenda, estiagens e obras publicas 



Na provinoia de Cabo-Verde, c<jmo em todas as demaÍB proTÍncias 
ultramarina», a questão de fazenda representa um papel predomi- 
mtnte no seu desenvolvimento, por isao que o vil metal é, c será sem- 
pre, a alavanca poderosa e indispensável ao progresso e aos melhora- 
nientoa materiaes d'onde resulta indÍBCUtívelmente, a mór parte das 
condições necessárias á felicidade doa povos. 

A reforma fazendaria promovida e executada tSo habilmente pelo 
sr. Marianno de Carvalho, esse notável vulto da politica portugueza 
contemporânea, aggravou em muito os dispêndios d'e8sa secçfto de 
serviço, é verdade, mas pôde e dove ainda assim contribuir sensivel- 
mente para a sua regularísaçSo e para o avultamento das receitas pu- 
blicas, desde que o pessoal tenha hombridade bastante para arcar 
com as reluctancias fatalmente inherentes ás suas attribuiçSes, dando 
cumprimento em toda a plenitude ás leis o regulamentos, que regem 
boje esse importante ramo de serviço. 

Os resultados, pois, dVssa colossal reforma, ainda em muito diffi- 
cultada peloa attrictos' próprios a tudo o que ae inicia, dependem, como 
geralmente succedo em tudo, da competência, do zelo c da dignidade 
do pessoal, a quem fVtr distribuida tSo árdua como espinhosa incum- 
bência. 

Por isso, nSo tendo a menor intençSo de hostílisar quem quer 
que seja, e compenetrando-nos mesmo da conveniência e da necessi- 
dade que ha muitas vezes em certas transigências, a que a aprecíaçlo 
mus justa, pôde, por deficiência de detalhes, alcunhar de transgres- 
sSes culpáveis ou de symptomas manifestos de tibieza ou de mercan- 
cia, deixamos tempo ao tempo, fazendo votoa sinceros para que oa 

8 



66 CABO VEKDE 



inspectores de Cabo-Verd(» e em geral de todas as províncias ultra- 
marinas, se compeli '>tn.*m bem de que os interesses que estão confia- 
dos á sua gerência envolvem os mais santos e os mais respeitáveis 
preceitos da equida-le e do direito, e que os dinheiros que atulham os 
cofres públicos, representando a synthese de mil sacrifícios e mil hu- 
milhações do povo, nâo podem ser distribuídos a mãos largas e sob 
pretextos infundados, sejam quaes forem os motivos . . . por maior 
mesmo que se apresentem as necessidades. 

A organisa^ào das matrizes em Cabo Verde, na maior parte de 
imia antiguidade de bric-à-brac, é anachronica, deficiente, incorrecta 
e incompleta. 

Ha propriedades que não estando inscriptas nos registos officiaes, 
não são tributadas; como ha em toda a província magnates que teem 
gosado de immunidade pai'a os relaxes e para as execuções, com que 
aliás tanto se tem vexado os pequenos e os mais desprotegidos con- 
tribuintes. 

As fraudes com relação á contribuição de registo são incalculá- 
veis; os sophismas e as complacências em matéria de imposto indus- 
trial chegam a ser escandalosos. 

As pautas aduaneiras, absurdas e inconsequentes como são, es- 
timulam e dão azo ao ccmtrabando que se assoberba de mais e mais 
em todas as ilhas, desfalcando os cofres públicos e dando logar a mil 
conflictos e delongas, que se complicam pelas susceptibilidades ridí- 
culas de um pe^oal, ás vezes desauctorisado, e que se não poupa, 
ainda assim, a discussões estéreis d'uma impertinência irritante. 

O serviço dos correios, tão distinctamente dirigido hoje por dois 
dos mais hábeis o mais probos filhos da província, é ludibriado e re- 
sumido sensivelmente nas suas receitas pelo habito inveterado das 
cartas em mão própria e pela deficiência de uma rigorosa fiscalisação. 

O abuso e a facilidade com que os administradores patronaticar 
mente facilitam attestados de indigentes a quem realmente o não é, 
(contra todas as estipulações da lei), é causa d*um desfalque enorme 
nos redditos públicos e um motivo soberanamente estimulante á cor- 
rupção e ao relaxamento dos costumes. 

Estabeleça-se pois a ordem e a moralidade em todos os ramos 
das attribuições fazendarias; promova-se a remodelação immediata das 
leis que pequem por iníquas ou incompatíveis com os recursos e as 
condições do meio, mas ponha-se um dique ás especulações e estabe- 
leça-se uma delimitação aos abusos. 



FAZENDA, EBTIAOEKS E OBKAS PUBLICAS 67 

Nâfi ha progresso possível sem a «íffectividade e o respeito pe- 
las leis. 



A quostSu do faz<-iidn prfn<lii-so directamuiitc it díis obras publi- 
cas como a esta se entrelaça forini>seaiido-a ao lucsinu tempo que a 
asphixia, a das celebres ostiagens, a que a rhetnnca ofEcial, a banali- 
dade doa clirunistas locaes e as locuções apologotieas do deputados 
amáveis, teem sabido exaggerar os contornos, desfigurando completa- 
mente a sua physionomia contristiula e característica, de uma TÍctima 
da especulação. 

A estiagem, é esta fada a roupag<'ns negras, perfumada pelo ly- 
rismo dos coraçSea sensíveis. E' a íillia hercúlea da aridez e da lati- 
tude, tutelada mais ou uieiios crtuiinosauieute pela impcia governativa. 

A estiagem é este pretexto real das comini/ntadas /omee de Cabo 
Ver^te, com que se embala desde muito, a avidez do commercío, a 
irritabilidade da politica e as necessidades dos afíllmdos. 

E' cata deusa adorada por toda a gente, porque aos patrícios 
aquece as vaidades á mystica luz das condecorações flammejantes, ao 
clero acaricia os reddítos enlevando a sua íinagina^'3o nas azas das 
soleranidades e das preces, e ao povo finalmente, a quem de facto 
beija estouvada e louca, concede as migalhas esparzidas pela voraci- 
dade dos seus festeiros, migalhas abençoadas, com que as peças offi- 
eiaes no alto mister do seu sacerdócio, sabem dourar c polvilhar de 
alto, o rasto indelével da sua passagem devastadora. 

A estiagem é o resultado lógico da posLçSo geographica. . . é a 
consequência lastimosa de não u-.r havido quem saiba ou quem queira 
remediar o mal combatendo as causas. 

Mas o que é facto, é que tem sido uma fatalidade para Cabo 
Verde ; e o que é incontestável, é que tem servido de base ao maia 
depauperai! te, ao mais desmoralisador, e ao mais condemnavel dos 
processos administrativos. 

A partir de 1864, anno terrivt^l e de luctuosa memoria nos fas- 
tos verdadeiros das fomes de Cabo Verde, até este que vae correndo *, 



' Setembro de 1890. 



68 CABO TEBDE 



em que já »e dispenderam para mais de 80:5000^000 réis em despe- 
zsis extraordinária* de obras publicas; affirmam os dados officiaes. que 
iwí tem aactoriísado ii*eBBa secção como verbas destinadas a conjurar 
as crises, a cifra maíuwrula e desprf^positada de 600:íX>íJjyx»(t réis II 
♦Se tx>jíjanrjos [k.ís em eoiisideraçiU» o desfalque que resulta para 
a F^az^^nda da ÍM-nylo de iiinritos sobre os cereaes. da suppressâo de 
impostos sobre a agricultura, factos concumitantes e que ladeiam in- 
variavelmente OM trafMjJhffê ptMicoê. esse especific*» alti-sonante dac» 
«decantadas cris^f». vemos, que s<*m exaggírni, se pide affirmar, que 
de 1864 a 1KÍ^>, istí* é, no curto espaço de vinte e sei© annos, em que 
as crises w enumeram j>or doze ao todo, a província tem sido des- 
apiedosamente sangrada com o fim de as combater^ n'uma verba que 
attinge. se íi&At excede, a mil contos de réis!I 
E c^nn que resultado? e de que m^nlo? 

U^^sji^mdem cathegoricaraente á primeira in^*rrogaçâ(.> formulada de 
certí> jior tí>dos os espiritos que se interessam por Cabo- Verde, as re- 
cenUis aíHrmatívas do consciencioso relatório do sr. Faro, inspector 
das obras publicas do ultramar, com relaçào ao assumpto; affirmati- 
va« essas que nÍo [iodemos deixar de transcrever, por tal modo acha- 
mos rigfirosa e concludtMite a sua severa ainda que engenliosit li- 
çft^i: cA crise apresentou-se este anno vestindo a mesma annadiira 
de combata; que trouxera nas suas anteriores visitas, e com a qual pa- 
rece que este povo devera estar já bastante familíarisado. . . £ com- 
tudo a sua appariçA^i ainda doesta vez produziu na provincia o mesmo 
abalo e t<;rror que nas outras. 

«Manifest^iu-se desde logo um estado geral de tristeza e desani- 
mo, aíTgravado com a febre dos boatos atterradores e alarmantes. Vie- 
ram as (rostumiulas exigências do commercio, lastimando-se, n'um coro 
d^Aiigustias, da absoluta carência de transacções lucrativas, e dos hor- 
rores da fom«^ (jiie pairava imniinente sobre a população incauta e in- 
def<'za. »Segiiiram-s<* idênticas reclamações <lo proprietário e do agri- 
riiltor, d<'Men?vendo com as cores mais tétricas da sua palheta de 
iriai'irt'M inten^ssiMlos n/i extincçâo da crise, o martyrio por que esta- 
vam iMiMsarido os miseros habitantes do interior da ilha, obrigados a 
abaiidonar a*i niuih habitaçrM*H para sollicitarem trabalho, e estendendo 
máifii «Mppli<'e« h earidade ofiicial. E para o quadro ser completo com 
ínt\êtt6 oe eainbi/iiilen de hi%, n&o faltaram af!irmaç(5es em contrario de 
aljjKMi; o|iílirhu;aN que i'n(*aravam' a situação por um prisma diverso, 
qííe nkiii em o do terror, nem ainda o da piedade e compaixão, por 



FAZENDA, ESTUGENS E OBBAS PCBLICA8 69 

ventura exageradas. E estas notas discordantes nSo podiam deixar de 
suscitar duvidas e lifsÍtaç5eB na opini2o imparcial, pda impoBsibili- 
dade em que ae estava de destrinçar pelo claro a verdade, separan- 
do-a da paixSn e do interesse sob as ilíversaa formas p<)r que estes 
sentimentos se podem revelar, e de [jrecisar bem onde acaba a ver- 
dadeira necessidade e pcniiría, >•■ onde começa a espei^ulaçilo menos 
licita, a malicia o o ardil. 

«Como immediata consequência d'eBte estado de cousas, e no 
justo pro^Kisito de iittenuar quanto possivcl os efFeitos da crise, as 
medidas da occasião não p<jdiam deixar de ser tis que sempre se teem 
adoptado em eircumstaneias analof^as, taes como: — iscnçâfi de direi- 
tos aduaneiros na importaçilo de cercaes, suspensilo de todas as exc- 
cu^-3es administrativas pelo utlo pagamento das decimas, e abertura 
de trabalhos em larga escala por todas us ilhas, e por quasi tixlas as 
freguezias de cada ilha, afim de quo oa soceorridos tivessem a esmola 
pelo trabalhi:> otferecido á porta das suas linbitaçòes. 

"Como se vê, é principalmente pelo maior d(!Scnvolvimeiitu de 
trabalhos públicos que toem sido conjuradas as crises alimentícias. 

■ A seguinte nota, extraliida dos muppas de inspecção a que es- 
Km proiíedendo, relativo ao peritido d<'corrido d<' 1H81 a 18!'0, mos- 
tra as enormes sommas dispendidas nos quatro aunos de crise mais 
ou menos aeceutuada que corresponde áquellc periudo, a saber : 

Armo de ÍHH3 40:b2U2*iÍ 

» » 18K4 57:248i585ó 

» . 1K85 10:373ó74H 

» » l«Hfi 105:Oá2(SOõ7 

Somma 213;J67,5!>2I 



Vê-se pelas contas dos annos anteriores que passou incólume 
n'cBta priivineia o perindo decorrido de IH7H a lxx'J, sentindo nio 
poder apurar a despczR feita com as crises anteriores á do 187r> por 
falta de documentos elucidativos. Creio, porém, que não estarei muito 
longe da verdade, calculando D'uma somma approxímadamente egual 
toda a despeza anterior a principiar da maior crise, que foi a de 1x64, 
anno terrivel, de luctuosa memoria para esta província. A despeza do 
corrente anno, desde que entraram a manifestar-se os primeiros sym- 



70 



CABO VERDE 



ptomaa da crise calculiula pelas verbas anpenonnente anctorísadaB, 
fleva-ae a ^0:260^1970 reis.» 

NSo entrando, pois, em linha de conta com o desfalque da fa- 
z«;nda, proveniente da Jsen^iio dos direitos de cereaes importados 
durante as crises, qne pôde calcnlar-sc approximadamente em râís 
lifSOOiííOOO cada mi-z, sil a di-speza extraordinária com os trabalhos 
públicos atíi au fim da actual ascenderá á avultada cifra de nWs 
tÍO0:0OOtS0O0 ! 1 

E accreacenta: 

■ Na ilha de S Thíiign, onde a feiçito agricola é mais prot-mí- 
lu-nte, as pnucas linha» de transitn qii» i'XÍ8lem, sob a designaç&o 
genérica de i-atrudaa, nfto satisfaziam á condirão de tornar fácil e 
^ciinumic" o transporte das mercadorias e dos productos nitiiraes do 
m>l(i. Mandadas i'xncutar por occasifto das crises alímenticias que 
têm assulado este arehípelago, com o intuito de lhes attenuar os es- 
tragos, rtísí-ntem-si' todaa da preeipitaçilo com quf f"ram levadas a 
ftflFeito. 

NSo pri'BÍdÍii lí stin <'Xi-cu^Íl<> um pt;in-> detinidi- de trabalhos, 
nem estes furam jin-cedidos dos estudos indispensáveis, nSo só para 
a melhor escolha do traçado sub o punto de vista technico e econó- 
mico, mas também sob o da maior conveniência e utilidade, para as 
povoaçSes que t-Uas se destinaram a ligar entre si, e umas e outras 
aos centros de maior consumo permanoule. 

D'eata imprevidência resulta que, em logar do boas estradas 
carreteiras, tetdiamos apenas umas trinclieinis abertas cm circunis- 
tancias de mal servirem ao transitn publico, 8t;m as precisas c<mdi- 
ç8es de estabilidade e duraçílo, obrigando o Estado a dispendiosas 
repara^i^es, que se repetem a miúdo, pois ao fim da estacito pluvial, 
quando as chuvas tenbam cabido abundantes, se encontram qnando 
muito alguns ve»tÍgios tristes dos trabalhos executados. 

O que disse para entXo da improficuidade dos trabalhos manda- 
dos executar para acudir lU crises, anteriores li data d'aquelle rela- 
tório, tem immediata applicaçAo á pouca utilidade dos que correspon- 
dem ás crises posteriores, e posso repetil-o hoje com o auctorisado 
testemunho do actual director das Obras Publicas, que tem aliÀs re- 
velado a sua actividade e competência em muitas outras obras de re- 
conhecida utilidade 6 importância; cumprindo-me ai^creseentar que 
antenas si' podem considerar salvas da voragem das crises, compará- 
vel, sem duvida, á do celebrado tonel das Danaides, algumas parcas 



KAZBNDA, ESTIAGENS B OBKAS PUBLICAS 71 

vepbaa relativamente iasignifieantes, destinadas a apressar a cxecuçSo 
ou a conclusSo de trabalhos que, por terem uma dotaçSo, orçamental 
insufHciente, continuariam vagarosamente, ou nunca cliegariam a com- 
pletar-ae aem aquellc auxilio providencial. E' cat>o para m- dizer : á 
quelque ckose malktur est bon. 

Em vista d'este enorme dispêndio de forças o dínliuiru que está 
reclamando uma upplicação mais iitil, racional e sensata, resalta a 
necessidade impreterível ái' eonhecer as urigens do mal, enojtnmdo-o 
sob o3 seus diversos aspectos e Sf)bre as bases ([ue só um estudo cons- 
ciencioso e ^em dirigido poderá fornecer, organisar um plano de pro- 
videncias, moldado de forma que u respuiisabij ídude acompanhe a sua 
execução, e uma salutar e activu vigilância que nSo deixe impunes 
nem a transgressão dos seus preceitos, nem a indifferença, a incúria 
e o desleixo tradicionaes.» 

A' primeira pergunta, pois, responde << mais cabalmente possivel 
a pessoa maia insuspeita. 

A' segunda respondem-no os factos de que nos arvoramos honro- 
samente cm interpretes, declarando bi^m alto para que todos nos oi- 
Çum, de que a maior parte das verbas destinadas a esses trabalhoit de 
obras publicas, tem sido consumidii sandavelmente pelos encarregados 
superiores, pelos olheiros, pelos pagadores, pelo pessoal da cscriptu- 
raçSo, pelua mil gratitícuçõu - extraordinárias o finalmente pelos forne 
cimentos a preços exorbitantes com que se negoceia cm geral com o 
governo. 

Assim pois, esse redemptor expediente, adoptado como norma 
para conjurar as crises, tem custado milhiK^s, c iiSo só nZo tem pro- 
duzido cousa alguma útil (como aftirraa o ar. Faro) mas tem contri- 
buído poderosamente para desmonilisar o povo, diluindo o que ha de 
mais ponderativo no piogresso das sociedades, isto é, o sentimento da 
sua independência, o valor. ..ca dignidade do seu trabalho. 

Nas obras publicas encetadas sob o critério da caridade ofHcial, 
o trabalho produzido nâo representa o direito fundamental do salário; 
nSo se pesa ó tempo, nem ninguém se preoccnpa com o aperfeiçoa- 
mento do operário, 

O indigena indolente por índole, toma-se madraço e especulador 
pelo habito ; as mulheres e as creonças, entregues a pegureiros que 
as arrebanham promiscuamente com os homens na intimidade bestial 
dos apriscos, prostituem-se, acanalhando-ae muitas desde a infância, 
como flores espesinbadas pelo vicio e salpicadas pela lama doa destinos. 



72 



CABO VBRUE 



Nfto queremos dizer com iseo, qae todoB os governadores tenham 
sido connivent(;a niiina eiimedia criminuHa ; pelo contrario, sabemos de 
alguns, que foram iiiipi-llidog pela mais liuitianitaria das intenções, lu- 
dibriada apeuas pela rspitculav&u tnrpi' dos quu os rodeavam. 

NSo queremos aflirmar que uJlo tenha liavído escassea repetida 
em uma uu mais iilias e que uSo Hobrevicsse a fome acompanhada de 
um séquito mais ou nn^nos iiumerosn de victimas, caso os governos 
nlo tutelassem prcvidt-utemonte as doflitic-nfias. N5o; porque nâo dee- 
foiihi^'Cí-moB de modo algum a obngaçâo que compete ao Estado, de 
prestar atixiho ás existencliig di^evulidus. , 

O que queremos, é doseidiar oa factos com a stia phisionumia pn>- 
pria ; é coarctar deutrtt dos limites da nossa possibilidade, esse ostra- 
tagi-ma ignóbil do phuntasiur realidades tristes, alimentando u diges- 
tJlo di> alguns á custa da própria populaçSo que se apparenta em que- 
rer patrocinar. 

O que quuremoB, é que seudu as estiagens um facto io^co e pre- 
visto, so tomem medidas u sfrio e insistentes para cumbatc-r as suas 
causas ; é que as obras publicas tenham d'antt^ mSn um plano fonnuladi> 
sobre OS ditTerentes trabalhas a executor nas ditterentes ilhas j é que 
estKs obnís, em casus de crise, sejam feitas com a perfeição e econo- 
mia precisas, estipulando rela^'i}e3 de dependência entre o trabalho e 
o salário, e nSu entregando ao méru critério de emprt^giidos subalter- 
nos e administradores veuaes, n latitude em num<To o n ponderação, 
cm motivos, Biibre as vietimas a quem se deve beneficiar, 

l> que desejamos Knalraentc d'eBsa cirporaç&o <le obras publicas 
que tem prestado aliás (em tempo di' paz) tio úteis e tâo relevantes 
serviços á Prtivincin, õ que obedecendo ao espirito da deseentraliBa- 
çílo e ás prrjtícuas liçSes da expt-riencia, se subordine ao critério d&8 
econ<'mii(6, ateando a vida das localidade'» por meio de empreitadas, 
rigorosamente sugeitas á sua tíscalisaçlto, dando-nos em pouco ti>mpo 
cainililios tSo n|jrecÍavcÍ8 como o planeado c executado pelo sr. Ar- 
miuid nu ilha do Fogo, o edifícios Ulii baratos relativamente, como a 
elegante c ilespreteneiosa alfandega de Santo AntSo. 

O que lhe pedimos a i-Ila, que tanto pode fazer e que tanto tem 
feito, como se verá nos capítulos seguintes, é que nos dé menos brn- 
zScti rcaes e menos taboletas com me moral ivas, mas que nos dê nuús 
commodidndes gurantidue e utilidades praticas. 

E se, referindo-nus ás estiagens, eondeomainos as obras publicas 
n&o como corporaçfto, nem como absolutamente responsável pelos es- 



FAZENDA, BSTIAQKKS E OBBAS PUBLICAS 73 

perdidos, mas cinu» inetmiiKnto Icvianumente titiligndo pelo» giivnr- 
nos; Boinos obrí^^ados por espirito de justiça e sem delongas, a i-onsidi- 
rar agora a significação sympathica v. útil da sua influencia nos tciii- 
poa nonna<'S, n que fazemifs cinn tanto mais prazur, quti encontramos 
uma occasiSk) azada du pn-star IiommagiMis á vcrdiulc c a prssoas a 
quism nos prindem deadu sumprc as maia intimas <■ cordeacs n-laçiV». 

Basta percorrer o arcliipi:la<,ni comn simples tourhtv, para ac un- 
tar em pontes, plmroes, bóias e mil "utn)s trabalheis, cuja pliysiouo- 
mia nSki illudem, o quanto i^sna secçlo tem produzido d'util, de pro- 
veitoso !• de bom. E mesmo no ([uo se antolha por toda a parte de 
absurdo e inacreditarul até, e ligado a este ramo do serviço, mesmo 
n'isso, enoarregam-se as eireumataucias em que foram feitas, de justi- 
ficar as suas responsabilidades, lauçando-as a contas dos reiterados 
mandados do eommaudo. Que culpa tem o director das obras publí- 
eus, por exemplo, que o ministério da marinha mandasse diapcuder 
TiO ou (iO contos com a coiiatrucçSo de um lazareto que nio ser\'iu, 
nSo serve e. n$o pode servir, c isto contra a sua declarada opiniSo ? 

Que culpa tem s. ex.*, que o govenio tutelasse e mandasse exe- 
cutar o monstruoso hospital nioinuuento de S. Vicente"? 

<^ue responsabilidadi! Um cabe, em que o mi^anio govenio pre- 
Mcnteasse a camará da mesma ilha com os terrenos (mde se devia 
assentar certas repartiçíiea publicas, para ter em seguida de conquistar 
por aterranientoa sobre o mar, o espaçu necessário para as mesmas 
construcç5es ? Nenhuma. Kntretanto, seria de des(.yai' que S. Ex.', a 
quem apreciamos e respeitamoa tanto pelo aen zeio como pehis serviços, 
pozesse de parte a sua qualidade de coronel, que iiilo passa de uma 
antonomásia na qucstSo das obras publicas, e empregasse toda a sua 
auctorídade teehnica contra as desconchavadas determinações supe- 
riores, e isto em nome <la moralidade e doa interesses do seu paiz. 

Assim, applaudindo comn merece o magnifico trabidhn d<> con- 
tra-alniirante Sampaio aobre a pharolagem de Cabo Verde; louvando 
o enthusiasmo com que o digno director das obnís publicas tenta 
levar a cabo as suas sabias u praticas indicações, nSo podemos deixar 
de considerar a necessidade de certos caminhos, de certas obras de 
drenagem e exploração de naseontes, como mais urgentes e indicadas 
do que Ggrejas e paços municipaes, que vemos em construcçilo e em 
projecto, e acbar extremamente estranho e injustificável, que se desse 
a prímaaia a esses trabalhos de uma significaçKo secundaria, quando 
a riqueza, a salubridade e as necessidades mais impositivas da vida 
publica, reclamam de ha muito inatilmente os primeiros apontados. 

10 



Agricultura, politica e industria 



A provinciii i: csseticiiilmcnte agriculii, cmu elcraeutoa a aorvir 
de b.-ise H industria:) limibidas c pobres talvez, mas de uma alta si- 
giiifica^-iki im viver de luu povo, cuja p<iaíçã<i gcdfrrapliica e doti- 
eicutc iirliiirisaçilo, im|>ò(? cume iiiai^T ilas (.-idamidadcs a estiagem, esi-e 
Hiyíclli) tão freqiiontrmeiito r«potÍil" alii, iiiiâf> aprc}^iiidii pelos rela- 
tórios iiffiiines, maiianciíil. ubérrimo do flores de rlicturiea e de bandos 
do eli't;ioB dÍB|)ersos. 

Kiitre ossas iiiduatriao, u pei>ea, que devoria figurar cimo uma 
das maÍ8 importante», e^imo idíás foi dito por um dou distinctos go- 
vcniaibires ipio [nzaram aindn es»e solo, ci eimeclhciru Caib<!Ínis de 
Meiio/.(!S, a pesca continua sem organisaçilo o sem aperfeiçoamento, 
eutrefj;ue á torr<;uto da rotina e do empirismo, lan^'ando ao consumo 
produotos nooivoa n aaude publica, e não dando vantagens apreciá- 
veis ao commeroio, nem resultados profícuos ao Kstadu. 

A pesei do eoral, de tâo excollente qualidade, segundi> « relató- 
rio do sr. Januário Corrêa d'Abnoida (hoje condo de 8. Januário), é 
feita por italianos a quem os impostos sue ccssíva mente crescentes e 
os attrictos das qiiarent<'na9 desanimam c aifastam. 

O labrico de iitenailios de barrei, da cal, do sabSo, etc, etc, que 
(iutr'fira tanto contribui ram para o desenvolvimento e riqueza da illia 
da Boa-Vista, tendo adormecido nas bases primitivas do seu inicio, 
degeneram e detinham ante a facilidade das cmimunicaçiíes e da 
concorrência, arrastando na sua queda, essa ilha tSo sympathiea pela 
Índole dti seu povo e tSo imponente pelo prestigio das suas tradições, 
a uma agonia de misérias, caracterisada pela emigraçSo dos seus fi 
lhos, pelo abandono da sua agricultura, pelo desabamento c pelas 
minas dos «eus povoados. 



76 CABO VERDE 



A Brara, fabrica chapéus e objectos de palha; a do Fogo, ren- 
das, colchas e roupas femeninas; muitas das ilhas teem aguas medi- 
cinaes, alcalinas, férreas, sulfúreas, etc, de uma grande offieaeia the- 
rapeutica, segundo a affirmaçâo dos práticos, e comtudo nada d^isso 
se explora, nada d'isso se conhece, nada d^isso se estuda, se aperfei- 
çoa e se aproveita. 

Ora, o que tolhe tudo é a miséria; o que falta sâo os recursos 
para o inicio de qualquer tentativa, e a direcção technica para o seu 
aperfeiçoamento. O governo, que, em vez de organisar bazares de 
beneficência, incite e anime o trabalho ; que se submetta a índole, ao 
estado de civilisaçSLo e aos costumes que lhe impõe a necessidade de 
tutelar, e veremos se em um futuro próximo, animado por um auxilio 
raethodico e intelligente, progridem ou nSo essas artes e essas in- 
dustrias, e se transformam ou nSo em fonte de riqueza, o que hoje, 
desconhecido e limitado, tem apenas a significação de uma curiosida- 
de exótica. 

Em Cabo- Verde, effec ti vãmente, a miséria é visivel, apesar da 
sua resignação, e as crises são repetidas vezes generalisadas a uma 
ou mais ilhas, apesar da incredulidade, talvez justificada, com que a 
metrópole considera as informações recebidas a tal respeito. 

A estiagem é habitual, e as crises são frequentes; c comtudo, 
pergunta-se debalde, sem encontrar resposta em um único facto serio 
de eloquência convincente, quaes são as medidas, quaes as providen- 
cias que se teem adoptado para conjurar de vez essas crises terriveis 
de consequências tão funestas ! 

E desconsolador e irritante dizel-o, mas a verdade é salutar, 
mesmo quando amarga, e a resposta, única, sincera e leal, é esta: 
Nenhumas ! 

Nenhuma, que tenha tido uma significação persistente e redem- 
ptora — nenhuma que alcance além do dia de hoje — nenlumia que 
se imponha á hypothese de amanhã. 

Vem a estiagem, vem a crise; abrem-se as obras publicas tumul- 
tuosamente, organisam-se bazares de beneficência, fazeni-se preces 
pelas egrejas, e addia-se a cobrança dos impostos; isto é, faz-se a 
medicação tópica, banal, tratam-se os symptomas tentando sophismar a 
dor, mas a diathese, a causa potente, o mal que consome, esse, por 
falta de sciencia, por falta de raciocinio, quem sabe se por criminosa 
especulação, ahi fica latente, moderado, apagado talvez, aos olhos dos 
visionários e dos ingénuos, mas cada vez mais arrogante e mais terri- 



aqriculturâ^ politica e industria 77 



vel, ante esse organismo debilitado e consumido. E assim, dia a dia, 
anno a anno, esta província de condiçoí^s geológicas tão favoráveis, de 
uma posição geographica tâo vantajosa entre o commcrcio do mundo, 
essa provincia, na realidade, apesar dií alguns caminhos e de alguns 
edifícios a mais, detinha-se e esterilisa-se, <* o que é symptomatica- 
niente grave para a civilisa^*âo d'um povo: resigna-se sem reagir. 

E a metrópole sabe tudo isso; sabe ([ue ;ilgumas vezos já rala- 
ram de fome os povos de Cabo Verde, (» invariavelmente, continua 
quando muito, a fazer remessas de dinlieiros, que vem aggravar a ci- 
fra dos seus compromissos futuros, v a concessão de conuncndas que 
vem irritar as suas vaidades de sempre; mas o que nâo pensa é (»m 
por dique a esse flagcllo ; o que ninguém se importa, como nào in- 
quieta ninguém, é que no anno seguinte possam morrer um ou muitos 
pretos a mais. 

E infelizm(Mite pensa-se assim, porque para a maior parte da 
gente que so chama civilisada, a morte de um preto c ainda alguma 
coisa mais ([ue a morte de um cíÍo, mas muito menos que a nn)rt(* de 
um homem. 

E comtudo essa morte, essa mis(*ria, constitue o grande obstáculo 
á prosperidade agrícola de uma provincia inteira, como a decadência 
da navegação constitue o grande embaraço da sua vida de relações. 

Conjurar uma, garantir a outra, seria resolver o seu problema ; 
mas esta resolução, dependcMite aliás como todos os grandes residta- 
dos sociaes, do estudo e da persistência dos meios, não se tein feito e 
não se fará nunca, emquanto não houver uma dedicação séria e con- 
tnuiada na applicação dos dictAmes de que a sciencia e o b<»m s(mso 
se serviram sempre, quer para exercer suggestão sobre a meteorolo- 
gia, quer para exercer catechese na orientação do commcrcio. 

Não somos compcítentes para precisar o methodo de ar bori sacão, 
nem o género de cultura mais sóbria, mais resistente e mais adequada 
aos terrenos e ás condições peculiares da provincia, mas «'xisteni traba- 
lhos valiosissimos, como os do distincto professor Júlio A. Henriques 
sobre as culturas coloniaes, que elucidam o assumpto, e a provincia 
paga a um agrónomo, que t(;m obrigação de estudar e resolver essas 
questões, por isso que lhe paga para a servir e nào para fazer séquito 
a governadores e relatórios pomposos, esboçados a phrases exóticas de 
uma signifícação abstracta. 

E' preciso que as ilhas sejam arborisadas, como meio de sua visar 
o seu clima e conjurar as estiagens tão nocivas á moralidade da sua 



(8 CAUO VERDE 

administração, v- ás enerpias do scit vivrr; é preciso finalmentr qup os 
fiinccionartos tod'is. dusdr f>s soviniadores a rcddit"s fabulosos até os 
iiiedic >s n iiucm niint-a beijoir n lii^iitiinf-nlaliBiiiii liystcrit-o das ri-fur- 
mas iiItraitiannaH. v. pri^i-iMO <\t\v. todos cumpram o seu dever, Sírvindn 
dcdic:idam<-nt<í o seu paiz e fazondo algiiina coiisji i^ue so veja de po- 
sitivo c priítícii, jior isso (jne se torna unia verdadeira vcrgnnlia (;sti; 
dalcK J'tr iiirnte, íXo pliroiiifo e tão degradante nos hábitos das nossas 
colónias. 

l> |n)vo de Cabu-ViTili', não tendo a ventura de saber Ibcinbar 
nas peças officiaes. e nào achando quem o esclareça, qucin o faça ver 
e iipalpar Jis vantagciiit dos novos prncessos do preparo e de cultura, 
c^ontinúa iniiiterronipidamente nos erros da suii tradição rotineira, exc- 
cuhindo uma agricultura barbara, sem arte e sem <'conomia, era que o 
t.nreni» ainda o mais generoso, dilíieilmcnte paga os dispêndios e ns 
erros de tãii multiptns esbanjamentos Nã<i sabe dar ao terreno as la- 
vras projírias prescriptad pela sciíncia, não Ibe dá adubos apesar de 
exigir dVlltís iiina cultura intensiva, nXo usa do afolliamento, ncni se 
prcoceupa de que a terra sen lo uma venbiduira niachina tninstorina- 
dora, só poderá jiroduzir fructus apropriados quJindo a matéria pHma 
e os meios de prodiicção forem apropriados também. Desciim ii by- 
giene do gado e pratica uma longa série de desperdícios, que esgotam 
lis rendimentos dos annos felizes <• o piíe na immineneia da miséria em 
todas a» epoclias de estiagem, aliás tSo frequentes nessas latitudes. . . 
E assim, apesar Ai: em algumas ilhas, como a Brava e S. Nicolau, 
tnnto os boinens como as mulheres trabalharem ineauçavel i- apai- 
ximadamentu de mimtiã até á noite, apesar de exercerem todos os 
mistens domésticos, fazer rendas, cozer, lavar, fabricar ebajieus, tin- 
gir punnos, amanhar a tcrrii, íiccommodar os lilhos e a familia, ape- 
sar d'es-u extraordinária azáfama de dedieaçòes e de liicla, a])esar da 
fertilidadit do solo e da benignidade dn clima, o desequilíbrio é l4tl en- 
tre a prodiie<,-ão e o eonsumo. que são inquesiionavelmrnte ilhas infe- 
lizes, e mais ainda o seriam, se nilo tivessem a beneficial-as mensal- 
mente, S. Nicolau, o consumo de S, Vicente, c a Brava, os valiosos 
capitães enviados v. trazidos da America pelo correio <■ pelos baleeiros 
que regressam. 

O gado, esse ramo de industria rural de tão alta signitícaçíto no 
modii de ser e vitalidade dns povos, essa fabrica barata de tão múlti- 
plos benelioio!', iliHtde provém a imergia á cidai-e, o estrume aos cam- 
pos, o alimento mais cmnpleto ao homem e donde deriva a industriit 



AGKICULTUKA, POLITICA E INDUSTKIA 79 



dos lucticinios, tâo simples, tào flicil u tão auxiliar da lavoura, quasi 
que não figura na sua equação económica, não só pela dcficicncia de 
logradouros públicos, retalhados dcsprcoccupadamentc por meras vcl- 
leidadcs cone(íssionarias, mas pela dolicicncia c má distribuirão das 
fontes, diis pastagens c das leis agrarias, a que está subordinada a pro- 
vincia inteira. 

E^ vcrdadí^iramente contristador o extraordinário qui; um arclii- 
pelago que tem lll.(KX) híjbitantes, que oíiereee a exploração agri- 
cola para mais de 4.()CM) hectares de terrenos pingues, e que pnssue 
tantas fontes de rectnta supplementar, como o peixe, a baleia, o co- 
ral; que produz em abundância café da melhor qualidade, cereaes, 
purgueira, mandioca, canna de assucar, etc., além de muitas fructas, 
tabaco, plantas medicinaes e de tinturaria, e que tem a irrigar-lhe 
a sua vitalidade uma nascente tão rica e tão abundante como é o com- 
mercio de S. Vie(»nte, ó inacreditável (pie uma província que rende 
ao Estado duzentos e tantos contos de réis annuaes, postíida (»ntre o 
velho e o novo mundo, possuidora das incalculáveis vantagens da sua 
collocaçao geographica, da excepcional amplitude e segurança de al- 
guns dos seus portos, do extraordinário movimento da navegação <pie 
a procura, arejada de toda a banda pelo bafo das civilisaçoes mais 
longiquas, arrastado dia a dia ptílo telegrapho, pela navegação e pela 
imprensa, é inacreditável ([Ue uma provincia n'<íssas condições, viva 
e continue a viver no estagnamento da ignorância, da miséria e das 
rotinas. 

E' inacreditável, mas tudo se comprehcnde, se attendermos bem 
á niechanica, á formula, e ás praxes da nossa admiliistração cohmial. 

< ) g()verno da metrópole completamente embebido nas artimanhas 
da politica portugueza, abandalhada e corrupta como está, cuida ex- 
clusivamente em fazer deputados quf o sustentem peh) numero, em 
colhícar afilhados que o favoreçam pelo apoio, em facilitar syndicatos 
que lhe prestem auxilio valioso com os próprios lucros extorquidos ao 
thesouro. Abandona por isso completamente as altíis questões e as re- 
formas coh)niaes, de quí» pouco e mal se cuida mesmo no ministério <la 
marinha; não estuda nem delinéa um plano pratico de administração 
baseada sobre dados positivos e subordinado a um critério preseverante. 
Limita- se a apparentar ostentações rhetoricas de patriotismo, simula- 
cros de apprehensòes terroristas e promessas irrisórias de reformas, 
sempre que na trata doesta porção tão considerável do globo, que con- 
stitiie a maior parte do território portuguez. Confia com a máxima 



CABO VERDE 



fui'Íli(lHde a tulministraçSo do qualquer colónia ao primeiro corraligio- 
narin norruplo ou ao maia acephalo doa seus patrocinados- limitan- 
ilii-se a exigir a usscs liomoiis a quem a lei >■ as ondtçSes peculiares 
das coluniaa conferem poderes absolutos i- ilescricioiíarioe, limitando-se 
a exigir-llies airaptesmeut-', " que an exige no reino a qualquer admi- 
niatradur ou regedor do piírochia, isto é, que fa^am as deivões de 
modo que a auctoridade lriumplii\ seja qual tnr o meio e qnaeaqiier que 
sejam oa nisgiíes que tealium de sotfrer a lei, os direitos e as prero- 
pativaa dos adminiatradus! D'aqui r>-aulta, que a maioria doa gover- 
nadores, nSo tondo capat-idade iiitellectuai nem moral que garanta a 
sua missão dirigente, nSo pussuíudo i-nrrgias intrínseeaa que sirvam 
de esqueli^to a uma poâiçSlo oreada pelas cinumstamiiaa e nHo Juati- 
licadas pi'las eoiidiç<'1eB, limitam-ae a enclior o tempo, a encher o pé 
de meia eom" diz o povo, pn-oeeupando-se muito mais em ser agra- 
dável aos arautos locaes e aos ministros da marinha de quem depen- 
dem e }M>r quem sào tutelado», do que do progresftu das províncias que 
admiuíistram, para o que miiitos se sentem imputetitea e tantoe outros 
gi' esquivam, com a táctica linoriu, inveterada pela cormpçSo nacional. 

Oa deputados do tdtramar, lom rarisaimas excepções, sfto oomo 
t«Kla a gfute sabe e muitos d'elles eynicameate confessam, simples 
manequins conatruidoa pelos ministros para seu uso privado, exclusivo 
e próprio. N^ c.mhecem sequer o circulo que represent.im, Ignoram 
compita til ment<- os seus costumes, as suas net-essidades e os elementos 
vitaes df que dispõem, e eomo entidades geralmente chancelladas pelo 
governo, sanceionam tinias as medidas aprL^seutadaa pelos minlslros 
da marinha, que ás vezes, na melhor das inlenç^ns, pmmuJgam oa dis- 
parates mais inconsequentes, por lhes faltarem eoubeeímentos directos 
das províncias sobre que legislam e o auxilio a esperar da parte dos 
seus represou tantes. 

Estes, quando muito, servem para enrodilhar as questííes demo- 
uraticaa do circulo com nomeaçflas ilb-gaes, transferencias vexatórias 
c gratifícaçScs absurdas, concorrendo f<niiilavelm<'nte para que se com- 
niettam attentados em nome da lei, que ultrapiisaam tudo o que a 
imaginafjlto maia ardente pf>do con';eb''r de maia monstruoso. Cabo 
Verde, como tr)do n ultramar, entregue á táctica acanhada doa seus 
governadores, e ao indifferentismo saudável da mmr parte de aeus 
deputados, apresenta-ae rachlttco c ignorante, cheio de vícios, e cheio 
de defeitos, como qualquer creani;a infelis de quem ae nSo cuida e 
de quem se nílo truta. 



mmm 



AUKICULTOBA, POLITICA K IMDUBTKU 



81 



Nio 86 faz ali politica, porque rarêam totalmente aa convicçflea e 
08 princi^íiis; o que impera na ^vernaçilo, eKo as inHueticias astucio- 
saa de grupos de indivíduos <iue se acertara invariavelnienti: de todos 
OB governadores que chegam, <]ue se cunstitu<-m patrunos de tvdos 
os deputados eleitos, e que, coiiseiTadorea ignorant>.'S e egoístas como 
b5o, apenas servem para assombrar a verdade, desnortear a justiça e 
especular sempre... em tudo... e por todos os meios. — MSo bSo, 
nem republicanos, nem monarchicos, nem regeneradores, nem pro- 
gressistas, mas umas entidades balôfau, uns magnates empalhados, 
cuja importância depende principalmente da digestfto feli^ dos gover- 
nadores e da admiroç&o extactica dos apreciadores d» seu recheio. 

Entretanto, sKo elle» que se amigam no commundo d'Í8so que por 
ahi SC chama p>litica e que nXo passa na realidade de uma mendiga 
nojosa, tacteando pelas paredes como uma cega, na preoceiípaçlU) cons- 
tante de explorações condemnaveis e de eusceptibilidades mais ou me- 
nos irrisórias. 

As jtcellei do sjstema administrativo tdtramarino, sKn hs mesmas 
que aa da metrópole: a única diôerença que existe, è que u theatro & 
menor e o publico contenta-se com menos. Assim, as cimdidaturas 
officiaes, as boaa graças dos governos, constituem aqui como alli, a 
pre<M5Cupa;So de todas aa aspirardes ; a candidatura otficial demanda 
que os cofres públicos aejam arbitrariamente indiiferentes ou despóti- 
cos com os contribuintes, ei>nfnrme a sua moldabilidade politica, qne 
se ampliem os quadros do fuhccionalismo a bem de afílhadoa paraaí- 
tae e ineptos, que se dispendam em obras publicas nos traa'ies difKceia, 
aem critério de escolha nem preceito de economia, sommas exceden- 
tes ao necessário o vexatívas á boa distribuiçSo e ao equilíbrio orça- 
mental. E por esses processos engenhosos e condemnaveis, nSo só se 
tem habituado a populaç&i- a ganhar sem trabalho e sem orgulho, mas 
se lhe tem arreigado a convicção desmoralisadora que n&o é pelo mé- 
rito nem peia virtude que ae ascende na escala suciai, procurando to- 
dos servQmente nas symjwthias de um homem, ou dos intereasea qde 
elle representa, eoUocaç<"!e» e vantagens, que a dignidade e os brios sil 
deveriam acceitar. do mérito provado e doa direitos conferidos pela lei. 
O ultramar, pois, descdrado pela gerência superior, m&l cuidado 
pelos governos locaes, entregue de facto, a juntas de parochia, cujos 
membros, na maioria, nSo sabem ler, a administradores de concelho 



imbecis, ou mandSes de auotoridade arbitraria, < 



a camarás municipaes 



fabricadas pelo índitTerentismo mais coudemnavel, eefacela-se e dyna- 



82 CABO VKKDB 



misa-se na iiiacyà(» e na ímmoral idade, fainiliarisando-se de iiiais em 
mais a ver, sem protesto, espezinhar os preceitos mais invioláveis da 
justiça e do direito. 

Assim, se Cal> > Verde tivesse sempre governadores como Albu- 
querque, Calheiros, e Lacerda, S(» tivesse deputados mais enérgicos, 
mas tilo conlieeedores e dedicados como Sousa Machado, figurando com 
um vaiur scientitíco e real no problema colonisa'lor, teria de ha muito 
simplificadas as gn udes complicações da sua engrenagem administra- 
tiva, |)()S8UÍndo, nào diremos jii, lyccus de 1.* classe nem organisações 
pomposas, para o que lhe falta a matéria prima e receitas correspon- 
dentes, mas teria, como sensatamente formulou o nosso distincto amigo 
o sr. Augusto Fructuoso de Barros, o ensinamento pratico de todas 
as artes e de todos os oHicios capazes de aproveitarem e produzirem 
dentro do seu modo de ser ; um lyceu, onde, se nâo todos, pelo menos 
os primeiros exames, fossem válidos no reino; a instrucçâo primaria 
derramada sabiamente por todos os seus filhos, não vivendo, como 
hoje, cngorgitada nas doutrinas falsas dos compêndios mysticos; ensi- 
nados pelos methodos mais absurdos. 

Teria estudado os seus climas e suas aguas mineraes ; teria a si- 
gnificação scientiríca que merece, pela fundação de sanatórios ; teria 
regulado o seu serviço de sanidade marítima; S. Vicente teria docas 
<í (ístaleiros, como 6 politica e commercialmeute indicado pela concor- 
n*ncia das ilhas hespanholas e pela grande atHuencia de navios que 
a ella aportam ; o Sal, em vez de estradas irrisórias, teria companhias 
d(^ pesca bem organisadas e a Provincia inteira a sua questão agraria 
regulada por leis de uma significação positiva; não veria a sede a 
fustigar o Fogo, nem o escândalo, os abusos e o patronato a sugarem- 
Ihe os rendinu^ntos . . . emquanto a desiuoralisação e o sentimenta- 
lismo lhe vão obstruindo o futuro. 



Navegação e influencia ingleza 



A navegação, que con^tituiti oiitrWa um dos mais profícuos c im 
portaiites recursos da província, atravessa hoje uma crise, que so- 
bresalta c aterrori-a todos os espíritos com relaçSo ao seu futuro; o 
imposto monstro de 4U0 n-ia por alqucin- de sal, votado pelo parla- 
mento brazileiro em Ib87, deu ^ilpe de morte áa Ilhaa, Maio, Sal 
e Boii Vista, nas qnaes esse género constitiiia nSo stl o único ramo 
de comnierclo, mas a producçilo, por assim dizer exclusiva do seu solo. 

Kepentinnnieute pois, sem graduação nem nuneioci que jiodessem 
servir a despertar medidas preventivas, acharam-se milhares de famí- 
lias reduzidas á mais extrema míseria c o orçamento da Provincia di- 
zimado em contos de réis ua sua receita ordinária, por isso que este 
tacto veio acabar sem remeditj uma navegaçSo estabelecida de ha muito 
e que ora foge de Cabo Verde, por isso que aa condiçSes do seu eoni- 
morcio não permittindo fretes de ida e toma viagem, fariam rccalur 
a mais, sobro nm género pobre e faeil de obter em toda a parte, as 
despezas enormes do tempo perdido no intuito de ir procural-o ao 
Arehipelago. 

A industria do sal morreu sem que se tcutiisse nm único esforço 
junto do governo brazileiro, sem que se desse um único passo para 
acudir ao mal e para precaver os resultados. 

A industria do sal morreu, sem que oe deputados nem os gover- 
nos da provinda se lembrassem de tentar um;i medicação heróica, ou 
pelo menos de applicar um sedativo qualquer, com que se siiavisasse 
a agonia desse moribundo, que tanto havia contribuído para as suas 
digestiíeB . . . e para os seus esbanjamentos. 

Emquanto os povos de Cabo Verde continuarem n'csBa apathia 
eoiidemnavel de humdhações, emquanto não coraprolien durem que a 



CABO VEEDE 



sensibilidade embotada da nosaa adminiBtraçSo, só pode ser ferida por 
fortts ubftloa de energias que se imponham ; emqiianto nSo seguirem 
OB extremos, mas Justiãcuidos exemplos da Mtideira e dos Açores, fa- 
zendo ouvir bem alto os Ijradus do seu protesto, contiuuarílu sendo como 
até aqui desprestigiados pelos deputados e peloi guvtrnos, que se pre- 
occupajn muito mais em lisougunr oa magnates que os acolhem e os 
festejam a foguetes e a batuques, iln que dus problemns mais impor- 
tantes da sua vitalidade e do seu progresso. 

A industria ú« aal morreu, tendo por causa os impostos ditferen- 
ciaes do Brasil ; a pequena eabotagem definha-se ante a concorrência 
dos vapores, aos quaes a própria provinda subsidia para a servirem 
irregular o desastradamente coroo está suLcedendo, e a navegação de 
S. Vicente, esta que tem apresentado oscillaçfles e intemiiitencias ac- 
centuadas, pede de ha muito, inutilmente, um estudo serio e as pro- 
videncias mais urgentes, atteudendo nSo só á rivaHdad<> das Canárias, 
mas como meio de corrigir e precaver o« erros, as il legalidades, e as 
levianas Lonccssiíes do passado. 

O sr. Augusto de Castdho no seu valioso nlabirio, que tem por 
titulo Aluiintfia eonnòUia^Znt mhre ua il},;s Madeira, Ttwriff e íi. Vi- 
cenie, cumo cculas pura a tiuvegai^ão, — descrevendo e api'ecÍando as 
vantagens do porto artificial de Tencritf, pintando os rostumes, as ri- 
quezas e a vitalidade local, apreciando as leis regulamentares do tra- 
balho, os salários e os productos que podo exportar essa ilha, faz bem 
sentir a necessidade que ha, de sustentar a concorn-ncia, de vestir 
as iudiacuttveis vantagens de S. Vicente, com elementos de progresso 
e de facilidades, que sirvam de cathechcBC d sua navegaçfio. E com- 
tudo nSo é Tcneriff hoje o grande inimif-o a temer, mas sim u porto 
Las Palmas da Uhn O ran- Canárias no mesmo archipelago. 

S. Vicente pela sua posiçSo geograpbica, pelas esplendidas con- 
di^Ses de sen porto, pela energia do expediente inglês, e mais do que 
tudo isso, pela falta -le concorrência bem organisadn e pelo desen- 
volvimento extraordiniirio do commercio da America e da Africa com 
O vellio mundo, teve por assim diz''r, u i-xclusivo do fornecimento de 
carvXo a todos os vapores que serviam a esse commercio, atrnvez o 
Atlântico. 

Mas nesses últimos tempos, construindo h Hespanha um porto 
artificial em Toncríff o prcoccupando-se louvavelmente du desenvol- 
vimento dns fidmas, veio facilitar por tal modo a fundaçSo ahi de 
depósitos de larvJlo, que protegidos pela isençSo quasi «bsotiita dos 



xátxqaqIo E I 



direiloB, pela differença dus fretes na importaçíLo (por ee acharem mai» 
ao Nortej pelas aupreumcias daa eondivões loL-aes, pelos menores ob- 
stáculos da eanidadu raBritima c pela maior energia da sua raça, po- 
dem fornecer o prodiieto tSo barato, lSi> rapidamente e pruporcionar 
vantagens de tal ordem aos navitis e passageiros, que apesar da sii- 
periuridade da posição geograpbica de S. Vieente, fazem para alii 
derivar a actual navegaçSo. 

Não pretendendo nós, cumo a mainr pai-Ie da gente, resiilvtír 
problemas tSo complexos e tSo importantes, meramente i:om alvitres, 
de Buggostões banaea, reconhecemos nos factos apresentados vatitinios 
t&o graves para o futuro d'eBta provineíu, que nSo podemos deixar 
de as exarar aqui — ud ptrpetwmi rei memoriam. Tanto uiais, qriii esta 
ilha é hoje o pulmUo por onde respira o o cofre d' onde se alimenta a 
província inteira. 

O seu movimento marítimo em IWS foi de 1:700 embarcações, 
transportando a bordo, entre passageiros e tripulantes 24I:10!< pessoas. 

A populaçSo da ilha p^<p^iamente dita regula por 6:õ6U almas, 
sendo fí:2í<ri naturaea do arcliipelago o u n^sto europeus intermeiados 
de todas as nacionalidades, entre as quaes fígura a Inglaterra com 
104 súbditos, que se empregam nn telegrapho (■ no commercio das 
casas inglesas, exportadoras de carvSo. 

O contingente daa receitas de 8. Vicente para o Estado em líí87 
figura com uma parcella de 90:261^500 réis nasommados24f>:101áO'.lâ 
réis dos rendimentos tolaes do archípolago. 

E' a unicfl porta que o faz communicar com o mundo Ínteir'i, é 
d'ahí que elle recebe tudo, desde as receitas fabulosas que atulham 
os cofres públicos, até as notas das cívilísa^-Ões mais longínquas, im- 
portadas pela navegaçSo. 

E' ahi, na communtdade e ao impulso do exemplo inglez, que o 
seu povo tem adquirido cm os hábitos do trabidbo e dignidade da 
vida, e com o goao das oommodidades experimentadas, o estimulo de 
ambições que o impellem a progredir. E tudo quanto é S. Vicente 
hoje, e Ioda a benéfica iniluencia que i-lla exerce nos destinos de 
Calto Verde, é df^vida directa ou indirectamente aos inglezea, ó pre- 
ciso dizel-o com justiça; é devida a essa raya enérgica c infatigável, 
que veio galvanisar o indígena e inocular no seu espirito o gérmen 
da disciplinai da actividade, proporciomindo nâo só trabalho a mi- 
lhares de braços nos vastíssimos estabelecimentos de carvão que fim- 
daram, mas abrindo as portas das suas ofHcinas ás aptidões que se 



86 CABO VERDE 



perdiam, fornecendo habitações confortáveis a famílias que definhavam 
na promiscuidade e na crápula e conferindo a toda a população não 
só os confortos physicos que acalmam os instinctos, mas mil vantagens 
hygienicas que prolongam a vida, dimmuindo os sofifrimentos. 

A influencia ingleza em S. Vicente, em opposiçâo talvez ao que 
succede em todas as nossas colónias, tem sido até hoje respeitadora, 
sympathica e sobre modo digna de menção. 

Os edifícios mais importantes, as construcçòes mais apparatosas, 
atí personalidades mais distinctas, pela sua educação, pela sua respei- 
tabilidade e pela sua fortuna, são estrangeiros. £ a própria cidade do 
Mindello, cujo asseio, arejamento e arborisação, tanto contrasta com 
o género enxovalhado e typico das povoações em Africa, a própria ci- 
dade, deve as suas vantagens hygienicas e estheticas á influencia do 
municipio e de Custodio Duarte, é verdade, mas materialmente, todas 
ellas, as fabulosas quantias cobradas pela camará municipal como im- 
posto de lastro, aos milhares de navios que vinham aos inglezes tra- 
zer-lhes o carvão do seu commercio. 

E isto tudo assim succede, porque S. Vicente, apesar de postada 
á latitude N. 16° 59', como uma sentiuella entre o velho e o novo 
mundo, apesar das vantagens que lhe dão a sua posição geographica, 
a amplitude e as garantias excepcionaes do seu porto, o extraordiná- 
rio movimento da sua navegação, a importância do seu commercio e a 
immensidade de estrangeiros que a visitam annualmente, circums- 
tancias estas, que parece, deveriam chamar sobre ella as attenções 
do governo e destinar-lhe uma importância capital nos planos da ad- 
ministração publica, não tem merecido até hoje, a este estado que a 
explora, senão um respeito commovente e ingénuo para com as ar- 
bitrariedades, conflictos e desregramentos das personalidades exóti- 
cas e elementos heterogéneos que o constituem, dispêndios fabulosos 
com lazaretos inúteis, onde acabará por acorrentar-se á irrisão, pon- 
tes vistosas de mera significação monumental, escaleres a vapor que 
soâ'rem empaludismo, palácios brasonados, cujas mobilias implicam 
escândalos de favoritismo e illegalidades, e um projecto de hospital 
monumento, cujas paredes já estafaram os recursos camarários, e cuja 
arrogância a pedra e cal, faz entristecer a própria medicina. Isto tudo 
e o pharol, único ponto luminoso e útil nas negruras doestes esban- 
jamentos ! 

Esse indiff\3rentismo, porém, tem por motivo duas rasões que se 
combinam e se completam. 



SAVKQAÇSIO E INI^LUKNCIA INOLliZA 



Em primeiro logar, « fleuyina ingíeza, a febre dn trfllmlho e do 
cumniercio que reinam em S. Vicente com» uma epidemia de rique- 
za, mal se coadimam com a pose empltaticn, com as tnrmalídades me- 
tictilosns e com as sueceptibilidadcs hyetericas da burocracia ultrama- 
rina, ondo os que legialnra e influi-m na goveniaçjlo, babiiuaram-se 
por tal modo á elnque, á atmuspbtra tépida doa rocoiihecimentos, ao 
serrilismo dos vassallos o ás melopeias das admiravfies baratas, que 
M suas digeetiles subordinandu-se ao pallieticci, obrigaram a elabora- 
çSo do se» espirito ái preoccupiiçilfs dos applauaos. D'ahi a pbrase 
sacramentnl conhecida em toda a província, de que os govemadures 
n&o goBliim de H. Vicente; ora i> n!lo gostar dos governadores, esse pbe- 
nomeno aubjectivo, sujeito a tantas contingências e subiirdinadii a tan- 
tas perversões, tem tido uma alta sigtiificaçâo no modo de ser e na 
felicidade das ditferentes ilhas: assim a Praia, teve o seu apaixonado 
e HoreBceii; o Fogti, uma dedicaçã" CAvalheiresca que a polvilhou de 
benefícios ; a Brava, as meigas affei^,'iíes d'um vencido da vida, que 
lhe Buavisar.im na saudades indelevéie da adininistraçSo do sr. Fon- 
tes, As demais ilha< é que ainda nS<> acharam o seu Homcu; tf cm 
vivido até hoje na penumbra dum esquecimento esmagador, guardando 
] cura^-iiu sempre vivida a ferida da sua desdita, c sentindo na alma 
I eempre intacta a esperança da sua redempçSo. 

E a esse primeiro moiivi), muito mais ponderoso do que A pri- 
ira vista se apparentJi, Bccresce um outro maia real, mais palpável 
e mais dilticil de remediar, devido a circurnstancias meramente for- 
tuitas do seu agrapamcutii o da sua coIIncaçAo. 

S. Vicente pertmcc ao grupo das ilhas chamadas do Harlaveutu, 
as quaes pela facilídttdc de relações entre si. identidade do íuteresses, 
homogeneidade de iiiHuencins, uaoa, uostumea e variantes de lingua- 
gem, maia decerto que pela posiçio com referencia nos ventos, apre- 
sentam differenciações nítidas e acoentuadaa com as do ontro grupo, 
constituído pelas de Sotavento. 

Eaaas differen^-aa de interesses, de tendências de orienta^-IU), que 
tanto contrastam, conslitue desde muito um motivo de rivalidades, 
nem sempre innocentes, com que surda e mais ou menos lealmente, 
se gladiam easos dois grupos na preponderância e na primazia doa 
melhoramentos e das medidas a adoptar; preponderância esaa, que 
forma a pedra de toque para os magnates que se arrogam de inãuen- 
tes, o pedestal irrisório das baaofias indívidaaes e todo o eateio d'isto 
que por ahi se chama opintSo politica, e quo se deve sublinhar com 



H8 CABO VERDE 

rigor, para differençal-o, como merece, da levantada aspiração humana 
com qne em uoesos dias o patriotismo ts as crenças democráticas im- 
pellem todas as int diligencias c todas as actividades generoBas, em 
busca d'esse ideal de uma perfei^'So sempre imperfeita a que chama 
porgresno das naçScs e felicidade doe povoe. 

Em resumo, pois : S. Vicente apesar da sua importância e da sua 
significação tem sido descurada dos poderes públicos, por nSo ter re- 
quintes que agradem e por nSo ser tutelada, pelos que intrigam, pelos 
que arranjam tudo e de tudo se aproveitam. 

O critério administrativo mais rudimentar aconselha proteger 
o commercio a enraizar-se pelos seus capitães ás pequenas localida- 
des. Mas a boa politica e as líçSes do tempo, têm-nos mostrado á evi- 
dencia, A conliança que nos devem merecer os nossos tieis alliados 
quando se trata de assumptos que se prendem aos seus interesses. 

E' nunca esquecermos a anecdota tSo insinuante de Max 0'rell : 
— « Um medico na Normandia ofereceu o niofriKto da metade de um 
i-iinto campo qne lhe pertencia, a uma clientela ingleza pura estabdece- 
irm alli V jogo de crickel; algun» dias depois d'eete acto de amahili- 
diide recebia a noia aeguit»te : os membros do crieket dub fazem seus 
citmprimunlos ao Doutor F. . . ejicar-lhe-kiam muito reconhecidos ae qui- 
zesse ter a bondade de mandar tirar as bittalna que cobrem inttwU do 
campo de crieket, que lhes pertence, e no meio das qiuies se jmrde a Mn 
II cada mnmentOD. 

Os inglczos sSo assim j e o costume faz lei, é o principio de todas 
as suas annexaçiíes de território como eloquentemente o affirmii a his- 
toria. — SSi) enérgicos, valentes e tenazes, encontrando no orgulho 
.nacional o mais poderoso estimulo do siu heroísmo. Mas no commer- 
cio sSo verdadeiramente temíveis; até no leito da morte recommcnda 
John Buli ao seu herdeiro — meu filho, ;i'tnha dinheiro, honradamente 
se poderes, . . ma» ganha dinheiro» •. N isto se reúne toda a táctica 
ingleza: engrandecer a Inglaterra c enriquecer-se, seja á custa de 
quem for. 

Isto ó o que tem suceedido e va<- suocedendo em S. Vicente. 

Hoje, <-6ta ilha verdadeiramente não é nossa, ou é-o apenas 
n'aqiiíllo e pela maneira que os inglezcs querem que ella seja. 

A quasi totalidade dos terrenos no líttoral, tanto do Porto Grande, 



i Mox O-nW — Jokn Buli e 



NAVEGAÇXO £ INFLUENCIA INGLEZA 89 



como da bahía da Mathiota, onde se podiam estabelecer depósitos de 
carvão, foram concedidos imprevidente e criminosamente aos ingle- 
zes ; todos os melhores terrenos para edificações pertencem-lhes ; per- 
tencem-lhes como a principaes accionistas as aguas de que se alimenta 
a cidade ; teem entre as mãos o poder municipal por isso que empre- 
gam no seu estabelecimento um pessoal enorme, que constitue um ele- 
mento preponderante nas eleiçítes; teem as boas graças da auctoridade 
administrativa, porque é sabida e conhecida a táctica acanhada e hu- 
milhante da maior parte dos nossos governadores, quando se trata de 
questSes que se referem a personalidades estrangeiras. 

Teem o prestigio do seu dinheiro, que se impõe; teem a depen- 
dência da alfandega, da capitania dos portos e da própria auctori- 
dade sanitária, porque sào os seus vapores de reboque, que arvo- 
rando, como que por escarneo, a bandeira nacional, os levam a visitar 
os navios. . . a concederem ou negarem livre pratica aos vapores que 
aportam ! 

Teem finalmente uma importância absoluta, porque a maioria dos 
grandes influentes locaes, teem por critério de dignidade os instinctos 
do cào vadio, e lambem-lhes as mãos, porque elles podem engorgitar- 
Ihes o estômago. 

Apontamos as especialissimas condições Ao S. Vicente, como fa- 
ctores maiúsculos no problema da vitalidade de (^abo Verde e cuja 
solução se impde com urgência que não admitte delongas, nSo só 
porque se vae offuscando dia a dia, com todo esse rebojo de impre- 
videncias com que os communicados, a sideraçâo dos interessados 
e as contradicçoes ofliciaes costumam desfigurar os assumptos mais 
simples do Ultrcamar, mas porque so vão a pouco e pouco esbatendo 
08 contornos das cousas c dos factos que lhes servem de bases, apa- 
gando-se de mais e mais o pei*fil sinistro das personalidades que a 
elles se relacionam. 

NSo pedimos peças de artilheria para S. Vicente; pedimos ape- 
nas que a policia marítima intervenha para que a navegação não seja 
ludibriada pelos especuladores e sob a responsabilidade das leis e dos 
costumes, que se favor«*ça ao máximo, o commercio, mantendo para 
tudo e para todos o prestigio inviolável da auctoridade e da lei, fa- 
zendo votos finalmente, para que a dignidade e o patriotismo presidam 
d'ora avante á orientação dos seus destinos. 



«2 



DescripQEo, historia e geographia 



A iiiMvími.i (Ic Oabo VerAo., conetituid» pelo arc)iipchig(i do 
iiii.sin" nome, uoinprcluiidondo o «riipo di^ Barlavento, formado pelas 
illiits do Sal, BoiíViata, S. Nicolau, Santa Luzia, S. Vicente o Santo 
Antão i e pelo de Sotavento que abrange S. Thiago, Maio, Fogo c 
Brava, uléin de algunuis ilhotas desertas, está situada em frente da 
costa da Afriea, lintre as latitudes boreaes 14°, 45' e 17", 14' c as 
longitude» J*!",32' e l!t*,12' a W de Lisboa, e foi descoberta a 1 
dií Maio de 14*!0 por Diogo (.iomes e pelo Oenovoz António de Nolle, 
no servido àn infante U. Henrique, e nSo por Cadamosto, conforme elle 
e Damião de Ooes erradamente o attiniiam, por isso que nfto só a via- 
gem, a que Góes se refere, nSo se ellectuou na epoeha por elle apon- 
tada, mas porque se deduz claramente da deticri]>^ão du próprio mer- 
cador íoinovcz, useiro e vezeiro em arrogar a si as glorias dos outros, 
que falsificara as datas e ok ueonteciuientos, como claramente se coii- 
elue das objec^-òes de Lo|ies du Lima e do magnifico trabalho de Ki- 
ehard Henry Major sobre n vida do infante D. Henrique. 

CadamoSlo, eonio verdadeiro aventureiro que era, mereadejando 
em viagens alheias, eontenta-se apenas em ir por duas vezes succes- 
sivas com o^ pilotos portuguezes, já práticos, aos rios da Guiné, me- 
lhor cevadeira para uiu esperto mercador, do que as peripécias e os 
i-iseus de descobrimentos por via maritima, eiit&o mais do que hoje, 
semeados de perigos e contingenciiís. 

As ilhas que primeiro se descobriram foram as de S. Thiagci, 
de Maio, Fogo (primitivamente S. Filippe) e deveram seu nome indis- 
cutivelmente, ti eircuiustancia de terem sido, como dissemos, avista- 
das a 1 de Maio, dia em que a Kgreja venera em commimidade os 
Santos, cujos uoiuea lhes serviram de baptismo. 



92 CABO VERDE 



Parece que a Boa Vista (primitivamente S. Christovào) e Sal 
(liliènna) foram também avistadas a H do mesmo mez e anno pelo re- 
ferido António df^ Nolle, já em derrota feita para Portugal*, e as reg- 
tentes visitadas successi vãmente pelos emissários do primeiro dona- 
torio, o infante D. Fernando, irmão de el-n^i D. Affonso v. 

Estíí archipcdago constitua com todos os visos de probabilidade 
as falladas Gorgonas dos Phenicios e Carthaginezes, a que tanto se 
referíí João de Castro seguindo as indicações de Plinio, e nâo as Af- 
fortunada», como quer erroneamente JoSo de Barros, titulo esse, que, 
segundo averiguações incontestáveis, foi dado pelos antigos ao archi- 
pelago das Canárias, que lhe fica mais ao norte. 

Essas ilhas doadas, com as outras já descobertas e por desco- 
brir, com carta de isenções e liberdade e o exclusivo do trafico e 
resgate em toda a terra finne que lhes ficasse defronte, ao infante a 
^ue nos referimos ; foram encontradas litteralmente desertas pelos 
descobridores, inclusive a de S. Thiago, que Feijó e outros affir- 
mam infundadamente, achar-se já povoada pelos negros jaloíos im- 
pí^llidos anteriormente por correntes e brisas da Guiné, por isso qur 
íissim o declara cathegoricamente Diogo Gomes e um grande nu- 
mero de escriptos referindo-se a essas descobertas. 

Para povoar as do Fogo e S. Thiago mandou o infante em 1461 
casaes do Algarve, capitaneados por creados seus, e em companhia 
do descobridor, de Diniz Eannes e Ayres Tinoco, os quaes, utilisan- 
do-se das latitudes da concessão, resgataram na Guiné grande nu- 
mero de escravos para o arroteamento das terras, elementos estes, 
que pelo seu cruzamento e proliferação, deram como resultado, as 
três variedades em que se dividem, hoje, os habitantes do paiz: typo 
branco, descendência pura da gente europêa; — preto^ resultado da 
alliança dos negros da Guiné entre si; — mulato^ producto do cruza- 
mento dos primeiros com os segundos. — Esses últimos augmentaram 
em muito, desde os fins do século dezeseis, em que começaram a ser 
mandados degredados^ para o archipelago, e hoje, devido á cessação 



1 As ilhns foram descobertas por (lomes c Nollc na volla e iiao na ida para 
a Guiné, como erradamente íifTirrnani Lopes de Lima, Valdez, etc., etc. Re- 
conhece-se isto com evidencia pela descripçao feita pelo próprio Diogo Go- 
mes e transcripta no livro de Major já citado. 

* Esta abominável medida de colonisa(;ao foi fehzmente sustada, para 
CalK) Verde. 



DESCBIPÇZO, aiSTOBU E GEOGRAPHIA 93 



abHoliiUi rir novas rcmvssaií do itogru» da tíuinú, o u" aiigniunto do 
potfsoal I iiropeii, iiílu aú pela miittcrusit importação administralívfl, 
iniií* pela iifllui-ncla scrapri' cresccnt"' da iiavcp.içJln, tijin i[ubhÍ qut; 
dcsappamcidu cm muitas illias, ii ty|>" cthiopico i-ararterisEim, ha- 
vrndii cm Uxhis cresci d isBimu uiiidito dv branco» nativo», <■ doininandn 
cm absoluto um lypo bybrído miiitn apunulo, tanto nob o ponto Af. 
vÍHta niorpliolugico, como da psyubolngia, no ipial predominam oa cara- 
cteres accontuitdos das raças curopêas e que constitue o chamado — 
Oroouto. 

Essa VHrii'ilade c aquella que m<dbor m' conjuga ás condições 
t'limatiilngÍL'aít, <: cm quem mais nitidamente se revela o esjtirito pa- 
Iriotico pelos interesses especíalisados do paiz, e o sciitiuK^nto peias 
KUfls tradiçiles. 

lia creoulo de difFerentcs aguas, conforme a maiiu* ott menor ]iu 
reza dos taetores que se cruzam. Assim, elle é mais ou menos Iri- 
Ruciro, mais ou menos intellig<'nte, conservando porém sempre o que 
quer qui' seja de exclusivo c característico, que lhe dá um typo i)ro- 
prio e reeonliecivel á primeira vista. 

A sua physionomia em geral tem a expressào e os d<'lineamentos 
das ruças aryanas; seus cabellus sâo j>retog, sedosos e encaracola- 
dos, e no seu idhar de uma limpidez de espelho, parece trcmelu/.iv a 
serenidade das sensações tranquillas, irradiando do seu espirito iti- 
Iraliido e apaixonavel, a delicadeza poética do mysticismo supersti- 
cioso, que envolve a sua existência caracteristicamente indolente, tivn- 
te-se n'elle a energia de uma raça que se perpetua, mas o seu cara- 
cter é tão apathico, tem aido tão mal orientado na sua educaç&o moral 
I'- hygienica, que dctinha-se pela si.- n suai idade, delindo-se na corrupção 
e na crápula! 

Não sa1j<' lazer valer os seus direitos porque nSo tem tenacidade 
na reacção nem no protesto, tendo-lhe creado a sua apathia como 
que uma tolerância para os sottnmentos, e para tudo que não tira o 
seu orgulho. 

K raríssimo observarem-se no creoulo algumas d'essas doenças gra- 
ves a gerarcbia espeeialisada, que tanto avolumam os quadros d» pa- 
thologia universal; em compensação porém, é impossivel talvez en- 
contrar entre ellcs uma creança que não tenha dilatação do estômago, 
proeminência i^exomphalia; do umbigo, dentes careados, siphose ou 
outra qualquer deformidade; uma única mulher que não soflíra do 
útero e que não seja vexada nus períodos meustruaes, homem algum 



94 CABO VERDE 



que apresente uma saiule franca e sinceramente accentuada: — IckIos 
se queixam e todos se abraçam aos castigos que o N^uifuo tíenhor lhes 
quiz dar, como }»or habito c estupidamente dizem. 

Mas e(mtinuando sobre a historia do paiz diremos, como consta 
dos documentos, que por morte do infante D. Fernando, essas ilhas 
reverteram á Coroa, para serem novamente doadas por El-Kei D. 
.loào U ao Duque de Beja, d*onde resultou ficarem mais tanle nella 
encorporadas por este ter succedido no throno em 1400. 

Até princípios, porém, do século xvi só S. Thiago e Fogo tive- 
ram verdadeiramente população fixa e de que mereça fazer-se menção, 
tendo-se })ovoado as demais ilhas no decorrer desse século, incluindo 
a de Santo r\ntào, que ao contrario das suas irmãs, andara sempre 
aleada por doações successivas, até llb\). 

Em uieiados d'e88e século, comtudo (1532), a populaçrio d.i pro- 
víncia era já tào avolumada queellafoi erigida em Bispado e mais para 
os rins do mesmo século em governo geral, subordinada a generaes 
como ainda hoje succede, apesar de não ter até ns fins do século xvii 
outra significação politica do que servir de ponto de escala incidental 
ás nossas armadas, nas suas gloriosas viagens atravez o Atlântico. 

Dessa epocha em diante, é que o desenvolvimento da sua agri- 
cultura, favorecida em muito pelos Madeirenses, que se estabeleceram 
successivamente no Fogo, na Brava e em Santo Autào, conjugan- 
do-se aos grandes interesses e recursos trazidos por uma navegação 
sempre crescente para Boa-Vista e Sal, deram vida ao commercio, 
impulsionando varias industrias (como a da cal, da louça, da tintura- 
ria e da distillaçào (hoje perfeitamente abandonadas), chamando assim 
sobre ella a att(;nçào politica da Metrópole e a importação (rosses ambi- 
ciosos inúteis qr.e puUuIam e crescem de mais e mais como parasitas 
que se nào ceifam, nos quadros da sua administração publica. 



niu do Fogo 



Ao encetarinou a descripçHo especial de cadik illm do arcliipcln;;!) 
i'i) miávamos [)cla illm do Foffo, nSo só por ler sidn cila a ten-a oiido 
iiiiiis nos demoramos, mau porqix' o sen nome sabe aquecer seiíipru 
o nosso enttineiasmo, alimentado alíáe, por sentimentos bem sympatlii- 
oos <' recordu^òes bem profnmlas da nossa cxiatrucia. 

A illia do Fogo í a prtmittvii ilha do S. Filíppe, cujo patrono é 
ainda lioji' consHgrado eomo nonii- da sua Villa principal, situada a 
W, fnmtoira ú lirava, que llio tiea afastada apenas oito milhas, numa 
elevHçSii árida o iiifírata, dominando o jxirto da Villa que lh(t Jaz aos 
pés, e distanciada do dois kilomi-tms appnixiiuadamoute do da Nossa 
íSenliora, mais ao sul, e com o qual porto i-onimimica, riílu só por 
borda mar atravc/. uma lon^a praia de areias movediças, mas por 
cima, por luua estrada de utilissima coní>triict,'>lo, qiio ni\o satisfaz po- 
rém cabalmente ás oxif^cmiaB di> transito. 

Está silmida a 1 4", .'»■'•' latilude N. e \W,V<:\' longitude Oec. de 
Li»boa. 

Tem 4ó miUias de cireunilereiíeia e medi- íii de W. a E. e 14 
de N. a S., regulando a sua superfieie eui 144 milhas fpiadi-ailas. 

Os seus portos j)rineipaes silo o dos Mostcin>B a N., pouco se- 
guni e desabrigado jiara navios de grande lote, mas muito frequen- 
tado pelos himliiftr que vntrctf-ni hí^ eouimiiuica^-ões d essa parte da 
ilha, riquissinia como verenion, eom a Hrava e principalmente com a 
de !S. Tliiagi), com quem cila vive i-m mais estreitas « importantes re- 
laçiíes comuu^rciaes. 

O porto ibt Villa e o de Nossa Senhora, servem alternadamente 
de aneoradouroa eui epocbas seguidas do anno, utilisando-se o pri- 
meiro no tempo das chuvas (julho a novembro), e o segundo na esta- 



96 CABO VERDE 



çSo das brisas (novembro a junho), e isto devido ao phenomeno da re- 
moção de areias, que se dá também em S. Nicolau e pela mesma epo- 
eha entre os portos do Barril e da Praia Grande, remoçlo essa que 
se tem tentado explicar por varias theorias engenhosas, que nâo co- 
lhem, e que consiste, simplesmente, na passagem periódica e annual 
das areias que constituem as praias, e em parte mesmo d^aquellas que 
revestem o fundo dos respectivos ancoradouros, de um para outro por- 
to, e isto devido talvez á direcçãlo das correntes e das ondulações 
açoutadajs favoravehnente a(» sentido d'essas mudanças, por isso que 
no tempo das chuvas dominam os ventos de quadrante Sul e no das 
brisas as ventanias impetuosas do Nordeste. 

O Fogo é a única ilha do árchipelago onde nâo ha hoje uma ponte 
ou cães que lhe faciliti* o acccsso, effectuando-se por isso, tanto o em- 
barque dos passageiros, como dos iniportantissimos valores da sua pro- 
ducçSo (café, eereacs e purgueira) por meio de pequenos botes que 
abicani á praia ou são impollidos ao mar depois de carregados, á força 
de braços, (muito siinilliantemcnte ao que se faz no Calhau da Mívdei- 
ra), ás vezes com grande risco de vidas, por isso que o mar quando 
embravecido poc em imminencia de naufr^igio essas pequenas embarca- 
çdes, chegando mesmo a sua fúria a ser intraetAvel durante diaa con- 
secutivos, o ([ue traz sensíveis prejuízos á navegação e ao commercio. 

E extraordinária e de impositiva admiração, a perícia, a coragem 
e a destreza com que os indígenas capitaneiam esses botes e esprei- 
tam os jazigos, para affrontar essas ondas tão revoltas e tão ameaça 
doras. 

E preciso porem, (pie o passageiro s< ja prevenido de que é praxe 
seguiíla <' estipulada entre elles, o niinu)8earem os seus hospedes com 
um l)anho mais ou menos completo, sempre que esses os não gratifi- 
quem tão largamcmte quanto exíge'a sede insaciável de aguardente. . . 
com que pretendem, desde séculos, matar o immortal bicho da sua sel- 
vageria brutal. 

Não ha pontes, e segundo aflirmaçòes dos teehnicos, nunca as 
jioderá haver sem dispêndios fabulosos de dinheiro. 

Esta questão não está, porém, be«m liquidada; isto é, as attínna- 
tivas apesar <le serem altisonantes item(>l-as ouvido a governadores, 
a directores d'obras publicas, e a alguns oitíciaes de marinha), não pa- 
recem apoiar-se, por emífuanto, em estudos e averiguações tão posi- 
tivas que constituam um absoluto motivo de dissuação. E como o as- 
sumpto é de transcendente importância; como temos ouvido também 



ILHA DO F06O 



affirmaçSes contrarias a pessoas auctorisadae; como finalmente estamos 
habituados a ver todos os dias reatisarem-se milhoramentos considerados 
impossíveis |ii'[a cpiniSo teclmica, eomo pontes na ilha do Sal, cana- 
lisaçao de íiguns em S. Vicente, ete, etc: galgamos irrcvurentes p«r 
sobre o monumento das opiniiíes technicas, e continuamos abida, tal- 
vez siderados peln línergia dos nossos desejos, como Galileu o foi pelo 
êxtase das suas convicçfSes. ., não sò n dizur, mas a acreditar sinee- 
ramento, de quo uma ponte na ilha do Fogo é praticamente realisnvel. 
Perdoc-uos ti opiniSii teehnieti, tuas niSs, como toda a gente, te- 
muR pleuii direito de nfto respeitar o principio da auctorídadt:, quaudo 
elie tluctua sobre factos que n&o estão devidamente estudados, e accei 
tando-o mesmo, pertencemos u essa tempera de homens que quando 
chegam a querer dt^veras, pensam sempre que nada ba de verdadeira- 
mente impossivel. 

A sua po|iulH^Io, segundo a sua ultima estatistiea, regula por 
Hi;í)(KÍ almas, habitando 2:797 fogos e distribaídos por quatro fregue- 
zias f. Vossa Sifnht/ra 'la Concei^ãu, tí. IjOurenço, Santa Catharina e 
Noêsa Senhora ã'Ajui}a) sendo a mais populosa a de S. Lourenço, que 
abrange uma tSo longa área e que é tSo tnal servida de caminbos, que 
se torna de manifesta e urgente necessidade a fundaç&o no sitio de 
8. Jorge de um cemitério e d'uma egreja devidamente parocliiada para 
preencher as fnncçiTos religiosas com rela^;5o ao povo miserável que a 
povoa, como aliás foi indicado urgentemente pelos médicos na ucea- 
BÍlo das celebres epidemias de IHH7 a 1N8ÍI, em que cadáveres pu- 
trefactos jazeram por dois e três dias insepultos, pela difíiciddade de 
transporte atravfz de ravinas escabrosiis e invioa trilhos, o que eon- 
stituin ujna das mais sériaa diffioiddadea n'eBsa cpoeha calamitosa era 
que a mortalidade subia a dezenas, rareando concomitantemente os 
braços válidos, para traraporti' de fiirdos tSo pesados. 

Nem o governo, nem o chefe da egreja a quem foram aproaen- 
tadas as justas iudicações a lai respeito, attenderani até hoje a esta 
impositiva necessidade, o que nil'i admira, atteudendo a que continuam 
impune e saudavelmento a profaimr tudo o que ha de mais respeitá- 
vel no:< costumes e nas próprias crenças, as Guitas, soleinuisadas sel- 
vagemente a altos brados por toda a parte á sombra da imbecil to- 
lerância administrativa, cnmo suceode em S. Nicolau ; as pousae (pa- 
ragens acompanhadas de cânticos, fbitas pelos paroclios pelas ruas e 
vm todo o transito fúnebre a 2|940O réis a dúzia) essa especiilaçUo em 
voga principalmente na Brava; e finalmente esse espectáculo vergo- 

13 



CABO VESDE 



nliOBo a que aBsistimoa na ilha do Fogo, dos santos andtircDi, pelos 
letitaH d«! janeiro, vilipendiados nas ruas e estradas piiblicas pt-la i-in- 
hriaguez d<d vadiua, arvomdos em iipuBt<iÍii!i. i; jielu i't<pi-L-iilaQS(> de 
vendilhões, patrix^iiiudos j)ela8 Jiintus de Parufhía. 

Os «borigcnen da ilha, segundo as alHrinativas unaninies dos au- 
utores, deviam ai-r descendi-iites dr dimiiiutoG casaes eitropens e doB 
negro» transportados di-sde logn dii líiiiiié; isto «. dos primeiros uti- 
tonos, crinãos do infante \). Keniando (Beguudo atHnna Lopee de Li- 
ma, etc), e dos eaer.-ivoa iniportndos para o urruteam* iito dus terras. 

Kssii origem genealógica v uma pecha dura de roer, bem o ga- 
bemos, para ílliístres i-on terra lieos nosaos, cujas pretenaòea nribiliar- 
ihicas se estenderiam, segiuido pareci-, por iihi ulóin, nttingindo e ul- 
trapassando mesmo us decantadas cni/.udas,. apesar das cati-chescs du 
sua terra santa. Mas consoleut-se os desílludidos t)dal}>;oa. que o tem- 
po tanto dÍBsipa ax côreB vivas dos brazòes, como ns tintou baratas dns 
libréa, e u transfnrmisnio, no ami labutar incessante, nio respeita ru- 
ças, como nSo respeita gerarchias, resumindo -se tudo tinalmeiite na 
evriluç&i de uma serie iiitinita ile formas, maia ou mcniia boUus, mais 
ou menos admiráveis. 

Lhomme, hUmc eu Em-ope, jaiuie mu Anit, rouffe fti Anmri^e, noir 
en Afrique, «'«"' '/wf le- mime miUvíilit leiíit de In cuuJrur iJii clmat, 
dizia Butfon. E BuSím dizia bem, porque i' homem, qualquer qui- 
seju a Bua conliguraçílo e n hiiu côr, è e será sempre o condeiunado 
Prometbeu. Tantn miiia desgraçado iinantn mais ixigenic for o paladar 
do Biiii sintir, tanto mais admirável quanto mais ami>Ift i'>'>v » cajtacidade 
eoTicepcii inal do sen espirito, iptunto mais larga fúr a amplitude da sua 
justiça, quanto mais eftíeaz (Tir o exereleio ibi sua utilidade. 

Foi, é, e serà etemanfnte, esse aomnambido que atravus&aa vida 
a altitudes ditTerentes, sempre laileado j)elo dealumbrainento de mil li- 
luaSrs mentidas e pelas liorripilações da tétrica moi-te consoladora. . . 
apenas um fuminibulu do destine, que trop.i,-a a eada [>a88o nas rude7.!is 
de nm eaininlio aem meta, Índefe9i> sempre ante o olhar de Deus quc 
o fita de altii, preiíecupailo e vwillante ante a prepria cunaeiencia que 
o perturba de dentro. 

Oonsolai-vos, pois. oh pseudo tidatgos ; que >■ liuniem, nobre ou 
plebeu, branco, amarello ou negro, nSo é em vida seii^> niii aoni- 
nambnlo funanibu1esi-o mais eu uieuoa destro, e na morte apenas a 
transpoai^So de um termo, nuasa immcnaa egiialdade, que se diama 
— natureza. 



ILHA DO FOGO 99 



A configiiruçâo da ilha apparcnta-a a um enorme cotacco, cujo 
dorso gigante correspondesse á alterosa serra quí^ se lhe ergue no 
centro, desenhando-se com os seus grandiosos c. pittorescos contornos 
de L. a W., e dividindo-a em duas zonas bem distinctas sob o pcmto 
de vista climatologico e agrícola e bem differenciadas, na paizagem, 
no género de cultura e no próprio typo dos seus habitantes. 

Assim a região N. é fresca, arborisada (* rica doesse precioso café, 
hoje de uma roputiiyUlo tào justificadamente europêa. Os seus filhos 
são enérgicos, o s<'u solo tem as ah^grias da vegetação, o seu clima é 
delicioso; e para tudo ter de b(mi, possue o mais respeitável, o mais 
bondoso e o mais caritativo padr<* <pie ainda conhecemos, o Revd.® 
Padre João, tâo simples e tao ehristílo, estremecido pelo povo e aben- 
çoado pelos infelizes . . . 

A zona S., ao contrario, v árida, c secca e desconsohidora ; se 
chove, produz abundantemente cereaes que exporta em quantidade; 
s(^ não chove, Uiida pn»duz, immergindo na miséria milhares de des- 
graçados, que arrastam então uma existência amargurada pelos de- 
sesperos mais sombrios. E sendo, como é, a região principal do pas- 
cigo do gíulo, (í não havendo, como não ha, policia rural que promova 
as inhumaçoes, as estiagens ainda lhe trazem como séquito, as pes- 
tilentos emanações dos cadáveres putrefactos. 

E tudo isso, ainda assim, nada vale eompanido com as torturas 
por que seus habitantes passam, por <'tí*eito da deficiência de agua. 

Na ilha do Fogo, apesar de haver muitas nascentes e da melhor 
qualidade, o povo e os i^ebanhos agonisam, tendo um flagello que os 
açouta — o calor — , unia angustia que os dev<»ra — a sede ; verifica-se 
ahi com uma realidade que compunge, o terrivel supplieio de Tantah» ! 

Etlee ti vãmente, estas nascentes são situadas a grande distancia 
dos centros populosos e ditticilinente transportáveis, praias accidentaes 
vicissitudes do terreno, de n)odo que, apesar dos muitos esfi^rços em- 
pregados até hoje para facilitar o eommereio da agua, as diíficulda- 
des são tantas e reproduzem-se tão p(»riodicament(* com as chuvas, 
que não tem sido possível garantir sempre á população, mesmo por 



100 CABO VEBDE 

pi-eç" «iliíViídii, A quaiitidíwli' d<' que (■Jiri-ci- para a» siiiwt iici-csMÍdadcis 
r- para n aiia hygiem-. 

Nili> si'Í oiii qiiaiilo rstó orçada a iilira da pmtwçiío it <-ii('aiiamrnl<> 
dní- agiias Pmia Ladrilo (imacuiitii prinripal) atè liorítioiíti* livres f. 
dvitniidudou de porífj;"», iiuis o que a i^xporioncia panei! ter (IcmonM- 
trado A evidencia, é que os t>Íiuulai-ros de garantia, esMu sopIíÍMiia 
i-»m que a ocimoinin tem até liuje pretendido ílhidir a itrruganeia ini- 
petiioiía c brutal diia chuvas, vae sorveiidi' a puíiueuiiM tragos recei- 
tas relativamente ci>usideravi-is, cieui que jior íhhii se tenlia iditíd» uni 
único rcuultado, dotínitivo i- apreciável. K esta illia, pela huh impor- 
tância actual, <■ pela grande sÍgnitica^-ão q\u- deve ter no futuro, pa 
reco bem merecer um sacrificlo por maíor que elli> soja, coneeniente 
a .Miciar-lhe a sede. Tanto mais, que- a n'alisação d'e8tc pensamentti, 
trazcndit com» consequência prfixima o desenvolv!ui<-ntu rapído <ri'Mle 
ramo de tSo alta importância C()rameri-inl — o gado, — e uui augmento 
immediato de todas ais forças vítaeii da sua popultiçild, augmentaria 
desde logo a sua riqueza, em quantidade que se nos afíigura (talvez 
por sermos medico) capaz de equilibrar as despezii^ :i fazer, por maior 
que ellas fossem. 

Canalisem-sc pois as aguas. façam-»e reprézas nas ribeiras, eonio 
pensa o director dns obras publicas, coustruani-xe eiatemas como 
querem outros, explorem-se nascentes como aconselha Annand, mus 
r<í8olva-se essa crise de cedência, de certo bem mais digna da prew- 
eupHi,-So do estado e dos aíFagos da caridiuli-, do que todjis as decan- 
titdas fomes, contra as quaes tanto dinheim e tanta rh<ti>riea se tem 
(!Sj)e rd içado. 

A ilha do Fogo é uma das illms maia ricas, mais popuínuas e nuiis 
illuHtradas nas suas class<.'S superiores, de todas as do anbípelago. 

E' fértil r productiía, e os scus habitantes morrem ú fome; tem 
agua «m abundância e n seu povo detinha-s<' ú sede; tem to<bis af- 
condisses d'um clima de primeira ordem e ó âagellada de continuo 
por hecatombes pathologicas, ci>mo as terriveis epidemias de l>i87 a 
I8SÍ* e de 18íí8 a lysí) ! 

E' um paiz verdadeiramente iiarjidnxal. l > seu vuleão que- aiionta 
para o cijo, derrama para a torra as lavas que a stspullam c csterili- 
sam ; a sua sociedade que tanto se orgulha de eivilisada, encara as 
massas com tal indiffcrentismo, que as paralysa para o progresso e 
as aniquilla para a felicidade. O trabalhador da terra vive alli ligado 
a ella pela imposição de um destino impositivo e dum, sem consola- 



,, ILHA DO FOOO 101 

i^m-a rio jiresciite, som siHidudL'» il<i |ia$ijii(l«, c sem filiitijus de uspi'- 
raiiçaH no fiitiini. O hiu olliar H<'ru vida roílcctc itiigiiatins de tnste- 
znn tcnrbrosas, e iiii smt |)hyBÍt>iiomi:i aeiii cxproBSíU), csbjite-sc a hu- 
inilrtiHtf alvar d»» i^xistcncias torliiradas. 

Nada ha mais <'oiitmovi-ati' do quv ainaHCiíra da miiícna, i[iiaiido 
uclla ta: pinta a i-tttiipidiiz, a í;;tiuraiK-i;t c a ODiídetiiiiaçilo. K ull<' ■' 
mil i- onde mil )ulo. Ooiifli-miiJul» até pela patliolofria ; ii'ii)wl-s hiiiiom dn 
morlandadi; n qiH' iiok referi mos, i-iii i{U<- taUecoram L-oiituiias de pcK- 
so;(8, cm qiio se podo ualciilar o nmiioro de atac;idos 8ii))iTÍ'ir a ir>:IKKl, 
só i-Ue, " imdctario, diT\'iu dis pasto á iiiortu, aó «lio povoou ou vc- 
iiiiterios, cijiiio se o Dcu^ da boudadc a de jiistiya Ihv: quizcsBc dar 
ri'iii>> <'oin|X!iiíia^-íUi i-xtroma, na paz da torra a paz da srpiiltura. 

Xada )ia quo uompUquo mais o dt-sonvolvi mento civilisadi)r 
d'i'ttHa ilha, i-omo a di- S. Thiago. onde af mantêm ainda nu povo 
mais accent liada m<:ntt' os )iabÍtos da siibordina^-So, o terror t.txagi^i-ado 
;l aiicloridadc, o desleixo pela vida, u todos na maia attributus iidio- 
ruiiti's á sua primitiva condição servil, do que a péssima dÍBtribttii,-ã<i 
a{;raria, a notri-guidio insaciável do alto commereio o as condi^-òes ex- 
jxiliadoras e oppreasivas dos arrendamentos dii pi'oprÍedade. 

O arri-iidatario na ilha de .S. Thíafro, attento ás clausulas i-sta- 
lH'lci-ída8 para os sobreditos contractos, (alguns já publicados como 
spf^cimenB e lídns até na camará dos deputados cimio arj^iimentos), li- 
cam mais i-scravisados pelas iiuposiyiíes estabclecidsis e mais depen- 
dentes do proprietariri pelas cinuimstancias peculiares á sua ignorân- 
cia, aos seus recursos de appellaçSo e ás energias do seu protesto, di> 
que o mais miserável e lastimoso servo da antiga e connnentada gh'ba. 
No Foffo nito ha os contractos, mas ha o conluio commercial que jus- 
litica plenamente essa afhrmativa do dr. L<Teno: «na ilha do Fogo ■> 
negociante está para o povo, como a cabra eslÁ para a planta*, cimi- 
panm c disse bem, o iio8s<í distiucto collega, c nós repetimol-o, por- 
que nmicu» Planto »k<í magia arnica veritnx. 

No Fogo dá-se um facto que chega a ter ioroh de originalidade, 
traduzindo uma das linhas mais accentuadas da sua physioitomia so- 
cial. K' raro existir na burocracia, no magistério, iia agricultura, no 
eomincRÚo ou em qualquer das applicaçiícs mais elevadas da sua )u.-ti- 
vidade, um único europeu, ou mesmo qualquer filho distincto das ou;- 
tras ilhas do archipelago. 

E o caso V tào extraordinário, que nem o próprio judeu pi'ide 
metter ainda o d^ote na sociedade impenetrável dos Fogueteiros l 



102 CABO VERDE 



O facto, porém, tem uma explicação fácil c esta bem longe do 
vestir as formas gigantes da inviolabilidade tradicional na China, rc- 
.siimindo-se apenas no principio natural da lucta pela existc^ncia, c em 
iiâo qucirercm os Fogueteiros, que sabem comer, que outros de fora 
vcnliam disputar e partilhar cora elles, o que directa ou indirecta- 
mente pertence á sua t(írra; por isso as classes superiores, constituí- 
das por três ou quatro familias numerosas que se entrelaçam e se 
apertam, principalmente sob o ponto d(í vista dos interesses materiaes 
da vida, teem-S(^ feito por tal modo solidarias e zelozas no exchi- 
sivo de todas as ganâncias c de tod(»s os empregos da loralidade, «pie 
tornam nimiamente impossivel a extranhos o estabelccerem-se alli 
como concorrentes, sendo pelo contrario uma das ilhas onde o es- 
trangeiro, em geral, encontra a mais amável e a mais fausta hospita- 
lidade, sempre que a visita como simples amador. 

Basta dizer- se que, apesar da sua importância, das condições fa- 
voráveis do seu clima e do avolumado algarismo da sua exportação, 
só existem n'ella estabelecidos, hoje, dois europeus que saibamos: o sr. 
António de Macedo, pae de um dos mais distinctos cabo-verdeanos, o 
nosso amigo Joaquim de Míicedo, e o sr. Ârmand de Montzond, fran- 
cez exilado no centro da ilha em uma verdadeira Thebaida, sobre 
quem mais tarde fallaremos detidamente, como merece*. 



A paisagem da ilha é grandiosa e rude, enfeitada com todas 
as galas da vegetação sombria dos cafetaes ao X. e com todos os re- 
quintes luxuriantes do milharal, que na epocha das chuvas se estende 
como um grande manto sobre a zona 8., aliás salpicada aqui e alli por 
espessos tuffos de verdura, como Pico Pires, Orgâos, Pedro Homem, 
Cerrado, etc, verdadeiros oásis ás ardências do seu calor abrazador; 
j)ara onde os patrícios se refugiam na epocha pluviosa. 

I)(;staca-se na extremidade E. fronteiro a S. Thiago, como uma 
sentinella vigiando o largo canal que as separa, o vulcào ; alto de 
.*):200 metros, comparável pela sua grandeza ao grande Etna, exce- 
dendo portanto e em muito, ao Hecla e ao decantado Vesúvio. 

Doeste monstro a entranhas de fogo, cuja descripção foi magis- 



ILHA DO FOGO 103 



tralmente feita pelo sr. Brito Capello em relatório especial, transcri- 
pto hoje em diffcrentes documentos disporsos, nSLo podemos nós fal- 
lar sonâo com saudosas e impressionistas recordações, por isso que 
nâo conseguimos galgal-o senão até á altura de 2:500 metros, por ter- 
mos sido brutalmente castigados na nossa tentativa (cm janeiro de 
IHHÍ)), por uma tempestade tâo violenta, que nos ia reduzindo os ossos 
n'um feixe, marcando-nos a todos por largos dias, n'este sitio vulne- 
rável onde, segundo Camillo Castello Branco, as costas mudam de 
nome, com vestigios indeléveis dos atlagos dos seus declives erriçados 
de blocos e atapetados de lava. 

Nào tentaremos pois, descrevel-o com o material das próprias 
impressões, por nào encontrarmos em nossa consciência de chronista 
08 estimulos de heroicidade que outrora animaram o espirito de Xe- 
nophontí? na descripçào ila decantada retirada dos 10:(M.H). 

(Ji taremos apenas os nomes dos nossos sympathicos e destemidos 
companheiros Av infortúnios, José e Pedro Monteiro e Joaquim de Ma- 
cedo, a quem decerto a dedicada amizad<' nào consentiu abandonar-nos 
em tílo arriscada ompreza, nào podcmdo egualmente deixar de annotar 
aqui, como preito de justiça, a admiraçào que nos scmberam excitar as 
mnlas do Fogo, pela coragem, pela resistência com que se portaram e 
pela sobriedade com (jue se houveram, em tào prohmgadas como an- 
gustiosas circumstancias. 

E deixando assim orientada a curiosidade do leitor, se a tiver, por 
esses phcnomenos titânicos coni que a natureza sacode de quando em 
quando as loucas vrllcidades humanas; limitamos a affirmar que n^es- 
ses terrenos exist(^m o enxofre, o sulphato de soda (a ([ue o indigena 
chama rtnifrn) e a |)ozzolana, e a citíir as datas das (»rupçòes mais 
violentíis, que eom<'^*ariani segundo os documentos, <'m 1()S0, sendo 
mais ou menos frequeiítes e siiaví^s até iis terríveis <le 17sr> e 17íMí, 
datas que estabelecem como que o inicio de um grande intervallo de 
acto n'es8a extraordinária tragculia geológica, tragedia que recomeça 
em 181<), como que intercortada ])elos soluços íinaes de um choro de 
gigante, pelos ruidos subterrâneos e pelos tremores de 1H4<) e 1S52, 
tào phantastieamente desenhados ainda pela tradiçào fallada. em toda 
a ilha, t(*ndo tido logar a ultima enipçào s<'gundo as attínnativas lo- 
caes em JHi')7. 

Hoje a fogueira parece completamente extincta e o monstro ap- 
parenta dormir. Sente-se, entretanto, ainda na Brava, como outrora 
succedia na Sicilia ao bafo e ao remexer de Euclade, violentas oscil- 



CABO VEBDE 



IftçíKes de tcTi-eiin, Mlmiilacros asãustadoros de verdadeiros terramotos. 
A primeira visita tui cume do pico e ao vuIcSo foi feita em 1819 
[idos ofBciatía da marinha inglesa Vidal e Mugde, que naturalmente 
nJLi) arviirarani ali deaSe logo a bandeira vermelha, por acharem pouco 
estável aos iatereãsbs brítaiinicos a carcassa '"icr de uma mimtanlia 
de fogo. 

A auguuda (bi realizada por Brito Capello em 1H5Õ, á qual st; 
tecm seguido varí&s outras ascensões de tourisU, entre as quaea se cíta 
mosmo a de uma menina portugueza, a ex.** sr.' D Laura Ribeira 
lU Silva. 

Precisamos por^iii accrescentar, (.'omo resalva do n>jsao amor 
próprio, qup toda essa gente, incluindo a illustrc senhuni a que aca- 
bamos de r<(ferÍr-nos, subiram alli na epocha própria, Hcgiuido u phnuíL' 
crystallisada na iocHÍIdade ide março a junho) e nito r-m janeiro como 
nós nos aventurámos, apesar das coutra-indií-açUes unanimes de toda a 
gonte, aiictnrisada e nSo anctorisada da terra. 

Mas se do viilcS<< nSo puderiamos informar aenh.' por allega{;i)es 
alliêas, nâo succede o mesmo fom relaçio As grutas e á grandiosa per- 
spectiva da Serra, erguida a 2:915"' c que i'sculám08 i>ob os ardores 
de um sul do moio dia, cm companhia do infatigável Augusto, único 
guia »a companheiro que ponde comnoscu levar a cab<> tAo fatigante 
f extcnuadora iiscitisao. 

A Serra, ê a grande niontanlia que so antolha da Villa, e que 
conetitue de K. a W. o negru cortinado que veda o mugustoso Pico, 
eapreguiçando-se du lado, si^m declive» suaves titi- o mar e que cortada 
perpendicularmente «obre i> M. em uuia enorme extenstlo, como que 
constitue iMiIas columnatas '«ticnteH dos seus mollcs de basallo em 
forma de exelaiua^^ea, uma lajiide cjionne onde a natureza Inaerevesse 
a sua admirável) extrema jielo vutcSo que lhe fica fronteiru e que 
parece ter tentad" «lia em vio, inipellir «tibre u mar. 

O panorama da Si^rra é {^andiusK e é h.-llo. Do lado Norte a 
verticididadi- du abysmo, i-ni eujn fundo, <indnlnm as sombras do valle 
como phantasmns amedrontados pelu vulcão que dumina tudo, agitan- 
do-so junto is paredes a [jrum'! da montanha cuntrn as quiu-s embatem 
debalde. Do Sul, um e.niirm<' deelivi' «mie si' dtscnhain pequenos po- 
voados com suas habitaçiics di' colmo, tamarindos gigantes vestidos de 
glauco, caminhuB zig-zagantes coiui> grandes fitas flexuosas, e aqui e 
alli ... 11 vermelhidil'1 de teetos aguçados, na rGfriiei,!lii viva das suas 
Coberturas a telha de barro. 



mOA DO FOOO 105 

o panorama da Serra, abrangendo a quaet totalidade da ilha, sul- 
cada por mil ravinas escabrosas, alcançando a inunensidade do mar, t- 
enxergando, a distancia, a Brava e S. 'ITiiago nus delineamentos va- 
gos de uma separaçSi» de léguas, cnnstitue de cirrti' um (los pontos de 
vista mais amplos, mais pittorescos e mais suggestivos da itbu, com<i 
a gruta do Ghón-ghõn ' representa, pela sua legenda e pela sua gran- 
diosidade, o local mais recummendavel ao totirinU, e a tapa da Redem- 
pçào, o sitio mais animado de recordações e saudades para nós e para 
todos OB bons companheiros que nella se abrigaram na terrível e in- 
olvidável noite de 3 de janeiro do 1889. 

A gruta do Ghôn-ghôn, situada no monte Nhuco a 20°* acima 
do alveo da ribeira, que lhe c»Trf aos pés nas epochas das chuvas, 
tem subjacentf u conhecida nascente do Nhuco, pitturesca e aprazí- 
vel excavaçSo na rocha, cuja abobada gotteja n'um desfalloeimento 
de pedra murmúrios suaves, a que o isolamento profundo do sitio dá 
timbres de uma dnçura melanchiilica ; esta fonte protegida pelas som- 
bras do valle e enfeitada por fetos, avencas t? musgos, tem os encan- 
tos de um nicho de fadas, onde se gosa uma atmosphera fresca, em- 
balsamada e deliciosa. 

A gruta communíca com o atalho que conduz á fonte, por um 
trilho quasi vertical desenhado no talude da montanha, o qual trilho 
vem dar directnmentt^ a uma pequetia plataforma que dá accesso au 
aeu pórtico de 2 metros de alto, aberto a W. e que pela sua conti- 
gnraçfto iim tanto triangular, muito se assemelha ás antigas habitaçSes 
dos Hebreus. 

A lenda reveste esta fuma (como a chama o povo) das mais trá- 
gicas e myBteriosas tintas do maravilhoso. 

Para uns é o recinto da convocaçllo dos espirites. — Para outros 
é a assembléa geral das feiticeiras. — Para toda a ^nte, um corredor 
sem limites, onde ninguém poderia embrenhar-se ; onde as luzes ae 
apagariam por motivos desconhecidos, e d'onde os raros animaes qiie 
se haviam aventurado uma vez, nunca mais haviam conseguido voltar. 

fomos nós que, em lHii9, conseguimos percorrel-a toda, em 
conlipanhia do nosso amigo Joaquim Monteiro c de dois indígenas a 
quem tratáramos como medico, e que immolavam assim as suas su- 
perstições e 08 seus terrores na pyra da sua gratidão para comnoaco. 



> Ave noclivagn que Trequenta a região. 



106 CABO VBRDE 



Fomos nós porque o povo temia-a, coipo fica dito, e a gente principal 
da ilha acha muito mais interesse em outra ca^ta de divertimentos do 
que em tentar excursões exploradoras a grutas . . . facto que elles, na 
sua imponente auctoridade, classificam de loucura. 

Já o nosso distincto coliega Custodio Duarte tentara em 1860, 
segundo nos consta, matar a sphinge, mas por motivos que nfto pode- 
mos averiguar, apenas perc»orreu ims 2(K) metros, tendo-se-lhe, a esta 
distancia, apagado as luzes de que se fizera acompanhar, isto devido, 
de certo, ás fortes correntes de ar que reconhecemos existir em todo 
o seu percurso. 

A gruta é extensa de 1:1 2H passos (approximadamente 1:000"'), 
gastando nós 40 minutos a percorrel-a, por isso que nào só tínhamos 
que andar cautelosamente, como quem pisa caminhos desconhecidos e 
quasi ás escuras, mas porque os derrocamentos da abobada em mais 
de um ponto nos obrigavam a exercicio a quatre pattes^ o que compli- 
cava em muito a travessia. O seu pavimento sobe ins< nsivel e gra- 
dualmente, inclinando-se em curvatura larga, á esquerda, havendo uma 
differença approximada de 40 metros entre o nivel do pórtico e o ter- 
minus da sua extonsSo. Na primeira metade é abobad.ida de pedra 
rija, como trabalhada, apresentando» em algims pontos, grandes dila- 
tações alterosas que afiguram verdadeiras sahis ladeadas por galerias 
lateraes, onde se podiam assentar vasos, bustos ou peíjuenas cohim- 
natas de ornamentação. 

£m toda a sua extensão mostra-se mais ou menos atulhada em 
pontos distanceados, com os derrocamentos do tecto, facilmente reco- 
nheciveis pelas cicatrizes que ahi deixam ; gottejando em vários sitios 
a agua infiltrada das camadas superiores do terreno, o que constitue 
uma atmosphcra liumida áv cheiro Jade a vibrações monot(»nas e de 
uma impressão lúgubre. Sente-se o desagradável de uma catacumba. 
A pouco mais da sua metade, apresenta-so bifurcada em dois ca- 
minhos, semelhantes a narinas separadas entre si por um septo de ba- 
salto, as quaes se reúnem posterioniiente de novo, numa fauce imica 
que continua depois sem interrupção até ao fim. Este fim, resultado 
de certo de um de&abamento maior (jue entulhasse de todo o canaK 
é constituido por blocos de forma irn^gular e jnxtapostos, os quaes o 
obstruem completamente, seutindo-se atra vez dV»sse diaphragma de 
basalto, um ruido semelhante ao que se experimenta, quando se escuta 
um búzio, intacto e avolumado. 

O nosso companhein) quiz interpretal-o como sons subterrâneos 



ILHA DO FOGO 107 



de manifestações vulcânicas; nós consideramol-o, apenas, como o re- 
sultado do silvar dos ventos, por um corredor sem sabida. 

A partir de 50() passos, onde se encontra o primeiro grande bar- 
ranco, n£o deparámos pisadas nem vestigios de animal de qualquer 
espécie. 

Todo o seu percurso é tenebroso <»> ameaçador; — a entrada, como 
dissemos, é magistralmente abobadada e toda' vestida pela vegetação 
clara dos fetos, das avencas e dos musgos, que recebem da luz in- 
tensa e reverberante do exterior, as irisaçSes festivas de um pequeno 
parque. 

E' um local delicioso, sobremodo recommendavel para passeios c 
jHC-nicSy e dos mais curiosos, como originalidade, em toda a província. 
Fica no sopé da Serra, a 12 a 15 kilometros da Villa, e ó apreclabi- 
lissimo apesar do seu rouquenho e antypathico nome. 



Ao terminar esta curta noticia sobre a ilha do Fogo, trataremos 
de accentuar bem a sua importância agrícola, que tem chegado a abran- 
ger na verba exportada annualmente, a maiúscula cifra de 4:(XX) ar- 
robas d(» café, 00() moios de milho, (i(K) de purgueira, 2(H) moios de 
feij&o e muitas centenas de C4ibeçai< de gado ; fechando eçte capitulo 
com chavi' de oim, por isso que o fechamos com o nome de um dos 
homens mais respcíitaveis e ut<ú» que conhecemos. 

Referimo-nos ao sr. Armand de Montron. 

Nào queremos, nem precisamos saber quem ©He é. 

Dizem-n'o descendente de uma illustre família franceza ; mas que 
importa? 

O que elh* é indiscutlveluu*nt<?, é uma individualidade b<mdosa, 
porque esparge benefícios ás mãos cheias; um homem intelligente; por- 
que comprehende e resolve (|uando todos titubeiam e declaram-se im- 
potentes ; illustradissimo, porque o revela na sua convers<ação cheia de 
interesse, no exercício largo da sua actividade solidamente orientada, 
e em extremo útil; porque tem ftíito e executado por si «; por sua in- 
fluencia; cousas que ninguém presumia realisaveis, ou possiveis sequer. 

O sr. Armand tem sido um benemérito para a ilha do Fogo. Um 



108 



CABO VKRDK 



(l'etiees benemeritOB que nunca chegarllti a ser pi-uclainadoEi offioiol- 
mcnte nas coiIi;ctividadc6 politÍcfu>, com» agora é coBtiimo ; mss um 
boncmerilo de lacto, ponjue tem contribuído largamente para a me- 
lhorar e pura h redimir, já pelo seu trabalho, já poios aeiia estimu- 
Inntes exemplos. 

Isolado coraij um eremita nn sua propriedade o Baittartr., tem foito 
alii prodígios de melhoramentos, servindo de profícuo ensino e da 
miiie nobre estíumla^-ão á agrii.'ultura. O sou apoio moral, é a alavancn 
mais piiderosa de que dispíie huje o povo, com quem elle ac eonfratcr- 
níson na »ympnthiea allíança do seu altruiemu sem limites. 

Tem concorrido da maneira a mais interessada e persistente para 
resolver o monumental problema do abastecimento das aguas ao povo, 
tacto esse em que se interessa pelo sentimento da alta democracia quc 
o rege e pelos dictaines da sS religiSo que professa. 

Constniíu em dois ânuos, por nui traçado seu, sob tiua dirocç&o e á 
cuHta do seu proprio trabalho, pela quantia inacreditável de a:5O0(ÍO0(f 
réis, o excellente e utilíssimo caminho dos Mosteiros (3G kilomctrosj 
citmínho que pelo traçado official, custaria 40:UU(lã<X)0 réis a<j Estado !1 

Fez tudo isso, nilo tem na sua vida, i^uc se saiba, sqd&o actos 
de geueríis idade, de phílantropia c de justiça, e comtudo o sr. Ar- 
mand nâo conseguiu merecer mais do que alguns elogios esquivos n'c8se- 
Bolelim nflicial, onde tantos nomes, aliás sem se saber porque, toom 
UHTecido altas distíncçi^es, proclamadas eiu plirases sonoras de reclame. 

Pois bem, cimdecoramos nós aquí o sr. Annand. 

Oondecoramol-o, perante os nossos compatriotas e os nossos leito- 
r^•■», convictos de que este justo relevo, dado ao seu nome pela apre- 
ciação leal do seu meritn, não valerá muito menos ihi que as conde- 
roraçBes auri-luzcntes que lhe poderiam vir refcreufladas julus nomes 
dos Ministros da Coríía. 



K agora que vamos partir para a Brava, teríamos que ir pcsBoaJ- 
mente á caea de toda a gente, como amigos, se quiz»ssemos seguir o 
exemplo dos colleccionadores da popularidade ; mas como db nílo imi- 
Umos, limitar- noB-hcnioB a dizer adeus com snudodci', apenas, aos bons 
amigos do Fogo, o que nos hasta, nos lisongêa ■- nos consola. 



Ilha Brava 



A ilhii Brava c a inais pequena, a mais frosca, e por assim dizer, 
a maÍ8 amav(»l do archipelago. E' um verdadein) parai zo em Africa, 
porque nào tem pântanos o nSo tom calor. 

Tudo n\*lla surpriíhende e encanta, mjis o que impressiona acima 
de tudo, é a alegria communicativa da sua paisagem, é esse sorriso 
impresso no céo. .. na terra. , . nas pessoas e nas cousas, essa ex- 
[uvssílo convidativa qu(* reveste ali tudo e que se revela em tudo. 

O que deslumbra, é a belieza e a originalidade dos s(*u8 jardins, 
V a dyssemetria dos seus arruamentos, é o pittoresco dos seus canaes, 
é a espessura das suas folhagens, é a frescura' das suas fiaites. . . é 
o formosissimo <ispectaculo d'esse immenso tufo de verdura, tendo aos 
l>és o oceano que o embala, e por cúpula uma auréola de nuvens, cu- 
jas foruiiis caprichosas transmutam a cada instante^ a perspectiva aer(*a 
das suas campinas ridentes. 

Seu clima dá vida, sua frescura consola e as suas aguas n^dimt^m. 
Allia á belieza a utilidade e o goso. Devia ser para a soiencia um re- 
curso e para a colonisaç&o um arrimo, se os governos attendessem bem 
no seu valor legitimo e lhe distribuíssem o papel que lhe compete* n^) 
plano de uma sabia administração colonial. 

A sua gente é afFavel, alegre e carinhosa e a mais [>aciiica do 
mundo. 

O seu povo, como todo o de Cabo Verde, é humilde, resignado 
e sí>fFred(»r, limitando os seus litigies a meras contendas sobre direitos 
de propriedade. Ha raptos mas n&o ha assassinatos. As intrigas abua- 
dam, como em todas as terras pequenas, mas revestidas sempre doesse 
caracter anoveUado, pathetico e ôeco das urdiduras femeninas. 

As construcçSes nSo apresentam caracter algum artistico, e as 




utâiiR da povoaçSo sSo tAo chatne o despidas de <)ualquer critcrin de 
adaiittt^fi, oítnui Kquellas dissfinluadus peloa campt^-s. Destacam |wl 
Itraiiciira no verde esuiiro dti panorama^ a2o dv um íkí-Ío Interíur írrc- 
prulicnsÍToI ; mas df&titiiida» oompletamenti' de g<3sto, de confortu •' 
do arti'. O seu aspeck», porém, é agradável á vista j e os seus Iclhii- 
dos vermelhos, as suas fachadas luzentes au sol, as suas portas e iis 
tiuas janellas pequenas, iiial i-squadrladafi, e mal uiveladaj^, dào-llic um 
«r ligeiro t despretencioso qur se râaduna harmonicamente «•uni a sim- 
plicidade da paisagem em tomo. 

A aldêa de S. JoSo Baptista, vulgarmente chamada povtia^ão, é •> 
ecntru de toda a sua vitalidade j é ali nnde residom as famílias )iriii- 
cipaes, onde funccionum as repartiv^ws imblieaa e ondr converge todo 
o sf^u commereiu. Dií^ta dn porto da Furna 4 kilometrii^ apemip, com- 
muntcando com oUe por unm estrada r.-m laectcs, cujo declive máxi- 
mo u&o excede 20 '*/^. larga, bem calcetada, e bem defendida por pa- 
redes niarginacii. EsUi :>ituada a THM» mutroa iteima dn uivei do mar, 
no plano mediano d'esse amphitheatro risonho, constituído por uma 
eetcitdaria a altos degraus df montanhas sobrepostas, de que a Furna 
é (I sopé, o Campo é o cimo e as Foutaiuhafi a cúpula. 

A conãguraçlo topogi-aphíca da ilha, lU-lhe o aspecto de gran- 
des meandn>s que fo:9sem rcpelIJdna d(i Fogo aii ínipulsn dr uma enor- 
me força expiíiiâiva, e qUc se petrificassem. 

Assim, as monlaiilias fornutm pelo neu u^mpiíuicnto lHr);o:< eir- 
cuh'8 concêntrico» aberto» (""Io» a S. E., que »e l■spregui\^aI^ em "ui- 
dulaçSes suaves em toda a zona central i- »c aprasentam á bnrda-mar. 
Qra i-scabrosas, eriçadas c cuivae, ura em massaa i-strati ficada» tlc unia 
cftructura fóssil, como apcrtadoii feixes de Htala<^'titer- giganiee. 

A ilha postada no i^xtremo W. do arcbipclago, m-de 7 milhas de 
X. B S. '■ <> de L. u \V., abrangendi) uma Ari'a upproximadameute de 
3ti milhas quadradas. 

E' dividida em duaw fivguezias \íi. Joio Baptista e íiosaa Senhora 
d" Monte), possniuilo, segundo a ultima estatii<tica, ilíUl^ liabiiaiites 
difitribuidoH por l:!)74 fogos. A densidade porém dii t-nn populaçA", 
accomm»da-se t&o mal aos limites estP-itos dos seus rccursob. que ape- 
sar de nio ter reeru lamentos, a cmlgruçài>, principalmente par» a 
America è tal, que c diminutíssima em numero de homens nov<« i- 
v&lidos, abundando pelo contrario em miithernh c cminçaâ, o que dá 
nm« da» notas maiH s^mpalhleas e mais car;iiti-rÍHticas rhi suu phvi"- 
nomía social. 



A belleza ãa ttTm, a inãueiieiti dos eoEtiimea, a simplicidade da 
vidn e o senti monlnlismo dos temperamentos exercem porém ali, como 
tiiii toda u parte, asna preoceupa^) nostalgii'ii irremediável, ijtie leva 
o cmigradu a repatriar-ae i> mais depressa que pude. 

Desde qiie ganhou com qu« cuniprar uma onça de torra, i'oiu que 
(Mnslniir um casebre à Bemclhançit da choupana pattirna, eom que fa- 
SL>r as de^peeas das Uôdas e com que mimosear u família, o filho da 
Brava regressa invariavelmente aii seu ninho natal, onde chega ao soai 
de foguetfs, onde >': recebido festivamente com» lum* preciosidade c 
ondf SC estabelece na stmosphera tépida dos seus maiores: o» meiíos 
felizes, como em villegiatura, por alguns mezes; os mais protegidos, 
para sempre, como grandes heroes fatigados, revendo-se na familiu e 
nos filhos, também predi-s ti nados ao mar e ú vída da balea, e a quem 
elles inoculam dia a dia, em anecdotas e transes commcvente» da sua 
vida de marinhi^im, o estimulo, a voca^'5o e o esteio Ao uma orienta- 
ç5o precucemente decidida e fanática. 

A Brava nSo tem grandes proprietários, n&o tem gente rica, ma.s 
nSo tem mtsería. E' raro cncontrar-se. j)ela& suas estradas ou pelas 
suas ruas, alguom que peça esmola. 

(_) território ali é subdividido em extremo e o numero de pro- 
prietários i'guala, se nSo exeode, i' numero dos fogos. 

i) amur que o filho da Brava tem li sua terra, nSn encontra pa- 
lavra em lin^na alguma que « possu traduzir; c como todos conside- 
ram suprema felicidnde possuir uma caisa c uma onça de terreno, a 
procura é por tal forma Ávida p cega, que nSo existe i-elaçílo algunuk 
piitre o valor da producvSo c o preçij da propriedade. 

NSo ha taivrz paiz no mundo, em que a terra seja mais explora- 
da e mais rc({ue6lada do que alH; |)cna é. que em ve/. de estar reta- 
lhada por um Rrnnde numero de possuidores, i\in esteja methodica e 
I<ij;Ícamontf? subdividido, jior isso que esse inxerto de proprietários 
pcir toda u parte, não só dá margem a mil conHictos e litígios de In- 
findáveis demandai^, luaK traz como cnnseqnencia, dispêndios enormes 
de actividade e riqucKas, gastando qualquer agricultor mais tempo « 
mais pernas eiu percorrer caminhos c»iu o fim de amanhar nesgas 
de cultura pelos pontos mais afiastados, do que elle pôde dispender 
de trabalho e vigilância, n» trafico e benetíf!o real da sua proprie- 
dade. 

Kasas oondíçíles especiaes e 
da Bravu, alem de atrophiarem 



earaoteristicas do problema agrario 
í complicarem em muito a sua vida 



CABO VBBDK 



Mgricola, Aio margem is mais torpes e condemuaveis rxpIoraçSee 
Briiihismns da parte dos flmmados ^.dladores Ao fisco. 

A priiducçKo da ti'rru, ptir Indo n que fica dito, i: m tá muito longi 
alti, (:<>riio em todas as demais illias, d'aqiiella que podia ser, por s 
jiintnreni mnda lís causas mencionadas, a irre^lurídade das eUiivaa, i 
mingua doB adubos c a falta absoluta de conhecimentos sclentilicofl'^ 
w»l>re OK proci^acos maía nidimentares da agricultura. 

Entretanto, tila e ii ilha de S. Nicolau sâo as mais traballiadal 
c aprov<-!tadas, ooni^tituindo iudiscutivelmente aquellau em qne o pn%*ol 
tvm niaii» ac^-So, miiis independência e gosa de maiores attríbutos diK 
libcrditde. 

Tem industrias apreciáveis e utilissimas, como o fabrico du obje-l 
ctus de palha, de colchas c d<t rendas. A primeira, porém, apesar dn^ 
habilidade c da perfeiçSo com que o povo em geral a i-xerce, nSo lh«^ 
traz o resultado que devia, por tsso que a palha da tamareira, de qu&l 
se servem, nSo si é cm extremo flácida, mas retpm na aua textura, 
IhIvoz jjor definencia na preparação, os princípios chlorophylicos do 
viígetal, donde resulta aiiiarellecerem e esverdearem -ac com facili- 
dade os utensilios, logo que apanham a menor humidade. 

D'eB8a8 duas causas residlou u }i;nrar-«e a tentativa iniciada peld 
digno governador Lacerda, para que essa industria servisse a fornn^ 
eer tJiapeus d marinhagem da nossa Armada Reul. 

Mas não se deverá estudar a maneira como é feita actualmente 
a manipulaçAo da folha? — N![o se poderia importar a palha de lta-1 
lia, do Tunamá, ctc, e ensaiar alli a sua confecçSoV — Eis o que nos I 
parece digno de tentar-se em um paisi onde a mSo d'nbra é tfto cx-l 
traordinariamente barata o o tempo na maior parte do aimo acha tSo li-a 
mitadas applicaç^ies; eia n que ao nus afigura necessário, como julga-4 
moa egualmente indispensável a distribuição de apparelhos aperfel 
coados de tecelagem, que snbstituau) os primitivos ainda usados, ttM 
tudo Isto, acompanhado de mestres práticos que dirigissem e oricn-| 
lassem o indígena nos novos processos de fabrico. 

Seria de certo Isto muito mais proveitoso para a provincia dnl 
que agrónomos sem escolas praticas organisadas, e portanto de benti 
aconeelliada resoluçSo o derivar a verba agronómica. s(>m utilldadofl 
uté hoje, par» esses ensuios tSo promettedores em resultados futuros. I 

A Brava, com suas pequenas industrias devidamente organlsailnt 
e com uma escola de náutica iSo manifestamente reclamada de ha J 
taato, teria dentro em si inesgotáveis fomentos de riquesas, as quaetfl 



ILHA BRAVA 118 



conjugando-se ao Sanatório, a que o seu clima, seus attributos pe- 
culiares e o nosso poderio colonial, lhe dâo incontestável direito, cons- 
tituiriam condições avantajadas de uma vitalidade cimsolidada; que 
achariam echos por toda a provincia. 



Não nos demorando, por agora, a apreciar as suas aguas mine- 
raes (Vinagre, Ribeira Funda e Somo), nem nos detendo a discu- 
tir esses seus nevoeiros utilisados como arma de ataque, tanto pela 
blague inimiga, como pela inveja dos cretinos, e que de facto, não 
passam de nuvens que se esvaem, tomamos o condescendente leitor 
pelo braço, para que se não detenha com esses assumptos, aliás impor- 
tantissimos, e animados com a boa alegria do nosso espirito e com os 
enthusiasmos que a Brava nos sabe dispertar sempre, ahi vamos por 
esses caminhos em fora, buscar nos grandes effeitos dos campos, dos 
mares e dos montes, impressões com que deleitar esse companheiro 
que nos acompanha ás cegas, esforçando-nos em dar-lhe uma idéa ap- 
proximada d^esses traços graciosamente infantis que caracterisam a 
Brava. 

Percorro a povoação toda por esses atalhos pittorescos e ori^i- 
naes, marginados por purgueiraes verdejantes; observo d'alto essa 
vasta bacia orlada de montanhas basalticas, cujo aspecto vetusto e 
nigoso relembra as ruinas legendarias, e recebendo em toda a pleni- 
tude a impressão typica de um grande jardim assymetrico, descor- 
tino aqui . . . alli, como dispersas por uma polvilhação do ceu, milha- 
res de casas pequeninas e alegres, risonhas na sua brancura de cal, 
poéticas e cathechisantes por tudo que ha de recatado e mystico, nas 
sombras veladas do arvoredo que as cerca. 

Depois de andar muito, excitado pela marcha e deslumbrado pela 



^ Cutello; nome com que se designa na localidade os montículos e o 
cume arredondado dos montes. 

2 Das Mentiras; por causa das versões graciosas que fazem circular 
d'ahi os observadores com relação aos navios que apontam. 

16 



114 CABO VEBDE 



luz, chegamos ao Cutello * das Mentiras *. — E' um sitio isolado e d(.* 
repouso, por isso nos detemos a observar o que ha de mais encantador, 
como panorama para todos, e o que ha de mais inolvidável, como ro- 
cordaçSes para nós. 

S&o 8 horas da manliã ; o ceu está limpido e sente-se na maneira 
como balouçam as folhas ao bafo da viração do norte, que vae fazer 
um dia desanuviado e fresco. 

O mar agita-se em ondulações de escamas, e as vagas batem nos 
rochedos da costa inundando-os de espuma. 

Ao longe, negreja o Fogo como um grande cetáceo adormecido, 
emquanto os illieus reluziam ao sol e uma pequena embarcaçâc», como 
um cysne, bordeja demandando o porto. 

Na bahia, em baixo, vc(ím-se apcMias mastros esguios que im- 
mergem da montanha que cobre o casco dos navios hmdeados, e por 
um grande declive accidentado que se estende até ao oceano, inter- 
meiam-sc em confusão de cultunis, as searas de milho, implumadas 
como esquadrões de guerra, o mandiocal verdejante com seu aspecto 
delicado de uma tela de rendas, a batateira folhúda n'uni grande alas- 
tramento de nmsgo, e por tí)da a part(», como cnomu^s honqtiets aper- 
tados, como altas umbellas (^scuras, mattas cerradas de bananeiras 
copadas, papaeiras esguiíis e arvores isoladas, como sentinellas dis- 
persas. 

Todo esse conjuncto recobre uma grande faixa de montes e val- 
les sinuosos e agros, tecida toda ella pelas mil gradações do verde, 
cortada ap<mas num ponto ou noutro por cruas rajadas, de tintas ma- 
duras do outonmo. 

A estrada da Furna, com suas pequeninas pontes similhantes a 
cliarmHras, des(Miha-se como uma Hta nos limites E. do panorama, 
ora esc(mdendo-se, ora mostrand(>-se entre rasgões do purgu(*iral e 
dos mont(»8, salpicada sempre por grupos alegres de mulheres e crean- 
eas que a sobem e descem cantando. 

Uma cortina de montanhas, como um biombo, fecha no fundo 
o horisonte em torno, r em frent**, destaca-se o cutelh» do monte, 
cujo cabeço nu, <b' uma cor d<' guano, parece desenhar no céo o bor- 
leto fulvo de um solidco de velho. l*<ir toda a encosta d'esse amphi- 
theatro grandioso, cMwno <'nxurrada ondeante, descem em largos de- 
gráos de verdura, plantaçru»» variadas que vem esbater-se na povoa- 
ção, ond(5 casas alvejam e mil canaes se entrelaçam, C(u*t4indo a pai- 
zagem n'uma schema da circulação reeticular e ubérrima. 



ILHA BBAVA 115 



O cut<íllo das Mentiras, onde estamos, é um d'esses logares ve- 
nerados polo povo. 

E' iim outeiro situado no extremo N. E. da povoação, e sobran- 
ceiro a ella, tendo á esquerda o valle de Lem, em cuja frescura pa- 
r(^c(^ banliar-se, e á direita a igreja matriz, circumdada de flores e de 
túmulos, e que s(í destaca no céo em feliz encravamento de perspe- 
ctiva com a magestade austera da sua simplicidade primitiva e rústica. 
E' um outeiro encimado por um circuito de pedra e cal, de 20 me- 
tros de circumfcrencia, 1 metro de alto, hidrilhado de calhaus, com 
ass(»ntos gastos pelo uso, pobre, humilde, despido de pretensões e do 
arte, mas animado de toda a vida com que a tradição e a saudade 
sabem poetisar o que ha de mais humilde e engrandecer o que ha de 
mais simples. 

E' aqui, á altura de õ(X) metros, que gerações e gerações tcem 
vindo a toda a hora do dia fitar a immensa faixa do mar, reviver na 
imaginação as datas das despedidas, as ultimas palavras balbuciadas 
atravez as ultimas lagrimas e rever esse mundo de encantos e receios 
que se desenrola no rastro dos ausentes, emquanto os olhos procuram, 
em cada vela que se lobriga ao longe, o navio abençoado que deve 
trazer esse pae, esse esposo, esse amante, esse filho, ha tantos annos 
partido para a America, ha tantos annos esperado na angustiosa incer- 
teza da saudade. 

Pedras abençoadas, leio no lapidado do vosso aspecto o quer que 
seja da serenidade das aíFeiçoes antigas, e como que diviso no vosso 
regaço amigo, dispersas como flores que não murcham, a lembrança 
que em vós fica d'aquelles que morreram. 

A quantas alegrias e a quantas dores tendes servido de confidente 
discreta e consoladora, oh pedras ! 

A quantas saudades, a quantas tristezas accumuladas, e a quan- 
tos lutos sobrepostos, tem servido de refrigério o teu isolaínento, oh 
sitio ! 

Prefiro-te ás tuas rivaes. Prefiro-te ao Paul, ao Monte e â Cruz 
grande *, porque se ell<»s tecm para a vista mais thesouros, tu tens 
para o coração mais queixumes. E ouço a elí)quencia muda de teus 
segredos, e ao olhar em roda o vasto horisonte que te cerca, não são 
as bellezas da paizagem o que mais me attsrfte, não é o teu manto de 



1 Pontos de vista também afamados da ilha. 



126 CABO VBRDK 

vogeta^^ cerrada o que mtiis me desliimhra; q qiii.' me proiide, o que 
me domina, •■ que me encanta, è tisne estendal de i'euurda^-('íoB que on- 
corras, é o turbilhão de pensamentos que despertas. 

Eu te liemdigo, oh sitio. — E. se o leitor, um dia, duacançar de 
liu.'to na humilde hospitalidade du teu conforto, qu'' potiea elle, como 
vu, aobar um hIIítío para «s ma^uas dn passiLdu, e mentir como tiintus 
vrtfis senti, atravez aa negruras de uma Iristcza immensu, as ucintil- 
laçíles irisadas das <^spt.'niii^-aB consoladonte. 



Seria impcrdoavi^l, tratando da Bravii, doixiir de liillar uns tmim 
mulheres. 

Vetbos (■ muv''»» platónicos e devassos, i^orantes « íllustrados, 
desdiz- os governadores enfatuados no seu cstof<i de eonsclheiro até nos 
amanuenses impertigadoe nn seu lyrismo pelintra, todos, n'uma faina 
de artigos de almanacli, versos soltos, e phrases sonoritt* de relatórios, 
todos que a teem %'isitado, teem decantado a belleza e prestigio dns 
suas filhas, cujos elogios chegaram já a repetir-sc nas nobiliarchieae 
paredes de S. Bento. 

Eu da minha parte, sinto-me na obriga^'ão de declarar que |iou- 
cas mulheres ainda vi mais bonitas do que algumas raparigas da Brava. 

Falta-lbes o lux», os adenianes e as pinturas, mas sobija-lhes na- 
tiiralidadc, dando-lbcs relevo c graça a alegria saudável de uma sin- 
ceridade franca. E aprumadas na sua pobreza, eonsoladas nu seu oin- 
forto, simples e despretenciusas em sua modéstia, agradam, encantam 
c prendem. 

A sua piipula^ilo descende na maior parte de europeus, madei- 
renses e estrangeiros de todas as nacionalidades, figurando como fa- 
ctor importante no quadro das suas origima, u pessiml dos navios de 
guerra, da alta magistratura e da alta burocracia, tant'j da Província 
cnmo da Guiné. D'aqui resulta que, havendo pouquíssimo numero dv 
pretas, existem pelo contrario, mergulhados na sombra do abandono, 
alguns rebentos fidalgos e vários appellídoa consagrados hoje, na alta 
politica, na alta litteratnra c no alto fÕro do nosao paiz, 

A enxertia de raças c de individualidades tio dlfierenciadas, dfto 



ILHA BRAVA 117 



como resultante sob o ponto de vista cor, todas as graduações quo 
se estendem do sombrio cúprico creoulo, á vermelhidão quente dos 
americanos do norte; e sob as considerações de formas^ todas as mo« 
dalidades organologicas que distanciam as pallidas e débeis Ophelias 
dos nossos salSes, das musculosas cachopas das provincias do norte. 

No povo principalmente, encontra-se a maior e a mais selecta va- 
riedade de typos femininos que se podem imaginar ; assim, a par da 
creoula propriamente dita, typo terre-cuitt, de cabellos negros, olhar 
quente, movimentos languidos, curvas lúbricas e tempera sensual, 
depara-se, como na Madeira, verdadeiras similes das hespanholas do 
sul, esplendidas incamaçSes esfogueadas n'um esforço atormentado 
de tom e de vida, e intermeiadas com louras miragens românticas, 
uma serie de exemplares franzinos, de uma apparencia de biscuit, que 
dão a nota maguada de um suspiro fundo, trazendo á imaginação, en- 
volto n'um turbilhão de presentimentos, a idéa dos banhos frios, dos 
óleos iodados, das fricções seccas e do ferro Bravais. 

Difficil porém, é encontrar reuuidtjs os exemplares mais salientes 
d' essa galeria feminina. No trabalho de lavoura, nos carretos e na es- 
trada do Vinagre, raras vezes se vêem os typos mais dis tine tos da po- 
pulação, deparando-se apenas envoltos n'uma photosphera de alegi*ia 
e aíTabilidade contagiosa, tranzeuntes fatigados por um labutar exte- 
nuador, mal premiado de confortos e mal vestido de compensações. 

O touriste ou o observador que quizer fazer uma idéa da esthc- 
tica da popidação, precisa ser paciente e aproveitar as opportuni- 
dades. 

Uma festividade religiosa, a chegada de um navio da America ou 
a fazendura de chapéus em grande communidade, constituem os en- 
sejos mais azados, para esses reconhecimentos picantes de originali- 
dade e altamente salpicados de interesse. 

Recommendamos pois ao leitor, se f5r amante do género, — uma 
missa solemne no campo, — a chegada de algum baleeiro na boa mon- 
sào — e as fazenduras de chapéus, principalmente no Pé da Rocha. — 
Vá, que se não arrepende. . . a não ser que o prendam. 



118 CABO VERDE 



* 



O clima da Brava c Haluberrimo, áe uma grand<í íliv<írsidadc, con- 
forme as differciitcs zonas c altitudes que se considera, o que suí-ccdc 
cgualmentc ás illuis montanliosas de Santo Antão e Fogo, qu(^ pre- 
tendem rivalisar com elia sob esse ponto do vista, ainda que llios fal- 
tem em absoluto os argumentos comprovativos e todo esse conjunctn 
de conforto e agradável, que se encontra ás mãos cheias por toda a 
Brava. 

Tem climas frios nos mais elevados pincaros, onde a tompenitura 
á» vezes decahe ás approximaçdes do zero, e que se apresent^un quasi 
sempre envoltos em nuvens mais ou menos densas; tem climas tem- 
lierados nas encostas e nos contrafortes das mais altas montanhas, e 
tem climas quentes nas suas bases, onde o bafo do oceano arrastando 
og saes e os principios iodados das plantas marítimas, reúne em mais 
de um ponto condições propicias ao tratamento do escrophulismo, que. 
estamos certos, encontraria uma salutar influencia, no emprego das 
concentradas Aguas mães das salinas da ilha do Sal. 

N%o tem pântanos, nem mesmo temporários, porque as distancias 
sSo curtas, os seus declives são enormes, e a verticalidade n&o admittc 
estagnações. 

A Brava pois, caracterisa-se como paiz, pela benignidade do seu 
clima, pela express&o ridente da sua paizagem e pela alegria difí'usa 
dos seus panoramas; como povo pelo sentimentalismo romanti(*o d<* 
seus habitantes, pela affabilidade, pelo aceio e ptdo recato dos seus 
cx>stume8 ! 

P6de-se definir : uma terra íjue tem corações que encantam (^ den- 
tes que desgostam. 

Effectivamente nada ha mais insinuante do que a meiguice obse- 
quiosa das suas filhas, nada ha mais desagradável do que a coloração 
tostada dos seus dentes. 

Nfto ha um único filho da Brava que nâo revele á primeira vista, 
pela cor mais ou menos viciada do esmalte, a sua orígem e a sua na- 
turalidade. 

Tem-se aventado as theorias e as hypotheses mais engenhosas 



ILHA BBATA 



para explicar a. i^oloraçâi) typica <i'es8es tlentea tilo foii*. enterpadiiií 
alguns ein otfros tSu apeteciveiã. 

Para uns s>*rin eífeito da humidade, para outros da altitude, e 
^lara a inaiov parte <liis sabiús que piillulam aem cultura e aeni con- 
traste, pelos tropkna, o re8ultad<i fntal do iisn das aguas alualiiias do 
Vinagre. 

A humidade, oomo se sabe, pdde produzir o bolor, mas o que nSin 
piSde é cnrnter nem pintar os esmaltes. A altitude faz descer o alado- 
men o pôde quando muito agantar os dentes, pek- exceano do exercí- 
ciu, visto augmentar-se ■> npetit« A maneira que nos approximamos 
doB eéos. — A hypotheae das aguas mimcrars, com que já vimos tam- 
bvni ex|)lienr, mii tanto gratuitament*?, phenimieno semelhante dos 
liabitantes d<' Purto Santo, aqui nSo colho, parque uma grande parte 
da populaç&u que se alimenta das excollcntes e linissiuiaa aguas do 
Sfirn», í também niarenila nim o estigum apimladn, o ipie jirejiidiea 
ín iimlne a supposiçAn. 

Oh donti-s d;t llrava, a nosno vor, í^ymtHilisam iiponni' em carne e 
•«Bo, II aphorismri medico — mim tfloniaifn. nuius denlig. 

Efiectivami-ntc, qui- admira que uma populaçito cujos sueco;: di- 
gestivos SC achiim dosdo as primeiras edade» a contas eora uma ali- 
mentav^o cssciiciíilmente sacchamidc p feculenta como é a biitata doce 
(base fundamentul do regimen alimentar d» povo), se modllique, de 
um modo permanente, arceiítuado o definido, mustrando alteraçileB 
profundas, que se pcrjictiiem em todo o apparcllio digestivo c por- 
tanto, na furmaçilo, nn cslnictura e na appareueia dos denteai* 

Sim, pitrii nós, es maus dentes da Hruva traduzem apenas a sua 
qualidade do batalciros, como silo eonliecidos em todii a província, 
(■omprovundi I a pliraso de Bordier "montre moi tes denis ei je te di- 
rá! ee que tu manges.i 

K concluindo este pertil rápida e eiitlmsiastieamante desenhado, 
direnioh que o pnnto mait^ alto da ilha é u monte das Fenlainliaií, que 
mede 1,1'KI*"; que o« seus dois portos ninis frequentados sSo os da 
Furna a L. c o da l''eija de Agua a N. \\'.; que produz milho, man- 
dioca, batata diK'e, ingleza, café, fruetHí^, etc; que tem imi pharol de 
eór vermelha hi' N. da Fuma, que alcani>a a ií miUias; que tem um 
pequeno c elegant<- cães de desemburque, caminhos pittorescose tran- 
sitáveis por toda a parte, que tem muitas tlóres, muita alegria e muita 
animaçfto e que é realmente bellu, d'essa bellesa que eonstda a vjsta, 
apagando no espirito as sombras dos desalentos. 



Ilheos Rombos 



A N. da Brava acha-se, a distancia approximada de 5 milhas, um 
grupo de recifes á flor da agua, entre os quaes se destacam dois pe- 
quenos ilheos, designados nas cartas com o nome de Rombos e conhe- 
cidos vulgarmente na provincia por Ilheo de fora e llheo de dentro^ 
aos quaes nSo podemos deixar de nos referir, por constituirem um ob- 
stáculo á livre navegaçSo pelo canal (entre Fogo eiBrava), e porque 
ambos teem hoje uma verdadeira importância sob o ponto de vista da 
riqueza e das commodidades das ilhas visinhas. 

O Ilheo de fora é rico em guano, producto animal alli accumula- 
do pelas aves marítimas que ás milhares n'elle se agasalham desde 
séculos, adubo esse, que já começou a ser exportado, graças á intel- 
ligente e perseverante iniciativa da sociedade Emery, Ferro & C* 

O Ilheo de dentro, que fica mais próximo da Brava e que per- 
tence hoje, por aforamento, aos srs. José Vera Cruz e J, R. Cama- 
cho, constitue um precioso e utilissimo reforço ás condições sociaes 
da Brava, por isso que serve de abrigo aos pescadores que ahi vSo 
abastecer-se de peixe, de que sSo abundantes esses mares, e de pas 
tagem ao gado de que a ilha Brava é tfto parca, em virtude da sua 
limitada superfície se achar, como dissemos, tSo aproveitada em cul- 
turas. 

Estes ilhéus ficam a 14,55 de latitude N. e 24,40 de longitude 
W. Green. 



16 



S. TMãgo, primitivamente S. Jacobo 



E' a ilha maior, mais productiva, mais rica de Cabo Verde, e 
onde desde o começo se acha estabelecida a capital da provincia. 

Tem 25 léguas de circumferencia, medindo 10 léguas de com- 
primento de N. a S. e 6 na sua maior largura, estando calculada a 
sua área em 360 milhas quadradas. 

Está situada a 15 milhas do Maio que a avisinha a E. e a 62 do 
Fogo que lhe fica a W. a 15%5' latitude N. e 28%40' longitude W. 
de Greenwich. 

Á ilha foi dividida em 1489 cm duas capitanias (do Sul e do 
Norte) passando porém pouco depois as terras do Norte a serem con- 
cedidas em semearias e capellas, constituindo-se assim pelos direitos 
vinculados a organisaçSo dos morgadios, que ainda hoje existem de 
facto, trazendo um verdadeiro obstáculo ao progresso e ás melhorias 
das classes trabalhadoras. 

Em 1532 essa capitania foi erigida em bispado por bulia do 
Papa Clemente vii; passando em 1592, pela nova organisação esta- 
tuida pelos Filippes, a ser capital do archipelago tendo como residên- 
cia dos governadores geraes a Villa da Ribeira Orande, hoje chamada 
Cidade Velha, residência essa, que ahi permaneceu apesar do doen- 
tio do local e da pouca segurança do seu porto até 1770, epocha em 
que a transferencia da capital se cffectuou definitivamente para a 
villa, hoje cidade da Praia, situada a 14**,54^ latitude N. e 23®,30 
longitude W. de Greenwich. 

Á ilha é montanhosa, sendo atravessada de N. a S. por unia cor- 
dilheira de basalto, recoberta por camadas de argilla, lavas e bancos 
calcareos, destacando-se no seu centro o pico da Antónia, que se eleva 
a 1810 metros sabre o nivel do mar^ ao meio dia a serra dos Orgftos 



124 CABO VERDE 



com os seus pittorescos e caprichosos contornos e ao N. a grande serra 
dos Picos (ou LoitSes), a que se seguem os outeiros arredondados co- 
nhecidos pelos montes do Tarrafal. 

E' toda sulcada por profundas e férteis ribeiras que a serpeiam 
em todos os sentidos, das quaes as mais productivas e mais escabro- 
sas são as de S. Domingos, Orgâos, Ribeira da Prata, Ribeira da 
Barca, dos Engenhòes, Hibeira Grande, S. Jorge, Trindade, etc; 
tendo além d' isto grandes extensões de terrenos cultiváveis, sendo os 
mais importantes a Chada Falcão do rico morgado Manoel dos Reis, 
a propriedade chamada Engenho do Morgado Pedro Alexandrino, o 
morgadio do Tavares Homem e as lindissimas e bem trabalhadas pro- 
priedades da nova aldeia Chamisso em S. Domingos, hoje pertencentes 
ao Baneo Ultramarino. 

E' dividida cm dois concelhos, Praia ao sul. Santa Catharina ao 
norte, comjjrehendendo onze freguezias, umas trezentas aldeias, 10:724 
fogos c 4õ:4S8 habitantes, entre os quacs se contam approximada- 
mente 300 europeus. 

Tem varias enseadas por toda a costa, onde se abrigam facil- 
mente barcos de pequenas ilimensões, sendo mesmo muito frequenta- 
das as de Pedra Badejo, a leste, e a de Ribeira da Barca a W.; pos- 
suindo, como portos principaes o da Praia, subjacente á cidade, o do 
Tarrafal a N. W. e o antigo fundeadouro da Ribeira Grande, hoje 
completamente abandonado. 
.p. O porto da Praia situado na posição já indicada, ao S. da ilha, é 

í imia vasta enseada delimitada pela ponta das Bicudas a E. e pela 

V ponta Temerosa a W. 

^ Neste porío, viísto, tranquillo e de magnifico fundo, ancoram com 

' »;*gurança, navios de alto bordo a 8 a \) braças um pouco para fora e 

^ a E. do ilheo Santa Maria, destacado na bahia, visinhu á Tenebrosa 

i r como sentineUa j)erdida. E' limpo e seguro no tempo das brisas (de 

i novembro a julho), mas no tempo das ehuvas (de julho a novembro) 

I é de levante o perigoso, eomo todos os que a abrem ao sul. 

i Sendo essa ilha uma das mais férteis e mais extensas do archi- 

pelago, possuindo padarias, ayougues, fruetas, legumes e aves em 
abundância, tendo o melhor e o mais bem fornecido mercado e go- 
sando lioj(í (<l<íVÍdo á intelli^cente administração do nosso amigo Bur- 
nav) da máxima faeiiidad<í no fornecimento da aguada para os navios 
e t<mdo além d'isso. um bom dej)osito nacional de carvão, estabelecido 
no ilheo de Santa Maria, reúne decerto, todas as condições necessa- 



8. THIAOO, PKnUTIVilfBKTE 8. JAOOBO 



riaa para o abastecimento dos navios e vapores transatlânticos, que 
o procurariam decerto se não tivesse proxirao o porto de S. Vicente, 
excellente era todas as epochas do anno, o qual, estribado nas suas 
condiçítes prupria» e na propaganda e influencia dos inglezes ahi en- 
raizados, tem i-onB':guido monopolizar toda essa navegação, incluindo 
a dos navios de guerra e das liraitadisuimas o Bubsidiadas companhias 
nacionaes. 

Precisamos notar aqui, com relação aos abastocimentoa dos navios 
na Praia, um facto notório c impressionista e que até hoje nSo mere- 
ceu a attençUo e o estudo devido, nem aos médicos nem ao governo. 
Queremos referir-n-is ás les3«s variadas que se encontram no ligado 
de quasi todas as n'zes abatidas, lesíies di' Hifferente natureza ma» 
em que predomina geralmente — aulmalculos vi-rmiformes — kystus e 
verdadeiros focos purulentos que despertam repugoanclas e receios 
com relaçSo a oama d'esses aniraa«3. 

Nif sabemos se essas Ies5es sSo ou n4o ri'siillado de uma só cau- 
sa, nfto sabemos qual é a doença que traduzem em pathologia ve- 
terinária, nem nos atrevemos sequer a aventar opiniSo sobro as diver- 
síssimas cansas ii que é costume attribuil-as, como — a agua, o pasto, 
o impaludismo, etc., etc. 

O que sabemos, porém, é que a inspecçSo sanitária local manda 
sempre inutilisar a glândula hepathica dos animaes atacados, permit- 
tindo o consumo da carne, ignorando completamente as razoes e os 
motivos de uma cumo outr;i d'essa8 delibera^.òes. 

ConstM-nos porém, que foram feitos em Toulon estudos sobre al- 
gumas vísceras atacadas dVssas lesSes, e que os navios da marinha 
francfza continuam a forneeor-se d'e8sa carno, o que prova decerto, 
o n&o ser ella contra indicada á alimcntaçSo. 

Entretanto comprehende-se bem o quão necessário é esclarecer 
e elucidar officialmente um assumpto a que se prendem tilo justifica- 
das reluctancias do consumidor e tantos motivos de responsabilidade 
para a físcalisaySo bygienlca e para o governo. 

A cidade da Praia levanta-se no fundo da grande bahia sobre 
que acabamos de fallar, á altura di- 21' melros do mar. E' plana, bem 
ventilada, de mas largas e alinhadas, coni bilas condiçBes de esgoto 
para as aguas, povoada por 4:322 habitantes, possuindo algumas ca- 
sas amplas, bem construídas, sem arabescos architeetonícos, mas bem 
Uluminadas, arejadas p de uma apparencia agradável. 

Oevido á pnergica, sabia e moralisadora administração do sr. 



126 



Cabo tbrdb 



conselheiro Csetano de Albuquerque, nSo tem hoje senSo rarÍMimas 
palhoças e isto mesmo noa bairros mais {)obreH e afTastailos. 

E' relativamente arb^insadaj tom algumas |>ra(,'as e largos, uma 
pgreja racbitÍL-a. mumificada pelo tempo, nm hospital-monumentu ile- 
urepitii avaeeallando uma enfermaria barraca prctencioea e um jardim 
adubado por dejectos Tioso-coiniaes e poetisatlo por arvores tristonhas 
e hortaliças que ae nutrem dos mortos e que servem a delieiar os 
vivoB, 

Tem um tbeatro dimomínado o A/rtamo, que de fora parece uma 
colmêa, mas que de dentro é elegant<> e espaçoso; o encerra final- 
menti', nomo cousas dignas de cilar-se, a easa do Governador, com 
sua espaçosa varanda, estufa a plantas exóticas; as Secretarias do 
Governo, respirando dos baixos (prisSes) as emanaçSos da irápula e 
ladeada nos flancos pela iinpreaêa officinl; o edifício municipal, mon- 
tado por um relógio amestrado pela pericia dos seus empregados; um 
amplo quartel subjacente a um posto meteorológico, que se destaca 
pelas Buas ventoinhas e que tem uma significação altamente sympa- 
thica. Tem uma bateria de 21 peças de ferro rouqucnhas e ankylo- 
sadas, tem uma pharmacia, centro da publicidade da ilha, tem muitas 
tabernas . . . e tem a madregõa ! 

A Praia, como centro social, é uma burguêza a exigências im- 
pertinentes. 

Habitada por algumas famillas respeitáveis e por muitas per- 
sonalidades dignas e distínctas, exbibe comtudo, cm todos os actos 
Bolemnes das suas manifestações, na resoluçSo de todos os seus ne- 
gócios, na sua maneira de apreciar os factos e as pessoas, uma ten- 
dência tSo accentuada ao plagiário e ao servilismo, e uma prcoccupa- 
çXo tio evidr-nte com os seus magnates, quo chega a ser asphixlante 
como meio, para quem ii&o está acclimado ás formas estatuidas do seu 
viver de corto. 

Para esta cidade á beira-mar plantada, desembarca-se n'um cães 
de cantaria situado no flanco esquerdo da cidade ou n'uma elegan- 
tíssima e solida ponte de madeira, postada defronte da alfandega que 
se lhe assenta próxima, na desemboca<liira da varzna da Companhia; 
â'esses dois pontos solm-se á (-idade, a pé ou a cavallo, por planos 
muito inclinados e a descoberto de toda a protfiiçSo de sombras, ou 
por um longo e auavo caminho que contorna o sou flimco, ubriudo-se 
no mercado; do cães, por uma escadaria q^e vao desembocar junto 
00 Quartel ; da pmte, ou caminhando ao longo da rocha (como Ib^d 



S. THUGO, PBUUTITÁHGtlTE 8. JACOBO 



chamam), pela eatradu. dutb já citada, ou pela Bubida fetiggnte, que 
fonduz em pleno largo do Palncio. 

Se o <'ntrar na Praia é moroso o fatigante, o sahír é muito mais 
fácil >■ fleBejavol. Tem-se os decHvps ingromea quf impellera, o calor 
que agiiilliôa e ufi tradições miasnuiticAu que enxotam. 

As más condiçSes bygieuiuas de outrora o o hysterismo uãicial 
de sempn-, L'uiietituiram essa reputaví^c Hterradora de insalubridade, 
que de fucto, oSn rt^prcaenta hoje mais que um manequim de moda£ 
avolumado an exagero pela necessidadu do justificar o que nSo tem 
jnstificaçUo e pela tendência pannrgica de seguir 03 exemplos d'aquel- 
los que (leaertam. 

Etievti vãmente a cidade está como que enlaçada por doie valle» 
efltreitoB constituidoe pela Ribeira da Praia Negra a E. e pela várzea 
da companhia a W. ; cfiuctivamente pelo interior da ilha e principal- 
mente no Cha de Pedra líwUyo (a 30 kilomctros da cidade), existe um 
grande pântano mixto da mais nociva stgnificaçào ; mas iiSo 8(5 a dis- 
tancia d'esse enorme lenço! de fermentaçilea palustres excede em 
muito o máximo da área captiva dos pântanos, mas a sua collocaçJto 
a W, e o facto dos ventos reinantes soprarem em todo o auno ora de 
NW., ora de SE, desmente in limlne a sua supposta influencia sobre 
a Praia, por isso que os mÍcrobi'>8, commodistas como sSo, nSo usam 
remar contra a maré. 

A observaçAo clinica attestada pelos balbuciantes dados officiaes, 
o aspecto da população, a persistência da capital, a permanência por 
longo período de muitos europeus que nSu emigram e finalmente 03 
oaludoa modernos subre as influencias maresmaticas e sobre o impa- 
ludismo que d'eltas resulta, aflinnam e explicam cabalmente o ser a 
Praia lioje relativamente salubre, ajiesar de se achar abraçada pelos 
pântanos citados. 

A várzea da companhia e a Praia Negra acham-se desde muito 
beneficiada» nu seu esgoto pelas dranagen^i executadas pelo distincto 
engenheiro hoje conde de S. Januário, e pelo augmento das planta- 
ções mandadas eflectuar principalmente pelo Governador JoSo Cesá- 
rio de Lacerda. 

A hygiene particular e publica tem sido lenta e progressiva- 
mente beneficiada pela abundância de agua, pela extincçio das pa- 
lhoças, pela amplitude e boa orientaçSo dada ás ruas, pelo desterro 
dos porcos, pela facilidade dos esgotos, pela fiscalisayfto dos despe- 
jos, etc., etc . . Melhorou mas nSo se cnrou, é verdade: entretanto 



CABO VBBUB 



melhorou a ponto de ter jus indiscTitiTel á olaeBÍfica^So de um paiz 
habitável. 

No mez das bricas, é approximadamente tSo salubre como a ge- 
neralidade das ilhas; mas du julho a novembro, hssps terreno» que a 
iivisinham, adubados por matéria orgânica em abundância, embeben- 
do-ae com as chuvas e fermentando com o calor, fazem sentir com 
II elcva^iio da temperatura própria da epocha, uma influencia mais uu 
menos deprimente sobre a equaçSo sanitária. 

Mais ou menos, dissemos nós, n%o só porque traduzimos a expres- 
sSo de uma verdade, sem rela^So alguma seriamente determinada en- - 
tre as causas admittidas e os efleitos observados; mas porque a po- 
rosidade do terreno, a sua permeabilidade, a elevaçân da temperatura 
e os ventos dominantes favorecem sobremodo o desappareciínento das 
aguas estagnadas, sendo os pântanos artificiaes e aecidentaes, todos 
muito temporários, devidos ás circumstaneias telhiricas e meteóricas 
adiante apontadas, eireumstaneias essas algumas, que tendo uma acçfio 
variável em cada anno constitnem modalidades differentes nos factos 
que lhes sSo subordinados. 

A Praia é relativamente insalubre mi tempo das chuvas. Ha 
mesmo uiu ou outro anno em que a sua nota pathologica é aguda, 
por circurastancias que se uSo acham beui discriminadas, como aliás 
succede em toda a parto. Mas o que não é, é um foco temível de 
impaludismo, como se quer fazer acreditar. 

A opinião generalisada pelos nossos médicos da Africa e perfi- 
lhada pelo vulgo da correlação entre os pântanos e o impalndismo... 
é falsa pela cxtensKo. 

Ha pântanos innocentes como succede no Mexíco, no Paraguay, 
no Uruguay e no Plata, onde apenas apparece a febre palustre sim- 
ples, não obstante a temperatura elevada e vegetação luxuriante das 
regiSes. 

Os pântanos mixtos já despiram a sua larga capa de phantasmas 
em muitos paizes explorados pela pathologia gcographica. 

Não ha regiScs immunes para o impaludismo, haja ou não haja 
pântanos visiveis, palpáveis e classificados; como a existência, appro- 
ximação e os caracteres phjsicos de um pântano não constituem por 
si só e independentemente ura argimiento seguro piirn apreciaras con- 
tingências das populações que os avisinhara. 

Ha regiSes não experimentadas, isso sim; immunes não; o que 
n&o quer dizer a mesma coisa. 



Na Dinamarca, apesar da L^xtrema liuiniclade do solo, an febres 
íntermittenteH liguraram st-mpre n'uuia fracçSo raininiíi na mortiiHda 
de (0,18 ",j da mortalidade gemi) «tt- que uma terrível epidemia a 
dizimou paviiroBumetite, victimando-a na proporção de 1 pai-a 17, ilns 
sdus habitantes. 

No CliUi o impaludisnio foi deseonhecido até 18õl,aniio em que 
o visitou peta primeira vez, toroaiido-ac- depi^is a malária uiidemicu 
em muitos pontos do seu território. 

A ilha Amhriinc gusava dr uma tal reimtav^ de imuiunidade 
que serviu de sanatorin para todo o archipf-lag" das Molueas a qiii.- 
pdrteiiee ; hoje ó a mais vi-xada ih- todas. 

Outras localidaih-s de mu tt-rremi humid" e brejoso, taes rumo a 
parte oriental da Virgínia, certas zouaa da Pensilvânia e dos estados 
da nova Inglaterra, do Cniinoetiiiil. i- iia Europa a parte ncroeste da 
Suécia ondf si- achavam, como díz Jacoliy, reunidas todas as omdi- 
ÇSes de impaludismo, mostraram -su por períodos hmgns, mdomnes ás 
febres, sendo posteriormente visitadas por causas mais ou menos des- 
conhecidas, o que i»rov« evidentemente que a ausência ou presença 
por si só do pântano nil" i- o sufBniente para produzir o impaludismo, 
neoessitaiido o gérmen, — isee heniatozoario de Lnveran — qualquer 
quid perturbador o revolucionário fpie o faça arrcmetter e engorgitar 
o baço, cíimo o leimento faz levedar o pSo. 

Para pn)var que a Praia hoje não é o que se die, bastar-nos-hia 
chamar a contas as estatísticas da mortalidade, do movimento hospi- 
talar e assoprar esses nimbus cum que os timoratos envulvem as gran- 
des phrasos iVas da sua decantada insalubridade. 

Bastaria indicar as victimas liquidadas do impalmlismo, registrar 
o numero de casos graves nos febricitanti'» niisoL'omia''s e fínalmentc 
apontar as òlHonai; as Jebn» kematnrícitit, as perniciosa», i;U'., emfim 
as notas mais altas da sua escala palustre. 

Mas nilo o Taxemos p<)rque desejamos sem])rc ser cohcrentes nu 
defeza como no ataque, e assim como regoitanins muitas dVssas esta- 
tisticas que por alii andam, couio "bjecçiíes sérias a certas atfirmali- 
vas já expi)stas, assim tambcni uSo nos utilizamos d'ellas agora, eomn 
anua lufallivel para corroborar o que acabamos de dizer, limitando- 
nos a repetir aqui « que '•utr'ora tilo seosatameule disse o nosso mes- 
tre .foSo de Andrade Corvo: •« medicina, tciencia Msencialmente ex- 
perimvnlal, não pôde deixar de ler fterupulotiasima na obsfrvriçSo dm 
fnetoê, e ainda mait na adopçãu da» idem gfnertdiítadt/rag. As leis da 

17 



lâO CABO TERDB 



vida sâo muito complí^xas para serem facilmente descobertas mesmo 
no estado physiologico; cresce, porém, de {)onto a difficnldade, quando 
um estado pathologico vem pertiirbnr a manifostíu;:i<) dos actos vi- 
tae». 

Os espiritos sérios não devem deixar de ser cautelosos, de rc- 
ceiar todas as exageraçíles, de |K>nderar bem todas as circumstancias 
que podem ofFuscar a verdade, antes de adoptarem sobre uma ques- 
tão medica uma conclusão, e de a formularem como uma verdade pro- 
vada. Uma vez, porém, convencido da verdade de unia proposição, 
nâo consente a probidade, nâo pcrmitte a consciência dos homens de 
bem que hesitem om a proclamar. » 

Insistimos sobre o valor climatologico da Praia porque obedece- 
mos ao nosso d(»ver como medico o íis indicacíJes da nossa consciên- 
cia como homem. 

A Praia hoje nSLo é o que foi, <? o facto de ter pântanos nSo lhe 
constitue a gerarchia de cemitério, como querem. 

S. Thiago não é um paiz insalubre na accepção rigorosa da pa- 
lavra, e ainda assim, as causas nocivas do seu clima em alguns pontos 
podem e devem ser combatidas, por isso que abafal-as seria benefi- 
ciar a agricultura, acrescentando a sua área cultivável e garantindo as 
energias do cultivador. 

As.ccmdiçoes sanitárias da Praia sSo hoje regulares, podem ser 
sensivelmente melhoradas, c mesmo actualmente nâ<» podem de modo 
algtmi ser condemuadas em absoluto pelo critério medico-social. 

Só assim SC pódc justificar a centralisação alli de todo o pessoal 
militar e burocrático; só assim s(^ comprehende que ajunta de saúde, 
08 médicos c os homens de coração em geral, nâo protestem d outrauce 
contra a permanência da capital n'uma localidade a que íks chronistas 
c<mcedem foros de mnuHunUha, 

E é por isso qu<' nada pode justificar esse vergonhoso sauvt qtà 
peut das epoehas phivia<^s, dissertação r<'ve]ad(>ra da nossa tibieza 
administrativa, d 'onde resultam as mais graves injustiças, as mais ma- 
nifestas illegalidades e a mais eondemnaveJ confiagraçSo. 

E attenda-se bem que ní\o atacamos os cjue o permittem, nem 
condemnamos os hábitos e a moda de se fugir á Praia na epocha plu- 
viosa. A vUlcífUíturn é usada, indicada e a])plaudida em toda a parte. 

O que fazemos apenas c estranhar a incoherencia offieial que foge 
todos 08 annos Jio perigo, arrastando atraz de si um se([uito de privi- 
legiados, deixando no campo da batalha, no logar do ])erigo, os sol- 



S. THIAGO, PRIMITIVAMENTE S. JÀCOBO 131 



dados enfileirados para a morte (seguudo pensam) e desproti^gidos ár 
generalas que os commandem. 

O que fazemos apenas, é lamentar que a classe medica e o Go- 
verno, não tenham de ha muito precisado esse problema de tâo alta 
import;incia, concedendo ao clima a sua senha legitima, impondo a 
transferencia da capital se fosse verdade, o que geralmente se jxaisa, 
e coarctando o bandalhismo burocrático, fazendo a cada um compre- 
hender o respeitar sem sophismas as responsabilidades do seu cargo. 

Paul Bert, morrendo no seu posto, deu o mais valioso exemplo á 
causa franceza no Tonkin. — Noblesse ohlige. 

Aqui não se trata de morrer, mas sim de dar vida e relevt» á 
administração de uma provincia, e para isso é indispensável que os 
bons exemplos venham de cima. . . 

S. Thiago tem uma importância real, indiscutivel e comprovada. 

Tem chegado a exportar 1:250 moios de milho; ().23S:Õ19 kilos 
de purgueira ; 21)6:030 kilos de café ; já chegou a mandar para o^ 
mercados da Europa para cima dt* 522:001 kilos de assucar; tendo 
chegado o valor de suas exportações em alguns aunos a exceder a 
trezentos cfmtos. Produz muita aguardente, é abundantíssima em peixe, 
periis, gallinhas, gado vaccum, suino, cabrum, etc, reunindo mil con- 
diçíKes que tornam a vida alli fácil e barata. 

Tem três pharoes: um de luz branca e fixa que alcança U mi- 
lhas, situado na ponta NNE. da ilha; outro de luz branca e fixa na 
ponta da Temerosa, visivel a 14 milhas de distancia, outro na ponta 
de E. de luz vermelha fixa com alcance de 7 milhas, e finalmentií 
um pharolim <le luz vermelha no extremo da ponte cães da alfandega, 
estabelecida no seu porto principal. 

Tem uma estação telegraphica da West Africa C.*, tem a im- 
prensa Nacional e uma succursal do Banco Ultramarino, digna e sa- 
loiamente dirigida pelo sr. Belgstnm. E para nada lhe faltar, até já 
tem telephones. 



Uha do Maio 



E' uma das inais pequeiías o a mais infeliz das do grupo do so- 
ta viíii to. 

Distante de S. Thiago apenas 5 léguas a E.. aelia-se situada a 
líV, ()' lat. N. e 14", iV longt. W., tendo õ léguas d<' comprido sobre 
i) de largo e abrangendo ÕO milhas quadradas de supertíeii». 

Tem uma única freguezia (Nossa Senhora da Luz), e é povoada, 
hoje, (^m virtude da emigração, por umas 1:000 almas quando muito, 
dispersas por 500 fogos approximadamente. 

O seu nome é devido, como dissemos, ao ter sido avistada por 
António de Nolle e DamiSo Gomes, a 1 de maio de 14^30. 

O seu porto principal é o chamado Inglez, devido isto segundo 
parece, ao terem esses generosos alliados dominado a ilha até os fins 
do século XVIII, sob o pretexto do malfadado dote da mulher de 
Carlos II, dote que, como se sabe, serviu de base á nossa cedência de 
Bombaim. Está situado a S. S. W., e é pouco seguro na <^poeha das 
chuvas, como todos os que se abrem a este quadrante. 

O accesso á ilha hoje faz-se por uma ponte enxertada no an- 
tigo e grutesco cães de pedra, já existente. 

O seu commercio quasi exclusivo foi sempre o Cl Na (sal com- 
mum), cuja producçâo chegou a attingir 6:000 moios. 

Este commercio está hoje totalmente parai jsado, como em todas 
as mais ilhas salineiras, em virtude do exagerado imposto lançado so- 
bre o género no Brazil, para onde elle era principalmente exportado 
desde sempre. 

£8te sal é fabricado n^umas salinas, situadas a NW. da villa e 



134 



CABU VICRUK 



pouco distante dci porto do embarque; foi sempre tnuisportaHo em liur- 
roB, tanto das marinlias do Estado cultivadas pelo pov<>, como da» 
parttenl&ree assentes mais pivximas do embarcadouro. 

Hoje o ar, José Cm-lho Serra, esBf rico e intelligentií neguciaiilr 
n 4iium a provincia deve tantos aerviças valiosos, fiindou idlí uoiihi 
quo uma feitoria de sociedade com o sr. Jnaquim de Faria, a qual 
compra todo o sal priKl(i7,Ído, tendo cilectuado nos últimos unnos qitasi 
que o xclusí vãmente por etia conta a expurtaçSo de todo o producto 
embarcada. 

Dante», segundo se reconlieee dos documentos, liavi^ria nessa 
ilha, onde ainda hoje abundam a« pastagens nos annos chuvoso», 
uma grande quantidade de gado ; dtívid» porém de certo, á mortan- 
dade das estiagens e ás catecheses do oiitrVra lucrativo commcn'io 
du sal, fraquejou muito eese ramo de industria, existindo apenns uma 
diminuta quantidade de cabeças quo mal satisfazem ao consumo da 
terra e ás vitualhas dos navios. 

A >!xpo^la^^So de sal eatú jmraliijada alli eonio nas demais ilhas, 
VIU- pHra seis annos, e » governn em vez de organíaar ou contribuir 
para que se orgauisassem companhias de pesca, de resultados i&o sc- 
gurt^is, attento á riqueifa dos seus mares <• á barateza da^ sidgnr>; em 
vez de promover a arborisaçSo, de bencHciar «» suas salinas, de fo- 
mentar cmSm qualquer industria qui- nervissu de fimtc d<' receita c de 
beneficio permanente ás localidades, ontentou si' em dispender in- 
genuamente contos de réis em constriicçòca de caminhos, onde cllcs 
nunca foram precisfis nem necessários, c isto exactamente quando k 
limitadissima popntaçAo dessa» mesmas ilhas dcsapparocia em grwndc 
parte, pela •■mígraçXo impoHta pela miHeria! 

De modo qm- nn cpocha das cbuvai<, eui qnc cates mesmoií tra- 
balhos flâo suspensos no «rchipolag", habitualmente como medida ge- 
ral, o pivn que ainda rcHbi ri'essuH ilhas citadas, upresenta-se tfto la- 
mentável e tSo ln.'<te, qne nos dá a ini|>i'er<siIo coumiovenle de engeita- 
doB famintos, tiempru na espcctativa anciosa . . . dos navioa que imnea 
cbegam. 

E isto tem existido e continua a existir n'eH8e catado, ^em qa4 
ninguém «e inquiete, som que ninguém tente um remédio. . . som qoi 
a ninguém lhe dõa o cora^So! K c<>ntinna-se a ouvir diser que e 
ministra e que se gnvema b.« colónias! 

E é preciso que se saiba que essas duas ilhas, hoje despre^i 
/.'Omo inuteit^. ehegarum a espitrtar ín\ no valor iipproxJuiado de cen 



ILHA DO HAIO 135 



contos de réis annuaes, e a sustentar na abundância e pelo trabalho, 
mais de 2:õ00 pessoas, nos tempos áureos do seu existir. 

E que é esse o nosso fadário: o nosso mundo colonial rola ver- 
tiginosamente para o abysmo, que attingirá de certo, se nfto appare- 
cer a tempo um outro Marquez de Pombal, que o faça parar, cortan- 
do-lhe o naco prestimoso da sua eloquente resposta ao Jesuita. 

A população e os hábitos do povo da ilha do Maio sSo em tudo 
<M imparáveis aos de S. Thiago. 

Tem apenas no porto um pharolim de luz vermelha que alcança 
a 7 milhas, possuindo duas coisas, verdadeiramente boas : queijos que 
apesar da sua má apparencia sfto de magnifico leite e exeellente 
gosto, e o sr. Joaquim de Faria, digno vice-consul do Brazil, cuja affa- 
bilidade encanta e cuja hospitalidade deslumbra. 



"smmf^n^aimmmSSimSB^ 



Ilha da Boa Vista, primitivamente S. Christovam 



Como as demais de Cabo- Verde foi descoberta em 1460 por Da- 
miSo Gomes e António de NoUe, e muito provavelmente a 3 de maio 
doesse anno, quando os intrépidos navegadores seguiam já derrota feita 
para Portugal. 

O seu primitivo nome de S. Christovam seria devido^ segundo 
infere Lopes de Lima, de ser este o patrono dos maritimos de Géno- 
va; conservou esse nome, segundo parece, até 1497, epocha em que 
pela primeira vez figura com o de Boa Vista, no diploma régio de 
doaçSo ao seu primeiro povoador de gado, o conselheiro Rodrigo Âf- 
fonso. 

A descoberta da ilha no dia e mez indicados, parece effectiva- 
mente demonstrar-se pelo facto da usança, hoje um pouco decadente 
(devido á libertaçSo dos escravos), de íestejar-se alli este dia com 
grandes demonstrações de regosijo, facto este que se nSo acha rela- 
cionado a nenhuma outra legenda, ou a qualquer orago d^aquella ilha. 

Até principies do século xvn^ nSo teve mais que pastores e ca- 
çadores de gado bravo, resumindo-se a sua importância no trafico de 
carnes &escas, chacinas e courama, importância esta que nos séculos 
seguintes tem decahido um tanto, sendo comtudo esta ilha a que ainda 
hoje, relativamente, maior numero de pelles exporta. 

Situada a 16® 10" latitude N. e 13® 52" longitude occidental de 
Lisboa, mede 16,õ milhas do N. a S. e 19 de E. a W., regulando a 
sua superfície por 140 milhas quadradas. 

E' plana, apenas atravessada de NN. W. a SS. E. por uma ca- 
deia de montanhas que a separa em duas zonas, figurando cumo o 
mais alto dos seus pincaros o Pico da Estancha, que se eleva a 600 
metroB acima do nível do mar. 

18 



138 CABO VEUDK 



Exij^teiii na ilha tr<*s portos principaes: o porto do Norte, situado 
na sua costa nordeste junto á j)nvoa(;ãlo de S. JoSo Baptista, porto po- 
rigosn e cuja entrada c drfcndida pelíís terrivcis recifes, chamados do 
Nort'*, celebre» p(»r uni f^rande numero <le naufrágios o celebrados 
})elo notável Cook, que se acharia alli, segundo elle mesmo affirma, em 
grande risco, no regresso da sua terceira viagem aos mares do sul. 

Defendida por esta banda pelos reciftís de que acabamos de fallar 
é-o também do sudoeste (S\V.) pelo grande baixo de João Leitão, dis- 
tanciado 17 milhas da t «rra, pouco apreciável á vista e muito perigoso 
p(^las fortes correntes que se lhe estabelecem em grande área, em 
torno, as (juaes como (pie impcllein os navios ])ara os seus escolhos 
submersos. Hoje poi*cm *, ess(í escolho acha-se bem indicado por uma 
bóia a silvo automático a alcance de três milhas (segundo se affirma 
ottícialmente), coll<»cada junto a elle em julho de 1800. 

Tem mais o porto do (Uorralinho na costa sueste, porto de levant(* 
e pouco frequentado 5 o finalmente o porto de Sal-Rei postado a K)"* 
lo'' latitude N. e l.-V' 52" longitude W. de Lisboa, aberto a oeste, 
muito importante outr'ora .pelo seu movimento marítimo, mas que está 
longe de ser comparado ao de S. Vicente como querem fazer alguns 
nuctores, e muito menos de possuir as condiyoes de segurança abso- 
luta, attírmadas erroneannjnte por tantos outros. 

A' entrada d'este porto, a meia milha de distancia e a Sudoeste 
da terra fronteira onde ass<*nta a povoação principal, Sal-Kei, desta- 
ca-se o illiéo ondtí o conselheiro Martins mandara construirei fortaleza 
a que já nos referimos, hoje em ruinas ; sendo a bahia pela banda de 
dentro irestcí ilhéo p»'rsemeada de quatro recifes claramente indicados 
nos mappas, os cpiaes concorrem para tornar verdadeiramente terri- 
veis e explendidas as maresias ahi, pela fermentação alva e espumantí» 
que se estabelece por horas consecutivas na immensa extensão da en- 
seada. 

E' ('(mstituida por um só concelho, comprehendendo duas fregue- 
zias (de Santa Izabcl e S. João Baptista) povoadas por 4:000 habitan- 
tes distribuidos por 320 fogos. 

A sua povoação principal é a de Sal-Kei, que apresenta ainda 



' Podcuios aflirinor poróm, ({ue o silvo da tal bóia cuja posição foi on- 
nuiiciado no holctim otlicial, nao se ouve sequer a uma milha» o que nos 
parece di^no de ser tomado em consideração pelo governo e pelos nave- 
gantes. 



ILHA DA BOA VISTA, PRIMITIVAMENTE S. CHRISTOVAM 139 



hoje as minas do seu primitivo fastígio e que se acha situada muito 
próxima das salinas d\)nde se tira o sal da B;>a Vista. Havendo além 
doesta, digno de citar-s<*, a povoação do Kabil, visivel do ancoradouro, 
coUocada a SFl. da primeira, bastante acco.ssada todos os ainios pelas 
febres intermittent«'8 resultantes do estagnannínto de um enorme vo- 
lume de aguas represadas na ribeira do mesmo nome, pelas immensas 
dunas de areia, que formam dique á sua livre vasante para o mar; 
a povoação de S. João Baptista (chamada do norte) e a povoação 
velha ou Estancha, logarejo aprasivcl pela alegria o obsequiosidade 
da sua gente, onde se encontram as mulheres mais bonitas da ilha, 
e onde se passa agradavelmente o tempo ao som da faca^ tango 
apreciadissimo pelo povo, tocado enthusiastieamente ao rythmo do es- 
pancar dos pés, em violas e rabecas tornadas notáveis por iuscripçòcs 
falsas onde se lêem ás vezes os nomes de Stradivarius, Mogini, etc., ete. 

N^esse pequeno povoado, perdido no meio da aridez o da desola- 
ção, vive hoje quebrada })elos annos e engilhada pelo tempo, uma boa 
velha cheia de filhos (^ netos, eom os quacs nuiiías vezes brincámos 
em criança, na fraternidade dr irmãos. 

Se o leitor passar por alli e tiver á mâo este livro, pcdimos-llie 
que o leia n'esta parte a essa octogenária, que ha de conhecer por força. 
O seu incommodo ser-lhe-ha pago com lagrimas de cntcrnecim«'nto, 
tendo servido a alegrar deveras um pobre coração que o merece. 

Maria Eulália, esta velha, foi a nossa ama de leitr* e é ainda hoje 
uma nossa boa amiga, n'este mundí), onde tantos nos festejam e tan- 
tos nos detestam. 



O povo da Boa Vista é o mais orgulhoso, o mais intelligente e 
o mais enérgico da provineia. Tem um fanatismo manifest<) pela mu- 
sica e um espirito scintillante, repentista e engraçadissimo. 

E' um povo digno, desgraçado e desprotegido. 

Na ilha ha industrias embryonarias e elementos de verdadeira ri- 
queza, como a cal, o sabão, o sal, o fabrico da louça, creaçào de gado, 
a tinturaria, a abundância do peixe, <;tc., mas tud(» isso tem uma vida 
angustiosa e uma appanmcia rachiti' a, á mingua de ensinos que» aper- 
feiçoem 08 processos, de leis prí)teccionistas que estimulem o capital, 
de centros de consumo que utilisem os productos. 



140 



OÁBO ^ 



Ob govemadoreB, oa jnizeB e ob grandes magnates, como quo euf- 
frem horriptIaçrSeB líe nervos an dftsIocarera-He da pretenciosa Praia 
e da endinheirada S. Vicente; por isso, nas poucae vezes que visitam 
AS peqitenaâ e pobres ilhas do archipelago, como a da Boa Vista, pas- 
sam por ellas eonio cSee pi:>r vinha vindimada, cuidando pouco ou nada 
daquilto de que deviam cuidar. 

Que tratassem de melhorar a sorte da Boa-Vista, racional e per- 
sistentemente, que nos conste, apenas houve noB últimos tempos aB 
tentativas em projecto do dr. Lacerda e do nosso amigo Augusto Fi- 
gueiredo de Barros. 

Os «utroB, apenas teem tratado de roalisar alli eleíçSes, pelos 
processos habituaes e conhecidos em demasia, e por isso, nós que nXo 
somos políticos, quo nSo pedimos votos nem nos preoccupamos nunca 
com as protecções do governo, lamentando apenas o facto apontado, 
apresentamos como alvitre suggerido por este estado de abandono, que 
8C antolha aliás por toda a noissa Africa, e pelo conhecimento das ba- 
ses iheoricas, abusivas e declamatórias em que se estriba toda a nossa 
administraçSo coloniiil, o seguinte: 

Caso não haja no nosso paiz, como parece, formados pelo estudo, 
pelo conhecimento directo e pela alta comprehensão scientitica das 
questões africanas, pessoal bastante para governar devidamente aquillo 
que nos pertence, que importemos homens positivos f práticos que sir- 
vam de núcleo a esse ensinamento, habilitando governadores para o 
Ultramar, como se liabihtam professores para instrucçSo primaria. 

Esta proposta que se nos apparenta da máxima urgência e que 
apresentamos desprctenciosamente ao consenso publico, resume para 
n ta o único uicio do salvar o nosso património daa garras da vanda- 
lismo, mil vezes maia temivel do que as queixadas hiperbólicas da 
rbctorica nuciunul. 

Aaiiim ao monos teremos um pessoal superior habilitado, ao qual, 
d<?p<iis lie ter jinsaado ns seus exames e dado as suas provas, se po- 
derá então conceder largas franquias, latitudinarias leis e avolumadoí 
proventos, para a missilo hnjf mais do que nunca patriótica e huma- 
nitária de bem administrar u fazer pntgredír a Africa. 

Nâ» conhecemos outro meio de corrigir a ignorância, nem outro 
processo do fvidoncinr a capacidade senilo a aprendizagem e a pra- 
tica. E para governar í indispensável ter ctnnpetenciít e ter prestigio. 
Nilo baota ter galiVs e muito menos o si,!r-se bacharel. 



nha do Sal, primitivamente Lana ou Lhana 



Esta ilha, cujo primeiro nome derivou do seu aspecto ptano, viata 
do S-, attento á grande quantidade de ai-eias que n atulham etu todo 
o arredor do seu porto principal, tomou o nomo de ilha do Sal, com 
que hoje é geralmente conhecida, pela abundância d'eBte producto, 
que se encontra tanto na cratera extincta da Pedra de Lume (primi- 
tivas salinas), como nos terrenos alagadiços do Portinho e do Sino. 

Acha-ae situada a l(i'',35' latitude K. e 22'',55' longt. W. Green., 
a 24 milhas a N. da Boa Vista, com a qual mantém as relações de 
maior analogia pelos costumes, pelas tradições, e polo parentesco pró- 
ximo do seu povo, quasi na totalidade oriundo daquella ilha. 

Mede 5 leguaa de extensSo de N. a S. e 7 milhas na sua maior 
largura, sendo avaliada a sua suporíicie em 6í( milhas quatlradas. 

E' plana e osteril; faltíi-lhe agua potável, como lhe 6dta combus- 
tível, tendo porém excellente pasto e produzindo excellentes melan- 
cias, melSes e algum eereal quando chove. 

Tem poucos outeiros ou montes, destacando-se porAm a W. a 
Serra Negra e a KE. o Pico Martins, o mais alto das suas eminências 
e qae se ergue a 407 metros acima do nivol do mar. 

Desde oa fina do seeulo ivir que serviu de residência temporá- 
ria a pastores e alguns escravos que alli mantinham os habitantes da 
Boa Vista para a fabricaçSo de sal, trabalho esse, porém, abando- 
nado de todo era todo em 1705, devido A t.^rrivel estiagem e fome 
que entSo flagellou lodo o archipelagti. 

Só mais tarde, em 1808, é que o coiiselheiro Manuel António 
Martins inieiou, em forma, a exploraçSo regular das suas salinas, dis- 
pendendo para isto eentenas de contos de réis ; podendo dizer-se que 
só a partir de 1838, se viu^a^dha regularmente povoada, por isso que 



CABO VKBDE 



SÓ ii'esta epocha é que o mesmo conselheiro Martins farneceu á gente 
da Boa Vista, casas, gado e sustento, abrindo á sua custa os poços 
para a regagi<m das salinas que lhe perteiii^iam por aforamento, ter- 
renos esses, onde eada um tinha direito de explorar o sal que po- 
desse, vondendo-o a elle por um preço taxado nas condiçSes do tra- 
tado originário, sanccionado pelo governo por decreto de 2!* de no- 
vembro de 1839. 

Ab primeiras salinas exploradas, no principio d'este século, furam 
as da Pedra de Lume, situadas a E., distantes I kilometro do porto 
do mesmo nome. 

O sal era trazido alli a L-iisto por tor-se que galgar uma alta mon- 
taidia que limita em tomo a caldeira productora, caldeira essa de uma 
appareuciu deslumbrante, vista à luz do sol, e que parece ser uma 
antiga cratera de vulcSu extincto. 

Mais tarde, o mesmo proprietário Martins, com o tím de facilitar 
o transporte, fez abrir um tunnel atravoz da montanha citada, no 
contorno E. da cratera, assentando um rnil-road que a punha em com- 
munica;'£u com uma ponte de embarque. 

Estas salinas riquíssimas e que constituem |)ela !<ua originalidade 
e pelo seu pittoreeco, um dos locaes mais digno de ser visitado em 
Cabo-Vorde, foram abandonadas posteriormente, attento ás más cun- 
diçSes de segurança e tranquill idade do porto, passando então a con- 
vergir t'ida a actividade sobro as de Santa Maria, onde primeira- 
mente se fez o embarque de sal ás costas dos negnis e onde mais 
tarde fez ello construir pontes, assentar caminhos de ferro, construir 
cães, dando um desenvolvimento tal á industria do sal que se chegou 
a exportar 11:000 e 12:000 moios (medida da provinciu). 

Desde 1887, em virtude da lei proteccionista do Brazil (ponto 
para onde principalmente ia o sal) deixaram de apparecer navios a 
buscal-o, jazendo hoje esta, como as demais ilhas salineiras (Maio e 
Boa Vista) na mais completa miséria, tendo baixado a cifra da sua 
populsçSo, que chegou a ser de 9<_H} habitantes, a nSo attingir 44 H) pes- 
soas actualmente. 

A Ilha c extraordinariamente abundante em peixe de variadis- 
siroa e excellenle qualidade; a proliferaçSo do seu gado, quando cho- 
ve, é csjtantosa, fornecendo magnitíco Icitc e a mais gostosa carne. 
Appareco com abundância nos seus mares a baleia, cetáceo de co- 
loseae» dim6ns<íe8, c a tartaruga, esse cheloneo cuja cume e ovos sio 
alli, como em toda k parte, muito apreciados. 



ILHA DO SAL, PRIMITIVAMENTE LANA OU LHANA 143 

Sobre a sua costa apresenta enseadas capazes de dar abrigo a 
pequenas embarcações, tendo, porém, como portos principaes, desi- 
gnados nos mappas, o do Rabo de Junco (Mordeira), vasto, tranquillo 
seguro e o melhor da província, depois do de S. Vicente; o de Santa 
Maria, ao sul, delimitado pelas pontas do Leme Velho e do Sino, que 
dá accesso á sua villa principal e por onde se efFectuava todo o seu 
commercio, porto porém de levante, como o da Pedra de Lume, si- 
tuado a E. e hoje completamente abandonado. 

A sua única villa é a de Santa Maria; tinha vários povoados, 
hoje desertos, como a Palmeira, a Casa Branca, etc. e casas disper- 
sas nas proximidades das ribeiras, para onde os abastados proprietá- 
rios emigravam d'antes, no tempo dos grandes calores. 

As principaes d^essas vivendas eram o Algodoeiro, que dista da 
villa 2 kilometros e onde filtra a nascente da agua de que faz uso o 
povo; a Palha Verde a 1 légua de distancia, a Madama junto á ri- 
beira do mesmo nome, a Pedra de Lume, onde existe a capella de 
Nossa Senhora da Piedade e finalmente a Fontana pertencente ao nosso 
primeiro mestre, ao mais dedicado dos nossos amigos, o sr. Júlio Fer- 
reira de Almeida. 

A Fontana é a ribeira mais arborisada, mais fértil e mais sau- 
dável, talvez, de toda a ilha. Com a grande matta de seus coqueiros 
gigantes, com as suas colossaes amendoeiras e os seus tufados tama- 
rindos a folhas rendilhadas, dá ao viandante a surpreza de um oásis 
n'um deserto. . . de uma nota alegre cortando o silencio triste e a ari- 
dez desconsol adora que a cerca. 

Foi allí que brincámos, creança; foi alli que começámos mais 
tarde este trabalho. — Por isso declinamos com respeito o seu nome, 
delineando aqui com saudades o seu perfil. 



S. Hicolau 



Pertencente ao grupo de Barlavento, estíi ilha acha-se situada á 
10,15 lat. N. e 24,15 longit. W. de Green., medindo j)Ouco mais de 
8 léguas na sua maior extensílo, do W. a E., e mostrando dimensões 
muito variáveis em toda a totalidade, em virtude da sua forma irre- 
gular. 

Tem uma área, approximadamente, de 115 milhas quadradas. 

Os seus portos principaes silo: o Porto velho, a SE., onde an- 
coram os raros navios de grande lote que a procuram, porto e^te il- 
luminado por um pharol de luz vennelha postado no centro approxi- 
madamente da bahia de 8. Jorge' delimitada pelas pontas do Itodegal 
ao N. e da Pataca ao S., o pelo pharolim também da mesma cor er- 
guido a 4'" no extremo dt» magnifico cães Torres, e que serve de in- 
dicação ao desembarcadouro e a entrada da pequena enseada da l^re- 
guiça, por ccmstituir este ca(*s parte t(»rminal da face SE. da mesma 
enseada. 

(.) porto velho tem hoje um marco branco, pcmto de referencia 
ao ancoradouro, mandado ahi constniir pelo governador Sampaio e 
que fica postado pouco abaixo do pharol a que nos referimos. 

O fundear pois alli é fácil, apesar da grande e insólita inclinação 
do fundo a partir de certos limites restrictos, pois basta para isso, 
que o navio depois de ter enfiado o sobredito marco e o pharol pelo 
morro da Ponta do Focinho que se ergue mais alto, no campo da 
Preguiça, avance n*esta direcção, largando ferro quando estiver a 
desappareccr o cume do referido morro, o que se dá entre S a 10 
braças dr fundo. Próximo a este porto fica a enseada da Preguiça, 
muito similhaute á da Furua na Brava^ e onde se abrigam todos os 

19 



barcos de cabotagem, excepto nos mezes daa a^ama (Jiilliu u No- 
vt^mbro). 

A S\V. tem o porto do Turrafal onde existe Iioje uma compaiiLia 
de peuca de baléas; a \V. e próximo da ponta Ferrabra/. o porto do 
IWril, onde tocum por escala os palliabotcs que mantêm o seu con- 
vívio com S. Vicente c Santa Luziu; [cassada a ponia da Alvaeora e 
e ao S. tem a enseada ilo Carriçal, celebrada pelos ingleíies com n 
titulo de Fresli-Watter-Bay, assente na iirbooadura em deltsi da ri- 
beira do mesmo nome, onde ha também nma emprezii de pesca di- 
balêas j tendo ainda liiialmcnte o portii da Lapa, um pouco mais a K. 
qne o porto Velho e incluído oomo elle nu imroeiíBU bahia de S. 
Jeorge, notável por dar accesso A primeira povoaçfci existente, que lie 
ficava próximo como se i^eeonheee aind» Imje, por escombroíi r ruinnii 
visive.is. 

A illia segue a direcçSo de KSK, ii WNVV., o apresenta, vista 
de E. sobre o mappa, a eoofi^uraç^o de um fémur tortuoso L'm quo 
n pontn dn Vermelharia con^lituissc o exlronio do grande torcanti-r, n 
espaço comprei iL-nd ido enlrt-- a bidiia do Tanafal c os Carvoeiros o 
collo, e a suportície delimitíida. pelii Ponta dos ('nmar?!cB e do Ferrn- 
braz, a cabe^'n articular. 

K' biistanto montanhosa, deMoidiando-ise as Mtns elevaçiíes no azul, 
numa eonfusSo piltoresen de ]ilanos u'ultÍ|dos c sobrepostos, prínei- 
palmento na zona situada a W. da Itibeíra Urava. 

Os mais altuti dos seus montes sSo, Monte Iklarlius e Moute (ior- 
do, ambos cumprehcndidos nVsses limites, «rgueiido-sc o primeiro a 
] lIJíl metros o o segundo a I:.'[47 neimn do riivel do mar. Estes doís 
cumes a!l<roBos distam aponiif do 1 a L* kihinielifiB d-» T'>rno d'Agua, 
abundaiilc niniianriíd nul.rn que lidhirenioH mais liinii' u ipn' Ities fico 
a S. K. 

A illiii tem um único eoncolho dividido em duas gmnde» freguo- 
ziaa iNossH Souhora do KoMirio n Nossa Senhora da Lupa.) V,' povoa- 
da jjor tI:(KX) habitantes ', distribuidos por ;i:lí?l) fogos, tendo por 
villa principal a da Uibcira Hravu, itssente no.-< flancos da ribeira do 
mcsrao notne, r varia» [xivoavõcs dispersas, das qunes b» mnís popu- 



pelo coiiliociiii(<iilo (lipecUi o {leliis iiifiípiíin 
nos rcrerimos 6a CbtniiHlicos ollldacs, por h 



8. NICOLAU . 147 



losa» sâo a Praia Branca, de 700 habitantes; a das Queimadas de U80 
habitantes; a dos Carvoeií-os de 200 habitantes e a Preguiça com a 
sua população de 120 liabitantes, Tudt> isto approximadamente. 

E' uma terra esscínciahnente agrícola e commereial. 

Ás suas ribeiras em grande numero e riquíssimas algumas, são 
mais ou menos vexadas todos os annos na parte cultivada, pela impc- 
tuosidcide das aguas, c isto principalmente devido ^o desleixo cama- 
rário e administrativo, que nâii cuiíla nem trata de garantir a invio- 
labilidade dos seus alveos, invadidos selvagemente pela cegueira des- 
culpável do povo, a qual creando obstáculos ao franco esvaziamento 
das aguas, vem reforçar a gravidade das inundações, verdadeira- 
mente temiveis e ruinosas, como succedeu em 1^90. 

D^essas ribeiras que a serpeiam em todas as direcções, sào dignas 
de mencionar-se pela sua fertilidade e extensão além da Ribeira Brava, 
a das Queimadas, Prata, Calhaus, Praia Uranca, etc. 

Á ilha é persemeada de pontos de vista vastos e grandiosos, man 
dos habitados, o mais pittoresco, o mais agradável, o mais arejado e 
o de mais largos horisontes é inquestionavelmente a risonha vivenda 
do Thomé Pires, situada a 4(X) metros approximadamente de altura, 
nas faldas dt? uma montanha alterosa é íigreste, mirando-se no oceano 
que se divisa ao longe e como que revendo-se na enorme e verdejante 
campina da Preguiça que parece atàpetar-lhe os pés. 

Foi alli que passamos os j)rim(úros tempos da nossa morada em 
S. Nicolau, entro o aroma diis rosas que enfeitam os seus jardins e a 
amabilidade catechisante dos nossos amphitrioes. 

Aqui deixamos pois registado, como preito das nossas homena- 
gens, as vibrações das nossas saudadrs pelo muito que o Thomé Pires 
tem de bello, e pelo muitissimo que (»b seus castelloes tiveram d<' 
amável outr'ora para comnosco. 

A ilha é de uma fertilidade espantosa, nâo se podendo apresen- 
tar de maneira alguma provas demonstrativas da sua exportação, por 
stírem completamente d(?stituidos de verdade os dados estatísticos of- 
Heiaes a tal respeito. 

Entretanto dá para o seu i*onsumo, o que já é muito, e é uma 
das que mais concorri^ a abastecer àS. Vieent<í em todos os genems de 
prim<'ira necessidade (gallinhas, bananas, ovos, gado, milho, verdura, 
(^tc), havendo n'ess(; serviço erai)regada uma miero8coj)ica esquadra 
de magnificíís j)alhabot<;s, d'entre os quaes o Santa Luzia e o Gari- 
baldi, figuram C(ímo os mais infatigáveis doesse vae-vem incessante. 



148 CABO VERDK 



*#•■ 



Ha uma extraordinária sirailliança ílo.ostadn social, liabilos c mo- 
dos de ser, entre 8. Nicolau e a Brava, podendo dizer-se que a Brava 
é a irmã mais nova, correctii e aperfeiçoada da sua v<'lha irmà de Bar- 
lavento. 

Assim, que parecenya entre o Porto da Furna e o da Preguiya! 
(\\w analogia entre o caminho e as impressí^es de transito, de um v 
outro i)orto para as respectivas povoaçííes I Costumes agrícolas accen- 
tuadamente similhantes; o mesmo aproveitamento da terra; a mesma 
sub-dividibilidadc de terrenos por toda a parte, e a mesma indepen- 
dência relativa, de quem, tendo garantido o pSo negro de cada dia^ 
sonte em si essa independência que se revela ate no olhar, tSo com- 
parável á verticalidade do sacco cheio, engi^nhosamente formulada em 
allegoria pelo satyrico espirito de Alexandre Dumas. 

S. Nicolau ó uma ilha rica, e muito mais o podia ser se fossem 
aproveitadas a^ grandes poryoes de terrenos que jazem temporaria- 
m<Mit(» p(ír ahi sem cultura por falta de agua, e se tivt^sse uma orien- 
Un;^o regulamentíida no seu commercio. 

I)*e8S(*s t<*rrenos, o nuiis importante, sem duvida, é o do CamjH) 
da Prfguiya, atravessado d<' SE. a N\V. pela estrada que conduz da 
povoavííio íi<» Porto. E' uma planicií^ extensissima, ai*avcl e de natu- 
reza argilo-silieiosa, hoje mais ou menos retalha<la estúpida e crimi- 
nosamente pela j>rodigal idade politica dos governos, baseados nas in- 
fi)rmaçòes parciaes de administradores obsequiosos. 

A maior parte j)orém, d'essas cinicessíHes feitas ás màos largas, 
sem resultado algum para a agricultura e com prejuízo evidente jwra 
o j)ublico, perderam já (»s dinntos de aforamento perante a lei, cíuno 
assrvera o rx."" cónego J(»aquim da Silva Caetano nos seus curiosos 
trabalhos sobre S. Nicolau, publicados no boletim da Sociedade de 
(íeographia. 

Parece pois, (h» previdente e indispensável indicayãK», o governo 
chamar a si aípiillo que lh(^ pertence, como meio dr simpliíiair a re- 
soluyJlo (\r um problema (pie se nos affigura de innninente, faeil e im- 
positiva nec<*:ssidad<* : tal é a canalisaçâo de aguas que sirvam a irri- 
*^:\v essrs trrrcnos. A eanalisayâo das abundantes aguas do Tomo, 



S. NICOLAU 149 



situado a uma grande altura e a 15 kilometros d'(^8te campo, hoje im- 
productivas e inúteis, poderiam, segundo as affirmaçdes verbacs do 
distineto engenheiro Conde de S. Januário (que o visitou em IHfiO), 
montar quando muito a 25 contos do réis. 

Essa quantia modesta em absoluto, e insigniticante mesmo, ante 
a apreciação directa das vantagens que resultariam para o consumo 
o para a vitalidade da ilha, d'essa riquissima fonte de receita, chega- 
ria a constituir um motivo de especulações, se houvesse na localidade 
quem tivesse coragem para emprehendimentos, por isso que os produ- 
ctos alli obtidos, devido á situação doestes terrenos (próximo ao me- 
lhor porto e distanciado d^elle apenas i) kilometros), achariam fácil e 
barata sahida para S. Vicente, onde geralmente encontram mais preço 
e para onde as curtas viagens lhes protegeriam a conservação garan- 
tindo-lhes a frescura e as qualidades. 

Julgamos ser esse um dos principaes i)roblema,s do progresso eci»- 
nomico c social d'esta ilha, por ter relações próximas <; significativas 
com a transferencia da povoação, quer para a encosta W. adjacente á 
Preguiça, quer para a zona do Calejão sobranceira aos campos refe- 
ridos, como parece inipositi vãmente indicado hoje pehi hygieiíe, i)ela 
colierencia administrativa e pelos próprios interesses da localidade. 

A j>ovoação da Ribeira Brava, esse labyrinto apertado, (mde s(? 
encontram reunidas 3:5(X) almas accumulativamente, em casas na 
maioria palhoças, sem st?rem caiadas, deficientes de luz, de ar e de 
atmo»j)hera até, por se acharem quasi sobrepostas, sem a menor ten- 
dência a alinhamentos, respirando o bafo pútrido da a^ua infecta dr 
uma ribeira, ladeada por altas m<mUuihas qu(í interceptam a vmti- 
laç«\o, jHivoada de monturos por tt>cla a parte, e por porcos em quasi 
todos os quintacs; esta villa que tt*m por cadeia, cditício municipal e 
administração do concelh(», um v<Tdadeiro antro de sujidades e im- 
mundicies, é a mais desgraçadamente situada de todos os erntros po- 
jmlosos da provincia, bastando saber-se, que foi o esconderijo mais re- 
côndito que encontraram os fugitivos dos piratas para se defenderem 
da sua perseguição. 

Um distineto governador e medico não menos distineto fez a trans- 
fe.rencia das repartições publicas em Santo Antão, fundando assim o 
núcleo da primeira cidade, no futuro de Cabo Verde ; e isto com 
muito menos rasòes e com argumentos de muito menor valia do (pie 
os que apontam medida idêntica para S. Nicolau. 

Referimo-nos á transferencia da sede do concelho da Ribeira 



150 CABO V£RDE 



Grande para a villa de D. Maria Pia, pelo iiosao diatiueto amigo o 
consellieiro I^accrda. 

Em Santo Autâo * as condiçSes hygienicas eram muito mais avaii- 
tiijadiís ás que acabamos de aponUir. Havia tanUis ou mais casas im- 
j)ortante.s, os edifícios públicos eram de incomparável superioridade 
em luimero e cm valor, accrescendo a tudo isso ser o porto da Ponta 
de Sol mau e o da Preguiça bom ; e que a distancia das povoações 
bem como a natureza dos caminhos, tudo emfim, até a contingência 
em que se está em S. Nicolau do desabamento das rochas, tudo ajK)n- 
ta, indica e determina de uma maneira mais absoluta esta transferen- 
cia, que se não tem feito e que se não fará, não porque hajam sérias 
objecções em contrario, mas simplesmente porque para conseguir qual- 
quer resultado é sempre preciso que haja alguém que se interesse, e 
n\*sta latitude o que todos querem é não serem incommodados. 



Sob o ponto d<í vista social e n*ligioso caminha S. Nicolau a pas- 
sos lentos (* cniuedidos entre a.eruz e a ealdeirinha. 

A cruz symbolisada pelo seu àSeminario lyceu que alumia o es- 
pirito e as conscicncias reflectindo os seus clarões sobn* a Provineia 
inteira; a ealdeirinha pelo seu cabido qu(í lhe expurga as maculas 
com as suas bênçãos. . . t«'mperando-lhe os instinctos com a sua ngua 
benta. 

A permanência alli da cabeça de comarca de ls5l a IsTõ, em que 
foi transferida piira Santo Antão, imprimiu-lhe o que quer que seja 
de lK'ea, mas o espirito de rabulice não chegou a aecentuar-se alli 
como succede hoje em Santo Antão, onde constitue uma atmosphera 
caracteristicamente ammoniacal, fazendo tosse a qu<'m lhe passa pró- 
ximo, e escan'ar san^^ue a quem o respira perto. 

A diocese de Cabo Verde, fundada em lõ32, como dissenjos, 
pila bulia do Papa Clemente vii, demorou-se centralisada vm S. Tliia- 
íro até IXíJíl, passandc» depois ejn definitivo para S. Nicolau n'essa 



' )[^íu-se o rGlalorio do dr. HapíTer sobre Santo Antão. 



S. NICOLAU 151 



epocha, onde finalmente se organisou o Seminario-Lyceu ainda hoje 
existente, sobre o qual adiante fallaremos mais detidamente, como 
merece. 

Tem havido um grande numero de Bispos, como se pode ver pela 
lista elucidativa que apresenta em mappa o citado livro de Lopes de 
Lima, constituindo hoje este bispado uma das melhores collocaçdes 
em todo o Ultramar, por isso que, nâo só o Prelado aufere 4 a 5 C(m- 
tos de réis (ordenado, emolumentos e rendas dos bens da Mitra), mas 
nSo tem, como d'antes, a fiscálisaçâo directa do mundo catholico da 
Guiné; vive n'um dos pontos mais frescos, mais pittorescos e mais 
saudáveis da ilha (Calejâo); e as questões religiosas em Cabo Verde 
resvalam por tal modo sobre a obediência ignara do povo e a indifFc- 
renca condemnavel das classes superiores, que nâo ha de certo motivo 
de se perder o somno, sobre tudo quandb as digestões são felizes. 

D'esses Prelados (coni(» cita Lopes de Lima e o pr(»prio infor- 
niíulor desta ilha o cx."*" cori(»go Joaquim da Silva Caetiino), alguns 
teriam contribuído larga e poderosamente, já com a sua influencia, já 
com os st*us capitães, j)ara melhorar e fazer progredir as condições 
do aprisco t? a vitalidade do rebanho confiada á sua guarda. 

Com os modernos, porém, nXo tem acontecido o mesmo; ha a 
louvar em todos eUes, altas virtudes moraes, o bom senso da sua 
imparcialidade politica e o fino critério da sua amável modéstia, mas 
o que se nâo pode, é citar um caminho, uma instituição piedosa, cari- 
tativa ou útil, que fosse devida ou patrocinada pela influencia ou pe- 
los capitães de S. Ex.^" 

E dando a César o que e de César e a Deus o que lh«^ pertence, 
s(mios obrigados a citar sobre este ponto, como exemplo do que aca- 
bamos de aflirmar, o nome dtí D. Frei Christovam de S. Boaventura 
que deixou ix)r tantos titulos a sua memoria vinculada a S. Nico- 
lau, por mil melhoramentos populares. 

O Seminario-Lyceu de S. Nicolau e a escola central da Praia 
constituem os únicos fi'>cos de instrncção de um caracter superior, eni 
Cabo Verde. 

A escola central porém, anda ás moscas, e apesar de ter e ter 
tido por professores algumas competências indlscutiveis, náo produziu 
e nilo produz, senão excepcionalmente, algumas habilitações qu(» se 
apontam; c isto devi<h) a muitas causas, entrc as quaes figura, como 
principal, a rachitica instrucçílo preparatória, base c fundamento in- 
dispensável de todo o progresso ulterior. 



CABO VEBDB 



Do Seminário- Lyceu, nSo se pôde dizer o mesmo. 

Vê-se e enuniera-se Itoje um grande numero de filhos da Pro- 
víncia, cm todas na flasaes e profisaíieg liberaes, que receberam iiHÍ 
os elementns de uma instrucçlo cotavel era toda a parte. 

Esta instÍtui^'So, ao contrario do que succede á deslocada escdia 
centro! da Praia, tem progredido e aperfeiçoado-se, lentamente é ver- 
datle, attentos os aeus recursos, mae comprovadamente demonstrado 
ptOos seus resultados. Tem tilo sempre a dirigir os seus destinos e a 
amparar ob seus créditos, intelligencias <■ vontades enérgicas que a 
lêem impellido para a frente, mesmo ás vezes contra a má vontade 
Administrativa. 

Assim, no passado vemos orientando os seus passos vacitlantes a 
segura e »ympathica m&o dtt nosso velho e distinetu amigi^i Manuel 
Corrêa de Figueiredo; do presente, a adestrar-lhe os seus passos pe- 
los novos processos de educaçSo, a economia, a sabia c persistente 
cumpeteiicia do sr. dr. Ferreira da Silva, a quem a bondade pi-over- 
bial do ex."'" sr. Cónego Machado serve como que de tlmribulo, per- 
fumando a senda por onde caminha hoje essa instituição cheia de 
futuro. 

NSo Bonios apologistas de modo algum da instrucçSu subordinada 
em absoluto ás ordens e ás influencias religiosas; considcrand') as 
oreanças como flures, dVssns qtie exigem para viver tanta luz e lantii 
ur, quanto possível. 

Entretanto, conheeemus de perto esse Semimirío ond<- tivemos a 
hmira de ser professor por algum tempo; conhecemos us recursos da 
Pnivíiicia, os elementos habilitados de que dísprSe, adlspei-silo d'esães 
elementos e o estado anarchico e deticiente da nossa instriicçSo pu- 
blica p<ir toda a parte, 

Entinidemos indispensável a retbrina e a rcorganisatSn, primeiro 
do que tudo, da Instrução primaria em Cabo Verde, balbuciante hoje, 
e balbuciante em creonio, uma das maiores difliculdades rtae» do seu 
propji-ssti. Imaginamos sobre modo necessária a existência de um es- 
tabelecimento de ensino, onde os exames qiie se podem fazer pelos 
progntmnins do Ueino, ensinados por professores devidamente habili- 
tados, tenham ncceilaçitu legal em todas us esLolas do paiz. 

£' esse mn direito que os factos Justificani e que a cÍvÍlÍsaçSo c 
08 interessou da Província reclamniii eoiiifi um principio de jusltça 
merecida. 

Ora, o .Scmiuario cslú fuiidadu, e Deus sabe á euulu do quanta 



S. NICOLAU 153 



(liffículdades ; está mesmo estabelecido n'uma das ilhas mais próprias 
para esse género de instituições; reúne no cabido um certo numero de 
figuras que se conjugam á natureza de certa ordem de cadeiras, tem 
já tradições enraizadas; e portanto a sua utilisaçâo simplifica muito a 
pratica doesse pensamento a que as leis e os regulamentos precisa- 
rSo, definindo-os, a latitude e o alcance. 

Entendemos pois necessário que se organise bem esse Seminario- 
Lyceu, para que o Seminário habilite padres, e o lyceu possa habi- 
litar homens. Que haja n'esse estabelecimento único, como n^ima 
única revoIuçSo solar, a noite e o dia, que se completem; a secçAo dos 
seminaristas vestidos de togas negras, elevando-se nas idéas do sacri- 
fício ... a secção dos seculares animada pelos enthusiasmos rubros da 
infância, aprendendo nas luctas pela vida as rudes liçSes do dever. 

Concilia-80 assim tudo c consegue-se alguma cousa, o que já c 
d(í desejar. 



20 



Ilha de Santa Luzia' 



A 16 milhas de NW. de S. Nicolau e a 5 approxlmadamente de 
S. Vicente, entà situada esta ilha que se affigura nos mappas como 
uma bota d(í montar em que o calcanhar correspondesse á Ponta da 
Cruz e o bico á Ponta do Creoulo. 

Fica a lõ** 4«" lat. N. e 24« iò" longit. W. de (Jreen. Medindo 
12:000"" da ponta do W. (Curral) á de E. (Creoulo), e sendo de largura 
variável em toda a sua extensão, dístanciando-se porém cm linha recta 
o cães do Doutor onde geralmente se desembarca no porto, á costa 
opposta, da Praia dos Mastros, em 2:000 metros, pouco mais ou menos. 

E' pouco montanhosa, persemeada apenas de vários monticulos, 
sendo o mais alto de todos a rocha do Coladouro a NE. que se eleva 
a 360 metros acima do nivel do mai\ 

<) seu único porto frequentado abre-se a SW., tendo de extensâc» 
entre a Ponta da Agua Doce que o delimita ao W. e da Espia ou 
Crup: onde termina a SE., 4 milhas approximadamente, sendo o seu 
fundo quasi todo de areia, mas apresentando ratos em um ponto ou 
outra da sua grande extensão. 

A grande praia que margina o porto é toda accessivel en condi- 
ções de mar manso, mas geralmente o desembarque faz-se no cães 
natural chamado do Doutor, situado a 409 metros ao N. da Ponta da 
Cruz ou no recife também chamado Cães do Ambrósio, postado quasi 
em frente do Ilheo. 



1 Nunca visitámos esla ilha, por isso tivemos que recorrer ao que af- 
fírina Lopes de Lima, n'esle ponto muito deíTicientc, e ús rigorosas o fide- 
dignas informações do sr. César Augusto Neves, seu actual propríelario. 



CABO VEUDK 



ApproxIiiiHdamoutG a meiu balil;i ■' nlfaídjflir de torrii iiufí -iOO 
metros, tica t> illn'o dcaignitilo nas cartas ingli^ZHs [mr lHiiiu do Loão, 
c nu carta da CummissSo cartograpliicn portuguesa por llLoo du 
Portt.. 

Ih navioH dv cabotagem fundeiam nas proximÍda<lt!s do caos do 
Doutor, quasi ilofntiitf das cditíca^Ses existentes no porto; os griíndoH 
]Hirèiii o os baleeiros, quasi sempi-o junto ao ilheo, a niio e dez bra^-as 
do fundo. 

Esto porto aerve de estadia a grande numero do buniis bsileei- 
ro» (jiie vío alli biiacar abrigo e ponto fértil paru a pesca das ba- 
leias em dadas «poclias do anno (fevereiro a junho) e t-imbem noa 
mezes de dezembro e janeiro ora que vSo pjira alti faaor estadia, para 
a pesca nos maret« do N.; recibe pequenos bareos qne vêem dna Ilhas 
próximas (principalmente de Santo AntSo e S. Vicente), pescar, e ser- 
viu de entrada aos untelleiro» que á ilh» iam apanhar iirzella. eesc lí- 
elien de tJtii valiosa ulillsavilii outrora. 

A ilha, segundo as afítriuaçSes de Lcpij» de Lima, serviria do 
piíscigo ao gado desde o principio do século xviii, utilisaçSo essa que 
iiatui-almente se interrompeu em virtude das torriveis estiagens de que 
rcsam as chronicas. 

A detenninaçilo regia de que fosse explorada e povoada pelo ca- 
pitSo-mór de Santo AntSo, nunca chegou a realisar-ee de facto, se- 
giuido as atlirmativas do mesmo fidedigno auctor, por motivos de 
certo subordinados a eircumstaneias anteriores, identlcus á ealanildadc 
apontada. 

S(t nos ))rincipioa do século actual ÍnÍeÍarIa alli a faiuiliu Dias, 
uma das mais respeitáveis c importantes de S, Nicolau, a erea^-tp do 
gado muar, que chegaria a ter um importante desenvolvimento, mas 
que a fome do IH31 a IKV.) extinguiu quasi na totalidade. 

Esta tentativa frustrada, nS» serviu de obstáculo a ([ue posterior- 
mente o fallecido o notável uietjico JuHo José Dias pedisse e conec' 
guisBc em «fiiramento, como coiuta da carta regia datada de 2H de ae- 
tembni de 1^4'\ approximadanientti três quartas partes da illia «obre 
II N. e renovasse com sua ndmiriivcl di-dicaçío de sábio trabidhador, 
a« tentativas de procreaçSo de i-ebanliou, gastando u'esso intento, ca- 
pitães, tempo e um enthusiasmo i£t> pMvadu, que o levava a ir pes- 
Koalmetite dirigir ali os melhoramentos necessários, a elle, medico v 
cidadão tSo requestado n'es8e tempo pela província inteira. 

Os desgostos, os trabalhos e desillusiles de toda a casta o levariam 



ILHA DE SANTA LUZU 157 



a abandonar esse intuito era 1857,. .. doeahindo tudo o que houvera 
feito, era abandono e cm ruinas, até que em 1880 o seu genro César 
Augusto Neves visitando-a como explorador e querendo continuar as 
tentativas de tão illustre sogro, comprou aos herdeiros a parte afo- 
rada por este, então já fallecido, pedindo em aforamento o restante da 
ilha, que hoje lhe pertence na totalidade, por lhe ter sido feita esta 
concessão em 1883. 

Este trabalhador infatigável e um dos negociantes hoje mais im- 
portantes da- provincia, arrojou-se sem protecção c sem tutela do 
governo (como sempre succede quando se trata de nacionaes) na faina 
dispendiosa e arriscada de povoar e fazer valer as condições naturaes 
de Santa Luzia. 

Empatou muitos capitães antes de colher qualquer resultado apre- 
ciável, tendo alli montado hoje a mais bem organisada pescaria de 
baleia que ainda houve em Cabo Verde, e tendo feito construir habi- 
tações, fornos de cal, poços, tanques c encanamentos de agua para o 
gado, paredes separatistas para o aperfeiçoamento das raças, tendo ten- 
tado a arborisação (infelizmente raallograda em virtude das estiagens), 
e possuindo finalmente alli uma quantidade tal de gado de difierentes 
espécies e raças, que o constituo um dos mais importantes fornecedo- 
res da ilha de S. Vicente. 

E isto sem que Santii Luzia tivesse tido a menor protecção e 
sem que até hoje haja alli sequer um fiscal, apesar das suas commu- 
nicaç3es frequentes com baleeiros, com S. Vicente e com S. Nicolau! 

A população fixa da ilha regula entre lõ e 20 pessoas, reforçada 
temporariamente pela família do proprietário que alli vae passar três 
ou quatro mezes no anno. 

A urzella que existe abundantemente nas suas rochas não tem 
valor nem é explorada, visto o miserável preço a que chegou nos mer- 
cados consumidores. Mas os seus mares são muito piscosos, o seu 
gado como os seus productos lacticinios são da melhor quahdade, e a 
ilha promette desenvolver-se e progredir, graças á actividade, á in- 
sistência e á intelligente iniciativa do referido proprietário. 



Uheos de Barlavento 



Entre Banta Luzia e S. Nicoliiii á distancia de 7 milhas da pri- 
meira e ] 2 da segunda, e a SE. da primeira, ficam doÍB ilheos (Braiicu 
e Razo) a lat. N, l(í<',41" e long. W. de Green. 2i'',3G"; ilheoB estes 
Completamente desertos e que eervem apenas de abrigu a pescadores. 

D'essos ilheos é denominado Branco o que fica mus ao N. e mais 
próximo de Santa Luzia; Razo o que se acha situado mais próximo 
de S. Nicolau. 

Ambos bSo abundantes em pasto, quando chove; tem urzella e 
algum guano accumulado pelas aves marítimas que n'etie8 pernoitam, 
mas sem que a quantidade e a qualidade d'e6se producto mereça uma 
exploração efíectiva. 

E' completamente destituído de agua potável o Razo, onde pa- 
rece extraunliiiario que possam existir as lagartas, t2o notáveis pelo 
seu tamanho c pelo seu numcn) em iimbfis estes desolados velhos so- 
litários. 

No Branco, cuj» nume é devido ii manchas cnlcarcas visíveis ao 
longe sobre suas fiíees NE. e SW., encontra-air i\ beira-mar uma nas- 
cente de agua doce, na sua <-m-oEti( NK. c [)ude-se, sem perigo, u'elte 
fundear a ^ut^ivetito e próximo da sua ponta E. na época dos brisas. 

O ilheo Razo é maior e mais chato ; o Branco é mais alteroso e 
visível, ap|>arcntando de longe o aspecto d'um navio voltado de qui- 
lha para o ar cum o gurupéz em direcçlo a S. Nicolau. 



S. Vicente 



Já tratámos tanto doesta importante ilha no capitulo que se re- 
fere á navegaçSo, que nos limitamos agora a esboçar a traços largos 
a sua topographia, posiçfto geographica e um ou outro ponto mais ou 
menoô recommendavel da sua historia e da sua phjsionomia social. 

E' a mais importante de todas as do archipelago, a mais enri- 
quecida e a mais conhecida hoje, em todo o mundo. 

Mede 5 léguas de E. a W. e 3 de N. a S., achando-se situada a 
16^ 53' lat. N. e 25^0 long. W. Green. 

E' pouco montanhosa, sendo o seu ponto mais elevado o Monte 
Verde, situado a NW., que se ergue a 707 metros acima do nivel do 
mar. 

Sua descoberta nSo é precisamente determinada pelos historia- 
dores ; antecede porém, como a de S. Nicolau a 1465, epocha em 
que foram doadas uma como outra ao duque de Vizeu, como ficou 
dito. 

Conservou-se completamente despovoada até principies do século 
xvm, nSo tendo ainda em 1844 mais de quatrocentos habitantes, se- 
gundo assevera Lopes de Lima. 

Só em 1838 é que se estabeleceu alli o primeiro deposito de car- 
vSo pela companhia ingleza East Indiaj a que se seguiram a compa- 
nhia Royal Mail em 1850 com deposito exclusivo para os seus vapo- 
res da carreira do Brazil, em 1851 a VUger dt Miller depois MUlera 
ék NepheWf companhia essa mais importante e mais duradoura, actual- 
mente fundida com a de Coty Brathers & C.^ (fundada em 1875) sob 
a firma Mittert Cory and C.* limited. 

Houve também por algom tempo um deposito fluctoante allemio 

2i 



162 CABO VBRDE 



.;< 



da companhia Brawer & C* que durou apenas dois annos (de 1885 
a 1887). Mas hoje apenas existem os depósitos de Millers Cory and C.^ 
e o de Wilson Sons and C,^ fundado em 1885. 

Todos esses depósitos se estabeleceram na villa de Mindello, ele- 
vada á categoria de cidade por alvará de 30 de setembro de 1874^ 
cidade hoje a mais rica e mais importante da provincia, cuja popula- 
çSo attinge 6.561 habitantes, incluindo n'este numero 257 europeus, 
sendo 104 inglezes. 

O seu porto principal é o Porto Grande, situado a NW., bahia 
magestosa, abrigada e segura em todo * o tempo ; é n&o só o melhor 
porto de todo o archipelago, mas porventura um dos mais seguros do 
mundo; é aberto ao N. na qual direcção fica um ilheo alto de forma 
espiral, chamado ilheo dos Pássaros, onde ha actualmente um pharol 
que serve de baliza ao porto. De uma légua de bôcca e duas milhas de 
concavidade reintrante, tem capacidade para n'elle surgirem innume- 
ros navios de todo o lote, em bom fundo, limpo, de areia e cascalho, 
I desde 4 a 8 braças. Este porto é abrigado de todos os ventos ; — dos 

[ do N. pelas altissimas serras de Santo Antfto, que lhe correm paral- 

i . leias a distancia de 8 milhas; — e de todos os outros quadrantes pe- 

I las próprias montanhas da ilha, que como que abraçam a bahia. 

E' verdade que, pelos boqueirões dos valles d'essas mesmas mon- 
tanhas, caem a miúdo duras refregas de vento; mas o mar conser- 
va-se quasi sempre sereno dentro do porto, havendo hoje magníficos 
desembarcadouros em differentes pontos, apesar de, algumas vezes, 
fazer calmas e haver resacca sobre a praia. 

Este porto é delimitado ao W. por um alto morro que se afigura 
até a curta distancia, como grande busto deitado de um perfil de gi- 
gante. Parece cortado a buril, semelhando uma enorme cabeça cy- 
clopiana, que alli ficasse petrificada, como invocaçSo dos fabulosos 
mundos. 

E' conhecido pelos navegantes pelo morro de Washington. 

Tem outro ancoradouro na bahia de S. Pedro, situada a su- 
doeste, onde os navios, d^antes, iam no tempo das brisas fazer agua- 
da, facto esse que hoje se nSo dá por a cidade se achar presentemente 
abastecida doeste género, e isto devido á energia e á teimosa insis- 
tência de um rude madeirense por nome Manuel Gomes Madeira, um 
dos mais ricos proprietários da localidade, o qual, despresando as af- 
firmaçSes technicas em contrario, conseguiu em 1886 formar uma so- 
ciedade e fazer canalisar as aguas das nascentes do Madeiral e Ma- 



S. VICENTE 163 



deiralsinho, fiicto esse que traduzindo um importante melhoramento 
local, constitue uma fonte fértil a avultadas ganâncias próprias. 

Essas aguas que estSo bem longe como qualidade das magnificas 
de Santo ÂntSo, outr'ora importadas em barcos pelo sr. C. Martins, 
sXo comtudo de incomparável superioridade ás dos poços, d'antes uti- 
lisadas pela população pobre, servindo pela sua abundância, pela fa- 
cilidade com que se effectua hoje o seu embarque e pelo módico preço 
da sua venda a constituirem um verdadeiro benefício á navegação. 

Fundiu-se posteriormente, em 1889, esta primitiva companhia de 
aguas com uma outra embryonaria que pretendia canalisar as nas- 
centes do N. da mesma ilha; canalisaçSo esta já realisada hoje e que 
veiu reforçar a riqueza d'este elemento, que como se sabe, é um dos 
mais indispensáveis ao progresso e á civilisaçâo dos povos. 

A ilha, excluindo um pequeno numero de pastores, disseminados 
pelo seu interior, concentra toda a sua população e toda a sua vitali- 
dade na cidade do Mindello, uma das mais bellas, mais eatechisantes 
e mais aceiadas das cidades de Africa. 

Os interesses que hoje alli se agitam, as suas condições peculia- 
res, as suas múltiplas communicações com todas as partes do mundo, 
indical-a-hiam indiscutivelmente para capital, se não houvesse a re- 
ceiar as contingências em que está a sua navegação das conquistas 
scientifícas com relação ao aperfeiçoamento das machinas e aos agen- 
tes productores do calórico . . . , e se não houvesse finalmente de to- 
mar-se em linha de conta os dispêndios d'essas transferencias e o cri- 
tério do balancemefit^ tão impositivo nas condições differenciadas em 
que vivem os dois grupos do archipelago. 

A cidade do Mindello, fundada de recente data por alvará de 30 
de setembro de 1874, como dissemos, tem este ar novo e correcto das 
cousas planeadas e executadas com liberalidade. 

Tem bons edificios, tem uma boa casa da camará, tem mercado, 
tem praças, tem um péssimo hospital em exercício e um monstruoso 
em construcção, tem um palácio rachitico para os governadores e um 
quartel de apparencia e condições regulares para tropas, tem um la- 
zareto que traduz uma asneira monstro, representando um irremediá- 
vel desperdício, tem uma igreja modesta mas bem conservada e tem 
finalmente o camba-cópo. 

S. Vicente e S. Thiago são as únicas ilhas onde existe a prosti- 
tuição organisada em industria. São os dois tocos da syphilisação da 
província inteira. 



164 CIBO TBBDB 

A prosperidade de S. Vieente, como em grande parte o adianta- 
mento geral da provlnuta, bSlo devidos á benéfica influencia do exemplo 
e dos capitaci) inglczuB. Entretanto, nem esta importância, que n&o 
está garantida, nem o movimento do porto, que é espantoso (como se 
reconhece dos mappas annexos) dispensam desde já as mais sérias c 
previdentes medidas dá parte do governo, se nSo quízennos ser sur- 
preliendidos pelas consequências lógicas da concorrência e das vicis- 
situdes do commercio, como aliás nos tem succedido mais de uma vez 
devido A incúria da nossa decadência e á formula synthetisada dos 
nossos desastres: — Ha de se tratar d'isso um dia. 

O aystema de illuminaçSo das suas costas é Já hoje bastante sa- 
tisfatório e promette em breve ser completo, devido ao louvável inte- 
resse votado a esse melhoramento pela illustradissima competência do 
contra almirante Sampaio e dedicaçZo esclarecida do actual directur 
d' obras publicas. 

O seu canal tem hoje a allumial-o de banda a banda, além do 
pharol da ponta E. de Santo AntSo, a que já nos referimos, o do ilheo 
dos Pássaros, collocado na embocadura da sua bahia, como uma vela 
accêsa sobre um castiçal de basalto. 

Este pharol de 4.* ordem, é de luz Sxa, está erguido a 93*", 75 
acima do mar, e tem um alcance de 15 milhas nas melhores condiçSes 
do tempo. 

Com o pharol projectado da ponta W. de S. Vicente, iicará com- 
pleto o serviço de pharotagem ii'esta zona da provincia. Pena é que 
ainda se rumine em lançar um imposto módico á navegaçSo sob este 
pretexto, o que constituiria uma norn e fecunda fonte de receita para 
outros melhoramentos lúnda por fazer. 



^^^^^B^^m VICSHTE 166 ^1 


^ Movimento marítimo do Porto arandn da ilha dn a. Vioftnt,ft do Híihn VordB H 


nos annos de 1836, 1837 e 1838 ' H 


1 


NAVIOS ENTRADOS H 


De »ela 


De vapor ^H 


Nídonnei 




Niciani» 


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3 


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1 


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1 


1886 


209 


10 


1:756 


21:036 


110 


1:544 


42;títf!> 


22 


53 


3:720 


(i0:238 


741! 


42:951 


1.111:338 J 


1887 


216 


11 


1:487 


15:784 


103 


1:562 


36:5« 


3. 


50 


3:489 


63:211+ 


1:036 


46:665 


1.474:665 ^Ê 


1888 


240 


6 


- 


- 


KW 


- 


- 


16 


4y 




- 


1:302 


- 


~ 1 


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NAVIOS saídos H 


De Ytía 


De >wei B 


Nidooui 


Eílringciro. 


N.™..„ 


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.,„..,„. B 


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1886 


259 


10 


1:728 


20:826 


uy 


I:li2tí 


42:735 


211 


52 


3:692 


51í:7»9 742 


48:126 1.112:82!> H 


1887 


213 


11 


r.451 1 15:660 


101 


1:523 


36:121 


21 


50 


3:495 


63:57» 1:045 


46:791 1.478:439 | 


1888 


2il 


6 


- i - 


105 


- 


- 


IG 


48 




- 1:297 


- 1 


' Nin ..ti ..p„lll,..l„ „. _..p[.|. ^^ |ay> f l-,-,-ç1- ■ -',— ■■■'- .-■ n- -- —■ff— ^. ."li; - Wll - V^r l..n nin pA.1. ^H 






Tripuiifãs e tODHsyeiD nn inne de 1S88 


■ 




Deíigiiíçáo 


TripuliíS" 


Trnidigtn. H 




Nfivioa entrados 


71:668 


â.OV7:217 H 






72:<!3 












Total 


l«:091 


4.165:094 ^M 


^^^^^^^" ^^^H 


^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^H 



CABO TKRDE 



Huivro At tiipoIutM o do puugein» sm tramito 

antradoí de fora da prOTlncla ou latdoí para fura d'0Ua noi DaTfoi de longo 

COTIO, que froqDontaram S. Vicente em 1886, 1887 e 1888 





TnpulioKi 






Enln*» 


Siid» 


e™ „.«.i,o 


1886 


W:!»71 


153 


73 


75:794 


1887 


53:203 


301 


75 


9!»:921 


1888 


71:668 


406 


1T4 


169:440 



Addoi 


Numero 
de loBtítii* 
d* cirrío 


V4lor do anio 


Dirtiloi pigoi 


OBSERVAÇÕES 


1686 
1887 
1888 


185:927 
184:039 
í!24:675 


392:196*350 
555:391*700 

6(fô;607*505 


40:778*500 
55:391*700 
67:402*500 




Total 


545:241 


1.553:195*655 


16:1:572*700 





Hota do producto do impotto do carvão de pedra na ilha de S. Vicente, 
duraste oa annoi economicoí abaixo deiignadoí 



1683.1884 
1884-f88S 

Total 



44:406*515 

56:353*800 
57:010*100 
48:789*565 
233:377*570 



Santo Antão' 



A data precisa do descobrimento doesta ilha n&o é determinada 
em documento algum; reconhece-se porém, ter antecedido a 1465, 
do mesmo modo que n'elles se verifica o nSo ter sido povoada senSo 
50 a 60 annos depois doesta data. 

Andara em mftos de donatários por longo tempo, revertendo á 
Coroa em 1759, habitada exclusivamonte de escravos, condiçfto esta 
em que permaneceu até 1780, epocha da publicação do decreto em 
que, em nome da rainha D. Maria I, se promulgava officialmente a li- 
berdade dos seus habitantes. 

O seu povo, dominado pela pressão d'esse estado servil, corrom- 
pido e semi-barbaro na enervaçSo de um viver desprezivel e angus- 
tioso, abandonava-se á embriaguez, á rapinagem e á indolência, vicios 
esses, que por tanto tempo difficultaram o seu progresso e que tanto 
impressionaram os diversos historiadores que a ella se referem. 

Hoje porém, devido á influencia de familias europêas e das dif- 
ferentes ilhas que para ahi teem ido installar-se, e mais ainda ao con- 
vivio continuado com S. Vicente, a sua civilisação nSo destoa das de- 
mais ilhas irmãs, podendo-se mesmo dizer, que a sua physionomia 
rural é bem mais attrahente do que a do Fogo e da Praia, onde os 
vadios ainda hoje, constituem pelo aspecto, pelos costumes e pela lin- 



^ Tendo-nos demorado apenas dias n'e8ta rica e importantíssima ilhn, 
pouco podem '>s apreciar pessoalmente das Puas condições orographir^.is e 
sociaes, tendo recorrido por isso aos valiosos trabalhos de Lopes de Lima 
(loc. ciL) e ao esplendido relatório do nosso coliega Hopffer, publicado nos 
Boletins n.<*' 2, 3, 4 e 5 da Sociedade de Geographia» de 1883. 

22 



168 



CIBO TEBDE 



guagem barbara, alguma coisa de Bemelhaute &ob seus remotos ascen- 
dentes ; Manding/t», Jahfo» e Bijagós. 

Esta importantissima ilha, tS<> rica hoje e tSo promettedôra no fii- 
tum, a maior do archipulago depois de 8. Thiago, está lançada sobre 
o Oceano Atlântico de NE. a SW. a lat. N. \l°,h' o longit. W. de 
Qreen, 25',lU', medindo 8 léguas de comprimento desde o Paúl a E. 
até ao Tarrafal a W., e 4 approximadamente de N. a S., sendo cal- 
culada a Hiiít superfície em 240 millias quadradas. 

E' immensamente productiva; possui- terrenos da melhor quali- 
dade, agiias em abundância, um clima excellente, mas puuco mais 
aproveitada está ainda hoje que nas ribeiras e suas approximaçSes. 

Os vaistissimoa plan 'altos e as encostas fertilisaimas que poaeue, 
n&o sSo utilisadaa senão em parte, e como sequeiros, api^s u epocha 
das chuvas; ficando, portanto, a producçSo dependente da regulari- 
dade das mesmas e da benignidade dos ventos, por isso que nínguera 
cuida em adequar as planlaçcíes, nem procurar abrigo ás searae. 

( ffi terrt- nos por explorar sào tio vastos, as condÍ';8es naturaes 
sSo tSo favoráveis, que a esta ilha está de certo reservada uma gran- 
de prosperidade, dependendo isto apenas de se alltarom capitães e 
intelligencia na explorayilo dos manunciaes de riqueza que encerra; 
o que toma indicativo desde já o sulcal-a de vias de communieaçSo 
por toda a parte. 

O dr. Hopffer no relatório referido, apresenta magistralmente de- 
senhada a orographia e hydrographia de Santo AntSo. 

Chamamos pois as attençiíes para este trabalho, por tantos títu- 
los recommendavel, dizendo apenas pela ímpressSo que recebemos 
em varias digresaSes campestres e do mappa da conimissSo cartogra- 
pbica onde ella se desenha, como um bloco de Craelail, que tem ri- 
beiras, regatos e fontes que brotam por toda a parte, do seio de mon- 
tanhas a alturas colossaes. 

N'essBs ribeiras que serpeiam cm todas as dlrecçSea e sentidos, 
devido ao nimio accidentado do terrreno, appareeem quedas de aguas, 
cataractas ou catadupas na maior parte temporárias, mas algumas ver- 
dadeiramente grandiosas, como por exemplo as avolumadas cachoeiras, 
que se despenham dos altos da Corda sobre as pmfundas ribeiras âo 
Duque, Figticiral e da Torre, 

As ribeiras mais importantes da ilha, pela sua riqueza e popula- 
ção, sSo lis do Paál, Grande, da Torre, dss Patas, <Ía fiarça, do Tar- 
rafal e do Monte Trigo. 



8&0 abundantes em todos ob productos já indicados nas demaiB 
ílhaa, reunindo om certas zonas condiçSes tSo similares ás da Madeira, 
que n'ellas se pôde tolher, como succede, não só os productos exclu- 
sivos dos trópicos, mas os mais dt-lícados fruetos dii Europa. 

E' aquftla que hojo exporta mata café, tendo chegado a remessa 
para fiSra da província a elevar-se a 24:000 arrtibas, além das cente- 
nas de saccas que consome o que faculta As demais ilhas. 

A reputaçSo do café de Cabo Verde até os últimos annos estava 
subordinada á magnifica qualidade do café do Fogo, e isto devido nSo 
a qtie em geral » fructo da rubíacca d'cssa ilha, fosse verdadeiramente 
superior ao de Santo AntSo; mas sim, ao desmerecimento do produ- 
cto pela latronagem, que colhendo-o prococeraente, o impingia e iin- 
pinge-o ainda hoje ao commercio, que na sua sofreguidSo de remes- 
sas, misturava o bom com o man, constituindo assim uma qualidade 
hybrida, viciada e de raá apparencia. O bom café, porém, de Santo 
AntSo, tem alcani^ado nas ultimas oxposiçilíe» europêas, classitica^So 
da melhor nota. 

No Fogo o que nÍo ha geralmente, é tantci rouhu, num tanta fal- 
ai ficaçllo. 

Ainda ha ponco, n'um passeio ás aguas minoraes do Paul, passá- 
mos por vendas, onde se viam accumulados sobre i> chSo moutSes de 
eafé caracteristicamente verde, e algum até ainda em via de desen- 
volvimento. 

N'Ísto é que consiste o mal ; facto condemnavel e desmorahsa- 
dor, que envolvendo um descrédito e um crime, deveria, de lia muito, 
ser combatido pelo regimen da fiscalisaçilo rural e da penalidade, cla- 
ramente especificada nos códigos para aquelles que se locupletam, 
comprando objectos roubados. 

Seria ainda para desejar que os grandes proprietários e os ne- 
gociantes de Cabo Verde lessem e fizessem executar o que ha de es- 
criptn sobre a cultura e o amanho d'usse ta*> rici> producto. 

Mas isso difficilmente se realisará, porque o povo Indolente c 
ignorante contenta-se com o aphorismo: — xpara hoje hs, para ama- 
nhS Deus dará«— oa proprietários na maioria, pertencem a essa cathe- 
goria de homens que nascem, vivem e morrem sem se preoccuparem 
sequer em ser úteis a si mesmos, e os governos, esses, todoe entre- 
gues aos destinos da santa arca uificial, limitam-se a questiVs que se 
referem ao abastecimentii dos cofres públicos, verdadeiras pharmacias 
para o hysterismo burocrático. 



CABO VEBUS 



Além do café, tem essa illia como poderusK fonte de receita, a 
aguardente, o nasiicar, os cereaes e principalmente a mandioca e a ba- 
tata, que, (.'omo o milho, constituem a base fundamental da alímenta- 
ç&» popular em toda a provincin. 

Qualquer indigena de Barlavento, com uma pratada dr- cachupa, 
uma chávena de café e um grog, está equilibrado por 24 horas. E é 
facto digno de notíw-Be que spjam aa ilhas mais agrícolas, e relativa- 
mente miús frescas, como a Brava, S, Nicolau e Santo Antilo, aqm^l- 
las em que o povo come mais . . . e resiste menos. 

Uma outra fonte que se apregoa como de riqueza, s!l<i iis quinas, 
cuja plantaçtlo foi iniciada por Custodio Duarte o cujo desenvolvi- 
mento boje, é devido sem duvida á euthusi&stica e persistente ín 
fluência dos nossos distinetos collegag HopíTer e Bernardo Oliveira. 
Tem linalmcnte a ilha variadíssimas aguas míneraes (thenaícas, fer- 
niginoena o alcalinas), sobro as quaes fallaremos detidamente no livro 
sobre a eepecinl idade, que temos entre mSos, e assumpto cuja imi>or- 
tnnoia foi tilo debalde demonstrada ofBcialmente pelos tr.ibalhos incan- 
çavcis de Hopffer e sobre o qual a junta de eaude tem tentado por 
todos os meios dar impulso, inutilmente, pelas reluctancias e difficul- 
dades dos governos, que não sabendo aproveitar, temem até o deixar 
aproveitar aos outros. 

Possuo vários povoados importantes, além da povoaçio priucípal 
fBibeira Grande), podendo citar-sc como modelo a villa de Maria Pia, 
ultimamente fiindada na Ponta do Sol, bem situada, Sorescente em 
edilicios, subordinada a um bem delineado plano, saudável, e cujas 
condições tanto de cmbellezamento, como de protecçlo ao desembar- 
que, disfarçam em muito os graves inconvenientes naturaes, simpli- 
licando o risco a que se expunha o passageiro, n'uma grande parte do 
anno, devido á frequência das suas marezias na epocha das brisas 

M'c8ta villa residem hoje todas as auetoridudes primipaes, e além 
de possuir já uma elegante alfandega, tem uma ampla casa em cona- 
trucção para a camará municipal e magníficos prédios, entre os quaes 
figuram algims, como dos mais bem acabados em toda a província. 

SSo dignos ainda de men^o especial vários outros pcivmdos e a 
villa dn Paul, situada na ribeira do mesmri nome, um.'< das maia ar- 
hnrisadaa o magestosas de toda u província. 

Esta ribeira que desagua a NE. é fertilissíma, priuluziodo pur i 
si s<Í approxi mudamente um terço do café que a ilha exporta, E' abun- 
dante de aguas, tem um clima agradavl, posaue nas suas pniximida- 



SANTO AHTAO 



171 



des nftaoentes de magnificas aguss alcalioo-gazosaB, e serve a fornecer 
a maior parte dou refrescos exportados para S. Vicente, O aeu porto, 
porém é mau, e a experioncia tem mostrado que a delegaçflo adua- 
neira creada ali em 1888 fui ama medida incoo sequente e antíecono- 
mica, pelo augmento de logares nSo justificados pelas necessidades do 
serviço. 

Próximo a ella e mais ao sul, fica o porto da Janella, nnde se em- 
bania ás vezes obrigado pelits mareziae nos outros portos. 

Assim, dizia o sr. Fontes, piie do grande estadista: — «é uma 
terra tSo extraordinária quts se entra por uma janella Q sae-se pela 
bocca d'uma pistola»; — effectivamente esse governador desembarcara 
na Janella e embarcara na barrêta da Ponta do Hol, também chamada 
Bocca da Pistola. 

O porto doa Carvoeiros fica situado a SE. c Irunteiro a S. Vi- 
cente. Doveria ter hoje já uma certa importância, se nSo tivesse 
havido tanta taoílidade, tantos caprichos u tantas vaidades condemnn- 
veia a influenciar a celebre qitestSo da Caf/fça de Concelho, essa monu- 
mental polemica, que ha tanto subdivide a ilha nos afamadas grupos 
dos Paulistas e dos Solistas. 

A sede do concelho nRo podendo ser no TarrHfal do Monte-Tri- 
go, como geograph içam ente é indiisdo, deve evidentemente existir 
nos ©arvoeiroH, por mil rasBes reconhecidas por toda a gente. 

E' esta a nossa opiniUo, independente» e sincera, que nSo visa em 
tutelar nem em lisongear de modo algum pretensões de quem quer 
que seja, tanto mais que ser-uos-bia diflBcil optar por uma das parcia- 
lidades, tendo, como tomos hoje em ambas ellas, amigos, parentes e 
conveniências a respeitar. 

E' a ilha onde se acha estabelecida desde 187» a cabeça de co- 
marca de Barlavento sobre a inSuencia e a significação da qual nada 
diremos, limitando-nus apenas a asseverar, que se no sobredito anno 
de 1875 havia raspes para que ii nosso conceituado collega Uopf- 
fer dissesse «mudou-se a cabeça de comarca pnra aqui, e illuminon-ae 
depois tudo a petróleo», sobejam motivos pnra que se diga hoje : con- 
tinua alli a dita cabeça, e anda tudo nnvauierti* ís escuras. 

A ilha t niuito montanhosa, tendo por ponto mais elevado o Tope 
da Coroa a W., montanha que se ergue a 2:200 metros acima do ní- 
vel do mar. 

E' a segunda em tamanho das do archipelago ; a sua popuIaçSo 
pódc avaliar-se em 22:lX)0 almas; dispondo de um tal numero de vo- 



172 GABO VERDE 



tos para as eleiçSes, que exerce uma preponderância politica mani- 
festa, por isso que por si só pôde quasi cobrir a votaç&o daa demais 
ilhas do mesmo grupo. 

Essa preponderância que lhe impòe obrigações e responsabilida- 
des ante os destinos próprios e os de suas irmãs, ameaça tomar-se 
n^imia fonte fértil a especulações fáceis. 

S. Vicente assopra as vaidades e os pequenos interesses de Santo 
AntãO; e esta na sua plectora politica, aquece-se, incha-se, reclamando 
á primeira vista derivativos. 

Não sabemos se é pbr sermos medico, mas a verdade é que so- 
mos- assaltados por presentimentos verdadeiramente sinistros com re- 
lação á sua politica e com relação ao seu futuro. 

Entretanto ella tem-nos a nós que a estudamos, tem o sr. dr. 
Lereno que a mira, o sr. dr. Bernardo que a pisa e o sr. dr. Ma- 
chado que a affaga; com tantos doutores á cabeceira, é natural que 
se cure. Da nossa parte, cumpre-nos apenas aconselhar uma cousa 
simples, mas talvez difficil aos seus hábitos: escolher definUicamente 
um assistente^ por isso que muita gente junta não se salva. 

Possue na ponta de E. á altitude de IGõ^^jõ um pharol da 2.^ 
ordem de luz fixa branca a clarões de 1' a 1^, de alcance: da luz 
fixa — 16 milhas, dos clarões — 27 milhas; e que se acha situado a 
lat. N. IV, & e long. W. de Green. 24^59'. 

E' o pharol Fontes Pereira de Mello. 



Assumptos médicos 



Uma das questSes mais importantes da nossa vida colonial é sem 
duvida alguma o conhecimento; o estudo e o melhoramento das suas 
condiçSes climatológicas, pois é de reconhecida necessidade que os 
indivíduos de uma educação mais avantajada possam perpetuar-se e 
reproduzir-se alli, protegidos por uma saúde enérgica bastante para 
resistir ás luctas com o meio, arcar com a escassez das conmiodida- 
des e vencer a enervaçSo do clima, sem que o espirito perca o inci- 
tamento de enthusiasmo e de egoísmo, que alimenta a coragem para 
os grandes emprehendimentos em toda a parte, e de que tanto se ne- 
cessita em Africa, para as luctas sem applausos o sem tréguas que 
ha sempre a sustentar n^esses paizes abrazadores, povoados de mias- 
mas e crivados de desgostos. 

O primeiro, o mais importante e o mais ponderável pois dos obs- 
táculos ao progresso das nossas terras d'além mar, sSo sem contesta- 
ção alguma as condições deletérias do seu clima, que se traduzem em 
depressão rápida, profunda e persistente no funccionamento do espi- 
rito, como consequência immediata do abatimento e da anemia que 
avassalla o corpo. 

Mas o facto do europeu não poder aclimar-se (no sentido mais 
lato da palavra) em Africa, n&o traduz motivo á dissuasão colonisa- 
dora, ainda que represente para nós a principal causa do andamento 
arrastado e lento d'e8Bas civilisaçSes em inicio. 

Nas colónias em que a administração publica caminha methodi- 
camente guiada pelos principies scientificos bem assentes, o progresso 
é sensivel e os seus resultados proficuos, porque nada se esperdiça, 
cada elemento útil exerce^ ainda que temporariamente, toda a in- 



174 




aitrÍA? ^ni^-rttraíi iíIiIA '?<;i:-;»rfiji»ir '^'.-t-àz^Zk. tiz^ríf^ZA e 

pítia i-ií: ú.v. :riT<iíno ^>g*:=. q--r iX-r p^.-ir i*rrTÍr a ei 

itajt d*=:Tr. pr*:p*r.' préT^o *: zLrÚM'* r^jTOis:' de aiLanto. xzutft qae 

«rzal>erazi:«r:irr.:r ^sãas oni^;^ 'i-r :=ipi>naç2ij. naãcan&do a znonoio- 

nia da luA aridez g^rJal cr:: a appâx^nola i::^z.cír>:'«a de Tzxoa T^e^tm- 

r^'/ da:r.i.lziha. 

^>^ pO':<:''i7í h^'Z:.^T.i âúp^roreâ q^r para Lá t2o. prodazem pooco 
ou ril^/ cr.^gaL. r pro-i'iz!r xubi^. A <*ua •.■rgazilâa';ii> gerafanezite é wi^» 
fraca, a stía s^rr-iloiiidad- i:.a:í rxi^çnte r a falta de c«.Aliecimeotos 
j!/>br^ a cl^ríiatol^.çia. re^lrr^rrn r proptvlaxia a seguir. iznpedindcMM de 
dfefer.dírrrííi-à'-. cerrr-çrla ái» ooloniã.- -i:L.a irande parte da izifliíeiicia cor- 
r<!:!at>a á js^ía iriiportan^-ia. 

Emquarito a 'rãaa pl-iríade dr ignorâiites devaãã<Dfi de que a me- 
trof^A^. re HXiinrí£Si. ^ que -^s governos, p-jr mn crlterl':» homeopaduco, 
Uà\ri\%XThm noiíxO a/lj:i vante á c:vil:5âi;âo africana, quanto a estes, nada 
direm^/fi, p^^rque ^ qu^ admira r que aã colónia^ ainda sejam o que 
íil/f. e be nSo teLharn tranaforinado p,.r um pr-cesso tio conducente, 
«:fíj verdadeiro- antroó de fero*: Idade. 

.Sofíjoii «iiii paiz essencial mente coLii^al. e nào só desconhecemos 
maA no» faltam a aen-^, lodoa o» me:».» de conseguir os elementos com- 
parati ví/íi e comprovai: vos da climatologia e dos mnumer«>s ramos da 
m^lícina que hoje tl^i intimamente se prendem com o viver e os des- 

tiUhn tropicae-i. 

Kmquanio na outras nações buscam a sciencia com a mesma fé 
com que outrora se invocava Deus. para base e buss.-.la de todos os 
HcuM emprchendir/jentos coloniaes; nr^^s, p'^r uma rotina que envergo- 
nha, fazeíijofj remessas de pessoal, remessas de materiaes, com a 
íiiefíma leviandade com que decretamos as construcçoes e as preferen- 
ciaa maÍH injuh ti ficadas, r.em attendermos a methodo nem a opportuni- 




ilíide, vomc) se a civilisaç3o podcsse edificar i 
]ionto8 de apoio ! 

K iiHo é sò diz(>r-se que noft falta o critenu administrativo, coinn 
nos faltam os estudos sobro a pathologia africana. K ver-3i> o desgra- 
(;atlii (.' lamentável estado da organísação doa quadros de saúde e, em 
geral, do serviço medico cm todo o ulcrnmar. É ver-se " que produz, 
o t|ite ganha e a consideraçlln em que é tida peloa poderes publtc 
essa classe medica, que para todsis as nações loloniaes rt-presPiita 
) que o estado maior das euns conquistas de alím mar. 
Hasta saber-Rs que é n'tiHses cliuius onde as doenças se produzem 
aos i-entos, onde os liospítaes iscasselaiu, onde as ambulâncias silo po- 
bres c a mispria illiniitada; que é n'es8as regifles em que o medico é 
simultaneamente clinico e escravo de uma popuIaçSo numerosa rare- 
feita cm muitas Icguas cm redor; que é n'essaB regíÒes em que elle 
ú s<i, sem collcgas, nmítaa vezos sem enfermeiros, sem phannaceuti- 
ciis o sem ajudantes, qiioai sempre sem commodidades ; que è alii 
onde elle tem que exercer todos os misteres da medicina desde iia 
operaçflfis mais serias ate aus curativos mais fatigantes ou mais siiu- 
plos; quo é alli onde a batalha é mais aeeesu, onde o inimigo é maia 
fcrox, imde a estratégia é mais dífficíl, que é para ahi exaclitmcntc 
que O nosso paiz manda os seus meiUcos de segunda classe, esses 
priiductos fabricados na índia para uao exclusivo dos pretos, a quem 
o governo pile um rotulo, como se a medicina merecesse a irrisSo. 

KSo queremos de maneira alguma oDeuder os filhos das escolas 
ehumiidas de 2." ordem; o que pretendemos (s em nome da dignidade 
da eluasc a que mis e elles pertencemos, protestar contra uma orga- 
nisação vexatória paru elles, c appareutemente ottensiva aos direitos 
iiiviolavcíií da humanidade. 

Muitos dVnllcs mci-eccra a totla a gente a considornçSo de intelli- 
genciuã distinctas, c se i> estudo e a orgouisaçXo das escolas que fre- 
quentaram nSo corn-sponde au que è necessário exigir hoje, a culpa 
de certo iiKa é sim. 

Itefòmiem-aB pois, ou acabom-as, se assim ffir preciso ; mas o que 
6 indispem.ivet é que os médicos sejam médicos em toda a purtc e 
quo iitto haja quem tcuha de Ke envergonhar da sua pmfiasSo na In 
titmlc norte, nem u humanidade o direito de duvidar da sua cumpeteii- 
cia nas latitudes sul. E os poderes públicos que se compenetrem bem 
da importiiiicia que de\*e ter o medico do ultramar; do papel que lhe 
é dislribuidit jielo utrazo dns nossos conhecimentos e do logiir de honra 



AA 



176 CABO VERDE 



que lhe compete perante essas populações doentias e ante as interro- 
gações justificadas da sociologia tropical. 

NSlo se preoccupem tiinto cm precnclier vagaturas; attendani. 
sim, a satisftizer cabalmente as imperiosas necessidades dos povos. 
Que o medico colonial seja obrigado a tod<»s <»s serviços c estudos que 
o paiz tem direito a exigir e a esperar da sua classe; que se de a má- 
xima publicidade aos seus trabalhos, e que em vez do tempo e <1os 
cabellos brancos servirem de base á promoção e a distincçoes indívt- 
duaes, que seja o morito, a utilidade e a aptidão comprovada de cada 
um, o esteio das suas garantias o o ponto do apoio das suas priíspe- 
ridadcs. 

Tanto mais qu(^ r um facto reconhecido e provado no ultramar, 
que o exercício de uma dada aptidão, em quanto tem i>or mira o in- 
teresse próximo, uma aspiração prali.^a ou um pretexto de melhoria, 
ainda serve a testemunhar uma força agitante progressiva; parando 
porém de energia e amesendando-so n'um enche-logar mais ou menos 
inHado de prosápia, sem])re que as personalidades em que se manifes- 
tam, chegam a attingir essas zonas privilegiadas da nossci administra 
ção, a que um passado nullo o mais das vezes, constituo garantia de 
estabilidade e de aceesso, á maneira das caudas nos papagaios das 
ereanças. 

Oastam-se no címtinente centenas d(^ contos para o salvar das iii- 
vaísoes epidemieas. Uccretam-se melhorias e vantiigens a todo o mili- 
tarismo da metrópole, e ainda (pie tardia e exiguamente, essas melho- 
rias attingem e abraçam o desprotegido exercito ultramarino e a classe 
medica naval, excluindo porem por um habito invariável e como que 
systematieo os empregados de saúde das províncias ultramarinas! 

E comtudo, SC ha classe de fnnecionarios, que pela natui*eza o 
importância dos serviços (|ue lhes sao incumbidos e pelas difficeis con- 
dições em que geralmente os prestam, merera mais justílicadamente 
a attençrio e solicitude do ;inV('i-no. é sem fluvida alguma a d^esses 
em[)regados exeluidos. 

E' valiosis>inio e provado o auxilio (pie esta elassi* com a sua il- 
lustraçilo, presta ao melhorameiílo das e(»ndi(;òes sanitárias cohmiaes 
e aos municípios cm particular, checando a exercer tn<las as obriga- 
ções do factdtativos <lc partido, sem remunera(;rio alguma, como suc- 
ccílc em Cabo Verde. 

E' como dissemos em hospitaes e(»nd<'mnados, em localidades de- 
primentes, em expedições militares arriscadas; ('? entre populações sei- 



ASSUMPTOS MÉDICOS 177 



vagens e p:)brcs, cm climas inliospitos, longo da íamilia c desprovidos 
de recursos, que (*sses funccionarios sobraçados ao dever, sem protesto 
e com civismo, exercem as pesadas imposições da sua protíssíio, ex- 
pon<lo muita vez a sua vida e sacriHcando mais que ninguém a sua 
saúde. 

Pois bem, c tíxaotameutí* a esses liomens a quem o paiz deve 
tanto, que os governos se mostram sempre tão renitentes em premiar 
devidamente ! E esta dcsparidade entre a maneira de proceder para 
com elles e para t-om o dtMuais funceinnalismo, que representou sem- 
pre uma verdacleira injustiça, esta excepção a que teem siío condeni- 
nados, apesar do desenvolvimento das províncias ultramarinas ter tor- 
nado de mais em mais crescentes os encargos qu(» sobre elles impen- 
dem, tomou nas ultimas reformas o caracter de verdadeira iniquidade, 
por isso que até os novos soldos, decretados pela lei di* agosto de ÍWl 
e gcneralisados pela Itíi dr IXW a todos os otíiciaes combatentes e não 
combatentes e aos empregados civis com graduação militar no ultra- 
mar, até essas leis os excluem d<* facto, mantendo invariável esse absur- 
do que vexa e revolta, e d'onde resulta que um medi*o de 1.*'^ classe 
com graduação d(í capitão, tenha e continue a ter por soldo uma 
quantia que eguala c não excede, a do um simples alferes do exercito 
do ultramar! 

O actual cliiífe da repartição de saúde, conselheiro líanuida Curto, 
na sua curta gerimcia já conseguiu, por uma tenacidade que se torna 
digna de registar-se, incluil-os na disposição dos que podem usufruir 
as vantagens de um anno de licença no reino após oito de cfTectivo 
serviço em Africa; alcançou um augmento de pret ás praças das com- 
panhias de saúde r esforça-S4* com o d(*putado por Santo Thyrso (re- 
lator do projecto apresentado ultimanu^ntc nn côrtcsj i>ara (pie sejam 
egualados os soldos dos médicos <lo ultramar com aquelles fixados 
para os otíiciaes d'armada <* do exercito do continente, e gcneralisa- 
dos como dissemos a todas as patentes ultramarinas. 

lia tudo a louvar no zelo do digno chefe actual da repartição de 
sauíle ; ha muito a esperar da dedicaçílo e influencia dos dois illustrcs 
médicos a que acabamos de referir-nos, mas talvez haja ainda mais 
a recciar «las reluctancias dos poderes públicos ante a sorte d'aquelles 
a quem so habituaram a desprezar, e que de certo, por se não tíTem 
arranchmlo em conluios de especulaçOes politicas, nao sabem nunca 
encontrar echo á sua justiça, perante as altas ponderações do governo. 



178 CABO VERDE 



O archipelago constituído por dez iilias o por varias ilhotas de- 
sertas, mais ou monos visitadas por pescadores e urzelciros, apresenta 
uma cxtcnsissima super Hcic d(; costa marítima aceessivel an Jesem- 
b«irque, d'onde llie resultam condiyoes de facilidade extrema a uma 
invasão epidemica, não só pelos muitos navios de todas as procedên- 
cias, que frequentam alguns dos seus portos, mas pela circumstancia 
d(* muito se avisinhar d^essas costas a maior parte da numerosa nave- 
gayílo transatlântica. 

As medidas pois, de sanidade maritima, que tanto affectam a li- 
berdade e os interesses do commercio n^essas paragens, que Uuitotccm 
prejudicado o progresso c o desenvolvimento material doeste archipe- 
lago, parece que deveriam ter adquirido por essa possibilidade immi- 
nentc uma precisão capaz de defender cabalmente as popula^^ocs pe- 
rante o risco das epidemias, compensando assim com o beneficio das 
garantiíus nccessariíis, os gravíssimos prejuízos da sua acção com- 
mercial. 

Não succcde, porém assim. Esses desembarcadouDs extensíssi- 
mos, continuam na maior parte desprovidos de uma fiscal isay ao com- 
petente, e o mesmo succcde a alguns pontos preferidos pelo commer- 
cio de cabotagem c pela navegação de alto bordo, como abrigo para 
permutações e para fornecimentos de aguada e de refrescos. 

Os baleeiros, esses vagabundos do mar, que exploram o oceano 
como o caçador tíxplora a floresta, abrigando-se em todas as ensea- 
das, fornecendo-se de viveres de qualquer navio em viagem e procu- 
rando nas costas qualquer producto que necessitam, etc, sem escrúpu- 
los ii 8cm receios, como verdadeiros americanos que são ; os baleeiros, 
fundeiam nos seus portos da costa, desembarcam, fazem permutações 
com 08 povoados, sem que muiUis vezes as auctoridades saibam da 
sua chegada, c sem que se adoptem outras medidas, quando o facto e 
conhecido, do que intimar o navio a vir legalisar o seu convívio com 
a terra, impertinência essa a que elles muitas vezes se dispensam, le- 
vantando o ferro o indo como aves perseguidas, pousar em outi-os 
pontos ou em outras ilhas, onde encontram a mesma fiscalisação e o 
mesmo desleixo, onde a saúde publica sem defeza e sem protecção 



ASSUMPTOS MÉDICOS 179 



continua á iiktco do acaso, «^ssc idolo tâo acariciado ])ela ignorância o 
trio festejado pela especulação. 

Mas ao passo qu(í succede isso nos portos mal fiscalisados, ao 
passo que ninguém se preoccupa a sério nem se arreceia de que os 
bahíciros possam importar as epidemias e de que a Fajà d' Agua, o 
Tarrafal ou a Mordeira possam dar brecha ás enfermidades, o que ve- 
mos nós nos portos principaes da sua navegação, nos pontos onde fa- 
cilidades compativeis trariam como resultado benefícios apreciáveis? 
vemos a preoccupaçílo regulamentar suffocar tudo, vemos rigores sa- 
nitários os mais inquísitoriaes e os mais difficeis de defender perante 
o critério scientitíco, vemos o exagero dos receios trazendo nâo. só em- 
baraços sérios ao expediente, mas protestos e comj)licaç3es de ordem 
internacional. 

Assim, na ilha do Sal, navios com viagens de mezes, em lastro 
d(í artíia, obrigados invariaviílmente a uma quarentena de 5 dias, por 
melhor que sejam as címdiçoes hygienicas de bordo, obrigando-se-lhes 
a despejar ou a sellar a sua aguada e não se lhes permittindo sequer 
r(»ceber durante o periodo da quarentena o seu carregamento tV Na^ 
esse producto mineral dos mais insusceptiveis! E isto, faz-se em um 
paiz (mde não ha agua potav(?l; n\im porto de levante onde de um 
momento a outro a tempestade pode arremessar ás praias o navio, 
pondo em risco não só a propriedade e as vidas de bordo, mas a da 
população, por isso que faltam recursos para os cordoes sanitários e 
•)s naufrágios não sabem escolher isolamentos. 

Em S. Vicente a mesma coisa: grandes rigores nas determina- 
ções, grandes defícicncias na organisação c no expediente do serviço. 

Não se jícrmitte o (»mbarque de trabalhadores para os níivios im- 
pedidos, por melhor que sejam as circumstancias de bordo; mas faltam 
todas as condições para rigorosamente receber t^ beneficiar as malas 
das proveniências infeccionadas. Faz-se da quarentena a voz de or- 
dem; das faltas dos cônsules, das faltas dos agentes e de qualquer 
ponto dúbio de interpretação, uma base justificativa de impedimentos, 
mas não ha um corpo de saúde organisado, não ha rondas Ao quaren- 
tenas, não ha lazaretos nem pontoes quarentenários para os dehnquen- 
tcs; do forma que todos esses meticulosos escrúpulos teem por susten- 
táculo a deficiência absoluta dos meios <» por garantia, um preto qual- 
quer, que geralm<'nte não tem consciência da sua responsabilidade ní»m 
coragem do seu dever I 

Os motivos do serviço de sanidade marítima são tão dependentes 



180 CABO VEKDE 



do modo de ser da navegação e das variadissimas condições locacs, 
que para que elle satisfaça ao fim pratico a que se destina, é ne- 
cessário que se subordine a preceitos especiaes para cada localidade. 
Sem isso, nada se consegue de razoável e de útil, porque a parte re- 
gulamentar que pôde ser commum, é tSo exigua, tâo axiomática scien- 
tificamente, e tâo de continuo vexada nas províncias ultramarinas pe- 
los meios mais ou menos improvisados de que as auctoridades se vêem 
obrigadas a lançar mào para conjurar ou providenciar os perigos de 
momento, que apenas poderão servir de base a essa architectura re- 
gulamentar que o nosso serviço maritimo colonial tâo urgentemente 
reclama. 

Muitos sophismas que se dâo em S. Vicente hoje, com relaçSo 
ás leis sanitárias em vigor, e que nâo só prejudicam os interesses 
consulares mas tantas complicações trazem ao expediente maritimo; 
a má organisaçâo do serviço de saúde e a falta absoluta de providcn- 
cias assentes para certos casos anormaes que devem ser alli previs- 
tos, levam-nos a pedir nSLo só a reforma d'este serviço por um plano 
bem definido que vise a um resultado pratico, mas a lembrar a ne- 
cessidade, já ha muito reconhecida pelo ministério da marinha, de se 
estudarem todos os termos doesse problema de tão alta significação 
provincial, tomando o regulamento geral de sanidade maritima como 
base e formulando um regulamento adequavel ao modo de ser do ar- 
chipelago, de forma que as restricçiles sanitárias tenham a mesma 
intensidade em todas as ilhas, que sejam o mais rigorosamente pro- 
I)orcionaes á gravidade dos casos que se apresentem, coadunáveis com 
o pessoal e garantidos pelos meios de execução, para que se i>ossa poy 
leis definidas e meios razoáveis garantir de facto a saudc jíublica, rc- 
salvando-a das invasões epideniicas. 



O quadro de saúde de Cabo Verde, cuja organisaçào, vcncimcntí>s 
c mais vantagens, sao regulamentadas ainda hoje, exclusivamente pe- 
las leis de 1869 e ls74 decretadas pelos srs. Kebello da í^ilva e An- 
drade Corvo, deveria compor-se de 5 médicos de 1.'^ classe, tí de 2.\ 
3 pharmaceuticos, etc, etc, possuindo actualmente 2 pharmaceuticos 



luldidos a mais, u numero cuinpleto de médicos de 1.* c-lusse, e algu- 
iiifts vagas nos de 2,^, a^iesar àv se terem creado )m pouco, duas no- 
vas dcleg.açílos de saúde, que demundam, é dam, facultativos que as 
IJi-ccudiaui. — D'alii resulta casa deficiência sempre proclamada de 
pessoal tcchiiico para o servido, resultando, como está suceedendo para 
aljçuns concelhos, o viverem desde muito á mingna absoluta de uie- 
dicos. 

Eta compensação é verdade, figuram como auxUiarea hoje alguns 
reformados que nSo raras veses teem prestado serviços relevautcH e 
cuja competência ninguém pensa em contestar. 

Maa este enxerto du passado no presf-nte, essa chamada para » 
serviço activo militar de individualidades engorgitadas jd nos confortos 
I' commodidales da vida civil, com prerogativaa de independência, 
eom influencia largamente acccntuada na políticn e com a faculdade 
ampla, de queit-r e de cacollier, nSo só traz verdadeiros absurdos e 
auornulias, por isso que estabelece a possibilidade de patentes infe- 
riores presidindo á junta de saúde, terem que ordenar, apreciar « 
julgar, entidades do gradna^So superior, mas ns injustiças mais tla- 
l>ranteB eom relação, aos deslacanientos, ás regalias e ás vantagens 
individuaes dos eflcctivos tio quadro, por isso que os ditos reformados 
niio podendo ser obrigados a servir, e tomados indispensáveis pela 
defieieucia do pessoal, escolhem, e é elaro que escolhem os meUiores, 
ofi mais salubres e ns mais rendosos concelhos para sua ftorilum me- 
dica de voliintitrioB, e isto com evidente prejuízo para os demais eol- 
legas que a despeito da lei, se vcem condemuados a roer o osso dVssa 
rez aliás rachitica o definhada, do que cllcs os privilegiados se con- 
solam comendo a carne. 

Mas nSo è bó esse o motivo, que alliando-se aos parcos rendimen- 
toH clínicos de Cabo Verde, se conjugam para afastar da província a 
concorrência lueilicii, dxuilo logar a ijue o seu quadro de saúde tenha 
sempre vagas, supcrnbundiindo pelo contrario pretendentes a todos os 
demais cargos da sua organisação, l!a um imtro mais Importante, mais 
serio, e sobremodo ponderável sob u ponto de vista dos interesses, 
que tom constituído motívu de deserçilo, que jã mais de uma vez ser- 
viu' de pomo de discórdia e que de mais em mais prometto trazer 
ComplíeaçSes futuras, attento aos sophísmas e illegutidades que coua- 
titucm precedentes p eom que é uso cm Cabo Verde Illndir e espesl- 
nhur os ilireitiis conferidos pela lei: queremo-nos referir ímj destaca- 
meuto du a. Vicente, iiuícu jtara que ha escala de servlyo e quu 



182 CABO VERDE 



representando as maiores responsabilidades com relação á sanidade 
maritima, traduz egualmente o pomo dourado, pelos avolumados emo- 
lumentos sanitários que concede. 

Por motivos de favoritismo com relação a S. Vicente, pediu u 
sua exoneração do quadro um distincto facultativo hoje clinico em 
Lisboa. Por causa de conHictos havidos em S. Vicente, promoveu a 
sua transferencia para o exercito um outro, não menos festejado hoje 
pela opinião dos seus camaradas. Por causa de S. Vicente, decerto 
continuarão a surgir acerbas contestações e conflictos, ponpie a disci- 
plina regulamenta não só os deveres, mas os direitos, e quando não 
haja influencias a utilisar nem protecções a recorrer, haverá sempre 
as energias da indignação que sirvam de ponto de apoio aos pro- 
testos. 

O destacamento de S. Vicente 6 considerado de maior resp(Uisa- 
biltdade, medica e internacionalmente fallando; está estipulado em um 
anno para cada facultativo, sendo d'elle excluídos os das escolas de 
2,^ classe, a quem a lei geral do paiz n^cusa directos plenos no cxer- 
cicio de profissão. Entretanto, por sabias ponderações tem se preten- 
dido e conseguido mesmo i)rolongar a moradia por mais tempo a al- 
guns, o que d(í facto constituo uma preterição aos mais da serie e 
uma remuneração pecuniária de caracter exclusivo e não estabelecido 
pela lei. 

A historia regista também o facto de um medico de escola do 2." 
ordem, aliás distinctissimo, desempenhar o j)apel de delegado de saudt» 
cm S. Vicente, o que constituo uma excepção aggressiva ás pondera- 
ções officiaes e em extremo attrontosa a todas as mais individuahda- 
des da mesma classe. 

Os reformados, sob pretexto de jihantasmagoricas deslocações, 
tentam agora incluir-se na qiieue para esses destacamentos, o que vi- 
ria completar a somma dos i)rivilegios excepcionacs de que gosam. 

Por effeito de officios e meros telegrammas tem sido determina- 
das e executadas, com relação a S. Vicente, medidas oppostas ao ex- 
presso na lei, revogando assim de facto os decretos, tirando á junta 
de saúde todas as prerogativas que lhe eram (íxclusivas sobro os des- 
tacanit^ntos em geral, e convert<;ndo de certo modo o mais requestado 
logar de (.-abo Verde em uma d(;pendencia exclusiva do ministério, 
c(mi <{ue a politica conta talvez utilisar-se a seu talante e para seus 
fins, como {' costume. 

Subn* tudo inlo, que não s<» se relaciona com altas questões da 



A8SDHPT0S MÉDICOS 



província, mas com o prestigio do direito e com a própria dignidade 
da lei, cliamamoB a attençSo do chefe da repartiçSo de saúde do ultra- 
mar, em cuja justeza de caracter i- levantada inteltigencia tão justili- 
i-ada» esiiâranças depõe todii a gt-nte, convicto de que s. ex.", conhe- 
cedor como é daa qnestSes d'Afriea, e voriticando i-ouio pode a evi- 
dencia do que Hca dito, saberá regular devidaaiunte esse serviço, de- 
fendendo a brecha aos abusos, que tanto irritam os que d'elles sotlreni 
o qiic tanto prejudicam a nossa administração colonial. 

A rL'gulamentiiç&i dos i^uadro^ de saudi- do ultramar, além de 
cs])ecia!Ísnçfle8 vexatórias que estabelece cum relaçio aos médicos 
u'cllcs admittidoa, daa escolas de 2.* classe, o que chega a conutiluir 
um verdadeiro argumento de desprestigio perante aa populações e um 
motivo sempre fértil a perturbaçiíes disciplinares, apresenta ainda 
como digne de consíderar-se, oa curtas reformas, easa apparonte e in- 
vejada n'galia dos modieos, e n Faculdades dos chefes do serviço de 
saúde poderem permanecer o tempi> que lhes aprouver, n*iun posto 
a regalias exeepciunaes, ubstruiudo o aeecsso a todos os mais collegas, 
ainda mesmo que hajam todas as razoei de superioridade a indigitar 
qualquer outro. 

As reformas medicas du ultramar, que regulam eutre tí e 12 an- 
niis nas differenlea províncias; esse subterlugio da especulação eco- 
nómica ajnedroiitada ante as recompensas justamente indicadas pelo 
valiir dos serviços medtcos nVssas terras iuhoapltaa, não cunstttue, 
como se pensa, uma excepção formidável em favor d'e8sa clasae, pur 
isso que para ser medico o eat^ir portanto habilitado a uuferij-a, dis- 
peiíde-se mais annoa c mais capitães do que qualquer amanuense gasta 
a guindar-se a chefe de repartição, do que qualquer soldado ao posto 
de ofiielal, coIlocaçSea essas em qu<r lhes são garantida» reformas se- 
melhantemente idênticas no tempo e nos proventos. Accreacendo ainda 
a tudo isso, que a natureza especial dos serviços médicos abrangendo 
a noite c o dia, não tendo horas de folga garantidas, nem domingos, 
nem dias do gala, nem dias santos; couglobandn trabalhos de secre- 
taria, de clinica, de aanidade maritima, de inspecções medico-legaes, 
e sendo como sSo em fjeral, tão partos em resultados de clinica civil, 
nílo podem logicamento sor cotejados senão pelo triplo do tempo alle- 
gado pelos demais empregador, o que dá em resultado o invcrter-se 
a aigniticação das taes reformas, aliás tão mal interpretadas por toda 
a s^nte. 

Entretanto ví'-se actualmente cm Cabo Verde 8 facultativos em 

24 



184 CABO VEKDE 



efFectividade, figurando por í> o numero dos seus reformados, o que 
promettondo crescer niuua proporção incompatível com os recursos 
dos cofres da província, levam a desejar como uma salutar c redem- 
ptora medida, a fallada fusS(» dos quadros médicos navaes e ultrama- 
rinos, sujeitos á regulamentayili<» estabelecida para a armada; tanto 
mais, que esta fusão facultaria a possibilidade dos médicos poderem 
verificar e confrontar as condições diversissimas das diflerentes colónias 
portuguezas, o que de certo traria estudos e C(mclusões, que consti- 
tuem hoje uma lacuna a preencher perante a reclamada remodelação 
da nossa administração colonial. 

Como diziamos, figura como maior dos absurdos d^esses quadros 
de saúde, a intolerável imposição esti))ulada na lei, de na mesma 
classe, com a mesma competência, armados dos mesmos direitos, po- 
der um dado medico, fructificar-se, sasonar-sc, e mesmo apt)drecer em 
chefe, ganhando vantagens sm^cessivas sobre os seus collegas, que por 
motivo algum de serviço, de estudo ou de heroicidade mesmo, podem 
jamais desthronal-o, e isto unicamente porque assentou praça primeiro, 
e porque as circumstancias se encarregaram de limpar-lhe a elle o 
campo, que a sua vontade pereiste em obstruir aos outros. 

Ora que a lei concedesse» o logar de chefe ao mais antigo, com- 
prehende-se, apesar das convicções a que se chega em Africa sobre a 
significação real da experiência... e dos expcrim'»ntados ; mas que 
não obrigue a esse elemento da serie a desloear-se desde que tenha 
obtido com o tempo de reforma as reí::alias ([ue a cohcrencia c justiça 
indicam como necessárias cgualmente para os que o seguiram no alis- 
tamento, isto e que brada aos céos e que deve merecer a attenção 
dt>8 que teeni por dever o regular garantias, cuja importância sobre- 
puja em muito os interesses pessoaes. 






O caracter manifesto d'e8ta obra nâ<» se coaduna de modo algum 
ii linguagem, ^precisão o rigor das apreciações scientificas ; e ver-nog- 
hiamos seriamente embaraçnd<»s s<* o tivéssemos íjue fazer, tão parcos 
e resumidos são os arehivos (.^ibo-ver(h'an(»s em dados que podessem 
servir de base a apreciações seguras, tão limitados e incompletos são 



os c^tuiios rpulisadtjs allí atú boje, c pur (hI modo ailio dissoiiaiUos as 
altirmutiviís ilns díHV-i-entes mcillíios nas dilfoi-Antes ««pochas. 

Aaiíiiii, ijiie ilizi-r da sua liygíciKr a mais do qtii; aiiU-riímnentu 
iisscvLTámos ? (.^uf indíi^nçõcs serias a dar sobrp a niodicina preven- 
tivaV Que considcruiidos tnzvr sobrL' n pluralidade oii pulymurphíu du 
purasita da inalaria? qual lí a aua ciiei^ia? qual é o meiu mais su- 
guri) de o combatei"'/ Quíii-'s hÍo ns coiidiçfíeB deinogrnpbicas de Calio 
VcrdeV quacs s&^ as tudícaçnos ai- iin se) liadas para a sua nclImaçSoV 
A nenhuma destas interniga^Scs qui^ como sobrenadam IkjJc em 
todos 1)8 problemas africanos, [todoriamoa por trabaltios anteriores res- 
ponder, por isso quo um C'al)0 Vfi-de nâo lia registos conipletus e pn-- 
cls"e, o nã<i ba i\íuiii de rigorosamente estudado, nem a atmosphern, 
nem ob ndcivos do terreno, nem a liydrogra]ibÍa, nem a flora, nem a 
Tauna, nem o sangue, nom os mortos, nem os vivos, nem o modo de 
ser social. Falla-sií nos saes de quinina como prophylatico para as fu- 
bres; índica-se o i'alomtlano como osjiocilico nas btliosas; dá-si' foma 
autocráticos ao ira)ialndismo ; faz-sc rbntoricn com os miasmas, chamn- 
80 thcorícoa aos dissidentes deste credo, e evangelisa-sc as rotinas, 
Mas o que nSo se tem feito sRo estudos rigorosos e comprovativos, oU 
pelo menos, u que se ttrm deixado è de dar publicidade a esses traha- 
liios, do modo que podesscm servir de base e de auxilio a novos tra- 
iiaUios. Por isso nos limitamos u esboçar as suas eondi^Nles cliuiutolo- 
picas, informando das doenças reinantes e expondo sem iiretençSo 
algiiina n privilegio de competência exclusiva, o nosso modo indivi- 
dual de considerar os fuctome maiúsculos da sua {lathologia e da sua 
tbcrapentica. 

Cabo Verde é um arclii]ielagi> situado a Ib", 50 latitude norte 17", 
4m longitude W de LÍs))ua, c onde a média tliermlca regula segundo 
os registo!", |ior 23" c. á sombra, regulando ns variaçiTes extremas de 
15 a 17 nas ditferentes estaçiles. Apresenta pântanos permanentes em 
nma untca ilha (8. Thiago); pântanos mixtos c temporários em quast 
todas; eondiç3eB do infecção por toda a jiartcj sendo porém muito 
varrida |>elos ventos e muito bafejada pelas brisas do mar, exliiblndo 
climas os mais diftercn ciadas conforme a ilha, a altitude, a exjiosiçio 
que se considera, e apresenlaudo como resultante, as eondiçiícs de 
um pai;£ em que a pojmlaçilo cresce sensivelmente, em que a raça cn- 
ropea pura, delinlia Ó vfrdade, mas onde ainda assim se encontra ao 
lado de muitas tWnilias cruzadas, ni1'> poiíciís a desceudcncia directa. 
Tem muito calor e tem muita luz; ist>i é, supcrabumla n'essas 



186 CABO VERDE 



duas condições primordiaes da actividade e do movimento, cujas fune- 
yoes alli, jx)r excesso, sâo enervar c fustigar a vida ! D'alii a ostimu- 
laçilo característica sobre os colonos recemchegados, estimulação enga- 
nosa de começo, que degenera l)reve na decrepitude e na apathia tra- 
dicional dos paizes quentes. 

Não possue focos geradores do cholera, da febre amarella, nem 
do tyj)ho, mas 6 vexada ])ela malária, pela tuberculose e pela syi>hilis. 
A não ser os indígenas em quem as influencias climatológicas se 
fazem menos sentir, todos os mais habitantes, quiír europeus quer des- 
cendentes doestes, não i)odem sem prejuizo de saúde, prcílongar por 
muito a sua moradia, })rincipalmente na Praia, sem que sejam accom- 
mettidos pelas febres palustres que reinam em quasi todas as ilhas 
no estado endémico, e pelas cameíradas (ttínno genérico com que se 
classifica as corysas, anginas, dysen terias, etc, que apparecem quasi 
todos os annos) e que coincidem quasi sempre com a mudança das (»s- 
taçí5es. Contra esses catarrhos, ve-se a medicaçilo quininiea tirar um 
partido incontestíivel, o que nos leva a consideral-os de natureza pa- 
lustre, como assevera Abbadie para a Abyssinia, sc^m com tudo por de 
parte a acção d'esses saes sobre os phenomenos da diapedese. 

A permanência prolongada não cria foros de respeitabilidade para 
o micróbio, eomo muita gente pensa: ha quem nunca apresente sym- 
ptomas aecentuados das suas manifestações, como ha não pouco numero 
de pessoas somente apalpadas no decurso de muito temjK) de estadia. 
O que o habito faz é prei)arar a passividade^ orgânica, concilian- 
do-a ao envenenamento chronieo e predispondo o organismo a tolerar 
a hypertrophia do baço, á hypertrophia do tígado e ás perturbações dys- 
pepticas, produzi<las quasi sempre no começo, pela deficiência do acido 
chlorhydrico devido ás grandes perdas do chloreto de sódio pelo suor. 
O que a permanência faz em certos casos, é como que exercer uma 
gymnastica phngocytosicay que anullando as influencias do micróbio, 
dão como resultado uma verdadeira immunidade }>ara as febres. Os 
de moradia prolon<»ada não parecem adquirir foros de privilegiados. 
O que são decerto ó menos surprehendidos por do(aiças cuja lingua- 
gem címhecem e a que se habituaram ; o que não são c apenas tão 
sol)resaltad()S pela visita nem tào inquietados pelos receios. 

As causas de insalubridade apontadas, somma-se a influencia de- 
sastrosissima das estiagens, que modifica o clima e cerceia concomi- 
tantemente a raeri<i ás populações, já seoeando as fontes, já annullan- 
do as colheitas de cpie ellas se nutrem. 



ASSUMPTOS MÉDICOS 187 



Entretanto o clima de Cabo Verde ó ni ;nos quente em latitude 
egual a qualquer outro do continente africano. E' refrescado regu- 
larmente de novembro a julho pelos ventos NE., constituindo este pe- 
ríodo o chamado tempo das brisasy epocha (ím que o calor é mais l)e- 
nigno, o trabalho mais fácil e a salubridade mais garantida. Nos ou- 
tros mezes, que representam o chamado tempo das aguasy a atmos- 
phera torna-se pesada, o céo encoberto, o ar abafadiyo o húmido, e 
quando chove, chove abundante? e periodicamente, como que j>or uma 
verdadeira lei de intermittencia, parecendo qie o impaludismo estendia 
a sua acyâo até ao próprio céo. E como é a epocha dos maiores calo- 
rias (O thermometro chega a marcar 33® c. á sombra e b?^^ c. ao sol), 
como c a epocha dos trabalhos ruraos c aquella em que a vida da co- 
lónia está em toda a a'jtividade, accentuam-se com mais ou menos agu- 
deza e generalisação as notiis pathologicas das differentes ilhas, sendo 
portanto a epocha mais doentia. 

No tempo das brizas, ainda apjiarecem habitualmente as lestttdas 
frequentes sobretudo em janeiro e fevereiro, verdadeiros hermattans^ 
ventos seccos e violentos, que crestam e arrastam tudo, impellindo 
verdadeiras nuvens de poeira na sua passagem. 

Esses ventos, que sSo os maiores flagellos da agricultura, têem 
uma alta importância sob o ponto de vista medico, por isso que tra- 
zem modificações profundas nas condições do meio ambiente, dando 
conta por si só, de grande numero de doenças do apparelho respirató- 
rio e visual que se apresentam em certos annos. 

Dissemos que havia pântanos permanentes em S. Thiago e que 
nas demais ilhas apenas existiam os temporários. Sâo devidos estes ao 
estagnamento das aguas da chuva, quer nas depressões do terreno, 
quer no alveo das ribeiras, constituindo-se mesmo em algumas, nas 
proximidades da praia, e em virtude das marezias habituaes nos mezes 
das chuvas, verdadeiros pântanos mixtos, focos de emanações pesti- 
lenciaes. 

Generalisando pois sobre os factos apontados, a que se somma, a 
influencia de resumidos preceitos na hygiene particular e a mais ab- 
solutii carência na hygiene publica, parece que toriamos que concluir 
o ser essa provincia em extremo insalubre, e por assim dizer, inhabi- 
tavel. Entretanto succede o contrario, como prova o facto do cresci- 
mento da poi)ulaçào (que em 1H44 era de i)0:Ú(X) e hoje regula j)or 
120:000 habitantes), as estatísticas da sua mortalidade que são beni- 
gnamente eloquentes ; os seus mappas nosologicos, que referindo se 



CABO TBBDB 



qiiasi exclusiva mo D te aos centros du Bggtcmiii-iiy^i, iiiiiila uaHim fHlIam 
l>HÍxo; o aspuL'to dos seus liabitaiitcs qiiu nn gcnoralidndc é SAiiduvcl, 
i- maii« que tiidu Uto, <> facto de muitos eurnjieus poJurcm ulii jicrm»- 
ntcer [iin- longos aunos sem niodílit^a^^flos jirofundas e railifaos, o limi- 
tado numero de rafhilicoB, « tifto excessiva raurtalidadc uas freaityas. 
K isto quG comprova, quo na raaDÍfeBta^'ííes da inalaria sSo inais uu 
mt-iioB lulminantes, niais ou menos general Ís« das, mais ou niciio» con- 
tinuas, mais ou menos i-emittentos c maia ou aienoa graves, eonforuiu 
HH liicalidadea que su pHtudum, independente mesmo das LondiçSrs " 
«^'XtensZo dos pântanos; subordina-sc de certn á indiseulivel intiucnciu 
de grau de temperatura da saturjtçio do ar polo vapor aijuoso c da 
toiía&o d'esse elemento, factor este que segundo a nossa ojnniSo tem 
supremo valor em todas as cqua^-òes du climatologia tropical. 

Em Cabo Verde por mais que se queira, nSo ii possível relacio- 
nar a intensidade e a general isa^ào das endemias palustres com a 
abundância das chuvas e encliareamento dos pântanos. — Diz-se ge- 
ralmente, iiniio chuvoto, anno doentio; diz-se, e ás vezes assim sui- 
ri-dc; mas não raras vezes succede também o contrario, e isto, a nosso 
ver, pirque a vitalidade o as energias do protozoário palustre e mesmu 
a facilidade da sua absorpi^), depende princi]>al mente da caluritica- 
çío, estado luminoso e estado hydríeo do meio atmosphericn em que 
elle vive, relaeionando-i^e as pomié» da sua formação muito mais As 
d«5lo("!içfie8 do groundieanfr do que a mema condiçiícs de extens&o e . 
onsopaiuento dos paues originários, como aliaz o demonstram cabal- 
mente as valiosas pesquisas de Toraassi e Crudeli com relaçSo At- dre- 
nagens. 

São essas as iuducçSes llieoricaa a que tomos sido levados pela 
Jiprceiacile directa dos factos, c qiie se coadunam cuiu a aftirmativa 
vulgar de que é nas noites cálidas c húmidas, — dr que é antes do 
raiar e depois do oecâso do sol, — e de que s&o os )>aRtanos apparcnte- 
mente seecos, as condiçSes mais a temer com referiLuia no viver im- 
pical. 

A' luE que excita o movimento vegetal como ex-ntu u movbueulo 
da íris nos anímaos; a este agente, cuja intensidade fax abrir e feciíar 
as llôrea, explicando o somno a o despertar de certas plantas; á hu, 
que n&o só cxen^o u papel primordial nas funcçòes ehlurophyllicua 
mns sobre oh pluiiu>mentis digestivos genesioi>s i- de coloração Ots 
muitoa vegetaes, como o demonstram íia interessantes experiências de 
Oouid e de Edwards; á luz, ijue geralmente em Africa tem uma acçio 



ASSUMPTO» UEDIC08 



1»9 



eliymicR tSo exagerada e i^iija induencia sobre a pigmentaçSo oxpli- 
vuriíi, seigunáo nlguns, a c(Afírai;llo typk-a das raças etiopicae; li luz. 
iin ealor, c á tt-nsão do vaiinr d'agua, se ncham subordinados sob o 
jKinto dl- vista psychii-o, usta irritabilidade de- aiiimn, este mau humor 
Iiabititnl c lislt' pessimÍBlUO Kurayé das 6iii.'ÍL'diiiIcB Irojiicaua, (]\ie dando 
ai't-esso ás siiepoitas mais gratuitiis c «ri^m às explosões menoa jiis- 
tilicadas, (-ríam a predisposição aos runuurcs e ás insidias, e dão i^ontu 
desBe antaííonismo inaircditav^l de sontiirientos, d'esaa Gu-ilidttde t-\- 
trcmii com que us inimigns mais ac-erbos se- hanuonisam r os amigns ' 
mais Íntimos s(f quendani a lada instante, d t^ssa Hix-tuaçSo de re&o- 
Iii^òes e ineolierencia no procedimento, qun tjinta seraelliança estabe- 
lece uiltre o viver phantasiuao d'ess»s sociedades »«/ f/ewíris com O da 
picnrcsea lidadu de (iuiqucndonc, tJlo esfiiritiiosaniente dclinciida piir 
.Iiili» Verno, no DwiUir Ch-. 

Sem luz, tudo SC estiola, porque n'ella oxiste mu {toder uSo de- 
finido mas iraporlantc, porque oomo dia Hiimboldl íi este agente a 
principal condição do toda a vitalidade urganiea. Mus por excesso de 
luz, tudo revcrlicra c «'infliminm, !■ o qne dá a cegueira para <.s ollios. , . 
pura o cérebro, Ak como que uma allucinnçílo. 

Quantas vezes quem escreve estas linlias se tem indignatlo e ba- 
rafustado em Afrieii por factos que nfto lho despertariam mais que o 
desprcso ou um pretexto ao riso, em quiilquer outm latitude menos 
abrazadora? Quantos personagens cnipavouados, ao passarem hoje em 
Lisboa prosaicamente sob iis taciturnas arcadas do seu fadário, se te- 
r2o lembrado com desgosto do despotismo eom que im)>unhani a sua 
auctoridnde em terras d'alem-niHr, diis ridículos com que evidenciavam 
ft sua personalidade, dos agiparatoN cariiavalcacos a que sujeitaram o 
deeoro da sua posiçSoV! 

Mas clles, como toda a gente, ?ilo irn-spon sáveis cm parte por 
essas demasias e por esses condcninadiis excessos, porque se a aurora- 
é um vinho de lu« que ae bebe jieW olhos, eoinO diz o poeta, a Africa 
í um pliiltro de fogo que circulando jMjr todas a« veias e por todas 
as artérias até ao cérebro, dá a ombriagiioK e a loucura, que servem 
de nttenuaute ao crime. 

Na Africa, á maneira ipie o sol sobe no horizonte, parece eomo 
diz iíufx tiyaV/ »« Uoe eu niêmt lemjm unt vupeur, une luui-dn-irrrssie 
ijul troith/e la ptnsh ■ Isto ó, quanto mais luz, quanto mais calor, 
qmintn niaiti vapor dagua, maior irritabilidade psychica. 



190 CABO VERDE 



As doenças mais communs cm Cabo Verde, são as febres pa- 
lustres, a sypliilis, a tuberculose e o rheuiuatismo. O scorbuto só ap- 
parece endemicamente nas ilhas salineiras, o que nâo pede averigua- 
ções, por serem ellas em tudo comparáveis a um navio de vela, em 
viagem longa, já desprovido de refrescos. Apresentam-se epidemias 
de coqueluche, de sarampo, e»carlatina e bexigas, geralmente beni- 
gnas; guardando porém esta ultima na opiniAo publica um rastilho in- 
delével do terror das suas tradições epidemicas, o que hoje nâo tem 
motivo de ser, attenta a grande generalisaçâo da vaccina e a facili- 
dade dos isolamentos. 

As febres intermittentes apparêcem em todas as ilhas, principal- 
mente no littoral ; mas onde ellas figuram em maior numero e mais 
accentuadas é em S. Thiago, principalmente na Praia, Pedra Badejo, 
etc, isto é, nas proximidades dos pântanos. Temos estado na Praia 
por varias vezes e em difterentes epochas do anno; vimos muitas fe- 
bres intermittentes leaes, desenhadas sinceramente pelos três periodos 
— frio, calor, suor — evidenciadas no tempo e na serie, por todas as suas 
foi-mas e modalidades, desd(* o typo intcrmittente quotidiano, até á 
complexidade das suas sobreposições em typos dobrados, á exagera- 
ção da sua linguagem nos casos perniciusos e aos i^ophismas das suas 
manifestações nas formulas annmalas e larvadat». ílsías febres sâo alli 
quasi sempre acompanhadas de um estado saburral e bilioso muito 
accentuado, o que leva a addicionar ao tratamentc» quininico o eva- 
cuante c o vomitivo. Os casos são gerainjcnto benignos, havendo ás 
vezes muitos atacados, mas sempre j^mcoa mortos a registar. Appare- 
cem em algumas febres a sudanima, a urticaria, o echzema e um 
erythema scarlatiniforme, que n'um caso grave era tão accentuado em 
torno do pescoço, que nos fez jM^nsar no typho cxanthematico. — Attri- 
buimos essas manifestações á eliminação dos saes de quinina pela pelle. 
As biliosas e as perniciosas na Praia, não são raras, ainda que 
|Hmco devastadoras, como iin>stram as rstaíisticas. As biliosas henm- 
turicas são rarissimas, aj)csMr do que se diz, por isso qu(» o vulgo 
i-imgloba n rssa classificação todos os casos febris em que ajiparece a 
hematúria (aliás observada em muitos apyreticos; e que não passa 



ASâDUPTOS HEDICOS 



quasi sempre de iim epijtheuomeno fiigaz e <lfistitui<lo de qualquer ím- 
■ portanci»; e os mfdlcoa as maÍK das vezos, tomam a iiuTem por Jono 
esquecendo-se que o uulphHto de quinina em allne ilozes dii n hemo- 
glubinuria ou hemospherinuria, o que explica, sem motivos a adraira- 
çileH, a frequência com que se t-uram esses doentes. 

Os saes >le quinina "ni gem] tcem uma indiscutivel supremacia 
no tratamento de todas as manifesta^íUea agudas relacionadas a<i im- 
paludismo, principalmente quando ellaa apresentam o caracter de ])e- 
riodicida'le, e isto quer esse caracter se revele pelos accessos da fe- 
iire, quer pelas eólicas seccaa e nevralgias «ra geral, quer mesmo, pelos 
mais variados symptomas relacionados até ao fluxo catamenial, como 
tivemos occnsilLu de observar. 

Os trabalhos mais recentes, |irovnndo i]ue a parasita do impalu- 
dismo perti'ncc nSo aos schyzoiíliytas nem ás algas, como pensaram 
Binz e Salisbitry, roas aos protozoários, extremamente sensíveis á acçSo 
dos preparados da quina; os estudos feitos sobre o próprio sangue 
mostrando que pela acç&o dos sa«a de quinina cessam os movimentos 
das fiar/dia» havendo uma verdadeira destruivJt'» dos lieinatozonrios, 
que passam a formas cadavéricas ; exidieam á sacicilade, a maneira 
como actuam esses saes, que apagam a febre e previdenceíam os ac- 
cesBOB, nito só pela sua Influencia sobre o syslema nervoso, sobre a 
eircutaçAo e sobre a tíbra lisa, mas por uma acçSo directa e enérgica 
sobre o próprio hematozoario. 

Entretanto em Cabo Verde, c sup))omos que era iodas aa nossas 
colónias, nilo só silo pouco usados os chlorliydratos neutro e básico de 
quinina, aquelles de maior <■ melhor acçSu pela sua riqueza om alca- 
lóide o pela sua solubilidade, mas dosprestigia-se em muito a suprema- 
cia geral d^esses saes pelo abuso, sendo habito inveterado o tomar-se 
quinino ad-lihitum, sem prescripçfio medica, c sob a fónna mais absur- 
da (como é o bolo formado com uma mortalha de cigarroi a qualquer 
rebate d'uni ineommodo do qualquer ordem, d'onde resulta ser fre- 
quente verse o medico obrigiido, quando chamado, n3o a empregal-os, 
mas a combater os seus i-ffeitos desastrosos, como vómitos, dyarrhea, 
pcrturhaçSes do encephalo, zumbido dos ouvidon e a própria cophose. 
A acçio propliylatica d'es6es saes, aliás apregoada por muitos prá- 
ticos e contestada por tantos outros, a nós nâo nos merece o menor 
credito, devido isto a factos múltiplos de observaçSo, corrolwrados 
pelas coiiclusiícs tiradas do estudo da sua própria acçilo pliysiologica. 
Asãim, aeudo us dozes diárias prescriptas com esse fim, gcralmeulc 



OABO VBBDE 



l)'"',2 H <>^'',3, nito »(> H sua diliiIçSii na masHa saugiiíuen seria mate <{iit; 
liomoepatliica, uiaa eã'ectiiHnd<i-«i- a âii» plimina^'&<i raj/idaiueutc, como 
pi'i)varu as cxpcrieiii,'!íis, tii-aria o sangui: pur longo tempo desprovido 
dcMse defensor, oujo |iapel aliás é todo relacionado ao hematozonrio 
t: nílo á urtiridadi' dos pliugitcyta», conin nssrvfra Lavcran. 

Aos exemplos, de tropfis, nxijluradorea c pomnic^riiantcs, poupa- 
do» eui regiiVs pg|iiatri-s jKtlo fairto df- iisiirt^ni a quinina como pr(!Ten- 
tivu, o]ipi^i|]-se outros exemplo» similares, em ipie indivíduos ou collec- 
çSes de indivíduos, teeni sido poupados cgiinlmcnto sem o uho d'e8Be 
prophylatico. Um regimen toiíicip ■■ procau^-òes liyginuie&s, hastam 
muitas vexes para produzirem » milagre; tanto mais, que aa eonclu- 
sfles a (pie cliegou Metclinieofl' de ipte os loucoiytos se apoderam nfto 
nA doB corpiisculoK inertes mas lamhom dns micróbios patliologii-os 
vivos, eumproviím a lei de |iallio|of;ia gi-ral, d;i dcfr^sa do orffanismo 
independente da acçAo de qualquer incdicanicnto, explii-ando lubal- 
mentf niiiil»s Taclos, innio cssrs, i|.- mua mira ixl.ii,-ílo du i-asunli- 
dade. 

Para náa, s&o esses sues o» autipyn'ticos por excelteiieia, contra 
as febres d'Africw; a sua liugiia^^em |i"rém como pMpbylalieos apenas 
tem a sif;iiilÍea^-3o de nm desagi'adavi'] tónico, ao qual preferimos em 
muito u» HTseuiaeaes, 

W preciso porém que st^- liquide bom ushc pimbi, ponpie ii atKr- 
niativa, a nosso ver errónea, d'o38a acção propliylutica, cstabol-cida 
como principio pelas nossaii dísposiçiTes otficiaes c aeceile com fatiatitstiio 
pelos nossos colonos, tem dado o continua a dar os mais pn-Judií-iioK 
resultados. O colono a quem asseveram com toda n segui-an^a qnc bva 
uo seu frasco de quinina, ás vezes falsitioado, uum j^arantia contra as 
febres, palavra que para cllc &yntlietisa lodos os liorrores d'AfrÍca, 
esteia-stí nViísi' argumento da prcvidemin oflicinl c jnlgando-se defen- 
dido, preoccupa-sf jmiico i'oni os arrefeci mon los, com o regimen ali- 
mentar, e com o ser morigcnido cm lodos os seus actos, iVondc rosulta 
a frequência de o vermos aconinietlido o pi-ostrado, ás vcsiea mal acaba 
do chegar. 

Dftem a esses (lomcns boa liygi.oi-, Ijom rcginnn, c i-m vez de 
ofl íllndin-m disendo-lhes ipie os gràos de quinina sfto balac que ate- 
morisam e p3em cm respeito o inimigo, esclareçam -os ensinando-lbes 
a láctica segura da defena. E* mwios tiímples de certo; mns tem a 
viuitn^m de ser muilo mais garantido. 

Torna-se de manifesta necessidade generalibar, niode uuia ma- 



iluíra (íonfiisa, desordenada e pvcteiicíosamente Hcientifica, dihk sul) a 
fi^lrnia ilc jiiulei^çi^Qs public&s adequadas & comprehensáo de todutt, c de 
tniballios litterarioB faieis de ooDiprar l- de digerir, iim grande numero 
dl' preceitua liygíeiíicos, clínicos o therapi'iitic<i8, referentes ás condi- 
{3os pcealiari^s da Africa; i- isto não sú par» o L-olmto e puj'a o povo 
propriumcnto dito, mus pnnt-Ípalint'nte pura esses leigo» i-m medii.'iiia 
e sábios pila oxpt^riencia, qm- praticam a iu-onselliaiu alli tanta as- 
neira, A sombra da impunidade. Assim é prt-ciso ipie os desgraçado» 
c os ignorantes saibam, que o i-liina da Africa iiilo exclue a possibili- 
dade de se tor todas as outras febres e toiíno as outras docn^'aH co- 
nbccidas no luundo. ^K ju-eciso qiio L'"íriprelietidam que os saee di- 
quinina sXu modicamontos enérgicos c rodemptorcs, mas que a suu 
acçSo dependia da opporluiiidadc, ila fórnui da applicaj-£<i, dii dú»e i< 
muitas veitc» das indica^-òus concomitantes. 

E' necessário convencel-os, qne excedendo certos iiniilo», ú ijuaii- 
litbwie maior nito corr<;sp<>nde resultado luaiur, e que antes pelo con- 
trario, os etfeitos mndnni de signal. Que as doses massiva» e as doses 
fraccionariam teem uma rasiUi de ser dependente diis eircuinstancias, 
jiodindo [Kir isso cnnheeiuientoa especiaes. 

Que esses saes nilo se podem tomar ás colheres uem ás iriuría- 
Uiai, |>or isHO que exceilcudo certus [imites, perturbam, irritam e com- 
plicam cm Vez lie apagar os males, a que sSo destinados a combater. 
Qne ii5o é imliffen-nte utilisal-os a qualqncj- hora, a qualquer dia, — 
durante, antes nu ilepois dos accessne. Que a cessaç&o da febi-e n&o 
exclue a neec&ij.idade do remédio, e tinalmcnte, que do abuso do qui- 
nino resultam verdaileira» intoxica ^'«Vs, eomo do aleool, da murphJna 
c do etber, n que nâo raras veaes sobrcveem iia myocardites, jw ne- 
phrites e tantae mitras lesões d'oiide pode resultitr a morte. 

Km Cabo Verde torna-se necessário disciplinar o tinthusiastno 
pela quinina, i; isto não sií com relaçSo aos doentes mas mesmo com 
relík^IUi a alguns médicos. N&i si- pode admittir que os diagnósticos 
se submettam s<-m preâmbulos ú rubrica do clima; tornando-sc ne- 
cessário que a medicina se exerça sempre coroo uma ecieneia e não 
como nma rotina subordinada As condii;'ie!i dominantes o As npparen- 
cíhs iidmisslvcís. 

A maneira pratica de providenciar contra as causas do impalu- 
dismo em Cabii Verde, rcsume-se na rigorosa prohÍbÍção em todas an 
■ ilhiiâ do uso das agnas da chuva estagnadas e nas drenagens dos pân- 
tanos permanentes, nSo só da puperficíe do solo, mas principalmente 



194 CABO VBBDE 



do 8ub-solo profundo. E isto quanto possivel subordinado á arbori- 
saçfto. Para alguns d^esses pântanos mesmo, parece que seria mais fá- 
cil e mais barato o systema das inundações de Lancisi que tão bons 
resultados deram também na HoUanda. 

Com relaçSo á prophylaxia contra as febres, indicaremos os prin- 
cipies geraes da hygiene, em que se devem sublinhar as vantagens do 
uso da flanella, dos banhos frios e do longo repouso pelo somno, ac- 
centuando os graves inconvenientes do abuso dos drásticos, dos laxan- 
tes c purgativos, esses meios de defeza habituaes. £ para o tratamento 
das febres finalmente, o emprego coherente dos saes de quinina, pa- 
ciente e completa convalescença, e a mudança do clima em todos os 
casos em que as manifestações agudas se approximem ou que os ata- 
ques do febre, apesar de distanciados, deixem no organismo este com- 
balido especial . . • que como que embala as esperanças, preparando 
tantas vezes o desespero. 

Ao impaludismo segue-se na importância a tuberculose e a sy- 
philis. 

A syphilis e as doenças venéreas campeiam altivas c despreoc- 
cupadas, havendo em S. Vicente cepas de todas as proveniências c 
enxertos de todas as qualidades. Na Praia transbordam dos bordeis c 
das praças publicas, enchendo o hospital e o quartel, e d*esses dois cen- 
tros principalmente, espalham os seus ramos e as suas sombras, com 
que se vae cobrindo a provincia inteira. A estatistica sobre o movi- 
mento hospitalar da Praia em 1887 prova que na enfermaria dos ho- 
mens foram tratados 217 casos, c na das nmlhcres 69 de doenças ve- 
nereo-syphiliticas, emquanto que no mesmo período e nas mesmas en- 
fermarias eram tratados 229 homens c 66 mulheres de /e6r(^ de todas 
as naturezas. 

De S. Vicente diz o delegado de saúde em seu relatório de maio 
de 1889: «actualmente existem no hospital 12 doentes, sendo 9 com 
cancix^s e boboes e 3 com blennorrhagia. » 

De Santo Antào, afiirmani os médicos ali destacados que a syphi- 
lis vae tomando um grande desenvolvimento, não descriminando nem 
classes nem profissões, isto decerto pelo seu convivio intimo com S. 
Vicente. Nos próprios campos, até hoje respeitados por essa phyllo- 
xera da espécie humana, já se sentem os estragos da sua visita como 
tivemos occasiào de observar no Fogo e frequentemente na clinica ru- 
ral da Brava. 

De forma que a syphilis evidentemente, tem lioje tima importan- 



fia rcaí e uma signitÍL-açJLo aiimerica, muito uutis eloquente do que tn- 
ãsi» aij liexigas e tnJas itâ biliosAs de que rezam as tl-adiçRes e de que 
tiinto sf; arreceia o espirito pubtiuo. 

Para aa ultimas, tuni-se feito sequestros, destacado medioo* e 
franqueado gratificares; para a primeira nada ee teju feito e liada te 
faz, DÍlo havendo uma inscripçilu séria de meretrizes, nem seqiior 
uma inspecçilo rigorosa áa mais deagraçadas e nienoa protegidas, uni* 
ras, que figuram non registos ottÍL-iacs. A syphilis porém em Cato 
Vurde tem um taracter de benignidade manifesto, sendo raras as lesiles 
naeeaB e rariaaimo meamo o tupar-at- a rupia ou quaeaquer outras ae- 
c-entuadas manifestações terveariaa. Seri isto devido á sua oxtrema 
diffuBibilidade como no Japão e na China; a attribiitos especiaíiaadus 
da raça como quer Berdier; ou á intiuejicia da diapliorese abundante, 
arvorada im emonctorio doa princípios especificamente nocivos ? Pa- 
rece-noa isso um assumpto sobre modo digno de ostudur-ae e resolver. 

A tuberculose vao ganliando terreuo dia a dia, e o relatório me- 
dico do nosso compatriota Joaquim E. Nobre sobre essa doença, â um 
quadro de verdades que uos pai-eee digno de ser subtrahido ari cs- 
queoiniento doa arebivos e lançado á publicidade. 

Ainda ha poucos annog era a tysica como que descunlt<;cida no 
arehipelago, chegando mesmo a ilha de í^auto Antfto e Fogo a serem 
indigitadas como dnma etficacía extrema paru o seu tratamento, lloje 
nilo ha illia em que idla nSo lígure, mais ou menos gencralisada; cm 
8. Vicente abunda e é aguçada nfto bi'i peias constipaçiíes alli frequen- 
tes, mas pela poeira do carvSo em suspensão no ar; na Brava « impoi<- 
tada [lelos baleeiros que regressam muttaa vezes atacados, e pelos es- 
pólios das suns victimas, uCilisados fanaticami-nte pelas lamilias com» 
n>liquias de saudade. 

NHo se liiz n menor desinfecçilo aos egpiitos, UÍo se estabelece 
uma rigorosa separaçAo com os doentes e assim se vae augmentando 
de mais em mais o numero dus casos, e da» famílias predestinadas. 

A idepbantiase é rara; o pidox-ptmetraos tem apparecldo isotada- 
nicutc como procedente manifestamente da Uuíni!-. mas não se tem 
proereado. A doença do somuo só appareee como productu de impor- 
ta^-3o, e as manifestações herpetjcas, l£<> eommuns aos climas quentes, 
sSo alli frequentes e diHiceis de diagnosticar, uttenla a coluraçSo da 
raça. O craw-craw è vulgar; consiste n'uma erupção vesieulo-pustu- 
tosa que faz lembrar a tinha, acompanhada de prurido ligeini, eoii- 
fluindo geralmente sobre o ante-braço e as costas da mão, 



196 CABO V^BDE 

NuB soldados «buDiUin aa feridas mis pés, devidas áe botas groe- 
buirás da ordotn, luxo et>sc a que <> indígena nSo está liabittiadu e qni' 
o obriga ft coxeiír nas luarctkaf- c a baixar df continuo aoe hospituof. 

Sob o [intito df vista cirúrgico, as feridas sSo em geral de uuiii 
eie;itrÍ8a<,-3o tacilíma, como succ{'de em todos «s <.'liiiius temperjidos: — 
coDiplica^ScK iiperaturias rammi^ntt! apparc-cem, a iiSo ser o tétano, 
somlo porém muito vulgar o trysmus dos recem-nascidos, principal- 
mente em 8. Nicolau, onde víctinm áa dezenas. 

A medicina indigona i fértil em réclame»i, em rezas e em ]>aníi- 
ccas mais ou menos iunocentce. Os curandeiros abundam. A arte ob.«- 
treetica é exercida geralmente por matronas ignorautissinias, sondo i\s 
[lartnrientts sujeitas cm algumas Iliias aos maiitjos, ás gymnasHLas 
e «os tratamentoa mais selvagens. Ha uma predilecção accentuada 
pelas aguas qiieutet- ; é uso inveterado o uujeitar-se a mSe, mesmo nas 
princípaes fainiliaN, a banhos perineacs quentes ilc inlusSo de palnia- 
cliriste; a li^giene, tanto do rrccm-nascido como da parturiente, é de 
todo em todo descurada, aendo raro encontrar-se uma primtpara sc- 
<iuer, que nSo tenha tieado maís ou meno:^ vexada do seu primeiro 
pai-to. 

Isto tudo que reprciieuta a summula du verdade, dando luua ideia 
d" muiCo que ha a fazer nJi província, mostra bem qual tem sido a in- 
fluencia dirigente nas varias qiiestííea medicas de Cabo Verde. 

E.' preciso que a influencia legal hc exer^'a d<' modo que a sua 
acçllo se traduza em benelicios c em factos positivos. E' preeibo que 
»c mude de systema. é preciso que se corrijam oa defeitos givvissíious 
da saiudode marítima um todas as ilhas, que se contribua n minorar o» 
soffrimentos dos que ii&o sabem protestar, que se illumiiie o trilho por 
onde hto de caminhar os doentes, se as aguas mineraee foi-em efecti- 
vamente benéficas; que se estabeleçam os alicerces onde ],m de atscu- 
tar hospitaes adequados, e que se organise esse sanatório indisponsavel 
hoje, onde se possa abrigar toda essa multid&o fustigada pelos cliuian 
inbospitos da America c das costas oecidentaes da Afiicii, que tendo 
forçosamente de [lassar em caminho para a EtU'opa, por esta anti-ca- 
mara desconfortável a que acabamos de relerlr-nos, ní» eunsegue hoje. 
nem a peso de ouro, alcan^M* um leito confortável, onde possa des- 
cnn^r os meinbros lassos c r<^animar as forças exhaustaa. 



Administração, dialectos, usos e costumes 



Cabo Verde, como todas as demais províncias ultramarinas, Tes- 
te-se com as roupagens apparatosas da nossa hysterica administmcào 
colonial, exhibindo por todas as ilhas como uma expressão caracteris- 
tica e ridicula, a semsaboria da rotina, das praxes consagradas e das 
formulas officiaes. 

Tem por chefe da sua administração um governador erguido á 
dignidade de general, que reúne as attribuiçooft civis e militares e a 
m.ixima jurisdicçâo sol)re todo o território. 

A esse governador, segue-se em hierarchia um secnítario geral 
que o auxilia em tudo e o substitue em caso de ausência. 

Estes secretários representam um mixto de condestavel do roin<» 
e de mordomo de casa rica ; condestavel para as grandes solemnida- 
des, mordome» para as festas (í i>ara o expediente do serviço. Sào os 
verdadeiros pedestaes da administração publica ; são elles geralmente 
que sustentiim o peso e dão realce aos govíTuadores, apesar de só 
ganharem um teryo do quo ganham esses e de em Cabo Verde não 
gozarem das regalias de j)odercm fugir ás febres. Muitas d'essas en- 
tidades provam ás vezes |K>r um hirgo tirocinio a maior competência 
para dirigir os negócios: entretanto, «'• raro V(»l-os pnmiovidos defini- 
tivamente ao commando, o que aliás não espanta a ninguém que co- 
nhece a Africa, por saber toda a gente que os rendosos cargos do 
Ultramar, raramente encontram por base, a lógica das competências 
mas sim o critério arbitrário do favoritismo. 

Junto a casses funccionarios que são os agentes do poder execu- 
tivo, coexistem difterentes agrupamentos, de que uns são simples- 
mente consultivos, outros deliberativos e outros com o exclusivo das 
attribuiçoes judiciarias. 



CABO VKBDK 



Entre os primeiros citaremoB o conselho do Governo, espécie de 
I juntA consultiva do Ultramar, cujo parecer é requisitado em todae ns 
] ilelibera^ScH importantes da admínistraçSo. Este conselho é compostn 
lie 10 niembros: Governador presidente, o see.rétario gural, o bispo, 
J o juiz á>- direito de Sotavento, ob dois ofíiciaes de graduação superior 
l.&a capital, o |)r<K'urador da eoròa, o inspector de fazenda, o presi 
< dente da Junta de »audc e o presidente da camará municipal da Praia. 
A esta corporayKo que representa como que o primeira grau do 
I pinler, segue-se o conselho da provincia, que corresponde aos conse- 
lhos de distriuto no reino. 

E um tribunal de ordem administrativa, composto pelo govemii- 
dor geral, secretario geral, delegado (como procurador do fisco), e 
I mais dois membros escolhidos pelo governador de uma lista de seis 
apontados jfela eamarn municipal. A sua influencia estendcse a todns 
■>s desuccordos quo sobrevêm com rclaySn aos actos administrativos, 
iissim como A jurL9dici;ilo do inspector de tnzi-nda hoje (depois da re- 
forma effectuada pelo sr. Barros Gomes), competem todas as opera- 
çSea íinanceiras, tiscalisaçSo o percepção dos impostos, o regulamen- 
tar a sua dlstribulçilo e fornmlnr os orçamentos. 

Em tomo dessas unidades de primeira grandeza, agrupam-se .is 
cnncoUiOB ou municipalidades compreheudendo menor ou maior numero 
de freguesias. 

A' testa de cada coucelho figura um administrador de nomeação 
governamental e uma camará municipal composta de .n oii 7 menibru» 
devidos ao escrutínio eleitoral. 

A provincia de Cabii Verde está boje dividida em 11 concelhos, 
comprehendendn 21 frcguezias, distribuídas do seguinte modo: S. 
Thiagii, 2 concelhos e h fregiiezías; Fogo, I concelho e 4 frcpiie- 
zias; Brava, 1 coneclhu e 'J fregueaias; Maio, 1 eoncellio e 1 fregue- 
/.ia; Boa Vinta, 1 concelho e 3 freguesias; Sal, 1 concelho c 1 fre- 
guezia; S. Nicolau, I concelho e 2 freguezías; S. Vicente, 1 concelho 
6 1 freguezia; Santo Antllo, 2 concelhos e S freguezias. 

Quanto a iirgnníaaçSo judicial, coroprehcnde ella duas coman-as 
(de Baríaveuto e de Sotavento) a primeira com a sede em Santo An- 
tilo a segunda na Fr&ia. 

I.*ada uma d'essaâ comarcas é presidida por um jnií: de direiht 
tendo por annexo nm delegado, aos ijunes se acham subordinados tndii 
uma immenxa cohortc de aubdclegadoH e de juizes eleitos, de paz m 
de diUcniiten eathegoriu», entre oh quiie» jiredoniinauí os ordinanuB, 



ADMmiaTRAÇilO, DIALECTOS, DSOS E COSTUMES 



representantea irrÍBoríos da magistratura cm todus us julgados das 
demais ilh»a. 

Estft (irganisay.lo, além das eunflagra^-tleB que arrasta pela abso- 
luta ignoraiK'ia dfis juízos 8ubi»rdinadnB, na maior parte analpliabetos 
(■ servindo a Ji/rtiori por nâo tcrom nrdenados, apresenta o grande 
delVito de obrigar as partos em todas as questfles quo excedem a al- 
çada do:i juizes ordinários (que aliás c limitadissima), ás despesas 
avultadas de viagons longas, c d'ahi á morosidade e saerifieios pelas 
causas mais simples, o que não só prejudica oa interesses geraes mas 
a boa administraçto da justi^-a. 

Politicamente, a provineia ò representada por dois deputados elei- 
tos pelos eirculos de Barlavento e Sotavento, em que se acha actual- 
mente dividida. Nfto se pode lixar precisamente o numero doa eleito- 
res de cada circulo, porque a sua cifra sobe de anno para anno au 
sopro fias conveniências d" rocnitamentn, orientadas maia ou menoa 
peto zelo prevideneial da auctoridade administrativa. 

E tem maia, como peças auxiliares dVase raechanlsmo eomplica- 
diflsimo, uma secretaria geral saturada de empregados a páreos red- 
ditos, uma repartiçSo do fazenda a regorgitar de pessoal, uma secçSo 
militar representada por um cliefe de seeçJo com gerência sobre fí a 
10 oflíciaes e 200 praças de pret, distribuídas por duas companhias de 
policia, de qne a primeira reside na Praia o a segunda em S. Vicente. 
Tem uma sec^-fto teebnica do obras publicas que segundo a lei orgâ- 
nica deveria eompor-se de nove personalidades ao todo, mas que ge- 
ralmente cora]irehende maior numero; tem a cndlecçilo religiosa for- 
mada por um cabido de seis cónegos, encimada por um bÍ6|>o subor- 
dinando difTerentes padres, dispersos pelas 29 freguezias em que ella 
é dividida, c tem finalmente a desconsiderada corporação de saúde que 
ge^undo a loi deveria corapor-se de 6 módicos de 1.' classe e 5 de 2.*, 
onde faltam lioje facultativos e abimdam pharmaceuticos e onde pui- 
lulam concsias de reformados, como precisaremos particular c especial- 
mente em capítulo exclusivo. Isto como traços geraesda organisaçfto. 
Mas cm cada ilha existe mais ura conjuncto de entidades, subordina- 
das a um administrador de concelho com prerogativas de commandanto 
militíir, e que se enumera por camarás mnnicipaes, juntas de paro- 
chia, jaizes de todas as cathegtirius, menos de direito, alfandegas, 
subdelegados, auctoridades marítimas, médicos, pharmaceuticos, pa< 
n:icboB, escrivães de fazenda, directores de correio, professores e todo 
o grande numero de pequenos pívoU que completam a montagem d'esae 



CABO VERDB 



L-ompl içado apparettiH dii nus^ii íidminís trarão colonial cm Ioda n parte. 
E comtiido, a provincia de Cabo Verde, immcrsa de mais em mais 
uVssa inunda^So biirucratíca quo assombra, conviiUioiía-so na maie 
palpável i- IarneTiti>8a neccasidado do >irgnnisa^-iia, dv- ordiíui, de jus- 
tiça, c do garantais ! 

A sua hygioiíc é ileíicurmla, a nua juati^-a não passa d'uma des- 
coDceltuada comedia e a sua rctigjílij d')seaÍndo do my^^ticíiimo na in- 
difforença, vac arrHslando comsígo essas ideias presligiosaa <\xic iUu- 
minando d'alCo as mullidõcs, davam relevo ^ vidh a mil crenças con- 
soladoras. 

E os eotifeellios do goverim, ofi fonsrllios de provincia e os decan- 
tados inspeclores de fazenda, para que si-rvemí' <ierahnenle e com 
manifesta degradação própria para sanccíonarem tudo servilmente quan- 
do 08 governmlures são rispidos ou quand>> com fllew se vivo em ami- 
gáveis relaçSes por convenieneia ou por symj<atliia; c nos chboh oxee- 
pcionaes de adveraSo ou lucta politica estabelecida, d'um obstruccio- 
nismu e oppofiiçãn s^stemntica a tudo que soja da iniciativa ou possa 
ser agradável ao governo, e isto nân só com graves prejuízos ao pro- 
gresso da eolonia, mas eom evidente desprestigio para o principio da 
auetoridade. No nosso entender, os governadores para deliberarem 
nSo devem pret-issr dVsses pequenos conclaves cheios de exigenciaa, 
e preuccnpados mais ou menos da sua importmieia banal. Porá escla- 
recimentos deverão bnstar-lhes os das repartiçflcs competentes a dos 
chefes dos respectivos serviços, cabendo a elles o esludar e deliberar 
por si na máxima liberdade, para que tcnbam a resjionsabilidade ab- 
í-o1uta e completa dos seus actoe. 

A hygiene è completamente descurada em Caljo Verde, e í pre- 
ciso que se diga, esta palavra nJo representa no repertório local ee- 
nlo uma noia posta pelos médicos A margem dos vandalismos com- 
mettidos petos povos, ou a rubrica indicativa de protesto eom que a 
scieneia, ás vezes, se levanta contra algumas posturas camarárias. £ 
n'()stc ponto ha raras cscopçSes a especialisar, por isso que se vê quasi 
todas as villas como todas as aldeias, eircumdadas por montunis lan- 
hados aã liòitiim, sorpemlas por ruas regularmente eonstruidas mas 
negligentemente tratadas, e se os jiatrícios habitam casas cm eundi- 
çííes satisfatórias do accici c accumula5,Tao, o povo cm geral agrupa-BO 
numa promiscuidade coudeiunnvcl, em casebres detieientes do luZ| 
dcHcientes de ar e superabundantes de calor, 

Vivc-sc obrigatoriamente rodeado por iramundieios, respirando aa 



ADUINISTKA^AO, DIALKCTOS, DSOS U COSTUMES 



emAnaçSea mephiticas das podridSea alheias, fitando a cada passo, 
como bandeirolas esfurrapadas do desleixo municipal, oa trapoe e o 
lixo dtí lima população que se espliaccla. 

N3o ha preceito algum sanitário seriamente respeitado na hy- 
giene publica: tis ruas em geral nAo s&o calcetadas nem são varridas, 
as plantiis purtiisitas que as cobrem não são mondadas o pportun amento, 
as habita^í^es são constrtiidtis em quaai todus, sem alinbamentos, sem 
luz e sem ventilação; i>s dejectos dcrramam-se por todii a parte, o 
lixo invade tudo, c oB porcos, com a intimldiide de nmigos, revolvem 
OH segredos pútridos dos quintaes, resonando ás vezes sob leitos mi- 
seráveis, onde creancinhas dormem e parturientes agonísam na atmos- 
phera perfumada de ebiqoeirns. 

A falta do consideração pelos vivos, conduz naturalmente á falta 
de respeito pelos mortos. Assim os cemitérios que teem geralmente 
amplitude c que são murados, nS" tcem as covas rigorosamente nume- 
radas, d'onde resulta que as prescripçSea legaes sobre a inviolabili- 
dade dag sepulturas Seam sujeitas ás reminiscências e ás phantasiaa 
de ura coveiro. 

As priínfles, essas, na maioria são irapossiveis de descrever, por- 
que ha quadros tão sombrios e tâo povoados de horror que amedron- 
tam o espirito o paralysam a penua. São antros! Tudo quanto ao 

pôde imaginar de mais sujo, de mais húmido e mais torpe, de uma 
canstnicçSo inquisiloríal, onde os corpos se defínham e a malvadez ae 
espande. 

As próprias arvores sâo victimas do egoismo bárbaro e da eel- 
vageria irreverente, enjelhando-se as das povoaçSes á mingua de re- 
gas sob a acção destruidora dos auimaes domésticos e do rapazío in- 
frene, emquanto as dos campos deixam como marcos milliarioa á ver- 
gonha publica, troncos espliacellados pelo machado, que sorvem ainda 
assim ao descauço doa transeuntes, como uma suprema ironia e mani- 
fealação suprema da sua utilidade sem limites. E assim succede, por- 
que essas companheiras bcmfazcjas do homem, que lhe estendem os 
braços aos seus brinquedos em creança, que lhe protegem as fadigas 
com as siuis sombras, que drenam os terrenos com suas raízes, ozo- 
uifieam a ntmospbcra com as euat* fothns, poetisando a vida com a 
sua alegria; vstittn individualidades veneráveis cm Ioda a parle, aqui 
de uma signilícação it-demptora, são impunemente arrasadas e quei- 
madas eomo martyre^, aeui que se levante um protest , sem um 

castigo.. . sem que a ningiuiu lhe dóa o coração II 



202 CABO VERDE 



O 



O povo de Cabo Verde é dócil, é intelHgente e socegado, sub- 
misso ás leis, indolente e da maior descrença politica que se pode ima* 
ginar. — E pouco dado á agricultura, cujos duros trabalhos sâo geral- 
mente mal remunerados, cntreg^indo se fanaticamente ao commercio 
e á navegação. 

A mansidão e a bondade do seu caracter é manifesta. 

Os costunaes sâo relativamente excellentes, podendo dizer-se que 
é um povo isento de crimes, frouxo na virtude e perro na emulaç&o. 

Os homicidios sfto raríssimos, o suicidio é t2o excepcional que se 
toma objecto do maior pasmo. 

Os attentados contra o pudor são frequentes, mas quasi sempre 
devidos a diplomáticas promessas de casamento. 

A crença em feitiços e em almas do outro-mundo e em milagres 
é vulgar, principalmente na ilha Brava, onde chega a constituir um 
motivo serio a desavenças e querellas, dando margem ao mais inte- 
ressante estudo, pelas suas emaranhadas influencias na quasi totali- 
dade das questSes locacs. 

A alimentaçfto popular é variável nas difi^crentes ilhas, tendo em 
todas como base fundamental o milho. Nas ilhas agricolas porém, es- 
teia-se ella principalmente nos productos agricultados, emquanto que 
nas ilhas seccas se reforça com o peixe fresco e salgado e pela carne 
de cabra c pela chacina. 

O café é a bebida indispensável cm todas as refeições, sendo 
ainda muito usada em algumas ilhas a iiguardente, apesar da bara- 
teza dos vinhos n^estes últimos tempos ter concorrido sensivelmente a 
modificar esse habito, tâo pronunciado outr'ora c tão altamente no- 
civo á saúde e aos costumes públicos. 

O povo veste se simples e decentemente em geral, e em muito . 
mais correlação com o clima do que as classes superiores. 

Os homens do campo uzani calças e jaquetiis de rutiso (ameri- 
cano), camisa d^algodão crii, geralmente sem collett s, descalços e com 
chapéus de palha da Brava ou fabricados por elles mesmos. Os das 
povoações usam quasi todos fatos de easemira barata, sendo vulgar 
nas cidades e na Brava o ver-se, principalmente nas grandes festivi- 



ADMINISTKÂÇZO, DIALECTOS, USOS E COSTUMES 205 



dades, indígenas galhardamente vestidos a panno preto e de cadeias 
luzentes. 

As mulheres, estas, vcstem-se de camisas decotadas mais ou me- 
nos enfeitadas de rendas, saias de zuarte' ow de chita, e lenços de al- 
godão ou de seda, do cores vivas, dispostos em algumas ilhas com 
muita arte, em forma de toucado á alsaciana. 

As creanyas em tenra idad<í andam mias, e quando mais cresci- 
das apresentam-sc geralmente com simples camisas de chita. 

Nas grandes festas religiosas, as mulheres /a/Aam-íc, adornando 
as orelhas com brincos, o pescoço e os braços com coUares e pulsei- 
ras espectaculosamente falsas; envolvendo o tronco com chailes ou 
pannos fabricados no paiz, os quaes sào cingidos com uma elegância 
caracteristica ou sobraçados despreoccupadamente com um grande ar 
de madona. 

Esses vestuários sào geralmente tintos em anil e em hervas ads- 
tringentes, por um processo tào rudimentar que ficam exhalando um 
cheiro insupportavel, nocivo á saúde e altamente sufFocador nas gran- 
des agglomeraç<5es. 

Os homens do povo sào feios, nào teem garbo, elegância, nem dis- 
tincçSo no porte, ao contrario das mulheres, que apresentam nâo ra- 
ras vezes feições regulares e uma morbidez do olhar verdadeiramente 
lasciva e impressionadora. 

8So sérias quando casadas, e sempre óptimas mães. 

O infanticidio é quasi desconhecido. 

Como dissemos a prostituição livre e manifesta, só existe na Praia 
e em S. Vicente, sendo isto um motivo a sérias contrariedades para 
o forasteiro, apesar do muito que é costume gabarem-se alguns das 
suas conquistas e proezas. 

As habitações ruraes e as de todas as grandes povoações mesmo 
(á excepção da Praia, S. Vicente, Brava, Maria Pia o Sal), sào na 
maioria mal construidas a pedra e barro, sem estabilidade e sem arte 
e cobertas de palha. Sendo de mencionar-se, como censura merecida, 
as da Ribeira Brava em S. Nicolau, onde todos os aimos pelas chuvas 
cahem dezenas d* essas palhoças o que dá azo a lamurias ridículas, 
continuando invariavelmente a serem reconstruídas do mesmo modo, 
na faina invariável d' um verdadeiro destino de Sysipho. 

Os pesos e as medidas ainda hoje usadas sSo os mais antiquados 
nas differentes ilhas, servindo tanto a multiplicidade de unidades a 
que se subordinam como a sua complicada technologia nSo só a faci- 



206 



CABO VERDE 



litar í) logro e a coin])licar as transacçoí^s em todo o arcliipelago, mas 
ainda a tornar in(»xoquivrl de todo, aadopyíio do svistcma métrico, 
como de lia muito se acha decretado, sem qiu* |»rcviament(» se tenham 
vulgarisado talxíllas de rediieyocs e srm que a auetoridade t<»nie a 
seu cargo o esclarecer nos j)rimeiros temi)os as relnetancias do indí- 
gena e proteger a sua ignorância contra a f<*bn* da cspeciila<;ào do 
commercio. 

Com o intuito d<í promover essa vulgarisacao apresentamos a ta- 
beliã que se segue, onde se mostram rigorosamente comparados as 
medidas e os pesos espeeiaes de archipelago com os seus correspon- 
dentes do systema métrico, tabeliã em que se aceentua bem a diver- 
sidade apontada, podendo servir egualmente de seguro apoií», por isso 
que representa um dos muitos valiosos trabalhos do sr. J. V. Botelho 
da Costa, a quem teremos muitas vezes de nos referir como persona- 
lidade auctorisada e mui ti) conhecedora da provincia. 

Tabeliã das medidas o pesos espeeiaes do arrhipelago de Cabo Verde 
fomparados com os seus rorrespondenles do systema metriro 



Designação das medidas e peso& e suas divisões 



(T. 'ti 

TO O 






c 

3 
'A 

O 
ti, 

c 

&. 

o 

'/) 

CD 

O 
P5 



Correspondência 

no 
>v.Mema métrico 



Ilhas 
onde são usados 



Lan<;n tem 2 hrnros ou 4 varas Mclruis i,4 

Lan<;n tem 3 varas ! « ií,i^ 

Jarda tem 4 pahnOvS. »> 0,8S 

P<^ tem 12 pollegados iiií^lezas >• 0,:{()4 



Diversas 

S. Nicolau 

Em lodns 



Al((ueire tem 4 (fuarlas ou 10 oin^^as, ou 
900 lan<;as cfuad radas 

Quarta tem 4 ouras ou 2i0 lambas i|uad ra- 
das ' 

On(;a tem <*»() lan<;as (fuadradas 

Al<(ueire tem 4 <|uarlas ou 10 ouras, ou 
840 Iam as (|uad radas j » 

Quarla teín 4 oix^as ou 210 lan»;as «|uadra-| 
das I » 

On<;a tem 25,5 lanços quadradas. j »» 

l^n<;a tem 4 hraras (|uad radas 1 » 

Alqueire tem 4 quartas ou 10 ouras, ouj 
14:4<)0 varas (|uadradas i » 

Quarla tem 4 oii<;as ou 3:()00 varas (|ua- 
dradus 

Onça tem í)00 varas quadradas 

Vara tem 

Casal tem 2(X) lanças quadradas 

Lança tem 9 varas quadradas 



Are:, 185,850 Sul do Fogo 



40,4r:4 
11,010 






1(;2,024 N." do Fogo 



4O,()50 
10,10^ 
0,1930 

I74,2i 






I'^)í:o 
Hrava 



n 



43, 5(; 
10,89 

0,0121 
21,78 S. Nicolau 

(^108!> 






ADMINISTRA.çZo, DIALECTOS, USOS U CiOSTUUES 



207 



Designação das medidas e pesos e suas divisões 



G>rrespondencia 

no 
systenia métrico 



Ilhas 
onde sio usados 



Q) 0) S 

QS'V <o 

'o*S «o 

SSg. 



Moio lem 60 alqueires 

Alaueire tem 4 quorlas ou 2:0(K) pollega- 

aos cubicas 

Quarta tem 500 pollegadas cubicas 

Meio quarta tem 250 pollegadas cubicas.. 
Barrica lem 3 alqueires 

Galão tem 

Frosco tem 3 e meio garrafos 

Frasco tem 3 garrafas 

Folha tem 1 e meia garrafa 

Garrafa tem meia canada 

Coixla tem 128 pés inglezes cúbicos 

Corda tem 125 pés inglezes cúbicos 

Pedro tem 3 arráteis) l 

Libra da terra tem 1 > Para pesar aIgodâo< 

e meio arrátel ] ( 

Libra 1 arrátel 



Litros 2495,58 






41,593 

10,398 

5,199 

124,779 



Em todas 



o 



(A 
O qp O 



ai 

^ 0.0) 



Litros 3,7 
» 2.45 
» 2,1 
» 1,05 
» 0,7 



Barlavento 

S. Thiago 

Brava 

n 

Em todas 



Steres 3,62432 
» 3,539375 



Diversos 
Boa Vista 



(A 
O 
(A 

CU 



Kilog. 1,377 



» 

» 



0,688 
0,459 



Boa Vista 

Fogo 
Em todas 



N. B. Os demais pesos e medidas usados são os antigos de Lisboa. 
Nas ilhas não mencionadas na tabeliã, ou não ha medidas especiaes 
de superfície, ou esta se mede por lanças ou braças. 



A religiSo é acatada até ás praticas da superstição e do fanatismo. 

Toda a popuIaçSo é nominalmente catholica, apostólica e roma- 
na^ exceptuando a pequena colónia hebrea que deve exceder hoje a 
mais de duzentos exemplares. 

As festas religiosas sSo concorridas, exhibindo-se manifestamente, 
em muitas ilhas, formulas barbaras da selvageria, principalmente nos 
enterros e nos oi&cios mortuários. 

NSo ha nada mais exagerado e menos respeitoso, do que as gul- 
zas, as carpideiras e as pandegas, que ainda se fazem n'a]gumas ilhas 
á sombra e a pretexto da morte e dos sentimentos da saudade. 

Mesmo nas famílias princlpaes, as praticas do lucto tomam pro- 
porç3es tâo exageradas, que chegam a ser motivo de doença, e uma 
verdadeira irrisSo para toda a gente. 

O povo em geral prescinde dos soccorros médicos ; morre á min- 

27 






208 CABO VERDE 



gua de caldos, contanto que o enterro seja feito com a máxima pompa. 
E' usual mandar-se chamar o padre nos transes aíHictivos da doença, 
antes de se mandar chamar o medico. 

O padre era d^antes tido como uma verdadeira divindade ; hoje é 
apenas um symbolo dos hábitos e das tradições apagadas. • • 

A vida do povo de Cabo Verde como commodidade pois, revela- 
se no grande heroismo da sua resignação: soífre, trabalha e cala se. 
Politicamente, pela descrença absoluta nos que dirigem o seu des- 
tino ; socialmente pela dedicação exagerada por infortúnio de irm!U)s, 
e na ordem moral, por um mysticísmo religioso a que a devassidão 
de alguns padres e a laxidão dos costumes, tem feito perder a pouco 
e pouco o prestigio reverente dos fanatismos respeitáveis. 

A linguagem usada nas differentes ilhas é variável para cada uma 
d'ellas, conservando entretanto um fundo de parentesco próximo, que 
toma fácil o interpretar a todas, desde o momento que se saiba bem 
o creoulo de qualquer das ilhas. 

E' na verdade, como aíBrma Lopes de Lima, uma algaravia mes- 
tiça de termos africanos e portuguezes, misturados a palavras mais ou 
menos estropiadas de idiomas estranhos, trazidas de certo pelo conví- 
vio da navegação. 

E' um dialecto dissonante, cheio de exclamações e dyssillabos, 
servindo de instrumento a ideias imperfeitas, a juizos ellipticos, cor- 
respondentes a raciocinios curtos, versando sobre uma restricta ordem 
de impressões. 

Esta linguagem modiíica-se ainda na mesma ilha segundo as pes- 
soas que a faliam; assim a posição social, a educação, os hábitos, etc, 
etc, influem de tal modo sobre a tonalidade e a correcção do creoulo, 
que se toma fácil á primeira vista, o aperccber-se da gerarchia d'a- 
quelles que o faliam. Encontra-se porém, mesmo no povo, algumas 
pessoas rudes, que se exprimem com uma elegância c facilidade ver- 
dadeiramente admiráveis. Sabem tirar partido engenhosamente de 
uma língua tão ingrata, compondo anecdotas picantes de interesse e 
colorido; improvisam canções impressionistas, nas quaes a verdade 
das imagens e as circumlocuçues supprem a deficiência dos termos, 
dando ás vezes um relevo extranlio ás ideias que pretendem suggerir. 

Os dialectos creoulos, tanto de Cabo Verde como da Guiné, teem 
merecido ultimamente uma attenção especial da parte dos philologis- 
tas e estudiosos reconhecidamente distinctos do nosso paiz ; assim, en- 



ADMINISTRAÇZO, DULECT08, USOS B COSTUMES 209 

contram-se sobre elles, a partir de 1880, nos Boletins da Sociedade 
de Geographia de Lisboa, trabalhos importantíssimos do sr. Adolpho 
Coelho, do dr. Custodio Duarte, Botelho da Costa e António de Paula 
Brito. 

Todos estes trabalhos que representam um demorado estudo e 
uma paciente investigação doesse patois indigena, visam a coordenar 
os elementos e a demonstrar a possibilidade da formação de uma 
grammatica regulamentar d'este dialecto. 

Temos lido e ouvido controvérsias e opiniões difFerentes sobre 
essa possibilidade, mas nós que não somos philologos, limitamo-nos, 
baseados na diversidade de origens apontadas, a considerar o dialecto 
creoulo como uma verdadeira Babel, e a architectura da sua gramma- 
tica como uma obra a proporções Vdapuk^ supérflua e desnecessária, 
por entendermos essa linguagem condemnada tanto pelo critério poli- 
tico como pelo critério civilisador de Cabo Verde. 



Constituição geológica — Flora e fauna 



o archipelago, distanciado 465 kilomctros do Cabo Verde, no 
continente africano, parece dever o seu nome a uma irónica anti- 
phrasc; por isso que nSo só ó cm extremo árida o pardacenta a ap" 
parencia exterior de todas as ilhas, mas como que confrange o coração 
o seu desolado aspecto, fazendo lembrar desde logo, áquclles que as 
avistam do mar, a fatidica e condemnadora inscripySLo iirmada por 
Dante nos umbraes do inferno. 

Ao contrario porém do que succode á maior parte das elegan- 
tes, em quem o vestuário e as apparcncias enfeitam a magreza esque< 
letica, escondendo defeitos que se vedam, estas ilhas tSo nuas e re- 
pellentes á vista, contem pelo contrario, no seu seio, paisagens de- 
liciosas, panoramas deslumbrantes, e n^esse conjuncto severo que 
resalta do escabroso aspecto das suas ravinas, da desolação das suas 
fragoas, do escalvado das suas rochas e da altura terrificante das 
suas montanhas, esse cunho do grandioso e imponente que caracte- 
risa as formaçSes vulcânicas, alli como que accentuado a fogo, n'essas 
mil minarias basalticas que se antolham por toda a parte, suspensas 
como espectros fabulosos, sobre abysmos que fascinam e profundezas 
que amedrontam. 

As diflferentes ilhas que o constituem acham-se dispostas irregu- 
larmente nos mappas em uma grande curva de 500:000 metros appro- 
ximados, curva cuja convexidade olha o continente africano, come- 
çada a NW. pelas de Santo Antão, S. Vicente e S. Nicolau, a que 
se seguem Sal e Boa- Vista, que constituem o centro do hemicyelo ao 
E., o qual ó completado a SW. pelas de Fogo e Brava, postadas na 
sua extremidade meridional. 

ReclÚB, attendendo á grande profundidade (4:000 metros) dos 



ZIZ CABO VEBDE 

■ares que as separam do continente d' Africa, dSo as considera como 
ma dependência d'eete, parecendo, segundo as affirmativai^ mais aii- 
donswUs, ser a sua forma^^o d'mn período bastante anterior áquellc 
íq anJiipelago das Canárias e dos Açores. 

Exietem em muitas dVIIas crateras o rochas cruptlvaí«, encon- 
traodo-se cm algumas também roclias crystallinas, graníticas, etc, 
alo sendo mesmo raro, cm certas regjSos, o deparar-se com bellos 
Mármores metamorphicoa e rochas sedimentares. A Ilha do Maio, 
p«r exemplo, é rica em terrenos nSo vulcânicos, servindo este l»'to, 
M^^nodo Reclos, de argumento ponderoso á hypothese da antiga 
Atlântida, em cujo sepulchro representariam hoje essas ilhas verda- 
itina cornijas. 

O e)>(|iieIeto geral do archlpelago é uma massa basáltica a que 
H tobrepi^cm cammlas das suas diversas variedades compactas na male 
cifrábofta diversidade de proporçctes e texturas. Os elementos geo- 
(';ip<;<M <iw predominam na composição dos sciis enormes rochedos, 
«trj 'I ImuuIio, a trachyte e lavas d'elles derivadas, leitos de escorias, 
abemaiMlv cem lavas de contextura unida e em algims pontos com 
ImIuu d'argíla ocroeas vermelhãa. 

O Mti Kolo, sob o ponto de insta agrícola, é arenoso e rico em 
mittn, IM> Hal, Hoa- Vista e Maio ; argiloso, calcareo e volcaníco no 
yi^i « H«Dlo AntSo; revestido por uma espessa camada de húmus 
«Hl H. TliiaKo, Hravn c ['^ogo, condiçííes essas qne, conjugando-ae At 
Ait^rfuO» fispomi^Hes c altitudes das terras cultivadas, explicam a 
vM/ft^M^ )|« |triiduc^-8us, a riqueza e a fecundidade dos mesmos ter- 



4 imM Htfrm itiu tiim lido tAo cabalmente estudada como a doa 

iM Míd^i^attnN «llaiilIcMii ; entretanto, encontra-se sobre etla pre- 

iMi Uiii»vfiiia WM trabalhos do dr. Hopffer e nos relatórios dos 

■ ■ Ni ('(•itii nerviço. Está longe de cxhibir os es- 

>ri>|iirNl, ma» deixa vir porém, respirando o 

' \niUi infsmo sol, exemplares de quasi todo* 

iMiiH", 'ijif^Nir do nXo haver um único hlbemacnla ou 

ÉiV|WVC«Ja •• wclluatv. 



COnaTITDIÇAO GEOLÓGICA— FLOHA E VAVSA 



213 



Muitas arvores de fVucta, plsntae medicinacs e varias eepccies 
de importação rocente teeni vingado, principalmente nos planos altos 
de Santo Antío, Fogo u Brava. 

O seu typo de vegetaçilo porém, é essencialmente idêntico ao das 
suas irmSs do Atlântico (approximando-se portanto acjnelle das zoiíaa 
temperadas), o que faz com que ellas também par''ÇAm cumo que des- 
locadas para o N. sob este ponto de visto, oflerecendo pela sua flora 
um aspecto mais septcntrional do que seria de esperar pela sua lati- 
tude. . 

A maioria dos exemplares lioje existentes tem sído importados 
do continente africano, tigurando porém ao lado d'eetes um grande 
numero de plantas provenientes das Canárias, da Europa e mesmo 
da America. 

Seria um reconhecido serviço o divulgar aqui os nomes e os 
usos de todas essas plantas, como de todos os animaes que habitam 
hoje o are hipe lago ; mas nâo o fazemos, collocaodo os termos botâni- 
cos e zoológicos ao lado de todos os nomes %'ulgftres com que s3o co- 
nhecidos no paiz, nSo só porque nos faltam para isso os dados e o 
tempo necessário, mas porque, resultando cm grande parte os nossos 
conhecimentos a tal respeito, de informuções mais ou menos fidedi- 
gnas, esta nota accentuada de uma enidiçSu d'emprestimo destoaria 
do gamma pela qual tem sido aferido este trabalho. LÍmítamo-uo8 pois 
simplesmente a dar uma ideia sobre esses assumptos, procedendo á 
formaçfto das listas que se seguem, as quaes, á parte as suas defí- 
ciencias, servirJto ainda assim a elucidar aquellea que no futuro, mais 
cabal e classicamente os queiram tratar. 

Produz este archipelago em abundância chícorúi, coentro, salsa, 
agriJU), beldroega, alface, couve, tomate, cenoura, nabo, cebola e pe- 
pino, muito utilisadoB pela arte culinária. 

Milho, feijão, fava, mandioca, batata (chamada inglcza) e batata 
doce, banana ', melão, melancia, papaya, goiaba, laranja e abóboras 



' Humholdt, oprcciaiiíJo os voningens dn cultura ii'psl(i frucle, calcu- 
lou <]ue uui terreno de tOO melros quadrados p<ide fornecer mais de 4:0IM> 
bannneiroG, e que a producijio da bnnanoira está para a do trigo como 133 
cstfi pnra 1, c pnro a da balata como 44 eslA paru 1. Na Europa um meio 
tieclnrc de terreno não bosta para a alimentaçèo de dois individuoa, ao posso 
que esse mesmo terreno sustenla cincocnto sendo plantado de bananeiras. 



214 



CABO vebdí: 



de differentes qualidades, fnietas esetas que abundam quando cliove, 
e qu<-' constituem, com os lacticínios e com o peixe, a base fundamen- 
tal da aHmentaç&o popular. 

E' abundante em aiuitas capecies aromáticas e de empregos me- 
dicinaes, oomo avenca, cscamonéa, mangerona, alecrim, alfazema, 
belgata, mnrs(;lla, mostarda, rusmaninho, losna, malva, tortolho, fi- 
gueira do inferno, Iierva cidreira c buffareira ou palma christe (Bici- 
nus communis), abundando em flores do campo, como malmequer, 
papoula, biJUganville, goivos, sardinhoira, variafi trepadeiras, etc., e 
mesmo nos maia bi.'llos da flora cultivada como nisaa, cravos, violetas, 
«mores perfeitos, magnólia, baunilha, Hlaz, jasmim, principalmente na 
Brava e em Santo Antllo, onde o dr. Bernardo d'Oiiveira t-onsegue 
expor os mais perfuitoa exemplares. 

A planta do nnil vegeta pelos campus, e delia servc-se o povo 
para a sua infecta tinturaria; a urzel/a abunda nos rochedos de qua- 
8Í todaa as ilhas, sem que tenha hoje a menor extrac^-So devido á sua 
faaratcza na Europa. Servem a applicaçSes industríaes a bananeira, o 
coqueiro e a piteira, cnjas fcveras sSo utilisadas no fabrico de cordas, 
cestos e outros objectos d« uso, e ns cinzas para confeceionar sabKo; 
a tamareira, de que aproveitam as folhas para a confecçilo de cha- 
péus, eharuteiraa, etc; u algodoeiro, d'on(Ie tiram a matéria prima 
para linhas, torcidos de candeeiros e fabrico de paanos; o bapindus 
saponaria, cuja stuienle serve para ornamento dos indígenas, servindo 
D seu perlcarpo para lavagens de seda, e finalmente a bombardeira, 
que é empregada para eolcbSes, travesseiros, etc. 

Os arbustos e arvores que em maior numero abundam dispersos 
pelos campos, sSo oa espinheiros, as accacias, o taralfe e a purgueira, 
vegetaes esses d'uma exti-ema resistência, servindo a sua folhagem de 
verdadeira remlssSo para o gado nas epochas das estiagens. 

Aa arvores fructiferas mais importantes sSo o coqueiro, a laran- 
gi;Írn, u pnpaieira, a gr>Iabeira, ■■ tamarindeiro, a limeira, o niarmel- 
lelro, a cidreira, a romeira, havendo também um pequeno numero de 
daniasqueiros, pereiras, pecegueiros e macleiraa, cujos fructos sSo po- 
rém nmito racliitlcus e pouco saborosos. A calabacelra é rara e a ar- 
vore do pio mais rara ainda. O ananaz abunda em S. Thiago e Fogo 
mas é geralmente de md qualidade. 

Ab jilanlas de mais sombra e que maior acçSo esereem sobre o 
dimu, sXo Sem contestação alguma, o tamarindeiro, frondoso e folhn- 
du, cujo fructo acido é usado como refrigerante e laxativo; u amen- 



CONSTITCIÇXO QKOLOOlCi — FLOBA E FAUNA 



215 



doeira, alterosa e d' uma ramagem opulenta e compacta, e as dífferen- 
tes variedades de palmeiras, que como pancas agitam indolentemente 
o ar, protegendo o hoIo eom aa suas anmbras. Os tiucalyptus aSo em 
pequeno numero. Os baoitabs rariBsimos, Os dragoeiros pouco desen- 
volvidos. O plátano e a araucária sSo excepçSes. 

Ab maia importantes das suaa producçties agrícolas, sol» o ponto 
de vista commercial actualmente, é a canna dassucar, o milho, o café 
e a purgueira. A vinlia hoje é pouco cultivada e o vinho fabricado 
nSo presta. A cidtiira do algodão cahiu em desuso e a da quina, ini- 
ciada com tSo bons resultados e com tanto euthusiaamo em Santo 
AntSo, nilo nos parece que possa ter futuro. 

Entretanto os direitos vigentes no reino, tanto sobre a entrada 
do assucar e aguardente como sobre o milho de Cjibo Vorde, tor- 
nando impossível a exportação d'cs8es productos, crearaiu as tcrri- 
veis di6Sculdades com que está tuctando ali a agricultura e commcr- 
cio em geral, difficuldades quu as execuções do Banco Ultramarino 
aggravam de ha muito, sem que o governo que patrocina este banco 
G a quem compete substituir essas pautas, tenha querido atteudcr uté 
hoje as justas reclamações desta sua víctima agonísante. 

A provincia do Cabo Verde, se nSo cessarem de a corromper 
pela burocracia e pela politica; se o problema de S. Vicente nSo filr 
estudado e resolvido a tempo, e se nSo forem concedidas á sua agri- 
cultura as máximas facilidades nas pcnnutaçÕcs com a metrópole, 
morre dentro em pouco e de certo impenitente, porque o seu derra- 
deiro arranco deverá ser ainda um grito de matdlç&o contra esaa mSe 
pátria que tSo descaroavelmente a immolou. 



A fauna de Cabo Verde conta um pequeno numero de espécies. 
A maioria dos seus animaes vertebrados parecem ter sido importados 
pelos colonos portugueses, e de notável verdadeiramente sob o ponto 
de vista zoológico, apenas apresenta na classe dos reptis o nuicro*- 
ciucita coctei, lagarto exclusivo do ilheo Branco, que vive de hervas e 
não de insectos como os seus congéneres de outras paragens, e na 
otsBse das aves uma espécie do género pujfin, descoberta alli pela ex- 



216 CABO VERDE 



pediçSo do Talisman e que constitue uma outra originalidade exclu- 
siva doesse microcosmo inhabitado como que esquecido no meio do 
oceano. 



HAMMIFEROS 



Os mammiferos selvagens, reduzem-se ao morcego (nyctcdus ver- 
rucosusjy a diíFerentes espécies de ratos como o murganho, o rato preto 
e o rato decumano, ao coelho (raro) e ao gato bravo. 

Os mammiferos domésticos silo os mesmos que os do meio dia da 
Europa: o cão, o gato, o cavallo, a mulla, o jumento; o porco, o bode, 
o carneiro e o boi, appareccndo em abundância baleias (mammiferos 
marinhos do género cetáceo), cuja pesca constitue uma industria muito 
explorada tanto pelos americanos como por nacionaes estabelecidos em 
differentes ilhas. 

As baleias são hoje os maiores animaos que se conhecem ; ha al- 
gumas que medem 1) c 10 metrosi de comprido, chegando a ter sete 
e oito mil kilogrammas do peso. O sou toucinho 6 aproveitado para 
azeite; espécies ha que teem dentes do melhor marfim, e laminas 
córneas (barbas de baleia) de uma variadissima applicação. Dos ossos 
fazem-se botíjcs e obras diversas, e nos intestinos d'algumas encontra- 
se o âmbar cinzento, este producto odorifero de um valor prestimoso. 

A pesca da baleia é em extremo arriscada, interessante e pitto- 
resca. Os seus episódios são vestidos de perigos e destrezas que at- 
tingem o maravilhoso. As canoas de que se servem teem uma elegân- 
cia, uma fluctuação e um andamento que se não eguala. São verda- 
deiros barcos de guerra^ armados e equipados para essa batalha sui- 
generis não com peças de artilheria, mas com fisgas, arp3es e lanças 
afiadas com escalpcllos c bomb-lances explosivas e mortíferas como a 
dynamitc. A aprendizagem dos pequenos cetáceos, os seus brinquedos 
em commum, essas festas lalneares em que familias inteiras se deli- 
^ ciam á tona d'agua, aos mergulhões c aos saltos, n'uma verdadeira 
luxuria de gozo, ó um dos espectáculos mais originaes que se pode 
imaginar. 

Ha gestações de um, de dois, e de três baleotes. Ha baleias que 
atacam, c ha baleias que apenas se defendem. A sua força ó immensa 
e a sua vitalidade ó enorme ; mas o seu corpo é tão volumoso, tão 
expesso e tão rijo, quão dedicado ó o seu coração, quão extremoso é 



CONSTITUIÇIO GEOLÓGICA — FLOBà E FAUNA 



O 8CU aentir, quSo fanático é o instincto da sua maternidade. Os ma- 
chos expSe.Di-se corajosamente aos golpes mais crucie, sempre que qual- 
quer outro animal lhes ataca o filho ; — a guerra entre a baleia c o 
espadarte (cachalote) é uma verdadeira lucta de gigantes! Estando u 
filho preso, a mSe nunca o abandona; nSo ac acobarda nem sequer 
investe contra o frágil inimigo que lh"o tortura, como ae na sideraçSo 
d'cssa ImmenBa angustia, deixasse de obedecer aos instíuctos da vida 
e perdesse até a noção da sua forya. . . e das snas armas descom- 
mimaea. 

O baleeiro, conhecedor d'esse fanatismo sublime, d'i;3ta dedica- 
rão louca, d' esse desvairameuío de mSe, formula uma táctica. baseada 
na mais covarde das crueldades, e vac buscar, nVsae filho, inerme, 
fraco e inexperiente, a prei^a querida, que lhe garante a víetínu he- 
róica, que Bem defeza se lhe entrega e morre. 

Vimos ]natar assim uma baleia. Deslumbra e como que confrange 
o coração assistir ás torturas desses monstros que sabem morrer pe- 
los filhos! 

O trancador busca cautelosamente fisgar o baleote sobre rogíSo 
escolhida, com o fim de lhe poupar a vida e dar tempo ao ataque que 
propSe tentar contra a míc. Essa, ao sentir approximar a canoa, tenta 
fugir, mas é detida pelos filhos que sem energia a obrigam a esperar 
e a assistir assim ao golpe que os toma prisioneiros do homem. Então 
começa uma verdadeira tragedia no mar: a baleia descreve circuloa 
vertiginosos em turno d'e8se filho que se contorse debalde á dõr do 
arpão. Parece querer conaolal-o com beijos; parece animal-o de affa- 
gos, afunda e emerge a cada Instante, expira em jacto grandes jorros 
de sangue, solta gemidos que paree(;m imprecações, eontorce-se e em- 
pina-se cora desespero, parecendo querer revolucionar o mar... to- 
mando por testemtmha o ceu. 

Durante esta lucta que dura horas, a canoa agita-se como um 
brinquedo das ondas, os ferros reluzem ao sol, o mar toma-se san- 
gue, e a marinhagem coberta de suor empunha oa remos obedecendo 
ao mestre, emquanto o trancador á proa, cnthuslasta e como que en- 
tregue ás delicias da arte, ora ala, ora afFrouxn a sonda que prende 
o barco ao peixe, lanceando a pobre mãe sobro os flancos, arpoando-a 
sobre o dorso e trucidando-a a balas explosivas, até que exhnuatB do 
vida e prostrada de cansaço a tisga e prende ao barco, acabando de 
a matar a golpes profundos, n'um furor de victoria. 

A pesca da baleia é um episodio Impressionisla ... um acenarío 



218 CABO VERDE 



grandioso c cheio de vida. . . um d'esscs quadros a compostura estra- 
nha, em que o homem se revela poios instinctos da besta c a besta se 
impõe pelo mais grandioso dos sentimentos humanos. 

Faz lembrar Dante, e pensar em Chateaubriand ; 6 um espectá- 
culo único, grandioso e terrível, d'esses que vistos uma vez nunca mais 
esquecem. 



AVES DE RAPINA 



Passarão (uma espécie do Jagudi da Guiné) 
Francelho (falco tunnunculus Lin.) 
Coruja (Strix ilammea Lin.) 



PÁSSAROS 



Pardal (Fringilla petronia) 
Toutinegro (Sylvia atricapilla) 
Corvo (corvus corax) 
Andorinha (Hirundo rústica) 
Lavandeira (Motacilla boarula) 



GALLINÁCEOS 



Perii íMeloagris gallopavo) 
Gallo (galluH domestieus) 
Codorniz (perdix coturnix) 
Pavão (Pavo cris tatus) 
Gallinha do mato (pintado) 
Rola (coluiiiba turtur) 
Pombo (columba palumbus) 



CONSTITUIÇÃO GEOLÓGICA — FLORA £ FAUNA 219 



BIBBIRINHAS 



Narceja (scolopax gallinago) 
Oarça (ardea cinerea) 
Maçaricos. 

FALUIFEDES 

Flamingo. 

Oaivota (gallinola chloropus Loth) 

Cagarra (puffiinus major Tenun) 

Pato (auser feriis) 

Além d^essas aves existe a Passarinha, exemplar lindíssimo, cujas 
cores vivas e polychromicas destoam do tom térreo da coloraçSo da 
maioria das outras espécies, influenciados pelo mimetismo. 



BEFTIS 



Lagartixa (Lacerta Dugesii) 
Tartaruga (cholonia Midas) 



BATBACHIOB 



Rt (rana esculenta) 



FEIXES 



Os seus mares são extremamente piscosos, sendo impossivel para 
nós o enumerar todos os elementos da sua fauna ichtyologica. 

A expediçSo do Talisman colheu a este respeito os dados de maior 
interesse d'onde se conclue da sua extraordinária riqueza. O coral 
abunda e é muito explorado por companhias italianas^ principalmente 



220 CABO VKUDE 



nas costas de S. Thiago. E ha-o de duas espécies ; o corallium ru- 
brum, semelhante ao de Siciliai e o plemo corallium^ branco, de ama 
bella architectura. 

ACANTU0PTEUYGI08 



Salmonete (polymixia nobilis Nob) 
Dourada (coryphoena equisetis, Cuv.) 
Castanheta (callanthias paradisoeus Nob) 
Tainha (mugil corrugatus) 
Cheme (polyprion cernium, Cuv.) 
Sargo (sargus Rondeleletti, Cuv.) 
Vezugo (pagellus acame, Cuv.) 
Qaroupa (serranus scriba, Lin.) 
Salema (pagellus bogaraveo, Cuv.) 
Atum (thynnus vulgaris, Cuv.) 
SalmSo 
Anchova 

Peixe rei (Julis speciosa) 
BodeSo (Julis paro, Cuv.) 
Carapau (Box salpa, Cuv.) 
Chicharro (caranx trachurus, Lin.) 
Bicuda (e sox sphyroena, Lin.) 



CHONDROPTEBYGIOS 



Gata (acanthidium pusillum Nob) 
TubarSo 

MALACOPTKRYGIOS ABDOMINAES 

Viola 

MALACOPTEUYGIOS SUU-UUAClllUS 



Linguado (^pleuroncctes solca L.) 



CONSTITUIÇÃO QEOLOQICA — FLORA E FAUNA 221 



MALACOPTERTQIOS APODOS 



Saphio (Muroena conger; Lin) 
Moreia (Moroena Helena, Lin) 



LOPnOBRANCHIOS 



Cavallo marinho (hyppocampiis ramulosos Leach.) 
Além dos peixes enumerados existem em abundância o bombom, 
o mero, a alvacora, o badejo, a velha, o ferreiro, a palombeta, a ca- 
chorra, a jamauta, a sarda e um grande numero de invertebrados, 
principalmente crustáceos, molluscos, gasteropodes, como lagosta, os- 
tras, lapns, etc, sobre os quaes nâo podemos precisar a classiiicação 
por defficiencia de tempo e de exemplares para esse estudo. 

E' abundante em vários insectos coleopteros, como a cantharida ; 
hemipteros, como a pulga verde ; nevropteros como a libellula ; lepi- 
dopteros como a borboleta, havendo verdadeiras invasões de gafanho- 
tos (insecto orthroptero) que constituem quasi todos os annos um fla- 
gello, nSo só porque destroem as pastagens mas porque devastam as 
plantações, chegando a comer as próprias folhas das arvores. 



Sol lucet Omnibus 



Um preito de homenagem ao mérito ; um olhar de saudade pelos 
mortos illustres qtie o tumulo conserva hoje no seu seio e a enumera- 
ção apenas de alguns nomes am*eo1ados pelo explendor da intelligen- 
eia, ainda que immersos muitos nos abysmos obscuros da vulgaridade 
e da miséria. 

E^ uma necessidade para nós, proclamar bem alto tudo o que 
constitue glorias para Cabo Verde; é uma grata obrigação fallar d*a- 
quelles que souberam honrar o seu paiz, e referir a irmãos que sabem 
enaltecer os sentimentos d^irmâos. 

Na lista dos filhos de Cabo Verde que mais se teem evidenciado 
na ribalta luminosa e abrasadora da notabilidade, figura como primeiro 
de todos, como aquelle que mais se destacou nas rudes labutações 
scientificas, por trabalhos valiosos, por distineçSes honrosissimas que 
abrilhantaram a sua vida e a sua morte — ROBERTO DIIARTE SIL- 
VA — esse chorado collaborador (Je Clerwontj de Crafts e de Friedel, 
cujos notáveis trabalhos sobre physica e chimica^ representando ver- 
dadeiras revelações, enchem paginas e paginas de um valor presti- 
moso, justificando que n'um paiz como a França, clle fosse o esco- 
lhido em concorrência com Schutzenberger, Ilenninger e tantos ou- 
tros homens eminentes, para professor de chimica analytica da Eschola 
Municipal e da Eschola Central de artes e manufacturas de Paris, 
cadeira essa em que elle substituia Félix le Blanc, esse grande vulto 
que por tão pouco o precedeu no tumulo. 

Lembrando-se sempre da sua pátria natal, d'onde o aftastára desde 
muito e para sempre a orientaçSlo scientifica das suas aspirações, con- 
tribuiu a dar realce e valor a muitos dos seus productos, provando a 
riqueza em titaneo das areias titaniferas de S. Tbiago e determinando 

29 



224 CABO VERDE 



a composiçSo do oleo de curcaa-purgansj essa euphorbiacea tSo espa- 
lhada por todo o archipelago. 

Presidiu á secçSo de chimica no congresso de Nancy (em 1886)| 
alcançou da Academia das Scieneias o premio Jecker (em 1885); re- 
presentou Portugal na conferencia internacional de Paris. em que se 
tratava do desenvolvimento c da protecção dos cabos submarinos^ e a 
n^aneira sempre honrosa como se houve n^essas como cm muitas outras 
commissòcs scientificas, meroceram-lhc a cruz da LegiZo de Honra, 
a commenda de S. Thiago <t varias outras distincçoes que tanto lison- 
geavam a modéstia do seu caracter e a ingénua credulidade do seu 
mérito. 

Roberto Duarte Silva nasceu lui ilha de Santo AntSo e jaz se- 
pulto no cemitério Monf pamaaHe. em Paris, á sombra de um monu- 
mento erigido pelos seus collegas v pelos seus discípulos, pyramide sin- 
gela que aponta ao oéo, onde, segundo as suas crenças, deve repou- 
sar o seu espirito, em quanto pela terra affirmam a sua utilidade e o 
prestigio do seu nome, os valiosos tra})alhos com que elle soube en- 
riquecer e prestar tà(» altos serviços á humanidade. 

O tumulo pouco tinha (jne revelar decerto a esto espirito deno- 
dado ([ue por tanto temj:o se debruçara t-obre os abysmos da matéria, 
e que tâo numerosos segredos soube arrancar ao «eu coração de som- 
bras (» ás suas mystcriosas c complexas afiinidades. 

Entretanto a morte deu-llie o descanço, e como a uma alta es- 
tatna derrub.ul.M, mostrou- o como nós o vemos agora, em toda a evi- 
dencia das suas proporções «^i^rantes. . . maior portanto ainda, do que 
SC ajiparontara cm vida. ' 



St* Hol)erto I)uar(e Silva foj o m.'iior vulto stieutiticOy o dr. Ju- 
li<í .José Dias ioi o coracA») uiai:iiaiiiiin) e Frederico II(»|»tVer a vontade 
mais cutTgica <lc Cabo Verde. 



> Na Iirri.<fíi í/hí.^rraihf, jorual «|uo so |tul>Iíoa em Lisboa desde 1890, 
sajjiu lia pouco lompo o reli'nlo e a l»iognii<l)in do Holjorlo Duarte Silvo, 
com o descnlio do seu tumulo om Paris. 



SOL LUCRT OUNIBUS 225 



Tanto HopflFer como Júlio Dias exerceram a mais benéfica o sa- 
lutar influencia nos destinos da sua terra. 

Dr. Júlio prestou os serviços de uma philantropia rasgada e quasi 
fanática, i ilha de S. Nicolau em que nascera, contribuindo bondosa- 
mente para melhorar as condiçSes d'essa terra, onde o seu nome 
ainda hoje é proferido com saudade e onde o seu busto sympathico 
e o seu sorriso bom, com^) que nos festeja do cimo doesse monumento 
erigido pela espontaneidade doeste povo a quem elle tanto amou. 

Hopffer ainda vive, possue um temperamento de ferro; — intelli- 
gento, illustradissimo, radicalmente democrata e nâo menos materia- 
lista, as suíis ideias e o seu procedimento, como que deflagravam 
nVsse moio nutrido por mil pretenç(!(os emphaticas, poetisadas pelas 
reverencias hypocritas das sachristias e perfumadas pela rhetorica ba- 
nal e pedante doá philosophos de cifrão de que falia liaudelaire. 

Impetuoso e franco, como que traz inscripta na sua ampla fronte 
bronzeada a cor e a rijeza das suas convicções. A sua locução fácil 
e sarcástica, corresponde perfeitamente á apparencia altiva e glacial 
da sua personalidade. 

Combateu sempre todas as idolatrias e todos os falsos Ídolos, ar- 
cando destemidamente contra as prepotências dos governadores e até 
contra os favoritismos e as demasias dos seus próprios chefes. 

Facultativo do quadro de saúde, organisou o serviço interno do 
hospital da Praia, o qual se não pode ser comparado a esse primoroso 
modelo em toda a Africa, devido á activa intelligencia do dr. Ramada 
Curto, em Loanda, representa entretanto a nota mais aguda e mais 
harmónica que até hoje tem vibrado esse teclado preguiçoso e desafi- 
nado, a que se chama — quadro de saúde d(» Cabo Verde. 

As suas affírmativíis com relação ao questionário climatologico 
formulado pelo ministério da marinha, são de uma importância incon- 
testável e revelam conhecimentos scientifieos, uma critica e uma eru- 
dição tropical que contrasta e destoa do palavriado enfadonho com 
que geralmente foi tratado o mesmo assumpto, pelos demais trabalhos 
congéneres. 

As suas apreciaçSes sobre as aguas mineraes da provincia, os 
seus estudos sobre as quinas, os seus relatórios médicos, as suas con- 
ferencias sobre hygiene tropical, etc, etc, etc, deram-lhe a signifi- 
cação impositiva de que sempre gozou, tornando o sympathico a todos 
os homens de caracter e de justiça. .. e fazendo-o odiado como era 
natural e lógico, por todo o enxame das vulgaridades cobardes. 



226 CABO VERDE 



Tanto Hopffer como o dr. Júlio foram por mais de uma vez es- 
colhidos e indigitados para deputados. 

Júlio Jos<^ Dias chegou mesmo a ser eleito, mas nào se resolveu 
sequer a apresentar-se em camarás, por se considerar incompatível 
com os processos engenhosos das habilidades politicas, que tanto pre- 
tendiam mascarar e desprestigiar as altas intençSes da sua dedicação 
ingénua de sábio. 

HopflFer nunca foi proposto, porque os exaltados escrúpulos do 
seu caracter apaixonado, tomavam-lhe antipathica a politica dos par- 
tidos, como tudo em que elle nâo podia disceniir clara e previamente 
o fim definitivo a que ia prender a sua responsabilidade individual — • 
considerava as eleições como viciadas na sua origem sempre que de- 
pendessem do influxo da auctoridade, ou mesmo da preponderância 
dos influentes; queria que o povo expontânea e livremente elegesse 
os seus representantes, e como essa utopia nunca se pôde realisar, 
nunca Cabo Verde se utilisou da força immensa das suas energias, 
para desbastar a ferrugem espessa da sua engrenagem envelhecida. 

Tanto o dr. Júlio recuando e vedando os olhos Lamartinesca- 
mente ante os abysmos da politica portugueza, como Hopflfer ante- 
pondo theorias brilhantes ás imposições da sua epocha, mostraram-se 
é verdade, coherentes com os seus princípios e com a emancipação do 
seu caracter, mas inferiores em muito, aos altos desígnios dos seus 
destinos. Nem o dr. Júlio nem o dr. Hopft*er souberam, n'esse ponto, 
cumprir as imposições do seu dever. 



João de Sousa Machado é o re|)rescntante i)erpetuo do circulo de 
Barlavento, e o mais antigo deputado das camarás portuguezas e o 
descendente d'unia faiiiilia illustre de Cabo Verde, ligado por laços 
de parentesco e })or ininterruptas relayocs de amisade, ao vulto culmi- 
nante da nossa j)olitica contcinjíoranea — Fontes Pereira de Mello — 
esse homem extraordinário, cuja j)rojeci;ào de gigante como que in- 
volve ainda hoje de prestígios e de resj)eitos, nâo se» os da sua própria 
familia mas todos e tudo aíjuilio que mereceram a alta distincção da 
sua estima. 

Deputado ha trinta e quatro anirns sem ter nunca outro ideal que 



SOL LUCET OMNIBUS 227 



nSo fosse os interesses da sua província, João Machado representa no 
scenario da política ultramarina, uma das excepç(]lcs raras, dos que tra- 
tam dedicadamente do seu circulo, dos que conhecem e sâo conheci- 
dos pelos seus eleitores. "^ 

Nunca acceitou prebendas, nunca quiz abandonar o seu posto de 
representante do povo, apesar de lhe terem sido ofFerccidas por va- 
rias e reiteradas vezes collocaçôes rendosas, e isto apesar de ser po- 
bre hoje, tendo aliás nascido d'uma família miUionaria. 

Está velho cm annos e talvez profundamente apalpado pelas per- 
versidades da vida e pela ingratidão dos homens. Entretanto, revela 
ainda hoje como nos primeiros tempos da sua existência, uma tensão 
phenomenal de energia e convicçSes, resistindo desafogadamente á 
acção deprimente do tempo e defendendo palmo a palmo as inflexibi- 
lidades d^aquillo que elle suppõe ser justo, e os preceitos de boa roda 
em que foi educado. 

Dotado de uma intelligeneia clara, João Machado sem ser na 
verdade um sábio, tem conseguido sempre pelo seu savoir vivre e pela 
nobreza do seu caracter, manter-se á altura das circumstancias, me- 
recendo uma consideração especialisada dos homens mais notáveis do 
nosso paiz. 

Contribuiu directa e poderosamente para a extincção da escrava- 
tura em Cabo Verde ; tem prestado relevantes serviços á causa da hu- 
manidade, serviços que são attcstados e reconhecidos não só pela alta 
distincção com que foi galardoado pela republica franceza, mas por 
algumas condecorações nacionaes que enfeitam o seu peito romântico 
de puritano. 

E' uma d^essas individualidades politicas mal accentuadas e defi- 
nidas, um d^esses elegantes vieillerocke cujo estylo contrasta e destoa 
das formas estatuídas pela moda ás pessoas da sua idade, mas que em 
vez do pretencioso e do ridículo com que gcTalmente se afiguram os 
imbecis, se apresenta, pelo contrario, infinitamente sympathico e res- 
peitável, quasi que divinisado pela grandeza d'este scmho (fuma mo- 
cidade que não acaba, pola tenacidade doesta illusão que não onípalli- 
dece e pela energia d'este protesto que de mais em mais se acccntua. 

Para toda a gente João Machado 6 um homem do bem, e para 
quem escreve estas linhas, tem elle essa expressão de grandeza e esse 
prestigio de inviolável, com que as dedicações o as preferencias de seu 
pae, sabem proteger c engrandecer mesmo do tumulo, os homens. . . 
e as cousas. 



CABO vekdií; 



Ciuillii^raii! DaiiUs, loi um iIussch cxcm|tliiri:t~ r^ros uns suciedn- 
(les d*AfrÍi'a; o talento ranis origiiml, miiis cxcítiItíco c uienos rapaz 
talvez dtí ser compruhendido pelo mcw cm que viveu. 

Sc-m uma ediR-a^-^ i-egulamuntudn o seoi si- siibonlínai' a preceito 
algum de caenln, o seu engenho, uscnpand') a todos ub (lietniiies e a 
todas Jis formulas, rcvolouso sempre «ob uma apparcncia iiiediUi ex- 
clusiva o indepondeiile, ás vezes mordaz e irunico até á brutalidade, 
á» vezes audaeioso e indÍsi'Íplinndo iité á irreverência, mas minui;ioso 
e amplo, como que poctisado pelas tristezas e pelos supplícios da sua 
exifituucia aeabruahada. 

O seu estylo m<iBtra-sc extraordinariamente duetil e por asaím 
dizer cançodo, n'es8a anciã desesperada de reduzir á expressão gra- 
phiea de um esboço, as tiirmus vagas di> sentimento, das allueinaçòes 
e das nevroses, que agitavam o seu eora^So de poetx. 

Nos seus artigoB, lia como que o fervilhar de ironias candentes. 

Nos seus versos revelam-se, a par da sensibilidade nustalgica d* 
vencido, as irmdiaytlets fulgurantes d um talento genial. 

ííuilherrae Danlas empunhando a lyni, é comparável pela sim 
plicidade e pela singcleaa aos melhores poetas. Na prosa )jorém, iiprc- 
senta-Be ora lúgubre e compenetrado eomó no sen delicioso conto so- 
bre a Brava, ora estapafúrdio, violento e intemerato, como n'esses im- 
morredouros artigos com que fulminou outr'orti tantos preconceítosj 
tantos ridículos e tantos ostenta^iVs, nas cnlumnas do Iiidrí/itnidenta. 

Ha vtirsos d elle, cheios d'uuia suavidade de idylio e de uma ter- 
nura de mulher; antros hn, que exsudam uma tristcut vcrdadoira- 
mente commovente; todos, sem dístincçilo, sSo impregnados dessa es- 
pécie de melancholia que se nSo define c que parece envolver a vida 
doa que presentem uma m»rto próxima. 

Morreu aos -Kl anuoe, ou para melh<>r dizer, suiuidou-ae lenta o 
premeditadamente fazendo-se embeber de veia em veia, de arderia em 
artéria até ao coraçJlo, polo álcool, esse veneno tomado bálsamo pela 
sedencia dos Botíriím^iitose pelas torturas do seu viver. K assim, quan- 
do se sentiu exânime e perdido de vigor, deixou-Be resvalar pura o 



SOL LCCGT OHMIBOS 329 

tumulo, bebendo com o ultimo alento o derradeiro trago. . i morrendo 
como vivera, inebriado pelo alci«)I e victiraado pelo desespero. 

Como qu« fazem séquito a Guilherme Dantas, José Rodrigues 
Aleixo, esse 8yjiip;itliico e impenetrável eybarita da ilha lirava, Eu- 
génio Pauto Tavares, cujos deliciosos versos relembram a suspirosa 
linguagem de Saint-Preux, e José Lopea, esse tantcler vago açouta- 
do pclns iaclGmom:ia3 dit sorte a em cujo olhar <le agonia faiaeam 
coiQo himpcjus cl'utua 1ii:e divina, os raios d'unia ironia cauatifa. 



'joSo Bitrnay, osso revolucionário ila iudustría fabril, esse terror, 
Icsvanecido do sr. Collares e da fabrica de Massarellos, esse tSo dis- 
cutida empreiteiro da Penitenciaria e ãa caminho de ferro de Ambaca, 
ejíte espirito zig-zagante e mordaz, essa verve deliciosa de humour, 
casa personalidade acccntuada, essa excentricidade irroquiela, que tem 
percorrido todas aa gradações sociaes desde as clássicas aguas furta- 
das ató Bo palai-ii) Pombalino, onde Fontes, Daupias e tantos outros 
exigentes, se esqueciam nas delicias do confortaUe. JoSo Burnay, esse 
benemérito da troçH, inventor dos trages tom que hoje todos nós ves- 
timos certas palavras, de formando -lhos o sentido com a mesma elo- 
guncia com que o sr. Straus a[)ura, dá cheios e esterlica disfarçando 
arestas nos seus commendadorus infatuados; este homem que nas gran- 
des luctas da sua vida tem conseguida ter sempre da sua banda os 
que riem e os que pensam, esse industrial que creou e lançou grátis 
á publicidade o indigma — esse papalvo malicioso', o commenJadvr 
central, essa creaçJIo do Romulares ; o topa, case pczadelo eterno da 
rua dos Capellistas. 

Esse sympathic» e intellígentíssimQ moço, por sobre cujos labíoi 
como que volitam a ironia e a graça; essa urganisaç^a vigoroaiaaima 
euja grunde almu se revela na ehamma ardente de una pequenos ulbos 
claros; louro, altivo e bello como é,, . . è filho de Cabo Verde. 



230 ^ CABO VERDE 



João Nunes da Silva^ esse homem colosso, feito de honradez e 
de bondade, eommandante do melhor e mais afamado vapor da mari- 
nha mercante portugueza — o Malange; este capitão distincto, que 
tem merecido as mais honrosas distincçSes ao paiz e ao estrangeiro, 
a quem tem sido incumbidos os mais delicados e difficeis encargos, co- 
nhecido e relacionado hoje com o alto commerciO; a alta nobreza e a 
alta politica portugueza, é filho de uma pobre familia da ilha do Sal; 
é o marinheiro que soube pelo trabalho, pelo estudo e pelo mérito, per- 
correr todas as gradaçSes da vida raaritima, desde moço até á cathego- 
ria de oflicial, chegando hoje a ser uma individualidade distincta e di- 
gna de registar-se. 



Simão Manoel Alves Juliano cujo busto figura na Praça do com- 
niercio do Kio de Janeiro como um dos beneméritos da navegação ; 
Simplicio João Rodrigues de Brito que chegou a ser considerado o 
primeiro pintor da corte do lírazil, nasceram nas ilhas de Cabo Ver- 
de, como nasceu eguahnente Joaquim Maria Augusto Barreto, este 
valente manejador da satyra no Independente. 

A Cabo Verde pertencem muitos dos vultos que figuram na ma- 
gistratura, na clinica, na marinha e no exercito do nosso paiz; de Ca- 
bo Verde são finalmente dezenas de estudantes (pie frequentam hoje 
as escolas estrangeiras e nacionaes da Europa, longe das suas fami- 
lias e á custa de sacrificios incalculáveis, por não terem na sua pro- 
víncia, uma escola, uni instituto, uma ofiicina única, (mde possam pelo 
estudt» conquistar com as garantias do futuro, pontos de vista para a 
consciência e noções praticas para a vida. 



SOL LDCET OHHIBIIS 



Dtdai MlaliilicM Hbn • lerrilari» c a ^pila{i§ rcferidai a 1 



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Populiçao ab». 


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iSSi iSSi-iSSl lSSi-lSS3 1883-1884 tSS4-lS8i OHSERVAÇÕES 



Dadas tstallslieas «abre a naitgatia de Caba Vtrde rtktíiit a 188i> 





■oTimanU de navloi 




Enindoí 


Siidoí 


Novios 
2619 


Tonclogem 

l.(iO8:50G 


Novios 
2C12 


Tonelagem 

l.(il!l:5U 



232 



CABO VERDE 



9a4M esUlislictt ithre • Bovinento posUl de Cabo Verde referides a 1885 



Extensão e percurso das linhas postaes 



Vias — extensão kilometríca 


Percurso kilometríco 


Ordinários 
153 


Ma ri ti mas 
30:030 


Total 
30:i89 


A pó 

28:1 li 


Em borcos 
320:828 


m 

Total 
354:972 



Dados esfalislicos sobre a ímportaçlo e riporlacio refrrídos a ISSo 



Valores importados e exportados pelas alfandegas 



Importação 



Exportação 



827:49()$G55 



242:004$754 



Rrceítas cobradas nas alfandegas cm 188o 



Direitos ' Pireito» 

de de 

impei taçáo j exportação 


Direitos 

de 

reexportação 


Armazenagem 


lotai 


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72:0:0$1G9 ' 31:8958773 

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2774970 


355jSSÍ)3 


105:205,^805 



SOL LOCET OMNIUITS 



UaJns c&lalístJCM sobre a inslracfio en C«b3 Verde rtfmdes ■ 188o 



Nomcro de escol» de intirucfSo primai» 


Alumirai niitrlculados nas «colas 


Officiues 
42 


Municipacs 


Particulares 
2 


Ofíiciocs 
2156 


Municipaes 
3G5 


Pnrliculorps 



Drípriis Ttilas tom rstraJns nus aiinos de 1S80-SI a 188Í-83 



1880- 1S81 


1881-1882 


1882-1883 


1883-1881 


1884-1885 


l(Í:!»7gH5 


11:671 $233 


14:08L>$385 


48:7638707 


31:8468050 



Dados eslalislices sobre o gitl» de Tabo Verde rercridos a 188o 



Gado eziatente 



As 


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Bnvidcot 


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Ovídeos 


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234 



CABO VEBDIS 



DaU das matrizes fiisteiles e p«r qiea foran ffiUs 



Brava i88) 

S. Vicente 1882 

Sanlo Anlão 1882 

Sanla Calharina 1888 



S. Nicolau 



1878 



Fogo 1878 

Praia 1890 



Maio 



Boa Vista ) Sao as primitivas. 

Sal 



HovimfDlo dos bospilaes mililares fn 188o 



Hospital da Praia 



Adoeceram 



539 



Ftillecerain 



Hospital de S. Vicente 



Adoeceram 



312 



Fallcceram 



Circnmscrípçâo político-flcitoral 



DopulíuJoi 



Kleiloros 
13.387 



Klcgiveis 



802 



GUIKÉ 



DE CABO VERDE A GUINÉ 



Partimos da Praia para a Guiné, ant(»vend() atravez do prisma 
da distancia, ura paiz pantanoso c selvagem, povoado de perigos e mi- 
nado pelas febres, onde, segundo as informações, as bexigas ostenta- 
vam horrores e as biliosas faziam honras de recepção, resignados e 
tranquillos n*essa serenidade que precede sempre as grandes resohi- 
çoes, mas na convicção arreigada de que se nos salvássemos das aza- 
gaias dos Bijagós e dos gládios dos Mandingas^ não resistiriamos do 
certo ás iras antropophagas dos Felupes, nem á desagradável impres- 
são dos que se sentem assar nas grelhas de imi meio dia, sobre o l)ra- 
zeiro incandescente de um solo sem brisas, ás temperaturas hyperbo- 
licas das apregoadas narrativas. 

Parfimos soletrando no olhar húmido e na eloquência forçada dos 
amigos as apprehensSes cruéis que deixávamos sobre a nossa viagem, 
e em companhia de Emery, esse sympathico americano, de caracter 
rigido e consciência límpida, seguimos o itinerário do paquete, encon- 
trando sempre na sua dedicação de amigo o apoio moral de que timto 
se necessita, em certas contingências da vida, para conservar a sere- 
nidade de animo capaz de encarar a sangue frio os perigos, i)or maio- 
res que ellcs sejam. 

No dia seguinte visitamos de passagem as ilhas do Fogo e 1 irava 
e sellando com os shoke-hands de despedida, aifeiçdes qut^ nào se apa- 
gam e gratidões que não se desvanecem, deixamos para traz as ter- 
ras de Cabo Verde, que nos davam por derradeiro adeus e por symb(>lo 
das suas recordações, o pharolim da lurava i>erdendo-se no horisonte, 
como um ponto luminoso na immensa escuridão da noute. 

Estamos em pleno oceano. Ondas revoltas como serpentes que se 



236 DE CABO VERDE k GUINÉ 



debatem enroscam-se de toda a parte assaltando o navio como presa 
appetecida, emqiianto elle, destemido e triumphante, como esgrimista 
que não teme, ora se defende inclinando os flancos, ora ataca reta- 
lhando as vagas, seguindo sempre imperturbável a sua derrota por 
sobre abysmos que se cavam e cordilheiras que se erguem, altivo, im- 
ponente e soberbo, ante a natureza que o cerca. 

A lua illumina a superfície láctea dos mares, as estrellas scintil- 
lam ás mil pelo espaço, e o horisonte inteiro, como um grande scena- 
rio resplandecente, parece polvilhado de sombras vagas que se agitam 
e minado por imperceptiveis riachos que murmuram. 

O embate das ondas, o ranger do leme e da cordagem casam-se 
aos sons rythmicos do resfolegar da machina ; os sinos soltam queixu- 
mes de presagios tristes, e o pensamento, esse louco, sem attender 
aos mil pretextos que o chamam, lá vae para longe perseguindo sau- 
dades em busca da terra que deixamos, indifferente a este grande qua- 
dro que deslumbra ! 

Entretanto começa a amanhecer, e como a aurora traz comsigo 
a alegria dos rcjuvenescimentos, dissipam-se as negruras do espirito, 
como se dissipam as neblinas da noite. 

Três dias depois demandávamos a Guiné; e ao approximar-noB 
d' esta terra phantasticamente delineada pelas tradições, onde a mui- 
tas milhas de distancia o prumo marca seis c oito braças no seu con- 
tar de vaticinios, ao sulcarmos estas aguas turvas e eriçadas de esco- 
lhos, onde os receios líarccem receber o baptismo de realidades, en- 
carando a (?x])ressão triste do espectáculo que se alarga de fronte, 
essa ondulação monótona de aguas correntes onde apenas se desenha 
alguma ilhota verdejante, respirando o ar abíifado cm que parece er- 
rar a exhaIaç2to quente de um resfolegar cançado, arreigou se-nos por 
tal modo o convencimento das terroristas narrativas, que, como em 
kaleidoscopio gigante, começamos a divisar pela imaginação, cmbus- 
cadas sem numero atravez de matagaes sem eclio, feras hercúleas em 
rixas de exterminio, azagaias multiformes molhadas em venenos sub- 
tis. . . cobras despedaçando bois . . . crocodilos fazendo sossobrar em- 
barcações . . . c como fundo d'este quadro de uma compostura dan- 
tesca, os pântanos dormentes, como gríindcs thuribulos da morte, 
espargindo emanações pútridas e envolvendo em turbilhões de mias- 
mas, centenas de nogros arrogantes e altivos, cm j>osturas académicas 
de combate. 



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Imprcssionodoí), pois, nlé á BÍr]<^raçSo pelas inforroaçiles pcssímis- 
tns (lo que sempre ouvirairua sobre n martyriologja Ja (Juiué, iatnoe 
sctiJo riipidsmentc conduzidos pelo vupor Bisi-iu ntravez das ílhai dos 
Mitnj-ims e dos Bijngó/i, divisando ao longrc os delinoaraentos de uina 
torra baixa c enfumaçada que so apresentava ao nosso espirito como 
iim vasto e cnfuitado eeinitcrio, envolto todo eltc nos cspcsats eropes 
de prosagíoB commoventeB. 

O homem do prumo, como em tarefa interminável, contava sem 
ecss.ir as profundezas, na toada monttona e triste do marinheiro; o 
coramandantc sobro a [Kintc passcíava cm scatiuclla a sua responsa- 
bilidiído de cbefe, cmquimto di^perios pelas amuradas, à proa, de- 
portados incorrigíveis faziam apreciações cjnicas sobre a eivilisaçS'} 
que 03 repellía e sobro este nov.> mundo onde leis barbaras c inco- 
hercntes vinham enxertar as suas a3tuciaí e os seus rancores. . . 

As terras da Guiné iam-se evidenciando ao sopro magico da appro- 
ximaçAo, e um panorama grandioso e expicndido, desonrolando-se a 
pouco e pouco á nossa vista, despertava em todos essa alegria mixta 
de entliusínsmo e estpie cimentos, tão exclusiva Á vida marítima c til') 
s.ilutar ás torturas do espirito. 

Finalmente, o vapor aproou ao rio d". Geba; o archipelago dos 
liljitgós como um punliado de pequenos tufos perdía-se pela popa como 
jangadas verdejantes arrastadas pela corrente, Pcssía c Jata Íam-se 
escondendo ntravez a ponta oeste du Bissau, a ilha Formosa ainda 
mostrava us contornos justificativos do seu nome e já Bolama, Bandiín 
o Gallinlia*, surgindo d'entre as agiias e nomeadas cm altas vozes no 
fervor das couve rsiiçil es, trazlam-nos á uicmoriii essas polemicas ou- 
trora tSo debatidas na imprensa e no parlamento, onde os nomes de 
Pereira Barreto, Marquez d'Avila c Bolama c Zagallo, se destacavam 
em toda a altura do seu patriotismo, na projecç&o de uma distancia 
que lhes dava o prestigin da histuría, como o respeito publico na pro- 
vinda lhes dá ainda hoje a vencraçSo das saudades. 

Horas depois chegávamos n Bissau; ridadella a altos muros o a 
poctSes gigantes, ultimo ruducto dn vitalidade da pnivlncia, hoje o 
maia importante centro do coramcrcio da Guini':. O cheiro nauseuso c 
acru dita suas pritius. ^loda^-al vxtenso que se cvidenccia no baixa-mar 
por dexcnas de metros), vinha, arrastado pela aragem da tarde, en- 
volvcr-noB em uma atmosphern Bulph!drii'a, emquanto bandos de pás- 
saros de muliipliecs espécies o variegadas cõrea atravessavam miit- 
cialmente para os ilheos, marcando no horlsoate rubro da tarde as 



24â DE CABO VERDE Á GUINÉ 



curvas ondulosas do seu voo, que as trevas da noute foram a pouco e 
pouco apagando, ató deixar nos sós, isolados e esquecidos, na con- 
templação extática de quem espora, divisando na sombra as cumiadas 
altivas dos baobabs, escutando o carpir plangente das corujas e dos 
jagudis, c sentindo a nossos pés como um vagir de creança, o ma- 
rulhar hypnotico das aguas pantanosas do rio. 

No dia seguinte, de manliS, desembarcamos ás cnstas d'um indi- 
gena, apesar de haver uma ponte, o impozemo-nos A distincta hospita- 
lidade de um dos patrícios da terra, porqu(i em Bissau, como na maior 
parte dos pontos dAfrica, niio ha hospedarias nem restaurants, ape- 
sar de haver muitas lojas de bebidas, o que por si só dá a nota pe- 
culiar dessas terras, traduzindo eloquentemente o estado da morali- 
dade c dos costumes da população. 



Os caríictercs ardc^ntes sào mais fortemente feridos que os ou- 
tros; mas, por justa compensação, os desgostos, por sorem n^elles mais 
violentos, são também numos duradouros. 

Por isso, a impressão extraordinariamente pittoresca da Guine, 
a amplitude grandiosa dos seus horisontes e a magcstiide surprchen- 
dente dos seus panoramas, casando-se á rece[>çâo amnbilissima e ge- 
nerosa que nos festejou desde a chegada, como qu<* afastaram de 
sempre e para longe as apprehcnsoes terroristas que levávamos, {»er- 
mittindo-nos latitude á curiosida<l<* e communicando ao nt)sso espirito 
essa dcspreoccupação de receios que auctc^risa a encarar o dia de ama- 
nhã como uma certeza, utilisando o dia de hoje como l>ase segura a 
emprehendimentos de futuro. 

De Bissau seguimos para Bolama em uma baleeira, pelo caminho 
de dentro, atravessando as celebics coroas onde tecm sido engastadas 
pela morte milhares do vidas, e pdo.s naufrágios de dezenas de em- 
barcações. 

Em Bolama fomos acolhidos prin(i}M'scam(?nt«* por Caetano lla- 
ccdo. cují) nome sr prmde á liistnria da <íuiné por tituNíS de valiosos 
serviços reconhecidos. Alii visitámos tudo: ns (juarteis, as repartições 
publicas, o hospital, a egreja, a casa do governador e o mais sum- 



DE CABO YEBDB Â GUINÉ 243 



ptuoso edifício de Bolama, pertencente a esse nomeado Gouveia, que 
veiu para ahi ha nove annos como guarda fiscal e que hoje representa 
o Rotschild da terra, á custa do trabalho, da perseverança e da feli- 
cidade, esso orvalho abençoado, capaz de fazer robustecer a planta 
mais exótica ... na terra ainda a mais ingrata. 

Fomos a plc-nics na Casa Nova (pittoresca clareira no matto), 
romantisada pelas festividades governamentaes ; visitámos a fonte prin- 
cipal intachá; as tabancas dos fulas (futa^cuudas), dos brames fgram- 
brame) e dos mouros (morucundasj; fizemos caçadas da Outra Banda, 
na « Colónia 0, na «Boa Esperança» e fomos hospedados durante dias 
em aBambaya», feitoria encantadora da casa Blanchard, unde Mr. de 
Maffra, com a amabilidade proverbial do francez, sabe encurtar as 
horas e encantar o espirito, enfeitando o tempo com recordações que 
não se apagam. 

Atravessamos ao impulso cnthusiastico das caçadas, magnificas 
florestas dez vezes seculares, guarnecidas de campinas tapetadas por 
vegetações collossaes, onde a gazella salta com o frémito da sua fuga 
vertiginosa, e bandos de pássaros de todos os tamanhos e de todas as 
espécies, matizam o horisonte com as cores vivas das suas {)cnnas bri- 
lhantes, repercutindo pelo espaço os gritos fcstivacs e as notas har- 
moniosas dos seus hymnos de liberdade. 

Uma paizagcm severa, calma e selvagem, grandiosa de toda a 
expontaneidade de um solo virgem, onde o caminhar, por mais que 
se estenda, não encontra um traço de cultura, e a vista, por mais que 
se alongue, nâo enxerga vestigios da presença do homem. Por todos 
03 lados, a distancias que se nâo podem calcular, cumiadas espessas 
de arvores elevando se a alturas prodigiosas, e em seguida, sem tran- 
sição, subitamente, enormes tufos de verdura d*essas esplendidas es- 
pécies tropicaes, balouçando graciosamente as suas largas folhas es- 
palmadas ao sopro acariciante das brizas . . . ; lagoas mostrando mean- 
dros infinitos ; riachos arrastando arcadas de folhas e de flores . . . e 
aqui e alli, escondidos á sombra de hervas curtas e espessas, pânta- 
nos traiçoeiros, onde a sangue-suga e a râ se espreguiçam aos raios 
ardentíssimos de um sol abrazador. 

Foi n'uma doestas excursões extraordinariamente impressionistas, 
depois de ter andado milhas sob a cúpula immensa de arvores gigan- 
tes, que deparámos em Africa, onde a mulh(T geralmente pelas for- 
mas nos faz pensar nos vuinipanços, trazendo-nos pelo cheiro a lem- 
brança repulsiva do Zorílla, foi nas terras de (íBÍ88a88Ímaí>^ encos- 



244 DR CABO VERDE X GUINÉ 



tada ao tronco do um mnnipido íintigo, que nos foi dado ver a mais 
extraordinária belloza de mulher, realçada por tudo que lia de mais 
irrcsistivel nas attracçòes do seu sexo. 

Era uma fula : typo indian.) caldeado nas forjas incandescentes 
da Alrica. Tinha apenas treze annos, e a adolescência irrompia das 
indeciáôcs do seu sexo com toda a dextresa da viJa com que desíibro- 
clia uma fl^ir. Seus grandes olhos pensadores, de uma expressSo meiga 
e inquieta, a cor cuprina metallica de suíis faces, as linhas suaves da 
sua physiunomia, seus lábios carminados que se entreabriam em risos 
de uma tristeza seduetora, os longos cabcllos de lim ne^ro azulado 
que pareciam envolvel-a em scintillaçòes de desejos, o seu talhe es- 
velto, nú, de movimentos graciosamente ondulados, a harmonia das 
suas formas escuipturacs, a lubricidade das suas curvas e a tempera 
vibratil das suas carnes, tudo em fim . . . tudo, sé resimia n'essa crea- 
tura como em synthese d'encantos, d'onde irradiava a sensação das 
mysticas sympathias e as horripilaçOes dos loucos desejos. 

A sua limpida fronte pendia para o solo, na attitude melancholica 
de um sonhar de virgem. As suas mios pequeninas uniam-se na pos- 
tara de uma supplica infantil, e a sua innocencia evidava-se na ex- 
pressão do seu olhar como a alma das flores bc evola nos aromas que 
nos inebriam. 

Que tons, que formas, que cores e que curvas ! 

Oh ! mulher casta, peccaminosa na tua nudez virginal, permitte 
que te relembre emmoldurada n*essa paisagem fulgurante, permitte 
que sonhe ainda, pensando em ti . . . j)erdendo-me em conjecturas. 



Na Africa a mulher nilo conhece o coquettismo, mas tem pjr na- 
tureza a scnsualiiladc. 

Como selvagem, obedec*' aos seus iustinctí^s e ao ^^eu tempera- 
mento, e quando fita um homem, quando o afa^i^a, quando o iin|)regna 
das suas volúpias, nilo é com o fim de o tornar escravo, mas sim peh» 
instin -to de s(* sentir feliz. Nao p^-nsa nunca em ser desejada, pre- 
í)eeupa-se somente em satÍ8faz<"r os seus desejos; e ru\ quanto a mu- 
lher civilisada calcula artificios i)ara garantir o stni prestigio, a selva- 



DE CABO VERDE A GUINÉ 245 



gem entrega-se sem condições nem vantagens, realisanJo no goso a 
mais alta e a única aspiração do seu amor. 

D'essa indole essencialmente naturalista, resultam para a sua vida 
social como para a sua vida religiosa, os estranhos e original issi mos 
cambiantes que tão cómicos e ridículos se apresentam á primeira vis- 
ta, mas que tão logicamente se relacionam com as condições ethnicas 
e com os principies da sua philosophia natural. 

As virgens (bajwhf) entregam -se sem o prologo do namoro e sem 
as especulações do dote, ao homem que as requesta e a quem accei- 
tam, abandonando por isso a familia e sacrificando-se por elle ás ve- 
zes até á morte, por ser elle quem as iniciou nos mysterios do amor e 
lhes conferiu o titulo honroso da sua emancipação. 

A familia; e as mestras chamadas, é que fazem o batuque, que 
recebem a pólvora das festividades, o álcool das commemoraçSes e a 
vacca, a que a tradição dá as honras do morghen-gape, no casamento. 
Ella não ; não recebe nada ; não se vende ! e durante a lua de mel, 
durante esse periodo cm que as civilisadas sophismam a sua apathia 
symptomatica, com passeios a Cintra, jantares indigestos e bailes ex- 
tenuantes; ella poupa-se, não se abandona á vaidade de se mostrar, 
nem se preoccupa com as honras da ostentação, mas entrega-se de 
corpo e alma a essa felicidade que se não repete, concentrando para 
isso todo o seu tempo, todas as suas forças e todas as suas faculdades. 

O preto 6 simples, cohcrente c é pratico : assim, na maior parte 
das tribus, os filhos das irmãs é que teem o direito da herança, e como 
consideram a morte uma transição para melhor vida, 8olemnÍ8am-n'a 
por torneios e por festejos públicos, elegendo virgens para compa- 
nheiras dos chefes que fallecem, as quaes são enterradas vivas ao som 
de instrumentos asi)eros e das danças do fanatismo e da embriaguez, 
juntas e bem juntas aos despojos régios e aos cadáveres dos heroes. 

A niio ser os fnta-fulas e os mandingas (fidalgos e judeus da Gui- 
né) que teem imia religião mais definida e uma civilisação mais accen- 
tuada, as outras tribus obedecem a um fetichismo grotesco, adorando 
as cousas mais absurdas sob o apparato mais irrisório . . . mas adoran- 
do e respeitando deveras. 

O respeito pelos seus marahiis (padres) é tão extraordinário, que 
a protecção de uma dessas entidades, vale mais ao estrangeiro que 
se interna, do que todos os recursos materiaes e todas as escoltas que 
o possam acompanhar. 

A (iuiné ('• pois i:m paiz originalisfeimo <* cr.ri- so. Ha nhi isliar- 



24G DE CABO VKKDK Á GUINÉ 



nvttaus^ esses ventos de poeira, seceos e quentes, tilo conimentados 
outr*ora pelos antigos navegantes. Ha os tornados, essa miniatura ih) 
eyclone tão eloquentemente inseripto nas paginas desastrosas da sua 
martyriologia marítima. No céo, ha a fuzilaria eléctrica, deslumbrante 
doesta luz que cega e mata. Nos rios, os macareos e as montoíinas com 
imiíctuosidades a que se nâo resiste ; na chronica, os contos irrisórios 
das nossas guerras com os gentios, e i)or toda a parte o salalé ou hafin- 
Imujh, construindo monumentos arclii tectónicos de configurações phan- 
tasticas c resistências indescriptiveis ! 



A villa de Bissau, sede do concelho, que pelo decreto de 4 de 
julho de 1883 comprehcnde o presidio de Qeba, Fá, S. Belchior c 
todos os mais pontos occupados e por occupar nas margens do rio 
Geba, é uma pequena cidadella, de população limitadíssima, cercada 
ao N., E. e W. por um fosso já semi-atulhado que acompanha paral- 
lelamente da banda de fora uma muralha de 4 metros de altura, a 
qual se liga ao centro á antiga fortaleza de S. José e termina nós 
flancos por pequenos torreões de estylo gothico, que fazem sentinella 
permanente ao rio. 

Essa fortaleza, construída, segundo uns, pela companhia de «Ca- 
cheu e (luiné», segundo outros, pela companhia do GrSo-Pará, am- 
pla, arejada, e altiva de toda a imponência dos poeloes gigantes que 
lhe marcam os ângulos protegendo-a com as sombras benéficas da 
sua ramagem tufada, é guarnecida {)or peças velhíssimas de ferro, 
montadas sobre reparos do mesmo metal, que apenas servem hoje de 
armamento histórico o de espantalho aos gentios, não só porque a sua 
damnificaçAo é ccmipleta, mas porque á pequena força militar ahi 
destacada seria impossível manejar, sequer, monstruosidades perras 
d'aquelhr calibre. 

Entretanto essas paredes archcologicas, essa artilheria muda e 
esses baluartes vazios continuam a inspirar as phrases sonoras com 
(pie os magnates da localidade, a rhetorica oíHcial e os repwter)* le- 
vianos, fazem acreditar urbi et orhi que o gentio é feroz, e que n'es- 
sas muralhas carcomidas pelo tempo e pelo abandono reside ainda 



DK CABO VERDE k GUINÉ 249 

toda a garantia da propriedade e um esteio seguro ao commercio ahi 
estabelecido. 

A villa, pequena, acanhada, de construcções rachiticas c vulga- 
res, immunda de todo o indiíFerentismo das municipalidades dAfrica, 
sommada a todas as inhalaçoes do lodo, da catinga e do azeite de 
palma, adubada pelo impaludismo, dizimada pelas febres e sobresal- 
tada pelas correcções^ constitue ainda assim o ultimo reducto da vita- 
lidade da provincia, o centro mais importante do commercio da Sene- 
gambia Portugueza. 

Existem ahi casas francezas, allcmlís, americanas e inglezas, 
além de muitos pequenos negociantes, na maior parte de Cabo Verde, 
e concorrem á praça todos os dias, nSo só os povos que a avisinham, 
mas muitas das tribus aftastadas que a abordam em grandes canoas 
8Hi generis pela construcçâo, os quaes vindo permutar por tabaco, 
aguardente, fazendas, etc, os productos de agricultura e objectos 
originaes da industria indígena, dão um cambiante nitidamente selva- 
gem a esse limitado quadro da vida africana, curiosissimo pela varie- 
dade de penteados e costumes de seus personagens, interessante pela 
tatuage com que se enfeita o preto, pittorcsco pela diversidade dos 
typos, dos penachos, das gesticulações e dás vestimentas, profunda- 
mente impressionista no género grotesco, e constituindo no todo, um 
espectáculo original pelo tumulto da selvageria e da embriaguez, poe- 
tisado pela coloração verdejante de arvores colossaes, enfeitado todo 
elle, pelas cores vivas de habitações dissimilares que parecem banhar 
08 pés nesse lodaçal extenso, onde dezenas de canoas esguias se es- 
preguiçam indolentemente como crocodillos gigantes fustigados pela 
calma. 

Para todo esse importante commercio de pennutaçííes que se 
avalia em centenas de contos de réis, tem apenas como meio de ac- 
I esso as duas portas de Pigiquity e Puana, abertas na face W. e E. 
da muralha, e uma rachitica i»onte de cibcs pertencente á casa liut- 
tman, que, sendo pouco extensa, apenas pode ser utilisada na prea- 
mar, o que obrigou a mim e aos meus companheiros de viagem a 
sermos desembarcados ás costas de um preto, como fardos, apesar 
de existir essa decantada ponte, tâo diversamente apreciada pela opi- 
nião publica d«a localidade. EíTectivamente a ponte americana c a 
muralha, constituem hoje a base das discórdias no que se intitula po- 
litica em Bissau. 

A corporação do commercio deseja que o governo se imponha á 



DB CABO VERDE i nClMÉ 



camsni munk'ípa1, obrigaiido-a a apjiikar n verba crcada |inra pssc 
fím, iiii construfçilo do iimn imnte qiic sntisfa^^i calmlnicTito »h ticccs- 
EÍdades do transito cm todns as iMrL'UiiiHtnii(?ins (^ a libi-rte due impos- 
tos que o proprietário ret-ebc pela passjigom das morcadnrias por so- 
bre a oxlstcntc. Uiaa parte dos miiniclpos, bagi-udus na& infurma^-i^OB 
medicas, quer quo bc faça o arraznmentu da miirallia, que, sc;;iiiidci 
clles, obsta & vcntila^fâo da villa, o contribuo para a densidade exag- 
erada da popiilaçilo, constituindo u factdr principal da insalubridade ; 
outra parto, apaixonada pelas tradiv<>C8, o prio qne d velho, receiiísa 
de tudo c mais do que tudo dos atnques do f,'entÍo, pondera "s múlti- 
plos factores perniciosos da liyglene locul, de que ninguém cnida, c 
guerreia esse projecto cuja importância merece um estudo conscien- 
cioBo e está bem longe da significação restricta que uns c outros lhe 
querem dar. 

Que a construcçSi) de pontes tanto cm Bissau como cm Bolama ' 
é de urgente necessidade, de fncil o barata execu^So, que os gover- 
nos do Ultramar devem exercer a maior vigilância sobro casas cor- 
pora^iJes madrassas e enratnnd;t5 que representam em Africa a paro- 
dia do que ba ainda de uinis democraticamente respeitável na admi- 
nistraçSo dos povos, que devem evitar por todos os meios qiic essas 
camarás municipaea, fabricadas quas! sempre pelo indifTercntismo, 
pela ignorância e pela especulação torpe das terras pequenas, façam 
posturas vexatórias o inconsequentes e lancem impostos sob promee- 
sas enganosas, para mais tarde escamotearem o seu jjroducto hoiiIiís- 
mandu as suas appIicaçSes, isso não a6 é evidente mas impositivo 
para todos os que comprehendem as responsabilidades ndministratí- 
vas e nilo se sabem esquivar A protecçiSo e «o respeito que «e devo 
áquelles que nio sabem ou nSo podem defenderse. Que a muralha 
obsta á circulação livre dos ventos é mal* do que obvio; qnc ella 
constitua a cansa do accumulamentn e uma garantia segura contra a 
invasão do gentio, é mais do que contestável. 

NSo sá a cubagem da população está longo do fazer recear a as- 
phyxiti, mas a faculdade inci-niestavel que tem cada um de procurar 
dentro ou fura da muralha terreno onde estabeleça a sua hubitaç4tu, 
prova á evidencia que nSo ó a decantada muralha, nuis o habito, o qu© 



I CODsta-uoa que aiudo uo (omiio do gr. Teixeira da Silve 
iniida uma ponte em Bolama. 



^^.«t. I Wl 



DE CABO VERDE L QUINE 2Õ3 

-~^^— — — ^- — 

explica o procurarem hoje, como nos primitivos tempos, as sombras 
protectoras dessa barreira que deixa tão franca e larga entrada ao 
gentio na baixa mar, e que tem por única defeza a artiiheria decré- 
pita e ankylosada da romanesca fortaleza de S. José. 

A insalubridade de Bissau é um producto maiúsculo de nmitos 
factores palpáveis. Reside principalmente nos pântanos que a circum- 
dam, n*es8e lodaçal das suas praias, onde os despejos se fazem ad li- 
bitum, e n'es8e fosso construído para defesa e que o desleixo munici- 
pal arvorou em thuribulo de infecção; reside n^esses armazéns enormes 
onde se agglomeram cereaes, borracha, couros e tantos outros produ- 
ctos nocivos á saúde publica; reside na maneira primitiva como se 
faz o esgoto e na familiaridade com que os ánimaes domésticos con- 
vivem com as famílias; reside n'essas carnes verdes vendidas sobre o 
chiO na promiscuidade com os couros fétidos envenenados pelo arsé- 
nico ; reside nas aguas, nas habitações que nâo prestam, e n^esses 
costumes dissolutos que atrophíam o espirito e depauperam a vida. 

Ha, pois, alguma cousa mais do que a muralha a ser demolida, 
uma área maior que a villa a ser saneada! £' esse reducto constituí- 
do pelos hábitos inveterados e mantido pela indiíFerença dos poderes 
públicos; são essas deformidades na hygiene e na moral que, actuan- 
do sobre o individuo e sobro a familia, os deprimem, os definham e 
08 empobrecem, como desmoralisam a província inteira. 



Se Bissau c immundo, sombrio e miasmatico, Bolamn, pelo con- 
trario, é alegre, desafogada e sadia. 

Capital da província desde a sua separação da de Cabo Verde, o 
seu nome serviu de motivo a mais um título ao fuarquoz de «Ávila», 
como esse titulo serviu de pretexto politico á sua escolha para ca- 
pital. 

Assenta na margem direita do oBoloIa» sobre uma planura de 
vertentes suaves, e de altitude conveniente, banhando-a em grande 
parte as aguas do. rio que correndo N-S. se interna a W. e E., for- 
mando canacs extensos e pittorescos, que, como braços gigantes, se 
lhe alongam em torno, parecendo querer abraçal-a. 



OB CABO VE80K í QUíSÈ 



E <^ n'essa Bu|)erficie de algumas centeiiaa ile metros quadrados, 
roubada toda eila st-m luetliodo e stim plauo á vegi*taçSo pujante quo 
H povoava outr'orn, qiiu rrajde liojo mais ou tnetioa dcsoonfortavel- 
inentcr installadu», desde o governador até ease formigueiro de empre- 
giidos aiibiiJleniOH (jUL- ii pudriíiliageui e o t-rilerio de unieliHiueiito na- 
cional Miibe iici'(imiiiiidiir tiit tuda^ as nii:^»»^ provincial uttrBtnarinaH, 
fleiu inc.llia d« aptidòos nt-m usi-rupulo dt; competências, e que cona- 
titueiii II tuotivii prcpondt;rnntu dii relaxamento no serviço c a princi- 
pal cuiisH do dl ji:iii|icnu]icn(o dos cofres públicos, cuja anemia é «g- 
gravada pelo cscorroptcliar doa seíoa, sugados de continuo por essa 
pleiíult: nuiiJHrosH de parasitas fuinintos. 

Na OuiiK^, CKimo mn toda o parte, ha empregados zelosos e in- 
ti?llígeiites, ba militaies briosos e pati-iolarij luas é tul a lielerugeneí- 
dadc dos (duMicntoa coUãtituitivoH das dííFereiítes classes, tem sido de 
tal m'>do despótica e farçantc b aci,'ão administrativa da maior parle 
dos govcmadiires, tSb mal iittendidas <m sopUismadas as rec]amfii,'<íes 
mais justos da jarte dos auburdinndos, que os nnimus mais impetuo- 
sos, as voutudca mais enérgicas c as dignidades mais austeras, suc- 
GUDibeiii alli, ao tim de uma Kicta improductiva, dominadas por esse 
marasmo do iiidiilercnçaB e desânimos que aUicum o cidodílo em sua 
consciência o o soldado em seu orgulho, sempre que os chufes nâ» 
sabem excitar as dcdicagiíes ^em realçar as acçSus de mérito, |]'um 
meio cndc a iutriga c as prepotências eabcm fabricar rótulos de vin- 
gntiçuâ mesquinhas, A que as cunlidencíaa governativas muitas vezes 
diUi força de aiTUsaç''"*» inquisiloriíies, 

D'aq«i resulta a dissoluçKo e o rebaixamento moral, por<iue, 
otidc nSo se acredita noa preceitos da justiça, ninguém confia nos di- 
reitos que lho silo eonTridos pi-la lei; e assím o senlimentn da pátria, 
a dignidade do dever, o fanatismo da bandeira, todas essas scintílltt- 
çòes d» espirito, que brilham como phm'oeB uas icmpcstudos da vida 
e Dua momentos de |>orÍgi>, b-vantam o homeui acima (bis barreiras 
do inslincto; tudo ÍW)o quo se repercuto noa piigínas da nossa historia 
como um i'cbo do recordaçSes doe nossos pães, o que tndos ntis devía- 
mos cuniiidcrar como a melhor garantia da nossa nacionalidade, bo- 
mnça sacrosnnta do nost^is 61hos; todas essas ideias levantadas, uai- 
ciu capazett de inípirar nos momentos extremos, ao soldailo a cora- 
gem do ultimo tiru, ao eondemmido as consuliiçiles da ultima espc- 
rnnçn, ho utoribundo a resIgnnçSo da uUinm lagrima; tudo isto, cm 
fim, (|Uc pódc luecr d'umu iiaçSo pequena uma naçSo respeitada, de 



DE CABO VERDE i GUINE 257 



um punhado de homens um punhado de heroes, tem sido na Guiné, 
onde a lucta é uma necessidade, onde o gentio tem por alliança o 
clima c o nosso soldado privações e vicissitudes de toda a casta, ahi, 
onde a sclvageria impSe a preoceupaç3to do alarme e a desproporção 
numérica reclama a táctica e as dedicações extremas, ahi, onde a 
dominação politica tem que se basear fatalmente, não na força, que 
nrio temos, mas no prestigio da nacionalidade e na catecheso das 
sympathias, ahi, n'esses climas inhospitos, onde o ceu fulmina com 
o calor e a terra envenena com os miasmas, ahi, onde mais do que 
em parte alguma t) homem precisa do esteio das grandes energias e 
desses estimules ideaes que nos momentos de desanimo segredam 
coragem e dedicação, tem sido ahi, despreoccupada e saudavelmente 
abandalhado por tal forma, tudo isso que é grandioso, que é sublime, 
e que era dever proteger, ))or administrações ineptas, favuritismos 
escandah)sos e guerras irrisórias, que á maneira que se vae desvane- 
cendo dia a dia no Cvspirito do negro a admiração fanática que Za- 
gallos, Pereira Barreto e outros, souberam conquistar á bandeira da 
sua pátria, se vae arreigando de mais a mais no espirito d'esse mili- 
tarismo d'exportação, dessa classe votada ás feras, preterida e esque- 
cida por todas as medidas de reorgani sacão, desat tendida em todas 
as reclamações, v(;xada por todos os soffrimentos c arnistada por le- 
vianas phantasias aos Bolores, ás (^acaiulas e aos Bijantes, ond<í a 
idéa de guerra toma as formas tétricas de immolações e os campos 
das batalhas se cobrem de ciladas patibulares, se vae arreigando o 
convencimento doloroso de que são predestinados ao martyrologio e 
predestinados sem recurso por essa mãe descaroada por quem soífrem 
e [)or quem morrem . . . sem lhe merecerem sequer um pensamento 
d(í justiça ou um olhar de piedade ! 

A par dessa corporação que sábios governos teem votado ate 
hojV. ao ostracismo, collocam-se humildemente no ultramar, de pare- 
lhas, como cousa des])resada, os médicos, os pharmaceuticos e o pes- 
soal dos hospitaes, cujo conjuncto se convencionou chamar, corp<u*a- 
ção de saúde. Essa classe a que o decreto de 1860 estabeleceu as 
bases da organisaçào e a lei de 1874 saccudiu de certo modo as poei- 
ras accumuladas do esquecimento, attingiu hoje nessas latitudes o 
que ha de mais lamentável, de tudo quanto exhibem de exuberante 
no género as nossas férteis possessões coloniaes. 

Reservando para mais tarde o commentar sobro a legislação o que 
essas classes deviam produzir e que não produzem, os direitos que lhes 



258 DE CABO VERDE i GUINÉ 



foram conferidos e de que as usurparam sem protesto, as exclusões ve- 
xatórias e injustificadas a que teem sido eondeinnadas e as pre roga- 
tivas que lhes eram exclusivas e de que se teem deixado espoliar com 
evidente desaire da sua dignidade e prejuisíKs incontestáveis dos inte- 
resses públicos, passamos como medico chamado a Bolama para soc- 
correr as victimas da celebre epidemia de variola que tanto sobresal- 
tou o hysterismo medico de Cabo Verde, o tao profundos prejuisos 
acarretou sobre a Guiné, a referirmos nâo as surprezas que nos fize- 
ram honra de recepção e nos acompanharam em bando sempre cres- 
cente até á despedida, mas a factos e afíirmatlvas que possam dar idéa 
do que seja hoje a (luiné sob o ponto de vista pathologico, e da con- 
sideração o importância erii que sào tidas as questões mais vitaes de 
saúde publica, perante o critério da administração da Guiné. 

Essa província tida e mantida na nossa elaboração nacional como 
um deposito para onde despreoccupadamonte se esvasia desde muito, 
o lodo e as immundicics colhidas nas dra^ragens da nossa rotina legis- 
lativa, sob a forma militar de incorrigíveis e de devassos deportados 
civis, não sabemos se com o fim dtí lhe adubar a selvageria, se comi 
o fim de lhe ministrar f<'rnientos enérgicos íí dissolução ; a Guiné, 
constituindo- se em província independente, plagiou desde logo a toi- 
letle pretenciosa da sua vísínha ((^abo Verdr), cnfeitando-se de todas 
as complicações burocráticas possíveis e fazíiido construir lui sua ca- 
pital por um risco uníco, destituído de. toda a elegância e de <pialqucr 
vislumbro artístico, des<lt' a egreja onde exhíbe o seu Deus ao som 
dos clarins e das musicas marciacs, até ao hospital onde agasalha os 
seus doentes á luz de uma parca economia, tibia de conforto c de 
consolações. E sem pensar sequer nos preceitos mais rudimentares 
das construcçoes dos climas quentes; sem se preoccupar um instante 
das exigências mais baniies para estabelecimentos d'aquella ordem, 
edificou a ferro e tijolo um edifício pesado, desprotegido de sombras, 
sem quarto de banhos, sem casa de autopsias, sem casa mortuária, 
sem meios de esgoto, nem canal ísaçào de aguas, e ccmtinuou a sus- 
tentar ao mesmo titulo í»ssc j)ardieíro a derrocar-se, onde se agasalham 
em Bissau os desgraçados doentes que ))referem morrer á sombra, 
mesmo em risco de desabamentos prováveis. 

E é n'esse8 depósitos que ella accumula promíscuamente os seus 
doentes ! 

E é alli, n'esse pavilhão e nV'Sse estabulo da pathologia, que se 
acotovelam indistinctamente á temperatura media de 30® os exempla- 



DE CABO VERDE i GUINÉ 259 



res mais curiosos do impaludismo, da tysica, do alcoolismo, as chagas 
mais asquerosas, a doença do somno, a elephantiase, as ulcerações do 
pulex, as dermatoses mais exóticas e tantas outras variedades priva- 
.tivas dos climas quentes, que teem merecido aos demais paizes colo- 
niaes as preoccupaç(5es legislativas mais sérias e os estudos scientitícos 
mais precisos e que em toda a parte sào sequestrados rigorosamente 
pelas prevenções do contagio e pelos preceitos da epidemologia. 

Para todo esse avultado numero de atacados, que nada deixam 
á clinica por serem indigentes, militares ou empregados públicos, para 
todo esse serviço, aggravado pelo expediente da secretaria e pelos 
destacamentos frequentes a Buba, a Cacheu, a Farim e a qualquer 
dos distanciados pontos da província onde a suspeita d^uma epidemia 
ou o pretexto d'uma batalha determina a nomeação de um ou mais 
facultativos, existem na Guiné, tão mal pagos que ninguém lhes in- 
veja os lucros nem lhes disputa as vantagens, um chefe do serviço 
de saúde, distincto filho da escola de Lisboa, e mais três médicos da 
índia, que na Guiné, como em toda a parte, arrastam o desprestigio 
da sua maternidade, sofFrendo as injustiças e as mil ingratidões com 
que os governos do Ultramar ultrajam a cada passo esses Hlhos espú- 
rios da nossa instrucção publica, coarctando-lhes despoticamente os 
privilégios que lhes são conferidos pelo seu diploma e pela lei, e fa- 
zendo d^esses homens, que .teem servido sempre de instrumento aos 
poderes públicos para sophismar as distincções revoltantes estabeleci- 
das entre a dignidade dos ])ovos da metrópole e das populações ultra- 
marinas, fazendo d^elles um motivo d'irrisão, que repercutindo sobre 
uma classe inteira, desperta em todo o medico digno o sentimento da 
protecção e a necessidade imperiosa do protesto. 

No ultramar, os deputados, os governadores, os juizes, e toda 
essa serie de entidades divinisadas pela pose^ podem ser tolos, ine- 
ptos e ignorantes á vontade, que a ninguém é permittido fazer-lh'o 
sentir, sem que as instituições estremeçam, os códigos gritem alar- 
me, e as espadas rebrilhem á luz. Aos pobres indios, não ! Nem como 
médicos, nem como homens, se acham ao alcance d'essas sombras 
protectoras que cobrem por ahi tantas ostentações irrisórias c tantas 
misérias pungentes. SoflFrem desconsiderações pessoaes que vexam e 
desconsiderações officiaes que depravam. Se apparece uma populaçrio 
assolada, um lazareto infeccionado, um destacamento trabalhoso e 
mal pago, então são utilisados, são médicos, servem ! Servem, e ser- 
vem todos aquelles que não fazem claque á rotina nem bandeirolas 



260 DE CABO VERDE i GUINÉ 

ao servilismo, lias para as conesias lucrativas, para as honrarias pa- 
lacianas e para as prebendas avultadas, n\o se attende a)s serviços, 
n9lo se compulsara as aptidões nem se ponderam os merecimentos ; es- 
colhem-sc os atil liados, 03 idolos crcai)s pelo sopro das munificencias 
o os protegidos dos fantoches das antc-camaras. E isto tudo pela má 
organisaçào colonial, porque não ha escalas para os destacamentos 
médicos, e porque muitos artigos da lei de 1869, apesar de nào es- 
tarem revogados, tecm sido e continuam a ser, cm algumas provin- 
cias, lettra morta pelas protecções escandalosas, pelas vinganças mi- 
seráveis e pelas torpes especulações politicas. 

Acabe-sc pois de uma vez para sempre com esses médicos de 
curso forçado a que a lei não dá curso na Europa e obriga a descon- 
tos na Africa; reformem-se ou extingam-se as escolas da Madeira e da 
índia ; revoguem-se ou façam-se cumprir escrupulosamente as leis, mas 
acabe se sem demora com essas distincçoes vexatórias de escolas, tão 
prejudiciaes á moralidade colonial, como sensatamente é reclamado 
pelo decoro profissional e pelos direitos mais invioláveis da humani- 
dade. 

Coincidindí) a nossa estada na Guiné com a do contra-almirante 
Teixeira da Silva, -como governador, e (i(»dinh<) Faria e Silva como 
commandanto da canhoneira Gawlianfi^ alli em serviço, tivemos occa- 
siào de aj)reciar de perto este altivo ottícial da nossa marinha do 
guerra, o o distinctissimo caracter e nobilissimo coração do Faria e 
Silva, de quem conservaremos sempre as mais gratas e indeléveis 
recordações pessoaes. 



A área territorial designada geographicamente j)elo nonu) — Guine 
— tem soflrido moditicaçoes suceessivas nos seus limites, rcstringin- 
do-se hoje aos territórios compreheudidos entre as bacias do Casa- 
inansa c as ))roximidades do rio Campony, nominalmente subordina- 
dos á suzerania portugueza. 

n valor da sua população é muito vagamente apreciado pelos 
geographos, encontrando-se as mais distanciadas affirmativas nos tra- 
balhos modernos, a [xmto de Reclús avalial-a em 150:000 habitantes, 



DE CâBO verde k OUINÊ 261 



qaando Corrêa e Lança* a calcula em 820:540 almas, distribuídas do 
seguinte modo : 

Fulas (preti>s e forros) 200:000 

Mandingas 100:000 

Balantas 90:000 

Beafadas 80:000 

Brames 70:000 

Papeis 60:000 

Manjacos 45:000 

Bijagós 50:540 

Felupes 40:000 

Nalus 30:000 

Cassangas 15:000 

Grumettes 10:000 

Baiotes e banhunes 30:000 

D'esses povos os mais enérgicos e preponderantes, são os fulas^ 
os mandingas c os heafadaSj que pelos rancores tradicionaes, pela dif- 
ferença de orientação e pelas ambiçSes no dominio territorial, não 
cessam de levantar conflictos e guerras, que perturbando as garantias 
do transito e vexando as populações próximas se reflectem sensivel- 
mente nos interesses commerciaes da colónia inteira. 

A diâtril)uição geographica dos povos da Guiné, sujeita de con- 
tinuo a deslocações, trazidas pelas vicissitudes da guerra, será actual- 
mente segundo o que induzimos das informações locaes corroboradas 
pelos trabalhos de Corroa c Lança a seguinte : 



MARGEM DIUEITÂ DO lUO CACHEU E DO RIO FARIM 



De Bolor a Varella, comprehcndendo todo o littoral desde a em- 
bocadura do rio Cacbeu — Felupes. 



* Corrêa e Lança publicou em 1890 um esplendido relatório sobre a 
Guiné, trabalho de grande mérito, onde s'encontra a par de valiosas indi- 
cações estatísticas, um esboço fidedigno, da historia dos costumes e da im- 
portância real d'essn nossa possessão na Sencgambia. 



262 DB CABO VERDE k GUINÉ 

De Bolor até ao rio S. Domingos, que liga entre si os rios Ca- 
cheu e Casamansa — Batotes. 

Do rio S. Domingos ao rio Sáral — Banhunes. 

Do rio Sáral até á Matta Gallinha, um pouco antes de chegar a 
Abola — Cassangas. 

Da Matta Gallinha até ao esteiro de Cabi — Brames. 

Do esteiro de Cabi até Jenicô — Balantas. 

De JenicO até Farim — Mandingas. 



MAKGEM ESQUERDA DO RIO CACIIEU E DO RIO FARIM 



De Basserel até Caboiane -^ Papeis. 

Na praça de Caoheu — Grumetes. 

De Caboiane até Bola — Bravies. 

De Bola até Batur, exclusive — Balantas. 

De Batur, inclusive, até Farim — Mandingas. 

No littoral, desde a Matta de Putama até Botte — Papeis, 

No Botte propriamente dito — Fehipes. 

De Botte até ao rio Baboque — Manjacos. 

De Baboque até ao rio Mansõa — Brames. 

Do rio Mansôa (margem direita) até á ponta Malofo (margem 
direita do rio Gcba) — Balantas. 

De Malofo até Cicba (margem direita) — Mandingas e beafadas. 

Toda a alta região do Geba — Fulas pretos. 

Na margem esquerda do rio Geba, desde esta povoação até á 
margem direita do rio Corubal — Fidas pretos. 

Da margem esquerda do rio Corubal até á foz do rio Geba, com- 
prehendendo a Guinala, Jabadá, Boduco, e estendendo-se nas duas 
margens do rio Grande, occupando o Cubisseque até á margem di- 
reita do rio Nalii — Beafadas. 

Da margem esquerda d' este rio ate ás nossas fronteiras do Ca- 
cine — Nalús. 

Todo o Forreá — Fulas forros. 



DE CABO VEBDB k GUINÉ 263 

ILHAS 

Cayó, IlhettaSy Jatta, Pessis - Manjacos. 

Bissau — Papeia. 

Na praça e extramuros — Grumdcs christãos. 

Arehipelago de Bijagós — Bijoffés. 

De Mello e Catak — Nalús, 

D^esses indígenas, uns, como os fulas, sâo os mais numerosos e 
mais valentes, regendo-se por uma verdadeúra autocracia militar; 
outros, como os mandingas, são os mais letrados e mais dados ao ne- 
gocio, o que justifica o seu titulo, de judeus da Guine ; os balantas 
os mais agricultores, e mais democratas; os fdupcs, os mais selva- 
gens; os manjacos, os mais dados á vida maritima; os papeis, os mais 
vagabundos, traií;oeiros c covardes; os brames, os mais trabalhadores 
e pacíficos, e aquelles com quem melhor podemos contar como alliados. 

Dos rouHictos entre essas diíferentes tribus, como resultado da 
nossa desastrosa intervenção a favor dos fulas-pretos contra os fu- 
las-forros; da táctica diplomática em arvorar tribus poderosas em 
espada de Damndts sobre as tribus em litigio, e em querer estabele- 
cer a paz por simples formalidades e ostentaçòes caricatas, resultaram 
para nós as derrotas de Cacanda, de Bulor e de Bijante, e o despres- 
tigio da nossa auctoridade ante o gentio, desprestigio que serviu de 
base aos recentes desastres de Bissau e que é preciso apagar estrepi- 
tosamente e a todo o transe, se não queremos ser completamente tru- 
cidados pelos selvagens na Guiné. 



Segundo a convenção estabelecida com a França em 1886, os 
direitos da soberania portugueza abrangeriam uma extensão de terri- 
tório, que sobre o mappa, regula por quarenta a quarenta e cinco 
mil kilometros quadrados, limitando-se porém a 70 ou 80 kilometros 
quadrados os realmente dominados por nós até hoje. 

Os centros da nossa occupação official resumem -se a Buba, Fa- 
rim, Geba, Cacheu, Bolama e Bissau, sendo este ultimo o de maior 
importância commercial. 

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264 DE CABO VEKDG Ã GUINÉ 



Cessou em absoluto a exportação do mancarra, outr'ora tâo 
abundante no Rio Grande da Ouinala, mas apparoccm ainda n'esso3 
mercados a borracha, a cera, o marfim, couros, arroz, azeite de pal- 
ma, ctc, que o indigena permuta principalmente por álcool, pólvora, 
tabaco, colla, pannos e armas. 

Passamos finalmente a refcrir-no.s a:>s arcliipelagos das ilhotas e 
dos Bija;[(ós, constituidos piu' mais de 50 ilhas separadas entre si por 
um labyrintho de eanaes (pie serpeam n'um desfallecimcnto de ria- 
chos por entre estes tufios avolumados de verdura. Nao os visitiimos, 
tendo-os enxergado apenas a uma grande distancia ; m;is a sua impor- 
tância ó tHo unanimemente aflirmada na Trovineia, e com tanta espe- 
cialidade tratada polo nosio anngo Corrêa e Lança, que nao podemos 
deixar de a cila fazer monerio. 

O ncmie das ilhas jjrincipaes, começando pela que mais próxima 
fica de Bolama, é : ilha das Gallinlias, Canhabak, ilha Ago Grande 
ou Bobak, ilha Sogá, ilha Formosa, Ponta Afaio ou ilha Botai, ilha 
Ancorete (nome indigena) ou Corbelha, ilha Carás ou Caracho, ilha 
Ago (pequena), ilha Uracan (junto tem o ilheo Egobá), ilha Un ou 
Gula, ilha Grange. 

Gs ilheos mais importantes sâo : ilha Sogá, ilha Ago (grande), 
ilha Carache, ilha Formosa, ilha Une, ilha Uracan, ilha Canhabak, 
e ilha Grango. 

Essas ilhas são ricas em borracha, azeite áe {)alma, arroz, ma- 
deiras, etc; o seu povo, segundo dizem, muito dedicado aos portu- 
guezes, parecendo predestinado a desempenhar um elevado papel na 
futura regeneração da Guine. Mas para isso torna-se indispensável 
uma romodelaçâo de todo o seu systunia administrativo e as mais 
definidas garantias ao seu commercio. 

Sem isto nada se aproveitará das riquezas da Guine; e sem ser- 
mos aj)oh)gistas d^c^^se remédio antipathico eoin que uma seita de op- 
portunistas advogam a v<índa das coloniavS. somos os primriros a reco- 
nhecer o dilonima cm que nos aeliaux», --de ter que levantar alli de 
proni])to o nos^o prcsti^io^ ou ícr qwr. abrarar a pratica solurao Fer- 
reira dAlmrida, negociando o que nos resta sob condições mais sym- 
pathicas e mais vantajosas do í[iuí as d») tratado de 1XS(). 

A civilisaçào e o pro^ressc», como (jUc tiMu retrogradado cí»ni a 
nossa administração de ha dez annos. K a metrópole tem sido san- 
grada na sua anemia por (piantias fabulosas de sacriíieios. 



DE GABO VERDE i GUINÉ 26Õ 



Regressados ha muit » «la Criiinó, oiulc estivemos conjiinetamcntc 
com os commissarios de Franya c Portugal, para a ec^lebre dt*l imita- 
ção conveiiciomida cm l*aris em ISSO, esporávamos ver por cseripto 
a historia d'estc aeonteeimí^iito dolorosamente ridieulo e improdiiecnte, 
para aprceiarmos sobni basos offieiaes esse convénio d(^ h^sa-naçiXo, 
(»dsc golpe fatal com que a dipl;)ma'Ma nos deixava entílo esquartejar 
saudavelmentíí pelos franeezes, na Sencgambia^ como o nosso liystc- 
rismo e o nosso idealismo tradicional nos tem deixado t!)rpe e irre- 
mediavelmente expoliar pel(»s inglezcs na Africa oriental. — Esperá- 
vamos ver posto a limpo esse facto monstruoso, que n3Lo tem de certo 
uma alta significação ec(momica, attento o desleixo da aduiinistraçUo 
colonial, mas que representa mais uma das muitas extorsões feitas á 
sombra da nossa imprevidência e das nossas facilidades, dando logar 
a que todo o eoraçSo portugucz tivesse mais um motivo a confran- 
g(ír-se (»m Africa ante o desprestigio da dignidade nacional. 

A delimitiiçílo da (hiiné, traduzindo uma perda enorme de terri- 
tório, uma regulamentaçilo absurda de frontiiras e um verdadeiro 
bloqueio à nossa administração e ao commercio portugucz n'essas 
regiões, exprime' um acto d(í leviandade politica que nào ptkle deixar 
de fazer corar de pejo todos os filhos da naçUo desmembrada. 

Os limites actuaes dos nossos dominios expressos no mappa que 
temos presente, delineado expressamente por Desbuíssons, começa ao 
N. por uma linha flexuosa, que, partindo do Cabo-Koxo, se estende 
para leste até K)'* longit. oeste de Paris, deixando portanto aos fran- 
eezes Zinguichor e o rio Casamansa com toda a sua importância, a 
que nào podcram valer nem o inficxivel patriotismo de Honório Pe- 
neira Barreto, nem as apreciações levantadas de Rodrigo da Fonseca 
Magalhães e conde de liomfim, nem as lagrimas eonunoventcs d'este 
boçal que ao arriar a bandeira da sua naçào por um mandado supe- 
rior, arrancava da sua alma impetuosa de selvagem, com os protestos 
da sua magua, a condemnaçào esmagadora d\íssc lastimoso eonvenii» 
de Consequências tilo irremediavelmente fataes. 

Ao sul e a leste ficamos cercados pelo território de Ia-la e Alma^ 



266 OB CABO VE&DIS k GUINÉ 

mi e pelos francczcs na zona do líttoral onde tcem um posto em Kakí^ 
na margem esquerda de Cajé^ ponto onde começa a linha de delimi- 
taçSo sul^ que^ partindo do oceano, se dirige flexuosamcnte para o 
Nordeste até encontrar o dito parallelo 16**. Isto segundo o tratado 
de Pariz, sem sabermos, nem podermos asseverar^ por não estar isto 
deliberado, se os francezes conseguiram ou nHo ficar- senhores do rio 
Secujak, affluentc sul da Casamansa, por onde se íhzv.xvl communica- 
ç(!íes commerciaes, deslocando assim, como queriam, o inicio da deli- 
mitaçjo norte do Cabo Roxo para o Cabo Varella, cerca de 8 milhas 
para £. 

Ten^o, pois, os francezes o rio Casamansa ao Norte, o rio Nu- 
nes ao Sul, e as facilidades que lhe conferem as influencias sabia- 
mente exercidas sobre Almami, rei do grande território dos Fuhi- 
Djalon, 6 claríssimo que devia succeder, como cffcctivamentc está 
suocedendo, que as nossas pautas, os nossos impostos, deixassem de 
ter uma applicação pratica pela larga franquia que dâo ao commer- 
cio as extensas fronteiras indefeziís e que derivasse toda a concorrên- 
cia dos indígenas, dos nossos mercados para outros pontos (»ndc as 
mercadorias de principal consummo (tabaco e álcool) nao estão sujei- 
tais aos exorbitantes impostos difforcnciacs c onde a catechcsc de 
uma sabia diplomacia os sabe angariar. 

D*aqui o facto reconhecido c provado da decadência ultima a 
que chegou a Guine; d'ahi o terem desapparecido subitamente um 
grande numero de casas estraugeinis estabelecidas em Bolama; d'ahi 
o tcr-se annulado quasi o seu comiuereio ; dahi o ter passado o ren- 
dimento do imposto do tabaco que antes da Régie regulava por réis 
8:00()í$(XK) a 490,-^000 réis, coni) Miecedeu em IHSí); d'alii final- 
mente a morte irremediável d'uma provineia (rom tantos elementos de 
riqueza e que trazendo á metrópole um encargo annual de 12S:r)(M).>()rH) 
réis, continua com um estadão de seen^tarias c de funecionalismo 
ocioso, mas qu(» nào tem uma orientação nem vida própria e que nin- 
guém tratar de fazer viver. 

Ora quando um paiz sem címdiçoes de garantia nem de intr*- 
rcsse, poueo a pouco se desmeml>ra em beneficio dOutras nações, dá 
logar a que todos tenham o direito de suppor quí? desmoralisado e 
enfraqu(*cido, n<\o p()dc mais utilisar com seus esforços de eolonisação 
a parte territ(»rial de que se sequesira. Dá logar, indiscutivelmente, 
a que UhXo o portuguez de hombridade e de caracter, tenha o direito 
de pedir a venda das colónias improductivas, como todo o medico 



D£ CABO VERDE i GUINÉ 267 

tem o dever de pedir a amputação de um membro esphacelado quan- 
do o organismo enfraquecido já o não pódc galvanisar de vida. 

O tratado de Lourenço Marques, o arranjo com a Allemanha e 
o convénio das delimitações da Guiné estão n'este caso : locupletaç5cs 
do egoismo das grandes nacionalidades sobre o que era indiscutivel- 
mente nosso, especulações torpes em que a titulo de uuxa harmonia 
que nos algema e nos deslionra nos fomos despojando por hábeis con- 
trovérsias e extorsSes subtis, de territórios avassallados pelos esfor- 
ços de nossos pães, e das regiões aradas pelo génio dos nossos des- 
cobridores. 

E o que 6 mais desconsolador e irritante, é que de tudo isto na») 
resultou vantíigem do qualquer ordem para nós, traduzindo apenas a 
manifestação da nossa decadência politica, deste estado desmorali- 
sador a que chegámos, em que os nossos representantes não sabem 
guardar austera honestidade ou sincero interesse no desempenho das 
altas missões que lhes são confiadas. 

Os homens públicos do nosso paiz, apezar do que diz todos os 
dias a imprensa o os adversários poli ticos atra vez da sua rhctorica, 
não são verdadeiramente o que dão azo a acreditar : vivem mediocn^ 
e parcamente c mornnn quasi todos pobres. Mas o que c verdade, é 
que, sendo pessoalmente honrados, pouco se preoccupam em paro 
cel-o ; é que, com relação ás colónias, que sfio na vida contemporâ- 
nea portugueza o que resta de todo um cyclo de ininterruptos fastigini>, 
que representam hoje o elemento mais positivo do nosso poderio e da 
. nossa nacionalidadií (pela sua extensão, pelo seu valor intrinseco e 
pela sua significação tradicional), com relação ás colónias, não as 
conhecendo nem tratando de as conhecer devidamente, fazendo alar- 
de de sentimentos patrióticos que se evolam com as palavras e se 
desvanecem com as lettras, não tomando na verdadeira coniprehensao 
o século eminentemente egoísta e pratico que atraves.samos, faltan- 
do-lhes de todo o critério para julgarem devidamente dí)S problemas 
africanos, servindo-se de bússola para o seu gov(?rno da estvma e do 
interesse das nações estranhas por aquillo que nunca souberam apro- 
veitar, faltando-lhes energia para julgar independentemente de re- 
ceios os problemas que se agitam e impossibilitados p<'la tibieza mo- 
ral de decisões extnMuas nas occasioes extremas, nada teem feito 
senão phantasmagorias ridiculas, infelizmente fataes á nossa intej^ri- 
dade. . . e quem sab(» se á nossa autonomia. 

E grita-se contra o lãtimatum^ e protesta-se contra as expoliaçdes ! 



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268 DE CABO VEUDE k GDINÉ 



Gritos e protestos já nâo colhem. — A experiência temo demonstra- 
do, porque infelizmente nâo é d'lrr)je que somos expoliados. Não e só 
agora que fomos insultados. 

A invasão franeeza em 1807, o ultlmatum do almirante Koussin 
em 18'n, a fanfnrronada da Charles et George em 1858, a cedcncia 
de Bombaim, os tratados de Lourenyo Marques, da Guiné, e o con- 
vénio com a Allcmanha ii.v» foram insultos <; nXo foram oxpollaçòes?. . . 
E feitos por quem... e feitos de que modo? — A maior parte n<'i 
paz e na harmonia mais perfeita; com os mais mentirosos argumentos 
que a politica jamais inventou j)ara expoliar um paiz o para ludibriar 
a opinião publica: feitos pelo.s partidos que agora se enr(»uquf»cem no 
ataque e<mtra a Inglaterra, que, afinal de contas, fez o que faz sempre, 
para occultar as próprias responsabilidades, que envolvem no passado 
uma incúria e no presente um crime cpie nao tem qualifieaçà<» em 
língua alguma: feitos e sanceiohados por esses mesmos grupos po- 
liticos que continuam esgrimindo plirases e exliibindo rasgos tliea- 
tracs n^essas horas angustiosas em que a i)atria agonisa e o nosso pa- 
triotisMuo em Africa se esphacela e se desmorona anti^ o egoismo, a 
especulação c as torpezas da força. 

Mas o momento por emquanto ó em extremo critico e solenme 
para recriminações e para libellos accusatorios. 

Ha alguma cousa que deve fallar mais alto do (pie os ódios dos 
partidos, do que as vaidades humanas, do que as próprias indignações 
sinceras — é a pátria — é essa ideia soberanamente imijositiva, que a 
todos nós compete defender como defonderiamos a nós {)roprios, col- 
ligando-nos n'um grande esforço altruista e desesperado para a gal- 
vanisar dt^ energias novas. . . ou p(?lo menos, j)ara que o seu nome 
possa achar nos archivos do tempo o culto respeitoso d'aquelles que 
souberam morrer, cumprindo o seu dever. 

A Polónia suceumbiu heroicament<*, deixiuido uma dor eterna e 
um luto inextinguível á consciência e ao sentimento dos povos. Foi es- 
pesinhada pela força como uma victinia ])el<» algoz, mas do seu im- 
menso sacriHcio de martyr, resôam ainda Ihj^^í couio um soluço lann^n- 
toso da historia, os protestos indignados dos bons r» a sympathia re- 
verente dos justos. 

Ser j)equeno e frac(> nilo é um titulo de desprezo; mas ser ridi- 
eulo e tibio r um motivo de vrrgonha. 

A decadência p<»litica é a fonte j)en'nn(r de íodt»s os nt»ssos ma- 
les; é a ella que se. deve a immobilidade das nossas industrias e da 



DK CABO VERDE k GUINB 269 



n íssa instrucçJo, o estagnanionto rias nossas colónias c o adornioci- 
m Ml! o dns nossas energias como povo. 

A* ignorância popular que c assombrosa veíu juntar-se o indiffe- 
rentisnio doá espiritas que é culpável em demasia, c os Imbitos do ani- 
ehanicnto, que t(íem feito das nossas colónias verdadeiras colmeias de 
especulador(»s c antros accommodativos de imbecis. 

Somns um paiz agricola c a agricultura agonisa; somos um paiz 
meridional c nfio temos artes, e nFio temos industria.^; as nossas pos- 
sessões tecm a administracílo mais complicada, mais ridícula c mais 
atropliiauto qiu^ so pode imaginar. 

Nào r pela legislíiyXo nem pelas peças officiaes que se pód(i ava- 
liar do 8e'U estado; a legislação é ludibriada o as peças officiaes mui- 
tas vezes sophismam, invertem e desfiguram a verdade; ó preciso 
conliecel-as, é preciso estudal-as, e preciso fazel-as progredir, senhores 
patriotas loquazes, c não é com phrascs que se civilisam povos, nSo é 
com indignações quo se resolvem problemas práticos, nem com pro- 
testos platónicos que se liciuidam affrontas soffridas. • 

Segui o exemplo de Marianno de Carvalho, vinde observar com 
os vossos olhos o que a vossa incúria, a vossa credulidade e o vosso 
favoritismo teem architectado saudavelmeute durante administrações 
successivas e talvez entilo, sentindo a vergonha pelo estado a que che- 
gámos em Africa, indignados contra a corrupção e as baixezas dos 
afilhados que para aqui são exportados, acheis no conhecimento das 
cousas e dos factos, elementos com que remediar os males, redimir as 
faltas e precaver o futuro. 

O grande inimigo que temos a receiar não é a brutalidade in- 
gleza com toda a sua sofreguidão, nem os couraçados monstros com 
todos os seus canhões. — E' a decadência a que chegaram as nossas 
cousas, ó o desprestigio a que baixou a nossa auctoridade, é o descré- 
dito que vão sofirendo os nossos brios. 

Precisamos reorganisar tudo: Precisamos reformar os costumes, 
reconstituir a politica, substituir esses gabinetes deslocados de semes- 
tre em senu'stre, sem])r(; esculpidos das mesmas figuras dominantes 
e sempre prosegiiind > no problema estéril de forjar deputados para 
as nuiiorias e prebendas avultadas para os discipulos amados. Preci- 
samos surtocar de vez esta crise de egoísmos que rugem (* de incapa- 
cidades que se atropelam. Prcícisanujs iniciar uma orientação ultrama- 
rina sem outro ideial que não seja a pátria, nem outro estimulo que 
níio seja o dever; fazer convergir sobre as colónias a at tenção dos 



270 DE CABO VERDE X GUINÉ 

homens mais eminentes, como se reclama á cabeceira do moribundo a 
comparência dos especialistas mais distinctos. Tirar os deputados para 
o ultramar entre os que o conhecem, que o amam e que sejam capa- 
zes de promover a sua rehabilitaçào. Os governadores, os juizes, o 
l)essoal medico, todas as auctoridades superiores, escolhel-as por um 
critério de ospccialisaçâo justificada, apreciandoos pelo justo valor 
dos serviços prestados. Comb.attír na alta burocracia do ultramar esse 
enfatuanicnto cómico dos herocs de Offenbach; acabar com as espe- 
culações eleitoraes em Africa, dando toda a auctoridade á lei e o má- 
ximo prestigio ao direito. 

Precisamos fazer tudo isso, so nâo queremos que as naçSes po- 
derosas se vâi) apoderando impunemente do que nos pertence ; se nSo 
queremos que a própria civilisação um dia, em nome do supremo di- 
reito da eollcetividade, tenha de nos expropriar por utilidade publica, 
• da herança que nâo sabemos a[>rovfitar. . . e não deixamos aprovei- 
tar aos outros. 

Kntretanto, qm- se d<*fenda a dignidade nacional, e que cada por- 
tuguez, como filho de uma naçiio pequena, possa no momento preciso 
encontrar ua própria morte as supremas consolações dos que sabem 
immolar a vida a um principio dominativo, a um sentimento profundo 
do coração. 



FIM 



índice 



PAGINAS 

De LISBOA k MADEIRA — Os voporos d'Africa — Vida de bordo — Os 
companheiros de viogem — Chegado ao Funchal— ^ Nossa Senhora 
do Monto— Sé — Hospital e Escola de Medicina — A tysica o os 
tysicos — A Madeira como estação permanente para tysicos — 
Suas vantagens e suas deficiências — O valor das suas fructas e 

dos seus vinhos — Lenda do Machico la 48 

Dados estatisticos sobre a Madeira 45 

Cabo Verde — Manuel António Martins 49 

Governadores e governação 57 

Fazenda, estiagem e obras publicas ()5 

Agricultura, politica e industria 75 

Navegação e^ influencia ingleza 83 

Dcscripção, historia e geographia 91 

Ilha do Fogo 95 

Ilha Brava 109 

Ilheos Rombos 121 

S. Thiago 123 

Ilha do Maio 133 

Ilha da Boa Vistu 137 

Ilha do Sal , 141 

S. Nicolau 145 

Ilha do Santa Luzia 155 

Ilheos de Barlavento 159 

S. Vicente 161 

Santo Antão 167 

Assumptos médicos ^ ..... . 173 

Administração, dialectos, usos e costumes 197 

Constituição geológica — Flora e fauna 211 

Sol lucet Omnibus 223 

Estatisticas 231 



IKDICB 



-k^ 



PAGINAS 

De Cabo Verde A Guiné — Em viagem — Uma noule de vigília — 
Chegada á Guino — Bissau — Bolama — O militarismo d' Africa 
— Exlensao e população da Guiné — O problema administrativo 
e o dilemroa politico — O convénio com 9 França em 1886 — A 
nossa situação em Africa 235 a 270 

GRAVURAS 

paginas 

Ilha da Madeira — Praia do Funchal 9 

» Typos e costumes 13 

» Vista da cidade do Funchal * 17 

» Costa do Norte # 21 

» Vista tirada próximo do monte S. Jorge #...• 41 

Ilha de S. Thiago — Ponte-cacs na cidade da Praia 125 

» Ponte de D. Carlos 129 

Ilha de S. Vicente — Vista gernl de Porto-Grande • 89 

■ Typos de S. Vicente # 164 

Ilha Brava — Rua direita 1 13 

GuLNÉ PoRTUGUEZA— Vista tirada proxinv) de Bolama (ca nôn de guer- 
ra) # .• 238 

» Paisagem da Scnegambio # 239 

» Ninho de térmitas (salaló ou Iniga-baga) * . . . . 247 

» Uma tobanca # 251 

» Typos Bijagós (o Bei de Canhabak)* 255 

As illustraçôes marcadas com o signal * são impressas com clichés cx- 
trahidos dns gravurns que figuram mx Noucellc Gèographic UniccrscUe, do 
£. de Beclus, publicada pela casa Hachctlc. 



ERRATAS 



Pag. Onde cslá : 

21 — bysmoulhs e cpoca 

33 — preenchem, h yd roto ra pio, spy 

roínctricos, allcradas 
3i — climotogica 
41 — mangues 
57 — dandvs 
02 — allocuçâo de Camões, ctc. 

104 — do lado sem declives 
162 — d iffe rentes pontos 
162 -- fazer calmas 
208 — commodidade 
229 — olhar de agonia 



Lcia-sc : 

— bismullios e ipeca 

— preencham, l)ydrolliernpia, spy rome- 

iros, allernadas 

— climatológica 



— mangas 



— dandies 

— inseri pçâo do Mendes Leal : a pá- 
tria honrae, ele. 

— do lado S em declives 

— differentes pontes 

— fazer calemas 

— communidade 

— olhar de águia 



LIVRARIA 

DS 

ASTONIOIMPERM 

6o-6i!.Rua Aug:usta. 5s i> 
ÚSBOA